VoL. vI 1º, 2º, 306 4º TRIMESTRES 1885 ARCHIVOS MUSEU NACIONAL MO DEJANEISO Nunquam aliud natura, aliud sapientia dicit. J. 14. 327. Tn silvis academi quecrere rerum, Quamquam Socraticis madet sermonibus. H. SUMMARIO Quadro do pessoal do Museu Nucional do Rio de Janeiro. —Prefacio.—Contribui- ções para a ethnologia do valle do Amazonas, por CG. F. Hartt. O Homem dos Samba- quis: Contribuição para a anthropologia do Brazil, pelo Dr. J. B. de Lacerda. —No- = estudos: crancometricos sobre os Botocudos, pelo Dr. J. R. Peixoto. —Investiga- | | ções sobra a Archeologia Brazileira, pelo Dr. Ladislâu Netto — Explicação das figuras. | | —Notas explicativas. —Rectificação. VOLUME VI CORRESPONDENTE A 1881 Consagrado à Exposição Anthropologica Brazileira, realisada no Museu Nacional a 29 de Julho de 1882 RIO DE JANEIRO Sypo e dat. Economuca, de COHachado & Go tua de Gonçalves LPias n: 28 1880 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL VoL. vi 1º, 2º, 30€ 4º TRIMESTRES 1835 Do MUSEU NACIONAL DO RETO BE TANTO VOLUME VI Lonsagrado é Expesição Ênthropologica Brazileira, realisada no Museu N “a Dt ES E 10206 Nacional a 49 de Julho de 1882 1881 sad IW Y VRaK 30 4 NICAL ID DE JAM s DZ, á = Pd OG A vá / OA ypo. edith. Ceononen, de E bado X C due de (4º nuçalues Seas nm. US 1885 Lomuissão DE REDACÇÃO Ladesddi E ee Chectde CA LL eity fode Leafeteta de Laceide. QUADRO DO PESSOAL DO Museu Nacional do Rio de ADMINISTRAÇÃO DIRECTOR GERAL Dr. Ladisláu de Souza Mello e Netto. SECRETARIO Francisco José de Freitas. BIBLIOTIECARIO Manoel da Motta Teixeira AMANUENSE João da Motta Teixeira. PRIMEIRA SECÇÃO Anthropologia. Zoologia geral e cada e Palcontologia DIRECTOR Dr. João Baptista de Lacerda. SUB-DIRECTOR Vago PFRATICANTE Munoel da Motta Teixeira. PREPARADOR Eduardo Teixeira de Siqueira. 1S8S<% Age e = appli- SEGUNDA SECÇÃO Botanica tologia vegetal DIRECTOR Dr. Ladislâu de Souza Mello e Netto. SUB-DIRECTOR Janeiro geral c applicada e Paleon- Bacharel Collatino Marques de Souza Filho. PRATICANTE João da Motta Teixeira PREPARADOR Vicente Alves Ribeiro. TERCEIRA SECÇÃO Sciencias physicas: DIRECTOR Dr. Ovrville Adalberto Derby. SUB-DIRECTOR Engenheiro Francisco José de Freitas. g PRATICANTE Antonio Teixeira da Rocha. PREPARADOR Carlos Leopoldo Cesar Burlamaqui. NATURALISTAS VIAJANTES Dr. Fritz Muller. Dr. Hermano Thering Gustavo Rumbelsperger. Carlos Schreiner. Guilherme Schwacke. PORTEIRO Carlos Leopoldo Cesar Burlamaqui. : CONTINUO Carlos de Queiroz. Mincralogia: jogia e Paleontologia seral 4700 MEMBROS CORRESPONDENTES DO MUSEU NACIONAL em mm e 1) e Baillon (Henrique ) Barbosa du Bocage (J. V.) Barcena (Marianno ) Beneden (Ed. Van.) Bentham (Jorge) Bom Retiro (Visconde do) Bureau ( Eduardo ) Burmeister (H.) Candolle (Affonso de ) Coelho d'Almeida (Thomaz J.) Cordella (A.) Daubrée (A.) Delpino (José) Domeyko (Ignacio) Diniz (Fernando) Eichler (A. W.) Ernst (A.) Exner (Mauricio ) Ferreira Penna (D. S.) Glaziou (A. F.) Gorceix (Henrique) Hooker (José D.) Jobert (Clemente ) Latino Coelho (J. M.) Mantegazza (P.) Milne Edwards (Aff) Milne Edwards (H.) Morren (Ed.) Naudin (Carlos) Philippe (R. A.) Pissis (4.) Pringsheim (N.) Quatrefages (A. de) Radikofer (L.) Reichenbach (L. H. G.) Reicbardt (H. W.) Schlegell Tulasne (L. R.) Virchow (R.) Vulpian Warming (Eugenio) Wiesner (J.) Wiener (€.) nd a 7 É 1930 Sky td E 3- ADO PREFACIO Estava no interesse intellectual do Brazil e era de seu stricto dever collo= car-se na primeira linha das nações americanas que mais a peito emprehenderam o estudo das gerações,a quem antes de Colombo fôra, por seculos sem conta, avassa= lado este vasto continente. E ao Museu Nacional, o paladino das sciencias na- turaes, no Imperio Brasileiro, devia caber tamanha gloria. Tive a fortuna de o entender assim, desde ha vinte annos, quando a Europa inteira, agitada ao rumor das perquisições que se seguiram ao descobrimento de Boucher de Perthes, lançava os olhos para o novo continente a pedir-lhe a chave dos numerosos enigmas vinculados áquella revelação. Completava eu então meus estudos em Paris e nada mais natural que deixar-me arrastar pelos vortices da onda entâusiastica dos que viam assim dilatadas as fronteiras da origem do ho- mem nos fastos da paleontologia. Ah! quantas paginas indecifradas, sobre a his-= 'toria da humanidade, não encerram ainda esses archivos de pedra até hoje occultos na mudez da noute eterna do passado ! Mal volvi ao solo natal foi meu primeiro cuidado soccorrer-me dos meios que melhores e mais promptos se me affiguraram para a realisação das minhas cada vez mais alimentadas esperanças. Nºeste proposito officiei a 18 de Maio de 1867 ao Sr. Conselheiro Dantas, então ministro da Agricultura, pedindo aos poderes publicos e ao paiz inteiro a mais viva attenção para o estudo dos anti« gos incolas d'esta terra,onde vagam, ha já tres seculos, forasteiros e perseguidos, seus malfadados descendentes. Publicado na imprensa da Côrte e transcripto em seguida por grande parte ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL da imprensa das provincias, aquelle meu appello, estava de facto plantado no espirito do publico o germen da sympathia nacional em favor da gloriosa propa- ganda. Desde então, se ardente, continua e á mais e maisviva me lavrou no animo a labareda d'esse afan impetuoso, justica é dizer-se que tambem de todo o Imperio não cessaram jámais de subsidiar-me,com eleme ntos valiosos de trabalho, esclarecidos e intelligentes auxiliares que melhormente se deveriam chamar be- nemeritos da civilisação. E tal foi o progredimento do Museu Nacional neste estadio luminoso dos seus novos labores, que decretada em 1876 a reorganização dos antigos estatutos, resol= veu o Governo Imperial, a suggestões minhas, crear um Museu especial, a cargo do qual se achasse, de então por diante, todo o complexo e já n'essa quadra copiosissimo repositorio existente na secção anthropologica. Até o presente não me foi permittido fruir o gozo d'este commettimento, nem ter ao menos razão bas- tante em que me funde para esperar saudal-o em prazo de curta duração. Males ha, porém, ás vezes, dos quaes desabrocham inesperados benefi- cios: Desilludido de lograr tão cedo os meus jámais esquecidos desejos, cogitei de resarcir este doloroso sentimento pelo projecto que desde 1880 concebi, de uma exposição anthropologica brazileira . Este projecto fez-se indizivel e esplendida “realidade, a 29 de Julho de 1882. O que foi aquella exposição, sabe-o hoje o Brazil inteiro e vai verifical-o em breve todo o mundo civilisado com a publicação dos documentos que só agora começo de dar a lume. + Como o disse um dos mais auctorisados orgãos da imprensa brazileira, foi um certamen totalmente desconhecido para este paiz, e tanto mais interessante quanto surprendente pelas riquezas das collecções exhibidas—preciosidades nunca d'antes observadas em nenhuma outra parte do Globo. O exito alcançado exce- deu de muito as nossas mais douradas esperanças e até por ffm a minha que eu suppunha exaggerada espectativa. Para tão brilhante jubileu scientifico pareceu-me então insuficiente o ca= talogo que eu lhe preparava. Fazia-se mister mais solemne ou mais larga comme- moração ; exigia-se um novo testemunho escripto d'esse auspicioso certamen, e assim ficou assentado em lhe ser tambem consagrado o VI volume dos Archivos do Museu. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Vem d'ahi a prioridade concedida a este volume sobre a publicação do referido catalogo. Quanto a este, já em parte presentemente impresso, vai ser em breve concluido e espero que tambem publicado ainda este anno, se me não fôr anteposto algum dos obstaculos tanto de receiar na quadra que atravessamos. Seja-me licito agora accrescentar algumas palavras de explicação a respeito dos trabalhos do finado Carlos Hartt, exarados n'este volume. O illustre e mal- logrado geologo não havia dado por findo o que da sua lavra ahi se expõe ao lume da publicidade. São fragmentos extrahidos do vasto cabedal a que o incan- savel obreiro da sciencia, fulminado pela morte em meio da sua operosa tarefa, não pôde imprimir o cunho final d'aquella vasta percepção que todos nós lhe re- conheciamos. Foi seu discipulo predilecto e hoje successor n'este Museu, Orville Derby, quem tomou a si o pio encargo de enfeixar em limites menos vagos as notas esparsas, deixadas pelo mestre. Devemos-lhe na verdade não pequeno serviço,porque, sem a sua dedicação, todo esse thesouro se houve ra talvez perdido. De dous naturalistas brazileiros, os Drs. Lacerda e Rodrigues Peixoto, acham-se tambem inseridas n'este volume investigações que se me afiguram as mais completas com que hão até hoje opulentado aquelles distinctos anthropolo- gistas os annaes scientificos do Brazil. Pertencem-lhes, como é sabido, os primeiros subsidios rigorosamente de- terminados que d'esta parte da America e n'estes mesmos Archivos do Museu Nacional, foram prestados, nos ultimos prélios anthropologicos, para o desenvol- vimento da craneometria comparada. As contribuições d'esta feita apresentadas pelos nossos dous laureados col- laboradores abrangem largo espaço e illuminam vivamente alguns trechos da es= trada já talhada no terreno da anthropologia. Fecha o volume e occupa-o em mais de metade um ensaio sobre a archeos logia brazileira, por mim redigido, no só intento de dar idéa approximada das antiguidades que já hoje enthesoura o Museu Nacional. Do que é este ensaio e do quea mim me parecem os seus innumeros defeitos, de sobra o disse na in- troducção com que o prefaciei. Obreiro paciente e resignado na faina a que ens thusiasticamente me arrojei, contenta-me unicamente a esperança de ver transe ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL formar-se um dia o material que, pedra a pedra, tenho ahi accumulado em mo- numento cuja solidez e formosura não de mim depende, senão dos artistas que tiverem de architectal-o no futuro. Ajudem-me no mesmo afan todos aquelles a quem allumiar a fé ardente do trabalho e animar a esperança da unica recom- pensa capaz de todos os sacrifícios: A satisfação da propria consciencia e a con= sciencia de haver cumprido o seu dever. Janeiro— 1885. LavisLáu NETTO. CONTRIBUIÇÕES E o SO DS IE INTE ES IE OS ELE DO AMALON POR CARLOS FREDERICO HARTT I. Sambaquis do Amazonas Varios viajantes (1) que percorreram o Amazonas, e entre elles o notavel naturalista inglez o Sr. Bates (2), referiram a existencia de conchas maritimas fossilisadas nas argilas da visinhança de Obidos, e algumas amostras destas con- chas foram examinadas pelo Professor Agassiz, que reconheceu serem de gene- ros fluviaes, mas acreditou que fossem encontradas em localidades onde por si mesmas se tivessem enterrado no lodo. Na collecção levada para os Es- tados Unidos pelo Professor Agassiz figuram amostras destas conchas colleccio- nadas pelo Dr. Burlamaqui, na visinhança de Santarém. Consistem em espe- cies dos generos Hyria, Castalia, Umio e Anodon. (1) Agassiz, A Journey in Brasil. (2) Naturalist on the Amazon. V.v—l 2 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Na minha expedição de 1870 fui informado pelo Sr. Gabriel, de Obidos, que apparecem conchas maritimas em grande abundancia no Engenho de Taperi- nha, distante umas 30 milhas a léste de Savutarem, e situado sobre a margem meridional do valle proprio do Amazonas no Paranâmirim de Ayayá. Depois de uma demora incommoda em Santarem e de muitas difliculdades em obter canôa e canoeiros, visitei o engenho, onde só pude empregar parte de um dia, por ter de voltar a Santarem a tempo de tomar o vapor para voltar aos Estados Unidos. Nesta curta visita o Sr. Rhome, norte-americano, dono do engenho, de sociedade com o Barão de Santarem, ajudou-me durante algumas horas no exame do deposito. Achei que este deposito consiste em um enorme acervo de conchas fluviaes de espessura desconhecida, cobrindo uma área de mui- tos milhares de metros quadrados. Acha-se situado ao pé da ingreme escarpa for- mada de rochas terciarias, que constitue o limite meridional do valle, e dis- tante cerca de 200 metros da margem do Ayaya. O deposito fica alguns metros acima do nivel alcançado pelas aguas da enchente annual, e o ponto mais ele- vado em que vi as conchas está a quinze metros acima deste nivel. Sendo todo o deposito coberto com uma capa mais ou menos espessa de solo trazido pelas aguas dos morros proximos, não me foi possivel determinar com exactidão a sua área e espessura. Achei as conchas tão regularmente dispostas, tão frequentemente unidas e fechadas e com tão pouca mistura de materias estranhas que, não tendo encon- trado vestígio algum de louças, madeira carbonisada, ossos ou outros restos in- dicando acção humana, cheguei um tanto levianamente à conclusão de que o deposito se formou naturalmente. Essa opinião me parecia a mais acertada, porque tinha visto perto de Aveiros grandes acervos de conchas das mesmas especies lançadas nas praias pelas ondas do Tapajoz. Suspeitei, porém, que o deposito podesse ser um Kitchen-midden ; (1) mas, posto que o Sr. Rhome e eu procurassemos cuidadosamente restos humanos n'uma grande excavação que mostrava uma superficie de dous ou tres metros de comprimento e dous metros de altura, feita para obter mariscos para o fabrico de cal, nada achamos sinão conchas. Ao deixar o Sr. Rhome, encommendei-lhe que procurasse sempre res- tos humanos. (2) Palavra ingleza, significando uma accumulação de refugo de cosinha. Si esta palavra não fosse de tão dificil assimilação seria conveniente adoptal-a na lingua portugueza que não tem egui- valente exacto. A palavra Sambaqui, empregada no litulo deste capitulo, é defeituosa, porque não envolve necessariamente a idéa da acção humana, sendo applicala a qualquer ascumulação de con= chas, quer formada natural, quer artificialmente, Nota da Redacção. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 3 Ao chegar ao Pará foi-me dada uma massa de conchas semelhante, prove- niente de Salinas. Examinando esta amostra, depois de chegar aos Estados Uni- dos, achei, misturados com as conchas, fragmentos de madeira carbonisada e os- sos de peixe, indicando que a massa tinha sido tirada de um sambaqui formado pela acção humana. Esta observação tornou provavel a hypothese de que o deposito de Taperinha tenha a mesma origem, e tornei a recommendar por es- cripto ao Sr. Rhome que procurasse louça, instrumentos, etc., no deposito. Na minha expedição de 1871, fui outra vez a Santarém, de proposito para examinar de novo o Sambaqui, e lá encontrei o Sr. J. B. Steere, da Universidade de Michigan, que, animado pelo Sr. Rhome, tinha já examinado o deposito, e teve a felicidade de encontrar fragmentos de louça e alguns ossos, resolvendo assim a questão de ser ou não o Sambaqui formado pela mão do homem. Depois da usual e incommoda demora em Santarem, visitei Taperinha de novo, e examinei com mais cuidado o Sambaqui. Com dous homens que o Sr. Rhome graciosamente me offereceu, excavei até a profundidade de seis metros, além de examinar um monte de conchas sufficiente para encher muitas carroças, ti- radas da face vertical da excavação. Acima das conchas, achei cerca de meio metro de terra, na qual havia fra- gmentos de louça, pela maior parte do mesmo typo que a da terra preta em cima do alto taboleiro, como será descripta mais adiante, porém misturada com louça moderna. Às conchas acham-se tão completamente cobertas de terra que não appa- recem na superficie, salvo nas immediações da excavação. Estão, porém, ex- postas nas margens de um rego, uns trinta ou mais metros de distancia, na dire- cção dos morros, e fazendo excavações encontravam-se em diversos pontos nos campos do lado opposto do rego. As conchas pertencem às bem conhecidas especies de Hyria, Castalia e Unio, que abundam nas aguas do Amazonas e seus tributarios. Desde a super- ficie até a profundidade de seis metros achei fragmentos muito pequenos de louça vermelha grosseira, mas toda a collecção achada nesta excavação apenas encheria um chapéu. Os ossos são extremamente raros, e ao todo obtive apenas um punhado delles. O Sr. Steere achou parte da costella de um peixe-boi, e eu colleccionei fragmentos de ossos humanos, parte do esqueleto de um pequeno peixe, e umas escamas decompostas que parecem ser de jacaré. A raridade dos ossos e a ausencia apparente das vertebras do pirarucú sorprehendeu-me bastante. Aqui e acolá, encontrei um pedaço de madeira carbonisada, mas sem camadas definidas de cinzas; nem tão pouco encontrei pedras de fo- h ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL gueiras. Não se tem encontrado instrumentos de qualquer natureza neste de- posito. A louca é fabricada de argila, contendo proporção consideravel de areia muito grossa, sem caraipé e tendo a superficie relativamente lisa. Os fra- gmentos indicam que as vasilhas tiveram pela maior parte a fórma de taça com fundo bem arredondado. A margem é muito simples, chanfrada do lado interno, e um pouco virada para fóra. Não são lustrados nem pintados, e pela maior parte mostram-se inteiramente despidos de ornamentação. Alguns pedaços, po- rém, apresentam riscos toscos no lado exterior, logo ahaixo da margem, e indicando apparentemente tentativas de decoração. Que os animaes cujas conchas formam o sambaqui foram empregados para alimentação, é fóra de duvida, porque, como mostrarei mais adiante, ha em outras partes da America sambaquis de conchas fluviaes, que tiveram o mesmo fim; posto que hoje onde abundam estes animaes, no baixo Amazonas, nunca, que eu saiba, são elles comidos. O meu amigo Dr. E. Pacheco Jordão informa-me que ás vezes comem os mol- luscos fluviaes na provincia de S. Paulo, e eu mesmo vi uma vez um monte de con- chas de Unio em frente de uma casa, no lago Juparanã, na provincia do Espirito Santo, mas não verifiquei neste caso se foram empregadas para alimentação ou para isca. Ainda que eu examinasse cuidadosamente o sambaqui de Taperinha até a profundidade de seis metros e revolvesse um monte enorme de conchas, é possivel que tivesse trabalhado em um logar esteril, e que em outras partes abundem mais os restos humanos, mas isto não me parece muito provavel. A quantidade enorme de conchas e a raridade de ossos, leva-me a concluir que o povo que fez o sambaqui alimentava-se exclusivamente de molluscos, pelo menos durante parte do anno. Parece muito estranho que, tendo usado esse povo de instrumentos de pedra, nenhum fosse encontrado, e que, sabendo caçar e pes- car, não se achassem em abundancia, nos seus sambaquis, ossos de vertebrados. Demais,se este povo tivesse conhecido o uso da mandioca, parece incrivel que fosse obrigado a alimentar-se tão mal. O facto de que tal povo sabia fazer louça tosca, mostra que tinha elle dado um grande passo para a civilisação, e a este respeito era muito mais adiantado do que os Botocudos que, segundo julgo, não fazem uso de louca. Aqui levanta-se uma questão importante sobre a procedencia das conchas. As especies dos generos Castulia, Hyria, Unio, ete., apparecem em abundancia na bahia de Marajó, como por exemplo no Carapi, perto do Pará, onde a agua é turva e a maré se eleva muitos palmos, sendo a agua um tanto salobra na estação secca. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 5 Os molluscos vivem mais ou menos enterrados na areia ou no lodo, e muitas amostras expostas na maré baixa foram colleccionadas pelos meus companheiros. Molluscos semelhantes abundam nas aguas claras do Tocantins, Tapajoz e Xingú, sobretudo nos logares lodosos, mas não pude saber onde se podia ter obtido na visinhança de Taperinha tão grande quantidade destas conchas. Estas especies com certeza não se encontram actualmente nem no Paranámirim, nem no Ama- zonas, não podendo eu verificar si se encontram nas lagunas. Os meus canoeiros não conheciam logar nenhum onde ellas podessem ser encontradas. Antiga- mente, porém, deviam ter sido não só abundantes como de facil acquisição. Pa- rece, portanto provavel que, depois de formado o sambaqui, tenha havido uma importante mudança physica na bacia do Amazonas. À propria posição do depo- sito torna mais provavel esta hypolhese. Em vez de estar situado em terrenos de alluvião nas margens do Paranâmirim, este deposito acha-se collocado a uma dis- tancia consideravel dorio, atraz de uma zona pantanosa de lravessia dificil, e n'uma altura consideravel acima do maior nivel das enchentes, Não posso conce- ber outro motivo para essa coilocação sinão o de ter estado o Amazonas, no tempo de sua accumulação, em um nivel superior ao actual, Julgo, portanto, que de- pois daquelle tempo o terreno tem-se elevado. Tenho demonstrado concludentemente que a costa oriental do Brazil ele- vou-se durante a epocha da actual fauna maritima, de modo que se encon- tram os buracos feitos pelos ouriços, e agglomerações de conchas recentes em toda a costa, na altura de alguns metros acima do nivel do mar. Sio valle do baixo Amazonas tivesse uma depressão de cerca de seis me- tros, todos os terrenos baixos seriam inundados e o Amazonas formaria um largo estuario, estendendo-se muito a oéste dos limites da provincia do Pará. Os rios Xingu, Curuá, Tapajoz, Maué-assú, Abacaxis e Canuma seriam largos braços do estuario principal, e os terrenos marginaes do estuario, do lado do sul, seriam os altos que existem entre Santarém eo Curuá. Em frente à Taperinha o estuário teria provavelmente 40 a 50 kilometros de largura. Neste caso Tape- rinha ficaria situada em condições semelhantes ás que actualmente existem em Carapi; e nas suas praias, ao pé dos altos, provavelmente abundariam os mol- luscos fluviaes. Se taes condições se déssem, vê-se que as facilidades para a pesca seriam muito menores do que hoje. Não quero insistir nestas theorias, e só as apresentei na esperança de que outros viajantes examinassem com mais cuidado o deposito fluvial dessa região, e nos dessem maior numero de factos. A existencia de um sambaqui composto de conchas de ostra no logar cha- V.vi—2 6 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL mado Pinheiro, que está hoje nas aguas doces ou salobras do rio Pará, parece apoiar a theoria de uma elevação da terra depois da formação do sambaqui de Taperinha, porque só uma depressão posterior do valle permittiria a existen- cia de ostras neste logar. O Sr. Rhome me informou que existem outros sambaquis na visinhança de Santarém, sendo um delles situado nas margens do Maicá ou Uaiá, cerca de 15 milhas a oéste do engenho. Consta tambem que existem em uma ou mais localidades, mais a oéste, na lagôa de Villa Franca, e o Sr. Derby foi informado pelo Dr. Mattos, em Obi- dos, que ha um grande sambaqui numa ilha fronteira áquella cidade, cha- mada Itandyua, e que a cal empregada na construcção do forte de Obidos pro- vinha de um sambaqui situado no logar chamado Mondongo, no lado occiden- tal do rio Trombetas. Baena (1) falla de conchas fosseis perto da foz do To- cantins, e é provavel que estas sejam de um sambaqui. A existencia de samba- quis no baixo Tocantins foi, como o Sr. Ferreira Penna já notou, pela primeira vez assignalada por Noronha, em 1868. Diz Noronha: «Entre a Villa Viçosa (Ca- meta) e o canal de Limoeiro acbam-se dilatadas minas de Berbigões (2) e con- chas marinhas, às quaes se dá o nome de Sernamby, de que se faz conside- ravel quantidade de cal, que é outro ramo de commercio desta villa.» Elle diz tambem: «Das mesmas conchas ha tambem grandes minas no rio Canaticú na ilha de Marajó, e nos rios Maracanã e Merapanim.» Para tornar mais completa esta noticia dos sambaquis de conchas P'aguã doce, accrescento aqui algumas notas tiradas de um interessantissimo artigo, pu- blicado no primeiro volume dos Archivos do Museu Nacional, pelo meu il- lustre amigo o Sr. Ferreira Penna. Este explorador visitou dous sambaquis no baixo Tocantins, um, o de Curuçá, perto da cidade de Cametá, e o outro, o de Jassapetuba, a 10 milhas distante, ao norte da cidade. Ambos acham-se situados na extensa varzea que margeia o rio, e foram quasi que totalmente destruídos pelos fabricantes de cal, de modo que hoje não se elevam sensivelmente acima do nivel dos terrenos vi- sinhos. No sambaqui de Curuçá, que occupa uma área de cerca de 1,600 metros quadrados, foi achada uma pequena camada de conchas. de 24 centimetros de (1) Corographia do Pará. (2) Berbigão é o nome applicado nas províncias ao sul do Rio de Janeiro às conchas do genero Venus e tambem aos montes compostos destas conchas. ARCHLVOS DO MUSEU NACIONAL 7 espessura, enterrada debaixo de um metro de terra. As conchas estavam muito deterioradas, mas conservavam o brilho perolino da parte interna. Pertencem principalmente aos generos Castalia e Iyra, com alguns fragmentos de Unio e Anodonta. A terra, em cima da camada de conchas, estava cheia de pequenos gasteropodes turriculiformes, de bocca não inteira. (Melanopsis?) No simbaqui de Jassapetuba, que é talveztres ou quatro vezes maior que o de Curuçá, as conchas que predominam parecem pertencer ao genero Cyprina. Os objectos encontrados nestes sambaquis foram alguns pequenos fra- gmentos de louça, um meio disco de grés, e fragmentos da maxilla inferior e um humerus de um grande mammifero carniceiro, provavelmente um jaguar ou tigre. Ha noticias fidedignas de outros sambaquis na mesma região, for- mando um cordão que começa 8 milhas ao sul, e termina 24 milhas ao norte da cidade de Cametá. Encontram-se montes de conchas fluviaes em muitas partes dos Estados Unidos, tendo sido os da Florida explorados pelo finado Professor Jeffries Wy- man, da Universidade de Harvard. (1) O Professor Wyman diz que os montes de conchas encontram-se nas margens do rio Muskingum, e contêm varios ar- tigos de arte humana. (2) O Dr. Brinton, quando em serviço no exercito de Cumberland, na Virgi- ginia, na guerra civil, observou montes de conchas fluviaes que pareciam ter servido de alimento aos indios, (3) e nestes ultimos annos eu mesmo, em companhia dos Srs. Ralph Waldo Emerson, Elliot Cabote outros, examinei um deposito semelhante nas margens do rio Concord, no estado de Massachussets, que consistia em conchas de Unio complanatus, e continha carvão vegetal, pe- daços de ossos trabalhados e instrumentos de silex. (4) Estou tambem infor- mado pelo Prof. J. D. Whitney, chefe da Commissão Geologica da California, e pelo Dr. W”. H. Brewer, botanico da mesma commissão, que existe na Cali- fornia grande numero de sambaquis. E" emfim evidente que elles se acham largamente disseminados nos Estados Unidos. (1) Prof. Jeffries Wyman, Fresh Water Shellheaps of the St. John River, East Florida. Ameri- can Naturalist, Vol. JL Oct. 1868, p. 393. (2) Descripto pelo Atwater, Archaelogia Americana, Vol. 1, p. 226. (3) Southsonian Reports, 1866, p. 356. (4) Proceedings of the Boston Society of Natural History, Vol, XI, p. 243. Veja-se tambem a obra de Jones, Antiquities of lhe Southern Indians, p. 200. 8 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Sambaquis de conchas marinhas O Prof. Charles Linden, da cidade de Buffalo, New-York, estando no Pará no anno de 1873, foi informado da existencia de um sambaqui composto de conchas de ostras, no Pinheiro, bem conhecido ponto no lado meridional do rio Pará, situado algumas milhas abaixo da cidade, e graciosamente me offereceu uma colleeção de conchas e de fragmentos de louça, colleeção feita por um moço que elle mandou examinar a localidade. As conchas são de ostras, molluscos que hoje não habitam as aguas doces do rio Pará, e a sua existencia no Pi- nheiro parece indicar uma grande modificação physica no valle do Amazonas, subsequente à formação do sambaqui. Este e os sambaquis de Salinas mere- cem um estudo cuidadoso, não só por causa da luz que possam dar sobre os antigos habitantes do paiz, como tambem pela que provavelmente dariam so- bre algumas das ultimas modificações physicas que se passaram na foz do valle do Amazonas. A louça que se diz ser tirada deste sambaqui é em fra- gmento e muito grosseira. O Sr. Derby me forneceu a seguinte noticia do sambaqui de Salinas, na foz do Amazonas : « À povoação de Salinas acha-se situada em uma região que tem quasi a mesma elevação e caracter que a que fica em redor da cidade do Pará, com a diflerença de que os terrenos baixos consistem em pantanos arenosos, mari- nhas em logar de pantanos de alluvião. Os terrenos altos, que não se elevam a mais de dez metros acima do nivel do mar, constam de camadas de grés ferru- ginoso, cobertas por um solo arenoso bem arborisado. «O sambaqui que examinei está a cerca de uma milha da povoação, numa ponta deste terreno alto, margeado de um lado por um pequeno riacho sujeito à acção da maré, e quasi circumdado nos outros lados por um pan- tano marinho. A ponta ergue-se mais ou menos a tres metros acima do nivel do préamar, no riacho, e consiste em um substracto de grés coberto de um depo- sito de conchas misturadas com terra vegetal. O deposito tem sido quasi todo destruido pelos exploradores de conchas, das quaes se encontram muitas espa- lhadas sobre uma superficie consideravel. «Estas conchas são de uma especie do genero Venus, com especies do genero ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 9 ostra raras vezes, e de molluscos univalvos dos generos Fusus e Faciolaria. Mis- turados com as conchas, na superficie, ha fragmentos de louça grosseira sem ornatos, alguns dos quaes são indubitavelmente modernos, e não têm relação al- guma com o deposito, emquanto outros têm aspecto mais antigo, e pare- cem ter sahido do meio das conchas; sobre isso porém não pude obter provas positivas. Consta que occasionalmente têm-se encontrado ossos, e que ha an- nos foi desenterrado um esqueleto inteiro, que de novo foi enterrado pelo vi- gario da freguezia. » Diversos outros sambaquis entre Salinas e Bragança foram visitados pelo Sr. Ferreira Penna. Estes depositos estão sendo explorados em larga escala, sendo as con- chas mandadas ao Pará para o fabrico da cal. Consta que em todos elles se tem encontrado ossos e reliquias, posto que raros. Uma pessoa que es- tava presente na occasião em que se acharam dous esqueletos num sam- baqui, perto de Braganca, me informou que elles tinham sido encontrados den- tro de grandes igaçabas sem ornamentação, e na profundidade de dous me- tros abaixo da superficie, estando distantes um do outro cerca de vinte e cinco metros. Na publicação já citada, o Sr. Ferreira Penna dá uma importante noticia dos sambaquis entre Salinas e Bragança, acima mencionados pelo Sr. Derby. Elle examinou sete, tres dos quaes têm sido quasi totalmente destruídos. Com exce- pção de dous, todos se acham no meio dos mangaes, e 2 até 5 milhas distantes do mar. O maior que foi medido cobre uma area de 80 metros sobre 60 de largura, pouco mais ou menos, e, conforme o testemunho dos moradores do logar, formava antigamente uma collina tão alta que dominava as mais altas arvores da ilha. Hoje a sua altura não excede de 6 metros. Neste mesmo sambaqui, chamado Sernamby da Corôa Nova, o Sr. Penna achou fragmentos de louça grosseira, algumas tenazes de caranguejo, uma especie de mó de granito muito poda e discoide, e na profundidade de 40 centimetros, já sobre a arêa, uma vertebra lombar humana, e parte de uma maxilla superior. Fragmentos de louça e uns poucos de ossos humanos foram encontrados em outros sambaquis. Pessoas fidedignas informaram que ha annos foram en- contrados no sambaqui da Corôa Nova dous esqueletos humanos, de bruços, ao lado um do outro e muito juntos. N'um outro sambaqui foi encontrado em 1875 um esqueleto humano inteiro, dentro de um grosseiro vaso de barro V.v.—3 10 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL que estava soterrado entre as conchas. No mesmo sambaqui foram encontrados ultimamente ossos que dizem ser de dimensões extraordinarias. O Sr. Penna diz que as conchas de que se compõem os sambaquis do li- toral são em geral de uma especie de Venus de mistura com especies de Arca, Cardium, ete. O mesmo observador é de opinião que as Ostras, Pholas, Trochus, Bulimus, as tenazes de caranguejo e os ossos de peixe-boi e outros peixes achados nos sambaguis, não lhe pertencem provavelmente, mas têm sido trazidos pelos tripulantes das canôas empregadas no transporte das con- chas para o fabrico da cal. Como todos estes objectos acham-se frequente- mente nos sambaquis do sul do Brazil, julgo muito mais provavel que elles formassem parte dos do Pará. Bem sei como é deficiente este esboço dos sambaquis do Pará, mas pre- parei este capitulo não por causa das informações que tinha a oferecer sobre este assumpto, mas para estimular observadores futuros a tomar e desenvolver este novo campo de estudos. II. Taperinha e os sitios dos moradores dos altos O engenho de Taperinha, antigamente propriedade do Barão de Santarém, mas pertencente hoje ao meu amigo o Sr. R.J. Rhome, acha-se situado no lado meridional do valle do Amazonas, ao pé dos altos que de perto de Santarém se estendem na direcção do Xingú, e cerca de 30 milhas distante de Santarém. O valle situado entre estes altos e o massiço do lado opposto é muito largo. À corrente principal do Amazonas, dirigindo-se obliquamente atravez do valle, desde a foz do Tapajoz até um ponto logo acima de Taperinha, é dividida em canaes menores por grandes ilhas ou une-se em um só canal largo, sendo mar- geada de cada lado por uma grande extensão de terrenos modernos de allu- vião. Estes terrenos, que são inundados todos os annos, formam uma grande baixada cortada por um systema de paraná-mirins, e matizada por numero- sos lagos, que muitas vezes apresentam grandes dimensões. Um destes paraná- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 41 mirins, chamado Ayayá, (1) deixa o Amazonas logo abaixo da foz do Tapajoz, e, formando uma corrente larga e profunda, posto que não navegavel em toda a sua extensão durante a secca, acompanha a margem dos altos, desde perto de Santarém. Este canal parece ter sido formado pelo estreitamento de um canal lateral do Amazonas, em virtude do augmento e fusão de ilhas de allu- vião. A alguma distancia abaixo da foz do Ayaya existe a de um paraná-mi- rim maior, fundo e navegavel, chamado Iuki, com uma corrente forte do Amazonas, que corta o arco feito pelo Ayayá, e, unindo-se com este, algumas milhas abaixo do engenho, entra no rio principal do Amazonas, um pouco mais adiante. Um canal artificial, excavado nos terrenos baixos, algumas mi- lhas a oéste do engenho, estabelece a communicação entre os dous paraná-mi- rins, salvo na ultima parte da estação sêcca. O canal principal de Amazonas fica muitas milhas distante da base dos altos, no engenho. Os altos consistem em camadas horizontaes de argila e grés molles, mais ou menos argilosos, e formam a margem de um planalto, perfeitamente nive- lado em cima, cuja altura varia de 100 a 130 metros acima do mar. A mar- gem é muito ingreme em toda a parte, mas em virtude da molleza das ro- chas, nunca é cortada a prumo, e raramente mostra as rochas a descoberto. Perto da base, a encosta torna-se mais suave n'uma pequena distancia, para unir-se com a planicie de alluvião. A escarpa estende-se com uma forte curva concava a oéste, até perto de Santarém, quando, voltando para o sul, no logar chamado Diamantina, ella continúa n'uma linha irregular até Altar do Chão, na margem do Tapajoz, deixando entre ella e este rio um numero de morros isolados, como os de Irurá, Panéma, a Serra do Altar do (hão, e uma grande área de altos e arenosos campos ondulados, cobertos com uma vegetação escassa. Ao pé da escarpa, corre, com interrupções, uma zona de Igapós ou de pantanos, coberta com uma luxuriante matta virgem, contendo arvores de grande altura e grande abundancia de palmeiras, miritis, assahys, etc. A intervallos um tanto frequentes, surgem da base da escarpa fontes abun- dantes de agua crystallina, dando origem a riachos bastante grandes, para dar força motora a engenhos de canna, serrarias, etc. Logo a oéste do engenho de Taperinha existe uma destas fontes, cuja agua conduzida em um rego que acompanha o pé da escarpa até o engenho, dá movimento à sua roda hydrau- lica. Estas fontes não só fornecem força motora, como tambem a melhor agua (1) O nome antigo de Taperinha foi Ayayá, nome de uma especie de colhereiro (Platalca). 12 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL potavel. No sitio do Sr. Hennington, no logar chamado Panéma, a fonte se acha situada muito acima da base da escarpa As encostas dos altos e a planicie acima, em toda a parte onde a tenho exa- minado, são cobertas por densas florestas, que dão prova da fertilidade do solo. Parece predominar na planicie superior um solo argiloso um tanto duro, de côr avermelhada ou esbranquiçada, raramente arenoso e sem pedregulho. Este solo sustenta por toda a parte uma matta alta e luxuriante. Onde culti- vado, mostra-se productivo, mas apparentemente não é muito fertil. Em Taperi- nha, Diamantina, Panéma, e de espaço em espaço, ao longo do lado occidental do Tapajoz, e mesmo perto de Itaituba, existem grandes áreas, às vezes de centenas de alqueires de extensão, nas quaes o solo consiste em uma rica € fôfa terra vegetal de côr preta, conhecida pelo nome de terra preta. Este solo é extremamente fertil, e ficando humido durante toda a estação secca é espe- cialmente apropriado para a cultura de canna. Uma área muito extensa desta terra preta que se acha na margem da planície, logo acima do engenho, está coberta de magnificas plantações de canna. Durante alguns mezes da estação secca, cahe pouca ou nenhuma chuva, e a vegetação dos campos fica queimada pelo sol. Entretanto, tendo visitado as terras altas por diversas vezes, no rigor da secca, fiquei surprehendido ao achar o solo humido, a matta com folhas verdes, e a canna nova florescente e cheia de succo. Si posso julgar pelas minhas proprias observações, o teste- munho dos moradores norte-americanos e inglezes, e emfim de todos que co- nhecem a região, estas terras são fertitissimas. Acham-se em posição alta- mente favoravel á cultura, e em uma das mais sadias e temperadas regiões do Amazonas. A fertilidade dellas já tinha attrahido a attenção dos indigenas, e em toda a parte onde se encontra uma mancha de terra preta, ha certeza de encontrar tam- bem evidencia de antiga occupação. Em Itaituba, Diamantina, Panéma, Pá-Pi- xuna e Taperinha, a terra preta é cheia de fragmentos de louça, às vezes até à profundidade de um a dous metros, mostrando que a terra tinha sido revolvida até essa profundidade. Em alguns casos os fragmentos são tão abundantes que difficultam o emprego da enxada. Em Taperinha a superficie tem sido lavrada com arado e está coberta de canna, de modo que é difficil examinal-a. O Sr. Rhome offereceu-me graciosamente trabalhadores; fiz muitas excavações, obten- do muitos fragmentos ornamentados de louça, alguns instrumentos e uns poucos de ossos. Os fragmentos indicam utensilios de uso domestico, de varias qualida- des, os quaes, quebrados pelo uso, foram lançados fóra, e, pela cultura da terra ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 13 ou talvez pela accumulação de lixo, cinza, etc., foram enterrados debaixo da superficie. Logo ao pé da escarpa, em cuja margem superior existe o sitio dos mora- dores dos altos, acima descripto, acha-se o sambaqui descripto no artigo an- terior. Em Pá-Pixuna visitei, guiado pelo Sr. Wallace, dous sitios das antigas povoações, ambos na terra preta, e de ambos obtive fragmentos de louça, pe- daços de idolos, e instrumentos de pedra. Estão situados, como Taperinha, na margem da planície, e mostram signaes de ter sido cultivados até epocha bem recente. Um está coberto de mafta, mas as arvores, posto que de tamanho con- sideravel, não são tão grandes como as da matta virgem em redor, tendo me- nos arbustos e vegetação rasteira. As palmeiras Urucuri e Murumurú são muito abundantes, e a superficie do solo é bem nivelada, Abundam na superficie fra- gmentos de louça, mas são pouco interessantes. Fazendo excavações, encontra- mos louça tambem enterrada no solo. Os indios modernos cultivaram recen- temente esta terra preta, mas, pelo que pude saber, não moraram em cima da escarpa, mas na base,nos sitios que ficam à beira das correntes Pagua. A louça destas localidades afasta-se notavelmente da dos montes artifi- ciaes de Marajó. As molduras e margens dos potes, etc., assim como a fórma das proprias vasilhas parecem ser bastante differentes. O ornato da margem, feito pela impressão do dedo, como os pasteleiros costumam fazer com os pas- teis, que é quasi desconhecido em Marajó, é muito commum alli. A louça é frequentemente lustrada com barro branco e pintada, mas não vi ornatos em linhas pintadas ou gravadas como as de Marajó. Algumas das protuberancias e azas ornamentadas das vasilhas asseme- lham-se às de Marajó, e o Sr. Derby achou em Panéma um idolo do mesmo typo que os dos montes do Marajó. Em Taperinha e Pá-Pixuna achei numero- sos fragmentos de cabeças, pés e braços de idolos. Os machados de pedra e os idolos indicam que as povoações dos moradores dos altos foram estabelecidas anteriormente ao advento da civilisação e christianismo. Não tenho dados para julgar si estas povoações foram abandonadas antes da colonisação européa ou si o abandono foi devido à influencia da civilisação. Os indios civilisados que têm cultivado a terra preta de Taperinha e Pá- Pixuna, estabeleceram as suas residencias ao pé da escarpa, por ser local con- veniente, especialmente para o supprimento de agua. Como era de suppor, estes antigos sitios foram cultivados em epocha recente; e encontram-se provas V.vi.—4 14 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL desta occupação recente em um ou outro machado de ferro ou fragmento de louça européa, espalhados na superficie. Em Panéma, os Srs. Derby e Steere acharam dous machadinhos de ferro, de fórma antiga, e o Sr. Wallace me mostrou uma fivella de prata que foi encontrada em Pá-Pixuna. O Sr. Rhome me informou que n'um logar chamado Tiningú-grande, cerca de uma legua acima do sitio do Sr. Wallace, existem signaes de uma povoação muito grande. Soube da existencia de terra preta com louça no lado oriental de Tapajoz, perto de Itaituba, mas por motivos de saude não pude visitar a localidade. Es- tes restos indicam que os altos foram habitados por muito tempo por indios que, provavelmente cultivando a terra, occuparam as margens da planicie no lado occidental de Tapajoz. Parece que a sua posse destes terrenos continuou até os tempos recentes, e julgo muito provavel que estes indios fossem os Tu- paios (1) (Tapajoz), tribu que foi encontrada pelos brancos na posse desta re- gião, na epocha da primeira descoberta, e que deu nome ao rio. No engenho de Taperinha fui informado por um indio que existe a tradição de que os mo. radores dos altos foram os mais bravios do paiz, que, não tendo canôas, atra- vessaram o Ayayá em troncos de arvores, e que foram destruídos por um bicho que habitava um lago, hoje chamado Lagõa de Mundurucú, e que ainda é te- mido pelos indios. Não dou muita importancia a esta lenda, mas desde que a linha de povoações se estendeu pelo Tapajoz acima, no que até bem pouco tempo era o paiz dos Mundurucus, póde-se perguntar si os moradores dos altos eram Mundurucús, ou si os Tapajoz não eram uma divisão da nação Munduruci. Il. Estação Funearia de Cafezal . ae] Cafezal é o nome de um sitio pertencente ao Sr. Castilho, de Itaituba, e situado sobre a margem esquerda do rio Tapajoz, atraz de uma grande ilha ar- borisada, umas cinco ou seis milhas abaixo da villa de Itaituba. A ribanceira (1) O Tapajoz chama-se em lingua tupi Tupaió-paraná. O nome antigo de Santarém foi Tupaió e mesmo hoje os seus habitantes são chamados pelos indios Tupaió-wira, significando wára morador. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 15 alli é ingreme, elevando-se 10 a 12 metros acima do nivel do rio na vasante. Nesta epocha fica descoberta uma praia arenosa e pedregosa, na qual se vê um afloramento de schisto verde que, conforme supponho, pertence à edade car- bonifera. O barranco é composto em grande parte, sinão totalmente, de depo- sitos de alluvião. A terra em cima é argilosa ou preta. Uma pequena planta- ção de café da nome ao logar. Diz a tradição que em tempos relativamente modernos existia alli uma maloca dos indios Mundurucus (1) Em frente da casa do Sr. Castilho nivelou-se o terreno para fazer um ter- reiro, e neste processo destruiu-se um numero consideravel de potes funera- rios, emquanto outros foram truncados, ficando a parte inferior ainda enter- rada no solo. Com licença do Sr. Castilho e ajudado pelo Sr. Derby, desenterrei todos os potes, em numero de 15, e examinei os seus conteúdos com o seguinte resultado : Os potes pareciam ser muito largos, e rasos como panellas. Tanto quanto pude julgar no seu estado decapitado, nenhum delles se assemelhava nas fór - mas aos da ilha de Marajó. Estavam todos quebrados em innumeros fragmentos e bastante podres. O pote maior tinha 1,06 metros de diametro, e cerca de 0,30 metros de alto, estando a margem muito quebrada. Collocada horizontalmente dentro do pote, achou-se uma grande e grossa chapa redonda, cuja margem era muito simples, pouco elevada e sem ornamentação. Era indubitavelmente uma chapa destinada a um forno de mandioca. Sobre a chapa foram collocados parallela- mente diversos ossos grandes, apparentemente os dos braços e pernas de um individuo, mas estavam tão podres que me foi impossivel removel-os. Os ossos não pareciam ter sido encinerados. Salvo um fragmento que me pareceu ser do craneo, não se acharam outros restos neste pote. N'um outro pote da mesma fórma, mas de dimensões muito inferiores, acharam-se ossos semelhantes, dispostos do mesmo modo. Em outros acharam-se ossos indeter- minaveis, misturados com terra preta, e estes podiam ter sido encinerados, Em um dos potes foram encontrados dous dentes soltos e podres junto com al- (1) A palavra maloca ou malloca é applicada em todo o valle do Amazonas às habitações dos in- dios não calhechisados, as quaes são em geralem fórma de um rancho muito comprido, debaixo do qual ficam reunidas todas as familias. Von Martius dá no seu Diccionario o nome malloca com si= gnificação de aldéa. A lingua Tupi não tem a letra Z. Si a palavra é de origem tupi, como é prova- vel, a sua fórma verdadeira seria provavelmente maroka. Oka significa casa e mará conflicto, guerra. Maraoka, contrahido em qmaroka significaria portanto um quartel, uma casa onde todos se reunem para defeza commum. 16 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL guns ossos compridos collocados parallelamente. Ainda um outro pote con- tinha dous pequenos potes ornamentados, dentro dos quaes havia pequenos fragmentos de ossos. Um destes estava completamente arruinado, a ponto de não valer a pena removel-o. O outro, posto que quebrado, é relativamente completo, e mostra fra- gmentos de ossos podres e quebrados, misturados confusamente com terra preta. Devido ao estado de decomposição dos ossos e à côr preta da terra, é difficil reconhecer si os ossos foram encinerados ou não, mas parece-me que sim. O pote maior não tinha ossos nem carvão animal, pelo menos no que pude descobrir. E” evidente que no pote menor foi depositada sómente uma parte de um esqueleto. Parece-me incomprehensivel que, estando à mão o cadaver inteiro, sómente uma parte fosse honrada com os ritos do enterro. Sou, portanto, le- vado a crer que temos all o caso do enterro de uma parte do corpo de um individuo que tinha morrido fóra da maloca. Era esse o costume entre os Mundurucús. Como todos os corpos contêm sómente uma parte do esqueleto, não é improvavel que em todos os casos os restos fossem de individuos que morressem fóra da maloca Os Mundurucis selvagens das campinas do rio Tapajoz enterram dentro de casa os corpos dos que morrem na maloca do seguinte modo : Estende-se o corpo na cova e atira-se-lhe terra por cima, deixando-a accu- muladana superficie, mas tomando o cuidado de não amassal-a. Todos os dias molha se a terra com agua até que fique dura. Enterram-se muilas vezes or- natos e brincos com os mortos, mas nunca se enferram as armas. Quando um guerreiro morre ou é morto perto da povoação, tiram-lhe os intestinos e mo- queiam-lhe o corpo para o levarem para casa, afim de ser enterrado. Si, po- rém, é grande a distancia, cortam-lhe apenas a cabeça, uma perna ou um braço, que depois de moqueado, é levado para casa. Não é portanto para admirar que se encontrem esqueletos fragmentarios nas covas dos Mundurucis. Devo esta informação ao Tenente Joaquim Caetano Corrêa, de Itaituba, que tem frequentemente visitado e morado entre os Mun- durucús das Campinas. Ao passo que o Tenente Corrêa foi explicito na sua descripção do modo do enterro do corpo inteiro, nada me pôde, porém, infor- mar sobre a disposição dos restos trazidos de longe. Segundo von Martius, (1) os Mundurucús só foram conhecidos por este nome antes do anno 1770, epocha (1) Elhnographia—394. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 17 em que as suas hordas desceram o Tapajoz, commettendo taes estragos que o governo foi obrigado a mandar tropas contra elles. Diz von Martius que a primeira aldeia dos Mundurucús, Santa Cruz, foi fundada na margem esquerda do Tapajoz, abaixo de Itaituba. Nesta epocha o baixo Tapajoz era povoado pe- los brancos que negociavam no rio. Parece pouco provavel que estes Mundu- rucús, aldeados sob a influencia do governo e da igreja, tivessem continuado a usar machados de pedra, (1) e enterrar os mortos em potes. Parece portanto que não existem dados seguros para referir esta estação funeraria aos Mundu- rucús, salvo o caso de terem elles occupado esta região antes da vinda dos Portuguezes. IV. Os montes artificiaes da ilha de Marajó e as grutas de Maracá O mais interessante e fecundo campo de estudo archeologico até hoje des- coberto no Brazil é o da ilha de Pacoval, no lago Arary, na grande ilha de Marajó ou Joannes, na foz do Amazonas. Von Martius (2) refere a existencia de urnas fu- nerarias no logar chamado os Camutins (3) na ilha de Marajó; mas, que eu saiba, este logar nunca foi examinado scientificamente até o anno de 1873, quando foi visitado pelo Sr. Ferreira Penna, e depois em 1876, pelo meu ajudante, o Sr. O. A. Derby. Na minha expedição ao Amazonas, no anno de 1870, o meu amigo Sr. Ferreira Penna me chamou a attenção para a existencia de objectos dos indi- genas na ilha de Pacoval. Não podendo visital-o pessoalmente, incumbi um dos meus ajudantes, o Sr. W. S. Barnard, de examinal-a e fazer collecções. Mu- nido de cartas do Exm. Visconde de Arary, do Sr. Penna e de outros amigos do Pará, o Sr. Barnard visitou a ilha, e achou que consistia em um monte fu- (1) Os: machados de pedra abundam extraordinariamente na praia de Cafezal. (2) Elhnographie Americas, pg. 178. (3) Camuti ou Camutim (Tupi), significa pote ou urna. V.vi-5 18 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL nerario, no qual se acham enterradas igaçabas contendo ossos humanos, ido- los, utensilios e outros objectos de louça. Uma noticia resumida da Jocalidade, e uma descripção dos principaes objectos colleccionados pelo Sr. Barnard, foram publicados por mim no Ame- rican Naturalist. No verão de 18TI a ilha foi visitada pelo Sr. J. B. Steere, da Universidade de Michigan, cuja attenção foi chamada para este assumpto pelo Sr. Penna, e mais tarde, no mesmo anno, este senhor tambem visitou a ilha de Pacoval, e fez uma importantissima colleeção para os museus do Pará e Rio de Janeiro. Obtive, por permuta, algumas duplicatas desta collecção. Tencionei visitar Pacoval em Novembro do mesmo anno, mas achando-me occupado n'uma excursão à Serra do Paraua-quára, mandei o Sr. Derby, em companhia do Coronel E. R. Beckley, fazer no Para os prepavativos da via- gem. Infelizmente, os meus ajudantes tiveram de demorar-se no Pará, não só por causa de molestia, mas tambem por causa de uma ordem do Governo Imperial, prohibindo a remoção das antiguidades de Marajó. Chegando ao Pará, o presidente Dr. Abel Graça graciosamente me conce- deu licença para fazer uma collecção; mas, devido às demoras motivadas pela molestia de toda a commissão, fui obrigado, muito a meu pezar, a desistir da viagem, e a mandar em meu logar o Sr. Derby, acompanhado pelo Coronel Beckley, como desenhista. O Sr. Derby trouxe uma bella collecção, cuja maior parte está heje no museu Peabody de Ethnologia, em Cambridge. Em 1876, o Sr. Derby, então ajudante da Commissão Geologica do Brazil, visitou de novo o lago Arary e o monte de Camotins, achando-se as collecgões feias nesta viagem guardadas no Museu Nacional do Rio de Janeiro. A seguinte descripção da ilha é tomada das notas dos Srs. Barnard, Penna e Derby. O lago Arary é um grande lençol agua situado perto do centro da grande ilha de Marajó ou Joannes, e communicando pelo pequeno rio Arary com o estuario ou assim chamado rio do Pará. Não existe carta do lago, mas, con- forme as descripções, é muito comprido e estreito. Na entrada do rio Arary, que se acha perto do centro da margem occidental, a larguro fo! calculada pelo Sr. Derby em duas ou tres milhas. Observado deste ponto, o lago apre- senta um largo horizonte de agua para o norte e para o sul, parecendo alar- gar-se um tanto nas extremidades. Elle occupa uma pequena depressão da su- perficie, e, tendo apenas alguns pés de profundidade, as suas aguas são sem- pre muito turvas, por serem constantemente agitadas pelo vento. A região em ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 19 redor é excessivamente plana, sendo elevada apenas alguns metros acima do nivel do mar. Quando o Sr. Derby visitou o lago no fim da estação secca de 1871, o seu nivel era pouco abaixo do das margens. Na estação das chuvas, grande parte da ilha de Marajó fica coberta d'agua, devido em parte ao transbordamento do Amazonas, mas principalmente ás chuvas abundantes, porque a ilha é tão plana e tão deficiente de cursos d'agua que a sua drenagem torna-se dificil. O lago Arary então inunda uma im- mensa região, deixando fóra d'agua algumas áreas, aqui e acolá, por serem de elevação um pouco maior, as quaes servem para sitios às fazendas de criação, e retiros às enormes manadas que pastam na ilha. De vez em quando chuvas excepcionaes inundam estas terras mais altas; no Inverno de 1871-72 a maior parte da ilha ficou debaixo d'agua, causando grandes perdas de gado. As margens do lago são arborisadas, como tambem são as do rio Arary, mas fóra destas margens, nos campos que durante muitos mezes de cada anno são seccos e queimados, existem poucas arvores. Estos são geralmente reuni- das em grupos chamados ilhas, nome muito apropriado, porque, mesmo du- rante a estação secca, estes grupos se assemelham em aspecto às ilhas arbori- sadas do Amazon:s, e mais ainda no tempo das aguas. O rio Arary é uma pe- quena corrente, funda e excessivamente tortuosa, tendo 15 a 30 metros de largura. Como outros rios semelhantes, o Arary é tão obstruido por ilhas flu- ctuantes de canarana e outras plantas aquaticas, que a sua navegação torna- se difficil, mesmo por canôas, e na parte superior é às vezes impossivel. Nas margens que são argilosas e geralmente ingremes e arborisadas, ha muitas fazendas de criação, cuja mais importante é a fazenda nacional, per- tencente à provincia. A pequena villa de Cachoeira, unica povoação do rio, está situada na margem esquerda, umas 10 a 15 milhas acima da foz. Um re- cife de grés vermelho concrecionario apparece alli no Jeito do rio, formando na vasante uma pequena cachoeira que dá o nome à villa. A rocha &o grés or- dinario ferruginoso, que se encontra na visinhança do Pará e Soure, e é a unica que tem sido reconhecida na ilha de Marajó, onde os afloramentos de rocha são excessivamente raros. Logo em frente à origem do rio Arary, na margem opposta do lago, acha- se a ilha do Pacoval, que na estação secca forma uma peninsula, estendendo- se umas centenas de metros da margem oriental. Segundo o Sr. Derby, a ilha tem cerca de 120 metros de comprimento e 60 de largura na vasante do lago, ficando estas dimensões um tanto reduzidas na enchente. A sua fôrma é oval, 20 ARCIHIVOS DO MUSEU NACIONAL tendo o maior diametro proximamente a direcção norte-sul. (1) Junto à extremi- dade do sul existe uma ilhota em fórma de meia lua, que -na vasante fica unida à ilha principal. A ilha eleva-se 3 a 7 metros acima do nivel da va- sante no lago, e cerca de 3 metros acima da enchente. No lado occidental as ondas têm cortado a terra, de modo a formar uma pequena escarpa de meio metro a 3 metros de altura, que na vasante é margeada por uma praia las- trada de fragmentos de louça, de 5 ou seis metros de Jargura. O lado opposto da ilha é menos ingreme, e, estando menos sujeito à acção das ondas, offerece poucos fragmentos. A ilha acha-se coberta de pequenas arvores, com algumas de tamanho maior, entre as quaes notam-se duas palmeiras Mucujá e algumas bananeiras, que sem duvida foram plantadas. Estas ultimas deram nome à ilha, que pro- vavelmente foi habitada em tempos recentes, A relação da ilha com o terreno eircumvisinho estã bem indicada na gra- vura junta, copiada de um esboço pelo Coronel Beckley. A sua altura, que é de cerca de 3 metros acima do nivel geral dos terrenos em redor do lago, só por si dá uma forte presumpção a tavor da ideia de sua origem artificial, e os Srs. Steere, Penna e Derby concordam todos que foielevada pela acção humana. O Sr. Derby diz que a escarpa mostra ser a ilha composta de terra preta intei- ramente diversa da que fórma os campos, misturada com cinzase carvão vege- tale com leitos occasionaes de arêa branca e fina. Em diversos pontos na es- (1) Segundo as indicações do Sr. Dr. Ladisláu Nelto, esta direcção é de SO. a NE. Nota da Redacção. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 2 carpa, e em diversas aituras foram encontrados pedaços de louça de varias “qualidades. Em geral esta louça foi quebrada ou pelo peso da terra ou pelas raizes das arvores; muitas vezes porém foram encontrados fragmentos destacados que pa- reciam ter sido quebrados antes de enterrados. Tendo sido visitada a locali- dade pelos Srs. Steere e Penna, pouco antes da visita do Sr. Derby, este achou pouca cousa de interesse exposta à vista. Eram abundantes as urnas funera- rias, como ficou provado com os seus fragmentos e pelos buracos d'onde ti- nham sido extrahidas; mas foi diflicil descobril-as por não haver na superfi- cie indicações que guiassem o explorador. Além disto, a terra era muito dura e os camaradas, vaqueiros descalços, trabalhavam mal coma pá e picareta, Não obstante estas difficuldades, o Sr. Derby conseguiu fazer uma grande e in- teressante collecção. Foi encontrada uma urna funeraria dous metros abaixo da superficie, na face da escarpa, como está representada na gravura junta. Esta urna estava muito quebrada pelas raizes das arvores, mas consegui reunir os fragmentos, e à urna inteira está representada na estampa. Esta urna continha ossos, e foi enter- V. vi. —6 LD 22 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL rada até o pescoço, dentro de outra maior. Em baixo havia um leito de arêa branca, e em cima outro deposito semelhante, ambos sem mistura de cacos, Num outro caso, uma urna simples, sem ornatos, quebrada pelas raizes e em parte destruida, foi encontrada na face da escarpa um metro abaixo da super- ficie. Ella continha partes de um esqueleto, mas arruinado, que não foi pos- sivel remover. O craneo achava-se no fundo da urna, e perto delle a extre- midade da columna vertebral, em posição quasi vertical, estando algumas ver- tebras ligadas entre si, e com as costellas em sua posição natural. Um femur achava-se deitado transversalmente em frente à columna vertebral, com a sua cabeça dirigida para a base desta, e atravessado com o femur achava-se um ou- tro osso comprido, provavelmente um radio. O resto do esqueleto estava tão decomposto que não foi possivel reconhecer os ossos ou a sua posição. Parece que neste caso o esqueleto ainda com as suas articulações intactas, pelo menos em parte, foi collocado na urna com a cabeça para baixo. Os ossos não tinham sido encinerados. Os fragmentos de uma outra urna grande ornamentada fo- ram encontrados pelo Sr. Derby logo abaixo da superficie, na parte plana da ilha. Esta tambem parecia ter sido collocada dentro de uma outra sem orna- mentação, e as duas collocadas sobre uma especie de bacia pintada na face in- terna. Junto a esta urna achava-se um pote simples semelhante aos hoje em- pregados para guardar agua. Tendo o Sr. Derby visitado de novo a ilha de Pacoval, em 1876, forne- ceu-me a seguinte nota addicional: «A escarpa desde cima até em baixo está cheia de louça, parte da qual parece ter sido abandonada sem cuidado, ao passo que outras pecas foram evident:mente enterradas de proposito, e estas mostram a origem artificial da ilha desde um ponto abaixo do nivel da en- chente. Grande parte dos objectos parecem ter sido quebrados antes de serem depositados, e muitos têm sido quebrados pelas raizes, de modo que é raro achar uma peca inteira. Os objectos consistem em utensilios domesticos, taes como potes, furnas de farinha, bacias, idolos representando a figura humana, e urnas funerarias ou igaçabas. Quasi todos são ornamentados com gosto admi- ravel, com figuras pintadas ou gravadas, sendo os desenhos pela maior parte decorativos, raras vezes representando objectos naturaes. Figuras em relevo, representando varios animães, inclusive o homem, são communs nos bordos e azas das vasilhas. Tanto os objectos simples como os ornamentados foram en- contrados perto da superficie, na parte média e inferior do monte, de modo que não parece possivel estabelecer divisões no deposito. «Os objectos mais perfeitos são as igaçabas, que foram enterradas com es- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 23 pecial cuidado, A terra em redor dellas é frequentemente composta de arêa fina misturada com cacos, cinzas e carvão, mostrando que depois de collocada a igaçaba na cova, esta foi cheia com uma terra especial. Encontra-se tambem ás vezes arêa fina e cacos dentro das igaçabas, misturados com os ossos. As vezes uma igaçaba bem ornamentada se acha collocada dentro de outra simples maior. Todas pareciam ter sido cobertas com uma tampa; mas esta geralmente é quebrada, cahindo os fragmentos dentro da igaçaba, junto com a terra. Os ossos encontrados dentro das igaçabas são muito mal conservados, cahindo em pó quando expostos ao ar, e em alguns casos parecem ter desapparecido. Em diversos casos pude reconhecer pelos ossos que o esqueleto inteiro tinha sido enterrado, posto que as boccas das igaçabas que pude observar não sejam bas- tante largas para admittir um corpo humano coberto com as carnes, nem a igaçaba podesse contel-o. Parece portanto que o esqueleto foi sómente enter- rado depois da decomposição das carnes. Ha tambem certeza de que alguns dos objectos pertencentes ao individuo foram enterrados com o corpo. Em dous casos achei dentro das igaçabas as chamadas tangas, e em um destes não se póde admittir que esta entrasse por acaso. A igaçaba linha sido enterrada dentro de outra maior, e a tanga achava-se no espaço entre as duas. E interes- sante notar que neste caso a igaçaba representa uma mulher. Em um ou dous outros casos achei dentro das igaçabas pequenas vasilhas ornamentadas que pareciam ter servido para guardar tinta ou rapé. Os instrumentos de pedra são excessivamente raros. Não encontrei nenhum, mas tenho visto um ou outro que, segundo consta, foram achados no Pacoval.» Devo ainda ao Sr. Derby a seguinte descripção dos montes de Camutins : « Cerca de oito leguas ao 0.8.0, da fazenda nacional de Arary existe o grupo de montes conhecidos pelo nome de Camutins. Os montes acham-se si- tuados nas margens do pequeno igarapé de Camutins, que desemboca no rio Anajas, cerca de uma legua em linha recta abaixo do monte principal. Este monte é de fôrma elliptica, tendo proximamente 210 metros de comprimento e 80 metros de largura na base. A sua altura actual é de cerca de 13 metros acima do nivel do campo. Esta coberto de matta, e no cume existe um bello laranjal. As encostas têm a inclinação de cerca de 200 metros e são sulcadas por pequenos valles formados pelas chuvas. Estes valles são devidos ao alar- gamento pela chuva dos buracos feitos na excavação de igaçabas, que têm sido muito procuradas pelo povo da visinhança. Formam canons em miniatura que, quasi se encontrando dos dous lados, reduziram o cume do monte a uma 9h ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL zona estreita. Em cima do monte existe uma pequena choupana, e no lado op- posto do igarapé uma fazenda de criação. ; aja «Como no Pacoval, todo o monte é evidentemente de origem artificial, mos- trando os pequenos valles louça até a base, Logo em frente, no lado opposto do igarapé, ha uma grande excavação de fórma irregular, donde parece ter sa- hido a terra deste e de outros montes. O monte se estende parallelamente ao igarapé, na direcção de nordeste. Quasi em frente a seu ponto central vê-se a extremidade de um outro monte de quasi o mesmo tamanho, estendendo-se quasi perpendicularmente a éste, sendo os dous separados pelo igarapé. Umas centenas de metros abaixo do primeiro monte existe um outro no mesmo lado do igarapé, situado n'uma curva deste que quasi o circumda. Este monte tem quasi a mesma altura que o acima descripto, mas é mais curto e largo, estélis dendo-se o seu eixo maior na direcção de E. O. O esboço junto dá as posições IAN ETTA S o PITITIAN relativas dos tres montes e da excavação feita. Os dous ultimamente mencio- nados são cobertos de matta e nada mostram na superficie. «Consta que ha montes em todo o curso do igarapé. O meu informante men- cionou doze na distancia de meia legua, que estão todos na margem oriental do igarapé, excepto um que já foi mencionado. Quasi todos se acham na es- treita zona de matta que margeia o igarapé, mas consta que ha dous no campo. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 25 h Encontram-se ás vezes fragmentos de louça no campo, e na matta, no nivel or- dinario. «Perto da fazenda do capitão Marcos Vicente Magno, em frente ao monte maior de Camutins, encontram-se fragmentos de potes grandes n'uma área pouco elevada, acima do nivel geral dos campos, e desligada dos grandes montes. «A louça encontrada no monte maior de Camutins é do mesmo caracter que a do Pacoval. Pelo que pude observar parece que asigaçabas são mais frequen- mente pintadas do que gravadas, o contrario do que se observa no Pacoval, A fórma predominante é grande, deprimida e globular, ao passo que no Pacoval as fórmas menores e sub-cylindricas e conicas são mais communs. Asobservações são porém poucas para estabelecerem distincções, e todas as fórmas principaes são representadas tanto n'um logar como no outro. São muito abundantes os fra- gmentos de tangas, mas não achei nenhuma inteira. São pela maior parte de côr vermelha sem ornamentação, mas vi fragmentos pintados como os de Pa- coval. «Das quatro igacabas cujos fragmentos desenterrei, todas tinham a fórma deprimida globular, e tres eram pintadas, sendo a outra simples. Nesta ultima que era pequena, reconheci o craneo, costelas e femur de uma criança, como ficou provado pelos dentes, alguns dos quaes eram deciduos. Numa outra maior e pintada reconheci ossos do craneo, braços e pernas e uma vertebra. «Fui informado de que existem montes semelhantes no rio Mocões, no Iga- rapé Grande, no Camará e em varios pontos nos campos.» AS GRUTAS DE MARACA" Depois dos montes artificiaes de Pacoval e Camotins, a mais interessante localidade archeologica conhecida no curso inferior do Amazonas, são as pe- quenas grutas nas margens de um affluente do Maracá, pequeno rio que des- agua no braço do norte do Amazonas, um pouco acima da extremidade occi- dental da ilha de Marajó, na região conhecida pelo nome da Guyana Brazileira. Esta localidade foi visitada pelo Sr. Penna, que fez uma bella collecção de ur- nas funerarias de typo particular, representando a figura humana e a de di- versos animaes. O Sr. Penna diz que as urnas foram encontradas em grutas naturaes, situadas na extremidade de uma planicie muito acima da margem do rio. Não estavam enterradas, mas dispostas em certa ordem sobre o solo ; mas a quantidade de arêa e terreno corridos das alturas visinhas, penetraram V.vi— 96 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL no interior da gruta e deram logar a crescerem dentro della algumas plantas cujas raizes introduzindo-se entre as urnas as fizeram estalar, ao mesmo tempo que introduziram-se tambem as raizes entre os ossos. Esta localidade com seus restos archeologicos apresenta uma tão intima se- melhança coma caverna de Ataruipe,cemiterio da extincta nação dos Aturas, que eu junto uma nota resumida do logar, segundo a descripção de Humboldt. (1) A caverna está situada perto da margem direita do Orenoco, nas visinhanças da missão de Aturas e é formada por uma vasta cavidade debaixo de uma rocha sa- liente. Ahi Humboldt achou uns seiscentos esqueletos perfeitos, cada um em uma cesta quadrada de folhas de palmeira. Os ossos ou eram branqueados ao sol e ao ar, ou tintos de vermelho com anottos, Urucú, (Bixa orellana), ou envernisados com resinas aromaticas, e envolvido em folhas de heliconia ou banana. Os indios dizem que os ossos eram preparados sepultando-se o cadaver por alguns mezes em terra humida, e depois que a carne se consumia, raspa- dos os ossos com pedras agudas. Muitas hordas de Guyana ainda observam este costume. Acham-se vasos de barro meio cozido, perto dos mapiras ou cestas, que parecem conter os ossos da mesma familia. Os maiores destes vasos ou urnas funerarias têm 1,"50 de altura, e um metro de comprimento. Sua côr é verde acinzentada, e sua fórma oval muito elegante e graciosa. As azas são em fórma de crocodilos ou serpentes. Os bordos são orlados de meandros, labyrinthos e gregas pintadas em series variadamente combinadas. As colleeções feitas nesta caverna por Humboldt perderam-se em grande parte, porém Blumenbach figura um craneo dellas. Um viajante inglez visitou tambem recentemente esta locali- dade, cuja descripção vai reproduzida na nota abaixo. (2) (1) Humboldt, Personal Narration, Bohbn Ed. Vol. Il, p. 482. (2) 1 found the Atures”s burial place to be a horizontal cleft in the sloping side of a hill of rough granite, under the shelving ledge of rock, where was to be seen all that remained of the tribe. The bones of those uppermost had been a good deal scattered (lhough originally coffined in a sort of ma-' piri or basket), the rough flakes of rock under which Lhey had lain having been partly removed. Some ghastly relics still were intactin mapiris of coccoso palm leaf,in which they had been enbalmed, Many of the bones (those, perhaps, once reposing in the large urns) were still stained wilh a red pigment, and fragments of the broken urns were strewn about. I was surprised to see a bleached skull of a horse minged with the human remains. — Henry Alevander Wickham, Rough notes of a Journey through the Wilderness, p. 1. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 21 V. Urnas funerarias Entre os diversos objectos encontrados nos montes de Marajó e nas grutas de Maricá sobresahem pela perfeição do trabalho e pelo interesse archeolo- gico as urnas ou igaçabas destinadas pela maior parte a guardar os restos dos mortos. O uso da urna para os enterros foi muito commum não só em todo o Bra- zil como no resto do continente americano e tambem no velho continente, A”s vezes, como entre os Omaguas, enterrava-se o corpo inteiro sem preparo espe- cial; em outros casos, como entre os Coroados, (1) o cadaver era mummificado antes de ser enterrado. Entre algumas tribus a urna era destinada a guardar os ossos depois de ser destruida a carne ou pelo enterro preliminar, como en- tre os Aturas, (2) ou pela exposição ao ar ou agua, sendo neste ultimo caso o cadaver envolvido n'uma rêde, afim de reter os ossos, emquanto a carne era comida pela voraz piranha. À urna cineraria ou de positario das cinzas dos mortos, foi de uso com- mum durante as edades de pedra e bronze da Europa e tambem foi empregada por diversas tribus da America. As urnas empregadas para este fim variam muito em fórma e nem sempre foram feitas para este uso, sendo às vezes em- pregadas vasilhas de uso domestico. Ha porém uma tendencia a dar à urna à fórma humana, ou pelo menos de representar nella a cabeca ou cara humana. Os antigos egypcios conservavam as entranhas embalsamadas dos mortos cujos corpos tinham sido mummificados, em vasos de pedra, tendo a tampa em fórma da cabeça humana ou com a representação das feições do homem ou de algum animal inferior. (3) Os Etruscos empregavam urnas cinerarias com tampas, em que era repre- sentada a cara humana, sendo tambem indicado o sexo e de certo modo a eda- (1) F. Dinis, Le Univers., Brésil p. 369. (2) Humboldt, Loc. cit. (3) Virchow, Ueber Gesichtsurnen,Zeilschrift fur Ethnologie, 11, 1870. Parte IT, p. 73. 28 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL de, qualidade, etc., do individuo cujas cinzas eram guardadas na urna. (1) A's vezes a cara foi collocada no gargalo da urna e a tampa formava um chapéu ou bonet. Os braços eram ás vezes representados servindo de azas. (2) Vasos semelhantes têm sido encontrados na Allemanha e especialmente na Pomerania, e nestes ultimos annos esta classe de vasos tem attrahido muita attenção da parte dos ethnologistas allemães, que lhes dão o nome de Gesichts- urnen ou urnas anthropomorphas. (3) Virchow tem chamado a attenção para o facto que Gesichtsurnen têm sido encontradas tambem no Mexico e Perú, apresentando fórmas quasi identicas ás do velho mundo, e Falbe tem dado figuras e descripções de amostras do Perú. (4) Ultim»mente, na provincia do Pará, região que se suppunha ser nota- velmente pobre em antiguidades, foi descoberta esta mesma classe de urnas pelos meus ajudantes Srs. Barnard e Derby e pelo Sr. Ferreira Penna. A descoberta da primeira urna anthropomorpha na ilha de Marajó é devida ao meu ajudante o Sr. Barnard, que trouxe um fragmento de uma grande, mostrando pouco mais de metade da cara. Confesso que na minha me- (1) Virchow, ut supra. Monumenti per servire alla Storia degli antichi popoli italiani. Firenze, 1832. Jav, XXVII n. 6. (2) «Nie den zodte bezeichnende Figur lag auf dem Deckel, die Inschrift auf dem Aschenbehal- ter» «Den Deckel der Thongefâsse bildet ein Menschenhaupt, die Arm dienen als Henkel.—V. Múl- ler, Zeitschrift fúr Ethnologie III 1871. P.1I. (3) Veja-se Virchow, loe. cit., tambem uma memoria intitulada Ueber die deutsche Urnen Lite- ratur von J6-18 Jahrhundert, na Zeitschrift fr Elhnologie IV, 1872, pl. II, p. 17. Veja-se tambem Emele, Beschreibung rómscher und deutschen Alterthimer na Gess. der Prov. Rheinhessen, Mainz, 1833. Taf. Fig. 8. (4) In dem Mémoires de la Société des Antiquaires du Nord 1840-44 p. 132 pl. VI-VII besch- eibt und zeichnet Falbe peruanishe Urnen, welche bei der Weltumseglung der dânischen Fregate Bel- lona in Jahre 1840-4] durch den Schiffsgeistlichen Pontoppidan gesammelt worden sind. Namentlich istauf Taf. VI. Fig. 3 cine Urne abgebildet, elche úber einer starken ausbauchung einen volkom- men ausgebildeten Kopf mit erhabener Ausarbeitung aller einzelnen Theile zeigt, auf welchen eins flache Mútze sitzt.» Virchow, loc. cit. p. 83. Virchow aponta a semelhança entre as urnas antliropomorphas (com braços, etc.) de Clusium e as do Perú, e diz: «Ganz àbnlich sind auch an der peruanishen Urne mitgrosser Freiheit freilich in hôchst Kurioser weise fast simmtliche Glieder die Kôrpen ausgefúbrt oder weinigstens angedeutet. Es geht daraus her- vor; das allerdings analoge Formen ganz unabhângig entdeckt und ausgefúhrt werden kônner, und dass man in einen ganz andern Weltheil auf Gefâsse gekonmen ist, die im grossen und ganzen den von mir besprochenen parallel stehen.» Virchow, Zeitschrift fár Ethnologie 11, 1870, pl. 1. p. 83. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 29 sm moria no American Naturalist, cahi no erro de suppôr que o fragmento tinha feito parte de um moqueador ou apparato para assar carne ou peixe sobre o fogo. Vi no Ereré, n'uma casinha india, um destes objectos de louça. Tinha a fôrma de cone truncado e era sem tampa ou fundo. Era uso collocal-o sobre um fogo lento, como uma panella, e assentado sobre tres pedras, com a ex- tremidade maior para baixo. Em cima se punham pauzinhos verdes para sus- tentar a carne. O fragmento da urna assemelha-se a um destes moqueadores. Este fragmento pertencia a uma grande urna do mesmo typo que a pe- quena, representada na Est. Il, fig. 1, aqual é um fragmento achado pelo Sr. Penna e por elle offerecido ao Museu Nacional do Rio de Janeiro, e, talvez como este, tinha duas caras. (1) À cara porém differe nos pormenores da figurada. As sobrancelhas são representadas por largas e salientes linhas elevadas, que pouco antes de chegar à linha média da cara curvam-se bruscamente para baixo e, conti- nuando por alguma distancia, unem-se em uma linha horizontal de modo a formar um ilhó rectangular. O nariz é uma pequena protuberancia saliente, mostrando as azas, unida por um corpo muito curto com parte inferior da linha horizontal acima descripta. A bocca é muito mutilada, mas parece ter sido semelhante à da figura. O olho é muito grande, formado por um cir- culo saliente e achatado, no meio do qual existe uma grande protuberancia globular muito saliente, que representa o globo do olho. O angulo interno do olho é representado por um ilhó no circulo; junto ao nariz e ao angulo ex- terno a linha se estende para fóra e depois para baixo. Atraz do olho existe uma linha saliente, de altura e grossura irregular, que provavelmente repre- senta a orelha. A superficie da urna é lisa e acabada com barro esbranqui- cado. E" provavel que fosse pintada, mas está agora tão gasta que não mostra o desenho. A altura do fragmento é de 0,"18, sendo a largura de 0,725. Fragmentos de caras de duas outras urnas deste typo existem na colie- cção feita pelo Sr. Derby, em 1871. (O fragmento representado na Est. II, fig. 1, é muito menor do que o acima descripto, e differe em ter as linhas elevadas representando as sobrancelhas pro- longadas por detraz do olho até a base da parte conica da urna, onde são unidas (1) Não sendo possivel dar figuras de alguns dos objectos mencionados pelo Prof. Harlt, neste e os seguintes capitulos, por se acharem nos museus dos Estados Unidos, a redacção introduziu em seu logar figuras de objectos do mesmo typo, existentes nas colleeções do Museu Nacional, ou empresta- das para figurar na Exposição Anthropologica. Em taes casos a procedencia do objecto figurado está indicada e a descripção introduzida no texto acha-se indicada pela inclusão entre parenthesis. (Nota da Redacção.) V. vi.—8 30 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL por linhas horizontaes com as linhas correspondentes de uma cara semelhante do lado opposto. O nariz tem duas protuberancias, uma acima da outra, a de baixo representando regularmente as azas. Da parte mais alta do arco, figu- rando as sobrancelhas, estende-se uma curta linha vertical até uma linha circular, que fica pouco abaixo da margem superior da urna. A bocca é repre- sentada por um espaço quadrangular limitado por uma linha elevada com uma larga linha pintada no centro do espaço, que talvez represente a lingua. No largo espaço quadrangular, aos lados, entre as duas caras, ha de cada lado um braço da linha lateral curvado para cima, formando quasi um semi-cir- culo. Por baixo destas duas curvas existe uma pequena protuberancia que póde ser tomada por um nariz, dando a figura uma certa semelhança a uma cara. A superficie da urna era pintada com barro esbranquiçado e todas as li- nhas elevadas são pintadas de vermelho, sendo os espaços intermediarios orna- mentados tambem de largas linhas vermelhas. Parece que a fôrma da urna à que este fragmento pertencia era semelhante à da fig. 1, Estampa I. A altura do fragmento é de 0,"12, tendo a bocca o diametro de 0,"11.) Fragmentos de uma - outra urna do mesmo typo foram encontrados pelo Sr. Derby, que apresentam alguns caracteristicos muito interessantes. A urua estava tão quebrada que não me foi possivel reconstruil-a, mas consegui reu- nir a parte superior ou cabeça. Esta é notavel por ter duas caras, uma de cada lado. As feições nas duas caras são iguaes, mas feitas com menos pericia do que na urna que acabo de descrever. Os olhos são redondos, com uma pro- eminencia central, que faz lembrar o tuberculo de um Echinus. Uma larga li- nha elevada e arredondada, começa abaixo do olho e perto do nariz e esten- de-se em redor do olho, formando um circulo quasi completo. As linhas dos dous olhos, em vez de formarem circulos perfeitos, são unidos em frente a seus pontos de origem, formando um nariz que, em virtude da distancia entre as linhas, tem um aspecto muito chato e quadrado. A bocca é muito pequena e formada por uma linha, fazendo um arco baixo e acha- tado. No meio vê-se uma proeminencia um tanto oblonga, provavelmente des- tinada a representar a lingua. As orelhas são representadas por uma linha muito irregular e alta. A meia distancia entre as duas faces de um lado, está uma figura humana em relevo. Os braços achavam -se estendidos e levan- tados. Achou-se uma outra figura semelhante no lado opposto do vaso, porém apenas uma parte das pernas estava conservada. O corpo da urna dilata-se abruptamente abaixo da cabeça, e parece ter sido muito redondo; porém os ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 31 fragmentos não indicam sua fórma exacta. A superficie do vaso era esmaltada de argila esbranquiçada e a sua unica ornamentação consistia em linhas, raias é espiraes vermelhas e escuras. (São muito communs os fragmentos de urnas deste typo, tanto em Acary como em Camutins; porém ainda nenhuma se achou inteira. Os fragmentos indicam uma fórma semelhante à da fig. 1, Est. 1. Asfiguras em relevo parecem limitar-se à parte conica superior, sendo o corpo da urna pintado. A orna- mentação peculiar a este typo de vasos está bem indicada na fig. 5, Est, re- presentando um fragmento obtido pelo Dr. Ladislau Netto em sua expedição de 1882. Este fragmento comtudo diflere dos outros descriptos no tope peculiar que apresenta). O Sr. Derby aflirmou-me que esta urna achava-se dentro de uma talha simples, de bocca larga, sem ornamentação, e tão quebrada que não permit- tiu que sua fôrma fosse determinada. Esta talha descansava sobre um grande pra- to, muito fundo, tendo 0,"30 de diametro. Os fragmentos deste prato mostram que elle era regularmente concavo, com um fundo chato. Os bordos eram lar- gos e convexos e virados para fóra. O interior era revestido de uma camada de argila esbranquiçada e ornamentado de espiraes grosseiras gravadas. Encon- tram-se na collecção fragmentos de outros pratos, e alguns foram achados oc- cupando uma posição semelhante debaixo dos vasos funerarios. A fig. 4, Est. 2, representa um fragmento de uma urna, mostrando o mesmo typo da face, porém de uma fôrma inteiramente diflerente. Parece ter perten- cido a uma urna da fórma representada na fig. 2 da mesma estampa, com a diferença que a parte cylindrica superior alarga-se bruscamente perto do tope e de novo estreila-se na bocca. O pequeno nariz e o queixo descommunalmente proeminente, dão um aspecto muito grotesco à face. A ornamentação do corpo parece ter sido semelhante à da fig. 2 e a urna foi provavelmente do mesma tamanho. Na Est. 1, fig. 5, acha-se representado em perfil um Gesichtsurn, muito bonito e ornamentado, da ilha de Pacoval, colleccionado pelo Sr. Derby. Este vaso es- tava quebrado em muitos pedaços, porém foi cuidadosamente restaurado. As unicas partes importantes que faltam sãoa tampa, os bordos, e uma peça que mostra a união do nariz com as sobrancelhas. A bocca saliente e as pernas, ou antes 6 que era provavelmente as bossas representantes destes membros, A fórma e ornamentação acham-se alias perfeitamente conservadas, A altura do vaso menos os bordos perdidos, é de cerca de 0,"75. 19 centimetros abaixo dos bordos, o vaso estreila-se um pouco, representando um gargalo. A 32 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL parte situada entre o gargalo e a margem é muito regularmente convexa, for- mando uma cabeça redonda, em um lado da qualas feições humanas acham-se representadas. Esta parte é ligeiramente achatada no sentido antero-posterior, sendo este achatamento muito pronunciado no gargalo. Abaixo desteo vaso di- lata-se abruptamente para formar o peito e os hombros, sendo ainda achatado. Estreita-se depois gradualmente até o meio da figura e augmenta depois gradual e regularmente em diametro até 16 centimetros da base, e depois estreita-se abruptamente para formar a base, que é uma especie de cone truncado invertido, com lados curvos. O fundo tem sómente 19 centimetros de diametro, emquanto o maior diametro do vaso pouco acima da base co- nica é de cerca de 40 centimetros. O maior diametro da bocca é de 19 centimetros. As feições consistem em sobrancelhas, nariz, olhos, bocca, e orelhas. As sobrancelhas consistem em linhas salientes e estreitas, e arredon- dadas. de largura invariavel, correndo horizontalmente e provavelmente conti- nuando pelo meio até unir-se ao nariz. O nariz é uma linha semelhante, um pouco mais saliente na extremidade e guarnecida de azas proeminentes e arre- dondadas. Os olhos são pequenos, muito proeminentes, de cortorno lenticular e representam as palpebras entreabertas. São muito distanciados e acham-se situa- dos abaixo do meio do nariz. A bocca formada por uma grande peça triangular opplicada depois de modelada a cabeca, perdeu-se. As orelhas são apre- sentadas por bossas que se elevam abruptamente ao nivel das sobrance- lhas, diminuindo rapidamente de altura; para baixo desapparecem de todo. Ao nivel da bocca ha uma bossa mais alta de cada lado, inteiramente des- ligada da primeira. Vista de frente a cabeça parece guarnecida de orelhas muito pendentes. De cada lado do corpo ha uma figura que se assemêlha a uma serpente de duas cabeças, disposta de modo a descrever uma curva sigmoide. A cabeça deste animal fôrma sobre os hombros do vaso uma bossa trifida. A cabeça ou o que tal simula ser, parece estar applicada com a base contra a urna, de modo que o fo- cinho saliente é dirigido obliquamente para baixo, sendo um olho dirigido para cima, e o outro para baixo. Os olhos e o nariz são simples saliencias. O corpo, que fórma como que um cinto baixo, curva-se primeiro para diante, corre depois obliquamente para traz, curvando-se depois para diante e descre- vendo uma larga espiral de uma só curva terminando em uma bossa larga e chata, que se assemelha á que já descrevi como uma cabeça. Pode-se talvez duvidar que esta figura seja realmente destinada a repre- sentar uma serpente. O corpo, que é ligeiramente convexo, distingue-se do vaso, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 33 por ser vermelho. E” comtudo atravessado por cintas lenticulares transversaes, da côr ordinaria da superficie do vaso, que alternam-se com fachas obliquas rectangulares da mesma côr. A parte vermelha é ornamentada com algumas strias longitudinaes grosseiras. As bandas lenticulares não são ornamentadas, porém as rectangulares- são estriadas na direcção de seu comprimento. No mero de cada Jobulo do appendice trifido inferior existe um pequeno circulo, A figura em fórma de cobra acha-se situada mais para traz, no lado direito do que no esquerdo. Os seios da urna são representados por pequenos mamelões. O umbigo é in- dicado por uma proeminencia maior da mesma especie, emquanto abaixoe perto da extremidade uma proeminencia pouco pronunciada, em fórma de amendoa, distingue o sexo. De cada lado desta ultima proeminencia ha duas grandes ci- catrizes deixadas pela destruição do que era sem duvida a representação em miniatura das pernas ou pés. Afóra as linhas ornamentaes, a unica outra fei- ção importante no molde da urna é uma saliencia curta, um tanto larga e baixa, situada na linha média dorsal, estendendo-se até perto do meio das costas. No bordo inferior do corpo, pouco acima da base, no dorso e sobre a linha média, uma peça está quebrada. A ornamentação indica uma proeminen- cia neste ponto, que era provavelmente uma cauda. A urna é fabricada de boa argila e indica um bom operario, ou antes ope- raria. O exterior, à excepção da parte posterior da cabeça e da base conica, re- ceberam o vidramento polido usual de argila esbranquiçada. As sobrancelhas, olhos, nariz, mammelões, umbigo, etc., são immediatamente cercados de uma larga linha vermelha gravada, e exleriormente a esta em todas as saliencias vê- se invariavelmente uma linha dupla. A larga linha vermelha em redor dos olhos prolonga-se do angulo interno para a raiz do nariz em duas linhas rectas que terminam abruptamente, emquanto do angulo externo parte uma linha dupla semelhante, que se dirige primeiro para traz, depois para baixo, e depois para diante, descrevendo cerca de tres lados de um rectangulo. Outras linhas duplas semelhantes margeiam a face, acompanhando as orelhas e depois o queixo até à bocca, onde a linha superior curva-se para cima e para fóra, formando uma espiral de volta e meia de cada lado da bocca; uma banda vermelha gravada, de 0,"01 de largura estende-se do nariz até a boeca. Uma outra, tendo pouco mais ou menos metade desta largura, circula o pescoço, e descendo pouco mais de uma pollegada, termina na frente abruptamente, simulando uma gravata. Ao longo do bordo inferior do pescoço correm de cada lado linhas vermelhas estreitas, porém notaveis, até se encontrarem quasi debaixo da bocca, onde V. vi—9 SA ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL curvam-se em angulo recto e correm para baixo, separando-se ligeiramente até 0 lado do umbigo, e curvam-se depois para traz e para cima, formando uma grande espiral angular de duas voltas. No dorso, uma figura em fórma de X é formada por linhas semelhantes, que quasi se encontram, e d'ahi divergindo, dirigem-se para o pescoço e para a base, curvando-se para diante a formar grandes espiraes angulosas como as do peito. O resto da superficie da face e do corpo é coberto com gregas simples e isoladas, encerradas em cartuchos ou em fórma de duplas espiraes concentricas. Os pormenores desta ornamentação estão bem indicados na figura. Esta urna foi achada an loco pelo Sr. Derby, mettida em um pote muito grande, pesado, simples e arredondado, que à continha até o gargalo, e que ap- parentemente era destinado a protegel-a. A urna continha alguns ossos quebrados no fundo. Estava cheia de areia branca misturada com argila, materias estas todas diversas das do solo em que ella estava enterrada. O espaço entre a urna e o pote que a envolvia estava cheio de argila arenosa, e na frente fo; achado quebrado um dos bellos orna- mentos triangulares descriptos por mim nos Archivos do Museu Nacional, Vol. I, e conhecido pelo nome de tangas. Na urna achou-se a base de uma dessas curio- sas bacias com margem larga e chata, porém seu tamanho e fórma não autorisam a conclusão de que tivesse sido usada como tampa, e na verdade nada que se possa assemelhar a uma tampa foi encontrado. O costume de encerrar um vaso funerario ornamentado em outro de ma- nufactura grosseira era observado pelos indios da Georgia. Fallando de uma bella urna funeraria achada em Colonel's Island, no condado de Liberty, es- tado de Georgia, diz o Coronel Jones: «O estado notavel de conservação em que se encontra este vaso está agora explicado, depois que sabemos que elle era guardado ou encerrado em dous vasos externos de barro de construcção mais grosseira e paredes mais espes- sas.» (1) Esta urna parece ter sido considerada tão preciosa que precisou de um envolucro, justamente como hoje, em alguns paizes, um rico esquife não é en- tregue à terra sem primeiramente ter sido introduzido dentro de outro ordina- rio. Olfenderia o melindre social deixar que o coveiro atirasse brutalmente terra sobre o esquife que encerra o cadaver, não obstante saber-se que os ornatos têm de apodrecer juntamente com este. Os ornatos só servem para a salisfa- ção dos sentimentos dos vivos. Assim o selvagem desenvolvia toda a pericia en (1) The Antiquilies of (be Southern Indians, New-York, pag. 455. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 35 fabricar e ornar o vaso destinado a seus mortos, dando-lhe desVarte testemunho expressivo do seu amor por aquelle que tivha ido para a terra dos espiritos e com o mesmo sentimento que induz ao uso do caixão envolvente ao esquife christão, elle dava protecção à urna, na qual tão grande trabalho de amor tinha sido desenvolvido quando esta tinha de ser entregue ao tumulo. Os modelos e ornamentação de uma destas grandes e ricas urnas deve ter consumido muito tempo e provavelmente foram feitos emquanto o corpo se consumia, sendo impossivel dizer si enterrado ou não. Tal foi tambem o caso das outras urnas. Entre os numerosissimos fragmentos de ceramica da ilha de Pacoval, ap- parecem diversos, pertencentes indubitavelmente a Gesichisurn do mesmo typo que o acima descripto, e tão cuidadosa e afanosamente ornamentada como elle. (1) Um dos mais interessantes objectos colleccionados pelo Sr. Derby em Ca- mutins é a pequena urna representada na figura 3, Est. IL. E" de feitio tosco, de barro muito grosseiro e asymetrica. À sua fôrma póde ser comparada à de uma pera, com um sulco largo e fundo pouco acima do meio que separa em cima à parte que representa a cabeça, tendo em frente olhos, nariz e bocca. Os olhos, bem distanciados um do. outro, são representados toscamente por cirenlos que parecem ser feitos pela impressão da extremidade de um pequeno bambu. O nariz é uma bossa pequena saliente, situada entre os olhos e no mesmo nivel. A bocca era uma bossa saliente, mas está quebrada. O corpo é redondo e muito espesso, tendo a base chata, Em frente existem duas saliencias. que asseme- lham-se às azas de um bule e são destinados a representar braços e pernas, achando-se as mãos collocadas sobre os joelhos. Como esta uzna foi provavel- mente destinada a servir sem o apoio de um bancona base, as pernas são ne- cessariamente muito curtas, e, não conhecendo as urnas de Maracá, seria difficil determinar a significação das protuberancias nos angulos inferiores, que prova- velmente foram destinadas a representar os pés. À saliencia do lado esquerdo, que eu restaurei na figura, tinha sido quebrada, mas evidentemente foi collocada mais alto do que a do lado direito. O umbigo acha-se representado por uma de- (1) A urna acima descripta existe no Museu Peabody de Ethnologia. Uma outra do mesmo typo foi mandada pelo Sr. Penna ao Museu Nacional do Rio de Janeiro e figurada no Vol. IL dos Archivos do mesmo Museu. A differença a mais notavel entre estas duas urnas consiste no facto de que a do Museu do Rio está ornamentada do mesmo modo nos dous lados, e tem no logar do orgão sexual uma proeminencia triangular representando uma tanga. (N. da R.) 36 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL pressão notavel. A substancia do vaso consiste em argila cheia de fragmentos grossos de louça triturada. A superficie não é mais lisa do que a de um tijolo or- dinario e parece nunca ter sido ornamentada. O barro é muito imperfeitamente cozido. O orifício da urna, situado em cima, é oblongo e irregular, sendo a mar- gem simplesmente arredondada. Não se sabe se foi coberta com tampa ou não. Esta pequena urna é muito interessante, porque mostra uma semelhança notavel com as das grutas de Maraca, com as quaes deve ser comparada. Foi provavelmente destinada a guardar os ossos de uma criança. Como tinha sido desenterrada antes de sua visita, o Sr. Derby não pôde verificar si continha ossos ou não. A sua altura é apenas de 0,"I80 e o seu maior diametro de Dplirhos; As urnas anthropomorphas (Gesichisurnen) descobertas pelo Sr. Penna nas grutas de Maraca, são de um typo muito diverso das da ilha de Marajó, e representam a figura humana e a de animaes. Graças à bondade do mesmo Sr. Penna, pude dar a descripção e figura de uma destas urnas n'um artigo no Ame- rican Naturalist. Uma outra menor, mas de fôrma quasi identica é representada na fig. 1, copiada de uma photographia pelo Sr Furman, do Pará. (1) O corpe é um cylindro simples, ôco, collocado sobre uma especie de banco e guarnecido de braços e per- nas salientes, como se vê bem na figura. Uma tampa, que consiste em um cone truncado e terminado por uma placa circular coberta de bossas curtas conicas, completa a figura e mostra de um lado uma representação tosca da cara humana. Pouco abaixo da bocca existe um furo correspondente a um outro no cor- po, por meio dos quaes a tampa póde ser pre- ” sa ao corpo com fios. Pouco atraz do hombro existe uma saliencia curva e acoxa é orna- mentada do mesmo modo. Os braços e pernas são despidos de ornamentação e os tornozelos são enormemente dilatados. Em cada joelho ha um grande buraco. (Fig. 1) A figura descansa sobre um banco baixo que tem uma certa semelhança (1) Esta urna está tambem figurada no Vol. 1 dos Archivos do Museu. (N. da R.) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL SH com um trenó e é identico em fórma aos bancos de madeira que muitos indios do Amazonas empregam hoje. Consiste em uma placa horizontal sustentada sobre duas placas estreitas verticaes, cortadas no meio de modo a dar quatro pés achatados ao banco. Ao lado direito da figura sahe da margem do banco um pescoço e cabeça ou mascara em fórma de cogumelo, tendo esta as feições humanas representadas. No lado opposto, em posição semelhante, ha uma cauda curta virada para cima. Este banco é destinado a representar um animale, segundo creio, um jabuti. A figura tem 0,"38 de altura e o corpo 0,"15 de diametro. A urna que acabo de descrever continha os ossos de uma criança A des- cripta no American Naturalist tem quasi o dobro do tamanho e continha os ossos de um individuo aculto. A outros respeitos ella difere apenas em alguns pontos de ornamentação de menos importancia. Tinha em cima de cada peito uma saliencia curva em fórma de clavicula e as saliencias dos hombros e coxas são menos proeminentes. O banco tem apenas dous pés compridos e as placas verticaes não estão cortadas no meio. Ambas as urnas representam individuos machos. No museu do Pará e colleccionada pelo Sr. Penna existe a tampa de um Gesuhtsurn representada na fig. 2, que differe notavelmente da que acabo de descrever. Ella representa a cabeça de fôrma globular coberta com um chapéu chato discoide, de aba larga, cujo diametro porém é menor do que o da cabeça. O pescoço é representado por um sul- co fundo e largo, abaixo do quala tampa se dilata como um funil invertido. A cara é semelhante à das outras cy- lindricas desta localidade, mas tem uma grossa saliencia que corre em curva regular abaixo da bocca, curvando-se para cima e terminando abruptamente nas faces, logo abaixo do nivel do nariz. (Fig. 2) E” um tanto duvidoso si os indios de Marajó empregaram ou não urnas deste typo, mas existe na collecção de Arary um fragmento que corresponde em tamanho e fôrma á mão de'uma destas urnas. O Sr. Penna me informou que as urnas tubulares de Maracá continham esqueletos inteiros e que os ossos eram dispostos com bastante cuidado, sendo o pelvis collocado no fundo, os ossos compridos contra as paredes e os menores no centro, estando o craneo collocado em cima. Disse tambem o Sr. Penna que as urnas foram dispostas em uma certa ordem, mas que a quantidade de areia V.v.—lO0 38 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL e lixo que tinham penetrado na gruta dos altos visinhos tinha dado opportuni- dade ao crescimento de plantas cujas raizes penetraram e quebraram as urnas e ao mesmo tempo estragaram os ossos. Em todas as urnas tubulares o sexo acha-se cuidadosamente distincto e não póde haver duvida que foi destinado a registrar assim o do individuo cu- jos ossos foram guardados nas urnas. Devo ao Sr. Penna uma urna da mesma localidade, que tem a fórma de um jabuti (2) O corpo é oblongo, achatado em baixo e arredondado em cima. Ne meio do lado superior existe uma grande abertura fechada por uma tampa chata, a qual, conforme o dizer do Sr. Penna, foi cimentada ao corpo por uma substancia branca. Logo abaixo desta abertura, em frente, sahe do corpo um curto e grosso pescoço cylindrico, inclinado em um angulo de 45º e terminado por uma chapa que representa uma cabeça ou mascara que se estende conside- ravelmente do pescoço de todos os lados. A margem superior desta chapa é den- tada como uma serra. O nariz é saliente e estende-se até a crista dentada. As sobrancelhas, como na urna da criança acima figurada, são curtas e destaca- das do nariz. Os olhos e a bocca são salientes e entreabertos. Os lados e a parte superior do pesceço são guarnecidos de linhas longitudinaes de bossas apon- tando para Lraz, que me fazem crer que o animal que se tentou representar não foi o jabuti, mas sim o matamatá. A cauda é curta. As pernas são muito curtas e grossas, quasi globulares, semelhando os tornozelos da urna de criança. Os pés, que foram quebrados, são grandes e achatados, destacados das pernas por sulcos profundos e guarnecidos de mui- tos dedos. (Uma urna semelhante á acima descripta é representada na fig. 3 de uma amostra no Museu do Pará. Esta differe um pouco da descripta pelo Prof, Hartt nos detalhes da cabeça e pés, como se vê facilmente pela fi- gura. Nos hombros e coxas existem sa- liencias curvas, e no peito, abaixo do braço ha uma comprida linha elevada (Fig. 8) transversa, cujas extremidades são di- rígidas para cima. A urna tem 0,"42 de comprimento, 0,"20 de largura e 0,"25 de altura ) O Sr. Penna achou diversas urnas deste typo. Elle disse de uma dellas ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 39 que a cara se afasta quasi totalmente da do homem. Esta cara é margeada por um circulo de cuja peripheria se estendem numerosos pontos radiados, como se representassem os raios do sol. Disse tambem que nenhuma destas urnas em fórma de animaes continha muitos ossos. Uma das urnas em fôrma de quadrupede foi remettida ao Museu do Rio de Janeiro, da qual o Dr. Ladislau Netto forneceu-me graciosamente um dese- nho. Esta urna é muito menor do que a descripta acima, tendo apenas 0"19 de altura e 0726 de comprimento. O corpo tem a mesma fórma geral que a da fig. 3, mas é mais curto e arredondado. As pernas são mais compridas e delgadas e os pés, em fórma de disco não tem os dedos indicados. As pernas compridas e grossas e os pés arredondados desta urna lhe dão um aspecto elephantino e não vejo motivo para suppor que o artista tivesse em mente representar um jabuti. O pescoço é mais comprido e menor do que na amostra acima descripta e a cabeca é discoide e chata. E” interessante notar que o nariz se estende até a margem superior da cara e que não existem sobrancelhas. Os olhos são muito salientes e alongados, sendo a abertura distinctamente indicada, a bocca é em linha recta e comprida, com labios salientes e fechados. A ahertura desta urna está collocada mais para traz do que na outra descripta. A tampa parece ter tido duas perfurações. A cauda falta, por haver sido quebrada. Esta urna é tão pequena e a abertura ou bocca é tão estreita, tendo ape- nas 0,707 de diametro, que só podia ter recebido o esqueleto de um recem-nas- cido. Não se sabe qualo seu conteúdo original, de modo que não se póde deter- minar se era destinada a guardar os restos de uma criança ou as reliquias de um adulto. Uma outra urna quadrupede semelhante à primeira descripta, é notavel por ter a abertura de fórma irregularmente oval, tem 0," 19 de diametro lon- gitudinal e 0,715 de diametro lateral. A irregularidade da bocca é devida ao facto que depois de queimada a urna a margem foi cortada de um lado, como se vê pela margem anterior, que é inteira, ao passo que a posterior offerece signaes de ter sido cortada. Isso foi feito indubitavelmente para permiltir a entrada de um corpo tendo maior dia- metro em uma direcção do que na outra. A fórma e tamanho da abertura cor- respondem proximamente aos da secção horizontal do craneo humano e póde- se concluir com toda a probabilidade que sendo achada a abertura pequena de mais para admittir o craneo, um lado foi cortado para obviar esta difliculdade. Como a profundidade da urna medida no meio da bocca é apenas de 0,"14, o A() ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL craneo teria de ser muito comprido e baixo para permittir que a tampa fosse collocada. Os craneos em geral são demasiado altos para admittir a tampa. Tal- vez a urna fosse destinada a uma outra pessoa e depois utilisada para uma de craneo maior. (1) A cabeça desta urna offerece algumas particularidades. E” uma massa ir- regularmente arredondada, do tamanho do punho. A cara é limitada por uma linha elevada que passa pela frente e lados e ao chegar ao nivel da bocca cur- va-se abruptamente para traz, formando uma crista que representa as orelhas e cabellos unidos. De cada lado até um pouco abaixo do nivel dos olhos esta crista é guarnecida de cinco espinhos grossos. O nariz é unido a esta crista e é muito saliente, terminando abruptamente sem azas. Perto da origem do nariz estendem-se da crista duas linhas elevadas, que divergindo passam obliqua- mente sobre a cabeça, na distancia de quatro ou cinco centimetros. Estas linhas divergentes, originando-se na base do nariz, parecem repre- sentar sobrancelhas; mas estas são representadas por uma curta e alta linha independente sobre cada olho, tendo uma posição tal que o nariz prolonga-se pela frente. Parece que as linhas divergentes são sobrevivencias do modo ori- ginal de fazer o nariz unido às sobrancelhas, cuja significação foi esquecida logo que artista representou os olhos de um outro modo. Posto que esta urna tenha a fôrma de um quadrupede, este é represen- tado de modo tão convencional que é difficil saber qual foi o animal que o ar- lista quiz representar. O Sr. Penna julga que fosse talvez o jabuti, e pela fôrma do corpo e pelas pernas curtas a urna effectivamente offerece alguma seme- lhança com aquelle animal, porém parece-me que si o artista teve em mente representar um jabuti, teria indicado a casca e teria omittido as saliencias em fórma de meia lua nos hombros e côxas, assim como a linha elevada no dorso. Considerando tudo isso, julgo mais provavel que fosse destinada a representar uma onça em vez de um jabuti. O material constituinte de todas as urnas de Maricá é grosseiro, consistindo em barro misturado com areia. Parece que o caraipé não foi empregado. O fei- tio é grosseiro, sendo as paredes grossas e irregulares e a superficie aspera emal acabada. Não estão pintadas, tendo apenas a côr vermelha produzida pelo pro- (1) A urna figurada no vol. IL dos Archivos do Museu, que é quasi identica em fórma, tamanho e ornamentação com a aqui descripta, mostra a mesma particularidade da bocca (N. da R.) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ER] cesso de queimar, que foi imperfeito, permanecendo o barro preto no in- terior, Além das urnas anthropomorphas encontra-se uma variedade de outras fórmas nos monticulos de Marajó. Um dos typos mais communs tem a fórma de dous cones unidos pelas bases. Descrevi duas urnas deste typo, colleccionadas pelo Sr. Barnard, na minha memoria no Amercan Naturalist de 1871. Depois foram encontradas outras mais perfeitas, das quaes duas são representadas na fig. 6, Est. Te fig. 7, Est. Il. Estas urnas consistem em dous cones truncados, ôcos, unidos pelas bases, sendo o cone de cima cerca de tres vezes mais alto que o de baixo e aberto, formando a bocea da urna, emquanto o cone inferior é fe- chado por um disco que fórma a base da urna. Os lados da parte superior de urnas deste typo são regularmente inclinados e os da parte inferior sao ligeira- mente concavos. A superficie da parte superior é cuidadosamente alisada e co- berta com uma camada de barro mais fino esbranquicado e é ornamentado com figuras gravadas e pintadas de vermelho, A urna representada na fig, 7, Est. IL tem 0,"62 de altura, 0,"38 de lar- gura na parte mais larga e 0,"24 na bocca. A margem é mais grossa do que as paredes, voltada para fóra e ornamentada com a figura de cobra em relevo, cuja cabeça está bem representada na gravura. Os intervallos desta figura são orna- mentados com linhas estreitas gravadas. O corpo da urna é adornado com uma figura particular que é bastante commum na louça de Marajó, tendo sido encon- trada sobre fragmentos de muitas urnas desta mesma fórma. As unidades ou the- mas desta ornamentação são separadas por linhas simples gravadas, das quaes as verticaes são dobradas. Na margem inferior da parte ornamentada, sendo pe- quenos alguns dos espaços, ficaram em branco, emquanto outros tem sómente metade da figura, como se vê no lado direito da gravura. Estas meias figuras dão a chave à origem e significação do ornato que à primeira vista não parece ter significação alguma. Nota-se que nas meias figuras os pontos redondos que estão collocados no meio são transpostos para debaixo da linha horizontal, e assim a figura tem uma certa semelhança com a cara humana, sendo as sobrancelhas representadas pela linha horizontal, o nariz e as orelhas pelas saliencias triangulares abaixo da linha, os pontos redondos representando os olhos. Em outros fragmentos, esta mesma figura, feita com mais cuidado, representa indubitavelmente umacara. Parece que este modo de representar a cara ficou convencionalisado a tal ponto que o artista esqueceu-se às vezes da sua significação, e assim não viu nenhuma in- conveniencia em inverter uma figura acima da outra, as quaes, unidas pela li- V. v.—ll A? ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL si nha do centro, produzem a figura dobrada do corpo da urna. Os pontos repre- sentando os olhos, tendo tambem perdido a sua significação, foram transferi- dos para o meio da figura composta, talvez para poupar trabalho ao artista, que assim teve de fazer dous sómente em logar de quatro para cada figura, ou talvez pareceu ao artista que o espaço no meio sendo maior do que o de cima e debaixo juntos, precisava mais de alguma cousa para o encher, ou finalmente é possivel que elle visse na figura composta uma certa semelhança com a cara em que as linhas horizontaes representavam as sobrancelhas e o queixo e a linha grossa vertical o nariz. E'notavel que raras vezes o artista se esquecesse de intro- duzir os pontos redondos, collocando-os sempre no meio da figura composta e abaixo da simples. A outra urna do mesmo typo, representada na fig. 6, Est. I, tem 0,"44 de altura, 0,"31 de largura na parte mais larga e 0,"21 na bocca. Os ornatos con- sistem em varias modificações de uma figura que em outras urnas onde é feita com mais capricho é menos alongada, tem uma certa semelhança com uma cadeira da moda antiga, como se vê na gravura junta, reproduzida do Ameri- cun Naturalist. As unidades desta ornamentação são separa- das por linhas dobradas um tanto irregulares. As linhas e as figuras são gravadas e pintadas de ver- melho, sendo o resto da superficie pintado de cór esbranquiçada. Esta urna, quando encontrada pelo Sr. Der- by, continha ossos de um individuo adulto que não mostra signaes de cremação. A urna foi col- locada em pé pouco mais de um metro abaixo da superficie. O material de que a fizeram é barro misturado com fragmentos de louça e a urna é mal queimada, sendo apenas a superficie avermelhada em quanto o centro é cinzento escuro. Um outro typo de urna tendo a fórma de um frasco florentino é represen- tado na fig. 4, Est. 1. A parte inferior é globular e a superior cylindrica, ter- minada por uma borda saliente e angular voltada para fóra. E” ornamentada com uma modificação muito alongada da figura em fôrma de cadeira, des- cripta acima. À altura é 0,"36 e a largura 0,736 na parte globular e 0,"26 na parte cylindrica. Esta urna foi encontrada pelo Sr. Penna na ilha de Pacoval e acha-se no Museu do Rio de Janeiro. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL h3 Duas outras urnas de typo semelhante quanto à fôrma, mas muito mais ornamentadas, são representadas nas figs. 2 e 6, Est. II, a primeira copiada da photographia de uma urna que existe no Museu Peabody de Ethnologia e a segunda existente no Museu do Rio de Janeiro. Ambas são incomple- tas, faltando a parte superior com a respectiva borda. As particularidades da bem elaborada ornamentação estão bem representadas na gravura. Em uma del- las uma cinta larga e liza circumda a parte mais larga da urna, tendo de cada lado uma cabeça invertida de algum animal, de cada lado da qual estende-se para baixo até a base da urna um braço da cinta horizontal. Na outra, repre- sentada na fig. 6, a cinta falta, e em logar da cabeça, de cada lado ha uma fi- gura bem formada, representando um jacaré com braços e pernas compridas, estendidas, formando com o corpo um angulo recto e dobradas tambem em au- gulo recto para cima e para baixo, terminando em uma especie de tridente. Uma modificação desta fórma cylindro-globular offerece o fragmento re- presentado na fig. 4, em que a parte cylindrica alarga-se para cima e pela ad- dição de uma cara torna-se um Gesichtsurn ou urna anthropomorpha. E” nota- vel neste fragmento a proeminencia extraordinaria da barba e o modo gigan- tesco e grotesco de representar a cara. (Ainda outro typo é representado na fig. 1, Est, I, em que o corpo é de fórma globular deprimida, terminada por um cone curto truncado. O maior diametro é de 0,746, sendo o da bocca de 0,"21 e altura 0,"55. A borda está quebrada, mas parece ter sido semelhante à da fig. 4 da mesma estampa. Esta urna é toda ornamentada, mas ao contrario de outras, não tem figuras em re- levo ou gravadas, mas.simplesmente pintadas de linhas vermelhas sombreadas de preto sobre uma base esbranquiçada. A parte conica é ornamentada por bem executadas gregas simples, alternando com outras alongadas e arqueadas para cima ou para baixo, de modo a deixar logar para quatro caras grotescas, das quaes uma é representada na gravura. A ornamentação do corpo da urna é ex- cessivamente complicada e bella, o desenho representado na gravura repete-se quatro vezes sem variação. Não se sabe com certeza se esta magnifica urna é proveniente de Arary ou Camutins, ias, conforme o Sr. Derby, esta fôrma pa- rece ser mais caracteristica deste ultimo logar do que do primeiro. Fragmen- tos de urnas semelhantes, mas ornamentadas com figuras gravadas ou em re- levo na parte conica são communs tanto em um logar como no outro.) Duas urnas de fórma totalmente diversa das acima descriptas são repre- sentadas nas figs. 2 e 3, Est. I. Estas talvez não fossem destinadas para fins funerarios. São cylindros curtos e largos terminados por base conica. A da A4 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL fig. 2 é circular, tendo 0,º29 de altura e 0,"36 de diametro. A ornamentação consiste em repetições de uma figura particular formada de linhas gravadas sem tinta e espaços mais largos cortados no barro e pintados de vermelho. Con- siderado como um todo, póde-se comparar a ornamentação d'esta urna com um circulo de funis collocados um dentro do outro. O da figura 3 é oval, sendo o maior diametro de 0,"42 e o menor de 0,"33, egual á altura. A ornamentação é muito bem executada e bonita. As unidades consistem em uma cruz dentro de um quadrado, com uma modificação da figura em fôrma de cadeira; todas estas figuras sendo feitas com linhas largas gravadas e pintadas de vermelho. Estas unidades são circumdadas por tres linhas estreitas e parallelas prolonga- das de modo a separar as unidades. O resto da superficie é esbranquiçada. Na collecção emprestada à Commissão Geologica pelo Sr. Rhome existe a urna com tampa representada na fig. 4, que foi desenterrada por aquelle se- nhor n'um pequeno monte na terra preta dos al- tos de Taperinha, tendo dentro os restos de um esqueleto humano. A urna tem a fórma de uma noz de carvalho, achatada em cima e um pouco estreitada abaixo do meio, sendo a base arredon- dada. A abertura é circular e pequena e parece ter tido uma borda elevada, que foi quebrada. O feitio é grosseiro, sendo a superficie simplesmente alizada sem ornatos. A altura é de 0,"215 e o diametro de 0."295, sendo o da abertura de 0,2080. (Vig. 5) A urna contém ainda fragmentos de ossos podres e dentes que parecem ter sido de um individuo adulto, misturados com terra. E dificil dizer si o corpo tinha sido cremado ou não, mas é certo que a abertura é demasiadamente pe- quena para admittir um craneo, mesmo o de uma criança, e por consequencia os ossos deviam ter sido introduzidos em fragmentos. Supponho que a urna foi feita para um outro fim e depois empregada como urna funeraria, por ser de fórma conveniente, A tampa que foi encontrada sobre a urna provavelmente não pertencia a ella, porque é de material diferente e talvez fosse um prato empregado para guardar farinha. Tanto a tampa como a urna foram encontradas em muitos fragmentos e tem sido restauradas. A tampa é notavel por uma margem angu- lar achatada, tendo uma linha gravada. Perto deste meio ha uma moldura sa- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ho liente que se vê bem na figura. A base foi quebrada, mas parece ter sido pe- quena. A largura é de 0,"25 e a altura de cerca de 0,"08. A superficie parece ter sido lustrada com barro branco e ornamentada com linhas concentricas de vermelho. VI. Idolos Na minha memoria no American Naturalist figurei e descrevi quatro obje- ctos de terra colta, proveniente da ilha do Pacoval, que considerei como ido- los. Nas collecções feitas pelos Srs. Derby e Penna na ilha de Marajó e nas fei- tas por mim e meus ajudantes e pelo Sr. Rhome, nos sitios dos moradores dos altos, em Taperinha e na sua circumvisinhança, existe grande porção destes objectos, que indicam mais claramente a sua natureza e me permitte fazer uma descripção mais minuciosa destas interessantissimas reliquias dos antigos po- vos do Amazonas. O uso de idolos entre certas tribus dos indios brazileiros foi notado pelo padre Ives d'Evreux em termos que fazem crer que teve em vista objectos seme- lhantes aos de Marajó e Taperinha. (1) Outros auctores tambem mencionam o uso de idolos. Entre os suppostos idolos de Marajó predomina um typo uniforme, posto que expresso de diversos modos, não se encontrando dous exemplares perfei- tamente eguaes. Quasi todos representam a figura humana assentada, com os joelhos separados, os braços ora nas ilhargas, ora com as mãos collocadas so- (1) « Et de fait, dit-il, c'est une chose assez fréquente, tant dedans Pile, qu'és autres pays voi- sins, que les sorciers bâlissent des petites loges de palmes, és lieux les plus cachés des bois, et lá plan- tent de petites idoles faictes de cire, ou de bois, en forme d'hommes, les uns moindres, les autres plus grands; mais ces plus grands ne surpassent une condée de haut. Lá, en certain jours, ces sorciers vont seuls, portant avec soy du feu, de "eau, de la chair ou poisson de la farine, maís, légumes, plu- mes de couleur et des fleurs; de ces viandes ils en font une espêce de sacrifice à ces idoles, et aussi bruslent des gommes de bonne odeur devant elles; avec les plumes il paroient Vidole et se tenoient un long temps dans ces logeltes, tous seuls: et faut croire que c'estoit à la communication de ces esprits.» P. Ives dEvreux, citado por Ferd. Denis. Univers, Brésil. p. 20. V. v.—12 AG ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL bre os joelhos, ou finalmente representados por pequenas protuberancias às vezes viradas para cima. O unico typo que se afasta deste modelo é o representado na fig. 9, Est. III, em que as pernas são representadas em uma só massa. As cabeças va- riam muito em fórma, mas apresentam certas feições bem constantes. As so- brancelhas e nariz são sempre unidos e salientes, em fôrma da letra Tou Y e os olhos são proeminentes, a bocca às vezes é representada, às vezes não. Ge- ralmente a cabeça está armada com uma especie de toucado, representada por uma cinta elevada que, passando pela frente, desce por detraz das orelhas com uma curva forte, cuja convexidade é dirigida para diante. Acima do pescoço a cabeça é muito proeminente, como si grossos cabellos fossem cortados abru- ptamente na nuca. As cabeças deste typo são representadas em diversas figuras da Est. III As vezes os cabellos parecem ter sido separados na frente e puxa- dos para traz, segurados por um pente em cima da cabeça. O corpo geral- mente tem em frente uma depressão que representa o umbigo. As pernas são grossas e curtas, com os joelhos arredondados e proeminentes, tendo geral- mente, logo em baixo, uma pequena saliencia que representa o pé, que às ve- zes tem os dedos representados em numero de tres a oito. A's vezes 0 sexo está indicado, predominando os signaes do sexo feminino. Alguns dos idolos foram de tamanho consideravel, como fica provado pe. los fragmentos. Uma cabeça, na colleeção da Commissão Geologica, mede 0," 130, indi- cando que a figura inteira tinha pelo menos 0,"400 de altura. Tambem ha na colleeção fragmentos de pernas que indicam dimensões eguaes. Pela maior parte os idolos são ôcos, tendo sido construidos pelo processo do enrolamento de fiadas de barro. Muitos destes têm pequenos seixos ou balas de barro introduzidos no ôco do corpo, de modo a poder servir de chocalho. Al- gumas pequenas amostras são massiças, representando a figura humana de um modo muito convencional e tosco, sendo um delles apenas tres massas de barro, unidas em uma especie de tripeça, representando o corpo e pernas sem braços. Geralmente os idolos estão pintados na superficie de barro fino e esbran- quiçado, no qual são às vezes gravados ornatos; às vezes são pintados de ver- melho e outras córes. Segue-se a descripção de alguns dos idolos mais notaveis, obtidos na ilha do Pacoval e representados na Est. IT. A fig. 3, tirada de uma photographia pelo Sr. Furmann, do Pará, repre- senta um idolo inteiro obtido pelo Sr. Penna e por elle mandado ao Mu- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 47 seu Nacional do Rio de Janeiro. A cabeça, representada com algum cuidado, mostra as sobrancelhas unidas ao nariz, olhos proeminentes, e a cinta que passa pela frente e desce atraz das orelhas. A bocca está apenas indicada. As mãos, applicadas aos joelhos, têm os dedos indicados em numero de quatro. As pernas, mal caracterisadas, são representadas em duas proeminencias des- eguaes, que, diflerentes de outros representados por fragmentos na colleeção, não têm indicação de pés. O idolo, representado na fig. 11, difere do acima descripto em ter as per- nas mais bem caracterisadas, mostrando as partes superiores e inferiores dobra- das ao joelho, e os pés bem salientes, com tres dedos grossos em cada um. Os braços, pelo contrario, não são caracterisados, sendo representados por duas pequenas protuberancias. A cabeça é bem destacada do corpo pelo pescoço, um pouco inclinado para traz e achatado no sentido antero-posterior. No umbigo existe um grande e fundo buraco. Toda a figura está pintada de linhas verme- lhas, menos a parte posterior da cabeça, onde uma mancha de côr uniforme parece representar os cabellos, que em outros idolos acham-se representados em relevo. À figura tem 0,"10 de altura e parece ser massiça. No idolo representado na fig. 9, as pernas unidas são representadas em uma só protuberancia, tendo um pequeno sulco na margem que destaca os pés, logo abaixo dos joelhos. Os braços são semelhantes aos da fig. Il e a ca- beça é redonda, ligeiramente achatada verticalmente, representando, com exa- ctidão notavel, a fórma da cabeça humana. Na parte posterior da figura exis- tem tres protuberancias alongadas, que parecem representar a columna dor- sal. Este idolo, que tem 0,"09 de altura e ôco, tendo uns seixos introduzidos por um pequeno furo na base, fórma um chocalho ou maracá. O pequeno idolo decapitado, representado na fig. 21, é notavel pela po- sição das mãos, que são levantadas como para indicar admiração. Um outro, representado na fig. 6, tem o corpo alongado e os braços nas ilhargas. Entre as numerosas cabeças destacadas que abundam em todas as colle- cções, ha algumas particularidades que merecem alguma attenção: quatro são do typo representado nas figs. 12 e 13, que são notaveis pela fórma conica e uma especie de toucado particular, que, variando um tanto nas differentes amostras que tenho à vista, apresenta comtudo certas particularidades cons- tantes. Uma larga cinta saliente passa sobre a cabeça, de uma orelha à outra, como si os cabellos fossem levados para traz, sendo às vezes divididos, como na fig. 13, às vezes não. Em todas, os cabellos são representados como leva- dos para traz das orelhas, descendo até o pescoço, onde, em um idolo, estão h8 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL puxados para diante, abaixo das orelhas, ao passo que nos outros, incluindo os da fig. 2, parecem ser amarrados e levados para traz e um pouco levanta- dos na extremidade. Em todas as cabeças deste typo existe na parte posterior uma especie de crista curta e alta, que provavelmente representa um pente. Em uma das amostras parte do corpo está conservada, mostrando os peitos, indícios de que representa uma mulher. Duas das cabeças têm as orelhas, sendo estas colloca- das abaixo do nivel do nariz; e n'aquella, reproduzida na estampa, cada ore- lha tem duas vezes o comprimento do nariz. Em todas as cabeças as sobrancelhas são unidas com o nariz, o que é no- tavel na amostra figurada; porque em outros respeitos a cabeça e as feições são bem modeladas, sendo representadas até as azas do nariz Em tres das amostras os olhos e a bocca são apenas bossas irregulares ; mas na outra são sulcos fundos e largos, não communicando-se com o inte- rior, que em todas é Ôco. Tres outras cabecas, das quaes duas são representadas nas figs. 5 e 7, são quasi planas em cima. O toucado fôrma uma saliencia um tanto pronunciada que passa pela frente e desce em linha recta a cada Jado até o nivel do olho, onde faz volta para traz da orelha. Na fig. 5 os dous braços desta saliencia des- cem e terminam na nuca. Na fig. 7 elles se unem no nivel da orelha, formando uma especie de rabicho, e em uma outra amostra unem-se em linha hori- zontal na nuca. Na fig. 5 e numa outra amostra do mesmo typo o toucado é sem ornato, liso e pintado de vermelho; emquanto que na fig. 7 é ornamen- tado por uma outra saliencia que fôrma em cima da cabeça uma figura re- clangular, tendo no centro uma outra saliencia ao longo da linha média da cabeça, ca cada lado, fóra do rectangulo, existe uma outra saliencia curta pa- rallela com a do centro. Na parte posterior da cabeça existem outras salien- cias semelhantes, dispostas horizontalmente, como se vê na figura. Em todas estas cabeças as sobrancelhas são compridas, salientes e curvas. O nariz é muito curto, sendo, como os olhos e a bocca, apenas uma protuberancia tubercular. O pescoço é indicado por uma pequena constricção. As orelhas são repre- sentadas sómente na fig. 7, sendo grandes, salientes e abaixo do nivel do nariz. Este toucado especial acha-se tambem representado nas cabeças que ser- vem de ornatos ou azas de vazilhas. As figs. 8 e 20 representam objectos que parecem ser fragmentos de ido- los e que são notaveis pela posição da mão collocada atraz da cabeça, em um, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL h9 e levada á bocca no outro. A crista elevada e denteada da fig. 8 é tambem no- tavel. A grande cabeça representada na fig. 18 é de feitio grosseiro ; mas, apezar disto, mostra bastante caracter. As sobrancelhas e nariz são, como é geral, unidos, os olhos e bocca são representados por entalhos que, no caso da bocea e olho direito, são perfurações: a crista transversal é muito saliente e den- teada, e nas extremidades fôrma saliencias que provavelmente representam orelhas e são furadas. O fragmento mede 0." 106 de altura. Dous idolos mais grosseiros do que os acima descriptos são representados nas figs. 14 e 19. O primeiro tem o corpo quasi cylindrico, com duas protu- berancias na base indicando pés. Uma constricção representa o pescoço. A ca- beca é redonda, mas vê-se que, depois de feita, foi-lhe applicada uma larga, alta e angulosa crista que, passando transversalmente de um lado ao outro, da- lhe um aspecto achatado. O nariz e sobrancelhas em fórma de T foram appli- cados do mesmo modo; mas têm cahido junto com um dos olhos, os quaes, como a bocca, são simples protuberancias. A figura é Oca e tem 0,"140 de altura. A outra (fig. 19) é massica, feita de barro grosso, cheia de grãos de areia. A cabeça é muito achatada no sentido antero-posterior, e a cara é muito indistincta, tendo o nariz e sobrancelhas representados em fôrma de T. Os braços e pernas são apenas indicados por bossas irregulares nos Jados e na base. Em frente ao logar do umbigo ha um buraco, mas não pude determi- nar si este foi feito de proposito ou por acaso. A altura deste idolo é 0,09. O mesmo typo da cabeça e feição apparece na cabeça maior e mais ar- tisticamente acabada, representado na fig. 4. Esta tambem é achatada e mos- tra a mesma crista transversal, a qual, ao nivel dos olhos, estende-se um pouco para fóra. As sobrancelhas e o nariz são unidos e formam, como nas outras, uma larga e saliente figura em fórma de T, sendo bem modeladas as azas do nariz, posto que asymetricas. Os olhos são grandes e muito salientes, sendo representada a pupilla; a bocca é uma pequena saliencia arredondada, a cara é coberta com barro branco. Em redor das sobrancelhas e nariz corre um sulco largo e razo, pintado de vermelho, e um outro semelhante em redor dos olhos. As cintas largas de cada lado da bocca são tambem pintadas de verme- lho. As outras linhas mostradas na gravura são cortadas por um instrumento ponteagudo. A parte posterior da cabeça é liza e pintada de vermelho. A fi- gura é Oca e o corpo era provavelmente semelhante ao da fig. 14. Vê-se no interior o modo pelo qual foi fabricada da base para cima, sendo a cabeça a parte feita por ultimo. Anneis de barro foram collocados uns acima dos ou- V.v.—l3 50 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tros e depois unidos pela pressão dos dedos, introduzidos por uma abertura em cima da cabeça. A impressão dos dedos no barro mostra até as estrias da pelle, indicando a direeção em que os dedos foram applicados. Finalmente, a abertura na cabeça foi tapada por uma massa de barro e o lado externo da fi- gura foi modelado e alizado. A altura da cabeça é de 0",076 e a largura de E DS Uma outra cabeça representada nas figs. Le 2 émaior do que a ultima, e em alguns respeitos mais elaborada. E” mais globular, posto que um tanto achatada e tem a mesma crista transversal, que neste caso é baixa e arredon- dada, e as mesmas feições em fórma de T. Differe porém das outras cabeças na ornamentação grotesca dos olhos, das faces e da frente e tambem nas figu- ras na parte posterior da cabeça. Todos estes caracterisficos são bem mostra- dos na gravura e não carecem descripção. À fôrma da bocca é notavel. Todas as feições e os ornatos em relevo são pintados de vermelho, emquanto o fundo é da côr natural do barro esbranquicado. Um fragmento do corpo abaixo do pescoço mostra que este tambem foi ornamentado de modo semelhante. A amostra tem 0," Li4 de altura e 0," 101 de largura. Uma outra cabeça, representada nas figs. 15 e 16, é muito semelhante : mas feita com menos capricho. A bocca não se acha representada, e o ornato em redor do olho tem dous raios em logar de quatro. Nota-se que as peque- nas figuras em redor do olho, em numero de quatro, na cabeça ultimamente descripta, não são esquecidas de todo, apparecendo uma só na parte inferior da face direita. A ornamentação da parte posterior é essencialmente a mesma nas duas cabeças ; mas, nesta, a ornamentação foi mal executada com instru- mento grosso. A amostra tem cerca de 0,º076 de altura. A fig. 17 representa uma peça massiça de cerca de 0,"09 de altura, que tem a fórma de um animal assentado. A ornamentação, que consiste em figu- ras aspiraes mais ou menos angulares e de gregas modificadas, foi feita com um instrumento obtuso. A figura tem uma cauda que foi quebrada. IDOLOS DOS MORADORES DOS ALTOS Nas collecções feitas em Taperinha e outras localidades perto de Santarém, existentes no museu da Universidade de Cornell ou no Museu Peabody de Eth- nologia de Cambridge, como tambem nas emprestadas à Commissão Geologica ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 51 pelo Sr. Rhome, existem muitos fragmentos de idolos semelhantes aos acima descriptos, da ilha de Marajó. São pela maior parte pedaços da cabeça ou bra- ços e pernas destacados, mas entre elles ha um quasi perfeito que se acha re- presentado na fig. 10, Est. III. Alguns destes fragmentos indicam que os obje- ctos originaes eram maiores do que a mór parte dos de Marajó e de 0,"20 a "23 de altura. Parece ter havido pouca variação na fórma e em todos se acho o toucado caracteristico e o arranjo particular dos cabellos na parte posterior da cabeça. O lobulo da orelha tem sempre um ornato caracteristico em fórma de botão na frente, e a cabeça é furada atraz da orelha. A fôrma e posição dos braços variam um tanto, mas a mão, com ou sem a representação dos dedos, em numero maior ou menor do que o normal, acha-se sempre col- locada sobre a perna, ilharga, abdomen ou peito. Existem muitos fragmentos do lado da cabeça, mostrando sómente a orelha, sempre representada com ornato. Na collecção emprestada à Commissão Geologica pelo Sr. Rhome existe um idolo quasi perfeito do mesmo typo que os descriptos da ilha de Marajó. E' representado na fig. 10, Est. HI. A cinta em cima da cabeça é cuidadosa- mente representada, terminando de cada lado, logo acima da orelha, n'uma bossa ou chifre conico. Os cabellos são partidos ao meio na parte posterior da cabeça. As orelhas são guarnecidas de pequenos discos em fôrma de botão. O nariz é saliente, tendo as narinas representadas, sendo os olhos e a bocca ape- nas sulcos compridos com margens elevadas. Os peitos são proeminentes e o umbigo grande. Entre as pernas um espaço triangular destacado por sulcos profundos parece representar uma tanga do typo das de Marajó. As pernas, muito separadas, são curtas e de fôrma conica, sendo o pé indicado por um sulco transverso perto da extremidade, e por signaes obscuros de quatro de- dos. Os braços são estendidos com as mãos nas ilhargas, tendo os cinco de- dos indicados. Logo atraz das orelhas existem dous furos communicando com a cavidade interna. Na cavidade da cabeça, como é usual, ha substancias duras que emittem som quando se sacode a figura. O material é um barro gordo, de côr clara, coberto com barro esbranquiçado, mal cozido e, como toda a louça de Taperinha, muito molle. O idolo tem 0."155 de altura. Uma outra amostra menor e menos perfeita, da mesma visinhança, é muito semelhante e tambem é guarnecida com a tanga. A cabeça está muito gasta, mas vê-se que à figura faltavam os dous chifres. Uma outra amostra que falta à cabeça, um peito, um braço e parte das pernas representa uma mulher com a mão esquerda sobre a ilharga e a direita sobre o peito. Ainda uma 52 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL outra amostra de Panema differe notavelmente do typo ordinario em ter as pernas dobradas com os joelhos contra o peito e abarcadas pelos braços. Os braços e as pernas são bem representados e a figura, a julgar pelos peitos sa- lientes, representa uma mulher, A cabeça falta. Além das amostras acima mencionadas que conservam o corpo, ha algu- mas cabecas destacadas que talvez não pertencessem a idolos, mas que asse- melham-se tanto às cabeças dos idolos. que devem ser mencionadas. Estas são geralmente massiças e achatadas no sentido antero-posterior. As feições, espe- cialmente os olhos e os beiços, são muito salientes; as orelhas, quando repre- sentadas, têm o botão já referido. Em duas das amostras que tenho examinado existe na parte posterior da cabeça um furo dirigido obliquamente para baixo e que conforme supponho, foi destinado a receber uma penna ou outro or- nato. Muitos dos pés destacados pertenciam evidentemente a idolos, e é interes- sante notar a falta de cuidado do artista em representar o numero de dedos, tendo uma amostra nada menos de nove. Em todos os idolos perfeitos que te- nho visto o pé nunca é separado da perna e nunca mostra o calcanhar, mas ha na colleeção pés destacados, que são mais ou menos cuidadosamente modela- dos e que mostram o tornozelo. Estes pés pertenciam talvez a idolos, mas é possivel tambem que pertencessem a Gesichtsurnen do typo dos de Maracá. Uma destas amostras é bastante semelhante aos pés da urna representada na fig. 1 p.36. Um dos pés destacados tem 0,ºi 10 de comprimento e pertencia a um objecto grande. Esta amostra é notavel pelo cuidado com que os dedos são representados, tendo cada um a unha representada. VII. Ornatos pessoaes Poucos são os objectos encontrados nos montes de Marajó ou nos sitios dos moradores dos altos de Santarém que se pódem referir à classe dos orna- tos pessoaes. Até agora só são conhecidas as assim chamadas tangas (1) dos (1) Aflirma o Sr. Ferreira Penna que o verdadeiro nome destes objectos na lingua dos Aruans, tribu principal da ilha de Marajó, é baba?, significando avental. — Archivos do Museu Nacional, Vol. 1, p. 58. (N. da R.) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 5) montes de Arary e Camutins, na ilha de Marajó, ec pequenas rodellas dos altos de Santarém, que parecem ter servido de ornatos nas orelhas. As tangas são os objectos mais bem feitos e ornamentados que se encon- tram nos montes de Marajó, quer nos refiramos à qualidade excepcional do barro e à execução mechanica da obra, quer ao bom gosto artistico e pre- cisão technica com que são ornamentadas. Tendo descripto e figurado diversas amostras no volume 1, 1º trimestre dos Archivos do Museu Nacional, limitar- me-hei agora a algumas considerações geraes sobre estes interessantissimos ar- tefactos. O caracter geral das tangas é bem representado na figura junta, que é (Fig. 6) - uma amostra encontrada em Pacoval pelo Sr. Derby, na sua viagem de 1876 e hoje conservada no Museu Nacional. A figura é de metade do tamanho natu- ral, que é de 0,"145 de largura e 0,"115 de comprimento, sendo a curvatura tal que o centro levanta-se quatro centimetros acima do plano dos pontos. Algumas tangas têm apparecido, tendo dimensões um tanto maiores, mas em geral são pouco mais ou menos do tamanho da representada na figura. (1) To- das têm pequenos furos perto dos angulos e em redor destes a superficie acha- se geralmente gasta, como se fosse pelo attrito de um fio que serviu para se- gurar a tanga no seu logar. Algumas são pintadas apenas de vermelho, sem ornatos, e estas, a julgar pelos fragmentos, parecem ter sido mais achatadas e com os angulos mais alongados e agudos do que nas ornamentadas. O uso da tanga, como já ficou dito, parece ser claramente indicado n'uma (1) O Museu Nacional possue uma da metade deste tamanho. (N. da R.) V. vi—ld4 54 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL urna pertencente ao Museu Nacional, e no idolo de Taperinha, representado na Est. TIL. fig. 10, e um outro idolo do mesmo logar, existente na collecção da Commissão Geologica. E” para notar que até o presente não se tenha en- contrado nenhum fragmento de tanga de barro nos sitios dos moradores dos altos, donde se póde talvez concluir que, fazendo uso do objecto, os indios a fabricavam de material menos duravel do que o barro cozido. Na colleeção do Sr. Rhome, de Taperinha, existem tres objectos que pa- recem ser destinados a ser insertos nos lobulos da orelha, hypothese que se justifica pela fórma dos objectos e pelo facto de serem muitos dos idolos da- quella localidade representados com um objecto semelhante nas orelhas. São feitos de barro muito fino e branco, bem cozido, de modo a apresentar uma superficie quasi como a de osso. As suas dimensões são de 0,033, 0,"037 e 0,"040 de diametro e 0,022, 0,"015 e 0,7023 de altura. A sua fórma é a de um carretel de linha, com as margens levantadas. A superficie está mal conser- vada, mas uma das amostras ainda conserva perto da margem dous circulos gravados, sendo o resto da superficie cortado por linhas irregulares. A amos- tra menor tem as margens muito largas e as extremidades convexas, uma mais do que a outra. Uma outra assemelha-se mais aos ornatos das orelhas dos ido- los encontrados no mesmo logar e supponho que não póde haver duvida que a tribu fazia uso destes ornatos. Até agora não tenho provas de que fossem em- pregados por ambos os sexos, porque todos os idolos que tenho examinado pa- recem representar mulheres Como já ficou dito no capitulo sobre idolos, uma das cabeças de Marajó tem as orelhas furadas como se fosse para admittir um ornato. VIII. Objectos diversos de terra cotia VASILHAS DIVERSAS DE MARAJO” Além das urnas funerarias e idolos ja descriptos, existem nas colleeções feitas nos montes arlificiaes de Marajó fragmentos ou peças perfeitas de uma grande variedade de objectos de fórmas muito diversas, e provavelmente des= [a ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL JJ tinados a usos tão variados como as fórmas. Destes descreverei sômente alguns dos mais importantes. Os potes para agua, com boccas estreitas, são communs no monte de Paco- val. São bastante grosseiros e sem ornamentação, às vezes com azas. Alguns têm apenas duas protuberancias logo abaixo da margem, emquanto outros têm pequenas azas perfuradas, como se servissem para amarrar uma corda. Algumas vasilhas em fôrma de prato são representadas por muitos fra- gmentos e algumas peças inteiras. São de fórma, tamanho e ornamentação muito variados. Algumas fundas com fundo chato e lados inclinados, outras razas e concavas. Algumas são guarnecidas de azas, figuras em relevo na mar- gem, outras não. A's vezes são ornamentadas sómente no lado externo ou in- terno, às vezes em ambos. No geral, são ornamentadas, pintadas ou gravadas com muito cuidado e gosto, e constituem os objectos mais bellos que se tem encontrado em Marajó. E” pouco provavel que as vasilhas ornamentadas com tanto trabalho fossem destinadas para o uso da cosinha. Parece mais provavel que foram antes empregadas para guardar a comida ou para uso da mesa. Um fragmento de um prato raso grande tem um furo perto da margem, indicando que a vasilha tinha sido rachada e amarrada, como se costuma às vezes fazer hoje. Um destes pratos, de fôrma e ornamentação muito caracteristica, é repre- sentado na fig. 7. A fôrma é oval, com as extremidades elevadas, sendo o com- primento de 0,"34, a largura 0,"23 e a altura 0," 10, A margem é simplesmente arredondada, sem ser saliente e apre- senta n'um lado duas pequenas protu- berancias globulares. O lado interno e a margem são cobertos com barro fino esbranquiçado, sobre o qual se acham pintados de vermelho os ornatos repre- sentados na figura. Além da pintura, existem na margem linhas esculpidas. Outros pratos são circulares. Alguns têm figuras em relevo na margem, ás vezes pintadas, com a physionomia humana muito convencional e semelhante às figuras que ainda hoje se pintam nas cuias de Monte Alegre. Em um fra- gmento que examinei, o barro é preto e parece ter sido preparado com ca- raipé. Um outro, que parece ter sido uma frigideira, é liso e sem ornamenta- ção, no lado interno, mas o lado externo é com muita elegancia ornamentado, com linhas gravadas. Outros são ornamentados sómente na margem. (Fig. 7) 56 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Entre os fragmentos colleccionados no Pacoval existem alguns de vasilhas de duas cavidades, separados por uma alta divisão no meio da vasilha. Um destes fragmentos existentes na collecção do Museu Nacional é representado na figura junta. À base é oval, indicando que a vasilha tinha a mesma fôrma. Ao longo do diametro menor, corre a alta divisão, de modo a fazer duas cavidades desiguaes, destinadas talvez a conter duas qualidades de comida. A lar- gura desta vasilha parece ter sido de cerca de 0,"20, sendo o comprimento provavelmente maior. A maior parte destes objectos é de feitio grosseiro e não são Pig. 8) Do o a mas um foi pintado no interior com barro branco e um ou- tro tinha linhas pintadas de vermelho. Vasilhas da tórma particular indicada na fig. 9 são, a julgar pelos nume- rosos fragmentos, muito communs não só no Pacoval como tambem em Camu- tins. Consistem em uma parte central, tendo a fôrma de uma tigella funda, as- sentada sobre uma base semelhante a um pires invertido, com uma larga e concava margem horizontal em [ôrma de prato. Estas vasilhas são bem feitas, mas no ge- ral não são ornamentadas com tanto ca- pricho como algumas das outras, sendo (Fig. 9) apenas pintadas de branco na face superior, às vezes com algumas pin- turas simples pintadas de vermelho. (1) A representada na fig. 9 tem 0,"335 de largura, 0,"090 de altura e cerca de 0,060 de profundidade no centro. Uma amostra destas vasilhas, com a margem já quebrada, foi encontrada pelo Sr. Derby, servindo de tampa a uma peqena igacaba. Além destas tigellas com a larga margem horizontal existem muitos fra- gmentos de tigellas simples, da capacidade de um ou mais litros. São de fôrma semelhante à da louça européa, com lados verticaes ou um pouco inclinados para dentro, e geralmente não têm moldura na margem. São ornamentadas de varios modos, posto que umas sejam de feitio mais grosseiro. Uma que man- (1) Um destes pratos na collzcção do Museu Nacional é caprichosamente ornamentado com figu- ras gravadas na face inferior. (N. da R.) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 5% dei ao Museu de Ethnologia de Cambridge tem apenas de um lado uma man- cha de indentações feitas com um instrumento ponteagudo; uma outra é or- namentada na parte interna com um desenho que, quando perfeito, devia ter sido bello. Parece que estas vasilhas foram destinadas para copos de beber. Pequenos copos de fôrma, tamanho e ornamentação muito variados, tam- bem abundam. Alguns têm a fôrma de dedale um desta fórma, encontrado pelo Sr. Barnard, é interessante por ser ornamentado com uma modificação da figura que se encontra na igaçaba grande, Est. 1, fig. 6. Outros têm a bocca muito estreita e parecem ter servido para guardar tintas ou talvez perfumes ou outros objectos estimados, porque, pelo capricho com que estas pe- quenas vasilhas são ornamentadas, é licito presumir que eram objectos de es- timação. Uma das mais simples, mas ao mesmo tempo mais graciosas destas vasilhas, foi encontrada pelo Sr. Derby, em Camutins, dentro de uma grande igaçaba contendo ossos. Tem a fórma de uma laranja achatada, com diversas linhas elevadas que irradiam da bocca, a qual é um pouco elevada e tão pe- quena que mal admitte o dedo. Na colleeção feita no Pacoval ha diversos objectos de barro, cujo uso pa- rece problematico. Consistem em um disco applicado a um cylindro cuja al- tura é no geral proximamente egual a seu raio, de modo tal que a margem do disco estende-se dous ou tres centimetros além do cylindro. A superficie su- perior do disco é achatada, ou mais ou menos concava. Em tres amostras existe no centro do disco um furo circular de cinco a oito centimetros de diametro. Em muitos casos esta superficie é ornamentada com figuras lineares e esta pa- rece ser 0 lado superior do objecto, porque é incomprehensivel que o fundo fosse a unica parte ornamentada, posto que os fundos das vasilhas levem às vezes ornatos. Devo ao Sr. Penna uma bella amostra, que é bastante perfeita para mostrar claramente a fôrma. Em tamanho e fórma ella representa exa- clamente uma escarradeira moderna, com a unica differença que não tem fundo. O disco é circular, tendo 0,"22 de diametro, e é muito concavo, tendo no centro uma abertura de 0,"083 de diametro. O disco estende-se cerca de 0,"015 além da base, que tem 0,º055 de altura e alarga-se um pouco para baixo. Esta amostra é sem ornamentação. Outros, representados por muitos fragmentos e pela amostra perfeita representada na fig. 10, são muito orna- mentados com varias figuras, entre as quaes se distinguem gregas modificadas e figuras convencionaes, que representam a physionomia humana. A fórma destes objectos é geralmente redonda, mas às vezes é irregular. O uso deste objecto é um tanto problematico. E” claro que os que têm V.y—lS 8 ARCIHIVOS DO MUSEU NACIONAL abertura no centro não podiam ter servido para conter qualquer cousa. O disco ornamentado parece ser a parte superior, e assim apresenta uma certa seme- lhança com as tampas das urnas tubulares de Maricá, mas estas são ornamen- tadas sobre os lados, com uma cara em relevo. Demais, as tampas de Maracá são perfuradas na margem, de modo a poder segural-as á urna por meio de fios, ao passo que os objectos em questão não mostram caracter semelhante. A larga aber- tura no centro de alguns delles parece tornal-os improprios'para servir de tampas. E” possivel que servissem de bancos ou assentos. Um outro objecto representado na fig. 11 foi sem duvida um banco do mesmo typo que os E ; que sustentam algumas das urnas tubulares de (Fig. 10) Marica. Consiste em uma chapa oblonga, hori- zontal, collocada sobre duas chapas verlicaes, representando o todo um tre- nó. A chapa horizontal estreita-se para a extremidade e é virada para cima. A outra extremidade está quebrada, mas parece ter sido semelhante. Em cima existem tres marcas deixadas por algum objecto que se tivesse quebrado, representando o as- sento de um corpo circular e dous pés. Esta era pro- vavelmente ou uma urna em miniatura do typo das de (Fig. 11) Maricá ou então um idolo. O fragmento tem 0,"150 de comprimento, 0,"06 de altura e 0,"09 de largura e é feito de barro grosseiro pintado de vermelho. Existe nas colleeções feitas no Pacoval uma porção de pequenos objectos perfurados cujo uso é muito problematico São globulares, cylindricos ou em fórma de carreteis, de pera, ou de dous cones unidos pela base. Um dos mais curiosos é um cylindro curto com quatro braços cylindricos que partem do centro como raios de uma roda. São de feitio grosseiro e sem ornamentação ou ornamentados muito toscamente. Alguns são perfurados de uma extremidade a outra, mas no geral o furo irregular e grande é limitado a uma extremidade. Um tem um furo em cada extremidade, mas estes não se encontram no centro. Estes objectos são tão toscos que é pouco provavel que servissem de or- natos pessoaes, especialmente à vista do facto de que os outros objectos de- monstram que o artista indio sabia fazer obras muito mais perfeitas e mais bem acabadas. ARCIILVOS DO MUSEU NACIONAL 59 MARACA'S, ETC. O chocalho ou maracá foi um instrumento intimamente ligado ao culto dos Tupis. Era geralmente feito de uma cabaça contendo seixos, guarnecida de um cabo e adornada de pennas. Acreditavam os indios que quando era agitado o maracá, fallava com elles um espirito. E” provavel que fosse ado- rado como um idolo e, como já fiz ver, alguns dos idolos de Marajó e Taperi- nha são maracás. O maracá ainda hoje continúa em uso entre algumas tribus selvagens do Amazonas. Os indios chamam os sinos das egrejas Itamaracá ou maracá de pedra,sendo o nome ita applicado indifferentemente à pedra e ao metal. Além dos maracás já descriptos no capitulo sobre idolos, mencionarei um, obtido no Pacoval pelo Sr. Penna, Este é de fórma cylindrica, com lados con- cavos e extremidades representando um carretel de linha e tendo 0,"038 de com- primento e 9,"033 de diametro. E” de feitio muito grosseiro e sem ornamenta- ção. As extremidades são furadas e ao centro o furo alarga-se em uma cavi- dade maior em que são collocadas pequenas massas de barro cozido. Um ou- tro maracá, tendo a fórma de um jaboti pequeno, foi-me dado pelo Sr. Rhome, da terra preta de Taperinha. O interior é ôco e contém massas duras que pro- duzem som quando se agita o objecto. No centro do lado inferior existe um pequeno furo. (1) RODELLAS Pequenos discos perfurados, semelhantes aos que as mulheres indias do Amazonas hoje empregam para rodellas de fusos de fiar algodão e que pro- vavelmente serviam para o mesmo fim, têm sido encontrados raramente no Marajó,e com mais abundancia nos sitios dos mora- dores dos altos, perto deSantarém. A fig. 12 representa uma rodella encontrada pelo Sr. Derby, em Paco- val. Tem 0,"08 de diametro e parece ter sido feita do fun do chato de alguma vasilha de barro, cortado, para dar a fórma actual e perfurado depois de co- zido o barro e provavelmente depois de quebrada a vasilha a que pertencia. A margem não é perfeita- (Fig. 12) mente circular e o furo é um pouco obliquo. (1) Outro maracá em fórma de jaboti existe no Museu Nacional, (N. da R.) 60 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Fragmentos de discos feitos com mais perfeição e às vezes ornamentados, têm sido encontrados na terra preta de Taperinha, Diamantina e Panema, perto de Santarém. São feitos de uma pedra ferruginosa e mais ou menos are- nosa, molle e de côr vermelha escura, que se encontra nas camadas terciarias dos altos, atraz de Santarém. (1) Estes discos tem de 4 a 8 centimetros de diame- tro e de 5 a 10 millimetros de espessura,sendo às vezes mais espesssos no centro do que na margem. O furo tem cerca de 1 centimetro de diametro e às vezes é um pouco excentrico. Vê-se que foi praticado dos dous lados, de modo a formar duas cavidades unidas, cujos lados ainda mostram as estrias concentricas do instrumento. As duas faces dos discos são lizas, mas não polidas. Em alguns, uma face é ornamentada com linhas gravadas, formando desenhos graciosos. Uma das amostras é irregular e alisada de um lado, só tendo no meio um logar batido como si fosse começada a perfuração. Na collecção emprestada: à Com- missão Geologica pelo Sr. Rhome existem discos semelhantes de barro que pa- recem ser feitos de fragmentos de vasilhas quebradas. Na noticia das inscripções indigenas do Amazonas, que publiquei no Ameri- can Naturalist, chamei a attenção para os sulcos do grés duro de Alcobaça no rio Tocantins, feitos pelos indios no preparo de seus varios instrumentos de pedra. Nao tenho visto cousa semelhante em outra localidade; mas, tratando dos discos de pedra polida, é interessante notar que pequenas pedras de amo- lar tem sido encontradas na terra preta, e em Panema o Sr. Derby achou um fragmento de um machado de pedra, tendo sulcos profundos em cada lado, ap- parentemente feitos no processo de afiar algum instrumento cortante. A pedra 6 de diorito compacto, excessivamente duro, riscado com dificuldade com uma ponta de aço. Os sulcos têm de 3 a 5 millimetros de profundidade e 7 ou 8 millimetros de largura, e são regularmente concavos e estriados, como si o material polido fosse granular, ou talvez empregada a areia no processo. O Sr. Rhome tambem me deu uma pedra discoide irregular, sulcada do mesmo modo. Outras pedras da mesma localidade têm depressões lenticulares, que evidentemente foram produzidas pelo processo de polir instrumentos. Como já ficou dito, discos semelhantes são empregados hoje nos fusos de fiar. Os que tenho visto são feitos de osso, e como alguns dos objectos acima descriptos, são ornamentados de um lado. Si os indios de Marajó e dos altos (1) Encontram-se frequentemente na terra preta, junto com a louça, massas desta pedra ferrugi- nosa, tendo os lados gastos on raspados. Esta rocha fornece um pó vermelho, que sem duvida foi em- pregado como linta. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 61 de Santarém não conhecessem o algodão, é provavel que fiassem algumas das numerosas fibras, cujo uso foi muito commum entre os indios do Brazil, LOUÇA DOS MORADORES DOS ALTOS A louça de Taperinha e das outras localidades perto de Santarém é pela maior partemuito quebrada, por haver o terreno sido por muitos annos cultivado. As proprias amostras desenterradas na profundidade de um metro ou mais abaixo da superficie acham-se em fragmentos. Na verdade, excepção feita de alguns artefactos pequenos e excepcionalmente fortes, todos os objectos que tenho visto estão em [fragmentos mais ou menos apodrecidos e em alguns casos carbonisados pela queima do terreno. O material é muito uniforme, con- sistindo em barro fino misturado com 0 pó da louça triturada e provavelmente tambem com caraipé. No geral,os objectos são mal queimados sendo as amos- tras esbranquiçadas ou côr de cinza e molles, de modo que quasi não admit- tem a lavagem. Frequentemente a superficie é alisada e lustrada com um barro mais fino, às vezes vermelho e sem pintura, outras vezes esbranquicado e pin- tado ou gravado com gregas e outros desenhos de um gosto menos apurado do que o de Merejó. Lavores esculpidos nas margens ou no corpo das vasilhas são communs, e apresentam às vezes figuras curiosas em relevo, às vezes den- teadas ou ondeadas pela impressão do dedo. Além destes, ha outros ornatos feitos pela applicação de fitas em fórma de espiraes e gregas toscas, e por vezes figuras representando a fôrma de homens ou de animaes. A's vezes a superficie é ornamentada por depressões rhomboides produzidas pela impressão do dedo e dispostas em ordem regular. São munto communs os ornatos em fórma de bossas ou azas, representando a cabeça ou o corpo inteiro de uma grande va- riedade de animaes, mas é raro encontrar estes ligados às vasilhas, das quaes formaram parte, porque tendo sido feitos em separado e depois pregados às vasilhas, são muito sujeitos a quebrar-se. Muitas vezes a base das vasilhas é lindamente ornamentada pela impressão da esteira de folhas de palmeira sobre a qual [si fabricada, Devido ao estado de fragmentos em que se encontram os objectos, é muito difficil formar idéa de sua fórma original, Parecem incluir todas as vasilhas mais importantes do uso domestico, taes como potes grandes para agua, pa- nellas para a cosinha, pratos fundos e rasos, vasilhas para farinha, pequenos copos, urnas de bocca estreita, etc., etc. Alguns dos idolos e uma igaçaba já foram descriptos no capitulo anterior. V. vi. —l16 62 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Fragmentos semelhantes aos de Taperinha têm sido encontrados em diver- sas localidades do baixo Amazonas, notavelmente do rio Trombetas, onde os Srs. Derby e Freitas encontraram, na sua viagem de 1876, muitos objectos identicos aos de Taperinha. LOUCA DE ERERE Ao sudoeste da serra de Tajuri, nos campos de Ereré, os Srs. Derby e Frei- tas acharam em [STO uma porção muito interessante de fragmentos de louça. Os fragmentos representam um numero consideravel de vasilhas, mas são tão quebradas que é impossivel determinar exactamente as suas fórmas. O mate- rial assemêlha-se um tanto ao da louça dos moradores dos altos, mas a orna- mentação é differente. Em virtude das frequentes queimas dos campos, os fragmentos acham-se muito estragados pelo fogo e ao mesmo tempo muito gastos pela influencia do tempo. Muitas das vasilhas foram de grande tama- nho. Todas parecem ter sido destinadas para os usos domesticos e não para en- terrar os mortos. A base de alguns dos objectos conserva a impressão de um panno ou esteira grossa, sobre a qual a vasilha tinha sido fabricada. As mar- gens de algumas das amostras são ornamentadas com alguma elaboração e ha exemplos do ornato, que chamo «dos pasteis», feito pela impressão dos dedos. Foram tambem frequentemente empregadas nos ornatos linhas gravadas, combinadas de varios modos, e gregas toscas, mas destas ultimas não ha bons exemplos. Um dos ornatos mais communs consiste em uma cinta larga formada por duas linhas parallelas, entre as quaes ha grupos de duas, tres ou mais linhas verticaes, separadas por inter- (Pig. 19) vallos consideraveis, que são occupa- dos por linhas horizontaes. Uma amostra desta ornamentação vê-se na fig. 13. Em alguns fragmentos, um dos quaes é representado na fig. 14, os interval- los entre as linhas verticaes são occupados por gregas toscas e simples, as quaes são entretanto bastante interessantes, porque, mostram o progresso que a tribu tinha feito naarte da ornamentação. (Fig. 14) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 63 IX. Apontamentos sobre o fabrico da louça de barro entre os selvagens Pela sua ligação intima com a maneira de preparar os alimentos do ho- mem e de servil-os, é da mais alta importancia economica a arte do oleiro, e a historia da origem e da evolução desta arte, bem como a discussão dos pro- cessos que abrange, devem em alto gráu interessar ao ethnologo. Na historia de cada povo houve tempo em que não se conhecia a louça de barro. Quando foi descoberta? Teve origem num só ponto da superficie da terra, e "ahi espalhou-se entre as nações, ou o seu uso surgiu em differentes partes do mundo separadamente ? A attenção de quem estuda o homem empenha-se com afinco nestas e “m'outras questões, que cumpre investigar. Encarado porém por outro lado, torna-se ainda mais attractivo o estudo da louça de barro, pois com a arte ceramica tem estreitas relações a evolução dos ornatos, da pintura, da esculptura e até da architectura, E elle pois de in- teresse tanto para o historiador como para quem estuda a arte. Até bem pouco tempo, comtudo, os ceramicos dedicaram-se, quasi exclu- sivamente, ao estudo da louça de barro das nações adiantadas, e embora te- nham-se feito grandes collecções da dos povos primitivos, não se ha tentado um estudo critico a respeito, tendo sido tão desprezada a investigação da arte imitativa no seu começo e nas suas primeiras phases de desenvolvimento, quanto o havia sido a embryologia do reino animal antes de von Baer e Agassiz. Assim como pódem-se determinar os periodos de crescimento de um ani- mal pelo estudo de muitos individuos da mesma especie em differentes gráus de desenvolvimento, assim tambem pódem-se ir assignalando os passos pro- gressivos da evolução de uma arte, com maior ou menor exactidão, pelo exame da pratica dessa arte entre povos em diferentes estados de adiantamento. (1) A versão ingleza deste capitulo foi publicada no Rio de Janeiro, em 1875, em folheto avulso. (N. da R.) 64 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Para estudar deste modo a louça d: barro escasseiam os elementos, não só por serem insuflicientes as collecções, como tambem porque o estudo de uma arte envolve tanto a investigação dos productos e suas applicações, como ados processos seguidos na pratica. No exame das obras elhnologicas e dos livros de viagens, sorprende real- mente observar o quanto são resumidas as noticias relativas à louça de barro das tribus não civilisadas, e quão pouco se tem registrado no tocante aos ma- teriaes e aos methodos empregados no seu fabrico. Os proprios viajantes mais intelligentes contentam-se ordinariamente com alguma observação passageira sobre a louça das tribus por elles visitadas, e muito raro é achar-se uma descripção qualquer da maneira de fazer uma va- silha. Ao encetar o estudo critico da louça de barro, antiga e moderna, dos in- dios do Brazil, fui levado a examinar alguns factos connexos com os methodos empregados na arte ceramica primitiva, factos que até hoje têm attrahido bem pouca attenção. A principio limitaram-se os meus estudos à louça dos aborigenes do Bra- zil, mas afinal alargaram-se mais, e, com o intuito de ficar conhecendo o des- envolvimento da arte entre os povos não civilisados dos outros paizes, das. obras ao meu dispôr colligi com o maior cuidado pcssivel factos relativos à louça de barro, feita em todo o mundo sem o auxilio da roda, examinando no decurso dessas investigações centenares de volumes, esparsos por muitas bi- bliothecas. E Algumas das conclusões mais importantes deduzidas do estudo dos orna- Los ceramicos, já foram brevemente esboçadas n"um escripto sobre a «Evolu- ção dos Ornatos», escripto em que tentei mostrar a origem e a funcção da arte decorativa e descrever ao mesmo tempo algumas das gradações mais importan- tes no desenvolvimento dos enfeites tão communs na louça de barro, conheci- dos pelos nomes de gregas, volutas e madresilvas. Estas conclusões estão repro- duzidas no capitulo seguinte. No presente trabalho limitar-me-hei a breves considerações sobre a arte ceramica quanto à origem, quanto aos materiaes usados no fabrico e em dar a ultima de mão à louça, e quanto aos methodos seguidos na formação de um vaso; e finalmente tentarei mostrar que, em todo o mundo entre as tribus selva- gens num certo estado de cultura, tendo a arte de oleiro ligação com os tra- balhos culinarios, pertence esta arte á mulher; facto que, em consequencia dos ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 65 pontos de contacto do fabrico da louça de barro com a arte esthetica, me pa- rece altamente significativo. Não conhecem o uso da louça de barro muitos povos selvagens, como por exemplo, os Esquimáus, os Indios Septentrionaes da America do Norte, os Bo- tocudos (1) e Cayapós (2) do Brazil, as raças dos Pampas, os naturaes da Terra do Fogo, os Veddahs de Ceylão, os ilhéus de Andaman, os Australios, os Maoris e em geral os habitantes das ilhas Polynesias. Em alguns casos, como entre os Botocudos, póde-se explicar essa ignoran- cia pelo gráu extremamente baixo de cultura intellectual da tribu. Na Groenlandia, onde reina uma temperatura nimiamente baixa, os vasos de barro não poderiam servir, por estarem sujeitos a quebrar-se pela congelação do liquido nºelles contido. Além disso, durante a maior parte do anno o solo está gelado e coberto de neve, de modo que seria diflicil obter barro, sendo tão vasqueira a lenha que cosinha-se com uma lampada. Em semelhante paiz mal se deve esperar ver florescer o fabrico da louça, cuja ausencia entre os Groenlandezes não exclue entretanto adiantamento consideravel em outras artes, como se vê na construcção das casas, trenós, ka- jacks, etc., e na ornamentação das armas e de outros objectos. Nas tribus Algonquins do Canada e nos Estados de Nordeste da União Ame- ricana, cosinha-se a miudo em vasos de cascas de arvore, ou collocando-os so- bre o fogo, ou deitando pedras quentes no liquido. (3) Eu vi os Indios Micmacs da Nova Escossia fazerem vasos quadrados ou oblongos da casca, parecida com papel e extremamente fina, da betula, (Betulu papyracea, Ait.), e cosinharem, collocando-os directamente por cima do fogo, exactamente como se póde fazer ferver a agua n'uma taça de papel. As tribus Kutchins (4) do rio Mackenzie não têm louça de barro; mas fa- zem caldeiras de raizes da planta chamada tamarack, tecidas com nitidez e (1) O meu amigo o Sr. Jorge Schieber, que conhece intimamente os Botocudos do distrieto de Mu- cury, assegura-me que a louça de barro é realmente desconhecida a esses indios. (2) Sou informado pelo Dr. Couto de Magalhães que os indios pertencentes à grande familia dos Cayapós, só cozem a comida, assando-a ou moqueando-a, mas nunca fazendo-a ferver. Entre estes ine dios estudados pelo Dr. Couto de Magalhães, pódem-se mencionar os Gralahús, os Gurulirés do Xingú, os Carahós dos sertões do Maranhão e os Cayapós de Matto-Grosso. (3) «ls faisoyent cuire leur chair dans les plats d'escorce, qu'ils appellent ouragana.» Rélation des Jesuites, tom. 1, Rélation de la nouvelle France, en Pannée 1633, p. 4. (4) Jones Smith's Report, pp. 66, 321. V. vi—lY 66 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL muito unidas, ornadas com púas de porco espinho tintas, e messes vasos fervem agua com pedras quentes. Os indios da ilha de Santa Catharina na California «traziam agua doce aos hespanhoes em cestos grandes feitos de juncos.» (1) Na mesma região ainda usam-se vasos semelhantes, e o Major Powel trouxe do Colorado cestos para agua, forrados de pez por dentro. Os Maués do Amazonas servem-se de cestos à prova d'agua, e o mesmo fa- zem os Kaflirs. Na America e m'oulras partes acham-se caldeiras de páu para cozinhar por meio de pedras, e os habitantes da Amboina e da Ternata cozem a comida em bambús. (2) O possuir um material como a casca de betula pôde tornar a louça de barro desnecessaria até certo ponto, e assim retardar a sua invenção e adopção. Tylor (3) discutiu largamente e de modo admiravel este assumpto de cozi- nhar em vasilhas de pau, e ferver agua por meio de pedras, e não tenciono oc- cupar-me com isso aqui. Não devemos admirar-nos que não tenham louça de barro os habitantes das ilhas de coral do Pacifico, pois estas ilhas são exclusivamente compostas de ma- terias calcareas, de que não se póde fazer louça. Dizem tambem que nas ilhas Sandwich não existe barro de oleiro. O homem participa com os animaes inferiores da necessidade de vasos para guardar liquidos e solidos, e assim como não foi o primeiro architecto, tão pouco foi o primeiro a moldar vasilhas de barro. Muitos animaes constróem ninhos de lama, e com este material certas es- pecies de vespas fazem cellulas globulares de collo curto e beira voltada para fóra, de fôrma exactamente egual à dos jarros usados no Amazonas. Segundo Packard, (4) a cellula da Eumenes fraterna (Say), vespa norte-ame- (1) Burney, Second Voyage of Sebastian Vizeaino. South Sea Described, p. 248. (2) Recueil des Voyages qui ont servi à Vétablissement de la compagnie des Indes Hollandaises, t. HI, p. 322. Chardin, t. IV, pp. 171, 172. (3) Este trabalho foi eseripto no Rio, quasi todo com o auxilio de apontamentos manuscriptos tomados antes de partir dos Estados Unidos. Eu tencionava referir-me em grande escala às obras de Tylor, Lubbock, Wilson, Jones e Rau, das quaes todas utilisei-me, mas que agora me estão inaccessi- veis. Devo afirmar que bem pouco acceitei de segunda mão, tendo-me dado ao trabalho, em quasi todos os casos, de ver e examinar os documentos originaes. Como em breve este escripto terá de ap- parecer, debaixo de fórma mais exlensa, como capitulo de um livro sobre «As Antiguidades Brasilei- Tas», espero poder então remediar as lacunas agora inevitaveis. (4) Guide to the Study of Insects, p. 156. pl. 5, fig. 15. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 67 ricana, é feita de pelotinhas de lama, e é do tamanho de uma cereja. Ninhos semelhantes de certas especies de vespas sul-americanas foram descriptos e fi- gurados pelo Sr. Bates. E” de notar que nos ninhos de vespa, feitos de barro, e apanhados pelo Sr. Branner, no Rio de Janeiro, a substancia não é homogenea, mas con- siste n'uma lama misturada com grãos de areia, alguns tão grandes que são carga sufliciente para uma vespa. (1) O homem não é o unico animal que faz vasos de barro, mas é o unico que os coze ao fogo, para fazel-os durar. Os outros animaes fazem ninhos dessa substancia para os seus filhos, o homem primitivo usa de vasilhas da mesma materia para esconder os mortos. As vasilhas mais primitivas do homem foram as suas mãos, mas em breve usaram-se folhas, conchas, cascas de arvores, pelles duras, cascas de fructas, secções de bambus, etc., pois assim não só se podia apanhar agua, mas tam- bem transportal-a de um logar a outro. Os mesmos vasos deviam ter servido para a conservação, e o transporte de generos alimenticios. Por toda a parte a invenção da louça de barro deve ter sido precedida pelo descobrimento de algum meio de obter fogo, e pelo emprego deste em preparar a comida. O barro não cozido é fragil, não presta para conservar liquidos ; e demais, que eu saiba ao menos, nunca se encontraram, vastlhas seccas ao sol, empregadas por povo que tambem não usasse de louça feita ao fogo. (2) Na origem devia-se ter obtido e estimado o fogo por causa do seu calor, e havia de ter decorrido algum tempo antes de occorrer a idéa de cozinhar a co- mida. À arte imitativa teve a sua origem nos passos progressivos, dados pelo ho- mem primitivo para fazer vasos, que não só conservassem os liquidos, mas tambem resistissem à acção do calor. Boucher de Perthes pensava que o homem primitivo usára a principio de «auges creusées dans le bois même, dans les pierres tendres, le gypse, la craie. La rupture fréquente de ces meubles a donné Pidée de rapprocher les parties, puis de les lier par une couche terreuse. Cétait un premier effort vers Part de la poterie, et c'en fut un second de reconnaitre que celte terre pouvait ser- (1) O Sr. Branner, que esteve estudando essas vespas, refere-me que a bocca do ninho fica aberta durante o tempo em que a larva é alimentada pela mãe, mas logo que passa ao estado de chrysalida, são tirados o collo e os labios ou rebordos, e a bocca fica tapada, (2) As unicas vasilhas de barro rão cozido que vi no Amazonas, foram as tigellinhas usadas em apanhar o leite da borracha. 68 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL vir à les égaliser, à les rendre plus solides et à en cacher les imperfections, ou à en boucher les fissures.» (1) Tanto é mais facil obter do reino vegetal vasilhas para beber, que tenho as minhas duvidas sobre o haverem empregado largamente taças e vasos de pe- dra antes da invenção da louça de barro, e não acho de grande monta a sug- gestão de Boucher de Perthes —ser a origem da invenção o emprego do barro em tapar, ou concertar vasos de páu ou de pedra. A arte do oleiro sem duvida originou-se independentemente em muitas nações differentes, e muitas circumstancias pódem ter levado ao uso do barro no fabrico das vasilhas. Antes de inventar-se a louça de barro, o selvagem indubitavelmente já possuia a idéa de um vaso, e, conhecedor como devia ser do uso do fogo, pro- vavelmente sabia o valor da comida cozida. Havia de ter sciencia de que se pôde aquentar agua e fazel-a ferver, despejando-a sobre uma pedra aque- cida, e até podia ter praticado a arte de cozinhar com seixos, deitando no li- quido o seixo aquentado. Tambem devia ser-lhe familiar o facto do barro molle ou do lodo seccar e endurecer ao sol, e, collocado no fogo, ficar duro como pedra, resistindo depois d'isso à acção da agua. Sir John Lubbock (2) suggeriu tres modos, pelos quaes podia-se ter inven- tado a louça de barro. Em Unalaska o capitão Cook (3) viu vasos de uma pedra chata com os lados de barro, à semelhança de uma empada em pé. Sir John Lubbock julga que, depois que os homens usaram do barro para erguer os lados dos «seus vasos de pedra, naturalmente lhes havia de occorrer que o mesmo material» serviria tambem para o fundo, e d'esVarte o uso da pedra seria substituido por uma substancia mais vantajosa. Esses vasos porém parecem-me admiravelmente construidos para se cozi- nhar n'elles com o auxilio de uma lampada, e, neste caso o fundo de pedra é realmente um melhoramento do de barro. Lyon diz (4) que as mulheres dos Esquimáus têm um methodo engenhoso de fazer lampadas e panellas de placas de pedra chatas, que ellas grudam com uma composição de sangue de phoca, applicado quente, conservando-se ao mesmo tempo o vaso sobre a chamma de uma lampada, que sécca a massa até ficar dura como pedra, e n'uma nota acerescenta que «o grude é composto (1) Antiquités celtiques, tome 1. ch. V. p. 73. (2) Prehistoric Times, p. 482. (3) Cook's Voyage to lhe Pacific Ocean, Vol. II. p. 510. (4) Private Journal, p. 320. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 69 de sangue de phoca, barro esbranquicado e pelle de cão. Os naturaes julgam que a pelle decadella estragaria a composição, e não a deixaria grudar.» No Murray Inferior os naturaes revestem de barro um buraco no chão para ahi cozer a comida, e algumas vezes dão uma capa de barro aos vasos de páu e às cabaças, para que não se queimem. Ambos estes costumes podiam, segundo Lubbock, conduzir à invenção da louça de barro, Não é de todo improvavel ter sido, em alguns casos, suggerida a idta de fazer uma vasilha inteiramente de barro pelo facto de forrar um cesto com este corpo, vindo este forro a retrair-se, na occasião de seccar, de modo a poder ser destacado. Mal vale a pena fazer aqui maiores indagações sobre a origem da louça de barro. Como outras artes humanas, esta é o resultado de uma longa evo- lução, cujo começo talvez nunca possamos descobrir. Quantas tentativas haviam de ter sido feitas, e quantas vezes haviam de ter falhado, antes de se descobrirem as especies de barro, mais appropriadas para esse fim, e an- tes de se aprender a arte de temperar este material comos convenientes des- gordurantes ! Uma vez porém que a arte ceramica chegou a crear raizes, foi flo- rescendo proporcionalmente à evolução da cultura do povo, e hoje achamol-a existente em todos os gráus de desenvolvimento, desde o que produz a louça do selvagem, grosseira, sem elegancia e sem ornatos, até o que fornece a cus- tosa e bella porcellana de Sêyres. A louça das nossas mezas e a que, na fórma de vasos e outros ornatos, adorna as nossas casas, longe de ser de origem independente e moderna, des- cende na verdade directamente, atravez de longos seculos de evolução, da louça de barro do selvagem. Não admira pois que seja tão aftractivo o estudo da arte ceramica ! O material, empregado na arte do oleiro, é o barro. Esta substancia não é de constituição chimica bem definida, mas varia grandemente nos ingredientes de que é composta. O barro ordinario consta de particulas finas de feldspatho, mais ou menos decomposto, misturadas com uma porcentagem maior ou me- nor de silica livre, podendo esta existir, ou como pó impalpavel, ou como areia mais ou menos grossa. O kaolim, usado na manufactura da porcellana, é um silicato de alu- mina, derivado da decomposição de um feldspatho, contendo soda ou potassa, e consiste principalmente n'uma mistura de silicato de albumina e silica livre. O barro puro não serve para fazer louça, por causa da tendencia a retrair-se V.v.—]8 10 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL e a estalar, quando é posto a seccar ou a cozer no forno. Deve pois ser mis- turado com alguma substancia, que contrabalance essa tendencia. No fabrico dos adobes os Egypeios acharam necessario misturar o barro com palha. Na louca de barro a substancia que se ajunta, é chamada pelos francezes degraissant ou desgordurante. Um dos melhores materiaes para esse fim é a areia, ou silica pulverisada de alguma fórma, especialmente si a louça tem de ser queimada em alta temperatura. Os archeologos dinamarquezes mostraram que o barro de que era feita a louça dos Ajakhenmeddings, estava misturado com granito em pó, obtido prova- velmente aquecendo-se a rocha, e immergindo-a n'agua. Em Chiloé, hoje os na- turaes obtêm do mesmo modo um desgordurante para a louça. (1) Em algumas especies de louça, manufacturada na Inglaterra e no continente, ajunta-se ao barro silex pulverisado, (2) que se prepara, aquecendo os seixos até ficarem em brasa, lançando-os n'agua e depois pulverisando-os. Algumas vezes, no fabrico de certas especies de louça moderna, tanto en- tre as nações civilisadas como entre os selvagens, ajunta-se um cimento de cacos pulverisados de panella ou terra cotta. Quando, para fins metallurgicos, fazem-se cadinhos, (3) que devem poder resistir a um grande calor e a repenti- nas mudanças de temperatura, para impedir que estes estalem, ajuntam ás ve- zes ao barro crú barro queimado, que se obtém reduzindo a pó cadinhos ve- lhos. (4) Os antigos indios de Pacoval, na ilha de Marajó, usavam misturar com o barro para louça vasilhas pulverisadas, e na massa componente das paredes de fragmentos de vasos, obtidos do £r. Ferreira Penna, achei pedaços bem grandes, mostrando ainda as superfícies pintadas. Quer na America do Norte, quer na do Sul, onde raras vezes a louça dos indios é perfeitamente queimada, o barro miudo está misturado com cen- chas quebradas.. A mica entra com frequencia na composição da louça de barro, e o celebre ethnologo Dr. Behrendt informou-me que, no Yucatan, até ouro de batêa era usado occasionalmente. (5) (1) Wagner, Chimic Industlrieile, tom. I. pag. 555. (2) Brongniart. Arts Córamiques 1854. T. I, p. “1. (3) Fonck Zeitschrift f. Elhnologie, II, Jahr. 1S70. Heft. IV. p. 290. (4) Ure, Dictionary, sub voce Pottery. Vide tambem Brongniart. Arts Céramiques. T. I. p. “2. (5) Gold is found in lhe material composing the pottery of Palembang in the East Indies. Journal ofthe East Indian Archipelago. 1850, Vol. 4. p. 273. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ql Coke pulverisado ou cinzas de fornalha, graphito, amianto (1) e até pó de serra são empregados nalgumas especies de louça moderna da Europa, e às vezes, quando, para cozer o barro, emprega-se um calor brando, ajunta-se pe- dra calcarea em pó. Em temperatura mais alta a pedra calcarea serviria de fundente. Não me consta que os indios da America do Norte em tempo algum mis- turassem cinzas com o barro, mas este costume é mui geral na America do Sul, onde empregam-se as cinzas da casca de varias arvores. Na Guyana, a casca usada é a da arvore Couepi—Couepia Guianensis. (2) No Amazonas o barro, destinado para os trabalhos de oleiro, é misturado com a cinza da arvore Caraipé, (3) Moquilea utilis, Hooker Fil. Os Carajás, Ca- rajá-is, Chambioás, Chavantes, Cherentes e Guajajaras do Araraguaya, segundo o Dr. Couto de Magalhães, misturam com o barro as cinzas de certos sipós. Vi prepararem a casca do Caraipé, empilhando os fragmentos sobre uma extre- midade em feixe conico, e queimando-os ao ar livre. A cinza é muito abun- dante, e conserva a fórma original dos fragmentos. Tendo sido reduzida a pó e peneirada, é perfeitamente misturada com barro, a que dá, quando humido, um aspecto de plombagina escura, mas com a acção do fogo esta côr torna-se muito mais clara. O uso do Caraipé, segundo o testemunho universal, faz a louça resistir melhor ao fogo. Os indios de Sariacú usam da cinza de uma casca chamada Apacarana, (4) talvez a mesma que 0 Carapé. O Professor Chas. Scaffer, do laboratorio chimico da Universidade de Cor- (1) Brongniart. Arts Céramiques, T. 1, p. “4. (2) «La vaisselle chez eux consiste en toutes sortes de pots, de plats et de jattes, de terre presque aussi durable que le cuivre, fabriquées de la façon suivante: Les femmes (car comme j'ai dit plus haut, c'est leur oceupation) prennent une certaine quantilé de cendres de Pécorce d'un ar- bre, connu dans cette contrée sous Je nom de Ajweepi, qu'elles passent au travers d'un tamis bien fin, quelles mêlent ensuite avec de la bonne terre grasse, pour en former tous les utensiles indi- qués ci-dessus: quelles font d'abord sécher à Vair, aprés quoi elles les meltent au feu pour les cuire et leur donnent un lrés beau vernis.» Ferdinand Fermin. Description gênérale, historique, géographique et physique de la Colonie de Surinam. Tome ler, p. 161. (3) Licania floribunda. Benth. Martius. Flora Brasiliensis. Fasc. XLJ. Pl. 8, f. 11. Wallace escreve caripé. Travel on lhe Amazon and Rio Negro, p. 484. Marryalt falla do carissé ou arvore da louça de barro do Pará. «Poltery and Porcelain» p. 509. A casca do caraipé é, como notou Bates, um objecto de commercio no Amazonas. «A natur- aliston the Amazon.» p. 225. (4) Smythe and Lowe. Nairation of a Journey from Lima to Pará, London, 1886. p. 210. 79 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL p= nell, teve a bondade de analysar-me um specimen da casca de Caraipé, e achou que continha enorme porcentagem de silica, que se separou como um bello pó branco. Sem duvida a este pó silicoso deve a cinza o seu valor como desgordurante. Na região do Amazonas acha-se uma especie de esponja de agua doce, chamada Cauxi, contendo espiculos silicosos, e cuja cinza, segundo Souza, (1) emprega-se ás vezes para temperar o barro para louça. Segundo Semper, (2) o uso destes desgordurantes e cimentos, além de destruir a homogeneidade da massa, dá à composição innumeraveis pontos de apoio, que diminuem a fra- gilidade da louça, depois de queimada, e o perigo de estalar, quer por mu- danças de temperatura, quer por choques. As particulas mais grosseiras, segundo o mesmo autor, servem para in- terromper e repartir as ondulações pelas quaes propagam-se as fendas, exacta- mente como se pôde fazer parar a fractura m'um vidro de janella por meio de um furo na extremidade da fenda. Antes da chegada dos europeus, à louça de barro na America era invaria- velmente feita à mão, sendo desconhecida a roda do oleiro. Na provincia do Pará tive frequentes ensejos de observar entre os indios o fabrico da louça com uma qualidade de barro plastico, cinzento-claro, achado nos leitos de alluvião. Como entre os indios, e tambem em grande escala en- tre os brancos, cada familia faz a sua propria louça, amontôam-se depositos deste barro, e nas casas indias, assim como em fazendas distantes da cidade, póde-se vel-o a miudo secco em grandes bolas. O processo da formação do vaso é o seguinte: Misturado o barro com ca- raipé, é amassado com as mãos, e depois, segundo o Dr. Pimentel, dividido em bolas pequenas do tamanho do punho. A oleira mune-se então de uma taboa ou esteira, sobre que tem de construir o vaso, de um objecto chato para estender o barro, de uma vasilha de agua e um fragmento de cuia ou casco para servir de alizador. (1) Lembranças e Curiosidades, ete., do Amazonas, p 19. (2) «Diese grobkôrnigen, oft fremdartigen, feuerpostândigen Beimischungen der Paste heben die Homogenitàt der letzteren auf, aber in kontinuirlicher Weise in der Masse, die Zerbrechlichkeit derselben, nach ibrem Brennen und die Gefahr des Springens, sei es durch Temperatur-wechsel oder durch Schock, vermindern, weil die grobern Elemente die in der Masse wertheilt sind, die re- gelmâssigen Schwingungen unterbrechen, welche den begennenden Riss fort pflanzen, indem sie strahlenformig die Masse durchfiebern. Jene grôberen Bestandtheile vertreten denselben Dienst wie die Lôcher, die man in Spiegelscheiben am Ende eines Risses bohrt um ihn zu verhindern weiter zu gehen »—Semper. Der Stil. Band ll. S. 122. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 7h) Se o vaso deve ter um fundo chato, a mulher comprime sobre a taboa um pedaço de barro redondo e chato da grandeza e espessura exigidas, o qual re- cebe a marca da taboa ou da esteira, e muitas vezes os fundos dos vasos do an- tigo sitio dos moradores dos altos em Taperinha, perto de Santarém, apresentam bellos signaes da esteira, sobre que foram fabricados. Refere-me o Dr. Pimentel que, ao começar uma panella, as indias de Santarém às vezes sentam-se no chão, conservando entre os pés uma bola grande de barro. Sobre ella vai-se formando o vaso, que, tirada a bola depois, fica com o fundo chato. Em todo o caso as paredes são formadas da seguinte maneira : De um pedaço de barro faz-se à mão um cylindro comprido à guisa de corda, do mesmo modo que o vidraceiro vai formando a potéa. Em torno da peripheria do fundo do vaso é enrolada esta corda de barro, fazendo se com que adhira ao fundo, sendo achatada lateraimente pela pressão dos dedos da mão esquerda. A esta primeira rosca vão-se sobrepondo outras do mesmo modo, achatando-se cada uma dellas como anteriormente. Depois de se haverem addicionado algumas, da-se-lhes a fórma com os de- dos, que de vez em quando são humedecidos m'agua, e fazem-se desapparecer as irregularidades produzidas pelas roscas. O vaso é feito só à mão, e a super- ficie alizada por meio de um pedaço de cabaça ou casco, que de tempos em tempos mergulha-se n'agua, Si é grande o vaso, põe-se à sombra por algum tempo para seccar um pouco, depois do que ajuntam-se novas espiras como antes, não se usando de mais instrumentos do que das mãose a da cabaça ou casco, podendo o vaso não só tomar uma fórma extremamente regular, mas ainda ficar com uma super- ficie muito lisa. (1) E tão bem feito o trabalho da juneção dos anneis que, a uma simples inspecção do objecto, é impossivel determinar como foi fabricado. Nunca eu teria suspeitado que a louça do Pacoval havia sido feita pela addição de espi- ras, se não as tivesse encontrado ainda não unidas na superficie interior das cabeças de idolos, que tinham sido formados de baixo para cima, e fechados na parte superior. As espiras ainda conservam os delicados vestígios dos dedos da artista. (2) (1) Diz-me o Dr. Couto de Magalhães que a louça dos Carajás, Carajáís, Chambioás, Chavan- tes, Cherentes, Guajajáras do rio Araguaya sempre é feita por enroscamento, endireitando-se a su- perficie com a mão molhada n'agua e com o auxilio de uma especie de trolha feita de bambú, (2) Viteo meu trabalho sobre «A antiga louça de barro dos indios de Marajó » American Na- turalist. Vol. V. 1871. V.vi.—1Q Th ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Ao fabricar um vaso, deve-se ter o cuidado de deixal-o endurecer á me- dida que fôr continuando o processo, para evitar-se que abata com o proprio pezo, como seria provavel, especialmente si o vaso fosse grande. O abater pela acção da gravidade póde comtudo dar origem a curvas graciosas, e seria inte- ressante determinar até onde a belleza dos contornos da louça teria sido pro- veniente das [órmas, originadas deste modo. As azas e todos os ornatos proeminentes ajuntam-se depois, sendo li- gados com luto, e essa é a razão por que em Pacoval de ordinario acharam-se destacados. A's vezes faz-se a ornamentação do exterior do vaso, applicando- se fiadinhas de barro (|) em espiraes e em outras figuras. Os antigos moradores dos altos gostavam muito de ornar a louça desta maneira. Era tambem entre os mesmos indios de uso commum, e acha-se ainda perpetuado na louça moderna do Amazonas (2) o enfeite «pastel de maçã», que se obtinha imprimindo no barro com a extremidade do dedo, ou levan- tando na dita substancia com o pollegar e o indice uma linha de saliencias. Raro usaram isso os indios de Pacoval. Na louça do Amazonas rarissimos são os ornatos impressos ou estam- pados. Na dos moradores dos altos observei circulos feitos com a extre- midade de um páu Ôco, e refere-me o Dr. Couto de Magalhães que os Cham- bioas eos Carajás do Araguaya fazem sineles de madeira, para enfeitar a louça. As figuras são descriptas como sendo muito simples, sendo uma es- pecie de cruz de Malta a usada pelos Carajás. Depois de alizado o exterior do vaso, é caiado a miudo com uma camada delgada de barro puro côr de nata, parecendo ás vezes ser brunido antes de ir ao fogo, apresentando uma superficie bella, dura e quasi polida. A louça com- mum dos indios civilisados da provincia do Pará é ordinariamente muito sim- ples e raras vezes pintada, mas a da parte de cima do Amazonas é com fre- quencia bellissimamente adornada com varias côres, com gregas, guarnições e outras fórmas puramente estheticas, notando-se a ausencia de toda a tentativa para representar fórmas de plantas. (3) (1) «& mesmo methodo era empregado pelos antigos oleiros gregos e romanos. (2) No uso que as mulheres fazem destes e outros ornatos em trabalhos de pastelaria, é curioso vel-as perpetuando fórmas que se originaram na arte ceramica. (3) Nunca presenciei o processo da pintura de uma vasilha no Amazonas. Edwards diz que as tintas são applicadas com uma brecha feita com os espinhos de uma palmeira. Descreve a côr preta como feita do succo da mandioca. A voyage wp lhe Amazon p. 14. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 75 A antiga louça de barro do Pacoval é muitas vezes ornada de gregas, vo- lutas e outros enfeites, desenhados em fundo branco com grande exactidão. (1) Na superficie da louça moderna do Amazonas com uma ponta aguda tra- cam-se os ornatos, e ha occasiões em que estes constam de uma serie de furos. E' extremamente delicada a gravura sobre a louça de Pacoval. Algumas vezes faz-se a decoração da louça, rebocando primeiro a superficie com barro branco e depois fazendo a gravura, de modo que fique um ornato em relevo. Parece ter sido um dente de paca, ou de algum outro roedor o instrumento usado. Alguns dos grandes vasos mortuarios acham-se completamente cobertos de ornatos desta especie, que devem ter exigido trabalho longo e paciente. Antes de ir ao fogo, deixam-se os vasos seccar lentamente à sombra, e de- pois ao sol. O queimal-os requer muito cuidado, e effectua-se de diferentes modos. Usualmente poem-se distantes do fogo a principio, e deixam-se ir aque- cendo gradualmente, sem haver contacto por emquanto com a chamma, de- pois do que são cercados por ella, e ficam perfeitamente queimados. A miudo são cobertos de um montão de casca de caraipé, a que se deita fogo. (2) A's vezes,no Amazonas a louça é queimada num forno, ou em um buraco no chão. (3) Os enormes torradores (yapona) de farinha, que chegam a ter qua- tro e cinco pés no sentido transversal, devem ser queimados com grande cui- dado, e de ordinario o seu fabrico só é confiado a mulheres de muita experien- cia. Geralmente a louça do Amazonas não é perfeitamente cozida. A este res- peito a dos moradores dos altos de Santarém é muito imperfeita. Depois de queimado, emquanto ainda quente, applica-se ao vaso com um lambaz uma camada interior de resina jutahy-sica derretida, (4) a qual, segundo me informam, é expellida pelo calor antes que o vaso preste a sua serventia ao fogo. Dizem que obtem-se esta resina da arvore Jutahy, do Amazonas, Hy- mena Courbaril, (5) mas parece não ser producto do Jutahy sómente, pois o (1) Hartt «Ancient Indian Pottery of Marajó», American Naturalist, Vol. V, 1871 and «Evo- Jution in Ornament», Popular Science Monthly. Jan. 18%. (2) Catalogo da Segunda Exposição Nacional. Rio de Janeiro. p. 672. Tribu Mariaranas. (3) Conta-me o Dr. Couto de Magalhães que os Carajás e as outras tribus do Araguaya quei- mam a louça de barro em fornos feitos, cavando-se os ninhos da formiga branca. Primeiro faz-se uma excavação de lado e aquece-se com fogo. Depois introduz-se a louça, faz-se outra excavação em baixo para o fogo, e uma terceira na parte de cima do ninho, para servir de chaminé, (4) Diz o Dr. Couto de Magalhães que os indios do Araguay não usam de resina, (5) Tresaury of Botany. Sub voce Hymenúea. 76 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Dr. Pimentel presenteou-me com um bello ornato de labio, que, affirma, ter sido feito numa fôrma exactamente com a mesma resina, tirada de outra arvore. Em Breves, na ilha de Marajó, ha uma especie de louça, que se caia pri- meiro com barro branco, e, depois de queimada, pinta-se com a mais vistosa e atroz aquarela, que imaginar se póde. Sobre esta estende-se um verniz de qutahy-sica, dissolvido em alcool. Resina semelhante, que dizem ser o producto da mesma especie de Hyme- núca, é usada entre os Maypuras- do Orenoco, para envernizar a louça pin- tada. (1) Segundo Debritzhoffer, (2) as mulheres Abiponias esfregavam a louça com uma especie de colla, para fazel-a brilhar. Os indios da Guyana pintam a louca a aquarela, e envernizam-na com a gomma simiri (Simiri tinctoria), ou bourgoni, (Robinia Bourgoni). No Yucatan, Behrendt falla do uso de um verniz feito de Niin (Coceus Axin, Lallave). Com resina os Fijios vidram a louça, e os antigos Egypcios por vezes pintavam-na à tempera, e cobriam-na de um verniz resinoso. (3) Em termos geraes allude Martius ao modo de formar um vaso de barro por enroscamento (4) e ao mesmo methodo parece ter alludido Humboldt, (5) quando diz que os Maypuras no Orenoco «purificam o barro com repetidas la- vagens, dão-lhe a fórma de cylindros, e amoldam à mão os vasos maiores.» Ainda encontramos o mesmo methodo em Chiloé, (6) onde foi descripto (1) Humboldt. Personal Narrative. Vol. II. p. 309. (2) History of the Abipones. Vol. TI. p. 131. Suspeito ler sido mal interpretada a palavra que traduziram por colla, e eu suggeriria a com- paração com o original latino. Vide a neta de Codazzi mais adiante, (3) Chamber's Encyclopoedia. Sub voce «Poltery». Williams and Calvert. Fiji and the Fiji Is- lJands, p. 53. Jenkins” United States Exploring Expedition. p. 347. (4) Birch, Ancient Potlery and Porcelain. Vol. 1, pp. 48 49. Yambem Brongniart, Arts Céramiques, T. I. p. 502. (5) «Das Formen geschieht bei allen rohen Stammen durch Einanderlegung dunner Thoncylinder um ein gemeinschaflliches Centrums, die dann zusammengestrichen und innig mit einander verbunden werden.» V. Martius Ethnographie Amerika's.—sS. 712. Personal Narrative. Vol. IL p. 399. (6) In Chiloe hatte ich Gelegenheit, die Anfertigung der irdenen Tôpfe welche jetzt noch eben so wie vor Zeiten im Gebrauch sind, zu sehen, sie geschiet ohne Tôpferschiebe: der angemachte Thon wird mit einem grobkôrnigen Pulver, welches man durch zerstossen von stark glimmerhaltigen und vorher im Feuer geglúlhten Granitsteinen erhalt, gemischt. Alle alten Topfscherben enthalten diese Beimischung und soll in der That der Deste Thon ohne dieselbe unbrauchbar sein. Aus dem gerichte- ton Teige rollen sie lange, wurstâlinliche Rollen mit dem Handen aus nelimen darauf ein rundes glal- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL HT pelo Dr. Fonck, que falla do vaso como sendo formado tal qual no Ereré, fa- zendo-se primeiro um fundo chato, sobre cuja peripheria ergue-se a parede, enrolando-se um cylindro em fórma de linguiça. Elle accrescenta que a louça é secca ao fumeiro antes de queimada. Gili (1) descreve o processo de enroscamento achado entre os indios do Orenoco, e ajunta que a superficie do vaso é alizada com um seixo e com os dedos, que se mergulham n'agua de vez em quando, sendo a louça queimada em covas com um fogo feito de cascas de arvore. O Professor Carlos Rau, de Nova-York, o primeiro ethnologo que deu a de- vida importancia ao methodo do enroscamento, no seu admiravel ensaio sobre a louça india, (2) traduziu a descripção, dada por Dumont, do fabrico da louça de barro pelos indios da Luisiana. Ahi vem relatada a formação de um vaso por este methodo. Como é a melhor descripção que tenho encontrado, da maneira pela qual os selvagens dão fórma à louça de barro, julguei a propo- sito reproduzil-a nas proprias palavras de Dumont. (3) «Au reste, Vindustrie de ces filles et femmes sauvages est admirable, fai deja rapporté ailleurs (4) avec quelle adresse, avec leurs doigts seulement et sans tour, elles font toutes sortes de poterie; voici la manitre dont elles s”y prennent. «Aprês avoir amassé de la terre propre pour ces sortes d'ouvrages, et Vavoir bien nettoyée, elles prennent des coquillages, qu'elles broient, et qu'el- les réduisent en une poudre délice eltrês-fine; elles mêlent cette poussitre três- menue avec la terre dont elles on fait provision, et en arrosant le tout d'un peu d'eau, elles le petrissent avec les mains el avec les pieds, et em forment une páte, dont elles font des rouleaux longs de six à sept pieds, et de la gros- tes Stúck zum Boden des Topfes und legen auf dem Rand cine jener Rollen vund herum in dem sie mit den Fingern das Stuck seillich platt drúcken und die Fugen zusammenstreichen. Iarúber legen sie dann ebenso eine zweite Rolle, auf diese cine drilte und so fort, bei das Gefass, im Rohen gebildet ist. Dann werden noch die Fugen zwischen den Rollen in-und auswendig mit einer Culerg genannten Muschel geglàttet und schliesslich die Tôpfe im Rauche getrocknet und am ofinen Feuer quebrannt.» Dr. Fonck. « Die Indier des Suúdlichen Chile von Sonst und jetzt.» Zeitschrift fúr Ethnographie, IL Jahr. 1870: Heft. IV. S. 290. (1) «Dipoi, diciam cosi, si danno a filare la creta ripurgata dá sassolini, con farne con ambi le mani dé bastoncelli della grossezza del dito mignolo e di questi bastoncelli, sono composti tutti i vasi.» Storia Americana, T. 2. p. 316. (2) Smithsonian Report. Washington. 1866, p. 351. (3) Mémoires Historiques sur la Louisiane Paris. (4) «Voyez Tom 1. Chap. XIX. pag. 154. V. vi.—20 18 ARCIIVOS DO MUSEU NACIONAL seur qui leur convient. Veulent-elles façonner un plat ou un vase? Elles pren- nent un de ces rouleaux par le bout, et avec le pouce de la main gauche, éta- blissant sur cette masse le centre de Pouvrage qu'elles veulent former, elfes tournent autour de ce centre avec une vitesse et une dextérité admirable, en décrivant une spirale: de temps en temps elles trempent leurs doigts dans Peau, qu'elles ont toujours soin d'avoir auprês d'elles; et de la main droite elles aplatissent le dedans et le dehors du vase qu'elles ont dessein de former, qui sans cette attention serait tout ondulé. Par cette méthode elles font toute sorte d'utensiles de terre, des plals, des assiettes, des terrines, des pots, des cruches dont quelques unes contiennent quarante et cinquante pintes. La cuisson de celte poterie ne leur coúte pas de grandes préparations, Aprês Vavoir fait secher à Fombre elles allumentun grand feu; alors qu'elles croient avoir autant de braise qu'il leur en faut, elles nettoient une place au milieu, y arrangent leurs vases, et les couvrent de charbons. C'est ainsi qu'elles leur donnent la cuisson dont ils ont besoin; aprês cela ils peuvent alier au feu, et ont aulant de consistance que les nótres. Il n'est pas douteux que Von ne doive attribuer leur fermeté au mélange que font ces femmes de la poudre de coquillages avec la terre qu'elles emploient.» O Professor Rau é de opinião que numa larga área da America do Norte fabricava-se a louça de barro por meio de enroscamento. Com certeza conhe- cia-se este processo extensamente na America do Sul. Talvez se possa addu- zir este costume como prova de uma origem commum da gente que o pratica; mas uma pequena consideração mostrará que, quando se tem de fazer à mão um vaso sem o uso de fôrma,é provavelo acudir à mente este methodo immedia- tamente. À vespa ergue a parede da sua cellula em fôrma de bilha pela addição de pellotinhas, que às vezes são alizadas só na superficie interior; mas para o oleiro seria difficultoso e enfadonho formar a parede de uma panella, addi- cionando bolinhas de barro, pois não é tão facil, como pelo outro methodo, dar-lhe uma espessura regular. Preparar uma tira ou rolo, é, portanto, tão natural, que não posso deixar de pensar que isso occorreria por si mesmo a qualquer oleiro, de modo que a arte poderia ter até surgido independente- mente mesmo nas differentes localidades, occupadas pela mesma tribu. Informa-me o Professor Eggleston, de Columbia College que na Allemanha os cadinhos grandes, empregados em fundir corpos, quando quebrados, são feitos de novo com cordas de barro. Neste caso temos, ou a sobrevivencia de uma velha arte prehistorica, ou o seu descobrimento de novo nos tempos mo- dernos. ARCIHIVOS DO MUSEU NACIONAL 19 Recordo-me de uma idéa corrente entre os meninos da Nova Escossia— de serem as bilhas feitas com uma corda, e isto me tem feito pensar que esta idéa poderia ser uma reminiscencia do tempo em que na Europa esses vasos eram feitos por enroscamento. Tendo já discutido o processo do enroscamento e da sua distribuição, passarei a dar as informações que pude colher sobre o fabrico da louça pelos abórigenes da America, com o duplo fim de dar uma idéa mais clara dos va- rios processos usados, e mostrar que em toda a parte está este fabrico entregue ás mãos das mulheres. Da louça de Chiloê já dei uma relação de Fonck. Molina (1) diz que os chilenos têm excellente louça, que queimam em fornalhas, ou antes em bura- cos cavados nas encostas dos morros, e accrescenta que applicam-lhe uma es- pecie de verniz, feito de certa terra mineral. Schmidtmeyer, (2) referindo-se provavelmente à louça feita à mão, conta que os chilenos actnaes são bons oleiros para a louça commum; introduzem uma certa quantidade de terra na” areia, contendo abundancia de mica amarella, e fazem jarros contendo setenta galões ou mais, delgados, lexes, fortes, e sonoros como se fossem de metal. Os Pehuenches do Chile são uma tribu errante. Usam da louça de barro, mas Poppig (3) diz que não levam comsigo as vasilhas, mas sim vão fazendo outras em cada localidade diversa, em que se estabelecem. Na Bolivia, d'Orbigny escreve que entre os Yurucarés (4) «les femmes fa- briquent la poterie avec beaucoup de cérémonies superslicieuses.» Segundo Castelnau, (5) os Chiriguanos são excellentes oleiros. e em cada casa acha-se de ordinario uma fileira de enormes jarras para chicha, ou cerveja de milho, as . quaes são conservadas enterradas no chão até o meio. Castelnau mediu uma: que tinha um metro de diametro e doze decimetros de altura. D'Orbigny (6) affirma que «les femmes (Chiriguanos), filent, tissent, et font des vases à con- (1) «ColPeccellente argilla, che trovasi nelloro paese, facevano delle pignate, de” pialti, delle tazze, ed anche de” vasi grandi da tenervi e liquori fermentati. Tutti questi vasi cuocevano in certe fornaci, o piu tosto in certe fosse, che scavavano nelle pendici delle colline, avevano pure scoperto il modo di applicare una sorta di vernice al loro vassellame con una terra minerale,che chiamano «co//0». Molina, Saggio Sulla Storia Naturale del Chili. Bologna 1872. (2) Travels into Chile. London. 1824. p. 117, (3) Reise in Chile, Perú, und auf dem Amazonen-Strome. Leipzig. 1835. B, 1.; S. 388. (4) L'Honme Américain. T. II., p. 363. (5) Castelnau. Expédition. T. VI.; p. 56, Casteluau diz que elles enterram os mortos nessas pa- nellas op. cit. T. VI. p. 30%. (6) L' Homme Américain. T. 1I.; p. 399. 80 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tenir les boissons.» Segundo o mesmo autor, entre os Guarayos a louça de barro é feita pelas mulheres. «L'industrie des Samucus», diz d'Orbigny, (1) «est três bornée; les hom- mes confeccionnent leurs armes avec assez d'adresse, tandis que les femmes fi- lent le coton, pour en former des espêces de filets servant de hamac à leurs maris, lorsque ces derniers vont à la chasse; elles tissent aussi la pitce d'é- toffe qu'elles portent de la ceinture au bas des jambes. Elies fabriquentde la poterie assez belle. Les deux sexes travaillent à la terre et font les récoltes ; les hommes seuls pêchent e chassent, tandis que les femmes se chargent de tous les détails du ménage. Les femmes seuls filent, tandis que les hommes tissent et font les travaux de force.» Entre os Chapacúras de Moxos, (2) ao passo que os homens fazem as armas e as canôas, pescam, cacam e cultivam os campos, «les femmes filent le co- ton, tissent les hamaes de leurs maris, leurs vêtements, fabriquent la poterie, et sont chargées de tous les détails du ménage.» O trabalho da mulher entre os indios Mojos abrange tambem a manufactura da louca de barro, (3) e Gib- bon (4) falla de uma Juana Jua Cayuba, india Mojos, que superentendia as mulheres occupadas em modelar louça de barro. As mulheres dos Guarayos tambem fazem louça (5) e 'Orbigny (6) falla dos grandes vasos de barro em que são sepultados os mortos da tribu. Tanto os antigos como os modernos habitantes dos Andes eram famosos oleiros, e os vasos dos Huacas da Bolivia e do Perú (7) por muito tempo attra- hiram a attenção dos ethnologos. Do seu fabrico não pude achar uma relação historica, mas alguma cousa póde-se aprender do estudo da propria louça. No museu da Universidade de Cornell existe uma bella collecção de louça de barro Peruviana, constando de mais de cem peças, dadas de presente pelo Presidente Andrew D. White, e de varios jarros colleccionados em 1872 pelo Sr. Steere. Inquestionavelmente esses jarros foram pela maior parte feitos de duas ou mais peças numa fôrma, e depois soldados com luto. Algumas das (1) LV Homme Américain. T. IL, p. 150. (2) D'Orbigny. L'Homme Américain. T. IL, p. 233. (3) D'Orbigny. L'Homme Américain. T. IL, p. 238. (4) Report to United States Govt. of Exploration of the Valley of the Amazonas p. 246. (5) D'Orbigny. Fragment d'un Voyage au Centre de " Amérique Méridionale, p. 193. (6) [Homme Américain. T. IL, p. 339. (7) Quanto a relações de louça Peruviana vide v0% Tshudi y Rivero, Antiguidades del Peru; Ca- talogue du Musée céramique de Sévres; Orbigny, Atlas d'antiquités Peruviennes; Bronguiart, Arts Céramiques. Tom. T. p. 525, e tambem Bivbank, Life in Brésil. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 81 fôrmas foram feitas de objectos naturaes, como aboboras, etc., mas outras apresentam figuras feitas com muito trabalho. Aventuro-me a suggerir que algumas vezes a fôrma foi feita de barro, con- forme um vaso modelo, e apoz cozida no forno. (1) N'ella, depois de engordu- rada, podia-se ter estendido o barro um tanto delgado, e deixado depois sec- car, até adquirir uma consistencia que permittisse manejal-o, sem quebral-o nem torcel-o. As vasilhas da Universidade de Cornell certamente foram ao fogo, mas von Tschudi e Rivero parecem pensar que não se dava isto com a louça Peruviana. (2) Descrevem-se as mulheres dos indios do Ucayali como sendo as oleiras. Os Tobas ou Wbocobi do Chaco manufacturaram immensas panellas para chicha como as dos Chiriguanos, (3) tocando o trabalho às mulheres, como tambem acontece entre os indios de Itaty, aldeia dos Guaranis, situada na con- fluencia do Paraná com o Paraguay. (4) Nasua historia dos Abipones, assim exprime-se Debritzhoffer : (5) «As mulheres americanas parecem ter um ta- lento natural para fazer varios objectos uteis. Pódem modelar panellas e bi- lhas de barro de varias fórmas, não com o auxilio de uma roda como o oleiro, mas só com as mãos. Estes vasos de barro são cozidos, não em um forno, mas ao ar livre, collocando-se páus em torno delles.» A louça de barro dos Payaguás do Paraguay era obra das mulheres. (6) Entre os Guaycurús a louça parece ter sido trabalho da mulher, pois Prado (7) refere-nos que nesta tribu achavam-se homens, que aftectavam todas as ma- neiras das mulheres, não só vestindo-se como ellas, como tambem occupando- se em fiar, tecer, fazer panellas, etc. (1) As fôrmas de terra cotta foram empregadas pelos antigos oleiros da Europa. Bronguiari. Arts Céramíiques. T. 1. p. 133, (2) «Die Thongefâsse, welche nicht gebrannt, sondern nur an der Luft getrochnet worden zu sein scheinen, wurden zum groszen Theil in Formen gemacht, die das Gefasz zur Halft umfastzen, Waitz, Antropologie, 46ite Seite. (3) POrbigny. [Homme Américain. T. II 100. (4) dOrbigny. Voyage dans VAmérique méridionale. Itinéraire, T. I. p. 199, e tambem Bron- gniart. Arts Céramiques. T. T. p. 530. (5) Vol. II. p. 131. (6) L'Art de Vérifier les Dates. T. XI. p. 209. Azara, Voyages dans l'Amérique Meridionale. T. II. p. 129. (7) «Entre os Guaycurús ha homens que affectam todos os modos das mulheres; vestem-se como ellas, occupam-se em fiar, tecer, fazer panellas, etc.» Mist. dos Indios cavalleiros ou da Nação Guay- curú, por F. R. do Prado, Revista Trimensal do Instituto Historico. Tom. T, p. 32. Veja-se tambem v. Mart. Ethnographie Amerika's. S. 74. V.vi—2l 82 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Hans Standen, (1) que esteve captivo entre os Tupinambás, relata serem as mulheres daquella tribu os oleiros. Depois de se haverem seccado e pintado de varias côres, eram os vasos volvidos com a bocca para baixo, em cima de pe- dras, e queimados amontoando-se em torno delles cascas de arvore, a que se deitava fogo. Falla Staden da mãe de Yeppipo, como tendo estado atarefada em certa oc- casião com a preparação dos vasos para um divertimento, e alhures diz que, de outra vez, Yeppip9 propoz levar para um festim barro de oleiro e farinha, fa- zendo ver que, em vez de carregar os vasos, era mais conveniente transportar o barro para fazel-os. Staden tambem menciona a morte da mulher que devia ter preparado os vasos para beber cauim, na epocha em que esse escriptor de- via ser morto e comido. (2) Jean de Lery, que passou algum tempo entre os indios da visinhança do Rio de Janeiro, dá a seguinte relação do fabrico da louça de barro entre elles. (3) «Au demeurant les femmes qui ont toute la charge du menage font force cannes et grands vaisseaux de terre pour faire et tenir le breuvage dit cauim: semblablement des pots à mettre cuire, tant de façon ronde que ovale: des poesles moyennes et pelites, plats et autre vaisselle de terre, laquelle cobien qu'eile ne soit gutre vnie par le dehors, est neantmoins si bien polie et comme plombce par le dedans de certaine liqueur blanche qui s'endurcit, qu'il nºest possible aux potiers de par deça de mieux accoustrer leur poteries de terre. Mesmes les femmes, faisant quelques couleurs grisastres propres à cela, avec des pinceaux font mille petites gentillesses, comme guilochis, lac d'amour, et autres droleries au dedans de ces vaisselles de terre, principalement en celles (1) «Mulieres vasa, que in usu habent, hoc modo preparant: lutum figulinum subigunt, donec tractabile reddatur, binc vasa diverse pro libitu instituunt, quãe ad tempus in aere siccant, et liniis versicoloribus ductis affabre distinguunt. Ubi illa iam ignibus excoquere volunt, inversa lapidibus im- ponunt, et circumquaque siccos arborum corlices struunt, ignemq: supponunt: quo tandem modo excoquuntur, et tam candentia, quam in quois, fornace fiunt » Hans Staden; De Bry. Americae, Tertia pars. Lib. II. Cap. XIV. p. 3, compare-se com a traducção por Ternaux, p. 261 e com à versão hollandeza por Van der Aa. (2) Para mostrar quanto diferem entre sias lraducções de Hans Staden, ajunto as seguintes versões:—aWelke de pot had willen torrusten tot den drank, wannurmen my eeten sou.» Van der Aa, Naaukeurige versameling, etc.» B. 15 S. 44. «Qui devait fabriquer le vin qu'on boirait en me dévorant»—Edition de Henri Ternaux. « Haec oceupata fuerat in parandis vasis fictilibus ad potiones coquendas necessariis.» —Edition of de Bry, p. 60. (3) « Histoire d'vn Veyage »ele. 1578. de Bry, Hist, Nav. in Braziliam p. 239, Q é ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 83 ou Von tient la farine et les autres viades: de façon qu'on est assez hôneste- mêt: voir diray plus que ne sont ceux qui servêt de vaisselle de bois par- deçá.» Lery é sem duvida exacto, quando refere serem os ornatos desenhados sem modelo, mas duvido muito da sua exactidão quando pretende que as mu- lheres não podiam reproduzir uma amostra, que lhes apresentassem. Lery falla dos immensos potes usados para guardar o cauim, e diz que al- guns desses vasos continham sessenta quartilhos de Paris. (1) Descreve estes grandes vasos como «presque faits de la façon des grands cuuiers de terre esquels, comme i'ay veu, on fait la lescive en quelques en- droits de Courbonnois et d'Auuergne: excepts toutesfois qu'ils sont plus es- troits par la bouche et par le haut.» (2) Menciona Lery (3) as «poesles de terre» usadas no torrar a mandioca como feitas pelas mulheres, que seja dito de passagem, ainda continuam a praticar a arte no Amazonas. Dizem que as mulheres do Arraial do Barro, em frente à ilha de S. Sebas- tião, faziam à mão excellentes vasos de louça de barro. (4) Referem tambem que as mulheres dos Mongoyós (5) fabricavam bôa louça de barro. Era este preparado sobre uma folha de banana, conservada em cima dos joelhos. Collocavam-no assim sobre um Jeito de cinzas peneiradas, e, de- pois de darem fórma ao vaso e polirem-no, submettiam-no á acção do fogo. Conta um escriptor sobre o Brazil (6) que as mulheres Tupinambás mais velhas faziam à mão a louça, como por exemplo, vasilhas para o fabrico dos vi- nhos, algumas das quaes podiam conter uma pipa. Tambem faziam panellas, pucaros e alguidares. Esta louça, que algumas vezes era pintada, cozia-se (1) «Hist. d'yn Voyage, » etc. 1578, p. 142. (2) Op. cit. p. 141. (3) Op. cit. p. 133. (4) Art de Vérifier les Dates, T. 13, p. 110. (5) Art de Vérifier les Dates, T. 13, p, 208. (6) «As mulheres já de idade têm cuidado de fazer vazilhas de barro à mão, como são os potes em que fazem os vinhos, e fazem alguns tamanhos, que levam tanto como uma pipa, emos quaes, e em outros menores fervem os vinhos que bebem. Fazem mais estas velhas, panellas, pucaros, e algui- dares a seu uso, em que comem a farinha, e outros em que a deitam, e em que comem, lavradas, de tintas de côres, a qual louça cozem em uma cova, que fazem no chão, e Jançam-lhe a lenha por cima, e tem e crêm estes indios que se cozer esta louça outra pessoa que não seja a que a fez, que ha de arrebentar no fogo,» etc. Noticia do Brazil, nu Coltecção de Noticias para a Historia e Geog qe phia das Nações Ultramarinas, etc. Lisboa 1825. Tomo III. Parte I. p. 286. Vide tambem Memoria Anonyma. Revista Trimensal. Tomo L. p. 217. 84 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL n'uma cova, accendendo-se em cima um fogo de lenha. Havia a crença su- persticiosa de que, se pessoa diversa da que trabalhava na louça tivesse de quei- mal-a, as vasilhas ficariam em pedaços no fogo. Spix e Martius (1) relatam que as mulheres dos Coroados preparam a louça de barro necessaria para a familia. Em muitas partes do Brazil, ao sul do Amazonas, essa louça ainda é feita pelas indias civilisadas. Os meus amigos, os Srs. Bueno e Paes de Barros, da Universidade de Cornell, referem-me que em S. Paulo as mulheres velhas ainda fazem à mão louca de barro, e diz o Sr. Bueno que, ás vezes, ellas são aluga- das para irem ás fazendas com esse fim. Pela descripção por elle dada, mis- tura-se o barro, fazendo-o pisar aos pés dos bois ; sendo fabricadas as vasilhas ou por enroscamento, ou na fôrma em diversas peças. Segundo o Sr. Paes de Barros, estende-se o barro em folha fina, que é applicada à superficie de uma fôrma de madeira. O exterior é alizado com a mão molhada e um sabugo de milho Depois de se haver seccado a vasilha até adquirir a consistencia conve- niente, corta-se em duas, tira-se a fôrma e gerudam-se habilmente as duas pe- cas. Depois ajuntam-se as azas e os bicos. O Sr. Aquino, outrora estudante da Universidade de Cornell, diz que na Bahia faz-se a louça de barro do mesmo modo. Fallando dos indios do Maranhão, assim expressa-se Claude d'Abbeville: (2) «Les femmes font force aussi vaisselles de terre de toutes sortes, de grandes, de petites, de rondes, en ovalle, en quarré, les unes en forme de plats, les au- tres en forme de terrines, et autres fort unies et polies, principalement par le dedans. TIs se servent de gommes blanches et noires pour les plomber au de- dans, y faisant diverses figures à plaisir et selon sa phantasie.» No Amazonas e seus tributarios a mulher tem a posse exclusiva do fa- brico manual da louça, no qual até empregam-se numa certa escala as mu- lheres brancas. Na minha collecção ha um vaso feito pelas mãos da Sra. Rho- me, esposa de um abastado fazendeiro, perto de Santarém. Ha muito que von Martius (3) chamava a attenção para o facto de ser a louça de Breves fa- bricada pelo trabalho feminino. Excepto nas olarias em que fazem-se vasos de barro em grande escala, na região do Amazonas os homens nada têm que (1) Travels in Brazil, London 1824, Vol. IL p. 246. (2) Histoire de la Mission des Pêres Capuchins dans Vísle de Maragnan, etc. Paris, 1614, Fol. 310. (3) Reise, Stes Buch, 990te. Seite. No Atlas que acompanha dão-se as figuras desta louça. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 85 ver com esta industria, Perto da Prainha e em Monte-Alegre, Ereré, Santarém e Itaituba observei as mulheres fazendo louça de barro, e o Sr. Steere viu-as trabalhando perto de Obydos; mas enumerar aqui minuciosamente todas as localidades em que se tem observado o mesmo facto, seria desnecessario e en- fadonho. Das notas que tomei sobre este assumpto, condensei pois e ajuntei as mais importantes, que são dadas abaixo. (1) Humboldt (2) diz que as olarias de Maniquerez, em Venezuela, estão intei- ramente nas mãos das indias, que no seu tempo ainda trabalhavam à moda an- tiga. O barro de que usavam era proveniente da decomposição do micashisto, e corado em vermelho pelo oxydo de ferro, preferindo-se o que continha maior porção de mica. Com facilidade faziam-se à mão vasos de dous ou tres pés de diametro. Eram queimados ao ar livre, cobertos de vergonteas de Desmanthus cas- sia e de Capparis arborescente, a que se deitava fogo. Relata Gili (3) que as indias faziam louça, formando a vasilha por meio do enroscamento, sendo alizada a superficie por um seixo molhado n'agua. Queimavam as vasilhas em covas com cascas seccas de arvores, e depois en- vernizavam-nas com cimiri, Gumilla (4) refere-se aos Ottomacs que «pendant que les hommes jouent, les femmes s'occupent à faire des marmites d'argile pour leur usage, comme aussi des plats, des écuelles, qu'elles vendent aux nations voisines. Mais ce que à quoi elles s'occupent le plus est à tisser des nattes, des mantes, des corbeil- les (5) et de saes avec le chanvre ou pite qu'on tire du Muriche, (6) ainsi que pratiquement les Guaranos.» (1) As mulheres fazem louça de barro em Monte Alegre, Bacna, Ensaio Corographico do Pará, sub voce «Monte Alegre». Vide tambem Candido Mendes de Almeida, Pinsonia, 1873, p. 28; nas Bar- reiras do Cuçary, perto de Santarém, Bacxa e Almeida, loc. cit., e em Saracayú. Herudon, Eoplora- tion of the Valley of the Amazon p. 202. Wallace refere o mesmo costume como existente entre os in- dios Uaupés, Travels ou the Amazons and Rio Negro, London, 1858, p. 172. O mesmo facto é exacto a respeito dos Mundurucús e Maués (Hartt), e dos Carajaís, Chambioás, Cherentes, Chavantes e Gua- jajaras do Araguaya (Dr. Couto de Magalhães.) Para mais informações concernentes à louça de barro do Brazil, vide Debret, Voyage pittoresque et historique au Brésil, Paris, 1834, e Cutalogue do Mu- séc Céramique de Sévres, e Brongniart, Arts Céramiques. Brongniart diz (185t) que os oleiros da Pa- rahyba, Bahia e Santa Catharina, onde fazia-se então a maior parte da louça moderna do Brazil, eram as mulheres do paiz. Arts Céramiques. t. I, p. 532. (2) Personal Narrative. Vol. 1. p. 196. (3) Storia Americana. Fallando do trabalho da mulher, elle diz: « vasi di cucina, o buoni, o cat- tivi, gli fanno da per se stesse.» T. 1). p. 315. (4) Histoire Naturelle, civile e géografique de "Orénoque. Tome T. p. 268. (5) No Amazonas o fazer cestos é trabalho dos homens. (6) A palmeira Mauritia flexuosa, chamada miriti, no Amazonas. V.v.—22 86 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Schombrugk (1) afirma que, sem roda, as indias da Guyana fabricam louça de fórmas quasi classicas, approximando-se ao typo Etrusco, sendo tão grandes alguns dos vasos que pódem conter vinte ou trinta galões. São muitas vezes ornados de gregas e arabescos. (2) Na Guyana Hollandeza as mulheres são os oleiros. (3) Passando agora aos Estados Unidos da Columbia, vemos testemunhado o mesmo facto. Descrevem-se as indias de Caquetá como fabricantes de grandes panellas para guardar bebidas fermentadas. (4) Em Guatemala as mulheres fazem louça de barro, como tesúfica Pa- lacio. (5) Do modo de formar a louça entre os antigos povos da America Central e do “Mexico não pude achar provas historicas. A antiga louça de barro dessa re- gião era bellissima, assemelhando-se muito à do Perú, porém de desenho mais classico. Grande parte parece ter sido feita em fôrmas. Gomara diz que no mercado do Mexico abundava bella louça de todas as especies. (6) A uma carta do Dr. Behrendt, de Nova-York, devo a seguinte noticia da arte ceramica no Yucatão : «Não ha muito que dizer ácerca da arte ceramica entre os modernos Mayas. O Yucatan está hoje por demais adiantado em civilisação, ou antes em tomar emprestados os instrumentos da civilisação estrangeira, para conser- var muitos dos costumes antigos na industria caseira. Até nas aldeias indias (1) Hakluyt Society. «Disco very of Guiana by Sir Waller Raleigh», p. 64, nota. (2) Sehomburgk, «On lhe Nalives of Guiana,» Journ. Ethn. Soc., London, 1848, Vol. 1, p. 267. (3) Art de Vérifier les Dates. T. 15. p. 285. A louça de barro na Guyana é feita pela mãe de fa- milia. Vide «An Essay on lhe Nat. Hist. of Guiana», p. 278. (4) «. .. sus mujeres saben lejer canastros à cintas de algodon bien labradas para atarselas a las piernas i brazos. Construyeu tanbien con la caua brava pienes particulares, à fabrican ollas i grandes cântaros en que depositan las bebidas fermentadas de que son tan amante, sus maridos» etc., ele. Codazzi. Descripcion jeneral de los indios del Caquetá, na obra de Perez entitled Jeo- graphia de los Estados Unidos de Columbia. Tomo 1, p. 485. Para ter-se uma idéa da louça de barro de Guayaquil, veja-se o Bulletin de la Soc. d'Anthro- pologia de Paris, Tome |, lre. Série, 1866, p. 408. (5) Palacio diz que em Aguachapa,» Hacese en él la mejor e mas galana loza al modo de los In. dios, que lay en estas provincias. Principalmente Ja hacen, i es officio de las mujeres, las cuales labran sin ruedani instrumento alguno mas que preparan el barro con las manos, lo adelgazan à ygualan de maneira que hacen muy bien cualquier vasija que les mandan.» Squier, Rare aud Origin= al Documents aud Relations, p. 46. (6) Bibliolheca de Autores Espanoles. Historiadores primitivos de las Indias. Tom. 1. p. 348. Vide tambem Antiquilés Mexicaines, Paris 1828; Brongniart, Arts Céramiques. Tom. I. p. 516, e o Catalogue du Musée Céramique. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 81 acha-se mais louça estrangeira do que domestica. Ha comtudo em algumas ci- dades do interior certas especies de louça manufacturada, que não só são usadas por todo o Yucatan, mas tambem exportadas para outras partes do Me- xico e até para Havana; entre ellas bacias singulares não vidradas para refres- car a agua potavel, algumas com 6 ou 8 pollegadas de diametro da bocca, e tambem jarros grandes e pequenos para agua, conservando uns as antigas fór- mas do Yucatan, outros imitando modelos estrangeiros. Estes jarros são feitos por mestiços na roda, e pela maior parte à mão. «Em alguns logares muito no interior, ou sem relações regulares com os centros mais importantes do commercio, como tambem em Peten, o processo é ainda mais primitivo, e está exclusivamente nas mãos das mulheres. Buscam barro, carregam-no ás costas das crianças, e antes de dar-lhe fôrma com as mãos, amassam o barro sobre o metate. «Formam geralmente os vasos grandes de duas pecas. Não vi misturarem o barro com cinza, mas muitas vezes misturam differentes qualidades de barro, A classe de louça usada pela gente mais pobre, comprehende o comal (pratos chatos para fazer fritadas), cajetes ou pratinhos para certas iguarias, etc. Não se usa vidrar esta especie de louça, mas em logar disso emprega-se às vezes um verniz feito de Niim, (Coceus Axin, Lallave), que pinta-se em algumas occasiões. E” um processo antigo. «Possuo um jarro desenterrado em Jaina, (quinta na costa do Golfo, ao norte de Campeche), quando eu alli estava, cuja superficie exterior enverni- sada e pintada imita admiravelmente o desenho da madeira do freixo. À louça dos antigos Mayas mostra grande variedade de fórma e de estructura. Barro de differentes cores (vermelho escuro, côr de ardosia clara, vermelho claro-es- curo, pardo), é algumas vezes misturado com mica ou cascalho de concha e ou- tras substancias, taes como, alhures, até ouro em pó (zapotecos). A ornamenta- ção consta de figuras e arabescos entalhados ou riscados na superficie, ou ele- vados em relevo e muitas vezes pintados. «A louça de barro moderna dos indios é geralmente simples. A antiga,acha- da no interior, e particularmente perto da costa do golfo, no Yucatan, mostra uma arte muito mais adiantada do que a da costa oriental, ilha de Cozumel, etc.» O fabrico da louça competia ás mulheres Caraíbas, (1) que, segundo Li- gon, manufacturavam uma louça leve muito linda. (2) (1) De la Borde, Relations de Vorigine, meurs, coulumes, religion, guerres et voyages des Carai- bes, sauvages des isles Antilles de ' Amérique, Recueil de divers Voyages, p. 23. (2) Me. Culloch. Researches Philosophical and Antiquarian concerning the Aboriginal History of America, p. 84. 88 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL O Sr. E. G. Squier (1) descreve a louça de Nicaragua como pintada e vidrada, à semelhança da do Amazonas, de que falla Edwards. Os artistas ce- ramicos do forte Yuma, na California, (2) são mulheres, e o mesmo dá-se com os Zunis, (3) cuja Della louça pintada assemelha-se intimamente à dos antigos indios do Pacoval, Já citei Dumond sobre a manufactura da louça pelas indias da Luisiana. Du Pratz (4) diz que «as indias não só fazem a louça, mas ainda cavam e misturam o barro. Descreve-as como artistas soffriveis, ellas fazem caldeiras de tamanho extraordinario, bilhas com uma pequena abertura, garrafas da ca- pacidade de um galão e de gargalo comprido, panellas para oleo de urso, con- tendo quarenta quartilhos, emfim pratos grandes e pequenos à moda fran- ceza. Pelo modelo da minha louça de Delf, tive alguns, feitos por curiosidade, que eram de um lindissimo vermelho.» Informa-nos Adair (5) que os Cherokees vidram a louça e tornam-na mui- to negra e firme, expondo-a ao fumo de um fogo de pinho resinoso. Hariot (6) diz dos naturaes da Virginia: «Com especial habilidade sabem suas mulheres fazer vasilhas de barro, tão grandes e bellas que os nossos olei- ros com as rodas não fazem melhores »; ao passo que Campbell (7) descrevendo os mesmos indios, exprimiu-se nos seguintes termos: «Desprezavam o trabalho e deixavam-no às mulheres. Estas faziam esteiras, cestos, louça de barro ; brocavam almofarizes de pedra, pizavam milho, faziam pão, cozinhavam, plantavam milho, colhiam-no, levavam cargas, etc.» Bartram refere que, entre os indios da Georgia, «os homens não se afa- nam com mais do que levantar as suas mesquinhas habitações, fazer canôas, cachimbos de pedra, pandeiros, cocares, estandartes e outras cousas de pouca valia. pois a guerra e a caça são os seus principaes empregos As mulheres são mais cuidadosas, e occupam-se em varios misteres manuaes, fazem toda a (1) Nicaragua. V. I. p. 287. (2) Michler's Reports. U. S. and Mex. Boundary Survey. Vol 1. p. 101. (3) Pacific R. R. Report. Vol. II. p. 50. (4) Hist, of Louisiana, London, 1774, p. 360, (5) Hist. of American Indians. London. 1975. p. 4. (6) «A Briefe and True Report of the New-found Land of Virginia etc.» De Bry. 1590. « Their women know how to make carthen vessels with special cunninge, and that so large and fine that our potters with lhoye wheles can make noe better.» (1) History of Virginia. p. 28 Vide The True Travels etc. of John Smith, p. 131, and Stra- chey, The Historie of Travaile into Virginia Britannica, p. 112. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 89 louça de barro, mocasins, tecem e fiam curiosos talins e diademas para homens, fazem renda, deitam franja nos trajos, bordam-nos, ornam-nos, etc.» (1) Entre os Iroquois (2) e os Hurons (3) vemos observada a mesma regra so- cial. Schoolcraft (4) falla m'estes termos: «Acredita-se que nesta paragem à dita arte estava nas mãos das mulheres; mas nem todas eram aptas para isso. Em cada aldeia esse emprego deve ter pertencido a uma classe de pessoas— oleiras de profissão. Diz a tradição que era praxe misturar algum sangue com o barro para humedecel-o e temperal-o.» Do trabalho do Professor Rau (5) extrahi a seguinte narrativa, feita por Hunter, do fabrico da louça entre os indios, a oéste de Mississipi: « No fabrico da louça para a cozinha e para os usos domesticos reunem barro duro, pulverisam-no, temperam-no com agua, e estendem-no sobre pe- daços de madeira, a que deram fórmas accommodadas à sua conveniencia ou phantasia. Depois de sufficientemente seccos, os vasos são tirados das fôrmas, collocados em posições convenientes, e queimados até adquirirem a dureza ap- propriada ao fim a que se destinam. Outro methodo posto em pratica consiste em forrar de barro, da espessura exigida, a superficie interior de cestos feitos de juncos ou salgueiros, e, depois de seccos, queimal-os do modo acima des- cripto. Desta sorte fazem vasilhas grandes, bonitas e duradouras, si bem que ultimamente não sejam muito usadas nas tribus que têm estado em commu- nicação com os brancos, por usarem-se em seu logar vasilhas de ferro fun- dido.» «Quando estes vasos são grandes, como no fabrico do assucar, suspen- dem-se em parreiras, que, onde quer que sejam expostas ao fogo, conservam- se constantemente cobertas de barro molhado. A's vezes, comtudo, fazem-se os rebordos fortes, e projectados um pouco para dentro, em roda do vaso, de modo que possam ser sustentados por peças achatadas de madeira, que se introduzem por baixo d'essas projecções, e que se estendem atravez dos seus centros.» Entre os Mandans, como em outros logares, eram as mulheres os fabri- (1) Travels through North and South Carolina, Georgia, etc. London, 1792. p. 511. (2) Schoolecraft, vol. II. p. 81. (3) Parkman, The Jesuits in America, Introduction. p. XXX. (4) Notes on the Iroquois, p. 223. Squier and Davis. (5) Hunter. Manners and Customs of Several Indian Tribes West of lhe Mississippi. Philadel- phia. 1823, p. 296, citado pelo Raw, Indian Pottery, Smilhsonian Report, 1866, p. 351. V. vi. —23 99 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL cantes de louça. Catlin (1) diz: «Fallei dos pratos de barro em que eram ser- vidas estas comidas. Fazem elles parte familiar do trem culinario de todos os alojamentos Mandans, e pelas mulheres desta tribu são manufacturados em grandes quantidades, e modelados de mil fórmas e gostos differentes. São fei- tos pelas mãos das mulheres, de um barro negro e duro, e cozidos em fornos especiaes para esse fim. Em dureza são quasi eguaes à nossa louça, comquanto essa gente ainda não saiba a arte de vidrar, o que seria para ella segredo de grande valor.» Entre os indios Micmacs da Acadia, a vasilha de casca de betula, em que se cozinha, é feita pela mulher, e já vimos como esta prepara entre os Esqui- máus as lampadas de pedra e os vasos culinarios. Do fabrico da louça de barre pelos antigos povos da Europa não pude obter informações historicas. Jewelt (2) pensa que «a julgar pela delicadeza do contorno e pelos signaes que às vezes encontram-se dos dedos, as urnas funerarias dos Celtas eram fei- tas pelas mulheres das tribus.» Informou-me o Professor Hughes, da Universidade de Cambridge, na In- glaterra, que em Orderan, perto de Bagnitre de Bigorre, as mulheres ainda fazem louça de barro semelhante à que se acha nas cavernas. Tylor falla de uma collecção de vasilhas de barro usadas por uma velha das ilhas Hebridas. Seria interessante saber si esta as fizera com as proprias mãos. Não obstante a volumosa litteratura sobre a Africa, sorprende extraordi- nariamente vêr quão pouco se diz sobre a louça dos aborigenes. Comtudo, pude recolher alguns factos de importancia. As mulheres Kaffirs não só cozinham, mas tambem fazem as panellas de que usam, obtendo dos formigueiros em monticulos o barro para esse fim. Tambem fazem cestos para guardar leite ou cerveja. E” de Burton a seguinte descripção do fabrico da louça de barro na Africa Oriental: (3) «A figulina, barro pardo-cinzento, é obtida dos leitos dos rios, ou é ca- vada no campo; passa pela operação preliminar da trituração, sendo esmagada em secco sobre uma pedra, e depois pulverisada e purificada de pedras e sei- (1) Manners and Customs of the North American Indians. Lelter 16. (2) Wood. Uncivilised Races, p. 77. 148. Vide tambem Campbell. Travels in South Africa, p. 523. (3) Nas minhas notas este extracto não traz a citação donde é. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 91 xos. O oleiro com agua a reduz então a uma massa densa, dá-lhe fórma com a mão, fazendo primeiro a bocca; depois de secca, ajunta-lhe mais uma pol- legada de massa, endurece-a ao sol, faz outra addição e continúa assim até acabar. Depois de traçadas as linhas e outros ornamentos, as panellas são cozi- das no forno em pilhas de sete ou oito, queimando-se capim secco; o fogo de le- nha as faria estalar, por consequencia a maferia prima fica sempre meio crua. Usualmente a côr é de negro de fumo; em Usagara, comtuda, o barro do oleiro, ao ser queimado, fica vermelho como o solo, —effeito do ferro.» «Um trabalhador habil, n'um dia, fara quatro destas panelas, contendo algumas muitos htros, as quaes pela perfeita regularidade de fôórmas, bem como pelo feitio pittoresco, sorprendem o estrangeiro. As melhores são feitas em Ujiji, Karagwah e Ugunda; as de Ungam wezi são inferiores, e o barro de Zan- zibar é de todos o peior.» E' de notar que as tribus da costa oriental da Africa têm dado passos consideraveis no caminho da civilisação, de modo que o fabrico da louça na maior parte d'ellas tem-se tornado uma profissão, passando para as mãos do homem. Schweinfurth, (1) ao descrever o povo de Monbultu, expõe a impor- tante asserção, que «como acontece com a mator parte dos habitantes da Africa, a louça de barro é manufacturada pelas mulheres.» Em Yoruba, diz Bowen (2) «as mulheres fazem panellas de barro.» O mesmo acontece com as de Garo-a-Bautschi e Fesan; (3) e o Reverendo Sr. J. Leighton Wilson, residente por muitos annos na costa de Guiné, conta-me que nesta região a arte ceramica está inteiramente nas mãos das mulheres. (4) Estamos pois justificados, julgo, por chegar à conclusão de que tanto na (1) «Wie bei den meisten Bewohnern Afrika's wird die Topferer, das Schmiedebandwerk ist natrrgemãss auf die Mânner beschrânkt. ven Weibern ausgúbt, mit den Kúnsten der Holtzchnit- zerei und Korbflechterei sind Deide Geschlechten vertraut.» Ucber das Volk der Monbuttu im Cen- tral Africa. Zeitschrift f. Ethnologie 1ITer, Jahrg. 1873. Heft, 18.8. (2) Central Africa, p. 308. (3) Fallando dos naturaes de Garo-a-Bautschi, Shweinfurl diz :—«Die Mânner bescháfligen sich ferner mit Maltenflechten, Korbmachen und den anderen Handwerken, als der Verfertigung von Sehu- hen, Leder, Gefâsser, ete., wâlirend die Frauen die Yôpferei besorgen. Auch in Fesan bemerkte ich, dass die Frauen Tôpfe verfertigen.» (4) Em relação à louça africana chamo a allenção sobre os enormes vasos para milho, usados por muitas tribus. Os dos Bechuanas têm a fórma dos jarros de oleo dos Europeus. São feitos de vergon- teas e páus, e forrados por dentro e por fóra. Têm algumas vezes 6 pés de altura e 3 de diametro. Di= zem que os jarros semelhantes dos Damaras são feitos de folha de palmeira e barro. 92 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Africa como na America é verdadeira a lei de achar-se na sua infancia a arte ceramica limitada às mulheres. Na Asia conhece-se a roda do oleiro ha milhares de annos, e o seu uso tem-se estendido pela maior parte do continente. Existem tribus que ainda fazem a louça de barro à mão, mas nada importante achei a respeito d'ellas. No Archipelago da India Oriental vejo que as mulheres Papuas (1) fazem a louça de barro. Ao passo que se desconhece a louça na maior parte das ilhas do oceano austral, a arte de olaria tem chegado a um alto gráu de desenvolvimento na ilha de Fiji. Segundo Williams e Calvert (2) varios utensilios são feitos de barro pardo e vermelho. «As tigellas de beber são muitas vezes lindamente desenhadas, sendo umas globulares, outras em fórma de urna, outras à semelhança de tres ou quatro laranjas juntas, surgindo de cada uma a aza, e encontrando-se na parte de cima; outras tambem são feitas em fórma de canôas. São muito pro- curados os alguidares para araruta, os vasos para tinturaria e as panellas para peixe. Fazem com nitidez uma taça imitando uma flor. A maior pro- cura porém é de panellas para cozinhar. Em cada casa encontram-se varias, e como não são muito duradouras, compram-se muito. Vi uma panella grande, da capacidade de uma quartola, com quatro aberturas para facilitarem o en- cher-se e o esvaziar-se. As vasilhas de cozinhar, ordinarias, contêm de vinte a trinta litros,ea sua fôrma parece ter sido suggerida pelo ninho de uma espe- cie de abelha negra commum mn'estas ilhas. No fabrico da sua louça os Fijios empregam barros vermelhos e azues misturados com areia. Os apparelhos constam sómente de uma almofada, quatro malhos (3) chatos e uma pedra chata redonda; e comtudo fazem-se as panellas de contornos tão exactos, como se fossem a torno. No vaso, emquanto ainda humido, traçam-se linhas e figu- ras, e, depois de seccar por alguns dias, muitos delles são collocados juntos e cobertos de combustivel muito leve, como caniços, folhas de nogueira, capim, etc. Deita-se fogo a isso, e, terminada a combustão, estão cozidas as pa- (1) Journ. of Indian Archipelago. Vol. V, p. 313 refere-se aos Papuas em Dori. Tambem Norris” ktbnogr. Lib, dirigida por Edw. Norris. Vol. 1, no artigo sobre Native Races of the Indian Archipela- go, Papuans, by George Windsor Earl, p. 783. (2) Fiji and the Fiji Islands. New-York 1859. p. 53. Vide tambem Wood, «Uncivilised Races», Ed. Amer. p. 930. (3) Wallace, na sua obra sobre o Archipelago Malaio, figura um malho usado no fabrico da louca de barro. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 93 nellas. Emquanto ainda quentes, as que devem ser vidradas, são esfregadas com a resina de uma especie de pinheiro. «Acham-se então promptas para o mercado. Nas mãos das mulheres está inteiramente o fabrico da louça de barro, e além disso a arte parece estar li- mitada às mulheres dos marinheiros e dos pescadores.» (1) As panellas de barro usadas para cozer carne humana nas ilhas Fiji (2) são feitas especialmente para esse fim, como parece tambem ter-se dado entre. os Tupinambás, no Brazil. Jenkins dá a descripção do fabrico da louça por aquelle povo. «Cozi- nham, diz elle, principalmente por meio do vapor. Com este fim usam de panellas de barro feitas por elles proprios, nas quaes deita-se a comida em pequena quantidade d'agua. Estas panellas são feitas por mulheres, que só n'isso se empregam ; são de barro, a que primeiro dá-se à mão quasi a fôrma desejada, depois põe-se dentro uma pedra redonda e lisa, e em torno della vai-se batendo no barro e amoldando-o com um malho. Se o vaso só deve ter uma aberturasinha, é feito primeiramente de dous ou mais pedaços, que se ajuntam depois com grande pericia. Querendo ornamental-o, sobre elles tra- cam figuras com as fibras de uma folha de côco.» «Cozem-se então as panellas n'um fogo ao ar livre, e acabam-nas, vidran- do-as e envernizando-as com a resina do pinho de Fiji, misturada com uma decocção da casca de mangue.» (3) Pickering (4) diz que vidrava-se a louça ap- plicando-se a resina de uma especie de Dammara, que tem relações intimas com o Kauri da Nova Zelandia. Nas ilhas de Tongan, que demoram a léste das ilhas Fijis, as mulheres, se- gundo Wood, (5) são os oleiros. Os factos que tenho apresentado parecem mostrar que, entre as tribus sel- vagens geralmente, a arte ceramica é a principio exclusivamente praticada pela mulher, e a razão é que, primaria e essencialmente, o fabrico da louça de barro é um ramo dos trabalhos culinarios, que em toda a parte vêm a to- (1) E” digno de nota que as mulheres de Fiji são versadas na manufactura de pannos de cascas de arvores, estampados, fazendo ellas proprias os desenhos. (2) Jenkins. U.S. Exploring Expedition. p. 341. (3) Jenkins. U.S. Exploring Expedition. p. 347. Vide tambem Lubbock. Prehistoric Times, p. 445. (4) The races of Men. p. 163. (5) Uncivilized Races, p. 983 (Ed. Amer.) Vide tambem Jenkins. U. S. Exploring Expedition. p. 320. V.v.—24 94 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL car ao sexo fraco. O homem entre os selvagens é caçador, pescador e guer- reiro, emquanto a mulher toma cuidado da casa e da cultura do campo. Quando, comtudo, tendo progredido a tribu em cultura, a pratica da arte ceramica vem a ser uma profissão, e a causar embaraços aos trabalhos domesticos, passa naturalmente para as mãos do homem; e vê-se que em to- dos os casos em que os homens fazem louça de barro, a tribu tem-se adian- tado consideravelmente, sahindo do estado selvagem. Porém a mulher selvagem não só fabrica vasilhas de barro, mas tambem as ornamenta; e si a arte ceramica nasceu e cresceu nas suas mãos, não é me- nos provavel Lerem-se originado da mulher os ornatos de que se faz uso. A pro- babilidade augmenta com o facto de competir-lhe o trabalho de fiar e tecer, de fazer adornos pessoaes e enfeitar os vestidos, fazer cestos, esteiras, etc. Por toda a parte ella é a primitiva artista decorativa, e hoje em dia, nos proprios paizes civilisados, é por excepção que o homem se occupa com a arte da orna- mentação. A mulher cobre de ornatos tudo quanto suas mãos tocam, e a senhora no seu camarim, sobre algum objecto de mero luxo, borda induslriosamente a mesma serie de gregas e volutas, que no Amazonas a india selvagem, sem roupa, com egual diligencia e mão firme, traça com um espinho na superfi- cie humida do vaso, de cujo feitio se está occupando. E" como se ambas en- loassem a mesma cantiga simples. Em ambos os casos os ornatos são identi- cos, e não só de origem inteiramente independente, mas (tambem de edade mui diferente talvez. Os da selvagem são o mero começo embryonario da vida da arte, emquanto os do camarim, como as Lingule de hoje, são fórmas ar- chaicas, persistentes atravez de seculos, florescendo ainda sem mudança entre a variada riqueza de ornatos, derivados por evolução das antigas fórmas pri- marias. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 95 X. A origem da arte ou a evolução da orna- mentação Na minha viagem no Amazonas em 1870, o meu distincto amigo o Sr. D. S. Ferreira Penna, do Pará, chamou a minha attenção para o facto que numa pequena ilha chamada Pacoval, no lago de Arary, situada na ilha de Marajó, existia um tumulo feito pelos antigos habitantes do logar. Como me achasse oc- cupado com os meus estudos geologicos no Monte Alegre, e não podendo eu proprio visitar a localidade, mandei um dos meus ajudantes exploral-a. Au- xiliado por S. Ex. o Dr. Abel Graça, então digno presidente da provincia, e a quem devo muitos favores, por S. Ex. o Visconde de Arary, pelo Sr. Penna e por outros muitos amigos, o meu ajudante visitou o logar e examinou o tu- mulo, extrahindo urnas funerarias, idolos e outros objectos de terra cozida. Muitas destas amostras traziam ornamentos, e fiquei realmente sorprendido ao ver n'esta antiga louça amazonica gregas, espiraese outros ornamentos per- feitamente identicos a algumas das fórmas classicas da Grecia. O tumulo era antigo, e a associação de objectos que continha, concordando com o que se acha nos tumulos norte-americanos, não offerece prova nenhuma de que os fabricantes de louça do Pacoval conheciam a arte na Europa. Continuando as minhas investigações, descobri que estes mesmos orna- tos acham-se distribuidos por todo o mundo, mesmo entre povos d'uma (1) Este capitulo é a reproducção de uma conferencia feita pelo Prof. Hartt, na Escola da Gloria do Rio de Janeiro, em 1875. Preparado este trabalho para uma conferencia popular, o methodo de ex- posição e o estylo nella empregados não são os que o autor teria dado numa publicação definitivas Algumas memorias sobre este mesmo assumpto foram publicadas pelo Prof. Hartt nos Proceedings of the tenth anniversary of the University Convocation of the State of New York, Albany 1874, e no Po- pular Science Monthly de Janeiro de 1875. Nessas memorias, como na actual, ha muitas questões ape- nas suggeridas, sobre as quaes o Prof. Hartt linha feito profundos estudos de grande alcance para a elhnologia e o estudo da origem da arte entre os povos selvagens, estudos que elle ten- cionava incluir na sua publicação definiliva, si a morte não o houvesse sorprendido no meio dos seus trabalhos, (N. da R.) 96 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL cultura muito baixa, e que formam parte da arte primitiva. Lembrei-me de que o homem em todo o mundo, tendo a mesma organisação physica e es- tando em contacto com a mesma natureza, desenvolve-se segundo as mesmas leis, e que, armas, invenções, modos de pensar, regras da construcção das linguas, até mythos e idéas religiosas facilmente se desenvolvem independente- mente entre povos longiquos. As necessidades do homem primitivo em todos os paizes são as mesmas, e é perfeitamente natural empregar independente- mente methodos identicos de satisfazel-as. O homem applicado à Ethnologia sabe que não ha costume algum duma tribu de cultura baixa que não se encontre em outra. Durante a infancia da sciencia da Theologia, identicos costumes passaram por ser de origem commum. Hoje o homem scientifico vê perfeitamente que o desenvolvimento de uma nação ha-de corresponder mais ou menos à evolução de qualquer outra. Mas como é possivel que os mesmos ornatos estheticos nascessem independentemente entre povos separados uns dos outros, como por exemplo entre os Chinezes e os indios do Brazil? A” solução desta questão dediquei-me com o mais vivo inte- resse. Appliquei ao estudo dos ornatos da louça de Marajó o methodo scientifico, classifiquei e comparei-a em todas as suas modificações com os or- natos semelhantes de outros paizes. Estudei a funcção do ornato, exa- minei a structura do olho, o modo de ver, ou antes de examinar um or- nato, e logo fiquei convencido de que, como a musica depende de effeitos physicos produzidos sobre o apparelho auditivo, o ornato esthetico não se póde explicar sinão sobre a base da structura do olho. Entre as nações primitivas existe uma graduação na arte ornamental. Ha algumas nações, como por exemplo os Botocudos, que desconhecem quasi ou inteiramente o ornato; outras que ornamentam a louça, as armas ou outros objectos de fórmas muito simples, compostas de linhas rectas; e outros ha que não sómente empregam estas fórmas simples, mas tambem circulos e espiraes, ignorando porém o uso de curvas mais subtis. Póde-se classificar as tribus e as nações pelo estado de progresso em que se acha a sua arte ornamental. O mesmo progresso se observa na historia da arte antiga. Os ornatos mais antigos da Europa são feitos de linhas rectas; depois vêm outros, compostos de curvas circulares e de espiraes, e a estes seguem fórmas que se tornam cada vez mais subtis na sua curvatura. Nota-se uma outra cousa que, na arte pri- miliva, os ornatos estheticos não são derivados da natureza, são pura- mente estheticos e não têm significação,emquanto que os adornos imitativos não conservam a belleza das curvas naturaes, mas estão convencionalisados, cor- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 97 respondendo à delicadeza das suas fórmas ao estado de cultura em que se acha a arte puramente esthetica da tribu. O selvagem não é sensivel às bellezas da natureza, e por consequencia não as póde delinear. D'Orbigny já mostrou que na arte indigena da America não se vêm representadas nem folhas nem flores. E" unicamente o homem civili- sado e de alta cultura que aprecia a belleza da natura, e tanto mais se cul- tiva, tanto mais chega elle a sentir a influencia das fórmas naturaes. Mais adiante hei-de mostrar que o emprego d'estas fórmas na ornamentação vem sómente depois da cultura do olho pelas fórmas puramente estheticas. Ha uma borda ornamentada, muito bem conhecida, que se chama uma ES TErTA ro grega fg. 15). Vê-se traçada emtodaia Ly | E | | Ly | Ly | Li | | parte das cidades, não sómente nas mol- O (Fig. 15) — — durasdas paredes das casas, nas grades de ferro das janellas, na tapeçaria e nos utensis domesticos, mas ainda empre- gada pelas senhoras, que não se cansam de bordal-a nos seus vestuarios. E' este mesmo ornato que se vê traçado na cornija destes salões. Qual é seu va- lor? O que é que significa, e qual é a razão porque o povo não sômente da ci- dade do Rio de Janeiro, mas do mundo civilisado gasta tanto dinheiro no seu uso? Ninguem sabe nem pergunta o que significa, ficamos satisfeitos unica- mente porque lisongeia-nos a vista. São poucos os que comprehendem a immensa importancia da ornamenta- ção na vida humana e a exigencia dos olhos. Uma casa de pedra tosca nos daria abrigo'; um vestido de couro nos serviria como protecção sufficiente contra o tempo, mas não bastam. Não estamos satisfeitos com a utilidade duma cousa desde que não dê ella ao mesmo tempo prazer aos sentidos. E" desta necessi- dade que nasce ese desenvolve a arte. E” para satisfazer à vista que gastamos tanto dinheiro na architectura e que cobrimos as paredes das nossas egrejas e nossos salões de adornos. Si pois para a ornamentação todos pagamos tão caro, si a arte deco- rativa é realmente necessaria para à vida civilisada, si as senhoras empregam uma parte muito consideravel da sua vida na pratica della, seguramente esta arte merece um estudo sério e profundo. Já tem-se estudado com os mais im- portantes resultados a sciencia da musica, mas até agora não ha ninguem que se tenha dedicado à investigação scientifica da ornamen tação, uma arte muito mais importante na nossa vida e que occupa mais a nossa attenção do que a musica, Chamada a minha attenção para o estudo da arte antiga do Brazil, achei- V. v.—25 98 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL me n'um campo novo e extremamente interessante. E” vasto e difficil de se ex- plorar; tenho podido fazer sômente um ligeiro reconhecimento, mas n'elle tenhs descoberto minas de ouro, diamantes e perolas. Pela primeira vez na historia da arte, vou apresentar uma lheoria ra- cional da origem e evolução da arte decorativa e mostrar o que é a funcção do ornato. Nesta conferencia não me é possivel dar mais do que um ligeiro es- boço dos meus estudos, mas, n'uma obra sobre a archeologia do Brazil, que brevemente espero mandar ao prélo, dal-os-hei por extenso. Como o ornato é feto para o orgão da vista, para entendel-o deviamos, em primeiro logar, estudareste orgão e a sua applicação. Não vou descrever toda a anatomia dos olhos, porque ella «stá perfeitamente conhecida, mas peço licença para chamar a attenção para alguns factos concernentes à visão, aos quaes os livros não dão bastante importancia. A idea geral da visão é que abrindo os olhos, ea luz entrando, fórma na retina a imagem d'umobjecto que vemos distinctamente todo de uma só vez. Mas isto não é absolutamente exacto, porque não podemos ver distinctamente d'uma vez 0 todo d'um objecto. Não vemos claramente sinão um ponto muito limi- tado do objecto a que a vista se dirige. Encaro aquella estatua, mas para ver o seu todo distinclamente, ou em outras palavras mais exactas, para observal-a, é ne= cessario dirigir successiyamente os olhos às suas differentes partes. Vamos ver o que isto quer dizer. A visão distincta está limitada a uma pequena area da retina, de diame- tro pouco mais ou menos de uma linha, e chamada a mancha amarella de Sommering. Esta mancha esta situada justamente atraz da pupilla. Vemos distinctamente de uma vez, somente aquella parte da imagem d'um objecto que cahe no centro da mancha. Para observar as outras partes é preciso mover o globo do olho por meio de certos musculos, para que estas partes da imagem possam ser projectadas na mesma mancha. O globo do olho é servido por tres pares de musculos cuja contra- cção o faz revolver no seu logar.N'esta diagramma temos o olho visto de um lado mostrando quatro musculos re- “closA B € D, que se dirigem por detraz. (Fig. 16) As inserções dos mesmos musculos observam-se na outra figura que mostra O ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 99 olho visto de frente. Opar A B faz volver o globo n'um plano horizontal, em- quanto o outro par CD falo volver n'um plano vertical, Com os musculos obliquos E F não tenho que me occupar nesta dis- cussão. Vamos ver qual é o uso destes musculos na vista. Quando fixo directa- mente o centro de uma linha recta horizontal, a imagem desta linha cahe na retina com o seu centro justamente no meio da mancha amarela, como nesta figura. Si a linha não é muito comprida e temos muita experiencia, podemos reconhecer immediatamente que é recta, mas si houver duvida, o que faremos? Percorremos a linha com o olho, isto é, mo- vemos o globo do olho por meio dos dous musculos lateraes, de modo que a imagem passe dentro da mancha amarella. Si para fazer este movimento usamos dos musculos com perfeita (Fig. 17) regularidade, dizemos que a linha é recta; porém si houver qualquer irregularidade na linha, não podemos percorrel-a sem usar de repente do outro par de musculos. A linha recta é umelemento da arte esthelica, porque primeiramente para observal-a é preciso usar com perfeita regularidade dos musculos do olho. O prazer que sentimos pelo effeito regular produzido por este movimento é ana- logo ao que experimentamos quando passamos a mão sobre uma superficie lisa ou ao que é produzido sobre o ouvido por um som musical. Uma linha recta não tem uma belleza inherente, é bella porque em pri- meiro logar necessita, para sua observação,de movimentos perfeitamente regu- lares. Podemos facilmente observar sómente as linhas perpendiculares e hori- zontaes, porque suas imagens cahem entre os pares de musculos ne- cessitando para a acção, apenas de um par de cada vez. Quando uma linha é inclinada, é dificil de examinal-a, visto ser preciso empregar dous musculos adjacentes e pertencentes a dous pares. A tendencia então é de volver a cabeça para que a imagem possa corresponder ao eixo de um outro par. Para examinar uma curva circular usamos de uma vez dous musculos ade jacentes,dos quaes um contrahe mais rapidamente do que o outro. Este movi- mento é mais dificil do que na observação da linha recta,mas é capaz de causar mais prazer, porque o effeito da linha recta é monotona e cansa logo, emquanto que o do circulo é mais variado, devido à diferença da rapidez da contracção dos musculos. A espiral é ainda mais dificil de examinar. Por mais subtil que seja a curvatura d'uma linha o mais dificil não é só- 100 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL mente traçal-a,mas tambem examinal-a,e mais prazer é capaz de produzir, quando movimentos musculares estão a isso habituados. A apreciação do effeito esthetico das fórmas da natureza não é instinctiva, mas vem de educação, e o que se chama o senso esthetico é devido à cultura não sómente do indivi- duo, mas tambem, de algum modo, da nação. O menino, como um povo, aprende lentamente a arte e suas linhas tor- nam se cada vez mais subtis e bellas com a cultura. Entre a fórma do ornato e" o gesto ha uma analogia perfeita. Gestos airosos sempre traçam curvas, e a graça do gesto depende da subtileza da curva. Os movimentos musculares agradam à pessoa que faz o gesto e 0 es- pectador contenta-se com os movimentos dos musculos do olho necessarios para seguil-o. Ha uma lei na arte decorativa que uma curva deve se originar d'uma outra, ou d'uma linha recta tangencialmente, ea razão é clara, porque movimentos que necessitam a passagem de repente do uso de uns musculos para o uso de outros differentes, são difliceis e desagradaveis, emquanto movimentos tan- genciaes de uns aos outros são agradaveis. Ha uma grande difficuldade no estudo da philosophia da arte decorativa que já estamos mais ou menos educados e é muito diflicil imaginarmo-nos no es- tado do selvagem sem educação, Estamos já tão acostumados a uma variedade de fórmas decorativas que, à primeira vista produzem todo o seu effeito. E” justamente como o que se vê na musica. Selvagens e pessoas de pouca educa- ção musical querem ouvir muitas vezes a mesma melodia, mas ao musico bas - tam as primeiras notas d'uma aria para despertar m'elle todo o effeito da composição. Ha tambem uma outra dificuldade. A arte nasce e cresce debaixo da mão e do olho do artista; e o seu desenvolvimento não depende da apreciação do mero espectador. Em toda esta discussão deviamos imaginar-nos artistas pri- mitivos,desconhecendo a arte superior e procurando modificar lentamente as fórmas decorativas, afim de que possam dar mais prazer aos nossos olhos. O artista decorativo não póde traçar uma linha sem examinal-a no seu todo, e elle é quem sente todo oseu effeito. A musica differe da arte decorati- va, porque o ouvinte percorre por necessidade toda a composição, emquanto na ornamentação a fórma completa apresenta-se de uma só vez e raramente temos tempo de examinar com minuciosidade todas ss particularidades da de- coração, especialmente si o ornato é complexo. Reconheci ha pouco a verdade disto emquanto observava os artistas tra- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 101 balhando na decoração do magnifico salão novo do colegio de D. Pedro IE Percorri com os olhos as bellas fórmas que enriquecem o seu tecto sumptuoso e senti immediatamente o seu effeito geral,effeito que crescia ao passo que eu O examinava com mais cuidado. Porém, quando vi o artista modelando cuidadosa- mente cada ornato senti que para apreciar perfeitamente todas as bellezas duma composição deccrativa era preciso examinal-a como à examinou O artista que a desenhou, percorrendo com os olhos tolas as suas minudencias. Vou agora descrever a evolução da classe de adornos que se chamam gre- gas c mostrar algumas das modificações mais notaveis que se originam dellas. Não terei tempo de descrever a historia de outras fórmas. Havemos de ver que todos os ornatos puramente estheticos são apenas mo- dificações de algumas fórmas simples, dispostas de uma maneira mais ou menos differente, porém sempre em conformidade com algumas regras geraes, A evolução da arte decorativa é devida, em primeiro logar, à tentativa continua de dar mais prazer á vista, e, em segundo logar, pela sobrevivencia do mais bello, ou, em outras palavras, do mais proprio. E' uma especie de Darwinismo. Um ornato adaptado aos olhos é realmente bello, e conserva-se, ao passo que as fórmas mal feitas e mal adaptadas morrem. E' interessante notar que os ornatos de gráus differentes sobrevivem uns ao lado dos outros, e que com os ornatos modernos conservamos fórmas de uma antiguidade immensa. Esta circumstancia nos auxilia muito neste estudo. Tenho mostrado que a linha recta é um elemento primario da arte deco- rativa e o mais simples; por conseguinte, é bem conhecido que os primeiros ensaios decorativos de um povo deviam consistir de linhas rectas. Duas linhas rectas parallelas, não muito separadas, dão mais prazer do que uma, porque, percorrendo uma com a vista, sente-se o effeito indistincto da outra, ou percorrendo uma linha imaginaria entre as duas, recebemos o effeito indistincto de ambas. Estas linhas não devem ser nem muito separa- das nem muito proximos, porque, em primeiro logar, não se vêm dislincta- mente, e no outro estão confundidas. O effeito produzido por duas linhas pa- rallelas é analogo ao que actúa sobre o ouvido por meio de dous sons mu- sicaes. Depois experimenta-se tornar mais agradaveis aos olhos duas linhas pa- rallelas, enchendo de linhas transversies o espaço entre ellas, escolhendo naturalmente e reproduzindo as combinações mais bellas e desprezando aquellas que não se accommodarem à vista. Um ornato simples forma-se por meio de linhas parallelas atravessando V. vi. —26 102 ARCIIVOS DO MUSEU NACIONAL verticalmente o espaço entre as linhas primarias e separadas umas das outras por intervallos eguaes. Este ornato, como existe na figura 18, é uma série no espaço,mas produz nos olhos,ao percorrel-o, uma Too! série de efleitos eguaes, separados por intervallos de tempo. E então um pequeno canto monotono. (Fig. 18) Não posso discutir aqui a razão porque os intervallos entre as linhas de- viam ser eguaes. Depende da mesma lei que regula a duração dos intervallos do tempo na mustea. . Uma modificação deste ornato consiste em CT o [T, 1,1, T umasério de linhas curtas arranjadas alternada- EL Eles a DR mente de cada lado. Esta produz uma especie Fig. 19) de rythmo. — Quando aslinhas ou não chegam ao meio do espaço, ou passam além do meio, póde-se unir as suas extremidades, duas a duas como na fig. 20; mas as unidades assim (Fig. 20) formadas são pouco agradaveis por causa da li- nha cuja imagem atravessa obliquamente a retina. Estas modificações da grega não se observam sinãona arte primitiva, ou de uma mão inexperiente. Quando aslinhas lransversaes chegam ao meio do espaço e oOH4y estão unidas duas a duas, como na fig. 21, o effei- (Figo 21) to, não obstante ser simples, é agradavel. Suas li- nhas adaptum-se aos olhos e constituem um ornato que se conserva e que nunca mais se perde. EG Quando as linhas (ransversaes são mais com- pridas póde-se unil-as como na fig. 22, dando as- (Fig. 22) sin origem a umas unidades ainda mais agrada- veis, que tornam-se mais e mais complicadas, como na fig. 23. 5] Tenho observado, não sômente na louça an- tiga de Marajó, mas tambem na ornamentação de (Fig. 23) outras nações, que as unidades destas gregas estão às vezes separadas umas das outras por meio de linhas verticaes, ou que cada uma está mettida dentro de um cartucho. Parece que assim o artista queria evitar a união d'ellas; mas esta tentativa (fig. 24) de separal-as deu logo origem à sua fusão completa, porque alguem obser- (Fig. 24) vou que, pela obliteração de parte das li- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 103 nhas primitivas indicada pelas linhas pontuadas, seria possivel desenhar corren- temente a grega, a qual tornou-se assim ainda mais agradavel e bella. Que uma tal obliteração de partes de um ornato se praticava entre os indios antigos de Marajó, tenho provas abundantes, e na conclusão desta leitura mostrarei a photographia de um pedaço de louca do tumulo do Paco- val, em que isso claramente se deixa ver. Com a fusão das unidades, porém, perde a grega suas linhas primarias. Addicionando depois outras duas linhas parallelas,o ornato torna-se ainda mais bello, mas é preciso lembrar que estas linhas Jimitantes não são homolo- gas às primarias. Ee 2) E Eis aqui a origem e evolução de um dos mais bellos ornatos estheticos (Fig. 25) conhecidos, uma fôrma decorativa que se acha em todo o mundo (fig. 25.) Os indios antigos do Marajó delineavam-na na sua louça,e até hoje,dentro das matias do Amazonas e do Orenoco, as mulheres gostam de pintal-a nos seus Camutis. A arte na sua infancia está caracterisada pela monotonia. Os meus ca- noeiros, no rio Jequitinhonha, cantavam a mesma modinha durante quasi toda a noute, é uma occasião ouvi um marinheiro portuguez repetir mais de cem vezes na sua viola a mesma simples melodia. Com a cultura, porém, vem a variação e a evolução na arte, como qualquer outra cousa sempre pro- gride do simples para o complexo. Eloá !S As gregas estão compostas, no principio, crio de unidades que seguem na mesma direcção, mas depois dividem-se em séries alternadas, cuja direcção é difierente, como se vê na fig. 26. Isto se nota não sómente nos vasos Etruscos, mas tambem na louça orna- mentada dos indios do Brazil e do Perú. No intervallo entre as duas séries acha-se muitas vezes na arte Elrusca uma figura quadrada em que está collo- cada uma cruz, uma figura que nasce naturalmente n'um espaço d'aquella fórma. A grega corrente póde ser mais ou menos envolvida, mas as fórmas sim- ples são as que mais agradam à vista. Os antigos indios de Marajó deram ainda um outro passo importante e em- pregaram outras fórmas mais desenvolvidas, que se acham associadas ás va- riações que acabo de descrever. 104 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL A grega no principio é sempre angular, mas é dificil de se desenhar ra- pidamente sem lhe arredondar os angulos. Notou-se logo que a grega arredondada era mais bella do que a grega angular e assim foi delineada de proposito, formando uma série de espiraes > — > enroladas, ligadas uma á outra por NONONDNONS meio de linhas sigmoides ou da fórma DO qro o daleiraS (fig. 27.) Nesta série as espi- raes constituiram as partes principaes do ornato; mas logo a vista principiou a gostar mais da linha sigmoide e esta foi cultivada por descuido das espiraes, SD ss o cresuitado o imumaisérie de sigmol- E SS ONSNONI des, cuja curvatura tornou-se cada vez au et (Fig. 28) mais subtil (fig. 28.) Como acontece nas gregas angulares, a série está frequentemente divi- dida em partes reversas (fig. 29),entreas CRS EC DES DICAS quaes, não sômente na arte Etrusca, mas (rig. 29) tambem na do Marajó antigo, se acha uma figura que às vezes contém uma cruz. Esta fórma da borda dá origem a muitas modificações. A's vezes o espaço a um lado da série está córado ou sombreado. Esta se assemêélha às ondas do mar, e muitos escriptores que têm escripto NGS NENG-K PSA CESONOSROASSA a arte dizem que as sigmoides ligadas na arte antiga do Oriente eram no (Fig. 30) principio uma representação convencional do mar. Ao contrario,na minha opi- nião, esta borda era no principio simplesmente um ornato que não tinha si- gnificação, Duvido que os Marajó-uáras pensassem no mar quando faziam este ornato. Nos vasos e espelhos da Etruria não ha duvida de que ás vezes queria significar elle o oceano, porque o artista alli representou peixes nadando por baixo, ou delfins saltando graciosamente por cima das ondas. Emquanto que as espiraes desapparecem e as sigmoides estão cultivadas, apparece um espaço vago a cada lado da série. Muitos dizem que este espaço demanda ornamentação; eu, porém, acho mais rasoavel dizer que se este es- paço fosse enchido de ornatos a borda tornar-se-ia mais agradavel. E qual é o adorno supplementar que devemos empregar? Na arte Oriental, no Mexico, no Perú e no Brazil appareceram pequenos triangulos obliquos nos espaços so- breditos, e nas interrupções. Entre as partes reversas da série ha o ornato vertical que ja descrevi. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 195 Além d'isto, conforme o que tenho até agora visto, a evolução desta borda no Marajó não proseguiu; mas, em um vaso peruano, figurado na obra de Von Tschudi, observei ainda um outro passo progressivo. Os pequenos trian- —— E gulos estão ligados como na fig. 31. Aqui pa- o e .LÍ NG SS GA rece que se acabou o desenvolvimento desta —— eee orda na America. (Fig. 31) borda na America No Egypto, porém, soffreu todas estas modificações em uma epocha muito remota e deu origem a uma immensidade de fórmas, muitas das quaes, com 0 curso do tempo, tomaram significações religiosas. As sigmoideas em logar de corre- rem uma mesma direcção, estão às ve- 4) zes separadas e dispostas de uma ma- A INS neira alternada, como na fig. 32. Esta disposição deu opportunidade a intro- duzir-se entre ellas ornatos supplemen- (Fig. 32) tares. Estes ornatos desenvolveram-se com grande exuberancia, tomando a fôrma de folhas e flores, entre as quaes predominava o loto. Porém, a significação sym- bolica da arte decorativa do Egypto impediu a sua evolução, e a arte pura- mente eslhetica chegou ao seu mais alto desenvolvimento entre os gregos, os quaes, descuidando-se da parte symbolica, cultivavam com especial cuidado a classe de ornatos, cuja origem e historia temos estudado. Entre os gregos os ornatos supplementares da borda das sigmoideas deram origem ao Anthemio, a mais bella fôrma decorativa que conhecemos, Quando as sigmoideas estão ligadas o Anthemio tem a fórma obliqua e é composto de duas partes eguaes, feitas SE RIA NG de linhas radiadas e semelhantes à flôr “Susa NE EN SS européa chamada madresilva. (Pig. 33) pues suppõem que o Anlhemio é simplesmente a flôr convencionalisada, mas não é sinão uma fórma simples e sem significação, e, como já disse, de- rivada dos ornatos supplementares da borda das sigmoideas. O triangulo com base formada de uma linha recta não é tão bello como aquelle em que a base está endentada e formada de linhas curvas tangencialmente dispostas, pare- cendo que o triangulo da base recta passa para o Anthemio de muitos raios por meio desta fôrma, que já observei, não sómente na arte da Grecia, mas tambem ná da China. V. v.—97 106 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Quando as sigmoideas estão collocadas alternadamente o Anthemio é ere- cto e capaz de maior desenvolvimento. Então as sigmoideas oferecem duas pe- quenas espiraes, dirigidas alternadamente para cima e para baixo. Estas formam bases estreitas a um lado para o Anthemio e uma base larga no outro. A's vezes cresce sobre ambos os lados, mas foi cultivado ordina- riamente na parte superior, formando uma alternativa de figuras largas com fi- guras estreitas sustentadas nas sigmoideas. Quando as figuras principaes estão muito approximadas, as outras estão comprimidas entre ellas, como na fig. 34, e vê-se que ao mesmo tempo as sigmoideas perdem de importancia. A linha limitante do Anthemio é ad- dicionada depois que a attenção é chamada para a fórma eciegante da figura. Pouco a pouco as sigmoideas contra- hem-se, a parte central desapparece eentão o Anthemio parece sustentado sobre duas vo- lutas dirigidas de um modo reverso ao das volutas girantes. Nas permutações seguintes do Anthemio estas duas volutas da base permanecem de uma maneira curiosa, e por meio dellas se pôde re- conhecer o parentesco de ornatos já tão mudados, que à primeira vista passa- riam por não ser alliados ao Anthemio. (Pig. 34) Quando o Anthemio é applicado em relevo na architectura, a figura principal assemêlha-se à fórma de uma folha, cujas raizes formam as veias e endentam a margem da folha. D'ahi por diante a semelhança vai-se augmen- tando até que em logar do Anthemio temos o Acantho. O mytho da derivação do Acantho na architectura não tem base. O or- nato não foi adoptado naturalmente da natureza, é simplesmente uma modifi- cação do Anthemio. Na arte grega o ornato Acantho é muito differente da fo- lha da planta do mesmo nome. Na decadencia da arte romana o ornato to- mou mais semelhança com a folhagem natural, e na architectura de Palmyra é por demais luxuriante. Um bom ornato não devia imitar exactamente a natu- reza: devia sômente conservar bastantes das suas fórmas e córes para produzir sobre nós o mesmo efeito esthetico; pois que, representando exactamente o objecto, cessa de ser um ornato. Ordinariamente no Anthemio representado em relevo, as sigmoideas des- apparecem inteiramente, mas ha n'esta cidade um notavel exemplo em que ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 107 são conservadas ; este exemplo vê-se na torre da egreja do Carmo, no largo do Paço. Até aqui tenho descripto o desenvolvimento progressivo, mas na arte como na evolução dos animaes ha tambem a degradação ou a adaptação de um or- nato de alto gráu a um gráu inferior. Uma excellente demonstração d'isto é uma borda que se usa muito na architectura, chamada a borda do ôvo e da lin- gua, ou do ôvo e da frecha. O celebre artista critico Ruskin diz que é uma tolice, e pergunta: «O que é que os ovos têm que fazer com as frechas?» No primeiro logar a borda não representa nem ovos nem frechas. E a borda do Anthemio degradado, e vem da tentativa de produzir por meio de uma borda estreita o effeito geral de uma borda larga do Anthemio. Quando esta ultima é vista ao longe, as particularidades do ornato estão perdidas, observando-se unicamente a fôrma geral das suas partes. A figura oval representa o Anthemio primario e a lingua ou frecha a figura secun- daria. Quando o Anthemio é representado em relevo a margem da figura é cortada de uma maneira inclinada, tirando assim uma parte de cada lado da figura secundaria, e deixando sómente a parte média della, a qual, com sua nervura central, parece uma frecha. Si eu tivesse tempo, daria ainda outros exemplos de degradação, mas este deve ser sufficiente. E' facto interessante que ao passo que o homem e diversos animaes são representados em relevo na louça de Marajó, é raro que sejam desenhados so- bre uma superficie plana. A artista india sabia bem a arte de modelar e era 1. 2. 3. y. perita na ornamentação por meio õ de linhas simples, mas não se tinha adiantado na arte do desenho imi- 6. tativo. Nenhuma folha, flôr ou fru- ollo ( ) JE E E cta é representada na louça antiga do Amazonas ou em relevo ou sobre superficie plana. Parece singular on o o | o o [ o o I o que habitando uma região em que o oo reino vegetal offerece tantas fórmas bellas a artista não escolhesse ne- oyo nhuma destas para a ornamenta- Sm Ê Came O) Cão, (Fig. 95) Posto que a cabeça e as feições humanas sejam muitas vezes representa- 108 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL das em figuras solidas modeladas, taes como idolos, azas de vasilhas e outros ornatos, é raro encontrarem-se representadas sobre superficie p:ana, quer gravadas em relevo, quer delineadas por linhas gravadas ou pintadas. Ha, po- rém,uma série enorme de ornatos, dos quaes alguns, e dos mais communs, estão representados na figura 35, que parece ser originado na representação tosca e convencional da cara humana. O modo de evolução destas figuras e as evo- luções a que foram sujeitas estão bem representadas na figura e não carecem descripção. XI. Indios de Marajó “ Os primeiros colonos que vieram ao Pará e aqui se estabeleceram, cons- tituiam o rebutalho ou eram tirados do rebutalho de Portugal; vadios, mal- feitores, ratoneiros, ladrões e condemnados, taes foram os primeiros colonos. Poucos annos depois, continuou a vir da mesma gente,mas já com algumas fami- lias extremamente pobres e ignorantes, que vinham de Traz-os-Montes e de algumas ilhas. Com elles vinham alguns homens de instrucção, destinados à occupar os cargos publicos, mas instrucção sufficiente a esses cargos, porque os homens verdadeiramente instruídos não vinham para o Brazil, por acharem logares mais vantajosos em Portugal. Não tivemos, pois, quem se désse ao estudo da historia dos indios ou quem para isso estivesse habi- litado. Entre os ofliciaes militares que vieram conquistar o Pará havia, sem du- vida, alguns muito instruidos; mas viram-se incessantemente tão atropelados (1) Esta noticia historica dos indios de Marajó foi escripta a pedido do professor Hartt, pelo distincto naturalista e geographo do Pará, o Sr. Domingos Soares Ferreira Penna. Devia ter sido acom- panhada por um estudo comparativo dos restos archeologicos de Marajó com os de outra localidade da bacia do Amazonas e das regiões visinhas, mas os conhecimentos destes restos estando ainda muito incompletos, o professor Harll, deixou de dar fórma definiliva aos seus estudos sobre este as- sumpto, esperando poder tornai-os mais completos com descobertas de maior cabedal scientifico para mais abastado trabalho, (N. da R.) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 109 com as invasões dos inglezes, hollandezes e até francezes no Amazonas, além da longa e continua luta que tiveram de sustentar contra a massa indigena quasi sempre rebellada, que, ainda quando tivessem gosto para os estudos ethnologicos, faltava-lhes tempo e socego para fazel-os. E' por isso que se ignora (ou que eu ignoro) a origem.e vida dos selva- gens de Marajó até a epocha em que chegaram os europeus ao Pará. A ilha de Marajó teve, ao principio, o nome de ilha de Juanes ou dos Jua- nes, derivado, segundo a tradição, de uma tribu que habitava a costa orien- tal, tendo a sua aldeia no logar que com o nome de Monforte foi em 1757 ele- vada à cathegoria de villa (hoje extincta por falta de moradores) e que a gente do povo chama ainda Juanes. O appellido de Marajó é posterior ao de Juanes ; data do tempo em que os portuguezes começaram a frequentar e a formar es- tabelecimentos nas margens do rio Marajó-assú, cerca de 20 annos depois de fundada a cidade do Pará por Francisco Caldina Castello Branco, nos ultimos dias de Dezembro de 1615. A ilha começou a ser conhecida e frequentada na costa oriental por colo- nos que iam fazer pescas no verão, desde a Ponta do Maguary até junto à foz do Arary, porque em Outubro e Novembro chegam até este ponto us aguas do mar (como na costa fronteira chegam até um pouco acima da Ponta do Pi- nheiro), com grande abundancia de peixes d'agua salgada que, como é sabido, tem, em tudo, grande superioridade sobre os fluviaes do Amazonas e Pará. As tribus principaes que, mn'aquelles tempos da conquista e colonisação habitavam a ilha, eram: os Aruans, ao N. ca E.,e os Mapuás, Anajas, Guaja- rás, etc., ao S.e a O. Disseminados pelo centro e por varios pontos da costa S. e E. havia os Mamayanás, Sacarás, Jurunas, Muanas, etc. Todas estas tribus e outras sub-tribus formavam o povo que os portugue- zes chamavam indisfinctamente Nheengahibas, por usar cada uma d'ellas, di- zem, um dialecto particular. Eu creio, porém, que dever-se-ia ter reservado o appellido Nheengahibas sómente para as tribus que habitavam a parte meri- dional e occidental da ilha, e parece que era esta parte a unica residencia do povo nheengahibé. Fallemos primeiro dos Aruans. A tribu Aruanera à mais numerosa, a mais atrevida e a mais valente na guerra. Occupava toda a costa N. (que aqui chamamos contra-costa) da ilha e estendia sua dominação até a Oriental, desde a Ponte do Maguary até o rio Ca- mará. Os visinhos temiam-se muito dos Aruans, que os matavam ou os vexa- vam com guerras e roubos continuos. O primeiro conhecimento que os portuguezes tiveram da ferocidade dos V. vi—28 110 ARCIILVOS DO MUSEU NACIONAL Aruans deu-se nas seguintes circumstancias : O navio em que vinha de Lisboa para o Maranhão o governador Pedro de Albuquerque, trazia tambem para S. Luiz, ainda occupada pelos hollandezes, 200 soldados em auxilio aos por- tuguezes, 14 jesuitas e varios carmelitas. Não tendo podido desembarcar li- yremente no Maranhão, o navio velejou para o Pará e naufragou (1643) nos baixos da barra, salvando-se sómente o governador com sua familia, e al- guns dos carmelitas, tendo morrido afogados todos os Jesuitas, inclusive 0 seu superior, Padre Luiz Figueira (que o Padre Antonio Vieira, com manifesta inexactidão, imagina idevorado pelos Aruans, para figural-o como martyr), quasi todos os soldados, a maior parte dos marinheiros, o capitão e o piloto. Os poucos que à força de braços e ajudados pela maré da enchente consegui- ram alcançar a praia da costa oriental, foram recebidos pelos Aruans que, logo depois, cabiram sobre elles, matando-os. Tres sómente dos infelizes naufragos foram salvos das mãos desses selvagens, porque um mancebo portuguez que andava à pesca perto d'aquella praia, vendo semelhante atrocidade, correu com seus escravos, que eram os tripulantes da canôa, aterrou os selvagens com sua presença e valor, matou uns, dispersou todos os outros e salvou assim os tres que não tinham ainda sido feridos. Os Franciscanos, que foram os primeiros missionarios que vieram ao Pará e que dentre todos os missionarios das diferentes ordens foram os que me- lhores servicos fizeram á cathechese n'esta parte do Brazil, partiram, depois daquelle acontecimento, com destino a Marajó para calhechisarem os Aruans, e o conseguiram perfeitamente. Cerca de doze annos depois, receberam elles ordem de D. João IV para entregar todas as suas aldeias aos missionarios Jesuitas que, havia dous annos, tinham chegado ao Pará fortemente protegidos pelo proprio rei; e os Franciscanos, obedientes, assim O fizeram. Passudo, porém, mais de um anno, os Aruans, desgostosos dos jesuitas, voltaram ao seu antigo estado, e os jesuítas, temendo-se d'elles, abandonaram as missões sob pretexto de que os Aruans eram por demais barbaros para serem cathechisados. Convidados então de novo os Franciscanos para reduzir os selvagens à obe- diencia e acudir aos clamores dos portuguezes e dos indios visinhos que se viam perseguidos com as guerras e depredações dos mesmos Aruans, offere- ceu-se um d'esses virtuosos capuchos para ir, elle só, fazer esse serviço ; e tendo como testemunha um só portuguez, partiu com este, chegou à ilha, res- tabeleceu a paz, firmou a missão e, emfim, conseguiu completamente o seu intento. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL qa Desde então não se insurgiram mais os Aruans, porque os Franciscanos que elles muito estimavam, continuaram a ser seus missionarios. Da tribu Aruan (ou Aruá-an), como das outras, só ha hoje descendentes mui remotos que vivem no seio da civilisação, como trabalhadores, vaqueiros, serigueiros, etc., e, segundo estou informado, nem conhecem já a lingua que fallavam os seus antepassados. Seus restos autochtonos eram ainda encontra- dos, em meiados do seculo passado, na contra-costa e na ilha Caviana, onde algumas vezes eram incommodados por selvagens, que de mistura com indios domesticados da Guyana franceza, faziam de tempos em tempos assaltos e pi- rataria em Chaves (antiga aldeia dos Aruans) e em Ganhoão, na ilha de Ma- rajó, e em Rebordêlos (antiga aldeia do Tiye) na ilha Caviana. Os indios da parte O. e S., da ilha de Marajó, habitavam as margens dos seguintes rios, a que davam ou de que tomavam os nomes : Anajas, é o mais extenso da ilha que elle percorre em rumo EO., rami” ficando-se de modo que se approxima, pelo braço Cururú, da contra-costa até cerca de 6º 20º de long. O. (Rio de Janeiro), pelo Mocoões até o centro da ilha e pelo Anajás proprio até 6º 10" de long., já mui pouco distante do lago Arary. E”, como o Arary e mais do que o Arary, notavel pelo facto singular de ti- rar suas fontes do proprio Amazonas, de que é tributario, por causa da dispo- sição toda particular da ilha, pela qual espalha braços que a maré alimenta. Com o nome de Guajará são conhecidos muitos rios na provincia, dous dos quaes estão na ilha de Marajó, sendo um destes affluente ou braço de Ana- jás; o outro corre da ilha para o rio Para, onde entra, pouco abaixo da bocca do Paránaú ou rio dos Breves. Aramá não é sinão um defluente (termo que tenho empregado para expri- mir uma corrente particular que parte de um grande rio a que se restilue de- pois de percorrer uma parte da planicie), é um canal natural que no rumo OSO. põe em communicação as aguas do grande rio Jaburú com as do Ana- jas muito antes de entrar este no Amazonas. Mapuá é, como todos os rios de Marajó, um rio horizontal, sem outro mo- vimento além do que lhe dá a maré; entra no Aramá, a que é quasi paral- lelo, atravessando pequenos lagos e muitos pantanos mais ou menos extensos. Muaná é um dos maiores da ilha, o terceiro em extensão, communicando- se naturalmente com o Atuá que, conforme a maré, ora lhe fornece, ora lhe rouba agua. Passa pela villa de Muaná e logo adiante entra no rio Pará, de- fronte da barra do Tocantins. 112 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL (Ao O. do Muaná ha outros rios, entre os quaes o Paracuuba, que é um dos mais notaveis d'este lado. A E. ejá na costa de E. ficam o Marajó-assú e o Arary, que é o maior da ilha, depois do Arajás.) Debaixo do nome de Nheengahibas comprehendia-se não uma tribu ou na- ção indigena differente das outras que habitavam estes rios, mas todas ellas reunidas: Guajarás, Mapuás, Anajás, Mocoões, Muanás, Amanajás, etc., con- fundindo-se ainda sob a mesma denominação os Jurumas, Mamayanás, e até os mesmos Aruans. Os costumes, a vida errante e os habitos bellicosos dos Nheengahibas do Sul e Oeste de Marajó eram em tudo semelhantes aos dos famosos selvagens Muras, que se dislinguiram no Amazonas por sua astucia na guerra, pela ra- pidez maravilhosa com que se moviam nos ataques, apparecendo de subito onde ninguem cs esperava encontrar e desapparecendo como por encanto, d'onde vinha qualquer perigo aos seus bandos, e sempre matando e roubando aos outros indios e aos colonos que não iam bem armados e escoltados. Elles habitavam, aliás, uma região nivelada, cortada e recortada de correntes, arbo- rejada e alagadiça, tal como todo o Oeste e Sul da ilha de Marajó. A região do baixo Madeira e da margem direita do Amazonas desde Villa Bella da Imperatriz até a confluencia do Rio Negro com o Solimões e ambas as margens d'este até Juruá, era identica em tudo ao SO. de Marajó; os costumes e acções dos selvagens que habitavam essas duas regiões, embora mui distan- tes uma da outra, eram identicos; os habitantes de ambas eram salteadores, guerreiros, astutos e destemidos. Mas os Muras fizeram vastas conquistas, do- minando não só quasi todo o estuario do Urariã e Madeira, mas ainda quasi todo o Solimões, de cujas margens partiram em bandos a fazerem incursões e prezas por toda a parte e até quasi junto de Barcellos, então capital da capita- nia do Rio Negro, ao passo que os Nheengahibas, apezar da protecção que lhes prometteram os hollandezes, francezes e inglezes, nunca puderam sahir da sua ilha e estender a sua dominação, sem duvida porque os portuguezes ficayam- lhes muito perto e sempre álerta para batel-os com grandes forças. Mas os Muras, segundo as averiguações feitas em 1785, pelo Tenente-Co- ronel Martel, deduzidas da narração dos principaes chefes selvagens, que m'essa occasião se submetteram à paz e ao dominio portuguez, eram origina- rios do Perú (Alto Madeira), donde tinham vindo seus antepassados, firmando- se depois nas terras baixas do Madeira, onde tinham sua residencia e forma- vam annualmente a sua assembléa. ARCIIVOS DO MUSEU NACIONAL EB) Si de dous individuos que vi d'esta tribu, posso deduzir alguma compa- ração com indios Mojos, devo dizer que não achei no aspecto geral de uns e de outros nenhuma differença sinão em ser o Mojo mais bello do que o Mura, differença que certamente deve provir da diversidade do clima, da alimenta- ção mais conveniente de que se serve o Mojo e da regularidade de vida, que é nenhuma no Mura, accrescendo ainda que este tem a liberdade de fugir e realmente foge quanto póde do contracto da civilisação e que aquelle, por bem ou por mal, é obrigado a viver nella e a sujeitar-se ao onus util que ella impõe. As circumstancias de similitude de vida e costumes dos dous povos sel- vagens que referi e a do Mura com o Mojo, assim como as investigações feitas em 1785 pelo Tenente-Coronel Martel, fazem-me pensar que os antigos Mara- jóuáras, como aqui chamam os moradores de Marajó, do mesmo modo que Ca- metauára, Parauára, etc., significam habitantes de Cametá, hab. do Pará, ete., não pertenciam á raça tupi, e que esta limitou-se a apossar-se do paiz sómente até Santarém e Monte Alegre. Creio que os Mundurucús (Tribu Muturucú) não pertencia à raça tupi. O Sr. Dr. Hartt, que esteve no Tapajoz e pôde estudar ea-visu et corpore esses in- dios, está muitissimo habilitado para resolver este ponto. Os indios que habitavam as margens do rio Pará, desde a barra do To- cantins até a entrada, nas aguas do Amazonas, isto é, os Cambocas (que habi- tavam a margem continental dessa secção fluvial) e os Nheengahibas, que ha- bitavam a opposta e a parte occidental da ilha Marajó, resistiram, ao princi- pio, com armas na mão, aos portuguezes que appareceram em suas praias ; engodados, porém, com presentes e promessas de paz, aceeitaram uma e ou- tra cousa e viveram alguns annos em boa amisade com os colonos, que lhes levavam presentes e artigos de valor insignificantes, com os quaes compravam aos selvagens os productos que estes tinham ou colhiam. Outros colonos, porém, sedentos de ouro e tão ignorantes como atrevidos, “invejando o commercio lucrativo que aquelles, por assim dizer, monopolisa- vam, foram ter tambem com os indios, introduziram intrigas entre os seus competidores, e, não satisfeitos ainda com isto, lograram os indios e rouba- ram-lhes filhos e filhas para serem seus escravos. Comoera natural,este procedimento indigno fez levantar em massa os indios e seus visinhos contra os portuguezes e não só matavam os que iam às suas terras,mas formavam expedições de canôas para atacarem os que se lhes appro- ximavam ou passavam de viagem para outros pontos. Os portuguezes, por sua parte,começaram tambem a matal-os e o proprio V. vi. —29 Mag ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL governo, temeroso de alguma invasão d'aquelles selvagens, que demais a mais impediam o transito para o Amazonas com tal atrevimento e coragem, a ponto de atacarem, embora sem fortuna, as canôas de uma expedição mili- tar, commandada pelo Capitão Pedro Teixeira, que regressava do Amazonas, organisou uma tropa e mandou bater os selvagens. Estes, porém com tal des- treza e astucia se portaram que a expedição voltou derrotada ao Pará. As diversas invasões estrangeiras que começaram de novo a apparecer no Amazonas, não deram ao governo occasião de mandar nova expedição contra os indios. A guerra toda especial e estrategica de que usavam contra os portugue- zes durava já cerca de 15 annos, quando havendo noticia de que na Europa se preparavam novas expedições de invasão no Amazonas, o governador tendo ordem do governo para prevenir e evitar tal invasão, tratou a todo o risco de fazer as pazes com todos os indios de Marajó, porque uma longa experiencia tinha de sobejo provado e era principio corrente que—quem tivesse a seu lado os Aruans e Ingahibas, tinha tambem a chave do Amazonas. Todos os officiaes e funccionarios mais distinctos estavam de accordo, maximé sobre esse principio, e no conselho a que foram chamados todos, no- taram que a paz com os indios era o passo mais seguro a dar contra a invasão estrangeira, Foi então que o activo e incansavel Padre Antonio Vieira, superior dos jesuitas no Pará, offereceu seus serviços para concluir aqueila paz, o que foi aceeito. Pespachou elle logo um missionario com recado aos Nheengahibas, propondo-lhes paz em nome do rei e muitas promessas. Os indios, que já es- tavam tambem cançados da luta, convieram na paz e prometteram vir buscar o Padre, que eflectivamente partiu com alguns dos principaes ou chefes que vieram e com seis soldados, em Agosto de 1659. Entrou no rio Mapuá, que elle subiu até as cabeceiras, foi recebido com applauso da assembléa dos indigenas, celebrou missa, chamou todos a jura- rem paz e obediencia ao rei, e conseguindo tudo isto, alguns dias depois (14 dias) regressou ao Pará com esta boa nova. E” quanto posso, à pressa, dizer sobre os indios de Marajó. Concluo este escripto citando o que escreveu o Padre Antonio Vieira, na carta que dirigiu ao rei de Portugal, em referencia à paz feita com os Nheengahibas e aos cos- tumes «Pestes in lios na guerra. Diz elle, qm summa,na carta de 11 de Fevereiro de 1659: « Usava esta gente de canôas ligeiras e bem armadas, com que infesta- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 115 vam as entradas, que quasi todas eram por agua, matando e roubando com tal estrago que nem em suas proprias defensas estavam seguros os portuguezes... « E à ilha toda composta de um confuso e intrincado labyrintho de rios e bosques espessos (copio sem critica as palavras do Padre), aquelles com in- finitas entradas e sahidas, estes sem entrada nem sahida alguma, onde não é possivel cercar, nem achar, nem seguir, nem ainda ver o inimigo, estando elle no mesmo tempo debaixo da trincheira das arvores, apontando e empregando as suas frechas. E porque este modo de guerra volante e invisivel não ti- vesse o estorvo natural da casa, mulheres e filhos, a primeira cousa que fize- ram os Nheengahibas quando se resolveram à guerra, foi desfazer e como des- atar as povoações em que viviam, dividindo as casas pela terra dentro a gran- des distancias, para que em qualquer perigo pudessem umas avisar as outras e nunca serem accommettidas juntas. Desta sorte ficaram habitando toda a ilha sem habitarem nenhuma parte della, servindo-lhes, porém, em todas, os bosques de muro, os rios de fosso, as casas de atalaia, cada nheengahiba de sentinella e as suas trombetas de rebate. » Apezar de ter copiado sem critica o trecho supra, não posso deixar de no- tar que o Padre Vieira, que aliás era um dos homens mais instruidos do seu tempo, ou para dar mais harmonia à sua linguagem, já muito musicalou por não perder o costume de exagerar para mascarar as inexactidões dos seus es- criptos, pinta a «lha toda coberta de matto ou de bosques e de rios, ete. A maior parte da ilha de Marajó compõe-se de campos, cerca de 2/5 quando muito são arborisados ou cobertos de matto. Os rios são muitos em toda a ilha, mas nos campos, à excepção do Cururú e de alguns outros como -0 Muaná e Arary, ficam seccos totalmente no verão, porque não são mais do que pequenos regos abertos pelas grandes aguas que inundam a ilha. Nos campos andam-se leguas e leguas durante o verão sem se encontrar uma gota d'agua. Muitos habitantes abrem poços e bebem uma agua branca ou quasi como leite, por causa da mistura da tabatinga de que são as paredes e o fundo do poço. 116 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL XII. Os Mundurucús Uma das tribus mais guerreiras, poderosas e intelligentes do Brazil é a dos Mundurucus, que oceupam hoje as campinas do baixo Tapajoz, acima das ultimas cachoeiras e ainda em sua liberdade nativa levam a guerra às tri- bus visinhas. Ha muita duvida sobre a origem e significação do nome pelo qual elles são geralmente conhecidos no Brazil. Encontra-se escripto de diffe- rentes modos por varios autores. V. Martius escreve Mundrucú e Moturicú. (1) Segundo V. Martius e Bates, posto que a existencia dos Mundurucús como uma tribu poderosa no interior fosse conhecida, foi sómente no anno de 1770 que suas hordas appareceram no valle do Amazonas, descendo o Tapajoz e levando tudo de vencida. Alguns annos depois uma cabilda de cerca de 2000 atravessava o paiz pelo interior, desde o Tapajoz até a parte oriental da pro- vincia do Maranhão, commettendo duas terriveis devastações ; mas foi atacada pelos Apinagés, e obrigada a retirar-se para o Tapajoz. Depois d'isso declara- ram guerra aos Muras do Amazonas, tribu de indios rapineiros, com quem os brancos tambem estiveram em guerra. Foram tão felizes que obrigaram (1) Disse V. Martius : «Mundrucis, Mondorucús bedeutet entweder; die welche mit einander plundern (von monda steblen, »u gemeinsam, cx, co pflanzung, Besitzthum) oder; die, welche (den Kopf) abzuschneiden (mondoc) pflegen (ikoj Moturicús von motuman, moteryc und ico heisst: die Schútller, Milnehmer.» Elhnographie p. 390. Ambas estas derivações parecem imaginosas e em contradicção ao mesmo tempo com o genio da lingua tupi e com as leis philologicas. Não pretendo resolver a questão, mas simplesmente oferecer uma suggeslão ao que me parece a mais provavel origem da palavra. O nome, em primeiro logar, pa= rece ser tupi e não mundarucú. E peculiar em sua terminação, que se acha sómente, que eu saiba, em tres outras palavras tupis que posso lembrar: urucú, (Bixa orellana) e pirarucd, grande peixe do Amazonas (Sudis grandis) e sucurucú, serpente, (Lachesis mutus). A palavra urucú póde ser yuá rula, significando yuá-fructo; Pirarukú diz-se no Amazonas derivar depira-peixe e uruki, dando-se este nome por causa das manchas vermelhas do peixe. Mundurucú póde do mesmo modo derivar-se de mondú, ladrão, e urukiú, por causa do costume dos Mundurucús de se esfregarem e pintarem com urukú. Procurei em vão reconhecer seu proprio nome nacional. O Mundurucú nunca usa o none tupi, mas diz: «Fallo a lingua de meus avós. Meus avós assim o fizeram.» ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 117 os Muras a submetter-se, e tão amistosas relações se estabeleceram em con- sequencia d'isso entre os portuguezes e brazileiros, que elles viveram sem- pre em paz desde então, e hoje todos os Mundurucús, mesmo os do interior, são amigos dos brancos. A séde da tribu hoje é nas campinas do Tapajoz, pouco acima das ultimas cachoeiras, onde ainda conservam a sua liberdade e costumes selvagens. A maior parte da lribu parece estar concentrada na margem oriental do rio, em que ella occupa um grande numero de malocas. (1) Os Mundurucús do Ta- pajoz, abaixo das cachoeiras, estão agora todos civilisados, e tão mesclados com a população geral que a sua nacionalidade perdeu-se em grande parte. Entre o Tapajoz e o Madeira ha muitas malocas, mas agora todos abra- cam rapidamente a vida civilisada. Visto nunca se ter feito um censo da tribu, o seu numero póde sómente ser supposto. V. Martius (2) affirma que ouviu calculal-o em 18 a 40.000 al- mas. De Lincourt (3) diz que a tribu póde pôr 18 a 20.000 guerreiros em armas. No physico, os Mundurucús constituem uma bella raça; Martius des- creve os de Canomá como atlhletas, de peito largo, bem conformados e robus- tos de corpo e membros, e de côr clara. Os Mundurucús que eu vi no Tapa- joz não me impressionaram pela sua brancura. Um individuo que eu tinha ao meu serviço como barqueiro, em 1870, era excessivamente escuro, quasi ne- gro de facto, e todavia dizia que era de puro sangue. V. Martius descreve as feições dos Mundurucús do modo seguinte: A cara larga, depois de uma testa baixa, uniformemente sombreada por cabellos cor- tados em quadrado,mostrando bem pronunciadas feições, grosseiras, mas sym- pathicas. Os olhos são sempre pretos e menos obliquos do que nas tribus do sul. O nariz é grande, muitas vezes um pouco curvo, e não tão curto e com (1) O Tenente Joaquim Caetano Corrêa deu-me os seguintes nomes de malocas nas margens do Tapajoz: Buburé, Montanha, Yutaí, Mangabal, Rato, Bacabal, Boavista, Yakareakáya, Xakurâuy, Iré, Kadéte. Os seguintes nomes de malocas nas campinas derivaram-se da mesma fonte : Kabebétutúy, Imburariré, Sampararibé (2) Kaburuá, Uaré Arilairé (aritã, palmeira inajá (Mazimiliana), Aipuká (Su- maúma, arvore de seda, bombag.) Dekudém (dekú, especie de macaco, kuatá Ateles) Parabé (pará ananaz, ibé, terra). Ndasépakté, Hapikpik (Tatakaia páu queimado, floresta incendiada), arukuré, Uakuparé (Uakupá, páu de morrão.) Este ultimo nome parece ser o mesmo que Cuparé, nome de um pequeno rio que se lança no Tapajoz, logo acima de Aveiros, Apsanetik, Karukupé, Daúapóni, Ki- nimbiká. (2) Ethnographie, 390. (3) Penna—Região Occidental da Provincia do Pará, p. 246, V. vi—30 118 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL azas tão projectadas para fóra como os que observamos nos indios do Brazil oriental. Os cabellos são muito espessos, grosseiros e negros, e como V. Mar- tius observou, tornam-se grisalhos muito tarde; na verdade, affirma elle que nunca viu um Mundurucú de cabellos brancos. Quando nos lembramos de que, como adiante mostrarei, os Mundurucús não formam uma tribu homogenea, não nos devemos admirar da pouca uni- formidade de suas feições. Um Mundurucú (atuado, fallando sómente Mun- durucú, póde entretanto ser um Apiacá, ou Parentintim ou Arára de sangue puro, de modo que as feições physicas não indicam affinidade de raça. Os cabellos entre os haapinauira usam-se de varios modos, não havendo distincção para as mulheres, ao menos pelo que me disse o Tenente Joaquim Corrêa. Ordinariamente o cabello é cortado completamente a alguma distan- cia atraz da testa, deixando sómente uma repa na testa em fórma de corôa, cortado rente, assemelhando-se à pequena escova usada para engraxar as bo- tas, sendo a raspagem feita com navalhas de bambú, como se usa por exem- plo entre os Botocudos, (1) porém agora os indios obtêm navalhas de aço e te- souras pelo commercio. Algumas vezes o cabello é cortado à escovinha, ou- tras vezes fica inteiro, ou é cortado de tal modo que deixa alguns tufos lon- gos e outros curtos, e alguns julgam-se na moda, quando os cabellos cortados cerce formam uma série de linhas elevadas, separadas por sulcos, nos quaes o cabello é muito curto. A's vezes deixam ficar alguns cabellos compridos atraz, e atam-lhes pennas de arára ou de mutum, que fluctuam ao ar quando andam. Os homens arrancam a barba e ambos os sexos extrahem os cabellos das sobrancelhas e das axillas, deixando-os entretanto no resto do corpo. Os mem- bros da tribu Campina fazem tres grandes furos nas orelhas. Nos buracos inferiores e em outro perto da margem do lobo, logo acima, elles introduzem ornatos de pau ou de osso, sendo os ultimos às vezes feitos dos ossos do mu- tum (Crax). No ultimo buraco elles introduzem às vezes um grande disco de madeira, segundo a moda dos Botocudos, porém m'este caso o disco não é tão grande. Eu descrevi os Botocudos como voltando para cima o cordão pendente, depois que removiam o disco, e pendurando-o na orelha para não lhe causar incommodo. Os Mundurucús das campinas introduzem o lobo pendente no (1) Hartt, Physical Geography and Geology of Braz:l. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 119 buraco do meio. Pelo buraco superior passam uma corda que rodeia a ca-' beça e leva a cada crelha um tufo de pennas, V. Martius diz que os Mundurucús do Amazonas perfuravam a orelha sómente acima do primeiro sulco e que n'este buraco usam discos de madeira. As mulheres das campinas perfuram o labio inferior e introduzem na aber- tura uma longa peça da canarana, que se agita continuamente emquanto ellas falam. Não pude verificar si este costume existe no Amazonas. Os Mundurucús do interior tatuam o corpo, porém os dos districtos civili- sados do baixo Tapajoz e na Mundurucania não ornam assim a pele de seus fi- lhos. Esta tatuagem é executada com uma especie de pente feito com um dos longos espinhos afiados do Murumurú (Astrocaryum murumurú) do Jauaré ou de algumas outras palmeiras. (|) M. de Lincourt diz que a operação é feita quando a criança é muito nova, e que, si é rapaz, é executada pelo pai. As li- nhas são primeiramente marcadas, picando-se a pelle com o pente, e fricciona- das com fuligem que se obtém queimando resina de jutahi. A operação é do- lorosa, mas o menino não se pôde queixar. Toda a tatuagem não é usualmente executada ao mesmo tempo, e podem- se ver muitos adultos com algumas linhas preliminares apenas. O modelo, bastante uniforme, é ainda sujeito a variações consideraveis nas minu- dencias. Encontrei um individuo completamente tatuado em Itaituba. Tinha provavelmente 40 annos de edade. Nasceu em um logar no baixo Tapajoz, si bem me lembro; em todo o caso não foi nas campinas. E' duvidoso s: era de descendencia Mundurucú; quando rapaz, esteve uma vez ao serviço do Tenente Joaquim Corrêa, mas depois desappareceu, e alguns armos depois o Tenente achou-o tatuado e um perfeito Mundurucú. Eu encontrei-o falando muito mal o portuguez, emquanto que exprimia-se per- feitamente na lingua de sua nação adoptiva. Era, de facto, um verdadeiro Mundurucú, As figuras na pagina seguinte representam a tatuagem deste individuo. Fiz uma photographia, mas como esta não reproduziu a tatuagem por causa da sua côr azul, tive de fazer um cuidadoso desenho das linhas, que foram depois introduzidas na figura copiada da photographia. Sua fronte e face, incluindo o nariz, estavam pintadas de preto ou antes de azul, sendo as puncções tão unidas que se tornavam confluentes. O queixo, (1) V. Martius, Ethn. p. 387 Alfonse Mangin de Lincourt, citado por Herdon. Expl. Vall. Amaz. Vol. 1. p. 310. 120 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL assim como a parte inferior da face, eram entretanto simplesmente marca- das com algumas linhas cruzadas. ” “= 4 protese Tres linhas parallelas corriam de hombro a hombro pelo meio do peito, e destas partiam até à cabeça, ao longo do pescoço, seis linhas perpendiculares bifurcando-se subitamente pouco antes de encontrar a linha horizontal supe- rior. De cada lado d'este grupo, tres linhas partindo do queixo, desciam ao E longo do pescoço, e uniam-se então em uma só linha. Por fóra destas um nu- mero de linhas parallelas, originando-se na tarja horizontal do peito, cor- riam obliquamente para traz, unindo-se na espinha, justamente em frente das axillas, deixando um espaço angular cheio de linhas semelhantes parallelas, tiradas perpendicularmente para baixo da parte posterior da cabeça. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 121 A tarja de quatro linhas entre os mamelões não se continuava ao redor dos lados; continuava-se entretanto pela face anterior do braço. A parte poste- rior da espadua e braço não apresentavam linhas,excepto no cotovello. Deve-se observar que na superior das duas séries de figuras rhomboides, desenhadas nos espaços entre as tarjas do peito e do braço, as figuras rhomboides eram divi- didas por linhas verticaes. A parte inferior do ventre era marcada com linhas parallelas verticaes largamente separadas, que não se continuavam no meio do abdomen. Encontravam-se identicas linhas na coxa e na parte superior da perna, até perto do joelho, na frente. O dorso era coberto, de cada lado, de linhas que partiam do hombro e lados, parallelas e um pouco curvas, correndo um pouco obliquamente para baixo,e encontrando-se cada linha na espinha dorsal com outra semelhante do lado opposto ou perdendo-se na nadega. No dorso da perna estendiam-se linhas verticaes, até perto do astragalo. Este modelo de tatuagem tem um effeito muito curioso e singular, mas no caso descripto a côr da pelle era tão escura que as linhas não estavam perfeitamente definidas. A côr negra da face era simplesmente hedionda. Martius (1) descreve a tatuagem de um homem do mesmo modo, e aceres- centa que ella varia conforme o gosto do individuo, não sendo a face sempre pintada. A face inferior do ventre é marcada com linhas verticaes parallelas. Mme. Agassiz (2) viu uma mulher cuja parte inferior da face estava ta- tuada com tinta azul escura, cobrindo a bocca e a parte inferior das boche- chas até a base das orelhas. O queixo era tatuado em fórma de rêde, diri- gindo-se uma linha escura pelo nariz e pelo angulo externo dos olhos até as orelhas, produzindo o effeito de oculos A parte superior do peito era ta- tuada de uma especie de rêde collocada sobre duas linhas rectas tiradas em vedor das espaduas, como para representar a renda grosseira que constante- mente se vê em redor do pescoço das suas camisas. Descreve tambem um cuja face é toda tatuada de preto azulado, terminando esta singular mascara na margem por uma cinta de Jinhas mais abertas, de cerca de 1/2 pollegada de (1) «Sie hatton entweder das ganze Antlilz lâtowirt oder in dessen Mitte cinon halbelliptischen blauschwarzen Fleck von dem sich Zahlreiche, ganz parallele Linien úber Kinn unterkiefer zur Brust herab erstreckten. Von der Milte dér einen Schulter bis zur andern laufen àber die breite Brust zwei oder drei Linien, einen halben Zoll von einander entfernt und unter diesen bis an das Einde der Brust befinden sich stehende bald ansgefúlite bald lecre Rauten. Der àúbrige Rumpf ist auf Alinliche Wise, doeh minder volistândig, gezeichnet und an den Extremitaten wiederholen sich dieselben Linien mit oder ohne Rauten.» (2) A Journey in Brazil, p. 318. V.v.—31 129 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL largura, correndo em redor do queixo. Suas orelhas eram atravessadas de grandes buracos, dos quaes se suspendem peças de madeira, quando o vestua- rio está completo. Nas campinas um homem não é considerado verdadeiro Mundurucú sem ser tatuado. Mme. Agassiz diz que mesmo entre os Munduru- cús civilisados parece haver uma especie de respeito instinctivo por um indio tatuado. A unica mulher mundurucú tatuada que eu vi tinha simplesmente uma linha ao redor de cada olho, reunindo-se as duas ellipses por uma linha no nariz. Uma linha do angulo externo de cada olho dava-lhe a apparencia de oculos. Mme. Agassiz figura diagrammicamente uma mulher com semelhante ornamentação à maneira de oculos. Algumas mulheres que eu vi tinham uma linha ao redor da bocca, que continuava de cada lado obliquamente para traz até a orelha. A figura de mu- lher de Mme. Agassiz mostra que o corpo e braços eram tatuados do mesmo modo que no homem. V. Martius (1) diz que as mulheres raramente apresentam toda a face ennegrecida, porém que cllas se adornam com uma malha em fórma de meia lua, cujos angulos são voltados para cima. Na maloca mundu- rucú do Cupari o Sr. Bates encontrou um homem que tinha uma mancha preta semi-circular no meio da face, cobrindo a parte inferior do nariz e da bocca, linhas cruzadas no dorso e peito, e raias sobre os braços e pernas. O Sr, Derby me disse que um barqueiro mundurucú que o acompanhava em uma excursão de Itaituba a Aveiros era bastante claro e tinha a face tatuada com uma simples linha dirigindo-se de uma orelha à outra atravez do labio supe- rior. Em addição á tatuagem os guerreiros pintam a pelle com genipapo & pintam-se de vermelho com urucú. Os Mundurucús selvagens das campinas andam inteiramente nús. Os da Mundurucania tornaram-se mais ou menos civilisados, como já mostrei, Mesmo os de Cuparú, visitados por Bates, aprenderam o uso das roupas e as mulheres se vestem quando apparece-lhes pessoa estranha. Ushomens usam 0 ta- honha óua. Os homens enfeitam-se mais ou menos com pennas, especialmente du- rante o tempo de guerra, porém nos dias de festa deleitam-se em mostrar-se com as suas roupas, e uma rica corôa de pennas. V. Martius diz que o gorro cha- ma-se akeri e que algumas vezes é guarnecido de um rabicho de pennas de ará- ra: akeri kara. Seus ornatos de braços chamam-se bombim manja (Mart.) Sobre & (1) A Naturalist on the Amazon, p. 272. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 123 espadua põem uma especie de mantilha composta de bandas e borlas de pen- nas de arára, à qual é excessivamente bella e muito procurada pelos viajantes. Nos dias de festa o indio leva na mão um bello sceptro de pennas, um dos quaes me foi apresentado pelo Capitão Joaquim Barros, do vapor «Pará», que navegava no baixo Tapajoz. Tem 28 pollegadas de comprimento. O cabo é uma peça da haste da flôr do Gynerium, de perto de 6 pollegadas de comprimento, As 8 pollegadas da parte implumada inferior consistem em um cylindro de cerca de uma pollegoda de diametro, completamente coberto de pennas curtas firmemente ligadas com cêra e finos fios de algodão. As pennas são tão macias e lisas como no proprio peito do passaro. A banda inferior mais estreita é escura. Vê-se depois uma banda larga vermelha, depois outra escura, e ainda uma outra vermelha, todas de pennas curtas. Acima ha uma banda de pennas compridas, amarellas, sombreadas por outras vermelhas, côr de laranja, amarellas e azues. Toda a parte superior do sceptro consiste em um tufo de pennas de arára ornado perto do tope com pequenos estofos de pennas vermelhas curtas, ligadas por fios de algo- dão. Este bello ornato é guardado, quando não se usa, em um estojo, que consiste em um pedaço grande de bambú fechado na extremidade por um nó. Bates descreve sceptros semelhantes que elle obteve dos Mundurucús Kuparis. Tinham cerca de tres pés de comprimento e tres pollegadas de diametro e fa- ziam-se pregando-se com cêra as pennas brancas e amarellas do peito do tu- cano em curtas vaquetas, sendo os topes ornados de longas pennas das cau- das dos papagaios e outras aves. Tambem se guardavam em estojos de bambú. De Lincourt diz que nãose permittia que as mulheres usassem de pennas. O Tenente Joaquim Corrêa, que está mais relacionado com os Mundurucús das campinas do que qualquer outro, affirma positivamente que as mulheres usa- vam pennas nos cabellos. As mundurucús das campinas usam collares de dentes não só de animaes inferiores, mas tambem do homem, perfurando para este fim os dentes dos inimigos mortos na guerra. Devido ao commercio da borracha e salsaparrilha do alto Tapajoz, os in- dios estão agora providos de collares e ornatos. Gostam muito de espelhos, to- davia o Tenente Corrêa me affirmou que os das campinas não ós apreciam. As casas dos selvagens Mundurucús são geralmente redondas, de paredes baixas e guarnecidas de um tecto conico de palha. Na maloca de Cupary, vi- sitada por Bates, muitas das casas são cabanas conicas com paredes de estuque e com tecto de folhas de palmeira, cujas margens vão até meia altura da pa- 124 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL rede. (1) Algumas comtudo eram construidas em estylo civilisado. Spix e Martius dão um esboço illustrado, representando um encontro entre dous Mundurucús. Atraz ha uma cabana em fórma de colmeia. Cabanas da mesma fórma foram de uso commum entre os Mundurucús do Amazonas. Nas campinas cada maloca tem uma especie de barraca em que os guer- reiros passam a noute. O Tenente Joaquim Corrêa descreveu-me estas barracas como longos e estreitos alpendres abertos de cada lado e guarnecidos de pos- tes a que os guerreiros suspendem suas rêdes. A tribu divide-se, segundo as informações do Tenente, em familias ou classes, distinctas por côres, e dá-se a cada classe uma divisão das barracas, marcando-se a divisão pintando certos postes com a côr da familia. Si uma divisão não é bastante grande para con- ter uma familia, o resto arma a rêde em postes plantados no chão, defronte da divisão respectiva, porém quando a noute é tempestuosa refugiam-se nas barracas. A” noute os guerreiros entretêm-se tocando cornetas de madeira até tarde, depois dormem, mas antes de romper o dia tocam de novo as cor- netas. Não se permitte que nenhuma mulher entre nas barracas. Si alguma quer fallar a seu marido, approxima-se até uma certa distancia e d'ahi o chama. Os homens passam o dia na caça, deixando uma guarda para proteger a maloca em caso de ataque. A caça e a guerra são a occupação dos homens. As mulheres cultivam mandioca, milho, algodão, urucú, bananas e outras plan- tas. São muito industriosas, e quem visita as campinas falla com elogio de suas roças. Os Mundurucús civilisados do valle do Amazonas empregam-se muito na agricultura e na extracção da borracha, colheita de salsaparrilha, cravo, etc. As mulheres depois de tirarem as sementes do algodão batem-n'as com um páu para separar-lhes as fibras, e depois fiam-n'as com um fuso, fazendo assim bonitas meadas. Sabem fiar fachas e fazer rêdes de pennas. A gnyá Mundu- rucú é muito curta e chata; algumas vezes é feita com as fibras da superficie externa das folhas da palmeira miriti, e são muito fortes. Os tecidos em que se entrelaçam as pennas para fazer as roupas são, segundo Bates, teitos por meio de varinhas. As mulheres Mundurucús, como já ficou dito em um capitulo precedente sobre a ceramica, fabricam louça de barro, porém não parecem primar nesta (1) A Naluralist on the Amazon, p. 270. ARCIIVOS DO MUSEU NACIONAL 125 arte. Em vez de formarem o vaso pelo processo de enroscamento, ellas mol- dam-n'o directamente de uma grande massa de argila. Os Mundurucús das campinas vivem da caça e da pesca e consomem grandes quantidades de farinha de mandioca. Tambem me disseram que elles preparam um prato especial chamado nda, cozinhando castanhas. Deixam fermentar esta iguaria até adquirir um cheiro e gosto excessivamente desagra- daveis ao olfato ou ao paladar de um homem civilisado; mas a etiqueta dos Mun- durucús exige que, quando este manjar é offerecido a um hospede, elle não se recuse a provar delle. Elles comem jacarétinga, cuja cauda é considerada como um prato deli- cado entre os indios civilisados do Amazonas, e eu vi-o exposto já moqueado no mercado do Pará. Comem tambem uma especie de giboia, cuja carne, se- gundo me informaram, não é ma. Gostam de gafanhotos, que abundam em certas estações nas campinas. Apanham-n'os fazendo buracos na terra, e enxo- tando-os para esses buracos; depois de espremer os intestinos, comem o resto do corpo ou crú ou cozido. Certas especies de lagartas verdes são usadas tambem para a alimentação juntamente com larvas achadas nas nozes do Tukuma-uaçú (Astrocaryum sp.) Uauaçú (Attalea spectabilis Mart.) e outras palmeiras. V. Martius diz que os Munduracús não usam do Tucupi. O Tenente Corrêa, porém, descreve-os comendo o tucupi misturado com saúba-tahy, formiga,especie de 0c- codomus, segundo julgo. Tambem estou informado de que elles comem a for- miga Mani wira, apanhando-a em grandes quantidades na epocha dos formi- gueiros e assando-as ao fogo. Todo o mundo sabe que existe no corpo de certas formigas um acido chamado foórmico, e que na Suecia as formigas são usadas para fazer vinagre. Quando estive no Amazonas ouvi muitas vezes gabar o gosto da saúva. Uma senhora americana, residente em uma plantação, perto de Santarém, pergun- tou-me si eu já tinha comido saúva,ao que respondi; Não. «Pois bem, disse ella ; não deixareis o Amazonas sem experimental-as, porque são muito gostosas.» Dizendo isto, mandou uma mulher buscar algumas, e em poucos minutos voltou com uma bacia d'agua, em que algumas centenas de saúvas esta- vam afogadas. A criada tinha feito um pequeno buraco na estrada, ao longo da qual as formigas estavam passando, e ahi cahiram. A senhora tomou uma formiga da bacia, tirou-lhe a cabeça e comeu-a com evidente pra- zer. Assim animado, eu segui o seu exemplo, e quando o insecto ficou esma- gado entre os meus dentes, a minha bocca foi invadida por um sabor um tanto forte de especiaria, assemelhando-se um pouco ao cravo. O sabor pi- V. vi—32 126 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL cante torna completamente impossivel o uso da saúva para outro fim que não seja o da especiaria ou condimento. Addicionadas ao molho Tucupi, ellas dão-lhe um gosto muito agradavel, como posso asseverar por experiencia pro- pria. Si os camarões são bons para alimento, porque o não seriam tambem as formigas ? Tambem se come uma especie de cupim chamado Tapecwmy, que é apa- nhado à noute com tochas nos formigueiros, sendo cozido e comido como pa- soka, depois de batido em um almofariz com outros alimentos. Os Mundurucús das campinas cultivam excellente tabaco, que fumam sómente em cigarros enrolados em casca de Tauari, e não usam cachimbos, Elles preparam muitas bebidas alcoolicas com a mandioca, assim como vinho de caju, de ananaz, ele. Partilham com outras tribus o costume de mastigar os bolos de mandioca, fazendo caxiri, deixando-os fermentar depois. Póde-se beber o caxiri em grandes quantidades, porém os succos fermentados do cajú (Anacardium) e ananaz dão vinhos muito fortes, e, quando bem preparados, são deliciosos. O vinho de cajú, feito na fabrica de Santarém, é muito esti- mado, e quando fica velho tem um gosto semelhante ao de Madeira. A mulher é algumas vezes paga por longos serviços em casa do sogro. Si o marido morre, seu irmão deve casar-se com a viuva, € O Irmão da viuva deve casar-se com a filha adulta, si ella não pôde achar outro marido, (1) po- rém, segundo a mesma autoridade, certos gráus de parentesco, como por exem- plo, entre tia e tio paternos não permittem alliança matrimonial. Isto está inteiramente de accordo com a idéa de que o menino não é parente da mãe, e por isso póde casar-se com um tio ou tia materna, emquanto que o parentesco do lado paterno é plenamente reconhecido. Eu já fiz ver que a tribu divide-se em classes. Mme. Agassiz, apoian- do-se na autoridade do Major Coutinho, diz que o casamento entre membros da mesma classe não é permittido. Si comtudo o casamento entre tio e sobri- nha materna é permiltido, a lei do casamento consanguineo não é tão rigo- rosa como time. Agassiz à suppõe. Os Mundurucús praticam a polygamia; V. Martius diz que a mulher mais velha é a dona da casa, mas não é necessariamente a favorita; sua rêde está armada junto à do marido. O laço matrimonial é considerado tão sagrado entre os membros desta tribu que o adulterio é quasi desconhecido. Ninguem (1) V. Martius—Ethn. p. 399. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 127 póde casar-se sem ser tatuado,não sendo considerado por isso membro da tribu, a menos que se tenha submettido a esta ceremonia. Antes do casamento, a moça, ao attingir a puberdade, é obrigada a soffrer um longo jejum, confinada na parte superior da cabana, onde se accumula a fumaça. Todas as pessoas que visitaram as campinas fallam com o maior elo- gio da virtude da mulher Mundurucu. De Lincourt conta que tentou corrom- per uma rapariga Mundurucú, mas não o conseguiu. «A rapariga era incor- ruplivel, diz elle. Promessas, braceletes, collares de perolas (falsas), tudo foi inutil.» A rapariga Mundurucú era superior ao francez. Os Mundurucús das campinas praticam a couvade. (1) Por occasião do nascimento de um menino, o pai deita-se na rêde e faz-se tratar pelas mu- lheres. Durante o periodo da gravidez os maridos têm muito cuidado em não matar qualquer animal para não fazer damno ao seu filho. A couvade tal como era praticada pelos antigos Tupis encontra-se entre os Abipones (2) e as tribus Calibi e Acawoio da Guiana (3) e dos Coroados (4) do sul do Brazil. Lubbock affirma que o mesmo costume se encontra na Groenlandia, em Kamskatka, na China, a oéste do Yunnan, entre os Diaks de Borneu, ao norte da Hespanha, na Corsega, e ao sul da França, tendo neste ultimo paiz o nome acima. A generalidade d'este costume indica a crença de que o me- nino realmente só está aparentado com o pai e não com a mãe. (5) Os meninos recebem frequentemente nomes de animaes, plantas e mesmo de objectos inanimados. Os seguintes são alguns nomes de homens. Tuikoréy, Bruúndjeby (brun é algodão), Karúdjebe, Datchevaudjebé (Datche é o gavião real, especie de aguia), Itúnpumpy, Itumbordr, Itumbodjebé, Uaxubabuibe (Uaxu é um pequeno macaco,) Raipy (Phallus) Dekó (kuata L. macaco Atteles) Puzuréyayuatpy; Poapompy (Por, yauti-jabuti; apompy-figado) Pólkorey. Os seguintes nomes são de mulheres : Puxukoréy, Bixibykibé. Buu saubo era o nome de um chefe; depois que morreu era sim- plesmente chamado Uarubixé. Parece este nome ser o mesmo que geru- bixaba, tupi ou seruixdua, meu chefe (talvez plural). Os Guaranys chama- (1) Lubbock— Origin of Civilisation. (2) Dobritzhoffer. (3) Brett Indian tribes of Guiana, p. 10), (4) Spix e Martius, Reise. Tome 1]. (5) V. Martius disse: «Denn nur dem Vater wird das Kind zugescbrieben die Thatigkoit derder Mutter dabei wird der des Bodens verglichen der die saat empfangt.» Veja-se tambem Lubbock, Ori- gin of Civilization, p. 12 e 113. 128 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL vam Lopes (1) Yande Rubichaguasi. Os nomes proprios muitas vezes mudam-se em vida, sendo os novos nomes dados para commemorar os feitos de valor na guerra ou na caça. (2) Quando alguem cahe doente, manda chamar o pagé para cural-o. O con- jurador faz um enorme cigarro enrolado em casca do Tauari e com grande solemnidade sopra a fumaça sobre o paciente. Elle apalpa o ponto onde a dôr é accusada, e suga-o com a bocca, depois tosse e pretende expellir da bocca um verme, que elle faz crer que tem na mão. Representa depois a farça de examinal-o, fumigando-o com fumaça de tabaco, e finalmente pretendendo tel-o nos dedos, sopra-o e assim desapparece. O doente deve depois restabele- cer-se completamente, e tal é o poder da credulidade que esta ceremonia é muitas vezes sufficiente, Qual dos meus leitores, depois de soffrer durante al- guns dias, não se sentiu promptamente restabelecido ao affirmar-lhe o medico que nada tem? Algumas vezes o pagé mostra ao paciente e aos assistentes o que elle pre- tende ser o verme que extrahiu do corpo do doente. Bates assistiu uma vez às ceremonias executadas por um pagé e verificou que o supposto verme era uma longa raiz branca de alguma planta (3) Suppõe-se que o pagé tem o poder de fazer chover, de afugentar os máus espiritos, e de predizer o tempo proprio para fazer a guerra, e é muito temido como tendo negocios com os máus espiritos. Elle não usa insignias especiaes, mas póde ser reconhecido por trazer sempre o seu cigarro entre o segundo e terceiro dedo. A crença na feitiçaria é geral e seu exercicio é punido com a morte. O Sr. Chandles conta que um Mundurucú tatuado de Campineiros, no Maucassiút, foi recentemente assassinado pelos Mundurucús civilisados da mar- gem inferior, por se suppor que era feiticeiro. Quando uma pessoa é velha e doente, e suppõe-se que não se restabelece, seus filhos matam-n'a com uma cla- va. Os Mundurucis não são a unica raça que põe termo à existencia dos parentes velhos. O Sr. Hunt, (4) missionsrio entre os Tijis, foi uma vez convidado por um moço para acompanhar o enterro de sua mãe, e reunindo-se à procissão ficou sor- (1) Cacique Lambaré Assuncion, Julio de 1867. (2) V. Martius. Ethn. p. 598. (3) Naturalist on the Amazon, p. 273. (4) Wilkes Exploring Expedition, p. 211. Edição resumida, citado por Lubbock, Origin of Civi- lisation, p. 248. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 129 prehendido ao ver o corpo passeando tão alegre e vivo como o das pessoas pre- sentes, e apparentemente muito satisfeita; mas apezar de tudo que Hunt pôde fazer para prevenir o facto, a pobre mulher foi estrangulada pelos seus queri- dos filhos, e enterrada com muita pompa. Os mortos são enterrados com o corpo estendido em sepulturas cavadas no chão das cabanas. Os unicos objectos enterrados com o corpo são accidental- mente alguns ornatos de pennas, ou alguma cousa desta especie, não se depo- sitando nunca as armas na sepultura. Quando a cova está coberta tem-se muito cuidado em não pisal-a. Todos os dias derrama-se agua sobre a sepultura, e deste modo a terra gradualmente se abaixa e fica dura. Quando morre um guerreiro, os guerreiros não só da sua maloca, mas tambem de outras malocas da circumvisinhança reunem-se em redor do tumulo; recontam os feitos do defunto, e choram; e continua-se esta ceremonia até que sejam representadas todas as aldeias. E” commum encontrar-se um troço de indios no campo, que dizem que estiveram chorando um guerreiro morto, ou que vão á maloca chorar. Quando morre um guerreiro ou é morto fóra da aldeia, cortam-lhe a cabeça, um braço ou uma perna, preparam-nos ao moquem e trazem para casa para enterrar; si a distancia é muito grande guardam só- mente uma mão. Quando um guerreiro morre perto da aldeia, mas demasiado longe para poder ser conduzido todo o corpo, elles extrahem-lhe os intestinos, poem o corpo no moquem e levam-n'o para a aldeia afim de enterral-o. Esta mutilação e tratamento do corpo pelo fogo não tem parallelo, que eu saiba, em qualquer outra tribu. Os Mundurucús não são anthropophagos. Quando morre o marido, a mulher corta os cabellos, e o homem faz o mesmo quando morre amulher. V. Martius, apoiado sobre a autoridade do missionario Gonçalves, diz que os Mundurucús não acreditam na immortalidade da alma. A julgar pelo pouco que vi da tribu, não posso acreditar que esta asserção seja exacta. V. Martius affirma que a organização militar é conservada mesmo em tempo de paz. Um bastão é levado de casa em casa e todos os homens aptos a pegar em armas, fazem nelle um signal, obrigando-se assim a tomar cada um a sua parte em caso de guerra. Quando uma horda alcança um rio demasiado largo e profundo para ser promptamente vadiado, ou atravessado a nado, fazem canôas, arrancando de uma arvore uma grande parte da casca e fechando-a nas duas extremidades. Usam de pedaços de casca como remos. Quando a horda volta da guerra e se approxima da maloca, é mandado ao seu encontro um emissario, afim de informal-a, emquanto o resto espera para V. vi—33 130 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL dar tempo a que se façam os preparativos da sua recepção. Os guerreiros e seus companheiros, carregando os trophéus e conduzindo as crianças, são recebidos com enthusiasmo, celebrando-se uma grande festa em honra d'elles. Os Munduru- cus das campinas vivem continuamente em guerra. Bates diz que elles extermi- naram completamente os Júmas e Jacarés. Já fallei das suas guerras com os Mu- ras; não ha muito atacaram os Apiacás. Actualmente restringiram sua attenção principalmente aos Parentintins ou Parárauátis. O fim ostensivo que elles dão ás suas invasões annuaes sobre esta tribu, é advertil-a que precisam civilisal-a. O motivo real, porém, é satisfazer seus instinctos bellicosos, capturar crianças e obter cabeças como trophéus. A campanha contra os Parentintins é sempre feita na estação secca, e um certo numero de mulheres acompanham a horda para levar provisões e cuidar das crianças capturadas. Sobre a tribu dos Parentintins pouco ou nada se sabe. V. Martius loca- lisa estes indios perto das cabeceiras do Secundury. Bates, comtudo, falla de uma expedição contra os Parárauális, que appareceram no Cupari. O mesmo au- tor diz que são selvagens intrataveis, sem habitação fixa, vivendo como animaes ferozes, mas Martius aflirma que, segundo informações que teve, constituem uma bella e industriosa tribu. Diz-se que elles raspam a cabeça, tatuam a face, e O lado interno do antebraço sobre o pulso, e que são anthropophagos. Ama- zonas (1) diz que a tribu foi completamente exterminada pelos Mundurucús, ficando sómente algumas familias reunidas entre outras nações. Os habitantes de Jatapú descendem desta tribu. O mesmo auctor tambem affirma que os Pa- rentintins são bem feitos de corpo, claros, mas que deformam artificialmente os labios e as orelhas. Os Parentintins, segundo Bates, commettem devas- tações nas malocas dos Mundurucús, de sorte que os ultimos, com toda a probabilidade, não deixam de ter um pretexto razoavel para lhes fazer guerra. Os Mundurucús quando atacam os Parentintins, matam todos os adultos, não fazem prisioneiros, mas levam todas as crianças, que depois adoptam como filhos e tractam com a maior bondade, os quaes depois de ser tatuados, tor- nam-se Mundurucús. Cortam as cabeças dos guerreiros e guardam-nas como trophéus. Os Mundurucús, muito antes de conhecerem o uso dos instrumentos de me- tal, usavam facas de bambu, com as quaes cortavam as cabeças para leval-as. As armas dos guerreiros eram arcos, com os quaes usavam de settas envenenadas, (1) Dice. da comarca do Alto Amazonas. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 131 segundo V. Martius. (1) Os arcos são longos e muito pesados, e para prevenir que a corda magôe o punho, passam uma faxa de algodão em redor. Tambem usam de lanças e clavas, mas todas estas armas aborigenes estão sendo rapidamente substituidas por armas de fogo. Vi uma vez um só lote de 120 barris de pol- vora com destino às Campinas para negocio de barganha. Os ataques são sem- pre feitos de dia. Segundo V. Martius, a horda atacante fórma uma larga li- nha, incluindo as mulheres, que durante o combate fornecem aos mari- dos settas e lhes prestam outro qualquer auxilio. A posse das armas de fogo dá-lhes hoje uma immensa superioridade sobre seus inimigos mais sel- vagens. O cerebro, musculos, olhos e lingua das cabeças dos inimigos mortos na batalha, são extrahidos. V. Martius diz que são todos os dias lavados mui- tas vezes e untados com oleo misturado com urucú, e depois seccos ao sol. Ba- tes (2) diz que as cabeças, depois de extrahido o cerebro e as partes molles, são embebidas em oleo de andiroba e depois expostas por alguns dias ao sol ou à fumaça (3). Fazem olhos artificiaes de cera e dentes de cutia e enfeitam as cabe- cas com pennas; e diz Martius que fazem miolos artificiaes de algodão. Para preservar estas cabeças contra os insectos, elles expoem-n'as de vez em quando ao fumo do Carapão, uma especie de cipó ou do pau candeia. O guerreiro toma o maior cuidado possivel com a cabeça, levando-a na extremidade de um ca- jado terminado em ponta. O cajado figurado por V. Martius, no atlas, é mais alto do que o indio, mas um que eu possuia tinha apenas 4 pés de comprimento. Quando o indio está passeiando na maloca, leva muitas vezes a cabeca debaixo do braço. A" noute o cajado, com a cabeça espetada, é fixado no chão ao lado da rêde do guerreiro. Nada póde induzir o guerreiro a desfazer-se do medo- nho trophéu antes de uma certa festa, depois da qual não lhe dá mais valor algum, sendo vendido ou mesmo lançado a um canto. Eu nunca tive oppor- tunidade de examinar uma destas cabeças preservadas. Ultimamente existia uma no Museu do Pará, mas infelizmente ficou estragada pelos insectos e falta de cuidado. Um specimen da colecção de Blumenbach foi figurado pelo prin- cipe Maximiliano, de Neuwied. A figura na pagina seguinte é a de uma das ca- beças que possue o Museu Nacional. Na occasião de perfurar os dentes dos seus inimigos para fazer collares, (1) V. Martius diz que como os Mundurucús não preparam o veneno, é provavel que o uso deste seja de introducção moderna nesta tribu. (2) Obra citada, pg. 274. (3) O Sr. Mattos, de Santarém, disse-me que se emprega areia quente para seccar as cabeças, 132 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL celebrava-se uma solemne festa e a morte dos que succumbiam para obter trophéus era chorada. A perfuração dos dentes é executada por meio de uma agulha collocada em um cabo que é movido entre aspalmas das mãos. Si um guerreiro é ferido na guerra deixa cres- cer o cabello por um anno. Durante todo este tempo ninguem pronuncia seu nome, elle é considerado morto, mas no fim do anno celebra-se-lhe uma festa. Outros cortam o cabello e raspam a cabeça, e deste modo resuscitam, por assim dizer. Cada aldeia tem o seu chefe, na lingua geral Tuxáua, que tem a suprema direcção da maloca e O commando de seus guerreiros. Um dos tuxáuas Mun- durucús, chamado Joaquim, distinguiu-se durante a insurreição dos Cabanos, no Pará, em 1835-36 e foi recompensado por uma commissão no exercito brazileiro. De Lincourt viu-o muitos annos depois, velho, decrepito e pobre em sua casa no alto Tapajoz. Os Mundurucús são notaveis por sua hospitalidade, maneiras agradaveis para com os estrangeiros, e honestidade. Como canoeiros ou trabalhadores, são mais fieis e industriosos do que a maioria dos outros in- dios do Amazonas. Uma anecdota contada por Mr. Chandless é digna de ser mencionada. «Este povo de Jutahy, diz elle, comprou-me algumas cousas para me pagar, em minha volta, com tapioca e tabaco. Quando desci o rio, encon- trei alguns de meus devedores em uma excursão a alguns dias de viagem acima de Jutahy. Disseram espontaneamente que o pagamento estava prompto e que os que tinham ficado na aldeia tinham ordem de pagar-me, embora eu chegasse na ausencia d'elles. No dia seguinte, logo à minha chegada, trouxe- ram-me o que me deviam e tambem espontaneamente.» Em minhas relações com os Mundurucús pude reconhecer que são de muito boa indole e honestos. As mulheres, tatuadas, eram todas muito timidas, e por isso nunca pude retratar uma só d'ellas. As mulheres semi-civilisadas de Vixituba eram extremamente ti- midas,e os Mundurucús me pareceram muito mais estupidos do que os Maués, Posto que eu tivesse muitos interpretes Mundurucús, cuja maioria era mais ou menos civilisada, tive todavia a maior difficuldade em conseguir respostas correctas às perguntas que lhes fazia em portuguez e lingua geral, e por isso o meu vocabulario mundurucu é pouco extenso; o numero de phrases verifica- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL aja! das, colleccionadas para ilustrar a estructura grammalical da lingua não se compara com o que eu colleccionei na lingua Maué. A grande difficul- dade que encontrei entre os Mundurucús consistia em fazel-os repetir mesmo a mais curta phrase, uma vez enunciada. Emquanto eu escrevia à primeira palavra, toda a construcção do resto da phrase mudava completamente. Ex- perimentei muito menos dificuldade com os Maués. Difficilmente posso acreditar que a intelligencia superior dos Maués seja de todo devida às van- tagens superiores da civilisação, porém posso me enganar. Reconheci pelo estudo destas linguas que tanto os Maués como os Mundurucus pertencem à familia Tupi-Guarany. A lingua dos Mundurucús differe muito mais do Tupi ou lingua geral do que a dos Maués, o que me leva a crer que esta ultima tribu é filha muito mais nova da familia Tupi-Guarany do que a primeira, em logar de ser uma divisão dos Mundurucús, como suppunha Bates. Santa Cruz, aldeia da margem esquerda do Tapajoz, algumas milhas acima de Santarém, era um estabelecimento de Mundurucús, fundado em 1803; Boim, algumas milhas mais longe, abaixo do rio, na mesma margem. Pinhel, Uixituba e Itaituba eram todas primitivamente aldeias mundurucis, e os seus actuaes habitantes são em grande parte descendentes desta tribu, muito larga- mente mesclada com outro sangue. A lingua geral foi um laco que apressou a fusão das raças no Amazonas. Em 1819 as aldeias do baixo Tapajoz continham 1000 guerreiros. E” desnecessario dizer que os Mundurucús, abaixo das Ca- xoeiras, abraçaram o christianismo e deixaram seus costumes nativos e a lin- gua de sua tribu. A lingua geral ainda fallada pela gente velha, vai pouco a pouco cedendo terreno à portugueza, e a proxima geração achal-a-ha extincta entre elles. Os habitantes dos rios Canumá, Abacaxis e Mauc-assú (|) são todos Mundurucús e encontram-se membros da mesma tribu no rio Maués, e creio tambem que no Madeira. Mr. Chandless diz que os do curso inferior do Maué-asst são civilisados e vivem em familias, sendo poucos os moços tatuados. Em Campineiros elle achou algumas familias de Campinas tatuadas. (1) Chandless. Jour. Roy. Geol. Soc. London 1S70,vol. 49, pg. 424. Ve vi—al 134 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL XIII. Mythologia dos ináios do Amazonas O No Amazonas, o geologo que não se interessar por algum outro ramo da sciencia, perderá muito tempo; porque, distanciadas, como são alli as locali- dades geologicas, elle terá muitas vezes de viajar dias consecutivos, sem poder fazer uma observação de importancia. Em 1870 achei-me no grande rio revendo o trabalho do Professor Agassiz e occupado em procurar provas para confirmar ou refutar a sua hypothese da origem glacial do valle do Amazonas. im contacto intimo com a população indigena do paiz, interessei-me pela lingua geral, ou Tupi moderno, como fallam em Ereré, Santarém e no rio Ta- pajoz, e empreguei as horas de ocio em aprendel-a, fazendo certo progresso na acquisição de material para esclarecer a sua estructura. Mr. Henry Water Bates, no interessante esboço de sua vida no Amazonas, e Mme. Agassiz, na sua obra «Journey in Brazil», chamaram a attenção para os numerosos mythos existentes entre os indios do Amazonas. Estes mythos nunca tinham sido estudados, e, prevendo eu o seu grande valor, dei-me ao trabalho de colleccional-os. Fui por muito tempo mallogrado, porque os brancos, em regra geral, desconheciam as lendas dos indios, e nem com pedidos, nem com offertas de dinheiro pude persuadir um indio a relatar um mylho. Constava que em cada localidade havia um narrador de lendas, geralmente uma mulher velha, que fazia arrebentar de riso a gente com as extravagantes historias ácerca do Kurupira e do Yurupari, e de todas as especies de animaes que costumavam (1) Acham-se reunidos neste capitulo um trabalho sobre mythos de animaes, publicado num folheto em inglez, no Rio de Janeiro, dous artigos sobre os mythos de Tupan e do Kurupira, publica= dos na Aurora Brazileira, orgão dos estudantes brazileiros da Universidade de Cornell, e alguns tra- balhos ineditos. Quasi todos os mylhos apresentados e outros não incluidos neste trabalho foram to- mados na propria lingua geral e serão mais tarde publicados naquella lingua pela Bibliotheca Na- cional. (N. da R.) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 135 fallar e zombar uns dos outros, quando a palavra não era ainda privilegio exclu- sivo do homem. Porém, invariavelmente, esta mulher velha estava ausente ou era inaccessivel. Só uma vez, no Ereré, encontrei uma india idosa, que diziam ser um prodigioso archivo de lendas, mas nada pude obter della. Uma noute, subindo fastidiosamente a remo o paranâmirim do Kuki, perto de Santarém, o meu fiel timoneiro, Maciel, começou a fallar para os canoeiros indigenas em Tupi, afim de evitar que elles dormissem. Prestei toda a atenção, e, com grande prazer, percebi que elle repetia uma historia do Kurupira. Se- gui-o como melhor pude, assentando no meu livro de notas as principaes pas- sagens da historia, emquanto me associava de bom grado ao riso dos homens para animar o narrador. No dia seguinte, aproveitei a primeira opportuni- dade para dizer a Maciel quanto apreciara a sua historia, e para pedir-lhe que m'a dictasse na lingua geral. Elle já tinha uma longa pratica de dictar, e o meu primeiro mytho Tupi ficou logo registado ; porém, por muito tempo, eu lhe pedi em vão para que me contasse outro. Vi logo que o mytho indigena era sempre recitado sem esforço mental, sendo o seu fim simplesmente agradar, como uma ballada, e não communicar informação ; e que quando o indio, não estando perto da fogueira cercado de ouvintes nocturnos, nem de posse de todas as circumstancias que tornam a narração conveniente e agradavel, é friamente convidado a relatar uma histo- ria mythologica, elle mostra-se incapaz do esforço mental necessario para se lembrar d'ella, e, por isso, prompta e obstinadamente allega ignorancia. As- sim, o colleccionador de mythos nada conseguira, si esperar tudo de um sim- ples pedido. O unico meio é procurar e crear occasiões em que a narração seja espontanea, e, quando necessario, tomar a iniciativa, repetindo algum mytho indigena, com o qual estejam familiarisadas as pessoas presentes, tendo o cuidado de não mostrar demasiada curiosidade pelas historias que forem contadas. « Ce n'est que le premier pas qui coúte.» Depois de obtido o primeiro mytho, e de ter aprendido a recital-o com exactidão e espirito, o resto é facil. Obser- varei aqui, de passagem, que se deve evitar no Amazonas, como em qualquer outra parte, entre selvagens ou pove de baixa cultura, de fazer sobre este as- sumpto perguntas que insinuem as respostas, porque um indio inconsciente- mente concordará sempre com o interrogador, que póde d'este modo ser engana- do. Em uma occasião, fallando desta particularidade com o commandante do meu pequeno vapor, elle repentinamente voltou-se para o piloto, que era um in- dio, e, apontando para uma palmeira à margem do rio, disse: «Aquella palmeira 136 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL chama-se Urubu, não é?» «Sim, senhor !» respondeu o indio gravemente, sem mover um musculo. A pergunta foi repetida com o mesmo resultado. O com- mandante perguntou em seguida: «Qual é o nome d'aquella palmeira?» Elle, então, respondeu : «Jauari.» Si o colleccionador de mythos quizer obter o mytho em sua pureza, e evitar que a sua personalidade entre nºelle, deve, antes de tudo, inhibir-se de formular perguntas de modo que insinue as respostas, já quando escreve o mytho pela primeira vez, já quando o revê posteriormente. Os mythos indigenas, tanto quanto pude observar, são raras vezes ouvi- dos em portuguez, sendo os da população que falla Tupi invariavelmente rela- tados na lingua geral, À sua fórma é constante, e o mesmo mytho póde ser en- contrado, apenas com pequenas variantes, desde as proximidades da foz do Amazonas até Tabatinga, nas fronteiras do Perú. Emquanto alguns mythos têm sido certamente introduzidos, e outros têm soffrido com a civilisação maior ou menor modificação, a generalidade dos que ainda se conservam no Tupi são, creio eu, de origem indigena. Uma questão tem sido levantada, si muitas das lendas que tanto se asse- melham com as fabulas do Velho Mundo, não podiam ter sido introduzidas pelos negros; eu, porém, não vejo razão para entreter esta suspeita, porque ellas estão muito espalhadas; a sua fórma é inteiramente brazileira, são mais numerosas justamente nas regiões em que não ha negros ou em que os ha em pequena quantidade, e além disso, ellas apparecem, não em portuguez, mas na lingua geral. (1) Entre os mylhos que colleccionei estão aquelles em que figura o Paitiúna, o milagroso filho de uma malher pertencente a uma tribu de mulheres com um só marido, legenda da qual falvez fosse originada a lenda das Amazonas; o demonio das florestas ou Kurupira; o malvado Yurupart, especie de lobisho- mem; a Oiara ou genio das aguas, e outros seres anthropomorphos. Os mais interessantes, porém, são os que constituem as lendas de animaes, nas quaes se recordam as proesas dos macacos, dos tapirs, dos jabutis, dos urubus e de uma porção de outros animaes. E (1) Isto foi escripto em 1575. Depois, o Professor Hartt encontrou no Rio de Janeiro um africano recem-chegado, que lhe contou lendas de animaes identicas às dos indios civilisados do Amazonas. Este homem, vindo de uma colonia ingleza, fallava inglez e a sua propria lingua africana, mas nada fallava de portuguez, de modo que elle não podia ter aprendido as lendas no Brazil. Este facto vem for- lalecer as duvidas que o Professor Hartt mostra no texto quanto à origem indigena das lendas de ani- maes encontrados no Amazonas. (N. da R.) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 191% MYTHOS DO JABUTI Proponho-me aqui tractar de uma classe de lendas de animaes, da qual os indios são muito apaixonados, isto é, as que se referem ao kágado do Brazil. O jabutí, como lhe chamam os portuguezes, ou Yauli, como o denomi- nam na lingua geral, é uma pequena especie de kágado (1) muito commum no Brazil e de grande apreço como alimento. E um animal de pernas curtas, vagaroso, debil e silencioso ; entretanto, representa na mythologia do Amazonas o mesmo papel que a rapoza na do Velho Mundo. Inoffensivo e retrahido, o jabuti, não obstante, apparece nos mythos da lingua geral como vingativo, astucioso, activo, cheio de humor e amigo de discussão. «H” verdade !» disse-me um indio em Itaitúba ao terminar um mytho do jabuti, «7? o diabo; e tem feito estragos !» Em 1870, o meu guia, Lourenço Maciel Parente, dictou-me em Santarém, na lingua geral, a seguinte lenda: «O Jabuti que venceu o Veado na carreira.» Na «Cornell Era»,de ILhaca, Nova-York, publiquei uma versão desta lenda, que chamou a attenção de um escriptor da «Nation», de Nova-York, dando elle uma variante do mesmo mytho encontrada entre os negros de uma das Caro- linas. Em 1871, voltando ao Amazonas, dei-me ao trabalho especial de tomar informações sobre este mytho, tendo o prazer de ouvil-o relatado pelos in- dios em toda a parte por onde passei. O meu amigo Dr. Joaquim Xavier de Oliveira Pimentel, Capitão de Engenheiros do exercito brazileiro, mandou-me uma variante da mesma lenda, encontrada em Tabatinga, e o Dr. Couto de Magalhães achou recentemente o mesmo mylho no Pará, de modo que elle pa- rece ser conhecido em todos os logares onde é fallada a lingua geral. Em 1879, em Santarém, informaram-me que o mytho era de origem Mundurucú ; agora, porém, tenho duvidas a este respeito, parecendo elle estar inseparavelmente ligado à lingua geral. A Jenda é a seguinte: Como o Jabuti venceu o Veado nú carreira Um jabuti encontrou um veado e perguntou: «O" veado, o que está fa- (1) «Testudo terrestris, tabulata, Sehoeff, Emys faveolata, Mik, depressa, Merr» V. Martius Woertersammelung ete, S. 455, sub voce Jaboti. , V.v.—3s 138 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL zendo ?» O veado respondeu : «Vou passeiar em procura de alguma cousa para comer; e, accrescentou, onde vai você, jabuti?» «You tambem passeiar ; you procurar agua para beber.» «E quando espera você chegar ao logar onde ha agua?» perguntou o veado. «Porque me faz essa pergunta?» replica o jabuli. «Porque as suas pernas são muito curtas.» «Pois eu, respondeu o jabuli, corro mais do que você. Ainda que as suas pernas sejam compridas, você não corre tanto como eu.» «Então, apostemos uma carreira !» disse o veado. «Pois bem ! respondeu o jabuti, quando correremos ?» «Amanhã.» «A que horas?» «De manhã muito cedo.» «Eng-éng !» (1) assentou o jabuti, que foi em seguida ao matto e chamou todos os seus amigos, os outros jabutis, dizendo: «Venham, vamos matar O veado |» «Mas como vai você matal-o ?» perguntaram elles. «Eu disse ao veado, respondeu o jabuti, apostemos nma carreira! Pre- ciso ver quem corre mais.» Agora vou enganar o veado. Vocês espalhem-se pela margem do campo, no matto, sem ficarem muito distantes uns dos outros e conservem-se quietos, cada um no seu logar! Amanhã, quando começarmos a aposta, o veado correrá no campo, mas eu ficarei socegadamente no meu logar. Quando elle chamar por mim, se vocês estiverem adiante delle, res- pondam, mas tenham o cuidado de não responder se elle tiver passado adiante de vocês.» Assim, na manhã seguinte, muito cedo, o veado sahiu ao encontro do jabutí. «Venha! disse o primeiro, corramos !» «Espere um pouco ! disse o ja- buti, cu vou correr no matto.» «E como é que você, tão pequeno e com pernas tão curtas, hade correr no matto?» perguntou o veado surprendido. O jabulí insistiu que não podia correr no campo, mas que estava acos- tumado a correr no matto, de modo que o veado concordou e o jabuli entrou no matto, dizendo : «Quando eu tomar a minha posição, farei um ruido com uma vara para você saber que estou prompto.» (1) Sim! O 7g representa uma nazal, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 139 Quando o jabutí, tendo chegado ao seu logar, deu o signal, o veado sahiu vagarosamente, rindo-se, e pensando que não valia a pena correr. O jabuti ficou atraz socegadamente. Depois de ter andado uma pequena distancia, o veado volveu-se e chamou: «Ui yauti!» (0º Jabuti!) Então, admirado, ouviu um jabutí gritar um pouco adiante: «U'i suassú !» (0º veado !) «Pois, disse o veado a si mesmo, aquelle Jabuti corre tanto!» E amiudando os passos por depois de pequena distancia, gritou de novo, mas a voz de um jabuti ainda respondeu adiante. «Como assim ?» exclamou o veado, e correu um pouco mais, até que sup- pondo ter seguramente passado o jabuti, parou, voltou-se, e chamou outra vez; porém o grito «U'i suassú !» veio da margem da floresta adiante delle. Então o veado começou a assustar-se e correu apressadamente, até que, julgando estar adiante do jabuti, parou e chamou; porém um jabuti respon- deu ainda na frente. Vendo isto o veado disparou, e pouco depois, sem parar, chamou pelo jabuti, que ainda gritou adiante : «Ui suassú !» Elle então redrobrou as for- cas, mas com o mesmo successo, por fim, cançado e desorientado, atirou-se de encontro a uma arvore e cahiu morto. * Tendo cessado o ruido que faziam os pés do veado, o primeiro jabuti es- cutou. Não se ouvia nenhum som. Então elle chamou pelo veado, mas não teve resposta. Sahiu pois do matto e encontrou o veado estendido morto. Em seguida reuniu todos os seus amigos e regozijou-se com a victoria. O mytho como foi encontrado em Tabatinga parece ter a mesma fórma que acabo de apresentar. Abaixo apresento-o com as proprias palavras do Dr. Pimentel. (1) O Dr. Pimentel informou-me que foi encontrada no Amazonas uma va- (1) Um jabutí apostou com um veado a vêr quem corria mais. Marcado o dia, o jabnti empregou o seguinte meio para vencer : Reuniu muitos jabutis e os foi collocar pelo matto, beirando o campo designado para o logar da corrida. Chegado o veado, sómente viu o jabutí, com quem tinha feito a aposta ; — «Então, está prompto, jabutí 2» — «Prompto, disse este, mas você hade correr pelo caminho e en por dentro do matto, que é por onde sei correr.» O veado acceitou, e colocados, um na beira do malto e o oulro no campo, partiram ao signal dado. O veado correu a toda a força e o jabutí deixou-se ficar. O veado no meio da carreira gritou pelo jabulí para saber onde estava. A resposta foi-lhe dada um pouco adiante por um dos jabutis collocados de vedeta no matto. O veado redobron de esforços e de vez em quando gritava pelo seu competidor e tinha a resposta sempre adiante. Afinal o veado ca- hiu morto de cansaço e o jabutí ficou vencedor. 140 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL riante do mesmo mytho, na qual a carreira era entre um veado e um carra- pato (!). O ultimo no começo da carreira agarrou-se á cauda do veado (2). Du- rante a contenda, quando o veado chamava pelo insecto, a resposta vinha de tão perto, que o veado, esforçando-se cada vez mais, morreu afinal de fadiga. O mytho da aposta entre o jabuli e o veado é encontrado entre os negros dos Estados do sul da União Americana (3). Grimm dá uma lenda semelhante da aposta entre a lebre co porco-espinho. O ultimo colloca sua esposa no fim de um sulco feito pelo arado, emquanto que elle se coloca na outra extremidade. A lebre, tomando um pelo outro, confessa-se vencida. Em Northamptonshire (4) (Inglaterra), a raposa substitue a lebre, porém no mais o mytho é identico ao da Allemanha. A's vezes, na mylhologia do Velho Mundo, é a lebre que aposta com o ka- gado, a qual, confiada na sua velocidade, dorme, emquanto que o kágado, com perseverança, mas vagarosamente, chega primeiro ao ponto (5). Em Siam o mylho toma a fórma seguinte: «O passaro Kruth, sem duvida uma fórma particular e limitada de Garudas, deseja comer um kágado (aqui talvez a lua) que se acha deitado à margem de um lago. O jabuti consente em ser comido com a condição do Kruth acceitar um desafio para uma prova de velocidade e chegar primeiro do outro lado do lago, indo o passaro pelo ar e o kágado por agua. O passaro Kruth acceita a aposta e o kágado chama milhões de kágados, e colloca-os de tal modo que circumdam o lago, distantes alguns passos da margem. Elle faz então signal ao passaro para começar a corrida. O Krulh levanta-se no ar e vôa para o lado opposto, mas quando desce já lá en- contra o kágado.» De Gubernatis suggere a idéa de que o mytho de Siam póde representar a relação do sol para as lunações. Na fabula dos indios orientaes, em que figuram a formiga e o gafa- (1) FVatiyíko, lingua geral. Especie de Trodes, muito commum no Brazil, infestando especial- mente as hervas e arbustos dos campos. Alaca todos os animaes, mesmo o jabuli, e enterrando o seu ferião na carne, torna-se logo do lamanho da semente da mamona, cem a qual muito se assemelha na fórma e na cor. (2) Isto faz lembrar a lenda do Pequeno Alfaiate, que pretendeu ajudar o gigante a carregar uma grande arvore, mas que, em vez de ajudar, assentou-se num dos ramos e foi carregado pelo gigante. The Valiant Tailor. Grimm. (3) Notes e Queries, 4 de Jan. de 1851. (4) Riverside Magazine, Novembro de 1868. The Nation, 23 de Fevereiro de 1871. Na interessantissima colleeção de mythos dos negros do Estado da Georgia, por J. C. Harris, in- titulada «Uncle Remus,» «The Folk-Jore of the old plantation,» a aposta é entre o jabuli e o coelho. (N. da R.) (5) De Gubernatis, Zoological Mythology, Vol. IL, pg. 309. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 141 nhoto, (1) dos quaes a primeira representa «a nuvem ou a poute, ou Indras ou a aurora na nuvem da noute, ou a terra, e o ultimo representa o saltador ou a lua; a formiga vence o gafanhoto na corrida, não porque ande mais depressa, mas porque os dous devem necessariamente encontrar-se, e portanto um deve passar o outro.» Na mythologia do Velho Mundo os mythos da corrida entre o jabuti e al- gum animal veloz, como entre a lebre e o porco-espinho, etc., têm sido expli- cados como referindo-se à corrida entre o sol, o vagaroso, e a lua, a veloz, e parece-me muito provavel que os mythos semelhantes do Amazonas possam ter a mesma significação. (2) Talvez uma das razões por que se chama a lua de veado seja devido a ella ter cornos. Nos mythos sanscriptos ella é representada por um veado ou uma gazella. O Dr. Couto de Magalhães deu-me a seguinte lenda, que intitularei: O Jabuti que enganou o homem Um jabuti estava dançando em um buraco no chão, quando foi achado por um homem que o apanhou. O homem carregou o jabuti para a casa, collo- cou-o dentro de uma caixa e sahiu. O jabuti começou logo a cantar. Os fi- lhos do homem escutaram e o jabuti parou. As crianças pediram-lhe para con- tinuar; elle então disse: «Se vocês gostam de me ouvir cantar, gostariam muito mais de me ver dançar.» Assim, as crianças o puzeram no meio da casa, onde dançou, muito a contento d'ellas. Em tempo, porém, encontrou elle uma desculpa para sahir e evadiu-se. As crianças, assustadas, procura- yam uma pedra, que pintaram como um jabuti, e a metteram na caixa. Logo depois o homem voltou e, querendo cozinhar o jabuti, tomou a pedra pintada e collocou-a no fogo, onde se aqueceu e arrebentou. Entretanto, o jabuti tinha-se occultado no matto, em uma toca com duas aberturas. Emquanto o homem olhava por um dos buracos, o jabuti appare- cia no outro, e quando o homem vinha para este, elle ia ligeiramente para o primeiro, de modo que temos aqui mais uma vez repetida a lenda da corrida do vagaroso jabuti ou o sol com a lua veloz, ou o homem. Veremos adiante o (1) De Gubernatis, op. cit., Vol. 1], p. 244 (2) Suggiro a comparação do mytho do «Jabuti e do Veado» com a lenda de «Brama e da Cabra», na Hidopadesa e tambem com a do «Cisne Vermelho», nas legendas de Hiawatha. Depois de escripto o que está acima, o Coronel José Fulgencio Carlos de Castro deu-me uma va- riante do mytho do jabuti e do veado, em que um sapo substitue o jabuti. Esta variante foi obtida no Amazonas. V. vi—36 142 ARCIHIVOS DO MUSEU NACIONAL jabuti escapar à onça, entrando em uma toca por uma abertura e sahindo por outra, justamente como o sol parece entrar na sua toca a oeste e sahir a léste. A seguinte lenda foi-me narrada em Santarém por Lourenço Maciel : Como um Jabuti matou duas onças (1) Um dia um jabuti divertia-se trepando n'um morro, encolhendo na sua carcassa a cabeça e os pés, e deixando-se rolar até a base, onde chegava sem damno. Acontecendo passar ahi uma onça, esta observou o processo e pergun- tou: «O que está você fazendo, jabuti?» «Oh! eu divirto-me, onça», respon- deu o jabuti. «Deixe-me ver como você se diverte», diz a onça. O jabuti su- biu então o morro e, como antes, desceu rolando. A onça ficou muito salis- feita e disse : «Eu vou tambem diverlir-me.» «Pois bem, replicou o jabuti, suba o morro e venha rolando como eu fiz.» À onça procurou imitar o jabuti, porém, na base do morro, deu com a cabeça de encontro a uma arvore e morreu. Mais tarde appareceu uma outra onça, à qual o jabuti disse que ia divertir-se. Nisso, disse para uma arvore: «Abre-te !» e a arvore obedeceu. Então o jabuti entrando no tronco, disse: «Fecha-te, arvore!» e o tronco cerrou- se, prendendo o jabuti ; porém quando este mandou-o abrir-se, elle obedeceu, eo jabuti sahiu. A onça, que tinha estado observando, disse então : «Jabuti, vou tambem diverlir-me como você esteve fazendo.» Assim, disse: «Abre-te, arvore!» O tronco abriu-se e a onça entrou. Ella então mandou que o tronco se fechasse e foi obedecida, e tendo dito. «Abre-te, arvore !» sahiu muito contente. Porém isto não a satisfez, e disse para o jabuti: «You divertir-me outra vez.» Assim, a onça repetiu a experiencia; mas quando ella entrou na arvore, o jabuti disse: «Fecha-te, arvore, para sempre !» e a on- ça, ficando presa, morreu. Ambas as partes d'esta lenda parecem ter a mesma significação, e represen- tam a victoria do sol sobre a lua durante as lunações. Na primeira parte da lenda o sol descamba para o occaso, surgindo outra vez illeso, porém a lua, intentando seguir o exemplo, é extincta. O mytho, si esta fôr a verdadeira ex- plicação, parece incompleto, e aventurarei a idéa de que talvez, procurando, seja encontrada a verdadeira fôrma, que provavelmente deve ser a seguinte: (1) Em Tupi é Youareté. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 143 A onça, o1a lua nova, encontra o sol, ou o jabuti, justamente quando elle tem chegado ao occaso, e deseja seguir o seu exemplo. No dia seguinte, e por muitos dias, ella é bem succedida, porém mais tarde, depois de perder gradualmente o seu vigor, aonça (a lua cheia) desce e é extincta. Na segunda parte, o sol no occaso, ou o jabuti, fende o matto ao anoute- cer e desapparece n'elle para surgir outra vez illeso de manhã. A lua ou a onça segue o seu exemplo sem damno, porém repetindo a experiencia é des- truida, parecendo provavelmente ao indio a extincção da lua cheia uma des- truição, sendo a lua nova uma outra lua, ou segunda onça. Que o jabuti entre, seja preso e saia intacto do matto, é a fórma mais natural para o mytho; porque, em uma região coberta de mattas como o Ama- zonas, O sol ordinariamente parece que se põe entre as arvores e nasce do meio d'ellas. O sol tambem tem o poder de rachar os troncos das arvores; no ultimo caso elle executa a acção à distancia, como se fosse mandando. O fendimento da terra, e de rochas e arvores, causado pelos herões sola- res, é commum nos contos mythologicos, em todo o mundo, e ha muitas len- das que se assemelham com a segunda parte da que foi relatada acima. Nas fabulas dos Hottentotes, de Bleck (1), a mulher Nama e seus irmãos, quando perseguidos pelo elephante, dirigiram-se a uma rocha nestes termos : «Pedra de meus antepassados, abre-te para nós !» À rocha abriu-se e elles pas- saram ; mas quando o elephante lhe fallou do mesmo modo, a rocha só abriu-se para se fechar sobre elle e matal-o. A casa na rocha, Itoke-likantum-jambali, abre-se e fecha-se ao mando de seu dono (2). Assim, tambem quando Kurangutuku disse à rocha: «Abre-te para mim, abre-te l» ella obedeceu, e elle occultou-se nella. Afanasieff, nas observações do primeiro livro de suas Lendas Russas, re- fere-se a um conto slavonico, em que uma lebre encerra um urso no tronco de uma arvore (3). Uma das mais interessantes lendas do jabuti é a seguinte, e os indios sem- pre relatam-n'a com muito gosto : (1) Pg. 64. (2) Calloway. Zulu Nursury Tales, vol. ), pg. 143. (3) Grey. Polynesian Mythology, pg. 188. Longfellow relata como o Manito da montanha «Opened wide his rocky doorways Giving Pawpukkeewis shelter.» 144 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Como o Jabuti provocou uma luta entre a Anta e a Balêa Um dia um jabuti foi ao mar para beber. Uma balêa avistou-o e cha- mou-o : «O que estás fazendo, jabuti ?» Ao que o ultimo respondeu : «Estou bedendo, porque tenho sêde.» Então a balêa escarneceu do jabuti por causa de suas pernas curtas, mas este explicou : «Tenho pernas curtas; não obstante, sou mais forte que tu e posso puxar-te para a praia.» A balêa riu-se, e disse-lhe : «Mostra como fazes isso.» «Pois bem», disse o jabuti, «espera emquanto vou ao matto e tiro um sipó |» Encaminhando-se para o matto, o jabuti encontrou uma anta, que lhe per- guntou : «O que procuras, jabuti?» «Procuro um sipó.» «E o que vais fazer com o sipó?» perguntou a anta. «Vou puxar-te para o mar.» «Ya !» exclamou a anta sorpresa. «Eu te puxarei para o mar, e, o que mais é, te matarei; porém não-importa, experimentemos qual de nós é o mais forte. Vai buscar o teu sipó.» O jabuti foi e voltou logo com um sipó muito comprido, uma das extre- midades do qual elle amarrou em torno do corpo da anta, «Agora», disse o jabuti, «espera aqui emquanto eu vou ao mar. Quando eu sacudir o sipó, corre quanto poderes para o matto.» Tendo amarrado uma ex- tremidade na anta, levou a outra para o mar e prendeu com ella a cauda da balêa. Isto feito, disse: «Eu irei para o matto, e quando sacudir o sipó puxa com quanta força tiveres, porque vou dar comtigo na praia.» O jabuti entrou então no matto, a meia distancia entre a balêa e a anta, sacudiu o sipó e esperou pelo resultado. A principio, a balêa nadando vigoro- samente arrastou a anta para o mar; porém esta, resistindo com todas as for- cas, conseguiu finalmente firmar-se e começou a ter vantagem sobre a balêa, arrastando-a para a praia. Então a balêa fez um outro esforço, e, d'este modo, estiveram puxando uma para a outra, cada qual pensando que o jabuti esti- vesse na outra extremidade do sipó, até que afinal ambas cederam completa- mente exhaustas. O jabuti desceu à praia para ver a baléa, que disse: «Está bem! tu és valente, jabuti; eu estou cançada.» O jabuti desamarrou a balêa, e, depois de ter mergulhado n'agua, apre- sentou-se à anta, que suppoz que o jabuti estivera no mar puxando-a. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 145 «Bem vês», anta, disse o jabuti, «que eu sou o mais valente.» O jabuti soltou então a anta, que partiu dizendo : «E” verdade, jabuti, tu és realmente valente.» Na lingua gerala palavra que traduzi «balêa» é pirá-assú, literalmente— o peixe grande, sendo este o nome que os indios dão ao cetaceo que é para el- les o peixe por excellencia. Não póde ser o golfinho do Amazonas, porque este tem o nome de pira-yauára (1), ou peixe-tigre. A palavra paraná, que traduzi «mar», é applicada tambem a um rio. Maciel asseverou-me que o peixe grande era uma «balêa do mar grande» —uma balêa do oceano, O Dr. Pimentel obsequiou-me com uma variante deste mytho, que apre- sento um tanto resumidamente. Um jabuti que fôra cercado pela enchente do rio, atirou-se n'agua para alcançar terra firme. No meio da corrente encontrou a cobra grande, ou grande serpente mythologica. «Adeus, comadre», disse elle para a cobra. «Adeus, compadre», replicou esta, «onde vais?» «Vou», disse o jabuti, «deitar abaixo uma arvore com fructas para comer.» «O que? Tens força bastante para isso?» perguntou a cobra admirada. «Ora ! Então que idéa fazes de mim? Vejamos qual de nós é o mais va- lente. Mas eu heide estar em terra, porque não tenho força n'agua.» «E eu», ajunctou a cobra grande, «ficarei n'agua, porque em terra não te- nho força.» O jabuti pediu que a cobra o levasse para terra. A cobra accedeu e o ja- buti, trepando nas suas costas, foi promptamente depositado na praia. Ajustou-se o dia da experiencia, e o jabuti retirou-se com tenção de não voltar. Dias depois, uma onça encontrou o jabuti e esteve para o esmigalhar contra uma arvore e devoral-o, mas o jabuti não se alterou e disse para a onça: «O” onça, tratas-me assim, porque estou em terra; si eu estivesse n'agua não ousarias fazer isso.» À onça não tinha muita fome, e estando curiosa de ver o que o jabuti fa- zia n'agua, levou-o para o rio e atirou-o nelle. Logo que a cobra grande viu o jabuti, reprehendeu-o por não ter cum- prido o ajuste. O jabuti desculpou-se como melhor pôde, e disse que traria immediatamente um sipó para os dous puxarem, cada um na sua extremi- (1) Yauára originariamente significou tigre o Brazil, e a palavra jaguar é sua derivada. Hoje ap- plica-se sômente ao cão, e o jaguar é chamado Yauareté ou o verdadeiro Yauára. Pirá é peixe. O ac= cento é rocuado neste caso. V. vi—37 146 ARCIHIVOS DO MUSEU NACIONAL dade, afim de ver qual era o mais forte. Então, abeirando-se da praia, disse para a onça: «Corta um sipó.» A onça fez isso. Então o jabuti disse: «Dá-me uma extremidade, e quando eu fizer um signal, puxa com toda a força.» Mas o jabuti entregou à cobra grande a extremidade do sipó e disse-lhe que esperasse emquanto alcançava a terra. Deu em seguida o signal e occultou-se. A cobra e a onça começaram a puxar com força o sipó, suppondo ambas que o jabuti estivesse na outra ex- tremidade. O jabuti havia estipulado que o vencido na luta perderia a vida. Tanto a onça como a cobra ficaram logo fatigadas, e, abandonando a contenda, fugi- ram o mais depressa possivel, ao passo que o jabuti escapava. O Dr. Couto de Magalhães achou este mesmo mytho no Pará, porém a anta ou a onça é substituida pelo kaá-póra (o demonio do matto), uma especie de gigante mythologico do matto. Este mytho talvez seja susceptivel de mais de uma interpretação. O ja- buti ou o sol, tem uma luta com a onça ou com a anta, ou a lua, e vence, substi- tuindo-se por um outro animal, caso em que temos simplesmente uma fórma diferente do mylho do jabuti e do veado. Isto mesmo, todavia, suggeriu-me a idéa de que o jabuti, neste mytho, seria talvez o sol ou a lua, provocando aeterna luta das marés entre o mare a terra (1). Valea pena notar que o Brazil está geographicamente situado de tal modo, que se vêm raras vezes o sol e a lua occultarem-se no mar. No Amazonas, comtudo, o espectaculo do seu desappa- recimento por detraz de um horizonte de aguas, é familiar ao indio. Si este mytho fôr realmente de origem indigena, seria interessante descobrir si elle originou-se no Amazonas ou na costa. Obtive na lingua geral, em Santarém, uma outra lenda, cuja versão um tanto livre é a seguinte : Como um Jabuti matou uma Onça e fez uma quita de um dos seus ossos (2) Um macaco estava trepado em uma Inaja (3) comendo fructas, quando appareceu em baixo um jabuti, que, vendo o macaco, perguntou : «O que estas fazendo, macaco ?» (1) Claude d'Abbeville diz que os indios do Maranhão sabiam que o fluxo e refluxo das marés eram devidos à lua. Histoire de la mission des PP. Capuchins en VIsle de Maragnan. Fol. 320. (2) De Gubernatis. Zooolegical Mylhology, vol. Il, pg. 110. Veja-se tambem pg. 213 e Reineke Fuchs. (3) A palmeira Mazimiliana. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 147 «Estou comendo fructas de Inaja», respondeu o macaco. «Atira-me uma», disse o jabuti. «Sobe, jabuti», retorquiu o macaco. «Mas eu não posso subir». «Então eu descerei e te carregarei». O macaco desceu e carregou o jabuti para cima, collocando-o sobre um cacho de fructas. Retirou-se depois, deixando o jabuti e dizendo que voltaria sem demora. O jabuti comeu até ficar satisfeito e esperou pelo macaco, que não vol- tou. Quiz descer, mas não pôde, e por isso ficou a olhar para baixo, receiando morrer, si se alirasse ao chão. Mais tarde, appareceu uma onça, e levantando os olhos para a arvore, viu o jabuti. «Ui yauti» | disse ella, chamando pelo jabuti, «o que estás fazendo lá em cima ?» «Estou comendo fructas de Inaja», respondeu o jabuti. «Atira-me uma !» disse a onça. O jabuti colheu uma fructa e atirou-a para a onça, que a tendo comido, disse: «Se reté ! (1) Alira-me outra.» O jabuti obe- deceu. ; «Porque não desces?» perguntou a onça. O jabuli respondeu que receiava morrer. Então a onça lembrou-se de fazer uma merenda do jabuti, pelo que lhe disse: «Não tenhas medo ! Salta, que eu te apanharei.» O jabuti saltou, mas a onça faltou ao ajuste; e o jabuti cahindo-lhe sobre a cabeça, matou-a. O jabuti, são e salvo, retirou-se então para a sua toca. Um mez depois elle sahiu a passeio para ver os restos da onça; encon: trou o esqueleto e levou um dos ossos, do qual fez uma especie de guita ou pifano, em que cantarolava quando ia a passeio: «Yauareté kaunguéra sereny my !» O osso da onça é o meu pifano. Aconteceu que uma outra onça, passando, ouvisse o som, parou e escu- tou. «Yauareté haunguêra sereny my», cantarolou outra vez o jabuli. A onça, determinada a investigar a causa, seguiu o jabuti, que se dirigiu para a en- trada da sua toca. «UV yautt ! gritou a onça. O que é que estás dizendo ?» (1) Em uma variante, o jabuti é representado atirando sómente cascas, 148 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL «O que é?» perguntou o jabuti. «Não te ouvi eu dizer: «Yauaretê kaunguéra seremy my ?» «Não», disse o jabuti. «Eu disse Suaçu (1) kaunguera sereny my!» Eimme- diatamente entrou na sua toca, da qual cantarolou : «Yauareté kaunguéra sereny my !» A onça ouvindo isto, voltou à toca e disse: «Eu vou-te comer já, jabuti», e ficou vigiando o jabuti; mas este escapou-se por um outro buraco, enga- nando a onça. Um macaco, que estava n'uma arvore, vendo a ultima espe- rando, chamou-a e perguntou-lhe o que estava fazendo. A onça respondeu : «Estou esperando que o jabuti saia para comel-o.» O macaco riu-se e disse: «E's uma estupida, o jabuti foi-se embora. Elle não apparecerá emquanto não chover.» «Pois bem, si assim é», accrescentou a onça, «eu irei passeiar.» E retirou- se enganada pelo jabuti. Em uma outra versão d'esta lenda, o jabuti appareceu espalhando o seu tauart (1) paraseccar ao sol, na entrada da toca. A onça assoprou, afim de fazer voar o tauart, esperando d'este modo attrahir o jabuti; mas este, muito pru- dente, mandou um outro animal procurar o tauari e escapou assim. Em uma variante d'este mytho, obtida pelo Dr, Couto de Magalhães, a onça mette a mão na toca e agarra o jabuli, que, resistindo, grita : «Oh !és uma tola! Pensas realmente que me tens apprehendido, quando é sómente a raiz de uma arvore que estás segurando !» A onça deixou então a sua preza. O Dr. Silva Coutinho encontrou o mesmo mytho entre os indios do Rio Branco. Aqui, porém, a onça deixa um sapo vigiando a entrada da toca do jabuti. O jabuti vendo-o, perguntou por que estavamos seus olhos tão verme- lhos e inchados, e persuadiu-o de friccional-os com uma certa planta que, sendo caustica, cegou-o. O jabuti então fugiu. A onça quiz matar o sapo, mas este pulou para um tanque. A onça chamou então um jacaré, que bebeu prom- ptamente a agua, de modo que a onça pôde agarrar e matar o sapo. Neste mytho o jabuti é ainda o sol, que vence e mata a onça, a lua. Apa- nhar um dos ossos da ultima para fazer um pifano, é uma idéa que vem na- turalmente ao indio, porque elle está acostumado a fazer gaitas dos ossos dos seus inimigos. Uma outra onça ou uma outra lua, dá caça ao jabuti, que (1) Suagi, veado. Elle nega ter dito que o seu pifano era feito de um osso de onça, mas declara ter dito que elle era feito de um osso de veado. (2) Casca de uma arvore grande do mesmo nome, ama especie de Couritari. Esta casca, tão fina como papel, é usada pelos indios para capa de cigarros. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 149 entrando na sua toca por um buraco, escapa-se pelo oulro, do mesmo modo que o sol mergulha na terra ao oeste e reapparece a lóste. Como o Jabuti se vingou da Anta Uma anta encontrou um jabuti em um logar humido e, pisando em cima d'elle, enterrou-o tão profundamente na lama, «que só ao fim de dous annos o jabuti pôde desenterrar-se. Quando afinal o conseguiu, disse elle a si mesmo: «Agora vou vingar-me da anta.» Assim, sahiu em procura Vaquelle animal e, encontrando logo uma massa de escremento da anta coberta com relva, per- guntou: «O Teputi, onde está teu dono?» O Teputi respondeu: «Meu dono deixcu-me aqui ha muito tempo. Só sei que elle, quando me deixou, seguiu nesta divtecção. Segue-o.» O jabuti seguiu na direcção indicada e, depois de algum tempo, achou outra massa, à qual perguntou como antes: «O Tepulti, onde está teu dono?» E recebeu em resposta: «Meu dono deixou-me aqui ha cerca de um annc. Segue no seu rasto e has de encontral-o.» O jabuti conti- nuou na sua jornada e encontrou outra massa, que sendo interrogada, respon- deu: «Meu dono não póde estar muito longe; si caminhares depressa, encon- tral-o-has amanha.» No dia seguinte o jabuti encontrou uma nova massa, que disse: «Meu dono acaba de me deixar aqui; estou ouvindo o quebrar dos ra- mos que elle encontra no matto. Segue-o.» O jabuti, seguindo, encontrou logo a anta dormindo. Examinou-a cuidadosamente e então, approximando-se com cautela, firmou as suas mandibulas na coxa da anta. Esta acordou sobresaltada e disparou para o matto, conservando-se o jabuti firme no seu logar. A anta, com a dor, correu até cahir morta, vencida de cansaço. Um mez depois o ja- buti voltou e encontrou o esqueleto, do qual tirou um osso para mostrar aos amigos, como prova do seu feito. Na Pantchatantram (1), uma collecção de lendas sanscriptas, ha uma do elephante e das lebres, que se assemelha muito à que acabo de relatar. E a seguinte : Nas margens do lago Tchandrasaras moram as lebres em numerosas tocas. Os elephantes, indo beber ao lago, arrasam as tocas ao passar, matando e alei-. jando as lebres. A lebre, em nome da lua, onde reside o rei das lebres, pro- testa ao rei dos elephantes, dizendo que a lua está zangada. A lebre mostra ao elephante a imagem da lua na agua. O elephante, agitando a agua, faz com (1) Livro HI. Lenda I; veja-se Gubernatis, Zoological Mythology, vol. 11, pg. 76. Tambem Aurar-i- Suhailé, cap. IV, lenda IV. V.v..—38 150 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL que a imagem se multiplique. A lebre diz-lhe que a lua está ainda mais zan- gada, e com isso o rei dos elephantes pede perdão e se retira, deixando as le- bres em paz. Conforme Gubernalis (1), o elephante é o sol que vai beber no lago da lua: «A lebre previne ao elephante que si elle não se retira, si continuar a es- magar as lebres nas margens do lago, a lua retirará os seus raios frios, e então os elephantes morrerão de fome.» Na lenda Kanurí da Africa, o elephante assenta-se em cima de um gallo, e este vinga-se picando um dos olhos do elephante. A lenda amazonica parece ser susceptivel da seguinte interpretação: A anta é o sol, o jabuti, a lua. O sol nascente extingue a lua cheia e à enterra; mas, depois de algum tempo, apparece a lua nova e começa a perseguir o sol. O facto da perseguição reproduzir-se diariamente, ficando o rasto cada vez mais patente, suggere a idéa de que o perseguidor deve ser o sol. Não seria a lenda que se tornou confusa pela troca de caracteres? O Jabuti mata a Mura Um jabuti fez uma aposta com uma mukúra ou gambá amazonica, para ver qual dos dous podia ficar mais tempo enterrado. O jabuti foi primeiro en- terrado pela mukúra e sahiu incolume. Elle enterrou então a mukúra debaixo de um monte de folhas seccas, onde a deixou. Alguns dias depois, voltando em procura da mukúra, elle achou apenas um enxame de moscas. Aqui o jabuti solar, que se enterra diariamente sem damno, induz a mu- kúra nocturna ou a lua a seguir o seu exemplo, resultando d'ahi a extineção desta. O Jabuti engana a Onça Um jabuti e uma aranha fizeram uma especie de sociedade e moravam junctos. O jabuti, tendo matado uma anta, estava occupado em partir acarne, quando appareceu uma onça. «O" jabuti, disse ella, o que estas fazendo ?» «Matei uma anta e estou preparando a carne», respondeu o jabuti. «Eu vou ajudal-o», disse a onça, e immediatamente começou a servir-se da carne com grande descontentamento do jabuti. Este disse então à onça: «Estou com muita sêde e vou buscar agua. Aranha, continua a guardar a carne em tua casa.» (1) Op. cit. vol. TI, pg. "76. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 151 O jabuti andou uma pequena distancia, molhou-se no orvalho e voltou. «Onde ha agua? perguntou a onça, pois eu tambem estou com sêde.» «Vai nesta direcção, disse o jabuti, indicando com o dedo. A agua está logo abaixo do sol. Vai muito direito seguindo o sol e encontrarás a agua» À onça caminhou muito, mas não encontrou agua; assim, desapontada, voltou para acabar com a carne da anta; porém o jabuti e a aranha, emquanto a onça esteve ausente, diligenciaram e guardaram toda a carne na casa da ara- nha, deixando sómente os ossos para a onça. Muito semelhante a esta é a lenda africana dada por Koellé (1): Uma doni- nha e uma hyena querendo cozinhar um animal morto na caça, assentaram que a doninha iria procurar fogo. A doninha foi, mas voltou sem o ter encon- trado. A hyena vendo o sol no occaso e julgando que era fogo, levantou-se e disse à doninha : «Toma conta da carne emquanto eu vou procurar fogo.» Depois de sahir a hyena, a doninha escondeu a carne num buraco. O sol poz-se emquanto a hyena caminhava para elle, e por isso ella voltou. A do. ninha disse que dous homens tinham furtado a carne e hayiam-n'a escondido no buraco, e entrando n'este prometteu amarrar a carne na cauda da hyena. Em logar d'isto, porém, amarrou a cauda em um pau, de modo que quando gritou à hyena para puxar, esta achou-se preza e, com os esforços que fez para se livrar, partiu a cauda. Ajuntarei a seguinte lenda da conversa entre um jabutie uma anta, a qual parece estar resumida e incompleta. Um jabuti encontrou no matto uma anta que lhe perguntou aonde ia. O jabuti disse: «Vou casar-me com a filha do beija-flor.» A anta riu-se e disse- lhe que as suas pernas eram tão curtas, que elle nunca chegaria á casa da noiva. O jabuti então perguntou à anta aonde ia, e esta respondeu que ia pedir em casamento a filha do veado. O jabuti riu-se por sua vez e respondeu : «Ya ! Você jámais casará com a filha do veado.» «Porque não?» perguntou a anta. «Porque ella correrá de você,» respondeu o jabuti. «Pois, disse a anta, eu tambem sei correr. Quebro os galhos das arvores quando corro.» Além das lendas do jabuti, ha no Amazonas muitas outras que me parece serem mythos solares; porém, os limites deste artigo não me permittem tra- tar d'ellas com minuciosidade. Em uma d'estas lendas, o Martim Pescador casa-se com a filha do mu- kura e vai pescar com a sua esposa. O umirirámba ou Martim Pescador sacode (1) African Native Literature, p. 166. 152 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL o seu maraká; um grande peixe tukunaré sobe à flor d'agua, e o passaro 0 agarra e leva para terra. O mukúra é invejoso e quer pescar do mesmo modo. Assim, tomando emprestado o maraká de seu genro, elle segue o seu exemplo e é engulido pelo peixe. A esposa corre à casa e chama o genro, que salva promptamente o sogro, mas em estado lastimoso. Na continuação desta historia representa-se o pescador como sendo obri- gado a fugir de seu sogro, que se zanga por elle rir-se da sua aventura. A mu- lher do pescador toma então um carrapato para seu marido, e logo depois o par vai colher castanhas verdes. O carrapato sobe à arvore, colhe a fructa e atira-a à esposa. Depois de ter acabado, elle apanha uma folha e, agarrando-se a ella, desce sem perigo. A mulkúra, invejosa, quer seguir o seu exemplo, mas quando tenta descer, segurando-se à folha, cahe com estrondo no chão. Os mythos que tenho aqui registrado acham-se indubitavelmente muito espalhados no Amazonas, mas só os encontrei entre os indios, e foram todos colleccionados na lingua geral. Debalde envidei esforços para obter mythos entre os negros do Amazonas. O Dr. Couto de Magalhães, que me seguiu re- centemente nestas pesquizas, chegou ao mesmo resultado. Parece provavel, portanto, que os mythos são indigenas, mas ainda não considero isto como provado. Quer de origem indigena ou exofica, elles existem e são muito vul- gares entre os indios, merecendo serem colleccionados com cuidado e estu- dados. Felizmente, não faltam provas historicas da existencia de mythos celestes entre os antigos indios brazileiros. Claude d'Abbeville (1) refere que os indios Tupis do Maranhão deram nomes a muitas estrellas e constellações. À” estrella d'alva chamaram Pira-panem, o piloto da manhã. Entre as constellações es- tavam Ouegnonmoin, o carangueijo; Yassatin, nome de um passaro; Tuyaue, homem velho ; Conomy manipoére ouaré, o rapaz que come manipoy; Yandou- tin, o avestruz branco que come ouyra-oupia ou ovos de passaro, representados por duas estrellas da visinhança ; Tapity, a lebre; (Gnopouêon, o forno de man- dioca, etc., etc. O mais interessante, porém, é asseverarem que o nome Iaowáre, cachorro ou mais propriamente onça, foi dado a uma grande estrella que segue logo atraz da lua e que, conforme suppunham os indios, persegue a lua, afim de devoral-a. Depois das chuvas, quando a lua apparece rubra como sangue, os indios sahiram de casa e, olhando para a lua, bateram no chão com varas, di- (1) Histoire de la Mission des PP. Capuchins en PIsle de Maragnan. Fol. 8317-319. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 153 zendo: «Eycobé chera moin goé goé; Eycobé chera moin goé hawhau.» O meu avó esteja sempre com boa saude. Nos mythos que tenho apresentado interpretei a onça como representando a lua, sendo guiado nesta opinião pela analogia. Poder-se-ha, porém, pergun- tar si ella não significa em alguns casos pelo menos a estrella que acabo de mencionar. Esta questão não póde ser resolvida com os dados que actual- mente possuimos. Depois de publicado o que fica exposto acima, o Dr. Silva Coutinho in- formou-me que os indios do Amazonas não só dão nomes a muitos dos corpos celestes, como tambem contam historias a seu respeito. Dizem que as duas estrellas que formam o hombro de Orion, são um velho e um rapaz n'uma canôa perseguindo um peixe-boi, nome pelo qual é designada uma mancha escura do céu, perto da mesma constellação. Os indios dizem que primitiva- mente o velho, a estrella grande, estava na prôa, e que o rapaz, a estrella me- nor, estava na pôpa, governando. Quando o homem avistou o peixe-boi ficou excitado demais para atirar, e assim trocou o logar com o rapaz. Ha uma constellação chamada pelos indios palmeira, e perto existe uma linha de es- trellas a que elles chamam macacos, que vêm comer fructa. Uma outra cons- tellação é chamada o Jaburú, grou (Cicomia) e uma outra o grou branco. O Dr. Coutinho achou no Rio Branco um mytho em que a lua, repre- sentada por uma moça, ficou enamorada de um seu irmão eo visitou de noute, sendo trahida afinal, por elle ter passado na sua cara a mão coberta de uma substancia preta. O mesmo mylho foi encontrado no rio Jamunda pelo Sr. Barbosa Rodrigues. MYTHOS ANTHROPOMORPHOS Ao passo que a mythologia dos Incas, dos Mexicanos, e mesmo das tribus da parte oriental da America do Norte, foi rica de genios anthropomorphos, cujas aventuras são assumpto de lendas intrincadas, a mythologia dos Tupis é excessivamente simples e caracterisada antes por animaes, parecendo ser pe- queno o numero de personagens anthropomorphos distinctos e bem definidos. O Mytho do Curupira Um dos mais importantes entes mythologicos dos indios do Brazil, que fallam a lingua Tupi, é o Curupira. Ouve-se fallar em toda a parte d'este espirito malfazejo do matto; mas não existe uma boa e exacta descripção delle, V. vi—39 154 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL De Laet (1) diz que Curupira significa «numen mentium». Ordinariamente, os auctores antigos e, até a mór parte dos modernos, contentam-se em repetir essa opinião. Yon Martius (2) pouco diz ácerca do Curupira, denominando-o sómente um espirito comico (neckischer Waldgeist) que habita no matto. O auctor do «Diccionario topographico, etc., do Alto Amazonas» (3) diz que o Cu- rupira é um duende do matto que extravia o viajante e mata-o de cansaço. Este auctore von Martius identificam o Curupira com o Caypóra (kiapóra); mas Mr. Bates (4) diz que não são identicos. Durante minhas viagens no Amazonas, com toda a diligencia colleccionei os mythos dos indios, e com feliz resultado, porque entre as muitas lendas indigenas que vieram ao meu conhecimento, descobri alguns mythos impor- tantes, que me fornecem materia para descrever o Curupira, Jurupari, Oiára e outros entes mythologicos. Neste pequeno artigo vou fallar sómente do Cu- vupira. Uma tapuya de Manãos, que encontrei no Pará, disse-me que havia mui- tos Curupiras de ambos os sexos, que habitam nos buracos dos paus mortos, e que, apparecendo de repente ao viajante no matto, confundem-o e procuram desencaminhal-o para lhe tirar a vida. Os Curupiras têm a fórma de tapuyos. A femea é mais gorda do que o macho e tem cabellos compridos. O indio, logo que lhe apparece um espirito destes, faz uma pequena cruz de pausi- nhos (5) e a deita no caminho, ou corta com seu terçado na casca de uma arvore o signal da Cruz. Alguns indios levam comsigo na patrona uma pe- quena palanqueta de cedro. Quando vêm um Curupira, carregam com esta a espingarda e dão um tiro sobre a apparição. O poeta Amorim (6) diz que os Curupiras são de ambos os sexos; e, segundo Mr. Bates, o Curupira tem mu- lher e filhos. Baena descreve este (7) espirito como um tapuyo pequeno, com os pés ás avessas, que persegue o caçador, o qual, para afugental-o, ou an- tes, para impedir-lhe a marcha tece cruzes e rodinhas de sipô e as deixa no caminho. O Curupira, achando-as, occupa-se em destecel-as, emquanto o ca- cador se escapa. (1) Maregravi Historie Rerum Naturalium Brasilia 7, pg. 28. (2) Ethnographie, s. 468, nota. (3) Sub voce «Curupira.» (4) Naturaliston the R. Amazons, pg. 320. (5) Bates, Op. cit., pg. 43. (6) Odio da Raça, nota XX, pg. 183. (7) Ensaio Corografico, pg. 70. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 155 Em Santarém um indio me contou a seguinte historia de um tapuyo que matou um Curupira : Estava elle caçando no matto, quando, desviado por um destes espiritos maleficos, perdeu seu caminho, e, ao cahir da noute, deitou-se ao pé de um pau e dormiu. O Curupira chegou ao pé d'elle e bateu no sapopéma (1) do páu; o homem acordou. «O que estás fazendo aqui, meu irmão ?» perguntou o Curupíra. «Perdi-me e aqui fiquei», respondeu-lhe o homem. «Então, disse o espirito, dá-me um pedaço do teu figado (2) para comer |» Felizmente, o caçador tinha matado um macaco. Tirou sua faca, abriu-o e, cortando um pedaço do coração, deu-o ao Curupira, que o comeu com gosto, pensando ser o do homem. «E” muito doce ! disse o Curupira. Dê-me tudo !» E o homem deu o resto do coração do macaco e replicou : «Agora has de dar-me tambem um pedaço do teu.» O Curupira julgando que, si o homem podia tirar o coração, elle tambem poderia fazer o mesmo, pediu a faca do caçador, abriu-se e cahiu morto. O homem, livre de seu inimigo, fugiu. Depois de um anno, o caçador lembrou-se que os Curupiras têm os dentes verdes, e foi buscar os d'aquelle que tinha matado para fazer um fio de con- tas. Achou o esqueleto ao pé do pau. Tomou a caveira na mão e com o seu machadinho bateu num dente; mas, qual não foi o seu espanto ao ver o Curu- pira apparecer instantaneamente vivo e sorrindo diante delle ! «Obrigado, meu irmão, por me teres despertado | disse a apparição. Ti- nha-me deitado um momento para dormir.» E logo apoz deu ao homem uma frecha encantada, dizendo que com esta podia com certeza matar qualquer caça, mas aconselhou-lhe que a ninguem contasse de quem a recebera. Esse mesmo indio, d'antes panémo (3) depois d'isto matava todos os dias muita caça; mas sua mulher, tendo reparado, perguntou com insistencia como de repente se tinha elle tornado tão habil caçador. O marido contou, afinal, tudo à sua mulher, e cahiu morto. (1) Raiz chata. Assim se chamam as raizes grandes e chatas, que sahindo fóra do chão, susten- tam as bases de algumas especies de paus grandes do matto do Brazil. D'esta palavra vem o nome de uma fazenda na visinhança do Rio de Janeiro, Sapopemba, (2) Pyá em Tupi quer dizer figado ou coração. (3) Propriamente esteril, aqui quer dizer sem geito. 156 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL E” muito interessante esta lenda, porque mostra que, ao menos segundo a crença de alguns, o Curupira não é propriamente um espirito, mas tem carne e osso, e póde ser morto como um homem; seus dentes verdes fazem lembrar os cabellos tambem verdes do ELyeshy, uma especie de espirito mal- fazejo dos Russos, e o rosto cinereo ou azul dos Tróll das serras de Noruega. E' ainda mais interessante a correspondencia que se acha entre esta lenda do Curupira e um conto noruega, já muito celebrado na traducção ingleza, sob o titulo «How Boots ate a match with a Troll» (1). O Troll, ente sobrenatural semelhante ao Curupira, como hei de mostrar mais adiante, tinha-se apode- rado de Boots, o qual à ceia apostou com elle, a ver qual poderia comer a maior quantidade de sopa. Boots pendurou sobre o peito um sacco, cujo fundo linha préviamente aberto, e tomou a sua colher; mas, em logar de metter a sopa na bocca, despejou-a no sacco. No emtanto o Troll, que devéras comia, logo ficou cheio e admirou-se de ver que Boots ainda continuasse com dis- posição. «Ah ! disse elle. Como é que tu pódes comer tanto ?» «Nada mais facil, respondeu Boots. Tenho cortado um buraco na bar- riga»; e mostrou ao Troll a fenda no sacco. «Não te faz mal?» perguntou o monstro. Boots affirmando-lhe que nenhum incommodo lhe dava, Troll disse: «En- tão, eu tambem me vou furar», e isto fazendo morreu. Vale a pena comparar estas com a primeira historia do livro quarto da obra de Afanasieff. Uma raposa vai ao buraco de um urso e come as gallinhas que este guardava alli. O urso chega e pergunta à raposa o que fazia, e esta diz que estava comendo carne da sua testa, e dá um pedaço da carne de gallinha ao urso, 0 qual a come com gosto. O urso então experimenta cortar carne da sua testa e morre (2). N'uma lenda de Manabozho, contada por Schoolcraft (3), um cervo grande, chamado maose no inglez, corta um pedaço de carne do hombro de sua mu- lher, sem lhe fazer mal, mas Manabozho, desejando imitar o seu exemplo, quasi mata a sua propria mulher. A lenda amazonica conta que o Curupira foi resuscitado pelo golpe do machadinho do homem. Nas lendas da Russia achamos um parallelo. Uma (1) Dasent, Tales from the Norse. (2) De Gubernatis, Zoological Mythology, vol. 1I, pg. 113. (3) Hiawatha Legends, pg. 45. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 157 superstição prevalece na Russia e em outros paizes, que ha defuntos chama- dos vampiros, que sahem de noute do sepulchro para chupar o sangue dos vi- vos. Para matar estes vampiros é preciso espetar-lhes o corpo com um pau ponteagudo, o qual deve ser mettido com um só golpe, porque um segundo golpe poderia resuscitar o monstro (1). Da mesma maneira, nas lendas selavo- nicas, o hero recebe constantemente o aviso de matar com um só golpe os bi- chos fabulosos com os quaes combate. A exclamação do redivivo Curupira de que tinha dormido sómente um momento, acha o seu parallelo num conto dos indios Ottawas, na America do Norte. Mudjekewis depois de morto está revivificado pelo irmão de Tamo, quando, esfregando os olhos, diz: «Tenho dormido demais» (2). Existem outros mythos em que o Curupira dá ao caçador uma frecha que nunca erra, mas esta arma sempre traz desgraça e ás vezes morte ao que a re- cebe. Quasi sempre o Curupira impõe uma condição difficil de se cumprir, e a falta de observal-a é fatal. O Curupira gosta de zombar com os que cahem no seu poder, mas ordi- nariamente com resultados sérios à sua victima. Por exemplo: Um homem estava assentado num banco fazendo pontas em frechas com uma faca, quando um Curupira veio e assentando-se ao lado delle principiou a ajudal-o. Mas o Curupira trabalhou com tanta pressa que acabou logo com todas, e então to- mou a perna do homem e ponteagucou-lhe o pé. Na seguinte lenda as consequencias foram menos sérias. Um tapuyo foi pescar e viu um Curupira pescando na beira de um poço meio secco, no qual apanhava muito peixe. O homem, que nada tinha feito na pescaria, e que estava com muita fome, approximou-se do Curupira e pe- diu que lhe ajudasse. O Curupira prestou-se promptamente; e num momento apsnharam um monte de pequenos peixes. O homem agradeceu a seu bemfeitor e principiou a tecer um panacú para leval-os a sua casa,-mas o Curupira disse-lhe: «Deixe-me fazer o panach»; e de repente teceu um cesto tão pequeno que nem a quarta parte dos peixes cabia nelle; porém o Curupira facilmente arrumou todo aquelle monte de peixes neste panacuzinho. Depois de fechal-o com cuidado, entregou-o ao homem, di- zendo : «Yoma e leva-o nas costas para tua casa, porém, olha bem, não abras o panacit antes de lá chegares.» (1) Ralston, Songs of (he Russian People, pg. 413. (2) Hiawalha Legends, pg. 138. V. vi—dO 158 ARCHIVOS DO MUSRU NACIONAL O homem tomou o panacú e foi-se embora. Pelo caminho ia perguntando a si mesmo : «Como foi possivel que o Curupira arrumasse tantos peixes neste panacu-merim?!» E assim pensando, parou, tirou o cesto das costas e collocou-o no chão. Afinal, vencido pela curiosidade, desatou o panacu, quando de repente cahi- ram todos os peixes. Em vão procurou mettel-os no cestinho, mas, como d'an- tes, não couberam, e foi-lhe preciso ir buscar em casa um cesto grande para leval-os. Os espiritos de Kabiboonoka mandaram Paupukkewis encher uns saccos de gelo e neve, e leval-os a um morro, sem olhar para traz e lá deixal-os até a manha seguinte. Assim fazendo, achou no outro dia os saccos cheios de peixes. Manabozho, outro ente mythologico, querendo imital-o, olhou para traz, e na manha seguinte achou nos saccos sómente neve e gelo. Na Russia o povo acredita num espirito do matto, o Lyeshy, que desen- caminha o viajante, mas este talvez tenha mais semelhança com o Yurupart do que com o Curupira. O ente fabuloso que mais se assemelha ao Curupira éo Troll da Islan- dia e da Noruega. Este espirito apresenta-se sob diversas fórmas, mas ordi- nariamente com a de um gigante. A familia dos Troll está dividida em diffe- rentes classes. Algumas são anthropophagas, outras bons diabos promptos a fa- zerem um favor a um homem. Os Troll perseguem o viajante nas serras e no matto, especialmente de noute, e o fazem perder-se. Nao obstante, são estu- pidos e o homem póde não sómente illudil-os, mas tambem matal-os. A origem e evolução dos mythos dos espiritos da classe do Troll e Curu- pira, hoje facilmente se entendem. Os auctores antigos acreditaram na existen- cia d'estes espiritos, mas para o mythologista comparativo existem sómente nas imaginações do povo, que crê nelles. Os indios e outros muitos selvagens, em toda a parte do mundo, crêm, não sómente que os animaes têm almas, mas que tudo, até as arvores e as pedras, têm sua parte espiritual. Nós, que sabemos alguma cousa da constituição physica do sol, que é um globo im- menso num estado de fusão ignea, em roda do qual move a nossa pequena terra na sua orbita, não pensamos de um verdadeiro nascimento quando di- o brilhante, era um ente vivo que nascia na manhã, que corria no céu, e que amava as nuvens e a terra. Hoje, reconhecendo as leis da natureza, o sol para Fr nós não vive, nem pensa, nem ama. Materia morta, é sujeito à lei physica. Hoje sabemos alguma cousa do que é a electricidade, algumas das mais ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 159 importantes leis que regulam a formação e progresso de um temporal estão já bem conhecidas, e o homem educado vê na trovoada uma exhibição magni- fica das forças da natureza. Parece incrivel que hajam povos que pensem que a trovoada é produzida por uma especie de dragão. Para nós, que estamos livres de noções supersticiosas, é muito difficil de entender perfeitamente as idéas animisticas do selvagem ou do homem in- culto; para nós o mytho é ás vezes absurdo, para elles é uma verdadeira ex- plicação da natureza. Quando um selvagem que crê na animação de toda a natureza anda no matto, não anda numa solidão como um homem civilisado; ao contrario, tudo em redor d'elle tem vida. Os paus olham para elle e até observam seus passos. A arára que de repente o espanta pelo seu grito inesperado, a cutia que corre debaixo do cerrado e evita as settas delle, e a anta, cujos rastos elle descobre na areia à beira do igarapé, debaixo dos leques do miriti, tem como elle uma alma, e como elle raciocinam. Segue seu trilho, mas logo, en- trando numa parte da floresta que mal conhece, o india perde o caminho. O sol está coberto de nuvense não ha meio de se orientar. Procura em toda a parte o caminho; anda em giros; está confuso, e sente uma especie de verti- gem. Parece-lhe que uma influencia fóra de si se está apoderando delle e procurando desvial-o ! E” o matto que quer destruil-o | Depois de horas de tanto errar consegue achar o caminho. Está livre, se- nhor de si, e volta à casa para assim contar: «Fui caçar; o matte queria me matar; desviou-me, confundiu-me, mas escapei e voltei são.» Assim nasce a idéa de um espirito malefico do matto. Com o curso do tempo este espirito torna-se anthropomorpho. Apparece em somno ao indio e fortifica assim a sua crença, e logo elle imagina vêl-o no matto. Tem natural- mente as feições de um tapuyo, e, como prevalece a superstição em uma re- gião grande, o indio, incapaz de uma larga generalisação, crê que ha muitos destes entes, e, como perseguem homens e mulheres, entende que são de am- bos os sexos. A moradia d'elles ha de ser nos buracos dos paus. Não sei como se originou a idea que elles têm dentes verdes. Lembrar- se-ha que os indios fabricavam collares de contas, feitas não sómente dos den- tes de macacos, como tambem dos do homem. Usavam tambem contas de uma pedra verde, o jade. E' possivel que haja uma connexão entre estas contas de pedra verde, cuja origem ignoravam, e os dentes verdes do Curupira. A idéa de que o Curupira tem os pés ás avessas originou-se provavel- mente da maneira seguinte: O caminhante, confuso no matto, muitas vezes 160 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL acha rastos de gente e segue por elles, pensando achar assim o caminho; mas estes 0 guiam na direcção contraria à qual queria seguir; logo desapparecem inteiramente e o deixam perdido. Com certeza os rastos não eram de gente, mas sim do Curupira, cujos pés hão de ser ás avessas para, com seus rastros, confundirem quem os acha, A especie de vertigem sentida pelo caminhante quando se vê perdido, é sem duvida a causa da superstição, que o Curupira apparece de repente como uma sombra diante dos olhos de um homem. O mytho do Troll que persegue os islandezes que descem os precipicios para apanhar ovos e passaros (1), ori- ginou-se provavelmente na vertigem sentida por um homem quando se acha em grande perigo. Numa historia por Hans Andersen, a Jisjomfru (2), ou Dona da Geleira, ha uma sectaria chamada Svimlen ou Vertigem, mas não sei se realmente existe na Suissa este mytho da donzella da geleira, ou se a historia originou-se com o celebre escriptor dinamarquez. O Curupira é propriamente malefico; mas como ja disse, nem sempre maltrata os que cahem nas suas mãos. Não é todo-poderoso, e, por meio de inteligencia superior, de engano, ou de paciencia, frequentemente escapam os seus captivos. O Curupira póde-se mostrar como uma especie de bom diabo, porque ás vezes o caçador, perdido, errante, e suppondo-se influido pelo espirito do matto, inesperadamente acha caça, mata-a, e, encontrando depois o trilho, volta carregado aos seus lares e ahi contaria sem duvida, como, caçando no matto, tinha encontrado um Curupira que o maltratou, guiando- o em Logares perigosos ; como solfria fome e estava quasi para morrer, quando o Curupira não sómente lhe mostrou uma banda de porcos, mas encantou suas settas, que não erraram. Depois o Curupira o metteu no cominho, pelo qual sahiu do matto. D'ahi procedeu o mylho que o Curupira às vezes dá ao homem frechas que não erram o alvo. Semelhantes settas ou lanças na mythologia Aryana têm uma origem solar (3). Na minha opinião o mytho do Troll originou-se da mesma maneira como o do Curupira. O caminhante, perdido no matto, nos rochedos ou precipicios. imagina-se influido pelo espirito do logar, que o quer destruir. Como o Curu- (1) Maurer, Jslândische Volkssagen der Gegenwart, S. 40. (2) Nye Eventyr og Historier. Anden Rekke, Anden Samling, S. 9. (3) Fiske, Mylhs and Mythmakers, pg. 23. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL I61 pira, o Troll ás vezes é beneficente, mas é sempre perigoso de arriscwr-se nas mãos delle. A correspondencia entre as lendas do Trolle do Curupira não é devida a uma origem commum, mas sim ao facto de que as idéas da natu- reza são as mesmas em todo o mundo, entre selvagens do mesmo estado de cultura, e que o mytho em toda a parte se desenvolve segundo a mesma lei geral. O mytho do Curupira varia muito em differentes localidades. Este espi- rito é sempre uma sombra mysteriosa e ninguem tem uma idéa perfeitamente clara da sua fórma e attributos. De um lado confunde-se com seu intimo pa- rente o Caapóra, do outro com o terrivel e anthropophago Jupari, (Vurupari lingua geral), mas este é um ente maligno, ordinariamente um verdadeiro de- monio ou especie de lobishomem, que apparece às vezes sob a fórma humana, mas que póde transformar-se em algum bicho feroz do matto que gosta de carne de gente. Dos mythos do Jurupari, da Oiara e dos outros entes fabulosos do Ama- zonas e do Brazil hei de fallar num outro artigo. Quanto à origem do nome Curupira nada sabemos com certeza. Tem uma semelhança com Kadpóra e tambem com Yurupart, e como estes entes provavel- mente são parentes, é tambem provavel que um semelhante parentesco exista entre os seus nomes. Curupira e Yurupari são palavras antigas e sem duvida muito alteradas de sua fôrma original. Na falta de dados historicos, vale pouco “ou nada uma méra adivinhação da sua composição. Depois de um estudo particular dos nomes geographicos do Brazil, estou convencido que o methodo seguido pela mór parte dos auctores em procurar de- compol-os é perfeitamente contrario às leis da philologia. Muitos nomes facil- mente se entendem, como por exemplo: Jacarétúba, Iaitúba, ete., mas as pala- vras Nictheroy, Pernambuco, Itaquaquecetuba fornecem problemas que ninguem até agora tem explicado. Lembrar-se-ha que no Brazil, como na America do Norte, nomes proprios antigos, no primeiro logar, quasi sempre têm mudado mais ou menos de fórma, de maneira que nem sempre o indigena entende as suas significações. O conquistador do paiz, adoptando os nomes geographicos, muda-lhes a pronuncia, e a palavra muitas vezes torna-se um enigma, que, na falta de dados historicos, ninguem póde explicar. Por exemplo, na Ingla- terra ha um logar chamado Shotover. Pois como o nome parece composto de duas palavras inglezas que querem dizer elle atirou por cima, o povo diz que o logar é assim nomeado, porque o celebre Little John atirou uma frecha por cima de um morro na visinhança ; mas a historia nos mostra que recebeu seu V. vi—4l 162 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL nome de um chateau vert que existiu antigamente no logar. Shotover e Chateau vert têm quasi a mesma pronuncia. Um outro exemplo. Distante da villa de Ilhaca, onde escrevo, ha uma estação na estrada de ferro do Erie, chamada Owego ; esta palavra pronun- cia-se o-ut-go, no emtanto que tem sua origem no nome indigena Ah-wa-gá ! Existe na Biblia um erro curioso feito por Moysés. Babel quer dizer pro- priamente a Porta de Deus (Bab-Il), mas o propheta, que não era philologo, ignorando isto, pensou que veio do verbo balal, confundir. Neste erro origi- nou-se a legenda da confusão das linguas (1). O MYTHO DA OJARA Como se póde naturalmente esperar de uma nação essencialmente fluvial e maritima, um espirito d'agua representa um papel proeminente na mylho- logia tupi. Eu não achei menção d'este espirito nos velhos escriptos, mas o mytho está largamente espalhado no Brazil, sendo acreditado mesmo pelos brancos. Gonçalves Dias escreveu um bDello poema sobre a mãe d'agua, ou o espirito d'agua, assim chamado em portuguez. A criança diz: «Minha mãe, olha aqui dentro, Olha a bella creatura Que dentro d'agua se vê! Sao douro os longos cabellos, Gentil a doce figura, Airosa, leve a estatura; Olha, vê no fundo d'agua Que bella moça não é! (2)» Em uma nota no poema, Gonçalves Dias diz que em varias partes do Brazil crê-se que a mãe d'agua, ou espirito d'agua é uma bella mulher de longos cabellos de ouro cuja irresistivel voz e olhar fascinam a quem a vê e induzem a lançar-se n'agua, sendo as viclimas principalmente crianças. Em- bora eu julgue que a mãe d'agua do sudéste do Brazil é um vestigio da velha superstição pagã, todavia de tal modo se fundiu com o espirito d'agua portu- (1) Fiske, Myths and Mylh-makers, pg. 72, que cita Smith, Diet. of Bible, Vol. 1, pg. 149 e Ré- nan, Hist. des Langues Sémitiques, Vol. 1, pg. 32. (2) 4 Mãe d'Agua, Goncalves Dias, Cantos, pg. 302. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 163 guez, que o mytho tal como Gonçalves Dias o apresenta é mais indo-europeu do que americano. No Amazonas comtudo a crença na Oiara ou mãe d'agua e na moia ou boia d'agua, é geral e prevalece em muitas tribus. Tanto um como outro são espiritos d'agua, porém parecem differir em que o ultimo tem geralmente a fórma de uma serpente. Escrevi o nome da primeira de conformidade com a pronuncia que ouvi no baixo Amazonas. Parece significar ou o senhor (se- nhora) d'agua (ygyara), ou o ente que mora n'agua com o poder de sahir (ygudra). Julgo mais provavel que a ultima etymologia é a verdadeira. Cor- responderia então a caa pora (morador das florestas). Von Martius dá a fórma Ypupiára (1) que elle deriva de «Y pupe uira» (yg-agua; pupé-em; udra-mora- dor). Nunca ouvi dizer que esta fórma se usasse e por isso não posso admittir a etymologia proposta por von Martius. A particula vara não precisa de posposição, pois que ella significa mo- rador em, e em caso nenhum toma posposição. Cametá é o nome de uma pe- quena cidade no Tocantis, Cametá-uára, (cametaense) seria um habitante de Cametá. Kda, é floresta; hda-udra, habitante da floresta. Si a fôrma ypupiara é realmente usada, o que duvido, deve entretanto ter uma etymologia diffe- rente da proposta por von Martius. O mesmo auctor diz que a Ypupiára (Wasser Unhold) tem os pés voltados para traz. Este é um caracter do Curupira, e podia parecer pelas notas de von Mar- tius que suas idéas sobre os personagens mythologicos dos indios não eram perfeitamente claras. Não colleccionei lendas sobre a boia d'agua ou cobra d'agua, excepto a da paituna. Suppõe-se que é uma enorme serpente que vive n'agua e algumas vezes atira-se sobre o homem. Segundo Bates, a mãe d'agua é uma immensa serpente aqualica de muitas vintenas de braças de comprimento e a legenda provavelmente originou-se da apparencia de uma enorme sucurujuú. No diccionario do Alto Amazonas a Oidra (2) é descripta como um espi- rito aquatico, e tambem como uma especie de epidemia que em certas epo- chas parece ter grassado no Amazonas, achando-se o doente possuido de um irresistivel desejo de lançar-se n'agua, attrahido por cousas bellas vistas na sua profundeza. (1) Ethn. Amer. pg. 468, nola. (2) F. Denis escreve Uaiuara. Esta palavra parece à primeira vista derivar de yg-agua e yára-senhor, ou uára, morador em. 164 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL O bem conhecido auctor dramatico Amorim escreveu uma longa nota sobre a Oiára no seu Ódio de raça. Lamento não ter espaço para reproduzil-a na integra. Segundo este auctor, o espirito aquatico é um tapuyo ou tapuya de rara belleza que fascina aquelle que cahe em seu poder. A habitação dos oiiras é no fundo dos lagos ou rios, e do Pará ao Perú os tapuyos acreditam que o espirito d'agua possue cidades debaixo d'agua, povoadas por mortaes que cahiram victimas de seus encantos. Em 1840 Amorim acompanhou uma tropa que ia extrahir borracha em um ponto do Rio Xingú, acima de Pombal. Uma tarde, voltando ao acampamento de uma excursão, contaram-lhe que uma tapuya chamada Raymunda foi seduzida pela Oiára. «Como foi isto» ? perguntou Amorim. «Estavamos esta tarde sentados aqui no pau que serve de ponte», respon- deu-lhe o índio, «a olhar para a agua, quando a rapariga gritou: «Segura-me, que a mãe d'agua leva-me !» «Atirou comsigo e cahiria no rio sieu e o José Henriques lhe não deitas- semos as mãos com quanta força tinhamos. Levamol-a para a rêde, e mal bas- tavam tres homens para a segurar! Esteve com a Oiára mais de duas horas, até que lhe passou; mas diz que a esta vendo de sentinella, esperando occa- sião para a levar» ! «Sabes o que te digo: dá-lhe uma boa sóva; não ha Oiara que resista a este tractamento». «Já me lembrei disto; dizem que é bom bater com a corda do arco, feita de curauá, nos que têm a mãe d'agua». «Qual historia! A corda do arco é fina de mais. Pega n'um bom cipó, e dá-lhe sem medo. Vamos lá vel-a». «Fomos para a barraca. Raymunda teria uns vinte annos, e era uma for- mosa tapuya, achei-a deitada na rêde, um pouco pallida, com o olhar lan- guido e terno, como o das cobras, e com todas as apparencias de quem aca- bava de ter uma grande luta.» «Perguntei-lhe o que tinha, respondeu-me que não tinha nada, sinão um quebrantamento que a impedia de levantar-se. Eu não entendia de febres, mas lembro-me de que, querendo ajudal-a a erguer-se, lhe achei a pelle fresca. Não foi possivel fazel-a sahir da rede; faltavam-lhe as forças, e dizia que tinha medo de ir para o chão porque estava vendo a Oiára, ou antes as Oiáras que eram alguns tapuiosinhos pequenos, muito bonitos, que estavam esperando, à borda do rio, ensejo para a poderem levar comsigo para o fundo; que se cahisse no chão nenhum poder humano a livraria de ser arrebatada ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 165 por elles; e que mesmo na rêde não estaria segura, si a desamparassem no momento de ser atacada; pois nessa occasião todas as suas forças lhe volta- vam dobradas com a vontade de correr para o rio». Amorim suspeitando que tudo isso era uma farça, representada para enganal-o, propoz representar o pajé e curar a mulher. Assim elles fizeram fogo, prepararam um maracá, pondo alguns seixos dentro de uma cabaça e dansaram em redor do fogo, segundo o costume do pajé, cantando, e de vez em quando soprando na face da paciente fumaça de enormes cigarros enro- lados em tauart. Este jogo terminou comtudo subitamente com um grito: «Segurem-me», gritava uma outra mulher presente que se precipitava para o TIO. «Tres indios lançaram-se ao seu encalço e seguraram-na exactamente quando ella ia atirar-se n'agua. Então Raymunda pediu soccorro, porque era ainda uma vez atacada, e mesmo Venancio, que tinha tomado parte na dansa, dando um grito, abraçou o tronco de uma arvore, e foi tomado de convulsões, sem poder dizer o que tinha. Momentos depois lançou-se para o rio e foi preciso a força de quatro homens para contel-o. «Tão terriveis eram os esforços que fazia para escapar-se que reduziu a pedaços a forte rêde na qualelles tencionam prendel-o». Os symptomas da molestia Oiara são assim descriptos por Amorim : «No principio do ataque ou entrada do primeiro espirito no corpo da viclima, o doente estorcia-se com medonhas convulsões; espumava e rugia, como um furioso, por espaço de uns cinco minutos, pouco mais ou menos; depois cahia em torpor ou prostração geral; fechava os olhos, mudava ligei- ramente para uma côr mais desbotada que a sua natural, e só se differençava de um cadaver por não perder infeiramente o calor nem a respiração. Os membros tambem não se lhe inteiricavam completamente; mas não movia nenhum d'elles sinão depois de lhe passar o ataque, o qual durava umas duas horas, e em cada vinte e quatro se repetia tres vezes. «A este estado de morte apparente ou pouco menos succedia uma especie de existencia nova; o enfermo tinha um estremecimento, agitava os labios, e começava a balbuciar phrases incoherentes, sem abrir os olhos nem dar ne- nhum signal de vida. Era o primeiro espirito ou Oiára que lhe entrava no corpo e fallava pela sua bocca com voz que parecia cansada, As primeiras pa- lavras eram sem nexo; depois dava as boas noutes, ou bons dias, umas vezes em portuguez, e outras em lingua geral ou tupy. E note-se que Joaquim V. vi—42 166 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Carioca não sabia essa lingua, e todavia fallava-a perfeitamente, quando a mãe d'agua se exprimia pela sua bocca». Porém ainda não é tudo. Servindo o doente de medium, uma pessoa propunha questões à Oiára, e recebia respostas, aflirmando Amorim que acontecimentos futuros não só foram preditos como tambem factos que se davam n'aquella occasião em logares distantes. Estes ataques continuavam durante tres ou quatro dias, repetindo-se tres vezes em vinte e quatro horas. Durante a crise, em que o doente parecia morto, elle declarava que ti- nha visitado palacios no fundo do rio, sendo acompanhado por uma bella tapuya, si era homem, e por dous bellos tapuyos, si era mulher. Ao voltar à terra as oras o deixavam, e de novo iam para o rio, mas deixavam atraz alguns pequenos tapuyos para guardar o doente. Estas sentinellas deviam im- pedir que outros espiritos d'agua, seus inimigos, os subrepujassem. Amorim diz que ha bons e maus oiáras. Uma noute de luar, em Ereré, uma companhia estava reunida fóra da porta contando historias, e um indio narrava uma lenda sobre as Oiáras, de que não pude tomar notas; mas no dia seguinte obtive o seguinte resumo «que todavia fica muito áquem da lenda, tal como primeiro a ouvi narrar. O Caçador e as Oriras Um cacador foi caçar veados na serra de Ereré. Trepou a uma alta rocha e esperou que um veado apparecesse, levantando a espingarda ao horabro para fazer fogo. Mas o veado era uma Oiára, a espingarda negou fogo e seus braços ficaram de tal modo rijos, que elle não podia movel-os. A veada fez com que o homem cahisse em um profundo somno ou accesso de catalepsia e levou-o comsigo para fazel-o seu marido. Apresentou-o a seu avõe disse : «Vêde. Trouxe um homem do outro mundo ; quero casar com elle.» Porém o avô não queria que ella se casasse com um mortal, As Oiáras deram ao homem uma pedra re- donda. A veada levou-o para a casa de alguns de seus parentes. Quando elle entrou deixou a pedra do lado da porta, dizendo a alguns meninos que estavam brincando em frente da casa: «Não toquem nesta pedra, quando eu voltar, hei de leval-a para casa». Porém apenas elle entrou em casa, os meninos levaram-n'a para fóra, de sorte que quando elle sahiu não a achou mais. A veada levou o ho- mem para casa morto, e com a espingarda na mão. O indio disse que o homem não estava realmente morto, mas em uma especie de coma, e que sua mulher o curou com certas hervas. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 167 Os espiritos aquaticos da Russia dividem-se em duas classes, os Rusalkas e os Vodyany. Os primeiros são bellas raparigas, que habitam pela maior parte em lagos e rios, que seduzem os homens, levam-n'os para a agua, e ahi os ma- tam a cocegas. Debaixo d'agua os Rusalhas têm palacios decorados com ouro, prata e pedras preciosas. Algumas vezes parecem ser pobres, e são obrigados a fazer ninhos de pa- lha ou pennas apanhadas durante a «semana verde». Durante a semana que precede o, Pentecostes, fazem-se offertas aos Rusalkas, suspendendo roupa, tra- pos ou meadas de fios aos ramos das arvores (1), exactamente como no baixo Amazonas costumam os indios suspender roupas e trapos às arvores da mar- gem do rio, como presente à Velha Pobre. No governo de Saratop os Rusalkas «são descriptos como creaturas hediondas, corcundas e hirsutas, com garras ponteagudas, e um craque de ferro com que tentam apoderar-se dos transeun- tes. Si alguem se arrisca a banhar-se em um rio no domingo de Pentecostes sem ler feito antes uma oração, elles immediatamente arrastam-n'o para o fundo do rio». Além dos Rusalkas, ha o Tsar Morskoi ou rei d'agua, que go- verna o mundo aquatico e tem uma familia de bellas filhas, que tornam-se cisnes usando trajes de pennas. Tambem ha o Vodyany. Destes ha muitos. Apparecem em fôrma de homens nús, velhos e muito barrigudos, com as faces inchadas. Vivem em rios, fontes e lagos e são muito amigos de moinhos e re- gos de moinhos (2). O Vodyany algumas vezes traz boa sorte, mas muitas vezes apodera-se do banhista e afoga-o. Os islandezes acreditam em espiritos aquaticos, no hafyygr ou hafjrá, tam- bem chamado meyfiskr, sereia, no marmenill ou sereia-macho e no muyker ou vatnahestr, uma especie de cavallo marinho. Este ultimo vive em rios e lagos e algumas vezes toma a fórma humana (3). Bates (4) diz que os indios de Ega lhe contaram que um bouto ou grande delfim, costumava ir à praia naquelle logar, à noute, e com a fórma de uma bella mulher de longos cabellos soltos até os tornozellos; que levava os ra- paz:s para o rio agarrando-os pela cintura e mergulhando n'agua com um grito. (1) Ralston, Songs of the Russian people, pg. 139. (2) Ralston, Songs of the Russian people, pg. 145 e 148. (3) Dr. Konrad Maurer. Islandische Volkssagen der Gegenwart, pg. 30. (4) Nat. on Amaz, pg. 357. 168 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL HISTORIA DO PATTUNARE” Morava antigamente nas visinhanças do Ereré uma tapuia que tinha um filho muito feio e coberto de chagas, mas muito habil e prendado. Sabia fazer tipilis, balaios, peneiros e tudo mais, de modo que nada faltava em casa de sua mãe. O moço era tão feio que a mãe o escondeu, e ninguem sabia da sua exis- tencia (1); porém as visinhas repararam logo que áquella nunca faltava cousa alguma, e admiraram-se muito d'isto. Tanta curiosidade tinham algumas mu- lheres casadas, que se puzeram a espiar. Sempre que a mãe sahia, fechava o moço em casa, e para que elle abrisse a porta quando voltava, chamava pelo nome Paitunaré. As mulheres espiando, viram que ao pronunciar a palavra Paitunaré alguem de dentro abria a porta, e no outro dia, logo que a mãe sahiu, foram lá e disseram a mysteriosa pa- lavra. A porta abriu-se, e ellas ficaram encantadas vendo o moço e entraram com elle, Todos os dias, attrahidas por este poder mysterioso, foram da mesma maneira visital-o. Fizeram guariba e comida, que levaram para elle, e entre- saram-se inteiramente à sua vontade. Mas o moço ficou logo aborrecido dellas e falou à mãe para acabar com aquella perseguição. Ella então escondeu-o num poço, mas as mulheres, sempre vigiando, acharam-n'o. O moço pediu à sua mãe que o protegesse, porque as mulheres o atormentavam. Ella, sendo feiticeira, transformou-o em cobra e metteu-o no igarapé que passa pela serra do Paituna. As mulheres, em um outro dia, foram ao poço com presentes de guariba, etc., para dar ao moço; não o achando, voltaram muito tristes. Desconfiando que a mãe o tivesse escondido em outro logar, puzeram-se de novo a espiar. Seguiram-n'a quando ella levava comida ao igarapé, e viram-n'a chegar á beira deste e gritar em voz alta: «Paitunaré ! Paitunaré !» Elle, sob a fôrma de uma cobra grande, respondeu debaixo d'agua com um estrondo—bum !; e sahindo então para comer, a cobra mudou-se em um moço bonito, que fallou com a mãe e comeu o que ella lhe trouxera. No outro dia, quando a mãe já tinha visitado o igarapé, as mulheres foram com guariba, beijús, etc. Ao chegarem, chamaram tambem «Paitunaré ?» A voz da cobra foi ouvida debaixo d'agua com um estrondo, e então sahiu o (1) Uma outra versão diz que o pae mettendo o menino num tipití, sahiu um moço bonito. ne ' ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 169 Paitunaré. As mulheres entregaram os seus presentes e puzeram-se à discri- ção do moço. Os maridos das mulheres tinham reparado a conducta singular - de suas esposas e a falta de attenção para com elles. Viram que ellas faziam todos os dias caxiri, beijús, etc., mas não lhes offereciam. Consultaram-se para achar a causa desta conducta, ec em seguida puzeram-se a espiar. Acompanharam as mulheres até ao igorapé e viram a cobra transformar-se em moço. Querendo elles prender a cobra, fizeram para isto uma grande rêde de curuáã e foram lançal-a no igarapé; mas a cobra era muito forte e arrebentou com facilidade a rêde de curuá, conseguindo assim escapar. Então consul- taram-se outra vez. «Vamos cortar os cabellos de nossas mulheres e fazer uma corda para laçar a cobra», porque naquelle tempo as mulheres traziam cabellos muito compridos. Assim fizeram: chamaram e laçaram o moço, que não pôde arrebentar a corda. Castraram-n'o e depois o atiraram no igarapé, onde elle se transformou outra vez em cobra. Nunca mais voltou á terra, mas sim escondeu-se em baixo da serra. As mulheres ficaram muito tristes quando a cobra não appareceu; e, ao saberem o logar onde ella estava, quizeram ir buscal-a. O tatú-assú ajudou-as cavando um buraco até lá, e ellas foram levando presentes. Afim de que os maridos não as podessem seguir, encheram o buraco com espinhos de jupari-pindá e cousas podres. Nunca mais voltaram. OS MYTHOS DE TUPAN E TUPI Muito geral é a crença que os antigos Tupis, antes da descoberta da America, acreditaram num deus do trovão, chamado Tupán ou Tupána, e esta deidade já está installada no Pantheon Americano pelos mythologistas. José Joaquim Machado d'Oliveira (1) diz que as tribus dos Tupis reconhe- ceram dous principios, um bom, o outro máu. «Ao bom principio, que entre todas essas tribus era conhecido com o nome de Tupà, talvez derivado da deno- minação ascendente (2) attribuia-se a gerencia de tudo quanto podia contri- buir para o bem estar e felicidade do homem. Por seu irrevocavel mandato germinavam, cresciam e fructificavam as arvores e povoavam-se de animaes, aves e peixes as florestas, mares e rios; o que tudo era disposto para manu- (1) Revista Trimensal, tom. VI pg. 143. * (2) «Du mot lupan, que veut dire tonnerre e pére Universel, ils (les Tupis) avail fait par une vanité barbare le nom de leur propre nation.» (Beauchamp). V. vi—d43 170 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tenção do homem; e tudo quanto havia de proficuo, regular e ameno, no céu e na terra a elles se alludia». O Dr. Brinton (1) diz que Tupán era não sómente o Deus superior dos Tupis, mas tambem o primeiro homem; que era um velho branco, um entre quatro irmãos e o unico que sobresahiu do diluvio; e que apparece como um passaro no ctu, etc., ete Tal é o mytho de Tupán como existe nos livros modernos. Parece realmente incrivel que os Tupís, os quaes na epocha da descoberta da America se acharam num estado de cultura muito baixo, tivessem chegado a fazer uma generalisação tão larga como a d'um Deus, d'um Greador. Neste pequeno artigo vou examinar o mytho de Tupán para ver se é realmente indi- sena, ou si originou-se depois do contacto dos Tupis com o Christanismo. Thevet (2) diz que «nos sauuages font mention d'yn grand Seigneur & le nomment en leur langue Toupan, lequel, disent ils, estant Ja haut fait plouuoir & tonner: mais ils nºont aucune maniere de prier ne honnorer ne yne fois, ne autre, ne liceu à ce propre. Sion leur tient propos de Dieu, comme quelque fois y'ai fait, ils escouteront attentivement avec vne admiratiou: et demanderont si ce n'est point ce prophete, que leur a enseigné à planter leurs grosses racines qu'ils nomment Hetich».*** «Quant à Toupan ils Pestiment grand, ne s'arrestant en vn lieu, ains allãt çã & là, & qu'il declare ces grands secrets à leurs prophetes. Voyla quat à la religion de nos Barbares ce que oculairement j'en ai congnu & entendu, par le moyen d'vn truchement Fran- cois, qui auoit là demeuré diz ans, & entendoit parfaitement leur langue». Num outro logar (3) o mesmo auctor, fallando duma visita que fez ao chefe Pindahoussou, conta como este lhe disse: «Viença, ie ay entendu faire si grand recit de Toupan, qui peut toutes choses, parle à luy pour moy, qu'il mi guerisse, et si ie puis estre gueri, ie te feray plusieurs beaux presents: ie veux estre acoustré come toi, porter grad barbe, et honorer Toupan come toy». No primeiro logar o Thevet gastou muito pouco Lempo no Brazil, e não sabia a lingua Tupí. Era um homem credulo e pouco honesto, e o livro delle está, como já mostrou o Lery, cheio de erros. O que contou da religião dos Tupis, elle mesmo confessa que recebeu dum interprete francez. Devemos então receber com muita cautela o que narra um tal suctor, especialmente (1) Myths of the New World, pp. 32, 84, 152, 185. (2) Les Singularitez de la France Antarctique, pg. 5). (5) Up. cit, pg. 58. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 171 quando falla sobre um assumpto tão diflicil de se entender como o da religião duma tribu selvagem. Do que diz o Thevet parece claro que o Pindahousou não reconheceu no Tupan um Deus indigena, mas sim um Deus dos brancos. Hans Stade conta que, numa viagem que fez por mar com uma comitiva de indios, encontraram um temporal e os selvagens lhe dissseram: «Falla com teu Tupán que o vento e a chuva não nos façam mal». D'isto entendo que os selvagens acreditaram que Tupán era o Deus dos brancos. No capitulo em que Hans Stade tracta da religião dos Tupinambás, elle declara distinctamente que ignoram o verdadeiro Deus, mas nada diz a respeito de Tupán. Não obstante que Lery diz que a palavra Toupán não quer dizer Deus, mas sim o trovão, elle applica este nome ao Deus dos Christãos. Quando Lery aconselhou a uma mulher captiva entre os Tupinambás que ella supplicasse ao Tupán, elle, sem duvida, queria dizer o Deus do Christão, e não o trovão. O mesmo auctor diz: «Et parce, comme ie diray plus au long, que quand ils entendent le tonnerre qu'ils nomment TPoupan, ils sont grandement effrayez, si nous accommodans à leur rudesse prenions particulitrement occasion de la leur dire que c'estoit le Dieu dot nous leur parlions qui, pour monstrer sa grand puissances, faisoit ainsi trêbler ciel et terre: leurs resolutions et res- ponces à cela estoyêt q” puis qu'il les espouuãtoit de ceste faço, il ne valoit dont rien». O celebre Nobrega offerece testemunho ainda mais importante, e fallando dos «Tupiniquiis» e «Topinambas» escreve assim: «Esta gentilidade nenhuma cousa adora, nem conhecem a Deus; sómente aos trovões chamam Tupane, que é como quem diz cousa divina, e assim nós não temos outro vo- cabulo mais conveniente para os trazer ao conhecimento de Deus que chamar- lhe Pai Tupane». Assim nasceu o mytho de Tupán. A religião dos Tupis ao tempo da descoberta da America era uma especie de fetichismo muito baixo, consis- tindo apenas na crença que todos os objectos da natureza tinham sua parte espiritual. Alguns destes espiritos, como o Curupira, Jurupari, Aynan ou Anhanga, haviam já chegado a ser mais ou menos anthromorphos, o que sabemos porém dos mythos d'elles entre os antigos Tupis vale pouco ou nada, e a mylhologia tupica ha de ser reconstituida pelo estudo cuidadoso dos my- thos dos indios modernos. Os Tupis da costa não tinham idolos, e o maracá era unicamente uma especie de feitiço (fetish). Provavelmente acreditavam no espirito da trovoada como no de qualquer outra cousa, mas não consta que este espirito tivesse para elles importancia alguma, e com certeza não o acre- ditaram ser um Deus. O mytho do Deus Tupán então tinha uma origem 172 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Christá. Os primeiros colonos procuraram ensinar aos selvagens as doutri- nas da fé de Christo, e como o Brazil é um paiz quente em que as trovoadas são muito frequentes e fortes, é bem natural que os missionarios, e até os seculares, chamassem a attenção dos indios para o trovão como a voz de Deus; e, uma vez que os missionarios escolheram Tupán para significar a deidade christã, e os indios aprenderam alguma cousa do christianismo, o mytho cresceu, é é realmente curioso ver como desenvolveu-se elle nos livros sobre o Brazil, Os auctores foram citando, uns dos outros, philosophando, combinau- do, e generalisando, até que o mytho de Tupán é agora um mytho dos livros não dos Indios. O nome applicado a Deus pelos jesuitas era Tupán, Tupá, Tupim ou Tu- pána; os Guaranys dizem Topa (1). Entre os indios do Amazonas, tupim (Tupã?) quer dizer trovão, e Tupánra, Deus. Tupadka & egreja, e tupinauatá, procissão. Tupána tambem quer dizer imagem ou santo, Dobritzohoffer (2) diz que a pa- lavra tipã Guarany) deriva-se de ti, uma palavra de admiração, e pi, de in- terrogação. Alguns auctores crêm que tupin vinha da palavra túba, pai. Taes etymologias são meras conjecturas. No Amazonas, a trovoada chama-se guytit ayú teapó ikó, o vento máu (tro- voada), está roncando. Tambem dizem teapú àn! roncou! A mim parece muito mais provavel que a palavra Tupán deriva-se do verbo no Tupi antigo, que corresponde a teapiú na lingua geral; entretanto isto é apenas uma suggestão. Passamos agora ao exame do mytho de Tupi. A mór parte dos livros moder- nos sobre o Brazil dizem que uma das antigas tribus do Brazilse chamava Tupi, e muito se ha já escripto sobre a etymologia deste nome. Goncalves Dias, o poeta, diz ser uma contracção de Tupan-i, os pequenos deuses; o que não é razoavel, porque uma tal etymologia é contraria ao genio da lingua Tupi. Varnhagen, porém, pensa que o nome quer dizer tio (3). Antes de procurar a etymologia da palavra Tupi, não seria melhor determinar si era uma verda- deira palavra fupica, e ao mesmo tempo o nome que os selvagens applicavam à sua nação? : Os primeiros chronistas do Brazil não usaram a palavra Tupí. Deram no- mes às diferentes tribus, mas não à raça que hoje conhecemos pelo nome Tupi. Hans Stade, Lery, Thevet, Nobrega e Magalhães de Gandavo nada dizem (1) Cacique Lambaré, Asuncion, 22 de Agosto, 1867. (2) Vol. II. pg. 64. (3) Varnhagen, Hist. Geral do Brazil, citada por Magalhães, Opusculos Historicos e Litterarios, pg. 175. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Ut) dos Tupis. Elles fallam dos Tupinambás (Tououpinamboults Lery, Tuppin-Inha, Stade), Tupiniquins (Tououpinamquins, Lery, Tuppin-Ikins, Stade,) ete., mas nada dizem sobre os Tupis. E” preciso lembrar-se que os nomes das tribus selvagens no Brazil são ordinariamente, como já disse Varnhagen, «diffe- rentes alcunhas dadas por diversos povos circumvisinhos, quasi sempre inimi- gos.» Os Mundurucús não são assim chamados entre si, e o nome Botocudo não é sinão uma alcunha portugueza. O nome Iroquois na America do Norte tam- bem não é o indigena da tribu. Antes de philosophar sobre a origem e sentido do nome de uma tribu indigena, deviamos em primeiro logar procurar saber si é realmente o nome applicado pela tribu a si mesmo, e si conserva sua fôrma ori- ginal. Os nomes Tupinamba, Tupiniquim, etc., embora derivados do Tupi, não obstante são palavras portuguezas, e não só ignoramos a sua fôrma original, como tambem si são os nomes verdadeiros das tribus ou méras alcunhas. Hans Stade diz que os Tuppin-Ihins applicavam o nome Tawaiar (inimigos) aos Tuppin-Inhas. Um dos primeiros auciores que emprega a palavra Tupi é Simão de Vasconcellos, o qual, enumerando as tribus do Brazil, falla dos Tobayaras, Tupis, Tupinambas, Tuviniquins, etc., mostrando que, para elle, Tupi não era a denominação generica da raça que falla a lingua geral. A mim parece claro que a palavra Tupi applicada à raça tupica originou-se da maneira se- guinte: Muitos nomes pelos quaes as differentes tribus eram conhecidas dos portuguezes, principiaram em Tupi ou alguma cousa semelhante. Quando os colonos europeus reconheceram a identidade de raça das tribus que fallavam à lingua geral, deixaram as terminações -nambi, -inquim, -uté, etc., como su- períluas, ce o nome Tupi foi adoptado ; lembrar-se-ha pelos colonos. De Laet e outros escriptores dividiram os indios do Brazil em duas gran- des familias, os que fallavam a lingua geral, e os tapuyas que não a usavam. Hoje os descendentes dos Tupis no Amazonas não se chamam Tupis, mas sim tapuya. Os brancos chamam-lhes tapiwyos ou tapúios, e a palavra classica Tupi usa-se apenas entre os educados. O indio diz: Ixé tapuya, xairé tapuya neéia. Sou tapuyo e fallo a lingua do tapuyo (tapwya neea). Applicam o mesmo nome aos outros indios que não fallam a lingua geral. As palavras Tupi (Tououpi-), etc., e Tamoyo são tão semelhantes a tapuyo (tapúya) que não me parece incri- vel que haja uma connexão entre as duas. Anchieta escreve tamuya e Anthony Knivet, o inglez, dá a fórma tampuya. Muitas palavras na lingua geral que hoje se pronunciam com m ou p são derivadas de uma fôrma antiga em mb. Por exemplo, se ouve hoje no Amazonas móia, bóia ou mbóia, cobra; mae, baé, ou mbaé, cousa, e Tamuya e Tapuya pôódem bem ser derivados da mesma fórma tupica. V. vi—44 174 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Antes de podermos considerar determinada a identidade de Tapuya e Tupt, falta-nos mostrar, em primeiro logar, qual era a fórma original da pa- lavra tapuya na antiga lingua geral, e, em segundo logar, que os Tupis das dif- ferentes tribus applicaram este nome, não sómente aos outros barbaros de uma raça differente,mas tambem a si mesmos. E” certo que não se chamaram Tupis. — TD E O HOMEM DOS SAMBAQUIS (CONTRIBUIÇÃO PARA A ANTHROPOLOGIA BRAZILEIRA) PELO BR. 3. B. DE LACERDA Desde que as numerosas e importantes descobertas relativas à antiguidade do homem vieram despertar o interesse pelos estudos anthropologicos, por toda a parte, no velho como no novo continente, volveu-se a attenção dos sa- bios e a curiosidade dos eruditos para essa ordem de estudos. Nunca se viu uma sciencia, ainda no berço, cercar-se de um tão numeroso cortejo de ade- ptos. De todos os lados acodem-lhe fervorosos e dedicados auxiliares, trazendo valiosos e opulentos subsídios para a solução dos problemas prehistoricos : exploram-se as cavernas, visitam-se as abandonadas necropoles, interrogam-se os monumentos esboroados e carcomidos pelo tempo, decifram-se os caracte- res gravados na face d'esses monumentos, e as tradições perdidas das remotas gerações humanas parecem reviver ao sopro tepido dos espiritos indagadores 176 “ ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL pairando sobre esses vastos montões de ruinas. Dir-se-hia o homem empe- nhado em uma Inta comsigo mesmo para chegar às fontes, ainda obscuras e mysteriosas, da sua origem no tempo e no espaço. Esse esforço indefesso da indagação e da pesquiza anthropologica vai agora mesmo manifestar-se entre nós sob uma fórma tangivel, original, talvez brilhante. A exposição anthropologica brasileira é um tentamen aus- picioso para reconstituir com o auxilio de elementos varios, até aqui esparsos e inaproveitados, a historia do homem americano. Ao Brazil, sempre solicito em acompanhar no caminho do progresso as nações mais polidas e adiantadas do mundo, caberá de hoje em diante um quinhão n'essa partilha de glorias scientificas, conquistadas pelas armas in- cruentas da sciencia universal e pela inquebrantavel dedicação dos seus cul- tores. O estudo do homem pre-colombiano, constitue actualmente uma das mais assiduas preoccupações, e quiça um dos mais interessantes problemas da anthropologia. Ja foi a America o theatro de grandes migrações de povos, e por seus valles, suas montanhas e seus rios resoou a vozeria e o tumulto de numerosas hordas selvagens, correndo à conquista de vastas regiões desco- nhecidas. De que bandas vieram esses primitivos possuidores do solo americano; que direcção levaram essas correntes humanas, espraiando-se em toda a im- mensa vastidão do novo continente; que fusão de caracteres elhnicos se effe- ctuou, atravez das edades, nas raças successivamente invasoras, e que foram a pouco e pouco adquirindo o dominio do solo? Eis ahi tantas interrogações que assaltam o espirito indagador, ao abrir. a primeira pagina da anthropologia da America. E” cedo, muito cedo ainda para achar a resposta a essas impertinentes questões. Emquanto, porém, não se resolve com elementos e dados positivos esses transcendentaes problemas, que contêm em si o segredo da mais remota antiguidade do novo mundo, forçoso e indispensavel é que se vão accumulando a pouco e pouco os mate- riaes solidos em que venha mais tarde assentar essa difficil demonstração. Dando à publicidade esta pequena memoria sobre o homem dos sambaquis, não temos em vista sinão contribuir com um modesto, posto que importante subsidio, para a solução dessas questões. Na carta anthropologica do Brazil não se divisam ainda sinão alguns lineamentos traçados por mão tremula e pou- co segura, sem determinações precisas e definidas. Tudo parece ahi confuso e cahotico. A questão das origens é um implacavel ponto de interrogação que surge a cada instante para desconcertar as mais engenhosas combinações e as ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 177 mais plausíveis hypotheses. O fio conductor perde-se no emmaranhado desse labyrintho e ainda hoje não se póde saber ao certo de que manancia! provie- ram as correntes humanas que cobriram, desde antiquissimas éras, o solo do Brazil. O que, porém, não póde ser hoje resolvido, sel-o-ha amanhã, si o in- ventario das nossas riquezas anthropologicas, accrescido por successivas e repetidas contribuições, vier projectar viva luz onde ainda reinam espessas trevas. Assim nasça e desenvolva-se entre nós, o amor e a dedicação perseve- rante e tenaz pelos estudos e explorações scientificas relativas à anthropolo- gia brasileira. Com o fim de estabelecer à ordem e o melhodo na exposição das materias que vão compor esta memoria, dividimol-a em duas partes. Na primeira, aproveitando os resultados das explorações ja feitas e que foram objecto de diversas publicações, quer nacionaes, quer estrangeiras, daremos uma idéa succinta do que vêm a ser os sambaquis, sua fórma, sua topographia, os materiaes que entram na sua formação, assim como a sua origem provavel, as opiniões relativas à sua antiguidade e ao seu destino. Na segunda estudaremos sob o ponto de vista anthropologico as ossamentas humanas que foram exhu- madas de alguns d'elles, procurando determinar por um estudo cuidadoso desses restos as affinidades ethnicas que possam porventura existir entre o povo ao qual se devem essas vetustas formações artificiaes e as raças não só mais antigas como tambem mais modernas do Brazil, I. Os Sambaquis Posto que não se contem por poucos os viajantes e naturalistas que têm visitado e explorado os sambaquis, é certo todavia que muito antes de se tor- narem essas formações o objecto da attenção e do estudo dos homens compe- tentes, já d'ellas tinham conhecimento os habitantes do paiz, os quaes se uti- lisavam da sua materia prima para fins puramente industriaes. A fabricação da cal em varios pontos do littoral do Brazil não teve durante muito tempo outra fonte de producção. Infelizmente essas explorações industriaes contri- V. vi—45 178 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL buiram não pouco para modificar a fórma primitiva dessas collinas arlificiaes, perturbando o natural arranjo das suas camadas componentes e desta sorte difficultaram as explorações scientificas que mais tarde se fizeram. Dºellas um pequeno numero, porém, pôde escapar a essa brutal devastação, conservando intactos os seus moldes primitivos. Essas formações não estão limitadas a certas zonas ou regiões do paiz; ellas existem espalhadas ao longo da costa do Brazil, desde a foz do Amazonas até as provincias mais meridionaes do Imperio. No norte são conhecidas por uma denominação differente—Sernambys; no Paraná e em Santa Catharina chamam-n'as Casqueiros ou Berbigão; em S. Paulo Sambagué ou ostreiras. Todas essas denominações tiradas á propria materia que entra pela maior parte na formação dessas collinas, exprimem a mesma idéa e se substituem perfeitamente. A palavra Sambaqui parece, porém, haver prevalecido a todas essas ex- pressões locaes, e por isso preferimol-a às outras denominações acima apon- tadas. Entre os viajantes e naturalistas, que visitaram em epochas differentes o Brazil, alguns referiram-se a essas formações. mas sem parecer ligar-lhes a importancia que ellas merecem. SainU'Hilaire, Agassiz, Burton pertencem a esse numero. As informações mais exactas, porém, que temos sobre os Samba- quis datam destes ultimos annos. No Pettersmann Mitteilungen e nos Ensuios de Seiencia publicou o Dr. Shuch Capanema alguns artigos relativos a esse objecto. O Sr. Ferreira Penna escreveu tambem um breve, mas interessante traba- lho (1) sobre os sambaquis fluviaes do Amazonas, o qual foi publicado nos Ar- chivos do Museu Nacional. A todas essas valiosas contribuições devemos ajun- tar ainda o importante relatorio (2) do Sr. Carlos Wiener sobre os sambaquis de Santa Catharina, o qual foi tambem publicado nos Archivos do Museu Na- cional e uma Memoria inedita do finado geologo €. F. Hartt. São estes dous ultimos trabalhos que nos vão fornecer os elementos principaes para esta pri- meira parte da nossa Memoria. Um primeiro facto digno de attenção no estudo dos sambaquis é a sua situação limitada ao littoral. Até hoje não se descobriu siquer vestígios da existencia d'elles nas terras elevadas do interior. Este exclusivismo de séde (1) Ferreira Penna. —Breve noticia sobre os Sambaquis do Pará. Arch. do M. Nacional vol. 1 1876. (2) Carlos Wiener. —Estudo sobre os Sambaquis do Sul do Brazil vol. T. 1876. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 179 reunido à identidade do material para todas as formações do mesmo genero, mesmo as mais distanciadas e remotas, faz logo pensar em uma perfeita identi- dade ou similitude de condições que promoveram em varios pontos da costa brazileira essas formações artificiaes. Alguns ha que não estão afastados do oceano sinão poucos metros. Outros, porém, guardam maior distancia do lit- toral, como o sambaqui do rio Bahu, em Santa Catharina, o qual se acha si- tuado a 12 kilometros da costa e o de Luiz Alves, na mesma provincia, a 18 kilometros. Não sabemos si a gradual sublevação da costa brazileira poderá dar a razão dessas differenças de séde. No Pará e no Amazonas acham-se elles situados sobre baixios, em ter- reno paludoso, alagadiço, sulcado de pequenos canaes denominados furos e igarapés. Uma vegetação palustre deiisa e quasi impenetravel desenvolve-se em torno dessas formações fluviaes. Os que demoram nas proximidades da foz do Amazonas têm sido, pela maior parte, destruidos para a fabricação da cal; os mais afastados conservam-se quasi intactos. Em Santa Catharina encontrou o Sr. Wiener sambaquis situados sobre collinas; o numero destes, porém, é dema- siado restricto comparativamente aos situados na planicie. A diversidade e a irregularidade de fórmas que apresentam os sambaquis têm sido notadas tanto no norte como no sul do Brazil. Prova isto que nenhum pensamento presidiu a taes formações, que ellas são o resultado de condições meramente fortuitas, extranhas à vontade e à previsão humana, não se tendo manifestado a intervenção do homem na feitura d'essa obra sinão indirecta e inconscientemente. Nos monumentos levantados, ainda pelos povos menos civilisados, existe sempre consubstanciado um pensamento, o qual se traduz por modelos ou fórmas mais ou menos correctas, que são identicas ou similar res para o mesmo povo. Os antigos mexicanos deixaram insculpidas nos seu” monumentos fórmas particulares, que são hoje muito conhecidas e admira- das. O mesmo se deu com as mais antigas raças do Perú. Si os inhabeis cons- tructores dos sambaquis, dessas obras grosseiras, sem fórmas regulares e pre- fixas, houvessem querido com ellas perpetuar algum importante aconteci- mento ou materialisar um pensamento qualquer, tal pensamento ter-se-hia certamente fundido em outros moldes talhados com uniformidade e um certo cunho artístico. Nas manifestações da actividade cerebral humana, sob o ponto de vista “da arte ou da industria, ha, é verdade, uma infinita gradação que ascende desde o mais infimo representante da especie até o mais portentoso producto della. Desde o Australio e o Tasmanio, quasi nivelados ao bruto até o ar- 180 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tistico cerebro de Miguel Angelo ou de Raphael, que innumeras modalidades, que gradações infinitas para a concepção da belleza e da regularidade das fór-. mas ! O homem dos sambaquis não possuia certamente como os Astecas e os Peruanos, um cerebro affeiçoado ás producções artisticas; sua inferioridade cerebral estava mesmo collocada a um nivel tão baixo que não lhe permittia pensar em erguer monumentos, cuja existencia presuppõe um gráu de civili- sação adiantada. O sambaqui do rio Bahu, explorado pelo Sr. Wiener, tinha uma base quasi circular e a secção vertical poderia ser figurada por uma hyperbole. Às dimensões não são menos variaveis do que as fórmas. Ao passo que uns at- tingem 40 e 50 metros de altura, outros não vão além de 6 metros. O diame- tro na base chega algumas vezes a 56 metros (Wiener). O material de que são formados os sambaquis tem sido achado identico para todos elles. Essas formações são devidas ao deposito de successivas ca- madas de restos de molluscos, mariscos, conchas, etc., interpoladas ou mis- turadas com camadas terrosas, de espessura variavel. Pela acção decompo- nente dos diversos agentes physicos, muitas d'essas camadas de conchas têm sido alteradas, destruidas, e o producto dessa decomposição lenta, aggluti- nando-se com a camada terrosa, tem chegado a formar solidas concreções e blocos compactos. Esta especie de decomposição torna-se sobretudo patente nos sambaquis de S. Paulo, Outras vezes, como se observou no sambaqui do rio Bahu, as camadas não obstante terem permanecido durante longo tempo juxtapostas, não adheriram entre si, e o material solto desmorona com ex- trema facilidade. Em um sambaqui do rio Tavares (Santa Catharina), notou o Sr. Wiener uma disposição interna particular, a quel levou-o a suppor a existencia alli de uma serie de sepulturas. Sobre uma camada horizontal de terra vermelha appareciam dispostas verticalmente cinco outras camadas, separadas umas das outras por intervallos regulares, tendo cada uma d'ellas de 4 a 5 centimetros de espessura. Nos sambaquis de Santa Catharina o mollusco dominante é uma especie de Venus. Têm-se encontrado ahi tambem especies do genero Corbula e mais raramente amostras de Curdium e de Melampus.. Nos sambaquis do Pará, que ficam proximos à costa maritima, o mollusco dominante é geralmente uma es- pecie de Venus. Nos sambaquis fluviaes, porém, o Sr. Ferreira Penna tem en- contrado amostras do genero Castaha e Hyria. A uma profundidade variavel, envolvidos nas camadas de conchas e de ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 181 terra, encontram-se fragmentos de vasos, carvão, cinzas, ossos humanos e de peixe, diversos utensilios fabricados de pedra polida, pontas de flecha feitas de silex, ossos de animaes carnivoros, objectos de adorno e algumas vezes es- queletos humanos inteiros. Todos esses objectos não se acham regularmente dispostos; elles estão muitas vezes misturados e confundidos no meio da mesma camada. O Sr. Fer- reira Penna assegura não haver encontrado vestígios de carvão nas explorações dos sambaquis do Pará. Em compensação, os fragmentos de vasos de argila são alli muito mais abundantes do que nos sambaquis do sul. Em um sambaqui do rio Tavares (Santa Catharina), o Sr. Wiener encontrou um craneo de papa- gaio e restos de carangueijo. As vertebras de um grande peixe, denominado Miraguaya existem em abundancia nos sambaquis d'aquella provincia (Hartt). Raras vezes encontraram-se esqueletos humanos inteiros, e quando isso acontecia difficil sinão impossivel era o colhel-os e conserval-os. A” menor pressão os ossos desfaziam-se em pó, ou quando era o craneo, desmanchava-se pelas suturas (Hartt). Nos sambaquis de Magalhães (Santa Catharina), os esque- letos guardavam mais ou menos o mesmo plano horizontal, jazendo parallela- mente uns aos outros. A posição era, em geral, a do decubito lateral com as coxas inflectidas sobre o tronco. Algumas vezes, porém, os membros inferio- res conservavam-se estendidos. Acontecia outras vezes que os ossos perten- centes a esqueletos diversos estavam misturados. Nunca, affirma Hartt, foi visto naquellas explorações um esqueleto humano na posição sentada. Os ossos tinham geralmente a côr amarella de cêra da terra; alguns ha- vla, porém, inteiramente brancos. Dava logo na vista e attralria a attenção a consideravel espessura que tinham os ossos do craneo. Alguns esqueletos tra- ziam em volta do pescoço collares feitos de dentes de jaguar. Em outros esse adorno era formado de dentes de tubarão ou de conchinhas. Ao lado dos es- queletos, espalhados na terra, existiam instrumentos diversos, como machados de pedra lascada ou polida, almofarizes, massetes e outros varios utensilios de fins desconhecidos. Além dos esqueletos de adultos foram encontrados outros de criança, os quaes, em razão do estado de decomposição adiantada dos os- sos, não poderam ser aproveitados. Ao todo forneceram as explorações dos sambaquis de Santa Catharina 50 esqueletos; a mór parte dºelles, porém, tão estragados que não se prestaram a ser objecto de estudo. No Pará foi encontrada em 1875 (Ferreira Penna) uma grande urna en- terrada em um sambaqui. Essa urna continha um esqueleto humano. Diver- V. vi— 46 182 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL sos fragmentos de craneos foram tambem dahi retirados, sendo depois re- mettidos ao Museu do Rio de Janeiro. Cotejando os resultados dessas diversas explorações somos levados a admittir que, no Norte e no Sul do Brazil, serviram os sambaquis algumas vezes de sepulturas humanas. Seria, porém, quanto a nós, inteiramente er- roneo suppor-se que tiveram elles esse destino privativo. À inhumação nos sambaquis, não passou de um facto meramente accidental, devido à influen- cia de condições locaes, que não permittiam a escolha de um melhor abrigo sepulchral, lóra d'esses monticulos arlificiaes. Pensa o Sr. Wiener que os Sambaquis não tiveram todos identica ori- sem. Uns, segundo elle, devem ter sido formados pela accumulação de restos de cosinha à maneira dos kjokhenmoddings da Dinamarca; outros seriam devi- dos a causas naturaes; finalmente outros poderiam ser considerados como monumentos archeologicos. Temos dificuldade em acceitar esta classificação, ainda mesmo com o caracter provisorio, que lhe deu o distincto archeologo. Que não pódem ser consideradas taes formações monumentos archeo- logicos, julgamos já ter dado razões valiosas. E' uma hypothese essa que não póde invocar em seu favor nenhuma consideração de ordem scientifica. Na historia dos monumentos archeologicos da America encontra-se ainda para o Brazil uma pagina em branco. As raças aborigenes d'esta parte do novo mundo não deixaram siquer vestígios apagados de uma civilisação incipiente; ellas atravessaram os seculos, pela maior parte, na mais profunda barbarie e prolongaram até hoje essa longa e tenebrosa phase de sua vida primitiva. Não se pôde mesmp suppor que esse estado de outr'ora e de hoje fosse uma deca- dencia, por isso que não ficaram testemunhos nem monumentos de qualquer ordem que seja para attestar a existencia de uma phase anterior a essa deca- dencia. No mesmo nivel de civilisação, ou para melhor dizer de profunda barbaric em que ellas appareceram se conservaram até hoje. Demais, percorrendo em varios sentidos todo o vasto territorio do Brazil, porque vieram ellas erguer os seus toscos monumentos à beira-mar? Porque essa singular selecção topographica, que nem ao menos póde allegar em seu favor uma practica analoga ou semelhante em outros povos selvagens ou mesmo civilisados. Por outro lado, como poderiam ter sido produzidas essas formações por cffeito só das causas naturaes? Si foi o successivo é gradual levantamento da costa que deixou descobertos esses montes de conchas, que- rendo admittir-se uma das tres hypolheses do Sr. Wiener, é preciso convir ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAT, 183 que essa explicação não se coaduna absolutamente com a irregular distri- buição dos sambaquis, situados a distancias mui deseguaes do littoral. De todas essas considerações resulta o seguinte: que a geral origem dos sambaquis da costa do Brazil parece ter sido a mesma que a dos kjokhenmod- dings das costas da Dinamarca. Em epochas determinadas, que deveram talvez coincidir com a estação hibernal nos altos platós, estabeleceram-se correntes de migração para pontos diflerentes da costa. Esses grandes ajuntamentos no littoral tinham necessi- dade, em falta de caça, de buscar os meios de subsistencia na pesca. Os residuos de alimentação, fornecidos pelos molluscos e peixes eram atirados em certos pontos do littoral, formando a pouco e pouco monticulos de con- chas, espinhas, etc. Nas estações seguintes novos materiaes iam ajuntar-se ao primitivo deposito, ao mesmo tempo que as terras transportadas pelas aguas vinham alli tambem depositar-se. la assim crescendo cada anno o nucleo dessa formação inicial, até que decorrido um longo lapso de tempo, poderam ellas attingir as proporções que hoje conhecemos. Como era natural acontecer, em cada estação, um ou mais membros da tribu emigrada succumbia de alguma doença adquirida sob a influencia da mudança de meio, e os seus despojos mortaes eram sepultados no montão de conchas, Que as cousas deveram se ter passado assim, parece-nos muito pro- vavel, e nenhuma explicação se nos afligura estar mais de accordo com os habitos e costumes dos nossos indigenas e com as condições climatologicas e to- pographicas das regiões que elles habitaram, como a que acabamos de dar. Levado antes por uma especie de intuição do que mesmo por uma razão logica deductiva, quer o Sr. Wiener admiltir que os despojos humanos ex- humados dos sambaquis tivessem pertencido às victimas da anthropophagia. A unica razão que dá para esteiar essa conclusio é o terem sido muitas vezes en- contrados os ossos dispersos no meio das camadas dos sambaquis. Essa razão, porém, permitta-me que diga o illustre archeologo, jámais poderia aucto- risar similhante opinião. Já vimos, firmados no valioso testemunho de Hartt, que essa dispersão das partes constituintes do esqueleto, não é um facto constante; e quando o fosse, ainda assim não se poderia d'ahi concluir como o Sr. Wiener. O deslocamento das camadas soto ou sobrepostas ao es- queleto bastaria só para desconjuntar as suas peças componentes e afastar os ossos; e esse deslocamento, facil é comprehender-se, devera se ter alli muitas vezes effectuado. Por outra parte, não nos parece verosimil suppor-se que nesses ajuntamentos pacificos houvesse occasião de se pôr em practica a an- 184 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL thropophagia. Onde não ha falta de meios naturaes de subsistencia, antes, ao contrario, são elles abundantes e variados, não é de crer que a ferocidade hu- mana,mesmo levada ao seu auge, chegue a taes excessos. Sendo o primeiro a reconhecer e confessar a importancia do trabalho do Sr. Wiener relativo aos sambaquis de Santa Catharina, sentimo-nos todavia obrigados a contestar aqui algumas das suas opiniões. Não vai nisso outro intento, seja dito em abono da verdade, sinão o de esclarecer pela razão e pela analyse um assumpto que me parece de grande importancia sob o ponto de vista anthropologico. Que antiguidade póde-se razoavelmente admittir para essas forge Nesta parte devemo-nos contentar com hypotheses e estas pôdem ser muito falliveis. Não ha mesmo uma base segura, de ordem geologica ou outra, que sirva para calcular a antiguidade dessas formações. O mais que se póde dizer é que provavelmente ellas datam de uma epocha muito anterior ao descobri- mento da America. Esta opinião, emittida por Hartt, parece-nos muito razoa- vel. Os sambaquis são portanto formações relativamente recentes. Considerada importante pelo lado anthropologico a questão dos samba- quis, resta investigar si o povo que collaborou n'essas collinas artificiaes foi uma raça invasora, que desceu lentamente ao longo da costa do Brazil, des- apparecendo depois, sem deixar outros vesligios da sua passagem sinão as ossadas humanas, hoje desenterradas dos sambaquis. Esta hypothese, já à pri- meira vista plausivel, vai achar a sua plena confirmação no estudo dos cra- neos procedentes dos sambaquis, os quaes formarão o assumpto do capitulo seguinte. II. Os craneos Os craneos, cujo estudo anthropologico vamos fazer nesta segunda parte da nossa memoria, foram exhumados, ha pouco mais de dous annos, dos sam- baquis do sul do Brazil pelos membros da extincta commissão geologica, da qual foi chefe o finado geologo C. F. Hartt. Pouco antes de haver resolvido o governo imperial dar por finda a com- m ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 185 missão encarregada da carta geologica do Brazil, tinha o seu prestimoso chefe colligido e posto em ordem um material consideravel, o qual devia ser estudado e classificado para constituir depois o objecto de diversas publicações impor- tantes. Nessa occasião entendeu que devia honrar-me o illustre Prof. Hartt com a sua confiança, encarregando-me de estudar o material anthropologico das suas ricas e valiosas collecções. Apenas me havia disposto eu a encetar esse trabalho, quando a mão cruel do destino cortou inesperadamente o fio daquella preciosa existencia. No es- tado em que se achavam, foram as collecções por ordem superior recolhidas ao Museu Nacional, cujo patrimonio vieram enriquecer e augmentar. Com a attenção desviada então para outra ordem de idéas e de factos, es- tranhos á anthropologia, fui obrigado a adiar para melhor occasião a conclu- são d'esse trabalho. Agora, porém, chegou o momento de dar-lhe a ultima demão. A coilecção de craneos provenientes dos sambaquis, que pertence actual- mente ao Museu Nacional, não excede de 18 craneos. Todavia deve ser consi- derada importante esta colleeção, porque nella figuram specimens de 3 pro- vincias do sul. Muitos d'elles acham-se incompletos e bastante estragados, tendo sido necessario usar de artificios para conter na sua natural posição os fragmentos separados ou partidos do edificio crancano ou facial. Assim mesmo prestam-se elles a um proveitoso estudo. A morphologia e a craneo- metria vão fornecer-nos os dados precisos para a determinação do typo eth- nico dos sambaquis e a subsequente comparação d'este typo com outros já de- terminados e conhecidos do Brazil, O estudo parcial e isolado, comprehende-se, não tem n'estes casos a mesma importancia e utilidade que o estudo comparado, que destaca no meio da apparente similitude das fórmas as differenças elhnicas essenciaes ou as aflinidades dos typos. A eraneologia sendo quasi exclusivamente baseada na analyse descriptiva de minimos caracteres morphologicos, carece todavia da comparação e da synthese para fornecer elementos às conclusões ethnologicas. De outro modo, seu papel e importancia tornar-se-hiam demasiado restrictos e o seu concurso para a solução dos grandes problemas anthropogenicos nullo ou deficiente. O que por ora cumpre fazer, tratando-se de estudar a filiação das raças da America do Sul, é, parece-nos, traçar pouco à pouco as principaes linhas ethnicas dentro dos limites de cada circumscripção geographica; e só depois, orientados os pontos, segundo os quaes se eflectuaram as grandes correntes de V. vi—47 186 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL povos, successivamente invasores ou possuidores do solo, ligar essas linhas e esses pontos e formar o systema. Provavel é que algumas dessas linhas ethni- cas se prolonguem de um lado até além dos Andes, e de outro, seguindo a pro- jecção meridional do continente, vão tocar os limites da Terra do Fogo. Até que se faça, porém, a ordem e a luz no meio da confusão e das tre- vas, que cercam ainda as multiplices ramificações do tronco ou troncos origi- narios das raças indigenas do Brazil, necessario é realisar um trabalho consi- deravel, fundado no exame e na observação de numerosos e variadissimos elementos ethnicos. Esse trabalho, temos esperança que chegará a completar-se um dia. Restrinjamo-nos, portanto, visto que ainda é muito cedo para tentar essa vasta synthese anthropologica da America Meridional, ao que é puramente bra- zileiro, e procuremos cuidadosamente fixar as relações dos typos craneologi- cos, provenientes de pontos differentes do nosso territorio. Como os typos até aqui estudados e conhecidos são o dos Botocudos e o do homem da Lagôa Santa, procuremos confrontal-os com o typo, que agora vamos estudar, proveniente dos sambaquis. [Dessa confrontação craneologica resultará, como adiante veremos, o reconhecimento de aflinidades ethnicas muito accentuadas entre uma raça actual prestes a extinguir-se e circumscri- pta em limites geographicos muito estreitos e uma outra que deixou vestigios de sua lenta passagem ao longo da costa brazileira,seguindo a direcção do sul. A necessidade de facilitar o estudo aconselha-nos a separar toda a collee- ção craneologica dos sambaquis em tres series, sendo cada uma d'ellas for- mada de craneos da mesma procedencia. Teremos assim a serie A, composta dos craneos do Paraná; a serie B, composta dos craneos de Santa Catharina ; e a serie C, composta dos craneos de S. Paulo. Serig A.—Compõe-se de 5 craneos. Dous parecem pertencer ao sexo fe- minino; dous são evidentemente do sexo masculino e um é de sexo indetermi- nado. Estudemos cada um separadamente, começando por aquelle, cujos ca- racteres morphologicos são mais accentuados e salientes. Cr. I.—Bem conservado. Homem adulto. Cabeça volumosa e assaz alongada com um notavel desenvolvimento da face e um certo grau de prognathismo. Pela norma vertical ella representa uma ovoide irregular, pela norma posterior a sua fórma é pentagonal. Na parte an- terior ella estreita-se para dilatar-se depois na região posterior. Essa diffe- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 187 rença póde bem ser avaliada comparando-se o seu diametro bistephanico de 110 millimetros com o seu diametro lransverso maximo de 140 milli- metros. O frontal tem uma glabella larga e saliente, com arcadas superciliares enor- mes. Acima dos supercilios o frontal deprime-se, depois levanta-se um tanto bruscamente e descreve uma curva regular até o bregma. A curva frontal tem a extensão de 115millimetros, e a sub- cerebral de 15 millimetros. Do bre- gma até o nivel das bossas parietaes ha uma outra ligeira curva e os parietaes inclinam-se fortemente para os lados, de modo a dar à abobada craneana a fôrma de uma ogiva. O trabalho da obliteração parcial que se nota na su- tura sagiltal effectuou-se de maneira a produzir nesta parte da abobada do craneo uma especie de crista longitu- dinal. Na porção correspondente à re- gião supra-lambdoide o craneo achata-se para inclinar-se depois ligeiramente na região supra-iniaca, formando uma (Cr. » superficie lisa quasi vertical. Esta su- perficie é limitada inferiormente por um inion rugoso e duas linhas curvas muito salientes. A porção sub-iniaca é constituida por uma vasta superficie irre- gular, coberta de rugosidadese asperezas, pontos de inserção de musculos pode- rosos do pescoço, e dividida ao meio por um friso cortante, que se prolonga até o buraco occipital. A fórma d'este é a de um ovoide irregular e os seus condylos são mui desenvolvidos. Neste craneo a curva occipital total mede 130 mil- limetros. As temporas são largas, convexas com uma crista muito saliente, que faz lembrar os craneos de certos carnivoros. As apophyses mastoides são grossas, vo- lumosas, offerecendo na base uma depressão que se prolonga à maneira de sulco até a abertura do conducto auditivo. A face é toda massiça, grosseiramente modelada e resumbrando um as- pecto feroz e brutal, Ella torna-se principalmente notavel pelas suas grandes dimensões em largura e comprimento. O diametro bizygomatico atlinge 146 millim. e o comprimento minimo de face é de 84 millim. 188 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL As orbitas são espaçosas, profundas, de bordos lisos, arredondados e pouco inclinados. Ellas são megazemas, tendo um indic.=108,7. Os malares, largos, massiços, convexos, projectam-se mais para fóra do que para diante. No seu ponto de juncção com a apophyse orbitaria vê-se um tuberculo, que tem sido assignalado por Vir- chow e outros anthropo- logistas nos craneos dos Botocudos No seu bordo inferior nota-se um bur- lete espesso e rugoso, ca- racter tambem commum com os craneos daquelles indigenas. O quasi apagamento da fossa canina, reunido à extensão relativamente consideravel da região infra-orbitaria e á projecção exterior dos malares, dão a este craneo um aspecto fortemente eurygnatha. E” uma face larga e achatada typo. A abertura nasal é alongada, e a base do nariz muito deprimida e conve- xa. A espinha nasal saliente. O seu indice nasal=42,1, colloca-o entre os le- ptorrhimos. A superficie externa do maxillar é accidentada pela saliencia que formam as raizes dos dentes caninos. A arcada dentaria superior é um pouco convergente. À abobada palatina profunda e escabrosa. O seu comprimento é de 57 millim., e a sua largura posterior de 45 millim. O maxillar inferior é massiço, anguloso e pesado. O mento saliente e tri- angular, como se vê na maioria dos craneos de Botocudos. A sua curva total é de 210 millim.; e sua altura na symphise de 33 millim. A altura do ramo ver- tical é de 31 millim. Espessura 11 millim. Faltam alguns dentes na arcada alveolar superior, os quaes cahiram depois da morte. À gastura dos dentes é consideravel, e della participam não só os molares como os caninos e incisivos. O angulo facial deste craneo é de 63º. A projecção anterior de 105 millim. é igual à projecção posterior. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 189 Em conclusão: craneo muito dolicocephalo (indic. ceph. 68,82) leptorrhi- nio e eury-prognatha. Cr. WH-—-Homem adulto. Um pouco estragado. Uma parte do frontal, dos ossos proprios do nariz e da orbita esquerda não existem. A simples inspecção denuicia logo neste craneo semelhanças notaveis com o precedente. Não se póde deixar de reconhecer todavia que os caracteres salientes, que pertencem ao primeiro, se acham aqui como attenuados. Assim o relevo das arcadas su- perciliares é pouco pronunciado; e a glabella, embora ausente pela destruição do frontal, não devera ter o mesmo desenvolvimento que notamos no craneo precedente. A curva do frontal é um pouco mais levantada. Os parietaes incli- nam-se fortemente para os lados, mas a fórma ogival da abobada, olhada pela norma posterior, não é tão pronunciada como no craneo n. 1. As bossas pa- rietaes são bastante salientes. Ao nivel do terço posterior da sagittal toda a porção posterior do craneo achata-se, constituindo um só plano com a porção supra-iniaca do occipital. Neste ponto a semelhança deste cranco com o dos Botocudos é maior do que a do craneo n. 1. O imone as linhas curvas do occipital são pouco pronunciadas, assim como as rugosidades e asperezas da região sub-iniaca, onde não se nota o friso cortante, que existe no craneo n. 1. O buraco occipital tem uma fórma quasi circular e os condylos são pouco desenvolvidos. A região temporal é convexa e limitada em cima por uma crista quasi recta, prolongando-se até à sutura fronto-parietal, A f.ce tem um grande desenvolvimento em largura e comprimento, As orbitas são espacosas, de bordos arredondados e eixo pouco inclinado. Os ma- lares largos, convexos, projectam-se mais para os lados do que para diante. No bordo posterior do ramo orbitario deste osso nota-se 0 pequeno tuberculo que ja foi assigualado no craneo precedente, e que sc encontra frequentemente nos craneos dos Botocudos. No bordo inferior do ramo zygomatico, existe um burlete rugoso e espesso, commum tambem aos craneos d'aquella origem. A abertura nasal é alongada, a espinha nasal está fracturada. A fossa tanima é muito pouco accentuada. A superficie externa do maxillar superior é accidentada pela saliencia que formam as raizes dos dentes caninos. Nota-se um prognathismo aveolar muito pronunciado. A abobada palatina é escavada e profunda. O maxillar inferior não tem o mesmo aspecto massiço e anguloso que notamos no craneo n. 1. Os ramos horizontaes são tambem mais divergentes. O mento é triangular, como nos craneos dos Botocudos. Faltam muitos dentes V. v1.—48 190 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL na arcada dentaria superior e alguns na arcada dentaria inferior. A gastura é muito menos pronunciada nos dentes deste craneo do que no craneo precedente. Pelo seu indice cephalico 77,64 pertence este craneo à classe dos sub- dolicocephalos. O seu indice orbitario 108,5colloca-o entre os megazemas. Elle é além disso leptorrhinio com um indice nasal de 42,0. O seu diametro bizygomatico de 138 millimetros é quasi egual ao mesmo diametro do cra- neo n. |. O diametro vertical é de 142 millim, e excede de 10 millim. ao diametro trausverso maximo. Este craneo é portanto um pouco acrocephalo. De par com caracteres de affinidade muito visiveis, notam-se tambem al- guns caracteres divergentes entre este craneo e o precedente. E" preciso, po- rém, reconhecer que si o craneo propriamente dito variou um pouco, à diver- sencia na face foi relativamente pequena ou quasi nulla. Cr. IH. —Mulher adulta. E” impossivel logo à primeira vista deixar de reconhecer a simi- lhança que existe entre este craneo e alguns craneos femininos de Botocudos da colleeção do Museu. A fronte descahe suavemente para traz. A inclinação dos parietaes torna a abobada antes tectiforme do que ogival. As bossas parietaes são bastante apparentes. Toda a porção posterior do craneo é achatada, formando um plano quasi vertical. A escama occipital em vez de apresentar-se esbatida, é um tanto arqueada. No logar do inion nota-se uma superficie inteiramente lisa e as asperezas da região sub-iniaca são quasi nullas. O buraco occipital é um tanto quadrangular e os condylos pouco desenvolvidos. Ausencia do relevo superciliar, como acontece geralmente nos craneos fe- mininos. Glabella lisa e muito pouco apparente. As orbitas são quadrangula- res e de eixo muito inclinado. Os malares, relativamente pequenos, proje- ctam-se mais para os lados do que para diante. O tuberculo do ramo orbita- rio deste osso existe no estado rudimentario. O burlete, porém, do ramo zy- gomatico ainda é bem visivel. As fossas caninas são bastante escavadas. A es- pinha nasal pouco desenvolvida. As fórmas da mandibula são atlenuadas e pouco angulosas, como soem ser no sexo a que pertence este craneo. À fórma triangular do mento, porém, subsiste. A dentadura acha-se completa e os den- tes estão em geral pouco gastos. E” um craneo ,sub-brachycephalo, cujo indice cephalico é 81,48; mesor- rhinio (indic. nasal 48,8); indice orbitario 102,9. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 191 Cr. [V.—Mulher adulta. Este craneo acha-se muito deteriorado; falta-lhe uma boa parte da região fronto-parietal direita, quasi toda a face do lado esquerdo e uma porção do osso occipital. Não obstante, podemos estudar os seus principaes caracteres morphologicos. Como no craneo n. 1, elle estreita-se na região frontal e dilata-se para a região posterior. A abobada approxima-se mais da ogiva do que de tecto. Pela norma posterior a sua fórma é um tanto pentagonal. Pela conformação da re- gião occipital elle approxima-se mais do craneo n. 1 do que do craneo n. 2. A glabella é muito pouco visivel e o relevo superciliar quasi nullo. Orbi- tas irregulares, com o bordo descendente arredondado, e o bordo superior anguloso. Os malares são inclinados para fóra. A fossa canina pouco esca- vada O prognathismo alveolar assaz pronunciado. Maxillar inferior espesso, anguloso, com o mento triangular. Faltam um grande numero de dentes na arcada superior e alguns na arcada inferior. À quéda desses dentes teve logar depois da morte, como indica a não oblitera- ção dos alveolos correspondentes. Indice cephalico 77,90, portanto sub-dolicocephalo. Indice orbitario 118,7. Não damos outras medidas, por ser impossivel obtel-as, em virtude da consideravel delerioração do craneo. Cr. V. —Homem adulto? E” um craneo muito estragado e incompleto, ao qual faltam todos os ossos da face. A região posterior acha-se tambem in- completa pela ausencia de uma parte consideravel do osso occipital. Não obs- tante, é possivel tirar-se alguns elementos de comparação e de estudo. Os supercilios são mediocremente pronunciados. Acima d'elles o frontal deprime-se como no craneo n. 1, descrevendo depois uma curva regular até o bregma. Os parietaes inclinam-se fortemente, de modo a dar à abobada a fórma de ogiva. Acompanhando parte da sutura sagiltal existe uma especie de goteira. As bossas parietaes são bem desenvolvidas. Olhado pela norma poste- rior 0 craneo tem a fórma pentagonal. O occipital achata-se na região supra- iniaca, incurvando-se ligeiramente na região sub-iniaca. O inion é pouco sa- liente. Dºelle parte, seguindo a direcção da linha mediana, um friso cortante, que devera estender-se até o buraco occipital, destruido. Indice cephalico 73,25, portanto dolicocephalo. Diametro bistephanico 102 millim. Apreciando agora no seu justo valor os dados morphologicos e craneome- tricos da serie A, chegaremos à conclusão de que si não é esta serie perfeita- 192 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL mente homogenea, é pelo menos composta de elementos muito similares, di- vergindo alguns apenas em caracteres que não são essenciaes. O craneo n. 1 é um typo com o qual procuramos achar as relações dos outros. O craneo n. 2, comquanto incluido na classe dos sub-dolicocephalos, conserva uma quasi identidade de caracteres faciaes com o craneo n. 1. O n. 3 apresenta maior numero de caracteres divergentes; mas é preciso não esquecer que é um craneo de sexo differente, e que o factor sexual con- tribue às vezes poderosamente para attenuar ou modificar os caracteres essen- ciaes do typo ou da raça. Como vimos, é um craneo sub-brachycephalo e ao mesmo tempo mesorrhinio. A semelhança, porém, dos traços geraes ou predo- minantes d'este cranco com os craneos femininos dos Botocudos, salta logo à primeira vista. O craneo n. 4 entro na mesma cathegoria, e comquanto se ache profun- damente deteriorado, não escapa à regra de semelhança. No n. 5 assistimos à reproduceção um tanto altenuada dos caracteres, assignalados para o craneo typo n. 1, e, como vimos, está elle incluido na classe dos dolicocephalos. Passemos a examinar a serie B. Serie B.—Maior do que a precedente, compõe-se esta serie de 8 craneos, pela maior parte profundamente deteriorados e incompletos Todos elles são provenientes da provincia de Santa Catharina, e foram exhumados, uns dos sambaquis de Magalhães, outros dos sambaquis da Laguna. Cr. VI.-—Homem adulto. Craneo muito alongado, com uma face extraordinariamente desenvolvida E e um aspecto todo bestial. Os caracte- h à res de inferioridade da cabeça humana não podiam estar mais exagerados do que se acham n'este craneo. Ao primeiro aspecto elle faz recordar o craneo de alguns simios anthropoides, principal- mente o craneo do chimpanzé. Logo acima das arcadas supercilia- res, levantadas e proeminentes, a fronte deprime-se um pouco e foge depois ra- pidamente para traz, de sorte a produ- zir-se uma platycephalia assaz pronun- ciada. Todo o desenvolvimento da caixa ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 193 crancana se efectua para a região posterior. O achatamento do vertice estende-se até o limite do terço anterior da sutura sagittal. Mais para traz os dous pa- rietaes inclinam-se para os lados e dão à abobada, vista pela norma posterior, a fórma de ogiva. O occiput é globuloso e ligeiramente arqueado. Olhado pela norma posterior a fórma deste craneo é pentagonal. Ao nivel dos asterios 0 craneo deprime-se um pouco. O inion é triangular, mas relativamente pouco saliente. D'elle partem para os lados duas linhas curvas, as quaes vão ter- minar um centimetro abaixo dos asterios, formando dous grossos burletes condyliformes. O friso mediano da região sub-iniaca existe no estado rudimen- tario. O buraco occipital é quasi circular e os seus condylos assaz desenvol- vidos. (Cr. 6) As temporas são vastas, um tanto convexas e limitadas superiormente por uma crista aspera e rectilinca. A escama temporal apresenta um bordo re- cortado na sua linha de juncção com os parietaes. A abertura dos conductos auditivos é alongada, sendo o seu maior diametro no sentido vertical. As apo- pbyses mastoides são fortes e volumosas. A região facial é verdadeiramente caracteristica. A um notavel desenvol- V. vi—49 ” 194 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL vimento em iargura reune um grande comprimento e achatamento bem pro- nunciado de toda a porção infra-orbitaria. As orbitas são espaçosas, de bordos lisos e arredondados, tendo o seu eixo pouco inclinado. O espaço inter-orbitario é estreito e o dorso do nariz con- vexo. A abertura nasal é alongada e a espinha nasal assaz proeminente. Aos lados da abertura nasal o maxillar reunido aos malares formam uma larga su- perficie plana, onde não existem siquer vestigios da fussa canina. Os malares projectam-se mais para os lados do que para diante. No seu ramo orbitario existe um rudimento de tuberculo; o burlete, porém, do ramo zygomatico é bem visivel. As chanfraduras submalares são menos profundas do que nos craneos da serie-—A. O prognathismo alveolar é bastante pronunciado. A superficie externa do maxillar superior é toda accidentada pela saliencia que. formam as raizes dos dentes, principalmente dos caninos. Em vez de formar uma curva mais ou menos regular, a arcada alveolar parece dividida em tres planos, sendo um anterior e dous laleraes. O maxillar inferior, ao passo que apresenta um ramo horizontal pouco espesso e de pequena altura, tem os ramos verticaes largos e bastante fortes. Os condylos elevam-se muito acima do nivel superior da apophyse coronoide. O mento é saliente, mas sem aquella fôrma triangular tão pronunciada que notamos em alguns craneos da serie precedente. Os dentes estão excessivamente gastos, apresentando-se os incisivos com os caracteres dos dentes premolares. Seu indice cephalico é 73,68, tendo o diametro antero-posterior maximo 190 millim. O diametro bistephanico é de 102 millim. O diametro bizygomatico de 140 millim. O diametro vertical 136 millim. E” além disso leptorrhinio com um indice nasal de 44,6. O diametro transverso da orbita de 37 millim. é egual ao diametro verti- cal. São portanto orbitas quadradas. Comprimento minimo da face 87 millim. Comprimento total da face 137 millim. Afastamento dos angulos do maxillar inferior 102 millim. Altura no mento 26 millim. Largura do ramo verlical 41 millim. Altura ao nivel do condylo 75 millim. Altura ao nivel da apophyse coro- noide 65 millim. Alguns caracteres morphologicos do craneo I da serie A reproduzem-se ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 195 aqui exagerados ; e salvo differenças para mais ou para menos em certos ca- racteres considerados de ordem secundaria, os lraços essenciaes são os mes- mos. A approximação ao typo bestial accentuou-se mais neste individuo, ca- racterisado craneologicamente por uma dolico-platycephalia muito pronun- ciada. A face eurygnatha com orbitas quadradas, nariz alongado e progna- thismo alveolar faz lembrar ainda o typo dos actuaes Botocudos. Talvez se podesse mesmo consideral-o como um exagero d"aquelle typo. Cr. VII. — Homem adulto. Este craneo está assaz deteriorado, apresentando uma vasta solução de continuidade na região fronto-parietal direita e outra na região temporal es- querda. O malar direito acha-se em parte destruido, assim como a arcada zy- gomatica correspondente. Graças ao emprego de meios artificiaes contentivos este craneo pôde ser convenientemente restaurado e acha-se em condições de ser estudado em todas as suas partes. Basta lançar sobre elle a vista, para logo reconhecer-se que é uma simples reproducção do typo figurado no craneo n. 6. O mesmo relevo exagerado das arcadas superciliares e da glabella; incli- nação rapida da fronte para traz, fôrma irregularmente ogival da abobada; bos- sas parietaes muito pronunciadas, occiput-globuloso, estreitando-se para baixo; o occipital dividido em tres partes por duas suturas supplementares, uma ho- tizontal supra-iniaca, e outra vertical, situada do lado esquerdo. A presença destas duas suturas supplementares deu em resultado a separação do occiput em tres ossos. O inion é excessivamente largo e proeminente. Na região sub- iniaca nota-se o friso cortante mediano, que ficou já assignalado em alguns craneos da collecção, mas que limita-se aqui apenas à parte do osso mais appro- ximada do buraco occipital. Este tem uma fórma irregularmente ovalar. Além dos dous condylos situados na parte anterior, e extraordinariamente desenvol- vidos, existem junto ao bordo posterior do buraco occipital dous pequeninos condylos rudimentares. Apophyses mastsides enormes e muito alongadas. As temporas são vastas, verticaes, um tanto convexas A crista temporal sóbe muito alto, formando uma linha aspera em relevo. A face é extraordina- riamente desenvolvida em comprimento e largura. As orbitas são quadradas, de bordos lisos e descendentes, com um eixo assaz inclinado. O nariz é convexo e a abertura nasal alongada e triangular. A espinha nasal está fracturada. Os malares são excessivamente largos e projectados para os lados. O seu ramo or- bitario apresenta o tuberculo dos Botocudos, e no bordo inferior do ramo 4y- 196 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL somatico existe o burlete rugoso de que temos fallado. O espaço comprehendido entre os dous malares, o bordo inferior das orbitas e a arcada alveolar fôrmam uma vasta superficie plana, apenas interrompida pela abertura nasal. A chan- fradura submalar é bastante elevada. A superficie externa do maxillar superior é acecidentada pela saliencia das raizes dos dentes caninos. A abobada palatina é profunda. O masxillar inferior é de taes proporções, que poderiamos dizer colossaes. Excessivamente espesso, de angulos fortes e linhas salientes, elle apresenta um mento quadrado e muito alto. Os seus ramos horizontaes são quasi parallelos, de modo a tornar relativamente pequeno o afastamento dos angulos da mandibula. Os ramos verticaes são largos, fortes, com a superficie externa muito desegual, tendo a extremidade dos condylos no mesmo nivel da extre- midade da apophyse coronoide., A espessura dos ossos, que formam a abobada d'este craneo, attinge dimen- sões verdadeiramente phenomenaes. No vertice os parietaes têm a espessura de 14 millim. As duas arcadas alveolares acham-se guarnecidas de dentes, faltando apenas os incisivos superiores. A conformação dos caninos approxima-os dos premolares. À gastura é muito pronunciada nos dentes quer superiores quer inferiores. O alongamento deste craneo é consideravel. Seu diametro antero-posterior maximo é de 200 millim; seu diametro transverso maximo de 134 millim,, d'onde resulta um indice cephalico de 67,00. E a maior dolicocephalia que temos observado nos craneos do Brazil. Diametro vertical 146 millim. O comprimento total da face é de 140 millim., a largura tomada appro- ximativamente pelo diametro bizygomatico 134 millim. O comprimento da re- gião orbito-alveolar é de 52 millim. Os dois diametros das orbitas são=35 mil- lim. Indice nasal 40,0. Largura do mento=42 millim. Altura do mento=38 millim.Espessura do mento=15 millim. Largura do ramo vertical=42 millim. Altura do nivel da apophyse coronoide=80 millim. Afastamento dos angulos da mandibula=92 millim. Comprimento do ramo horizontal=82 millim. Quando se compara este craneo com o primeiro da série B, descripto sob on. VI, vê-se logo que elles são expressões ligeiramente modificadas do mesmo typo. A dolicocephalia parece ter nelles attingido os seus ultimos limites; e essa dolicocephalia é toda occipital. A architectura da face, reunida a essas fórmas craneologicas, que minuciosamente descrevemos, dá um cunho patente de inferioridade a estes craneos de conformação simiana. Sem grande esforco, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 197 comprehende-se quão rudimentario e pouco avolumado devera ser o cerebro contido em um craneo de tal espessura e de cavidades frontaes tão reduzidas. Cr. VIII. —Homem adulto. Acha-se este craneo um pouco deteriorado; faltam-lhe as duas arcadas zygomaticas, uma parte do maxillar superior e a metade esquerda da man- dibula. Os caracteres morphologicos deste craneo são, mais ou menos attenua- dos, os mesmos que encontramos nos outros representantes desta série. A in- clinação da fronte para traz não se apresenta aqui em um grau (tão exagerado como nos craneos VI-VII. A fronte descreve uma linha curva um tanto re- gular, os parietaes são menos inclinados, dando à abobada antes a fórma de tecto do que de ogiva. As bossas parietaes são salientes. O occiput é globuloso, com um achatamento bem sensivel na região supra-lambdoide. A região sub- iniaca é muito menos aspera e rugosa do que nos crancos precedentes. O bu- raco occipital é pequeno e quasi circular. As apophyses mastoides mediocres. As temporas são verticaes, ligeiramente convexas, limitadas em cima por uma crista rugosa e quasi rectilinea. A glabella é pouco desenvolvida, e o relevo dos arcos superciliares não existe. As orbitas são quadrangulares, de eixos assaz inclinados. Abertura nasal alongada. Malares um pouco arqueados sem o tuberculo da região orbitaria. Região orbito-alveolar bastante desenvolvida, de superficie lisa e chata com ausencia da fossa canina. Abobada palatina pouco profunda. Maxillar inferior forte, espesso, com um mento triangular. A gastura dos dentes que subsistem na arcada alveolar é pouco pronunciada. O prognathismo facial predomina aqui sobre o prognathismo alveolar. Este craneo é subdolicocephalo com o indice cephalico de 77,27; leptor- rhinio com o indice nasal de 45,2. O diametro vertical excede o diametro transverso maximo de 8 millim. Elle é egual a 144 millim. Diametro bistephanico=112 millim. Diametro frontal minimo=94 millim. Comprimento total da face=—122 millim. Compri- mento minimo da face=77 millim. Diametro vertical da orbita=32 millim. Diametro transverso da orbita=36 millim. Ind. nasal 112,5. Altura do mento =23 millim. Largura do ramo vertical=37 millim. Altura ao nivel da apo- physe coronoide=65 millim. Cr. IX. — Homem adulto. Grande parte da face não existe; uma parte do occipital foi tambem des- truida. Não obstante, podemos tirar as principaes medidas deste craneo para V. vi—50 198 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL comparal-o com os outros da mesma serie. Para evitar repetições fastidiosas, seremos breves na descripção. Elle offerece numerosos pontos de semelhança com o craneo n. VII, tendo apenas a fronte menos esbatida e a região poste- rior menos dilatada. O frontal descreve uma ligeira curva. A abobada é tecti- forme, olhada pela norma posterior. As bossas parietaes são muito salientes. O occiput globuloso e proeminente. Ao nivel dos asterios o craneo deprime-se e estreita-se. O inion é assaz saliente. As apophyses mastoides muito desen- volvidas. As temporas são verticaes e quasi planas. A crista temporal bastante sa- liente. Face prognatha. Glabella apparente sem o desenvolvimento que notamos no craneo n. VI. Arcadas superciliares mediocres. Malares grossos e projecta- dos para fóra. Maxillar inferior massiço, anguloso, com um mento quadrado. O indice cephalico de 75,26 colloca-o entre os sub-dolicocephalos. Dia- metro bistephanico=120 millim. Diametro frontal minimo 100 millim. Comprimento total da face 142 millim. Cr. X. Homem adulto. Ausencia completa dos ossos da face. A glabella e os arcos superciliares são bastante accentuados. A fronte deprime-se ligeiramente acima dos super- cilios e inclina-se depois rapidamente para traz, descrevendo uma pequena curva. Os caracteres da região posterior são, com pequeninas diferenças, os mesmos que temos assignalado até aqui. Abobada tectiforme. O occiput achatado fórma um só plano com a região supra-iniaca. Esta conformação, como vimos, é quasi geral entre os Botocudos. As bossas parietaes são muito salientes. O inion é largo, rugoso, e muito proeminente. A depressão lateral correspondente aos asterios é bem visivel. Apophyses mastoides volumosas. Temporas convexas com uma crista temporal pouco pronunciada. O indice cephalico de 75,26, colloca-o, como o craneo precedente, na classe dos sub-dolicocephalos. Cr. XI. Homem adulto. Completa ausencia da face. Glabella pouco saliente, arcos superciliares mediocres. Ligeira depressão do frontal acima da glabella. Bossas frontaes apparentes. Acima das-bossas frontaes a fronte inclina-se rapidamente para traz. Abobada tectiforme. Bossas parietaes muito salientes. Achatamento da região supra-lam- bdoide, e incurvamento da região supra-iniaca. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 199 O inion é pouco saliente e as rugosidades da região sub-iniaca pouco pro- nunciadas. Buraco occipital de fôrma ovalar. Temporas verticaes, convexas, com uma crista pouco apparente. Apo- physes mastoides mediocres. Indice cephalico 70,00, portanto dolicocephalo. Diametro bistephanico =1414 millim.; diametro frontal minimo=98 millim. Diametro vertical do craneo 142 millim, Cr. XII. Mulher adulta. Craneo relativamente pequeno, privado do maxillar inferior. Glabella e arcos superciliares apagados; fronte curvilinea. Abobada tecti- forme. Achatamento da região supra-lambdoide e incurvamento da região supra-iniaca. Bossas parietaes pouco pronunciadas. Pequenas asperezas na região sub-iniaca com um inion pouco desenvolvido. Nota-se um friso me- diano prolongando-se do inion até o buraco occipital. Este Lem uma fórma irregularmente ovalar. Temporas verticaes e planas com uma crista saliente, dirigindo-se para o vertice do craneo. O bordo superior das orbitas é curvilineo; o bordo inferior inclina-se muito para baixo e para fóra, de modo a dar à abertura das orbitas uma fórma muito irregular. Os malares são pequenos e projectados para fóra. As fossas caninas muito apparentes. A arcada alveolar acha-se quasi toda desprovida de dentes. Indice cephalico 79,76, portanto mesaticephalo. Diametro bistephanico =101 millim. Diametro frontal minimo=92 millim. Diametro bizygomatico= 130 millim. Comprimento minimo da face 74 millim. Indice nasal 42,5. Diametro vertical das orbitas 39 millim. Diametro transverso das orbitas 35 millim. Indice orbitario 82,0. Cr. XIII. Homem adulto ? Muito estragado e incompleto, este craneo acha-se reduzido apenas á por- ção cerebral. Tem a fronte curvilinea e ligeiramente inclinada para traz. À abobada é antes ogival do que tectiforme. As bossas parietaes são proeminentes. O occiput achata-se na porção su- pra-lambdoide e incurva-se na região supra-iniaca. A depressão correspondente aos asterios é pouco visivel. As temporas são ligeiramente convexas e a crista temporal pouco accentuada. A glabella e os supercilios são pouco salientes. 200 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Indice cephalico 70,00. Diametro bistephanico=112 millim. Diametro frontal minimo=94 millim. Eis-nos chegados ao fim da serie B. Jxcluindo da comparação os craneos femininos, que apresentam muitos caracteres divergentes, devidos principal- mente à influencia do factor sexual, seria impossivel deixar de reconhecer que domina em toda esta serie um typo, caracterisado por um conjuncto de fórmas similares muito accentuadas e salientes, com ligeiras variações mor- phologicas individuaes. Esse typo, representado nos dous craneos mais dolico- cephalos da serie mn. 1 em. 7, exagera os caracteres do actual typo dos Boto- cudos. Pequenos traços discordantes existem, é verdade; mas elles não des-' troem as notaveis similitudes morphologicas que existem entre esses dous typos indigenas. Baseado no estudo comparativo d'esta serie, somos levados a crer que um estreito laço ethnico approxima, atravez do tempo e do espaço, os actuaes Botocudos dos antigos constructores dos sambaquis. Passemos a examinar a serie €. Serie C.— Formam esta serie 5 craneos estragadissimos e incom- pletos. N'uns falta toda a face, n'outros existe apenas metade della. Ainda assim para compol-os e reconstruil-os taes quaes se acham, foi necessa- rio usar de meios artfificiaes. Esses craneos não se prestam a um estudo com- parativo minucioso, como fizemos nas series precedentes. Limitar-nos-hemos, portanto, a indicar certos caracteres morphologicos mais importantes e ti- rar alguns diametros. Inclinação do frontal com uma pequena depressão logo acima das arcadas superciliares; fórma ora ogival, ora tectiforme da abobada; saliencia das bossas parietaes; achatamento do occiput; inion muito desenvolvido em uns, quasi apagado ou rudimentario em outros; temporas convexas com uma crista temporal muito alta, taes são os caracteres que notamos nos craneos desta serie. Entre elles existe um, menos estragado ou mais completo, onde se pó- dem observar alguns caracteres faciaes. As orbitas n'este craneo são quadran- gulares com o bordo descendente muito inclinado. O malar é relativamente mediocre com projecção lateral. Em dous outros craneos da mesma serie os ossos proprios do nariz são projectados para diante, apparentando uma fórma unguiculada. A glabella e os ossos superciliares mostram-se em dous craneos assaz pronunciados e salientes; nos outros quasi apagados. Os indices cephalicos são representados em tres pelos seguintes algaris- mos: 70,00; 75,86; 76,00; isto é, um dolicocephalo, e dous sub-dolicocephalos. Ra ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 201 Resumo Craneologico Si passarmos agora a comparar as 3 series entre si, veremos : 1.º Que não existe homogeneidade de caracteres em todos os seus elemen- tos componentes. 2.º Que a divergencia de caracteres é devida à influencia de algups facto- res, entre os quaes deve-se incluir a sexualidade. 3.º Que ao lado de caracteres divergentes a morphologia das 3 series apresenta certos caracteres fixos, que fazem destacar o typo no meio das suas variantes, 4.º Que as fórmas dos craneos encontrados nos sambaquis estabelecem no- taveis analogias entre aquelles craneos e os craneos dos Botocudos. Na 1.º série vemos o craneo n. 1 com uma dolicocephalia exagerada, per- tencente a individuo de sexo masculino, ao lado dos craneos ns. 3 e 4, ambos pertencentes a individuos do sexo feminino, mas o primeiro sub-brachycephalo e o segundo mesaticephalo. Os ns. 2 e 5 da serie são um sub-dolicocephalo, outro dolicocephalo. A grande divergencia no indice cephalico, que apresentam os craneos ns. 3 e 4 é devida à sexualidade. Considerados no ponto de vista dos indices orbitario e nasal, todos elles são megazemas e leptorrhinios, com excepção don. 3 que é mesorrhinio. Na 2.º serie vamos encontrar ainda uma dolicocephalia exagerada, repre- sentada no craneo n. 7; todos os outros elementos da serie são dolicocephalos ou subdolicocephalos. O unico cranco mesaticephalo desta serie pertence tambem ao sexo feminino. Pelo indice nasal são leptorrhinios todos aquelles em que foi possivel tomar esse indice. Na 3.º serie, constituida por elementos muito deteriorados, que não permit- tem um estudo completo, os caracteres divergentes morphologicos são talvez mais numerosos e salientes. Aqui a rudeza das fórmas não é tão pronunciada; a porção anterior do craneo tem relativamente maior desenvolvimento; e, tanto quanto é possivel julgar por esses elementos assim incompletos, parece que os representantes V. v.—51 202 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL desta serie acham-se em relação aos outros das series precedentes em um nivel intellectual mais elevado. Nas duas primeiras series o. typo destaca-se por estes caracteres salientes: dolicocephalia occipital exagerada com depressão consideravel da fronte; gran- de desenvolvimento facial, com esbatimento de (toda a região infra-orbitaria e notavel projecção lateral dos pomos. O conjuncto destes caracteres imprime ao semblante do individuo um aspecto Destial e revela instinctos ferozes da ani” malidade. A um craneo assim conformado devera corresponder um cerebro de lobos anteriores rudimentarios, compensado pelo desenvolvimento relativa- mente exagerado dos lobos parieto-occipitaes. Por outro lado, as asperezas e os relevos osseos que servem de ponto de inserção aos musculos da face e da nuca indicam qual a potencia muscular de que dispunham esses individuos. Tudo pois nos Jeva a admitlir que esse typo, cujos restos foram exhuma- dos dos sambaquis do Paraná e Santa Catharina, occupava um nivel muito baixo na escala humana; e que elle póde ser equiparado aos povos mais sel- vagens que hoje conhecemos. Entre estes ha um com o qual o typo dos sambaquis offerece as maiores analogias morphologicas do craneo: são os Botocudos. Comparando alguns craneos de Botocudos da collecção do Museu com os da 1.º e 2.º serie dos sambaquis, as aflinidades saltam logo aos olhos. Apenas o descahimento do frontal não é tão pronunciado nos actuaes Botocudos, e à face apresenta-se menos esbatida; no mais as similhanças são tão notaveis entre os dous typos, que se é forçado a admittir para ambos uma mesma origem ou um mesmo tronco. aaa => o | & ES DA HOMENS MULHERES = FACE ————*: o | ——————|———-— >" —— |—|—— | | g | 2 1 2 3 1 s 6 s ” s 9 | 10 S | 13 z z Larguras da face | | Bi-orbitaria externa. ......... 12 | 118 | 107 | 107] 107 | 105 /109.8 | 105 | 101.) 100 | 98 |101 109 | 9% Dn tonna sr 102 | 105] 96| 6) 97| 99 |9.8| 97| 92] 91| 90/92.5|] 99] 8 Interorbitaria........cc ooo »| | B| 2) u| 2/26) 2| w| 19] 18/20.2|) 4| 8 Dos dous malares............ 124 | 133] 122 | 124 | 121 | 123 [124.6 | 120] 113) 114 | 118 |115 | 138) 108 Bi-zygomatica maxima....... 133 | 148 | 135 | 134) 137 | 131 (196.8 | 120 | 126 | 124 | 126 /126.5 | 143 | 128 Orbitas | | | “crê nao PRE 40 | 43) 40] 41] 4) 40/40.83] 4] 98] 40] 39]29.5 | 41 | 39 AMENGAg cos EEE a SE 34 33 34 82 81 | 28|32.88] 34 33 82 So isaLg5l de E) Região nasal | | Largura ( Superior........ (o [o HR 9h RITA Cod rosa tos a 7 CR) PCI aid e dos minima........ 9 7 8 70 or on geo ES 9 5 TO E) q RSOSDASAES A inferior. woe. TOM DRA TG as a on as) Bites BIA to 7) 16/1065 | 15| 16 Largura maxima da abertura..| 2 | 20) M4| %| 25) 6/26 2] »| 2] 8/2 | | BR Comp. dos 4 mediano ....... 22 1y 25 22 22.) 18/) 21.33] 21 16 20 9 Pi9 | 16 ossos nasaes | lateral....... selo MA 26 29 30 24 | 26.66] 26 25 23 2 a UB A Alturas da face | Totalidonariz...... eco. .s.- ol 54 58! 54 52 51 |52.5| 50 18 47 48 | 48.25 53) 5 Infra-cerebral da fronte. ...... 23 24 23 23 24 28 | 24,18 18 21 op) 23 | 21 2 20 Inter-maxillat......cccee ico 205] 019] 16 | az on o apr a9r66| Pal pd asi oie) 239)» Total da face.... .. as ER 9 93 93) 98] 9%] 9M|y 89 | 87 87 so | ge | 101 » Região palatina Piva | Comprimento total........... 5o 54 5» 55 51 55 | bt 51 48 50 49 | 49.5 | 58 42 Largura $ posterior Rolo fofo o 41 41 41 40 42 | 41/41 38 41 98 42 | 89.75) 57 3 ENVGAPaodopu cade 33 35 34 32 34 3t | 33.6 33 83 94 33 |83.%| 32 30 Distancia ao buraco occipital..| 40 45 41 47 46 45 1 46 45 44 43 40 | 43 44 31 Angulos Fagial $ ophryo-spinal..... “o us o se | 70º | 64 | 699.8] To 700 %0o 68º | 690.7 | 660 vo , t — —alveolar...| 6 600 630 600 | 630 560º | 6lo 630 630 65º 60º |620.75 bo» Occipital de Daubenton..... “| o | —60 140 130 | 100 14º | 120,1 100 100 vo 30 70,5 | Go 60 EBasi'ar de Broca............. 200 100 24o 280º | 950 | 30º | 220.8 | 150 “09 9290 2Jo | 2202 | 2 200 Orbito-occipital de Broca... ...| —8o | —º | —Bo |—120 | —8o |—120 | —9.1] —9 |—110 |—100 |—12 |-100.5 |—100 | —6o Indices | | | dniaiaçiop doc ooa oa Se ncreEs | 85 76.51] 85 | 78.05] 75.60] 82.5 | 80.46] 82.92] 86.84] 80 | 82.05] 82.91] 82 92] 76.15 ENA Ba Lao ota fo o)s Je fefo se ooloia oa elo;o 47.05] 48.14] 48 44.41] 48.19] 49.02] 46.76] 44 52.08| 46.80) 47.91 47.66, 41.50 44 | Facial........ occrceresavo.| 71.91] 63.01] 68.88] 73.13 69.94] 74.04] 69.44] 68.46] 69.04] 70.16 71.49] 69.64] 70.62)» | Í V. vi—62 246 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Comparação Depois deste longo e penoso trabalho d'analyse, procuraremos reconstruir e caracterisar o typo craniologico de uma das raças que ainda occupa no tempo presente o primeiro degrau da escala humana. Não insistiremos sobre os caracteres descriptivos; porquanto esse trabalho já fôra iniciado por nós em collaboração com o Dr. Lacerda e completado depois pela excellente memoria do Dr. Rey. Diremos sómente que são elles constantes nos-craneos da nossa série,attenuados apenas em alguns individuos pela differenciação sexual. Assim, a saliencia da glabelia e arcos superciliares, a inclinação da fronte, o pouco desenvolvimento das bossas frontaes, a saliencia da sutura sagiltal, a fórma mais ou menos tectiforme da abobada, por vezes escaphocephala, a depressão do lambda, a fórma globulosa da porção supra-iniaca do oc- cipital, a saliencia do inion, a direcção brusca da região cerebellosa, se bem que bombeada em alguns,a fórma pentagonal da norma posterior,o achatamento lateral lambdo-parietal, assignalado pela primeira vez pelo Dr. Rey, a verti- calidade das paredes, a amplitude da fossa temporal e a simplicidade das suturas, são caracteres constantes em todos os craneos masculinos. Como caracteres secundarios e que falham em alguns individuos, póde-se aceres- centar o desenvolvimento das bossas parietaes,que concorrem para dar à norma posterior a fórma pentagonal typo, a gotteira da sutura sagittal, que encontramos em dous ou tres craneos e a fôrma ovalar do buraco occipital.. Na face os caracteres são: grande desenvolvimento em largurá, raiz do nariz achatada, perfil algum tanto concavo, ossos proprios estreitos e aper- tados na parte média, bordo inferior da abertura nasal embotado em alguns individuos, orbitas baixas com grande desenvolvimento em largura, tomando a fórma rectangular de angulos attenuados, malares grossos, altos e mais ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 247 voltados para fóra do que para diante, buracos infra-orbitarios largos, fossas caninas pouco escavadas, prognathismo alveolo-sub-nasal. Em nenhum destes craneos observamos o eixo das orbitas voltado para cima, como parece inculcar essa disposição o arregaçamento dos supercilios em alguns sujeitos que temos visto, e quando não é voltado para baixo é recto no maximo. A capacidade craneana maxima foi de 1625 para o n. [a minima de 1140 para a mulher n. X. Este desvio enorme foi por nós verificado duas vezes, tendo sido a cubagem praticada pelo processo do chumbo,conforme as instrucções de Broca. A média masculina deu 1480. e a feminina 1212ce., resultando uma differença de 278ºº. de sexo a sexo, contrariamente ao resultado que ob- teve Mr. Rey nos seus 6 Botocudos, cuja diflerença foi apenas de 85º. O indice cephalico dos homens colloca-os entre os verdadeiros dolicoce- phalos (1) (m. masc. 73.30),porém o mesmo não acontece para com as mulheres (m. fem. 74.86); estas tendem à subdolicocephalia, como nos dão um exemplo “os ns. VII, Ville X (in. c. 75.56; 75.14 e 75.90). Quanto ao indice vertical, que é superior ao horizontal, constituindo um caracter importante n'esta raça, dá-se a circumstancia de ser elle, nas mulhe- res em média, inferior ao horizontal. Attribuimos este facto, talvez a mestiça- gem nos 3 craneos femininos da nossa série, e esperamos factos ulteriores para confirmar esta conjectura. Pelo caracter do indice orbitario entram os nossos 10 craneos no grupo “dos microsemas, mas os desvios individuaes descem a 75.60 e sobem a 86.84 em uma mulher. A divergencia que se nota para com o indice orbitario dá-se egualmente para com o indice nasal, caracter, como é sabido, muito importante para a fi- liação das raças. Mr. Rey já havia notado que os seus 6 Botocudos, comquanto mesorrhi- nios, approximam-se da leptorrhinia. Com effeito, a média 46.70, 47.66 desta série é leptorrhinica, mas ha uma oscillação até a visinhança da platyrrhinia (92.08) non. VIII. Para nós o caracter dos ossos nasaes é um dos mais impor- tantes da morphologia facial dºesta raça selvagem. Estes ossos são, na maioria dos individuos, deprimidos na base, muito estreitos na parte média eo perfil é concavo e saliente na ponta. Esta disposição é mais exaggerada no craneo bugre de Santa Catharina. O indice facial é pouco variavel e sua média masculina e (1) Os 12 Nak-nanuks do Sr. Schreiner, como vimos acima, são ainda verdadeiros dolicace- phalos a 74.49. 248 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL feminina (69.44; 69.64) se põe de accordo e as oscillações extremas: 63.01 no craneo Il e 71.42 na mulher n. X. O desvio do primeiro é explicavel não só pelo seu enorme diametro bizygomatico (146), o maior até agora encontrado nos Botocudos, como mesmo pelo estado de resorpção porque passou o ma- xillar, em consequencia da edade avançada do individuo. A altura total da face do Bugre eleva-se a 101; mas as dimensões transversaes acompanham aquelle desenvolvimento, de sorte que o seu indice (70.62) é pouco superior à média botocuda. Como consequencia desta disposição facial, a chanfradura sub-mallar é bem pronunciada em toda esta série, excepto no Bugre, em que este bordo é pouco curvo. Sob o ponto de vista da proclividade da face, são estes craneos progna- thas; mas a inclinação da região sub-nasal é muito mais accentuada do que a do maxillar tomada na totalidade A média dos angulos ophryo-spinal sendo de 68º.8 e 69º7, a média dos angulos alveolares desce a 61º nos homens e 62º.75º nas mulheres; com efeito, ao lado de uma inclinação maxillo-sub-nasal, os alveolos são tambem pendidos para a frente e conseguintemente os dentes inci- sivos. À este respeito, estão estes nossos indigenas inferiores aos Negros d'Africa Occidental e muito proximos dos Bochimanes. O maxillar inferior, massiço, forte e largo, tem os seus ramos divergentes, para se pôr em harmonia com a largura do maxillar superior. O bordo infe- rior bem como o gonion são um pouco revirados para fóra. A symphyse é saliente e os ramos montantes altos; mas a mandibula do Bugre leva vantagem aos Botocudos pelas suas proporções. O angulo mandibular approxima-se do angulo recto, excepto na velha n. VII em que elle tende a abrir-se (ang. m. 130). Acabamos neste momento de receber um craneo de Botocudo, de S. Ma- theus, no qual o angulo mandibular é de 92º. Os dentes dos Botocudos, geralmente sãos e robustos, excepto os incisivos, que são delgados em alguns individuos, apresentam um phenomeno constante, o da sua gastura. Observamos este facto egualmente em dous individuos ainda moços que aqui estiveram por occasião da Exposição Anthropologica, e temol-o verificado em muitos brazileiros da nossa sociedade, de descendencia indi- gena. Consideramos este facto até certo ponto como caracter de raça. Mr. Rey, estudando os craneos do Museu de Paris, notou que o dente do siso faltava em quatro craneos de Botocudos, circumstancia que considerou singular em uma raça tão inferior. Em relação aos craneos por nós observados, o dente do siso deve falhar muito raramente nos Botocudos e todos os individuos adultos possuem-n'o. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 249 Finalmente, em relação aos angulos occipitaes, as differenças individuaes são grandes. A média masculina do angulo de Daubenton é de 12º.1 e a femi- nina 7º.5; os desvios maximos são: 3º em uma mulher e 14º em um homem. No angulo basilar de Broca não são menos consideraveis as oscillações; as médias dão: 22º.8; 22º.2 e os extremos 10º e 30º. O angulo orbito-occipital do mesmo auctor é em média 12º para os homens e 10º.5 para as mulheres. Sabe-se que Daubenton estabelecendo, no fim do seculo findo, o seu angulo occipital, donde Broca tirou depois os seus dous angulos correlativos, tinha por fim com- parar 0 homem com os animaes, e sob este particular ficaram os Botocudos muito mal partilhados, pois os seus angulos occipitaes ultrapassam os limites traçados por Broca para a série humana e approxima-os dos anthropoides. NH Não estamos, pois, autorisados, diante do resultado craniologico que pre- cede, a procurar nas populações indigenas actuaes ou exlinctas os elementos formadores do typo ethnico do Botocudo? Aquillo que haviamos entrevisto ha seis annos, (1) cada vez mais se amadurece em nosso espirito, e o material n'este momento accumulado no Museu vai dar uma base às nossas convicções. Um dos elementos formadores, pelo menos, devia ser francamente dolico- cephalo e hypsistenocephalo e nós o encontramos patenteado no homem fossil da Lagôa-Santa, com um indice de largura=69.72, um ind. de altura=78.32e um ind. transverso vertical=110.84. Os seus representantes atavicos em nossa série são os ns. 4e 6 e a mulher n. 9,com as suas arcadas superciliares desen- volvidas (nos dous primeiros), com as suas paredes lateraes verticaes, com o sinciput saliente e com as bossas temporaes tão bem limitadas que dão à norma posterior a fórma dolico-pentagonal typica. Os diametros transversos d'aquelles dous individuos (133, 132) são apenas superiores ao do homem fossil, e os seus diametros verticaes dão uma média (144), dum centimetro apenas inferior ao craneo de Lund. Nos caracteres descriptivos do craneo ce- rebral a coincidencia é frisante. Mas,se considerarmos agora, em todos os individuos masculinos da nossa série, as médias d'aquelles dous diametros, veremos que entrou na formação do typo botocudo um outro elemento que tende a alargar o diametro trans- verso e, até um certo ponto,a abaixar o diametro vertical, porquanto a média (1) Archivos ete., in loco cit. V. vi. —63 250 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL masculina dá um diametro transverso egual a 136.3 e um diametro vertical egual a 143. Esse outro elemento devia, além disso, ter a glabella mais protu- berante, a abobada mais arqueada, as partes lateraes do craneo menos verti- caes, as bossas parietaes mais apagadas e o aspecto do conjuncto devia ser mais grosseiro. Só assim poderemos explicar estes dous typos que a cada passo se contrapoem quando estudamos a craniologia botocuda. Se considerarmos a face, veremos que o homem de Lund a tinha menos alta, o nariz era platyrrhinio (53.33) e as orbitas microsemas (80,49), emquanto que os nossos botocudos, conservando aquelle caracter das orbitas, têm a face maior e o nariz ora lepthorrinio, ora mesorrhinio, mas nunca pla- tyrrhinio. Vê-se pois ainda aqui que para este caracter importante é preciso procurar, algures que não no craneo descoberto pelo sabio dinamarquez, um dos factores para a composição do indice nasal. Impressionado ora deste entre-cruzamento, ora d'esta representação atavica dos dous typos em nossa série, separamos todos os craneos do Museu, (pondo de parte os Botocudos), em 3 séries: 1º Craneos do Norte, compostos pela maior parte de craneos do Amazonas ; 2º Craneos do Rio Grande do Sul; 3º Craneos dos Sambaquis. A 1º série, representada por 16 individuos de ambos os sexos, em que pre- domina o masculino, como em todas as outras, é composta de craneos de as- pecto e dimensões muito diferentes dos dos Botucudos. São craneos muito menores e d'uma physionomia que nada tem de commum com o ar hcurté destes selvagens. A glabella e os arcos superciliares apenas indicam a separação dos sexos, a fronte é mais arredondada, a abo- bada, sem ser achatada, é perfeitamente arqueada e a norma posterior, apezar de deprimida como nos craneos americanos, não tem a configuração grosseira que indicamos nos Botocudos. A face é menor e de linhas mais suaves, os ossos nasaes não são deprimidos na base, nem apertados em sua parte média e nem salientes no dorso, porém longos, regulares; o perfil é quasi recto, senão recto. As orbitas são amplas, arredondadas, com os bordos geralmente arqueados e os angulos muito attenuados. Este é o typo mais commum do Amazonas e pertence à celebre raça dos Tupys, que dominava toda a costa do Brazil do Norte ao Sul, no tempo do descobrimento. Acreditamos que no futuro a anthropologia brasileira encontrará no Ama- zonas outras sub-raças diversas, como já nos revelam nesta série uns dous ou tres craneos que alli se vêm. Mas por ora a raça predominante nos craneos amazonicos, reunidos no Museu, é a dos Tupys. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 951 Se passrmos agora a considerar os caracteres craniometricos, veremos que os algarismos nos fallam de um modo ainda mais suasorio do que os ca- racteres puramente descriptivos. Os 16 craneos do norte, pela maior parte da região Amazonica, nos ministraram os seguintes dados (1): Médias Diametro antero-posterior maximo. . . . 176.5 — transverso maximo. . . . 2. 138.6 -— basilo=bregmalico”. 0 co 1278 Indice horizontalãs E a re USD Av vertical +. pos ads oca does anti Dio PO ÃO — vertico-transversal . . ... 92.71 Examinemos por um momento os dados que se acaba de ler. O diametro antero-posterior em nenhum individuo subiu a mais de 183 e isto mesmo em um só craneo, quando sabemos que esta medida nos Botocudos vai a 191. Do mesmo modo o diametro transverso maximo em nenhum individuo desceu de 130 e isto mesmo duas vezes sómente ,emquanto que nos Botocudos desce a 124. As maximas d'este diametro são: para os Botocudos—139,para os Tupys—145. O facto mais notavel, porém, é o diametro verticalegual, na média, a 127.8, alga- rismo que, entre os Botocudos, só attingiu o craneo de uma velha, que aliás nos parece cruzada. Quanto ao indice horizontal, os Tupys são em média me- saticephalos, eliminado d'esta série, por não ter ainda attingido a edade adulta, um craneo extremamente brachycephalo (89.03), apezar de não ter signal ap- parente de deformação. Vê-se pois que a cabeça tupi, curta, baixa, platyce- phala, como ainda hoje possuem muitos brazileiros do Norte, de origem indiana, constitue um typo diverso da conformação craniologica do Botocudo. Os indices orbitario e nasal ainda vêm confirmar este modo de ver: os Tupys são megasemas e platyrrhinios. Entretanto, repetimos ainda uma vez, as raças amazonicas são complexas e baralhadas e será possivel talvez, encon- trar n'aquella região maior numero de typos craniologicos do que no resto do Brazil. A mensuração de 9 craneos, os unicos em que puderam ser tomados estes dous indices, nos deram o seguinte resultado: Médias Indice orbitario. . . . . 89.5 nasal US TS 2ET6 (1) Não mencionamos aqui as medidas particulares de cada craneo para não alongar este escripto e reportamos os interessados para o Catalogo do Museu, que brevemente deve sahir à luz, onde as apresentaremos por miudo. 50) 2 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Sobre o indice orbitario não insistiremos; a fórma e as dimensões da or- bita destes craneos do Norte são tão differentes das do Botocudo que a simples inspecção denuncia logo. Quanto ao indice nasal, esta média de 52.76 é tão proxima da plathyrrinia, que,se abstrahirmos dos individuos que a formaram, o indice do craneo amanajé (42.30) ,que é o unico lepthorrinio d'entre elles, e o qual reputamos um typo divergente, a média dos indices nasaes sóbe a 53.86, já transpondo o limite dos messorrhinios e penetrando no grupo plathyrrinio. Vê-se, pois, que em relação a estes dous caracteres importantes, o outro elemento integrante do typo cruzado que comparamos não po- deria ser encontrado nos Tupys. Com isto não queremos dizer que em uma epocha que não nos é possivel calcular, este entre-cruzamento não se tivesse dado, sobretudo se fizermos entrar em linha de conta certo fundo commum que todos os craneos americanos possuem. Consideremos a 2º série, composta de 10 craneos provenientes do Alto- Uruguay, na provincia do Rio Grande do Sul, eliminando della um craneo, a muitos respeitos semelhante ao do botocudo. Dir-se-hia, à primeira vista, que se tem aqui alguma cousa que relembra o craneo descoberto por Lund ; mas, se descermos à analyse, veremos que éssa semelhança, se póde sustentar-se em relação a alguns caracteres, falha completamente quanto a outros. Com effeito, a norma verticalis destes craneos é alongada, mas, emquanto que no craneo da Lagõa-Santa este oval não tem expansão alguma, excepto nas bossas parietaes, que dão a esta norma uma fórma angulosa toda especial, nos craneos rio-grandenses o oval dilata-se late- ralmente, e se em alguns individuos as bossas parietaes são proeminentes, em outros ellas falham de todo. Os craneos masculinos ainda têm alguma cousa d'aquelles, como certa saliencia da região sagittal, o desenvolvimento dos arcos superciliares, a verticalidade das paredes, etc. Além d'isso, a face não é tão larga, a physionomia é mais branda, e as suturas são muito mais compli- cadas. São craneos subdolicocephalos (média do ind. ceph. 77.29), com indice vertical (75.17), menor do que o indice horizontal, e são além d'isso mesor- rbinios (50.26) e de orbitas megazemas (90.66), emquanto que o craneo da caverna do Sumidouro é muito dolicocephalo, hypsistenocephalo, platyrrhinio e microsema. Pelos caracteres descriptivos e pelos dados craniometricos, os craneos do Sul approximam-se dos craneos do Norte, e não duvidaremos em dar-lhes a mesma denominação de raça Tupy. Ea este respeito sabe-se que os indios que habitam o Alto-Uruguay são os Guaranys, que fallam a mesma lingua, que é corrente no Amazonas e que são ambos povos civilisaveis, re- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 253 presentando alli o papel que representam os Tupys no Amazonas. E” bem difficil, para não dizer impossivel, discernir no estado presente da «questão os elementos formadores deste e dos outros grupos ethnicos que men- cionaremos; entretanto, uma conjectura resalta deste estudo. Não será de- vida à influencia dos dolicocephalos da Lagôa-Santa, que se estendendo para o sul cruzaram com o Tupy mesaticephalo, alguma modificação que já encon- tramos nos representantes meridionaes deste vasto grupo? Eis ahi um ponto litigioso como tantos outros concernentes ás nações brazilicas e que só mais tarde poderemos resolver. Passemos à 3º e ultima série. Para o anthropologista que encarar a série dos craneos que hoje possue o Museu, o grupo mais curioso e interessante que alli se destaca é por sem duvida o dos craneos exhumados dos sambaquis das provincias meridionaes do Brazil. São craneos enormes, de faces desmedidamente largas e chatas, des- cançando sobre mandibulas descommunaes de angulos rectos, armadas de dentes possantes, com as cuspides gastas, semelhantes aos dentes dos rumi- nantes. Ha nelles o exaggero de todos os angulos e relevos; a glabella e o inton, em alguns, são verdadeiras protuberancias, e as suturas quasi lineares. A espessura ossea é tão consideravel que as paredes da abobada parecem hypertrophiadas em alguns individuos. Além d'isso, o enorme descahimento do frontal, unido a não menos consideravel comprimento e projecção da face, exaggeram ainda mais o seu angulo de prognathismo (1). Infelizmente, estes craneos acham-se pela maior parte quebrados, e ape- nas 6 d'entre elles poderão ser estudados de um modo mais ou menos com- pleto. Exceptuamos da série um craneo evidentemente (upy que os acom- panhava e que pelo seu aspecto indicava ser de uma epocha mais moderna do que elles. Considerando-se estos craneos, vê-se que os nossos Botocudos já fi- zeram alguns passos mais na escala humana. As faces lateraes destes craneos, ao envez do que acontece na maior parte dos Botocudos, tendem mais a arredondar-se do que a tomar a fórma vertical, disposição aquella que se torna ainda mais patente pela ausencia das bossas parietaes. O achatamento posterior, tão característico nos Botocudos e mesmo em alguns Tupys,aqui quasi que não existe e dir-se-hia mesmo que esta (1) Us individuos em que pudemos medir este angulo deram o seguinte resultado : Angulo ophryo-spinal . . ..... 600, 61º, 650, 650. — alveolar dd a o crista 92º, 09º, 94º, 09º. V. vi—64 254 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL parte da curva longitudinal tende a levantar-se; o mesmo acontece com o achatamento lateral lambdo-parietal. Não encontramos aqui a super-elevação da crista sagittal que dá a alguns craneos do Rio Doce e Mucury a disposição klinocephala da abobada; esta po- rém,é antes arredondada e o craneo cerebral, tomado na totalidade, tem a fôrma globulosa. As orbitas são pequenas relativamente à grandeza dos cra- neos, e os seus angulos mais ou menos ajustados dão-lhe a fôrma rectangular imperfeita, Os ossos proprios do nariz são os mais estreitos constatados nos craneos brazileiros, e unem-se um ao outro tomando a disposição tectiforme e apresentando um dorso agudo. Em alguns individuos estes ossos estão sol- dados. Os malares enormes, de configuração a mais grosseira possivel, olham para fóra e um pouco para cima. Consultemos agora os dados craniometricos. O indice cephalico é muito pouco uniforme n'esta série e não se poe em harmonia com a semelhança intima que resalta da comparação destes craneos. Porquanto, sendo elles em média sub-dolicocephalos (77.44), as oscillações superior e inferior são 71.50 e 81.21. Este facto, porém, não nos sorprehendeu; em primeiro logar porque aquelle craneo tão dolicocephalo apresenta uma glabella enorme e uma parte da abobada foi restaurada, e depois porque, attenta a enorme espessura das paredes osseas, um ligeiro bambeamento do occipital poderia acarretar a ampliação do seu diametro longitudinal e consequentemente de dolicocephalo fazel-o sub-dolicocephalo e mesmo mesaticephalo. Este nosso modo de ver é tanto mais provavel quanto o unico dolicephalo é masculino, sexo a que pertencem o os dous sub-dolicocephalos que se lhe seguem; 4 são mesaticephalos e 2 sub-brachycephalos. O diametro antero-posterior, referido ao diametro vertical, dá-nos um in- dice de altura em média=76.19, apenas um pouco mais de uma unidade me- nor do que o indice de largura. Sómente duas vezes o diametro basilo-bre- gmatico excedeu ao diametro transverso, quando sabemos que no Botocudo aquelle é, em regra geral, maior do que este. Mas, se os diametros do craneo cerebral não nos fornecem um criterio uniforme para caracterisar individuos tão semelhantes pelo aspecto geral, a face por vutro lado nos fornece esse criterio. Broca já havia dito em suas instrucções (1) que o indice cephalico está longe de ter o mesmo valor que o indice nasal na classificação das raças, car (1) Znstructions, etc. pag. 178. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 255 les divisions qu'il établit sont, quoi qu'on en ai dit, souvent três hétérogênes. No em- tanto, diz elle além: um unico caracter muito accusado ou um pequeno numero de caracteres mesmo muito secundarios, comtanto que tenham uma certa cons- tancia, bastam para distinguir duas raças, quando mesmo se soubesse que existe entre ellas algum parentesco no passado (1). Sob este ponto de vista acha-se o caracter typico fornecido pelo indice nasal, um dos mais importantes, senão o mais importante em craniometria. Os seis individuos nos quaes se pôde to- mal-o apresentam uma uniformidade das mais notaveis, tanto mais quanto em todos os outros indigenas as oscillações deste indice são enormes. À série que obtivemos foi: 43.13; 43.85; 44.44; 44.85; 45 45; e 46.80, média 44.61 ,fran- camente lepthorrinica. O indice orbitario que, apezar de ter mais valor do que os caracteres puramente elhnicos, têm menos todavia do que aquelle, deu-nos uma média de 88.66. A orbita do Botocudo, por conseguinte, é um pouco mais larga e mais baixa do que a do homem dos sambaquis, e approxima-se por este caracter typico do craneo descoberto por Lund. Vê-se, pois, em con- clusão, que o typo dos sambaquis, apezar das divergencias dos indices cepha- licos, não deixa de ser um typo homogeneo pelos caracteres descriptivos, por sua face toda especial e sobretudo pelo caracter do indice nasal, A julgar por sua configuração grosseira, pela simplicidade das suturas, pela plachycephalia, pela fronte tão fugidia e pelo consideravel prognathismo, é elle inferior ao homem da Lagôa-Santa. O seu representante actual, até novas investigações, será o Bugre do Paraná, descripto em o n. XI deste tra- balho. Foram os seus antepassados pre-colombianos, comedores de molluscos, os constructores dos sambaquis. Reatemos agora o fio de toda esta exposição, que teve por fim pro- curar a filiação dos nossos Botocudos. Pelos caracteres do craneo cerebral, elles se approximam mais da raça da Lagôa-Santa. Pelos caracteres da face são parentes proximos da raça dos Sam- baquis. Quanto aos indices nasal e orbitario, conservam o meio termo entre os dous typos. Não será o Botocudo o resultado do entrecruzamento destas duas raças ? Os caracteres que n'elles temos encontrado nos autorisam essa hy- pothese; entretanto, é preciso ser muito reservado n'este assumpto, mesmo porque, si, em nossa opinião, o craneo descoberto por Lund é uma peça typica, póde haver quem o considere como uma variação indivi- (1) Revue d' Anthropologie, 1875, pag. 577. 9256 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL dual de uma raça quaternaria, ainda hoje representada em algum canto apar- tado do territorio da America (1). Como já dizia o professor Virchow, a craniologia sul-americana não é tão simples como figura Retzius em sua carta ethnographica (2). A despeito dos maiores esforços, occorreram n'este trabalho numero- sos erros ; porém como os mais importantes são os que se referem aos algaris- mos, pedimos ao leitor que se guie de preferencia pelas medidas do quadro craniometrico das paginas 244 e 245. Na edição em separado, que publicá- mos, já foram sanados alguns destes defeitos. Os seguintes erros, entretanto, não constam do referido quadro : Pagina 226, linha 14, em logar de: Om.34, lêa-se 0m,034 » 230 >» 3 » 0m,4 » Om.04 Ds PES) EX ES) » 0m.15 » 0m.015 >» » » 36 » 67.31 » 0m.081 >» » » » » 07.93 » 07.093 » » » » » 02.60 » 0m.060 » » » » » 0m.31 » 07.03] o CB 53 8 » 07,97 » 0m.027 » 240 » o » 0m.39 » 02.039 » 24h» 34 » 0m.05 » 02.005 » 245 (tabella), casa 3º, linha 5º, em logar de 148, lêa-se 146. (1) Mr. de Quatrefages já fez sentir, a este respeito, a necessidade que ha de conhecer-se os craneos brazileiros existentes no Museu de Copenhague. (2) Zeitschrift fir Ethnologie, 1874. Vol. I. pag. 263. Investigações sobre a Archeologia Brazileira PELO DN E Eae Desde o anno de 1867 que tenho empregádo a maior diligencia em reu- nir no Museu Nacional o material que podesse ministrar sufficiente base ao es- tudo dos primitivos habitantes do solo brazileiro. Na falta de efficazes elementos em que se achava e ainda hoje permanece este Museu, um só meio se me de- parou desde então capaz de auxiliar-me em semelhantes intentos. Este foi a imprensa diaria, à qual recorri, de facto, desde aquelle mesmo anno de 1867, despertando a attenção publica em favor de tão attrahente e valioso as- sumpto. Em minhas cartas aos periodicos da Côrte, ao passo que indicava a importancia dos artefactos prehistoricos então mais desconhecidos que hoje da quasi totalidade da população do paiz, ia mencionando e descrevendo aquelles que em virtude das primeiras communicações me eram remettidos de varios pontos do Imperio. Essas cartas foram transcriptas pela imprensa das provin- clas, é tanto bastou ao augmento rapido e progressivo do nosso cabedal ar- cheologico, pouco antes mesquinho, desaproveitado e demasiado pobre. Tal foi a minha impremeditada iniciação; a minha, á primeira vista, inex- plicavel intervenção numa sciencia que não era da minha especialidade. V. vi—65 958 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Os primeiros passos haviam sido tentados com resultado animador, com felicidade mesmo; e isso bastante foi a predispor-me aos ensaios com que a respeito de semelhante materia occupei a attenção da Sociedade Vellosiana em a sessão de 10 de Setembro do anno de 1870. Os jornães d'esta capital de- ram então publicidade a estes primeiros delineamentos de minhas investiga- ções, e a mais e mais me fui assim compromettendo em trabalhos que só em beneficio do Museu Nacional iniciára é que para manter seus creditos não po- dia já lançar ao esquecimento. Em 1880 avultavam consideravelmente as antiguidades aborigenes sob este influxo colhidas, contando-se por centenas os artefactos de pedra e por muitas dezenas os especimens de vasos ou de fragmentes de vasos que possuia o Museu Nacional. Occorreu-me então levar a effeito a Exposição Anthropolo- gica Brazileira, commemorada neste volume, e como não me parecesse suffi- ciente para tão util certamen 0 material existente, ainda que copioso e impor- tante contingente lhe houvessem ministrado as excavações feitas no valle in- ferior do Amazonas pelos Srs. Ferreira Penna e O. A. Derby, emprehendi visitar pessoalmente aquella região, de onde, com effeito, pude trazer, graças ao auxilio que me prestou o mesmo Sr. Ferreira Penna, as tres quartas partes do que en- cerra hoje o Museu Nacional, na sua secção archeologica do Brazil. Diante da cópia de artefactos de argila e de pedra que assim me foi permittido reupir,, não me pareceu licito ficar indifferente, ou, para servir-me de mais fiel expres- são, não pude soffrear o meu enthusiasmo ao contemplar as numerosas rique-" zas que ahi se me deparavam; e eis a causa determinativa deste trabalho, pre- maturo talvez, mas por isso mesmo cheio de restricções e a resentir-se das mi- nhas naturaes perplexidades. De quanto hesitei no decurso do labor que dou aqui à estampa é prova a demora que soffreu esta publicação; e entretanto, re- leve-se-me dizel-o, as agruras do assumpto e a necessidade de examinar muitas vezes ainda alguns dos pontos de controversia ahi lançados, me estavam a re- clamar alguns mezes mais de estudo e reflexão. Eu, porém, sentia-me exhausto de labutações e de indiziveis contrarieda- des, parte das quaes devida a deficiencia de elementos indispensaveis a pu- blicações desta natureza; deficiencia que tentei supprir, desenhando eu mesmo o mais difficil das illustrações que ahi se acham e melhorando pelo conselho e pelas exigencias constantes, o trabalho da xylographia até hoje sem animação entre nós. Urgiam além d'isso as missivas de fóra e dentro do paiz a pedirem- me esta publicação, que se sabia consagrada à Exposição Anthropologica, ha muito encerrada ; e força foi ceder. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 259 . O que aii está, portanto, não é o trabalho projectado, senão antes o pro- jecto imperfeito do trabalho que me não foi dado concluir. O material existente hoje no Museu Nacional e em parte figurado ou mencionado nestas investigações, representa, por milhares, artefactos de argila e de pedra, de ordinario mui curiosos pelas revelações que nos fazem da cultura intellectual dos povos que os fabricaram. Na louça, prin- cipalmente, ha importantissimos documentos de que deixarei a outros a interpretação, a meu ver demasiado precoce por ora. Por mim quasi nada mais fiz do que reunir e coordenar as riquezas que pude colher, seme- lhante ao mergulhador que desce ao fundo dos mares em busca de pero- las, cuja importancia só mais tarde é discutida e contrastada pelos que lhes conhecem as diversas qualidades e competente valor. Cabe-me comtudo ponderar que das duas grandes classes em que se divi- dem os anthropologistas, não creio ser a dos polygenistas a que maior e mais valioso quinhão tenha de respigar na mésse que ahi exponho às vistas dos dous grupos. Não sou suspeito nesta materia em que até aqui me hei aliás mos- trado mais inclinado ao autochthonomismo americano; e embora o fosse, corre- meo dever de declarar que durante todo o tempo que empreguei no exame e na coordenação dos objectos aqui descriptos e figurados, sempre me ative à mais escrupulosa reserva, evitando que de modo algum interviesse a menor sombra das minhas proprias prevenções. Lanço, porém, agora os olhos sobre a quota parte contributiva da minha tarefa no commum repositorio em que assenta a elhnologia do Novo Mundo e vejo que, mau grado meu, ou inesperadamente pelo menos, forneci talvez argumentos contrarios à escola autochthono-polyge- nista americana a que eu quizera pertencer e a cuja frente vejo fulgir o vulto respeitavel de Agassiz. Não é raro, porém,observar-se que onde maior força pa- recem ter os argumentos em favor de uma determinada idéa, encontra a idéa contraria as suas melhores armas defensivas e até aggressivas. E' o que póde bem acontecer talvez com as figuras comparadas e com os outros documentos de correlação que me pareceram ministrar-nos algumas bases curiosas de estudo nestas investigações. Antes de tudo e acima de tudo, devemos collocar a verdade. A meu ver, na America pelo menos, não estamos habilitados a determinar, emquanto não houvermos melhores provas, os deno- minados centros de creação, que mais acertadamente denominar-se-hão esta- ções de apparecimento, ao passo que se forem descobrindo ossadas ou vesti- gios irrecusaveis do homem quaternario e.de qualquer outra epocha em que a sciencia authenticar estas provas. E basta o ponderarmos que se os 260 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL animaes quadrumanos à medida que se elevam nasua perfectibilidade apresentam áreas de apparecimento cada vez mais restrictas, o homem com mais razão e a mais justos titulos deve ter tido o seu logar de apparecimento ainda mais limitado, qualquer que seja o ponto da terra em que este grandioso phenomeno se tenha dado. A America inteira neste particular está ainda por descobrir-se. Contente- mo-nos com o estudo por ora dos centros de desenvolvimento intellectual primi- tivo de que quasi todo o solo americano apresenta admiraveis provas e de que é eloquente testemunho a foz do Amazonas. Para os que se quizerem anteci- par á marcha natural da Sciencia dir-se-hia ter escripto Mr. de Qua trefages as seguintes sensatas palavras com que termino esta advertencia : « Jusqu'à quel point le passé anthropologique du reste du monde res- semble-t-il à celui de "Europe? La science répondra sans doute un jour à cette question, mais nous ne pourrions aujourd"hui que former des conjectu- res. II est plus sage de s'abstenir, heureux d'avoir déchiffré, en moins d'un demi-sitcle, un chapitre à peu prés entier de cette histoire paléontologique et préhistorique de "homme dont nos pêres ne soupcçonnaient même pas Pexistence. » DANIEL pm INVESTIGAÇÕES SOBRE A ARCHEOLOGIA BRAZILEIRA A Ilha de Marajó. — Primeiros immigrantes.— Natureza geologica da Ilha. — Influencia das inun- dações periodicas sobre os habitos dos primitivos insulares. —O Mound de Pacoval, Do que vou expor nestas indagações deve-se deprehender quanto me receio de entrar em conclusões arriscadas e mal cabidas a respeito da classifi- cação dos nossos aborigenes entre os demais povos americanos. Com ef- feito, as dificuldades crescem e multiplicam-se tanto mais quanto maior se vai constituindo o material colhido e por mim tomado para estes tentamens sobre a archeologia brazileira, tal qual se me afigura ella mais consentanea ao fragil e mal seguro alicerce em que assenta. Assim, ainda que attendendo unicamente ao resultado mais restricto d'es- tes meus desprevenidos trabalhos, muitas vezes antolharam-se-me deducções de que outras tantas vezes abri mão logo que novas observações m'as vinham destruir. Ha comtudo no meio dessas trevas um ou outro ponto luminoso que poderá servir de fanal aos investigadores que nos succederem na elucidação de semelhantes assumptos. A ilha de Marajó, por exemplo, onde maior e mais V. vI—66 262 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL interessante cópia de documentos ceramicos pre-colombianos se nos offerecem, capazes talvez por si de nos ministrarem bastante luz sobre a historia das mi- grações dos povos que se passaram da America septentrional e central para os extensissimos valles do Amazonas e do Prata, parece haver recebido em seu solo tribus descidas das encostas orientaes da Cordilheira equatorial ou pelos affluentes da margem septentrional do mesmo Amazonas, e a um tempo e com mais probabilidade algumas antigas colonias de nações navegantes, “das mais notaveis e mais cultas entre as. que habitavam ou percorriam as terras da Florida e da Luiziana, as costas orientaes da America Central, de Ve- nezuelae das Guyanas e os mares das Antilhas. Na esphera das vagas correlações intuitivas em que se aprazem alguns ethnologos sem o maduro exame d'estes assumptos ou na ignorancia completa do que realmente-são taes estudos, não-é mui difficil descobrir affinidades nu- merosas entre os caracteres archeologicos dos constructores dos mounds de Ma- rajó e os das nações mais cultas de que se ufana haver possuido este vasto con- tinente na sua epocha pre-colombiana. Em absoluto, porém, os engenhosos constructores das collinas sagradas do Pacoval, de Camutins e de outros menores mounds de analoga destinação, tão raras semelhanças manifestam Ler com um ou outro. dos povos americanos seus coevos, que constituem indubitavelmente entre elles um grupo de algum modo independente e dislincto, ia quasi a dizer uma nação estranha e desconhecida a esses povos, se por estas poucas similitudes apresentadas não nos estivessem a denunciar antigos laços de parentesco. E, se tão differentes se nos afiguram os antigos marajóuáras dos varios povos cultos da America, muito mais o deviam ser dos barbaros aborigenes que se lhes depararam, ou na mesma ilha de Marajó, ou nas dúas mar- gens fronteiras do grande rio. ; Quero" mesmo crer que por estranhos ao paiz, às condições elhnicas e à estes mesmos indigenas, não sómente lhes fosse difficil acclimarem-se às incle- mencias da ilha; mas tambem que innumeros revezes houvessem de continuo sofírido, nas continuas lutas que foram obrigados a sustentar com povos mais barbaros, porém tambem muito mais numerosos, que os assaltavam, já da propria ilha, já dos dous lados da terra firme. D'ahi, ou a extineção ou a emigração para O sul ou para o alto Amazonas da iribu dos nossos mound-bwilders amazonenses (1). (1) Os Aruãs que oceupavam uma parte da ilha de Marajó pódem ter sido com bastante probabilidade um ramo degenerado d'esses“individuos. Nada se póde ao certo dizer a tal respeito, porque os Aruãs tinham tribus irmãs tambem nas costas do Golfo dos Carahybas, provavelmente na Guyana hollan- deza e nas ilhas fronteiras, ou mais ao noroeste, nas cercanias da foz do Orenoco. O nome Aruag pelo ARCHIVOS DG MUSEU NACIONAL 263 Das escavações que posteriormente se fizerem ao longo do Amazonas, com o con- curso de homens instruidos e com o auxilio das autoridades a quem o governo imperial incumbir da inspecção a mais solicita e. da mais dedicada iniciativa, dependerá a elucidação destes elevados problemas. Os constructores dos mounds de Marajó, affeitos como eram à vida de na- vegantes, que sem essa qualidade não lhes teria sido facil aportar áquella terra que era só agua, e menos alli viver em constante navegar, tinham unicamente por fixo o abrigo em que dormiam e esse mesmo immanente sobre as aguas, alguns mezes durante 0 anno. A hypothese, portanto, da sua emigração, de- pois de hostilisados pelos homens e pela natureza,é presumível que se houvesse effectuado, remontando elles esse mesmo Amazonas, de cujas vertentes septen- trionaes podiam: ter descido primitivamente, se, como, já o disse, não vieram antes por mar, seguindo, de norte a sul, as costas das Guyanas. Entretanto, determinar precisamente a epocha em que esses colonos ahi primeiro se estabeleceram, seria discutir um dos graves e mais intrincados assumptos da Archeologia americana. Seria ao mesmo tempo tratar de um povo que póde ter a maior afinidade com os Toltecas, com os Mayase com os mound-builders dos Estados do Sul da União Americana; seria finalmente re- montar ao difficillimo conhecimento dos antepassados dos Carahybas, como estes, navegadores e bellicosos, porém mais adiantados em civilisação ou mais proximos descendentes de um povo superior, de quem conservavam tradições representadas nos vestígios ideographicos dos vasos e nos caracteres physio- nomicos dos idolos de Marajó. Mas, para emprehender resolutamente 0" exame de semelhantes questões, fôra tambem indispensavel nada menos que indagar por que modo e de que lado yiêram ahi Ler esses proscriptos, oriundos de po-, vos cultos e de paizes civilisados, e ao mesmo tempo em que remoto seculo po- dia'ser ou devia ter sido habitado todo o lado sudoeste dV'aquella nesga do conti- nente, transformada em ilha pelo canal de Breves, ou antes pelo rio Pará, lado este em que se acham muitos dos monumentos funerarios de Marajó. qual era conhecida uma'nação com quem viviam em eterna lucta os Carahybas das Antilhas, não parece ser outro senão o de Aruã com a aspiração da syllaba final da palavra, tal qual a pronunciavam os Ca- gahybas. «La guerre que les Caraibes et les Arroiiagues du continent se faisaient héréditairement, continuait avec la même haine implacable, dans les iles oceupées par ces deux peuples. A leur retour, les Carahybas célebraient leur triomphe dans une fete solemnelle oú toute la peuplade etait conviée. » Les Caraibes, Mémoire de M, J. Ballet, Congrês des Americanistes, lre. session, Nancy—l1S%5, Vol. 1, /p. 132º) O nome approuague pelo qual é conhecida uma povoação no littoral da Guyana franceza não deve ser estranho tambem à presença dos Aruãs naquella região . 964 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Estaéa parte da ilha, queainda hoje, nas maximas enchentes, permanece quasi totalmente submersa por mais de dous mezes durante o anno. Tudo faz suppor não tenha ella soffrido grande alteração nestes 10 seculos ultimos. Com- quanto queiram alguns auetores que o solo de Marajó, do lado da costa mari. tima, esteja passando por uma corrosão ou diminuição (1), pensam outros ao con- trario que se effectua nesta região uma 'sublevação graduale mui lenta, em vir- tude da qualo terreno eleva-se na razão de 20 a 25 centimetros por cada seculo. A ilha de Marajó, que não foi ainda devidamente estudada, quanto a sua natureza geologica, póde dividir-se com effeito pelo seu aspecto ou pela sua constituição petrographica em duas partes quasi eguaes : a de nordeste, mais antiga, e mais elevada, em cujas rochas se tem reconhecido caracteres das edades quaternaria ecretacea, e a de suduoeste, que póde ser da mesma edade, mas que tem o as- pecto dos terrenos alluviaes, e que desapparece em grande parte sob as aguas das grandes enchentes do Amazonas. O lago Arary está comprehendido nos limites desta segunda porção (2), e como elle a maior quantidade dos necro- terios donde hão sido extrahidos os artefactos archeologicos a que se referem as minhas presentes investigações. E', provavelmente, este o lado.da Ilha, o em que se tem observado uma tal ou qual sublevação, que melhor fôra se denominasse accumulação de detritos fluviaes; phenomeno commum aos terrenos de alluvião, devidos à acção dos grandes rios. Admittida, porém, a hypothese de que nenhum au- gmento de nivel tenha tido este solo, basta o exame da sua periodica immer- são annual, com certeza maior nos seculos remotos em que alli se estabele- ceram os primeiros mound-builders amazonenses, para se fazer idéa do viver attribulado d'esse-povo, embora tenhamos em conta os seus habitos de nação de navegantes, como o é toda a população do Valle do Amazonas; embora con- temos com as suas residencias erguidas sobre longos esteios, como são ainda quasi todas as casas d'esse ladó submersivel de Marajó. A este problema, que toca a geologia, accresce outro não menos compli- cado, e é que não uma, porém muitas tribus ou nações; não uma, senão nume- rosas gerações consecutivas é de suppor que alli se hajam agitado largos annos, ou superpondo-se ou justapondo-se umas às outras, ou immiscuindo-se, ora (1) Agassiz assim o pensa e com razão, porque o constante embate das aguas do rio com as do Oceano tem dilacerado as costas da Ilha desde Chaves até a ponta do Maguari e do lado do rio Pará até Soure. (Agassiz, À Journey in Brazil, pg. 387, 4352-436.) (2) Nas margens do canal Arary que une as aguas do Amazonas com as do lago do mesmo nome do canal, encontrei grés ferruginoso de natureza egual à do grés da parte mais antiga da ilha e do con- tinente. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 265 placida, ora bellicosamente entre si, com a fusão, aqui, de elementos barbaros onde havia já elevada cultura intellectual; alli, ao contrario, com o dominio de adiantado desenvolvimento sobre apoucadas e obscuras colectividades sel- vagens. Toda a difficuldade consiste em poder achar alguns mounds ou quaes- quer outros monumentos que conservem intactos e puros os artefactos dei- xados pelas mais adiantadas ou mais cultas dessas tribus. O mound de Pacoval, parece-me ser um desses desejados monumentos, ainda que muita mescla apresente e indique haver experimentado com a super- posição das tribus menos cultas que successivamente alli passaram. E' facto de- duzido das minhas proprias excavações,assim como das que alli praticaram os Srs. Derby e Ferreira Penna, que, de par com antigas urnas do mais apurado lavor ou das mais finas pinturas, encontram-se grosseirissimos vasos em que nada se apresenta que nos auctorise a classifical-os na mesma epocha ou a sup- pol-os das mesmas manufacturas d'aquelles. Dir-se-hiam os productos cera- micos de artistas que perderam a pratica e a sciencia dos seus antigos mes- tres; feituras de uma arte degenerada, nas mãos de individuos que se foram, aos poucos, distanciando do saber e das tradições dos seus antepas- sados. . Não procuro, porém, indagar se essa louça grosseira é expressão da deca- dencia progressiva, effectuada no mesmo povo a quem se devem as bellissimas urnas a que acima me referi, ou se é antes o producto artistico de povos menos cultos que o acaso veio estabelecer no mesmo logar dºonde se haviam retirado ou se tinham extinguido os inspirados e entendidos fabricantes dos mais bellos productos ceramicos da America do Sul (1). O que sei é que o mesmo mound de que se serviram estes ultimos para a inhumação dos despojos mortaes dos seus parentes serviu tambem áquelles outros para o mesmo fim, sem que me pareça ter havido distincção alguma no modo por que uns e outros praticavam estas ceremonias. Um unico facto me pa- rece digno de attenção, mas esse mesmo é commum aos individuos mais cultos como aos menos adiantados que alli depositaram suas urnas funerarias; e é que os mortos não eram ahi sepultados. Cada individuo fallecido, era, prova- velmente, enterrado na planície, d'onde, recolhidos os ossos na urna que se lhes tinha preparado, vinham ter as honras da inhumação no seio sagrado da (1) Um terceiro caso é tambem mui plausivel se tenha dado, e é que essa tribu podia ter para as differentes classes de seus mortos" urnas ricamente" adornadas ou grosseiramente modeladas, con- forme a importancia ou a obscuridade do fallecido. V. v1---67 . 266 ARCHIVÓS DO MUSEU NACIONAL collina, erguida, ao que presumo, em veneração a alguma divindade ou ao objecto symbolisado no appellido da tribu. O mound de Pacoval, conforme ver-se-ha adiante, tinha na sua propria configuração a consagração ou a com- memoração da entidade, em honra da qual foi construido. Esta especie de totemismo era commum entre” todos os poyos primitivos dos dous hemisphe- rios, e apenas em mais alto gráu. preceituado na America. HW á , O mound de Pacoval.—Seu duplo ou triplice fm.—Quaes os homens que o habitaram.— Problema complicado pelas innumeras fórmas de cabeças representadas na ceramica de Ma- rajó.— Comparação d'estes individuos com os de outros pontos do valle inferior do Amazonas. O mound funerario denominado «Ilha do Pacoval», é uma collina artificial a que se deu o aspecto do jabuty, o animal mais popular do valle do Amazonas, em cujas lendas mythologicas é sempre a mais importante individualidade, pela astucia e alto discernimento que a tra- dição lhe attribue. Esta collina está situada á margem oriental do lago Arary, no interior da ilha de Marajó e tendo sido construida mais sobre o leito do lago do que sobre a terra que o margêa, ora é ilha, ora é peninsula,. conforme elevado ou baixo se apresenta o nivel d'agua. Da sua fórma e extensão primitivas não pôde dar ella mais idéa hoje com o desmoronamento. constante das suas fraldas ao embate “das en- chentes periodicas, que só lhe deixam a descoberto a pequena espla- nada superior. Ao desmoronamento: produzido por estas enchentes é mister accrescentar a acção não menos destruidora dos pescadores que alli hão residido. O nome Pacoval (bananal) pelo qual é aquella collina, de ha longos annos conhecida, bem está por si mesmo a dizer-nos que não sómente habitada senão cultivada tambem fôra pelos primeiros colonos e neophy+ tos do dominio dos jesuitas, aos quaes pertencia toda aquella região. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 267 A construcção deste monumento que representava o animal com a cabeça estendida para diante na attitude da vigilancia, (1) devia ter exigido alguns centos senão milhares de operarios e muitos mezes de penosissimo trabalho feito em parte dentro d'agua. Foi um destes avultados empre- hendimentos que se executavam sob as ordens severas de um senhor absoluto ou sob a influencia da superstição. O novo e O antigo con- tinentes estão a mostrar-nos, por centenas, construcções assim erguidas, desde estes simples mounds de argila, de que offerecem tão grande nu- mero de specimens os Estados meridionaes da União Americana, até as grandes pyramides e os templos colossaes do Mexico, do Perú, da Indo-China, da Assyjria e do Egypto. Aspecto primitivo do »wound do Pacoval, Como foi effectuada semelhante construeção é bem difficil averiguar hoje, depois de ter sido revolvido o seio daquele deposito sagrado, tantas vezes quantas se abriu para receber os ossos dos membros da tribu, que ti- nham falecido. Em um ponto da peripheria da collina, na extremidade N. N. E., um córte aberto no terço inferior da altura do mound apresen-. tou-me uma serie de camadas de cerca de 2 centimetros de espessura de argila branca arenosa, alternadas com camadas de detrictos vegetaes de egual espessura, simulando exactamente o aspecto dos gneiss delicadamente fo- lheados, de que vi exemplos mui communs em alguns pontos das pro- vincias do Rio de Janeiro e Minas Geraes (2). Este phenomeno faz-me crer que desse lado, que é o da lerra ou da mar- - gem do lago, devia existir alguma pequenina clevação de que se serviram como de base à. construcção da «ilha em todos os mais pontos completamente (1) A collina actual terá no maximo metade do volume que devia ter primitivamente. Da peque- nina collina que representava a cabeça do Chelonio existe apenas uma irregular elevação, d'onde extrahi grande porção'de fragmentos de vasos pintados e esculpidos. A depressão que separa o corpo da cabeça do animal divide na enchente toda a ilha em duas ilhas de muito deseguaes dimensões : uma grande, que é a do corpo do jabuty, e a outra correspondente á cabeça, na qual mal se poderia levantar uma bar- raca de campanha, - r Da a E . 2.4 SA (2) Nas margens do Rio das «Velhas, afluente do S, Francisco, vi por vezes phenomeno identico ao de Pacoval, produzido pelos depositos do rio nos differentes niveis 'marcados pelas suas aguas. 268 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL artificial, mas d'isso mesmo não faço pé de argumento, porque é tambem pos- sivel ter sido feito este deposito fluvial posteriormente à construcção do mound, . durante alguma daquellas grandes e excepcionaes enchentes em que a- região occidental de Marajó permanece inteiramente submersa. Como quer que fesse, a collina foi construida com aterro extrahido do fundo da lagôa de mistura com grande porção da camada humosa superficial e relvosa dos campos circumvisinhos, provavelmente cortada em grandes ti- jolos, que foram superpostos em fiadas, como ainda hoje se pratica no sul do Imperio. A construcção exigiu alguns mezes, durante os quaes as refeições se faziam sobre a propria terra cada dia amontoada. D'ahi a presença de certa quantidade de espinhas de peixe e de ossos, entre os quaes mais abundam os ossos do peixe-bol. Actualmente a collina tem sobre o terreno circumvisinho 6 metros de maxima altura, mas o referido terreno nenhuma outra cousa é mais do que o accumulo dos escombros tombados das abas da mesma collina e acamados como supedaneo ao redor-d'ella. Este sapedaneo apresenta ligeiro deciive do pé do: mound para o lago em cujo leitô immerge tão insen- sivelmente que não se sabe bem ao certo onde termina o detrito do mound nem onde começa o fundo da lagôa. De Setembro a Novembro, epocha das mais. baixas aguas, o mound, com todo o seu circuito em leve declive para a peripheria, é, como já deixei acima dito, uma peninsula e essa peninsula mede 300 metros de comprimento sobre 150 metros de largura. Nos mezes de Março a Maio, porém, em que o nivel das aguas atinge a sua maior altura annual, mal apparece ao de cima da face do lago a parte superior da collina ou mound como insignificante ilhota de 50 metros de extensão no seu maior diametro, sendo que nem essa mesma parte superior ha sido respeitada nas grandes enchentes de que ha lembrança. ? Aspecto actual do mownd de Pacoval. A configuração actual do monumento, por todos os lados derruido e coberto de arvoredo, a custo denuncia hoje a sua primitiva imagem e induz-me à ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 269 crer que se pelos flancos ao redor lhe foi já derrocada a 5º ou 6º parte ds área que a principio occupava, muita razão tenho para suppor que a sua altura haja perdido tambem uma parte consideravel da que primi- tivamente mostrava, porque sómente assim era possivel salvaguardar das maximas enchentes o cimo deste ao que parece venerado monumento. Duas razões me auctorisam a aventurar esta asserção: a primeira é a fórma imperfeita do corpo do mound, ao qual está faltando evidente- mente a calotta superior para completar o animal que representa; a se- gunda é a posição estrategica d'aquella ilha artificiai que ainda é hoje o ponto mais elevado existente.nas tres ou quatro leguas ao redor, e que por isso reunia ao seu caracter de Pantheon semi-barbaro o de vi- gilante atalaia e, a um tempo, o de residencia do chefe a quem obedecia toda a nação, naturalmente mui bellicosa ou pelo, menos obrigada a estar em vigilancia defensiva. Este triplice caracter tinham-n'o muitos mounds do Texas e do Mississipi. Fernando de Soto encontrou no alto de muitos mounds da - Luiziana as habitações dos chefes a quem obedeciam os povos das planicies circumvisinhas. De que natureza fosse este povo de Pacoval ou qual o nivel anthropo- logico em que se possa ou deva collocal-o, não ouso, nem sei dizel-o. Ha em seus artefactos ceramicos alguns pontos de afinidade com os que hão sido encontrados nos sambaquis de Santarém, nos mounds das duas mar- gens do Amazonas pelas cercanias do Tapajoz e do Trombetas e nos das grutas de Maracá, na Guyana brazileira, mas até que ponto se correlacionaram as tribus primitivas d'estas localidades com os mound-builders de Marajó? Foram estas relações estabelecidas desde todo o principio ou effectuaram-se sómente muito depois que os mounds de Pacoval e de Camutins se construiram ? Se não havia parentesco ou qualquer outra alliança entre os constructores d'aquellas collinas sagradas da grande ilha e os povos que se fixaram nas duas margens do Amazonas, é provavel que mais tarde se correspondessem os ma- rajouáras (1) com estes povos ou pelo menos com alguma tribu d'elles, e d'isso (1) Uára, que mais de uma vez n'estas Investigações posponho à palavra Marajó, significa na. lingua tupy : residente, oriundo, ete. Quanto á palavra Marajó já o disse eu em ncta addicional a um trabalho publicado no 2º volume destes Archivos : «Marajó bem como Maranhão são corrupções do ap- pellido primitivo do Amazonas. O que, porém, não é provavel é que tenha tal nome a etymologia que lhe suppoz Martius. Inclino-me antes a crer que todas as variantes com que se têm, ha já passados tres se- culos, denominado este gigante caudal americano, advêm não só da má audição da palavra indigena por parte dos euxopeus, como ainda tambem do modo por que a pronunciavam os selvagens, abrandando a labial p de paranã em », e resultando o nome mbarxanã ou ainda maranã, d'onde procedem as modifica- ções marahon, marayó e por fim marajó.» V. vI—6S 270 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL é inequivoco testemunho a presença no mound de Pacoval dé machados de dio- rito de que alli achei uns 20 exemplares. Ora o diorito é rocha que não existe nem na ilha de Marajó nem nas duas margens fronteiras do Amazonas, isto é, em nenhum ponto da foz deste rio. Apparece unicamente a muitas leguas acima do littoral e se me não en- gano, pela primeira vez, remontando-se o valle do Amazonas, na altura das primeiras cachoeiras do Xingú e do rio Trombetas. onde nos é mui natural concluir que com os indigenas dessas regiões hajam tido os nossos mound-buil- ders marajouáras um certo commercio de permutas, por meio do qual obtive- ram estes artefactos de pedra. Tudo isso, porém, nada tem de positivo, sou o primeiro a confessal-o, e basta-me advertir o que deixei dito sobre a immiscuidade de elementos cera- micos grosseiros e de epochas apparentemente mais modernas no meio de pro- ductos de grande belleza, de notavel perfeição e de origem antiquissima. Quantas tribus das que habitavam as margens do Amazonas acima de Marajó não terão vindo apoz o exterminio ou o exilio dos mownd-builders de Pacoval ha- bitar sobre o cimo sagrado d'aquelle monumento, tão mudo e tão indecifravel para elles como eram mudos e indecifraveis para os conquistadores semi-bar- baros do Koran os monumentos pharaonicos do Velho Egypto ! Repito, portanto, o que por diversas fórmas deixei já dito sobre.o povo a quem se devem os singulares e curiosissimos mounds de Marajó. Os testemunhos que a archeologia nos deixou apresentam-n'o ou como nação mesclada, fusão de muitos povos ou ainda, em maior grau de probabili- dade, como nação que teve de efectuar mui longa peregrinação em varios climas, por entre numerosas tribus de physionomias differentes e de costumes varios, physionômia e costumes figurados nos idolos de terra cotta e nos orna- tos anthropomorphos dos vasos extrahidos do mound de Pacovale de outros pontos de Marajó. Destes diversissimos caracteres póde-se fazer idéa pelas cabeças adiante figuradas, e rigorosamente copiadas dos originaes pertencentes . à collecção archeologica do Museu Nacional. Cabeças de idolos e adornos anthropomorphos da ceramica dos mound-builders de Marajó e de outras localidades do Ama- zonas Estas cabeças estão coordenadas por grupos em que procurei reunir, quanto possivel fosse numa só estampa, as physionomias entre si semelhantes ou aflins por qualquer carasteristico distincto. Posto que mui discordantes nas fórmas geraes e exhibindo às vezes entre grupos proximos as mais notaveis antitheses, já quanto à configuração do cra- neo, ja em relação aos traços physionomicos, mostram comtudo estas tão va- rias e tão singulares representações da cabeça humana numerosas analogias de convenção systematica, preceitos de estylo, dos quaes nem as mais arroja- das phantasias do esculptor ou da esculptora se poderam nunca totalmente libertar. E” que acima da imaginação dos artistas e superior a todas as muta- ções do tempo havia o verbo da tradição que se perpetuava de geração em ge- ração entre povos que não tinham archivos gravados em pedra. E este verbo quando entre todos os anciãos da tribu decadente ou dis- persa, rarissimo ou nenhum mesmo houvesse já que o lograsse decifrar, ahi estariam a represental-o e a perpetual-o os lavores da ceramica, ideogra- phia engenhosa em que toda a historia dos antigos tempos da grande nação ficaria synthetisada. Ora a léla em que esse povo matisou a representação ideographica e não sei se tambem phonetica da sua tradição, foi a cabeça ou a face humana. Os olhos e a bocca, o nariz e as arcadas superciliares, a fronte, as orelhas e o mento, as tatuagens da cara como as dàs diferentes partes do corpo ; tudo isso, por cem diversos modos figurado, parece representar a edade do individuo, as suas qualidades pessoaes, a sua posição entre os conterra- neos, a familia ou tribu a que pertenceu, os seus feitos mais notaveis, a sua historia, emfim,-- authentica parcella da historia da sua raça. A altenção do leitor é, pois, d'este modo chamada para os docu mentos graphicos estampados nas paginas que se seguem. De seu espirito unicamente dependerão as dedueções que lhe despertar o exame e o estudo comparado dos differentes typos ahi expostos, com as explicações que me pareceu dever dar-lhes em confronto, nas paginas que em face lhes correspondem. 279 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA 1 Figura n. 1 (97 F*).—Grandeza natural. —Cabeça de um sacrificador ou sacerdote, tendo feito parte de um vaso em cujo fragmento restante se reconhecem vestigios de pintura-que o ornavam interiormente. Esta cabeça está coberta por uma especie de mitra ou tiara oriental. Do lado posterior pende-lhe, cobrindo o dorso do personagem, cujo corpo é o mesmo vaso, a pelle de uma cabeça humana, naturalmente victima sacrificada aos deuses, como usavam os. Asztecas. A face da victima é perfeitamente visivel, em relevo sobre a superficie do vaso. Figura n. 2 (131 F).—Grandeza natural. — Cabeça de estatueta ou de amuleto represen- tando a cabeça de um sacerdote orn ada por uma tiara ou mitra cuja extremidade se inclina para a frente á guiza de barrete phrygio. ) j Figura n. 3 (162 G).— Grandeza natural. —Cabeça pyramidal ou. platicephalica vaga- mente esculpida. O nariz está em nivel superior ao dos olhos e do alto da cabeça cáe sobre a nuca uma especie de toucado em 3 series de relevos. O personagem está acocorado sobre a borda do vaso com os cotovellos sobre os.joelhos, apoiando a face nas duas mãos, na attitude da meditação ou da tristeza, conforme se collocam os nossos aborigenes habitualmente. O vaso sobre cuja borda está implantada esta figura devia ter alguma pintura de que ella conserva leves traços. Figúra n. 4 (440 H).— Grandeza natural. —Cabeça monstruosa representando um indivi- duo que tem na saliencia da fronte e da parte inferior da face o mesmo exagero que apresenta na profunda depressão da região nazal. Toda esta disposição da cabeça parece ser a cópia fiel de alguns typos cyclopicos de que temos no Museu Nacional alguns exemplares. A unica dis- tincção consiste em que, como o nome d'estes ultimos o indica, elles têm um só olho na salien- cia frontal, ao passo que nesta figura, ao contrario, os dous olhos são os unicos orgãos perfeitos quer na fórma, quer na posição em que se acham. Figura 5 (152 G).— Grandeza natural. — Cabeça do mesmo grupo e da mesma cathegorta a que pertence a don. 1. Amitra ou capacete tem aqui pequenas differenças e o personagem não se acha revestido ou adornado com o horrendo trophéu do outro. “Sobre o alto da mitra, olhada de face, reconhece se um triangulo vermelho sobre o fundo da pintura geral da figura, Na parte posterior da mesma mitra ha alguns leves traços de pintura vermelha e preta. Figura n. 6 (396 H).— Grandeza natural. — Cabeça de sacerdote tendo por toucado uma mitra inclinada para a frente e ornada posteriormente de 3 relevos. Os olhos são salientes e oc- cupam o logar das faces como em muitos idolos de Marajó; o mento e a bocca são egualmente salientes, mas na região nazal ha uma depressão notavel, o que, reunido aos outros caracteres, dá a esta cabeça certa physionomia: de que a de n. 4 parece ser o exagero ou a caricatura. Sobre a fronte tem este personagem um triangulo pintado de vermelho e dividido em 6 partes eguaes. Varias pinturas de egual colorido e natureza deviam ter existido sobre o capacete, onde se avistam ainda vestígios. Figura n. 7 (161 G).— Grandeza natural. — Cabeça coberta de uma mitra ou tiara oriental . . - 4 como as suas congeneres acima descriptas. * A numeração collocada entre parenthesis em seguida ao numero da figura é a que conserva o artefacto nas collecções 'do Museu Nacional. A lettra ligada ao numero é de pura convenção nas referidas collecções ta, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL i ' PR Soap 974 'ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA TI Figura n. 1 (89 F).—Grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso gravado ou es- «culpido, representando um typo que mais se approxima do Ateles marginatus ou de qualquer outro quadrumano do que da physionomia humana. O alto da cabeça é ornado de uma pequena calotta ou pretuberancia natural. Figura n. 2 (113 F.)—Grandeza natural. —Cabeça ornamental de vaso funerario pintado. Os olhos são enormes.e por baixo d'elles sobresáe em relevo um adorno que parece uma espe- cie de bigode basto e torcido. Sobre o alto da cabeça ha uma protuberancia hellcoidal. Figura n. 3 (220 E.)—Grandeza natural. — Cabeça ornamental de vaso. “Tem sobre o alto da cabeça um pequeno gorro ou o proprio cabello reunido conforme o costume chinez e prova- velmente da mesma natureza ou com a mesma significação da calotta das duas figuras ante- riores. Figura n. 4 (100:E.)—Grandeza natural. — Cabeça ornamental de vaso. “Tem sobre a ca. beça um barrete em fórma de cone truncado apresenta a saliencia auricular superior que se encontra na maior porção dos idolos e ornatos anthropomorphos dos vasos de Marajó, e na região occipital um onficio ou cavidade symbolica dos mesmos artefactos. Figura n. s (451 H).— Grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Tem o 'T que representa convencionalmente na ceramica de Marajó e de outras partes da America as arcadas superciliares e o nariz, e a linha curva na extremidade superior, com a qual quasi sempre os mound-builders figuram a orelha. No alto da cabeça vê-se a protuberancia ca- racteristica de quasi todas as figuras d'esta estampa. Figura n. 6 (166 E). — Grandeza natural. — Cabeça ornamental com os caracteres da figura n. 4, com a unica differença do adorno ondulado da nuca, o qual parece figurar uma cabel- leira caracollada. Figura n. 7 (578 DD).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de Marajó. “Tem o nariz e os supercilios salientes e os olhos collocados no logar das faces. A protuberancia frontal é quasi corniforme. Figura n. 8 (104 E).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso sagrado. Os seus caracteres geraes são mais ou menos os mesmos das outras figuras da mesma estampa. Figura n. 9 (58 F).—Grandeza natural —Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Apresenta, como o precedente, o T' convencional em relevo, bem como as duas protuberancias auriculares egualmente caractensticas das figuras dos 7zound-builders de Marajó. Figura n. 10 (111 F).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso dé Marajó. “Fem a arcada superciliar, e o nariz em fórma de Y,o qual é tambem caracteristico de muitos vasos de Marajó. Sobre a fronte ha o triangulo symbolico e os olhos são representados sob a fórma de uma figura symbolica, da qual me occuparei em outro capitulo. Figura n. 11 (39 F.) Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Gorro ponteagudo e curvo, mento farto e saliente, narinas dilatadas : taes são os caracteres distinctos desta figura. O pescoço emerge de um adorno que recorda uma golla golpeada com certa ele- gancia . Figura n. 12 (114 E).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de Marajó. “Tem mais ou menos os mesmos caracteres do n. 7. Os olhos, entretanto, são consideravelmente obliquos e não fendidos, como estão representados n'aquella figura. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 276 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA III Figura n. 1 (63 F).— Grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Apre- senta saliencia e curva admiraveis dos supercilios. Sobre o alto da cabeça tem a pequena calotta ou o cabello torcido dos chinezes. Esta cabeça conserva vestígios de antiga pintura. Figura n. 2 (176 E).— Grandeza natural. —Cabeça ornamental de uma taça de Marajó. Representa a physionomia de um quadrumano. A linha convencional que representa a orelha confunde-se na sua extremidade inferior com a linha da bocca. Os mais caracteres são os mes- mos de algumas figuras da estampa precedente. Figura n. 3 (102 E).— Grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Tem em seus caracteres algumas afinidades com a fig. n. 1. A orelha, porém, é perfurada e a extremidade do gorro tem uma pequena cavidade. Figura n. 4 (60 F).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Apre- senta os caracteres geraes de outras cabeças já examinadas, salvo a protuberancia frontal, que tem aqui nova fórma. Figura n. s (198 E)-— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. As linhas convencionaes da orelha são duplamente ornadas. Esta cabeça, como outras que havemos visto,devia estar unida á superficie do vaso e não implantada sobre a borda como grande parte das cabeças mitradas. Figura n. 6 (43 F).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Tem as orelhas convencionalmente gravadas, duas pequenas saliencias occipitaes e o T' caracteristico do meio da face por nariz e supercilios. No alto da cabeça a protuberancia das cabeças chinezas é distinctamente modelada. Fig. n. 7 (7o F).—Grandeza natural. —Cabeça ornamentada de um vaso de Marajó. Os caracteres geraes approximam-se das cabeças ns. 1 e 4, salvo quanto á saliencia do nariz, que gura a base do Y em alto relevo. fig base do Y em alto relevo Figura n. 8 (57 F).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso da ilha de Marajó. As arcadas superciliares prolongam-se na sua curva natural até formarem por si mesmas as pro- I ] S p tuberancias auriculares superiores. N'estas protuberancias ha um orificio semelhante aos que a fi- I gura offerece no alto da cabeça, nos olhos e tinha, provavelmente, no mento, agora fracturado. Figura n. 9 (122 E). — Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Os olhos, a bocca, a extremidade do nariz e as orelhas são representadas por discos salientes com uma cavidade no centro, semelhantes ás protuberancias dos ouriços do mar (Achinus). No alto da cabeça, como na figura precedente, ha a calotta ou trança hellicoidal das cabeças chinezas. Figura 10 (234 E). — Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. “Tem o mesmo adorno do alto da cabeça das outras figuras já mencionadas e as linhas gravadas re- presentando a orelha completa e ornada. O mais da face parece ter sido destruido pelo attricto da terra que a envolvia. Fig. 11 (123 F).—Grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Tem grandes analogias com a fig. 10 da estampa 11, cujos olhos são mui distinctos. Figura 12 (102 E).—4/5 da grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó Tem analogias physionomicas com as de outras cabeças já examinadas. :271 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 278 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA IV Figura 1 (109 G).—4/5 da grandeza natural. — Cabeça de idolo, exhumada do own de Pacoval (Marajó). Tem o craneo pyramidal terminando por um adoro que ainda o torna mais ponteagudo, como algumas cabeças dos Mayas, esculpidas nos monumentos d'aquelles povos. As orelhas representadas na sua fórma natural parecem ser a continuação das arcadas superci- liares. O mento é saliente e tem uma fórma correcta. Figura 2 (78 G).—4/5 da grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso sagrado de Marajó. Tem os traços physionomicos gravados em dupla linha, o T symbolico representando o nariz, os supercilios e a platicephalia exagerada dos Mayas e Umáuas. As curvas ou cro- ques das linhas das orelhas estão ahi occupando a parte superior, ao envez do que se vê em outras figuras em que esta especie de voluta se apresenta na região inferior, representando ao que parece os lobulos das orelhas. . Figura 3 (105 E).—Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Sem caracter que a distinga notavelmente das outras figuras. A parte ponteaguda do craneo, em vez de nascer da região supero-posterior, apparece em continuação á linha quasi perpendicular da face, ficando o craneo quasi inteiramente nullo. Os olhos são proporcionalmente demasiado grandes em relação á cabeça e a bocca mal se distingue. Este adorno estava apegado á su- perficie de um vaso pintado de linhas vermelhas de que elle conserva ainda vestígios. Figura 4 (158 G).— Grandeza natural. — Cabeça de idolo pintada de branco, com vestígios de traços vermelhos. Tem exactamente o perfil de um dos personagens esculpidos do templo de Palenoque, representado na obra de Waldeck. O gorro ou mitra, que é a mesma d'aquelle personagem,tem fórma identica á das mitras de algumas estatuetas dos mmounds de Marajó. E? muito para notar-se que sendo esta figura a imagem de algum alto personagem, tenha tão pe- quenos os olhos, como os não apresenta eguaes nenhuma outra cabeça da mesma procedencia. Figura 5 (154 G).— Grandeza natural. —Cabeça de idolo do mount de Pacoval. Sem grande distincção sobre os typos já mencionados. Tem os olhos, comtudo, muito obliquos e o labio inferior erguido na expressão do desdem. O craneo poder-se-hia apresentar como typo de notavel microcephalia. Figura 6 (55 F).— Grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Marajó, sem particularidades que o distingam dos typos anteriores. Figura 7 (71 F).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó, tendo estado appensa à superficie exterior do mesmo vaso. Apresenta a platicephalia de alguns povos antigos da America. Os olhos são muito obliquos e as arcadas superciliares terminam na protu- berancia superior das orelhas, com as quaes se confundem. Fig. 8 (165 G).— Grandeza natural. —Cabeça de um idolo do mmound de Pacoval. Fôra pin- tado de branco e ornado de linhas vermelhas. Tem os traços physionomicos vulgares, o nariz mal modelado e ausencia de bocca provavelmente pintada primitivamente; apresenta o craneo notavelmente ponteagudo, havendo ahi certamente a presença de uma mitra conica alongada, cujos adornos, gastos pela acção do tempo, não se distinguem bem. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 279 280 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA V Figura 1 (99 G).— Grandeza natural. —Cabeça de idolo do mowund de Pacoval. Tem os olhos fechados como representando o personagem adormecido ou morto, e mostra em todos os delineamentos da face notavel dignidade, orgulho e energia. No alto da cabeça vê-se a pe- quena protuberancia que representa uma calotta ou uma trança de cabello enrodilhado. Abaixo dos lobulos das orelhas ha de cada lado um pequeno orificio destinado provavelmente á pas- sagem de algum cordão, pendente do qual se guardava esta divindade ou este deus penate. A bocca manifesta expressão de desdem ou de excessiva sobrancenia. Figura 2 (103 G).— Grandeza natural. — Cabeça de um idolo do 7round de Pacoval. Apre- senta uma especie de barrete justo ao craneo e debruado de espessa orla, como os toucados dos primitivos principes da igreja. Apresenta vestigios de dous triangulos pintados sobre a fronte. Além da natural elevação das arcadas supercilares, toda a região correspondente apresenta mui notavel relevo em detrimento do frontal, que tem sensivel grau de inclinação ou depressão. Figura 3 (50 F).—4/5 da grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Apresenta toda a saliencia das arcadas superciliares e do nariz em fórma de crista recortada ou mamillosa. Os olhos e a bocca, egualmente em relevo, têm no centro uma depressão circular. Sobre o alto da cabeça vê-se um gorro ligeiramente curvo para a frente. Uma protuberancia distincta existe na região occipital; o que é um caracteristico da maior parte das cabeças or- - namentaes dos antigos vasos de Marajó. Os olhos, collocados um pouco abaixo da região que lhes é propria, tocam quasi as narinas. Figura 4 (111 G).—4/5 da grandeza natural. —Cabeça de idolo do mound do Pacoval. Apresenta alguma semelhança com a fig. n. 2, mas sem o gorro d'aquella, e tendo o craneo mais alongado. Os olhos obliquos e em relevo parecem despregados de seu verdadeiro logar e por acaso fixados na altura dos malares ou mesmó mais baixo do nivel d'estes. Fig. 5 (56 F).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Com ex- cepção do recorte das arcadas superciliares da fig. n. 3, em tudo o mais offerece esta figura grande analogia com aquela. Figura 6 (101 E).— Grandeza natural. — Cabeça de um chefe implantada sobre o bordo de “um vaso sagrado do mound de Pacoval. Tem os traços physionomicos gravados com admira- vel perfeição e apresenta as linhas convencionaes das orelhas a unirem-se graciosamente com as da bocca e do mento. A cabeça notavelmente orthognata em nada se assemelha no cra- neo aos typos communs dos mounds de Marajó. E” a individuação da energia e da superiori- dade que hão mostrado os conquistadores e os grandes generaes. Esta figura é pintada de branco com traços de tinta escura na região occipital. Figura 7 (103 G).— 4/5 da grandeza natural. — Cabeça de idolo ou fragmento de figura es- culptural representando um individuo em cuja physionomia ha alguma cousa das aves do ge- nero Strix. E' uma expressão admiravel de maliciosa desconfiança e de sordida avareza. Esta cabeça, com os seus supercilos tão smgularmente golpeados, não póde representar o typo fiel de quem quer que fosse, tanto mais quanto o golpeamento das arcadas superciliares, dos bra- ços, da columna vertebral, representada em saliencia exagerada, e dos adornos corniformes de alguns individuos mythicos, é caracter mui frequentemente observado na esculptura de Marajó. Entretanto, ha uma nação africana, a dos Munhambanhe, que vive nas cercanias de Moçam- bique, cujo distinctivo é a crista mamillosa que lhe orna todo o nariz. Ê 282 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA VI Figura. 1 (105 E). — Grandeza natural. —Cabeça ornamental de* vaso funerario de Marajó- Apresenta as cavidades orbiculares sem olhos, a fronte deprimida e o nariz achatado como o das mumias. No alto da cabeça vê-se um gorro ponteagudo que torna ainda mais tetrico este personagem. Dir-se-hia a corôa lugubre e sinistra d'essa cabeça de finado reduzida quasi ao descarnado de uma caveira. Figura 2 (84 G).—s/5 da grandeza natural. —Cabeça de um idolo do Pacoval, de fórma conica. Tem os olhos na altura dos malares e o nariz volumoso serve de base espheroidal á figura Y que representa os supercilios. As orelhas mui longas acompanham grande parte da enorme altura da cabeça, descendo até ao nivel do maxillar inferior ou do pescoço. Figura 3 (164 G).— Grandeza natural. —Cabeça de um amuleto de Marajó. Sem caracteres salientes que o distingam do geral dos idolos e figuras da mesma procedencia. O craneo, posto que não alongado, resente-se da platicephalia real ou ideal que tinha em vista o esculptor. Figura 4 (52 E).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental da ceramica de Marajó. Sem caracteres distinctos. Fronte notavelmente deprimida, deixando em grande relevo as arcadas superciliares e o gorro sobre a região occipital. Ha n'este perfil muito maior numero de traços caracteristicos do genero Ze/ix do que da physionomia humana. Figura 5 (53 E).— Grandeza natural. -——Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. E” um typo notavel de grande prognathismo; tem os traços physionomicos delicadamente gravados. Na extremidade do mento proeminentissimo ha um onficio que tem communicação com o interior da cabeça. Sobre a saliencia da fronte ha um sulco em linha recta horizontal. Os olhos são protuberancias circulares aureoladas por um sulco de largura e profundidade eguaes ás do sulco com que se fez a gravura dos demais caracteres da mesma cabeça. Ambas as orelhas têm a curva volvida para cima, como já nol-o mostraram outras figuras. Figura 6 (160 G).— Grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó. Tem os caracteres de outras physionomias já mencionadas. Sobre esta cabeça vê-se a mitra classica inclinada para a frente e com uma só protuberancia sobre a nuca. Figura 7 (155 G).— Grandeza natural. — Cabeça de idolo de Marajó. Apresenta os caracte- res geraes,mas o prolongamento da parte superior das orelhas vai acima do nivel commum e o gorro apresenta na extremidade superior uma dilatação singular. Figura 8 (254 E).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental da ceramica de Marajó, pa- recendo ter sido apegada á superficie externa do vaso. Tem por cima um adorno ou barrete cuja borda anterior descendo do alto até a saliencia superior das orelhas, confunde-se com esta. A saliencia da região é consideravel e além de todo o exaggero. : Figura 9 (92 F).—4/5 da grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Nenhum caracteristico a distingue de outras figuras já mencionadas. O gorro phrygio tem exactamente a fórma do da cabeça n. 6, com a qual tem sobre outros pontos algumas simili- tudes. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL : 283 284 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA VII Figura 1 (106 E).---4/5 da grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó. Tem a fronte elevada e o craneo ligeiramente alongado. As arcadas superciliares, unidas ao nariz, formam um Y cuja extremidade inferior mais avolumada é a ponta do nariz. A cabeça é coberta por um gorro justo, ornado de orla espessa e saliente,que desce até á nuca, prendendo-se sob o mento. Sobre a região occipital superior, que é larga e achatada, vê-se a figura junta, que representa- ria indubitavelmente um lama ou um guauaco,se o pescoço fosse “mais longo e perpendicular. Esta figura foi copiada com o maior rigor e em tamanho natural. O artista que deixou gravado aqui este perfil de um animal andino,se com effeito representa o lama ou o guauaco, deve ter sido o mesmo que fabricou a cabeça do idolo, pois a gravura foi feita sobre a argila ainda fresca. Teria, porém,este homem conhecido o animal de que deixou ahi o perfil ou foi o seu trabalho pura phantasia por acaso revestida de tão singular coincidencia ? Figura 2 (160 G).---Grandeza natural. —Cabeça de-idolo de Marajó, apresentando approxi- madamente os caracteres da figura precedente; tendo, porém,os olhos fendidos e a fronte menos elevada e um tanto concava ; os supercilios curvos e a orla do barrete independente da salien- cia das orelhas, que nesta figura como nas do mesmo grupo (Est. VII, VIII, e IX) deixam de ter a elegancia ou a conformação systematica e symbolica, de que vimos exemplos em ou- tras cabeças anteriormente examinadas nesta collecção. Fig. 3 (107 E).---4/5 da grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó, apresentando os mesmos caracteres geraes das duas figuras precedentes. As arcadas superciliares approxi- mam-se mais do T e a fronte é deprimida. A physionomia d'esta cabeça denuncia intelligen- cia e dignidade, mas o craneo é quasi nullo, pelo que se mostra em verdadeira antithese com a face. Figura 4 (125 E).---4/5 da grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó, distinguindo-se das figuras precedentes pelo volume maior do nariz, pelo nivel demasiado baixo em que “estão os olhos e pela pouca elevação do craneo; caracteres estes que dão ao personagem uma phy- sionomia vulgar. Esta cabeça conserva grande parte da camada de tinta branca de que devia estar coberto todo o idolo. Em alguns pontos vêm-se raros vestígios dos traços vermelhos com que havia sido ornada a face, e é de suppor toda a figura tambem. Estes traços verme- lhos ou de côr escura quasi preta, ás vezes não se sabe ao certo se representavam uma espe- cie de tatuagem ou algum vestuario. Sobre este ponto terei de fallar em outro capitulo d'es- tas Investigações. Figura 5 (95 G).---4/5 da grandeza natural. — Cabeça de idolo de Marajó, muito semelhante á figura anterior. Tem os olhos ligeiramente obliquos, os supercilios menos curvos e as orelhas mais afastadas da face ou mais proximas da nuca. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 285 V. vi—72 9286 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA VIII Figura 1 (49 G).—4/5 da grandeza natural. — Cabeça de idolo de Marajó. Apresenta no- tavel orthognatismo. A fronte, que se ergue a prumo, é bastante elevada e correcta e os olhos, ligeiramente obliquos, são fendidos. O barrete, que é justo sobre o craneo, desce a cobrir-lhe a nuca, lembrando o gorro egypcio denominado c/aft. Toda esta cabeça tem os traços de muito regular configuração. O craneo é volumoso e bem conformado, no que se afasta consi- deravelmente do typo commum, que é muito natural haja sido o mais estimado e o mais dis- tincto. Figura 2 (83 G).—4/5 da grandeza natural. — Cabeça de idolo de Marajó. Tem no aspecto varonil grande semelhança com a figura precedente. Os olhos são horizontaes, porém colloca- dos um pouco abaixo do logar que lhes é natural, e este é um dos caracteres mais constantes da configuração da face humana nos trabalhos ceramicos de Marajó! Em algumas cabeças ou antes em muitas d'ellas, esta disposição dos olhos é tal, que mais parecem as saliencias malares. do que os olhos, e creio que no espirito do proprio esculptor havia como que uma vaga idéa, uma confusão constante a respeito da verdadeira posição em que devera collocar a protube- rancia dos olhos ou a dos malares, confusão inexplicavel para individuos que com tamanha perspicacia abrangiam, n'um só volver d'olhos, os mais miudos accessorios do objecto submet- tido ao seu olhar penetrante. E” ainda esse mesmo caracter de indecisão e de duvida, que tantas vezes se pronuncia na ceramica dos mmound-builders marajóuáras, e a que eu mais de uma vez me refiro n'estas notas. Havia, certamente, a intenção de reproduzir particularidades, de copiar traços distinctivos, mas a memoria não os tinha suficientemente gravado, de modo a dar- lhes a verdadeira fórma. D'ahi essa confusão entre a saliencia dos olhos e a dos malares, como muitas outras de que vou aqui fazendo menção. Fig. 3 (48 G).—25 da grandeza natural. — Cabeça de idolo de Marajó. Tem semelhança com a figura n. 2, com a differença dos supercilios, que nesta n. 3 são mais elevados e mais in- clinados para cima. Os olhos estão tambem muito mais abaixo do seu verdadeiro nivel, e a bocca tem muito mais pronunciado o movimento do cerrar ou apertar dos labios. Na confor- mação geral nota-se nesta cabeça traços e perfil da mais decidida vulgaridade. Fig. 4 (93 G).—4/5 da grandeza natural. — Cabeça de idolo de Marajó. Tem os olhos no- tavelmente inclinados e indica maior edade que os typos da mesma estampa. O toucado ou gorro termina quasi em ponta sobre a nuca. À figura conserva leves vestigios das linhas vermelhas que a adornavam. É ud “ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 287 288 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA IX Fig. 1 (86 G).—24 da grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó, tendo, mais ou menos, os mesmos traços physionomicos das cabeças da estampa 8” Os supercilios, porém, são horizontaes, como os olhos, e as orelhas apparecem por baixo da borda do gorro. O nariz apresenta uma certa saliencia e as narmas são modeladas com uma certa correcção, de que não dão exemplo commum as outras cabeças. Fig. 2 (107 G).—41/5 da grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó. Physionomia vulgar, em que se faz notavel a enorme distancia que vai dos olhos, demasiado baixos, aos su- percilios, demasiado altos. O toucado é o mesmo já descripto e o craneo apresenta um certo alongamento e depressão frontal. Figura 3 (87 G).—4/5 da grandeza natural. — Cabeça de idolo de Marajó. Tem expressão commum, nariz rombo e volumoso na extremidade, olhos inclinados, craneo mesquinho e mento saliente. O achatamento occipital, reunido á depressão frontal, dá ao craneo a confor- mação pyramidal, de que vimos mais notaveis exemplos em cabeças anteriormente mencio- nadas. Figura 4 (100 G).— Grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó. Nenhum traço o dis- tingue do typo geral das outras figuras. Tem a fórma do nariz muito regular e os olhos inclinados. O craneo é egualmente alongado ou antes um pouco deprimido no diametro antero- posterior. , Figura 5 (105 G).—4/5 da grandeza natural. — Cabeça de idolo de Marajó. Quasi nenhuma particularidade exhibe esta figura que lhe dê alguma distincção sobre muitas das que foram mencionadas. Os olhos são perfeitamente horizontaes e as orelhas, comquanto pareçam, como na maior parte das outras cabeças do mesmo genero, a continuação da orla do toucado, são - aqui mais distinctamente delineadas. . Figura 6 (98 G).— 4/5 da grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó, apresentando notavel orthognatismo. Além disso, nota-se na conformação do craneo e na disposição dos traços physionomicos particular expressão de energia, de dignidade, de um espirito superior emfim. Dir-se-hia a imagem de um conquistador, de um chefe habituado ao mando absoluto. O craneo é pouco elevado, mas tem enorme amplitude:; a cabeça não tem o gorro ornado da espessa orla das outras figuras. Se algum toucado a cobre, este toucado é singelo e tão simples que mal se faz notar pela ligeira borda em saliencia sobre a fronte e na parte posterior do craneo. A fronte não é elevada, mas tem uma expressão inteligente e de grande firmeza de vontade; os olhos são proporcionaes ao resto da face, em que nenhum exagero se manifesta. Os lobulos das orelhas dilatados denunciam o uso do adorno, de que só usavam primitivamente os grandes chefes. Ha em summa em toda a cabeça um conjuncto harmonioso que não póde deixar de attrahir a attenção. + ARCIIVOS DO MUSEU NACIONAL 289 Ve yvi—s 290 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ” ESTAMPA X Figura 1 (206). —25 da grandeza natural. —Cabeça de um idolo phallico de Marajó. E”, uma das mais distinctas physionomias das que temos estudado nestas antiguidades. Todas as pinturas que ahi, auxiliando os relevos da cabeça,representam os supercilios, os olhos, o nariz e a bocca, são da mais severa prescripção, como ver-se-ha em outro capitulo em que tratarei dos caracteres convencionaes da arte representativa dos mound-builders de Marajó. Sobre a fronte, um pouco deprimida,tem esta divindade, como já vimos em algumas cabeças anteriormente exa- minadas, dous triangulos symbolicos, pintados, bem como os demais traços 'da cabeça, com tinta vermelha, de que está coberta toda a região posterior do craneo. O nariz, descendo em linha perpendicular da região superciliar até a bocca, tem o cunho da maior virilidade e o mento saliente, sem ser demasiado volumoso, dá mais realce a este caracter. As orelhas, representa- das pelos dous relevos convencionaes para as duas extremidades de cada uma d'ellas, são deh- neadas por meio de linhas vermelhas que as ligam ao adorno do maxillar inferior e da bocca, adorno em tudo semelhante às gravuras que vimos, apresentando estas mesmas partes na ca- beça n. 6 da Est. V. Figura: 2 (53 G).—Grandeza natural. —Cabeça de idolo ou de amuleto offerecendo em traços vagos os caracteres de outras cabeças já mencionadas. Um orificio praticado por baixo . . . tio, fio . do maxillar inferior, de um a outro lado da cabeça, é indicio de que este amuleto ou pequeno deus penate era trazando pendente do pescoço do individuo que o tinha em veneração. Figura 3 (97 G).—Grandeza natural —Cabeça de idolo de Marajó. Tem notavel proemi- miencia dos supercilios, do nariz e dos olhos e apresenta na parte superior do craneo uma pequena depressão de que em nenhuma outra figura se observa egual exemplo. As saliencias das orelhas são acompanhadas de proemimencias, provavelmente devidas ao adorno mal vi- sivel que lhe cobre a região occipital. Figura 4 (171 G).---Grandeza natural.---Cabeça de idolo, notavel pela quasi ausencia de craneo na parte supero-posterior, sobre a qual nota-se um relevo que parece representar todo o cábello enrodilhado do personagem, ainda que em alguns idolos este relevo não mostre ter a mesma significação. As arcadas superciliares estão collocadas quasi no alto da região que de- via ser frontal e os olhos ligeiramente obliquos ficam muito abaixo do nivel do nariz. Figura 5 (168 G).— Grandeza natural. — Cabeça de idolo de Marajó, tendo alguns traços de commum com os do grande idolo n. 1. Os súpercilios, porém, occupam aqui, como na figura antecedente, a região superior da fronte. Figura 6 (80 G).——Grandeza natural. — Cabeça de idolo de Marajó. Tem os olhos ea bocca ligeiramente salientes, com uma pequena cavidade no centro. O craneo apresenta a cur- va do perfil bastante regular. Figura 7 (124 E).—4/5 da grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Offerece um typo exagerado, uma especie de caricatura da face humana, quer quanto á mes- quinhez da caixa craneana, quer em relação ao descomedimento do nariz. N ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL = SO 2992 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA XI Figura 1 (102 G).---4/5 da grandeza natural.---Cabeça de idolo de Marajó. Tem, como grande numero de idolos da mesma ilha, os supercilios e o nariz representados por um Y sem grande relevo, os olhos inclinados:e sobre a cabeça o gorro commum com espessa orla. Fig. 2 (tro E)---“Grandeza natural.---Cabeça ornamental, tendo um toucado que parece, dobrado ou achatado sobre a fronte. O nariz mal se distinguê e as arcadas superciliares são apenas marcadas pelo seu quasi imperceptivel relevo. Figura 3 (77 G).---4/5 da grandeza natural.---Cabeça de idolo de Marajó. Offerece todos os traços physionomicos da figura n. 1, da qual differe, entretanto, pela região superior do craneo que nesta figura não é tão ponteaguda. Na parte superior da região occipital apparece o relevo a que me referi ao fallar da cabeça n. 4 da Est. X, posto seja ella aqui muito pouco saliente. Figura 4 (45 F).---Grandeza natural.---Cabeça ornamental de Marajó. Apresenta uma phy- sionomia caricata. E" antes mascara do que face natural. O nariz tem. a deformação que dá a este orgão uma necrose ou qualquer causa destruidora do respectivo osso, e os olhos como que estão a indicar uma anomalia egualmente morbida. Em summa, toda a cabeça, mórmente or- nada com a touca de que está coberta, dir-se-hia de uma mulher lazara ou syphilitica. Pouco abaixo do que devia ser o mento ha uma depressão circular que representa, umas vezes a bocca, qutras O pescoço, o estomago e mais frequentemente o umbigo. Na figura que temos diante dos olhos o pescoço é que parece se haver querido simular. Figura s (5 E).---4/5 da grandeza natural.---Cabeça de idolo de Marajó. Esta cabeça mos- tra os traços geraes das figuras já examinadas. Tem, entretanto, por toucado um gorro ou barrete ornado em relevo na frente, como os que temos visto nas outras figuras, mas que aqui se desprende em pregas numerosas e caprichosas até ás costas: : Figura 6 (400 H).---Grandeza natural.---Cabeça de idolo ou “adorno anthropomorpho da ceramica de Marajó. E' um exagero plastico ou esthetico do angulo facial, além de go graus, como o são para muito menos d'este angulo algumas cabeças d'esta mesma colleeção. E” emâim a reproducção do Apollo de Belvedere ou do Jupiter Capitolino, cujo angulo facial, maior de go graus, nunca ninguem apresentou normalmente. Os olhos, infelizmente, mais de accordo com o estylo ou systema dos esculptores dos mound-builders de Marajó, estão colloca- dos em um nivel tão baixo do normal, que tocam quasi a mandibula inferior. O nariz está mal re- presentado no desenho, como o está toda a face do personagem. Sobre a cabeça ha um tou- cado mal esboçado, mas deixando ver uma saliencia que parece simular um pente ou pequeno crescente ornamental, de que-dá cópia a fig. n. 8 e veremos melhores exemplos nas estampas que se seguem. Figura 7 (104 G).---4/s da grandeza natural.---Cabeça de idolo de Marajó, de fórma pyra- midal. Olhos collocados muito abaixo do seu verdadeiro nivel, nariz em grande relevo, mento desenvolvido e gorro terminando em borla sobre a nuca. Figura 8 (108 F).---4/3 da grandeza natural.---Cabeça de idolo de Marajó, admiravel- mente orthognata. Os olhos têm uma leve inclinação e o toucado, participando da fórma ge- ral do das figuras que havemos visto, caracterisa-se por cobrir unicamente o alto do craneo, tendo no meio, e em notavel saliencia, uma especie de pente ou diadema, que é impossivel dizer-se se está por baixo ou por cima do referido toucado. As orelhas nesta cabeça, como nas das figuras do mesmo grupo, têm a amplitude que se observa ainda hoje em quasi todos os indigenas da America. E E ti, Ago: ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 293 v. vIDTA 294 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA XII Figura 1 (153 G).---4/5 da grandeza natural. Cabeça de idolo de Marajó, representando um personagem de physionomia energica e inteligente. Tem o craneo alongado, a fronte ele- gante, os olhos inclinados, a boeca desdentada e o mento saliente arrebitado. O tóucado des- celhe do alto do craneo, estreitando-se para a nuca, onde termma em relevo. Observa-se-lhe egualmente no alto do craneo o adorno da figura n. 8 da Est. XL. Figura 2 (ror G).---4/5 da grandeza natural. Cabeça de idolo de Marajó. Tem otypo da figura precedente, mas a fronte é mais perpendicular, a bocca mui saliente e os olhos, horizon- taes e fendidos, são adornados superior e inferiormente por tres linhas perpendiculares con- vencionaes para muitas estatuetas de Marajó. Outro caso especial, e este ao que parece de algum interesse, é o modo por que os prolongamentos das commissuras externas das palpebras de ambos os olhos se distendem, erguendo se cada um de seu lado parallelamente á orla do toucado até ao angulo do alto da fronte, onde, sem se juntarem, descem per- pendicularmente ao meio da fronte e ahi terminam, formando cada qual por si uma especie de croque ou: anzol. Dir-se-hia que o artista tinha em vista fazer de cada extremidade d'estas duas. linhas vermelhas ornamentaes o triangulo symbolico das divindades ou dos seres superiores dos mound-builders de Marajó, e este individuo tem todo o aspecto de uma elevada entidade. O gorro é mais ornado e mais. distincto que o da figara antecedente e termina em baixo por um relevo frisado ou recortado e bastante levantado. Figura 3 (50 G).---Grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó. Fronte saliente em calotta tatuada ligeiramente na base, nariz longo e chato, olhos um pouco obliquos e toucado recortado e coberto de ornatos protuberantes, em cuja conformação reconhecem-se as disposi- ções geraes dos toucados ou gorros das outras cabeças da mesma estampa. Figura 4 (91 G).---Grandeza natural.---Cabeça de idolo'de Marajó pertencente ao mais bello typo e ao nobre estylo dos mmounds Paquella ilha. Representa um veneravel ancião de face ortho- gnata, magestosa e severa, fronte ampla, serena e plasticamente curva, olhos grandes e horizon- taes, mento saliente e orelhas inferiormente dilatadas a indicarem o uso do adorno caracteristico dos grandes da tribu. Sobre a região supero-posterior do craneo está assente o pequeno gorro que. eu chamaria solidéo se não fosse alongado para os lados e não tivesse no centro o relevo a que mais de uma vez me referi, denominando-o pente, crescente ou diadema. Não sei ao certo seo relevo que se estende por baixo deste gorro é um appendice delle, como parece sel-o, na figura antecedente ou o cabello atado em rabicho, como o indicam esta e outras figuras da mesma conformação . Figura 5 (go G).---4/5 da grandeza natural.---Cabeça de idolo de Marajó muito semelhante á da ngura anterior. q Figura 6 (157 G).---Grandeza natural.---Cabeça de idolo de Marajó do mesmo estylo geral das figuras que havemos visto nesta estampa, tendo, porém, o craneo alongado, ainda que sem compressão, e mostrando ausencia completa-da belleza das duas cabeças antecedentes. Figura 7 (96 G).--- 415 da grandeza natural. ---Cabeça de idolo de” Marajó offerecendo muita analogia com a da figura n. 2. Figura 8 (163 G).---Grandeza natural. ---Cabeça de idolo de Marajó semelhante ás figuras 3 e 6, salvo pequeninas differenças no craneo, nos olhos e no toucado. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ; 295 296 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA XIII . . Figura 1 (1 G).—s/5 da grandeza natural. —Cabeça de idolo, do sexo feminino, de Santa- rém, de origem menos antiga que a dos idolos de Marajó. Em toda a physionomia, a fórma é differente da dos idolos dos mmownd-builders marajóuáras; ha, comtudo, notaveis afinidades, mór- mente nas orelhas, até certo ponto nos olhos e na fórma do craneo. O toucado é, porém, diite- rente, pois reduz-se a um pequeno diadema ou pente collocado sobre o alto da fronte ou na linha onde começa o cabello, que apparece por traz, cuidadosamente penteado e dividido ao meio, desde o pente até a nuca. O nariz é de regular configuração e a bocca, esculpida com cuidado, ainda que sem elegancia, tem os traços caracteristicos das raças mais perfeitas ! Figura 2 (sem numero). —4/5 da grandeza natural. — E” do mesmo estylo da figura anterior, tendo, porém, por baixo da bocca, uma série de ranhuras que parece copiar a barba, como se representasse, esta figura, individuo do sexo masculino. Ha, com efeito, uma pequena dif- ferença na fórma do toucado, e o onficio, collocado posteriormente justo ás orelhas da figura precedente, está aqui no lado anterior. Esta indicação da barba, se assim é, ainda mais me augmenta a suspeita de ser de origem moderna a “fabricação d'este grupo de idolos. Figura 3 (177 G).— Grandeza natural. — Cabeça de idolo de Santarém. O nariz e os labios foram gastos pelo attrito da terra. A figura é do mesmo estylo e sexo da figura n. 1. N'estas' duas, como em quasi todas do mesmo grupo em que as orelhas estão representadas, noto que as duas saliencias ou protuberancias auriculares, tão communs na esculptura representativa de muitas das cabeças anteriormente examinadas, são acompanhadas de discos ornamentaes, dous a dous para cada orelha, facto de que não me consta se haja dado nunca qualquer noticia para nenhum povo antigo ou moderno; pelo que acredito ser esse duplo adorno pura phantasia do esculptor. Figura 4 (2 G).— Grandeza natural. — Cabeça de idolo de Santarém (colecção Rhome). Estylo e sexo são os mesmos das nguras 1 € 3. Figura 3 (5 G).— Grandeza natural. —Cabeça phantasiada de Santarém (collecção Rhome). E! antes mascara do que cabeça, pelo enorme achatamento ou completa ausencia de caixa cra- neana. Pertence, entretanto, ao mesmo estylo das figuras desta mesma estampa. Figura 6 (5 G).—Grandeza natural. — Mascara da mesma natureza da figura precedente; tem, porém, o nariz deformado como se houvesse sido destruido por syphilis. O narize os dous olhos lenticulares salientes, eternamente abertos, como feridos pela mesma infecção sy- philitica, dão a esta physionomia um singular aspecto repulsivo e sinistro, para o qua! não concorrem menos a enorme extensão que vai do nariz á bocca,e o labio inferior ligeiramente distendido na expressão do escarneo e da impudencia, [| -« z E (5) <. A. > ma a fo) z 2 [a] an o E do « ) ly o a ARCHIVOS DO MUSRU NACIONAL TAMPA XIV Vigura 1 (1 F).—Grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Santarém (collecção Rhome). Pertence ao mesmo estylo das duas ultimas figuras da Estampa XILL “Tem, entre- tanto, o diadema ornado, o nariz muito saliente e ponteagudo e à bocca bastante aberta. To- dos os traços deste individuo representam antes um typo phantastico do que natural, Esta cabeça, em summa, não é retrato, é mascara ou caricatura. Figura 2 (9 G).—Grandeza natural. —Cabeça | ornamental de um vaso de Santarém (colleeção Rhome). Tem muitas semelhanças com algumas figuras da Estampa XIII. Figura 3 (112 E).— 4/5 da grandeza natural. —Cabeça de idolo ou ornamental. Olhos em fórma de grandes depressões circulares, com protuberancia central. Um grande diadema,cujas extremidades taferiores” confundem-se com as orelhas, emmoldura-lhe a face em uma especie de "crescente encimado de um disco egual ao dos olhos. O mento é demasiado saliente e induz a crer, como os olhos e o craneo, que esta figura é uma verdadeira ficção. Figura 4 (6 G).—Grandeza natural. —Cabeça de idolo ou ornamental de Santarém (col- lecção Rhome). Apezar de ter-lhe-cahido o nariz, tem todos os traços physionomicos das ca- beças de clhos discoides deste grupo. Figura s (74 E) —Grandeza natural. —Cabeça de idolo de Santarém (collecção Rhome). Tem o nariz proeminente, os olhos discoides com pequena depressão do centro, bem como a bocea e um pequeno ponto na altura dos malares. As narinas são dilatadas e só n'isso differe mais esta figura do typo geral do grupo excentrico a que pertence. ligura 6 (79 G).—4/5 da grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó (2); tem em grande proeminencia as arcadas superciliares ou antes a bossa nazal. A bocca está collocada na extremidade do mento e os olhos esculpidos ou apegados, demasiado baixos, são muito obliquos: O toucado, semelhante ao da figura n. 3, dá uma” conformação singular ao craneo, em cujo oc- cipital ha uma grande protuberancia. “Tudo nesta cabeça induz a crer ser ainda ella uma re- presentação mythica ou phantasiosa do artista que a modelou. Pigura 7 (66 F).— 4/5 da grandeza natural. — Cabeça de um vaso de Marajó (2) em que se vê alguma affinidade com a figura n. 3 d'esta mesma estampa, ainda que nesta o diadema divida a cabeça em duas partes eguaes, como se houvesse tenção a principio de dar-lhe duas faces eguaes, o que não se effectuou. Figura 8 (81 G).— Grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó (2) de egual natureza ou estylo que a precedente. Representa, porém, uma caveira. E' por assim dizer a cabeça da morte adornada de um «iadema,como a representam algumas lendas antigas entre Os povos do antigo continente. Não parece tarefa de facil alcance saber-se porque razão estas duas ultimas cabeças foram assim modeladas, quasi que a ter dupla face cada uma d'ellas. Se houve qual- quer significação n'isso, como creio, não acerto em explical-a ou comprehendel-a: -, A S (6) - PÁ z an =) z o) [am) as [<>] > = [eo] o = -<. 300 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA XV Figura 1 (51 E).=4/5 da grandeza natural. —Cabeça ornamental capricorned de um vaso de Marajó. Tem o nariz saliente formado pela união dos supercilios em fórma de Y, os olhos obliquos e o mento ligeiramente perfurado. Sobre o frontal vê-se o duplo adorno comiforme d'esta especie de Satyro ou de Pan, cuja face adornava a superficie de um vaso de Marajó. Este vaso era pintado de branco, com traços de tinta vermelha. Figura 2 (115 F).—4/s da grandeza natural. — Cabeça ornâmental capricornea de um bello vaso de Marajó. A bocca é representada por um disco circular em relevo, do meio do qual sobresáe um corpo conico. O nariz e as arcadas superciliares são mais salientes, e as ore- lhas têm alguma cousa da fórma cornea. Os appendices corneos frontães, partindo da frente, vão se ligar ao vaso, confundindo-se com um filete em relevo do mesmo vaso, como se este filete fosse continuação d'elles. Os olhos, porém, são pequenos, horizontaes e fendidos. Figura 3 (278 E).— Grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Marajó, per- feitamente acraneana. Arcadas superciliares enormes, terminadas pelo nariz. O mento disforme- mente farto e monstruoso, os olhos obliquas. Esta face apresenta a synthese da estupidez, da concupiscencia e da gula. E' uma caricatura ou figura symbolica qualquer; não póde ser o re- trato de nenhum ser humano, Figura 4 (463 H).—4/5 da grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Olhos discoides, nariz e mento rombos e vulgares,duas enormes bossas esphericas na fronte, eis os característicos principaes d'este monstro ideal. Esta como as outras cabeças d'esta estampa, serviam de adorno entre admiraveis altos relevos que cobriam a superficie de grandes e operosos vasos-urnas funerarias, talvez dos grandes chefes. Figura s (18 F).— Grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Santarém (col- lecção Rhome) tendo a physionomia de um capricorneo não adulto. Figura 6 (109 E).—Grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Face capricornea e com todos os traços physionomicos das figuras d'este grupo curioso. V. vi --16 502 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA XVI º Figura 1 (11 F).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de Santarém. (Collecção Rho- me). Representa um typo ideal horrendo. O nariz é um tubo cylindrico implantado na face, perpendicularmente, entre dous olhos de mocho. Não se lhe reconhece indicio de bocca. E? mais um focinho do que um nariz. No alto da cabeça ha uns vestígios de cornos de fórma in- definivel. E', em summa, uma cabeça phantastica, hedionda, sem semelhante em especie al- suma da fauna conhecida. , Figura 2 (68 F).— Grandeza natural.— Cabeça ornamental de vaso de Marajó (?) tendo a bocca e “os olhos em fórma de ilhó e sobre as arcadas superciliares, cornos largos e curtos, re- cortados, ou outro qualquer adorno de indefinivel natureza. E' uma carranca decorativa, que relembra as que se empregam nos chafarizes a deitar o jorro d'agua pela bocca, circular. Figura 3 (36 E). — 25 da grandeza natural. — Cabeça ornamental phantastica de um grande vaso de Marajó. Supercilos, olhos, nariz e boceca em grande relevo. Sobre as longas arcadas supereliares dous amplos ornatos corneos simulam grandes bossas frontaes e dão a esta figura feroz magestade. Esta cabeça ornamental está apegada aq flanco do vaso e representa o corpo inteiro de um personagem mythico, uma especie de Fauno ou Pan dos mound-builders de Marajó. Figura'4 (308 H).— Grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó,tendo as bossas corneas da figura 4 da Estampa XV sobre uma face vulgar e feia, de nariz rombo, olhos discoides muito obliquos e salientes. Figura s (128 F). — Grandeza natural. —Cabeça capricornea ornamental. Nada tem de monstruoso a não ser o adorno frontal de pura invenção para este grupo de personagens mythicos, e o mento de excessiva saliencia. Figura 6 (410 H).—4/5 da grandeza natural. = nao capricornea ornamental de um vaso de Marajó, apresentando grande extensão-no diametro antero-posterior. Tem os olhos, o nariz e as arcadas superciliares salientes, bem como os ornatos cormneos. Os supercilios pro- longam-se e inclinam-se até formarem de cada lado da face um prolongamento que parece oc- cupar o logar da orelha, Os appendices "corneos, prolongando-se por cima, na mesma di- recção; simulam verdadeiras orelhas. 5 ? Figura 7 (131 F).— Grandeza natural. —Cabeça monstruosa ornamental de um vaso de Marajó No alto da cabeça ha uma protuberancia conica e no nivel dos olhos um só olho em. moldurado pelas arcadas superciliares de fórma tão singular que melhor representariam, as mesmas arcadas superciliares, uns oculos de aro grosso e armação pesada, levantados sobre a testa, se aquella especie de olho cyclopico podesse ser antes nariz. A bocca está aberta como se o individuo estivesse a gritar ou a cantar, ou, para servir-me da mesma idéa expen- dida a respeito da fig. n. 2, como se por esta bocca houvesse de jorrar agua. Figura 8 (69 F).— Grandeza natural.— Cabeça ornamental de Marajó (2) representando um quadrumano com fidelidade e notavel expressão. As extremidades superiores das orelhas, que têm ainda a mesma fórma de ilhó, tão empregada na representação de todas as partes da cabeça humana, são ligadas por um filete ou adorno, que lembra um pouco o adorno frontal, pente ou diadema de algumas figuras das Estampas XII e XIV. Figura 9 (113 G).— Grandeza natural. — Cabeça capricomea ornamenta) de Marajó. Não offerece caracter algum que a distinga das figuras do mesmo grupo, salvo a perpendiculandade do nariz, devida ao grande relevo dado aos supercilios. 304 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL | ESTAMPA XVII Figura 1. (114 E).—4/; da grandeza natural. — Figura phantastica e não sei se bur- lesca, representando um individuo na attitude do repouso ou da” meditação sobre a borda de um vaso. A cabeçãeo tronco formam um só corpo ovoide, rude e mal conformado. Os ddus braços estão cruzados ou melhor, a mão esquerda repousa sobre o braço direito, cuja mão está descançando sobre os joelhos. Os olhos e a bocca são cavidades disformes, e o nariz e as arcadas superciliares figuram saliencias de grosseiros delineamentos. Ha, com- tudo, nesta figura, todos os caracteres geraes do estylo dos mownd-builders. Jigura 2 (79 F).—4/5 da , grandeza naturql. — Figura ornamental de Marajó, representando um personagem em absorta 'meditação. A cabeça é, porém, de grosseira esculptura e não tem vestígios sequer da expressão que outras do mesmo estylo perfeitamente reproduzem. Os olhos . são mais que obliquos, pois estão collocados perpendicularmente sobre a face. Figura 3 (15 E).— Grandeza natural. — Amuleto ornamental de um vaso de Marajó, re- presentando uma mulher acocorada sobre a borda do vaso. E" uma figura expressiva, na attitude do pranto e da dôr. Tem sobre a cabeça um barrete de fórma moderna, que lhe occulta todo O craneo; a mão esquerda está apoiada sobre o lado correspondente da face, cobrindo-lhe o o'ho d'este lado; a bocca, meio aberta, exprime que aquelle pranto não é mudo. Figura 4 (126 F).—445 da: grandeza natural. — Figura phantastica e ornamental de um vaso de Marajó. E” um monstro com enormes orbitas sem olhos, bocca talhada na extremidade de um longo focinho e grandes arcadas superciliares tendo por base o nariz, que é regular. A ca- beça, ligeiramente erguida,não ) indica apoio n "aquela mão, a qual pela posição da cabeça parece “estar a coçar o queixo. * ; , . Figura 5 (77 F).— 4/5 da grandeza natural. — Figura de corcunda ornamental de um grande vaso de Marajó. Os olhos,a bocca e os lobulos das orelhas são profundamente cavados, bem como duas saliências no alto do thorax, provavelmente simulacros das protuberancias mamillares. O na- viz e as arcadas superciliares são bastante salientes, caracter que ainda mais accentúa a depressão. sardonica da physionomia. Este polichinello está acocorado sobre a borda do vaso como mento apoiado sobre as duas mãos juntas e os cotovellos sobre os joelhos. Figura 6 (83 F).— Grandeza natural-—Figura ornamental de vaso de Marajó, levando à boéca um objecto, provavelmente nas condições ou com a significação de que mais adiante e em outro capitulo terei de tratar tom alguns pormenores. Esta.figura tem sobre a cabeça, cingindo-a transversalmente de uma orelha a outra, uma lamina em pequeno relevo, que não tem seme- lhante nas cabeças que já temos visto. Figura 7 (8 F).— Grandeza natural. — Figura ornamental de vaso de Marajó. Cabeça chata, olhos lenticulares fendidos horizontalmente, bocca saliente, e talvez mais ainda pela destruição ou fractura do nariz. A mão esquerda toca a face do personagem, na attitude de apoial-a. Esta figura, que se achava provavelmente sobre a borda de uma urna, é tão tosca quanto expressiva. Fig. 8 (17 P).— Grandeza natural — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Tem os olhos quasi verticaes, terminados por um appendice que deve representar uma lagrima. Os bra- ços, erguendo-se e curvando-se, levam as mão ás faces n'um gesto de desespero e de angustia mujto expressivo. Ha nas antiguidades de Ancona, representadas na obra de Stubel, uma figura mui semelhante a esta. | 306. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA XVIII Figura 1 (112 G). —Grandeza natural. — Gargalo de vaso de Marajó, representando uma cabeça humana. O nariz e o mento são mui salientes, os olhos horizontaes e fendidos no mesmo sentido. Faz-se notavel esta cabeça pelo relevo das arcadas superciliares, que, depois de desce- “vem até a altura das'orelhas, formam, por si, estes orgãos, descrevendo por cima uma segunda curva no sentido inverso da curva superciliar e tomando deste modo cada supercilio a configu- ração de um'S. Outras cabeças até aqui temos visto, nas quaes as arcadas superciliares prolon- gam-se até formarem com a extremidade extema o relevo" das orelhas. Todo o relevo n'este caso representa um semi-circulo com tal ou qual irregularidade, ao envez do que se dá na ca- beça que ora examinamos, na qual este relevo, como já o disse, tem a fórma de S. Figura 2 (183). — Grandeza natural. — Gargalo de um vaso ornthomorpho antropocephalo Tem sobre a face o T classico e convencional para a representação do nariz e das arcadas super- ciliares. Os olhos são figurados pela fórma symbolica,egualmente convencional na ceramica dos mound-builders de Marajó, e as orelhas em muito pouco se afastam dos caracteres que têmos visto em outras figuras; um ilhó,perfurado de lado a lado, está sob o mento e parece ter servido para passagem de algum cordão suspensor do vaso. Figura 3 (85 G).—4/5 da grandeza natural. — Gargalo de um vaso de Marajó, represen- tando, pela gravura e pela pintura, todos os caracteres convencionaes das-differentes partes da face humana, empregados pelos mownds-builders de Marajó. Este vaso conserva, perfeita- mente, as cores primitivas que são os traços de côr vermelha em fundo branco. A dupla protu- berancia de cada orelha, o desenho que emmoldura os olhos e o que contorna e accentúa à bocca, o nariz e as orelhas são traços caractensticos da arte decorativa da face humana, como poucas cabeças os apresentam tão perfeitos. Figura 4 (94 G).— 4/5 da grandeza natural. — Gargalo de um vaso de Marajó, com muitos caracteres do vaso precedente, mas sem gravura nem mais vestígios de pintura. E” inques- tonavelmente mais grosseiro que o primeiro,e differente pelos olhos e pelas arcadas superciliares. * Figuras (39 F).—4/5 da grandeza natural. — Gargalo de um vaso de Marajó, mais singelo que o do numero anterior, ainda que de feições mais regulares e mais distinctas. Figura 6 (106 G).—4/5 da grandeza natural — Gargalo de face dupla, tendo, em commum, a mesma orelha para ambas as caras. As arcadas superciliates descem, emmoldurando a face de ambos os lados, até formarem um adorno na altura da mandibula inferior, terminando € ens contrando-se na protuberancia do mento. As duas saliencias que representam a orelha e que temos visto figuradas em grande numero dós vasos anteriormente examinados são aqui mui distinctas uma da outra, tendo cada qual a sua depressão muito mais caracteristica, porém, do que nas outras cabeças. . “ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 307 308 “ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESÇAMPA XIX Figura 1 (115 E).— Grandeza natural. — Gargalo de um vaso de Marajó, com duas faces, em que mais do que em nenhuma outra das cabeças anteriormente vistas, os olhos estão em nivel excessivamente baixo. A bocca está collocada por cima do mento, na sua verdadeira po-. sição, e as arcadas superciliares prolongam-se perpendicularmente até a base da, face, como na fig. 4 da Est. XVIII; sem que n'esta,que agora examinamos, haja vestigios de orelhas. Vigura 2 (113).—1/3 da grandeza natural. — Gargalo de um vaso funerario de Marajó, com duas faces ricamente pintadas. Os olhos, envolvidos por algumas curvas concentricas, terminam por uma linha appendicular pendente da commissura externa, linha que a meu ver representa a lagrima vertida em lembrança do morto. Na juneção das duas faces as linhas superciliares bi- furcam-se engenhosamente, incurvando-se a ramificação superior em fórma de pequeno croque, cuja extremidade pára entre os dous ilhós convencionaes da orelha, que, bem como na fig. 6 da Est. XVIIT, é commum ás duas caras. A curva interna dos olhos tem/a particularidade de ser triangular, o que em nenhuma outra figura se nos deparoy ainda: Figura 3 (224).— 1/3 da grandeza natural. — Gargalo de uma uíma funeraria de Marajó, fi- gurando personagem do sexo feminino, com uma só face. Esta cabeça apresenta um dos mais bellos typos ceramicos dos mound-builders de Marajó, quer como trabalho de gravura e de baixo relevo, quer como pintura adstricta á gravura. Os olhos têm a fórma symbolica da vista e das significações afins apresentadas em outras figuras, as orelhas apresentam a extremidade curva invertida, o que temos algumas vezess observado em diversas cabeças. Esta extreyi- dade, em fórma de croque, é a “que representa, na maioria dos casos, o lobulo da orelha. No que, porém, mais se distingue esta cabeça é no interessante e gracioso matiz que serve de fundo ao adorno do vaso e que nada mais é do que uma série irregularmente disposta de-gre- gas compostas. Não deve tambem passar sem reparo o modo engenhoso pelo qual o baixo relevo, a gravura e a pintura se reuniram para o adoro d'esta formosa urna, a qual é com- tudo superior á da figura seguinte. Figura 4 (18 D).— 14 da grandeza natural. — Gargalo de urna funeraria de Marajó, repre- sentando a dupla face de uma mulher, cujo corpo é egualmente duplo, conforme o apresenta uma das figuras intercalladas no texto, onde me occupo dos vasos anthropomorphos. Tem: grandes analógias com a figura anterior, ainda que alli haja uma só cara. Os olhos, como os da figura precedente, são adornados “em ambas as palpebras pelas duas linhas verticaes, de que já vimos exemplo em cabeças precedentemente mencionadas, e terminam a commissura externa por uma longa cauda curva muito commum na ornamentação das faces dos gesichts- urnen de Marajó. As duas orelhas têm a curva convencional do lobulo volvida para cima, é o mento tão exageradamente “saliente, que me parece representar antes um adorno labial ou tembetá. € 510 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ESTAMPA XX Figura 1 (14 1). — 4/5 da grandeza natural —Cabeça ornamental de vaso de Marajó, vista de face, para que melhor se veja a physionomia mumiforme do personagem. Os olhos são lenticulares e fendidos horizontalmente e a bocca enorme e como “a sorrir ou a chorar. A face é chata, o nariz pouco saliente se não chato, e as orelhas irregulares e como-que mu- ciladas. No alto da cabeça ha um orificio cuja utilidade ou significação em vão procuro entender. Figura 2 (129 E).— Grandeza natural. —Cabeça ornamental de um vaso de Marajó. Cabe- lhe com mais acerto o nome de mascara; tem olhos em fórma de ilhó, bocca meio aberta pelo riso zombeteiro e nariz curto e suspenso acima do seu verdadeiro mvel. Figura 3 (12 E).— Grandeza natural-—Cabeça ornamental monstruosa de um vaso de Marajó. Vem o nariz volumoso saliente, os olhos largamente fendidos e a bocea aberta na expressão do grito. No alto da cabeça observa-se o mesmo orificio da figura n. 1 Figura 4 (111 E).—4/3 da grandeza natural. —Cabeça de idolo de Marajó. Nariz em fórma de T, mento saliente com um pequeno signal no alto da protuberancia, olhos redondos encra- vados n'um grande ilhó, que substitue ahi as palpebras e, sobre tudo isto, e como caracter singular e mui notavel, a platicephalia mais exagerada e mais inadmissivel. Ha, entretanto, verdadeiros traços de nobreza de caracter, ha expressão de energia e de dignidade em toda esta face chata, cujo fino lavor nos está à dizer quanto era elevado o personagem que elle retrata ou figura, na sua exagerada idealidade. Figura s (78 E). —4/5 da grandeza natural. —Cabeça phantastica ornamental de um vaso de Marajó. na qual se vê o mesmo achatamento da cabeça da figura n. 4 e alguns caracteres geraes da ceramica de Marajó. Ha, no emtanto, uma pequena particularidade que distingue esta cabeça: são as ranhuras das arcadas superciliares e da grande orla que está no logar das ore-. lhas. Em tudo o mais esta cabeça é commum e até grosseiramente modelada. Figura 6 (124 F).—4/5 da grandeza natural. — Cabeça ornamental de um vaso de Marajó, : com o achatamento das cabeças 4 e 5 e os caracteres geraes das demais figuras. Os olhos, como quasi sempre acontece, oceupam um nivel muito abaixo do normal,e uma borda saliente, com feição de barrete descido até abaixo das orelhas, emmoldura toda a cara d'este personagem. Figura 7 (113 E).— Grandeza natural. —Cabeça ideal, que servia de adorno a um vaso-de Marajó. Ha n'esta physionomia uma expressão notavel de mofa ou de fingida estupidez. O la- bio inferior alongado e curvo para cima, os olhos em ligeiro estrabismo convergente, as narinas” parecendo representarem o acto da inspiração, toda a cabeça na attitude de uma distensão ex- traordinaria dos musculos do pescoço; tudo isso póde tambem querer figurar a expressão de certos animaes ao cio, especialmente do genero Caprum, ao farejar vestigios do objecto de sua concupiscencia. Figura 8 (151 G).—34 da grandeza natural. — Amuleto encontrado em Marajó, represen- tando um esboço de figura humana, alguma cousa dos animaes da classe dos Anelidos, com lai- vos de feição anthropomorpha. Figura 9 (207).— 1 da grandeza natural. —Cabeça de vaso encontrada no Alto Amazonas. “Tem os traços de um feto, de porco talvez,ou de algum animal de analoga conformação. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 312 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Diante de tamanha diversidade de typos da face humana é diflicil.des- cobrir qual a physionomia dominante, qualo typo caracteristico do povo a que pertenciam os artistas ceramicos, auctores desta esculptura singular, posto que . algumas vezes de admiravel expressão e de inexcedivel fidelidade imitativa. Desde a face mais orthognatha até o maior prognathismo simio; desde o craneo mais amplo e de frontal mais elevado, cujos delineamentos relembram o mais bello typo japonez até aquella depressão craneana dos personagens esculpturaes do povo Maya dos monumentos de Palenque, depressão com justos motivos havida por exagero phantasioso do esculptor; todas as mais bellas fórmas, todos os mais hediondos typos que têm apresentado o craneo e a face humanas, sem excepção dos mesmos casos de teratologia, estão ahi figurados com admi- rave) naturalidade e sentimento artistico. Evidentemente, a feição dos mound-builders de Marajó, se foi representada nesta serie de tão diversas physionomias, não é facil descobril-a. Aquelles individuos possuiam tradicionalmente archivados todos os typos humanos do globo, como se os houvessem estudado e copiado, percorrendo o antigo e o novo continente (1). , A estas ponderações accrescentarei que é a ilha de Marajó o unico ponto do Amazonas em que a archeologia apresenta esta diversidade de typos da ca-: beça humana. Dos necroterios de Santarém, de Maracá e de Miracanuêra todos os vasos anthropomorphos « os mesmos idolos (Santarem) até hoje extrahidos offe- recem caracteres peculiares a cada uma destas localidades, ainda que alguns typos physionomicos de Santarém e de outros logares comprehendidos entre os rios Xingu, Tapajós e Trombetas offereçam uma ou outra semelhinça com os de Marajó. As urnas funerarias de Maracá (2), gesichtsurnen tubulares, de peculiar conformação, bem como as urnas zoomorphas da mesma localidade, apresen- tam aspecto uniforme, com alguns raros pontos de affinidade, entre os quaes (1) Nada pretendo inferir destas particularidades. Adyirto apenas, a proposito desta diversidade de typos humanos, que Th nry Schooleraft considera os indigenas americanos como destroços ou restos de diferentes raças, o que até certo ponto justificam; no dizer ainda delle, as tradições dos povos ameri- canos, que os repr sentám vindos por mar para a America. —Ilestorecal and statistical information, res- peeting the history, conditrvons end prospects of the Indian-Tribes of the United States. “Philadelphia 15351-53. (2) Não são proprimmente grutas as cavidades em que foram encontradas estas antiguidades. São abrigos como aqueltes em ane viviun os CHA Dwellers, ainda que sem a mesma inaccessibilidade. á ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 313 o banco em que estão sentados alguns personagens, o qual é identico ao que foi encontrado em Marajó, e os orifícios que se observam nos joe- Urna funeraria das grutas de Maracá, representando um homem sentado sobre um. banco pseudo- cheloniformé. Red. a 1|5. lhos de uma das referidas urnas anthro- pomorphas de Maracá, orifícios analogos aos dos cotovelos da caryatide representa- da m'um pequeno vaso do Pacoval (1). Banco de terra cotta de Marajó, ao qual falta a figura vá que o occupava. Red. a 15. A mnecropole de Maracá, entretanto, tem maiores affinidades com as dos indige- nas primitivos da Guyana franceza e em particular com as necropoles dos Aturas de que fallam. Humboldt e Crevaux. A unica “differença consiste em que os maracá-uáras conservavam os ossos em ur- nas, ao passo que os Aturas os guardavam em cestas. De passagem, lembrarei que este mesmo costu- me de guardarem 05 aborigenes do Norte os ossos de seus antepas- sados em vasos que es- condem nas cavidades das montanhas, tenho-o encontrado no valle do Parahyba e nas demais estações occupadas ou- trora pelos Goytacazes. T A" vista da proximi- dade em quese acham asgrutas de Maracá, da ilha de. Pacoval, e na presença d'estas peque- nas similitudes de que fiz agora menção, per- gunto eu: serão os ma- raca-uáras fabricantes Figura ornamental caryautliforme do vaso figurado das urnas an th FOpo- sobomn.1 da Est. V do fim deste Vol. Gr. nat. morphas coevos dos mound-builders de Pacoyal, cu não serão estes, como parece nol-o indicar a na- tureza d'aquellas urnas, mais antigos que os primeiros ? [em (1) E' caracter mui generico na esculptura americana esta cavidade com que representam o alto da cabeça, o umbigo, o peito e as articulações das pernas e dos bracos das figuras humanas. O Dr. Leemans, sob o numero 49, descreve e figura um busto cuja cabeça tem no alto uma cavidade d'esta . . ” 200 sb; . ” .. . natureza. (Description de Quelques Antiquitós américaines, consevrvées dans le Musée Royal Néerlandais à Leide. Cungrês International des Américanistes, me, session. Luxembourg, 18/7. T. IT, pg. 293.) ] , / pg Vo. vi—7m 314 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Nenhum estudo sério foi ainda efectuado sobre este assumpto, acerescen- do que a respeito de Maracá só se conhecem, até hoje, as ligeiras notas que es- creveram os Srs. Ferreira Penna e Ribeiro Lisboa, unicos viajores que alli pe- nelraram. A mesma ilha de Marajó parece ter sido habitada, primitivamente, por diver- sas nações ou tribus, entre as quaes se umas havia entresi ligadas pelos laços do sangue, da lingua e do commum interesse, outras existiam que não cessavam de mover guerra aos seus conterraneos. Porém não são mais que conjecturas estas, baseadas nas pallidas tradições iudigenas, e o que se nos exige são factos que instruam, documentos que esclareçam, provas que convençam. A residencia dos mound-buiders, no centro e na zona sudoeste, da ilha, denuncia, entretanto, um facto positivo, e é que esses individuos evitavam, ao que parece, os indigenas da costa maritima, arrojados marinheiros da raça ou da indole dos que em todo o norte do Brazil, no golfo dos Caraibas e em alguns pontos das costas do Pacifico, tinham por costume as longas e ousa- das excursões ao alto mar, em jangadas de que ainda hoje se servem os seus descendentes mestiços, os pescadores da costa septentrional, desde a Bahia até o Pará (1). : Mas, se esta presumpção Lem o cunho da verdade, não nos parecerá de razão serem os nossos mound-bwilders antes navegadores de rios do que de mares? O que é digno de reparo é que er; muitos caracteres derunciados pela ce- ramica dos mound-builders de Marajó, comparada com a dos mound-builders do Ohio, do Missouri e do Arkansas, vê-se não pequena cópia de traços aflins a prenderem u'uma mesma cadeia elhnographica estes dous povos antigos abo- rigenes fixados em dous pontos do continente americano, tão afastados um do outro. Oraos mound-builders do valle superior do Mississipi não conheciam o mar, e parece que até lhe fugiam às mesmas cercanias, tamanho era o medo que lhe ha- viam tomado. Do que devemos concluir: ou que nenhuma correlação pren- (1) Os carahybas ou caraibas, que empregavam como os indios do Amazonas a igara e a igaretó, serviam-se tambem da jangada, a que davam o nome de pripri ou cousa semelhante. «Le pripri, sur le quel ils se lançaient à de grandes distances en mer, etait composé de quatre ou cing chevrons en bois flot, réunis par deux autres en travers, liés au moyen de cordes en coton, en fibres du balisier ou du ba- nanier.»—J. Ballet. Mémoires sur les Caraibes. Congrês des Américanistes, 1re. session. Nancy—1S75, T. 1º pg. 410. ; ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 315 / dera nunca a este povo a nação dos Caraibas, a mais maritima (|) de quantas povoavam a America, de norte a sul, ou que largos seculos havia que se tinham separado estes corsarios americanos do tronco primitivo, d'onde tambem des- cendiam os povos Mississipianos. A segunda hypolhese parece a mais verosi- mil, ou se considere a nação Caraiba como representante genuina do povo ma- ritimo, do qual é oriundo e de cujos antigos habitos e caracteres se desviou a nação dos mound-builders, ou se veja ao contrario nºestes ultimos a fonte ethnica dos ousados marinheiros que, por se haverem entregado ao viver da beira-mar, fizeram-se senhores dos mares das Antilhas e das costas que daili se estendem até à foz do Amazonas. Que estes piratas das Antilhas e das Guyanas não eram estimados, se não geralmente odiados e temidos, bem nol-o diz uma das significações tupys do nome Caraiba: .homem máuw. Mas não é isso razão tama- nha que nos autorize a encarar como inteiramente estranhos na sua origem os Caraíbas aos mownd-builders do Amazonas e do Mississipi. São pontos estes que não parecem de facil, ia quasi a dizer, de provavel solução. E basta advertir nos mysterios que envolvem a apparição da nação Caraiba, no golfo do Mexico ; pois se uns, como o padre Labat, a suppõem che- gada das bandas da America do Sul, outros, como Brasseur de Bourbourg, as- seguram que da costa austral da America do Norte é que ella passou ás Anti- lhas e às costas do sul (2). (1) Humboldt descreve a jangada pripri ou balsa como embarcação usada pelos peruanos, desde tempos immemoriaes, nas praias do Mar do Sul e na foz do Guayaquil. «Les radeaux employés, diz elle, soitpour la pêche, soit pour le transport des marchandises, ont seize à vingi-cing métres de long; ils sont composés de huit à neuf solives d'un bois três léger.»— Humboldt, Vue des Cordilleres, et Monu- ments de U Amérique, V. IL, pg. 334. (2) Caraiba é, na lingua quiché, o plural de Cara. Ora, segundo alguns auctores, à frente dos quaes é de razão se mencione Brasseur de Bourbourg, os Caras da America que tiveram por séde principal as praias do golfo do Mexico e o archipelago das Antilhas, eram descendentes dos Caras do antigo conti- mente, aos quaes cabe a gloria de haverem sido os precursores dos phenícios e carthaginezes nas pere- grinações ao Atlantico. Devo acerescentar que os Caras asiaticos e africanos são de origem Cuschita e estão enlaçados sos egypcios e aos lybios, ao que nos diz VEckstein.—Des Cares ow Cariens de VAn- tiquite, 316 ARCHIVOS DO MUSRU NACIONAL Ha Os idolos de Marajó. — Vasos e adornos anthropomorphos.—Physionomias dominantes d'estes artefactos. —Caracteres * convencionaes. — Affinidades que apresentam com os caracteres archeologicos de outros povos. —O culto do Phallus entre os 7round-builders de Marajó. — O Phallus na sua fórma real e em diferentes gráus de personificação.— Adornos phallicos na esculptura e na pintura dos vasos de Marajó. Entre as preciosidades que havemos exhumado, os Srs. Ferreira Penna e Derby, a principio, e eu por ultimo, do solo de Marajó, sobresáem algumas fi- - guras de terra cotta, que nada mais nem menos são, segundo presumo, que os E >>—— = PS 22 = : 5 p Idolo em terra cotta de Marajó, pi F Idolo em terra cotta, de Marajó, pintado ú Rá “ragd, pit de linhas vermelhas em fundo branco. Red. a 2/3. de branco. Red. a 4/9, deuses peuutes dos constructores dos mounds daquela ilha; imagens que ado-. ravam, também, os indios do Maranhão, de Pernambuco e de outras provin- cias do Brazil, assim como muitos outros povos: da America, São estatuetas a ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 317 que, na falta de melhor nome, dei o nome de idolos. Representam homens e mulheres, mas raras vezes sem alguma particularidade convencional, uma Corcunda acocorado sobre a borda de um vaso. Fig. ornam. da cerâmica de Pacoval. Red. a 2/3. monstruosidade qualquer, ou na deformação da cabeça e da face, ou na sup- pressão dos braços e per- vas ou nas protuberan- cias dorsaese Lhoracicas, proprias dos corcundas. Entre estes phantasticos Ornato de um vaso de Pacoval. Red a 4. personagens, muitos dos quaes se nos: deparam com feição de quadru- pedes de longas orelhas «recortadas ou felpudas, encontram-se, entretan- to, typos naturaes ou verosimeis de diversissi- Ornatos de dous vasos de Pacoval. Red. a 2%. mos povos, q ue será bem Cabeça de idolo de Pacoval. Red: a dificil dizer-se em que paizes habitavam e a que edade da historia hu- V. vI—SO 9148 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL * mana pertenciam. Uns reproduzem o mais bello orthognathismo em fa- ces venerandas de chefes idosos, sacerdotes talvez, cujas cabeças calvas são adornadas de um pequeno gorro, sob o qual ou por cima do qual Cabeças em terra cotta de idolos de Marajó. Red. a primeiva à 1/2 e as outras a 4/5. nota-se uma especie de pente e talvez um simulacro de corôa ou de resplendor. zido todos os graus de deformação craneana dos Mayas, dos Cambe- bas (1) ou Umaguas, ( palavra que bem pó- de ser uma corrupção de Maya), dos Ayma- ras e de outros povos que ltnham por pre- ceito o achatamento do craneo dos seus recem-nascidos (2). Outros, menos correctos e de perfil menos nobre, são ainda cobertos por um barrete que lhes protege a cabeça até a região occinital, e que é debruado por uma orla cylindrica em relevo, mui semelhante à dos barretes cardinalicios. A maior parte, porém, apresenta" notavel pla- tycephalia em que dir- ' -“hi: "PNPO E Cabeca em terra cotta de um idolo se-hia terem reprodu MEMO Red Aa As figuras mais singu- (1) Cambebas ou antes Acangapebas: de agang, cabeca; e peba ou péua, chata, (2) A compressão do craneo era usada em quasi toda a America, desde os Tehuelches, na Patago- nia, até o extremo norte. Os mound-builders comprimiam o occipital e o frontal desde a tenra edade do individuo, o que-.dava 20 craneo uma fórma especial. Na Asia, na Africa e na propria Europa primitiva este uso era commum, e Retzius pensa que pelos Mongões foi trazido provavelmente para a America. ARSHNVOS D) MUSEU NACIONAL 319 lares são as que representam, a meu ver,os sacrifices ou chefes de alta Cabeça em terra cotta de um idolo de Santarém (coll. Rhome). Gr. nat Vaso de terra cotta, pintado de linhas vermelhas em fundo branco, representando uma mulher no acto de alimentar-se (?) Red. a 2/5. gerarchia. Os mais característicos destas figuras são adornos anthropo- 320 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL morphos implantados em alto relevo sobre a borda de alguns vasos, de modo que a face do persona- gem é volvida para o centro do vaso, como se vê nos artefactos ceramicos dos mounds dos val- les do Mississipi e do Ohio e na maior parte da louca pre- colombiana de toda a America. O vaso, neste caso é, por assim dizer, o corpo espheroidal do proprio individuo, que pelo seu caracter mystico deve transmit- tir às substancias de que é repo- sitorio a cavidade do seu ven- tre, propriedades divinas. Um dos mais notaveis arte- factos que conheço neste genero é um vaso exhumado d'entre as antiguidades de Catamarca, na região occidental da Republica Argentina. Este objecto, que per- O mesmo vaso da fienva anterior visto de frente: tence ás collecções do Museu Anthropologico de Buenos Ayres, a cujo distincto director,o meu amigo Dr. Moreno, peço desculpa de aqui reproduzir tão interessante curiosidade archeologica (1), figura uma mulher suavemente adormecida entre sonhos deleitosos, naturalmente despertados pela substancia narcotica, inebriante ou aneslhesica, depositada no concavo do vaso, que é o seu proprio corpo e da qual sorveu uma porção que levou aos labios; pequenina porção de certo, mas bastante a adormecer aquella mulher talvez divina ou magica. Um moderno fabricante de elixir de longa vida ou de sonhos celestiaes não teria escolhido na propria fôrma dó frasco, repo- sitorio do seu maravilhoso invento, um reclamo nem mais altrahente nem mais persuasivo. Busto de um sacrifice implantado n'um vaso de Marajó. Ur. nat 1) Em algumas dezenas de objectos archeologicos, de terra cotta, de porphyro, de granito e sobre- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 321 Estas cabeças, às vezes, são egualmente adornos de bellissimos vasos, cujo alto relevo torna-os, pela perfeição da esculptura. e pelo grandioso estylo que lhes deram, primores artísticos dignos de figurarem ao lado dos que a arte antiga conseguiu fazer na Grecia, no Egypto e em geral nos centros de desenvolvimento artistico entre os antigos povos mediterraneos. Nas estampas XV e XVIda col- Jecção de cabeças comparadas encontram-se as mais notaveis physionomias deste grupo. Outro typo não menos curioso é o que se aciia exhibido nas estampas XILe XIV da mesma co!- lecção. São individuos adornados de uma êspe- cie de diadema em Ífórma de crescente e alguns elegantemente esculpidos. Muitas d'estas cabeças pertencem ao sexo feminino. O diadema neste caso é antes um pente, por traz do qual vê-se o cabello dividido ao meio, desde o logar occupado pelo ente, no alto da cabeca, até à nuca. Cabeça em terra cotta de idolo do LE ER ça ra De RA Y E sexo feminino. Gr. nat. Tres cubecas deste grupo são completamente achatadas no sentido an- tero-posterior do craneo, como se fossem simples mascaras. Esta é uma das fórmas convencionaes mais interessantes da esculptura e da ceramica entre os antigos povos americanos. Nas collecções archeologicas de Calamarca encon- Idolo em terra cotta platyce- Cabeça em terra cotta de um idolo de Catamarca, visto phalo de Marajó. Red. a 1/3 de perfil e de face. Red. a 2/3. tudo de esteratito, que possue o Museu Anthropologico de Buenos-Ayres, eque eu tivo a fortuna de copiar quando alli fui graciosamente acolhido pelo seu digno director, nenhum me pareceu mais singula nem mais delicadamente modelado que este vaso. Nos outros que me pareceram urnes funerarias e que ti- nham a mesma fórma e a mesma face humana do gesicitsurnen. 3 da Est. V A do fim d'este volume, cncontrci traços analogos aos das urnas de Marsjó. V. vi---Sh 322 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL trei uma cabeça de terra colta assim esculpida, à semelhança de algumas que possue o nosso Museu Nacional. Mas não é sómente a America que apresenta este typo de configuração humana. Na Polynesia, que tantas correlações ethnologicas manifesta ter com o Novo Continente, tem elle sido en- contrado, tornando-se sobretudo mui notaveis as cabeças gigantescas da ilha da Paschoa que apresentam esta mes- ma singular disposição (1). Ornato de um vaso de Marajó. » ba Red. a 4]5. Os sacrifices ou grandes chefes sagrados dos vasos de Marajó dir-se-hiam envolvidos em uma especie de véu tenue como gaze, tão vaga é a saliencia do nariz e dos supercilios e tão mal distineta ap- parece a bocca. Pode, porém, ser essa particulari- dade devida à acção da terra em que muitos se- culos havia se achavam no interior do mound estes objectos. Como quer que seja, são individuos ornados de elevadas mitras ou tiaras orientaes, li- geiramente inclinadas para a frente, como o bar- rete phrygio. Alguns d'estes capacetes têm pen- dente da base e do lado posterior, cahindo-lhe so- bre as costas, uma cara humana (2), honroso tro- phéu, talvez semelhante ao que é muito usado pelos maiores chefes dos indios Jivaros ou Jivéros do Equador, o qualnada menos é do que a cabeça mumificada e reduzida do chefe inimigo, morto às mãos de quem mais tarde a ostenta orgulhoso, de- Busto de sacrifice ornamental de um vaso de Marajó. (1) Para MM. Park Harrison e Hyde Clarke, que acreditam ter sido a civilisação andina ou inca- sica transmittida da India pela Polynesia austral e em particular pela Ilha da Paschoa, eis ahi mais uma prova em abono da sua supposição : «Póde-se inferir que as primeiras migrações, as das raças ca raibas, passaram pelo Estreito de Behring, e que as ultimas, as dos Sumerios, passaram pelo Pacifico e pela Ilha da Paschoa.» Iyde Clark, Researches in prehistoric and protohistoric comparaiive phylologr muythology in connection with the origin of culture in America and the Accad or Sumerian familhes. (2) Entre os diferentes povos da America é tradicional a apparição, em epochas remotissimas, de um cenobita ou ascetico personagem, catechista e reformador, de côr branca e de habitos talares negros ao qual se dá em toda a America austro-oriental o nome de Tsuma, Tuma ou Sumé; na Venezuela e na Colombia o de Bochica, e tambem Suheê; no Mexico e em quasi toda a America Central o de Quetzaleoatl, e, finalmente, no Peri o de Viracocha. Estes varios typos bem se poderiam fundir numa só: entidade, personificação divina a que não é possivel dar nenhuma fórma definida, e” para a qual, ARCHIVOS DO MUSEU pendurada nas costas, a par com outros ornatos. Entretanto, as figuras de terra cotta a que me refiro, não têm nem braços nem pernas. A cabeça e à região su- perior do Lhorax, eis toda a parte da sua individualidade visivel ou distincta. Não menos interessantes são as cabeças cobertas por pequena ca- lotta oriental, se não é antes esta calotta a trança de cabellos enro- dilhada no alto da cabeça, como a trazem ainda hoje os chinezes. Alguns dos ty pos da collecção de cabeças comparadas, reproduzi- das principalmente na estampa II, offerecem alguns destes ca- racteres. Busto em terra cotta de sacrifice, visto pelas costas para mostrar a cabeça de um inimigo, pendente do gorro, como trophéu. em vão se procura ha mais de tres seculos uma encarnação que se filie racionalmente a algum povo ea Chefe jivaro, tendo a cabeça mumificada (chancha) de um inimigo, pendente cobre as 1 NACIONAL 52 costas, por cima de um adorno composto de tibias de aves penaltas. 324 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL A estatueta mais distincta e ao mesmo tempo mais expressiva d'esta es- pecie é a que figura uma especie de Polichinello, de physionomia chineza, “com a dupla protuberancia tho- racica e dorsal do corcundismo. Esta estatueta, que eu mesmo desenhei sobre o bloc de ma- deira em que devia ser gravada, afim de conservar-lhe todos os seus traços caracteristicos, é um primor de expressão e de natu- ralidade, ainda que me pareça mui difficil afirmar se as salien- cijas.que ahi figurei por malares assim devem ser consideradas ou por ólhos com mais razão havi- das A mim se me afiguraram ser os verdadeiros malares desta es- Polichinello em terra cotta, tatuado de linhas vermelhas tatneriou eo o E Leio em fundo branco, encontrado em Marajó. Gr. nat. sumpção representei-os. Em duas cabeças, entretanto, em que esta amphibomorphia se me deparou, força é confessar, os malares em tudo idénticos aos deste corcunda, tinham a fenda dos olhos tal como nol-a representam alguns especimens da. collecção das cabeças lithographadas nas estampas ue atraz examinamos. Ao Jado dos typos acima descriptos, surgem as cabeças phantasticas dos capricorneos e longi- auriculados em que se encentram variadissimas expressões physionomicas e ao mesmo tempo fór- mas mui diversas nos appendices que as espe- ' cabeçaorm. de um vaso de Marajó. Gr uma epocha qualquer. Seja como fôr, porém,o mytho existe, e todas as individuações de caracter sacerdotal, representadas na tradição oral ou gravada e esculpida, têm uma certa tendencia a copiar esse individuo, que se figura sempre vestido de uma tunica e coberto por um capuz ou por um véu,e muitas vezes por nma horrorosa mascara allegorica. Os tecunas, que habitam o Alto Amazonas, nos limites do Brazil com o Perú, empregam ainda hoje em festas, que nada mais conservam das antigas ceremonias de seus ascen- dentes, tunicas e horrendas mascaras, que elles fabricam da camada cortical do tauari, do genero Coura. tari, e que nada mais são do que a representação das vestes dos antigos proselytos ou sectarios de Bo- chica e Quetzalcoatl. Cabe-me a este respeito accrescentar que os tecunas são indigenas oriundos das Cordilheiras do Equador ou antes da Colombia, onde em eguaes cereimonias assim se vestiam em honra à memoria de Bochica. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL . SS cificam, tão singulares e tão estranhos á fórma humana, que não é dado Cabecas ornamentaes de vasos de Marajó. Gr. nat. dizer se são homens com similes animaes ou se animaes com approximações à feição humana. Cubecas ornamentaes de vasos de Marajó. Gr. nat. Em seguida aos typos já mencionados, não pódem ser omittidos os gro- lescos personagens, que apresentam a mão unida à face, ou na attitude de re- V. vi—S2 Et 26 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL pouso, ou no movimento de quem se alimenta, levando à bocca a substancia Cabecas ornamentaes de vasos de Marajó. Gr. nat. alimenticia (se não se trata aqui de um caso de egual natureza à do vaso de Ca- tamarca, figurado a pag. 320 321),ou finalmente parecendo las- 7 , acta n Cabeça ornamental. Gr. nat. ty pos d este Srupo. Figura ornamental. Gr. nat. A maior parte das ur- nas funerarias é caracte- risada pela configuração do corpo humano. Dir- se-hia ter havido empe- nho em representar pela E À Idolo em terra cotta de Marajó. fórma do vaso continente Red. a 4/5 timar a morte de pessoa querida, em cuja urna funeraria foram provavelmente esculpidos com esta significação. A Est. XVII da collecção de cabeças comparadas exhibe alguns dos mais distinctos Figura ornamental. Gr. nat. as qualidades, importan- cia e sexo do individuo cujos ossos lhes são con- teúdo. E entretanto, ain- da nestas urnas que de- vem reproduzir a fiel ex- pressão do morto; im-. misculu-se a phantasiosa imaginação dos nossos artistas ou antes das nossas p ginaç ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL SD artistas, ainda que me sinta disposto a acceitar estas Íórmas insolitas, antes por via de preceitos tradicio-' naes do que por devaneios arbi- trarios. Alguns destes vasos são bifrontes, (1) apresentam a eli- minação dos braços e pernas ou, em logar d'estes membros, mos- tram objectos convencionaes, ou as fórmas rudimentaes dos mem- bros que estão ahi a substituir. O vaso cuja cabeça está figurada sob o numero 4 da estampa XIX da collecção de cabeças compa- radas e cujo corpo inteiro é repre- sentado na figura desta paginalé a imagem de uma mulher provavel- mente de alta gerarchia entre os mound-builders de Marajó e es- pecialmente do Pacoval, onde foi achado. Seria tatuada natural- mente ou deu-se-lhe essa dis- tincção ornamental im efigie uni- camente por algum respeito con- vencional fundado em crenças religiosas? E” assumpto este de certa importancia e que se filia a considerações de que me terei de occupar ulteriormente. Vaso anthropomorpho ornado de relevos e gravura e pintado de linhas vermelhas em fundo branco. Achado em Marajó. Red. a T|5 Outro vaso não menos interessante, senão de muito mais alta valia, é o que me coube a fortuna de encontrar exhumado, de poucos dias apenas, na choça do pescador que habita a ilha do Pacoval. Este vaso funerario, de fórma quasi espherica, representa unicamente, por meio das pinturas de côr vermelha e de- brum quasi negro em fundo branco, um grande chefe tendo as mãos tridigita- (1) O dualismo oriental tem d'estes similes na archeologia americana; será mais uma prova ou base de conjectura, ao menos, em favor da influencia do dualismo do Zend-Avesta e de Zoroastro sobre as crenças e imaginação dos nossos primitivos aborigenes ? E' cedo ainda para resolvel-o. 328 Ê ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL das, abertas sobre o ventre, separadas uma da outra como que para deixar a Urna funerar 1 vermelhas'e de côr escu 1 fundo br Red. a ra Reprodicção e 1 descoberto uma especie de esci bo mio ode cá a oia ar, O aiii al pende do pescoço ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 329 do imaginado personagem e occupa no meio do abdomen o espaço deixado en- tre as duas mãos. Estes mesmos braços e escapulario estão pintados no lado | opposto com admiravel identidade. Acima e abaixo do espaço occupado pelos braços, mãos e escapulario, avistam-se muitas e regularissimas fileiras de ca- ras que, a meu ver, representam ou a genealogia do individuo qu a população da tribu de que elle era chefe. O que mais é digno de menção, neste particular, é que estas fiadas de caras estão collocadas alternadamente umas para cima e outras para baixo, com grande regularidade. O vaso já não tinha a parte.cor- respondente à cabeça do individuo, se é que Ih'a deram ao fabrical-o. A proposito de figuras convencionaese do modo por que se enterravam os individuos cujos cadaveres, como já o disse eu, eram inhumados na planicie e cu- jos ossos unicamente, em suas respectivas urnas,eram confiados ao seio da collina sagrada, cabe-me aqui ponderar que de par com todos os typos diversissimos, r Led . Idolo-maracá, em terra cotta, ornado de linhas verme- Idolo em teta codtal de Pacoval, conservando lhas sobre fundo branco, extr. do Pacoval, Red. a 4/5 vestigios de antiga pintura. Red. a 4/5 a que acima alludi e que: dão aos mounds de Marajó um caracter de cosmo- politismo de inaudito desenvolvimento, encontram-se duas figuras quê parecem representar antes mumias do que individuos vivos. Ora,até hoje em o extremo norte do Brazile particularmente no valle inferior do Amazonas, não se encontrou, que eu o saiba, vestigio algum de mumiticação, V. vI—83 330 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL . salvo a mumificação das cabeças dos inimigos dos mundurucus, que estes pre- param e conservam durante algum tempo como trophéus. Aceresce que, pelo aspecto e pela posição do corpo sentado, estas duas fi- | guras de mumias lembram os cadaveres mumificados da Bolivia e Perú, das quaes temos no Museu Nacional dous magnificos exemplares. E” verdade que uma das duas alludidas figuras mumiformes tem tão vagos traços humanos que pódem simular ao mesmo tempo o embryão de alguns animaes e especialmente das aves; mas além de que ha ahi uns relevos que denunciam os braços do in- dividuo anthropomorpho, ea cabeca monstruosa póde ser o simile de algum. typo convencional, a posição é em tudo identica á da outra figura da mesma especie e cujos caracteres humanos não padecem duvida (1). Cabeça de um vaso anthropomorpho de Maracá. Os vasos mais ou menos unifor- mes das grutas de Maracá, aos quaes alludino capitulo II, apre- sentam, é certo, alguma cousa de Cabeea opercularx de urna funeraria anthropomorpha commum com os de Marajó, mas de Maraca. Red.a 1/4. caracterisa-os e distingue-os dos vasos d'esta ilha a sua completa anthropomor- phia. Na tampa é que está a cabeça do personagem e esta tem em todos os vasos à mesma cara, o mesmo toucado a lhe cobrir'as orelhas e o mesmo disco plano no alto da cabeca. A differença consiste unicamente em que o referido disco ora é coberto de pequenos aculeos ou protuberancias mamillares conicas, ora é liso, (1) Póde ser tambem que cada uma d'estas figuras represente uma criança envolvida nas fachas da primeira infancia. Seja como fôr, devo acerescentar que destas figuras a que pela fórma da cabeça não deixa hesitação sobre a sua significação humana, é um idolo-maracá: divindade perfeitamente abo- rigene. Este idolo é ôco de cima a baixo, tendo um orifício na base, pelo qual eram introduzidas as pe- drinhas ou sementes destinadas ao chocalhar do Maracá, em sendo este agitado pelo Payé. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 391 mas tendo na borda, e do lado posterior, um adorno em alto relevo, que não é “mui facil determinar o que seja. Na colleeção E cabeças com- paradas (estampa XVIII) estão figurados alguns especimens, que nada mais são do que os garga- los de vasos, cujas fórmas e di- mensões se desconhecem, Cabeça opercular de urna funeraria de Gargalo de vaso anthhropon oipho de Marajó. Maracá. Red. a 1/5. À Red. a 2/3 Será indispensavel continuarmos a fazer es- cavações no Pacoval e nos demais depositos de vasos antigos de Marajó, até que se possam verifi- car alguns problemas de certo interesse para es- clarecimento da archeo- logia d'aquella região. Entre estes pontos cu- riosos, ha vantagem em que se tenha sciencia da fórma d'estes vasos, tão communs na antiga ce- ramica do Perú e da Bo- livia, e tão frequentes Gargalo de vaso anthropomorpho de Marajó, ornado de gravuras e de linhas vermelhas em fundo Cateza de vaso anthropomorpho de branco. Red. a 14 Marajó. Gr. nat. 332 “ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL" entre as antiguidades dos mounds do Mississipi, do Ohio e do Missouri (4). Pertence-nos tambem evidentemente esta lôuça, que tão bem caracterisa a cera- mica quichua. Nós temos, entre as nossas antiguidades de Ma rajó, vasos de garga- ) los anthropomorphos, e a prova são oito exemplares existentes nas colleeções do Museu Nacional. Convém, porém, estu- dar estes vasos na sua fórma completa; convirá, sobretudo, comparal-os com os das regiões andinas, mas falta-nos ainda para isso o necessario material. Uma das questões mais importantes de que se têm occupado os america- nistas, e à frente d'elles o illustre Hum- boldt, é o saber se havia effectiva e posi- tivamente na America o culto do Phal- lus. (2) Depois das pesquizas do célebre auctor do Cosmos, que se admira de não haver apparecido entre os hierogly- phos mexicanos o menor vestígio do Gargalo de vaso anthropomorpho de Marajó. Dadas A: culto do Lingam, alguns ethnologos des- (1) Os mounds do, Missouri são os que maiores analogias ceramicas apresentam com os mounds de Marajó. Se algumas correlações mais estreitas houvermos de descobrir algum dia entre os mound-buil- ders de Marajó e algum povo da America primitiva, nas margens do grande Mississipi ou de algum de seus afluentes, estou quasi certo que existiu esse povo. - « (2) O culto do Phallus, no Egypto, é analogo ao do Língam na India, onde, segundo as tradições colhidas no Siva-Purana e no Kasi-Kanda por Hamilton, William, Jones, Schlegel e oútros anctores mais modernos, esta entidade mythica é adorada desde a mais remota antiguidade. Humboldt não havendo encontrado indício algum do culto phallico entre os mexicanos e baseando-se nas observações de Lan- glês Recherches asiatiques, Tom. 1), a respeito do horror que experimentam cs Vaichnavas ou sectarios de Vichnú, à vista d'este emblema da forca productora, venerado nos tempos de: Siva, exclama ; «Ne pourrait-on pas supposer qu'il existe également parmi les Boudhistes exilés dans le nordest de TÁsio une secte qui rejette le culte du Lingam et que c'est de ce Boudhisme épuré qu'on retrouve quelques fai- bles traces parmi les peuples américains ?»—Vues ces Cordillêres, V. 1, pg. 276. Os documentos aqui representados, se os conhecesse o illustre naturalista, poupar-lhe-hiam o trabalho de desnecessarias e agora mal cabidas conjecturas. 2 Voltando ao symbolo do Lingam,que é o mesmo Phallus egypcio na India,e que se diz haver sido o prototypo d'este emblema mystico do Nilo,sabemos ter elle .entre os hindus tão elevado culto que só por si representa a famosa trindade indica, fazendo parte essencial da theogoniã d'aquelles povos. -Ouçamos-lhes o livro sagrado, onde mais claro se nos diz o que era este divino mytho: «Quando os quatorze mundos se crearam com o eixo que os atravessa acima do monte Kailaca,então surgiu sobre o cume deste monte o triangulo yony e dentro do yony o Lingam. Este Lingam,ou arvore da vida,tinha tres cascas : a-primeira ea externa, era Brahma, a média Vichni, a terceira e a mais oceulta Siva. Quando os tres deuses se desligaram, só ficou no triangulo o tronco desnudado, desde então entregue aos cuidados de Siva». ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 333 cobriram, é certo, indicios deste culto nos monumentos deixados entre os povos mais adiantados da America e em particular pelos Mayas, mas podiam ser in- dicios casuaes, e d'estes estão, infelizmente, a dar-nos testemunho, todos os dias, as investigações ' dos americanistas, demasiado sofregos por: acharem estreitas correlações entre o Velho e o Novo Mundo. ; “Nas antiguidades dos mounds de Marajó, são numerosas as figuras que representam o Phallus. Se a phallolatria alli realmente existiu, não é permittido affiançal-o. Os qownd-builders de Ma- rajó, não me cdnçarei de repetil-o, afiguram-se-me individuos que houvessem guardado lembranças vagas de um Jongique passado, de que não sabiam dar esclarecimentos positivos. A ornamentação dos seus vasos, as physionomias dos seus idolos, a re- presentação esculpida ou pintada de seus symbo- los ideographicos e talvez hieroglyphicos, os tóu- cados de que revestiam as cabecas de seus per- sonagens, bem como as vestes simuladas por al- Phallus em terra coita dos mound- gUMas figuras, tudo isso é um amalgama im- builders de Marajó, Red. a 8/10 mansamente heterogeneo, uma grande mescla, uma especie de eclectismo theogonico, em que se enxerga a tradição de uma remota nacionalidade superior, a pouco e pouco fundida ou. incorpo= Adorno phalliforme de um vaso do mound de Pacoval, sem.mais vestígios de pintura. Red. a 2/3 | rada em povos menos adiantados e atravez de paizes diversos, se antes não é uma natural degeneração realisada in situ € motivada pela separação absoluta V. vi--84 334 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL da antiga metropole, ou pela adaptação irresistivel e fatal aos meios de exis- tencia, ou pela morte d'aquelles que, entre os povos antigos, eram a tradição viva, os mantenedores do saber e da pratica, e os arbitros dos: destinos dos seus. irmãos. ; Adorno phalliforme de um vaso do Pacoval, com restos de pintura. Red. a 2/3. O Phallus, portanto,era representado em Marajó sob as suas diversas fór- mas mythicas: mas dar-se-hia, porventura ainda alli, à sua primitiva divin- dade algum vislumbre de culto ? Ninguem, na - carencia de provas inconcussas, o póde asse- verar. Observo apenas que, além do Phallus representado na sua configuração natural, da mesma sorte por que é representado qualquer dos idolos completamente independentes dos vasos, temos mais o Phallus ligado à borda de alguns destes vasos, nas mesmas condições em que já descrevi personagens de caracter e de at- tributos divinos. Do que se poderia deduzir uma tal ou qual veneração dos mound-builders de Marajó a esta divindade tão alta, e tão geral- mente adorada entre os povos das costas e ilhas orientaes do Mediterraneo, assim como no Industão e na China. Uma singularidade refe- iblophalamorho mta coa. Fate Tente à este assumpto, e que teve tambem gios de antiga pintura. Red a 415 exemplo na antiguidade, é a da personifica- ção desta entidade ideal, como se não satisfeitos da fórma propria do ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 359 objecto venerado, os seus adoradores lhe quizessem dar um caracter de indi- vidualidade humana,sem, comtudo, alterar-lhe demasiado a configuração real. Só assim posso comprehender por que e como diversas gradações são encontradas na representa- cão desta, queeu chamarei entidade divina, desde a sua absoluta e perfeita imagem natural, até às fórmas em que ella simula um individuo humano ajoelhado ou sentado sobre os pés. Se se examinar com attenção uma destas figuras, que, de. quan- tas possue o Museu Nacional, é a mais perfeita individuação do Phallus, verificar-se-ha que a ca- beça, por exemplo, reunindo muitos traços phy- sionomicos, convencionaes dos idolos humanos de Marajó, havia sido habil e engenhosamente modelada, de tal modo que nem a saliencia do nariz e das orelhas, nem a extensão normal do pescoço podessem causar qualquer desvio ao fim objectivo que tinha o esculptor (1). Os braços, por seu lado, que viriam perturbar as mesmas vistas do esculptor, foram supprimidos e os pro- prios joelhos, ligeiramente approximados um do tera cod, pintado de outro, longe de desvirtuarem o, ideal do enge- Usres nhoso arlista, tomaram, na posição em que se acham, a verdadeira fôrma dos orgãos appendiculares que deviam reproduzir e fizeram assim mais. verosimil toda a individualidade plastica do Phallus. Conviria agora verificar se outros personagens sem os membros thoracicos e abdominaes e unicamente representados pela cabeça sobreposta a um corpo alongado e outras vezes espheroidal, figurando o tronco, devem ser considera- dos como simulacros do Phallus ou não. Não insistirei neste ponto, deixando a apreciação do leitor que por si. mesmo decida. Na collecção extrahida dos Tdolo phallomorph o linhas vermelhas é atravessado por 1) Sobre a fronte d'esta cabeça, cuja physionomia representa dignidade e poderio, estão pintados em fundo branco dous triangulos de côr vermelha: um sobre cada arcada superciliar. Estes dous triangulos, mais visiveis na figura central da Est. IV do fim d'este Vol., poderiam, sem grande esforço, representar o yony, que tem com o Lingam a maior afinidade, e que é o emblema da trindade hindú, sob o aspecto do dualismo a que me referi em nota anterior; mas, insisto em declaral-o, todas estas similitudes pó- dem induzir-nos a graves equivocos, aos quaes prefiro limtar-me às reservas de uma espectativa que não deve ser havida por hostil aos que me levam larga dianteira no curso das hypotheses e das des ducções audazes - 336 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL mounds de Marajó ha com effeito estatuétas que,simulando o Phallus pela fórma da cabeça e do corpo cylindrico adaptado ao simulacro que parecem ter tido .. Idolos phallomorphos em terra cotta de Pacoval, pint «dos de branco, tendo na altura do%pescoço o mesmo orifício do da pagina antecedente. Gr. nat. por fim figurar, não apresentam comtudo os orgãos appendiculares dos “dous principaes personagens phallicus da mesma collecção e aqui figurados. Idolos phallomorphos (?) do sexo feminino, em terra cotta, de Marajó. Gr. nat. A personificação do Phallus induziu naturalmente os individuos que o veneravam a darem-lhe ou attribuirem-lhe.todos os predicados de uma perfeita authenticidade humana e pois não é de admirar que o houvessem imaginado ca- paz de ser representado em ambos os sexos, como sabemos que o idealisaran ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 337 outros povos. Tem esta circumstancia,além disso, uma certa anaiogia com o que se observava em Babylonia relativamente ao mesmo culto. Ptolomeu e Alexandre Polyhistor dizem que n'aquella cidade havia no templo de Belus uma imagem phallica de duas cabeças: uma de homem e outra de mulher, e com Idolo phalloide do sexo feminino, com linhas gravadas. Red. a 1/9. os orgãos reproductores de ambos os sexos. A mesma reunião dos dous sexos no mesmo idolo phallico encontra-se egualmente na India, e é natural o apre- sentem todos os povos que veneravam a força geradora do Universo e a um tempo o dualismo que se prende tão intimamente a um poder que tudo rege. (1) Este androgynismo é caracteristico do Lingam, representado no seu dualismo. Tenho quasi certeza de que novas e mais acuradas escavações que se fa- cam em outros pontos da America nos patentearão emblemas phallicos dos mesmos caracteres dos de Marajó. Na California, em Costa Rica e em Chilico- the (1) imagens phallomorphas hão já sido achadas. O P. Kircher e Brancroft affirmam representar perfeitamente o Phallus certa fôrma de adorno, algumas vezes representada na ceramica do Perú, e se nos reportarmos ao consciencioso Stephens, diz-nos elle que em muitos templos (1) Os Siva-Baktas, ou sectarios de Siva, costumam trazer por emblema da casta ou da profissão d'elles, a imagem do Lingam; não, porém, na fórma simples e natural deste symbolo do poder creador, mas figurando verende partes utriusque sexus in actu copulationis,para que mais à justa ou mais signi- ficativamente represente o phenomeno á que se liga tamanha veneração. E' mister acerescentar que a idéa de impudicicia é de todo o ponto estranha ao aspecto d'esse objecto divino. A isenção de qualquer pensamento impuro diante do symbolo da suprema essencia divina está, assim no espirito dos que o trazem ao pescoço ou preso ao cabello, como no espirito dos que acertam em encaral-o. (1) Hywood— Natural and aborigenal Hist. of Tennessee, p. 115. V. vi—85 338 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL do Yucatan alguns adornos monunientaes figuravam: membra conjuncta im coitu. A contribuição que aqui trago, tão sómente para a elucidação do assumpto e não por querer,systematicamente, encontrar filiações de praticas americanas no antigo continente, não tardará, espero, em ser acompanhada de novos ele- mentos que mais esclareçam este facto. Entre os vasos pintados e mais notaveis dos mounds de Marajó alguns existem que exhibem o Phallus em logar conspicuo entre árabescos de espe- cial configuração. Estes Phallus são pintados de vermelho uns e de côr muito escura outros. Os arabescos que os emmolduram são de tal modo delineados, que mui propositalmente conservam os claros em que se acham pintados os emblemas da força geradora. E de tal feição são estes claros, em relação aos arabescos e aos proprios Phallus, que não fôra facil averiguar se primeiro fo- ram estes pintados,ou se antes a graciosa urdidura de linhas enrediças em que se acham envolvidas estas figuras mytlhicas. Iy Fórmas plasticas. —Esculptura e pintura da ceramica de Marajó. — À face humana ora escul- ! I pida, ora pintada, servindo de base à ornamentação ceramica. — Typos zoologicos que mais dominam na arte decorativa dos vasos.— Ausencia quasi completa do reino vegetal na or- namentação. São extraordinariamente variaveis as fórmas que os mound-builders mara- jóenses modelavam na fabricação da sua louça. E aqui muito mais do que em outro qualquer dos trabalhos da ceramica d'aquelles povos, é difficil esta- belecer medida ou termo de comparação em que se possa fixar um ensaio sequer de coordenação systematica. O que se evidencia do exame dos muitos vasos de Marajó, existentes no Museu Nacional, é que se todos não foram pro- positalmente fabricados para urnas funerarias, a razão está em «ue de alguns parece que com este fim se Jançou mão uma ou outra vez, quando circumstan- | cias fortuitas haviam impedido o fabrico antecipado da urna sacramental. Mais provavel, entretanto,me parece que todos os vasos tomados para de. positos de ossos, fossem effectivamente e intencionalmente preparados como ur- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL “339 nas funerarias cujas fórmas e ornatos varios representam, na diversidade que lhes é peculiar: as qualidades dos fallecidos, as familias a que pertenceram, o apreço em que eram tidos e muitas outras circumstancias determinativas, de que impossivel nos fôra agora ter cabal e exacto conhecimento. O que é caracteristico em todos estes curiosos artefactos é o adorno gra- phico, especie de historia necrologica representada por um sem numero de fi- guras hieroglyphicas, entre as quaes sobresáem tantas e tão diversas caras hu- manas. Era costume tambem,e supponho que até preceito, inhumarem-se, com os ossos do individuo fallecido, differentes objectos indicadores da natureza do morto ou pelo menos significativos dos sentimentos d'aquelles que os estima- vam. (1) Explica-se d'este modo a presença no interior da urna funeraria de pe- quenos vasos ou de adornos, que bem parecem haver pertencido ao morto. O que é facto mui positivo é que os formosissimos ornatos que serviam de Folium vitis às Evas de Marajó sempre os encontrei dentro das urnas em que haviam sido depositadas ossadas de mulher. As urnas mais ricas, ou pela esculptura,ou pela pintura, eram ordinaria- mente enterradas, ou dentro de potes grosseiros, ou envolvidas por grandes fra- gmentos de vasos de fabrico inferior ao dellas, precaução muitas vezes inutil, porque raras vezes hão sido encontradas inteiras. Muitas d'estas urnas, e creio Urna funeraria de Pacoval com a respectiva tampa. Red. a 1/9 (1) Nos tumulos de alguns pontos da America do Norte os vasos exam collocados consoante pres- cripções rituaes, ora ao lado da cabeça,ora aos pés do cadaver. W. P. Potter, Arch. Remains àn S. E. Missouri, Saint Louis, Acad. of Science, 1880. 340 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL mesmo que todasellas, tinham um texto ou operculo cujas abas mui largas me induzem a presumir haverem sido destinadas a proteger o proprio vaso, porque se estendem muito além da borda deste. Acredito, porém, que esta mesma cir- cumstancia apressava-lhes a fractura,de modo que mui raros operculos me foi possivel exhumar que não estivessem reduzidos a pequenos fragmentos e mais frequentemente ao só corpo central (1). Estas tampas eram, entretanto, a parte da urna à que pareciam ter ligado a maior importancia e dado particular signi- ficação. A urna funeraria, ou seja esculpida, ou seja pintada exteriormente, nenhum adorno apresenta do lado interior. O operculo, ao contrario, Urna funeraria, de Santa Catharina, toscamente esculpida na face exterior e lisa na interior. Red. 1/9 raras vezes é ornado pelo lado externo, e se qualquer adorno ahi existe é de gravura, consoante a que n'esse caso exorna a superficie da urna. Os adornos mais communs do operculo são pintados como é pintada fre- Tampa de urna funeraria, voltada, para deixar ver os ornatos da face inferior. (1) O corpo central de uma tampa d'estas urnas funerarias foi descripto e figurado como vaso nos Ensaios de Sciencias. Appendice, pag. 17, Est. VIL fig. 7. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 341 quentemente a propria urna. Entretanto, a, louça pintada de ordinario é lisa e resiste por isso, muito menos que a louça gravada ao contacto da terra humida. Raros são os vasos pintados que havemos logrado extrahir inteiros do mound de Pacoval, e esses são os que tinham sido envolvidos em grandes fragmentos de vasos Higos que lhes serviram assim de abrigo. Uma das urnas mais bellas d'este genero é a representada na fig. 1 da Est. I, no fim deste Vol. Sobre o collo ou gargalo, cuja borda foi destruida, ha uma face humana sem grande significação para a urna, visto não occupar sequer a linha central do adorno que é o seu principal emblema. Este adorno que, à primeira vista, afigura-se-nos um capitel jonico, é antes a representação convencional e um tanto exagerada da cabeça de um insecto hymenoptero, de uma abelha ao. que presumo, pelo que, em outros ornatos mais completos da ceramica de Marajó, me ha sido possivel observar. A fig. 2 da mesma estampa representa um vaso a um tempo nm e pin- tado.O estylo, assim da pintura como da mesma fôrma do vaso, é neste specimen o mais commum da louça do Pacoval. São louzangos de côr escura quasi negra, nos quaes estão inscriptos symbolos cruciformes representando, ao que supponho,em consentaneidade com a ideographia dos primitivos povos, emble- mas de cidade, como nos hieroglyphos mexicanos. Os vasos ns. 3, 5 e 6 são adornados.de pinturas subordinadas tambem a um systema especial de linhas gravadas, que estão de alguma sorte delimitando o espaço em que o pincel do pintor devia estampar a ornamentação prescripta. Este ornato,ainda que apre- sentando-se especial em cada vaso, é no seu aspecto geral o mesmo para todos tres, e resente-se do caracter que synthetisa a arte graphica dos mound-builders de Marajó, como já a defini n'estas Investigações: uma escriptura vagamente symbolica de quem se houvesse olvidado da maior parte dos caracteres convencionaes aprendidos, e que, para supprir o que lhe não transmittiu mais clara ou menos defectiva a tradição de seus remotos antepassados, inter- poz o que de sua imaginação lhe pareceu mais approximar-se da fórma tradi- cional. Assim é que no vason. 3 o adorno geral muitas vezes repete a. figura convencional, ao que eu supponho,de paiz,de região determinada, como a tentar substituir com a insistencia o que lhe fallece pela sciencia. Nos dous vasos 5 e 6, porém, os traços symbolicos alteraram-se, perderam parte de sua authenticidade, e, ora representam unicamente umas pequenas fi- guras que mais parecem pelles de animaes, mui distendidas, como as cos- tumam retesar em varas os indigenas actuaes, para seccarem-n'as ao sol (fig. 6), ora alongam-se extraordinariamente n'uma anamorphose de mais em mais exa- V. v1--B6 342, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL gerada, por modo que a nenhum objecto se assemelham já, salvo grande es- forço de imaginação. - A este mesmo estylo decorativo filiam-se outros vasos da collecção Mara - joense do Museu Nacional, entre os quaes pódem ser incluidos os das figuras ns. 7 da Est. Ve 1 da Est. VA do fim d'este volume. A pintura fazia-se ordina- riamente revestindo-se a superficie do vaso de uma camada de-tauá-tinga, ar- gila branca mesclada com um pouco de gommo-resina e debuxando-se depois sobre este fundo branco figuras de côr escura em espaços determinados, ou propositalmente abertos entre ornatos de côr vermelha. Uma ou outra vez as figuras são vermelhas, emmolduradas em ornatos de côr escura. No interior dos têstos ou operculos das urnas funerarias tenho encontrado as mais significativas e as mais interessantes destas figuras. Outros vasos em que ellas se apresentam com o caracter de pseudo-hiero- glyphos são os alguidares e os pequenos pratos, quasi sempre esculpidos ex- teriormente e pintados do lado interno. Os caracteres symbolicos comparados, Alguidar, pintado internamente, extrahido Vaso de Marajó, pintado externa e inter- de Marajó. Red. a 1/5. namente, Red. a 1/3. de que dou em outro capitulo adiante, por figuras e descripção, fidedigna cópia, foram em grande parte extrahidos d'essa abundante seára de documen- Vaso liso, dos primitivos indigenas do sertão do Ceará. Red: a 1/6. tos indecifraveis, em que estão talvez escriptos os annaes dos constructores das collinas sagradas de Marajó. As figuras de insectos (talvez ainda hymenopteros) são algumas vezes 0 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 343 adorno principal dos vasos funerarios ou de uso domestico do mound de Paco- val. O alguidar figurado sob o n. 14 da Est. V tem toda a face concava occu- pada por uma unica figura e esta figura é a de um dºesses insectos. Nota-se apenas Vasos, gravados e pintados, da ilha de Marajó; um dos quaes é crnado RR Red. a 1/4. ahi que o animal tem duas cabeças, uma em cada extremidade do corpo, mas são assim representados quasi todos os insectos figurados na antiga ceramica de Marajó, de modo a tornar-se difficil o conhecermos qual é a parte superior» qual a inferior dos animaes; e a prova de que tal foi o intento do artista é que para eliminar a disposição das azas pela qual se póde inferir a verdadeira posição mo ou Urna, gravada e pintada, de Marajó. Red. a 1/5. Pucaro. esculpido, de Marajó. Gr. nat. do insecto, como nol-o denunciam as azas figuradas no vaso n. 14, fabricou, ou o mesmo artista, ou outro da mesma escola o alguidar n. 10 da Est. VA, 344 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL em que vemos um insecto em tudo semelhante ao primeiro, mas tendo as duas azas de tal modo dispostas, que,se uma se presta a que se tome este animal n'uma qualquer das posições, suppondo-o assim na sua verdadeira attitude natural, ahi está a outra aza que o colloca na direcção contraria. Ha n'esta particulari- dade,é certo, uma verdadeira inverosimilhança ; mas devemos antes de tudo - attender que o principal caracter que se quiz dar á figura foi a dualidade do individuo, e a dualidade é uma das feições mais incisivas e mais notaveis dos seres mythicos dos povos primitivos dos dous continentes. Sob o n. 8 da mesma Est. V A, vê-se a parte superior de um vaso dos que de mais elegante conformação apresenta a ceramica de Marajó. A figura princi- pal é um escorpião com quatro patas bem visiveis, os dous palpos maxillares em fórma de voluta, de um e outro lado da cabeça,e a cauda muito exigua,mas recurvada na base do abdomen. Este animal é mais frequente ainda do que a abelha na arte decorativa da louça dos mound-builders de Marajó; sobre o espi- rito dos quaes parece ter exercido não pequena influencia. O vaso, porém, que nos apresenta a mais singular idealisação zoomorpha, com dupla cabeça e dualidade simulada no proprio corpo do animal metaphorica- mente figurado,é o que se acha lithographado sob o n. 11 da Est. V da série do fim deste volume. Este animal emblematico e um tanto enigmatico, permitta-se-me dizel-o, tem alguma cousa que relembra o symbolo chinez cheú ou ch, imagem da lon- gevidade, a qual,segundo as tradições e livros sagrados da China, foi creada ou inventada pelo famoso Fo-Hi, o Faramundo chinez a quem se deve a organi- sação politica do Celeste Imperio, cerca de 3000 annos antes da éra christã e a quem esse symbolo divino, conforme o dizer das lendas aziaticas, foi revelado por um cavallo sagrado (1). Na louça dos mound-builders de Marajó a figura d'esta expressão emblema- tica adapta-se, por meio de anamorphoses sem conta, como e quando convém ao objecto de que é adorno, do mesmo modo exactamente por que o faz o cheuw da theogonia chineza. No vaso que temos neste momento diante dos olhos, vaso de fórma circular e de incomparavel belleza, principalmente no dorso, que é do mais fino lavor, a figura convencional tem a mesma conformação do cheú dos sinetes circulares da (1) Edouard Garnier, Histoire de la Céramique, chez tous les peuples, depuis les temps anciens jusqu'u nos jours, pg. 395-390. Tours, 1882, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 5 China,e n'este estado o symbolo do cheú afasta-se notavelmente da fórma do che rectangular, que é muito mais zoomorpha, como é facil verificar em qualquer vaso chinez, ornado d'este emblema divino, N MO AN (AN N X NO - Fragmento de um grande vaso gravado em Marajó. T . Nos vasos esculpidos de que temos centenares de fragmentos analogos de Fragmentos de alguidares gravados de Marajó. * admiravel lavor, as figuras são de ordinario muito mais dificilmente decifra- veis, já pela extraordinaria complicação das'linhas dos varios objectos gra- j . V. vIi—87 346 R ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL vados, já porque raro é o vaso em que essas delicadas cinzeladuras não hajam . Fragmento de um alguidar gravado, de Marajó. Fragmento de um'prato, gravado, de Marajó. sido gastas ao contacto da terra humida, em que permaneceram tantos seculos. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 347 Taes são as urnas ns. 2,4 e 5 da Est. E, ns. 2, Ge 10 da Est. Vens. 6,7,8€e9 Fragmento de grande vaso, gravado, de Marajó. da Est. V A do fim d'este volume. Nas figuras intercaladas nas presentes paginas Fragmentos de vasos, gravados, de Marajó. alguns vasos se nos mostram que reunem,a fórmas graciosissimas,gravuras não 348 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL é e PS + é menos interessantes pela significação de que são caracteres symbolicos, talvez Frarmentos de vasos, gravados, de Marajó. Fragmentos de alguidares, internamente pintados, de Marajó. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL SAS) de bem complexa significação. N'uns, vemos, em gravuras e em baixo-relevo, Fragmentos de alguidares, exteriormente gravados, de Marajó. cabeças humanas ou simulacros d'ellas, como carrancas decorativas a elucidar provavelmente os caracteres representados ao redor ; noutros, deparam-se-nos Fragmento de pequeno alguidar, internamente gravado, de Marajó. figuras de animaes (ordinariamente batrachios e saurios) esculpturadas em alto ou em baixo relevo e às vezes simplesmente gravadas, a ornarem,duas a duas, toda a ; V. vI—B8 350 . ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL superficie da urna funeraria, Estes repteis são talvez os representantes do nome da tribu á que pertencia o morto cujos despojos foram alli encerrados, se não EM II; al Il A | O PT ii AT) = II L ! Tt pa m | á ad An ue ; DT ty, q Ne dj Dea | ij vm : “ii o Mv a Fragmento de vaso gravado, de Marajó. Fragmento de vaso pintado, de Marajó. symbolisam melhormente as divindades à que, n'um totemismo de cujos ca- Urnas funerarias, esculpidas e grav: ERR: de Marajó. Red. a 16. racteres fiz acima menção, prestavam os mound-builders marajóenses um feso tributo. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 351 Um dos mais curiosos d'estes vasos tem a figura em relevo de uma especie Vaso esculpido e gravado com um saurio. em relevo. Red. a 1/2. de H com dous appendices ou braços supplementares, que parecem ligar este Urna esculpida e gravada, do Pacoval (Marajó). Red. a 1/4. 392 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL emblema ás outras linhas decorativas do vaso, as quaes simulam longas ser- pentes estendidas indolentemente sobre a superficie da urna e com as caudas dispostas em largas espiras. Esta mesma figura com os seus accessorios circum- visinhos repete-se fielmente na face opposta. Sobre a borda da mesma formosa urna, e em dous pontos diametralmente oppostos, deparam-se-nos duas cabeças de saurios ou chelonios, as quaes, emergindo do lado exterior da borda do vaso, figuram duas elegantes ainda que pequeninas azas. A superficie geral do vaso é toda ornada de emblemas gravados cuja con- textura, commum á maior parte dos vasos de Marajó, lembra a voluta das co- lumnas jonicas e mais particularmente as quatro pontas de que se compõe aquele typo variante da cruz mystica de Buddha, denominado : nandyavarta ou nandávartaya, no mysticismo de uma ficção, cujo verdadeiro sentido melhormente significa: circulo feliz (1). E” provavelmente uma simples e Vaso esculpido c gravado, com um saurio em relevo, do Pacoval. Red. a 1/4. (1) Burnonf.—Ze Lotus de la bonme loi, pg. 625-626. Holmboe, referindo-se à Nandyavarta, diz o seguinte: Cette figure un peu plus grande, est biem ARCHIVOS'DO MUSEU NACIONAL 353 casual analogia de forma de que eu não devêra fazer menção, para conser- var-me nos termos da reserva à que, quanto me ha sido possivel, me tenho adstricto ; e tanto mais me atenho a estes escrupulos, quanto por outro lado me parece ver antes em cada uma destas figuras o meandro de que se compõem certas gregas de linhas multiplas. Meandro ou nandâvartaya que seja embora, pouco importa. A perfeição do adorno em si é o que mais aqui nos impressiona, e este adorno não tem superior nos que enfeitam os mais bellos da Etruria e da Grecia antiga, com os quaes tem muitas relações. O corpo dos saurios anthropocephalos são os adornos frequentes de algu- mas grandes urnas funerarias. Numa d'ellas ha um saurio, ao qual, em não pe- queno gráu, descabe semelhante nome,tão inverosimil se mostra, além de outras partes,a cabeça do animal perfeitamente humana. A cauda d'este reptil, ao en- vez do natural, dila ta-se para a extremidade e termina bruscamente, tomando as- sim a fórma de pá. Na ornamentação deiicadamente gravada que reveste toda a superficie da urna reconhecem-se, entre caras humanas, curvas foliformes, gregas elegantes e muitos caprichosos arabescos, de par com algumas das pontas redobradas da nandàvartaya, ou de simples meandros. Urna gravada, extrahida de Marajó. Red. a 1/5. ê connueen Norvége oú elle sert de jouet pour les enfants, qui la dessinent, comme en le voit, fig. 6, etcherchent à tronver le passage de Ventrée jusqu'au bout et vice-versa. Jai entendu cette figure V. vi—s9 394 ARCHIVOS DO MUSRU NACIONAL - Se, porém, as urnas funerarias, nas suas grandes proporções e largos or- natos, de um estylo grandioso, imprimem no espirito do observador o senti- mento de tristeza e de um quê de religiosidade, que assim poderiamos chamar a veneração que nos acordam n'alma estes testemunhos da theogonia de um Vaso gravado, representando numerosos saurios. Red. a 2/3. . povo ha muitos seculos desapparecido,e para todo o sempre anniquilado,dilúe- Vaso em fórma de cachimbo. Red. a 2/3. Vaso visto pelo fundo. Pacoval (Marajó). Red.a 2/3. se-nos, por outro lado, este pezar ao aspecto gracioso dos pequenos vasos, dos pratos e dos alguidares que se prestavam aos misteres da existencia, instru- nommée Troyeborg Slot (château du bourg de Troye) par le bas peuple. Cette appellation peut être substituée au Asgaard Slot (château de la ville des Ases), comme la préface de TEdda de Snorro"substi- titue la ville de Troya au Asgaard etles Asiates aux Ases. —Holmboe, Traces de Buddhisme en Norvêge avant Vintroduction du christianisme, pg. 30, Paris, Simon Raçon & C., 1857. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 359 mentos indispensaveis, por certo, dos repousados devaneios e constantes fol- gares em que vivia aquelle povo, como ainda hoje passam os dias descuidosos e felizes os selvagens amazonenses nos valles frondosos, não longe das mesmas paragens. Os menores destes graciosos artefactos, destinados à con- servação de tintas, essencias, oleos e pequenos adornos de osso e de pedra, são geralmente gravados com tamanha delicadeza, que lembram sem esforço as Vaso esculpido e gravado de Marajó. Red. a 1/% cinzeladuras em metal e outros identicos lavores em que são emeritos os ar- listas persas, malayos e japonezes. Dos alguidares, de que tão bellos speci- mens apresentam as estampas V, V A e V B do fim d'este volume e de que não é menos gracioso exemplar o que nos dá uma das figuras proximas, de fórma 396 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL bellissima, ainda que asymetrica, destes alguidares, digo, encontram-se não raros no interior das urnas funerarias, alguns inteiros e já quebrados outros. Alguidar esculpido e pintado, de Marajó. Red. a 1/5. Se, por haverem pertencido ao morto como objectos mais queridos delle, eram-lhe deste modo consagrados estes artefactos para a supposta existencia d'além da morte, ou se nisso andava outra razão, facto é este que, por estra- nho às relações de um povo extincto com a nossa existencia e percepção, não é de mui prompto averiguar. Entretanto, é presumivel que fosse razão destas usanças aquella hypothese acima expressa, referente ao figurado viver do fal- . lecido. Os nossos selvagens actuaes, semelhantemente a outros povos antigos e modernos, ainda hoje por egual modo manifestam a idéa que lhes é dado con- ceber da metaphysica eternidade dos espiritos. Para elles o morto querido e pranteado não morreu totalmente ; e, se bem não continue a ser a mesma pessoa na accepção absoluta da palavra, resta-lhe grande porção da sua primitiva natu- reza na personificação que lhe vai agora caber; e d'essa grande porção do an- tigo individuo é evidente que devam ser apanagio ou precalço humano às ne- cessidades materiaes da existencia. Crença é esta tão radicada no espirito dos nossos aborigenes, que não lh'a pôde aimda arrancar nenhum dos solicitos missionarios, a quem de ordinario são confiados no Brazil os arduos deveres da cathechese. (1) Uma prova inconcussa d'este facto tive-a na minha viagem ao longo do rio Capim, na provincia do Pará. Graças a um estratagema que empreguei e de que darei minuciosa noticia na descripção ha pouco iniciada dessa viagem, coube-me a boa sorte de exhu- mar para mais de vinte esqueletos dos indios Tembés e Tury-uáras, que alli foram aldeados e provavelmente baptisados. (1) Tem-se observado, não sómente na America, porém em todas as outras regiões dó globo, po- voadas por selvagens, que apezar de baptisados e de iniciados na doutrina christã, estes povos não se desprendem, senão da terceira geração em diante, das praticas aconselhadas ou guiadas pelas crenças de seus antepassados. Em a Nova Zelandia era costume sacrificar-se uma pessoa da plebe quando se perdia alguem da familia. Ora, os missionarios inglezes referem que uma neo-zelandeza novamente convertida, tendo-se-lhe afogado um filhinho de tenra idade, pedia com o maior empenho que se sa- crificasse uma mulher do povo para guiar e pensar a criaturinha no outro mundo. € ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 351 O- indio Henrique, da tribu Tury-uára, que me revelou a secreta loca- lidade dos tumulos destes selvagens, seus proximos parentes, afiançou-me que haviam recebido todos as aguas da redempção christã, o que me confirmaram “de resto,as cruzes que no meio do matags], inteiramente invio, conservam algu- mas sepulturas. Ora, nenhum destes vinte e tantos indios alli enterra- dos deixára de ser acompanhado de seus utensílios de uso quotidiano, e entre estes utensilios era constante a presença de um ou mais pratos de fabrico eu- ropeu. A presupposta alimentação, portanto, de que tem necessidade o morto na sua vida tumular, ou melhor na peregrinação que terá um dia de fazer, basêa- se ainda hoje sobre a mesma crença dos antigos povos selvagens (1), e pois não é caso de estranharmos o apparecer tamanha cópia de pratos, alguidares, terrinas, taças e tantos outros pequeninos utensilios de uso diario, junto aos despojos dos antigos aborigenes. Entre estes pequenos vasos um encontrei que lembra a muitos respeitos a configuração dos juncos chinezes ou de navios de fórmas ainda mais pesadas, e em particular um modelo em terra cotta da colecção Campana. Vaso naviforme esculpido e gravado, de Marajó. Gr. nat. (1) Não sei se devam ter tak epitheto, individuos que conservam estas praticas. Um povo de alta civilisação, no Oriente, 'o povo egypcio, tinha para com o morto a quem chamava Ka, isto é, le double, como interpretou Mr: Maspero, attenções e cuidados que só se prestam aos vivos. Maspero---Conférence sur Vhistoire des âmes dans VEgypte ancienne, Japrês Les monuments du Musée du Louvre, Bulletin heb- domadaire de V Association scientifique de France. vi 598 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Infelizmente, uma só parte, (a que seria a prõa do imaginado navio) me foi possivel achar, ficando assim desconhecida a fórma geral do curioso vaso. Seria, porém, tarefa demasiado longa, sobre pouco necessaria, descrever em separado e miudamente todos os outros vasos que constituem a collecção ora existente no Museu. Uma particularidade, comtudo, d'estes artefactos, 1n- teiros ou não, exige que seja detidamente especificada. E” meu intento referir- me à façe humana como thema especial ou base plastica da ornamentação, quer pintada, quer gravada, da ceramica de Marajó. No estudo que tenho feito dos artefactos antigos ou modernos, assim dos americanos como dos povos malaio- melano-polynesicos,é a face ou o corpo do homem o módulo ou termo de com- paração sobre o qual evolúem todas as variabilissimas fórmas tão phantasticas e à primeira vista tão diversas dos adornos que empregam estes povos, já nos seus instrumentos de caça, de pesca ou de guerra, já nos seus vestidos e na sua propria tatuagem; e o que deixei anteriormente exposto em alguns trechos d'estas Investigações permitte de algum modo antever qual a importancia dada n'este particular pelos nossos mound-builders de Marajó à cara humana. As demonstrações que se seguem vão confirmar de todo o ponto este facto. Para iniciar o leitor na apreciação destas varias physionomias que, ao meu modo de suppor, devem ter uma completa significação e representar uma lin- guagem ou escriptura ideographica e talvez hieroglyphica de que ninguem até hoje cogitou ,cumpre-me prevenil-o de que à primeira inspecção algumas destas caras humanas têm tão pouca verosimilhança, que difficilmente as reconhecerá por taes quem não esteja affeito aos trabalhos graphicos de semelhante natu- reza e não conheça alguma cousa da evolução por que ha passado o desenho convencional de que se hão servido os mais antigos povos da terra na confi- guração da face humana; e tanto maiores são as dificuldades no tocante á convencionalidade do desenho ou da gravura dos mound-builders de Marajó, quanto é facil ver que elles empregavam n'um mesmo artefacto, às vezes a expressão da fórma naturale a um tempo as linhas da mais vaga ou mais subtil ficção. Para que se conceba mais positiva idéa d'esta especial modalidade decorativa dos ceramistas pre-colombianos da grande ilha,mister é começarmos pelas CARAS GRAVADAS DA LOUÇA DE MARAJO” Nas duas figuras proximas, por exemplo, em que a physionomia humana está claramente esboçada, pareceria nada terem que ver em qualquer gráu da fe ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 399 mais afastada analogia as tres figuras immediatas, as quaes entretanto repre- sentam a seu modo, e provavelmente nos mais elevados termos de significação, , a face e a physionomia humana. brie € -se-ha que Examine-se, porém, a série das figuras que se seguem e ver-se-h ne ssões di- a pouco e pouco, de cada uma dºellas surgem,como por Re expre pa iss aces inteiro. Assim, da cara versissimas das numerosas faces de um povo inteiro j ; quasi nada apresenta, lembrando a face humana, passa-se à cara 4, onde uma figura fuziforme vem representar o nariz, no centro de um triangulo que é o contorno da face. Na cara 5, cuja fórma é mais perfeita, o nariz é figurado por uma linha, mas esta linha tem na base um simulacro de bocca terminando na parte superior pela combinação de duas figuras, em uma das quaes estão dous pequenos pontos, que dir-se-hiam esboços de olhos. 360) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Nas caras 6, 7,8 e 9 mostra-se o desenvolvimento dado ás duas caras ante- riores. Na de n. 8 ha comtudo uma série de reetangulos reunidos e eguaes, a qual,apezar de estar sobre o nariz, veremos mais tarde como simulacro da boeca. , « o o ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 361 gulo e no centro um lozango curvilineo, que simula o duplo nariz d'esta face torno da face mostra-se curvo. Seguem-se depois novas modificações em que V. vi—9l 362 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL o typo da face, evoluindo em constante aperfeiçoamento, toca ao n. 18, cujos As imperfeições deste ultimo numero corrigem-n'as as caras dos numeros subsequentes, nas quaes, ora uns, ora outros dos orgãos faciaes são modifica- 21 22 dos, mas de modo que o aperfeiçoamento do total da gravura não cessa de ma- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 363 nifestar-se. A cara n. 33, notavel pela fórma da sua parte superior, que si- 364 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL mula um frontão de modesta capella, manifesta a primeira tendencia á dupli- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 565 cação da face, duplicação que é mais franca na figura 36. Na cara imme- “41 diata o nariz é sagittiforme, os olhos são duas espiras-e a bocca, de tão natural que é, não parece dever figurar entre convencionalidades. V.vi—92 366 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Dentre as caras que se seguem, torna-se notavel a de n. 45, em que se encontram a cavidade do alto da cabeça, à que me referi anteriormente, e duas saliencias inclinadas sobre as orelhas, indicando abas de um toucado. 46 A figura acima (n. 46) representa a cabeça de um insecto, de uma abe- ARCHIVOS DO HUSEU NACIONAL 367 lha talvez, bastante semelhante às cabeças dos mesmos hymenopteros represen- tados nos hieroglyphos mexicanos. da figura de Lama, gravada na cabeça n. 1, Est. VII., pag. 285, ereproduzida à 368 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL pag. 284, e a de n. 55,'comquanto tenha todos os caracteres da face humana, parece-me figurar, da mesma sorte que a de n. 46, já mencionada, a cabeça de uma abelha ou de qualquer outro insecto. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 369 As caras ns. 56e 57 representam a projecção horizontal ou plana, se me é 56 57 permittido assim dizer,de duas cabeças bifrontes. O Hcentral figura n'este caso o alto da cabeça, sendo cada uma das hastes do mesmo H nada mais que a dupla ar- cada dos supercilios, junto à qual se reconhece o simulacro do nariz em fórma triangular, O que é muito de apreciar é que se imaginarmos esta superficie ap- plicada ao craneo da cabeça bifronte, de que ella simula ser o envoltorio ou a pelle, de prompto reconheceremos todos os traços das cabeças de dupla face dos idolos de Marajó, inclusive os orifícios pelos quaes os mesmos idolos são suspensos a um cordel, orifícios que se acham na linha divisoria das duas faces. V. vI=93 310 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL A cara n. 98 não apresenta simplesmente a cabeça bifronte, figurada nas duas mascaras anteriores, mas a combinação ou a junsção de quatro faces em cruz, o que faz d'este adorno um dos mais interessantes, complicados e gracio- sos da louça de Marajó. Se por mera phantasia, se para exprimir idéas determinadas em uma lin- guagem de cuja esteganographia não curou ninguem ainda, gravavam os mound-builders de Marajó tão varias physionomias entre os arabescos decorati- vos de seus artefactos, repetindo, em alguns vasos, a mesma physionomia duas, quatro, seis e mais vezes, assumpto é este que não me sinto com forças para discutir. Noto unicamente as correlações constantes dos traços convencionaes que deram aquelles artistas a cada orgão, a cada expressão mesmo, e admiro a firmeza em que, sem a monotonia das repetições rigorosas, nem o servilismo característico dos productos do labor instinclivo e archimilhariamente heredi- tario do castor e da abelha, osartistas mound-bulders de Marajó se souberam manter. Dir-se-hia haverem tido aquelles antigos ceramistas a maior veneração pelas fórmas plasticas de uma tradição sagrada, ainda que phantasiando á feição e ao sabor de seus poeticos e livres devaneios os lavores accessorios do trabalho, de cuja base essencial e de cujos prescriptos módulos não pensavam sequer em se affastar. Se passarmos agora ás CARAS PINTADAS DA LOUÇA DE MARAJO” verificaremos que ainda aqui physionomias semelhantes apresentam-se na mesma convencionalidade observada ou respeitada no traçado das gravuras ainda ha pouco revistas. A primeira figura de que faço selecção para começar o exame comparativo d'estas pinturas, dir-se-hia um simples ensaio do artista, no emprego das linhas ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Si quebradas, combinadas de modo a reproduzirem já os primeiros delineamentos e vagos contornos da cara humana. Na segunda figura a combinação de linhas o guebradas e de linhas curvas nos dá idéa mais completa da cara humana. As - mesmas linhas quebradas sem o apoio das curvas, mas graciosamente ligadas eee 3 l E) “ a um instrumento meio lança, meio tridente, apresentam na fig. 3 o mais bello esboço dos contornos de uma face humana. 5 6 7 As tentativas proseguem assim, hesitando aqui, avantajando-se acolá, até cem 8 9 372 ? ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL as figuras 7, 8 e 9, em que os nobres delineamentos da face que se tinha-por fito representar, surgem n'uma adiantada phase de perfeição. Na cara n. 10 10 “ nos vê-se como que um novo ensaio .que estaciona sem sequencia. Succedem-lhe 15 pintura da fig, 15. Uma nova série é tentada e esta tem por contorno geral o triangulo; mas cinco moldes unicos a representam sem grandes differenças dos - ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL . 373 typos geraes que havemos visto. São ordinariamente os adornos dos pequenos pratos e de algumas tampas de urnas funerarias pintadas. Depois d'estas phy- +” 16 17 18 sionomias apparecem ainda cinco novos typos caracteristicos pela configuração 20 91 “ do que não sei se deva chamar olhos (figs. 21 a 25). Dir-se-hiam laminas de pu- V.vi-M STA ARCHIVOS'DO MUSEU NACIONAL nhaes antigos, pennas de algumas aves ou folhas de palmeiras. Nos hierogly- ; A 5 (| AS bmEVE “uy phos egypcios, com os quaes aliás não tenho em mente comparar estes emble- Res 234 = E) 925 26 poe mas, figuras quasi semelhantes têm a significação de folhas, de facas ou de plumas. As cinco ultimas caras têm os caracteres da modalidade mais geralmente encontrada na ceramica de Marajó. A superficie da bellissima urna funeraria, representada na pagina 328 e que não hesito em denominar a mais curiosa e a mais importante das urnas pintadas dos mounds dos marajoenses, foi adornada ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL TIA) com um destes expressivos e não menos significativos typos da cara humana ; é tanto mais creio que era este o mais nobre eo mais elevado estylo adoptado, que: o encontro mais geralmente imitado em toda a ornamentação da ceramica da grande ilha amazonica. 2 A face humana não era, entretanto, O unico thema fundamental das phan- tasiosas convencionalidades graphicas de que os marajoenses revestiam seus trabalhos de louça. A cabeça ou mais ainda o corpo dos animaes lhes serviam tambem de mo- delo, e em muitos dos artefactos até aqui examinados ha-de lembrar-se o leitor que muitas especies se nos deparam: O grupo que mais abundante quantidade de typos ministrou á esculptura, à gravura e à pintura, foi o dos repteis. Os ophidios, os saurios e os chelonios figuram com efeito copiosamente nos adornos desta ceramica, seguindo-se- lhes immediatamente os batrachios. Aos ophidios : aos saurios parece haver caído por sorte a melhor parte, isto é, a mais honrosa porção na arte deco- rativa da ceramica de Marajó. 376 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Entre a louça que extrahi do mound de Pacoval encontra-se quantidade não pequena de fragmentos de alguidares interiormente pintados com os mais delicados e'perfeitos delineamentos da cara humana, em anamorphoses tão va- rias quanto delicada e engenhosamente desenhadas. Todos estes alguidares,cujo diametro mede ordinariamente de 25 a 35 cent., tem em relevo, duas a duas, sobre a borda, cabeças de saurios e algumas vezes No Il | |! AU > Fragmento. de alguidar, do Pacoval, ornado internamente de caras húmanas, pintadas em diversas anamorphoses e tendo uma cabeça de cameleão sobre a borda. ophidios enrodilhados na attitude mais natural de attenta vigilancia. A especie cameleão é a que entre os saurios parece haver sido escolhida para este adorno ; e cabe muito de: feição aqui dizer que, se nem sempre os constructores dos mounds de Marajó foram escrupulosos na reprodu cção dos objectos que tinham em vista copiar,é de justiça declarar que, em relação à fórma e á abundancia deste reptil, Varios typos das cabeças de cameleão que adornain-as bordas dos alguidares do Pacoval. no Pacoval, elles não podiam ser mais fidedignos. Outra cabeça animal copiaram com frequencia aquelles ceramistas sobre a determinação da qual não tenho, nem se me depara de prompto, nenhuma. base de certa authenticidade. Este ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 377 animal apresenta de cada um dos lados, sobre o alto da cabeça duas linhas “ Fragmento de alguidar do Pscoval, mostrando dous ophidios de duas cabeças ; um em baixo relevo sobre a face exterior do vaso e o outro esculpido sobre a borda do vaso; enrodilhado e com a cabeça superior volvida para o interior do alguidar. em relevo, as quaes, depois de simularem longos supercilios, descrevem cada qual, ao redor do olho respectivo, uma espira cujo ponto extremo é de ordi- nario o mesmo olho, Cabeça de animal descônhecido, servindo de Batrachio esculpido em terra cotta, adorno a um vaso do Pacoval. . Pucoval. Os batrachios apparecem egualmente; menos, entretanto, como peças ador- nativas do que esculpidas em separado, á guiza de amuletos, o que significa o alto conceito em que, assim no valle do Amazonas como nos mais centros da primitiva civilisação americana, eram havidos e reverenciados, Nos fragmentos de vasos que por mim mesmo exhumei do Pacoval, alguns ha em que os batrachios estão acocorados sobre a borda da vasilha, e outros V. vi—95 318 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ' em que sómente figura a cabeça do animal, consoante a regra mais seguida na ceramica dos povos americanos (1). As cabeças de peixe-boi ou manatim (Mana- Batrachio ligado a um fragmento de vaso de que fóra adorno, Pacoval. tus) de que se nutriam os mound-builders do Pacoval, a julgar pela abundancia de ossos que alli achei d'este mammifero tão commum nas aguas do Amazonas, as cabeças do jacaré, do jabuty, da tartaruga e de muitas especies de peixes do valle inferior do rio e da mesma costa maritima, apparecem em identicas con- dições, exornando em saliencia as bordas dos mais Reenaa e a um tempo. dos mais singelos vasos de Marajó. . Na collecção que figurei e descrevi dos differentes typos de cabeça dos ma- rajoenses primitivos, ha verdadeiros simios que talvez a mais justos titulos se E (1) A importancia ligada pelos, mound-buitders de Marajó aos animaes adornativos da louça que fabricavam póde ser facilmente determinada pelo maior ou menor cuidado empregado no lavor da mesma louça. Ora, do exame acurado a que tenho submettido milhares de specimens de vasos d'aquella ilha, o que sou forçado a deduzir é que, salvo alguns vasos que têm por adorno figuras mythicas, são os va- sos ornados pelos batrachios, ophidios e saurios os mais perfeitose os de mais elevado estylo dos até hoje encontrados nos mounds m: arajoenses. Estes vasos ou são urnas funerarias de que já deixei figurados anterior ente admiraveis speci- mens, ou são alguidares de cujas bordas emergem as cabeças decorativas. Convem accrescentar que todos os ophidios esculpidos, gravados ou pintados da ceramica de Marajó são representados ordinariamente com duas cabeças em tudo identicas. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 379 deveriam aqui achar. A razão que me induziu a collocal-os n'aquella secção basêa-se na convencionalidade em que, ao meu suppor, costumavam os mound- bwilders de Marajó representar os seus proprios conterraneos, dando-lhes, com os caracteres physicos, as aflinidades ou analogias homonymicas, pelas quaes se prendiam aquelles a certos “animaes e em particular aos simios que elles suppunham seus eguaes, senão seus superiores em intelligencia (1). Verdade é que por egual inducção não me caberia o direito de excluir d'esta regra mui- tos dos outros animaes. Mas a isso anteporei a circumstancia de que, salvo os individuos perfeitamente mythicos, em nenhum outro animal como nos qua- drumanos os ceramistas dos mounds de Marajó tentaram gravar ou pintar os - simulacros da face humana, accrescendo que, se aos povos antigos da America sempre' lhes andou pela mente a supposição de haverem descendido de qual- “quer classe de animaes, emborã assim pensassem induzidos por ficções e me- taphoras de suas lendas, é facto averiguado que no geral acreditavam ligal-os maior parentesco aos simios: Póde haver tambem presidido a esta promiscuidade da dupla natureza zoólogica humana, na representação plastica dos chefes, o mesmo sentimento de religiosidade encontrado no Egypto. Alli, depois que Ra, Hor e Osiris lo- graram dar ao homem todo o seu desenvolvimento psychico, por modo que n'elle fosse encarnada a divindade com todos os seus elevados attributos, esta entendeu mais tarde occultar-se no corpo de alguns animaes, d'onde sem ser presentida, mais facil se lhe tornasse o velar sobre a evolução da sua fei- tura (2) Nos necroterios ou depositos de artefactos ceramicos de Santarém domi- nam varios typos differentes dos que mais abundam nos mounds de Marajó, sendo o mais commum desses typos um abutre (talvez o Sarcoramphus Papa). O lavor correctissimo empregado na esculptura destas aves e, mais do que isso, a presença da cabeça de um gallo, que póde haver sido“alli casualmente mettido em epocha recente, mas que está a denunciar, pelo estylo ou modo moderno do trabalho e pela argila de que o fizeram, a mesma origem dos abu- tres, me forçam a uma reserva que nada menos é que utilissima ao demais “destas minhas Investigações. Outros typos zoomorphos bem é que fossem ainda apresentados neste ca- pitulo, mas d'estes um ou outro, mui raro, tem semelhantes na fauna conhe- .(1) V'adoration des animaux tient en partie à ce que les populations sauvages ont généralement une tendance à leur prêter une intelligence égale ou . supérieur à Vintelligence humaine. L. F. Alfred Maury, La Terre et LHomme, Sme. edit. pg. 590. ) (2) G. Maspero, Histoire Ancienne des Peuples de VOrient, 1873, Jme, edition, pg. 46. 380 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL cida e não sei se deva dizer hodierna. E ainda assim, não é sem isenção de du- Cabeça ornamental de abutre, Santarem. vidas que se poderá ver neste o aspecto de uma ave do genero Strix, achar Cabeça: ornamental de uma ave do Cabeça ornamental de macaco da noite (?), genero Strix (?), de Marajó. do Pacoval. n'aquelle alguns laivos do macaco da noute, plantigrado: nocturno (Cercoleptes - nocturnus), não muito abundante, porém encontrado em quasi todo o Brazil, descobrir n'aquelle outro o passarinho implume e apenas irrompido do ovo. Ao grupo do Cercoleptes nocturnus parecem pertencer outros animaes cujas cabeças são egualmente representadas em abundancia, como adornos ou azas de vasos do Pacoval. Estes animaes têm a cabeca achatada, as orbitas amplas e circulares e uma ou duas protuberancias no focinho. A bocca, nos que a têm, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 381 está collocada, não por baixo das protuberancias que deviam simular as na- Figura ornamental de um vaso do Pacoval, representando uma ave implume (2) rinas, mas por cima'ou na base superior das referidas protuberancias, isto é, entre estas e os olhos. Cabeças ornamentaes de macaco da noite (?), do Pacoval. O que é mais singular, é que em alguns vasos que têm por azas essas inso- litas cabeças, toda a borda intermediaria entre as duas azas éornada unicamente com orbitas identicas ás das cabeças. Um facto curiosissimo, sobre o qual foi attrahida a attenção de d'Orbigny, não póde ser descabido nesta ordem de ponderações. Quero alludir à ausencia quasi completa do reino vegetal na ornamentação da ceramica dos nossos abo- rigenes. Como explicar, na verdade, a indiferença do espirito de tão prompta apprehensão e tão artisticamente imitativo dos inteligentes artistas mound- builders de Marajó, diante da feracissima Flora do Amazonas? V. vI—96 382 ARCHIVOS DO MUSRU NACIONAL Que ser humano, intelligente e sensivel, pôde haver algum dia, a cujo animo não causassem arroubos indiziveis as innumeras bellezas d'aquella opu- aq a ) Fragmento de vaso, mostrando parte da cabeça ornamental de um macaco da noite, Pacoval. lenta vegetação a desabrochar n'uma eterna pujança em myriadas de fórmas, tanto mais graciosas quanto mais variaveis; a illuminar-se de louçanias tanto mais novas e sorprehendentes quanto mais-de perto conhecidas ? Será porque oriundos de paizes desnudados de vegetação, fossem os con- structores dos mounds de Marajó insensiveis aos attractivos da peregrina belleza das virentes ribas do Amazonas? Mas em semelhante hypothese, circumstancia era esta, ao contrario, para que devessem elles sentir fugir-lhes a alma inteira apoz tamanha formosura e prender-se-lhes, em jubilo de puro enthusiasmo, a mente embevecida diante da magestade das arvores seculares. Não aos rudes «aborigenes, de longos seculos alli residentes, mas a esses forasteiros, de espi- rito mais culto, é que deviam sorrir os esplendores do maravilhoso panorama. Esses sim, é que deviam sentir encantados os olhos ao rendilhamento das largas e crespas folhas das plantas arbustivas,—á indefinivel graça das del- gadas palmeiras em tôças graciosas, debruçadas sobre o liso espelho da cor- rente, —ao variado matiz da verde e orvalhada relva das campinas, ou ao co- lorido scintillante e ao inebriador perfume de milhares de flores balouçadas à brisa das lagôas, que lhes retratam as galas e louçanias. Uma causa houve, certamente determinativa, para semelhante idiosyn- crasia, e esta causa deve achar-se na organisação excepcional e no espirito d'a- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 383 quelle desconhecido povo, cujos trabalhos ceramicos em tudo o mais nos estão dizendo que não podia pertencer semelhante gente às nações embryonarias, senão bastardas, do novo continente. Typos amphibomorphos da ceramica dos mownds de Marajó. — Typos phantasticos. —Offerto- ros, ou supedaneos, mui communs entre os mmowzd-builters de Marajó — Raridade dos vasos zoomorphos.— Pontos de similitude com a ceramica de outros povos.—Classificação possi- vel da intellectualidade das nações primitivas pelos trabalhos ceramicos.— Como se fabricava e adornava a louça. — Crenças e superstições referentes à fabricação da louça,—Superiori- dade artistica da mulher entre os aborigenes antigos e modernos. Os ornatos anthropomorphos eram, nos trabalhos ceramicos dos mound- builders, os mais communs; seguiam-se-lhes em importancia os adornos zoomor- phos que, bem como os anthropomorphos, ou se mostram representados em alto e baixo relevo, ou por meio da gravura e da pintura. Os vasos, porém, raras vezes tomavam a configuração humana, tão com- mum entretanto nas grutas de Maracá ; e se tão poucas vezes se nos depara no molde de algum vaso o simulacro do corpo humano, não menos raro é encon- trar-se algum que tenha a fôrma completa de q ualquer animal. E n'este par- ticular distancia-se notavelmente a ceramica de Marajó da ceramica do Perú e do Mexico, na qual não sómente se observa o vaso inteiro figurando diver- sas especies de animaes, senão que outras muitas vezes esculpe sobre as azas, no bôjo e no gargalo grande porção de quadrupedes, de aves e de repteis e até de simios. A qualidade, porém, mais interessante da ceramica figurada de Marajó é, evidentemente, a que se apresenta no trabalho artificioso e capcio- samente imaginado de certos objectos em que uma ao que parece dupla enti- dade houve o engenhoso artista, por fito, representar. Estes artefactos, de-certa especialidade que denominarei a amphibomorphia da ceramica de Marajó, não são raros alli e, facilmente, se explicam aos olhos de quem observar attentamente a notavel e imaginosissima ornamentação da louça dos mounds da grande ilha. Os mesmos idolos phaliomorphos, se lhes attendermos à configuração, não ha duvida que são, já por si, verdadeiros 384 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL specimens de amphibomorphia, como o são tambem todas essas cabeças em que temos visto a dupla feição anthropo-zoomorpha mais ou menos manifesta. Alguns exemplos, de resto, nos bastarão pars demonstrar que não era este duplo caracter que tinham varios objectos, concepção simplesmente casual, senão, ao contrario, premeditado e astucioso labor de individuos, nos quaes o orgão da visão possuia aquella rapida e perfeita percepção a que se referiam muitos dos antigos auctores, ao fallar da perfectibilidade, neste particular, at- tingida pelos povos americanos (1) A amphibomorphia à que alludo, não indica sómente a perfectibilidade visional, mas uma notavel perspicacia, uma visibilidade artistica excepcional, a cuja espontanea e justa apprehensão não se esquivam, já não digo as fórmas e as côres, senão as correlações dos objectos entre si, as harmonias dos contor- nos, a expressão das physionomias e dos movimentos. E” realmente sorprehendente que individuos incultos e sem os impulsos intuitivos do meio civilisado e quasi que só por si civilisador, tenham tão desenvolvido o sentimento da fórma, e, o que mais é, o sentimento da fórma comparada na sua maior perfeição. Os francezes tiveram sobeja razão, quando imaginaram, na sua linguagem sempre viva e scintillante, attributos excepcionaes, ao que elles chamam espi- rituosamente: Poil american. Para demonstrar o que é a amphibomorphia dos ceramistas de Marajó, tomatei alguns objectos xylographados : o mais caracteristico d'estes objectos é Aza de vaso, representando um O mesmo objecto visto de tôpo para mostrar a saurio, Pacoval. transformação do animal representado. (1) O Dr. Moura Brazil, oculista distincto do Rio de Janeiro, tem-se dedicado ultimamente ao estudo da extensão maxima do angulo visual que pódem alcançar as varias raças humanas ou os individuos hy- bridos destas raças. Segundo as experiencias a que submettemos um grupo de indigenas da nação Gua- rany, do extremo sul da provincia de S. Paulo, que eu acolhi, ha um anno, no Museu Nacional, os homens e as mulheres de que se compunha aquelle troço de selvagens tinham, quasi todos, um alcance do angulo visual duplo do nosso, em relação à côr verde. Em outras especies de experiencias da mesma natureza, a vantagem da visão do selvagem era immensa e constante sobre à nossa. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 385 uma aza ou um cabo de vaso (terrina ou alguidar) representando simultanea- mente ou um saurio, ou um animal de classe differente, conforme seja visto este singular objecto ao longo de toda a sua extensão, ista é, longitudinalmente, ou de tôpo. - O que ha, porém, ahi de mais interessante não é a dualidade zoologica figurada pelo mesmo artefacto visto dos dous “modos, mas a particularidade de se prestarem os membros thoracicos da primeira figura a servir de arcadas superciliares e de olhos na segunda; transformando-se,ao mesmo tempo, o que não póde ser senão a cabeça d'aquella em focinho nesta. Este cabo de terrina ou de caçarola era apegado à vazilha, pelo lado em que se acha a cauda do animal. Na figura immediata, temos outro caso de amphibomorphismo, tanto mais Vaso pseudo zoomorpho de duas cabeças, de Marajó. interessante quanto é superior este artefacto ao primeiro, quer na sua modelação geral, quer na fina e delicada esc] pturae gravura que a exorna, quer, princi- palmente, na representação artistica do objecto, que é um pequenino vaso, até “Certo ponto zoomorpho, mas com duas cabeças e quatro patas, sobre as quaes repousa q corpo do vaso ou do animal. Ora, cada uma d'estas duas cabeças é, Uma das cabeças do vaso acima figurado, na qual se reconhece a fórma de um perfeito animal. por sua vez, um verdadeiro e completo animal, tendo apenas em commum, com o animal principal, os olhos e o focinho. datê individuos appendiculares V. vI—93 386 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ou secundarios ficam, portanto, como o demonstra a propria figura, ligados pelo dorso ao corpo do vaso, e como que suspensos e com o ventre para fóra. Sobre a borda de um alguidar que achei no Pacoval apresentou-se-me uma dupla figura que à primeira vista me pareceu a reunião de duas cabeças humanas juntas pelo occipital. Attentando, porém, na feição d'ellas, perfei- tamente egual em ambas, observei que cada uma de per si era por modo tal esculpida que podia figurar a um tempo as duas partes de um batrachio sec- cionado transversalmente. E com effeito, por qualquer lado que se tome o Figura ornamental representando um batrachio tendo para cada extremidade a mesma fórma. excentrico e capcioso adorno, tem elle a configuração de um batrachio, visto indistinctamente pela frente ou pelo lado posterior, conforme deste ou. d'a- quelle lado se o queira tomar. Uma só circumstancia se faz nociva á illusão : é a cintura mui delgada que parece dividir as duas partes do animal, cintura ou depressão em que se observam dous orificios que vão de um ao outro lado do singular adorno. ER — = Vaso com caras gravadas, duplas ou quadruplas conforme são vistas. Um outro specimen de amphibomorphismo, vemol-o no vaso espherico, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 387 semelhante a uma granada, cujo principal adorno são quatro medalhões justa- postos e constituidos cada um de dous corpos ellipticos, por tal modo dispos- tos, que, juntos um ao outro, formam uma face humana, cujo nariz é a divi- são das duas ellipses. Esta cara, entretanto, é dupla, repetindo-se a figura, se se voltar o vaso com a bocca para baixo. Mas não é isso ainda tudo; examina- das as ellipses de per si, reconhece-se que cada qual tem por sua vez uma du- pla cara humana, para o que basta observar qualquer dºellas n'um sentido e depois no sentido contrario. Deste amphibomorphismo exhibem numerosos exemplos os adornos faciaes da ceramica de Marajó. Finalmente, um quarto caso se nos depara, que não me parece inferior aos outros e que, como elles, exige, apenas, a posição invertida do “objecto, para manifestar a amphibomorphia. Na primeira posição, ainda que desenha- do sem o necessario cuidado, o artefacto à que me refiro, e que é um ador- no de vaso do Pacoval, representa um individuo da especie humana ou Adorno de vaso de Marajó, figurando um individuo simio (2) levando duas mãos á bocca. um simio, levando as duas mãos juntas á bocca, na attitude de quem se alimenta,; vêm-se os ante-braços unidos e os dous braços, em relevo, a unirem-se num angulo cujo vertice são os dous cotovelos justapostos um ao outro. O abdomen e as pernas do individuo são, tudo reunido, o pequeno corpo semi-ovoide que se avista por baixo dos cotovelos. Volvendo-se agora o arte- facto de baixo para cima, transforma-se subitamente o nosso guloso simio numa cabeça typica de um dos grupos da collecção das cabeças, já descriptas e figu- radas no começo d'estas Investigações. E, facto singular, são ainda os olhos os únicos orgãos communs aos dous individuos, transfigurando-se o corpo ovoide inferior da primeira figura, em craneo nesta outra; os braços, em arcadas su- perciliares; os ante-braços e mãos, em nariz e as arcadas superciliares e nariz, ” 388 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL em mandibula inferior. Caberia agora, muito de feição, inquirir o fim que ti- veram em vista os ceramistas dos mound-builders de Marajó, quando, com tama- O mesmo adorno da figura anterior, invertido, para mostrar a segunda feição que o caracterisa. + , nho esforço, entregaram-se ao penoso lavor destas capciosas feituras de seu imaginoso entendimento. Por mais que cogite, nada me occorre com razão bastante precisa ou probabilidade acceitavel em gráu a esclarecer ou explicar o objectivo que n'isso os guiára. A mim me parece que nem tal fim tiveram nunca. Eram individuos, como acabo de dizer, a cuja rapida e synlhetisadora percepção evidenciavam-se n'um só relancear «olhos, todas as relações morphi- cas que apresentam, entre si, quaesquer objectos; e dispondo de tão com- plexa visualidade, além do espirito faceto peculiar de seu caracter, que muito é que se deleitassem nestes, que eu chamarei. calembourgs ceramicos com que entresachavam seus artisticos labores ? A menção d'estes productos de pura ficção conduz-me, naturalmente, aos artefactos que nenhum objecto conhecido representam, ou são figuras symbo- licas e specimens de uma convencionalidade tão subtil ou tão velada, que não alcança entendel-a nenhum espirito estranho à iniciação das leis completa- mente extinctas que a prescreveram. Verdade é que em quasi toda a ornamentação, pintada ou gravada, da an- tiga louça de Marajó, por egual, encontramos figuras inexplicaveis. Mas tantás vezes se mostram repetidas e tão mefhodica e rigorosamente representadas sob as variadas e inusitadas linhas de seus con tornos e ornatos, que não padecem duvida serem, senão entidades plasticas de uma mythologia extincta; pelo me- nos, caracteres symbolicos da ideographia de que se serviam os mound-bwilders de Marajó. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 389 Tomo para primeiro exemplo uma figura em que se observa alguma cousa da fórma do corpo humano, mas tão vagamente delineada que mister é dizer, Figura decorativa de um vaso ricamente esculpido e gravado, de Marajó, representando vagamente na parte superior;uma cabeça adornada com um toucado que recorda a calantica egypcia. que nem a cabeça, nem o tronco, nem cs membros thoracicos e abdominaes, exhibem ahi contornos definidos. O todo do individuo mal se entrevê; me- O mesmo adorno da. figura precedente, visto pelo lado posterior. lhor fôra talvez dizer que se adivinha a cabeça sobre um supedaneo que será V. vi=098 . 390 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL talvez O corpo do supposto personagem, como tem apparencia de corpo o appen- dice ovoide que, ainda ha pouco, vimos apresentar o simio a comer, na pag. 387. Entretanto, é de primeira ordem na esculptura e na delicadeza da gra- vura o vaso de que este objecto enigmatico é bellissimo adorno; accrescendo O mesmo adorno das figuras anteriores em proporções menores para poder mostrar maior porção do vaso a que pertence, que, mui propositalmente, se lhe preparou um como que rebordo supplemen- tar ao vaso principal, achando-se o personagem apegado, não à borda deste. vaso, mas á de uma pequena e graciosa cavidade appendicular, artisticamente esculpida é gravada. Quanto à ornamentação da figura e aos seus vagos con-- tornos, não é difficil reconhecer pelas tres xylographias aqui apresentadas que -se falta o corpo ao enigmatico personagem, não lhe falta a cabeça, e esta tem por toucado alguma cousa que lembra a calantica usada no antigo Egypto. Ha ahi pelo menos as duas pontas do caracteristico toucado dos tempos pharaoni- Cabeça monstruosa servindo de adorno a um vaso ricamente es culpido. cos, a cairem de um e outro lado da cabeça, que infelizmente não apresenta “- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 394 mais no original as saliencias proprias da face. Talvez não tenha aqui mui justo cabimento a menção de uma especie de carranca ou face monstruosa que adornava um grande vaso do Pacoval, mas é inquestionavelmente um ente imaginario tendo significação propria e especial, como o demonstra o trabalho esculpturale grandioso que o caracterisa. Incluo-o, portanto, neste grupo e estou quasi a dizer que não incorro em desacerto. Varios typos, de caracteres egualmente indefiniveis, devem ser reunidos ao de que fiz agora esta rapida descripção. A meu ver, o mais notavel d'entre estes, é um indecifravel conjuncto dos caracteres physionomicos, mais artifi- ciososrdos que nos apresentam as individualidades ficticias da louça dos mounds de Marajó. E” uma figura justaposta, em relevo, em toda a extensão do corpo, a Adorno phantastico de um vaso do Pacoval. um vaso ricamente esculpido e gravado. O'que, com hesitação, -chamar-se-hia acabeça da figura, parece representar o exagero ou melhor o simulacro da ca- beça monstruosa n. 4, da Est. 1, da collecção das cabeças, à pag. 273; ainda que na entidade symbolica de que nos occupamos agora, haja um só olho ca- runculoso como a bocca, e ausencia de todos os mais caracteres da face, cujo contorno é representado por dous rebordos curvos e canaliculados, que termi- nam em croque por cima do olho cyclopico. Mas, se para a verdadeira har- monia de semelhante entidade devesse ser esta a sua cabeça, por outras affini- dades, não é o que se nos afligura ser a cabeça senão a parte posterior do corpo que se prolonga inferiormente e termina por uma crista no centro, e por 392 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tres carunculos : dous lateraes e um na extremidade. Estas protuberancias, que têm a mesma depressão central dos carunculos da região posterior, são os olhos e o focinho; se me é licito comparar este monstro com a caryatide, figurada á pag. 313 d'estas Investigações. O animal, admittida a segunda supposição, tem a cabeça para baixo e as patas ou azas para cima, representando o carun- culo superior, provavelmente a vulva e a immediata abaixo, o orifício anal. Outro typo phantasioso, cujos caracteres devem ser até certo gráu homo- logados ás deste que acabamos de analysar, acha-se, por egual modo, justa- Adorno phantastico de um vaso gray ido e esculpido, do Pacoval. posto a um vaso de mais rico lavor que 0 primeiro. O corpo aqui, porém, mal se define ou se denuncia, parecendo antes uma segunda cabeça sobreposta á que na parte inferior corresponde á cabeça da outra figura. Não menos singular é o adorno mythico, pertencente à mesma especie dos anteriormente descriptos e que deve ser havido como caracteristico das figuras em que nem sequer os orgãos da cara são substituídos por qualquer simulacro que as represente. O objecto a que me refiro, está figurado na xylographia ao Adorno representando o simulacro de uma ave talvez do genero Strix. lado. E” o adorno de um vaso, fina e cuidadosamente esculpido, de cuja borda ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 393 emerge, em grande saliencia, com visos de uma ave do genero Strix, com as azas abertas, mas tendo a cabeça, por unicos distinctivos, cinco protube- rancias esculpidas e gravadas, uma na extremidade e quatro em ordem ver- ticillar, na base d'aquella. As bellas gravuras da borda do vaso, ao redor deste objecto, lembram particularmente as que ornam, em identica região, a vasilha cujo adorno foi o primeiro escolhido para estes typos emblematicos. São vasos estes, na sua maior parte, admiravelmente modelados e adorna- dos de primores de esculptura e gravura, e, ao que parece, destinados a qual- quer fim de elevada significação. E” o que, asuppol-o, está como que nos ten- tando a mesma fórma delles, pois, se n'estes vemos dilatar-se-lhes a borda n'uma especie de supedaneo, donde emerge a mysteriosa figura, n'outros, nãe é uma simples dilatação, mas uma excavação a que se submette essa parte da borda onde deve ficar o personagem; excavação por tal modo feita que dir-se-hia um novo e segundo vaso, uma especie de lacrimatorio ou receptaculo de qualquer liquido ahi deposto em honra ao personagem divino, como ha milhares de an- nos o praticam no Oriente os hindus em respeito ao Lingam. Sem querer ad- duzir provas que invalesçam ou contestem a origem indiatica da civilisação pre-colombiana na America, e ao contrario forcejando por manter-me na mais plena isenção de preconceitos, com a qual é de rigor se conserve quem houver Cabeça ornamental, tendo um orificio na região cccipital, do Pacoval. de pôr mãos em tal assumpto, devo confessar que esses pequenos receptaculos, empregados junto aos idolos phallicos em todo o Oriente e muitas vezes exca- vados nos proprios supedaneos d'elles, explicam perfeitamente o fim ou a utili- V. vi—99 394 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL dade das cavidades que existem nas pernas das urnas anthropomorphas e z00- morphas de Maracá, e mais ainda nas cabeças e nas figuras decorativas de muitos vasos de Marajó. Nas cabeças ornamentaes a cavidade está collocada na região parieto-oc- cipital superior, e nos individuos inteiros na região dorsal. Quer aquellas, quer estes representam muitas especies zoologicas e particularmente batrachios, Adorno zoomorpho representando: a PE a fa em cujo dorso existe orifício circumstancia digna de reparo, por serem estes animaes os mais intimamente enlaçados às lendas e às crenças religiosas (se de tal nome me é licito servir- me), não digo já dos indios da bacia do Amazonas, porque mais acertado fôra dizer, de todos os indigenas americanos. E pois que acertei em fallar de assumptos que se entresacham na zoola- tria, não me seja permittido ir para além do ponto em que nos achamos, sem chamar primeiro a attenção do leitor sobre o particular caracter pelo qual os dous adornos phallomorphos figurados e descriptos a pag. 333 e 334 têm à mais estreita aflinidade com estes adornos batrachiformes de que se trata. O caracter a que alludo é a cavidade d'aquelles objectos, que são perfeitamente ôcos, e por tal modo que, bem como nos batrachios seus afins em collocação e predicado significativo de veneração, a referida cavidade não tem absoluta- mente communicação alguma com o concavo do vaso de que é appendice ; e é mais uma prova esta que justifica a minha supposição de servirem estas cavi- dades para receber um liquido seja qual fôr, mas em todo o caso em harmonia ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 595 com as prescripções de algum rito. Vê-se, pois, que tanto os adornos phalifor- mes, como os balrachios ou quaesquer animaes assim perfurados, tinham asua razão lheogonica, a sua origem divina ; em tão elevado gráu, porém, de myste- Offertorio em terra cota, visto por dous lados. Red. a 2/5. rioso preceito de representação, que não alcançam esforços no presente a lh desvendarem os misteres a que eram destinados em tão remoto passado. Offertorio em terra cotta, visto pela face superior, que representa duas caras gravadas. Red. a 3/4 Alguns discos superiormente planos e concavos do lado inferior, seme- 396 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL lhantes a tampas de vasos, não poderão deixar de attrahir a attenção do lei- tor, já pelos bellos e emblematicos lavores de gravura que lhes revestem a face superior, já porque difficilmente se poderá achar explicação para o fim a que eram destinados tão notaveis artefactos. Offertorios ou supedaneos devem el- les ser, ao que eu supponho, ainda que sem documento sufficiente que a isso me auctorize, salvo a mesma fórma destes objectos. Dos oito specimens que possuem as collecções pacovalenses do Museu uns têm na gravura da face su- perior figuras zoomorphas, outros, emblemas cruciformes que dividem todo o disco em quatro partes eguaes. Cada intervallo, n'estes ultimos, é preenchido Offertorio em terra cotta, representando na face superior uma cruz com emblemas nos respectivos quadrantes. Red. a 2/5. por uma figura que parece ser o prolongamento redobrado da camada ou guarnição exterior da cruz ou antes do revestimento de cada quadrante, exacta- mente como na Nandyavarta, ou cruz mythica de Budha. Noutros exempla- Estructura de um dos quadrantes da figura acima representada. res, o disco é dividido em quatro partes eguaes, mas sem a cruz, apresentando cada quadrante uma série de linhas parallelas em discordancia com as dos ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 397 quadrantes adjacentes e simulando assim a configuração dos Kuas ou elemen- tos da Natureza, segundo a cosmogonia indiatica. O supedaneo ou offertorio figurado nesta pagina sob a fórma de um ja- buty, mas deixando ver no dorso perfeitamente plano a figura de um animal de cabeça dupla, apresenta, como o seu analogo cruciforme, os ornatos lateraes originando-se da camada interna, do debrum do disco, o que lhe dá tam- bem semelhança com a Nandiavarta. Fossem ou não destinados aos ido- los, estes objectos deviam ser indubitavelmente de subida significação entre os mound-builders, e o que deixo aqui vagamente exposto de sobra 0 justifica, se não me illudo. Offertorio em terra cotta, visto pela face superior que representa em gravura um animal de G53 duas cabeças entre duas saliencias de singular conformação. Red. a 3/4. Até aqui temos visto grande cópia de animaes na ceramica dos mound- builders de Marajó, mas sempre na representação de simples adornos dos vasos. E que na verdade os vasos propriamente zoomorphos devem ser mui raros n'aquella ilha, d'onde até hoje sómente tres foram extrahidos : o primeiro com o corpo de ave, mas ainda assim (Est. 5, fig. 5) anthropocephala; o segundo tendo a cabeça seu tanto semelhante ás cabeças de Lama de alguns vasos z00- morphos do Perú; o terceiro figurando um tatú (Dasypus) em terra cotta (Est, VB, fig. 5) com cerca de 8 cent. de comprimento. Sobre estes artefactos não V. vi—100 398 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL me soffre o animo calar o que se me figura ser de justiça dizer. O primeiro tem effectivamente na cabeça os delineamentos e caracteres convencionaes dos idolos de Marajó, ainda que lhe seja o corpo inteiramente estranho ao estylo Vaso representando um Lama, do Pacoval. da louça daquella ilha e denuncie,em si e por si,elemento ceramico do Perú ou das costas do golfo do Mexico, mescla provavelmente existente e mais de uma | vez renovada entre os mound-builders da grande ilha com povos d'aquelles paizes. N'estas condições está egualmente o segundo, que recorda muito particu- larmente a ceramica peruana e que não pôde deixar de tel-a por origem, em- bora remota e mal distincta já. A respeito do tatú, porém, .não posso deixar de manifestar umas entre- duvidas em que me acho sobre a sua origem talvez pos-colombiana, já pela feição do lavor em si, já pela conservação e frescura da argila, com a qual o fabricavam (1). Não foram, convém dizel-o, totalmente estudados os mounds de Marajó, nem estarei até em divorcio com a verdade, accrescentando que alguns desses monumentos são ainda de todo o ponto desconhecidos ; mas Pacoval, que é o mais notavel e o mais rico de quantos se conhecem, não nos deu até hoje senão estes objectos, entre milhares de diversas fórmas apre- sentadas em suas riquezas ceramicas, e d'ahi alguma razão nos induz a crer na raridade dos vasos zoomorphos nos outros mounds da mesma ilha (2). De Maracá, todavia, ainda que um só ponto se haja alli explorado, alguns specimens se nos deparam, dous dos quaes são aqui figurados, tendo ambos (1) Encontro nas collecções de Marajó, de par com este tatú, outras muitas pequeninas figuras de conformação egualmente bastante correcta, mas que, como o animalem questão, pódem ter sido fabrica - das para distracção e entretenimento dos filhos menores dos mound-builders ou de povos mais modernos. (2) Nos mounds de menor altura, a cujo grupo devem pertencer os de Santo Elias e Santa Isabel é bem possivel se achem alguns vasos zoomorphos. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 399 de commum com o vaso de Marajó o caracter da anthropocephalia. Uma destas urnas representa um animal que tem um quer que seja da anta (Tapirus); o ou- Urna funeraria representando uma anta (?) de Maracá. Red. a 1/4 tro, já descripto na memoria do professor Hartt, comprehendida neste mesmo volume (pg. 38), lembra mais particularmente o jabuty (Emys) e deixa ver nas per- Urna funeraria representando um jaboty, de Maracá. Red. a 1/7 nas as saliencias perfuradas a que me referi nas pg. 313 e 394. Ambos estes vasos têm uma abertura sobre o dorso e como urnas funerarias que são conti- nham ossos humanos. Por fallar ainda das urnas que durante tão largo decorrer de seculos serviram de repositorios aos ossos de um povo cujos caracteres ethnologicos mal alcançam nossas pesquizas, occorre-me de feição lançar os olhos para as similitudes que prendem a ceramica dos mounds do Amazonas com a de outros AO ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL povos, assim do territorio americano como de varios paizes do antigo conti- nente. São, de par com os instrumentos de pedra das diversas provincias do Brazil, os unicos monumentos que nos restam da raça primitiva d'este paiz; os unicos e os mais fieis, porque sobre os documentos osteologicos dessa mesma raça bem sabemos todos quão facilmente se deterioram os ossos humanos em contacto com a terra humida em que foram envolvidos. Os mounds de Marajó só nos hão podido legar alguns fragmentos de craneos, tão adiantada foi a decom- posição dos ossos, ainda que sob o resguardo das urnas em que se achavam. Se ao menos nos fosse dada a mesma felicidade que teve Lund nas cavernas da Lagôa Santa; mas os craneos das cavernas são raros, como raras são as mesmas cavernas; e nas da Lagôa Santa que se contam por muitas centenas n'uma larga superficie do sertão de Minas Geraes, não me parece provavel que tenham vivido homens, senão accidentalmente. Alli estive alguns dias e, a julgar por mais de cem cavernas que percorri, não me é dado presumir que, yoluntaria e natural- mente, podessem residir homens affeitos à vida liberrima de caçadores, corti- dos ao sol ardente do nosso clima, n'uns antros immersos em profundas tre- vas, humidos, pelo eterno cair das gotas d'agua salitrosa que lhe transudam do tecto, e não raros tendo por solo extensos e profundos depositos d'agua. , Das unicas furnas seccas das nossas rochas graniticas, verdadeiros cliffs por acaso até hoje encontrados em rarissimas paragens, devemos esperar alguns cra- neos perfeitos, que nos tragam ao menos um poucoda luz de que ha mister o, por emquanto, brumoso problema, relativo aos caracteres dos primitivos po- voadores do Brazil. Emquanto não conseguirmos este fim, razão sobeja nos impelle ao estudo das feituras d'esses homens, e é n'este interessante assumpto que trago fixos de continuo os olhos, sentindo-me arrastado após elfe no só desejo de que tenham egual enthusiasmo e ponham em contribuição suas forças, em prol de seme- lhantes trabalhos, todos quanto n'este paiz estiverem no caso de auxiliar-nos. Volvo-me, entretanto, ao de que me occupava quando tomei, accidental- mente, o desvio em que nos achavamos agora. Tratavamos da similitude que offerecem os artefactos dos mound-builders de Marajó, com os productos cerami- cos de outros antigos povos dos dous continentes. Estes similes, como já o de- clarei no principio d'estas Investigações, não são nem muito evidentes nem mui numerosos, maxime com relação aos artefactos do sul do Brazil. Offere- cem-se-nos, entretanto, alguns e tanto basta isso ao pouco de que a respeito te- nho em mira fazer menção. O ponto de analogia que mais resalta, de quantos havemos até aqui exa- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 401 minado dos artefactos de Marajó, comparados, quer com a louça do Perú, do Mexico, dos mounds, dos estados meridionaes da União Norte-americana, do Alto Amazonas, (Miracan-uera) de toda a Europa, do Egypto e da Indo-China, em summa do Globo quasi inteiro ou antes de todos os paizes em que hão sido encontrados monumentos ceramicos antigos; este ponto commum, digo, à ceramica dos nossos mounds e à ceramica primitiva de taes povos, é a urna anthropomorpha ou pelo menos anthropocephala. Dir-se-hia ter subsistido uma convenção universal, pela qual toda e qual- quer urna funeraria devesse representar, no todo ou em parte, os caracteres do individuo cujos despojos mortaes ahi foram guardados. Mas não precisamos de recorrer à transmissibilidade dos sentimentos e praticas de um povo a outros povos, para que de prompto encontremos a explicação de seme- lhantes- phenomenos. A elucidação deste facto está na idéa que tinham os primitivos povos, a respeito da morte. O Ka egypcio, de que fiz menção em a nota da pag. 357, era para os antigos habitantes do valle do Nilo, um in- dividuo, com effeito morto, mas que não deixava de compartir das attribui- ções da vida, como se, até certo grau, para nós inapreciavel, vivo ainda fôra. Era, emfim, uma individualidade mystica e um tanto mysteriosa que partici- pava do duplo estado da vida e da morte, como muito bem o comprehendeu Maspero. Ora o que pensavam os egypcios, tinha, com maior ou menor eleva- ção de idealidade, o mesmo caracter psychologico entre povos de todo o globo, nas suas primeiras phases de evolução intellectual; e d'ahi resulta o sem nu- mero de difficuldades em que se acham todos os ethnologos que tentam ex- plicar, por meio das migrações pre-historicas, as manifestações de crença, de conhecimentos e de preceitos milliares encontrados em pontos às vezes anti- podas uns dos outros. e E' tão universal a configuração humana empregada, geral ou particu- larmente, na constructura das urnas funerarias, que até hoje nenhum paiz apresentou-se por excepção a esta pratica. Virchow (1), a quem o desenvolvimento da anthropologia osteologica deve boa porção do impulso que ha logrado receber nestes dous ultimos decen- nios, foi um dos que mais particularmente indicaram as analogias dos vasos anthropomorphos da Europa com os do Perú e do Mexico. Estas analogias pa- reciam egualmente visiveis entre os vasos do antigo continente e os que (1) Virchow, Zeitschrift fur Ethnologie, 11, ISTO. V. vi—l01 4092 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL hão sido encontrados nos mownds do Ohio e do Mississipi, nos necroterios de Catamarca, ao sul da America. Devo, entretanto, accrescentar que, n'este particular, as duas localidades que mais se approximam, unindo, archeologicamente e por modo sorprehen- dente, os dous continentes, são o valle do Amazonas e as antigas cidades de Troya e de Mycenas. Refiro-me ao valle e não à foz do Amazonas, onde se acham os mounds marajoenses e as grutas de Maracá, em que tantas urnas funerarias estão a lembrar as antiguidades descobertas pelo Dr. Schliemann, porque recor- dam ainda mais as reliquias da desgraçada côrte de Priamo, os vasos encontra- dos no logar denominado Miracan-uêra (1), pouco abaixo de Manáus. E com ef- feito, basta lançar os olhos sobre as figuras representadas n'este volume, para reconhecer que, se muito se assemelham as cabeças operculadas ou tampadas da collecção troyana de Schliemann, com a que se acha no lado esquerdo da pagina 380 destas Investigações, não é menos semelhante o grande vaso da mesma collecção, figurado sob o n. 3 da Est. VA, do fim d'este volume. Figura da deusa Hera, copiada de Schliemann. , Estas analogias estendem-se a varios outros objectos dos dous paizes e em (1) Miracan-uêra significa cemiterio, e é palavra composta de Mira: gente, povo; cang: osso e uêra: que existiu, que foi. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 403 particular aos fusaiolos, ainda que nas gravuras destes, em Marajó, não me pareça haver figuras determinadas ou que deixem ver como nos de Troya, além da palavra Sigos, os symbolos Swastikas e Kuas da Lheogonia indiatica. A respeito, porém, de semelhantes affinidades, nenhuma é mais visivel do que a que oferecem as figuras da deusa Hera dos antigos gregos com alguns idolos marajoenses, cujos braços substituidos por duas saliencias curvas, co- nicas, volvidas para cima e portanto indubitavelmente corniformes, são o si- Idolo do mownd de Pacoval, Gr. nat. mulacro da lua nova, de que Hera se havia constituido entre os primitivos gregos a imagem verdadeira, sob a fórma de uma mulher com os braços em egual disposição ou sob a fórma de uma vacca, em cujas pontas melhormente se apresenta a idéa do Crescente (1). Alguns idolos da ilha de Marajó apparecem nas collecções do Museu Na- cional com os braços ou orgãos similares assim figurados, como "nol-os mos- tram as figs. 6 e 21 da Est. III do fim deste volume, sendo bem singular que povos na apparencia tão estranhos um ao outro, e de origem tão dessemelhante ao que se deve crer, tenham tão singular e ao mesmo tempo tão significativo ponto de analogia. (1) Henry Schliemann. Mycenes, traduction de Girardin, pg. 136, 141, 173 e 176. Paris, 1879. AQ4 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Schliemann, que testificou enorme quantidade de idolos de Hera em My- cenas, assim se exprime: «Parmi les idoles trouvées dans le dromos devant le tresor en question, les plus anciennes idoles de Hera representée sous for- me de femme sont trés grossitrement façonnées; quelquefois elles n'ont pas d'ornements peints, leur tête est oblongue ou ronde avec ou sans diadême ; les yeux sont grands. Quelques-unes ont des mamelles, d'autres n'en ont pas; les mains sont tantôt saillantes, tantôt croisées sur la poitrine. « A la même époque, sans aucun doute, appartiennent les idoles femini- nes qui ont la tête nue et fortement comprimée, les yeux grands, les mains etendues et pas de mamelles, au dessous et de chaque côté des quelles une corne fait saillie; ensemble des deux cornes donne la figure d'un demi- cercle (1). » A promiscuidade das fórmas anthropologicas 'com as zoologicas na cera- mica das nações primitivas induz-nos a passar das similitudes das configura- ções humanas às que apresentam os artefactos ceramicos dos varios povos an- tigos comparados entre si, em relação ao emprego das fórmas zoologicas. E' um campo este em que facil é verificar-se não serem menos curiosas as corre- lações entre os mound-builders de Marajó com os demais ceramistas pre-colom- bianos da America, do que com os artistas do antigo continente, come já ficou mencionado. Na verdade, muito maior é a cópia de cabeças de animaes ou de animaes inteiros do que o numero de figuras humanas, como adorno em relevo das urnas funerarias, jarros, terrinas, alguidares e pratos que exhibem os mounds de Marajó. E esta superioridade numerica é a mesma apresentada na louça, não só na Europa e na Asia, mas tambem na America. Vem aqui de feição indagar em que sentido seriam havidos estes ornatos zoomorphos pelos povos que em tamanha abundancia os empregavam no imperio dos Quichuas e em varios paizes da America do Norte. Por verdadeiros idolos, tudo me leva a pensar que os não adorava nenhuma tribu americana, mas que os presava em caracter de cano- pas, isto é, de genios familiares, divindades secundarias postas ao serviço intimo do morto, para acompanhal-o n'uma especie de domesticidade d'além tumulo : « De equal modo veneraban, dizem Tschudi e Rivero, como -canopas otros anima- les, menos utiles, como. venados, monos, gatos montezes, papagayos, lagartijas, peces, etc., que amoldabar con barro en forma de vasijas, las cuales enterraban con los di» (1) Henry Seliemann. op. cit. 173. & ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 05 funtos, para verter en ellos la chicha del sacrificio (1). Havia evidentemente em tal usança alguma comparticipação das praticas religiosas do Egypto e do Yucatan. Nºeste ultimo paiz os cadaveres sendo embalsamados como n'aquelle ou- tro os sacerdotes lhes extrahiam as entranhas e depositavam-nas em grandes vasos de barro, os quaes eram ornados com cabeças humanas uns e com ca- beças de animaes outros. Mas se em tudo isso alguns pontos afins se mani- festavam entre aquelles dous paizes, sobre um só caracter destas analogias, ti- nham correlatividade ao meu suppor as figuras zoomorphas decorativas dos va- sos de Marajó, e este caracter era a posição, a lórma ou a physionomia que apre- sentavam estes animaes na borda ou sobre a face de taes vasos, sem que ahi exer- cessem as prerogativas mythicas dos animaes dos vasos egypcios e yucatecas. Havia em summa evidente analogia dos continentes, mas mui provavel diversidade de conteúdo. Os vasos de Marajó, se alguma cousa continham, era o comer e o beber de que houvera mister o morto para o seu longo peregrinar no mundo ideal que só póde conceber a fé dos crentes ou a phantasia dos so- nhadores, e de uma e de outra não eram baldos os primitivos povos dos dous hemispherios. Tenho, porém, por mais acceitavel que nem sequer o comer e o beber figuravam ao lado dos ossos do finado no interior das urnas. Os mound-bwilders do Amazonas eram neste particular muito mais meta- physicos do que as nações mumificadoras. Para estas a eternidade do individuo era garantida pela conservação do corpo, ao passo que em Marajó o morto vivia ou continuava a gozar de uma existencia ideal, para a qual não precisava do seu envoltorio physico (2). Por esta razão, não só ponho em duvida a presença deste envoltorio junto aos ossos do fallecido,mas quero até suppor que muitas vezes quebtavam as proprias vazilhas pertencentes ao morto; o que além do mais explicaria a abundancia de pratos, alguidares e terrinas cujos fragmentos estão no interior das urnas funerarias ou junto dºellas, mettidas na terra (3). (1) Tsehudi Rivero—aAntegdedades Peruanas, pg. 170. (2) Entre os povos do Amazonas onde a mumificação do cadaver é inteiramente desconhecida, não indicarão estas manifestações de cuidados, esta louça que se tributava aos despójos do finado, estes idolos que se lhes reuniam, um indício mui positivo de que em outros tempos usavam os antecessores d'aquelles povos da pratica da mumificação ? Uma tal supposição toma effectivamente certo vulto quando ge reflecte que na vida nomade em que se achavam aquelles americanos, por mais cuidado que lhes me- recesse semelhante usança, não a poderiam elles pôr em pratica emquanto não se houvessem fixado e não lograssem adquirir os predicados e a sedentariedade de uma nação definida, o que conseguiu, além de alguns povos da America central, a nação quichua. (3)0 costume.de vir cada parente ou amigo do finado depositar ao lado dos despojos d'este fragmen- tos de louça, propositalmente quebrada para esta manifestação de dor e de desespero, é prescripto entre alguns povos americanos e não seria muito de admirar que tambem parcialmente o manifestassem al- gumas familias dos mound-builders de Marajó. V. vi—l02 A06 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL A louça dos mounds de Marajó conserva entretanto até certo ponto bastante rigor e originalidade nas fórmas convencionaes com que representa os or- gãos e os membros do corpo humano. Os olhos pintados, por exemplo, de que Olhos'de caras esculpidas e, gravadas no gargalo de grandes urnas funerarias. por tantas vezes deixei ver no que precede bem caracterisados specimens, (vid. pags. 295, 307 e 309; não têm objectos perfeitamente analogos em ne- nhum artefacto deixado pelos povos extranhos ao valle do Amazonas. No mesmo caso está a pintura com que se figurava a bocca em fórma de gradil ou de teclado, bem como a do nariz quasi sempre em fuso e a das orelhas ordinariamente em croque. Muitas vezes a esculptura se adaptava, Olho pertencente à cara do gargalo de uma grande urna funeraria. quanto cabia no possivel, a estas convencionalidades iconographicas, como o de- monstram as figuras das paginas 327, 331 e 335; mas noutras, e quasi sempre no alto relevo ou na ceramica de mais amplas proporções, os orgãos da cabeça: humana attingiam os moldes mais artisticos, obrigando-nos a conceber a mais ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 407 elevada idéa da intuição esthetica dos ceramistas d'aquella região. As urnas que apresentam em alto ou baixo relevo estes primoros de esculptura são em geral as de maiores dimensões dos mounds:de Marajó. O corpo da urna em a Olhos esculpidos pertencentes à cara do gargalo de uma grande urna funeraria. maior parte dos casos nada tem que denuncie a importancia que se prendia ao morto. E” liso ou simplesmente pintado de branco e algumas vezes, mui raras, com listras ou meandros de côr vermelha. Olhos esculpidos pertencentes à cara do gargalo de uma urna funeraria. Toda a riqueza decorativa está no gargalo, onde se acha figurada a cara simples, mas ordinariamente dupla do personagem, quasi sempre do sexo feminino. Os olhos, nariz e orelhas destes simulacros de caras, representam o indi- viduo, ora adormecido ou “morto, ora acordado. A cabeça pyramidal-encon- AOS ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tra grandes similes entre os Mayas e Aztecas, não, porém, os toucados mitri- formes ou os semelhantes a gorros cardinalicios com aba pendente sobre a nuca e diadema ou pente no alto da cabeça. Face mutilada, representando a orelha e o olho do lado direito de uma urna funeraria. As palpebras meio cerradas indicam a morte. Uma circumstancia particular deve attrahir a nossa attenção, e é que cada nação, com mais acerto direi, cada nucleo semi-civilisado das epochas anteriores à conquista européa, comquanto offerecendo alguns pontos de affi- nidade com os seus visinkos e muitas vezes fallando a mesma lingua, ou pelo - menos dialectos da mesma origem, tinha como que em fito determinado afas- tar-se dos seus coevos e constituir assim de antemão uma nova e diversa nacionalidade. Na ceramica, este esforço por ganhar cada povo a sua originalidade, não me parece senão mui transparente, e vem d'ahi a individualisação dos anti- gos marajó-uáras, não menos sensivel que os de Maracá e de Santarém, locali- dades ambas tão proximas entretanto da grande ilha que não estaria em grande erro se dissesse eu haverem sido todos esses povos da mesma nação, fal- lado a mesma lingua, adorado as mesmas divindades, explicando-se a profunda differenciação d'elles pelo só intento de se distinguirem entre si com vehemencia tamanha quanto lh'a media o immenso rancor que reciprocamente se votavam. Uma só objecção se me oppõe a isso: é a que se refere ao tempo. Evidentemente ninguem discorre sobre taes assumptos sem a prévia exclusão dos anachronis- mos. Marajó podia ter sido habitado muito antes ou muito depois que os ceramistas dos paizes circumvisinhos fixaram alli suas residencias e olarias. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 409 Quanto ao empenho que presumo terem tido quasi todos os primitivos centros de desenvolvimento intellectual do nosso continente, lastimo que se não haja contado com este poderoso fautor, na evolução indecifravel que teve a raça americana. Lastimo, porque foi um facto tão geral quanto natural- mente explicavel, pelo horror que deviam conservar as nações rechaçadas de seus territorios, perseguidas, truciladas, escravisadas por seus irmãos, ou . pelo menos por seus conterraneos nas lutas intestinas de que saiam vencedo- res muitas vezes, não os mais civilisados e os de mais fidalgos sentimentos, senão os mais estupidos *e os mais barbaros. Aconteceu assim entre os cultos Cliff-dwellers e os Apaches. Foi o que se deu com os pacificos Xiximecas e os Aztecas, na sua phase de ferocidade, se devemos dar credito aos chronistas aborigenes e europeus. A historia do Perú, como todas as historias escriptas pelos conquistado- res sobre os demais povos americanos, por via de regra não é documento a que possamos prestar inteira confiança; direi entretanto que vejo em todas as lendas referentes ao dominio dos Quichuas, nos Andes, notavel cunho de vero- similhança : é o modo porque aquella poderosa nação procurou desligar-se de todas as similitudes que a deviam prender aos povos do norte, dizendo-se oriun- da das regiões onde nasce o sol. Se de facto dalli veio ella, seria mister syn- dicarmos se não ha estacionado em Marajó ou se não teve pelo menos algumas raizes aflins com os mound-builders daquella ilha. Explicar-se-hia desse modo “a unica parte verdadeira do exodo recontado pelo fundador da dynastia inca- sica, isto é, a razão pela qual apontando elle para o nascente, narrava que d'alli proviera, das fontes do sol seu progenitor, depois de atravessar aguas e terras. k Sobre esta hypothese que mal aventuro ao acaso, e sem pretenções a que receba as investiduras da acceitação, teça quem tiver a precisa coragem qual- quer historia destas migrações até hoje desconhecidas. A esse, porém, advir- to que só com as mais eflicientes provas poderá ter o direito de ser acreditado e essas provas nada nos induz a crer que as possamos tão facilmente adquirir. “Os documentos que tenho em vão tentado descobrir, desde Marajó até o lago de Titicáca, pelos rios Madeira e Beni, como os de mais curta e facil communi- cabilidade, não m'os poderam ainda revelar nem as silentes margens desses gran- des rios, nem os valles ensombrados pelas mattas rumorosas da quella formosis- sima região equatorial: Accrescem outras lacunas, entre as quaes sobresaem: a ausencia da mumificação tão geralmente empregada entre os Quichuas e abso- lutamente desconhecida pelos mound-builders amazonenses, bem como a falta de V. vi—108 41 - ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL monumentos de pedra, senão em Marajó, onde não é mui commum o grés fer- ruginoso da foz do Amazonas, ao menos nas immediações de Obidos, de Santarém, em Maracá e em Miracan-uêra, localidades todas estas proximas de montanhas de grés e de gneiss com diques numerosos de diorito. Entretanto, como acontece em todos os assumptos concernentes aos americanos, não são tão poderosas como parecem estas objecções, porque se a um povo em migração não é permittido o necessario lazer para cuidar da mumificação dos seus mortos, muito menos lhe é dado construir monumentos de pedra. Ora Marajó bem podia ter sido uma simples residencia provisoria, embora alli ficassem involuntaria- mente muitos annos os colonos que construiram as collinas sagradas da ilha, Quanto aos symbolos ou signaes insculpidos nos rochedos, ha na verdade, sobre as margens do Amazonas, do Madeira e do Beni, caracteres gravados em grés e no proprio diorito, os quaes se me afiguram vestígios de migrações antigas, alli deixados com significação talvez de alto alcance para quem os esculpiu, mas são caracteres indecifraveis hoje, e sem relação alguma com os monumentos quichuas ou aymarás até agora conhecidos. A respeito da face humana figurada nas urnas funerarias, expuz anterior- mente que de quantas modalidades hão sido empregadas, a que mais se ap- proxima da fórma adoptada pelos antigos ceramistas do valle do Amazonas é à dos vasos anthropomorphos de Troya. Ao que expendi a respeito accrescentarei que não se limita a este predi- cado a similitude a que alludo. Affinidades quasi tão salientes se observam entre os artefactos ceramicos dos dous paizes tanto em relação à ornamentação d'estes e especialmente ácerca das figuras em meandros e espiras, como dos corpos de gregas, das cruzes, dos circulos e de alguns outros emblemas que duvido muito se possam nunca decifrar completamente. Nas antiguidades de Mycenas, que o mesmo Dr. Schliemann expoz egualmente à luz das scien- cias historicas, foram encontrados numerosos fragmentos de vasos, onde estes adornos, figuras symbolicas ou de pura phantasia, se manifestam em avultada cópia, sobresaindo de modo notavel as cruzes inscriptas em lozangos tão communs nos vasos de Marajó. Se compararmos agora os productos ceramicos do Amazonas e principalmente de Marajó com os da costa do sul, ninguem dirá haver analogia entre os ceramistas amazonenses e os ceramistas meridio- naes, tão diferentes se mostram dos formosos productos da louça do Amazonas os artefactos dos ceramistas meridionaes. Vasos conicos grosseiros, de espes- sas paredes, sem pinturas nem adornos de qualquer natureza, e de ordinario de colossaes proporções, taes se mostram os melhores specimens da industria ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 4141 dos selvagens do sul. Ao lado destas urnas pyriformes mal fabricadas e quasi sempre; mal cozidas, apparecem varias panellas figurando a fôrma do fructo Vaso liso pyriforme,extrahido nas visinhanças de Magé. Red. a 1/10 da sapucaia, tendo por unico adorno a impressão, em linhas enfileiradas, dos Vaso liso pyriforme,da provincia das Vaso liso, pintado de branco, da provincia Alagõas. Red. a 1/6 do Rio-Grande do Sul. Red. a 1/6 dedos ou das unhas do artista sobre a bocca do vaso; Tal é o molde mais commum da louça da costa e do interior das provincias do Sul. Em todos quan- 412 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tos Sambaquis foram até hoje desmoronados, este ha sido o typo de vasilhas nelles encontradas (1). Vaso. liso, da provincia do Rio de Janeiro. Red. a 1/7 Devo, entretanto, mencionar por excepção a louça de Belém e de alguns Vaso pintado de linhasfvermelhas em fundo branco, da provincia do Rio de Janeiro. Red. a 1/8 outros logáres da provincia do Rio de Janeiro, não longe do valle do Pa- Vaso pintado de linhas vermelhas em fundo branco, da provincia do Rio de Janeiro. Red, a 1/5 (1) Esta mesma louça qu louça que muito se lhe approxima é tambem encontrada nos proprios mounds de Marajó, e nasce d'ahi uma das maiores dificuldades para a classificação dos productos cera- micos da grande ilha. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 43 rahyba. Esta louça tem por fórma typica um alguidar quadrilongo, de borda em relevo, e dentro e por fóra um adorno entre a pintura e gravura, repre- Vaso pintado de linhas vermelhas em fundo brauco, da provincia do Rio de Janeiro. Red. a 1/8. sentando, por meio de linhas curvas e parallelas, uma decoração escamosa : de agradavel aspecto. Fragmento de um vaso egual ao da figura anterior. De tudo quanto hei até aqui expendido póde-se colher não pequena cópia das informações que me fôra possivel exhibir a respeito da contextura da louça dos nossos indigenas. O que escreveu,porém,o finado professor C. F. Hartt,e tem agora o Museu Nacionala boa fortuna de dar à luz da publicidade em todo o cor- po da primeira parte d'este volume,é o que de mais completo e de mais conscien- cioso se ha produzido até hoje no tocante ao Brazil sobre semelhante assumpto; e se alguma cousa accrescento a essa abundante messe de valiosos esclareci- mentos, não para lhe dar maior valor o faço,senão no só intento de testificar-lhe os assertos, com o que por mim mesmo pude observar. Diversas classes de ope- rarios com muita pratica e admiraveis conhecimentos artísticos uns e quasi sem aquella nem estes, outros, pódem ser tomadas por termos extremos da grande porção de indigenas que se occuparam no fabrico da louça. V. vi—104 ALA ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Eram as mulheres as oleiras, e se um ou outro homem compartia o tra- balho feminino, não era isso nada mais nada menas que uma rarissima ex- cepção. Pela natureza “dos productos. ceramicos poderiamos nós determinar os differentes niveis de cultura intellectual do povo, já não quero dizer do Brazil, mas de toda a America pre-colombiana? A questão que à primeira vista pa- rece de prompta solução é mais que muito embaraçosa, encarada synthetica- mente; porque, se perante alguns respeitos faz-se peremp toriamente respon- divel, sobre outros manda a prudençia que se lhe não dê saída alguma, que a não tem ella nem explicita, nem razoavel. Como explicar, na verdade, a ausencia da industria ceramica na Polyne- sia, em ilhas habitadas por um povo que nada menos é, ao que dizem aucto- risados anthropologistas, do que um ramo aulhen tico das nações descidas do valle do Ganges e mescladas ao sangue melanesico? Bem sei -de an- temão que a estas minhas entreduvidas me vão antepor as duas seguin- tes razões: o serem muitas d'aquellas ilhas de natureza madreporica e o haverem-se para alli transportado os malayos em epocha anterior ao conheci- mento e ao fabrico da louça na terra que lhes fôra berço no Indostão. A pri- meira razão não deixa de ter cabimento, ainda que não seja de todo satisfacto-. ria, pois é sabido que nem todos aquelles pequenos archipelagos são privados totalmente do barro de oleiro, havendo n'elles não raras ilhas madreporo-vol- canicas. Quanto ao referente à segunda razão, esta se me antolha, a muitos respei- tos, inacceitavel: Um povo predestinado a occupar, pela sua intelligencia e grande energia, uma grande superficie do globo, não podia ter inventado em- “barcações capazes de transportal-o atravez do vasto Mar das Indias, desde a costa do continente indiatico até as ultimas ilhas orientaes da Polynesia, sem que antes ou pelo menos ao mesmo passo, houvesse adquirido a invenção da louça. Sem ir mui longe, temos nos Botocudos, que estão a 4 gráus apenas ao norte do Rio de Janeiro, um exemplo da ignorancia ou do desuso deste duplo beneficio. O Botocudo, que não tem canôas, que não as'sabe construir, nem lhes conhece as innumeras vantagens, por egual desconhece o valor da louça. O fogo, que para este selvagem é de grande auxilio, servindo a lhe assar a caça ou a lhe aquecer o corpo regelado com as chuvas prolongadas, nunca o empregou o in- civilisado habitante dos valles do Rio Doce, do Mucury e do Jequitinhonha, nem sequer a lhe aquentar a propria agua. E se alguma vez o Botocudo necessita d'agua morna, O que mui raro acontece, aquece-a com o auxilio de um seixo ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 415 rolado que, depois de incandescido entre brazas, é posto dentro da cuia con- tendo a agua que se queria amornar. Já se deixa ver que quanto maior é o nu- mero dos seixos em braza atirados assim na agua contida nºuma pequena vasilha, tanto mais quente se tornará a mesma agua. Os indios que habitam os mais invios sertões do Paraná e de Santa Catharina (1) e que são provavelmente da mesma raça dos Botocudos, pois usam da adorno labial, com a só differença de ter este adorno enorme comprimento, são egualmente privados do auxilio da canõae da louça. O Sr. Gustavo Rumbelsperger, naturalista viajante do Museu Nacional, pôde sorprehender a residencia de um troço da tribu destes indios e ahi encontrou algumas cavidades circulares, praticadas no solo da cabana e re- vestidas de cêra de abelha; estas cavidades continham um liquido coberto de te- nue camada de folhas de mate pulverisadas, O liquido era, pelo que presumo,o licor inebriante d'aquelles barbaros,equivalente ao de que usam todos os povos do globo, desde os mais selvagens até os mais civilisados,e as cavidades revesti- das de cêra deviam ser as vasilhas em que se costumava guardar o precioso nectar.. Aos dous grupos supramencionados de Bo tocudos, proximos parentes um do outro, pódem-se reunir muitas das tribus do Araguaya, do Alto Tocantins, do Xingú e provavelmente das regiões que se estendem desde as fronteiras orien- taes da provincia de Goyazatéos limites occidentaes do valle superior do Ta- pajoz. Informações de diversos viajorese em particular do erúdito e labo- rioso Dr. Couto de Magalhães nos apresentam estas tribus como estranhas ao uso da louça, ainda que pela disposição physica da região que habitam sejam obrigadas a empregar a canôa na travessia dos rios e dos alagadicos de muitas leguas ás vezes de extensão. Esta coincidencia me lembra inci- dentemente a supposição em que me acho ha muito tempo de que os indios denominados Botocudos, que habitam o Espirito-Santo e parcialmente Minas e Bahia, ao Norte, e Paraná, Santa Catharina, ao Sul,são do mesmo tronco a que pertencem os botocudos do centro do Brazil, isto é,os Cayapós, os Carahós, os (1) Ha grandes analogias osteologicas e philologicas entre os indigenas Cayapós e outros povos selvagens dos valles do Araguaya e do Xingú, e as tribus que povóam uma grande parte das provincias do Paraná de Santa Catharina. Quanto a mim,supponho que em epocha pouco anterior à invasão euros péa motivo de grande peso houve pelo qual muitas tribus de Goyaz e da zona occidental de Minas Geraes foram obrigadas a emigrar para a zona oriental, sendo osbotocudos do Espirito-Santo e Bahia,ao Norte, e os Coroados de Santa Catharina e Paraná, ao Sul, os representantes actuaes d'essas hordas de emi- grados. Os córoados do Sul ligaram-se mais ou menos com os guarano-tupis e de semelhante alliancça re- sultou o haverem aprendido d'estes o fabrico da louça e muitas lendas tupicas,explicando-se assim a .sua apparente superioridade intellectual sobre os descendentes rio-docenses, seus primitivos irmãos. 46 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Gurutirés e tenho por quasi certo que, como estes, todos os outros indios do alto valle do Xingu. Os Fueguinos ignoram. tambem a arte ceramica. Seus vasos, como os dos selvagens que enumerei ha pouco,são feitos de cascas de arvores ou de couro, e com tal arte cozidos que podem transportar agua durante muitos dias de viagem, “sem perda de uma gotta. ' Traz-me isso à lembrança o uso que fazem os sertanejos cearenses dos sac- cos de couro curtido,à feição dos que sub stituem entre alguns povos da Africa o vaso de barro, de que não conhecem, nem o fabrico, nem a serventia. Os nossos sertanejos, comquanto conheçam e empreguem a vazilha de barro, pre- ferem os saecos de couro para as suas “frequentes viagens, pela unica razão de se não fracturarem estes e de não occuparem grande espaço emquanto se acham vasios. Resta-me fallar dos Uaupés, e são estes indigenas uma excepção ao exemplo des indios privados de canôa e de louça, indios que, como se deprehende do que expuz, não pódem ser classificados senão entre os selvagens da mais baixa es- pecie. Os Uaupés são uma excepção, digo, porque, sendo individuos de adiantado desenvolvimento intellectual,não usam de louça, ao passo que, como os Fuegui- nos e Patagões do litoral, servem-se de canôas. Nem poderiam dispensal-as como habitantes que são do valle do Rio Negro e particularmente das margens do rio do mesmo nome —Uaupé (1). Pelo que deixei dito, não será de boa razão o acceitarmos como prova ne- gativa de desenvolvimento intellectual de um povo a ausencia da arte ceramica entre este povo? Se me fosse permittido emittir o que penso a respeito, sem hesi- tar diria que salvo casos excepcionaes (e creio que para os Mauhés deve subsis- tir excepção tão efficiente como à que se póde adduzir a respeito dos Polynesios) a louça é um caracteristico dos povos que se acham na trilha da evolução intel- lectual; ena America este caracteristico serve ao mesmo tempo de cadeia indi- cadora dos longos exodos que percorreram varias nações adiantadas atravez de hordas 'de uma horrorosa bestialidade ; hordas que submettendo-se em parte à influenciação da onda ailumiadora, em parte tambem lhes fugiram precipites e correram a refugiar-se nos mais reconditos sertões das suas terras. Vejamos se a largos traços podemos dar acceitavel fórma a este asserto. (1) Os Uaupés estão radicados na sub raca guarano-tupy, a que se liga tambem a grande nação Caraiba. Como é pois e xplicavel este alhêamento da tribu Uaupé ao emprego e ao fabrico da louça ? E” facto esse que convém averiguar e que supponho não ter visos de verosimilhança. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 417 A America central e de par com ella ou melhor antes della a vasta região sulcada pelo rio Mississipi e Missuri, a Éste e pelo Rio Grande e Colorado, a Oeste,-foi, segundo o presumem os mais auctorisados americanistas, o grande crysol onde por muitos seculos evoluiu um sem numero de nações entre luctas tremendas que pareciam bulcões de aturado incendio, de continuo alimentado pelo interminavel apparecimento de novos immigrantes, que se faziam inscien- temente combustiveis mantenedores da immensa e eterná fornalha. Se neste viver attribulado retemperou-se e aperfeiçoou-se endogenicamente uma parcella d'aquella multidão e veiu a constituir-se assim esse punhado de pequenas na- ções a quem devemos a civilisação grandiosa e relativamente elevada do Me- xico, de Guatemala e de Yucatan, da qual foi precursora a civilisação do Mis- sissipi e do Rio Grande, ao Norte do Mexico, ou se foram taes nações já tão cul- tas provênientes das costas do Estreito de Behring. não é questão resolvida até hoje, nem que o fosse, vem de molde o discutil-a agora. Cogito apenas de au- thenticar o curso evolutivo que ha seguido a cultura intellectual dos povos que tiveram, ao que parece, por antecessores, nas regiões septentrionaes da America, os cliff-dwellers ao poente, e os mound-builders, ao nascente, e que attingiram sob o nome de Toltecas, Mayas e Aztecas o apogeu da sua civilisação no Mexico e no Yucatan. Tudo nos induz a crer que d'estes ultimos paizes colonias successivas de foragidos, sob a pressão de indiziveis calamidades, partiram-se para o sueste umas, atravez das Antilhas ou ao longo da costa da Venezuela e das Guyanas, e tomaram directamente outras, o interior do vasto corpo da America do Sul, remontando o Magdalena e 0 Orenoco ou qualquer outro grande rio dos que se acham entre a costa da Venezuela e o Amazonas. (1) Os grupos migratorios foram numerosissimos e bem é de crer por isso que todas estas direcções houvessem sido tomadas em epochas diferentes. Explica-se assim essa maior ou menor analogia que sabemos haver sido manifestada entre os diversos povos civilisados da America do Sul com os da America Central, apezar da caracterisação de que cada grupo se foi proposital mente revestindo para mais depressa attingir o seu casual ou convencional in- dividualismo. Desta migração não ha duvida que fôra para alguns temporaria “e, para outros, remansosa ou talvez terminal estação O leito do Amazonas. Mas o grande rio era povoado de cabildas bravias, que pela sua superiori- * (1) As fórmas dos mounds, a louça nelles encontrada, as crenças religiosas,as praticas observadas, e tantos outrós indicios deixados pelos povos do valle inferior do Mississipe que tinham com os do Me- xico não raras aflinidades tentam-nos a suppor que d'alli nos veiu a mais grossa onda de fluxo migratorio | que invadiu a America meridional, V. vi—l0S 4148 ARCHIVOS DO MUSRU NACIONAL dade numerica, senão pela sua grande ferocidade, oppunham, algumas vezes ou nalguns pontos do curso do rio, não fracos empeços ao domicilio dos invasores. Aquelles que dentre estes se viram perseguidos, não podendo regressar para as regiões d'onde haviam emigrado, abraçaram o só alvitre que se lhes ante-offere- ceu; os que se achavam junto à foz do Amazonas transpozeram-o e seguiram ao longo da costa para o sul até as regiões platinas ou remontaram o grande rio, attingindo assim as suas cabeceiras. Os que estavam no curso superior, ou desceram rio abaixo até Marajó, ou tomaram o Madeira, o Beni (1), o Purús, o Yapurá ou o Ucayali e foram erguer assim a sua tenda de proscripção nas encostas orientaes dos Andes ou ao sul, nas margens dos tributarios do Rio da Prata, em cujo valle, mais tarde, seus descendentes, mesclando-se aos barba- ros da terra, deviam constituir numerosas, ainda que rudes e selvagens nacio- nalidades. À Lancemos agora um volver d'olhos sobre este esboço da migração dos povos mais adiantados da America, de uma para outra parte do continente, e reconheceremos quanto se ajustam as regiões percorridas e povoadas pelos re- feridos povos com os testemunhos ceramicos ahi deixados por elles. Os botocudos bem como os Cayapós, os Carahós e todos os demais indios que senhorêam o centro do Brazil, ainda que ao de leve lhes hajam tocado as extremas ondulações desta corrente migratoria,estão a testificar-nos, com a sua — inaptidão para os trabalhos de louça, que não pôdem ser os descendentes directos e puros de nenhuma das nações foragidas a que acabo de alludir. Ao contrario, todos os povos dos Andes, das margens do Prata, da costa do Brazil e mais do que estes os habitantes do Amazonas e em particular os da ilha de Marajó e da foz do rio até a do Tapajoz, bem como os que povôam as immediações da foz do Rio Negro, são todos peritos oleiros (2). (1) O Beni e o Purús são os dous rios - que offerecem o mais commodo e o mais curto trajecto da parte média do valle do Amazonas para as encostas orientaes dos Andes. Sê, como suspeito e deixei ver, em paginas precedentes, subiram do valle do Amazonas as tribus que se chamaram Aymarás e Qui- chuas, no alto da Cordilheira, talvez que por esses dous rios houvessem attingido aquelle paiz. O Beni, sobretudo, é de facil navegabilidade e quasi que sem grandes curvas, mede o espaço que medêa das cer- canias do lago Titicaca às cachoeiras de Santo Antonto do Madeira. (2) Não se me dê o nome de phantasista, com que foi appellidado Brasseur de Beaubourg, que o não merece quem sómente em factos procura assentar os seus assertos. As migrações a que me aqui tenho referido, estão nas tradições hereditarias das mais intelligentes tribus guarano-tupys e quichuas, e o que mais é vemos que nol-as demonstram as numerosas inscripções aos nossos olhos de indecifravel significação, mas de mui presumivel valor, se julgaymos pelo enorme trabalho que exigiram semelhan- tes caracteres abertos em grés, em granito e até em diorito; sendo provavel que os houvessem gravado com instrumentos de-pedra, pois que até hoje nenhum dos utensilios de cobre, de que se serviram os clifdwellers e os mound-builders do Ohio e do Missuri, ha sido encontrado no solo brasileiro. Uma ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 119 Creio, portanto, que sobeja razão me envalesce no que tenho dito a respeito da superioridade intelleciual dos mounil-bwilders de Marajó, inquestionavel- mente collocados entre os mais perfeitos ceramistas americanos. A colonia que alli se fixou conservava parte das-tradições que trouxera das longinquas terras d'além do Golfo, e se de semelhantes tradições não nos deixou mais do que pallidos e indecifraveis reflexos, é que immensa distancia e longos annos se pozeram de permeio a lhes ennevoar, cada dia, e a mais e mais a imagem destes caracteres intimos da sua distante e talvez quasi deslembrada patria. Além de que, não havendo sido completamente exploradas nem todas as regioes da foz do Amazonas, nem todos os monumentos deixados na America Central, nem os numerosos mounds do Missuri ou do Ohio, póde bem acontecer que novas provas ahi se nos deparem que justifiquem a supposição, a que não sou avesso, sobre a commum origem dos mownd-bwilders de Marajó e dos do alto Mississipi. Continuemos agora as nossas investigações até a Terra do Fogo, e não nos será dado duvidar de que para aquellas inhospitas penedias du extremo meridional do novo continente se refagiaram os bravios aborigenes primitivos da America do Sul, irmãos ou proximos parentes dos nossos botocudos (1). E, com efeito, como estes, sabemos que desconhecem os Fueguinos e os Patagões mais selvagens não sómente o fabrico, mas tambem o uso da louça. E”, pois, a arte ceramica, na ausencia de outros documentos, o padrão e o termo comparativo mais eficaz de que se póde dispor para o estudo do nivel intellectual da quasi totalidade dos povos prehistoricos ou selvagens. O homem barbaro que se vai fixando à vida social parece natural que do - pois de construir a cabana em que se lhe abrigue a familia, cuide em seguida do fabrico da louça, onde tenha em deposito, além da agua, do mel e das bebera- gens fermentadas, as sobras da refeição que lhe ministram a caça ou a pesca, os fructos não sazonados, os pequenos instrumentos de caça e de guerra, os ador- nos da esposa, de par com outros objectos de serventia da familia. A louça tem particularidade digna de attenção, é o haverem-se descoberto estas inscripções nas paragens mais de- sertas do Brazil, como a denunciarem os pontos extremos das longas peregrinações dos povos que nos legaram estes singulares monumentos. ) No dia em que taes inscripções forem interpretadas, e tudo me induz a crer que jámais o hão-de ser, a historia do homem sul-americano terá quebrado o enigma da sua urdidura e verá dissipada a densa bruma que a envolve. : (1) No mesmo caso dos Fueguinos, no extremo sul, estão os Esquimaus no extremo norte,tendo com aquelles e com os botocudos grande numero de caracteres analogos. A corrente migratoria de uma raça que teve por local de apparecimento a America Central e toda a zona meridional da União Americana, parece ter assim rechaçado para as duas extremidades do continente e centro da America do Sul os pri- mitivos filhos d'este velho solo americano, individuos com tão vehementes vislumbres de autochthono- mismo, como nenhum povo ainda os apresentou mais manifestos. e 420 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL sido por esta razão mais ou menos a mesma para todos os povos primitivos, no- tando-se no desenvolvimento do modo de fabrical-a, um quer que seja de in- telligencia hereditaria de que são dotados os animaes constructores. Em todos os paizes e sob todos os climas em que a mulher selvagem tomou de um pouco de argila para fabricat um vaso qualquer, por modo tal se houve na preparação e no enrolamento desta substancia e no fabrico do vaso, com o impulso da rotação dado ao cylindro de argila entre seus dedos, que parece repetir instinctivamente e com a maior fidelidade o que fizeram as louceiras primitivas do Globo, que o mesmo effectuam ainda hoje as louceiras selvagens nas paragens onde a civilisação deixou de penetrar ou vai tendo apenas fra- quissimo ingresso. Um exemplo notavel da sciencia intuitiva ou antes da experiencia tradi- cional das louceiras selvagens,é o que ellas praticam para eliminar ou attenuar a retractilidade da argila, ao contacto do fogo na cozedura da louça. Esta operação, que exige da parte dos profissionaes bastante pratica, executam-na admiravelmente as referidas louceiras, dosando a argila com a substancia porosa na justa pio ponção que houyera empregado o mais habil ceramista. Uma callota talhada ordinariamente na carapaça da tartaruga ou no fructo da Crescentia Cujete é a base inicial de todo o trabalho : é ha n'isso razão, por- que se pela sua convexidade inferior toma essa pequena placa circular o rapido e facil movimento rotatorio tão util ao trabalho da louça, na sua superficie su- perior ha a cavilade necessaria á formação do fundo do vaso, que se lhe dito pta perfeita e commodamente. | Este é o modo-pelo qual se fabrica a louça indigena modem em toda a America, e era essa mui provavelmente a prática seguida entre os antigos po- vos. Havia, comtudo, no Alto Amazonas certas tribus que, ignorando tão exequivel trabalho, amoldavam as vazilhas á face interna de cestos de palha, que, queimados depois de cozidas as vazilhas, deixavam impressa na louça a contextura do entrançamento da palha. Egual costume observou Hunter (1) entre os indigenas das regiões occidentaes do Mississipi. O trabalho da pintura que se fazia em fundo branco, ora com tinta ver- melha, ora com a mesma tinta mesclada a uma côr vegetal negra, nada era comparado com o trabalho da gravura e da esculptura. (1) Hunter. — Manners and customs of several Indian Tribu Weste of the Mississipi. Philad., 1823. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 42 O da gravura era effectuado com um dente de cotia, à guiza de buril, o quai talhava na superficie lisa e meio endurecida do vaso a parte que deyia ser de antemão indicada a traço por quem dirigia o trabalho. O dente de co- tia era o mais ordinariamente usado, porém os de outros roedores prestavam-se tambem ao mesmo trabalho, conforme as dimensões dos adornos. Urnas ha deste genero, de tão apurado gosto e de tão delicado lavor, que mais parecem producto da industria adiantadissima de povos civilisados do que artefactos de barbaros. Nas urnas ornadas de esculpturas nota-se mui facilmente o modo por que os accessorios foram fabricados e apegados em seguida ás paredes ou á borda do vaso. Em qualquer dos tres supra-mencionados generos de trabalho ceramico, O que mais sorprehende é a precisão micrometrica da visualidade do artista, precisão manifesta na symetria dos agrupamentos repetidos, na regularidade das linhas geraes e das mais simples minuciosidades supplementares e mais que tudo issó na harmonia do conjuncto, sem qualquer damno para as mi- nimas figuras da decoração: A louça era esculpida, gravada e pintada, depois de ensombrada por al- guns dias. Em seguida à operação do trabalho decorativo, é que se a conduzia ao sol e por fim ao fogo. Em duas paragens differentes e muito affastadas uma da outra: na aldeia de S. Pedro, sobre a margem esquerda do S. Francisco é na aldeia de Taperibá, no rio Capim, provincia do Pará, presenciei a queima da louça indigena pelo modo que supponho ser o mais empregado em todos os pontos da America. Nada mais primitivo nem mais commodo que esta queima. Amontôa-se toda a louça mui cuidadosamente, interpondo-se nos intersticios do vasilhame, ao passo que elle vai sendo empilhado, as varas ou achas que devem constituir a um tempo os pontos de apoio de cada vazilha e o combustivel da queima. Algumas vezes ou entre algumas tribus os pontos de apoio são inteiramente independentes do combustivel e n'este caso empre- gam-se fragmentos de louça ou pedaços de barro cozido. A lenha assim pre- parada toma a disposição de um trama rectangular em camadas tanto menores quanto mais elevadas. Já se deixa bem vêr que toda a pilha simula d'esta sorte a fórma pyramidal, que mais se caracterisa com a superposição de varas postas ao alto e à- feição das faces da pyramide, revestindo-a completamente. A lenha, mui de sciencia escolhida d'entre a mais secca e resinosa, arde de prompto, dei- V. vi. —106 429 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL xando cozida toda a louça, mas, por via de regra, com alguns vasos em parte mal cozidos e outros estalados'ao contacto do ar (1). A cozedura da louça que se faz com maior ou menor proveito, na rázão dos: cuidados empregados, já nà preparação da argila, já na propria queima, tinha adstricções referentes à mais antiga theogonia americana. Ao norte do Brazil e no valle do Amazonas em particular, uma infinidade de causas, só conhecidas das mulheres louceiras, influia, ao dizer d'ellas, de modo mui notavel sobre:a operação da cozedura e muitas vezes sobre o fabrico do vasilhame. Para umas tribus era indispensavel attender-se às phases da lua, para outras tinha grande importancia a localidade d'onde se extrahia a argila, não pela natureza d'esta substancia em si mesma, porém por haver passado pela! influencia de espiritos malfazejos. Entre os indios do sul, as tribus lou- ceiras vivem na convicção de que sem a boa intervenção, de uns duendes, crianças louras de longos cabellos e de rara formosura a que ellas chamam Curupiras (2), é-lhes de todo o ponto impossivel obter boa louça. Infelizmente raros são os individuos que hão logrado possuir a benevolencia Vaquelles sin- - gulares genios das florestas, cujo nome e cujos caracteres nada mais são, ao que supponho, do que uma modificação do seu typo homonymo muito mais ge- ralmente conhecido no interior. Estes espiritos mais dispostos ao mal que ao bem, precisam de ser illudidos ou lisonjeados com alguns presentes de pequeninas vasilhas para que, entretendo-se com estes brinquedos junto das barreiras, não façam qual- “quer damno á argila. Segundo as crenças das louceiras, têm por costume aquelles entesinhos malfazejos fabricar, traquinando uns com os outros, bolinhas de barro e pequeninos nhamimbos (3) que atiram nas cavidades das barreiras. A louça preparada com a argila a que se houver misturado uma d'essas bolinhas ou desses nhamimbós estala toda ao contacto da cham- ma durante a cozedura (4). Estas-crenças das louceiras américanas relembram as superstições dos ceramistas primitivos da Europa e da Azia, que tinham (1) Na localidade denominada Tirerê, no Rio de Janeiro, entre osrios Ubu-assú e Guapy vi queimar- se a louça pelo mesmo systema ; as lonceiras pertenciam à familia do Sr. Sacramento. E” tambem singu- lar o serem ainda pessoas do sezo feminino as que se occupavam disso, havendo homens em sua casa. (2) Curupira, na theogonia das provincias do norte e do interior do Brazil, é do sexo masculino, representa o genio malefico dos nossos bosques, ainda que algumas vezes se torne util ao homem, mórmente se este é sagaz é póde illudir o Curupira. (3) Chama-se nhamimbó o cylindro de argila com que se começa o fabrico de cada vaso. Este cylindro envodilhado constitue o fundo do vaso. ; (4) As informações aqui expostas são extrahidas das notas do Sr. G. Rumbelsperger, que viveu muitos annos em contacto com uma tribu louceira do Paraná. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL - APS tambem a convicção de que os seus artefactos eram-sujeitos à influencia de va- rios seres sobrenaturaes, divindades quasi sempre dispostas a molestal-os. Hero- doto conta que Homero, convidado pelos ceramistas de Samos a cantar-lhes alguns de seus bellos versos, a troco de vasos ou-de outros presentes que lhe dariam,-o poeta improvisou um canto invocando o auxilio de Minerva - em favor dos trabalhos ceramicos, ou o furor de Syntrips, de Smaragos; de Asbestos, de Abactos e de Omodamos, espiritos damnosos aos oleiros, caso quizessem aquélles ceramistas illudil-o..O Forno é o nome pelo qual é conhe- cida esta invocação homeriana. Na louça em que, salvo algumas modestas esculpturas e Loscas pinturas, observa-se a maior simplicidade, nada se nos depara que nos pareçã muito aci- ma da intellectualidade das pobres selvagens incumbidas da confecção do tra- balho. Mas, se attentarmos nos bellissimos specimens da formosa e complicada ornamentação dos lavores dos mounds de Marajó e do Mississipi ou das huacas do Perú e da Bolivia, de certo que uma grande sorpresa se apoderara de nosso es- pirito, sorpresa muito maior se averiguarmos que foram sómente mulhe- res que fabricaram e ornamentaram aquelles primores ceramicos. De todos os historiadores que nos deixaram minuciosas informações a respeito das praticas dos aborigenes nos dous primeiros seculos após a con- quista, sabemos que ás mulheres eram exclusivamente confiados os trabalhos ceramicos, quer de esculptura, quer de pintura. “João de Lery, Claudio de Abbeville, Hans Staden, Gabriel Soares, Ivo dEvreux e muitos outros cujos nomes inutil fôra registrar agora, todos de accordo na tra- dição desta usança, nos dizem que o trabalho ceramico por mulheres era exclu. sivamente feito, e do mesmo facto legaram-nos egual testemunho os auctores hes- panhoes e americanos, coevos d'aquelles, no que disseram a respeito das Missões do Prata, das nações dos Andes, do Pacifico e do golfo do Mexico. Uma questão, comtudo, suscita-se sobre este terreno e de tanto valor se me antolha a urdi- dura que a envolve, que não hesito em tomal-a por uma das mais embaraçosas da archeologia. Quero alludir aos adornos significativos ou emblematicos, a que tantas vezes até aqui me hei referido, e mais sinda ás pinturas ideogra- phicas de que ulteriormente terei de tratar n'estas Investigações. O que dedu- zir se pôde do que deixei dito no tocante à auctoria exclusiva das mulheres no “Jabor da louça precolombiana ? Que se lhes deve tambem toda essa escriptura symbolica ou figurada em que estão talvez representados os annaes das suas respectivas nações? Fóôra isso nada menos que retirar aos sagrados payés, aos oraculos de todos os povos h24 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL americanos, a investidura de semi-deuses que lhes dão não sómente as lendas aborigenes, senão e muito mais ainda a historia dos nao tempos da inva- são européa. Não eram sómente os sacerdotes dos imperios sala Me dos Chibchas e dos Quichuas que tinham essa inacreditavel ascendencia no animo dos seus con- “terraneos e dos seus proprios soberanos. Em todo o vasto territorio sul-america- no, áquem da cordilheira e em todas as regiões ao norte do grande Golfo, na- ções numerosas, aguerridas e ambiciosas de novos territórios umas, pacificas, scismadoras é imaginosas outras, viviam á feição de seus instinctos de indomita ferocidade ou ao sabor de suas tradicionaes usanças de pacifica existencia, e to- das estas nações tinham seus chefes e seus sacerdotes, tuxáuas (1) e payés, que lhes dictavam leise lhes ensinavam o conhecimento das cousas visiveis e invisiveis, a sciencia do presente e do passado. Na America Central e muito disposto estou a crer que entre os povos do valle do Amazonas d'alli prova- velmente oriundos, não era raro encontrar sacerdotes mantendo absoluta “ascendencia sobre os reis ou chefes civis, quando estes não eram ao mesmo tempo, como acontecia em quasi todas as nações primitivas, os maximos pon- tifices da nação. Fosse qual fosse, porém, o poderio dos chefes civis ou religiosos, é certo que eram elles os guardas das tradições e os sabedores das cousas da terra é do céu, e não é muito de bom raciocinio, admittir-se que sem a direcção ou dicção d'elles, podessem as louceiras esculpir ou pintar todo o copioso repertorio do sy mbolismo que nos apresentam os productos ceramicos d'aquelles povos. Não alcançamos, é certo, noticias ou claros testemunhos, na lição dos au- ctores que escreveram sobre assumptos americanos, de como e do modo por que esta louça representativa era feita sob a dicção dos sacerdotes. Dizem apenas os mais antigos escriptores que as americanas mostravam rara habilidade para fabricar objectos de louça, que os tinham em abundan- 1) A palavra tuxáua, nada tem, se me não engano, ou como já li algures, com as linguas ameri- canas. Supponho ser nome homophonico de toschauer que no baixo hollandez significa: conductor, ins- pector. O Dr. Roberto Lallemant (Reisen in Nord Brasilien, Vol. 4º, pg. 182) refere-se tambem a esta particularidade. * Talvez haja nesta palavra o homophonismo que apresentam muitas outras comparadas com linguas européas ou indiaticas; mas que tomem grande cuidado aqlielles que se deixarem prender ao encanto destas seductoras miragens. Cerca de cincoenta nomes tupicos logrei contar um dia que me offereceram, de momento, maior ou menor analogia com palavras de linguas do antigo continente, a que se não prendiam nem se podiam prender debaixo de qualquer ponto de vista philologico. Uma d'estas palavras, e por certo a de caracter menos saliente, é o nome caveira, que escripto e lido cauêra e ainda câuêra, significa o mesmo objecto na lingua guarano-tupy, com a qual entretanto nada tem que ver a palavra latina calvaria da qual é derivada. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL , 425 cia « de colorados wy pintados y negros, platos, cajetas, saleros, almofias, jicaras muy galanas...... » (1) mas nenhum attentou na louça pictographada, na cera- mica monumental, porque talvez a esse tempo já nenhuma das nações con- quistadas a fabricasse. Ao que me parece, a louça representativa ou monumental devia ser pre- parada sob as vistas dos sacerdotes,especie de escribas e talvez antes chronistas, os quaes ou dirigiam o trabalho ministrando para as figuras symbolicas o debuxo que deviam seguir as louceiras, ou tomando elles proprios dos instrumentos e dando a ultima de mão aos caracteres figurativos e com mais probabilidade quando se tratava de figuras pintadas. E se assim não era esculpida ou pintada a parte convencional emblematica da ceramica dos antigos povos da America e em particular de Marajó que tão distinctamente se avantajava neste caracter, força será attribuirmos às mulheres ceramistas mais do que o seu notavel desenvolvi- mento artistico, um elevado conhecimento das tradições seculares dos povos seus ascendentes,uma cópia de saber sópor-si bastante a erguel-as ac nivel dos sacerdotes. Na carencia de testemunhas efficientes que nos elucidem este ponto, limitemo-nos a admirar, pelos bellissimos artefactos até hoje descobertos, as artistas que em tão remoto passado, heroinas anonymas e desconhecidas de um povo ignorado, nol-os-hão legado através de dezenas de seculos decorridos. Ainda hoje nas descendentes d'aquellas mulheres, persiste a superioridade artis- tica do seu sexo sobre os varões da mesma raça. A louça,os tecidos e todos os demais trabalhos em que de par coma habilidade manual, resurgem as pro- ducções graciosas da inventiva imaginação indigena, são os testemunhos da intuição artistica da mulher americana. Somos, portanto, auctorisados a crer, que se mui profunda se nos afigura a degenerescencia da nossa raça aborigene pela sua individuação masculina do presente, a mulher americana, ainda que comparticipe do depreciamento moral e da decadencia intellectual do sexo forte da mesma origem, ha conseguido guardar vestigios vehementes e mui au- thenticos da elevada mentalidade das suas ascendentes. (1) Gaspar de Sosa — Memoria del Descobrimiento del Nuevo Reino de Leon, 1590. V. vi—lO7 426 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL VI Inhumação dos cadaveres fóra das collinas sagradas. — Urnas encerrando unicamente os ossos do morto. — Como se preparavam para este fim. —Usos e habitos deprehendidos das mes- . mas urnas e dos artefactos que ellas continham ou que as acompanhavam. —Figuras de prisioneiros de physionomia desconhecida. — Tanga ou Babal—adorno de pudicicia, instru- mento de protecção e de hygiene ou expressão symbolica de um nto. — Outros objectos de adorno pessoal. — Contas ou perolas attribuidas aos Phenicios, achadas entre artefactos de pedra, na provincia do Rio Grande do Sul. — Instrumentos de. trabalho. — Ausencia absoluta de armas e de cachimbos nos qmounds de Marajó. —Typos de cachimbos encontrados em outros pontos do Brazil. Numerosas tribus da America e em particular do valle do Amazonas, têm ainda hoje por costume guardar com os cuidados de uma quasi piedade christã os ossos dos entes queridos que lhes fallecem, mas sem a menor atten- ção a qualquer outra parte dos despojos do morto. (1) A mumificação é ainda hoje e era outr'ora, senão desconhecida, pelo menos descuidada entre estas tri- bus. Os mound-builders de Marajó que seguiam semelhante preceito deviam en- terrar os cadaveres de seus parentes nas planicies da ilha, periodicamente cobertas pelas enchentes annuaes e talvez até em vallas profundas, onde a agua permanente mais depressa decompozesse as carnes do cadaver. De muitas tribus que assim procedem é sabido que nem esperam sequer a completa decomposição da carne. Em lhes parecendo sufficiente certo tempo fixo para a putrefacção dos musculos, extrahem os ossos mal despidos dos mes- mos musculos e os limpam ou despojam da substancia molle putrefacta, seccan- do-os ao sol e guardando-os depois em cestas ou em vasos de barro (2). Na ilha (1) Informaram-me differentes pessoas que visitaram os indios Ipurinans, e entre ellas o Capitão Tourinho de Pinho, que conviveu com os referidos indios alguns annos, no valle do rio Aquiri, onde ha pouco falleceu, que estes indios, de elevados sentimentos e de intelligencia superior à do commum da mesma raça, guardam em cestas no interior das casas os ossos dos seus mortos como objecto de muito particular veneração. (2) Os indios Maories da Nova Zelandia tinham por costume expor o cadaver dos seus mortos em plataformas especiaes, até a decomposição da carne, depois do que lavavam os ossos e guarda- vam-n'os em uma caixa que depositavam sobre uma pilastra junto da povoação. Dieffenbach, Nou- velle Zelunde, Vol. II, pg. 68. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 427 de Marajó e mais particularmente no mound do Pacoval os ossos eram deposi- tados de varios modos nas urnas; numas havemol-os encontrado reuni- dos em um pacote no íundo do vaso e atados com tiras de uma casca que nos não foi possivel determinar, mas que evidentemente é de planta textil; n'outras parecem ter sido envolvidos em terra, de permeio com fragmentos de vasos, como para ficarem mais comprimidos e encher-se assim completamente a urna. Sobre esta particularidade é bem difficil conceber, como já deixei ex- - posto, a idéa que tinham da vida d'além tumulo os homens primitivos. Compre- - hende-se perfeitamente a crença nessa existencia em povos que,como os Egy- pcios e os Peruanos, mumificavam os seus mortos, premuniam-n'os de qualquer elemento de destruição, e rodeiavam-n'os de todos os preservativos contra 0 anniquilamento subsequente à morte, ministrando-lhes até o alimento indis- pensavel á ideal existencia ou à presu pposta jornada da vida eterna; mas não “é facil imaginar a mesma convencionalidade com relação a individuos cuja carne se decompoz à acção corruptora das terras alagadas dos pantanos, ao dente dos'peixes (1) e ás mandibulas das formigas, e cujos ossos são ainda en- volvidos em terra, no proprio interior da urna funeraria a que são confiados. Não sei se tambem se usavam encinerar parcialmente os ossos aquelles in- dividuos de cujos caracteres tão poucas ou tão raras vezes se approximam os povos mais conhecidos da America. Dous ou tres craneos foram, é certo, en- contrados no Pacoval, meio calcinados no interior das urnas (2), e é de crer que outros testemunhos identicos ainda se nos possa m deparar em demonstração desta pratica; porém, não deve ser ella havida, ao meu pensar, senão por ex- cepção entre os nossos mound-builders. Demais, não se pôde com segurança dis- cutir este facto, porque nem certeza ao menos temos de pertencerem taes cra- neos encinerados aos mesmos mound-builders (3). O que mais nos interessa co= (1) Entre algumas nações do Amazonas, o cadaver era envolvido n'uma grossa rede de malhas, por modo que os peixes podessem devorar a carne sem arrebatar os ossos,d'esta sorte completamente limpos em pouco tempo. (2) O Sr. Gustavo Rumbelsperger, que enviei ultimamente ao Pacoval, afim de continuar as escava- ções que alli deixei bastante adiantadas, encontrou um d'estes poucos testemunhos de encineração até hoje conhecidos, dos mownd-builders de Marajó. (3) Os indios agigantados do interior de Santa Catharina, denominados Botocudos e que julgo serem os mais bravios e ferozes de toda a America do Sul, conservam a pratica da encineração. Estes selvagens, que não usam de louça, queimam os cadaveres dos seus parentes e enterram-lhes os ossos em cavidades preparadas no solo com perfeição tal que parecem wmas mettidas no chão. Sobre cada cavidade em que'se encontram ossos calcinados de permeio com carvão, erguem pequenos cones de terra, mais ou menos altos, conforme a importancia do fallecido. Para os Caciques estes cones são de metro e meio.a dous metros de altura, sendo de meio metro para os individuos communs. (Aponta- mentos colhidos do relatorio ineditc do engenheiro Diogo de Vasconcellos). 428 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL nhecer é o modo por.que se preparavam as urnas para receberem o deposito sa- grado que se lhes confiava, que n'isso cuido eu empenhavam-se esforços é ap- plicava-se todo o engenho de que dispunham os artistas da tribu. As urnas deviam ser feitas depois do trespasso do individuo,cujos ossos eram destinadas a guardar. O trabalho que exigia cada vaso mostrava-se tão multiforme quanto póde ser variavel o gráu de apreço ou de valor e de poder attribuidos ás pes- soas mais ou menos distinctas de-uma nação, embora pequena e semi-barbara. De milhares de fórmas diversas, quer no tocante à conformação dos mes- mos vasos, quer nas suas decorações gravadas ou pintadas, uma só cujos caracteres serão mais adiante mencionados, se me afigura representada por al- guns specimens : as outras ainda que sob a influencia de determinados cara- cteres, testemunhos da commum origem de todos os productos ceramicos, mos- tram entre si a maior diversidade. Em alguns destes vasos observam-se vagos vestígios de uma juneção ou emenda que denuncia haverem sido elles formados de duas metades como os fabricavam em diversos pontos do Perú. Não tenho, entretanto, efliciente prova de semelhante facto, que só me fôra dado explicar pela necessidade de guardar no interior de taes vasos, de bocca de ordinario mui pequena, os esqueletos ou os proprios cadaveres inteiros, como os con- servam os indigenas do sul. (1) Ha, comtudo, algumas urnas cuja bocca, de exigua que a fizeram, não permitte nem ao menos a passagem de um pequeno craneo, e foíça será por isso admittir ou que fossem ellas fabricados em duas partes justapostas e soldadas ao depois, ou que estivessem os ossos dos craneos desarticulados, podendo ter sido tambem encinerados quando foram alli mettidos, posto me não pareça isso muito acceitavel. Os vasos mais ricos pela diversidade de fórmas, não são menos no- taveis pela variabilidade da sua estructura e decoração, sendo muito de admi- rar que esta variabilidade não tenha a menor distincção no tocante ao nivel do solo em que foi inhumado cada vaso. As urnas pintadas, bem como os peque- nos pratos e os alguidares tambem pintados,apresentam indistinctamente a côr vermelha ou a côr quasi negra sobre fundo branco. Algumas vezes, rarissimas, uma das duas côres ornamentaes deixa de ap- (1) Entre os manuscriptos e desenhos ineditos deixados pelo Dr. Carlos Rath,que por meio seculo viveu em S. Paulo e percorreu os sertões d'aquella provincia e da do Paraná, encontrei o desenho de uma grande urna contendo a mumia de um chefe selvagem, na mesma posição das mumias peruanas, tendo-se-lhes para isso atado os braços e as pernas com fibras. O vaso, porém, que devia ter sido fa- bricado em duas partes para poder guardar a referida mumia, evidentemente não foi cozido depois de soldado, como não o podiam ser os que no Perú ou em Marajó contém ossos inteiros e mumias. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 429 parecer e o vaso perde assim não pequena parte da sua belleza. A tinta branca, applicada como fundo da pintura, é composta unicamente de tauá-tinga, nome indigena, por vezes já por mim empregado nas paginas precedentes e si- gnificando: argila branca. Geralmente a gommo-resina só é applicada no in- terior do vaso, no momento em que este, completamente cozido, é retirado quente em braza das chammas. Na ausencia de quaesquer outros documentos que nos revelem os cara- cteres ethnologicos dos nossos mound-builders, procuremos descobrir estes ca- racteres na ceramica deixada por aquelles individuos. Na collecção archeologica de Marajó, representada actualmente no Museu Nacional por grande numero de urnas de variadissimos tamanhos e lavores, sobresãe um grupo notabilissimo, quanto à sua quasi uniforme contextura, não menos que pelo grande numero de vasos que o caracterisam. Este grupo, perfeitamente representado pela urna figurada a pag. 327, compõe-se de vasos anthropomophos do sexo feminino com o caracter dualista às vezes. Os adornos em baixo relevo destas urnas, nada mais são do que a representação dos mem- bros e dos orgãos do individuo, que se teve em mira imitar, embora com as phantasiosas convencionalidades,entre as quaes basta allegar a dualidade figu- rada em alguns specimens. Ha, porém,nas mesmas urnas,um caracter que não posso deixar de mencio- nar, e ao qual se me ha prendido particularmente a attenção. Quero referir-me ao adorno que exorna todo o vaso em fórma de meandros e de espiras discordantes, representando mais ou menos a verdadeira tatuagem polynesica. E”, com effeito, a mesma gravura incisiva das cabeças dos chefes neo-zelandezes, das quaes pos- sue o Museu Nacional dous bellissimos exemplares, sendo facil reconhecer pelo lavor das urnas, comparado com o das cabeças, o esforço do artista em figurar a propria pelle recortada. Se fossem estes vasos simulacros de individuos do sexo masculino, eu limitar-me-hia a pôr em relevo a similitude do facto entre os mound-buil- ders marajoenses e alguns dos povos da Oceania, porque alli se tatuam todos os guerreiros e em particular os chefes experimentados nos combates (1); mas ao contrario, são exclusivamente as urnas representantes do sexo fe- minino e todas ellas em caracter de excepção, as que nos mounds de Marajó ex- hibem a tatuagem empregada pelas mulheres, de cujos despojos são depo- sitarias. (1) Em algumas ilhas, mui raras, as mulheres tambem se tatuam, mas unicamente sobre o corpo, sendo-lhes vedada a tatuagem do roste. ) V. vi—lOS A30 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Temos portanto, um assumpto curioso à examinar n'este ponto: a tatua- gem usada unicamente pelo sexo feminino e não por quaesquer mulheres, senão pelas que deviam ter sido as privilegiadas da nação. O que se deve colher d'esta singular circumstancia? Que haveria tal- vez entre os mound-builders da foz do Amazonas, uma classe de mulheres ex- cepcionaes, sacerdotizas ou ainda semi-arbitras e auditoras nas questões belli- cosas ou pacificas da nação? Não proseguirei na sequencia de cogitações que se deduzem de semelhante facto. (1) Uma ponderação me occorre, comtudo, a respeito desta supposta e apparente superioridade de uma determinada classe do sexo fêminino: é a circumstancia a que me referi no final do capitulo ante- rior, quando tratei da superioridade artistica de algumas mulheres entre os mound-builders amazonenses. Mister fôra indagar agora se sómente na perfeição do trabalho propriamente ceramico se tornavam distinctas aquellas laboriosas descendentes dos emigrados das regiões do norte, ou se lhes cabia accumula- tivamente tambem o registro da historia da nação, registro de que temos al- guns trechos na artefacção de que estou a dar aqui uma pallida e ligeira idéa. Que povo seria aquelle, como vivia, que nivel de civilisação havia attin- gido, como era governado e de que povos hodiernos mais se approximava ? Sobre cada uma d'estas questões tive já ensejo de rapidamente tocar, re- ceioso de inquirir com mais insistencia a respeito dos caracteres que lhes são essenciaes. E” que cada uma d'ellas é um problema difficil,e melhor fôra dizer de impossivel decifração. | Entre as antiguidades da collecção Rhome, existente no Museu Nacional e exhumada das visinhanças de Santarém, depararam-se-me duas figuras de prisioneiros que não será facil saber se representam individuos de alguma tribu visinha ou inimigos colhidos e trazidos de longinquas paragens. Uma destas estatuetas mostra O prisioneiro com os braços atraz das costas e atados pelos cotovelos, e a outra um homem que chora, a julgar pelas linhas perpendicula- res que lhe sulcam as faces. (1) Entre as ponderações que me occorrem ácerca d'este assumpto depara-se-me a idéa das famosas cunhãpyáras (mulheres senhoras de si mesmas ou de suas entranhas) de quem haviam noticia todos os povos das cabeceiras do Amazonas, os quaes lhes davam por habitação a foz d'este rio. E' mui natural que no espirito de barbaros habituados a ver na mulher um ente pouco acima dos animaes domesticos produzisse grande impressão a independencia e a autonomia de que deviam gozar entre os mound-bwilders de Marajó as matronas ceramistas, pelas quaes mui provavelmente os marajoenses manifestavam testemunhos de estima e de respeito. A idéa de que eram essas mulheres as senhoras de si mesmas, isto é, de que não eram sujeitas aos homens da sua nação,foi meio caminho para a fa- bula creada no cerebro exaltado de Orellana. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 431 Se, como creio, os primitivos habitantes de Santarém tinham parentesco mais ou menos proximo com os constructores das collinas de Marajó, ou eram descendentes destes, é muito de suppor que os dous prisioneiros em questão Estatueta representando, dê costas, um homem nú com os braços atados para traz e os cabellos div i- didos em duas tranças. Red. u 3/4. hajam sido egualmente estranhos ao povo Marajó-uára. Como quer que fosse, uma das referidas estatuetas tem o cabello enrodilhado à guiza de co- rôa no alto da-cabeça, caindo ao depois sobre as costas em grossa madeixa. - A outra, figurando o individuo de braços atados nas costas, duas vezes maior que a primeira, está sem a respectiva cabeça, mas pendem-lhe sobre as espa- duas nuas duas densas tranças, como se nºestes individuos houvesse o costume Estatueta representando, de frente e de costas, um prisióneiro (?) à prantenr-se, com o cabello reunido em uma só trança. Gr. nat. de trazerem os chefes esta divisa para distinguirem-se dos representantes vul- gares de uma só madeixa. Ao lado desta particularidade mostra-se, digno de 432 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL attenção, o aspecto chinez do individuo que chora, não tanto pelos traços phy- sionomicos, que os não póde mostrar nitidamente a face em parte mutilada, como pelo penteado e preparo do cabello. O mais singular, como prova de nada ter que ver este typo humano com a nação dos nossos mound-builders, é o não haver na colleção de cabeças de Marajó uma só que reproduza semelhante molde de" cabeça ou de cabello; do que concluo serem os prisioneiros alludidos, oriundos de região completamen= te desconhecida dos ceramistas da grande ilha. Segundo tudo me faz presumir, os mound-builders do Amazonas vieram, é certo, ainda uma vez o repito aqui, de longinquas terras, de cujos attributos mal guardavam mui pallidas reminiscencias pelos muitos embates: que soffre- ram ao longo de demorado peregrinar. Entretanto, traziam algumas das fei- ções de povos antigos do Norte, talvez dos mound-builders do Mississipe ou dos proprios toltecas, descendentes ou affins d'aquelles. Dotados de certa cul- tura intellectual e não contando grande numero de representantes, apossa- ram-se de alguns pontos da grande ilha de Marajó, dividindo-se por gru- pos de familias ou por tribus e estabelecendo-se em logares que os tornassem, pela disposição topographica dos pontos escolhidos, salvaguardados dos ataques dos povos barbaros das cercanias. Os mownds ainda hoje existentes e em gran- de numero erguidos de modo a ficarem sobranceiros aos lagos, aos rios e às planicies annualmente alagadas, são eloquentes provas de que não sem enor- me trabalho e emprego de forças collectivas os ergueram aquelles forasteiros para nelles guardarem os despojos dos seus mortos e de cima dessas impro- visadas atalaias velarem pela segurança de toda a tribu. Quanto aos caracteres ethnologicos deprehendidos das fórmas das urnas funerarias ou dos artefactos achados no interior dellas,já em grande parte men- cionados e analysados, começo por dizer que todas as urnas em que se guarda- ram ossos de mulher, hão sempre apresentado, de permeio com os fragmentos quasi pulverisados dos mesmos ossos ou com a terra que os envolve, aquella singular especie de Folium vitis, a que anteriormente me referi e que,sob o nome de tanga ou babal, é vulgarmente conhecida hoje na archeologia brazileira. Este adorno pertencia exclusivamente à pessoa para a qual havia sido fabricado, pelo que se deprehende das dimensões e fórmas varias observadas em muitas dezenas que d'elles possue o Museu Nacional. Além d'isso, os desenhos que têm por base uns seis ou oito padrões ge- raes, são tão diversos ou talesforço se empregou em differencial-os nos lavores secundarios, que não ha dous perfeitamente identicos em toda a collecção. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 433 O que se nota, e é isso mui digno de reparo, são as graduações apresentadas nestes ornatos, indicando as numerosas classes que constituiam aquelle povo. Tanga ou .Babal (Folium vitis) das mulheres primitivas de Marajó: As mais pobres tangas, pertencentes às mulheres mais obscuras da tribu, ás da plebe em summa, são simplesmente pintadas de vermelho. As folhas -de vinha das Evas obscuras da grande ilha não exigiam o mesmo cuidado em- pregado na modelação das outras. Faziam-se provavelmente sem medida nem modelo, com as desattenções do à peu prês, o que se reconhece pela falta de rigorosa symetria e mais ainda pela ausencia do relevo observado nas tan- gas aristocraticas. Estas ultimas são tão numerosas quanto as primeiras e não hesito em mencional-as como os mais delicados artefactos deixados pelos mound-builders marajóenses. j São placas triangulares, curvilineas, ou melhor são triangulos esphericos, ligeiramente irregulares nas extremidades e no encurvamento, quanto necessa- rio foi a se poderem adaptar ao orgão a que eram destinadas. Em cada extre- midade ha um orifício, pelo qual se deprehende immediatamente o modo pelo qual eram atados estes adornos. (Chamo-lhes adornos, porque eram, se- i V. vi. =—109 434 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL gundo penso, o unico objecto com que as morenas insulares procuravam velar a sua nudez, | Tanga ou Babal (Folium vitis). Formato menor com desenhos emblematicos, Tanga ou Babal (Folium vitis). Desenhos em meandros. Seria, porém, a tanga um simples atavio de pudicicia ou devemos attri= buir-lhe alguma utilidade hygienica ou a significação de algum rito ? ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 435 Que fosse peculiar ao caracter da nubilidade, supponho-me de alguma sorte impedido de o aflirmar, por haver encontrado um destes objectos com dimensões proprias da edade de 6 a 7 annos, sendo tambem possivel entretanto haver sido fabricado o pequeno specimen em questão como brinquedo de crianças. Ordinariamente estas tangas eram fabricadas com muito mais cuidado que os vasos mais ricos. A argila que lhes era destinada, depurada de quaesquer grãos de areia e muito mais cautelosamente preparada que a da louca, acha- tava-se até adquirir a espessura de 5 a 7 millimetros. Tanga-ou Babal (Folium vitis). Desenhos representando braços humanos. Talhado o triangulo, dava-se-lhe a concavidade necessaria, adelgaçando- se 0 precioso adorno gradualmente do centro para a peripheria, por modo que tivessem as bordas metade e muitas vezes menos da metade da espessura do centro. A pintura fazia-se depois de secca a tanga inteiramente à sombra, como de resto era de costume praticar-se com os mais trabalhos ceramicos. Quanto à utilidade destes enfeites, bem possivel é que os trouxessem as mulheres de Marajó durante a menstruação, e n'este caso não fôra muito de admirar que subsistissem n'esta pratica a prescripção de um rito e a um tempo a necessidade de certas cautelas n'uma região infestada de dipteros tão impor- tunos quão numerosos. Qualquer que fosse, porém, a causa determinativa do uso de semelhante A36 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL adorno, é certo que lhe davam o mais alto apreço e um valor estimativo de custosa joia, que nºessa conta e valia múi provavel supponho a tivessem. E na verdade, o que de mais delicado se exhibe na pintura da ceramica aborigene de Marajó mostra-o esta especie de graciosos artefactos, compendiando na sua superficie, em delicadissimas miniaturas, todas as decorações da louça mais per- feita da Ilha. A tanga, portanto, não tinha, quanto a mim, a simples utilidade da com- postura ou da preservação a que me referi precedentemente. Alguma nobre signi- ficação se lhe devia dar e attribuir, significação que não podia deixar de ter suas correlatividades com a phallolatria dos habitantes de Marajó, ponto unico da America onde vemos em simultaneidade o uso da tanga ea presença do phallus, sob tão grande variedade de fórmas exhibidas. Toca, porém, esta questão às raias Tanga ou Babal (Folium vitis). Desenhos symbolicos. de um campo aonde me tenho abstido de penetrar; evidente parece que se ao uso da tanga está ligada a tradição de um culto ou a observancia de um rito, respeitado por um povo no meio do qual vemos tão commum a imagem do Phallus, não póde deixar esse culto de prender-se á phallolatria. Mas em tal caso, o que deve ser a tanga senão a imagem do divino triangulo: hindu, do tres vezes sagrado Yoni, fonte e principio do proprio Lingam? Bem se vê que, não está na indole destas Investigações o insistir em semelhante assumpto,para o qual não se me depara sufficiente ponto de arrimo no minguado material de ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 431 que disponho. Desenvolver este thema, dar-lhe o caracter de sm principio jus- tificado ou revestil-o com a peremptoriedade de um axioma, fóra nada menos que radicar directamente os mound-builders de Marajó na raça hindu, como se nenhum outro povo se lhe interpozesse, como se de um salto houvessem trans- posto os milhares de leguas que distanciam o velho solo das margens do Indus ou do Ganges, das praias orientaes americanas, ou como se de cima de seme- lhante unilateralidade comprobativa fosse admissivel argumento em favor de tão larga quanto arriscada intuição. Tanga ou Babal (Folium vitis) adornos da face humana com a cruz grega no centro. Se a phallolatria existiu em Marajó com toda a ampliação e complexidade que lhe havemos notado em paginas anteriores, e mais ainda com a represen- tação positiva e concreta do Yoni, por meio da tanga usada pelas mulheres dos nossos mound-builders, não padece duvida que algum vestigio do mesmo cul- to se devia ter já encontrado entre os povos antigos do Missuri, aos quaes pro- vavelmente se enlaçaram outrora os marajaoenses. Mas nem o Phallus foi alli indubitavelmente encontrado em caracter de idolo, nem houve o menor vis- lumbre de qualquer adorno triangular em quantas escavações hão sido feitas m'aquellas paragens. Entretanto, se taes argumentos se nos ante-offerecem para | duvidar da authenticidade da phallolatria em Marajó, representada pelo culto do Lingam e do Yoni,exigem ponderações de outra ordem que não nos sirvamos de peremptorias negativas. Laboremus, tal deve ser por muito tempo ainda a se- nha dos investigadores entregues ao estudo das gerações que por longos seculos V. vI—110 438 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL evoluiram antes de nós sobre o solo americano. Accresce mais que o Yoni ou o tri- angulo divino a que se atinham tão de perto os principios da theogonia indiatica, Tanga ou Babal (Folium vitis). Adornos symbolicos. parece haver sido adorado por todos os povos do antigo continente, immiscuin- Tanga ou Babal (Folium vitis). Symbolos da face humana. do-se em todas as religiões e,o que mais singular se nos afigura, sempre velado. por attributos que se prendem aos mysterios da suprema divindade. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 439 Nem precisamos de tomar o bordão de peregrinos para buscar nas lon- ginquas plagas do Oriente provas efficazes deste facto. Quem ha que não co- nheça o espirito de mysteriosa e divina ascendencia attribuido ao Signum Sa- lomonis, emblema ligado a todas as sciencias occultas, tão preconisadas até à edade média e em muitos centros populosos e adiantados da Europa até ha dous seculos passados ? Perguntai á velha aia européa ou americana de raça indo-germanica para que fim serve o signo de Salomão, em ouro ou em prata que traz penden- te do pescoço a formosa criança de quem ella é guarda vigilante e solicita, e de prompto vos responderá ser aquella joia, emblema sagrado e poderoso ta- lisman, só por si bastante a conjurar todos os males a que está sujeita a in- fancia. Ora esse talisman de todos os povos e de todas as phases da historia humana, sobre o qual dizem escriptores antigos haver escripto o erudito e imaginoso filho do rei-propheta um dos seus mais curiosos livros (1) não é Tanga ou Babal. Fragmento em grandeza natural, (1) Alguns auctores contestam que Salomão houvesse escripto a respeito d'este assumpto. E' mui singular, na verdade, que tenha sido o nome d'aquelle soberano ligado a este symbolo celeste de que se serviam os astrologos no Egypto e na Assyria. Não poderá ser explicado este facto pelo homophonismo existente entre Salomão e a palavra arabe e hebraica Saman, que significa Céu, sendo portanto o referido emblema a imagem do Céu estrellado a que se reportam tantas vezes os ritos das margens do Nilo e ao Euphrates ? A) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL outra cousa senão o duplo Yoni, isto é, a imagem do Yoni na sua representação dualista que é a expressão mais elevada da divindade indiatica. E se assim nos mostramos ainda phallolatras perfeitos com o uso do Yoni, não seria muito de estranhar que o culto deste symbolo se achasse enlaçado ao Phallus, entre os primitivos marajó-uáras, exactamente como na India. Todo o valor de um facto d'esta ordem estaria unicamente em se poder averiguar se conscien- te ou inconscientemente, ou melhor se por transmissibilidade ou não de po- vos alienigenas praticaram os nossos mound-builders o culto da phallolatria. Mas attingir semelhante desideratum, nada menos seria que desvendar um dos trechos mais obscuros e de maior interesse para a historia primitiva das nações americanas. Ora tal é a intrincada urdidura debaixo da qual se occulta a evolução dessa historia, que nenhum facto nos apparece em caracter de au- thenticidade e a prometter incontestaveis revelações que simultaneamente nos não venham para logo annullando todas estas esperanças e presumpções, outros factos contrarios, porém de irrecusavel admissibilidade. Dir-se-hia proposi- talmente inventado contra cada testemunho, na apparencia inconcusso, argu- mento de mais inconcussa irrefragabilidade, pelo que tanto mais nos parece fugir o descobrimento dos primeiros élos da evolução da ethnologia american: quanto mais nos'esforçamos por elucidal-os ou alcançal-os. Volvamo-nos, porém,ao assumpto de que nos occupamos. A prova de que as tangas não eram simples adornos, depara-se-nos na pobreza de outros ornatos pessoaes, usados provavelmente pelas mulheres a quem pertenciam as mesmas tangas; taes são os cylindros e pequenos enfeites de terra cotta Adornos de terra cotta usados nas orelhas e ao pescoço. que ellas traziam mettidos nos lobos das orelhas e, de par com outros enfeites, as perolas da mesma substancia, de que usavam enfiadas n'um cordão pendente Adornos de terra cotta usados ao pescoço. do pescoço. Estas perolas ou enormes contas de que tenho recebido numerosos e mui differentes specimens de quasi todos os pontos do Brazil tinham mais É qd e a ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL hM commummente em Marajó e em Santarém a fórma ovoide representada na se- gunda e na terceira figuras d'esta pagina. Devo advertir, a proposito das referidas Adorno de orelha. Red. a 7/8. Perola de terra cotta. Red. a 7/8. perolas, que na provincia do Rio Grande do Sul, no logar denominado Linha Grande, foram encontradas, dentro de uma urna funeraria de incalculavel an- tiguidade, duas perolas cujos caracteres parecem ligal-as ás perolas de vidro, achadas na America do Norte e que Morloie Nilsson tomam por testemu- nhos ou vestígios irrecusaveis da presença dos Phenicios n'este continente (1). As nossas duas perolas, que não sei se na sua estructura têm semelhança com Perola de terra cotta. Red. a 3/4. as dos tumulos indigenas da America septentrional, são compostas de camadas concentricas, canaliculadas e de varias côres, isto é, brancas, vermelhas e de (1) Das duas perolas encontradas no Rio Grande do Sul,uma se acha no Museu Nacional,ao qual offereceu-a o Dr. Ihering,e a outra pertenceu ao erulito e enthusiasta americanista Carlos von Kozeritz, que a perdeu no incendio de que foi victima a Exposição brasilio-germanica de Porto-Alegre, em 1881. Esta, segundo à descreve o mesmo Kozeritz, era de rara belleza e de grande perfeição. V. vi—lll AA? ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL azul ferrete. Examinando estas diversas camadas ou capas concentricas, reco- nhece-se facilmente que foram formadas successivamente, cada uma,sobre aque lhe é sotoposta, sendo a perola, depois d'esta longa operação, submettida a uma elevada temperatura que a vitrificou. A superficie canaliculada de cada ca- mada foi assim preparada, naturalmente quando a substancia pastosa con- servava ainda um pouco de ductilidade. Bastar -nos-hão, porém, taes provas para a presumpção em favor do exodo dos phenicios ao continente americano ? | EA Perola de supposta origem phenicia. Red. a 7/8. Em verdade, confesso que me não sinto inclinado a adherir à opinião de Franks, o qual attribue estas perolas a artefacção veneziana, parecendo ignorar serem as perolas de Veneza muito mais perfeitas que as phenicias. Como quer que fosse, nada se me afigura realmente mais difficil e mais arris- cado que explicar o modo por que poderam ser reunidas semelhantes perolas a artefactos indigenas da America do Norte e da nossa provincia do Rio Grande do Sul. Seria necessario conhecer se taes adornos não foram trazidos em abun- dancia entre os artefactos com que os primeiros colonos-e arrojados descobri- dores europeus procuravam attrahir as vistas e as sympathias dos selvagens ame- ricanos. As côres brilhantes d'estes objectos nos induzem a crer que sim, mas não está provada a origem veneziana, ao contrario tudo faz crer que depois de minucioso estudo dar-se-ha preferencia á fonte mais antiga. Entretanto, não nos esqueçamos de que a presença dos Phenicios na America é um facto cujas provas hão sido até hoje baldadas. A respeito da inscripção da Parahyba de cuja versão me incumbiu o Insti- tuto Historico Brazileiro (1) e que ao primeiro aspecto parecia ser o mais notavel (1) A versão d'esta inseripção que será dada à luz mais tarde com todas as cireumstancias historicas do facto, nunca até hoje a publiquei senão em esboço na imprensa do Rio de Janeiro, no só intento de ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 443 testemunho comprobativo, conhecido de tão importante acontecimento, não só lhe descobri os caracteres apocryphos,senão tambem logrei desvendar o modo por que havia sido inventada aquella inscripção. Destino quasi semelhante pa- recem ter tido outras inscripções de egual natureza, inclusive a de Grave Crech, aque o professor P. Gaffarel suppoz caracteres de incontestavel authenti- cidade (1). Não quero com isso dizer que não tenham vindo à America os unicos homens que em tempos ante-colombianos eram capazes de realizar a tra- vessia do Atlantico. Penso unicamente que não nos devemos antecipar á fatali- dade dos acontecimentos, e a apparição das provas de semelhante facto, é uma das que mais adstrictas se parecem achar aos caprichos do acaso. Fallavamos das perolas de terra cotta, quando pela idéa associada a este objecto fomos levados a tratar das suppostas perolas phenicias Volvendo-nos de novo áquelles toscos adornos das primeiras nações de Marajó e de Santarém, deparam-se ao lado delles diversos objectos ora lamellares ou cylindricos Ornatos ou pesos de terra cotta. Red.a 1/2 uns e lentiliformes e ainda ovoides outrós, que não sei se eram tambem adornos pessoaes ou instrumentos de trabalho, pesos de pesca ou utensilios de usos des- conhecer o individuo que se irrogava o descobrimento d'aquella inseripção de tão curioso monumentos Desde então tenho acompanhado em silencio tudo quanto se ha escripto em apoio ou desabono da au- thenticidade de semelhante inscripção, admirado de que não se tenha dado egual publicidad: à commu” nicação feita por mim a respeito do modo por que logrei verificar a apocryphidade d'essa pseudo-paleogra- phia. E entretanto empreguei, na segunda publicação, o mesmo canal de que me servi para a primeira. E' que a alacridade por toda a parte empregada para o conhecimento de uma noticia que toca as raias do mysterio,embora com laivos de inverosimil, às vezes está em contraste perfeito com a indifferença com que se recebe o testemunho de um facto comprovado. (1) Paul Gaffarel.— Les Pheniciens en Amérique, Congrês International des Americanistes. 1re, Session—Nancy—1875 vol. 1. p. 127. AAA ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL conhecidos. Estes objectos são perfurados mais ou menos profundamente de um só lado, não admittindo, porém, pela estreiteza do orifício, a menor hypolhese de que podessem servir de vasos ou de receptaculos de qualquer natureza. As bobinas, que existem em não pequena porção nos mounds de Marajó e nos es- combros de Santarém,representam, quasi tanto como as tangas, as diversas ca- thegorias da população que as empregava em seus labores. A mais bella d'estas bobinas offerece, sobre uma superficie lisa e perfeitamente torneada, finas gra- Bobina de terra cotta. Red. a 7/8. vuras de desenhos delicadissimos, á semelhança dos que se encontram nos fusos usados pelos mesmos povos. Estes fusos, na sua maior parte de terra colta, fa- ziam-n'os os indigenas da foz do Tapajoz de uma rocha ferruginosa, especie de grés argiloso da mais fina granulação. Discos para fuso, de grés argiloso e de côr vermelha. Red, a 7/8. Ainda hoje são modelados sobre a fórma e adornos d'estes artefactos dos primitivos povoadores d'aquellas paragens os fusos fabricados pelos indigenas actuaes. E” singular que não tenham visto nenhum machado no mound de Pa- coval todos os que alli me precederam e que tendo-os eu encontrado em nu- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 445 mero de 10 a 12 os houvesse egualmente colhido, em não pequena porção, o Sr. Rumbelsperger, um anno depois de mim. A raridade de semelhantes ins | trumentos explica-se pela ausencia absoluta de diorito em Marajó, e pelas dif. ficuldades que tinham os seus habitantes em obter a troco de muitos produ- ctos de seus trabalhos os poucos machados necessarios aos misteres em que os não podiam dispensar. A prova mais convincente d'esta escassez de macha- dos de pedra na ilha exhibem-a os poucos specimens que alli havemos achado, os quaes estão completamente gastos e na maior parte reduzidos a pedaços. Ou fosse tambem pela ausencia de diorito, de quartzo e de silex,ou por qual- quer outra causa,nenhum instrumento de guerra, de caça ou pesca foi até hoje descoberto no mound de Pacoval,onde por milhares se nos hão deparado tão di- versos artefactos de barro. Do que concluo haverem usado os mound- builders marajo-áras unicamente de apparelhos feitos de substancias organicas, redes ou cestas, como tão varios e engenhosos os sabem fabricar os nossos actuaes aborigenes. Os proprios anzóes deviam ter sido preparados por meio de acúleos ou espinhos reunidos e atados em estado e condições de se prestarem ao fim de- sejado. Independentemente, porém, de taes ponderações, é muito de notar-se essa ausencia de pontas de flecha entre tamanha quantidade de artefactos de milhares de individuos que alli inhumaram os ossos dos seus conterraneos. Um facto egualmente digno de attenção é a ausencia de cachimbos nos mes- mos mounds, a qual não sei como explique nem a que attribua, pois nem ao menos se me depara qualquer causa determinativa como a que tão de prompto naturalmente se adduz para a ausencia das pontas de flechas lavradas em pe- dras metarmorphicas ou crystalinas, em região onde a unica rocha existente é o grés grosseiro de par com outras rochas modernas. Seria absolutamente vedado ou desconhecido o uso do cachimbo entre os mound-builders amazonenses ou seria a ausencia de semelhante artefacto deter- minação prohibitiva em respeito á morte? Não sei realmente o que deva pensar ácerca da primeira hypothese que não se me afigura muito plausivel. Quanto á segunda supposição, devo dizer que não sómente o uso do cachimbo não era con- siderado desrespeitoso em qualquer circumstancia da vida dos nossos selvagens, senão que o tinham,e até o exhibiam solemnemente os payés e os grandes chefes nas ceremonias mais ostensivas de suas praticas religiosas. (1) O cachimbo ha (1) De um velho indio mestiço, afamado curandeiro e imitador evidentemente dos velhos payés, me recordo de haver visto na minha infancia, na provincia das Alagõas, a curar uma preta recem- mordida de cobra. O velho fez o curativo entre rezas e signaes cabalisticos e applicações sobre a den- V. vi. —ll? AA6 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL sido por isso encontrado em quasi todos os pontos do Brazil e em grande porção nas provincias do Sul. Noto que de todos os cachimbos existentes no Museu Na- cional, nem um só existe tendo adornos anthropomorphos ou zoomorphos como os apresentam os cachimbos dos mound-builders da America do Norte. Ao contrario, a maior simplicidade caracterisa estes artefactos dos antigos habitantes das costas orientaes da America meridional, o que está de perfeito accordo com a rudimentariedade dos productos ceramicos que elles nos dei- xaram. Quanto a mim, acredito, baseado na exhuberancia da ornamentação de que usavam os ceramistas marajóenses, que se houvesse existido em Marajó o uso do cachimbo ou senenhum preconceito se tivesse opposto à presença d'este artefacto na collina consagrada ao culto do mortos, estou certo de que a seme- lhante objecto veriamos reunidos os mais bellos predicados decorativos da ce- Vaso podendo ter servido de cachimbo aos «mound-builders». Red. a 2/8. ramica da grande ilha. Mas, se nenhuma prova temos que testifique a pre- sença do cachimbo entre os nossos mound-builders, tão pouco se nos depara que nol-a possa negar. Ao contrario,quatro ou cinco vasos, em cuja fórma existe um quer que seja que lembra a configuração de um cachimbo de bocca larga, hão sido encontrados de permeio com as urnas funerarias e com outros artefactos achados nos mounds, e se pouco admissivel ou pelo menos mui contestavel base me autorize a tomar por cachimbos semelhantes vasos, muito menos acceitavel se me afigura, para qualquer outra especie de vaso, a expli- cação d'essa protuberancia unilateral com orifício na extremidade inferior, á guiza de canal defluente, pelo qual tomar-se-hiam os referidos vasos por tada do ophidio, de varias plantas que elle mastigava e envolvia, depois de applicadas, sobre a parte morbida da doente, com a fumaça do seu cachimbo. Os Tembés de Potiyrta me informaram que muitas curas são feitas com a fumaça do cachimbo dos payés, e creio que a mesma pratica se observa em mui- tas outras paragens do Amazonas. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 441 instrumentos de decantação. Em todo o caso, nada me faz suppor ou mesmo totalmente negar ser esta protuberancia a chaminé de um cachimbo, e isso em virtude da singular conformação e das dimensões destes artefactos em tudo discordantes dos typos convencionaes. Occorre aqui advertir que nos artefactos de Santarém, pertencentes à col- leeção Rhome, encontraram-se alguns vasos, cuja fórma participa a um tempo da conformação de um seio de mulher e da destes suppostos cachimbos. (1) Aquelles não têm, porém, o orifício a que acima alludi, e tanto basta para se excluirem do parallelo. São vasos figurativos do seio da mulher e provavelmente destinados a qualquer outro mister do qual não se póde ter idéa por se acharem incompletos os exem- plares que tenho diante dos olhos. Em opposição a esta raridade e melhor fôra dizer a esta quasi absoluta exclusão de cachimbos nas collinas consagradas às reliquias de um povo tão culto, deparam-se-nos innumeros d'esses artefactos nos cemiterios dos indios que povôam as regiões do Sul. São productos de uma arte visivelmente atrazada e cuja contextura dema- siado uniforme faz crer que não lhe devem ser superiores os vasos mais cus- Cachimbo de steatite, do Rio-Grande do Sul. Red. a 2/3 tosos da mesma origem. A fórma geralmente adoptada no Sul é a do cachim- bo figurado n'esta pagina. São specimens de fórmas mui rudes e pesadas, tendo a chaminé pyramidal alongada, e o receptaculo ou fogão um pouco ir- regularmente escavado. (1) O erudito americanista Carlos von Kozeritz refere-se, nos excellentes artigos que publicou ultimamente na Gazeta de Porto Alegre,a uns artefactos indigenas mui antigos,encontrados na provincia do Rio Grande do Sul,tendo um quer que seja d'estes cachimbos ou d'aquelles vasos mamiformes. Con- virá agora examinar a qual d'estes dous grupos pertencem os referidos objectos rio-grandenses. hAR ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Os quatro seguintes cachimbos apresentam uma configuração menos tosca, porém, ainda assim, bastante inferior à dos bellos specimens de adornos zoomorphos, e muitas vezes antropomorphos dos mounds dos Estados Unidos da America do Norte. Cachimbo de terra cotta, do Sul do Brazil. Red. a 7/8. Alguns dos cachimbos d'alli extrahidos são, é verdade, muito singelos, mas Cachimbo de terra cotta, da Bahia. Red, a 7/8. tenho suspeitas de que fosse essa a fórma commum do genuino cachimbo dos Cachimbo de terra cotta, da provincia Cachimbo de terra cotta, de Minas de Alagõas.Red. a 2/8. Geraes. Red. a 1/2. primitivos americanos. Tal é tambem a configuração de um specimen exis-= ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 449 tente no Museu Nacional e pertencente aos indios do sul da Bahia. Primitiva- mente não sei se eram taes objectos empregados pelos nossos botocudos do norte Cachimbo de terra cotta, do Sul da Bahin. Red. a 4/5 (lo Espirito-Santo e sul da Bahia). E' decrer que o não fossem por não sabel-os fabricar aquella barbara nação. Mas considero o achatamento da chaminé ou tudo como a qualidade mais particularmente exigida pela conformação da boc- ca dos referidos botocudos aos quaes só com muita difliculdade é permittido unir imperfeitamente os dous labios. Do Sr. Antonio de Lacerda, intelligente e, a = ee Cachimbo de madeira, dos Botocudos de botoque chato. Red. a 1/2 a todos os respeitos, mui digno coadjuvante do Museu Nacional,na provincia da O mesmo cachimbo da fig. anterior, visto de lado Bahia, recebi, com destino à Exposição Anthropologica deste Museu um cachim- bo de madeira em cuja fórma singular se reconhece immediatamente a mais ca- bal de adaptação semelhante artefacto à bocca dos botocudos de botoque chato. A5O ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Este enorme e singular cachimbo que em tudo representa a cauda de um peixe, foi provavelmente executado à feição da bocca de um chefe indigena das tribus que povôam ainda os valles do Jequitinhonha e do rio de Contas, ao sul da Bahia. E” uma engenhosa estructura, de cuja invenção não deixaria de ufanar-se o mais adiantado industrial europeu. O tubo ou chaminé do cachimbo, que tem por eixo o mesmo do fogão, como no cachimbo de terra cotta da pagina anterior, está collocado entre duas grandes azas planas, destinadas a occupar toda a abertura de uma bocca, que, sobre ser demasiado grande, não póde ter os labios unidos, sendo mesmo provavel que já lhe faltasse o labio inferior, o que succede de ordinario aos velhos botocudos de botoque chato, cujo labio inferior, depois de distendido em excesso, parte-se afinal. Seria do maior interesse 0 averiguarmos agora se com effeito estes sel- vagens não fabricavam nem usavam primitivamente cachimbos de barro ecom mais probabilidade de steatite. O uso ante-colombiano, em toda a America, de muitas especies de plantas do tabaco, algumas até de familias estra- nhas à das Solaneas, me induzem a crer que mais cedo ou mais tarde logra- remos achar ou 0 primitivo cachimbo do botocudo de disco chato ou algum artefacto que Ih'o substituisse. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 451 VI Caracteres figurativos e symbolicos dos productos ceramicos de Marajó. — Comparação dos typos mais distinctos ou mais communs dos mesmos caracteres, com os de outros povos dos dous continentes. — Desenvolvimento intellectual da familia humana muito acima da proporcionalidade adstricta á escala zoologica.— Sciencia autodidactica ou tradicional — Até que ponto pódem as manifestações intellectuaes de uma raça assemelhar-se ás de outra raça sem detrimento do autochthonismo de uma d'ellas.— Supposto exodo dos mownd-builders de Marajó, commemorado em um pequeno e mesquinho monumento. Uma selecção de todos os caracteres symbolicos ou cmblematicos reprodu- zidos muitas vezes nos artefactos ceramicos de Marajó, não póde deixar de ser um repositorio curiosissimo para o estudo do desenvolvimento intellectual do povo que foi alli deixar em tão numerosos monumentos os vestigios da sua ele- vada e culta mentalidade. As estranhezas até aqui observadas no que havemos examinado da artefacção ceramica dos primitivos indigenas do Brazil, cem par- ticular da ilha de Marajó,nada são comparadas com as que nos apresentam certas e determinadas figuras ornamentaes da ceramica dos mownds d'aquella ilha. O que ninguem poderia averiguar actualmente é em que sentido e com que fim tão rigorosamente modelavam, gravavam e pintavam os ceramistas primitivos do Brazil os seus artefactos sobre a fórma desta ou d'aquella espe- cie de objectos, ao contrario do que outras vezes praticavam, arrastados nas “azas da mais arrojada imaginação. Seria realmente do mais elevado alcan- ce o conhecer-se, por acurado estudo dos caracteres symbolicos e dos phanta- siosos emblemas ou das restrictas e rigorosas reproducções dos objectos, se consciente ou inconscientemente gravaram ou pintaram semelhantes figuras as nossas antigas louceiras ou os que as dirigiam nesses trabalhos. Fossem ou não as mulheres louceiras as auctoras destas figuras, não hesito em acreditar terem ellas deixado alli, de sua ou de alheia lavra, emble- mas e caracferes convencionaes representando trechos ou parcellas de tradições referentes à origem dos nossos mound-builders. O que é de natural intuição, entretanto, é que não conservassem aquelles individuos nem as fórmas primitivas de semelhantes caracteres em toda a integri- 452 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL dade de seu antigo delineamento,nem a sciencia tradicional da significação das figuras ahi representadas. E se muito sobreposse me seria o comprehender al- gumas das convencionalidades graphicas que vamos examinar, menos posso ter em mente a intenção de interpretar estes caracteres, deslocados dos grupos onde se achavam entrechaçados,como lettras de uma palavra ou membros de um trecho perfeito. Necessario foi, porém, dar aqui a cópia mais fiel d'essa nova especie de hieroglyphia amazonense e tudo se oppoz a que eu a reproduzisse de outro modo. Nem me fôra isso possivel à vista da fragmentação a que se achava reduzida a quasi totalidade dos delicadissimos vasos em cuja decora- ção estão justamente figurados os caracteres de que se trata. Obrigado, portanto,a representar cada emblema em separado,occorreu-me comparal-os com os caracteres seus similares ou até certo ponto homomorphos das escripturas mexicanas,chinezas, egypcias e indiaticas,e eis como logrei for- mar Os seis quadros que se seguem, compostos de oitenta e duas figuras amazo- nenses, tendo em face as que mais ou menos lhes correspondem nas referidas escripturas. E' um simples e despretencioso ensaio, cuja imperfeição começarei eu proprio, desde ja, a descobrir e cujas deficiencias irei pondo em evidencia, ao passo que lhes tocar nos respectivos numeros. Se, como parece, existia alguma escriptura convencional entre os as- cendentes dos mound-bwilders amazonenses, em boa razão devemos crer, como já o disse ha pouco, lhes não ficasse dessa escriptura senão a fôrma inde- cifravel e mysteriosa, e essa mesma adulterada a pouco e pouco ao lento perpassar dos seculos. Quantas ceremonias rituaes e quantas praticas secu- lares dos antigos povos nossos antecedentes, não empregam as baixas e médias camadas da população moderna sem lhes conhecerem nem a origem nem a si- gnificação ! Os hieroglyphos mayas, por estarem insculpidos em rija pedra, conservaram-se, é verdade, incolumes e inalteraveis na configuração que lhes deram os escribas seus auctores, mas, em que pese aos sonhos deslumbran- tes de Brasseur de Bourborg, e aos esforços do Sr. de Rosny, não tiveram ainda até hoje aquelles caracteres de pedra o seu verdadeiro Champollion. E, pois, que menos o devem ter as figuras emblematicas dos nossos mound-bulders, limito-me a expol-as nas paginas seguintes em parallelo com alguns symbolos e caracteres graphicos, recolhidos entre monumentos de que mal se conhecem algumas copias, raras vezes exactas. Melhor fôra, bem o sei eu, não curar de qualquer idéa de parallelismo, afim de evitar as prevenções que na classe dos americanistas vão sendo creadas ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 453 contra quem quer que apresente documentos em contrario ao autochthonis- mo americano. Mas foi plano meu, desde o principio d'este trabalho, não tratar senão do que me parece ter cunho de verdade, quaesquer que sejam as conse- quencias que se possam deduzir da minha exposição. Demais, as affinidades encontradas entre as nossas e as antiguidades de varios paizes dos dous conti- nentes, nada tem que ver com o antochthonismo da familia americana. Esta podia ter tido por berço o solo do novo mundo, e recebido muito mais tarde o influxo de uma civilisação estranha, sem que por este facto se possa pôr em duvida a sua origem. Como quer que seja, e de harmonia com a isenção de espirito que a mim mesmo entendi prescrever-me n'esta ordem de idéas, passarei à expor algumas breves indicações sobre os caracteres comparados e apresentados nos seis se- guintes quadros, sem preoccupar-me com as innumeras faces litigiosas que possam suscitar estas indicações entre os americanistas. 454 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL CARACTERES SYMBOLICOS COMPARADOS ESTAMPA 1 (1) N. 1.— Esculpido, gravado e pintado em grande porção de adornos, particularmente na representação das arcadas superciliares reunidas ao nariz. E” identico ás vezes ao 7 dos gre- gos e talvez corresponda ao T e á cruz argolada dos egypcios, entre os quaes symbolisa de or- dinario omnipotencia, grandeza, glorificação, vida eterna. No Codex de Dresda e no C. troano tem quasi a mesma significação. N. 2.— Esculpido, gravado e pintado como figura do olho. Encontra-se raras vezes em separado. No Mexico, com pequena variante de fórma, exprime a idéa da vista symbolica, da vista divina e traduz-se por: IX—IXTLI. No Egypto symbolisa egualmente a idéa de ver, de saber e de perspicacia. N. 3.— Gravado e pintado; sem expressão definida, salvo a tal ou qual afinidade em que se acha com a phallolatria, como o fiz anteriormente ver. Entre os indiaticos parece que ti- nha alguma referencia identica ao delta dos gregos, symbolisando, em mexicano, a acção de picar, fraccionar, o nome espinho e tambem a ideia de união. Alguns exegetas o traduzem tambem por: UL-HUI-UH, que apresenta alguma semelhança com a articulação egy- pcia: HOU, tendo por symbolo a mesma figura. N. 4.—Grav ado e pintado. E” de suppor que não apresente significação differente da do numero antecedente. N. 5.— Pintado. Tal qual se acha figurado seria antes um 770und, um tumulo; mas inver- tido é um caracter mexicano, significando vaso, e traduz-se por: CAX-CAX-ITL. No Egypto significava senhor. N. 6.— Pintado. E' provavel que represente uma penna. O mesmo caracter no Mexico figura uma penna amarella de alto apreço do passaro Tozrtt, nome que serve de raiz á pala- vra TOZ-TOZTLI e que significa tambem justiça, verdade. E” singular que seja esta egualmente a expressão dada no Egypto ao mesmo symbolo que alli representa a penna da Abstruz. N. 7.— Pintado. E” bastante commum esta ngura nas pinturas dos vasos mais delicada- mente ornados. Não sei, porém, se de facto representará os quatro pontos cardeaes do mundo ou as forças da natureza, como em quasi todos os povos primitivos as symbolisava. N. $.— Pintado. Hesito em dar por uma graminea esta figura. Se assim é, tem analogia com a haste do milho dos mexicanos, a qual se traduz por: OUA-OHUATL e significa paz. En- tre os chinezes uma figura de graminea tinha mais ou menos a significação: de graça. N. 9.— Pintado. Encontrado na mesma urna funeraria de onde toi copiado o symbolo n. 5. Demasiado já tratei d'este emblema quando me occupei da phallolatria. N. 10.— Pintado. Pertencente á mesma decoração dos vasos ns. s, 6 e 9. Parece figurar uma lagõa, bacia d'agua ou a idéa d'agua limitada. No Codex de Dresda seu valor é ATL eMAUH, N. 11.— Gravado. Não sei bem se é saureo, como supponho, ou arachnidio. Como sau- reo, está em parallelo com a tartaruga dos chmnezes e egypcios, representando entre aquelles a idéa de paciencia e de duração e entre estes a de pluralidade. N. 12.— Gravado. Variante do symbolo do n. 2. N. 13.— Pintado. Parece exprimir entre os nossos mwownd-builders o mesmo que significava no Mexico: a idéa de casa, habitação, que se lê: CAL, CALLI, em nahualt. A mesma idéa tem esta figura em chinez e egypcio. N. 14.— Pintado. “Em verdade, não sei ao certo se representa esta figura uma ampulheta, como na escriptura chineza e egypcia em significação de tempo e duração, ou um instrumento de cordas. Foi copiado de um rico vaso funerario. N. 15.— Pintado. Não ouso aventurar que exprimisse, como na escriptura chineza a di- visão do dia e da noute ou que fosse como entre os egypcios a imagem da noute. Este symbolo está no mesmo vaso da figura antecedente, (1) Os numeros sotopostos aos algarismos de ordem são os que estão collocados sobre OS VASOS, de accordo com os catalogos da respectiva Secção do Museu Nacional, em caso identico ao das cabeças da mesma secção, anteriormente figuradas e descriptas n'este volume. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL A55 BRAZIL Marajó MEXICO Nº] 206.476 = — Nº 206.416 Nº3 476. NA 113. DD Nos WA, DD No IE. 98 pI as S < > À oo 4 — [==] NºIZ 150.24D NºIS [50.240 NIE EL + EO mo fes 07 NS El CARACTERES SYMBOLICOS COMPARADOS. 456 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL CARACTERES SYMBOLICOS COMPARADOS ESTAMPA II N. 16.— Pintado. Não tenho perfeita convicção de que represente este caracter a figura do machado. Como encontrei-o, porém, em outros specimens da ceramica do Marajó, e de conformação identica á de varias figuras de machados entre os chinezes e egypcios não é de estranhar a comparação em que aquio ponho. Em egypcio esta figura tem a significação symbolica de Deus e pronuncia-se TORE ou TERI. N. 17.— Pintado. Tem affinidade com o symbolo mexicano que significa sentar-se e figu- radamente governar, commandar (PETLATL); parecendo-se tambem com o signo phonetico egypcio, que exprime as consoantes P. e PH. 18.— Pintado. Egual ao caracter mexicano que exprime conter, continente e «o signal egypcio symbolico da palavra : senhor (1). - 19.— Pintado. Hesitei em apresentar o nosso. signo marajoense em parallelo com o dos chinezes e egypcios que figura uma especie de ombrella (flabellum) sendo ás vezes em- pregado symbolicamente para representar a idéa da calma. N. 20.— Pintado. O unico signo que se lhe assemelha um pouco, encontro-o no antigo chinez, figurando a tartaruga e exprimindo tambem a idéa da tranquilidade. Creio, porém, que nada tem que ver com aquelle symbolo nem com a idéa que elle representa. N. 21.— Pintado. Analogo ao sigr:l chinez figurativo, determinativo de montanha e ao que em egypcio exprime a idéa de rochedo e monte. 22.-— Pintado. Não se encontra separado, mas ligado a figuras identicas, justapostas e alternantes. Os seus similares no chinez é uma especie de marco ponteagudo e no egypcio re- presenta uma pyramide ou stella. N. 23.— Pintado. E” uma variante da figura n. 21, a qual representa a pluralidade. Acho que além disso significa região montanhosa à beira d'agua onde se reflecte cada monte. N. 24.— Pintado. Caracter de difficil interpretação. -Póde ser caracter determinativo de animal, de chefe ou figura symbolica de residencia especial. Prefiro, entretanto, não insistir em nenhuma destas hypotheses. N. 25.— Pintado. Correspondente ao que em mexicano, em -chinez e em egypcio repre- senta casa, residencia e a idéa determinativa de habitar. N. 26.— Pintado. Tem analogia intima com o symbolo egypcio da deusa Neith. No phonetico egypcio representativo esta figura exprime a consoante N. - 27-— Pintado e gravado. E' provavel que represente fortificação, estacada á beira d'agua com alguma analogia com as figuras chinezas e egypcias que significam muro ameiado, bar- reira defensiva. N. 28 e 29.— Gravado. Estes dous symbolos exprimem idéas de dificil decifração. N. 30.—Gravado. Representa cidade, ou melhor, os quatro pontos cardeaes ou as forças da natureza. Tem no antigo chinez a significação de residencia real, palacio. N. 31.— Gravado. Signal de duvidosa significação. (1) Por não dispor de typos da lingua copta deixo de dar nesta lingua a significação a que me refiro . ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL. 457 Colleccao do MUSEU is E El PANA e a E H ea E CARACTERES SYMBOLICOS COMPARADOS. A58 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL CARACTERE S SYMBOLICOS COMPARADOS ESTAMPA III , N. 32.— Gravado e pintado. Representa, nos vasos anthropomorphos mais ricos, a figura do olho dlentraçdo tem tambem provavelmente a expressão symbolica de passaro ou de reptil. N. 33:-— Gravado. Signal consagrado á representação de rei ou chefe, figurado na cera- mica de Ma ajá com corpo de reptil, segundo penso, nos casos em que esta individualidade é assumpto principal de alguma commemoração referente á zoolatria. T'raduz-se, segundo o conde de Rougé, por: AHAU. A figura chineza tem egualmente a significação de superioridade e de supremacia. N. 34-—Gravado. K' o unico signo figurativo de vegetal que se nos depara na ceramica de Marajó. Parece ter analogia com o que em chinez e egypcio representa logar coberto de bosque, formando n'este ultimo idioma a syllaba AM. 35.-—Gravado. Apresenta grande afinidade com o signo do n. 27, exprimindo prova- velmentg como elle a idéa de fortificação ou ainda de residencia sobre pilotis. E” tambem possivel que inclúa a expressão de numeração . N. 36.—Gravado. Signo figurativo de ponte ou fortificação em egypcio. Entre os mara- jo-uáras deveria antes figurar as residencias caracteristicas da ilha, erguidas sob esteios como as habitações lacustres do antigo continente. N. 37.—Gravado. Representa em mexicano um altar e traduz-se por MOMOZ-MOMOZTLI, figurando o mesmo objecto em chinez. Em egypcio é figurativo determinativo de throno e qualificativo de realeza. N. 38.— Pintado. Não sei se ha suficiente analogia entre este symbolo e o que em chinez lhe parece corresponder, | representando um crustaceo ou arachnidio. Póde dar-se tambem a hypothese de figurar o olho humano ou de symbolisar a idéa de ver. N. 39.—Esculpido e gravado. Symbolo sagrado de urnas funebres e de alguidares de fino lavor. Corresponderá ao symbolo Quetzal-coatl americano e ao Urceus egypcio? E” o mesmo ophidio que se acha em relevo em differentes vasos de Marajó e que está representado na pri- meira figura da pagina 337 d'este volume. N. 40. Gravado. Recordação da ponta de flecha que não foi ainda encontrada nos mounds. Verá alguma analogia com o instrumento de obsidianna que em lingua maya ex- prime ITZ ITZ TLI? N. 41.— Gravado. Parece ser uma variante do symbolo que representa os quatro pontos cardeaes do mundo e as principaes forças da natureza. N. 42.-— Pintado. Não sei se está alliado à idéa do n. 3, parece ter antes outra significação. N. 43.— Pintado. Exprime,em todas as escripturas dos paizes comparados, a idéa d'agua corrente ou movediça, em mexicano symbolisa tambem o sangue EZTLI. E” uma figura fre- quentemente representada na ceramica de Marajó: : N. 44.— Pintado. Parece representar um ophidio, mas póde ser comparado com o signo phonetico exprimindo DJ ou o som de S forte. Em campo de tamanhas duvidas, quem poderá reconhecer caminho seguro ? E” o mesmo que navegar às escuras por sobre innumeros parceis. N. 45. — Pintado. Signo figurativo de passaro, ao que supponho, por estar assim repre- sentado no mesino sentido em antiguidades peruanas. Não sei se me assiste razão bastante para comparal-o ao milhafre egypcio, sy mbolo do deus Horus e ao “Toztli mexicano, especie de papa- gaio de pennas douradas, representando tambem por esta razão o emblema do sol. Teotl em mexicano significa Deus. ARCIIVOS DO MUSEU NACIONAL 459 BRAZIL Marjo. Collescao do MUSEU. EGYPTO Nº40 88.17C Nos] (ju 188.2DD SE Nº42 15688 Noto 29788 Nºt4 34 BB Dm a aa pe: CARACTERES SYMBOLICOS COMPARADOS. e JR TE 460 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL CARACTERES SYMBOLICOS COMPARADOS ESTAMPA IV N. 46. — Pintado. Signo composto de um duplo symbolo divino em mexicano. Em chi- nez, o o diccionario de Kong-hi o mesmo emblema significa união e é denominado TAO. Lao-tse attribue-lhe a significação da divina essencia e chama-o um abysmo de perfeição que contem todos os seres. Segundo o Choue-ouen o “Tao representa a divindade em um só ser; a união intima, o primeiro bem do homem, do céu e daterra, contidos em um só. Não preciso recordar sobre estas definições o que deixei exposto a respeito do Yoni. O livro Sec-ki, refe- rindo-se a esta divindade, diz o seguinte: O Jmperador sacrificava solemnemente de tres en. tres annos ao espirito Zyindade e Unidade. N. 47. — Pintado. Supponho ser um tórma variante apenas da do numero precedente. N. 48. — Gravado. Devia ter elevada significação por ter sido insculpida no peito de um idolo. E' a cruz grega reunida aos quatro pontos cardeaes do mundo. N. 49. — Gravado. Symbolo duplo que me parece uma variante da figura precedente. E” uma cruz dupla tendo correspondentes nos caracteres do bgypto e da India. N. 50. — Gravado. Não sei se representa figura identica ás duas anteriores. Ha n'este signo alguma cousa que lembra o caracter TOZ-TOZTLI, mas sou mais propenso a crer que haja ahi a mdicação de quatro chefes vindos de regiões differentes para um só ponto. N. 51. — Gravado. Symbolo composto tendo a ideia do templo encimado pelo Tao, que parece assim uma divindade universal. Esta fórma pyramidal é a que supponho haver sido dada aos templos de todos os povos primitivos dos dous continentes. N. 52. — Pintado. Symbolo composto. Pouco parece reportar-se aos caracteres egypcios que figuram em parallelo diante d'elle. Toda a figura parece representar a residencia de um chefe ou o proprio chefe, mas não ouso expor a respeitó a menor observação. N. 53: — Pintado. Caracter muito semelhante ao signo MuLUK do Codex Cortestanus. Deve significar residencia, ponto de reunião, talvez cemiterio ou tumulo de um chefe. N. 54. — Pintado. Residencia de chefe ou rio atravessado por uma ponte? Ha com ef- feito alguma analogia entre esta figura e a do n. 10, segundo o Codex de Dresda. N. 55.— Dupla residencia ou origem de duas nações alliadas? Não seise terá analogia com os caracteres egypcios que lhe ficam em face na-respectiva columna. N. 56.— Pintado. Lastimo que não me seja dado comprehender ou suspeitar sequer a significação d'este duplo signo . N. 57. — Pintado. Parece figurar um monumento sagrado, talvez de pedra, no interior de um 7x0owzl, e se assim é, refere-se a algum paiz onde os mounds tinham esta particularidade, de todo estranha a Marajó. Monumentos que assim poderiam ser figurados encontraram-se em grande cópia ao longo do Ohio e do Missuri e em quasi todos os paizes da America povoados por tribus constructoras. N. 58. — Pintado. Ou representa um reptil ow residencia entre ou sobre montanhas. À julgar pelas analogias que até aqui nos hão guiado e a que nos havemos soccorrido, todo este signo multiplo parece figurar residencia ou cidade real entre montes com duas unicas sahidas. Os triangulos dos quatro cantos n'este caso não me parecem facilmente decifraveis . N. 59.— Gravado. Acha-se gravado no fundo do pequeno e formoso terceiro vaso figurado a pagina 354 E” um symbolo complicado e delicadamente gravado, bastante semelhante ao que orna a pedra dos sacrificios astecas, mencionado por Prescott. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 461 sei | BRAZIL Mara CHINA EGYPTO INDIA ZE A APL] E “Eno CARACTERES SYMBOLICOS COMPARADOS. 462 - ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL CARACTERES SYMBOLICOS COMPARADOS ESTAMPA V': RP es N. 60. — Pintado. Por analogia deve representar a alliança de duas nações ou de duas cidades. N. 61. — Pintado. Symbolo de casa de residencia, povoação, tanto em chinez como em egypcio. Terá a mesma significação entre os nossos 7nound-builders ? i N. 62. — Pintado. Lembra bastante a swastika, tendo unicamente a inversão de duas es- piras. Dir-se-hia a combinação d'este emblema sagrado com o symbolo Kva tambem di- vino. Com pequenas variantes, é a figura mais empregada entre os antigos e modernos ama- zonenses na ornamentação dos seus artefactos. N. 63. — Pintado. E' notavel este symbolo por ser identico ao mexicano, o qual segundo Landa, é o 17º dia e denomina-se AHAU : rei ou o periodo de 24 annos. A legenda o dá por demonio, chefe de legião e o chama HAN-HAU, segundo o POPO-VUL, em allusão,sem duvida, ao personagem HUN-CAME. ç N. 64. — Pintado. Mostra ter algumas analogias com a figura anterior. E' uma cara hu- mana com vislumbres de physionomia felina; o que lhe dá significação de supremacia, de valor e até de divindade. N. 65. — Pintado. Não vejo significação sufhciente para este multiplo signo, senão na ideia de cemiterio, necropole. N. 66. — Pintado. Residencias construidas sobre tumulo. E” de notar-se a presença d'estes monumentos de pedra, figurados nos caracteres symbolicos aqui expostos, não havendo uma só pedra nos mowznds de Marajó. Este mesmo signo invertido parece ser figurativo de cara humana. N. 67. — Pintado. Caracter symbolico de grande cidade, de grande povoação ou de paiz habitado ? Parece porém antes o emblema de TEOTL ou TEUTL: deus, em mexicano. N. 68. — Pintado. Symbolo da paz ou da allarça? Em mexicano, egypcio e indiatico encontram-se signos analogos, mas não é permittido dizer se em identica significação. N. 69. — Pintado. Comquanto se ache aqui em parallelo com symbolos de diversas si- gnificações parece-me representar antes a figura Kva, tendo aos lados as forças da natureza, segundo a theologia. : N. 70. — Pintado. Parece significar folha, logar coberto de floresta. N. 71. — Gravado: Signo symbolico, representando um saurio. Em egypcio o symbolo figurado pelo crocodilo com a cauda inclinada representa o poente, o occidente. Collecçao do MUSEU ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL BRAZIL Merji. | MEXICO EGYPTO CARACTERES SYMBOLICOS COMPARADOS. 463 INDIA 464 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL CARACTERES SYMBOLICOS COMPARADOS. ESTAMPA VI «72: — Pintado. Symbolo de dificil decifração, ainda que pelos caracteres egypcios seja” REA el explical-os parcialmente. Ha com effeito ahi o caracter figurativo de fortaleza, encimado pela figura symbolica da palavra do commando. Na parte inferior do signo a figura No póde ser tumulo ou póde representar ainda a idéa de dominio. .73:— Pintado. Não deve estar muito afastado da significação de paiz habitado, colo- asd etc. O que é notavel é o pequeno traço negro que tem correspondente em egypcio. N. 74. — Pintado. Em chinez um signo approximado d'esta fórma representa foice, sendo determinativo figurativo de contrario á verdade, adulteração e dolo. N. 75. — Pintado. Parece ter a syn.bolisação do olho ou representar a idéa da vista. O orgão da visão offerece, na ceramica de Marajó, innumeras fórmas entre, as quaes esta é bas- tante commum, ainda que representada de ordinario em vasos de somenos valor. N.76. — Pintado. Com pequena modificação parece representar a mesma figura do nm. 63. Só em mexicano encontro figura que lhe seja analoga ; em ambas denuncia-se a physionomia ia a que já alludi anteriormente quando me referi ao signo do n. 63. «77: — Pintado. Em nenhum documento até hoje publicado sobre os caracteres gra- idos dos paizes que tomei para a comparação destas figuras da ceramica marajoense, se me deparou algum que tivesse analogia com este emblema. O do Mexico, representado em face, “approxima-se-lhe um pouco; não creio, porém, que represente a mesma idéa ou figure o mesmo objecto. N. 78. — Pintado. Na representação de um ophidio inscripto na dupla pyramide ha um sem numero de idéas de que por demasiado heterogeneas e complicadas, eu não ousaria nunca me occupar. Nos caracteres hieroglyphicos egypcios não será difficil encontrar ligada a esta figura a idéa da dentada de um ophidio ; deixo, porém, a outrem a discussão d'este as- sumpto. N. 79. — Pintado. Supponho ser em mexicano a figura de grande edificio, de palacio real (TeHauTN?) ainda que me não pareça explicavel o contorno da figura. N. 80. — Pintado. Figura representando, ao que supponho, abrigo de aves nocturnas e symbolicamente a idéa de agouro. E” uma das figuras mais salientes e mais perfeitas da tampa de uma urna funeraria. A idéa de noute, apresentada no symbolo egypcio da columnã correspondente, é bem manitesta no caracter de Marajó, como parece ser perfeitamente visivel a figura das duas aves. N. 81. — Gravado e pintado. Caracteres mui communs sobre a ornamentação das urnas funerarias. São signos talvez casualmente figurativos do sceptro de Osiris, lembrando ao mesmo tempo a figura da mão, na attitude de offrenda ou de holocausto, ou mais ainda, a cabeça da Mycteria americana, tendo um peixe no bico. E” bem de ver quanto se torna difficil a elucida- ção de semelhantes assumptos. N. 82. — Gravado. Signo composto figurativo de residencia fortificada de chefe, de senhor poderoso entre região montanhosa e grande superficie d'agua. Nenhum grupo é mais delicada “nem mais artisticamente coordenado que este, de quantos se nos deparam na ceramica dos constructores das collinas artificiaes de Marajó. Terá, porém, a significação que lhe àt- tribuo ? ARCHLVOS DO MUSEU NACIONAL 465 BRAZIL Marajó MEXICO CHINA EGYPTO INDIA Nº72 8 2DD. Es | CS Nº73 155. 268 Nº74, 126.288 Nº75 H3 UDD Nº76 161.3BB O Nº77, 47.37€ Nº 76 4737€ Nº79 | 47.37C Es Nº 80 8 200 Nº 3) 18,250 Tuas (89 1/08 => 3 Poa Nº82 5530C" E ma E CARACTERES SYMBOLICOS COMPARADOS. AG6 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Tenho nestas indagações muito de sciencia ascendido,dos factos menos no- taveis, aos assumptos de maior importancia para o estudo dos nossos aborige- nes; eao passo que mais elevado se me vai mostrando o nivel da intellectualidade | . representada nos documentos que estamos a examinar aqui, tanto maiores são as similitudes manifestas entre os artefactos ceramicos amazonenses e os que em confronto lhes justapomos, de origens não sómente americanas senão tambem egypcia e chineza. Foi nossa primeira base de comparação, neste fito particular, a serie de cabeças que havemos reunido em grupos de physionomias aflins. Todos os povos do mundo estão ahi em grande parte representados pelos seus mais notaveisspe- cimens. Vimos pois as immensas fórmas ceramicas entre as quaes tantissimas “vezes se nos depararam demonstrações evidentes de que aos mound-builders ma- rajoenses não faltavam nem elevada mentalidade nem afiliações evidentes com po- vos oriundos das mais antigas civilisações do globo. E como se não bastassem - todos esses documentos para demonstrar-nos a larga dianteira alcançada pelos primitivos incolas do Amazonas, eis que se nos deparam por ultimo os caracte- res graphicos dos mesmos incolas em parallelo com os de que se serviram talvez ao mesmo tempo outras nações dos dous continentes. E de sorpreza em sorpreza força é confessar que chegamos a ter diante dos olhos testemunhos irrefragaveis em favor da commum origem que enlaça a grande familia americana com as na- ções do Nilo e da Indo-China. Não serão porém uma verdadeira miragem estas similitudes ? Na verdade, afliguram-se-nos ellas de tal ordem que bem pódem erguer fundadas presumpções a respeito da immiscuidade de elementos alienigenas na raça americana em epocha remotissima ou n'uma phase, pelo menos,em que das regiões orientaes do solo asialico successivas correntes de emigrantes, rechaçadas pelas luctas intestinas ou pela invasão dos barbaros montanhezes do occidente procuraram nas terras do levante, além das Aleutas, seguro e longiquo refugio. Mas como explicar tambem o intimo parentesco egypcio entrelaçado com “estas feições indo-chinezas na intellectualidade dos nossos primitivos amazo- nenses? Demais, quem nos poderá dizer com firmeza se foram muitas ou uma só a corrente migratoria a cuja exutica plasticidade devemos essas primeiras transfusões ethnicas no sangue primitivamente virgem da antiga raça do nosso continente? Bem facil é de ver o emmaranhamento em que se nos queda o es- pirito no meio de tão encontradas ponderações. Vem de molde o perguntar a proposito deste assumpto se não é antes admissivel a hypothese das evoluções parallelas. AA DER oa io SEPN Ot o qo ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 467 Entendo por semelhantes evoluções as que até certo ponto e a varios res- peitos se observam na escala zoologica. A differença principal é que nos seres inferiores ao homem os factos são na apparencia, ou pelo menos ao alcance da nossa percepção, funcções estacionarias, denunciadoras de uma intelligencia instinctiva e adstricta a uma tal ou qual hereditariedade, peculiar a cada ge- nero ou especie, ao passo que no homem selvagem accresce a semelhantes fa- culdades a da selecção consciente e racional, do que lhe advém, salvo influen- cias deprimentes e perturbadoras, o seu constante aperfeiçoamento. Tocamos, porém, n'este terreno a um dos magnos problemas da anthropo- logia. Na verdade, ser-nos-ha licito buscar entre os animaes constructores a exemplificação do trabalho por assim dizer funccional do homem barbaro? Qual- quer que seja o ponto da terra em que se achem a formiga, a abelha, a ave, O castor,ahi terão construido estes laboriosos individuos as suas residencias, e os seus ninhos, mais ou menos identicos aos dos animaes seus congeneres,embora tambem seus antipodas. Na familia humana, como naquelles animaes,á analogia dos orgãos e das faculdades é natural que corresponda uma certa identidade de consequentes funcções, independentemente da transmissibilidade tradiccio- nal; mas à'é que ponto,na esphera de visivel adiantamento intellectual podemos acceitar este simile do homem com os representantes de toda a escala zoologica na autofacção relativa a cada genero ou familia? Bem sei e já o disse ha pouco que o mesmo homem barbaro raciocina, compara e aperfeiçõa o seu trabalho arrastado pelas necessidades da existencia; mas qual deve ser o limite em que as mais estreitas similitudes póôdem-se manter entre dous povos inteiramente es- tranhos um ao outro e privados desde todo o principio de quaesquer meios de communicabilidade. sem detrimento irrefraga vel para o autocthonismo de um d'elles ? São ponderações estas de natural cabimento ao lançarmos os olhos sobre o pequeno vaso representado com a mais rigorosa exactidão em tamanho natural, nas duas figuras diante da pagina seguinte. Este singular arte- facto, exhumado do Pacoval não é nem poderia ser producto estranho à ceramica d'aquelle mound. A qualidade e a preparação da argila, a fórma geral do vaso, que é um pequeno pires, como os ha innumeros na mesma localidade, a gravura da superficie inferior, representando um animal bi- cephalo e de configuração identica à da fig. 10 da estampa VB, do fim deste volume, tão particularmente caracteristica da zoolatria dos mound-buil- ders amazonenses ; tudo isso é mais que sufficiente a provar-nos a authentici- dade do vaso em questão. Admira, entretanto, que tenha sido tão mesquinho V. vi—ll18 h68 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL artefacto escolhido para monumento commemorativo de um exodo apparente- mente interessante e cheio de grandes incidentes. Quanto à classificação de semelhantes caracteres, quer me parecer a mim que mais se approximam dos hieroglyphos egypcios do que dos hieroglyphos mexicanos, com os quaes todavia deviam ter maiores e alguns dirão talvez ex- clusivas affinidades. E” mais um documento em apoio aos que attribuem a intro- missão do elemento semitico na ethnologia do novo continente e eu accrescen- tarei que é mais um factor para as duvidas que ennevôam o grande problema da origem da familia americana. Bem sei que em semelhantes embaraços ha para muitos a facilissima sahbida da questão das evoluções parallelas a que ha pouco alludi; ha sobretudo as theorias das similitudes funccionaes, de harmonia com a homologia dos orgãos, theorias para cujos alicerces e se- ductoras determinações invalescem elles forças e copioso subsidio nas fontes da zoologia comparada. Mas encarando sériamente este assumpto pela face a que ainda ha pouco me reportei, perguntaremos : não haverá um limite além do qual esse parallelismo se nos afigure muito mais inacceitavel e muito menos verosimil do que todas quantas razões nos apresentam em termos aliás de evidente plausibilidade alguns auctores contra o exagerado autocthonis- mo americano? O pequenino prato a que me refiro nem sequer parece ser o producto de algum artista, de um escriba estrangeiro diria eu melhor, casualmente immiscuido no seio da população ceramista de Marajó, não. Como o fiz ver ha pouco, é trabalho da mesma lavra e do mesmo estylo da melhor e da mais fina louça da grande ilha. Demais, em muitos pires de eguaes dimensões e em muitas tampas de urnas funerarias da mesma origem são pintados, como n'este vaso, objectos figurativos ou symbolicos de côr quasi negra, entre linhas vermelhas de apparentes figuras emblematicas ou de mera phantasia. A differença está sômente em que no artecfacto que ora exa- minamos a pictographia que lhe cobre a superficie dir-se-hia representar o canto ou o hymno commemorativo de uma conquista, a descripção de uma migração collectiva fluvial ou maritima..., ao passo que nas tampas das urnas e nos pratos vulgares, ou existem pintados alguns symbolos cryptogra- phos, ou sómente breves trechos representando idéas allusivas ás qualidades do finado. Em duas palavras, n'estes ultimos ha o simples epitaphio, a resu- mida e severa indicação do nome e qualidades do morto,emquanto no pequeno pires encerra-se a narração inteira de um feito heroico,de um commettimento que glorificou a nação inteira ou influiu profundamente sobre os seus destinos. Evidencia-se, portanto, do exposto, que temos no artefacto em questão Archivos do ML Set NACIONa ti Volume VI, 1 Archivos do Museu Nacional VASO DO NECROTERIO DO PACOVAL. Face inferior. ef wa ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 469 n'este momento o mais genuino producto dos mound-builders de Marajó e ao meu pensar o testemunho mais efficiente dos caracteres ethnicos d'aquella nação. Se, entretanto, por outro lado somos obrigados a buscar nas costas meridionaes dos Estados Unidos do Norte, nas Antilhas ou no solo por tantos annos trabalhado do Mexico e do Yucatan as fontes dos mownd-builders amazo- nenses, que de innumeros tropeços nos interceptam immediatamente os passos e a quantos perigos nos expomos ! A immigração dos elementos aziaticos, pelo estreito de Bhering ou pelas Hhas Aleutas, já por si não tem grande curso entre muitos americanistas e o afamado Fu Sang, que de Guignes poz em tamanho relevo, desentranhando-o dos antiguissimos archivos chinezes, começa a perder terreno na discussão sus- citada a respeito do buddhismo introduzido, em epochas pre-colombianas, no solo da America. Ora, se é ainda discutida e depreciada essa immigração, a principio considerada como verdadeira ou tida ao menos pela unica provavel, muito é de ver a opposição com que será recebido qualquer documento addu- zido para a intromissão directa do elemento proto-semitico pelo lado do Atlantico. E o que muito é de notar-se é que uma vez admittida semelhante hypo- these, temos immediata e consequentemente diante de nós a nunca terminavel questão phenicia, visto que sem estes arrojados navegantes, asseguram alguns auctores que os egypcios não teriam nunca podido arriscar-se à travessia do Atlantico. Bem é de ver, ao passar pelos olhos todas estas ponderações, quanto seria inutil seguirmos n'esta vereda, de ha muito, para quasi todo o mundo scientix fico, espinhosissima. Aponto sómente as analogias, mostro não os marcos de pedra da larga estrada, mas os leves e fugitivos vislumbres de apagada ou mal distincta trilha. Não insisto tanto na justificação das affinidades, como na authenticidade dos documentos que examino. Venha depois quem traga me- lhores argumentos, —provas irrecusaveis em favor desta ou d'aquella idéa e prompto me achará a acceital-as embora ns mais flagrante opposição aos raros assertos um tanto peremptoriamente admittidos por mim n'estas Inves- tigações. Feitas estas considerações, passo a occupar-me com as figuras que cobrem o pequeno vaso. A primeira difficuldade que se deve antolhar a quem se queira ou se possa dedicar a semelhante tarefa é o saber por onde será preciso começar a interpretação destes caracteres. Se por mero acaso um artista barbaro, um inspirado e desconhecido engenho de selvagem au- ATO ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tocthone de epochas pre-historicas houvesse delineado ahi indecifraveis fi- guras, não deveriam ter ellasnem começo nem fim, “orque nada exprimiriam, nada commemorariam ; mas se de boa fé logramos enxergar n'esse conjuncto de signos, na sua maior parte figurativos de objectos que nos são conhecidos, ou symbolicos de idéas que por egual modo se acham definidas em escriptu- ras de antigos povos, é impossivel negarmos a significação que se teve em mira figurar, e força, por isso, será confessar que parece haver tido essa narração ou conto, de entrecho apparentemente tão curto, o seu lado inicial e o seu termo. Se assim é, deu-se infelizmente um incidente que não póde deixar de causar o maior detrimento à decifração das figuras. Quero alludir à escoria- ção que houve no fundo do pequeno prato, da qual resultou a desapparição de alguns signos e provavelmente dos que representavam o cabeçario do exodo ou o titulo do canto, senão o fêcho da narração. Como não me achei com a precisa auctoridade para dispor a figura geral do pires no mesmo sentido em que deve ser feita a sua interpretação, tomei por guia uma das extremidades do animal bicephalo do dorso do vaso, com a qual coincide o grupo que se acha no alto da figura. Na ausencia de qualquer auxilio e de menos incerta base,soccorro-me desta que assim se me depara, co- mecando pelo referido grupo, não qualquer idéa de interpretação, que m'a não auctorisou nenhum estudo de competentes em tal assumpto, mas um ensaio de definições de signos ou caracteres comparados, no mesmo nivel de vaga e despretenciosa probabilidade em que já nos achamos ao tratar dos caracteres symbolicos comparados. No centro do grupo a que alludo e pelo qual procuro iniciar este tentamen de decifração, vê-se inscripto num quadrilongo de côr verme- lha e unico d'esta côr que se acha separado da ornamentação geral do vaso, um caracter mui distineto, que lembra o signo figurativo de habitação real em egypcio. A” esquerda e num vão dos singularissimos arabescos verme- lhos na apparencia traçados ao acaso, mas effectivamente adstrictos aos ca- racteres negros, vê-se o presente emblema semelhante ao que em W antigo chinez significava: longa noute. Junto deste, à esquerda e em linha radial, apparecem estes tres signos,o primeiro dos quaes tem grande analogia com o que significa residencia» sendo os dous outros provavelmente caracteres determinativos de que não pretendo occupar-me. A” direita e por baixo da figura que o L k ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ATA parece symbolisar estancia real, vêm-se emblemas de residencias, eguaes ao : que vimos ha pouco à esquerda, e signos lineares que em egypcio e em me- t- xicano representam agua. Todos estes caracteres estão reunidos ao signo de residencia real no seguinte grupo : E 3 «eee Escusado me parece advertir que, comquanto conservem ahi a sua verdadeira fórma, não se acham na mesma distancia em que estão no original, do qual é cópia fiel e fac-similar a estampa que nos serve de estudo. A” es- querda do grande grupo, sobre o qual acabamos de lançar este rapido volver d'olhos,encontramos a figura interessante e irrecusavel de um forte ou de uma cidadella, tendo por baixo e em vãos independentes dous signos sobre cuja analyse não insistirei. Este caracter tão positivamente figurativo de forte tem alguma seme- lhança com a figura do Pylone egypcio ou das fortalezas representadas no antigo chimez (1), e basta que se comparem os dous caracteres para que qual- quer duvida a respeito desappareça completamente, embora não seja intenção minha alludir á presumpção de que tenham sido ambos feitura do mesmo povo A ou producto da mesma civilisação. Continuando na mesma direcção depara-se-nos em seguida o mais bello e o mais completo grupo do vaso. Este conjuncto de signos, quasi todos per- feitamente reconheciveis, é ao mesmo tempo o mais symetrico e o unico talvez que mais se prestaria a representar a cabeça do animal emblematico da pintura vermelha do prato, se algum animal ahi se quiz figurar, como o supponho,ba- - (1) O egypcio hieratico bem como o antigo chinez são os caracteres mais particularmente lembra- dos quando se tem diante dos olhos algumas d'estas eseripturas symbolicas e infelizmente indecifra- + veis dos antigos povoadores da America Meridional. Talvez estejam neste caso as figuras que se diz haverem sido encontradas sobre um grande pilar de pedra entre Mendoza e Punta, no Chile, nas quaes alguns acharão caracteres analogos a lettras do alphabeto chinez. Bollaért.—Numismatics of the A New-World. V. vi—llo 472, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL seando-me nos exemplos numerosissimos que tenho na arte decorativa da ce- ramica de Marajó. Faz-me isso perguntar se não deveria começar por este grupo a interpretação da nossa singular hieroglyphia, seguindo da esquerda para a direita; mas além de que, faltando-nos algumas figuras do fundo ou do centro e nada podendo ao certo fixar de positivo,accresce que não me acho bastante firme em um terreno tão inconsistente. Mais acertado, portanto, me parece o continuarmos na breve inspecção dos caracteres que vamos analysando um à um, conforme a importancia que lhes estamos attribuindo. No formoso grupo de que ora nos occupamos faz-se notavel, por exemplo, a habitação régia, que nos parece figurar o signo do alto do grupo e que em tudo se assemelha ao caracter egypcio determinativo de residencia real, ou grande e opulenta habitação. Por baixo e em comparti- mentos engenhosamente preparados pelo arabesco vermelho, vemos, a contar de cima e para a esquerda,uma figura que recorda a representação symbolica, em egypcio, de senhor; em seguida uma ave, uma aljava, um machado e outros objectos que não ouso especificar, temendo que me vão condemnar summariamente os que se não quizerem prestar ao exame das curiosas figuras que temos diante dos olhos. O grupo seguinte é composto de um caracter figurativo que lembra um grande vaso naval: bari, em egypcio, tendo por baixo e et na mesma perpendicular duas figuras em vãos prepara- dos à feição d'ellas no arabesco vermelho: a primeira é identica ao caracter phonetico determinativo de habitação, e a segunda, em baixo, até certo ponto approximada do botão do Lotus. No conjun- cto que se segue ha no alto um novo caracter figurativo de barca, ao que supponho, pela comparação d'esta figura com aquelle ca- racter egypcio. Por baixo, sete caracteres agrupam-se em RR tal ou qual coordenação harmonica, em significação talvez de um trecho completo, co mo se houvesse ahi um só periodo, um complexo de idéas adstrictas ao mesmo pensamento, a um sentido unico. Entre estes cara- eteres merece particular attenção o que figura um guerreiro armado de uma besta ou de um arco. Por detraz delle vê-se uma figura que tem muita ana- logia com o caracter symbolico egypcio d'agua, de pequena bacia fluvial ou di maritima. Inferiormente a este simulacro de combatente, archeiro ou besteiro, e fóra do grupo de que elle faz parte, apparece uma figura que póde ter outra significação, mas que no meu suppor lembra o aspecto do signo symbolico egypcio de vastissimo lago, de ilimitada ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 473 bacia maritima. Na dispcsição d'este personagem ha talvez a indicação do modo pelo qual deveriam os antes analysar toda a inscripção, pois admitte-se como regra que a direcção da leitura encontre os personagens de frente e seja neste sentido effectuada. Se attendermos, porém, a que parece dever começar a interpretação de tão singular monumento pelo grupo que mais recorda a fórma de uma cabeça, como já o fiz ver anteriormente, convém advertir que n'aquelle grupo encon- tramos uma ave, um milhafre talvez, o qual,visto de face na direcção que se- guimos e tomado em consideração à individualidade sagrada que se lhe attri- buia, mui natural é que gozasse de apreço egual, senão superior, ao de um simples guerreiro. Nem para isso carecemos de outro argumento mais que o da propria significação d'esta ave em egypcio em que ella symbolisava o poderio, o suprema governo da nação. Proseguindo na sequencia do nosso rapido volver d'olhos, temos diante de nós duas importantes e singulares figuras: a de cima, dando idéa de um vasto paizhabitado (1),e a de baixo, representando um | chefe sentado com a cabeça coberta por um docel ou larga umbella e empunhando um bastão à guisa de sceptro. De todos os caracteres que até aqui havemos examinado d'esta inscripção são es- b. tes dous os mais notaveis e os que mais harmonicamente ex- primem a idéa que teve em mente o escriba marajoense. Ha ahi evidentemente a representação de vasto paiz povoado e governado por grande chefe, por um ml autocrata A estas duas figuras segue-se um grupo em parte destruido pelo estrago da superficie do vaso. Neste Ro 1 grupo, representado condensadamente na seguinte figura, ha em cima um caracter que parece ser a dupla represen- tação de paiz, territorio e agua,na intenção de mencional-os reunidos, como se um só chefe os possuisse,ou na de referir-se-lhes : terra ma- rimque, alguem que os houvesse visitado de uma só feita; e em baixo afigura do crescente, havendo entre estes dous emblemas uma figura de peixe e outra que não sei bem se representa a idéa de pedra preciosa, spatho verde, a que falta na figura do pires um traço, que aqui restituo por ser bastante visivel (1) Será talvez demasiado arrojo apresentar este caracter como signo figurativo de região, mas ainda hoje nas convencionalidades topographicas modernas como entre os caracteres do antigo chinez e do proprio hieratico egypcio não temos outras figuras. Quanto à significação de residencia não me parece que outra cousa seja a figura da extremidade direita d'este signo. ATA ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL no original. O proprio crescente que ahi se vê tem uma parte destruida e pa- rece ligado a outro caracter proprio, do qual nada se distingue. Estará nesta especie de inscripção a representação symbolica do novilunio dos antigos povos da Asiae da America? A parte inferior do grupo devia ter dous ou tres signos, cuja falta não póde deixar de ser lamentavel. O caracter que se segue, reproduzido nesta figura, representa vasta região inhabitada, e ovccupa só por si o largo vão immediato, ao qual se achava provavelmente ads- tricto outro vão em baixo, agora destruido tanto quanto a figura que lhe era inscripta. Perdôe-se-me dizel-o: mas como que, á simples vista deste delineamento geographico de paiz de- serto, rodeado pelos vastos claros que deixam os arabescos vermelhos, compre- hende-se a idéa do deserto e da solidão e quasi que se sentem as tristezas do proscripto ao abeirar-se de um paiz assim inculto e ermo. A estes dous ultimos grupos, bem como ao que nos fica em face, primeiro de que nos havemos oc- cupado, faltam algumas figuras, cuja ausencia não póde deixar de truncar o sentido da narração. Não temos em vista, tratando com alguma minudencia d'esta curiosa in- scripção de um povo desconhecido, senão chamar a attenção dos anthropolo- gistas e em particular dos americanistas para esse monumento curioso, que não sei se o é mais pelos caracteres com que parece commemorar um exodo cheio de interessantes incidentes, do que pela mesquinhez do objecto onde figuram os caracteres commemorativos. Que systema de hieroglyphia será esse? (1) Supponhamos mesmo que algum escriba monopolisador de uma scien- cia adquirida por direito exclusivo da sua classe,como a adquiriram nos paizes theocratas os individuos incumbidos de semelhantes trabalhos, desejasse per- petuar a historia de uma longa migração, de uma conquista inesperada, levada a efeito por seus compatriotas, não parece singular e quasi inverosimil que houvesse esse individuo tomado para marco ou monumento de tão preconisado acontecimento um pequenino prato, um modesto pires de terra cotta de natu- reza egual á de tantos outros mesquinhos vasos da mesma localidade ? Demais, não sei como explicar as analogias tão visiveis dos signos que havemos aqui examinado, com os caracteres hieraticos do Egypto, não ha- (1) Quando houvermos maior numero de documentos sobre este assumpto é bem possivel que sejamos obrigados a acceitar a supposição do Sr. Ameghino a respeito de um systema completo de es- criptura que parece ter sido admittido no Perú. Ameghino.—La Antiguedad del Hombre. Se nos repor- tarmos a Montesinos, Pachacuti IL[ empregou os maiores rigores para impedir o desenvolvimento d'essa escriptura no seu reino. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 475 vendo nas outras antiguidades amazonenses senão vagos e mal distinctos vis- lumbres de similitude com as dºaquelle remoto paiz. Mais natural pareceria que numerosos traços de identidade apresentassem estes signos com os dos monumentos yucatecas apresentados tão nitidamente no album de Waldek. Se não ha neste assumpto uma verdadeira illusão que o meu proprio arrebatamento me impede de enxergar, temos diante dos olhos um documento de grande importancia para a historia dos povos itinerantes das duas Americas e particularmente das nações que se passaram da America do Norte para a America do Sul, e de cuja migração, como já o disse em outra parte d'este trabalho, foi ponto intermediario e talvez de reconstituição e de transfusão ethnica o valle do Amazonas. E se assim é, a interpretação das figuras do pequeno prato de que nos occupamos deve ser discutida com o maior cuidado, constituindo-se um specimen de escriptura intermediaria entre a egypcia e a mexicana, embora com a demonstração, que me parece mui provavel, de não pertencer a nenhuma d'ellas. As antiguidades com que me coube a boa fortuna de ornar as presentes Investigações não são, ào meu suppor, senão insignificantissima parcella dos thesouros archeologicos talvez encerrados no valle do Amazonas. Exhumem-se as riquezas que parecem recluir os mounds ainda intactos das margens do Madeira, do Beni e do Guaporé, onde são co- nhecidos pelo mesmo nome de Pacoval; aprofundem-se as excavações do valle superior do Prata para os lados da cordilheira, e não será muito de admirar que d'aquelle solo apparentemente virgem vejamos surgir as pégadas de muitas gera- ções adiantadas, intelligentes, scismadoras e de bastante cultura intellectual, perante as quaes as tribus aborigenes de hoje nada mais serão do que descenden- tes bastardos em cujo caracter mal se reconhecem agora os vestigios da antiga pujança de seus antepassados. A civilisação d'estes era em muitos pontos su- perior, com certeza, à dos primeiros conquistadores europeus. (1) Seja, entretanto, qual fôr a elucidação que houver a tal respeito, a paleogra- phia que estamos analysando parece dever começar no grupo que mais feição apresenta de cabeça humana ou zoomorpha,ainda que seja,ao queeu presumo, intimamente adstricta a esse grupo a figura de pylone que o precede, como em honra à residencia ou cidade real, figurada no alto do mesmo grupo. Come- çada d'ahi a interpretação por tentativas baseadas em analogia a que acima me referi, ver-se-ha pelos caracteres que desde esse mesmo grupo se nos apre- sentam, um grande e poderoso rei ou chefe convocando grande cópia de (1) L. Morgan—North American Review. Boston, 1869. V vi--119 ATO ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL combatentes e depois de havel-os embarcado em certo numero de navios, atra- vessar um grande mar e alcançar depois um paiz povoado e governado por um rei. Alguns caracteres estão aqui apagados, apparecendo apenas tres ou qua- tro figuras, entre as quaes a de um animal, um cetaceo talvez, como caracte- ristico das aguas em que se achava a expedição. Segue-se ao depois a repre- sentação de um paiz inculto no qual os immigrados estabeleceram povoações e um logar de adoração ou residencia real. Este local, particularmente deter- minado pela figura inscripta no quadrilongo de côr vermelha, é o que está collocado na parte superior da linha média da estampa. Elle tem por baixo uma linha recta, caracter significando agua, e imme- diatamente à direita, entre duas figuras de povoação, duas linhas mais: uma de maior e outra de menor extensão, talvez na intenção dc representar gran- des e pequenas aguas ( enchentes e vasantes) que tanto caracterisam a natu- reza do Amazonas na sua foz. D'esta particularidade talvez me seja licito suppor que temos n'este caracter de residencia de chefe ou de logar sagrado, o proprio mound de Pacoval, onde foi achado o pequeno prato de que nos oc- cupamos, ou ainda toda a ilha de Marajó, o que me parece menos provavel. Os hieroglyphos pintados n'este mesquinho prato têm alguma cousa do systema rebus em cujo nivel parece dever ser collocada a hieroglyphia mexi- cana. Sob determinadas figuras entretanto dir-se-hia que muito mais se ap- proximam do hieratico egypcio que de qualquer outro systema de escriptura. Mas não se podendo nada assentar a respeito da classificação destes ca- racteres, a qual depende de quem com verdadeira competencia lhes venha dar mais tarde o logar que lhes é devido na epigraphia,é muito de suppor que deva constituir um novo molde de escriptura e um systema até hoje desco= nhecido nos dous hemispherios. E, pois, sem que me anime a pretenção de estabelecer determinação de qualquer ordem sobre semelhante inscripção, ouso apenas ponderar que póde bem acontecer estar esta especie de escriptura para os hieroglyphos mexicanos assim como o phenicio está para o hieroglypho do antigo imperio egypcio (1) e o japonez para o chinez. Melhor será, porém, n'este presupposto, que se faça primeiro o mais serio estudo dos caracteres gravados e pintados do Me- xico afim de se ter menos vaga ou mais positiva idéa da nossa curiosa inscripção. Abstracção feita de todos os sentimentos de receio e de abstenção em que (1) E esta a opinião de Champollion, cujas idéas foram, n'este particular, desenvolvidas por Salvolini e brilhantemente explicadas afinal por de Rougê. Champollion.—Lettre à M. Dacier, p. 80. Salvolini.— Analyse grammaticale de Vinscription de Rosette. J. de Rougé.—Mémoire lu à V Acad. des Inscrip.et Belles Lettres. E” RS So ma a ÃO a pao ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 4TT é mister collocar-se quem quer que se consagre ao estudo da America pre- colombiana, e consultando unicamente o resultado preciso de uma longa e paciente sequencia de estudos sobre as antiguidades amazonenses e de obser- vações comparadas entre estas antiguidades e as de outros povos dos dous continentes,sou obrigado a confessar que não me parece a nosssa inscripção re- portar-se senão mui vagamente aos hieroglyphos mexicanos e a uma escriptura até certo ponto katuniforme, com leves traços da dos Mayas do Yucatan. Se me é licito referir-me a apreço proprio, direi que,de todas as hypothe- ses, a que mais se coaduna com a predisposição em que se acha o meu es- pirito é a do auto-desenvolvimento dos povos primitivos, até hoje observado, tanto no antigo como em o novo continente. A impressão porém dos que, estranhos às minhas rebeldes prevenções, houverem de examinar este singularissimo vaso, será talvez a de que os caracteres pintados no pires que analysamos, ligam-se, por analogia morpholo- gica unicamente, ao ideographismo da escriptura egypcia, na sua phase de ten- dencia ao syllabismo e talvez sob a influição de uma certa mescla de escriptura semelhante à da primitiva escriptura chineza. O hieroglypho da antiga nação egypcia, que ha sido a fonte do alphabeto phenicio, parece andar tambem ligado às origens de outros antigos systemas de linguagem figurativa. Se a America precolombiana recebeu alguma vez do antigo continente os elementos de civilisação de que teremos, no arte- facto em questão,prova moralmente tão significativa quanto é physicamente insignificante e fragil este artefacto, tudo faz crer que das margens do Nilo emanou parte dessa civilisação, na qual, entretanto, não podemos deixar de enxergar contribuição de sangue malayo. Não faço, entretanto, cabedal de minhas presumpções; abro mão dellas, cerrando os ouvidos ás similitudes que alguns auctores encontram entre as linguas americanas e as uralo-altaicas (1), e que outros julgam ter achado entre as nossas antiguidades e as da China (2). Sujeito-me ao curso evolutivo das lucubrações anthropologicas, a que com tanto ardor se consagra o mundo scientifico na actualidade, e aguardo a ultima palavra que se houver de enun- ciar a respeito. Não obstante todas quantas supposições deixei enunciadas a respeito da possibilidade da transfusão de elementos alienigenas na raça pro- mitiva da America, quero crer que mui provavelmente não se encontre prova efficiente e cabal de tal fusão. O principal fim deste trabalho é a expo- (1) Forchammer--Vergizishung der Amerikanischen Sprachen mit den Ural—Altaischen, hinsich thich ahrer Grammu ich. ã ' Ê (2) Dr. Le Plongeon.—Vestiges of antiquity, Lecture delivored before the New-York. Geog. Soc. January, 1873. ATS ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL sição do rico material que pude reunir no Museu Nacional,e este fim vai sendo preenchido como m'o permittem minhas forças e os fraquissimos recursos de que disponho. Tudo quanto lhe fôr estranho não póde nem deve aqui figurar senão em caracter accessorio, sob feição de ordem secundaria. VII A edade paleolithica e neolithica no Brazil. — Machados fabricados de pedra de varias especies. —Cavadeiras, martelos, serrotese facões.— Puncções e outros pequenos instrumentos de diorito e de agatha.— Amuletos e zoolithos dos Sambaquis do Sul e dos necroterios do Norte. — Origem provavel destes artefactos. — Analogias dos mesmos artefactos com os de outros paizes.— Fórmas rudimentares de almofarizes e de moletas de pedra. — Adornos pessoaes de pedra. — Preferencia dada ás pedras mais ou menos verdes para este fim, tanto na America como no antigo Continente. — Origem do culto das pedras verdes. ——- A nephrite represen- tando na America, em relação ao mesmo culto, valor egual ao da jadeite no antigo conti- nente.— Razão provavel da falta de conhecimento a respeito das jazidas de nephrite na America. — Caracteres graphicos em gravura e em pintura, deixados sobre os rochedos por antigos povos, como vestígios de sua passagem ou existencia na America do Sul. —Seme- lhanças d'estes caracteres com os dos rochedos gravados e pintados, até Hoje conhecidos em todo o continente americano. Não é de facil demonstração o haver em o novo continente duas ou mais edades definidas a respeito dos artefactos de pedra das varias e numerosissimas nações americanas. Para os machados e pontos de flechas, sobretudo, as difficuldades são innumeras, pois nos mais antigos sambaquis e em excavações profundas, hão sido encontrados specimens inteiramente identicos aos que se apresentam em depositos modernissimos e devo dizer até em circumstancias que denunciam verdadeira actualidade. Da mesma sorte, apresentam-se, em impossivel descri- minação de localidade ou de epocha de fabrico, os machados de pedra polida em relação com os de pedra lascada. Tenho em vão tentado saber onde hão sido encontrados em mais abundancia uns que os outros. Inexplicavel pro- miscuidade é geralmente o caracter das juzidas donde hão sido extrahidos estes artefactos. O que com segurança se póde affirmar é que a rocha de que mais geral- mente se fabricavam taes machados é o diorito compacto que se encontra em todo o Brazil; no littoral,encravado em fórma de diques, nas rochas gneissicas, desde Santa Catharina até a Bahia ; e em grandes massas e tambem em diques, no interior, e nas duas extremidades do sul e do norte do Imperio. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL ATI Depois do diorito póde-se mencionar em seguida, e na ordem em que se Machado de diorito. Red. a 213 Machado de diorito. Red. a 213 encontram: o quartzito, a serpentina, o gneiss, o fibrolitho, o syenito, a ne- V. vi=120 480 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL phrite, o porphyro e outras rochas menos utilisadas no fabrico dos machados. Machado de diorito. Red. a Sd Machado de diorito. Gr. nat. Machado de diorito. Red. a 3[t. O Museu Nacional possue uma duzia, mais ou menos, de machados de fi- brolitho e cerca de meia duzia em nephrite. Da primeira destas rochas ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 481 sabemos que existe no Brazil mais de uma jazida e não ha muito recebeu este Machados de diorito. Red. a 7/8 Museu ur: specimen da parte do engenheiro civil Theodoro Sampaio, que o 482 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL extrahiu de uma jazida no sertão da Bahia,junto ao S. Francisco. No tocante á nephrite, porém, ainda que tudo nos deixe suppor ser semelhante rocha egual- Machados de diorito. Red. a 31É É mente do Brazil, até hoje em nenhum ponto deste paiz ha sido encontrada. O) ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 483 diorito tem tres razões para ser o mais empregado no fabrico de machados: a sua dureza, grande abundancia e propria estructura, isto é, a facilidade com Machado de diorito. Red. a 213 Machado de diorito. Red. a 34. quese fragmenta em pedaços pseudo-geometricos, 0s quaes se constituem natu- ralmente perfeitos esboços de machados. V. vi—l2l ASA ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Quanto a esta ultima particularidade, tive em 1881 occasião de veri- ficar no alto do morro da Guia, a menos de 2 kilometros da cidade de Cabo- Frio, o modo por que se serviam os indigenas dos fragmentos cahidos dos pe- nedos de diorito que formam a aresta denticulada d'aquella montanha. Os re- feridos penedos ou penhascos, apresentam, em differentes sentidos, sulcos que, Machados de dicrito. Red. a 3y4 examinados attentamente, indicam haver sido feitos por individuos que, ajoe- lhados ou acocorados sobre a face superior dos rochedos, alli desbastaram os fragmentos de diorito de que faziam machados. A agua e areia eram os unicos ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL AS5 elementos de que se soccorriam para esta operação. Os sulcos têm de 80 a 120 centimetros de extensão, com largura e profundidade maiores no centro e me- nores nas extremidades, à feição da curva descripta pelo braço do operaria, no movimento proprio do trabalho. O padre Simão de Vasconcellos, jesuita intel- ligente e iervoroso catechista dos primeiros tempos coloniaes, referindo-se a estes sulcos, attribue-os à impressão do bordão de S. Thomé (1), que, irritado Machados de diorito. Red. a 213 contra a refractariedade do coração dos primitivos indigenas á voz das suas pré- gações, quiz provar-lhes que mais facilmente se deixavam penetrar aquellas rochas pelas bordoadas do seu cajado do que elles pelo verbo do Evangelho. (1) E" o mesmo personagem legendario que sob tantas e tão differentes denominações apparece ligado a essa vaga tradição de uma remotissima catechese a que se viram submettidos quasi todos os povos americanos. O budhismo para alguns auctores, como Humboldt, e o christianismo para outros, representam as praticas religiosas a que se entregavam esses homens ascetas ou cenobitas, com as suas vestes talares negras. Tudo, porém, nos induz a suppor que nenhuma d'estas duas religiões ti- vesse ahi que ver, senão por afinidades theogonicas de que se resentem todas as religiões dos primiti- VOS povos. A86 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL De antigas povoações ou de cemiterios indigenas, hão sido exhumados fra- Machado de fibrolitho. Red. a 9[tO Fragmento de diorito, servindo para o fabrico de machados. Red. a 213 gmentos de diorito, que mostram em uma das faces varios sulcos, formados, ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 487 não pelo fabrico de machados, mas pelo trabalho de aguçal-os. Ha até ma- Machado de diorito, sorvindo de afiador. Red. a 273 Machado de fibrolitho. Red à Na chados ou cavadeiras, das quaes parece que se serviram para egual fim, Machado de fibrolitho, Fernão de eixo de mô. .a 172. Quanto à perfeição de outros macha- dos dos aborigenes primitivos do Bra- zil, presumo que só aos chefes cabia a honra de trazel-os mais perfeitos. Os de mais notavel conformação ou de mais apurado lavor, d'entre estes,são os ma- chados em fórma de crescente. Eviden- temente os possuidores d'estes artefactos Machado de diorito dos NãO se podiam servir d'elles para qual- idas doe indios Becaicys (- Xingó) quer trabalho senão por simples e mera os ceremonia, provavelmente em festas e em dias de solemnidade. E o que nos V. vi—l22 488 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL cabe deprehender não só da delicadeza com que foram fabricados semelhantes artefactos e da integridade com que se apresentam sempre, senão tambem do Machado de oligisto. Gr. nat. modo por que os encabavam. Os machados de pura ostentação ceremonial é II ) li Machado de diorito. Red. a 1/2 verdade que tinham, como todos os outros machados americanos, o caracter commum de se metterem no cabo, ao envez do que se praticava e se pratica ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 489 no antigo continente, onde o cabo é mettido no machado (1); mas observo que, nos machados destinados ao trabalho, os liames do instrumento são quasi Machado de quartzo. Red. a 1/2 Machado de diorito. Red. a 2/3 sempre revestidos de grande porção de gommo-resina,como que para resistirem aos embates dos golpes. N Ni NIE am m | EN 1 N N A Machado de diorito. Red. a 2/3 Machado de syenito. Red. a 2/3 Na collecção ethnologica da Sra. D. Amelia Machado de Albuquerque, residente n'esta capital, existe um d'estes machados de apparato, em tudo (1) Squier.—Anc. Mon. of Miss. Valley. 490 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL semelhante ao do British Museum, figurado por John Evans na sua obra—Ás Edades de Pedra, e representado na pagina 45 do Vol. I d'estes Archivos (1). Machado de eurito. Red. a 9/10 Machado de syenito. Red. a 9/10 Machado de diorito. Red. a 314 Ambos estes instrumentos são com certeza procedentes dos indios do valle do Tocantins ou dos sertões do Maranhão, provavelmente dos indios Gaviões, tão selvagens quanto industriosos. As rochas mais empregadas no fabrico destes machados eram o syenito e o porphyro. Deviam ser tambem de sim- (1) Segundo me informa o Capitão Paula Castro, que commandou a escolta da exploração do Xingá e a quem se deve o bom exito d'esta commissão, os chefes Jurunas usam, nas suas grandes festas, de machados exactamente semelhantes a este. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 491 ples appparato os bellos machados de jadeite e nephrite com que se apresen- tavam em suas festas e ceremonias os grandes chefes maoris da Nova Zelandia, Estes machados, como todos os artefactos d'aquelles intelligentes e activos po- Iynesicos, têm os cabos rica e artisticamente adornados de figuras phantasti- cas, cujos caracteres, em muitos pontos semelhantes aos da arte decorativa ou esculptural americana, ligam-se às idéas theogonicas d'estes dous povos, geo- graphicamente affastados um do outro, mas ainda hoje enlaçados por vestígios de uma mesma origem ethnologica provavel. O machado aqui representado é o de um dos dous chefes maoris, cujas cabeças admi- ravelmente mumificadas conservamos no Museu Na- cional. O cabo d'este machado, representando uma ave anthropocephala (1), de cuja bocca aberta vê-se sahir uma lingua enorme, que mais parece o chibu- que arabe ou o narghilé turco, é marchetado de nacar e envolvido por finas tranças de fibras cruas que o prendem fortemente ao instrumento. Este é feito de uma lamina admiravelmente ho- mogenea de nephrite, cujo peso específico é de 3,01. A graça, a firmeza e o alto preço deste ar- tefacto collocam-n'”o entre as mais admiraveis das collecções ethno- logicas do Museu Nacional. Figura ornamental do cabo do machado de um chefe Maori, Lamina de nephrite do mesmo representando uma ave anthropocephala. machado. Peso especif. 3,01. Red. a 213 (1) Os Nova-Zelandezes, segundo Forster, tinham em alto apreço algumas aves, que considera- vam emissarios da divindade. Forster. — Voyage Round the World. Vol. I, pg. 519. V vi—l23 492 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Das mesmas rochas faziam-se machados triangulares ou trapezoides, per- Machado de eurito. Red. a 213 Machado de syenito. Red. a 213 furados no centro ou simplesmente cavados nas duas faces. Sirvo-me do nome Machado percluso de porphyro, Gr. nat. de machados para lhes não dar, talvez com algum cabimento, o nome de Machado percluso de porphyro. Gr. nat. Polidor percluso de eurito. Red. a 3[£ amuletos, cuja serventia parecem ter tido afinal, depois de haverem servido de Instrumentos de juso desconhecido. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL h93 Ao meu ver estas perfurações centraes,mais dilatadas nas duas superficies do instrumento do que no centro do orifício, nada mais deviam ser do que um meio empregado para maior firmeza de apego do machado ao competente cabo, ao qual era ligado por um cordel que passava pelo orifício do ins- trumento a cada volta ao redor do cabo. De resto, é o mesmo singular artefacto que ha sido encontrado em quasi todos os paizes da America e da Europa,e para cujo destino não foi possivel achar até hoje explicação mais plausivel. Não é dado fallar do modo por que costumavam os americanos primitivos fi- xar os machados aos respectivos cabos, sem fazer menção de uma fórma espe- cial usada nas duas margens do Ucayale e provavelmente em todo o Amazonas, acima de Tabatinga. Esta fórma é a das duas primeiras figuras juntas, pela qual Machado de eurito. Red. a 172 Maehado de diorito.Red. a 1/2 é facil ver com que firmeza devia-se prender o instrumento, por meio de um liame cruzado no sentido das chanfraduras, propositalmente talhadas para este fim. O machado e o martello perfurado ou o disco percluso,no centro, acham-se tão estreitamente ligados entre si, que John Evans sente verdadeira perple- xidade em distinguil-os (1). Em verdade,assim é quando o machado é espesso e rombo; não, porém, se é delgado e d bordas afiadas; de ambas estas fórmas os possuem as collecções do Museu Nacional, parecendo-me mais difficil ex- plicar a serventia dos mais delgados, os quaes, de certo, jámais serviram de martello. São provavelmente instrumentos cortantes, mas de uma applicação que não atinamos em comprehender, tendo em vista o que usam povos ci- vilisados. Têm algumas analogias, estes machados, com os discos perfurados, figurados sob os ns. 4 e 22 da Est. VI e representados por Ameghino (2). Ne- (1) John Evans. —As Edades de Pedra. E (2) Florentino Ameghino.—La antiguedad del Hombre en el Plata. 2º vol. Pl. VIII. Fig. 422, 428. 494 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL nhum documento, nenhuma circumstancia veio ainda explicar-nos quaes as tribus e quaes as localidades a que mais particularmente pertenciam os preciosos machados noviluniformes e os triangulares perfurados, não menos in- teressantes. Preciosos lhes chamo eu, porque são feitos todos de variegado e es- plendido porphyro ou de syenito, e, já por essa circumstancia, já pela graça artistica da fôrma e polimento admiravel da superficie, joias antes parecem Machado de diorito. Red. a 22 Machado circular percluso de diorito. Red. a 3[£ do que instrumentos de trabalho. Têm sido elles encontrados em quasi todos os antigos necroterios ou pontos onde ha vestigios de antigas residencias, ou sejam estas jazidas os sambaquis da costa e alguns raros Cave-Dwellings dos an- tigos Guaytacazes da vasta bacia do Parahyba e dos aborigenes que po- voaram as serras dos sertões do sul, ou sejam os cemiterios existentes em abun- dancia, do norte ao sul, ao longo de alguns rios da costa e no interior do Brazil. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 495 Em exhumações praticadas no Rio-Grande do Sul, pelo Dr. von Ihering, achavam-se instrumentos grosseiros de diorito compacto, cuja fórma relembra exactamente a configuração das facas de obsidianna, de que se serviam os sa- cerdotes astecas nos sacrifícios dos seus rituaes. E de certo não podiam ser senão especies de instrumentos cortantes estes toscos artefactos cuja super- ficie s2 acha revestida de uma camada de peroxydo de ferro, indício do longo tempo que estiveram enterrados; de nenhum outro ponto do Brazil havemos recebido semelhantes objectos. Está por averiguar se é devido este facto ao acaso ou se haverá nelle algum vislumbre de relatividade entre os antigos po- voadores do Rio-Grande do Sul e os povos mexicanos. Questões são estas para as quaes não suppomos sufficientes quaesquer analogias d'esta ordem. Dos Sambaquis do sul, onde, como já o disse, é encontrada copiosa porção de tão varios artefactos, havemos recebido instrumentos manifestamente destinados ao mister de cavadeiras, martellos, facas, raspadores e pontas de flecha, sendo mui notaveis,entre todos estes,os que apresentam a fórma de serrotes,tal é a regulari- dade com que se acha preparadaa denticulação do gume do rude instrumento. Faca de diorito, lascado. Red. a 213 Uma infinidade, em summa, de utensilios de variadissimas applicações, de par com os que ficam aqui mencionados,exigir-me-ia especificação minuciosa se não fosse proposito da minha parte limitar-me a simples apontamentos, quanto me suggere expor sobre elles, e ainda assim eliminando por conveniencia e cautela tudo o que me parece demasiado vago. Alguns instrumentos de fórma irregularmente cylindrica, encontrados nos antigos cemiterios aborigenes,apresentam affinidades com varios utensilios de que se servem os selvagens modernos das alti-planuras occidentaes da pro- vincia de Santa Catharina. Estes utensilios são empregados para esmagar o mi- lho e quaesquer outras sementes no fabrico de pães grosseiros de que usam no centro do Brazil e nas cabeceiras do Amazonas. Muito provavelmente tinham identica serventia os cylindros antigos, ainda que não tão pesados como os actuaes, alguns dos quaes chegam a pesar até 25 kilos. Não é para desprezar-se V. vr—l2d 496 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL a grande cópia de pequeninos instrumentos que representam uma fórma entre de machado e de cavadeira ou de formão. E” bem possivel que houvessem ser-= Moletas de diorito de varios tamanhos. Red. a 213 vido, semelhantes artefactos, de utensílios aos pequenos selvagens, imitadores ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 497 dos trabalhos das classes adultas, como sóe acontecer ainda hoje, onde quer que se conserve a existencia das tribus menos civilisadas, que o mesmo é dizer, ===. ==s = === == === == = E BWY]JEE TOA === = EPIL él = sei (d! e === == == == === ES ses RN ] É === === = SS === rã qu E === E = == === ES == E ESSA Moleta de diorito. Red. a 172 Moleta de diorito. Red. a 213 Cavadeira de diorito. Red. a 23 mais activas e moralisadas. Mas não é prudente fixar n'esta só hypolhese a origem destes graciosos productos da arte rudimentar dos nossos aborigenes ; misteres havia provavelmente para os quaes eram indispensaveis instrúmentos 498 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL de exiguas dimensões, e os de que trato o são às vezes de modo notavel. De par com as cavadeiras de maiores ou menores proporções apparecem-nos, Cavadeira ou formão de diorito. Red. a 213 Cavadeira e formão, de diorito. Red. a 213 tanto ao norte como ao sul do Imperio, artefactos ao que parece destinados ao uso de raspadores e de polidores ou antes, de trituradores empregados em con- tacto com rochas de superfícies planas. Não é menos notavel a abundancia de pontas conicas de flechas ; toscas, informes e descuradas umas, e admiravel- mente polidas e modeladas outras, sobre serem ás vezes fabricadas de rochas que mais concorrem a lhes dar maior valor, como a agatha, o quartzo hya- lino, o eurito e o syenito. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 499 Toda a dificuldade está em comprehender-se o modo por que se serviam destas pontas de flechas ou antes, o systema que empregavam para prendel-as Polidor de diorito. Reda a 9IÉ Cavadeira de diorito Machado de diorito, Red. a 172 Cavadeiras de diorito. Red. a 213 à flecha. Tudo me faz crer que as ligassem aesta, exactamente como o fazem V. vi-125 500 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL alguns indios actuaes, talvez guaranys de S. Paulo ou do Paraná, abrindo na extremidade da flecha uma cavidade onde possa penetrar a base da ponta de Raspadeiras de diorito. Red. a 910 pedra, à qual se ata por liames muito fortes e se prende exteriormente com Polidor de diorito. Gr. nat. Martello de dioritos Serrote ou ponta de flecha(?). ed. a 93 Red. a crá resina de grande consistencia. A juncção da flecha à respectiva ponta fica, d'esta fórma, adornada por um grosso annel em alto relevo. Foi assim prepa- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 501 rada, pelo menos, uma flecha que recebeu o Museu Nacional, do engenheiro Carlos Rath, de S. Paulo (1), a quejá alludi anteriormente. Uma d'estas pontas de quartzo hyalino, artisticamente turbiniforme, parece haver sido para este fim preparada com immenso trabalho. Não é facil reconhecer se tiveram o Ponta de flecha de quartzo Serrote de diorito. Gr. nat. hyalino. Gr. nat. mesmo destino, os artefactos que apresentam na extremidade contraria à ponta, uma cinta visivelmente preparada para se lhe atar um grosso fio ou cordel. Machado- podera de diorito. G Polidor de diorito. Gr. nat. Utensilio de uso desconhecido. r. nat Gr. nat. Dir-se-hia serem antes predispostos taes artefactos para se trazerem pendentes ao pescoço; mas, nada autorisa-nos a insistir nesta,como naquella supposição. (1) Este bello instrumento que de par com muitos e curiosos artefactos offerecidos pelo Sr. Cat- los Rath Filho, testemunham no Museu Nacional o civismo e amor à sciencia de que é dotado aquelle cavalheiro, acha-se representado sob o n. 1 da Estampa VII. O do n. 4, seu congenere, não é menos curioso. 502 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Quanto ás pontas chatas, muito mais abundantes ao sul do Imperio e na Republica Argentina do que nas regiões equatoriaes, possue o Museu Nacional Puncção ou adorno de diorito. Abridor de ostrase Ponta de flecha de silex. Gr. nat. Gr. nat. Gr. nat. uns vinte specimens apenas, que nada offerecem de notavel, salvo dous lindis= simos exemplares de quartzo hyalino, um dos quaes figura em grandeza na- Ponta de flecha de quartzo hyalino. Gr. nat. tural nesta pagina. Como em toda a superficie do Globo onde ha sido encon- trado este utilissimo instrumento de caça, de pesca e de guerra dos nossos barbaros antepassados europeus, a ponta de flecha mais commum deste typo é a de silex; mas nas provincias do Paraná e de Santa Catharina, para onde con- vergiram correntes migratorias do interior e talvez das encostas orientaes dos planaltos bolivianos, abundam largas e magnificas pontas de lanças de calce- ARCHIVOS DO MUSEU 'NACIONAL 503 donia cinzenta, tendo algumas o comprimento de 25 centimetros. O mais notavel de taes artefactos foi exhibido pela Sra. D. Amelia Machado de Albu- querque, na Exposição Anthropologica Brazileira. O interior da provincia Ponta de flecha de diorito. Gr. nat. do Paraná, onde foi encontrado este formoso producto da arte barbara dos in- dios nomades do sul, reserva-se, n'uma epocha talvez não muito remota, a Ponta de flecha de agatha (fôrma, conica). Gr. nat. Ponta de flecha de silex. Gr. nat. Ponta do flecha de silex. Gr. nat. desvendar-nos outros testemunhos do desenvolvimento intellectual a que po- deram chegar os proto-guaranys, provavelmente já em via de decrescimento V. vi---126 504 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL moral na epocha da conquista européa. Não entra nos termos de um trabalho desta natureza o desenvolvimento de idéas que mal despontam à nossa atten- ção, no estadio que quasi a correr atravessamos; ha comtudo assumptos à Ponta de flecha de diorito (fórma Ponta de flecha de diorito. conica). Gr. nat. Gr. nat. cuja simples menção prende-se-nos o espirito, desejoso de saber, como o via- jante perdido nas trevas, a buscar ao longe uma luz que mal se divisa no ho- rizonte. Puncção ou abridor de bivalvos. Gr. nat. E' bem possivel que, pelo exame desses vestigios, tão raros e quasi extinctos, deixados por povos mais ou menos adiantados na sua barbara civilisação, possamos ter mais á justa uma idéa do que foram e do que fizeram neste solo Abridor de bivalvos (diorito). Gr. nat. da America Os primeiros homens que o povoaram. Innumeras razões nos mo- vem a suppor, ou que foram mais adiantados do que os actuaes silvicolas, seus degenerados descendentes talvez, ou que naterraonde habitam as hordas Abridor de bivalvos (diorito). Gr. nat. bravias dos actuaes guaranys, cay-acangs (1) e botocudos colossaes das mattas (1) Dou propositalmente o nome de Cay-acangs e não de caingangs, por ser esta a verdadeira orthographia da palavra, a qual tem por significação cabeça de mono, alcunha com que foram appel- lidados pelos Guaranys do Sul, estes selvagens de tribu oriunda provavelmente do interior. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 505 q interiores das provincias de Santa Catharina e Paraná, pousaram temporaria- mente em migração casual, da qual são unicos vestigios estas preciosas reli- quias. Evidentemente eram individuos oriundos das planuras do sul e das fral- Ponta de flecha, de diorito. Gr. nat. das orientaes dos Andes, onde existem o silex, o jaspe e as calcedonias (1) que lhes serviam para o fabrico das magnificas laminas de suas lanças, ao contrario Utensilio ou adorno (?) de diorito. Gr. nat. do que praticavam os indigenas do valle do Amazonas, que se serviam, para isso, das grossas e rijas taquaras de que se ensombram as margens dos seus ex- tensos rios. Ainda hoje os bugres agigantados do sul, á imitação dos habitos de seus antecessores, fazem das mais rijas madeiras do paiz as folhas das temiveis Abridores de bivalvos, usados pelas crianças (diorito). Gr. nat. lanças com que se batem destemidos; entre estas pontas de lança de madeira de 30 a 35 centimetros de extensão e as pontas de lança de pedra de que trato, ha grandes similitudes. Não seria de estranhar que conseguissemos achar ou- tros pontos de analogia pelos quaes se averiguasse serem os ferozes e agigantados botocudos do sul, descendentes directos dos povos a quem devemos os instru- mentos de calcedonia e tantos outros artefactos de pedra polida, do mais fino (1) E' verdade que na zona occidental das provincias de Paraná e Santa Catharina abundam tambem as calcedonias e as agathas, e pois não é muito de admirar que d'alli mesmo houvessem ex- trahido os auctores d'estas bellissimas pontas de lança a rocha de que as fabricaram. 506 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL lavor, encontrados nos Sambaquis d'aquellas regiões. Na costa de Santa Catha- rina, Paraná e S. Paulo, isto é, onde os Sambaquis são mais extensos e onde pa- Instrumento perfurante de diorito. Gr. nat. rece que de mais vulto era a pesca dos bivalvos de que se compõem estes depo- sitos gigantescos, são frequentes, entre os toscos machados de diorito, alli sepul- tados, pequenos instrumentos de 7a 12 cent.de comprimento, que supponho ha- Pequeno formão de diorito. Gr. nat. Polidor de diorito. Gr. nat. verem servido para abrir esses molluscos. Instrumentos são estes de fórmas muito simples,mas polidos com admiravel esmero,como de quem tivesse grande | empenho em que se não quebrassem no exercicio do mister à que eram destina- Utensilio de serpentina de uso Disco---Martello de diorito. desconhecido. Gr. nat. Gr. nat. dos. Outros artefactos curiosos e inexplicaveis havemos recebido das mesmas regiões dos Sambaquis e do centro das provincias de S. Paulo e Matto- ço = DR , ARCHIVOS DO MUSEU NACLONAL 507 Grosso (1). A figura n. 5 da Estampa VII representa um d'estes objectos, dos quaes existem no Rio de Janeiro 5 exemplares. São pequenos croques, especie de agulhas de tecer malhas de rede, se não foram antes pontas de flechas, po- lidores ou outros instrumentos destinados a fim para nós inteiramente des- conhecido. Cabeça de berbequim (serpentina).Gr. nat. Bala de funda, de diorito. Gr. nat. Aos que se julgarem com possibilidade bastante a descobrir a serven- tia destes singulares utensilios, direi que os cinco specimens que conheço actualmente são feitos de agatha, o que indica, ou alguma superstição li- gada á natureza d'esta rocha, ou que precisavam da sua grande dureza para o trabalho a que destinavam semelhantes artefactos. Nos Sambaquis d'essa porção do nosso littoral, que se estende do Rio de Janeiro até as Torres, na costa do ANE df ] j | Ml mn mi | o] Mi Bala de funda, de ser- 7 Cabeça de berbequim, Balas de funda, de diorito. Gr. nat. pentina. Gr. nat. de diorito. Rio Grande do Sul, encontra-se, além d'esta promiscuidade de bellissimos ma- chados de pedra polida,com toscos machados de pedra lascada, grosseira louça de mal preparada argila, de permeio com amuletos ou zoolithos do mais per- feito lavor. (1) O objecto representado na 44 fig. da pag. anterior, procedente de Matto Grosso, póde ser,como eu o supponho, um instrumento empregado no exercicio da caça e da pesca, talvez para segurança da corda do arco, mus é possivel tambem que nada mais represente do que um simulacro da sella usada nas montarias em Matto Grosso, ao aspecto da qual se impressionasse o esculptor aborigene, a ponto de lho representar grosseiramente a conformação, de alguma sorte imperfeita. V. vi--l2r 508 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL De permeio com estes primores da arte mais adiantada dos aborigenes sul- americanos encontram-se numerosos e toscos seixos, grosseiramente cavados Pedra rolada. de diorito, servindo de almofariz. Red. a 113 n'uma das faces, ao ponto de poderem servir de almofarizes. São estes objectos mais communs ao sul, do que ac norte do Imperio; mas de um lado do Ama- zonas veio o que está acima representado, segundo o informou o distincto ethnologo brazileiro, Dr. J. M. da Silva Coutinho, que o offereceu ao Museu. Almofariz, de dionto. Pedra rolada, de diorito, servindo de almofariz. Red. a 213. Red. a 1Jt. Estes almofarizes rudimentares, que mal se pódem prestar ao fim a que se destinam, abundam nos sambaquis de Santa Catharina, de par com enormes pedras roladas de 25 a 40 centimetros de diametro, das quaes me foram tra- zidos d'aquella provincia alguns specimens pelo zeloso e infatigavel engenheiro aa ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 509 Francisco José de Freitas, actual sub-director da secção de Geologia e Mine- ralogia, do Museu Nacional. (1) Pedra rolada, de diorito, achada na Tijuca. Red. a 5 - Quanto aos bellos zoolithos a que acima me referi, de sua surprendente Pedra rolada, de diorito, dos Sambaquis de Santa Catharina. Red. a 1y3. perfeição bem se póde deduzir, ou que descendiam os constructores dos (1) Na bahia do Rio de Janeiro,e em particular nas suas orlas septentrionaes, encontram-se nu- merosos vestigios de Sambaquis, dentro dos quaes alguns artefactos hão sido achados em tudo identicos aos dos Sambaquis do Sul. De um conductor de aterros, empregado nos trabalhos da estrada de roda- gem da Tijuca (Manoel Coelho, creio ser seu nome), recebi tres almofarizes de diorito, por elle en- ) contrados nas excavações d'aquella estrada. Estes almofarizes achavam-se a pequena distancia de algu- mas mãos de pilão da mesma rocha. Convém advertir que a garganta da Tijuca bem como a das La- rangeiras é devida a decomposição doe uma série de diques de diorito compacto alli primitivamente existentes. Os fragmentos d'esse diorito postos a descoberto deviam promover o fabrico dos artefactos caracteristicos dos nossos mais rudes aborigenes. 510 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Sambaquis de individuos, em muito superiores a elles em cultura intellectual, e que d'esses ascendentes conservavam, como reliquias de altissimo preço, esses Peixe de diorito, vasiforme, dos Sambaquis de Santa Catharina. Red. a 173. artefactos sagrados, ou que, verdadeiros salteadores momades, oriundos das regiões do occidente, houvessem roubado semelhantes preciosidades dos povos mais cultos que alli viviam. Como quer que seja, são peixes e aves Os Peixe-martello, de diorito, vasiforme, dos Sambaquis de Santa Catharina, visto de face e do lado. Red. a I[f. animaes que representam em diorito compacto ou em porphyro admiravelmente esculpido os artefactos a que alludo. Estes artefactos são, nasua maior parte, E Es ARCUIVOS DO MUSEU NACIONAL 5114 almofarizes ou discos zoomorphos mais ou menos cavados, apresentando alguns specimens, tão sómente, leve cavidade no dorso ou mais commummente no ventre. São-lhes mais ou menos semelhantes numerosos objectos de pedra dos que hão sido achados em toda a zona occidental da America Meridional Cen- Fetiche, de steatite, em fórma de peixe, achado no valle do rio Trombetas.Red. a Ij2. tral, d'onde parece que foram transportados para a costa oriental e para os valles do Amazonas e do Prata. Os Sambaquis, localidades onde quasi exclu- sivamente se encontram estes restos de elevada civilisação, eram formados, e de anno a anno consideravelmente augmentados, por tribus provavelmente dos sertões, em epochas determinadas, adstrictas, ou à maior abundancia dos Cabeça de carniceiro, de diorito, vasiforme, achado em Catamarca. (Museu Moreno). Red. a 173. molluscos que buscavam ou ao vento do sul, realmente intoleravel nas alti- planuras centraes do sul do Brazil, ou ainda a estes dous phenomenos simul- V.vi---128 ia ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL taneamente. Ora, se tal é a origem dos Sambaquis, não podemos deixar de ad- mittir neste caso a intervenção, na construcção d'estas ostreiras, de tribus vin- das do valle do Paraná, do territorio Paraguay e até das provincias de Goyaz e Matto-Grosso. Ahi havia grande mescla de tribus barbaras com familias ay- marás e quichuas, e pois não admira trouxessem, nas suas excursões an- nuaes à costa oriental do continente, os vasos zoomorphos que lhes serviam quasi que de fetiches. Não é facil atinar, entretanto, com a verdadeira direc- ção seguida pelos povos que se serviam de semelhantes artefactos. Tudo faz crer que houvessem descripto um semi-circulo ao redor do territorio brazileiro, subindo pelo norte o valle do Amazonas e descendo ao depois, ao sul, o valle do Prata até o Oceano; mas não estã bem estudado este assumpto e é de crer que não o será tão cedo. Se a abundancia de semelhantes artefactos, maior em alguns pontos que em outros, nos póde indicar que ahi foram elles fabricados ou fixaram-se por mais tempo os esculptores de taes trabalhos, deve ser um d'estes pontos a esplanada de Catamarca, na zona occidental da Repu- blica Argentina. D'alli, como de outras estações da Bolivia, de Matto-Grosso e Goyaz, supponho, repito, haverem provindo para os nossos Sambaquis do sul todos os zoolithos, fetiches vasiformes, assim como parece que do Ore- noco, do Equador, do Perú, de Nicaragua, e da Columbia foram trazidos para o valle inferior do Amazonas,zoolithos ahi achados, a muitos respeitos, semelhan- tes aos das regiões meridionaes acima referidas. Os que hão sido encontrados no Amazonas, como os que foram exhumados em Catamarca, têm tambem a particularidade de serem esculpidos quasi todos em steatite, rocha que, como já deixei dito, todos os povos primitivos da Ame- rica suppunham ser a petrificação da carne humana. Taes são alguns peixes e um animal carnivoro subjugando um chelonio, no mesmo estylo dos mons- tros apprehensores ou duplos de Nicaragua e da Cundinamarca, reproduzidos em obras relativas à America Central e particularmente por Bancroft (1) e por Felipe Perez, na parte em que se refere à descripção das minas de Santo Agosti- nho, situadas no valle superior do Magdalena (2). As monstruosidades fetiches a que alludo, parecem representar ho- mens com a cabeça envolvida em mascaras que simulam cabeças horrorosas de crocodilos e de serpentes, como outros grupos representam animaes, de or- dinario carniceiros e ás vezes ophidiformes, ou pelo menos ophidicepha- (1) Baneroft.—The Native Races of the Pacific States, V. IV, pg. 45, 49, 50. (2) Felipe Perez. —Jeografia Fisica i Politica de los Estados Unidos de Colombia. Bogota, 1863. Im- prenta de la Nacion. Vol. 2º, Est. I, II, III. à aiii d E ER PP e E SO O E E Sm ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 513 los, apprehendendo ou subjugando animaes de differentes especies, não raro 0 proprio homem. Esta mesma particularidade apresentam os baixo-relevos de alguns zoolithos vasiformes de Catamarca, não sendo facil reconhecer qual a significação da attitude de alguns destes animaes, que não se sabe bem se in- 'dicam a acção da luta, a expressão significativa da força de uns sobre outros animaes,ou o emblema de qualquer dualismo de representação indecifravel. Of- ferecem grandê semelhança os tres fetiches figurados nestas paginas: o primeiro, copiado fielmente de Bancroft (op. cit. V. IV. pg. 50), é um grupo symbolico, figurando um homem vencido por um enorme jacaré ou monstro pertencente á mesma familia. Este grupo, que tem nove pés de altura e foi encontrado na ilha de Pensacola, no Lago Nicaragua, é, na verdade, uma concepção esculp- tural pasmosa, pela expressão dada ao monstro. Grupo esculpido em basalto, representando um jacaré subjugando um homem. «I never have seen, disse Squier referindo-se a elle, a statue which conveyed so forcibly the idea of power and strength (1)». O segundo fetiche, exhumado das anti- guidades de Catamarcae depositado no Museu anthropologico do Dr. Moreno, onde o desenhei, é vaso zoomorpho e a um tempo simulacro de um carnivoro, tendo entre as possantes garras um individuo humano de cabeça dupla. Com os membros thoracicos,o monstro comprime a cabeça anterior da victima, fi- cando-lhe a cabeça posterior entre os membros abdominaes. Este curioso vaso (1) Squier's, Nicaragua pg. 44S-447. 514 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL é de steatite e tem 22 cent. de diametro. O terceiro grupo foi encontrado no valle inferior do Amazonas; é tambem de steatitee mede 18 cent. de altura, re- presentando um carnivoro a subjugar um chelonio. A origem destes tres fetiches prende-se, evidentemente, a praticas e mentalidades de um mesmo povo e está enlaçada ao mesmo centro ethnographico ; mas como os dous ultimos, pelas suas pequenas dimensões, parecem meras reminiscencias do primeiro, bem se póde disso deprehender que d'alli,d'aquelle grande lago sagrado de Nicaragua, partiram para estas bandas do sul, os povos que esculpiram os dous pequenos fetiches em questão, os quaes recordavam vagamente aos olhos dos proscriptos a imagem das temiveis e formidaveis divindades de basalto negro, que lhes ficaram ameaçadoras, no berço de seus antepassados. Independentemente, porém, destes Lerrores religiosos em que viveram os povos primitivos da America Central, tão trabalhada pelos terremotos, bem poderiam ser aquelles enormes fetiches de pedra entidades adoradas pelos be- neficios que devéras suppunham ou esperavam receber d'elles os seus adora- dores. Para povos pescadores e caçadores não seria muito de admirar que taes z00- lithos fossem imagens a que tivessem por pratica religiosa, esses povos, prestar veneração de quasi idolatras. Os peixes de pedra, por exemplo, de que co- nheço tres specimens encontrados na mesma zona do Baixo-Amazonas, e em particular no valle do rio Trombetas ou nas circumvisinhanças deste rio, (1). parece haverem servido, pendentes da prôa do batel, durante a pesca, de ta- lisman de bom agouro para a abundancia de peixe. E' este tambem o pare- cer de um joven brazileiro, distincto cultor de assumptos ethnologicos, o Sr. José Verissimo de Mattos,que no Para se ha consagrado a estudos mui curiosos a respeito de praticas e dizeres dos indigenas (2). E do mesmo modo supponho tambem que fossem alguns monstros duplos, symbolos representativos das di- vindades protectoras da caça. Entre os mound-bwilders eram egualmente usados estes talismans zoomor- phos com orifícios de suspensão (3; uns representavam passaros, outros che- lonios ou batrachios. O que muito é para notar-se são os amuletos ou vasos zoomorphos, se (1) O Museu possue dous d'estes peixes, um dos quaes, muito semelhante ao que se acha repre- sentado a pag. 5ll, foi-nos offerecilo pelo Sr. José Verissimo. O terceiro exemplar deram-n'o no Pará ao Dr. Rijckevorsen, commissionado pelo Governo hollandez para fazer estudos de magnetismo terrestre no Brazil. (2) José Verissimo.—Revista do Amazonas. (3) Squier—«Ane. Monuments of the Mississipi Valley.» ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 515 vasos podemos chamar os que pertencem à estructura do n. 15 da Est. VI, cuja cavidade mal se representa alli por leve depressão na ilharga do peixe que se teve em mente figurar. Como quer que seja,estes curiosos artefactos, figu- rando animaes mais ou menos cavados no dorso,na ilharga ou no ventre,a mim me parece que tinham utilidade identica à dos receptaculos de madeira, artis- ticamente esculpidos, e às vezes à imitação de passaros, nos quaes ainda hoje se deposita, entre alguns indios do Amazonas, o pó do Paricá (Piptademia co- lubrina). Este pó, collocado em semelhantes receptaculos, é sorvido pelo Pagé da tribu, por meio de dous tubos unidos (em geral são cubitos do gavião real (1), que lhe penetram nas narinas, para as quaes servem, assim, de con- ductores do referido pó. Esta substancia vegetal, excitante como tantas outras usadas a principio na America, devia ter sido utilisada, a principio, uni- camente em actos religiosos ou de invocação á divindade, o que se dava tam- Vaso-fetiche de steatite, representando um carnivoro subjugando um homem. bem a respeito do tabaco. D'ahi uma tal ou qual similitude, a meu ver, exis- tente entre estes vasos, de madeira hoje,mas outrora de pedra,e os cachimbos primitivamente de steatite, de serpentina, de ardozia,de porphyro e de outras rochas. Os cachimbos dos mound-builders do Mississipi tinham, até certo ponto, grandes relações com estes vasos, visto ter Lido tambem o tabaco, com as suas qualidades narcoticas, atribuições religiosas e de alta superstição, sendo ainda (1) N'um opusculo recentemente publicado nesta côrte diz-se, mas sem razão, que são os femu- res d'esta ave os ossos empregados. V vi--129 516 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL hoje aspirado pelos chefes, nas occasiões em que cada um dºelles pede ao céu inspiração e as calmas reflexões do repouso e do silencio. Estes cachimbos representam varias especies de animaes e muitas vezes o proprio homem. Até o elephante figura naquelles artefactos (1), augmentando ainda, neste particular, o material de testemunhos controversistas, a que mais de uma vez me tenho referido nestas investigações; porque, se por um lado póde fazer crer que só do antigo continente podia ter provindo a noção deste animal, por outro lado é provavel que haja sido a fórma do elephante de Colombo (Elephas Colombi, de Owen), reproduzida de geração em geração, desde o ho- mem seu coevo, até a epocha dos mound-builders do Mississipi. Al |) me m 1 ES A MI | | ú Tm N f Fetiche de steatite representando um carnivoro subjugando um chelonio. Seja como fôr, insisto e persisto na presumpção de que os artefactos vasi- formes de madeira, destinados à absorpção do Paricá dos pagés e chefes Mauhés, Tonantins e outros de nações ribeirinhas do Alto Amazonas, têm com os vasos de pedra zoomorphos dos nossos Sambaquis e dos antigos paradeiros da Repu- blica Argentina grandes aflinidades. No proprio Perú (2) e na America Central apparecem, em exhumações praticadas nas ruinas de monumentos precolom- bianos, não poucos vasos com a mesma estructura. Uma advertencia cabe-me aqui interpor sobre a palavra vaso que tenho dado a estes amuletos. Alguns, (1) Squier. —Op. cit. (2) Ch. Wiener.—Perou et Bolivie, Recit de Voyage, Paris, 1880, pag. did e 571. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL. 517 na verdade, pódem ter este nome, não outros, porém, que são, a bem dizer, fetiches zoomorphos com uma pequena e mal distincta cavidade no dorso, no ventre ou no flanco, onde, ao que presumo, o pó vegetal excitante, a que attri- buiam virtudes sobrenaturaes, era depositado e sorvido. Quanto aos vasos fetiches ou zoomorphos, muito é de crer que n'elles fossem depositadas subs- tancias varias com attribuição de eguaes preconceitos, ou que servissem para pulverisar as folhas de alguma planta sagrada ou qualquer outra materia destinada a ceremonias religiosas. Fogem à nossa percepção estes caracteres theogonicos, que parecem ter pertencido a todos os povos, não unicamente da America, mas de toda a terra. O Tabaco e o Paricá, que actúam no organismo como excitantes do cere- bro, tinham e têm ainda na Asia e na Africa perfeitos equivalentes ; taes são, entre outros, o Pango, usado em quasi toda a Africa, à semelhança do Tabaco, e o Betel, que na Asia se mastiga de mistura com a cal, exactamente como a Coca no Perú (Ipadú no valle superior do Amazonas), onde é mastigado, mesclando-se-lhe terra calcarea (1). Os Scythas, que, no dizer de Herodoto, mettiam-se em estufas de vapor de canhamo para que lhes produzisse pertur- bações intellectuaes (2), ficavam muito áquem dos Indo-chinezes, que usam do dawamesk ou haschich,mil vezes peior,como excitante. Ora,segundo Martius (3), as perturbações produzidas pelo Paricá são de tal ordem, que tenho por certo não se mostrarem inferiores às causadas pelo terrivel haschich, flugello das populações indiaticas, chinezas e malaias. Quanto aos adornos pessoaes de pedras, tive ensejo de esboçar, no 2º Vol. destes Archivos. (4) alguns apontamentos sobre aquelles objectos que mais no- taveis se me afiguram, já pela importancia que effectivamente lhes davam os primitivos e mais adiantados povos dos dous continentes, já pelas barbaras mu - tilações a que se submettiam os individuos seduzidos pela vaidade, ou obriga- dos, por preceitos religiosos, a trazerem semelhantes adornos. O trabalho que effectuaram aquelles barbaros para talharem e lavrarem em rochas durissimas tão perfeitos talismans devia durar muito tempo e exi- gir grande paciencia, pois todos os apparelhos de que para isso dispunham (1) A acção da Coca ou Ipadú e provavelmente a do mesmo Betel, deve ser a do um verdadeiro anesthesico sobre a mucosa do estomago. As experiencias ultimamente feitas na Europa, confirmam esta minha supposição. (2) Maury—La Terre et L' Homme, 3me édition, 1869, pg. 666-661. (3) Spix und Martius. —Reise in Brasilien. (4) L. Netto. —Arch. do Mus. Nac. Vol. IL, pag. 105. 518 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL nada mais eram do que alguma ponta conica de diorito ou de quartzo, agua e areia. O nome dado a este singular adorno: Tembetá, nome composto de Tembê, labio, e (tá, pedra, está por sia dizer-nos o que é elle e de que modo o traziam. Não está bem averiguado ainda se eram tambem de pedra os adornos trazidos outrora nas orelhas pelos proto-guarano-tupys, isto é, pelos individuos repre- sentantes do tronco d'estas duas principaes familias da America meridional cis- andina; é bem provavel que sim, visto que entre os artefactos achados em varios pontos deste lado da America muitos se mostram, cuja fórma de carretel não deixa duvida a respeito da serventia que tinham taes adornos. Deviam ser usados, porém, muito menos do que os dos labios, porque, além de mui raros Fragmento de amazonstone (orthosia verde) em começo de preparo para o fabrico do tembetá. nas paragens onde estes abundam, nota-se que ainda hoje trazem largos ou longos tembetás de pedra numerosas tribus da Republica Argentina, as tribus Piro ou Piru (1), os Cayapós, os Carajás e muitas outras da America meri- dional que não têm as orelhas furadas ou que as adornam de outras substancias. A costa do Brazil era primitivamente povoada por nações que, se divergiam por outros caracteres ethnologicos, tinham quasi todas em commum o adorno labial de pedra. João de Lery (2) no Rio de Janeiro, Gabriel Soares na Bahia (3) (1) Ch. Wiener, loc. cit. (2) Jean de Lery.---«Histoire d'un voyage faite en la terre du Brésil». (3) Gabriel Soares. —«Tratado descriptivo do Brazil», 1687. E A pra ns dn da DM e A DS DUDE O O PERA ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 519 eYvo d'Evreux no Maranhão, tratam das pedras verdes de que se serviam com- mummente os indigenas d'estas provincias. Acabo de fallar das pedras verdes e vem muito de molde accrescentar que era esta a côr que mais presavam nas pedras ornamentaes os antigos povos de todo o Globo. Bem dificil nos seria explicar a causa desta predilecção, visto Adorno cylindrico de cornalina. Gr. nat. sermos nós mesmos, povos civilisados, attrahidos pelo encanto da côr da esme- ralda e da que lhe é mais aflim, a côr da saphyra. Verdade é que em algu- mas localidades apparecem no interior de antigas sepulturas amuletos de cor- nalina em fórma de cylindros perfurados longitudinalmente, como os amule- tos de nephrite do mais alto preço. São, porém, muito raros ou desconhecidos estes objectos; e demais, só se hão mostrado no Sul. O exemplar figurado nesta pagina foi achado n'uma urna funeraria da provincia de S. Paulo. Quanto aos amuletos de pedra verde e ao apreço que se lhes tributava, parece que andava neste apreço ou antes n'este culto a veneração pelas cores das aguas em que se reflectem os matizes da terra e do céu. The prominent colors of Tlaloc, diz Bancroft, were azure and green, thereby symbolizing the various shades of water (1). A propria Amuleto de nephrite de um chefe Maori. (Peso esp. 3,01). Gr. nat. divindade, portanto, entre aquelles povos, como na Indo-China primitiva, era representada sob estas cores. Nas regiões mais cultas do Oriente foi a jadeite, desde a mais remota antiguidade, preconisada como expressão da divindade, e já Confucius ensinava aos seus discipulos que os philosophos mais antigos a to- mavam por symbolo das mais elevadas virtudes. Vem d'ahi naturalmente o alto (1) Bancroft. —«The Natives Races ot the Pacific States of North America», VIII, pag. 394. V.vi—130 520 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL apreço em queera tida esta substancia entre os chinezes. Abel de Remusat dá perfeita idéa desse apreço na seguinte descripção que nos deixou da pesca da pedra de Yu (Jade), no Celeste Imperio: «A pesca era feita com a assistencia de officiaes e de um destacamento de soldados. Vinte ou trinta mergulhadores enfileirados lançavam-se n'agua todos a um tempo, e quand» achavam algum pedaço de pedra, sahiam logo para fóra e o atiravam à margem. Tocava-se um tambor e um risco vermelho era traçado uma folha de papel. Terminada a pesca, um inspector marcava os pedaços que attingiam o tamanho de 40 cen- timetros. A cidade de Yarkand enviava annualmente de 4 a 6 mil kilogram- mas de jade para Khotan, d'onde eram reexportados para a córte de Pekin (1)». Esta mesma subida estima que alli se dava à jade tributava-se em toda a America, não só à mesma rocha ou à nephrite, sua imediata em peso especi- fico (e ao mesmo tempo mais commum neste continente), como tambem a todas as pedras verdes, isto é, ao feldspatho, mais conhecido hoje sob o nome de amazonstone, e ao beryllo verde, muito commum nos sertões da Bahia, nas mar- gens do S. Francisco e na provincia do Rio de Janeiro (2). Ao que supponho, deviam ser specimens de beryílo as pedras verdes a que se referia Gabriel Soares, que as dizia mui abundantes no interior da provin- cia da Bahia, e que realmente o são em alguns pontos, ainda agora não averi- guados do valle do S. Francisco. Ivo d'Evreux, mencionando a importancia que tinham as pedras verdes dos indigenas do Mearim, na provincia do Mara- nhão, diz que os francezes os chamavam «Pierres vertes, à cause d'yne mon- tagne non beaucoup esloignée de leur antique habitation, en la quelle se trouue de três-belles & précieuses pierres vertes, lesquelles ont plusieurs proprietez spécialement contre le mal de rate, & flux de sang: & m'a Von dict qu'on y trouve des Emeraudes trés-fines. Là ces Sauuages alloient chercher de ces pierres vertes: tant pour en mettre en leurs levres, que pour en faire trafic auec les nations voisines. « Les Tapinambos & les Tap»uis font grand estat de ces pierres. Jay veu (1) Abel de Remusat.---«Histoire de la ville de Khotan, suivie de Recherches sur la Pierre de Yu et le Jaspe des Anciens». Traduit du Chinois. (1821, in-8º). (2) Da pedreira que se acha ao extremo da praia de Botafogo, extrahi os quatro excellentes speci- mens de beryllo, que existem nas colleeções do Museu Nacional; a mais bella amostra, porém, que conheço e que se acha egualmente no Museu, devemol-a ao Engenheiro Alberto Torreão, que a recebeu de uma localidade, 3 leguas a E. de Nitherohy. Das proximidades de Jatobá, no rio de S. Francisco, recebi do Sr. Demetrio Bandeira cerca de dez tembetás de beryllo. E' de crer que não esteja muito longe d'esta região o logar a que se referia Ga- briel Soares, mencionando o sertão da Bahia. E O O ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 54 donner moy-mesme pour une seule pierre à levre, de cette sorte, la valeur de Plus de vingt escus de marchandise, que donna vn Tapinambos à yn Miarigois dans nostre loge de Sainct François de Maragnan (1). » Ora, se as pedras verdes ficavam nas cabeceiras do Mearim, a sua jazida não devia estar muito longe do rio Tocantins, em cujo valle vivem algumas valentes nações que mal conhecem estas pedras. Tembetá de amazonstone (orthosia verde), visto de face e de lado. Gr. nat. Que mal as conhecem tenho razão de o dizer, porque de tantas tribus que habitam os valles do Tocantins e do Araguaya, usando todas ellas de tembetás, raros são os specimens de taes adornos, que hajam sido feitos de pedra verde. Segundo informações que tenho do indio Anhorô, Cayapó intelligente e actual- mente empregado n'este Museu (2), adornam-se de tembetás os Cayapós, que (1) ives d'Evreux— Voyage dans le Nord du Brésil, fait durant les années 1613 a 1614. (2) Anhorô, que escreve e lê correntemente o portuguez e desenha com destreza sofírivel, foi reco- lhido em tenra edade ao collegio Leopoldina, destinado a asylar menores indigenas, segundo as vistas do distincto ethnologo Dr. Couto de Magalhães. Em constante convivencia alli com menores Carajás, Cherentes o Chavantes, aprendeu-lhes os respectivos dialectos, do que ainda conserva muitas pa- lavras na lembrança. Se o governo precisasse de uma cathechese racional dos indios Cayapós, os mais selvagens e intelligentes, a meu ver, de todos os indigenas brazileiros, nenhum auxiliar seria mais apto que este para tão util officio. 522 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL habitam quasi todo o valle do Araguaya, os Javohés (sub-tribu Carajá), povoa- dores da ilha do Bananal, os Chambeoás, os Cherentes e os Jorés, que occupam o baixo Araguaya, os Poré-kôres, os Carajás e os Chavantes, encontrados ao longo do Araguaya e do alto Tocantins. Os Pinnagés, denominados Uabinon- res pelos Cayapós, comquanto tenham um ou outro representante ornado de tem- betá, usam de preferencia do disco de madeira, a exemplo dos Botocudos do Rio Doce. Pelo que, por intermedio do distincto e prestimoso Sr Themis- tocles Aranha, me informa o Sr. Miguel Archanjo Nunes Paes, residente no Riachão, na comarca de Carolina, à margem direita do Tocantins, os in- dios Caraôs e Gaviões trazem tambem o tembetá, mas alguns usam do boto- Tembetá de quartzo hyalino (Indios do Araguaya). Red. a 3/4. que, que, assim como o dos Pinnagés, é cavado na face superior, à feição de gamella. Vem d'ahi provavelmente o denominarem-se sob este mesmo appel- lido os indios que assim ornavam o labio inferior, n'aquella região (1). Ainda que mui pouco auxilio nos tenha sido dado pela população da provincia de Goyaz, no intuito de estudar os elementos ethnologicos d'aquella interessante zona, conta o Museu Nacional cerca de 30 exemplares de tembetás de quartzo hyalino e numero quasi egual tenho visto em poder de particulares. Tembetá de quartzo compacto (Indios do Araguaya). Red. a 3/4. Razão, portanto, me assiste para crer na raridade das pedras verdes na (1) Os indios Chuyás, do valle do Xingu, trazem o mesmo ornato em fórma de gamella, o qual fazem de madeira molle e leve, que me não foi ainda possivel determinar nos dous bellissimos s pe- mens offerecidos ao Museu Nacional pelo Capitão Paula Castro, commandante que foi da escolta da exploração do Xingú. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 523 zona central e occidental da provincia do Maranhão, ainda que não mui raras as tenha descripto, como vimos, o minucioso missionario francez. E' que fo- ram extrahidos talvez esses fragmentos de nephrite (se é esta a rocha do Mara- nhão) de estreitos e rarissimos veios, encravados em rochas metamorphicas, e ainda assim em nodulos mais ou menos raros no corpo dos referidos veios, como o são, no gneis, os crystaes de beryllo até aqui encontrados no Rio de Ja- neiro. Só d'este modo explicar-se-ha a raridade de semelhante mineral, raridade tamanha, que sobre ella originou-se o mylhomorphismo das jazidas, onde os ve- lhos payés iam buscar, às escondidas e sob os véus do maior mysterio, os amu- letos e sagrados talismans de que tanto se occuparam os primeiros historiado- res dos nossos indigenas. Não foi ainda estudada a natureza destes veios, mas tudo me leva a crer que são rocha de prompta decomposição im situ e de desaggregação mais prompta ainda, ao embate das aguas fluviaes e aos agentes atmosphericos que a reduziram a substancia argilosa, no meio da qual se conservam aqui e alli os raros nodulos de mephrite, quasi sempre, ao contrario, de indescriptivel tenacidade e proverbial dureza. Cada nodulo de nephrite, deslocado e separado do veio que lhe serviu de matriz, é precipitado ao fundo dos ribeiros e d'alli ao leito dos rios mais pro- ximos. F” naturalmente o que acontece com a jadeite, na China e na Nova-Ze- landia; e sómente assim se pôde explicar a abundancia dos nodulos de jade, de maiores ou menores dimensões no fundo dos rios d'aquellas regiões. Os no- dulos espheroidaes ou ovoides de nephrite apresentam geralmente na peripheria grande porção de fendas, pelas quaes penetra a substancia argilosa a que se re- duz o veio-matriz. Mas de ordinario estes nodules, ao que supponho, revestidos de uma camada de silicato de côr branca, semelhante à que envolve os nodulos de agatha e de calcedonia, devem simular de modo notavel cabeças de femures ou de humeros. Na copiosa collecção mineralogica do principe D. Pedro Augusto existe, além de pequenos seixos rolados de jadeite ou de nephrite, uma lamina evi- dentemente extrahida de um nodulo de nephrite. Esta lamina representa a secção completa do nodulo e deixa ver que este era revestido de uma camada de substancia branca immiscuida, em parte, nas jaças periphericas do nodulo. Foi em presença d'aquella curiosa amostra que me occorreu à lembrança a conhecida crença em que viviam os antigos mexicanos de serem os nodulos ou seixos de jade ossos de entidades divinisadas ou sobrenaturaes, occultos no seio da terra ou no fundo dos rios. E na verdade, o Codes Chimolpopoca representa Quetzalcohuall descendo V.vi—13l 524 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL às profundezas do Averno da antiga mythologia mexicana, para alli pedir ao Senhor dos mortos ossos de jade com que lhe fosse dado tambem fazer homens. «Cette histoire, diz Brasseur de Bourbourg, ne ferait-elle pas allusion aux grot- tes mystérieuses ou se travaillaitle jade et dont on a été jusqu'ici dans Pimpos- sibilité de découvrir les mines (1)?» Deixando ainda de parte os arroubos do enthusiasta annotador do Popol-Vuh, encontramos nos varios codices mexica- nos frequentes referencias às grutas onde se extrahiam e lavravam as pedras de jade, —grutas, porém, que nenhuma chronica logrou fixar, a não ser n'aquella enigmatica Tlapallan, que ninguem atinou ainda em reconhecer em que ponto da terra americana deve ter existido. Tembetá de beryllo, achado na provincia de Pernambuco. Gr. nat. E” muito para repararmos que na China e entre alguns dos povos polyne- sicos houvesse crenças de muito proximas feições à d'esta lenda. Segundo Fis- cher, os varios nomes que tinha a jade na China representavam, mais ou menos, a origem divina desta rocha. Um destes nomes é Fy-tse (2) que tem a maior semelhança com a palavra Feitsui, empregada tambem, no dizer de Mr. Pum- pelly (3) para designar a mesma jade. Cabe, porém, a este respeito advertir que se Fi-tse nada mais é, como o parece, do que uma pequena corruptela de Feisui, são estes dous nomes, a meu ver, insiguificante adulteração da palavra portugueza Feitiço, que tem por sua vez muita affinidade com o nome Fetiche, de origem africana. Ora, todas estas denominações, não synonimas, mas pouco mais que homophonicas, exprimem exactamente a mesma idéa e definem um artefacto com altribuições divinas, um amuleto emfim, que esse é o talisman de que se trata. (1) Brasseur de Bourbourg. —«S'il existe des Sources de "Histoire Primitive du Méxique dans les Monuments Egypciens». Paris, 186t, pg. 104. (2) Fischer. —Op. cit. pg. 237. (3) Pumpelly cit. in Dana. —A4 System of Mineralogy. New-York, 1882. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 525 Não são raras as palavras portuguezas que se immiscuiram nas linguas indo-chinezas e que mais ou menos transformadas pelos moldes destas lin- guas, não as pódem reconhecer ouvidos de quem não falla o portuguez. A conquista de Affonso de Albuquerque deixou tão profundas raizes na alma dos povos d'aquella extensa costa entre Malacca e Ormuz, que não ha extirpar-lh"as tão cedo a garra adunca do Leopardo britannico. E” que o valoroso conquista- dor lusitano tinha a magnanimidade de um heróe e a impressionabilidade de uma imaginação cavalheiresca. Amou de todo o coração aquelle velho solo onde as theogonias de todos os povos do antigo continente assentaram o berço da humanidade, e amando aos seus vencidos foi duas vezes victorioso por se se fazer tambem d'elles pouco menos que adorado. Volvendo, porém, às pedras verdes e remontando ao phenomeno da de- composição dos dikes que servem de matriz aos nodulos de nephrite, quero Tembetá de beryllo, achado à margem do S. Francisco. Gr. nat. crer que até certo ponto seja o mesmo phenomeno que se dá cora o nosso diamante, o qual, abundando nos terrenos affins ao do itacolomito e de outros grés metamorphicos e schistos unctuosos, não ha sido encontrado francamente adherido à competente ganga, senão em rarissimos exemplares conhecidos (1). Pódem-me objectar, é verdade, que até o presente não se achou nenhum seixo de nephrite nos rios da America. A isso responderei que na China, os rios em cujo leito se encontra a jadeite (1) Nas colleeções mineralogicas do Museu Nacional, do principe D. Pedro Augusto e do Profes- sor Derby ha fragmentos de quartzito contendo, profunda e intimamente encravados, pequenos dia- mantes. Quanto aos conglomerados onde se acha o diamante, temol-os visto numerosos em mãos par- ticulares, e d'elles possue o Museu algumas bellas amostras. 526 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL são, ha milhares de annos, como taes conhecidos e explorados ; ao passo que na America empregou-se desde todo o começo o monopolio fetichista na extracção d'estas rochas de supposta natureza divina, sobre serem ellas muito raras e pro- vavelmente de uso menos antigo. Demais, aponta-se a America central e o valle do Amazonas como locaes em que provavelmente se acham a jadeite e a ne- phrite de origem americana ; mas que rios ahi, n'esta vastidão, tão mal explo- rada e tão diflicilmente exploravel, foram já estudados ao ponto de mostrarem as riquezas depositadas nos recessos mais fundos de seus immensos alveos ? As costas de Alaska, onde ultimamente consta haverem sido descobertas algumas jazidas de nephrite, trahindo-se o segredo de um payé que unico as conhecia, não são menos inaccessiveis a estes estudos (1). Por toda a parte, e mais ainda na America, envolveu-se a pedra verde e especialmente a jadeite e a nephrite n'uma accepção divina, n'um insondavel mysterio. Tembetá de beryllo, margem do S. Francisco. Gr. nat. Nºeste problema de nephrites e jadeites americanas ha uma distincção in- dispensavel, que se deve ter em vista. Quero referir-me à natureza destas duas especies mineraes. A nephrite, cujas jazidas parecem occupar mais vasta su- perficie, é uma tremolite compacta que tem por peso especifico de 2,96 a 3,2, ao passo que a jadeite, especie distincta creada por Damour, é um silicato de alumina e soda, muito mais fusivel ao maçarico e Lendo por peso especi- fico 3,32. Pertencerá sómente o primeiro d'estes mineraes ao continente ame- ricano ou lhe serão proprios ambos ? Um facto digno de attenção, a respeito da presença da verdadeira jadeite no Mexico, é que, nem no valle do Amazonas, nem em toda a vasta superficie do Brazil foi até hoje encontrado o mais pequeno artefacto desta rocha. Apraz- me assim responder ao distincto professor H. Fischer, de Friburgo, no tocante aos amuletos figurados na Estampa VII deste Volume e a todos os mais artefa- ctos que existem no Museu Nacional, em numero de 15. Alguns destes (1) O commandante Jacobsen descobriu nas Ilhas Carlotas uma jazida de nephrite.---A.. B. Meyer. «Uber Nephrit und ahnliches Material aus Alaska». Dresden, 1884. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 527 amuletos já lhe eram conhecidos por haverem sido publicados pelo respectivo possuidor, com figuras e analyses, ou pelo menos com a indicação do peso es- pecifico. Como, porém, o illustre professor de Friburgo parece desejoso de obter de pessoa competente aquella indicação, vel-a-ha na explicação das fi- guras ao fim do presente volume. Lamina de nephrite, com dous orifícios de suspensão. Peso esp. 2,97. Red. a2j3. Devo-lhe, entretanto, dizer desde já que foi o professor Orville A. Derby, Director da Secção de Geologia e Mineralogia do Museu Nacional, o profissional Lamina de nephrite (coll. Pabst v. Ohain). Peso esp. 2,97. Gr. nat. incumbido por mim de determinar o peso especifico de todos estes artefactos. Aquelle distincto especialista lhes achou 2,96, 2,97 e 2,98, sem discrepancia de um só para mais; o que desde logo os fixa entre as nephrites. E, pois, eliminada assim a falsa idéa de se haver achado a jadeite no valle do Amazonas, como se havia tentado propalar, insisto em crer que sejam de origem brazileira os amuletos de nephrite conhecidos d'aquella região. E, na verdade, se fossem importados da Asiae do proprio Mexico estes talismans, como da America V.vi---132 528 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL central e do Golfo do Mexico nos foi transmittido o uso d'elles, afigura-se-me de natural intuição que algumas jadeites houvesse de permeio com tantas dezenas de amuletos de nephrite, achados no Amazonas, e tanto mais razão tenho para me basear n'este raciocinio, quanto é sabido ser commum no solo asiatico, e não mui rara na America central a rocha denominada jadeite. Artefacto de nephrite (coll. Pabst v. Ohain). Peso esp. 297. Gr. cat.' Entretanto, não é isso razão bastante a demover-me do estadio das res- tricções em que me tenho até agora mantido. Muitas e poderosas razões obri- gam-me a estas restricções, entre as quaes domina a ausencia ou a falta de exploração de que se resente toda a America central e meridional. Amuleto de nephrite, perfurado. Gr. nat. Peso esp. 2,97. Tenho dado, até aqui, o nome de amuleto e daria sempre de preferencia o de amuleto nephritico aos adornos de nephrite, porque as outras deno- minações usadas no Amazonas, nas Guyanas e nos paizes que encerram o Golfo mexicano,são tão varias e algumas tão sem explicação,que me parece des- necessario,senão de todo o ponto inconveniente, acceital-as todas. Entre os an-= tigos povos cultos das costas occidentaes do Golfo chamavam-n'o chalchihuit] (1) Extli-ayotli e Xoxuhkiticpatl (2); no valle do Amazonas e nas regiões adjacentes, ao norte, davam-lhe varios appellidos, entre os quaes os seguintes: Tlima paca- ruá, Tacurave e Taculauá (3), corruptelas, provavelmente, de Itacurauá (4): pedra de espelho, Itá-Ibymbae e Itá poçanga (5), corruptela de pohanga: medica- mentum, Metára e Metarobi (6), Macunabú (7) e Macuaba (8). Os nomes de pe- pa (1) Squier. — «Observation on a Collection of Chalchihuits from Mexic and Central-Am.»N-Y 1869. (2) De Laet. —« Joannis Antverpiani de gemmis et lapidibus», libb. II Lugd. Bat. 1647. (3) Barrêre, Pierre—«Essai sur Yhist. nat. de la France equinoxiale». Paris, 1741. (4) Martius. —«Beitráge zur Ethnographie und Sprachenkunde Amerika's». Leipzig, 1867. (5) Martius. —Idem, Idem. (6) Maregrafv.---«Historia rerum naturalium Brasilicem. 1648. (7) Martius.--Op. cit. (8) R. Schomburgk.---«Reisen in Britisch»---Guiana in den Jahren 1840-1844. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 529 dra de igiada, ijada, hijada, isada, osiada, siadre e ischada parecem approxi- mar-se, ora do nome jade de origem oriental, ora do nome castelhano: higado —figado, viscera, cujo aspecto lembra muito particularmente, na verdade, a nephrite. Creio que primitivamente tiveram os amuletos nephriticos nome especial, que lhes indicava, como o de chalchihuitl no Mexico, o seu verdadeiro valor divino; este nome, porém, extinguiu-se ao perpassar das gerações, e todos os qualificativos que dão hoje ao artefacto sagrado, ou referem-se à côr da rocha, ou ao supposto mister que tinha, ou ainda aos individuos de que provinha. O nome de muirakytan ou melhor ibirakitan é hoje o mais commum destes amu- letos no Baixo Amazonas; mas, significando elle Nó de piu e não se parecendo a nephrite com semelhante objecto, aventurei, na minha já citada memoria sobre os Tembetás (1), a supposição de que, parecendo referir-se este nome à lem- brança dos antigos chefes ou pagés a quem pertenciam semelhantes amuletos, fosse mirakitá (ou murakitá)o appellido em questão e não o que se lhe attribue por equivoco homophonico. « Muito de sciencia, disse eu na citada memoria, uso aqui do nome mirakitá em vez do de muirakytan ou antes ibirakytan, por se me afigurar injustificavel a significação : nó de pau que tem esta ultima palavra, applicada à pedra verde Amuleto de nephrite. Peso esp. 2,97.Gr.nat. - Amuleto de nephrite. Peso esp. 2,98. Gr.nat. (Coll. de D. Amanda Doria). (Coll. do principe D.Pedro Augusto) facial; emquanto que na significação do nome mirakitá ou murakitá-—pedra do chefe do povo (com a anteposição usual do genitivo ao nominativo) ficam perfeita e claramente definidas não só a substancia: pedra, de que é constituido o objecto em questão, mas tambem a applicação que tinha como emblema de chefatura. Verdade é que das tres palavras: mura, nação; ky, chefe, e itá, pedra, a palavra: ky, observo que sobre ser extranha á lingua geral, póde bem ser apenas parte da (1) L. Netto. Op. cit. pg. 141. 530 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL palavra quichua primitiva, exprimindo a qualidade de chefe, ou de rei, ou de principal. Seja, porém, ki nome completo ou simples particula, é certo que se acha como radical de muitos dos nomes dos reis de Guatemala; além de expri- mir na lingua Maya,alli fallada outr'ora,a idéa de supremacia, de poder e de alto dominio. A"objecção que se me podesse contrapor,de parecer irregular esta enxertia de palavra, maya ou quichua,entre componentes tupys,haveria eu de responder com os frequentes exemplos de eguaes enxertias, cada vez que se trata de nomes referentes a assumptos divinos, ou pessoas de alta cathegoria, pertencentes à lingua da nação invasora ou mais forte. São exemplos desta ob- servação as palavras tupys e guaranys, em que entram os nomes : cruz, egreja e outros. E bastar-me-hia, n'este particular, apontar: Itá-curuçu, que significa litteralmente: cruz de pedra,embora se haja alterado a palavra cruz em curuçu». Ao que deixo exposto, que foi escripto ha oito annos, accrescentarei agora uma observação, baseada em experiencias desde então adquiridas em contacto com indigenas semi-selvagens;e é que a palavra ahi mutilada é justamente a de origem estrangeira, de difficil pronuncia para os nossos tupys amazonenses. Ninguem ignora quanto era nelles costume estropiar os nomes europeus, re- duzindo-os a duas syllabas, em geral. Na maior parte dos casos, quando o nome lhes parecia de difficil dicção, preferiam dar ao europeu um qualificativo parlante como: mono barbudo, cara vermelha, cabeça calva e outros não menos caracteristicos de admiravel verosimilhança. De mais, na mesma palavra composta : Ibymbae, já mencionada entre as que Martius citou para o amuleto ou pedra divina dos indigenas, ao norte do Amazonas, eu vejo a reunião das duas palavras: Ib,chefe (dux) e Mbôy,perola ou adorno de pedra, que Martius, por equivoco de audição, tomou por bae. Ibym- bôy ou Ibymbõe significa, portanto, amuleto ou pedra ornamental do chefe, no mesmo sentido, com egual construcção e em quasi semelhante accepção do murakitá. Entretanto, não faço cabedal destas minuciosidades, baseadas, além do mais, em preceitos de uma lingua tão mal conhecida e tão profundamente al- terada hoje, aos embates constantes de linguas estrangeiras e das européas sobretudo, que a estão,ha mais de tres seculos, lentamente dissolvendo. O nome Murakitá, de que nem sequer cogita o professor Fischer na sua copiosa e erudita monographia (Nephrite und Jadeit nach ahren Mineralogischen Ei- genschaften), publicada em 1880, ficará portanto no limbo da synonimia ao lado de tantos outros, aliás mencionados n'aquelle importante repositorio. De que a pedra verde é a expressão mais commum do adorno pessoal dos Dress ARCIIVOS DO MUSEU NACIONAL 531 povos da America, temos a prova noempenho com que tentavam os indios es- tacionados ao sul do rio de S. Francisco, substituir a nephrite por quantas rochas se lhe approximavam. O Tembetá, usado por estes povos do sul, nada mais representa, ao meu ver, do que uma adulteração do primitivo amuleto do Norte. Como se transfi- gurou em adorno do pescoço o ornato labial, não o pôde nem o poderia, talvez, ninguem jámais explicar. Aquelle é a expressão dos primeiros assomos da vai- dade humana, porém ainda velada pelos ultimos preceitos do Fetichismo. Este symbolisa o troglodytismo dos homens primitivos,nos panicos a que era sujeito o seu espirito semi-bestial, em luta coma natureza. N'uma palavra, o Tembetá do sul é a imagem do barbarismo estoico,ou melhor, da superstição inconsciente, que não hesita em rasgar a carne da face em holocausto às iras do Tupan das tempestades,ou dos furores do raio do céu e dos fogos da terra. O amuleto do Norte, embora originado d'aquelle terrivel adorno, é,a um tempo,enfeite e pre- caução egoista contra affecções a cujo flagello estão já sujeitos os primeiros nu- cleos da sociedade humana. Entretanto, é bem possivel que povos houvesse bastante adiantados, mas ainda submeltidos ao uso do Tembetá, pelo respeito devido ao caracter tradicional desse symbolo. divino. Montezuma, o grande imperador asteka, diante de cujos esplendores tomou-se de verdadeiro pasmo o orgulho audacioso dos companheiros de Cortez, nas grandes sólemnidades, trazia pendente do labio inferior um tembetá de côr verde. Talvez que se possa reconhecer um dia que, onde quer que houve terremotos, vulcões e outros grandes abalos da natureza, existiu 0 uso do Tembetá. Vou mais longe ainda, admittindo que fosse até origem deste medonho adorno, a presença cons- tante d'aquellas grandes confagrações das terras vulcanicas e, conseguinte- mente, o constante pavor que imprimiam taes phenomenos no espirito Limorato dos primeiros habitantes do Globo. O Mexico e toda a America Central (1) de- viam ter sido, em tempos remotos, a região mais perseguida destes grandes abalos de terra. Um argumento, entre outros, que deixam de ser aqui especificados, apre- senta-se-nos na famosa nação dos Mahués, no valle do Rio-Negro, em auxilio a esta minha supposição, Os chefes Mahués trazem pendente ao pescoço um cylindro de quartzo, cuja posse só por si constitue direito à chefia da tribu, (1) A terra d'essa parte do Globo, agitada por espantosos terremotos, produzia os maiores pani- cos no povo, em virtude do que festejava-se o fogo, suppondo-se que a humanidade, escapa aos cataclys- mas periodicos, era renovada tambem periodicamente, ou, como hoje diriamos, redivivia por milagre do céu. Codex Letellier. Rem. Mex. N. 1. V vi---l33 532 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL tal é o valor que se lhe prende (1). Este adorno, verdadeiro amúuleto tradicio- nal e hercditario, denominado geralmente tuxáua-itá, tem, no dizer de varios escriptores, o nome de cherembetá, que um delles, por ignorar a sua Tuxâáua-itá, adorno moderno de quartzo opaco. Gr. nat. significação, escreveu chirimbetá. Ora cherembeta é palavra composta de che— meu e do nome tembetá, no qual se substituiu o £ inicial pela euphonica r branda. Eis, pois, um amuleto que,sendo aãorno pessoal de um povo, entre o qual é desconhecido o adorno Ibial, conserva ainda o nome deste adorne, | como ultimo vestigio authentico do uso que, de artefacto aflim a este, faziam pri- (1) Wallace=Travels on the Amazon and Rio Negro ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 533 milivamente os seus antepassados. O que diz Laet sobre as pedras verdes dos Caraíbas, confirma este meu ver (1). De tudo quanto fica exposto, é natural concluir-se que o tembetá precedeu, nesta parte da America e talvez em todo o continente,ao amuleto usado não ha muito ainda, desde o Amazonas até a Florida e as Antilhas,a léste, eo Golfo da California, a oeste. Os indios do sul serão, n'este caso,um élo estacionario que se deslocou da corrente humana da America, em evolução ao norte e a oeste, ou são antes um novo ramo elhnologico, surprendido pela invasão européa em começo de desenvolvimento? A primeira conjectura mais naturalmente se Tuxáua-itá, adorno moderno de quartzo opaco. Red. a 1/2. ajusta à observação e às Lradições. Uma migração antiquissima poderia ter-se effectuado do valle do Amazonas ao valle do Prata, atravez dos planaltos e das serras do interior, na epocha em que mais geral se achava o adorno labial, nas terras d'onde parlira esse povo. Este problema, que a todos os respeitos até hoje cogitados, se nos afigura insoluvel, pode ser, talvez, elucidado a favor do serio exame que nos está exigindo o assumpto das pedras verdes. Convém. antes de tudo, que saibamos se a nephrite, ponto de partido deste assumpto, existe sômente no valle do Amazonas, ou se em outros pontos da America do Sul. Uma série de cogitações assalta-nos o espirito ao lançarmos um volver d'olhos sobre as deducções aguardadas de cada face que se fôr es- clarecendo d'este complexo problema. Possam servir ao menos as presentes in- vestigações de incentivo e de guia aos que mais tarde e em condições favo- raveis se acharem com elementos para romper o véu que envolve tão impor- tante provincia da prehistoria sul-americana. No mesmo nivel do amuleto de pedra verde devemos collocar as inscri- pções deixadas ao longo de toda a America por povos cujos caracteres ethno- logicos não nos é permittido apreciar no seu justo valor. E em verdade, se o adorno pessoal, intimamente unido ao seu possuidor, (1) Americani porro gestant, hos lapides variis figuris efformatos, alios piscium, alios avium ca- pitibus aut psittacorum rostris similes; nonnullos et rotundos sphexrularum forma aut etiam columel- larum, omnes autem perforatos. Barbari, qui Guianam incolunt, magni illos faciunt et solent pyrami- dali forma foraminibus indere sub inferiori labio: talem Gesnerus vocat Oripendulum.—cJoannis de Laet, Antverpiani de gemmis et lapidibus»,lib. II Lugd. Bat. 1647. 554 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL como talisman de quem em longa peregrinação por estranhas terras o traz in- cluso no proprio labio ou pendente do pescoço, deve ser a muitos respeitos tomado por cunho distinctivo do povo entre o qual é elle symbolo de celestial protecção, não menor valia é natural que nos mereça a autographia de uma nação emigrante a deixar nas pedras aprumadas à beira da via dolorosa da sua tristissima jornada as endeixas de seu canto e saudades. E quantas vezes, ao pobre viajor que deixára, para nunca mais a ver, essa terra querida de seu berço, não se lhe accrescem às tristes lembranças do lar jámais esquecido as angustias que lhe espalharam n'alma a perda da consorte estremecida ou de uma filha idolatrada ! E as lutas sangrentas com as hordas bravias atravez de cujos territorios fôra mister passar ! e as contendas intestinas tanto mais re- nhidas quanto maiores difliculdades se affrontavam no exodo anguslioso | De todo este martyrologio, não de um só individuo, mas de uma nação inteira, ficaram alli perpetuadas as dispersas tradições em caracteres funda- mente gravados, que nenhum Champollion soube ainda decifrar. Quatro grandes problemas se nos deparam a respeito das inscripções deixa- das por essas varias peregrinações proseguidas,em todo o solo americano: a di- recção geral tomada pelas nações emigrantes; a siguificação de semelhantes in- scripções; as epochas em que se efiectuaram as diversas migrações e os instru- mentos de que se serviram os foragidos para abrir em durissimas rochas a breve historia de seus itinerarios. No Brazil,em parlicular,é quasi possivel determinar as paragens poronde esses singulares monumentos foram deixados: são os valles dos grandes rios,e é de presumir que como favor de mais acurados estudos pos-. samos chegar ao ponto de determinar o roteiro geral d'aquellas tribus foragidas. Nas inscripções que represento ao fim deste volume, em grande parte copiadas dos rochedos das margens do Rio Negro, do Baixo Amazonas, do Ma- deira e do Xingú, ha indicios bastante plausiveis, ao meu ver, de terem sido gravadas por individuos provenientes do Norte. Ssrviu-lhos -de vehiculo, ao que presumo, o Rio Negro, pelo qual se transportaram da bacia do Magda- lena ou do valle do Orenoco ao estuario gigantesco do Amazonas. Dão noli- cia alguns viajantes de inscripções nas margens do Putumayo, do Yapurá, do Nhamundá, e no morro denominado de Cachorro, acima das primeiras ca- choeiras do rio Trombetas, viu o professor Orville Derby alguns caracteres pintados nas rochas de grés da margem direita. O Sr. Dimas Morales, intelligente colombiano que fez ha dous annos a penosa viagem do valle do Magdalena à cidade de Belém do Pará, vingando, em 15 dias de jornada a pé, a cordilheira divisora das aguas entre as cabecei- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Dn ) ras do Magdalena e as do Putumayo, encontrou no alto das cordilheiras, mas na sua vertente oriental e a algumas leguas de Mocôa, curiosa e extensa inscripção gravada sobre a face perpendicular de um alto rochedo, ao pé do qual não suppõe elle haver passado homem algum capaz de tirar cópia d'a- quelle monumento. São testemunhos estes de se haver estendido por todos os affluentes da margem esquerda do Amazonas a larga corrente migratoria, provinda do grande isthmo ou das costas do golfo mexicano, mas a extensão banhada pelo Rio Negro e a direcção do seu curso, bem como a abundancia de inscripções achadas ao longo de suas margens, fazem-me crer que fosse elle a arteria mais seguida e mais procurada pelos foragidos. Do Amazonas para o Sul, se houve de facto a corrente migratoria na direcção a que acima alludi, deu- se esta transmigração egualmente em varias zonas longitudinaes, desde a linha da costa até a do Guaporé, na extrema occidental do territorio brazileiro. Assim é que ao longo do littoral ou pelo menos sobre as montanhas que se pro- longam a poucas leguas do mar, apparecem nas provincias do Maranhão, do Ceará e particularmente da Parahyba, caracteres pintados, em muitos pontos identicos aos de inscripções gravadas nas margens do Tocantins, do Xingú, do Tapajoz e do Madeira. Cabe ponderar, e é facto digno de attenção que n'estes grandes rios foram as cachoeiras os pontos de ordinario escolhidos para semelhantes inscripções, transparecendo nisso a intenção de darem aquel- les proscriptos uma tal ou “qual solemnidade a estes monumentos, pois é sa- bido quanto lhes infundia respeito e profundo recolhimento o ruido das cata- dupas. Outra causa que lhes teria podido suggerir para isso a selecção das faces dos rochedos erguidos sobre as grandes cataractas, é a inaccessibilidade d'essas pedras nos mezes das enchentes annuas dos rios, durante as quaes, pelo menos, estariam garantidos os seus curiosos monumentos contra a mão profana dos inimigos, não suspeitando que se precaviam tambem assim contra o camartello da civilisação actual. Sinto-me até propenso a crer que fosse essa a principal razão que os in- duziu a estampar alli a narração da sua jornada ou dos seus feitos gloriosos e extraordinarios. E tanto mais assim penso quanto outras provas se me deparam que justificam esta asserção. Em geral, as inscripções deixadas por essas tri- bus nomadas, ou se achavam sobre os penedos das grandes cachoeiras, ou nas cavidades das margens invadidas pelas enchentes, e não raras vezes inaccessiveis em qualquer epocha, facto este observado no valle do Orenoco, sobre uma escarpa de elevado rochedo e constituindo um problema ethno- graphico curiosissimo de que foi Humboldt o primeiro a dar minuciosa noticia. V. vi--134 536 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Na foz do Rio Negro, em face ao Solimões, ha um extenso banco de grés estractificado, cujas camadas inferiores, havendo sido derruidas, ao eterno embate das aguas torrentosas de cada enchente, formaram assim grande hiato, que simula uma caverna, onde só na maxima vasante do rio é permittido entrar. Uma pedra da camada superior deslocou-se, deixando pequena aber- tura por onde a luz penetra e illumina as asperas paredes d'aquelle casual subterraneo. Em taes condições era impossivel que não fosse escolhido esse escondrijo para inscripções; e com efleito, é ahi que se acha a da Estampa XY deste volume, a contar da fig. n. 3 em diante. O Sr. Ferreira Penna, a quem mais de uma vez me tenho reportado e a cujo espirito altamente observador deve a ethnographia amazonica con- scienciosas indagações, referindo-se a esse mesmo intento com que só nos re- cessos e logares excusos procuravam aquelles aborigenes ideographar os factos que mais lhes convinham perpetuar, diz o seguinte: «Elles não executaram jámais trabalho algum deste genero nas planicies livres, nem nas encostas das serras onde aliás a operação lhes seria muito mais commoda; mas pelo contrario foram sempre executal-o nos pontos mais inaccessiveis que podiam achar; ora no cimo das montanhas, como na Serra do Ereré e na da Escama, ora nas rochas escalvadas que se precipitam a prumo sobre os rios no meio das aguas em tumulto, como nas cataractas do Orenoco, do Madeira e do Cu- ruruhy, affluente do Pucujá; outras vezes quando lhes faltavam estes abrigos selvagens contra a sanha e selvageria de algum futuro inimigo victorioso, la- vravam suas inscripções sobre lages do mar, cobertas, a maior parte do anno, pelas ondas da maré, como nas praias de S. Vicente, em S. Paulo, e de Itapuã, na Bahia; ou emfim, à borda dos rios sobre rochedos que ficam totalmente inundados desde o primeiro movimento ascencional das aguas annuaes, como ao pé da villa de Serpa, antiga aldeia Itacutiára, nome que em lingua indi- gena significa: Pintura sobre pedra ou simplesmente : Pedra pintada. » Uma duvida me ha desde muito occorrido no tocante ao verdadeiro fim que tinham os auctores destas inscripções: serão estes trabalhos tão penosos e tão demorados (mórmente quando se gravavam em diorito ou em porphyro), monumentos commemorativos de uma longa peregrinação a que anterior- mente e por mais de uma vez me referi, ou representarão antes altares ergui- dos ao culto dos antepassados e à admiração de suas virtudes por povos se- dentarios, de modo que a cada tribu devesse corresponder um destes orato- rios com veneração e posse exclusiva della ? Realmente, apezar de todas quantas razões me são suggeridas para accei- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Do tar a primeira hypothese, sinto que com mais attractivos se insinúa no meu espirito a imagem de uma tribu inteira, attenta e recolhida diante do monu- mento que lhe pinta do alto do rochedo, impendente das aguas espumosas da catadupa, as façanhas dos seus chefes fallecidos e as grandes acções dos seus venerandos antepassados. Foram heróes de grandes epopéas aquelles velhos guerreiros, cujos feitos cada tradição emnmoldura em proporções gigantescas, que mais avultam ao ruido harmonioso das aguas correntosas e aos vapores irisados pelos ultimos raios do sol nas extremas do occaso. Uma feição de grande verosimilhança resalta-nos d'esse maravilhoso quadro e, como que a voz mysteriosa de Hiawatha, no canto que lhe empresta o genio de Longfellow, attribuindo-lhe a sciencia das lendas insculpidas nos cortices da Bétula, parece dizer-nos : « Lo! how all things fade and perish ! « From the memory of the old men « Pass away the great tradictions, « Great men die and are forgotten, « Wise men speak, their words of wisdom « Perish in the ears that hear them, « Do not reach the generations « That, as yet unborn, are waiting « In the great mysterious darkness « Of the speachless days that shall be! » Resta, entretanto, saber, diante das duas supramencionadas hypotheses, qual d'ellas acha maior apoio nas inscripções gravadas e pintadas, até hoje descobertas ao longo de toda a America do Sul. Ao meu ver, nenhuma destas supposições póde ser esclarecida por meio de tal auxilio. E” possivel que um povo adiantado, em migração forçada, desde a America central até o valle do Prata, conservasse em muitas gerações successivas a usança das inscripções gravadas; mas, além de ser mais provavel que a pouco e pouco se perdesse, decorridos longos annos, aquelle talvez rigoroso preceito, parece natural que fosse, no correr do tempo, substituido pelo trabalho mais commodo da pin- tura, O longo e penoso cansaço de abrir cada inscripção nas duas rochas. O es- copro e o puncção de pedra de que se deveriam ter servido no valle do Amazo- nas os esculptores proto-americanos, é verdade que facilmente os poderiam obter em qualquer outra latitude ; faltava-lhes, porém, o tempo e mais ainda a tranquillidade exigida para aquelle primitivo labor, e assim nos é dada, com visos de probabilidade, a explicação das inscripções pintadas, mais abun- dantes ao sul do que ao norte do Brazil. Diante da outra hypothese, entretanto, não é tamanho o numero de obi- ces que se nos deparam. Inscripções gravadas e pintadas, mais perfeitas e mais 538 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL extensas umas, mais grosseiras e mais breves outras, todas ellas explicam-se pela comparação das proprias tribus, tão diversas e tão numerosas por sobre a America inteira. Todas ellas estão em perfeito accordo com esse caracter ethno- logico americano, uno na essencia, mas complexo e multiforme no aspecto e nos pormenores. Demais, muitos pontos houve povoados por tribus de adiantada intellectualidade, onde vieram mais tarde erguer suas tendas e ephemeras ca- banas, algumas cabildas de familias da mesma origem, mas que, embrutecidas e profundamente degeneradas, não tinham, nem a consistencia moral dos seus ascendentes, nem os lazeres que exigiam a preparação e o trabalho d'aquellas chronicas escriptas em pedra. Eram individuos que representavam, n'uma adiantada superposição de existencia, a degradação manifesta do saber e valor dos seus antepassados, cujas tradições, para elles indecifraveis, encaravam ma- ravilhados, na crença de que poderes sobrenaturaes lh'as haviam insculpido, em epochas que se perdiam nas brumas de um passado incomputavel. Taes no Egypto, sob o dominio dos kalifas, arrastavam-se ignaros e semi-barbaros os abastardados netos dos escribas, junto aos fustes partidos dos pilones em cujos umbraes de porphyro gravou a sciencia profunda dos seus maiores as chronicas aureas das conquistas gloriosas de Ramsés e de Sesostris. Não nos antecipemos, porém, aos desvendamentos que só com explora- ções mais acuradas e com o estudo mais minucioso das inscripções existentes em todo o Brazil, nos será dado obter, provavelmente mais completos. Nas provincias do sul, consta-me haver inscripções pintadas e gravadas, das quaes tenho algumas cópias de que, por imperfeitas ou mal traçadas, não ousei dar figura alguma nas Estampas deste volume. A mais perfeita d'estas inscripções achou-se na provincia do Rio-Grande do Sule foi-me communicada pelo Sr. Carlos von Kozeritz. E' do systema figurativo geral das inscripções americanas, tendo como as das Montanhas rochosas, figuras de pinheiros, o que é natural egualmente no Rio-Grande do Sul, onde abundam as mattas da Araucaria Braziliensis. A provincia de Minas, em toda a sua zona septentrional (1), a da Bahia, no valle do S. Francisco (2), a da Parahyba, nas escarpas orientaes da serra do Bacamarte, e as do Ceará e Maranhão, para só fallar das regiões (1) Na zona septentrional da provincia de Minas consta-me que ha varias inscripções pintadas. O Sr. Dr. Felicio dos Santos, deputado geral d'aquella provincia e eleito ha pouco pelo districto em parte comprehendido n'aquella zona, tendo-a percorrido ultimamente, achou-se a pequena distancia de um rochedo onde havia inscripções pintadas. Este rochedo deve estar a algumas leguas da cidade de Montes Claros. (2) A provincia da Bahia, comquanto seja uma das mais importantes e mais ricas do Imperio, não foi ainda devidamente explorada em grande parte da sua extrema meridional. Esta zona, banhada ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 539 independentes do valle do Amazonas, apresentam n'este genero ethnologico vasta cópia de monumentos curiosos, que não foram ainda photographados ou copiados sequer com a exacção indispensavel em trabalhos desta natureza. Supponho, entretanto, pelas cópias que possão e por outras que tenho visto, serem as inscripções encontradas ao Sul do S. Francisco simples indica- ções ou breves trechos, à feição de notas restrictas de quem sem tempo ou suffi- cientes meios para mais remansado labor, não quiz libertar-se, todavia, de um preceito rigoroso, de uma prescripção sagrada. Supponho sim, porque nas fi- a lóste pelos rios Jequitinhonha e de Contas, é ainda habitada, n'aquella mesma parte oriental, por grande quantidade de aborigenes selvagens, que tornam mais inaccessivel a montanhosa e invia re- gião onde nascem os principaes afluentes do Rio de Contas. Suppõe-se que nas cabeceiras do Rio de Contas e do Paraguassú deve haver pedras gravadas em es- cusos recessos, que, de escondidos que são, deram origem à descripção, feita em 1753, da cidade encantada de que traz noticia e figuras o 1º Vol. da Revista do Instituto Historico. Comquanto pareça inacreditavel que ruinas de antigas construcções cyelopicas com estatuas, esculpturas e estellas votivas estejam até hoje inteiramente ignoradas e occultas em devezas inaccessiveis, n'uma região visitada pelo menos por caçadores, não posso todavia deixar de pôr em relevo o facto muito importante, concernente a essas suppostas antiguidades e incluido na já mencionada descripção. Refiro-me á inscripção bilingue, que se diz haver sido alli copiada e que é composta de grego archaico e de egypcio, ainda que mal se reconheçam estas duas linguas nos caracteres publicados com a alludida descripção. Ora, em 17583 não se havia feito ainda trabalho algum de interpretação egypcia; qualquer ardileza ou jocosidade não parece admissivel, portanto, a respeito de caracteres de que n'aquella epocha nem pelos trabalhos de Kircher (Widipus Agyptiacus, f.º, Rome, 1652-1654), havia sequer suspeitas, e sobre os quaes, outros escriptores diziam ser trabalho de phantasia ou de mero acaso. Dous pontos importantes conviriam, a meu ver, que fossem averiguados: o primeiro é o cunho de antiguidade do manuscripto encontrado na Bibliotheca Publica d'esta Córte, manuscripto em parte destruido e assim transeripto no 1º volume da Revista d'aquella associação; o segundo é a propria localidade, que póde ser talvez constituida por gru- pos de rochedos calcareos com extensas e profundas galerias subterraneas. Ao que nos informam ex- ploradores conscienciosos, alguns vinjores e em particular o Sr. Dr. Felicio dos Santos, toda a região comprehendida entre o valle do S. Francisco, na divisa septentrional de Minas, e as cabeceiras do Rio de Contas e do Rio Pardo, é eriçada de extensos rochedos culcareos, acerescendo que a respeito das ca- beceiras dos mesmos rios, corre como averiguado haver alli paragens onde raros individuos lograram pôr os pés. Antes de tudo, convem que se tenha sciencia completa d'essas cavernas. As que justamente mais nos interessam, para a averiguação do assumpto que temos em vista, são as que estão nas cabe- ceiras do Rio Pardo, a léste, e estas, tudo me faz crer que se acham ainda senhoreadas pelos botocudos do Sul da Bahia. Quanto ao centro e norte d'esta provincia, temos noticia de que ha em varios pontos figuras pintadas e algumas vezes gravadas. Nas montanhas calcareas, não longe de Jacobina, informa-me pessoa de confiança que existe uma caverna chamada Grota Funda, em cujas paredes encontram-se muitos caracteres de fórma completamente desconhecida. O engenheiro A. M. de Oliveira Bulhões, reproduziu no seu relatorio sobre o projecto da Estrada de Ferro da Bahia ao S. Francisco um speci- men d'estas cryptographias, e do explorador José Francisco T. do Nascimento tive communicação de ha- ver elle encontrado no logar denominado Tiuba, entre Monte Santo e Villa Nova da Rainha, sobre a face perpendicular de uma especie de grande cava artificial, diferentes caracteres que deram á localidade o nome de Pedra dus Lettras. Esta pedra deve estar a 18 ou 20 leguas do S. Francisco e é muito pro- vavel que outras se encontrem nas suas proximidades, ou rio abaixo, do mesmo lado esquerdo, na di- recção da provincia de Sergipe. V. vi—l3s 540 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL guras ahi reproduzidas ha um quer que seja que relembra o transumpto ou o extracto das grandes inscripções amazonenses, das quaes é a mais perfeita e a mais extensa a inscripção Ferreira Penna. Em honra ao distincto ethnologo e geographo brazileiro, que tanto ha escripto sobre o valle do Amazonas e de quem tão bons serviços recebeu a Exposição Anthropologica Brazileira,dei este nome à inscripção por elle descoberta sobre a pedra Itamaracá de uma das grandes cachoeiras do Baixo Xingu. Infelizmente, não podendo aquelle res- peitavel amigo tomar pessoalmente cópia da referida inscripção, mandou-a copiar por um auxiliar, que, comquanto intelligente, não merece a mesma confiança a que tem direito o Sr. Ferreira Penna. O meio empregado foi en- tretanto um dos mais seguros. Este meio ou processo é a cópia mecanica da justaposição do papel molhado e a pouco e pouco applicado sobre os caracteres gravados na rocha. Convém, porém, que depois de se haver adaptado este papel a todas as cavidades dos caracteres em reentrancia, se lhe applique, com bastante gemma arabica, uma folha de papel grosso e encorpado, a cuja resistencia se submetta o papel molhado e fique perfeitamente affeiçoado ás depressões da inscripção. Este processo para as inscripções gravadas, e a photographia para estas mesmas inscripções e para as pintadas, são*os unicos meios cujo emprego per- mitte obter de modo rigoroso a cópia exacta desses monumentos precolombia- nos. O Sr. Camillo Vedani, artista distincto, a cargo do qual se achava a parte iconographica da commissão do Madeira e Mamoré, dirigida pelo provecto enge- nheiro Morsing, offereceu ao Museu Nacional grande cópia de photographias, que reproduzem numerosas inscripções do Rio Negro, do Amazonas, do Soli- mões e do Madeira, na sua maior parte exhibidas nas estampas XI-XV deste volume. Em quasi todas estas estampas ha figuras mais ou menos visiveis, representando animaes ou homens, e mais frequentemente cabeças humanas. São estas figuras, na sua maior parte, de visivel imperfeição, como se por qualquer convencionalidade bastassem alguns traços a caracterisar unicamente os individuos e os objectos que se tenha em mente representar. Duas unicas figuras das muitas expostas nas cinco estampas da collecção Vedani mostram um esmero que destôa sensivelmente do lavor empregado nas outras. Estas figuras, provavelmente de Capivaras (Hydrocherus Capibara), são as que se acham reunidas sob o numero 16 da estampa XII. Ellas relembram algumas das figuras das inscripções do Gila (1), bem comoas tres bellissimas (1) Bancroft, op. cit V. IV, pag. 620. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 541 figuras de saurios da inscripção Ferreira Penna, da estampa X. No tocante aos caracteres geraes dessas convencionalidades symbolicas, devo repetir o que mais de uma vez deixei dito : parece-me bastante espinhoso e mais que ar- riscado aventurar suggestões que pódem ser talvez verdadeiras phanta- sias. À mais perfeita das inscripções reproduzidas nas estampas deste volume é inquestionavelmente a denominada Ferreira Penna. Ora, examinados atten- tamente os caracteres de tão curiosa cryptographia, nada mais parecem repre- sentar do que uma grande aldêa guardada à guiza de fortificação, por estacada que a circumda. Na parte inferior, e à esquerda da mesma estampa, ha uns si- mulacros de habitações ou antes de reductos, como se ahj, na entrada ou na passagem da aldêa, os houvessem seus habitantes construido para sua defeza. Tres chefes, cujo nome ou distinctivo allia-se aos caracteres dos saurios, por cujas figuras são alli representados, simulam junto a esses reductos uma especie de conferencia ou entrevista. Um dos saurios, o da cauda mais longa e o que parece representar a população da aldêa fortificada, entre cujos reductos está collocado, recebe a mensagem dos outros dous saurios, apparentemente estra- nhos ao aldeamento. Além d'estes caracteres, ha uns meandros nas duas extre- midades da povoação, servindo-lhe ambos de ingresso, ao que se póde deprehen- der pelo aspecto destas curvas singulares. Mas é impossivel insistir e proseguir n'esta intrepretação para a qual não se me depara sufliciente apoio. As outras estampas têm, além destes caracteres representativos ou symbolicos de resi- dencia e de fortificação, perfis e rapidos traços de cabeças humanas e de animaes, simulacros de reductos ou de logares habitados, grupos de circulos concentricos, algumas vezes tambem espiras ou volutas em communicação, duas a duas, entre si, exactamente como algumas das figuras representadas nas inscripções de varios rochedos do Arizona. As cabeças humanas, ora são desadornadas de qualquer emblema, ora encimadas de corôas ou diademas semelhantes aos que os aborigenes primi- tivos tinham por secular usança dar ás cabeças e caras representativas do sol e dos chefes que no Perú, na America Central e no Mexico se diziam descen- dentes d'aquelle astro. Sob o n. 11 da estampa XII vêm-se duas figuras humanas assim coroadas, vestidas ambas, além d'isso, de longas tunicas com cinto estreito ou simples uma, e dobrado ou largo a outra. A figura de largo cinto tem um bastão ou sceptro na mão direita. Na estampa XV, além de algumas lanças ou flechas que ahi estão reproduzidas sob o n. 18, vê-se, no alto da estampa, uma espe- cie de estacada e mais provavelmente de cazaria disposta em angulo quasi 542 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL recto, abaixo do qual estão ainda duas Capivaras collocadas, uma junta à outra, parecendo representarem assim alguma idéa ou designação, em tudo, prova- velmente, identica ao caso em que se acham os tres saurios da inscripção Fer- reira Penna. Supponho que é uma cazaria, essa linha quebrada de circulos, maiores no centro e menores nas extremidades, porque era praxe entre os povos americanos primitivos figurarem por linhas circulares suas cabanas, de ordi- nario conicas, exactamente como o faria qualquer povo dos mais adiantados em conhecimentos scientificos modernos. Dos circulos concentricos à repre- sentação em plano ou em projecção horizontal de um meio labyrintho, figura muito approximada à do labyrintho de Gila (1), vai quasi que um só passo; e na verdade, sob os ns. 25 da estampa XI, 8, da estampa XII, e 11 da estampa XIII, vemos caracteres que nada mais parecem indicar do que simu- lacros de labyrinthos muito frequentemente reproduzidos na arte decorativa dos povos primitivos do antigo continente. Ea figura denominada Nandya- varta, a que alludi na pagina 352 deste volume. Nandyavarta ou nan- dávarta significa propriamente circulo feliz e é uma variante da fórma da cruz mystica de Buddha. Na louça de Marajó, encontram-se em mais de um exemplar, simulacros deste symbolo da Lheogonia buddhica. E" mister porém, advertir que nos caracteres a que aqui me refiro um leve vestígio apenas se me offerece de semelhante symbolo. Alguns d'estes caracteres são compostos de duas figuras ligadas por um traço. Uma das figuras é um circulo dentro do qual estão inscriptos outros circulos concentricos, a outra é ainda um circulo, mas de fórma menos regular, tendo no interior a figura de dous crescentes tambem concentricos. E' esta segunda figura a que relembra a fôrma da nandávarta. Em algu- mas inscripções de Zapatero e do Rio Colorado encontram-se caracteres que muito se approximam destas fórmas originaes e diga-se tambem inexplicaveis. Nas inscripções reproduzidas nas cinco ultimas estampas d'este volume, deparam-se-nos numerosas pequenas figuras que recordam todos os caracteres alphabeticos que a imaginação se approuver de phantasiar-nos. À estampa XII está em boa parte occupada por figuras desta especie. A mais simples inspecção, porém, bastará para que qualquer illusão se desvaneça, como desappareceram diante de investigações criteriosas todas as intrepretações que tentaram ou imaginaram homens, aliás de grande e alto engenho,attribuir a célebre inscripção de Dighton Rook. O proprio Schooleraft, comquanto não haja attribuido aos phenicios ou aos islandezes a origem (1) Bancroft, op. cit., V. IV, pg. 639. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 543 d'aquelle antigo monumento graphico, deu-lhe comtudo uma interpretação indigena que não se pôde esquivar às accusações da boa critica. A maior parte das inscripções encontradas no Rio Negro pelos tenentes Laurindo Victor, Bessa e Barbosa e pelo Sr. Vedani, a quem já acima me referi, recorda de medo singu- lar os caracteres gravados nos rochedos de Gila, de Arizona e do Colorado. Egual e talvez maior analogia apresentam tambem as figuras gravadas nos rochedos da Serra da Escama, junto de Obidos, desenhadas do natural pelo naturalista viajante do Museu Nacional,Gustavo Rumbelsperger,e reproduzidas na estampa IX deste volume, com as das inscripções do Altar de Zapatero (1) e da Republica Argentina, publicadas por Ameghino (2). Não menor quantidade de similitudes estão aos nossos olhos vinculando as muitas figuras das estampas XI, XII, XII[ e XV com as das inscripções da Ilha de Cumminghan, do Lago Erie, de Dighton Rook, de Moro, de Chiriqui e de Utah. Está mais que demonstrado, portanto, que por todo este extenso con- tinente os povos que primitivamente o habitaram esforçaram-se por deixar após si, nomadas por indole ou proscriptos obrigados pela eterna struggle for life, os vestigios característicos da intellectualidade alcançada pela sua forte e altiva, ainda que barbara nacionalidade. Um facto importante sobresahe do exame destas inscripções e deixa-nos o espirito cada vez mais vacillante sobre a determinação ethnologica de semelhantes povos, Este facto é a pequena ou mal visivel correlação que me parece existir entre as inscripções gravadas e pintadas nos rochedos de todas as latitudes do solo americano e as figuras decorativas da louça encontrada nas antigas sepulturas d'estas mesmas lati- tudes. Nem é para admirar que uma ou outra figura seja commum, a um tempo, às inscripções e à louça de um só povo, ou de um só paiz, se attendermos que o mesmo gráu de affinidade depara-se-nos quasi sempre entre monumentos pertencentes a regiões collocadas, muitas vezes, em pontos diametralmente op- postos do Globo. Attentos estes caracteres de similitude, que até certo gráu nivelam o ho- mem aos outros representantes da escala zoologica, não é possivel negar que uma sequencia de muitos seculos parece haver sido interposta entre a epocha da gravura d'aquelles monumentos de pedra e a do fabrico destes outros mo- numentos de barro. (1) Bancroft, op. cit. V. IV., pag. 62. (2) La Anteguedad del Hombre en el Plata.---Buenos Ayres, 1881. 5 o . VI— 544 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL E' bem possivel que nenhum laço houvesse nunca vinculado os povos que esculpiram nas escarpas dos rochedos os annaes da sua historia, aos que, muito mais tarde, modelando, em argila plastica, as fórmas graciosas dos fru- ctos patrios, reproduziam-lhes, nos arabescos da superficie, convenientemente preparada, os principaes trechos da chronica dos seus legendarios antecessores. Não é este o meu pensar; mas, se assim aconteceu, a mão do tempo, depois de largos seculos decorridos sobre a face esculpida das negras penedias,junto ás quaes estanciou, peregrinando esse povo heroico e desgraçado, sellou para os povos ceramistas a pagina indicadora por onde lhes fôra permittido decifrar, sobre os archivos talhados na rocha viva, a mysteriosa ideographia dos seus predecessores nas terras da vetusta America. Um sigillo eterno oc- culta assim, como por um designio mysterioso, toda a nebulosa tradição dos herões semi-deuses do paganismo americano. Ahi estão, porém, ou nas ro- chas e nos mounds do Mississipe, ou nas vastas planuras do Prata, os documen- tos que nos attestam a antiga raça d'aquelles barbaros, que lutaram com os monstros da fauna qualernaria, cujos ossos, agora fossilificados, esconde o solo das successivas alluviões nas jazidas profundas das suas eternas sepulturas. BXPLIGAÇÃO DAS FIGURAS ESTAMPA I.— Urnas funerarias Fig. 1—Urna funeraria achada na ilha de Marajó, pintada de cores vermelha e escura sobre fundo branco. Ilha do Pacoval. Fig. 2—Vaso gravado e pintado representando cruzes inscriptas em louzangos. Ilha de Marajó. Fig. 3—Vaso gravado e pintado representando figuras de fórma desconhecida. Ilha de Marajó. Fig. 4—Urna anthropomorpha, pintada, gravada e ornada de figuras em relevo. Re- presenta uma mulher tatuada. Continha fragmentos de ossos. Ilha do Pacoval, em Marajó. Fig. s—Urna gravada e pintada, de duas cores, representando figuras identicas ás do vaso n. 3. Ilha de Marajó. Fig. 6—Urna funeraria gravada e pintada de duas cores, representando riguras que lembram as dos vasos ns. 3 e 5. Ilha do Pacoval (Marajó). ESTAMPA II. — Urnas funerarias Fig. r— Tampa de urna funeraria gravada, pintada, ornada de figuras em relevo. Ilha de Marajó. Fig. 2—Grande urna funeraria, pintada e gravada com relevos, representando a dupla figura de uma abelha ou de um arachnidio. Marajó. Fig. 3—Pequena urna zoomorpha, lisa e grosseiramente fabricada. Marajó. Fig. 4—Fragmento de urna anthropomorpha gravada e pintada, com ornatos em re- levo. Marajó. Fig. s—Urna tuneraria gravada e pintada, com adornos z»omorphos em duplo relevo. Marajó. Fig. 6—Urna funeraria gravada e pintada, representando caras humanas duplas em cada figura. Marajó. 546 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Fig. 7—Fragmento de grande vaso funerario, com pinturas vermelhas sobre fundo branco, e grande porção de figuras em alto relevo. Marajó. Fig. 8—Vaso anthropomorpho gravado e pintado, com relevos representando um indi- viduo do sexo feminino. Marajó. ESTAMPA III. —Zdolos de terra cotta Fig. —Cabeça de um idolo platycephalo, com gravuras, pinturas e relevos. Marajós * Fig. 2—Cabeça de um idolo platycephalo, com gravuras, pinturas e relevos. Marajó: Fiz. 3—Idolo de terra cotta. Marajó. Fig. 4—Cabeça de um idolo platycephalo com gravura, pintura e relevos. Marajó. Fig. 5—Cabeça de idolo de terra cotta. Marajó. Fig. 6— Pequeno idolo, tendo por braços duas pequenas saliencias . Falta-lhe a cabeças Marajó. Fig. 7—Cabeça toucada de idolo de terra cotta com relevos e pinturas. Marajó. Fig. 8&—Fragmento de idolo ou de adorno anthropomorpho de terra cotta, com a mão junto á face. Marajó. Fig. 9g—Idolo ou figura symbolica phallomorpha, de terra cotta ; esculpida e pintada, Marajó. Fig. 1o—Idolo ou figura representando uma mulher com adorno na cabeça e nas ore- lhas. Terra cotta, pintada de branco. Santarém, foz do Tapajoz. Fig. 11—Idolo pintado de cores vermelha e escura em fundo branco. Marajó. Fig. 12—Cabeça toucada de idolo ornado com gravura e pintura. Marajó. Fig. 13—Cabeça toucada de idolo de terra cotta, pintada de côr vermelha em fundo branco. Marajó. Fig. r4—Idolo phallomorpho pintado de branco. Marajó. Fig. 15-16-—Cabeça de idolos platycephalos, esculpidos, pintados e gravados. Marajó. Fig. 17—Idolo incompleto esculpido e gravado. Marajó. Fig. 18-—Cabeça de idolo de orelhas furadas. Marajó. Fig. 19—Idolo phallomorpho com braços rudimentares. Marajó . Fig. 20—Idolo incompleto ou adorno anthropomorpho. Duas mãos estão unidas á bocca. Fig. 21—Idolo grosseiro de terra cotta erguendo os braços em adoração ou simulando a fórma do crescente. Marajó. ESTAMPA IV. — Zdolos e adornos anthropomorphos Fig. 1—Cabeça ponteaguda de idolo ou de adorno anthropomorpho, recordando muito particularmente as cabeças de Palenque. Terra cotta pintada de branco . Marajó. Fig. 2— Figura ornamental de um polichinello acocorado sobre a bor da de um vasos. Marajó. : Fig. 3—Figura symbolica anthropomorpha. Marajó. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 541 Fig. 25—Cabeça ornamental de um vaso. Marajó. Fig. 26—Idolo phallomorpho pintado de vermelho e de côr escura sobre fundo branco, tendo sobre a fronte dous triangulos ou o duplo yoni. Pacoval, Marajó. Fig. 27—Cabeça ornamental de um vaso pintado e gravado, com os caracteres de grande prognathismo. Marajó. Fig. 285—Cabeça capricornia, provavelmente ornamental de grande e rico vaso. Marajó. Fig. 29—Cabeça de idolo com adorno sobre o alto. Marajó. Fig. 30—Cabeça toucada de idolo representando individuo idoso,tendo o cabello preso por baixo do toucado. Marajó. Fig. 31— Cabeça ornamental de bocca de vaso, tendo as duas mãos perto á face, na attitude de quem pranteia. Os olhos parecem lacrimosos. Marajó (Pacoval). Fig. 32—Gargallo anthropomorpho, pintado e gravado com grande perfeição. Marajó. ESTAMPA V.— Productos ceramicos antigos Fig. 1—Vaso gravado, tendo em baixo relevo uma especie de Cariathide. Marajó. Fig. 2—Vaso delicadamente gravado. Marajó. Fig. 3— Pequeno vaso ornado com a face humana. Marajó. Fig. 4— Pequeno vaso ornado com caras humanas, em baixo relevo. Marajó. Fig. 5s— Vaso representando um passaro anthropocephalo, com dous orificios, á imita- ção dos antigos vasos peruanos. Este vaso é gravado e pintado muito artisticamente. Marajó. Fig. 6—Urna funeraria ornada de gravuras symbolicas de fino lavor. Marajó. Fig. 7—Vaso gravado e pintado de cores vermelha e escura sobre fundo branco. Marajó, Fig. 8—Vaso gravado, tendo por adorno linhas parallelas em volutas. Marajó. Fig. o—Pequeno vaso gravado, de fabricação grosseira. Marajó. Fig. 10o— Fragmento de vaso delicadamente gravado, representando duas caras humas nas, uma em cada face. Marajó. Fig. 11—Grande alguidar admiravelmente gravado exteriormente e pintado na face in- terna. Sobre a borda ligeiramente alada apresenta relevos decorativos e uma cabeça em sa- hencia que tem relação com o corpo do animal symbolico (Cheú?) pintado na face superior do vaso. Fig. 12— Fragmento de alguidar pintado de caras humanas e ornado de relevos re- presentando 4 cobras bicephalas enrodilhadas e collocadas em 4 pontos equidistantes da borda do vaso. Fig. 13— Alguidar gravado e pintado de côr vermelha sobre fundo branco. Marajó. Fig. 14— Alguidar pintado de cores vermelha e escura sobre fundo branco. O desenho geral representa uma figura de insecto na fórma convencional da ceramica de Marajó. Pacoval. ESTAMPA V A.— Productos ceramicos antigos Fig. 1—Urna funeraria gravada e pintada de côr vermelha em fundo vranco. Marajó. Vo wm—ls7 548 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Fig. 2— Pequeno vaso representando n'uma das faces a cara humana em plano superior á da borda do vaso. Marajó. Fig. 3— Uma funeraria anthropocephala de Itacoatyara, abaixo de Manáos, na mar- gem do Amazonas. Esta uma tem a fórma caracteristica das urnas da mesma localidade, as quaes são pintadas de branco, com tampa que se adapta perfeitamente ao vaso, além de um prato em que alguns estão assentes. Fig. 4— Pequeno vaso graciosamente gravado. Marajó. Fig. 5—Alguidar gravado e pintado de cores vermelha e escura, com muita delicadeza . Marajó, Pacoval. Fig. 6---Vaso delicadamente gravado na face externa. Marajó. Fig. 7—Vaso gravado exteriormente, volutas compostas de linhas multiplas e represen- tando figuras de capitães. Pacoval. Fig. 8—Fragmento de vaso admiravelmente gravado. Pacoval. Fig. o—Vaso gravado com figuras de Cheú. Pacoval. Fig. 10—Alguidar pintado e gravado. Marajó. Fig. r11— Alguidar gravado e pintado de cores vermelha e escura, com a dupla figura em relevo de um morcego de azas abertas. Marajó. ESTAMPA V B.— Productos ceramicos antigos Fig. 1— Fragmento de urna funeraria gravada com grande perfeição e ornada de figu- ras em relevo representando saurios. Pacoval. Fig. 2—Grande urna funeraria anthropocephala. Marajó. Fig. 3—Vaso gravado, tendo como adorno unicamente linhas rectas. Pacoval. Fig. 4— Fragmento de grande vaso com ornatos em alto relevo. Marajó. Fig. 5---Figura de um Tatá. Pacoval. Fig. 6---Uma funeraria gravada e ornada de garras e de folhas de vegetal indeter- minavel. Fig. 7---Pequenino vaso gravado com esmerado lavor. Marajó. g. 8---Parte superior de um vaso, gravado provavelmente da mesma fórma do vaso n. s da Estampa I. A figura principal da ornamentação representa uma abelha entre folhas. Pacoval. Fig. 9---Vaso incompleto, delicada e artisticamente gravado, representando objectos de fórma dificilmente comprehensivel. Pacoval. Fig. 10.---Alguidar pintado. A figura principal representa um animal bicephalo (in- secto ao que parece) com a. engenhosa disposição das patas, de modo a não se poder saber qual a parte superior do animal. Marajó. Fig. 11---Pequeno vaso pintado interna e externamente. Marajó. Fig. 12 --Pequeno vaso ou talvez tampa de urna funeraria, gravada externamente e pintada pelo lado interno. Em ambos os trabalhos ha grande perteição. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 549 ESTAMPA VI---Zoolithos, amuletos e instrumentos de pedra Fig. 1---Cachimbos de steatito. Fig. 2---Zoolitho representando um passaro (diorito) dos Sambaquis de Santa Ca- tharina. Fig. 3.—Zoolitho representando um passaro de azas abertas com uma cavidade na região abdominal destinada provavelmente a moer substancias medicinaes ou de virtudes so- brenaturaes. Diorito. Sambaquis de Santa Catharina. Fig. 4.— Martello circular ou clava perfurada no centro, á feição do cabo central. Dio- rito. Provincias do Sul. Fig. 5.— Mão de gral ou martello. Sambaquis de Santa Catharina. Fig. 6.—Zoolitho nas mesmas condições do da figura 3. Sambaquis de Santa Ca- tharina. Fig. 7.—Zoolitho vasiforme. Diorito. Sambaquis de Santa Catharina. Fig. 8.—Zoolitho representando um peixe tendo a cavidade lateral. Diorito. Sambaquis de Santa Catharina. Fig. 9.—Zoolitho nas mesmas condições das dos ns. 3 e 6. Sambaquis de Santa Ca- tharina. Fig. 10.— Fetiche de steatito, representando um peixe encontrado na foz do rio Trom- betas. 7 Fig. 11—Zoolitho nas mesmas condições dos dos ns. 3, 6 e 9. Sambaquis de Santa Ca- tharina. Fig. 12—Zoolitho de fórma approximada á dom. 3. Sambaquis de Santa Catharina. Fig. 13— Instrumento de trabalho ou de guerra? Diorito. Sambaquis de Santa Catharina, Fig. 14— Machado perfurado ( Amuleto 2). Eurito. Sul do Imperio. Fig. 15—Zoolitho representando um peixe admiravelmente esculpido, tendo a cavidade no flanco esquerdo. Diorito. Sul de Santa Catharina. Fig 16—Peso ou pedra de funda. Diorito. Sul do Imperio. Fig. 17— Instrumento de uso desconhecido . Diorito. Sul do Imperio. Fig. 18— Zoolitho representando um passaro ? com a cavidade abdominal. Sambaquis de Santa Catharina. Fig. 19—Zoolitho em fórma de passaro com a cavidade abdominal. Diorito. Sul de Santa Catharina. Fig. 20— Instrumento de jogo. Quartzo. Norte do Imperio. Fig. 21—Zoolitho representando passaro de pescoço longo. Diorito. Sambaquis de Santa Catharina. Fig. 22— Martello circular ou clava perfurada. Diorito. Sul do Imperio. Fig. 23—Utensilio de trabalho. Berbequim provavelmente. Norte do Imperio. Fig. 24—Mão de gral ou quebrador de fructos capsulares. Diorito Norte do Im- perio. : Fig. 25— Machado semi-lunar. Diorito. Norte do Imperio. Fig. 26— Machado semi-lunar. Eurito. Norte do Imperio. Fig. 272— Machado polido de quartzo compacto. Norte do Imperio. Fig. 25— Machado semi-lunar. Serpentina. Maranhão. 550 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Fig. 29—Machado semi-lunar. Diorito. Valle do Tocantins. Fig. 30— Machado semi-lunar. Diorito. Pará. Fig. 31—Cavadeira ou instrumento de uso desconhecido. Diorito. Sul do Imperio. Fig. 32—Moleta de diorito. Sul do Imperio. ESTAMPA VII---Zustrumentos de caça e de trabalho; amuletos (grandeza natural) Fig. 1— Ponta de flecha de syenito. S. Paulo. Fig. 2— Ponta de flecha de serpentina verde. S. Paulo. Fig. 3— Ponta de flecha de marmore. S. Paulo. Fig. 4—Ponta de flecha de syenito. Paraná. Fig. 5—Utensilio de tecido (?) ou polidor. Agatha. S. Paulo. Fig. 6—Amuleto de nephrite. Peso especifico 2.96. Amazonas. Fig. 7—Amuleto batrachiforme de nephrite. Peso especifico 2.96. Amazonas. Fig. 8&—Amuleto cylindrico perfurado longitudinalmente, de nephrite. Peso especifico 2.97. Baixo Amazonas. Fig. 9---Amuleto cylindrico perfurado longitudinalmente, de nephrite. Peso especifico 2.97. Baixo Amazonas. Fig. 10---Amuleto zoomorpho, de nephrite. Peso especifico 2.96. Baixo Amazonas. Fig. 11---Amuleto zoomorpho ( Batrachiforme?) Peso especifico 2.96. Baixo Ama- zonas. Fig. 12---Amuleto em fórma de machado, de nephrite. Peso especifico 2.97. Baixo Amazonas. Fig. 13---Fragmento de amuleto batrachiforme, de nephrite. Peso especifico 2.97. Baixo Amazonas. Fig. 14---Amuleto cylindrico perfurado, de quartzo leitoso. Amazonas. Fig. 15---Amuleto de cornalina, cylindrico perfurado. Minas Geraes. Fig. 16---Amuleto cylindrico perfurado. Peso especifico indeterminado. Baixo Ama- zonas. ESTAMPA VIII.— Tembetás de fórmas e substancias diversas, representados em grandeza natural Fig. 1---Tembetá de beryllo verde, dos antigos indios da provincia de Minas Geraes. Fig. 2---Vembetá de argilla cozida, dos indios antigos de Marajó. Fig. 3-—Tembetá de amazonstone dos antigos indios de Minas Geraes. Fig. 4---Tembeta de beryllo verde dos antigos indios da provincia de Pernambuco. Fig. 5---Tembetá de serpéntina dos antigos indios de Minas Geraes. Fig. 6---Tembetá de quartzo compacto dos indios modernos do Tocantins. Fig. 7---Tembetá de nó de pinheiro (Araucaria Brasiliensis) dos indios modernos do Paraná. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 551 Fig. 8---Tembetá de quartzo compacto dos indios actuaes do Araguaya. Fig. 9---Tembetá de syenito dos indios antigos de Minas Geraes. Fig. 10---Tembeta de beryllo verde dos antigos indios de Pernambuco. Fig. 11--Tembetá de beryllo verde azulado dos antigos indios do valle do S. Fran- cisco. ESTAMPA IX. —Juscrifções gravadas sobre rochas da serra da Escama, copiadas por Gustavo Rumbelsperger Fig. 1---Representando o sol com raios regularmente traçados. Fig. 2---Parece representar a face humana sob a mesma convenção das caras gravadas nos rochedos da America Central e do valle do Arizona. Fig. 3—Caracteres incompletos, semelhantes a abreviaturas convencionaes ou a figuras em parte apagadas. Fig. 4— Representando um animal, um peixe-Loi talvez. Fig. s— Desenhos mais adiantados ou mais completos que os da figura 3. Assemelham- se em geral aos dos rochedos do Rio Negro e do Orenoco. Fig. 6—As figuras principaes são dous olhos na fórma convencional da arte graphica dos antigos americanos. Ha sobre estes olhos algumas curvas que não são facilmente deter- minaveis, salvo se as compararmos com os galhos de um veado. Fig. 7—Dir-se-hia haver n'esta figura a representação de uma residencia (aldeia 2) forti- ficada exteriormente e com duas communicações para dous pontos diametralmente oppostos. ESTAMPA X.—Juscribção Ferreira Penna, descoberta por Domingos S. Ferreira Penna, sobre a rocha denominada Itamaracá, do Rio Xingií. Toda esta inscripção parece representar uma idéa, figurando um aldeiamento de vastas proporções com cerca de fortificação de dous lados, ao que parece os mais accessiveis. Por estes mesmos lados, tem este aldeiamento construcções ou meios de segurança exteriores, especie de meandros ou figuras symbolicas, que simulam talvez dificuldades antepostas á communi- cação do povoado com os campos cireumvisinhos. Na parte inferior e do lado esquerdo ha um grupo de figuras que parecem simular resi- dencias de chefes, casas de guerra ou reductos construidos junto á principal entrada do aldeia- mento ou cidade, para sua defeza. Tres figuras de saurios ahi se acham, um de cauda maior, do lado dos reductos ou casas fortificadas, como representante da população, e dous de cauda curta, que parecem estranhos e que se dirigem ao primeiro. Esta inscripção é evidentemente a mais perfeita e a mais notavel das até hoje encon- tradas em toda a America, não só pela sua perfeição e dimensões, como pelo modo por que ahi se acha synthetisada uma serie de ideias. ESTAMPA XI.—Juscrifções gravadas em pedras no valle do Rio Negro 1º Quadro—Composto de caracteres copiados das inscripções do Rio Urubú, pelo 1º ! , tenente Shaw. V. vi---l3S 552 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Figs. 1-15.— Cabeças humanas mais ou menos completas. Algumas são representadas como simulacros de individuos. A figura 4 representa um chefe coroado, tendo a seu lado uma figura, que parece representar a sua esposa. A figura 12 não póde ser outra cousa mais que um animal aquatico ou amphybio. 2º Quadro—Composto de caracteres copiados das inscripções da Cachoeira Savarete, pelo Conde Stradelh. Figs. 16-24— Representando homens e animaes, circulos concentricos, espiras duplas e outras figuras de fórma indefinida. A figura 20 representa evidentemente um grupo de indi- viduos unidos e conchegados como soldados n'um pelotão. 3º Quadro—Composto de caracteres copiados de rochas proximas á villa de Moura. Fig. 25— Representando uma série de figuras a que me referi no texto, tratando das inscripções antigas da America. E singular que sejam tão frequentes essas figuras de circulos dous a dous, um dos quaes parece simular um dos meandros, que são até certo ponto a con- figuração da cruz buddhica. Este caracter representado pelo duplo circulo é muito commum em muitas inscripções americanas. Elle significa provavelmente alguma idéa que nada tem que ver com a da nan- dyavarta. ESTAMPA XII. —Znscrifções gravadas em pedras do valle do Rio Negro, copiadas pelos tenentes da armada brazileira Bessa, Laurindo e Barboza (Phot. Vedani) Figs. 1-5— Representando homens e animaes, circulos concentricos, caracteres incom- pletos ou apagados. A figura 4 é composta de linhas irregulares, como de lettras incompletas ou mal delineadas. Figs. 6-10o—São caracteres indecifraveis e indefiniveis. O grupo da fig. 7 comprehende algumas lettras que recordam as do alphabeto moderno. No grupo 10 ha a figura do sol com duas longas patas, tendo á esquerda figuras muito pequenas e de inexplicavel significação. Figs. 11-18— N'esta serie são notaveis os dous personagens coroados, representados sob on. 11, um dos quaes tem um bastão na mão direita, abaixo d'elles e sob o n. 16 ha duas figuras de capivaras, que se enfrentam entre si e cuja representação em côr negra relembra algumas figuras das inscripções da America do Norte. As figuras n. 17 apresentam grande afinidade com lettras de alphabetos semiticos, como acontece com a figura n. 7 d'esta mesma estampa, mas é de crer que seja isso devido a simples casualidade . Figs. 19-24-—São de nulla importancia, ao que parece, os caracteres aqui figurados. Reproduzem-se quasi todos os traços convencionaes dos outros caracteres, com excepção da figura que se acha entre os ns. 21 e 22,a qual pela sua regularidade e tal ou qual perfeição faz crer que houvesse sido gravada com fim especial, ESTAMPA XIII— Gravuras copiadas dos rochedos das margens do Rio Negro, desde Moura até a cidade de Manáus. pelos tenentes Bessa, Laurindo e Barbosa e pelo desenhador Camillo Vedani. Figs. 1-10—Caracteres de fórmas geralmente vagas, com excepção dos que se acham ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 558 sob os ns. 2,4 e 6.0 den. 2 representa a figura dos circulos multiplos concentricos, ligados dous a dous, como já os encontrámos em outra estampa e como se apresentam em muitas inscripções da America Central e de varios pontos da America do Norte; eos dens. 4 e 6 imagens de animaes. A figura á esquerda do n. 5 representa os circulos com um appen- dice composto de tres linhas, uma maior e duas menores. E” uma das figuras mais constantes nas inscripções do Rio Negro. Figs. 11-18-—Ha nestes caracteres muitos dos que vimos já nas estampas precedentes. Os dos ns. 11 e 12 mais de uma vez nos foram apresentados em estampas já vistas. Não se póde dizer se a do n. 14 figura bem uma cabeça humana de perfil. Ha talvez no n. 15 a repre- sentação de um animal, mas é demasiado arriscado apresental-o como tal. Sob os ns. 17 e 18 temos a representação do que parece rio, um animal e dous grupos de circulos concentricos sem os appendices. Figs. 19-26—0 ultimo e interessante grupo desta estampa tem sob o n. 22 uma figura que póde não ter a menor importancia, mas que não deixaria de representar o emblema das quatro forças da natureza, se fosse encontrado gravado em algum rochedo da China. O grupo n. 25 que se acha em um rochedo perto de Manáus, não parece ter significação importante, a não sera da phallolatria. O don. 26, copiado egualmente de um penedo perto de Manaus pelo Sr. Camillo Vedani, parece figurar um chefe coroado tendo ao seu lado uma figura que póde representar o sol ou a lua em movimento, mas que gravado por homens civilisados nada mais simularia do que um grande compasso . ESTAMPA XIV. — Composta de caracteres copiados pelo tenente Barbosa, de rochedos perto de Moura. Photographia de C, Vedtani. Figs. 1-8— As cinco primeiras figuras representam animaes e um individuo humano. A figura n. 7 representa um animal ou homem tendo ao lado desenhos que não pódem repre- sentar objecto conhecido. Figs. 9-20— Nestas figuras ha caracteres compostos de curvas singulares,sobre as quaes, porém, nada se póde dizer; as figuras que se acham sob o n. 19, lembram vagamente alguns caracteres convencionaes referentes á cabeça humana na louça de Marajó. Ha nas mais figuras e especialmente nas de ns. 9 e 17 um quer que seja que se assemelha aos ornatos symbolicos ou ideographicos dos artefactos da Nova Guiné, ainda que sem a regularidade e complicação d'aquelles ornatos, ESTAMPA XV.— Caracteres copiados de pedras das margens do Rio Negro, pelos tenentes Laurindo e Barbosa e pelo desenhador Camillo Vedani. Fig. 1—Grupo de pedra chamada da Tartaruga. Ha neste grupo uma serie, um angulo quasi recto,de circulos que são tanto menores quanto mais se afastam do angulo. Representarão 554 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL cabanas ou esteios em fórma de estacada? Por baixo d'estes circulos ha duas figuras de capivaras collocadas uma ao lado da outra como em marcha juntas. Figs. 2-18—São antes esboços ou traços vagos e como tentativas de desenhos do que caracteres definitivos. Entre estes desenhos notam-se apenas algumas figuras de flechas com alguma perfeição representadas. Quanto ás cabeças humanas que se acham nas mais figuras d'esta estampa, só têm o merito de se assemelharem ás cabeças gravadas nas inscripções da America Central e das margens do Rio Colorado. NOTAS EXPLICATIVAS Todo o trabalho do finado Professor Hartt, aqui publicado, tinha sido dado ao prélo antes do fim de 1852, pois só depois de o haver visto impresso partiu n'essa epocha o Professor Derby para os Estados-Unidos, d'onde regressou em meiado de 1883. Os estudes dos Drs. Lacerda e Rodrigues Peixoto, egualmente exarados n'este volume, já es- tavam impressos em Junho de 1883, A demora que teve esta publicação, d'essa data em diante, é por- tanto unicamente minha, dependia unicamente da contribuição de que eu de bom grado me tinha onerado para o fim do volume. Sirva-me, porém, de indulto a tamanha demora a complexidade das mesmas investigações a que para isso me dediquei, investigações que, além de me exigirem copiosis- simo cabedal de exames, de analyses comparativas e de consultas innumeraveis, forcaram-me tam- bem e sobretudo a desenhar sobre o bloc do gravador centenas de figuras indispensaveis aos as- sumptos de que ahi me oceupei. RECTIFICAÇÕES São tio numerosas as incorrecções que me surgem de cada capitulo, senão de cada pagina, que me seria impossivel, nem em metade on em menos até, apontal-as ao leitor. Limito-me, portanto, ao pequeno numero das que se seguem e esse mesmo tão às pressas registrado, que melhor fóra talvez não apresental-o, se eu não quizesse dar assim uma prova de deferencia áquelles a quem se destina esta revista. Em a nota da pagina 322, à palavra Viracocha acerescente-se : ou Manco Capac, mais geral- mente acceito como o civilisador dos povos primitívos do Perú. Na mesma nota à palavra Suhê, accrescente-se: ou Chuê, que alguns auctores, e dos mais acre- ditados, dão como distincto de Bochica. Na ultima linha da pagina 343, leia-se Est. V B em vez de Est. V. A. Na 1a linha do segundo periodo da pagina 344, leia-so Est. V. B. em vez de Est. V. A. Na explicação da fig. 16, à pagina 456, leia-se : Nuter em vez de Toré ou Teri. Na explicação da fig. 40, à pagina 458, a respeito da denominação da faca de obsidiana diga-se: em lingua mexicana, em vez de lingua maya. Na 32 linha do segundo periodo, à pagina 471, diga-se : à direita do grande grupo e não à es- querda.... Na 29º linha da pagina 473, leia-se : terra marique em vez de terra marinque. Na ultima linha da pagina 474, leia-se : caracteres hieroglyphicos, em vez de caracteres hie- raticos. Na explicação das figuras, a pag. 546, Est. IV, 1º, 32 e5 linhas, onde se lê fig. 1, 2, 3, leia-se : fic. 22, 28, 2. As ultimas revistas scientificas dos Estados-Unidos declaram que a rocha descoberta pelo com- mandante Jacobsen em Alaska (vide nota à pagina 526 desto volume), nada mais é do que a ama- zoustone muito commum na America do Norte. a a A mm m 5 VE - 4 Jo E HA, t , Rs - ) f w uy NM Ag oi atari RT th | EA Mr y ER IRAN À . “3 4 y RUDE Te , ul a MENA jo “mu , Í : PAPUA do SEA TA E PORTA VAO E A 2 lá , E = RR | k Kd 4 UCLA 17 pie] SM RO | À x h A op ul * ju EP! ' MR SUpIE ) k » , ; DA TE res E) : l PRATA R k Na, Pr Pis k 2» o k dostt ed À be VIE É MENTA nf WAR ! E LARES Wir ph já Doe a LEVPATE er PDR gl apar Í Ir 7 iq E f d Ms ' + 4 ê MS E b, p ELA + OA VER Eh viva . ) or LR É PUSonTTE a E h l . f pos - 4a Ivo Tin Ts v My | ' t u j o E VR PCI UNAR Cf | oi HS PE q | , PRA 1 = o p= o ] » : . A a, É É , ; II Bob rj dA a 7 A Ds a NÓ RO j du o E E é | j 4 py o) Sb la 24) á p d y — x RR CE SON AO ILE | A MD dy. s h . o ERP ARDER ERA Dto ) Abre» EA y e OGRO dr E Pais ini O LAIO De df ai DICA TE Da paia O EU CT fio RE e da nd Do NE De dt » RU LE ES Gi E RR ET s A b fi p i x 4 a ) . É F, T, Da 8 j SAIS 4 EA M R q ; á ; [ en der MP sh E Ê EA Rad Tao : é p Ê ] FUN E, À " + Ê q , (3 1F, SAR PUDTARES PRN A ra e Es ) x - é , ) E JRRTass BRA d =" - e! not o - E, : o E - + - , E ig cd K á bo rs £ DRA olha brito f => e Es PEL! [6 La 7 e E g ED) c SIG dr Sininho Por : 3 Po h=s À ) USO o SSL, / pasa á 1 dis Di - 3 1d HiGA ais E 4 e da dy RARA os - - z : Din PE ve " TATA fi Lavi O Ani ; SA DD MM RÃ nO au Mt Gol 4 & 41 BIBLIOGRAPHIA Nota das publicações recebidas em permuta com os «Archivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro», em 1881 san oc vn opa dosad as —The University Calendar for the year 1881-82. plfoPe e fofo o falo afof olavo — Académie d'Archeologie de Belgique. Bulletin I. (2me. Serie des An- nales) 1868, ler., 2me. et 3me. fasc.---1870; me. 1871, Gme. 1872, “me. 1873, Sme. 1874, 10me. et 1Ime. 1877, 12me. fasc. II (3me. série des Annales) 1875, ler. 1876, 2me. 1877, 3me, 4me. et jma. fasc. 1879 seconde partie I, II (1879-1880) III (1880) IV, V. 1881, seconde partie XI, Annales. Vol. XXI (1865) a XXXIV (1878), XXXV (1879). SOTO DONA ES dad --L' A, B, C. du chaufage des serres, par Charles Vendeuve. oba pESdosbo bn -—Boletin del Ateneo. Ano 1880. Num. 3 Enero, Febrero y Marzo, 4 Abril, Mayo y Junio, 5 Julio, Agosto y Setiembre, 6 Octubre, Noviembre y Diciembre. Jo dns BgacoBuda dador A —Verhandlungen der Natwrforschenden Gesellschaft. Funfter Band, 1873. Sechster Theil. Erstes Heft, 1874. Zweites Heft, 1875. Dem 21, 22 und 23 August 1876, 59 Jahresbericht 1875-76. 1877. Sechster Theil. Dritter und Viertes Heft, 1878. Batayvia:....saieo saio jo foalojoloso —Natuurkundig Tydschrift voor Nederlandsch---Indie, 1880, Deel 39 Zevende Serie, Deel 9, 1881, Deel 40, Achtste serie, Deel1. BBOLfAst.. ici ease ssa js — Proceedings of the Natural History and Philosophical Society. For the sessions 1878-79, 1879-80, 1880-81. 2 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Berlin.......... covcv oo. +-—Gesellschaft fiir Anthropologie, Ethnologie und Urgeschic hte. Verhand- lungen, Jahrgang 1875. Zeitschrift fir Etnologie. Dreizehnter Jahrgang 1881, Heft VI Sander-Abdruck 1882. Ernst Haeckel, Arabische Korallen. Berna. se pR ppl .«—Mittheilungen der Naturforschenden Gesellschaft. Aus dem Jahre 1874, N. 8283-873. 1875, N. 878-905. 1870, N. 906-922. 1877, N. 9239-936. 1878, N. 937-961. 1879, N. 962-978. 1880, N- 979-1008. Verhand- lungen der Schweizerischen Naturforschenden Gesellschaft. Den 12, 13 und 14 September 1875, 58 Jahresverzanunlung. Den 12, 13 und 14 August 1878, 61 id. Den 10, 11 und 12 August 1879, 62 id. Den 13, 1t und 15 September 1880, 63 id. Bremen..... ........ -—Abhandlungen herausgegeben von Naturwissenschaftlichen Vereine, 1879, 6 Bd. 2 Heft---1880, 6 Bd. 3 (Schluss) Heft 7 Bd. 1 Heft 1881, 2 Heft. Bruxellas............. «--..—hAnnales de la Société Malacologique de Belgique. Tome XII et XIII (Deuxiême serie, tome II et III) années 1877 et 1878.---Annales de la Société Entomologique, 1879, tome 22, 1880, tome 23 et 24. —- Annuaire de VAcademie Royale des Sciences, des Lettres et des Beaux-Arts, 1880, 46me. année.---Bulletin de la Société Royale Linnéenne, 5me. année, 1876, 9me. liv., Gme. année, 1877, ler., 5me., 8me e 9me. liv.; 9me. année, 1880, 4me. liv. ---Bulletin de la Société Royale de Botanique, 1880, tome 19, fasc. 1ler.; 1881, tome 19, fasc. 2.---Compte-Rendu de la Société Entomologique, serie 2º, 1877, n. 60 jusqu'au n. 72.---Mémoires de la Société des Sciences de Liêége, 2º serie, tome 7º et 8e.---Procês-Verbaux des Séances de la Société Malacologique, tome 8º année, 1879, séances du 4 Jany., ler. Fev., ler. Mars, 5 Avril, 3 Mai, 7 Juin, 6 Juill.; 2 Aoút, 6 Sept., 4 Oct., 8 Nov. et 6 Dec.; tome 9, année 1880, séances du 10 Janv., 7 Fev., ler. Mai, 5 Juin, 4 Juill., 7 Aoút, 4 Sept., 2 Oct.; tome 10º, année 1881, séances du 8 Janv., 5 Fev., 5 Mars, 2 Abril et 7 Mai.---Société Belge de Géographie, Bulletin 1880, 4º année, ns, 1 a 6. — Histoire du Péage de TEscaut, par M. Edm. Grandgaignage. Budapeste..........ces —Szinnyei Jozsef, Magyarország Természuttudo-manyi és, Mathematikai Konyverszele, 1472-1875. Magyarország Pók-Faunaja. III Kotet, 1879. Magiar Fakóérezek Chemiai Elemzeze. Irta Dr. Hidegh Kalmán, 1879. Buenos-Ayres............ --Anales de la Sociedad Cientifica Argentina, 1879, tomo 3, entregas 1, 2, 3 y 4 1880, tomo 9, ent. 2, tomo 10, ent. 6; 1831, tomo 11, ent.1, 4, 5 y 6, tomo 12, ent. 1 asta la 52. Boletin del Instituto Geo - grafico, 1881, tomo 2, cuadernos 13, 14, 16; tomo 3, cuad. 1. In- forme Oficial de la Comision Cientifica, entrega 1, Zoologia, 2 Botanica, y 3 Geologia. El Investigador, 1881, ano 2, entregas 35 y 36. Carolo Spegazini, Fungi Argentini --- Fungi Argentini additio nonnullis Brasiliensibus Montevideensibus que --- Plante Nov nonnulle Ameriee Australis. La vida y costumbres de los Termitos, por el Dr. D. Carlos Berg. Memoria del Depar- tamento de Hacienda correspondiente al ano de 1877. CGalcutta.......- oc s- c 1. —ccession to Indian Museum, From Ist April 1879 to the quarter endings 81th December 1881. Hand List of Molusca in the Indian Museum, Part I Gasteropoda by Geoffroy Nevill. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 3 Cambridge..... dodBEnNSao —Bulletin of the Museum of Comparative Zoology at Harvard College, vol. 6, Nos. 8, 9, 10 and 11; vol. 8, pp. 95-230, No. 11: Memoirs, vol. 5 No. 2, vol. 6 No. 1 (Ist and 2nd parts), vol. 7 Nos. 1 and 2 (Ist part), vol. 8 No. 1 (2nd part). Psyche Advertiser, vol. 3- Nos. 77 to 98, The indice of second volume. Annual Report of tne Curator of the Museum of Comparative Zoology at Harvard College for 1879-80. 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Sr. Dr. Rodrigo Octavio de Oliveira Me- nezes passou a administração da provincia do Paraná, em 31 de Março de 1879. Idem do Exm. Sr. Dr. Manoel Pinto de Souza Dantas, em 4 de Agosto de 1880. Idem apresentada pelo Exm. Sr. Dr. João José Pedrosa à assembléa legislativa, no dia 16 de Fevereiro de 1881. ldem com que passou a administração ao Exm. Sr. Dr. Sancho de Barros Pimentel, em 3 de Maio do mesmo anno. EO TENCaA reta o jotofoletateto «-—Archivio per "Antropologia e la Etnologia, 1880, decimo volume, fas- cicolo terzo; 1881, undecimo volume, fascicolo primo e secondo. Statistica del Regno d'talia. Fortaleza........ciiecia: —Pedro TI. Friburgo........ alo [o [ota fofo ate —Aemilius Perino Manhenninsis, De Fontibus vitarum Hadriani et Septimii Severi. Genova...... DE DORA CODIGOS ---Annali del Museo Civico di Storia Naturale, vol. XVI, 1830-81, vol. XVII, 1881. Frederico Delpino, Il Materialismo nella Scienza. 4 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL CEL So bonobos dp Nom dp do «--Gesellschaft von Freunden de Naturwissenschaften. Verhandlungen HI, Band 1868-1872, Rudolfstad 1873, Dreizehnter Jahresbericht 1870, Sechszehnter und Siebzehnter Jahresbericht 1873-1874. Gilefsen.asiuses idosa ess olótsioio ---Bericht der Oberhessischen Gesellschaft fir Natur und Heilkunde, Elfter Bericht im August 1865, Zwolfter Bericht im Februar 1867, Dreizhnter Bericht im April 1869, Vierzehnter Bericht im April 1873. Fiinfzhnter Bericht im September 1876. 5 (SS WE nopuonn da Goa sd apo sara ---Mittherlungen des Naturwisseschaftlichen Vereins fix Steiermark, Jahrgang 1880. Hamburgo.........ccs --- Verhandlungen des Naturwissenschaftlichen Vereins Neue Folge IV im Jahre 1879, A im Jahre 1580. Hannover... foco ajoto —Jahresbericht der Gesellschaft fiir Mikroskopie, Erster Jahresbericht, 1880. Harle: lisos! tos sen siie gi — Archives Néerlandaises des Sciences Exactes et Naturelles, 1879, tome XIV, 18380 XV, et 1881 XVI. Harrisburgo............. —Second Geological Survey of Pennsylvania A 2, CCC, € 6, GG, GGG, GA Hi 5, II, (00; RQO; R$ Eavana Ps eneto oo tobisfja foot o —Joh. Lange. Diagnoses plantarum peninsula Iberica novarum. Heidelberg....... ....... ---Verhandlungen des Naturhistorisch --- Medicinischen Vereins, neue Folge, Zweiter Band, Fiinftes Heft 1880. Helsingfors.............. —K. Ad. Moberg. Finlands Geclogiska Undersoking Beskrifning till Hartbladet Ns. 3, 4. j TEna car een re Se —The Cornell University Register, 1880-81. Karlsruhe........ ....... —Verhandlungen des Naturwissenschaftlichen Vereins, 1876 Siecbentes Heft, 1881 Achtes Heft. RO ER are cre foio opera —Schriften des Naturwissenschaftlichen Vereins fir Schleswig-Holstein. 1820, 1881, Band 3, 2 Heft, 4, 1 Heft. DOS CEO ADOAbR ONO oG NA SDaaD O —Annales de la Sociétê Géologique de Belgique. Tome sixiême, 1878-79; tome septiême, 1579-80; tome huitiême, 1850-81. Lipsia. ....... wc. »—Bericht des Museums fiir Volkerkunde, Zweiter Bericht, 1874. Vierter Bericht, 1876. Siebenter Bericht, 1879. Achter Bericht, 1880. Neunter Bericht, 1881. Alfredus Hilgard, De Artis Gramatice ab Dionysio Thrace. Eine Habilitatinsschrift von George Ruge. Catalog K. F. Kohlers Antiquarium. Lisboa... ..-. Boletim da Sociedade Geogiaphica, 1880, 23 série, ns. 2 e 3; 1881, ns. 4a 12. Etude sur les insectes d'Angola, par M. Joly Bour- geois. Estudo de depositos superficiaes da bacia do Douro, por F. A. de Vasconcellos Pereira Cabral. Etude Statigraphique et Paléontologique des Terrains Jurassiques du Portugal, par Paul Choftat. Fosseis das Bacias Marinas do Tejo, do Sado e do Al- garve, por J. C. Berkeley Cotter. Existencia do homem no nosso solo em tempos mui remotos, por J. F. N. Delgado Existencia do terreno siluriano no Baixo-Alemtejo, pelo mesmo senhor. As Conferencias e o Itinerario do Viajante Serpa Pinto, pelo Dr. Ma- noel Ferreira Ribeiro. Noticia do Archipelago dos Açores, pelo Dr. Accurcio Garcia Ramos. Etude sur les insectes d'Angola, por Manoel Paulino de Oliveira. Relatorio ácerca da sexta reunião do Congresso de Anthropologia e de Archeologia, por Carlos Ri- beiro Relatorio da commissão de estudo e tratamento das vinhas do Douro, por Manoel Paulino de Oliveira. Relatorio da Com- missão em Hespanha, por Joaquim F. Nery Delgado. Descripção de alguns silex e quartzitos lascados, por Carlos Ribeiro. Des- ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 5) cripção do solo quaternario das bacias do Tejo e Sado, pelo mesmo senhor. Estudos prehistoricos em Portugal, pelo mesmo. Me- moria sobre o abastecimento de Lisboa, pelo mesmo. Sociedade de Geographia, Questões Africanas. Proposta da Commissão Africana, Representação ao Governo Portuguez, O Districto de Lourenço Marques, por Augusto de Castilho; Exploração ao interior da Africa, por Hermenegildo de Brito Capello e Roberto Ivens; A Questão do Transvaal, por Augusto de Castilho; Mo- cambique, por Joaquim José Machado; A Questão do Meridiano Universal, por J. B. Ferreira de Almeida; e A Questão do Zaire. Londres........ eo + --Guide to Northern Archeology. The Journal of the Anthropological Institute, vol. 4, May, vcl. 10 no. 1 August, no. 2 November, no. 3 February, no. £ May; vol 11, no. 1 & 2 August & November 1581. The Geographical Magazine, 1877, vol. 4, no. 1 January to October. Bernard Quaritch's, Catalogues of books. A Manual of the Infusoria by W. Saville Kent. Lousanna.................-—Actes de la Société Helvetique des Sciences Naturelles. Compte-rendu Luxemburgo......... Maceió.......... Madrid......cccs Marauhão........... 1876-1577, 60me. session. ..---Publications de VInstitut Royal Grand-Ducal, tome 16, 1877; tome 17, 1879; tome 18, 1881. Recueil des Mémoires et des Travaux publiés par la Société Botanique, ns. 4 et 5, 1877-1878. ..---Diario das Alagõas. Diario da Manhã. O Liberal. O Orbe. O Seculo (alguns numeros). Dosoca ---Boletin de la Scciedade Geografica, 1876, tomo 1, ns. 1 a 6. Munchester............. «Transactions of the Geological Society, session 1876-77 vol. 14, parts 8 to 13, 1877-78 parts 14 to 16, 18 to 22, 1878-79 vol. 15, parts 1 to 8, 1879-80 parts 9 to 18, 1850-81 vol. 16, parts 1 to 11. “....---Falla com que o Exm. Sr. Dr. Cincinnato Pinto da Silva installou a 2a sessão da 234 legislatura, em 19 de Fevereiro de 1881. O Paiz e o Diario do Maranhão. Marburgo..... do 000000. —Sitzungsberichto der Gesellschaft zur Befordezung der gesammter Na- Mexico.......... Middelburgo.......... MIilãoO.....ccccrccsrcracaro MOonsS.....cemeros .... soserasos turwissenschaften, Jahrgang 1866 Juni-December, 1567 bis 1571, Marz-December, 1872 bis 1879. .---Mêmoires de Vacademie, LXe année, 1878-79; LXIe année, 1879-1880. Troisiême serie, Se et 9e années “--Anales del Ministerio de Fomento, tomo 1, 1877, Febrero a Octubre; tomo 5, 1881. Boletin, tomo 4, ns. 1 a 157; 1879, tomo 5, ns. 15 a 206, 1880; tomo 6, ns. 7l a 196, 1881. Mexican Contributions to the Bulletin of International Meteorological Observations, May 1878. Ministerio de Fomento, Registro Meteorologico del Obser- vatorio Central, 1877, de 1 a 15 Mayo y de 1a 15 Junio. Revista Meteorologica Mensal, 1378, Febrero a Mayo. Revista Mensual Cli- matologica, 1881, tomo 1, ns. 4, 6, 7,8, 9, 11 y 12 ..— Zelandia Ilustrada, 1880 Tweede Deel, tweede Aflevering. .—Atti della Societã Italiana de Scienzi Naturali, 1876 vol. XIX, fasc. 1; 1877, fasc. 2, 3 e 4; 1879, vol. X, fasc. 3 e 4; vol. XXI, fasc. 3 e 4; vol. XXII, fase. 1e 2. Bolletino della Consulta Archeologica Estratti : del anno 2º, fase. 1, 1375, del anno 3º, 1876, del anno 4º. Di Una Tomba Gallo-Italica. ..—Mémoires et Publications de la Société des Sciences, des Arts et des Lettres du Hainaut, 1879-1880. 6 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Moscou ..... JSOUndaS dedo nas —Bulletin de la Société Impériale des Naturalistes, année 1880, 1er, 2º, 3e et 4e vol. Neuenatell e sho inata —Bulletins des travaux de la Société Murethienne, 2º, 3º et 40, Go et Go, 7º et 50, 100 fuscicules. NOV INTO E Estao afeto! snfsto too —Thirty-second Annual Report of the Trustees of the Astor Library. Popular Science Monthly, No. Sl to 92, 99 to 102, 104 to 115. Bulletin of the American Geographical Society, 1879, no. 2. OrICans ep nn —Mémoires do la Société d'Agriculture, Sciences, Belles-Lettres et Arts, tome XX, ns. 1et2, 3 et 4 tome XXI, ns. 1, 2,3 et 4; tome XXII, n. 1. Paranyba do Norte....—Liberal Parahybano. SA FE AANO DV ANDO DAE da —Archives Botaniques du Nord de la France, 1881, premiêre année n. 7, Octobre. Journal de la Société Centrale d'Horticulture de France, 3º serie, 1380, September, Octobre, Novembre et Decembre; 1851, Janvier, Mars jusqu'á Decembre. Journal de 'Anatomie et de la Physiologie normales et pathologiques, 18º0, 16º année, n. 6, 1881, 17º année, n. 1. Journal de Physique Théorique et Appliquée, 158), tome IX n. 195 Octobre, 107 Novembre et 108 Decembre. Mémoires de la Société Nationale des Sciences Na- turelles et Mathematiques de Cherburg, 1879, tome XXII (troisiême serie tome 11). Le Brésil. Le Courrier International. PONZMILGA ojos leao nroiatolo fo aja — Transactions of the Royal Geological Society of Cornwall, vol X part 32 (January 1831). Pornambuco.ja- eo fefo e olojo o --Relatorio apresentado à assembléa geral dos accionistas da companhia do Beberibe. Diario de Pernambuco. Philadelphia csscasesa —-Palaentological Bulletin, no. 33. 2 ES Eno ndoss ceccere cerco co=-Atti della Societã Toscana de Scienze Naturali, Memorie 1880, vol. IV, fas. 20, Processi Verbali 1373 adunanze dei di 13 gen. 5 mag. 6 10 nov., 15:9, 12 gen. 9 marzo, 6 luglio e 11 mag., 1880, 11 gen. 1t marz. t lug. 1t nov., 1881, 9 gen. 13 marz. 8 mag. 13 nov. La Morfologia Vegetale esposta da T. Carruel. Pouso Alegre..... E ototafa ele ---Livro do Povo. IROCI£ON =. essas SONS e atoa —O Brazil Agricola, anno [, 133), n. 1, 15 de Setembro, a 8, 30 de Dezembro; 1381, mn. 9, 15 de Janeiro, a 12, 28 de Fevereiro. Parecer sobre a molestia que se tem desenvolvido nas cannas des engenhos da comarca do Cabo, pelo Dr. Pedro de Attahyde Lobo Moscoso. Rio de Janeiro..........--Annaes da Escola de Minas de Ouro-Preto, 1881, n. 1. Genera et Species Orchidearum, Antiguidades do Amazonas, pelo Sr. João Barbosa Rodrigues. Annales de VObservatoire Impérial, 1831, extrait du premier volume, Bulletin Astronomique, 1831, 1 Juillet, 2 Aoút, 3 Septembre, 4, 5 et 6 Octobre, Novembre et Decembre. Estudos Economicos, por C. Carey. Estudos Agricolas, por João José Carneiro da Silva. Catalogo da Livraria B. L. Garnier, ns. 1 a 14, 16, 18, 19, 21 a 23. congresso Internacional de Commercio e Industria em Bruxellas. Viagem ao redor do Brazil, pelo Dr. João Severiano da Fonseca. Relatorio apresentado pelo Director Geral dos Cor- reios, Commendador João Wilkens de Mattos. Relatorio da Com- missão do Festejo Maritimo, commemorativo do 3º centenario da Camões. Relatorio do anno de 1380, apresentado pelo engenheiro Herculano Velloso Ferreira Penna, Director da Estrada de Ferro D. Pedro JI. Revista Brazileira, segundo anno, tomo VI, 1 e 15 de ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 1 Novembro e 1 de Dezembro de 1880, tomo VII, 1 e 15 do Janeiro, 1 e ló de Fevereiro e 1e 15 de Maio, terceiro anno 1 e 15 de Junho, tomo IX, 15 de Julho, 1 e 15 de Agosto o 1 e 15 de Setembro, tomo X, 1 e 15 de Outubro e 1 e 15 de Novembro de 1881. Revista Mensal da Secção da Sociedade de Geographia de Lisboa no Brazil, 1881, tomo I, ns. 1,2,3, te 5. Conego Francisco Bernardino de Souza, Pará e Amazonas, 3: parte. Lourenço, pelo Dr. Franklin Tavora. Regimento interno do Club de Engenharia. Diario Official. Gazeta, de Noticias. Familia Maçonica. Le Messager du Brésil. Revista Ilustrada. ERON seis jo tolo erofals do c++ —Nuova Antologia, 1880, anno XV, seconda serie, vol. XXIV, fasc. 23, lo, 15 e 24 Dicembre, vol. XXV, 1881, fasc. 1, 1º Gennaio, 2, 15. Bollettino del Ro. Comitato Geologico d'Italia, anni VII, VIII, IX, X, XI. EROUO ora e rojojato jo Do rojaforajo «Bulletin de la Société Centrale d'Horticulture, 1880, tome 22, du ler au 4me cahier. 1351, tome 23, du ler au 4me cahier. «coco e—Description Géologique et Puléontologique du Sol du Limbourg, par Casimir Ubaghis. coeso —Bericht iiber die Thátigkeit der St. Gallischen naturwissenschaftlichen Gesellschaft. Wáhrend des Vereinsjahres 1878-7), 1830-81. São Petersburgo........—Acta Horti Petropolitano, 1831, tomus VII. Sgravenhague..... Ruremonda...... São Galleno... «c++ — Pijdscrift voor Entomologie. Drie en twintigste Dul. Jaargang 1879-80, le, 2e, 3e, le Aflevering. Vier in twintintigste Dul, Jaargang 1380-81, le, 2e, Se, 4º Aflevering. Repertorium betreffende Dul XVII tot en met XXIV (3 de Serie, 1874-1881). Stockholmo.......... ««««e—Plancher till Anders Retzii Samlade Skrifter af Ethnologiskt Inneháll, FEOLOSA -sisiss ess io sscrateyojalo o joe :.---Bulletin de la Société Académique Hispano-Portugaise, tome I, 1880, numéro 4. Bulletin de la Société d'Histoire Naturelle, dixiôme an- née, 1576 1377, “me fascicule, douziôme année, 1877-1878, me e Ame fasc., troizigine année, 1579, 2me, Sme et 4me fasc , quatorziême année, 150, du ler au 4me fase. FLU DID AG OM. o efojofo olei-jojofoto ole io --Túbinger Universitâts Schriften Aus dem Jahre 1880. a fevarefeteto fole leo to «cc. c oc Atti della R. Accademia delle Scienze, 1381, vol. XVI, disp. 52 (Aprile), Ca (Maggio) e Ya (Giugno). Bolletino delPOsservatorio della Regia Universitá, anno XV (1830), XVI (1-81). Mémoire sur les Coralliai- res des Antilles. Supplement, 156t, par P. Duchassaing de Fon- bressin et Jean Michelotti. Memorie della Reale Accademia delle Scienze, serie seconda, tomo XXVIII, 1876, XXIX e XXX, 1478, XXXI, 1370. Viterbo........ OS DEOO «+ +««---Elementa Philosophiz Moralis collecta a March. D. Joam Costa. WWashington..............-E. D. Cope, On the Canidae of the Loup Fork Epoch and Review of the Rodentia of the Miocene Period of North America. First Annual Report of the United States Geological Survey. Annual Report of the Boards of Regents of the Smithsonian Institution for the year 1874. Annual Reportof tho Comptroller of the Currency to the third session of forty-sixth Congress, December 6, 1830. cocero ro co==-Vierteljahrsschrift der Naturfoseschenden Gesellschaft 1878, Driun- dzwanzigster Jahrgang 1, 2, 3, £ Heften 1379, Vierundzwanzigster Jahr- gang 1,2, 3, 4, Heften, 1:8; Fiúinfundzwanzigster Jahrgang 1, 2, 3, 4 Heften. Zurich........ 8 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Nota das publicações recebidas em permuta com os « Archivos do Museu Nacional do Rio de Janeiro», em 1882 Saba nicoo cerccres ce.» c=-Mittheilungen der Aarganischen Naturforschenden Geselschaft, 1882 II Heft. E SIPAE Ms oBdo 90000 DHOBADANSGOS ---Bulletin de la Société d'Agriculture, 1830, 23me année, n. 73, 1881; 24me année, ns. TS e 75. Amsterdam ......... «---—-Jaarbock van de Koninklijke Akademie van Wetenschappen geves- tigd, voor 1879-1880. Verhandelingen der Koninklijke Akademie van Vetenschappen, 1880, Twintigste Deel, 1881 Een Twintigste Deel. Verslagen en Medeelingen der Koninklijke Akademie van Wetenschappen. Afdeeling Natuurkunde. 1880, Deel XV. 1881, Deel XVI, herste, tweede en derde Stuk. Belfast....... falo fofo aa feto fofojotato ---Proceedings of the Belfast Natural History and Philosophical Society for the sessions 1881-82. Berlim...... o lotoofofejo elo ««.. «= Monatsbericht der Kôniglich Preussischen, Akademie der Wissenss- chaften. Register zu 1836-1858. 180-1881, Januar, Maãxz bis De- cember. Sitzuugsberichte der Kôniglich Preussischen Akademie der Wissenschaften. 1882 I-LIV. Zeitschrft fir Etnologie 1882. SCI a cffsio to ofeiafo alo otojo = ojolo fofo io —Mittheilungen der Naturforschenden Gesellschaft Aus dem Jahre 1874. É N. 828-873. 1875, n, 8718-905. 1876, n. 906-922. 1877, n. 9232-936. 1878, n. 9897-961. 1879, n. 962-978. 1880, n. 97/9-1003. Verhandlungen der Schweizerischen Naturforschenden Gesellschaft. In Andermat den 12, 13 und It September 1875. 58 Jahressammlung. In Bern den 12, 13 und 14. August 1873. 61 Jahresversammlung. In St. Gallen den 10, 11 und 12 August 1579. 623 Jahresversammlung. In Brieg den 13, 14 und 15 September 1880. 63 Jahresversammlunsg. Besançon.................«—Academie des Sciences, Bclles-Lettres et Arts. Année 1881. Braunschweig..........—Jahresberich des Vereins fir Naturwissenschaft Fiir das Geschaftsjahr 1380-1881. Bremen........... Dadna sor —Abhandlungen herausgegeben von Naturwissenschaftlichen Vereine. À 1883, VIII Band, 1 Heft. Bruxellas: «eee BbOgoa — Annales de la Société Belge de Microscopie. Tome VI. Année 1879-80. Bulletin de la Société Royale Linnéenne, 10me année, 1881. Tome X, 7me et Sme livraisons. 1882, 1Ime et I2me livr. Bulletin du Mu- sée Royal d'Histoire Naturelle. Tome I, 1882. Ns. 1, 2et 3. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 9 Compte-Rendu de la Société Entomologique, série II, N. 58. 7 De- cembre 1878. N. 59-26 Dec. 1878. 1879, Ns. 6 a 72. Observations Météorologiques faites aux Stations Internacionales de la Belgique et des Pays-Bas. 3me année, 1879. Annales de "Observatoire Royal. Nouvelle série. Astronomie, tome III, 1830. Deuxiéme série. An- nales Météorologiques, tome 1, 1381, Mémoires de la Société Royale des Sciences de Liége. Deuxiême sério, tome VII et VIII. So- ciété Belge de Géographie. Bulletin 1882, sixiéme n. 6. Budapest...... lol solosfalojasfaie —Szinnyci Jozsef Magyararszág Tormészuttudomanyi és Mathematikai Kônyvérszete 1472-1875. Buenos-Ayres............—Anales dela Sociedad Cientifica Argentina. 1882, tomo XIII, entregas 1 28 45, 6) tomo) XIV, “entregas! 1512; 8; (di 5 ya io: Actas de la Academia Nacional de Ciencias Exactas, tomo 3º, en- tregas T (1877) y II (1878), tomo III, entrega I (1882). Boletin del Instituto Geografico Argentino, tomo 3º, cuadernos 2, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 11, 12, 13, 14, 17, 18, 20. Analecta Lepidopterologica, Carlos Berg. El Investigador, 1881, ano segundo, entregas XXXV y XXXVI, Ju- nio 15 y 30. 1882, XLI y XLII, Setiembre 15 y 30. Farrago Lepi- dopterologica, por Carlos Berg. Cabo da Boa Esperança. —Report of Trustees of the South-African Museum for the year 1831. Caen seta o iafalo apa fa pao ape ra fa (oio —Bulletin de la Société Linnéenne de Normandie, me série, ôme vo- lume, année 1880-81. Calcutta...... ............=--Accessions to Indian Museum. During the quarter ending 31st March and during the quarter ending 80th June 1882, Annual Report and Lists of Accessions, April 1880 to Merch 1882. Cambridge................---Bulletin of the Museum of Comparative Zoology, at Harvard College, vol. IX, Ns. 1-5 (1881), 6, 7,8 (1882), vol. X, Ns. 1, 2 3, 4 (1832). Psyche, Advertiser, vol. 3, Ns. 9t, 95-96. Annual leport of the Trustees of the Peabody Museum of American Archeology and Ethnology, vol. IIJ, No. 1, May 1881, No. 2. June 1882. Annual Report of the Curator of the Museum of Comparative Zoology at Harvard College, for 1879-80 and 1830-81. Cherburgo................—(Catalogue de la Bibliothêque de la Société Nationale des Sciences Na- turelles et Mathématiques, premiére partie, 2me édition, Janvier 1881. Memoires de la même Société, tome XXIII (3me série, tome III). .—Atti della Societã Economica, Luglio 1881 e Relazioge presentata alla, stessa Societãà dalla Comissione degli studi della fabricaziono di sedie com legno curvato al vapore. Christiania........ « «. »-—Den Norske Nordavs-Expedition 1876-1878 X. 1883, Meteorologi, Af, H. Molin. Coimbra...................—(0) Jardim Botanico no anno lectivo de 1881 a 1882. O Instituto, 22 se. rie, vol. 29, 1881, n. 6, 1882, ns. 7 a 12, vol. 30, ns. 1,3 a 6. Copenhague..............—La Famill des Podestémacées, par le Dr. Eug. Warming. Memoires de "Académie Royale. Classe des Sciences, vol.I, Nos. 7 et 8, 1882, vol. II, Nos. 1, 2 et 3. Oversigt over det Kongellge Danske Videnskabernes Selskabs, 1882, nº 1, 2. Botanisk Tidsskrift udgi- vet af den Botaniske Forening, tome XIII, 1882, 2me livraison. COXrdOV Mo fes ces joio jo nlotolelatoie —Boletin de la Academia Nacional de Siencias Exactas, 1852, tomo IV entregas 2, 3y t. Periodico Zoologico, tomo II, entrega 4. Curityba..................—Catalogo dos Objectos do Museu Panaense, remettidos à Exposição Anthropologica do Ria de Janeiro. Chiay Ari ares ojojos io valo joio 10 ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL Dresden certeira alelo —Sitzungsberichte und Abhandlungen der Naturwissenschaftlichen Ge- sellschaft Isis, Jahrgang 1881, Januar bis Juni, Juli bis December. EJimPUrsSo.... ic fode — Transactions of the Edimburgh Geological Society. 1880, vol. III, part III. 1881, vol. 1V, part 1. 1852, vol. IV, part II. Florença eos) ori —Archivio per TAntropologia e la Etnologia, 1882, volume dodicesimo, fasciculi primo, secondo e terzo. Elementi per una Bibliographia Italiana, racolti da Guelfo Cavarma. Hortaleza) se aee preto otojolaa to —0O Prolongamento da Estrada de Ferro de Baturité ao Cariri e os açu- des na provincia do Ceará, pelos engenheiros Amarilio de Vascon- cellos e Henrique Foglare. Pedro II. O Independente. Gen oyo te —vatalogue du Musée Fol. Antiquités. Premiére, deuxiéme, troisiême, quatriême et derniêre partie. (CU RE ÃZo ao don ovedonddnoo sab Be — Mittheilungen des Naturwissenschaftlichen Vereins fi Steiermark, Jahrgang 1881, 1852. E ENS cogu Nadoo CE JCOnNnE ---Archives Néerlandaises des Sciences Exactes et Naturelles, 1852, tome XVII, Ire et 2me livraisons. Archives du Musée Tyler, vol. I, fascicules ler, 2me édition 1875, 2me 1867, 3me, 4me 1868; vol. II, fasc. ler et Qme, 3me, 4me 1869; vol. III, fasc. 1er 1870, 3me 1873 Ame 1874; vol. IV, fasc 2me et 3me, 4me, 1878; vol. V, premiêér, et deuxiême partic 1873, deuxiéême partie 188), série seconde, premiére et deuxiême partie, 1831. Origine et but de la Fondation Teyler. Neue Untersuchungen uveber die Bahn des Olbers'schen Cometen von F. H. Ginzel. Harrisburzso............. ---Reports of Progress of the Second Geological Survey of Pennsylvania, GU RECO MMMESS RR OQ AVC AVAV E Heidelberg.......ccssers — Verhandlungen des Naturhistorisch-Medicinischen Vereins, nene Fol- ge, Dritter Band. Erstes MHeft IsSl, Zweites Heft 1882. Anzeize der Vorlesungen welche im Sommer Halbjahr 1891 auf der Gross. Bad Ruprecht-Car. Univ. Lieuwarden............. —De Vrije Fries. Vijftiende deel. Derde Reeks. Derde deel. Aflevering ecu---Veertiunde deel. Tweede dul. Aflevering vir, 1881. DON Das Do os doc pad onDDas —Japanese-English Dictionnairy by Prof. Dr. J. J. Hoffmann. EIS op onsB ac aan dou dos — Bericht des Museums fiir Volkerkunde. Zehnter Bericht, 1882. Sitz- ungsberichte der Naturforschenden Gesellschaft. Erster Jahrgang, 157!, No. 1, 2, 3u. 4,5,6u. 7. Zweiter Jahrgang 1875. No. 1,2, 3u. 4, bis 10. Dritter Jahrgang 1876. No. 1 bis 9. Vierter Jahr- gang 1877. Nº 1 bis 10. Fiinfter Jahrgang 1878. N. 1, 2, 38. Sechster Jahrgang 1879. Siebenter Jahrgang 1880. No. 1 Marz, 2 Mai bis December. Achter Jahrgang 1881. PELO 0) Un aCADado O XoJOIDO ---Boletim da Sociedade de Geographia, 33 serie 1832, ns. 1a 6, 8a 11. Don Pedro Calderon de la Barca, por José Silvestre Ribeiro. Jor- nal de Sciencias Mathematicas, Physicas e Naturaes, tomos I, II; XII, IV com falta do n. 14, Ve os ns. 21 a 29. Oração funebre do Bispo de Vizeu. Sessão pullica da Academia Real das Sciencias em 12 de Dezembro de 1875, 15 de Maio de 1877 e 9 de Junho de 1889). Vida e Viagens de Fernão de Magalhães, por Diego de Bar- ros Arana. Hamlet, tragedia de Shakespeare, traducção de Bu- lhão Pato LiVErpOOL. hifas eisjato)ojelejo --Twenty-eight and twenty-ninth Annual Report of the Free Public Library, Museum and Walker Art Gallery, 1831 and 1882. ARCHIVOS DO MUSEU NACIONAL 14 MONdTOS Mie ça oiebyigi Ares —The Journal of the Anthropological Institute of Great Bretain and Ireland. Vol. XI, No. III, February, IV May 1882. Special No- tice. List of Members, 1881. Harper's Monthly Magazine. Vol. LXIV No. 38t, MY QUIW ALI. =. jo lolo/os sforejuj «-..— Annuaire de PUniversité Catholique. 1881. 45e année. EnxemPurgo:. (e leenconto —Récueil des Memoires et des 'Pravaux publiés par La Société Botani- que. Nos. VI-VII-VIII, 1830-1852. Guide de la Carte Géologique du Grand-Duché du Luxembourg, par N. Wies. READ ap oco dnaBoIgo on URbBona — Bulletin de la Société de Géographie. No. 28, 1882. IM RCeLÓN-. oo DEDICO CON GRE -—Revista do Instituto Archeologico e Geographico Alagoano. 2º vol., ns. 1,2,3,5e 6. Diario das Alagõas. Diario da Manhã. O Li- beral. O Orbe. Madrasta:..leeeajefeieojajo;s «-.-—(Catalogues of the Government Central Museum. Mineralogy 1855, Geology, 1867, Mollusea 1557, Public Library 1874, Scientific Li- brary 1876, Wishes, Coins 1874 and Mammals 1877. Catalogue of the Raw Products of Southern India, collected and forwarded to the Paris International Exhibition of 1818. 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N. 1. Mulhouse...... AS —euille des Jeunes Naturalistes. ler Novembre 1880. Onziême an- née. N. 121. NitherohyY eb ii afonso mess —A Patria. Nova Haven.. ...........— Transactions of the Connecticut Academy of Arts and Sciences. 1866, vol. 1, part 1 and II, 1857 to 1871. 1870, vol. II, part Iand II, 1373. Vol. III, part I, 1870, II, 1878. Vol. V, part I, 1877, II, 1882. Vol. V, part I, II, 1582 Nova EOrK-. seios erioo « --— Popular Science Monthly. Nos. 116, 117, 119, 120, 121. OrIicans nojo e sfaloteietofojoiofeto —Meêémoires de La Société d'Agriculture, Sciences, Belles-Lettres e Arts. 1882. Tome XXIII, N. ler. Pará..... aovbannyeLaDo irao — Estatistica das Arvores Silvestres da Provincia, pelo Dr. J. D. Cle- mente Malcher. Parahyba do Norte....—Liberal Parahybano. Paris: Sci afoleirieesco foi o ai —Bulletin Périodique de la Société Linnéenne. 1881, N. 38 (2 Novem- bre). 1882, N. 39 (4 Janvier). Carte Géologique du Grand-Duchá de Luxembourg, par N. Wies et F. M. Siegen. 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Anno 3º, 1832, ns. 9, 15 a 20 de Janeiro e 30 de Ju- nho. Diario de Pernambuco. --Annales de "Observatoire Impérial, 1382, Tome premier. Description de YObservatoire. Annexos ao Relatorio apresentado pelo Minis- tro d'Estado dos Negocios da Agricultura, o Sr. Conselheiro José Antonio Saraiva, na la sessão da 182 Legislatura. Catalogo dos objectos expostos na Exposição Anthropologica, pelo Sr. João Bar- bosa Rodrigues. Catalogo da Exposição da Industria Nacional de 18s1. Catalogo da Exposição de Historia do Brazil. Instrucções para as Commissões Brazileiras que têm de observar a passagem de Venus pelo disco do Sol, organisadas pelo Sr. L. Cruls. Refu- tação pelo mesmo senhor. Declaracion de la Doctrina Christiana; manuscripto guarany, traduzido e annotado por Antonio Joaquim de Macedo Soares. Projecto do Codigo Civil Brazileiro, do Dr. Joaquim Felicio dos Santos. Relatorio da Directoria da Associa- ção Industrial em 10 de Junho de 1882. Discurso proferido em 13 de Julho de 1882, pelo Sr. Dr, Aristides Spinola. Bulletin Astrono- mique et Météorologique de YObservatoire Impérial, 1882, du nu- méro 1 au 11. Revista da Exposição Anthropologica Brazileira. Revista Maritima Brazileira, anno segundo, 1882, ns. 2, 3, 4, De 6. Le Messager du Brésil. Brazil. Revista Illustrada. Diario Official. Gazeta de Noticias. Familia Maçonica. RODA.) elsisia fato for lo c.. +... «—Bo0llettino del R. Comitato Geologico d'Italia, 1881, anno XII, vol. duo- decimo, n. 1 a 12. II Museu Nazionale Preistorico ed Etnogra- phico. Prima relazione di Luigi Pigorini, 1881. Nuova Antologia, 1882, anno XVII, sec. ser., vol. XXXVI, fase. XXIV, 15 Dicembre. Kuão............... 000... .—Bulletin de la Société Centrale d'Horticulture, 1582, tome 24, du ler au 4me cahier. SAO EUIZ. jo fojojolo)o ololojo Do sdad --() Paiz. O Diario do Maranhão. Sgravenhague........... --Tijdschrift voor Entomologie. Zes en twintigst Deel. Jaargang 1882-83, le, 2 Aflevering. Tijdschrift der Nederlandsche Dierkundge De- reeniging, 1876. Derde deel 1e,2e, 3e, 4e Aflevering; 1878 Dierde deel Iste Afl. 1879 Vierde Deel, 2e Afl. Deel VI,3de, en Ade Afl.1880 Dijfde deel, Iste en 2de Afl. 1881, Sde, en 4de Afl. 1882, Deel VI, Iste Afl. Tubingen.................-Universitáts Schriften. Aus denr Jahre 1881 und 1882. Eurim...... «ecc... ...=-Atti della R. Accademia delle Scienze 1832 vol. XVI, disp. 22 (Gennaio), 42 (Marzo), 5a (Aprile), 6 (Maggio). Vassouras.............:«--—() Municipio. vvashnington.............—Annual Report of the Board of Regents of the Smithsonian Institu- tion, for the year 1879. Introduction to the Study of Indian Lan- guages, by J. W. Powell. Proceedings of the United States Na - tionsl Museum. Vol. IV. 1881. First Annual Report of the United States Geological Survey, by Clarence King, Director. JN JO KAS dE CommnissaondeALed acção ef pope to fete lo fofopotasafo fofo fo fa foto Tevs js fofa /atafevo oa o) oh fofo o Pa Roo Po AR SP y Quadro do pessoal do Museu Nacional do Rio de Janeiro.........ciciiiciiiiirieiio vI Membros correspondentes do Museu Nacional..........cicccisesieis DONAS Peetsraão vir JP LeLA DO foto aiaLopiafo ersia e eleger (as Na Lo fotlafo Lovato (0 ofoÃo oiefolo alo dPofa canso Cos uEObOS bao O oud DOBRADO Bs Contribuições para a ethnologia do Valle do Amazonas, por Car- JosS Eta dCLico ELSA beco aros e ao fo atoa e (O fE a PSVOIE je pafo tara o sr Sa PDD RC CAT O Na ctda 1 TR Sampa quis(do Amazonas dep retofejeialaejato! [rtetojato; cio ofeloofo fofo o o fofo fofo fofo oa ata a7o BRA eo 1 Sambaquis de conchas marinhas. .......... jo ofepafafofojorofojat pole [ofo:Sfaotaj o SJo tola ah Fa oa é 8 II. Taperinha c os sitios dos moradores dos altos...........ciiisstesieso sp soasoo IN) PIE Estacao Mun euariasdosGafezali Rios) ofofet=ojofetojavojojo e oro Mo atol fofa Jojo ol Vo jota favo fa AR a fo eO 14 IV. Os montes artificiaes da ilha de Marajó eas grutas de Maracá.......cccicciicoo LA, o TORTAS UNDER s o on dE ASS ORDÕC SE GS AISO NAS E Da A An RAE a e SE RR O LOS 6 SERIE RE IM o foi-eio o cre ais jets mir oti toe Nci nfs So evooto feto ra ear lat refer at ato do BR A 45 Idolcs dos moradores dos altos......... PER SRS EN SE cit IE ES ADO O E CS IDE E) VAÚs (Opaados MOSHCAB Bs ooo do an aap an Boo VopoDETnba Bope ado Pa oMe ao cnaMagan ass aa ssa dh 52 VIII. Objectos diversos de terra cotta............cises cisnes. RETO ODDS MOBO Ss 54 Veiros vor E EMA O, do obe o nno spoen senao Doo so ak AMC Dab dobS dead atado vd E: MA DATA SEE ES RS 2 e te) aeee ao fa eres oo NE er DIDI Rea SA a VE oe PO O RE RD 59 NCIS oba nani sopHoo EAR o RCA AA DADO CRS Ao ora DE EE o DO Soo JUS) oucapdosinoradorostdosaltosFiia, a teres (elfos afete patapafe /aetofa sofa fatojata ajata o Aero a Fafe fofas foot (o! Loo E aids s covas dona er pads boAnEdooGaDenORDOPEDbSToBanDacosoLdose cosa sedopas 62 IX. Apontamentos sobre o fabrico da louça de Eai entre Os selvagens... ........... 63 -X. A origem da arte ou a evolução da ornamentação. ............cccecercesecereres o Sato eos cla MEMO Anão dad Ep aonaop bandos Pedndndo Don vado Babo as cadrpapisanboB css 108 EXE RO STA DIO US ride So rota efe ato ar mo a jeto por Se nte o PR E eia APR o 16 XIII. “Mythologia dosiindiosido-Amazonás. 1... sie Corja teto e ejelaio e à ovavoloJo alo olalalojojo/o]Tniasalota ro) Jojo o 194 Miyithosldojabtty e saatola olavo elo o fo) 0/01 /ovojo [ojo/ofofojo aja ao voatulo ao java fao POCAGOO CHoOMSA DELLE Soaão IT Como o jabuti venceu o veado na carreira... ....ccccsre cancer sena nesa use naasoo 137 O juabuti que enganou o homem.........ccisesesessessseceseceneeccrerrestanmenes 141 Como o jabuti matou duas onças........... DARI JO Co OD LOE DOSES AE 142 Como o jabuti provocou ura luta entre a anta e a baleia... ....cicicicsrsccicees 144 Como um jabuti matou uma onca e fez uma gaita de um dos seus ossos......... . 146 Como o jabuti se vingou da anta....... pia 9/00 a 0/0 0/0 alo oo 0 2/2 0/5! 0 aloja aaja o alo 0 0/0 0/0/0 a 0/0l0 0 149 O jabuti mata a mukura........ccecsess E RBS CNP RL CO EST DES LAGE CONAB ONGD OD 150 O jabuti engana a onça........ ajelioloalo oo taliofate Pora jolelojafo fa foto afeto nota Naa fo fora fa foro fofo foton lo fofa jeito 150 Mythos anthropomorphos... ....... NO GOnAGÕno Tu açaaaNo o Non dabra POL OnbARnaBaso COS 153 O mytho do Curupira, sé ese eiaiejo o/a/o 2/0 0) eloio eisto aloja afeto o o alas ofo/o) are oioio o ialalo o/o/0/o lolololo o lopo)o a 153 O mytho da oiára.......cccucicestsesesecrereo doa Pe PRE PRIOR ES AR A TESTS Efe TOS O caçador e as oiáras........cescsciseseress EE RACE AS DRC SIC OA PRA AS e e 166 Historia do paitunaré......ciseccceresento cocssscanassasencnasco cucanesanto essa, 168 Os mythos de tupan e tupi.......... dese cesusess esses eres ce nec acere ne cesrimassos 169 u ARCIIVOS DO MUSEU NACIONAL O nomem dos sambaquis. Contribuição para a anthropologia brazileira, pelo Dis Ja Bide Lacerdarao rn SO VOBIGSDANDa CO JIVODAONBCO Oo cab bndCg sanar poo o Hã) to (OE EAD EIS conoa obo mun gbodocoegonsspocos PSA SUS CICAÇÃO Era Na feláno PR Rr 1% ID ROS CRIE IA o" Oca cana Bdonsanona REORO S SES TO 3590000 Roso coddo 184 Resumo crazeologico.,.......... doada do sa On SGONADE DoDDÓ Bb pon Sa cagosr as ooagonaveso - Call Quadro comparativo das principaes medidas craneologicas... Novos estudos crancologicos sobre os botocudos, pelo Dr. J. Rodri- gues Feixoto. Introducção......z.cesses canas cucan OBHOPODSDaDonoodoScos os brosaas 205 Descripção............ apste rata ea Sra aaa to Ayala Misticas a issõo ESB ada DE SDMPsTnAdA ER AI 8 205 Quadro compatabiyO et faia pes fato po ale ado evo fofa e oo fo efe ao fe tato aaa Deo fo ato nf o [efa o Doo BS coa anno o 2M Gompatáção—o' Parte. e sa ieiofotafejo lodo [eis po/= Ueda efa ria de ed Noio a efalo jo) fojoio sofa aj=fofeje o ofofato de fo ofofajo - 246 a na Taco PS SAR falo SF6 Je fo) Neto teto obo cfo ate e 249 Investigações sobre a archeologia brazileira, pelo Dr. Ladislau Ne tto. Advertencia....... ARCO NOS ao pos do D Ion quAgA o nanda do SODPoB DO ES DAS SCORE Da E I. A ilha de Marajó. Eimelros Eanes Natureza geologica da ilha. Influen- cia das inundações periodicas sobre os habitos dos primitivos insulares. O mound de Pacoval....s... cessveas DÃO ES CNP ÃO Pora 6 IAG DOO AGA pac nn Boo aca mah tab! II. O mound de Pacoval. Seu duplo ou triplice fim. Quaes os homens que o habita- ram. Problema complicado pelas innumeras fórmas de cabeças representadas na ceramica de Marajó. Comparação d'estes individuos com os de outros pontos do valle intesior do Amazonas Soa Bojo Eee fais jo jodo fofa refe SODEabpo noso cone do náCdo 266 Cabeças de idolos e adornos anthropomorphos da ceramica dos mound-builders de Marajó e de outras localidades do Amazonas..... ..c.cicecessenenereros snboocodo El III. Osidolos de Marajó. Vasos e adornos anthropomorphos. Physionomias dominan- tes d'estes artefactos. Caracteres convencionaes. Aflinidades que apresentam com os caracteres archeologicos de outros povos. O culto do Phallus entre os mownd- builders de Marajó. O Fhallus na sua fórma real e em differentes gráus de perso- nificação. Adornos phallicos na esculptura e na pintura dos vasos de Marajó.... 316 IV. Fórmas plasticas. Esculptura e pintura da ceramica de Marajó. A face humana, ora esculpida, ora pintada, servindo de base à ornamentação ceramica. 'Typos zoologicos que mais dominam nos vasos. Ausencia quasi completa do reino vege- tal na ornamentação.........cccccessenc e sne seen cemeno elonino awnna aca nos S000 495900 338 Garas gravadas da louça de Marajó... .....csc.o. curenenecame nove ranerascass Goa Se) Caras pintadas da louça de Marajó........ciisc cias qss DO gasosos asc adiado Sac BY/U Y. 'Typos amphibomorphos da ceramica dos mownd-bwilders de Marajó. — ypos phan- tasticos. Offertorios ou supedaneos, mui communs nos mounds de Marajó. Rari- dade dos vasos zoomorphos. Vontos de similitude com a ceramica de outros po- vos. Classificação possivel da intellectualidade das nações primitivas pelos tra- balhos ceramicos. Como se fabricava a louça. Crenças e superstições referentes à fabricação da louça. Superioridade artistica da mulher entre os aborigenes anti- gos e modernos............. boohias iddoa dan dolo o ds 0050 bas dan no dino mo cosspsaoorooo BB) VJ. Inhumação dos cadaveres fóra nã colinas asian Urnas encerrando unicamento os ossos do morto. Como se preparavam para este fim. Usos e habitos deprehen- didos das mesmas urnas c dos artefactos que ellas continham ou queas acompa- nhavam. Figuras de prisioneiros de physionomias desconhecidas. Panga ou ba- bal, adorno de pudicicia, instrumento de protecção e de hygiene, ou expressão symbolica de um rito. Outros objectos de adorno pessoal. Contas ou perolas at- tribuidas aos phenicios, achadas entre artefactos de pedra, na provincia do Rio Grande do Sul. Instrumentos de trabalho. Ausencia absoluta de armas e de ca- chimLos nos mounds de Marajó. Typos de cachimbos encontrados em outros pon- tos do Brazilian BM ETODO Caes tale SPO COGLDIDOÇO AD UPN SerÃo Sod4000 LS VII. ARCHIVOS DO MUSEU NACLONAL Caracteres figurativos e symbolicos dos productos ceramicos de Marajó. Compa- ração dos typos mais distinctos ou mais communs caracteres, com os de outros povos dos dous continentes. Desenvolvimento intellectual da familia humana muito acima da proporcionalidade adstricta á escala zoologica. Sciencia autodida- ctica ou tradicional. Até que ponto pódem as manifestações intellectuaes de uma raça assemelhar-so às de outra, sem detrimento do autochtonismo de uma d'ellas. Supposto exodo dos mowund-builders de Marajó, commemorado em um pequeno e mesquinho monumento.........cemec sic SrojafotolefSrafs oe ADD GOCOSGANIS DovondD ada pacA VIII A edade paleolithica e neolithica no Brazil, Machados Rica de pedra de va- rias especies. Cavadeiras, martellos, serrotes e facões. Punceções e outros peque- nos instrumentos de diorito e de agatha. Amuletos e zoolithos dos Sambaquis do Sul e dos necroterios do Norte. Origem provavel d'estes artefactos. Analogias dos mesmos artefactos com os de outros paizes. Fórmas rudimentares de almofa- rizes o de moletas de pedra. Preferencia dada às pedras mais ou menos verdes para este fim, tanto na America como no antigo Continente. Origem do culto das pedras verdes A nephrite representando na America, em relação ao mesmo culto, valor egual ao da jadeite no antigo continente. Razão provavel da falta de conhe- cimento a respeito das jazidas de nephrite na America, Caracteres graphicos em gravura e em pintura, deixados sobre cs rochedos por antigos povos, como ves- tigios de sua passagem ou existencia na America do Sul. Semelhança d'estes cara- cteres com os dos rochedos gravados e pintados, até hoje conhecidos em todo o continente americano.......... Role on o abaaTaro DOGHABODOAL SbobbddondobnaDacasdensonadLuco Explicação das figuras .... ese cce sereis cuco DObonbEnDbDCooBhovoDSNoovHaonhbo enoaBopoa Notas explicativas ..... dolgoa ado aBaEL ada STA ads PSSURIRO SOB Nado CON DHOosodE dE Vote oiee REC RL o os dna p ado pa pda dei Dracena nto pas Bata RD Spot oo vegeta papo ote fofo falar BiBLO rap Rian cre rerol-ve fopatato foto ofevaço noso bodes nad nano dnoRannpantos aJplojove efofo a Ro efsnePato eis fafofol efe lo» t5l a Solado ria om aabligiNa, RIO ft ao, ido grado an jadfE Bog Ata O “N hiod, Funtr Ri COMETA ala um - Li HA raia Paio: fi Not ira Da q AL SOPA La BE air 10 A o ra Vo Pe LS A APS HQ ADIA vES : : a Ara ira q rd e RAE Dida de starts tra So Pr RO Asas ue didi” ' e PluR ag PIDE [TS ns Noipasgt op preNe O dia co a PP ea ney th ATA 88 Dedo aja de Db PA a EaD vafi pe Epp sD ur MET Rg: j E Hs pa 4 xs Ea vi; We SE Za jo NTE Ra A Sus pt WA ai EE RR Dil p Abin : pi tboca o a cap li aut pio E as gs eo vi hão Rr PM a Eau os pc XE , mas a a Rr, : P; RS [di A te Err, a era Pes RR Ns era E 4 fa Rar MO, ru DO Or 4 ARA D PR 208 F alla Ro frA Haga A A, atari Pers vo ro eis O DS AR Ra a REI CURI A Li RS tua q 4 q ral eu) Figo le Tg TR 5 Mir [ab | A LET PLS VPL TAS DR aj ul ' ir ra ro Bu 'á voa ur 1 1h er E EQUELa Bra Dipur: PEEQUA MARI: AL nily bai be 5 Bj [ HE e ! a Hi AMA A PER LR Red ni bi E DEM? ARA Je as Pops R, e A ERR Do: Ê DA Er AR, E JA; a 5 tda q “A ER PESO Te TA nr, E add; FÁ [ hio baga Ai ba a TIL to le Ni Ny Elo: Wa eh Gia ra Em) f- ht “va Fa sub boa HA a w tra CA Ea A a Pag da 19 E Sida bl tg had Ri ao Ea STM al Archivos do Museu Nacign ACABAS DE MARAJO x X [Cc Archivos do Museu Naciona IGACARAS DE MaARNdO Arch vos do Musey N Iboros Do Amazonas: Archivos u do Museu Naciona! Vo] IDOLO E ÓRNATOS ANTHROPÓMORPHOS. PACOVAL / RAJO. Ceramicos DE Ma ca ni ns É mé = . a 6 rn . PNR. cri at ' Ê ar syosts ==> CeraMICOS DE MARAJO. CErAMICOS DE MARAJO. ARTEFACTOS DE PEDRA Archivos do Museu Nacional Artefactos de Caça e Adornos pessodes. A Archivos do Museu Nacional Vol VI. Est Vil. r aan TED Diversos Specimens de Tembetás. Nacional. Volume VI. Est IX. Archivos do Museu INSCRIPÇÕES GRAVADAS EM PEDRA. “VEIA NI SVAVAVHO SIOÍAIHISNI YNNãd Valadadads SISVOS SOININOG Jod AVNOIONN NASA OV VOILIINIA “NQUIY OI OU BILIRWBI] Sp SWou ojad opioeyuos OpayI0J O algos Bpequid a Bpeneug opÍdiIsu| ep eidos “[EUOIDBN NOS Op SONY ata 6 ga pºGE FR Ré ARR Ds po ud ez qa CO GR dr Ho co Rs É q, Ras st bo PRE INSCRIPÇÕES GRAVADAS EM PEDRA. “Archivos do Museu Nacional Volume VI Est. XII. ca ENE e E 25 OOo INSCRIPÇÕES GRAVADAS EM PEDRA. Archivos do Museu Nacional E VE Est XII Js eo (e) A OP D sy Pol eai o eu ; a = xD = UN =& S Sa a q a o Co GEL ES o Rr INSCRIPÇÕES GRAVADAS EM PEDRA. =— = >< Es de Ea Es as INSCRIPÇÕES GRAVADAS EM PEDRA. Archivos do Museu Nacional Volume Vi. Est XV. INSCRIPÇÕES GRAVADAS EM PEDRA. é A a ed Ed ART. 19.0 Musen Nasional pablicará trans vcêmeato, pelo Seios, bia Peviqa imittulada Archivos do Museu Nacional. Nessa revista dar=se-ha conta de-lodas as investigações e trabalhos realisados no estabelecimento, * das noticias nacionaes. on estrangeiras que interessarem às sciencias de que se occupa o Museu, do > catalogo das colleeções mais importantes, dos donativos feitos ao estabelecimento, e dos nomes das pessoas a quem seja conferido o titulo de que Lrata o art. 7º S do Serão publicados de preferencia os lrabalhos originaes do pessoal docente. ART. 20.-- À commissão encarregada da redacção e publicação dos Avchivos do Museu Nacional cumper-se-ha do Direcler Geral, um lirector de Secção e um Sub-Director. 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Museu, ASSIGNATURA A CONTAR DO VI VOL” 105000 POR ANNO. y k dra H ERR a Sr EAR |] Po: pe Eça a Tor poço qui mt +. + ao ranher mpntatnres pepegapudartrartartro| atm ont Ds sopa spreads Seas maps ee as perteriaraa cosa er = a dava utetos envie fator a pra ra mera o” » eremita ma ce parto piptuare pivires ao repaç read oie pereira ocesuoesainpas apena enssabárro ano rr rcer arara taneonbaia + mirra