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Full text of "Vida d'el-Rei D. Affonso VI : escripta no anno de 1684"

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Rei6^,<íô^^ 


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I  ARBOR  I 


Presented  to  the 

UBKARYofthe 

UNIVERSITY  OF  TORONTO 

by 

Professor 

Ralph  G.  Stanton 


i 


VIDA  D'EL-REI  D.  AFFONSO  VI 


m  Di-i  i  Mm  !i 


ESGRIPTA  NO  ANNO  DE  1G84 


COM  UM  PREFACIO 


CAMILLO  CASTELLO  BRANCO 


-^>^€^<£^ 


LIVRARIA  INTERNACIONAL 

X3B 


ERNESTO  CHARDRON 

96  —  Largo  dos  Clérigos  —  98 

PORTO 


EUGÉNIO  CHARDRON 

4 — Largo  de  S.  Francisco — 4-a 

BRAGA 


Imprknsa  LiTTKRAHio-CoMMKKciAL,  Bonijuidim,  489-493. 


PREFACIO 


Pois  que  ainda  não  temos  histo- 
ria bem  assentuada  do,  impropria- 
mente dito,  reinado  de  Affonso  VI. 
não  se  descure  nem  deixe  perder  al- 
guma pagina  das  escriptas  por  pulso 
contemporâneo.  Escriptores  coevos, 
izemptos  de  paixão,  quem  os  conhe- 
ceu? E  então,  dos  d  aquelle  período, 
recheado  de  miserabilissimas  villa- 
nias,  facciosos  de  Affonso  ou  de  Pe- 
dro, não  veio  algum  até  nos  que  me- 
reça  inteiro   credito.    O   bispo   do 


VI  PREFACIO 

Porto,  Fernão  Correia  de  Lacerda 
pagou  com  a  catasteophe  a  mytra. 
Falseou  o  nome  como  falseara  a 
honra:  anagrammou-se,comoseum 
anagramma  descontasse  nos  gráos 
da  infâmia.  A  anti-catastrophe,  de 
historiador  incógnito,  tem  relanços 
que  inspiram  crença;  mas  lá  vem 
outros  que  a  desluzem.  O  processo 
do  divorcio  de  Aífonso,  requerido 
por  sua  mulher,  esse  sim,  esclarece 
abysmos;  é  facho  que  nos  conduz 
aos  latibulos  da  corte  d  aquella  rai- 
nha incestuosa;  por  feitio  que  o  pro- 
cesso diz  mais  para  a  historia  das 
torpezas  da  esposa  que  das  enfermi- 
dades do  marido.  É  ella,  a  amante 
adultera  do  trigueiro  cunhado,  que 
entra  nos  tribunaes,   empunhando 


PREFACIO  VII 

attestados  médicos  e  depoimentos  de 
meretrizes,  pelos  quaes  se  demons- 
tra que  AíFonso  era  menos  viril  que 
o  necessário  a  uma  dama  que  sa- 
hira  da  corte  de  Luiz  XIV. 

Bravo,  rainha!  Receba  V.  Ma- 
gestade  no  reino  da  gloria  os  meus 
comprimentos,  associados  aos  do 
historiador,  snr.  conselheiro  Viale 
que  denominou  V.  Magestade  se- 
nhora de  muita  prudeneia;  e,  no  in- 
tuito de  não  desacreditar  o  seu  ex- 
celso esposo,  que  lá  está  laureado  á 
beira  de  V.  Magestade,  o  mesmo 
aulico  historiographo  desacredita- o 
em  latim,  escrevendo,  para  uso  da 
mocidade  escolar  de  primeiras  let- 
tras :  Extra  matrimonium  genuit  Pe- 
trus.  etc. 


VIII  •     PREFACIO 


Gomo  quer  que  seja,  o  auctor 
d  esta  vida  de  Affonso  VI  não  pode 
ser  acoimado  de  menos  ingénuo  do 
que  o  snr.  conselheiro  Viale,  o  cân- 
dido. O  que  o  antigo  faz  com  me- 
nos honestidade  que  o  moderno  é 
referir  os  vicios  em  portuguez.  As 
hnguas  mortas  para  este  mestre  dos 
príncipes  são  como  a  folha  de  par- 
reira nas  deshonestidades  estatuá- 
rias. Bom  é  isso;  mas  também  não 
seria  máo  que  S.  Exc.^  por  amor  á 
dignidade  de  historiador,  tendo  de 
nos  incampar  o  logro  de  que  a  es- 
posa simultânea  de  Affonso  VI  e  Pe- 
dro n  fora  rainha  prudente,  nos  dis- 
sesse em  latim:  reijina  valdèprudens: 
este  latim  ficava  sendo  também  folha 
de  parra. 


PREFACIO  IX 

Este  mamiscripto  contém  noti- 
cias que  ainda  não  vimos  referidas 
em  livro  impresso  ou  códice  d  aquel- 
la  época.  A  existência  de  uma  sup- 
positicia  filha  de  Affonso  VI  é  as- 
sumpto que  pede  alguma  coisa  mais 
serviçal  e  prestadia  que  a  historia 
dos  reis: — um  romance  com  estrata- 
gemas de  Ponson  du  Terrail.  Fa- 
ça-o  quem  poder,  e  o  snr.  Viale  es- 
culpa  o  caso  com  buril  latino  para 
que  se  não  leia. 

O  leitor  acha  no  fim  uma  nota, 
onde  se  diz  que  o  auctor  d'esta  bio- 
graphia  é  D.  Nuno  Alvares  Pereira, 
muito  dilecto  de  Pedro  II,  e  procu- 
rador da  rainha  Maria  Francisca  de 
Saboya.  Não  se  aceitem  por  isso  sem 
escrúpulo    as   arguições   feitas    ao 


X  PREFACIO 

príncipe  bragantino;  mas  repare-se 
que  a  verdade,  como  a  intuição  pode 
adquiril-a,  se  está  vislumbrando  da 
chan  e  desornada  narrativa  deste 
resumo. 

Este  livrinho  deve  estimular  os 
que  professam  a  sciencia  histórica 
a  cottejar,  coordenar  e  tii^ar  á  fieira 
da  critica  os  elementos  dispersos  e 
contradictorios  das  proezas  bragan- 
tinas  no  século  XVII.  Bonito  livro! 
Manoel  Pinheiro  Chagas  já  o  bos- 
quejou na  sua  Hisíoria  de  Portugal 
Compete-lhe  amplial-o,  completar  a 
obra  mais  corajosa  que  temos  visto 
escripta  em  terra,  onde  ha  throno,  e 
n'esse  throno  o  descendente  e  repre- 
sentante dos  biographados.  Muito 
sincero  pode  ser  um  chronista  de 


PREFACIO  XI 

reis  sem  ser  republicano !  E,  ao  mes- 
mo tempo,  observe-se  que  uma  bo- 
tija de  tinta  incerra  mais  conflagra- 
ções que  um  tonel  de  petróleo. 

De  petróleo,  Deus  nos  livre.  An- 
tes queremos  reis;  e  não  podemos 
passar  sem  elles.  Somos  portugue- 
zes  da  tempera  dos  nossos  maiores : 
podem  lá  fora  chamar-nos  burros 
(com  o  devido  respeito),  e  coisa 
peor:  prudentes  é  que  nós  somos. 
El-rei  nosso  Senhor.  Nossos  pais  di- 
ziam aquillo ;  e  os  nossos  filhos  tam- 
bém hãode  dizer,  se  eu  não  estou 
aqui  a  bandarrear  como  o  sapateiro 
de  Trancoso.  Os  sábios  affirmam  que 
o  feudalismo  nunca  apegou  em  Portu- 
gal. Pois  é  de  estranhar!  Aqui  o  que 
ressalta  da  nossa  Índole  luzitana  é 


Xn  PREFACIO 

preito  ás  prerogativas  senhoriaes, 
servilismo,  espinha  derreada  ao  di- 
nheiro, ás  Inscripções,  e  queremos 
rei  para  que  haja  ordem  e  queremos 
ordem  por  amor  ás  Inscripções. 

Está  o  throno  como  de  sentinella 
a  esta  ingente  mercearia. 

Paz  e  concórdia  entre  os  prínci- 
pes christãos !  e  vamos  á  historia  do 
rei  sem  reino  e  do  marido  sem  mu- 
lher. 


Camillo  Castello  Branco, 


PEOLOGO  DO  AUCTOE  AO  LEITOE 


Meu  amigo,  chegaram  á  minha  mão  uns 
cadernos  achados  em  Coimbra  em  casa  de 
um  clérigo,  pela  occasião  de  sua  morte,  e 
entre  elles  vinha  um  muito  maltratado,  roto 
e  sujo,  que  tinha  por  titulo:  —  Vida  de  El- 
Rei  D.  AfFonso  6.° — ,  e  podendo  ler  pou- 
cas paginas  d'elle,  accrescendo  a  ociosidade 
em  que  vivo,  e  a  veneração  que  professei  ao 
infante  D.  Pedro,  me  vi  obrigado  a  mostrar 
a  justificação  da  resolução  que  tomou  a  res- 
peito do  rei  seu  irmão;  porém  sinto  que  isto 
é  impraticável  sem  fazer  menção  da  inca- 
pacidade do  mesmo  rei.  Por  tanto  vos  digo 


2  PROLOGO 

que  a  violência  do  seu  governo,  e  a  sua 
inércia,  desculpará  o  que  eu,  seguindo  a  ver- 
dade, disser  sem  attenção  á  magestade:  e 
assim  vereis  este  rei  nascido,  baptisado,  en- 
fermo, jurado  príncipe  e  acclamado  rei,  to- 
mando o  sceptro,  escolhendo  homens  indi- 
gnos para  o  seu  lado;  vel-o-heis  recluso, 
deposto  em  cortes,  casado  e  descasado,  man- 
dado para  o  castello  da  ilha  Terceira;  a 
conjuração  que  motivou  aquella  reth-ada; 
recolhido  em  Cintra;  morto  de  repente 
n'aquelle  palácio,  e  ultimamente  o  vereis 
na  sepultura  em  Belém.  Escrevendo  nova- 
mente a  sua  vida,  justificarei  a  seu  respeito 
as  acções  louváveis  do  infante  D.  Pedro,  seu 
irmão. 


VIDA  DE  D.  AirONSO  VI 


CAPITULO   I 

NASCIMENTO  DE  D.  AFFONSO  VI 

Estando  a  magestade  d'el-rei  D.  João  4.** 
nosso  senhor,  em  Évora,  cidade,  dando  de 
mais  perto  calor  ao  seu  exercito,  que  come- 
çava a  marchar  valorosamente  contra  as 
aimas  e  terras  castelhanas,  foi  Deus  servido 
dar  ao  nosso  Portugal  em  sexta  feira  21  de 
agosto  d'este  anno  de  1643,  ás  sete  horas  e 
um  quarto  da  manhã,  um  novo  defensor, 
com  o  nascimento  do  serenissimo  infante  D. 
Aífonso,  o  primeiro  filho  que  el-rei  nosso  se- 
nhor teve  depois  de  sua  feliz  acclamação 
n'este  seu  hereditário  reino.  Em  nascendo 
desceram  á  capella  os  bispos  e  fidalgos  que 


4  VIDA  D'EL-REI 

se  acharam  no  paço,  e,  paramentados  de 
branco  os  altares,  se  cantou  o  Te-Deum  so- 
lemnissimamente  em  acção  de  graças,  e 
missa  com  semiâo,  que  fez  o  padre  fr.  Fran- 
cisco de  Santo  Agostinho,  da  ordem  dos  Ca- 
puchos, que  vulgarmente  se  chamava  o  Ma- 
cedo, e  conventual  em  Santo  António  de 
Lisboa.  E  dando-se  aviso,  se  festejou  o  suc- 
cesso  com  toque  de  sinos  em  toda  a  cidade, 
e  se  fez  uma  procissão  de  graças  desde  a 
Sé  até  S.  Domingos,  que  acompanharam  os 
religiosos  costumados,  clero  e  cabido ;  como 
também  não  faltaram  as  danças  e  folgares 
da  cidade,  rematando-se  com  o  senado  da 
camará  d'ella.  A  noite  e  nas  duas  seguintes 
se  pozeram  luminárias  por  toda  a  cidade. 
Deu-se  ordem  ao  baptismo,  signalando-se 
para  elle  o  domingo  13  de  setembro,  na 
capella  real,  para  o  que  se  adereçaram  os 
paços  de  ricas  annaçôes,  e  se  fez  um  pas- 
sadisso  da  escada  do  paço  até  á  outra  escada 
que  sobe  para  a  porta  ti-avessa  da  capella. 


D.  AFFONSO  VI  .  õ 

que  ordinaríamente  é  serventia  para  as  mu- 
lheres, atravessando-se  o  pateo  da  mesma 
capella.  A  sala  dos  Tudescos  estava  armada 
com  os  pamios  de  Tunes,  e  alcatifada  rica- 
mente; a  do  recebimento,  de  pannos  de  seda 
e  ouro,  que  vieram  do  tliesouro  de  Villa 
Viçosa;  a  do  estrado,  de  brocados,  e  a  ou- 
tra mais  inteiior  em  que  estava  o  paleo  e 
uma  camará  rica,  se  via  da  mesma  sorte  ar- 
mada de  ríquissimos  pannos.  O  passadisso 
estava  entapizado  de  telas  e  alcatifas,  e  o 
pateo  da  capella  todo  aniiado  com  os  pan- 
nos das  victorías  que  o  condestavelD.Nuno 
Alvares  Pereira  alcançou  dos  castelhanos. 
Para  se  fazer  este  acto  com  toda  a  so- 
lemnidade,  mandou  sua  magestade  por  de- 
creto que  se  achassem  n'elle  os  tiibunaes 
sem  precedência,  e  nomeou  os  que  haviam 
de  levar  a  prata.  O  acompanhamento  foi 
na  forma  seguinte:  No  dia  já  assignalado, 
das  4  para  as  5  horas  da  tarde,  saíram  da 
camará  da  rainha  nossa  senhora,  adiante 


6  VIDA  D'EL-KEI 

toda  cl  íidalguia  e  nobreza,  que  ao  presente 
se  achava  em  Lisboa,  vestidos  todos  de  ga- 
la; o  mesmo  os  officiaes  maiores  da  casa  e 
os  desembargadores  de  todos  os  tríbimaes, 
ao  som  de  trombetas  e  tambores,  e  atraz  os 
reis  d'armas,  arautos  e  passavantes  com 
suas  cotas,  e  os  porteiros  da  camará  com  as 
suas  massas  de  prata,  ao  que  se  seguia  o 
conde  de  S.  Lourenço,  regedor  da  casa  da 
supplicaçao,  que  levava  o  massapáo,  e  era 
este  de  notável  grandeza,  em  forma  de  um 
castello,  a  que  ajudavam  dois  moços  fidal- 
gos; o  conde  de  Villa  Franca  com  o  gomil, 
o  conde  de  Vimioso,  nomeado  marqucz  de 
Aguiar,  com  um  prato  que  levava  a  vela, 
com  quatro  moedas  de  ouro  grandes;  o 
conde  de  Monsanto,  nomeado  marquez  de 
Cascaes,  levava  o  saleiro;  apoz  elles  se  se- 
guia o  paleo  de  tela  branca,  cujas  varas  le- 
vava de  uma  parte  D.  i\Iiguel  de  Almeida, 
e  Henrique  CoiTeia  da  Silva,  veedores  da 
fazenda,  e  da  outra  D.  Carlos  de  Noronha, 


D.  AFFOXSO  VI  .  7 

presidente  da  mesa  da  consciência  e  ordens, 
e  D.  Antão  de  Almada,  governador  das  ar- 
mas; debaixo  d'elle  ia  o  marquez  de  Fer- 
reira com  uma  opa  de  brocado,  e  com  um 
sendal  largo  ao  pescoço  de  tafetá  sobre 
branco  guarnecido  de  renda  de  ouro,  em 
que  levava  o  senhor  infante ;  á  mâo  direita 
d'elle  ia  o  príncipe  D.  Tlieodosio,  que  havia 
de  ser  o  padrinho,  vestido  de  chamalote 
anogueirado,  picado  sobre  branco,  com  os 
cabos  brancos,  trancelim  de  ricas  pérolas  e 
uma  rosa  de  diamantes  no  chapéo  de  gran- 
de valia;  e  atraz  ia  a  aia  D.  Marianna  de 
Lencastre ;  iam  atraz  do  paleo  o  bispo  inqui- 
sidor geral,  e  o  do  Algarve;  e  de  uma  e  ou- 
tra parte  iam  vinte  e  quatro  moços  da  ca- 
mará, vestidos  de  gala,  com  suas  cadeias 
nas  mãos,  levavam  tochas  de  cera  branca 
apagadas.  A  porta  da  capella  estava  espe- 
rando o  bispo  ca2:)ellão-mór,  paramentado 
em  pontifical  de  tela  roxa,  e  os  capellães 
com  capas  de  asperge;   e  depois  de  dár  a 


8  VIDA  DEL-REI 

agoa  benta  ao  príncipe,  fez  alli  mesmo  os 
exorcismos  e  ceremonias  costumadas;  aca- 
badas a^  quaes,  e  mudada  a  capa  roxa  em 
outra  branca  de  tela,  entraram  na  igreja, 
que  estava  toda  annada  de  pannos  de  arras 
e  ouro,  em  que  se  continha  a  liistoría  de 
Alexandre  Magno ;  e  á  parte  direita  estava 
também  uma  cama  de  arras  e  ouro,  bor- 
dada, da  historia  de  David,  com  suas  corti- 
nas ligeiras  da  parte  de  dentro,  de  tela  car- 
mesi,  e  suas  almofadas  do  mesmo  tapiz,  e 
grandes  brazeiros  de  prata.  Da  outra  parte 
o  sitiai  do  principe  nosso  senhor  diante  do 
altar  mór,  que  estava  com  um  frontal  ri- 
quíssimo de  brocado,  que  viera  do  thesouro 
de  Villa  Viçosa :  estava  uma  bacia  de  prata 
sobre  uma  base  coberta  com  um  lençol  de 
Ilollanda  com  guarnição  de  rendas  largas, 
que  chegava  até  o  chão ;  e  descoberta,  lan- 
çaram quatro  moços  da  camará  do  serviço, 
que  assistiam  com  qiuitro  jarras  de  prata 
sobredouradas,  a  agua  dentro,  a  qual  ben- 


D.  AFFONfSO  VI  í) 

zeu  Vicente  Feio  Cabral,  prior  da  freguezia 
de  S.  Julião,  em  cujo  districto  fica  a  capella 
real. 

Aqui  baptisou  o  capellão-m(Sr  ao  infante, 
pondo-lhe  por  nome  Affbnso,  respondendo 
a  tudo  o  bispo  de  Targa,  que  limpou  os 
óleos;  e  o  bispo  inquisidor  geral  encami- 
nhava o  príncipe.  Tanto  que  o  príncipe  to- 
cou como  padriídio  a  cabeça  do  infante,  se 
lhe  deu  agua  ás  mãos,  e  ministrou  a  toalha 
o  conde  de  Cantanhede,  presidente  da  ca- 
mará. Para  despir  o  infante  serviu  a  cama 
que  dissemos:  emquanto  se  celebrou  este 
sacramento  e  o  acto  solemne,  se  cantaram 
varias  cançonetas,  e  se  tocaram  as  chara- 
melas c  atabales,  assistindo  sempre  os  mo- 
ços da  camará  com  as  tochas  que  trouxeram 
já  accesas. 

A  rainha  nossa  senhora,  com  as  hífantas, 
damas  e  mais  senhoras,  assistiam  na  sua  tri- 
buna com  vistosas  galas,  e  não  houve  pes- 
soa que  assistisse  sem  dár  demonstrações 


10  VIDA  D'ÉL-RE1 

de  grande  alegria  e  muitos  vivas  ao  novo 
infante.  Finalisada  esta  celebridade,  voltou 
o  acompanhamento  na  mesma  fórma  que 
viera,  levando  os  moços  da  camará  sempre 
suas  tochas  accesas,  e  indo  os  titulares  já 
descobertos  e  sem  insignias,  as  quaes  ha- 
viam ficado  na  credencia,  e  os  quatro  bispos 
atraz  do  paleo  até  o  quarto  da  rainha  nossa 
senhora,  onde  as  quatro  sabias  primeiras  es- 
tavam aderessadas  de  ricas  telas  e  brocados, 
com  três  dóceis  e  almofadas  de  estrado  da 
mesma  estofa.  Acabou-se  este  acto  quasi  á 
noite,  e  quando  se  esperava  a  escuridão 
d'ella,  se  mostrou  mais  clara  que  o  mesmo 
dia,  com  as  muitas  e  diversas  luminárias  que 
por  toda  a  cidade  se  mostravam,  e  no  mar 
nos  bateis  da  gallé  real,  e  outras  embarca- 
ções que  estavam  surtas  no  porto  em  grande 
quantidade,  que  vagando  de  uma  a  outra 
parte,  lançavam  de  si  varíos  foguetes,  ar- 
vores e  rodaes,  e  outras  muitas  invenções  e 
artifícios  de  fogo,  pondo  fim  á  alegría  deste 


D.  AFFONSO  VI  11 

dia  uma  vistosa  encamisada,  que  dando  mos- 
tra pelas  principaes  ruas  da  cidade,  com 
universal  applauso  de  todos,  a  deu  ultima- 
mente no  terreiro  do  paço,  a  que  assistiram 
as  damas  no  quarto  da  rainha  nossa  senhora, 
e  no  mesmo  terreiro  infinda  gente.  Eram 
os  quadrilheiros  d'ella  os  dois  veedores  da 
fazenda,  D.  Miguel  de  Almeida,  e  Henrique 
Correia  da  Silva;  e  o  que  causou  maior 
gosto  e  admiração,  foi  que,  sendo  este  dia 
e  festa  celebrado  com  um  tão  grande  con- 
curso de  gente,  não  houve  de  alguém  a 
menor  queixa,  nem  aconteceu  desastre  al- 
gum. O  único  dissabor  foi  estar  ausente 
el-rei  nosso  senhor  D.  João  4.'',  a  quem  Deus 
permitta  dar  largos  annos  de  vida  para  ac- 
ere scentament  o  dos  seus  reinos  e  estados, 
com  prósperos  successos  de  suas  armas,  e 
oppressãa  da  soberba  dos  inimigos  de  sua 
coroa. 


12  VIDA  D'EL-REI 


CAPITULO  II 


ÍNDOLE  DE  D.  AFFONSO,  E  GOMO  SUGGEDE 
KA  GORÔA 


Acliando-se  o  infante  D.  Affonso  em  idade 
de  quatro  annos  e  meio,  foi  aconnnettido  de 
uma  febre  maligna,  e  se  fizeram  pela  sua 
saúde  preces,  procissões  e  votos  a  Deus 
Nosso  Senhor.  Livrou  emíim  da  morte  por 
um  decúbito  que  fez  a  natureza  por  toda  a 
parte  direita:  não  via  d'aquelle  olho,  não 
ouvia  da  mesma  parte,  e  com  nuiito  desar 
movia' a  mão  e  o  pé  direito.  D'esta  maneira 
passou  algum  tempo,  applicando-lhe  os  mé- 
dicos todos  os  remédios  indicados  ao  acha- 
que, porém  sem  fructo  algum.  Viviam  seus 
pais  com  grande  desgosto  de  o  ver  com 


D.  AFFONSO  VI  13 

achaque  desobediente  a  remédios ;  pareceu 
que  fosse  ás  Caldas;  acompanhou-o  a  con- 
de ça  de  Atouguia,  sua  aia,  e  depois  mar- 
queza:  deu-se-lhe  este  segundo  titulo,  por- 
que estando  sua  filha  D.  Maria  de  Athaide, 
dama  do  palácio,  para  morrer,  lhe  escreveu 
o  secretario  de  estado  Pedro  Vieira  da  Silva, 
de  ordem  de  suas  magestades,  para  que 
viesse  lançar  a  benção  a  sua  filha.  Eespon- 
deu  que  ella  faria  o  que  suas  magestades 
lhe  mandassem,  mas  que  deixar  o  senhor 
infante  não  era  possível,  e  esperava  que 
suas  magestades  assim  o  entendessem:  por 
esta  fineza  a  fez  el-rei  marqueza  de  Atou- 
guia. Tinha  ido  esta  condeça  com  o  infante 
em  uma  liteira,  acompanhando  Ruy  de 
Moura  Telles,  que  ia  fazendo  o  ofíicio  de 
estribeiro-mór,  e  António  Correia,  senhor 
de  Bellas,  vedor  da  rainha,  e  tudo  o  mais 
preciso  á  auctoridade  do  infante  e  á  com- 
modidade  do  seu  serviço.  Também  acom- 
panharam o  iiifante  dois  médicos  da  camará, 


14  VIDA  D'EL  REI 

O  physico-mór  António  de  Castro,  e  Braz 
Nunes  Monanlias :  foi  inútil  a  jornada,  por- 
que nenhum  fructo  se  seguiu  do  remédio. 

No  anno  de  1652,  em  17  de  julho,  no- 
meou el-rei  D.  João  no  arcebispado  de  Évora 
ao  infante  D.  Aífonso,  e  ordenou  ao  con- 
selho de  estado  lhe  propozesse  pessoas  para 
lhe  governarem  o  dito  arcebispado.  Pare- 
ceu ao  conselho  que  a  nomeação  não  podia 
ter  effeito,  assim  pela  difficuldade  de  Roma, 
como  por  não  querer  o  cabido  de  Évora 
ceder  a  sua  jurisdicção ;  e  vendo  el-rei  que 
08  impedimentos  apontados  eram  invenci- 
veis,  não  instou  pelo  eíFeito  da  nomeação. 

Em  15  de  maio  de  1653,  morreu  o  prin- 
cipe  D.  Theodosio,  de  dezenove  annos,  e 
vendo  el-rei  D.  João  que  o  infante  D.  Af- 
fonso  era  o  successor  immediato,  convocou 
logo» cortes,  e  foi  o  infante  jurado  n'ellas 
principe  para  succeder  na  coroa  depois  de 
largos  annos  d'cl-rei  seu  pai.  Celebrou-se 
aquelle  acto  na  sala  dos  Tudescos,  sendo 


D.  AFFONSO  VI  15 

presidente  el-rei  nosso  senhor  e  sua  alteza, 
em  22  de  outubro  do  dito  anno. 

Segunda-feira,  6  de  novembro  de  1656, 
falleceu  el-rei  D.  João,  e  por  sua  morte  de- 
clarou a  rainha  D.  Luiza  que  sua  mages- 
tade  lhe  dissera  que  nomeasse  por  aio  d' el- 
rei  D.  Affonso  o  conde  de  Odemira,  D. 
Francisco  de  Faro,  do  conselho  de  estado, 
vedor  da  fazenda  e  presidente  do  conselho 
ultramarino:  e  indo"  esta  matéria  ao  conse- 
lho de  estado,  se  fez  logo  o  regimento  para 
o  conde  de  Odemira  se  regular  n'aquella 
occupaçâo. 

Nove  dias  depois  da  morte  d'el-rei  D. 
João  foi  acclamado  rei  d'estes  reinos  o  se- 
renissimo  príncipe  D.  AíTonso  na  forma  de 
uma  lei,  a  qual  manda  que  em  qualquer 
parte  do  reino  onde  o  successor  da  coroa 
se  achar  se  acclame.  logo  e  se  jure,  convo- 
cadas para  esse  eífeito  as  cortes. 

Nomeou  a  rainha  por  mestre  d'el-rei  a 
Nicolau  Monteiro,  prior  de  Cedofeita,  su- 


16  VIDA  D'EL-KEI 

jeito  verdadeiramente  digno  d'aquelle  nii- 
nisterío;  porém,  nenhum  effeito  surtiram  as 
virtudes  e  letras  d'este  mestre  n'aquelle  dis- 
cipulo  inhabil  e  incapaz;  porquanto  nunca 
soube  ler;  conhecia  as  letras,  mas  não  as 
ajuntava:  para  escrever,  valia-se  da  mão 
esquerda:  diziam-lhe,  verhi  gratia,  que  fi- 
zesse um  A,  e  esta  ou  outra  qualquer  letra 
fazia  mal,  tudo  torto  e  desigual.  N'esta  íor- 
ma  foi  el-rei  crescendo,  servido  por  mulhe- 
res no  quarto  da  rainha. 

Tratou  el-rei  de  fazer  um  presépio,  e  pro- 
curando-se  pessoa  que  Uie  satisfizesse  este 
appetite,  um  reposteiro,  suggerido  por  inn 
tendeiro  da  capella,  inculcou  um  filho  d'este 
chamado  António  de  Conti,  o  qual  com  ef- 
feito se  introduziu  pela  manufactura  do 
presépio,  e  por  trazer  a  el-rei  bonecos,  e 
outras  cousas  que  agradam  n'aquella  ida- 
de: e  como  el-rei  gostava  de  homens  de 
baixa  esj^hera,  se  agradou  de  modo  de  An- 
tónio de  Conti,  que  não  podia  passar  sem 


D.  AFFONSO  VI  17 

a  sua  conversação,  e  o  ia  buscar  pelas  por- 
tarias. 

Impediu-se  isto  a  el-rei,  porque  era  indi- 
gno da  magestade,  e  elle  tomou  tão  grande 
sentimento,  que  temendo  a  rainha  lhe  fi- 
zesse damno  aos  seus  achaques,  veio  na  as- 
sistência de  António  de  Conti,  e  passando 
assim  algum  tempo,  entendendo  errada- 
mente a  rainha  e  o  conde  de  Odemira,  que 
por  António  de  Conti  poderiam  introduzir 
alguma  doutrina  em  el-rei,  e  pelo  grande 
desejo  que  elle  tinha  de  que  António  de 
Conti  fosse  moço  da  guarda  roupa,  se  lhe 
deu  aquella  occupação.  O  successo,  como 
diremos,  mostrou  o  erro  d'aquella  resolu- 
ção, porque  António  de  Conti  foi  afastando 
el-rei  de  todas  as  pessoas  grandes,  e  met- 
tendo-lhe  negros,  mouros  e  mulatos,  por 
ver  que  propendia  a  inclinação  d'el-rei  para 
aquella  parte;  foi  crescendo  em  abomina- 
ções, de  maneira  que  se  julgou  necessário 
algum  remédio:  mas  viciado  já  por  aquel- 


18  VIDA  D'EL-REI 

les  O  animo  d'el-rei,  não  bastaram  todas  as 
diligencias  da  rainha  e  do  conde  de  Ode- 
mira, para  suffocar  aquella  cizânia  já  ar- 
reigada. 

Pareceu  aos  médicos  que  tornasse  el-rei 
ás  Caldas,  o  que  se  executou,  acompanlian- 
do-o  o  conde  de  Odemira,  seu  aio ;  o  duque 
de  Cadaval;  o  marquez  de  Gouveia,  seu 
mordomo-mór ;  todos  os  do  conselho  de  es- 
tado; e  D.  Theodosio  de  Bragança,  sumi- 
Iher  da  cortina,  e  ultimamente  o  conde  de 
Pombeiro,  capitão  da  guarda.  Foi  António 
de  Conti  n'aquella  jornada  com  João  de 
Conti,  seu  irmão,  a  cujo  cargo  iam  os  mou- 
ros, negros,  mulatos,  etc.  Occupado  el-rei 
nos  divertimentos  que  tinha  e  de  que  gos- 
tava, com  esta  canalha,  não  foi  possivel  con- 
seguir-se  d'elle  que  tomasse  um  só  banho, 
e  com  as  hidignas  acções  que  demais  d'isto 
presencearam  em  sua  magestade  aquelles 
fidalgos,  vieram  elles  summamente  magoa- 
dos e  sentidos,  em  tennos  que  resolveu  o 


D.  AFFONSO  VI  19 

duque  e  o  marquez  de  Gouveia,  com  o 
conde  de  Pombeiro,  ensinuarem  ao  conde  de 
Odemira,  que,  (como  elle  mesmo  via),  el-rei 
não  era  capaz,  nem  tinha  aptidão  para  o 
poder  ser,  e  que  era  necessário  dizel-o  as- 
sim á  rainha,  e  que  seria  muito  bem  feito 
para  assim  o  propor  ao  bispo  de  Targa, 
(que  era  deão  da  capella  e  prelado  de 
grande  talento  e  capacidade),  e  assim  se 
praticou  logo  que  el-rei  chegou  das  Caldas; 
porém  a  rainha  ouviu  o  bispo,  e  não  resol- 
veu nada  mais  senão  mandar  chamar  o  me- 
dico da  camará  António  da  Matta,  e  o  cirur- 
gião Francisco  Nunes,  pessoas  que  mereciam 
a  confiança  da  rainha ;  e  conferindo  aquella 
matéria  com  as  considerações  da  arte,  de- 
clararam ambos  por  um  papel,  que  el-rei 
era  mentecapto  e  impotente;  e  achando-se 
este  papel  quando  el-rei  tomou  o  governo, 
foi  chamado  ao  paço  Francisco  Nunes, 
aonde  o  matou  ás  pancadas  o  marquez  de 
Fontes;  e  António  da  Matta,  sabendo  do 


20  VIDA  D'EL-REI 

caso,  nunca  mais  saiu  á  rua.  Parecendo  á 
rainha  e  seus  ministros  com  quem  se  com- 
municou  esta  matéria,  que  era  preciso  dar 
casa  a  el-rei,  por  ter  chegado  a  idade  de 
não  dever  assistir  no  quarto  da  rainha,  se 
dispôz  o  necessário  para  esta  separação,  e 
nomeou  a  mesma  senhora  pessoas  cuja  pra- 
tica e  cujo  exemplo  houvessem  de  ser  bons 
a  el-rei. 


D.  AFFONSO  VI  21 


CAPITULO  III 


SEPARA-SE  D.  AFFONSO  PARA  O  SEU 
QUARTO 


Quarta-feira  que  se  contavam  7  de  abril 
do  anno  de  1660,  passou  el-rei  ao  seu 
quarto;  e  acompanhando-o  todos  os  seus 
criados,  ali  lhe  beijaram  a  mão,  e  sua  ma- 
gestade  se  recolheu.  Como  o  conde  de  Ode- 
mira, era  tão  cheio  de  annos,  como  de  negó- 
cios, que  por  convenientes  ao  serviço  d'el- 
rei  não  os  devia  deixar  para  haver  de  fazer 
assistência  á  sua  real  pessoa,  se  nomearam 
cinco  officiaes  da  casa,  e  cinco  fidalgos  de 
fora,  para  que  entrassem  dois  cada  semana, 
e  todos  elles  vieram  a  ser  o  duque  de  Ca- 
daval, o  marque z  de  Gouveia,  o  conde  de 


22  VIDA  D'EL-REI 

Castello  Melhor,  o  conde  d' Aveiras,  Garcia 
de  Mello,  monteiro-mór,  o  conde  de  Óbidos, 
o  conde  do  Prado,  o  conde  de  Vai  de  Reis, 
D.  João  de  Almeida  e  Francisco  de  Sousa 
Coutinho.  A  todos  se  deram  chaves  negras 
como  a  do  aio;  a  do  duque  lhe  ficou,  por- 
que assistia  a  el-rei  quando  estava  no  quarto 
da  rainha,  e  se  mandou  que  no  d'el-rei  fi- 
casse conservando  a  mesma  preeminência. 
O  mesmo  duque  e  o  marquez  de  Gouveia, 
que  era  mordomo-mór,  e  Garcia  de  Mello, 
que  era  monteiro-mór,  o  conde  do  Prado, 
que  era  estribeiro-mór,  e  D.  João  de  Al- 
meida, que  servia  de  reposteiro-mór,  são  os 
cinco  officiaes  da  casa  novamente  nomea- 
dos. E  tanto  este  como  os  de  fora  tinham 
toda  a  jurísdicção  da  camará  para  dentro 
na  sua  semana  sé  darem  as  audiências,  e 
para  tudo  o  que  se  oíferecesse.  Os  officiaes 
da  casa  d'el-rei,  que  não  foram  nomeados 
para  as  semanas,  se  queixaram;  e  resolveu 
a  rainha  que  fora  da  camará  em  todos  os 


D.  AFFONSO  VI  23 

outros  actos  exercitassem  os  seus  oííiciaes. 
O  conde  de  Castello  Melhor,  por  ser  casado 
com  D.  Guiomar  de  Castro,  viuva  de  D. 
Jorge  de  Athaide,  conde  de  Castro,  sobri- 
nha do  conde  de  Odemira,  entrou  a  servir 
o  oííicio  de  reposteiro-mór,  que  lhe  perten- 
cia por  sua  mulher,  e  que  exercia  D.  João 
de  Almeida. 

Tomou  a  rainha  esta  resolução  a  ver  se 
podia  impedir  os  muitos  desacertos  a  que 
el-rei  se  dava,  porque  a  liberdade  que  elle 
havia  tomado,  foi  occasião  de  ir  de  mal  em 
peior.  Poucos  dias  depois  de  estar  no  seu 
quarto,  tomou  para  o  serviço  da  sua  camará 
um  reposteiro,  homem  de  mau  animo  e 
muito  perverso :  chamava-se  Manoel  Antu- 
nes, e  era  filho  de  um  guarda  da  tapada  de 
Villa  Viçosa;  mas  soube  o  tal  ganhar  de 
tal  modo  o  animo  d'el-rei,  e  de  António  de 
Conti,  que  em  poucos  dias  foi  moço  da  ca- 
mará. Ordenou  el-rei  que  o  aposento  de 
António  de  Conti  fosse  immediato  á  sua 


24  VIDA  DEL-REI 

camará,  e  por  ali  saía.  as  mais  das  noites 
com  João  de  Conti  a  andar  á  tuna,  com  o 
perigo  evidente  de  inquieto  e  desconhe- 
cido. Também  de  dia  saía  el-rei  de  casa, 
e  mandava  guiar  a  carruagem  para  onde 
sabia  que  havia  de  achar  João  de  Conti 
com  outros  da  mesma  esphera:  ali  se  pu- 
nha el-rei  a  cavallo,  e  mandando  o  coche 
para  casa  e  os  fidalgos  que  o  acompanha- 
vam, ficava  com  os  marotos,  e  se  recolhia 
para  o  paço  quando  llie  dava  na  cabeça. 
D'estes  excessos  resultou  que  apeando-se 
el-rei  por  cima  do  convento  do  Rato,  já 
noite,  ordenou  ao  monteiro-mór  e  ao  conde 
de  Óbidos,  que  o  fossem  esperar  á  Cotovia; 
e  indo  S(S  com  João  de  Conti  já  perto  do 
coche  que  o  vinha  buscar,  investiu  com  três 
homens  que  vinham  com  outro  de  nação 
franceza,  chamado  David  Grodefroi:  fugiu 
João  de  Conti,  e  el-rei  caiu  em  lun  valado, 
onde  no  chão  lhe  deram  uma  estocada :  gri- 
tou que  era  el-rei;  fugrram  os  homens,  e 


D.  AFFONSO  VI  25 

levaram  a  espada  que  era  d'el-rei:  acudiu 
o  monteiro-mór  e  o  conde  de  Óbidos,  e  re- 
colhendo-se  el-rei  ao  paço,  e  chamados  os 
cirurgiões,  depois  de  curado,  se  deu  conta 
á  rainha,  que,  com  grande  sobresalto,  veio 
ver  el-rei  ao  seu  quarto.  Eram  dez  horas 
da  noite  quando  a  rainha  chamou  o  conse- 
lho de  estado,  no  qual  se  achou  o  marquez 
de  Grouveia,  o  de  Niza,  o  duque  do  Cada- 
val, que  estava  no  paço;  e  pareceu  aos  três 
que  pela  manhã  se  devia  convocar  todo  o 
conselho  de  estado,  e  que  do  que  se  assen- 
tasse se  daria  parte  á  rainha  para  resolver 
o  mais  acertado.  Era  já  morto  o  conde  de 
Odemira,  e  por  esta  razão,  conferindo-se  no 
conselho  de  estado  a  importância  d'aquella 
matéria,  pareceu  a  todos  que  devia  o  con- 
selho de  estado  ir  á  presença  de  sua  ma- 
gestade  pedir-lhe  se  abstivesse  de  similhan- 
tes  occasiões  de  desacatos  e  de  perigos,  e 
que  fosse  o  duque  do  Cadaval  o  que  fizesse 
aquella  falia  a  el-rei.  Levou  Pedro  Vieira 


26  VIDA  DEL-KEI 

esta  noticia  á  rainha,  e  ella  respondeu  pelo 
mesmo  secretario  que  agradecia  muito  a 
todos  os  ministros  tomarem  uma  tão  hon- 
rada resohição.  Passou  o  conselho  de  es- 
tado ao  quarto  d'el-rei;  e,  dizendo  Pedro 
Vieira  ao  monteiro-mór  que  o  conselho  de 
estado  queria  fallar  a  sua  magestade,  man- 
dado entrar,  se  pozeram  todos  de  joelhos  á 
ilharga  da  cama,  e  o  duque  disse: 

« Senhor,  traz-nos  ante  vossa  magestade 
um  avizo  do  secretario,  que  nos  mandou 
ajuntar:  agora  vimos  muitos  juntos  á  pre- 
sença de  vossa  magestade,  porque  nos  cha- 
ma a  nossa  obrigação  de  conselheiros,  e 
também  o  nosso  zelo,  e  o  singular  amor  que 
temos  a  vossa  magestade,  a  quem  todos 
unifonnemente  pedimos  pelo  amor  que 
Deus  tem  a  vossa  magestade,  e  pelo  que 
taes  vassallos  lhe  merecem  que  vossa  ma- 
gestade lhes  tenha,  que  seja  servido  de  re- 
troceder os  passos  em  um  modo  de  vida, 
que  não  é,  senhor,  qual  convém  á  reputa- 


D.  AFFONSO  VI  27 

çào  de  vossa  majestade  e  á  sua  conserva- 
ção, nem  ao  remédio  imico  do  reino.  Po- 
dáramos chamar  mofina  ao  successo  que 
vossa  magestade  teve,  pois  tirou  d'elle  uma 
estocada ;  mas  queira  vossa  magestade  que 
seja  dita,  entendendo  que  quando  desem- 
bainha a  espada  contra  os  vassallos,  n'ella 
mesma  se  fere.  Lembre-se  vossa  magestade 
que  é  filho  d'aquelle  tamanho  rei,  por  quem 
suspiram  as  nossas  eternas  saudades,  e  que 
deve  vossa  magestade  ajudar  o  trabalho 
que  pelo  servir,  e  por  nos  conservar,  toma 
a  rainha  minha  senhora.  Seja  vossa  mages- 
tade servido  de  assistir-lhe  ás  noites,  cui- 
dando no  que  háo  de  resolver  no  dia  vin- 
douro: ella  espera  por  vossa  magestade  a 
estas  horas,  e  nós  do  clarissimo  juizo  de 
vossa  magestade  queira  empregal-as  em  nos 
conservar,  e  não  em  arriscar-se  a  si  com 
nos  perder  a  nós.  Temos  dito  a  vossa  ma- 
gestade o  que  pede  a  nossa  obrigação; 
agora  todos  esperamos  da  de  vossa  mages- 


28  VIDA  D'EL-REI 

tade  attenda  ao  que  lhe  pedimos,  pois  aos 
reaes  pés  de  vossa  magestade  protestamos 
de  novo  a  nossa  obrigação  de  darmos  as 
vidas  em  seu  real  serviço ;  e  para  que  o  pos- 
samos fazer  é  necessário  que  vossa  mages- 
tade  nos  dê  a  sua  real  palavra  de  que  lia  de 
attender  á  sua  vida,  pois  d'ella  depende  a 
rainha  minha  senhora,  o  serenissimo  in- 
fante, e  todos  nós,  que  nos  levantamos  dos 
pés  de  vossa  magestade  com  a  certeza  de 
que  fica  entendendo  que  é  infallivel  o  que 
de  novo  lhe  protestamos:,  queira  vossa  ma- 
gestade que  o  seja  também  o  que  agora  es- 
peramos, por  cuja  graça  todos  lhe  beijamos 
as  mãos. » 

Esta  diligencia  que  se  entendeu  seria 
triaga,  foi  convertida  pelos  })arciacs  d'el-rei, 
António  de  Conti,  o  dito  Manoel  Antunes 
e  outros,  em  finíssimo  veneno,  porque  dis- 
seram logo  a  el-rei  que  o  conselho  de  estado 
o  tinha  reprehendido  asperamente,  e  que 
zombasse  sua  magestade  de  tudo,  e  fizesse 


D.  AFFONSO  VI  29 

O  seu  gosto.  Facilmente  abraçou  el-rei 
aquelle  conselho,  pois  logo  continuou  nos 
mesmos  exercicios,  e  vendo  a  rainha  D. 
Luiza  que  a  liberdade  d'el-rei  se  desen- 
freava cada  vez  mais,  cuidou  em  deixar  o 
paço  e  ir  para  uma  clausura;  porém,  con- 
sultando esta  intenção  com  alguns  minis- 
tros não  a  approvarám.  Sentia  a  rainha  que 
el-rei  se  oppozesse  a  tudo  quanto  ella  re- 
solvia, e  costumava  dizer  que  o  govei-no  de 
duas  cabeças  era  monstruoso.  Estava  já 
António  de  Conti  desaforado,  e  era  auctor 
de  tudo  aquillo  que  desgostava  a  rainha. 
Chegou  ultimamente  o  tempo  de  se  dar  casa 
ao  infante  D.  Pedro;  escolheu  a  rainha  as 
pessoas  que  lhe  pareceram  mais  capazes  de 
acompanhar  o  infante:  passou  esta  resolu- 
ção a  António  de  Conti,  para  que  a  sua  vi- 
sasse a  el-rei ;  e  porque  entre  outras  muitas 
pessoas  ia  nomeado  o  padre  António  Vieira 
para  confessor  do  infante,  buscou  António 
de  Conti  o  marquez  de  Gouveia,  e  lhe  disse 


30  VIDA  D'EL-REI 

que  el-rei  iião  approvava  António  Vieira 
para  aquelle  logar;  intentando  o  marquez 
de  Gouveia  persuadir  a  António  de  Conti, 
durando  muito  tempo  a  disputa,  lhe  disse 
António  de  Conti,  por  ultima  conclusão, 
que  se  António  Vieira  fosse  confessor  do 
infante,  elle  o  havia  de  mandar  em  uma  ca- 
ravela para  Angola.  D'este  grande  atrevi- 
mento deu  o  marquez  conta  á  rainha,  e  ella 
a  alguns  ministros,  que  entenderam  ser  pre- 
ciso separar  da  ilharga  d'el-rei  a  António 
de  Conti,  João  de  Conti,  João  de  Mattos, 
que  foi  moço  da  estrebaria,  e  um  clérigo 
apóstata  da  religião  de  Santo  Agostinho.  E 
resolvendo-se  que  fossem  lançados  do  paço 
até  com  violência,  se  essa  se  não  podésse 
escusar,  e  mandal-os  para  o  Brazil,  em  um 
navio  que  para  esse  efteito  se  pôz  prompto, 
se  ordenou  que  o  corregedor  da  corte, 
Duarte  Vaz  Porta,  prendesse  António  de 
Conti,  e  as  outras  prisões  se  encommenda- 
ram  a  outros  ministros.  Como  a  de  António 


D.  AFFONSO  VI  31 

de  Conti  se  havia  de  fazer  n'aquellas  casas 
mais  retiradas  d'el-rei,  ordenou  a  rainha  ao 
conde  de  S.  Lourenço  e  ao  conde  de  Pom- 
beiro,  se  achassem  no  paço  com  Duarte 
Vaz,  para  com  a  sua  auctoridade  se  vence- 
rem as  difficuldades  que  ali  se  offereces- 
sem.  Na  véspera  do  dia  em  que  se  havia 
de  executar  o  assentado,  se  escusou  o 
conde  de  S.  Lourenço  e  o  de  Pombeiro: 
chamou  a  rainha  o  duque  do  Cadaval,  e 
sentida  da  escusa  dos  dois  condes,  entregou 
ao  duque  aquella  diligencia,  e  a  Luiz  de 
Mello.  Fez  Duarte  Vaz  a  prisão:  houve 
algumas  novidades  que  se  alienaram.  E 
achando-se  el-rei  no  quarto  da  rainha,  ha- 
vendo-se  feito  avizo  aos  tribunaes  para  que 
ás  dez  horas  subissem  todos  acima,  e  que 
com  a  ultima  hora  entrassem  todos  na  casa 
aonde  estava  a  rainha  no  despacho  com 
el-rei,  leu  o  secretario  Pedro  Vieira  um 
papel  em  que  a  rainha  dava  conta  das  jus- 
tas causas  que  tivera  para  tomar  aquella 


32  VIDA  D'EL-REI 

resolução,  e  nada  d'aqmllo  percebeu  el-rei ; 
um  pânico  medo  o  fez  esmorecer,  e  apenas 
perguntou  ao  monteiro-mór  se  aquillo  eram 
cortes?  E  elle  lhe  contou  o  que  havia  suc- 
cedido  a  António  de  Conti.  Então  começou 
el-rei  a  gritar,  e  com  lagrimas,  que  lhe  fos- 
sem buscar  o  seu  amigo  logo,  e  depois  de 
lhe  dizerem  que  o  navio  havia  largado, 
vendo  que  Manoel  Antunes  não  apparecia, 
porque  com  o  rumor  das  prisões  se  ausen- 
tara, íicou  muito  mais  impaciente. 


D.  AFFONSO  VI  33 


CAPITULO  IV 


GOMO   D.   AFFONSO  VI   ENTROU 
NO  GOVERNO 


Acabada  a  semana  cessou  a  assistência 
dos  dois  criados  que  haviam  sido  nomeados 
para  ii'ella  se  acharem  com  el-rei,  e  na  se- 
guinte entrou  o  conde  de  Castello  Melhor 
com  ordem  d'el-rei  para  que  não  tivesse 
companheiro.  Não  deixou  de  se  discorrer 
o  que  podia  dar  de  si  aquella  novidade,  e 
se  disse  á  rainha  que  era  conveniente  que 
o  conde  de  Castello  Melhor  fosse  para  a 
torre  de  S.  Gião;  e  não  querendo  a  rainha 
executal-o,  havendo-o  promettido  ás  pes- 
soas que  se  empenharam  com  ella,  que  fa- 
ria tudo  que  se  lhe  disse,  para  se  segurav 


34  VIDA  D'EL-REI 

a  si  e  a  todos  os  que  a  tinham  seguido  na 
sua  resolução.  Conhecendo  o  conde  de  Cas- 
tello  Melhor  a  incapacidade  d'el-rei,  e  que 
tinha  na  sua  mão  a  fortuna,  conjurou-se  com 
o  conde  de  Athouguia,  e  com  Sebastião 
César,  contra  a  rainha  á  saúde  d'el-rei:  am- 
bos estes  eram  queixosos,  o  primeiro  por 
lhe  tirar  a  mesma  rainha  o  governo  das  ar- 
mas do  Alemtejo,  e  o  segundo  pela  longa 
prisão  em  que  esteve  por  traidor  infame. 
Resolveu  este  tríumvirato  que  convinha  ti- 
rar o  governo  á  rainha,  e  metter  a  el-rei  de 
posse  d'elle;  e  assentaram' em  leval-o  para 
fora  de  Lisboa  uma  tarde  pelas  duas  horas, 
em  uma  liteira,  com  o  conde  de  Athouguia 
e  o  conde  de  Castello  Melhor,  a  cavallo.  Já 
Sebastião  César  tinha  aviso  para  se  achar 
na  quinta  de  Alcântara  antecipadamente, 
e  assim  se  executou.  D'ali  escreveu  o  conde 
de  Athouguia  cartas  a  muitos  fidalgos  da 
parte  d'el-rei,  em  que  os  chamava  á  quinta 
de  Alcântara  e  seu  paço.   Chegando  esta 


D.  AFFONSO  VI  35 

noticia  á  rainha,  mandou  Manoel  Pacheco 
de  Mello,  tenente  do  mestre  de  campo  ge- 
neral, que  fosse  á  Esperança,  e  que  a  todos 
os  fidalgos  que  passassem  lhes  dissesse  que 
a  rainha  os  chamava  ao  paço.   Sabendo-se 
isto  em  Alcântara,  veio  o  conde  de  Sarze- 
das  á  Esperança  com  algumas  pessoas  mais, 
e  levou  comsigo  Manoel  Pacheco  de  Mello. 
Logo  el-rei  nomeou  conselheiros  de  estado 
o  conde  de  Óbidos,  D.  Thomaz  de  Noro- 
nha, o  conde  de  Arcos,  o  de  Vai  de  Reis, 
o  visconde  e  depois  o  conde  de  Castello 
Melhor.  Escreveu  a  rainha  a  el-rei,  dizen- 
do-lhe  que  viesse  para  Lisboa,  e  lhe  entre- 
garia logo  o  governo  com  as  solemnidades 
praticadas  em  similhantes  actos.  Levou  as 
cartas  pelas  dez  horas  da  noite  o  bispo  de 
Targa:  ao  outro  dia  pela  manhã  se  convo- 
cou em  Alcântara  o  conselho  de  estado,  e 
foi  chamado  o  duque  do  Cadaval  e  Pedro 
Vieira  da  Silva.  Leu-se  no  conselho  a  carta 
da  rainha,  e  fazendo-se  Sebastião  César  de 


36  VIDA  D'EL-REI 

novas,  disse  que  folgaria  de  ouvir  primeii'o 
ao  duque  e  a  Pedro  Vieira.  El-rei,  que  nem 
sabia  onde  estava,  entendendo  Sebastião 
César  que  elle  o  nao  percebia,  se  levantou 
da  cadeira,  chegou  a  el-rei,  e  lhe  disse  que 
mandasse  que  o  duque  dissesse:  assim  o 
fez  el-rei.  Disse  o  duque  que  elle  sabia  de 
certo  que  a  rainha  desejava  deixar  o  go- 
verno^ e  lhe  mostrou  um  papel  de  letra  da 
rainha  de  Inglaterra  (1),  em  que  pedia  con- 
selho sobre  a  clausura  para  onde  devia  ir, 
e  que  na  presente  occasião  não  tinha  a  me- 
nor duvida  em  entregar  a  sua  magestade 
os  sellos.  Disse  Pedro  Vieh-a  que  não  tinha 
que  accrescentar  ao  que  o  duque  havia  re- 
ferido, e  que  ali  tinha  os  sellos  promptos 
para  entregar  a  el-rei  nosso  senhor. 

Resolveu  o  conselho  de  estado  que  el-rei 
viesse  logo  para  Lisboa,  e  a  rainha  em  acto 
publico,  presente  todo  o  conselho  de  esta- 

(1)  Viuva  de  Carlos  ii,  e  irmã  d'Affonso  vi. 


D.  AFFONSO  VI  37 

do,  lhe  fez  entrega.  Assen-tou-se  el-rei  em 
uma  cadeira,  e  a  rainha  em  outra  á  sua  mão 
esquerda,  e  logo  tomou  Pedro  Vieira  os 
sellos  que  estavam  em  um  saco  de  velludo, 
e  os  offereceu  á  rainha,  e  ella  a  el-rei,  di- 
zendo-lhe:  «aqui  tem  vossa  magestade  os 
sellos  com  que  os  reis  de  Portugal  gover- 
naram estes  reinos;  e  espero  em  Deus  que 
vossa  magestade  os  logre  com  as  felicidades 
que  lhe  desejo. ». 

Entregou  el-rei  os  sellos  ao  secretario  de 
estado,  e  se  recolheu  ao  seu  quarto,  acom- 
panhado de  todas  as  pessoas  que  ali  esta- 
vam. Temendo  o  conde /ie  Castello  Melhor 
quem  lhe  fosse  obstáculo  a  suas  insolên- 
cias, conferindo  o  ponto  com  o  conde  de 
Athouguia  e  Sebastião  César,  e  persua- 
dindo a  ambos  que  cada  um  teria  a  parte 
que  quizesse  no  governo,  se  se  destruíssem 
as  pessoas  que  temia,  foi  resolvido  por  to- 
dos que  o  duque  do  Cadaval  fosse  dester- 
rado para  Tentúgal,  e  d'ali  para  Almeida, 


38  VIDA  D'EL-REI 

O  conde  de  Soure  para  Loulé,  o  monteiro- 
mór  para  Santarém,  o  conde  de  Pombeiro 
para  Pombeiro,  Manoel  de  Mello  para  Al- 
vito, Luiz  de  Mello  que  não  entrasse  no 
paço,  e  o  marquez  de  Gouveia  para  Gou- 
veia. E  ultimamente,  entendendo  os  três 
que  com  isto  estavam  seguros,  nasceu  en- 
tre elles  tal  cubica,  que  podendo  mais  o 
conde  de  Castello  Melhor  e  Henrique  Hen- 
riques, em  pouco  se  separaram.  Morreu  o 
conde  de  Atliouguia  arrependido  dos  des- 
atinos que  tinha  feito.  Sebastião  César  íbi 
expulso  para  Loures,  e  d'aí  para  Sacavém, 
e  logo  para  a  Feira,  aonde  morreu  (1).  Pe- 
dro Vieira  foi  desten-ado  para  Leiria. 

Ficou  o  conde  de  Castello  Melhor  só,  com- 
pro vando-se  a  incapacidade  d'el-rei,  que 
passou  a  ser  mais  súbdito  do  que  rei,  por- 

(1)  Inexactidão.  Sebastião  César  de  Menezes  morreu 
no  Porto,  e  foi  sepultado  no  adro  dos  frades  Carmelitas. 
Veja  Lucta  de  Gigantes,  por  Camillo  Castello  Branco. 

Not.  do  editor. 


D.  AFFONSO  VI  39 

que  metteu  todo  o  poder  do  sceptro  nas 
mãos  do  conde  de  Castello  Melhor,  e  de 
Henrique  Henriques  de  Miranda. 


40  VIDA  D'EL-REI 


CAPITULO  V 


GOVERNO  ABSOLUTO  DE  D.  AFFONSO  VI 


Vendo-se  el-rei  com  mais  liberdade,  pois 
que  o  conde  de  Castello  Melhor  o  largou  ao 
arbítrio  de  seus  appetites,  tomando  para  si 
o  poder  absoluto  de  rei,  a  todo  o  pasmo  se 
foi  el-rei  depravando  mais,  e  engolfando 
nos  seus  appetites  tão  desordenados,  que 
pareciam  mais  de  bruto  do  que  de  homem. 
Recolhido  el-rei  ao  seu  quarto  como  fica 
dito,  fez  logo  do  despacho  e  do  conselho  de 
estado  ao  conde  de  Castello  Melhor,  e  tam- 
bém do  despacho  ao  conde  de  Athouguia, 
Sebastião  Gesar,  Ruy  de  Moura,  António 
de  Mendonça,  e  ao  marquez  de  Niza,  que 


D.  AFFONSO  VI  41 

já  O  era;  e  ultimamente  fez  escrivão  da  pu- 
ridade ao  conde  de  Castello  Melhor,  e  lhe 
entregou  absolutamente  o  governo  d'estes 
reinos.  Propôz-se  de  França  ao  conde  de 
Castello  Melhor  para  rainha  de  Portugal  a 
mademoiselle  de  Montpensier :  foi  rejeitada 
por  ter  condição  varonil,  e  temel-a  por  esta 
razão  o  conde  de  Castello  Melhor,  tomando 
o  pretexto  de  vir  de  annos  já  adultos.  Pas- 
sou o  marquez  de  Sande  a  França  com  or- 
dem de  celebrar  o  casamento  d'el-rei  com 
mademoiselle  de  Nemurs ;  e  quando  o  mar- 
quez foi  nomeado  para  esta  commissão, 
sendo  já  notória  a  incapacidade  d'el-rei, 
disse  o  marquez  ao  conde  de  Castello  Me- 
lhor: «veja  vossa  senhoria  aonde  me  man- 
da, pois  ouço  dizer  que  el-rei  não  é  capaz 
de  consummar  o  matrimonio. »  Respondeu- 
Ihe  o  conde:  «senhor  marquez,  isso  é  en- 
gano; se  ha  homem  capaz  de  emprenhar 
vinte  mulheres  em  uma  hora,  é  el-rei. » 
Persuadido   d'esta  falsidade,    passou   o 


42  VIDA  D'EL-REI 

marquez  a  França,  escreveu  de  lá  ao  conde 
(Jue  mademoiselle  de  Nemurs  estivera  rece- 
bida com  o  duque  de  Lorena,  e  que  dor- 
miram ambos  n'aquella  noite  na  mesma 
cama,  e  que  el-rei  de  França  pela  pouca 
idade  do  duque  de  Lorena,  desfez  o  casa- 
mento, mettendo  mademoiselle  em  um  con- 
vento para  a  obrigar  a  que  casasse  com  o 
duque  de  Saboya.  Emquanto  se  tratava  do 
casamento  d'el-rei,  foi  todo  o  cuidado  dos 
três  validos  desgostarem  a  rainha,  tratan- 
do-a  com  grande  indecencia,  para  deixar  o 
paço  e  se  recolher.  Para  este  desornado  ef- 
feito,  apontou  Sebastião  Gesar  em  um  papel 
os  meios  seguintes :  dois  meios  se  oíferecem 
para  esta  expulsão.  O  primeiro  desgostal-a 
no  que  fosse  mais  sensivel,  para  que  em 
sentimento  se  retirasse  ou  desse  occasião  de 
se  queixarem  e  verem  as  palavras,  para  lhe 
dizerem  abertamente  que  trate  de  se  reco- 
lher, porque  isso  é  o  que  convém  ao  seu 
credito,  e  não  obrigue  a  que  isto  se  faça  de 


D.  AFFONSO  VI  43 

outra  maneira.  Pode  concorrer  para  este 
desgosto  mandar  a  D.  Isabel  de  Castro  que 
se  vá  para  o  seu  convento  da  Encarnação, 
que  D.  Maria  Francisca  vá  para  casa  da 
condeça  sua  mãe;  que  não  entrem  no  paço 
aquelles  criados  com  que  se  serve,  e  estas 
cousas  que  para  o  mundo  não  são  sensiveis, 
a  porão  em  estado  que  o  sentimento  a  faça 
retirar  ou  dizer  alguma  cousa  ao  filho,  que 
então  a  poderá  desenganar  na  forma  que 
fica  dito.  Este  meio  tem  seus  gráos,  e  d  mais 
conforme  com  o  que  se  usa  em  similhantes 
casos,  porque  é  aggravar  o  castigo  com  a 
culpa  e  obstinação. 

O  segundo  meio  é  mandarmos-llíe  dizer 
pelo  confessor,  ou  pessoa  de  similhante  au- 
ctoridade,  que  convém  a  seu  credito  reco- 
Iher-se  á  villa  de  Alemquer  ou  Cintra,  assim 
pelo  que  se  tem  publicado  acerca  d'esta  re- 
solução, como  por  outras  razões  que  sua 
magestade  tem  para  isso,  e  que  nosso  amo 
deseja  que  isto  se  execute  com  toda  a  sua- 


44  VIDA  D'EL-REI 

vidade  para  não  chegar  a  outros  meios  de 
sentimento. 

Se  responder  como  eu  supponho  que  res- 
ponderá, que  tem  mudado  de  parecer,  e  que 
quer  ver  as  razões  que  sua  magestade  tem 
para  esta  resolução,  podem-se-lhe  mandar 
em  um  papel  que  lançaremos,  e  que  ella 
diz  que  nós  temos  das  insolências  que  po- 
zeram  em  outro  papel  a  el-rei  feito ;  e  pôde 
n'elle  fallar  assim:  «Direis  á  rainha  minha 
mãe  e  senhora,  que  tendo  respeito  ao  in- 
tento que  teve  de  se  recolher,  e  outras  ra- 
zões que  lhe  são  presentes,  me  acho  muito 
obrigado,  contra  o  gosto  que  tinha  de  a 
conservar  comigo  n'este  paço,  a  lhe  dizer 
que  convém  á  sua  quietação  e  piedade,  á 
imitação  das  grandes  princezas  que  fizeram 
o  mesmo,  execute  o  seu  intento,  recolhen- 
do-se  no  mosteiro  que  escolher  para  isso 
fora  d'esta  cidade,  ou  retirando-se  a  uma 
villa  sua,  aonde  viva  só  para  si  e  para  a 
memoria  d'el-rei  meu  pae  e  senhor,  que  está 


D.  AFFONSO  VI  45 

em  gloria,  e  que  fio  do  seu  grande  juizo 
queira  mostrar  ao  numdo,  que  foi  isto  acção 
própria,  e  não  resolução  minha. »  Final- 
mente chegou  o  desaforo  aos  últimos  ter- 
mos de  insolência,  quando  escolheram  o 
marquez  de  Fontes,  rapaz  travesso  e  in- 
quieto, e  o  induziram  a  que  fosse  pelo  ei- 
rado, e  chegasse  á  janella  da  casa  em  que 
estava  a  rainha,  e  a  injuriasse  com  nomes 
e  palavras  torpes,  até  lhe  atirar  com  pe- 
dras; e  este  desaforo,  já  intolerável,  fez 
que  a  rainha  apressasse  a  sua  jornada  para 
a  clausura  das  religiosas  agostinhas  des- 
calças, fundação  sua,  e  própria  para  o  in- 
tento. 

Quanto  mais  se  separavam  d'el-rei  as 
maiores  pessoas,  tanto  mais  crescia  na  pa- 
ridade de  suas  acções.  Mandou  matar  a 
Pedro  Severim  de  Noronha  por  um  negro 
da  patrulha  baixa,  chamado  Marçal,  porque 
passou  por  perto  da  liteira  em  que  ia  el-rei 
com  uma  mulher  publica:  indo  Pedro  Se- 

7 


i6  VIDA  D'EL-REI 

verim  a  cavallo,  lhe  deu  o  preto  uma  esto- 
cada, com  que  caiu  morto. 

Em  outra  occasiâo,  topando  o  visconde 
d'Asseca  a  el-rei,  não  se  descobiiu;  foi  logo 
o  visconde  a  seus  pés  pedir-lhe  perdão  da 
inadvertência  que  teve  em  não  lhe  fazer 
logo  os  devidos  comprimentos,  pois  o  não 
conhecera.  Respondeu-lhe  el-rei  com  uma 
estocada,  de  que  morreu. 

Tomou  el-rei  amisade  illicita  com  D. 
Anna  de  Moura,  freira  de  Odivelas;  fazia- 
Ihe  contínuas  assistências  com  grande  inde- 
cencia,  e  geral  reprovação  de  toda  a  corte. 
O  dia  em  que  D.  Anna  de  Moura  fazia  an- 
nos,  foi  el-rei  tourear  ao  pateo  de  Odivelas: 
deu  uma  grande  queda,  de  que  esteve  san- 
grado, fazendo-lhe  D.  Anna  de  Moura  a 
fineza  de  se  sangrar  também,  lhe  mandou 
um  grande  presente,  e  quando  a  tornou  a 
ver,  lhe  disse  que  desejava  fazel-a  rainha 
de  Portugal. 

Já  tudo  isto  não  cabia  no  soffi'imento  dos 


D.  AFFONSO  VI  47 

homens,  que,  obrigados  de  tanta  semrazão, 
cuidaram  em  qual  havia  de  ser  o  remédio 
de  obviar  tantas  vexações :  e  cuidou  o  conde 
de  Castello  Melhor  que  se  forjava  uma  con- 
juração contra  elle,  como  auctor  passivo  da 
errada  vida  em  que  estava  el-rei. 

Nomeou  João  Cabral  de  Barros  para  de- 
vassar da  conjuração  imaginada.  E  como  se 
fora  críme  de  lesa  magestade,  desteiTou  os 
dois  condes  da  Ericeira;  mandou  para  o 
Minho  a  João  Xunes,  ao  conde  de  Miranda 
para  a  Relação  do  Porto  ^  e  desterrou  Luiz 
de  Sousa  e  seu  irmão.  Estava  já  dester- 
rado o  duque  do  Cadaval,  o  monteiro-mór, 
e  conde  de  Pombeiro,  Manoel  de  Mello, 
Pedro  Vieira  e  Luiz  de  Mello,  que  não  en- 
trassem mais  no  paço. 


48  VIDA  D'EL-REI 


CAPITULO  VI 


CASAMENTO  DE  D.  AFFONSO 


Foi  escolhida  para  desgraçada  rainha  de 
Portugal  mademoiselle  de  Onuille  (1),  e  se 
mandou  ao  marquez  de  Sande  procuração 
d'el-rei  para  celebrar  a  escriptura  dotal,  e 
receber  em  seu  nome  a  rahdia. 

No  anno  de  16G6,  em  a  madrugada  de 
2  de  agosto,  deu  fundo  a  armada  de  Fran- 
ça no  rio  de  Lisboa.  Trabalhou  o  conde 
de  Castello  Melhor,  e  Hemique  Henriques 
para  que  fosse  el-rei  logo  a  bordo  por  estar 
tudo  prevenido  para  aquelle  eíFeito;  mas 

(1)  Aumaule. 


D.  AFFONSO  VI  49 

não  foi  possível  vencer-se,  pelo  grande  te- 
mor que  el-rei  tinha  de  chegar  ao  thalamo 
conjugal.  Vinha  commandando  aquella  ar- 
mada o  conde  de  Etré,  e  acompanhando  a 
rainha  o  bispo  de  Lans,  que  ambos  eram 
seus  filhos.  Ao  outro  dia  de  tarde  desen- 
ganado el-rei  de  quie  não  tinha  remédio,  foi 
buscar  a  rainha,  acompanhado  de  toda  a 
corte.  O  general  e  bispo  de  Lans,  e  toda  a 
guarnição  da  náo  fizeram  da  pessoa  d'el-rei 
o  juizo  que  elle  merecia,  e  prognosticaram 
á  rainha  todas  as  desgraças  e  infelicidades 
que  de  facto  padeceu.  Estava  preparado  o 
palácio  de  Alcântara;  n'elle  tomaram  os  reis 
as  bênçãos  no  convento  das  Flamengas  pelo 
bispo  de  Targa,  que  alli  estava  revestido 
de  pontifical  para  aquelle  efí*eito.  Com  el- 
rei  esteve  a  rainha  casada  de  facto,  mas 
não  de  direito,  perto  de  três  annos  sem  dor- 
mirem juntos  mais  do  que  duas  ou  três  ve- 
zes: recolhia-se  do  seu  quarto  para  o^  da 
rainha  á  noite  muito  tarde,   armado  com 


50  VIDA  D'EL-REI 

duas  pistolas,  e  logo  saía  para  fora  e  pas- 
sava o  resto  da  noite  no  seu  quarto,  e  não 
podia  o  conde  de  Castello  Melhor  impedir 
estas  acções  d'el-rei  tão  mal  merecidas  da 
rainha,  porque  além  da  sua  muita  formo- 
sura, tinha  todas  as  virtudes  pessoaes  em 
grau  mui  superior. 

Continuou  el-rei  depois  de  casado  nas 
suas  libertinagens  andando  toda  a  noite, 
matando  e  acutilando  gente,  de  maneira 
que  ninguém  se  atrevia  a  sair  de  casa  com 
justo  receio  de  o  encontrar;  e  para  sua  com- 
panhia n'estes  excessos,  buscou  el-rei  por 
todo  o  reino  homens  facinorosos,  régulos, 
e  por  seus  delictos  omisiados  uns,  e  bani- 
dos outros;  e  d'esta  gente  fez  uma  compa- 
nhia da  sua  guarda  a  que  poz  o  nome  de 
petiscantes:  fez  capitão  d'ella  a  Belchior 
de  Serqueira,  homem  de  honrado  procedi- 
mento; foi  pagem  do  conde  da  Ericeira  D. 
Luiz  de  Menezes,  e  procurou  sempre  na 
guerra  imitar  a  seu  amo.    Juntou   el-rei 


D.  AFFONSO  VI  51 

quantidade  de  mouros,  negros  e  mulatos, 
a  que  chamava  patrulha  baixa;  e  também 
acompanhava  com  elles  de  noite. 

Indo  a  condeça  de  Ericeira,  D.  Joanna 
de  Menezes,  ao  paço  fallar  francez  com  a 
rainha,  parecendo  a  el-rei  que  era  grave 
culpa,  a  mandou  matar,  e  indo  ella  no  seu 
coche  recolhendo-se  com  o  pai,  mãe  e  ma- 
rido para  sua  casa  junto  ás  portas  de  San- 
to Antão,  lhe  tiraram  dois  caravinaços:  saí- 
ram os  dois  condes  valorosos  com  a  espada, 
não  a  castigar  aquelle  insulto,  posto  que 
frustrado  pela  mercê  de  Deus ;  os  aggres- 
sores  fugiram,  e  os  condes  se  recolheram  a 
sua  casa,  ficando  toda  a  corte  com  o  senti- 
mento que  pedia  o  caso. 

Outra  similhante  succedeu  na  rua  larga 
de  S.  Roque,  aonde  el-rei  mandou  atirar 
com  uma  caravina  ao  marquez  de  Niza,  in- 
do a  recolher-se  para  sua  casa,  sendo  di- 
gníssimo de  toda  a  estimação:  não  se  sou- 
be o  motivo  de  tão  injusta  resolução,  e  en- 


5â  VIDA  D'EL-REI 

tenderam  todos  que  milagrosamente  o  li- 
vrou Deus  por  estar  innocente  de  toda  a 
culpa. 

Depois  de  desterrado  o  duque  para  Al- 
meida, o  mandou  el-rei  matar  por  Gomes 
Freire  d' Andrade,  o  qual  notificado  por  el- 
rei  d'esta  disposição,  lhe  disse  que  o  du- 
que se  achava  em  Almeida ;  que  se  sua  ma- 
gestade  era  servido  que  o  fosse  desafiar, 
quando  elle  Gomes  Freire  tivesse  a  me- 
lhor fortuna,  ficaria  sua  magestade  obede- 
cido e  satisfeito;  de  outra  maneira  não  ac- 
ceitava  a  commissão.  Communicado  depois 
o  caso  a  Gil  Vaz  Lobo,  seu  parente,  e,  sen- 
do Gil  Vaz  obiigado  ao  duque,  o  avisou 
logo.  Ultimamente  se  encarregou  aquella 
diligencia  a  António  Fernandes  de  Cai-va- 
Iho,  chamado  o  Cotinho,  da  obrigação  do 
conde  de  Castello  Melhor:  para  aquelle 
efteito  se  lhe  deu  a  patente  de  capitão  de 
cavallos  da  província  da  Beira,  sem  con- 
sulta; e  chegou  a  Almeida  com  uma  carta 


D.  AFFONSO  VI  53 

do  conde  de  Castello  Melhor  para  Pedro 
Jaques.  Depois  que  o  duque  foi  avisado 
nunca  perdeu  prevenção,  e  sendo  ella  pre- 
sente a  António  Fernandes,  podia  temer 
que  a  melhor  prevenção  do  duque  fosse  o 
tirar-lhe  a  vida,  e  achando-se  em  uma  occa- 
siâo  de  guerra  em  que  o  duque  mandava 
uma  linha  de  cavallaria,  lhe  pareceu  con- 
veniente declarar-se,  e  o  fez  por  um  reli- 
gioso de  S.  João  de  Deus,  administrador  do 
hospital  de  Almeida. 

Todas  estas  cousas  faziam  um  horror  que 
a  passos  largos  apressavam  a  ruina  e  per- 
dição d'el-rei.  E  persuadidas  as  camarás  do 
reino  que  as  cortes  podiam  ser  remédio  de 
tantos  damnos,  communicando-se  umas  ca- 
marás com  as  outras,  pediu  a  de  Lisboa  con- 
vocação d'ellas.  Fizeram-se  as  cortes,  e  por- 
que as  temesse  o  conde  de  Castello  Melhor, 
ou  antes  as  temesse  el-rei,  nunca  assignou 
taes  cortes. 


54  VIDA  D'EL-REI 


CAPITULO  VII 

EXCLUSÃO  DO  VALIDO  D'EL-REI 

Achando-se  as  cousas  nos  termos  referi- 
dos, querendo  o  infante  recolher-se  á  quinta 
de  Queluz,  frei  Álvaro  de  Castello  Branco, 
religioso  de  Santo  Agostinho,  douto,  letrado 
e  ex-provincial,  disse  ao  conde  de  Sarzedas 
que  sabia  que  se  intentava  dar  peçonha  ao 
infante  na  agua  de  uma  fonte  d'onde  costu- 
mava beber;  e  encarregando  o  infante  ao 
doutor  Pedro  Fernandes,  juiz  da  inconfi- 
dência, que  examinasse  e  visse  se  podia  co- 
lher alguma  noticia,  fez  Pedro  Fernandes 
a  diligencia,  e  não  a  acabou  sem  alguns  in- 
dicios.  E.esolveu-se  o  infante  a  pedir  a  el-rei 
separasse  de  seu  lado  o  conde  de  Castello 


D.  AFFONSO  VI  55 

Melhor,  de  quem  se  queixava  como  incidia- 
dor  á  sua  vida,  pois  no  logar  em  que  se 
achava  de  vaHdo  de  sua  magestade,  nin- 
guém se  atrevia  a  depor  contra  elle. 

Chamou  el-rei  os  ministros  de  todos  os 
tribunaes,  e  tendo  um  papel  feito  pelo 
conde  de  Castello  Melhor,  disseram  uns  qi;e 
o  infante  não  tinha  asserção  que  fizesse 
prova,  que  dissesse  os  fundamentos  que  ti- 
nha para  provar  o  caso,  e  que  ,sua  mages- 
tade  procederia  n'elle  com  o  rigor  que  me- 
recia; disseram  outros  que  sua  magestade 
devia  ordenar  que  o  conde  de  Castello  Me- 
lhor saísse  da  corte,  porque  se  o  infante  não 
provasse  o  delicto,  tornaria  o  conde  com 
muita  honra  para  o  logar. 

Concorriam  todos  para  corte  real,  ficando 
deserto  o  paço,  e  temendo  o  conde  de  Cas- 
tello Melhor  o  fim  da  sua  vida,  se  valeu  da 
intercessão  da  rainha,  pedindo-lhe  que  man- 
dasse representar  a  sua  alteza  que  em  uma 
noite  sairia  da  corte,  segurando-lhe  o  in- 


56  VIDA  D'EL-REI 

fante  que  no  caso  da  peçonha  não  fallaria 
mais;  e  foi  o  marquez  de  Marialva  o  men- 
sageiro do  recado  da  rainha,  e  resposta  do 
infante,  que  dizia:  «Logo  que  vossa  mages- 
tade  houve  por  bem  entrar  n'este  negocio, 
me  pôz  na  obrigação  de  haver  de  obedecer 
a.  vossa  magestade,  como  vossa  magestade 
fosse  servida;  e  satisfazendo  áquella  parte 
em  que  vossa  magestade  me  manda  segure 
a  pessoa  e  honra  do  conde,  prometto  a  vossa 
magestade  debaixo  de  minha  fé  de  não  in- 
tentar contra  elle  cousa  que  as  oífenda;  e 
em  ordem  a  esse  fim,  e  a  que  elle  conde  co- 
nheça quão  poderosa  foi  a  mediação  de 
vossa  magestade,  quero  que  na  minha 
queixa  se  ponha  perpetuo  silencio,  como  se 
a  não  houvesse  intentado.  Deus  guarde  a 
real  pessoa  de  vossa  magestade  largos  e 
felizes  annos. » 

Tanto  que  o  conde  de  Castello  Melhor 
ficou  seguro  com  a  carta  do  infante,  saiu  do 
paço  de  noite  sem  dizer  pai^a  onde  ia,  nem 


D.  AFFONSO  VI  5'? 

se  soube  até  el-rei  ser  fechado.  Dizem  que 
levou  para  o  caminho  20  mil  cruzados  da 
fazenda  real:    se   assim  foi,   custaram-lhe 
pouco  trabalho  os  despachos,  porque  tinha 
uma  chancella  d' el-rei  ou  caixilho  com  que 
firmava  todos  os  despachos  que  queria,  li- 
songeando   el-rei  com  lhe  obviar  aquella 
obrigação.  Outra  chancella  ou  caixilho  ti- 
nha Henrique  Henriques  de  Miranda.  Acha- 
va-se  seu  hospede  António  de  Almeida  Car- 
valhaes,  soldado  de  valor;  tinha-lhe  el-rei 
dado  uma  ajuda  de  custo  pela  casa  de  Bra- 
gança, e  perdendo  o  despacho,  e  dizendo-o 
a  Henrique  Henriques,  e  que  se  não  atrevia 
a  pedir  outro,  lhe  respondeu  que  não  se 
can casse,  que  logo  se  faria  outro  com  salva, 
e  chamando  um  criado  seu  lhe  mandou  es- 
crever o  decreto,  e  o  firmou  com  o  caixilho 
d'el-rei.   António  de  Almeida,  que  não  era 
lerdo,  espantado   de  um  caso  tão  feio,  o 
murmurou  com  os  seus  amigos.  Depois  de 
alguns  annos  se  restituiu  este  caixilho  aq 


58  VIDA  D'EL-REI 

infante  D.  Pedro,  e  quebrando-o  com  um 
martelo  sobre  a  grade  do  eirado  da  corte 
real,  o  botou  no  mar  com  sua  mâo. 

Tão  estulto  era  el-rei,  que  d'aquella  ma- 
neira o  enganavam  seus  privados,  e  esta 
razão  era  o  maior  fundamento  de  ter  taes 
validos.  Era  alta  noite  quando  o  conde  de 
Castello  Melhor  recebeu  a  carta  do  infante, 
e  vendo-se  seguro  saiu  na  mesma  noite  da 
corte,  acompanhado  de  quarenta  cavallos 
de  toda  a  cavallaria  da  corte,  e  ficou  em 
um  convento  de  Arrabidos,  sete  legoas  de 
Lisboa,  junto  a  Torres  Vedras,  deixando  a 
el-rei  em  grande  sentimento.  Ficou  Lou- 
renço de  Sousa,  conde  de  S.  Thiago,  com 
animo  de  succeder  na  valia,  e  pai-a  o  aju- 
dar o  introduziu  oom  el-rei  Nuno  de  Men- 
donça, conde  de  Vai  de  Reis,  seu  sogro. 
Não  deixou  de  ser  muito  notado  que  um 
homem  tão  prudente  como  o  conde,  se  re- 
solvesse a  ser  esteio  de  um  edifício,  ao  qual 
a  cada  hora  se  esperava  total  ruina. 


D.  AFFONSO  VI  õ9 


CAPITULO  VIII 


QUteiXAS  DA  RAINHA 


Entre  o  secretario  cia  rainha  Pedro  de 
Almeida,  e  o  conde  de  Santa  Cruz,  mordo- 
mo-mór  da  rainha,  se  moveu  uma  questão 
ou  duvida.  Dizia  Pedro  de  Almeida  que  o 
mordomo-mór  da  rainha  não  havia  de  pôr 
vista  sobre  os  papeis  que  se  lavravam  pela 
secretaria  da  rainha.  Defendia-se  o  conde, 
mostrando  que  D.  Sancho  de  Noronha, 
conde  de  Odemira,  o  marquez  de  Ferreira, 
o  conde  de  Abrantes,  e  elle  conde  de  Santa 
Cruz,  tinham  posto  vista  sobre  todos  os  pa- 
peis lavrados  pela  secretaria. 

Mandou  a  rainha  que  os  dois  contendo- 


60  VIDA  D'EL-REI 

res  pozessem  por  escripto  as  suas  perteii- 
ções.  Assim  o  fizeram,  e  entregando-as  a 
rainha  a  António  de  Sousa  de  Macedo,  se- 
cretario de  estado,  lhe  disse  que  os  consul- 
tasse com  dois  desembargadores  do  paço. 
Excedeu  esta  ordem  António  de  Sousa  de 
Macedo,  mandando-os  ao  desembargo  do 
paço  com  uma  remissão  d'el-rei.  Fez  a  mesa 
consulta  a  favor  do  mordomo-mór,  e  dese- 
jando António  de  Sousa,  por  agradar  ao 
conde  de  Castello  Melhor,  que  aquella  ma- 
téria fosse  ao  conselho  de  estado,  enten- 
dendo seria  resolução,  se  conformou  o  con- 
selho com  a  consulta  da  mesa. 

Deteve-se  este  negocio  sem  se  dar  conta 
á  rainha  do  caminho  que  tomara.  Cons- 
tando á  rainha  do  parecer  da  mesa  e  con- 
selho de  estado,  foi  este  o  primeiro  motivo 
da  sua  queixa.  O  segundo  foi  que  estando 
o  duque  do  Cadaval  desterrado  em  Almei- 
da, veiu  com  licença  d'el-rei  ás  Caldas,  cu- 
rar-se  do  um  aleijão  que  tinha  no  braço 


I 


D.  AFFONSO  VI  61 

esquerdo,  procedido  de  uma  grande  ferida 
que  recebeu  com  outras  na  batalha  de  S. 
Miguel;  e  chamando  a  rainha  o  secretario, 
dizendo-lhe  que  era  preciso  que  o  duque  se 
recolhesse  a  corte,  logo  o  secretario  de  es- 
tado lhe  escreveu  ás  Caldas  que  el-rei  lhe 
ordenava  que  logo  que  recebesse  aquella 
carta  partisse  para  Almeida,  por  assim  con- 
vir ao  serviço  d'el-rei.  Não  replicou  o  duque, 
e  promptamente  obedeceu  á  ordem  d' el-rei. 
Sabendo  a  rainha  estes  dois  casos,  chamou 
o  secretario  de  estado,  e  o  arguiu,  dizendo- 
lhe  que  tinha  excedido  a  sua  ordem,  por- 
que mandando-lhe  que  a  consultasse  com 
dois  desembargadores  do  paço,  a  tinha  man- 
dado ao  tribunal,  e  depois  ao  conselho  de 
estado;  também  lhe  disse  que  lhe  estra- 
nhava muito  o  procedimento  que  se  teve 
com  o  duque,  porque  fallando  ella  a  seu 
favor  justamente,  então  é  que  maior  injus- 
tiça o  havia  lançado  para  Almeida,  privan- 
do-o  do  remédio  necessário  á  sua  saúde. 


62  VIDA  D'EL-EEI 

porque  a  causa  de  vir  ás  Caldas  fora  con- 
trahida  na  defensa  d'estes  reinos.  Respon- 
deu o  secretario  com  vozes  muito  desentoa- 
das que  a  primeira  queixa  de  sua  mages- 
tade  era  injusta,  porque  elle  n'aquelle  ne- 
gocio tinha  feito  o  que  convinha,  pois  sua 
magestade  não  sabia  os  estylos  de  Portugal. 
E  pelo  que  tocava  ao  duque  tornasse  a 
culpa  sua  magestade  a  el-rei.  Tornou-lhe 
a  rainha  que  se  ella  previsse  o  que  em  Por- 
tugal havia  de  achar,  podia  ser  que  em 
França  fizesse  o  contrario  do  que  fez,  pelo 
ignorar.  Disse-lhe  António  de  Sousa  a  gri- 
tos que  sua  magestade  não  tinha  razão,  e 
que  as  pessoas  que  andavam  na  sua  pre- 
sença a  enganavam,  e  eram  traidores.  A 
rainha  lhe  disse  que  fallasse  manso,  e  com 
mais  respeito,  e  que  se  fosse  embora,  que 
o  não  queria  ouvir.  E  se  levantou  da  cadeira 
como  para  se  ir  e  lhe  dar  as  costas;  e  foi 
tão  atrevido  António  de  Sousa,  que,  pe- 
gando pela  roupa  á  rainha,  lhe  disse  que 


D.  AFFONSO  VI  63 

sua  magestade  estava  obrigada  a  ouvil-o. 
Queixando-se  a  rainha  do  mau  termo  de 
António  de  Sousa,  fez  elle  um  papel  de  sua 
desculpa:  foi  este  ao  conselho  de  estado,  e 
pareceu  o  que  contém  o  assento  seguinte: 
«Propondo-se  aos  ministros  abaixo  assi- 
gnados  a  prática  que  o  secretario  de  estado 
teve  com  a  rainha  nossa  senhora,  consta  do 
papel  feito  em  nome  do  mesmo  secretario 
António  de  Sousa  de  Macedo,  que  elle,  co- 
mo a  dita  senhora  affirma,  lhe  perdera  o 
respeito,  e  parece  que  além  de  se  justificar 
o  mesmo  secretario,  seria  mal  entendido  da 
rainha  nossa  senhora,  pois  só  o  zelo  é  bas- 
tante a  persuadir  a  sua  magestade  que  a 
nação  portugueza  procura  em  tudo  venerar 
a  sua  magestade,  e  não  tratal-a  como  refere 
o  papel.  Deve  sua  magestade  mandar  que 
o  secretario  de  estado  se  retire  para  fora  da 
corte  por  espaço  de  dez  ou  doze  dias,  e  que 
n'estes  venha  servir  o  dito  officio  António 
dé  Cavidc;  c  outrosim  deve  o  mesmo  se- 


64  VIDA  D'EL-REI 

nlior  fazer  presente  á  rainha  nossa  senhora 
que  faz  esta  demonstração  só  por  lhe  dar 
gosto,  e  que  em  semelhantes  occasiôes  se 
não  empenhe  pelas  más  consequências  que 
d'ellas  pode  resultar  no  estado  das  cousas, 
assim  do  presente,  como  para  o  futuro.  Lis- 
boa, 31  de  agosto  de  1667.» 

Resultou  doeste  assento  mandar  el-rei 
António  de  Sousa  para  a  sua  quinta  da  Luz. 
•  No  dia  seguinte  ao  da  partida,  veiu  Antó- 
nio de  Sousa  á  secretaiia,  e  se  apeou  nas 
escadas  do  paço  com  duas  pistolas  no  cinto, 
e  pondo-as  no  bofe  te  da  secretaria,  não  só 
se  escandalisou  a  rainha  e  o  infante,  mas 
todos  que  viram  armado  o  bofete  da  secre- 
taria de  estado.  D 'esta  imprudência  de  An- 
tónio de  Sousa,  se  resolveu  a  rainha  a  quei- 
xar-se  mais  severamente,  e  chamando  o 
marquez  de  Sande,  lhe  deu  o  papel  que  se 
segue,  para  el-rei: 

«Não  fiz  mais  cedo  a  vossa  magestadc 
e  ao  conselho  de  estado  presente,  a  justa 


D.  AFFONSO  VI  65 

causa  do  meu  sentimento,  e  o  extranho  mo- 
tivo da  minha  queixa,  por  até  agora  caute- 
losamente se  me  occultar  a  resolução  junta, 
que  se  tomou  no  conselho  de  estado,  a  qual, 
sendo  mostrada,  me  deixou  em  grande  ad- 
miração; e  se  eu  mais  cedo  tivera  noticia 
d'ella,  logo  procurara  representar  a  vossa 
magestade  a  magoa  e  dôr  a  que  a  minha 
consciência,  a  minha  honra,  justiça,  razão 
e  verdade  me  obrigou.  Agora,  senhor,  que 
sei  da  resolução  do  conselho,  me  queixo  a 
vossa  magestade  com  a  confiança  de  rai- 
nha, com  a  humildade  de  vassalla,  e  com  a 
justiça  de  uma  pessoa  particular,  da  porfia 
com  que  António  de  Sousa  de  Macedo  se 
atreveu  a  calumniar-me,  e  a  enganar  alei- 
vosamente os  conselheiros,  segurando-lhes 
que  na  prática  que  comigo  tivera,  eu  lhe 
íallára  contra  toda  a  nação  portugueza,  sa- 
bendo ellc  muito  bem,  como  eu  aqui  de- 
claro a  vossa  magestade,  em  fé  e  palavra  de 
rainha,  que  eu  lhe  fallci  muito  ajustada- 


66  VIDA  D'EL-REI 

mente  ao  sentimento  e  interesse  de  toda  a 
mesma  nação  contra  o  procedimento  do 
mesmo  António  de  Sousa,  e  de  dois  on  três 
amigos  seus,  que  me  trataram  indigna- 
mente. Não  se  pode  ver  cousa  mais  espan- 
tosa, que  atrever-se  este  homem,  por  meio 
de  uma  falsidade,,  que  nem  a  menor  appa- 
rencia  podia  ter  de  verdadeira,  e  de  uma 
tão  gi^osseira  e  mentirosa  calumnia,  a  pro- 
curar e  a  conseguir  subrepticiamente  no 
conselho  de  estado  uma  resolução  tão  in- 
juriosa contra  uma  rainha ;  pois  é  certo  que 
me  não  chega  menos  ao  coração  o  agi-ado- 
cimento  das  demonstrações  de  amor,  de 
respeito,  e  de  compaixão  que  em  todas  as 
occasiões  conheço  em  todos  os  portuguezes, 
08  quaes  estimo  e  amo  como  meus  filhos, 
de  que  me  chega  a  experiência  que  tenho 
da  maldade  e  dureza  com  que  estes  dois  ou 
três  homens  me  trataram  sempre,  os  quaes 
me  obrigam,  pelas  suas  insolências,  a  os 
condemnar  como  meus  capitães  inimigos. 


D.  AFFONSO  VI  67 

Sobre  tudo  isto,  senhor,  depois  de  eu  haver 
declarado  e  protestado,  como  de  novo  faço, 
que  eu  não  poderei  jamais  fallar  a  António 
de  Sousa  de  Macedo,  nem  ver  um  tal  ho- 
mem, que  com  falso  testemunho  alcançou 
cautelosamente  contra  meu  credito  uma  re- 
solução tão  odiosa,  de  que  se  fez  um  tão 
escandaloso'  assento,  cheio  de  reprehensões 
e  de  ameaços.  Peço  humildemente  prostrada 
aos  pés  reaes  de  vossa  magestade,  repara- 
ção da  minha  verdade,  e  satisfação  da  mi- 
nha queixa,  ordenando  vossa  magestade 
que  António  de  Sousa  de  Macedo  seja  jul- 
gado e  castigado  conforme  as  leis  estabele- 
cidas contra  os  criminosos  de  lesa  mages- 
tade, e  que  elle  primeiro  que  tudo  peça 
perdão,  e  declare  a  falsidade  da  sua  pro- 
posta no  conselho  de  estado,  pois  dentro 
n'ella  offendeu  a  Deus,  a  vossa  magestade, 
a  mim,  aos  conselheiros  que  elle  enganou, 
á  justiça  e  verdade,  com  diversas  mentiras 
maliciosas  e  cheias  de  rebeldia  e  traição,  e 


68  VIDA  D'EL-REI 

que  este  principio  de  satisfação  se  escreva 
e  metta  uo  logar  do  assento  pernicioso  que 
se  pôz  nos  registos  do  conselho  de  estado. 

Senhor,  sirva- se  vossa  magestade  de  man- 
dar considerar  a  grandeza  d'este  crime,  pois 
se  a  reputação  offendida  de  uma  pessoa 
particular  requer  uma  grande  satisfação, 
qual  será  a  com  que  se  deve  reparar  o  cre- 
dito de  uma  rainha,  que  é  inseparável  de 
vossa  magestade,  e  de  sua  soberana  aucto- 
ridade?  Justiça  peço,  senhor,  por  parte  de 
vossa  magestade,  pela  minha,  pela  de  seus 
conselheiros  de  estado,  que  cavilosamente 
enganados,  assignaram  esta  resolução,  que 
se  não  deve  tomar  contra  qualquer  vassal- 
lo,  quanto  mais  contra  uma  rainha,  sem 
primeiro  ser  ouvida ;  mas  a  violência  e  ar- 
tificiosas traças  juntas  ao  poder  fazem  obrar 
estas  cousas,  e  servem  de  escusa  á  injustiça 
d'ellas. » 

Rompeu  el-rei  este  papel  por  conselho  de 
António  de  Sousa  de  Macedo,  que  já  an- 


D.  AFFONSO  VI         .  69 

(lava  publicamente  no  paço  com  duas  pis- 
tolas na  cinta;  e  entrando  el-rei  no  quarto 
da  rainha,  a  reprehendeu  asperamente  e 
com  palavras  indecentes,  que  a  obrigaram 
a  recolher-se  na  sua  camará,  e  não  sair 
d^ella. 


10 


70  VIDA  D'EL-REI 


CAPITULO  IX 


EXCLUSÃO  DO  SECRETARIO  D'ESTADO 


Teve  o  infante  noticia  de  que  António 
de  Sousa  aconselhava  el-rei  que  saísse  da 
corte  uma  noite,  e  levasse  comsigo  a  caval- 
laria,  os  petiscantes,  e  a  patrulha  baixa,  e 
que  no  outro  dia  de  madrugada  entrasse 
na  cidade,  pondo  tudo  a  ferro  e  sangue,  até 
chegar  á  mesma  pessoa  do  infante.  Consul- 
tada esta  matéria  na  corte  real,  pareceu  que 
a  todo  o  lisco  se  fosse  tirar  do  paço  a  An- 
tónio de  Sousa  de  Macedo.  Quarta  feira  pela 
manhã  foi  o  infante  ao  paço  com  a  maior 
parte  da  nobreza,  acompanhado  do  senado 
da  camará,  de  quantidade  de  povo,  de  ai- 


D.  AFFONSO  VI  71 

guns  homens  valorosos  que  iam  a  cargo  de 
Luiz  de  Mello,  almirante  da  armada,  conhe- 
cido por  de  grande  valor,  com  ordem  que 
o  que  não  podésse  vencer  a  manha  e  bom 
termo,  se  executasse  com  a  ultima  reso- 
lução. 

Estava  el-rei  na  cama:  ficaram  os  fidal- 
gos e  o  senado  na  casa  do  docel,  e  Luiz 
Velho  na  de  fora.  Entrou  o  infante  na  ca- 
mará, e  ficou  na  porta  o  duque  do  Cadaval 
e  o  marquez  de  Fronteira.  Acudindo  áquelle 
grande  reboliço  o  conde  de  Vai  de  Reis, 
que  assistia  a  el-rei,  querendo  entrar  na  ca- 
mará lhe  foi  impedido  pelos  dois  que  esta- 
vam a  porta.  O  conde  de  Vai  de  Reis  vol- 
tou, e  se  foi  para  sua  casa:  ficou  no  paço 
o  conde  de  S.  Thiago;  mas  usando  de  pru- 
dência de  que  era  dotado,  se  arrimou  a  uma 
janella,  vendo  que  nem  a  politica  nem  o 
valor  podia  já  prestar  a  el-rei. 

Pedia  o  infante  a  el-rei  que  expulsasse 
do  paço  a  António  de  Sousa  de  Macedo; 


72  VIDA  D'EL-REI 

valia-se  para  isto  de  razões  brandas  e  effi- 
cazes:  a  todas  ellas  respondia  el-rei  cho- 
rando e  proferindo  outras  muito  indecentes 
e  indignas.  Tanto  que  o  infante  chegou  ao 
paço,  medroso  António  de  Sousa,  o  metteu 
o  conde  de  S.  Thiago  em  um  armário  com 
seu  ferrolho,  mas  sem  fechadura.  Vendo  o 
infante  que  el-rei  não  queria  tomar  a  reso- 
lução que  convinha,  chegou  á  porta  onde 
estava  o  duque,  e  lhe  disse  que  buscasse 
António  de  Sousa,  e  o  trouxesse  a  presença 
d'el-rei,  segurando-o  elle  que  sendo  noite 
deixasse  o  paço  para  mais  não  tomar  a  elle. 
Tinha  o  duque  amisade  com  o  conde  de 
S.  Thiago,  e  consultando-lhe  a  matéria,  lhe 
disse  o  conde  que  se  lhe  segurasse  a  vida 
de  António  de  Sousa  lhe  diria  onde  estava; 
e  fazendo-o  assim  o  duque,  foi  abrir  o  ar- 
mário onde  estava  António  de  Sousa  en- 
commendando-se  a  Deus  com  a  cruz  de 
umas  camandulas,  entendendo  que  alli  era 
a  ultima  hora  da  sua  vida,  e  i:)ondo-se  de 


D.  AFFONSO  VI  73 

joelhos,  lhe  disse  o  duque  que  elle  o  segu- 
rava e  levava  á  presença  d'el-rei,  com  a 
condição  que  em  sendo  noite  largasse  o 
paço  para  não  tornar  a  elle,  porque  se  tor- 
nasse o  não  segurava.  Era  preciso  passar 
pela  casa  em  que  estava  Luiz  Velho ;  e  tanto 
que  appareceu  António  de  Sousa  de  Ma- 
cedo, levando  toda  a  gente  que  alli  estava 
da  espada,  e  querendo-o  matar,  o  duque 
com  animo  socegado,  pondo  António  de 
Sousa  atraz  de  si,  disse :  « Senhor  Luiz  Ve- 
lho, António  de  Sousa  vem  comigo;  embai- 
nhe vossa  mercê  a  espada,  e  mande  que  se 
abra  caminho  para  eu  levar  seguro  a  An- 
tónio de  Sousa ; »  e  executou-se  isto  prom- 
ptamente. 

Chegou  António  de  Sousa  á  presença 
d'el-rei,  que  abraçando-o,  lhe  chamou  seu 
ministro,  e  outros  disparates  similhantes; 
emíim,  cumpriu  António  de  Sousa  a  pala- 
vra de  sair  do  paço  e  não  apparecer  mais. 
Contente  de  ver  a  António  de  Sousa  na  sua 


74  VIDA  D'EL-RET 

presença,  o  tomou  pela  mão,  e  o  levou  ao 
quarto  da  rainha.  Estavam  as  duas  casas 
por  onde  passou  cheias  de  gente ;  fez-se  ca- 
minho ;  chegou  com  António  de  Sousa  pela 
mão  ao  quarto  da  rainha,  e  lhe  disse  que 
era  rei  e  monarcha,  e  que  havia  de  fazer  o 
que  quizesse,  e  que  outro  dia  lhe  não  fi- 
zesse queixa  de  algum  ministro  seu :  a  rai- 
nha soiTÍu-se  um  pouco,  e  não  respondeu  a 
el-rei,  certa  no  assentado  com  António  de 
Sousa;  e  voltando  el-rei,  pai-ecendo  ao 
conde  de  S.  Thiago  que  estava  acabada 
aquella  quarta  feira  aquella  contenda,  le- 
vantou a  voz  e  disse:  «Perdão:  el-rei  per- 
doa ao  conde  de  Sabugal  generosamente.» 
Disse  o  conde  também  em  voz  alta:  «Per- 
dão não.»  Tomou  el-rei  com  fúria:  «Per- 
dão sim. »  E  elle  emíim  para  el-rei:  «Perdão 
não,  que  suppoe  culpa,  sendo  tudo  razões. » 
Começou  muita  gente  que  estava  na  casa 
a  revolver-se;  e  temendo  o  conde  de  S. 
Thiago  resposta  mais  resoluta,  fez  que  el-rei 


D.  AFFONSO  VI  75 

se  recolhesse  com  António  de  Sousa  pela 
mão;  e  seguro  o  infante  de  que  havia  de 
ser  obedecido,  e  a  rainha  satisfeita,  se  re- 
colheu á  corte  real,  e  tanto  que  foi  noite  se 
ausentou  António  de  Sousa  para  sempre. 

Vendo  o  velhaco  de  Manoel  Antunes  já 
ultrajado  o  respeito  d'el-rei,  e  considerando 
pelas  suas  grandes  culpas  o  que  lhe  podia 
succeder,  fugiu  na  mesma  noite  em  que  An- 
tónio de  Sousa  se  ausentou.  Quando  pela 
manhã  viu  el-rei  que  lhe  faltava  aquelle 
amigo  e  maldito  conselheiro,  desatinado 
chamou  o  tenente  general  de  cavallaria, 
Diogo  Luiz,  e  lhe  disse  que  fosse  buscar 
Manoel  Antunes.  Diogo  Luiz,  por  satisfa- 
zer a  el-rei,  passou  á  provincia  do  Alemtejo 
em  busca  de  Manoel  Antunes,  e  se  recolheu 
sem  elle,  que  da  mesma  sorte  nunca  mais 
appareceu. 


76  •  VIDA  DEL-REI 


CAPITULO  X 


REGOLHE-SE  A  RAINHA  A  ESPERANÇA 


Postas  as  cousas  n'estes  termos,  era  toda 
a  bulha  se  se  haviam  de  coirer  os  touros  da 
festa  de  Santo  António.  El-rei  porfiava  que 
se  haviam  de  correr;  a  rainha  instava  que 
nâo;  o  infante  dizia  que  confusa  e  embara- 
çada a  corte,  chorando  todos  a  sua  miséria, 
não  era  tempo  de  haver  festas ;  e  com  estas 
difficuldades  estavam  os  touros  no  terreiro 
do  paço  sustentados  com  palha.  Era  um 
dos  maiores  cuidados  d'el-rei  que  se  lhes 
não  faltasse  com  aquelle  sustento,  e  assim 
estiveram  até  que  se  derribaram  os  palan- 
ques. 


D.  AFFONSO  VI  77 

A  marqueza  de  Castello  Melhor,  cama- 
reira-mór  da  rainha,  lhe  disse  em  uma  ma- 
nhã que  tinha  uma  comadre  perita  no  seu 
officio,  e  de  grande  segredo;  que  lhe  desse 
sua  magestade  licença  para  a  mandar  cha- 
mar, e  ella  lhe  faria  uma  obra  natural,  e 
poderia  sua  magestade  ser  mulher  d'el-rei. 
Sentiu  a  rainha  muito  a  proposição,  e  disse 
á  marqueza  que  não  apparecesse  mais  diante 
d'ella;  e  se  recolheu  a  sua  casa,  tomando 
o  pretexto  da  expulsão  do  conde  seu  filho, 
já  atraz  mencionada. 

Conferindo  a  rainha  o  caso  com  o  padre 
Francisco  Ávila,  seu  confessor,  homem  de 
letras  e  de  virtudes,  e  com  Luiz  de  Verjie, 
seu  secretario  das  cartas  de  França,  homem 
de  grande  talento  e  de  muita  fidelidade  á 
rainha,  ambos  entenderam  que  sua  mages- 
tade estava  no  risco  de  uma  violência,  e  que 
o  meio  mais  seguro  de  a  obviar  era  reco- 
Iher-se  sua  magestade  a  um  convento,  man- 
dando a  el-rei  pelo  conde  de  Santa  Cruz 


78  VIDA  D'EL-REI 

um  recado  por  escripto,  e  que  do  convento 
intentasse  sua  magestade  annullar  o  matri- 
monio pelos  nieios  de  justiça  ecclesiastica. 
Recebido  este  conselho  pela  rainha,  man- 
dou ao  seu  confessor  que  o  communicasse 
com  o  duque  do  Cadaval,  e  que  lhe  pedisse 
fizesse  a  minuta  do  recado,  que  ella  havia 
de  copiar  pela  sua  letra  para  mandar  pelo 
conde  a  el-rei.  Fez  o  duque  a  minuta,  e 
copiando-a  a  rainha,  a  levou  comsigo,  par- 
tindo a  recolher-se  á  Esperança.  Tanto  que 
entrou  na  clausura,  deu  ao  conde  de  Santa 
Cruz  o  papel,  e  o  levou  a  el-rei,  que,  len- 
do-o,  achou  dizer-lhe  a  rainha  o  seguinte: 
«Deixei  a  pátria,  a  casa,  os  parentes,  e 
vendi  a  minha  fazenda  por  vir  acompanhar 
a  vossa  magestade;  e  com  o  desejo  de  o 
fazer  muito  á  sua  satisfação,  e  tendo  sentido 
muito  a  desgraça  de  o  não  poder  conseguir 
por  mais  que  o  procurei:  obrigada  da  mi- 
nha consciência,  me  resolvi  a  tornar  para 
França  nos  navios  de  guerra  que  aqui  che- 


D.  AFFONSO  VI  79 

garam.  Peço  a  vossa  magestade  me  faça 
mercê  dar-me  licença  para  isso,  e  de  man- 
dar-me  entregar  o  meu  dote,  pois  que  vossa 
magestade  sabe  muito  bem  que  não  estou 
casada  com  elle,  e  espero  da  grandeza  de 
vossa  magestade  me  mande  fazer  assim  a 
entrega  do  meu  dote,  como  em  tudo  o  mais 
o  favor  que  merece  uma  princeza  estrangei- 
ra, e  desamparada  n'estes  reinos,  e  que  veio 
buscar  a  vossa  magestade  de  tão  longe. » 

Enfurecido  el-rei  com  o  papel  que  levou 
o  conde  de  Santa  Cruz,  mandou  logo  pôr  o 
coche,  e  quando  chegou  ao  convento,  che- 
gou também  o  infante,  o  marquez  de  Fron- 
teira, o  duque  do  Cadaval,  e  D.  Miguel  Luiz 
de  Menezes,  e  logo  foi  concorrendo  áquelle 
logar  todo  o  género  de  pessoas  que  seguiam 
o  partido  do  infante. 

Batia  fortemente  na  porta  do  convento  o 
conde  da  Vidigueira,  pedindo  machados. 
Chegou  a  elle  o  marquez  de  Fronteira,  seu 
cunhado,  e  lhe  disse  que  os  machados  se 


80  VIDA  D'EL-REI 

não  haviam  de  lançar  á  porta  da  clausura, 
mas  á  cabeça  de  quem  os  trouxesse,  e  ficou 
o  marquez  encostado  á  porta. 

Estava  a  rainha  com  justo  receio;  mas 
as  religiosas  a  confortavam,  dizendo  qfue 
haviam  de  defender  a  sua  magestade  e  a 
clausura,  fechando  bem  as  portas  todas  do 
convento;  e  vendo  o  duque  o  estado  d'a- 
quelle  concilio  de  desordens,  lhe  pareceu 
conveniente  chegar  ao  coche  d'el-rei,  a  di- 
zer-lhe :  « Senhor,  não  convém  a  vossa  ma- 
gestade bater  em  porta  que  se  lhe  não  ha-de 
abrir;  a  resolução  mais  prudente  é  reco- 
Iher-se  vossa  magestade  ao  paço. » 

Temia  el-rei  o  concurso  da  gente  que  se 
ia  chegando,  e  seguiu  o  conselho  do  duque. 
Ido  el-rei  para  o  paço,  se  recolheu  o  infante 
á  corte  real. 

Achava-se  no  rio  de  Lisboa  uma  annada 
franceza  com  muita  gente  nobre,  chamada 
guarda  marinha.  Pareceu  ao  abbade  de  S. 
Romão,  enviado  d'el-rei  de  França,  que  de- 


D.  AFFONSO  VI  81 

via  assistir  á  rainha,  e  mandou  pôr  em  terra 
um  bom  regimento  de  infanteria,  que  esteve 
detraz  das  casas  do  duque  de  Aveiro,  até 
amanhecer.  Deu  pela  manhã  parte  o  en- 
viado á  rainha,  e  ella  lhe  deu  as  graças. 
Avisou  o  infante,  que  mandou  chamar  João 
de  Rochas  de  Azevedo,  seu  secretario,  e  lhe 
ordenou  buscasse  o  enviado,  e  lhe  dissesse 
de  sua  parte  que  mandasse  para  bordo  dos 
navios  a  gente  que  estava  em  terra,  porque 
a  rainha  nossa  senhora  estava  segura;  e 
logo  o  abbade  de  S.  Romão  o  fez  assim. 

Quieto  o  convento,  e  socegadas  a  rainha 
e  religiosas,  chamou  sua  magestade  as  da- 
mas e  donas  de  honor,  e  lhes  agradeceu  com 
muitas  palavras  de  honra  e  de  ceremonia, 
digo,  e  de  carinho  a  boa  assistência  que 
lhe  tinham  feito,  e  que  pela  não  desconso- 
lar queria  que  se  recolhessem  a  suas  casas ; 
e  todas  beijaram  a  mão  á  rainha,  e  com 
muitas  lagrimas  lhe  seguraram  as  suas  sau- 
dades: ficaram  no  convento  duas  damas, 


82  VIDA  D'EL-REI 

D.  Antónia  Mauricia,  e  D.  Isabel  Francisca, 
e  as  moças  da  camareira-mór  franceza,  que 
serviam  a  rainha. 


D.  AFFONSO  VI  83 


CAPITULO  XI 


PRISÃO  D'EL-REI 


Sendo  já  por  todos  conhecida  a  incapa- 
cidade d'el-rei,  a  qiiería  dissuadir  o  conde 
de  S.  Thiago  com  as  suas  conveniências  a 
beneficio  do  conde  de  Castello  Melhor  e  de 
António  de  Sousa  de  Macedo.  Chamou  Ruy 
de  Moura  Telles,  avô  de  sua  mulher,  espe- 
rando do  seu  conselho  buscasse  algum  re- 
médio para  fazer  salvar  o  perigo  em  que 
el-rei  se  achava.  Pareceu  a  ambos  que  el-rei 
á  noite  passasse  a  Aldeia  Gallega,  e  prom- 
ptamente  a  Elvas.  Chegando  esta  noticia  á 
corte  real,  pareceu  a  todos  uniformemente 
que  a  todo  o  risco  se- havia  de  impedir,  e 


84  VIDA  D'EL-EEI 

que  seria  o  único  meio  de  pôr  o  reino  em 
socego. 

Chegou  a  noite  em  que  el-rei  havia  de 
executar  a  sua  jornada,  e  estando  prompta 
a  embarcação,  disse  a  Ruy  de  Moura  que 
não  podia  fazer  jornada  sem  levar  Joanna 
comsigo  (que  era  uma  mulher  publica  em 
a  qual  queria  el-rei  dissimular  a  sua  inca- 
pacidade e  impotência).  E  vendo  Ruy  de 
Moura  uma  irresoíução  tão  rídicula,  disse 
ao  conde  de  S.  Thiago  que  elle  não  podia 
dar  capacidade  a  el-rei,  e  que  emíim  ia  para 
sua  casa.  Assim  o  fez,  e  com  esta  noticia  (a 
qual  passou  prompta  mente  á  corte  real, 
dada  pelo  doutor  Pedro  Fernandes  Montei- 
ro), se  recolheram  os  fidalgos  que  lá  se  acha- 
vam promptos  para  toda  a  empreza. 

Passou  a  rainha  uma  procuração  ao  conde 
de  Santa  Cruz,  seu  mordomo-mór.  Tinha 
elle  muito  zelo,  porém  imprudente:  perten- 
dia  a  rainha  annullar  o  matrimonio,  e  sem 
outra  diligencia  se  passaram  alguns  dias. 


D.  AFFONSO  VI  85 

Chegou  a  ultima  quarta  feira,  quando  as- 
sentou o  infante  que  o  conselho  de  estado 
pela  manhã  cedo  fizesse  a  ultima  diligencia 
com  el-rei,  e  que  o  duque  o  fosse  avisar  á 
corte  real  do  que  el-rei  resolvesse.  Anteci- 
pou-se  o  marquez  de  Cascaes,  e  entrando 
na  camará  d'el-rei,  lhe  disse  um  moço  da 
guarda-roupa  que  estava  dormindo.  O  mar- 
quez- lhe  tornou:  «Isto  não  são  horas  de 
dormir,»  e  entrando  dentro,  fallou  a  el-rei 
assim:  «Traz-me,  senhor,  aqui  o  meu  zelo, 
o  meu  sangue  e  a  minha  obrígação.  Vossa 
magestade  está  chegado  ao  ultimo  termo 
da  sua  perdição,  e  fora  melhor  que  vossa 
magestade  se  remediasse  a  tempo  antes  de 
chegar  o  tempo  de  não  ter  remédio.  Chame 
vossa  magestade  o  infante,  e  entregue-lhe 
o  governo  do  reino :  descance  e  encommen- 
de-se  a  Deus.»  Respondeu  el-rei  ao  mar- 
quez que  tal  não  havia  de  fazer,  e  que  antes 
se  deitaria  de  uma  janella  abaixo.  O  mar- 
quez que  tinha  galanteria,  auctoridade  e 


86  VIDA  D'EL-REI 

valor,  quando  saiu  juntou  uma  razão  com 
a  outra,  e  disse  em  voz  alta :  « Ai  que  tolo : 
deixai-o; »  porque  já  entravam  alguns  cava- 
lheiros e  conselheiros  de  estado  na  casa  que 
se  seguia  á  camará  d'el-rei. 

Chegaram  os  que  faltavam,  e  porque  não 
vieram  o  conde  de  Arcos,  nem  Ruy  de 
Moura,  se  resolveu  o  conselho  de  estado  a 
entrar  na  camará  onde  el-rei  estava,  e  pon- 
do-se  de  joelhos  todos  com  as  mãos  postas, 
o  marquez  de  Marialva  pediu  a  el-rei  que 
os  não  obrigasse  ao  ultimo  fim,  que  cha- 
masse o  infante,  que  o  abraçasse  e  lhe  en- 
tregasse o  reino.  Fallou  o  marquez  de  Sande 
a  el-rei,  e  disse-lhe  o  mesmo  com  termos 
discretos  e  reverentes.  Respondeu  el-rei  a 
tudo  isto  desentoadamente :  «Não  quero, 
não  quero ;  matar-me-hei  com  uma  faca. » 
Saiu  o  conselho  para  fora;  levou  o  duque 
recado  ao  infante;  veio  ao  paço  (que  já  se 
achava  só)  acompanhado  de  toda  a  nobreza 
e   do   senado,  e  de  muita  quantidade  de 


D.  AFFONSO  VI  87 

povo:  tomaram-se  todas  as  portas  do  paço 
com  homens  de  valor;  chegou  o  infante  á 
casa  onde  estava  o  conselho  de  estado;  e 
chegando-se  todos  para  onde  estava  uma 
janella  que  cáe  para  o  eh-ado,  se  despejou 
a  casa.  Relatou  o  duque  ao  infante,  em  no- 
me do  conselho,  tudo  o  que  se  tinha  pas- 
sado, e  porque  houve  alguma  diíFerença  nos 
votos  sobre  o  modo  com  que  el-rei  devia  ser 
recluso,  disse  o  marquez  de  Niza  ao  in- 
fante :  « Senhor,  tem-se  chegado  o  tempo 
ultimo  em  que  vossa  alteza  ha-de  fechar 
aquella  porta,  e  mandar  o  duque  do  Cada- 
val que  vá  fechar  a  outra,  e  não  perca  vossa 
alteza  o  tempo.»  Mandou  o  infante  ao  du- 
que fechasse  a  outra  porta  da  camará  d'el- 
rei,  e  fechou  o  infante  a  primeira.  Foi  o 
marquez  de  Marialva  com  o  duque.  Depois 
de  fechadas  as  portas  ambas,  começou  el-rei 
a  gritar  da  janella  que  cáe  para  o  picadeiro, 
para  que  lhe  acudissem.  Aos  gritos  d'el-rei 
subiram  elles  todos  com  pistolas  nas  mãos ; 


88  VIDA  D'EL-REI 

pôz-se  O  marquez  na  porta  que  cáe  para  o 
eirado,  e  perguntando  aos  primeiros  que 
chegaram  aonde  vinham?  Sem  tornarem 
resposta  voltaram  para  baixo.  Sabendo  o 
marquez  de  Fronteira,  mestre  de  campo  ge- 
neral, que  estavam  os  petiscantes  no  pica- 
deiro, com  duas  mangas  de  mosqueteiros 
dos  terços  que  estavam  armados  no  terreiro 
do  paço,  os  veio  buscar;  e  vendo  que  ti- 
nham subido  acima,  os  veio  seguindo  a  traz, 
e  chegando  á  dita  porta,  e  achando-os  já  de 
volta  pela  escada,  lhes  deu  caminho,  e  tor- 
nando a  descer  sobre  elles  os  botou  fora  do 
picadeiro.  Recolheram-se  os  terços,  socegou 
a  cidade,  e  ficou  o  infante  aquella  noite  no 
paço,  expedindo  algumas  ordens  necessá- 
rias, porque  todo  o  reino  estava  confuso  e 
embaraçado. 

Nomeou  o  infante  quatro  criados  seus, 
homens  nobres,  de  valor  e  de  fidelidade, 
para  que  servissem  ás  semanas  a  el-rei,  re- 
posteiros e  moços  da  camará  necessários,  e 


D.  AFFONSO  VI  89 

deu  ordem  a  que  cada  um  na  sua  semana 
não  consentisse  que  el-rei  ficasse  só  com  ne- 
nhum reposteiro  d'aquelles  que  entravam 
ao  serviço  da  camará. 


90  VIDA  D'EL-REI 


CAPITULO  XII 


DESISTE  EL-REI  DE  SEUS  REINOS 


Por  ausência  de  António  de  Sousa  ficou 
servindo  de  secretario  de  estado  António 
Cavide.  Pelas  dez  horas  da  noite  o  chamou 
el-rei,  e  lhe  disse  que  pedisse  ao  infante  que 
lhe  mandasse  para  o  servir  João  de  Cães 
(que  era  um  moço  que  tinha  cuidado  dos 
sabujos,  e  que  tinha  algumas  catui-nces  de 
que  el-rei  se  agradava),  e  que  lhe  fizesse 
(lie  António  Cavide  o  papel  seguinte:  «El- 
rei  nosso  senhor,  tendo  respeito  ao  estado 
em  que  o  reino  se  acha,  e  ao  que  em  ordem 
a  isso  lhe  representou  o  conselho  de  estado, 
e  a  outras  muitas  considerações  que  a  isso 


D.  AFFONSO  VI  91 

O  obrigam,  de  seu  motu  próprio,  poder  real 
e  absoluto,  ha  por  bem  fazer  desistência 
d'estes  reinos,  assim  e  da  maneira  que  os 
possue,  de  hoje  em  diante  para  todo  o  sem- 
pre, em  a  pessoa  do  senhor  infante  D.  Pe- 
dro, seu  irmão,  e  em  seus  legitimos  succes- 
sores;  com  declaração  que  do  melhor  pa- 
rado do  rendimento  d'elles  reserva  cem  mil 
cruzados  de  renda  cada  um  anno,  dos  quaes 
poderá  testar  á  hora  da  sua  morte  pelo 
tempo  de  dez  annos;  e  outrosim  reserva  a 
casa  de  Bragança  com  todas  as  suas  per- 
tenças ;  e  em  fé  e  verdade  de  sua  magestade 
assim  o  dizer,  ordenar  e  mandar,  cumprir 
e  guardar,  ordenou  se  fizesse  este,  que  sua 
mages-tade  firmou.  António  Cavide  o  fez  em 
Lisboa  a  23  de  novembro  de  16G7.  Eei.y> 
Viu-se  o  papel  no  conselho  de  estado; 
pareceu  que  era  feito  depois  de  recolhido 
el-rei,  e  também  porque  os  reis  não  podem 
renunciar  o  reino  sem  consentimento  com- 
mum  dado  em  cortes.  Disseram  os  letrados 


92  VIDA  D'EL-REI 

que  era  questão  diffieilima  se  o  privado  do 
governo  real  por  incapaz,  podia  renunciar 
com  validade,  porque  era  certo  que  não  po- 
dia fazer  testamento. 

Ficou  o  infante  governando  o  reino  por 
parecer  do  conselho  de  estado  até  á  convo- 
cação das  cortes,  que  se  celebraram  em  27 
de  janeiro  de  1668.  O  braço  da  nobreza, 
dos  povos  e  ecclesiasticos,  duvidaram  a  re- 
nuncia d'el-rei  pelas  razões  que  deram  os 
letrados  chamados  pelas  cortes  para  aquelle 
fim.  Os  dois  braços  primeiros  offereceram 
ao  infante  a  coroa,  e  o  ecclesiastico  enten- 
deu que  bastava  o  governo.  Não  quiz  o  in- 
fante a  coroa  emquanto  durou  a  vida  d'el- 
rei  seu  irmão,  e  se  fez  o  juramento  do  go- 
verno na  forma  seguinte: 

«Juramos  aos  Santos  Evangelhos,  cor- 
poralmente com  nossas  mãos  tocados,  que 
reconhecemos  e  recebemos  por  nosso  gover- 
nador e  regente  doestes  reinos,  pelo  impe- 
dimento  perpetuo-  de  sua  magestade,  na- 


I).  AFFONSO  YI  9;J 

íorma  que  o  temos  julgado,  ao  muito  alto  e 
muito  poderoso  e  excellente  príncipe  D. 
Pedro,  filho  legitimo  d'el-rei  D.  João  o  iv,  e 
da  rainha  D.  Luiza,  sua  mulher,  irmão  e 
curador  do  muito  alto  e  muito  excellente 
rei  D.  Affonso  vi,  seu  verdadeiro  e  natural 
successor  na  coroa  d'estes  reinos,  e  como 
verdadeiros  e  naturaes  súbditos  que  somos 
de  sua  alteza,  lhe  fazemos  preito  e  home- 
nagem, assim  e  da  maneira  que  a  fizemos 
a  el-rei  D.  João  o  iv,  seu  pai,  e  a  el-rei  D. 
Aííbnso,  seu  irmão,  que  agora  por  seus  im- 
pedimentos privamos  do  governo,  e  com  a 
mesma  jurisdicção,  poder  e  auctoridade  com 
que  sempre  se  juraram  os  reis  e  senhores 
d 'esta  coroa. » 

Está  dito  n'esta  resolução  tudo  quanto 
succedeu  a  el-rei  D.  Afíbnso  vi,  até  á  sua 
reclusão  e  deposição. 


13 


VIDA  DEL-REI 


CAPITULO   XIII 


ANNULLA-SE  A  EL-REI  O  MATRIMONIO 


Deixamos  a  rainha  no  convento  da  Es- 
perança, e  o  conde  de  Santa  Cruz,  sen  nior- 
donio-mór  com  uma  procuração  sua  para 
intentar  a  causa  de  nullidade  do  matrimo- 
nio contrahido  por  ella  com  el-rei  D.  Af- 
fonso  VI. 

Escreveu  a  rainha  ao  cabido,  e  elle  res- 
pondeu, e  nâo  deu  este  negocio  outro  passo 
adiante.  Vendo-se  a  rainha  desconsohxda, 
temendo  que  se  não  podésse  averiguar  a 
verdade,  chamou  o  marquez  de  Marialva, 
e  parti cipando-lhe  quão  pouco  se  tinha 
adiantado  o  seu  negocio,  lhe  pediu  o  seu 


D.  AFFONÍSO  VI  9Õ 

conselho.  O  marquez  lhe  respondeu  que 
chamasse  sua  inagestade  o  duque  do  Cada- 
val, e  lhe  dissesse  aceitasse  a  sua  procura- 
ção. Assim  o  fez  a  rainha,  a  quem  o  duque 
respondeu  que  sua  magestade  sabia  muito 
bem  que  o  infante  se  achava  com  o  governo 
do  reino;  que  lhe  daria  conta,  e  que  faria 
o  que  sua  alteza  lhe  mandasse;  e  referindo 
ao  infante  o  que  a  rainha  lhe  tinha  dito,  lhe 
ordenou  aceitasse  a  procuração.  E  como  a 
rainha  n'ella  lhe  dava  poder  de  substabe- 
lecer, o  fez  em  Duarte  Ribeiro  de  Macedo, 
desembargador  de  aggravos,  enviado  em 
França,  e  conselheiro  da  fazenda,  ministi'o 
de  letras  e  de  grande  capacidade;  e  confe- 
rindo ambos  os  procuradores,  assentaram 
que  se  devia  fazer  o  libello.  Fel-o  Duarte 
llibeiro  de  Macedo  com  grande  proprieda- 
de. (Fi  falso,  quem  o  fez  foi  certo  padre  da 
Companhia,  de  cuja  letra  se  conserva  o 
borrão.)  Nomeou  o  cabido  juizes  para  co- 
nhecerem da  causa,  cujos  nomes  se  viram 


l)(í  VIDA  DEL-llEI 

da  sentença,  todos  letrados,  de  auctoridade, 
dignidades  e  virtudes.  Entenderam  que  era 
preciso  que  el-rei  fosse  perguntado  e  citado 
pelo  vigário  geral.  Recorreu  o  duque  ao 
infante,  pedindo-llie  que  desse  licença  a  frei 
Lourenço  de  Castro  que  entrasse  na  camai-a 
d'el-rei,  e  lhe  ensinuasse  a  diligencia,  pon- 
do-o  em  grave  escrúpulo  se  a  rejeitasse. 

Era  frei  Lourenço  religioso  de  S.  Do- 
mingos, de  letras  e  capacidade  grande,  e 
])or  suas  virtudes  depois  bispo  da  Ilha.  Fez 
frei  Lourenço  a  diUgencia  heni  feita;  deu 
a  el-rei  dia  e  hora  para  depor ;  foi  á  sua  pre- 
sença o  vigário  geral,  com  seu  escrivão  Se- 
bastião Diniz  Velho,  desembargador  da 
Relação  ecclesiastica,  nomeado  pelo  cabido 
para  a  causa  de  nullidade  do  matrimonio, 
intentada  pela  rainha.  Depôz  el-rei  a  ver- 
dade, e  feita  esta  diligencia,  se  recolheu  o 
vigário  geral,  e  seu  dito  escrivão. 

Oíferecia-se  ao  duque  uma  grande  du 
vida   do  bom  successo  da  causa,   porque 


D.  A^TONSÒ  VI  i>7 

dizia  que  era  impossivel,  tendo  el-rei  uma 
íilha  em  casa  do  conde  de  Castello  Me- 
lhor, chamada  D.  Luiza,  e  com  tratamento 
de  alteza.  Achando-se  este  negocio  com 
esta  grande  duvida,  Deus  que  é  a  mesma 
verdade,  foi  servido  de  buscar  os  meios 
de  se  descobrir  e  averiguar  com  toda  a  cla- 
reza.. 

Recolheu-se  um  dia  ao  jantar  para  casa : 
achou  na  mão  de  um  criado  seu  um  escripto 
í[ue  alli  tinha  deixado  um  moço.  Dizia  elle: 
«8e  vossa  excellencia  quer  saber  um  ne- 
gocio muito  importante  para  a  causa  da 
rainha,  com  que  vossa  excellencia  corre, 
ache-se  a  noite  no  seu  coche  só,  ás  escadas 
do  Loreto,  de  sorte  que  espere  n'quelle  lo- 
gar  o  sino  da  meia  noite. »  E  não  se  assi- 
gnava  o  escríptor.  Logo  foi  o  duque  á  Es- 
perança, e  mostrando  o  escripto  a  rainha, 
lhe  disse  que  de  nenhuma  maneira  queria 
que  fosse,  porque  aquillo  podia  ser  de 
grande  perigo.  Reí^pondeu-lhe  o  duque  que 


08  VIDA  D'EL-JiEI 

havia  de  ir,  e  que  deixasse  sua  magestade 
á  conta  d'elle  a  segurança. 

Keediíicava-se  a  egreja  do  Loreto  do  in- 
cêndio que  havia  padecido;  tinha  no  adro 
uni  grande  telheiro  a  cujo  abrigo  trabalha- 
vam os  officiaes  da  obra:  mandou  o  duque 
metter  n'elle  o  capitão  de  cavallos  Manoel 
Travassos,  e  o  de  couraças  Manoel  Caldeira, 
ambos  de  grande  valor;  acompanhavam  aos 
dois  capitães  quatro  criados  do  duque,  to- 
dos valorosos  e  bem  amiados,  com  ordem 
de  que  se  viesse  mais  de  uma  pessoa  saís- 
sem do  logar  em  que  estavam.  Foi  o  duque 
áquelle  logar  assignalado  a  esperar  a  meia 
noite.  Eis  que  chega  ao  estribo  do  coche 
uma  nuilher  embuçada,  e  perguntando  ao 
duque  se  a  conhecia,  o  duque  lhe  respon- 
deu que  não,  c  ella  lhe  tornou  que  era  D. 
Anna  Saraiva,  que  havia  nmitos  annos  que 
a  tinha  o  duque  visto  e  tallado  nuiitas  ve- 
zes; e  disse-lhe  o  duque  que  entrasse  no 
coche,  e.que  fossem  até  á  Cotovia,  que  era 


n.  AFFONSO  VT  W 

parte  mais  solitária.  Disse-lhe  D.  Anna  Sa- 
raiva que  lhe  queria  mostrar  como  uma  me- 
nina que  estava  em  casa  do  conde  de  Cas- 
tello  Melhor  não  era  filha  d'el-rei.  posto  que 
tratada  por  tal.  Perguntando-lhe  o  duque 
como  o  sabia,  lhe  contou  toda  a  historía,  e 
disse  que  morando  Agostinho  Nunes  nas 
casas  do  armeiro-mór,  a  convidou  para  ir 
ver  botar  uma  náo  ao  mar,  e  que  alli  viram 
uma  moça  bem  parecida,  descorada,  e  com 
o  cabello  cortado,  e  que  perguntando-lhe 
algumas  cousas  afim  de  se  saber  quem  era, 
e  que  vida  era  a  sua,  respondeu  que  as  más 
cores  de  seu  rosto  eram  efí^eito  do  seu  des- 
gosto, e  os  cabellos  haviam  sido  cortados 
com  a  mão  d'el-rei.  P^oi  D.  Anna,  que  era 
destra,  inquirindo  a  moça,  até  que  lhe  ma- 
nifestou a  sua  desgraça,  e  disse  que  ella  se 
chamava  D.  Catharina  Arraes,  e  que  galan- 
teando-a  Manoel  Arraes,  seu  primo,  em 
Coimbra,  viera  para  Lisboa  com  animo  de 
casar  com  ella,  e  de  pedir  dispen sacão  ao 


]()()  VIDA  D  KÍ.-UKl 

papa  por  ter  havido  copula  com  ella,  e  qiio 
morando  em  umas  casas  com  o  dito  seu 
primo,  a  foram  furtar  uma  noite  Agostinho 
Nunes  e  Henrique  Henriques,  e  confessando 
eUa  que  estava  prenhe  de  três  mezes,  a  le- 
varam ao  paço,  e  dormiu  aquella  noite  na 
camará  d'el-rei;  que  seu  primo,  magoado 
d'aquella  insolência,  fora  para  Coimbra, 
aonde  falleceu,  e  ella  foi  para  casa  de  Agos- 
tinho Nunes,  aonde  se  achava,  e  fora  obri- 
gada a  dizer  quando  parísse  que  a  criança 
era  filha  d'el-rei,  e  que  sobre  isto  lhe  fize- 
ram grandes  tyrannias,até  chegar-lhe  el-rei 
a  cortar  os  cabellos.  Disse  mais  D.  Anna 
Saraiva  que  D.  Catharina  Arraes  estava 
freira  em  Sant'Anna,  e  que  ella  lhe  fallára, 
e  estava  resoluta  a  se  vingar,  com  declarar 
a  verdade.  Chamou  o  duque  a  Agostinho 
Nunes,  e  em  presença  de  Duarte  Ribeiro, 
foi  inquirido  e  depôz  a  verdade.  Kesol- 
veu-se  o  duque  a  ordenar  a  Aurélio  de  Mi- 
randa, tabelliâo  de  notas,  fosse  ao  Campo 


D.  AFFONSO  VI  101 

dé  SanfAnna,  perto  da  egreja,  e  que  alli 
esperasse  recado  d'elle  duque,  o  qual  dei- 
xando Agostinho  Nunes  no  seu  coche,  man- 
dou dizer  a  prelada  que  quizesse  fallar-lhe ; 
e  vindo  a  prelada,  lhe  disse  que  tinha  que 
fallar  com  D.  Catharina  Arraes,  que  sua 
mercê  lh'a  mandasse  á  grade.  Assim  o  fez: 
appareceu,  e  dizendo-lhe  o  duque  que  não 
vinha  tirar-lhe  a  sua  tença,  antes  conser- 
var-lli'a;  que  elle  sabia  a  verdade  do  que 
ella  tinha  passado ;  que  convinha  muito  que 
a  depozesse  em  juizo,  e  que  elle  pediria  li- 
cença á  rainha  para  tal  deposição.  Veio 
Aurélio  de  Miranda;  disse  D.  Catharina  o 
que  havia  succedido,  e  assignou. 

Averiguada  esta  matéria,  foi  D.  Luiza 
tirada  pelo  corregedor  da  corte  de  casa  do 
conde  de  Castello  Melhor,  e  levada  a  sua 
mãe,  e  o  infante  lhe  deu  uma  tença,  e  ficou 
freira  no  mesmo  convento. 

Tirado  este  impedimento,  se  processou  a 
causa  até  final  conclusão,  como  se  vê  da 

14 


102  VIDA  D'EL-REI 

sentença.  Nomeou  o  cabido  de  mais  dos 
dois  vigários  geral  e  escrivão,  por  uma  sua 
provisão,  o  bispo  de  Targa,  D.  Francisco 
de  Souto  Maior,  coadjutor  e  pro visor  doeste 
arcebispado,  aos  doutores  Valentim  Feio  da 
Motta,  cónego  da  Sé,  e  vigário  geral  do  ar- 
cebispado, mas  não  nomeado,  Pantaleão 
Rodrigues  Pacheco,  do  conselho  d'el-rei,  e 
do  geral  do  santo  officio,  cónego  doutoral 
da  Sé,  bispo  eleito  d'Elvas,  e  por  seu  falle- 
cimento  Antão  de  Faria  da  Silva,  cónego 
da  Sé,  deputado  do  santo  officio  e  da  mesa 
da  consciência  e  ordens,  todos  três  para  jui- 
zes d'esta  causa,  e  para  escrever  o  processo 
dos  autos  ao  dito  Sebastião  Diniz  Velho, 
desembargador  da  Relação  ecclesiastica,  e 
prior  de  Santa  Marinha,  etc. 

Processado  e  feito  o  signal,  foi  relatado 
pelo  bispo  coadjutor,  votando  os  desembar- 
gadores que  o  autoarara,  em  Manoel  de  Sal- 
danha, sumilher  da  cortina,  eleito  bispo  de 
Vizeu;  Francisco  Barreto,  do  conselho  d'el- 


D.  AFFONSO  VI  103 

rei  e  do  geral  do  santo  ofíicio,  bispo  eleito 
do  Algarve;  Pedro  de  Athaide  Castro,  in- 
quisidor da  inquisição  de  Coimbra,  e  cónego 
da  Sá;  Nuno  da  Cunha  de  Sá,  cónego  ma- 
gistral, eleito  bispo  de  Miranda,  que  não 
aceitou.  Os  desembargadores  da  Relação 
ecclesiastica  eram  os  doutores  Gonçalo  Pa- 
checo da  Silva,  cónego  da  Sé;  Gaspar  Ba- 
rata de  Mendonça,  prior  da  egreja  de  Santa 
Engracia;  João  de  Passos  de  Magalhães, 
prior  de  S.  Julião;  João  Serrão,  prior  de 
S.  Thomé,  juizes  nomeados  pelo  reverendo 
cabido  que  na  causa  d'ella,  rainha,  vendo  o 
processo  com  madura  consideração  em  pre- 
sença de  todos  os  capitulares,  se  proferiu  a 
seguinte  sentença: 

« Accordão  em  relação,  feito  em  presença 
do  cabido,  estando  presentes  além  dos  mi- 
nistros ordinários  d'ella,  os  juizes  nomea- 
dos pelo  cabido  para  votar  na  causa,  etc. 
Que  vistos  estes  autos,  libello  da  rainha 
nossa  senhora,  D.  Maria  Francisca  Isabel 


104  VIDA  DEL-REI 

de  Saboya,  que  lhe  foi  recebido,  contesta- 
ção por  negação  do  promotor  em  defeito  da 
parte  na  forma  do  estylo,  prova  dada:  mos- 
tra-se  que  a  dita  senhora  contrahiu  matri- 
monio de  presente  em  face  da  egreja  com 
o  serenissimo  rei  o  senhor  D.  Affonso  vi, 
rei  de  Portugal,  em  27  de  junho  de  1666, 
na  cidade  de  Rochella,  reino  de  França, 
d'onde  a  dita  senhora  veio  a  esta  cidade,  e 
n'ella  no  palácio  real  os  ditos  senhores  vi- 
veram por  espaço  de  16  mezcs,  fazendo 
n'esse  tempo  vida  marital.  Mostra-se  que  no 
espaço  d'elle,  intentando  ambos  consumar 
o  dito  matrimonio,  o  não  podí^ram  fazer, 
applicando  a  diligencia  moral  que  somente 
de  direito  se  requer  por  causa  da  impotên- 
cia do  dito  senhor,  procedida  de  enfermi- 
dade que  teve,  sendo  menino,  incurável 
n'aquella  edade,  e  já  agora  irremediável  por 
arte  humana,  o  que  tudo  se  prova  supera- 
bundan temente  pelos  meios  approvados  por 
direito,  com  os  quaes  o  dito  impedimento 


D.  AFFONSO  VI  105 

fica  em  termos  de  certeza  ao  menos  moral, 
nos  quaes  termos  senão  requer  inspecção, 
nem  experiência  triennal  ou  de  outro  tempo 
arbitrário:  o  que  tudo  visto  com  o  mais  dos 
autos  e  disposição  de  direito,  julgam  o  dito 
matrimonio  contraliido  entre  os  ditos  senho- 
res, por  contrahido  de  facto  e  não  de  di- 
reito, e  o  declaram  por  nullo,  e  que  os  ditos 
senhores  poderão  fazer  de  si  o  que  quize- 
rem,  ou  o  que  bem  lhes  parecer,  e  que  haja 
divisão  de  bens,  na  forma  de  seus  contra- 
ctos. Lisboa,  24  demarco  de  1668.»  (Com 
•varias  rubricas.) 

O  que  resultou  d'esta  matéria  já  mencio- 
nada, se  omitte  aqui,  porque  não  pertence 
a  el-rei  D.  Aífonso  vi,  e  está  escripto  por 
melhor  penna:  iremos  continuando  o  mais 
que  toca  ao  nosso  assumpto,  até  o  deixar- 
mos na  sepultura. 


106  VIDA  D'EL-REI 


CAPITULO    XIV 


B  LANÇADO  EL-REI  EM  PRISÃO 
Á  ILHA  TERCEIRA 


Esteve  el-rei  fechado  alguns  tempos  (1) 
na  sua  camará,  e  vendo  o  príncipe  que 
aquella  resolução  era  apertada,  e  sabendo 
que  el-rei  desejava  ir  para  Villa  Viçosa,  lhe 
mandou  propor  que  o  castello  da  Ilha  Ter- 
ceira era  bom  sitio,  sadio,  e  onde  sua  ma- 
gestade  podia  fazer  exercicio,  porque  o  âm- 
bito do  castello  era  largo:  aceitou  de  boa 
vontade  a  proposição. 

Pastava  nomeado  o  marquez  das  Minas, 
D.  Francisco  de  Sousa,  para  embaixador  da 

(1)  Âfguti&  annosj  diz  a  Anti-catastrophe,  pag.  683. 


D.  AFFONSO  VI  107 

obediência  ao  summo  pontiíice,  e  entenden- 
do-se  que  el-rei  ia  acompanhado  bem  com 
elle,  se  propôz  este  intento  ao  marquez,  e 
se  assentou  que  o  acompanhasse  até  á  Ilha 
Terceira.  Aprestaram-se  quatro  náos  para 
a  segurança  da  jornada,  elegeu-se  para  ficar 
no  castello*da  Ilha,  com  el-rei,  e  para  lhe 
governar  sua  casa,  Francisco  de  Brito  Freire, 
que  tinha  servido  com  valor  nas  occasiões 
da  guerra.  Aceitou  elle  a  commissão,  e  agra- 
decendo ao  príncipe  a  confiança  que  fazia 
d'elle,  pois  lhe  entregava  a  pessoa  d'el-rei, 
fez  d'ella  homenagem  nas  mãos  do  príncipe. 
Deu-lh'a  Luiz  Teixeira  de  Carvalho,  offi- 
cial  maior  da  secretaria  de  estado,  que  ás 
vezes  servia  de  secretario;  foram*  seus  pa- 
drinhos e  testemunhas  o  duque  do  Cada- 
val, e  D.  Rodrigo  de  Menezes.  Era  Luiz  de 
Brito  almirante  da  armada,  e  foi  também 
escolhido  para  aquella  oc.cupação,  por  ser 
prático  na  navegação,  e  fel-o  o  príncipe 
conselheiro  de  guerra. 


108  VIDA  D'EL-REI 

Preparou-se  toda  a  recamífi^a  d'el-rei 
abundantemente,  nomearam- lhe  criados,  e 
se  pôz  prompto  tudo  o  mais  necessário,  cujo 
expediente  encommendou  o  principe  ao  du- 
que e  ao  marquez  de  Fronteira.  Embarcado 
tudo  na  véspera  em  que  el-rei  se  havia  de 
embarcar  (não  se  esperando  tal  successo)  se 
resolveu  Francisco  de  Brito  a  ir  pedir  á  Co- 
tovia a  roupeta  da  Companhia:  negaram- 
lh'a  os  padres:  mandou-o  o  principe  pren- 
der, privou-o  do  posto  de  almirante,  das 
honras  de  fidalgo,  do  logar  de  conselheiro 
de  guerra,  e  ultimamente  ficou  um  homem 
particular,  e  embaraçou  isto  muito  a  reso- 
lução do  infante. 

Achava-se  em  Lisboa  Manoel  Nunes  Lei- 
tão, mestre  de  campo  de  um  terço  da  pro- 
víncia do  Minho:  conhecia  o  marquez  de 
Fronteira,  por  haver  sido  seu  sargento-mór, 
quando  foi  mestre  de  campo:  conhecia-o  o 
duque  por  se  haver  achado  com  elle  em  al- 
gumas occasiôes;  e  assentando  ambos  que 


J).  AFl  ONSO  VI  109 

por  valor  *e  capacidade  era  Manoel  Nunes 
digno  d'aquelle  emprego  e  d'aquella  con- 
fiança, e  chamando-o  o  principe,  lhe  disse 
que  queria  que  fosse  á  Ilha  Terceira  acom- 
panhando el-rei,  para  governar  o  castello  e 
toda  a  casa  de  sua  magestade.  Manoel  Nu- 
nes lhe  beijou  a  mão,  e  lhe  disse  que  estava 
prompto  para  acompanhar  a  el-rei.  O  prín- 
cipe lhe  deu  a  patente  de  sargento-mór  de 
batalha,  e  a  consignação  necessária  para  os 
gastos  d'aquelle  emprego,  e  se  lhe  deu  in- 
strucção  de  como  se  havia  de  haver  em 
tudo. 

No  anno  de  1669,  foi  o  marquez  das  Mi- 
nas buscar  el-rei  á  sua  camará,  e  baixou  com 
elle  ao  coche  em  que  ambos  foram  até  S. 
José  de  Ribamar,  aonde  estava  preparado 
um  bergantim  para  levar  el-rei  a  bordo.  Mu- 
dou-se  o  tempo,  e  vendo  o  ;marquez  os  ma- 
res levantados,  recolheu-se  e  el-rei  no  con- 
vento de  S.  José,  e  avisou  logo  o  príncipe. 
Sua  alteza  ordenou  logo  ao  duque  partisse 

15 


110  VIDA  D'EL-REI 

promptamente  para  S.  José,  e  conferindo 
com  o  marquez  das  Minas,  se  tomasse  a  re- 
solução que  ambos  assentassem:  chegou  o 
duque  a  S.  José,  e  pareceu  aos  dois  espe- 
rar que  amanhecesse,  e  que  se  o  tempo 
desse  logar,  embarcasse  el-rei,  e  era  o  que 
mais  convinha.  Pelas  três  horas  da  madru- 
gada, acabadas  as  matinas,  começou  o  tempo 
a  abrandar,  e  já  manhã  clara  se  embarcou 
el-rei,  e  levando  os  navios  a  ancora,  que 
com  a  bonança  tinham  já  a  pique,  largaram 
as  velas. 

Mandou  o  príncipe  que  não  houvessem 
salvas,  nem  das  torres,  nem  dos  navios,  e 
depois  de  passarem  S.  Gião,  voltou  o  duque 
ao  paço  a  dar  conta  ao  príncipe. 

Chegou  el-rei  depressa,  porque  teve  ven- 
tos sempre  de  servir;  levava  o  marquez 
ordem  para  que  el-rei  desembarcasse  de 
noite  e  entrasse  no  castello  sem  o  saberem 
os  moradores  da  Ilha.  Desembarcado  el-rei, 
seguiu  o  marquez  sua  viagem  para  Roma. 


D.  AFFONSO  VI  111 

Não  se  deteve  el-rei  muito  tempo  na  Ilha, 
porque  a  maldade  dos  homens  o  fez  mudar 
d'aquelle  sitio,  estando  forjada  uma  traição 
contra  o  príncipe,  que  infallivelmente  seria 
também  contra  o  reino. 


112  VIDA  D'EL-REI 


CAPITULO    XV 


B   MUDADO  EL-REI  PARA  O  PAÇO 
DE  CINTRA 


Estava  por  embaixador  de  Castella  em 
Lisboa,  o  conde  de  Humanes,  e  vendo  que 
podia  ser  caminho  a  liberdade  d'el-rei  para 
pôr  o  reino  em  sedição,  assentou  com  Fran- 
cisco de  Mendonça,  ir  um  navio  de  Castella, 
e  matarem  Manoel  Nunes  Leitão,  embarca- 
rem el-rei  e  leval-o  para  Ilespanlia.  E  o 
pretexto  que  tomaram  para  el-rei  convir 
n'isto,  foi  dizerem-lhe  que  chegado  elle  a 
Castella  casava  com  a  rainha  viuva,  e  que 
este  era  o  meio  único  de  sua  magestade  so 
restituir  a  Portugal,  para  commover  os  mo- 
radores á  sublevação.  Estava  nomeado  um 


D.  AFFONSO  VI  113 

letrado,  que  era  um  fulano  de  Lemos,  na- 
tural da  Ilha;  tinha  este  aceitado  commis- 
são,  e  tinham  unido  ao  conde  de  Humanes 
mais  pessoas.  Soube-se  do  intento  de  tão 
perniciosa  traição:  prendeu-se  o  letrado,  e 
confessou  no  tormento  toda  aquella  ma- 
china,  com  muito  mau  fundamento  urdida: 
prenderam-se  os  conjurados;  fugiu  Fran- 
cisco de  Mendonça  para  Castella,  e  Jerony- 
mo  de  Mendonça  se  escondeu  no  reino. 

As  pessoas  que  se  prenderam,  e  tinham 
commendas,  e  eram  cavalleiros,  foram  rela- 
xadas pela  mesa  da  consciência,  e  os  outros 
julgados  pela  justiça  secular,  e  uns  e  outros 
foram  condemnados  a  morte,  cujas  execu- 
ções se  fizeram  no  Rocio,  menos  António 
Cavide,  que  não  foi  relaxado  pela  mesa  da 
consciência.  Entrou-sc  em  consideração  do 
procedimento  que  se  havia  de  ter  com  o 
conde  de  Humanes:  uns  diziam  que  quem 
não  guardava  a  fé  publica,  commettendo 
traições,  justamente  se  lhe  não  devia  im- 


114  VIDA  D'EL-REI 

munidade;  outros  vendo  que  o  reino  estava 
cançado  com  unia  guerra  de  tantos  annos, 
lhes  pareceu  que,  para  evitarem  outra,  bas- 
tava que  sua  alteza  se  queixasse  do  conde 
de  Humanes  á  rainha  de  Castella;  e  este 
foi  o  partido  que  se  aceitou. 

Vindo  da  Ilha  um  moço  da  guarda-roupa, 
com  licença  do  príncipe,  se  nomeou  em  seu 
logar  para  ir  para  a  Ilha,  um  Francisco  de 
Contreiras,  de  quem  os  conspirados  se  va- 
leram para  proporem  a  el-rei  o  caso;  e  de- 
pois que  fez  a  diligencia  em  um  navio  in- 
glez,  no  qual  chegou  á  Ilha,  furtivamente 
se  foi  n'elle  para  Inglaterra,  porque  estava 
ajustado  dar-se  conta  do  intentado  á  rainha, 
afim  de  soccorrer  el-rei  seu  irmão,  no  pro- 
jecto de  se  restituir *á  coroa  de  Portugal. 

Ultimamente  se  prendeu  Jeronymo  de 
Mendonça,  e  no  dia  em  que  havia  de  mor- 
rer por  justiça,  lhe  perdoou  o  principe  a 
vida  por  um  decreto,  e  foi  acabar  em  uma 
fortaleza  na  índia. 


D.  AFFONSO  VI  115 

Com  este  fundamento  tratou  o  príncipe 
de  tirar  da  Ilha  a  el-rei  D.  Affonso.  Apres- 
tou-se  a  armada  que  costumava  correr  a 
costa :  ordenou  o  principe  que  o  general  da 
armada  Pedro  Jaques  de  Magalhães,  fizesse 
um  bordo  sobre  a  Ilha  Terceira ;  man  dou-se 
ordem  a  Manoel  Nunes,  e  que  embarcado 
el-rei  na  armada,  viesse  Pedro  Jaques  dar 
fundo  em  Paço  d'Arcos.  Logo  que  alli  mo- 
lhou ancoras,  fez  aviso  ao  principe,  que  logo 
mandou  Francisco  Correia,  secretario  de 
estado,  Roque  Monteiro,  e  José  da  Fonseca, 
para  que  dispozessem  o  desembarque  d' el- 
rei.  Foi  liteira  para  ir  para  Cintra,  e  cavai- 
los  e  coches  para  a  sua  familia.  Disse  o 
principe  a  Francisco  Correia  que  avisasse  o 
duque,  para  ir  também  ao  navio;  a  pressa 
fez  esquecer  o  aviso,  e  chegando  o  duque 
á  corte  real,  lhe  disse  o  principe:  «Que  é 
isto!  Estaes  aqui?»  Respondeu  o  duque  ao 
principe:  «Senhor,  não  me  deram  ordem 
para  estar  em  outra  parte. »    Enfadado  o 


116  VIDA  DEL-REI 

príncipe  de  que  lhe  faltasse  o  aviso,  o  man- 
dou logo.  Chegou  o  duque  a  Paço  d'Arcos, 
onde  estava  Manoel  Saldanha,  moço  da 
guarda-roupa  do  principe,  com  ordem  para 
receber  o  fato,  e  com  carruagem  para  o  con- 
duzir a  Cintra.  E  perguntando-lhe  o  duque 
em  que  estado  estava  a  conducção  do  que 
trazia  a  seu  cargo,  lhe  respondeu  que  fora 
um  barco  ao  navio,  e  què  havia  nniito 
tempo  que  lá  estava  sem  vir  para  terra. 
Mandou  o  duque  acenar  a  um  navio,  e  logo 
veio  chalupa  a  terra.  Vinha  n'ella  José  da 
Fonseca,  e  disse  ao  duque  que  Pedro  Ja- 
ques  estava  desconfiado  de  que  o  secretario 
lhe  não  dissesse  nada  do  principe,  e  se  foi 
deitar  no  beliche;  que  el-rei  vinha  de  ma- 
neira com  Manoel  Nunes,  que  vinha  com 
uma  espada  na  mâo  para  o  matar,  e  por 
esta  causa  estava  fechado  na  camará.  Che- 
gou o  duque  ao  navio:  veio  o  general  bus- 
cal-o  ao  portaló,  e  tanto  que  o  duque  che- 
gou acima,  lhe  disse  que  o  principe  o  man- 


D.  AFFONSO  VI  117 

dára  alli  agradecer-lhe  o  grande  acerto  com 
que  se  tinha  havido  na  viagem,  pois  que 
pelo  seu  zelo  lhe  tinha  encarregado  aquella 
commissão,  e  que  desejava  vel-o  para  lhe 
fazer  esta  expressão. 

Sabendo  o  duque  o  modo  com  que  el-rei 
estava,  disse  que  lhe  abrissem  a  porta,  que 
queria  entrar  lá  dentro:  assim  se  executou, 
e  indo  beijar  a  mão  a  el-rei,  lhe  disse:  «Se- 
nhor, venho  livrar  a  vossa  magestade  de 
um  grande  perigo,  porque  este  navio  está 
a  pique.  Saiamos  depressa,  que  o  navio  im- 
porta pouco,  e  a  vida  de  vossa  magestade 
muito.»  El-rei  se  sobresaltou,  e  abraçan- 
do-o,  lhe  chamou  seu  amigo,  e  fixo,  (que 
era  palavra  que  costumava  usar),  e- disse: 
«Vamos.»  E  pegando  pela  mão  ao  duque, 
saiu  para  o  convés  ao  collo  de  dois  mari- 
nheiros, e  o  pozeram  na  chalupa.  Chegou 
a  terra,  e  o  duque  o  metteu  na  liteira,  e 
querendo-se  pôr  a  cavallo  não  quiz  el-rei 
senão  que  fosse  com  elle  na  mesma  liteira. 

16 


118  VIDA  D'EL.REI 

Perguntou  no  decurso  do  caminho  pelos 
seus  petiscantes.  Respondeu-lhe  o  duque 
que  o  povo  alterado  lhes  mettera  tamanho 
horror,  que  tinham  desapparecido.  Tornou 
el-rei  que  o  marquez  das  Minas  o  tiiiha  en- 
ganado, porque  lhe  tinha  dito  que  estavam 
embarcados,  e  que  também  o  príncipe  lhe 
faltara,  porque  lhe  não  tinha  mandado  para 
a  Ilha  os  músicos  que  lhe  pediu  de  lá,  e  os 
cavallos.  Perguntou  por  Henrique  Henrí- 
ques  de  Miranda,  e  disse  que  aquelle  era 
fixo;  o  conde  de  Castello  Melhor  o  levasse 
o  diabo,  que  o  deitara  a  perder.  O  duque 
lhe  dava  as  respostas  que  as  perguntas  me- 
reciam. Chegou  á  meia  noite  a  Cintra,  sem- 
pre com  animo  de  matar  Manoel  Nunes;  e 
para  aquietar  el-rei,  disse  o  duque  a  Manoel 
Nunes  que  não  lhe  apparecesse:  elle  o  fez 
com  grande  prudência,  sem  faltar  a  nada, 
porque  era  dotado  de  grande  capacidade. 
Logo  marcharam  para  aquelle  sitio  tre- 
zentos infantes,  a  cargo  do  sargento-mór, 


D.  AFFONSO  VI  119 

Paulo  Caetano,  filho  de  Manoel  Nunes,  para 
fazerem  guarda  a  el-rei;  marchou  também 
para  Cintra  uma  companhia  decavallos,que 
se  mudava  todos  os  mezes. 

Tinha  o  principe  grande  cuidado  em  que 
não  houvesse  falta  na  assistência  d'el-rei,na 
sua  commodidade,  e  no  seu  regalo;  e  isto 
mandava  muitas  vezes  vigiar  pelo  duque  a 
Cintra,  aonde  tinha  um  quarto  do  palácio 
para  sua  assistência. 


120  VIDA  D'EL-REI 


CAPITULO   XVI 


MORRE  D.  AFFONSO  VI 


Viveu  el-rei  D.  Affonso  vi  em  Cintra 
nove  annos:  no  de  1685,  em  12  de  setem- 
bro, na  madrugada  d'aquelle  dia  começou 
el-rei  a  gritar  que  o  vestissem,  porque  que- 
ria ir  ouvii*  missa.  Estando  na  missa,  e  que- 
rendo o  celebrante  entrar  á  consagração,  se 
começou  el-rei  a  anciar;  e  dizendo-lhe  al- 
guns criados  que  se  recolhesse,  respondeu 
que  queria  adorar  a  Deus :  assim  o  fez.  Cha- 
maram o  medico,  e  querendo-o  levar  para 
a  cama,  o  não  quiz  fazer,  e  começou  em 
vozes  ao  céo:  « Senhor,  (dizia  elle),  perdoai- 


D.  AFFONSO  VI  121 

me  os  meus  peccados ; »  repetindo  o  mesmo 
muitas  vezes,  e  ediíicando-se  todos  os  que 
alli  estavam. 

Não  acabada  a  missa,  cresceram  as  an- 
ciãs, e  perdeu  o  juizo.  Chegado  á  cama,  veio 
o  confessor,  e  no  mesmo  instante  que  el-rei 
o  viu  o  chamou  com  algum  socego  nas  an- 
ciãs, dizendo-lhe:  «Venha  cá,  meu  padre, 
dê-me  a  sua  mão.»  Disse-lhe  o  confessor: 
«Quer  vossa  magestade  confessar-se?»  Res- 
pondeu el-rei  que  sim.  Crescendo  as  anciãs 
lhe  tornou  a  dizer  que  o  não  podia  fazer, 
e  apertando  muito  a  mão  ao  confessor,  lhe 
deu  este  a  absolvição,  e  pondo-se  já  mori- 
bundo, lhe  tornou  a  perguntar  o  confessor 
se  queria  que  o  absolvesse,  que  lhe  aper- 
tasse a  mão;  e  tornando-o  a  absolver,  ex- 
pirou. 

Reparou-se  que  ficou  o  rosto  resplande- 
cente em  três  quartos  de  hora;  e  a  tudo  o 
referido  assistiu  António  Rebello  de  Affon- 


122  VIDA  D'EL-REI 

seca,  que  assistia  em  Cintra  por  ordem  do 
príncipe,  antigo  e  honrado  criado  de  sua 
alteza,  que  pelo  seu  préstimo  mereceu  a  es- 
timação d'aquelle  príncipe. 


D.  AFFONSO  VI  123 


CAPITULO  XVII 


FUNERAL  D'EL-REI  D.  AFFONSO  VI, 
REI  DE  PORTUGAL 


Avisou  logo  O  padre  confessor  o  duque 
do  que  se  tinha  passado,  e  dizendo-lhe  que 
não  estava  ainda  certo  se  el-rei  tinha  falle- 
cido.  Achava-se  o  príncipe  em  Palhavã,  em 
casa  do  conde  de  Sarzedas;  levando-lhe  o 
duque  a  carta,  se  magoou,  e  ordenou  logo 
ao  duque  partisse  para  Cintra.  O  duque  lhe 
respondeu  que  logo  assim  o  fana,  porém 
que  sendo  o  mais  certo  estar  el-rei  morto, 
seria  necessário  que  sua  alteza  mandasse 
alguma  pessoa  mais  com  quem  se  podésse 
conferir  o  funeral  d^el-rei.  Pareceu  isto 
muito  bem  ao  príncipe,  e  mandou  ao  mar- 


124  VIDA  D'EL-REI 

quez  de  Arronches,  do  conselho  de  estado, 
que  partisse  logo  para  Cintra. 

Chegou  o  duque  áquella  villa  ás  seis  ho- 
ras da  tarde,  e  o  marquez  pela  meia  noite: 
pareceu  a  ambos  avisar  ao  príncipe  que 
fosse  de  Lisboa  o  necessário  para  o  funeral, 
e  porque  pela  distancia  se  havia  de  metter 
em  meio  .  .  , ,  era  preciso  embalsamar  o  ca- 
dáver d^el-rei,  e  assim  se  fez  ao  outro  dia. 
Com  o  aviso  que  fez  de  Cintra  o  duque  e 
o  marquez  de  Arronches,  resolveu  o  prín- 
cipe que  o  funeral  d'el-rei  D.  Aífonso  vi  se 
fizesse  da  mesma  forma  que  o  d'el-rei  D. 
João  o  IV.  Logo  partiu  Roque  Monteiro  para 
Cintra,  e  o  secretarío  lhe  remetteu  uma  có- 
pia do  que  se  fez  no  funeral  d'el-rei  D.  Joáo 
IV,  na  forma  seguinte: 

« Senhor  Roque  Monteiro  Paim :  o  que  se 
ordenou  no  funeral  do  senhor  rei  D.  João 
IV,  que.  Deus  tem,  se  ha-de  fazer  no  do  se- 
nhor rei  D.  Aífonso  vi.  Composta  a  sala,  e 
e  posto  n'ella  o  corpo  de  sua  magestade,  se 


D.  AFFONSO  VI  125 

hão-de  abrir  as  portas,  e  logo  entrarão  os 
capellães  da  capella  a  occupar  o  seu  logar: 
isto  foi  com  D.  João  iv,  j)orque  estava  em 
Lisboa.  Que  assentados  no  ultimo  logar  dos 
três  em  que  ha-de  estar  a  cama  que  fica 
junto  ao  pavimento,  e  em  voz  baixa,  alter- 
nando-se  por  horas,  para  que  não  cancem, 
estarão  resando  o  que  se  costuma  em  simi- 
Ihantes  occasiões,  e  hão-de  estar  assim  al- 
ternadamente desde  a  hora  em  que  se  pozer 
o  corpo,  até  á  em  que  se  tirar,  menos  o 
tempo  em  que  durar  a  missa  pontifical,  em 
titulos  que  quizerem  ir  deitar  agua  benta 
a  sua  magestade,  e  assistir- lhe  algum  tem- 
po; estarão  encostados  á  parede  da  mão 
direita  por  suas  precedências,  e  não  se  lhes 
ha-de  pôr  assento,  porque  se  não  hão-de 
assentar  nem  cobrir,  e  os  prelados  estarão 
em  seu  logar,  outrosim,  sem  assento,  nem 
barrete,  se  também  quizerem  ir. 

Das  paredes  em  que  se  hão-de  encostar 
os  titulos  e  officiaes  da  casa,  para  baixo  es- 


126  VIDA  DEL-REI 

tara  O  os  prelados  das  religiões  e  pessoas  ec- 
clesiasticas  que  poderem  caber,  de  maneira 
que  não  façam  perturbação,  nem  descom- 
ponham o  socego  e  ornato  da  casa.  Hade-se 
dizer  missa  de  pontifical  e  officio  de  corpo 
presente,  e  a  missa  a  ha-de  dizer  o  bispo 
capellão-mór,  e  acabado  o  officio  com  os  res- 
ponsos ordinários,  a  que  ha-de  assistir  o 
bispo  de  Targa,  e  em  falta  do  bispo  o  eleito 
de  Braga,  o  eleito  do  Porto,  e  o  de  Leiria. 
Como  tudo  estiver  prevenido,  ha-de  ir  a 
liteira  em  que  ha-de  ir  o  corpo  de  sua  ma- 
gestade,  acompanhado  dos  moços  da  estri- 
beira, com  suas  roupetas  compridas,  e  suas 
tochas  acesas  na  mão,  e  o  porão  no  logar 
aonde  sua  magestade  se  costumava  metter 
no  coche;  e  logo  tomarão  tochas  os  moços 
da  camará,  para  acompanharem  o  corpo  da 
porta  da  sala  até  á  liteira,  indo  em  duas 
alas  iguaes;  e  logo  que  chegarem  á  liteira 
as  tochas  dos  moços  da  camará,  se  hão-de 
apagar  as  dos  moços  da  estribeira,  que  hão- 


D.  AFF0N80  VI  127 

de  ir  acompanhando  a  liteira  no  logar  que 
lhes  toca. 

Preparado  isto,  se  dará  recado  ás  pessoas 
que  hão-de  levar  o  caixão  a  liteira;  estes 
subirão  os  degráos,  e  indo  um  pouco  adiante 
d'elles  o  reposteiro-mór  com  seus  dois  offi- 
ciaes,  tirará  o  panno  de  sobre  o  caixão,  em 
que  pegarão  as  pessoas  mencionadas,  e  o 
levarão  até  á  liteira,  aonde  o  recolherão;  e 
recolhido  elle,  ha-de  tornar  o  reposteiro- 
mór  com  os  seus  officiaes  a  cobrir  a  liteira 
com  o  parino  que  se  tirou  de  sobre  o  cai- 
xão, pondo-o  com  proporção  em  igualdade, 
assim  dos  lados,  como  das  cabeceiras,  e  co- 
meçará a  liteira  a  andar,  indo  atraz  o  estri- 
beiro-mór,  que  ha-de  abrir  e  fechar  a  liteira 
como  costuma;  e  os  sumilhcres  e  titulos,  a 
que  se  ha-de  fazer  recados  para  todos  acom- 
panharem, hão-de  ir  adiante  acompanhan- 
do, e  os  officiaes  da  casa  no  meio,  na  fónna 
costumada.  Os  capitães  da  guarda  hão-de 
ir  no  logar  que  lhes  toca,  e  os  moços  fidal- 


128  VIDA  DEL-REI 

gos  adiante  dos  officiaes  da  casa,  e  entre  as 
alas  do  acompanhamento  irão  os  capellàes 
da  capella,  com  suas  sobrepellizes,  resando 
em  tom  baixo,  mas  que  se  ouça.  Adiante 
de  tudo  irão  os  corregedores  do  crime  da 
corte,  e  antes  d'elles  os  porteiros  da  casa, 
todos  em  luto. 

De  traz  da  liteira  e  do  estribeiro-mór  irá 
a  guarda  no  seu  logar,  se,  pela  perturba- 
ção não  precisar  ir  em  outro,  formada  com 
o  seu  tenente ;  e  postoque  este  não  á  o  seu 
logar,  não  pôde  ir  em  outro;  é  justo  que 
vão  em  o  logar  que  pôde  ser,  e  lião-de  íi* 
todos  de  luto. 

No  meio  do  terreiro  de  S.  Vicente  ba-de 
estar  a  misericórdia  de  Lisboa,  tendo  posto 
no  chão  o  andor  que  se  lhe  lia-de  dar  para 
este  effeito,  e  alli  ha-de  parar.  E  parada  a 
liteira,  se  hão-de  apear  todos  os  que  vão  no 
acompanhamento,  pondo-se  de  roda  da  li- 
teira e  andor  todos  descobertos,  postoque 
hajam  de  ir  cobertos  quando  forem  de  ca- 


D.  AFFONSO  VI  120 

vallo.  E  logo  o  reposteiro-mór  com  as  me- 
suras e  ceremonias  costumadas,  tomará  o 
paimo  de  sobre  a  liteira,  e  se  chegará  o  es- 
tribeiro-mór  a  abril-a,  e  as  pessoas  que  trou- 
xeram o  corpo  desde  a  sala  até  á  liteira,  o 
lião-de  tirar  da  liteira,  e  pôr  no  andor  da 
misericórdia;  e  posto  elle,  lhe  farão  todos 
suas  mesuras,  e  os  officiaes  da  casa,  e  os 
mais  quebrarão  suas  insignias  com  ambas 
as  mãos  em  alto,  de  maneira  que  se  vejam 
quebrar,  e,  quebradas,  as  largarão  no  chão, 
e  acompanharão  no  logar  que  poderem,  sem 
ordem  de  grandes  e  de  officiaes  da  casa, 
porque  com  a  entrega  á  misericórdia  se  aca- 
bou essa  formalidade,  mas  assim  elles,como 
todo  o  acompanhamento  hão-de  ir,  desde  a 
hora  que  se  apearam,  descobertos;  e  só  a 
misericórdia,  capellães  e  pessoas  que  acom- 
panharem entram  na  egreja,  porque  todos 
os  mais  hão-de  ficar  da  porta  para  fora  sem 
se  moverem  do  logar  em  que  estiverem.  E 
a  misericórdia  continuará  com  o  andor  até 


130  VIDA  D'EL-REI 

ao  meio  do  coro  baixo  dos  padres,  e  alli, 
ditos  os  responsos,  sendo  primeiro  o  da  ca- 
pella,  segmido  o  dos  frades,  e  ultimo  o  da 
misericórdia,  chegarão  o  corpo  o^  mesmos 
irmãos  da  misericórdia  até  o  logar  em  que 
se  ha-de  pôr,  e  o  porão  aquellas  mesmas 
pessoas  que  o  trouxeram  da  sala  até  á  li- 
teira, e  ha-de  abrir  e  fechar  o  caixão  o  mor- 
domo-mór;  e  feito  isto,  subirá  então  o  re- 
posteiro-mór  a  lançar  o  panno  sobre  o  cai- 
xão, e  fechado  elle  se  ha-de  dar  recado  ao 
prior  do  convento  para  receber  as  chaves  e 
a  entrega  do  corpo  que  lhe  ha-de  fazer  o 
mordomo-mór,  que  tem  as  chaves,  com  as 
testemunhas,  e  o  secretario  de  estado  que 
lhe  jurem  ser  o  corpo  que  está  recolhido 
n'aquelle  caixão  o  d'el-rei;  e  o  prior  ha-de 
declarar  que  se  dá  por  entregue  d'clle,  e  o 
secretario  de  estado  fará  termo,  que  o  prior 
e  as  ditas  pessoas  assignarão  em  duas  có- 
pias, uma  que  ha-de  ficar  no  convento  em 
companhia  das  chaves,  outm  que  ha-de  vir 


D.  AFFONSO  VI  131 

para  a  secretaria  de  estado,  para  ir  com  o 
traslado  authentico  do  testamento  d'el-rei 
para  a  Torre  do  Tombo,  quando  fôr  tempo. 
=0  bispo  fr.  Manoel.» 

Mandou-se  este  regimento  a  Cintra,  a 
Roque  Monteiro,  que  servia  de  secretario 
de  estado,  e  tinha  chegado  a  Cintra.  Pela 
secretaria  de  estado  se  avisou  a  D.  Verís- 
simo de  Alencastre,  inquisidor  geral,  e  ar- 
cebispo de  Braga,  para  ir  fazer  o  pontifical 
de  corpo  presente,  e  a  quatro  sumilheres  de 
cortina  para  que  lhe  dissessem  os  responsos 
nos  quatro  cantos  da  eça.  Avisou  o  secre- 
tario de  estado  para  pegarem  no  caixão  ao 
duque,  ao  marquez  de  Arronches,  que  se 
achavam  em  Cintra,  e  tinham  partido  de 
Lisboa  para  a  mesma  occupação;  ao  conde 
da  Ericeira,  D.  Fernando;  e  ao  de  Vai  de 
Reis,  e  ao  marquez  de  Marialva,  e  ao  de 
Cascaes;  ao  das  Minas,  ao  monteiro-mór,  e 
aos  condes  de  Pontevel  e  da  Ericeira,  D. 
Luiz  de  Menezes. 


132  VIDA  DEL-REI 

Avisou-se  O  bispo  D.  Diogo  de  Lima,  que 
fosse  fazer  o  officio  de  estribeiro-mór;  es- 
creveu o  secretario  de  estado  ao  duque  que 
quando  chegasse  o  marquez  de  Gouveia, 
mordomo-mór,  a  Cintra,  se  lhe  mostrasse  o 
corpo  d'el-rei  D.  Affonso,  ^-  se  lhe  entre- 
gassem as  chaves  do  caixão  para  as  dar  em 
Belém  ao  prelado  do  convento.  Também  se 
ordenou  que  as  formalidades  do  enterro  ha- 
viam de  começar  de  S.  José  até  Belém. 

Veio  o  corpo  da  camará  até  á  eça,  trazido 
em  caixão  pelo  duque,  marquez  de  Arron- 
ches, Roque  Monteiro,  Lourenço  Pires,  pro- 
vedor das  obras,  que  havia  mandado  chum- 
bar o  corpo,  e  deitar-lhe  cal;  e  porque  pe- 
sava muito,  os  ajudaram  a  trazel-o  alguns 
criados  d'el-rei. 

As  duas  horas  da  tarde,  partiu  el-rei  D. 
AíFonso  VI,  morto,  do  palácio  de  Cintra  para 
o  mosteiro  de  Belém,  acompanhado  dos  fi- 
dalgos sobreditos,  que  vieram  a  cavallo. 
Estava  na  egreja  de  Belém  o  bispo  do  Rio 


D.  AFFONSO  VI  133 

de  Janeiro,  o  secretario  de  estado,  e  os  mais 
officiaes  da  casa  d'el-rei.  Da  porta  principal 
da  egreja  de  Belém,  estava  a  infanteria  em 
duas  alas,  atá  onde  podia  chegar;  os  reli- 
giosos arrabidos  dos  conventos  de  S.  José, 
Santa  Catharina  e  Boa  Viagem,  encorpora- 
dos  todos  em  uma  communidade,  e  a  de 
Belém;  estavam  todos  em  duas  alas  dentro 
das  que  fazia  a  infanteria. 

Defronte  da  porta,  quando  chegou  o  cor- 
po, estavam  dois  bancos  de  velludo.  As  pes- 
soas que  p*egarani  no  caixão  em  Cintra,  de- 
pois do  conde  de  S.  Lourenço  tirar  o  panno 
de  tela  com  que  se  cobria  a  liteira,  e  o  vis- 
conde a  abrír,  tiraram  as  mesmas  pessoas  já 
nomeadas  o  caixão,  e  o  pozeram  •  sobre  os 
dois  bancos ;  alli  estava  a  irmandade  da  mi- 
sericórdia, de  que  era  provedor  D.  Fernando 
Alvares  Mascarenhas,  conde  de  Palma,  e 
meirinho-mór,  que  ordenou  aos  irmãos  da 
mesa  que  o  pozessem  no  esquife,  e  o  levaram 
até  á  eça,  que  estava  no  cruzeiro  da  egreja. 

18 


134  VIDA  DEL-REI 

Resou  a  communidade  de  Belém  o  seu 
responso,  e  ultimamente  a  capella.  Chegou 
o  secretario  de  estado  a  eça  com  o  prior 
geral  do  convento,  de  uma  banda  do  cai- 
xão, e  o  marquez  de  Gouveia  da  outra,  e 
posto  o  missal  sobre  o  caixão,  fez  o  mordo- 
mo-mór  entrega  do  corpo  ao  prior  geral,  e 
elle  assignou  o  termo  com  testemunhas,  que 
foram  presentes  na  forma  que  se  costuma 
nas  mortes  dos  reis^ 

Acabada  esta  ceremonia,  pegaram  no 
caixão  as  mesmas  pessoas  que  já  o  tinham 
feito,  e  o  pozeram  em  uma  urna  que  está 
detraz  do  altar-mór,  aonde  jazem  o  principe 
D.  Theodosio  e  a  infanta  D.  Joanna.  Logo 
que  el-rei  se  sepultou,  deu  três  descargas 
a  infan teria;  continuaram  os  signaes  das 
torres,  e  da  frota  do  Brazil,  disparando  uma 
peça  de  hora  a  hora,  att^  amanhecer. 

Acabarei  este  epitome  com  duas  ponde- 
rações, que  ambas  me  parecem  sobrenatu- 
raes:  a  primeira,  a  meu  juizo,  foi  que  lem- 


D.  AFFONSO  VI  135 

brada  a  mào  de  Deus  da  promessa  feita  a 
Affonso  I,  no  Campo  d'Omique,  attenuado 
o  reino  e  a  prole  em  AfFonso  vi,  viu  e  per- 
mittiu  sua  divina  omnipotência  que  o  reino 
se  não  perdesse,  e  se  oppozesse  a  seus  ini- 
migos, vencendo  quatro  batalhas  campaes, 
a  do  Ameixial,  a  de  Montes  Claros,  a  de 
Castello  Eodrigo  e  a  do  Canal,  veriíican- 
do-se  na  ultima  o  vaticinio  do  Bandarra. 

A  segunda  é  que,  sendo  el-rei  D.  Affonso 
incapaz  de  formar  juizo,  concorreu  a  mise- 
ricórdia de  Deus  na  ultima  hora  e  na  maior 
necessidade,  dando-lhe  meios,  segundo  se 
viu,  para  lhe  pedir  perdão  de  seus  pecca- 
dos,  e  miserícordia,  e  ultimamente  acabar 
a  vida  com  as  ultimas  palavras  de  absol- 
vição. 


13B  VIDA  D'EL-REI 


CAPITULO  XVIII 


CONSELHEIROS  DE  ESTADO 

QUE  HAVIA  QUANDO  SE  DEPÒZ  EL-REl 

D.  AFFONSO  VI 


O  duque  era  moço,  e  tinha  valor,  como 
se  vê  de  tudo  o  que  fica  dito,  prudência  e 
uma  capacidade  rara  para  todo  o  emprego; 
foi  presidente  do  ultramar,  do  tabaco,  e  do 
desembargo  do  paço,  mordomo-mór  da  rai- 
nha D.  Maria  de  Saboya  e  D.  Maria  Sofia, 
foi  também  ministro  do  despacho;  em  todos 
estes  logares  mostrou  a  sua  capacidade,  e 
grande  limpeza  de  mãos. 

O  marquez  de  Niza  foi  veedor  da  fazen- 
da; teve  grande  talento;  votava  nos  negó- 
cios com  valor.  Os  que  lhe  não  eram  aífei- 
çoados,  diziam  que  se  havia  de  seguir  o  seu 


D.  AFFONSO  VI  137 

parecer,  mas  que  lhe  não  haviam  de  per- 
guntar os  porquês. 

O  marquez  de  Marialva  foi  verdadeira- 
mente heroe,  porque  nunca  desembainhou 
a  sua  espada  que  nào  vencesse. 

O  marquez  de  Cascaes  era  discreto,  mas 
sem  experiência. 

O  conde  de  Óbidos  não  valia  nada. 

Ruy  de  Moura  foi  veedor  da  fazenda; 
teve  muita  prudência  e  capacidade. 

António  de  Mendonça  teve  as  mesmas 
virtudes;  foi  commissario  da  cruzada,  e  pre- 
sidente da  mesa  da  consciência. 

O  conde  d'Arcos  era  presidente  do  con- 
selho ultramarino;  foi  pouco  ou  nada. 

O  capitão-mór  D.  Manoel  da  Cunha  já 
era  morto  na  deposição  d'el-rei ;  teve  letras 
e  capacidade;  votava  com  liberdade. 

O  conde  de  Villa  Pouca  tinha  muito  va- 
lor, e  não  mais. 

O  duque  d' Aveiro  nem  valor,  nem  ca- 
pacidade; passou-se  a  Oastella  muito  vil- 


138  VIDA  DEL-REI 

mente,  e  não  se  acliou  já  na  deposição  (rel- 
rei  D.  Aífonso  vi. 

Pedro  Vieira  teve  muito  zelo,  boas  letras, 
e  muita  noticia. 


FIM. 


ILTOTJL 


Este  epitome  da  vida  de  D.  Aftonso  vi,  foi  co- 
piado exactamente  do  original  que  se  achava  na 
livraria  do  duque  do  Cadaval,  composto  sobre  as 
memorias  de  Luiz  Teixeira  de  Carvalho,  que  foi 
oííicial  maior  da  secretaria  de  estado,  por  cuja 
mao  correram  as  ditas  memorias;  porém  ha  n'el- 
las  circumstancias  tão  particulares  que  persuadem 
serem  dictadas  pelo  duque  D.  Nuno  Alvares  Pe- 
reira, que  teve  tanta  parte  na  deposição  d'este 
monarcha:  suas  queixas  o  íizeram  esquecer  das 
grandes  acções  do  governo  d'este  infeliz  rei,  e  das 
gloriosas  victorias  do  seu  reinado.  Veja-se  sua 
vida,  por  auctor  mais  critico. 


A  cópia  a  que  acima  se  allude,  e  da  qual  esta 
foi  tirada,  pertenceu  a  D.  Miguel  António  de 
Mello,  e  hoje  possue-a  o  conselheiro  António  Joa- 
quim Gomes  d'01iveira,  official  maior  da  secretaria 
d'estado  dos  negócios  estrangeiros. 

Lisboa,  29  de  maio  de  ISéf). 


Jacintho  da  Silva  Aíenc/o. 


A  EL-EEI  D.  AEPONSO  VI 


SEXTILHA  ANONYMA 

Eu  fui  livre,  fui  rei,  e  fui  marido, 
Sem  reino,  sem  mulher,  sem  liberdade. 
Tanto  importa  não  ser,  como  haver  sido. 
A  Portugal  só  deixo  esta  verdade: 
A  meu  irmão  só  deixo  este  memento: 
Este  é  de  Aífonso  vi  o  testamento. 


19 


índice 


PAG. 

Prefacio v 

Prologo  ao  leitor 1 

Capitulo  i  —  Nascimento  de  D.  AíFonso  vi 3 

Cap.  II  —  índole  de  D.  Affonso,  e  como  succede  na 

coroa 12 

Cap.  III  —  Separa-se  D.  Affonso  para  o  seu  quarto  21 

Cap.  IV  —  Como  D.  Affonso  vi  entrou  no  governo . .  33 

Cap.  V  —  Absoluto  governo  de  D.  Affonso  vi 40 

Cap.  VI  —  Casamento  de  D.  Affonso 48 

Cap.  VII  —  Exclusão  do  valido  d'el-rei 54 

Cap.  VIII  —  Queixas  da  rainha 59 

Cap.  IX  —  Exclusão  do  secretario  de  estado *. . .  70 

Cap.  X  —  Recolhe-se  a  rainha  á  Esperança '  76 

Cap.  XI  — Prisão  d'el-rei 83 

Cap.  XII  —  Desiste  el-rei  de  seus  reinos 90 

Cap.  XIII  —  AunuUa^se  a  el-rei  o  matrimonio 94 

Cap.  XIV  — •  É  lançado  el-rei  em  prisão  á  Ilha  Ter- 
ceira   106 

Cap.  XV  —  É  mudado  el-rei  para  o  paço  de  Cintra.  112 

Cap.  XVI  —  Morre  D.  Affonso  vi 120 

Cap.  XVII  —  Funeral  d'el-rei  D.  Affonso  vi,  rei  de 

Portugal 123 

Cap.  XVIII — Conselheiros  de  estado  que  havia  quan- 
do se  depôz  el-rei  D.  Affonso  vi 136 

Nota 139 

A  el-rei  D.  Affonso  vi  —  sextilha  anonvma 141 


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fra —  A  mesa  mysteriosa  —  Isabel  Desse  —  Dos  primeiros  galo- 
pins eleitoraes  em  Portugal  — Bordoada  sacrilega  — Manoel  de 
Faria  e  Sousa  (estudo  histórico)  —  Antiguidades  de  Braga  — 
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