THE UNIVERSITY OF ILLINOIS LIBRA RY This book .has bçenj:; and is ^^■ITiZED n'r$Q. iNE Digitized by the Internet Archive in 2017 with funding'from University of Illinois Urbana-Champaign https://archive.org/details/arquivodaunivers5191univ WIVFRW OF 'MJTOIS LIDHJSny 4UG 2o 1922 ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE LISBOA VOLUME V (Com 2 figuras no texto e LXXV estampas) LISBOA MCMXVIII Composto e impresso na imprensa portugal- brasil, limitada — Rua da Alegria, ICO — lisboa £.00 V.5 * ÍNDICE I. - Bsttsncourt Ra poso -O desbarato da Alemanha vaticinado 1 II. — Alfredo Schiappa Monteiro -Sur la considération géométrique des aires de deux courbes, en les supposant comme derivées 1'une de 1'autre, au moyen de points symétriques 7 III. — Achiiles Machado- A urease da Soja híspida 25 IV. -Achilles Machado -Decomposição dos oxalatos pelo ácido clórico, em pre- sença do ácido azótico 45 V. - Alfredo Schiappa Monteiro -Sur une propriété relative au triangle isoscéle 49 VI. -Alfredo Schiappa Monteiro- Détermination du volume du solide pointu ré- sultant de la révolution d'une demi-ellipse autour d'un quelconque de ses diamètres, qui la limite 51 VIL- Balthazar Osório -Despojos de Ceuta (Estampas I-II) 53 VIII.- Nicolau de Bettencourt- Estado actual do serodiagnóstico da sífilis 59 IX. - Balthazar Osório- Algumas notas inéditas e pouco conhecidas acêrca da vida e obra de Félix d'Avelar Brotero (Estampas III-IV) 75 X. - Vasco Palmeirim -Sôbre tensão arterial em cirurgia (Estampas V-LXXV).... 99 514464 O DESBARATO DA ALLEMANHA VATICINADO NOTA APRESENTADA AO CONSELHO DA FACULDADE DE MEDICINA DE LISBOA PELO PROF. BETTENCOURT RAPOSO Ao Prof. Bello Moraes Assim na minha amizade, como nos méritos do Moraes, e, melhor, nas duas cousas reunidas, havia sobejo motivo para esta dedicatória. Não é, todavia, d'ahi que deriva; e sim apenas, de casual nonnada. É o Moraes o Prof. a quem me lembro de ter dito, logo no inicio da guerra, e com menção das razões da affirmativa, que os allemães não podiam deixar de ser vencidos. E tanto valia comigo a força da convicção, que pouco me dava á leitura das noticias nas gazetas. Vejamos então. Em certa lição da cadeira de Pathologia geral, no anno de 1899, dizia- mos, conforme a publicação feita no Jornal da Sociedade das Sciencias Medicas de 1900, n.° 1, pag. 13, o seguinte: “Evolue pelo cerebro a humanidade. Mas dizer só isso é dizer nada; pois falta ainda avaliar a importância da evolução mental ; saber se porven- tura vale, por si só, alguma cousa ; e até que ponto se correlacionam, por exemplo, a primazia de um povo em cerebração e o predomínio evolutivo. Pertenceu á França, durante assás de tempo, a supremacia intellectiva. E andava conjuntamente na testeira da evolução? Cuidam ingênuos que sim; e que só em 1870 encetou a vertente da decadência. Não ha tal. O predomínio francez não passou, desde remotís- sima data, ou talvez desde sempre, de apparente. Como assim? Para o intendermos, vamos a procurar qual seja, e onde esteja, o fas- tígio evolutivo.» E, depois, em pags. 15 a 17 "Fraco executor, portanto, de movimentos proprios, e, ainda por cima, 2 Bettenconrt Raposo perturbador de alheios, como participa o homem na evolução vital, em quanto promotora de movimento intensivo? Já nos annos anteriores o explicámos, chamando a attenção para o facto de que não é dentro em si, mas extrinsecamente, que o homem vive. A sua vida , e essa enorme, e mais que sobejamente compensadora de quantas porventura embarace ou annulle, está nas machinas que traz em acção, no fogo que perpetua e tão diffusamente alimenta, na electricidade que engendra e applica, etc., etc. Estas transformações externas da sua cerebração, sempre a desenvol- ver-se no sentido de as ampliar e multiplicar, apagam o desaccordo entre a sua evolução exclusivamente psychica, e a evolução moto-intensiva da vida. Mas já d'aqui transluz a distincção inductivamente acceitavel, e cuja possibilidade pratica se deve investigar, entre adiantamento mental, e pro- gresso evolutivo; aqueíle, agente, e este, effeito, quiçá dissociáveis. Concebe-se theoricamente que não baste o supercerebrar para attingir o apogeu evolutivo; que só se alcança pela effectiva transmutação dos concebimentos da mentalidade opulenta em movimentos extrínsecos de sobrelevante intensidade. E se a observação nos mostrar que podem cerebros mais pujantes con- ceber sem executar, e outros mais pobres executar o que não conceberam, em nada extranharemos que estes, e não aquelles, caminhem na vanguarda evolutiva. E eis-nos municiados com premissas bastantes para nos atrevermos á previsão de que, se algum grupo humano se avantajar aos outros em realização de movimentos intensivos, esse possuirá a hegemonia do mundo. Perguntamos á realidade se algum grupo existe n'esse caso. E ella diz-nos que um povo, pela immensidade das suas marinhas, mercante e bellica, pela possança das suas industrias, pela intensidade do seu com- mercio, satisfaz ao requisito e produz desmesuradamente mais movimento que outro qualquer. E esse é, entre os povos metropoütas, o inglez. E quanto á consequência do requisito, que nos informa a realidade ? Que a esse povo pertence a supremacia entre os povos. Se dos metropoütas passamos aos que foram colonias, as duas res- postas, ainda concordes, tornam a mostrar-nos não o mesmo povo mas a mesma raça — os Estados Unidos. De longa data tem vindo outra raça e povo a querer disputar ao inglez a sua hegemonia. Nunca, porém, a França alcançou, em semelhante rumo, vantagem alguma real. E que, entre os dois povos e entre as respectivas raças, eííectua-se outra previsão auctorisada peias mesmas premissas supra O desbarato da Allemanka vaticinado 3 estabelecidas, qual a de que um grupo humano attinja o acume da men- talidade, e outro o da evolução effectiva. O primeiro inventa, o segundo põe por obra. E agora intendemos como, possuidora em tempo da super- cerebração, nunca a França o foi da hegemonia. Ella apontou a força expansiva do vapor, e os inglezes a utilisaram; ella inventou o helice, elles o metteram na pratica nautica; em França nasceu o velocípede e por lá adormeceu, até que na Inglaterra por substi- tuição do ferro á madeira, conquistou foros de utilisavel, etc., etc. E outros povos que queiram renovar a disputa, pelo caminho do muito movimento extrínseco, e por nenhum outro, se teem de metter. A Allemanha, por exemplo. Não é de haver em 1870 vencido a França, que lhe vem a preponderância que vae conquistando. É sim do desen- volvimento que tem dado ás suas marinhas, ao commercio, a tudo em surrima que exteriorisa em movimentos intensissimos a sua e a alheia supercerebração. Esta evolução em que a humanidade, supprimindo vidas concorrentes, e até vidas auxiliares, as substitue e ultra com pensa pelas actividades em que se transverte e exteriorisa a pujança psychica, não constitue todavia phenomeno premeditado, e voluntário, mas fatal E tão pouco premeditado é elle que nem a conhecido chega. Por tal maneira falta ao homem noticia d'este caminho em que evolue, e tanto ás cegas o trilha, que jamais encontramos menção d’eile ern parte alguma. Se, feita aliás a devida correcção a certos erros e exageros e deficiên- cias n'estes trechos contidas, nosso espirito persistisse no estado que elles fundamentalmente denunciam, bem poderiamos julgar, não só possivel, senão que muito provável, ou até certo, o triumpho allemão. O que este povo fez em menos de rneio século, o como os outros lh’o consentiram e o que est'ouiros não fizeram justificava bem aquelíe pendor de presentimento. E todavia não foi o nosso. Sem embargo da falta -de preparação de Inglezes e Francezes, sem adivinharmos seu accelerado apresto, nem a intervenção de Rússia, Italia, e nós e outros e, por ultimo, da Norte America na contenda, demos sempre como certa a derrota germanica. Ainda ha pouco o Prof. Moraes nos recordou a palavra com que lh'o exprimimos. E foi que os allemães iam apanhar uma formidável pila. Eis ahi a previsão da ruina, do descalabro. Mas porque tal vaticínio? Porque muito diverso do de 1899 era agora o nosso pensar, e já de longe vinha mudado. 4 Bettencourt Raposo Em 1903, publicavamos na Medicina Contemporânea (n.o 38 e pag. 301) um artigo de onde vamos extractar o seguinte: "Consideremos mais uma vez, e agora no relativo ao actual assumpto,, as circumstancias do povo hegemônico — do povo inglez. Perante o que se sabe da vasta execução de providencias de hygiene, imposta e realisada pela administração ingleza, facilmente se cuidaria, e não falta quem o imagine, dever-se a ellas a ingleza supremacia. A historia do caso desmente, porem, a conjectura. Já a preponderância se firmára quando plenamente desabrochou e floresceu a concepção, com apparencias de muito intencional, de diffundir por todo o território inglez boas medidas sanitarias. Assim que, melhor pode dizer-se ter sido a hegemonia a promotora da hygiene, do que o inverso. Mas, dir-nos-hão, taes reflexões teem talvez boa cabida no tocante á hygiene official, não porem no que respeita à particular, áquella que, ins- tinctiva, e — quasi assim lhe chamaríamos — immanente, fez dos inglezes, antes de dominadores, sadios e robustos. É certo que cada raça, cada povo, cada pessoa, pratica umas cousas hygienicas, outras anti-hygienicas, que constituem o seu viver. E assim a gente ingleza muitas poria e punha em execução perfeitamente concertadas ao que a sciencia da hygiene applaude. Sómente, para esclarecimento da duvida que trazemos em litigio, res- taria demonstrar que esse modo de viver, no que tem de sanitariamente acertado, motiva a supremacia, em vez de ser elle proprio motivado por ella, ou de serem ambas as cousas, embora mutuamente se auxiliem e motivem, efíeito duplo, ou com dupla apparencia, de qualquer causa alheia a ambas. Ora é precisamente esta ultima hypothese, e não qualquer das duas primeiras, aquella que os factos revalidam, pois bem claramente attestam elles a intervenção de influencias superiores na determinação assim do culto pela hygiene, como da hegemonia. E essas influencias são — ainda os mesmos factos o testificam — ... cósmicas. As civilisações não cami- nham nem se succedem, segundo este ou aquelle desejo humano, segundo esta ou aquella fortidão de braço, ou claridade de engenho, que aqui ou alli se manifestem. Seguem, no seu caminhar, um rumo geographico. Poderão, d’ahi, bracejar curta e transitoriamente, para os lados, à seme- lhança de certas faiscas eléctricas; mas a linha fundamental não se torce. E no logar em que ella a seu tempo designe o acume, a hegemonia, ahi se tornará: forte o braço, clarò o engenho, dóceis as vontades; ahi se desenvolverá o culto das fôrmas da robustez, da hygiene.,, O desbarato da Allemanha vaticinado 5 Dois additamentos apenas convem fazer aqui respectivamente à supre- macia de povos e raças. Primeiro. Aquelle indigitado rumo geographico das civilisações é nas- cente poente e sul norte. E dá-se nelle um accidente muito merecedor de aftenção. Quando as hegemonias, nossa e de Hespanha, tocaram, por isso mesmo de serem de nós e d'ella, os derradeiros limites occidentaes, no meio dia da Europa, ahi se detiveram. Os homens atravessaram os mares; a pujança hegemônica, não. Mas esta, na Europa, lá guinou para norte; onde também, com França e com Inglaterra, attingiu as lindes oceanicas. E então — formal contraste! — já não parou. Cruzou os mares; e alas- trou-se á America.. . do Norte . Segundo. Estes estudos intrometteram-se logo nas lições de introducção 4 pathologia geral, a proposito de determinismo; e para asseverar que, tal como a vontade dos indivíduos, assim a dos povos só apparentemente a si própria se rege. Qual o povo que não desejaria exercer o predomínio sobre os demais? Mas d'este desejo, d'esta aspiração, d'esta vontade potencial , á volição effectiva e executoria, que distancia! E quem a transpõe? Algum impulso intimo ou força intrínseca da psychica dos proprios povos ou raças dominantes? Não. E sim uma deter- minante de fóra, alheia aos indivíduos e á humanidade; e que elles e ella desconhecem. Deu-se, nas lições, algum desenvolvimento mais ao thema enunciado em 1903, no artigo da Medicina Contemporânea , onde diz “E no logar em que ella a seu tempo designe o acume, a hegemonia, ahi se tornará forte o braço, claro o engenho, dóceis as vontades . . . » significando que, nas gentes situadas na rota da supremacia e prestes a partilharem d'esta, brotam e crescem, como espontaneamente, os dotes adequados a conquis- tarem- n'a. E foi citada, a proposito, na historia de nossos dias, a rapida civilisa- ção dos japonezes, e o maravilhoso ascenso do seu paiz a nação forte e de valia; vindo logo os factos documentar melhor o asserto, com o reben- tar da guerra russo- japoneza e seu exito. Entretanto, porém, e até não longe do desfecho da guerra de agora, bem parecia a gente germanica ter sido tocada por esse influxo desconhe- cido que prepara os povos para a hegemonia, e possuir todos os dotes convenientes a pôr em acto o seu desejo de predomínio. E quantos, assim de dentro, como de fóra, se illudiram!? quantos não 6 Bettencourt Raposo viam já levado a effeito o pangermanismo ! ? E lá leriamos a civilisação arripiando caminho; lá se ia por agua abaixo a nossa theoria; se tal nome se pode impor á mera asseveração e registo de factos. Nunca o receámos. E justamente, no desencadear-se a guerra, vimos surgir o escolho onde iriam sossobrar, não as nossas ideias, mas o sonho pangermanico. Entre tantos predicados que guindaram o povo aliemão a alturas já com assomos de fastigiosas, alguns haviam de faltar, ou defeitos de existir, por onde tudo se desmantelasse. Traduziram-se na pressa, no afogo. Veio a estúpida soffreguidão do mando obscurecer aquelle claro engenho em nossa lição alludido. E, pois de engenho falámos, rememorem-se, da lição de 1900, as pas- sagens onde se aponta a possivel separação, na hegemonia, entre o predo- mínio mental e o outro, e a posse franceza do primeiro. Também a este ponto trouxe a guerra confirmação; como que france- zes eram os supremos commandos victoriosos. D'estas íeis e successos da hegemonia decorrem noções variadíssimas para vários ramos dos estudos e do saber. De algumas nos occuparemos talvez depois; de nenhuma agora; que vamos pôr ponto e fecho, primeiramente com a declaração de sabermos de sobra como, por nos ser desconhecida a razão dos factos apresentados e não podermos dal-a, vão insurgir-se misoneismos de varia casta a dene- gal-os, e ultimamente com a advertência de não servir de argumento para tal effeito a victoria allemã de 1870. Ella não conferiu a hegemonia aos allemães; como os triumphos Napoleonicos não a tiraram aos inglezes. Pelo contrario: aquella abriu caminho á derrota de agora; e estes firma- ram de vez o dominio dos mares pela Inglaterra. De mais do que, a determinante das guerras é também extra-humana ; e, nas funcções que desempenham, ou serão substituídas, ou terão de repetir-se seja qual fôr o desejo dos homens; decidam o que decidirem as conferencias da paz. Nada nos abalançamos a augurar; o que sim afoutamente affirmamos é que, no complexo phenomenico de que faz parte a vida humana, a substituição da guerra se mostra tão difficil que chega a parecer impossível Dezembro, 918. Nota. -O autor repudia a orthographia official. SUR LA CONSíDERATION GÉOMÉTRIQUE DES AÍRES DE DEUX COURBES, EN LES SUPPOSANT COMME DERIVÉES L’UNE DE LAUTRE, AU MOYEN DE POINTS SYMÉTRIQUES par ALFREDO SCHIAPPA MONTEIRO Professetsr à la Facalté des SdeRces 1 — Nous allons d'abord considérer géQmétriquement, d'une manière très générale et succincte, cette équivalence des aires, comprises entre ces courbes, tracées sur une surface donnée, pour alors entrer dans ce cas particulier de la géometrie plaine, relatif à Teílipse, qui constitue la question proposée par bilíustre Mathématicien Mr. E. N. Barisien, dont Ténoncé il présente sous la forme suivante: “La géométrie analytique montre facilement, que la courbe , lieu du sy- métrique dhin point d1 2 une ellipse par rapport à son centre de courbure , est une sextique, dont Faire est equivaleu te à celle de F ellipse. On doit obtenir une démonstration géometrique d'une propriété aussi simple. je serais reccnnaissaní au correspondant, qui voudra bien la si- gnaler (1).„ 2 — Comme on le voít, cette question peut être ramenée au cas des courbes enveloppées ou développées et de leurs respectives courbes dévelop- pantes ce que 1'on peut même faire dériver de la géometrie dans Tespace, en partant des deux nappes d’une snrface développable quelconque. sépa- rées par Farête de rebroussement, représentant une développée gaúche ou à double courbure , dévelopoídes , etc., etc. Ainsi, à la suite, dans nos recherches au moyen de la fusion intime et systématique de ces deux géométries nous pourrons arriver à des résuítats plus claires et plus compièts par leur réciprocité (2). (1) Vay. L' Intermedia ire des Maihématiciens, T. XXII, octobre, 1915, p. 218: question proposée n.o 4568. (2) Vay. G. Lazzari e Bassan -Elementi di geometria , 1891. 8 Alfredo Schiappa Monteiro 3 — Regardons dans cette surface une génératrice rectiligne quelcon- que g0, et son point de contact 70 avec 1'arête de rebroussement (r), ainsi que un point Go de cette génératrice, situé dans une des nappes, et son point symétrique S0, par rapport à ce point de contact 7», en sort que nous ayons les segments ègaux G70, ySQ placés respectivement, dans la première et dans la seconde de ces nappes. Cela étant, lorsque la génératrice go se déplaeera, en roulant sans glisser, dans le même sens. sur 1'arête de rebroussement (r), le point Go décrivant, dans la première nappe, la développante GoG,...Gnde ce point, et son point symétrique S0 décrira une courbc S0S,...Sn dans la seconde nappe. telle que 1'aire S0S/ . . . Sirpi . . . 70S0 comprise entre cette courbe, la partie correspondant ToT;. ..Tn d.arc de 1'arête (r), e des segments rectili- nes 7<>So7nSn correspondants à la position iniciale et finale g0 et gn de la génératrice rectiline considérée, sera équivalent à 1'aire G0G,... Gn^n^oGo comprise entre la première courbe, cette même partie d'arc de 1’arête (r) et des autres segments rectüines G07 0, Gn^n de cette génératrice variable dans ces mêmes dernières positions. En effet, les surfaces développables pouvant être regardées comme composées d'éléments plans d'une longueur indéfinie d'une Jargeur infini- ment petite, et qui se coupent consécutivement en lignes droites, si l'on désigne la première et la second aires équivalentes respectivement par (2) et ( 2 )> et l’on considère, deux positions consécutives infiniment voisines Gn^nSn et G'n/n Sn de la génératrice mobile, d'après nous venons de sup- poser, se coupant en un point /, attendu que 1'arc 7^7 n de 1'arête de re- broussement est infiniment petite du premier ordre, les deux triangles mixtilignes infinitésirnaux Gn/G'n et Sn/Sn. auront leurs aires équivalentes, à un infiniment petit près, ii resulte de là que les intégrales de ces deux suites de triangles, en passant à la limite, deviendront égales ou les aires considérées (2) et (2) équivalentes. On voit de suite que. quelle que soit la surface développable, ces deux aires équivalentes (2) (zy), ainsi prises sur cette surface, auront séparément égales les aires de leurs projéctions horizontales, que nous designerons respectivement par (a) et (s,). 4 — Comme on le voit, tous les points de la génératrice mobile £b, situés sur la première nappe, décrivent des développantes parallèles à celle GG°G/...Gn décrite par son point Go, ainsi qu'à celle décrite d'une manière analogue par son point de contact 70, et, par suite, parallèles en- tre-elles. D'aiíleurs, on sait aussi bien que, si cette génératrice se meuve en Sur la consideration géométrique des aires de deux courbes 9 sens contraire. ces pointes généiateurs des déveioppantes considérées, achèvent par coincider avec ses points de contact sur 1'arête de rebrous* sement, et le passage de ces points pour la seconde nappe, ou nappe in- férieure aura bien dans cet endroit en décrivant les seconds bras de leurs déveioppantes parallèles, liés aux premiers bras, par un rebroussement de premier ordre ou de première espèce, dans ces points, dont les points sy- métriques passeront alors à la première nappe au nappe supérieure. Dès que le point de contact t« de cette génératrice deviendra le point de re- broussement des deux bras de la développante par lui engendrée, c'est à dire quand on aura le cas ou les segments Oot«, 7 0S0 seront nuls: sans que, comme il est évident. les aires considérées (2). et (Zi), ainsi modifiées, ne laissent, par cela, d’être toujours équivalentes. De même, chacune de ces déveioppantes représentera Tintersection commune de toutes les surfaces développables, qui auront pour arêfes de rebroussements leurs développées, et, par suite, en nombre infini. 5 — Dans la projection horizontale de la surface développable consi- dérée. 1'arête de rebroussement, présentant le caracter de son contour ap- parent, sur ce plan dc projection, le plan projetant de la génératrice mo- bile roulera sans glisser sur la surface cylindrique, qui projette hori- zontalement cette arête, tout le long de sa génératrice de contact, en tant que cette arête laisse en même temps sa trace fixée sur ce plan projetant, laquelle y deviendra, alors sa transformée ou Tenveloppe de cette généra- trice mobile, dont la variation d'inclinaison, sur la génératrice de contact, au point 7. avec cette surface cylindrique projetante. ou sa pente sur le plan horizontal sera ainsi obtenue, malgré le changement de sens du rou- lement de ce même plan projetant, qui entrainant les projetaníes des points générateurs G0, Go des déveioppantes considérées et de leurs points symétriques 50 SJ..., engendra les surfaces cylindriques, projetantes de ces courbes. II est, donc, clair que, en général, les projections horizontales de ces dévéloppantes, situées sur cette surface développable, ne sont pas des déveioppantes de ía projection horizontale de 1'arête de rebroussement de cette surface. Réciproquement, en générale, les déveioppantes de la projection hori- zontaíe de cette arête de rebroussement ne sont pas des prcjections de déveioppantes situées sur cette surface développable. II est facile de vérifier aussi que, en général, les aires sur chacune des deux nappes de cette surface développable correspondante à la projection horizontale commune des deux aires équivalentes (2), (z,), qui nous ve- 10 Alfredo Schiappa Monteiro nous de regarder, sont inégales, et qu’il en sera de mêtne des autres par- ties restantes de ces aires, ainsi que de leurs projections correspondantes ou non surposées. D’après cela, on peut également dire, en général, que quand deux courbes ont même projection horizontaíe et chacune d’elles se trouve sur une des nappes d’une surface développable quelconque, les portions fi‘ nies des aires qu’elles terminent, sur cette surface, sont inégales. 6 — Dans le cas particulier oü le cone directeur de la surface déve- loppable, est de révolution, son arête de rebroussement est une lignc géo- désique ou une hélice gênérale , ia trace de sa transfcrmée, que cette courbe laisse fixée dans le plan projetant de la génératrice mobile g0, se confon- dra alors avec cette génératrice elle-même, laquelle ainsi coupera conti- nueliement les génératrices de contact de ce plan avec la surface cylindri- que, qui projette horizontalement cette arêtte: et la surface développable ainsi engendrée sera d?égale pente , par rapport au plan horizontal, qui représente le plan fixe, qui ses plans tangents rencontrent sous une même inclinaison. La génératrice mobile go, dans cette surface, sera la ligne de pias grande pente , dont la trace horizontaíe (T) elle coupera normalement, étant d'après cela une courbe développante de 1'arête de re- broussement, et de sa projection horizontaíe. Alors les diíférents points O0, G'0, ..., de cette génératrice g0 conti- nuant à engendrer sur chaque nappe de cette surfaee d'égale pente des courbes parailèíes, et maintenant plane, déveíoppantes de son arête de re- broussement; ces courbes passent à avoir pour projection horizontaíe des déveíoppantes de la projeetion horizontaíe de cette arête. D’ailleurs ces déveíoppantes, comme on sait, peuvent être considérées comme 1’intersection d’une infinité de surfaces d'égale pente, dont les arêtes de rebroussement sont leurs déveíoppées à doubíe courbure, ayant pour déveíoppées planes les sections droites produites par leurs plans sur la surface cylindrique projetante commune de toutes ces arêtes. II en résulte que les projetantes horizontaíes de ces points générateurs Go, C/o,. . ., des déveíoppantes parailèíes, situées sur cette surface d'égale pente, seront des génératrices de surfaces cylindriques, déveíoppantes de celle, qui projette son arête de rebroussement, qui représentera alors leur surface cylindrique développée. Réciproquement, si !’on regarde une courbe quelconque (T) placée dans le plan horizontal de projection, et un plan normal, en un de ces points, ainsi que la normaíe g0, menée en ce même point, dans une di- rection arbitraire, sur ce plan normal: quand il se déplacera, restant tou- Sur la consideration géométrique des aires de deux courbes 11 jours normal à cette courbe, ii enveloppera une surface cylindrique, qui aura pour trace horizontale la développée plane de cette même courbe, et pour développée gaúche ou à double courbure Tarête de rebroussement de la surface d’égale pente, engendrés par cette normale g0, dont la place horizontale (T) sera, donc, la développante com mune de ces deux déve- loppées. Cela étant, íes courbes décrites par les différents points de Ia trace horizontale de ce plan normal, mené à la courbe horizontale considérée (T) étant des développantes parallèles de Tenveloppe de cette trace ou de la développée de cette courbe, seront en même ternps des projections ho- rizontales de courbes décrites par différents points Go , Go...r de la génératrice rectilligne g0, situées dans chaque nappe de la surface d'égale pente, qu;elle engendre, et qui, com me on sait, sont les développantes planes parallèles de son arête de rebroussement, qui a pour projection ho- rizontale Ia développée plane de la trace horizontale de cette courbe. Au reste, ces projections horizontales parallèles entre-elles, et à la trace horizontal (T) de cette surface peuvent être considérées comme des traces des surfaces cylindriques developpante parallèles, dont la surface cylindri- que développée a pour trace horizontale la développée de ces projections. 7 — Fuisque dans une surface d'égaíe pente, quand une génératrice rectíline ou ligne de plus grande pente g0, se déplace roulant sans glis- ser sur son arête de rebroussement, un point qualcouque G0 de cette droite décrit 1'une des développantes planes, dont la ligne des centres de courbure, ou développée plane, est la projection de cette arête dans son plan; et réciproqaement , une courbe plane, étant donnée, et um plan normal en un de ses points G0. ainsi que en ce même point une nor- male fixe sur ce plan assujetti à se déplacer restant continuellement nor- mal, à cette courbe, ií enveloppera une surface cylindrique, et la normale engendrera une surface d'égale pente, qui aura pour arête de rebrousse- ment Tenveloppe de cette droite sur cette surface cylindrique, dont la trace, dans le plan de la courbe donné, est la développée de celle-ci; il est évident, dans tous les cas: l.° que les deux portions de surface d'éga!e pente, qui ont toujours les aires équivalentes, que nous avons antérieurement désignées, en gé- néral, par (2) et (2,) (n.° 3 et 4), sont compossées de deux couples de portions d'aires équivalentes, dont Tun répond à la partie superposée des deux projections horizontales (a) et (ai) des deux portions totales, et 1'au- tre couple répondant aux portions restantes, dont íes projections sont sé- parées et aussi équivalentes à leurs aires; 2°. que, en partant seulement 12 Alfredo Schiappa Monteiro de la déíinition de la surface d'égale pente, on en conclue que quand deux partions finies quelconques d'une surface d'égale pente ont la même projection horizontale, leurs aires sont équivalentes. De même: L'aire d’une portion finie d'une surface d'égale pente, terminée par une courbe quelconque, soumise ou non à la loi de continuité, est pour sa projection horizontale dans le rapport du rayon au cosinus de Tincli- naison constante des plans tangents. La quadrature de cette surface peut ainsi être ramenée à celle de la quadrature d'une courbe plane (*). 8 — Cela étant, passons à considérer un arc AMB d’une courbe tra- cée dans un plan horizontal, qu'on peut supposer correspondre à la trace horizontale (T) d'une surface d'égale pente, dont les normales aux extré- mités Af B et à un point variable Al, formant un angle constant avec le pian horizontal, représenteront trois génératrices, dont les plans projetants des deux premières se coupent maintenant suivant une droite (n), qui a pour trace horizontale le point O h. Quand la normale variable M<* se déplacera, elle enveloppera Tarête de rebroussement a»p de cette surface d'égale pente, ou Tune des déve- loppées gaúches ou à double courbure de 1'arc donné AMB, et, en même temps le point AU symétrique du point M, par rapport ou poiut de con- tact {*, de cette normale, ou génératrice mobile, décrira la courbe Ai Mi Bi composée des points symétriques respectifs de cet arc. D'après cela, on aura à considérer deux aires équivalentes, 1'une AaupBMA, que nous représentons par (S), située sur une des nappes de la surface d'égale pente, et limitée par 1'arc de développée ou d'arête de rebroussement «u| 3, par ses deux tangentes A a, pB et par la dévelop- pante AMB; 1'autre AiauêBiMiAi, que nous désignons par (S\) située sur 1'autre nappe, et limitée par cette même développée, par ses tangentes Ai*, BiS et par la courbe AiMiBi des points simétriques respectifs à la développante. Considérons maintenant les normales menées aux extremités A, B et au point variable M de cette développante, AMB; mais placées dans son plan. Pour obtenir les centres et les rayons de courbure correspondants, il suffit de projeter hori zontalement les points de contact p et * de la developpée à double courbure. contenus en ces plans sur sa trace corres- pondante, et que nous représentons respectivement par *h, ph et . (*) Monge, Applications de VAnalyse à la geonietrie , § VIII. V Sur la consideration geométrique des aires de deux courbes 1£ Par le déplacement du rayon de courbure M*h, le point M ih de ce rayon, symétrique du point M, par rapport au centre de courbure u.h décrira la courbe AthMhiBih composce des points symétriques respectifs de cette courbe developpante. II résulte de là, qu’cn a à regarder dans ce plan aussi deux aires équiva- lentes savoir: l’une= AaVhphBMA, limitée par Tare dedéveloppée ah uhph par ses deux tangentes Aa,hPhB, et par la développante *AMB, proje- ction horizontale de laire (S), que nous désignerons par ( S)h ; 1'autre Aihahp.hphBihMíh Aih, limitée par cette même développée, par ses tangen- tes Aíhah,phBhi et par la courbe AihMihBih, des points symétriques de cette développante, projections horizontale de Taire fSi/ que nous nom- merons fStjh En général, la courbe des points symétriques, partant du point Ai, de la génératrice Ar Ai placée, dans le plan normal mené à 1'extrémité A de la courbe A. MB, ou sur son plan projectant, coupe le plan normal à 1'autre extrémité B , en un point, qui correspondra au symétrique Di de la trace D de la génératrice mobile ou variable D^Dl, par rapport à son point de contat & dans cette position ; et désignons respectivement par Dih et les projections horizontales de ces points. Cela posé, sur la surface d'égaíe pente on a les deux aires équivalen- tes (S) et (Si), qui, comme on sait (n.o 7)‘. pourront être décomposées en deux couples d'aires équivalentes, lun ayant pour projection horizontale la partie commune des projections (S)h et (Si)h, de ces aires totales; l'au- tre ayant pour projections les aires équivalentes restantes ou après re- tranchée la partie commune de ces projections. 9 — Passons à prendre la questions proposée par l llíustre Mathémati- cien, Mr. E. N. Barisien (n.° 1), en vue des príncipes, que nous venons détablir, en partant, de la fusion intime et systématique de la géométrie plane et de celle dans 1'espace. En continuant à considérer 1'arc de courbe AMB. comme trace hori- zontale (T), d'une surfrace d'égale pente (n.° 8), et supposant d'aileurs que les plans projectants de ses génératrices Aa, Bis se coupent maintenant orthogonalement. Si l'on représente par Oa Ob, respecteviment les points oü ces géné- ratrices rencontrent la droit (o), il peut arriver qu'on a le segment AAi plus petit, égal au plus grand, que le sepment A Oa, déterminée sur la première génératrice Ar. Dans.le premier cas, la génératrice D^Di determine le point de recon- tre Di de la courbe des points symétriques avec le plan projectant de la. 14 Alfredo Schiappa Monteiro generatrice ou pian normal à 1'autre extremité B de Ia trace (T) : et alors en retranchant, dans les aires totales equivalentes (S), (Si.), de la sur- face d'egale pent, le couple d'aircs equivalentes, qui ont la même proje- ction horizantale (n.° 8), on concluera, dans ce cas, tout de suite, que: Taire ADMBO^A determinee sur la nappe ADMB^A de cette surface, par sa trace ADMB ou (T), et par ses deux plans normaux à ses extre- mités At B, lesquels coupent respectivament cette nappe suivant le segment rectiligne BOx et la courbe Oba avec la tangente, aA, es t moindre que laire BiMiDipBi, determinée sur 1'autre nappe BiMíDí^PBi, par la courbe incomplète DiAíiBi des points symétriqnes, seulement relatifs à l'arc D MB de la trace (T), et par le plan projetant de la generatrice leque! coupe cette nappe suivant la courbe D ip avec sa tangente p Bi. Dans le second cas, le point Di coincide avec le point Oa, ou la ge- neratrice D^Di avec la generatrice A- Ai, et ainsi ou voit dès lors que la première aire, que nous venons de considerer AMBOba A, est equivalente à laire BíMiAiPBí, située sur 1'autre nappe BiMiAi^Bi, limitée par la courbe compète AiMiBi des points symétriques, et par le plan normal à 1'extremité B de la trace (TJ, ou par le plan projetant de la generatrice A 7. , lequel coupe cette même nappe suivant la courbe B\ 3 avec sa tan- gent p.Z?i Enfin, dans le troisièeme cas, la seconde aire AiO^BiMiAi continuera à être equivalente à la première, bien que maintenant celle-ci soit limitée par la courbe complète AiMiBi des points symetriques, et par les deux plans projetants des generatrices A%, B$, lesqueis coupent la seconde nappe respectivement suivant le segment rectiligne AiOa et la courbe Oa p avec sa tangent PBi. En considerant la projection horizontaíe des aires situées sur cette surface d'ega!e pente on aura a recourir facilement au^ projections (Si)h (n.° 8), en leurs retranchant la partie commune, pour ainsi faire la comparaison due des aires planes. Or, dans cette projection, i! peut aussi arriver qu'on a à regarder trois cas sur la grandeur du segment AAih par rapport au segment AOh, pou- vant être plus petit egal, ou pius grand que cellui-ci; et d'oü li resulte que: lo. — La projection de la courbe des points symetriques coupe la nor- male BOh en un point D*h, située sur son segment Ohph, et alors, laire ADMBOhA, limitée par l'arc de courbe ADMB et ses normales AOn, BOh à ses extremités A, B, est moindre que 1'aire DíhMíhBihDih, limi- tée par la courbe incomplete Dt MihBi , des points symetriques des points de cet arc seulement par rapport aux centres de courbure relatifs Snr la consideration géométrique des aires de deux courbes 15 à Tare de deveiopée et par le segment rectiligne DíhBih de la nor- male BOh. 2o. — Le point Aih coincidera avec le point Oh, et, par suite, sera le segment AAih égal au doubíe du rayon de courbure Aah à Textremitá A de Tare AMB'q t la première aire AMBOhA sera èquivalente à 1'aire AihMihBih?hAih, limitée par la courbe compíète AiMiBi des points syme- triques de cet arc, par rapport à íeurs centres de courbure, et par les segments OhBh de la normale en B. 3°. — Le point Ai,setrouvant dans le prolongement du segment AOh, de même la première aire sera aussi equivalente à 1'aire AihOhB.hMihAih, limitée par ía courbe compíète Ai MihBih des points symetriques de la courbe A MB par rapport à Íeurs centres de courbure, et par les deux segments /4ihOh, BihQh des deux normales AOhBOh aux extremités A, B de cette courbe. OBSERVATÍON Comme on sait, au lieu de considerer la projection, sur le plan hori- zontal, de ia figure située sur la surface d'egale pente, on peut aisement passer à prendre sa transformée, par le developpement de cette surface sur ce plan: ce qui nous dispense d'entrer dans son etude speciale. 10 — Considerons maitenant une surface cTegale pente elliptique , ou ayant pour trace horizontale Tellipse ABA1 B A, dont le centre Oh est la trace horizontale de 1'axe (fi) (n.° 9) de cette surface, et dont le demi axe semiofocal OhA—A’Oh, nous désignons par a. et le demi-axe asemiofocal OhB=B'Oh par b\ Pour rendre pius rapides et claires nos recherches sous ce point de vue, on peut supposer, que la partie de ia trace horizontale de la surface d’égale pente, de laquelle nous venons de nous occuper, est un quart de cette ellipse. Cela étant, les deux couples de génératrices rectilignes A 7-, A'-, et B$ , B!V syrnétriquement égales, par rapport à cet axe (Q), se coupant, prolongées ou non, sur celui-ci, respectivement aux point Oa et Ob ; et dans les points <*, 3, a', P' de ces génératrices représenteront quatre som- . mets de cette surface, ou points de rebroussement, de son arête de rebroussement ou d’une des déveioppées gaúches ou à double courbure de sa trace horizontale. D’après cela, !orsqu'une génératrice rectiligne variable roule sans glis- ser sur 1'arête de rebroussement a 3 a' 3' le point de ceile-ci symetrique 16 Alfredo Schiappa Monteiro de sa trace horizontale par rapport à son point de contact, décrira, comme on sait, la courbe AiBiA/Bi'Al de ces points symétriques sur 1’autre nappe. et alors il peut avoir lieu trois cas à considérer. En effet, les segments AAi A'A'i, symetriquement égauxpar rapport à laxe (ü), et se coupant, proíongés ou non, au point Oa de celui-ci, pourront être plus petits, égaux ou plus grands que les segments symé- triquement égaux A O a, AOb. Dans le premier cas, la génératrice variable D $ D i, touchant en s l’a- rête de Ia développée, dans la position correspondante au quart ADB de réílipse, détermine íe point de recontre Di de la courbe AiDiBi des points symérriques de cet arc sur ce plan projetant de la génératrice B P ou plan de rebroussement des sommets p, p', de la développable ou de la surface cylindrique projetanie de son arête de rebroussement, et ce point, comme il est évident, sera aussi íe symétrique d'un point D] de 1’autre quart BD A ' de cette eliipse, par lequel passe la courbe BíDíAi1 des points symétriques correspondantes à cet arc. Donc, ce point Di sera un nceud de la courbe AiDiBiDiAl des points symétriques reíatifs à la derni-ellipse ADBD A, déterminant par les points symétriques de Tare DBD', de cette derni-ellipse, le boucle DíBíDí. De même cette génératrice variable donnera sur 1’autre derni-ellipse ADU B 'D'" 'A' , deux points D", D1", qui auront le point Di!, situé sur le plan de rebroussement, pour leur points symétrique, également symétrique du poiut Di, par rapport à Taxe (n), il en résulte que d'une manière ana- logue, en considérant 1'autre derni-ellipse: ce point Di' sera un nceud de la courbe AiDi Bí1 Dl1 Al1 des points symétriques de la demi-eilipse AD,,B'D','A/i engendrant par les points symétriques de 1’arc D"B'D!" de cette derni- ellipse, le boucle Dí B^Dl'. Ceei nous montre que à 1, eliipse ADBÜ 'Á! D'1 B 'D,n A, développante dela nappe inférieure de la surface d'égale pente eíliptique, dans ce cas considéré, répondra, dans la nappe supérieure la courbe AlDiBiDiA^DiB^D^Ai de ses points symétriques, par rapport aux points de contacts des res- pectives génératrices rectilignes sur 1'arête de rebroussement, ayant deux points cuspidaux AíAi' et deux noends DiDi', donnant les deux bou- cles DíBíDí et DíBí'D{' dérivées des respectifs ares DBD' et D B D!I!, et % symétriquement disposées, par rapport aux plans de rebroussement des couples de sommet a, aJ p, p;, ou qui ont pour traces horizontales res- pectivement 1’axe semiofocal ACP A1 et Taxe asemiofocal BOhB'. 11 — Considérons dans la nappe inférieure, de la surface d'égale pente, limitée par réílipse ADBD A D B D A ou (E) et par 1’arc double Sur la considerado n géoméirique des aires de deux co urbes 17 util aOba/ avec ses tangentes symétriquement égales *A, «■' A ' à ses extré- mités a, a', ou sommets de !a développable, aux quels cet arc devient pa- rasite; mais apartenant à 1’une ellipse, dont un de ses sommets est le point 0b, Taire de cette nappe, que pour abreger, nous désignons par (E) 0b, ainsi limitée, sera plus petite que celle de sa nappe supérieure d'une manière analogue limitée par les deux boucles DíBiDl et Di'BiDir décrits par les respectives points symétriques, relatifes aux ares eliiptiques DBD' et D],B"Ü" ainsi que par les çorrespondantes ares doubles utils 0#, DiV avec leurs tangentes, symétriquement égales ílDi, VDí' à ses extrémités P', ou sommets de cette même développable, aux quels aussi ces ares devient parasites ; mais appartenant aíors à 1'une hyperboíe, dont le point 0a est Tun de ses sommets. On peut aussi considérer cette ellipse (E) comme la trace horizontale d'une surface cylindrique verticale, et celle-ci comme la surface dévelop- pante de la surface cylindriqne projetante de 1'arête de rebroussement de la développable elliptique. Cela étant, comme on sait, quand un plan, coupant normalement la première surface cylindrique, le long d'une génératrice, se déplace d'une manière continue, il roule s^jis glisser sur la surface cylindrique proje- tante de 1’arête de rebroussement de cette développable elliptique et toute droite, située sur ce dlan enveloppé, et symétrique de cette génératrice variable, par rapport à sa génératrice de contact, ou de roulement, engen- drera une troisième surfaçe cylindrique, qui coincidéra avec la projetante de la courbe AíDíBíAiDiBi Di Aí des points symétriques des points correspondants de cette ellipse. Ainsi cette troisième surface cylindricjne aura, donc, deux génératrices crunodaíes DiDih, Di'Di,h, qui ont la direction des projetantes des deux nceuds ou points crunodaux DiDí1, et deux génératrices cuspidales AiAih, Aí1 Ai,h, ayant la direction des projetantes des deux points cuspidaux Ai'Ai,h. II en résulte que cette surface cylindrique sera composée de deux boucles cyündriques limitées par les deux premières génératrices et d’une antre surface cylindrique limitée par ces deux génératrices crunodaíes, et par les deux génératrices cuspidales. Or, en désignant par A %Ay\ les points de rencontre des génératrices cyündriques, ou projetantes AiAíh, Ai'j4i/h avec Tare double util a0b a' d'é!lipse; et, respectivement, par les points de recontre Z)i, Di' des projetantes Z)iZ)ih D D ih avec les géné- ratrices B$} Bp1 de la surface d'égale pente elliptique, on voit tout de suite, que í'une des traces, qui cette surface cylindrique, ainsi comme dé- termine sur la nappe inférieure de cette développable, peut être la courbe 2 18 Alfredo Schizppa Monteiro A% A' a D 3 Az, composée, comme il est évident, de deux couples de points, cuspidaux A*., A'*, et Dt,D$, et, par suite, cette surface cylindri- que composante considerée séparément pourra être nommée qnadricus- pidale. D’aüleurs, il est clair que, les deux points cuspidaux AíAí de cette courbe seront communs aux courbes répondant aux autres traces, et que toutes les aires de ces courbes seront éq ui valentes. D’après cela, on peut achever par reconnaitre que dans cette dévelop- pable elliptique, dass ce premier cas, aussi en ajutant à Faire de sa nappe inférieure que nous avons indiquée par (E) Oh, Faire de cette courbe Aa DpA'a Z)'j3 Ax , laire totale sera équi valente à Faire de sa nappe supé- rieur, limitée par les deux boucles DíBíDi et DvB^Dv et par les deux ares doublcs utils et D'$ d’hyperboles avec les tangentes $Bí et $'B\ aux extrémités p et p'. Dans le second cas, Ai, Ai! coincidant avec le point O*, il en sera de même des points Di,Di' de la génératrice variable considérée antérieure- ment, et alors on voit qu'à Féllipse (E), déveilopante de la nappe infé- rieur de la surface d'égale pente, répondra sur la nappe supérieur Ia courbe Oa BiO* B\!Oa de ses points symetriques, par rapport aux points de contact des respectives génératrices rectilines, sur Farête de rebrous- sement, composée de deux boucles Oa BiO* et Oa Z?i'Oa ayant pour nceud ce point Oa, qui, dans cette courbe, transformée de Fantérieure, représente la reunion des deux couples de points cuspidaux et crunodaux, et symé- triqnement disposée, par rapport au premier et au second plan de rebrou- sement, des deux correspondants couples de sommets <*,*', et p,s', de la développable, ou qui ont pour trace horizontale respectivement Faxe semioíocal et laxe asemiofocal de cette ellipse. D'ailleurs, Faire de sa nappe inférieure, limitée par cette ellipse, et que nous avons désignée par (E)Oi, sera équivalente à Faire de sa nappe su- périeure, limitée par les deux boucles Oa BíO& et Oa Bi'0 a décrites par les respectifs points symetriques de cette conique, et par Farc double util poa p' d'hyperbole avec ses tangentes symétriquement égales $Bit $'B'i à ses extremités 3, au sommets de cette développable, auxquels cet arc devient parasite, et dont ce point Oa est Fun de ses sommets. La surface cylindrique projetantede la courbe Oa BiO a Bí'0&, des points symétriques considérés, aura pour génératrice nodale ou crunodale Faxe (Q) de la développable, par lequel elle sera divisée en deux boucles cylin- driques: et ayant pour plans de symetrie les deux plans, qui ont ponr traces horizontaíes les axes de Fellipse (E) : en un mot, on voit que cette surface cylindrique projetante est la transformée de celíe du cas antérieur, Sur la consideration géomêtrique des aires de deux courbes 19 quand les deux couples de génératrices cuspidales et crunodales coinci- déront avec Taxe (n). Finalement. dans le troisième cas, les points Ai, Ai1, inversement si- tués, en relation au premier cas, la courbe AiBiAiBí'Aí des points symé- triques de Tellipse (E), par rapport anx points de contact des respectives génératrices rectilignes sur Tarête de rebroussement, laissant de croiser ses branches entre ses deux sommets Bi, Bi1, n’aura pas de noeuds, et les points AiAí deviendront deux points stationaires. On reconnaitra aussi que dans cette développante Taire limitée de la nappe inférieure, que, nous avons désigné par (Ei)Oa, est de même equivalente à Faire de la nappe superieure, limitée par cette courbe des points symetriques et par Tare double util £Oa P' d'hyperbo!e avec ses tan- gentes symetriquement egales [Bi, $!Bi' à ses extremités frfV ou elle de- vient parasite, et ayant pour Tun de ses sommets le point Oa. La surface cylindrique, qui projette cette courbe AíBíAí’Bí'Ai des points symetriques aura, donc, les generatrices stationaires symétriques, par rapport à Taxe (Q)> sur le premier plan de rebroussement de la déve- loppable. 12 — En prenant Tellipse, qui représente la trace horizontale de la surface d'égale pente considérée, nous pouvons maintenant, selon les príncipes exposées sur ces suríaces, arriver tout de suite à la solution de la question proposée, relative à une ellipse quelconque (n.° 1). Or, Tellipse (E), dont le demi-axe semiofocal nous avons désigné par a et Tasemiofocal par b , a pour développée plane ou ligne des centres de courbure, la projection horizontale a h pha,h p'h ah, de Tarête de rebrousse- ment de la snrface d’égale pente, de laquelle cette conique est trace ho- rizontale, il en résulte, que les deux couples de points de rebroussement a h,a/h et ph p'h de cette developpée representeront aussi les deux couples de centres de corbure aux deux couples de sommets A, A et B, B\ dont les respectives rayons de courbure minimum et maximum *A = A % et vB=B’ nous nommerons Ra et R,b et, comme nous savons, nous au- rons Cela etant, passons à reconnaitre geometriquement la relation entre 1'aire de cette ellipse et de celle íimité par la sextique, qui represente le lieu decrit par un point symetrique d'un point de cette conique par rap- port à son centre de courbure. 20 Alfredo Schiappa Monteiro D’après la generation de cette sextique ou de sa derivation, la gran- deur des deux segmeuts AAíh, A’Ai,h, symetriquement egaux, par rapport au centre Oh pouvant aussi donner lieu à regarder trois cas, dans la com- paraison de ces deux alres, suivant que ces segments seron plus petits, égaux ou plus grands que les segments Oh A ÁOh ou que le demi-axe semiofocai a. Dans le premier, cas, comme on íe voit, il y aura sur Taxe asemiofocal BOh B\ deux points Z)ih Dilh respectivement symétriques de deux cou- ples de points D, D' et D", D'", de 1'ellipse par rapport à leurs centres de courbure, ainsi que symétriques Tun de 1'autre par rapport au centre Oh, et que représenteront deux points nodaux ou cronodaux de la sextique correspondante AibDihBihAilbDi,h dans laquelle les deux points v4ih et Aifh sont cuspidaux: ce qui montre que si l'on a 1'aire de Tellips (E) est moindre que 1’aire de la sextique, et que la dif- ference entre ces aires sera la partie Aib D,b Aí1* Di,h Aib de cette sexti- que iirnitée par les deux points cuspidaux Ai , Ailh et par les deux points nodaux D*, Z)i/h, qui deíerminent les deux boucles DihBihDih et Di,hBilhDílhf qui ont pour sommets les points symétriques B ih, Bí'h des sommets B, B! de Taxe asemiofocal BB' . Dans le second cas, les deux points Aih, A'ih coincidant avec le cen- tre Gh de 1’ellipse, ainsi que avec celui de la sextique correspondante OfcJ3ihOhZ?i/hOh, de laquelle sera en même temps un paint crunodal, qui la divise en deux boucles, d’oü il resulte que pour Ra=4-a 1'aire de 1'elíipse (E) sera equivalente à celie de la sextique. Enfin, dans le troisième cas, les points Âi, Air, se trouvant inversement placés, par rapport au premier cas la sextique respective AiBíAí Bi' Ai laissant de croiser ses branches entre ses sommets Bi, Bi', n'a pas de nceuds; mais les points Aí, Air, deviandront deux points stationaires de cette courbe, et on a de même que pour Ra >4 a àLj son aire est equivalente à celle de 1'eIIipse (E). Sar la ccnsideration geométrique des aires de deux courbes 21 On voit, donc, geometriquemant, et d'une manière generale, que Taire de Tellipse (E) ne peut être equivalente à celle de la sextique considerée par M. Barisien au moyen de la geometrie analytique (n o 1), si l’on a Ro<-^-a ou si cette sextique a deux points crunodaux ou doubles. 13 — Les illustres Mathématiciens M. M. F. Balitrand et R. Goormaghtigh, dans leurs réponses géometriques (*), à cette question proposée par Tillus- tre Mathématicien, M. Barisien, ont comme lui, considéré cette equivalence des deux aires comme vraie dans tous les cas ou quel que soit la valeur de Ra, d'oü il resulte que leurs demonstrations d'après ce que nons venons d’exposer ne peut satisfaire et moins encore la seconde. En effet, d'abbord Mr. F. Balitrand dit: «Le theorème en question n'est qu’un cas particulier de la proposition generale suivant: Un segment rectiligne de longueur et position variabíe, reste tangen- te, en son milieu, à une courbe fermée. Les aires des courbes décrites par ses extrémités sont égales. — (Demartres, Cours de Céometrie infinitési- rnale \ p. 414. Exerci ce 5.).w Outre cette citation n'être pas aussi générale, elíe ainsin présentée iso- lément sans les píus petites considérations ne peut satisfaire à la question proposée, même que dans cette courbe fermée, on considère les quatre points de rebroussement de premier ordre, comme développée plane de 1'ellipse, et par cela il a arrivé de même, d'après la géometrie synthétique plane, à 1'une conclusion identique à celle de Mr. E. Barisien, à 1'aide de la géomtérie analytique. En second lieu M. R. Goormaghtigh considère que: "Soient deux eour- • bes T et T'; la tangente en un point M de F rencontre F en N, considé- rons le lieu Y,r décrit par le symétrique Q de N, par rapport à M. Au moyen d'une considération de limites on démontre que si deux positions NQ et N*Q' de NQ se rencontrent en P, les aires des triangles mixteli- gnes PNN’ et PQQ’ sont égales (Mr. d'Ocagne N. A. 1886, p. 83; voir aussi notre. Note sur la transformation par aires constantes). N. A., 1915, p. 393). théorème de M. Barisien, est un cas particulier de cette pro- position générale. (*) Vay. LMntermédiaire des Mathématiciens, T. XXIII, avril, 1916, p. 93, question proposée n.o 4568. 22 Alfredo Schiappa Monteiro La sextique considérée a deux rebroussements T, T', correspondants aux somments A et A' du grand axe de 1'ellipse, et deux boucíes, dont les sommets 5 et 5’ correspondent aux sommets B et B' du petit axe. Quand le point N se déplace de A en B sur Tellipse, le point Q correspondant de la sextique décrit 1'arc TS de celle-d; dès lors, si Ton applique le théo rème rappelé, et si 1'on désigne par O le centre de 1'éllipse, et par R le point double situé sur la branche TS de la sextique, on voit que la somme des aires du triangle mixtiligne OTR et de la demi-boude RS est égale à celle du quart d’ellipse OAB. Ceei démontre le théorème de M. Barisien !„ Cest exactement le contraire qu'il y a lieu, quand la sextique a deux points doubles ou crunodaux, dest-à-dire, dans ce cas (n o 9), la somme des aires de ce triangle mixtiligne et du quart d’eílipse est égale ou équi- valente à celle de ia demi-boude, ou 1'aire de ce quart d'ellipse est moin- dre que celle du quart de la sextique ! En effet, on doit observer, en passant en revue les príncipes, que nous venons de présenter dans nos recherches, que le segment rectiligne NQ, qui touche la courbe T au point M peut se regarder comme la projection horizontal, du segment d'une génératrice rectiligne mobile go, d'une surface deveíoppable quelconque, dont 1'arête de rebroussement et son point de contact, sur cette arête, se projettent aussi respectivement suivant cette courbe r, et ce point M ; et alors les points N et Q, simetriques par rapport à ce point M, seront les projections recpectives d'un point G0y d’une developpante de cette arête et de son point symetrique S0, par rap- port au point de contact 70, d'après on a anterieurement consideré (n.° 3) à 1’aide de la fusion de la géometrie plane et de celle dans Tespace. D^illeurs, comme on sait (n.° 4) tous les points, tels que G0 de la géneratrice mobile g0 decrivent des developpantes paraílèles à celles de- crites par son point de contact et par suite paraílèles entre-elles. Si, donc, cette generatrice se deplace au moyem de roulement sur 1'arête de rebroussement de la deveíoppable, et en même temps, avec un glissement tangentiel : dans ce cas, ces developpantes ou arthoptiques decrites par ses points G0 , Gí, deviendront des courbes obliqúes à cette même generatrice et equitangentielíes, sous un angle+ * variable en general, par rapport à celle-ci: puisque ces deux mouvements pourront, avoir un rapport. tel que cet angle soit constant, et, dès lors, les courbes equitangentielíes être directes ou inverses, ou bien positives ou negatives, étant considerées separement, comme des courbes isoclines ou isop tiques, par rapport à la generatrice mobile, par arête de glissement dans cette même deveíoppable, au sans glissement par arêtes obliqúes en deux autres developpables correspondantes. Sur la consideration géométrique des aires de deux courbes 23 On voit, donc, que, en general, les projections horizontales des gene- rauices mobiles des surfaces developpables ainsi considerees, coupant sous un angle variable les projections horizontales de ces courbes deve- loppantes ou parallèles, et equitangentielles, decrites dans Fespace par les points de ces generatrices mobiles, les projections horizontales des arêtes de rebroussement ne pourront être des developpées planes des projections de ces courbes. Or, la courbe V' etânt prise d'une manière arbitraire, par M. R. Goor- maghtigh, sera coupee en N par le segment NMQ, en general, sous un angle variable, et, par suite, la courbe r, enveloppe de ce segment, ne pourra être sa developpee plane, et celle-là sa developpante ou arthopti- que : d’oü il resulte que son point symetrique Q ou de la courbe r/;, par rapport au point de contact Aí, ne satisfait pas à la quesfion proposèe Cela pose, dans le cas particulier oü les surfaces developpables con- siderèes deviennet des surfaces d'egale pente, le point N decrira une developpante ou arthoptique, projection horizontale d'une developpante ou orthoptique plane, decrite, dans Fespace, par la generetrice mobile, com me on sait (n.° 6), si Fon prend le plan horizontal de projection pa- rallèle à celui de cette developpante et le segment NMQ sera alors nor- mal en N à la courbe r'7, le point Aí etant son centre de courbure, vu ce segment être la projection horizontale d'un segment de la generatrice g0, de cette surface, dont la trace horizontale sera cette même courbe V rem- placee depuis par une ellipse de centre O, par M. Goormaghtigh, comme Fon a vu, dont le quart il designe par OAB ainsi que par T et T ií re- presente les poinis symetriques des sommets A et A’ de Taxe semiofoca! AAf, par rapport à leurs centres de courbure, et par R et R! deux points doubles au crunodaux ee la sextíque situées sur Faxe asemiofocal BB , qui determinent le deux demi-boucles RS et R!S' de cette sextíque. O bs. — En passant, on voit, de même. qu'en ces surfaces d’egale pen- te, ces courbes equitangentielles decrites dans Fespace, par les points des generatrices rectilignes mobiles, seront aussi planes, et si Fon prend pour plan horizontale de projection un plan paralíèle à leurs plans, les arêtes de rebroussement correspondantes directes ou inverses (d'angle + a cons- tant) seront des développoídes à double courbure , et ces courbes se p oje- terons horizontalement, suivant des développoídes planes des projection d ces courbes equitangentielles. La citation, de la Note sur la tranformaíion par aires constantes, n’a pas donné le resultai dú, et on doit observer que les points F et T ne sont pas de rebroussement. De plus, cette transformation de Faquelle M. Cesare s'occupe et se 24 Alfredo Schiappa Monteiro trouve envelopee dans 1'hyperbolisme de Newton, se rapporte principale rnent aux centres de courbure et tangentes ou normales, des courbes ainsi engendrees, comme enveloppes de segments rectilignes NMQ , dont les extremités s'appuyent sur les deux courbes fixes l' et l/;, formant avecces courbes un triangle mixtiligne d'aire constante ; même quand le poiní de contact M du segment le divise dans un rapport donné. M. G. Demartres s'occupe aussi de ce sujet, dans son Cours de Geo- metrie iníinitesimale, cité par M. F. Balitrand. Or, en regardant d'abord aussi Ie qnart d'eííipse OAB, on a à analy- ser le cas oü le segment A T, est píus petit que le demi-axe oemiofocal AO 1 (n.° 12), ou on a R.a<~a , et par suite, la somme des aires du íriangle 2 mixtiligne OTR et de Ia demi-bouche ^45 n'est pas equivalente ou egale à celíe de ce quart d'ellipse, ou 1'aire de Tellipse ne peut être equivalent à celíe de Ia sextique TRSRR^SR à deux points doubles. Tel est le cas oü 1'équivalence des deux aires considérées par M. R. Goormaghtigh n'a pas lieu d'oü ií résulte que sa réponse est en défaut; et ainsi d'après ce que nous avons dit dans notre réponse directe, trans- cripte, dans Uintérmediaire des Mathématiciens, par sa savant Rédac- tion (*), qui nous fait 1'honneur de Ia regarder ífplus complète que cel- les précédernent parues, et qui íait la distinction essentielle entre les deux cas à considérer.» REMARQUE 14— On peut d'une manière analogue considérer le lieu géométrique du point symétrique du centre de courbure d’une ellipse, par rapport aux points correspondants de cette conique. (*) Vay. Fintermédiaire des Mathématiciens, T. XXIII, septembre-cctobre, 1916, p. 208, question proposée n.o 4568. A UREASE DA SOJA HÍSPIDA POR ACHILLES MACHADO Professor da Faculdade de Sciências Um enzima que se presta ao estudo da marcha da hidrólise da ureia. Método que utilizámos neste estudo. Na semente da Soja híspida encontra-se um enzima, uma urease , que é utilizável no doseamento da ureia; esta é transformada em carbonato de amónio, donde depois se des- loca o amoníaco que é recebido num excesso de ácido titulado. Esta urease presta-se muito bem ao estudo das propriedades dos enzi- mas: influência da temperatura, da quantidade do enzima e da quantidade inicial da ureia na velocidade da hidrólise, marcha desta, em certas con- dições, etc. As experiências que nesse sentido fizemos baseiam-se na comodidade com que se acompanha a marcha da hidrólise da ureia, pelo aumento que vai experimentando a condutibilidade eléctrica do soluto, à medida que a diamida, que não é electrólito, se transforma num sal, o carbonato de amó- nio, capaz de conduzir a corrente eléctrica. Para obter um soluto de enzima basta reduzir a farinha (num pequeno moinho) algumas sementes da Soja, desfazer a farinha em água destilada e filtrar. Num vaso de resistências, em ligação com uma ponte de Wheatstone e mantido num banho a 40°, introduz-se um volume conveniente de água destilada; junta-se depois um volume determinado do soluto do en- zima, préviamente levado à temperatura de 40°. A adição do enzima aumenta considerávelmente a condutibilidade da água. Efectivamente, dissolvidos juntamente com o fermento, encon- tram-se vários electrólitos, provenientes da semente, principalmente clo- retos. Determinada a condutibilidade própria do líquido contido no vaso de resistências, estamos em condições de estudar a marcha da hidrólise da ureia. Ao soluto contido naquele vaso juntamos um determinado volume dum soluto de ureia, de concentração conhecida (e préviamente aquecido a 40°); agitamos o líquido e, de minuto a minuto (ou mesmo de meio em 26 Ackilles Machado meio minuto), fazemos na ponte as leituras que nos permitem calcular a resistência e portanto a condutibilidade do líquido, no fim de cada in- tervalo de tempo; mantêm-se o vaso à temperatura constante de 40° e vão-se fazendo as leituras na ponte, até se chegar a uma resistência cons- tante. Das condutibilidades calculadas poderíamos passar para as condutibili- dades específicas , multiplicando as primeiras pela constante (ou capaci- dade) do vaso de resistências. Não tem interêsse fazer essas multiplicações e utilizaremos directa- mente as condutibilidades deduzidas das leituras feitas na ponte; estas condutibilidades são proporcionais às condutibilidades específicas, visto que em todas as experiências empregámos o mesmo vaso de resis- tências. Com os valores das condutibilidades podemos traçar uma curva que representa a variação da condutibilidade em função do tempo. Poderemos depois repetir a experiência empregando quantidades dife- rentes de enzima, ou quantidades diferentes de ureia, ou variando a tem- peratura, ou estudando a marcha da hidrólise em presença do carbonato de amónio, etc. Conhecidas as condutibilidades correspondentes a cada momento da experiência, podemos calcular fácilmente a quantidade de ureia hidroli- sada no fim de cada intervalo de tempo. Como se trata de solutos bastante diluídos de carbonato de amónio, podemos admitir, sem êrro considerável, que o aumento total de conduti- bilidade do líquido contido no vaso de resistências, depois de terminada a hidrólise, está para a quantidade inicial de ureia, assim como o aumento da condutibilidade, num certo intervalo de tempo, está para a quantidade de ureia hidrolisada durante êste intervalo. Para determinar com rigor a quantidade de ureia hidrolisada, para cada valor da condutibilidade do líquido, seria necessário ter a curva re- presentativa da variação da condutibilidade (a 40°) dum soluto de carbo- nato de amónio, em função da concentração dêste soluto. Entrando na curva com a condutibilidade medida num dado momento, poderíamos determinar a proporção de carbonato de amónio e, portanto, a proporção de ureia já hidrolisada a êsse tempo. Não dispúnhamos dos dados necessários para construir a curva e, por outro lado, o êrro cometido, admitindo que há proporcionalidade entre o aumento da condutibilidade e a proporção da ureia hidrolisada, é pequeno, porque nos solutos de diluições pouco diferentes do carbonato de amó- nio, o grau de dissociação não experimenta diferenças muito notáveis. A urea.se da Soja kíspida 27 Até que ponto a marcha da hidrólise obedece a fórmula logarí- tmica. Calculado o pêso da ureia hidrolisada no fim de cada intervalo de tempo, podemos verificar se a marcha da hidrólise obedece à fórmula logarítmica. Sendo x a quantidade de ureia hidrolisada no fim do tempo t, será, neste momento, a velocidade da transformação : d x dt = k (a - x) em que a representa a quantidade inicial de ureia e k uma constante. Integrando a equação anterior, teremos: Fazendo x = -^-vem k=y 1. 2, sendo t o tempo necessário para a hidrólise de metade da ureia inicial. Tendo determinado x, pelo método indicado, podemos verificar se o valor de k é efectivamente constante. Como se vê, é necessário conhecer t; ora não é fácil determinar com precisão o tempo zero . Se fôr t o momento em que começamos a juntar ao soluto do enzima, contido no vaso de resistências, um determinado vo- lume do soluto de ureia e í o momento em que, depois de realizada a mistura, se faz a primeira leitura na ponte, poderemos com certa aproxi- t _i_ t f mação, tomar para origem dos tempos o valor — y- ; como t e i são bas- tante próximos (diferem, por exemplo, dum minuto), o êrro cometido em tomar para tempo zero o que corresponde ao momento n^° é con- siderável. Preferimos, contudo, proceder de forma a evitar êsse êrro, no cál- culo de k . Seja t o momento em que fazemos a primeira leitura na ponte, depois de ter misturado o soluto de ureia com o soluto do enzima ; Seja l! o momento em que se faz uma outra leitura na ponte; sejam x e x' os pesos de ureia hidrolisada, nos momentos t e t \ teremos: a a kt = l. a — x e kt' = I. a — x' Achilles Machado Das duas equações anteriores tira-se : donde: Assim calculamos os valores de k, independentemente do conhe- cimento do momento inicial da hidrólise da ureia pela acção do en- zima. Como veremos, o valor de k é sensivelmente constante, no caso de so- lutos que contêem uma proporção não muito pequena de ureia, 0,2% por exemplo ; no caso dos solutos muito diluídos de ureia, o valor de k cresce, à medida que a hidrólise progride. Influência que sobre a velocidade da transformação tem a pro- porção DO ENZIMA, A PROPORÇÃO INICIAL DE UREIA E A PRESENÇA DO CAR- BONATO de amónio. Entre a concentração do enzima e a condutibilidade dos seus solutos, obtidos pelo modo indicado, há uma certa proporciona- lidade ; de facto, a quantidade de sais dissolvidos está numa relação gros- seiramente constante com a quantidade do enzima que fica em solução. Dêste modo, medindo a condutibilidade do iíquido que se obtêm tra- tando pela água a farinha da semente e filtrando, faz-se idea da proporção do enzima presente. Dos resultados, adiante referidos, dalgumas das experiências a que procedemos, deduz-se como o tempo necessário para a hidrólise da ureia aumenta com o pêso iniciai desta subsistância. Verifica-se que o tempo da transformação varia aproximadamente na razão inversa da proporção do enzima presente e aprecia-se como a presença do carbonato de amó- nio faz diminuir a velocidade da hidrólise. Aparelhos empregados na determinação das resistências. Como vaso de resistências, empregámos um vaso de Ostwald, cilíndrico, com electrodos de platina platinados, de grande superfície e deslocáveis, por forma a poderem aproximar-se suficientemente, como convêm na medi- ção de resistências de solutos muito diluídos. Utilizámos uma ponte de Wheatstone, de rolo, e uma bobina de Ruhmkorff. Para manter a temperatura do vaso de resistências constantemente a A urease da Soja híspida 29 40°, não pudemos utilizar o termostato que possuímos, por não dispor- mos de gás iluminante. Procurámos todavia manter à temperatura constante de 40° a água em que mergulhava o vaso de resistências. Condutibilidade própria dos solutos de ureia. Os solutos de ureia apresentam sempre certa condutibilidade, facto talvez devido a não ser absoluta a pureza da amida ou talvez proveniente dum comêço de hi- drólise, determinada pela água dissolvente. No vaso de resistências introduzimos água destilada, cuja condutibili- dade, a 40°, determinámos; o volume da água era de 62,cc3; juntando 5CC dum soluto de ureia a 4 °/o, a condutibilidade aumentou de 0,00099 ; o soluto tinha 0,297 °/o de ureia. A condutibilidade determinada corresponde aproximadamente à que no mesmo vaso de resistências apresenta um soluto de carbonato de amó- nio contendo 0,0069 °/o dêste sal, resultando da hidrólise dum soluto de 0,0043 % de ureia. Se a condutibilidade dum soluto de ureia deriva dum comêço de hi- drólise, podemos admitir que a proporção de ureia que é assim hidroli- sada pela dissolução, anda por 0,014 do pêso de ureia dissolvida. Podemos admitir, com suficiente aproximação, que um soluto de ureia a 0,1 % tem (no vaso de resistências que empregámos) a condutibi- lidade 0,000333. Um soluto de p gramas de ureia, com o volume v, terá, aproximada- mente a 40°, a condutibilidade p X — X 100 ou p X O pêso de ureia hidrolisada pela água será 0,014 p; o pêso de ureia não hidrolisada será p (1 — 0,014) = p XO, 986. Determinação da condutibilidade inicial do soluto de ureia, em presença do enzima. Como dissemos, para estudar a marcha da hidrólise, introduz-se no vaso de resistências um certo volume v do soluto do en- zima, cuja condutibilidade c, a 40°, se determina; a êste volume junta- se o volume v' dum soluto de ureia, contendo p gramas de ureia; mistu- ram-se os líquidos e de minuto a minuto, fazem-se as leituras na ponte; para estudar a marcha da hidrólise precisamos saber qual é a conduti- bilidade inicial do líquido, no momento em que começa a estar subme- tido à acção do enzima. Em primeiro lugar, notaremos que, pelo facto da diluição com o so- luto de ureia, a condutibilidade c se tornou em ; por outro lado, o 30 Ackilles Machado próprio soluto de ureia trouxe, como dissemos, um aumento de conduti- 0 333 biiidade do líquido, aumento que tem o valor p X pp A condutibilidade inicial é pois c V . 0,333 cv + 0,333 p P X Ç4V OU v + v, O peso inicial de ureia (não hidrolisada) é, como vimos, 0,98ó p gramas. Experiência feita com um soluto relativamente concentrado de ureia. Reduziram-se a farinha 4 sementes de Soja, com o pêso total de 0,gr5. Desfez-se a farinha em 100cc de água; passados alguns minutos, filtrou-se. Tomando 10cc do líquido filtrado e diluindo-o até 100cc, obteve-se um líquido que tinha, a 40°, a condutibilidade 0,00227. No vaso de resistências introduzimos 70cc de água destilada, a que juntámos 10cc do soluto do enzima; determinámos a 40° a condutibilidade do soluto, 0,00284. Introduziram-se no vaso 5CC dum soluto de ureia a 4%, a 40°; agi- tou-se o líquido e foram-se fazendo na ponte, as leituras, de meio em meio minuto. No quadro seguinte estão indicadas as condutibilidades. A condutibilidade inicial (correspondente ao tempo indicado zero) foi i t i i i j 0,00284X80 + 0,333X0,2 n^0/ir calculada pelo modo acima indicado : — — = 0,00345 • O pêso da ureia que se deve considerar inicial é 0, 986X0, gr2 = 0,gr1972. A urease da Soja híspida 31 QUADRO I TEMPO CONDUTIBILIDADES TEMPO CONDUTIBILIDADES (minutos) í (minutos) 0 0,00345 24 0,02534 1 426 25 2600 1,5 495 26 2665 2 562 27 2730 2,5 627 28 2795 3 690 29 2859 3,5 752 30 2923 4 812 31 2987 4,5 871 32 3050 5 929 36 3298 5,5 986 37 3359 6 1042 41 3599 6,5 1097 49 4071 7 1151 56 4166 8 1251 57 4508 9 1349 58 4551 10 1446 59 4573 11 1541 60 4594 12 1634 61 4617 13 1724 62 4629 14 1810 63 4639 15 1892 64 4661 16 1970 65 4674 17 2047 66 4684 18 2122 67 4707 19 2194 68 4718 20 2264 69 4730 21 2333 70 » 22 2401 71 23 2468 72 » Para calcular a quantidade de ureia que tem sido hidrolisada, pela presença do enzima, no fim de cada intervalo de tempo, admitiremos, como já dissemos, que há proporcionalidade entre o aumento da con- dutibilidade do soluto e a quantidade de carbonato de amónio for- mado. Se pela transformação de 0gr,1972 de ureia a condutibilidade aumen- tou de 0,04730 — 0,00345 = 0,04385, a um aumento a da condutibili- Achilles Machado dade corresponderá um pêso x de ureia hidrolisada, dado pela propor- ção : 0,04385 0,1972 donde se tira : x = aX4,497 Com os valores de x assim calculados determinámos os valores de k, utilizando, como dissémos, a fórmula : em que representa o pêso de ureia que tinha sido hidrolisada quando se fez a primeira leitura na ponte (no tempo designado 1); no caso de que estamos tratando, é xi = 0,00364 e por isso é : 1 0,1972 — 0,00364 1 - 0,19356 k~~t— 1 0g* 0,1972 — x t-1 10g* 0,1972 — x Empregámos, por comodidade, os logaritmos "decimais. Os valores de x e os valores correspondentes de k, relativos a um certo número de observações, vão indicados no Quadro li. QUADRO ií TEMPO PESOS DE UREIA VALORES TEMPO PESOS DE UREIA VALORES (minutos) HIDROLISADA de k (minutos) HIDROLISADA de k 1 0,00364 20 0,0861 0,0127 3 0,0155 0,0137 25 0,1014 0,0127 6 0,0313 0,0134 30 0,1159 0,0130 9 0,0451 0,0131 36 0,1328 0,0136 12 0,0580 0,0130 41 0,1463 0,0145 15 0,0696 0,0129 49 0,1675 0,0169 Como se vê, enquanto a quantidade da ureia presente no soluto não foi inferior a 0gr,081 (até t = 30), o valor de k manteve-se quási constante, di- minuindo todavia um pouco desde o comêço da hidrólise. A partir de t = 30, o valor de k cresceu sucessivamente, ao passo que a hidrólise progrediu. Tomando para valor de k a média dos valores que toma de t=l a A urease da Soja híspida 33 t = 30, isto é, fazendo k = 0,0130, podemos calcular as condutibilidades que, para êste valor de k, correspondem a diversos momentos da hidrólise. Empregaremos a fórmula k= ^77 log. • sen<^° N 0 número cujo logaritmo é k (t — 1), será x = 0,1972 — 0,1 — Calculámos os seguintes valores de x: TEMPO (minutos) PESOS X DE UREIA | HIDROLISADA TEMPO (minutos) l PESOS X DE UREIA HIDROLISADA 1 ; 0,00364 20 0,0876 3 0,0150 25 0,1028 6 0,0305 30 0,1160 9 0,0448 36 0,1293 12 0,0580 41 0,1388 15 0 0 — j 0 0 49 0,1512 Com os valores de x calcularemos os aumentos da condutibilidade, admitindo, como temos feito, a proporcionalidade entre o aumento da condutibilidade e o pêso do carbonato de amónio resultante da hidrólise. Estabeleceremos a proporção: 0,1972 _ x 0,04730 — 0,00345 “ c ; donde tiraremos c = xX 0,2223. Se a c juntarmos 0,00345, obteremos a condutibilidade do líquido. No quadro III estão indicadas as condutibilidades calculadas que vão em confronto com as que foram determinadas experimentalmente : QUADRO III TEMPO PESOS DE UREIA CONDUTIBILIDADES CONDUTIBILIDADES (minutos) HIDROLISADA CALCULADAS EXPERIMENTAIS 1 0,00364 0,0043 0,0043 O O 0,0150 0,0068 0,0069 6 0,0305 0,0102 0,0104 9 0,0448 0,0134 0,0135 12 0,0580 0,0163 0,0163 15 0,0700 0,0190 0,0189 20 i 0,0876 0,0229 0.0226 25 0,1028 0,0263 0,0260 30 0,1160 0,0292 0,0292 3 34 Achilles Machado Como se vê, as condutibilidades calculadas, para os valores de t que não excedem 30 minutos, concordam bem com os valores experi- mentais. O acréscimo de k , a partir de t = 30, não pode ser atribuído aos er- ros cometidos no cálculo das quantidades de ureia hidrolisada em cada intervalo de tempo. O pequeno êrro que resulta de se admitir proporcionalidade entre o aumento da condutibilidade e a proporção do carbonato de amónio, dá em resultado obter para cada valor da condutibilidade um valor de a: maior do que se obteria se atendêssemos ao aumento que o grau de dis- sociação experimenta com a diluição. A causa de êrro traduz-se, pois, em obter para k valores ligeiramente maiores do que se deveria obter. Uma outra causa de êrro se pode apontar; durante a hidrólise, pode perder-se uma pequena quantidade de carbonato de amónio, tanto mais apreciável quanto maior é a concentração primitiva da ureia e quanto mais tempo dura a hidrólise. Esta causa de êrro que se pode desprezar, no caso de solutos diluídos de ureia, dará em resultado que, sobretudo para o fim da hidrólise, se de- terminem condutibilidades inferiores às que realmente se determinariam, se não houvesse perda de carbonato de amónio. Pode esta perda ter certa influência no valor de k, mas o êrro pode atenuar-se evitando toda a agitação do líquido contido no vaso de resis- tências, durante a hidrólise. Influencia da quantidade inicial de ureia no tempo da transfor- mação. No quadro IV estão indicados os valores das condutibilidades obtidas com um soluto que apenas tinha 0gr,04 de ureia, empregando-se sensivelmente a mesma quantidade de enzima que empregámos na experiên- cia cujos resultados estão indicados no quadro I. No quadro IV vão íambêm indicados os pesos de ureia hidrolisada, no fim de certos intervalos de tempo e os valores correspondentes obtidos para o k da fórmula logarítmica. Nota-se que esta quantidade não é constante, pois aumenta à medida que a hidrólise progride. O soluto do enzima, contido no vaso de resistências, ocupava 82cc e tinha, a 40°, a condutibilidade 0,0Q31óô; juntou-se lcc dum soluto de ureia a 4%; a condutibilidade inicial calculada, pelo modo já indicado, é 0,003166X82 + 0, 333X0, 04=aoQ329 O pêso inicial da ureia é 0,986X0,04 = 0,03944. A urease da Soja híspida 35 Os pesos de ureia hidrolisada são calculados pela fórmula x = *X3,518 € os valores de k pela fórmula; k= log. 0 03944'— "x QUADRO IV TEMPO CONDUTIBILIDADES PESOS DE UREIA VALORES DE k (minutos) HIDROLISADA 0 0,00329 1 434 0,00369 2 549 3 663 0,0117 0,0551 4 770 5 866 6 958 0,0225 0,0619 8 1140 10 1227 0,0316 0,0732 12 1305 14 1365 0,0364 0,0823 15 1392 16 1410 0,0380 0,0930 17 1427 19 1450 21 » 23 1 Influencia da proporção do enzima na velocidade da transforma- rão. Nos quadros V e VI estão indicados os resultados obtidos em duas experiências, na segunda das quais se empregou uma quantidade de en- zima dupla da que se empregou na primeira. Verifica-se que o tempo necessário para a transformação total da ureia, no segundo caso, anda por metade do tempo necessário para a hidró- lise no primeiro caso. Em ambas as experiências se empregou um soluto bastante diluído de ureia (contendo no vaso de resistências CF, 04 desta substância). Os valores de k, numa como noutra experiência, aumentaram, à medida que a hidrólise progrediu. Dez centímetros cúbicos de soluto de enzima, sendo diluídos até 100,cc forneceriam um soluto cuja condutibilidade (entre os electrodos do vaso de resistências) seria de 0,00085. Na primeira experiência introduziram-se no vaso de resistências 57cc de água destilada e 10cc de soluto de enzima. A condutibilidade, a 40°, foi de 0,001263. Juntou-se ao líquido lcc dum soluto de ureia, a 4 %. 36 Achilles Machado A condutibilidade inicial, calculada pelo modo já indicado, é 0,001263 X 67 + 0,333 X 0,04 68 =0,00144. O pêso inicial da ureia é 0,980X0,04 = 0,03944. Os pesos de ureia hidrolisada calculam-se pela fórmula: 0,03944 X 0,01510—0,00144 a X 2,887. Os valores de k foram obtidos por meio da fórmula : 1 . 0,03944 — 0,003118 1 . 0,036322 k “ t— 1 l0g * 0,03944 - x “ t — 1 i0g ' 0,03944 — x QUADRO V TEMPO CONDUTIBILIDADES PESOS DE UREIA VALORES DE k (minutos) HIDROLISADA 0 0,00144 1 0,5 189 1 252 0,003118 1,5 313 2 368 2,5 422 3 475 0,009556 0,0423 3,5 525 4 573 4,5 621 - 5 669 5,5 716 6 762 0,01784 0,0451 6,5 807 7,5 895 , 8,5 963 9,5 1030 0,02557 0,0491 10,5 1097 12,5 1227 14,5 1290 0,03308 0,0560 16,5 1351 18,5 1410 í 20,5 1455 | 22,5 1482 j 24,5 1500 26,5 1507 28,5 1510 30,5 * 1 32,5 » 1 A urease da Soja híspida 37 Na experiência cujos resultados se indicam no quadro VI, introduzimos no vaso de resistências 67cc de água destilada e 20cc do mesmo soluto de enzima empregado na experiência anterior. A condutibilidade do líquido (entre os electrodos do vaso de resistências), a 40°, era de 0,00201. Juntou-se lcc do soluto de ureia a 4°/o e no fim de cada intervalo de tempo, indicado no quadro VI, fez-se a leitura na ponte. Alêrn das condutibilidades, indicam-se no quadro os pesos da ureia hidrolisada, no fim de certos intervalos do tempo e os valores de k corres- pondentes. A condutibilidade inicial foi calculada pelo modo indicado e tem o valor 0,0020 1x87 + 0,333 X 0,04 = 88 1 O pêso inicial da ureia era de 0gr, 04 X 0,986 = 0gr, 03944. Os valores de x foram calculados pela fórmula : 0,03944 X— 0,01269 — 0,00214 a X 3,738 Os valores de k foram obtidos por meio da fórmula: , _ 1 . 0,03342 k — t— 1 l0£* 0,03944 — x QUADRO VI TEMPO CONDUTIBILIDADES PESOS DE UREIA (minutos) 1 HIDROLISADA 0 0,00214 0,5 286 1 375 0,00002 1,5 444 2 512 2,5 578 3 640 0,01592 3,5 700 4 j 751 5 848 6 931 0,02680 7 1005 8 1076 9 1130 0,03424 VALORES DE k 0,0763 0,0844 0,1010 38 Achilles Machado QUADRO VI (conclusão) TEMPO CONDUTIBILIDADES PESOS DE UREI A (minutos) HIDROLISADA 10 0,01182 11 1215 12 1242 ■ 13 1256 14 1266 1 15 1269 16 » 17 » 18 & t VALORES DE k Os acréscimos que experimenta a condutibilidade com o tempo, nas duas experiências anteriores, estão referidos no quadro VII. Os valores correspondentes à segunda experiência foram multiplicados 88 pelo factor ^==1,29, para atender ao efeito da diluição e tornar compará- veis os aumentos da condutibilidade que, nos dois casos, correspondem ao mesmo intervalo de tempo. A fig. 1 traduz gráficamente o aumento da condutibilidade em função do tempo. A curva superior refere-se à experiência em que a proporção do enzima é maior. A urease da Soja híspida 39 QUADRO VII TEMPO AUMENTO DA CONDUTIBILIDADE l.a experiência 2. » experiência 1 0,001 os 0,00207 2 224 384 3 331 549 4 429 693 5 525 818 6 618 925 7,5 751 8 \ 1112 8,5 819 10 [ 1249 10,5 953 14 1357 14,5 1146 15 1361 18,5 1266 22,5 1338 28,5 1366 Influência da presença do carbonato de amónio na velocidade da hidrólise da ureia. Nos quadros VIII e IX estão referidos os resultados de duas experiências que mostram como a presença do carbonato de amónio faz baixar a velocidade da hidrólise da ureia. Na experiência a que diz respeito o quadro VIII, empregámos no vaso de resistências 7ócc de água destilada e 10cc dum soluto de enzima, que, sendo diluídos a 100cc, forneceriam um soluto com a condutibilidade 0,00178, a 40°. O soluto contido no vaso de resistências tinha a condutibilidade 0,00207. Juntou-se ao soluto icc dum soluto de ureia a 4% (correspondendo a 0gr,064 de carbonato de amónio). A condutibilidade inicial, calculada pela maneira já indicada, tinha o valor: 0,00207X86 + 0,555X0,04 = 87 O pêso inicial da ureia era de 0, 98õX0gr, 04 = 0gr, 03944. 40 Achilles Machado Os pesos da ureia hidrolisada foram calculados pela fórmula 0,03944 v ^ « 7n o X 0,01285— 0,00220 Os valores de k foram obtidos por meio da fórmula : 0,03222 0,03944 — x QUADRO VIII TEMPO (minutos) CONDUTIBILIDADES I PESOS DE UREIA HIDROLISADA VALORES DE 0 0,00220 0,5 291 1 388 0,00622 1,5 452 2 570 2,5 567 3 619 0,01477 0,0646 3,5 669 4 718 4,5 766 5 813 5,5 859 6 897 0,02507 0,0728 6,5 931 7 964 ‘7,5 992 8,5 1043 9 1068 0,03140 0,0770 9,5 1093 10 1117 11 1158 12 1193 0,03603 0,0898 13 1221 14 1244 15 1260 0,03851 0,0111 16 1273 17 1285 . 18 » 19 » 20 ,, I 1 A urease da Soja híspida 41 Ao líquido contido no vaso de resistências, depois da hidrólise da ureia, juntámos novamente 0gr,04 de ureia (4CC dum soluto de ureia a 1 °/o.) A condutibilidade inicial, calculada pelo modo indicado, foi de 0,0 1 285 X 87 -j- 0,333 X 0,04 91 0,01243 A quantidade de ureia inicial era de 0,986 X 0gr, 04 === 0,gr03944. Os pesos de ureia hidrolisada foram determinados por meio da fórmula : x = âX 0,03944 = aX 3,859 0,02265 - 0,01243 Os valores de k foram determinados pela fórmula : . 1 . 0,3574 k — t— 1 Iog* 0,03944- QUADRO IX TEMPO CONDUTIBILIDADES PESOS DE UREIA HIDROLISADA VALORES DE k 0 0,01243 0,5 1290 1 1339 0,00370 1,5 1377 2,5 1460 3 1497 0,00980 4 1574 5 1643 6 1707 0,01790 0,0440 7 1764 8 1814 9 1864 0,02396 0,0454 10 1907 11 1949 12 1988 0,02875 0,0476 13 2025 14 2057 15 2091 0,03272 0,0518 16 2120 17 2146 18 2172 19 2187 20 2208 21 2224 / 42 Achilles Machado QUADRO IX (conclusão) TEMPO CONDUTIBILIDADES PESOS DE UREIA VALORES DE k HIDROLISADA 22 2237 23 2248 24 2257 25 2265 26 27 » 28 29 » Como se vê, k não é constante ; cresce ao passo que a hidrólise pro- gride como já temos observado com outros solutos bastante diluídos de ureia. Para cada valor de t, o valor de k baixa, pela presença do carbonato de amónio, no soluto de ureia. Os aumentos da condutibilidade, em função do tempo, nas duas expe- riências anteriores, estão indicados no quadro X. Os aumentos relativos ao caso em que está presente o carbonato de 91 amónio foram multiplicados pelo facíor ^ =1,046, para atender ao efeito da diluição e tornar comparáveis os valores relativos ao mesmo intervalo de tempo, nas duas experiências. C Fig. 2 A urease da Soja híspida 43 A fig. 2 traduz gráficamente o aumento de condutibilidade, em função do tempo. A curva inferior refere-se ao caso em que está presente o carbonato de amónio. QUADRO X AUMENTO DE CONDUTIBILIDADE TEMPO Sem carbonato Em presença do carbonato de amónio inicial de amónio 1 0,00168 0,00100 2 | 290 3 399 2Õ6 4 498 1 346 5 393 418 6 677 485 7 744 545 9 848 649 10 897 i 694 12 975 770 14 1024 861 16 1033 917 17 1065 18 972 20 1009 22 i 1010 24 j 1060 25 ! 1069 Especificidade da urease da Soja. Verificámos se a urease da semente da Soja tem acção hidroíisante sobre algumas substâncias q.ue possuem a função amida e de que dispúnhamos no laboratório: oxamida, benzamida asparagina, criogenina. Nenhuma destas substâncias foi hidrolisada. DECOMPOSIÇÃO DOS OXALATOS PELO ÁCIDO CLÓRICO, EM PRESENÇA DO ÁCIDO AZÓTICO por ACH1LLES MACHADO Professor da Faculdade de Sciências São bem conhecidos os inconvenientes que tem, em análise, a decom- posição dos oxalatos pelo calor. Por outro lado, a decomposição dêstes sais torna-se por vezes neces- sária, especialmente no caso da pesquisa dos metais do grupo do ferro, em presença de oxalatos alcalino-terrosos. A decomposição pelo calor, especialmente quando é efectuada por quem não tenha grande experiência, determina, freqüentes vezes, a fractura de cápsulas e tem, por outro lado, o inconveniente, de poder dar origem à formação de substâncias de difícil dissolução, tais como os óxidos férrico e de crómio. Para evitar estes inconvenientes, que são sobretudo para recear quando se trata dos trabalhos práticos de laboratório, efectuados pelos estudantes, procurámos processo mais cómodo de decomposição dos oxalatos. A decomposição dêstes sais pelo ácido sulfúrico tem, entre outros, o inconveniente de transformar em sulfatos insolúveis os metais alcalino- -terrosos, o que torna mais difícil o seu reconhecimento. A decomposição dos oxalatos pelo permanganato de potássio tem a des- vantagem de introduzir o manganésio que pode ser uma das substâncias a pesquisar, especialmente se com os oxalatos estiver o fosfato de man- ganésio. A evaporação, ainda que repetida duas ou três vezes, do soluto azótico da substância, não determina a decomposição completa dos oxalatos, mesmo que se empregue o ácido nítrico fumante. A oxidação pela água régia ou pelo clorato de potássio, adicionado ao soluto clorídrico da substância, também é incompleta. Obtivemos um resultado muito satisfatório fazendo a oxidação pelo ácido clórico, em presença do ácido azótico. O produto a analisar é dissolvido em ácido azótico e ao líquido em ebulição juntam-se, pouco a pouco, algumas gotas de ácido clórico. A oxidação dos oxalatos é assim rápida e completa. 4ó Achillcs Machado Não se dispondo de ácido clórico, pode utiiizar-se o clorato de potás- sio em pó que é adicionado, por pequenas parcelas, ao soluto azótico ebuliente da substância. Evidentemente, a substituição do ácido clórico pelo clorato de potássio tem o inconveniente da introdução dêste metal. Um outro processo puzemos em prática que também determina uma decomposição completa dos oxalatos. Consiste em tratar o soluto azótico e ebuliente da substância com pe- quenas e repetidas porções de bióxido de chumbo. Este metal é depois eliminado pelo ácido sulfídrico. Consideremos o caso em que no precipitado determinado pela amónia, na marcha geral de análise, temos de procurar o ferro, o alumínio, o crórnio, o manganésio, em presença do fosfato e oxalato de bário, estrôn- cio, cálcio e magnésio. Poderemos seguir, com comodidade, a marcha seguinte. Seja P o precipitado determinado pela amónia e L o líquido fil- trado. Dissolve-se o precipitado em ácido azótico e neste soluto precipita-se o ácido fosfórico pela acção do estanho metálico; filtra-se e ao líquido filtrado e ebuliente (a que se tem juntado mais ácido azótico) juntam-se algumas gotas de ácido clórico. Expulsa-se o ácido azótico pelo ácido clorídrico que reduz quaisquer produtos de oxidação do crómio ou do manganésio que possam ter-se formado. Dilui-se e submete-se o líquido à acção do ácido sulfídrico que precipita o estanho. Filtra-se e no líquido filtrado, depois de expulsar o ácido sulfídrico por ebulição, podemos procurar o ferro, alumínio, crómio, manganésio, metais alcalino-terrosos e magnésio. Também poderíamos juntar o líquido filtrado e liberto de ácido sulfí- drico, ao líquido L e na mistura procurar todos os metais dos grupos do alumínio, zinco e bário, o magnésio e os metais alcalinos. Empregando o bióxido de chumbo, em vez do ácido clórico, procede- mos do modo seguinte. No soluto azótico do precipitado P eliminamos o ácido fosfórico pelo estanho metálico. Fiitramos e ao líquido filtrado e ebuliente (adicionado de mais ácido azótico) juntamos pequenas doses repetidas de bióxido de chumbo, prolongando por alguns minutos a acção oxidante. Expulsa-se o ácido azótico pelo ácido clorídrico, o que determina a redução dos compostos de oxidação do crómio e manganésio, que pos- sam ter-se formado. Decomposição dos oxalatos pelo ácido clórico, em presença do ácido azótico 47 Dilui-se e, sem filtrar, submete-se o produto à acção da corrente do ácido sulfídrico que precipita simultâneamente o estanho e o chumbo. No líquido filtrado, depois de expulsar o ácido sulfídrico por ebulição, procuram-se ferro, alumínio, crómio, manganésio, bário, estrôncio, cáleio e magnésio. Pode-se também juntar o líquido filtrado e liberto de ácido sulfídrico ao líquido L e na mistura procurar todos os metais do grupo do alumínio, zinco e bário, o magnésio e os metais alcalinos. SUR UNE PROPRIÉTÉ RELATIVE AU TRIANOLE ISOSCÉLE par ALFREDO SCHIAPPA MONTEIRO Professeur à la Faculté des Sciences Soit ABC un triangle isocèle, D le point milieu de la base BC, M un point quelconque de celle-ci. On abaisse les perpendiculaires MP, MA, sur les cotés AB, AC, et on mène par le point M , une parallèle á PQ, qui rencontre en E le cercle de diamètre AM. Quel est le lieu géométrique décrit par le point de rencontre de la droite DE avec la perpendiculaire au milieu de AE, lorsque le point M décrit la droite AB ? (*) l. s. SOLUTION Soient O et e respectivement le centre du cercle (O), ayant pour dia- mètre AM, et le point milieu de la corde AE. II est clair que lorsque le point M se déplacera sur la base BC du triangle isóscele, le centre du cercle (O) restera continuellement sur une droite 00, parallèle à celle-ci ainsi que équidistant de sommet A. D'ai!leurs ce cercle passant par D, M et A coupera la droite AMf, menée par A paraílélement á BC, au point M! , symétrique de M par rap- port à OOi. Or la corde AE du cercle (O) étant parallèle au diamètre DM! , le dia- mètre Oe perpendiculaire à cette corde passera par le point de rencontre X des cordes DE et M'A. Donc, le lieu géométrique du point d'intersection X de DE et de ia perpendiculaire Oe au milieu de AE est la droite AM1, menée par le sommet A du triangle isoscéle donné paraílélement à la base BC. Q. E. D. (*) Question n.o 331, proposée dans 1c Buletin de Sciences Mathématiques et Physiques elementaires, de M. Niwenglawski 1897. 4 50 Alfredo Schiappa Monteiro REMARQUE Comme on le voit, la génération de la droite X AM', peut s’obtenir sans considérer le triangle isoscèle ABC. En effet, étant donné un point D et une droit 00 1 si 1'on considère un angle droit DOe, ayant le sommet O canstamment sur cette droite et dont r un côté Do pivote autour de ce point 1'autre cote Oe coupera une droite DE, faisant avec le premier côté 1'angle EDC= ODC en un point X don le lieu géométrique sera 1a droite demandée AM'. De plus, le côté libre Oe aura pour enveloppe une parahole ( * ) ayant pour sommet le point milieu V de AD, pour directrice la droite AM', pour point focal le point D et pour polaire de ce point focal la droit 00 1. Lisbonne, mai 1897. DÉTERMINATION DU VOLUME DU SOLIDE POINTU RÉSULTANT DE LA RÉVOLUTION D'UNE DEMI — ELLIPSE AUTOUR D'UN QUELCONQUE DE SES DIAMÉTRES, QUI LA LIMITE (*) PAR ALFREDO SCHIAPPA MONTEIRO Professeur à la Faculté de Science» Comme on sait, le volume engendré par une surface plane quelconque, tournant autour dun axe extérieur , situé dans son plan } a pour mesure le produit de son aire par la circonférence de cercle, elécrite par son centre de gravité. D'après cela, en représentant par 0 1’angle formé par les deux diamé- tres conjugués 2á et 2b' de la demi-ellipse y (E), qui a pour axe semio- focal le diamètre 2a! de la demi-ellipse y (E), et pour axe asemiofocal 2b — 2b'sim ces deux demi-ellipses auron des aires équivalentes au égales à y altísim ou y a!b Or le centre de gravité de la demi-ellipse y (Ei) se trouvant à la distance g = de T axe de revo- lution 2a!, il en sera de même par rapport à la demi-ellipse y (E), et, par suite, le volume du ellipsoíde de révolutiou engendré par la demi-ellipse y (Ei), tournant autour de Táxe 2a!, sera égal au volume du solide pointu de revolution, engendré par la demi-ellipse y (E) tournant autour du dia- mètre 2a! ou -jna’b2 1 II est claire que 2b'sin 0 pourra etre plus grand ou plus petit que 2a! , et alors le solide de révolution devenir respectivêment aplati ou allongé. (*) Voy. rintermèdiaire des Mathématiciens T XIV-1907 sur 198. question proposée n.o 3276. 52 Alfredo Schiappa Monteiro REMARQUE On arrivera à des résultats analogues en eonsidérant 1'hyperbole et Ia parabole ; mais, dans ce cas, on peut regarder les aires limitées par les cour- bes et par les cordes, lesquelles peuvent même servir aussi d'axes de ré- volution. Lisbonne, avril 1908. DESPOJOS DE CEUTA por BALTHAZAR OSORIO Professor da Faculdade de Sciencias de Lisboa (Estampas I-II) Foi num livro da escola primária, o primeiro que soletrei na minha vida, que se me depararam, trasladados das Lendas e Narrativas de A. Herculano, os encantamentos da serra minhota da Franqueira. Nela se ostentava outrora, defensor das terras vizinhas, um castelo medieval, o de Faria, que emquanto os tempos o não venceram e derruíram, e os ho- mens não levaram as pedras testemunhas de um feito heróico, digno da tuba de um épico, foi repetindo às gerações que passaram, o auto da morte de Nuno Gonçalves, seu alcaide-mór, e as palavras em que êle encerrou a sua imaculada lialdade. Durante muito tempo ignorei se O Castelo de Faria era, como a Dama do pé de cabra , uma lenda encontrada nalgum códice ou raro pa- leotipo pelo grande historiador, ou se tinha por alicerce algum facto re- gistado pela história. Na crónica de El-rei D. Fernando, escrita por Fernão Lopes, 1 en- contrei um dia a fonte onde bebeu a inspiração do poemeto, da lenda citada, o maior e o melhor dos nossos historiadores coevos. Mas não só por êste monumento era célebre a serra da Franqueira. Herculano refere-se também no mesmo escrito a uma ermida por mais de um motivo notável, pois tendo sido fundada por outro representante augusto da lialdade portuguesa, Egas Moniz, ainda agora ali persiste de pé, talvez porque a crença a foi sempre alentando; importaram sempre mais aos homens as suas obras ligadas com as do céu, do que as perpe- tuadoras, como o castelo, das suas próprias façanhas. A respeito da ermida aludida diz Herculano : «Um eremiterio, fundado pelo celebre Egas Moniz, era o unico echo do » passado que ahi restava. Na ermida servia de altar uma pedra trazida de » Ceuta pelo primeiro duque de Bragança, D. Affonso. Era esta lagea a 1 Loc. cit. cap. LXXVIII. pag. 58 e seg. da edic. de 1897. 54 Balthazar Osorio »mesa em que costumava comer Salat-ibn-Salat, ultimo senhor de Ceuta. >D. Affonso que seguira seu pae D. João I na conquista d'aquella cidade »trouxe esta pedra entre os despojos que lhe pertenceram levando-a com- >sigoparaa villa de Barcellos cujo conde era. De mesa de banquetes mou- riscos converteu-se essa pedra em ara do christianismo. Se ainda existe, »quem sabe qual será o seu futuro destino». 1 Ao relermos há poucos anos êste trecho, dois factos nos interessaram : saber onde tinha Herculano co- lhido a informação de que entre os despojos de Ceuta tinha vindo para Portugal a mesa em que comia Salat-ibn-Salat; e se ainda existia a lágea como êle diz, visto que põe em dúvida a sua existência 2. A nossa curiosidade, relativa ao primeiro facto proveio de que, tendo conhecimento pelos cronistas da guerra de Ceuta, da índole e qualidade dos despojos daquela cidade trazidos pelos portugueses depois da sua conquista, nenhum dêles alude ao transporte da pedra que teve um fim tão venerável para aqueles tempos. Entretanto os historiais contam que tendo sido posto por terra e completamente derrocado o ostentoso e opu- lento palácio do senhor de Ceuta, o tecto duma sala, muitas das suas co- lunas, mais de mil, diz Azurara, foram trazidas pelos conquistadores para Portugal. Das colunas que outrora ornaram os pátios, as saías de banho, as soteas do rico alcaçar do mouro governador da cidade maometana, muitas existem ainda, dispersas pelo nosso país ; e se a história nos não dissesse qual a sua proveniência, a ornamentação e a forma dos seus capitéis nos revelaria que provinham dalgumas dessas moradias encantadas, em que teve a sua floração mais plena e exuberante a arquitectura árabe. Parte delas existem ainda hoje no lugar que D. João I lhe destinou, o convento da Carnota em Alemquer, convertido na habitação do seu actual possuidor, o Ex.mo Snr. Guilherme Henriques, que possui alêm das co- lunas empregadas no embelezamento dum pequeno jardim claustral, outras ou fragmentos doutras, que foram porém deslocadas do cenóbio d'Alemquer para edificação do jazigo da família do Ex.m<> Conde da Car- nota no Cemitério dos Prazeres. Mais adiante aludiremos a estas colunas. Fica, portanto, provada, pelo que acabamos de referir, a existência das colunas trazidas de Ceuta em construções modernas. Mas a mesa de Salat-ibn-Salat à qual nem Azurara, nem Fernão Lopes, Mateus de Pisano e outros historiadores da guerra de Ceuta se não referem? 1 Lendas e nanativas t. I-pag. 205 da 3.a edic. — 1865. 2 «Se ainda existe quem sabe qual será o seu futuro destino?» Ibidem, ibidem. Despojos de Ceuta 55 Pensei que o cronista da ordem dos frades que habitaram o con- vento da Franqueira, misérrimos franciscanos, não deixaria de aludir ao precioso tesouro, à mesa dos banquetes mouriscos convertida em ara do cristianismo. Afervorava-me esta ideia a leitura doutras crónicas monás- ticas, em que as minúcias descritivas, embora magníficas, chegam até à menção da temperatura das águas das fontes conventuais como faz Fr. Luís de Sousa ao referir-se às do seu mosteiro de Bemfica. Da do Sátiro, que ainda existe, dizia o famoso dominicano que era fresca e desnevada na maior força do sol do estio e temperada no inverno como um banho h No tomo I da Chronica da Provinda da Piedade (creio que o único publicado) escrita por Francisco de Sanflago, quási em seguida à narra- ção do alto feito do alcaide do Castelo de Faria, lê-se o seguinte: «que »já no anno de 1415 era muito celebre este Santuario de Maria Santís- sima; porque expugnando nesse anno El-Rei D. João I a Cidade de »Ceuta em África, achando-se com elie seu filho illegitimo D. Affonso »Conde de Barcellos, o primeiro Duque de Bragança, sepultado em o »nosso Convento de Chaves, fez este trazer para o dito Templo, por tro- »feo da Victoria, e memória do favor, que a Senhora lhe fizera n’aquella »occasião, em que se vio em grande aperto com os Mouros, huma pedra »de finíssimo jaspe, em que comia Coüubencayla, Senhor d'aquelía Ci- »dade»,1 2 o que consta de um livro antigo pertencente à mesma Igreja da Senhora, no qual se acha escrito o seguinte: Este Duque D' Affonso filho , bastardo de El-Rei D. João !, foi na tomada de Ceuta , e no despojo man- dou arrancar quinhentas columnas de mármore dos Paços de Colluben - cayla, e trouxe de lá huma meza de mármore muito fino , onde o dito Col- lubencayla comia, e a mandou pôr em huma Egreja de Barcellos no altar de Santa Maria da Franqueira, Ermida de grande romagem . E o conde de Benavente, o velho , pai do que era no anno de 1525 dava a D. Diogo Pinheiro, Bispo do Funchal, Primaz das Índias e Prior de S. Salvador de Pereiro, hum Pontifical de bordado rico, porque lha desse, e elle mandou dizer, que lha não daria pelo seu condado. «Das quinhentas columnas trouxe o Duque doze para os seus Paços »de Barcellos das quaes hoje não ha noticia; outras doze mandou El-Rei 1 Crónica de S. Domingos. Este carácter ou propriedade é muito comum nas águas que correm nos arredores de Lisboa e nas nascentes de Lisboa, pelo menos nós o temos verificado algumas vezes, e procurado a explicação que nos não parece fácil. 2 Loc. cit. pag. 284. 56 Balthazar Osorio »seu pae para o convento de Santa Catharina da Carnota, sobre as quaes »se armaram os arcos do claustro. A pedra da meza é de finissimo jaspe, »toda d'uma cor não muito branca, mas resplandecente, tem seté palmos »de cumprido, trez e meio de largo, e de grossura dous dedos. Serve de »ara ao Altar maior e está firmada pela parte de diante em trez columnas »do mesmo jaspe, redondas e delgadas á proporção da meza: suppomos »que terá outras trez pela parte posterior; o que se não pode ver sem » desfazer o Altar. O Author do Santuario Mariano accrescenta esta pedra »mais um palmo, mas he porque a não medio » Deriva das palavras que transcrevo que existiu um livro onde estava mencionada a doação feita pelo Duque D. Afonso e a proveniência da pedra que serve de ara do altar de N. S. das Neves na ermida da serra da Franqueira. Porém êsse documento desapareceu, e parece que para o caso que nos ocupa não tinha grande valor porque era evidentemente do sé- culo XVI ou posterior, pois nele se dizia que em 1525 o Conde de Be- navente a queria para si; não era portanto um documento que tivesse acompanhado a dádiva, servindo para justificar a sua proveniência afri- cana, ou o seu transporte para Portugal, que devia ter sido feito mais de um século antes. Herculano não cita o documento em que baseou a sua afir- mativa, porque realmente afirma. «Na ermida servia de altar uma pedra trazida de Ceuta pelo primeiro Duque de Bragança, D. Affonso». Não creio que o grande escritor se contentasse sómente com o que se encon- tra escrito na crónica monástica que citei, porque sabia qual a fé que se deve a muitas delas, cheias de crendices grosseiras, e de afirmações de factos inverosímeis. Não se encontrando porém o documento histórico vejamos se a sciência pode levar todas as dúvidas e esclarecer-nos acêrca da mesa de Ceuta. Que desta cidade vieram colunas e muitas colunas, não pode ha- ver dúvida; que algumas delas foram para o convento de Carnota está igualmente provado, e por mais de um documento. Que a pedra que foi mesa e é altar, assenta em colunas não só está provado pela narrativa do cronista religioso que citámos mas tam- bém pela estampa que vai junta a êste escrito e que representa o altar a que nos referimos. Ora esta forma de altar, uma pedra assentando sobre colunas, nunca a vimos em nenhuma das muitas igrejas em que temos entrado. É legítimo pensar que o Conde de Barcelos tendo oferecido à santa o tampo da mesa, e tendo muitas colunas à sua disposição, procurasse oferecer como suporte, as colunas que tinham a mesma proveniência, o Palácio de Salat-Ibn-Salat. Fr. Francisco de Sanflago que era da vila de Barcelos, e Despojos de Ceuta 57 cronista da ordem dos frades instalados no convento da Franqueira, teve, sem dúvida, muitas vezes ocasião de examinar o altar, e diz nos períodos que acima transcrevemos, que mesa e colunas são da mesma pedra. O Ex.mo Snr. Guilherme Henriques teve a amabilidade de nos man- dar, satisfazendo um nosso pedido, um fragmento de uma das partidas colunas de Ceuta, que existem no seu solar da Carnota. Mandámos esse bloco de mármore para Barcelos e pedimos a um parente nosso que lá vivia, homem inteligente e instruído 1 que comparasse a pedra que lhe remetemos com as colunas e pedra do altar da ermida da Franqueira e nos mandasse a sua opinião sobre a sua semelhança. A resposta foi que a pedra do altar e das colunas que a suportam, e a do fragmento da coluna que lhe mandámos, era da mesma qualidade, do mesmo mármore. Juntaremos ainda uma circunstância que poderá servir para provar que as pedras aludidas vieram de muito longe. Conheçemos grande parte do Mi- nho, não só muitas das suas povoações, mas bastante L das suas estradas que algumas vezes percorremos a pé. Conheçemos, os arredores de Barcelos, pois nunca, em parte alguma da província, se nos deparou qualquer pedaço de pedra, pequena ou grande que lembrasse o aspecto ou a contextura do jaspe das colunas da ermida da Franqueira. A petrografia 2 pode neste caso ter o valor de um documento histórico desaparecido, se por ven- tura algum existiu a respeito da mesa, a que devesse atribuir-se absoluto valor. Não deve subsistir a dúvida formulada por Herculano; e para que a mesa de Salat-Ibn-Salat não venha a ter a mesma sorte dos esqueletos de tantos homens ilustres e das suas tumbas de pedra, como por exemplo a de Afonso d'Albuquerque, e a de tantos padrões destinados a perpetuar uma acção gloriosa nossa, pedimos aqui à comissão protectora dos monumentos pátrios, que tenha sob a sua égide e vigilância a ermida da Franqueira aliás, um dia, a lágea de Ceuta irá formar a parede de um cortelho onde grunham e rejubilem cevados, se não tiver ainda pior destino. 1 Meu primo o Ex.mo Snr. Dr. João Cardoso d'Albuquerque, Médico Portuense. 2 Está claro que a prova incontestável da identificação do mármore da mesa, e não jaspe, como das colunas só pode fazer-se usando os processos de investigação empregados na geologia para o estudo da composição das rochas. Não possuímos nenhuni fragmento da mesa vinda de Ceuta, mas só um fragmento das colunas desta proveniência. Não nos é permitido deteriorá-la, embora muito ligeiramente. Outros o poderão fazer com a autori- dade que nos falta por mais dum motivo, e resolver quási sem contestação qualquer dúvida que depois dêste escrito ainda possa ficar. quivo da Universidade de Lisboa - Vol. V. Estampa l Capela do Monte da Franqueira cujo altar é feito com a mesa de Çala-ibn-Çala, senhor de Ceuta, trazida desta cidade por ocasião da sua conquista pelos Portugueses, pelo Duque de Bragança D. Afonso, filho bastardo de El-Rei D. João I Mirfitòiif uí ílUhuij uãftASr Arquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa II Fig. 1 Fig. 2 •Colunas provenientes do Palácio de Çala-ibn-Çala, senhor de Ceuta, doadas por D. João I a um convento de Alemquer e que actualmente existem no jazigo dos Ex.mos Condes da Carnota (JàlVtliSirr ÚF ILLIHuiò librart ESTADO ACTUAL DO SERODIAGNÓSTICO DA SÍFILIS (COMUNICAÇÃO APRESENTADA AO CONGRESSO DE MEDICINA DE MADRID, EM ABRIL DE 1919) POR NICOLAU DE BETTENCOURT l.o Assistente do Instituto Câmara Pestana, professor do curso de clínica de moléstias infecciosas na Faculdade de Medicina de Lisboa. O serodiagnóstico da sífilis é, sem contestação possível, a mais bri- lhante conquista de semiótica laboratorial dos últimos trinta anos. Não é por isso meu propósito, no modesto estudo que tenho a honra de apre- sentar ao Congresso de Medicina de Madrid, acrescentar mais um a tan- tos outros testemunhos do valor prático desta reacção serológica, firmada já sobre uma larga experiência e definitivamente consagrada pela clínica; essa questão está arrumada e para ela contribuí, há muito, com a minha quota parte. (*) Pretendo apenas tentar uma mise-au-point do estado actual dos nossos conhecimentos em relação aos pontos controversos que ainda abundam, quer no que respeita à técnica, quer no que se refere às ila- ções de ordem prática que ao clínico especialmente interessam. Baseia-se êste trabalho não só num regular conhecimento da enorme bibliografia do assunto, mas sobretudo em onze anos de experiência pessoal, durante os quais, mais de 6000 soros tem sido estudados por mim, ensaiando mé- todos diversos e cotejando os seus resultados com os dados de observa- ção clínica, que devo ao favor de muitos colegas e, nomeadamente, do meu querido amigo e distinto sifiliógrafo o Dr. Albino Valente. Não me deterei no que se pode chamar o aspecto teórico da questão. A reacção de Wassermann nasceu, como todos sabem, dessa interessan- tíssima série de trabalhos a que deu lugar a famosa hipótese das "Cadeias laterais,, de Ehrlich, com razão considerada a mais engenhosa e a mais fecunda de quantas teorias têem aparecido no domínio das sciências biológicas. Foi, efectivamente, no decorrer duma discussão de carácter meramente especulativo e, para demonstrar, contra a opinião da eScoia alemã, a unicidade do complemento ou alexina dos soros, que Bordet & (*) Nicolau de Bettencourt — "Le Séro-diagnostic de la syphilis». Arq. do Instituto Câ- mara Pestana i, 1908 , T. II, p. 273-307. 60 Nicolau de Bettencourt Gengou arquitectaram o dispositivo de técnica desde então conhecido pelo nome de “reacção da fixação do complemento». Ensaiada por outros na diagnose laboratorial de algumas doenças infecciosas agudas, de agente conhecido e cultivável, veio alguns anos mais tarde a ser aplicada por Wassermann ao diagnóstico da sífilis, tomando por antigéneo o extracto preparado com uma víscera fortemente atacada pela doença— o fígado dos heredo-sifilííicos. Ninguém ignora também que a suposta especificidade biológica da nova reacção cêdo desapareceu, ao verificar-se que qualquer extracto rico em lipóides e sem a menor relação com o virus sifilítico, podia substituir-se ao antigéneo de Wassermann, sem alterar sensivelmente os resultados. E dêste modo a reacção que, embora indirectamente da concepção ehrlichiana nascera, também por sua parte veio contribuir para a destronar, dado o contrasenso de termos de supor mecanismos diversos para explicar fenómenos da mesma índole se não fundamentalmente idên- ticos. A moderna tendência é para integrar a reacção de Wassermann, como de resto a maior parte dos fenómenos biológicos, nos domínios da físico- química e, especiaímente, dentro das leis que regem os complexos coloi- dais. Sem contribuição pessoal que possa acrescentar para a interpretação, muito discutida, do mecanismo íntimo da reacção, seja-me lícito, comtudo, afirmar que os mais recentes estudos se mantêem ainda no campo de va- gas e inconsistentes hipóteses, apenas, de onde em onde, apoiadas em sim- ples analogias de factos. Como quer que seja, da teoria dos receptores, já gasta e provadamente insuficiente, ainda aproveitamos com vantagem, pelo menos, a sugestiva terminologia, quer se trate das reacções de imu- nidade propriamente ditas, quer das suas derivadas, como o serodiagnós- tico da sífilis. * Sempre se afirmou que a reacção de Wassermann é de técnica deli- cada e difícil e por mais que o seu emprêgo se tenha vulgarizado e faci- litado os meios da sua execução, esta verdade subsiste integralmente. Os que não conhecem regularmente as questões de imunidade e aqueles que, por negligência ou por deficiência de recursos, não a executam com o rigor preciso, contribuem para o imerecido descrédito dum precioso ele- mento de semiótica laboratorial e lançam a dúvida no espírito dos clí- nicos, quantas vezes com manifesto prejuízo para os doentes. Não cabe nos limites dêste trabalho insistir — nem valeria a pena fa- zê-lo — sobre pormenores de técnica conhecidos e fixados desde há mui- to; os erros que do seu desconhecimento provêem podem considerar-se Estado actual do sero diagnóstico da sífilis 61 imperdoáveis. Só me referirei pois aos pontos ainda discutíveis, a respeito dos quais o analista menos prático, embora o mais bem intencionado, pode ter dúvidas e hesitações. A primeira e porventura a mais importante destas questões é a que diz respeito à preparação ou à escolha do antigéneo. Desde o fígado sifi- lítico empregado por Wassermann & Bruck nos seus primeiros trabalhos, a princípio em extracto aquoso e depois, visto a sua fácil alterabilidade, em extracto alcoólico, muitos outros preparados têem sido propostos e usados no serodiagnóstico da sífilis. Extractos alcoólicos de tecidos nor- mais (especialmente de músculo cardíaco do homem ou de animais) sim- ples ou adicionados de colesterina, extractos etéreos, extractos contendo apenas fracções dos lipóides insolúveis na acetona, extractos aquosos de culturas do Treponema de Schaudinn, extractos preparados com substân- cia nervosa de paralíticos gerais, extractos vegetais (de aveia, ervilha, len- tilha) e finalmente os chamados antigéneos artificiais — compostos quími- cos mais ou menos complexos em que entram por via de regra a lecitina, e o ácido oleico ou o oleato de sódio. De toda esta longa série, segura- mente ainda incompleta, apenas entraram no uso corrente os extractos alcoó- licos de fígado sifilítico e os extractos de músculo cardíaco adicionados de colesterina. Os lipóides insolúveis na acetona, preconizados por Noguchi, marcam todavia uma nova orientação em que talvez convenha porfiar, porque afas- tando ácidos gordos e certos proteídos que são a causa principal da acção anti-complementar e hemolítica dos antigéneos totais, de algum modo lhes conferem já uma relativa fixidez, comparável à do reagente químico e, por- tanto, de uma vantagem manifesta na prática duma análise em que todos os elementos em jogo são de sua natureza iminentemente variáveis. Infe- lizmente a sua preparação, sobre ser mais trabalhosa, é bastante incerta, não sendo raro ter de fazer muitas tentativas para se chegar a obter um pro- duto que satisfaça às condições necessárias. Todos os outros antigéneos apontados são manifestamente inferiores, sem exclusão do extracto preparado com o agente da doença — o único a que caberia rigorosamente a designação de antigéneo, se de facto aqui se tratasse, como Wassermann inicialmente supôs, duma verdadeira reac- ção de imunidade. A adição de colesterina aos extractos de tecido muscular, proposta por Sachs e mais vulgarizada por Browning, aumenta-lhes indiscutivelmente o seu valor antigénico e, em determinadas proporções, chega mesmo a tor- ná-los mais sensíveis que os bons extractos de fígado sifilítico. Infelizmente, o que se ganha em sensibilidade perde-se em rigor. Já no meu primeiro 62 Nicolau de Bettencourt estudo sobre o serodiagnóstico da sífilis eu chegara por comparação a mostrar a superioridade do extracto de fígado sifilítico sobre os de tecidos normais na técnica clássica; repeti estes ensaios com os extractos coles- terinados e não tive de mudar de opinião. Se a colesterina é em pequena proporção (0,01 a 0,02 °/o) o antigéneo de músculo cardíaco mostra-se menos sensível que o de fígado sifilítico, se atinge o q ue alguns serologistas americanos chamam impropriamente a dose ótima (*) (0,4 %) pecam frequentemente por excesso, dando impedimentos parciais com soros pro- vadamente não sifilíticos. Variável com o tipo de colesterina empregado, êste grave inconveniente— que a maior facilidade em obter a matéria prima certamente não compensa — vai-se sempre acentuando com o envelhecimento do antigéneo e daí a norma de conservar o extracto alcoólico puro e só adicionar a colesterina à pequena porção que se traz a uso. Está-se a ver a série de erros que daqui podem resultar para o analista que tenha um pequeno movimento de análises e não saiba ou não esteja disposto a pro- ceder, de tempos a tempos, à reverificação sempre longa e trabalhosa do antigéneo que algures adquiriu. Quando se trabalha com dois antigéneos — prática aliás muito reco- mendável— já o caso muda de figura. Nesta hipótese e supondo que o analista conhece nos seus dados essenciais a história clínica, no que só há vantagem, pode do antigéneo colesterinado aproveitar-se a maior sensi- bilidade e do extracto simples o maior rigor. Convêm notar porém que, quando se faz o serodiagnóstico com soro não aquecido, o antigéneo preferível por dar menos fixações proteotrópi- cas é o de Noguchi, vindo depois os extractos colesterinados e por último os extractos de fígado sifilítico que são neste caso os que originam mais vezes falsas reacções positivas. Práticamente pode dizer-se que um antigéneo, qualquer que seja o seu tipo, será tanto melhor quanto maior fôr a diferença entre a quantidade máxima de complemento que se pode adicionar à mistura "soro sifilítico 4- antigéneo» dando um completo impedimento da hemólise e a quan- tidade mínima que junta à mistura "soro não sifilítico + antigéneo» dê uma hemólise total. Frequentes vezes sucede na preparação dos extractos (*) Não se pode falar de um modo absoluto em dose ótima , visto que o extracto a que ela se junta é de fôrça essencialmente variável. Embora a matéria prima seja da mesma natureza e uniforme a técnica da preparação, varia sempre de um para outro espécime a riqueza em lipóides, ou pelo menos a facilidade com que êles se deixam extrair pelo álcool, o que vem a dar na mesma. Estado actual do sero diagnóstico da sífilis 63 que esta diferença fique aquém dos razoáveis limites e neste caso a adição de colesterina só aparentemente corrige o defeito — pois que ao mesmo tempo que aumenta o título impedidor em relação aos soros sifilíticos, o faz também em parte para os soros não sifilíticos. Por êste motivo nunca é demais lembrar àqueles analistas — e são a grande maioria — que não querem ou não podem preparar os seus antigéneos, a necessidade de os adquirirem sempre em casas não só de reconhecida competência mas também de provada honestidade. * Â técnica primitiva de Wassermann, bastante conhecida para que seja necessário descrevê-la aqui, tem sido propostas numerosas variantes. Umas visando a sua simplificação de modo a tornar o método acessível mesmo aos clínicos, sem necessidade de laboratório bem apetrechado ; outras pro- curando torná-la mais sensível, reduzindo assim o número de falhas que desde logo se lhe reconheceram. De entre os numerosos métodos de simplificação podem citar-se como tipos o de Bauer que dispensa o soro hemolítico coelho-carneiro aprovei- tando as hemolisinas naturais do sôro humano para os glóbulos rubros dêste último animal; o de Stern que, pelo contrário, utilizava o comple- mento do sôro humano fresco, dispensando portanto o sôro de cobaia; o método de Hecht que é, por assim dizer, uma combinação dos dois, pois aproveita do próprio sôro fresco que se pretende analisar o complemento e o amboceptor hemolítico para os glóbulos de carneiro ; finalmente o de Tschernogubow que utiliza o próprio sangue citratado do doente com o seu complemento natural, misturando-o imediatamente com o antigéneo e adicionando-lhe, após a incubação habitual, um sôro hemolítico coelho- homem. Todos estes processos eram já a priori condenáveis porque agra- vam o defeito inerente a todas as reacções biológicas e portanto à reacção de Wassermann — a extrema variabilidade dos elementos que entram em jogo. Na técnica clássica ainda podemos aproximadamente dosear os rea- gentes; aqui as variações na riqueza de amboceptor hemolítico, na resis- tência globular e sobretudo na quantidade de complemento dos soros a analisar, tão notáveis dum indivíduo para outro e na mesma pessoa con- soante a influência dos processos fisiológicos e até do meio externo, não podia deixar de perturbar o rigor da análise. A observação de muitos investigadores, a que posso acrescentar a mi- nha própria no que respeita ao primitivo método de Hecht, mostrou claramente que todas estas variantes eram inferiores ao processo clássico de Wassermann-Bruck. 64 Nicolau de Bettencourt De entre as modificações tendentes a aumentar o rigor da reacção de Wassermann é justo destacar a de Noguchi que fundamentalmente con- siste no emprêgo dos lipóides insolúveis na acetona como antigéneo e na substituição do sistema hemolítico coelho -carneiro pelo sistema coelho - homem, dêste modo procurando evitar-se a influência dum possível excesso de hemolisinas naturais para as hematias de carneiro no soro a examinar. Este método, que também ensaiei largamente, dá resultados comparáveis aos da técnica clássica, trabalhando com soros inactivados; empregando soro fresco os resultados são talvez mais sensíveis, mas neste caso tornam-se muito frequentes as reacções proteotrópicas ou fal- samente positivas. Em conclusão, pode dizer-se que a técnica clássica mantêm ainda a primasia. O método de Noguchi que a pode substituir não é mais simples e o inconveniente a que pretende obviar — e que aliás por outra forma se pode corrigir — é de uma raridade extrema. Em toda a minha longa prática só encontrei um caso em que a influência duma excessiva quantidade de amboceptores para os glóbulos de car- neiro no soro do doente parece ter sido a causa dum resultado nega- tivo, embora existissem ao tempo manifestações secundárias características e generalizadas (*). Apesar disto deve reconhecer-se que o aparecimento de todos estes métodos e de muitos outros que propositadamente omito, porque só em pormenores mínimos dêles divergem, não deixou de ter uma influência favorável na questão do serodiagnóstico da sífilis. Ficou provado que a inactivação do soro sifilítico em muitos casos diminui o seu poder fixa- dor, de tal modo que uma reacção negativa ou duvidosa com o soro aquecido resulta nitidamente positiva quando se usa o sôro fresco. Para tirar partido dêste facto restava apenas encontrar uma técnica que evitasse os erros por excesso, isto é, as derivações proteotrópicas com soros nor- mais e neste sentido já alguma coisa se obteve nos últimos tempos. As variantes propostas por Tribondeau, Gérard, Ronchèse, Gradwoh! ao método primitivo de Hecht procuram por modos diversos atingir êste fim. Foi a última — que é já uma modificação do processo Hecht-Wein- berg — a que ensaiei, por me parecer que realizava com mais simplici- dade e não menos rigor o desideratum. No método de Gradwohl apro- veita-se a primeira parte da análise (incubação da mistura sôro fresco + antigéneo) para medir o poder hemolítico do sôro a examinar e (•) Nicolau de Bettencourt- "Sur un moyerí de corriger certains échecs de la réaction de Wassermann,, - Buli. de la Soc. Portugaise des Sc. Naturelles, 1912, T. VI, p. 3. Estado actual do serodiagnóstico da sífilis 65 consoante o resultado obtido se empregará uma quantidade maior ou menor de glóbulos de carneiro na segunda fase da reacção. Os resultados por mim obtidos no estudo comparativo dêste método com o de Wassermann podem resumir-se assim para um total de 1400 soros analisados : Em 75 % dos casos (precisamente 74,8 %) os resultados dos dois processos são perfeitamente concordantes; nos 25 % restantes o método de Gradwohl mostra-se mais sensível em 18,6 o/o e a técnica clás- sica de Wassermann em 6,5 °/o. (*) Não hesito pois em afirmar a vantagem de associar os dois processos na prática do serodiagnóstico da sífilis e assim procedo há já dois anos a esta parte. O excesso de trabalho que daqui resulta julgo-o bem compen- sado pela maior segurança e pela maior sensibilidade dos resultados. Uma Gradwohl negativa reforça notávelmente um resultado idêntico da Was- serman no sentido de excluir a existência da sífilis; pelo contrário um grande número de Wassermann duvidosas, isto é, com 70 a 80 % de he- mólise, são esclarecidas num ou noutro sentido, consoante o resultado que paralelamente nos fornece o método Hecht-Weinberg-Gradwohl. Do exagerado optimismodo serologista americano quando afirma que o seu processo resolve todas as dúvidas do método clássico, discordo eu, visto que, embora num pequeno número de casos (4,5 %), a concordân- cia de muito leves impedimentos me não permitiu excluir com segurança a possibilidade de reacções proteotrópicas. Antes de concluir estas breves referências à técnica preciso acrescen- tar duas palavras sobre a leitura e notificação dos resultados. Ao lado da reacção negativa que se traduz por uma hemólise completa eu admito apenas quatro graus de positividade : r. muito fracamente positiva ou du- vidosa (cêrca de 75 % dos glóbulos hemolisados), r. fracamente positiva (cêrca de 50 % de hemólise), r. positiva (hemólise de 25 %) e r. forte- mente positiva (impedimento total da hemólise). A apreciação dos resul- tados faz-se, menos pelo critério falível da maior ou menor coloração do líquido, do que pelo volume da massa de glóbulos depositados no fundo do tubo ao fim de 12 a 18 horas. Não creio que seja possível extremar mais ligeiras gradações na intensidade da reacção ; as escalas com 8 graus, como a de Vernes, são de pura fantasia e pode dizer-se que só por acaso o mesmo analista trabalhando com os mesmos reagentes e o mesmo soro conseguirá obter dois resultados perfeitamente concordantes. (*) Nicolau de Bettencourt — "Sérum frais et sérum inactivé dans Ie séro-diagnostic de la syphilis*— C. r. de la Soc. de Biologie de Paris, 1919, T. LXXXII, p. 811. 5 66 Nicolau de Dettencourt A experiência ensina-me que a própria transição dum grau para o se- guinte na escala que adopto está fóra dos limites do máximo rigor que é possível imprimir à técnica. Por isso mesmo nunca atribuí valor diagnóstico seguro às reacções muito fracamente positivas, isto é, com mais de 70 % de hemólise. No sentido de aproximar os resultados quantitativos dos diferentes ana- listas propõe Emery um método de Wassermann- padrão. Não creio porém que êste autor tenha resolvido o problema porque os antigéneos prepara- dos segundo a sua norma não podem ter realmente o mesmo valor e por- que os soros não conservam inalterável o seu poder fixador, por um mês ou mais, como êle afirma. No estudo comparativo entre a r. de Wassermann e a de Hecht-Weinberg-Gradwohl tenho bastantes vezes verificado que um soro reagindo positivamente com a segunda e dando com a primeira um resultado duvidoso ou fracamente positivo pode alguns dias depois — quer se conserve no frigorífico quer à temperatura ambiente — vir a dar um maior impedimento. Não estamos, infelizmente ainda, em condições de uniformizar a técnica e mesmo quando isso viesse a conseguir-se, o coeficiente pessoal do analista e a própria variabilidade dos ingredientes que intervêem na reacção jamais lhe poderiam imprimir a segurança que tem um doseamento químico. Para fins de diagnóstico já o caso é diverso e a técnica clássica bem executada, com uma perfeita entrosagem do sis- tema hemolítico e ao mesmo tempo com a verificação do poder anti-com- plementar do antigéneo com que vamos trabalhar, dá resultados bastante aproximados, sobretudo quando aos dois controles— soro fortemente posi- tivo e soro negativo— se junta, como eu tenho o hábito de fazer, uma ter- ceira testemunha constituída por um soro fracamente impedidor. Diver- gências de grau podem existir, repito, mas nunca tão acentuadas que a um resultado francamente positivo dum lado se oponha um resultado negativo doutro analista. Quando isto sucede há sempre imperfeições de técnica na execução da análise ou no modo de tratar e conservar os elementos que nela interferem, o que vem a dar na mesma. * Eu desejo abordar agora a questão de maior interêsse para o clínico — a que se refere à interpretação dos resultados da r. de Wassermann. Aqui — como sempre — o resultado negativo não infirma seguramente o diagnóstico. Isto está dito e redito e à força de repetir-se chega-se ao exagêro de negar qualquer valor semiológico a semelhante resultado. Se excluirmos, porém, as primeiras semanas que se seguem ao aparecimento Estado actual do ser o diagnóstico da sífilis 67 do sifiloma primário, período durante o qual o serodiagnóstico falha fre- quentemente e a investigação laboratorial indicada é a pesquisa directa do Treponema pelo exame em campo escuro, a verdade é que uma W. nega- tiva constitui uma forte presunção contra a existência da sífilis, pelo menos da sífilis em actividade. Estão registados, é certo, casos de W. negativa em plena florescência de manifestações secundárias, mas êsses casos são duma raridade extrema. Em muitos milhares de observações pessoais só encon- trei um e nesse mesmo a reacção virou em pouco tempo de sinal, fosse por influência dum comêço de tratamento específico, fosse pela marcha natural das coisas. Este caso que pode considerar-se apenas de reacção re- tardada e outros mesmo de mais persistente falha não podem comtudo causar estranheza a quem lida de perto com estudos desta índole. Efecti- vamente todos nós sabemos que até nos processos de imunização ar- tificial, com doses brutais de antigéneo, de longe em longe aparece um animal que se nega inteiramente à produção de anticorpos ou só os pro- duz escassa e morosamente. Não vale a pena tentar sequer uma explicação dêste facto, nem seria fácil encontrá-la dada a nossa completa ignorância do mecanismo íntimo dêstes fenómenos. O que importa acentuar aqui em relação à r. de W. é que estas excepções, já raríssimas com a técnica clás- sica, menos frequentes ainda se mostram quando se emprega simultânea- mente uma variante com o soro não aquecido. De resto, se apezar do resultado negativo ou duvidoso do primeiro exame há fundados motivos para suspeitar da existência da sífilis, é de boa prática proceder à chamada reactivação biológica. Basta para isso administrar ao doente uma pequena dose dum dos modernos arsenicais ou uma curta série de injecções endovenosas de cianeto de mercúrio e repetir o serodiagnóstico 8 a 12 dias após. Se o resultado se mantêm ne- gativo o valor infirmativo da prova é reforçado. Está sabido que quando houver sinais clínicos indicando uma localiza- ção especial no sistema nervoso, ao serodiagnóstico possivelmente negativo deve seguir-se sempre uma r. de W. feita com o líquido céfalo-raquidiano. Este último será ainda aproveitado para exame citológico e pesquisa de globulinas (r. de None e de Noguchi-Moor). A técnica é a mesma (salvo a inactivação que se torna inútil) mas convem ensaiar doses superiores ás do sôro. E o resultado positivo constitui uma prova segura da existência da sífilis ? Se exceptuarmos a lepra (especialmente na sua forma tuberculosa) que segundo a observação de muitos e a minha própria é susceptível de dar lugar aos mais fortes impedimentos e a frambcezia tropical, que aliás tem 68 Nicolau de Bettencourt com a sífilis as maiores analogias clínicas e etiológicas, creio poder res- ponder pela afirmativa, pelo menos em relação aos resultados nitidamente positivos. Com uma técnica isenta de erros, tal como hoje a podemos exe- cutar, nenhum outro morbo alêm dos citados pode dar lugar a resultados, correspondentes aos três primeiros graus de positividade. Os factos em contrário, que eu mesmo algumas vezes tive ocasião de verificar em rela- ção à escarlatina e ao impaludismo nos primeiros tempos que se segui- ram aos trabalhos iniciais de Wassermann & Bruck, não se repetem agora, com os métodos afinados que usamos. Apezar disto acho de boa regra evitar quanto possível a prática do sero- diagnóstico da sífilis durante as doenças infecciosas agudas. Se todavia uma indicação clínica de urgência impõe esta pesquisa, prudente será sempre repeti-la quando as condições voltem a normalizar-se. É de boa lógica adoptar êste procedimento, visto que durante os processos infec- ciosos o meio sanguíneo sofre alterações que nós não sabemos se pode- rão influir no resultado duma análise cuja interpretação ainda hoje intei- ramente nos escapa. Precisamente pela mesma razão — e aqui com o apoia de múltiplas observações — se não deve praticar a r. de W. nos primeiros dias que se seguem a uma anestesia geral, nem durante o tratamento com substâncias coloidais por via endovenosa. Quanto aos resultados muito fracamente positivos, isto é, dando mais de 70 % de hemólise, entendo que se lhes não pode atribuir valor dia- gnóstico. Semelhantes resultados podem aparecer na sífilis latente e neste caso são muitas vezes reforçáveis pelo método já referido da reactivação biológica. Mas podem igualmente manifestar-se após um tratamento espe- cífico intensivo ou prolongado e ainda em indivíduos seguramente nãa sifilíticos. De entre estes últimos são talvez os doentes crónicos da pele — psoriáticos e pemfigosos — aqueles cujo soro rnais frequentemente pode dar origem a ligeiros impedimentos. É certo que o emprêgo simultâneo do soro fresco e inactivado, que aconselho e pratico, reduz numa boa percentagem estes resultados duvidosos, visto que os dois métodos servem^ por assim dizer, de controle um ao outro. Há todavia casos em que a dúvida subsiste e só ao médico é dado interpretar o resultado, entrando com mais êste elemento na apreciação do problema clínico. Cabe aqui uma ligeira divagação, quási roçando pela banalidade, que me é comtudo sugerida pelo êrro, bem frequente por sinal, de se pedir ao laboratório mais do que êle pode dar e de se atribuir aos elementos que êle fornece uma importância exagerada em detrimento daqueles que provêem tía simples observação clínica e de outros processos de semió- tica. O analista pesquisando bacilos de Koch numa expectoração, aglutini- Estado actual do sero diagnóstico da sífilis 69 nas para o bacilo de Eberth num soro etc., dir-nos-há apenas se as encon- trou ou não, mas nunca poderá afirmar- nos seguramente que o doente de que estes produtos provêm é ou não um tuberculoso pulmonar ou um tifoso. É que o laboratório, sendo um precioso auxiliar da clínica, não se sobrepõe a ela e os dados mais ou menos valiosos que fornece só em conjunto com todos os outros podem e devem ser apreciados. No caso vertente o êrro que frequentemente se comete contra o mais elementar senso comum é o de referir sistemáticamente o resultado da análise à lesão ou perturbação mórbida que a sugerio e que em alguns casos não tem a menor relação de causalidade com uma sífilis anteriormente adquirida. Resta-me um aspecto da questão a considerar — o de saber até que ponto os resultados da r. de W. podem ser tomados como guia ou indi- cador do tratamento específico. Aqui ainda, quer-me parecer, a tendência mais geral tem sido a de atribuir um valor excessivo a êste sinal, chegan- do-se ao extremo de pretender medir a intensidade da infecção, não já pelo resultado final da análise, mas até pelo maior ou menor retardamento da hemólise. Do que atraz ficou dito sobre a incerteza das pequenas nuances de positividade, a despeito da mais rigorosa técnica (*), já se depreendia sem outros considerandos que a reacção não pode dar- nos, com a exactidão que muitos pretendem atribuir-lhe, a medida do grau ou intensidade da infec- ção. De resto, pode afirmar-se sem receio de errar que semelhante deside- ratum jamais se conseguirá por muito que se aperfeiçoem os métodos de análise. Como nas verdadeiras reacções de imunidade, a reagina ou anti- corpo (passe mais uma vez o termo) que aqui dá origem à fixação, resulta da interacção do agente da doença e do organismo que o alberga — factores biológicos essencialmente variáveis, um e outro. Mas ao menos os resultados extremos poderão ser aproveitados? Afigu- ra-se-me que sim, embora apenas dentro de certos limites e com as reservas que uma já larga experiência impõe e que aliás também a priori seria fá- cil deduzir. (*) Durante mais de dois anos eu pratiquei ininterruptamente a reacção nas condições de técnica que reputo a mais rigorosa, isto é, fazendo préviamente, não só a determinação do valor anti-complementar do antigéneo, mas também a de cada soro a analisar e em- pregando depois quantidades variáveis de soro de cobaia consoante o resultado obtido para cada caso. Mesmo com êste método — que duplica o tempo e triplica o trabalho e o material — as pequenas variações manifestam-se e isso me levou a abandoná-lo, preferindo associar à técnica clássica a reacção com o sôro fresco. 70 Nicolaa de Bettencourt Segundo a minha observação nas sífilis recentes, sobretudo quando in- tensivamente tratadas pelos novos arsenicais, verifica-se com certa fre- quência a diminuição gradual dos impedimentos, indo desde o máximo de positividade até à reacção negativa ; mas não são raras as excepções a esta regra. Na sífilis antiga, mormente se acompanhada de manifes- tações viscerais, o tratamento intensivo ou prolongado, mesmo quando determina uma manifesta atenuação dos sinais objectivos e subjectivos da doença, raro se acompanha duma regular diminuição do poder fixador do soro e bastas vezes a reacção se mantêm com uma pertinácia quezi- lenta fortemente positiva. Ainda por analogia com o que se passa nas reacções de imunidade, era de prever que esta alteração ou nova quali- dade adquirida pelo soro seria variável dum para outro caso, não só na intensidade como na permanência. Supondo mesmo que o tratamento era capaz de determinar uma cura radical, no significado etioíógico do termo, nada nos garante que a alteração serológica produzida viesse por êsse facto a desaparecer súbitamente. O sublata causa tollitur effectus não pode ter aqui imediata aplicação. Está-se a ver quanto há de infundamentado e mesmo de perigoso na norma, aconselhada por alguns livros da especialidade, de persistir sistemá- ticamente no emprêgo das injecções arsenicais até que as reacções de W., repetidas de semana a semana, venham a dar um resultado completa- mente negativo. Aqui ainda é o caso de repetir que o laboratório pode auxiliar a clínica, mas não substituir-se-lhe. Há todavia uma prática iminentemente recomendável como elemento de controle — é a que consiste em fazer analisar, de tempos a tempos, du- rante os períodos de latência, o sangue dos antigos sifilíticos. Algumas vezes sucederá que um resultado positivo da W. venha inesperadamente impor a intensificação do tratamento específico antes que qualquer outro sinal tenha podido denunciar ao médico ou ao próprio doente a recru- descência da sua infecção. ♦ Várias reacções serológicas de outros tipos têem sido propostas para substituir a W. na diagnose laboratorial da sífilis. As propriedades precipitantes do soro dos sifilíticos quando adicionado a certas substâncias, em geral de natureza lipóide, são a base de muitos dêstes métodos. Nos de Klausner e de Porgès-Meier, que ensaiei largamente, o soro é misturado respectivamente com água destilada e com uma sus- pensão de lecitina; no de Neubauer-Salomon o soro préviamente inacti- vado junta-se a uma solução de glicocolato de sódio; no de Herman-Perutz, Estado actnal do sero diagnóstico da sífilis 71 variante do precedente, utiliza-se a mistura de duas soluções — uma de glicocolato de sódio e outra de colesterol ; no de Bruck a turvação e preci- pitação são produzidas pela adição ao soro de água destilada e ácido azótico puro em determinadas proporções; finalmente no de Sachs-Georgi, o que dá resultados mais aproximados aos da W., aproveita-se a propriedade que tem o soro dos siíilíticos de precipitar em flocos um extracto colesterinado de músculo cardíaco. Embora seja justo reconhecer um certo progresso sobre os métodos primitivos desta índole na reacção de fíoculação de Sachs-Georgi, a verdade é que nenhum possui especificidade comparável à da reacção da fixação do complemento, todos dando em maior ou menor percentagem resulta- dos positivos com soro de indivíduos seguramente indemnes de sífilis. De resto, a apreciação dos resultados é, às vezes, bastante difícil e o soro deve sempre ser duma perfeita limpidez, condição que frequentemente se não realiza nas amostras de sangue remetidas para análise. Os métodos físicos — aumento do índice refractométrico do soro sifilí- tico (Widal & Bénard) e reacção meiosíagmínica de Ascoli-Izar, baseada nas variações da tensão superficial que se manifestam na mistura "antigéneo + anticorpo,,, têem apenas interêsse teórico e só sob êsse aspecto têem sido estudados. Finalmente citarei ainda a reacção química de Landau que consiste na adição ao soro dum soluto a 1 % de iodo em óleo de vaselina ou em metana tetraclorada, dando uma cor amarela persistente nos soros não sifi- líticos e desaparecendo rápidamente nos outros; e a reacção de Lange ba- seada no impedimento mais ou menos acentuado da precipitação do metal dum soluto coloidal por um electrolito (NaCl) quando na presença de pro- teínas. A primeira dá resultados muito incertos e não conseguio por isso radicar-se na prática apezar da sua grande simplicidade; a r. de Lange, que aliás só é aplicável ao líquido céfalo-raquidiano, dá resultados comparáveis aos da W., mas a preparação muito difícil dos reagentes não é de molde a recomendá-la. Em conclusão : a r. de W. e suas boas variantes mantêem ainda a pri- masia e não é lícito substitui-las por qualquer dos outros processos até agora preconisados. Nas condições de relativo rigor em que já hoje se realiza — e que de futuro virão ainda possivelmente a acentuar-se — pode dizer-se que ela é de facto a mais brilhante conquista da semiótica labora- torial no último quartel de século; tanto mais útil e mais fecunda, quanto visa o diagnóstico duma das doenças mais largamente espalhadas e segu- ramente daquela que mais ampla e mais variada repercussão exerce sobre toda a patologia humana. 72 N/colau de Bettencourt A delicadeza da sua técnica e a extrema meticulosidade que é neces- sário imprimir-lhe constituem sem dúvida um inconveniente, mas de modo algum podem ser apontadas como um defeito capital. Nada seria mais iló- gico que pretender apoucar o valor duma análise clínica tomando por base as imperfeições de técnica do analista que a executa ou as ilações erradas do clínico que a interpreta. RESUME ET CONCLUSIONS a) La façon la plus rigoureuse et la plus sensible de procéder au sé- ro-diagnostic de la syphilis, c'est de faire la réaction de Wassermann se- lon la technique classique, avec tous les controles recommandables et une dose de complément qui sera fixée par la détermination préalable du pouvoir anti-alexique de Tantigène; on fera en même temps la r. de Hecht-Weinberg-Gradwohl avec le sérum frais. Les observateurs qui n'emploieraient qu'un seul antigène devront préférer pour Téxécution de la première de ces réactions les extraits de foie de syphilitiques sans cho- lestérine ou tout au plus très légèrement cholestérinés; et pour la r. de H.-W.-G. donner la préférence aux lipoides insolubles dans 1'acétone. b) Pour exprimer le résultat on ne devra employer que cinq nota- tions au maximum: réaction fortement positive (empêchement total), r. po- sitive, r. faiblement positive et r. très faiblement positive ou donteuse , correspondant respectivement a 25 °/o, 50 % et 75 % d'hémolyse; enfin r. négative , lorsquhl y aura hémolyse complète. c) La divergence de résultats pour un même sérum, divergence allant de la r. négative ou douteuse jusqu'à la r. franchement positive, provient toujours d'erreurs de technique dans Texécution de 1'épreuve ou dans la préparation des éléments qui y interviennent, ou bien encore de Tado- ption d'un procédé défectueux; au contraire, de petites variantes allant d'un degré à 1'autre, peuvent se produire sans cause déterminée et sont par conséquent inévitables. d) Le résultat negatif de la r. de W. n'a pas une valeur sémiologique absolue, mais il constitue une forte présomption contre 1’existence de la syphilis, surtout lorsquhl est renforcé par un résultat identique de la r. de H.-W.-G. Plus grande encore est sa valeur probante si le résultat négatif se maintient au second examen fait 8 à 12 jours après Tinjection d’une fai- ble dose d'un des composés arsénicaux modernes, ou après une petite série d'injections intra-veineuses de cyanure de mercure. Estado actual do serodiagnóstico da sífilis 73 e) Si l'on excepte la lèpre (spécialement dans sa forme tuberculeuse) et la framboezia tropicale, toutes les deux capables de produire une alté- ration du sérum se traduisant par une action fortement empêchante, on peut dire que le résultat franchement positif de la r. de W. est une affir- mation certaine de Texistence de la syphilis. Naturellement une telle con- clusion n’implique cependant pas que soit fatalement de nature syphilitique la lésion ou le trouble morbide qui ont déterminé Texécution de la réaction. f) Les résultats très faiblement positifs (ayant plus de 70 % d'hémo- lyse) n’ont pas de valeur diagnostique certaine. Ces résultats apparaissent fréquemment chez les syphilitiques après une cure spécifique prolongée ou intensive; mais ils peuvent également se montrer avec le sérum dhndivi- dus normaux ou atteints d'affections les plus diverses. g) Dans les syndromes cliniques de nature nerveuse qui feraient soup- çonner Texistence de la syphilis, c'est avec le liquide céphalo-rachidien, de préférence, que doit être fait la réaction. h) En príncipe, il faut éviter de faire le sérodiagnostic de la syphilis pendant la durée de toute maladie infectieuse aigué, de même que lors- que le sang pourrait avoir souffert une altération quelconque dans sa crase ou dans sa composition, comme par exemple, après une anesthésie géhérale, ou pendant le traitement par voie intra-veineuse avec les métaux colloídaux et d'autres substances médicamenteuses. Si cependant une indi- cation clinique urgente impose cette recherche, il sera bon de la répéter dès que les conditions sont redevenues normales. i) Ce serait une faute, parfois de conséquences dangereuses, de régler la cure spécifique par le seul résultat de la r. de W. Ici, comme toujours, Texpérience et 1'observation clinique priment les méthodes de labo- ratoire. Cependant on ne saurait trop recommander aux vieux syphi- litiques de faire analyser leur sang dans la période de latence au moins une fois par an. j) Les méthodes de séro-diagnostic de la syphilis, basées sur les phéno- mènes de précipitation, sont beaucoup moins rigoureuses et ne sauraient, en aucun cas, remplacer la r. de W. ou toute autre de ses bonnes variantes. ALGUMAS NOTAS INÉDITAS E POUCO CONHECIDAS ACERCA DA VIDA E OBRA DE FÉLIX D' AVELAR BROTERO por BALTHAZAR OSORIO Professor da Faculdade de Sciências (Estampas III-IV) A corrente fama da preclara vida e distintas obras dalguns lusita- nos antigos, que o grão cantor da nossa terra e dos feitos dos seus filhos disse "que se foram da lei da morte libertando,,, muito haverá ainda por- ventura a acrescentar. Como daqueles portugueses augustos, do Dr. Félix d'Avelar Brotero, primacial botânico português, extinto quási no fim do sexto lustro do passado século, muito escreveram os seus admiradores e émulos, sem comtudo carrearem todos os dados de valor comprovati- vos do seu prestimoso talento, persistente labutar e honrado viver, pois estes três possuio em igual e elevado grau. Edificou-lhe o sentir e o pen- sar dos homens, primeiro do que no mármore, o monumento da admira- ção perdurável. São reveladoras do preito muitas das biografias (*) es- critas e publicadas em tempos mais ou menos remotos, durante quási um século; um século de homenagem que sem dúvida se perpetuará. Mas em algumas dessas biografias há uma ou outra informação que precisa es- clarecida, uma passagem ou uma nota que requer ser confirmada, tanto mais que existem documentos inéditos, que é interessante conhecer, e que podem justificá-la e que por diversos motivos há vantagem em pu- O I Notícia Biográfica do Doutor Félix d'Avelar Brotero, tirada dos apontamentos escritos por um seu parente (a) e coordenada por um distinto literato (6). Lisboa. Na Imprensa Nacional. — 1847. (a) O parente, segundo Inocêncio, foi o Beneficiado José d’Avelar Brotero, sobrinho do ilustre botâ- nico e que com êle conviveu bastantes anos. (b) O distinto literato foi o conselheiro Filipe Ferreira d’Araújo e Castro. A edição, apenas de 225 exemplares, foi feita pelo Dr. Valorado, com quem Brotero se carteava tratando de assuntos de botânica. É acompanhada por um retrato gravado por Queiroz em 1843. II Biografia do Dr. Félix d'Avelar Brotero. Inédito pertencente ao Ex.mo snr. £)r. João Quintino d’Avelar, sem nome do autor. Depreende-se da leitura que foi escrita por 76 Balthasar Osorio blicar. Isto nos levou a reunir alguns dispersos dados biográficos de tão ilustre botânico e a revelar algumas das cartas que se referem à sua vida íntima. A sorte parece que se compraz por vezes em torturar os homens por quem distribui o talento, negando-lhe simultâneamente os meios para as realizações que a grandeza do seu ideal lhes sugere; semeia-lhes o cami- nho, por onde devem passar, das rosas que lhes promete, e também de espinhos onde, por vezes, deixam a alma despedaçada, em farrapos. O sábio botânico Avelar Brotero, um dos mais notáveis portugueses, autor de obras de que muito devemos ufanar-nos, o émulo dos mais céle- bres naturalistas do seu tempo, por falta de dinheiro, para poder continuar os estudos das sciências e das letras, teve de valer-se dos conhecimentos que tinha do cantochão, adquiridos na convivência dos frades arrábidos seus mestres nas artes, na vila de Maíra. Os seus méritos nos cantos litúrgicos lhe grangearam o lugar de capelão-cantor na Sé de Lisboa, ouvindo talvez, entoando os motetes, essa harmonia sublime que a natureza segreda e re- serva sómente para aqueles que a amam e que inteiramente se lhe dedicam. Nos curtos remansos que lhe ficavam da celebração das horas canóni- cas, da execução dos hinos e trenos da igreja, ia embeber-se nos co- nhecimentos das sciências que deviam não só animá-lo mas até entu- siasmá-lo, a ir, sem recursos, à aventura, em demanda dos países que, para aqueles que prezavam em extremo a sabedoria, equivaliam à terra da pro- missão das raças proscritas ou à estacada da luta em que aspiravam a comparecer para sua glória os cavaleiros campeadores. alguém que conviveu com o Dr. Brotero, que conhecia o mérito da sua obra, e diz que foi o Dr. Welwish que o levou a escrevê-la. III Galeria dos Deputados das Cortes Gerais, Extraordinárias e Constituintes da Nação Portuguesa, 1822, págs. 84-86. IV Biografia publicada no Universo Pitoresco — 1843 a 1844. V Bosquejos biográficos. O Abade Corrêa da Serra e Félix d'Avelar Brotero, por JRodrigo de Gusmão. — Porto, 1853, VI Apontamentos biográficos sôbre a vida e escritos de Brotero — Jornal da Socie- dade das Sciências Médicas de Lisboa, t xxiv — 1860, por Inácio Quintino d' Avelar. VII Félix d'Avelar Brotero. — Biografia escrita por Inocêncio F. da Silva e publicada no seu Dicionário Bibliográfico, t li, pág. 262 e t. ix-n do Suplemento, pág. 211. VIII Biografia de Brotero pelo Dr. Simões de Carvalho publicada na Memória His- tórica da Faculdade' de Filosofia. IX Biografia de Brotero publicada no Plutarcho Portuguez, vol. II, fase. VI. pelo Snr. Dr. Júlio A. Henriques. 1882, pags. 41 e segs. X Félix d’Avelar Brotero, no t. i da Broteria — Revista de Sciências Naturais — Vol. l.°, 1902, pelo Snr. Joaquim Dias Silvares. Algumas notas inéditas acerca da vida e obra de Félix d' Avelar Brotero 77 Amigo e confidente do padre poeta F. M. do Nascimento, um dia partiu com êle, e tão pobre como êle, para França, ambos farejados pela Inqui- sição. Obtiveram passagem para a terra estranha por intermédio de Mr. Ti- motheo Lecussan Verdier. (l) Na terra estrangeira encontrou o moço emigrado no pecúlio do seu saber e na protecção de esclarecidos e nobres portugueses os meios que lhe permitiram dedicar-se aos seus estudos predilectos. Um dos nossos compatriotas que poude juntar à glória derivada das suas obras e talentos a de ter auxiliado tão grandes quanto desvalidos lusitanos foi o Dr. António Nunes Ribeiro Sanches. (2) Não disse este nunca que protegera Brotero, foi (1) O Beneficiado José Bonifácio dfAvelar Brotero, sobrinho do ilustre naturalista, e que com êle conviveu bastante tempo, diz que este e Filinto Elísio foram envolvidos em suspeitas do tribunal denominado do Santo Ofício, e receando a prisão, determinaram evadir-se para França. Para lá partiram ambos no ano de 1778, tendo embarcado na Trafaria, dirigiram-se ao Havre-de-Grâçe. Com respeito a Tolentino não houve sómente suspeição porque se organizou o processo que mais tarde foi publicado. Porém, com respeito a Brotero nada encontrámos contra êle entre os numerosos pro- cessos e documentos que pertenceram à Inquisição e existentes na Tôrre do Tombo. Inocêncio da Silva, fundando-se nas estrofes duma ode de Filinto, afirma que Brotero teve seus dares e tomares com a Inquisição; essas estrofes são as seguintes: O Sanches, (a) discorridas longas terras Foragido da Patria, que o persegue Que lhe aflige os Parentes e os amigos Com fogos e com torturas ; Sentado á mesa com mais proscriptos (b) Do iniquo tribunal, labéo da Europa, Tomado de celeste enthusiasmo Assim rompia a brados (c) (a) Vide Elogio do Dr. António Nunes Ribeiro Sanches, composto em francês por Mr. Vicq d'Azir, ver- tido em português por Filinto Elísio . (b) F. d’Avel. Brotero e Filinto. (c) Tal, pouco mais ou menos, foi a conversação que comnosco teve nesse dia (Nota de Filinto1. — A ode é datada de Paris, 4 de Julho de 1806, quer dizer, 28 anos depois de Brotero ter emigrado. Nessa data já o sábio botânico não se encontrava há muito na terra estrangeira, pois veio para Lisboa na primavera de 1790 e em 25 de Fevereiro foi nomeado por decreto Lente de Botânica e Agricultura na Universidade de Coimbra. Ora, Filinto que não tinha razão para chamar a Brotero proscrito , é possível que tivesse esquecido os pormenores dum facto que se deu 28 anos antes e narrado 14 a 15 anos depois de Brotero ter deixado a França. Inclino- me portanto a crer que a Inquisição tivesse suspeitas , como diz o Beneficiado, derivadas talvez da convivência de Brotero com Filinto, e que por aí ficasse (2) Na Notícia Biográfica mencionada na nota anterior lê-se o seguinte (pág. 6) «... deveu o seu saber e a subsistência e consideração ao seu trabalho e à benevolência e afeição de sábios estrangeiros, e de honrados compatriotas, que, com delicadeza e gene- 78 Balthasar Osorio o ilustre botânico que confessou a sua dívida de gratidão, revelando-a à sua família porque é o sobrinho quem a declara. Não era só com delicadeza e generosidade que Ribeiro Sanches auxiliava quem havia de ser famoso pro- fessor, prestava-lhe livros: pelo menos emprestou-lhe um que Brotero tradU' ziu. O próprio Brotero deixou no manuscrito da tradução da Carta do Dou- tor Alexandre Thompson a um seu amigo sobre a natureza , causas e método de curar as doenças nervosas , a seguinte declaração do seu punho: «Foi o «doutor Antonio Ribeiro Sanches que me fez a honra de me emprestar o «caderno original que traduzi. Paris, 1 783». Era das traduções, que os livrei- ros parisienses lhe encomendavam, que lhe provinham seus recursos. Brotero sabia algumas línguas, bastante a grega, para lhe quererem con- fiar a regência, que não aceitou, de uma cadeira desta língua no Brazil; o latim sabia-o tão superiormente que alguém classifica de admirável o prefácio da Phytographia portuguesa e a ode que na língua latina com- pôs consagrada à Revolução francesa, a cujos episódios assistiu, em parte. Vê-se por êste facto, a tradução de uma obra de medicina, que Brotero, apesar da sua sensibilidade quási doentia, que o tinha afastado da clínica, não tinha esquecido as sciências médicas em que se havia doutorado em Reims. Avelar Brotero, Ribeiro Sanches, Filinto Elísio parece que viviam numa grande intimidade em Paris, pelo menos Filinto mostra-os reunidos num ágape íntimo com que o poeta celebrou a sua fugida de Portugal na ode citada há pouco neste escrito. Foi Filinto quem traduziu para português o elogio de Ribeiro Sanches escrito por Vicq d'Azir. Êste ilustre sábio francês, que tanto apreciou e quis a Ribeiro Sanches, foi também amigo e admirador de Brotero, que conviveu em França com muitos dos mais dis- tintos sábios e naturalistas franceses, como por exemplo, Laurent de Jussieu, Buffon, Condorcet, Cuvier e Lamarck, etc., emfim com os homens que deram mais incremento em França às sciências naturais. Em contra- posição com estas relações honrosas e amigas foi em Portugal que veiu encontrar o maior número dos seus inimigos, agruras mais insuportáveis do que as que se lhe depararam no seu desconfortado exílio. Foram os seus colegas na Universidade de Coimbra, os competidores e émulos os que mais o agravaram. Podia lá admitir-se, diziam, que se encontrassem em um homem quási recenchegado do estrangeiro méritos justificativos da criação de novas ca- rosidade, souberam adoçar o seu infortúnio. Bastará nomear neste logar o Embaixador naquela corte (Paris), D. Vicente de Sousa Coutinho, D. Fernando de Lima, D. Francisco de Menezes, e o ilustre Doutor António Nunes Ribeiro Sanches.,; Algumas notas inéditas acêrca da vida e obra de Fêlix d' Avelar Brotero 79 deiras, destinadas a serem regidas por êle, e que se lhe concedesse gratui- tamente o grau de Doutor? Suscitaram-lhe desgostos e inquietações, escrevendo-lhe cartas anóni- mas, tecendo intrigas surdas, dirigindo-lhe até invectivas insolentes, diz o seu sobrinho e biógrafo; mas o principal Castro que era então Reitor da Universidade, o lente Simão de Cordes e outros professores dignos combateram pelo saber e alta competência de Brotero, com tanto vigor, que os próprios que tentaram amesquinhá-lo, acabaram por desdizer-se. Entre os que na vida o feriram mais rudemente pode apontar-se Do- mingos Vandelli, um professor italiano que, com Dalla Bella, veiu por incumbência do Marquês de Pombal ensinar algumas sciências em Portu- gal. Vandelli professou as sciências histórico-naturais em Coimbra e Dalla Bella ensinou a física no chamado Colégio dos Nobres, a que depois sucedeu a Escola Politécnica. Como prova da hostilidade de Vandelli para com o nosso preclaro compatriota bastam as seguintes linhas transcritas da nota biográfica em que no seu Dicionário Inocêncio se refere à Flora lusitanica de Brotero: «Foi mandada fazer esta edição por ordem do Governo sendo então mi- «nistros d'estado D. Rodrigo de Sousa Coutinho e D. João d'Almeida de «Mello e Castro: e parece que para isto foi mister vencer grandes oposi- ções, provocadas por parte de Domingos Vandelli e de P. Velloso, que «impediram, até onde poderam, a publicação. Ao menos assim o afirma- ram claramente Antonio d'Araujo e D. Rodrigo de Sousa Coutinho em «cartas dirigidas por ambos ao Abbade Corrêa, cujos originaes me foram «ha pouco mostrados.» (4) Vandelli pensamos que era invejoso e tinha outras qualidades más que não queremos pôr em relêvo. Acrescentaremos apenas que o notável bo- tânico Link diz bastante mal dos seus dotes de naturalista; a má vontade manifestada contra Brotero provinha talvez do mérito que possuía o nosso botânico e que êle teve ocasião para avaliar. Um dia Domingos Van- delli e dois viajantes russos, Legaway e Dumbat Chwskoy convidaram Brotero para procederem a uma exploração botânica nos arredores de Lisboa, pois ficaram maravilhados com a vasta instrução de que era pos- suidor o nosso naturalista (2). Não eram, porém, sómente os sábios cultores da botânica que tinham ocasião de aquilatar o seu grande mérito; os seus próprios discípulos (!) Dic . Bibliogr. ui, pág. 212. (2) Notícia Biográfica, pág. 8. 80 Balthasar Osorio experimentavam até onde êle atingia. Transcrevo da Memória inédita, citada na parte bibliográfica, a seguinte e interessante passagem: «Por varias vezes nas frequentes herborisações, que fazia com os dis- cípulos, a que concorrião por curiosidade e divertimento muitas pessoas «distinctas de Coimbra, e a algumas das quaes assistirão o professor Link «e o conde de Hoffmanseg, os discípulos para experimentarem sua saga- « cidade praticavão com elle o mesmo que os de Bernard de Jussieu nos «campos de Paris, e apresenta vão-lhe plantas que tinhão mutilado a fim «de encobrir os caracteres, mas o Dr. Brotero, reconhecendo logo o arti- «ficio, lhas nomeava, indicando-lhes ao mesmo tempo o logar onde cres- «cião naturalmente, e lhes apontava os caracteres que tinhão e lhes havião «destruído e mutilado.» Se muitas vezes foram os colegas e pessoas de elevado saber que por emulação lhe conturbaram a existência, amargando-lha, outras vezes era a ignorância que o salteava, a gente ignara que nas herborizações o perseguia, como se êle fosse um bandido, ou o encerrava no se- grêdo das cadeias, classificando-o de jacobino, cominação perigosa no seu tempo. Na Serra da Estréia, os pastores encontrando-o por lá a colher plan- tas, não podendo compreender que houvesse alguém que se empregasse em tão singelo mister, não quiseram acreditar, como podiam talvez supor, que Brotero fosse um pobre hervanário que andasse colhendo os símplices destinados às curas das enxaquecas ou dos flatos. Juígaram-no um ardiloso delegado do fisco que disfarçadamente, subtilmente percorria os campos e algares para, com artifícios da política, alcançar para si os baldios, e qui- seram-no maltratar. Dos maus tratos dos ladrões, se não dalguma coisa mais grave escapou no Alemtejo, dizendo-lhes, ao lançarem-se a êle, que era um pobre cape- lão que ia de íongada dizer a missa das almas a uma aldeia próxima. Valeu- lhe talvez a previsão do ataque, pois Brotero viajava naquele dia em traje de eclesiástico. Mas no Alemtejo mais o incomodou que os ladrões a polícia preven- tiva do seu tempo, que era ainda menos atilada do que êles. Deixemos que o próprio Brotero conte nas cartas inéditas, que vão em seguida, as contrariedades e as violências que para com êle usaram os meirinhos e magistrados do princípio do último finado século. Não queremos por forma alguma atenuar todo o sabor de interêsse que os documentos aludidos possam ter para quem os apreciar devidamente. São uma lição e ensina- mento dos costumes dos tempos doutrora. Algumas notas inéditas acerca da vida e obra de Fêlix d’ Avelar Brotero 81 Carta do Dr. Félix d' Avelar Brotero a Luís de Saldanha de Oliveira *. Coimbra 2 cTOutubro de 1792. íll.mo e Ex.m° Snr. Luis de Sald.a de 0!iv.a Recebi corn infinito prazer a Noticia que V. Ex.a me dá na sua ultima carta do saudavel eff.° q. recebeo das aguas mineraes, estimarei que fique restabelecido com Vigor p.a Sua dilatada vida. Eu cheguei ha poucos dias á Cidade depois de hua jornada de mais de dois mezes m.to dispendiosa e cheia de perigos e trabalhos. Desejoso de querer instruir-me em objectos indispensáveis de se saberé na m.a pro- fissão conimbricense (a querer bem cumprir com os seos essenciaes deve- res) me fizerão emprehender esta longa jornada. Sem embargo de tudo o q nella sinistrameníe me aconteceo, estou bem satisfeito de a ter emprehen- dido pelas m.tas luzes que delia recebi e pelos productos vegetaes que trouxe para o nosso Jardim. V. Ex.a pede-me na Sua Carta queira informalo do q passei nesta minha longa digressão, eu não posso deixar de satisfazer á Sua Amisade assegurando-lhe que por todos os lugares da Beira baxa, Alemtejo e Al- garve por onde passei sempre fui bem acolhido excepto em Arronches e Vilía Viçosa, como V. Ex.a poderá conhecer pela veridica narração das minhas tristes scenas n'estas duas vilas, a qual remeto induza. Logrei sempre boa saude excepto em Mertola aonde hua beliosa me fez demorar alguns dias ao voltar do Algarve p.a a Beira. Falei ao Snr. Bispo de Beja e nelle admirei o Prelado douto, pio, Vigilante, o mais des- abuzado da Nação e de outras muitas mais raras qualidades e Virtudes. Fez-me a honra de me vizitar com o seu Vigário Geral na pobre estala- gem aonde eu estava : que exemplo p.a os Prelados orgulhozos. Os Bispos tão bem vão ás estalagens me respondeo Este estimado Prelado q.do me veio ver. Elle me fes presente de algumas composições suas e me tratou com tanto obséquio que não posso explicar a V. Ex.a o q.ío lhe fiquei obrigado. Cheguei a Coimbra ainda bastante debil da m.a doença e jornada; pre- sentem.te vou cuidando em vigorar-me. 1 Era irmão do Marquês de Pombal, ministro d'elrei D. José. 6 32 Balthasar Osorio Pesso a V. Ex.a queira ter a bondade de recomendar-me ao Ex mo Snr. Morgado e Morgada e ao Ex.m° Snr. D. Francisco de Menezes, á Ex.ma Snr.a D. Anna de Almeida. Fico para servir a V. Ex.a em tudo o q prestar. Seu mais Rev. Captivo o mais obrig.do Félix d Avelar Brotero. A verídica narração a que esta carta alude é a seguinte : Sed si tantus amor casas cognoscere nostros Quamquam animus me meminisse horret. . • Incipiam. ViRG. Aeneid — n. Parti de Coimbra a 26 de Julho do presente anno de 1792, no intuito de me instruir sobre a naturesa dos terrenos e vegetaes proprios do Aíem- tejo e Algarve. Não obstante ter-me esquecido de levar comigo a minha Carta de Lente como tinha projectado, andei comtudo mais de cincoenta léguas sem encontrar hum só magistrado imprudente que me surprehen- desse por falta de passaporte. Corri a Beira baixa desde a Sertãa athé perto de Castelío-Branco, passei a Montalvão onde o Tejo entra no Reino, fui a Castelio de Vide, Portalegre e Marvão e em todos estes e outros logares bastarão os sobrescritos das minhas cartas de recomendação e o dizer q hia em diligencias da minha Faculd.6 p.a poder continuar livremt.e a minha jornada. Cheguei a Arronches e despois de ter feito algumas observações sobre o terreno e vegetaes á roda d’esta V.Ia falei ao Gover- nador q me acolheo m.t0 bem e retireime á estalagem fatigado e na inten- ção de ali pernoitar. A's Ave marias um meirinho acompanhado de hum soldado entrou bruscam.te na estalagem e me ordenou sob pena de prizão de o acompanhar e ir fallar ao Dr. Juiz de fora, o q immediatamente sa- tisfis, logo aqui suspeitei q havia alguma má Scena e não me enganei. Seg.do depois soube havia hum conluio contra mim e ordido da maneira q passo a expor. O aggravista Cald.ra que tinha obtido licença p.a acompanhar sua M.ce ás aguas ferreas de Marvão achava-se então em Arronches, viu-me sahir de Casa do Governador e combinando a minha physionomia com os si- gnaes que indicava a lista da Policia a respeito do Abbade Walk disse ao Governador q era preciso questionar bem o clérigo passageiro q ali se achava porq nelle havia signaes do Abbade Walk, q mandace dar p. ao Juiz de fora, e q elle Cald.ra se acharia prez.te ao interrogatório sob pre- texto de ir visitar o Juiz de fora q estava com hum defluxo: tudo assim se Algumas notas inéditas acerca da vida e obra cie Félix d' Avelar Brotero 83 passou na realidade; o interrogatório dos dois Conliados foi cheio de gros- serias, insolente, e todo dirigido a perturbar-me, tanto estavam preocupa- dos de q era o Abbade Waík, homem scelerado na sua opinião. Confessei ter perdido o meo breviário nas montanhas cFaquem Portalegre (isto me tem sucedido já mais vezes em momentos q a alma se esquece do Ceu p.a se ocupar toda na terra) aqui os nossos dois bons magistrados ficaram devidos (devididos) em pareceres, o Juiz de fora querendo q a perda do Breviário fora insignificante p.a se buscar o sujeito q se buscava e o Cald.ra querendo q ella contribuísse m.í0 p.a prova. Nomeei todos os sujeitos que compoem a minha Faculd.6 e rirão m.to de q eu não conhecesse todos os das mais sem embargo de eu dizer q avia pouco tempo que estava em Coimbra, e q de mais disso tinha tido pouco exercício Acadêmico. Emfim concíuio o Juiz de fora dizendo: S.r Padre ainda q trouxesse trinta passa- portes havia de ficar em prizão athé se justificar, visto q tem todas as cir- cunstancias q aponta a minha Lista de Policia a resp.t0 de certo Reo. Estas circunstancias como depois soube erão ter os cabellos loiros, um dente fora adiante, idade de quarenta e tantos annos e falar bem o Francez 1 o q tudo concorria no Abbade Walk, q a policia intenta prender, e mais quatro francezes, como dissiminadores de maximas antimonarchicas (?) e capazes de destruir a fldelid'e e constituição portugueza ! ! ! De nada me servio o falar portuguez com accento nacional e o abrir m.tas cartas de recomendação q levava, nomear todos os sug.í0S q compoem a faculd.6 de Philosophia e dar m.tos outros indícios de ser Portuguez: resolveu o juiz de fora q eu avia de ficar preso em Arronches ou ir p.a Villa Viçosa d'ahi seis legoas. Foy preciso q a razão cedesse á força. Escolhi vir p.a Villa Viçosa conjecturando q encontraria no General aquelía affabiíid.® e attenção q costumam ter os chefes militares e Fidalgos. Mas enganei-me. O general era hum homem de Caracter precipitado e hum automato q se movia pelo pr.° impulso que lhe querião dar certas pessoas da sua con- fiança. O Cald.ra p.a elle era o Juiz de Officio, hum oráculo de jurispru- 1 A estes caracteres fisionómicos e individuais de Brotero, que êle menciona, po- demos acrescentar outros que colhemos da biografia manuscrita a que, mais de uma vez, nos temos referido: era alto, grosso, tinha o rosto redondo, cabelo ruivo; seu ar agra- dável e sereno, os olhos pequenos porém muito vivos; sua alma nobre, firme e corajosa lhe fez suportar os largos trabalhos e viagens enfadonhas nas quais desprezou os horrores dos desertos e cs perigos dos precipícios, como aqueles da fome, da sêde, do calor e do frio;... suas paixões eram muito violentas, era colérico ; (como prova desta asserção vejam- se as notas à margem escritas por Brotero no herbário que existe no Gabinete de botânica da Faculdade das Sciências de Lisboa), mas abrandava logo, seu coração muito agradecido. 84 Balthasar Osorio dencia. Este tendoce ofíerecido ao Juiz de íora p a escrever ao General e a sua carta contando que eu era seguram.íe o Àbbade Waík resultou q o General sem me querer ouvir me mandou remetter á Cadêa de Villa Vi- çosa. Felizm.íe e graças ao bom Cabo da Escolta q me acompanhou fiz a jornada de Arronches a Villa Viçosa a cavallo na minha Mulla porq a des- humanidade do Juiz de fora foi tal q chegou a mandar pelo seu meirinho dizer ao Cabo que me não deixasse ir a cavalio na minha besta e q fosse a pé se não achasse hum burro: hera de noute, q.d0 parti, não apareceo burro, e fui a pé por dentro da V.a mas apenas sahimos fora de portas — agora daqui por diante governo eu e não o Sr. Dr. Juiz de fora disse o Cabo, Snr. P.e podece por a Cavallo na sua besta: — assim achei mais ternura e cevelidade em hum official inferior militar q em hum magistrado. Se o Juiz de fora de Arronches tivera feito a sua obrigação remetendo ao General o Processo verbal do interrogatório assignado por mim como depois fez o Juiz de fora de Villa Viçosa, o general certam.le não teria mandado meter-me na casa forte da. cadêa de V.a Viçosa mas ter-me-hia mandado p.a casa de algum dos ministros da V.a ou p.a a Socied.e dos officiaes militares athé eu me justeficar como me consta q o mesmo Ge- neral depois disse em p.ar, porem o Magistrado d'Arronches persuadido- de q a Carta do Ca!d.a, a qual só narrava o q me era desfavorável, o des- pensava dos seus deveres de magistrado naquella Causa p.a com o Gene- ral, contentou-se de me ter questionado com insolência e insultado com duras Ordens. O General, não tendo lido processo verbal algum mas som.te a Carta do Ca!d.a q lhe dizia q eu era o Abbade Walk estrang.ro, ficou m.to admi- rado de hum requerim.to q lhe fiz e mandou q o Juiz de fora de Villa Vi- çosa me interrogace e q fizece Processo verbal q o Magistrado de Arron- ches tinha prometido de mandar. Imediatam.íe remeteo o d.° Processo Verbal por hum proprio ao Intendente Geral da Policia. Eu no mesmo dia escrevi ao Snr. José de Seabra, a V. Ex.a e a outras pessoas da minha amizade, mas sei hoje que algumas das minhas cartas foram surprendidas em V.a Viçosa por ordem do General Depois do q eu tinha deposto no Processo-verbal falando o Portuguez com accento puro, o Corregedor e Juiz de fora de Villa Viçosa expozerão ao General razoens fortes a meo favor concluindo q bastava ouvirme falar p.a conhecer seu engano, q eu era Portuguez. O General expedio logo p.a Arronches hum proprio ao seu amigo Cald.a contando-lhe o que se passava. O Cald.a que se tinha resolvido a entrar na scena persuadido de q não devia deixar fugir huma tão bella ocasião de deixar mais hum serviço a seus filhos vendo que o General começava a vaciliar na crença de q eu Algumas notas inéditas acêrca da vida e obra de Félix d' A veiar Brote ro 85 foce o Abbade Walk pelas fortes razoens que lhe tinhão dado os dois ministros de Villa Viçosa receando que elle me aliviace a prizão de modo q eu podece fugir mandou pôr mudas e correo com toda a rapidez a fallar-lhe, e o corroborou de tal sorte na crença de q eu era o dicto es- trangeiro q nesse dia quiz guarnecer de guardas todo o interior da Cadeia, o q não chegou a ter effeito por causa da representação que lhe fez o Carcereiro. Estes factos são bem notorios em Arronches e Villa Viçosa, mostrão claramente que o Ca!d.a e o magistrado de Arronches tem huma gr.de prespicacia em conhecer os homens, q tem hum bom coração, e que o seu zelo de prizoens p.a bem do Estado he mui sensato. No quarto dia da minha prisão escrevi ao Dezembargador do Paiz Ant.° Henriques da Sylveira contando-lhe os meus dezastres: Este honrado lente escreveu logo huma carta ao General e mandou o seu Escudeiro na Companhia de hum Oppositor Cannonista p.a dar huma justificação de q eu era o proprio mandando-me ao mesmo tempo dizer em huma carta q se não vinha pessoaímente não era porque o não dezejasse mas sim por causa de ter chegado de Coimbra a Extremoz havião ainda poucas horas m.ío moido. Mas nem a justificação, nem a Carta do Dezembargador foram força bastante p.a q o General me mandasse soltar: elle quiz esperar pela resposta da Policia q chegou dali a tres dias e então he que fui posto em iiberd.6 O 1 Intendente mandou dizer q me conhecia m.to bem, q fora des- graça ter havido engano, mas q postos os signaes da physionomia eram os mesmos do Abbade estrangeiro a surpreza não tinha sido mal fundada. Mas não é preciso ser muito subtil p.a reconhecer que o Intendente des- culpava a prizão por não querer ser incivil para com o Governador por q basta o meo accento nacional de fallar Portuguez p.a parecer q ella foi indiscreta: os estrangeiros logo se reconhecem pelo accento impuro da linguagem, principalm.te os q tem pouco tempo de habitação entre nós. O General quiz-me por fim ver e fallar; deo-me então m.ías desculpas privadas e ofereceo-me chá e caffé e m.tas cartas de recomendação o que tudo rejeitei: era acudir com agua depois de queimadas as Casas intei- ram.te. Depois de lhe ter exprobado (dentro de modos civis) a sua g.de pre- cipitação e deshumanid.6 parti p.a Extremoz aonde fiquei em caza do nosso Antonio Henriquez da Silveira q me recebeo com a maior afabilid.6 pos- sível. O Governador de Estremoz, Hollandes de Nação, e pessoa de excel- lentes qualida.es me honrou tão bem muito; eu o acompanhei em huma digressão athé Borba p.a a qual elle me convidou e me mandou dar hum 1 (Pina Manique) Nota do autor. 86 Balthasar Osorio cavallo afim de observarmos alguns objectos de Mineralogia e Botanica relativos à Agricultura de que elle he curiozo. O nosso dezembargador e seu Mano querião q eu ficasse em sua Caza ao menos oito dias; mas não pude aceitar o favor por ter huma longa jornada q fazer, e dezejar de voltar com brevid.6 para Coimbra aonde os trabalhos do Jardim Botânico exigião a minha assistência pelo q parti logo p.a o Algarve. » A narração da viagem do sábio naturalista revela-nos alguns factos interessantes acêrca da vida interna da nação, no comêço do século deza- nove, mas é particularmente reveladora dos precaiços a que estavam su- jeitos os cultores das sciências naturais em Portugal e nos seus domínios. A nossa polícia, pelos mesmos tempos, receosa dos jacobinos, medrosa, como foi sempre a ignorância, recomendava para o Brazil que houvesse cautela com um tal (sic) barão de Humboldt, que se vigiasse o que êle ia fazer por lá. Se a Brotero nas suas excursões e viagens com fins scientíficos lhe so- brevinham desgostos e incómodos como os que acabamos de referir, a sua vida de professor não corria com a serenidade como era lícito espe- rar, depois de vencidos os colegas que o hostilizavam. Como o Abade Corrêa da Serra, Brotero queixava-se da irregularidade e deficiência com que o govêrno do seu país lhe retribuía os seus elevados serviços, presta- dos à sciência que êle acrescentava, e à pátria que com o seu trabalho enobrecia. A carta seguinte dirá melhor, contará melhor do que nós faría- mos, apontando as agruras do seu viver derivado da incerteza dos seus honorários. Cópia dama carta escrita por F. d' A. Brotero ao Conde de Rio Maior (a original encontra-se na livraria do Sr. Conde de Rio Maior , no maço 2). 1 Ill.mo Ex.mo Sr. Conde de Rio Maior. Tive a honra de receber a carta que V. Ex.a se dignou escrever-me com data de 22 de abril do presente anno, ella me causou um extremo prazer, por colligir delia que V. Ex.a nesse ardente clima vae passando com vencimento das suas contrariedades; praza a Deus que por dilatados 1 Tanto a carta que transcrevemos como os dados que a acompanham foram copia- dos da Gazeta de Portugal, n.o 1189 de 11 de Novembro de 1866. Algumas notas inéditas acerca da vida e obra de Félix d' Avelar Broiero 87 annos as possa continuar a operar com perfeita saude, e com esta con- seguir aquellas felicidades de que o seu merecimento tanto se faz digno. Agradeço summamente a V. Ex.a o particular obséquio que me decla- rou ter feito em se interessar pelo meu requerimento; mas sem embargo do exm o sr. Thomaz Antonio mostrar ser-me benevolo, o meu infortúnio tem até agora opposto fataes demoras. A sr.a Rainha D. Maria I tinha-me feito a graça de uma pensão de tresentos mil réis pagos pelo real Erário em attenção aos meus serviços, e também por ser a minha cadeira a de menos ordenado na faculdade Phiíosophica: esta pensão era mal paga, e se me deviam o anno de 1808 e os dois precedentes a elle; em razão d7isto requeri a sua magestade que se me pagasse estes tres annos e mu- dasse a pensão para ser paga pelo cofre da Universidade, por pensar que por elle seria mais bem paga; passado muito tempo, vendo que este reque- rimento não era attendido, fiz outro, pedindo que a minha pensão fosse igualada á do doutor Dalla Bella, meu colíega; deste requerimento resul- tou attender-se o primeiro, e segundo as noticias que ultimamente tive do Erário, d'ahi mandou-se passar a minha antiga pensão para a Universi- dade, e quanto ao pagamento dos tres annos atrasados mandou-se infor- mar aos governadores dos tres reinos. Tenho a este respeito feito aqui todas as indagações possíveis, e hoje sei de certo, segundo me assegura o exm.° marquez de Borba, que taes despachos não tem aqui chegado, nem apparecem. Hoje os pagamentos dos quartéis da Universidade andam quasi tão atra- zados como os do Erário, no qual só se paga um quartel quando se devem tres e este quasi todo em papel que nas casas de cambio perde 25 por cento, e dizem que cada vez mais irá perdendo; portanto o que hoje de- sejo é algum augmento na minha pensão, quer seja paga pelo Erário, quer pela Universidade e que também se me paguem os tres annos que se me devem atrazados, sendo bem supérfluo mandar-se tirar a este res- peito informações dos governadores do reino quando a divida consta pelos livros d'este real Erário, nem jamais foi costume um similhante informe. Na ultima invasão francesa em que eu fugi de Coimbra com outros membros da Universidade apenas cheguei a Lisboa fui logo mandado pelo governo administrar o Real Museo e Jardim Botânico da Ajuda. Sua Magestade confirmou pouco depois esta determinação. Prometteu-me o visconde João Diogo casa no sitio da Ajuda e vim immediatamente assis- tir junto dos ditos estabelecimentos, arrendando casas para habitar em- quanto se não davam as promettidas; nunca se me deram, sem embargo 88 Balthasar Osorío de muitos annos as requerer a sua magestade, e prkicipalmente as de um dos meus antecessores, o dr. Alexandre Rodrigues Ferreira, que eram muito boas e dentro do Jardim. Em fim, neste proximo anno passado sua ma- gestade houve por bem fazer a graça das ditas casas á viuva do dr. A. Ferreira, e deu-me uma pequena pensão para pagar a renda das que habi- tar, mas as causas e circunstancias respectivas a esta graça para o anno futuro são as mesmas que a dos annos passados; eu paguei casas desde 1810 junto do museo e Jardim para o serviço d'este estabelecimento, e em razão d'isto a graça que sua magestade me fez de rendas para casas parece que deve entender-se desde os annos precedentes até 1810. Fiz a este respeito ultimamente um requerimento a sua magestade, tendo sido d’aqui remetido pelo Real Erário ao exm.° sr. Thomaz Antonio. Talvez ficará em esquecimento como todos os demais, visto que este ministro d?Estado não tem tempo para ler requerimentos, por causa das vastas repartições de que está encarregado, e precisa que lh’os lembrem repetidas vezes. Por tanto supplico a V. Ex.a que por aquella amisade com que sempre me tem honrado me haja de fazer o favor de lembrar ao dito ministro, as minhas mencionadas pretensões, munidas com a sua protecção, e interessando-se pelo seu despacho, o que augmentará cada vez mais a minha indelevel gratidão. Fico para obsequiar e servir a V. Ex.a em tudo o que prestar e se dignar determinar-me, pois sou com a mais distincta consideração De V. Ex.a Fiel amigo, muito obrigado e maior venerador Félix de Avelar Brotero. Na calçada do*Galvão a 8 de Julho de 1820. Mas deixemos os seus inimigos, que não valem ser lembrados e também as suas adversidades, para recordarmos alguns factos menos conhecidos da sua obra de sábio. Brotero é geralmente considerado pelos seus valiosíssimos e numero- sos estudos de botânica, a muitos dos quais os anos decorridos depois da sua publicação não imprimiram velhice, antes garantiram a imortali- dade, mas trabalhou outra sciência natural, a zoologia, e deixou provas de que nela seria igualmente prestimoso autor e sapiente cultor se, como à botânica, se lhe tivesse particularmente dedicado. Algumas notas inéditas acêrca da vida e obra de Félix d1 Avelar Brotero 80 Temos a prova completa na sua Memória intitulada: Noções Históri- cas das Focas em geral e particular ( com as descrições das que se conser- vão no Real Museu do Paço de Nossa Senhora da Ajuda) em que êle se refere a diversas focas que 1 apareceram e se domiciliaram nas costas de Portugal. Depois de apontar nesta Memória os caracteres que extremavam as focas conhecidas até ao seu tempo, de descrever a sua organização interna e caracteres externos, os seus costumes e distribuição geográ- fica, considerou como representante duma variedade nova da Pkoca com- munis , Linn., o indivíduo caçado por urn faroleiro perto da Torre do Outão. Êste facto é interessante por diversos motivos, a junção duma espécie nova à fauna de Portugal e o acrescentamento duma variedade nova à especie Linneana. Uma e outra esqueceram porém, se a não ignoraram os nossos naturalistas mais ou menos modernos que escreveram acêrca da fauna do nosso país, pois não me consta que algum dêles tenha incluído nos seus catálogos ou listas de espécies portuguesas a aludida foca ou a sua variedade. O facto é ainda interessante por outro motivo; o número de focas que povoavam o Oceano Atlântico foi outrora enorme, mas quási desapa- receram de regiões onde então abundavam. O seu aparecimento nas costas de Portugal, quer dizer numa região intermédia, ao norte de África e norte da Europa, onde ainda hoje se encontram com frequência, prova-nos que êsses animais podem viver em águas dos mares, cujas temperaturas são bastante diversas. Os portugueses do século xv iam à costa da Guiné e ao chamado Rio do Ouro caçar as focas que naquelas paragens existiam em grande quantidade (mais de cinco mil foram vistas em dada ocasião num outeiro), e para Portugal traziam as peles e o óleo extraído dêstes animais. Na ilha da Madeira existe um logar, uma povoação, Câmara de Lobos, que recebeu êste nome derivado da grande quantidade de rocas ou lobos marinhos que os primeiros portugueses exploradores áa ilha encontraram naquele sítio, sob uma lapa ou rochedo escavado que ficava perto do mar. Ainda hoje se caçam focas nas Desertas , pequenas ilhas que pertencem ao arquipélago da Madeira. No Àáuseu do Funchal existe um exemplar desta proveniência, de que possuímos a fotografia, e sabemos que um indivíduo 1 Jorn. de Coimbra, t. 11 - Parte I, págs. 151, 172. — 1817. ~ Az tirara. Crónica da Conquista da Guiné, pág. óól. 90 Balthasar Osorio obtido nos mesmos ilhéus viveu algum tempo na casa duma senhora que habitava a Madeira. Como prova da existência das focas em grande parte do hemisfério sul, em épocas remotas, podemos citar os versos de Camões nos Lusíadas , quando o poeta figura Vasco da Gama contando ao rei de Melinde a derrota da sua viagem à índia e lhe diz: Por elle 1 o mar remoto navegamos que só das feias focas se navega. Embora a descrição da foca colhida em Setúbal 2 * * * e a nota citada em que Brotero se refere aos lobos, elefantes e leões marinhos, seja reve- ladora de muito saber e especiais aptidões descritivas do nosso grande naturalista, não é todavia a única que existe comprovativa dos seus conhe- cimentos de taxinomia zoológica. Mas, antes de prosseguirmos na demons- tração do que afirmamos, seja-nos permitido incluir neste logar um docu- mento escrito e assinado por ele e que se refere à foca que vivia perto de Setúbal. É o seguinte : Eu abaixo assignado Cavalleiro professo na Ordem de S. Bento de Aviz, Lente jubilado da Faculdade de Philosopkia da Universidade de Coimbra , Director administrador e Thesoureiro do Real Museu e Jardim Botânico do Paço do sitio de N. Snr.a da Ajuda , por 5. Mag.de q Deus guarde , Certifico q tendo sido informado de como hum caçador tinha morto nas praias d' Arrabida, huma notável variedade da Phoca vitulina , e a tinha vendido ao Cônsul de Hespanha em Setúbal, o qual immediatam!6 a havia mandado preparar para a remetter para o Museu de Madrid, participei sem perda de tempo ao governo estes factos, supplicando-lhe todas as pro- videncias necessárias afim de q a dita Phoca fosse embargada e remettida ao Museu de S. Magdf pagando-se as despesas de compra e preparação ao referido Cônsul; em consequência do q se effectuaram todas as supplicadas providencias, e ultimamente foy expedida ao real Erário huma Portaria respectiva ao pagamento das despesas, a qual me foy participada, trans- 1 El-Rei D. Manoel, o afortunado. 2 Refere-se também a 2 exemplares de focas colhidos próximo a Viana do Castelo, existentes no seu tempo no Museu da Universidade de Coimbra. Os que estiveram no Mu- seu da Ajuda não saíram de lá ou, o que é mais provável, estragaram-se com o decorrer do tempo. No Museu Bocage onde foram recebidos muitos dos exemplares do Museu Rial não existem, segundo as investigações a que procedi, nem encontrei qualquer notícia a seu respeito. Algumas notas inéditas acêrca da vida e obra de Féiix, d' A velar Brotero 91 crita e registrada no cartorio deste Real Museu, cuja fiel copia he do theor seguinte: (No fim, Rial Museu e Jardim Botânico a 2 de Dezembro de 1817). F. A. B. Não encontrámos até agora entre os numerosos documentos relativos ao Museu e jardim Rial a cópia da Portaria que Brotero menciona, o que pouco importa, mas encontrámos um outro documento também da sua letra e com a sua assinatura que é a prova de que a foca foi recolhida no Museu da Ajuda, o documento diz o que se segue: «Faço saber que o escrivão das armas da Villa de Setúbal, Manoel da Silva Ferreira, conduzio e entregou hum lobo marinho bem condicionado n'este Real Museo do Paço do Sitio de N. Sr.a da Ajuda por ordem do íll.mo Snr. Dr. Dezembargador José Manoel do Rego, Corregedor da Co- marca de Setúbal, de cuja remessa sómente lhe mandei pagar as despesas feitas desde a Moita até ao referido Museo. Dada e passada a 6 de Setem- bro de 1817. F. de A. B.» Mas não é sómente nas Noções históricas das focas em geral e em particular com as descrições das que se conservam no Rial Museu do Paço da Ajuda , que podemos avaliar a competência zoológica do nosso ilustre compatriota. Podemos aquilatar os seus conhecimentos de taxinomia e de nomenclatura zoológicas noutros escritos dêle que nos ficaram. Publicamos em seguida uma carta inédita do ilustre naturalista que confirma uma parte do que acabamos de afirmar. Tendo-me sido intimada pessoalmente por Germano Alexandre Ferreira huma Ordem em Nome da Rainha Nossa Senhora, que elle me disse ter recebido da Ill.ma Snr.a D. Rosa, Retrêta do quarto da mesma Augusta Se- nhora, para que eu houvesse de mandar preparar neste Real Museo uma Ave morta (que juntamente me entregou) e depois da sua completa prepa- ração a fizesse logo remetter para o Real Paço de Queluz, cumpri com a dita ordem sem demora, e agora que a preparação da dita Ave se acha acabada, a remetto para o mesmo Real Paço, juntamente com este declara- tivo escripto. O nome Portuguez verdadeiro desta Ave he Garceta de crinas aloirada, os Naturalistas chamão-lhe Ardea comata superrufa, vive pela borda dos mares, rios e lagoas; algumas vezes passa em bandos, de arri- bação pelas costas marítimas de Portugal, e destas para as de África, ilhas do Mar Mediterrâneo, para a ítalia, Aliemanha etc. ; neste Real Museu ha 92 Balíhasar Osorio duas desta mesma especie bem semelhantes, e bem conservadas, hum a delias veyo da Hungria, e outra foi morta na Costa da Trafaria. Real Museu e jardim Bot° a 30 de Maio de 1825. O Dr. Félix de Avelar Broíero. Mas não são sómente estas as provas que nos ficaram, e a que ante- riormente nos referimos. É de Brotero a nomenclatura portuguesa que se fez para o Quadro elementar de história natural dos animais de Cuvier e para o Tesouro dos meninos de Blanchard; o seu biógrafo e parente diz que um dos seus primeiros cuidados depois de tomar conta da direcção do Jardim Botânico e Museu da Ajuda foi classificar a Colecção zoólogica e parte da minerológica separando a que se achava misturada e confun- dida, colocando os objectos em seu logar, e mandando fazer catálogos de todos os produtos e objectos dêste estabelecimento (o Museu), tudo pelo sistema de Linneu, mais geralmente seguido naquele tempo. Está portanto provado que Félix de Avelar Brotero se ocupou de zoologia. Mas uma das partes mais interessantes dos seus escritos é aquela em que êle expõe as suas ideas relativas à Filosofia biológica, declarando- se sem rebuço transformista devendo, portanto, ser apontado como um dos precursores de Ch. Darwin, mais propriamente um Lamarkista. Para que se não julgue que interpretamos mal, por muito admirarmos o que escre- veu o nosso famoso botânico, aqui deixamos trasladadas textualmente as suas palavras acêrca da mutabilidade das espécies. Porque não só a experiencia de muitos annos, mas também a auctori- dade de grandes naturalistas nos fazem acreditar, que em todas as grada - ções dos entes orgânicos, animaes e vegetaes, a diversidade dos climas e dc habitação contribue e tem quasi tanta influencia para fazer produzir diversas especies e diversas variedades da mesma especie como a copula de differentes indivíduos proximamente coespecificos, e a dos das especies de generos naturaes immediatamente contíguos costumão ter para o mesmo fim. 1 Não sómente neste período se reconhece que Brotero era partidário da teoria que sustenta e defende o princípio da variabilidade das espécies oposta ao da fixidez que outra afirma não menos vigorosamente, e man- 1 NoçÕss históricas das focas em geral c particular por F. Avelar Brotero — jornal de Coimbra t. 11, pág. 166. Algumas notas inéditas acerca da vida c obra de Félix d1 Avelar Rrotero 93 têm com numerosos argumentos, temos mais ; Brotero menciona na sua Flora Lusitanica diversas espécies de carvalhos e entre êles, dois, Quercus robur e Quercus hybridus. Aponta os caracteres de ambos, e referindo-se ao segundo diz o seguinte: Nullibi vidi in Lusitaniae borealis montosis ; forte ibi in. Q. — robur mutatur *. Portanto, segundo a opinião do nosso sábio botânico, o carvalha cerquinho da Beira pode transformar-se em carvalho roble. Se as suas obras não constituíssem o monumento perpetuador da sua glória, os títulos de seu sócio que lhe conferiram tantas e das mais conspí- cuas sociedades de sábios da Europa, o número de espécies que lhe dedi- caram os botânicos célebres do seu tempo, o carinho e atenção que lhe dispensaram tantos homens ilustres da nossa terra e da alheia, bastariam para justificar o apreço em que era tido, e a consideração que lhe era votada. O homem a quem o país, quási imediatamente ao seu regresso, conce- deu uma tríplice honra, a do grau de doutor e as regalias e privilégios que lhe andavam adstritos, na Universidade de Coimbra, a criação de cadeiras para que nelas regesse e ensinasse, a direcção de um jardim botânico, certamente veio precedido de justificada fama que os seus traba- lhos e os tempos não tiveram mais do que confirmar. Félix d'Avelar Brotero é nomeado com respeito pelos mais sábios botânicos da sua época, e muitos quiseram perpetuar-lhe a farna consa- grando-lhe géneros e espécies. Na Hespanha, o Abade Cavanilles estabele- ceu na família das Malvaceas, separando do género Bombeia que tinha criado, as espécies ovata e phenicea e as denominou depois Brotera ovata e Brotera phoenicea. Cavan. Icon. Rar. 5, pág. 20 (hoje no gén. Penta- petes de Linneu). Sprengel na Alemanha quis igualmente honrá-lo, dedi- cando-lhe na família das Corimbiferas um género a que chamou Brotera contrayerva (Sprengel in Sch. Journ. 1800, 2, pág. 186, que o Dr. Person Synops. Plant. 1, pág. 428 conservou, mudando o nome específico e deno- minando-a Brotera trinervata (hoje Naviemb urgia trinervata). O mesmo Sprengel tendo caído o seu género Brotera se esforçou novamente para conservá-lo em uma planta da família das Labiadas a que chamou Bro- tera pérsica , Spreng in Act. Soc. Linn. Lond. 6, pág. 151 e na Descrição das Plantas do Jardim Botânico da Universidade de Haíle pelo mesmo, a páginas 15, onde se lê «in honorem summi botanici Felici Avellar BroL Prof. Conimbricensis, dixi hoc novum genus (Hyptis pérsica).» 1 Loc. cit. t. II, pág. 31. Baithasar Osorio 94 O ilustre professor Wildnow, prussiano (a quem seguio o Professor Hornemann de Copenhague Hort. reg. bot. Haf t. 2, pág. 859) aplica o nome de Brotera a um novo género de plantas da família das Cinaroce - phalas formado do Carthamus corymbosus , de Linneu, conhecido pelos antigos botânicos debaixo do nome de Chamaeleon niger , e lhe chamou Brotera corymbosa, in honorem Clariss. Brotero Botanici celeberrimi dixi. Willd. sp. pl. t. 3. pág. 2392. A autoridade de Brotero como insigne e celebérrimo botânico é citada em muitas páginas do Dicion. Botânico da Enciclopédia Metódica de Species Plantarum do Professor Wildnow, da Flora do Conde de Hoffmanseg e Link, etc. Brotero correspondia-se com os botânicos e naturalistas de maior nomeada e entre outros com Willdnow, Link, Hoffmanseg, Cavanilles, Sprengel, Banchs, Broussonet, Retzius, Humboldt, Thumberg, La Gasca, Gay, Ortega, etc. Doutor em Medicina pela Universidade de Reims, pertenceu a muitas das sociedades scientíficas de maior nome na Europa. A Academia Cesarea dos Curiosos da Natureza de Bonna, no diploma da sua recepção de sócio, passado a 28 de Novembro de 1818, diz-lhe o seguinte: «Et accipe insignum nostri ordinis cui te nunc adscribo, ex antiqua «nostra consuetudine, cognomen Clusius, quo Colíegam amicissimum te «hodie primum salutamus». É tão notável e considerável a obra do Dr. Brotero, tão conhecida dos cultores da botânica, que não precisa que a louvem, impõe^se pelo seu mérito ; e êste escrito não visa a outro fim senão a acrescentar, ou a modi- ficar, fundado em documentos, alguma coisa menos exacta que a respeito dêste ilustre varão português se tenha escrito; por exemplo: O Dr. Simões de Carvalho diz que o aspecto tumultuoso das pugnas parlamentares, a violência das paixões políticas manifestadas no Parlamento foram as causas que afastaram o insigne naturalista dos trabalhos da Câmara dos Deputados para que tinha sido eleito, julgamo-nos autorizados, pela carta que ern seguida publicamos, a afirmar que isso não é absolutamente exacto. As quedas que por vezes deu (duas muito graves) nas excursões botânicas a que procedia por todo o país, ao querer atingir plantas que via em logares altos, de difícil acesso, determinaram-lhe os achaques que lhe combaliam a velhice, e afastavam-no do Parlamento que êle, por patrio- tismo, desejava frequentar, e aondet oinham elevado os homens que sa- biam apreciar o seu alto merecimento. Algumas notas inéditas acerca da vida e obra de Félix d1 Avelar Brotero 95 Ao Ex.mo e Rev.mo Snr. Arcebispo da Bahia G.de D.s mt. an. Presidente das Cortes Geraes e Extraordinárias da Nação Portuguesa. No Mosteiro de S. Bento. Ex.mo e Rev.mo Snr. Não tenho athe agora conseguido melhoras algu- mas nas dores q me afligem, antes tem acrescido huma contumaz hemi- cranea que me priva do sono, e me tem quasi de todo ensurdecido ; na estação de inverno por causa da minha debil e adiantada idade de settenta e sette annos, sou mais sujeito a estas penosas indisposições; mas confio na divina Providencia q, aquecendo o tempo, poderei obter alguns alivios; logo q os haja levado dos impulsos de amor da Patria, q em meu coração predomina, não tardarei de tornar a ir occupar o íugar q me foy commet- tido, e a eile satisfazer conforme a minha vaciilante saude e poucas forças mo permittirem, o q rogo a V. Ex.cia se digne pôr na presença do augusto congresso, participando-lhe ao mesmo tempo os meus agradecimentos por me haver concedido a indefinida licença athe poder restabelecer-me. D.s G.de a V. Ex.cia mt. an. Ex.mo e Rev.mo Snr. Arcebispo da Bahia. Alcolena de Belem Fever.o de 1821. F. de A. Br.o (Pelas emendas do manuscrito deve ser o rascunho da carta). Se não frequentou com assiduidade o Parlamento, como dêste docu- mento, inédito até agora, e de outros, se pode depreender, foi para lamen- tar que assim acontecesse, porque talvez pudessem vingar algumas das suas excelentes ideas económicas que apresentadas e defendidas por êle deveriam ser aceites, para o bem e para grande utilidade do nosso país. O Dr. Simões de Carvalho na sua biografia de Brotero cita estas palavras do célebre botânico a respeito da cultura do trigo em Portugal ; palavras a que a crise actual, que suportamos, dá o sabor de esquecida e validada profecia : «Os grandes preços são os que convidam no momento, e depois a 96 Balthazar Osorio «abundancia fará abaratecer; fica o dinheiro no paiz, e seremos indepen- «dentes dos estrangeiros, que é sobretudo a que devemos aspirar; devemos «ter o pão barato, porem deve ser pão nosso, que é o que devemos pedir «na oração dominical, e o modo de o ter é o que fizeram todas as na- «ções, convidar a todos serem agricultores de pão, que é do que neces- «sitamos, e o podemos ter, uma vez que ha já interesse em lavrar a terra, «no que interessa mais o pobre porque mais ganha com o seu tra- balho, etc. Resta-nos, neste breve estudo de tão alta personalidade dos domínios das sciências, considerá-la pela sua feição artística. A sensibilidade de Bro- ter, excepcionalmente vibrátil, que o afastava do leito dos doentes para não sofrer tanto ou quási tanto como êles, atraía-o para as obras da natu- reza, para os seus primores que o deleitavam e o encantavam. Por vezes o naturalista é um poeta e ao mesmo tempo um sábio, se não no expres- sar pelo menos no sentir. Mas de Brotero nos ficou revelada a qualidade de artista, e de artista primoroso, em um dos mais belos monumentos da língua latina escrito por um português. O excepcional botânico assistiu dois anos às convulsões dessa grande luta social que se ficou chamando, na historia, a Revolução francesa, pois só regressou ao nosso país na prima- vera de 1790, por signal em companhia do Conde de Caparica que o hospedou em sua casa. Não sómente a ode aludida nos revela pela sonoridade dos versos, pro- priedade dos termos, alteza dos pensamentos, apuro de cinzelamento das estrofes, um poeta como ainda um artista exigente da perfeição da sua própria obra, querendo que as estampas dos seus livros de sdência sejam gravadas por um burilador consumado que colabore com êle. Requer a exactidão da minúcia junta ao primor da execução; figuras elucidativas mostrando nitidamente o que a natureza outorgou; exige que as figuras dos seus livros sejam exactas como as imagens das formas que os espe- lhos reproduzem; daí o escolher para elas Bartolozzi, um dos gravadores mais célebres do seu tempo e que então vivia em Portugal. Embora as gravuras não estejam assinadas, são dêste artista notável muitas das que existem nas obras de Brotero. Possuímos os documentos comprovativos e que adiante publicamos, e um dêles permite fixar um facto interessante da sua vida, o da época em que o sábio naturalista se mudou para a casa d’Alcolena, onde veio a acabar. O documento é o seguinte: «Visto que depois da minha mudança de habitação de Lisboa para «Alcolena accrescerão a João Baptista da Sylva mais recados q fazer res- «pectivos ao expediente do serviço do Real Jardim e Museo, sendo prin- Algumas notas inéditas acerca da vida e obra de Fedx (T Avelar Brotero 97 «cipaim.íe obrigado de ir todas as semanas a casa de Bartolozzi 1 * * * * * 7 buscar «as provas das gravuras dos desenhos das plantas, que o Ill.m° e Ex.mo Snr. «Conde do Redondo mandou gravar, debaixo da minha approvação, acho «justo que em cada semana se dêem quatro vinténs para pagar frete da «embarcação de ida e vinda, o que faz deseseis vinténs por mez, princi- «piando este pagamento no mes de julho proximo passado inc!usivam.te; o "Fiel João Simões assim o executará, e ajuntará esta despeza a outras ex- «traordinarias do expediente, e ao que se confere p.a semelhantes serviços, «a Vicente Jorge de Seixas. * Alcolena, 2 de Agosto de 1812. Féiix de Avelar Brotero. Na biografia inédita de Brotero que citamos estão escritas as se- guintes palavras que valem por um longo volume de elogiosos discursos, serão elas o fecho mais digno e escolhido para pôr o termo às nossas singelas notas consagradas ao mais ilustre botânico português; são pala- vras de Tácito e que o grande historiador lhe aplicaria gratamente, trans- portando-as do elogio de Agrícola para o panegírico do nosso compa- triota: «logo à primeira vista parecia um homem de bem, e depois de o ter frequentado algum tempo se ficava encantado de achar um grande homem». Féiix de Avelar Brotero foi enterrado no Convento de S. José de Ri- bamar. Através dos tempos e das lutas mesquinhas dos grandes homens da nossa terra, despovoado e derruído o mosteiro, a ignorância ou a indi- ferença desconheceu onde descançavam os ossos dum dos maiores portu- gueses que firmou na sciência a sua perdurável glória. Converteram-se em vilas os muros do cenóbio, em floridos jardins ingleses as suas cêrcas e cláustros. Não se sabendo onde repousam os seus despojos, podemos ape- nas supor que se não estão irreverentemente entre as pedras dos muros de alegres e opulentos salões se transformaram nas árvores que sombreiam os parques ou no perfume das plantas que êle tão proveitosa como acri- soladamente amou. 1 Recebi do snr. António Azevedo Coutinho escrivente fsic) do jardim botânico seis chapas de cobre de varias grandezas p.a com ellas se gravar humas plantas p.a a flora luzitania cujas chapas as manda remeter o Ill.mo Snr. Dotor Feliz (sic) de Avelar Brotero e por as ditas chapas ficarem em meo poder mendei (sic) passar este recibo o q. assignei aos 26 de Novembro do anno de 1811. Francisco Bartolozzi 7 98 Balthasar Osorio Que os naturalistas portugueses se não esqueçam que daqui a oito anos se completam cem depois que êle se foi desta vida, e que o festejem, como merecem aqueles que por suas claras obras ficaram vivendo na memória dos homens, é o único anhelo da recompensa que desejamos para este opúsculo. Faculdade de Sciências — Maio de 1920. Encontrei também um documento em que se diz que os desenhos coloridos da Phy - tographia Lusitaniae selectior são devidos a António José dos Santos e António Casimiro Terr.a. Arquivo da Universidade de Lisboa- Vol. V. Estampa III Retrato do Dr. Félix d’Avelar Brotero, que existe em casa do seu parente o Ex.mo Sr. Dr. João Quintino d’Avelar i j •* ; ! Arquivo da Universidade de Lisboa — Vol. V. Estampa IV Retrato do Dr. Félix d’Avelar Brotero, que existe no Museu Bocage e feito no ano de 1828 em que morreu l.a Clínica Cirúrgica da Faculdade de Medicina de Lisboa HOSPITAL ESCOLAR Serviço do Professor Francisco Gentil SÔBRE TENSÃO ARTERIAL EM CIRURGIA (a propósito de 400 observações pessoais) POR VASCO PALMEIRIM Assistente (Estampas V-LXXV) Causas bem independentes da nossa vontade impediram que êste estudo fosse publicado logo que o terminámos. A mobilização, uma longa permanência junto do Corpo Expedicioná- rio Português em França e as dificuldades criadas à impressão do nosso trabalho pelas circunstâncias do momento fazem com que só agora, mais de três anos após a sua conclusão, o apresentemos nestes Arquivos. Nem por isso julgámos necessário pôr de lado esta monografia, apresen- tando-a agora tal qual a concluímos e entregámos em 1916 ao Sr. Pro- fessor Francisco Gentil, devendo em breve, pela publicação de um traba- lho subsequente já preparado completá-la e corrigi-la, principalmente na parte que diz respeito ao tratamento e etiologia do shock. * Por indicação do Sr. Professor Francisco Gentil iniciámos em 1912 êste trabalho e durante um largo período o continuámos, recebendo sempre orientação e estímulo do mesmo professor. Em todas as intervenções cirúrgicas executadas no serviço ou fóra dêle, se fez sempre o estudo e o registo da tensão arterial segundo as normas adiante indicadas, adquirindo-se assim a certeza do valor e importância dêsse estudo, que os estranhos acompanhavam com curiosidade benevo- lente ou scéptica ironia . . . Por felicidade nossa encontrámos no professor em cujo serviço traba- 100 Vasco Palmeirim lhamos, há anos, as qualidades que distinguem o moderno cirurgião do antigo operador, e entre elas o aturado estudo do movimento cirúrgico, a previsão inteligente, a enérgica vontade e a preocupação de cercar os seus doentes de todas as condições que possam contribuir para o seguro bom êxito das intervenções cirúrgicas. Sem o seu apoio e estímulo é possível que nos faltasse a coragem de encetar um trabalho que, pela numerosa documentação necessária, levaria muito tempo a concluir. É natural que no nosso pequeno meio cirúrgico, mais preocupado com interêsses estranhos à profissão do que com os assuntos que constituem a base sólida da educação médica moderna, o exemplo não fosse seguido e o estudo da pressão sanguínea continuasse a ser executado em raros ser- viços. Mas a guerra, que veiu trazer tão profundas modificações em todos os ramos da sciência, que obrigou a um trabalho intensivo as maiores inteligências e competências dos grandes países, também introduziu na cirurgia novos métodos, eliminou ou modificou alguns dos antigos e fez sobressair a importância de certos elementos considerados até há poucos anos como acessórios ou de menor valor por muitos clínicos, e entre êles aquele que constitui o assunto do nosso trabalho. A longa duração das hostilidades, a extensão formidável das frentes de batalha, a qualidade das Nações em luta — que pela sua área territorial, riqueza, educação scientífica e metódica organização são as maiores do mundo — as próprias modalidades da forma de combate, derivadas quer de condições geográficas, quer da variedade das concepções estratégicas, deter- minaram para os cirurgiões condições de estudo, por vezes, excepcional- mente favoráveis. Na frente ocidental, a mais interessante debaixo de todos os pontos de vista, a luta caracterizou-se por um longo período de estabilização do front — a guerra de trincheiras — iniciado e terminado por curtos meses de guerra de movimento. O espaço de tempo que medeia entre Setembro de 1914 (batalha do Marne) e Março de 1918 (início da fase final da guerra de movimento) foi aquele em que a moderada afluência de feridos, as facilidades de comuni- cação e a perfeição das instalações permitiram o rápido e regular funciona- mento dos serviços de saúde nos exércitos em campanha. A deterioração e o pejamento das vias de comunicação, as instala- ções improvisadas e mal apretrechadas, o mau estado de espírito dos fe- ridos e do pessoal de saúde — consequência da guerra de manobra— não permitem que as vítimas dos combates possam receber nas formações sani- tárias avançadas o pronto socorro que ali lhes é indispensável fornecer. Sobre tensão arterial em cirurgia 101 Durante mais de três anos foi possível instalar, a distância relativa- mente curta das linhas inimigas, formações sanitárias com pessoal e ma- terial suficiente para executar as intervenções cirúrgicas mais urgentes e colocar os feridos em condições de poderem ser evacuados para a re- ctaguarda, uma vez afastada a causa que punha em perigo iminente a vida do ferido. Nos sectores montanhosos dos Vosges e da AIsácia puderam os fran- ceses construir postos avançados de cirurgia em abrigos subterrâneos ou escondidos na vertente de uma colina, a menos de 3 quilómetros da pri- meira linha alemã. No sector português não existiam essas condições de terreno e as nos- sas formações destinadas a cirurgia de urgência foram instaladas a 4,5 qui- lómetros das linhas inimigas (Ambulância n.° 3 em Vieiíle-Chapelle), a 7 quilómetros (Ambulância n.° 1 em La Gorgue) e a 14,5 quilómetros (H. S. n.o 1 em Merville). Não havia em nenhuma destas formações a mais pequena protecção contra a artilharia ou aeroplanos inimigos e, se elas puderam desempenhar as funções que lhe tinham sido confiadas, foi isso devido à relativa tran- quilidade do nosso sector desde Maio de 1917 a Março de 1918. Por isso, os primeiros shrapnells e granadas alemãs de grosso calibre que caíram sobre a linha das aldeias destruíram, em pouco mais de 24 horas, todas as nossas formações sanitárias avançadas. * * O transporte dos feridos era feito até ao posto de socorros avançado, situado na 3.a linha, em macas ou qualquer outro meio improvisado; daí até ao posto de socorros de batalhão (denominado Advanced Dressing Station pelos ingleses) em vagonetas Decauville e depois para as ambulân- cias em confortáveis automóveis sanitários. Com estes meios de transporte podiam ser recolhidos e tratados a tempo nas ambulâncias os feridos que, pela gravidade do seu estado geral ou naturesa do ferimento não suporta- riam uma evacuação para maior distância. É dever de todos nós lembrar e louvar a dedicação e a coragem dos mais humildes colaboradores do cirurgião militar, dos homens que, arris- cando a todos os instantes a própria vida, procuraram pela sua decisão e sangue frio aumentar as probabilidades de salvar a do camarada ferido : os maqueiros dos batalhões e os chauffeurs das auto-ambulâncias. O mais recente livro do General Walíace, Consultor de cirurgia do 1 o 102 Vasco Palmeirim Exército Britânico, intitulado Cirurgia de guerra do abdómen tem esta sim- ples dedicatória: Aos maqueiros. As circunstâncias que acabamos de apontar tornaram favorável a obser- vação e o estudo de numerosos casos de shock pelos cirurgiões dos exér- citos em operações, e por êsse estudo se adquiriram novos conhecimentos, se instituíram novos métodos de tratamento e se formaram novas hipóteses sobre a etiologia do complexo síndroma denominado shock , que expore- mos no futuro trabalho a que atrás nos referimos, complementar do actuaL A vida de trincheiras obriga o soldado a passar dias inteiros meio enter- rado na lama, entre duas altas paredes térreas, carregado com o complicado armamento ofensivo e defensivo da guerra moderna, a alimentar-se mal e irregularmente, a dormir curtos instantes em cavernas insalubres, a viver num perpétuo alerta para possivelmente se esquivar à acção dos explosivos ou dos gases tóxicos lançados pelo inimigo, a passar intermináveis horas de vigia constante ao parapeito, a rastejar na neve durante as patrulhas nocturnas, a sentir-se perpétuamente espiado sem ver o inimigo e a pre- senciar os resultados causados pela explosão dos morteiros ou artilharia adversa nas fracas defesas que lhe servem de abrigo. Não é fácil encontrar reunidas, noutras circunstâncias, mais condições que levem o homem a uma tensão de espirito tão aguda e tão cons- tante, e por isso surjem por vezes nos combatentes sujeitos a tais abalos morais súbitas psíco-nevroses que colocam o soldado fora de acção. Num posto de socorros de um batalhão britânico foi-nos dado presen- ciar um caso típico da psíco-nevrose de guerra que os ingleses denomi- nam shell-shock. Durante um raid nocturno executado por êsse batalhão foi conduzido ao posto de socorros um granadeiro em cujo rosto se notavam sinais de um pavor intenso. Os olhos azues e o louro dos cabelos contras- tavam com a tinta negra com que antes do combate, lhe tinham pintado a cara e as mãos para que não fosse tão vivamente iluminado pela luz dos very-lights. Nessa tinta o suor e o sangue marcavam listas mais claras, todo o corpo era agitado por um tremor convulsivo ; da laringe apenas conseguia tirar sons roucos e inarticulados, emquanto a saliva babava constantemente da boca entreaberta. Na mão direita conservava uma granada Mill’s cuja cavilha tentava tirar para a arremessar, pois na sua inconsciência supunha estar ainda em combate e, só depois da ordem imperiosa do oficial médico Sobre tensão arterial em cirurgia 103 britânico consentiu que os enfermeiros se aproximassem dêle, o desarmas- sem e lhe retirassem todas as munições contidas nas numerosas bolsas do seu colete especial de granadeiro. Estas condições morais são, só por si, suficientes para facilitar a aparição de numerosos casos de shock cirúrgico nos feridos por bala de pequeno calibre ou estilhaços de granada de artilharia. * * As características das modernas armas utilizadas na guerra a curta dis- tância veem ainda aumentar muito, o número de casos de shock pelo género de lesões que provocam. Essas armas — morteiros, granadas de mão e de espingarda, torpedos, minas, bombas, etc., — são constituídas por grandes massas de explosivo contidas em invólucros metálicos espessos mas com sulcos de fragmentação. Ao dar-se a explosão, o involucro divide-se em um grande número de pequenos projécteis, de forma irregular, animados de extrema velocidade, e por essa razão os feridos ordináriamente apresentam lesões múltiplas, extensas e profundas, acompanhadas muitas vezes de frac- turas e hemorragias graves. Ainda a forma irregular do projéctil facilita a introdução de fra- gmentos de vestuário nas feridas, dando origem a infecções de extrema violência. Todas estas causas são iminentemente favoráveis à produção do shock. As circunstâncias atrás apontadas permitiram fazer estudos do shock cirúrgico baseados na observação de numerosíssimos casos. Da leitura dos documentos publicados ressalta a importância da observação da tensão arte- rial nos feridos em estado de shock , seja qual fôr a teoria etiológica ou método terapêutico adoptado pelo clínico. Nas diferentes formações sanitárias avançadas em que prestámos servi- ço (Ambulância n.° 3 em Vieille-Chapelle, Clearing Stations n os 51, 57 e 54, em Mervilíe, St. Venant e Moulin-le-Comte; Hospital de Sangue n.° 8 em Herbelles e Lillers) durante mais de dois anos, não conseguimos con- tinuar pessoalmente os estudos sobre êsse assunto, porque o número de médicos era apenas suficiente para a execução das intervenções cirúrgicas e tratamento pre e post-operatório, mas tendo-nos sido fornecido um manómetro esfigmométrico Vaquez, foram sempre feitas leituras de pres- são sanguínea nos feridos em shock e utilizadas as suas indicações na esco- lha do anestésico, no tratamento do shock e na oportunidade da inter- venção. 104 Vasco Palmeirim A prática pessoal intensiva, adquirida em França durante a guerra, as opi- niões colhidas directamente de homens como os Generais médicos Wallace e Bowlby, como Depage e Govaerts, como os ingleses Taylor e Sherries, os estudos cujos resultados nos foram facultados em recentes visitas a La Panne e Compiègne, a leitura das discussões travadas na Sociedade de Cirur- gia de Paris nos últimos cinco anos, sobre a tensão arterial e as suas rela- ções com a cirurgia, mais arreigaram em nós a convicção do altíssimo valor do estudo dêsse elemento e nos incitaram à publicação dêste trabalho. Lisboa — 1920 O sangue está encerrado no sistema vascular sob pressão. Basta, para o verificar, examinar o jacto sanguíneo que aparece em seguida à secção experimental ou acidental de uma artéria, num animal ou no homem. Esta pressão é originada pela contracção do ventrículo esquerdo e pela projecção nos grossos vasos, já cheios de sangue, de uma nova onda líquida mais ou menos volumosa. Uma parte do sangue que penetra na crossa aórtica faz sair dela uma igual quantidade de sangue, a outra parte limita-se a distender penosa- mente a aorta, cuja túnica média, a que mais interessa o fisiologista, é prin- cipalmente constituída por tecido elástico. A parede arterial reage, por- tanto, à distensão e desenvolve uma força compressiva igual à que o sangue exerce sobre ela e daí vem a equivalência das expressões que usaremos indiferentemente de pressão sanguínea e tensão arterial. Esta força exercida pelo sangue, que não conseguiu sair, a cada sístole, da crossa aórtica, será tanto maior quanto mais difícil fôr o caminhar do sangue para a periferia, de modo que Lauder Brunton poude dizer que «a tensão arterial resulta da diferença entre a quantidade de sangue enviada pelo coração ao sistema arterial e a que passa das arteríolas para as peque- nas veias, no mesmo espaço de tempo». Encarando a sua origem e o mecanismo por que ela se estabelece, podemos dizer, com Gallavardin, que a tensão arterial é uma força criada pela contracção do ventrículo , mantida pela reacção das paredes vasculares e regulada pela resistência dos vasos periféricos ao escoamento do sangue. O estudo de um elemento dêste valor, que nos permitiria avaliar o fun- cionamento do coração, o estado dos vasos e o das vísceras que mais íntima relação têem com o aparelho circulatório, teria grande interêsse não só para o fisiologista, mas ainda mais para o clínico. Contudo, as conclusões que podemos tirar são ainda singularmente complicadas e confusas, e devemos confessar que a multiplicidade dos fac- tores que influenciam a tensão arterial, em vez de facilitar o seu estudo, ainda mais o complicam. As condições, muito especiais e anormais, em que está colocado o doente submetido a uma intervenção cirúrgica, deviam certamente ter grande influência sobre a tensão arterial. 106 Vasco Palmeirim Por êsse motivo e ainda para procurar saber qual a importância do estudo da pressão sanguínea antes, durante e depois de uma operação propuzemo-nos fazer algumas observações sobre doentes nestas circuns- tâncias. Em rápidos capítulos exporemos a fisiologia da tensão arterial, os pro- cessos usados para a avaliar, a influência de alguns anestésicos sobre ela, as suas alterações durante as intervenções cirúrgicas mais frequentes e a sintomatologia e tratamento do shock. As observações que serviram de base a êste trabalho, todas pessoais e em número de 400, foram colhidas no serviço do Ex.m<> Sr. Professor Fran- cisco Gentil. CAPÍTULO I TENSÃO ARTERIAL Fisiologia Foi o reverendo inglês Stephen Hales quem, em 1733, teve a ideia de medir a pressão do sangue nas artérias. Mais de um século tinha decorrido depois do descobrimento da cir- culação, em 1628, por Wiiliam Harvey, médico de Carlos I de Inglaterra. Hales adaptou, à artéria crural de uma égua deitada sobre o dorso, uma cânula de cobre em comunicação com um longo tubo de vidro colo- cado verticalmente, e viu que o sangue se elevava a uma altura de 8 pés e 3 polegadas ou seja cêrca de 2,5 metros. Viu ainda que a superfície livre do líquido oscilava a cada sístole car- díaca. A coagulação do sangue, que se produz rápidamente nestas circunstân- cias, impedia uma experiência prolongada. Só Poiseuilíe, em 1828, modificou o dispositivo imaginado por Hales, substituindo o tubo piezométrico por um manómetro de mercúrio, em U, o que tornou muito mais prática a utilização do método. Interpondo entre a superfície de mercúrio no manómetro e o sangue arterial, uma solução saturada de sulfato de sódio ou de magnésio, ou ainda de oxalato de sódio, substâncias que possuem propriedades anti-coagulan- tes, pode-se aumentar muito a duração da experiência. O mesmo efeito se obtêm injectando, nas veias do animal, um extracto Sobre tensão arterial em cirurgia 107 aqüoso de cabeças de sanguessugas ou de qualquer outro animal sugador de sangue. Todos estes animais, independentemente da sua escala zoológica, mas só em relação com o seu alimento e com o modo por que o ingerem, têem, nas suas secreções bucais, substâncias que impedem a coagulação do sangue. Ao manómetro de Poiseuille juntou Ludwig, em 1847, uma alavanca escrevente que registava, em um cilindro enfurnado girante, as oscilações do mercúrio. Depois dos trabalhos de Marey e Chauveau, Franck, Roy, Hurthle, etc., o método gráfico aperfeiçoou-se muito pela substituição de manómetros elásticos ao manómetro de mercúrio de Ludwig. Efectivamente, as oscilações da pressão sanguínea são imperfeitamente registadas pelas mudanças de nível do mercúrio, que, pela sua inércia, tende a ficar em uma posição fixa, a igual distância do vértice e da base das oscilações e assim indica uma pressão média. Os manómetros elásticos ou tonométricos, construídos segundo o prin- cípio do barómetro aneróide, são muito mais sensíveis. São susceptíveis de fornecer um traçado mais fiel de todas as oscilações da pressão sanguínea, ainda as mais rápidas. Se introduzirmos no topo central de qualquer artéria de um animal, uma cânula em comunicação com um manómetro registador, observare- mos que a alavanca escrevente se desloca rápidamente até um certo nível e que aí se mantêm descrevendo oscilações. Se estudarmos o gráfico assim obtido veremos que essas oscilações nunca descem abaixo de um determinado nível, que mede por isso a cha- mada pressão constante ou pressão mínima. A altura máxima das oscilações acima dêsse nível representa a pressão variável ou pressão máxima. Significação das variações da tensão arterial mínima Da definição de pressão sanguínea dada por Gallavardin deduz-se que a pressão constante ou mínima é a resultante de três factores : massa san- guínea, resistências vasculares periféricas e acção do coração. a) — Variações da massa sanguínea. — São as que menos importância têem, a não ser que se dêem bruscamente. 103 Vasco Palmeirim Tappeiner demonstrou que a perda de 1/5 da massa do sangue não tinha nenhuma influência sôbre o número que media a tensão arterial, por que, sem dúvida, a vaso-constrição generalizada e a rápida filtração, que se dá nessas circunstâncias, dos líquidos intersticiais através das paredes vasculares, compensa a perda sanguínea. Mesmo uma perda de 2/5 da massa total influenciaria muito pouco a pressão do sangue. De resto, sabe-se em clínica que a sangria não é susceptível de fazer baixar durante muito tempo a tensão arterial. Recíprocamente, Worms-Muller mostrou que era possível injectar nas veias um volume de soro fisiológico mais considerável que a massa do sangue calculada para o animal em experiência, sem que a tensão arterial se conservasse elevada de um modo permanente. Nesse caso, um aumento da actividade das glândulas, e principalmente o rim, elimina rápidamente do organismo o líquido em excesso. Outra parte armazena-se no sistema venoso abdominal que serve de reserva- tório. b) — Variações da acção do coração. — O coração, causa e origem da tensão arterial, é também a causa imediata de toda a hipertensão. É o ven- trículo esquerdo que, ao contrair-se, lança na crossa aórtica a massa de sangue que, provocando uma reacção da parte desta, dá origem ao fenó- meno da tensão arterial. É o coração normal que dá as tensões de 120 e 150 mms. de mercúrio, mas são necessárias as paredes fortemente muscu- ladas do coração de Traube para criar pressões de 250 ou 300 mms. de mercúrio. Contudo, se a causa imediata da exagerada pressão mínima, é devida à acção do músculo cardíaco, a causa primária, a que mais interessa o fisiologista e principalmente o clínico, é devidà aos obstáculos que o san- gue tem de vencer no seu trajecto pelos vasos periféricos. Realmente, não se pode conceber a existência de uma hipertensão constante sómente de origem cardíaca e que nada exigisse ou justificasse. O sangue circularia nas artérias e nas veias com uma velocidade exa- gerada e viria lançar-se nas cavidades do coração direito com um excesso de tensão bem inútil. O enfraquecimento do miocárdio, qualquer que seja a sua origem tem, pelo contrário, grande importância na hipotensão. Excitando o pneumogástrico de um animal, nota-se a diminuição do número de contracções do coração ou mesmo a paragem dêste e, ao mesmo tempo, verifica-se a existência de uma queda considerável da pres- são sanguínea. Sôhre iensão arterial em cirurgia 109 c) — Variações das resistências vasculares periféricas. — Já notámos que as duas primeiras causas de variação da tensão mínima pouca influência tinham sôbre ela, é, portanto, na variação das resistências dos vasos periféricos à passagem do sangue, que devemos ir buscar a razão mais vulgar das modi- ficações da tensão mínima, quer se trate de hipertensão, quer da hipotensão. Demonstra-se muito fácilmente em fisiologia êste facto, pois a simples excitação de um nervo sensitivo (excepto o de Cyon), produz vaso-constrição. Alêm dos sinais locais, característicos da vaso-constrição, nota-se ime- diatamente uma elevação da pressão sanguínea. Segundo Morat, a excitação do sciático produziria, na femural do mesmo lado, um aumento da tensão arterial. Que a pressão sanguínea baixa por efeito da vaso-dilatação, é também fácil de demonstrar por numerosos exemplos: a excitação centrípeta do nervo de Cyon, a secção da medula e tantas outras manobras que produ- zem vaso-dilatação, dão origem a uma importante hipotensão. No segundo caso considerado, todo o sangue do animal se acumula no sistema venoso, principaímente nas grossas veias abdominais. Estas, pelo seu grande número, pela sua dilatabilidade e pela fácil reacção a quási todas as excitações representam no fenómeno importantíssimo papel. Só elas poderiam conter quási todo o sangue do organismo. Concluímos portanto que, nos casos clínicos vulgares, a acção do cora- ção e a das resistências ocasionadas pelos vasos periféricos andam íntima- mente ligadas na produção e variações da tensão arterial, e que esta é a resultante daquelas duas causas, quer actuem simultânea ou isoladamente, quer actuem no mesmo sentido ou em sentido contrário. Significação das variações da tensão arterial máxima Já vimos que o nível atingido pela alavanca escrevente do manóme- tro registador, representa o valor da pressão mínima, e quais as causas directas que podiam influenciar êsse elemento da tensão arterial. Mas a pressão sanguínea não se mantêm constantemente no seu nível mínimo; se assim fosse, o traçado obtido seria uma linha recta horizontal. Acima dessa linha hipotética, inscreve a alavanca uma série de oscila- ções, com intervalos mais ou menos regulares. O conjunto dessas oscila- ções fisiológicas representa a pressão sanguínea máxima ou variável. 110 Vasco Palmeirim Examinando um gráfico da tensão arterial obtido experimentalmente em um animal, podemos distinguir, na pressão máxima, três espécies de oscilações. a) — Oscilações de origem cardíaca — Durante a sístole, a alavanca ele- va-se bruscamente para logo cair durante o período da diástole. O limite superior atingido representa a pressão máxima, variável ou sistólica; o limite inferior, a tensão mínima, constante ou diastólica. b) — Oscilações de origem respiratória — Unindo todos os vértices repre- sentativos da tensão máxima deveríamos obter uma linha recta, mas tal não sucede. Vemos, com efeito, que a linha obtida é ondulante. Essas ondula- ções correspondem ao ritmo respiratório do animal, como se pode verificar, inscrevendo simultâneamente no mesmo gráfico, um traçado pneumográfico do animal submetido à experiência. Em certos animais, como o cavalo, o coe- lho, etc., o coração diminui o número das suas contracções durante a respi- ração; êsse facto, associado ao aumento de capacidade da cavidade torácica durante aquele tempo da respiração que produz um efeito aspiratório sobre os orgãos nela contidos, tem como resultante a diminuição da tensão arterial. Em outros animais, como o cão, o coração acelera-se durante a inspi- ração e, por êsse facto, a quantidade de sangue lançada nas artérias au- menta de tal modo, durante o acto inspiratório, que o abaixamento de tensão de origem mecânica, a que nos referimos, se acha contrabalançado e até excedido de modo a inverter o fenómeno. c) — Oscilações de origem vaso-motora — Se, em um longo traçado da pressão sanguínea, unirmos os vértices das oscilações respiratórias, nota- remos que também essas oscilações se não encontram segundo uma linha recta, mas sim formando uma linha de sinuosidades muito exten- sas e pouco amplas. Supõe-se que sejam devidas a modificações de tonus das pequenas artérias, modificações que devem fazer-se segundo um ritmo muito lento. Esfigmomanometria no homem Os processos tão perfeitos desde a utilização do método gráfico para o estudo da pressão sanguínea nos animais, não são aplicáveis ao homem. Só em certas intervenções cirúrgicas, durante um espaço de tempo neces- Sobre tensão arterial em cirurgia 111 sáriamente muito curto, ou em circunstâncias mais ou menos afastadas do estado normal, se puderam fazer observações, colocando directamente o topo de uma artéria em comunicação com um manómetro registador. Essas observações, muito raras, tiveram o enorme valor de documen- tar e criticar os processos indirectos usados para a avaliação da tensão arte- rial no homem. Um século decorrera entre a descoberta da circulação e a primeira medição da pressão sanguínea no animal; mais de um século devia pas- sar ainda entre esta experiência e a primeira tentativa de esfigmomanome- tria do homem. Vierordt, em 1855, imaginou medir indirectamente a pressão do san- gue dentro de uma artéria pelo pêso que seria necessário colocar sobre esta para suprimir as pulsações a juzante do ponto comprimido. Waldenburg, Brown e outros tentaram resolver o mesmo problema, mas só no último quarto do século xix, Von Basch, na Áustria e Potain, em França, fizeram entrar o assunto em uma fase verdadeiramente activa. Hoje são numerosíssimos os aparelhos destinados à medição da ten- são arterial, mas, apesar de modificações mais ou menos felizes, todos eles obedecem a um princípio comum: a compressão de uma artéria. Segundo a maneira de observar depois de feita a compressão, pode- mos fazer uma distinção radical entre os que são baseados no exame da circulação abaixo do ponto comprimido , e os que repousam sobre o exame dos movimentos das paredes arteriais ao nível do ponto de compressão. (Gallavardin). Técnica esfigmomanométrica 1 — Métodos baseados no exame da circulação abaixo do ponto de compressão a) — Determinação da pressão máxima Ao iniciarem-se os estudos sobre esfigmomanometria, era considerado como elemento de principal valor a pressão máxima e, por isso, os pri- meiros aparelhos construídos eram apenas destinados à avaliação dêste elemento de tensão arterial. Todos êles tinham por fim determinar qual a pressão necessária para esmagar uma artéria e interromper totalmente a 112 Vasco Palmeirim circulação abaixo do ponto comprimido. Só variava o processo de com- pressão: bloco sólido, esfera elástica ou braçadeira pneumática. l.o — Bloco sólido. — Os processos de Vierordt, Ferster Landois, etc., consistiam apenas em carregar a mola de um esfigmógrafo com um pêso tal que fizesse cessar o traçado esfigmográfico. Outros, como Waldenburg, limitaram-se a comprimir a artéria com uma haste munida de uma mola em espiral até que desaparecessem as pulsações. A força dispendida era calculada pela deformação da mola. Marey e Potain puzeram bem em evidência as múltiplas causas de êrro que falseavam os resultados obtidos e o processo foi completamente posto de lado. 2.o — Esfera elástica. — V on Basch, em 1876, fez construir um aparelho formado por uma pequena calote de borracha adaptada ao topo inferior de um tubo de vidro, o qual estava em comunicação com um manómetro. Por meio de um funil, introduzia-se água no aparelho, e com a calote com- primia-se a radial ao mesmo tempo que, digitaímente, se vigiava o pulso. Ao desaparecerem as pulsações, o manómetro devia indicar a pressão má- xima. Este aparelho muito pouco prático foi modificado pelo próprio autor e por Potain, que substituíram o manómetro de mercúrio por um manómetro elástico e a água pelo ar, introduzido por meio de uma bomba compressiva. O princípio dêste método é efectivamente exacto. Von Basch verifi- cou-o experimentalmente desnudando a femural ou a carótida de alguns animais, metendo por debaixo delas uma pequena táboa e medindo a ten- são arterial com o seu esfigmomanómetro. Os números obtidos eram quási iguais aos que encontrou depois, nos mesmos animais, por mensuração directa e sangrenta. Contudo, nas aplicações práticas encontram-se êrros consideráveis, devi- dos em parte à interposição de partes moles e às relações da radial com o tendão do grande palmar e, principalmente, ao desvio da artéria sobre a face anterior do rádio. Uma grande parte da força de compressão perde-se assim, porque a pressão da ampola se não exerce perpendicularmente sôbre a artéria mas sim em direcção oblíqua, e os números obtidos com o aparelho de Potain no homem são notávelmente mais elevados do que os fornecidos por outros aparelhos mais exactos. 3.° — Braçadeira pneumática. — Riva-Rocci, professor de patologia médica em Pavia, tendo notado a principal causa de êrro do aparelho de Sobre tensão arterial em cirurgia 113 Potain, evitou-a no seu esfigmomanómetro, usando para a compressão da artéria, uma braçadeira pneumática circular. Esta braçadeira é colocada ao meio do braço, ó ar é introduzido por meio de uma bomba ou de uma pera insufladora de Richardson, a tensão é medida por meio de um manó- metro de mercúrio e as pulsações são observadas na radial. O funciona- mento é idêntico ao do aparelho de Von Basch-Potain. Depois de várias discussões e experiências sobre a largura que devia apresentar a braçadeira, Recklinghausen concluiu que esta devia ser de 12 cms. pelo menos. Qualquer braçadeira de menor largura dá números exa- gerados. Em 1907, Müller e Blauel (1), autores de notáveis trabalhos sobre o valor de vários esfigmomanómetros, aos quais várias vezes nos referiremos, fizeram a experiência directa em três homens durante amputações do ante-braço e verificaram que, com uma braçadeira de õ cms., o êrro atingia 41/100, ao passo que com outra de 15 cms. o êrro era apenas de 7,5/100. Êste aparelho que, rápidamente adquiriu grande voga, fornece núme- ros muito exactos na avaliação da pressão sistólica. Foi usado sistemáticamente no serviço do Prof. Francisco Gentil desde 1904. Outros aparelhos há ainda baseados sobre o mesmo processo, mas uti- lizando o método gráfico. Tais são o esfigmomanógrafo de Jaquet e o esfi- gmomanometrógrafo de Seagrange, que têem a grande vantagem de forne- cer um gráfico muito exacto da tensão sistólica, mas são muito pouco práticos para o uso corrente. Os aparelhos como o esfigmo-sinal de Vaquez são construídos de tal forma que, a cada pulsação, se obtêm um movimento de um índice, cons- tituído por um ponteiro muito sensível ou por uma gota líquida córada. Dêste modo, a palpação é substituída pela visão muito mais perfeita. Comparando estes três métodos: palpatório, gráfico e visual, viu-se depois de numerosas experiências que o primeiro, sendo mais rápido, mais cómodo e mais fácil, é, pelo menos, tão sensível como os outros dois. Janowsky, apesar de partidário do método gráfico, diz que «em 300 observações os resultados da palpação foram absolutamente concordantes com os que obteve pelo método gráfico». (1) Otfried Müller und Karl Blauel -Zur Kritik des Riva-Rocci’schen und Gaertner' schen Sphygmomanometers- Deutsches Arch. fur Kl- Medz. - xci - 1907. 8 114 Vasco Palmeirim Müller e Blauel demonstraram que o método era exacto para a de- terminação de pressão máxima, com uma aproximação de 5mms de mer- cúrio. 4.° — Tonómetro de Gaertner. — - Êste instrumento é essencialmente cons- tituído por um anel inextensível, forrado interiormente por uma dupla mem- brana de cauchu, dentro da qual se pode introduzir ar por meio de uma pera insufladora. O sistema está em ligação com um manómetro metálico. Colocado o anel na 2.a falange de um dedo, ordináriamente o médio, ane- mia-se a extremidade do dedo, apertando-o fortemente com um delgado tubo de borracha. Uma vez enrolado o tubo, insufla-se ar no anel até que o manómetro indique uma pressão que calculemos superior à pres- são sanguínea. Retira-se então o tubo e o dedo mantêm-se anemiado. Pouco a pouco baixamos a pressão no sistema até que, repentinamente, se vê aparecer na polpa do dedo, até então lívida, uma súbita coloração rosada. Nota-se a pressão indicada pelo manómetro e ela indica o valor da pressão máxima. Êste processo, alêm de conter várias causas de êrro que não interessa mencionar, dá números muito superiores aos da pressão sanguínea pro- curada, como o demonstraram Müller e Blauel e, por isso, foi quási com- pletamente abandonado. b) — Determinação da pressão mínima Potain, que já reconhecia a importância da determinação da pressão mí- nima, tentou fazê-la com o seu aparelho, diligenciando obter em pulsos muito dicrotos não a extinção completa das pulsações mas sómente o desapareci- mento do dicrotismo. Obtinha assim mais um ponto da curva e calculava então, por meio de uma escala proporcional, o ponto de maior declive, isto é, a tensão mínima. Êste método apresentava dificuldades técnicas consideráveis e chegava a resultados erróneos, como depois se verificou. Mais tarde, Janeway, em 1901, e Saili, em 1904 supuzeram ter resol- vido o problema apreciando a primeira diminuição de amplitude das pul- sações. O princípio dêste método era o seguinte: aplicava-se uma braçadeira de Riva-Rocci no braço de um indivíduo e, lentamente, insuflava-se ar para dentro dela. Emquanto a pressão fosse inferior à tensão mínima, a artéria conservava-se com o mesmo calibre e as pulsações eram transmiti- das integralmente à radial, mas apenas a pressão na braçadeira atingisse Sobre tensão arterial em cirurgia 115 o valor da pressão diastólica, a artéria entrava em colapso, durante um tempo muito curto é verdade, mas nesse momento a exploração do pulso radial mostrava uma menor amplitude. A pressão lida no manómetro dava-nos o valor da tensão mínima. Foram ainda as experiências de Müller e Blauel que vieram mostrar que o método era pouco exacto. Os valores assim determinados eram demasiadamente elevados e o êrro cometido era de 25/100 sôbre o valor da pressão mínima real. ]] — Métodos que utilizam as oscilações da parede arterial ao nível do ponto comprimido Foi Marey, o grande fisiologista francês, que, em 1876 nos seus Tm - vaux du Labomtoire, descreveu um novo processo de compressão das artérias que o devia conduzir mais tarde ao estudo das oscilações das pa- redes arteriais. Não se limitou a comprimir uma pequena parte de uma artéria, mas mergulhou um segmento de um membro em um meio fluido cuja pres- são podia fazer variar. Ligando êsse meio (reservatório com água) a um manómetro de mercúrio e registando as pulsações transmitidas à massa líquida pelo membro nele mergulhado, Marey verificou que os movimen- tos oscilatórios registados variavam de amplitude segundo a pressão que reinava no reservatório. Afirmou então que, no momento em que a pres- são da massa líquida circumdando o membro fosse igual à pressão do sangue dentro da artéria, a parede desta, achando-se submetida a pres- sões iguais e contrárias, estava em equilíbrio e flutuava livremente , isto é, estava nas circunstâncias de obedecer com a maior facilidade a qualquer impulso. Verificou-se mais tarde, pelos trabalhos de Recklinghausen, Erlan- ger e Pachon a veracidade das concepções de Marey. Processos para apreciar as oscilações da parede arterial Nos primeiros aparelhos destinados à determinação da tensão máxima e mínima, o manómetro indicador da pressão do ar, quer êle fosse metá- lico quer de mercúrio, servia também para a observação das oscilações. Mas a sensibilidade do manómetro varia com a pressão a que êle está sujeito 116 Vasco Palmeirim e assim tínhamos que o manómetro, bastante sensível nas pressões baixas* perdia muito da sua sensibilidade à medida que a pressão do ar ia aumen- - tando. O Prof. Pal, de Viena fez construir em 1906 um esfigmoscópio em que existia um manómetro de mercúrio destinado a medir a pressão do ar no aparelho, e um pequeno índice de álcool córado movendo-se em um tubo de vidro horizontal, destinado a indicar as oscilações. Este instrumento era bastante sensível, mas a manobra era longa e complicada e o aparelho pouco portátil. Victor Pachon, do Laboratório de fisiologia da Faculdade de Medicina de Paris, imaginou em 1909 um aparelho que denominou oscilómetro esfigmométrico e cuja característica é: possuir sensibilidade constante seja qual for o regime de pressão a que esteja submetido. Compreende-se que só um aparelho nestas condições poderá utilizar com vantagem as menores diferenças de amplitude das oscilações, É evi- dente, por outro lado, que a grande sensibilidade do aparelho deve man- ter-se constante, porque não poderíamos comparar entre si pulsações tra- duzidas objectivamente em circunstâncias de sensibilidade variável do instrumento indicador. Faremos do aparelho, que é muito conhecido, uma descrição sumária. Em uma caixa rígida e herméticamente fechada, está encerrada uma cavette aneroide. A caixa, a cápsula manométrica e uma braçadeira estão normalmente em comunicação por tubos metálicos e de cauchu. Uma bomba permite estabelecer qualquer pressão no sistema constituído por êsses órgãos; o valor da pressão é dado por um manómetro; uma válvula per- mite diminuir à vontade o valor do regime da pressão primeiramente esta- belecido. Para fazer uma leitura, quer dizer, para reconhecer a amplitude das pulsações arteriais a uma dada pressão, basta actuar sobre um órgão sepa- rador que pode interceptar a comunicação entre a caixa o sistema com- posto pela braçadeira e a cápsula manométrica. A originalidade do oscilómetro reside em que êste instrumento realiza um aparelho de resistência não sómente constante mas ainda nula, seja qual fôr a pressão que reine no sistema. Esta característica, que faz do oscilómetro um tipo de aparelho físico inteiramente novo, é obtida graças a dois artifícios. O primeiro consiste em fazer com que qualquer pressão que se exerça sobre a parede interna da cápsula oscilométrica se exerça também sobre a parede externa da mesma cápsula. Dêste modo, esta parede que é jus- Sobre tensão arterial em cirurgia 117 lamente a que deverá transmitir as pulsações permanece sempre na sua situação inicial de repouso. Por outras palavras, nunca está sob tensão e por consequência apresenta sempre a mesma resistência à deformação. Por êste artifício a cápsula oscilométrica, estando sempre conjugada a um sistema que podemos colocar debaixo de qualquer pressão (braçadeira), nunca está tensa , ao contrário do que sucede a um aparelho elástico ordinário cuja membrana apresenta resistência à deformação constan- temente crescente com os valores da pressão do sistema a que está conjugado. Mas é necessário um segundo artifício para assegurar o funcionamento dinâmico do oscilómetro. Com efeito, suponhamos que se transmite uma pulsação à braçadeira. Se as coisas se passassem simplesmente como acabamos de dizer, é fácil de verificar que a agulha do oscilómetro permanecia absolutamente imóvel, porque a pulsação se produzia não sómente na face interna da cápsula oscilométrica pelos tubos de ligação, mas também na face externa pela caixa metálica. Daqui resultaria constância de equilíbrio e imobilidade das paredes da cápsula oscilométrica. Êste segundo artifício é constituído pelo separador, cuja manobra per- mite, quando se quer utilizar o oscilómetro, cortar a comunicação da bra- çadeira com a caixa metálica. Desde então, toda a pulsação se traduz exclusivamente sobre a face interna da cápsula oscilométrica e esta pulsa- ção manifestar-se-há com uma sensibilidade constante e máxima, visto que as paredes da cápsula se acham sempre, como acentuámos, em estado de tensão nula. Segundo o próprio autor é o seguinte o processo de utilização do aparelho: «Coloca-se a braçadeira radial no pulso do indivíduo, põe-se a bomba em acção até que o manómetro indique uma pressão francamente supe- rior à pressão normal máxima. A partir dêste momento, a bomba tor- na-se desnecessária. O observador faz então baixar pouco a pouco a pressão por meio da válvula. Entre cada uma destas quedas (1), carrega com a mesma mão sobre o separador para observar as indicações do oscilómetro». Não nos devemos importar com as oscilações que apresenta a agulha (1) É importante nunca nos servirmos ao mesmo tempo da válvula e do separador, porque a diferença de pressão assim criada podia produzir uma deformação permanente da cápsula, ou até fazê-la estalar. 118 Vasco Palmeirim do aparelho enquanto essas oscilações se mantenham iguais, mas ao notar- mos a aparição da primeira oscilação diferenciada, que marca a entrada da zona de oscilações progressivamente crescentes, lemos o manómetro. A pressão lida nesse momento é a pressão máxima. O que permite verificar que entrá- mos na zona de oscilações crescentes é a amplitude maior da pulsação que se segue imediatamente a essa, quando fazemos baixar ligeiramente a pres- são do ar; para a verificação da pressão máxima temos, portanto, ao mesmo tempo a pulsação que a precede e a que a segue. Continuamos a fazer cair a pressão, percorre-se então a zona das osci- lações gradualmente crescentes, durante a qual o observador pode fácil- mente estudar as características do pulso, tanto debaixo do ponto de vista do ritmo como da sua forma e da sua amplitude, graças à grande sensi- bilidade do aparelho. A primeira oscilação mais fraca que sucede às gran- des oscilações corresponde à pressão mínima. O inconveniente do aparelho de Pachon, apontado por Gallavardin (que aliás confessa nunca o ter experimentado à data da publicação do seu livro), é que as oscilações não são observadas contínuamente, em vista da necessidade de não carregar sobre o botão separador enquanto se faz variar a pressão do ar e, por isso, a fase das grandes oscilações é difícil de delimitar. Na prática tal não acontece. Um observador experimentado faz uma leitura bastante rápida, bai- xando a pressão de meio em meio centímetro, o que é mais que suficiente para a observação corrente da tensão arterial. Comparação dos resultados obtidos Não foram ainda feitas verificações experimentais para que se possa fazer a crítica exacta do método oscilatório na determinação dos dois elementos da tensão arterial. Mas, indirectamente, comparando os valores obtidos pelo processo das oscilações de Marey com os determinados pela exploração da circulação abaixo do ponto comprimido (método êste que foi verificado experimentalmente), podemos fazer um ideia do seu valor. a) — Pressão máxima. — Todos os que comparam o método oscilató- rio com o método Riva-Rocci são unânimes em reconhecer que o primeiro dá, na determinação da pressão máxima, números mais elevados que o segundo. Sobre tensão arterial em cirurgia 119 Como pelas experiências de Müller e Blauel se verificou já, o método de Riva-Rocci dava um aumento de cêrca de 7/100 sobre o valor rial da tensão máxima; concluímos que, em rigor, os aparelhos de Pachon e simi- lares são inferiores aos de Riva-Rocci na determinação dêsse elemento da pressão sanguínea. Contudo, a diferença entre os valores obtidos pelos dois sistemas não vai alêm de 1 cm. de mercúrio e, por isso, dadas as vantagens dos osciló- metros na determinação da pressão mínima, parece-nos preferível o uso dêstes aparelhos a quaisquer outros. b). — Pressão mínima. — É na avaliação da tensão constante que o método oscilatório tem nítida superioridade sobre o da exploração do pulso a juzante do ponto comprimido. Apesar de não terem sido publicadas as estatísticas completas, é facto que os números fornecidos pela oscilometria são sempre nitidamente mais baixos que os obtidos pelo antigo processo e por isso muito mais exactos, visto que Müller e Blauel mostraram experimentalmente que os valores determinados pela diminuição da amplitude do pulso davam um aumento de perto de 25/100 sobre o valor real da pressão mínima. Como é esta também a diferença encontrada entre os números alcan- çados pelos dois métodos, é lícito supor que os valores obtidos pela osci- lometria são os que mais exactamente correspondem ao valor real da ten- são mínima. Importância clínica relativa da pressão máxima e pressão mínima Vimos a significação dêstes termos, quais as causas das suas variações e quais os aparelhos mais adequados à determinação do valor quer da pressão máxima quer da pressão mínima. Vejamos agora qual é a importância clínica relativa dêstes dois elemen- tos da tensão arterial. A avaliação da pressão sanguínea antes do descobrimento das oscila- ções de Marey comportava apenas a determinação de um número. Quer fosse avaliada pelos aparelhos de Basch e Potain, quer pelo esfigmoma- nómetro de Riva-Rocci, dizia-se que a tensão arterial era de 17 cm., por exemplo. Pela mais elementar fisiologia se compreende que a pressão sanguínea 120 Vasco Palmeirim não é um valor isodinâmico, isto é, uniforme e constantemente igual a si próprio. O sangue não está submetido nos vasos a uma pressão determinada, mas sim a uma variação de pressão , o que é muito diferente. O que im- porta não é pois determinar um número como representativo da tensão arterial, mas sim os limites máximo e mínimo entre os quais oscila o valor da pressão sanguínea. A antiga esfigmomanometria calculava apenas a pressão máxima, como o próprio Potain o estabeleceu nitidamente. Foi, portanto, tomando a pres- são máxima como base que, antigamente, se imaginou poder definir os esta- dos funcionais cárdio- vasculares e classificá-los em dois grandes quadros: as hipotensões e hipertensões arteriais. Contudo, a prática esfigmomanométrica mostrou que, em dois estados cárdio-vasculares muito diferentes, se encontrava o mesmo valor para a pres- são sanguínea. Se, com efeito, repararmos para os dados da fisiologia expe- rimental, fácilmente concluímos que o valor da tensão máxima não é a base que convêm para definir, de um modo específico, um regime vascular. 7.o -A pressão máxima representa apenas um curto momento da tensão arterial A cada sístole cardíaca, a pressão sanguínea evoluciona segundo uma curva cujo vértice (pressão máxima) constitue um ponto e só um. É claro que o conhecimento de um único ponto da curva da pressão intra- arterial nada nos diz sobre o regime propriamente dito da carga de pres- são ao qual está submetida a artéria. Ora, é precisamente êste regime constante (pressão mínima) que constitue o elemento especifico, caracterís- tico, de um determinado estado cárdio-vascular ; é êsse o valor que se torna indispensável conhecer. A pressão máxima representa um valor adi- tivo, passageiro, sobre um valor fundamental, permanente. 2.o -A pressão máxima é um valor muito variável no mesmo indivíduo A observação da pressão máxima em jejum, em seguida a uma refei- ção, em repouso ou depois de um trabalho mais ou menos violento, dá para o mesmo indivíduo, diferenças de 3,5 cms de mercúrio e mesmo mais. Vê-se, portanto, que a escolha da pressão máxima para padrão dos esta- dos cárdio-vasculares nos fornece uma base que é insuficiente pela sua extrema variabilidade, mesmo em curtos espaços de tempo. Reconhece-se Sobre tensão arterial em cirurgia 121 por isso o bisantinismo de certas discussões sobre a determinação, com aproximação de alguns milímetros de mercúrio, de um valor tão incons- tante como a pressão máxima. 3.0— As variações da pressão máxima e da pressão mínima podem deixar de se efectuar no mesmo sentido Pelas experiências de fisiologia vimos que as causas de variação da pressão máxima e mínima eram independentes e diferentes; não é, por- tanto, para estranhar que a pressão máxima se conserve constante ao passo que a mínima se eleve anormalmente. Assim, em um cárdio-renal em asis- tolia, podemos encontrar para a pressão máxima uns lõ ou 17 cms. de mercúrio, isto é, um número normal. Mas, se no mesmo doente determi- narmos o valor da pressão mínima, podemos encontrar uns 15 cms. de mercúrio e verificaremos então que êsse alto valor se coaduna perfeitamente com a grave situação do doente. Vemos que a pequena diferença entre a máxima e a mínima, que representa um fraco acréscimo depois da sístole cardíaca, traduz fielmente a insuficiência do miocárdio. Por estas considerações concluímos que a pressão mínima é o elemento da tensão arterial que, debaixo do duplo ponto de vista vascular e cardíaco oferece uma importância especial. 1.0 — Em todos os indivíduos, se existem elevações periódicas e rítmi- cas da tensão arterial, cujo conjunto constitue a pressão máxima, há tam- bém um valor, abaixo do qual a tensão não desce, pelo menos em condi- ções normais : é a pressão mínima. Por esta razão os fisiologistas, desde Claude Bernard e Marey, a deno- minaram pressão constante. Ao passo que a máxima representa uma sobre- carga intermitente , a mínima constitue, por si só, a carga real permanente do sistema arterial. Por isso pode e deve servir para definir os estados cárdio-vasculares. A fisiologia, que nos revela a importância da pressão mínima sob o ponto de vista vascular, não a indica menos sob o ponto de vista cardíaco. 2.0 — A pressão mínima representa a resistência que o coração deve vencer no início da sístole ventricular. A pressão mínima é a que se exerce constantemente dentro das artérias e, portanto, contra a face arterial das válvulas sigmoideias durante a diástole ventricular. Ao evacuar-se o ven- trículo esquerdo, é esta a primeira resistência a vencer. Uma pressão mí- nima elevada exigirá um maior esforço cardíaco em relação ao estado nor- mal, para conseguir a evacuação ventricular. 122 Vasco Palmeirim O conhecimento da pressão mínima interessa por isso o clínico que tem de avaliar qual o estado do coração e quais as resistências que êle tem a vencer. 3.° — A pressão mínima é notávelmente constante, no estado fisiológico não só no mesmo indivíduo, mas ainda em diferentes indivíduos. Como facto objectivo não é necessário insistir sobre êste ponto. Todos os que fazem esfigmomanometria e principalmente oscilometria constataram a sua realidade: é um facto banal. Ao passo que a pressão máxima, pelas razões apresentadas, é de uma grande variabilidade, a pressão mínima tem um valor que, no homem nor- mal, podemos fixar em 8 a 9 cms. de mercúrio. Uma particularidade dêste valor fixo aumenta ainda a sua importância. A pressão mínima é representada por número quási invariável, individual e fisiológico, que apresenta um decrescimento muito insignificante ao longo do sistema arterial. A pressão máxima decresce bastante rápida- mente dos grossos vasos para os periféricos, porque a onda de variação diminue ao longo do trajecto, ao passo que as diferenças para a pressão mínima são insignificantes. O número determinado para a pressão máxima vale só para o ponto do sistema arterial explorado e o da mínima, seja qual fôr o ponto de observação, pode ser considerado o mesmo para todo o sistema. Tais são as razões que levaram Pachon a afirmar que a pressão mí- nima constituía o padrão esíigmomanométrico que devia servir de base para a fixação dos estados de hipo e hipertensão arteriais. CAPÍTULO II A TENSÃO ARTERIAL E A ANESTESIA «I am getting the impression that the blood-pressure will warn the sur- geon of the danger line before the pulse or the respiration.» Esta opinião de Joseph Bloodgood, um dos mais notáveis cirurgiões americanos, do John Hopkin’s Hospital, de Baltimore, e dos que, com Geor- ges Criíe mais se tem preocupado do shock cirúrgico, maneiras de o evitar e seu tratamento, é bem clara e terminante. Em extensos artigos publicados nos Annals of Surgery , durante os Sobre tensão arterial em cirurgia 123 anos de 1912 e 1913 êle tratou dêsse assunto fundamentando-se em curiosas experiências e em larga prática clínica. Usando durante anos os aparelhos americanos destinados a medir a tensão arterial, como o de Stanton, Janeway e Faught, todos êles modifi- cações mais ou menos felizes do Riva-Rocci, Bloodgood conclue que o estudo da pressão arterial antes, durante e depois das intervenções cirúr- gicas é um dos melhores meios de apreciar as condições exactas em que se encontra o doente e que êsse estudo nos pode fornecer uma indicação sobre a sua resistência vital. Recordando-nos do que atrás ficou escrito sobre a significação de cada um dos elementos da tensão arterial e das causas das suas variações, logo podíamos apreciar a importância do seu estudo em doentes que têem de se sujeitar a uma intervenção cirúrgica, sob anestesia geral. Seja qual fôr o seu modo de introdução no organismo os anestésicos gerais exercem a sua principal acção sobre os centros nervosos. É bem conhecida a marcha da anestesia geral, para que seja neces- sário falar nela, mas não devemos esquecer que os centros nervosos são invadidos pela ordem seguinte: cérebro, medula e bulbo. O período cerebral comporta uma fase de excitação seguida de uma fase de paralisia funcional: o período medular apresenta duas étapes suces- sivas: a desaparição da sensibilidade e a abolição de motilidade; o período buíbar é o resultado de uma intoxicação demasiada que arrasta a paralisia da respiração e do coração. Vimos que a tensão arterial era principalmente criada pela acção do coração e resistências vasculares periféricas e que também a respiração desempenhava importante papel nas suas oscilações fisiológicas. Ê necessário, portanto, encarar o estudo da tensão arterial, não só antes da operação como um dos mais importantes elementos indicadores da resistência vital do doente, mas mesmo durante a intervenção sob aneste- sia, quer geral quer local, para apreciarmos as modificações trazidas pela anestesia ao regular funcionamento dos centros nervosos cardíacos, vaso- motores e respiratórios. No primeiro capítulo vimos quais as conclusões a que chegou Victor Pachon sobre o valor relativo dos elementos da tensão arterial na classifi- cação dos estados cárdio-vasculares. Êsse fisiologista concede a máxima importância à avaliação da tensão mínima que, no seu entender, se deve considerar como o padrão esfigmo- métrico. De facto assim é, e o que na prática observámos condiz absoluta- mente com o resultado dos estudos de Pachon. Ao fazer a observação clínica de um doente no serviço em que sempre 124 Vasco Palmeirim trabalhámos, como regra geral determinávamos a tensão arterial dêsse doente, como complemento indispensável do estudo do aparelho circula- tório. Todos os doentes cuja tensão arterial mínima era inferior a 8,5 ou 8cms de mercúrio deviam sujeitar-se a tratamento quer por meio de tónicos cardíacos quer pelo soro fisiológico em injecções ou por clister de Mur- phy, até que a tensão mínima se aproximasse daquele valor, a não ser que a intervenção fôsse muito urgente. Notámos que os doentes operados com pressões mínimas inferiores àquelas necessitavam de cuidados muito especiais tanto durante como após a intervenção. O prof. Francisco Gentil, que no seu serviço usou desde 1904 o apa- relho de Riva-Rocci, verificou também que corriam grave risco durante a operação os doentes cuja pressão sangüínea era inferior a 9cms de mercú- rio. O valor da tensão máxima tem menos importância pelas razões apon- tadas por Pachon. Contudo, ao iniciar-se a anestesia geral, nós sabemos que se podem dar grandes alterações do ritmo cardíaco e respiratório e que se observam intensas perturbações vaso-motoras, e, como estas três causas fazem variar a tensão máxima, resulta que, se antes da anestesia tem muito maior impor- tância o estudo da tensão mínima, desde o começo da anestesia devemos com igual interêsse verificar as variações dos dois elementos da tensão arterial. Bloodgood, (1) que já citámos no princípio dêste capítulo, tem a este res- peito a seguinte opinião: «To-day the administration of anesthesia without routine blood-pressure studies lays the surgeon open to censure, if unto- ward effects follow.» Clorofórmio Até 1906 supôs-se que era suficiente, para assegurar uma boa aneste- sia, proporcionar ao doente uma atmosfera em que entrassem vapores anestésicos em percentagem tal que nunca pudesse produzir-se a paralisia das funções bulbares. Os trabalhos de Paul Bert (2) foram até essa data considerados como concludentes, mas Tissot no Laboratório de Chauveau, em experiências (1J In Faught — Blood-pressure — Philad — 1913. (2) C. R. Soc. Biol., 1883-1884. Sobre tensão arterial em cirurgia 125 notáveis, colocou o assunto em campo muito diverso e resolveu-o de modo a não poder deixar dúvidas. Condições que regulam a passagem do clorofórmio da atmosfera para o sangue arterial Paul Bert estudou, em várias memórias, as relações que existem entre os efeitos produzidos pelas misturas tituladas do ar e vapor de clorofórmio e as tensões dêstes vapores nas misturas, e concluiu que as que contêem menos de 7 a 8 gr. de clorofórmio por 100 litros de ar não são anestésicas, emquanto as misturas contendo mais de 12 gramas por 100 litros de ar podem provocar acidentes ou a morte; as misturas tituladas entre 8 e 12 por 100 constituem a zona manejável e não perigosa. Tissot, repetindo as experiências de Bert, afirma que o efeito da mis- tura gasosa depende não só do seu título como da intensidade da ventila- ção pulmonar e demonstra-o pelos seguintes factos: 1. °-Uma mistura que, nas condições normais, não é anestésica (3 a 4 %) pode provocar uma anestesia perfeita se a sua inalação fôr acompa- nhada de uma intensa polipneia provocada artificialmente por pressões, manuais exercidas sobre o tórax. 2. ° — Uma mistura que é muito lentamente anestésica (5 a 7 °/o) tor- na-se rápidamente anestésica se colocarmos o animal nas condições da experiência anterior. Se, depois de obtida a anestesia, deixarmos de provocar polipneia, Ioga que a ventilação pulmonar se torna normal, a sensibilidade reaparece. 3. ° — Uma mistura a 8 %, que é suficiente para anestesiar superficial- mente um animal nas condições normais e pode ser inalada durante mui- tas horas sem provocar grave acidente imediato, é muito rápidamente mor- tal, se durante alguns minutos determinarmos no animal uma polipneia muita viva. Estes factos são constantes e podem ser repetidos com a maior facili- dade. Deduz-se dêles que o que mais importa é a tensão do vapor de clo- rofórmio no interior do alvéolo pulmonar, porque só ela regula a penetra- ção do clorofórmio no sangue. Admitia-se, também, que o sangue fixava clorofórmio até que a tensão dos seus vapores nos dois meios fosse igual, e que nessa altura, o san- gue, saturado de clorofórmio a essa tensão, era incapaz de fixar mais anes- tésico. Assim, imaginava-se que era por êsse facto que as misturas tituladas de õ a 10 % ofereciam uma segurança completa para a anestesia. Tissot 12ó Vasco Palmeirim demonstrou que êste equilíbrio perfeito é impossível de se obter, por um lado, como já vimos, porque êle depende da ventilação pulmonar que pode variar de instante para instante no decurso de uma anestesia, e por outro lado porque a proporção de clorofórmio existente no sangue depende também da sua difusão nos tecidos. Difusão do clorofórmio do sangue arterial aos tecidos do organismo Êste fenómeno apresenta a particularidade, no caso de que tratamos, de se produzir entre um meio fixo, os tecidos, e um meio circulante, o san- gue. Dêste simples facto podíamos a priori , tirar as seguintes conclu- sões: 1. ° — Durante a anestesia, o sangue venoso é sempre menos rico de clorofórmio que o sangue arterial; 2. ° — Êste fenómeno inverte-se desde que cesse a administração do anestésico; desde então o clorofórmio passa dos tecidos para o sangue; 3. ° — Durante a síncope respiratória, a proporção do clorofórmio no sangue das artérias diminue porque, pouco a pouco, o sangue rutilante é substituído por sangue venoso rico de clorofórmio. Êste facto explica-nos a desaparição da maioria das síncopes respirató- rias sem que seja necessário recorrer à respiração artificial. Cessando a absorpção do anestésico, visto haver suspensão dos movi- mentos respiratórios, o sangue arterial vai buscar a todos os tecidos e, por- tanto, também aos centros nervosos o clorofórmio em excesso. Condições que regulam a difusão do clorofórmio do sangue arterial ao resto do organismo Estas condições são: 1. a— A duração do contacto entre o sangue e os tecidos. 2. a— A relação entre as percentagens de clorofórmio contidas no san- gue arterial e nos tecidos. 3. a — A velocidade da circulação nos tecidos. 4. a— A natureza dos tecidos em contacto com o sangue. A influência das três primeiras condições é suficientemente indicada Sobre tensão arterial em cirurgia 127 pelas leis da difusão e por isso não nos ocuparemos delas, referindo-nos mais demoradamente à importância da natureza do tecido em contacto com o sangue. A quantidade de clorofórmio que num dado tempo passa do sangue para os tecidos não é a mesma para todos, porque êstes não têem todos a mesma capacidade de absorpção para aquele anestésico. As primeiras pesquisas feitas neste sentido foram executadas por Pohl. Pelo que respeita ao sangue verificou que os glóbulos fixavam 4 vezes mais anestésico que o plasma. Para os tecidos, Pohl tirou conclusões interessantes ainda que erróneas, porque tirava fragmentos dos tecidos para a análise quantitativa do clo- rofórmio depois da síncope cardíaca e, nessas circunstâncias, as modifica- ções são profundas. Em todo o caso, Pohl viu que o cérebro fixava mais clorofórmio que os outros tecidos e atribuiu esta afinidade dos centros nervosos à lecitina que contêem. Pelas determinações de Tissot, Nicloux e outros, obtiveram-se as se- guintes percentagens de clorofórmio nos vários tecidos durante a anes- tesia profunda (em mmgrs. por 100 gr. de tecido) : l sub-cutánea 30,5 Gordura :••••] epiplóica 63,5 Bulbo 80,0 Cérebro 54,0 Fígado 49,5 Rim 44,5 Coração 40,0 Baço 33,5 Músculos 20.5 Verifica-se, por êste quadro, que o cérebro fixa cerca de 3 vezes mais clorofórmio que o tecido muscular que constitue a maior parte do orga- nismo, sendo esta diferença muito mais acentuada nas cloroformizações muito prolongadas. Tissot conclue ainda que o cérebro fixa, em relação ao sangue arte- rial, uma menor percentagem de clorofórmio ao passo que o bulbo pode fixar mais. Estudando, em uma segunda série de experiências, as proporções de 128 Vasco Palmeirim clorofórmio existentes no sangue arterial e no cérebro, suficiente para pro- duzir anestesia, Tissot chegou aos seguintes resultados: l.° — Pelo processo das doses macissas a quantidade de clorofórmio no sangue, no fim do período de excitação, pode exceder e muito a pro- porção suficiente para determinar a morte. É assim que sendo a dose mortal de 7 mmgrs. de clorofórmio para 100 gr. de sangue, podemos encontrar 240 mmgrs. por cento e provável- mente mais. 2.0 — Quando a anestesia é feita mais lentamente, em 5 a 8 minutos, a dose do anestésico é de cêrca de 40 a 44 mmgrs. por cento, ao aparecer a insensibilidade da córnea, mas para chegar a êste resultado é necessário evitar a acumulação do clorofórmio durante a polipneia. 3.0 — Anestesiando pelo processo gota a gota, a percentagem de clo- rofórmio suficiente para produzir a anestesia pode chegar a ser de 34 ou 35 mmgrs. para 100 cc. de sangue arterial. Para conhecer quais as doses de clorofórmio existentes no sangue arte- rial e no cérebro no momento da morte, Tissot anestesiava muito lenta- mente os animais, aumentando progressivamente a dose até que a morte se produzisse no fim de 40 a 60 minutos. O sangue era recolhido imediatamente depois da síncope respiratória percussora da síncope cardíaca. Encontrou assim números superiores aos obtidos por Nicloux e Pohl, que só recolhiam o sangue no ventrículo, depois de parado o coração. Nicloux tinha determinado como dose anestésica 50 mmgrs. o/o «e um número muito pouco superior como dose mortab, quer dizer, uma zona manejáve! muitíssimo limitada e que não estava de acordo com a relativa inocuidade da anestesia clorofórmica no homem, demonstrada por alguns milhares de casos. Tissot, procedendo como dissemos, viu que, ao passo que a dose anes- tésica era de 35 mmgrs. %, a dose mortal era de 79,5 mmgrs. %>, isto é, um número superior ao dobro da dose simplesmente anestésica. Contudo, os efeitos do anestésico não se traduzem só pela proporção no sangue arterial, muitas vezes mesmo se atendêssemos só a êste fa- ctor encontraríamos resultados errados; o que mais importa conhecer é a quantidade de clorofórmio que se fixa nos centros nervosos e no miocárdio. Matando vários animais depois de cloroformizações muito lentas e do- seando as quantidades de anestésico existentes no sangue e no cérebro, o mesmo fisiologista chega aos seguintes resultados: 1.0 — No momento da morte, a percentagem de clorofórmio existente Sobre tensão arterial em cirurgia 129 no cérebro é sensivelmente dupla da percentagem suficiente para produ- zir anestesia. 2.o — Nas mesmas circunstâncias, a relação entre as doses de anestésico contido no sangue e no cérebro é muito variável. Ainda nada se sabe ao certo sobre o mecanismo da morte pelo cloro- fórmio; sabe-se entretanto que, depois da secção dos dois pneumogástricos, a acção do anestésico se manifesta quási do mesmo modo que antes; contudo, esta experiência é incompleta e dá indicações que não têem grande valor. Para saber se o clorofórmio determina a morte por intoxicação dos centros cardíacos e do miocárdio, é necessário praticar, alêm da secção dos dois vasos, a extirpação dos dois gânglios torácicos do simpático; supri- mem-se assim todas as conexões do coração com os seus centros extrín- secos. A operação, que é muito delicada, deve ser confirmada pela autópsia para se verificar se a extirpação foi completa. Anestesiando animais nestas condições observa-se que a marcha da intoxicação é idêntica à que se nota em animais cujo sistema nervoso extra- cardíaco está íntegro. É assim que se provocarmos num animal naquelas condições uma ligeira síncope respiratória pela aplicação de uma dose exagerada de clo- rofórmio e cessarmos depois as inalações do anestésico, veremos que, passado algum tempo, os movimentos respiratórios se restabelecem e a anestesia marcha normalmente, provávelmente porque o sangue foi tirar aos centros nervosos intra-cardíacos o clorofórmio em excesso. Parece provado, portanto, que a acção tóxica se exerce principalmente sobre o miocárdio e seus centros nervosos. Se nos referimos tão demoradamente às interessantes e concludentes experiências de Tissot, é pela importância que êste fisiologista concede ao estudo da tensão arterial durante a anestesia geral. Para a segurança do doente, Tissot, baseado em factos incontestáveis e incontestados, nega a importância que Paul Bert e outros fisiologistas deram quer ao estudo das misturas gasosas anestésicas, quer ao dosea- mento do clorofórmio no sangue, e coloca em primeiro logar o estudo da intoxicação do miocárdio e dos centros nervosos extra ou intra-cardíacos. Para avaliar o grau desta intoxicação, Tissot servia-se do exame cuida- doso dos gráficos da pressão sanguínea dos animais submetidos às expe- riências. Pelo estudo dêsses gráficos, averiguou que êles traduziam com exacti- dão os progressos da intoxicação pelo anestésico, que as síncopes, quer respiratórias quer cardíacas, eram precedidas do abaixamento da tensão 9 130 Vasco Palmeirim arterial e conseguiu, por êsse meio, provocar demoradas anestesias sem perigo imediato para o animal, evitando assim a demasiada intoxicação do miocárdio e principalmente dos centros intra-cardíacos. Resultados clínicos Apesar de algumas vantagens sobre os outros anestésicos em uso, como sejam : menor irritação das vias aéreas superiores, menor secreção de mucosidades, maior rapidez na anestesia, menor período de excitação, resolução muscular mais completa, o clorofórmio, depois de um largo período em que foi quási exclusivamente empregado por todos os cirur- giões, tem sido a pouco e pouco substituído pelo éter, pelo protóxido de azote ou por substâncias capazes de produzir a anestesia local, ou regional do campo operatório. Com efeito, o clorofórmio tem uma acção tóxica muito mais enérgica que a dos outros anestésicos, a zona manejável é mais curta, e as modifica- ções que produz sobre a pressão sanguínea traduzem bem o estado de depressão a que leva os centros nervosos cardíacos e vasos motores. Nas 400 anestesias que escolhemos para os dados estatísticos desta monografia, apenas 33 dizem respeito a atfestesias feitas pelo clorofórmio, ou seja 8 % do número total. Muitas vezes mesmo foi preciso empregar clorofórmio, quer por se tratar de intervenções cirúrgicas na cavidade bucal, quer por ser necessário efectuar fulgurações ou electro-coagulações, impossíveis de realizar usando como anestésico uma substância tão fácilmente inflamável como o éter. Examinando esses gráficos chegamos às seguintes conclusões: O doente, ao inalar os primeiros vapores de clorofórmio, apresenta uma acentuada taquicárdia, que em parte é certamente emotiva. Os esfor- ços musculares que acompanham o primeiro período da anestesia tam- , bêm devem desempenhar importante papel na produção desta taquicárdia, que conjugada com a vaso-constrição causada pelo clorofórmio tem como resultado final uma ligeira elevação da pressão sanguínea. Ambos os elementos da pressão arterial experimentam essa elevação, mas ao passo que a tensão máxima sobe em regra, 1,5 a 2 cm. de mercúrio, a tensão mínima não se eleva mais de 0,5 a 1 cm. na maioria dos casos. Depois desta fase a pressão sanguínea decresce lenta e regularmente, durante todo o período da inalação dos vapores clorofórmicos com a regularidade que se nota nos gráficos n.° 53 e 127. A pressão máxima Sobre tensão arterial em cirurgia 131 segue uma linha sensivelmente paralela à da pressão mínima, de modo que no fim da anestesia a pressão diferencial ou Pulsdruck (Pmx-Pmn) é quási igual à que existia ao iniciar-se a anestesia. Este abaixamento da pressão sanguínea verifica-se em 65 % das anestesias pelo clorofórmio administrado pelo processo gota a gota. Em 17 % dos casos a pressão sanguínea aumenta ligeiramente, mas nesses casos, todos êles de fulgurações ou electro-coagulações, durando apenas alguns minutos ou segundos, a anestesia era muito ligeira e os doentes não saíram por assim dizer, do período de excitação. Nessas 5 anestesias, a taquicárdia foi constante, notando-se um aumento de cêrca de 40 pulsações por minuto, podendo atribuir-se, portanto, a elevação da tensão arterial ao número exagerado de contracções cardíacas. Nos restantes casos (18 %) a pressão sanguínea manteve-se constante, com pequenas variações dos seus dois elementos (gráfico n o 349). Consideramos à parte um grupo de 9 clòroformizações obtidas pela máscara de Ricard. Nessas 9 anestesias, apenas duas vezes se notou a diminuição da tensão arterial e nas outras sete a pressão manteve-se ao mesmo nível ou aumentou ligeiramente. Este facto é possivelmente explicado pela absorpção de uma menor quantidade de vapores de clorofórmio nas anestesias em que se emprega a máscara de Ricard. O caso representado pelo gráfico n.° 377 mostra-nos a situação a que chega um doente que tem de se sujeitar a uma operação muito íraumati- zante sob anestesia clorofórmáca. Tratava-se de um rapaz de 15 anos, que sofria de osteomielite da tíbia direita com numerosos sequestros e neces- sitava uma demorada intervenção. A pressão máxima, depois de várias oscilações, passou de 15 a 7,6 cm e a pressão mínima de 9,5 a 5 cm. Ao terminar a operação, o doente apresentava 120 pulsações por minuto. Estas condições: tensão arterial baixa, pressão diferencial pequena e taquicárdia grande, sempre acompanhadas de outros sintomas gerais, constituem o chamado estado de shock, cuja sintomatologia, etiologia e tra- tamento estudaremos em outros capítulos Acidentes Não notámos nenhum acidente de gravidade. Na anestesia representada pelo gráfico n.° 374, notou-se que, logo em seguida à inalação das primeiras gotas de clorofórmio, a pressão sanguínea 132 Vasco Palmeirim baixava bruscamente de 15,5-10 a 6-4 passando o pulso de 140 a 60. Não houve paragem da respiração. Cessou-se imediatamente a administração do clorofórmio e rápidamente tudo voltou à normalidade. Guy, Goodhall e Reid, (1) discutindo as causas que podem produzir a elevação da tensão arterial, dão especial importância à asfixia. No gráfico n.° 375 temos a demonstração dêsse facto. As três nítidas elevações dos dois elementos da tensão arterial corres- pondem a três períodos durante os quais a doente manifestou intensa cia- nose. Éter O éter deve à sua grande volatilidade o ser absorvido muito fácilmente por todas as mucosas, pela pele e pelos tecidos celular e muscular. Por êste facto têem sido várias as vias adoptadas para a sua introdução no organismo com o fim de obter a anestesia geral. Contudo, a via pul- monar é a mais vulgarmente adoptada. Ocupar-nos-hemos agora sómente das anestesias obtidas por inalação e depois dos outros processos. As leis que regulam a absorpção dos vapores do éter pelos tecidos do organismo são sensivelmente as mesmas que observámos para o clorofór- mio; apenas as quantidades de éter que os tecidos necessitam fixar para se alcançar uma anestesia perfeita são sensivelmente maiores que as do cloro- fórmio. Nicloux encontrou os seguintes números em miligramas por cada 100 gramas do tecido analisado: !sub-cutánea 108 peri-renal 265 epiplóica 352 Bulbo 156 Cérebro 158,5 Fígado 124 Rim 134 Coração 138 Baço 121 Músculos 110 Em presença dêstes números verificamos que, como para o clorofór- mio, os centros nervosos fixam maior quantidade de anestésico que todos (1) Eáimburg. Med. Jour.-1911 August. Sobre tensão arterial em cirurgia 133 os outros tecidos, com excepção da gordura de certas regiões. Portanto, ainda para o éter, é o estudo da pressão sanguínea que nos pode dar indi- cações sôbre o grau de intoxicação dos centros nervosos. A acção do éter sôbre a pressão sanguínea tem sido muito discutida. É facto que durante a anestesia geral pelo éter, o pulso se torna mais frequente e mais tenso, que se determinarmos a tensão arterial com qual- quer dos esfigmómetros a encontraremos mais elevada durante a ete- rização que antes dela, que, se colocarmos um manómetro inscritor em comunicação com uma artéria de um animal eterizado, as oscilações cor- respondentes às sístoles cardíacas são bastante mais amplas que no estado normal. Apesar dêstes factos, Schmiedeberg, entre outros, pretende que estes fenómenos não traduzem nem um estado de excitação do coração, nem contracções mais enérgicas dêste. Para aquele farmacologista, o éter produz a paralisia dos centros vaso- motores; depois da vaso-dilatação resultante, o ventrículo encontra menor resistência a vencer, evacua-se mais rápidamente e, por êsse facto, aumenta o número de contracções cardíacas. As paredes dos vasos, frouxas, deixam-se dilatar mais fácilmente pela onda sangüínea impelida pelo ventrículo e dão ao observador a impressão de pulsações mais enérgicas. Bock tentou provar práticamente a teoria de Schmiedeberg pela expe- riência seguinte, que exclue a influência dos vasos sangüíneos: Em um coelho laqueou junto da aorta torácica, todos os vasos sangüí- neos excepto uma carótida que pôs em comunicação com o topo central de uma veia jugular. Comprimindo a aorta descendente, conseguiu assim suprimir a circu- lação geral ao passo que era conservada a circulação pulmonar, pois que o sangue do ventrículo esquerdo chegava ao coração direito pela carótida e pela jugular anastomosadas, e do coração direito passava aos pulmões e daí voltava ao ventrículo esquerdo. A circulação entre a carótida e a jugular fazia-se através de um sistema de canais de paredes rígidas que, pela sua resistência, determinavam uma pressão semelhante à pressão sangüínea e que era medida por meio de um manómetro. A respiração era mantida artificialmente; para impedir que o sangue coagulasse injectava-se nas veias um extracto de cabeças de sanguessugas. Ora, insuflando nos pulmões do animal vapores de éter, Bock nunca notou fenómenos de excitação do coração; a freqüência das contracções cardíacas permanecia absolutamente a mesma e a tensão do pulso conser- vava-se normal. 134 Vasco Palmeirim Debaixo da influência do éter, administrado mesmo abundantemente e por muito tempo, o coração trabalhava muito bem, a pressão arterial ou ficava normal ou experimentava um leve abaixamento de poucos milíme- tros de mercúrio. E, neste último caso, bastava que se suspendessem as inalações de éter para que a pressão rápidamente subisse ao nível normal. Parece-nos que se não pode ligar a esta experiência toda a importân- cia demonstrativa que Bock, Gaglio e outros lhe concedem porque os re- sultados colhidos em um animal nas circunstâncias apontadas não podem servir de termo de comparação com o que se passa em uma simples anestesia, quando conhecemos os consideráveis efeitos produzidos sobre os centros nervosos e a tensão arterial por certas manobras operatórias, algumas das quais, de muito menor gravidade que as da experiência pro- posta. Resultados clínicos Em todas as eterizações que vamos agora analisar foi utilizada no ser- viço do Prof. Gentil, a máscara de Ombredanne. Para nos servirmos dêste aparelho, devemos lançar na esfera metálica que constitui a sua principal peça cêrca de 120 a 150 gramas de éter. Mantendo o ponteiro indicador no zero, aplica-se a máscara no rosto do doente, verificando se ela se adapta bem. Recomenda-se ao doente que faça inspirações fundas ou que sopre na máscara, o que vem indirecta- mente a produzir o mesmo efeito. Passado meio minuto, ou melhor um minuto, eleva-se o ponteiro meia divisão e depois, sempre lenta e pro- gressivamente, continua-se êsse movimento até que o ponteiro atinja o número õ ou 7 para os homens e 5 ou 6 para as mulheres. Espera-se então que a anestesia seja completa e com a mesma lentidão baixa-se de novo o ponteiro, mantendo-se a cêrca de 4 para os homens e 3 para as mulheres. Nos alcoólicos, estes números devem ser ligeiramente excedidos. O que quási constantemente observámos foi uma elevação nítida da tensão arterial, igualmente sensível nos seus dois elementos. Logo em seguida à aplicação da máscara e quando as doses de anes- tésico vão aumentando muito lenta e progressivamente, notámos que a tensão maxima se eleva cêrca de 4 a 6 cms., que a pressão mínima sobe em regra 2 a 4 cms, e que se mantêem nessa altura durante a operação, começando a baixar quando também vai diminuindo a quantidade do Sobre tensão arterial em cirurgia 135 anestésico administrada, de tal modo que, ao terminar a intervenção, o oscilómetro marca aproximadamente os mesmos valores que tínhamos obtido antes do início da anestesia. Os gráficos n.os 36 e 63 representam duas curvas típicas da marcha das variações da pressão sanguínea, durante a execução de intervenções cirúrgicas pouco graves. Nas 317 eterizações obtidas pela máscara de Ombredanne notou- se êste importante aumento de tensão arterial em 241 casos ou seja em 76 % das anestesias gerais pelo éter, número êste que está de acordo com os resultados de Guy, Goodhall e Reid (1) e de Julliard. Nos 76 casos restantes, a pressão sanguínea manteve-se sem alterações sensíveis em 38 intervenções e baixou nos outros 38 casos. Cada um dêstes números, que representa cêrca de 12 % da totalidade dos casos observados, é insignificante em relação aos resultados já indi- cados e se nos lembrarmos que as observações dizem respeito não a sim- ples anestesias pelo éter mas a anestesias necessárias para executar graves e demoradas intervenções cirúrgicas e estudarmos a enorme influência que êsses actos operatórios têem sobre a tensão arterial, atribuiremos a estes e não ao anestésico, na maioria das vezes, essa acção depressiva que se nota na curva da pressão sanguínea. Injecção intra-venosa de soro eterizado Em dois casos (gráficos n.os 2 e 134) foi utilizado êste processo para a produção da anestesia geral. No caso representado no gráfico n.° 2, depois da tensão arterial ter baixado de 15-10 a 14-8 durante a desnudação da veia e introdução da cânula, veri- ficámos que ela subiu depois rápidamente, mantendo-se a máxima entre 16 e 17 e a mínima entre 11 e 11,5. Esse facto pode explicar-se não só pela intro- dução do soro no aparelho circulatório como pela acção excitante do éter. Na anestesia representada pelo gráfico n.° 134, os dois elementos da tensão sanguínea subiram rápida e progressivamente e de tal modo que ao terminar a intervenção a pressão sanguínea era bastante mais elevada do que antes de se iniciar a anestesia. (1) Guy, Goodhall and Reid — Edhnburg. Med. Jour. Aug. 1911. 136 Vasco Palmeirim Anestesia rectal Utilizaram-se no serviço dois processos para conseguir a absorpção do éter pela mucosa rectal: um, pela insuflação no recto de uma corrente de ar ou oxigénio que arrastava vapores de éter; o outro pela introdução no recto de determinadas quantidades de soro eterizado a 5 %. Neste último processo, preconizado por Malgrini, injectam-se aos doen- tes 0,005 gr. de cloridrato de morfina, uma hora antes da intervenção e igual dose meia hora mais tarde. Cinco ou dez minutos antes da opera- ção, introduz-se no recto cêrca de um litro de sôro eterizado. Quer com um quer com outro processo encontrámos sempre uma li- geira elevação da tensão arterial, como nos casos de inalação pulmonar. (1) Anestesia local O anestésico empregado foi sempre a novocaína em soluto de 1/200 quási sempre adicionado de 1 gota do soluto milesimal de adrenalina por centímetro cúbico de anestésico. Em 13 operações executadas com essa anestesia observámos 11 vezes um aumento de tensão arterial, provávelmente devido à acção da adrena- lina e à ligeira excitação que quási sempre acompanha uma intervenção nessas condições. O gráfico n.° 307 mostra a curva da pressão sanguínea que mais frequentemente se observa na execução de intervenções cirúrgi- cas com anestesia local. Ao falarmos de Anoci-Association, referir-nos-hemos novamente à anestesia local e à sua importância em presença do shock. (1) Últimamente empregou-se na l.a Clínica Cirúrgica (Prof. F. Gentil) o método de Chavier e Dunet para a anestesia rectal. Clister éter-oleoso da seguinte fórmula : Éter- 120 a 150 gramas Azeite neutro -30 gramas Óleo canforado -20 gramas Os resultados obtidos foram bons. A tensão arterial não sofreu alteração alguma durante a intervenção ou subiu ligeiramente. (Tese de Lisboa- 1920, do nosso colega Ermindo A. Alvarez.) Sôbre tensão arterial em cirurgia 137 Raquianestesia A raquianestesia, que actua interceptando a condução radicular ao ní- vel da medula, produz a vaso-dilatação passiva dos grossos troncos vas- culares dos membros inferiores e do abdómen. Por efeito dessa vaso-di- latação, uma grande parte da massa sanguínea acumula-se nessas regiões e o resultado final é uma diminuição da tensão arterial. Foi o que sempre encontrámos nas cinco raquianestesias que observámos. É assim que no gráfico n.° 252 vemos que a pressão sanguínea vai baixando progressiva- mente de modo a passar de 16-10 a 12-7 ao findar a intervenção. É possível que esta diminuição da tensão arterial seja em parte devida ao intenso factor psíquico sempre existente nessas condições. Conclusões Durante a anestesia geral, a curva da pressão sanguínea pode prevenir o perigo, melhor que o pulso ou a respiração. (Bloodgood). Como elemento indicador da resistência vital é da maior importância o estudo da tensão mínima. Essa tensão nunca deve ser inferior a 8,5 ou 8 cm. de mercúrio no doente que tem de sujeitar-se a uma intervenção sob anestesia geral. Desde o início da anestesia devemos estudar com igual interêsse as variações dos dois elementos da pressão sanguínea. O estudo da pressão arterial indica- nos, em cada momento, o grau de intoxicação dos centros nervosos. Na anestesia pelo clorofórmio, depois do período de excitação, ambos os elementos da pressão arterial baixam em 65 o/o dos casos. Na anestesia geral, por inalação de vapores de éter, verificámos que em 76 % dos casos se observava uma elevação nítida dos dois elementos da tensão arterial. O mesmo se observa quando o éter é administrado por via rectal ou intra- venosa. A raquianestesia produz uma diminuição da tensão arterial. 133 Vasco Palmeirim CAPÍTULO III A TENSÃO ARTERIAL EM CIRURGIA ... In many instances the control of the blood-pres- sure is the control of the life itself. G. Crile. A operação foi longa e laboriosa, o ventre esteve aberto durante uma hora, por vezes mais. A anestesia, durante êsse tempo, foi profunda para que os movimentos de defesa não dificultassem as manobras múltiplas a que o cirurgião teve de recorrer. Finalmente, depois de terminada a operação e de conduzido o doente para a cama, nota-se que êle acorda dificilmente e, apesar de várias exci- tações, se mantêm em uma prostração absoluta. Tem os olhos abertos, a face está pálida, descorada, fria e coberta de suor viscoso, o nariz afilado, as feições alongadas. A respiração é superficial e irregular e o pulso fili- forme, com pulsações pequenas, precipitadas, por vezes irregulares. A ten- são arterial é extremamente baixa. De tempos a tempos, interrompendo êste estado quasi comatoso, notam-se períodos de excitação mais ou me- nos viva, durante os quais o doente murmura alguns sons, agita-se e quer levantar-se. Durante 3 ou 4 horas, às vezes muito mais, persiste êste grave estado; a temperatura é baixa, 3ô ou mesmo 35 graus, e, se não sobe, a morte sobrevêm rápidamente. Por vezes a gravidade dos sintomas atenua-se e o doente parece me- lhorar e voltar ao estado normal, quando reaparecem os mesmos sinais apontados e o doente morre nas 48 horas que se seguem à operação. Faz-se a autópsia e no cadáver nada se encontra que explique a morte. Diz-se então: morte por shock. E durante largos anos, anatómicos e histologistas, fisiologistas e. cirur- giões procuram saber qual o mecanismo produtor do shock, quais as le- sões orgânicas ou celulares produzidas nos indivíduos ou animais levados a essa situação e quais os meios de a evitar ou tratar. Sobre tensão arterial em cirurgia 139 Ruysch, há mais de dois séculos, reconhecera que certas contusões abdominais podiam causar a morte sem determinar lesões viscerais. Mais tarde Boerhave, em 1768, insiste sobre o caso e faz notar o ca- rácter misterioso destas mortes que anatomicamente eram inexplicáveis. Com o decorrer do tempo, as observações foram-se acumulando mas sem que ninguém as explicasse pela fisiologia, até que Brown-Séquard, em 1856, pela primeira vez chama a atenção sobre o carácter nervoso dêstes fenómenos e mostra aos fisiologistas as relações directas entre a função cardíaca e o estado peritoneal. Goltz, quatro anos depois, nos Wirchows archiv. publica os seus trabalhos sobre o mesmo assunto. Blum, em 1807 ( Archives générales de Médecine,) em um estudo con- sagrado ao «Shock traumático», fala de lesões traumáticas do abdômen edas feridas desta região, considerando-as as causas principais dos fenómenos. In- siste particularmente sobre a hipotermia que acompanha a totalidade dos casos e cita observações em que a temperatura desceu a 34, 9 e mesmo a 34o. Os ginecologistas, à medida que os progressos da cirurgia lhes vão permitindo intervenções mais complicadas, aprendem a temer o shock e Hegar, no seu Traité de gynécologie opératoire , descreve minuciosamente as suas causas prováveis e a sua sintomatologia. Olshausen entre os primeiros reage contra a tendência dos cirurgiões da época que, como Martin, não hesitavam em praticar a evisceração em 90 o/o dos casos de ovariotomia. Em 1898, Tixier, o cirurgião de Lyon, publica uma monografia intitu- lada Da shock abdominal , contendo os resultados de interessantes expe- riências por êle executadas no laboratório do Prof. Arloing. Nesse traba- lho, que não visa a elucidar a natureza do shock, nem a procurar hipó- teses de patologia fisiológica, Tixier limita-se a registar gráficamente as modificações da tensão arterial e as perturbações respiratórias que acom- panham e caracterizam o estado de shock. O caso clínico que encarou, a evisceração, é, sem dúvida, um ponto particular da cirurgia abdominal, mas pode considerar-se como o tipo das intervenções capazes de criar o shock. Em cães anestesiados, para se aproximar tanto quanto possível das condições clínicas, executou várias manobras em seguida à evisceração, manobras que quási sempre consistiram na exteriorização duma porção considerável da massa intestinal, em torsões, esmagamentos, em trauma- tismos mais ou menos brutais e finalmente na reintegração da massa intes- tinal anteriormente exteriorizada. Os resultados obtidos por Tixier são resumidamente os seguintes: No shock, de uma maneira constante, nota-se uma queda da pressão 140 Vasco Palmeirim sanguínea. Esta queda de pressão revela-se, por um lado por uma dife- rença entre o nível existente antes da operação e o que se regista no fim dela, por outro lado, por saltos bruscos determinados por certas excitações passageiras. Ao passo que o primeiro facto é constante nos animais sãos e naque- les em que anteriormente se tinha provocado uma irritação peritoneal, o segundo é muito mais apreciável e mais rápidamente obtido nos animais já lesados. Nos cães sãos notou-se sempre que, nos primeiros quinze a vinte mi- nutos, as excitações, por vezes muito violentas, produziam apenas ligeiras modificações da tensão arterial e da respiração, emquanto nos animais cujo peritoneu estava inflamado ou irritado, logo em seguida à abertura do ventre, as manobras necessárias para a evisceração produziam imedia- tamente modificações muito consideráveis da pressão sanguínea. Quer nuns quer noutros, notou também que as alterações eram mais intensas e mais rápidas à medida que as irritações peritoneais eram pro- duzidas num período mais afastado do início da evisceração. Quando, num cão em estado de shock, a pressão sanguínea era muito baixa antes da evisceração, as excitações peritoneais, mesmo muito vivas, já não produziam nova queda: o organismo, esgotado, era incapaz de reagir. As experiências de Tixier, como êle próprio o frisa, limitavam-se ape- nas a registar as reflexas circulatórias determinadas por certas interven- ções cirúrgicas, mas não forneceram documentação alguma que levasse o seu autor a emitir uma teoria sobre o mecanismo do shock e o seu tratamento. Georges Crile, hoje professor de Clínica Cirúrgica da Universidade de Cleveland, dedicou-se desde 1893 ao estudo do shock cirúrgico por meio de investigações experimentais e, em 1897, publicou os resultados dessas experiências em uma monografia intitulada An Experimental Research into Surgical Shock. Teoria cinética do shock Em trabalhos ulteriores, quer experimentais quer clínicos, recolheu Crile os elementos necessários para estabelecer uma teoria que pretende explicar o mecanismo do shock traumático ou psíquico e que o seu autor denominou «Teoria cinética do shock». Apresenta-a Georges Crile do seguinte modo: Sobre tensão arterial em cirurgia 141 Quando um rapaz descalço bate em uma pedra, executa um esforço muscular para escapar aos efeitos do traumatismo, que, para se produzir,, necessita de uma descarga de energia nervosa. Este acto não é voluntário. Não é devido à sua experiência pessoal (à sua autogenia) mas é o re- sultado da experiência dos seus antepassados durante o vasto período de tempo necessitado pela evolução da sua espécie (à sua filogenia). A pedra contundente exerce sobre os nervos receptores do pé uma impressão semelhante a inumeráveis outras impressões exercidas sobre o mecanismo nervoso durante a larga experiência filogenética ou ancestral do rapaz que nos serviu de exemplo. A pedra fornece a associação filoge- nética e, automáticamente, segue-se a descarga de energia nervosa. De igual modo se exercem todas as acções. Cada estímulo adequado desperta uma determinada recordação ontogenética que Crile denomina «association» e o mecanismo nervoso desenvolvido por inúmeras expe- riências semelhantes na vida do indivíduo ou da sua raça dá a resposta apropriada. Estas associações, no exemplo citado, provocadas pelo choque de encontro à pedra podem ser prejudiciais para o indivíduo: « noci-asso - ciations ou proveitosas para êle: « bene-associatons ». O aspecto de alimentos apetecedores é uma « bene-association >, des- perta a memória de experiências semelhantes tanto ontogenéticas como filogenéticas. Os centros nervosos são estimulados como se os alimentos estivessem sendo realmente ingeridos. Aliás, toda a vida é constituída por um conjunto de « bene » e « noci-asso - ciations », e o constante esforço de raças e de indivíduos é orientado de modo a aumentar as primeiras e a diminuir as últimas, a criar um meio tão isento quanto possível de « noci-asso ciations » isto é, a permanecer em estado de « anoci-association As influências do meio exterior, capazes de produzir destruição, como assaltos de animais ou de homem para homem, choques com objectos rudes, cortantes ou animados de velocidade, etc., são elementos nocivos que fizeram desenvolver no homem mecanismos de defesa que são exci- tados para a actividade pelos noci-ceptores, os quais estão abundantemente implantados na pele. Os efeitos prejudiciais do frio, da chuva e da tem- pestade obrigam o homem a procurar meios de defesa— abrigos, vestuá- rios, fogo; contra os elementos nocivos que não podem ser percebidos pelos órgãos dos sentidos, como as bactérias patogênicas, o organismo desenvolveu defesas biológicas: anticorpos, imunidade, reacção febril, fagocitose, etc. O homem é, pois, constantemente acometido por noci-assaciations e luta constantemente para permanecer em estado de anoci-association. 342 Vasco Palmeirim No começo da história humana, vivendo o homem em comum com muitos animais, tinha dois principais meios de defesa contra os perigos que o cercavam — a luta ou a fuga. Por isso, nos descendentes do homem das primeiras idades e ainda hoje, as associações filogenéticas põem quási sempre em acção o meca- nismo locomotor pela presença ou pela ideia do perigo. Se as descargas de energia indispensáveis para afastar o perigo são demasiadamente intensas ou prolongadas levam o organismo às situações extremas denominadas esgotamento e shock. Por outras palavras, o shock é o resultado duma excessiva transformação de energia potencial em energia cinética, como resposta a determinadas excitações, As lesões essenciais do shock estão nas células do cérebro, nas supra- renais, no fígado, e são causadas pela transformação de energia potencial em energia cinética à custa de certos compostos químicos das células daqueles órgãos. Crile supõe que a actividade motriz é sempre provocada pela excita- ção de nervos ceptores, quer eles sejam os do contacto existentes na pele, quer sejam os de distância, dependentes dos vários órgãos dos sentidos. A excitação dêstes é tão poderosa, como a dos primeiros na produção de uma descarga de energia. Como já indicámos, supõe-se também que o meio ancestral (filogené- tico), palas experiências de adaptação que provocou, predetermina as reacções de adaptação ao meio actual e que, por isso, verificam-se na época presente um certo número de reacções, incompreensíveis no homem de hoje, mas que podem ser explicadas considerando-as como vestígios das reacções indispensáveis nas árduas condições em que viveram os nossos antepassados. Supõe ainda esta teoria que, em cada indivíduo e para um dado tempo, existe um determinado total de energia potencial armazenado principal- mente no cérebro, no fígado, e nas supra-renais. A actividade motriz, expressa como emoção ou acção segundo um dado estímulo, quer êie seja traumático ou psíquico, diminui de uma certa quantidade o total de energia e, por essa razão, estímulos em número ou intensidade suficiente causam inevitávelmente o esgotamento e muitas vezes a morte. Se a acti- vidade motriz resultando de respostas a vários estímulos, toma a forma de um certo trabalho a executar, como o de uma corrida, por exemplo, os fenómenos exprimindo a deplecção das forças vitais denominam-se «esgo- tamento físico». Se a desaparição das forças vitais devida a estímulos psíquicos ou traumáticos não leva a executar nenhum trabalho físico, principalmente Sôbre tensão arterial em cirurgia 143 se as excitações são fortes e rápidas, a situação denomina-se «estado de shock». O shock ou o esgotamento podem ser produzidos por causas diversas como o medo, traumatismos, infecção, exercícios musculares excessivos, fome, insónia, etc. Crile apresenta provas de que todas estas condições causam altera- ções físicas nas células do cérebro, das supra-renais e do fígado, que estas modificações físicas são idênticas, qualquer que seja a sua causa e que as células que apresentam um certo grau de alterações não podem ser restauradas e morrem. As alterações histológicas podem ser produ- zidas por um só dos factores acima mencionados, ou por todos eles actuando parcial e sucessivamente, ou finalmente por todos êles actuando simultâneamente. Não existem provas da especificidade de cada um dêstes factores, isto é: vendo ao microscópio uma célula alterada do cérebro, fígado ou supra- renal, não podemos afirmar qual a causa que produziu a alteração celular. As alterações causadas pelo shock ou pelo esgotamento, qualquer que seja a sua causa, parecem ser idênticas. Se encararmos o citoplasma como um indicador da energia potencial armazenada nas células, é facil de compreender que, quaisquer que sejam os estímulos, êles devem produzir alterações idênticas. Bases da teoria cinética do shock A teoria cinética do shock admite que todas as formas de shock pro- duzem alterações das células de certos órgãos; essas alterações são repre- sentadas por um período de «hipercromatismo» seguido de um período de «hipocromatismo». Dolley e Austin, no laboratorio de Crile, durante 3 anos de trabalho fizeram exames histológicos de várias regiões de 312 cérebros de homens e animais. Entre êles, 48 eram normais e 264 estavam modificados por doença ou traumatismo. Nestes trabalhos foram estudadas e contadas mais de 10.000 células nervosas. Este material foi descrito por Austin sem que êíe tivesse conhecimento das observações correspondentes aos casos de que se tratava. Sloan foi encarregado da parte de fisiologia, os dados foram reunidos por Hitthing, a química biológica foi estudada por Mentem e os sumários foram feitos pelo próprio Crile. Esses estudos incluíram excitações emocionais agudas e crónicas em 144 Vasco Palmeirim coelhos e cães, em cães que lutaram, em raposas mortas depois de longas correrias, fortes traumatismos em cães anestesiados por inalação, e nos territórios paralisados de «cães espinhais», em outros, aos quais se tinham praticado largas* transfusões, em animais com anemia aguda, em cães mortos e depois ressuscitados com vários intervalos, em coelhos aos quais tinham sido extirpadas as supra-renais; também foram praticadas violentas excitações eléctricas do córtex cerebral de vários cães, etc. Ainda na mesma série de experiências se provocaram infecções piogé- nicas agudas; administrou-se estrienina, álcool, éter, cúrare, iodofórmio, extracto tiroideu e adrenalina a diversos cães; finalmente produziram-se experimentalmente fenómenos anafiláticos. O material humano incluía os cérebros: de um operário morto instan- tâneamente por queda de alto edifício, de um rapaz morto por ferimentos, de um homem assassinado com um tiro no coração, de um recemnascido e de um velho, de doentes falecidos de pneumonia, de febre tifoide, de delirium-tremenSj de caquexia cancerosa, de várias infecções piogénicas e de eclâmpsia. No shock traumático, notou-se sempre, uma fase de hiperactividade caracterizada por hipereromatismo e depois um período de esgotamento, em que os fenómenos mais notáveis eram: cromatóíise, alteração do plasma nuclear, rutura da membrana nuclear e da membrana celular e, finalmente, desintegração celular. Estas modificações são mais nítidas no encéfalo e cerebelo, mas verificam-se também na medula. Quando os traumatismos eram exercidos sôbre os territórios parali- sados de cães espinhais ou em zonas submetidas à acção da novocaína, em cães normais, não existiam alterações celulares. Quando a vitalidade está diminuída por emoções, cansaço físico, toxi- nas, infecção, hemorragia, ou qualquer outra causa, as modificações en- contradas depois de traumatismos iguais, foram tanto maiores quanto menor era o grau de resistência. Concluíu-se também destas numerosas observações, que a anestesia pelo éter não protege as células cerebrais dos efeitos do traumatismo e que os anestésicos «dissolventes dos lipóides» provávelmente interrompem o arco reflexo sómente no seu ramo eferente. Como se mantêem intactos os ramos eferentes partindo da região traumatizada, os estímulos eferentes atingem e modificam as células tão fácilmente como se não tivesse sido administrado anestésico nenhum, e parece que as alterações celulares encontradas são devidas a descargas de energia dispendidas em um inútil esforço para escapar ao traumatismo, Em todos os casos de shock, fosse qual fosse a sua erigem, notaram-se efeitos iguais aos descritos. Sobre tensão arterial em cirurgia 145 Anemia A perda de sangue por qualquer causa, contanto que seja suficiente para manter uma tensão arterial baixa durante bastante tempo, pode cau- sar idênticas modificações celulares. Algumas células do encéfalo podem mesmo ficar definitivamente perdidas. Crile supõe que, muitas vezes, as alterações celulares no shock cirúr- gico são exclusivamente devidas à baixa tensão arterial. Para provar a importância da tensão arterial fez a seguinte experiên- cia, em que por artifício se conseguem executar grandes traumatismos, mantendo quási constantemente o valor da pressão sanguínea: Anastomosam-se os vasos de dois cães, como para uma transfusão, e exercem-se traumatismos sobre um dêsses animais. Quando a pressão sanguínea começa a baixar introduz-se nas veias dêsse cão sangue arte- rial do outro animal, de modo a manter a tensão a um nível próximo do normal. Colhem-se fragmentos do cérebro, e na verdade encontram-se altera- ções celulares; mas para que elas se produzam são necessários trauma- tismos muito mais violentos nos animais, cuja tensão arterial se conser- vou em nível normal, do que naqueles em que ela baixou por efeito dos traumatismos. Para pôr de lado a hipótese que atribuía o shock a produtos tóxicos criados na região traumatizada e para verificar se a teoria cinética do shock era exacta, procedeu o seu autor dêste modo: O topo proximal da carótida de um cão A foi anastomosado com o topo distai da carótida correspondente do cão B, e o mesmo se fez às jugulares de modo que o sangue de ambos os animais se misturasse com facilidade e em grande quantidade. Os cães eram do mesmo pêso e de condições físicas idênticas. Durante duas horas, o cão A foi traumatizado e os dois animais foram então mortos simultâneamente. Os cérebros foram estudados pela mesma técnica e os exames histológicos revelaram as alterações típicas do shock sómente no cão A, o cão cujo corpo tinha sido traumatizado No cérebro do cão B, não sujeito a traumatismos, não havia modi- ficação alguma, apesar do sangue do animal traumatizado ter circulado livremente pelo cérebro dêsse cão durante duas horas. 10 146 Vasco Palmeirim Resultados clínicos colhidos em 400 observações pessoais Estes efeitos do shock psíquico ou traumático, antes de estudados e elucidados por Crile e pelos seus colaboradores, eram conhecidos por todos os cirurgiões. Como veremos, os tratamentos do shock são todos pouco eficazes, e é para os processos preventivos que devemos dirigir a nossa atenção. Sabe-se que a técnica empregada nas intervenções tem a maior im- portância na produção do shock e que tal operação, pouco grave nas mãos de um dado cirurgião, pode acarretar para o doente uma situa- ção gravíssima quando executada por um outro. É, portanto, do maior interêsse conhecer a acção das diferentes manobras operatórias na pro- dução do shock, para que uma vez conhecidas, o cirurgião possa pro- ceder de tal forma que coloque o seu doente nas melhores condições durante e após a intervenção e êste possa tirar dela o máximo bene- fício. O sintoma de maior importância no shock é uma tensão arterial ex- tremamente baixa. Por isso e porque a fisiologia nos indicava também a importância do estudo da pressão sanguínea, quer em face do factor anes- tesia quer do factor intervenção cirúrgica, propuzemo-nos colher algu- mas observações que nos elucidassem sobre o valor clínico real dêsse estudo. Realizámos todas essas observações no serviço do Sr. Professor Fran- cisco Gentil, utilizando sempre, pelas razões apontadas, o esfigmomanóme- tro de Pachon. A pressão sanguínea era sempre medida ao entrar o doente na enfermaria, e segundo as indicações obtidas, aplicava-se o tratamento adequado. Quarenta e oito horas antes da intervenção, observava-se novamente a tensão arterial para se avaliar da eficácia dêsse tratamento e, se os resul- tados eram considerados suficientes, preparava-se o doente para a inter- venção. A braçadeira do aparelho era aplicada no pulso e algumas vezes no têrço inferior da perna, quando isso era considerado necessário pelas circunstâncias em que se executava a intervenção. Medida a pressão antes do início da anestesia, fazíamos então medi- ções de cinco em cinco minutos aproximadamente, até que se cortassem os tegumentos. Desde essa ocasião, as observações eram feitas tão repeti- das e aproximadas quanto o julgávamos necessário, mas de modo que, em operações idênticas, as mensurações fossem feitas em tempos operatórios Sobre tensão arterial em cirurgia 147 idênticos, a fim de podermos depois fazer a comparação dos gráficos obtidos. As diferentes fases da operação foram sempre cuidadosamente regis- tadas, assim como qualquer perturbação circulatória : cianose, irregularida- des de pulso, amplitude anormal das oscilações, tratamento feito durante a intervenção, etc. Sendo de 10 a 15 o número médio de mensurações feitas durante cada intervenção, praticámos durante êste estudo cêrca de 4 a õ mil mensura- ções, para conseguirmos os 400 gráficos que serviram de base às conclu- sões clínicas que em seguida expomos. Cabeça a) — Crânio São em número de 9 as observações que fizemos em intervenções cirúrgicas no crânio, sendo uma por fractura do temporal esquerdo e oito para exploração do cérebro ou extirpação de tumores. O material usado para estas intervenções foi sempre o de Martel, que permitiu em todos os casos pôr a dura-mater a descoberto 7 a 10 minutos depois de in- cisado o couro cabeludo. Em todos os casos praticou-se sempre a he- mostase prévia com placas de Kroedel. Verificou-se que a fixação destas placas e a incisão do couro cabeludo em nada alteravam a pressão san- guínea. O descolamento do periósteo com a rugina, por vezes feito em largas extensões, produz um ligeiro abaixamento da tensão arterial, mas a perfu- ração do crânio e a secção do retalho ósseo, ainda que praticados muito rápidamente, quer se utilize o instrumental perfeitíssimo de Martel, quero de Doyen, provocam na maioria dos casos uma importante queda da ten- são que, no caso 201, atingiu 8,5 cm. na máxima e 3 cm. na mínima. No caso 400, também essa queda, já iniciada com o descolamento do periósteo, se tornou muito importante ao rebater o retalho ósseo. Crile viu-se muitas vezes na necessidade de colocar os seus opera- dos no vestuário pneumático, e inclinar a mesa a 45°, para que a pres- são sanguínea se mantivesse. É êle de opinião que a medula deve ser sériamente traumatizada pelas repetidas e violentas pancadas do martelo e do escopro e por isso usa martelos leves e escopros estreitos e muito afiados. 148 Vasco Palmeirim A descompressão, principalmente em casos de tumor cerebral com grande hipertensão craniana, é também acompanhada de uma diminuição da tensão arterial. A exploração do cérebro por meio de punção ou pela palpação pro- duz ligeiras irregularidades in características. O gráfico n.° 356 representa uma extensa craniectomia occipital por sarcoma do acústico direito (ponto-cerebeloso). A intervenção necessitou a formação de um grande retalho ósseo occipital. O rebater dêste retalho que, como quási sempre sucede, produziu fractura até ao buraco occipital não causou qualquer acidente. O tumor, do volume de um ovo, desviava o bulbo fortemente para a esquerda. Ao fazer-se a extirpação, deu-se uma súbita queda da tensão arterial logo seguida de síncope respiratória. Os seios deixaram de pulsar, despejaram-se, e tudo indicava uma grave situa- ção. Fez-se uma injecção hipodérmica de V* cm. de pituitrina e rápida- mente todos estes fenómenos desapareceram. Quando se procedia à extirpação de muito pequenos fragmentos de tumor, repetiram-se os mesmos acidentes que foram tratados pelo mesmo processo e com igual resultado. Em todos os casos a hemorragia foi práticamente nula. Não foi nunca necessário exercer fortes atritos sobre a dura-mater, o que, segundo as observações de Crile, produz uma rápida queda da pressão sanguínea. Entre os casos de cirurgia cerebral por êle mencionados, frisa espe- cialmente um em que, por uma grave hemorragia da meninge, foi neces- sário entalar tampões de gaze entre a dura-mater e o osso, até uma consi- derável distância do bordo dêste. O efeito combinado da hemorragia, da irritação da dura-mater e da forte compressão do cérebro, produziu a mais importante queda da pressão sanguínea por êle observada. Dos 9 casos de cirurgia cerebral em que fizemos a observação da ten- são arterial, apenas dois doentes (gráficos n.os 356 e 33) apresentavam sinais de shock ao findar a operação, sinais que fácilmente desapareceram com o tratamento adequado. Na opinião de Crile, nestas intervenções é indispensável que a pressão sanguínea seja constantemente registada por um assistente especialmente designado para êsse fim. Devem ser tomadas todas as precauções para o tratamento rápido de qualquer acidente. Em todas as intervenções desta natureza praticadas no serviço do Prof. Gentil, é de uso colocar nas raízes dos membros, bandas de Esmarch ou tubos de cauchú, fortemente apertados de modo a isolar quatro depósitos de sangue que, em caso de necessidade se lança rápidamente na corrente circulatória. Sôbre tensão arterial em cirurgia 149 b) Face. As nossas observações, que incluem extirpações de tumores malignos dos seios maxilares e do lábio inferior, rinoplastias, plastias para cura de lábio leporino, nada apresentam de característico que se possa atribuir ao acto operatório. Nas cinco electro-coagulações por tumor maligno dos lábios, da língua ou do pavimento da boca, observámos sempre uma elevação da tensão arterial, apesar de ser empregado o clorofórmio como anestésico; mas, como já dissemos, nestas intervenções, sempre muito curtas, a anestesia é ligeira e essa elevação deve atribuir-se ao período de excitação. Pescoço a) Traqueia , laringe e glândula tiroideia. A asfixia produz uma elevação por vezes muito acentuada da pressão sanguínea e uma diminuição do número das pulsações. Nessas condições, a traqueotomia feita de urgência, rápidamente afasta aquelas perturbações, como indica o gráfico A publicado por Crile. Em operações, tais como intubações, laringotomia, laringectomia e ope- rações intra-laríngeas de qualquer natureza, os cirurgiões têem notado casos de colapso súbito ou morte. Para evitar êsses graves acidentes é necessário administrar a dose fisio- lógica de atropina, ou fazer a aplicação de novocaína na mucosa laríngea ou a injecção da mesma droga nos troncos nervosos dos laríngeos infe- riores. Sabe-se hoje, depois de numerosas experiências clínicas e de labora- tório que, essa inibição do coração e da respiração é devida à excitação mecânica das terminações nervosas dos nervos laríngeos superiores na mucosa da laringe. Crile considera êste facto como uma das leis mais bem definidas em cirurgia. Em 14 laringectomias por carcinoma, praticadas por aquele cirurgião, deram-se dois perigosos colapsos nas duas primeiras intervenções, quando ainda não era de prática corrente a anestesia local da mucosa. Nos 12 casos restantes, em que se tomou essa precaução, não se notou 150 Vasco Palmeirim qualquer perturbação do ritmo cardíaco ou respiratório. Como a séde dêsse reflexo é a laringe, a laringotomia torna-se uma operação muito mais perigosa que a traqueotomia. A Iaringectomia, que o gráfico n.° 144 representa, produziu apenas li- geiras alterações da pressão sanguínea. Tratava-se de um epitelioma ulce- rado da laringe; o anestésico empregado foi o clorofórmio pela máscara de Ricard, depois o éter gota a gota, pelo aparelho intra-traqueal de Kühne. Faltando o factor asfixia, é natural que nesse gráfico se não notem os fe- nómenos que vimos no gráfico A. Mesmo quando se tomar a precaução de anestesiar as terminações nervosas dos laríngeos, é necessário em intervenções nesta região identifi- car cuidadosamente os troncos nervosos, para os poupar ou para os sec- cionar imediatamente, no caso de se tratar de uma Iaringectomia. O repuxamento do laríngeo superior pode também dar origem a gra- ves fenómenos como os que se observam no gráfico B, extraído do livro Blood-pressure in Surgery. É provávelmente também essa a causa das alterações bruscas do pulso e da tensão arterial durante a tiroidectomia parcial direita, por um enorme bócio, representadas pelo gráfico n.° 164. Em muitas outras observações de tiroidectomia nada notámos de es- pecial. b) Gânglios cervicais . Também muitas vezes, na extirpação de gânglios cancerosos ou tu- berculosos do pescoço, se exercem tracções sobre os nervos da região que logo se traduzem por alterações da tensão arterial. O gráfico n.o 370 foi colhido durante uma intervenção muito demorada para extirpação de gân- glios cancerosos carotidianos e sub-maxilares. As tracções e descolamentos que, nesses casos, é quási sempre neces- sário empregar, levam muitas vezes à situação de profundo shock que aquele gráfico representa. Tórax a) Parede torácica . Em trinta amputações de mama por tumor maligno, observou-se que a parte inicial da operação, consistindo na secção dos tegumentos, des- Sobre tensão arterial em cirurgia 151 colamento da mama e secção dos peitorais, causava sómente ligeiras irre- gularidades na curva da tensão arterial. A dissecção da axila, principalmente quando os gânglios, numerosos e volumosos, tinham contraído aderências aos vasos axilares, provocava uma queda da pressão sanguínea que em alguns casos atingiu 8 cm. na pressão máxima e 2 a 3 cm. na pressão mínima. Acompanhando esta queda da tensão arterial verificou-se quási constantemente uma forte dimi- nuição do número de pulsações. Estes fenómenos devem atribuir-se a repuxamentos do plexo braquial ao fazer-se a dissecção da cavidade axilar nas circunstâncias já apontadas. É pois necessário executar essa manobra com o maior cuidado e com tracções mínimas, principalmente em doentes idosas ou em mau estado geral. Escolhemos, como exemplo, os gráficos n.os 373, 313, 282, 355 e 287, em que bem nitidamente se observa a queda da tensão arterial e do pulso durante a extirpação dos gânglios axilares. Os grandes descolamentos da pele e os fortes repuxamentos, por vezes necessários para a plastia final, não produzem modificações importantes da pressão sanguínea. b) Pleura e pulmão. As operações para esvasiamento de grandes colecções líquidas da pleura ou do pulmão são sempre muito rápidas e apenas dão ensejo a um pequeno número de mensurações da tensão. No caso n.° 351 (grande abcesso inter-lobar direito), verificou-se uma queda da pressão no momento de esvasiar o abcesso, mas não notámos o aumento do número de pulsações que Crile descreve. As alterações foram muito menos importantes que as representadas no gráfico C obtido por aquele cirurgião, durante uma intervenção por empiêma. Em um doente com um pequeno quisto hidático do pulmão esquerdo foi feita, com anestesia local pela novocaína, a ressecção de parte da 8.a costela e a aspiração lenta do conteúdo do quisto. Notou-se apenas um considerável aumento do número de pulsações (gráfico n.° 150), sem modificações sensíveis da tensão arterial. Nas operações intra-torácicas é necessário não esquecer a importância enorme do mecanismo da respiração sobre a circulação. A sucção produzida durante a inspiração é, como vimos, um dos mais importantes factores que entram em jogo no encher das aurículas. 152 Vasco Palmeirim ,É necessário, portanto, evitara todo o custo o colapso pulmonar, quer por meio da hiperpressão (Devyer, Brauer, Meltzer) ou da hipopressão (Sauer- bruch). a) Laparotomia. Abdómen São em número de 214 as laparotomias observadas. Praticadas em dife- rentes regiões do abdómen, precedendo intervenções de importância muito variável, agrupámo-las apenas com o fim de averiguar qual o efeito, sobre a pressão sanguínea, da incisão dos diferentes planos que compõem a parede abdominal. Porém, fosse qual fosse a região em que se praticou a laparotomia, um preceito foi sempre rigorosamente cumprido: a incisão foi feita plano por plano, e de igual modo se procedeu sempre durante a reconstituição da parede abdominal. Na incisão da pele verificou-se, por vezes, uma queda transitória da pressão sanguínea; mas, na maioria dos casos, o facto observado foi uma elevação, ainda que ligeira. Faught, no livro Blood-pressure (1), cita as opiniões contraditórias de Janeway que encontra também, como regra, um aumento da pressão sanguínea, explicável pela irritação de nervos periféricos produzindo vaso- constrição, e de Lull e Turner (2), que nos seus trabalhos na clínica de Jefferson chegaram a resultados opostos. Faught atribui esta disparidade de opiniões ao uso de anestésicos dife- rentes e supõe que, para o caso, tem grande importância o grau de anes- tesia a que chegou o doente ao iniciar-se a operação. A incisão de aponevroses e a dissociação dos músculos não produzem alterações importantes na tensão arterial porque, nessas circunstâncias, nunca deve ser lesado nenhum tronco nervoso. Segundo Lull e Turner a abertura do peritoneu causa uma queda, ainda que insignificante e transitória, da pressão sanguínea e, para a evi- tar, propõem que se eesse a administração do anestésico momentos antes da incisão do peritoneu. Em nenhum caso notámos essa necessidade e só registámos uma queda (1) Philadelphia, 1913. (2) Therapeutic Gazette, 191 1-p. 94. Sobre tensão arterial em cirurgia 153 apreciável da tensão em casos de ascite; mas, nessas condições, devemos atribuir essa queda à descompressão e nunca à abertura do peritoneu. Parece-nos que cessar nesse momento a anestesia só poderá trazer ao doente grandes desvantagens durante a exploração do abdómen. Na generalidade, notámos que as intervenções praticadas nos quadran- tes superiores do abdómen, nas proximidades do diafragma e dos grossos troncos esplâncnicos produzem mais fácilmente shock que as praticadas na pelve. Decerto contribui para isso a necessidade de uma anestesia mais profunda para diminuir os movimentos de excursão do diafragma. b) Estômago. O grupo de intervenções cirúrgicas sobre o estômago em que fizemos observações da tensão compreende: gastrostomia, gastrólise, invaginações de úlcera gástrica, gastro-enterostomia e gastrectomia. Na gastrostomia (gráfico n.o 299), praticada com infiltração da parede abdominal pela novocaína, só a exteriorização do estômago e a fixação dêste à parede produziu uma queda da pressão sanguínea. Na gastrólise (gráfico n.° 270), o desfazer das aderências causou tam- bém queda sensível de pressão. Nas 21 gastro-enterostomias estudadas, notámos que a exteriorização do cólon, do epíploon, do estômago e do jejuno, manobra que é logo seguida da colocação de clamps no estômago e intestino, produz um abaixamento considerável da tensão arterial e do pulso em cêrca de 60 °/0 dos casos (gráficos n.os 38, 292 e 294). A abertura do estômago e jejuno, as costuras sero-serosas e totais, assim como os atritos exercidos sobre a mucosa gástrica ou intestinal, parecem insusceptíveis de produzir shock. A reintegração da massa vis- ceral produz quási sempre uma queda da tensão arterial, que se pode ve- rificar nalguns dos gráficos já apontados e nos gráficos n.os 31 e 173. Essa queda da pressão, muitas vezes registada nas experiências já cita- das de Louis Tixier, é muito mais considerável nos doentes cujo peritoneu está irritado ou inflamado. A exclusão do piloro, praticada no n.° 292, causou uma notável queda da pressão sanguínea apreciável nos seus dois elementos. Em duas gastrectomias executou-se, na mesma sessão operatória, a extirpação de parte do estômago e a gastro-enterostomia posterior de von Hacker; em outro caso (n.° 253), praticára-se dias antes a gastro- enterostomia. 154 Vasco Palmeirim Nas duas primeiras observações (n.os 11 e 29), as alterações registadas foram as já apontadas para a gastro-enterostomia; a secção e extirpação do estômago depois de colocados os clamps produziu uma insignificante queda da tensão arterial; a laqueação dos vasos gástricos e do epíploon também parece ter grande influência. No gráfico n.o 253, notam-se duas bruscas e importantes quedas da pressão sanguínea, uma na ocasião em que foram colocados os clamps no estômago e intestinos, a outra quando se praticou a laqueação em massa do topo duodenal. Ao terminar a intervenção, os doentes encontravam-se em bom estado geral e só a doente a que corresponde o gráfico n.° 11 apresentava sinais de ligeiro shock que rápidamente desapareceram. c) Apêndice e intestino grosso. Em 6õ apendicectomias encontrámos ligeiras alterações da tensão. Apenas nos casos em que a existência de numerosas aderências obri- gou a uma intervenção demorada, produzindo a irritação de um peritoneu já doente, se observou para o fim da operação uma queda lenta e gradual da pressão sanguínea. A laqueação do apêndice, que é a fase certamente mais traumatizante da intervenção, visto que o seu esmagamento e secção se fazem acima do ponto já laqueado, produz uma leve irregularidade na curva da tensão, mas sem que em caso nenhum dos observados essa irregularidade afec- tasse o estado geral do doente. A abertura e simples drenagem de abcessos apendiculares também nada nos revelou de anormal. A colostomia, a extirpação de um volumoso carcinoma do S ilíaco e a reconstituição do intestino em caso de anus artificial temporário, produzem também leves alterações da tensão arterial. Durante a abertura do cólon a termocautério, horas depois de feita a fixação à parede abdominal, a pres- são manteve-se, não causando essa manobra modificações apreciáveis ao esfigmomanómetro. d) Fígado e vias biliares. As observações que colhemos durante intervenções sobre o fígado e vias biliares são, infelizmente, em número muito reduzido para que delas se possam tirar resultados absolutamente concludentes. É talvez por êsse Sobre tensão arterial em cirurgia 155 facto que, em quatro colecistostomias, a exploração dos canais biliares não provocou os mesmos fenómenos que Crile e os cirurgiões Mayo, de Rochester, observaram clínicamente em numerosos casos. Ransohoff (1), de Cincinnatti, reproduziu experimentalmente e registou êsses fenómenos em coelhos e atribue a queda da pressão sanguínea, que sempre observou à compressão da veia cava pelo dedo explorador, intro- duzido no hiato de Winslow. Nos nossos casos, o pulso e a tensão apresentaram irregularidades pouco importantes e, nem a palpação da vesícula e dos canais biliares, nem a exploração dos mesmos com as sondas apropriadas, nem a extir- pação de cálculos por vezes muito volumosos e numerosos, causou as graves perturbações que aqueles autores apontam. Em três das intervenções, fez-se a fixação da vesícula biliar à parede abdominal, e uma vez a colecisto-gastrostomia. Neste caso (gráfico n.° 100 compressão do colédoco por tumor maligno da cabeça do pâncreas), a operação foi demorada e a anestesia má ; notou-se uma queda lenta e gradual da pressão sanguínea. Na abertura e marsupialização de grandes quistos hidáticos, quer do fígado quer de regiões próximas com extensas aderências ao fígado, no- támos, na maioria dos casos, uma queda da tensão ao esvasiar-se o quisto, notável sobretudo se êsse esvasiamento se produz bruscamente (gráfico n.° 56). Essa queda deve atribuir-se à súbita descompressão dos grossos vasos abdominais que não pode deixar de produzir importantes alterações circu- latórias. Neste caso ainda, como em todos os outros idênticos, o esvasia- mento deve ser tão lento quanto possível, devendo preferir- se a aspiração à simples abertura do quisto. O mesmo se observou em um volumoso abcesso do lóbo esquerdo do fígado. e) Baço. Em duas esplenectomias por espíenomegália, as curvas obtidas mos- tram que a pressão sanguínea se elevou gradualmente, formando a pressão máxima e mínima dois traços sensivelmente paralelos. (1) Armais of Surgery, Oct. 1903. 156 Vasco Palmeirim f) Útero e anexos. As observações feitas em intervenções sobre os órgãos genitais femini- nos são em número de 90 e compreendem : histerectomia abdominal total, amputação supra-vaginal, histerectomia vaginal, histeropexia, intervenções sobre os ovários e trompas, colpotomias e raspagens e electro-coagulações do colo uterino. Crile, depois das observações a que procedeu, conclue que as inter- venções sobre o útero e anexos produzem quási constantemente uma eleva- ção da tensão arterial, que essa elevação se mantêm durante as manobras traumatizantes e que é directamente proporcional ao traumatismo exer- cido. (1). Devemos notar desde já que Crile não dá explicação de um facto tão interessante e que está em completa contradição com as suas notáveis teorias sobre a fisio-patologia do shock. O mesmo autor afirma ainda que as maiores elevações da pressão san- guínea foram observadas durante histerectomias por grandes fibromas, com numerosas aderências, no momento de exteriorizar o útero. Não observámos nenhum dêstes fenómenos. Constatámos que as inter- venções na pelve e quadrantes inferiores do abdómen produzem menos shock que as executadas próximo do diafragma, mas, muitas vezes nas mesmas circumstâncias citadas por Crile, notámos uma queda muito ní- tida da tensão arterial (gráficos n.os 359, 340, 281, 275). Durante uma ou outra histerectomia notou-se, de facto, a elevação da pressão sangüínea mas, na nossa opinião, isso não consiste de forma alguma uma regra geral, tal como Georges Crile a apresenta. Em histerectomias abdominais totais, que deviam produzir de certo um notável aumento da tensão arterial, recolhemos gráficos como o repre- sentado pelo caso 379. Durante numerosas histeropexias, sempre executadas pelo processo de Fergusson, as curvas obtidas não revelam quaisquer alterações caracterís- ticas. As intervenções radicais ou conservadoras sobre os anexos produzem ligeira elevação da pressão sanguínea durante a manobra exercida sobre o órgão lesado (punção, pressão, ressecção, sutura, etc.). Só nos casos de grandes quistos do ovário, principalmente quando a (1) Crile, Blood-pressure in Surgery-1903 p. 382. Sôbre tensão arterial em cirurgia 157 sua exteriorização se tornou difícil, observámos quedas da pressão (grá- ficos n.°s 167 e 321), Nas raspagens e electro-coagulações do colo uterino, observámos que- das da tensão que atribuímos ao anestésico empregado (raquianestesia pela novocaína, estovaína ou clorofórmio gota a gota). g) Anus. As intervenções sôbre a parte terminal do tubo digestivo são geral- mente precedidas da dilatação forçada do anus, quer digital, quer por meio de aparelhos especiais. É essa a fase que maior importância tem sôbre a tensão arterial. Crile diz ter sempre obtido uma grande elevação da pressão sanguí- nea durante a dilatação do anus, e que os gráficos demonstrativos que publica corroboram «as observações clínicas e as experiências de labora- tório». Também neste ponto as nossas observações não concordam em abso- luto com as de Crile, pois que, se algumas vezes verificámos um aumento da tensão arterial, (gráfico n.° 210) outras vezes vimos uma importante queda, coincidindo com uma brusca diminuição do número de pulsações (gráfico n.o 238). Aparelho génito-urinário a) Rins. No serviço em que trabalhamos, pratica-se sempre a nefropexia de Edebolds, modificada pelo Prof. Francisco Gentil. Nas 19 nefropexias observadas, notámos que a exteriorização do rim provocava um abaixamento da tensão arterial, mais importante quando essa exteriorização era difícil por perinefrite intensa, o que tantas vezes sucede na nefroptose (gráficos n.os 133 e 245). A abertura da cápsula do rim e o seu descolamento não causam per- turbações dignas de nota. Na nefrolitotomia, alêm da queda de pressão já apontada durante a exteriorização do rim, em todas as operações sôbre este órgão notámos também uma nova queda durante a abertura do rim, extirpação dos cál- culos, e exploração das cavidades. É o que se observa nitidamente nos casos 201 e 36. 158 Vasco Palmeirim Na pielotomia, a abertura do bacinete não causou nenhuma alteração (gráfico n.o 110). Na nefrecfomia, quer por tuberculose, quer por calculose, registou-se algumas vezes uma queda da pressão durante a colocação de clamps no pedículo vascular (gráfico n.° 300). b) Bexiga e próstata. A raspagem da mucosa vesical por cistite purulenta e pútrida produziu um ligeiro aumento da pressão sanguínea. Durante a prostatectomia trans-vesical de Freyer, observámos sempre uma queda da tensão durante o descolamento da próstata. Uma das vezes o pulso baixou bruscamente a 44 pulsações por minuto (gráfico n.o 248). É de toda a vantagem, portanto, durante as intervenções desta natureza, fazer as observações da pressão sanguínea tão repetidas quanto possível, porque êsses acidentes podem ter a maior gravidade em doentes que, pela idade avançada em que a hipertrofia prostática aparece e em conse- quência da própria doença apresentam mau estado geral e lesões do mio- cárdio. c) Testículos e seus envólucros. Crile, entre outros, é de opinião que a compressão dos testículos e a tracção do cordão inguinal produzem vaso-dilatação e consequentemente um abaixamento da tensão arterial. O que verificámos, em castrações por tuberculose ou degenerescên- cia testicular, foi um aumento da tensão máxima, independente do número de contracções cardíacas, que por vezes atingiu 10 cm. de mercúrio (grá- fico np 64). Na criptorquidia, a orquidopexia que traz necessáriamente compres- sões e repuxamentos fortes do testículo, produziu também uma elevação considerável da pressão sanguínea (n.° 323). Na cura radical do hidrocelo por reviramento da vaginal, notámos também aumento de tensão arterial (n.° 96), excepto em dois casos; mas num dêsses empregára-se o clorofórmio como anestésico (n.° 53) e no outro a anestesia local pela novocaína. A vaginal estava muito espessada e aderente e, ao fazer-se o reviramento, o doente sentiu uma dor in- tensa acompanhada de lipotimia (n.° 148). Sobre tensão arterial em cirurgia 159 d) Pénis. Em vários casos de amputação do pénis, quer sob anestesia geral pelo éter, quer com anestesia local pela novocaína, o efeito obtido foi uma elevação da pressão sanguínea, excepto em um caso (gráfico n.° 13) em que a pressão mínima baixou logo desde o início da operação, e a pres- são máxima, depois de um considerável aumento, caiu abaixo do valor inicial. Coluna vertebral Não temos, à data da conclusão dêste trabalho, qualquer observação pessoal em intervenções sobre a coluna vertebral e o seu conteúdo, mas Crile, em duas laminectomias, chegou às seguintes conclusões: Sob anestesia local, a incisão da pele, dos músculos e do osso não produz alterações apreciáveis da pressão sanguínea. Em um caso, a exploração fez-se da 5* vértebra cervical até ao axis, notando-se que a dissecção dos músculos profundos, a secção das apófises espinhosas e das lâminas não provocou grandes dores. A exploração da dura-mater era pouco dolorosa, mas o mais ligeiro contacto com uma das raízes sensitivas produzia uma dor intolerável. A abertura da dura-mater e o derrame do líquido céfalo-raquidiano produziam uma queda muito impor- tante da tensão arterial que quási imediatamente era compensada. H érnias Em 34 casos de cura radical de hérnia inguinal pelo processo de Bassini, notámos quási sempre uma elevação da pressão sanguínea (grá- fico n.° 16). Só no caso de sacos muito inflamados e aderentes necessi- tando uma demorada dissecção e fortes tracções do cordão inguinal, se verificou que, durante estas manobras, a tensão arterial tinha tendência a baixar. Durante a reconstituição dos planos também se não notou modifica- ção que a ela pudesse ser atribuída. Em uma cura radical de hérnia cru- ral, (gráfico n.o 252), verificámos uma queda gradual e constante dos dois elementos da pressão sanguínea, mas êsse fenómeno deve ter sido cau- sado pela raquianestesia que fora empregada nessa ocasião. 160 Vasco Palmeirim Em resecção de varizes do cordão inguinal, nenhuma perturbação de importância pudemos registar. Durante a extirpação de gânglios inguinais, por metástase de epitelioma do pénis, notámos que a dissecção e arrancamento dos gânglios produzia uma brusca e considerável queda da pressão máxima (n.° 205). Membros É conhecido que se pode produzir um profundo grau de shock por meio de traumatismos exercidos sobre os membros. Crile, nas suas experiências sobre o shock, levava os animais a êsse estado fazendo extensas queimaduras ou esmagamentos das extremidades inferiores, depois de submetidos os animais à anestesia gera! pelo éter. É natural portanto que, nas intervenções cirúrgicas sobre os membros, se notem alterações importantes da tensão arterial. Quando se trata de extirpações de partes moles, (laqueações ou ressec- ções da safena interna, extirpação de tumores do tecido celular ou das massas musculares, extracção de corpos estranhos), essas alterações são pouco sensíveis, mas se a operação se executa sobre um tronco nervoso da importância do grande sciático, ou se é necessária uma demorada in- tervenção sobre um dos ossos compridos, poderemos então observar per- turbações profundas da pressão sanguínea, indicando um grau de shock mais ou menos acentuado. Nos gráficos n os 297 e 377, temos dois exemplos dêsse caso. No pri- meiro tratava-se da ressecção do têrço superior do peróneo, por ósteo- sarcoma; no segundo de uma extensa trepanação da tíbia por osteomie- lite. Ao findar a operação, nota-se que a tensão arterial é muito baixa, a pressão diferencial muito pequena e o pulso muito rápido. Na osteosíntese com placas de Lane, mesmo depois de difíceis redu ções de fracturas, as perturbações são de pequena importância. Verifica-se que quanto mais extensos são os traumatismos exercidos sobre o periósteo, tanto maior é o grau de shock produzido. A amputação da coxa precedida da laqueação da femural e da injec- ção de novocaína no sciático causa apenas ligeiras perturbações na tensão arterial, quando é bom o estado geral do doente. Crile, na desarticulação escápulo-humeral, procura a sub-clávia que é laqueada, assim como a veia; pela mesma incisão bloqueia o plexo braquial e só depois faz o retalho das partes moles. Diminui por certo os perigos Sobre tensão arterial em cirurgia 161 de uma operação tão mutilante, mas deve exagerar quando afirma que, após a intervenção, "não existe mais shock do que se se cortasse apenas a manga do casaco do doente.» Para a secção dos ossos, Crile usa sempre a serra de Gigli, para evi- tar as violentas retracções necessárias quando se utiliza uma serra de lâ- mina larga. CAPÍTULO IV SHOCK E COLAPSO Causas predisponentes Idade A idade tem uma importância considerável na facilidade da produção do shock. No recemnascido é raro o estado de shock. As conexões fi- siológicas entre as grandes divisões do sistema nervoso central ainda se não estabeleceram, e a sensação e os efeitos da dôr estão muito ate- nuados. Passadas, porém, as primeiras semanas e dado o rápido desenvolvi- mento do sistema nervoso, a criança é mais susceptível que o adulto às condições que podem causar o shock. Os tecidos não possuem ainda a sua actividade fisiológica máxima, os sistemas nervoso e vascular dão com a maior facilidade o máximo de reacção a um estímulo mínimo. Durante a segunda infância e a adolescência, estes factores vão dimi- nuindo pouco a pouco, e é na idade adulta, como é natural, que o homem apresenta as melhores condições de resistência. Quando os tecidos e os órgãos se aproximam do fim do ciclo da vida, quando as forças vitais estão diminuídas, o coração e as artérias lesadas, o homem volta a reúnir condições favoráveis à produção do shock. Sexo Antes da puberdade não há diferença na susceptibilidade dos dois se- xos. Depois dêsse período, os sistemas nervoso e circulatório da mulher li 162 Vasco Palmeirim tornam-se menos estáveis, principalmente no período menstrual e na época da menopausa. Nacionalidade Crile diz ter observado, nas numerosas raças que frequentam os hos- pitais americanos, uma grande diferença entre os brancos altamente civi- lizados da América do Norte e os índios ou os negros do mesmo país. Os asiáticos são os mais resistentes, os hebreus e os irlandeses menos que os escoceses, os ingleses e os alemães. O clima, a época do ano, o temperamento do doente e a sua profissão têem também influência maior ou menor. Ao livro de Crile: «Anoci-association>, fomos tirar as interessantes con- clusões que seguem: '‘Da teoria cinética do shock podemos a priori concluir que tem a má- xima importância a região traumatizada. Supõe essa teoria que as excita- ções capazes de produzir shock são transmitidas ao cérebro pelos chama- dos noci-ceptores. O shock deve pois ser tanto mais intenso quanto mais rica em noci-ceptores fôr a região traumatizada. Sendo estes criados na evolução ontogenética e filogenética do indíviduo devem ser mais abun- dantes nas regiões do corpo mais expostas às excitações do meio exterior.» Nesta ordem de ideias, os membros devem possuir muito mais noci- ceptores que o cérebro que, através da evolução do homem, foi sempre protegido pelo crânio. O primeiro facto não necessita demonstração, é de observação corrente, e nas conclusões que atrás referimos isso mesmo notámos; o segundo é conhecido clínicamente: em pacientes não aneste- siados, as explorações por tumores cerebrais por meio de punção não causam dor e não produzem perturbações das funções fisiológicas. Para o provar experimentalmente, aquele autor destruiu quási completamente um hemisfério cerebral de um cão sob anestesia geral por meio de fricções lentas com gaze ou por termo cauterização. Não notou alterações morfo- lógicas nas células do hemisfério não lesado. Pelo que respeita às excitações exteriores, Crile diz que só aquelas a que o organismo teve de responder durante a evolução da raça são capa- zes de produzir shock. Assim o fogo, conhecido desde os primeiros pe- ríodos da vida do homem, actuando sobre os tecidos produz shock in- tenso, ao passo que os ráios Rcentgen são capazes de produzir queimaduras igualmente graves, sem reacção geral imediata. Segundo esta premissa filogenética, não deve haver noci-ceptores para o calor nos órgãos contidos na cavidade abdominal, visto que êsses orgãos Sobre tensão arterial em cirurgia 163 durante anos sem conto nunca estiveram em contacto com o calor. Efecti- vamente sabe-se, e assim o constatámos, que na colostomia a abertura do intestino a termocautério em doentes não anestesiados não produz dor e não provoca alterações da tensão arterial. Em compensação as vísceras abdominais possuem noci-ceptores espe- ciais para as excitações que possam ser exercidas contra elas. Essas excita- ções podem consistir por exemplo, em constricções exageradas das vísceras. Estes dois factores e ainda outros como as perfurações gástricas ou intes- tinais, a apendicite, a litíase biliar, as peritonites, qualquer que seja a sua origem, e as obstruções causam dor. A irritação mecânica do peritoneu parietal provoca dor, e essa dôr intensa produz a contracção das paredes abdominais. Em última análise, a actividade muscular deriva da dôr, e por isso esta causa shock. Muitas vezes a intensidade das excitações não tem relação com o shock produzido; o que importa é a intensidade com que o organismo reage. Assim uma excitação muito ligeira das plantas dos pés e palmas das mãos, sendo exercida durante mais de duas horas, pode deixar um indivíduo tão completamente esgotado, como se tivesse feito a corrida de Maratona. Shock psíquico O shock psíquico, precedendo e muitas vezes seguindo o shock cirúr- gico, aumenta considerávelmente os perniciosos efeitos dêste. Crile encara com muito especial interêsse esta forma de shock e preocupa-se, nos seus processos de tratamento com a maneira de o evitar. Em primeiro lugar considera o medo. Assim como o instinto de defesa é o mais profundamente arreigado dos instintos de todos os seres vivos, também o medo é a mais largamente espalhada das emoções e a que produz efeitos mais poderosos sobre o organismo. Como um indivíduo ao ser traumatizado, trabalha para escapar aos contactos dolorosos ou perigosos, também a simples percepção de ameaças do perigo leva êsse indivíduo a lutar para fugir dêle. Ao aproximar-se o perigo, algumas das funções orgânicas são excitadas, as outras diminuídas. Entre as primeiras encontra-se todo o sistema muscular, os órgãos dos sentidos, a respiração, os sistemas locomotor e vaso-motor, as glândulas sudoríparas, a glândula tiroideia e as supra-renais. Por outro lado, as funções digestivas e as dos órgãos de reprodução são diminuídas. 164 Vasco Palmeirim Isto significa que os órgãos estimulados são aqueles e só aqueles que aumentam o valor do animal para a luta ou para a fuga. Os principais sinais do medo, repetidas vezes provocados por Crile em coelhos aterrorizados por cães, consistem em taquicardia, polipneia, prostração, tremor e aumento de temperatura. O medo, e sobretudo o medo associado ao trauma, pode produzir descargas de energia nervosa de tal modo consideráveis que levam o animal ou o indivíduo ao mais profundo shcck e mesmo à morte. O medo causa uma acção depressiva sobre o cérebro, e por isso no indivíduo obsecado pelo medo todos os estímulos fisícos ou psíquicos estão aumentados. Depois do medo, é talvez a cólera a emoção mais prejudicial pelos seus efeitos sobre o organismo. Os animais que não possuem armas ofensivas naturais não sentem cólera e quando o perigo os ameaça fogem, ao passo que os animais que possuem essas armas para o ataque, servem-se delas ao sentir-se ameaçados. O homem partilha das duas espécies de animais e consequentemente pode só o medo apoderar-se dêle ou só a cólera, ou pode o seu espírito oscilar entre as forças combinadas dessas duas grandes emoções. Estes factos, comprovados pela experiência diária na clínica ou no laboratório, mostraram quão desastrosos podem ser os efeitos do terror e da natural anciedade em um indivíduo que vai submeter-se a uma interven- ção cirúrgica. Todos os cirurgiões sabem que são muito melhores os resultados em doentes fleugmáticos, que vêem com indiferença os preparativos indispen- sáveis, do que naqueles que pelo seu feitio especial podem levar o seu terror ao ponto de se notarem os fenómenos do medo, mesmo durante a narcose cirúrgica, por uma circulação demasiadamente rápida, por contracções cardíacas irregulares, por respiração superficial e rápida, por tremores e suores. Essa ideia fixa pode tornar-se tão poderosa nos seus efeitos, como o terror que imobiliza uma ave ao sentir a proximidade de uma víbora. Nesses doentes, a expressão é a do desespêro, a digestão e as trocas metabólicas estão diminuídas ou paradas, a insónia é muitas vezes difícil de desaparecer. No hospital, como nos desportos, como nas lutas de raça, como na guerra, como em cada fase da vida, a crença e a fé no resultado final aumentam extraordináriamente as condições de resistência do homem. Sobre tensão arterial em cirurgia 165 Fisiologia patológica do shock cirúrgico O fenómeno essencial do denominado estado de shock cirúrgico é uma tensão arterial anormalmente baixa. Como sinais de menor importância figuram perturbações da respiração, modificação do estado mental, diminuição da actividade do sistema mus- cular, tanto voluntário como involuntário, diminuição da secreção urinária e abaixamento da temperatura. Contudo, emquanto a pressão sanguínea e a circulação são suficientes para as necessidades fisiológicas, não se pode dizer que exista um sério estado de shock, a despeito da aparição de outros sintomas. Como Mummery o acentuou, a queda da temperatura é o resultado e não a causa da queda da pressão sanguínea. Circulação Em casos de shock profundo, mesmo sem hemorragia externa veri- fica-se que se faz mal a circulação através do sistema arterial e que uma grande massa de sangue se acumula nos grossos troncos venosos. Este fenó- meno, que poderemos denominar «hemorragia intra-venosa», deve por isso acompanhar-se de sintomas que semelhem exactamente os da hemorragia. O diagnóstico diferencial é muitas vezes difícil, visto que, com efeito, os mais importantes sintomas do shock são os da anemia aguda. O pulso está acelerado, as pulsações são muito fracas, não existe recor- rência radial. Como resultado do enfraquecimento da circulação, a face torna-se pálida, ainda que por vezes as veias superficiais contenham certa quanti- dade de sangue. Essa palidez pode também observar-se nas vísceras abdominais e torácicas, mas se nestas circunstâncias administrarmos uma certa dose de adrenalina ou pituitrina, veremos que as artérias se enchem de sangue e os tecidos retomam o seu aspecto normal. Respiração A respiração, por via de regra, torna-se acelerada, algumas vezes super- ficial, irregular e nos estados de profundo shock podem aparecer inspi- rações rítmicas mais profundas. 166 Vasco Palmeirim As trocas respiratórias não apresentam sintomas característicos. A anciedade durante a inspiração não é talvez tão profunda como nos casos de hemorragia. A inspiração e a expiração estão diminuídas ao passo que aumenta a pausa respiratória. Sistema muscular Tanto o sistema muscular voluntário como o involuntário estão rela- xados, o paciente fica na posição em que o colocaram; os reflexos estão diminuídos. Excreção e secreção As funções do aparelho digestivo e dos rins são também menos activas. Actividade cerebral e espinhal As funções do cérebro estão usualmente apagadas, mas nos casos de excitação, o doente pode falar durante muito tempo. Expressão da face Em casos de shock intenso, a face apresenta-se enrugada, encovada e aumentada em comprimento pela mandíbula descaída, o que lhe dá um aspecto característico. O nariz está afilado, a ponta apresenta por vezes um tom arroxeado que contrasta singularmente com a palidez da face. Os olhos perdem o seu brilho e, nos períodos terminais do shock, como o faz notar Müller, rolam no fundo das órbitas. As pálpebras estão semi- cerradas, e diz Senn que por vezes dão ao rosto a expressão do espanto. As pupilas apresentam-se algumas vezes contraídas, outras em meia dila- tação. A reflexa à luz é nítida. Neudorfer diz que os olhos estão acomodados para a visão a dis- tância. Os lábios estão afastados e pálidos ou ligeiramente cianosados. Pela relaxação do masséter, a mandíbula descai, de modo que a boca se apresenta parcialmente aberta; as faces estão encovadas por lhes faltar o apoio natural (os dentes) e pela perda de tonicidade do bucinador. Sobre tensão arterial em cirurgia 167 Pele As características gerais dos tegumentos no shock — a palidez, rela- xação, sudação, etc. — têem sido descritas por numerosos autores. Jordon diz que a palidez da pele tem um tom singular, que sómente a pele ane- miada é capaz de apresentar. Os dedos das mãos e dos pés estão azula- dos e enrugados, a pele das palmas das mãos também forma pequenas pregas. O suor frio e viscoso do shock é especialmente encontrado em casos devidos a causas psíquicas. Tratamento do shock Durante as numerosíssimas e completas experiências de Georges Crile para investigar a etiologia do shock, teve ele ocasião de ensaiar variados processos de tratamento. Tendo posto de parte sucessivamente a ideia de que o shock era devido à fadiga do miocárdio, a inibições reflexas extrín- secas, à perda de tonicidade dos vasos, etc., o cirurgião americano não se preocupou em procurar maneira de prevenir ou evitar essas situações que as suas experiências lhe mostravam ser independentes do shock. Chegando mais tarde a adquirir os fundamentos da sua teoria cinética do shock, lógicamente propõe o tratamento que essa teoria admite como racional. Sendo a queda da tensão arterial o mais importante fenómeno vital do shock, aquele cirurgião procurou primeiramente os meios de manter a pressão a um nível próximo do normal. Fez cêrca de 80 experiências com o sulfato de estricnina, nesse tempo em grande voga, e verificou que essa substância não só não melhora as condições de um animal em shock mas ainda as agrava. Como resultado final, conclue que o shock pode ser provocado pelo simples uso da estri- cnina e que é tão lógico tratar o shock traumático com estricnina como tratar o shock da estricnina com traumatismos. Como entre os tónicos não tivesse encontrado solução satisfatória, ex- perimentou manter a tensão arterial por meio de pressões externas exer- cidas sobre as diferentes regiões do corpo e viu que é possível elevar a pressão sanguínea por meio de ligaduras colocadas nos membros. Um outro processo consiste no aquecimento da mesa de operações por 168 Vasco Palmeirim meio de lâmpadas eléctricas ou por um colchão de cauchú onde se faz circular água quente. Nos casos de shock por forte contusão abdominal colhem-se por vezes bons resultados pela imersão em água a 39°. A acção combinada do calor e da pressão uniforme exercida pela água favorece considerávelmente a circulação e melhora as qualidades do pulso. Finalmente ensaiou e aplicou na sua clínica um vestuário pneumático em que o ar era insuflado por meio de uma bomba de bicicleta, de modo que a pressão se exercia uniformemente sobre todo o corpo. Os resulta- dos foram satisfatórios; a tensão arterial eleva-se até mais de 4 cm. de mercúrio. O gráfico D mostra um caso de colapso post-operatório depois de uma demorada intervenção em que se praticou a extirpação da língua e dos gânglios cervicais dos dois lados. A operação fizera-se com o ves- tuário pneumático insuflado e, ao transportar-se o doente para a cama, bai- xara lentamente a pressão. O doente cai em colapso; o vestuário é nova- mente insuflado e mantêm-se assim durante várias horas até que poude ser retirado. Depois de larga prática no Lakeside Hospital, foi abandonado por ser um processo incómodo, pouco confortável e porque a sua aplicação re- quer um certo tempo. O aumento da pressão atmosférica do quarto do doente, não deu, como era lógico, resultado algum. Só aumentando a pressão atmosférica sobre o corpo do doente sem aumentar a pressão intra-pulmonar, se conseguiu aumentar a tensão arterial, mas êste processo tem um grave inconveniente : o afluxo de sangue ao coração é tão brusco que êste se dilata fácilmente, pois que quando a quantidade de sangue duplica, o trabalho de coração quadruplica. Tendo falhado todos estes processos, Crile experimenta o tratamento pelas injecções intra-venosas. Fez experiências com vários soros artificiais, solutos de Ringer e Locke, mas verificou que o aumento da tensão arte- rial era temporário. Quando se introduz muito rápidamente uma grande quantidade de lí- quido no sistema circulatório, êsse líquido passa através das paredes dos vasos com muita facilidade. O abdómen distendido fica duro e tenso. A autópsia dos animais em experiência mostrou que o soro se acumulava nas paredes e na cavidade do estômago e intestinos, no fígado e no baço, e que o diafragma era fixado mecânicamente, produzindo graves pertur- bações respiratórias. Sobre tensão arterial em cirurgia 169 Conhecidas as circunstâncias que criam e regulam a tensão arterial, era natural que se procurasse uma substância capaz de fazer aumentar as re- sistências periféricas durante o tempo que durassem os sintomas do shock. A adrenalina tem essa acção. Como é rápidamente oxidada pelos tecidos, a adrenalina, para que possa exercer a sua acção, deve administrar-se em injecções intra-venosas. Nestas condições, a oxidação é também muito rápida e daí a necessidade de a injectar contínuamente. O processo seguido foi injectar um soluto a 1:50000 de adrenalina na dose de 3 cc. por minuto. Pode assim man- ter-se a pressão sanguínea a um dado nível durante muitas horas. Em um cão decapitado e ao qual aplicou êsse tratamento, a tensão manteve-se durante onze horas. Contudo esta técnica, alêm das dificuldades da execução, não é de todo isenta de perigos, e por isso Crile chegou à conclusão de que o trata- mento ideal do shock deve ser encher os vasos com um líquido que não passe através das suas paredes, que não produza perturbações de natureza química e que contenha oxigénio. O sangue humano é o único líquido que possui todas estas quali- dades. Depois de longas experiências, Crile praticou a circulação cruzada em dois animais e verificou que era possível, por meio da transfusão do sangue, manter em um dos animais a tensão arterial em um determinado nível. Um animal em transfusão pode ser decapitado sem que se altere a sua pressão sanguínea durante doze horas ou mais ainda, sendo necessário, como é evidente, praticar a respiração artificial. Estas experiências mostram que a elasticidade dos vasos ultra-distendi- dos substitui as resistências periféricas normalmente mantidas pelo meca- nismo vaso-motor. Delas ressalta ainda que «o tratamento ideal do shock é a transfusão directa do sangue». Colapso Por colapso entende-se a queda súbita da tensão arterial por hemor- ragia, por lesão dos centros vaso-motores ou por síncope cardíaca. Estas condições representam suspensão destas funções, mas não o esgotamento delas como no shock. Desta definição conclui-se que ao passo que o efeito dos estimulantes é nulo ou quási nulo no shock por estarem exaustos os centros nervosos 170 Vasco Palmeirim a acção dessas substâncias em casos de colapso pode ter grande impor- tância terapêutica. Também o tratamento pelo soro é de pouca eficácia no shock; mas tratando-se de colapso por hemorragia, em animais com centros vaso- -motores normais, pode obter-se grande benefício. Em múltiplas experiências, Crile provocou colapsos até que os centros vaso-motores, respiratórios e cardíacos e o próprio coração tivessem ces- sado toda a actividade funcional, quer dizer, até que o animal estivesse aparentemente morto. Foram feitos vários tratamentos, reconhecendo-se que era impossível ressuscitar um animal quando tinham decorrido 58 se- gundos após a última contracção rítmica do coração. Os resultados mais favoráveis foram alcançados pela combinação da pressão rítmica na região pre-cordial, da respiração artificial e da injecção intra-venosa de soro. Uma das experiências mais interessantes demonstra que a adrenalina exerce a sua acção sobre as paredes dos vasos, mesmo depois de ter ces- sado a circulação. Em um cão morto por asfixia fez-se o tratamento acima indicado mas com soro adrenalinado. Por êste meio, a adrenalina, poude, apesar da cir- culação muitíssimo reduzida, chegar ao contacto das paredes dos vasos, causar a sua contracção, elevar portanto a tensão arterial até que a circulação nas coronárias se restabelecesse; o que fez com que a acção do coração voltasse a exercer-se. Por êste meio, animais aparentemente mortos por períodos de mais de 15 minutos puderam ser restituídos à vida consciente. Tratamento e prevenção do shock pela “anoci-association» Como vimos, o tratamento do shock é difícil e de resultados práticos pouco satisfatórios: só a transfusão directa do sangue permite executar o tratamento ideal. É, por isso, da maior importância preveni-lo, afastando as causas que a teoria cinética admite como causadoras dêsse estado. O aspecto da sala de operações, as palavras trocadas entre o pessoal e que o doente possa ouvir, a administração do anestésico, os traumatismos exercidos durante a operação constituem estímulos capazes de produzir shock. Torna-se necessário, portanto, adoptar uma técnica que evite a trans- missão dêsses estímulos ao cérebro. Haverá algum anestésico que administrado isoladamente consiga êsse fim? Sobre tensão arterial em cirurgia 171 O efeito dos traumatismos exercidos durante a intervenção pode evi- tar-se bloqueando o campo operatório pela novocaína, mas êsse método de anestesia não preserva o cérebro dos perigosos estímulos psíquicos; pelas inalações de éter ou qualquer outro anestésico geral excluímos os estímulos psíquicos, mas não as excitações produzidas pelas manobras operatórias. Nenhum dêstes processos de anestesia pode, por si só, produzir anoci- association. É pois necessário combiná-los. Tem ainda a maior importância a maneira como é feita a preparação que precede a operação. A anoci-association, tal como a concebeu Crile, comporta: a anestesia geral por um anestésico desprovido de cheiro, o protóxido de azoto; a anestesia local da região a operar; um segundo anestésico local destinado a impedir as dôres depois da operação e, finalmente, uma delicada dis- secção. Técnica geral Morfina e Escopolamina Para diminuir o medo e facilitar o início da anestesia, Crile injecta a todos os doentes cêrca de 0,015 gr. de morfina e 0,0065 gr. de escopola- mina uma hora antes da operação, a não ser nos doentes muito velhos ou muito novos ou naqueles cujas fracas condições contra-indiquem o uso destas substancias. Na realidade, experiências de laboratório mostram que animais morfi- nizados, submetidos a vários traumas, apresentavam lesões cerebrais muito menores que os animais não protegidos pela morfina. Em casos de infecções agudas necessitando intervenções de urgência, a morfina tem um duplo efeito: protege o cérebro contra a infecção e contra o trauma operatório, cujos efeitos nestas circunstâncias são muito mais graves em virtude do estado de intoxicação do doente. Protóxido do azoto São muitas as vantagens dêste anestésico. É inodoro, poucas inalações bastam para produzir a inconsciência, não produz tantos vómitos como os 172 Vasco Palmeirim outros, etc. Contudo a anestesia não é tão perfeita como com o éter e, por vezes, é necessário uma pequena dose dêste anestésico para manter o doente em anestesia cirúrgica. É indispensável ter adquirido uma grande prática para o poder adminis- trar aproveitando-lhe todas as vantagens. Novocaína Todos os tecidos que devem ser seccionados são préviamente injecta- dos com um soluto de novocaína a 1/400. Esta é a regra para todas as regiões do corpo, para todas as idades, para os fracos e para os robustos, nas pequenas e nas grandes operações. O tecido a seccionar deve estar todo infiltrado. Depois de feita a injecção, deve exercer-se pressão não só para facili- tar a absorpção, mas por que a pressão manual aumenta a área anestesiada e a eficácia do anestésico. Cloridrato de quinina e ureia Para diminuir as dores post-operatórias, injecta-se nos tecidos um soluto de 0,18 gr. á 0,5 gr. % de cloridrato de quinina e ureia até certa' distância da ferida. Os efeitos desta substância duram ainda alguns dias depois da operação. Nos casos de infecção, não deve ser usado porque diminui a resistência dos tecidos. Dissecção cuidadosa As bases filogenéticas da teoria cinética do shock indicam a necessi- dade da maior delicadeza na execução dos diversos actos operatórios. Debaixo dêste ponto de vista, o cirurgião deve proceder como se o doente estivesse consciente. As tracções, os repuxamentos, os esmagamentos provocam noci-asso - ciation , com a consequente reacção e esgotam as energias dos órgãos que compõem o sistema cinético, e principalmente o cérebro. Estes mesmos cui- dados facilitam a cicatrização dos tecidos, pois que o trauma, diminuindo a vitalidade dos tecidos, predispõe para a infecção. Sir Berkeley Moynihan escreveu sobre o assunto, estas frases: «Há cirurgiões que operam pelo princípio canino do ataque selvagem Sobre tensão arterial em cirurgia 173 e para o provar são terríveis na maneira de cortar e repuxar os tecidos. São os que operam com os olhos no relógio e apreciam a beleza e a perfeição da operação pelo número de minutos em que a executaram.» «O escalpelo é, sem dúvida, um instrumento precioso: em algumas mãos um sceptro rial, em outras um rude alvião. «O perfeito cirurgião deve ter coração de lião e mãos de mulher e nunca garras de lião e coração de cordeiro». * * * Assim terminávamos o nosso trabalho. Nos anos decorridos desde 1915 novas teorias surgiram, mais exactas talvez que a de Crile, mais solidamente apoiadas em dados experimentais e no formidável material fornecido durante a Grande Guerra. A contribui- ção pessoal, exclusivamente clínica , que só agora podemos publicar, colhida sem pretender explicar fenómenòs que, passados cinco anos ainda são tão obscuros, conserva, por êsse mesmo motivo, o valor que então lhe atribuí- mos. jaivo -da Universidade de Lisboa. - Vol V Estampa V Estenose pilórica cicatricial. Oastro-enterostoraia (Von Hacker). Éter linjecçâo intra-venosa de sôro eterizado a 1 0 °/0). IWEBSITY OF ILLINOIS UMARY quivo da Universidade de Lisboa.- Vol. V. Estampa Ví Obs. N.° 11 Carcinoma do piloro. Gastrectomia sub-total. Gastro-enterostomia (Von Hacker). Éter (Ombredanne). juívo da Universidade de Lisboa. Vol. V. Estampa VII Obs. n.° it ( /CotxXXvxm&ccco ) WERSirr ÜF ILLINOIS LIÜRARY quivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa VIII Obs. N.° 13 Epitelioma do pénis. Amputação do pénis. Éter (Ombredanne), / 00W * V** \00 rquivo da Universidade de Lisboa. — Vol. V. Estampa IX Obs. N.° 16 Hérnia inguinal. Varicocelo. Cura radical (Bassini). Resecção das veias varicosas. Éter (Ombredanne). «hvosot of ú*»» 'qaivo da Universidade i de Lisboa. — Vol. V. Estampa X Obs. N.° 29 Gastrectomia sub-total. Éter (Ombredanne). ' quivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XI Obs. N.° 29 ( ^cmXinM*>cccu>} \ «VERSíPf W UlUWHS ÜWMW I -quivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Obs. N 0 31 p o »aa u* «0 <ü o. 0 « TJ V § a f > ] f u f " Jj ) 3 ■ ■ | * ?> < ei r * f t < $ 1 r S? ^ i . i p ã ' á 4 1 ■ 3 * % \ 1 «* ; " 1 n í 1 i 1 í í] !j is jj ? < ^ < 1 < 1 < i : n ) ’vj • \ : < ^ v * » * ^ til rü 1 rri.so Pressão art. 1-’ 1 ° ■j «*c ^ 'C c ^c. j; oi 160 150 140 130 120 110 100 90 80 70 60 50 Li. 30 25 20 15 10 ... 1 — \ N 1 1 ; f \ / / \ / \ — / 1 j / j : 1 j / k . t - — 1 \ . 5 - — ~~ 1 J 0 1 1 It Apendicite crónica recidivante. Apendicectoraia (Mac-Burney). Éter (Ombredanne). rquivo da Universidade de Lisboa. — Vol. V. Estampa XV Obs. N.° 36 Calculose renal. Nefrolitotomia. Éter (Ombredanne). P1VERSÍTY QF ÍLLINIXò LUWÂítY rqaívo da Universidade de Lisboa. - Vol. V Estampa XVI Obs. N.° 38 Ulcera gástrica (juxta pilórica). Oastro-enterostomia (Von Hacker). Éter (Ombredanne). ijRIVERSITY ÜF IlUftütS UBRARY rqiiivo da Universidade de Lisboa. - 14?/. V Estampa XVII Obs. N.° *53 Hidrocelo. Paqui-vaginalite. Cura radical. Reviramento e resecção da vaginal. Clorofórmio. rquivo da Universidade de Lisboa. — Vol. V. Estampa XVIII Obs. N.° 56 Quisto hidático do fígado. Marsupialização e drenagem. Éter (Ombredanne). OfMttohí uí ILLIUÚIS USRftttt rquivo da Universidade de Lisboa 14?/. V Estampa XIX Obs. N.° 63 Hemorroidas externas. Extirpação das hemorroidas iWhiteheadi. Éter (Ombredanne). ,)*lvttWÍ c \ "4 > <* L -< p vc» o *- r ^ *o<íc t -r t ^ rs r ^ Ctt O* t* t- r. 160 30 150 140 25 130 1 1 120 20 r ~ 110 1 ! \ 100 15 1 \ 1 __j 90 i ! -j / } \ \ / 1 f 80 10 / 5 t / e~v • N X \ / A / \ / / 70 \ /* r > 60 5 \ • i 50 ■ I □ 40 0 i Neoplasia do pâncreas (compressão do colédoco). Colecisto-gastrostomia. Éter (via rectal, método de Malgrini e Ombredaiine). Estampa XXII V « da Universidade de Lisboa. — Vol. V. Estampa XXIII Obs. N.° 110 Phases da operação * jj- I í r Awn&CfT A/AK- y<>1^AAKCCC 0 160 150 140 130 120 110 100 90 80 70 60 50 30 25 20 15 10 1 J 1 — 1 \ uA / ; / V- ! / \ j \ / i 1 . ** \ 5 - 0 ||40 1 . J. Cálculos do bacinete. Pielotomia. Éter (Ombredanne). da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XXIV Obs. N.° 127 Carcinoma do colo do útero. Electro-coagulação do tumor. Clorofórmio (gota a gota). tf ta»o« rquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XXV Obs. N.° 133 Nefroptose. Nefropexia. Éter (Ombredanne). ttuuotô i***1* 1 ruivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XXVI Obs. N.° 134 Sarcoma da região supra-clavicular. Biopsia (reconheceu-se a inoperabilidade). Eter (injecção intra-venosa de sôro eterizado a 10 %l. wNfKrçr 8F um ■qiiivo da Universidade de Lisboa. - Vol V. Estampa XXVII Obs. N.° 144 Carcinoma da laringe. Laringectomia. 1.0 Clorofórmio (máscara de Ricardl.- 2,o Éter (via intra-traqueal, aparelho de Kuhnef. / > mvo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XXVI II QbS. j44 ( ) tf I I da Universidade de Lisboa. — Vol. V. Estampa XXIX Obs. N.° 148 Hidrocelo. Cura radical (reviramento da vaginal). Novocaina a 1:200 (infiltração). i ' «bmy «f u*»'*w rqnivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V Estampa XXX Obs. N.° 150 Quisto hidático do pulmão. Resecção de costela. Drenagem do quisto. Novocaina a 1:200 (infiltração). i «HIVEBSITY OF ILLISÜiS ÜBBARY rquivo da Universidade de Lisboa. - 14?/. V Estampa XXXI Obs. N.° 164 Bócio quístico. Tiroidectomia parcial intra-capsular. Novocaina a 1:200 (por infiltração). \ quivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XXXII Obs. N.° 167 Quistos malignos dos ovários. Ooforo-salpingectomia dupla. Eter (Ombredanne). ) mmtsirr w vmm da Universidade de Lisboa. — Vol. V. Estampa XXXIII Obs. N.M73 Ulcera do duodeno. Gastro-enterostomia (Von Hacker). Éter (Orabredanne). USlVERSm rquivo da Universidade de Lisboa . - Vol. V. Estampa XXXIV Obs. N.° 201 Glioma cerebral. Craniotomia descompressiva (Dojen). Clorofórmio (máscara de Ricard). asrasuv ÜF ILLWfS UBüAHY / i quivo da Universid ade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XXXV Obs. N.° 204 0 •o u* «3 u V a 0 Q "O * í I ' I i il] ^ ~ "j | : ^ i : ' t : 1 í s j H M $ 7 ! j i J 1 % N r, v M M * I r* | ! s h 5 p ; í 1 < L i. i> : ! i r r ; ! o £3 |lf ! CxJcOC^Sj**OlO J CM OOOQOOOOOOx^^x-;-- 160 150 140 130 120 110 100 90 80 70 60 50 30 25 20 15 10 5 0 I — — - 7^ V T \ |\ 1 \ v / \ 7 \ 7 i 1 1 r T 7 \ f 7 \ f \ f \ j L i\ h r j i i / V , ! , \ j \ 1 / i „ : \ ; ; v ; • ; ,* I r 1 |!« 1 I Pionefrose calculosa. Nefrolitotomia. Éter (Onibredanne). mmmrt of mirou uwror rquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XXXVI Obs. N.° 205 ÍJ81VERSITY OF 1LUHOIS UWMN rquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XXX Vil Obs. N.° 210 Hemorroidas externas. Extirpação de hemorroidas (Whitehead). Éter (Ombredanne). rquivo da Universidade de Lisboa. — Vol. V. Estampa' XXXVI II Obs. N.° 238 Hemorroidas externas. Extirpação de hemorroidas (Whitehead). l.o Novocaina a 1:200 (infiltração). — 2.o Éter (Ombredanne). Arquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XXXIX Obs. N 245 Nefroptose. Nefropexia. Éter (Ombredanne). wtffisnY üf 'LU'^ Arquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XL Obs. N.° 248 Adenoma da próstata. Prostatectomia trans-vesical (Freyer). Clorofórmio (gota a gota). „E»sm * Y 4 rqnivo da Universidade de Lisboa. — 14?/. V Estampa XLI Obs. N.° 252 Hérnia crural. Cura radical. Raquianestesia (estovaina, estricnina e adrenalina — método de Jonnesco-Poenaru). UKtVERSlTY OF ILUbuiá UBfttta, 1 rquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XLII Obs. N.° 253 Carcinoma do antro pilórico. Gastrectomia sub-total. Éter (Ombredanne). SWEBSSTT ÜF ILLiHliü L1BM1 rqaivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XLIII w MíRSJfl yf ttUHiná rquivo da Universidade de Lisboa. - 14?/. V Estampa XLIV Obs. N.° 270 Perigastrite. Peritonite adesiva, Gastrólise. Éter (Ombredanne). «IVESSITY OF ILLINuíí uBHftM \rqnivo da Universidade de Lisboa.- Vol. V. Estampa XLV Obs. N.° 275 Fibroma do útero. Anexíte dupla. Amputação supra-vaginal. Éter (Ombredanne). - QYEfiSITY ÜF liy«íS UBRftKl \rqidvo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XLVl Obs. N.° 281 Fibroma do útero. Hemato-salpinx duplo. Amputação supra- vaginal. Éter (Ombredanne). SSIVESaTY sJF Hlimis UBflftRV ♦ Arquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XLVlt Obs. N.° 282 Carcinoma da mama. Amputação da mama. Esvasiamento da axila. Éter (Ombredanne). wlVERSITY UF íLLIKUíà UBHM* Arquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa XLVIII Carcinoma da mama. Amputação da mama. Esvasiamento da axila. Éter (Ombredanne). 2\m%\Tt GF ILUHGIS UBRARV Arquivo da Universidade de Lisboa Vol. V. Estampa XLIX Obs. N.° 292 Phases da operação ANÜÍ& d& ! ^ 5 i ] * J J 1 J" . <$ * c 5 ^ * { 1 S r ti 1 1 * í ' ti * -S u - e r ' ã | 1 i | ?i ; \u: i !i s t 5 «i 5 o o "i ? ; !* f i 1 «s ÇL. 1 d t -* r- n i i * \ * 2 : ; : ; í PULSO Pressão art. 160 150 140 130 120 110 100 90 80 70 00 50 ||40 30 25 20 15 10 5 0 \ > / \ .. \ \ / \ / 4- 1 N .... i \ -L \ \ \ 1 1 \ 1 — * J \ i * L j ./ f / — — 1 — A ■ 1 N — *’ I — — 1 1 — 4 _J i i í 1 M Úlcera gástiica (pequena curvatura). Gastro-enterostomia (Von Hacker). Exclusão do piloro. Éter (Otnbredanne). QXimm *JF itimou umm \rquivo da Universidade de Lisboa. — Vol. V. Estampa L Obs. N.° 294 Carcinoma do piloro. Gastro-enterostomia (Von Hacker). l.o, Clorofórmio gota a gota). -2. o, Éter (Ombredanne). SSWERSW Of >tU.ww Arquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa LI Obs. N.° 297 Ósteo •sarcoma da cabeça do peróneo. Resecção do têrço superior do peróneo. Éter (Ombredanne). / \ ueiversity cf iLLinüts imm I \rquivo da Universidade de Lisboa. — Vol V. Estampa Lll Obs. N.° 299 Carcinoma do esófago. Gastrotomia (Witzel). Novocaina a 1:200 (infiltração). MIVERSITY OF ILLIHútS usam Arquivo da Universidade de Lisboa. Vol. V. Estampa Llll Obs. N.° 300 Tuberculose renal. Nefrectomia. Éter (Ombredanne). ÜSIVERSITY ÜF iLLltiüii UBHARY Arquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa LIV Obs. N.° 307 Phfises da operação li d ^ o ^ li : r c 5 ■- 1 > h , \ 5 >< p] Su ti tj $ 8 u < * i $ ' s •< 1 5 H 8 n | H u i .! N ! í ' J c ^ }< J \ ri Ü I Ci j 1 : < * ■. r vj 1 ; 0- ti j á . o • \~> |lj ! cH ITi O O Q C *í y: ti V tí su* % 'T- -*“< -«■" T-Í V •«-< 't— !60 150 140 i 130 120 110 ; 100 90 80 70 60 50 30 25 20 15 10 5 i 1 L _ 1 - j i — 1 / j \ i . — |_ / / [I 1 \ 1 ; 1 j t . •• I n _J ^ 1 — - ■ I 1 — \í \ t ___ “ | 1 1 j — ' í — | 0 I J l -f I J 1 1 T i i i Epitelioma do pénis. Amputação do pénis. Novocaina a 1:200 (infiltração). ORWERSITY OF ILLWOÍS UBBARt rquivo da Universidade de Lisboa Vol V. Estampa LV Obs. N.°313 Carcinoma da mama. Amputação da mama. Esvasiamcnto da axila. Éter (Ombredanne). «asm * i*6 L*“’ rquivo da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa L VI Obs. N.° 321 Criptorquídia. Hérnia intersticial. Orquidopexia. Cura radical de hérnia inguinal, Éter (Ombredanne). mm siTv 8F \imm u»m à da Universidade de Lisboa. - Vol. V. Estampa L VII Obs. N.° 324 Oophorectomia. Éter ( Ombredanne). GXIVEBSITY OF ILLINüiS LIBRAR? da Universidade de Lisboa. Vol V. Estampa LVIII Obs. N.° 340 O •43 ü* 43 ts o. o 43 “O u coO^r-^oioocOirv e* ^ «j: ^ aioio>0)00)(jía>