3 1761 07548720 7 E ——— e T—— —— a) —— — — — = es ——— | — em —— E T—— ===. ESSE MDEITITO EEE GOL MATTEO ERICO ETA PT AEE NERO E SRZA DSSEE TIRAS Fico Rr NZz N o 600 0:0.979, 1 Nova do Almada-74 elef. 32 44 22 LISBOA dA O E j ] | : 1 H aa ô f sm a RR RS geito LA b f + ride e AS ths q = . 1] | i re Pd é 4 im "pf j 7 pão ARTE DA CAÇA DE À ; Diogo Fernandes Ferreira VOLUME 1 e E ESCRIP TORIO x 147 =RUA DOS RETROZEIROS= 147 LISBOA - 1809 , ç EE E BIBLIOTHECA BRR SSICOS POR TUGUEZES DIRECTOR LITTERARIO CoNsELHEIRO Z UCIANO CORDEIRO PROPRIETARIO E FUNDADOR MELLO DAZEVEDO A SUA MAG ESTADE O REI DE PORTUGAL SENHOR D. CARLOS | Com a devida venia con- sagram esfa edição O director e o proprietario Ri BIBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES Direcror LitrERARIO—CONSELHEIRO LUCIANO CORDEIRO Proprietario é fundador — MELLO D' AzevEDO ARTE DA CAÇA ALTANERIA POR Diogo Fernandes Ferreira VOLUME 1 ESCRIP TORTO 147=-RUA DOS RETROZEIROS= 147 LISBOA 1899 Pa A TIBERAL, offcina bpogra NoTA PREAMBULAR O frontespicio da edição de 1616, — a unica, — da obra de Diogo Ferreira, diz assim : ARTE DA CAÇA DE ALTANERIA COMPOSTA POR Droco FERNANDES FERREIRA MOÇO DA CAMARA DEL Rey, & DO SEU SERVIÇO. DiriciDa A Dom FRANCISCO DE MELLO, MARQUEZ DE FERREYRA, CONDE ; DE TENTUGAL ETC. REPARTIDA EM SEIS PARTES. NA PRIMEIRA TRATA DA CRIAÇÃO DOS (GAVIÃES & SUA CAÇA. NA SEGUNDA DOS ÂsSsORES & SUA CAÇA. NA TERCEIRA DOS FALCÕES & SUA CAÇA. NA QUARTA DE SUAS DOENÇAS & MEZINHAS. NA QUINTA DAS ARMADILHAS. Na SEXTA DA PASSAGEM & PEREGRINAÇÃO DAS AVES. Com LICENÇA DA S. Inquisição, ORDINARIO & Paço ato Em Lisboa. NA OFFICINA DE JORGE RODRIGUEZ. ÁANNO DE M.DCXVI. Com PRIVILEGIO REAL POR DEZ ANNOS. 8 BrBLIOTHECA DE CLAssiCOS PORTUGUEZES a Por que sahe em breve diversão do campo heroico da Chronica, não deserta, a nossa Bibliotheca, do compromisso e do culto que a fundou e rege. Não tem senso critico, — estou em dizer até que não tem senso commum, — a mal humorada extra- nheza de Rivara de que a obra de Diogo Fernandes ande averbada ao indice dos Classicos quando lhe pa- rece suspeita em pontos de linguagem e não póde ne- gar-se que muito desleixadamente vestida pela im- pressão se apresenta na olympica assembléa. Alem de que é claro que não vale por authorisa- do arresto a suspeita delle, se os pecadilhos e lapsos de regencia grammatical fossem embargo rasoavel á valorisação historica e philologica de um monumento litterario, quantos, — e dos melhores, e dos consagra- dos, — teriamos de arredar e excluir á voz tyrannica do pseudo purismo dos grammaticos que á força de querer regulamentar e mechanisar a linguagem só pode e consegue esvasiar-lhe a exponteineidade e a vida ? Certo é que entre nós passa ainda, não raro, por licção e modello de classica litteratura, a logomachia artificiosa e procurada, — de muitos requintes regrados e postiços, — muito puchada á fieira de uma prosodia casquilha, —em summa: o peralvilhismo precioso da convenção academica em que a idea, a naturesa, a vida; a impressão immediata, o sentir ingenuo, a noção e a relação directa, a expressão expontanea e simples são trauteadas e atazanadas cruamente pela preoccupa- ção absorvente da fórma alindada, purista, embora morta, sediça, incommunicativa. Mas é de vêr e saber que não ha-de ser esse ridiculo e retardatario preconceito que nos ha-de dar a bitola para a escolha das nossas reproduções, que se tal fosse nem teriamos acabado agora de reproduzir Fernão Lo- o ArtTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA [e) pes, — por não citar outros, — cujas sem-ceremonias grammaticaes e puristas bem mais nos terão agrade- cido os leitores do que se lhes offerecéramos as fila- granas e primores de muita fancaria academica. Quanto aos desleixos e incorrecções da impressão chega a parecer pueril impertinencia que se faça da vulgarissima pecha, obice apresentavel ao conceito e estima critica da obra de Diogo Ferreira. Longamente esquecido, — quasi inteiramente esque- cido hoje, —o trabalho do «moço da Camara delRei» é, sob todos os aspectos incluindo mesmo o da lingua e o da lexicographia nacional um precioso repositorio, uma utilissima e copiosa memoria, um monumento lit- terario, — unico no seu genero entre nós, que saiba- mos. Pi Licenças Não tem cousa por a qual se não possa imprimír. Fr. ManveL CogLHO. Vista a informação pode-se imprimir este livro intitulado da Caça das Aves d Altaneria, e depois de impresso torne a este Conselho para se conferir e dar iicença para correr, e sem ella não correrá. Em Lisboa, o primeiro de Julho de 614. O Bispo DE NIcOMEDIA. BARTHOLOMEU DA FONSECA. Antonio Dras CARDOSO. Pode-se imprimir este livro. Aos 27 de Janeiro de 615. Damião VIEGAS. Dão licença para se imprimir este livro da Arte da Caça. IO BrBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES. GA Dannaaaam visto a licença que tem do Santo Officio e do Ordinario, e de- pois d'impresso tornará para se taxar, e sem isso não correrá. Em Lisboa, a 12 de Março de 615. ÁLMEIDA. , MACHADO. Taxam este livro em um tostão em papel. Em Lisboa, a 5 de Maio de 1616. Francisco Vaz Pinto. Luiz MAcHADO. Traslado do Privilegio Eu El-Rei faço saber aos que este alvaràã virem, que Diogo Fernandes Ferreira, meu moço da camara, me enviou a dizer por sua petição que elle imprimira um livro intitulado da Arte da Caça d' Altaneria, e porque tivera n'elle muito trabalho, e lhe custara muito a impressão, me pedia lhe fizesse mercê de lhe conceder privilegio na forma costumada, para que ne- nhuma pessoa o podesse imprimir nem vender sem licença sua, € visto seu requerimento e por lhe fazer mercê, hei por bem e me praz que por tempo de dez annos, impressor, li- vreiro, nem outra alguma pessoa de qualquer qualidade que seja, possa imprimir nem vender em todos estes reinos e se- nhorios de Portugal o dito livro, nem trazel-o de fora d'el- le, senão os impressores, livreiros ou pessoas que para isso ti- verem licença do dito Diogo Fernandes Ferreira, e qualquer impressor, livreiro ou pessoa que durando o dito tempo de dez annos imprimir ou vender o dito livro nos meus reinos e senhorios, ou trouxer de fora d'elles sem a dita licença, per- derá para O dito Diogo Fernandes Ferreira todos os volumes que assim imprimir, vender, ou trouxer de fóra, e além d'isso incorrerá em pena de cem cruzados, metade para o dito Diogo Fernandes Ferreira, e a outra metade para quem o accuzar. Pelo que mando ás justiças, officiaes e pessoas a que O co- nhecimento d'isto pertencer, cumpram e guardem este alvará como n'elle se contem, o qual será impresso e encadernado no principio de cada volume do dito livro, e quero que valha, tenha força e vigor, posto que o effeito d'elle haja de durar mais d'um anno sem embargo da ordenação em contrario. Pedralves d'Almeida o fez, em Lisboa, a 26 de Maio de 1616. Manuel Fagundes o fez escrever. Rer. ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA II In laudem autoris Scire si nisi rapientis ungues Quries, hunc lector bone curre librum Ales aterris super alta surgit Nubila pennis. Concinit normas. quibus in volucres Itur, insignes meditatur artes * Et dolos toto struit in vagantes ZEthere turmas. Nulla per celsos avis haret ulmos Qua levi tantum subeat volatu Ut sibi technas bene fabricatas Fallere possit. Ergo sit felix liber, et patrono Tutus, augustas eat Orbis arces, Ut sibilinos, Pylios quod gratus Vivat in annos. Icari Ponto maduere penna, Quas prius Titan radiis cremavit Scripta Jacobi feret in remotos Gloria fines. In laudem autoris Doctoris Sebastiani Alfari. Carmen Quem juvat aucupii, varias cognoscere formas hac legat : exiguus magna libellus habet, Quod nisi subtili scruptari lumine posset, - Subtili potuit Didacus ingenio. Naturas volucrum exponit, fremitusque ferarum Comprimit, illaqueat retibus, arte dogmat : Non Aquila hunc fallet, quanvis petat ardua cceli nec quanquam latitent sub cava lustra fere. Ergo huc Heroes, quibus est captare volutas, penigeras gentes, quadrupedumque genus. BrgLiorHECA DE CLASSICOS PoRTUGUEZES Ejusdem autoris ms Parve (nec invisus) vastum liber ibis in orbem, nec poteris domino non decus esse tuo Vade nec incultus, qualem decet aucupis esse Qui volucrum docta detigit arte modos Inequod te pudeat Critico si forte legendus Nil, quod te quisquam carpere posset habet. Rarus es aucupiis, dominus rarissimus auceps Miteris et raris non nisi Principibus Cur ergo in lucem intrepidus prodire recusas Quando sub tanto tegmini tutus abis? Et si populo quisquam te emendet : Apellis Scomate dic, Sutor, quid tibi trans crepidam ? Francisco Feio de Macedo, secretario do marquez, ao author ODE Tomou por alta empreza O Romano imperio Dominando do mundo a Monarchia Das aves a Princeza, A que com vituperio Os filhos prova ao sol quando os cria: No vó d'altaneria (Ferreira peritissimo) Com armas e signal D'outra Aguia Reai Sobis nas azas da fama ao Altissimo Dos ares mais subtis, Com vossos Gerifaltes e Nibris. D'uma ave pequenina Contam os naturaes Que debaixo das azas d'Aguia voa, E quando mais se impina Nos giros seus caudaes Sae, e voando sobre ella se corda: Roubar persume a loa Na levantada ponta, ARTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 13 a ra mas Tal vós grão caçador Debaixo do favor D'esta Aguia que nos Ceus mais se remonta, Invejastes a fama Que o mór caçador ao marquez chama. Soneto ao auctor, de D. Affonso Fernandes de Angulo Tu bien cortada pluma e summo buelo A las aves del ayre y de rapina, Con tal arte las caça, y tal dotrina Qne doma a los Alcones con seríuelo Qual la prima dize, qual elle truçuelo Qual avenobre sea peregrina, Qual a la patria dexa, y se inclina Ir bolando buscar ageno suelo. À ty Diego doto naturaleza De angelicas alas y bolaste Con las aves del ayre y su pureza Y d'ellas los secretos nos mostraste Con ingenio, con arte e sutileza, La caça doctamente ensenaste. Soneto do author Busca o caçador lá no abscondido, O Cervo fugaz: e pela espeçura, O bravo Javali, o qual procura Nunca ser do sabujo conhecido. Depois do navegante ser partido Do porto com a náo busca altura Attento navegando só procura Não ser das bravas ondas consumido. Eu saio á luz de novo mas armado Com armas como vedes sem receio, De ser dos moles peito murmurado, Que tenho aos Reis do mundo por esteio É principes de sangue assignalado Me armam me estimam e tem no seio. 14 BrgLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES / Í A D. Francisco de Mello, marquez de Ferreira, conde de Tentugal, etc. + OSTUMAM OS escriptores, tendo suas obras escri- ptas, offerecel-as a pessoas de authoridade, para que amparadas com ella sejam dos leito- res mais estimadas e melhor recebidas. Esta sciéncia e arte de caça das aves d'altaneria é propria de reis e principes e dos descendentes das reaes casas. E por V. S. ser liado em consanguinidade com os reis d'este reino e com todos os grandes de Hespanha, e amicissimo d'esta sciencia e arte da caça (na qual me criei de menino, com as mercês do sr. D. Francisco de Mello, marquez de Ferreira, de quem V. S. é dignissimo neto) me pareceu seria notado de culpa, se para ella buscasse outro amparo, senão o de V. S. a quem offereço as primicias da minha mo- cidade, agora por mim reduzidas em arte sendo de edade madura, o que fiz levado mais do desejo de desenterrar esta sciencia da sepultura do esquecimento (em que hoje n'este reino estava) que cubiçoso do interesse nem vangloria de ser o primeiro que puzesse esta pratica da caça das aves em feição (que me não custou pouco, mas como minha tenção foi fazer a V. S. este serviço, me ficou sendo o trabalho leve). V. S. o receba de mim com a benignidade que cos- tuma, e acceite a vontade grande com que a V. S. o offereço: a quem Nosso Senhor, etc. Diogo Fernandes Ferreira ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA I5 Prologo ao leitor | UVANDO me dispuz a escrever esta sciencia da caça d'altaneria, meu principal intento foi mostrar aos meus naturaes uma arte com a qual fu- gissem á ociosidade, e os principes e senhores tivessem homens scientes e praticos que os scubessem n'ella ser- vir com satisfação e agradar com experiencia. Esta arte se divide como as mais em pratica e theorica: a theorica podem saber reis e principes e senhores, e todos o genero de pessoas, lendo esta ainda que a não exercitem, que tem regras e perceitos que ensinam a caçar. A pratica anda no uzo, sabe-se pelo costume (o qual entre nós está sepultado). Pelo que não perdoei ao trabalho, sendo de setenta annos, de tirar a luz” esta sciencia, por me criar nella desde minha meni- nice, caçando com Açores, Falcões, Gaviões e Esme- rilhões; a qual ensina como os homens hão-de criar estes em pequenos, soltos no ar, e depois de criados, a caçar, e como podem vir do mar em fora bem tra- tados. Nomeia todas as sortes d'aves de rapina e quaes sejam as reaes, e quantos generos ha de Falcões, e como pelas plumagens, talhes e feições se conhecem os melhores. Mostra quaes sejam suas doenças e os remedios para cada uma d'ellas. Declara a causa porque das aves de rapina são maiores as femeas que os machos, e melhores caça- doras, e como a natureza tambem criou aves de ra- 16 BrepLioTHECA DE CLAassicos PORTUGUEZES sp remmerammammame pina nocturnas, e como com o bufo se tomam Fal- cões, Gaviões ec Açores, e todo o genero d'aves de rapina se sustentam, com armadilhas que ensina. Dá preceitos aos curiosos para saberem governar todo o genero de aves de caça, e como se procederá com us Açores vindos de Noruega, no ensino de sua caça, que é o contrario dos de Hespanha. Trata da passagem e peregrinação das aves do Norte e dos ultimos montes da India, a invernar a nossa Hespanha, em cuja companhia passam os Fal- cões, Nebris e Bafuris, peregrinando por toda a Eu- ropa. De algumas aves de notavel grandeza faz capitulos separados. Diz como tornadas estas a criar os filhos veem ou- tras a estes reinos fazer seus ninhos, e como se reco- lhem passado o verão a invernar ás partes d'Africa d'onde vieram. Mostra a differença que ha das aves silvestres ás agrestes, e como a Natureza ensinou cada um d'estes generos a conservar a sua especie, e até ás felosinhas tendo seu filhos criados deu modo para se passarem em Africa. E se no escrever passci os limites da caça, não foi inadvertencia, porque a licção vária deleita, e as cou- sas da Natureza não enfastiam, e se o estylo meu não fôr tal como convem á altaneria peço ao leitor amigo perdoe a falta da minha eloquencia, que o que con- vem á arte direi como Guido de Cauliaco no capitulo geral da sua cirurgia — Sufficit facere quod ars pro- copit. Vale. Wo ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 17 Advertencia dos vocabulos d'esta arte e da significação d'elles A pratica d'esta arte da caça como em todas as mais andam introduzidos alguns verbos e nomes, os quaes sómente n'ella se uzam, e das pessoas que não tiverem muita noticia da caça serão extranhados; pelo que me pareceu cousa decente de- clarar alguns verbos dos que n'esta arte uzo, por não mudar estylo, fugindo rodeio de palavra, sem os quaes se não podia declarar a propriedade da cousa. Os verbos pertencem á arte, e muitos dos nomes ás proprias aves de rapina. Dizemos Falcão prima, Açor prima, Gavião prima, Esmerilhão prima, e da mesma maneira dizemos Fal- cão, Açor, Gavião e Esmerilhão treçó. As femeas d'estas aves são as primas e os treçós. os machos. Não acho d'onde nascesse esta mudança de nomes, mais que estas aves serem nobres e esta pratica de caça d'altaneria para reis e nobres do mundo inven- tada, e por não nomearem Falcão femea e Falcão ma- cho, por polícia se mudou em prima e treçó, não como alguns cuidam que o prima seja aquella que nasceu primeiro no ninho, e por esta causa se no- meia assim. As femeas, que são os primas nas aves de rapina, todas são maiores de corpo que os machos; a causa porque o sejam, e melhores na caça que os treçós, se verá no capitulo da Aguia, com muita satisfação. Os nomes adjuntos a estas aves são plumagens, as BrgLioTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES rá quaes significam propriamente as pintas das pennas com as quaes estão vestidos os peitos d'estas, por umas d'ellas são pintadas em os peitos de branco e preto, outras de pennas ruivas, e as pintas da mes- ma côr com algumas differenças, outras variam Como se verá no capitulo de cada sorte de Falcões, pelas quaes o caçador conhece o Açor e Falcão eo mais para que possam prestar cada um, que a Natureza não se descuidou mostrando nas aves o que nos ho- mens não escondeu, porque a uns fez coléricos e a outros fleugmaticos, a outros melancolicos, a outros sanguineos, e conforme á predominação dos humores assim lhes dotou a côr dos cabellos e vultos; aos cóle- ricos fez ruivos, aos fleugmaticos brancos, aos melan- colicos morenos, aos sanguineos roxos, e conforme ás côres e myxtão dos humores se julgam as inclinações dos homens. Assim nas aves, nas côres das pennas, e pintas das que nos peitos tem, (as quaes chamamos plumagens), as escolhemos. Tem mais nas azas pennas de differentes nomes, e ellas differentes entre si. A umas chamam fuzis, que são as que estão nos cotos das azas, a outras cutellos porque tem feição de cuteilos, e nascem das pontas das azas. A outras chamam thesouras, que são as primeiras que se veem nas pontas das azas, e são a modo de thesouras, e menores que as reaes. Às pennas reaes são as mais compridas de todas, e estão junto das thesouras até á volta da aza. Par- tidouras são aquellas que nascem nas juntas das azas da banda de dentro. As aguadeiras se chamam todas aquellas que acompanham as azas até 6 cabo. As cu- berteiras ou cunhas, são aquellas que cobrem as pen- nas reaes e amparam o nascimento d'ellas e servem como de fortificação para assim as fazer formosas e 18 ArtTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 19 fortes e mais voadoras, que as creou a natureza para estas aves nobres terem tudo perfeito e acabado. Canellas das pernas que em nós tem este nome, nas aves se chamam sancos, e os pés mãos, e os dedos do meio chamâmos cingideiras, e os dedos que são sós por si, alcanços. As correias que trazem postas nos sancos chamam piós, e as em que tem os cascaveis, malhos. As com que atam o Falcão na vara chamam avessadas. À cor- reia que vae do tornel ás lagrimas ou contas se diz salto ou cós. Ao pau em que costumam pôr e atar o Falcão al- candora. “O que traz na cabeça, caparão, o qual se lhe põe para estar quieto no logar onde o caçador o pozer. Guarnecer chamam os caçadores quando tem as suas aves de todas estas cousas compridamente concerta- das. Plumada é um vultosinho feito de pennas do ta- manho da cabeça d'um dedo pollegar (se de Falcão fôr) que os Falcões, Gaviões e Açores lançam pela bocca cada dia pela manhã, o qual vulto é conforme ao corpo da ave, e se ajunta no bucho, das pennas e ossoszinhos que estas aves comem misturadas com a carne d'aquellas aves de que se cevam. A carne como branda se coze no bucho, e a Natu- reza encaminha aquellas fezes ao lugar que para isso está deputado d'ella, ao qual chamam oveiro por ho- nestidade ; á immundicia se chama tolhedura. Dormida é a arvore a qual o Falcão e cada uma das aves tem certa para repouzar, e a ella vão dor- mir todas as noites como a casa sua. Querença é aquella parte ôu lugar d'onde estas aves de verão custumam crear seus filhos, sejam bos- ques d'arvoredos ou rochas d'altissimas pedras. 20 BreLioTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES / J Fe Deceinar é o verbo que significa propriamente tas zer as aves na mão, de noite. Estas depois de tiradas da muda (ás quaes para bem mudarem as pennas ve- lhas e criarem outras de novo bem fornidas lhes dão a comer boas viandas), ellas bem curadas e quietas na casa da muda, tomam muita carne e criam banhas a que chamam enxulha, e ao sahir da muda vem as- peras, por mansas que entrem n'ella. Como n'aquelle tempo se não trazem na mão se fazem esquivas e to- mam orgulho, e para as tornarem a abrandar e pôr nas carnes que convem para caçar, trabalham com ellas de noite. A este trabalho chamam deceinar. Matinar é verbo da caça que significa levantar-se o caçador de madrugada com a sua ave para assim a ter apparelhada e com fome para ir caçar, porque se lhe dão pouco de comer enfraquece, e convem haja prudencia, que as madrugadas amançam e fazem fome. Treinar significa ensinar as aves que apeguem n'aquellas ralés, nas quaes os Falcões nem Açores não haviam de apegar nunca senão por industria do homem. Quero que o meu Falcão mate as garças ou patas bravas, dou-lhe de comer sobre a garça ou pata man- sa, e faço que apegue n'ella, e por isso lhe dou a co- mer gallinha em cima da pata, e o mesmo faço na garça e no milhano para que o Falcão ou Açor assim costumado a comer sobre estas aves, tendo perdido o medo d'ellas, lançando-o á brava pelo ar afferre n'ella e a embarace até ser soccorrido, e d'este modo se treina cada ave em sua ralé; o Gavião no francelho A este ensino e acção chamam treinar, e ao que lhe lançam chamam treina, d'onde dizem os caçado- res: já treinei o meu Falcão em tal ralé. Cevar é o verbo que significa dar de comer ao Fal- ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 21 cão ou a qualquer ave: assim como o meu Falcão matou a garça, e o Açor a perdiz, dei-lhe comer, e ainda que o caçador lh'o não desse elle come a ave que matou, tambem guarda o mesmo nome. A perdiz em que o Açor se cevou, se fica alguma cousa d'ella, chamam cevadura. Sopezar é verbo que significa, tendo os Gaviões ou Esmerilhões tomados os passarinhos, fugirem com elles nas mãos aos caçadores, o que tambem fazem algumas vezes os Açores com as perdizes na caça. Ralé é aquella ave ou passaro ao qual é mais incli- nado o Falcão, Gavião ou Açor. O Falcão ás pombas, o Açor á perdiz, o Gavião aos passaros pequenos, e a industria do homem os faz passar ávante. Prizão é aquella ave que prende o Faicão, ou ÀAs- sor ou Gavião, seja grande ou pequena. Picadas são aquellas que dão os caçadores, da car- ne, á sua ave para lhe fazerem gazalhado e mostrarem que lhe são amigos, e quando lhe querem dar plu- madadas, para que engulam os fios, lhe misturam umas migalhas de carne; tambem as embrulham com pennas meudas para fazerem plumada. Pollo é o Falcão, ou Açor ou Gavião nascido n'aquelle anno. Orgulho é soberba da ave, o qual toma se a não trazem na mão, e lhe dão de comer demasiado, e de aves agrestes: tibio, covarde, ardido, colerico. Muda, a casa em que se põem o Falcão, Gavião ou Açor para mudar as pennas. Ferida se chama o lugar ao qual se acolhe a per- diz por medo do Açor, ou sejam rochas, covas ou barrancos, silvas ou arvores. Rol é aquelia insignia feita de couro na qual se atam azas de aves e corpanços de gallinhas, com os quaes chamam os caçadores aos Falcões andando á 22 BrBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES é pç + volta no ar, rodeando com aquelle rol, tendo-o ata- do com uma correia, e O largam ao Falcão costu- mado a pegar d'elle. Os castelhanos lhe chamam ce- finelo Os escudetes ou conchas são aquellas asperezas que os Falcões e Açores e as mais aves de rapina tem nos sancos, feitos á similhança de escamas de peixe. Falcão garceiro é o que mata garças, guerreiro o que afferra nos grous, altaneiro o que caça toda a voaria. Ninhego o criado pelos homens; çafaro, fal- cão bravo criado pelos paes. Cetraria é nome d'esta arte de caça mui antigo; significa geralmente sciencia de caçar com aves de rapina, e sabel-as curar, perservando-as a que não adoeçam, e doentes saber-lhe applicar os remedios, assim aos males de fóra como ás enfermidades inte- riores. Citreiro é o caçador sabio, tanto como medico ou cirurgião. CAPITULO Que diz que cousa seja caça e quem foram os primei- ros inventores della vILHELMO Benedicto in verbo Venatione, diz: — «E' tão propria a caça dos reis e monarchas “do mundo como fazenda sua, e como tal a sustentam por razão d'estado, e para governo d'eila tem seus caçadores móres, pessoas illustrissimas, e homens praticos n'esta sciencia, por caçadores das aves, e a exercitam por passatempo justo e saudavel, indicio certo da milicia » Polião Hebreu na vida de Moysés assim o affirma, | e Tulio no segundo da natureza dos Deuses. Faz a caça os homens ageis, fortes e robustos, des- presadores de delicias. Cicero nas suas tuscullanas, fallando d'ella diz: — «Os lacedemonios com trabalho na caça, correndo e suando, com fome e sede, adubavam os seus manja- res ». - E' conservadora da castidade. Muitos authores es- creyem que Dianna por guardar sua pureza e casti- s 24 BrgciorHeECcA DE CLAssicOs PORTUGUEZES dade fugio á conversação dos homens e se fez caça- dora, pela qual razão as gentilidades a tiveram por Deusa da caça. E” allivio de cuidados pesados, mãe de altos pen- samentos, é finalmente um toque no qual se conhece o para quanto cada pessoa seja. Esta se reparte em duas caças bem differentes, uma das feras escondidas nos bosques, outra das aves celestes de rapina. Das feras usaram os primeiros ho- mens do mundo, como nos dá testemunho a Escri- ptura Sagrada; foram caçadores d'ellas Caim, La mech, Munroth, Esau e Ismael. Os phrígios, persas e lacedemonios foram mui grandes caçadores desta caça. Da das aves de que é o nosso tratado, foi inventor aquelle grande principe Ulyses Grego, fundador da cidade de Lisboa. Assim o refere Mathias Banha, na sua Praça Universal, a folhas 517. Estas duas caças são differentes no modo de caçar. As feras se caçam e perseguem com cães, e se matam a ferro e a fogo, incitando a fereza e crueldade, A nossa das aves é de principes, e se faz muito pelo contrario, com amor, com engenho, prudencia e sof- frimento. Com engenho tomando os Falcões, Açores, Gar viões e Esmerilhões bravos, e fazel-os com amor e prudencia mansos e amigos, que elles postos em sua liberdade desçam das nuvens aos acenos dos se- nhores, com mostras de amizade, significando que tem saudade de seus mimos e affagos. Com industria ensinando-os a que cacem não só- mente aquellas aves que elles antes por sua natureza caçavam para se cevarem, mas outras muito differen- tes na grandeza, como são as garças, mettidas nas nuvens, quasi perdidas de vista, e os grous nesse ar, ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 25 aves tão grandes como um homem, trazel-as á terra um tagarote, ave bem pequena, e tel-o até ser soc- corrido; e os cysnes, patas bravas e abetardas, rom- pendo com seu vôo a densidão das nuvens; e os Yal- cões e Açores, de lá do alto trazendo as prezas, e tel-as agarradas até as entregarem aos senhores, o que fazem por industria do caçador, com invenção e arte. D'esta caça foram mui amigos todos os reis de Hespanha. D'el-rei D. Fernando se lê ter trezentos Failcões, cento que caçavam grous e cento que eram garceiros, e outro cento altaneiros, que é toda a voaria. Os nossos reis e principes foram mui grandes ca- çadores, e sempre se uzou geralmente pelos nobres d'este reino, e tanto que até os religiosos, conegos, tinham Açores, e a gente vulgar Gaviões, dos quaes entravam cada anno n'este reino mais de trezentos, e não faltava a quem os vendia compradores, nem aos senhores homens espertos que os soubessem bem servir. Durou este passatempo tão justo até o tempo d'el- rei D. Sebastião, no qual acabaram todos os senhores a esta caça affeiçoados, e os homens praticos n'ella, e a altaneria juntamente com elles; e por não faltarem hoje senhores desejosos de renovarem a caça, e care- cerem de homens que n'ella os soubessem servir, me pareceu ter obrigação, assim á arte como á nobreza d'este reino, fazer este tratado, por ser exercício sem peccado e passatempo de principes, utilissimo á saude do corpo e alma, contrario da ociosidade, mãe de de- licias, fonte de vicios, principio de todos os males e peccados; por cuja cauza os reis e monarchas do mundo, christãos, barbaros e gentios, tem caça e a sus- tentam por razão de estado, com grande aparato e despeza, ainda que caçadores não sejam, por ser arte necessaria nas republicas, tanto como as armas e hu- 26 BrsgLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES AL PP rr rr manas letras, e a dão a cargo a caçadores móres, pessoas illustrissimas em geração e sangue, e assigna- lados em todo o genero de virtude. Destros na arte de fazer mal a cavallo, animosos, liberaes e prudentes, agudos de engenho, sofredores das injurias do tempo, e na pratica da caça experi- mentados e incansaveis no exercicio d'ella, para que os principes seus filhos e os grandes de suas córtes os imitem, fazendo-se com este varonil passatempo duros, e os nobres seus vasallos e moradores em seus reinos os sigam fazendo o mesmo, e saibam servir a seus reis nas occasiões da guerra, porque a caça é de- monstração verdadeira da milícia, d'onde vem que sendo os homens caçadores de qualquer genero de caça que seja, são cavalleiros animosos e duros, des- prezam os afeminados e moles e deliciosos, e outras cousas que não são d'esta arte, as quaes deixo. Lem- brando porém que o infante D. Duarte, filho do catho- lico rei D. Manuel, além de ser amicissimo das letras e inclinado á musica, foi mui grande caçador das aves e das feras, que muitas vezes por matar um cervo ou veado lhe aconteceu andar sem comer o dia todo, e muitas noites dormir vestido por razão da caça, e sendo reprehendido por um seu familiar, respondeu que os homens não podiam bem exercitar a guerra se se não acostumassem ao trabalho da caça. Quem quizer vêr a vida d'este principe leia a Chronica d El-Rei D. Manuel, de gloriosa memoria na sua vida. ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 27 CAPITULO II Das aves de rapina em geral vEs de rapina são aquellas que se mantem de aves vivas que ellas voando caçam para sua comida. D'estas ha varios generos e differen- tes sortes de piumagens. As estimadas dos grandes senhores são Falcões e Açores, Gaviões e Esmerilhões e Ogeas. Estas são as mais limpas e nobres, e d'ellas uzam os principes em sua caça, as quaes se avantajam a todas as aves do ceu na ligeireza do voar, no atrevimento do animo e na força que tem na preza das mãos, nas quaes tem tanta que apertando muitas vezes o Açor com suas mãos a do caçador por cima da luva, o constrange a lhe doer o braço sem poder menear os dedos. A Natureza que nada fez sem causa, criou estas para passatempo dos principes, pelo que as dotou e fez differentes de todas as mais aves; com os dedos das mãos da banda-de baixo lhes criou uns nós ner- vosos como verrugas, da côr dos mesmos dedos, e a cada um d'elles os deu conforme o seu tamanho, o que fez para que assim tivessem força para sustenta- rem aquellas prisões de que afferrassem e se lhe não fossem. Estas de tal maneira tem afferradas as ralés que tomam, que é necessario engenho e muita força para lhes tirar a preza. Estes nós que digo só os Falcões, Açores e Esme- rilhões, ogeas e as aguias tem, as quaes se mantem de aves que ellas por sua ponta da aza voando no ar - alcançam e prendem, e todas as mais aves carecem 28 BrBLIOTHECA DE MLASSICOS PORTUGUEZES d'elles. Pelo que advirto ao caçador que fôr buscar Açores a terras extranhas se lembre do que a Natu- reza se não esqueceu, porque já aconteceu algumas vezes trazerem a vender em lugar de Açores tarta- ranhas e bilhafres, que em pequenos são bem simi- lhantes no rosto e plumagem e mais feições aos Açores, e só nas mãos differem que carecem dos nós que digo, e aconteceu haver engano. As aves que acima digo nobres, se cevam duas ve- zes no dia, e sempre buscam aves de novo de que comam, e se alguma cousa lhes sobeja pela manhã, não curam de tornar a ella á tarde; só os Gaviões algumas vezes o fazem, que como são aves pequenas e lhes acontece caçarem perdizes e pombas, e lhe sobeja muita comida, por não tornarem a trabalhar de novo buscando aves de que se cevem, tornam a co- mer o sobejo. As aguias, a quem todas as aves temem, tambem caçam aves vivas, e como são aves grandes e pezadas o seu modo de caçar é diflerente, porque estas voan- do á tira não poderão alcançar ave alguma, e para o poderem fazer se levantam ás voltas, pondo-se nas nuvens; de lá descem ás aves que por baixo passam com as azas fechadas, rompendo com o pezo da sua grandeza a densidão do ar mais depressa que todas | as aves, e assim fazem sua preza no que hão-de co- mer. Muitas vezes erram o lanço, furtando-lhe a prizão o corpo, e assim frustrada, constrangida da fome, des- cem a tomar a lebre e o coelho, e ás vezes o cordeiro novo; muitas vezes a acharão comendo em cão morto. Outras aves ha de rapina, como bilhafres, altafor- mas, cabisalvas e assorenhas, as quaes tomam algumas vezes aves vivas que comem, mas ordinariamente se mantem de bichos da terra. ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 29 Os corvos e milhanos e brita ossos e abutres tam- bem comem aves e são contadas com as de rapina, mas seu proprio mantimento são carniças. A estas deixo tornando á nossa caça, começando pelos Ga- viões, indo de menor a maior. CAPITULO III Dos Gaviões s Gaviões são das mais pequenas aves de corpo de todas as de rapina; na lindesa d'elle exce- dem a todas as mais que de rapina se nomeiam. Tem as mãos compridas e delgadas e os dedos da mesma feição. São lindissimos, e nas mãos dos ho- mens parecem excellentemente, e logo dão indicio a Natureza os criar para principes emquanto moços se exercitarem na caça, porque elles de verão matam os perdigões, cordonizes e todo o genero de passarinhos, e de inverno prisões e ralés que dão muito prazer a seus senhores. São muito animosos; muitas vezes an- dando á caça de passarinhos, se se levanta a lebre afferram d'ella. À meu avô, andando á caça a pé aos passarinhos, aconteceu dar com os pés em uma lebre, e o Gavião sahir e afferrar com ella, a qual em vez de saltar adiante, deu o salto atraz e o caçador a levou pelas pernas. D. João Luiz, andando á caça com o Gavião, com elle tomou um coelho. Estes se chamam em latim Nisos, que quer dizer exforçados; são priviligiados que não pagam direitos, nem as aves que com elles vem. Assim o diz Pero Lopes no seu tratado dos Falcões. As plumagens d'estes em geral são duas, ruivas e brancas. Os ruivos d'elles o são muito, outros que o RCE do Lad 30 BreLiOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES não são tanto. Tem pintas variadas pelos peitos, mui- tas a feição de riscas atravessadas, e são da côr das que tem pelos peitos, d'ellas grossas, outras meudas, e em muitas d'ellas uns como corações dependura- dos, que lhes dão muita graça. Outros Gaviões ha alvos e outros menos brancos, todos com pintas pardas atravessadas pelos peitos, d'ellas delgadas e outras maiores, com umas nodoas feitas a maneira de corações, que são graciosas á vista. Alguns d'elles tem as pennas do oveiro brancas, ou- tros as tem com pintas atravessadas n'elles. Estes se tem por mal acondicionados, mas havendo caçador, não ha n'elles condição , que são aves nobres; querem- se com mimo, como se dirá em seu logar. Achando ó caçador que possa escolher de qual- quer plumagem, tomara eu o maior do corpo, e mui- ta carne, pouca penna, mãos compridas e enxutas, o sanco curto e grosso, o rosto comprido, cabeça pe- quena, ventas bem abertas, sobre bico grosso, descar- regado das costas, as azas compridas e bem tiradas, o cabo vultoso. Das plumagens tomara o branco, que fui mui affeiçoado a elle. CAPITULO EM Onde se acham os Gaviões, e como se criam pelos ho- mens no ar s Gaviões são vistos em muitas partes do uni- verso. N'este reino se acham no Gerez e na serra da Estrella e na de Louzã e em Santo Aleixo. Em Castella em muitas partes se acham na serra Morena, em Arronche e junto de Guadalupe. ARTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 31 a ra Tambem em toda a serra de Ronda ha grande nu- mero d'elles; só da villa d'Ubrique, que é na mesma serra, vi eu em um anno onze portuguezes, cada um com mais de vinte primas. Muitas vezes os trazem tão pequenos a vender que escassamente os conhecem os caçadores quaes sejam primas ou treçós; conhecer-se-hão por pequenos que sejam, que logo tem as cabeças maiores e os sancos e as mãos e os dedos mais grossos e compridos, e muitos vem tão pequenos que não podem levantar a cabeça. A estes se dará de comer com um pausinho del- gado na ponta, pondo-lhe nella a carne picada e limpa dos ossinhos, a qual se lhe metterá na bocca, que elles logo abrem em lhe tocando no bico; o bocado seja que o possa elle engulir. Trabalhe quanto fôr pos- sivel porque os não tomem na mão, mudando-lhes a cama a meudo, e estejam sempre limpos. Emquanto muito pequenos se lhes dê comer a meudo, quatro e cinco vezes ao dia, em sahindo o sol se ponham a elle, e aquecendo o dia á sombra, que elles logo mos- tram se tem frio pipitando, e se tem muito sol abrin- do as boquinhas. Outros vem já bonitos, que lhes apontam os ca- nhões; tambem se lhes dê de comer com o páu duas vezes ao dia. Outros trazem que lhe apontam as pen- nas; estes estranham o homem, porque tem conheci- mento dos paes. Tambem se lhes dará de comer com o páu, e estes são os louvados, que vem criados dos paes. Como lhes apontarem as pennas se lhes dará de comer duas vezes ao dia quanto elles quizerem. Alguns trazem já grandes, tomados fóra do ninho, “a que chamam Rameiros; estes atitam e fogem do homem, e muitas vezes acontece estarem um dia in- teiro sem comer, de bravos. Com estes se haverá 32 BrgLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES JE dando-lhes de comer com o mesmo páu, mas mais comprido, chegando-lhe o comer ao bico, e como en- gulir o primeiro bocado, logo aguardará pelo se- gundo. Estes taes Gaviões nunca são grandes de corpo. As carnes com que se houverem de-criar os Ga- viões em pequenos, sejam passarinhos miudos, rôlas, frangãos e frangas; guardar de gallinhas velhas que são duras de gastar; os pombinhos grandes são bons, todas as aves do campo são louvadas depennadas e limpas, e tirados os ossos das azas e das pernas e bico fóra. HHão-de ser picadas com cutello agudo em taboa limpa, fugir de cousa que toque a sal, que é O seu rosalgar. Às carnes a melhor é a do coelho, logo a de bode; o coração de vacca não é máu, e da sua carne da vinça e dentre pá; hão-de ser as carnes frescas, que tendo qualquer cheiro, bastará para se matarem os passarinhos, a qual detida no papo accrescenta mais o mau cheiro e enjôa os Gaviões, e adoecem sem re- medio. CAPITULO;Mi Da arte que se ha-de ter no faser da gaiola para vi- rem pelo caminho gaiola em que hão-de vir pelo caminho se fará de canas, será mais comprida que quadrada, a modo de meia folha de papel, seja ella do tamanho que parecer que baste para o numero dos Gaviões que se hão-de trazer n'ella. O uzo ensinou um modo excellente que se fará como dos passarinhos, pondo-lhe nos cantos varas de MTE o Mo ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA | 33 marmeleiro, e n'elles metidos uns canudos de cana, porque se não abaixa, e no fundo lhe porá as canas fendidas, que fiquem bem bastas; as pontas se arre- matarão nas canas que estão postas a comprimento, que as fendidas hão-de ser atravessadas, e por cima d'ellas se porá um panno de côr cozido, e por cima ha-de ter a cama em que elles hão-de vir, e ha-de ser de palha de cevada, e pelas ilhargas toda a redor quanto diz a altura se cercará de rede feita de ma- lhas meudas, e se atarão ás canas de baixo e ás de cima, ligando-a porque fique bem teza, e pela banda de cima se cozerá um panno de calhamaço, que cu- bra o vão de toda a gaiola e as ilhargas, o qual panno se cozerá nas canas de cima, e ficará estendido que cubra toda a gaiola pelas ilhargas, e não será cozido da parte de baixo, e basta a rede para ter os passari- nhos que não saiam da gaiola. Ficará porta em uma das ilhargas para que se pos- sam tirar quando se lhes der de comer, e quanto fôr possível se evitará tratarem-os com as mãos, que elles querem tres cousas: muita limpeza, pouco tratados com as mãos, e bem de comer de boas viandas. Pelo caminho se lhes mudará a cama cada vez que fôr ne- cessario. Aleuns os trazem nas gaiolas assim como aqui os homens pedras em paviolas, e isto trazendo a gaiola dois homens, mas cada qual os costuma trazer ás suas costas, atando um pau no meio da gaiola pela parte de cima, e ainda que viesse a cavallo vinha com a carga ás costas, porque assim vem mais quietos que diante da cavalgadura; com o passo d'ella se embe- bedam e não comem e adoecem, e vindo por esta “ordem chegarão a salvamento a casa, onde os porão ] É em seu ninho. Os logares mais acommodados para se criarem no FOL. 2 VOL. I E ay El ri k os - k 34 BreLiOTHECA DE CrAssicos PORTUGUEZES pt amar ar são quintas onde haja arvores e pouca gente, e junto d'alguma arvore se fará seu ninho, que será com uma cortiça ou tábua quadrada do comprimento d'uma vara de medir, e para melhor, conforme ao numero dos Gaviões que houver. Esta porão alevantada da terra, que fique dando pelos peitos, posta de modo que em sahindo o sol lhe dê logo para que gozem os passarinhos delle, e de- pois como se fôr levantando lhes fique fazendo som: bra, e se não se achar arvore a qual por si só possa fazer estas cousas, que lhe prive a quentura do sol, ajude-se com algum amparo, pondo-lhe um lençol: com que se lhe faça sombra, que os trata muito mal a calma, que os mesmos paes lhe enramam o ni- nho, e havendo grande sol os amparam com as azas estendidas. Isto fazem emquanto pequenos. A arvore junto á qual se hade fazer O ninho não seja romeira, que os passarinhos vendo a vermelhidão das romãs pequenas, as engolem cuidando que é carne, e morrem disso, de que eu sou boa testemunha, por- que a mim me aconteceu. Tambem se evitarão arvores de espinho, porque el- les em começando a voar não são desenvoltos, e dão comsigo pelas arvores, e sendo de espinho, podem-se ferir. N'esta cortiça lhe farão boa cama, e seja bem bran- da, de folhas de sovereira ou de era, porque a palha da: cevada não é tão louvada que as tolheduras que fazem não se escondam nas palhas como nas folhas, e se su- jam, e elles querem limpeza. ARTE DA CAÇA DE ALTANERIA 35 CAPITULO VI = Dá arte que se hade ter em lhes dar de comer na criação UANTO fôr possivel trabalhe o caçador por lhes dar de comer a todos em pouco espaço de tempo, porque se algum tardar em gastar seu papo, não cuidem que foi o derradeiro que comeu, que é perigo não lhe acudir logo; e se houver muitos Gaviões, tenha o caçador muitos que o ajudem; para | cadã um sua cortiça do tamanho“de meia folha de papel, e áquelle que quizer dar de comer lhe porá a “cortiça junto, mostrando-lhe a carne, e logo virá, e se apartará com elle em cima da cortiça d'onde os outros o não vejam comer, e como aquelle comer, podem tomar outro; e d'este modo havendo quem ajude se dá de comer em breve tempo. () comer de pela manhã será ás oito, e á tarde ás seis horas. A quantidade da ração e papo basta que seja a cada “um pardal e meio, e de um pombinho do pombal a quatro. - Depois de se lhe dar de comer, d'ahi a duas horas se vizitarão que acordem e metam o comer no buxo, que muitas vezes se descuíidam com o somno, e acor- dando-os logo dão ao papo, e metem o comer onde digo. E á tarde antes de lhe darem de comer se vizi- tarão, e achando algum com papo se apartará dos ou- “tros, e se elle ás horas do comer tiver papo tão grande “que o não possa gastar, lh'o deitarão fóra, e é cousa facil de fazer, o que se faz tomando a cabeça do pas- “saro com a mão esquerda, abrindo-lhe com os dedos della a bocca, e com a mão direita se lhe deitará o 36 BrpLroTHECA YE CrAssiCOS PORTUGUEZES papo fóra, crazendo-o debaixo para ,o bico (e isto se fará tendo-o outra pessoa derrubado) com arte e bre- yidade, quanto possivel fôr, e seja de modo que lhe não fique nada, e logo lhe darão um par de bocados d'agua, e d'ahi a uma hora se lhe dará d'um passari- nho quente bem picado; costumava eu, a haverem, andorinhos novos, os quaes buscava emquanto elle es- tava com aquella agonia, ou pintasilgos, e da tutela de uma rôla ou françgão, e d'este modo se governará até estar fíra de perigo. Vizitar-se-hão os passaros á noite a vêr se teem frio, que logo se deixa vêr em elles pepitarem, e se ache-: gam uns a outros. Póde-se-lhe pôr em cima algum cesto ou canastra, e cobril-os com um panno de modo que se não afo- guem. ; Em amanhecendo se verão se tem algum papo, e tendo-o o tirarão dentre os outros, porque regeitando não comam o arremeçado, e se não acabar de gostar lh'o deitarão fóra como digo, que é o melhor remedio de todos. E este cuidado se terá emquanto elles não voam, porque como voarem vão dormir fóra, e não tem o caçador este trabalho, e não ha n elles tanto pe- rigo. Costumam, quando são já bonitos e voam irem dor- mir fóra d'onde se criam, e tornam em amanhecendo, e se deixam estar todo o dia. Convem ter junto do ni- nho dois alguidares d'agua limpa e doce, que ás vezes bebem d'elia e se banham, refrescando-a cada dia. A uma hora depois do meio dia irá a caçador vViZis tal-os com um pequeno pedaço de carne, tomando Os que já estão empenados em uma cortiça pequena, e n'ella os meterão na agua, a quai lhe dará pelas coxas, e lhe darão com uma varinha na agua, a que lhe dê al- gumas gottas no corpo e no rosto, e elles logo com o ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 37 “fresco se agazalham para a tomar, e se banham como patos, que é prazer vel-os, e correndo com esta ordem, virão a serem taes qual o caçador deseja. Podem-se-lhe deitar passaros vivos sendo já gran- des, e alguns pombinhos que vôem, porque assim acos- tumados ficam mais faceis de fazer. Conhecerão os caçadores, que estão já encanados para prender se tiverem as penas do cabo enxutas do sangue; então os prenderão. Quando são já mui grandes vão dormir fóra, ás vezes meia legoa, e muitas vezes se cevam, e tardam em tornar a casa; estes terá o caçador cuidado de os prender, porque é dinheiro. Pero Lopes no capitulo em que trata dos Gaviões diz serem melhores os rameiros; entendeu d'elles os safaros, que n'aquelle tempo não se deviam crear Ga- viões no ar, nem em casa, que estes pelos homens creados são mais domesticos e melhores. CAPITULO VII Dos Gaviões criados em casa, e a diferença que ha delles aos criados no ar, e como se ensinam a caçar AMBEM se criam Gaviões em casa, porque alguns senhores pelos verem na criação o costumam fazer: os em casa criados morrem muitos d'el- les, posto que pelo telhado e janellas nas casas onde se criam lhes dê o-sol, e lhes não faltem boas viandas, e tenham alcandoras postas pelas quaes elles vôem; e a razão é, que como o ar que é natural seu lhes falta, e o não tenham perfeitamente em casa como no 38 BrBLIOTHECA DE Crassicos PORTUGUEZES are err campo, adoecem d'agua e não teem tão bôa penna, e são mais tibios, ainda que alguns caçadores houve de opinião serem elles de mais força, mas é tão pouca a que um Gavião pode ter avantajada a outro, que lh'a não sinto. Os que se criam em casa tem mais achaques que os criados no campo, porque se um regeita, comem logo outros, pelo que ha mais perigo nos de casa, € morrem muitos, e se aleijam dando com as azas pe- las janellas d'onde vêem claridade. E posto que sejam tambem criados e curados, to- davia sempre avantajam os do campo na fineza da penna e no alento. No capitulo atraz mostrei o tempo em que se ha- viam de prender, os quaes posto que na criação se- jam mui mansos, com a prisão se tornam outros do que antes eram, amostrando-se asperos e bravos, por- que com o caparão que se lhe põe é pioz nas mãos, Se mostram tão queixosos, que não querem comer nem estarem em pé; acontecendo isto se porão sobre um colchão, ou em parte que ainda que elies dêem voltas, e se estrebuxem não quebrem as pennas, que ás vezes tem tanta cólera que se os prendem depois . de comer, regeitam o papo. Isto não é geral, porque alguns comem logo e se quietam na mão, e na alcandora; e como são criados pelos homens com facilidade se entregam e amansam com os trazerem na mão de noite e ás madrugadas, e assim perdem a bravesa que com a prizão tomam. Depois de comerem sem caparão se chamarão à mão com seu fiador, e vindo a ella sem receio d'onde quer que fôr chamado mostrando-lhe na luva a carne ou côto de gallinha, que sempre o caçador trará comsigo, ou cousa em que depene e se lhe dê em picadas, o | não deixem da mão nunca, que não ha cousa que mais . amigo os faça, que trazidos sempre n'ella. Depois de mansos querendo-os cevar, lhe deitarão alguns passa- “rinhos de mão, vivos. * Acontece serem muitos d'elles tão tibios, que jul- garão d'elles não nascerem para apegar em cousa “viva; mas dando-lhe fome, e esfolando a cabeça do “passarinho a que elle veja sangue, pondo-o com elle no chão, e deixar-lhe tomar algumas picadas, assim “engolosinado, lho tirarão da mão e logo lhe mostra- “rão outro atado com uma linha no pé; o Gavião ven- do-o: bolir com as azas e voar, facil lhe será apegar n'elle, e assim de pouco em pouco se irá cevando “da folosa até o srou, como lá dizem. || Affonso Borges, criado d'el-rei, teve um Gavião que apegou em uma garça brava e a trouxe á terra, e an- “dou ás voltas com ella á vista de muitas pessoas. | Contando o caso a el-rei D. Sebastião, de quem o ca- | çador era criado, o mandou vir diante de si, e lhe “disse: | | — Não me espanto eu, Affonso Borges, do Gavião * apegar na garça, se não de vós que o largaste a ella. | Respondeu o caçador: — V. A. deve de saber que o meu Gavião mata E as aves reaes, e sahi de casa com tenção de matar com “elle um lavanco, e não o podendo achar vi a garça, e. “* conhecendo o animo do meu Gavião me afrevi ir a “ella e largal-o; e se eu não fôra tão pezado e velho, | que o soccorrera depressa, a houvera de trazer, por- “que o Gavião a deteve um bom espaço. * Querem-se os Gaviões trazidos na mão, fartos de | sol e agua, e de inverno enxutos, e que estejam em = casa quente, e na alcandora, debaixo das mãos, um panno de côr, e durmam sem caparão, e sempre quando lh'o pozerem 1h'o alimpem por dentro. , PRA AG cs um 40 BrBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES CARILULO : VER De como se tremna o Gavião para com elle se toma- rem pegas e francelhos, e as mais ralês opos os caçadores do Gavião começam pelos passaros pequenos, como rouxinoes e folosas, e d'ahi aos picanços alvares e negraes e mel- roas, porque como elles são muito ardidos e animosos muitas vezes sem treinas vem apegar em tudo; mas nem todos o fazem, pelo que é necessario acudir ás treinas, começando pelos frangãos pequenos, mostran- do-lh'os no campo de perto, indo de pouco a mais até que denodamente entrem n'ellas. Cada vez que apegar lhe darão de comer, fazen- do-lhe gazalhado e mimos, dando-lhe coração e leves e entretinhos, e a roerem cousa de que tomem gosto. A carne da muela é doce e n'isto conhecem elles que folga o dono com o que elle faz, e a meio comer se lhe meterá o caparão na cabeça e depois o satis- farão da mais comida necessaria, e no fim do comer lhe darão a depenar em os côtos das aves em que os treinaram; e pondo-lhe o caparão no meio do comer, o soffrem bem, porque sabem que com elle posto se lhe não acaba a comida, o que soffrerão mal se no fim do comer se lhe pozer e lhe não fizerem mais mimos, pela qual razão sempre se terá esta lembrança viva; e entrando já o Gavião no frangão e na pêga e na gaivota e em qualquer outra treina de longe, se póde ir buscar a ave brava assim como verdizello e as mais, com elle todavia picado da fome. E achan- do raléa que se haja de lançar ha-se de trabalhar 4 r metter o caçador entre si e a ave alguma em- posta de matas, ou pedras ou hervas; e como o Ga- vião na mão indo sem caparão, vendo a caça se mir- rar ou encrespar e pozer o rosto na ralé, baixe o caçador a mão em que o Gavião vae, de longo da “perna, o qual se coze com a terra e vae buscar aquelle amparo e emposta, e de sobresalto dá na ave e muitas vezes afierra della antes que se levante, e quando ella 'o queira fazer achando-se o Gavião perto, facil lhe é alcançal-a e leval-a na mão, que áquelle primeiro estribão, . comprimento de um tiro de pedra, é o Gavião mais ligeiro no vôo que todas as aves. | Alguns d'elles ha porífiados, que voando á tira tra- alham por alcançar a ralé, e alguns na caça dos “perdigões o fazem. — Depois dos Gaviões andarem cevadiços vão buscar as pêgas nos pincaros das arvores, e atravessadas pelo ar, e as trazem á terra até chegar o caçador, que é prazer vêl-os, porque a pêga é mais forçosa e se queixa e grita, e elle afferrado a tem até ser soc- corrido. CAPITULO IX z como se ensina o Gavião a matar francelhos nas Eunacas em as buracas dos francelhos e os trazem pre- zos á terre, e para fazerem isto se ensinam, O — que se faz tomando um francelho dos lagarteiros: Dutros ha que chamam de rama, os quaes tambem os G aviões matam depois que são costumados aos das 42 a CLassicos PoRTUGUEZES O morder o Gavião, e os dedos das mãos que chamam os caçadores alcanços, e se atarão aos sancos do fran- celho que não possa elle apertar as mãos; e feito isto trabalhe o caçador porque o Gavião entre n'elle, e se apegar dê-lhe de comer boa vianda por debaixo da aza do francelho, e depois de ser costumado a en- trar n'elle e o conhecer bem, tomará o caçador um cordel comprido e n'elle atará o francelho com o bico quebrado, e as pernas por não arranhar o Gavião, e uma das pontas do cordel mandará metter pelo bu- raco d'uma parede que a fique atravessando, e o fran- celho atado e dependurado junto do buraco, Feito isto se tirará o caparão ao Gavião já costu- mado a entrar no francelho no chão, e apegando no francelho mandará o caçador puchar pelo cordel da outra parte da parede, que entre o Gavião com o fran- celho na buraca, e assim afferrado o deixe estar por um pouco, e tirarão pelo cordel por aquella parte d'onde o francelho e Gavião estão, para que ambos venham juntos a terra, e esfolarão o peito ao france- lho e n'elle darão de comer ao Gavião, dando-lhe suas canadas e coração, e cousas em que o Gavião tome prazer. Isto se fará as vezes que fôr necessario. Pode o caçador com um francelho treinar o Gavião muitas vezes dando-lhe de comer e metendo-lh'o na boca, e assim se pode sustentar o tempo que quize- rem; não se lhe quebrem as pernas, porque para isso se evitar avizei se atassem os alcanços nas pernas. São os Gaviões mui ardidos, não duvidam apegar nos homens quando lhe não dão de comer, que pela comida fazem muitos atrevimentos fóra do que tem por natureza. Estes na defensa dos filhos, quando lhos tiram do ninho, agarram dos homens, e estão tão af- ferrados que se deixam tomar d'elles, e desafierrados” dos homens os tornam a commetter de novo. n caparão, o a se debateu duas vezes, a téredia, argou não sabendo o intento do seu Gavião, e jogo cozeu com a terra e foi onde um Falcão estava 9 em uma arvoresinha baixa e sem rama, co levou . a cabeça. Vendo-se o nobre Falcão assim afferrado “Gavião, apertou as mãos no pau em que estava sto, e de tal modo se apegou a elle e se embaraça- am ambos, que chegou Vicente Queimado e tomou o lcão, o qual depois teve em seu poder e foi mui ex- “cellente altaneiro. Ao. conde de Tentugal, D. Francisco de Mello, vi im Esmerilhão que matava mui excellentemente as cotovias, o qual tambem tomou com outro Gavião que matava os francelhos. Muitas cousas dizem dos Gaviões na caça que pare- m fabulas, por serem mui pequenos. CAPITULO X * ENHUMA differença vejo que haja entre os Gaí - viões safaros e ninhegos, mais que na crea- “ção, porque os ninhegos são filhos dos homens e criados por elles e não “conhecem outros paes, 0, não tem os safaros, que são creados nos bos- s e pelas mães, onde teem seus ninhos e que- “A e m'ellas se deixam estar até fm de outubro, que. e então não acham n'aquellas partes passaros 44 BrBLIOTHECA DZ Crassicos PorTUGUEZES nham se passaram a Africa; então constrangidos da necessidade se sahem aos campos aos nossos pardaes e tordos e zorzaes, e verdezelos, e tarambolas, os quaes veem das partes do norte a invernar a-nossa Hespanha, onde os tomamos com armadilhas, dos quaes adeante diremos. Os ninhegos são mais tibios porque os homens que os criam não tratam mais que trazel-os vivos e bem empenados aos caçadores, que lh'os hão de comprar, pela qual razão são esquecidos. A estes fazem Os sa- faros vantagem em saberem caçar, e quanto tem de melhor fica sendo mais trabalhoso ao caçador em os fazer domesticos e amigos, porque o maior inimigo que as aves tem e que mais arreceiam é o homem e os olhos d'elle, do qual forçado ha-de ser amigo, o que se faz com amor, soffrimento, engenho e pruden- cia, trazendo-os na mão de continuo aos serões e ma- drugadas, de noite sem caparão, correndo-lhe a mão pela cabeça e com uma penna, de modo que se não escandalise, trazendo-lhe sempre na luva cousas em que tome algumas picadas, e roa e depene, e taes que tome elle gosto com ellas. E posto que diga isto mui- tas vezes é cousa necessaria aos caçadores tel-a sem- pre na memoria. Tenha sempre de dia seu caparão na cabeça, por- que ainda que na vara sem caparão se mostrem man- sos, não no são todos, e ás vezes de quebrantados se mostram obedientes, os quaes tornando a tomar animo, sempre lhes fica aquelle resabio de natureza brava, pelo que convem tirar-lhe o somno e tornal-os outros do que dantes eram, que lhes pareça a elles que ha outro mundo, o que não farão tirando-lhes o comer, antes com mimos e gazalhado, trazendo-os na mão de continuo, chamando-os a ella de perto com boa vianda, e sendo mansos, treinal-os a meudo “EM apegam até da garça. ; O: marquez de Ferreira, D. Francisco de Mello, rande caçador do Gavião, que sempre d'elles tinha “muitos, assim ninhegos como safaros, os safaros man- ava pôr em uma alcandora que na Saá tinha, sem ca- 3 parões na cabeça. Este senhor passeando com uma "perna de gallinha na mão os convidava, e se algum dos saíaros mostrava boa condição lhe dava de comer ' na alcandora em que estava, e assim algum bem acon- » dicionado amansava, que os mui bravos acabavam “todos. - E sendo eu moço lhe ouvi dizer algumas vezes: Ferreira, não se ha o homem de cançar muito com o “que custa pouco; porque eu ás vezes lh'os levava, que os tomava com armadilhas, e os que lhe escapavam * procedia com elles treinando-os a meudo, e costumava * dizer que nenhuma cousa mais os amansava que trei- nal. -05. - Cada um caçador tem sua opinião: nos Gâviões po- | de-se sofirer este modo, que custam pouco, mas nos E “Açores estrangeiros não, que custam muito e morrem * depressa, sendo assim tratados. CAPITULO XI Aa)» Quaes sejam melhores dos Gaviões de nossa Hlespanha E todos os Gaviões hespanhoes se tem por me- lhores e mais ardidos os da serra Morena, tomados na villa d'Arronche, e por aquella É comarca até Facanias, por duas razões, a uma por mais pe que os do Gerez e Se rra da Estrella são Fm 46 BiBLIOTHECA DJ/ CLASSICOS PORTUGUEZES o A causa é ser terra mais fria, e como os homens que os criam para vender buscam sempre os mais tem- porãos, não fazem caso dos mais, e além d'esta se tem os de Arronche por melhores de prizões grandes de inverno, do que temos experiencia, a causa por a Serra Morena ser acompanhada de muitos matos e os pas- saros pequenos tem em que se escondam, a que Os Gaviões os não tomem, pela qual razão se determinam com as pombas, rôlas e perdizes, porque como estes sejam passaros grandes se lhes não escondem onde elles os não afferrem com as mãos. Logo se estimam por bons os de Ronda, por se- rem excellentes de verão para passarinhos. A razão é que da Serra de Ronda são os altos de rochas e pe- nedias desimparadas de matas, e nos baixos e valles d'ella grandes arvoredos, limpos por baixo de moutas, nos quaes criam muitos generos de passaros meu- dos, e n'elles se cevam os Gaviões, e por a terra ser muito larga se criam grande numero de Gaviões e d'alli sahiam cada anno para este reino mais de tre- zentos primas. Em casa de meu pae se criaram em um anno mais de cincoenta e cinco Gaviões e sete Açores; nem a estes faltaram compradores nem aos mais, e para to- dos havia homens que sabiam servir aos senhores nesta caça de aves, as quaes deixo na serra de Arronche e sua comarca e em Ubrique, na serra de Ronda, em Ximena, Casares e Castilhar, onde os achará quem os quizer criar. SCRPTULO< XI Dos Esmerilhões e sua caça, da qual podem uzar as — princezas em suas galerias s Esmerilhões são das aves de rapina as mais E pequenas; no talho e feição mui similhantes É aos Falcões, assim como os Gaviões aos Açores. | D'elles ha girifaltes, nibris e bafaris e sacres. Estes “criam na Noruega e Suecia e em todas aquellas par- “tes onde criam os Falcões. — Passam de inverno a estas partes; são aves ligeiris- * Simas no voar, todos matam muito bem as cotovias; * ellas são a sua garça, as quaes nos campos se acham * junto aos casaes; elles as perseguem de tal modo e * as calhandras, que muitas vezes constrangem aos mi- * seros passarinhos a se meterem pelas casas e nos po- “ços, € já se viram meter com medo nos fornos ar- | | São mui porfiados em proseguir. Os caçadores | prudentes não largam estes senão ás cotovias, as | quaes vendo-se perseguidas e que não podem escapar “voando, se acolhem aos caçadores, por baixo dos pés E dos cavallos, que as calhandras e lavercas são aves * inimigas da gente, ou morrem voando, ou escapam p:. fugindo e perdem-se com estas muito os Esmerilhões, “e não é conselho voal-os. Além das cotovias matam "os perdigões e perdizes de inverno. » D. João Mascarenhas teve um Esmerilhão que se "tomou no mar, em uma nau da armada de D. João “Fajardo, no anno de seiscentos e doze, o qual matou "em um inverno mais de duzentas perdizes. 48 BrerrorHeca DE /CLAssicos PoRTUGUEZES Pero Lopes d'Ayala diz. que D. Filippe, filho d'el- rei de França, teve um que lhe mandou a duqueza de Bramante, que em um inverno matou grande nu- mero de perdizes. Eu tive um do senhor D. Antonio, prior do Crato, que matava os verdizellos, o qual eu tomei com o bufo, e largando-o em companhia d'outro o filhava muitas vezes e o levava nas mãos sem ter tento na cotovia, pelo que determinei matar com elle os fran- celhos. Tive primeiro um verdizello que tirei vivo a um Gavião, e lhe: cozi os olhos a meia vista e assim o larguei ao meu Esmerilhão; elle o levou nas mãos como se fóra uma cotovia; sem mais tentar outra coisa lh'os mostrei bravos e os matou com muita admiração dos caçadores. O senhor D. Antonio o estimava em muito preço, e como elles são boliçosos, se me perdeu, e era sacre de nação. N'esta cidade tive muita amizade com o doutor Vilhafanha, o qual el-rei D. Filipe deixou n'ella logo quando entrou a tomar posse d'este reino, em confiança de sua fazenda e do mesmo reino; O doutor enfadado de se vêr fóra da vista de seu rei, buscando algum passatempo honesto para se alliviar da saudade da côrte e amigos, o fiz caçador d'aves, mostrando-lh'a pelos Esmerilhões deitando-lhe passa- ros soltos pelas casas, em que elle vivia, que eram as que chamam da penada, a Santa Catharina, e com as janelas- com suas vidraças, ficando as casas claras de maneira que se não podiam sahir por ellas os passa- ros, os soltavamos e os Esmerilhões os perseguiam de tal modo que lhes era necessario meterem-se por de- baixo dos pés da gente. Tanto se levou d'este passatempo que por vezes E dizendo que não vira inca nem ouvira dizer haver entretenimento para os randes, tão longe de peccado como era aquelle, e tanto se deixou levar da caça que mandou vir d' Al- emanha Açores e Falcões. — D'esta caça podem uzar princezas nas suas galerias “com os Esmerilhões, que são radiv eis e não tem unhas que possa fazer damno nas mãos. Querem-se “trazidos na mão de noite para amançar e as madru- * gadas, e sendo manços; chamando-os á mão e ao rol. E CAPITULO XIII * De como se amansam os Esmerilhões pelos portugue- “2es dhoje. à s caçadores que hoje ha, por pouparem o tra- balho de os trazerem de noite na mão para assim Os amançarem, põem um pau que atam « como arredouça, a modo dos em que se embalouçam "os meninos, e os põem na camara onde dormem, ten- “do uma corda atada no mesmo pau, para que em acordando puchem por elle, e os passaros n'elle pos- os não durmam, e assim perdido o somno facilmente y E entreguem e amancem; põem tres e quatro juntos Pr? no. pau. — Sofro este modo nos Esmerilhões, por serem de * pouca valia, o que eu não sofirerei em nenhuma das É Reis aves, como fica dito. * Querem-se cevados em frescos, que são muito es- E quecidiços, e sendo caso que algumas vezes se esque- çam, como se não nascessem para tomar coisa viva, c omo já me aconteceu, com elles se haverá o caçador 50 BrBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES | | ape mostrando-lhe . passarinhos vivos, que com elles logo se espertam. As piós que se lhe porão tenham as pontas atadas, metidas em uma conta, porque assim se ha de lar- gar, e como são aves safaras sopezam e fogem com o passaro que tomam, e para se valer o caçador d'iisto, terá uma cana de comprimento de duas varas: na mão, a qual tendo elle o passaro tomado se porá em cima, ou se lhe meterá. por entre as mãos, porque querendo elle levantar-se e fugir não possa. Costumam os caçadores de Esmerilhãos trazer sem- pre passarinhos vivos, porque muitas vezes encaram elles o passaro, ficando no ar sem fazerem preza, se lhe deite atado pelos pés com uma pedrinha: e assim se cobra com facilidade. Para os caçadores trazerem os passaros vivos fa- zem um taleigo de calhamaço encerado; em uma das bocas se põe uma rodellinha de pau pouco maior que a palma da mão, e no vão d'elle andam bem os pas- sarinhos sem se afogarem, e na outra boca seu cor- del em que ande deperdurado no arção da sella. Querem-se es Esmerilhões trazidos na mão, de con- tinuo governados com boas viandas, fartos d'agua e sol. São naturalmente bons caparueiros: é raça apra- zivel, CAPITULO XIV Das ogeas S ogeas são aves de rapina, no voar velocissi- mas. Sua caça é todo genero de passarinhos; são do tamanho de francelhos, no talho simi- lhante aos Falcões. A caça destas aves uzam os caçadores não nas ajar- ana fe o ip e delgada na ponta, com aço de sedas n'ella, e pela sesta e grande calma s caçadores onde haja calhandras, lavercas ECO - E vendo o caçador qualquer d'estes passari-. ; o os. levante a mão em que vae a ogea e faça de “modo como que quer voar, rodeando a mão que abra — “a ogea as azas. A calhandra e mais passaros, posto que nunca fos-. * sem perseguidos da ogea, a temem, tanto que em a. a vendo se escondem e cozem com a terra; postos os | - olhos, na ogea, estão tão quedas, que consentem lhe É a tem o laço no pescoço, e tendo o caçador o laço o pescoço do passarinho, o bole com a cana a que se a Vir levante, e assim fica enforcado o passarinho no laço. E" caça de pouca sciencia e aprazivel. Estas ogeas E iam meste reino. Não vi pessoa que com ellas * Caçasse, se não Affonso Borges, creado d'el-rei D. - Sebastião. : * Toma-se com o bufo que cae a ella denodadamente. A “mim me contaram que estas aves em companhia “dos Faleões aletos matavam as perdizes. - RR Esmerilhões, com que seelles PARTE SEGUNDA DOS AÇORES Na qual se mostram as terras de espanha onde se tomam nos manhos para os criarem em pequenos, e como se criam e ensinam a caçar pelos homens, assim os de Hespanha como os estrangeiros. Tem dezeseis capitulos e uma regra geral de muitas no- tações e preceitos necessarios ao caçador novo, € ainda ao que cuida que sabe. CAPITULOS Dos Açores em geral Antepuz os Gaviões aos Açores, e tratei primeiro d'elies, porque os mais dos caçadores portuguezes que até agora houve, começaram uzar esta caça das aves por elles, e se passaram aos Açores, de que é este capitulo. E excedem a todas aquellas aves que de ra- “pina se sustentam (deixando áparte a aguia) que esta 'a todas se avantaja na grandeza. “De suas propriedades tratarei adiante. Criam os Açores seus filhos em muitas partes do * universo, em serras e logares montosos, cheios de - grandes bosques e arvoredos. N'estes fazem seus ni- “ nhos; criam uma vez no anno. Em maio começam a | fabricar seu ninho; põem de tres até cinco ovos, os primas estão sempre sobre elles, os treçós em todo o tempo que a femea está chocando lhe trazem de co- mer perdizes, pombas, e ás vezes laparos e rôlas. | Quando lhes trazem a caça que tomam, pousam em | certa arvore, que para isso tem perto, e chama a pri- | ma com piados, a qual se levanta e vem voando; em “chegando perto larga o tréço o que lhe traz para co- mer; ella antes que chegue a terra o toma. | O treçó em largando a caça se vae voando tão | apressadamente que parece temer a prima, a qual, em | comendo, se torna aos ovos, e n'elles está mais tempo | em tirar os filhos que as gallinhas. | || Tirados se deixa estar alguns dias até elles estarem enxutos da humidade do ovo e cobertos de penugem. Se a mãe sente que a quentura do sol enfada aos “filhos, enrama o ninho e os ampara com as azas es- | tendidas. Tem cuidado de lhes dar de comer a miudo. Nºeste nosso tempo vieram acabar os Açores n'estas partes, que chegou a ser tão excessivo o preço que “por cada um em pequeno se dava, que os homens cu- “biçosos que os tomavam, em achando o ninho o guar- “davam, a que outros lh'o não furtassem. Vez aconte- ceu que uns escondidos esperavam que aquelles que ae 54 BrsLioTHECA DI CLASSICOS PoRTUGUEZES DD Da Ira os guardavam fossem buscar de comer e emtanto lh'o furtavam. E vieram a tomar aos pobres passaros os | ovos em os pondo, e os deitavam a outras aves. À mim me contou um d'estes, que m'os costumava ven- der, que subindo a uma arvore a tomar os ovos d'um Açor, o prima e treçó se levantaram de rodeo e se metteram mui alto no céo, e julgou que d'aquella vez passavam em Africa, enunca mais criaram nºaquella serra vermelha, onde isto aconteceu. Pode muito bem ser. CorvPi TU Das partes em que se acham em Hespanha Açores é como se criam no ar M muitas partes de Hespanha se tomam Açores em pequenos, como em Navarra, e na terra dos Gélves, nas Asturias, e em Galliza, e de quaes- quer partes que a mão vierem Açores em pequenos, os criarão como fica dito no capitulo que trata da cria- ção dos Gaviões, e os cure com a mesma arte, no- tando que, sendo os Açores já de quatro betas lhe deitarão rôlas e pombinhos de mão, a cada Açor conforme a edade que tiver e se desenvolver voando, porque costumando a lançar-lh'os algumas vezes, se inclinam depressa ao que tem de natureza, e assim como entrarem nas treinas lh'as deitarão que mais vôem, os quaes com este exercicio se espertam e se cevam nas perdizes com muita facilidade e menos tra- balho do caçador. Posto que na criação dos Gaviões digo como se criam em casa, não aconselho a quem os criar, os crie n'ella, por evitar perigos, enfermidades e aleijões, Açõ, “qu contece aos criados em casa e ainda morte certa, o pas não tem os que se criam no ar, € cn d'isso tido e escanados, que se conhece, como fica dito “tratado dos Gaviões, tendo as penas do cabo enxu- tas do sangue, os prenderão, porque se os prendem * em verdes e estando em sangue, não ficam as pennas má d'aquelle comprimento que “andando no ar voando é “ficam; porque n'aquelle estado em que os prendem * sem mais crescerem se enxugam, e esquanam, o que ei ensinado da experiencia, por prender alguns Ga- PR iões em sangue, e logo em poucos dias esquanavam e ficavam curtos do cabo e azas. Ra * Contando eu isto a alguns caçadores me affirma- 4 “tiravam da nda com algumas penas em sangue, e a me rogaram pozesse isto por avizo. * Ca A CAPITULO HI De como se amansa o Açor depois de preso, e ceva +. o capitulo precedente tratei de como se criam e em que tempo se prendem os Açores, os quaes - vendo-se presos se mostram queixosos, como E a bo “já disse dos Gaviões, e por evitar repetir muitas ve- ri E zes uma cousa, recorram alli; lembrando que as pioz Dor é “que se pozerem aos Açores sejam de bom couro de ASA o ou de veado, bem concertado, e nas pontas suas RENA. us de marfim ou e de Moysés, e boas 56 BreciorHeca DE Lrassicos Porrucuezes A que será á tarde, a noite seguinte e todas as mais O trarão na mão sem caparão. As primeiras fugindo a conversação da gente por evitar debatiduras, depois com elle na mão, converse com todos, para se assim affeiçoarem a virem a ser domesticos; e andará tantas noites até que elle se entregue ao somno, que se conhe- ce quando mete a cabeça de traz das costas, e tirando- lh'a d'aquelle logar, onde a tem metida, a torna logo a pôr. Bastam poucas noites, que como são creados pelos homens, entregam-se com mais facilidade que os bra- VOS. 1 Tendo-os posto n'este estado os chamarão á mão -no campo, atando seu fiador nas avessadas; e en- trando na mão sem receio, tendo prezente cavallo e podengos, os quaes serão bem amigos do Açor, dan- do-lhe de comer, sendo elles presentes, e sendo o Açor manso e amigo (que se conhecerá indo o caça- dor fugindo e elle voando atraz elle) como costumava fazer na criação; então está seguro para O treinar, o que se fará em campo limpo de mattos, barrancos e cardos; e se possivel fôr seja como a palma da mão, levando perdiz viva, com todas as penas, e o Açor pícado com vontade de comer, a qual faz ás aves a madrugada. A! perdiz em que se ha-de treinar porão os peitos e ambos os pés d'ella juntos na palma da mão di- reita, e a esquerda pelas costas ; e no campo que digo limpo deitarão a perdiz para o ar, com força a que. tome seu vôo, tendo o Açor prestes e perto, que se elle na criação costumava a entrar denodadamente nos pombos e rôlas, o fará na perdiz, á -qual tirarão de cada aza duas pennas, parecendo assim ao caçador. E assim procederão indo buscar a brava, lembrando que deixem estar o Açor com a perdiz no chão, e nella o ceve 0 caçador nos peitos dando-lhe de co- * mer com limpeza, fazendo-lhe muita festa. A mim me aconteceu, só com uma treina, cevar o - meu Açor na perdiz de pasto, e foi que indo eu com meu pae e irmão com cada seu Açor, enfadados de não poder achar perdizes por levarmus poucos po- densos, para assim se fazer melhor lanço, mettemos os pés em uma banda de perdizes; eu que levava prestes larguei o Açor no meio d'ellas, e apertou tão bravamente com as passaras, que rendeu duas em umas balsas muito perto d'onde se levantaram, e n'a- quella banda cevamos todos os 'tres Açores sem se- rem tréinados cada um mais que uma só vez. Costumavamos levar sempre ave viva, para que se o Açor fizesse seu dever, indo com a perdiz a ferida, se acaso se não achasse, dar-mos-lhe de comer, fin- * gindo ser a que vcou. o nc A A E e ii CARECA RS a ri CABEPOLO TV e! w Que tal ha-de ser a terra em que se hão-de cevar os Açores novos DRE Ro AME ei” o ECESSARIO é ter o caçador lembrança que de uma maneira se ha-de haver com os Açores novos, de outra com aquelles que forem já mestres. Para os novos d'aquelle anno convém que seja a terra limpa de arvores, sem haver nella cabe- ços mem trespostas, e tenham feridas perto ; porque se a terra não fôr descoberta de arvores, indo o Açor “traz sua perdiz mettendo-se no meio de algumas ar- vores, perdendo o Açor de vista a passara apoz que vae, não sabendo descobrir, embaraçado, ou se deixa DES E ENE om " = te , a > 58 BreLioTHECA Dé CLAssicos PoRTUGUEZES ficar, ou ge para traz a seu amo, o que não faria se fôra mestre O mesmo fará sendo terra de cabeços e tres nba Pelo que n'este primeiro anno se deve buscar terra chã e campo raso, que ainda que tenha algnmas sil- vas, ou mattas, ou barrancos, que são os lugares onde costumam as perdizes acolher-se, não é inconveniente, antes se ha-de buscar tal que as tenha. Ermquanto os Açores são novos usarão de poucos podengos, e saibam d'elles qual é certo no pasto, qual bom de ferida; e conhecendo o podengo que dá no rasto certo, se chegará o caçador a elle com Açor prestes, e em se levantando a perdiz, largue-o, sa- cudindo o Açor da mão, não de batidiço, nem de- pendurado que vá o Açor quebrado de seu vôo e im-: peto, e fica desgostoso e não faz o que fizera se o largara ajudando-o. Chegando o Açor-a ferida, se fôr novo, o tomem na mão para que d'ella se largue a passara, e se o tiver na mão o deixarão estar dando- lhe de comer no peito, e depois de estar quasi satis- feito o levantem, fazendo-lhe mimos, dando-lhe o en- tretinho e a roer na moella que é carne doce, e um pé da perdiz machucado com uma pedra ou com os dentes, que é cousa com que elles folgam ; e elles co- nhecem que o dono folgou com o que elle fez. E d'esta arte se haverão cevando por seis ou sete dias, e d'ahi em diante podem matar perdizes para a cevadeira, porque no princípio está o acertar. E note que toda a vez que o Açor estiver em logar baixo se ha-de levantar na mão e assim ir atraz os podengos, fallando-lhe e sahindo a perdiz se largue, e tomada pelo Açor se levante na mão, e se agazalhará amimando-o; que se o levantarem e lhe tirarem a per- diz sem lhe dar picadas, se annojará. Trabalhem pelo fazerem muito recolhido, que al- “guns d'elles o são tão mal, que se põem em alguma Rx . . 2 “3 arvore, enfadam primeiro que venham á mão. E se da “arvore á mão descer, o farão com elle como se ma- tasse a perdiz, e assim se verá o caçador livre do en- fadamento de ser mal recolhido. E por que se não póde dizer tudo por escriptura, se haverá o caçador com prudencia e soffrimento. SP SE E tati CAPITULO V Do Açor errado e sua emenda DA im MD MUITOS pode acontecer o mesmo que me acon- teceu a mim, com D. Pedro da Silva, tio do conde Almirante. Comprando-me um Açor dos de Galliza, excellente perdigueiro e bem acostumado, e tal que teve elle sa- tisfação, assim do Açor, como de suas manhas, e * como bom m'o pagou muito bem. * | Levado o entregou a um indio seu, chamado Bor- | neo, que elle tinha por grande caçador. E O pobre indio parecendo-lhe que todo o matto era oregãos, sem eleição da terra, nem eleger lanço, lar- | gando a torto e a direito, ora em terra cega, ora em * Janços largos, ora debatendo-se o Açor, deu com o * bom passaro á costa. Se o largava em terras de arvo- | res, tanto que o Açor deixava de vêr a perdiz (como | é costume d'elles) se pousava ou na terra, ou em cima do que achava mais acomodado; como a perdiz vara- “va, nem os cães a podiam achar, pois a não havia, nem o Açor fazia a obrigação que tinha. “O Borneo parecendo-lhe que de farto o Açor não seguia a perdiz, temperava-o de morte. Ed AA Ma cá < Oni ae ng NR is. 60 BrpLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES De tal modo se houve o pobre indio com o misero Açor, que foi forçado ao senhor tornar o Açor a quem: lh'o vendeu, e me deu o mesmo Açor e dez mil réis mais por outro que a elle lhe não pareceu tal como o que tornou. Nºeste errado nos houvemos d'esta arte. Dando-lhe boas viandas, pombos e gallinhas, sem bolir com elle, mais que deixal-o estar na vara farto de comida e sol e agua; como esteve em boa carne, bem picado da fome, e com boa madrugada, que esta lhe faz muita vontade de comer, lhe mostramos a perdiz em boa terra, que elle voou estremadamente fazendo-lhe bom lanço. N'ºeste primeiro anno sempre se deve buscar o me- lhor, e assim nos houvemos, que em poucos dias foi o que d'antes era, e por evitar este damno deve o caça- dor buscar terra limpa quanto possivel fôr. E sendo de ladeiras e picada, sempre convem andar no alto d'eilas, e não largar no fundo do valle, e aguardar a vêr entrar, e vôem a que estiver maisacomodada para voar dependurada; e assim se haverá como digo, n'este primeiro anno de pol-o: que depois de o Açor ser mestre e sabe que a perdiz lhe ha-de cahir, faz suas alcarradas para descobrir que as perdizes trans- pondo o cabeço se o Açor vem largo d'ellas se dei- xam chupar e não bolem os pés d'onde se põem, e assim o Açor como o caçador se enganam passando adiante, e ficam os caçadores e Açor desgostosos per- dendo a perdiz que lhe ficou chupada, o que acontece muitas vezes, e se o Açor é leve e a viu, elle a terá na mão, e se é pezado e vae largo, como digo, não pode saber a trêta e arte que a perdiz uzou para sal- var a vida; que as aves, por instincto natural, tam- bem teem seus avizos para escapar a seus inimigos. Pela qual razão quanto possivel fôr se escuse largar ArtTE DA CAÇA DA ÁLTANERIA 61 * o Açor em terra picada e suja, salvo se fizerem como * os que guerreiam no mar, que sempre trabalham por “tomar o barlavento. “E lembro que sempre se deve largar em terra de * cabeços, de modo que vá a perdiz costa abaixo, salvo ' se o Açor é tal, que fará mais do que deve, que mui- F tos são tão excellentes que se assignalam mais que — que outros. E para que o Açor ande gostoso, convem que da * parte do caçador haja engenho e industria, que esta | favorece muito as aves na caça; e não a tendo, acon- | tecerá ao caçador o que aconteceu ao pobre indio Borneo. rea CAPITULO VI Dos Açores de Irlanda, de Galliza e Navarra RS pe o É ja a ad E ABRI qro [e] OR serem mui similhantes estes Açores, ainda que nascidos em differentes partes, por evitar prolixidade, os puz juntos n'este capitulo; que elles na grandeza do corpo e talhe, como nas pluma- “gens, são muito similhantes; e ainda na bondade, - posto que os de Irlanda são tidos por melhores perdi- * gueiros. A causa por que o sejam, quanto a mim, é por se- rem sáfaros, que estes de qualquer parte que sejam, “sempre se avantajam aos ninhegos; mas depois que eu criei Açores no ar, nenhuma vantagem lhe fize- ram os de Irlanda. Arguir-me-ha o caçador que os | Açores de Allemanha, Noruega e Suecia tambem são safaras, e não taes como os de Irlanda, ao que respon- * do que os Agoresallemães são maióres de corpo e pela * grandeza são mais pezados e não tem tanta ligeiresa / RUDE NAT Mas Ee a 4 62 BreLioTHECA DE CLASSICOS PorTUGUEZES Pa nem levidão como os de Irlanda que são Açores de meàã proporção. Eu tive um Açor de Noruega extremado perdi- gueiro, mas muito grande de corpo, o qual em terra. chã voava dando com as azas pela terra; mas tão cansadamente o fazia, o pobre passaro, que estendia o pescoço mais que o cabo, bracejando quanto lhe era possivel. Com elle matava muitas perdizes, mas não com aquella galhardia com que muitos o fazem, mos- trando ás vezes as barrigas, afuzilando ao descobrir de algum cabeço. Este de Aliemanha se se lhe offerecia a perdiz su- bir alguma costa, se levantava direito ao céo como um foguete e do alto se deixava ir com os olhos na perdiz, ou a tinha na mão ou bem assentada na fe- rida. As que na mão tinha, diziamos nós, que de elle vir largo não entrava na ferida e elle cahindo do alto as tinha na mão. É esta razão acho que me favorece; e além d'isso, no capitulo dos Açores estrangeiros, que vae adiante, se faz mais caso dos treçós allemães : que dos primas para a caça das perdizes, por serem meãos entre os primas allemães e os nossos hespa- nhoes. E quanto a fazer tanto caso dos Açores gallegos e Navarros como os famosos de Irlanda, affirmo que os criados soltos no ar, como fica dito, se esualam a to- dos os bons que pode haver no mundo; porque as mais das perdizes levavam nas mãos, Para esta cidade vendi um treçó a João Lopes Pe- restrello, o qual matava sua meia duzia de perdizes, no termo de Lisboa, melhor que nenhum de Irlanda que em seu tempo houvesse; e todos os mais que É para outras partes foramsahiram excellentes, pelo que os posso comparar, sem vergonha, com os Açores de Irlanda. em ia de quem o o aTpRa tido em Fes preço. “O dono do Açor vivia em Torres, em uma quinta sua; Os criados e servos, que sempre trabalham por E imitar cs senhores, criaram um corvo carniceiro, ao R - qual davam os sobejos do Açor, quando o Açor co- mia; o côrvo, por aquella boa obra que lhe faziam, " amava a seu amigo, o Açor. Em vendo que o toma- - vam na mão para ir á caça, logo se aviava e acom- PP panhava o caçador, voando a pousos. * | Emo Açor indo atraz da perdiz, o corvo o seguia, a acompanhando-o até a ferida, e se punha em sua j “companhia crocitando em vozes altas para que o ca- “ çador o ouvisse, o qual em cobrando a perdiz lhe dava alguma cousa das tripas, e de tal arte se haviam % os dois companheiros, que o caçador não tinha olho à no Açor que havia largado, senão no corvo que voava “mais alto; porque o Açor sempre ia varrendo as pa- “lhas da terra, e ao passar de algum outeiro mostrava E a barriga, que parecia fazel-o com galhardia. | Se o caçador não atinava com a ferida tão depressa, Esido o corvo que elle tardava, se levantava de ro- É deo para que o caçador o visse e atinasse onde o "Açor estava. CAPITULO VI Do Açor tibio e duro de fazer, e sua emenda s Açores criados no campo, como já disse, se ensinam a caçar com pouco trabalho; póde o caçador topar com Açor tão tibio que não queira. pegar em coisa que viva seja; o que acontece por ser. criado em casa, sem nunca lhe mostrarem 64 BreLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES mais que a carne que comia, e assim fica olhando sempre ás mãos do homem. Aves ha covardes de sua natureza. Eu tive um sacre tão tibio que ao principio re- ceiava de pegar um frangão vivo, e para apegar n elle lhe esfolava as costas e comesse algumas picadas, e para se treinar cobriamos as costas do milhano com carne. I)'este modo se atrevia, porque, se sem carne lh'o mostravam, o não olhava. Tanto me enfadou o mau modo do Falcão e sua co- vardia que o metti em uma casa destelhada atado a uma estaca e um milhano junto a elle. Ao milhano davam de comer, mettendo-lhe a carne pela boca, porque tinha o bico debaixo quebrado e os alcanços atados aos sancos, por não arranhar o Falcão nem o morder, se acaso envestisse com elle. Ao mau Falcão nenhuma cousa lhe davam; e es- teve quatro dias sem apegar no milhano; ao quinto achámos o milhano comido. D'este modo lhe pozeram tres mais, aos quaes elle fez o mesmo; d'ali por dean- te começou a pegar nos milhanos sem carne, deitan- do-lhes, voando com os olhos cozidos, depois a meia vista, até irem espertos. Este foi mui excellente milhaneiro. Se á mão vier tal Açor, não se trate com esta rigoridade, que são aves delicadas e não soífrem tanto trabalho; e se fiz esta lembrança foi para exemplo. Com o Açor tibio se haverá d'esta maneira, trazen- do-o na mão aos serões e madrugadas, dando-lhe sem- pre a roer em cousa de que elle tome gosto, esfre- gando-lhe as mãos com cotos de gallinha, com que elle tome cocegas, e ir amanhecer no campo com elle, levando alguma coisa viva, trabalhando que entre n'ella, e apegando de qualquer coisa que seja lhe fa- rão gazalhado, deixando-o comer no chão, sempre bo- ArTE DA CAÇA DA ÁLTANERIA 65 * lindo, ou com a rôla ou com a pomba que tiver na ' mão, para que perca o medo, e assim como elle fôr, irá o caçador procedendo, deitando-lhe o pombo de pouco a mais, até que tome a rôla com duas pennas menos de cada aza, e assim entremetendo alguns dias, e o dia antes que haja de ir ao campo boa fome, e se fará em deante o que fica dito atraz no capitulo terceiro, e sendo caso que tal Açor haja, que depois de saber matar deixe as perdizes, se haverá como en- sina o capitulo que falla do Açor errado. CAPITULO VII q Da alcandora ARA O Açor se fará a alcandora de bom pau lizo e direito; de inverno seja de sovereiro co- berto com sua cortiça, de modo que fique liza, sem asperezas; de verão seja de qualquer pau redondo e limpo, sem fendas, e tendo-as se taparão com um betume que se faz com cera e pós de serra- duras de pau, e d'este betume se taparão. O pau não seja onde haja gallinhas, por amor do - piolho. O comprimento da alcandora se fará conforme as aves que tiverem, e sendo para um Açor bastam duas varas de comprido, posta no canto da casa, com boas escapolas. Assim se deve assegurar para um dia só, como * para muitos annos, por não acontecer cahir com o Açor. À casa seja livre de gente e onde não entrem gallinhas nem cutras aves. Por baixo lhe porão um | panno de linho de largura de uma vara ou mais, FOL. 3 VOL. I f 66 BrBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES atado ao comprimento da alcandora, por uma das ourelas, e ae uma atadura a outra, haja pouco mais de um palmo, porque se o Açor se debater, querendo tornar a alcandora, senão meta por algum dos bura- cos, e o panno fique bem estendido ao longo da vara, e nas pontas debaixo do panno lhe atarão cordeis e n'elles pedras dependuradas, ou estacas, que o tenham bem estendido. E porque acontece algumas vezes debatendo-se o Açor, não saber tornar a subir, e muitas vezes o fa- zem de mal acondicionados, e se deixam morrer en- forcados pelas pernas, senão ha quem lhes acuda. Para evitar este damno uzarão d'esta cautela: co- zerão abaixo onde o panno faz o meio, um cordel do comprimento do mesmo panno, de modo que fique como um alforge, que se o Açor se debater possa o Açor descançar n'elle. O de mais deixo á prudencia do caçador. Haverá tambem alcandora onde haja sol, em que se ponha, que todas as aves hão-de ser fartas de sol e agua, para fazerem o que devem. CAPITULO IX Dos caparões, e em que tempo se hão de pôr no Açor enos Falcões sem cerradouros ERÁ O caçador caparões para os Açores, quando forem fóra, os quaes serão bem abertos, e ainda que por elles vejam alguma cousa, não faz ao caso, porque lh'os não põem por mais que para as sahidas dos lugares e a entrada d'elles, e para irem quietos pelos caminhos, que só para estas ocasiões se ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 67 hão de ter, por evitar debaterem-se e queixarem-se A es de algumas cousas desacostumadas. Eu vi um Açor que em vendo um frade, se quei- xava tanto que se debatia e atitava, e é de notar que não vi nenhum anojadiço que não fosse excellente perdigueiro; tambem terão caparões para os aletos, posto que os portuguezes d'hoje os não costumam, e deve de ser porque os aletos vem de Indias sem elles, e assim os tem e levam á caça com as cabeças des- cobertas, o queé bem contra a arte, porque se ha-de poupar a qualquer ave uma debatidura como as me- ninas dos olhos. Terá o Principe caparões sem cerradouros para pôr nos Falcões, com os quaes ha-de fazer voaria o dia que fôr á caça, que póde acontecer perder-se a oca- sião de bom lanço, emquanto o caçador abaixa o rosto para abrir os cerradouros do caparão, e tambem o Falcão costumado a lh'o tirarem quando lhe dão de comer vir com o rosto á luva, e ande sem cerradou- ros, descobrindo-lhe a cabeça de repente, corre com a vista o ar e campo e vê depressa a ave a que se ha-de largar; e muito melhor se o caçador levanta a mão, em que elle está, e é boa pratica principalmente no passo das aves. Em Almeirim tambem podem, não havendo capa- rões sem cerradouros, levar o caparão aberto, que fará o mesmo efeito. Convem que o caçador tenha sua luva; a de Ga- vião basta seja de carneiro; para Açor e Falcão, de vaca ou viado, de couro bem adubado e grosso, por a não passarem com as unhas, na qual andará a mão esquerda metida, e para que saiba o caçador novo trazer com arte as aves n'ellas, fará d'este modo: tendo a luva calçada, estenderá o braço, estando es- tendido fechará a mão com a luva, ajuntando as pon- 68 BregLioTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES tas do dedo polegar ao mostrador, e os tres fechará | com a palma da mão, ficando os dois, polegar e mos- | trador, estendidos d'arte que possa estar no vão de ambos um copo cheio d'agua sem se derramar gota d'ella, porque assim convem que se tragam direitas as aves na mão da luva, que a poucas pessoas vi que trouxessem as aves na mão. Estas advertencias fiz para aquelles que carecem da noticia d'esta sciencia, que os praticos não tem necessidade d'ella. CAPITULO X Dos Açores estrangeiros | s Açores criam em muitas partes do universo. Aquelles que a este reino trazem de mar em | fóra, são de Noruega e de Suecia e de Irlanda, como fica dito com os nossos de Hespanha. Dos de Noruega e de Suecia tratarei, os quaes tra- | zem mercadores em naus d'Allemanha a este porto | de Lisboa. São Açores que fazem vantagem na gran- | deza de corpo aos de nossa Hespanha e tem a plu- | magem mais grossa; uns e outros são excellentes. Havendo de escolher tomem os de muita carne no | peito, bem posto na alcandora, direito, descarregado | das costas, as azas compridas, os cotos d'ellas altos e | delgados, o pescoço longo, a cabeça pequena, o rosto formoso e comprido, ventas bem abertas, bom sobre- | bico, boas coxas e sancos, mãos enxutas, os dedos d'ellas grossos; os treçós d'estes são bonissimos per- | digueiros, mas convem haja caçador sofírido e que | saiba que são queixosos e menencorios. 1 ArtTE DA CAÇA DE ÁALTANERIA 69 Com os primas caçam os italianos garças, grous e cisnes, e patas bravas e todas as ralés, e as lebres, e trazem galgos de socorro, e não caçam com elles per- dizes. Muitos senhores os tem sómente para effeito de com elles tomarem treinas para os Falcões. Note-se que se tal Açor houver, se não largue á garça, es- tando posta em terra, que o matára com o bico. Outros Açores criam em Grecia, na Esclavonia; a estes chamam escravos e são bons Açores; outros criam em Sardenha e os chamam sardos; são pescoçu- dos e de grandes cabeças e tomam bem os adens e corvos, mas por tempo se fazem ronceiros. Outros criam em o ducado de Borgonha, são pe- quenos, mas bons Açores. Outros tomam bravos em Santa Cruz de Campação, com o passo das pombas trocazes, e são mui excellentes, similhantes aos da No- ruega na grandeza, tem a plumagem grossa entre branca e amarella: são estremados Açores. Os tomados de uma muda, são mui estimados dos principes, porque caçam todas as aves com muita ga- lhardia, são muito formosos e tidos em grande preço, e como são tomados bravos convem que haja caçador sabio que os faça com arte e vá com elles muito attento como já fica dito, e se dirá no capitulo se- guinte. 70 BrecrorHECA DE CLAssiCOS PORTUGUEZES CAPITULO XI Que diz a causa porque os Açores de Noruega mor- rem muito antes de cevados, e depois duram pouco, e o vemedio que haverá m'isso sTÁ tão introduzido o abuzo e errada pratica que dos bisonhos caçadores se tem hoje no amansar dos Gaviões e Açores safaros, que por um só que façam manso e domestico dão a morte a mui- tos Açores de muito preço sem saberem a causa. Este anno de seiscentos e treze, vi de dez ou quinze Açores que de Allemanha vieram acabarem todos os mais antes de domesticos e mansos, como convinha. Alguns chegaram a ser cevados; duraram pouco tempo vivos. Constrangido eu de vêr mal tão certo, fiz esta lembrança ao novo caçador e ainda ao que cuida que sabe. Os Açores que vem a esta cidade, de ultramar, são safaros os mais d'elles, e conhecidos, porque não piam como os ninhegos fazem, e são tomados bravos, ra- meiros ou com armadilhas; assim safaros os trazem com caparões na cabeça, que logo em os tomando lhes põem que nada vejam por elles, por virem quie- tos, e assim os vendem aos caçadores, os quaes os atam na alcandora, postos n'ella sem caparão. Fundam-se os mal praticos, em ver os nossos Aço- res na alcandora sem caparões, ignorando os nossos ninhegos serem já cevados e mansos e criados pelos homens, o que estes de ultramar não são, os quaes vendo as cousas que elles d'antes não costumavam, se espantam, debatendo-se, dando de uma a mil de- Arte DA CAÇA DE ÁLTANERIA 71 batiduras, quebrando as pennas dos peitos e bofes e fi- “gados; o caçador mal sabio, acode a isto com lhe dar pouco de comer, e ás vezes coração lavado, para que assim com fome constrangido amanse o misero passaro, e quebrantado de cançado, se mostra amigo, ficando das pancadas e mal trato enfermo, criando aposte- mas nas entranhas e bofes, e assim acabam todos por falta de caçador. E esta é a causa total da morte dos estrangeiros Açores. Acode-se a este erro com o que digo no capitulo terceiro da criação dos Açores ninhegos, e verá que ainda os Açores criados pelos homens, quando se veem prezos se embravecem e para tornarem a ser ami- gos dos paes que os criaram, que são os homens, é necessario trabalharem com elles, trazendo-os na mão muitas noites. Seja agora por avizo ao amigo caçador e aos se- nhores que comprarem Açores estrangeiros, que lhes não tirem os caparões de dia, e os tragam com elles muitos dias contínuos, e de noite com as cabeças des- cobertas, dando-lhes com uma pena pelo rosto man- samente, e procedam assim até se elles entregarem ao somno e comerem sem receio, como se diz no capi- tulo quarto, dos Gaviões safaros, e no nono do livro terceiro, no capitulo que ensina a cozer os olhos, e na “regra de como se amansam os Falcões, e na que falla no Falcão nebri, e por toda esta arte se verá como as aves se tornam mansas e amigas dos homens, o que se faz com amor e prudencia e soflrimento; com amor, dando-lhe de comer coisas de que tomem gosto; com prudencia considerando o tempo e a ne- cessidade da ave, que umas são differentes na condi- ção das outras; com o sofirimento para que o tenha o caçador para com as aves menencorias e mal acon- dicionadas, porque umas se mostrarão amigas a pou- E 72 BrgLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES cos lanços, e outras primeiro que o sejam enfadam o caçador. E posto que diga muitas vezes n'este particular, uma cousa, convem que assim seja, pois vae a vida. do Açor e preço d'elle, e o gosto do senhor cujo é. E para satisfação dos que tiverem a contraria opinião darei este exemplo. Os Açores decotados que se compram e não tra- balham com elles aquelle anno, e os tem metidos em casa, dando-lhes de comer sómente sem os vêr nin- guem, vivem e mudam, e começando de trabalhar com elles pelo seu modo errado, acabam todos as vi- das como os demais. CAPITULO XI Dos Açores do Brazil anno de seiscentos e oito, mandaram do Bra- zil ao marquez de Castello Rodrigo dois pas- saros notaveis; um d'elles mandou a el-rei D. Filippe terceiro, do outro deu cuidado a um caçador, em cuja casa O viram desprezado, que me corri, pela qual razão o vi mais depressa do que agora o con- templo, que quero escrever d'elle. Na alcandora em que estava posto, notei que tinha boa postura; na grandeza do corpo fazia vantagem aos Açores da nossa Europa, ainda que pouca; tinha o rosto comprido, a cabeça para o corpo antes pe- quena que grande. No alto d'ella em direito dos olhos, tinha umas pennas mais compridas que outras, postas como as dos nossos bufos, a modo de cornos, as quaes abaixava ás ArtTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 73 | vezes; não eram mui compridos, o pescoço bem ti- rado, as pennas de que tinha o peito coberto eram brancas, sem n'ellas haver pinta alguma; era mais per- nalto alguma coisa que os nossos Açores; tinha as mãos mais pequenas, o cabo mais curto. Não fizeram nada com elle, por falta de caçador. Deve d'haver n'aquellas partes do Brazil aves no- taveis para caça, e por falta de quem as conheça, se- não sabe d'ellas. Ao infante D. Luiz, duque de Beja, filho d'el-rei D. Manuel, trouxeram d'aquellas partes do Brazil um gi- rifalto branco, e tão alvo como uma pomba. O prin- cipe o teve sem fazer nada com elle, por estado; que- rendo mandar lá caçadores, por a viagem não ser então tão tratavel como hoje, o dissimulou. Nas ilhas de Cabo Verde criam Falcões tagarotes, que são mui excellentes perdigueiros. Não duvido que ainda haja cubiçosos que tornem a renovar esta caça, que ainda vivem as reaes casas do duque de Bragança e de Aveiro, e tres marque- zes e vinte e cinco condes, e muitos senhores illus- tres, muito mais ricos do que nunca foram seus ante- passados, pelas muitas mercês que el-rei D. Filippe nosso senhor, lhes tem feito, e havendo homens ex- pertos e praticos n'esta arte, não duvido tornem a este jogo e o levantem do esquecimento em que está posto. 74 BrecrorHECA DE CLAssicOs PORTUGUEZES CAPITULO XII Como se podem trazer Açores de mar em fora sem perigo UITAS vezes vem a esta cidade, de fora, Aço- res tão mal tratados, por serem trazidos por pessoas que os não sabem governar, que é desgosto vêr os miseros Açores com as pennas das azas e do cabo quebradas; e elles todos enlodados com as tolheduras, por virem mettidos em capoeiras co- bertas de calhamaço, e dentro lhes deitam o que co- mem; e posto que a viagem seja breve, poucos dias tratados d'este modo bastam para virem taes. Outros os trazem melhorados como fazenda, mas não como podiam vir sendo trazidos por pessoas que o sou- bessem, e por evitar não sómente o mão trato das aves, mas ainda a perda de interesse, que não será pequeno áquelles que os souberem trazer e curar; por- que n'aquellas partes custam muito pouco dinheiro, e n'estas estão hoje estimados em muito preço, e não duvido que se houvesse quem soubesse tratar as aves, e as trouxesse por mercadoria, interessasse muito e ganhasse de comer. O melhor modo com que podem vir, é com seus caparões na cabeça, postos elles em suas alcandoras, as quaes sejam a modo d'um catre da India, liados com cordeis, postos a modo de rêde, como os catres de marinheiro, porque venham todos os rostos uns para os outros e os cabos para a banda de fora, o que é facil. Porque tocando elles na rede com os cabos, se viram para fóra e ficam assim com os rostos virados, como digo, e debatendo-se não se enforcam. ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 75 Hão-de ser as alcandoras um covado levantadas da terra para que venham limpos, e cobertas de ca- lhamaço em que elles ponham as mãos; o comer quando vierem por mar seja limpo de ossos e nervos; porque não aconselho que se tirem os caparões, sendo a jornada breve, e sendo comprida sim, dando-lhes suas plumadas algumas vezes, ainda que fique sendo trabalho ao caçador tirar-lhe os caparões á noite, e ante-manhã tornar-lh'os a pôr em aquelles que não ti- ver dado plumadas, que tendo-as aguarde a que as faça. CAPITULO XIV Da causa porque os treçós da Allemanha são melhores para as perdises que os primas o capitulo dos Açores estrangeiros fica dito se- rem os treçós melhores perdigueiros que os primas da Noruega, e não diz a causa. Parecia- me que devia dar satisfação ao caçador sabio com alguma similhança. Às aguias são aves de rapina e se mantêm de caça que tomam, e são tão animosas que todas as aves as temem, e os Açores em as vendo se acovardam tanto, que na mão do caçador se não tem por seguros e se encolhem, como que se escondem, porque ellas mui- tas vezes os matam. Estas, sendo taes, não caçamos com ellas, nem ouvi dizer houvesse nação que com ellas exercitasse a caça; porque são muito grandes e pezadas, e sahindo da mão do caçador não voaria, que mais não corre um cavallo, se de braço tornado e de longe da terra fi- zessem com ella lanço, isto por sua grandesa e peso. 76 BreLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES f ! Da mesma maneira os Açores primas da Noruega e Suecia, e d'algumas partes do norte, por serem muito grandes, não são tão desenvoltos, nem se podem levar voando com aquella levidão e ligeiresa necessaria que convém ao impeto do vôo das nossas perdizes, não por culpa dos Açores, senão da naturesa. E é tão conforme á razão que para as aguias caça- rem e tomarem aquellas aves, de que se hão-de ce- var, se levantam de rodéo em muita altura, e quanto mais altas se pôem, mais seguro tem seu lanço; por- que como ellas são maiores que todas as mais aves de rapina, e mais pezadas, com o pezo rompem mais depressa a densidão do ar, e alcançam, descendo de cima, com muita facilidade, a todas as aves, e lhe não podem fugir, o que não fariam se do longo da terra voaram, como nós voamos com os nossos Açores. Os aletos pela levidão e ligeireza que tem, por se- rem pequenos, são hoje muito estimados na caça das perdizes. Por esta razão os treçós d' aquellas partes são me- lhores que os primas, por não serem tão grandes, e pouco menores que os primas de Hespanha. É assim fica satisfeito o caçador amigo, sabendo a causa porque se logo não disse, que algumas vezes dorme o sabio. ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 77 CAPITULO X V De como se treina o Açor para caçar abetardas e garças Á fica dito que os Açores da Allemanha são sá- faros, e, como taes, costumam-se a cevar de quaesquer aves que lhes offerecem, e assim fica facil ao caçador fazel-o matar as garças e abetar- das. Os nossos hespanhoes tem mais necessidade de al- gumas treinas, e uns e outros bom é espertal-os. Querendo o caçador que o seu Açor mate a abe- tarda, o treinará em os patos mansos, fazendo-os apegar n elles e dando-lhe de comer em cima, traba- lhando que o pato se queixe e levante suas vozes e adeje; e juntamente convem que se ensine o galgo e morda no pato e o mate, e lhe façam pegar na ca- beça e lh'a dêem a comer, arrancando-lh'a, que saiba o galgo que tambem ha-de comer do seu trabalho. E isto estando o Açor ou Falcão afferrado no pato, e que veja o Açor o galgo e o galgo o Açor, ese o cão se quizer desmandar o reprehendam. De tal arte se ha-de haver o caçador que o galgo entenda que não ha-de enojar o Açor ou Falcão, e que ha-de matar o pato, o que elles fazem em muito pou- cos lanços, e como o Açor entrar nos patos, de quam * longe os vir e o galgo souber soccorrer, vá buscar a abetarda, que o mesmo fará que no pato fazia, nas garças e patas bravas; porque os Açores são aves de força e apegadores, e pouco soccorro lhes basta, o que não teem os Falcões que são pequenos e não podem BrscrorHECA DE CLAssicos PORTUGUEZES mais que embaraçar, e tem necessidade de muita dilij gencia e grande soccorro, e o mesmo que se faça ao Açor não é erro. / Eu vi um Açor nosso afferrado em uma abetarda, ella voar com elle como se não levara nada; o Açor afferrado dependurar-se á terra e ciar as azas para a fazer vir ao chão. E tanto fez que a trouxe abaixo bem longe de nós, que estavamos a pé; mas levava- mos um galgo mestiço de soccorro que ajudou bem seu companheiro, e quando chegámos ao nosso Açor elle tinha uma mão apegada no focinho do galgo e a outra na ave. O galgo estava quedo, soffrendo ter o focinho atra- vessado das unhas do Açor, sem ganir nem se bolir. Este Açor e galgo vendeu meu pae ao marquez de Barcarrota por muito dinheiro, e tendo dado sua pa- lavra da venda se entristeceu tanto, que minha mãe lh'o conheceu no rosto dizendo-lhe: — Senhor, dizei-me a causa da vossa tristeza, que é tanta que se deixa vêr? Respondeu o bom velho: — Fez-me a fortuna tão pobre que vendo o meu gosto por dinheiro. Ella que o amava, lhe disse: — Não vendaes vosso gosto, que ainda nossos fi- lhos teem pão que comam. ' Deu em resposta : — Quem tem filhos e não é muito rico, não ha-de ter gosto que custe tanto ! Tinha elle esta arte de caça como por officio, e di- zia que duas cousas haviam de ter os homens, além de serem verdadeiros: serem caçadores e amigos de cavallos. A ultima ave de caça que teve o infante D. Luiz, foi um Açor nosso que matava os corvos e as gar- ArTE DA CAÇA DA ÁLTANERIA 79 ças; era de Noruega. Este de sua natureza era incli- nado ás ralés, e em vendo o casal se ia para elle a matar as gallinhas, pela qual rasão o treinam os em os corvos, e os matava estranhamente, e as garças tambem, como um Falcão sacre. Este Açor já depois do infante ter deixado a caça, e meu pae aposentado, o mandou chamar e trouxe o Açor, com que elle folgou em extremo por lhe vêr matar os corvos, que lhe aconteceu vêr fazerem tanta poeira, andando ás voltas, como dois justadores a ca- vallo. O Principe D. João, pae d'el-rei D. Sebastião, fol- gava com Açor em extremo, e com quem o tinha, que n'aquelle tempo se mantinham os homens mais dos favores dos principes que do dinheiro que lhes então podiam dar, porque eram pobres. Estando o infante nos paços d' Almeirim a uma ja- rella, vendo uma garça que se poz á sua vista, man- dou que viesse o Açor. Vindo meu pae, entrou onde o Principe estava, o qual lhe deitou o braço pelo pescoço e o levou á ja- nella, e lhe mostrou o lugar onde a garça estava posta, e que se não havia de tirar d'ali até lhe não vêr matar a garça. Foi tão venturoso que a matou, fazendo o Açor no ar tornos como se fôra um Falcão. O infante festejou muito a vista, e disse publica- mente, que muitos o ouviram: O tlomens me servem à mim na caça, que fazem muita vantagem aos que tenho no serviço de minha casa. 80 BrBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES CAPITULO XVI Como se fará a muda ao Açor, e como se ha-de gover- nar casa onde houver de estar o Açor para mu- dar, seja antes grande que pequena, tenha ja- nellas, pelas quaes lhe entre o sol e vento, e seja, se possivel fôr, norte, que é mais saudavel. Nas janellas se porão vergas de pau, que por ellas entra o sol e o Açor se não possa esçoar fóra. E se parecer bem, se pode pôr uma réde do tamanho da ja- nella, antes das vergas ou reixas, por que as aves en- cerradas desejam sahir ao campo, e podem commetter a sahida, e anteposta a rêde priva que nem elle com- mettendo possa sahir sem metter a cabeça por entre as vergas e se afogar, como já aconteceu. Na casa se porão alguns feixes pequenos de car- queija ou vides, onde o sol mais assistir, porque os Açores se hão-de vir deitar n'elles algumas vezes, que na criação assim o fazem. Pôór-se-ha seu alguidar com agua limpa, para Oo Açor a tomar se quizer. Tambem se lhe põe areia espalhada: ainda que eu nunca vi Açor nem Gavião que se espojasse n'ella, mas pode muito o costume. Pode-se tambem ter um alguidar com algumas her- vas, assim como salsa e hortelã, que não duvido que folgue o Açor com aquella verdura. Para o Açor bastam duas alcandoras e o banco em que se houver de atar a carne que houver de comer, a qual se atará com uma corréa, porque a corda roerá elle e a engulirá. ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 81 — O comer sejam rôlas bem cevadas, pombinhos dos * grandes e estes bem depennados, e as tripas fóra, e os ossos das azas e pernas, e os pés e o pescoço ma- chucado, e os nós de todas as juntas, que se os comer - os faça em plumadas. Muitas vezes é bom mudar-lhes os comeres, dando- lhes coração de carneiro e de vacca, pardaes e triguei- rões. São bons todos os passaros que se mantéem de sementes, os pequenos mal depennados e tripas fóra, os côtos das azas e dos pés e pernas machucados, que elles os farão em plumadas. Os pombos e rôlas e outras aves grandes que se lhes porão, se limparão com um panno por não levarem piolho, e sendo a casa grande entre o caçador n'ella mansamente e deixe-se estar quieto vendo o que o Açor faz. Se não muda como deve e que come mal, e se tiver semblante triste, 'differente do que costuma, o tomará á noite na mão, e estando baixo de carnes cure d'elle com boas viandas, e se lhe póde dar alguns papos de toucinho fresco, limpo das feveras de carne, que os Açores o comem com muito gosto e engordam, e gua- recido se torne á muda, e estando enfermo e não an- dando, se fará o que ensina o capítulo que vae adiante no tratado dos Falcões. 82 BrsLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES LL AAA A a a CAPITULO XVII Da purga para os Açores s cousas ordenadas conforme a rasão não po- dem ter mau successo. Os medicos primeiro que purguem os enfermos preparam os humores e os põem em caminho para com facilidade os evacua- rem, e lançarem fóra do corpo doente. A mesma ordem é bem se tenha com as aves que tiverem necessidade de serem purgadas. Sendo verão, querendo metter o Açor ou Falcão na muda, aconse- lham todos que se purgue primeiro. Preparar-se-ha xarope de cozimento de malvas, co- mo em quartilho e meio, um molho pequeno, ferva, que fique em um quartilho; n'este cozimento se deita um pequeno de assucar e se torne ao fogo, que faça uma fervura. Em este xarope desfarão um coração de carneiro, em pequenos, limpo dos nervos e gordura; e o darão a comer ao Açor estando morno o xarope. Ha-de ser a terça parte do xarope sómente, porque sendo a carne molhada em toda a quantia se damnará a que restar. E assim se faz segundo e terceiro dia, e á noite de um frangão ou do mesmo coração de carneiro. Tambem podem fazer o mesmo cozimento de bor- ragens, que ambas tem virtude de abrandar e molli- ficar. A purga se fará de mechoação que se vende nas bo- ticas, o qual farão em pó, e delle tomarão tanta quan- tidade d'estes pós como meio tostão cagulado d'elles, - Arte DA CAÇA DA ÁLTANERIA 83 e formará d'estes pós uma pilola, os quaes juntará com o dedo molhado em mel, e fará a pilola do com- primento d'um pinhão. Esta dará ao Açor ao terceiro dia depois do xarope, e da mesma maneira se póde fazer de Azibar, e a em- brulhará em uma peile de frangão, dando-lhe de co- mer sua tutella de frangão, e ao outro dia lhe prova- rão a agua com seu membro de gallinha. Esta purga basta para os Açores. Podem-se dar os pós envoltos na carne, que são fa- ceis de tomar. É sendo caso que de mar em fóra ve- nham Açores ou Falcões, sendo de verão se haverão com os mesmos xaropes, e de inverno se farão de rai- zes de lyrio, que aquelle cozimento tem virtude de mollificar, e é temperado. Primeiro que se purgue a ave se deve considerar a disposição e como está de carnes; se estiver falto d'el- las vá a tento, dando-lhe de comer até que as tome, e então a purgue, como fica dito. Os xaropes se farão tomando uma onça e meia de raizes de lyrio, mondando-lhe a casquinha de cima, da terra, e a cortarão em pequenos delgados e a dei- tarão a cozer na quantidade d'agua que acima digo, e tiradas as raizes depois de cozidas, lhe deitarão seu as- sucar, e n'este xarope se fará o mesmo que digo com o coração de carneiro. Regra ao caçador novo Para o caçador são necessarios podengos, os quaes tenham amizade e conhecimento com o Açor, o qual comendo na mão sem receio, indo mostrando amizade lhe darão de comer sendo presentes os podengos que houverem de caçar com o Açor. Basta ao principio serem quatro, sendo estremados; 84 BrgLIOTHECA DE CLAssiCOSs PORTUGUEZES depois de o Açor estar perfeitamente cevado se usará d'aquelles de que o caçador levar gosto; e quando derem de comer ao Açor os convidarão com algu- ma cousa, chamando cada um por seu nome, o qual será de poucas sillabas, assim como: Turco, Tejo, Limão, Roza, Silva, Bruca e outros por que elles ficam entendendo melhor o caçador, e custa-lhe menos a pronunciação pela brevidade do nome. Aos cães se dará de comer na casa onde o Açor estiver, fazendo-os conhecidos do Açor, e se algum na ferida costumar a comer as perdizes se castigará pon- do-se-lhe uma perdiz em terra, e sobre ella boas pan cadas. Eu tive um podengo excellente de feridas de balsas, e n'ellas me engolia as perdizes, o que conheci por lhe vêr pennas na bocca, onde as perdizes me faltavam; elle se emendou com o castigo. Trabalhe porque não venha o Açor em conhecimen- to das perdizes de mão, nem das revoadas, que costu- mando-o a issó mais do necessario se faz preguiçoso, e entrando elle bem na revoada se busque a dever en- trar depressa, que não esteja ella descançada fazendo bom lanço, que o Açor fará seu dever, e sendo as per- dizes novas melhor. De inverno convem se tenha industria, buscando perdizes que não sejam apuradas, tendo lembrança que se deixe o Açor com uma perdiz em terra, qua- tro ou cinco vezes, e a que elle melhor voar se dei- xará estar mais tempo, fazendo-lhe gazalhado, fallan- do-lhe, dando-lhe o coração e entertinho com alguma gordura, que entenda elle que folgava com o que fez. E se fôr a terra raza na qual as perdizes correm muito, e o Açor a tiver assentada, posto em terra se levantará na mão, porque não aconteça ao caçador o erro de Antonio Barroso, caçador do duque d' Aveiro, Arte DA CAÇA DE ÁLTANERIA 85 o qual voando uma perdiz deante do duque e do se- nhor D. Antonio, filho do infante D. Luiz, o Açor rendeu a sua passara em uma charneca rasa. O Açor se poz em terra por não achar em que se melhorasse; o caçador mór do senhor D. Antonio foi de parecer que o Barroso levantasse o seu Açor na mão, o qual confiado na bondade do passaro o deixou estar. À perdiz correu muito espaço e sahiu longe, d'onde o Açor estava posto, com os olhos na parte onde a perdiz se puzera, e por mais que o caçador gritou á perdiz levantada, o Açor embebido, parecendo-lhe que a tinha perto se deixou estar, e a perdiz esca- pou. Foi festejado este erro, d'aquelles senhores, dando matraca ao Barroso, que se tinha por grande caçador, o que elle sentiu. Costume é entre os caçadores de Andaluzia, levan- tarem os Açores na mão, estando na ferida, os quaes estão já tão costumados a isso, que em o caçador o levantando se pôem n'ella, o que se uza n'aquella terra por ser chã e de palmares e muito raza, e os Açores não terem onde se melhorar * mas em parte que o Açor estiver na ferida, melhorado, se deixará estar, porque muitas vezes veem elles primeiro a perdiz que os po- dengos a levantem, e a caçam, e é bom deixal-os fa- zer a elles Todas as vezes que possivel fôr, dando de comer ao Açor, em casa no campo, se chamará á mão, por- que assim costumado fica bem recolhido, que é grande falta não o ser. Nota que sendo dia de vento se deixe estar o Açor, ainda que temperado esteja para ir fóra, que os dias de vento são mui contrarios á caça das aves, só para a dos veados aproveita, e das aves só á dos girifaltes, que quer vento, d'onde nasceu aquelle adagio: —o sa- 86 BreriorHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES cre com chuva, o girifalte com vento, nibri com bom tempo. E se se achar no campo e o vento se levantar, O bom é cevar e vir, e tornar a casa. E se o desejo de comer perdizes e confiado na bon- dade do Açor, em tal dia se caçar, que ás vezes a cubiça rompe o saco, desse pouco de comer ao Açor, quando se cevar, que o trabalho de voar em tal dia quebranta, e ainda mais se fôr o dia frio; pelo que se dará pouco de comer ao cevar, depois alguns dias de folga que descance d'aquelle trabalho, e boas viandas. Nota que tirando o Açor da muda, que será á noite, aquella e quatro mais se trará na mão até á madrugada, que se tornará a meter na muda como d'antes andava solto, e ao quinto dia que já então deve estar quebrantado algum tanto com o somno, se entrará com elle na casa com resguardo, e ainda que se mova de uma alcandora para outra, não importa, que com aquella mudança e voar se lhe desfará a en- xulha. E vendo o caçador que elle está já brando, com elle na mão sahirá de noite a algum rio que tenha agua em que se possa pôr; e n'ella mansamente o deixará es- tar com os pés mettidos n'agua, e com uma varazi- nha lhe deite algumas gôtas no corpo e rosto que sinta aquella frescura, e se fizer mostra de a querer provar, com a varinha o vão entrando n'agua, que póde ser que a tome, e será bom assim para se de- ceinar, como para se tirar d'aquelle orgulho com que sahiu da muda; e se digo seja feita esta obra de noi- te, é porque se não escandalize o Açor e tome medo á agua e não queira depois entrar n'ella, que se a ave não fôr farta do sol e agua não pode fazer cousa que boa seja. Alguns caçadores pela razão de mais depressa se ArtTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 87 desfazer a enxulha lhe tiram o comer, de modo que quando o querem cevar, está tão baixo de carne que não póde fazer o que deve, e é erro notavel, porque de uma maneira se ha-de haver o caçador com o Açor bravo, d outra com o bem acondicionado. Porque pode haver passaro, o qual antes de de- ceinado de todo se pode cevar, que voando, melhor se deceina e mais depressa se desfaz a enxulha. Digo que estando o Açor manso que se atreva a largar-se solto mostrando vontade de comer, dando-lhe d'um coração de carneiro lavado, um dia antes; amanhe- cendo no campo entre as perdizes, se pode largar com bem lanço pegado, antes que o sol aqueça, e nella se dê de comer ao Açor as pernas sómente; e assim procedendo com resguardo se deceinará com facili- dade e menos trabalho pondo-o n'agua e é boa pra- tica. E sendo os Açores bravos e mal acondicionados se haverão pelo contrario, trazendo-os muitas noites na mão, amanhecendo com elles no campo, e os chama- rão a ella tendo presentes os podengos. Conhecer-se-ha o Açor estar deceinado na fome que mostrar e na levidão com que voar. E se perdeu a fome por razão da enxulha quebrada, se uzará como en- sina o capitulo que d'isto trata, que vae adiante. E sendo caso que o Açor seja muito cubiçoso das perdizes e no campo debatidiço, que não é mais n'elle, convem que haja soffrimento e prudencia acudindo- lhe com lhe dar algumas picadas de carne com que o entretenham, que pode ser que o desejo de voar O faz debater a meudo; que eu vi caçadores tão mal soffridos que se agastavam com os Açores, sacudindo com a mão, e os pobres passaros dando com os peitos na luva. E se não ha prudencia são de pouca dura, e por 88 BrpLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES boas azas que tenham, quando vêem ao cabo da ferida não podem ir tão frescos como os Açores quietos. Com estes se haverá o caçador dando-lhe a carne molhada em arzolla e sua agua, e alguns dias alguns papos com alquitira, tomando um coração de car- neiro limpo de pelle e nervos, desfeito em alquitira, com arte, que vá cada bocado da carne envolto n'ella, e se o Açor a não quizer comer e fôr de pou- ca fome, lhe darão os pós passados por peneira em bocadinhos, de modo que os não sinta, e isto se fará em dias de sol, e aos debatidiços, que lhes refresca o figado e esfria o sangue, e o mesmo faz a zaragatoa e a resina das amexieiras. Nota que em dias de grande sol andando no cam- po com um Açor se achegue a algum rio ou ribeiro d'agua para que os podengos bebam, os quaes de sua natureza são quentissimos, e com a sede e calma se encheriam de sarna, e podem raivar; pela qual razão vindo da caça dos perdigões no verão, lhes mandarão deitar agua fresca em um alguidar grande e o pão molhado n'ella; e querendo o caçador que os seus podengos se melhorem no cheiro, para rastejarem melhor, lhe darão o pão molhado na agua com pós de enxofre, assim aos podengos, como a sobujos. Os podengos filhos de cães de coelhos são excellen- tes perdigueiros e muito duros. Primeiro que se meta o Açor na muda, veja o caçador se tem piolhos, e tendo-os, lh'os tire, e se fará o que diz o capitulo que d'isso falla, que vae adiante. Em dezembro, janeiro e fevereiro, que são os me- zes mais frios, se dará a carne sempre quente, pas- sada por agua cosida com salsa ou canella, porque muitas vezes, com as noites grandes, se resfria o buxo, - e alguns caçadores lhe dão na plumada um dente de ARTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 89 Sar, alho, porque o frio é inimigo de todas as cousas sen- tivas, até dos ossos e tutanos. E é tão conforme á razão, que as mesmas aves se sahem da Allemanha e se veem a estas nossas partes por conservação da vida; e convem para a conserva- ção de nossos lindisssimos Gaviões termos conta n'este tempo mais com elles, que outro nenhum, dan- do-lhes passaros vivos, os côtos das azas, e algumas pennas miudas em plumadas, e não os tendo a carne seja quente, passada por agua morna, cozida com es- pique, canella ou salsa; e sua plumada d'algodão. Po- dem-lhe dar na plumada estes mezes até todo feve- reiro, misturada com os fios, um pequeno de folha de massa que vem da India, pós de cravo, de herva doce, e para que lhe não falte nunca alguma cousa quente lhe podem dar, á conta d'isto, pimentos dos que dei- tam os castelhanos por adubos nas panellas, que são quentissimos. Ao Gavião se dê tanto d'aquella casquinha dos pimentos que seja quantidade da unha do dedo memi- nho, e ao Açor e Falcão duas partes mais. Estando no Crato n'estes mezes, morreram dois Açores a Simão Mascarenhas, Deão d'Evora, e outro Açor meu, todos tres gordos, sem mostras de enfer- midade alguma. Feita anatomia n'elles, não se lhes achou cousa que notar se podesse, mais que terem os buxos franzidos, e assentaram os caçadores ser de frio, porque ainda que nunca lhe faltaram suas plumadas, depois de as elles fazerem, ficando o buxo esfriado e sem nada, se fran- zio, e vieram os Açores a não poderem ter nada nelle e regeitarem até o sangue de pombinhos que lhes da- vam, que bem se suspeitou o que podia ser, por ser anno frio.' E para remedio de mal tão certo, pois vemos que go BrsLroTHECA DE CLAssiCOs PORTUGUEZES mr não escapa Gavião com vida a estes mezes, posto que custem pouco dinheiro, póde haver alguns de estima, que tenham seus donos pena e desgosto vendo que lhe morrem, pelo que me pareceu convinha n'es- tes mezes dar aos Gaviões algumas cousas das que acima digo. E sendo caso que os Gaviões mostrem signal d'al- guma agua, ou outra qualquer ave, lhes chuparão as ventas, que com isto se descarrega a cabeça da ave, e não haja o caçador asco d'isso, que não tem mais que algum salgado. Nota que a tolhedura que fizer o Açor ou qual- quer outra ave de caça sendo grossa e alva, e o preto d'ella grosso, é bom signal; e a que fôr delgada e o preto d'ella o mesmo e sahir misturada com algum mão cheiro, lhe acudam com boas viandas, das quaes já fallei na criação do Gavião. E sendo a tolhedura verde ou com mostras d'isso, declara indicio de quebrantamento de corpo; o reme- dio é: boas viandas, pouco e a meudo. Notando estou que o meu caçador me pergunte como temperará o seu Açor o dia antes de ir á caça para que o leve bem apontado. Tres cousas convem se considerem: À primeira se está farto de sol e agua; a segunda se é o Açor bem acondicionado, e de fome ou aspero e sem ella; a terceira se tem carnes. Se fôr bem acondicionado e andar cevadiço pouco basta dar-lhe pela manhã uma perna de gallinha, e á noite uma coxa toda com sua plumada, e não dando gallinha, que aconselho se dê, que assim o sentirão no voar, se dará a terça parte menos pela manhã e á tarde ametade menos do que lhe dava d'antes, e a sua plumada, e sendo aspero, mucha pluma y poca car- ne, que havemos de bolar mariana, como fazem os cas- ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 91 telhanos, lembrando que as aves ensinam como se hão-de haver os caçadores com ellas. E sendo caso que se dê pouco de comer o dia d'antes, amanheça o caçador entre as perdizes e logo na primeira contente o seu Açor com lhe dar de uma perna de perdiz e a roer no toutiço, e o coração e a carne da muela, cousa que sinta elle que comeu; e as- sim se procederá como elle fizer, que n'isto de tempe- rar não ha regra certa. Eu tive um vó de milhano de tres sacres; ao prin- cipio os temperava todos por uma via. Entre estes havia um grande de corpo, o qual ensinei para me fi- car com a presa. Costumava dar a todos coração la- vado em agua morna, e que elles dentro na porcella- na tirassem a carne que haviam de comer de dentro d'agua em que estava desfeita; ao grande deixava co- mer como grande, e/ao pequeno menos. Veio o meu sacre grande, pelo temperar muito, a enfranquecer, que se deixou vêr conhecidamente. Fo- -mos temperando menos, e de tal modo, que sem tem- pera viemos a voar com elle, e nem por isso deixava de se abraçar com o milhano e afferral-o, de modo que em setenta e tantos que em um anno matámos, não tinha menos preso cada um que pela cabeça com uma mão, por o não morder, e com a outra, ou uma das mãos do milhano, ou ambas; o que fazia não por a tem- pera, que já então lhe não dava, e ás vezes a muita tem- pera destempera. O Açor ha-de ir caçando e comendo. O cevar costumam os que caçam com aves alheias, por lhes ficarem os peitos das perdizes inteiros, da- rem as pernas, pescoço, e coração, cabeça e olhos e a carne da muela, e alguma cousa do figado, e o pé da perdiz mastigado bastante cevadura fica sendo; mas O meu amigo dê os peitos ao seu Açor, e assim o terá elle para sua caça. 92 BreLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES Alguns caçadores mais amigos de se pouparem que de fazerem bem o officio, não guardam bem os pre- ceitos da arte da caça, querendo amansar as aves sa- faras, Gaviões, Esmerilhões e ainda Falcões e Açores. Para os matinar fazem uma alcandora como re- douça em que se abalançam os meninos, atada em cor- das e dependuradas n'ellas põem o pau d'alcandora e n'elle atam as suas aves, para emquanto bolir, ellas não durmam; o qual põem em casa e onde elles tem a sua cama, com candêa, para que as aves vendo-a, pelo descostume não durmam ; e de quando em quan- do com uma corda que tem atada na mesma alcandora os embalançam, e d'este modo tirando-lhes o somno os fazem pasmar: parecendo-lhes a elles que os tem mansos, os quaes tornando em si, ficam o que d'an- tes eram e nunca são bem amigos. Nos Gaviões e Esmerilhões se pode soffrer este modo, mas nos Falcões e Açores, que são aves de estima, são dinos de reprehensão, porque nunca fa- rão cousa boa. Notem tambem outro mal peior, que é morte total dos Açores estrangeiros, como fica dito no capitulo onze. Costumam os mal praticos comprando os Açores aos allemães que a esta cidade trazem, sendo safa- ros, tirarem-lhes os caparões e pôrem-nos á vista de todos, sem mais os trazerem na mão de noite, nem curarem d'elles com arte; e a puras debatiduras se criam em suas entranhas apostêmas de que morrem. Aqui acudirá o caçador amigo como ensina o ca- pitulo onze. Lembrando que não ha arte alguma na qual não sirvam os erros que n'ella se fazem de dou- trina para aquelles que depois a professam, pelo que acabarei esta segunda parte, advertindo ao meu novo | caçador, o qne aconteceu este anno de 615 a dois se- | ARTE DA CAÇA DA ÁLTANERIA 93 nhores, os quaes sahiram d'esta cidade com cada seu Açor á caça dos perdigões, e cada um foi por sua parte, com intento de fazer inveja ao que menos per- digões matasse. D. Diniz de Faro, filho de D. Estevão de Faro, ve- dor da fazenda de Sua Magestade, o primeiro dia que largou o seu Açor lhe fugio, e se passaram quatro dias antes de o cobrarem. D. Pedro Castello Branco, que foi com outro Açor, o qual sem lhe fugir, o fez peior, debatando-se e não querendo andar na mão seguro, sem olhar a perdiz nem perdigão, e ainda que differentes no modo, o erro vem a ser todo um. É não se hajam os caçadores sem culpa, porque o Açor que no campo se debatia, levando-o na mão, era pelo costume que tinha de lhe darem de comer em casa, e o tinham convertido em natureza. Porque os senhores que similhantes Açores têem guardados para os perdigões, não tendo caçadores praticos, não fa- zem mais que dar-lhe de comer e pol-os na alcando- ra; e outros pelos terem mimozos os largam sol- tos na casa, e sem mais condição nem arte os tiram d'ella, parecendo-lhe que sendo Açores e com lhe da- rem de comer dois dias d'um coração lavado, ficam com fome, levidão e doutrina bastante para em vendo as perdizes as levarem na mão, havendo de ser muito pelo contrario. Pelo que advirto ao meu caçador novo, que antes de sahir á caça com Açores sobrepostos, costumados a estarem encerrados, dando-lhe de comer em casa se haja com arte, como já disse no ensino dos Aço- res novos, levantando-se de madrugada, levando o Açor na mão alguns dias a cavallo, com os podengos, e lhe dê de comer no campo chamando-o á mão, pondo-o n'agua, e tomada o deixe estar no campo sobre uma pedra, curando de si; dando-lhe primeiro 94 BreLiOTHECA DE CLAssICOSs PORTUGUEZES que na agua o ponha umas picadas de carne, tanto como uma noz pequena, e depois lhe dê a comer, chamando-o á mão, tendo deante os podengos com que ha-de caçar. Isto fará o caçador de tres em tres dias, dando-lhe boas madrugadas, e não lhe tirando o comer; e algu- ma vez leve o caçador comsigo um pombo que bem vôe e o largue no ar voando, e n'elle lhe dê de co- mer; e com isto o irá espertando do descuido do tempo que está na casa sem vêr o campo, e se lhe fará fome verdadeira, por que ainda que elles a mos- trem na casa, não fica sendo qual convem para a caça; pelo que muitas vezes encommendei madrugassem com as aves e as trouxessem na mão, porque sendo assim tratadas serão amigas do caçador, o qual pro- cedendo com os Açores, como fica dito n'este tracta- do, não cahirá em similhantes erros. Alguns caçadores parecendo-lhe que com matarem os mochos com os seus Açores, os tem com lem- brança viva para se não esquecerem das perdizes, e com elles matam os mochos, n'elles os cevam fazen- do-lhe festa como se fossem as perdizes, para que elles os tem guardados, não sendo conforme á arte da caça; porque costumados a comerem no que lhe custa pouco trabalho em matar, e voa pouco, desconfiam se topam com perdigão aspero e que lhe trinque, o deixam; e com isto deixo a caça do Açor e me passo a tratar das Aguias. m Lda ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 95 CAPITULO XVII Da aguia e a razão por que das aves de rapina são maiores as femeas que os machos, e melhores na caça aguia é contada entre as aves de rapina, a rai- nha de todas as aves, porque todas a temem, e em a vendo se acovardam, e não se chama rainha pela corôa que tem na cabeça, que mui- tos Falcões a têem, nem por ter os olhos fixos no sol, e em seus raios, sem os mover, que todas aves de ra- pina fazem o mesmo. E não cuidem os que não sa- bem que o caparão que se põe aos Falcões na cabeça que seja por elles não soffrerem os raios do sol, que se o trazem é por se não debaterem pela gallinha ou pomba, vendo-a, de que se elles se mantem e comem. A aguia se chama a rainha por que caça differente das outras aves, porque os Açores, Gaviões e Falcões caçam differentemente, os quaes como sejam levis- simos, de qualquer modo que se lhe offerece a ralé de que se querem cevar, a seguem e alcançam; a aguia muito pelo contrario, porque para tomar a caça de que se ha-de cevar se levanta o mais alto que se pode, e com voltas que faz rodeando no ar para ir desco- brindo assim as aves do céo, como as que estão pos- tas na terra, e quanto mais alto se levanta, tanto mais descobre e vê a ave que atravessa o ar, a lebre, o coelho, ou perdiz andando buscando o comer pela terra, e ao que apetece se deixa cahir; e como é ave muito grande e pesada desce mais depressa, rom- pendo com o peso a densidão dos ares que todas as 96 BrgLiotHECA DE CLAssICOS PORTUGUEZES mais, e as alcança e prende, e lhe não escapam os que ficam debaixo d'ella. E por ser o seu caçar diferente e descer do alto, se pode ter por rainha, e por se acovardarem todas as aves diante d'ella; e tanto que os Açores, ainda que na mão do caçador vão, em a vendo, se encolhem e assobiam, dando signal ao caçador como elles a vêem, a que os não larguem. E além de todas estas cousas, é das aves de rapina a maior; e faz muita vantagem a todas as aves que se mantem de caçar outras para sua comida. E ô mesmo na força, que a tem tanta, que d'ella diz Frei João dos Santos, em o livro da historia da Ethiopia : «Que vio uma aguia levar um bugio grande com um cêpo atado, voando pelo ar, como se não levasse nada». O que nós sabemos que uma lebre leva, como se fos- | se um passaro, é um cordeiro pequeno. Ellas matam os nossos Açores, e de uma vez que os levem nas mãos, logo os acabam e morrem de vi- rem atravessados com as unhas. A mim me aconteceu, sendo moço, andando á caça do Açor, largando-o a uma perdiz, cahir a elle uma aguia, a qual devia estar tão mettida no alto, que a não via o meu Açor, porque se a vira não voara atraz da sua perdiz, nem eu tão pouco a enxerguei. E largando o Açor ouvi no ceu, por cima de mim, um ruido como de foguete, que me constrangeu le- vantar os olhos. Vi um vulto a meio ar (não sabendo o que fosse) affirmo que tive pavor; mas logo conheci ser aguia que vinha cahindo ao meu passaro, o qual de medo deixou a perdiz e se metteu em uma arvore, sendo de mim com muita pressa soccorrido, correndo a ca- ArTE DA CAÇA DA ÁLTANERIA 97 ELA AS ASS AA LLSSSSS LSSS PRS SSL LIS Sa vallo, gritando, levantando a voz, dando com o cha- peu acenos. Muitas vezes acontece andarem ellas todo um dia á vista dos caçadores para cahirem ás aves “que elles levantam, e d'este modo se cevam cahindo “do alto. Mas ás vezes acontece trocarem-se as sortes. A uma aconteceu, andando á caça de coelho D. Luiz de Moura, e D. Rolim e outros companheiros em uma queimada em Ribatejo, dos forões que levavam se sahio fóra da barca um sem se sentir, e ficando longe dos amos pela terra e queimada foi visto d'uma aguia, a qual desceu a elle e o tomou com as mãos; e como as unhas e mãos das aguias sejam muito grandes e o bicho muito delgado, ficou na chave da mão livre das unhas agudas da aguia, a/qual querendo-se cevar n'elle abaixando a cabeça o forão apegou com a bocca e dentes das guellas e garganta da ave e a matou á vista dos caçadores, que até então não tinham achado o forão menos, o qual levaram livre e a aguia morta. Tudo se póde cuidar d'este bicho pelo animo atrevido que tem, e boa sorte que este teve em caso tão arris- cado. Não se sabe que na nossa Europa houvesse pessoa que tivesse aguia de caça, porque é ave muito grande e não haverá braço que sustente o peso, e seria pe- riso ao que com ella tratasse de se aleijar, que lhe atravessaria com as unhas os braços, ferindo o caçador. À aguia femea é maior que o macho, como o são todas as aves de rapina, Falcões, Açores, Gaviões e Esmerilhões, sendo pelo contrario das outras aves, que o não são. O nosso perú e gallos e perdigão são maiores os machos que as femeas; e assim o são todas as mais aves. Sómente as que se mantem de caçar ou- tras aves, para n'ellas se cevarem, as femeas são maio- res que os machos. FOL. 4 VOL, 1 W 98 BrsLrorTHECA DE CLAssicOos PoRTUGUEZES | errar À razão e que a natureza não fez cousa imperfeita, porque as femeas dos animaes criam seus filhos com o leite de suas têtas; vêr a ovelha, que sómente se | mantem d'hervas do campo, com o tenro cordeiro logo | que nasce, coberto d'aquella pelle carnosa, a mãe com a bocca, que nunca outra cousa gostou se não herva- | sinha do campo, lamber e engulir aquella pelle carnosa | cheia de sangue, a limpar, lambendo o filho, e com a bocca e focinho encaminhando onde acha as têtas cheias de leite. Os machos nada d'isso curam. Assim proveu a natureza as aves de rapina, sabendo que as mães são as que mais amam os filhos, pelo que | fez as femeas mais anímosas e maiores de corpo, e | mais voadoras e de maiores forças que os machos, | para que com as azas alcançassem as outras aves e com as forças as derribassem, e com as unhas e gar- ras e bico as poderem facilmente matar. E sendo as aves grandes tivessem forças para as poderem levar | ao ninho d'onde estão os filhos que ha-de manter e | e criar, pelo que os machos nas aves de rapina são | mui pequenos e fracos, d'onde veiu aquelle adagio an- | tigo dos caçadores : «Ave treçuela ni mata ni buela » Esta é a causa pela qual eu julgo das aves de ra-| pina serem as femeas maiores e melhores, como são | Falcões, Açores, Gaviões e Esmerilhões. E tanta vantagem faz á aguia femea a aguia treçó, | como o nosso perá macho á femea, e, tanta nos nossos . Falcões e Açores, os primas aos treçós, quanto os É nossos gallos ás gallinhas ou mais, e tanta os Ga-| viões e Esmerilhões primas aos treçós quanta os per- | digões machos ás femeas. Tinham as aves de rapina necessidade d'isto ser À assim, porque os pobres passaros hão-de sustentar os | filhos de comida até elles serem compridos e escana-, ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 99 dos, e estarem tão enxutos do sangue nas pennas como os mesmos paes; porque ainda que cobertos de pen- nas sejam, não tem levidão para alcançar voando traz as outras aves desenvoltamente ; pelo que os paes tem com elles mais trabalho que as outras aves, que até que são grandes os sustentam e mantem mettendo-lhe a caça nas mãos, e elles a denennam e comem, o que eu vi na villa de Ourique, serra de Ronda. Criava uma muda de Falcões em uma rocha, onde não ousava ninguem subir, por ser de pedra talhada e altissima. Ali, á vista de todos os da villa, vinham os paes, já depois d'elles andarem voando fóra do ninho, e lhe traziam o pombo trgcaz, e rôla, e a perdiz, eo lapa- ro, e lh'o largavam no ar, e elles o vinham tomar aos paes. E assim procedem sempre até os criarem de todo, muito differentemente de como se hão as mais aves; porque a perdiz e coderniz tanto que sahem os filhos da casca do ovo vão buscar seu mantimento, e o mesmo faz o perú e todas as aves que se mantem de sementes, que aquelles que se mantem de cibalho estão no ninho até grandes. CAPITULO XIX Como as aguias criam seus filhos s escriptores que fallam d'aquellas cousas das quaes não tem noticia certa, nem sciencia verdadeira, querendo por informações mal dadas affirmar opiniões sem fundamento, cahem mui- tas vezes em erros notaveis, querendo que as aguias deitem seus filhos dos ninhos em terra, por não terem 100 BreLiotrHECA DE CLassicos PORTUGUEZES os olhos seguros no sol e seus raios, como se seus filhos não fossem. ) Não vejo razão que satisfaça ao entendimento, a que se não possa cuidar o contrario. Nasceu esta opinião d'algumas veses se acharem os filhos d'estas cahidos aos pés das arvores d'onde ellas tem os ninhos. As Aguias e os Açores e Gaviões criam em arvo- res e fabricam seus ninhos com pausinhos liando uns com outros, e assim tecidos e liados sem outra cousa criam, e como são já grandesinhos, os filhos movem-se pelo ninho, e com o movimento aquelle liame se des- tece, e não está tão firme como os paes a principio ' o fizeram, e querendo elles fazer suas tolheduras se achegam ás bordas do ninho, e como está desliado cahem elles e alguns pausinhos do ninho em terra, como muitas vezes se viu nos Gaviões e Açores. D'a- qui nasceu aos escriptores dizerem que as aguias lan- çavam os filhos do ninho abaixo por não terem os olhos seguros sem pestanejarem postos no sol. Diga-me alguem como o sabe, ou quem o vio, que o que eu das aves sei amarem os filhos tanto em pe- quenos, que os serranos quando sobem a tirar dos ninhos os Gaviões e Açores novos, os paes afferram dos homens de tal modo que muitas vezes se deixam tomar dos homens que lhe ievam os filhos. A mim me contou um d'estes, que tirando os filhos a um ÀAçor, por não se absentar e tornar a criar n'aquella querença, em logar dos filhos que lhe tirou poz dois corvos novos, e os Açores os criaram como filhos, e me affirmaram que se n'aquelle tempo lhe pozessem um sapo o criariam. Tulio, nas Familiares, diz fallando das aves: Zita suos pulos ad tempus amant, ut nihil suprapossit esse. A 4 pe K k ARTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA IOI De tal maneira, diz elle, amam as aves seus filhos sendo pequenos, que não póde mais ser. | Muitos exemplos podera trazer para verificação das aves amarem seus filhos n'aquelle tempo de pequenos em summo gráo de amor, o que se vê bem nas nos- sas gallinhas, as quaes criam como filhos as adens, as quaes não fazem caso d'ellas e se mettem nas aguas. As gallinhas andam de longo d'ellas pela terra, os chamam, das quaes, como digo, elles fazem pouco caso, porque a natureza a cada ave deu sua voz, os pintainhos sahidos d'aquelle dia do ovo, se a mãe vê o melhano, e lhe dá aquellas vozes medrosas, elles se escondem; mas como ellas estejam sobre os ovos, d'estes os amam e tem por filhos, posto que á voz não accu- dam, e os agazalha sahidos da agua, como filhos na- turaes, não no sendo. O mesmo farão nas aguias, das quaes os escriptores dizem muitas grandezas. Joannes Textor, em sua Officina, diz serem seis ge- neros, e que algumas matam os cervos apegando-lhe nos cornos, dando com as azas em terra, levantando- se pó, e aquelle pó os cega, e elles cahidos os ven- cem e matam; e que brigam com os dragos. Jorge Agricola, no livro onzeno de Remetalica, diz que ha duas castas de dragos, uns voadores, e que estes pelejam com as aguias, e tem azas como mor- cegos e tres ordens de dentes, e que são de seis pés de comprido; e diz mais, que de Libia, com uma grande tormenta de vento africano se vio um d'estes em Egypto. Dos que habitam na terra escrevem muitos aucto- res serem de doze covados, pretos na côr, a barriga tirante a verde, tem cabellos nas sobrancelhas e bar- bas, e não são mordazes. Os antigos os punham em guarda de seus thesouros e oragos. Ioz BrpLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES , Estes em Africa e na India dizem d'elles que bri- | gam com os elephantes. Alguns referem que as aguias vivem cem annos e que renovam a edade subindo á região do fogo, e. d'ella, do alto se deixam cahir ao mar, mergulhando | n'elle, e que d'este modo renovam os annos. O que eu sei renovarem ellas as pennas como todas | as mais aves. Muitas cousas dizem os escriptores que não satisfa- | zem, e não me maravilho que não ha cousa mais longe | das letras que as aves; por que os letrados, em mo- | ços, tem os olhos nas escolas e nos livros, e não po- | dem alcançar a natureza de tanta variedade de aves. | Tornando as aguias d'onde criam de verão se dei- | xam estar o inverno, pelo contrario dos Falcões que | são vistos em todas as partes do mundo. CAPITULO XX Dos corvos aves de rapina; é digno de ser lido E todas as aves que a natureza criou são estas É) as mais golosas e menos caridosas, e tanto, que | vendo ellas alguma ovelha apartada do seu re- | banho por doente, e que anda já desamparada do pas- | tor, saltam n'ella e lhe querem tirar os olhos; e se ella À se defende, apegam d'ella na lã, inclinando-se á terra, É e dão com ella em algum rego ou barranco, e viva lhe tiram os olhos, e pelo sêsso as tripas, estando a misera | dando de pés e de mãos (o que eu vi algumas vezes).! D'estas mal acondicionadas aves tomaram os ro- É manos alguns agouros (que deixo para os que lhe fo-! Hs q à fe Sa “rem affeiçoados) todavia direi aquella historia de * Enéas Silvio, que foi Papa Pio segundo, o qual em * o livro que fez da historia de Azia, diz: que em Aga- ! pia, Belgica, perto da cidade de Liége, tinha um Fal- | Cão seu ninho em uma rocha, e estando deitado sobre * os ovos, veio ali grande multidão de corvos, e deram “sobre o Falcão, e o deitaram fóra do ninho, e lhe co- * meram os ovos; alguns pastores que por ali estavam viram este successo, estiveram com advertencia a vêr “em que parava aquillo; ao outro dia viram n'aquelle * mesmo logar grandissimo numero de Falcões e de corvos em tanta quantidade, que parecia não haver * em todo mundo tantos quantos ali se ajuntaram. Ali á maneira de desafio, davam mostras uns a outros, os Falcões de quererem tomar satisfação da injuria que se lhe fizera. Os corvos se puzeram da parte do norte, os Fal- * cões da parte do sul, a modo de esquadrão formado, * como se foram capazes de entendimento. * Começam sua batalha muito travada e furiosa, e tão | cruel que.punha espanto; algumas vezes pervaleciam “os corvos, outras os Falcões; cahem a terra as pennas e sangue d'elles a modo de chuva, e de corpos mor- "tos; finalmente os nossos Falcões pervaleceram e fi- caram vencedores; e deram n'elles tal carga com as 5 “unhas e bicos, que poucos dos corvos escaparam vi- vos. K À causa d'estes perseguirem os Falcões e Açores, Pá e todas as mais aves de caça levando piós, é por cui- * darem que as piós são tripas, e por lh'as tomarem para “si Os seguem, o que não fazem aos bravos. D'elles di- X zem que vendo os filhos no ninho, brancos, os desam- | param tanto tempo até serem pretos, a qual opinião | tem muitos auctores na explicação d aquellas palavras R do Psalmo 146: E pillis corvorum inuscantibu sem. s -« bs » as ep ) 104 BrgLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES Tambem se pode dizer d'estas aves serem muito comedoras, e os filhos no ninho grasnarem e vozea- rem, o que fazem, porque como as aves tem seus fi- lhos suados da humidade do ovo, e livres de lhe mor- rerem com o sol ou frio, lhe vão buscar de comer, e em chegando aos filhos lhe mettem o bocado na boc- ca, e logo com muito cuidado lhe vão buscar mais; e tanta mais pressa dão, quanta mais fome sentem que os filhos tem. Pelo que os paes, emquanto os filhos estão no ninho, são pouco vistos, e os filhos pela gras- nada que fazem muito ouvidos. “PENESENVE NENE EDS PLS RO RS EINS x PARTE TERCEIRA Dos Falções Nebris, dos Bafaris, Tagarotes, dos Ge- rifaltes e Sacres e Bornis, e de todos os mais em geral CAPITULO I Dos Falções Nebris A primeira e segunda parte tratei da criação e caça dos Gaviões e Açores, n'esta se dirá da de Falcão, debaixo do qual nome se contem sete generos d'elles. Nebris, outros Bafaris, Tagarotes, alguns Gerifaltes, outros Bornis e tambem Alfaneques; outros Sacres e Aletos; os quaes são tão differentes na grandesa, ta- lhe e plumagem, como dissonantes nos nomes, e todos servem n'aquella real caça d'altaneria, que os reis e grandes do mundo tanto estimam; uns tomando as pos e 106 BreLiorHECA DE Crassicos PoRTUGUEZES garças mettidas nas nuvens, outros os grous, andando ás voltas com elles n'esse ar, d'elles afferrando os cis- nes e cegonhas pretas, outros nas abetardas e patas bravas, e todos caçando conforme sua inclinação e in- dustria do caçador, não escapando a ave do ceu que elles não prendam, e presas as tragam a terra, e as mettam debaixo dos cavallos dos caçadores. De cada especie direi em capitulo separado, começando pelos Nebris, por serem de todos os mais nobres, os quaes riam em Allemanha e no reino de Noruega e a Sue- cia; de lá os trazem os mercadores a Flandres e a In- glaterra, e a França, e os levam á Italia aos senho- res que 1h? os encommendam. Alguns vem a este reino; d'elles são ninhegos, ou- tros tomados perto d'onde dancR a e são duros de fazer como fica dito dos Gaviões, fallando da differença que ha entre os sáfaros e ninhegos; tambem criam em o ducado da Bramante, e estado de Milão. Em Hes- panha não sabemos parte onde os Nebris criem. Outros nebris vem de Indias de Castella nas frotas que vem a Hespanha, e tem os mesmos talhes e plu- magens dos de Noruega ; com estes vindos de ultra- mar convem ao caçador prudente se haja com cau- tella, porque podem vir doentes por não serem tratados como se estiveram em terra, e se haverá como dire- mos adiante. Outros Falcões nebris se tomam n'estas nossas co- marcas sáfaros; estes tenho por excellentes Falcões, e são mais estimados por serem tomados longe d'onde nasceram, e se vem cevando nas aves que de Allema- nha passam a invernar a estas partes, os quaes se es- palham por muitos reinos. Nºeste são vistos no campo de Santarem e no de Mondego, e no campo d'Evora e Beja. Em Castella, nas Rosianas de Sevilha e em terra de ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 107 o Olmedo, e em todas aquellas partes se deixam inver- nar d'onde acham grandes campinas, e aves de que se possam cevar; porque como são velocissimas não se lhe podem esconder, nem escapar voando. Tambem atravessam a França, pelo que os france- zes lhe chamam peregrinos, e se tomam cá com arma- dilhas. Os caçadores o maior trabalho que tem com elles é fazel-os domesticos e roleiros e mansos, que o matar já elles o sabem. De todos os que n'estas partes se tomam são mui estimados os do campo de Santarem e os de Mondego, e os de terra de Sevilha, e de todas aquellas partes d'onde ha grandes lagos e marinhas, nos quaes ha differentes aves, e se cevam em garçotas e meãs, si- sões, zambralhos, e ganços reaes; e a differença das aves os faz mais faceis de fazer e caçar tudo, o que não tem os tomados pelo sertão dentro que se cevam de pombas e gangas, e poucas vezes em aves gran- des, e algumas, constrangidos da fome, em zorzais; es- tes são mais trabalhosos de fazer por serem costuma- “dos a aves menores, e são buliçosos e algumas vezes deixam as ralés a que os lançam, e cevam a outras. Convem se carreguem de cascaveis ao principio até que soceguem, e os larguem em companhia de alguns »bafaris que com elles se aquiétam, porque os bafaris não se desmandam indo a outras aves. Mas são os nebris tão nobres, que havendo caçador pratico tudo lhe fará fazer bem feito. São os nebris treçós excellentes altaneiros e se põem “mui alto, e o borni terçó lhe faz companhia, subindo “com elle, e ambos aquietam; porque o borni não sabe Vir á caça, e fazem mui formosa voaria. Pero Lopes diz vio um terçó muito bom garceiro a “Monsieur de Ribeira Targe, e era d'el-rei de França. Havendo de escolher o caçador, ainda que poucas 108 BrBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES vezes acontece haver tantos tomados pelos redeiros que se deixem uns por outros, convem saber a eleição dos melhores, e as plumagens, e feições e talhes de ca- da um. Os Falcões nebris tem o branco muito alvo no peito e o demais preto; a estes chamam os francezes Falcões de damas, e são mui formosos e dôces de fa- zer, e de muito bom semblante, e tem a plumagem mais limpa que todos os mais, e os cabos um pouco mais compridos, e as côxas por dentro alvas; sahem excellentes garceiros; os caçadores castelhanos lhes chamam donzeis. Outros tem a plumagem ruiva, e a pinta grossa, são de grandes corpos e bons garceiros. Outros tem a plumagem parda e a cabeça pintada, e a pinta orlada de amarello; e não são grandes, mas de bom talhe e bem empennados. A estes chamam os castelhanos, coroados. E se tal o achar o caçador, trabalhe com elle, e não lhe pese do tempo que com elle gastar. Outros ha que tem a plumagem miuda e delgada como amarella; estes chamam zorzaleiros, e pela maior parte são miudos e boliçosos, e vão muito ás ralés e ás pombas; a estes carregal-os de cascaveis, como já disse, e trabalhe pelos não ennojar, que se es- candalisam com pouco erro, e sahem bons Falcões; e affirmo que tal é este genero, que havendo caçador e sendo tomado em boa comarca, que d'elles não vi ne- nhum aborrecido. Agora digamos suas feições e posturas : seja de bom corpo, bem feito, no peito muita carne, descarregado das costas, boas côxas, sanco grosso e curto, e as mãos grandes, os dedos compridos e delgados, e as ventas abertas, e que tenha algumas pennas por cima dos hombros de cada parte, que poucos Falcões as tem DEE Arte DA CAÇA DE ÁLTANERIA 109 que não sejam bem empennados; e o cabo de muita penna e vultoso, e a penna dura, e quanto mais bravo ao principio melhor será. CAPITULO II Do Falcão Bafari Tagarote s bafaris criam na ilha de Sardenha, d'onde tomaram o nome de sardos. Outros criam na Malhorca, outros em Roumania; estes da Rou- mania são granados Falcões e muito bons grueiros, e mui raivosos, de grande fome, e cainhos e apega- dores. Os Falcões tagarotes são contados e tidos por ba- faris; criam na ilha de Cabo Verde, e em Africa; os caçadores os estimam por bafaris por serem todos de uma condição; poucos d'estes são altaneiros, porque com a grande fome que mostram não se tem no alto, e em vendo as adens aguadas logo se pousam. Toda a sua ligeireza é em baixo, ainda que alguns . houve altanciros, Pero Lopes diz vêr um Falcão Malhorchim, a que chamavam donzella, excellente garceiro e bello alta- neiro, melhor que quantos el-rei D. Fernando tinha, o qual n'aquelle tempo tinha trezentos Falcões, cem garceiros e cem grutiros, e os mais altaneiros; e en- tre estes havia um bafari que derribava o grou e a cegonha preta, e a pata brava e o cysne, e o tinha até que chegava o caçador. Os tagarotes fazem o mesmo. Pero Lopes diz d'um tagarote que chamavam bota fogo, tambem d'el-rei D. Fernando, e não mui grande, IIO BrBLIOTHECA DE CLAssiCOs PORTUGUEZES e sem ajuda de outro matava o grou, e o tinha até ser soccorrido do caçador. Estes bafaris são mui bons perdigueiros, porque sua ligeireza é em o baixo com o peito por terra. Fazem muito formosa voaria em companhia dos nebris, por que os aquietam que não vão ás ralés; as plumagens d'estes, assim dos sardos, como dos de Malhorca e da Roumania, quasi todos tem uma condição, os da Rou- mania, são raivosos e golosos, maiores, pelas costas, de todos e mais ardidos. Os tagarotes são na côr e talho similhantes aos bafaris, mas mais pequenos na pluma- gem, como amarellos; a estes todos chamam em França — Falcões gentis; — d'onde dizem gentil de Sardenha, gentil Falcão da Roumania, e gentil tagarote. Em Aragão chamam a todos os bafaris monteiros. Havendo de escoiher seja descarregado das costas, grandes sancos, boas côxas, mãos compridas, e os dedos longos e delgados, muita carne no peito. CAPITULEONTI Dos Gerifaltes s gerifaltes criam em Noruega e Suecia, e n'aquellas partes onde dissémos criarem os nebris, d'onde os levam a todas as partes em companhia dos nebris. São estes mui grandes, maiores que todos os mais; os que d'elles sahem bons são mui presados dos prin- cipes; mas tem muito podres, porque são mui duros de fazer e covardes, e pela maior parte curtos de vista e gotosos, e sofrem peior o caparão que todos os mais Falcões, principalmente os treçós; convem ao caça- ArTE DA CAÇA DA ÁLTANERIA I1I “dor sabel-os levar a tento, que se queixam e recebem * grande escandalo errando o modo, dando-lhe com o caparão no rosto, e se assombram; e como são Fal- cões grandes e pesados, e tem as mãos grossas e car- nosas, adoecem de gota n'ellas, e de cravos; e que- rem-se trazidos na mão, e o caçador de bom tento. Os que d'elles são bons não lhe fazem nenhuns van- tasem; matam as garças em o alto, e vão a ellas com menos torneos que os nebris; e são no ar bem graciosos, posto que ao sahir da mão se mostrem pe- zados por sua grandeza, mas depois de tomar no ar seu alento são levissimos. Eu tive um maravilhoso garceiro e milhaneiro. O Infante D. Luiz, filho d'El-Rei D. Manuel, te- ve um gerifalte tão alvo como uma pomba, e ten- do-o por maravilha o não quiz aventurar á caça, o qual foi tomado em uma náu na altura do Brazil, atravessando o mar; d'onde o principe e outros ca- çadores imaginaram que n'aquellas partes devia ha- ver similhantes Falcões. As plumagens d'estes são o branco mui alvo, e o mais preto em pouca quantidade; estes são estrema- dos, principalmente os de Noruega, por sua formosu- ra parecem mui bem assim nas alcandoras, como nas mãos dos caçadores. Ha gerifaltes a que chamam letrados, porque o branco tem mui alvo, eo preto miudo á maneira d'um livro escripto. Outros ha a que chamam grizes, por ser o preto posto nas pennas brancas como grãos miudos, e são levissimos no voar, bellos em o parecer. Outros ha a que chamam rocazes, por serem de plumagem negra; são animosos. D'estes diz Pero Lopes que viu um a Monsieur de La Ribeira, camareiro d'El-Rei de França, que era LIZ BreLioTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES tão negro, que quasi se não devisava o branco, e na bondade o melhor do mundo. Ao principio se deve começar com estes pelas le- bres, porque perdem as cocegas das mãos, que elles de sua natureza são coceguentos, e voar com elles ás corujas, porque aprofiando com ellas tomam alento, e depois o treinem em a garça; e sendo já treinado n'ella algumas vezes lhe mostrarão a brava, largan- do-o em companhia d'algum mestre que pegue n'ella des que estiver rendida, e coma, ainda que alguns d'elles ha de tão bom esforço e animosos que matam a garça sem treina, por sua vontade. Tem necessidade de andarem sempre na mão do caçador, porque são mui pesados, e debantendo-se na alcandora correm perigo, e querem-se affagados, e que os amimem quando lhe tirarem o caparão, dando- lhe a roer em alguma cousa que tomem gosto. Querendo escolher, o primeiro que deve de fazer o caçador é vêr se tem cravos em as mãos, e se as tem inchadas, e se é curto de vista, o que fará mostran- do-lhe o roedeiro, e se se inclina a elle, e o buscará pelas feições, que seja descarregado das costas, e que tenha bom rosto, e o sobre-bico grosso, e boas côxas, bons sancos, ventas bem abertas, boas mãos, os de- dos curtos e grossos, ao contrario do nebri, e que não tenha grande cabeça. Os treçós d'estes são belissimos garceiros, e mui leves; queixosos porém, e mui delicados; tem neces- sidade de caçador que saiba e sofirido. DR VE A E O O a o Ea TED E Po do ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA II3 CXPITULO- IV Do Falcão Sacre s sacres criam onde dissemos criarem os nebris e gerifaltes. Os mercadores os trazem a estas partes co- mo os demais. Outros criam em Roumania, e são mui bons; os sacres tem outras plumagens differentes d'elles, são ruivos, outros tiram a brancos; e por mais mudas que tenham não mudam a côr das pennas como fazem ou- tros Falcões, e em nenhuma cousa mostram serem mudados, mais que parecerem as pennas alguma cousa mais claras que d'antes eram; tem umas orladuras ao redor das pennas que quasi se não enxergam. Tambem se tomam bravos; a estes chamam os ca- çadores — sáfaros — e são tidos em melhor conta, porque são mais doces de fazer, que os pôllos d'estes são esquecidiços e duros de fazer, e são bons gar- ceiros, grueiros e milhaneiros; tambem matam as perdizes, as lebres e alcaravões, e vôam melhor com o vento e tem-se mais a elle que os outros Falcões. São estremados terçós de milhano; os treçós d'es- tes são excellentes. Eu tive um sacre terçó do Prior do Crato, neto d'el-rei D. Manuel, que matava as garças, e muito bom milhaneiro; era muito pequeno do corpo, e por ser este lhe chamavam — bastardo; — era de plumagem quasi branco, no voar mui levissimo; nunca O vi cahir ao milhano, que furtando-lhe o corpo não tornasse a subir por cima d'elle mais de duas altas torres. II4 BrgLiOTHECA DE CLASsICOs PORTUGUEZES Vez aconteceu ficar elle só na briga, e trazel-o preso á terra, e estar o milhano aflerrado d'elle, e elle quei- xando-se do mal que lhe fazia, e assim esteve até ser por mim soccorrido. Querem os sacres que andem sempre cevados que depressa se reboram e esquecem, e são tão esqueci- diços que se uma só noite ficam no campo, e ao ou- tro dia os tope o senhor o não conhecem, nem o aguardam, por mais mimos que lhe façam. “Em Barmante voam com elles na ribeira; os melho- res para isso são os treçós por serem mais leves; são | Falcões mui grandes de corpo. Quando escolher, o ca- çador busque- lhe muita carne, tenha boas côxas, e A sancos, as mãos pequenas, os dedos curtos e grossos, descarregados das costas, e o cabo mais curto que fôr possivel; as azas compridas, e as pontas direi- | tas, ventas bem abertas; querem-se trazidos na mão, porque na vara embravecem, que são Falcões sober- | bos, e muito duros, e querem caçador de bom tento, | que poucos caçadores vi que os bem entendessem, só Pedro de Vezilha, caçador do Infante D. Luiz, entre | oitenta que tinha este senhor, se avantajava a todos | n'este genero de Falcões, e caçava com elles, muito baixos de carnes, e trazia sempre n'algibeira seixinhos redondos, do tamanho de plumadas, que ás vezes lhes dava em logar d'ellas. Costumava a dizer, «son vilhanos, no hacen cousa | por vertud», mas com lhe darem lavado e sua plumada | seca á noite, e matinados com boa madrugada, basta. Arre DA CAÇA DE ALTANERIA CAPITULO V Do Falcão Borni s bornis criam em muitas partes em Allemanha, F d'onde os mais, e no ducado de Saboia e no reino de Galliza, em Asturias de Santilhana Alguns são excellentes altaneiros, tambem matam. as garças; os proençaes se tem por melhores; todos caçam as perdizes, e alcaravões e as garçotas; os tre- çós são mui presados em França pela companhia dos nebris, porque não seguem as ralés e assocegam as adens, e quando os caçadores põem o nebri na ribeira a acha limpa. - Estes ao principio são graves de fazer altaneiros porque se pousam em terra, porém com os nebris so- bem. Querem andar em boa carne; ao principio vôe com elles o caçador as pegas, porque assim acostuma- dos tomam alento, e se fazem mestres, e depois o lar- guem em companhia do nebri na ribeira, e inda que se “ponha em terra não se enoje o caçador; e não se en- fade de o deitar em companhia dos nebris, que elle os Seguirá e virá a ser altaneiro; convem dar-lhe sempre a roer na derradeira ave que matar, porque se fará 'querençoso da .altaneria, que se quer governado dif- ferente do nebri, e não sabe remontar sem lhe darem a roer, e quando o caçador o pozer na ribeira levan- te- lhe a ralé estando perto, que não póde de longe al- cançar tão depressa como o nebri, e dois fazem boa companhia. | Pero Lopes diz vêr dois treçós em França, por que davam cem francos d'ouro. 116 ' BrBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES a São mui apraziveis. Eu tive um bellissimo perdigueiro, e matava com | elle uma duzia de perdizes, e as pousava tão bem | como um Açor. b Querem-se trazidos na mão. Em suas feições buscal-os-ha o caçador descarre- gados das costas, largos de hombros, e tenha boa | carne, bons sancos, boas côxas, mãos grandes, os de- | dos curtos e grossos, a cabeça chã, os olhos encova- dos, bom bico, o cabo vultoso e curto e boas ventas; e posto que digam que os bornis com qualquer vianda passam, se o caçador lh'a der boa o sentirá em o voar. Os safáros valem mais que os ninhegos. CAPITULO:VI Dos Alfaneques S alfaneques criam em Africa, no reino de Tre- mecem; tem as cabeças brancas, d'elles são | ruivos, outros pretos na plumagem, e tem as côxas longas. Ha tambem Falcões entre bornis e alfaneques, que | são quasi do tamanho dos tagarotes; os mouros são q grandes caçadores d'estes, principalmente os alarves, | que se presam tanto d'isso, que na guerra trazem a lança na mão direita, e a adarga na esquerda, e o Falcão no hombro; e se presam d'isso ainda que | andem sujos das suas tolheduras. Os alfaneques são Falcões apraziveis; matam bem | (e formoso) a lebre, principalmente quando são dois, | porque não pegam d'ella; vôam bem ás perdizes, mas | pouco as assentam. ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA II7 Matam os doraes, as graçotas e corvos, e se os acostumam a altaneria fazem-no muito bem. Querem-se delgados e bem roleiros, porque em lhe dando um pouco de sol se perdem, que são Falcões muito quentes; são melhores na terra fria que na quente ; são sujeitos a cravos em as mãos. Pelas feições se buscarão como os bornis. CAPITULO VII Dos Aletos s aletos criam em Indias de Castella e no Bra- zil, e vem nas frotas a Sevilha. São pequenos na plumagem, differem de to- dos os demais. Parte do peito, côxas e oveiro tem vestidos de pen- nas ruivas, e o papo sem nenhuma pinta; o ruivo tem côr de milhano, a cabeça cercada quasi toda d'uma lista de pennas da mesma côr, debaixo das azas, em alguma parte das titelas, tem pennas pardas com pintas atravessadas, como que imitam as dos outros Falcões; tem as azas compridas, o cabo para o corpo bem formado, e as mãos delgadas, os dedos compri- dos; é gracioso á vista; não os vi caçar, tem geito de grandissimos voadores e que matarão tudo. Com elles caçam as perdizes, e são tão porfiados em as matar, que nas balças eutram com ellas. O licenciado Filippe Butaca Henriques, natural da cidade de Evora, me affirmou que os vira no Porto do Calvo e Rio das Pedras, na capitania de Pernambuco, onde elle veio dar á costa com uma embarcação vindo de Angola o anno de 605. I18 BrBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES Esteve ali trinta dias, e n'este tempo por toda aquella costa viu estes passaros, que eram maiores que Gaviões primas, e menores que Falcões; e notou d'elles serem grandissimos voadores, tanto que a vista os não podia alcançar para notar d'elles tudo: muitas vezes os viu tomar papagaios e outras aves, e no ca- çar serem mui porfiados, e perseguil-as mostrando muito animo, e se mettiam com os passaros por den- tro das arvores, e não descançavam até os não leva- rem nas unhas; e que desejou de os trazer a este rei- no, por entender que os principes e senhores os te- riam em estima. Quem os quizer trazer de lá pode-os criar em pequenos como os Gaviões, e pelo mar os tra- gam depois de criados como diz no capitulo que trata de poderem vir os Açores de Allemanha, porque quem os souber trazer interessará n'isso muito di- nheiro. Os aletos além de matarem perdizes, matam alca- ravões, pegas, e são estimados de todos os caçadores geralmente. ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA II9 Regra geral de advertencias e precei- tos que mostram a caça do Falcão ne- bri, pelos quaes pode o caçador ensi- nar todos os mais generos de Falcões. OR vezes se disse em como de Noruega vem Falcões e Açores, e de outras partes do mar em fora, a nossa Hespanha, e como n'este reino se tomam nebris sáfaros, e fica dito de cada ge- nero de Falcões em capitulos separados, para que o curioso soubesse bem a sorte de cada um d'elles. Agora se mostrará como se amançam e ensinam a caçar. E posto que não falle mais que do nebri, sendo sete os generos de Falcões. E digo que por este sómente ficarão sabendo ca- çar com todos os mais; não duvidem. Porque ainda que sejam differentes, nos generos e nas terras d'onde nascem seguem todos um modo de viver, os quaes buscam a comida de que se hão-de sus- tentar por um mesmo estylo, mantendo-se todos de aves vivas que caçam; o mesmo faremos nós fallando do nebri sómente, porque elle de todos é o melhor, e que no caçar aves differentes é mais atrevido. Quando de ultramar vierem Falcões pode-se ima- ginar virem carregados de humores, e com receios de enfermidades futuras, por não serem curados como é necessario, faltando-lhe as bôas viandas e não lhe - dando as plumadas a tempo, nem agua e sol, trazi- Riga atas Tas >, dos sem nunca lhetirarem os caparões, que em terra 120 BrprioTHECA DE CLAssicos PORTUGUEZES aa os temos nós aonde lhe accudimos com muito cuidado, e os não podemos conservar nem vêr livres de enfer- midades, pela qual razão se deve ter advertencia na eleição. Primeiramente lhe contarão se tem todas as pennas das azas e cabo, porque podem ter algumas quebradas das reaes por dentro do cano, que na muda se não possa o Falcão valer do bico para as lançar fóra, por estarem quebradas por dentro da carne, ainda que acontece poucas vezes, que as quebradas podem-se enxerir, que melhor fôra serem sãs, e estas ficam sendo grande falta no Falcão; e lhe olharão a bocca se tem gosmas, e os olhos se tem névôa n'elles, e se tem as mãos inchadas com cravos ou principio d'elles, e se tem todas suas unhas, e se vem carregado d'agua. Tendo notado as doenças se buscará pelas feições e plumagem, e se não achar tudo junto em um só, tome o melhor que é ser de bom corpo e pluma- gem, que o Falcão pequeno e de pouca carne não póde ser de proveito; posto que ao principio dê muitas mostras boas, é de pouca dura. O dia em que o caçador comprar e tiver escolhido lhe dará seu banho, porque se depois de manso lh'o der, annojar-se-ha e ficará peior que d'antes, e por escusar este perigo se lhe fará logo, e depois se lhe porão piós de couro bem adubado e brando, e não se- jam apertadas, e avessadas e cascaveis, as quaes se- jam conforme ao corpo, e lhe porão caparão de bom couro delgado e tezo, e que o não deite fóra da cabe- ça, ainda que se sacuda ou coce, e que lhe não faça mal aos olhos, e quando lhe tirarem o com que vier seja de noite á candeia, e o mesmo se fará sendo aqui tomado, quando lhe descozerem os olhos para lhe po- rem outro com o qual ha de estar sempre. Feito isto ande na mão de dia e de noite, e sejam ARTE DA CAÇA DA ÁLTANERIA I21 vinte dias, pelo menos, ainda que n'isto não ha regra certa, que a condição da ave mostra ao caçador o que deve fazer; e como estiver manso e comer sem “receio e aguardar o caparão, e que lhe ponham a mão pela cabeça, isto sem lhe fazerem affagos, nem mimos, que para cs amansarem não convem estes, se não depois que elles se entregam e mostram ami- gos; depois que fôr segurando trará seu roedeiro, no qual lhe darão algumas picadas, tirando-lhe o capa- rão, e lh'o tornarão a pôr mansamente com a mão muito leve, e não no tirem dando-lhe com elle no rosto, que se annojarão. E se ao principio o sáfaro não quizer comer, não se .cance o caçador por isso, porque o faz de bravo, e com a carne lhe esfreguem as mãos por cima, que elle de bravo accode a morder no que sente, e achan- do a carne apegue n'eila e coma; e assim se haverá como vir que convem. 122 ' BreriorHECA DE CLassicos PoRTUGUEZES . Advertencia segunda de como se deve proceder com o Falcão até ser ro- leiro OSTRANDO fome e que abre as azas, como. | guargantão, lhe darão d'um coração de vacca lavado, limpo de gordura e nervos, feito em pequenos, desfeito em agua mórna por alguns dias, e depois lhe darão de um frangão feito em pedaços, la- vado em agua morna, e os ossos das juntas e côxas quebrados, com uma pouca de carne com elles para plumadas, e tenha o caçador cuidado vendo se a fez. Vendo o Falcão logo quando lhe tiram o caparão que vae buscar a mão, se tem que comer trarão uma perna de gallinha envolta em um panno de linho limpo no seio e dê-lhe algumas picadas e a depennar, e estando no melhor sabor lhe porão o caparão doce- mente, e como tiver fome verdadeira aperte-se com elle e veja se quer saltar na mão, atando porém a aves- sada na luva, e se na mão saltar lhe dê de comer de boa vianda, fazendo-lhe todos os mimos possiveis, e como saltar na mão sem receio, e o fizer todas as ve- zes que lhe mostrarem o roedeiro, e não olhe a outra cousa senão ao que ha-de comer, então encarne o rol com dois corpanços de gallinha, de cada parte seu, suas cabeças, pescoço, e cabos, e azas, e com outras | de outras aves, de sorte que fique o rol bem encarnado | de ambas as partes. | Tome um cordel delgado, mas rijo, bem feito e pn A ArtTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 123 comprido, e o atarão nas avessadas do Falcão, e sahi- rão ao campo, limpo de cardos, matto e pedras, e ali darão de comer ao Falcão em cima do rol tantas ve- zes até que o conheça ; e o comer que então lhe derem, “seja do melhor que houver e tiver, e lhe dará o cora- ção da gallinha e seus doces, e uma perna; e em- quando estiver comendo lhe darão vozes, cantando, dando com a luva em terra, porque vá perdendo o medo e saiba que a similhantes acenos e brados lhe hão-de dar de comer, e venha quando o chamarem; e tudo lhe farão com muito resguardo, que se não as- sombre; e á noite lhe darão um pouco de comer em agua morna, e suas plumadas. Conhecendo o Falcão já bem o role o siga, eb não possam desapegar d'elle, façam-no vir voando a elle atado todavia com o cordel; e aquelle que o tiver na mão o tenha de arte que veja o Falcão bem o rol. E o tenha peitavento e sol avesso, que se estiver os olhos no sol não poderá vêr as voltas que com o roi se dão quando o chamam, e se perderá largan- do-o sem o vêr; e aquelle que na mão o tiver não o arremesse, e aguarde que o Falcão por sua vontade saia. E a pessoa que o chamar lance-lhe o rol á ilharga, e não de rosto, e em logar limpo para que o veja, e se pouse logo n'elle; e depois que o Falcão estiver no rol vá o caçador mansamente fallando-lhe, e ali lhe dê a melhor vianda que tiver, e des que comer levante-o com um roedoiro, e deixe-o alimpar o bico ; e des que se sacudir lhe porão o caparão, e tral-o-hão quieto e socegado; e vindo já bem ao rol o chamarão á tira sem cordel, em parte d'onde não haja gente, e no rol lhe dêem algumas gallinhas a degolar, de modo que elle as não veja, metendo-as por debaixo do rol, 124 BiBLIOTHECA DE CLAssICOS PORTUGUEZES | e beba do sangue d'ellas, que para amansar um ne- | bri todo este resguardo e trabalho se ha-de ter por trinta dias; e depois vôe em a ribeira, ainda que tudo será conforme á condição do Falcão e industria do caçador, que eu vi meu pae em sete dias treinar um Falcão, pouco depois de ser tomado. ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 125 Advertencia terceira, do tempo que se ha-de pôr o Falcão n'agua, e da arte que se tera até de ser cevado na Fi- beira STANDO n'este estado, se fizer dia claro e de bom sol, provem-lhe a agua em logar apartado, em boa gamella limpa, ou alguidar em parte d'onde haja sol, e o caçador esteja sempre junto a elle tendo prestes o roedoiro, uma luva calçada na mão; não no constranja a que entre na agua contra sua von- tade, e para que o faça lhe chegarão o roedoiro, e vêr se com apegar n'elle quer entrar; e lhe darão dos seus doces, que são os sainetes, que são os doces com que elles folgam muito. E não querendo socegar o levantarão na mão, sem escandalo, que se o quizerem forçar a que prove a “agua se annojará. - “Quando o pozerem n'agua seja com ter comido "meia perna de gallinha sómente, porque levando muito papo terá dois trabalhos, um em o gastar, ou- tro em se enxugar; e sempre lhe costumem provar agua de tres em tres dias. Depois que fôr banhado se porá um pouco á som- bra, porque com o sol rijo torcem as pennas indo molhado, e depois de assim estar um pouco, o po- nham ao sol, para que se enxugue, e assim procede- rão aos poucos. E se fôr tarde, e não tiver logar de se enxugar, na eos == 126 BrsrioTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES | casa d'onde de noite se pozer lhe porão duas candêas | accezas para que cure de si e saccuda; e pela manhã. lhe darão um membro de gallinha, e sendo geri-l falte ou tagarote lhe deem conforme a cada um, e! suas plumadas d'algodão ou de fios; tambem se dão. de estôpas com algumas picadas de carne com ellas, | e guardem sempre não lhe dêem nervos que os não | gastam bem, nem gordura, que os enfastia. q Os francezes e allemães tem este regimento :) quando dão de comer ao Falcão, de ave viva, lhe pas- | sam o comer por agua fria, e sendo de ave ou carne | fria, a passam por agua morna, e é proveito para ter | o Falcão sem orgulho. Isto principalmente fazem os caçadores de Bra-' mante, que são grandes citreiros, e o tem por officio, e! dizem que a vianda muito quente encende o Falcão, . e a carne fria causa enfermidades. Eu a tenho por boa praticá. Sendo caso que o Falcão tenha pequenas ventas, | que é n'elles falta principalmente no altaneiro, que | tem necessidade de vir abaixo e tornar-se e levantar | acima, convem tenha alento e resfolgo soito, lh'as! abrirão com um canivete até que deite sangue, e em, cima lhe porão algodão sómente, e sarará; e fica o | Falcão com boas ventas. e Guarde-se de o lavrarem com fogo, que perderá o. bico, porque o fogo lavra por alguns dias. 4 A alcandora em que houver de estar seja grossa, e! não porão o nebri junto ao sacre, nem borni, nem na | alcandora d'onde elles estiverem, por razão do pio-H lho de que elles são mui sujeitos, nem aonde hajam! estado gallinhas, nem em casa d'onde haja fumo, nemh pó de cal, que ambas estas cousas damnam a vista, el debaixo da vara estará sempre a terra varrida, paral que se veja se fez a plumada; e não lhe deem de co- “mer até que o Falcão a não faça, e se a não fizer, fa- “rão como diz adiante o capitulo que d'isso falla. Debaixo das mãos do Falcão lhe porão sua luva “branda, e de inverno um panno de côr, o que se faz para conservar a saude. E sendo o Falcão bom altaneiro vôa as pegas em parte d'onde não haja arvores, que se desenvolve e “se costuma a vir baixo e a levantar-se; e faz boa voaria, cria alento e guarda o mestre e cria ligeiresa,. “e tendo voado assim um pedaço lhe dêem rol e de “comer, e des que voar as pegas algumas vezes bus- “quem mestre para o deitarem com elle em companhia sobre a agua, e faça seus tornos e se irá com elle á » ribeira. Larguem primeiro o Falcão mestre que achegue ás “adens; então largarão o novo e o deixem com o mes- E tre. * E sendo as adens levantadas, e o Falcão seguiu o “mestre, com a adem que cobrarem deem rol ao novo Falcão para que a conheça, e se lhe dê uma perna d'ella, e a lingua mastigada e o coração ; e d'esta ar- te se governará até que conheça as adens muito bem por si só; e procederão alguns dias d'este modo com o Falcão em companhia do mestre, e querendo voar e houver adens sobre as quaes quizerem largar seja em logar limpo d'onde se possa soccorrer por terra en- xuta fóra de atoleiros nem genedais, junqueiras ou = arvores; nem balças, porque ao golpear o Falcão se- = não embarace e aleije, nem haja barrancos que im- | pida ao caçador soccorrer-lhe. Busque o caçador lagõas e ribeiras em terras lim- “pas, e quando largar venha o caçador vento abaixo | arredado da ribeira até que o Falcão tome sua altura, que se d'outro modo o fizer, e não tomar o vento ás adens, levantar-se-hão, e o Falcão tirará após ellas e 128, BrgLiOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES poderá perder-se; e fazendo como digo, o Falcão to- ma sua altura por cima das adens, as quaes se asse- guram, e o Falcão toma vista d'ellas e conhece sob o que vôa, e então se levanta em maior altura. Não seja o caçador cubiçoso de levantar as adens antes de o Falcão tomar a altura que convem, por que se costumará mal não se levantando no alto, e aguardará voando baixo que lh'as levantem; e a ga- lhardia d'esta caça é levantar-se o Falcão bem alto, e levantando-lh'as andando baixo, não tem altura para alcançar e golpear, e voará pelo adem á tira, e é feio caçar e desgostoso, e pode acontecer perder-se o Falcão. Levantará o caçador as adens peitavento, ou ao atravez, que se levantem ellas por secco estando o Falcão bem alto, porque então desce o Falcão melhor e ellas, entendendo que póde arrecadar, e se a adem se accolher a agua levante-a d'ella, deixando primeiro tomar ao Falcão sua altura, e se a levar nas mãos accuda-lhe logo tirando-lh'a mansamente, e cavalgue e corra outra vez a ribeira até que se levante o Falcão ; e se outras adens ficarem e as quizer voar, faça como fez de primeiro, e não querendo voar mais dêem rol e de comer uma perna de galinha, e a lingua e cora- ção da adem, e a guarde o caçador até que o Falcão se sacuda e alimpe o bico. A ArTE DA CAÇA DE ALTANERIA 129 Advertencia quarta, da arte que se tera com o Falcão pólio, e a-causa porque convém que na caça da altaneria tra- ga o caçador gallinha viva E o Falcão seguir alguma ralé e fôr pôllo, em principio esteja o caçador quedo e dê-lhe vozes e chame-o para que torne, e se aos brados não vier dé-lhe rol, e se acudir a elle dê de comer, que de agradecer é, pois que acudio ; porém se o Falcão fôr já voante, e sabe o que ha-de fazer, e sae como dito é, e torna havendo adens, deixem-n'o andar, e levan- tar-lh'as-hão fazendo o caçador o que convem. Advirtam que não façam andar o Falcão sobre adens meudas havendo pouca agua, porque quando o Fal- cão vem a golpear não ache corpo na ralé de que possa afferrar, e dá em terra, e pode-se aleijar; mas se a agua fôr muita e houver serzetas e trulhos, e outras aves pequenas, façam porque o Falcão as vôe: porque ellas tornam á agua, e Os Falcões se aperfei- çôam muito emquanto são novos, que se costumam a levantar e cahir abaixo, e se affeiçoam e tomam que- rença. Depois que haja um pouco voado, e acutilado com ellas, se dê rol perto d'agua, e de comer, ainda que não arrecade. E se o caçador topar adens em secco não vôe até que ellas não entrem n'agua, porque alevantando-as voará o Falcão atraz d'ellas e se perderá o lanço; mas FOL. 5 VOL. I 130 BrsLiorHECA DE CLAssiCOS PORTUGUEZES are estando ellas junto d'agua aguarde a que entre n'ella, e se não entrarem não larguem o nebri; mas tendo borni treçó altaneiro façam-n'o voar e pôr em altura, e ellas entrarão, e se se forem, o borni não n'as segue e não se aventura o nebri. Isto fazem as adens commummente em tempo de grandes geadas, porque não podem romper as aguas com o caramello; tambem estão quasi em secco quan- do ha muitas aguas e as hervas cobertas d'ellas, e as adens tem sómente os pés mettidos n'agua e cu- ram de si. Guarde-se o caçador de as voar estando como digo. Trabalhe o caçador e ponha toda a sua sciencia em fazer revoar o Falcão, e remonte que n'isto está o ca- bedal do nebri; e quer arrecade ou não, não dê rol ao Falcão senão voando algum pouco, porque quanto mais alto estiver dando-lh'o, tanto melhor, e estando pousado em terra ou em arvore, ou sobre alguma casa, aguarde que se levante, e cavalgue e vá pela ribeira dando-lhe vozes, e desde que se levantar, an- dando um pouco sobre a agua, e não houver aves que lhe levantem, então lhe darão rol e de comer. Algumas vezes, se não querem levantar as adens que estão rendidas na agua pelo grande mêdo, e os Falções raivosos se pousam em a ribeira perto d'ellas, outros vendo-as rendidas n'agua se lançam a ellas, parecendo-lhes que as pódem tomar. Isto se escuse com o remedio que possivel fôr. Cobre-se o Falcão o mais presto que poder, e ás varas e pancadas cobre a adem que está morta, e ca- valgue e corra a ribeira para que o Falcão se alce, e “estando alto lhe dê rol, e se o Falcão estiver tão mo- lhado que se não levante, tomem-n'o na mão, e por espaço d'uma hora inteira não lhe dêem de comer. ArtTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 131 : E se o Falcão se costumar a fazer o mesmo, e o faz a meudo, antes sofiram que se perca a adem, e lhe | déem o rol, porque não siga este costume, e é cousa » que elles fazem muitas vezes com grande fome, e por "| andarem baixos ponham-nos em-carne. Trará o caçador comsigo sempre gallinha viva, porque se o Falcão matar as adens, ou outras quaes- quer ralés, lhe não dê a comer d'ellas, se não cousa pouca, e o coração e a lingua, e o demais seja gal- linha, a qual traz os Falcões temperados, que as car- nes das aves montezinhas fazem os Falcões orgulho- sos e engordam muito, e não accodem ao rol como devem. A gallinha seja nova, sem gosma, nem doença al- guma. O dia que não voar o Falcão na ribeira, ou por outra prisão, lhe déem rol, e guarde-se não haja névoa, nem chuva, nem muito vento; e se dê então rol junto do caçador, o que se faz porque saiba o Falcão que tanto lhe dão a comida por caçar como por vir ao rol, e tendo gallinha lhe dê encoberta- mente a beber o sangue, que é muito bom. Perserva de lombrigas e filomeras, e toma o Fal- cão affeição ao rol; e sendo póllo, antes de entrar em a muda no mez de maio vôe com elle os sizões, que se desenvolvem, pondo primeiro o Falcão que tome sua altura, e depois se levantarão os sizões, e arrecadando, lh'o tirarão da mão docemente, e se porá a cavallo e o tornará a fazer revoar. E se quizer voar outros, havendo-os, se não dê rol; tambem é bom voar n'aquelle tempo os martinetes, que é tão boa voaria como de garça. $ Muitas aves ha que se podem voar com o nebri, "mas de nenhuma acho eu maior numero, que das adens, porque entre ellas ha muitas “castas e fortes; x pa Ao 7 4 132 BrpLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES PAR) com todas façam voar o Falcão de uma maneira, lar- gando-o primeiro que tome sua altura, como muitas vezes disse, e depois levantar as adens; mas a todas as mais prisões (salvo aos sizões) se largará o Falcão a braço tornado, assim as garças, como os grous, martinetes, corvos calvos e alcaravões. Tambem é bom algumas vezes voar a perdiz, por- que a perdiz faz voar o: Falcão, redondo e alto, e mos- tra n'isso certa galhardia; e vôe como disse se ha- jam de voar os sizões; e se arrecadar não lhe dê de comer, e cavalgue e revõe; e desde que houver bem andado no ar, antes que se enfade se lhe dê rol e de comer; e quando voar perdiz não traga mais que um podengo ou dois bem acostumados, e quando voar não seja onde haja arvores, porque ao golpear não se aleije. O dia que o Falcão voar se porá no campo atado em uma pedra com as avessadas, para que cure de si, e o logar onde se puzer seja cercado de parede em parte d'onde esteja quieto, e o caçador junto a elle, porque se se enfadar lhe accuda. Esta pratica teem os Bramantins, e dizem que com isto tomam os Falcões prazer, e curam de si; nós não no uzamos. aa ARTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 133 Advertencia quinta, do modo e arte que se ha de ter com os Falcões tomados tarde o UITAS vezes se tomam tarde os nebris safaros; e não fica tempo para caçarem com elles por ser perto da muda, pelo que o caça- dor pelas manhãs frias de verão, e tardes, o fará voar os sizões e alcaravões, e adens; e assim vá com elle, ora caçando, ora dando-lhe rol. Tambem võe os martinetes, e des que o Falcão começa a mudar, e derriba muito das azas e cabo, traga-se na mão, e sofira-se quanto poder de o não pôr na muda; mas sendo as pennas em sangue então o metta n'ella, e esteja quieto até acabar de mudar. O caparão, como já disse, seja que não faça mal aos olhos, que muitas vezes com se molhar se enco- lhe e dobra; e descuidando-se póde o Falcão padecer desgosto, e cria nevôa nos olhos. À's vezes incham as mãos por serem as piós aper- tadas; cortem-lh'as e ponham outras, como já disse. Estando tudo concertado tenha seus cascaveis com bom soido, que as adens com elles se aquietam em . as aguas; e se o Falcão fôr buliçoso bom é carre- galo d'elles de quatro até seis; e sejam de um ta- manho, porgue andando o Falcão perdido o ouçam os pastores do campo, e se ache depressa; o qual se buscará d'onde se perdeu rosto a vento; e trará sem- pre caparão de resguardo para se valer perdendo o cs co 4 134 BrpLioTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES do Falcão, por não ir debatendo-se com a cabeça descoberta. Não lhe esqueça gallinha viva, nem rol bem con- certado, e perdendo-se com a ave, e achando-o com ella nas mãos a tirarão, que entenda que não estão contentes do que elle fez. a E alguns ha tão sagazes que sentindo gente se deitam “sobre a prisão para que o não vejam; e se voando se acharem, e accudir ao rol, lhe darão sua gallinha a degolar n'elle. Não tirarão os cascaveis ao buliçozo até não quie- tar, não deixarão crescer o bico tanto que não possa o Falcão comer, porque além de parecer mal, fen- de-se e come resfolegando, como que cança, é se car- rega d'agua; e quando lh'o cortarem seja com bom tento, que não chegue ao vivo. As unhas traga curtas, principalmente o altaneiro, e a todos os mais as não cortem. Trabalhem que o Falcão vôe pela manhã cedo, que é bom costume, porque então as aves miudas não ap- parecem, nem as aguias; e tambem vôem á tarde, porque o nebri quer-se voado duas vezes. Tendo nebri que se avantaje na altanéria, e ande bem alto e redondo em a ribeira, em a mesma caça se sustente sempre, porque ó dia que garceiro o fize- rem se fará preguiçoso, e a belleza da caça de Falcão é ser bom altaneiro, que garceiros muitos Falcões o são, mui excellentes, e altaneiro famoso não se acha a meudo. Durma o Falcão na camara do caçador, ou da pes- soa que o tiver a cargo, porque soltando-se lhe accuda. Alguns caçadores os tem soltos, outros nas alcan- doras, conforme cada um ao que lhe parece. Eu sempre o tive na alcandora atado com uma luva debaixo das mãos, ou panno de côr, sendo de inverno. ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 135 LNLS LNLS LS ASS -» Quando o Falcão tomar alguma bôa ralé, como garça, não lhe déem logo a comer n'ella, e depenne primeiro um pouco, e desgaste-se, que comendo com aquella colera se esquentará muito, e mais comendo de aves montezinhas, pelo que lhe darão de comer cesde que se haja desenfadado depennando, e não lhe consintam que beba do sangue, que esquenta muito e faz o Falcão soberbo, que o nebri, de sua natureza é bem, por sua condicção nobre e exforço e ardideza, pelo que convem se governe temperadamente, e sendo caso que algumas vezes não desça com a furia que costumava, então lhe déem a comer da adem que to- mar em » peito d'elia, por tomar sabor, mas isto seja poucas vezes, salvo se o Falcão fôr tibio e duro de fazer. Sendo caso que o Falcão tome tal ave, como gra- lha ou sisão, contra vontade do caçador, lh'a tirem das mãos, de modo que entenda elle que não fez bem, e lhe porão o caparão, e o deixem estar assim gran- de pedaço. Algumas vezes lhe podem dar de comer de carne de lebre fresca, que é bôa de gastar, e alimpa o buxo, e seja isto uma vez no mez, e lhe não dêem o sangue d'ella porque desseca o Falcão, e lhe faz olfego, que é como em nós asma. 136 BrgLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES Advertencia sexta, que mostra a arte e, preceito que se deve ter no covar os” nebris nas garças / UITAS vezes acontece matarem os Falcões as garças sem treina, como aconteceu io Ga- vião de que fallei em sua caça, porque cos- tumados a caçar aves meudas se passam a outjas maio- res com facilidade. Se o Falcão olha a garça, e chega a ella e a não afferra, se abaixará da carne, e lhe darão fome, e se com isto não apegar d'ella busquem Falcão mestre que seja bom garceiro, e quando o Falcão fôr rendendo a garça tirem o caparão e larguem o/Falcão, o qual se ajuntará logo com o mestre, e na/garça lhe darão a depennar, e o deixem estar n'ella para que a co- nheça, e se lhe dê o coração e as canadas, e uma per- na de gallinha, e quando estiver /em cima da garça com aquella colera lhe deixem comer algumas pica- das d'ella; isto de dar de comer na garça se não fará nunca senão n'esta occasião, porque é viçoza, € em- pacha muito, e tem um cheiro grande de carne mon- teza, e muitos Falcões a deixam por isso. Depois que o Falcão tiver comido em cinco ou seis garças, matando-as já sem mestre denodadamente, mos- trem-lhe a garça esquiva á qual deitem primeiro Fal- cão que a remonte, e sendo já em bôa altura o lar- guem, que não é bom costumal-o a que mate as gar- ças no baixo. Quando o largarem seja peito a vento, ao contrario das adens, que as garças tomam vento j -+ E y E [ AS 14 M 5 “q ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 137 abaixo, e fica sendo melhor lanço encontrando-se, e tenha lembrança que não largue em rio grande d'on- de não possa o Falcão ser soccorrido. E o dia que o Falcão houver de voar garça, leve bôa fome, e vá descarregado com cascaveis leves, e não esteja ao sol; e se houver adens ou outras quaes- “quer ralés, faça de modo com que a garça fique e as adens remontem, porque largando o Falcão, estando todas juntas, largará elle a garça, e se irá ás adens, e perder-se-ha o vôo da garça. E se as não viram antes de largar o Falcão, traba- lhe quanto fôr possivel pelas não levantar, que já então não ha outro remedio. Tendo já o Falcão a ponto para o treinar na garça, e carecendo d'ella, trabalhem por haver garça viva, e n'ella lhe dêem a degollar algumas gallinhas escon- didamente por baixo das azas, e tendo já o Falcão conhecimento d'ella, larguem-lh'a, voando em pouca altura com os olhos cosidos, e um pequeno de cortiça mettida no bico, porque não fira o Falcão, e seu cor- del delgado e rijo atado nos sancos, e em terra limpa porque elle se não embarace; e a segunda vez larga- rão a garça com meia vista, e a terceira esperta, con- forme ao Falcão mostrar vontade. E para a elle ter lhe farão boa fome, como já mui- tas vezes disse; entrando n'ella com boas azas irá o caçador buscar a garça brava, e faça bom lanço, e vôe sobre tarde, e seja garça de morada, que são aquellas que sempre costumam uma ribeira ou lagõa, que o Falcão fará seu dever. Convem que os caçadores tenham garças vivas para os ensinos dos Falcões, os quaes vivem muitos annos, mettendo-lhe o comer pela bocca, que será carne sem sal, e peixinhos do rio, e por que ellas teem o pescoço muito comprido ha-de ter cuidado o 138 BreLrioTHECA DE CLAssICOS PORTUGUEZES que lhe der de comer, de com a mão lh'o levar á foz do papo. As piós que lhe atarem sejam postas por cima dos joelhos, porque se pelos pés lh'as pozerem, debatendo- se, darão comsigo em terra, e acabarão a vida muito depressa. Tenha seu caparão na cabeça bem aberto que veja por elle, que a continuação d'ellas verem quem lhes dá de comer, as faz amigas e domesticas. Eu tive uma d'este modo e viveu muitos annos, e veio comer por si, e tomar da mão o que lhe davam. O Marquez de Ferreira, D. Francisco de Mello, grande senhor n'estes reinos, tem muitas garças, mar- tinetes, zambralhos, colhareiras meãs e garçotas, em uma torre que tem nas suas casas, na cidade d'Evora, e n'ella lhe manda pôr alguidares com carne feita em pequenos que possam ellas engulir. Na sua villa d'Agua de Peixes tem as mesmas aves, e vivem assim curadas, que este senhor tem para lhe não faltarem treinas. Arte DA CAÇA DE ÁLTANERIA 139 Advertencia setima, que mostra como se faz 0 vôo de Milhano com Gerifaltes e Sacres os capitulos dos gerifaltes e sacres, disse bre- vemente de sua caça, mostrando mais seus talhes, plumagens e feições, que o ensino nem “caçar d'elles, remettendo-os com todos os mais ge- neros de Falcões á regra geral da caça dos nebris, por evitar prolixidade, e fugir a dizer as cousas mui- tas vezes; porque o caçador que bem reger e gover- nar os nebris em tudo, com todos os mais se saberá entender, assim na caça, como no ensino d'elles; ain- da que na caça dos milhanos como se faz com Fal- cões, em companhia de gerifaltes e sacres, me pareceu cousa conveniente mostrar como os praticos caçado- res os fazem amigos e bons companheiros, para se ajudarem contra o vilão do milhano, o qual no voar tem agilidade e levidão, e no furtar o corpo aos gol- pes dos Falcões é manhoso e muito leve, tanto que muitas vezes baixa o Falcão cahindo a elle para o le- var nas mãos, e o sagaz e levissimo milhano, furtan- do-lhe o corpo ficar o nobre Falcão em vão e frus- trado, muito longe do que pretendia, e o milhano melhorado na altura, pelo que são necessarios dois Falcõôes companheiros, gerifaltes e sacres, e ás vezes tres sacres. Esta voaria é mui excellente; podem voar tres Falcões sendo bellos companheiros, dois milhanos = 140 BreLioTHECA DE CrAssicos PORTUGUEZES cada dia, que são faceis de achar; os Falcões se | fazem mestres n'esta voaria depois de rolleiros, dando- lhes de comer sobre os milhanos, e a degollar algumas | gallinhas do modo que acima digo, escondidamente | por baixo das azas. | E como tiverem conhecimento do milhano, lhe atarão sobre as costas d'elle um pedaço de carne com arte, que o veja bem o Falcão, e com ella largarão o milhano atado pelos sancos com um cordel delgado, rijo e comprido, e o bico debaixo quebrado, para que não escandalise o Falcão mordendo-o; e os alcanços tambem atados aos sancos, porque não fira o Falcão com as unhas, e assim o largarão com os olhos cosi- dos; indo voando no ar baixo, largarão o Falcão ti- rando-lhe o caparão, depois do milhano ir voando, porque como leva os olhos cosidos, vão voando a tento e são cubiçosos, e se o Falcão apegar d'elle lhe darão a comer de alguma ave viva de que elle tome gosto; e conforme apegar irão descozendo os olhos ao milhano até o largarem com a vista toda. Notem que não ha-de treinar os Falcões tantas ve- zes no milhano, que venham em conhecimento das | treinas, que será grande erro. Eu vi um sacre pôllo, o qual conhecia tão bem o milhano que ihe deitavam de mão, que ainda que em muita altura fosse, e com toda a vista,o seguia só e em companhia até se abraçar com elle, e largando-o ao bravo, se deixava ficar. Enfadado d'elle o mandei atar a uma estaca sem caparão, e um milhano junto a elle À com os alcanços atados aos pés, ao, qual mandava dar | de comer, e ao Falcão nada, tendo o milhano o bico | debaixo quebrado, porque se acaso o Falcão se abra- | çasse com elle lhe não fizesse escandalo; esteve assim | tres dias, ao quarto o matou e comeu constrangido | da fome, que ella faz maravilhas, e d'este modo co- | I41 “meu tres. Então o mandei levantar e d'ali a tres dias “o larguei em companhia dos mestres ao milhano “bravo, e foi excellente terçó de milhano. Este mesmo caso aconteceu a Braz d'Escovar, ca- çador do conde de Medelim, com eutro sacre (a estes sendo póllos, acontece mais esta ignorancia). Tendo já os Falcões a ponto, entrando cada um no milhano em boa altura, largarão dois juntos a um só milhano, e cada um apertará as azas por afferrar pri- “ meiro d elle, e se ambos vierem apegados no milhano, "* como cada um por si só d'antes fazia, se deixará o “que ha-de ficar com o milhano afferrado n'elle, e do outro apegará o caçador pela cabeça com arte pu- xando para que largue as mãos d'onde as tem pega- das, e lhe deitarão uma gallinha atada pelos pés, da qual tirarão uma titéla envolta no seu sangue, e a darão a comer assim quente ao que está com a presa, ficando o outro na gallinha, da qual tirarão o cora- ção e entretinho, e o darão ao que está com o mi- lhano, e as canadas e o coração do mesmo milhano, e lhe farão todos os gazalhados possiveis; e assim procederão largando sempre o que ha-de ficar com o milhano, e os outros uma vez uns, e outros outra. Aos Falcões que houverem de ficar de fóra cor- tará o caçador as unhas, e lh'as fará rombas por evi- tar os damnos que se podem seguir filhando-se, por- que assim se accode a dois males, que ainda que se “filhem não se maltratam, nem se ferem, o que póde acontecer levando as unhas grandes e agudas. — O outro mal é, que sendo os Falcões de muita “fome, tragões e cainhos, quando comem afferram da carne e luva do caçador, e querendo-os desafferrar de onde estão empolgados, tendo as unhas grandes e + Essudas, acontece arrancarem-se em todo ou em parte, | € trazendo-as rombas se evitam desastres. 142 BrpLIOTHECA DE CLassicOs PoRTUGUEZES. O aa aa E” conselho do Marquez de Ferreira, D. Francisco | de Mello, que na caça tem grande voto e é excellente | caçador. Estando já os Falcões amigos e companheiros, os | quaes a poucos lanços sabem qual ha-de ficar com a | prisão, qual aguardar pela gallinha, o da prisão se | abraça com o milhano e afferra d'elle, e o tem estra- | nhamente preso. À Eu tive um sacre mudado do ar, Falcão muito | grande, e por tal o deixava sempre com o milhano ; | este todos que tinha agarrados os afferrava com | uma das mãos pela cabeça, e com a outra, ou uma das | mãos do milhano ou ambas, porque o não mordesse | ou arranhasse; e posto que ao principio não estejam à tão destros bastam que afferrem do milhano todos, e | o tragam a terra, ainda que juntos venham, que a isso | se acode com diligencia e gallinhas. Eu tive um sacre, a que chamavam — lugo — pri- | ma mudado do ar, o qual prendia o milhano em boa | altura e o trazia agarrado até o entregar áquelle que | costumava ficar com a preza, e muitas vezes sem ape- | gar do milhano vinha cahindo sobre elle, detendo-se | até o submetter debaixo e a lanço d'aquelle que o ha- | via de levar nas mãos. Este ainda que afferrasse da prisão, sempre ficava | a meio ar, detendo-se até o entregar ao amigo, e fi- É cava aguardando pela gallinha. | Estando já os Falcões em ordem para os poderem. / cevar no milhano bravo, buscará o caçador para isso | aquelle que vir mais mesquinho terçó e póllo, e mal À empennado ; e n'estes o cevarão até quatro vezes só-| mente, que já então estão seguros, e podem voar o | tamo velho, grande e ruivo, e rabiforcado, que es- | tes estimam os senhores que os seus Falcões prendam É e matem, e é vôo de muito passatempo, e avantaja- Arte DA CAÇA DE ÁLTANERIA 143 do da garça, por a facilidade com que se acham; e havendo Falcões mestres podem voar cada dia dois com tres Falcões, como já disse e eu já fiz com tres sacres. O dia antes que houverem de voar darão aos Fal- cões de um coração desfeito em agua morna, e á noite uma plumada de estopa sem mais cousa alguma, que os sacres são Falcões muito quentes e duros, e de qualquer cousa se sustentam, ainda que não ha regra sem excepção, que alguns ha donzeis e brandos, e bem acondicionados, e no engenho do caçador está a elei- ção do que se ha-de fazer a cada um ; mas aos sacres convem se lhe dê sempre o dia antes de voarem seu lavado, e d'elle pouco, e muito desfeito em agua morna. Pedro de Vesilha, caçador que foi do infante D. Luiz, filho d'El-Rei D. Manuel, e quando caçador de sacres, costumava sempre trazer na bolsa seixinhos redondos muito lizes, do tamanho das plumadas, que dava aos sacres em lugar d'ellas. Nunca o costumei nem o vi fazer a meu pae, mais que dar seu lavado desfeito em agua morna, e a al- guns Falcções fazia metter a cabeça até os olhos nella para tomarem a-carne no fundo do vaso d'onde lh'a davam; e ás vezes pouco d'este lavado, e plumadas «de estopas seccas. Com outros se havia mais accommodadamente. O Falcão que me costumava ficar com o milhano, a principio o temperava como os mais, e por elle ficar com o milhano apertava com elle; veio este a mos- trar tanta nobreza de condição, que me atrevi a voar com elle em tempera, e então o fazia melhor, ainda que dois e tres milhanos voassem com elle cada dia; isto de temperar está na prudencia do caçador. Podem com um só milhano treinar os Falcões mui- 144 BrBLiOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES tas vezes curando d'elle, mettendo-lhe a comida pela bocca, e por não morder a quem lhe der assim de comer lhe terão o bico debaixo quebrado, que ainda que aperte o dedo não magõôa, nem por isso morre tendo cuidado d'elle; tenha as mãos livres para que possa estar em pé. Para esta voaria tem o caçador necessidade de bufo manso que bem vôe ensinado ao pouso, o qual além de servir para tomar os milhanos para as treinas, e todas as mais aves de rapina com armadilhas, é mui necessario para baixar os milhanos, e se poderem lar- gar os Falcões a elles com feição e lanço. O bufo se largará no lugar mais baixo d'onde se achar o milhano, em valle, para que fiquem os ca- çadores que hão-de largar os Falcões melhorados, e se poder ser que vejam os caçadores as costas d'elle baixando ao bufo; é lanço seguro, o qual se uzará em- quanto os Falcões não são mestres. E porque o milhano não desce com tanta colera como as outras aves de rapina, e vem baixando ás voltas de vagar, então eleija o caçador o tempo de fazer seu lanço, largando os Falcões peito a vento; e sendo caso que o vento esteja com o sol não largarão, | tendo os Falcões o rosto n'elie, porque com a clari- dade do sol se lhe embaraça a vista, e se enleiam que não sabem a que os largam, como eu já vi. ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 145 Adveriencia oitava, que ensina os Fal- cões caçarem lebres opos os Falcões appetecem as lebres, as quaes tém um não sei quê, que até os gaviões as com- mettem, e todas as aves de rapina as cobiçam, e muitos Falcões sem treina as perseguem. Alguns caçadores desejosos de tomarem prazer com este passatempo e voaria, ensinam seus Falcões a que as cacem, e os treinam em suas pelles cheias de algu- ma cousa, dando-lhe de comer a principio em cima da pelle assim cheia até que o Falcão a conheça dei- tando-a de mão, e o Falcão desça a ella de mão fin- gindo-a viva, e tendo elles já conhecimento lhe atem um cordel pelo pescoço, tirando pelo cordel fingin- do-a viva, correndo um moço pelo campo limpo sem cardas e mattas. O Falcão já costumado a comer nella, em a vendo vôa a afferrar da peile, a qual vae encarnada, levando em cima pedaços de carne atados; e afferrando o Falcão della lhe dão a comer, bolindo a morta pelle como se estivesse viva, e isto fazem tantas vezes, até que vae de quão longe a vê, e d'este modo procedem até estar para o largar á viva lebre. N'esta caça são mui apraziveis os alfaneques, sendo dois em companhia muito estimados pela voaria e gol- pear que fazem, mas assim estes, como todos os mais, tem necessidade de soccorro. Lembra-me que fallando dos gerifaltes, disse alguns matarem as garças sem treina. 146 BrpLIOTNECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES | LIA ras Miguel Peres, caçador do Marquez de Ferreira, in- do com um gerifalte do almirante de Castella á caça das lebres (porque elles n'aquella voaria perdem as cocegas das mãos e cobram alento a exercitam os ca- çadores praticos) andando no campo, acaso atraves- sou uma garça a meio ar, e a viram uns companhei- ros, e bradaram ao Peres, o qual levava o gerifalte na mao, Parecendo-lhe que o avizavam de alguma lebre, deu pressa ao cavallo para se melhorar de um alto, tiran- do o caparão ao Falcão, o qual poz o rosto na gar- ça, e o largou o caçador a ella; o Falcão, como se fôra a ellas costumado a levou nas mãos, sem nunca ser treinado na garça que viva fôsse. Ku matei os milhanos com um sacre sem treina; este andando com uma garça bem alta, acertou de passar por baixo d'elle um milhano voando á tira, o qual se recolhia para a dormida; desceu a elle o sacre deixando a garça, e o levou nas mãos, e foi excellente garceiro e milhaneiro. Este mesmo sacre fez outra fineza. Vindo o prior do Crato, filho do infante D. Luiz, de cujo o sacre era, de vêr dar rol a uns Falcões, acertou de passar uma cegonha para o ninho; meu pae que o Falcão le- vava na mão, sem dizer nada aos da companhia, ti- rou O caparão ao sacre, que poz o rosto na cegonha, e o largou, e em poucos lanços a trouxe a terra. Foi o feito, não. pensado, muito festejado do prior. Então me disse meu pae, por doutrina: — Eu tenho fama de grande caçador, e as minhas aves o mesmo, por andar sempre no campo e lhes mostrar tudo, que as aves tem umas horas melhores que outras, como todas as cousas. | ARTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 147 NI rara, RI Do estojo e das cousas necessarias das quaes 0 caçador estara apercebido o estojo ha-de ter o caçador thesouras e fura- radór para fazer piós e avessadas ás suas aves, e para tosquiar as pennas das feridas, e cor- tar as que se houverem de enxerir; e tenazes para cortar as unhas e bico aos Falcões; canivete para aparar as navalhas e bico, e lima para o aperfeiçoar; pinças para tirar as cousas estranhas das feridas; ca- nudo para as agulhas. de enxerir, de duas pontas; bo- tão de fogo para as apostemas, palmetas para estender os unguentos. O caçador assim apparelhado, sendo prudente, po- derá applicar os remedios e alcançará a saude que de- seja ás suas aves, ainda que nem sempre se alcança o fim desejado, por que não é na mão do medico que sempre sare o seu enfermo, que muitas vezes o mal póde mais que a arte. Sempre terá caparão de sobrecelente de todas as sortes de Falcões, e não porá o caparão de Falcão no Açor, nem o que fôr de prima no treçó, nem o do treçó no prima, por que sendo o caparão grande, se se saccudir ou coçar o lançará fóra da cabeça, e se espantará o Falcão vendo as cousas que não cos- tuma, e sendo pequeno de treçó e o Falcão prima se escandalisará de lhe ser apertado e se assombrará, e não poderá o caçador fazer d'elle cousa que boa seja, e tenho por mais acertado deixal-o sem caparão 148 Brsciormeca DE Crassicos PoRTUGUEZES até o haver, e tratado com resguardo, tendo em casa quieta, sem gente, e entre outras aves domesticas, porque com as aves se assegurará, posto que seja sa- faro, eo caçador não será culpado em se escandali- sar, pois não errou em mais que lhe faltar o caparão, pelo que terá muitos para as aves todas de qualquer genero que sejam; e piós, e cascaveis e avessadas, porque o caçador que d'estas cousas estiver desaper- cebido, não se póde chamar pratico n'esta arte, ainda que nem todos podem tudo; o que fôr affeiçoado á caça de Gavião baste ter o necessario para os Ga- viões. E da mesma condição e modo se haverá cada qual com o genero das aves com que caçar. FIM DO PRIMEIRO VOLUME FERE RI E É quci CER e 5 qr I— Historia po CERCO DE is por E de Sousa Coutinho, 1 volume... ..... RR II — Historia DO CERCO DE MAZAGÃO, por Agostáni A Gavy de Mendonça, 1 volume ........ E HI -- Ermroria OrrENTAL, por 77. Foão dos san 2 gróssos volumes. ... .5.5..% “> aa IV—O Ixrante D. Pepro, chronica inedita, por Gaspar Dias de Landim, 3 volumes .... .. V E GanoNTCA D EL-Rer D. Pepro I, (o Cru ou Jjus- . TICEIRO), por Yernão Lopes, 1 volume....... VI — Cwronica p' EL-Rer D. FERNANDO, + BORA Fernão Lopes, 3 volumes NEGRA e F VII — Cwronica p'EL-Rer D. João A Por Fernão. Lopes, 7 NOlUMES ie 02 oo Epa +“ AA vg VIII — Dors CaprrÃEs DA Inpia, por Luciano «o CR R TETO Soo ode ETA SR UR EU ! IX — Arre DA Caça DE ALTANERIA. por Diogo Her- nandes Ferreira, (VOL 1)... at. dal caia | EM PUBLICAÇÃO ArTE DA Caça DE ALTANERIA, por Diogo Fer- nandes Ferreira, (vOL. 11) POR VOLUME II => A - / EA ESCRIP TORTO : a7—Rua DOS RETROZEIROS— 147 E + LISBOA | BIBLIOTHECA ERASSICOS PORTUGUEZES DIRECTOR LITTERARIO ConsELHEIRO LUCIANO CORDEIRO PROPRIETARIO E FUNDADOR MELLO DAZEVEDO Ea PRA PN BIBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES Director LitrrerarIO—(CONSELHEIRO LUCIANO CORDEIRO Proprietario o fundador — MELLO D' AzEVEDO ARTE DA CAÇA ALTANERIA POR Diogo Fernandes Ferreira VOLUME II ESCRIP TORTO 147—Rua DOS RETROZEIROS— I47 LISBOA 1899 Es QUARTA PARTE Na qual se trata de todas as doenças que aos Gaviões, Açores e Falcões pode»: acontecer, e os remedios para cada uma EAPIIUEO 1 Como se alimpa o Falcão do piolho m vindo o Falcão á mão do caçador lhe dê ba- nho para o alimpar do piolho, porque todos os trazem, assim os de mar em fóra, como os to- mados aqui safaros, porque os de fóra vem muito juntos, e uns os apegam a outros, e os safaros aqui tomados os tem que se apegam das aves que matam e se cevam, conhecendo-se em os Falcões se coçarem, e estarem inquietos na alcandora, e não sendo limpos d'esta immundicie, não andarão obedientes, porque com o sol se esquenta aquella praga, e os inquieta, e ás vezes são tantos que se deixam vêr entre as pen- nas do Falcão. 6 BreLiorTHECA DE CLASSICOS PoRTUGUEZES O banho se dá de duas maneiras: uma, tomarão onça e meia de ouro pimenta, bem moida e peneirada, tendo o Falcão derribado por pessoa que saiba, estes pos se deitarão por todo o frouxel do Falcão, apartando as pennas para que melhor se faça; este se dá aos pollos por que é bom para elles, e alimpa bem o pio- lho, e tomando-o na mão logo se vêem andar por cima da penna, e com uma canninha os deitem fóra. E sendo o Falcão bem mudado, vestido de for- mosas pennas, por não se tingirem com o ouro pi- menta, tomarão uma onça de pimenta bem moida e duas oitavas de paparraz, tudo bem moido e penei- rado, o atarão em um panno de linho limpo e delgado, quanto caibam os pós, e o deitarão em quartilho e meio de agua e meio de vinho branco, e se aquentará a agua em um tacho limpo, e farão que os pós se côem do mesmo panno, que fique o banho morno, e com a força dos pós; com esta agua, tendo o Falcão derribado por pessoa que saiba, se banhará o Falcão molhando um pannosinho, e correndo-lhe com elle todo o corpo, advertindo que nas costas e nos cotos das azas tem pouca penna, e o não esfreguem, de sorte que o esfolem, guardando os olhos, assim n este banho como no outro. Sendo bem banhado se envolverá em uma toalha de linho limpa, com as mãos atadas com a avessada, e o porão assim embrulhado em cima de um panno de côr, grande, ou na capa do caçador, e o cobrirão com uma ponta, ficando a cabeça descoberta do fato, porém tendo o caparão n'ella, e d'ahi a um pouco se porão com elle ao sol, e tendo-o na mão lhe farão como acima digo. Disse que se havia de derribar o Falcão : estando elle na mão do caçador, o tomarão pelas costas, os dedos mostradores prenderão as azas por onde se do- Arte DA CAÇA DE ÁLTANERIA 7 mem | bram, e os polegares ficarão pelas cadeiras, e com a — mais mão, tirando para baixo um pouco, tomarão as azas com as pernas, salvando-lhe quanto fôr possivel o peito, e logo em o derribando o que o tem na mão com a que lhe fica livre tomará -as do Falcão, e as envolverá com as avessadas, e d'esta maneira se lhe dará o banho. | CAPITULO; E Como se cura a agua commum do Falcão que não é vidrada s pessoas que tratam em Falcões, e os tem para JE vender, por escusarem gastos, lhe dão a comer viandas de pouco preço, como carne de vacca, de ovelha e de cão; a de cão se tem por melhor, e não lhe dão plumadas, nem os põem ao sol, nem a depennar; e os tem encerrados ás vezes d'onde lhe dá fumo, e assim adoecem de agua leve de curar, e se conhece dando-lhe de comer saindo-lhe pelas ventas, e sacudindo a cabeça rocia o rosto do caçador, e es- pirra. Esta se cura, deitando umas gottas de aguardente nas ventas, algumas vezes dando-lhe a depennar e suas plumadas, e a comer boas viandas, gallinha, e se a agua fôr grossa, déem-lhe o paparraz bem limpo molhado em agua quente, e em cada venta lhe deita- rão seu par de gottas, e se o Falcão estiver gordo, até quatro; e se porá um pouco ao sol, e o porão na “alcandora até que faça suas babadas, e bem tarde lhe darão de comer uma perna de gallinha. 8 BrBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES Alguns caçadores untam o ceu da bocca do Falcão com mel, com o dedo mettido na bocca, e lhe põem em cima mostarda moida que os faz purgar; e para escusar d'ahi em diante esta enfermidade, dêem sem- pre a depennar ao Falcão, duas vezes ao dia, pelo me- nos; guardem-n'o do fumo e más comidas que com isto se perservará de similhante doença. CAPLPULO Como se cura no Falcão a agua vidrada STA agua se gera na cabeça do Falcão e se cha- ma vidrada, por ser tão grossa que tapa as ven- tas ao Falcão, e é como mormo, e uma das peio- res enfermidades que acontece ás aves, por que estan- do a cabeça doente todo o corpo padece, e logo o Falcão mostra o semblante triste, e os lagrimaes dos olhos inchados, e o pescoço grosso, e quando se de- bate, ou quando deixa de voar, vae com a cabeça abaixo, e dá em o outeiro com o bico; e quando come ou depenna não mostra tanta força como sohia, e assim cresce este mal., Para a cura, á noite, dês que não tiver papo, deitem- lhe umas gottas de agua morna avinagrada pelas ven- tas, ou de summo de cascas de laranjas, tomando a casca e espremela nas ventas da ave que caiam al- gumas gottas dentro, e se ponha na alcandora e a deixem saccudir; e depois a tomem em a mão, e deem-lhe a tirar um pouco no roedeiro, e a depennar. Ao outro dia lhe deem um pouco de mel duro ; met- ARTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 9 tido na bocca lh'a tapem, que deite mel pelas ven- tas; e estará na alcandora até que se sacuda d'aquella agua; e deem-lhe a comer esse dia, á tarde, e no mesmo dia, depois de comer, lhe provem agua e be- ba d'ella se quizer. Feito isto tomarão espique, cra- vos de Jarofe e canella, e frol de canella, e atem tudo em um panno de linho, ferva em uma panella limpa até que a agua tome sabor dus especies; e n'esta agua tibia lhe deem de comer uma perna de gallinha molhando-a n'aquella agua, e tambem se lhe dê a ti- tella molhada na mesma agua, como fica dito. A agua da salsa-parrilha faz o mesmo efeito, e a tenho por bom remedio para esta doença; e lhe es- freguem o ceu da bocca com mostarda pizada, que tambem ajuda a adelgaçar os humores. D'esta agua se faz outra que é mais vidrada que a sobredita, e com esta se procederá com os mesmos remedios; tem os mesmos signaes, salvo que os lagri- maes dos olhos incham e fazem como folles; e quan- to mais o Falcão se debate, tanto mais os lagrimaes aquillo fazem, e as ventas se lhe tapam com o mor- mo coalhado, e não sahe fóra. E” enfermidade mui perigosa. Chupar-lhe-ha o caça- dor as ventas com a bocca, e deitar-lhe-ha dentro fumo de herva santa, que é quente e adelgaça o humor, e é remedio experimentado, fazendo-o cada semana uma vez até que sare, estando o Falcão sem papo, e dar- lhe-hão sempre a tirar, e depennar, e trarão ramos de arruda em que elle depenique; e por que similhantes enfermidades da caçeba procedem de humores que vem do bucho, lhe darão carne envolta em pós de salsa tres vezes na semana, e suas plumadas d'algodão, e dentro n'ellas tanto como uma unha de pimentos, e guarecerá. IO BrBLIOTHECA DE CLassiCOSs PORTUGUEZES De dana CAPITULO IV Da purga commum do Falcão ECESSARIO é purgar o caçador o seu Falcão pelas razões já ditas, e para d'elle poder ordenar á sua vontade; porque tendo o bucho sujo das más viandas, e não se lhe darem as plumadas neces- sarias, veem cheios de humores e encharcados com agua, posto que o não mostrem, e é bom concelho purgal- os logo, por que com a purga se deminuem e depois com o regimento que com elles se tem se aca- bam de gastar, e se perservam de enfermidades futu- ras, e obedecem, e se lhe faz fome verdadeira pelo que logo deve ser purgado, considerando a pessoa do Falcão, e se tem carnes ou está falto d'ellas, porque conforme a disposição se hajam com elle, notando tambem a vontade que mostra no comer, e se vôa como d'antes costumava, e se engeita as prisões, e se o não faz por orgulho e gordura, e estar sobreposto, de crêr é que o faz por estar cheio de maus humores. Então se deve purgar, notando juntamente as to- lheduras se são feias, e mal ordenadas e de má côr. A purga se lhe dará dando-lhe primeiro de um co- ração de carneiro desfeito em pequenos em cosimen- to de xarope morno de malvas, ou de borragens, ou de raizes de lirios, como fica dito na purga dos Aço- res, no capitulo 17.º As purgas d'estas aves são pilulas que se fazem de azebre, e de mechoação feito pós; os antigos davam aos Falcões tartaros, que não aconselho se dêem, que purgam com vehemencia, e estragam os Falcões; e “A Arte DA CAÇA DE ALTANERIA II AAA Area assim o diz Pero Lopes de Yalla, no tratado da caça de Falcão. As pilulas se fazem, as de azebre feito em pó, e com o dedo molhado em mel se ajuntam e d'elle fa- 'zem as pilulas para os Fascões, que basta seja o de gerifalte e sacre do tamanho de uma avelã bem gran- de, a que se der aos mais basta ser do tamanho do miolo d'ella. Esta pilula se dará envolta em uma pelie de pesco- ço de galiinha, ou de outra qualquer ave, ás dez ho- ras da noite, tendo o Falcão o papo gastado, metten- do-lha pela bocca como as plumadas; e ao outro dia se lhe dará de comer, de uma titella de frangão quente passada por agua morna ás dez horas do dia, e não o havendo, de um coração de carneiro limpo de nervos; á noite, de comer do mesmo que se lhe deu, passado por agua morna, dando-lhe um pedaço de assucar candi ao segundo dia; e depois lhe dêem de um membro de gallinha, e o porão n'agua, se a quizer tomar ou beber, o deixem; e d'ali por diante procederão com bom regimento. Esta purga se dará á entrada da muda, e á sahida, e mostrando signaes de enfermidade, que tal póde ser ella, que seja forçado remedio mais poderoso. E con- forme a isso se procederá com a eleição do caçador. I2 BreLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES | CAPITULO V | Do Falcão que emmagrece UITAS vezes por o Falcão não ser purgado a tempo necessario, nem lhe darem de comer ás suas horas, e muitas por pouco, e viandas frias, e carnes não frescas, vem a adoecer os Fal- cões e emmagrecem e se desecam, e por se lhe ge- rarem lombrigas e filomeras; tambem acontece dese- carem-se por serem feridos e mal curados, o que algumas vezes acontece por descuido do caçador, por não olhar o seu Falcão quando anda aos golpes com as aves, a vêr se está ferido para curar d'elle, e an- dando assim doente se conhece por ter o semblante triste, e o sanco frouxo, e não depenna e vae em- magrecendo ; a esta doença se lhe não acudirem de principio é má de curar, tendo estes signaes, que dis- se; se emmagrecer por causa da ferida, veja se é pe- netrante e em que parte, e se estiver soldada não lhe faça cousa alguma, ainda que penetrante seja, mais que dar-lhe boas viandas. De todas as carnes, a de porco é a que mais engor- da, principalmente toucinho fresco, o qual lhe podem dar duas ou tres picadas entre comendo outras vian- das, que elles a comem de boa vontade, e pombinhos e rôlas, e todas estas frescas e quentes, porque com ellas se remedeiam, assim as feridas como as enfermi- dades causadas das comidas destemperadas, porque se a ferida por dentro tiver alguma parte lésa, ajuda- do o Falcão com comidas frescas e quentes dão for- | ças á natureza e melhora. ArtE DA CAÇA DE ÁLTANERIA 13 LNLS SA Algumas vezes lhe darão de um ovo duro, limpo da pellesinha que está entre a casca e a clara, pisado com manteiga de vacca crua e desfeito em leite de cabras, de arte que não fique brando, e lhe deitem um pouco de açafrão pisado, e de terceiro a terceiro dia se dê a comer misturado com a carne. CAPITULO VI Do Falcão assombrado uiros homens querem ser caçadores de aves, e por não saberem a pratica da caça, nem aor- dem que se tem com os Falcões, os enojam ao pôr do caparão, principalmente ao principio, e lhe tiram o caparão muitas vezes diante de gente, cuidando que fazem bem, e o Falcão vendo as cousas desacostumadas se debate, e o novo caçador lhe não acode pondo-lhe o caparão docemente, e fica o Falcão tão escandalisado que em vendo o rosto do homem e a mão, grita deitando-se da mão abaixo; e os Falcões que mais depressa se assombram são os gerifaltes, principalmente os treçós, e o caçador que vê assim o Falcão assombrado se anoja com elle, andando ás voltas com a mão em que o tem, e com isto cada vez mais se assombra e enoja; e para se remediar mal tamanho convem sejam os remedios ao contrario dos erros feitos. Tomará um caparão bem feito, e que por elle não veja cousa alguma, e bem cerrado, que ainda que se cosse e sacuda o não deite da cabeça, e não lh'o ti- trará se não ao comer, e quando lh'o der seja em uma / I4 BrgLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES a camara escura sem pessoa alguma, porém com a car- deia de pouca vista, e ali lhe dê de comer, depois q entender que tem grande fome, porque com ella esqueça do escandalo e medo que d'antes tinha tom do, e deixem-no alimpar o bico e sacudir, e lhe po nham o caparão docemente, furtando a mão que a nã veja, e não no entreguem a pessoa que faça erro com elle; e de noite á candeia lhe dê a tirar, e seus dôces, e antes que amanheça o tomem na mão, e dê que fôr assegurando lhe mudem o caparão e seja mais! aberto que veja por eile, e vá perdendo o medo que, d'antes tinha da gente, e assim se procederá até que. esteja seguro, e sendo já amigo se procederá com bom | tento. | Os Falcões nebris querem caçador sofirido, o qual lhes não tirará o caparão senão quando quizer voar e lhe der de comer e a provar a agua, e na alcandora, e em o prado, como já dissemos; o que não tem to- dos os mais Falcões que soffrem verem gente, e estarem sem caparão em a mão. Quando o Falcão fôr tão duro de condição, que não obedeça pela regra acima, se haverá o caçador com elle ao contrario; á noite o leve d'onde haja pêégo com agua, ou em casa em uma bacia grande, ou alguidar bem cheio d'agua, o tome pelos sancos ambos, em- brulhando n'elles as avessadas, e com a mão direita assim atado o mergulhe todo na agua, dando com elle alguns golpes que o quebrante, de modo que se não possa elle ter em pé e trema, e está a perigo de morte, e quando esta obra se fizer não terá nada no papo, nem caparão na cabeça, e terá carnes e forças para soffrer o trabalho; e o enxugarão ao fogo, e aquella noite o deixem sem comer, mas com o caparão na cabeça. Sendo manhã lhe darão a degolar um frangão, e coma o coração e vermelhos, e beba d'a- ArTE DA CAÇA DE ÁLTANERIA I5 pr a ps Pr e Pr, «uelle sangue, de tudo pouco; e como fôr gastando rão tendo cuidado dando-lhe viandas boas de gas- ar, e trazel-o na mão, procedendo como fica dito. Eu fiz já esta boa obra a um gavião, e emendou-se. Pero Ferreira, meu pae, o fez a um sacre, e do dia que o comprou ao allemão a sete dias, entrou ao mi- lhano no ar, e me disse estando mergulhando o sa- cre em uma lagôa em Almeirim : — Hei-de fazer pasmar estes caçadores d'el-rei, os quaes sabendo que ao setimo dia treináramos o sa- cre, que era da companhia dos seus que ainda lhe “não saltavam na mão, o tiveram por cousa nova. CAPITULO VII Das gosmas osMAS são umas bostellas que nascem na bocca e ouvidos dos Falcões; procedem da agua que lhe corre pelos narizes e ventas em a bocca, e com a quentura se geram. São leves de curar. Tomem um pannosinho de linho e alimpem-lh'as, e tirem-lh'as, e borrifem-lhe a cabeça com agua-ar- dente ou vinho até que sare. Outras gosmas nascem dos Falcões serem gargan- tões, que com a carne comem os ossos e se ferem na bocca. Tambem estas não são de perigo. Tirar-lh'as-hão subtilmente com uma palheta, de- pois que tiverem materia, que não façam sangue, pon- do-lhe em cima um pequeno de mel, e guarecerá. ” I6 BrBLIOTHECA DE CLASSICOS PORTUGUEZES Outras ha que nascem na cabeça e ouvidos, estas inda os que não são caçadores as conhecem, porque estão na cabeça e ouvidos em bostellas pequenas co- mo grãos de milho, e as tem tambem por toda a boc- ca, e entram até á garganta, e são más de curar. Tiram-se com uma palheta, tambem se tiram com uma penna aparada, trabalhando quanto possivel fôr. por lhe não fazer sangue; e deitem-lhe em cima uma, pequena de pedra hume moida em pós nos logares | d'onde se tirarem as gosmas; e estará o Falcão der-. rubado um pouco até a pedra hume fazer sua obra, e far-lhe-hão isto de tres em tres dias. | Limpas as da cabeça e da bocca, lhe untarão com | geropiga e sarará ; sendo primeiro limpas com a pa- | lheta, que faça sangue não perde. As gosmas que estiverem nas orelhas se não sára | mais que tiral-as com a palheta, e pôr-lhe um peque- | no de algodão em cima; e se fará duas vezes ao dia. Acontece muitas vezes haver gosmas debaixo da, lingua, e o Falcão que as tem traz a bocca aberta. | Derrubado o falcão lh'as tirarão com a lanceta ou com a penna feita a modo d'ella, e lh'as untarão be de mel; e por que os Falcões que as tem na bocca não querem comer, lhe meterão dentro a comida com o dedo por não morrerem ao desamparo. 4 — Dos CISnES +. 2.-scainsscoceinio ERA A CarrruLo VI — Da ave Ema e da sua caça............ CariruLo VII — Das Cegonhas................... CarrruLo VHI — Das aves de Hespanha que peregri- CO E EPSON RPM PSD SIGN PRPNERAÇS s -CareesL0 IX — Das aves agrestes que não peregrinam. CarrruLo X — Das abetardas, aves nossas naturaes... Carrruco XI — Dos sizões e alcaravões, gangas e corti- ÇOS ..cccesenccceacuueunaco uuunananaccana rea CaprruLo XII— Dos quebranta ossos ................ CarrruLo XII — Dos Guinchos................... CarrruLo XIV — Das gralhas, corvos e frouvas e pegas Carrmuto XV — Dos pelicanos E Note at 4 Fera RE gprruLOo XVI — Que diz a causa porque umas aves tem Eno e outras ntrellas.. 22! ess 20. D o e dn CerrruLo XVII — Da ave Cartaxo..... ......... ee... Caprruro XVIII — Da caça de Gavião aos passarinhos onde elles se ajuntam para passar o mar em Africa. Capyruro XIX — Das andorinhas e da herva do seu no- que restitue a vista perdida... ............0... a I00 Cariruro XX — Dos rouxinoes. PRP Carrruro XXI — D'el-rei Térco é e Ria Rainha Proné, filha de el-rei de Athenas e de sua irmã Philomena e do Rr Itens e a causa Berque foram convertidos em aves. E À [= Misto DO CERCO DE o por Loo Contznho; 1 NOMES sa compania ore II1— HisroriA no Cerco DE MAzAGÃO, por Ag Gavy de Mendonça, 1 volume .. a HI -- Ermroria OrrenTAL, por 47. Foão dos -* 2 grossos volumes. ..... ERG ir IV,—O Dime D. Pero, chronica ini Gaspar Dias de L ad 3 volumes . a V — Cmrosica D'Et-Rer D. anRRiE (o Cru E | TICEIRO), por Mernão Lopes, 1 volume. rs: Lopes, 7 RR AR PRA VII — Dois ERA e DA ÍNDIA, pOr Luciano Corde - NOME ais 4 IX — ArTE DA abas DE ÁLTANERIA. POr Diogo nandes Ferreira, (2 VOLUMES) - Des EM PUBLICAÇÃO ia Cwronica D'Et-Rer D. João I, por Gomes é, Ennes d' Azurara. Fernandes Ferreira, Diogo Arte da caça de altaneria PLEASE DO NOT REMOVE CARDS OR SLIPS FROM THIS POCKET UNIVERSITY OF TORONTO LIBRARY q d + p SUNS 2,2.