KING'S COLLEGE LONDON BOOK NUMBER RS 20 0036801 O KING'S KINGS College LONDON Founded 1829 200713552 8 KING S COLLEGE LONDON Digitized by the Internet Archive in 2015 https://archive.org/details/b21297368_0002 SIMPLES E DROGAS DA índia COLÓQUIOS DOS SIMPLES E DROGAS DA índia POR GARCIA DA ORTA EDIÇÃO PUBLICADA POR DELIBERAÇÃO DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA DIRIGIDA E ANNOTiVDA PELO CONDE DE FICALHO Sócio eífectivo da mesma academia VOLUME II LISBOA IMPRENSA NACIONAL 1892 COLÓQUIO VIGÉSIMO SEXTO DO GENGIVRE, E NAO SERVE ESTE COLÓQUIO SENÃO PERA Europa porque tudo isto he noto na índia porque he do Gengivre. INTERLOCUTORES RUANO, ORTA, SERVA RUANO Seguese o geiígivi^e, que nos dias de peixe nos dá sabor ás mesas, e excita o apetito com as saladas feitas delle em conserva (a que as vosas escravas chamam achar); e pare- çeme que isto foi pera reitificar o peixe, e está escrito poUos nosos doutores. ORTA Certamente não era neseçario fallar neste simple, porque nelle não ha duvida alguma que escrever; mas dirvosei delle o que sabem todos, com tal condiçam que não amostreis isto a nenhuma pesoa na índia, senão lá em Espanha; porque nam cuidem todos que quanto vos diguo he desta manei- ra. Mas porque não vades debalde, diguovos que se chama gengivre ácerca de nós, e ácerca dos Arábios e Pérsios e Turcos, gim\ibil, e os Guzarates e Decanins e Bengallas, quando he verde lhe chamam adrac, e sequo sucte; e o Ma- lavar em verde e em sequo imgi, e em Malaio se chama aliá. E he huma raiz e erva como espadana, ou como lirio espadanai; e a raiz he tam grande, e a folha he mais verde escura, e a asta com a folha he de dous e tres palmos; e em verde não he tanto agudo no sabor, em especial o que naçe em Baçaim, que he mais doce, ou, por fallar mais direitamente, nam he de sabor tam agudo, por ser da terra mais húmida; porque a secura maior dp neseçario faz a cousa ser mais quente*, e daqui veo aquelle dito comum, que a secura he lima do calor, e casi isto sentem os autores * Avicena, Prima primi (nota do auctor). Colóquio vigésimo sçxío falando do gengivre, dizendo que não esquenta tão asinha por sua humidade, como esquenta a pimenta. Este geiígivre verde comese meudo na salada, mesturado com outras her- vas e azeite e vinagre e sal, e nos pasteis de peixe fresco; e alguns o comem nos pasteis da carne. Naçe em todos estes portos da índia, scilicet, os que sabemos, se o semeão, por- que todo he de semente e raiz; e não duvido aver algum que naçe sem se semear, mas he tam pouco que delle nam se faz caso; o mais que naçe he no Malavar, e he o com que mais folgam os Arábios e Pérsios; e o outro ha em Bengalla, e outro em Dabul e Baçaim, e em toda esta costa. Dentro no sertam ha muyto pouco, e não vem a nós algum; nas ilhas de Sam Lourenço e do Comaro, que confinão com a Etiópia, também o ha, e dahi tomárão ocasiam os que dixe- rão que o havia na Trogoldita e na Arábia. Colhese em de- zembro e janeiro, e secase, e embarramno pera lhe tapa- rem os buracos por nam apodrecer, nem o embarram por pesar mais, nem o picam pera o embarrar, nem lhe põem este barro senam por estar mais fresco, e porque lhe con- serve sua humidade natural; e se o não barrão bem, co- memno os bichos, por o achar mais húmido e de mais sabor. RUANO Poucas duvidas se levantam neste simple, mas Sarapio* lhe chama lingibil; he chamado asi de algumas nações? ORTA Já O perguntei, e não achei quem o asi chamáse; por onde deve ser este nome corruto. RUANO Galeno diz** que vem a nós de Barbaria. • Sarapio, cap. 36 (nota do auctor). •* Galenus, Sitnplicium (nota do auctor). Do Gengivre 7 ORTA Se por Barbaria entende a costa de Berbéria, não tem razam nem he verdade; mas se por Barbaria entende re- giam estrangeira, diz verdade, porque nam pode ser mais estrangeira que a índia: mas isto he falar muito em geral. RUANO Dioscórides diz* que o ha na Trogoldita e na Arábia? ORTA Na Trogoldita e nas ilhas de Comaro o ha, as quaes con- finam com essa mesma terra; e também o ha na Etiópia, segundo tive por informaçam; mas he pouco, e não he mais que o que abasta pera a terra; e o que dixe Dioscórides que o ha na Arábia, com seu perdão, não falou verdade, antes he mercadoria pera lá; e no que diz que se usa muyto no principio da mesa verde, dixe verdade, e conforme ao que fazemos os dias de peixe, porque o comemos feito em sa- lada, como já dixe: e também pÕe exemplo dizendo, como nós** arruda, e pode ser que arruda se usáse mais nesse tempo que agora, por ser forte cheiro; e mais entonçes usa- riam, da arruda medicinalmente, por ser contra a peste e contra o veneno ; e também alguns práticos receitam salada feita de arruda e de outras cousas, no regimento da peste. RUANO Diz que sam as raízes pequenas, como as da junca ave- lanada. ORTA Não sam, senão grandes no comprimento e na grosura, e também sam maiores muyto que a junca. * Dioscórides, lib. 2, cap. i52 (nota do auctor). Quer dizer «como nós comemos arruda». O texto de Dioscórides na versão diz: Hujus herba virente cocta ad multa, perinde ac nos ruta, utuntur... 8 Colóquio vigésimo sexto RUANO Todavia dizeis que se am de escolher as raízes que não sejam furadas ou tapadas com barro; porque dizem que, por ser podre, as tapam. ORTA Não diguo eu que o que for buracado com o bicho he bom; mas, que o barrado não tamsomente não he tam bom; mas antes diguo que he melhor, porque aquelle barro o guarda do ar e do bicho, e pera este efeito se lhe faz isto. E ao que diz que o levam em canteiros pera a Itália, pode ser isto, mas fazse melhor embarrandoo primeiro. E dizer que fazem camará com elle traz razam, scilicet, fazendo boa digestam: e os outros que dizem que estanca o ventre, tam- bém tem razam, porque as camarás causadas de indigestam sesam. RUANO Diz que se extende e trepa como grama. ORTA Não ha tal cousa, mas está hirto como espadana; nem se pode dizer arbusto como diz Sarapio. RUANO Pois o Musa, deligente escriptor, diz também que trepa como grama, e que tem a folha como cana. ORTA Não fez boa comparaçam porque o gengivre he hirto das folhas, como a espadana, e as folhas da cana não sam hirtas. RUANO E também diz que o feito em conserva leixa fios na boca. ORTA Isso he em o que não he bom, ou he falseficado, e podre o fizeram em conserva por encobrir a malicia; porque nam o ha máo se o fazem em conserva de açucare maduro e bem Do Gengivre 9 curado em muytas agoas; e he picado com buracos para lhe entrar a agoa, e se lhe fazem isto muytos dias, e o fartam bem de açucare, he muyto bom, e nam queima, nem leixa fios na boca; e porque o açucare lhe lançam em abastança em Bengala, por isso he melhor; e também o fazem bem as molheres em Chaul e Baçaim e Dabul; e o de Batecalá, por não ser feito como disse, e ser escala onde o compram e fazem, nao he tam bom, nem com tam bom açucare. RUANO O que me destes os outros dias onde he feito? ORTA Em casa; e doutro tam bom como este vos darei huma jarra, que me veo de Bengala. Trazelha, moça, á mostra. SERVA Eyla aqui. RUANO Sam ambos tam bons, que não sey qual he melhor: beijo as mãos de vossa merçê (i). Nota (i) O gengibre, muito «noto» na expressão de Orta, é efFectivamente uma planta bem conhecida e vulgarissima na índia, Zing-ilser of- ficiiia.le, Roscoe {Amomum Zingiber, Linn.), pertencente á grande família das Scitaminece, da qual já temos fallado varias vezes e ainda teremos de fallar muitas mais. Os nomes vulgares, citados no texto, são também conhecidos e fá- ceis de identificar, postoque estejam um tanto alterados: — «Gimzibil» entre «Arábios e Pérsios e Turcos»; é a conhecida designação oriental J-^-^^J jindjebil, empregada por árabes e per- sianos. — «Adrac», applicado ao gengibre verde pelos Guzerates e outros indianos, é o sanskrito :y |<^cfi ãrdraka, simplificado em adrak nas linguas modernas; emquanto «sucte», applicado ao mesmo rhizoma de- 10 Colóquio vigésimo sexto pois de secco, é uma corrupção dos nomes sukku, sont, sunthi, pelos quaes em diversas partes da índia se designou e designa esta droga. — «Imgi« no Malabar; encontra-se na fórma inji, ou inchi, como sendo o nome tamil da droga fresca. — «Aliá» em «Malayo»; vem citado na mesma fórma em diversos li- vros modernos de auctoridade (Cf. Dymock, Mat. med., 762; Ainslie, Mat. Ind., i, i52; Crawfurd, Dict., 142). , O rhizoma do gengibre era conhecido, como vimos, de Dioscórides ; e depois, durante toda a Idade media, continuou a ser trazido á Eu- ropa, como de resto succedeu com quasi todas as especiarias mais importantes da índia. Vinha, porém, pelos caminhos demorados e diF- ficeis do Mar Vermelho e do Golfo Persico, e chegava aos mercados me- diterrânicos sobrecarregado com muitas despezas de transporte. Sendo assim uma especiaria conhecida e apreciada, devia desde logo attrahir as attenções dos portuguezes, como de feito attrahiu. O anonymo auctor do Roteiro da viagem de Vasco da Gama notava que em Alexandria podia valer um : «quintall de gingivre onze cruzados.» E logo em seguida, pondo em relevo o que se podia ganhar n'esta mercadoria, acrescentava: «e em Calecut vali hum bachar, que tem cinquo quintaees, vinte cruzados.» Sem adquirir a importância que a pimenta tomou desde logo no nosso commercio com a índia, nem a que um pouco mais tarde ad- quiriu o cravo, o 'gengibre figurou largamente nas cargas das naus da índia. El-rei D. Manuel recommendava a Alfonso de Albuquerque, que lhe enviasse grandes quantidades de gengibre; e este respondia em carta de 20 de Agosto de i5i2: «quanto he ao jemjivre, cada vez averá vos alteza mayor soma dele, porque espertou muito aos laura- dores dele procurarmos nós poUo aver, e não duvido aver se dobrada a soma do que desejaes». Esta passagem é interessante, porque mos- tra como em volta dos portos do Malabar mais frequentados pelos nos- sos navegadores, Cananor, Cochim e outros, a procura da especiaria havia já feito desenvolver a cultura da planta. Por estes primeiros tempos do nosso commercio deviam provavel- mente usar-se umas designações de procedência, conhecidas nos sécu- los anteriores dos negociantes italianos, os quaes distinguiam o gengi- vre belledi ou beladi, o colombina e o mecchino: o primeiro procedente de diversas regiões, pois beladi se pôde traduzir pela expressão portu- gueza da terra; o segundo mais especialmente do porto de Coulão, então chamado Colombo; o terceiro da Mecca, não que ali cultivassem a planta, mas provavelmente porque por ali conduziam parte da droga. Vê-se que isto devia ser assim, porque Duarte Barbosa ainda falia do gengibre beledi de Calecut e de Bengala, e do gengibre dely do norte Do Gengivre do Malabar; assim como Affonso de Albuquerque falia do jemjivre beledy. Estas designações, porém, pertenciam propriamente aos há- bitos do commercio mediterrânico, e seriam pouco usadas na índia, vindo depois a cair em completo desuso, pois Orta nem as menciona. Como vimos, unicamente se refere ao estado de conservação do rhizoma, e ao facto de estar mais ou menos «embarrado». E esta era a distin- cção, que se fazia geralmente no seu tempo : gengibre sem barro, ou argilla, chamado branco; e gengibre coberto de argilla, chamado ver- melho. Gaspar Corrêa explica muito bem a operação e os seus mo- tivos : : , . . «e diante um grande terreiro (na fortaleza de Cananor, man- dada fazer por D. Francisco de Almeida) em que se concertava o gen- gibre com barro pera a carga, porque sem assy ser barrado entrava nelle o bicho que lhe fazia muyto dano, e o barro o conserva e faz mais forte em sua perfeição pera sempre.» As vezes, porém, o barro era posto em excesso, como meio de au- gmentar fraudulentamente o peso, e assim succedeu no primeiro gen- gibre que levaram a Vasco da Gama : ('Mas o barro era tanto sobejo do que abastára» — diz o mesmo Gas- par Corrêa — «que muito mais pesava o barro que o gengivre, no que aos nossos fazião grande roubo, que o feitor bem entendia. . . » D'este peso do barro, resultava que o gengibre branco, sem ser me- lhor que o vermelho, era no emtanto um pouco mais caro, como se vê bem do Lyvro dos Pesos e da Lembrança das cousas da Imdea. (Cf, Rot. da Viagem de Vasco da Gama, 1 1 5 ; Cartas de Affonso de Albuquerque, 70 e 268; Yule, Marco Polo, 11, Syo; Duarte Barbosa, Li- vro, 383; Gaspar Corrêa, Lendas, 1, 92 e 728; Subsídios, no Lyvro dos Pesos, 16, e na Lembrança, 42.) COLÓQUIO VIGÉSIMO SÉTIMO DE DUAS MANEIRAS DAS HERVAS CONTRA AS CAMARAS, os nomes das quais se diram neste colóquio, e de huma herva que nam se leixa tocar sem se fazer murcha. * INTERLOCUTORES RUANO, ORTA, SERVA, MOÇO RUANO Segundo vejo nos emfermos que neste esprital ha, e nos que vos vejo curar, as peiores emfermidades sam colérica passio e as camarás; e por isso queria que falasemos na agoa da herva com que curais as camarás; porque, segundo se diz em Portugal, muito estanca. ORTA A colérica passio, segundo vistes, he muyto forte e peri- gosa emfermidade; e as camarás que ficam antigoas (a que chamamos crónicas) sam muyto más de curar; e as de hu- mor quente sam muyto periguosas, as quaes curamos cá com mais medo que em Portugal, e com mais cuidado, por- que qualquer error nelas cometido he dificultoso de emen- dar. Chama-se a herva, ou frutiçe mais verdadeiramente dita, em lingoa canarim, que he a de Goa, com; e nós a chamamos her^pa do Malavar, porque os Malavares curam bem desta emfcrmidade; e aqui andam alguns que vos amostrarei; e certamente que asi elles como nós outros cu- ramos bem desta emfermidade, depois de muyta parte da matéria evacuada. A maior parte destas matas sam do ta- manho de medronheiro, e mais pequenas, e as folhas sam como pexegueiro, e as flores que deitam sam brancas e cheirão a madresilva, e das cortezas da raiz usamos secan- doas primeiro, porque frescas deitam algum leite. RUANO Deve ser quente. 14 Colóquio vigésimo sétimo ORTA Asi o cuidava eu ante que a prováse, e desque a provei que a achei emsipida e fria, e lhe vi os efeitos que fazia, a graduei em fria e seca, com mais secura que frialdade; e asi a graduam cá os desta, terra« RUANO Vede o que dizeis, porque o licenciado Alvaro Fernan- des (i) me dixe o outro dia, que, tendo humas camarás muito periguosas, tomára per vosso conselho a herva malavar da maneira que a dam os Malavares, e nam estilada como a dam os Portuguezes, e que sentio a mais amarga cousa que avia no mundo, por onde me parece que cousa tam amarguosa não pode ser fria. ^ ORTA Bem pode ser ter diversas conpreisÕes em diversas par- tes, asi como tem a :{argatoa; e quanto ao sabor amarguoz que tem, não he muyto, porque o opio, sendo tam frio como he, amargua; e por esta rezam me parece ser fria: ao me- nos sejamos conformes em dizer que estanca. Tornando ao caso, diguo que fazemos as cortezas desta raiz em pó, e to- mamos deste pó quanto cabe em huma caçola de alambi- que, e amaçamolo muyto bem com leite azedo; e tomamos ameos*, semente de aipo e coentro sequo, e cominhos pi- sados pretos, dos que vem de Ormuz; tudo isto torrado misturam em huma onça de manteigua crua, e asi o pomos a estilar; e desta aguoa estilada damos ao enfermo quatro onças, misturadas com duas onças de aguoa rosada, ou de pés de rozas, ou de chantagem. E, quando he mais neseça- rio, lhe misturamos pós de trosiscos de Jier^pa malavar, os quais se fazem da mesma maneira que se faz a agoa, ti- rando que não levam manteiga, e sam formados com alguma aguoa das sobreditas. E também usamos dar esta aguoa em cristeis, pera ter de noite; e he cousa com que me a mi so- çedeo muyto bem muitas vezes; e deitamos estes cristeis * No Colóquio undécimo, Orta explicou que ameos é o cominho rús- tico, provavelmente a semente de uma espécie de Ammi, ou de Sisou. I Das hervas contra as camarás 1 5 autoalmente frios, por a terra ser muyto quente, por se re- ter mais, e também he isto custume dos físicos indianos: nam vos pareça mal. E se a neseçidade he muyta, damos esta aguoa duas vezes a beber no dia, scilicet, huma polia ma- nhãa ás seis horas, e outra ás duas depois do meo dia. Nestes dias damos a comer ao emfermo leite azedo mistu- rado com arroz, e franguos delidos em aguoa deste arroz (a que elles chamáo canje) e segundo vemos na fraqueza do emfermo, asi lhe damos a comer: ao menos vinho em ne- nhuma maneira o dam os Malavares, nem nós o damos, senão avendo muytas causas pera isso em camarás antiguas. E posto que esta mesinha seja muyto boa, e com ella me soçedeo bem muyto tempo, não posso leixar de confesar que não faz obra tam apresurada e tam certa como a erva que dam os Malavares, a qual he muyto toscamente feita, e fazse das mesmas cousas que estoutra se faz, pulverisa- das e delidas em leite azedo, ou em aguoa de arroz muyto cosido e casi desfeito; outros fazem esta aguoa desta erva verde pisada, e he muyto forte de tomar, e muito amar- guoza; e desta potagem dam ao emfermo polia manhãa sete onças e outras tantas á tarde, se ha neseçidade disso. E porque a erva nam he aprazível no gosto, lhe dam pera .emxagoar a boca algum leite azedo. RUANO Com qual maneira de aguoa se acham milhor os emfer- mos? ORTA Com a dos Malavares se acham muyto milhor; e nós quando vemos que a nosos emfermos não lhe aproveitam nosas mézinhas brandas, entregamollos ao Malavar, pera que lhe dê a sua mézinha rija; e nós ja aguora sem os Ma- lavares lhe damos a aguoa sua; e ha já feyta no esprital de elrey, 'e se os Malavares veem que ha necesidade maior, mesturam opio a esta mézinha: e alguns Arábios curam to-^ das as camarás com opio retificado com noi. E eu vi curar asi a hum Arábio, quando andava com aquelle grande sul- i6 Colóquio vigésimo sdimo tam Badur na guerra, em companhia de Martim Affonso de Sousa, meu amo (2). E hum fidalguo onrado e descreto que de Portugal veo, me dixe que Dom Manoel Telo de Me- nezes curava em Portugal algumas pessoas desta maneira ao parecer; porque a mézinha estancava, e juntamente com isto cheirava a opio, a qual física aprendeo em Xael sendo lá cativo (3); mas eu não tenho isto por cousa segura. RUANO E a mim asi me parece usada, ao menos no principio, porque outras couzas ha melhores pera retificar o opio, que a no2. ORTA Os Malavares nunca querem confesar que lhe deitam opio; e eu curei a hum fidalgo mu3^to onrado, o qual tem nome em toda Espanha, e estava á morte; e porque teve devaçam a hum Malavar que o avia restituído á vida de humas ca- marás deficultosas, e achandose doente em esta cidade de Goa de humas camarás mu3^to faciles, o mandou chamar; e elle por yv por caminho mais curto curouo loguo com a mézinha que levava opio; e sendo eu chamado o achei casi á morte, estúpido, e parecendo nelle mu3'tos sinaeis de homem que tomava opio; o qual eu curei, e ouve cedo saúde; e o mesmo Malavar nunqua quis confessar que levava opio a mézinha que lhe dera, e mostrava as mézinhas com que o curava, as quais eu conhecia tam mal como minha may; e porque esta mézinha sára de iniproviso, me parece que lhe deitam opio. E fui mais certificado disso quando curei este fidalguo. Aproveita esta mézinha em grande ma- neira, quando he muyta parte da matéria evacuada, e doutra maneira recaem muitas vezes (4). RUANO Aproveita esta mézinha pera mais emfermidades? ORTA Pera vómitos, e pera fraquezas do estomaguo, tomada com alguma mistura de aguoa de ortelãa e alguns pós de almé- Das her^pas contra as camarás cega. Ha também nesta ilha uma arvore pequena, e porém de maior cantidade que estoutra frutiçe; tem as foliias e a flor como murta, e dá a fruta como murtinhos, e do mesmo sabor e mais estiticos, e chamão esta erva avacarí. Esta, me dixe hum português velho de muito tempo nesta terra, que mora no monte em huma sua quinta, que aproveita muito pera camarás antigtioas de causa fria; e que teve, por espaço de hum anno, huma filha emferma de camarás, e que as outras mezinhas lhe nam aproveitavam, e com esta foy restituída á saúde; e pergunteilhe quem lhe dixera que esta pranta era boa para camarás, e dixe que hum destes físicos da terra lhe dava a corteza pisada e lançada em agoa de arroz, feita a modo de tisana, que he o modo que tem no esprital de curar. Esta raiz desta mata dizem que cheira a trevo; e perguntei aos físicos desta terra por ella, e dixeramme que era boa pera camarás, e que mistu- ravam com outra herva chamada com: e que he muyta boa mesturada (5). Isto he o que sey destas mézinhas, e eu vos levarei a ver emfermos que curam os Malavares e os Ca- narins, e sabereis melhor tudo. SERVA Esta ahi um moço dos frades de Sam Francisco, com hum cesto. ORTA Não será cheo de cousas pera comer, pois são frades que tem necesidade. MOCO > Eis aqui as hervas que pedistes. RUANO Humas sam roseiras; e estoutra he medicinal? ORTA Não, mas tem huma propriedade estranha, que he nam querer que a. toquem; he herva que nam se consente tocar, porque pondolhe a mam vereis como se encolhe loguo. i8 Colóquio vigésimo sétimo RUANO Cousa he essa muyto de notar, ser esta herva tam limpa e tam ciosa, que não consente tocarse; vós especulai esa fi- losofia; porque se parece ás folhas que deita o polipodio; tem flores amarelas, e desta herva não falaram Plinio, nem Dioscórides (6); mas o autor do livro da Nova Espanha diz que ha no Peru huma herva que", como lhe tocam, as folhas se secam. E porque me parece que estareis já emfadado, será bem que comamos. Nota (i) O licenceado Alvaro Fernandes devia ser um dos médicos do Hos- pital de Goa. No Regimento do hospital real da cidade de Goa, assi- gnado pelo provedor e irmãos da mesa a 23 de agosto do anno de i585, em tempo do vice-rei D. Francisco Mascarenhas, vem a seguinte nota: . . .«e o provedor da Santa Miseiicoidia Dom Christovao de Menezes, e outros provedores que lhe soceJerão, acrecentarão o ordenado do medico em vinte e cinco xerafins cada mez, que era o licenciado Al- varo Fernandes, e assi foi correndo». Esta nota refere-se evidentemente a uma determinação tomada muitos annos antes do de i585, e por- tanto nos tempos do nosso Orta, o que torna provável ser este o Alvaro Fernandes dos Colóquios (Cf. Arch. port. oriental, fascículo 5.°, 1044). Nota (2) Esta phrase, e outra igualmente succinta em um dos Colóquios se- guintes, são as únicas referencias de Orta a um successo importante da sua vida — ao facto de elle ter acompanhado o conhecido Bahadur Scháh na sua aventurosa expedição contra os soldados mongóes de Hu- máyun. N'essa expedição, Orta, que seguia o seu amo Martim Affonso de Sousa, atravessou toda a península de Kathiawar desde Diu até ás portas de Ahmedábád, e teve assim a única occasiao de examinar o aspecto e vegetação do norte da índia, pois não nos consta que ali vol- tasse depois. Pôde ver-se o que eu disse ácerca d'esta viagem em Gar- cia da Orta e o seu tempo, p. 99 e seguintes. Nota (3) O D. Manoel de Menezes, de quem falia o nosso escriptor, havia sido mandado por Nuno da Cunha á costa da Arábia em um galeão, a fim Das hervas contra as camarás 19 de se informar do fundamento que tinham certas queixas do rei de Xael, relativas a desmandos e violências feitas por alguns portuguezes n'aquel- la costa. As queixas tinham todo o fundamento, pelo menos assim se deprehende da própria narrativa de João de Barros; mas, como muitas vezes succede, pagou o justo pelo pecador, e D. Manoel ficou retido pelo povo e rei de Xael, sendo entregue mais tarde, quando se assenta- ram de novo pazes com Xael, e D. Fernando de Lima foi ali expressa- mente buscal-o. Vê-se pelos Colóquios, que este D. Manoel de Menezes, filho bastardo de D. Tello, voltou para Portugal e se entretinha em applicar na sua pátria as noções de medicina que recebera na Arábia. Gaspar Corrêa conta também a historia do captiveiro e resgate de D. Manoel ; mas a sua versão afasta-se bastante da que encontramos em João de Barros. (Cf. Barros, Asia, iv, viii, i5 e 16; Gaspar Corrêa, Lendas, iii, 844.) Nota (4) A herva malavar de Orta deve ser a Holai-x-liena aixti- dlysenterica, Wall., uma planta da familia dos Apocynacece. Em primeiro logar, a curta descripção de Orta concorda de modo bastante satisfactorio com os caracteres da planta; a fórma das folhas, a côr e perfume das flores, a presença de leite ou látex na casca, o sabor extremamente amargo d'esta mesma casca, tudo isto não desdiz do que sabemos dos caracteres d'aquella apocynacea. Unicamente poderia le- vantar alguma duvida o facto de Orta lhe chamar herva ou mesmo «frutice», pois a Holarrhena tem um porte arbóreo; mas o próprio Orta diz que a sua herva chegava a ter a dimensão dos medronheiros, e a Holarrhena não é uma arvore grande, attingindo apenas — segundo dizem — de 20 a 3o pés de altura. Alem d'isso é possível que Orta não visse exemplares bem desenvolvidos. Em segundo logar, o nome vul- gar de «coru», citado por Orta, parece-se bastante com os nomes hin- dustanis, vulgares em Bombaim, de kureya, ou kúra; e sobretudo com a ultima parte do nome de khaocurro, que, segundo Dymock, applicam á casca da Holarrhena nas terras de Goa. Por ultimo as propriedades medicinaes attribuidas á herva malavar e á Holarrhena são absoluta- mente idênticas. A Holarrhena antidysenterica, também chamada Wrightia antidy- senterica, Echites antidysentericum e Nerium antidysentericiim, porque ácerca da sua classificação se deram bastantes erros e confusões, gosa na índia de uma grande reputação. Não só os médicos indianos, senão também muitos inglezes concordam com a opinião favorável do nosso medico portuguez do xvi século; e sir Walter Elliot, por exemplo, con- siderou-a um dos mais valiosos productos medicinaes da índia. A casca, 20 Colóquio vigésimo sétimo que se encontra no commercio local, e é conhecida pelos nomes de codaga pala, de conessi bark, e ainda por outros, chegou a ser impor- tada na Europa; mas perdeu depois parte da sua acceitação, talvez pelo facto de lhe misturarem a casca, relativamente inerte, da Wri- ghtia tinctoria. Continua, todavia, a ser applicada na índia, e — como o seu nome especifico indica — no tratamento das mesmas enfermida- des para que Orta a recommendava. Dos curiosos artigos, que acerca d'esta planta se encontram na Matéria medica of Western índia do sr. Dymock, e na Pharmacopceia of índia, se vè que o modo de fazer os preparados da casca, misturando-lhe algumas vezes substancias aro- máticas, e outras opio, não differem essencialmente dos que descrevia ha tres séculos o nosso medico portuguez. Este foi, em todo o caso, o primeiro europeu, que mencionou a planta e as suas propriedades medicinaes (Cf. Dymock, 1. c, 497; Pharmac. of índia, iSy e 455). Nota (5) Não me foi possivel averiguar o que seja este «avacari», posto que não julgue difficil essa averiguação para quem esteja familiarisado com a flora local das terras de Goa. Pelo que diz Orta se vê, que não era um medicamento largamente conhecido e de uso geral, como a casca da «herva malavar», ou Holarrhena; mas pelo contrario uma receita particular e pouco vulgarisada. Um portuguez velho, que vivia na sua quinta, fóra de Goa, soubera de um medico gentio, um vydia, que a casca do «avacari» aproveitava no tratamento da dysenteria, ou das «cama- rás antigas de causa fria». E claro que estes remédios caseiros deviam abundar e variar de localidade para localidade, e não se identificam tão facilmente como outros de maior nomeada. A única cousa que é li- cito affirmar, é que o avacari era uma planta da famillia das Myrta- cecp; Orta tinha bastante tacto botânico, para se não enganar quando insistia na semelhança da planta com a «murta». As Myrtacece abun- dam na índia, nomeadamente as espécies do género Eugenia; algumas têem cascas notavelmente adstringentes que podem ter a applicação indicada, e é provável que entre ellas se encontre o avacari. Nota (6) Esta entrada em scena do moço dos frades, é uma d'aquellas notas familiares, que Orta gostava de introduzir nos seus Colóquios, e tanto contribuem para lhes dar vida e caracter. Vê-se que o nosso velho medico devia ser um commensal do grande convento de S. Francisco, junto do qual e ao longo de cuja cerca elle passava todas as manhãs. Das JiLTPas contida as camarás quando descia do centro da cidade para o hospital, situado no caes de Santa Catharina. Quanto áquella planta que «se nam leixa tocar sem se fazer murcha», a primeira impressão seria identifical-a com uma espécie de Mimosa, mas nem a côr das flores, nem o porte da planta concordam com as espécies sensitivas d'aquelle género. Christoval Acosta, cujo livro tenho citado poucas vezes, porque em geral é uma simples paraphrase do de Orta, dá-nos n'este ponto esclarecimentos valiosos. Não só descreve mais detidamente a planta, sob o nome de Yerva Biva, como a desenha, posto que grosseiramente; e das suas indicações, concordes com as de Orta, deduz-se dever ser uma espécie muito sensitiva da familia das Geraniacece, Biopliytvim .sousitiviiiii, D. C. (Oxalis sen- sitiva, Willd.), que é bastante frequente na índia, e da qual Rumphius fallou também, dando-lhe o nome de Herba sentiens. Segundo diz Acosta, era considerada na índia uma planta sagrada, ou feiticeira, especialmente consultada em questões amorosas (Cf. Acosta, Tractado de las drogas, 236, Burgos, oyS). COLÓQUIO VIGÉSIMO OITAVO QUE TRATA DA JÁGA E DOS JAMBOLÕES E DOS JAMBOS E DAS JANGOMAS INTERLOCUTORES RUANO, ORTA, SERVA, CAPITÃO RUANO Que fruita he aquella que he do tamanho de nozes gran- des? ORTA Já comestes das castanhas que tem dentro, e dixestes que asadas sabiam a castanhas-, e agora comereis as cascas que a cobrem, e sam amarelas e tem bom sabor. RUANO Sabem a melam, não tam bom como os milhores. ORTA Asi he; e sam per sua viscusidade más de degerir, ou, por milhor dizer, não se degerem; e muitas vezes saiem pola camará sem nenhuma permutaçam; e eu nam uso muito delias. Chamamse em malavar Jacas; em canarim e guza- rate pana:{; e na fralda do mar as ha. Somente se sequam estas castanhas de dentro, e comemnas asadas e ás vezes cozidas. O arvore delias he alto e grande, e ellas nacem no pao do tronquo pera sima, e não nos ramos como as outras fruitas; e por fazer mais certo, aqui vos amostrarei a Jdca, donde estas foram tiradas. E vedela aqui, que he tamanha como hum melão muyto grande, e ha outras maiores; e a corteza que cobre estas castanhas todas he muita grossa, como vereis, e dura, e pera nada serve. RUANO Não ha melão tam grande, nem tam fermoso, como este pomo. 24 Colóquio vigesijno oitavo ORTA* He verde escuro, e todo cercado de espinhos, mais pe- quenos que os do ouriço quacheiro; mas estes não picam, como o piquo delle: e não me parece bem comerdes esta jdca senão ao cabo de comer, e entonçes comereis as casta- nhas assadas deste mesmo pomo, que já o outro dia co- mestes (i). RUANO Comerei estas azeitonas, que asi o parecem; mas sam mu3^to ponticas, porque apertam muyto; e no demais pa- recem azeitonas cordovesas já maduras. ORTA Chamamse jambolôes, e naçem no campo em huma mata que parece como murta, e nas folhas parece medronho; mas asi esta fruita como a jdca não se tem por fruita muito sadia da gente desta terra (2). Mas esta que vos mostro he muyto estimada nesta terra; veo de Malaca a esta terra ha pou- quo tempo, porque ha muytas naquellas partes. Mas dizei a que vos parece este pomo, pois he do tamanho de hum ovo de pata, e algum tanto maior: já vedes como a cor delle he feita de branco e vermelho, e cheira a aguoa ro- sada, de maneira que aos dous sentidos he aprazível. Agora he necesario, porque parece bem á vista e ao cheiro, que seja ao gosto; e por isso provaio. RUANO Já o provei, e sabe muito bem; convém a saber, hum sabor que não emsita muito o gosto por ser aquoso este fruito; e pera mim o sabor he muyto bom; mas o cheiro e a vista parece como humas bugualhas grandes, quando sam novas (a que chamamos inaçans de citqiio), e dizeime como se chama esta fruita nesta terra onde a ha. * Falta a palavra «Orta» na edição de Goa; o que se torna evidente pelo sentido, e por que vem a seguir as duas observações de Ruano. Da Jáca 25 ORTA Em Malaca he chamada jainhos; e asi lhe chamão nesta terra. RUANO Melhores sam estes que os Jambolóes; porque já ouvi gua- bar muyto esta fruita; diguo que também he aprazível aos ouvidos com a fama, de modo que apraz a quatro sentidos. He certo que he esta fruita pera comer hum príncipe na nossa Espanha^ e mais não me parece que fará mal, se a comerem antes do comer; e bem vejo que he fria e húmida; e portanto me dizei a feiçam do arvore. ORTA Desta varanda vereis nesta orta minha os arvores: aqueles pequenos sam postos ha dous annos, e em quatro dão muyto boa fruita, e carreguão muyto, muitas vezes no anno; asi o arvore como a fruita sam de feição oval*, e sam do tamanho como huma amexeira; a frol he muyto cheirosa e he roxa; e o sabor* he das azedas; a folha he como hum ferro de lança, grande e larguo, e de hum verde muyto aprazível; as raizes deste arvore entram muito dentro na terra, pera sustentar o arvore quando carrega, porque dá muytas vezes fruita no anno: asi da fruita como da frol se faz conservas (3). SERVA Hum homem está aly, que traz requado do rendeiro de Bombaim. ORTA Venha qua. CAPITÃO Estas cartas me deu o vosso rendeiro, e este cesto de Jamgomas. * Comprehende-se que o fructo seja oval, mas não sei bem o que Orta quer dizer em relação á arvore. 26 Colóquio ingesimo oitavo ORTA As cartas lerei despois; a fruita provemos, e apertaia pri- meiro entre os dedos, porque se quer asi. RUANO Sabe bem, e parece na feiçam como sorva pequena, e no sabor como ameixa; he no sabor estitiqua. ORTA Ha muitas nas ortas de Baçaim e Chaul, e também as vi em Batecalá; o arvore delias he como amexieira e asi na folha; enfloreçe com flores brancas; tem muytos espinhos no tronquo ao sobir, a modo de pinha. Chamam-se jamgo- mas, e pella ma3'or parte naçem no campo: também se dam trasplantadas; e homens dinos de fé me dixeram que a me- lhor maneira de semear era comendoas huma certa ave, e no esterquo delia se acha a simente, a qual semeam, mistu- rada com este esterco (4); e naçe e dá mais asinha fructo (5). Nota (i) A jaqueira — designação applicada á arvore pelos portuguezes, e derivada do nome do fructo — é o bem conhecido A.r*tocai'puLS integ-rifolia, Linn., Jack-tree dos inglezes, da grande família das Urticacece. Chamam-lhe no norte da índia phanas ou panasa, o «panaz» de Orta; e em lingua tamil pila ou pala, sendo, porém, o nome á^jaca, com variadas orthographias, aquelle que todos os viajantes da Europa e do Occidente adoptaram sempre de preferencia. O nosso escriptor está longe de ser o primeiro que fallou d'esta planta, de porte muito notável, e que em todos os tempos attrahiu a at- tenção dos viajantes, mesmo d'aquelles que se não dedicavam espe- cialmente ao estudo da historia natural. Vimos nas notas ao Colóquio vigésimo segundo, como sir H.Yule pretendeu identificar a pala de Pli- nio com a jaqueira. Esta opinião — guardado todo o respeito devido áquelle illustre indianista — levanta, porém, não pequenas objecções; e eu julgo mais segura a que identifica simplesmente a pala de Plí- nio com a bananeira. Posto de lado Plínio, ficam-nos muitos viajantes da Idade media, os quaes fallaram da jaqueira de modo tão claro, que Da Jáca 27 nos não podem deixar duvidas. O ingénuo fr. Jordão, por exemplo, tem nas suas Mirabilia a seguinte phrase : . . .nam sunt qua-dam arbores qiice fructus faciunt valde grossos, qui Chaqui vocantur, et sunt friictus tanice magnitudinis, quod unus sufficiet circiter pro quinque personis, phrase que sem duvida alguma se applica á jaca e jaqueira. Ainda mais explicito é fr. João de Marignolli; descrevendo as arvores do paraiso terrestre, e pa- recendo que, em tão difficil assumpto, se devia limitar a algumas vagas indicações, dá-nos no emtanto uma descripção exactíssima e correctís- sima da jaca, a que chama chakebaruhe. Depois de fr. João, vários via- jantes, como Ibn-Batuta, Varthema e outros, fallaram da jaca, e da ar- vore que a produz. E certo, pois, que Garcia da Orta nos não diz nada de novo, dando-nos no emtanto algumas indicações interessantes e exa- ctas (Cf. Mirabilia no Recueil de Voyages, iv, 42; Yule, Cathay, 302; e para mais indicações o interessante artigo de Yule e Burnell, no Gloss. 335). Nota (2) Os jambolões de Orta são o fructo da Ewgenia ja,Mil>o- lana, Lam., uma arvore da familia das Myrtacecp, bastante com- mum na índia. O nome hindustani do fructo é djamún; e em Bombaim chamam- lhe também jámbúl, parecendo que o nome de jam- bolão — pelo menos na sua desinência — seria um arranjo portuguez*. Este fructo, que comem na índia apesar de muito «pontico», tem uma notável semelhança com as azeitonas, semelhança que um puro alem- tejano, como era o nosso escriptor, não podia deixar de notar. Dois séculos antes, um viajante também das nossas partes do Occidente e da Hespanha, o mouro Ibn Batuta, tinha do mesmo modo comparado o jdmún com a azeitona. Nota (3) O jambo é o fructo de uma espécie do mesmo género Eugenia — posto que planta e fructo, e sobretudo este, sejam no gosto e no aspecto muito diversos — a Eug-diia malaccensis, Linn. Note-se que Orta conhecia a sua procedência de Malaca, e nos indica que a introducção d'esta planta, depois vulgarissima na índia, não era então muito antiga. Nota (4) As jangomas são o fructo da Flacourtia cataplira- cta, Roxb. (Flacourtia jangomas, Miq., Stigmarosa jangomas, Lou- reiro, Roumea jangomas, Sprengel). Esta synonymia, assim como a ' Se não é simplesmente o nome malayo /jt™*^) djambelan. 28 Colóquio vigésimo oitavo da Jaca descripçáo de Orta, a menção dos numerosos espinhos do tronco, o aspecto do fructo, não podem deixar duvida sobre a identificação. Ainda hoje em Bombaim chamam ao fructo jaggam, o que Dymock considera como uma corrupção de jangoma. Este ultimo nome, que era vulgar no tempo de Orta, e foi adoptado pelos antigos botânicos que descreve- ram a planta, devia ser — como já observámos a propósito dos jaynbo- lóes — um arranjo portuguez, especialmente usado nos nossos estabe- lecimentos da costa, onde, nas hortas de Chaul, Baçaim e outros pontos, se encontrava com frequência a planta cultivada (Cf. Dymock, Mat. med., 74; para a synonymia, Hooker, Fl. of British índia). Nota (5) Este Colóquio dá-nos duas indicações valiosas para a biographia do nosso escriptor. Em primeiro logar mostra-nos, que elle habitava em Goa uma casa sua, em cuja horta fazia plantações de arvores, com a segurança de um proprietário, ou pelo menos de um arrendatário a longo praso; e em segundo diz-nos que elle tinha arrendado da sua mão — como foreiro que era — a ilha de Bombaim. De um e outro ponto, e particularmente do ultimo, tratei já com certa largueza na Vida de Garcia da Orta. ê COLÓQUIO VIGÉSIMO NONO DO LACRE INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Aguora cac a vez do lacre que tanto se gasta nesta terra em serrar cartas e pôr outros sêllos, em lugar de cera. ORTA Antes a cera se gasta por falta do lacre; porque o lacre he mau de despegar, e não se tira o sêllo senão quebrando. Chamase lacre o que nos livros de botica chamamos laca; em arábio e pérsio e turquesco locsiimutri , casi lacre de Çamatra; e nam porque Çamatra confine com Pegú, onde o ha, senam porque vinha dessas partes, cuidaram os Ará- bios e outras nações que era delia, e por isso lhe puseram o tal nome; em Bengala e no Balagate e no Malavar, onde o ha, também lhe chamam asi, porque aprenderam dos Mouros, mas na lingua da propia terra he lac; e em Pegú e Martabam, donde he o milhor, chamamlhe trec; e alli dizem alguns que vem de Jamay, e dal}^ vem também o almiscre; e levam os Martavanes e Pegús a vender esta fa- zenda a Çamatra; e por isso lhe chamaram os Arábios loc- sumutri; e os Pegús traziam em retorno pera sua terra pi- menta. RUANO Dizei que cousa he, e como se faz, e em que se cria, por- que des que dixerdes a verdade que sabeis, virei com meu contraponto, e dirvosei o que acho escrito nos livros anti- guos e modernos. ORTA Muyto tempo fui emganado; porque diziam que em Pegú saiam os rios da madre, e que na lama que ficava punham 3o Colóquio ingesimo nono paos pequenos, e que ali se criavam humas formiguas mu3'to grandes, com asas, que avoavam e punham o lacre muito nos paos; e que por isso avia lacre muito nos paos metido. E eu perguntava isto a estes homens, se o viram com seus olhos; e porque lá se ganhava mais em comprar robis, e ven- der roupa de Paleam e de Bengala, diziamme que não esta- vam lá tam ociosos como isso; mas que ouviram aquillo, e que era a fama comua : até que falou comiguo hum homem bem criado que lá estivera, e era curioso, e me dixe que era hum arvore grande em cantidade, com folhas que pareciam de amexueira, e que lavravam nos ramos pequenos daquelle arvore este lacre as formigas grandes, criadas na vasa e em outras partes; e que tiravam deste arvore, como de causa material, esta guoma, lavrando no pao como a abelha faz no mel; e que esta era a verdade. E que depois tiravão os ramos daquele arvore em pedaços, e os punhão a secar á sombra, até que despediam o pao, e ficava em canudos, e em alguns delles ficava o pao metido dentro; e quanto me- nos pao tem deste se ha por melhor, porque dizem loguo, tem muyto pao este lacre, ou tem pouco. E mais me dizia que algum era muyto cujo, e punhamno a derreter, e que fazião pó, e que este era o somenos, por ser mesturado com terra; e despois mandei saber a Pegú isto, e achei ser muita verdade. E andando eu no Balagate, onde ha algum, e o ajuntam pera o trazerem a vender aos portos do mar, que vem da terra do Cotamaluco, me dixeram o mesmo; e aqui em Goa me trouxe hum moço hum ramo delle tirado de huma arvore que chamamos maçeira, e os Decanins ber, de que acima faley já, e aqui está nesta orta, e por meus olhos o vi; e porque este he pouco lacre não fazem conta delle, que não será a terra disposta pera o gerar. E muytos me dixeram que o viram nas maçeiras, e que as formigas o geravam nellas; e he claro ser isto verdade, porque muytas vezes vem as asas das formigas mesturadas no lacre. E este lacre de que falamos, quando he mastiguado, tinge de fino roxo, e asi o provam e delle fazem estes paos que vedes pera cerrar, e os tingem, e acrescentamlhe a cor neçesaria Do Lacre 3i de que querem os paos, scilicet, a tinta que faz a tal cor; e destes paos ou de pastas larguas tingem os carpinteiros ou torneiros ao torno os paos que querem, trazendo o lacre poUo pao ao torno; e com este lacre enchem a prata e o ouro, que he vazio, para fazer suas obras maiores. E por- tanto sabei que não he o arvore similhante á murta, nem na folha nem na grandura; senão he ás vezes tamanho como uma nogueira, e ás vezes mais pequeno; nem se chama aec, como lhe chamava o Pandetario, nem ancusal, que sam no- mes corrutos (i). RUANO Avicena* lhe chama liic**, na traduçam emendada pello Belunense, e alegua a Paulo, que diz que o arvore delle he semelhante ao arvore da mirra, e que he bom cheiro, e mais que he neçesario que se administre com cautela, e que ou- tros erraram e dixeram que era como carabc, e que a ver- dade he que tem a virtude do carabe em muitas cousas: que sentis disto? ORTA Que Avicena não conheceo o lacre, senão falou congeitu- rando; e pôde ser que o não vio em pao; e ao que diz que o arvore he similhante ao da mirra, por isto juraria eu que Avicena não vio arvore delle. E eu também não conheço o da mirra, pera confutar seus ditos; mas sey que a goma do lacre he feita per cima dos paos forrandoos, e a outra he estilandose do arvore; e a mirra tem cheiro, e o lacre não o tem, posto que Avicena diz que o tem. E chamárse luc por o Belunense, pode ser que asi o achou escrito nos originaes antigos; porém aguora os Arábios todos o chamam locsumutri; e em reprender aos que dizem que é carabe, * Avicena, Livr. 2, 482 (nota do auctor). *• Esta passagem é uma das que mereceram mais severa correcção da parte de Scaligero, o qual, notando que tanto se pode ler loc como luc, acrescenta : quare cum Garcias ubique Arabismi se peri- tum habere vult, satis prodit se ne legere quidem scivisse. V 3*2 Colóquio vigésimo nono bem fez Avicena; mas errou em dizer que tem as proprie- dades do carabe, que isto he falso, porque o carabe he con- glutinativo e estitico, e o lacre aperitivo; e por ser muj^to aperitivo diz Avicena que se ha de administrar com cautela; e asi como vós melhor sabeis, primeiro usamos de cousas aperitivas, menos que usemos delle; senão o que sinto de Avicena he, que creo elle que o lacre era o cancamo* de Dioscórides; porque Paulo parece que fala por a sua boca; e craramente consta ser falso; porque o nosso lacre carece de cheiro, e o cancamo he cheiroso e auto pera perfumes; e outra cousa diz Avicena dina de reprensam, que faltando o lacre se ponha em seu logar sangue de drago, que também he mézinha estitica. RUANO Porque lhe chamam locsumutri? Ha o por ventura em Camatra? ORTA Não, senam, como vos Já dixe, ha o em Jamay, e dahi o levavam a Camatra; e de lá trazião em retorno pimenta: mas agora este caminho não he tam usado, porque o lacre não o vendem senão Pegús aos Portuguezes, e nós o ven- demos aos Arábios e Pérsios e Turcos ; e o levamos a Por- tugal, onde se gasta pera Africa e outros cabos; por onde agora não ha rezam de lhe chamar locsumutri, como ante, que os Chins que o levavam a Ormuz e a esoutras terras não cuidavam que era senão de Camatra, e por de Camatra o vendiam; mas em Camatra não o ha; e se ha algum he tão pouquo que não sae da terra; mas até o presente não soube senão que o não avia lá. * A palavra cancamo vem escripta na edição de Goa com variadas orthographias, cuhamo, cauchomo, cauchamo, que em parte são erros de imprensa, e reduzimos á mais geralmente usada. A fórma preferida por Orta é evidentemente cauchamo, o que seria uma incorrecta tran- scripção do grego v-i-^-^tL^r^^^ ou do latino cancamum, como escrevem Dioscórides e Plinio. Do Lacre 33 RUANO Ora já examinamos Avicena, examinemos a Serapiáo*, que diz sac, scilicet, laca, e alega a Dioscórides, por tra- duçam do Abtabharic, que diz que he goma que naçe na Arábia, similhante ao arvore da mirra; e alega a Rasis, que diz que cae do ceo sobre os ramos da giibera, e alega Isac e diz que he cousa vermelha, que cae sobre os paos su- tis, e que tingem com elles os panos; e também diz que o trazem da Armênia, terra bem sabida na índia; por onde me direis a verdade de tudo isto. ORTA Sac he nome corruto; e o lacre de Dioscórides não es- creveo Dioscórides delle, nem Serapiam o conheceo ; porque elle cuidou que era o cancamo de Dioscórides, e diz ser si- milhante á mirra e ao estoraque: bem vedes que este la- cre não cheira cousa alguma; e onde alega o Galeno por a traduçam do Abathabarich**, alguns presumem ser Paulo***, porque falia da mesma maneira; e nem Serapio nem Paulo, com seu perdam, dizem verdade, nem ainda que o dixera Galeno, não lhe déramos fé; pois diz que he goma de hum arvore que naçe na Arábia, similhante a mirra; e se este lacre não o ha em Arábia, pois he mercadoria pera lá, le- vada de cá da índia, pera que he dar fé a taes ditos? Tam- bém alega a Rasis que diz que cae do çeo sobre os ramos * Lib. 2, cap. 432 (nota do auctor). Isto é evidentemente um erro; Orta repete a citação do logar de Avicenna, querendo citar o cap. 181 de Serapio. ** O nome vem escripto acima com uma orthographia um tanto di- versa. Deve dizer-se, que não foi só o nosso escriptor quem o alterou; na versão latina de Serapio (edição de Brunfels, i53i) encontram-se as formas Athabarich, Albatarich, Atabari, que julgo se devem applicar todas ao mesmo escriptor arábico, traductor de Galeno. *** Ser Paulo e não Galeno, é o que Orta quer dizer; a versão de Clusius n'este ponto não é exacta. 3 34 Colóquio vigésimo nono da gubera, e he falso, porque giibera no arábio quer dizer solapa, e não ha sorm em toda a índia; e ao Nizamoxa lhas trazem da Pérsia e do Goraçone, e eu as vi em sua caza. RUANO Oulhai se por ventura he nespra; porque outros livros di- zem sobre os ramos da nespereira. ORTA Está mal treladado; porque gubera he sorva, e aniiiriit he nespra; quanto mais que nem huma nem outra ha em toda a índia; e ao que diz que se traz da Armênia he falso, porque na Armênia não o ha também. RUANO Dizem os Frades italianos que escreverão sobre Mesue, que não vio homem algum o verdadeiro lacre em nossas partes; e que nam he de crer que a natureza faltase aguora nelle; ainda que muitos cream ser o cancamo de Dioscóri- des, porque a descriçam delle por Paulo e Dioscórides lhe convém; mas este cancamo não o vio pesoa alguma; posto que alguns dizem ser o que chamamos benjoim; e que pois o não conhecemos, per conselho de muitos bons físicos se pôde pôr sangue de drago. ORTA A mim me parece bem o que dizem os Frades em dizer que a natureza não avia de faltar neste simples; e dizem nisto bem, porque as terras sam mais sabidas, e o uso das mezinhas he mais conhecido; mas em dizer que o não ha, dizem mal, e milhor diriam em dizer que o ha; pois o trazem da índia cada dia e o usam por laa^e todos os Mouros e Gentios. E porém fora muito milhor dito que o não conhe- ceram Serapio nem Avicena, ou quem treladou os sinais de Paulo e Dioscórides no cancamo de que carecemos; mas que he este que usamos, e que o cancayno não sabemos delle, pois não he benjoim; e isto he noto, pois não o ha na Arábia, como vos já dixe, falando do benjoim; e que se po- Do Lacre 35 nha no seu logar sangue de drago, já reprovei isso acima; por onde, levandovos Deos a Espanha, usai lá do lacre com muyta ousadia; porque cá os físicos mouros letrados no Ba- legate usam de dialaca, a que chamam dallaca; e al he ar- ticulo do genitivo, e asi o diaturbit chamam daltiirbit, que he composição de tiirbit; e asi chamáo todos os mais das composições, onde nós pomos dia, põe elles dal. E vós que sois bom grego, sabeis se he bem dito dia, porque eu já ouvi dizer que não he bom grego; e nisto não fallo mais, por não meter a mão em a fazenda alhea. RUANO Isso derradeiro vos diguo que me pareçe bem, mas nam posso julgar nisso porque não sam bom grego; e Ruelio, escritor douto e curioso, se acha nisto duvidoso. ORTA Tem rezão; mas vós, se lhe falareis, o tirareis de duvida. RUANO Bem será que vos diga o que sinto neste caso, não obstante quanto dixestes; e he que não ha verdadeiro lacre; por- que, se os Gregos o conheçeram, he por cancamo; e se o não conheceram, he o de Avicena e Serapio: e asi hum como outro não tem cheiro nem aproveita pera profumar as vistiduras; e misturado com mirra e estoraqiie não acresenta e causa cheiro, antes o diminue. E asi concluo que não temos o lacre, nem o cancamo. ORTA Vós o dizeis e o desdizeis; porque dixestes primeiro que a natureza não avia de ser defeituosa em estas mezinhas tam celebradas dos Gregos e Arábios, e aguora dizeis que careçemos delias. RUANO Assi o torno a dizer, até que me deis rezão por onde mude o propósito. 36 Colóquio vigésimo nono ORTA Não he menos inconveniente nam conhecer Serapio nem Avicena o lacre, e errar em dizer que falece* natureza; pois sabeis que o lacre he este que vedes hir da índia a Por- tugal; e por tal o tem todas estas regiões, e Asia, e Africa, e muita parte da Europa ; e o que mais he chamarse asi ácerca dos índios; e por vós nam terdes que o he, nem os Frades, nem outros, não se mudam as cousas do que sam**. E diguo, como já dixe, que Serapio se emganou, crendo ser o cancamo de Paulo e de Dioscórides; e Avicena mu3^to mais se emga- nou, pois dixe as cousas do cancamo, e fez capitulo de chei- chem*** como se fossem duas cousas; e o que dixe do outro, como se foram duas mezinhas: ora pois quem tam crara- mente errou, não he muyto errar em não conhecer o lacre. RUANO Bem me persuadis nisso; mas o cancamo, como carece- mos delle? ORTA Menos mal he carecermos de hum simple, que de dous; e porém eu vos direi qual he o cancamo, segundo meu pa- recer, posto que pera concluir isto não tenha rezÕes eviden- tes; mas quem me der outras milhores estou aparelhado pera aprovar o contrario. * Parece faltar a palavra «na». *» Arip. I, Periarmemas (nota do auctor); nota cheia de erros de im- prensa, e que se deve ler, creio eu, Arist. i, Peri Hermenias. No tratado de Aristóteles, intitulado em algumas versões latinas antigas Peri Her- menias sive de interpretatione, vem no livro i. cap. 2, De nomine, varias phrases, que Orta podia citar em apoio do seu dito, de que os nomes não influem na natureza das cousas. *** Por outra keiken ou keikhem, de que Avicenna falia no cap. Sgi; e que é a mesma substancia de que volta a tratar no cap. 482. Este nome keikhem, lido como quer Sprengel ^V^^ , kankeham ou melhor qanqeham, deve ser a transcripção arábica de xá-^'xa|Aov. Do Lacre 37 RUANO Pareceme que quereis dizer que he benjoim, e isso não me quadra, porque benjoim nam o ha na Arábia, como já discotimos. ORTA Nem isso diguo, senão que he anime; porque he bom pera cheiro e em perfumes usado. E vem a Portugal de Etiópia, terra confim á Arábia. RUANO Certamente que me contenta isto ; mas alguns dizem que o anime he uma especia de carabe? ORTA Isso me ajuda mais, porque, segundo alguns, o cancamo he espécie, e Avicena, reprendendo estes, diz que não he carabe, mas que he na virtude como elle^ mas cá não o ha, scilicet, o anime. RUANO Hum coronista das índias de Castella diz que ha anime em Çirvamlha, perto de Maluco, e que o ha em as terras do Brasil. ORTA Os Castelhanos, se me derdes licença, sam gente que acresenta muyto; e porém não diz verdade, porque o que diz he hum certo breu pera calefetar os navios, do qual vem muyto cá, por o aver em Çamatra, e em muitas partes; mas não tem o cheiro do cajicamo, nem cheira senão como qual- quer goma outra; e per esta maneira tendes lacre, e tendes cancamo, até que achais outra mézinha a que mais verda- deiramente convenhão os sinaes delia (2). RUANO Deos seja louvado, eu sam satisfeito do cancamo e lacre, e por aguora me parece bem; mas pois na terra onde* esta goma principalmente se chama trec, donde veo a lhe chamar lac, ou loc ou Itic? * Deve faltar o verbo «ha». 38 Colóquio vigésimo nono ORTA Falais como que esse error não seja muyto comum ás pesoas, porque essa foi causa de muitos errores: se ao es- podio que aguora chamamos, chamaram iabaxir, como se chama onde naçe, como ao diante vos direi, nam ouvera tantos erros, nem tantas contendas entre os Arábios e La- tinos e Gregos; porque as mezinhas não conhecidas ande ter o nome que tinham no seu naçimento; mas esta goma vendoa, e tendo neçesidade delia pera tingir e curar, porque, deretida, ficava basta como loc (que he hum ponto alto mais que xarope) chamaram entam a esta guoma luc; e asi lhe ficou o nome dos Arábios, que desta terra a levavam, ou lá a compravam aos Chins. E depois de a pedirem, ha muyto, cá por este nome lac, ficou também em uso ás gentes indias de a chamar asi; e isto que vos digo he muyto verisimile, e sem duvida passou asi (3). RUANO Afirmailo tanto, que já não posso negarvolo; e em espe- cial pois dais razões tam verisimiles. E aguora vos quero perguntar huma pergunta de mercadoria; e he que traz meu cunhado licença pera poder levar loo quintaes de laa^e pera Portugal ou pera Ormuz, e parece-me que o levará pera Portugal; porque lhe dizem que vai aguora quatro vezes menos, do que valia quando elle cá andou. ORTA Eu volo direi: tinhão os capitães de Ormuz trato e fei- toria em Bácora, cidade de Mesopotâmia, a que vinham com- prar os de Alepo mercadorias; e vendendose seo lacr^e muito bem primeiro, o tornou a trazer o feitor do capitão de Or- muz, que tinha sem o vender, nem avendo esperança disso; e quando elle vio isto, sem saber a causa, lhe dixe hum mercador muyto grande de Alepo, que elle lhe daria a re- zam disso, dizendo desta maneira — havia hum tintureiro muyto rico em Alepo, e foy mixiricado ao guovernador (a que elles chamam baxáj dizendo que aquelle muito dinheiro que Do Lacre 39 tinha pertencia a elrey, e dando busca na sua casa acha- ram que tinha 100 mil venezeanos, e dixelhe o guovernador: tu es tintureiro e hum tintureiro riquo não pôde ter mais que mil venezeanos e pois como tens tu 100 mil venezeanos? E asi lhos tomou todos; e porque contra os reis mouros não se acha justiça, fez este homem queixume ao gram rey dos Turcos, e per concerto lhe descubrio huns montes na sua terra, cheos de tinta, ou de arvores ou matas que a dam, os quais sam milhor tinta que o lacre, e escusam este lacre, e não he neçesario nas suas terras; e estas terras que a dam rendem ao Gram Turco mais de 100 mil cruzados cada anno; e por o serviço que fez ao Gram Turco, lhe deu o seu dinheiro todo, e lhe deu grandes hberdades outras; e por esta causa ora se não gasta em Ormuz senam muito pouquo lacre pera a Pérsia, com que trazem as alcatifas; e pera a Turquia e Arábia e outras partes não levam cousa alguma delle. RUANO E que tinta he esa? olhai não seja grãa, porque também grãa ha em Espanha, e em outras partes. ORTA Isso nam soube até aguora, e porém podeo ser; mas o que vos dixe, sey que pasa asi. Huma cousa vos peço, por merçe, que levandovos Deos a Espanha, nam consentais que deitem, por lacre, sangue de drago na confeiçam da laca, nem creais que laca seja o que chamam os Arábios quermes, porque hum he guoma, e outro he semente, da qual ha muita em Espanha (4). Nota (i) Toda esta pagina, na qual se concentra o interesse particular do Co- lóquio, porque o resto é uma discussão muito confusa e bastante ociosa de textos e opiniões antigas, toda esta pagina é extremamente curiosa e notavelmente bem deduzida. 40 Colóquio vigésimo nono Em primeiro logar, Orta reconhece que a lacca é uma producçao animal, «lavrada» nos ramos pequenos de uma arvore por um insecto. Somente engana-se quanto á natureza do insecto, suppondo ser uma formiga grande. É de notar, que esta falsa opinião, communicada por «hum homem bem creado», o qual estivera em Pegu, esta opinião era a que vogava n'aquella região. No seu livro sobre o Burmá, o dr. Ma- son diz : the Karens think that ihe lac is produced by an ant, and call it the lac ant. Portanto, Orta unicamente repetia o que tinham dito ao seu informador na própria região productora. A verdade era, porém, que o insecto gerador da lacca é um hemiptero, da familia dos Coc- cidce e do género Coccus, o Coccus lacca- N'este género e es- pécie, o macho, munido de azas, voa livremente, emquanto a fêmea fica toda a sua existência fixada ao ramo e é a verdadeira geradora da lacca. É possivel que as azas, observadas por Orta na lacca, fossem as do insecto macho, assim como é possivel que fossem azas de ver- dadeiras formigas, pegadas casualmente áquella substancia, emquanto se achava pastosa. Ao mesmo tempo, porém, que Orta reconhecia ser a lacca uma pro- ducçao animal, reconhecia não ser uma producçao puramente animal, e notava acertadamente que se não podia formar sobre os troncos sec- cos. Era uma substancia «lavrada» pelo insecto á custa da planta viva sobre a qual se fixava. A sua phrase é muito curiosa : . . . «tiravam deste arvore, como de causa material, esta guoma, lavrando no pao como a abelha faz no mel». Esta phrase mostra uma comprehensao per- feita da natureza d'estas substancias, semi-animaes e semi-vegetaes, que, como a lacca, o kermes, a cochenilha, algumas variedades de inanná, são o producto de uma espécie de collaboração do insecto com a planta. Para sermos justos, devemos notar, que outro portuguez muito menos instruido do que Orta, Duarte Barbosa, têve a mesma com- prehensao da natureza da lacca, e diz: . . .«este laquar, algíãus dizem que he goma darvore, e outros que se cria nos ramos delguados das arvores, como em nossas partes se cria grãa nos carascos; e esta ra- zam parece muyto mais natural, porque asy vem elle em arvores e va- ras delguadas, que por rezam não podem lançar tanta goma». Como se vê, Duarte Barbosa notou bem a affinidade existente entre a lacca e a grãa dos carrascos, ou kermes, que de feito é produzida por uma espécie do mesmo género Coccus. Voltando, porém, ás investigações de Orta, vemos que elle obteve apenas algumas informações, necessariamente vagas, ácerca das arvo- res de Pegu; mas conseguiu ver na índia a lacca, formada sobre um ramo de maceira ou ber, isto é, de Zijyphus jujuba. Averiguou, assim, a natureza botânica de uma das plantas sobre as quaes com mais fre- quência se cria a lacca. O sr. W. Theobald, fallando das terras de Burmá, diz que a lacca se forma ali sobre o Ficus religiosa e outras Do Lacre 41 espécies do mesmo género, sobre a Butea frondosa, sobre o Zi^yphus jujuba e outras plantas; e, referindo-se á índia, W. Ainslie menciona diversas arvores em que o insecto se pôde fixar, mas muito particular- mente o Zijyphus jujuba, dizendo mesmo que esta planta se cultiva com frequência para aquelle fim. Como se vê, a observação de Orta está perfeitamente confirmada. Orta tinha também conhecimento dos estados em que a lacca se encontrava no commercio, fallando-nos da que vinha «em canudos»; e da que havia soffrido uma certa preparação, pondo-a «a derreter». A mesma distincção se faz no Lyvro dos pesos, onde se diz que o lacre de canudo podia valer em Ormuz uma certa somma, emquanto o de pão va- lia uma terça parte menos, sendo eínxuto. A primeira fórma era a lacca bruta, ou crude lac dos inglezes, consistindo na accumulaçao das cellu- las resinosas, que encerram as fêmeas do Coccus; e da qual, tratada pela agua, se obtém a substancia corante, chamada lac dye. A segunda sorte devia ser análoga á que hoje se prepara pela fusão e passagem a tra- vés de um tecido, tendo no commercio o nome de shell lac. Finalmente, Orta sabia que se encontrava alguma lacca na índia» mas em pequena quantidade, e que esta mercadoria vinha sobretudo de Pegu e outros portos da costa occidental da Indo-China. Isto era exacto, e acha-se confirmado por todos os documentos da epocha. El-rei D. Manuel, no seu empenho e sofreguidão de obter as ricas substancias do Oriente, mandava pedir ao primeiro vice-rei D. Francisco de Almeida, que lhe enviasse abundância de lacre, e este respondia-lhe na sua ce- lebre carta, transcripta por Gaspar Corrêa : «O lacre que Vossa Alteza diz, que lhe mande, será maravilha averse, porque estas naos partem cedo, e as naos que o trazem de Pegu e Mar- tabão vem tarde : espero por boa somma d'elle, porque o tenho man- dado trazer.» Alguns annos depois, Diogo Lopes de Sequeira, desejando obter, «todo o álacre que pudesse», e sabendo que vinha muito «á costa de Choromandel polas naos de Pegu e Martabão», enviou lá um floren- tino, «hum frolentim chamado Pero Escroco», encarregado especial- mente de o comprar — não tinha ainda muita confiança na pericia dos nossos portuguezes, novatos nas tricas e subtilezas do commercio orien- tal. Do mesmo modo, Duarte Barbosa, sabendo perfeitamente que na índia havia alguma lacca no «reino de Narsyngua», indica no emtanto que a maior parte vinha de Pegu, «laquar muyto fino que na terra nase», e de Martabão, a que chamavam «laquar Martabam». De tudo isto se vê, que a Indo-China, então como hoje, era a principal origem geogra- phica da lacca do commercio. (Cf. Mason e Theobald, Burma, i, 87; Duarte Barbosa, Livro, 36o e 36i; Ainslie, Mat. ind., i, 188; Lyvro dos Pesos, 16; Gaspar Corrêa, Lendas, i, 900, 11, 567.) 42 Colóquio vigésimo nono Orta não sabia simplesmente que a lacca vinha de Pegu, sabia tam- bém que a traziam de «Jamay» a Pegu, e esta informação geographica é interessante, merecendo demorar-nos alguns momentos. Jamay — Chia- may e Jangamá de Barros — era uma província ou estado da terra ou reino dos Laos, chamada pelos burmeses Zimmé, e pelos siameses Kiang-mai ou Xiang-mai. O reino dos Laos dos nossos escriptores qui- nhentistas abrangia vagamente o que hoje chamam terra dos Schans, da fronteira do Burmá á da província chineza de Yun-nan, e o norte de Sião, desde Kiang-mai na bacia do Me-nam até Luang-prabang na do Me-kong. Barros define correctamente o que chama Chiamay no reino dos Laos, quando diz: o primeiro estado dos povos Laos (primeiro do lado Occidental) «chamam Jangamá, cuja principal cidade ha nome Chia- may, donde muytos por causa delia chamam ao reyno Chiamay». É de notar, que o próprio Barros dá o mesmo nome de Chiamay a um grande lago imaginário, situado ao norte da Indo-China, do qual pro- cediam vários grandes rios, que seriam nada menos que o Brahmaputra, o Iravady, o Saluen e o Me-nam. Pelo seu lado, Fernão Mendes Pinto parece derivar do lago Chiammay alguns rios do Tong-king, e diz que o lago tinha cento e oitenta léguas de circuito, havendo em volta minas de prata, cobre, estanho e chumbo. E Camões acceita a noção geogra- phica de Barros, no que diz respeito ao rio Me-nam : Olha o rio Menão, que se derrama Do grande lago, que Chiamai se chama. Esta noção dos lagos interiores, donde saíam muitos rios, era cor- rente na geographia do tempo, tanto para a Asia como para a Africa; e será escusado dizer que um grande lago, origem ao mesmo tempo do Brahmaputra e do Me-nam, era uma pura phantasia sem fundamento. É, no emtanto, possível que os portuguezes tivessem alguma noticia do lago de Tali-fu, visitado antigamente por Marco Polo, e modernamente por Garnier e por Gill; e que essa vaga noticia, ampliada e erradamente ligada com o nome da província de Kiang-mai, que ficava muito dis- tante de Tali-fu, désse causa ás suas affirmaçóes. Em todo o caso, a província de Jamay ou Chiamay existia, e de lá vinha e ainda vem muito boa lacca; modernamente Theobald diz: the finest lac comes from Siam and the Shan states. O almíscar também procedia da China norte-occidental e do Thibet, vindo por Ava no Iravady, como diz Duarte Barbosa, e podendo vir por Jamay, como diz Garcia da Orta. (Cf. Barros, Asia, i, ix, i, e iii, ii, 5; Fernão Mendes Pinto, Peregr., cap. 41; Limadas, x, i25; Burton, Commentary, 11, 541; Yule e Bur- nell, Gloss., 145, 343, 385; Yule, Marco Polo, u, 65; Gill, The river of the Golden sand, 246, London, i883.) Do Lacre 43 Nota (2) N'este, como em outros Colóquios, o nosso Orta não soube evitar a discussão bastante estéril dos textos antigos, e francamente não era fácil fazel-o, dados os hábitos e as tradições da sciencia do seu tempo. A questão em que se embrenha era tanto mais complicada, quanto se tratava de discriminar a natureza e procedência botânica de resi- nas em parte muito similhantes. Sem o seguir passo a passo, notaremos no emtanto um ou outro ponto em que as suas conclusões são exactas ou erradas. Em primeiro logar, concorda com Avicenna em que a lacca não é o carabe, e tem rasão; o carabe (arábico Lj kahrabã) é uma substancia absolutamente distincta, o bem conhecido succino, ou âmbar amarello. Em segundo logar, discorda de Avicenna, ou pelo menos dos seus traductores, sustentando que a lacca não é o cancamo de Dioscórides e de Paulo de Egina, e ainda tem rasáo. Qualquer que fosse a proce- dência botânica do cancamo, este era uma verdadeira resina de arvore, o que não era a lacca. Orta estabelece esta distincção do modo o mais claro e mais correcto na seguinte phrase: «a goma do lacre he feita per cima dos paos forrando-os, e a outra he estilando-se do arvore». A observação é perfeitamente conclusiva. Subsidiariamente, emenda algumas asserções erradas, fundando-se nos seus conhecimentos já mais completos de geographia botânica; assim, Rhazes havia dito, que a lacca caía do céu sobre os ramos da gubera ( e Orta adverte que a gubera fSorbus domestica) não existe na índia, nem nas terras d'onde vem a lacca, o que continua a ser conclusivo. De tudo isto, Orta deduz que os escriptores arábicos não conhece- ram bem a lacca, e fallaram d'aquella substancia um pouco ao acaso, ou — como elle diz — «conjeiturando». Assim devia ser, pois se elles porventura tiveram nas mãos a lacca do commercio, seguramente não alcançaram noticia segura da sua longínqua procedência geographica e muito menos da sua natureza zoologico-botanica. Bastará ler, por exemplo, o artigo lacre do Glossaire de Dozy, para ver quanto a si- gnificação das palavras lakk ou lãk foi incerta e vaga entre os escri- ptores arábicos, mesmo entre os que vieram muito depois de Avicenna ou Serapio. Por incidente, Orta dá-nos a sua opinião sobre a natureza do can- camo de Dioscórides, e identifica-o com o anime. Concorda n'este ponto ' Segundo Sprengel, Rhazes não disse que caia sobre os ramos da gubera, e sim de uma arvore parecida com a gubera; em todo o caso essa arvore crescia na Arábia, e a objecção geographica de Orta fica de pé. 44 Colóquio pigesh?io nono com um dos seus compatriotas, também pharmacologista eximio, Amato Lusitano, o qual, do mesmo modo, identificou o cancamo com o anime nos seus conhecidos commentarios a Dioscórides. Apesar d'esta con- cordância de opiniões, os dois illustres médicos portuguezes não de- viam ter rasão. O velho escriptor grego havia dito muito claramente : . . .Ká-yjcaaov Sá/.puov àffTtv àpaêticoj ^jXou. . . a lagrima de uma arvore da Arábia. Deveria, pois, ser a resina fluida ou pastosa de alguma arvore da península arábica, talvez de uma espécie das Burseracece, como julgou Sprengel, e náo uma resina solida, proveniente da Africa, como é o anime branco. Julgamos, que Orta se quereria referir a este anime branco, prove- niente da Africa oriental, que parece ser o que hoje se designa com o nome de copal duro, e que se attribue geralmente a uma ou mais arvores da familia das Leguminosa', vivas ou extinctas^ E dizemos jul- gamos, pois já no seu tempo sob este singular nome de anime, anime, aniimum, se encontravam resinas de diversas naturezas e variadas pro- cedências, o que nos leva a hesitar sobre qual d'ellas Orta quereria men- cionar. E esta questão do animé, já enredada antes do nosso escriptor, ía justamente complicar-se mais no seu tempo — complicação a que elle próprio allude, quando falia do animé americano. Com effeito, come- çavam então a apparecer nos mercados resinas da America, similhantes ao animé oriental, e ás quaes se deu o mesmo nome. Um contemporâ- neo de Orta, o conhecido Monardes, descreveu algumas sob os nomes de anime e de copal; e taes confusões se fizeram depois no commercio, que o nome mexicano de copal veiu a designar a droga africana, em- quanto o velho nome de anime passou mais especialmente para a re- sina americana. De nada d'isto Orta tinha, nem podia ter conheci- mento, e unicamente nos dá uma opinião menos exacta; mas que elle próprio apresenta como uma simples conjectura, mostrando-se disposto a abandonal-a quando lhe dêem para isso boas rasões. Em resumo, da longa dissertação de Orta resulta, que elle possuia a litteratura especial do seu assumpto e do seu tempo, e que, se não conhecia bem o cancamo ou o anime, pelo menos tinha idéas muito exactas sobre a lacca. E se hoje nos interessam mais especialmente os factos por elle observados na índia, é certo que estas eruditas em- bora confusas discussões de textos e opiniões clássicas, deviam ser a parte mais apreciada pelos seus eruditos contemporâneos. (Cf. Sprengel, Dioscorid., i, 38, n, 36i; Guibourt, Drogues Sim- ples, m, 455; Fliick. e Hanb., Pharmac, 129.) ' Sobre esta curiosa questáo do copal pode ver-se o que escrevi nas Plantas uíeis da A/rica Portiigueia, p. i58 a i63. Do Lacre 45 Nota (3) Esta etymologia é puramente de phantasia, e fundada unicamente em uma similhança de som. O termo de pharmacia loc, ou melhor looch, é o arábico la'õq, derivado do verbo la'aq, que significa lamber. Nunca podia dar as palavras lakk, ou lãk, pelas quaes os árabes e persianos designam a lacca, e que parecem ser uma simples abreviação do sanscripto rí ^ Dlbriiíi ahalim e ahalot (formas do plural); • T-: T-: e é também muito provável, que o aloés de que falia o Evangelho de S. João, conjunctamente com a myrrha, e que Nicodemo trouxe para embalsamar o corpo de Jesus, fosse esta mesma substancia, e não o ou- tro aloés mais conhecido, e de que tratámos no Colóquio segundo. Pa- rece, que aquellas antigas designações hebraicas seriam a origem do nome de atoes, dado depois á madeira odorífera; e Sprengel cita mesmo uma fórma arábica, que julga intermédia, 5^15!, alluat, emquanto sir H. Yule e outros preferem uma derivação diversa, a que adiante nos refe- riremos. Seja como for, o certo é que esta madeira do extremo Oriente não tem a mais remota similhança, nem nas propriedades, nem na pro- cedência, nem em qualquer outra circumstancia, com o aloés, extrahido de uma Liliacea, e hoje muito mais conhecido e usado, do qual, repito, Orta tratou largamente no Colóquio segundo^. Para distinguirem as duas substancias tão diversas, e que casualmente vieram a ser designa- das por nomes idênticos, usaram os escriptores indicar a natureza le- nhosa da primeira, chamando-lhe os que escreviam em grego ÇuXaXoY), e os que escreviam em latim lignum aloés, o que o nosso Orta con- trahiu em linaloes. Como bem notaram «os frades italianos» e Orta confirma, «xilaloes» e «linaloes» eram, pois, exactamente o mesmo nome, applicado á mesma substancia. Esta substancia tinha por outro lado um nome sanskritico, citado por Ainslie na fórma ^TT^, aguru, que os árabes converteram, ahe- rando-o consideravelmente, em ^^^^^bíi-!, agaladjin («agalugem» de Orta), e que parece ser a origem do nome empregado por Dioscóri- des, cr^iXKw.m («agaloe» de Orta). Aquelle nome sanskritico, simplifi- cado nas linguas modernas da índia, deu em hindi e deckani os nomes de agar e aghir; e deu talvez também o nome maláyalam de agil, ' O nosso padre Raphael Bluteau, no seu Vocabulário, fez uma trapalhada terrível, sup- pondo que o aloés succotrino e outros eram o sueco das folhas do pao d'aguila, e dando sobre esta planta, as suas folhas e flores as mais phantasticas indicações. Do Iw aloés 6i como escreve Gundert — citado por Yule — , ou de agila^, como es- creve Royle. Estas palavras, adoptadas pelos portuguezes, foram por elles muito usadas nas formas aguila e páo de aguila; e, convertida por engano aguila em aquila, deram depois os nomes modernos fran- cez e inglez, bois d'aigle e eagle wood, sem que a madeira tenha a mais remota relação com as águias, como não tem a mais remota relação com o verdadeiro aloés. Devemos ainda citar um nome muito usado pelos árabes, ^^d, 'ud («haud^» e «ud» de Orta), a madeira, ou a madeira por excellencia, ao qual juntavam muitas vezes o qualificativo de procedência — a ma- deira da índia, J>_a£. D'este nome, ligado ao artigo al-'ud, sup- põe Yule que poderia provir a palavra aloés. Finalmente citaremos o nome malayo jjl^, gãru («garro» de Orta), que parece ser uma simplificação do sanskrito agiiru; e o nome pura- mente malayo de ,,,3^hJ£', kalambaq («calambac» de Orta), muito co- nhecido dos nossos portuguezes, e ainda usado no commercio relativa- mente moderno nas formas calambac, calambouc, calambourg — aquelle bois de calambourg, que Victor Hugo introduziu no Ruy Blas para ri- mar com Neubourg, e que deu logar a varias discussões litterarias. D'esta longa e fastidiosa exposição de nomenclatura resulta, que o nosso Orta tinha, como era seu costume, a noção clara dos variadís- simos nomes da substancia de que tratava (Cf. D. Hanbury, Science papers, 26j; Sprengel, Dioscor., ii, 36o; Yule e Burnell, Gloss., 258; Royle, Ant. of Hind. ined., 88; Mareei Devic, no Suppl. a Littré, 24; Ainslie, Maí. ind., i, 479). Todo o linaloes procedia da Indo-China, ou — para fallarmos a lin- guagem do tempo — da índia para alem do Ganges; e não estava en- tão bem averiguada a sua procedência botânica, como creio que ainda não está completamente hoje. Depois das investigações de Roxburgh e de outros exploradores e botânicos, é licito affirmar, que todo o pao de aguila ou linaloes da zona occidental da Indo-China procede de uma arvore da pequena família das Aquilarinece, a A-quilaria A-g-alloclxíx, Roxb., cujo habitat se estende desde a península de Malaca, pelas florestas de Tenasserim e ilhas próximas de Mergui, até bastante ao norte, aos valles do Assam e de Silhet. É certo, porém, que muita d'aquella madeira vinha também das terras mais orientaes, de Sião e Cochinchina, e que o nosso padre Loureiro deu á arvore que a produzia, e que pertence á família das Leguminosa;, o nome de -A.loe- ' Segundo parece devem ler-se com o g duro. ' Esta fórma haud encontrou Orta no seu Avicenna latino, onde os annotadores repre- sentaram o ain de 'ud por um h. 62 Colóquio trigésimo xyliiiii Agrallocliiiiii. Não creio que se tenha demonstrado de um modo bem evidente, que elle estivesse em erro. Da longa exposi- ção de Rumphius — na verdade um tanto confusa — resulta que este consciencioso observador considerava a tnadeira de aloés, ou calam- bac, como proveniente de mais de uma planta; e o exame detido das madeiras de aloés do commercio, feito por Guibourt e o seu continua- dor Planchon, mostrou existirem, entre aquellas madeiras, diversas e notáveis variedades. É verdade, que o antigo droguista Pomet, o qual obtivera algumas informações curiosas dos embaixadores do rei de Sião na côrte de Luiz XIV, attribue essas variedades ás diversas camadas do tronco, ou diverso estado de conservação da madeira; mas esta opinião mal se pôde sustentar em presença das observações minuciosas de Guibourt e Planchon. Sem insistir, e remettendo o leitor para os livros especiaes abaixo citados, parece-me poder concluir, que uma grande parte do linaloes procedia, e procede sem duvida alguma, da Aquilaria Agallocha, e que ácerca da procedência de outra parte ainda subsistem algumas duvidas. Qualquer que fosse a arvore a que pertencia, o verdadeiro e bom linaloes não consistia na madeira sã, e era o resultado de alterações mórbidas, que determinavam uma producção e accumulação anormal de resina perfumada; Crawfurd, um excellente observador, é n'este ponto perfeitamente explicito, e o sr. Dymock partilha a mesma opi- nião. E também parece certo, que algumas vezes procuravam obter artificialmente essas alterações, enterrando os troncos, depois de colhi- dos, na terra húmida, e deixando-os apodrecer parcialmente. De modo, que o nosso escriptor não tinha rasão, quando negava a existência d'este processo, que mais ou menos vagamente havia chegado ao conheci- mento de alguns dos antigos escriptores. (Cf. Loureiro, Fl. Cochinch., i, 267; Rumphius, Herb. Amb., 11, 29 a 40; Pomet, HisL gen. des Drogues, 1 14, edição de i ySS ; Dymock, Mat. med., 674; Guibourt, Drogues simples, 111, 337; Crawfurd, Dict., 6). É forçoso confessar, que o nosso Orta não teve noções muito claras nem muito exactas sobre a procedência do linaloes. hidica correcta- mente que se encontrava em Malaca; mas acredita também que vinha de Sumatra, o que não era verdade, e deixa de mencionar algumas das regiões clássicas da sua producção. Não falia, por exemplo, em Champá. Este nome dava-se desde tempos muito antigos á costa da Cochinchina; e todos os viajantes, que ali ou nas proximidades pas- saram, mencionam a abundância n'aquella terra de madeira de aloés: Marco Polo diz que era frequente na região a que chama Chamba; Nicolo di Conti também se refere á existência da madeira em Ciampa ; e, muitos annos depois, Rumphius afhrma que o melhor calambac vinha de Tsjampaa. Os portuguezes, anteriores a Orta ou seus contem- porâneos, também conheciam mais ou menos completamente aquella 4 Do linaloes 63 região e a sua preciosa madeira. Assim, Duarte Barbosa escrevia: . . . «húa muy grande ilha (enganava-se, julgando ser uma ilha) de Gen- tios, que chamaom Champa. . . também (ali) nase muyto lenho aloés, a que os índios chamaom Aguila calambua. . . » E Camões dizia o seguinte : Eis corre a costa que Champá se chama, Cuja mata hé do pao cheiroso ornada. É verdade, que tanto Duarte Barbosa como Camões eram dois via- jantes aventurosos, e o nosso Orta estava mais sedentário em Goa. Ainda que elle tivesse sabido da existência de Champa e do seu lina- loes, não teria podido averiguar uma circumstancia, que muito o teria auxiliado nas suas leituras, evitando-lhe alguns erros. Não lhe era fácil reconhecer, que Champá era o Sinf ou Sanf dos geographos árabes; de feito Sanf é litteralmente Champ, dadas as condições e defficiencias do alphabeto arábico. Ora, os antigos escriptores arábicos, por exemplo Maçudi, faliam repetidas vezes do aloés vindo de Sinf ^^^^iu^! ^J^^-, al-'ud as-sinfi, ou das costas do mar do Sinf — o golfo de Sião. De Sanf ou Champa era, pois, o lenho aloés que Avicenna chama al-sanfi; o que Serapio diz vir de Seifi; e o que Ruellio ou Paulo de Egina chamavam safico, porque vinha da cidade de Safo. Sob todos estes nomes, mais ou menos alterados, escriptos com maior ou menor consciência do que na realidade significavam, estava o nome árabe de Champa, Sanf, a pá- tria por excellencia do lenho aloés. E Orta esforçava-se por identificar aquella região com Ceylão, onde nunca houve lenho aloés, o que real- mente não tinha senso commum. E, como um erro attrahe outro, tendo identificado o Seif de Serapio com Ceylão, e dizendo aquelle escriptor arábico que de Seif ao ponto onde nascia o aloés alcomori (^jL^ij! al-'ud al-qamari em Maçudi), era uma curta distancia, Orta identifica este ponto com o cabo Comorim, levado pela indicação de Serapio, e pela similhança de som, quando é certo que no cabo Comorim também se não encontra lenho aloés. Era exacto o que dizia Serapio, e o aloés alkumeri nascia perto do Sinf, mas muito longe de Ceylão e do cabo Comorim, como vamos ver. O incansável viajante mouro, Ibn Batuta, fallando de uma região a que chama Muijaua, e que sir. H. Yule por muitas e boas rasÕes jul- gou estar situada nas costas do golfo de Sião, em frente ou ao norte do Cambodja, disse que ali havia muito páo de aloés, principalmente nas localidades chamadas Kakula e Kumara. Esta ultima devia ser ' Talvez erro de translitteraçáo nas traducçóes latinas; deverá ser Sinf no códice arábico. 64 Colóquio trigésimo a origem do aloés alkumeri, e, dado que o nome de Sinf ou Sanf se alargasse então — como parece que se alargava — á Cochinchina meridional e mesmo ao Cambodja, vê-se que a indicação de Serapio era exacta, e que de Kumara ao Sanf seria viagem de tres dias. Não fallaremos em outras identificações de Orta manifestamente er- radas, como é a de Catai com Cantão, quando Catai, Cathay, ou Ca- thayo era um nome geral da China. Ao fazer aquellas identificações, Orta encontrou-se face a face com uma difficuldade, pois elle sabia muito bem, que nem em Ceylão, nem no sul da índia havia páo de aguila verdadeiro. Pretendeu no emtanto torneal-a, dizendo-nos que ali existia uma espécie inferior de linaloes, a que chamavam aguila brava. Julgo que a aguila brava seria a ma- deira de sândalo, posto que Orta não faça esta identificação, nem n'este Colóquio, nem n'aquelle em que posteriormente trata do sândalo, e jul- go-o pelos seguintes motivos: o sândalo (Santalum álbum) encontra-se nas florestas de Mysore e outras do sul da índia, e serve algumas vezes para adulterar o linaloes. O escriptor árabe Mir Mohammed Hussein, no seu livro Makhjan — citado por Dymock — diz o seguinte: «as apa- ras ou fragmentos de ud são um objecto de commercio na índia sob o nome de chúra agar, e são muitas vezes adulterados com os pequenos cavacos de madeira de sândalo, ou taggar, uma madeira cheirosa muito parecida com o aloés e commurn na índia». Se acrescentarmos, que Orta nos conta como os Baneanes se queimavam com aguila brava, sabendo nós por outras fontes, quão geralmente a madeira de sândalo é empregada na cremação dos cadáveres da gente rica na índia, torna-se muito plausivel a identificação da aguila brava com o sândalo. Em resumo, vemos que Orta tinha perfeita noticia dos nomes va- riados do linaloes, do aspecto e qualidades da madeira, da sua proce- dência das terras de Malaca; mas sabia menos no que dizia respeito á sua producção nas regiões mais orientaes de Sião e Cochinchina. (Cf. Duarte Barbosa, Livro, SyS; Lusíadas, x, 129; Yule, Marco Polo, II, 25o; Nicolo di Conti, em índia in the fijteenth century, 16; Yule, Cathay, 469 e seguintes; Dymock, Mat. med., 676; Maçudi, Prairies d'or, 1, 1C9 e 33o; Rumphius, 1. c.) Orta esqueceu-se de nos fallar no emprego do linaloes, e comtudo esse emprego interessava-o, pois esta madeira figurava, e desde tempos muito remotos, na pharmacia e matéria medica indiana, considerando-a ali estimulante, carminativa e tónica. Usava-se, porém, principalmente como perfume, e ainda n'este ponto o nosso informador é Duarte Bar- bosa, que diz assim : « . . .he a fina Aguila Calambua muy estimada antre hos índios e Mou- ros, e vai em Calecut ho arrátel dela trinta e corenta pardaos; eles ho querem pera ho mesturarem com sândalo, almisquere, e agoa rosada, pera se untarem.» Do linaloes 65 O preço variava muito, segundo a qualidade; e o mesmo Duarte Barbosa nos diz, que a Aguila (provavelmente ordinária) valia de Soo a 400 fanões a farazola, emquanto o Lenho aloés verdadeiro, negro, pesado e muito fino, valia 1:000 fanóes. E não só variava no preço, mas ainda no modo de pesagem, no numero de farazolas que entravam no baar, ou bahar, na importância do picotaa, e em outras complicações do commercio oriental. Assim, no porto de Hormuz, a aguilla fina era pesada por um certo modo; outra aguilla somenos, por ser mais branca e mais leve, de modo diverso; e a aguilla ruyvt ainda por outra maneira. D'estas indicações se vê bem, como aquella madeira era no Oriente uma mercadoria procurada e de alto preço. E não era simplesmente procurada no Oriente, vinha também para a Europa, onde, durante muito tempo, figurou nas mais celebradas e complicadas composições da antiga pharmacia. O lenho aloés foi um ingrediente obrigado de quasi todas as Confectionibiis aromaticis. Na cabeça do rol dos componentes do Electarium de aromatibiis domini Mesues figurava uma certa quantidade de Ugni Aloés crudi, com a com- petente indicação, sume electissimum. Entrava igualmente na Confectio ex moscho amara, e dulcis, e nos famosos Electarium de gemmis e Ele- ctarium Diambra, não fallando de muitas outras composições, então de uso frequente e quotidiano. Fabricavam-se também com aquella madeira pequenos objectos, no- meadamente contas e rosários, que tinham a vantagem de serem per- fumados, e que o botânico Clusius viu em Lisboa : Jiwit interdum ex eo spha^rulce, quce ad preces ad mimerum recitandas idónea;, odoris jucunditate et pretii magnitudine commendabiles. Hoje, o lenho aloés, como tantas outras substancias, desappareceu da circulação europêa; mas continua a encontrar-se nos mercados orientaes, por exemplo, no de Bombaim (Cf. Dymock, 1. c. ; Duarte Bar- bosa, 1. c e p. 384; Lyvro dos pesos, 8; Concórdia pharmacopolarum Barcinonensium, Barcinone, iSSy, a p. 23 etc; Clusius, Exoticorum, 173). Nota (2) ' Orta, como vulgarmente se diz, deitou a livraria abaixo. Alem de mencionar quasi todos os seus auctores validos, e já repetidas vezes nomeados nos Colóquios anteriores, Dioscórides, Galeno, Plinio, Avi- cenna, Serapio, Aécio de Amida, Paulo de Egina, João Ruellio, An- tonio Musa, Mattheus Sylvatico, sob o nome de Pandetario, Valério Cordo, Fernando de Sepulveda, e os frades italianos, commentado- res de Mesué, alem de se referir de passagem a Rasis, Averròes e Isaac Judeus, elle cita dois ou três escriptores, ainda não mencionados até aqui. 5 66 Colóquio trigésimo Em primeiro logar Savonarola, um Miguel Savonarola, que havia es- cripto alguns livros de medicina, o Opus de balneis, impresso no anno de 1485, e a Pratica de cegriíitdinis, impressa no de 1478, havendo uma edição posterior das suas obras, sob o nome de Pratica canónica, Lu- gduni, i56o. Não se segue da citação, que Orta possuísse estes livros, antes parece conhecel-os unicamente pelo que disseram os frades ita- lianos, fra Bartholomeo e fra Angelo Palia. Em segundo logar, Orta cita Sinforiano, um medico francez, per- tencente á casa do duque de Lorena, chamado Symphorien Champier, escriptor fecundo e um tanto phantasista. Compoz, alem de outros, um livro intitulado Campus Elysius Gallice, no qual exaltava as cousas da Europa, mais particularmente as da França, e de certo mais particular- mente ainda as da cidade de Lyão, de onde era natural. Nunca vi este livro, mas sem duvida ali se encontrará a affirmação a que Orta se re- fere (Cf. Garcia da Orta e o seu tempo, 291). Orta cita também pela primeira vez um livro, intitulado De propie- tatibus (sic) rerum. Era um livro muito conhecido e muito famoso, escripto por um frade inglez, Bartholomeu de Glanvilla, e que teve uma grande circulação e foi traduzido em varias linguas mesmo antes da invenção da imprensa — a Bibliotheca Nacional possue um primoroso códice d'esta obra, que pertenceu á livraria de Alcobaça. Teve depois numerosas edições, sendo a primeira, de que se conhecem exemplares, do anno de 1480, com o seguinte titulo: Incipit prohemium de proprie- tatibus rerum fratris Bartholomei anglici. Alem de uma versão franceza com um titulo singular, Le proprietaire des choses, existem outras e no- meadamente uma hespanhola, feita por fr. Vicente de Burgos, impressa em Tolosa no anno de 1494, tendo o seguinte titulo: El libro de propie- tatibus (sic) rerum. É perfeitamente possível que o erro de orthographia do titulo se reproduzisse casualmente nos Colóquios; mas também é possível que Orta copiasse com demasiada fidelidade aquelle titulo, e n'este caso elle possuia, ou havia visto a edição hespanhola. N'essa edição, encontra-se o seguinte (libro xvn, cap. v), a propósito do aloés ou linaloes : . . . la hallan en un grád rrio, que viene dei parayso ter- renal y se ayunta có atro que passa en babilónia, y por esto di:jê algunos que este arbol cresce en el parayso terrenal . . . É esta a passagem que Orta citou. Orta menciona pela segunda vez n'este Colóquio o Modus faciendi, que já tinha mencionado no Colóquio vigésimo terceiro; e é esta a oc- casião opportuna de emendar o que então disse. Quando escrevi as notas áquelle Colóquio (vol. i, p. 352) eu lembrei que este livro po- deria ser o Modum faciendi in medicina de fr. Bernardino de Laredo. Notei, porém, que embora este livro fosse escripto muito antes do tempo de Orta, a sua primeira edição conhecida é de 1617, e, portanto, o nosso escriptor só poderia ter visto o manuscripto, ou algum exemplar Do linaloes 67 de uma edição anterior, não indicada pelos bibliographos. Deixei assim as cousas em duvida. Depois de publicado o primeiro volume, o dr. Ca- simiro Simão da Cunha communicou-me amavelmente o exemplar que possue do Modus faciendi, que é um livro diverso do de fr. Bernardino, e sem duvida alguma o que foi citado por Orta. Intitula -se, Modus fa- ciendi: cum ordine tjtedicandi, e é impresso no anno de i534, faltando a ultima folha em que devia estar o local da impressão — provavelmente Sevilha. O auctor conserva o anonymo, dizendo-nos, comtudo, que era frade menor, ou franciscano, como se vê da seguinte dedicatória: Al muy illustre y reverendissinio S. D5 Allonso Manrrique, Cardenal dei titulo duodeci apostolorum, Arçobispo de Sevilha, Inquisidor mayor en los reynos y sefiorios de Espana, etc. De vuestros frayles menores el mas indigno y menor. O livro é um minucioso e curioso tratado de pharmacia, e é sem a menor duvida o que Orta citou. A folha xiii verso encontra-se, a propósito do folio indo, tudo quanto repete o nosso es- criptor (vol. i, p. 345), isto é, que vinha da terra do Preste João, que lhe mandaram algumas folhas, dizendo-lhe serem da arvore da canella, etc. E certíssimo que ali se encontrará também a phrase relativa á procedência paradisíaca do linaloes; mas confesso não ter lido todo o grosso tratado em busca d'aquella phrase: a identificação do livro estava sem isso perfeitamente demonstrada. Na nota a que já me referi, ao Colóquio vigésimo terceiro, disse eu que não havia alcançado noticia do Luminare majus. Vê-se de varias citações do Modus faciendi, que o Luminare majus era também um tratado de pharmacia e matéria medica, escripto por um certo Joanes Jacobi (Cf. Modus faciendi, foi. xxi verso). COLÓQUIO TRIGÉSIMO PRIMEIRO DO PAO CHAMADO CATE DO VULGO, E DIZSE NELLE COUSAS PROVEITOSAS INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Queixandome da relaxaçam e molificaçam das gengivas, me dixe a vossa cosinheira que comese betre e areca e cate, tudo mesturado; e mais me dixe que o cate só era milhor que tudo-, e proveio, e tem hum sabor estitico, e amarga alguma cousa. E dixeme também que sabia muito bem a aguoa bebida sobre elle, e proveia, e não me soube tam bem como isso, poUo sabor amarguoz; entonçes me dixe que, com a mestura do betre e areca, sabia muyto bem; e certo que a mim me parece muyto boa mésinha pera desecar e aper- tar. Saibamos donde he, e como se chama, e como se faz; e mais queria saber a feiçam do arvore, e pera que se usa em mésinhas desta terra, e se fazem alguns escritores me- moria disto. ORTA Ha este pao em Cambaia a maior cantidade, scilicet, nas terras de Baçaim, e Manora e Damam, cidades delrey nosso senhor, com suas terras; também o ha em as terras firmes de Goa e em outras muytas partes; mas nam em tanta canti- dade como nas terras que dixe, porque daH se levam pera Malaca e pera a China, e isto em muyta cantidade; e tam- bém isso levam pera Arábia, e Pérsia e Coraçone; mas isto he per via de mézinha em pouca cantidade; mas pera a China e Malaca se gasta em muita cantidade, porque se co- me com o betre. E ácerca de todos se chama cate, e em Malaca cato; e alguns varião este nome pouco; e já pode ser que, pois os Arábios e Pérsios e toda a gente desta terra lhe chamam cate, ou variam pouco, que seja a causa disto 70 Colóquio trigésimo primeiro gastarse a maior cantidade nas bandas de Malaca, onde lhe chamam o dito nome, asi como se faz no costo, como vos já dixe ; porque chamandose na sua própria terra uplot, lhe chamam todos piicho; porque he grande mercadoria pera Malaca, onde se chama asi*. E o arvore donde se faz este cate he tam grande como hum freixo, e a folha he myuda como a das urzes, ou jounas, que chamam em Portugal; e também o podemos comparar á tamargueira; tem muytos espinhos, e todo o anno tem folha; he pao muyto rijo e mo- cico e pesado; nunqua podrece, segundo dizem, nem com sol, nem com aguoa, e tanto que se chama este pao, acerca delles, pao que sempre vive; sofre este pao muyto os golpes; por isto, e por ser muyto pesado, se fazem delle huns paos com que tiram a casca ao arroz nesta terra, e chamamse pilões; e pisam em hum pao mu3^to grande, feito á feiçam de gral ; e este pao, que metem dentro a pisar, he feito como mão de gral, e de comprimento de seis palmos. A este ar- vore chamam, na terra donde nace, hacchic**: e pode ser que por eu não saber a lingoa desta terra tam bem como a portugueza, não pude saber a rezam porque lhe chamam cate: mas abaste a rezam acima dita. RUANO Está bem relatado tudo isso que dizeis; mas queria saber se tem flores ou fruta. ORTA Flores tem, mas fruta me dizem que não a tem. RUANO Dizei o modo de confeiçoar estes troçiscos ou formas que trazem. * Veja-se o Colóquio decimo sétimo, e as suas notas. *» Na edição de Goa está hac chie, se intencionalmente, se por erro não o saberei dizer, pois não identifiquei este nome. Do cate ORTA Tomam estes paos cortados deste arvore muyto meudos, e cosem os e pisamnos; e delles fazem formas, a modo de trociscos ou chans, e formam as com farinha de nachani, que he huma sememe preta e meuda de que fazem pam, que sabe como centeo; e com esta farinha e cinza de hum pao preto que ha na terra, ou sem ella, formão estas talha- das, e as enxugam á sombra; porque não lhe tire o sol a sua virtude. E pois estas gentes todas o gastam, e os Chins, sendo tam descretos e sabidos, podeis asentar que he muyto boa mezinha ; quanto mais que eu a esprementei em cama- rás e em paixões dos olhos, e acheia muyto boa. E quanto he o saber se fazem mençam delia alguns escritores, dir- voshia huma cousa que eu tenho por muyto certa pera mim, se me derdes licença (i). RUANO Antes me fareis nisso muyta mercê. ORTA Diguo que o cate he o que chamam Galeno e Plinio, e Dioscórides e Avicena, e Serapiam e Rasis lichim; e os Gre- gos lhe chamam lichim, porque se achou primeiro em Licia (província da Turquia) ou porque ahi se achava milhor nesses tempos; e os Arábios, como Avicena e Serapiam, o chamão hacdadh. RUANO Pois como dizeis que he esse o licto, poisque não se chama cate por os escritores Arábios, nem por o arábio vulgar? E pois que isto asi he, me dizey porque chamaes caie ao iicto. ORTA Chamolhe asi, porque todos os escritores modernos e an- tigos. Gregos, e Arábios, e Latinos, e índios, todos prefe- rem o mdio e Itcio* a todos os outros; e mais porque he este. * Sic na edição de Goa; mas ha aqui uma inversão evidente. Deve ler-se o licio indio, ou da índia. 72 Colóquio trigésimo primeiro e asi o ensinam a fazer todos, como cá se faz; e mais por- que as cousas todas pera que aproveita o licio usam nesta terra a fazer do cate; mais porque tem as condições que ade ter o bom licio; e aproveita ao fluxo dos olhos e forti- fica as gengivas e dentes, e lhe mata o bicho, se o tem criado nelles ou nas gengivas; e aproveita pera a garganta e pera as lombrigas e pera as camarás. E, quanto he a não o cha- marem os Arábios cate, a isto vos respondo que muytas cousas perdem o nome na própria lingoa com o uso da lingoa alhea. E já pode ser que, se me vir com físicos Arábios, que me digam se tem na lingoa arábia outro nome. Porque vos disse que todos falavão neste simple, digo que Galeno diz* que he huma arvore espinosa, e que o melhor he o da índia, e que ha muito em Licia e Capadócia, e tem virtude de restringir e de secar; e o mais que diz não faz ao caso. Plinio** dá vantagem ao indio, e diz que se traz em odres de camellos e rinocerotes, e diz a maneira como se fazem, e todos concordam. E porque já vos disse como se fazia, nisto não fallo mais. RUANO Por não estrovar pratica tam boa, não vos pergunto por esses odres, e ao fim volo lembrarei. ORTA A tudo vos responderei; e diguo que Dioscórides louva mais o da índia, e põe a feiçam da arvore, e não a difere da arvore do cate, senão em pouquo, e mais em fazer ar- vore pequena, sendo grande; e diz como se parece ao buxo, e que o mais nace em Licia e Capadócia; e, quando diz o pera que aproveita, diz como os outros que tem virtude de apertar e confortar. E lendo o capitulo de Dioscórides, ve- * Galeno, 7, Simplicium (nota do auctor). *» Plinius, libr. 24, cap. 14 (nota do auctor); a citação é exacta, no sentido de Plinio fallar do lycion no livro xxiv; mas errada em ser no livro xii, que elle diz parte do que Orta repete. Do cate 73 reis como os índios usam delle, da maneira que elle diz. Avicena o chama hacdadh; diz que he mais forte e melhor o da índia, que o que vem de Meca; o qual de Meca sey eu que he este que vay da índia; e diz que quando delle carecermos, que em seu lugar ponhamos areca e sândalo. RUANO Para isso melhor diz a vossa cozinheira, que o faz de be- tele e areca e o mesmo cate*. ORTA Estes tem isto por uso do principio da povoaçam desta terra; e mais Rasis diz** que se faz de çumo de berberis, feito muyto basto por cozimento; e o mesmo diz Serapiam chamandoo hacdadh. RUANO E os novos escritores que julgam disto? ORTA Sepulveda diz que o façam de çumo de madresilva, e o mesmo diz Valério Probo; e Laguna diz que carecemos do verdadeiro licto. Antonio Musa também diz que o não co- nhece, senão que por os sinaes de Dioscórides lhe parece ser buxo. Os Frades desejão muyto que se ache o verda- deiro licio; porque feiíqalajige, que, per conselho de Avi- cena, se põe em seu lugar, que he a arvore do licto, segundo a traduçam do Belunense, também carecemos delia; e que pera porem em seu lugar faufel, que he areca, e sândalo, como diz Avicena, he mais deficultoso de aver o faufel, e mais diz que não sabem bem o que he. RUANO Como, não ha muito sândalo vermelho em Portugal se de qua vay, não podem levar muyta areca? * Uma boa phrase, cheia de bom humor e de malícia. ** Rasis, 3 ad Almansorem (nota do auctor). 74 Colóquio trigésimo primeiro ORTA Si; mas sam os boticairos portuguezes pouco deligentes em aver mézinhas, e muito em aver dinheiro; porque se elles a pedisem em Portugal na Gaza da índia, levalaiam de cá em abundância. RUANO Asi que, não se achando o nosso licio, vós afirmaes que aproveitará estoutro indio; e não oulhaes que se chama licio, porque ha o melhor em Licia e Gapadocia, que parece que este se deve perferir a todos, ORTA Eu nam digo que se deite em lugar o licio indiano do licio de Licia, mas diguo que, quando falecer o da índia, se deite o de Licia, porque esta he a entençam de todos os escri- tores; e que, quando elle faltar, que usem do feyto de ber- beris e de madresilva, ou de amexas bravas estiticas. E ao que dizeis, que se chama licio por excelência por ser de Licia, digo que não he asi com perdam de vossa mercê, senão porque ahy se achou o uso delle primeiro, scilicet, achouse o uso desta mézinha, que se parecia com o da ín- dia, e que por falta e defeito do da índia se avia de deitar: e esta he a verdade, e outra não; porque em nenhuma re- giam se usa deste cate tanto, como nesta terra (2). RUANO Levaloei desta terra, e usarei delle, pois que cá fez os efeitos que dizeis; e mais será bem que me digaes se ha nesta terra muytos odres de camellos e de rinocerotes, como diz Plinio, que nelles o levam, pera vermos a cantidade delles por o seu coiro. ORTA Eu não vi odres de camellos desta terra; posto que no Decam e em o Guzarate ha alguns camellos, que tem os reys e os capitães pera levar o fato na guerra; mas nem sam tantos os que morrem como cavallos, pera que delles façam odres. E quanto he aos rinocerotes (a que os índios Do cate 75 chamam gandas), não os ha domésticos nesta terra; e pode ser que os aja bravos em Bengala ou no Patane, e nas terras que tem os Patanes os ha, e alguns fazem domésticos. E porem eu não vi algum rinocerote, mas sey que os de Ben- gala usam do corno para a peçonha, cuidando ser o uni- corneo; mas elle não o he, segundo a entençam dos que bem o sabem; porque o Nizamoxa pesara 200 vezes a ouro hum pouco de unicorneo exprimentado, e muyto melhor to- mara o do renoceros*. E sabei que no anno de 1612 foi apre- sentado a eirey Dom Manoel, que está em gloria, hum que lhe mandou elrey de Cambaia, o qual elle mandou ao Papa. E se deste animal quiserdes ver, lede Plinio, libro 8, cap. 20**; e Estrabo também fala deste animal. RUANO Pareceme isso que dizeis que não ha unicorneo na índia; pois nam falais nelle, e dizeis que o não tem esse rey vosso amiguo, sinal he isso de o não aver na índia; e pois nós também não sabemos onde aja o tal animal. ORTA Dizem tantas cousas incertas desse animal, que, por nam as saber bem, não as queria contar; porque as pessoas que mas contam, não as contam como testemunhas de vista. E comtudo vos direi o que ouvi a pessoa de autoridade em seus ditos. E contaramme, que soubera que entre o cabo das Correntes e de Boa Esperança viam huns animaes que, posto que folgavam com o mar, eram terrestres, e a feiçam da cabeça e cóma era de cavallo, e que comtudo não era Ca- vallo marinho; e que tinha corno do qual usava abaxandoo ou alçandoo abaxo e acima, e á parte direita e á esquerda, de modo que dizem ser como dedo; e que este animal pe- * O sentido não é claro; parece dizer que compraria o corno do rhinoceronte, se julgasse ser unicorneo. ** Plinius, libr. 8, cap. 20 (nota do auctor). 76 Colóquio trigésimo primeiro leja bravamente com o elefante-, e que o fére com o corno, o qual corno he de dous palmos, e dizem ser contra a peço- nha: e esta he a fama comum. RUANO Dizem delle, que não querem beber os animaes, até que elle meta o corno na agoa. ORTA Não somente dizem ser bom bebido contra a peçonha, e tem elle esta fama, e disseram pessoas dignas de fé que deram rosalgar a dous cães, e a hum deram dobrada can- tidade da peçonha, e a este que a deram dobrada, deram a beber do corno delle raspado, e este viveo; e o outro morreo, que tomou menos rosalgar a metade. E deste ani- mal não sey outras cousas, e porém vi já alguns cornos destes, e mostravam serem pegados na testa. Prezará a Deos que isto se venha a saber bem; e que elle descubra o que for mais seu serviço; e nisto que escrevi quis ser mais curto que larguo, porque leixo que dizer aos que me- lhor souberem (3). Nota (i) O «cate» de Orta, «cato» da Pharmacopêa portuguesa, substancia mais conhecida pelo nome de catechu, é um extracto da madeira da A-cacia Cateeliii, Willd. (Mimosa Catechu, Linn. fil.), uma ar- vore bastante commum na índia, mais a leste nas terras de Burmá, e por outro lado na Africa oriental; é também obtido este extracto de uma espécie próxima, A.ca,cia Suma., Kurz., que se encontra igualmente na índia. — «Cate», a designação empregada por Orta, é a natural orthogra- phia portugueza do seu nome hindustani, que hoje escrevem hat ou kath. Drury diz, que a palavra cate significa arvore, e chu sueco, d'onde catechu; mas não sei se esta affirmação tem fundamento. Duarte Bar- bosa — como logo veremos — dá á mesma substancia o nome de cacho, que é a designação tamil, canarim (lingua do Canará) e malaya, Uashú, ou kachu; e «cato», empregado em Malaca segundo Orta, é uma simples alteração de cate, ou de cacho. Do cate 11 — Não vejo que o nome da arvore seja «hac chie», como diz Orta; nem encontro cousa parecida com esta expressão. O nome vulgar da Acácia Catechu é kaira, kayer e outras formas similhantes (Cf. Fluck. e Hanb., Phamiac, 2i3; Dymock, Mat. med., 283; Ainslie, Mat. Ind., i, 63; Drury, Useful plants, 6; Piddington, Index, 56). Segundo Duarte Barbosa, o cacho exportava-se no seu tempo prin- cipalmente do norte da Índia, e não era uma substancia muito conhe- cida. Paliando das mercadorias do reino de Guzerate, ou Cambaya, diz o seguinte : « . . . e asy outras muytas dragoarias que nós nom conhecemos, e em Malaca e China saom muyto estimadas, e tem grande valia, silicet, cacho, pucho*, e muyto encenso que vem de Xaer.» Isto concorda com o que diz Orta ácerca da sua procedência de Cambaya, principalmente das terras portuguezas de Damão, Baçaim e Manorá — uma pragana annexa ás terras de Baçaim, desde o tempo de Francisco Barreto, ou já antes. E também concorda no que diz res- peito a ser exportada para Malaca e China, sendo também certo, que algum cate ía para a Arábia e Pérsia, por via de Hormuz, onde era uma mercadoria conhecida. É o que se pôde deduzir de uma phrase do Lyvro dos pesos, interessante, porque estabelece explicitamente a identificação do cacho com o cate: «O baar do cate, que aquy chamão cacho, he em tudo como o arroz, quanto ao peso.» Parece, pois, que então não sabiam fabricar o catechu em Pegú e terras limitrophes, d'onde hoje vem para a Europa a maior parte, por- que se assim succedesse de certo não iria de Cambaya para Malaca. Depois d'estas noticias de Barbosa e de Orta, a droga e as suas qua- lidades medicinaes caíram de novo no esquecimento; e quando perto de um século mais tarde algum catechu veio do Japão á Europa, de- ram-lhe o nome de terra japonica, classificando-o como um genus terrce exoticce. Ainda no anno de 1671, Wedel de lena discutia a di- versidade das opiniões que vogavam ácerca da natureza vegetal ou mineral do Catechu seu Terra japonica, tão esquecido ou ignorado an- dava o que o nosso naturalista havia dito a respeito de sua proveniência e processo de fabricação. Este processo não diflferia essencialmente do que hoje se segue; e o cate ou catechu era e é o extracto aquoso da madeira da Acácia, concentrado pela acção do calor, e secco ao sol ou ao ar, depois de moldado em formas. Nos livros de Dymock, e de Fliickiger e Hanbury se podem ver as variantes do processo, que hoje seguem no Oriente. ' Por erro de imprensa ou copia, vem na edição da Academia escripto cachopucho, em uma só palavra. 78 Colóquio trigésimo primeiro O que era especial no tempo de Orta era a intervenção da farinha de nachani, que misturavam com o sueco inspissado para formarem os trociscos ou «chans». O nachani é uma gramínea de grão alimentar, Elciisiiie Oo- raca,iiíi, Gaertn., chamada na índia raggi, nagli e nanchni, muito frequente hoje em cultura na Africa oriental, onde os portuguezes lhe dão o nome de naxeuim, frequente também na Africa Occidental, onde lhe chamam luco, e de cujas curiosas migrações eu já me occupei lar- gamente em outro trabalho. Voltando, porém, ao cate, podemos notar que ainda hoje é empre- gado na matéria medica da^Europa, como uma substancia fortemente adstringente; e que na índia tem usos medicinaes similhantes aos que Orta menciona. Alem d'isso, é largamente usado no Oriente como masticatorio, juntamente com o pán supári (pán o betle, e supári a areca) — exactamente a receita da cosinheira do nosso medico. (Cf Duarte Barbosa, Livro, 289; Lyvro dos pesos, 22; Fliick. e Hanb. 1. c; Dymock, 1. c; Plantas úteis da Africa portugue:fa, 41 a 55), Nota (2) Orta engana-se identificando o cate com o lycio dos antigos; mas, como diz sir H.Yule a propósito d'esta mesma questão, as suas opiniões são sempre dignas de consideração — Orta, whose judgements ar- ahvays worthy of respect . . . Toda a historia do lycio estava no seu tempo muito confusa. Dios- córides, ao tratar do Xjjiiov, referiu-se evidentemente a duas plantas di- versas, e que elle soube muito bem serem diversas: uma das regiões mais próximas, da Cappadocia e da Lycia, e que modernamente se tem identificado com uma espécie de Rhamnus: a outra de regiões mais distantes, dando um producto muito superior, e designada pelo nome de lycio da índia, tvJixòv xúxiov. D'esta, que unicamente nos inte- ressa agora, pois a ella se refere Orta, fallaram mais ou menos confu- samente Plinio, Galeno, Celso e outros; e sabemos que dava uma sub- stancia muito apreciada medicinalmente, sobretudo no tratamento das ophtalmias e outras doenças de olhos, vendida por altos preços, e conservada em uns vasos especiaes, de que a Pharmacographia tran- screve uma noticia interessante. Os árabes antigos tiveram também conhecimento da mesma substancia, a que parece chamaram hadhadh ^jíi-^^ (o «hacdadh» de Orta), dizendo Avicenna que era o sueco do alfelujaharagi («feluzalange» de Orta), o que pouco esclarecia a questão. Naturalmente todos os commentadores, todos os Musas, Se- pulvedas e outros se lançaram em conjecturas mais ou menos plau- síveis ácerca da natureza do lycio; e Orta aventou a opinião de que Do cate 79 tosse o cate, o que não era absurdo, pois o lycio como o cate era o extracto de uma madeira, e se os caracteres da Acácia catechu não concordavam com o que Dioscórides havia dito da arvore do lycio, Orta sabia muito bem que elie se tinha enganado mais de uma vez em pontos idênticos. A questão continuou a ficar enredada; e Sprengel, quando já no nosso século publicou a sua edição de Dioscórides, ainda não se pronuncia sobre o que seja o lycio da Índia. Foi só um pouco depois, que Royle (i833) mostrou dever ser o lycio dos antigos análogo ou idêntico a um extracto, conhecido nos bazares da índia pelo nome de rusot, e obtido de varias espécies do género Berberis, B. aristata, D. C, B. Lyciiim, Royle, e B. asiática, Roxb. (Cf. Yule e Burnell, Gloss., i33; Sprengel, Diosc, livr. i, cap. i32; Avicenna, ii, ii, 398; Royle em Linn. Trans., xvii, 83; Pharmac, 34; Dymock, Mat. med., 35). Nota (3) Nas notas ao Colóquio vigésimo primeiro contámos já (vol. i, pag. 320) a historia do rhinoceronte, que Muzaffar Scháh mandou a Affònso de Albuquerque, Affonso de Albuquerque a D. Manuel, e D. Manuel a Leão X; mas alguma cousa temos a acrescentar sobre o que Orta diz em geral de rhinocerontes e unicorneos. O nosso escriptor admitte a existência de rhinocerontes no Ben- gala, «nas terras que tem os Patanes» — expressão pela qual deve de- signar os estados afghans da índia — , e no «Patane», que seria assim o Afghanistan propriamente dito. Em toda esta zona de leste eram numerosos aquelles animaes — Rhinoceros indicus, e talvez também a espécie R. sondaicus — , que já então se não encontravam ou se en- contravam excepcionalmente na zona occidental. Linschoten diz: índia abadam sive rhinocerota non habet, verum in Bengala et Patana repe- ritur — por índia designa a parte mais conhecida, ao longo da costa de oeste. Orta diz também, que «alguns fazem domésticos»; e esta questão dos rhinocerontes domésticos é um tanto complicada. Gaspar Corrêa, descrevendo uma grande batalha entre Báber e um certo rei da índia, chamado Cacandar, batalha que Yule e Burnell dizem não terem podido averiguar qual fosse, mas que é talvez a de Panipát, confusamente en- volvida em muitas circumstancias erradas, diz assim, fallando do modo por que estavam ordenadas as forças de Cacandar: «... e diante huma batalha de oitocentos alifantes, que pelejavão com espadas nos dentes e em cima castellos com frecheiros e espin- gardeiros. E diante dos alifantes oitenta gandas, como huma que foy a Portugal, a que chamarão bichá, que no corno que tem sobre o fo- cinho tinhão ferros de tres pontas com que pelejavão mui fortemente.» 8o Colóquio trigésimo primeiro do cate Diremos desde já, que na relação da batalha de Panipát, dada pelo historiador Erskine, o qual segue as Memorias escriptas pelo próprio Báber, se mencionam os oitocentos ou mil elephantes, mas se não diz uma palavra dos rhinocerontes. A noticia de Gaspar Corrêa, por mais estranha que seja, não é iso- lada. Fernão Mendes Pinto, fallando de um lago de Chiammay na Indo- china a que já nos referimos em outra nota, affirma que d'ali se tiravam muitos minérios, os quaes «levam mercadores em cáfilas de alifantes e badas aos reinos de Sornau, que é o de Sião, Passiloco . . . » Aqui temos as badas — outro nome dos rhinocerontes — , domesticadas e empregadas nos transportes. E o mesmo Fernão Mendes Pinto, dando a relação de um enorme exercito tártaro, que invadiu a China, diz «. . .donde partiram com oitenta mil badas, em que vinha o mantimento e toda a bagage». Yule e Burnell, transcrevendo as três passagens ci- tadas, não contestam a sua veracidade, e contentam-se com lhes pôr um ponto de admiração. Effectivamente, a ausência de outras noticias, e tudo quanto sabemos do caracter desconfiado, violento e pouco in- telligente do animal, levam-nos a acreditar, que os nossos escriptores foram mal informados. Gaspar Corrêa é habitualmente verídico; mas tratava n'este caso de factos succedidos no interior da índia, de que recebeu noticias indirectas e confusas; e Fernão Mendes Pinto, sem merecer a reputação que teve durante muito tempo, era um tanto dado a acceitar, e mesmo a ampliar levianamente, as informações colhidas aqui ou ali. A phrase de Orta é mais acceitavel, e um ou outro rhi- noceronte podia chegar a um certo grau de domesticidade (Linsch., Navig., 56; Gaspar Corrêa, Lendas, iii, 5y3; Erskine, Hist. o/ Báber, i, 434; Fernão Mendes Pinto, Peregrin., cap. 41 e cap. 107; Yule e Bur- nell, Gloss., I e 799). Acerca de unicorneos é o nosso Orta muito prudente, dando-nos as suas noticias sob todas as reservas. No que lhe disseram da costa de Africa, deve ir envolvido o hippopotamo — posto que elle diga não se tratar do cavallo marinho — com os rhinocerontes africanos, que então deviam ser muito frequentes ao longo d'aquella costa. COLÓQUIO TRIGÉSIMO SEGUNDO DA MAÇA E NOZ INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO He bem que saibamos dos nomes da maça e tio:{, da terra donde a ha, scilicet, em Banda, e também em arábio e la- tim. E posto que, segundo a ordem, vem primeiro, porque não se pode fallar sem fallar da iio:{, que he fruta, fallaremos na feiçam da arvore, e folhas e flores, e doutras cousas me- dicinaes que do mesmo arvore se fazem. ORTA Estes nomes vos direy, pois o perguntei em malaio e ma- lavar, e decanim e pérsio, e arábio e turco; posto que pera vós não seja neseçario mais que o arábio e o latim e o da terra donde nace, que he o malaio. E portanto diguo que o arvore da iio:{ he do tamanho de pereira, e as folhas sam redondas á maneira de algumas de pereira: vem esta 7io:{ de Banda, de ilhas sogeitas a elrey nosso senhor. E posto que digam alguns escritores do Peru que o ha em Maluquo, não he asi; porque, ainda que aja o arvore, nam dá fruta, e o mesmo he na ilha de Çeilam. Sam como pereiras, ou, por falar mais verdade, como pexegueiros pequenos. He a casca dura, scilicet, a pelle daquella he mais dura que das peras verdes; e dahy vay, com sua grosura, a espedirse ao cabo, com huma casquinha muito delgada, asi como a casca pe- quena que cerca a castanha nossa; está chegada á no:{, e cerca a toda; a qual no^ está debaixo, e he como bugalho pequeno; e a pelle pequena que cerca este bugalho, que já faley, he a maça^ e da outra casca grande nam fazemos aqui mençam; posto que he muyto boa, feita em conserva com açucare, e tem o cheiro muyto bom, e o sabor muyto me- lhor; temse cá esta conserva por muyto boa pera o cérebro, 6 82 Colóquio trigésimo segundo e pera as enfermidades da madre e nervosas; vem de Banda em jarras de vinagre; e alguns a comem asi feita em selada; porém toda a mais, que vem a esta terra, se faz em conserva de açucare; he mu3'to fermoso pomo, e dá bom cheiro á boca. E aveis de saber que, quando esta no^ he madura, vaise inchando, e rompe a primeira casca como fazem os ouriços das castanhas nossas, e fica a maça muyto vermelha, parecendo como gram fina; que he a mais fermosa cousa de ver no mundo, quando as arvores estam carregadas; e ás vezes também a maça se fende, e esta he a causa onde a no\ muytas vezes não vem cercada da maça. E quando esta no^ se cura e séqua, despede de si a maça, e nam fica vermelha, senão hum pouquo laranjada. Val esta maça tres vezes tanto como a nOy; e esta he a verdade sabida por muytos, que vam a Banda. A qual Banda he terra muyto doentia, e se acha ás vezes irem lá muytos, e virem poucos, e comtudo sempre folgam de ir lá, pollo ganho muito (i). RUANO Galeno conheceo esta no\ e maça, ou Dioscórides, ou ou- tros alguns Gregos, ou Plinio? ORTA Galeno* faz capitulo, no sétimo livro dos simples, e diz que se traz da índia: e porém a outros muytos e a mim parece que não conheceo a maça (posto que a chame maciv), e isto por muytas rezÕes: huma he, porque a faz temperada entre quente e frio, sendo quente e sequa no fim do segundo, ou dentro no terceiro; e diz que aproveita com sua esteti- cidade e com seu apertar ás dcsinterias, e aos que deitam sangue; que não he cousa que Galeno dixera, se a conhecera; quanto mais que Avenrrois diz** que esta he huma das mé- zinhas que não conheceo Galeno, e a muytos modernos pa- * Galenus, lib. 7, Simplicium (nota do auctor). *« Avenrrois, 5, Coliget (nota do auctor). Da maca e no-: > \ 83 receo macir dos Gregos e a maça dos Arábios serem di- versas mezinhas, e esta he a causa porque Avicena faz dois cap., scilicet, o cap. 456 da maça, o cap. 694 de talicifar*; e fez isto emitando aos Gregos; ainda que elle nunqua vio o macir delles, teveos sempre em muyta auctoridade e ve- neraçam, não lhe parecendo que pudiam errar; quanto mais que Dioscórides** e outros dizem ser casca de raiz, e nam de fruto; e Plinio afirma não conhecer este macir; quanto mais que, se estes Gregos conheceram a maça, nam puseram em silencio a noi, porque nenhum delles falou delia; e do macir souberam tam pouquo, que Galeno diz trazerse da índia, e Dioscórides trazerse da Barbaria; por onde parece que nenhum conheceo a maça: nisto não deve aver alguma duvida. RUANO Pois não falta dos modernos quem diga que o chrisoha- lamis escrito de Galeno he a no^ dos Arábios. ORTA EUes não tem rezam, e tem contra si muitas cousas que lhe falecem, na feiçam, e na cor e no sabor. RUANO Os Arábios souberam da no\ ou da maça alguma cousa? ORTA Senhor, si; em especial Avicena falou mais distintamente. RUANO Pois Serapio alega aos Gregos nestas mezinhas***. ORTA Fez isso porque avia medo de dizer cousa contra os Gre- gos; e não vos maravilheis disto, porque eu, estando em * Avicena, lib. 11, cap. 456 e 694 (nota do auctor); aliás 456 e 696. ** Lib. I, cap. 94 (nota do auctor). *** Serapio, cap. 2 e 161 (nota do auctor). 84 Colóquio trigésimo segundo Espanha, não ousaria dizer cousa alguma contra Galeno e contra os Gregos*; quanto mais que, bem oulhado, não he muyto serem humas mezinhas em huns tempos conhecidas e em outros não, porque sempre se acham novas; e certa- mente que, se os Gregos souberam do pao da China, muyto o louvaram, e fora bem celebrado delles; mas Avenrrois ou- sadamente diz que erão certas mézinhas, que os Gregos não conheceram (2). RUANO Ora pois quereis sair com a vossa em emitar esses bár- baros, dizei os nomes da no^ e da maça. ORTA Sou contente ; a no:{ se chama na terra donde naçe pala, e a maça, bunapala; em decanim se chama a no'{, japatri, e a maça, jaifol; em arábio chama a no^ Avicena jau\ibam (que quer dizer no\ de Banda) e á maça chama Avicena bejhase; a derivaçam do qual nome nunqua pude saber**. E estes sam os nomes arábios mais verdadeiros que todos, bem que muytos Mouros e Arábios, e Turcos e Coraçones lhe chamam outros nomes corrutos, que se foram corrom- pendo com os tempos; e asi os livros se foram corrompendo, que Avenrrois, sendo muyto bom mouro, lhe chama geo\a; e em Serapio estam muytos nomes corrompidos; e pois estes, sendo Mouros, erraram, não he muyto Matheus Silvatico errar. A maça se chama maça polia similhança do macir, porque o pintam os Gregos vermelho. RUANO ^ Se a no\ em arábio se chama geaii\i, logo os Arábios devem fazer mençam da no^ da índia, que he o chamado coquo? * Uma das mais notáveis phrases de todo o livro, e que bem lhe podia servir de epigraphe. ** Avicenna, lib. 11, cap. 456 (nota do auctor). Da maça e no:{ 85 ORTA Si, fazem mençam os Arábios de todas as nossas, como vos disse no coquo, que lhe chamam geaiqialíndi; e á nossa no:{ chamam geauii, no mais*; e esta he a causa porque á cidade pacense, a que chamamos Badajoz, avendolhe de cha- mar Guadalgeauzi, que quer dizer rio de iio{es, lhe chama- ram corrutamente Badajoz. RUANO Quem vos dixe isto, e como o sabeis? ORTA Hum judeu que foy a Portugal, nacido no Cairo, que levou a Portugal as novas do Soldam Bhadur, e chamado por nome Isaque do Cairo, homem discreto e sabedor de muytas lingoas, lhe perguntei eu se Guadalupe queria di- zer rio de lobos, como diz Lucio Siculo Marineo; o qual me respondeo que nam, senão que queria dizer i^io do amor; e eu lhe disse que hum homem mu3^to douto escrevia esta derivaçam; elle me dixe que a derivaçam, quando pudesse ser tudo de huma lingoa era melhor, que nam fazer huma parte de huma e outra de outra lingoa; e asi como Gua- dalup tudo junto he arábio se entrepreta rio do amor (3). RUANO Ainda que isso não he física, também folguo de o saber mais que outras cousas, pera tirar o fastio. ORTA Porque não fiqueis sem elle, sabei que da maça se faz hum olio, muyto boa mezinha pera os nervos, e muyto usado vir de lá de Banda. • Isto é, «simplesmente», sem mais; uma fórma de dizer mais hespa- nhola que portugueza. 86 Colóquio trigésimo seu^undo Nota (i) Identifiquemos desde já os nomes citados por Orta na pagina 84: — A nof «pala», e a maça «bunapala», em Banda. Rumphins dá estes mesmos nomes na fórma pala ou pela para a nof, e bonga-pala para a maça, que Ainslie escreve também bunga-pala. Segundo Crawfurd, aquelle nome da nof não é propriamente originário de Banda, onde os naturaes lhe chamam galago; mas é corrente em todo o archipelago, e foi-lhe imposto pelos primeiros navegadores que fizeram o commer- cio de Banda para a índia, sendo — ainda na opinião de Crawfurd — uma corrupção do nome jatipahla (sic) em sanskrito (Cf. Rumphius, Herb. Amb., 11, 14; Ainslie, Mat. Ind., i, 200 e 249; Crawfurd, Dict., 304). — A ?íOf «japatri», e a maça «jaifol» em deckaní. Estes nomes estão trocados, por descuido de Orta ou do impressor; e tanto Ainslie como Dymock dão o nome da noz, jaiphal, jaeplial (deck. jáphid, sansk. sTTTrFTTrT, jãtiphala); e o nome da maça jápatri (sansk. St I íri y ✓( I , jãtipatri) (Cf. Ainslie, 1. c; Dymock, Mat. med., 661). — «Jauzibam» em Avicenna, significando noz de Banda; o nome encontra-se em uma nota marginal da edição latina, mas é um erro de transcripção, e no arábico está — segundo Scaligero — djauj bana, um nome que é dado por Ainslie como persiano, Como se vê, Avicenna não escreveu Jaiijibam, e portanto não lhe chamou noz de Banda, nem é provável que elle conhecesse rigorosamente a sua pro- cedência d'aquella ilha. (Cf. Avicenna, Qaiiun, 11, 11, 5o2; Exotic, 248; Ainslie, 1. c.) — «Befbase», segundo Orta, é o nome da maça em Avicenna; isto é, iL.L»*j, besbasah; Ainslie cita também o persiano jL be^baj. Estas duas especiarias são produzidas pela Myvistioíi IVa- g"x-a,iis, Houttuyn fM. moschata, Thunh.y M. officinalis, Linn. fil.) ; uma bella arvore, typo da pequena íàmilia das Myristicea', e que se encontra espontânea em varias ilhas orientaes do archipelago Malayo, mas abunda sobretudo no pequeno grupo vulcânico de Banda. A ar- vore feminina, porque a planta é dioica, produz uma drupa carnosa, mas dehiscente, que, abrindo-se na maturação, deixa ver a semente, envolvida em uma arilha de côr vermelha intensa; esta arilha é a maça do commercio. A semente, privada da arilha ou maça, que se vende á parte, e do seu envolucro exterior ou testa, fica apenas re- vestida pela pellicula do endopleura, a qual penetra profundamente nas fendas do albumen ruminado; esta é a noj- muscada do commer- cio. Se Orta não deu, e não podia dar, uma dcscripção minuciosa d'esta compUcada estructura, teve pelo menos uma idéa approximada Da maca e noz * \ 87 da natureza da maca, e não lhe chamou flor, como fizeram outros, entre estes Gamóes: Leva pimenta ardente que comprara: A secca flor de Banda não ficou, A noz, e o negro cravo, que faz clara A nova ilha Maluco, co'a canella. Com que Ceilão é rica, illustre e bella. Banda, com as pequenas ilhas próximas, foi a verdadeira pátria da muscadeira, a região onde a sua cultura mais se desenvolveu, onde os portuguezes a foram sempre buscar, e onde hoje os hollandezes se esforçam por lhe conservar o monopólio. Segundo nos diz o conhe- cido naturalista e viajante Wallace, quasi todas as terras aproveitáveis na base da ilha e vertentes das montanhas estão cobertas de planta- ções de muscadeiras, crescendo á sombra de grandes arvores, Cana- rium commune, e encontrando na sombra, na excessiva humidade do clima, e no ligeiro solo vulcânico as melhores condições de vegetação. Parece que estas plantações são extremamente bonitas, e Wallace diz; few culiivatcd plants are more beautiful than mit-meg trees, como Orta havia dito: «a mais fermosa cousa de ver no mundo«. João de Barros é também muito lyrico na sua descripção d'estas plantações: «Passado o tempo das flores, em que as nozes já estão coalhadas e de côr verde (principio de todo o vegetavel), vae-se pouco e pouco tingindo aquelle pomo, da maneira que vemos n'este reino de Portu- gal uns pêssegos, a que chamáo calvos, que parecem o arco do Ceo chamado íris, variado de quatro cores elementaes, não em circulo, mas em manchas desordenadas, a qual desordem natural o faz mais formoso. E porque n'este tempo que começam a madurecer, acodem da serra, como a novo pasto, muitos papagaios e pássaros diversos, é outra pintura ver a variedade da feição, canto e cores, de que a natu- reza os dotou». Descripção, concentrada por Camões em quatro versos : Olha de Banda as ilhas, que se esmaltam Da varia cor que pinta o roxo fructo; As aves variadas, que ali saltam. Da verde noz tomando seu tributo. Notaremos de passagem, que uma d'estas aves, um bello pombo, Carpophaga concinna, tem singulares relações com a vida da planta, engolindo a noz inteira, digerindo a tnaça, e lançando intacta a parte essencial da semente, de modo que contribue poderosamente para a propagação da espécie, ao mesmo tempo que d'ella depende para a 88 Colóquio trigésimo segundo sua alimentação. Orta referiu-se a um facto análogo, a propósito de outra planta, no Colóquio vigésimo oitavo. Os gregos e latinos, como veremos melhor na nota seguinte, não co- nheceram a ?JOf e maça; mas os árabes, viajantes e geographos, como Maçudi e Edrisi, escriptores de matéria medica, como Avicenna e Se- rapio, tiveram perfeita noticia d'estas especiarias, que, em maior ou me- nor quantidade, chegavam á Europa na Idade-media.Vinham de Banda a Java e outros portos do Oriente, frequentados por chins e árabes, n'aquelle commercio de cabotagem, feito pelos malayos e javanezes, a que já nos referimos a propósito do cravo. Duarte Barbosa, fallando de um estado de cousas anterior ao dominio portuguez, diz que o commercio em Banda se fazia por meio de trocas, dando ali grandes quantidades de mercadoria por qualquer objecto, por exemplo, vinte bahares de maça por um gong javanez, de modo que a especiaria «vai quasi de graça». A difFerença de preço entre Calecut e Banda era enorme, e a farasola de nof valia em Calecut tanto, como o bahar em Banda — o bahar tinha vinte farasolas proximamente. As differen- ças de preço de Calecut para a Europa também eram grandes, pois a MOf e a maça custavam caríssimas durante toda a ídade-media; em In- glaterra, ahi pelos annos de i35o, dois arráteis de maça valiam tanto como uma vacca. Quando, pois, os portuguezes, commandados por Antonio de Abreu, foram a Banda depois da tomada de Malaca, con- tinuando nos annos seguintes a frequentar a ilha, e acabando por es- tabelecer ali uma posse mais ou menos effectiva, encontraram-se se- nhores de um commercio tão lucrativo pelo menos como o do cravo. Ou fosse, porém, porque a wof e maça tivessem menos consumo do que o cravo, ou por qualquer outro motivo, o certo é que estas espe- ciarias não parecem ter tido a importância commercial do cravo, e se encontram menos vezes citadas nos nossos livros e documentos do tempo. Em todo o caso, o trato da noj- mascada e 7}iaça pertenceu aos portuguezes durante proxin^^amente um século, passando depois para os hollandezes, que o conservaram até ao nosso tempo. Alongaria demasiado estas notas qualquer noticia sobre a cultura da arvore, e colheita e preparação da sua semente, noticia que será fácil encontrar em alguns dos livros citados abaixo (Cf. Flíick. e Hanb., Pharmac, 45 1; Dymock, Mat. med., 661; Crawfurd, Dict., 304; Rum- phius, Herb. Amb., 11, 14 a 25; Wallace, Malay Arch., 285; Lusiadas, ix, 14, e x, i33; Barros, Asia, iii, v, 6; Duarte Barbosa, Livro, 3jo, 385). Nota (2) Orta é de opinião que o macer ((/.óxEp) dos escriptores gregos não é a maça dos modernos; e esta opinião, desenvolvida pouco depois por Da maça e no:{ 89 Acosta, foi admittida nos nossos dias por Sprengel, assim como em todos os livros de auctoridade em questões de pharmacologia. O u.5Óc£p, macer ou tnacir de Dioscórides, Galeno e Plinio, era a casca de uma arvore da índia, applicada ao tratamento de dysenterias; e, portanto, cousa muito diversa na natureza e propriedades da arilha vermelha da MOf tnuscada. Avicenna — como bem notou Orta — tratou da verdadeira maça sob o nome de L..L»»o, besbasah; e de uma substancia que bem pode ser o aáxep sob o nome de ^á...wJlJg, talisfar. A identificação d'este ta- lisfar é que pôde levantar bastantes duvidas, posto que alguns se te- nham lembrado de que fosse a casca da Holarrhena, de que falíamos em um dos Colóquios precedentes. Acosta deu uma longa e minuciosa descripção da arvore, da qual na sua opinião procedia o viacer; mas a identificação d'essa arvore não é clara, e a questão não nos inte- ressa agora directamente. O que importa notar, é que o macer em caso algum podia ser a maça, e que Orta tinha rasão n'este ponto (Cf. Sprengel, Diosc, n, Sqi; Pharmac, 45 1; Dymock, Mat. med., 498; Acosta, Tractado de las drogas, 41). Nota (3) Isaac do Cairo veiu da índia a Portugal, pela via de Suez ou do Cairo, no anno de i SSy. Fôra mandado por Nuno da Cunha a D. João III, para lhe dar conta dos graves successos de Diu, trazendo-lhe o que Orta chama «as novas do Soldam Bhadur», isto é, a noticia da sua morte violenta. Chegou a Lisboa, quando tudo estava sobresaltado pelo annuncio de uma grande armada de Rumes, que ameaçava a ín- dia,* e com as suas informações algum tanto serenaram os ânimos. Tudo isto vem largamente contado por Gaspar Correia (Lendas, in, 792 e 846). Devia ser um homem «discreto», e a sua opinião, de que as «deri- vações» de uma palavra composta se devem procurar em uma só lin- gua, é absolutamente justa — salvas raríssimas excepções. Effectiva- mente aquella etymologia, semi-arabica e semi-latina, dada pelo eru- ditíssimo Lucio Marineo Siculo para a palavra Guadalupe, é de todo o pcnto insustentável. É verdade, que elle a não apresenta como sua, e af enas a repete: Guadalupe, la qual intrepretan algunos Rio de Lo- bos Não deixa ainda assim de ter a responsabilidade de a citar. Fr. João de Sousa dá uma significação um pouco diversa da que Orta deu ou ac:eitou; Guadalupe — diz elle — é v_^l JJÍj, uad el-'ubb, signifi- c' ndo rio de seio — os arabistas decidirão qual tem rasão. A derivação do nome de Badajoz de rio de no^es não é verda- de <:a, como o não é a que fr. João de Sousa deu muito em duvida, go Colóquio trigésimo segundo da maça e no^ de ^% , belad el-'aisch, o pai^ dos mantimentos. Edrisi escreve aquelle nome, ^^^aJiaj, Batalios, forma que se não pode derivar de rio de no^es, nem de pay^ dos mantimentos. Acresce por esta citação mais um livro, aos que Orta menciona nos Colóquios; e vê-se que elle conhecia a celebre chronica de Marineo Siculo. (Cf. Lucio Marineo Siculo, De las cosas illustres y excellentes de Espana, f. 42, Alcala de Henares, i539; Sousa, Vestígios da língua arábica, 90 e 184; Edrisi, Géogr., i, 23, tr. de Jaubert, Paris, 1840), COLÓQUIO TRIGÉSIMO TERCEIRO DA MANNÁ PURGATIVA, ONDE SE FALLA OUTRAS MUYTAS cousas, que sam menos medicinaes, e sam de historia, e boas pera as saberem algumas pessoas. INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO As cousas que sam mu3'to neseçarias e mais usadas, he neseçario serem muyto sabidas; e por esta causa queria muito saber da manná, que vos he cá tanto em uso; e pera isto he rezam que oulheis muyto bem o que me dizeis, pera que não aja que replicar. Não quero saber se escreveram os Gregos delia, nem como lhe chamaram, porque disto asaz escrevem os escritores modernos. ORTA Certamente que, porque vi esta mezinha muyto boa e com suave sabor e cheiro, e fazer os efeitos que delia queremos muyto bons, nam procurei saber muyto delia; somente sey que a ha de tres maneiras trazida de Ormuz, da província de Uzbeque. A maior e a primeira, que he esta que aqui vedes nas boticas em frascos, semelhante a confeitos, e no sabor a favos de mel, chamase xirqiiest ou xircast, que quer dizer leite da arvore chamada quest, porque xir na lingoa da Pérsia quer dizer leite; de modo que he hum rucio que cae daquellas arvores, ou goma que nace delias; e nós cor- rompendolhe o nome lhe chamamos siracost; porque Avi- cena era desta província de Uzbeque, de huma cidade dita Bocora, como vos já dixe, será rezam que lhe saiba bem o nome; podese bem ver isto em Avicena* donde falia * Avicena, lib. u, cap. 172 e 490 (nota do auctor); na edição latina os capítulos são 489 e 704. Ha de certo muitos erros de imprensa nas citações de Orta; mas é possível que elle algumas vezes cite o Avicena arábico, como parece deprehender-se do Colóquio trigésimo. 92 Colóquio trigésimo terceiro delia (i). A outra dita tiriamjabim ou trumgibim, como diz o Belunense, dizem que nace sobre os cardos, evem em pe- dacinhos, algum tanto de cor roxa ao parecer; e dizse que estes se tiram dos cardos, sacudindo com pao, e sam mais grandes que coentros secos os grãos; e a cor, como vos dixe, entre roxa e vermelha. O vulgo tem que isto he fruto, mas eu soube que era guoma ou resina: elles tem esta por mais san que a que usamos, e desta usam mais na Pérsia e em Ormuz, porque a que aqui usamos não a dam aos mo- ços, senão quando pasam de qatorze anos; mas comtudo vos sey dizer que a uso des que vim á índia, e sempre achei purgar sem dano algum (2). Vem outra em pedaços grandes, e vem com folhas mesturadas; esta parece como a da Calábria, e vai mais dinheiro, e vem polia via de Ba- çora, cidade mu3^to nomeada na Pérsia (3). E vem ás vezes outra aqui a Goa, derretida em odres, que parece mel alvo coalhado; desta me mandarão de Ormuz, porém corrom- peose nesta terra muyto asinha; porque os frascos de vidro a conservam muyto (4). E por aqui diguo que nom sey mais desta mézinha. RUANO Certamente que vos ouvira muyto tempo, se falareis mais; mas pois que nam quereis mais dizer, me dizei que provinda , he esta de Uzbeque. ^ ORTA A província de Uzbeque he Tartaria, chamada por nós de huma çidade dita Tartar, que ha nella, e o homem que he natural delia chamamlhe tártaro e aos outros chamamlhe uzbeques, como quem dixese toledano ou espanhol, lisbo- nez ou português. Eram estes Uzbeques huma parte dos Mogores, e de poucos tempos pera qua se isentaram. Sam estes Uzbeques muyto valentes homens, sam grandes fre- cheiros a pé e a cavalo, tomam soldos dos reys estranhos: eu conheci hum com o Idalcam, chamado Meliquetartar; e outro com o gram rey de Cambaia, dito Soldam Bhadur. Estes Uzbeques confinam com os Chins por outra parte, segundo me dixeram; e pode ser que estes sejam os Partos, Da manná purgativa 93 tam avorrecidos dos Romanos, mas eu vos confeso nam saber desta comosgrafia pella terra, muyto bem (5). RUANO Dixestesme que vinha essa manná polia via de Bácora; queria saber, se he essa Babilónia, primeiro asi chamada, ou se he Bagada, que está mais adiante. ORTA Asi Bácora como Bagada estam na Mesopotâmia, mas nenhuma he Babilónia; postoque vulgarmente se tenha que Bagada he Babilónia ; mas soube muyto certo que a Babi- lónia verdadeira dista de Bagada ou está apartada 10 ou 12 legoas. Está muyto desfeita, e pouco celebrada dos homens: isto me dixe Jorge Gonçalves, hum mercador discreto, e grande enqueredor das verdades, e de muyto bom saber, que lhe dixera hum homem natural da própria Babel; e diz que Babel está chegada ao Eufrata, e a Bagada está junto de hum rio chamado Digilá e namTigris; nem este nomeTi- gris he usado aguora (6). RUANO Esta Bácora e Bagada cuja he aguora? Do Turco ou do Xatamaz? ORTA Primeiro era de outros reys, e tomoulhas o Turco (7). RUANO Que titulo he o de Xatamaz e do Turco? ORTA O Xatamaz se chama xá, que quer dizer rej por exce- lejiçia, e todos os outros reys se chamam paxá, que quer dizer pé de rey; asi como o rey de Ormuz e o rey de Lara e outros reys; e o Turco chamase honencar^ que quer dizer fazedor dos senhores, porque hon em pérsio quer dizer se- nhor, e ecár significa fazer; mas o seu asinado não he con- forme a este ditado, porque he muito humilde. Colóquio trigésimo terceiro RUANO Como se asina? ORTA Faquir Çoleimam, que quer dizer o pobre Çoleiniam. RUANO Pois com todas essas humildades ha de hir ao inferno. Nota (i) Orta diz, que as suas tres espécies de manná — na realidade falia de quatro — procediam da província de «Uzbeque», o que é exacto, no sen- tido muito lato de que se não geravam na índia, e vinham pela maior parte da Pérsia septentrional e regiões vizinhas. Diz também que vinham por Hormuz, .e de certo vinham igualmente, como ainda vem, pelos ca- minhos de Kandahar e do Cabul; mas d'este commercio interior tinha naturalmente menos noticia o medico de Goa. A primeira espécie de manná, chamada por Orta «xirquest» ou «xir- cast«, ainda hoje se encontra em alguns bazares da índia septentrional sob o mesmo nome de shir-khisht, ou schir-khischt, ^^^^^.d^ jJu>^ de- vendo desde já notar-se que schir significa leite em persiano, como Orta muito bem diz. O nome alterado de « siracost » encontrou Orta na sua traducção latina de Âvicenna. Segundo as observações de Haussknecht — citadas na Pharmaco- graphia — este manná é a exsudação de uma arvore da família das Rosácea', Cotoueíi«ter miiii]iiiilíii-i£L, Fisch, et Mey, e talvez também de outra planta bem diversa d'esta e da família das Polygonacece. Pelo que diz respeito ao Cotoneaster, as observações de Haussknecht são plenamente confirmadas pelas de Flúckiger e Han- bury, os quaes tiveram occasião de observar specimens d'aquelle manná, obtidos no norte da índia. A identificação do schir-khischt com o «xirquest» de Orta, não re- sulta simplesmente do nome, mas também do aspecto da droga, que os pharmacologistas modernos descrevem como consistindo em lagri- mas arredondadas, pequenas, de um branco sem brilho, e Orta com- para com os «confeitos». Esta droga vem hoje para a índia do Afghanistan e Turkestan, o que se não afasta muito do «Uzbeque» de Orta (Cf. Fluck. e Hanb., Pharmac, 372; Ainslie, Mat. Ind., i, 208, Avicenna, Qanun, 11, in, 489). Da mannd purgativa 95 Nota (2) O mannã, chamado por Orta «tiriamjabim» ou «trumgibim» — forma encontrada na sua versão latina de Avicena — é bem conhecido pelo mesmo nome de y..,^ ^j", tarandjabin. Procede de uma pequena planta da familia das Leguminosa^ Allitig-i Caineloi-uin, Fisch., que se encontra na Pérsia, Afghanistan, Beluchistan e Turkes- tan; e também, segundo alguns dizem, de outra espécie, A-lliíigfi Míini-oiMim, Desv., de mais larga habitação, pois se tem obser- vado nas regiões áridas e desérticas, desde o Egypto, pela Syria, Me- sopotâmia e Pérsia até á índia. As duas espécies são pequenos arbustos muito espinhosos, o que nos dá a explicação de terem dito a Orta, que nascia sobre « cardos ». As notas descriptivas da droga, forma dos grãos, dimensões e còr, concordam notavelmente nas Pharmacographias mo- dernas e nos Colóquios. Segundo Stewart e Davies — citados na Pharmacographia — este manná é principalmente colhido nas terras de Kandahar e de Herat, d'onde o levam para a índia. Mir Mohammed — citado por Dymock — dá como localidade de procedência, alem de outras, o Mawarunnahar isto é, a Transoxiana dos antigos^, exactamente o «Uzbeque» de Orta. (Cf. Fliick. e Hanb., 1. c. 87 1; Ainslie, 1. c, n, 208; Dymock, Mat. med., 218; Garcia da Orta e o seu tempo, 35g.) Nota (3) Esta terceira espécie de manná de Orta é um pouco mais difficil de identificar. Diz clle apenas que vinha por Contra las bubas, livro dedicado a D. João III de Portugal, e que, por- tanto, devia ter attrahido a attenção dos médicos portuguezes. Mas a origem mais provável, ou quasi segura, da sua informação é o livro de Oviedo. Gonçalo de Oviedo foi um dos primeiros a contar detidamente os factos relativos á introducção da doença na Europa, pouco mais ou menos como os indica Orta; alem d'isso nós sabemos que Orta conhecia a sua Historia general de las índias, porque a cita em um dos Colóquios seguintes, e vemos como n'este Colóquio nos diz expli- citamente, que encontrara a noticia em um historiador hespanhol — da nacionalidade de Ruano — e não em um livro de medicina. Parece-me claro, portanto, que elle repetia Oviedo. A noticia de Oviedo não era exacta. Em muitos livros correntes de medicina, se podem encontrar numerosas citações, pelas quaes se vê bem como a syphilis existia no Velho Mundo de antigos tempos, em- bora houvesse nos fins do século xv uma recrudescência de gravidade e frequência d'aquella enfermidade. De outro lado, o exame minucioso dos factos históricos, relativos á invasão da Itália por Carlos VIII, e a comparação attenta das datas, provam até á evidencia que as cousas se não podiam passar como "as conta Oviedo, e como acima as resu- mimos. Mas é certo que a versão de Oviedo e de outros escriptores d'aquella epocha foi recebida durante muito tempo; foi admittida por um dos médicos contemporâneos mais notáveis, Gabriel Fallopo; e ainda foi energicamente defendida muito depois por médicos erudi- tissimos, como Astruc. Ficou mesmo clássica, passando para o dominio Das mangas 117 da litteratura. No Candide de Voltaire, o dr. Pangloss, fazendo a pi- caresca genealogia da doença, que o tinha posto ás portas da morte, diz que o primeiro da serie 1'avait eu en droite Ugne d'un des compa- gnons de Cristophle Colomb. O que acceitaram Fallopo e Voltaire, podia bem ter acceitado Garcia da Orta; mas a verdade é que elle não acceita a versão — cita-a, e nada mais. Tem mesmo uma phrase, que se pôde interpretar no sentido opposto: «de principio as tiverão ca». Essa phrase, porém, será mais opportunamente discutida quando che- garmos ao Colóquio quadragésimo sétimo. (Cf. Leoniceno, Schmauss, etc, em Aloysio Luisino, Aphrodisiacus, sive de lue venérea, ed. de 1728, dita de Boerhaave, p. i5, 383, e ou- tras; Oviedo, em Ramusio, iii, 54, 76; Teixeira, Relaciones, 35; Follin, Traité de path. externe, i, 6o5 ; Renault, La Syphilis au xv^ siècle, Pa- ris, 1868.) i COLÓQUIO TRIGÉSIMO QUINTO DA MARGARITA OU ALJÔFAR, E DO CHANQUO DONDE SE FAZ O QUE CHAMAMOS MADREPÉROLA INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUAiNO Humas das pedras medicinaes he o aljôfar \ ou seja cha- mada pedra ou não, ja está em uso chamarse asi na física. ORTA Chama-se perla em castelhano, e pérola em portuguez, e em latim iinio: e isto no aljôfar grande, porque o meudo chamase em latim margarita; e em arábio lulu, e em pér- sio; e nas outras gerações da índia, moti; e em malavar - mutu; e em portuguez e castelhano aljôfar. RUANO Donde se derivam estes nomes? ORTA Dos Latinos e Castelhanos e Portuguezes vos darei logo rezão, e dos outros perdoarmeis, porque o não sei: perla e pérola se dizem de prefero, preferes, porque tem imminen- cia, e he perferida a todas as outras do seu género: unio se diz, porque de maravilha se acham duas conformes em grandeza e figura, e em ser viva: aljôfar se diz, porque em arábio quer dizer de Julfar, que he o principal cabo donde o ha qua, scilicet, o milhor he de Julfar, que he hum porto na terra da Arábia confim ao estreito que chamam de Or- muz, e o milhor he o pescado em Barém, Catifa, Julfar, Camarão, e outros portos desta costa: e porque o mais noto a nós era Julfar, e os Espanhoes usamos da lingoa arábia, o chamamos asi, casi trazido do porto de Julfar. 120 Colóquio trigésimo quinto RUANO Folgo de saber esta dirivaçam: e porque chamam orien- . taes a estas pérolas boas, por ventura porque eram de cor dourada? ORTA Nam, senão porque vinham da banda do Oriente, e porque este estreito de Ormuz era oriental a respeito da nossa Europa, o chamam asi. RUANO Ha em mais cabos, que neste, o aljôfar? ORTA Este he o milhor e mais grosso, e também o ha cá do cabo do Comorim até á ilha de Ceilam. Esta pescaria he delrey nosso senhor, e ainda que lhe podia render muyto, por ser tam zeloso da fé gasta mais do que lhe rende em mais de cinquenta mil cristãos, que se fizeram em o principio ; e foi feita esta cristandade por hum varam, nam menos vertuoso que letrado, chamado Miguel Vaz, vigairo geral que foy da índia; e foy depois acrecentada esta cristandade por Mestre Francisquo, teólogo, que foy principio desta santa Compa- nhia, juntamente com o Padre Ignacio, cujas virtudes e san- tidades, se se ouvessem de escrever, se faria hum grande livro (i). E agora esta cristandade he acompanhada e favore- cida poUos padres e irmãos da Companhia de Jesus, e está decorada por martírio de alguns religiosos desta sancta Com- panhia. Este aljôfar, que nesta pescaria se pesca, he mais meudo, porém ha entre este algum muyto bom, e também o ha grosso; mas polia maior parte não he tam grosso como o de Barém e Julfar, nem de tanto preço; ha o também em Burneo, e ainda que he muyto grosso, não he de tam boa feiçam; vem também da China, ainda que não he tam bom. E quanto he ao que vem das terras e ilhas do vosso rey, e do que ha em Europa, vós o sabeis milhor que eu ; e porque eu não sey contradizer, sem craramente ver rezam pera isso, não diguo que os escritores do Peru dizem mal Da margarita 121 em dizer que ha pérolas verdes, e outras muytas cousas nesta matéria. RUANO Vem tanto e tam bom aljôfar dessas terras que dizeis, que meu irmão, o feitor, traz soma delle pera vender cá, e diz que dobrará o dinheiro duas vezes nelle; e portanto não sei como dizeis que he mercadoria pera Portugal o al- jôfar. ORTA Tudo pode ser verdade; porque o aljôfar que de cá vai, e as pérolas, he grosso e redondo, e em toda perfeiçam : e o que de lá vem das índias sam huns barrocos mal afeiçoa- dos, e não redondos, e com aguas mortas. RUANO E valem cá mais os máos que os bons? ORTA Não, senam a má feiçam delles recompensase com mais pouco preço cá na índia que em Espanha, porque em Es- panha, de redondo a não redondo, de vivo a morto, de boa feiçam a má, vai grande deferença, que a pérola que tem estas perfeições, se vai cá dez, a que não as tem vai lá dous ou hum, e cá não he asi ácerca dos Canaras, que sam os habitantes em Bisnager e seus reinos, senão, se a de toda perfeiçam vai dez, a imperfeita, no mesmo peso, vai cinco ou quatro: de maneira que pôde vosso irmão dobrar a mer- cadoria cá, e levando aljôfar da índia ganhar lá dinheiro. RUANO Bem está, mas eu sam físico, e quero saber como se pes- cam, e se usam cá delias os físicos nas mézinhas; e se as ha furadas e não furadas, e per natureza sem arte, como alguns dos nossos doutores escrevem, dizendo: toma mar- garitas furadas e não furadas. E asi me dizei, se nisso não levardes trabalho, qual he a maior pérola que vistes, e o al- 122 Colóquio trigésimo quinto jofar usado na botica donde vai, e o preço que vai a onça delle. ORTA Achase nas ostras, que pescam nos tempos já sabidos pera isto-, e as ostras que andam no mais alto, trazem mais grosso aljôfar; e as que andam em mais baixo pego, tem o mais meudo; e põem as a secar, e abremse; e na carne delias acham o aljôfar, depois da carne ser sequa algum tanto; e achase em huma ostra, ora muytas, ora poucas, segundo a concha he; e não Já huma só, como alguns dixe- ram, em que acham mais de duzentos grãos. Dizer que ha aljôfar furado per natureza, foy querer falar de graça, e fingir fabulas ao sabor do seu pádar ; e nas mezinhas usam deste aljôfar os Gentios algum tanto, porém os Mouros usam muyto delle em todas as mézinhas cordiaes, asi como nós usamos. E as milhores destas ostras pera dar os aljôfares sam humas ostras lisas e brancas, a que a gente da terra chama cheripo; e fazem delias colheres e búzios pera beber; e também nas nossas ostras, que comemos, ha aljôfar, mas não he tam bom. E a maior pérola, que se acha no cabo de Comorim, he do pezo de cem grãos de trigo, e vi outras muyto maiores vindas de Burneo, mas não de tam boa feiçam; e outra de qua, que pezava loo e 6o* grãos de trigo, ou 40 quilates, que he o mesmo. A do pezo de 100 grãos de trigo, que sam 26 quilates, a que chamam calanja, vai mil e Soo cruzados. Nos mais preços vos não falarei, porque milhor he ser filosofo que mercador. O al- jôfar se joeira ou pineira em humas pineiras de latam, e as que per hum buraco saem, valem a tal preço a oitava; e as que não podem sair per elle, nem per outro mais grosso, valem a mais preço; e as que saem per outro buraco mais grosso valem a muyto mais; e os mercadores desta terra tem estas joeiras, e per ellas fazem seus preços; e esta he huma conta muyto sutil, que vosso irmam folgará de saber, * (Sic), isto é 160, como se vê da correspondência com o quilate. Da margarita i23 porque tem humas regras muyto arteficiosas; e o aljôfar, que he tam meudo, que se nam pôde furar, vendemno pêra botica, e para o levar a Espanha: vai uma onça menos de hum vintém (2). RUANO Desfalece o aljôfar per tempo no pezo? porque me dizem que si, e por isso nam era bom pera tizouro. ORTA Si, desfalece; e porém nam o esprimentei; e o que se diz, e o que se tem por mais certo, he que o aljôfar pescado em mingoante da luna he o que falece per tempos, e o outro não, e isto se tem per muyto averiguado. RUANO Se este aljôfar não estiver tam limpo e pulido, como fa- remos que tenha viveza e limpeza e polimento? Dizeime isto se o sabeis, porque nam sois tam filosofo como mos- traes, que também quereis ter pérolas e pedras, como os outros. ORTA Si sei, e dirvoloei. Tomai aroz mal pisado e sal, e esfre- gaio com elle muyto, e ficará tam limpo, como o milhor do mundo. RUANO E o outro de que fazem as cousas, que chamamos de madrepérola, he esse que chamaes cheripo? ORTA Nam, senam outro que chamam chanqiio, de que fazem cofres e mesas e contas; porque, ainda que por de fora seja tosco, pella parte de dentro he muyto liso e fermoso. He este chanco mercadoria pera Bengala, e ganhavão noutro tempo mais do que se ganha agora; e estes chanqiios gran- des, a que nós chamamos búzios, que vam a Bengala, la- vranse lá muyto fermosamente; e ficam muyto lisos e bran- cos; e isto se gasta em pouca cantidade, porque o mais se 124 Colóquio trigésimo quinto gasta em manilhas e em outras peças. E foy em Bengala até agora hum custume, que nenhuma pessoa onrada e de preço, que fosse virgem, pudexe ser corrompida, senam tendo manilhas de chanquo postas nos braços : e depois que vieram os Patanes se perdeo este custume algum tanto, por onde o chanquo vai agora mais barato; e vedes aqui hum taboleiro de tabolas de emxadrez, de que vos faço serviço, pera verdes o chanquo á vossa vontade (3). RUANO Mercê muyto grande he pera mim ; porém me dizei estas taboas pretas do emxadrez de que sam? ORTA De tartaruga ; e também se fazem desta tartaruga cousas muyto frescas; e não fallo nellas, porque não he cousa medi- çinal; porque falámos já muyto nestas cousas, que não fazem caso a física. Nota (i) MiguelVaz foi uma figura bastante saliente e bastante conhecida para nos dispensar de longos esclarecimentos. O vigário geral representou um papel importante na administração dos negócios ecclesiasticos da índia, substituindo a sua enérgica vontade ás frouxas e bondosas reso- luções do bispo D. João de Albuquerque, e deixando-se por vezes ar- rastar pelo seu zelo inconsiderado a actos de prejudicial intolerância. Toda a historia de Miguel Vaz, da sua vinda a Portugal, da sua volta á índia com instrucções de D. João III e breves do papa, das devassas que ali fez a respeito de gentios e christãos novos, da sua morte quasi repentina e attribuida ao veneno e á vingança dos perseguidos, toda esta historia seria sem duvida interessante; mas, suppondo mesmo que tínhamos elementos para a fazer, ficaria absolutamente deslocada n'estas notas (Cf. Garcia da Orta e o seu tempo, i6i e 194; e também Couto, Gaspar Corrêa, a Vida de D. João de Castro, na edição de Fr. Francisco de S. Luiz, etc), Quaesquer que fossem os erros de MiguelVaz, elle era extremamente zeloso pela propagação da fé; e, em tempo do Governador D. Estevão da Gama, iniciou as missões na costa de leste, junto ao cabo Comorim, Da mar gania 125 mandando lá o seu grande amigo, mestre Diogo de Borba. Gaspar Corrêa, do mesmo modo que Garcia da Orta, attribue a Miguel Vaz a gloria de ter começado aquellas missões : «N'este tempo (1544) o Rey do cabo de Comorym, que se chama o Rey grande (o de Travancore), teve guerra com outro seu visinho que he Rey das terras d'alem do cabo, da christindade de Manapá e Totucury, que la fez Miguel Vaz, vigairo geral da Índia, que então era ...» Manapá pôde identificar-se com uma localidade, que tem o nome de Munahpaud em algumas cartas modernas; e Totucury é conhecido pelo mesmo nome deTutikorin, ticando mais ao norte, alem da foz do Tamraparni, e da (então) importante villa ou cidade de Kayal (Cael de Barbosa). Os habitantes das villas e lugares d'aquelle littoral, de casta Parava (os Paravas de Diogo do Couto), occupavam-se principalmente na pesca das pérolas, ou na sua própria costa de Tinnevelly, ou na costa fronteira de Ceylão, sendo Kayal ou Cael, já no tempo de Marco Polo e ainda no tempo de Duarte Barbosa, uma villa rica, centro d'aquella industria e commercio. Os nossos portuguezes chamaram, pois, costa da Pescaria a todo o littoral da índia, que limita o golfo de Manaar, desde o cabo Comorim até Beadala ou Vedãlay e ilha de Ra- meseram (Cf. G. Corrêa, Lendas, iv, 408; Couto, Asia, vi, vii, 5; Yule, Alarco Polo, 11, 358; Barbosa, Livro, 353). Foi esta costa da Pescaria um dos primeiros campos de evangelisação de S. Francisco Xavier — a quem Orta chama «mestre Francisquo». Chegado á índia com o governador Martim AfFonso de Sousa, seguiu cinco mezes depois para o sul, estendendo as suas missões até Bea- dala, e até á ilha de Manaar, e baptisando — segundo diz Lucena — por aquellas aldeias de pobres pescadores mais de quarenta mil pessoas, o que não anda longe dos cincoenta mil christãos, de que falia Orta. Nada mais será necessário dizer do illustre apostolo do Oriente; e só notarei, que os Colóquios seriam incompletos, se n'elles se não encon- trasse esta menção, ao mesmo tempo familiar e respeitosa, do grande «mestre Francisquo». Nota (2) Orta toca em muitas particularidades interessantes a respeito de pérolas, e o Colóquio exige uma nota um tanto longa. Encontram-se pérolas no interior de vários molluscos; mas as pé- rolas finas dos mares orientaes e tropicaes, aquellas de que Orta falia, formam-se unicamente na espécie Mleleag-x-ina mai-grax-iti- fera, Linn. Os nomes mencionados no Colóquio são exactos, tanto os mais vulgares, pérola ou perla, unia, margarita, e aljôfar, como os menos geralmente conhecidos, o arábico Jj],lulu, o hindustani ^^'y, 126 Colóquio trigésimo quinto muti, e o tamil mutu, devendo derivar-se estes últimos do sanskritico, Hrhl) muktã. Se os nomes são exactos, as etymologias pódem dar logar -o a varias duvidas. Derivar pérola (perla na baixa latinidade) de prcefero, poderá parecer um tanto forçado; mas será mais uma derivação, a juntar a muitas, que se encontram em livros correntes, como o de Bluteau ou o de Littré, e todas são pouco satisfatórias. A etymologia de unio é da responsabilidade de Plinio: in tantum ut nulli duo reperiantur indiscreti: iinde nominum unionum romance scilicet impo- suere delicice (ix, 56, ed. Littré). A de aljôfar é falsa, embora enge- nhosa; aljôfar não se deriva do logar em que se pescava, jLíJLí»., Djol- far, e é simplesmente ^s^sr^l, al-djauhar, que significa do mesmo modo pérola (Dozy, 145; Sousa, 49). Das localidades, apontadas por Orta, e onde se pescavam pérolas, «Barém, Catifa, Julfar, Camarão», as tres primeiras estavam situadas na costa da Arábia oriental ou junto d'ella, e apenas Camarão, de que logo fallaremos, ficava distante d'ali. Ao longo da costa arábica do golfo de Oman e do golfo Persico pescavam-se pérolas em muitos pontos e desde tempos muito antigos*, sendo bem conhecidas as pes- carias de Djolfar, de que falia Edrisi, e particularmente nomeadas as da ilha de Bahrein, e as de Catifa, ou el-Qatif, porto na terra firme da Arábia em frente de Bahrein, do qual já se occupa Maçudi no x século. Dos nossos portuguezes, Antonio Tenreyro é um dos que descrevem mais detidamente estas pescarias do golfo Persico, mencionadas tam- bém pelo Camões: Attenta a ilha Barém, que o fundo ornado Tem das suas perlas ricas, e imitantes A côr da Aurora; As pescarias do golfo Persico estiveram mais ou menos sujeitas aos portuguezes, emquanto estes occuparam Hormuz, sendo as barcas de pesca obrigadas a tirar uma espécie de passaporte, pelo qual pagavam um certo direito. AíTonso de Albuquerque, com o seu génio dominador e inventivo, tinha mesmo pensado em tornar mais directa a sua inter- venção, tomando conta d'aquella industria, e transformando-a pelo emprego de dragas e redes de arrastar. Em carta de 20 de outubro do anno de 1514, dizia elle o seguinte: «babarem, senhor, he cousa muito grosa e muito Rica: ha Pescaria do aljôfar não he nada (é fácil) d asenhorear porque sam homeens que o pescam jemte de trabalho e mizquinha, que vem aly ganhar sua vida ' Sobre o conliecimento que houve das pérolas nos antigos tempos, pode ver-se Locard Hist. des mollusques dam l'anUqnitd, p. 159 e seguintes. Da margarita 127 cadano, e parece me que pescandose com Rastos de lá desas partes, que se dobraria o proveito.» Diz Orta que o aljôfar do golfo Persico era o «milhor e mais gros- so». Um viajante, que percorreu repetidas vezes a Pérsia e a índia, menos de um século depois de Orta, e tinha especial auctoridade no assumpto, porque era joalheiro e negociante de pedras preciosas, João Baptista Tavernier, confirma esta opinião até certo ponto, dizendo-nos que aquellas pérolas eram geralmente mais grossas que as da índia e de boa fórma, comquanto um pouco amarelladas. A maior pérola que viu, propriedade do Scháh da Pérsia, procedia justamente da pescaria de Catifa; e outra que, embora não fosse muito grande, elle considerava a mais perfeita de quantas existiam, pertencia ao Imam de Mascate, e devia também proceder d'aquella costa (Cf. Edrisi, Géogr. i, 157; Ma- çudi, Prairies d'or, i, 240, 328; Tenreyro, Itirt., cap. 49; Affonso de Al- buquerque, Cartas, 264; Les six voyages de Jean Baptiste Tavernier, II, 36o, Paris, 1679). Orta cita «Camarão» de envolta com Julfar e Catifa, como se ficasse nas proximidades, o que não é assim. Camarão era uma ilha do Mar Vermelho, junto da qual também houve pescarias de pérolas, embora muito menos conhecidas e celebradas. Aflfonso de Albuquerque, fal- lando de uns prisioneiros que fez, estando na mesma ilha de Camaram, diz o seguinte : «amtre os quaees se tomou huum homem hon- rado, que foy xeqe e senhor da ilha de dalaca e de meçuá e das ilhas da pescaria do aljôfar». Quasi pelo mesmo tempo, Thomé Pires dava noticia d'estas pescarias de pérolas do marVermelho, na sua conhecida carta a D. Manuel, enviada de Cochim a 27 de janeiro de i5i6. Diz assim: «ho aljoufar nacee nestas partees em dalac dalac sãa ylhas dez legoas a la mar do porto de meçua, terra dabixia ou a elle sojeyta no mar Roxo, sesemta legoas da entrada e menos ». Como se vê d'estas cartas de Albuquerque e de Pires, nas costas da Abyssinia e da Arábia, e nas ilhas intermédias do grupo de Dahlac e de Kamaran al- gum aljôfar se encontrava por aquelles tempos, e d'este falia o nosso escriptor (Cf. Affonso de Albuquerque, Cartas, 218; Thomé Pires, na GíTf de Pharm. (1866), 41). Ao contrario das pouco conhecidas pescarias da ilha de Camarão, as do sul da índia e Ceylão tem sido descriptas largamente, e por varias ve- zes— pelo nosso portuguez João Ribeiro, por Sir J. E.Tennent, não fal- lando de muitos outros. Estavam situadas no Golfo de Manaar, e — pelo que diz Simão Botelho — parece que havia duas epochas de pesca : uma em que se pescava na costa da índia, chamada costa da Pescaria (Ca- lecaré de Simão Botelho, e Quilicare de Barbosa), entre o cabo de Comorim e a ilha de Rameseram; a outra em que se pescava no sitio chamado Caradiva da costa fronteira de Ceylão. Esta pesca do lado de Ceylão era no emtanto a mais importante, como explica muito clara- 128 Colóquio trigésimo quinto mente Thomé Pires, na sua carta já citada: «geralmente dizem aljou- fare de caile (Kayal) porque de caile ho vãa Ha pescar; mas pescase pegado a terra da ylha de ceylão». No tempo de João Ribeiro, já a praia de Aripo em Ceylão era, como continuou a ser, o principal centro onde se reuniam as champanas dos mergulhadores, para d'ali partirem todas as manhãs nos mezes de março e abril em busca dos bancos d^ ostras, que Orta chama cheripo, e Ribeiro chipe (de chippi, ostra em tamil). A descripção d'esta pesca tem sido feita tantas vezes, que a não repetirei aqui, remettendo o leitor para alguns dos livros abaixo citados. Unicamente notarei, emquanto á qualidade das pérolas do golfo de Manaar, que Tavernier concorda com Orta, affirmando serem muito boas, brancas, de boa forma e boa agua; mas pequenas, excedendo raras vezes 3 a 4 quilates, e não passando em geral de al- jôfar meudo. Estas pescarias de Manaar pertenciam a Portugal, ou, no modo de dizer do tempo, a «elRey nosso senhor»; mas rendiam-lhe menos do que lhe deviam render por elle ser «tam zeloso da fé». Explica-se esta phrase de Orta, primeiro porque directamente se fariam despezas avul- tadas nas missões d'aquella costa; segundo porque o rendimento dimi- nuía á medida que o numero dos christãos augmentava. Ao principio, o capitão da pescaria cobrava de direitos por conta do Rey de Portugal o mesmo que os pescadores pagavam antes ao «senhor da terra», isto é «setenta e cinquo mil ftanóes, de dez ffanões o xerafim». Mas quando os pescadores se começaram a fazer christãos, os missionários e par- ticularmente os jesuítas intervieram em seu favor, de modo que «ffoy a pescarya demenuindo e rendendo muito menos.» E isto o que nos diz Simão Botelho, que de modo algum se conformava com a intervenção dos padres na administração da fazenda. Comprehende-se assim, que ali se gastasse mais do que se cobrava, como affirma Orta. De uma carta de Felipe II para o vice rey da índia, escripta no anno de i586, se vê que as cousas continuavam no mesmo estado; e ali se diz, que se não podiam pagar as despezas a fazer com alguns navios de remo, pelo não «soprir o rendimento da pescaria, por não emportar mays huns anos por outros que nove myl pardáos, valendo as despezas que fazião em cada hum ano de xbiii (18), a xx mil pardáos». (Cf. João Ri- beiro, Fatalidade, cap..xxii; Tennent, Ceylon, 11, 56o e seguintes; Ta- vernier, 1. c. 36o a 370; Tombo, 244; Thomé Pires 1. c; Ardi. port, oriental, fase. 3.», 61). Em «Burneo» —segundo diz Orta— encontrava-se aljôfar, grande mas não de «boa feiçam». Estas pérolas não deviam vir propriamente de Borneo, e sim das ilhas do archipelago de Sulu ou Suluk, que se extende da extremidade oriental de Borneo até Mindanáo. Duarte Barbosa falia de Sulu, sob o nome de Solor, e concorda inteiramente com a noticia de Orta: « e asy muyto aljôfar que os moradores Da mars:arita 129 apanhaom, e boas pérolas perfeitas em coôr e nom em redondeza». E de notar, que a traducçao italiana de Barbosa pelo Ramusio — citada por Grawfurd — não é exacta, e diz que as pérolas eram fine cosi in colore, come in ritonde^^a. Não era assim, Barbosa havia dito que não eram perfeitas em «redondeza», como Orta disse que não eram de boa «feiçam» (Cf. Duarte Barbosa, Livro, SyS; Ramusio, i, 320; Grawfurd, Dcí., V. pearl e SoolooJ. Pelo que diz respeito ás pérolas da China, encontrámos a confirmação da noticia de Orta no bem conhecido livro de um dos seus compatriotas e contemporâneos. O illustre Fernão Mendes Pinto, navegando com Antonio de Faria, foi-se encontrar na bahia de Camoy da ilha de Ay- nam, com uma grande armada de pescadores de pérolas chinezes, e conta detidamente o que lá viu e ouviu. Ainda que haja alguma exa- geração no numero de gente e barcos, que, segundo elle diz, ali an- davam pescando e guardando a pesca, devemos admittir que aquella industria se exercia então com actividade nos mares da China. Muitos annos antes, Thomé Pires fallou d'este mesmo aljôfar de «hainan», explicando com muito correcta geographia como : «hainan sam ylhas antre o Reyno de cauche (Cochinchina) e a china». O aljôfar d'ali vendia-se nos mercados da índia, segundo se vê da Lembrança das cousas da Ymdea; e o omnisciente Duarte Barbosa também conhecia as pérolas da China, notando como Orta que não eram muito boas: n não saom perfeitas em redondeza» (Cf. Fernão Mendes Pinto, Peregr., cap. xi.iv; Thomé Pires, 1. c; Lembrança, nos Subsídios, Sg; Duarte Barbosa, Livro, SyS). Por ultimo, Orta falia das pérolas da America, muito ao de leve, e como de cousa distante, da qual pouco sabia. No emtanto a sua menção tem um ponto interessante, pois nos dá meio de saber quem era o es- criptor do Peru, ou pelo menos um dos escriptores, que elle cita habi- tualmente. Oviedo, fallando das pérolas negras e coradas, diz que se encontravam algumas (cito pela versão) quasi a:^urre, altre pendono al verde. Aqui temos as pérolas verdes, e a prova de que Orta citava Oviedo (Cf. Ramusio, iii, 168 v."). João Baptista Tavernier diz-nos, que Goa tinha sido antes do seu tempo — era, portanto, no tempo de Orta — um dos grandes mercados do Oriente para pedras preciosas e pérolas. Ali vinham ter as mais no- táveis de Bahrein, Manaar e outras pescarias orientaes, e algumas da America, e ali concorriam baneanes, negociantes do Occidente e la- pidarios venezeanos e florentinos. Não nos deve, pois, surprehender^ que Orta tivesse occasião de ver varias pérolas de notável valor. Pé- rolas, como as que cita, de 25 e 40 quilates não são vulgares, com- quanto não sejam absolutamente excepcionaes. Tavernier viu uma do Scháh da Pérsia, que custára 1:400:000 libras (livres francezas) e era muito maior; e viu algumas entre as jóias do Grão-Mogol, Aureng Zeb, 9 i3o Colóquio trigésimo quinto pesando 6o e 70 ratis^. Elie próprio vendeu ao tio do niesmo Aureng Zeb uma pérola americana, do peso de 55 quilates.Todas estas pérolas eram regulares, porque das irregulares ou barrocos muitas havia de peso superior, sem por isso terem valores correspondentes. Acabámos de ver, como Tavernier havia vendido na índia uma pé- rola americana; e assim como Orta, elle trata de explicar a apparente contradicção de se levarem pérolas para o Oriente, trazendo-se muitas de lá; dá-nos, porém, motivos um pouco diversos, dizendo que os reis e potentados da índia pagavam melhor, sobretudo quando se tratava de peças pouco vulgares. Naturalmente o aljôfar meudo não se levava para lá da America, e o do Oriente vendia-se em Goa por preços variados e não muito altos, depois de dividido em «pineiras» ou crivos de latão. Os preços, é claro, variavam segundo a dimensão. Na curiosa miscella- nea de apontamentos diversos, que constituem a Lembrança das cousas da Ymdea no anno de i525, encontram-se tabeliãs d'estes preços, por onde se pôde ver a sua variação : assim o aljôfar de mil a mil e duzentos grãos em matical podia valer onze até treze fanóes os dez maticaes, em- quanto o de oitenta a cento e vinte grãos por matical valia cincoenta fanóes os dez maticaes.Tudo isto podia dar logar ás contas complicadas a que Orta allude; mas quando elle falia de uma «conta muyto sutil», com «regras muyto artificiosas», creio que se quer referir ao chego. O chego, usado unicamente em Goa, e unicamente no commercio das pé- rolas, era um peso engenhosamente variável, cuja correspondência com o quilate e os pesos decimaes se pôde ver da seguinte tabeliã : ilates Chegos Grammas Quilates Chegos Grammas I 0,20735 8 = 44 — 1,65885 2 0,41471 9 = 56 = 1,86621 3 0,62207 10 =69 = 2,07357 4 0,82942 i5 = i56 = 3,1 io35 5 1,03678 20 - 277 \ = 4,H7i4 6 = 27 = 1,24414 3o = 625 = 6,22071 7 = 34 = 1,45149 40 = n 1 1 1 = 8,29428 A combinação engenhosa consiste em o peso do chego diminuir á medida que o da pérola augmenta. Assim, fixado um preço ao chego, o preço ou valor da pérola augmentava rapidamente com o seu peso, e uma pérola de 40 quilates não valia dez vezes mais que uma de 4, ' Segundo Tavernier, o rali equivalia a ■/» do quilate. O ratli era propriamente o peso médio da semente vermelha de uma leguminosa, Abrus precatar ius. Os pesos pequenos da índia foram originariamente procurados no peso de varias sementes; e nas leis de Manu vem marcadas as correspondências de peso das sementes de papoula, de mustarda, de ce- vada, etc. Vemos em Garcia da Orta uma influencia d' estes hábitos indianos, quando falia dos ^líos de trigo, em logar de dizer simplesmente grãos. Da margariía i3i mas perto de setenta vezes mais. Claro está, que estas regras se não podiam applicar a pérolas de excepcional belleza, cujo valor era pura- mente de estimação; mas deviam servir a regular as transacções ordi- nárias. Não encontro nos documentos do xvi século menção do chego; mas Tavernier falia (1660 proximamente) d'este modo de pesagem, como de cousa estabelecida em Goa de longa data, por onde parece que já existiria no tempo de Orta, e que esta seria a sua conta «muyto sutil». Por outro lado ainda se vê o chego mencionado em livros com- merciaes modernos, do que se pôde inferir que ainda o empregam ('Lembrança, nos Subsídios, 33 ; Tavernier, Voyages, ii, 277, 371, 376; The Merchant's Handbook, 270, th.'' édition, 1879). De outras indicações de Orta, mais ou menos exactas, não será ne- cessário fallar, e unicamente nos referiremos brevemente ao que diz respeito ao emprego medicinal das pérolas. Este emprego foi geral no tempo de Orta, e as pérolas eram — como elle diz — uma das «pedras medicinaes». No Electarium de Gemmis entravam tres drachmas mar- garitarum albarum, ingrediente que igualmente figurava em muitas outras composições da antiga pharmacia. Não sei bem quando as pé- rolas desappareceram das pharmacopêas da Europa, onde se conser- varam durante muito tempo como antiácidas; mas na matéria medica oriental continuaram até aos tempos modernos, a serem consideradas como cardiacas — as «mesinhas cordiaes» de Orta. Naturalmente, des- tinavam-se a este uso as pérolas mais pequenas, e não susceptíveis de serem furadas e aproveitadas de outro modo. Este aljôfar meudo cus- tava um preço minimo, uma «onça menos de um vintém», como diz Orta, ou — segundo as tabeliãs já citadas — «Aljôfar de botiqua, que nam é furado, valem dez matiquaes a dous fanóes até treze 1». (Cf. Concórdia pharmacopolarum, 29; Ainslie, Mat. Ind., i, 293; Lembrança, 1. c). Nota (3) O «chanquoo, ou chank, do sanskrito sankh, é a concha da TuLi*"l>i- nella. pyx-um, Linn., de que a Turbinella rapa, Gm., parece ser uma simples variedade, e que se pesca em vários mares dos trópicos, mas principalmente no golfo de Manaar, proximamente nas mesmas localidades e bancos em que se encontra a ostra das pérolas. Esta grande concha, ou «búzio», como Orta lhe chama com pro- priedade, é venerada pelos hindus, que a tocam nos templos 2, ou se ' Parece haver aqui um erro; e deve ler-se »dous fanóes até tres». ' O uso dos búzios ordinários como instrumento, ou uma espécie de trombeta, é muito commum em algumas das nossas províncias para chamar de manhã a gente de trabalho. i32 Colóquio trigésimo quinto da margarita servem d'ella como de lâmpada, ou como de taça nas suas libações. A variedade, bastante rara, em que a hélice se enrola para a esquerda, é sobretudo muito apreciada, e vê-se com frequência figurada na mão das imagens de Víchnu. Diz-se, que algumas vezes é vendida pelo seu peso de ouro, o que pode levar o preço a 40 ou 5o libras esterlinas. O emprego da concha da Turbinella no fabrico de contas, pequenos objectos de ornato, e sobretudo de braceletes e manilhas é perfeita- mente conhecido, e Orta é exactíssimo n'este ponto. Ainda recente- mente se exportam das pescarias de Manaar para Calcutá e Bengala grandes quantidades d'aquellas conchas, exactamente como succedia então. É mais duvidoso que a madrepérola, trabalhada n'aquelles tempos em «cofres» e «mesas», procedesse toda da Turbinella, ainda que Fryer (1673) diga, do mesmo modo que Orta : chanquo, the shells of which are the mother of pearl. Parece que a madrepérola, hoje empregada na in- dustria, procede principalmente de espécies de Strombus e de Haliotis, e já então deviam ser aproveitadas estas conchas. A madrepérola en- contrada em grande abundância nas costas de muitas das ilhas do ar- chipelago Malayo, e que já n'aquelles antigos tempos devia ser traba- lhada na índia e na China, diz-se proceder de ostras (?), e por esta palavra seguramente se devem designar moUuscos bivalves, muito di- versos da Turbinella. (Cf. Yule e Burnell, Gloss., i4o;Tryon, Man. of Conchologia, iii, 68; Fisher, Man.de Conchologie, 11, 618 e 845; Crawfurd, Dict., 33o). COLÓQUIO TRIGÉSIMO SEXTO DO MUNGO E MELAM DA ÍNDIA, A QUE QUA CHAMAMOS PATEGA INTERLOCUTORES RUANO, ORTA, SERVA RUANO Todas as cousas enfastiam por saborosas que sejam, quando se come muyto delias; e asi me acontece a mim com simples medicinais, quando me falaes muito delles, ainda que sejam cousas de notar; e por esta causa he bem que sempre nas mezas aja cousas que incitem o apetito, asi como alcaparras e azeitonas; e eu fiquei tam gostoso das mangas, que estimaria agora que falasemos em outra fruta alguma da índia. ORTA Darvoshei a comer patecas ou melÓes da índia. RUANO Nam seja de huns melões que aqui vi em casa, que me enganarão, porque me cheiram ao mais fino melam do mundo, e quando o provei acheio de sabor de lama, e a causa foi uma vossa compradeira que me enganou; per- guntandolhe eu, se era bom, dixeme que si; e eu porque vejo nesta terra pepinos, como os de Portugal, pareceome que também averia melões como os nossos. ORTA Ella falouvos segundo seu gosto, e como pessoa que nam comera melões em Europa; e porém seyvos dizer que em Dio ha melões, que se podem muyto bem comer, porque sam arrasoados no sabor e no cheiro, como os de Portugal; e asi os ha em muytas partes do Balagate, e os que ha em Ormuz sam tam bons como os de Espanha. Mas não sam Colóquio trigésimo sexto estes os melões de que vos eu quero falar; senão outros que os Portuguezes de cá chamamos patecas, e he hum melam grande e redondo, ou de feiçam oval, por milhor dizer; nam se come cortando ao comprido, como nós comemos o me- lam, senão cortando ao largo. He redondo, tem a semente preta, quando he maduro, e quando he verde, branca; e posto que nam he doce, como os nossos melões, he muyto suave, esfria muyto, humedece, desfazse todo em aguoa, e he muyto bom nos causomees* e pera todas as febres coléri- cas, e esquentamento do fígado, e rins, segundo vemos cá por experiência; provoca muyto a orina, e os sãos o costu- mão cá tomar 4 oras depois de jantar, que he o tempo mais quente; e a mim pareciame melhor começar por elles os jantares. A semente destes melões provoca o sono, e sam as milhores sementes frias que cá terrios, posto que não ca- recemos das outras**. E em este género de melões não se pode duvidar da sua conpleixam ser fria e húmida; porque nos nossos melões, por serem abstersivos ou alimpadores e doces, duvidam alguns na sua compleixam ser fria. E por- que vejaes tudo ao olho, e sejaes testemunha de vista, asan- taivos a comer, e provareis deste melam chamado de nós pateca. Moça, traze cá esse melam ou pateca. SERVA Melão vossa merçê não o sóe comer: mas aqui estam patecas que vieram de Chaul, e outras melhores de Dabul. Eilas aqui. ORTA Querovos fazer a salva; deitai as pevides fóra, e provai que boa está esta pateca. • «Causomees» deve ser erro de imprensa, por causónes, sing. causón, que o Diccionario de la Real Academia Espaíiola define : calentura re- pentina mui ardiente. As quatro grandes sementes frias da antiga pharmacia eram as do melão, do pepino, da melancia e da abóbora (Guibourt, in, 262). Do mungo e melam da índia i35 RUANO He huma das milhores frutas que vi em minha vida; e em certos tempos a queria antes que os nossos melões; porque não faram mais que alterar, e muyta parte parece que ade sair polia orina, e alguma por camarás,- e não fi- cará lá couza sujeita a corruçam, como acontece nos me- lões, e pepinos e cogombros: e eu levarei estas sementes pera em Espanha semear. Mas dizeime o nome delia em todas as lingoas, e porque lhe chamaes paíeca. ORTA Segundo querem os Arábios e Pérsios esta fruta foy le- vada ás suas terras de qua da índia; e por isso lhe chamam batiec indi, que quer dizer melam da índia; e Avicena asi a chama em muytas partes; e batiec somente, quer dizer melam, e o nome da terra indiana he calangari. RUANO E quem vos dixe que se chamava batiec iiidi? Faz por ventura mençam delia algum arábio escritor? ORTA O nome he comum; e asi lhe chamam os físicos, que sa- bem a lingoa arábia, se lhe acertam o nome; e Serapio, se lhe escreveo ouiro nome, foy por se chamar assi em sua terra, ou estará a letra corruta; mas Avicena craramente lhe chama batiec indi, no quarto livro, no capitulo da febre terçam pura: e ahi póe grandes louvores delle, os quaes vós sabeis melhor que eu, ainda que eu o tenha mais espre- mentado que vós. E se Deos quizer que vades a Hespanha, e a lá semearem, vós achareis quam boa cousa he pera as febres coléricas, e pera outras muytas emfermidades. RUANO Ouvi dizer que avia em muytas partes de Castella huns melões muito finos, a que chamavam budiecas, as quaes pode ser sejam estas patecas, e, corrompendo-lhe o nome, lhe chamaram budiecas por patecas. i36 Colóquio trigésimo sexto ORTA Eu vi já estes melões em algumas partes de Castella, e chamavamlhe budiecas, e outros lhe chamavam samdias; e proveios e he hum pomo mui deferente deste; por onde não se pode dizer da mesma especia, nem chamar batiec iiidi; e mais estas patecas não tem as folhas como os melões, senão mui deferentes destas budiecas, e mais he huma mata alta, e não estendida pollo cham como as patecas; e dixeramme que as avia em Africa, da mesma maneira destas da índia; isto bem pode ser, mas eu não dou fé do que nam vi (i). RUANO Vós quando me dizeis que isto não he medecinal, entam lhe acho eu mais medecina, e me dizeis cousas de que eu mais gosto, e eu mais estimo pera curar. E os físicos desta terra sabem deste melam da índia? ORTA Nenhum soube isto, senão a quem o eu dixe, e não por- que elles não sejam homens mui bons letrados, senão por- que não se prezam de couzas tam baixas: mas eu pergunto estas cousas aos físicos grandes, Arábios e Gentios. RUANO E como lhe sabeis perguntar isto aos Arábios? ORTA Porque sei todas as emfermidades do terceiro e 4 de Avi- cena, e todos os simples do segundo em arábio; e isto me aproveitou muyto curando aquelle rey meu amiguo, e a seus fílhos, posto que ao principio foi trabalho pera mim. E aproveitavame pera isto o bem que me queria o rey, que elle me ensinava estes nomes das emfermidades e mezinhas em arábio, e eu lhos ensinava em latim, do que elle muyto gostava; e per sua causa mo ensinavam também os físicos que elle tinha Arábios e Coraçones. Do mungo e melam da índia iSy RUANO E OS Gentios entendeivos com elles? ORTA Muyto bem; porém elles sam homens, que nam curam senam per esperiencia e per costume; e he tam boa de en- ganar a gente portugueza, que facilmente sam enganados por elles, e o que pior he que alguns Portuguezes, ou por contentar o povo, ou por se desocupar de curar os emfermos, e nam querer trabalhar em especular as curas, vamse com o seu parecer delles; e porque ser aprazível ao povo faz ao físico ganhar mais dinheiro, usam loguo em principio das mézinhas delles. RUANO Elles usam das nossas? ORTA Muytas vezes; mas as mais delias nam ao propósito; por- . que dizem — sangrese — e elles nunqua usarão sangria, senão desque nós somos nesta terra; bem que usavam deitar vento- sas, e çarrafar, e deitar sanguexugas: oulham as agoas, segundo que soube pellos físicos de Soldam Bhadur e do Nizamoxa, e nunqua acostumaram ver agoas, senão veem que o fazemos, e fazemno como bugios; e daqui lhes acon- tece que se vem a orina branca, sem nenhuma digestam, tem a por boa, e se a vem vermelha e grossa com diges- tam louvada, tem a por má. Estas e outras cousas muytas soube eu delles, tomandoos pollo beiço, e porque não ha quem saiba tam pouquo que não saiba algumas cousas boas, seivos dizer que curam bem nas camarás, e pollo pulso dizem se tem febre ou não, e se está fraco ou rijo, e qual he o humor que peca, se he sangue ou cólera, ou íleima, ou melamcolia: dam bom remédio para as opilações. RUANO Dam xaropes ou agoas estiladas, e he costume antiguo entre elles? i38 Colóquio trigésimo sexto ORTA Nam, nem o usam os do Balagate, senão os que tratam aqui comnosco, que dizem loguo: dailhe xarope violado; dai- Ihe lambedor; dailhe agoa contra fluxo; dailhe agoa de chan- tagem ou cevada; ou talhadas cordiaes; ou açucare rosado com agoa de almeirões; e nenhuma destas cousas costuma- vam cá na índia, ante -que viesemos; somente sei que no Balagate usam os Mouros e Gentios de semente de emdivia, pisada, e bebida com agoa da fonte, isto em toda maneira de febre. Não o custumavam ante que viesemos a estilar agoas, senão o costume seu próprio he dar a beber cozi- mentos de legumes e sementes, e çumos de ervas tosca- mente perparados: andam per huma rua, e a todos curam com hum frasquo que trazem. RUANO Nam venha ahi Galeno, que mais pragueje de Tesalo, e segundo mostraes em vossas palavras mal estaes com essa gente: ei medo que vos dêem peçonha. ORTA Antes todos estam bem comiguo; porque, digem como eu nam sam muyto cobiçoso, ou, por dizer mais verdade, sam preguiçoso, deixo os curar quantas curas me tomão, e perguntolhes primeiro o que lhe ande fazer, e se he mézi- nha que eu conheço ser boa, ou que não fará mal, digolhe que usem delia se o paciente se quer curar com ella; e se he má, defendolha; e se he mezinha que não se}^ se he boa ou má (como muitas vezes acontece) também lha de- fendo. Erram também estes físicos nas graduações destas mezinhas, porque a pimenta e o cardamomo dizem ser frio, e o opio ser quente; da anatomia nam sabem onde está o figado, nem onde está o baço, nem cousa alguma. RUANO Vós não me confesaes que tomaes algumas couzas delles? Do miiítgo e melam da índia ORTA Si, muytas; mas primeiro provo as mezinhas dos meus doutores, quando me não aproveitam, tomo as dos Bra- menes desta terra*. SERVA Aquella moça que trouxestes do Decanim, pedeme mungo, e diz que em sua terra lho davam a comer, tirada a casca, e cozido: darlhoei asi? ORTA Dailho a comer, pois que o deseja; mas milhor fora pam e frangam cozido, pois he da terra onde comem pam, e não aroz; que he o Balagate, que o tem pouquo e em poucos cabos. RUANO Ha trigo nesse Balagate e em Cambaia? ORTA Muyto ; posto que lhe não fazem ás terras o estercar e la- vrar, como nós fazemos, senão semeamno á face da terra** muyto pouco lavrada, e isto por novembro; e quando he meado de janeiro colhemno muyto, e muyto bom; e ás vezes sem lhe chover cousa alguma, somente com o orvalho e grossura da terra, que he muyto boa pera isso. RUANO E que mezinha he essa, que vos falia essa moça? ORTA He huma semente verde, e quando he muyto madura e preta, do tamanho do coentro sequo; comem delia os ca- valos, e a gente ás vezes; e os Guzarates e Decanins usam * Õs médicos ou curandeiros gentios eram geralmente Sudras, como veremos na nota (2) ; mas os Brahmanes também se occupavam de me- dicina, comquanto não exercessem a clinica. ** «Semear á face» é ainda hoje uma expressão corrente em todo o Alemtejo. 140 Colóquio trigésimo sexto delia em as febres, e todo o homem que tem febres não come 10 dias e ás vezes i5, e ao cabo delles lhe dam a beber agoa de cozimento do mungo, onde vai alguma sustançia delle; e depois lho dam a comer, tirada a corteza, e cozido com arroz: pão de trigo lhe não dam a comer dahi a muitos dias. E mais vos contarei o que me aconteceo; caminhando com o Soltam Bhadur, em companhia do senhor Martim Afonso de Sousa, adoeceo elle de febres, e chamoume elrey, e perguntoume como avia de curar Martim Afonso daquellas febres: eu lhe dixe que o avia de sangrar, e o avia de xa- ropar com enxarope feito de çumo de limões, romans e açu- care, e que o purgaria com uma pouqua de manná e rui- barbo que trazia comigo, pois outras mézinhas nam avia no seu arraial de mim conhecidas. Elle me respondeo que os Portuguezes não sabiam tam bem curar febres como os Gu- zarates; porque os Guzarates não as curavam com outra cousa, senão com não comer; e eu, por não aporfiar com elle, lhe dixe que dizia bem, e que por tanto avia 3 dias que eu nam lhe dava a comer cousa alguma; e que já aguora o queria xaropar, e darlhe a comer alguma dieta sutil. Elle me dixe que 4 dias era muyto pouco, e que avia mester ao menos estar 20 dias sem comer cousa alguma; e que os Portuguezes elle me confessava serem mu3^to bons físicos nas outras emfermidades, mas que nas febres não sabiam tanto como os Guzarates. Eu nam quiz aporfiar com elle, porque era voluntário e o maior rey que avia na Mourama; e mais por não ser letrado, nem ter fisicos que o curassem pella nossa regra*. E depois alguns annos me achei em Cam- baiete, cidade muito principal do Guzarate, onde hum mouro muyto rico deTripol de Bcrbaria**, que sabia falar português, * Curiosíssima toda esta discussão, que teve logar no mez de no- vembro ou dezembro do anno de i535, a caminho de Ahmedábád; ve- ja-se Garcia da Orta e o seu tempo, p. 99 e seguintes. *• Tripoli, na costa africana, que Orta distingue muito bem do Tri- poli asiático, na costa da Syria, citado em outro Colóquio. Do mungo e melam da índia 141 residia-, e chamando-me pera curar seu filho de febres, que as tinha avia 4 dias, o curei, dandolhe a comer primeiro ga- linhas, porque avia 4 dias que não comia cousa alguma; e depois o sangrei, e, sem o purgar, sarou das febres; e elle me alegava o modo de curar dos Guzarates, já acima dito. Eu lhe respondi, que o çapateiro não calçava a todos com huns çapatos; que aquelle curar he para os Gentios, que naquelle reino não comem cousa de sangue; mas que seu filho e os mercadores ricos, que eram acostumados a comer muita carne e beber vinho, quando o tinham, aviam mester outro modo de curar. Pareceolhe bem o meu dito, e suce- deolhe milhor; e dahi avante os dias que ahi estive, todos os Mouros se queriam curar comigo. RUANO Peçovos por mercê que me digaes, como se quer curar o Nizamoxa, vosso amiguo; se desvaria muyto da nossa maneira, e contaime algum caso, que vos aconteceo com elle, se vier a propósito; porque esses casos decráram muyto os erros que acontecem no curar*. ORTA Elle vontade tinha de se curar á nossa maneira; mas o custume da terra está muyto em contrairo, e he mao de ar- rincar, em especial porque os fisicos letrados, que elle ti- nha, folgavam de comprazer á gente da terra, e contradi- zer a mim; de modo, que estando eu presente o curavam de huma maneira, e ausente, de outra. E, se vos não emfa- dar, vos direi o que me aconteceo, curando ao seu príncipe erdeiro**, que entonces era homem de 3o annos, muyto for- * Exactamente a exigência de um medico moderno, pedindo obser- vações. ** Este enfermo era Huçein, filho de Buhrán Nizam Scháh, veja-se Garcia da Orta e o seu tempo, 236; e as notas ao Colóquio decimo (vol. I, p. 134). 142 Colóquio trigésimo sexto coso, e bem acompreisoado e comedor. E porque aprendia a lingoa portugueza comigo, me perguntou em português que faria a huma sarna que tinha com muyto prorido; eu lhe dixe que seria bom sangrarse, e tomar algum soro com ruibarbo; elle me dixe que lhe contentava o sangrar, porque aquelles dias passados avia deitado sangue pollos narizes. E querendo fazerlho, estorvou hum físico seu, que he senhor de muytas terras; e, posto que o pay e o filho eram meus amiguos, folguaram de fazer o que lhe mandava o outro físico; porque lhe dixeram que estava muyto gastado de mulheres, avendome o enfermo dito o contrario disto; mas aquilio foy feito por emveja dos físicos. E dahi a i5 dias adoe- ceo o mesmo de febres, e o meu voto foy que se sangrase; e os físicos e o pai não consentiram nisso polia rezam acima dita: e mais diziam que aquilio aviam de ser bexiguas, a qual emfermidade he muyto perigosa nesta terra: eu lhe dixe que os sinaes das bexigas não os avia ahi, e que se os ouvesse, que entonces era melhor sangrarse nos tres primeiros dias, conforme ao seu Avicena*, e darlhe alguma espersam de ta- marinhos; e elles me dixeram que era verdade que dizia aquilio Avicena, mas que o custume da terra estava em con- trario; e que também os Decanins tinham pera si que os ta- marinhos eram ruin cousa pera as bexigas; de modo que nem texto nem rezam me aproveitou com elles, de que bem pesou ao pay e mais ao fílho; porque loguo lhe começaram a dar agoa de cozimento de fígos e funcho e avenca, e aça- fram, pera que saissem as bexiguas, as quaes nunca sairam. E por elle estar em cabo muito quente, sairamlhe somente humas burbulhas muito miúdas polias costas, as quaes nam foram bexigas, nem serampam, e elles me diziam que eram bexigas, e que por ali se avia de determinar a febre; e eram já passados 14 dias, e nam se tirava a febre, nem avia mais sinaes de bexigas, nem o queriam sangrar, nem purgar, nem lhe davam a comer, senão mimgo, e agoa de espersam de * Avicena, 4, i (nota do auctor). Do mungo e melam da índia 143 arroz, e o pecador morria de fome; e queixavaseme disso cada dia em portuguez. E per derradeiro aconselhei ao pai, que o mandasse sangrar, que milhor era tarde que nunca, e lhe desse a comer galinhas gordas, pois era tam comedor e bebia vinho do nosso, quando era são. Pareceo bem ao pai o conselho, e ao filho milhor. Sangreio duas vezes copiosa- mente, e deilhe de comer muyto bem, e disto nam souberam nada os físicos, per conselho de elrey, até ver o suceso; e acabados os 20 dias esteve sam, sem febres nem burbu- Ihas, estando seus físicos com este suceso contentes, gaban- dose em o modo de curar, lhe pediram alviçaras. Respondeo o pae que, per sua cura mereciam asados, que, se eu nam fora, seu fílho erdeiro fora morto. Então lhe contou a maneira que tevera eu em o curar depois dos 14 dias pasados; e elles, em ouvindo, meteram o dedo na boca dizendo Alá quibir, que quer dizer Deus grande; mas nem por isso fíca- ram envergonhados, nem corridos (2). RUANO Mercê vos faria o rey e o fílho? ORTA Si, fízeram. RUANO E o mungo que chamais, pareceme que não escreverão delle os Arábios, nem os Gregos, posto que he cá tam usado. ORTA Na Palestina sei que o ha, segundo dixe hum mouro, que dahi he; e também Avicena escreve delle no segundo livro cap 489*, e isto ante de o saber me custou asaz traba- lho, e chamase mesce, e o Belunense emenda mês, mas eu soube dos físicos e de outros letrados que se ade dizer mex, e a letra do cabo ade ser pronunciada com os dentes * Avie. I, cap. 489 (nota do auctor); ou cap. 488 da edição de Rinio. I 144 Colóquio trigésimo sexto muyto fechados; porque asi a pronunciam elles. E bem se que isto nam releva muyto, nem contar vos as estorias que vos contei, mas muytas vezes as conta Galeno, ao qual eu nam sam digno de desatar as correias dos seus çapatos ; por- tanto perdoai o sobejo, que, des que homem entra a pairar, desenfrease e paira muyto; mas vós podeis nao escrever mais que o neseçario disto. RUANO De mais vos guarde Deus, que de menos nam ei de es- crever; e dizeime se fala em algum outro cabo Avicena deste mex? ORTA No primeiro livro na fem terceira no capitulo 7*, diz que nam comam aves com mex, e diz bem, porque se digerem primeiro que o mex, e entonces penetra o mex indigesto (3). * Avie. Lib. I, cap. 7 (nota do auctor) ; isto é Lib. i, Fen iii, Doctr. 11, cap. 7; o fen, uma das divisões do livro árabe, conservou-se com o mesmo nome nas versões latinas. Nota (i) A identificação das paíecas suscita um certo numero de difficuldades á em parte apontadas por H. Yule e A. Burnell em um interessante artigo do seu Glossary, e que é necessário examinar brevemente. Queixando-se Ruano de que os melões de Goa eram de inferior qualidade, Orta diz-lhe, que mais ao norte, em Diu e em Hormuz, ou nas terras mais altas e temperadas do interior, no «Balagate», se en- contravam melões tão bons ou quasi tão bons como os da Hespanha; falia evidentemente do vulgar Cizcinn.is Melo, Linn., e sobre isto não pôde haver hesitação. Refere-se depois a outros melões, a que chama melões da índia ou patecas, os quaes devem ser o que hoje chamamos melancias, Oi- tx'iillxis vulgar*i!s, Schrad. (Cucurbita Citrullus, Linn.). O que nos diz do fructo ser redondo; de nâo ser tão doce como os nossos melões, mas suave, frio, húmido, desfazendo-se todo em agua; das suas Do mungo e melam da índia 145 sementes, a principio brancas, se tomarem pretas na maturação; tudo isto se applica muito naturalmente á melancia. Os nomes citados levam- nos igualmente a julgar que elle falia das melancias. «Batiec», isto é o arábico bittikh, ou no modo mais vulgar de pronunciar battikh, applica-se geralmente á melancia, comquanto por vezes se tenha dado a outros fructos de cucurbitaceas. «Calangari» é a palavra maralha ka- lingar, que — segundo Yule e Burnell — designa o water melon, ou melancia. «Pateca» era entre os portuguezes do Oriente synonymo de melancia: «pediu o mouro uma pateca ou melancia», diz Gouveia, citado no Vocabulário de Bluteau. A mesma palavra, na fórma bateca, é dada por fr. João de Sousa nos Vestígios como um dos nomes da melancia. Rumphius, fallando da melancia no seu Herbarium amboi' nense, chama-lhe Anguria indica seu Batteca. Finalmente recordare- mos o francez pasteque, que designa o mesmo fructo. Tudo isto é claro e conclusivo, no sentido de identificarmos a pateca de Orta com o fructo do Citrullus vulgaris; mas vejamos o outro lado da questão. Orta mostra as patecas a Ruano como uma cousa nova para elle (Ruano), isto é, desconhecida na Hespanha. Poderemos por ventura interpretar esta passagem, como significando que os portuguezes não conheciam então as melancias, ou — como dizem Yule e Burnell — as implying that the water melon was strange to the portuguese of that time? Não me parece de modo algum acceitavel esta conclusão. A me- lancia, cultivada desde tempos muito antigos na bacia mediterrânica, não podia ser desconhecida na Península. O próprio Orta nos diz, que tinha visto em Castella budiecas e samdias. Recorrendo aos dicciona- rios hespanhoes, encontramos no de Covarrubias e no da Academia as palavras, albiideca, badea e sandia, como nomes diversos de um mesmo fructo, que o diccionario da Academia define: unos melonajos mui grandes, que em Roma se lhaman melones de agua. Segundo Co- varrubias, albudeca usava-se mais na Catalunha e Valença, e badea na Castella. Pedro de Alcala no seu Vocabulista (i5o5) dá o nome árabe em caracteres hespanhoes, al-baticha. Effectivamente albudega, albu- teca, bateca, pateca e badea vinham do árabe Ls-vJLaj bittikha, ou com o artigo 'iir\\.^\ 1 al-bittikha.T oáos estes nomes designavam a Jdfníím ou melancia, e o facto de Pedro de Alcalá citar em i5o5 um nome vulgar, o simples facto da origem árabe de muitos nomes portugue- zes e hespanhoes, provam que a introducção e cultura na Peninsula da espécie Citndlus vulgaris remontava a uma epocha bastante an- tiga, provavelmente aos primeiros tempos da dominação mussulmana. É indubitável que Orta conhecia a melancia, chamando-Ihe «budieca» e «samdia»; como é, pois, que elle dá as patecas da índia por uma cousa nova? Admittiremos que elle quiz designar por aquelle nome um fructo diverso? O árabe battikh parece ter tido uma applicaçao um tanto vaga, dando-se a varias cucurbitaceas, entre as quaes se fizeram sempre nume- 10 146 Colóquio trigésimo sexto rosissimas confusões, tanto na linguagem vulgar como na nomenclatura scientifica; e o próprio Orta diz que o melão se chama «batiec», e o outro fruto «batiec indi». Apesar d'isso, battikh designou mais especial- mente a melancia, e o seu derivado pateca ou bateca, como vimos já, applicou-se sempre áquelle fructo. E, pois, difficil admittir, que Orta desse á palavra pateca um sentido diverso do que lhe davam todos os mais. Por outro lado, também não é fácil encontrar um fructo de cucur- bitacea, que não seja a melancia, e corresponda de um modo geral á descripção de Orta, sendo agradável ao paladar, comido cru, e tendo sementes pretas. E forçoso admittir que a pateca de Orta era a me- lancia; e a única explicação plausível das suas palavras será, que elle encontrou na índia alguma variedade cultural do Citrullus vulgaris, e a não soube identificar com as sandias, que muitos annos antes tinha visto em Castella. É a única explicação que encontro, e dou-a pelo que pôde valer, pois me não satisfaz completamente. (Cf. as palavras citadas em Yule e Burnell, Glossary; Bluteau, Voca- bulário; Dicc. de la lengua Castellana; Sousa, Vestigios; Dozy, Gloss.; veja-se também Rumphius, Herb. Amb., v, 400; Cogniaux in Monogr. Phanerogamarum, iii, 5o8, Paris, 1881; De Candolle, Orig. des plantes cultivées, 209.) Estava escripta e impressa esta nota, quando reparei na referen- cia ás patecas, que Orta faz adiante em um dos últimos Colóquios. O dr. Dimas Bosque estabelece ali a identificação das patecas com as balancias, e Orta, apresentando ainda algumas objecções, mostra-se pouco seguro na sua opinião, e disposto a admittir que se havia enga- nado. Isto confirma, pois, a nossa conclusão. Nota (2) As noticias, dadas n'este Colóquio ácerca de medicina mussulmana e de medicina hindu, constituem sem duvida uma das partes inte- ressantes do livro; mas estas questões são conhecidas de um modo geral, e unicamente nos occuparemos do que diz respeito ao exer- cício d'aquella medicina em Goa e suas dependências, no tempo de Orta. O medico portuguez distingue de um modo claro os hakims, ou mé- dicos mussulmanos, seguindo o systema Yunáni, dos vidyas^, ou mé- dicos hindus, seguindo o systema Vaidak. Tem evidentemente maior consideração pelos primeiros, e comprehende-se bem que assim succe- ' Vidj'as ou Vityas. Orta não emprega nenhum d'estes nomes, e parece que náo eram conhecidos dos portuguezes no seu tempo. Do mungo e melam da índia 147 desse. Entre a sua sciencia e a d'aquelles physicos «Arábios e Coraço- nes» havia estreitas relações. O Qanún de Avicenna, uma das principaes fontes dos conhecimentos dos hakims, tinha sido o compendio de Gar- cia da Orta nas aulas de Salamanca. Os livros de Rasis, de Mesué e outros, e mesmo as versões dos gregos andavam-lhes nas mãos, como elle diz explicitamente logo no Colóquio segundo. Com a sua leve tin- tura de arábico, sabendo de cór os nomes das «mézinhas» e das «emfer- midades», que lhe ensinára o seu amigo Buhráni, Orta podia, pois, discutir com elles, porque tinham um fundo commum de noções e de principios. Na curiosa conferencia em que debateram o tratamento a applicar ao filho de Buhrán, Hucein, Orta cita-lhes para os con- vencer textos de Avicenna. Nem texto nem rasao os persuadiu, porque os prendia a rotina e o «custume da terra»; e esta expressão mostra- nos como Orta conhecia um facto que ainda hoje se dá, como conhecia a influencia exercida no systemaYunáni peloVaidak, a modificação que a medicina mussulmana experimentou na índia, no contacto com a hindu. Orta julgava-se, e evidentemente era, muito superior aos hakims em sciencia medica; mas chama-lhes «físicos letrados», e vê-se que tratava com elles de igual a igual. Alem de lhes reconhecer illustração, en- contrava-os nas côrtes dos príncipes mussulmanos, onde tinha de usar a seu respeito de certa diplomacia. Com effeito, da leitura dos Co/o- quios deduz-se que Orta tratou com os hakims principalmente no inte- rior ou no norte. Pôde encontrar casualmente um ou outro em Goa; mas em geral viu-os e conferenciou com elles no Balaghate, ou em Cambaya, na corte de Bahádur Scháh, na de Berid Scháh, cujo irmão foi tratar, e sobretudo na do seu amigo Buhrán Nizam Scháh. Parece, pois, que elles não vinham a Goa, pelo menos com frequência, e assim devia succeder. A sua qualidade de mussulmanos tornava-os particular- mente suspeitos, e nem os médicos portuguezes estariam dispostos a acceital-os ali em pé de igualdade, nem elles se sujeitariam a occupar uma posição inferior. Não succedia o mesmo com os vidyas; estes eram numerosos em Goa, e conformavam-se pacientemente com a sua situação modesta. Em um dos Colóquios seguintes, Orta põe em scena um «físico» gentio, chamado Malupa; trata-o com muita amabilidade, mas com a condes- cendência de um superior, como um medico antigo trataria um mestre sangrador. Não havia n'isto simples arrogância europêa ou portugueza, mas também um reflexo dos prejuizos indianos, porque os vidyas em geral eram sudras, isto é, de casta muito baixa. É certo, que a sua si- tuação em Goa foi modesta, e, quando alguns mais ricos se quizeram elevar, as suas pretensões foram reprimidas pelas auctoridades portu- ' Veja-se o que eu disse sobre este ponto na Vida de Garcia da Orta, p. 248 c seg. 148 Colóquio trigésimo sexto guezas com muita sem ceremonia. Um documento pouco posterior a Orta é explicito a este respeito, e merece ser reproduzido: «O governador da índia etc. Faço saber aos que este meu alvará virem que eu hey por bem e me praz e por este mando a todos os panditos* e phisicos gentios que não andem por esta cidade e arrabal- des delia a cavallo nem em andores e palanquins, sob pena de pagarem pela primeira vez dez cruzados, e pela segunda vinte para o sapal, e perderem os taes cavallos e andores e palanquins, e pela terceira serem cativos para as galés d'ElRey meu senhor; e isto se não entenderá no pandito que cura minha casa e he meu phisico. Notefico assy ao Ou- vidor geral etc. Antonio Barbosa o fez em Goa a i5 de Dezembro de 1574 — Governador, Antonio Moniz Barreto.» O alvará é curioso, porque mostra como o governador collocava rudemente os panditos e vidyas em uma situação subalterna, e ao mesmo tempo declarava ter um d'elles para physico da sua casa. De resto, isto está plenamente de accordo com o que Orta diz por mais de uma vez, citando-nos casos de fidalgos honrados que se queriam curar com os médicos da terra ou com os malabares. A casa do próprio Orta vinha todas as manhãs um d'aquelles médicos tratar as negras. Resulta do que levamos dito, que o exercicio da medicina hindu em Goa e terras portuguezas, sem ser muito considerado, era no emtanto perfeitamente legal e devia ser lucrativo. Os vidyas tinham como clien- tes todos ou quasi todos os naturaes, e alem d'isso muitos portuguezes, desejosos de novidade, e crédulos como são em geral os doentes — «gente boa de enganar». Em ultima analyse, o nosso medico portuguez não é muito severo com os vidyas; accusa-os, como todos os que d'elles tem fallado, de não saberem uma palavra de anatomia; condemna muitas das suas pra- ticas, particularmente as abstinências prolongadas e exageradas a que sujeitavam os doentes; descreve comicamente o modo por que imita- vam os médicos europeus sem os perceber; mas reconhece que trata- vam bem certas enfermidades; admitte que dispunham de uma matéria medica valiosa; e, quando lhe perguntam se aprendeu alguma cousa com elles, responde franca e categoricamente: — «Si, muytas». Se compararmos a sua apreciação com a que faz o viajante francez Sonnerat dois séculos depois, veremos quanto ella é benévola. Sonnerat descreveu aquelles médicos como simples curandeiros sem sciencia e sem consciência; como homens de vários oflRcios, lavadores de roupa, ferreiros, tecelões, que á falta de trabalho se mettiam a tratar doentes para ganhar a vida. Isto é evidentemente exagerado, e o que disse no ' Do sanskr. pandita, um liomem instruído, versado nas sciencias ou nas leis ; a palavra é hoje muito usada pelos inglezes nas fórmas pundit e pandit. Do mimgo e melam da índia 149 fim do século passado o illustre William Jones, ou já no nosso o erudito e escrupuloso Whitelaw Ainslie, deve ser mais próximo da verdade, e está mais de accordo com o que havia dito Garcia da Orta alguns sé- culos antes. Reconhecendo a ignorância de alguns vidyas e o puro em- pirismo da sua pratica, Ainslie reconhece também, que muitos são acti- vos, desejosos de acertar e conhecedores de uma vastíssima matéria medica, na qual ha muitas cousas aproveitáveis, ao lado de muitas inú- teis e de algumas prejudiciaes. Ainda recentemente, no congresso de orientalistas celebrado em 1891, nós vemos como os trabalhos relativos á medicina indiana, apresentados pelo pandito Janardhan e por outros vidyas illustrados, foram recebidos com geral interesse, reconhecendo-se o valor scientifico doVaidak Hindu. É muito de notar, que o nosso Orta tivesse ha tres séculos, a perspicácia e a largueza de espirito, necessárias para reconhecer e confessar que tinha aprendido muitas cousas com os vidyas. Orta parece ter conhecido diversas classes de vidyas; e em uma passagem diz: «eu pergunto estas cousas aos físicos grandes. Arábios e Gentios». Mas, em geral, só teve relações com os que exerciam a clinica em Goa, sudras pela maior parte, bastante ignorantes de litte- ratura sagrada, e — como elle diz — curando apenas «per experiência e per custume». D'aqui resultou o facto de elle não alcançar noticia da litteratura medica dos hindus, como já indiquei mais largamente na sua Vida. Por um lado, os vidyas com quem fallava conheciam mal a sua própria litteratura, e não estavam dispostos a revelarem a um estrangeiro o pouco que d'ella sabiam; e, por outro, era-lhe difficil reconhecer nas breves menções de um Xarch indus, ou de um Scerak indum, encontradas nas suas versões latinas de Avicenna ou de Se- rapio, referencias ao venerável e lendário escriptor sanskritico Cha- raka. Quanto ao conhecimento directo da litteratura sanskritica, esse estava fóra da questão. As noções de medicina, contidas no Atharva Veda, ou nas obras de Charaka e de Susruta, que, nos fins do século passado e principios d'este, começaram a ser reveladas á Europa pelos trabalhos de sir W. Jones, de Colebrooke ou de Wilson, eram então letra morta. No tempo de Orta apenas se começava a suspeitar da existência de livros sagrados, escriptos em uma lingua que se não en- tendia, e em caracteres que se não decifravam^, — esses livros que, annos depois, Diogo do Couto chamava os «Vedáos», escriptos «no seu latim»». Era, pois, naturalíssimo, que Orta não soubesse das no- ções medicas contidas n'aquelles livros, e julgasse que os vidyas cura- vam unicamente «per custume» — por uma sciencia tradicional e pura- mente oral. * ' Sousa, no Oriente conquistado, diz que o padre Belchior Carneiro obteve em iSSg al- guns manuscriptos, roubados a um brahmane das terras firmes de Goa. i5o Colóquio trigésimo sexto do mimgo e melam da hidia (Cf. Garcia da Orta e o seu tempo, 287 a 247 e 337; Sonnerat, Voyage aux Indes orientales, i, 110 a 121; Ainslie, Mat. Ind., 11, v a xxxvn ; Royle, Ant. of Hindoo med., 47 e seguintes ; The Imp. and Asta- tic quarterly revieyv (october 1891), p. lxxxv; Zimmer, Altindisches Leben, 374 e seguintes, Berlin, 1879; para a Goa moderna, algumas interessantes indicações, em Lopes Mendes, índia portuguesa, 11, 107.) Nota (3) O Mungo é o Phaseolus Mixngfo, Linn., uma leguminosa, cultivada com muita frequência na índia, e particularmente apreciada nos annos de escassez, em que falta o arroz. É também cultivada em outras regiões quentes, como o Egypto, e deveria sel-o na Palestina, como disse o mouro a Orta, De uma phrase muito obscura do texto, pôde talvez concluir-se que Orta conhecia a variedade de sementes verdes, Phaseolus Mungo, Linn., e Roxburgh; e a variedade de se- mentes pretas, Phaseolus Max, Linn., e Roxburgh. O mes ou mex ou mesch de Avicenna, ^l->>, a propósito do qual Orta nos dá uma curiosa lição sobre o modo de pronunciar a letra schin, era evidentemente uma semente de leguminosa, e provavelmente um Phaseolus; mas não é fácil decidir se seria propriamente o Pha- seolus Mungo. O nome especifico Max, dado por Linneu em 1753 á variedade de sementes pretas, parece ser procurado em uma designa- ção vulgar, o que viria confirmar a identificação de Garcia da Orta. Confesso, porém, não saber qual a origem d'este nome linneano. Na segunda citação de Avicenna, Orta enganou-se; a palavra vem es- cripta mest, e os annotadores explicam-na: lac coagulatum acetosum, sed minoris acetositatis quam lac coagulatum. Parece, pois, que Avicenna recommendou que não comessem carne de aves com leite azedo, o que alem de ser indigesto devia ser péssimo. (Cf Roxburgh, Flora Indica, iii, 292 e 294; Avicenna, Qanun, Lib. i, Fen ui, Doct. 11, cap. 7, p. u8 da edição de Rinio; e Lib. 11, cap. 488; Clusius, Exotic, 236 e 252.) COLÓQUIO TRIGÉSIMO SÉTIMO DOS MIRABOLANOS INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Eu me conheço por muito descuidado, pois a principal cousa porque avia de perguntar he os mirabolanos, tanto louvados de todos os Gregos e Arábios antiguos e moder- nos, e até ao presente nam perguntei por isso. ORTA Também, se vos praz, sam louvados dos Castelhanos; por- que dizem: aquel* hombre, que tanto vio, inirabolanos comio. RUANO Deixaivos desses adágios ou provérbios; e dizeime os no- mes delles polia linguoa da terra, e porque se chamaram mi- rabolanos ácerca de nós; e como lhe chamam os Arábios e os Indianos j e se os físicos desta terra usam delles, e pera que enfermidades se servem delles. ORTA Craro está que os mirabolanos dos Gregos antiguos nam sam estes; nem Dioscórides, nem Galeno, nem Plinio co- nhecerão estes nossos mirabolanos; senam chamaram mira- bolanos outra mézinha, de que faziam azeite; e mirabolanos quer tanto dizer em grego, como noz ou bolota cheirosa ou unguentaria. E porque estes nossos pareciam feiçam de no- zes ou bolotas, por isso lhe chamaram asi a estes de que usamos, ainda que mais verdadeiramente me parecem a mim ameixas, mas isto nam he cousa que faz ao caso; e o que * «Aquelle» na edição de Goa. 102 Colóquio trigésimo sétimo treladou Avicena e Serapio do arábio em latim, por lhe pa- recer milhor, lhe pos este nome; e onde Avicena lhe chamou delegi pos elle mirabolanos (i). RUANO Pois Serapio lhe chama aliligi, sendo tam arábio como Avicena. ORTA Foy isso error do escritor, ou o tempo corrompe estes nomes, mas os físicos arábios a quem perguntei, me dixeram estes nomes, scilicet, delegi a todos, e os citrinos a^far, e os Índios açiiat, e os quebulos quebulgi, e os belericos bele- regi, e os emblicos embelgi; e daqui lhe tomámos nós os nomes. RUANO Os negros porque nam falastes delles, nem dos de Seni, dos quaes faz menção Avicena? ORTA Os negros nam os ha ahi, nem sam outros senam os indios; e porque sam mais negros que todos, nam avia nesecidade de me perguntardes isto; pois muytos doutores modernos o escrevem, em especial os vossos Frades italianos que os chamam negros, porque sam mais negros que todos, quando sam maduros; e isto provam elles da ordem do texto do Serapiam e Mesue; porque está muito craramente provado por elles, como podeis ver, nam fallo mais nisto. RUANO Pois bem está isso, mas esses Frades, que vós alegaes, dizem que nam ha mais que 4 especias; porque faltam os de Seni nomeados por Avicena; e já vos pedi que me deseis a razam delles; e vós, desimulando, nam me respondestes a isto. ORTA Esses de Seni sam os emblicos, os quaes conta Mesue e Avicena; e chamoulhe de seni, e por esta maneira sam Dos mirabolanos i53 5 especias; porque os belericos não faz mençam delles Avi- cena, e esta he a verdade; porque Serapiam diz que tem corteza sutil, estes sam os emblicos, porque a tem mais delgada que todos. RUANO Outra especia traz Sarapiam per auctoridade de Mesa- runge, e chamalhe de Damasquo, e diz que aproveita pêra a melancolia: que respondeis a isto? ORTA Diguo que em Damasco não ha mirabolanos, senam foram levados lá em conserva alguns mirabolanos indos; e porque as achou ahi, lhe chamou de Damasquo, e porque aprovei- tavam á melancolia dixe isto delles; mas elles não sam ou- tros senam os que nós chamamos indos. RUANO Pois o mesmo Serapiam diz, aleguando a Mesue e Alba- sar, que os de Seni sam da especia da azeitona? ORTA Não ha azeitonas em toda esta terra, senão porque os emblicos sam usados nesta terra a comerse salgados, e per outra maneira com vinagre (a que chamam achar) lhe cha- mou a\eitonas: mas elles mais se parecem com ameixas re- dondas, e nisto não releva muyto enganarse. RUANO Parece rezam serem todos de huma arvore, e que huns seram maduros e outros não; e que quando huns forem se- quos, seram os outros verdes; e deste parecer sam alguns, scilicet, que os quebidos e citrinos ao menos, sam de huma mesma arvore; verdade he que Mateolo Senense diz que nem aprova nem reprova isto: vós, que o vistes, nos podeis desenganar a todos. ORTA Enganados estam todos os que dizem que sam de huma arvore; porque sam cinquo arvores de cinco especias de i54 Colóquio trigésimo sétimo mirabolanos; e, o de que mais vos maravilhareis, que huns ha em huma terra, e outros 6o legoas e loo delia; porque em Goa e em Batecalá ha huns, e no Malavar e em Dabul e em toda Cambaia ha as 4 feições de mirabolanos, e os qiiebulos ha em Bisnager e no Decam, e no Guzarate e em Bengala, e pode ser que os aja em outras partes. E estes arvores sam todos montezes e nam cultivos-, e os que levam a Portugal sequos sam pola mor parte ávidos de Dabul até Cambaia; porque se acha per esperiencia a terra mais che- gada ao norte dar as frutas menos sujeitas a putrefaçam, segundo que eu soube nesta ilha de Goa dos físicos gentios delia. E achei que nella ha tres feições de mirabolanos, de que usam pera purgar, onde o querem fazer sem trabalho, e em pouqua cantidade; e chamam a estas tres feições ou maneiras, em lingoajem da terra, tinepala, que quer dizer tres feições, scilicet: a primeira chamam arare (e isto no povo, porque os físicos lhe chamam aritiqui), e estes sam redondos, e purgam a cólera, e nós chamamoslhe citrinos: a outros chama a gente indiana anvale, e nós lhe chama- mos emblicos: e a outros chamam re^anvale, e sam os que chamam indios: ha outros que chamam gotim, e sam redon- dos, e sam os que nós chamamos belericos: e os qiiebiilos que purgam a freima (que os ha em Bisnager e Cambaia e Bengala) chamamse aretca. E asi tendes ahi cinquo ma- neiras; scilicet, tres usadas em Goa, e huma achada em Cambaia e Bengala e Bisnager; e porque amde ser cinquo maneiras, vos diguo que o mirabolano, dito am>ale, posto que he achado em Goa, porque não usam delle em física, não chamam em Goa mais que as tres maneiras já ditas, e as de Bengala e Bisnager e Cambaia; e a este que elles chamam anvale, e nós chamamos emblicos, usam delle em cortimento de pelles, como çumagre, e em tinta, afóra co- merem os verdes por apetite. E pois tendes as cinquo ma- neiras, vede que quereis mais de mim, em que vos sirva; e eu quero de vós o que dizem os escritores do Perú, sci- licet, que em muytas terras ha mirabolanos, se he verdade ou não? Dos mirabolanos i55 RUANO Nunqua os vi em Espanha, senão os que de cá vam; e quero mais que me digaes a feiçam de cada huma es- pecia, e das arvores e das folhas. ORTA Diguo que o at^are, o que chamamos citHno^ he redondo, e tem a folha como de sovereira: o anvale, que sam os em- blicos, tem a folha como feto, e a estes já vos dixe que lhe chamamos emblicos: o re^anvale, que sam os indios, tem oito quinas, e a folha como de salgueiro: os belericos, a que chamam guti, tem a folha como de louro, senam que he mais pardaça : os quebiilos, a que elles chamam areíca, sam gran- des e redondos, e quando sam maduros, alguma cousa mais compridos, e tem quinas, e a folha do arvore he como de pexegueiro; e todos os arvores sam do tamanho de amexu- eiras: e isto he o que pude saber e ver da feiçam de todos e das suas arvores. RUANO Vós o tendes tam bem esplicado, que não he neseçario falar mais nisso; mas aguora quero que me satisfaçaes ás minhas duvidas, dizendo de que compreições os fazem os índios, porque todos confessam serem de compreiçam fria e seca, e Serapiam, alegando a Xarach, diz que sam quentes, todos universalmente: que dizeis a isto? ORTA Dizem* que sam frios e sequos, ainda que o não dixeram os índios, e os Arábios e Latinos; porque o seu sabor he pontico, mesturado com acetoso, que parece como sorvas verdes, senão que he mais azedo; e mais sam pesados todos, e aquestas cousas todas arguiem e decraram ser a com- preisam delles fria e seca. » Parece ser um erro por «digo», o que faria melhor sentido. i56 Colóquio trigésimo sétimo RUANO Do modo da preparaçam delles me dizei como os pre- param os Indianos; porque Serapiam manda os preparar com ameixas, pera reprimir a ponticidade delles. ORTA Não se preparão cá, porque não os querem senam pera comprimir e reprimir; nem usam delles pera purgar, senão em cozimento, e deitam muyto mais cantidade do que nós deitamos em Portugal: usam também delles em conserva, scilicet, dos quebulos que tem em muyto preço; estes fazem em Bisnager, e Bengala e Cambaia: e também usam em conserva dos citrijios e indios, feitos em Batecalá e Bengala; e sem duvida nenhuma, que esta he huma mézinha, que elles muyto louvam, e com o seu uso nenhum físico he des- onrado. E quando embora fordes, levai estas tres especias em conserva, porque será pera Castella muyto boa merca- doria; e eu vos farei serviço de duas jarras delles, que mandei trazer de Bengala, se em boa ora vierem; e sabei que eu uso também de mandar estilar a agua de mirabolanos verdes pera dar a beber sobre alguma conserva pontica; e a mando mesturar nos xaropes, quando he neseçario; e sobre estes mirabolanos verdes sabe muyto bem a agoa. E eu uso de citrinos e belericos no principio de comer, em quem tem camarás ou estômago muyto corredio; e he hum comer bom e estitico, com ser azedo hum pouco; e também do çumo destes mirabolanos uso muyto, nas camarás, quando sam verdes; e já provastes muytos destes em minha caza. Nota (i) Eííectivamente os myrobalanos dos antigos escriptores procediam de uma planta muito diversa d'aquellas a cujos fructos depois se deu o mesmo nome. O PaXavoç [Aupt^ux de Dioscórides, (xupcPoO^avoí de outros, myrobalanum de Plinio, tem-se identificado com uma planta da familia Dos mirabolanos i57 das Leguminoscej Moring-a, aptera, Decaisn., de habitação principalmente africana, de cuja noz, ou antes semente, conhecida pelo nome de «of de ben ou glans unguentaria, se extrahe um oleo especial (Cf. Diosc, I, 645, ed. Sprengel; Plinio, xii, 46, ed. Littré; Guibourt, Drogues simples, m, 286). Nota (2) A divisão corrente dos fructos, impropriamente mas geralmente cha- mados tnyrobalanos^, em cinco sortes ou qualidades, indicos, citrinos, quebulicos, belericos e emblicos, esta divisão vinha de tempos muito an- teriores a Orta, e continuou a ser seguida depois, encontrando-se ainda em livros modernos, como o de Guibourt. Os árabes haviam dado a todas estas qualidades, ou a parte d'ellas, o nome geral .,JIJL», heliledj (forma persiana áXJa, helileh), que nas edições latinas de Avicenna com notas do Bellunense vem incorrectamente transcripto delegi ou dilegi, e Orta repetiu na mesma fórma. As tres primeiras qualidades, isto é, os myrobalanos indicos, citrinos e quebulicos procedem da mesma espécie, Tex*iixinalia Che- l>ula, Retz, da familia das Combretacece, uma arvore bastante fre- quente por quasi toda a índia. As differenças parecem depender unica- mente do estado de desenvolvimento do fructo; e alguns escriptores hindus, como alguns escriptores persas relativamente modernos — ci- tados por Dymock — enumeram nada menos de sete formas diversas, resultantes todas do momento da colheita. As formas, mencionadas por Orta, parecem corresponder ás tres seguintes: — helileh-i-hindi, droga que consiste no fructo ainda pòuco des- envolvido, quando tem proximamente as dimensões de uma uva, e que» depois de colhido, se torna enrugado e negro. Estes são os myrobalanos chamados indicos, e também negros, ou — segundo Orta — «açuat», da palavra J)^!, asuad, que significa preto. Não encontrei o nome «re- zanvale», citado pelo nosso escriptor. — helileh-i-asfar, consistindo no fructo maior. Já quasi chegado á maturação, e de côr amarella. Estes são os citrinos, chamados também — segundo Orta — «azfar», de jjLoi, açfar, que simplesmente significa amarello. Diz Orta, que o vulgo lhes chamava «arare», o que corres- ponde ao nome moderno har ou hara em hindustani; e os physicos «aritiqui» o que é o sanskrito «ç | rl°f), hãritaka, ou mais vulgarmente haritaki. ' Não se sabe claramente como se fez a transferencia de nome; e é possível ser devida — como diz Orta— aos traductores medievaes, que trasladaram para latim as obras dos árabes. i58 Colóquio trigésimo sétimo — helileh-i-kabuli, que é o fructo perfeitamente maduro, o myroba- lano quebulico, menos adstringente que os anteriores, e empregado ge- ralmente na medicina hindu como laxante. Deve notar-se, que o nome «aretca», dado por Orta a estes myrobalanos^ se prende ás designações acima hãritaka e haritaki, as quaes não são simplesmente applicadas aos citrinos, mas de um modo mais ou menos geral ás tres formas. O nome mais commum, quebulicos, vem do adjectivo kabuli, e este parece derivar do Kabul, por onde se fazia parte do commercio da índia com a Pérsia. A derivação vem já indicada por Pedro Teixeira, o qual, a propósito de tnyrobalanos, citou o nosso escriptor: Alilah Kabuly, viirabolanos que vienen de Kabul, que son los que nuestros médicos llaman Kebulos. El dotor Garcia dorta trato destos y de todos suffi' cientemente Sendo estas tres sortes procedentes de uma mesma espécie, segue-se que Orta estava em erro, quando affirmava a existência de tres arvores distinctas, e indicava os seus caracteres, ou pelo menos as formas diffe- rentes das suas folhas. E necessário dizer, no emtanto, que na índia existem algumas variedades da espécie Terminalia Chebula, o que o pôde induzir n'aquelle erro'. Comquanto, ainda muito depois e até ao tempo de Guibourt, algumas duvidas existissem sobre a identidade de procedência d'estes myrobalanos, devemos confessar, que Duarte Bar- bosa já diz da maneira a mais clara, que indicos, citrinos e quebulos nascem todos sobre a mesma arvore. Não é a primeira vez, que nós vemos Barbosa mais bem informado do que Orta em um ou outro ponto, mesmo na especialidade do ultimo. Os myrobalanos belericos são o fructo de uma espécie bem distincta do mesmo género, Terminalia, belerica, Roxb., bastante frequente também em diversas partes da índia. Estes fructos são menos alongados que os precedentes; e a folha d'esta espécie pode compa- rar-se na fórma com a do «louro», sendo menos brilhante, ou um pouco mais «pardaça», o que resulta das suas numerosas pontuações esbran- quiçadas. Orta cita um nome d'estes fructos, nas formas «guti» e «go- timu, que não encontrei mencionado em outros livros. Por ultimo os myrobalanos emblicos são o fructo de uma planta muito diversa da Terminalia, a espécie Phiyllaixtliiiísi Em"l>lica, Linn., da família das Euphorbiacece, chamada em hindustani anvula, ou antes anvala, o «anvale» de Orta. O Phyllanthus tem uma folhagem finamente dividida e recortada, que o nosso escriptor compara não muito impropriamente com as frondes de alguns fetos, posto que na realidade seja uma cousa muito diversa. ' Existe também uma espécie particular, Terminalia citrina ; mas esta espécie só se encontra para oriente do Ganges, de modo que os myrobalanos citrinos da parte occidental e septentrional deviam pr9ceder da Terminalia Chebula (Cf. Hooker in Fl. of Brit. índia). Dos mirabolanos i59 Os myrobalanos em geral, e nomeadamente os procedentes da Ter- minalia Chebula, chamados haritaki, e tendo muitos outros nomes sans- kriticos, foram altamente louvados pelos antigos escriptores hindus, como poderosos medicamentos tónicos e alterantes, e em certos casos laxantes. Uma prova da estima em que os tinham, é a curiosa lenda relativa á sua origem: contavam os hindus, que Indra, bebendo néctar no céu, deixara cair sobre a terra uma gota d'aquelle precioso liquido, e d'essa gota nascera a planta. Os myrobalanos belericos são igualmente empregados na medicina; e os emblicos, alem de terem os mesmos usos, servem para preparar conservas em vinagre e sal, a que os inglezes cha- mam pikles, e Orta chamava achar, nome que ficou na nossa lingua. O uso dos myrobalanos no tratamento das «camarás» é também muito conhecido, apontado por Bontius, valent adversus Dysenterias, Choleras, et cceteros è bile natos affectus, e seguido até aos tempos mo- dernos pelos vidyas da índia. Notaremos ainda, quanto é vulgar o emprego dos myrobalanos no «cortimento das pelles» e na tinturaria, não só dos emblicos, a que Orta se refere mais especialmente, mas de todas as formas, sendo hoje ex- portadas da índia grandes quantidades d'estes fructos, exclusivamente destinadas a essa applicação industrial. Orta menciona a xtinepala, que quer dizer tres feições». É fácil re- conhecer n'esta «tinepala», o nome hindustani tin-phal, e o sanskrito triphala, os tres fructos, nome que se dava a um celebre medicamento, constituido pelos tres myrobalanos, muito louvado na mais antiga me- dicina dos hindus, mencionado no Amarakocha e em uma receita de Susruta, e usado até hoje no tratamento de variadíssimas enfermidades. Este medicamento e o seu nome sanskritico chegaram ao conhecimento dos árabes, e por estes ao dos gregos modernos, como Actuario (xiii sé- culo), o qual falia da tryphera, e da sua applicação nos mesmos casos para que a recommendam Serapio e Mesué. Os myrobalanos fornecem-nos, de feito, um dos exemplos mais fri- santes da influencia que os antigos tratados de medicina hindu exerce- ram sobre os escriptores arábicos. Não só aquelles fructos são de pro- cedência indiana e só indiana; mas os árabes dizem claramente, que consultaram a seu respeito os escriptores hindus, citando nominalmente Gharaka. Serapio diz o seguinte: et Xarch Indus dixit in mirobalanis, universaliter mirobalani sunt calidi et stiptici — é esta a phrase, que nós encontrámos citada por Orta, sem que este soubesse muito bem a quem se referia. Avicenna, fallando dos emblicos, nota et apud Scirek indum in ipso est calefactio. E Rasis, a propósito da mesma droga, cita também o escriptor sanskritico inquit Scarac indianus. Sob estas diversas fórmas, Xarch, Scirek, Scarak, mais ou menos deturpadas nos códices arábicos, e mais ou menos alteradas também na translitteraçao imperfeita das versões latinas, é fácil reconhecer o nome do celebre e i6o Colóquio trigésimo sétimo dos mirabolanos lendário Charaka. Como se v8, os médicos árabes não só receberam da índia este medicamento, como aprenderam nos velhos livros sans- kriticos as suas propriedades, provando-se assim, que conheciam aquelles livros. Os myrobalanos passaram, pois, da matéria medica hindu para a arábica, e d'esta para a europêa, que durante séculos foi regida pelas prescripções dos árabes, sobretudo pelas do divino Mesué. Orta refere- se explicitamente ao emprego d'aquelles fructos em Portugal, especial- mente como laxantes, explicando como na índia deitavam muito maior quantidade «do que nós deitamos em Portugal». Abrindo a Pharma- copêa de Barcelona de 1587, encontramos em muitas composições uma certa quantidade de ynyrobalanorum citrinorum, indorum, etc. Estes fructos, que hoje só têem na Europa um emprego industrial, deviam ter então um largo consumo nas pharmacias. D'esta procura, e dos seus usos na índia, resultava-lhes uma certa im- portância commercial. Thomé Pires escrevia de Cochim (i5i6), que os «mirabulanos são cinquo sortees e todas estas sortees são mer- cadorias nestas partes». Duarte Barbosa notava cuidadosamente os preços das diversas variedades no mercado de Galicut. Em Goa, en- travam na chamada «Renda da especiaria», isto é, no contrato para o exclusivo da venda de uma serie de objectos diversos : « alhos e cebolas sequas, cânfora, aguila, mirabulanos sequos, papell, saal d'ur- muz, ffio de coser, tamarinhos sequos, azougue, vermelhão, etc». An- tonio Nunes (i 554) diz-nos, como em Hormuz se vendiam «mirabulanos secos», e «mirabulanos em comserua» (conserva). Esta conserva, á qual se refere também Orta, era feita em assucar, e usava-se desde tempos muito antigos. Pegolotti (i343), enumerando as mercadorias vindas do Oriente, falia dos mirabolani conditi, isto é, conservados em calda de assucar, e que se deviam guardar em jarras ou panellas de barro vidrado. De tudo isto se vê como estes fructos eram, desde a idade-media, um objecto de regular commercio para a Europa. (Cf. Guibourt, Drogues simples, 11, 864 e iii, 282; Dymok, Mat. med., 317, 699; Roxburgh, Fl. Ind., 11, 481; Hooker, Fl. of British ín- dia, II, 445; Pedro Teixeira, Relac, 76; Ainslie, Mat. Ind., i, 336, 11, 128; Pharm. of índia, 88; Bontius, Hist. nat.. Livro vi, cap. 24, na edição de Piso, índice utriusque Re nat. et med., Amstelodami, i658; Royle, Ant. of Hindoo medic, 35; Avicenna, Qanún 11, 11, 228, 457; Thomé Pires, na Ga^. de Pharm. (1866), 41; Duarte Barbosa, Livro, 385; Lyvro dos Pesos, 8, 19; Tombo, 49; Pegolotti em Yule e Burnell, Gloss., 466,) COLÓQUIO TRIGÉSIMO OITAVO DAS MANGOSTÃES INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Queixavase comiguo aquelle fidalgo, que andava falando comvosco nas cousas de Malaqua, dizendo que parecia que tinheis odio ás frutas de Malaqua e dessas bandas; porque escasamente falastes no doriam, sendo a mais louvada fruta que ha na índia: e nas cousas da China não falastes cousa alguma, avendo lá muyto louvadas frutas, asi como são li- xias (O? e outras frutas muyto boas que lá ha. ORTA Eu nas cousas da China não falei, porque a China he terra em que ha tanto que contar, que he nunqua acabar: falei de algumas mézinhas delia, como he galanga, e o pau da China, porque eram medicinaes; e das outras frutas nam faltará quem fale ; e nos diiriôes de Malaqua nam faki mais que o geral, porque sei que he hum arvore grande, tamanho como huma nogueira, e a folha he como loureiro, e o arvore também he asi em geral. E no geral sempre ouvi dizer, que eram as mais saborosas frutas do mundo as de Malaqua*. RUANO Gabaramme huma fruta muyto, que chamão mangostaes; falemos do que sabeis nellas. ORTA O que tenho sabido das mangostães, he que he huma das saborosas frutas que ha nesta terra. He hum pomo tamanho * Da galanga tratou Orta no Colóquio vigésimo quarto, e dos doriões no vigésimo; mas do pau da China só trata em um dos seguintes. II i62 Colóquio trigésimo oitavo das mangostães como huma laranja pequena, a casca he separada do ama- guo;, a cor da casca he lionada e crara; tirandolhe a casca fóra, o de dentro sam âmagos, asi como de laranjas peque- nas. O arvore he tamanho como huma maceira, e não he muyto grande; a folha, he como de louro; dá flores ama- relas; dizem que o sabor desta fruta não he tam doce que faça fastio, e mais não sei a que volo compare, pois nam a provei (2). Nota (i) Este fructo da China, chamado por Orta «lixia», deve ser o li-tchi, produzido por uma espécie da familia das Sapindacea', ]Veplie- liuiii Litchi, Camb. {Dimocarpus Lichi, Loureiro), cuhivada desde tempos antigos na China e Cochinchina, e hoje também na índia e outras regiões tropicaes. Que eu saiba, Orta foi o primeiro escriptor europeu que o mencionou. Nota (2) O inangostão, produzido por uma arvore da familia das Guttifera.', Ciarciiiia míLiig^ostana, Linn., passa por ser um dos me- lhores, senão o melhor fructo das regiões quentes. A espécie é mais do que tropical, póde-se dizer equatorial, afastando-se poucos graus para o norte do equador, e ainda menos para o sul. Não se encontrava, portanto, na índia, o seu fructo não se podia transportar em bom estado nas antigas e demoradas viagens, e Orta apenas o conhecia de repu- tação, como conhecia os durióes. Apesar d'isso a sua descripção é bas- tante exacta; o que elle chama «âmagos» são as sementes, envolvidas em uma camada tegumentar, branca, succulenta, aromática, e de excel- lente sabor. Na Garcinia, a parte comestível não é propriamente o fru- cto, mas a semente. COLÓQUIO TRIGÉSIMO NONO DO NEGUNDO OU SAMBALI INTERLOCUTORES RUANO, ORTA, SERVA RUANO Guabam muyto estas vossas negras hum arvore, que dizem que nós lavamos aqui sempre os pés com o cozi- mento delle, e dizem que aproveita pera tantas cousas que estou pasmado. ORTA Pareceme que nesta orta está : venha qua a negra que o gaba. Moça? SERVA Que manda vossa mercê? ORTA Que arvore he esse que gabas muyto? SERVA He negwido. ORTA He huma arvore que tem mais propriedades ou milhores que pode ser ; e quanto mais lhe tiram os ramos, tanto crece mais. He mézinha muito resulutiva, e metiga o dor em grande maneira, quando não ha chaga, sciiicet, o lavatório do cozi- mento desta erva quente, ou a mesma erva quente pisada, posta emcima, ou frita em azeite e posta emcima. E verda- deiramente que deita a perder os físicos; porque não entrais em casa a curar cousa alguma de dor, que nam saia loguo de travez alguma pessoa que digua: pondelhe negiindo co- zido, ou torrado, ou frito em azeite. Também dizem muytos homens que o puseram emcima de chagas muido em tal 164 Colóquio trigésimo nono maneira, e que em huma noite degiriam a matéria de tal maneira, que ficava sem dor; e dalii por diante continuando, as folhas a modificavam em tal maneira que cerava* de todo ponto; e isto contam muitas pessoas e não huma só. As mulheres o tem por muyto bom pera preparar a madre pera conceber, e dizem que bebido faz este mesmo efeito. Eu julgoa por milhor mezinha, e mais forte que macela; tem muyto bom cheiro; mastigando queima hum pouquo, como jnastiirço, por onde he manifesto ser de compleiçam quente. Chamase este arvore comummente negiindo, e alguns no Balagate o chamam sambali, e em Malavar lhe chamam noche, e usam os Malavares disto em caril. A folha delle he similhante á do sabugueiro, farpada como elle, e velosa polias costas hum pouco ; e o arvore he tamanho como hum pecegueiro, deita flores brancas e algum tanto pardas, e huma semente preta, tamanha como pimenta e alguma cousa maior. Ouve hum boticairo nesta índia, homem velho em quem confiava muyto hum governador casto e vertuoso, e querendo reprimir os estímulos da carne, perguntou áquelle boticairo se avia alguma cousa pera isso; o boticairo lhe dixe que si, e que era hum arvore que chamavam agnocasto; e fez usar este governador deste negundo. o qual usou delle muytos dias, porque não faltou hum fisico que dixe que era verdade, que aquelle era o arvore chamado agnocasto; e quando me foy dito isto, oulhei o capitulo do agnocasto, e cotejeio com o arvore chamado negundo, e acheio tam de- ferente, que não pudia mais ser; entonces dixe que não era negundo, agnocasto, e nam quis afirmar isto sem ver o livro, porque eu nam conheço agnocasto, nem avia boticairo aqui, que o conhecese. Despois veo a esta terra hum fisico letrado e homem que fala verdade em seus ditos**, e disseme que em Portugal avia ao presente muytos agnocastos, e que eram bem deferentes destes na folha, e em tudo. « Pôde entender-se, que a chaga cerrava ou sarava. ** O licenciado Dimas Bosque (nota do auctor). Do negundo ou sambali i65 Nota (i) Duas espécies do género Viíex, da familia das Verbenaceí:e, "Vitex INTeg-imclo, Linn., e Vitex tiúfolia, Linn., gosam na medi- cina hindu de quasi igual reputação, e são designadas pelos mesmos nomes vulgares, ou por nomes muito similhantes, de modo que não é fácil saber a qual d'ellas Orta se quiz referir, ou se abrangeu ambas sob a designação de «negundo», o que julgo mais natural: — este nome, «negundo», prende-se ao sanskrito nirgundi e outras formas similhantes, que parecem applicar-se ás duas espécies (Cf Ain- slie, Mat. Ind., ii, 287, 252; e Amarakocha, 94, ed. Lois. Deslongchamps). — «sambali» é o nome vulgar hindustani ^LjJ:,, chambali (Ains- lie, 1. c). — «noche» é o nome tamil nochie, ou nochchi. Ruano não exagera, dizendo que estava pasmado de ouvir para quan- tas cousas aproveitava o negundo, pois o dr. Waring nota que poucas plantas têem na índia usos medicinaes tão variados como as duas espé- cies citadas de Vitex. D'estes usos, o principal é justamente aquelle em que Orta mais insiste, isto é, no tratamento de qualquer «cousa de dor», causada por rheumatismo, contusões oU distensões. Em qualquer d'estes casos, o negundo é considerado um resolutivo poderoso, ao qual re- correm desde logo os clínicos hindus, ou a medicina caseira. O dr. Fle- ming descreve o modo de applicação exactamente como Orta: as folhas frescas são aquecidas em uma vasilha de barro, e simplesmente collo- cadas sobre a parte affectada, mantidas por uma ligadura. Repetida esta applicaçã,o tres ou quatro vezes, pôde dar — segundo o mesmo dr. Fleming — resultados extremamente favoráveis. Roxburgh menciona o habito de as mulheres indianas tomarem, depois do parto, banhos preparados com as folhas aromáticas do negundo — o que lembra o bom effeito sobre a «mgdre», apontado pelo nosso escriptor. Um dos conhecidos commentadores de Garcia da Orta, o medico hollandez Bontius, fallando (1629) da curiosa doença, chamada beribéri, diz que em Java empregavam com resultado no seu tratamento fomen- taçóes e banhos da herba nobili Lagondi dicía^', e, segundo Waring e Dimock, era igualmente util este lagondi em outra enfermidade dos naturaes, obscuramente alliada com o beribéri, a que davam o nome de pés queimados (burning of the feet); este era talvez o motivo de lavarem por precaução os pés com o cozimento do lagondi ou negundo, como affirma o nosso escriptor. Como se vê, todas as informações dos ' Lagondi é o nome javanez do iiegundo, e segundo parece de ambas as espécies de Vt- tex, ás quaes Rumphius chamou respectivamente Lagondium vidgare e Lagondium litto- rale. i66 Colóquio trigésimo nono do negundo ou samhali Colóquios, relativas aos usos therapeuticos do negunio, são confirma- das pelos médicos que posteriormente têem habitado as regiões onen- taes, desde Jacob de Bondt, ou Bontius, até aos clínicos inglezes do nosso século. Orta distingue com rasão o negundo do agno-casto; mas não tem igualmente rasão em dizer que eram muito differentes, pois o agno-casto pertence ao mesmo género Vitex, o qual de mais a mais é muito natural. (Cf. Dymock, Mat. med., 600; Pharmac. of índia, i63; Roxburgh, Fl. Ind., III, 70; Jac. Bontii, Hist. nat. et med. Ind. orient. libri sex, a p. 18 da edição de Piso.) COLÓQUIO QUADRAGÉSIMO DO NIMBO INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Querovos alembrar o arvore com que curastes o vosso cavalo muito estimado, que me dixestes que volo lembráse. ORTA Tendes muita rezam, porque certo he hum arvore muito proveitoso e medicinal ácerca das gentes que conheço, e em todas se chama nimbo. Vim a conhecer sua bondade no Ba- lagate, porque vi curar com elle chaguas de cavalos muito deficultosas de modificar e alimpar, e alimparemse muito asinha as chagas, e o cavalo foy mu3^to asinha sam; e nam foi com mais que com pôrlhe as folhas deste arvore pisadas, e postas emcima das chaguas, mesturadas com çumo de limão; e asi o fazem nas chaguas dos homens, e dizem que milagrosamente saram com só o çumo desta erva. E mu3^tas pessoas ma "gabaram já, e me diserao que no Malavar o usa- vam muyto pera o que já disse; e o çumo destas folhas o usavam pera lombriguas, e pareceme que tem rezam porque amarga algum tanto. RUANO Lembrame que, quando me falastes nisto da cura do ca- valo, me dixestes que nesta cidade não sabeis mais que huma arvore destas, e que ma queríeis mostrar hindo a Sam Do- mingos a ouvir missa, o que eu vi, e he do tamanho de hum freixo, e tem a folha como de oliveira, e ao redor he farpada toda, e verde de todas as bandas, não he parda nem vellosa, tem a ponta mais aguda que a da oliveira; he o arvore muyto cheo de muytas folhas: diguovos isto porque vejais se pinto bem o arvore, mas huma só cousa não sei, e he se tem frol ou frui to. i68 Colóquio quadragésimo ORTA Mu3'to bem pintastes o arvore^ mas o milhor tendes por saber, que he dar fruito muito proveitoso, o qual he como azeitonas muito pequenas, das quais fazem azeite muyto me- dicinal pera os nervos, com que se muyta gente acha bem, untandose com elle quente: he muyto usado em Bisnager e no Malavar, e trazemno aqui a Goa a vender por merca- doria em que ganham muyto, e as froles sam brancas, e deste arvore, até ao presente, não sei mais, e como souber eu volo escreverei de qua (i). Nota (i) O «nimbo» é a Mielia Azacliraclita, Linn. {Melia indica, Brandis, A^adirachta indica, Juss.), uma bella arvore da família das Meliacece, conhecida em geral na índia pelo nome vulgar de nim ou nitííb, e no sul pelo de nimbu ou nimba. Gosa entre os hindus, desde tempos antigos, de grande reputação medicinal, e parece que já vem mencionada nos escriptos de Susruta, sob o nome de (H^sl, nimba (para outros nomes sanskriticos, cf. Amarakocha, 92). Em tempos mo- dernos foi admittida officialmente na Pharmacopêa da índia, sendo cha- mada nas pharmacias margosa (a casca córtex margosa^), o que cla- ramente se deriva da palavra portugueza amargosa. A casca é considerada adstringente, tónica e aniiperiodica, e as folhas estimulantes. Na Pharmacopoeia of índia vem indicada uma cataplasma das folhas frescas, pisadas e humedecidas com agua tépida, como uma excellente applicação em chagas e ulceras indolentes e de mau caracter, applicação muito recommendada pelo dr. Grant e pelo dr. Dunbar. É exactamente a indicação, dada ha tres séculos pelo nosso medico. O oleo das sementes é também empregado medicinalmente, ou como anthelmintico, ou em uso externo no rheumatismo e outras doenças, o que ainda concorda com o que diz Orta. Segundo notaram já Fliickiger e Hanbury na Pharmacographia, o nosso auctor foi o primeiro europeu que tratou d'esta arvore e das suas propriedades medicinaes. Poucos annos depois, Acosta deu uma figura bastante boa de um ramo, confirmando o que Orta havia dito, e acrescentando varias informações sobre a therapeutica indiana do nimbo. Do nimbo 169 Comquanto a Melia A:^adirachta seja vulgar na índia, em Goa existia — segundo Orta diz — um unlco exemplar na cerca de S. Domingos, que ficava na parte oriental da Ilha, para lá da Alfandega e do Bazar, perto do Passo de Dauglm. (Cf. Fliick. e Hanb., Pharmac, i35 ; Dymock, Mat. med., 168; Ainslle, Mat. Ind., 11, 453; Pharmac. of índia, 53; Chrlstoval Acosta., Tract. de las drogas, 283.) I COLÓQUIO QUADRAGÉSIMO PRIMEIRO DO AMFIAM DITO ASSI CORROMPIDAMENTE PORQUE O SEU NOME HE OPIO INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Queria saber a certeza do amfiam, que he o que a gente desta terra usa, se he o que chamamos opio; e donde ha tanta cantidade quanta se gasta, e quanto comem cada dia. ORTA O amfiam he o opio, e por ser muyto usado em comer entre muitos, ainda que o comam em pouca cantidade, fica em mercadoria necesaria muyto pera todollos cabos onde se usa comer; porque, se o nam usam, correm perigo de morrer; e por esta causa na terra onde faltou vai muyto caro, e apetecese bem muyto sempre, pera o ter (como quem guarda o trigo pera maio). Faz os homens que o comem andar dormindo; e dizem que o tomam pera nam sentir o trabalho. RUANO E não o tomam pera a luxuria, como me dizem; porque isto he contra toda a medecina, c contra toda a rezam, se pera obra de Vénus aproveita. ORTA He muyta verdade o que dizeis, porque pera isto não aproveita, mas antes dana; e asi os que o tomam para isto nam sam re3^s, nem pessoas poderosas, nem mercadores ricos, que entendam bem a verdade; porque estes nam o tomão senão em pouca cantidade, e pera outros efeitos; e os físicos todos letrados, a nossa guisa, me afirmavam que tornava os homens inpotentes, e os fazia leixar a Vénus 172 Colóquio quadragésimo primeiro mais cedo. E eu conheci no Balagate hum português que andava lá alevantado, o qual foy com uso delle tornado inpotente, e os Portugueses que lá andavam mo certifica- ram asi. RUANO Pois tanta gente usa isto pera deleitaçam carnal, não pode ser que todos se enganem. ORTA Eu vos direi pera que aproveita, se me derdes licença, porque a matéria não he muyto limpa, em especial dita em portugueâ. RUANO Dizei, porque as cousas não são cujas, senam quando as dizem os çujos, e com não limpa emtençam. ORTA A vertude imaginativa ajuda muyto a deleitaçam carnal, e como ella. seja superior da vertude expulsiva, obedecelhe a ella, a qual vertude imaginativa, quanto he mais forte, tanto mais asinha se acaba o auto de Vénus, porque manda a imaginativa vertude á espulsiva, que deite nos companhois a semente genital, e quanto mais se imagina niso, tanto vem mais asinha ao membro a semente; e porque os que comem este amjiam, estam como fóra de si, acabam este auto ve- néreo mais tarde; e porque muytas fêmeas não deitam a semente tam asinha, em quanto tarda o homem, exercita ella a obra de Vénus mais tarde, e em hum tempo junta- mente se acaba o auto de conceber delles ambos, e pera isto ajuda o comer do amjiafn, scilicet, pera acabar o auto venéreo mais tarde; e mais o amjíam aperta os caminhos por onde vem a semente genital do cérebro, por causa da sua frial- dade, e vem a fazerse a confeiçam de ambos juntamente. E bem sei que isto o entendeis muyto bem, mas se o escre- verdes em romance*, não parecerá pratica muito honesta. * Em portuguez, ou na nossa lingua vulgar. Camões applica a palavra a qualquer lingua vulgar; «que o romance da terra chama Oby» (Lus. X, 96). Do anifiam .73 RUANO Logo alguma rezam tem elles, posto que não muyto ho- nesta; e porém me dizei, como lhe chamam amfiam, e quem lhe chama asi. ORTA Todos lhe chamam afiom, scilicet, os Mouros donde o tomaram os Gentios, e nós mais corrompidamente lhe cha- mamos anifiam; e a causa de os Mouros o chamarem afiom ou ofiom, he porque os Arábios tomarão muytos nomes da lingua grega, a qual elles chamam jliunani (casi lingua joni- qua*): e porque os Gregos lhe chamam opium, e porque ácerqua dos Arábios a letra ^e a letra p sam muito hirmans, e pôemse muytas vezes huma por outra, chamaramlhe elles ofium ou afium, e também á peonia chamam elles Jaunia, e asi outros muytos nomes, mudando o p por /**. RUANO De quantas maneiras o ha? ORTA De muitas maneiras o ha, deferençandoo polias terras e sinaes: o do Cairo (a que elles chamam meceri) he alvo, e vai mu3't(3 dinheiro, e deve ser o que nós chamamos te- haico: o de Adem, e de outras partes vizinhas ao mar Roxo, he preto e muyto duro, e este em humas terras vai muyto, e em outras pouquo: e o de Cambaia, e do Mandou, e do Chitor, que he mais molle e mais louro, vai em muytas terras mais, porque se acustuma a comer ahi; de modo que o acustumado em cada terra a comer vai mais nella; e este que diguo de Cambaia vem a mais cantidade delle de huma terra, que chamam Malvi. » Já os antigos hindus chamavam aos gregos Yavana^ de Iónicos, ou ** Não porque as letras sejam irmãs ou similhantes, mas porque ca- recem do p. Veja-se a nota, vol. i, pag. 164. 174 Colóquio quadragésimo primeiro RUANO Como se faz ou o que leva, porque cheira a trovisco. ORTA Nam he mais que a guoma das durmideiras, o qual eu soube em Cambaiete, vendo na praça vender cascas de dur- mideiras, tam grandes que cada huma levaria huma canada, e também vi algumas pequenas como as nossas; e pregun- tandolhe por o nome, me dixeram que era caxcax (e he ver- dade que asi se chama em arábio) e dixeramme que destas durmideiras se fazia o amfiam, dando cutiladas nas durmi- deiras por onde corria o amjiam. E quanto he ao trovisco nam o ha em toda Cambaia, nem ouvi dizer que o ouvesse em toda a índia, por onde podeis bem descansar que o nam leva. RUANO Seram durmideiras pretas, pois diz Avicena* que quando tevermos necessidade de fazer algum estupor ou mortifi- camento em algum membro, nam pasemos de dormideií^as brancas; porque ainda que façam estupor, sam domesticas; e também Avicena diz** que o opio se faz de durmideiras negras. ORTA Antes nam vi durmideira preta em Cambaia, nem ouvi dizer que a avia, por onde Avicena foy emganado nisso, ou nas outras terras se faz das durmideiras pretas. RUANO Muyto me maravilho disto, sendo tam narcótico e estu- pefativo quanto he. E aguora me dizei a quantidade que toma huma pessoa cada dia? * Avicena, 4, i, cap. i, (nota do auctor). ** Avie. Libr. 2, cap. £27 (nota do auctor); isto é 522 da edição de Rinio. Do amjiam ORTA O que tive por emformação he de 20 até 5o grãos de trigo de peso; mas eu conheci hum secretairo do Nizamoxa, cora- çone de naçam, que comia cada dia tres tollas, que he peso de 10 cruzados e meio*; mas este coraçone, posto que era bom letrado e grande escrivam e notador, sempre toscane- java ou durmitava; e porém, metendoo em pratica, falava como homem letrado e discreto; e por aqui podeis ver quanto faz o custume (i). * O «tolla» ou tolOf peso que não vem mencionado no Lyvro dos pesoSf mas se encontra citado nas Lembranças, equivalia a 96 rattis, e é computado hoje oITicialmente na índia ingleza em 180 grãos (de troy). Tres tolas pesariam, portanto, 540 grãos, e sendo isto equiva- lente ao peso de 10 y cruzados, teríamos para o peso do cruzado menos de 52 grãos. Isto está a baixo da verdade, e devemos admittir um peso superior para o tola de então, o que de resto não nos surprehende, pois todos estes pesos variaram muito de epocha para epocha e de re- gião para região. E bastante singular este emprego do cruzado como unidade de peso. Nota (i) O opio, como todos sabem, procede da espécie Papavex* so- mnifenxiii, Linn, da qual em diversas regiões se cultivam distin- ctas variedades, tidas por alguns na conta de espécies particulares, mas reunidas modernamente por Boissier e outros botânicos na espécie citada. O sueco leitoso das capsulas das papoulas d'esta espécie é co- nhecido desde tempos muito antigos, e recebeu dos gregos o nome de [j.-/i)twvsiov ou de ò-o!;, que OS latinos, como Plinio, escreveram opion, e de que os árabes fizeram ^fi^^^, "ão que o pe. o/fossem muito simi- Ihantes no seu alphabeto, como diz o nosso Orta, mas por que careciam do p. De afiim os portuguezes da índia derivaram afiam, e depois por uma alteração phonetica natural amfiam. Para terminarmos desde já com a nomenclatura, diremos que árabes e deckanis chamam á papoula do opio ^^LstaAísí., khaschkhasch, o «caxcax» de Orta. Tudo quanto diz respeito ao opio, á sua composição chimica e ás suas applicaçóes medicinaes, á cultura da planta e ao processo de extrac- Colóquio quadragésimo primeiro cão do seu látex, é demasiado conhecido para que nos deva demorar n'estas notas, e remettemos o leitor para os livros clássicos de Matéria medica, particularmente para o excellente artigo da Pharmacographia de Fliickiger e Hanbury, e, pelo que diz respeito á cultura na índia, em uma região expressamente mencionada por Orta, para o que expõe largamente o dr. Dimock, na Vegetable mat. med. ofwestern índia. Unica- mente procuraremos deduzir, do que dizem Orta e outros escriptores portuguezes do seu tempo, quaes eram as condições do commercio do opio pelos meiados do xvi século, limitando-nos naturalmente a al- gumas indicações muito breves, pois não temos espaço, nem elemen- tos para mais. O dr. Dymock, no artigo acima citado, diz-nos que os antigos escri- ptores hindus não mencionam o opio, e que o seu nome sanskritico em obras relativamente modernas é ahiphena, tendo alguma similhança com o nome arábico e podendo talvez derivar-se d'elle. Por outro lado, os eruditos auctores da Pharmacographia são de opinião, que a introduc- ção na índia da cultura do Papaver se deve relacionar com a entrada ali dos árabes e do islamismo i. Parece, pois, que esta cultura não é muito antiga n'aquella região; e o que dizem os nossos escriptores vem re- forçar este modo de ver, mostrando-nos, como a índia não era no xvi sé- culo o que hoje é, uma região exportadora de opio, mas pelo contrario uma região largamente importadora. No dia I de Dezembro do anno de i5i3, Affonso de Albuquerque escrevia a D. Manuel uma carta, datada de Cananôr, dizendo-lhe o se- guinte : «Se me vos alteza quyser crer, mamday semear dormydeyras das ilhas dos açores em todollos paúes de purtugall, e manday fazer afiam, que he a melhor mercadaria que cobre pera estas partes, e em que se ganha dinheiro: por este açoute que demos adem, nam veo afyajn á imdia, e onde valia a doze pardaos a faraçolla, nam se acha agora a oytemta: o afyam nam he outra cousa, senhor, senam leite de dorme- deiras; do cayro, domde soyam a vyr, nam vem, mem d adem; portanto, senhor manday o semear e laurar, porque hua náo carregada se gastará cada ano na Imdia, e os lauradores ganharám também muyto, e a jem- te da Imdia perde-se sem elle, se o nam comem; e meta vos alteza este feito em ordem, porque nam vos esprevo pouquo.» Este trecho de cartas é interessantíssimo, como são em geral os documentos emanados de Affonso de Albuquerque, mostrando-nos o seu alto e activo espirito, occupado de todas as questões que por qual- quer modo podiam interessar Portugal. Sob o nosso ponto de vista ' É necessário, no emlanto, advertir, que A. Pictet menciona um nome sanskrito kas- khasa, de onde deriva o nome persa, e o nome árabe já citado khaschkhasch, parecendo in- clinar-se á opinião de uma cultura antiga na índia (Orig. Indo-Eur., i, 2g5). Do amjiam 177 actual, é perfeitamente conclusivo. Albuquerque não diz uma palavra da cultura na índia, e informa-nos de que, cortado o caminho de Adem, a droga havia subido extraordinariamente de preço, passando de doze a oitenta pardáos. A producção estava, portanto, longe de satisfazer ao consumo, e a índia era, como dissemos, uma região largamente im- portadora. Poucos annos depois, no livro terminado em i5)6, mas dando no- ticias relativas a annos anteriores, Duarte Barbosa é o primeiro a men- cionar o opio fabricado na índia. Na sua lista final de drogas, traz o se- guinte : «Opio' que vem de Adem aonde o fazem, vai em Calicut a farazola, fanóes 280 a 820 «Outro opio que se faz em Gambaya 200 a 25o Paliando de Malaca, diz também, que os juncos levavam para o Oriente, provavelmente para a China «vermelham, azougue, an- fiam, e outras muytas mercadorias e dragoarias de Cambaya.» Não diz, porém, que este amfiam fosse todo colhido em Cambaya, e sem du- vida devia vir na maior parte do occidente, passando em transito pelos portos da índia, como succedia com o azougue e vermelhão. Isto é con- firmado pelo facto, de muitos annos depois os chins não terem ainda o opio como um producto da índia. O dr. Bretschneider, em uma carta dirigida ao sr. A. De CandoUe, nota que uma Matéria medica chin (i 552-1 578) menciona o opio, chamando-lhe a-fou-yong (evidentemente uma transcripção chineza do arábico ajiunj, e dizendo, que era produ- zido no paiz de Tienfang (Arábia). É certo, no emtanto, que algum opio da índia já então devia ir para a China, como logo veremos me- lhor. Em resumo, Barbosa é o primeiro a mencionar a producção de opio na índia, e o primeiro a mencionar a sua importação no extremo Oriente. Quasi pelo mesmo tempo (27 de Janeiro de i5i6) Thomé Pires es- crevia a D. Manuel a sua conhecida carta, dando-lhe as seguintes infor- mações sobre a procedência do opio: «nacee em tebes cidade do Reyno do cairo; nacee em adem, em canbaya, no Reino de coiãs, que he na terra firme de Bengala.» CoUoca em primeiro logar o do Egypto e de Adem, e só depois o da índia, dando-nos n'esta parte a noticia nova e interessante, de que já se colhia em Coús (Kus Behar) no valle do Ganges, hoje uma das principaes, ou a principal região productora da índia. Do mesmo modo que Thomé Pires, Garcia da Orta menciona pri- meiro o opio do Egypto, dizendo dever ser o chamado «tebaico», como ' Esta parte falta no manuscripto portuguez, e foi traduzida da versão de Ramusio ; pro- vavelmente Barbosa escreveu «anfiam» e não opio. 12 f 178 Colóquio quadragésimo primeiro Pires havia dito que vinha de «tebes» ou Thebas. Já séculos antes, Simão Januense — varias vezes citado nos Colóquios — havia fallado do opium íhebaicuni; e uns vinte annos depois da publicação do livro de Orta, Prospero Alpino visitou o Egypto, e informa-nos de que na provincia chamada Thebaida cultivavam a papoula e colhiam o opio. O Egypto era, pois, nô xvi século, como ainda hoje é, uma região ex- portadora; mas era n'aquelle tempo exportadora para a hidia. Orta falia depois no opio de Adem e regiões «vizinhas ao mar Roxo». Apezar de Barbosa usar a expressão de «Adem aonde o fazem», eu cfeio que este opio devia vir da Asia menor, onde a cultura da papoula é antiquissima, e passaria por Adem em transito para a índia, o caminho natural n'aquelle tempo. O próprio Barbosa, fallando especialmente do porto de Adem, menciona o opeo (sic) entre muitas mercadorias, que ali vinham ter de diversas regiões e d'ali seguiam para Cambaya. Este opio de Adem, ou mais provavelmente da Asia menor, era bom, e o mais altamente cotado no mercado de Hormuz (i554): «vai a mão do (amfiam) d'Adem a 6 azares'». Logo abaixo estava o da Pérsia: «e o que vem da Pérsia a 5 azares». Como se vê, o opio de Adem ía também para a índia, quer por esta e.xpressão se deva entender o colhido nas proximidades, quer, como parece mais racional, se deva entender o da Asia menor e do Egypto, cujo commercio se fazia por aquelle porto. Por ultimo, Orta falia da producção de opio em Cambaya, nas terras de Chitor, Mandou e Malvi. Já notámos (vol. i, pag. 268), que Chitor era o nome dado pelos portuguezes ao principado rajpút de Udipura, e Mandou o que davam ao reino mussulmano de Mahvá, de modo, que o «Mandou» e «Malvi» de Orta são a mesma região. Ainda hoje esta re- gião, isto é, todo o planalto que se estende para o norte da cordilheira de Vindhya até ás serras de Aravalli, é um dos principaes centros in- dianos da cultura do Papaver e colheita do opio. O dr. Impey, que re- sidiu ali alguns annos, dá uma minuciosa descripção — transcripta pelo dr. Dymock — da cultura da papoula n'aquellas terras, dizendo que a planta se desenvolve perfeitamente, e algumas das suas capsulas chegam a medir 3 ^ pollegadas de altura, por 2 4- de diâmetro — ainda assim não sei se levariam «uma canada». Este opio de Mahvá, que vinha aos por- tos de Cambaya, Surrate, Baroche e outros, valia em Hormuz menos que o de Adem, apenas 4 ^ azares a mão; mas era o mais apreciado no sul e no oriente: «e o de cambaia he o milhor pera malaqua e mala- var». Como se vê, já então ía algum opio indiano para Malaca, e se- guramente d'ali para a China. ' A .máo» (hind. man) pela qual se pesava o opio em Hormuz equivalia a pouco mais de um kilo (1,1212); e o «azar» valia i3() a 1 40 reaes, proximamente em valor intrinseco 700 réis da nossa moeda actual. Do amfiam 179 Resumindo, poderemos, me parece, chegar ás seguintes conclusões. A índia era na primeira metade do xvi século uma região largamente consumidora de opio, por ser muito geral o uso d'esta droga — «por ser muyto usado em comer entre muytos», como explica Garcia da Orta. Na própria índia cultivava-se a papoula e preparava-se o opio, já na região de Cambaya e Malwá, segundo o testemunho de Orta, já no Bengala, segundo o de Pires. Esta producção de modo algum chegava para o consumo, como se vê pelo facto, mencionado por Alfonso de Al- buquerque, de que, cortada a importação, a droga subia extraordina- riamente de preço. Os portos donde a índia se abastecia, eram Hormuz, por onde vinha o opio da Pérsia, e principalmente Adem, por onde vinha o do Egypto e provavelmente também o da Asia menor. Final- mente passava já bastante opio da índia para Malaca, e d'ali naturalmente para a China; e n'este opio, que em grande parte devia ser de proce- dência Occidental, começava a ir algum colhido em Cambaya. E curiosa esta marcha de oeste para leste do consumo, e, em seguida ao consumo, da producção : primeiro o Levante, Egypto e Asia menor, abastecendo a índia; depois a índia abastecendo a China; e dentro em pouco, a China produzindo o sufficiente para o seu consumo, e abas- tecendo talvez de morphina a civilisada America e a civilisada Europa. (Cf. Fliick. e Hanb., Pharmac, 38 a 60; Dymock, Mat. med., Sg; Albuquerque, Cartas, 174; Duarte Barbosa, Liv7-o, 262 e 385;Thomé Pires, Carta, Sg; Lyvro dos Pesos, i3.) / COLÓQUIO QUADRAGÉSIMO SEGUNDO DO PAO DA COBRA. E HE DE TRES MANEIRAS INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Aqui em vossa caza vejo dar pêra os meninos huma raiz ou pao, e chamamlhe pao da cobra; dizem aproveitar pera as lumbrigas. Peçovos por mercê, que em breves palavras me digaes o que he, de que terra vem, e se he abusam ou dito falso do povo, ou se aproveita pera alguma cousa. ORTA Nam he senão mézinha muyto apropriada á peçonha das serpentes ou cobras; e disto ser esprementado pera as lum- brigas, e pera as bexiguas, e sarampam, e pera colérica pasto (chamada nestas partes mordexi), he fama comum da gente da terra, onde ha este pao. Também dizem aproveitar pera as febres de difícil medicaçam, segundo me dixe hum frade de Sam Francisquo, digno de fé, que a dera a hum homem que padecia febres antiguas; e que lha dera duas vezes, moida e deitada em agoa em cantidade de huma onça, e que ficou sam, arrevesando muyta cólera; e por aqui se soube que aproveitava ás febres antiguas. RUANO E como se sabe que he bom pera a mordedura das ser- pentes? ORTA Na fermosa ilha de Ceilam, ainda que seja chea de muitas frutas e boas, e caça e montaria, todavia ha muytas serpen- tes, a que chama o vulgo cobras de capelo; e nós em latim as podemos chamar regidus serpens; e pera estas deu Deos nella este pao da cobra; e soubese aproveitar pera a morde- dura delia, porque ha nesta ilha huns bichos, como forôes, i82 Colóquio qiiadragesitno segundo a que chamam quil (e outros lhe chamam quirpele) e pelejam com estas serpentes muitas vezes; e se sabe que ha de pe- lejar com ella, ou se teme disso, morde hum pedaço desta raiz que está descuberto, e lambese com a mão, ou por mi- Ihor dizer untase com a mão, que tem molhada com o çu- mo, e faz isto na cabeça e no corpo, e nas partes onde sabe que a cobra, com o seu salto, lhe ha de ir morder; e peleja com ella até que a mata, mordendoa e arranhandoa; e se não acaba de a matar, ou ella tem mais força que elle, vaise o bicho chamado quil ou quirpele, e esfregase na raiz, e torna a pelejar com ella, e asi acaba de matar ou vencer; e daqui tomaram ocaziam os Chingallas, e com esta experiência viram que aproveitaria esta raiz e pao para as mordeduras das cobras; e os Portuguezes com isto creram os bens, que a gente desta terra lhe dizia deste pao, e per tempo viram algumas espiriencias fundadas em rezam, por onde souberam aproveitar pêra a peçonha; e também souberam, e viram pollos seus olhos muytos, esta pelleja do bicho com a cobra ser verdadeira. E pera dardes mais fé a isto, se vos não enfadardes, vos contarei huma cousa que vio este frade de Sam Francisco, dino de fé e virtuoso, estando em Nega- patam, que he huma terra firme, perto desta ilha de Ceilam*. RUANO Antes me fareis muita mercê em ma contar. ORTA Tem muitos homens portuguezes em caza estes bichos domésticos e mansos, pera lhe matarem os ratos, e pera os fazer pelejar com as cobras de capello, que trazem os jogues com que pedem á gente esmolas. E sam estes jogues huns gentios, que andam pidindo per todas as terras, e andam emfarinhados com cinza, e sam venerados de todo • Nagapattanam, na costa de Coromandel, logo ao norte do cabo de Calimere, a que os portuguezes chamavam cabo de Canhameira. Do pao da cobra i83 o povo gentio, e de alguns mouros; e porque andam mu3'tas terras, sabem muytas mezinhas e esperiencias, mentirosas e verdadeiras : e alguns exercitam o joguo de passa passa, e trazem estas cobras, que dixe, e embebedam as, e mais lhe tiram os dentes e presas, porque lhe não façam mal; e com isto, e com os benefícios que lhe fazem, as tratam com as mãos, e as cingem ao pescoço, e nos metem em ca- beça que sam encantadas; mas eu o tenho por mentira. E o cazo foy, que chamou hum portuguez em Negapatam a hum jogue, que trazia cobra, e dixelhe, se queria pelejar a cobra com o seu bicho, e o jogue porque tinha tirado alguns dentes, donde tinha a força, não o quis fazer até que lhe deu hum crusado ; e veo o bicho pera a batalha apercebido, e andou primeiro metendose debaixo dos asentos, buscando se cheirava algum pao ou raiz, que fose do pao da cobra, e não a achando, com a sua própria saliva se molhou, e saio pera pelejar com a cobra ; a qual lhe saltou na cabeça, e o firio mal duas a tres vezes, e elle a ella outras tantas, até que se apartaram ambos mal feridos, porém ella pior que o bicho. E o jogue, achandose com o ganho da batalha, e com a cobra viva (porque sarou depois), trouxe outra cobra que não tinha os dentes tirados, e cometeo ao portuguez se queria c|^e tornasem á batalha os animaes, e porém que lhe avia de dar mais, porque a sua cobra estava perto da morte, e que por isso trazia outra; e o portuguez lhe deu outro tanto como antes lhe avia dado, e o jogue foy contente; porque a sua cobra vinha milhor armada, e o por- tuguez com seu bicho apercebido pera a luta ou guerra, o qual elle afagou primeiro, e lhe trouxe raizes, e elle as mordeo ^ por hum pouco espaço, e se untou com a mão molhada no que avia mordido; isto fez pela cabeça e lombos e pella barriga; e estando elle já apercebido, veo o jogue com a serpe, a qual se levantou em pé, casi do meo para cima, e deu hum salto, e o bicho lhe furtou o corpo, saltando para outro cabo, e asi se fizeram alguns cometimentos, to- cando o bicho a cobra ás vezes, e outras vezes sendo mor- dido delia; finalmente o bicho lhe saltou na cabeça, e hum 184 Colóquio quadragésimo segundo pouquo mais atras donde a mordeo, e a apertou, e a arra- nhou de tal maneira que, por andar cansada, a matou, porque andava mu3^to emfraquecida dos morsos primeiros; porque he veneno o baffo do bicho pera ella, e desta maneira foy a cobra do jogue morta, e elle desesperado. RUANO Certamente que foy isso muyto, e deve ser verdade; pois volo dixe esse religioso, dino de fé e credito: e peçolhe que me digua se ha este páo em outros cabos mais que em Ceilam, e me descreva e pinte a feiçam delle (i). ORTA Ha este pao de tres maneiras em Ceilam, e chamase, este de raiz mais estimada que vos contei, em Ceilam (terra dos Chingalas) rannetid*, e he hum arbusto, e crece até dous palmos ou tres; deita poucas asteas, scilicet, até 4 ou cinquo, e sam muyto delgadas. E a raiz he a que se aproveita, e he delgada como a mais delgada vide nossa, e tem nós ou cabeças, e sempre alguma raiz deste pao está de fóra da terra; e se a mordem ou arrancam per alguma parte, lança loguo outras raizes, donde lhe tiraram a outra. A fruta que dá este pao he como a do sabuguo, tirando que esta he vermelha e mais dura; nace em cachos redondos, feitos como madresilva, e sam mais pequenos os grãos vermelhos, e mais apertados, como dixe; e a frol que deita he muyto vermelha, e deita hum cacho redondo, e apartado da folha, que he como de pexegueiro, e o verde delia he mais escuro; e a cor da raiz he entre branco e pardo, e he muyto macia ao tocar, por não ser molle, e amargua muyto. Ha este pao em muitas partes, asi como em Goa, nas terras firmes: este se dá bebido em agoa, e moido primeiro; e nós o da- mos em vinho ou em alguma agoa cordial, e faz muyto pres- * Clusius transcreveu rametid, e assim tem sido citado o nome de- pois; mas é claramente rannetul. Do pao da cohra i85 tes sua operaçam: e também se móe, como sândalo, e se põe no lugar mordido; este chamam boqueti avale em chin- galá*, e asi mo dixe o embaixador (2). Ha em Ceilam outro pao ou raiz contra a peçonha usado, como estoutro, e he hum arvore como romeira, e não maior, e as folhas sam ama- relas muyto fermosas; tem todo o pao espinhos, e os espi- nhos sam rombos, e a casca he branca e grossa, e gretada e muyto maciça e amarga, mas nam tanto como a do pri- meiro pao. O pao e a raiz e a casca he o que se dá tudo mesturado, mas a raiz dizem ser a milhor; e este arvore, quando está só, crece tanto como huma romeira, e se está com outros arvores ou mato, a que se arrime, lia o todo a modo de abobreira, e asi os ramos mais altos do arvore os cinge todos. Deste arvore mandei ja a emfermos que íi- zesem copos, e estes emfermos aviam sido tocados de peço- nha, que lhe foy dada; e creo que lhes aproveitara, porque as cousas continuadas aproveitam; e já pode ser que apro- veitem estes vasos pera fazer a comprisam triacal**, como alguns doutores nossos a emsinão fazer, que he pera lhe não fazer mal a peçonha. Este pao dizem também alguns que ha na ilha de Goa, mas eu ainda o não tenho esprementado (3). Quando o viso rey dom Constantino foy a Jafanapatam, que he huma ilha, que parte com Ceilam***, troxeramlhe de pre- sente huns feixes de hum pao com suas raizes, por ser cousa muito estimada contra a peçonha; e cheira esta raiz bem, e he delguada e dura e preta; e destas raizes e pao dizem que ha muyta nestas terras firmes de Goa. A folha deste derradeiro pao que diguo he como lentisco, he asi delguada e comprida, e malhada de branco e pardo, com malhas * Boqueti avale parece ser um segundo nome do rannetul; mas pôde também designar a mordedura ou ferida. ** A composição da triaga ou theriaca. • ** Jafnapattam é habitualmente chamada uma península, mas po- dia sem erro considerar-se uma ilha, mormente no tempo de Orta, em que os esteiros divisórios seriam mais pronunciados. i86 Colóquio quadragésimo segundo brancas e pretas: nam he verde. E os ramos sam delgados, e estendendose muito por terra, mais de quatro ou cinquo covados^ e as folhas sam muyto poucas, e os ramos poucos e delgados, que se não podem sostentar direitos. Deste derra- deiro pao me deu conta o licenciado Dimas Bosque, pessoa de muito boas letras, e homem de muyta verdade, e de muyto gentil juizo nas curas que faz; e pois mo elle gabou, e lá ouve tantos doentes, elle o podia bem esprementar, e ao menos seivos dizer que me avia de dizer verdade (4). RUANO Dizemme que em as partes de Malaqua tiram humas frei- chas empeçonhentadas, e que ha huma raiz contra essa peço- nha, muyto esprementada; folgaria de saber que cousa he. ORTA Por ser o mato cheo de tigres, e a gente pouco curiosa, nunqua me souberam dizer a feiçam da arvore; e por isso vos não fallo aqui nella; somente me dixeram algumas pes- soas que delia vieram, ser o pao da cobra destas terras, e que asi lhe parecia, por serem as raizes de huma mesma feiçam; e tudo pôde ser, mas não o afirmo, porque o nam sei bem sabido. Nota (i) Vários escriptores portuguezes dão noticias mais ou menos desen- volvidas dos conhecidos ascetas, nómadas e mendicantes, chamados por elles «jogues», do nome hind.yo^r, e do sanskr. j^o^jh, derivado da yoga, um systema de meditação e austeridades, que se dizia conferir a quem o praticava poderes sobrenaturaes. Duarte Barbosa, attribuin- do-lhes —sem razão, segundo creio— uma significação politica de reacção hindu contra a usurpação mahomctana, descreve-os detida- mente, insistindo, como Orta, no seu habito de andarem «emfarinha- dos com cinza»: « andaom nuus e descalsos, nem trazem nenhua cousa na ca- beça hos corpos e rostos trazem untados de cinza estes cha- Do pao da cobra 187 maom Jones (sic) e Coamerques * quer dizer tanto como servidores de Deos». Gaspar Corrêa menciona também o emprego habitual da cinza, á qual dá uma origem particular: «....andão sempre enfarinhados com cinza d'outros jogues, que morrendo os queimão, e chegando a seus devotos lhe poem d'aquella cinza na testa, e nos peitos, e nos hombros.» Orta, que os não toma muito a serio, diz-nos que elles reuniam ao seu caracter religioso, a qualidade de prestidigitadores. Encontramos esta noticia confirmada pelo viajante Bernier, um medico francez, que percorreu a índia pouco depois de i65o, e exerceu a sua profissão nas cortes de Scháh Jehan e de Aureng Zeb. Segundo Bernier, os jauguis, para demonstrarem a sua sciencia e poder, ou o seu jauguisvie, como elle lhe chama, adivinhavam os pensamentos, faziam florir e fructificar um ramo secco em menos de uma hora, chocavam ovos no seio em menos de um quarto de hora, e executavam outras habilidades da cu- riosa e mal explicada prestidigitação oriental, a que o nosso escriptor chama desdenhosamente «jogos de passa passa». Exerciam também a profissão de domadores ou incantadores de cobras venenosas, particu- larmente da cobra capello [Naja íripudiansj, uma profissão muito vul- gar até hoje, e sobre a qual será desnecessário insistir. Unicamente no- tarei, que estes domadores de cobras não eram desconhecidos de outros escriptores portuguezes, contemporâneos de Orta. Como diz Barbosa: •r muytos tregeitadores trazem estas (cobras) vivas em pane- las, encantadas que nam mordem, e com ellas ganhaom muyto dinheiro, pondoas ha ho pescoço, mostrandoas » Gaspar Corrêa, referindo-se á malevolencia com que algumas cobras de capello haviam sido introduzidas na fortaleza de Calicut, conta como o capitão as mandou buscar por homens da terra : « que as sabiam tomar sem ellas lhe fazerem mal, por que le- vão elles atada nas mãos huma raiz de huma herva, que tem tal vertudc, que a cobra em a cheirando fiqua douda sem picar nem bolir comsigo.» Como se vê, Gaspar Correa attribue também a immunidade d'estes incantadores de cobras ao emprego de certas plantas, questão que logo teremos de examinar mais detidamente. (Cf Yule e Burnell, Gloss., 35 1; e a citação de Bernier, 425; Duarte Barbosa, Livro, 3io e 341; Gaspar Corrêa, Lendas, i, 65i, e 11, 776). A menção dos jogues e das suas cobras vem no Colóquio subsidiaria- mente, a propósito do combate da cobra com um «bicho», e sobretudo ' Ha aqui vários erros de imprensa ou copia ; o nome em Ramusio é Coames, e parece que no manuscripto se deveria ler: «Coames, que quer dizer .A palavra Coames, ou Coames, pode derivar-se de suãmin, que em sanskrito significa senhor, e por extensão um servidor do senlior(Gf. Ramusio, i, 3o3 verso ; Yule e Burnell, Gloss., 671). i88 Colóquio quadragésimo segundo a propósito das plantas a que esse bicho recorria. Os «bichos como foróes« são fáceis de identificar com o bem conhecido Hex^pestes Muiigo, Blandford {Herpestes griseus de muitos zoologos, Viverra e impropriamente Ichneumon de alguns livros). Se a identificação d'este pequeno carnívoro é fácil e não deixa duvida alguma, a dos nomes que Orta lhe dá é difficil, e não encontrei cousa parecida com «quil» ou «quirpele». O nome sanskritico d'este animal é Hct)r, que passou sempre por ser a origem da maior parte do pão de cobra do commercio, e Rhede figurou e descreveu sob o nome malabar modira caniram, e o nome portuguez páo da cobra. O que Orta nos diz do porte da sua planta, comprehende-se bem, poisque a 5. colubrina, sendo uma espécie lenhosa e sarmentosa, pôde formar uma arvore pequena quando esteja isolada de qualquer supporte. 192 Colóquio quadragésimo segundo e desenvolver-se mais largamente, como todas as plantas trepadeiras, quando se enleia em outras arvores. Também os caracteres da casca não desdizem da 5. colubrina, cuja casca é esbranquiçada (ash colour- ed, diz Roxburgh) e bastante espessa e gretada, havendo no género Strychnos um desenvolvimento considerável da camada suberosa. É também muito amarga esta casca, como é a da Strychnos Nux-vomica e de outras Loganiacece. Comprehende-se menos o que Orta quer dizer, quando falia de «folhas amarellas muyto fermosas»; e suscita sobretudo difficuldades a sua referencia aos espinhos, pois a S. colubrina é iner- me. Elie usa, porém, de uma expressão um tanto enygmatica, dizendo que os espinhos são «rombos Talvez por esta expressão elle quizesse designar os cirrhos simples e incurvados da S. colubrina, que nos cau- les mais antigos engrossam e se tornam lenhosos. Ha outra espécie do mesmo género, espontânea no Malabar e Ceylão, Strychnos minor, Blume, a que Orta se podia também referir; mas a djfficuldade resultante da menção dos espinhos subsistiria, porque a S. minor é também inerme. Em resumo, parece claro que Orta falia de uma espécie de Strychnos, e muito provavelmente da S. colubrina, que foi geralmente chamada páo da cobra, e teve uma grande reputa- ção nas applicações a mordeduras de cobras venenosas, e outros «to- ques de peçonha» — como diz o nosso escriptor. (Cf. De Candolle, Prodromus, ix, 14; Roxburgh, Fl. Indica, i, 577; Herail e Bonnet, Manip. de Botanique médicale, 1. 14, Paris, 1891; Rhede, Hort. malabaricus, viii, t. 24 para a Strichnos colubrina, e vn, t. 5, para a S. minor; Ainslie, Mat. Ind., 11, 202 ; Dymock, Mat. med., 533, adver- tindo que a citação de Rhede vem errada, tanto em Ainslie como em Dymock.) Nota (4) O terceiro páo da cobra de Orta deve ser o Hemidesmus indicu», R. Brown {Periploca mi/ca, Willd., Asclepias pseudosarsa, Roxb.), uma pequena planta trepadeira, da familia das Asclepiadece, que habita na índia e em Ceylão. O professor Fliickiger e o fallecido Daniel Hanbury chamaram, em uma nota da Pharmacographia, a attenção para a similhança das raizes de Hemidesmus com uma droga, figurada e descripta por Acosta sob o nome de Palo de Culebra; e eu julgo que o terceiro />áo da cobra de Orta é idêntico a este paio de culebra de Acosta e ao Hemidesmus in- dicus, identificação que assenta sobre os caracteres apontados por Orta. ' A versSo de Clusius náo é exacta ; spinis brevibus et Jirmis não traduz os problemá- ticos «espinhos rombos». Do pao da cobra 193 Diz o nosso escriptor, que a raiz d'este seu páo de cobra é delgada, dura, preta e cheira bem : segundo a Pharmacographia, as raízes do H. indiciis são delgadas, de a de poUegada de espessura, tem a còr escura (dark brown) e um cheiro agradável, similhante ao da fava de Tonka ou do meliloto. Diz ainda Orta, que as hastes da planta são del- gadas, débeis «que se não podem sustentar direitas»; e as folhas, com- pridas e delgadas, como as do lentisco, e malhadas de branco e pardo; segundo Roxburgh, os caules da Asdepias pseudosarsa (H. indicus) são delgados (slender), ditiusos ou trepadores; e as folhas dos rebentos no- vos são lineares, agudas, estriadas de branco ao longo da parte media. Se abstrahirmos de algumas incertezas de expressão, naturaes em uma descripção do tempo de Orta, vemos que a concordância de caracteres é absolutamente satisfactoria. As raizes de Hemidesmus são muito usadas na medicina hindu, ad- mittidas officialmente na Phannacopéa da índia, e tidas na contai de tónicas, alterantes, diuréticas e diaphoreticas. Não admira, pois, que fossem consideradas especialmente úteis em toda a mordedura de cule- bras, assim como em terciárias, desmayos,Jlaque:^as de estômago, y tem- blores de coraçon. Segundo Acosta, bastava trazer uma d'estas raizes na mão para estar seguro contra toda a culebra ou bivora, que fugia para outra parte. Em Goa — segundo refere Dymock — encontram-se hoje á venda nas lojas dos hervanarios as raizes de Hemidesmus, sob o nome de uper. ção, que é uma simples alteração do nome mahrata uparsára. (Cf. Fliick. e Hanb., Pharmac, 879; C. Acosta, Tractado de las dro- gas, 341; Roxburgh, Fl. Indica, 11, Sg; Dymock, Mat. med., Sog). i3 COLÓQUIO QUADRAGÉSIMO TERCEIRO DA PEDRA DIAMÃO E DA PEDRA ARMÊNIA E DA PEDRA DE CEVAR INTERLOCUTORES RUANO, ORTA, SERVA RUANO Dizei da pedra diamão, que em latim e em grego he cha- mada adamajis, e nós os Castelhanos lhe chamamos dia- mante, e vós os Portuguezes diamam; e será bem, porque he rey das pedras, que falemos nella, pois tem eminência sobre todas, e loguo as pérolas, e loguo as esmeraldas, e loguo os robins, se cremos a Plinio*. ORTA Qua nesta terra e em, toda a do mundo, ácerqua dos la- pidairos, se faz mais caso (e he de mais preço se for em toda perfeiçam, e tamanho por tamanho) da esmeralda, e depois do robi, e loguo do diamão; mas porque se não acham pedras em toda a perfeiçam, com boas agoas, tam grandes como diamam, acontece daremse por mais dinheiro muytas vezes. E a valia das pedras nam he por mais que por a von- tade da gente e carência delias; porque maiores virtudes e mais esprementadas tem a pedra de cevar, e a que estanca o sangue,** e vendemse por jnãos*** (que sam em Cam- * Esta successão, pelo menos a dos diamantes, pérolas e esmeraldas vem muito claramente exposta em Plinio (Lib. xxxvu). • • A laqueca ou cornelina; veja-se a nota ao Colóquio seguinte. *•* «Mão», do hind. e marathi man, que dizem ligar-se ao accadico mana; variava muito, mas em «Cambaia», pelo menos em Baçaim e Diu, andava por 25 arráteis e 9 onças, ou proximamente os 26 arráteis de Orta. O maiind (fórma ingleza) de Bombaym equivale a 28 libras avoirdupois. 196 Colóquio quadragésimo teixeiro baia, donde as ha, 26 arrates), e as esmeraldas se vendem por ratis, que sam peso de tres grãos de triguo*^ e as outras pedras se vendem por quilates em Europa, que sam quatro grãos, e na índia por mangelis, que sam 5 grãos **i e portanto Plinio nam falou como mercador de pedras ou lapidairo, no valor delias. RUANO Dizei os nomes, e se hc usada na física. ORTA Em arábio, ao qual emitam os Mouros todos onde quer que estam, se chama alma^, posto que Serapio o chama por outro nome, capitulo 391, c o gentio todo, onde se acha a nacença destas pedras, as chama iraa, e no Malaio, onde também as ha, se chama iíam. E quanto he á física, nam se custuma usar destes diamães, posto que eu achei físicos gentios, que os davam pera quebrar a pedra, administrados per seringa; e per cima nam os dando, porque caio hum erro no povo que era peçonha, isto por sua grande penetraçam, e que furava as tripas. RUANO E não he isso asi? Pois Laguna com outros muytos os conta por peçonha, e o uso comum asi o tem? ORTA Falando a verdade comvosquo não ha tal cousa, porque já ouve nestas terras negros de lapidairos, que enguliram * O ratti era o peso médio da semente de Abrus precatorius ; Taver- nier dá o rati como equivalendo a y- do quilate, o que diftere um pouco do que Orta diz. Nos livros inglezes encontramos o ratti, como igual a 1,75 grãos troy. * * O mangelim, teling. manjciU, também variava bastante. O de Cey- lão equivalia a 8 grãos de arroz, e vem calculado nos Subsídios em o<"--,2i9. O mangiar (mangelim) do Malabar, segundo Barbosa, pesava duas taras e dois terços, e as duas taras equivaliam a um quilate de bom peso. Segundo Tavernier, em algumas localidades correspondia a 7 grãos, e em Goa a 5, exactamente o que diz Orta. Da pedra diamão 197 diamães, e confesarão a seu senhor (achandoos menos) que os emguliram, e esperou, e deitou os diamães por baixo sem nenhum dano, e disto sam eu testemunha. RUANO A mim dizemme, que feito em pó he veneno, e traz re- zam, porque se achegará ás partes do estamago e das tripas, e furálashá. ORTA Não será em pó veneno, porque a vertude atrativa das partes do estamago não o trará pera si, e elle correrá abaixo, como cousa grave (pois he pedraV, e mais eu conheci huma molher, que, tendo o marido enfermo de humas camarás antiguas, e avorecendolhe muyto a doença comprida, lhe mandou comprar diamães moidos, e lhos deu tantos dias (sem morrer) que se emfadou; e depois lhos deixou de dar, porque lhe certificaram, que não podia escapar da emfer- midade, e asi, sem os tomar mais dias, morreo muyto tempo depois: isto soube eu da, pessoa que hia a comprar os dia- mães. Asi que dizem que os diamães sam venenosos he abu- sam, e cousa não scrita per doutores autênticos. RUANO Pois aguora vos quero perguntar alguns erros, e isto será dizendovos o que os antiguos dixeram, em que tenho alguma duvida: dizem nacer nas mineiras do cristal, e posto que naça perto da mineira do ferro, por ser cheguado ao cristal nam o deixa ter cor do ferro, antes he mais craro que o cristal: e dizem mais que adamans quer dizer força não domavel: e asi dizem que posto em huma bigorna, nem pode ser quebrado com forca de martélos, antes os despreza, e bota a escama do ferro fóra: e porém que, se for deitado o diamam primeiro em sangue de bode, amolece, principal- mente, como alguns dizem, se o bóde primeiro comer aipo e outras cousas abridoras, e se beber vinho: dizem mais que, desta maneira se lavra, e doutra maneira não: e asi dizem que nunqua se* achou maior que huma avelan. E por- Colóquio quadragésimo terceiro que nam diguais que vos aleguo falso, diz Plinio, quando falia no sangue de bóde, que he emvençam do homem; e alguns dizem que Plinio está corruto, c que ade dizer que he emvençam não de homem, como se dixese, que isto do sangue do bóde aconteceo por revelaçam, porque doutra maneira nam se podia saber*. ORTA Não paseis mais ávante:, porque nam tenho memoria pera responder a tantas objeições, polias não chamar fabulas. E por tanto aveis de saber que em tres ou quatro cabos achamos qua diamaes, scilicet, em Bisnaguer, em duas ou tres rocas que rendem muyto a elrey de Bisnaguer; e asi como em Espanha, dos atuns que se pesquam tem elrey grandes direitos, e se vem algum solho he tomado pera elrey, assi nestas mineiras tem elrey muito grande renda, e a pe- dra, que he de 3o mangelis pera riba, he de elrey; e sobre isso se põem grandes guardas em os cavadores; e se acham em algum tempo que a tem alguma pessoa, he tomada com toda a sua fazenda a quem a tem. Ha outra roca no Decam, perto da terra do Imadixa (a quem nós chamamos Madre- maluco), huma terra de hum senhor gentio, outra roca, e de milhores diamaes, e não tam grandes; estes sam chamados de roca velha, e vamse a vender a huma feira, muyto no- meada, de huma cidade do Decam chamada Lispor, das terras do Madremaluco; e ali os compram os Guzarates, que nollos vem a vender aqui a Goa, e os levam a vender a Bis- naguer, onde tem muyto preço estes diamaes de roca ve- lha, em especial os que chamam naifes**^ que sam aquelles * Não se percebe bem o que Orta discute; Plinio diz exactamente no fim o que elle repete : numinum projecto inuneris talis inventio omnis est; veja-se a nota (i). ** A palavra não se encontra em Bluteau, e vem nos diccionarios hespanhoes e alguns portuguezes, com a significação geral de diamante bruto. Isto é um erro; diamante naife era unicamente o diamante bruto, manifestando claramente a sua fórma crystallina. É o que se deprehendc Da pedra diamão 199 que a naturaleza lavrou, e fez perfeitos sem hirem á mó, posto que acerca dos Portuguezes valham mais os lavrados; mas dizem os Canaras que, asi como a molher virgem vai mais que a corruta, asi vai mais o diamam naife que o la- vrado. Ha outra roca, no estreito de Tanjampur, nas ban- das de Malaqua, também de roca velha; sam pequenos e muyto bons, senam que tem huma tacha, que pesam muyto; cousa que não he boa pera quem comprar, e he bom pera quem vender. E em nenhuma destas partes ha cristal, nem em toda a índia-, porque o cristal quer terras muyto frias, asi como Alemanha; e porém qua na índia ha berilo, que he asi como cristal, e o ha em grandes pedaços, de que fazem jarros e escudellas; e eu dava por hum 200 crusados, c não mo quiseram dar: porém este berilo não no ha em Bisnaguer, senão em poucas partes e longe das roquas; mas ha muyto deste berilo em Cambaia e em Martavam e em Pegu ; per onde he mercadoria muito boa os diamães, pollos lá nam aver; e asi ha berilo em Ceilam (onde não ha dia- mães). E ao que dizeis^ que he tam forte que despreza a bigorna de ferro, e os martellos que os quebra, a isto vos diguo que, se tiverdes algum diamam de preço, não façais nelle tal experiência, porque quantos tiverdes tantos fareis em pedaços com hum martello; e muyto facilmente se que- bram com huma mão de almofariz, e asi os fazem em pó pera lavrar os outros, e eu vi isto em diamães pequenos; e em hum grande o fizeram aqui lapidairos, do qual, per sua má feiçam, quiseram fazer dous ou tres, e asi o que- braram. Verdade he que os diamães não podem ser lavrados senão com outros diamães postos na roda; e não se podem furar, posto que hum doutor moderno diga que si. A maneira de conhecer os diamães, se he diamam ou nam, he toqualo com outra ponta de diamam, ou com huma lasqua, e se nam for diamam, fazlhe risquo; posto que ha outros diamães do que Orta diz, e é n'este sentido que os lapidados francezes applicam a designação de pointe naive. Tanto naijc como naive vem evidente- mente de nativus. 200 Colóquio quadragésimo terceiro tam fortes, que ferem o outro diamam, mas isto he resva- lando, e nam firmando nelle; porque diamam nam consente ser verrumado, nem picado, nem o foguo lhe faz nojo. E comtudo vos sei dizer que o diamam lie muito conhecido dos lapidairos, porque dizem que tem agua viva; e o topázio e a safira de agua e o cristal tem as aguas mortas. E de amolecerse com sangue de bode foy huma fabula tomada • em verem que o sangue de bode quebra a pedra da bixi- gua e dos rins; mas )á o esprementci, e he tanto como se lhe não deitasse cousa alguma. E ao que dizeis que ne- nhum he maior que huma avelan, nisto não tem culpa Pli- nio, nem os outros escritores; porque falaram do que viram, que muyto maior diamam ha cá que quatro avelans ; e eu o maior que vi nesta terra foy de loo e corenta mangelis*, e outro de 120; e ouvi dizer que tinha hum homem desta terra hum de 260 mangelis. Se o tem, façalhe muyto boa pró, posto que elle o nega; mas muytos annos ha que ouvi dizer a hum homem, dino de fé, que vira em Bisnaguer hum, como hum ovo pequeno de galinha; e tudo pode ser. E do que mais me maravilho, he ver que cousa tam forte avia de estar metida mu3to dentro na mineira, e aviase de criar em muytos annos, e vejo que se criam em dous ou tres annos; porque cavam a mineira este anuo altura de hum covado de medir, e dahi a dous annos tornam a cavala, e tiram diamães, como primeiro: isto dizem muytas pessoas em comum, porém outros me dixeram que os diamães gran- des não se criam na face da roca, senam mu3-to dentro; porém asaz he que aja nisto duvida, e que se criem em tam pouquo tempo alguns, ainda que sejam pequenos. E ao que me dizeis de ser vencido do chumbo por causa do azougue, não traz rezam, porque pois o diamam vence o ferro, e a todolos outros metaes e pedras, não he bem dizer, que he vencido do chumbo, por causa do azougue; porque asi o * Sic, isto é 140, proximamente 170 quilates; e 25o mangelis, pro- ximamente 3 12 quilates. Da pedra diamão 201 corta o diamam, como huma faca corta hum nabo, e quem o escreveo o sonhou, ou, por falar mais craro, não falou o que era. Eu vos dixe já a resposta das vossas perguntas, per- guntai mais avante as duvidas que tiverdes; e se vos pare- cerem mal as minhas respostas, não vos maravilheis, porque quem falia contra o comum he avorrecido. RUANO Escreve hum coronista, chamado Francisco de Tâmara, que ha diamães no Peru: dizei o que nisto passa. ORTA Eu nunqua o ouvi dizer a pessoas que os vissem no Peru, vós o podeis milhor saber, pois estaes em Espanha. E porém eu vi nesse autor que alegaes, muitas fabulas ácerqua do tirar dos diamães destas nossas terras, porque diz que vigiam as serpentes os diamães, porque os não tirem; e a gente que ha os diamães em sua mão deitando carne confeiçoada em certo modo pera a comão as serpentes, estando ellas em outro cabo tiram as pedras á sua vontade. Bem fora que pois Francisco de Tâmara queria contar fabulas, que as contára das suas índias, e não das nossas*. RUANO Também escreve hum frade dominico, chamado frei Do- mingos de Baltanas, que ha roca de diamães em Espanha**. ORTA Eu conheci esse frade em Salamanca, segundo me parece, e tenhoo por bom religioso; diria o que achou escrito por outros, porém eu nunca o ouvi dizer. * Sobre Francisco de Tâmara, e o livro que traduziu, veja-se a no- ta (i). * * Provavelmente no seu Compendio de sentencias moralcs, y dc algunas cosas notablcs de Espana. 202 Colóquio quadragésimo terceiro RUANO Outro género de diamães contam que ha na Arábia, que nam he tam forte; porque se quebra sem sangue de bode; e que nam tem igual resplandor a este e, asi he de menor preço, ORTA Eu nunqua vi nem ouvi dizer destas pedras criadas na Arábia, mas cá ha huns a que chamamos iopa\ios, que sam almecigados em cor, e humas çafiras de aguoa que parecem craramente diamães; mas nam ouvi dizer que estes ouvessem na Arábia; e mais estes nam sam diamães, senam chamam- Iho polia semelhança que com elles tem; mas o que nam tem a fortaleza indomável nam he diamam, c o que dizem que seria em Chipre, não o vi, nem ouvi que o lá ouvesse, nem o de Macedónia; e pareceme que os Turcos nam fa- riam tanto por elles, se em sua terra os ouvesse, ou perto delia: isto vos diguo porque a maior parte destes diamães sam levados dos Turcos. RUANO Dizem mais que todos trazem o ferro, e o de que me mais maravilho, he que dizem que apedra de cevar, estando presente o diamam, nam traz o ferro. ORIA Isso de trazer o diamão o ferro, loguo vereis o contrario, quando o esprementar quiserdes; mas que a pedra de cevar nam tragua o ferro, presente o diamam, he grande fingi- mento, porque diante de mu3^tos esprementei o contrario, asi em diamães de roca velha, como de roca nova, e diante de vós o esprementarei se mandardes. E das outras vertudes que delle escrevem, nam he fóra de rezam serem verdadei- ras; porque pedra que Deos criou, com ser tam invencível, he bem que lhe dê os dotes que dizem; posto que dizer que se se puser debaixo da cabeça da molher, nam o sa- bendo, e estando dormindo, que acordando ella abraçará o marido, se lhe he fiel, e sc he o contrario, que foge dcllc; cu não o posso crer, ainda que me digam que o dizem es- Da pedra diamão 2o3 critores de autoridade, porque asi o dizem de algumas er- vas, e sabemos ser abusam. Mas huma cousa vos direi que vi em diamães muyto finos da roca velha, e eram pontas que, esfragandoos hum com outro, se pegavam e estavam apegados sem se despegar; e asi vi diamães esquentados trazer a paliia, como alambres: e porque vi estas cousas, e vós as podeis ver se quiserdes, dou fé delias. E posto que algum escritor emsina a falsificar pedras, não volo quero fa- lar, porque não he obra de filosofo, e muyto menos será de teologuo, porque ensina este escritor a fazer da çafira da agiia, diamam, mas não fica senão çajira, e não diamam, posto que o pareça (i). RUANO Porque não seja tudo falar em cousas alheas na física, VOS pergunto, se vistes nestas terras pedra arménia, porque carecemos delia em Europa, ainda que temos lápis la\uli em muytos cabos. ORTA Mandarvosei aqui trazer pedra arménia loguo. Moça, dá cá aquella chave. SERVA Eila aqui. ORTA Tira o pano atado com grandes pedras. SERVA Eilo aqui. ORTA Agora vede pedra arménia. RUANO Muitos sinaes tem do que dizeis^ porque com ser azul algum tanto, he verde craro: como sabeis que he pedra arménia? ORIA Os Mouros, grandes físicos, que curam o Nizamoxa, mc deram estas pedras, e purgam com ellas melancolia, e cha- 204 Colóquio quadragésimo terceiro mamlhe asi em arábio, scilicet, hager armini, que he o mes- mo que pedra arménia. Pergunteilhe donde avia estas pe- dras, dixeramme que em Ultabado (cidade muyto conhecida do Balagate*); e pergunteilhe se o avia em Turquia ou na Pérsia, pois eram delia, e dixeramme que já a viram lá, mas que era em pouca cantidade; e que nam sabiam se vinha da Armênia ou nam; e comtudo seivos dizer que purga muyto pouquo esta mésinha, segundo esprementei; e já perguntei a muitos Arménios, cá na índia, se a avia em sua terra, e disso me nam souberam dar rezam (2). RUANO A pedra de ceimr he cousa muyto comum, e com tudo vos quero perguntar o que sabeis delia, porque Laguna e outros dizem ser veneno, e que faz o homem aluado. ORTA A pedra de cevar nam faz o homem aluado, nem he ve- neno, porque temse cá ácerqua dos Gentios, que comida em pouca cantidade os faz não emvelhecer, e os conserva em sua mocidade; e por tanto elrey de Ceilam, velho, mandava fazer panellas desta pedra, pera lhe fazerem de comer nellas. RUANO Como sabeis isto? ORTA Alem de ser isto fama comum, mo dixe Isac do Cairo, que lhas mandava fazer: e este Isac do Cairo he hum judeu, que foy a Portugal levar as novas da morte do Soldam Ba- dur**. RUANO Diz Antonio Musa, que os Portuguezcs que navegam pera Calecut, acham lá náos com pregos de pao, e que o fazem * Talvez erro de imprensa por Dultabado, a cidade cffectivamente muito conhecida de Daulutábád. ** Veja-sc a nota a pagina 89. Da pedra diamão 205 por causa dos montes de pedra de cevar, que nam tr aguam o ferro dos pregos pera si. ORTA Isto sam fabulas; porque nunqua Português vio tal cousa, e em Calecut e em toda essa costa ha mais navios de pregos de ferro que de pao; verdade he que, nas ilhas das Maldivas, ha navios com pregos de pao, como vos já dixe, mas a causa disto nam he por mais senão por nam gastar o dinheiro em ferro. RUANO Dizem também que a mina da pedra de cevar está junta com a mina do ferro, e que por isso traz o ferro pera si? ORTA Nam ha tal cousa, porque em cabos deferentes se criam, scilicet, onde nam ha ferro. . RUANO Hum filosofo pariense diz, que a pedra de cevar move o ferro pera si, mediante a vertude que nelle emprimio, pera que se mova a ella*; e que por esta rezam não pesa mais a pedra de cevar com muyto ferro, que com pouquo. ORTA O contrario disto espermentámos já, eu e algumas pes- soas, por isso nam vos maravilheis, porque nam acertam em todas as cousas os homens (3). » Não sei quem seria este philosopho, mas a sua explicação lembra a do Malade imaginaire sobre a acção do opio : Quia est in eo Virtus dormitiva, Cujus est natura Sensus assoupire. 206 Colóquio quadragésimo terceiro Nota (i) Garcia da Orta é muito correcto em todo este Colóquio, demolindo com intransigência verdadeiramente scientiíica os erros e falsas opi- niões, relativos ao diamante, e que chegaram ao seu conhecimento. E é tanto mais para louvar n'esta intransigência, quanto a maior parte dos factos contestados por elle se encontravam mencionados no hvro de Plínio, gosando ainda então de extraordinária auctoridade. De Plí- nio, estes erros haviam passado sem correcção, ou mesmo aggravados e ampliados, para alguns escriptos dos Santos padres, e para aquellas espécies de encyclopedias da edade-media, a de Santo Izidoro, a de Al- berto Magno, a de Glanvilla e outras; e seria fácil demonstrar, que ao livro do nosso Orta se deve a destruição de algumas d'estas falsas opi- niões, e a vulgarisação de noções mais exactas sobre as propriedades do diamante. De Plinio é a affirmacão sobre a resistência do diamante ao martello e á bigorna ita respuentes ictum, ut ferrum utrimque dissultet, incudesque etiam ipsce dissiliant; e esta idéa correu muito tempo. Em um curioso livro do anno de 1567, intitulado Hieroglyphica, encon- tramos ainda a mesma asserção, illustrada peia representação de um diamante coUocado entre a bigorna e o martello. Mas no livro de Boodt do anno de 1609, Gemmarum et lapidaram historia, vem emen- dado este erro como muitos outros, fundando-se evidentemente o au- ctor no que Orta havia dito^ De Phnio é também aquella estranha noticia sobre a acção do sangue de bode hircino rupitur sanguine — facto, segundo elle diz, conhe- cido por uma espécie de revelação : Numinum projecto muneris talis inventio omnis est. A noticia ainda mais singular — a que Orta também allude — relativa á alimentação especial do bode, é uma ampliação da edade-media, e lê-se, por exemplo, em Alberto Magno : precipue siyrcus aliquandiu ante biberit vinum et petroselinum vel siler moníanum come- derit. Estas auctoridades eram de muito peso; e Orta só se atreve a contrarial-as depois de ter procedido a experiências: «já o exprementei, e he tanto como se lhe não deitasse cousa alguma». E ainda Plinio, quem attribue ao diamante a dimensão máxima de uma avelã; e affirma que a sua presença tolhe a acção do magnete : adamas dissidet com magnete lapide in tantum, ut juxta positus ferro non patiatur abstrahi. Esta asserção, repetida ao que parece por Santo Agostinho, ainda vem citada sem refutação por um contemporâneo il- ' Boécio de Boodt copia claramente Garcia da Orta; mas, por um singular equivoco, cita Monardes. Esta confusão nasceu sem duvida de elle ter consultado as publicações de Clusius, onde vinham reunidas as traducçóes de Garcia da Orta e de Nicolau Monardes. Da pedra diamão 207 lustre de Orta, Nicolau Monardes, que, no Dialogus de ferro, diz: adeo, ut dicant nonnuli, in ejus prcesentia ferrimi non attrahere. Também n'este caso, Orta se certiticou experimentalmente de que tal asserção não tinha fundamento, propondo-se a repetir a experiência diante de Ruano, se este assim o desejasse. A ídéa de que o diamante era «vencido do chumbo» encontra-se com frequência mencionada nos livros da edade-media. Glanvilla, no seu famoso tratado De proprietatibus rerum, diz o seguinte (cito pela versão hespanhola de ír. Vicente de Burgos) : No hay cosa tan dura, que el piorno no la enblandeí^ca aunque sea el diamante. E no Lapi- dario de Alfonso X, explica-se detidamente o modo por que o diamante se podia quebrar, depois de envolvido em um metal que os árabes cha- mavam a:frob, e os latinos estanno. A esta influencia de certos metaes, allude ainda um poeta francez dos princípios do xvii século, Remy Bel- leau^, notando quanto era singular a natureza do diamante: Ne pouvant estre combattue Que de soy, se voir abattue Au fray d'une lime de plom. Que esta influencia do chumbo se attribuisse á presença do «azou- gue», explica-se facilmente pelas idéas que então vogavam sobre a na- tureza do chumbo, e se podem ver, por exemplo, no capitulo de Alberto Magno, De natura plumbi. Também n'este caso Orta tinha feito a ex- periência, e diz categórica e pittorescamente, que o diamante corta o chumbo «como huma faca corta hum nabo». Era, por ultimo, bem conhecida a applicação do diamante para re- conhecer a infidelidade ou fidelidade da mulher casada, historia con- tada por Glanvilla e por outros, e repetida por Boécio de Boodt, posto que este diga já ser contra a experiência e a rasão. Em todo o caso, Boodt sempre lhe attribue um effeito salutar nas relações conjugaes, dizendo que lhe chamavam a pedra da reconciliação, reconciliationis gemma, o que, sob certos pontos de vista, ainda hoje se pôde consi- derar verdadeiro. Procurámos, por curiosidade, a origem das noticias refutadas por Orta, algumas datando sem duvida de uma remota antiguidade, com- piladas por Plinio, e conservando-se depois sem alteração durante a edade-media, outras de creação mais moderna, ou, embora de origem antiga, complicadas e aggravadas pelo desejo de maravilhoso d'aquelles tempos. Que o Colóquio de Orta, onde elle muito singelamente disse ' Devo a indicação d'esta passagem de Remy Belieau, assim como a do Lapidaria de AfFonso X, ao favor do distincto mineralogista o sr. A. Bensaude. 208 Colóquio quadragésimo terceiro o que viu, e desassombradamente contestou o que lhe pareceu falso, que este Colóquio contribuiu poderosamente para dissipar os erros an- tigos, é um facto que me parece incontestável. No livro do hespanhol Gaspar de Morales, publicado no anno de 1604, e tendo um titulo si- gnificativo. Libro de las virtudes y propriedades maravillosas de las pie- dras preciosas, ainda se encontram quasi todas as velhas historias. Gom- tudo, Morales cita Orta em varias paginas, acceitando já parte das suas emendas, e refutando-o uma ou outra vez, sempre sem rasão. No livro de Boetius de Boodt (1609), que durante tempo fez auctoridade no assumpto, a influencia de Orta é perfeitamente sensível, e a essa in- fluencia são devidas emendas importantes, e uma comprehensão mais clara das propriedades do diamante. No emtanto, Boodt ainda está longe de ter o scepticismo scientifico do nosso Orta ; e diz, entre outras cousas, que o diamante tem a virtude de combater o veneno, a peste, as fas- cinações, os encantamentos, a loucura, os pesadellos, o ataque dos in- cubos e succubos, e os malefícios dos demónios. O modo de ver mais sóbrio de Orta não foi naturalmente recebido desde logo; e elle próprio faz uma concessão ás antigas idéas sobre as virtudes do diamante, quando diz: «porque pedra que Deus criou, com ser tão invencível, he bem que lhe dê os dotes que dizem». (Cf. Plinius, Lib. xxxvii, i5, ed. Littré; J. Pieríi, Hieroglyphica, 3o6, Basileee, 1567; A. Boetii de Boodt, Gemmarum et lapidarum historia, Lib. n, 57, Hanovise, 1609; Alberto Magno, De mineralibus, Lib. 11, cap. de lapidibus incipientibus ab a, e Lib. iii, cap. de natura plumbi, Vene- tias, 1495; Monardes, em ÇAnsms^ Exotic, 3o; Barth. Glanvilla, De pro- prietatibus rerum, cap. do diamante, ed. de Tolosa, 1494; G. de Morales, Libro de las virt. y propr. maravillosas de las piedras preciosas, 189, Madrid, 1604). Orta havia lido no livro conhecido de Boemus, traduzido por Fran- cisco de Tâmara, uma historia de diamantes, guardados por cobras ve- nenosas; e, attribuindo toda a responsabilidade do dito ao traductor hespanhol, diz-lhe com uma certa graça, que, se tem de contar mentiras, melhor será contal-as das suas índias occidentaes, que das nossas ín- dias portuguezas. E, no emtanto, estas historias de serpentes e pedras preciosas, haviam sido contadas n'aquella ou n'outras formas por muita gente, e por gente muito seria. Santo Epiphanio, bispo de Salamis no IV século, em um tratado sobre as doze pedras preciosas, engastadas no peitoral ou racional, preso ao ephod do summo sacerdote hebraico, affirma que os jacinthos se encontravam na Scythia, no fundo de valles profundos, escuros e inaccessiveis. Para os obter, serviam-se do seguinte artificio : lançavam no fundo do valle cordeiros esfollados, que as águias iam buscar, trazendo para os seus ninhos a carne, e as pedras precio- sas, que vinham pegadas com ella, e depois se iam procurar nos ni- nhos. Esta mesma historia, applicada ao diamante, e complicada com Da pedra diamão 209 a presença de serpentes venenosas no fundo dos valles, encontra-se depois nos escriptores arábicos, e nomeadamente nas Mil e uma noites, onde forma a base de uma das numerosas e maravilhosas aventuras de Sindbad. E é certo, que devia correr com insistência nas terras orien- taes. Marco Polo, sendo um viajante verídico, e tendo visitado portos da índia não muito afastados das minas de diamantes, acceita uma ver- são muito similhante á das Mil e uma noites: segundo elle diz, os dia- mantes encontravam-se em valles profundos, onde era impossível descer por causa das numerosas cobras peçonhentas; ali lançavam do alto fatias de carne, que as águias brancas iam buscar e traziam para cima ; então, os mesmos homens, que haviam lançado a carne no fundo do valle, assustavam as águias com grandes gritos, e iam procurar os dia- mantes, pegados em grande numero á carne fresca. Depois de Marco Polo, Nicolo di Conti, que andou vinte e tantos annos pelo Oriente^ e esteve em Bijayanagara, o centro de uma das regiões das minas de diamantes, ainda conta a historia quasi do mesmo modo. Já se vô, que o nosso Orta não tinha rasão para ser tão severo com o pobre Tâ- mara, o qual apenas repetia uma versão já enfraquecida e diluida de uma velha lenda, e de mais era um simples traductor, sem responsabili- dade. (Cf. Lane, Arabian nights, iii, 88, ed. de 1859; Yule, Marco Polo, 11, 347, 349; Major, índia, xl, ie 29). Entre outras cousas, Orta havia lido no livro de Plinio, que o dia- mante da índia nascia ou procedia de uma substancia similhante ao crystal .... quadam crystalli cognatione. Não admitte o facto; mas, ignorando as profundas differenças de composição chimica e outras, que separam o diamante do crystal, tem de procurar diversos rodeios para refutar Plinio. Diz que na índia não ha crystal, o que é um en- gano; e que embora haja ali pedras muito claras, como o «berilo»), e a «çafira de aguoa», estas se não encontram nas regiões e junto das «rocas» de diamantes. Não creio que elle se refira ao verdadeiro be- rylo^ — um silicato de alumina e glucina — , e deve por aquelle nome designar alguma variedade do crystal de rocha, assim como pelo de sapphiras de agua designa talvez uma variedade azulada do mesmo crystal, ou quartzo hyalino. A parte interessante d'esta discussão, é o que elle nos diz sobre a situação das rocas ou minas de diamantes — parte que será necessário examinar um pouco mais detidamente. Não é possivel procurar uma a uma, quaes seriam aquellas minas; já porque as indicações de Orta são um tanto vagas, já porque as ex- plorações mudavam com frequência de logar. Tavernier é bem mais explicito do que Orta, pelo que diz respeito á localisação das minas ' Porque raros serão os crystaes de berylo em que se possam talhar «jarros e escudellas» e porque o nome de berylo se deu muitas vezes ao quarl\o esverdeado. 14 210 Colóquio quadragésimo terceiro onde esteve, e não obstante as cuidadosas pesquizas de um dos seus eruditos traductores, o professor V. Ball, ainda hoje se podem levantar duvidas sobre a verdadeira situação das suas minas de Raolconda, de Gani e outras. Com mais rasão teremos de nos limitar no nosso caso a ideniiticaçóes muito vagas e muito latas. Em primeiro logar, Orta falia das «rocas» ou minas de «Bisnaguer». Isto é exactissimo; e elle refere-se ás explorações muito conhecidas do sul da índia, nas margens do alto Pennar, nas terras de Bellari, nas margens do Tumbadra, aíiiuente do Kishna, localidades todas situadas em volta de Vijayanagara, e todas exploradas em variados pontos desde tempos remotos. Os estados do rãjâ de Vijayanagara eram então muito extensos', e Orta podia sob aquella designação referir-se também ás explorações, ainda mais conhecidas e situadas a nordeste, nas alluvióes do Kishna, e nas do Godavery, uma região depois muito celebrada sob o nome geral de Golconda. Devemos notar, que estas minas do sul são também mencionadas de um modo geral por Duarte Barbosa, o qual falia dos diamantes do Reino de Narsinga, isto é, de Bisnaguer, pois Nar- singa e Bisnaguer eram synonymos para os nossos escriptores daquel- les tempos. Orta falia em seguida de uma «roca» no Deckan, perto da terra do «Imadixa» ou «Madremaluco», isto é, perto do Berar, governado então pela dynastia de soberanos mussulmanos, que tomaram o titulo de Imad Scháh. Estes diamantes vendiam-se em uma feira muito nomeada, ce- lebrada em « Lispor», e não é diíhcil n'este nome reconhecer Elichpura, a capital do Berar. Onde estava propriamente situada esta roca é o que me parece difficil averiguar. Em vários pontos, das hoje chamadas Pro- víncias Centraes, se tem encontrado diamantes, nomeadamente em Sumbulpur, e d'ali os podiam facilmente traz.er a Elichpura. Por outro lado, em uma noticia acerca das pedras preciosas da hidia, escripta pelo rãjâ Sourindro MohunTagore — citado por Streeter — vem men- cionada a antiga Kosala, identiricada com o Berar, como uma das re- giões em que se encontravam diamantes. Ou no Berar, ou nas proxi- midades, em todo o caso no chamado Deckan, existiram varias minas a que Orta — de accordo com Duarte Barbosa — chama de «roca velha»^ distinguindo as pedras d'ali das do sul, chamadas de «roca nova», con- sideradas por elles de qualidade e valor inferiores. E possível que elles temporariamente tivessem rasão, isto é, que justamente por aquelle tempo se explorasse no sul algum jazigo, em que os diamantes tivessem um ou outro dos numerosos defeitos que os depreciam; mas de um modo geral esta apreciação dos nossos dois escriptores não se pôde ' Orta escreve em i563, e pouco depois aquelle estado desmembrou-se e quasi desappa- receu. Da pedra diamão •21 I acceitar — os diamantes do sul e da região de Golconda erão tão bons como os melhores. É também a propósito das rocas do Deckan, que Orta falia dos diamantes naifes, tomando a palavra — como já notá- mos— no mesmo sentido em que os joalheiros francczes empregaram a expressão pointe naive. Por ultimo, Orta falia de rocas de diamantes no estreito de Tanjam- pur, para «as bandas de Malaqua». Esta indicação geographica é muito vaga; mas felizmente João de Barros encarrega-se de a explicar. Pal- iando da ilha de Borneo, diz assim: «nascem n'ella pelas praias do mar, junto da cidade de Tanjanpura, diamantes mais finos e de maior valia que os da índia». Portanto os diamantes de que Orta falia são os de Borneo. É forçoso confessar, que o nosso escriptor é exacto e completo n'esta parte : as alluvióes dos rios do sul desde o Pennar até o Godavery, o pla- nalto do Deckan, a ilha de Borneo, são no Oriente as tres regiões prin- cipaes dos terrenos diamantiferos ; e todas tres são mencionadas por Orta nos melados do xvi século. Quanto á lavra e regimen das minas vè-se que elle tinha sobre isso idéas geraes, mas bastante exactas, e unica- mente cáe em um erro grave quando julga que o diamante se formava e crescia em pouco tempo, citando em apoio d'esta opinião o facto de se poder explorar fructuosamente uma «mineira» já explorada dois ou tres annos antes. O facto era verdadeiro ; mas a sua explicação era muito diversa. Em alguns pontos, como conta detidamente Tavernier, exploravam nas epochas de estiagem as areias e cascalhos das ribeiras, e, passados annos, voltavam a explorar os mesmos sitios, para onde alguns diamantes haviam sido arrastados de novo das montanhas vizinhas. Isto, porém, em nada se parece com a formação in situ do diamante, na qual Orta acreditava. A parte esta apreciação errada de um facto verdadeiro, todas as outras indicações de Orta sobre localisação e exploração do que elle chama «rocas» ou «mineiras» são muito chegadas á verdade (Cf. Ta- vernier, Voyages, n, 326 a 355; Edwin W. Streeter, Precious stones and gems, 104 a 123, fifth edition, 1892, London; Barros, Asia, iv, vi, 19; Duarte Barbosa, Livro, 278). Passaremos muito de leve sobre outros pontos para não alongar em demasia esta nota. Acerca de propriedades do diamante, Orta acertou algumas vezes e errou naturalmente outras. Alem das observações já ci- tadas, em que emendou algumas idéas falsas dos antigos, reconheceu a duret^a do diamante, sabendo que só podia ser lavrado por outro dia- mante ou pó de diamante, «posto na roda». Vè-sc por esta phrase, que elle conhecia o modo de trabalhar dos lapidairos indianos, minuciosa- mente descripto annos depois por Tavernier. Diz também que o dia- mante não consentia ser «verrumado»; e, comquanto a partir justamente do seu século se começassem a perfurar alguns na Europa, é bem possível que esta delicada operação se não fizesse na índia. Reconhe- 212 Colóquio quadragésimo terceiro ceu experimentalmente que os diamantes se electrisam pela fricção, e viu-os depois de «esquentados trazer a palha, como alambres»; mas exagera talvez um pouco quando affirma, que dous diamantes esfrega- dos licavam adherentes. Por outro lado, engana-se quando diz serem os diamantes de Tanjanpura mais pesados que os da índia, pois a sua densidade é sempre a mesma. Engana-se também quando nota que «nem o foguo lhe faz nojo»; mas é claro que elle não dispunha de tem- peraturas sufficientemente elevadas, e não podia saber que o diamante era simplesmente carvão, antecipando-se assim ás experiências da Aca- demia dei Cimento, e de Lavoisier. Ácerca de propriedades toxicas, é perfeitamente acceitavel — e é conhecida na índia e no Brazil — a historia dos trabalhadores que enguliam os diamantes inteiros sem inconveniente; mas é mais sujeita a caução, a do pobre doente a quem a mulher administrava diamante moido, sem com isso lhe determinar a morte. Garcia da Orta residiu trinta e tantos annos em Goa, um dos mais importantes centros do commercio de pedras preciosas, e, curioso como era, deve ter visto muitos e muito bons diamantes. Não é nada exage- rado no que diz a este respeito; diamantes brutos do peso de 140 man- gelis^ ou proximamente 170 quilates, como um que viu, ou do peso de proximamente 3 12 quilates, como um de que ouviu fallar, sendo seguramente muito bellos, estão dentro das dimensões conhecidas. Mesmo o que tinha o tamanho de um «ovo pequeno de gallinha» não está fora dos limites. O diamante do Grão Mogol, visto porTavernier, e do qual elle dá uma representação no seu livro, pesava em bruto 793 quilates, e depois de talhado e mal talhado pelo veneziano Hor- tênsio Borgis ficou pesando 280 quilates; na primeira fórma devia se- guramente ter as dimensões de um ovo, e não muito pequeno'. Nota (2) É necessário não confundir esta pedra arménia com a terra arménia ou bolo arménio, uma argilla ferruginosa, que, como a tei-ra de Lemnos ou terra sigillata, figurou largamente na matéria medica do tempo de Orta, e ainda muito posteriormente. A pedra arménia do nosso Orta, «hager armini» dos árabes, ( .ij>^ hadjer el-armeni) era «verde craro» e «azul algum tanto»,' o que de modo algum concorda com a côr avermelhada da terra arménia. Era um quartzo tinto de azul pelo íTji// de cobre, com uma mistura de côr verde, ou uma pedra calcarea ' Estava escripta e impressa esta nota, quando me veio parar á máo o artigo sobre O Diamante, publicado pelo sr. A. Bensaude na Rev. de Scienc. nat. e soctaes, u, 8; e que por isso não pude já citar n'este meu trabalho. Da pedra diamão 2l3 corada pela mesma substancia; ambos foram chamados pedra arménia pelos naturalistas até a uma epocha relativamente recente. As vezes confundiam-se estes mineraes com o lápis lajiili, como faz, por exem- plo, Pedro Teixeira : Tienne mas la Pérsia Ager Armeny, que es el lá- pis Armenus de miestros médicos, que por oiro nomhre di:fen lápis la^^uli. (Cf. Haiiy, Traité de miner., iii, Syo; Teixeira, Relaciones, i66). Nota (3) A pedra de cevar ou pedra iman, o oxydo de ferro magnético ou magnetite polar, não era veneno, nem fazia os homens aluados ou doudos. Também os não impediria de envelhecer, como diz Orta na sua curiosa historia das panellas do rei de Ceylão, que foi depois co- piada pelo nosso clássico escriptor, Amador Arrais. Quanto aos barcos das Maldivas, veja-se a nossa nota (vol. i, p. 245) ; e seguramente eram feitos assim pela rasão que Orta dá, e não pela que traz Antonio Musa. COLÓQUIO QUADRAGÉSIMO QUARTO DAS PEDRAS PRECIOSAS, QUE SAM, SCILICET, ÇAFIRA, JACINTO, GRANADA, RUBIM, MEDECINAES INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Aguora he bem que falemos, pois he mais nesseçario á física, das pedras preciosas que emtram nas composições e letuairos cordiaes. ORTA Náo vos ei de dizer senam das pedras medicinaes e das que ha na índia, porque se dixesse de todas, seria numca acabar; e das medicinaes somente vos direi das que emtram no letuairo de gemis, que commumente sam chamadas f7^a- gmenta preciosa (i). RUANO Dizei dessas, porque depois volo rogarei, e me direis de algumas outras. ORTA Direi em breves palavras. E porém destoutras he mais nesseçario, por vos aconselhar que leveis lo crusados delias, pera que deis aos buticairos de Castella, que daqui ávante comprem as verdadeiras pedras, pois não sam tam caras. A primeira he çafira, que he huma pedra que merece valer muyto, e comprase por pouquo dinheiro, o azul da qual he muyto aprazível á vista: ha as de duas maneiras, scilicct, humas muyto escuras, e outras muyto craras, que chama- mos çafira de agiioa, e estas não sam de tanto preço, e algumas vezes se emgastam com alguma tinta, que lhe dam, e parecem diamães, com que alguns foram emganados. E asi humas como outras ha em Calecut, c Cananor, e em Colóquio quadragésimo quarto muytas partes dos reinos de Bisnagua*; e porém as milhores de todas sam as de Geilam, e muyto milhores as de Pegú. E com serem pedras tanto apraziveis aos olhos, nunqua se achou alguma por grande e limpa, e de boas agoas que fosse, que escasamente chegasse a looo pardaos ou looo cruzados**: isto diguo, segundo o que ouvi nestas terras. Quando embora fordes pêra Cochim, podeis comprar em Calecut e em Cananor, dos pedaços que ficam quando as lavram, alguma cantidade, e também comprai delias, asi inteiras, porque vallem pouquo dinheiro (2) . RUANO Dizei dos jacintos e granadas. ORTA Destas ha tanta cantidade, que não he nesseçario, senão com pouqúo dinheiro levardes hum saquo delias : muitas acha- reis em Calecut e Cananor, e as lavradas dam huma corja (que sam 20) por hum vintém; e as por lavrar muito mais ba- ratas; e as gi^anadas nam tam somente ha nas partes que dixe, mas em todas as terras firmes de Cambaia, e do Ba- lagate se estam vemdemdo na praça por muito pouquo preço (3). RUANO Seguese da sardonix. ORTA Esta pedra nam ha nesta terra, e se alguma ha, vem de fóra delia; e alem disso ha muita defercnça cm saber que pedra he (4) ; por tanto de meu conselho deveis de deitar em seu logar, quando a nam achares, jacintos ou granadas; os quais jacintos ha também perto de Lisboa em hum lugar que se chama Belas, c asi os pode aver em muitos cabos * Habitualmente Orta escreve Bisnaguer. ** De i:542;5foooréis, a 2:i6o.'7?'oooréis em valor intrínseco, ou, sup- pondo o valor effectivo da moeda quatro vezes superior ao actual, de 6:oooí?)ooo réis a 8:000^000 réis proximamente. Das pedras preciosas 2 1 7 de Espanha, se os buscassem; e estas duas pedras c granadas, querem alguns dizer que sam especias de ru- bins. RUANO E do rubim e do carbúnculo que me dizeis? ORTA Digo que, debaixo deste nome de inibim, se contem muitas especias, c a mais principal se chama em grego antrax, e em latim carbunciilus, que tanto quer dizer como brasa acesa. RIJANO Essa queria eu ter para mim, e nam pera gastar na bu- tica, porque ouvi dizer desta que alumiava de noite. ORTA Não creais isto, que sam ditos de velhas. RUANO E não vistes vós, ou ouvistes dizer que a avia? ORTA Nunqua a vi. Verdade he, que hum lapidairo me dixe que contara em huma mesa huns poucos de riibins muyto finos, que vieram de Ceilam, muyto meudos, a que chamamos rubins de corja, que he tanto dizer como comprados 20 a vinte, e diz que ficou hum metido entre as dobras da meza, e que de noite, ás escuras, parecia a meza que tinha huma faisca de fogo, e foy á meza com huma candêa, e achousc ham rubim mu3^to pequeno, e que des que o tirou nunqua mais pareceo a faisca na meza: se isto he verdade ou men- tira, não o sei. E sei que mo contou este lapidairo, o qual oficio faz dizer ás vezes mentiras, posto que as dizem por seu proveito, porém ficam tam mal acustumados disto, que ás vezes as dizem por falar á sua vontade maravilhas. 2i8 Colóquio quadragésimo quarto RUANO Loguo, quando o rubim for muyto fino, em cor e aguoas, quero dizer que seja de vinte quatro quilates em cor*, cha- marlheemos carbúnculo? ORTA Pareceme que si; e eu vi Já alguns destes a que chamam toques, e tem o preço segundo a grandura, e feiçam e aguoas, e o mais caro que eu vi foy hum que diziam valer 20 mil cruzados**; este tinha hum grande senhor no Decam, que mo mostrou por ser eu muito privado seu, e me tomou mi- nha palavra que o nam dixese á gente daquella terra, nem ao re}^ delia; dixeme que lhe custara seis mãos de ouro, que sam perto de cinquo arrobas portuguezas. RUANO Esse era bom pera gastar na botica, segundo os buticai- ros sam liberaes. ORTA Não, que para a botica achareis muytos tam baratos como os Jacintos; por tanto também levai alguma cantidade a Castella, Ha outra especia, que chamam balax, que he algum tanto roxa, este he de menos preço; ha outra a que chamam espinhela, este he de cor mais cheguada á braza, e também este he de menos preço, porque não tem as agoas de verdadeiro rubim. Ha outros rubins brancos em muyta maneira. Ha outros que tiram hum pouquo a encarnado, ou mais propriamente a cereija branca, que se quer fazer ma- dura. Ha outros rubins que sam ametade brancos e ame- tade vermelhos, e outros que sam ametade çafiras e ame- tade rubins. E de todas estas feições vi, e se vos relevar, volas mostrarei, antes que vos vades. E posto que ha outras muytas especias destes rubins, delles vos nam quero falar, * Isto é, absolutamente perfeito na côr. *» Um pouco mais de 43:ooO':3íooo réis em valor intrínseco; ou o equivalente a i72:oooí?'ooo réis de hoje. Das pedras preciosas 219 nem de seus preços, porque não sei isto muito bem sabido, scilicet, o dos preços. RUANO Não podeis escusar de me dizer a conta da variaçam das cores desses rubins. ORTA O que ouvi dizer mais conforme á rezam he, que o riibim na roca, quando he perto do seu nacimento, he branco, e em amadurecendo adquire aquella perfeiçam que he ser vermelho; e, porque esta perfeiçam não se pode adquirir subitamente, ás vezes o acham encarnado como dixe, e outras vezes de huma das bandas vermelho, e de outra branco. E porque a çajira e riibim dizem ser de huma roca, portanto se acha em huma pedra hum rubim meo çajira e meo rubim; e ha outras pedras, que tem tam mesturado o azul com o vermelho, que pareçe huma verdadeira compo- siçam de azul escuro e vermelho, e casi como roxo; e a estas pedras chamam em algumas lingoas desta terra nilá- candi; que quer tanto dizer, como rubim e çajira. RUANO Os nomes destas pedras me dizei em arábio e na lingoa da terra. ORTA O rubim chamam os Arábios e Pérsios yaa//, e a gente desta terra manica, e os jacintos e granadas tem uns nomes particulares, como quem diz rubim amarelo, e rubim preto a granada; e a çajira se chama iiilá. RUANO • A milhor pedra e a mais nesseçaria me não dixestes, que he a esmeralda, que entra no letuairo de gemis, chamandoa ferruze^i? ^ ORTA Não valem as esmeraldas tam baratas, que por esme- ralda se aja de entender Jerru^egi: porque as esmeraldas ha muito poucas, e de muito grande preço; e não se sabe a própria roca delias; de maneira que as que ficam donde 220 Colóquio quadragésimo quarto as soem lavrar, não se pode achar tanta cantidade que abaste-, e quem diz que ferru:{egi quer dizer esmeralda não sabe arábio; nem a emtençam de Mesue foy entrar esme- ralda nesta composiçam, posto que o contrairo sentio Cris- tóforo de Honestis*, comentador de Mesue. E a causa disto he, porque esmeralda em pérsio c em lingua desta terra, se chama pachec, e em arábio '{amarrut; e Serapio no ca- pitulo da esmeralda**, onde diz :{aharget, ha de estar ^a- marrut; nem ha de estar tabarget, como sente o Pande- tario ***. RUANO Pois ferruiegi que quer dizer? ORTA Aveis de saber que p e / no arábio sam letras muyto irmans (como já outras vezes vos dixe); por onde, no Mesue em arábio, este femqegi quer dixer turquesa ou da tur- queza: porque puru^á em arábio**** quer dixer íurque:{a, das quaes ha muita cantidade em toda a Pérsia. RUANO Verdadeiramente que por este só ponto ouvera de vir á índia, e se vos nam achára, por ventura mo nam dixcram cá; daqui em diante onde achar ferruiegi em Avicena ou em qualquer livro dos Arábios, entenderei turquesa, c nam consintirci a buticairo, que deite no letuario de gemis es- malte verde, nem outras pedras verdes; porque me lembra que o outro dia, vindovos aqui a vender huma joia^ com muitas efmeraldas meudas, me dixestes que todas aqucUas eram falsas, e que no Balagate e em Bisnaguer as faziam * Cristóforo de Honestis (nota do auctor). » » Serapio, cap. 884 (nota do auctor). **» Matheus Silvaticus (nota do auctor). * * * * Parece que Orta se enganou, e quereria dizer em persiano, ou parsio; veja-se a nota (6). Das pedras preciosas 221 de vidro dos frasquos, scilicet, do mais grosso delles, e que era cousa tam comum entre elles, que se nam corriam disso; e por isso onde eu vir esmeralda, direi antes que a não bote no letuairo sem saber muito certo o que he, a viride vitro libera nos domine. E mais as nossas esmeraldas do Peru, diz hum doutor moderno, que sam muyto más pera o uso da medecina ORTA Diguo que estas pedras do Perú chamadas esmeraldas vieram cá a esta terra; no principio valiam muyto, e de- pois que cairam nellas, acharam ser falsas, e não dam di- nheiro por ellas; portanto também dessas me parece que vos aveis de guardar (5). RUANO Dizeime das turquesas, se sam usadas em física ou não. ORTA Alguns me dixeram que si, c outros que não, entre os Gentios, porque entre os Mouros, todos os mais dizem que sam usadas na física (6). RUANO Dizeime da crisolita e da amatista, e do birilo (pois dizeis que cristal não ha nesta terra) e da alaqueca, e do jaspe. ORTA Do jaspe vos nam direi, pois o ha mais nas vossas terras, e sabeis mais delle que eu,* com tudo vos sei dizer que ha cá porcelanas pequenas de jaspes, ou de pedras verdes, que parecem de esmeraldas, e já pode ser que a pedra que está em Genoa, que dizem ser de esmeralda, seja desta pedra, e amostralaam poucas vezes por alcançar mais autoridade, e falarem á sua vontade os Genoeses; porque a mim me davam no Balagate huma' porcelana por 200 pardaos*; e se fora esmeralda, a milessima parte delia ma não deram por * «Porcelana» é tomada aqui no sentido de taça, como se tomava habitualmente por aquelle tempo; veja-se a nota (7). 222 Colóquio quadragésimo quarto ellcs, segundo a estima que ácerqua delles está a esme- ralda (7). Do birilo já vos dixe, falando no diamam, a muita cantidade que ha delle nas terras de Cambaia, e de Bisnaguer e Ceilam, e em outros muytos cabos. A a^isolita ha em Cei- lam, e as ametistas também^ e asi ha eni Balagate do Niza- moxa estas pedras e outras muytas; e todo aquelle Balagate está cercado de muytos géneros de pedras (8). A alaqueca chamada de nós (que he em Arábio chamada quequi), vai hum arrátel desta pedra lavrada em peças meudas hum real castelhano ; e èsta pedra tem a vertude mais crara que to- dallas outras, porque estanca o sangue mui de supito (9). RUANO Os olhos de gato me parecem muyto bem; onde os ha? ORTA Os milhores ha em Ceilam, e valem mais cá que em Por- tugal, porque eu vi hum, levado pera Portugal, que valia cá 600 cruzados, e em Portugal não davam por elle mais que 90, e tornou cá e foy vendido por sua valia : c por isso não leveis de cá estas pedras pera Portugal por mercadoria (lo). RUANO Que propriedade tem? ORIA Diz a gente desta terra, que tem a propriedade de con- servar ao homem nas riquezas que tem, e não diminuir delias, e porém que se pode acresentar mais nellas. RUANO Onde ha estes rubins, que mo não dixestes? ORTA Alguns poucos ha em Ceilam, porém sam muito bons, outros vem do Pegú, e dizse que vem ali ter das terras do Bramá, que he muyto longe. E isto sam emformações as mais certas que tenho; se nisto érro alguma cousa, perdo- aime, que nam sei inteiramente todas as cousas. Das pedras preciosas 223 Nota (i) A formula do «letuario de gemis«, extrahida de uma pharmacopêa pouco posterior ao tempo de Orta, é a seguinte : ELECTARIUM DE GEMMIS SINE SPECÍEBUS DOMINI MESUES R. Margaritarum albarum — drachmas duas Coralli rubri — scrupulos duos Sapphirorum Hyacinthorum Granatorum Sardii Smaragdi Foliorum auri Foliorum argenti — ãn drachynan unam et semifsem Misce et fac pulverem artificiosé. Parece, pois, que os fragmenta pretiosa eram a sapphira, jacintho, granada, sardonix e esmeralda. Sobre a applicação d'estes nomes havia, porém, duvidas, não se sabendo bem ao certo o que fosse o jacintho e a sardonix. Também não é claro que a esmeralda devesse entrar n'esta composição. Mesué havia indicado um dos ingredientes com o nome de feru:^egi, que os commentadores suppunham em geral ser a esmeralda: feru:^egi id est smaragdi; mas Orta, como melhor ve- remos em outra nota, tem duvidas e bem fundadas de que o feru^egi de Mesué seja effectivamente a esmeralda. Nota (2) Reuniremos n'esta nota o que diz respeito á sapphira e ao rubim, de que Orta falia no seguimento do Colóquio. As duas pedras são simples variedades da mesma espécie mineralógica, o coi*yiicl<>n (telesio de Haiiy), um sesquioxydo de alumínio; e é notável que Orta suspeitasse já este facto, comquanto não podesse saber que a composição chimica das duas pedra é idêntica ou quasi idêntica, nem que ellas crystallisam no mesmo systema. É muito explicito a este respeito: «e porque a ça- jira e rubim dizem ser de uma roca, portanto se acha em huma pedra hum rubim meo çafira c meo rubim». São hoje bem conhecidas estas 224 Colóquio quadragésimo quarto pedras de duas cores. O sr. Streeter affirma ter tido em seu poder um coryndon de 20 quilates, meio azul e meio vermelho; e cita uma noticia de Crawfurd, a quem, estando em Ava, trouxeram á venda duas pedras d'esta natureza, uma das quaes era dividida pelas cores azul e vermelha em duas partes iguaes. É justo dizer, .que Duarte Barbosa tinha a mesma correcta noção sobre a identidade fundamental das duas pedras. Paliando do topázio diz o seguinte: «he pedra mui dura e mui fria e do peso do Rubi e Safira, porque todas tres são de huma mesma espécie». Esta phrase é extremamente notável, e é exactíssima, admit- tindo que Barbosa se referia ao topasio oriental, uma variedade ama- rella do coryndon. A respeito dos rubins e de antigas lendas, Orta falia unicamente da que lhes attribuia luz própria, chamando-lhe sem hesitação «ditos de velhas». A idéa era antiga, e nasceu naturalmente do brilho e côr do ru- bim, que lhe davam a apparencia de possuir luz e calor próprios, e de onde lhe vieram os nomes de ávOpa^ e de carbunculus. Plinio diz, que os sinetes de carbúnculos derretiam a cera ceras signantibus his liquescere, quamvis in opaco. O conhecido peregrino buddhista do vii sé- culo, Huen Thsang, affirma que um rubim, collocado sobre o templo de Ceylão onde se guardava o dente de Buddha, se via brilhar em noites serenas a uma distancia de 10:000 li. E, muitos séculos depois, o fa- moso e pouco verídico viajante, Sir John Maundeville, falia de um ru- bim ou carbúnculo de meio pé de comprimento, que o Grão Cao do Gathay tinha em um dos seus quartos e illuminava de noite todo o apo- sento. Acerca da procedência dos rubins, Orta sabia em primeiro logar que estas pedras vinham de Ceylão, o que é exacto. Aquella formosa ilha deveu uma parte da reputação, de que gosou desde tempos muito anti- gos, ás suas pedras preciosas e nomeadamente aos seus rubins. Entre os variados nomes da ilha, Taprobana, Serendib e muitos outros, en- contram-se alguns derivados d'aquella circumstancia, como Ratnadvipa, a ilha das pedras preciosas, ou DJaprat al- Yacut, a ilha dos rubins. Orta conhecia igualmente a sua procedência do Pegu, como a conheciam outros escriptores portuguezes do seu tempo. «Achão-se principal- mente» — diz Duarte Barbosa — «em um rio chamado Pegu, e estes são os melhores e mais finos». Gaspar Corrêa dá a mesma noticia « e mormente por amor dos rubys, que comprao escondidos, que na terra (Pegu) ha os milhores que se achão na índia». Orta sabia mais, que estes rubins vinham do interior «vem ahi ter das terras do Bramá, que he muyto longe». O mesmo sabia Duarte Barbosa, dizendo que para dentro de Daua (de Ava), em roda de «Capeiam» se «achaom muitos rubis, que trazem a vender á feira Daua». A situação exacta d'estas minas de rubins foi desconhecida durante muito tempo; mas recente- mente um relatório do sr, W. Lockhart, engenheiro da Burma Ruby Das pedras preciosas 225 Mining Company, diz que os jazigos se encontram na margem esquerda do Iravady, muito acima de Mandalay e da antiga capital Ava, em volta da villa de Mogok, e da localidade de Kyat-piyu, que deve ser o «Ca- peiam» de Barbosa. Como se vê, aquellas minas estão e estavam situa- das no alto Burmá, em plenas «terras do Brama», ficando assim per- feitamente confirmadas as noticias, alcançadas por Orta e Barbosa ha mais de tres séculos. Quanto á procedência das sapphiras, Orta indica Ceylão e Pegu, o que é exacto, pois em ambas as regiões se encontram á mistura com os n/- bins; e indica também o Malabar e terras de Vijayanagara, no que pôde haver um engano, tendo elle tomado outras pedras por verdadeiras sa- pphiras (Cf. Jannetaz, Diamant et Pierres précieuses, 243, Paris 1881; Streeter, Precious stones and gems, i5i, 168, London, 1892; Tavernier, Voyages, 355; Plinius, xxxvii, 25; Yule, Cathay, clxxvii; e Marco Polo, II, 296; Duarte Barbosa, Livro, 363, 376, 38 1; Gaspar Corrêa, Len- das, III, 85 1). Ao mesmo tempo que Orta approximava a sapphira do riibim, não obstante terem côres diversas, separava do verdadeiro rubim algumas pedras vermelhas, e habitualmente designadas pelo mesmo nome, o rubim balax e o rubim espineta. Ainda n'este caso tinha rasão; aquel- las pedras pertencem á espécie mineralógica spinela, um alu- minato de magnesia, crystalisando no systema cubico. Orta caracterisa bem as suas côres, mais «cheguada á braza» na espinela, e mais des- maiada no balax; e separa-as do rubim oriental ou coryndon vermelho por uma nota bem observada: «porque não tem as aguas do verda- deiro rubim». Barbosa também as distingue, dando sobre a sua pro- cedência algumas noticias interessantes, e indicando a origem do nome de balax ou balass, pois diz que vinham da «Balassia», uma terra firme para dentro de Pegu e Bengala. O nosso Duarte Barbosa não podia conhecer a geographia do interior tão bem como a do littoral; e a sua Balassia, isto é o Badakhshan, ficava muito longe d'ali, para os lados do alto Oxus e do Pamir. Ibn Batuta explica muito bem a derivação do nome, dizendo que o rubitn badakhshi, se chamava vulgarmente al-balakhsh. Orta distingue também a sapphira de agua da verdadeira sapphira oriental. É provável, que elle designasse já por aquelle nome a mesma pedra a que hoje se applica, a coi*d.iei'ite (ou iolite), um silicato de alumina, magnesia e oxydo de ferro, bastante commum em Cey- lão; mas é possível, que algumas das suas sapphiras «muito craras» fossem simplesmente variedades azuladas do crystal de rocha, ás quaes ainda no tempo de Romé de Lisle se dava também o nome de saphir d'eau (Cf. Jannetaz, i. c, 254 e 278; Streeter, \. c, 208 e 294; Barbosa, Livro, 278; Yule e Burnell, Gloss., 39; Haiiy, Traité de mineralo- gie, II, 418). i5 220 Colóquio quadragésimo quarto Nota (3) Varias pedras têem recebido o nome de jacinthos ou hiacinthos; e por vezes estas duas formas do mesmo nome tèem sido applicadas por di- verso modo, comquanto habitualmente se tomem como synonymos. Não é fácil saber, se o «jacinto» de Orta seria uma variedade áQCoryndon chamada jacintho oriental, ou o silicato de zirconia, também chamado jacintho; mas é mais provável, que elle designasse assim uma variedade amarella alaranjada da g-i-airacla (um silicato de alumina e outras bases) bastante frequente em Ceylão. Se Orta diz, que estas pedras se encontravam em abundância nos portos commerciaes de Calicut e Ca- nanor, é porque as traziam para ali de Ceylão. Quanto ás granadas ordinárias de côr escura, alem de virem de Ceylão, encontravam-se em varias partes do Hindustão, e por isso Orta diz serem frequentes nos mercados do interior. Estas pedras eram communs e deviam ser extre- mamente baratas, tendo sobretudo em vista, que Orta não falia como um joalheiro, procurando bonitos e grandes exemplares, mas simples- mente como um medico, contentando-se com pequenos fragmentos, próprios para o uso das boticas de então. Em um dos paragraphos seguintes, Orta falia dos jacinthos (granadas) de Bellas. É bem sabido, que não longe de Bellas, nos basaltos do monte Suimo, assim como em Cintra, na zona de contacto dos terrenos sedi- mentares e eruptivos, se encontram granadas, que em tempos deram logar a algumas explorações ou tentativas de exploração. A existência d'estas pedras parece haver chegado já ao conhecimento de Plinio, o qual, fundando-se na auctoridade de um certo Bocchus, diz encon- trarem-se carbúnculos (e por esta palavra designava qualquer pedra ver- melha ou roxa) nos campos de Lisboa : Bocchus et in Olisiponensi erui scripsit, juagno labore ob argillam soli adusti. (Cf. Jannetaz, i. c, 3ji e seguintes; Plinio, xxxvii, 25). Nota (4) «Ha muyta deferença em saber que pedra he a sardonix», diz o nosso escriptor. Seria effectivamente difficil averiguar o que era a pedra d'este nome, engastada no logar superior á direita no racional do summo sa- cerdote hebraico ; ou o que era a pedra do anel, lançado ao mar por Polycrates de Samos, e maravilhosamente encontrado depois no interior do peixe. E pouco provável, que estas famosas pedras fossem simples- mente as agathas com veios corados, bastante communs, a que hoje chamamos sardonix. Orta não trata de profundar muito a questão, e diz com uma certa indiíferença : quando não tiverem sardonix, sirvam- Das pedras preciosas 227 se dos jacintos ou granadas —evidentemente o eíTeito therapeutico de- via ser o mesmo. Nota (5) Orta falia da verdadeira csiifiei-alcla,, um silicato de alumina e glucina, tendo a composição chimica do bcrylo e da agua marinha; mas distinguindo-se bem d'estas pedras vulgares e de baixo preço, pela côr verde, intensa e caracteristica. A esmeralda era n'aquelle tempo uma pedra rara e cara, a mais cara de todas; e Orta ignorava a sua procedência: «e não se sabe a própria roca d'ellas». Um século depois, Tavernier, não obstante haver percor- rido todo o Oriente, occupando-se muito particularmente do commer- cio das pedras preciosas, Tavernier estava na mesma ignorância : yavoue que je n'ay pu encore découvrir les lieux et les endroits de nostre Continent d'ou on tire ces sortes de pierres. Parece que as esmeraldas dos antigos, pelo menos a parte do que elles chamaram (Tjj.apa-j^Sc? e sma- ragdus que se pôde considerar como sendo a verdadeira esmeralda, porque sob aquelle nome elles designaram evidentemente variadas pe- dras verdes, parece — digo — que as esmeraldas dos antigos procediam principalmente da Africa, por exemplo, de Sikait e Djebel Zabbara no alto Egypto, a leste do Nilo e não longe das costas do mar Vermelho. Cosmas Indicopleustes já falia (545 proximamente) d'estas esmeraldas da Ethiopia, que eram levadas para a índia, e pagas ali por altos preços. Edrisi (1154) ainda se refere ás minas, situadas nas proximidades de Asuan, como sendo activamente exploradas no seu tempo; mas caíram depois n'um certo abandono, ou pelo menos n'uma certa obscu- ridade. Como acabamos de ver, eram completamente ignoradas de Gar- cia da- Orta e de Tavernier. Duarte Barbosa tem, porém, a este respeito uma indicação muito notável: «as esmeraldas nascem no Reino fpaese) de Babilónia, aonde os indios chamao o Mar Deiguan». Não sei o que os indios chamariam mar Deiguan; mas o reino ou paiz de Babilónia no tempo de Barbosa (i5i6) deve ser o Egypto; e temos assim mais uma, na extraordinária copia de informações exactas, colligidas por aquelle escriptor. O ílamengo Linschoten, copiando muitas cousas de Orta, dá no emtanto noticias suas, e entre ellas uma que concorda com a de Barbosa: ex Cayro yEgypti orientales (smaragdi) quoque dicti multi in Indiam deferuntur. Isto está de accordo com a opinião de Laet — citado por Streeter — de que se tiraram esmeraldas d'aquellas minas até ao XVII século. Esta velhas minas abandonadas do Egypto foram visitadas no principio do nosso século pelo francez Cailliaud, e muito recentemente (1891) pelo sr. E. A. Floyer, que escreveu ácerca d'ellas uma noticia interessante. Fóra da Africa, algumas esmeraldas se encon- travam na Asia central, mas em regiões afastadas e mal conhecidas, 228 Colóquio quadragésimo quarto que muito naturalmente escaparam ás investigações de Orta e Taver- nier. Alguns annos antes de o nosso Orta escrever haviam começado a vir para a Europa e para o Oriente as esmeraldas do Peru, que mais tarde, pela sua relativa abundância, determinaram uma grande baixa de preço. Orta conhecia-as, e tinha-as na conta de falsas. Isto é mais uma prova, sobre muitas, de que elle se deve considerar um tanto parcial no que diz respeito ás cousas das índias occidentaes. Aquellas riquíssimas possessões dos hespanhoes otfuscavam-no, como ofluscavam quasi to- dos os portuguezes, e esta espécie de ciúme ou rivalidade traduzia-se por vezes em apreciações menos justas. Ao contrario do que elle diz, as esmeraldas da America eram perfeitamente verdadeiras e de excellente qualidade e agua. Pelo que diz respeito ás propriedades medicinaes d'aqueilas esmeraldas, as duvidas eram naturaes, e não foram manifes- tadas unicamente pelo nosso escriptor. Na formula, por exemplo, da Limonata smaragdorum, recommenda-se expressamente o emprego das esmeraldas orientaes^, condemnando-se implicitamente o das occiden- taes.Todo o empenho consistia então em encontrar os verdadeiros in- gredientes, mencionados pelos antigos, e acceitavam-se difiicilmente estas pedras novas, vindas de uma região nova, não conhecida de Avi^ cenna e de Mesué. É claro que tudo isto nos parece hoje pueril; mas quem sabe se a medicina futura não considerará também pueris algu- mas das distincções que hoje se fazem (Cf. Tavernier, Voyages, ii, 350; Edrisi, Géogr., i, 36; Duarte Barbosa, Livro, 382; Linschoten, Naviga- tio, 86; Streeter, I. c, 222; Jannetaz, I. c, 262; Concórdia phannac, 28). Nota (6) E difficil annotar com uma certa ordem este desordenado Colóquio, e reuniremos aqui as breves reflexões a fazer sobre o pouco que Orta diz da turquesa em todo o Colóquio. Elle sabia que estas pedras vinham da Pérsia, como o sabiam em geral os portuguezes do seu tempo, por exemplo, Pedro Teixeira, o qual marca exactamente a situação das minas em «Nixábur», ou Nischapur. Orta diz-nos, também, que os «mou- ros», não os hindus, consideravam a íurqua^a medicinal. A este respeito faz algumas considerações interessantes. Mesué havia indicado, entre os componentes do Electarium de gemmis, um denominado feru^egi, que os commentadores, como Cristóvão de Honestis e outros, interpre- ' Isto é, esmeraldas de procedência oriental ou do Velho Mundo; e não o que os livros especiaes chamam hoje esmeralda oriental, que é uma variedade verde do coryndon, exce- pcionalmente rara. Das pedidas preciosas 229 tavam esmeralda, que nas Pharmacopêas se tomava também pela esme- ralda: ferujegi, id est smaragdi; mas que Orta quer que seja a tur- quesa. Orta tem rasão; o nome arábico da turquesa é ^pjJ,Jiritsedj\ derivado do persiano s]^^^^ pirujá, portanto o ferujcgi das translit- teraçóes latinas é claraniente a turquesa (Teixeira. Relaciones, i56; Freytag, Lexicon s. v.). Nota (7) Orta deve ter rasão, quando diz que a grande pedra de Génova não deveria ser uma esmeralda, e sim qualquer outra pedra verde, talvez nm jaspe. Do mesmo modo, como já indicámos, algumas das enormes pedras, mencionadas por Theophrasto como au.ápa-^Xo?, e por Plinio como smaragdiís, podiam ser tudo, menos verdadeiras esmeraldas (Theophrasto, De Lapidibus, 344, edição Wimer; Plinio, xxxvii, 19). Orta falia das «porcelanas» de jaspe verde que se vendiam na índia, tomando a palavra no sentido de taça, independentemente da substancia de que era formada. Porcelana parece ter significado primitivamente a concha de um mollusco, cuja madre pérola se applicava ao revesti- mento de objectos de ornato e de taças. Tem este sentido em um do- cumento portugucz do século de Orta. No dote da infanta D. Beatriz, duqueza de Saboya, figuram (i522): «Seis manilhas de porcelana, en- castoadas em ouro; e ás duas falecem peças de porcelana». Eviden- temente a palavra designa aqui uma substancia, que revestia as mani- lhas ou pulseiras. Pelo facto d'aquella substancia revestir algumas taças passou depois a significar a taça. Em uma relação de objectos perten- centes á guarda roupa de El-Rei D. Manuel, cncontra-se a seguinte menção: «quatro porcelanas da China de prata»; e em um inventario de jóias e prata a cargo da camareira D. Mecia Dandrade (i558) vem indicadas: «Quatro porcelanas, a saber, tres de ágata, uma de jaspe, guarnecidos bocal e pé de ouro ». É exactamente o sentido cm que Orta toma a palavra. Mais tarde a mesma palavra passou naturalmente a designar uma substancia de que se faziam taças, e fixou-se no sentido que ainda conserva. Mais alguma cousa haveria a dizer sobre estas va- riações de sentido, com as quaes não concordam todos os etymologis- tas; mas não temos tempo para debater este ponto especial (Cf. Pro- vas da Hist. Genealog., 11, 848, 460, 776). Nota (8) A amethista, uma variedade roxa do cryl (ou cymophana), um aluminato de glucina, que se encontra no Oriente, Pegu, Borneo, Cey- lão (Cf. Jannetaz, i. c. 259). Nota (9) A laqueca ou alaqueca era a variedade vermelha ou côr de carne da calcedoiiia, (um quartijo amorpho e semi-transparente) vulgar- mente chamada hoje cornalina ou cornelina. O antigo nome portuguez vinha do arábico 'aqiqá («quequi» do nosso Orta), junto ao artigo, iaJixj! alaqiqa (Sousa, Vestígios, 148; Dozy, 56). A laqueca encontrava-se nas terras do Guzerate, em uma localidade chamada «Limadura», e dava logar a um commercio de certa activi- dade. Eis o que diz Duarte Barbosa: «Indo mais ha ho diante desta cidade de Cambaya, ha ho certam dela, está huu lugar que chamaom Limadura, honde está hi3a pedra (pedreira) dalaqueca, que he huma pedra branqua leitenta e vermelha, e dentro no foguo ha fazem muyto mais vermelha; arranquam-na em muy grandes pedaços, e aquy ha grandes mestres que a lavraom, e fu- raom e fazem de muytas feições, scilicet, compridas, outavadas, redon- das, folhas doliveta (?), e em muytos anéis, cabos de tresados e adaguas, e de outras maneiras». Dá depois noticia de que estes objectos de laqueca saíam d'ali para o Mar Roxo, para a Arábia, Pérsia, e «pera a índia (Goa e índia por- tugueza) honde as nossas gentes as compraom pera levarem a Por- tugal». Na Lembrança das Cousas da Ymdea encontra-se também uma longa lista de preços da «alaqueca de canudo, dolyveta (?), de co- souro (?J>', e de contas, anéis, cabos de facas, colheres, garfos, tachas de punhaes, tudo feito d'aquella pedra, c valendo preços relativamente muito baixos (Cf. Barbosa, Livro, 286; Lembrança, 5i). A virtude, attribuida á laqueca, de estancar o sangue, era muito sa- bida, e vem citada repetidas vezes em livros antigos, por exemplo, no de Ibn-al-Baitâr (citado por Dozy). Nota (10) A diversas pedras se deu o nome de olho de gato, por exemplo, a algumas variedades de quartzo; mas o verdadeiro olho de gato do Cey- lão, parece ser — segundo Streeter — uma variedade do crysoberyl já citado. João Ribeiro descreve-o com muito enthusiasmo «mos- trão (estas pedras) uma côr composta de quantas Deos creou : nenhuma d'ellas per si se divisa, de todas se faz uma composição maravilhosa» (Streeter, 1. c, 228; Ribeiro, Fatalidade, 60). COLÓQUIO QUADRAGÉSIMO QUINTO DA PEDRA BEZAR INTERLOCUTORES RUANO, ORTA ORTA Muito mc maravilho não me perguntardes polia pedra bc- :{ar, pois hc tam louvada de todos os Arábios, e com muita rezam. RUANO Não vos perguntei por ella, porque )á na pratica que ti- vemos sobre a colérica pasio a louvastes muyto, e eu leixava de vos falar nella, por me parecer cousa falsificada polia maior parte; e nam por ella não ser tam louvada, que as mezinhas que livram de peçonha, lhe chamamos bc^edaricas per excelência*; por tanto me fareis muita mercê de me dizer em breves ditos de seu nacimcnto, e eleiçam, e falsiíicaçam, e o pera que se usa na gente desta terra, e se sam estimadas em muyto. ORTA Chamase o carneiro (ou mais verdadeiramente hoáo) pa- lam em lingua da Pérsia, e ha este carneiro no Coraçonc e na mesma Pérsia; e eu vi aqui em Goa hum ruivo e grande, e dixeramme que avia outros mais pequenos e da mesma cor, e doutra cor. E nos buchos destes bodes se cria esta pedra sobre huma muyto delgada palha, que está no meo, c ahi se vai tecendo, e fazemdo casco, como de cebola; a qual he feita como huma coluna redonda, e ás vezes não he de huma fciçam; e muytas vezes se acha esta palha na pedra, como eu já vi; e outras vezes não lha acham, c por * Monardes usa a mesma expressão; omnia medicamenta vc nenis resistentia, be:^aardica per excellentiam nuncupentur. 232 Colóquio quadragésimo quinto a maior parte he muyto lisa, e a cor he como de bringela; e ha as grandes e pequenas; e os senhores estimam em mais as muyto grandes, porque dizem que no maior corpo consiste a maior virtude; c cu tive cá huma que pesava perto de cinquo oitavas, e comtudo em Portugal foy estimada em pouquo; e comtudo deuse lá por 3o e dous mil reis, c cá custou mais alguma cousa. E, senão fora por a diligen- cia que teve quem a vendeo, nam se achára dinheiro por ella; porque trabalhou muyto polia vender bem. RUANO Sabeis certo de como se gera? ORTA Si, porque desfazendo a pedra, acheia feita sobre esta delgada palha; e homens dignos de fé me dixeram, que asi eram todas em Ormuz, E depois me achei em huma armada, na ilha das Vacas, (que he alem do cabo de Comorim) onde vi matar muytos bodes pera a armada, que eram muyto grandes; e os bodes grandes, polia mor parte, tinham esta pedra no bucho; onde ouve mu3^tas pedras a gente que as quis buscar. E depois ficou em custume aos que tomam aquclla ilha de matarem muytos bodes; e tomaram aos de Bcnfiala aquella ilha, pera descaregar alguma parte do na- vio, por causa dos baixos de Ghilam, assi que sempre trazem dahi muytas pedras de be\ar (i). RUANO Logo não as ha somente na Pérsia? ORTA Tendes muyta rezam, porque também as ha aqui nesta ilha que dixe, e asi as ha em algumas partes de Malaqua; porém tem se por muyto milhores as da Pérsia, e as do Goraçone; e conhecem os Mouros a deferença que ha emtre liumas pedras e outras; e pera saber se sam falsificadas, apertam as na mão, e lhe asopram pera ver se lhe sai o Da pedra be^ar 233 vento; porque estas tem elles por contrafeitas. Chamase esta pedra pa:{ar, do pa:{am (bode asi chamado), e asi quando vos cá pedem alguma mezinha contra a peçonha, lhe cha- mam pa\am, e asi chamam o locornio* e a triaga alguns. Este nome de pa^ar lhe chamam todos os Coraçones e Pér- sios e Arábios; e nós os da Europa coruptamente lhe cha- mamos be:{ar, e a gente indiana mais coruptamente lhe chama pedra de ba^ar; que quer dizer pedra da praça, ou da feira; porque ba^ar quer dizer luguar donde se vendem as cousas. RUANO E pêra que usam delia, e quem usa mais delia? ORTA A gente desta terra usa delia, porque nos vê fazer o mesmo pera a peçonha; e os Mouros de Ormuz e do Coraçonc tomão até 3o grãos, quando muj^to; e assi usam desta pe- dra pera todas as emfermidades melamcolicas e venenosas. E todallas pesoas ricas se purguam duas vezes cada anno, huma per março, e outra per setembro, depois de purgados tomam por cinquo manhans dez grãos cada manhã, deitados em aguoa rosada; e dizem que com isto se conserva a mo- cidade; e alguns me dixeram a tomavam cada mez duas vezes, pera fortificar os membros principaes, e pera serem mais poderosos nos jogos de Vénus. E eu scivos dizer que em muytas enfermidades velhas melamcolicas uso delia, asi co- mo sam sarnas grossas, lepra, prurido antigo, empingens, pera as quais me dixe hum guovernador que se achara bem; e pera estoutras emfermidades usei delia, e me achei muyto bem, e por esta rezam me parece que seria boa pera as quartans. RUANO E se hum homem tomar muyta cantidade delia, fazerlhcha mal? » Seguramente um erro de imprensa; é o licornio ou unicorneo. 234 Colóquio quadragésimo quinto ORTA Posto que esta não seja mésinha venenosa, nem composta de veneno como triaga, eu acho que o mais seguro he to- mar delia pouqua cantidade. E asi dam delia em Ormuz muyto pouqua; e dizem que he mao tomar muita cantidade: e hum feitor de Ormuz, meu amigo, diziam os físicos Mouros que morrera por lhe darem mnyxo. pedra be^ar; e tem rezam, porque as cousas que usam per propriedade fazem suas obras em mais pequena cantidade. E certamente que me dixe hum homem de Ormuz, digno de fé, que fora lá feitor do capitam, e tinha muyta conversaçam com esses Mouros on- rados, que avia Mouros que estavam mui debilitados, e que pera aquella fraqueza queriam tomar a pedra be:{ar, e que elle os via tam fracos, que lhe parecia que não podiam es- capar, e que elle dizia aos físicos que o seu parecer que era que não podiam escapar, e o físico lhe dizia que, depois que tomassem a pedra, que os olhase, que os não conheceria; c que elle os olhava depois, e que os via muyto rijos; por onde davam graças a Deos que tal pedra criára. RUANO Diz Mateolo Senense que, se toca a carne esta pedra, trazendoa no braço, preserva ao que a traz de lhe fazer mal a peçonha; e diz também que deitada da banda de fóra, feita em pós, sobre as chaguas, que chupa o veneno, se he de mordedura de bicha ou de cam raivoso. ORTA o primeiro que diz, que posta da banda de fóra perserva tocando a carne, nam está cá em uso, nem se pratica: mas nas outras chagas venenosas que diz, he verdade que apro- veita, deitada em chagas feita em pó, se sam venenosas, dizem muyta verdade; porque eu sei, que nas chaguas de todalas mordeduras venenosas aproveita, e nas apostemas da peste, quando estam abertas, aproveita muyto; e dizem que perserva da peste e que a cura; e porque nesta terra as bexigas e sarampam sam mui venenosas e matam, muy- Da pedra be^ar 235 tos temos qua por uso darlhe esta pedra be:{ar cada dia, cm cantidade de hum grão até dous, deitada cm agua ro- sada, c com isto he o veneno cmfraquccido (2). Nota (i) Esta viagem de Garcia da Orta á ilha das Vacas teve sem duvida logar no anno de 1543, acompanhando o seu amo e amigo Martim Af- fonso de Sousa, já então governador da índia, como seis ou sete annos antes o havia sempre acompanhado nas viagens a Diu, ao Malabar e a Ceylão, sendo elle apenas capitão mór do mar^. N'aquelle anno, Martim Atfonso de Sousa saiu de Goa com uma grande armada de quarenta e cinco velas, dirigindo-se para o sul em uma mysteriosa e pouco gloriosa expedição, que deu muito que fallar. Ou por ordem expressa de D. João III — segundo affirma Diogo do Couto — , ou por inspiração sua própria, o governador ía pura e sim- plesmente roubar o famoso pagode de «Tremelle», e a feira ou romaria que junto d'elle tinha logar em certa epocha do anno, e na qual, como ingenuamente diz Gaspar Correa, se juntavam todas as riquezas do mundo: «todolas cousas do mundo todo onyuerso». A armada foi de Goa a Cochym, e de Cochym a Beadala (Vedãlay) na costa de leste, onde tomou pilotos da terra para passar os baixos de Chilão, indo reunir-se na ilha das Vacas ao norte dos baixos. Segundo Diogo do Couto, quando a armada ali chegou já tinha passado a mon- ção favorável de seguir para a costa de Coromandel, e este foi o mo- tivo de o governador desistir do seu intento. Gaspar Corrêa, porém, conta que ali vieram trazer más informaçóés ao governador, dizendo- Ihe ser difficil a entrada no rio de Paleacate (Pulicat das cartas moder- nas, um pouco ao norte da moderna Madrasta), e avisando-o de estar já reunida muita gente para defender o pagode, tanta, que se elle lá fosse com dois ou tres mil homens «nom escaparia pé d'elles». Esta versão pa- rece-me muito mais plausivel; mas, fosse qual fosse o motivo, Martim Affonso não passou da ilha e demorou-se ali algum tempo; «esteve de- vagar na ilha das Vaquas». Não nos pôde restar duvida alguma de que Orta fosse n'esta armada, já porque elle acompanhava sempre Martim ' Sobre estas expedições veja-se Garcia da Orta e o seu tempo. A viagem á ilha das Vacas foi ali apenas mencionada de passagem, por náo haver reparado attentamcnte n'este Colóquio. 236 Colóquio quadragésimo quinto Affonso, já porque não sabemos de outra, que por aquelles tempos ali se demorasse, e tivesse de se abastecer da carne dos bodes e cabras, abundantes na ilha. A ilha das Vacas, depois chamada pelos hollandezes ilha de Delft, estava situada na bahia de Palk, entre Ceylão e a índia, e era pouco extensa, tendo apenas sete ou oito milhas de comprimento. Tinha, po- rém, agua em um pequeno lago central, e abundantíssimas pastagens; de modo que os portuguezes de Manaar e Jafnapatam estabeleceram ali creaçóes de gado. Davam-lhe por isso o nome de ilha das Vacas, ás vezes o de ilha dos Cavallos, e também o de ilha das Cabras, segundo diz Tennent, citando João Ribeiro, posto que eu não encontrasse esta indicação na Fatalidade histórica. (Cf. Gaspar Corrêa, Lendas, iv, 287 e seguintes, e 324 e seguintes; Couto, Asia, V, IX, 7; Tennent, Ceylon, n, 549.) Nota (2) O nosso Orta deriva «bezar» do persiano «pazar»; e esta ultima pa- lavra do nome do bode «pazam». Não ha duvida alguma de que be^ar, ou na fórma hoje mais usada be:^oar, seja o arábico ba^ahr, que corres- ponde ao persiano pa^ahr ou pad^ahr; mas este vocábulo não tem a origem que Orta lhe dá. Pedro Teixeira diz: Pa:^ahar, que quiere de:{ir tanto como antidoto, y propriamente reparo de ponçona o veneno, de Zahar que es nombre general de qualquier veneno, y pá, reparo. Esta etymologia de Teixeira, seguida no século passado no diccionario de Meninski, e recebida modernamente por Littré e por Yule, pode accei- tar-se como segura. A palavra be:^oar encontra-se mesmo em escriptores antigos tomada na accepçao geral de antidoto, usando-se n'este sentido no Oriente, como indica muito claramente o próprio Orta; e só depois veiu a designar especialmente a chamada pedra be^oar, por isso que esta se considerava o mais poderoso dos antídotos; não tinha, portanto, na origem, nenhuma relação com o nome do bode. Deu-se, pois, o nome de pedra be^oar ao calculo intestinal de diver- sos animaes, principalmente ruminantes. A mais celebrada d'estas pe- dras provinha da Pérsia, e procedia, segundo diziam, da cabra selvagem, Capra yEgagrus, chamada pelos persas pasén ou pa^éii, o «pazam» de Orta. É possível, que o «bode ruivo e grande», visto por Orta em Goa, fosse efTectivamente d'esta raça selvagem. É certo, no emtanto, que as cabras domesticas creavam também aquelles cálculos. Pedro Teixeira, fallando dos carneros da Pérsia, em cujos estômagos se encontram os be^jOares, parece mais referír-se a animaes domésticos, que a uma espé- cie selvagem. As cabras da ilha das Vacas, nas quaes — segundo Orta e Teixeira — se encontravam be^oares, considerados apenas inferiores Da pedra be^ar aos da Pérsia, eram originariamente domesticas, dizendo-se introduzi- das ali pelos portuguezes. E João Baptista Tavernier, que fez o com- mercio dos be^oares juntamente com o das pedras preciosas, e viu as cabras da região de Golconda que os produziam, descreve-as como de belles bestes, fort hautes, et qui ont un poil Jin comme de la soye — evi- dentemente uma raça domestica. Isto não impedia, que os bejoares dos animaes selvagens, sendo mais raros, fossem por isso mesmo mais apre- ciados. Kampfer, dando nas Amcenitates exoticce uma longa noticia acerca d'estes cálculos, indica como origem do be:^oar oriental legitimo, verus e pretiosus, a cabra selvagem da Pérsia, principalmente da província de Lar^ Alem do be^oar legitimo da cabra selvagem, e dos outros menos apreciados das raças domesticas, encontravam-se em circulação os que procediam de vacas, Antílopes e outros ruminantes, assim como alguns, provenientes de animaes de distinctas ordens. Orta conhecia a estructura interior d'aquellas concreções intestinaes, formadas de tinas camadas concêntricas, descrevendo-as em uma phrase muito clara: «e ahi se vae tecendo e fazemdo casco, como de cebolaw. E conhecia também o facto de se formarem ás vezes em volta de uma «palha», ou pequeno corpo estranho. Todos os escriptores citados in- sistem sobre a inHuencia da alimentação no apparecimento dos be^oares. Kampfer diz, que algumas plantas resinosas e muito aromáticas, abun- dantes em certas partes da Pérsia, determinavam a formação d'aquellas concreções. Segundo Tavernier, o be:^oar formava-se em volta dos re- bentos e pequenos ramos de um arbusto especial, roido pelas cabras, e do qual elle não sabia ou havia esquecido o nome. Na opinião de Teixeira, o pasto era la matéria de las piedras; e aquelle escriptor cita mesmo a tal respeito uma observação, que, a ser exacta, seria conclu- dente. Conta elle, que no anno de i585 uma grande tempestade innun- dou toda a ilha das Vacas, salgando e estragando as pastagens. Leva- das d'ali as cabras, nunca mais produziram be^^oares; mas, passados alguns annos, adoçados e melhorados os pastos, e tornadas as cabras á ilha, criarõ piedras como de antes. A observação — como disse — é concludente, e o facto de modo algum improvável. A pedra be^^oar gosava de universal e excepcional reputação ainda no tempo de Orta. Um comtemporaneo seu, o illustre medico hespa- nhol Nicolau Monardes, reuniu toda a litteratura medica relativa ás fa- mosas pedras em uma interessante memoria, intitulada : De lapide Be- í^aar et Scor^onera herba. Ali se podem ver os louvores, dispensados áquelle celebre antídoto pelos velhos médicos, desde Serapio e Rasis, até Amato Lusitano, Agrícola, Musa e outros do seu tempo. As opiniões alheias, Monardes acrescenta as observações de sua própria clinica. ' Não tenho n'este momento o livro de Kâmpfer, e cito em segunda mão. 238 Colóquio quadragésimo quinto Conta o caso de um filho da Duqueza de Bejar, soffrendo desde creança de «delíquios» e «syncopes», e maravilhosamente curado por elle com a pedra be^oar. Note-se, que as duas pedras empregadas n'este caso foram de Lisboa por intern)edio de um genovez, e eram pequenas, pouco maiores que um caroço de tâmara, indo montadas ou encerra- das em oiro, por onde se pôde ver em quanta estima eram tidas. No tratamento de uma menina nobre, Maria Catano, sotTrendo igualmente de «deliquios», Monardes empregou também com proveito a pedra, mandando-a ir expressamente de Lisboa; e com uns restos d'esta pedra, pois que outra se não pôde encontrar, salvou o licenciado Luiz de Cueva, que se havia envenenado por imprudência. O medico hespanhol ainda cita o excellente efteito da pedra be^^oar nos ataques de melan- colia e tristeza sem causa, recordando o facto de o imperador Carlos V a tomar para aquelle fim : in hunc effectum scppe sumebat. Como acabámos de ver, Monardes mandou ir por duas vezes as pe- dras de Lisboa, pois a nossa cidade, estando em relações directas com . o Oriente, tinha então o monopólio d'este famoso medicamento, como tinha o das especiarias. EfFectivamente, o erudito investigador Carlos de rÉcluse, diz-nos ter encontrado á venda em Lisboa pedras de varias formas. Algumas, porém, eram falsas, e os compradores exigiam a prova da sua efficacia antes de terminarem o negocio, prova a que os vende- dores raras vezes se queriam sujeitar, o que facilmente se comprehende. A prova fazia-se do seguinte modo : tomava-se um fio, enfiado em uma agulha, e passava-se pela herba balestera^, atravessando-se depois a perna de um cão com o fio assim envenenado, e deixando ficar o fio na ferida; quando o cão apresentava todos os symptomas do envene- namento, adminislrava-se-lhe em agua o pô da pedra raspada, e julga- va-se da legitimidade da pedra pelos seus efFeitos. Comprehende-se, como disse, que os vendedores se sujeitassem difficilmente a esta prova, ainda que seria fácil sophismal-a por vários modos. Do que temos dito, se vê bem como o be^^oar gosava ainda no tempo de Orta de excepcional reputação, e como elle seguia pura e simples- mente as opiniões geraes do seu tempo. O be^oar era propriamente um medicamento oriental, quer dizer, arábico e persiano, ou da eschola de medicina mussulmana, mas não indiano. Orta diz claramente, que os práticos hindus apenas ô empregavam como imitação dos portugue- zes, ou talvez até certo ponto dos mussulmanos; mas que não fazia ' Este veneno preparava-se, pisando e espremendo as raízes de Helleborus, chamado em hespanhol verdegambre e hierba de ballestero, e em portuguez lierva de besteiros ; o sueco assim obtido cosia-se e coava-se, levando-sc de novo ao lume para lhe dar a consistência de xarope grosso. Esta preparação fazia-se para envenenar os virotes das bestas, empregadas na caça, e provavelmente também em tempos mais antigos na guerra, e d"ahi vinha o nome vulgar da herva (Cf. A. M. de Espinar, Arte de Ballesteria, Lib. i, cap. 8, Madrid, 1644). Da pedra be^ar parte da sua matéria medica tradicional. Sendo, porém, recommendado nos livros árabes, penetrou logo na idade-media nos usos da medicina europêa, e conservou a sua reputação até ao tempo de Orta, e mesmo durante todo o século seguinte e parte do passado. O nosso padre Bluteau ainda lhe chama um precioso contraveneno. Desappareceu ha muito da matéria medica europêa; mas parece que não completamente da oriental. No principio do nosso século, o Scháh da Pérsia mandou de presente a Napoleão I alguns be:foares, por onde se vê que ainda lhes ligava importância e valor. Notaremos, antes de terminar, que o be^oar de Malaca, succintamente mencionado por Orta, devia ser o mesmo ou análogo áquelle de que temos fallado, e não a pedra de Malaca, da qual Orta se occupa e nós teremos também de nos occupar em um dos seguintes Colóquios. (Cf. Pedro Teixeira, Relaciones, iSy e seguintes ; Yule e Burnell, Gloss., 68; Guibourt, Drogues simples, iv, io3 e seguintes; Tavernier, Voyages, n, 889; Hecker, em Pharmaceutische Post, xxv (1892) p. 21; Monardes, De lapide Be^aar, 8, in Exotic; Clusius. Exotic. 21G). COLÓQUIO QUADRAGÉSIMO SEXTO DA PIMENTA PRETA, E BRANCA, E LONGA, E GANARIM: E DOS PEXEGOS INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Nam hc fóra de rezam, pois tantos trabalhos os Portu- guezes levam por aver toda a pimenta á sua mão, comendo a menos parte, e as partes de Alemanha e Frandes guas- tando a mór parte delia, que me digais onde he a força e a cantidade delia maior, e como se chama nas terras donde nace, e mais como se chama em arábio, c como se colhe, e a feiçam do arvore, e se he cá usada pera medicina. ORTA A mór cantidade desta pimenta ha em todo o Malavar, e ao longo desta costa, do principio do cabo de Gomorim até Cananor: lá nas bandas de Malaqua também ha alguma cantidade desta pimenta, ainda que nam he tam boa, por- que a acham mais van; e colhese em algumas ilhas da Java e na Çunda, e em Queda e em outros cabos, e guastase esta toda na China, e na própria terra, e também a levam a Pegú e a Martavam. E a do Malavar também se guasta toda a mais na própria terra, porque, ainda que a terra do Malavar seja pequena, se guasta muyta mais cantidade que em nenhuma outra terra; e alguma guasta a gente da fralda do mar, e outra levam pera o Balaguate caregada em bois; e muyta cantidade levam os Mouros pera o mar Roxo, con- tra a defeza delrey, porque nunca cousa alguma pode ser tam bem guardada, que se nam furte muyta cantidade pera as partes ocidentais por os Mouros da terra. Asi que estas sam as partes donde se colhe esta pimenta, ainda que aja alguns arvores de Cananor pera o norte, mas he tam pouca i6 242 Colóquio quadragésimo sexto cantidade, que nam fazemos caso delia, porque a gente da terra a gasta \ porque estes arvores nam se criam no sertam, nem em outras partes; e asi he mercadoria boa pera lá, por- que eu vi muyta cantidade que se levava em bois pera lá. RUANO Dizei os nomes na terra onde a ha. ORTA Chamase ácerca dos Malavares, donde ha maior copia, molanga; e em as partes de Malaca, onde também se co- lhe (como disse já) lada; e eni arábio se diz Jiljil, e asi a chamam os Arábios físicos e o vulgar. Se Avicena (se- gundo tralada o Belunense) a chama fulful, e darfulful á pimenta longa*, tfalfel, e Serapio**, que eram Arábios, to- davia me parece que JilJU he o mais certo nome, e rmo ful- ful, nem falfel; porque facilmente se podia corromper o nome escrito, e ficou o próprio na voz do povo. Porque nisto vai pouquo nam me detenho mais, senam diguo que o Gu- zerate e o Decanim diz a pimenta meriche, e o Bengala mo- rois, e a pimenta longa pepilini. RUANO Da feiçam do arvore, e como crece, e como se cria toda em hum arvore me dizei; pois nisto concordam os Gregos e Latinos e Arábios todos, e os novos escritores que oje em dia escrevem. ORTA Todos a huma voz se concertáram a nam dizer verdade, senão que Dioscórides*** he digno de perdam, porque es- creveo per falsa emformaçam, e de longas terras, e o mar * Avie. 2 Libro, cap. SyS (nota do auctor). ** Serap. i, 367 (nota do auctor). A phrase esta muito confusa, mas o sentido é bastante claro. **» Dioscórides, Lib, 2, cap. i53 (nota do auctor); aliás 188. Da pimenta 243 nam ser tam navegado como aguora he; e a esse imitou Plinio*, e Galeno** e Izidoro, e Avicena e todos os Arábios. E mais os que aguora escrevem, como Antonio Musa e os Frades, tem maior culpa, pois não fazem mais que dizer todos de huma maneira, sem fazer deligencia erti cousa tam sabida, como he a feiçam do arvore, c a fruta, e como ma- durece, e como se colhe. RUANO Como, todos esses que diseis, erraram? ORTA Si; se chamaes errar a dizer o que não he. RUANO Ora pois isso he asi, dizei o que vistes e ouvistes a pes- soas dignas de fé; e per derradeiro eu virei com minhas duvidas. ORTA A pimenta, scilicet, o arvore ou planta he plantada ao pé de outro arvore; e polia mor parte a vejo sempre plantada ao pé de algumà arequeir^a ou palmeira, e tem a raiz pequena, e crece tanto quanto he o arvore a que está arrimada e en- costada, abraçandose com o arvore; a folha não he muyta, nem muyto grande, e he mais pequena que de laranjeira, e verde, e aguda na ponta, e queima algum pouco, sabe casi como o betele, de que já falei; nace como as uvas em cachos, e nam difere mais que serem os cachos da pinmiía mais meu- dos nos grãos, que os das nossas uvas, e mais não sam tam grandes os cachos em si como os das uvas, e sempre estam verdes até ao tempo que seque a pimenta, e estê em sua per- feiçam e força, que he até meado de janeiro; neste Malavar a planta he de duas maneiras, huma que dá pimenta preta, * Plinius, Lib. 12 (nota do auctor). *» Galenus, Lib. 8, Simpl, medic. (nota do auctor). 244 Colóquio quadragésimo sexto e outra branca *; e, afóra estas, ha outra em Bengala, que he da longua. RUANO Pareceme que destruis a todos os escritores antiguos e modernos, por isso oulhai o que fazeis^ porque Dioscórides diz, que o arvore da pimenta he baixo, e produz hum fruto longuo a modo de bainha, ao qual chamam pimenta lon- gua; e dentro nesta bainha estam huns gramsinhos meudos semelhantes ao milho, e que estes amde ser a pimenta pey^- feita; porque abrindose no próprio tempo as ditas bainhas descobrem huns cachos peguados, e cheos daquestos grãos que conhecemos, os quaes, colhendose antes que se acabem de madurar, sam agros, e estes sam a pimenta branca, e mesturamse nas mezinhas que fazem pera os olhos, e he contra o veneno bebido, e mais das feras peçonhentas; a primeira he pimenta longua, e he fortemente mordificativa, e algum tanta amargua, por se aver colhido antes de tempo, e asi he proveitosa pera as cousas que dixe; e a pimenta 7ie- gra he mais suave e mais aguda, e mais agradável ao gosto, por aver sido colhida em seu tempo, e mais aromática que a branca; e asi temperam os comeres, por ser mais provei- tosa. A mais fraca de todas he a branca, por sé colher antes de ser madura. E da pimenta negra a mais pesada he mi- Ihor; porque se acham entre ella alguns grãos vazios, chama esta pimenta a gente da terra bracamasim * *. Isto he, o que diz Dioscórides do ser delia, porque das cousas pera que aproveita não he nesseçario falar ao presente; e ao cabo do capitulo diz, que a raiz he semelhante ao casto. E Plinio diz que os arvores sam semelhantes aos juniperos, e que na- * Isto é um erro, veja-se a nota (i). ** Uns grãos vazios e chochos, chamados ppaaaa; mas Dioscórides não diz que isto seja um nome indiano, ou da «gente da terra». Segundo o erudito Saumaise é um vocábulo puramente grego; PHnio é que se enganou, escrevendo brechna, e dando uma feição e uma significação indiana á palavra. Não sei porque Orta escreve bracamasim; mas diz com rasão adiante que a palavra não era conhecida na índia. Da pimenta 245 cem somente de fronte do monte Cáucaso, segundo alguns dixeram, e que as sementes sam semelhantes ás do jwiipero, e que se dividem ou apartam huma semente da outra em pe- quena parte da bainha, asi com os feigÓes. O preço delia he de 16 até 18 livras, e o preço da pimenta longa de 25 li- vras, e o preço da branca he 17 livras: contase por cada livra 3 crusados*. E diz que a pimenta em sua terra he silvestre e não plantada, e que em Itália ouve hum arvore destes, que parecia como murta. Também ha esta pimenta na parte da Arábia, chamada Trogoldita: chamase esta. pimenta na lin- goa da terra onde a ha bracamasim. Todalas outras cousas mais de dizer pêra que aproveita sam tomadas de Dioscó- rides; por tanto não as ponho aqui. Aviçena faz dous capi- tules, scilicet, hum de fidful, e outro de darfulful (que he pimenta longa) e asi elle como Galeno não dizem mais que contar com brevidade o que diz Dioscórides, e o mesmo faz Serapiam, coligindo o que dixeram Dioscórides e Galeno so- mente, e se ha alguma cousa que dixe Paulo Egineta não faz ao caso. Estas sam as cousas que dixeram os antiguos, tirando Santo Izidro**, que, com ser santo e de muyta au- toridade, diz que quando a gente da terra sente que 2i pi- menta he madura pcra se colher, por medo das serpentes põe fogo ao mato, e fogem as serpentes, e a pimenta fica asi preta com o foguo que puzeram ao mato; mas eu, fa- lando comvosco a verdade, tenho estas cousas por fabulo- sas, e que por taes as escreveo o primeiro que o dixe; c que Santo Izidro não falou isto porque o elle crese, senam por relatar os ditos dos outros; asi que destas cousas não quero que me deis desculpas, pois as não crco. E por estas cousas vos diguo que não sei com que rezam reprendeis * Os números não estão certos; por um singular equivoco, Orta som- mou o signal indicativo do denarius, com o algarismo romano, achando 25, onde está escripio X. XV, e assim para os outros números. * * Orta escreve Izidro, e deixei ficar esta fórma, posto que o famoso bispo de Sevilha seja mais conhecido entre nós como Santo Izidoro. 246 Colóquio quadragésimo sexto a estes doutores tam antiguos, e de tanta autoridade, sendo confirmados pollos modernos, scilicet, Mateus Silvatico, Se- pulveda, Antonio Musa, o Frade hespanhol, os Frades ita- lianos, e quantos escreveram livros de botica. Por isso re- queirovos da parte de Deos, que não me digaes senão o que vistes ou ouvistes a pessoas muito dignas de fé, ajudan- dovos com vossas razões, que as sabereis muy bem dar, e ao cabo veremos como se usa na medecina pollos físicos desta terra, e asi farei minhas perguntas necesarias: e perdoai se falei até aqui demasiadamente. ORTA Primeiramente saiba vossa mercê, que não nace esta pi- menta na raiz do monte Cáucaso, ou defronte, como diz Plinio; pois nessas terras tem maior preço a pimenta, que em as outras terras sabidas, e isto vós o sabeis, pois sabeis o monte Cáucaso onde está, e quam longe está do cabo do Comorim, e de Çamatra (cabos onde ha maior cantidade de pimenta): nem he semelhante 0.0 junipero, pois se planta arri- mada, e doutra maneira nam, e o junipero he planta sobre si: nem nas folhas se parece com o junipero, e a feiçam da folha he como vos já dixe, e nacem os cachos como as nossas uvas, quando estam verdes, com os bagos destintos, e desta maneira quando está em agraço se lança em vinagre c sal; e isto sei eu muyto bem sabido como testemunha de vista. E pella mesma maneira sei que ha arvore da pimenta longa, e mais a pimenta longa nace em terra muyto distante do Malavar, que o mais perto sera 5oo leguoas, porque ha em Bengala e na Jaoa; e esta pimenta longa valia em Cochim, que he a maior cantidade da pimenta preta, a cinquo cru- sados o quintal; e de 4 annos a este cabo, por se gastar mais a pimenta longa pera outros cabos, vai o quintal a i5 ou 20 crusados. E vai em Cochim a pimenta preta usual a dous crusados e meo; a qual pimenta usual vai em Bengala hum quintal 12 crusados, e a longa, quando a compram lá em Bengala, vai hum crusado e meo: e isto vos abastava pera saberdes que não he huma mesma arvore a ádi pimenta longa, Da pimenta 247 e da pimetita usual, quanto mais que as cousas que homem ve pelos olhos nam tem necesidade de as provar. A pimenta branca he outro arvore sobre si, c falando comvosco a ver- dade, nam ha muytos arvores delia nestas bandas do Mala- var, senam poucos, e asi ha nas bandas de Malaqua-, e desta pimenta branca pÕem nas mesas dos senhores, como nós po- mos nas nossas sal; e asi se faz no Malavar e em ambos cabos a tem por boa, pera a peçonha e pêra os olhos; e prou- vera a Deus que em tudo dixera Dioscórides tanta verdade, como em dizer que aproveitava pera a peçonha. E por aqui vereis como sam defrentes estes tres arvores, súYizqx.^ pimenta longa, e preta, e branca; a qual pimenta longa se chama em Bengala, pimpilim, e o arvore d'ella nam tem mais se- melhança com o da preta, do que tem as favas com os ovos: as outras duas arvores da branca e da pj^eta sam muyto semelhantes uma com outra, e nam se conhece, se- nam da gente da terra, asi como nós nam conhecemos as videiras pretas das brancas, senam quando tem uvas. E se me não quereis crer, crede a estas tres sementes, que ahi vam, huma he da pimenta longa e outra branca e outra pipeta; e quanto he chamarse á pimenta barcamansi, nunqua tal nome eu ouvi em parte alguma destas terras, nem nome que se lhe parecese em alguma cousa. RUANO Verdadeiramente que eu me acho corrido, como eu não via e os outros isto, que está tam craro. ORTA Pois vedes aqui ha mais pimenta verde em cachos nacida, neste páo do arvore, e vedes aqui estoutra, que está feita em achar, de vinagre c sal, que não he dcfrente de todas, se a provardes. RUANO Bem vejo tudo, e ja que estou corrido de ver que nunqua isto especularam bem os escritores novos, não me corraes 248 Colóquio quadragésimo sexto mais; porque Laguna se queixa dos Portuguezes, porque lhe nam dizem estas cousas, e diz que não tem mais cui- dado que de robar e esfolar os índios. ORTA Verdade he que os Portuguezes não sam muyto curiosos, nem bons escritores: sam mais amiguos de fazer, que de dizer. Trabalham de aquirir per suas licitas mercadorias; porém nam tratam mal os índios, porque os índios da paz sam muyto favorecidos dos guovernadores. E a raiz da pi- menta nam he semelhante á do costo, nem o costo he raiz, senão páo, como já vos dixe; e, porque vos nam maravi- lheis da gente vulgar não saber bem estas cousas, vos con- tarei o que pasei com hum boticairo no tempo de hum guo- vernador, que era muito curioso de saber das mésinhas, ao qual eu falei nas tres especias da pimenta ditas, e lhe dixe os nomes delias. E quanto he a pimenta longa ser outra arvore, confessou ser verdade; e quando lhe dixe que a branca e preta eram arvores distintos, rindose de mim me dixe, como estava enganado; e pera isto contou ao guover- nador diante de mim, como estando elle invernando em Mo- çambique, se achou a sua náo fazer muyta agoa, e nam estar pera navegar, c que por isso se descaregou a náo, e que elle por seu passatempo oulhava a pimenta, e que nella es- colhera alguma branca, por ser esfolada da casca, e que isto acontecia muytas vezes na pimenta velha e muyto bulida. E eu lhe dixe que podia ser ter a muyta cantidade áo: pimenta alguma pimenta branca; e mais que pudia ser, pois se achava esta pimenta em Moçambique, muyto milhor se acharia em Portugal na casa da índia, onde a pimenta he mais velha, c mais bulida e baldeada; e porque o guovernador vio que o buticairo me não queria crer, escreveo a elrey de Cochim, que lhe mandasse dizer a verdade daquilo, o qual lhe mandou um saquo de pimenta branca; e lhe escreveo que avia muytos arvores em sua terra da branca; entonçes desestio o buticairo da sua porfia, por nam ir contra um guovernador. E com isto faço fim aos ditos da pimenta; porque pera dizer o pera Da pimenta 249 que aproveita he pratica muyto usada, e nam ha cousa nova acerqua dos índios delia, que nós não usemos. E dizerem os índios que he fria a pimenta^ he cousa mais pera rir que pera praticar; aos quaes eu digo muytas vezes que não lhe saberei provar ser o foguo quente, porque a via, por onde se avia de provar, era porque queimava. RUANO E os físicos desse rey vosso amiguo, que dizem, pois di- zeis que sam letrados? ORTA Dizem que he quente no terceiro gráo, como os Portu- guezes. E pois que já sabeis que sam arvores diversos, nam he nescçario que em logar áo. pimenta branca ponham preta; porque isto não soube Galeno nem Avicena, nem queraes mais saber, que a pimenta brajica queima mais, e he mais aromática; e quando se achar, que a ponhaes sempre, e quando nam, fazer que deitem a preta antes que a longa, porque he diversa planta ; e nam ponham em lugar da longa alguma delias, porque mais convém, entre si, a branca e a preta, que com a longa. E porque vos não fique alguma pimenta por saber, vedes aqui estas sementes vans, a que nesta terra chamam pimenta canarim, e usam delia pera desfreimar, e pera os dentes, quando dóem; he muito boa mézinha, e asi a dam aos que tem mordexi; e não vos diguo a feiçam do arvore, porque vos nam he necesario, nem vai a Portugal (i). E bebamos sobre alguma conserva, pois não vos falecerá, pois que falastes muyto; e será sobre conserva de pexeguos, que vem aqui muyto bons de Ormuz. RUANO Bons estam e frescos, e nam he de maravilhar; pois a somana pasada volos deram, de maneira que devem ser deste anno, Dizeime se dizem cá que eram venenosos na Pérsia, e que tresplantados em Egito ficaram despojados do veneno. 25o Colóquio quadragésimo sexto ORTA Estes, que comeis, sam da Pérsia; porque delia vem toda •a fruta a Ormuz; e ácerqua delles nunqua ouve tal presun- çam, nem se acha em memoria de homens serem algum tempo venenosos. Eu falei com físicos da Pérsia sobre isto, e lhes dixe que isto se devia entender polia fruta, que chama Dioscórides jpersea; elles nam me souberam dar rezam dessa fruta; nem os tem senão por muyto bons, os quaes ha tam- bém no Balagate, que veo a planta da Pérsia: por isso comei sem medo (2). RUANO Muyto bem me soube a conserva; e porém milhor me soube o que me dixestes da pimenta, porque, falando com- vosquo a verdade, já hum autor novo escreve o que dixestes, que sam tres arvores distintos; mas dilo a medo, como pessoa que lho dixera gente a quem não dava fé inteira. Nota (i) É necessário em primeiro logar estabelecer, de que plantas ou dro- gas distinctas Orta falia sob os nomes de pimenta preta, branca, longa e canarim; e examinar ao mesmo tempo a sua nomenclatura. A pimenta preta do commercio, mercearias e pharmacias é o fructo imperfeitamente maduro do I*ij>er* nigiMim, Linn., uma trepa- deira da familia das Piperacea'^ espontânea e cultivada nas florestas do Malabar, cultivada já no tempo de Orta em outras regiões orientaes, e hoje também em alguns pontos da America intertropical. Todos os seus nomes, citados nos Colóquios, são conhecidos e de fácil identificação : — «Meriche» no noroeste da índia, «morois» no Bengala, assim como meeritch^ mirch e outras formas mencionadas em livros modernos, são simples modificações de um dos nomes sanskriticos da pimenta preta, "cí, maricha (Ainslie, Mat. Ind., i, 3o2; Dimock, Mat. med., 718). — «Molanga» no Malabar; prende-se á fórma tamil mellaghoo ou t7ti- lagu, e outras do sul (Ainslie, 1. c; Piddington, Index, 69). — «Lada» em Malaca, é a palavra malaya lada, que significa ardente, ou pungente, e se applica a todas as pimentas, distinguindo-as depois, como nós fazemos, pelos qualificativos preta, longa, etc. (Crawfurd, Dict., 333). Da pimenta 25l — «Filfil», ás vezes escripto nas versões latinas /«///«/, falfel, porque nas translitteraçÕes ha muita incerteza pelo que diz sobretudo respeito ás vogaes, é o conhecido nome arábico Jili,//^/. Deriva-se de pippali, ou das formas pilpil e outras, pela habitual mudança do p em/. Pippali é um dos nomes sanskriticos da pimenta longa; mas comprehende-se bem que na bôca dos estrangeiros passasse para a pimenta preta, o objecto principal do seu commercio. De mais, j?/// é um nome geral, ás vezes acompanhado do seu qualificativo, por exemplo, :>j^\ Jiii, filfil asuad, a pimenta preta. De pippali se derivou também o grego TrsTTspi, o latino piper, e o nome geral de pimenta em quasi todas as lín- guas modernas da Europa. Bluteau procura a mesma origem para a palavra portugueza pimenta, dizendo vir da indiana pimpilim. E Co- varrubias deriva pimienta de piper. As palavras portugueza e hespa- nhola têem, porém, outra origem; derivam-se de pigmentam, que na baixa latinidade designou um vinho aromatisado e carregado em côr, pigmentatum, com diversas especiarias, depois passou a designar as especiarias, e depois a principal d'ellas (Ainslie, 1. c; Bluteau, Vocab.; Govarrubias Thesoro; Ducange, Glossarium s. v.) Orta enganou-se, julgando a pimenta branca proveniente de uma es- pécie vegetal particular; é simplesmente o mesmo fructo do Piper ni- grum, colhido em estado de maturação mais adiantada, e privado da ca- mada externa do pericarpo pela lavagem e fricções, tornando-se assim menos ardente. O boticário, que se riu de Orta, e lhe disse ter visto nas baldeações em Moçambique pimenta branca, que era simplesmente a pimenta preta «esfolada da casca», esse boticário tinha toda a rasão. A pimenta longa procede de duas espécies, Piper offlciiia,- i*inix C. DC. (Chavica officinarum, Miquel) um arbusto dioico, espon- tâneo em parte do archipelago malayo; e I*ipei- loxig^iinx Linn. (Chavica Roxburghii, Miquel), um arbusto espontâneo na índia, Cey- lão, e parte também do mesmo archipelago. As duas espécies são si- milhantes, cultivadas nas mesmas regiões, e comprehende-se bem que Orta as não distinguisse. Distingue, porém, os arbustos que as produ- zem da trepadeira que dá a pimenta preta, dizendo com alguma ou bas- tante exageração, que se parecem tanto, como um ovo com uma fava. Orta dá alguns nomes vulgares da pimenta longa: — «Pepilini», e «pimpilim» no Bengala; nos livros modernos encon- tramos as formas pipU, pipilie, pipulee. Todas se prendem a um dos nomes sanskriticos d'esta droga iqcqrri |, pippalT, do qual, como já observámos, se derivou o da pimenta em um grande numero de linguas (Ainslie, 1. c; Dymock, 1. c; Amarakocha, 99). — «Darfulful» entre os árabes; é o conhecido nome Jilj dar filfil (Ainslie, 1. c). Sob o nome indiano de pokli miri, o dr. Dymock rcferiu-se moder- namente á droga chamada por Orta pimenta canarim, confirmando os 252 Colóquio quadragésimo sexto seus usos na matéria medica dos hindus. Segundo aquelle observador, esta droga parece consistir nos fructos abortados — «sementes vans» de Orta— dos pés femininos do Piper trioicum, mencionados e des- criptos por Roxburgh na Flora Indica (Dymock, 1. c, 721; Roxburgh, 1, c, I, i5i). Garcia da Orta consome a maior parte do seu Colóquio em discutir as opiniões de Dioscórides, de Plinio ou de Izidoro de Sevilha, e esta discussão tem hoje para nós pouco inter esse. Comprehende-se bem, no emtanto, que elle insistisse ainda no seu tempo na refutação de opiniões erradas, que se conservaram durante muitos séculos extremamente vi- vazes. Não obstante haverem decorrido sessenta ou setenta annos, em que os portuguezes frequentaram diariamente o Malabar, passando-lhes pelas mãos as diversas pimentas, e podendo observar os arbustos ou plantas de que procediam, os escriptores scientificos continuavam a re- petir o antigo cliché. Se algum se atrevia a dizer o contrario, dizia-o «a medo»; e Orta tinha, portanto, a necessidade de rectificar as asserções de Plinio e de Dioscórides, porque continuavam a ser as do seu tempo, as de Sepulveda, de Musa, dos frades e de muitos outros. Tive um momento a intenção de dar n'esta nota uma breve histo- ria do commercio da pimenta; mas essa historia, por curta que fosse, excederia de muito o limite natural d'estas notas. Contar o que foi o trato da pimenta, seria quasi o mesmo que contar o que foi a admi- nistração económica e financeira da índia durante séculos, e isto daria assumpto largo para um livro especial. Devo limitar-me, pois, a recor- dar alguns factos mais salientes, que, embora conhecidos, o leitor es- timará encontrar reunidos n'este logar. A pimenta foi conhecida na Europa desde tempos antigos. Theo- phrasto menciona mais de uma espécie d'esta droga, o que também faz Dioscórides séculos depois, affirmando ser uma producção da índia. Plinio é mais explicito, nomeando os portos indianos de embarque, como Barace, também citado no Périplo do mar Erythrêo. A pi- menta vinha de Cottonara a Barace em barcos cavados em um só ma- deiro Régio autem, ex qua piper monoxylis lintribus Baracen con- vehunt vocatur Cottonara. Qualquer que fosse a posição exacta de Ba- race e Cottonara, estas localidades estavam evidentemente situadas no Malabar, e o modo de embarque da mercadoria lembra-nos o que logo veremos praticado pelos portuguezes. Depois, o Malabar continuou a ser a terra clássica da pimenta, o belad el-filfil dos navegadores ára- bes, por intermédio dos quaes a droga vinha á Europa na idade-media. Os caminhos seguidos eram aquelles de que temos fallado muitas vezes, o do mar Vermelho e o do golfo Persico, minuciosamente descriptos por João de Barros, por Antonio Galvão, e em parle já pelo auctor do Roteiro da viagem de Vasco da Gama. Estes caminhos eram demo- rados, e, alem de numerosas baldeações, as drogas estavam sujeitas Da pimenta 253 a impostos pesados e repetidos, bem conhecidos já do auctor do Ro- teiro : «Da quall (de toda a especearia) se acha que ha o gram soldam de direito seis centos mill cruzados.» A pimenta chegava, portanto, á Europa por um preço exorbitante; em Inglaterra valeu em media, nos annos decorridos do de 1263 ao de 1399, 1 shelling por libra (equivalente a 8 s. de hoje); em França valia em 1370 o equivalente a 21 francos proximamente, e ainda em 1542 o equivalente a 1 1 francos por libra ^ As outras especiarias eram igual- mente caras; mas a pimenta chamava mais a aitenção por ser mais pro- curada. A pimenta era a especiaria por excellencia, e tanto que os ne- gociantes de drogas recebiam o nome particular de piperarii, em inglez peppet-erSj em francez poivriers. Todo este commercio estava na mão dos árabes na parte oriental^ na mão dos venezianos e genovezes na parte mediterrânica; e os por- tuguezes tinham um vivo desejo de o chamar para si. Quando no anno de 1486 encontraram na costa africana uma pimenta, á qual chamaram de rabo, porque trazia o pedúnculo pegado ao fructo (Piper Clusii, G. DC), pensaram logo em a lançar no commercio. Foi mandada a Flan- dres, onde a acharam muita boa, segundo diz Garcia de Rezende, onde lhe pozeram alguns defeitos, segundo diz João de Barros. Estas tenta- tivas, porem, não tiveram seguimento, porque poucos annos depois Vasco da Gama chegou ao verdadeiro paiz da verdadeira pimenta. Etiectivamente, no anno de 1498, as naus portuguezas mettiam a bordo em Calicut os primeiros sacos de pimenta, directamente carregados na índia em navios europeus. Logo na segunda viagem dos portugue- zes, Pedralvares Cabral foi carregar a Gochym, «a mór fonte de pi- menta que ha na índia». E pouco depois, Vasco da Gama, voltando ali, mandou carregar á costa de Couláo, com os barcos pequenos da terra atracados ás naus, ficando estas em poucos dias «abarrotadas» de pimenta a granel. Passam muito poucos annos, e nós vemos D. Fran- cisco de Almeida dando conta de um commercio já perfeitamente re- gulado: haviam-se feito «izames e alealdação» dos pesos indianos com os portuguezes, e reconhecido que o «bar» correspondia a tres quintaes e tanto do peso velho: calculára-se que o quintal de pimenta saía a «mil e quinze reis»: andavam paráos grandes no serviço da carga: estavam montadas duas balanças, dando aviamento a pesarem-se mil quintaes até horas de «vespora» : emrtm todo o cunho de um puro estabelecimento commercial. Mas já então as operações commerciaes se apoiavam nas operações militares, e os portuguezes queriam ter pela força o monopólio de todo o commercio de pimenta. D. Manuel ' Veja se a Pharmacographia, e Leber já citado nas notas ao Colóquio do cravo. N'este rá- pido resumo de factos bem conhecidos, eu supprimo em geral a indicação dos logares citados. Colóquio quadragésimo sexto queixava-se de ainda ir pimenta á Europa pelo «Levante»; e D. Fran- cisco de Almeida respondia-lhe : não vae do Malabar, vae de Malaca e das terras de leste, «bem sey por onde passa», mas ainda lhe não pude «tolher a passagem». N'este empenho de lhe tolher a passagem, anda- ram os portuguezes emquanto dominaram na índia, sem nunca o con- seguirem completamente, pois — como diz Orta — sempre se furtou «muyta cantidade pera as partes ocidentaes, por os Mouros da terra». A maior parte da pimenta embarcada era da preta, e a maior parte d'esta procedia do Malabar. Começava a encontrar-se a planta que a produz em Cananor, onde já havia alguma boa, mas «nom he muyta», como diz Barbosa; augmentava a sua frequência em Calicut; ainda mais em Cochym e Coulao ; e extendia-se até ao cabo Comorim. Não se creava, ou pelo menos não abundava, nas terras baixas do littoral, recortadas em ilhas e peninsulas por numerosos esteiros e braços de rios; mas pelo contrario nos valles apertados, húmidos e ensombrados, das vertentes occidentaes da linha de montanhas, que vem correndo pa- rallela á costa a morrer no cabo Comorim. Os nossos escriptores sa- biam isto, e chamam ás vezes áquellas montanhas, ou a parte d'ellas, a Serra da Pimenta. Os reis ou rajás de Cochym, de Calicut e outros da costa, obrigados pelo interesse e ás vezes pelos tratados e pelas ar- mas, a fornecerem pimenta aos portuguezes, estavam dependentes dos chefes da Serra — chamados também reis — para a obterem. Um d'estes estados da Serra, situado ao que parece nos confins e a leste das terras de Cochym, foi sempre chamado pelos nossos escriptores o Reino da Pimenta. Os portuguezes estiveram umas vezes mal e outras bem com o rei da Pimenta, e pagaram-lhe mesmo durante algum tempo uma tença de 72:000 reaes, mencionada por Simão Botelho. Uma das pri- meiras expedições mihtares de Luiz de Camões nos mares das índias, foi contra este rei, e em favor do rei de Porcá, um chefe de piratas do littoral : Huma Ilha que o Rei de Porcá tem, E que o Rei da Pimenta lhe tomára, Fomos tomar-lh'a, e succedeu-nos bem. Os habitantes da Serra, brahmanes alguns, christãos nestorianos outros, occupavam-se na cultura das plantas da Pimenta, multiplican- do-as de estaca, aproveitando as que se desenvolviam espontanea- mente, ligando-as aos troncos das arequeiras e outras arvores, e co- lhendo os cachos, quando os fructos da base começavam a avermelhar. Gaspar Corrêa falia explicitamente das culturas de pimenta da Serra: « estes bramenes que tem as hortas da pimenta». E refe- re-se também aos depósitos d'aquella mercadoria ali estabelecidos: « com que fazyão muyto proveito os bramenes da Serra, que ti- nhão os celleiros de pimenta». Da pimenta 255 Da^Serra saía, pois, quasi toda a pimenta e em enormes quantidades. Em primeiro logar toda a que se consumia no próprio Malabar e nas villas do littoral, e que era muita, segundo nos diz Orta. Depois, a que se levava para o interior «caregada em bois», tanto para o Bala- ghate, como para a costa de Coromandel. Gaspar Corrêa também nos falia d'estas «cáfilas de bois de carga», que faziam caminho pela Serra, e eram tantas «que esgotavão toda a pimenta». Este desvio da mer- cadoria chegou a dar cuidado aos portuguezcs, e Diogo Lopes de Se- queira, de accordo com a rainha de Coulão, mandou assaltar as cáfilas que passavam pela serra do «Rei grande» de Travancore. Roubadas as cáfilas, e mortos os recoveiros, cessou momentaneamente aquelle transito, o que — diz Gaspar Corrêa — foi «muy grande bem para o proveito da pimenta que se por ally vazava». Saía por ultimo da Serra toda a pimenta carregada nas naus portuguezas em Calicut, Cochym, Goulão e outros portos. Descia pelos rios e esteiros em barcos da terra, em tones e manchuas, pouco mais perfeitos que os monoxylis lintribus do tempo de Plínio'. Fóra do Malabar, colhia-se pimenta em todas as localidad.es men- cionadas por Orta, e em varias outras. Colhia-se em abundância nas terras de Quedá na costa occidental da península de Malaca, como diz Barros, como diz Barbosa «muyta e fermosa pimenta», como diz tam- bém Camões: Tenassarí, Quedá, que é só cabeça. Das que pimenta alli tem produzido 2. Colhia-se, como dizem igualmente Barros e Barbosa, na ilha de Java, e na «Çunda» ou Sunda, então geralmente considerada uma ilha distincta de Java. É impossível estabelecer em que proporção esta pi- menta de leste entrava nas remessas para a Europa, durante o domínio portuguez; mas tudo nos leva a crer, que viria em pequena quantidade, comparada com a que saía do Malabar. Deve ser exacto o que nos diz Orta, isto é, que seguia em geral o caminho de leste, indo para a China e outras partes do extremo Oriente. Ácerca da pimenta longa pouco ha a notar. Orta e Barbosa indicam a sua cultura em terras de Bengala, e Orta acrescenta Java, onde effectivamente a planta se encontrava, tanto cultivada como espontâ- nea. A pimenta longa valia mais que a preta nos mercados do Occi- dente, porque era mais rara e vinha de mais longe. Já em plena idade ' De feito, Rhede no Hortus malabaricos dá o nome de manchuas (mamjoas) a barco» formados de um só tronco escavado. * Na Flora dos Lusíadas admitti que esta pimenta de Quedá, e em geral de leste, fosse apimenta longa; mas evidentemente devia ser a usual. 256 Colóquio quadragésimo sexto média, Pegolotti nos diz (i34o), que em Constantinopola 3. pimenta re- donda se vendia por pesos de 100 libras, e a pimenta longa por peso de 1 libra, como outras substancias e mercadorias das mais preciosas. E dous séculos depois, as duas pimentas pesavam-se em Hormuz tam- bém por modos diversos, vindo a pimenta ordinária as mais das vezes em alcofas, e entrando a tara no peso, o que não succedia com a pi- menta longa, pesada como o benjoin. Em todo o caso, o que importa notar, é que a pimenta longa — como também a branca — figurava por uma parte relativamente insignificante no grande commercio portu- guez, que teve principalmente por base a pimenta preta usual, e d'esta, principalmente a do Malabar. A partir logo dos primeiros annos, que se seguiram ao descobri- mento do novo caminho para a índia, o commercio das especiarias, e muito especialmente o da mais importante de todas, a pimenta, foi vedado aos particulares, ou foi-lhes consentido apenas sob certas con- dições e apertadas restricçóes. Já em um longo, minucioso e interes- santíssimo regimento, dado a Fernão Soares, no anno de iSoy', se es- tabelece: « que toda a especiaria, que se ouver de comprar na Jmdia, se compre por nossos ffeitores, e oficiaes, que la estam, e nam por outra maneira; e pera asy o fazerem, lhe á de ser entregue nosso dinheiro e asy o das ditas partes, pera a pimenta, que ham d aver». As partes, isto é, os capitães e gente das guarnições dos navios, com outras pessoas que obtinham esta mercê especial, não podiam, pois, comprar livre e directamente a pimenta, mas entravam n'uma espécie de parceria com o rei, partilhando com elle os ganhos, assim como as perdas e quebras do negocio. Mais tarde as restricções tornaram-se ainda mais severas, e no anno de i5i8, D. Manuel, dirigindo-se a Fer- não d'Alcaçova, veador da fazenda na índia, prohibiu toda a trans- acção em pimenta: « defendemos e mandamos por este pre- sente que nhú christão Português não compre por modo algum nhúa pimenta», sob pena de perder toda a sua fazenda. Isto não foi bastante, e algumas pessoas, levadas pelo interesse, continuavam a comprar, tor- nando assim a mercadoria mais cara e mais escassa, de modo que os feitores d'elrei se viam obrigados a tomar pimenta «verde, e suja, e mascavada». Então D. Manuel, em um alvará escripto em Évora a 7 de Fevereiro de i520, confirmou todas as prohibições: « nhúas pes- soas, asi christãos como mouros, gentios, judeos, e quoaesquer outros de qualquer condição que sejão, nom tratem com a dita pimenta » A penalidade imposta era severa; perder toda a sua fazenda, e ficar alem d'isso sujeito á «pena crime que vos bem parecer» — isto é, en- ' Ultimamente publicado em Alguns doe. do Arch. nac. da Torre do Tombo, etc. Lis- boa, 1892. Da phnenta tregue ao pleno arbítrio do governador. A pimenta ficou assim sendo, o que na índia chamavam uma droga defeja; e todo o seu commer- cio se concentrou nas mãos de el-rei ou do estado. Exceptuavam-se apenas certas porções de pimenta, dadas na índia em pagamento de soldos, ou concedidas aos capitães e guarnições das naus por um sys- tema complicado, datando logo da viagem de Cabral, conhecido depois pelos nomes de quintaladas e partidos do meio, e que seria impossivel explicar nos estreitos limites d'esta nota. Igualmente nos é impossivel discutir aqui os preços da pimenta e as suas variações, tanto na índia como em Portugal; e só darei a tal respeito indicações muito rápidas. Segundo o nosso Orta, o quintal de pimenta preta usual valia em Cochym dous cruzados e meio. Isto é muito proximamente confirmado por Antonio Nunes, o qual dá o quintal como valendo i^&ioo, e uma fracção de real, sendo com- putado o cruzado de oiro em 426 réis*. Não conheço os preços de Lisboa nos meados do século, mas nos últimos annos, a partir do de 1587, oscillavam de 26 cruzados, preço minimo, a mais de 5o, podendo talvez tomar- se uma media de 3o a 40 cruzados por quintal. Segura- mente, de 2^ a 40 cruzados ía uma larga margem de lucros; mas a despeza de viagem era grande, excedendo 12 cruzados por quintal, e ha- via quebras e outras perdas. Bastava um sinistro para annullar os ga* nhos. No anno de 1 594, em que ardeu a nau Chagas, o negocio da pi^ menta deu perda, não obstante vender-se a das naus que chegaram a salvamento pelos preços altos de 45 e Sn cruzados o quintal. Em ou' tros annos, porém, os ganhos eram avultados; e o trato da pimenta con' stituiu um dos grandes rendimentos do estado. Em um orçamento, feito por Figueiredo Falcão, para urh dos annos do principio do xvi século, calculando-se os rendimentos geraes de Portugal em 1:672 contos de réis proximamente 2, computava-se o producto de 20:000 quintaes de pimenta em 240 contos, o dos direitos de cinco naus em i5o contos, e os rendimento próprios da índia em 355 contos proximamente, ou sejam 745 contos, quasi metade do rendimento geral, derivados directa ou indirectamente da índia. Mas se examinássemos parallelamente os orçamentos de despeza, e tomássemos em consideração os enormes gastos de administração na índia, de construcções navaes e outros, nós chegaríamos de certo á conclusão do sr. Oliveira Martins em um ' Estes i^ioo réis, ou antes reaés, tinham um valor intrínseco superior a SJ^Soo réisj e equivaliam talvez a 22^000 reis de hoje; mâs sobre estas equivalências tenho graVes duvidas, quando se trata da Índia e mesmo de Portugal ; vejam-se as notas ao Colóquio do Cravo. ' Dou os próprios números de Paleão, que lêem naturalmente de soffrer as correcções á conhecidas. í7 / 258 Colóquio quadragésimo sexto da pimenta dos seus estudos, isto c «que a pimenta foi um mau negocio para o ihesouro de S. A.» A pimenta, com outras drogas e mercadorias, vinha para a Casa da índia, e d'ali saía para o consumo do paiz, e principalmente para o consumo geral da Europa, ou por vendas feitas em Lisboa, ou pelas remessas directas. Diz-se, que no dia 21 de janeiro do anno de i522 um navio portuguez levou pela primeira vez directamente a pimenta e especiarias da índia á cidade de Antuérpia. Parecc-me esta data um pouco tardia, posto que não tenha noticia de remessa anterior. Mais tarde, estabeleceu-se a Feitoria de Flandres, pela qual corriam as ven- das. Esta Feitoria serviu principalmente para base de operações finan- ceiras desastrosas; faziam-se vendas antecipadas; sacava-se a desco- berto sobre a pimenta futura; e no anno de 1544 deviam-se ali e em Castella, proximamente 4:000 contos de réis, somma enorme para o tempo; e isto a juros tão altos, que «se dobra o dinheiro em quatro annos». Como dizia o Conde da Castanheyra em um interessante do- cumento, que hoje chamaríamos um relatório sobre o estado da fa- zenda publica: o grande mal «foy começar-se a tomar dinheyro a cambio. E des que se começou a tomar ategora nunca se outra cousa fez: e quasi se não sostem dal as despezas de Vossa Alteza». Triste- mente actual toda esta phase. Ficaremos por aqui, notando unicamente, que a historia, sobrema- neira interessante, da Casa da índia e da Feitoria de Flandres, não está feita, e não seria possível fazel-a pelos documentos até hoje publicados. Não obstante as notas curiosas, dispersas por todos os nossos chro- nistas, o valiosissimo auxilio dos Subsidias, publicados por Felner, o livro capital de Figueiredo Falcão, alguns documentos importantes, reunidos por fr. Luiz de Sousa para os seus Annaes de D. João III, e publicados por Herculano, os do Archivo Portuguej-oriental de Rivara e vários outros, não obstante o que de tudo isto se pôde deduzir, ainda restam muitas lacunas e muitos pontos obscuros, que só uma revisão minuciosa e intelligente dos nossos archivos poderia preencher e es- clarecer. Nota (2) Os pecegos, como muitos outros fructos das regiões temperadas, iam da Pérsia para a índia por Hormuz, e eram muito apreciados dos por- tuguezes, que tinham algumas saudades da fructa da sua terra. A idéa de que primitivamente foram venenosos era uma velha lenda clássica, contada já por Columella, e á qual allude também Camões: O pomo que da pátria Pérsia veio, Melhor tornado no terreno alheio. COLÓQUIO QUADRAGÉSIMO SÉTIMO DA RAIZ DA CHINA INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Queria levar a Portugal alguma 7'c7/^ ou páo da China, pois nam he droga defesa*, e pera isto queria que me dixeseis a feiçam delia, e vosso parecer, e pera que enfermidades aproveita; e me diguaes todos seus sinaes, e a maneira da administraçam nas enfermidades* que se dá; e se usaram em Portugal desta raiz, por ser a terra mais fria e a mézinha ir de qua mais fraca; e como se conservará milhor esta raiz, pera ir mais fresca; e qual he milhor, se esta, se o guaiacam das nossas chamadas índias; e nam vos cegue** afeiçam porque esta mézinha está mais perto, e será de vos mais usada. ORTA Este páo ou raii nace na China, terra muito grande, e que se presume confinar com Moscovia, e se Laguna lhe chama índias mais orientaes, não acerta nisso muyto, senão se escusa com dizer que todas as terras não sabidas se cha- mavam índias; e nam vos direi aqui as rezões, por onde se presume confinar com Moscovia, por ser cousa de pouquo proveito, e nam conforme á vossa entençam***. E porque nestas terras todas, e na China e em Japam, ha este morbo napolitano, quiz o misericordioso Deos darlhes por remédio esta raiz, da qual sabem lá bem curar os bons físicos; por- que os máos em todo cabo erram. E como elles curam lá * Parece faltar a palavra «em». »* Deve também faltar aqui o artigo «a». *** Veja-se a nota, vol. i, pagina 271. 26o Colóquio quadragésimo sétimo com esta mézinha, acertaram acaso de trazer delia esta raiz os Chins pera se curar cá no anno de i536. RtJANO E como soubestes o uso deste páo, pois as náos da China não vinham mais que até Malaqua, e os Portuguezes que iam á China nam conversavam em terra com os Chins? ORTA Eu vim de Portugal hum anno antes, e trouxe pouca fa- zenda (como se acontece a muytos), entre a qual trouxe cinquo quintaes do páo chamado giiaiacam, o qual ao tempo de agasalhar, não foy bem alojado, e tomaramme delle o que quiseram as pessoas que o queriam tomar; e, chegando a esta terra, achei que pereciam muytas pessoas de taiparias, e de outras chaguas de sarna castelhana, e a muytas delias não aproveitava o remédio das unturas. E chegando a esta terra, eu fuy mui festejado por trazer este pao, porque já cá se aviam curado com elle algumas pessoas, ás quaes avia socedido bem, e asi esperavam por elle de Portugal, e eu vendi o que trouxe por mil crusados; e quiz Deos isto, porque trazia pouqua mercadoria, e afóra isto dei algum de graça, e, como dixe, muyto me furtaram ao embarcar e desembarcar, e quiz Deos, que a todos que o tomaram sucedesse muito bem. E como loguo se acabou o m^upâo, compravam o páo, já cozido, a cinquo crusados o arrátel", e, porque custava tanto, queria Deos que aproveitasse. E nesse tempo vivia a gente esperando as náos, que aviam de vir do reino, pera ver se traziam páo, e veo muito pouco ou nenhum. E neste tempo foy curado hum homem muyto honrado e riquo, o qual, estando em Dio, contou a meu amo Martin Afonso de Sousa, que lá estava tomando posse da fortaleza que lhe ahi deu o soldam Bhadur, rei de Cambaia», como avia sido curado com o páo da China, com que se » Pôde ver-se Garcia da Orta e o seu tempo, pagina gS e seguintes. Da rai^ da China 261 achara muyto bem, e tivera inteira saúde, e que não requeria dieta alguma, somente lhe vedavam que nam comesse carne de vaca, nem de porquo, nem peixe, nem frutas verdes; e ainda na China lhe concedem o peixe; porque sam os Chins muito comedores. E, como isto fo}' bem divulgado, desejava a gente em grande maneira aver este pdo; porque todos os homens sam inclinados a comer e beber, e muyto mais os desta terra por sua ociosidade, e mais porque entonces to- mavam o giiaiacam com muyta dieta; porque também asi se tomava em Espanha. Asi que vindo as náos de Malaqua, valeo algum pouquo desta raiz, que nellas veo, a dez cru- sados a ganta (que he peso de vinte quatro onças)*, e de- pois os outros annos valeo tam barato, que vai ás vezes a trinta reis a ganta. Desse tempo pera cá, foy degradado o páo das índias de Castella, como castelhano que vinha a ma- tar de- fome a gente que cá abita; em tanta maneira que as náos que corresponderam ás em que eu vim, troxeram grande soma de páo de Portugal, com a fama que levaram da minha boa venda, e não foy dado por dinheiro algum, e pouquo a pouco se guastou nesta terra, queimandose. Ora olhai senhor, se tenho eu rezam de estar milhor com este guaiacam, que com o páo da China, e certo que destoutro, dandose pella maneira que se dá, scilicet, dado, considerando primeiro a calidade e compreisam do enfermo e a natura da enfermi- dade, e o tempo e regiam, se he fria, se quente, e o sexo, e a idade de quem o toma**. E não vos maravilheis louvalo eu tanto, pois que ninguém ouve que o louvase; escrevendo tantos escritores cada dia louvando o guaiacam; porque en- * No Livro dos pesos, «gamta» é uma medida de capacidade, equi- valente a 5 quartilhos; e no mesmo sentido é tomada no Tombo, onde, nas despezas da igreja de Malaca se descrevem: <'E oyto guantas d'azeite de coquo cada mès pera as alampadas.» Yule e Burnell, no Glossary, dizem, porém, que ganton, segundo al- guns viajantes antigos, era uma medida ou peso, usado no Archipelago Malayo. * * Orta esqueceu-se evidentemente de terminar a sua phrase. 202 Colóquio quadragésimo sétimo tre elles hum fidalgo alemam escreve hum livro de seus lou- vores, em muyto copioso estilo e mui puro latim, e pudera ser escrito em huma folha de papel (i); e destoutra rai\ da China dizem Vesalio e Laguna muytos males, dizendo que he podre, e sem vertude esta rai^ da China, e que custa muito dinheiro, e eu nam tenho que ver com que custe muyto, nem pouco, nem que seja cara, nem barata, antes me parece bem o que diz Mateolo Senense, que abasta pera esta raiz ser boa mezinha tomala o emperador Carlos quinto, e aproveitarlhe. E certo que dado com as condições acima ditas, muyto aproveita a todos. RUANO Quanta cantidade deste pão ou rai^ cozem pera huma pessoa? ORTA Se o mal he muyto grande, cozem huma onça desta rai^ em quatro canadas de agoa, e gasta a metade da agua; e a outra guardamna em vidro ou barro vidrado; e tiramlhe a escuma ao cozer, porque he boa pera deitar em algumas chaguas; e ás vezes a deitamos sobre as chaguas ou incha- ços, e o baífo, quando está cozendo, he muyto bom pera a dor; e outras vezes fazemos fomentaçam com esta agoa quente nos inchaços: e outras vezes pomos panos molhados em chagas, e he muyto bom mondificativo. Os Chins cus- tumam dar mais cantidade de páo, em suas terras; e al- gumas pessoas desta terra quiseram imitar os Chins, co- zendo duas onças de páo ou onça e mea, e acharamse mal com isto, porque os esquentou muito; e eu mesmo tomei este páo com suadoiros pera huma ciática que tinha, sem suspeita de morbo galico; e porque tomei suadoiros, e be- bia aguoa quente, como se custumava em principio, quando este páo veo, encheosemc o corpo de eresipula e leicenços, poUo grande esquentamento que me fez no fígado; e foime necesario sangrarme, e beber aguoa de cevada, e açucare rosado, e pôrme ao vento, e asi fui restituído á saúde. E de mim tomáram exemplo muytas pessoas depois, e não qqi- Da rat\ da China 263 seram tomar mais aguoa quente, nem deitar tanta cantidade de páo, como deitam na China; porque a terra he lá fria em estremo, e esta muyto quente. Somente a tomam cá, quando ha a neseçidade dos suadoiros, pella manhan quente pera suar, e quando ha necesidade dos suadoiros e as en- fermidades sam maiores, tomam suadoiro polia manhan e á noite; e também nos tempos muyto quentes, não damos o pão a ninguém, quanto mais suadoiros. Esta he a maior cantidade, que custumamos a dar cá, scilicet, huma onça cozida em quatro canadas de aguoa, e coza até que gaste a metade; e a outros dam mais pequena cantidade úq páo, ou que tenha menos cozimento. RUANO E não a retificaes com algumas mézinhas? ORTA Senhor, si; porque a mandam rctificar, e quando o mal he mais pequeno, ou a compreisam mais quente, damos hu- ma onça de pão cozido em quatro canadas de aguoa, e que fique em duas c mea, e ás vezes em tres; e daqui passamos poucas vezes; e também trabalhamos que o páo seja bom e pesado, e que não tenha caruncho; e se, com estas con- dições, for branco he melhor que o vermelho. E quanto he á retificaçam, custumam os Chins deitar raiz de aipo no cozimento; e dali, e mais da rezam em que se fundavam os Chins, acustumei eu nam dar páo sem retificaçam: scilicet, quando padece mais a cabeça ou os nervos, deito rosmani- nho, ou rosas, ou aipo se o fígado está opilado, ou raizes de endívia se está quente, com alguma opilaçam; outras vezes o dou pera ulceras dos rins e bixigua, e lhe deito alca- çuz; e aqui ouve hum tisico*, aquém o eu dei, mesturado com outro tanto de cevada como era o páo, e com pouquo cozimento, e oje em dia está sam. • Na edição de Goa «fisico«; mas da errata, apezar de errada, e do sentido, julgo deduzir que deve ser tisico, 264 Colóquio quadragésimo sétimo RUANO Que vos moveo a dar o pão, em enfermidade tam quente em membros esperituaes? ORTA Moveome ver o paciente cheo de inchaços na cabeça, e em outros cabos, e escarrar matéria, e não lhe aproveitarem os outros remédios, e irse consumindo, e como quer que fo}^, socedeo muyto bem, e o homem ficou sam; e depois o fizeram outros muytos, e acharamse bem com isto. E já aguora ninguém toma o páo, que o não tome retificado com alguma mézinha; porém eu me quero gabar que fui o pri- meiro que isto usei, e por meu exemplo o fizeram os outros. RUANO Dizeime, se he bem purgar primeiro ao enfermo que tome este pdo, e se tem alguns acidentes nelle os que o tomam, porque he bem sabelos, pera o remediar quando vierem; e quando aproveita mais este páo, se no principio das en- fermidades ou no estado delias; e se aproveita mais nas enfermidades grandes, ou nas pequenas. ORTA Regra geral he xaroparemse e purgaremse os homens antes que o tomem; e se o mal he muyto grande, fazemos os xaropes solutivos. E porque polia maior parte he este negocio freima, acrecentamoslhe Uirbit ou agarico; e mando agoar os xaropes ás vezes com aguoa do páo; e depois de purgado, com boa regra, lhe começamos a dar o páo, e aos quinze dias, se he necesario, lhe damos hum minorativo, e ás vezes outro, ao cabo dos trinta dias; e se neste tempo não faz camará, cada dia o cristelizamos com a aguoa do páo e mel rosado, e olio violado, e canafistola, c isto se- gundo o que a nesecidade requer; e estes minorativos, que lhe damos ás vezes, não sam de mais que de manná e ca- nafistola, e ruibarbo desatado em aguoa do páo ou de en- dívia, ou de cozimento de ameixas ou de alcaçuz, ou aguoa de cevada: e se o enfermo se esquenta muyto, damoslhe a Da rai{ da China 265 aguoa do páo em menos cozedura, ou mesturamoslhe aguoa de envidia ou de fumus terrae, se a ha, ou de linguoa de vaca, se se acha; e se muyto se esquenta o paciente, leixa o páo, e toma outra vez mais oportuna e conveniente pera isso. Algumas vezes aproveita este páo aos 20 dias, e ás vezes mais tarde, e ás vezes mais cedo: mas o que comu- mente he crecerem as dores até os i5 dias, e dahi por di- ante vam em declinaçam. E porém eu vi hum mancebo, que lhe creceram as dores em grande maneira 25 dias, e aos 3o dias estava sam de todo ponto : por onde diguo que nam desespere ninguém. Outros vi que o tomaram muytas vezes, e a derradeira lhe aproveitou, e as outras nam: pa- rece ser que eram os humores mais frios. E de meu conselho avia vossa mercê de dar lá em Portugal o páo da China, levandovos Deos lá a salvamento, acresentando a cantidade que cá damos, porque a terra he mais fria; e fazer como cá fazemos, quando a nesecidade he muyta comer galinha cozida com a agoa do páo, e ás vezes pam amasado com a mesma agoa, segundo que a nesecidade ouver. RUANO Bebemno quente ou frio, e comemno temperado com sal ou não? ORTA Poucas vezes o mando dar quente, como se dava no prin- cipio, senão nos suadoiros. Polia manhan doulhes a comer galinhas, frangãos, c carneiro temperado com sal e açafram e coentro seco, e ás vezes lho dou asado, segundo o que a, enfermidade requer; sempre lhe tolho o vinho, senam quando dou o páo pera fraquezas do estomaguo de muytas freimas, e de nam dcgerir; porque pera isto aproveita muito o páo com vinho, comvem a saber, aguado com agua do páo, por- que tira o fastio, e procura boa digestam. RUANO Pera o guaiacam de todo ponto lhe tolhemos o sal, por- que he imigo dos humores adustos e das freimas salgadas; 266 Colóquio quadragésimo sétimo e muitos homens, que de cá foram, me dixeram, que nesta terra também o tiravam: pera este páo não sei como vós quereis usar do sal. ORTA Uso do sal temperadamente, porque nam he neseçario ser muito escrupuloso na física, senam deixar tudo ao bom juizo do físico: e por isto me parece que o comer temperado com pouco sal não pode fazer mal nem a humor adusto, nem ás freimas salgadas, e eu com isto me achei bem sem- pre, e espero em Deos de me achar sempre bem. E também os Chins usam nesta cura de comer pam com mel. RUANO Vistes alguma pessoa que o tomase muytas vezes, ou em muyta cantidade? ORTA Conheci hum meu amiguo, que tomou unturas e fumos, e o páo guaiacam, e esta raiz também, e cada vez se achava pior. E foy a Malaqua, e achouse muyto enfermo lá, e cu- rouo hum Chin, e davalhe a comer esta rai^ da China na galinha cozida, e ficou este homem muyto sam, e nuhqua mais adoeceo, porque este páo he milhor pera as doenças velhas, que pera as novas, e pera onde ha inchaços grandes, e chagas muyto roins. E por tanto nam vos maravilheis, se aproveitou mais ao cabo, porque pera as ultimas enfermi- dades as ultimas curas sam poderosas*; e ainda que este aforismo se emtenda na dieta, também se pode aleguar na cura, e comtudo olhe bem quem o dá o que faz, porque já ouve muytos que pereceram, e se consumiram de muyta quentura. RUANO Está isso bem dito; e porém queria saber se ha outra maneira de tomar este páo ou rai^. * Anph. I, anphorismo 6 (nota do auctor); um dos mais conhecidos aphorismos de Hippocrates. Da raii da China 267 ORTA Algumas pessoas vi no Balagate, que tomavam o páo como acima dixe, e mais mesturavam na aguoa quente, que polia manhan e á noite tomavam, cada vez, huma dracma e mea de páo moido; e com isto diziam que se achavam bem, e dizem que o faziam por conselho de bons físicos; e outros tomam polia manhan huma boa talhada de conserva, feita do pó do páo em mel (ou açucare se a quentura for muyta) e sobre ella bebem aguoa do páo, e esta conserva leva o pó do páo, segundo o arbitro do bom físico: e esta conserva também pode ser retificada, segundo a nesecidade do paci- ente, o qual fareis milhor que eu, como vos nisso exercitar- des. E loguo se pode ver quanto páo he neseçario nesta conserva, pois que commumente se guasta em huma cura, pera aguoa dos trinta dias, trinta onças: eu curei com isto a duas pessoas que tinham os companhões* muyto inchados de muito tempo, e hum sarou totalmente, e o outro lhe fícou muyto pouco pera se resolver; e fícou pera sarar com os remédios locaes somente. E por tanto vos aconselho que varieis os remédios, e mais vos diria, se vos não enfadáse. RUANO Daqui a mil annos folgarei de vos ouvir, portanto dizei. ORTA Na China comem este páo cozido com a carne, como nós os nabos; porque elle he muyto tenro, quando he novo, e a mim me parece que seria muito boa cousa tomar aguoa estilada deste páo; e nam sei se mo quereram lá estilar, e trazermo; porque aguora a eide mandar trazer, e pera isso mando lá alanbique. RUANO Fundado em rezam está, que será muyto boa mézinha esta aguoa estilada: e porém dizei pera que enfermidades o acharei proveitoso? * Os testículos; o hespanhol companon. 268 Colóquio quadragésimo sétimo ORTA Pera qualquer enfermidade onde ha morbo napolitano, e pera humor enfecionado dellc, e por a parte lesa ser já to- cada delle, e ainda que não seja tocada desta enfermidade, he bom pera paraliticos, e que tem tremor (do qual eu curei ao Nizamoxa em pouquo tempo) pera ar tética, ciragra, po- dagra, ciática, alporcas, e pera inchaços reduzidos a melan- colia ou freima como geso*, pera indigistões do estômago, pera xaqueca velha, pera pedra e ulceras da bexiga ás ve- zes, porque com este páo deitam a pedra, que antes não pudiam deitar. E, pera que mais vos maravilheis, sabei que hum físico bom letrado, e pratico asaz experto pera curar os outros, adoeceo 6o legoas desta cidade, onde elle rese- dia, e curava hum honrado esprital em huma cidade de el- rey nosso senhor. Enfermou elle de huma latica, da qual foy doente quatro mezes; e elle, porque vio que se não ti- rava a febre, e por ser mais amiguo seu que de outrem, tirouselhe o bom conhecimento, e tevese por ético, e bebia leite de asnas, e trazia apos de si huma asna, a qual o se- guia já, e o consentia mamar; não se achava milhor, senão empeorava com ter inflações no estomaguo', veiose aqui cu- rar comiguo, e pousou em minha casa; eu o vi, e lhe senti alguma opilaçam no fígado, e lhe senti excrecencias e prin- cípios na febre manifestos; e vendolhe as orinas o convenci que aquilo era latica, com alguma mestura de melancolia por adustam; o qual elle, lendo por os livros, me confessou, e me dixe que certamente se fora curando outra pessoa não me** enganara, mas porque os homens, asi como se queriam mais, asi tinham as suas enfermidades por maiores. Eu cu- rei este homem alguns dias, e ficou sem febre com huma inflaçam e dor no estomaguo, e com humas ventosidades grossas nelle, pera o qual lhe dava conserva de gengivre. * Ignoro completamente o sentido d'esta expressão. ** A palavra me não faz sentido, pois aquelle medico falia de si, e deve dizer, não se inganara. Da rai:{ da China 269 com que se achava melhor; e nunqua pôde este físico sarar, até que lhe dei o páo da China, retificando a aguoa com huma pouca de aguoa estilada de canela, e asi foy perfei- tamente sam. RUANO Certamente que me contastes muitas cousas de boa pra- tica de medecina, e não quisera que acabareis tam asinha. Por tanto dizei o nome e a feiçam áo páo ou raq da China. ORTA Digiio que he huma mata, do tamanho de tres ou quatro palmos de altura sobre a terra, e terá de raiz hum palmo, pouquo mais ou menos : he huma raiz grossa, e outra del- gada, como cá vedes estas raizes, que he o que qua vem, tudo raizes; e quando se colhe esta raiz he muyto tenra, e comese a bocados, crua e cozida; e quando a comem, lança de si huma humidade, como cana de açucare mal doce; e saem desta raiz á frol da terra humas asteas pequenas como pena de escrever, e segundo a raiz he, asi lança as asteas, e do pé destas vergonteas até o alto saem humas folhas ralas da feiçam da laranjeira nova. Este páo ou mata se chama na China lampatam: e isto he o que pude saber desta mata e raiz, e já vi huma mata pequena nesta Goa, e secouse antes que crecesse. E porém antes que acabemos a estoria do páo, vos direi o que me aconteceo nos tempos passados. Antes que este páo viesse á índia, avia hum mer- cador de pedras, a que cá chamamos lapidarios, e também lhe pudiamos ch.^ma.v pedreiros, senão chamamoslhe o nome latino pera os mais honrar: este teve huma parlesia universal em todo o corpo e braços, e pernas e mãos e pés, em tanta maneira que nam pudia bulir hum anel pera o ver: avia já seis mezes que era doente sem nenhuma melhoria, pediu- me que o aconselhase, se seria bom tomar o guaiacam, e lhe dixe que ao menos nam lhe faria mal. A este homem curei xaropando e purgando primeiro, e no meo menoran- doo, ao fim também; e ficou muyto sam. E avendome elle pagado muyto bem, por fim me deu hum anel com hum 270 Colóquio quadragésimo sétimo diamam, pello qual me deram 5o crusados, e asi me deu hum relógio, com hum mostrador muyto bom, e me dixe que lhe perdoase, que bem sabia que me não paguava, senam que me dava aquilo por lembrança; e porém que me daria hum conselho, e era que nam mandáse a nenhum dos que curase, que não dormisse com molher, senão que nam a vise; por que elle, comendo por dia seis onças de pam e passas, sendo vinte cinquo dias do páo, tivera aceso com huma sua moça tres vezes: vede quanto pôde o estimulo da carne! E mais me dixe que, quando o achava muyto triste e elle dizia que avia de morrer, que nam era senão com o pensamento de aver pecado contra Deos e contra sua saúde. E dahi á vante sempre védo o coito aos que tomam esta rai\ ou páo; porque, se com a dieta muyto grande se acontece isto, que fora com a larga da rai^ da China? E mais todos dizem que este páo ou raiz incita muyto isto; e por tanto vos requeiro que os que curardes, que não vejam molheres, porque as não toquem (2). E o páo que ouverdes de levar pera Portu- gal, seja metido em jarras martavans de colo alto; porque sam vidradas por dentro, e sostem muyto o páo sem se danar (3). Nota (1) O nome de «guaiacam», do americano guaiacan, usado, segundo pa- rece, pelos indígenas das Antilhas, dava-se ás madeiras de duas arvo- res do mesmo género, e da família das Zygophyllece: Guaiacixm officinale, Linn., uma arvore mediana das Antilhas, Cuba, Jamaica, Trinidad e outras, e também da terra firme da America: GJ-izaia- CTxm sanctvim, Linn., uma arvore muito similhante á precedente, da qual se distingue por caracteres puramente botânicos, e habitando nas mesmas regiões, Cuba e outras ilhas, e parte meridional da Florida. Esta madeira foi conhecida, ao que parece, logo depois das primei- ras viagens de Colombo, e começou a ser considerada um remédio poderoso nas doenças syphiliticas, que se haviam desenvolvido pela Europa de uma maneira pavorosa por aquelles fins do xv século e principies do seguinte. Julgava- se a doença de importação americana, como vimos já (n, p. 11 5), e isto contribuía para dar importância ao Da raiz da China 271 remédio, americano também. A madeira foi por isso conhecida pelos nomes de guaiacum satictum, lignum sancium, lignum vitce, derivados da sua verdadeira ou supposta efficacia; e deu logar a uma abundante litteratura. Logo no anno de iSiy, um Nicoláo Poli, depois medico do imperador Carlos V, escreveu um opúsculo curto. De cura Morbi Gal- lici per Lignum Guayacanum, onde nota, que aquelle remédio, quod sanctum cognominant, parecia vir providencialmente da terra, donde viera a terrivel doença. No anno seguinte (i5i8), Leonardo Schmauss conta no seu De Morbo Gallico tractatus, como mandara pedir infor- mações a respeito do novo remédio, e obtivera de Portugal e Hespa- nha dezenove cartas e noticias, sobre as quaes redigira o que dizia de arbot e guaiacana. As dejenoue cartas levaram de certo tempo a re- unir, por onde se vê, que se devia ter começado a fallar do remédio logo no começo do século, como já antes notámos. Também no anno seguinte (iSig) Ulrich von Hutten, o conhecido partidário da Reforma, e tido na conta de um excellente latinista, escreveu um opúsculo en- comiástico, onde celebrava a sua própria cura: Ulrichi de Hutten equi- tis de Guaiaci medicina et morbo gallico liber unus. Este era o «fidalgo alemam» do nosso Orta, que, reconhecendo-lhe as qualidades de es- criptor «em muyto copioso estilo e mui puro latim», lhe nota, no em- tanto, que tudo aquillo podia ser escripto em «huma folha de papel». Oviedo, no seu conhecido livro sobre as índias occidentaes (i526), e muito mais tarde Monardes, no não menos conhecido tratado das Drogas de las índias (1569), deram igualmente varias noticias interes- santes sobre o guaiacan; noticias que não vem ao nosso caso, e não será necessário resumir. Aquella droga vinha, pois, das novas possessões americanas hespa- nholas a Sevilha e outros mercados de Hespanha, d'onde, como vemos pelo nosso Orta, passava a Portugal, sendo exportada d'aqui para a índia oriental. (Cf. Pharmac, 92; Poli, Schmauss, e Hutten, em Aloysio Luisino, Aphrodisiacus, sive de lue venérea, p. 241, 383, 275; Oviedo, em Ramu- sio, III, 54 e 124; Monardes, nos Exoticorum, 3 12.) Nota (2) A ríTíf da China pertencia a uma planta trepadeira e espinhosa da familia das Smilacece, Siiiilax China, Linn. ^5. /«?ro.r, Wallich), espontânea na China e Japão, assim como em algumas províncias orientaes da índia; mas Orta não conhecia esta ultima procedência. Todo o Colóquio, com as suas longas e um tanto fastidiosas espla- naçôes sobre as regras a seguir na applicação da rai^ da China, e regi- men dietético a observar, é estremamente interessante para a historia 272 Colóquio quadragésimo sétimo da medicina, pois é a primeira noticia scientifica, sobre a introducçao na índia de um novo remédio, que d'ali passou para a Europa. Não exige, porém, nem comporta uma longa nota, pois não tem muitos pontos obscuros a elucidar. A nova droga, começada a applicar com proveito na índia, no anno de i535, depois da noticia dada em Diu a Martim Affonso de Sousa, foi trazida desde logo para a Europa, creando-lhe sobretudo repu- tação o facto de ser tomada com favorável resultado pelo impera- dor Carlos V, que sofFria de gotta. E o celebre medico e cirurgião, André Vesalio, escreveu e publicou em o anno de 1546 uma carta sobre este assumpto especial : Epistola rationem, modumque propinandi ra- dieis Chince decocíi, quo nuper invicíissimus Carolus V imperator usus est. Orta conhecia esta cai ta, onde vem algumas criticas e reparos ao novo remédio^; assim como conhecia o que haviam dito em seu des- favor, e em seu louvor, o erudito Andre Laguna, e o eruditissimo Matthioli. A rai^ da China, preconisada no tratamento das doenças syphiliticas, que atrahiam então todas as attenções, foi effcctivamente muito discutida, louvada e preferida ao guaiaco por uns, e n'esse nu- mero entrava o nosso Orta, tida em conta inferior por outros e creio que pelo maior numero. Por outro lado, as sarsaparilhas, provenien- tes de diversas espécies americanas do mesmo género Smilax, come- çaram quasi pelo mesmo tempo a ser conhecidas na Europa, e a sua crescente reputação contribuiu para diminuir a voga da rai^ da China. Na Europa caiu em quasi completo abandono; mas no Oriente, na China e na índia, onde é geralmente conhecida pelo nome persa chúb-chini (páo da China), consomem-se ainda hoje enormes quan- tidades d'aquella droga, sendo geralmente considerada anti-rheuma- tica, anti-syphilitica e aphrodisiaca. A noticia de Orta, de que «na China comem este páo cozido com a carne, como nós os nabos», vem confirmada modernamente por Polak, citado na Pharmacographia, o qual affirma que serve de alimento aos Turcomanos e aos Mongoes. E possível, no emtanto, que a noticia de Orta, como a de Polak, resulte de alguma confusão da rai^ da China, chamada n'aquelle payz tu-fuh-ling, com um singular cogumello, o Pa- chyma Cocos, chamado fuh-ling, e que effectivamente serve de alimento. Orta toca n'este Colóquio, como já tinha feito no trigésimo quarto, em uma questão complicada, a antiga existência da syphilis no Oriente, questão em que reconheço a minha absoluta incompetência. Não se percebe muito bem, se Orta admitte a importação da doença na Europa nos fins do xv século, o que era então a doutrina corrente, e unicamente ' O nosso Orta tem rasiSo, e Vesalio faz effectivamente varias críticas ao novo remédio, devendo eu emendar n'este ponto o que disse em Garcia da Orta e o seu tempo, p. 294. Da rat\ da China 278 diz, que ella existira de todo o tempo n'aquellas «terras todas e na China e em Japam», como existia na America ; ou se francamente rejeita a dou- trina da importação, suppondo aquella doença antiga em todo o mundo. Este ultimo modo de ver, foi sustentado em tempos relativamente an- tigos, assim como nos modernos, admittindo-se, por exemplo, que o chamado fogo persa, muito espalhado pelo Oriente, seria a syphilis; e encontrando-se também na Biblia algumas passagens, significativas da existência da doença entre os hebreus, desde o tempo de Moysés. No caso de Orta, como em muitos outros, a questão complica-se pelo facto de elle não distinguir claramente as doenças syphiliticas das sim- plesmente venéreas; e eu — repito — deixarei a discussão a pessoa mais competente. Notarei unicamente dous factos, que parecem contrariar a opinião de Orta, e indicar uma importação no Oriente pelos europeus, princi- palmente pelos portuguezes: o primeiro, apontado pelo próprio Orta no Colóquio trigésimo quarto, é o nome fringui dado ás boubas na índia, e que é a simples corrupção de frangue, e indica uma origem europèa do mal, trazido pelos frangues ou francos: o segundo é uma phrase de Antonio Pigafetta, o companheiro de viagem de Magalhães na primeira circumnavegação do globo, o qual diz, que em Timor e outras ilhas (i522) chamavam á syphilis mal de Portugal: in tutte queste isole regna una inalatthia che quei popoli la chia- mano il mal di Portogallo, e noi altri in Itália il mal francês-'. (Cf. Pharmac., 648; a carta de André Vesalio em A. Luicino, Aphro- disiacus, 586; Dymock, Mat. med., 838; sobre o Pachyma Cocos e outras producçóes análogas, Hanbury, Science papers, 200 e seguintes; Ha- monic, Les maladies vénériennes che^ les Hebreux à VEpoque Bibliqiie, nos Ann. de Dermatologie et de Syphiligraphie (1886 e 1887) ; Pigafetta em Ramusio, i, 368 verso.) Nota (3) As jarras maríai'ans eram fabricadas na região da Indo-China, que lhes dava o nome, e muito apreciadas em todo o Oriente. Deviam ser de barro vidrado, posto que Duarte Barbosa diga serem de porcellana. Eis a passagem de Duarte Barbosa : « . . . . também se fazem n'este lugar (Martabam) muytas e grandes jarras de porcelana, muy grosas, rijas, e fermosas; ha hy delias que levaom hCia pipa dagoa; saom vidradas por dentro de preto e muyto estimadas entre os Mouros». Linschoten (iSgS) ainda lhes attribue maiores dimensões, dizendo que algumas podiam levar duas pipas; e Pyrard de Lavai (i6io) tam- bém as louva muito: ... des jarres les plus belles, les mieux vernies et les mieux façonnées que faye vu ailleurs (cf Duarte Barbosa, Li- vro, 36 1; Yule e Burnell, Gloss., v. Martaban). 18 COLÓQUIO QUADRAGÉSIMO OITAVO DO RUIBARBO, O QUAL SE DIZ EM POUCAS PALAVRAS INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Do 7'uibarbo queria saber a feiçam do arvore, e folhas e fruta que tem; e se esta raiz que a nós vem, se vem verda- deira ou faicificada; que certamente que por ver hum arvore destes daria muyto agora. ORTA Muytos annos ha que vi no tesouro de Cochim hum caxam da China cheo de ruibarbo, o qual estava muito podre, e todo se fazia em pó. E dixeramme em Cochim, que os Chins coziam aquellas raizes ou as estilavam, e que se purgavam com aquella agoa ; e posto que isto me dixeram muytas pes- soas, nunqua descansei, porque nenhuma era testemunha de vista, e porque nós temos por certo que todo o ruibarbo que vem de Ormuz ter á índia, vem ter a Ormuz primeiro da China, pella província de Uzbeque, que he parte da Tar- taria; e he fama que da China vem ahi ter per terra, e alguns dizem que o ha na mesma terra de Uzbeque em huma cidade chamada Çamarcandar; porém este he muito ruim, e de pouco peso, e purgam com elle os cavalos na Pérsia, e eu também os vi purguar no Balagate, e a meu pa- recer este deve ser o ruibarbo, que nós chamamos em Eu- ropa rapam tiirquino, e não porque elle seja da Turquia nem perto delia. RUANO E dos que vam á China não averá algum que diga a ver^ dade, perguntandolhe vós? ORTA Em estremo desejei saber isto, e dizemme os mercadores que lá vam, que o nam ha no porto de Cantam, senão pella 276 Colóquio quadragésimo oitavo terra dentro; e trazemno ahi a Cantam a vender, e dahi vem á China*, e algum a esta índia; donde vem ter tam danado poUo mar, que o não queremos cá gastar, por ser milhor o que vem pella via de Ormuz. RUANO Por tam certo tendes que não ha ruibarbo senão na China? ORTA Si, porque o que vem de Ormuz elles mesmos confesam que vem ter á Tartaria da China, e da Tartaria ou Uzbeque vem a Ormuz e a toda essa Pérsia, e por isso lhe chamam rapam chini, e os Mouros muytos nesta terra lhe chamam somente rapam ^ mas todos confessam não aver outro, senão o da China; que he asi, que nam ha ruibarbo trazido de Berbéria nem rapam indico; senão o que se traz á índia, ou Berbéria, ade vir primeiro da China á índia, ou á Berbé- ria. RUANO Falando comvosco a verdade, milhor ruibarbo me parece O que vendem em Castella, scilicet, em Medina ou em Se- vilha, que o que se vende em Portugal na caza da índia; e asi vai mais caro muyto. ORTA O ruibarbo que vem á Pérsia ou Uzbeque, vai dahi ter a Veneza, donde vai a Espanha, e este vai a Veneza pella via de Alexandria; e muyto outro vai ter, pella via de Alepo, a Tripol de Suria, donde vai á mesma Veneza ; e porque todos estes caminhos sam pouquos por mar, e muitos por terra, nam danam tanto o ruibarbo; porque tenho por ave- riguado, que gasta mais e apodrece hum mez de mar que hum anno da terra. E já o ruibarbo que vem á índia por maio, com estar nella até setembro, não he para se guastar * Não se percebe bem o que quer dizer, e a phrase deve estar alte- rada na impressão. Do ruibarbo já, e entonces vem outro de Ormuz milhor e mais novo; e o compram pera a índia, e pera o levarem a Portugal; e o que invernou na índia, deitamno na praia, e isto nam se entende no que inverna nas terras do sertam; porque nam he terra sogeita a potrefaçam; e quem nesta terra o quizer bem guardar, mandeo a Bisnaguer ou a Balagate. E peço- vos muito por mercê que me perdoeis por vos não falar no ruibarbo^ senam pouco ou nada; porque o não pude saber. E espero em Deos, que se saiba tudo mais bem sabido ainda, pois a China se conversa tanto já com os Portugue- zes (i). Nota (i) O rhuibarbo do commercio, a raiz do Rlieizm offlcinale, Baillon, da família das Polygonacece, e porventura também a de ou- tras espécies próximas, vinha de regiões distantes, que no tempo de Orta — e ainda até certo ponto hoje — eram mal conhecidas, e das quaes elle tinha naturalmente escassas noticias. Os antigos conheceram uma droga, chamada pã, pwv, rhacoma, e de- pois rha-ponticum, rheum barbarum, reu barbarum, que seguramente deveria ser a raiz de uma ou mais espécies do género Rheum, entre as quaes figurava de certo a que depois forneceu a maior parte da droga. A palavra ponticum vinha da sua procedência, ou antes simplesmente passagem, pelas regiões próximas ao Ponto Euxino; emquanto a de- signação de barbarum se quiz derivar da sua exportação pelo antigo porto de Barbarike na costa da índia, mas deve antes resultar de ser trazida de regiões desconhecidas e barbaras ^ De reu-barbarum se de- rivou facilmente a palavra portugueza e hespanhola ruibarbo, que já encontramos n'esta fórma em um documento de Barcelona de 1271, citado por Capmany. Orta não conhecia, nem a feição da planta, nem exactamente a sua habitação, o que de modo algum nos pôde surprehender. Apenas, al- guns séculos antes, um único viajante europeu, o famoso Marco Polo, havia passado pela região e cidade de Sukchur (Su-chau, na província ' Também a primeira parte do nome, se attribuiu, na sua fórma Rha, ao antigo nome do Volga, por onde se dizia vir; e na fórma reu, raved, ravam (como diz Orta) simplesmente a ser uma raiz. 278 Colóquio quady^agesimo oitavo de Kan-su), dando noticia de que ali havia pelos campos muito rhui- barbo, em que na cidade se fazia um activo commercio, concorrendo a ella mercadores de todas as partes do mundo. Esta noticia isolada podia facilmente escapar, como escapou, ao nosso escriptor. Também este não podia conhecer uma noticia interessante e mais minuciosa, pouco anterior ao seu livro. Ahi pelo anno de i55o, pouco mais ou menos, Ramusio deu um almoço em Murano, fóra de Veneza, ao qual assistiam os seus amigos, o architecto messer Michele San Michele, o celebre editor e impressor messer Thomazo Giunti, o interprete em lingua turca da Illustrissima Signoria de Veneza messer Michele Mam- bré, e um mercador mussulmano Chaggi Memet (Hadj Mohammed), recentemente chegado com uma carregação de rhuibarbo. A sobre- mesa, a conversação versou particularmente sobre aquella droga, e o mercador contou como havia penetrado até á cidade de Succuir (Su- chau, o Sukchur de Polo), dando informações sobre o commercio do rhuibarbo, e uma descripção da planta, acompanhada por um dese- nho. Esta descripção e desenho foram fielmente inseridos pelo Ra- musio no seu livro; e aproveitados depois pelo erudito Matthioli nas suas annotacões á obra de Dioscórides. O desenho não era muito exacto ; e, um século depois, o padre Kircher reproduziu-o na sua China illus- trata, confrontando-o com um desenho mais correcto, obtido pela in- tervenção dos jesuitas, que já então começavam a penetrar na China septemtrional. Modernamente vários viajantes — como Prjevalsky,Pias- setsky, que esteve em Lan-tchu, junto ao rio Amarello e á Grande Mu- ralha, um dos mercados conhecidos d'aquella droga, o capitão William Gill, mais recentemente Bonvalot e Henrique de Orleans — têem pas- sado pelas terras onde se cria o rhuibarbo, ou nas suas proximidades; mas são principalmente os missionários, estabelecidos nas fronteiras do Thibet, como o vigário apostólico Chauveau e outros, que têem for- necido informações valiosas. Por seu intermédio se obtiveram as plan- tas, que se cultivaram e floriram no jardim botânico de Montpellier, e pelas quaes o sr. Baillon fez a sua diagnose da espécie. A area habitada pelo Rheum é bastante vasta, comprehendendo as províncias de Shan-si, Shen-si, Ho-nan, Kan-su e parte da de Sz-chuen na China, assim como todo o Thibet oriental, terras de Zaidam, Min- jak e outras. O Rheum cresce ali espontaneamente nas pastagens e encostas relvadas das montanhas. Se em toda a região, o rhuibarbo do commercio procede da única espécie Rheum officinale, ou se outras espécies o produzem também, é questão que não está ainda resolvida. No tempo de Orta, e antes, algum rhuibarbo vinha á índia dos por- tos da China por Malaca; mas nas viagens longas d'aquelle tempo, e mal acondicionado nas embarcações, chegava geralmente em péssimo estado á índia, e em muito peior a Portugal. Thomé Pires queixava-se da mesma cousa : Do ruibarbo 279 «Também foy 11a ter hua soma de Ruybarbo podre, que se comprou em Malaca : eu nom fuy na compra delle, que estava em Cananor : foy comprado por quatro centos cruzados a Ruy daraujo e Joham viegas: devem tornar o dinheiro a vosa alteza, pois venderam mercadoria po- dre » O ravam chini, vindo directamente da China por mar, era de tão má qualidade, que nunca podémos supplantar na Europa o que seguia o antigo caminho; e o próprio Orta confessa, dever ser o da Casa da ín- dia peior, que o vendido em Hespanha e procedente de Veneza. Este vinha pelo longo caminho das caravanas, por Yarkand, Kashgaria,Tur- questan, passando em Samarcanda («Çamarcandar» de Orta), e pela Pérsia a Hormuz, ou para occidente aos portos da Syria, donde ía a Veneza. Muito mais tarde, este caminho desviou-se para o norte, indo as caravanas pelo deserto de Gobi a Kiachta, e tendo então a Rússia o monopólio do commercio de rhuibarbo para a Europa. (Cf. Baillon, Adans., x, 246; Pharmac, 442; Yule, Marco Polo, i, 219, 220; Ramusio, A^ítv., ii, i5; Kircher, China illustrata, i83 e 184, Amste- lodami, 1667; Ga^. de Pharm., 38.) COLÓQUIO QUADRAGÉSIMO NONO DE TRES MANEIRAS DE SÂNDALO INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO He o sândalo muyto neseçario, por ser muyto cordial, e com ser frio cheira bem (cousa que em poucas mézinhas se acontece); e por isto parece mal a Mateolo Senense o que dizem os Arábios da compleisam do sândalo. E o sân- dalo vermelho dizemme nesta terra que he ávido por mais frio, e a causa disto he porque não tem cheiro, e por en- tender milhor isto, folgaria de saber o nome delle acerqua das linguoas da terra onde o ha, e da Arábia; e saber em que terras nasce, e saber se he em uso de medecina acerqua da gente desta terra. ORTA O sândalo nasce acerqua de Timor, onde ha a maior can- tidade; e he chamado chandam: com este nome se chama por todas as terras visinhas a Malaqua; e os Arábios, como pessoas que cheiravam o comercio destas terras, corrom- pendo o vocábulo, lhe chamaram sandal. Todo o Mouro de qualquer naçam que seja o chama asi; e os Canarins e De- canins e Guzarates o chamam cercandá. Nacem e crecem os arvores do sândalo em Timor, donde he a maior canti- dade; e sam matas que não se acabam de gastar, asi de huma banda da ilha como da outra. RUANO E todo o sândalo nasce nestas ilhas somente? ORTA Em outras partes nasce, como vos direi; e porém em Ti- mor não nasce este sândalo vermelho, senão emTanasarim 282 Colóquio quadragésimo nono e na costa de Charamandel*, scilicet, em alguns cabos delia. E a feiçam deste arvore do sândalo vermelho, até ao presente, não o pude saber; mas sei certo que vem dali todo o sândalo vermelho, o qual se guasta muyto pouquo nesta terra, por- que não o gasta a gente mais que pera febres, e algum se leva para Portugal e pera as bandas do ponente. E também se gasta cá o vermelho em pagodes ou idolos, e amde ser os páos muyto grandes ; e por isso quanto o páo he maior, que entram mais pouquos páos em hum bar (que sam quatro quintaes) tanto vai mais preço. E quanto he ao sândalo bran- quo e amarelo, muyto grande cantidade se guasta em toda a índia; porque toda a mais gente, ora sejam Mouros ora Gentios, se untam com sajidalo desfeito em aguoa, e pisado em pedras, que pera esse mister tem feitas; e asi untam todo o corpo até que se seca pera estarem frios, e cheirarem bem; porque esta terra he muito quente, e a gente delia muyto amigua de cheiros. RUANO Diz Mateolo Senense que nace em ambas as índias, sci- licet, na que está primeiro que o Ganges, e na que está alem do Ganges. ORTA Não nasce o sândalo vermelho senão na índia, que está ante do Ganges** (o qual rio a gente da terra chama Gam- gua), e outro sândalo bra?iquo e amarelo nasce alem do Ganges (i). RUANO Como sabeis que este páo vermelho he sândalo, e não brasil, pois nenhum delles tem cheiro ? * A mesma orthographia se encontra em outros escriptores portu- guezes, e parece representar correctamente a pronuncia de então, que depois se alterou, sem rasao, para Coromandel. ** Isto é um simples equivoco, pois disse antes encontrar-se em Te- nasserim, que elle sabia muito bem estar alem do Ganges. De tres maneiras de sândalo 283 ORTA Verdade he que nenhum cheira bem, mas o bra:{il he mais doce, e mais tinge; e o sândalo nem he doce, nem tinge. E deste modo perdeo hum meu amigo mercador, porque trouxe sândalo vermelho por bra^^il, e os tintoreiros lho compráram, e como viram que não tingia, tornaramlho a engeitar, e assi ficou por vender a mercadoria. RUANO Não vai mais dinheiro o sândalo vermelho que o brasil? (2). ORTA Val mais o sândalo vermelho, porém gastase pouco, e do bra:[il guastase muyto ; e por isto quando vem muyto sândalo vai pouquo. E tornando a dizer donde nasce o sândalo branco e amarelo, diguo que em Timor (a qual ilha tem muytos portos de huma banda e de outra); e diguo que o de Mena, que he hum porto, he o milhor de todos, e tem menos páo que os outros: e Matomea, que he outro porto, tem hum sândalo amarelo, mas tem muyto páo. E diguo ter muyto páo, ter pouco cerne, porque no cerne está o cheiro; e o outro porto dito Camanace tem ruim sândalo, porque he de muyto páo e de pouco cerne, ou amaguo: e desta maneira he o sândalo de Gerviaguo (outro porto asi chamado). E os mercadores esprementados vendo o sândalo loguo dizem donde he, e se tem muyto páo ou pouquo. E também ha sândalo em Verbali (que he hum porto de Jaoa), e ha nelle sândalo amarelo e branco, e tem muyto forte cheiro, mas dura este sândalo pouquo; porque, se está hum anno sem se vender, he neseçario cortarlhe o páo, e ficar mais no cerne. E também se achou em Macaca* huma mata de sândalo, e guastouse já, ou por dizer mais verdade era tam ruim que o não compravam, c por isso não foram lá por elle. * Talvez Macassar? 284 Colóquio quadragésimo nono RUANO Ha de duas maneiras sândalo em Timor, ou he todo branco? E qual he mais estimado? ORTA O mais estimado e de milhor cheiro he o amarelo, mas na parte onde o sândalo he milhor, que he em Timor, ha pou- quo do amarelo; e vem entre 5o páos hum, E se viesse muyto venderseia sobre si, e valeria mais. E o outro sândalo ama- relo, que dixe, he somenos, e duralhe o cheiro mais pouquo, o que não acontece no de Timor, a esse pouquo que de lá vem-, posto que falando o outro dia com hum mercador, que sabe bem essas terras, me disse, que na parte que he mais descuberta do sol ha muyto sândalo amarelo, e mais ambas as maneiras do sândalo tem os arvores semelhantes, que nós nam conhecemos a deferença que ha entre os arvo- res. E pode ser que conheça esta deferença a gente da terra, que trata com estes arvores. RUANO Digua a feiçam do arvore, e se dá fruto ou não, e se dá flores. ORTA O arvore do sândalo he tamanho como huma nogueira; e a folha he muyto verde, e he feita como a da aroeira; deita frol azul escura, e dá huma fruta verde do tamanho de cereja, e cae azinha, e he primeiro verde, e depois preta e sem sabor. RUANO Aguora quero eu dizer as duvidas, que tenho do que di- zem os autores Arábios e Latinos, pois que os Gregos anti- guos o nam conheceram; e dos Arábios, Rasis*, posto que o conheceo, não diz que cousa he, senam para que apro- * Rasis, trat. cap. 23 (nota do auctor). De ires maneiras de sândalo 285 veita. Serapiam* perfere o citrino a todos, e vós asi o aíir- maes, e diz que o vermelho he apos elle: e asi diz outras cousas em que não tenho duvida, somente em dizer que se traz da Siria; e mais duvido aleguar Galeno, pois delle nam escreveo. ORTA Em ambos esses ditos errou Serapiam; e pois da índia tie mercadoria pêra a Siria, nam he muyto dizer que se trazia delia, nam dizendo que nacia nella ; e asi em aleguar Galeno também erra, mas esta vez não he a primeira, por- que asi o dizem muytas vezes os Arábios, porque nam viam os livros de Galeno, e como ouviam algum grego dizer que Galeno falava na mézinha, loguo o criam. Nem Avicena** nam diz cousa alguma do sândalo, em que aja duvida, que ja não tinhaes bem decrarado, nem Avenrroís***. Pois asi passa, falai nos Latinos, e dizei alguma duvida se delles tendes. RUANO Antonio Musa diz que o sândalo aos Portuguezes o de- vemos; que o trazem do campo de Calecut, onde se colhe, e que Calecut he a principal feira que ha na índia ; e vós dizeis que o ha em Timor, e o vermelho emTanasarim, terras confins de Malaca****. ORTA Foy celebrada a cidade de Calecut em estas partes, onde se compravam e vendiam todas as mercadorias, e ali eram trazidas das outras partes, onde vinham os Chins com suas mercadorias, e com ellas traziam sândalo mesturado, o qual vendiam ahi, e o levavam pera o ponente; e como já vos * Serapio, cap. 846 (nota do auctor). * * Lib. 2, cap. 656 (nota do auctor). •** Avenrois, 5o, Coliget (nota do auctor). * « * * Tenasserim era confim de Malaca; mas o nosso bom Orta de via saber, que Timor ficava muito longe d'ali. 286 Colóquio quadragésimo nono dixe outras vezes, a feitoria dos Chins, chamada Chinacota, oje em dia permanece nessa cidade, em a qual os Chins moravam. Mas porque a gente da terra fez huma traiçam aos Portuguezes, quando em principio vieram a esta terra os Portuguezes, e se foram a Cochim, elles estruiram Cale- cut per muytas vezes-, e asi pouco a pouco se foy estruindo, sendo primeiro cidade muyto chea de riquos Mouros (á mam dos quaes vinha toda esta fazenda); e por esta razam diz Antonio Musa que no campo de Calecut nacia o sândalo; e em Calecut não ha campo, senam serras e palmares ao longo da praia; e o que vem, os Portuguezes o trazem nas suas náos de Malaqua em muita cantidade, donde vem ter a Cochim e a Goa; e destes portos se reparte para o Ma- lavar e o Canará, e Benguala, e pera o Decam, e pera o Guzarate '. e a mais pequena parte vai pera Ormuz, e pera Arábia, e pera Portugal, como vos já dixe. RUANO Chamam commumente o sândalo citrino, maclia:{ari ou maha^ari, e per outros nomes a estes semelhantes; e por essa causa eu queria saber, que quer dizer este nome; porque dizem os Frades*, que em alguns livros de sinónimos se diz macha^ari, scilicet, odoliferi; e que Serapio diz que, quando se nomea sândalo por excellencia, se entende do citrino; e em outro cabo dizem os mesmos Frades, que não se acha em Europa sândalo citrino, senam dentro no miolo se acha em muytos páos; e muytos autores dizem isto asi como Se- pulveda**; e diz mais este Sepulveda, que milhor he deitar ametade do pó do pennelho, e ametade do pó do branco; e mais diz elle, louvando-se, que já vio sândalo amarelo. E de tudo isto me dai a resuluçam, como pessoa que o vio; e para isto não me deis mais rezam, que a vossa vista. * Os frades (nota do auctor) ; os commentadores de Mesué de que já antes fallámos. * * Sepulveda (nota do auctor). De tres maneiras de sândalo 287 ORTA De ser mais cheiroso o sândalo amarelo não ha duvida, c de ser de mais preço; e ha o ahi em muytos cabos, e eu vi já muyto, e muitos outros o viram; e, porque se com- pra cá na índia milhor que em Portugal, não o levam lá, e mais por o pouquo cuidado dos boticairos portuguezes, que o não pedem na casa da índia, pera que o mandem trazer de cá, e também se am de culpar os que fazem estas drogas a elrey em o não mandarem a Portugal. E quanto he ao nome de machaiari ou mahaiari, pareceme (salvo milhor juizo) que quer dizer traiido de Malaca; ou pode ser que estava escrito maiafrani, que quer dizer dos ama- relos ou dos açafroados. E, como quer que seja, he noto ser milhor o citrino que todos. E quanto he a deitar ame- tade do vermelho, e ametade do branco, nam he ser citrino; antes he milhor deitálo todo branco, porque o branquo he mais cheguado á natureza do citrino; pois ambos se acham em huma mesma terra, e o vermelho he muyto longe donde nasce o branco. E também quero que saibaes que este ar- vore do sândalo se dá em outras partes, se o prantam, e eu o vi em Amdanager, onde foy trazido para se semear: e he este Amdanager huma cidade do Decam, onde reside o Nizamoxa, cuja he, muytas vezes. E eu o vi ahi, em huma caza de prazer onde ha muytos pomares, arvores de sân- dalo, e muytas das nossas; e algumas das nossas dam fruto; mas este páo de sândalo no arvore não cheirava: e mais me dixeram muitos que o sândalo não cheira, senão des que está escascado e muyto seco. RUANO Ha em outras partes sândalo? ORTA Na ilha de Sam Lourenço, e em alguns cabos da costa de Melinde o ha, segundo dizem os negros da terra; mas depois soube que he hum páo cheiroso, como ha muytos entre nós, e mais não tem os signaes do sândalo. E também 288 Colóquio quadragésimo nono dizem as Malavares que ha na sua terra hum páo cheiroso que parece ser sândalo branquo; e untamse com elle pera as febres, e chamamlhe os Malavares sambaram (3). Nota (i) O sândalo vermelho é a madeira de uma pequena arvore da familia das Leguminosce, o Pterocarpus santalinixs, Linn. f., ha- bitando as florestas do sul da índia, tanto da parte occidental, do Ca- nará para baixo, onde Orta o não menciona, como na costa e terras de Coromandel. A arvore do sândalo vermelho é absolutamente diversa e muito afas- tada da que produz os outros sândalos, não sendo fácil saber por que lhe deram o mesmo nome. Em todo o caso não ha aqui confusão ou invenção de Orta, porque já antes lhe chamavam assim, e o nome sanskrito, ^ rh'^'"<Á^H, raktachandana, significa a mesma cousa. A ma- deira, apesar de insípida e inodora, é empregada medicinalmente, como adstringente e tónica, e externamente como refrigerante, empregos si- milhantes aos que tem o verdadeiro sândalo, d'onde talvez veio o dar- se-Ihe o mesmo nome. Serve também na tinturaria; mas o seu uso principal é, como já dizia Orta, nas construcçóes, sendo os troncos maiores muito apreciados ainda modernamente para pillares e traves dos templos ou pagodes (Cf. Pharmac, lyS; Ainslie, Mat. Ind., i, 385; Amaracocha, iSy; Dymock, Mat. med., 23j). Nota (2) O braijil, de que Orta falia apenas de passagem, merece no emtanto uma nota especial. Era a madeira de uma arvore da familia das Legu- minosce, C0esalj>inia Sappan, Linn., madeira empregada na tinturaria, e conhecida no commercio europeu, desde os antigos tempos da idade media, pelos nomes de brasil, brésil, em italiano ver- sfino, os quaes se julgaram derivados de brasa ou braise pela côr ver- melha da madeira. E bem sabido, como uma madeira ou diversas madeiras, similhantes a esta, tendo os mesmos usos, e procedendo de varias espécies do mesmo género Ccesalpinia, se encontraram nas terras da America, visitadas pelos portuguezes logo no começo do xvi século. E é também ■conhecida a phrase, em que Barros lamenta, que o nome de Santa Cruz —primitivamente Vera Cruz— se mudasse por influencia do diabo De ires maneiras de sândalo no de um «páo que tinge pannos». Deixaremos, porém, esta phrase e as reflexões que poderia suscitar o nome Brazil, dado ás terras de San- cta Cruz. Começando a vir o pau brasil em maior quantidade da Ame- rica, passou o nome especialmente para a mercadoria nova; e o antigo brasil da índia e outras partes da Asia voltou a ser geralmente desi- gnado pelo nome asiático de sappan, ou sapang no archipelago Ma- layo, o qual parece prender-se ao sanskrito patanga, ou ao maláyalam shappan, que significa vermelho. O brasil asiático havia sido conhecido dos portuguezes e designado por este nome antes do descobrimento da America; e no Roteiro da viagem de Vasco da Gama se lê, que em Tenacar — provavelmente Tenasserim — se encontrava «muito brasyll, o qual faz muito fino ver- melho». Depois de a mercadoria da Asia ser geralmente supplantada no commercio pela de procedência americana, ainda continuou, no emtanto, aquella a ser conhecida por algum tempo. O brapl de que falia Orta, é evidentemente o asiático, confundido occasionalmente pelo seu amigo mercador com o sândalo vermelho. E do Lyvro dos pesos se vè também, como, no meado do xvi século, o brapl era uma mercadoria bem conhecida, tanto em Hormuz como em Malaca. (Veja-se o que eu disse na Flora dos Lusíadas, 91; e Dymock, Mat. med., 25i; Ainslie, Mat. Ind., u, 45o; Barros, Asia, i,v, 2; Roteiro, no; Lyvro dos pesos da Yindia, 18 e Sg.) Nota (3) t O sândalo é a madeira de uma pequena arvore da familia das San- talacea?, Saiitíilum jxllm-m, Linn., que habita no sul da hidia^ nas florestas de Mysore, Travancore e outras, assim como nas ilhas do archipelago Malayo, particularmente na de Timor, e na de Sumba, ao sul da de Flores, que foi mesmo chamada por isso a ilha Chandana^ isto é, a ilha do sândalo. O nome santalum e sândalo deriva-se do arábico J sandal, que era, como Orta diz, uma corrupção ou antes um modo de pronunciar e escrever o sanskrito ■^^•^(^H, chandana. Por este ultimo nome vem a substancia mencionada no Nirukta, um dos mais antigos commen- tarios dos Vedas, assim como nos celebres poemas, o Ramayana e o Mahabharata. É igualmente citada no Périplo do mar Erythreu, nas viagens de Cosmas Indicopleustes, e em outras obras antigas. Se o al- gum ou almug, trazido pelas frotas de Salomão e de Hiram do paiz de Ophir, era igualmente esta madeira, é questão diversa e um pouco mais duvidosa. Distinguiam já os escriptores sanskriticos duas variedades de ver- dadeiro sândalo, o amarello ou citrino, chamado pitachandana, e o 19 2go Colóquio quadragésimo nono do sândalo branco, chamado srikhanda; mas não procediam nem procedem estas duas variedades de duas arvores ou espécies diversas, como Orta pa- rece indicar; e o citrino, mais carregado em côr, pesado e aromático, é simplesmente o cerne perfeito de alguns troncos. Os usos do sân- dalo são bem conhecidos, servindo para o fabrico de cofres ou moveis, trabalhados e entalhados, principalmente nos templos e edifícios sagra- dos, entre os quaes se podem citar as famosas portas do templo de Somnath, ainda conservadas em Agra, e que se diz terem mais de mil annos. Tinha egualmente empregos medicinaes, sendo considerado frio e secco, cardíaco ou «cordial», tónico, adstringente, alexipharmico, re- solutivo, e applicavel também, misturado com leite, no tratamento das gonorrhoeas. Gastava-se e gasta-se, sobretudo, como perfume, redu- zido a pó em umas espécie de pequenas mós de pedra, e misturado depois aquelle pó com agua rosada e outros ingredientes. Igualmente se consumia na cremação dos cadáveres dos hindus muito ricos, que os outros naturalmente não podiam esperar este luxo post-mortem. Orta, á parte uma phrase curta e duvidosa, menciona unicamente o sândalo de Timor, e em segundo plano o de Java e outros pontos do archipelago Malayo. O mesmo faz Duarte Barbosa, fallando do «Sân- dalo branco e côr de limão, que nasce em huma ilha chamada Timor». E o mesmo faz também Camões, limitando-se a mencionar o d'aquella região : AUi também Timor, que o lenho manda Sândalo salutifero e cheiroso. É incontestável, pois, que a ilha de Timor era então a principal e mais importante origem do sândalo do commercio; e parece, que as arvores das florestas do sul da índia seriam pouco conhecidas e apro- veitadas. No emtanto, o Santalum álbum não é raro na índia, e a ma- deira d'esta procedência alcança hoje nos mercados os preços mais ele- vados, e passa por ser superior á de Timor e outras terras de leste. É possível também, que se não tivesse feito a identificação entre a ar- vore da índia e a das regiões mais afastadas; e inclino-me a aceitar esta hypothese. Na ultima phrase do Colóquio, Orta diz, que os ma- labares tinham na sua terra uma arvore, que parecia ser sândalo branco, e da qual se serviam para os mesmos usos medicinaes; e em um dos Colóquios anteriores (ii, p. 5o e 64) fallou de uma madeira das proxi- midades do cabo Comorim, chamada aguila brava, que, segundo todas as probalidades, era o próprio sândalo. Em resumo, o Santalum álbum da índia, não parece haver dado logar por aquelles tempos a uma ex- ploração activa; e sobretudo não estava bem clara a sua identidade com a madeira, mais conhecida e celebrada, procedente da ilha de Timor. (Cf. Pharmac, 540; Crawfurd, Dict., SyS; Ainslie, Mat. Ind., i, ByG; Dymock, Mat. med., 75 1; Duarte Barbosa, Livro, 385; Lusíadas, x, 134.) COLÓQUIO QUINQUAGESIMO DO ESPIQUENARDO* INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO O espiquenardo foy de muyto preço, e muyto louvado an- tiguoamente; que diz no evangelho que aquelle ingoento pu- dia ser vendido por mais de trezentos dinheiros; e trezentos dinheiros, contados segundo a conta de Budeu**, sam 40 crusados nossos, que pera aquelle tempo era gram valia o que custava aquelle ingoento; posto que aguora, polia muita abundância de cheiros que ahi ha naturaes e perigrinos, nam vai tanto ao presente; dos quaes cheiros fazem as suaves pastilhas e caçoleas, os delicados pivetes, e mesturas de âm- bar e almisqiie, e algualia, e linaloe, e outros muytos cheiros. Asi, por esta rezam, como por o uso que delle ha na física, he bem que façamos huma pratica delle, e mais, porque al- guns escritores dizem que carecemos do verdadeiro espique. ORTA Nam carecemos de verdadeiro espique, antes temos mais mézinhas, do que nunqua tivemos; e nam sam tam falsifi- cadas como eram primeiro, polia muyta abundância que vai destas partes orientaes para o ponente; porque, se oulhar- mos o que diz Plinio*** destas mézinhas, nam nos mara- vilharemos se as falsificaram ; porque o muito preço os con- * Orta, collocando n'esta situação alphabetica um nome começado pela lettra e, lembrou-se evidentemente da forma latina, começando por s; e o mesmo se pode dizer dos dois Colóquios seguintes. * * Um escriptor citado pela primeira vez : veja-se a nota final ao Colóquio. *** Plinius, Lib. 12, cap. 12 (nota do auctor). 292 Colóquio quinquagesimo strangia a falsificálas; mas aguora que a navegaçam he mais descuberta, e com mais náos, asi pera Portugal como pêra as outras bandas do ponente, não nos maravilharemos de valer tam barato, e aver tanto, sem ser falsificado. E mais compram estas mezinhas milhor aos da terra, e a terra as cria milhor aguora; porque é mais cultivada e aparelhada pera as dar. RUANO Digua donde nascem, e como se chamam nestas terras ácerca das naturaes? E mais os Mouros como as chamam, porque os Gregos e Latinos bem sei o nome que lhes põem. E acabado isto examinaremos, que dizem os escritores que delias escreveram. ORTA Chama-se o espiqiie nas terras donde nasce ácerca do gen- tio cahiçara, e nasce no Mandou, e em Chitor, e em algumas partes de Benguala, perto do rio Ganges (a que os índios chamam GuangaJ: he rio muyto fermoso, e ávido por sancto em tanta maneira, que os Bengualas, quando querem mor- rer, se mandam deitar nelle, scilicet, pondo os pés dentro na aguoa, a qual aguoa he muyto boa, e eu a provei. RUANO E os outros Gentios das outras terras tem este rio em Veneracam? ORTA Si em muita; porque um rio que dizem ser ramo deste, que corre nordeste sudeste também chamado Guanga, que he nas terras do Nizamoxa, todos os mais dos anos se vai lavar nelle toda pessoa gentia das suas terras. E porque alguns sam proves, e não podem lá ir a lavarse, manda elrey, tiranicamente, que quem se quiser ir lavar, que se vá a lavar, e que toda a pessoa pague por isso i8o reis, que he meo pardáo de ouro. E pera isto se faz conta na terra quantas pessoa ha, e os ricos paguam por os proves, e asi se junta huma soma de dinheiro ; e disto sam eu testemunha, porque vi colher este dinheiro, e me paguaram delle os que o recadavam dividas que elrey me devia, e mercês que me Do espiqiienardo fazia*. E no rio Guanga dc Benguala e Orixá (ou Uria como elles dizem) ha certos pagodes, aos quaes vam em romaria os mercadores do Guzarate e do Decam, e vam lavarse no rio Giianga; e fazem grandes guastos e esmolas aos pago- des^ e de lá vem lavados e rapados e tomados do diabo, a que elles chamam, santificados. RUANO Nova maneira de tiranisar he essa, e porém dizei o nome em arábio, e se usavam em física desta mézinha os Mouros e Gentios. ORTA Ghamalhe Avicena* *, e todolos Arábios que aguora ha cem- bul, que quer dizer em arábio espigiia; e asi chamam o espi- quenar^do, cembul indi, asi como se dixesse espigua da índia; e a que nós dizemos espigua céltica, chamam elles cembul rumin, como se dixesemos espigua da terra dos Rumes. E se Mateus Silvatico lhe chama cenubel e sóbel, he como pessoa que não sabia o arábio; ou se pode dizer que os nomes se foram corompendo pouco e pouco. E quanto he o que perguntaes, se he em uso de física, diguo que si, ácer- qua dos Mouros e muyto mais ácerca dos Gentios. RUANO Aguora he neseçario que examinemos os escriptores pera me tirardes as duvidas que ha nisso; e Discorides, mais an- tiguo, diz* * * que ha duas especias, scilicet,huma siria e outra indica, e nam porque se achem nestas regiões, senam porque * Este segundo Ganges ou Ganga é o Godavery, cujo curso foi mal conhecido até um periodo muito posterior a Orta. D. João de Castro dá-Ihe o mesmo nome que Orta, e diz, fallando dos rios do Deckan : «Guodavam, que per outro nome chamam Gangua». Rot. de Goa a Diu, 7. Esta phrase e a situação geographica marcada estabelecem perfeitamente a identificação com o Godavery, que suppunham ser um affluente do Ganges. * * Lib. 2, cap. 146 (nota do auctor). »** Lib I, cap. 6 (nota do auctor). 294 Colóquio qimiquagestmo nasce em hum monte que tem duas faces, e huma delias olha pera a Siria, e outra pera a índia; e depois, falando na eleiçam, dizem que entre os nardos indicos ha o guan- jetico, por nascer perto do rio Ganges, e que nasce em huma montanha, em a qual cresce esta mézinha; e que, posto que he maior e mais viçosa que a do alto do monte, he de menos vertude; e dizem que o cheiro delia he como do cipero. A cerqua destas cousas me digua o seu parecer. ORTA Eu nam conheço outro espiqiienardo nesta terra, senam o que já vos dixe, e he o que vem do Chitor, e do Mandou, terras que confinam com o Deli, e com Benguala e com o Decam. E asi estas terras, como outras muyto mais ávante, tudo he índia. E dizer que he huma espigua siiHa e outra indica, não se pôde entender senão dizer que este monte tem duas faces, huma do ponente e outra do levante •, porque o monte ou os montes estam na índia, e a Siria está da banda do ponente muyto longe. E mais he de notar que não nasce todo neste monte, senam em muytos cabos desta re- giam, onde o semeam; porque não nasce sem ser semeado, senam pôde nascer sem se semear em muyto pouca canti- dade; e he uma raiz que crece deitando huma astia curta sobre a terra, que a maior pôde ser de tres palmos, e outras muito mais pequenas, e loguo acima da raiz deita a espigua, e algumas espiguas vai deitando polia astia acima, e asi o trazem a vender a Cambaiete e a Çurrate, e a Guogua* e a outros portos do mar, onde lho compram os mercadores Arábios e Pérsios, porque a menor parte guastamos nós. E também a gente da terra guasta muyta cantidade, e eu o comprei já pera elrey nosso senhor em Dio: e algum delle he çujo, e cheo de pó feito dos cabellos do mesmo espiqiie, * Cambaya e Surate são portos bem conhecidos; Gogá ficava em frente, no mesmo golfo de Cambaya, na costa de leste da península de KathyAvar. Do espiqiienardo e os mercadores que acima dixe tudo compram, e dizemme que com o pó lavam as mãos; nem achamos cá nesta terra ser hum milhor que outro \ nem os que vem a vender, dizem que o ha nos montes e nos vales, e que o dos montes he o milhor; nem as espiguas que vem sam muyto mais grandes humas que outras; e todas as mais nascem perto da terra; isto he o que polia maior parte acontece. Huma cousa vos posso certificar, que se Dioscórides vira este espigue, que nos vem e lá o mandamos, dixera que era o verdadeiro es- piquenardo; e certo que he de maravilhar destes escritores modernos que dizem que nam ha cinamomo nem cassiali- gJtea, confessando que vem da índia, asi como espigue. Muyto milhor dixeram que não he esta índia que elles dizem, se- nam que he outra que nós não sabemos, por estar escon- dida, e isto seria milhor; porque certo aver muyto das mezinhas e valerem pouquo por causa da descuberta na na- vegaçam os faz duvidar serem ellas. RUANO Nam faleis com paixam; porque Mateolo Senense he de VOSSO parecer, reprendendo a Menardo, e a Fucio, porque di- zem que nam ha verdadeiro espigue: mas dizeime que direis a Plinio que diz que he huma frutice pequena e negra, e fraca, e que hum género delia, que nasce ácerqua do rio Ganges he de todo danada; e depois diz que o preço delia he de 90 livras, e se he quintal e de espigue podese sofrer; porque vai em Dio a vinte cinquo e a trinta crusados, não he muyto valer a duzentos e setenta crusados, que sam 90 livras; e dizem que o que tem as folhas grandes vai a trinta; mas, nas Anotações de Plinio, diz Hermalao Bárbaro que nam sam livras, senam dinheiros, porque tem esta nota como X feita, que vai dinheiro X, isto traz mais rezam asi por o preço ver- dadeiro desta mézinha, como o da pimenta, e doutras muitas drogas*. » Veja-se a nota final do Colóquio. 296 Coloquto qiimquagesimo ORTA Eu nesta terra não vi outro espigue senão este, que levam pera o ponente, o qual vem todo perto do Ganges, e desta só maneira usam os físicos índios e os Turcos, e Pérsios e Arábios, que delia vem, e habitam nesta terra, curando os reis e príncipes. E quanto he os preços serem grandes, não he maravilha, porque estes caminhos nam eram sabidos. E asi que Plinio pudia nisto dizer verdade, mas não em dizer que o espique do Ganges era em todo condenado; pois não he outro senão este, e, se o ha em outras terras, he em tão pouqua cantidade que não veo á minha noticia (i). RUANO Diz Laguna que o espique que se vende nas boticas não he espigua, senam raiz,- e a isto não contradizem Dioscó- rides, senão dizendo que parece espigua; e mais dizem que o espique he suspeitoso na índia, porque delle se faz huma poçam ou composiçam venenosa chamada pisso, o qual pisso dizem que mata não tam somente per dentro, senam apli- cado per fóra; e asi dizem que vem da Siria. Que respon- deis a isto? ORTA Diguo que a tal composiçam chamada pisso eu nam a vi, nem delia ouvi dizer; ante vos afirmo que, querendo o Ni- zamoxa provar hum pouquo do licornio meu, deu a hum homem que estava preso por caso de morte, napello; e pa- rece ser que se pisso fora mais venenoso, que lho dera a beber; asi que por isto e por nunqua ouvir falar neste jcísso, nem em semelhante mezinha, aplicada por fóra, me parece fabulosa cousa, e por tal a julguo (2) . E ao que dizem que vem da Siria, diguo que vai de cá a Alepo, e de Alepo, que he a Siria, vai a Veneza alguma parte, que se guasta em Eu- ropa. E deste modo se entende o que diz Sepulveda, que o chama espica aliep, como se dixesse espigua de Alepo; porque sempre Alepo foy cabeça da Siria, e foi a principal escala da índia pera o ponente, e aguora o he muito mais. E diz Sepulveda, que huma especia dita satiech, he satiach, Do espiquenardo 297 e isto quer dizer Satiguam*, que he um porto muyto cele- brado em Benguala, onde entra o rio Ganges: e esta mé- zinha, posto que he muyto celebrada, e guastada, não acha- mos falsificarse : somente, a que he velha, perde o cheiro algum tanto; e por isto asi passar não temos necesidade de falar no espiquenardo. RUANO Que cidade he Alepo? He por ventura Haram? ORTA O bispo Dom Ambrósio, penitenciário que foy do papa Paulo, veo a esta terra polia Arábia e Turquia, comovido com zelo de nossa fé; e sabia muito bem o arábio, e lia o muyto bem. E conversando eu em S. Domingos, porque era religioso da mesma ordem, me dixe que Abraham, quando Deos o livrou de Ur, cidade dos Caldeos, veo ter a Alepo, cidade e cabeça da Suria, e tinha mu3^tos gados em grande cantidade, e que dava o leite a beber a todos os necesitados e proves, que vinham a comer e beber o leite cada dia; e que estes quando vinham, perguntavam: yalep? que quer dizer ordinharam ou miingiram já? E que por isto lhe pu- seram áquella terra este nome. E dizia o bispo que isto lhe dixeram os antiguos de Alepo, os quaes tem que Alepo foy abitado e senhoriado de Abraham (3). RUANO Poderei eu falar com esse bispo? ORTA Não, porque partindo pera Portugal, morreo em Cochim antes que se embarcase. RUANO Certamente que folguára de conversar esse bispo (4). * Ou Chatigam, modernamente Chittagong, junto á embocadura oriental do Ganges. Colóquio qiiinquagesimo Nota (i) O «espiquenardo» de Orta é o IVardostacliys JTata- in.a,nsÍ9 D.C., uma pequena planta da família das Valerianea.', muito conhecida e usada na índia desde os tempos mais remotos, como medicamento e principalmente como perfume, e designada pelo nome sanskritico, sITPTRTT, jatãmansi. Orta identifica esta planta com o celebre nardo dos antigos, spica nardi dos velhos escriptores de maté- ria medica; e esta sua opinião é partilhada pelas melhores auctoridades no assumpto, como são sir W. Jones, Sprengel, Royle e outros. — O nome vulgar «cahzçara», citado pelo nosso escriptor, deve estar muito estropiado; e apenas vagamente se parece com alguns nomes que encontramos em Dymock, Ainslie e Piddington, como balchar, e chehur ou chehar. — O arábico «cembul», isto é ^J-;-^, senbul, é perfeitamente conhe- cido; e, segundo o uso dos árabes, juntavam-lhe o qualificativo da re- gião senbul-i-hindi. E também natural — como Orta diz — que desi- gnassem pelo de senbul-i-rumi, uma droga análoga, procedente das terras occidentaes, e produzida por uma planta da mesma familia, do género Valer iana. O espiquenardo do commercio indiano vinha effectivamente das re- giões montanhosas do norte da índia, isto é, do Mandou e Chitor, to- mando naturalmente estas expressões na accepção lata e um tanto vaga, em que as tomava Orta, e a que por mais de uma vez nos temos referido. (Cf Jones, Asiat. Researches, ii, 405 ; e iv, 109; Sprengel, Diosc, 11, 345 ; Royle, Ant., 33 ; Ainslie, Mat. Ind., 11, 367; Dymock, Afaí. meá.,417; Piddington, Index, 90.) Nota (2) Creio que a composição venenosa, a que Orta dá o nome de «pisso», dizendo não a conhecer, é simplesmente a mesma cousa de que falia logo em seguida sob o nome de napello. É muito conhecida na índia uma droga extremamente venenosa, chamada bish, do sanskrito visha, da qual parece que Christovão da Costa fallou, dando-lhe o nome de bisa, e que consiste na raiz do Aeonit iim fei-ox, Wallich, e talvez também de outras espécies do mesmo género. É provável que Orta, vendo applicar esta droga pelo seu amigo Nizam Scháh, conhecesse ser a raiz de um Aconitum, e lhe desse o nome de «napello», lembrando-se do Aconitum Napellus da Europa, também venenoso, posto que menos enérgico. O que §lle chama «napello» e o «pisso» seriam pois a mesma cousa; e unicamente succedia, que o nosso medico não havia estabelecido a identicação entre Do espiquenardo 299 as duas drogas venenosas (cf. Phannac, 12-, Dymock, Mat. med., i . Chr. da Cosia, Tractado de las drogas, 90). Nota (3) D. fr. Ambrósio de Rontecalli, natural da ilha de Malta, foi enviado á índia pelo papa Paulo IV, com o titulo de bispo Aurense, e poderes de legado a latere. Viveu algum tempo em Goa, naturalmente no con- vento de S. Domingos a cuja ordem pertencia, gosando a fama de ho- mem instruído, não só de grande theologo, como de bom mathematico e orientalista distincto. Morreu effectivamente em Cochim, quando se dispunha a partir para Portugal (cf. fr. Lucas de Santa Caiharina, Hist. de S. Domingos, iv parte, gSo, Lisboa, lySS). Excede muito a minha competência a discussão da etymologia, dada pelo erudito bispo ao nome da conhecida cidade da Syria. Unicamente notarei, que a fórma arábica do nome Alepo ou Aleppo é Haleb; e se approxima ou é idêntica a alguns tempos do verbo mungir ou ordenhar. Os arabistas decidirão se o bispo tinha rasão, e se esta de- rivação é possível e está no espirito da lingua. De resto, aos que se não contentarem com a etymologia do bispo, podemos fornecer outra, muito mais singular. É a do conhecido via- jante e naturalista francez, contemporâneo de Orta, Pedro Bellon : diz elle, que assim como Aleph é a primeira lettra do alphabeto, assim aquella cidade se chamava Halep, por ser a primeira da região em que está situada (Petri Bellonii Observationes, versão latina de Clusius, nos Exotic, i55). Nota (4) Orta deu-se a bastante trabalho para averiguar a concordância dos preços das drogas, correntes no seu tempo, com os mencionados na Biblia, e em livros antigos, como o de Plinio. Foi procurar esclareci- mentos a um trabalho clássico e celebre sobre a matéria, escripto pelo erudito Guilherme Budeo : De Asse et partibus ejus libri quinque, do qual vi a edição de i533. Devo, porém, confessar francamente, que não procurei ali a «conta de Budeo», nem apurei se o resultado a que Orta chegou é exacto. Sobre o mesmo assumpto, Orta consultou também as Castigationes Pliniana' de Hermolao Bárbaro, onde, nas Castigationes secunda', no- tas ao Livro xii (edição de 1493), encontrou a discussão dos preços do nardo, e a explicação de que o signal X significava o dinheiro, «dena- riwn oslendat». Esta explicação foi-lhe util, porque — como antes no- támos— elle se havia equivocado no Colóquio da pimenta sobre a si- gnificação d'aquelle signal. COLÓQUIO QUINQUAGESIMO PRIMEIRO DO ESPODIO INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Entra o espodio em tantas composições feitas pelos Ará- bios, tam doutos e esperimentados, que nos faz duvidar po- derem as composições que o levam, tomarse polia boca o espodio dos antigos Gregos, pois he metal (e pera isto vie- ram a usar os Latinos de oge de outro espodio, chamado asi dos Arábios)»; e por esta causa queria saber de vós, que espodio he este que cá usam os físicos. ORTA Nam ha mais que hum espodio no mundo, ou pomfolix ou tutia; e por falta deste tomavam outras mézinhas os Greguos, e chamavamlhes attíispodio, que quer dizer espodio falso, ou contrafeito; mas os Arábios não fazem mençam deste espodio, senam debaixo do nome de íuíia, ou pomfolix, nem de antispodio fazem alguma mençam. RUANO Pois donde nasce esta distinçam de chamar a uma me- zinha espodio dos Greguos, e a outra espodio dos Arábios? ORTA De Davo Terenciano**, que conturbava todas as cousas: e este Davo foi Gerardo Cremonense, que trasladou, em » Toda a phrase é extremamente incorrecta; mas o sentido fica bas- tante claro. • * Davus, escravo de Simo, personagem de uma das comedias de Terêncio. 302 Colóquio quinquagesimo primeiro lugar de tabaxir, cspodio, não tendo semelhança com elle alguma, nem na obra hum do outro, que não seja mais de- ferente do que he branquo com preto. E não tam somente errou elle nisto, mas todos os que tresladaram os livros de arábio en latim, dizem tabaxir, scilicet, espodio, e aquella exposiçam não he do escritor, senão do tradutor. RUANO E parecevos mal, falecendo hum nome, fazerem impo- siçam de outro em seu lugar? ORTA Não, se aquelle nome não significar outra cousa muyto deferente no parecer e na obra, porque estas equivocaçÕes dam causa a muytos erros, e porque os da física sam mais periguosos, sam estes maiores erros. * RUANO Pera isso dizei o que he o tabaxir, segundo os doutores e a gente desta terra. ORTA O que os Arábios chamam tabaxir, he nome tirado da linguoa da Pérsia; e dahi o tomaram os Arábios, asi como Avicena e outros. E tabaxir quer dizer leite, ou çumo, ou humidade, que invernou ou demorou em alguma parte; e por este nome he conhecido de toda a Arábia e Turquia, e Pérsia. RUANO E se esta mézinha he da índia, como se chama nestas partes ? ORTA A gente, onde a ha, a chama sacarmambum, que quer dizer, açucare de mambum, porque áquellas canas daquella arvore chamam os índios onde nasce, mambú. E porém já lhe chama aguora a gente da terra tabaxir; porque debaixo deste nome lho pedem os Mouros, que o vem comprar da Pérsia e da Arábia, e da Turquia, que se leva a estas re- Do espodio 3o3 giões por mercadoria i e vai muito, quando falece, e pouquo, quando vai muyto a venderse; que asi sam todas as merca- dorias; mas o preço ordinário na Pérsia e Arábia he a peso de prata. RUANO Como sam as canas e os arvores que as criam? E elle como se tira e he feito? E em que terras é a força e a can- tidade destas canas? ORTA Ha huns arvores grandes, e altos tanto como freixos, e outros mais pequenos, e isto ha em Bisnaguer e suas terras, e no Malavar também; e tem os ramos direitos polia maior parte, senão alguns delles, que vem de boa feiçam, que en- tortam e acorcovam, pera fazer as canas dos palanquins e andores que na índia se usam. Tem entre nó e nó estas canas cantidade de um palmo, e a folha pouco mais comprida e larga que a da oliveira nossa; e nestas canas, scilicet, nos nós, se gera huma humidade grossa que parece como o amidam, quando está muyto coalhado; e asi he branca, e ás vezes he muyta, e ás vezes pouca, como a que nasce dentro das canas de escrever, a que os moços, em linguoa portugueza, chamam ladrão. E por o que vos dixe vereis que nam he raiz de canas nossas queimadas, como dizem alguns Arábios. RUANO Vistes já o tabaxir nas canas? E como he algum delle, preto ou cinzento? ORTA Vi muytas vezes, posto que poucas canas o tem; e sam as de Bisnaga e Batecalá, e de algumas do Malavar: e a gente da terra, scilicet, os carpinteiros, quando as lavram para fazer algum madeiramento, se acham dentro este çumo basto ou miolo, póemno loguo pollos lombos e rins, e na fronte se lhe dóe a cabeça, e se o senhor da madeira não lho toma. E algum delle he preto e cinzento, e nam se tem por pior; porque he de estar muito na cana, e a humidade o fazer daquella cor. E já tive por certo em algum tempo, 3o4 Colóquio quinquagesimo primeiro que porque punham foguo ás canas, ficava daquella cor; mas depois soube a verdade, porque ás vezes não pÕem fo- guo no mato das canas e muytas delias o dam, que nunqua viram foguo; por onde parece ser a verdade ser da muita humidade que corre a elle: e asi me foy dito a mim por ín- dios da terra. RUANO Pois os Arábios e Latinos falaram somente neste simple, pouquo trabalho tereis de me fallar nisso, decrarando o que dizem; e dizer onde dizem mal e onde bem. ORTA Rasis, posto que fala no íabaxir*^ não diz de que he feito, senão o pera que aproveita. Serapio diz** que he sataxir ou mais direitamente espodio; e diz o pera que aproveita, aleguando a Rasis, o qual Rasis alegua a Galeno ; e diz nisto bem, mas tal cousa nunqua escreveo o Galeno, nem outro Grego algum. Mas isto não se pôde tirar a Serapio, ale- guar a Galeno e a Dioscórides, onde nunqua falaram cousa alguma; e também diz, aleguando ao mesmo Galeno, que no sabor he amarguo, no qual erra manifestamente, mas antes he doce; c por esta rezam, como já vos dixe, lhe cha- mam os índios açiicar de mambu E quanto he a não lhe chamar íabaxir, senão sataxir, nisto nam errou, porque Sa- rapio tabaxir escreveo, e o tempo corrompeo o nome. E em dizer, ou mais direitamente espodio, o erro que nisto se cometeo foy do trasladador, que pôs aquillo de mais da sua casa. Avicena diz*** que sam raizes de canas queima- das, o qual vedes ser falso; e nem as canas sam das nossas, e o Belunense diz que ha de dizer alcaná por outra letra, e que alcaná he o arvore das canas de que se faz o espodio, * Rasis, Tratatus, 3, cap. 36 (nota do auctor). »* Serapio, cap. 342 (nota do auctor). ••* Lib. I, cap. 617 (nota do auctor). Do espodio 3o5 e nisto faz no seu chamado Vocabulário huma discricam do > arvore,' mas eu nunqua achei quem lhe chamase este nome nesta terra. E quanto mais que nem as raizes das canas he o tabaxir; asi que em ambas traduções erra Avicena. Avenr- rois diz* que he carvam dos nós das canas queimadas da índia, donde parece que o não vio, pois a cousa tam branca chama carvam. RUANO E que vos parece destes homens errarem? ORTA Pareceme que o trato e navegaçam não era tam usada; por onde aviam as enformacões falsas e curtas. E diz Valério Codro** muyto mal dos Arábios, porque fazem o espodio das raizes das canas, sendo espodio metal ou feito de metal. E nisto não diz bem, porque os Arábios, como vos dixe, não conheceram tal nome, senão tutia, e desta escreveram, conforme aos Greguos. Antonio Musa diz que Avicena usou do espodio de canas, porque não tinha o de metal (bem vedes que nunqua falece tutia nem metaes, mas não usaram delia tomada por a bocca) e mais diz que nós não aviamos de usar deste espodio, pois he contrafeito e falso, e diz que nam faltaram escriptores modernos, como Menardo e outros, que dixeram que de nenhuma cousa se faz espodio senam dos metaes. E nisto se enguanou muyto, porque Dioscórides en- sina a fazer espodio no 5 livro.. Mas de todas estas cousas he livre Avicena; porque não falou senão tabaxir, e nam sonhou que havia de ter falso tradutor; e pois trabalham todos na equivocaçam destes nomes, scilicet, espodio, avendo de significar duas cousas. E ao fim diz que usemos do es- podio de canas de Avicena, ou de coraes queimados, ou de marfim queimado, ou de ossos de elefante queimados. Vede, senhor, quantos erros se pudiam escusar, se olhasem estes * Colige t, 5 (nota do auctor). *» Valério Codro (nota do auctor); aliás Valério Cordo. 20 3o6 Colóquio qiiinqiiagesimo primeiro homens a composiçam; e se for de Greguo, usar do espodio verdadeiro de metal, e se for de Arábio usareis deste espodio, que levareis da índia, que eu volo averei; e se for Latino que receita a composiçam, vereis se he mézinha que se ha de tomar por dentro ou por fóra, e usareis conforme a en- tençam do escritor, que fez a composiçam; porque loguo se verá, se querem esfriar coraçam, ou cérebro, ou fígado, ou rins, ou se querem restringir alguns fluxos; e se asi for bem he usar do tahaxir da índia. Muytos doutores simpli- cistas, e copiladores de mezinhas vos trataram sobre esta matéria; mas casi todos falam de huma maneira; porque os que dizem que menos mal he tomar espodio feito das raizes das nossas canas, erram, porque isto não he mézinha cordial, como he o espodio, nem esfria, como o tabaxir; e dizer que o façam de coraes ou marfim queimado, se essa fora a entençam, bem o pudera dizer Avicena e os outros. E os que dizem que se faz de ossos de elefante, eu sei certo que não aproveita pera cousa alguma: e quando morre algum elefante, comemlhe os Gentios a carne, e deitam os ossos a longe. Pois como os aviam lá de levar a Europa a vender? RUANO Aveis dito muito bem: e por isso o levarei de cá. Per fim queria saber de vós como usam esta mézinha os físicos ín- dios, e os dos reis, e os da Pérsia e Arábia e Turquia; porque com isto ficarey satisfeito. ORTA A gente da terra, que sabe física, guasta este tahaxir pera os esquentamentos interiores e exteriores, e pera as febres coléricas, e pera as camarás: e os fizicos que tem o Niza- moxa. Arábios e Persas e Turcos, o usam pera as mesmas cousas ditas, e muyto mais pera fluxos coléricos, e fazem os nossos trociscos com semente de azedeiras (r). E deste modo curei, per conselho de Nizamoxa, a Franguecham Português (chamado Sancho Pirez) natural de Matosinhos; o qual era tam querido e privado seu, que o via cada dia, e lhe oulhava Do espodio 3o7 as camarás; e nam fiava a cura deste homem senão de mim, porque avia medo, que lho matasem os físicos, por ser pri- vado seu. RUANO Muyto lhe devia querer. E era mouro ou cristam? E tinha muyta renda? ORTA Ao que me dizia em secreto era christam, e comia co- miguo as cousas vedadas aos Mouros, e rezava, e dizia mal delles; e não era circumciso, posto que todos cuidavam que si, mas eu o vi e nam o era: mas asaz de mal tinha, pois con- fessava ser mouro, e este morreu com 6 mil crusados de renda. He verdade que desta renda paguava á gente com que era obriguado a servir, e certo que se o diabo o não levara primeiro em o combate de Calabarga, me tinha pro- metido de vir comigo; e eu já lhe tinha ávido perdam se- creto do visorey Dom Alfonso de Noronha. E elle fazia muytas esmolas a Portuguezes, e a Misericórdias, e a outras igrejas, de que eu sam testemunha (2). Nota (i) Orta começa por estabelecer a distincção entre a substancia vegetal, impropriamente chamada espodio pelos traductores dos árabes, e o es- podio, spodo ou spodio dos antigos escriptores gregos e latinos, análogo ou idêntico ao pompholix e á tutia, substancias mineraes e absoluta- mente diversas da primeira. Como elle volta a tratar da tutia em um Colóquio especial, reservamos para então o que ha a dizer sobre estes óxidos metallicos O espodio vegetal ou tabaschir, que faz o assumpto d'este Colóquio, é uma conhecida concreção siliciosa, depositada nas cavidades dos entre- nós dos bambus : Ba.m.lbusa. amncliriacea, Retz., e, segundo dizem, de outras espécies do mesmo género. Não é, no emtanto, uma substancia muito vulgar, pois, como já Orta advertia, se não encontra em todas as plantas, e só excepcionalmente em algumas, desenvolvi- das em condições especiaes de vegetação. 3o8 Colóquio qiiinquagesimo primeiro É geralmente conhecida no Oriente pelo nome persa, j^iLb, ta- baschir, derivado do sanskrito ç(=r)Tl l( I, tvak-kshírã, e cuja ultima parte significa leite, como Orta nota acertadamente. Derramaram-se sobre esta substancia vastos thesouros de erudição, por isso que alguns escriptores dos séculos passados e já do nosso, como o eruditíssimo Salmasius, e depois Sprengel e vários mais, suppozeram ser este tabaschir, e não o vulgar .a55Mcar, aquillo de que Dioscórides e depois Plinio fallaram sob os nomes de (roa/apov e de saccharum. Posto que o nome do assucar se não derive primitivamente do sabor doce, e a palavra sanskrita sarkara, da qual procedem todas as designações posteriores (o nome portuguez vem pelo árabe, e conservando o artigo, as-succar), se applique á fórma granulosa da substancia crystallisada, é certo, que tanto Dioscórides como Plinio se referem ao seu sabor doce, quando classificam o aíóc7,apov ou saccharum como uma espécie de mel. O tabaschir não é sensivelmente doce, e esta simples mas impor- tante circumstancia, leva a maior parte dos escriptores mais modernos, Royle, Yule, Dymock e outros, a julgarem que aquelles antigos auctores se referiam effectivamente ao assucar, do qual tinham, no entanto, um conhecimento muito incompleto. O tabaschir é, como dissemos, uma concreção siliciosa, na qual pa- recem entrar 70 por cento de silica, e que se apresenta em fragmentos irregulares de cor branca ou azulada, e um tanto opalina. As vezes, a substancia bruta, encontra-se denegrida e suja, o que parece resultar, contra a opinião de Orta, de haverem lançado fogo aos bambus, sendo então necessário calcinal-a para a purificar. Gosa esta substancia, no Oriente, de grande e mal fundada reputação medicinal, sendo consi- derada pelos hindus como um tónico poderoso, e tida pelos árabes e persas na conta de adstrigente, fortificante e cardíaca. Entrava natural- mente este tabaschir ou espodio em varias composições da pharmacia árabe, que por muito tempo deu a lei na Europa; mas a substancia era rara, e por isso lhe substituíram a maior parte das vezes aquelles succedaneos variados, de que Orta falia, as raizes das cannas, e o coral ou o marfim queimado. Na Pharmacopéa de Barcelona (iSSy) nós ve- mos, por exemplo, como por spodio se deve sempre entender o marfim queimado : spodium Arabum sume, hoc esí Ebur ustum. (Cf. Dymock, Mat. med., 856; Ainslie, Mat. Ind., i, 419; Amaraco- cha, I, 227; Royle, Ant., 83; Yule e Burnell, Gloss. v. sugar e tabas- heer; Concórdia pharmac. barcinonensium, jS.) A propósito do tabaschir, Orta descreve naturalmente as plantas de que se obtinha, comparando-as com os freixos, unicamente na altura, está claro, e assimilhando a fórma da folha á da oliveira. Nota que os ramos (colmos) eram direitos, a não ser alguns, que artificialmente cur- vavam para depois servirem nos palanquins. Esta fórma, regularmente curva, pôde observar-se nas curiosas estampas dos palanquins, usados Do espodio 3o9 pelos portuguezes de Goa, e que illustram o livro de Linschoten. A parte mais interessante do que Orta diz do bambu, é o nome de tnambum ou mambu que lhe dá, e cuja origem é pouco clara. Os primeiros portugue- zes, no começo do século, não dão nome especial á planta, chamando-lhe simplesmente canas, e notando apenas quanto eram grandes e grossas, comparadas com a Arundo do sul da Europa. O nome vulgar no Canará, segundo Wilson — citado por Yule — parece ser bãtibu, de modo que não é fácil saber d'onde veio a fórma usada por Orta. Poucos annos depois (1578) Costa emprega a mesma fórma manbu ou mãbu; e no fim do século (1598) Linschoten, pelo menos na versão latina, dá as duas formas : ea ab Indis Manbu, a Lusitanis Bambu vocatur. D'esta passagem de Linschoten, se não foi influenciado, como muitas vezes é, por Orta, resulta que o nome indígena seria ynanbu. O que parece certo, é que a palavra foi introduzida no uso europeu pelos portugue- zes (Cf. Yule e Burnell, Gloss. v. Bamboo; C. da Cosldi^ Tractado, 296; Linschoten, Navigaíio, 67). Nota (2) Sobre este curioso typo de aventureiro portuguez do xvi século, te- mos, além das interessantes noticias, que nos dá Garcia da Orta n'este Colóquio, as que nos fornece Diogo do Couto. Sancho Pires era um portuguez do norte, natural de Mattosinhos, que passou á índia como soldado, artilheiro, ou — na linguagem do tempo — bombardeiro, o que tornava os seus serviços mais apreciados, pois os bons bombardeiros eram raros, e nós vemos algumas vezes alle- mães e flamengos, contratados para este mister. No governo de Nuno da Cunha, passou para o serviço do Nizam Scháh, levado pelo seu es- pirito inquieto, ou, o que é mais natural, por haver commettido algum crime, ou algum acto de indisciplina. Estas deserções não eram frequen- tes, mas poderíamos citar outros exemplos. Devemos dizer desde já, em abono de Sancho Pires, que o Nizam Scháh esteve quasi sempre em paz com os portuguezes, e elle não teve de voltar as armas contra os seus. Sancho Pires parece ter sido um valentão, tendo alem d'isso ver- dadeiras qualidades de commando, de modo que chegou a general de cavallaria, obtendo muita importância na côrte de Buhran, e recebendo o titulo de Frangue khan^ Havia-se feito mussulmano, unicamente pelos seus interesses, mas sem zêlo pela sua nova religião, pois em segredo se dizia christão, e quando jantava com Garcia da Orta comia ' «Tringuican» diz Couto; mas era evidentemente Frangue khan. Foi uso entre os mou- ros deixar o nome da nacionalidade como distinctivo; assim nós vemos o famoso Rumecáo dos livros portuguezes, Rume khan, um Rume ; e Tatar khan, um Tártaro; d'ahi Frangue khan, porque Sancho Pires era um Frangue. 3 IO Colóquio quinquagesimo primeiro do espodio todas as «cousas vedadas aos mourosu. Conservava também escrúpulos da sua apostasia, e não só mandava esmolas ás misericórdias, como dissuadia alguns outros christãos de mudarem de religião, mostrando- Ihes «as obrigações que tinham á lei de Christo». Em summa, parece ter sido um homem de valor e um bom homem; Diogo do Couto falia d'elle com muita consideração, e Orta com uma certa amizade. Buhran Nizam Scháh morreu no anno da hedjira 961 (de J. C. i553), posto que Diogo do Couto colloque a sua morte no de i555. Deixava diversos filhos, entre elles Hussein da sua favorita Amina, e outros de Biby Mariam, irmã do Adil Scháh de Bijapur^. Desejava, porém, que Hussein lhe succedesse, e entregou-o aos cuidados do seu general e valida Sancho Pires, o qual o collocou no throno. O historiador persa Ferishta não falia de Sancho Pires, pois os mussulmanos guardam ge- ralmente silencio sobre a intervenção dos christãos nos seus negócios; mas confirma indirectamente esta noticia de Diogo do Couto, dizendo que Hussein foi sobretudo apoiado pelo partido dos estrangeiros, abe- xins e outros. Os demais filhos de Buhran fugiram, e o reino obedeceu a Hussein, ou antes, segundo parece, a Sancho Pires, o seu principal sustentáculo. Poucos annos depois (967 da hedjira, i559 de J. C), susci- tou-se a guerra entre o Adil Scháh, que, alem de outras rasÕes, pro- movia os direitos dos sobrinhos ao throno, e o Nizam Scháh, alliado então com o «Cotamaluco», isto é, com o Qutb Scháh de Golconda. Sancho Pires commandou n'essa guerra o ataque contra a fortaleza de Calabarga (Kulbarga), e morreu na brécha como um valente, le- vando-o o diabo, segundo diz Garcia da Orta, apesar da evidente sym- pathia que por elle tinha. Vê-se também do Colóquio, que Sancho Pires havia pensado em voltar para o serviço de Portugal, servindo-lhe de intermediário Gar- cia da Orta, o qual, já no governo do vice-rei D. Affbnso de Noronha (i55o-i554), lhe havia obtido um perdão secreto. (Cf. Couto, Asia, VII, iv, 9 ; Ferishta, Hist. of the rise qf the mahome- dan power in índia, iii, 236 a 239.) ' Veja-se Garcia da Orta e o seu tempo, pag. 228. COLÓQUIO QUINQUAGESIMO SEGUNDO DO ESQUINANTO INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Dizem em Portugal que o esqinnanto (he mezinha nas boticas usada) vem da índia; e também em Castella dizem que vem de levante. Queria saber os nomes delia, scilicet, na terra onde nasce, e no arábio; porque o greguo e latino eu o sei, como vós, não tomeis trabalho cm mo dizer. E também me direis as terras onde sabeis que nasce, e se o usam muyto os físicos Indianos. ORTA Asinha sereis nisso servido e despachado, senão vierdes com vosso contraponto ao cabo. RUANO Isso não se escusa; por tanto começai em ora boa. ORTA Nasce em Mascate e Calaiate (terras da Arábia) onde ha tanto, como a erva comum que pacem as bestas em Espanha; e ali lhe chamam cachabar, e alguns lhe chamam haxiscaçule, que quer dizer erva per a lavar; e em Pérsia, que confina com as ditas cidades, se chama alaf, que quer dizer erva, e podese chamar asi por excelência: cá na índia não tem mais nome que erva de Mascate; em portuguez, em latim e greguo já o sabeis. E chamamlhe em nossa terra palha de Meqiia, e não erram muyto, porque esta terra, posto que por mar seja muito distante de Mequa, indo por terra he muyto perto ^ e vam lá os Arábios de Mascate e 3i2 Colóquio qidnquagesimo segundo Calaiate em pouquo tempo: também não erram muyto em a chamar palha ou pasto de camellos, porque os ha na terra ; mas nam tantos que guastem a erva e a frol; mas ha muytas mulas, e asnos e cavalos, que cá chamamos arábios, de muito preço; e ha muytas vacas e cabras e ovelhas, e pa- cem esta erva, que he muyta em toda a terra. Vem á índia pera mézinha encomendada dos boticairos, mas a mais delia trazem nas náos os mercadores de cavalos pera lhe deitar aos pés, pera que nam cheire mal a orina e o esterco delles; e pera isto trazem fardos, porque como se molha e dana a erva, deitamna ao mar, e tornam a deitar outra aos pés dos cavallos. E também alguns marinheiros a trazem em fardos, pera vender cá; e eu ouve muitos fardos em Dio, por pouquo dinheiro, pera mandar ao reino com outras dro- gas. E porque vos dixe que se chamava cachabar, não neguo ter outros nomes nas partes da Arábia, porque Avicena* a chama adhar, e Serapiam** adher; e deste modo a chamam também os físicos Arábios e Pérsios, que ha na índia; e á frol chamam foca; e desta frol vem pouqua a esta terra ou nenhuma, porque eu não a vi, e na terra donde nasce não fazem caso delia, polia gente ser silvestre e de pouquo saber; e se lhe chama Mateus Silvatico a:{qchir e adcaram, sam nomes corrutos. Nesta terra não usam dessa mézinha os naturaes, senão nós e os Arábios e Pérsios; e na terra donde nasce he comum mézinha, pera se lavarem os homens e os animaes. RUANO Aguora nos resta examinar os escritores. E começando por Dioscórides***, por sua autoridade, diz que o ha na Africa, scilicet, na Arábia, parte delia, e na regiam dos Na- bateos, donde vem mais excellente; e diz que, loguo após * Avicena, Lib. 2, cap. 589 (nota do auctor). ** Serapio, cap. 19 (nota do auctor). *** Dioscórides, Lib. i, cap. 16 (nota do auctor). Do esquinanto 3i3 elle, he o arábio, chamado babilónico de alguns, e de ou- tros íeuchites; e o pior de todos he o que nasce •em Africa, e a frol he mais em uso na física. Sabeis se o ha nestas partes? ORTA Sei que o ha nestas partes ditas, e que todas se nomeam Arábia. E quanto he á terra dos Nabateos, saber se o tem ou não, diguo que he Nabatea provincia da Arábia perto da Judéa (dita assim de Nabatoch, neto de Ismael), e dixeram- me físicos, que estiveram em Jerusalém e Galilea e nessas terras, que o que se guastava em ellas vinha do Cairo; e pergunteilhe se o avia no Cairo, ou se vinha da costa de Mascate, disseram que nam o sabiam, mas que muitas ve- zes as ervas medicinaes nam eram sabidas, polia gente da terra ser pouquo curiosa, e por isto o nam sabiam: e esta foy a causa porque não perguntei se o avia em Babilónia: e pôde ser que o aja nella, e pois Dioscórides diz que o peor he o que nasce em Africa, não curemos de saber se o ha; pois não diz em que parte da Africa nasce. E ao que diz da frol, que he o que mais se usa, confesso ser verdade, mas não sam os médicos curiosos pera a mandarem trazer. E eu me culpo nisso, porque por isto se perdeo o uso delia; e bem sei que esquinanto he vocábulo corruto greguo, que quer dizer frol, e per excelência se chama asi acerca dos Greguos, como vós melhor sabeis. RUANO Outros O chamam junco odorato, ou casi todos os Gre- guos, e Cornélio Celso junco redondo. ORTA Assi parece algum tanto junco; posto que não crece tam alto. E chamarlhe Celso junco redondo, he por fazer dife- rença do junco triangidar; e os outros junco cheiroso, por fazer deferença do junco comum, de que usamos. E também diz Avicena que hum he arábico, e que he de bom cheiro, 3i4 Colóquio quinqiiagesimo segundo e outro da terra de Agiami, e este he o de Damasco. E porém não sei se o ha nessas partes, como vos já disse. RUANO E também diz Avicena* que o esquinanto tem fruto negro, aleguando a Dioscórides. He falso, nem tal diz Dioscórides. ORTA Pode ser que seja depravado o livro, ou que o Dioscó- rides, por onde o leo, estava errado. RUANO Serapiam diz**, aleguando a Bonifá, que o esquinanto he huma erva que tem raizes debaixo da terra, e que tem muitos ramos delgados e duros, que he assi como a raiz do chulem, senão que he mais largua, e tem menores nós, e que tem o fruto semelhante ás flores das canas, e que o mais sutil he menor; e diz que poucas vezes nasce só, que quando virdes huma planta destas parecem muytas ao redor, e que nasce em ilhas e prados; e que quando se seca fica branco. ORTA Diguo que não he planta, senam erva***, como elle mesmo diz mais abaixo, nem nasce em ilhas, nem cheira a rosa, mas tem bom cheiro; e isto quando he fresca a erva, senam as cousas que cheiram bem não fazem nellas a comparaçam muito certa, e mais parecese tanto á raiz da erva eludem** * * que alguns chamam asi ao esquinanto, como acima disse. RUANO Mateus Silvatico diz que se conserva por lo annos. * Avicena, Lib. 2, cap. SgS (nota do auctor). ** Serapio, i, cap. 19 (nota do auctor). *** Orta toma a palavra planta no sentido de arbusto. * » * * Ignoro que planta Orta designa por este nome. Do esqinnanto 3i5 ORTA Diguo que nesta terra, ao longuo do mar, dura pouquo ; e porém nas outras terras pôde durar muyto, por ser erva que não tem muyta humidade; mas isto se entende nam lhe ficando o cheiro. RUANO Antonio Musa diz que nasce na Apulha. ORTA Pode ser verdade, se elle o vio. RUANO Depois de falar em os Frades, em dizer que não he frol, senam raiz e palha, e que aquella palha que nas boticas se vende por esquinanto não o he (como muytos doutos o tem), e que nam he o de Dioscórides, oulhando os signaes que delle põem, e que muytos crêem que a raiz do calamo aro- mático he a raiz do esquinanto; e também diz que outros tem que a raiz da galanga he a do esquinanto, e que junco aromático e calamo aromático não devem ser muito defe- rentes por a semelhança dos nomes. ORTA Bem pode ser que todos os sinaes de Dioscórides nam qua- drem ao esquinanto, mas o esquinanto he o mesmo que sem- pre foy, e asi lhe chamam físicos letrados do Nizamoxa, e á frol foca, e confessam ser estes nomes greguos; e asi, pollos nomes gregos, o chamam esquinanto; e estes homens sam Arábios de naçam. Ora não sei que mais prova quereis; e mais Dioscórides não o avia de conhecer tam bem, como os de Mascate, e isto porque Mascate por terra não he muito longe de Meca. E ao que diz que he calamo aromático, bem se parece esquinanto hum com outro; porque este parece junco, e o calamo aromático tem as folhas como lirio, e o ca- lamo he muyto mais quente, e tem a raiz muyto maior; e o esquinanto nasce em Mascate, e o calamo na índia, donde o levam por mercadoria pera a Arábia. E dizer que he galanga he pior dito, porque a galanga ha na China duas mil leguoas de Mascate; e as raizes e folhas sam muyto deferentes, por- / 3i6 Colóquio qinnquagesimo segundo que aqui ha em Goa galanga semeada. E mais o esquinanto he nacido na terra muyto e sem se semear, e a galanga e calamo sani sativos; ao menos sei dizer que os que derem calamo e galanga por esqumanto, que vão enguanados no preço, que custam mais estas mezinhas que o esqut?ianto duas mil vezes. E o que seria bem pera curarmos, á vontade destes homens que escrevem, era bem que fizessem huma pratica nova, por onde curasemos, e que não levasse ne- nhuma mézinha destas, em que Fuchio* tem duvida; mas eu vejo que os que escrevem aguora, destes modernos, usam das mézinhas na sua pratica dos Arábios, pondo tanta du- vida nellas (i). RUANO Não tomeis tanta cólera, que os homens am de dizer em que duvidam; e quando estam protervos e pertinaces, dan- dolhe boas rezões, entonces sam de culpar. E portanto passai ávante, e falemos nos tamarindos, pois sam tanto medeci- naes, e ao guosto apraziveis. * Aliás Fuchsio. Nota (i) O «esquinanto» é o A-nclx-opog-on lanig-er, Desf., uma planta da família das Graminece, de larga distribuição geographica, pois se encontra espontânea desde a Algéria, pela Arábia e índia, até ás alturas do Thibet. Esta droga foi chamada (r/,oívwv pelos antigos gregos, e depois com referencia á flor, oxoívwv ávôoç, ou por contracção X:^jJj^ tamar-hindi, significa effectiva- mente tâmara da índia, sendo uma das designações mais geralmente usadas no Oriente, e da qual veio a palavra tamarindo. Este nome de tâmara da índia, dado áquelle fructo pelos árabes, sem grande rasão, e por uma similhança remota da polpa dos dois fructos, foi depois a origem de todas as confusões, a que se refere o nosso escriptor. Não conhecendo a arvore, e guiados unicamente pelo nome árabe, os auctores de matéria medica, anteriores a Orta, admit- tiram gratuitamente que o fructo fosse produzido por uma espécie de palmeira brava da índia. Os nomes usados então, por exemplo, os dos livros da escola de Salerno, oçuooívtxa, ou dactyli acetosi, traduzem esta idéa, com a indicação naturalmente de que a polpa do tamarindo era mais acida que a das tâmaras. Não foi difficil a Orta explicar: primeiro que o Tarnarindus indica differia toto ccelo de qualquer espécie de pal- meira; depois, para reforçar o seu dito, que as espécies de Phoenix da índia não produziam fructo comestível, e as tâmaras da Phoenix dacty- lifera eram ali importadas em notável quantidade da Arábia e da Me- sopotâmia. Como nota Dymock, a correcta descripçao de Garcia da Orta veiu desfazer aquelle erro, em que tinham laborado durante toda a idade media. A polpa dos tamarindos é extremamente apreciada nas regiões quen- tes, para preparar conservas e também bebidas refrigerantes. Tem, alem d'isso, todos os empregos medicinaes, mencionados pelo nosso medico, sendo considerada digestiva e laxante, ou, segundo dizem os mahome- tanos, boa para «purgar o systema de bilis e humores adustos», o que lembra a phrase de Orta : «digere e evacua o humor colérico, e in- cide e corta o freimatico». É igualmente conhecida ainda hoje na índia a applicação externa dos emplastros das folhas d'esta arvore no tra- 326 Colóquio quhiquagesimo terceiro dos tamarindos tamento das dores e inflammaçóes. É, pois, muito completa e muito exacta a therapeutica do tamarindo do nosso escriptor, e unicamente omittiu alguns usos medicinaes das sementes, de resto pouco impor- tantes. Muitos annos antes de Orta, o portuguez Thomé Pires havia men- cionado a abundância de tamarindos n'aquellas partes orientaes, e o seu baixo preço : « . . . . he mercadoria nestas partes, usa-se em lugar de vinagre; valem casy de graça». (Cf. Pharmac, 197; Dymock, Mat. med., 270; Ainslie, Mat. Ind., i, 425; Thomé Pires, Carta, na Ga^. de Pharmacia, 40.) Nota (2) A pequena digressão histórica do nosso escriptor é bastante exacta. A celebre Memphis, sobre cuja exacta situação se disputou largamente, não ficava em todo o caso longe do Cairo, e não muito distante tam- bém das pyramides. O antigo Cairo tinha o nome de «Meçera» ou an- tes Missr ou Mier, que se applicava igualmente ao Egypto em geral, e Edrisi deriva do nome de Miçraím, filho de Cham, filho de Noé. Chamava-se também aquella cidade el-Fostat, ou a tenda, porque se dizia construida em volta da tenda de campanha, que ali plantou um dos primeiros conquistadores mussulmanos, Amr-ibn-el-Aci. Quanto ao novo Cairo, fundado muito depois junto de Miçr, datava do tempo do quarto Khalifa fatimita, e o seu nome não se prende ao de uma rainha, mas parece ser simplesmente El-Kahirah, a victoriosa. O «Turco» não havia passado para Constantinopla; mas o Egypto independente dos Mameluks fôra sujeito ao império Ottomano, cuja capital era Constantinopla, uns quarenta e tantos annos antes de Orta escrever; e isto naturalmente diminuíra a importância do Cairo. (Cf. Niebuhr, Voyage en Arabie, i, 82; Edrisi, Géogr., i, Soo; Noel des Vergers, Arabie, 462.) Nota (3) Orta refere-se aos movimentos de somno e vigilia das folhas com- postas do Tamarindus indica, como já, em um dos Colóquios anteriores, se havia referido aos movimentos provocados das folhas do Biophy- íum sensitivum. COLÓQUIO QUINQUAGESIMO QUARTO DO TURBIT INTERLOCUTORES RUANO, ORTA, MALUPA FÍSICO DE GOA RUANO O quantas vezes ouvi dizer, em cidades muyto notáveis de Espanha, que deixavam de fazer diajinicam e outras con- feições por falta de twbit; outros diziam que nam era ver- dadeiro, por ser negro e nam gomoso; outros diziam que o tii7~bit dos Arábios he hum, e o dos Gregos outro; e que o dos Arábios se chamava tiirbit e o dos Gregos tripolio. E estes nomes dizem que os tiram de Dioscórides; e pera fazer a sua boa, emmendam os textos antiguos, castigam a Phnio, e dam a culpa destes errores a Teodoro Guaza*. E certo que he huma piedade ver quanto trabalho levou Lioni- ceno doutíssimo, e Menardo e outros em achar este turbit em Dioscórides, ou Plinio, o qual se não pode achar senão quando se achar o corno de Amaltéa, ou a cidade de Pla- tam* *. Outros mais modernos querem concertar os Gregos com os Arábios, desejando elles mesmos serem entre si de- ferentes. Peçovos muito por mercê que me tireis deste tra- balho, dizendome os nomes arábios, e os desta terra onde a planta nasce. E se puder ser que o eu veja, seria pera mim cousa de grande preço. E asi me aveis de dizer quanto se aproveitam delle os físicos desta terra, e se usam muyto ou pouquo delle. ORTA Dizervosei, senhor, tudo o que sei, porque conheço muito bem este simple, e vi a frutice que o dá, quando he verde, * Theodoro Gaza, o antigo traductor de Theophrasto. ** Porque as cousas que se não podem achar são estas que diguo, porque nunca as vio pessoa alguma (nota do auctor). 328 Colóquio quinquagesimo quarto e as flores \ e por aqui vereis vós mesmo o que aveis de responder a estes modernos escritores, ou a quem vos com elles aleguar, se he este o turbit dos Gregos ou nam. E diguo que ao que nós chamamos turbit, chamam com o mesmo nome os Arábios, e Persas e Turcos; posto que Andreas Belunense, no texto emmendado, o chama terbet; porém os físicos letrados destas nações todos os mais chamam turbit, e nam terbet. E os Guzarates, onde ha o mais, o chamam barcamam. E os Canarins destas terras de Goa o chamam tiguar. E nasce na frol da terra, quero dizer que não tem a raiz profunda, e he pequena, e o tronquo delia he como hum dedo de comprido, e ás vezes mais grosso, e jaz ao lon- guo da terra deitado como era*; porque o principio do tron- quo ou ramo he o bom; e como se vai adelgaçando e se enche de folhas não tem a feiçam de turbit, nem he bom, nem faz a guoma senam perto da raiz, que he o próprio páo, e esta raiz vem ás vezes com o mesmo turbit. E as folhas e flores sam como de malva francesa; e não se mudam as flores tres vezes no dia, como alguns dixeram. O sabor do tronquo, e ramo e folhas he insípido, quando se colhe; e nasce nas terras marítimas, mas não muyto perto do mar. Eu o vi duas legoas do mar e tres, em cabo onde a maré chea lhe não chegua, como alguns dixeram que lhe avia de cheguar. O mais delle nasce em Cambaiete, e Çurrate e Dio, e Baçaim com suas comarcas. Também ha algum em Goa, mas não o tem os físicos da terra por bom, nem querem usar delle, senam do Guzarate. E dali o levam em muyta cantidade pera a Pérsia, e Arábia e Turquia, e pera Por- tugal alguma cantidade pouca; posto que eu mandei 40 quin- taes, quando fíz as droguas pera elrey, e ouvese por muyta cantidade. E também mo pediram no Balagate os físicos do Nizamoxa, que he sinal de o não aver nessa terra, ou de não ser bom. E já pode ser que em outras partes da índia o aja, porque se não semea, e nasce per si; e pôde ser que * Isto é, como a Hera. Do tiirbit 329 se a gente da terra fosse mais curiosa, que o acharia. E al- gumas pessoas me dixeram que o havia em Bisnaguer (que he do Guzarate cento e cincoenta legoas); mas os físicos daqui de Goa me dixeram huns que o levavam a Bisnaguer do Guzarate, e outros me dixeram que o avia em Bisnaguer, porém que não era tam bom, posto que o avia, e que também o avia em Goa, mas que não era bom, nem se usava, nem praticava ácerca delles, senão o de Guzarate. He verdade que o que viram Mesue e Sarapio e Avicena era do Guza- rate; porque sempre as náos que vam pera o ponente o le- varam por mercadoria. E vos diguo que não tem o ramo diviso na parte alta, senam todo he cheo de folhas e flores, da maneira que vos dixe. RUANO Antes que vos tragua os ditos dos escritores Gregos, e La- tinos modernos, quero que me diguaes como soubestes isto que me dizeis; e não porque eu não dê inteira fé a vossos ditos, senão porque saiba dar rezam de mim a quem vos não conhecer. ORTA Tendes rezam no que dizeis ; mas sabei que quando aquelle invencível capitam Martim Afonso de Sousa foy com 40 ho- mens a Dio, por mandado do soldam Bhadur (que era o mais poderoso rey da Mourama) e lhe deu com tanto risquo e esforço, e saber seu a cidade de Dio, tam nomeada por todo o mundo, eu estava com elle; e desque tivemos o pra'{- me de elrey de fazer a fortaleza, andava eu oucioso, vendo a opulência e trato dessa cidade; e estando huma tarde no ba^ar (a que nós chamamos praça ou feira) asentado á porta de hum mercador (aos quaes elles chamam Baneanes) pasou por sua porta huma molher com hum saco de turbit já seco, e lho vendia; e eu como conhecia a mézinha, e avia ouvido dizer que dali o levavam pera as nossas náos, preguntei ao Baneane que era aquilo, e elle me dixe que era terumbu, e que nós e os Mouros lhe chamávamos asi; mas que os Ma- ratas (que sam os Gentios) lhe chamavam barcaman. Eu lhe preguntei pera que o comprava, e pera que aproveitava: 33o Colóquio quinqiiagesimo quarto dixeme que aproveitava pêra purguar o ventre, e que era ávido por boa mézinha, a qual levavam pera a Arábia, e pera Ormuz os mercadores nas suas náos. E elle me pre- guntou se lho queria comprar, e louvava o muyto, dizendo que o oulhase, e com isto me mostrava a guomosidade delle, e a brancura. E, porque eu sabia que os nossos o compra- vam, lho comprei eu, scilicet, cada mão por huma tangua, que sam 6o reais, e huma mão 27 arráteis. E elle paguou á molher muito pouquo; segundo que eu despois soube de huns Baneanes, certo que dobrou duas vezes comiguo o di- nheiro*. RUANO Eu sam contente de ser esse o tuvhit que usamos, e cha- maremlhe asi; mas como soubestes delles que os signaes da sua bondade era ser branco e guomoso, senam se o soubestes pelos livros nossos? ORTA Diguo que, poUos nossos hvros, soube aquilo, mas nam por mo dizer o Baneane; mas falando convosquo a verdade vos afirmo, que não sam estes signaes, senão de ser turbit, e não porque nam possa ser o turbit sem guoma tam bom como o ' guomoso, porque a guoma se causa, porque o retorcem ou o picam 08 que o colhem, quando he verde, pera que guome- fique ou lance goma; porque sabem que he sinal por onde distinguimos o bom do mao. E isto soube eu despois; porque tinha um parente físico em Baçaim cidade nossa, que dista de Dio por 5o léguas por mar, e disseme que o fôra colher com os Indianos muitas vezes, e que elles no principio o torciam ou cortavam ou picavam, e que dahi a alguns dias o colhiam, e o achavam cheo de guoma, e que elle fez que nam torcessem nem cortassem algum outro, e que despois • Sobre as causas que levaram a Dio Martim Affonso de Sousa e Garcia da Orta, pôde ver-se, Garcia da Orta e o seu tempo, pag. 92 e seguintes. Do turbtt 33i não o achava com guoma, e que a algum destes achava muito pouca. RUANO Loguo tam bom he o guomoso, como o outro; pois he huma mesma prama? ORTA Tendes nisso muita rezam; porque a goma lhe fica dentro; e também vos diguo que algum tiirbit será guomoso sem lhe fazer as torceduras ou golpes nelle; mas gomefica mais facilmente; e mais a nossa eleiçam que nelle fazemos, deu aos Indianos ocasiam pera o torcer; e isto sem duvida he verdade. RUANO E como he o preto ruin e o branco bom, que he huma das condições da sua bondade? ORTA He costume dos boticairos da índia (a quem chamam os índios guandis) secálo ao sol, dizem que secálo á sombra o faz preto. E dahi o tomaram os nossos boticairos, e por experiência se acha isto do modo de secar esta mezinha. E já pode ser que o que for preto por ser seco com a sombra seja milhor, mas até o presente não o esprementei. RUANO E usam os físicos Indianos deste turbit pera purguar a freima? ORTA Senhor, si; e pera isto quero chamar o íisico que nesta terra me parece milhor, pera diante de vossa mercê lho per- guntar. Moça, chama a Malupa*. SERVA Aqui vem todos as manhans a curar estas negras : e eilo sóbe. * Sobre os «físicos indianos», veja-se a nota ao Colóquio 36 (ii, 146). 332 Colóquio quinquagesimo quarto ORTA Malupa, dizei aqui ao senhor doutor, se usaes nestas terras do turhit; e pera que; e se lhe mesturaes gengivre; e de qual terra he milhor. MALUPA Si: usamos delle pera purguar a freima e o gengivre ás vezes lho mesturamos; e he quando não ha febre; e isto do mesturar do gengivre também o mesturamos em outras mé- zinhas purgativas, mas outras vezes o damos sem o gen- givre. E o milhor tiirbit he o de Cambaia, e de Cambaia o levam a algumas partes da índia. E já eu mostrei o hirbit desta terra ao senhor doutor, que presente está: mas di- guovos que nós ás vezes curamos com o de Goa, e mais não o ha senão perto do mar; posto que já me dixeram que o avia em Bisnaguer, mas que nam fazia boa obra. ORTA Dizvos muyta verdade; porque o Nizamoxa me pedia este turbit de Cambaia, e eu lho mandava do que de lá vinha; e comtudo pôde ser que o aja dentro no sertam, e que se não ache polia pouqua curiosidade da gente, que a lingoa de vaca (de que carecemos), e o fumus terrce, vi eu já em o Balagate. E vós ivos com Deos, Malupa, e dizei a este se- nhor daqui em diante o que sabeis destas mezinhas. MALUPA O doutor Orta as sabe milhor que nós todos, porque nós sabemos as dos Gentios somente, e elle sabe as dos Cristãos e Mouros, e Gentios milhor que nós todos. E beijo as mãos de vossa mercê. ORTA Este índio vos diz na retificaçam verdade; porque Rasis* não o retifica com gengivre, senam com oleo de amêndoas doces, por temor da escoriaçam que pode fazer. * Rasis, 8, ad Almansorem (nota do auctor). Do tiirbit 333 RUANO Aguora venhamos á examinaçam dos escriptores. E co- meçando por os Arábios, pois nisto falaram mais certo, como vós dizeis, tendo os Greguos a sabedoria e a inven- cam das boas letras. ORTA Nam vades mais avante, porque não diguo mal dos Gre- guos, por serem inventores das boas letras, como dizeis; mas também sam inventores de muytas mentiras, e muito mal acustumados, e efeminados em seus costumes: e Roma desque os recebeo em si, recebeo muytas más cousas. E comtudo não diguo eu mal delles, no que escreveram que avia em suas terras, senão o que escreviam das ignotas a elles; porque ali encheram os livros á sua vontade; como se pode exemplificar nas cousas que da índia escreveram, tam fabulosas; mas afirmovos que, nestas terras da índia, souberam mais os Arábios; e, por milhor dizer, erráram menos que os Greguos. E ora vinde com vossas contradi- çÕes_, pera que milhor se examine a verdade. RUANO Mesue diz que tem as folhas semelhantes ás àa/erula, excepto que sam mais pequenas, e que he das plantas que tem leite; e que o ha domestico e silvestre, grande e pe- queno, e branco e preto, e citrino; e que nasce nos luguares mais secos por a grossura do seu leite ; e que tem sete pro- priedades, branco, e vácuo, arundinoso, ou semelhante á cana, gomoso, e que tem a corteza cor de cinza, e que he plano, e que facilmente se quebra, scilicet, novo, e que o grosso nam he bom. ORTA O senhor Mesue falou o melhor que lhe pareceo, e foy de ouvida; e por isto não acertou em tudo; porque as fo- lhas não sam semelhantes ás da fenda, senão ás da bismalva (a que chamam os Portuguezes malva francesa) nem tem leite; nem o ha domestico, senam todo he silvestre; ha o grande e pequeno, como diz; branco e amarelo e preto. 334 Colóquio quinquagesimo quarto mas não que o seja asi do seu nacimento, senão o que he mal curado não he branco, e nasce em cabos húmidos e secos, e mais húmidos que secos; e não em secos, como elle diz por causa do seu leite; e por ser branco e guomoso nam he milhor, como antes vos dixe; nem he feito como cana; nem a corteza he cinzenta, nem muyto plana, senão encres- pada ou franzida e parda; e o novo he bom, mas nam he frangibil, senão depois de seco; e também diz que o grosso nam he bom, e isto he dito sem rezam; antes parece que terá mais vertude, se não for podre. RUANO E que vos parece Avicena*, que diz que a sua reitificaçam toda que he esfregandolhe a corteza pera que não fique cin- zenta, senam branca? ORTA Diguo que isso he bom pera o vender somente, e não pera mais. RUANO Serapio** diz, por autoridade de Dioscórides e de outros muytos, algumas cousas, scilicet, que nasce na praia e nos lugares que o mar cobre com a maré chea somente, e nam com a vazia, que com ella baixa nam he tocado, e que tem a folha semelhante á planta chamada arasidis, e sam mais grossas as folhas, e diz que tem o tronco longuo dous pal- mos, e que se divide no mais alto, e que muda a frol tres vezes no dia, scilicet, de manhan he branca, e ao meo dia roxa, e á noite vermelha; e que a raiz he odorífera, e que quando se mastigua esquenta a linguoa, e que aproveita contra a peçonha, assi como qualquer mezinha outra he^e- darica. Destas cousas e outras traz autorisadas por Galeno, trasladado por Albataric e por outros Arábios muytos. * Avicena, 2, cap. 709 (nota do auctor) ; aliás 71 1 da edição de Rinio. * * Serapio, cap. 33o (nota do auctor). Do turbit 335 ORTA Já VOS disse que o hirbit, eu o vi nascer perto do mar; mas não tam perto que o toque o mar com maré vazia nem chea, porque nasce ás vezes duas leguoas do mar, onde nam es- praia o mar; nem tem a folha semelhante á folha da pranta dita araseritis, nem a ahisatis dita como emenda; e hum mo- derno diz como bismalva, nem porque* he como a dos mur- tinhos (como diz Lioniceno); pois sam tam deferentes da bismalva. E o tronco, como diz, he de dous palmos, porém ás vezes menor, e outros ha de oito e de dez palmos; e porém a frol nam se muda tres vezes no dia, senam sempre he mesturada de branca e roxa, e ás vezes branca; e a raiz não he odorífera; nem mordica a linguoa; nem nós usamos da raiz, senam do páo que está com as folhas estendidas no cham, como a era; nem a vi em algum tempo usar contra o veneno ; nem eu o experimentei, e o que vos disse vi com os olhos. RUANO Dioscórides diz**, falando de pitiiisa, que he huma especia dos laticínios, ou de ervas que deitam leite, que parece que he turbit. E assi o sentem alguns modernos; e também dizem que he tripolio, do qual fala Dioscórides***, e he tres- ladado ao pé da letra de Serapio. E Autuario, doutor grego e de autoridade, diz também que pitiusa he turbit, scilicet, que o ha branco e preto; e diz que falsamente usam alguns, por hesula, turbit preto, e também he deste parecer Mateolo Senense. Asi diz o mesmo que alipium he turbit, e alipia * Esta palavra deve estar a mais, e, supprimindo-a, a phrase fica mais clara. * * Dioscórides, Lib. 4, cap. 148 (nota do auctor) ; aliás cap. i63, edição Sprengel. Diz effectivamente, que á raiz da pytiusa chamam Toupirst; mas esta phrase, que só se encontra na edição Aldina, parece a Spren- gel suspeita de intercalação posterior. *** Dioscórides, Lib. 4, cap. 124 (nota do auctor); aliás i33 da edi- ção Sprengel. 336 Colóquio quinquagesimo quarto he a semente delle; e que isto elle Mateolo nam o crê, por- que não tem semente o turbit; e mais porque purgua a me- lancolia, e o turbil purgua a freima. E os Frades dizem o mes- mo que os modernos e Antonio Musa; e teem porém que he verdade o que dizem do tripolio Dioscórides e Galeno, e Plinio*: e dizem que tem o turbit de Serapiam; e por isto que parece ser tudo hum* *. E afirmam mais estes reverendos Pa- dres, que o turbit que nas boticas se vende, nam he o turbit de Mesue; e que, os que o colheram com suas próprias mãos lho dixeram, porque nam tinha as folhas das beldroegas. E também concede que o turbit de Mesue nam he tapsia, e que, com seu dano o esprementou, porque alimpandoo e escarvandoo se lhe incharam as mãos e a face. E portanto que não se ha de deitar por turbit; e mais também diz que o turbit que se traz de Apulha he a verdadeira tapsia, e tem grandes raizes; e que se não ha de administrar, senam seis mezes despois de colhido, nem quando he comido do bicho. Estes cousas e outras muytas, que nam fazem ao meu pre- posito, dizem muytos escritores modernos, e bem ornadas: ás quaes, pois as ouvistes, respondei o que vos parecer; pois que he bem darvos fé, como a quem he testemunha de vista. ORTA Todas essas cousas que dizeis, e outras muitas li já; e o que a isso vos respondo he, que as ervas e plantas lati- cinaes sam muytas, e todas as mais sam venenosas. E das nossas e desoutras muytas he chea esta terra da índia e a da Europa. E quis Deus que a terra, por o pecado do pri- meiro padre, as désse, e comtudo, por a misericórdia di- vina, ainda que sejam venenosas, aproveitam pera alguma cousa algumas, e outras sam puro veneno, sem lhe sabermos o pera que aproveita. E eu daria exemplo em muytas nesta * Plinio, Lib. 26, cap. 7 (nota do auctor) ; aliás cap. 22, edição Littré. * * Assim se pôde talvez reconstruir a phrase da edição de Goa, que está extremamente errada e incorrecta. Do turbit 337 terra, e em Portugal; e a que chamam esiila* ou alfebran os Arábios e nós csula he poçonhenta, que onde cáe ou seu çumo ou leite, incha muyto, como eu vi já muytas vezes em Portugal. E cá nestas partes ha humas plantas com que tapam e valam as ortas, que fazem o mesmo deitando leite de si; e o mesmo fazem huma especia de mangas braj^as (1). E por esta rezam os antigos escreveram sete especias de laticínios, e afóra estas avia outras muytas ignotas. Cá na índia ha outras muytas, com que purgam os físicos da terra e curam algumas enfermidades; e huma destas he o turbit, pois não tem leite, e se tem algum, he muyto pouco, e não he mézinha venenosa, c purga sem moléstia nem trabalho; e tomam o cá os índios em caldo de frangão, ou em aguoa em maior cantidade do que o nós tomamos, nem em Por- tugal nem cá, e não incha as mãos e o rosto, tocando o como fez o turbit, que, por autoridade dos Frades disestes; se não seria essa especia de laticínio, como esula, e daqui tomareis que não he esula este turbit, nem tripolio, nem pitiusa, nem hisiatis, nem alipium, nem alipia sua semente, pois o turbit não tem semente; e porque nam tem as folhas semelhantes á ferula, nem á beldroega, nem ao murtinho, nem nasce tam perto do mar, que o cubra a onda, nem muda a frol e a cor tres vezes no dia, como dizem esses Greguos. Assi que por essas e por outras muytas causas, não he turbit dos Greguos, nem o dos Arábios propriamente; senão estes Arábios viram usar de turbit á sua gente, tra- zido da índia, e quiseram buscar em os Greguos alguma mézinha que se lhe parecese, porque davam tanta autori- dade aos escritores Greguos como isso; e a causa era por serem os primeiros escritores nas cousas humanas, porque nas divinas primeiro escreveram os Hcbreos. Esta, que digo, foy a causa por onde Serapiam treladou ao pé da letra o capitulo de tripolio de Dioscórides, porque lhe pareceo que * Ésula, nome dado a varias espécies de Euphorbia, não só á Ê. Ésula, como a outros. 3S 338 Colóquio quinquagesimo quarto não pudia aver mézinha que a deixassem de escrever os Gre- guos; e certo que milhor fizera elle de me fazer um capitulo do que delie sabia somente, e o demais o tempo o fora des- cubrindo, como aguora o faz, mostrando ser mézinha pró- pria desta terra. E elle dixera que o tripolio e as outras mézinhas era huma especia de laticinio a elle nam conhe- cida, ou conhecida, se a sabia; porque nem Dioscórides soube tudo, porque elle diz muitas vezes, como he fama. RUANO O Laguna tem que pitiusa he tuvbit preto, e alipiu7n he íiirbit branco e bom. ORTA Já VOS dixe que nenhuma destas mézinhas he turbit branco nem preto; nem he estila, porque he muyto forte laxativo, o que o turbit não he; nem he alipium, porque alipium pur- gua melancolia, e o tidrbit purga somente a freima; nem he raiz cheirosa, nem mordica a linguoa o turbit, nem he se- melhante áferula, nem á beldroega, nem ao murtinho^ nem se levanta do cham covado e meo, senão está ao longo da terra estendido, como era; asi que por estas razões e outras muytas não he nenhuma destas mézinhas apontadas poUos modernos. RUANO E o turbit que se traz de Apulha não he turbit? ORTA Nam, senão algum laticinio; e alguns dizem ser a verda- deira tapsia, porque tem raizes grandes; e o turbit, que usamos nestas terras, tem as raizes muito pequenas, e do páo usamos somente. RUANO Dizem estes reverendos Padres boti cairos, que se não ha de usar, senam seis mezes depois de colhido, e também que se não ha de usar quando está comido da traça ou bicho. Do tiirbit 339 RUANO O derradeiro he craro ser verdade, porque esta terra he sujeita á putrefaçam em tanta maneira, que não se pode o ruibarbo nem outras mezinhas soster os quatro mezes do anno, que he inverno, que sam junho, julho, aguosto, e se- tembro. No outro que diz que ha de estar seis mezes sem se usar delle, não diz bem, porque elle colhese em novem- bro, dezembro e janeiro; e, se estivesse mais de seis mezes, corromperseia. Verdade he que nas terras que estam dentro no sertam, não se corrompem as mezinhas, como nestas que estam na fralda do mar. E levai deste simple pera vós que os Gregos totalmente o nam conheceram, e que nem delle diseram menos mal, ou erraram menos que os modernos, que dizem que não sabem conhecer a raiz, que em nossos tempos se vende por turbit; posto que isto cm parte he ver- dade; porque não he raiz senam páo; e daqui em diante não lhe chamamos turpetum, senam turbit, ainda que lhe chameis bárbaro, porque o turbit com seu nome próprio se contenta. E cavalguemos, que he oge sábado, e hemos de hir à Madre de Deos (2). RUANO Muytas cousas me leixaes de dizer, por serem muyto no- tas; e, se fossem contadas em minha terra, seriam aprazíveis pera as ouvir: por isso dessas cidades e terras, donde nasce o turbit me dizei, scilicet, de Baçaim e Dio, pois sam terras de elrey de Portugal. ORTA Dio he huma ilha, que em si contem huma cidade de hum bom porto, e muito fermoso e de grande trato, e concurso de muytos homens mercadores. Venezianos e Gregos, e Ru- mes e Pérsios, e Turcos e Arábios, a qual deu o gram sol- dam Bhadur a Martim Afonso de Sousa, sendo capitão mór do mar da índia; e ouve delle que fizesse ali fortaleza em huma parte de Dio, qual elle quizesse, a qual elle fez, ou acentou em parte que estivesse fortificada por mar e por terra. E depois, per muytas traições que nos fizeram, per- 340 Colóquio quinquagesimo quarto deram a cidade e a ilha toda, da qual estamos de posse, muytos annos ha. He muito grande escala e forte cidade, a qual defendemos do poder do gram Turquo, no anno de 1539, com grande esforço de pouquos, que estavam dentro cercados. E depois, no anno de 1546, estando de cerquo sete ou oito mezes, e sendo arrasados os muros, e muyto pouquos Portuguezes dentro e doentes, a defenderem ani- mosamente, até que o governador Dom Joam de Crasto veo, e entrou a ilha e cidade, e deitou fóra todos os Mouros, matando grande numero delles e tornou a edeficar outra maior fortaleza. E porque as cousas que neste cerquo acon- teceram sam muyto bem escritas em latim e em portuguez, não escrevo mais delias, porque, como diguo, sam escritas em melhor estilo. Huma só coisa direi: que Dom Joam Maz- carenhas, que era capitam desta fortaleza, fez neste cerquo cousas de muyto esforçado capitam, e usou de muyta in- dustria, e saber e esforço, e manhas, tendo paciência onde foy necessário; e merece tanto ser louvado, que eu não me estrevo a falar nesta matéria mais*. RUANO Falai de Baçaim, pois he cousa mais grossa, ainda que nam he tam nomeada. ORTA He Baçaim huma cidade muito grande, e debaxo de seu senhorio contem muytas terras e cidades, e rende a elrey mais de 100 e sesenta mil cruzados com humas terras e for- talezas, que deram depois a Francisco Barreto, as quaes terras chamam Manorá**. Tem em huma parte huma ilha chamada Salsete, onde estam dous pagodes ou casas de idolatria debaxo da terra; • Os successos dos dois cercos de Diu são demasiado conhecidos para que exijam qualquer palavra de elucidação. * * Sobre as terras e rendas de Baçaim, veja-se o que disse em Gaf' cia da Orta e o seu tempo, pag. 25g a 276. Do turbit 341 hum delles está debaxo de huma serra muyto alta de pedra, e será maior cantidade que a fortaleza de Dio, a qual se pôde comparar em Portugal a huma villa de quatro centos vizinhos cercados; tem esta serra huma subida grande, e chegando á serra está huma casa grande de pagode, feita e talhada dentro na pedra, onde depois edificaram os frades de Sam Francisco huma igreja, chamada de Sam Miguel. Ha muytos pagodes de pedra, subindo pera a serra; e su- bindo mais acima tem outras casas feitas de pedra, e dentro com suas camarás; e subindo mais acima tem outra ordem de cazas feitas dentro na pedra, e nessas casas tem hum tan- que ou cisterna da agoa, e tem canos por onde lhe vem agoa da chuiva, e mais acima vai outra ordem de casas polia mesma maneira feitas. Scram por todas até trezentas casas, todas tem idolos esculpidos nas pedras; com tudo isso sam mui carregadas, e mal asombradas, como cousas que foram feitas pera o diabo ser venerado (3). Tem outro pagode em huma parte da ilha, que chamam Maljaz; a qual he huma casa muyto grande, também feita dentro na pedra; e tem dentro muytos pagodes, e muyto mal asombrados; e todos os que entram nestas casas dizem que se lhe arepiam as carnes, que sam muyto medonhas (4). Outro pagode milhor que todos ha em huma ilha cha- mada Pori, que nós chamamos a ilha do Elefante, e está nella huma serra, e no mais alto delia tem huma casa debaixo da terra, lavrada em huma pedra viva, e a casa he tam grande como hum moesteiro, e dentro tem pateos e cisternas de muyta agoa muyto boa, e polias paredes ao redor ha grandes imagens esculpidas de elefantes, e leões, e tigres, e outras muytas imagens humanas, asi como sam amazonas, e de outras muytas feições bem figuradas. E certo que he cousa muyto de ver e parece que o diabo pos ahi todas suas forças e saber, pera enguanar a gentilidade com sua adoraçam. E alguns dizem que fizeram isto os Chins, quando navegavam por esta terra. E bem pôde isto ser verdade, segundo vai tam bem fabricado, e segundo os Chins sam sutis. Verdade he que aguora está muyto danificado este pagode com gado 342 Colóquio quinquagesimo quarto que lhe entra dentro, e no anno de trinta e quatro, que eu vim de Portugal, estava cousa muyto pera ver; e eu o vi, estando Baçaim de guerra comnosquo, c loguo o deu eirey de Cambaia a Nuno da Cunha (5). RUANO De que pessoas he abitada essa terra de Baçaim? ORTA Os Mouros a senhoreavam primeiro, e aguora ha poucos nella, somente alguns que tratam pollo mar, chamados nai- íias, como se dixesemos mestiços e feitos primeiramente de Mouros, que vieram de fóra, e se mesturaram com os Gen- tios desta terra. E os Gentios sam de muytas maneiras, scilicet: os que lavram e semeam a terra pera o arroz e outros legumes; estes chamam elles curumbins e nós lavra- dores: e os que nós chamamos ortelãos, que sam os que cul- tivam as ortas e pomares, chamam elles malis: ha outros escrivães e contadores (a que elles chamam parúsj que re- cadam as rendas de elrey, e de homens, e das fazendas, e sam grandes negociadores: ha outros piães de armas: ha outros a que chamam Baneanes, que sam os que guardam o cus- tume de Pitágoras mui inteiramente. E ha em cada povoa- çam huma gente desprezada e avorrecida de todos, e não se tocam com outros; estes comem tudo, e as cousas mor- tas: a estes dá de comer cada povoaçam do comum, sem se tocar com elles; o seu cuidado he limpar as çugidades das casas e ruas; estes sam chamados derdes ou fara:{es, e servem também estes de algozes. Ha outros mercadores de buticas, que por nome sam chamados coareis, e no reino de Cambaiete lhe chamam esparcis, e nós os Portuguezes lhe chamamos Judeus, mas não sam, senão Gentios que vieram da Pérsia, e tem própria letra sua, e tem muytas suprestições vãas, que quando morrem os tiram por outra porta, e nam polia que se servem; tem jaziguos, onde se deitam quando morrem, e nelles estam asentados até que Do turbit 343 se desfazem; olham pera o levame; nam se circoncidam, nem lhe he vedado comer porco, e helhe vedado comer vaca. E por estas causas vereis que não sam Judeus. Nem os Judeus, que ha nas terras do Nizamaluco que confinam com estas, os tem por Judeus; fazem estranhos juramentos, que, porque não fazem ao caso, vos não conto. RUANO Não me leixeis sospenso, e dizeimo brevemente. ORTA Toma huma vaca o que faz juramento, e põe no cham de huma banda da vaca aguoa, e da outra foguo, e toma hum Cotelo na mão, e diz certas palavras, que querem dizer, que asi como elle mata aquella vaca com ferro, e está cer- cado de agoa e foguo, asi este elle, e asi padeça, se jura falso. Huma cousa ha de notar, asi nestes homens como em outros, que nenhum muda o officio de seu pai, e todos os da casta de çapateiros o sam (6). Nota (i) A planta leitosa, com que habitualmente na índia «tapam e valam as ortas», é a Eupliortoia Tii*ucfvlli, Willd., tão vulgarmente empregada em formar sebes vivas, e tão conhecida também pela abun- dância do seu látex, que, por estas duas circumstancias, os inglezes lhe dão ali o nome de milk hedge. Esta planta é igualmente vulgar em Angola, pelo menos eu creio que a cassoneira, empregada ali na formação de sebes divisórias, é esta mesma espécie. Julguei esta espé- cie africana, e introduzida na índia pelos portuguezes; mas a passa- gem de Orta, indicando-nos ser ella já tão commum e conhecida no século XVI, lança alguma duvida sobre a questão (cf. Drury, Useful plants of índia, 206; Roxburgh, Flora Indica, u, 470; Plantas úteis da Africa portuguesa, 248). Os inglezes chamam hoje wild mango ao fructo da Spoiícliaís mangifera, Willd,;, e é provável que fosse já a manga brava dos 344 Colóquio qinnquagesimo quarto portuguezes. A planta não tem propriamente látex, mas um sueco re- sinoso amarellado. O que Orta diz, que ali existiam muitos «laticínios», é perfeitamente exacto, e a índia abunda em plantas laticiferas das familias das Mo- rece, Apocynea', Asclepidece e outras (cf. Drury, 1. c, 4o3; Roxburgh, 1. c, 45 1). Nota (2) O «turbit» procede da Ipomaea, Turpetlium, R. Brown, uma planta rasteira, scandente ou prostrada, da família das ConvolvU' lacece, bastante frequente em parte da índia. Sob o nome de h?í M 6 I triputâ e vários outros, foi esta droga men- cionada pelos escriptores sanskríticos, os quaes — segundo diz Dy- mock — conheciam já duas qualidades, branca e preta, isto é, sveta- triputa e krishna-triputa. A primeira qualidade era a única aproveitá- vel; a segunda era reputada venenosa. Parece que o conhecimento da droga passou da índia para os árabes, assim como o nome, natural- mente muito alterado — o que succedeu a quasi todos — tomando a forma j.j y turbedh, ás vezes transcripto nos livros modernos turbad ou turbud. Do mesmo modo que os sanskriticos, os escriptores arábi- cos distinguiam também uma variedade branca e outra preta. Se esta distincção resultava unicamente do modo de preparar a raiz e caule, como explica o nosso escriptor, ou se nos tempos antigos se designa- vam assim drogas de procedência diversa, é o que não saberei dizer. Do arábico veiu o nome hoje mais vulgar turbit, ou turbith, latinisado em turpethum. Alem d'isso, a droga tem na índia muitos outros no- mes, entre os quaes não encontro cousa parecida com o «barcamam» e o «tiguar« de Orta, que ou se enganou, ou transcreveu de ouvido com muita incorrecção. A planta, é, como dissemos, rasteira ou scandente, com o porte ca- racterístico de quasi toda a familia, e tem folhas de forma um tanto variada, mas sempre lobadas, não muito mal comparadas ás da «malva franceza». As suas flores são bastante grandes, e muito naturalmente não mudam de côr tres vezes por dia. Ksta circumstancia da mudança de côr havia sido mencionada por Dioscórides em uma planta, muito diversa d'esta Ipomaea, e na qual, de resto, também não era exacta, a não ser talvez em algum leve cambiante, que ás vezes se pôde dar da manhã para a tarde. A droga consiste na raiz e parte inferior do caule, cortados em bocados, de uma côr acinzentada por fóra, e de um branco sujo na secção, que está cheia de resina pallida, um tanto amarellada. Estas qualidades variam um pouco, e o turbith é mais ou menos «branco» e «gomoso» — aquellas circumstancias em que tanto insiste o nosso escriptor. Do titrbit 345 O turbith é considerado pelos médicos indianos, tanto pelos hakims mussulmanos como pelos vydias gentios, como sendo um dos seus mais poderosos catharticos ou drásticos, purgando sobretudo a bilis e o humor phleugmatico. Costumam juntar-lhe algumas substancias, en- tre outras, gengibre, o que era já no xvi século a receita do Malupa do Colóquio. Ainda hoje o turbith parece ser muito empregado na ín- dia; mas não foi adoptado em geral pelos médicos inglezes, como succedeu com outras drogas indianas, nem tem logar official na Phar- macopoeia of índia. Na Europa desappareceu ha muito da matéria me- dica, na qual continuam a figurar, como catharticos activos, duas drogas análogas e procedentes da mesma família vegetal, mas de qualidades superiores, a scammonea e a. j alapa. Não succedia assim no tempo de Orta, em que a matéria medica se regia pelos preceitos dos árabes e pelas formulas de Mesué; e o turbith tinha ali um logar importantíssimo. D'aqui resulta em parte o desenvolvimento do Colóquio, pois o nosso escriptor quiz tratar com toda a largueza de um medicamento de tão grande reputação. Mas resulta também das duvidas, que havia em relação á historia da droga, e elle quiz esclarecer. O turbith foi absolutamente desconhecido dos gregos e dos latinos; mas os escriptores ainda do tempo de Orta, es- forçavam-se á porfia pelo encontrar em Galeno e Dioscórides, enten- dendo que isto lhe dava auctoridade. A voga que hoje tem um medi- camento por ser novo, tinha-a então por ser velho. Orta, que devia estar de bom humor ao escrever este Colóquio, diverte-se positivamente á custa do «doutíssimo Lioniceno», e dos «re- verendos Frades boticairos»; e toda a sua discussão abunda em boa critica e reflexões judiciosas. A questão é, de feito, um exemplo ty- pico das discussões de textos e minúcias em que se compraziam os commentadores do tempo. Queriam, por exemplo, que a pityusa de Dioscórides (uma Euphorbia da Europa) fosse o turbith, unicamente porque a raiz era purgante, e em uma edição se achavam intercala- das as palavras ív xaXo^ai TojpiríT. A identificação com o tripolio (tam- bém uma planta da Europa) ainda é mais singular, e parece assentar unicamente sobre o erro de um copista, que na traducção de Serapio, em logar de Jj^ j tribol, forma arábica de tripolio, escreveu Jo Ji, que se leu terbed; d'ahi a passagem para o turbith de todos os caracteres do tripolio — caracteres falsos também para esta planta, qualquer que ella fosse — isto é, que a sua flôr mudava de tom tres vezes ao dia, e outros. No meio d'estas discussões, intervinham argumentos, como o de Matthioli — citado por Orta — dizendo que o alipio não podia ser o turbith, porque um purgava a melancolia e outro purgava a freima, como se fosse fácil e pratica esta distincção. É claro, que tudo isto deixava frio Garcia da Orta, o qual se con- tentava com conhecer perfeitamente o turbith dos bazares da índia; 346 Colóquio quinquagesimo quarto mas é claro também, que elle se não podia desinteressar absoluta- mente d'estas discussões, que, em ultima analyse, constituiam a scien- cia do seu tempo. (Cf. Roxburgh, Fl. Indica, i, 470; Dymock, Mat. med., 556; Ainslie, Mat. Ind., 11, 382; Sprengel, Dioscórides, i, 614, 656). Nota (3) O primeiro pagode, mencionado por Orta, é o antigo vihára ou con- vento buddhista da ilha de Salsette, muito conhecido pelo nome de Kânheri, cujas excavaçóes diversas datam de epochas diíferentes, mas na maior parte, ao que parece, do 11 ao iv século da nossa era. O vihára, talhado na rocha vulcânica, na encosta da montanha, con- siste em excavaçóes distinctas. A primeira que se encontra — como diz Orta — é o chaytia ou templo, que era effectivamente «uma casa grande», pois mede perto de 90 pés, por perto de 40, sendo ornamentado nas paredes de esculpturas, e tendo á roda numerosos pillares, esculpidos também. Seguem-se pela montanha acima, as excavaçóes do vihára propriamente dito com as suas camarás, ornadas igualmente com ima- gens de Buddha e outras. Estas camarás são em numero considerável, não inferior de certo ao que Orta indica, e dispostas em andares so- brepostos, como elle também diz. Junto de muitas d'estas camarás, encontram-se cisternas ou pôndhís, com um systema completo de ca- nalisação, destinado a i-eçeber as aguas da chuva, e a alimentar depois as diversas partes do convento, circumstancia apontada também pelo nosso escriptor. Garcia da Orta foi sem duvida alguma o primeiro eu- ropeu, que fallou d'este celebre vihára de Kânheri, descripto depois por Diogo do Couto; e do qual os viajantes de outras nações só co- meçaram a ter conhecimento d' ali a um século ou mais. Pelo anno de i535 foi estabelecer-se em Baçaim o franciscano portu- guez, fr. Antonio do Porto, acompanhado por outros religiosos da sua ordem, e que se pôde considerar o apostolo do norte da índia, como mais tarde S. Francisco Xavier foi o apostolo da costa da Pescaria e outras terras do sul. Fr. Antonio fez em Baçaim e Salsette numerosas conversões, entre outras as dosj'o^i5, que encontrou em Kânheri; mas não eram já propriamente habitantes do vihára, abandonado havia sé- culos, e unicamente alguns mendicantes hindus, que occasionalmente aproveitavam o refugio das camarás, talhadas na rocha. Diz-se, que fr. Antonio quiz explorar as excavaçóes, andando por ellas sete dias sem chegar ao fim, no que ha uma grande exageração; e conta-se tam- bém como lhe disseram, que os caminhos subterrâneos chegavam ao interior da índia, até Agra. Deixando de parte estas phantasticas in- formações, o certo é, que fr. Antonio do Porto consagrou então ao Do tiirbit 347 culto catholico o chaytia do vihára buddhico de Kânheri, dando á nova igreja a invocação de S. Miguel. (Cf. Fergusson and Burgess, Cave temples of índia, London, 1880, pag. 348 a 36o; Couto, Asia, vn, i, 10; Gerson da Cunha, Hist. and antiquities of Chaul and Bassein, Bonibay, 1876, pag. 190; Garcia da Orta e o seu tempo, 25o e seguintes.) Nota (4) «Maljaz», nome que não sei bem explicar, é o pagode, chamado ha- bitualmente pelos portuguezes Monpacer e Manapazer, correctamente Mandapesvara. Era um templo brahmanico de Síva, que foi também convertido em igreja por fr. Antonio do Porto. Para isso, a entrada fe- chou-se com um muro, corrido diante dos pillares, e cobriram-se as esculpturas da parede com alvenaria, sem comtudo as destruir. A in- vocação da igreja era Nossa Senhora da Misericórdia, segundo Fer- gusson, Nossa Senhora da Piedade, segundo Diogo do Couto, e Nossa Senhora da Conceição, segundo o sr. Gerson da Cunha, que julgo o mais bem informado dos tres, Orta, que evidentemente nunca visi- tou este templo, parece dar uma noticia, anterior á transformação em igreja, quando o pagode de Síva estava ainda muito «mal assombrado». (Cf. Fergusson aad Burgess, 1. c, 481 ; Couto 1. c; Gerson da Cunha, 1. c, 192.) Nota (5) Este ultimo pagode, o mais conhecido de todos, estava situado na pequena ilha de «Pori», ou Ghãrãpurl, que os portuguezes começaram a chamar a ilha do Elephante, por causa de uma grande figura d'este animal, que ali se via talhada na rocha. Foi depois geralmente desi- gnado, ilha e pagode, pelo nome de Elephanta. Era um templo brah- manico, relativamente moderno, do vii ou viii século, tão celebrado e tantas vezes descripto, que não nos devemos demorar em indica- ções, correntes e sabidas. Unicamente recordaremos muito brevemente, quanto é exacta a curta descrição de Orta. O templo media i3o pés de norte a sul, e proximamente o mesmo de leste a oeste, podendo-se, pois, dizer, que era «grande como um mosteiro». Aos lados havia dois pa- teos, e, em um d'elies, uma grande cisterna. Todo o interior estava or- nado de figuras, ficando ao centro o colossal Trimurti, e dos lados varias outras, entre ellas Arddlianari, de sexo duplo, representado unicamente com o seio esquerdo, e que por isso o nosso Orta tomou por uma amazona. Diversos animaes estavam esculpidos nas paredes — como Orta diz—; e, Arddlianari, por exemplo, encosta-se á cabeça 348 Colóquio qidnquagesimo quarto do boi Nandi, tendo logo atrás a representação de um elephante, pro- vavelmente o elephante celeste Airãvati. Orta visitou este pagode logo á chegada de Portugal, quando foi com Martim Affonso de Sousa assistir ás pazes de Baçaim, e á entrega d'aquellas terras, como contámos na sua Fivellia B]ia.ii-X>ajia.iia., Birdwood, da terra dos Somalis. As duvidas, que ainda restam, sobre as variedades d'estas espécies, e sobre outras do mesmo género, não vem ao nosso caso^ É bem sabido, como aquella substancia foi conhecida desde a mais remota antiguidade, sendo repetidas vezes mencionada na Biblia, e tendo feito o objecto do commercio dos Phenicios. Foi chamada Xtêavoç e olibanum pelos gregos e latinos, palavras que se prendem ao hebraico lebonah, significando leite, e também ao nome arábico de que logo fallaremos. O de thus julga-se derivado do verbo 5ú:iv, sacrificar. Em- quanto á palavra incenso, vem simplesmente de incendere, queimar. — O nome arábico, dado por Orta, «lovam», é o conhecido lú- ban, que significa leite como o hebraico lebonah, e procedeu do aspe- cto da resina emquanto fresca. Não é, pois, o «vocábulo grego» cor- rompido; mas é pelo contrario este vocábulo grego, que se deriva das línguas semíticas. ' Veja-se sobre a parte puramente botânica, e também sobre a historia da substancia, o excellente e completo trabalho do dr. Birdwood, On the genus Boswellia, nas Trans. of lhe Linn. Soe, xxvti (1871), pag. ni a 148; igualmente Oliver, Flora of tropical Africa, I, 324; e Engler, Burseracece, em A. D.C., Monographiac Phanerogamarum, iv. Do thure que he encenço, e da mirra 355 — O nome «conder», mencionado igualmente por Orta, é do mesmo modo conhecido, jJo^, kunder ou konder, e parece ser a adaptação arábica do nome sanskritico kundit, ou kiindur. Orta diz muito claramente, que o incenso ia para a índia da Arábia, o que é exacto, comquanto talvez em outras epochas procedesse prin- cipalmente da Africa oriental, terra dos Somalis e outras próximas. Alguns séculos antes, Marco Polo dava-o também como sendo expor- tado da Arábia meridional, pelo porto de Dufar, Dofar ou Dhafar. E d'esta povoação, de que hoje não ha vestigios, fallou mais tarde o nosso Duarte Barbosa: «hum lugar de Mouros. ... do Regno de Far- taque»». Dofar é igualmente mencionado por Camões, com referencia especial ao incenso: Olha Dofar insigne, porque manda O mais cheiroso incenso para as aras. Vários viajantes modernos têem observado na Arábia meridional, na região do Hadramaut, a arvore do incenso, e os processos de ex- tracção da resina, sendo particularmente interessante a relação do dr. Cárter (1844-1846). Segundo diz outro viajante, o capitão Miles, a droga não é ali colhida pela gente da terra, e sim pelos Somalis, peri- tos n'aquelle trabalho, os quaes atravessam em grande numero da costa africana fronteira para fazerem aquelle serviço, pagando por isso um certo tributo. Parece que alguma cousa n'este género succedia já no tempo de Orta; mas elle ignorava que os trabalhadores fossem afri- canos, e apenas falia dos mercadores de Aden e outros pontos da mesma Arábia, os quaes «se concertavam» com os reis da terra antes de procederem á extracção da resina. O incenso era empregado na medicina mussulmana e na hindu, como diz Orta, e foi mesmo officialmente admittido na Pharmacopoeia da ín- dia; mas hoje consome-se principalmente ou unicamente nas cerimo- nias religiosas do rito romano e do rito grego. Orta não admitte a existência de incenso na índia, e em rigor tem rasão; mas encontravam-se ali muitas resinas, mais ou menos análo- gas, procedentes de varias plantas, da Boswellia thurifera — que se julgou um tempo dar incenso verdadeiro — da Valeria indica, da Gar- dênia lúcida e de outras. Notaremos ainda, que o nosso escriptor, não tendo visto a planta, tinha no emtanto algumas idéas correctas sobre ella; e sabia ser uma arvore pequena, e ter folhas similhantes ás da «aroeira», o que é bas- tante exacto, tratando-se de uma Burseracea. (Cf. Pharmac, 120; Sprengel, Diosc, 11, 876, Ainslie, Maí. Ind., i, i36; Yule, Marco Polo, 11, 386 e 442; Duarte Barbosa, Livro, 265; Lm- siadas, x, 101.) 356 Colóquio qiiinquagesimo quinto Nota (2) Diz-se que a niyrrha é produzida por uma arvore da família das mesmas Burseracece, Comxmiplioi'» Myrrlia, Engler {Bal- samodendron Myrrha, Nees); mas é forçoso confessar, que a sua ori- gem botânica ainda levanta bastantes duvidas. Em compensação a substancia foi bem conhecida desde os mais an- tigos tempos. O nome de myrrha, como o grego appva, vem do he- braico miir, que ainda hoje usam os árabes exactamente na mesma forma, murr. O de «bolla», ou bola, ou boi, usado ainda na índia, é quasi sem alteração o sanskriio ^TFT, vola. A myrrha tem vindo sempre pela maior parte, se não exclusiva- mente, da Africa oriental, sobretudo da terra dos Somalis e do Ha- drar, onde se encontram as arvores que a produzem. O commercio de Bombaim recebe modernamente esta mercadoria da grande feira de Berbera, e de outros pontos da costa africana, onde concorre de va- rias regiões do interior. A noticia de Orta é substancialmente a mesma, posto que elle faça n'esta parte bastantes confusões. Depois de dizer, que aquella substancia ía á índia da Ethiopia e também da Arábia, aponta unicamente dois portos africanos, Magadaxo e Brava, situados na terra dos Somalis, para o sul do cabo Guardafui. Em resumo, in- dica correctamente a Ethiopia e a terra dos Somalis, e não devia estar nada seguro de que a myrrha viesse também da Arábia. A sua con- fusão é manifesta, quando nos diz, que os beduinos, vindos da Caldéa, a levavam a Brava e a Magadaxo por terra. Evidentemente baralhou e confundiu na cabeça os dois lados do mar Vermelho. Tomando, pois, a parte mais definida da sua informação, a expor- tação pelos portos africanos, nós vemos que a myrrha procedia, como ainda procede, d'aquelle grande triangulo, que termina no cabo Guar- dafui. Somente, dirige-se hoje aos portos do norte, Berbera e outros em frente de Aden, e dirigia-se então mais para o meio dia, sem que a região productora variasse. A propósito de incenso e de myrrha, Orta lembrou-se muito na- turalmente dos reis Magos, e trouxe-nos aquella curiosa referencia á dissertação de Pie de la Mirandole, De Magia naturalis et cabala; e aquella engraçada opinião do bispo arménio sobre a natureza elemen- tal, e não celestial, da estrella que os conduziu. (Cf Pharmac, 1 24; Ainslie, Mat. Ind., i, 242 ; Dymock, Mat. med., \ 52.) Nota (3) Abundavam nas índias Occidentaes resinas mais ou menos simi- Ihantes ao incenso, que não eram esta substancia, mas foram varias ve- Do thiire que he eticenço e da mirra zes confundidas com ella. No livro de Pedro Martyr — que Orta po- dia perfeitamente ter lido — encontramos, por exemplo, a noticia de que a Vicente Yanes Pinzon vieram os indios de Cuba offerecer uma porção de objectos de oiro, e um vaso cheio de incenso; mas não é fácil saber o que seria realmente a resina cheirosa que elles trouxe- ram, e á qual se deu impropriamente aquellc nome (P. Martyr, em Ramusio, iii, 22). COLÓQUIO QUINQUAGESIMO SEXTO DA TUTIA INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Levam de cá da índia tiitia pera Portugal, segundo me dixeram lá; e também Avicena diz que na índia ha tutia, e Serapio pella mesma maneira diz que huma especia de tutia he da índia. Ora pois isto asi passa, com rezam me direis o que he esta tutia; e em que parte da índia nasce ou se colhe. ORTA Nas partes que sabemos indianas não ha tutia nem espo- dio, como dizem os Greguos, nem cobre nem outros metaes de que se faz esta tutia; mas se me quiserdes crer, vos di- rei qual he a tutia que usam na índia, e em Portugal e Es- panha; a qual nam he mineral, senão o antispodio de que faz mençam Dioscórides, ou outro semelhante ao mesmo que elle diz. RUANO E donde vem esta tutia, e como he feita e pera onde vai? ORTA Hum mercador riquo destas terras, e muito corioso (pos- toque he homem leiguo), me disse que soubera por muyto certo de mercadores naturaes da terra da Pérsia, que se fazia em Guirmon (terra da Pérsia e vezinha das terras de Ormuz); e fazse da cinza de hum páo que se chama goan; e que esta arvore dá uma fruta, que se chama também goan, que tem casca e côdea ou corteza; e comeselhe a côdea, e o miolo, e a casca não; e desta arvore, que dá esta fru- ta, se faz esta tutia, scilicet, da cinza desta arvore. E esta cidade de Guirmon he muito celebrada por ter os melhores cominhos, que ha na Pérsia. E esta he levada a Ormuz e 36o Colóquio qilinqiiagesimo sexto ás outras partes da Arábia, donde vai ter a Alexandria, e esta he a que levam a Portugal, e em muitas náos, que se tomaram de preza, acharam d'esta tiitia, que vinha por mer- cadoria; e eu a vi mandar a Portugal pera elrey. E segundo me disse hum buticairo portuguez, esta tutia he a que se guasta em Espanha e França, e he chamada alexandrina, e nam por se fazer ali, senam porque se leva ahi da Pérsia, e este he hum dos antispodios dos Greguos. RUANO Não me maravilho d'estas cousas contrafeitas, porque vi que vos trouxe hum físico huma pouca de caparosa contra- feita, e dissevos que usavam delia os çurgiães Indianos, e que lhe achavam bons efeitos porque era bom cáustico. ORTA Nas cousas dos metaes sabem os índios médicos fazer obras; porque, queimando e polvorisando os metaes, eu vi aço e ferro queimado, e polvorisado, e azougue; e a elrey de Cranganor no Malavar deramlhe muyto tempo a beber azougue polvorisado, e fezselhe huma previa disposiçam pera lepra, de que o curei eu, e está muito milhor aguora, e cura-se ao modo dos Portuguezes já (i). Nota (i) No Colóquio do Espodio, Ofta havia explicado, como aquelle seu «espodio» vegetal era diverso do espodio metallico dos antigos e do pompholix. EfFectivamente o espodio dos antigos era um oxydo impuro de zinco, obtido no trabalho do latão, ou pela combustão de certos minérios de zinco; e o pompholix era pouco mais ou menos a mesma cousa, sómente este ultimo nome dava-se ao oxydo mais puro e mais leve, que se deposita nos cadinhos como uma matéria branca e em flocos, á qual a antiga chimica chamava também lana philosophica. Depois de tratar d'estas substancias metallicas, Dioscórides fallava no seu livro das cinzas de varias plantas, que podiam substituir aquellas Da tutia substancias quando faltassem — uma espécie de espodio falso, ou de an- tispodio; e isso contribuiu para que Orta acreditasse o que lhe conta- ram sobre a tutia ser feita com as cinzas de uma arvore, chamada Goan. Isto não era assim ; e a tutia é um oxydo impuro de zinco, do mesmo modo que o espodio. Alguns séculos antes de Orta, Marco Polo havia fallado correctamente da tutia da região de Kerman, como sendo ob- tida de uma certa terra que ali havia (um minério de zinco) queimada em grandes fornalhas, e dando uma substancia mais pura, a tutia, e ou- tra mais grosseira e cheia de impurezas, o espodio. Aqui, a tutia é assi- milhada ao pompholix dos antigos. Annos depois de Orta, Teixeira re- pete a mesma informação de Marco Polo, somente o processo varia um pouco: diz elle, que em uma serra próxima da cidade ou villa de Kerman, se encontrava uma terra especial, a qual, amassada com agua, se punha a cozer em formas de barro, e depois de bem cozida em fornos ficava dentro a tutia, a que os persas chamavam tutyah. No fundo este processo, descripto por Teixeira, é o mesmo de que falia Marco Polo; trata-se também de um minério de zinco, do qual, pela alta temperatura, se obtém o oxydo de zinco, naturalmente muito impuro, dados os grosseiros processos de que se usava. E — continua dizendo Teixeira — fué mal informado el dotor Garcya dorta, que en sus diálogos de los simplices de la índia di^e que la Tutia se haje de la cenija de cierto arbol y fruto dicho Gune. EfFectivamente foi mal informado; era verdade que a tutia se preparava em Kerman (o seu Guirmon), ao norte e não longe de Hormuz; mas aquella tutia era me- tallica — ou, servindo-nos da linguagem do tempo, era um espodio, e não um antispodio. É exacto, que a medicina indiana se aproveitasse com frequência dos metaes, e dos seus preparados, obtidos com uma certa habilidade, como por mais de uma vez indica W. Ainslie no seu excellente livro, tantas vezes citado n'estas notas. No caso do rei de Cranganor, não é provável que o «azougue polvorisado» lhe fizesse uma disposição para lepra; mas antes, que, por elle ter aquella disposição, lhe applicassem um tratamento mercurial. (Cf. Sprengel, Dioscórides, i, 747, 748; Yule, Marco Polo, i, 129, i3o; Teixeira, Relaciones, 121.) i COLÓQUIO QUINQUAGESIMO SÉTIMO DA ZEDOARIA E ZERUMBET INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Bem sabeis quanta duvida ha em o que se chama ^edoa- ria, e o que se chama :{erumbet; porque Avicena faz dous capitulos, e Serapio hum só de :{enmibet, e Rasis faz hum capitulo de ambos: decraraime isto, dizendo os nomes e se o usam a gente da terra. ORTA A mesma duvida, que vós tendes, tive eu muyto tempo-, e asentei que, por \edoaria ser mais famosa, era o que cha- mamos lerumba, drogua usada pera Ormuz e dahi levada pera a Turquia c Veneza; e que o ^eriimbet era o que cha- mamos açafi^am da terra, que na feiçam sua se parece com a ruiva seca nossa, de que já vos falei acima no croco in- diano. E depois que muyto cuidei nisso e o enqueri, soube que estava enguanado, por os efeitos e obras diversas que o açafram da terra faz das que escrevem da "{edoaria e \e' riimbetf asi chamado de nós; porque da \edoaria faz capi- tulo Avicena» e de \erumbet; e isto que chamamos \edoaria, chama Avicena geiduar, e outro nome lhe não sei; porque o não ha senam nas terras confins á China. E este geiduar he huma mezinha de muyto preço, e não achada senão nas mãos dos que os Gentios chamam /o^wís^ ou outros a que os Mouros chamam calaudares; e todos estes sam peregri- nos, que vivem mendicando e peregrinando, e visitando as suas casas de idolatrias; c destes vos falei já, dos quais ham * Avicena, Lib. 2, cap. 742 (nota do auctor). Na edição de Rinio, cap. 745 De ^edoaria, 747 De ifiirumbet, 754 De :;eduar. 364 Colóquio quinquagesimo sétimo os reis e grandes pessoas este geidiiar, a que nós corru- tamente chamamos :{edoaria. RUANO E como soubestes isto, que tam ousadamente falaes? ORTA Os fizicos do Nizamoxa mo dixeram: querendoa dar a hum homem no arraial do Nizamoxa contra a mordedura de huma bicha, a mandaram pedir ao rey; aos quaes eu dixe, que os buticairos a tinham, e lha mostrei; elles responderam, que isso que lhe eu mostrava era :{enimba, e não o geiduar; e dandoa contra a mordedura da bicha, se achou o traba- lhador bem, e lhe tornou o pulso, e se lhe esforçou a vir- tude. RUANO E de que feiçam era essa ledoaria? ORTA Tamanha como huma bolota, e casi dessa feiçam, e a cor era lúcida: pedi a elrey hum arrátel dessa mezinha*, e disse- me que não me podia dar tanta, e deume hum pedaço que pe- saria mea onça; a qual mostrei aos buticairos de Ghaul e de Goa, e todos me diseram que não conheciam aquella mézi- nha, e que não usariam delia. E esta mandei a Portugal com huma pedra arménia, e tudo se perdeo, e a náo em que hia, Deos seja louvado. E despois achei na mão de hum jogue huma pouca, e nam lha comprei, porque a não conhe- cia bem. E se tivera algum fizico ahi, eu lha comprara, e vola mostrara aguora. RUANO Aproveita pera outras cousas este geiduar? ORTA Diseme o Mula Ucem (e este era um fizico letrado, que eu conversei, estando em Juner curando os filhos do Niza- moxa) e me disse que aproveitava pera 36 cousas; e elle Da :{edoana e :{erumbet 365 me disse muytas delias, e eu lha vi aplicar em hum giolho, que estava com dor hum mercador. E ao menos podeis crer que he mezinha que se estima em muyto, e o principal he contra a peçonha. RUANO Pois Avicena nam faz tanto caso delia. ORTA Avicena não a conheceo, e foy muyto duvidoso nesta me- zinha; porque nas cousas de duvida faz Avicena dous capí- tulos, e assi fez nesta porque no capitulo 752 diz: geiduar quid est? E diz que estima que será algeidiiar; e Dioscóri- des nunqua falou nisto*. E por aqui vereis que Avicena ti- nha nesta mezinha duvida. E o Belunensis, na exposiçam dos nomes arábios, parece que cheirou isto; porque faz mençam de :{eduar e de :{edoaria, e de lerumbat. E por aqui sabereis que he ledoaria nome corruto, e geidiiar ver- dadeiro. E aguora vos direi o que he :{erwnbet, e vós ao cabo vireis com vossas contradições, como acustumaes; mas eu ei de ficar cm pé, porque a verdade tem pés, e anda e nunqua morre. E diguo que o :{erumbet se chama dos Ará- bios e Persas e Turcos :{erumba, e dos Guzarates e Deca- nins e Canarins cachorá, e dos Malavres çua**. A maior can- tidade delia he no Malavar, scilicet, em Calecut e Cananor; e nasce no mato, e, se a plantam ou semeam, nasce em muytas partes, e em todo o cabo. Chamamlhe muytos gen- givre do mato, e tem re^^am; porque na folha he semelhante ao gengivre, senão que a folha he mais larga da leriimba, e mais aberta, e a raiz da :{erumba he mais grande; e des que he colhida a secam em talhadas, e a levam a Ormuz • Aliás, cap. 754. — O curtíssimo capitulo de Avicena é textualmente o seguinte: Zeduar quid est? Inquit Dios. Est algieduar. i. secundum quod existimo, ** Sic na edição de Goa, mas deve ler-se cua; e as cedilhas são postas em todo o livro com uma grande irregularidade. 366 Colóquio quinquagesimo sétimo por mercadoria, e á Arábia e Pérsia; donde vai a Alexan- dria e a Gida, e dahi a Veneza e a outras partes; e ganha- se nella dinheiro, levandoa por mercadoria pera lá, e tam- bém a fazem em conserva de açucare, e he milhor que gengivre. E isto he noto a todos, e por aqui vereis que não he arvore, como alguns falsamente diseram*. RUANO Já he necessário que \^enhamos ás duvidas que disto na- cem. E digo que Avicena diz que a '{cdoaria sam humas talhadas semelhantes ás da aristologia, e que aquella plan- ta he milhor, que nasce perto do napelo ou rabaça de Pero Jogral, porque tira ao napelo a virtude venefica ou mortífe- ra, e que he triaga dos venenos, em especial da bicha e do napelo. E no Capitulo 746** diz do ■{erimbet que he erva se- melhante ao cipero, ou junça avelanada, senão que he mxe- nos odorífera, e em outra letra diz que he arvore: no pera que aproveita diz que presta pera as cousas, que Serapio diz da '{edoaria. Serapio capitulo 172 diz que \erumbet que he '{edoaria, por autoridade de Isac Aben Amarani; que {erwnbet sam raizes redondas, semelhantes á arislologia, e sam semelhantes na cor e no sabor ao gengivre; e que se trazem de Seni. Ora veja isto, e digame o que lhe parece. ORTA Avicena não vio senam a ^erumba ou {erumbet, como nós dizemos; e porque huma delias vai ao estreito de Meca, feita em talhadas redondas, e outras compridas, pode ser que dahi tomou ocasiam de cuidar que eram de duas ma- neiras, scilicet, {edoaria e {erumba. E porque nunca vio as folhas, nam a pintou, senam como a levam da índia, sci- * A traducção de Andreas, porque uma letra diz erva e outra lignum (nota do auctor). Eífectivamente o capitulo 747, De ^urumbet diz, por engano do traductor, Est lignum símile cypero. * * Aliás 747. Da ledoaria e lerumhet 367 licet, as raízes como as do gengivre. E ainda agora tem diversos preços a lerumha redonda da comprida; e também o gengivre pequeno vai menos que o grande. E o que diz que a que nasce vezinha do napelo he a melhor, isto he muyto fabuloso, porque de napelo ha pouco, e a :{erumba nasce em todo cabo que a semeam; posto que a maior can- tidade é no Malavar, no mato; e a que semeam nestas terras he muyto pouca, e o mato nam he aparelhado a criar o na- pelo; e sei o nome do tiapelo na linguoa d'esta terra, nun- qua me diseram os de Malavar que nascia vezinha ao na- pelo. E do ^erumbet diz o mesmo Avicena que a erva he semelhante a junça, e outra letra enmendada diz que he lignum ou arvore; por onde vereis que o nam conheceo Avicena; pois nam he arvore, senam hum legume. E no Serapio não está escrita aquella diçam expositiva, scilicet, •{edoaria: que he isto acreçentado do treslador, que não conheceo a deferença de ^edoaria a ieinimbet\ e porém diz ao cabo que se trazem estas raizes de Seni. E na índia não nascem estas raizes, senam na China; e achamse poucas na índia, trazidas da China, como já vos disse; asi que ha lerumba na índia, e a :{edoaria na China. RUANO E como sabeis que China quer dizer Seni? ORTA Por muytas razões cá o podeis saber. Mas por aguora vos abaste saber que raban seni quer dizer rai:{ da china; e asi o he, porque o bom ruibarbo não o ha senam na China; asi que nisto não tendes que duvidar. RUANO Antonio Musa, recupilando os ditos de todos, diz uma grande deshonra da ^edoaria chamandoa barbara; e o nome de ser bárbaro he que não lhe pode dizer maior pragua; e porque Serapio, falando- de ^eriimba, entendeo a ^edoaria, porque o que diz delia Simão Genuense mostra serem di- 368 Colóquio quinqiiagesimo sétimo versas mezinhas, porque Mesue, descrevendo o letuario de gemis, faz mençam da :{edoaria em certo peso, e mais abaixo falia do ^erumbet em outro peso, e diz mais que alguns outros diseram que :{edoaria era arnabo^ ou T^arnabo, que ácerca de Paulo e Aécio he ar?íabo, e que he do género de cheiros, e alegua outros, e aos que dizem ser bem álbum e rubeufji, e outros carpesio\ e assi que náo sei o que se possa nisso dizer. ORTA o carpesio craro he não ser nenhuma destas mezinhas, e asi bem álbum, item rubeum; porque nesta terra não ha tal mézinha, senam a que vem do Estreito, que se cá vende bem. E de estoutra muyta ha nesta terra, e he muyto de- ferente. E o carpesio claro he nam o ser; pois hum he raiz e outro he grãos. E :{arnabo não pode ser, porque he ar- vore grande, como diz Avicena, e mais he pouco cheirosa, e :{arnabo ou arnabo he arvore muyto grande, e a :{edoaria^ ou \erumba he legume. E com isto respondeis a Fuchsio e Mateolo, e Ruelio, e aos Frades, que dizem casi huma cousa (i). Nota (i) Este ultimo Colóquio da serie alphabetica suscita algumas duvidas e difficuldades. Para as expor com a possivel clareza, necessitamos dizer primeiro o que hoje se julga geralmente ser a :;edoaria e o ^erumbet, seguindo principalmente os excellentes capítulos de Dymock sobre o assumpto. A ijedoaria arnarella procede da Cin*ciinaa, ai-omatica, Salisb. (Curcuma Zedoaria, Roxb.), uma planta da familia das Scita- minece. Este rhizoma é o vanaharidra dos livros sanskritos, e parece também ser o jlj-^^, djeduar ou geiduar dos árabes e de Avicena. É conside- rado medicinal pelos hindus, e nomeadamente util em casos de envene- namentos, mordeduras de cobras e outros. D'aqui lhe veio um dos nomes sanskriticos, fqf^T^fj, nirvishã, e d'aqui sem duvida procedia também aquella idéa de Avicenna, de ser melhor o que crescia junto ao napello, e enfraquecia o napello. A Curcuma aromática é espontânea no Concan, Da ledoaria e :{erumbet 36g e também no Malabar, d'onde hoje se abastece em grande parte o mer- cado de Bombaim. A droga parece ser bastante commum. A ^edoaria cin^^enta procede da Ciii-euinix Zedoaria, Roscoe (Curcuma Zerumbet, Roxb.), do mesmo género e familia que a precedente. Esta droga é o ^^j)-, ^erumbad (nas versões ^erutnbet) de Avi- cenna, Serapio, e em geral dos árabes. É chamada kachúra pelos hin- dus, do sanscrito ^VM^ karchúrã; e é igualmente a droga de que Rhede falia sob o nome geral de kua, dado também no Malabar a mais espécies do mesmo género. A planta parece ser bastante vulgar na índia meridional, e é commum nas hortas de Bombaim, onde Dy- mock julga teria sido introduzida pelos portuguezes. A droga encon- tra-se com frequência nos bazares, e tem algumas applicaçóes medici- naes, sendo também usada como condimento ou especiaria. Dimock é de opinião, que a içedoaria longa e a ^edoaria redonda do commercio procedem ambas d'esta espécie, e são simples fórmas do mesmo rhi- zoma. Esta jedoaria vinha desde tempos antigos para a Europa, onde foram conhecidas as suas variedades longa e redonda. Isto posto, vejamos o que diz Orta. É claro que elle conheceu per- feitamente o rhizoma da Curcuma Zedoaria, de que falia sob o nome de ^erumbet. Dá-nos todos os nomes vulgares, que citámos acima: «ze- rumba» entre os árabes, «cachorá» entre os hindus, «cua» no Malabar. Conheceu as duas fórmas redonda e longa; e está perfeitamente ao facto do commercio que para a Europa se fazia n'esta droga. Não é igualmente claro que elle se refira ao rhizoma da Curcuma aromática, pelo nome de ^edoaria e geiduar. Por um lado, é favorável a esta identificação o facto, que elle cita, de o darem para a «morde- dura de uma bicha»; mas, por outro, a sua descripção concorda mal com aquelle rhizoma, que não é «lúcido», nem tem o tamanho e a fei- ção de uma bolota. E não é provável, que nem elle, nem os boticários de Chaul e de Goa, conhecessem uma droga, que a final não é rara na índia. O que parece ser é que Orta confundisse algumas cousas que lhe disseram do verdadeiro geiduar, procedente da Curcuma aromá- tica, com uma droga rara da China, que viu em poder do Nizam Scháh. Esta droga poderia ser algum rhizoma ou tubérculo de outra Curcuma, vindo d'aquellas regiões. Uns tubérculos de uma Curcuma, descriptos e figurados por Hanbury nas suas Notes on chinese Matéria Medica, procedentes da China, onde são chzvmáos yuh-kin, corresponderiam approximadamente á descripção de Orta. Não é possível affirmar, que esta fosse a sua ^edoaria, mas seria alguma cousa similhante. (Cf. Dymock, Mat. med., 769, 771; Ainslie, Mat. Ind., i, 490, Han- bury, Science papers, 254.) 24 COLÓQUIO QUINQUAGESIMO OITAVO QUE TRATA DE ALGUMAS COUSAS, QUE VIERAM Á NOTICIA do autor, e das mezinhas ditas atraz; e asi se acrescentam outras algumas mezinhas ou frutas; e falia de uma maneira de arroz que tem manteigua em si, e do betre, e da cidade de Badajoz, e da ca- nafistola, e do cirifoles, mézinha louvada pêra as camarás; e da ci- dade de Chitor, e do marfim, e dos mangustaes, e das patecas, e do pao da China, e de huma pedra muyto louvada contra a peçonha, que he achada no fel do porco espinho. INTERLOCUTORES O LICENCIADO DIMAS BOSQUE, RUANO, ORTA DIMAS (i) Dos amiguos todalas cousas sam commuas; e asi tem os amiguos licença pera enmendar as cousas dos que o forem seus: quanto mais que vós me rogastes, que vos dixese as cousas que por fóra soubesse pera as praticarmos ambos, e ver se podíamos desencovar a verdade nam sabida de todos : e já antes me tinheis dado licença pera enmendar o que me parecesse, e por isso venho aguora alembrarvos algumas cousas : he necessário que de novo me deis licença pera isto. ORTA Vós a tendes já, escusado he pedila de novo, porque an- tes me fazeis grande mercê nisso. DIMAS Do arroz que comemos, vos quero dizer que vem de Jaoa a Malaca hum arroz que chamam pulot, o qual cozendose somente com o baffo da aguoa, apeguase tanto ás mãos e he tam húmido, que parece ser cozido com manteigua*. * O nome javanez do arroz é pari, transformado em pali n'oUtras linguas do Archipelago, o que pode ter dado este pulot. Os javanezes gabam -se de cultivarem na sua ilha quarenta e seis variedades de arroz. Colóquio qiiinquagesimo oitavo ORTA Do primeiro efeito me não maravilho, que ho. de ser co- zido com o baífo, como o cu^cui, porque destoutro arroz acontece o mesmo aos que vam a Portugal, cozendoo da mesma maneira com aguoa salguada, por falta da doce : mas essoutro, que he de ser manteiguoso e húmido, nunqua o esprementei, porque não sam muito amiguo de arroz. DIMAS Pois perguntai a toda a gente de vossa casa, e dirvoloam; quanto mais que eu o esprementei já, e podeisme dar nisto fé. ORTA Em tudo vola dou ; e dizeime o que vos disseram os or- telões da vossa ilha, do betre, se vos disseram mais alguma cousa nova? DIMAS Nunqua pude saber mais que dizeremme que se quer muyto mimoso, e que asi quando se colhe nam he bom ser tocado muyto com a mão; sei que não quer muita quentura, nem muyta frialdade. ORTA Pareceme que tendes rezam, porque este betre não se dá no sertam, e de cá da fralda do mar he levado para o Bala- guate; e mais sei que não se dá na China por ser terra muyto fria; nem em Moçambique, nem Çofala, por ser terra muyto quente, e em todas estas terras fazem muyto por elle*. DIMAS Também achei escrito em hum vosso colóquio, dito acaso, que a cidade de Badajoz, dita asi dos Castelhanos, se avia de chamar Guadajoz, que quer dizer Rio de no^es: e achei * Do betre falia Orta no Colóquio seguinte. Das cousas novas 373 escrito eu em hum escritor moderno muyto lido, e muyto douto e curioso, chamado Guaspar Barreiros, que diz que os Mouros lhe corromperam o nome, porque se chamava primeiro Pax Augusta, e porque os Mouros não tem p, e põem o b cm seu lugar, lhe chamáram Bagus. ORTA Eu achei isto escrito, e pareceme o autor homem de muyto bom juizo e muito lido; mas certamente que a diri- vaçam me parece muyto torta, e pareceme milhor o que eu diguo. E mais confessando isto os mesmos Mouros, e ser a fama comua. E já pode ser que me enguane eu, porque a todollos mais dos homens lhe parecem milhor as suas cou- sas que as alheas; e quanto he ao que diz que os Mouros nam tem p, verdade he que nam tem o próprio caratere do p; mas servemse por p pondo no b dous pontinhos, e en- tonces pronunciam p*. DIMAS Do que me encomendastes da canajistola^ se agora avia em Malaca, soube que ha muyta em Malaca, e em Siam, e em todas essas partes. E também ainda que estas cousas nam relevam muyto, porque não sam mais que curiosida- des, vos alembro que falaes muitas vezes na cidade Chitor, e não sei se sabeis que quer dizer sombreiro; porque asi * Orta já havia fallado da etymologia de Badajoz (ante, pag. 85 e 89), e volta agora ao assumpto, pelo que leu no livro de Gaspar Barreiros, um livro moderno então, publicado no anno de i56i, e que elle já tinha na índia. Eífectivamente se deram variadas etymologias do nome de Badajoz: derivou-se de rio ou pai:; de no^es (Orta e Nebrixa); de pai^ dos alimentos (Fr. João de Sousa e Marmol); da corrupção do nome latino Pax Augusta, em Bagus ou Badaxus (Gaspar Barreiros e mui- tos outros). Orta volta também á questão do p arábico, que evidentemente o intrigava. Havia dito antes, que era similhante ao f, do que procurámos dar uma explicação (vol. i, pag. i65); e agora diz ser similhante ao b com mais dois pontinhos; isto é verdade, ^ e somente este p não pertencia ao alphabeto arábico e sim ao persiano. 374 Colóquio quinquagesimo oitavo o escreve hum cronista da índia, e não fora máo meterdes isto ahi, porque folgua a gente de ouvir cousas novas. ORTA As dirivacões dos nomes sam mui más de acertar nas > próprias regiões onde nacemos, e onde sabemos tam bem as linguoas; que fará nas estranhas, onde escasamente sa- bemos hum vocábulo, quanto mas saber a dirivaçam delle. E portanto vos diguo que cetri quer dizer sombreiro, e al- guns lhe chamam chatri. E falando com alguns Guzarates sobre isto, me dixéram que chitor queria dizer hum pássaro asi chamado, e mais propriamente queria dizer debuxo ou pintura; e esta dirivaçam me parece que lhe quadra mais: mas como nisto vai pouco, seja como vossa mercê mandar; mas verdadeiramente a cidade he hum debuxo ou pintura, segundo dizem os que a viram, porque eu não a vi*. DIMAS Estas cousas que até aqui vos dixe, sam flóreos de esgri- midores; mas esta que aguora vos direi he de huma mézi- nha muyto boa pera as camarás. E já sabeis que huma das principaes curas, que avemos de exercitar nesta terra, sam as camarás •, porque ainda que aja muytas mézinhas pera curarias, ás vezes achaes algumas camarás antiguoas, que per nenhuma maneira se podem arrincar: e vem depois huma velha, e arrinca as com huma mézinha simple ; e por isso traguo a mézinha aqui pera vola amostrar. RUANO Diganola vossa mercê, e também nos dirá, se a espre- mentou já. * Chitra f^T^ significa como substantivo pintura ou maravilha; mas é propriamente um adjectivo, significando manifesto, visível. Chitor, a celebre fortaleza do paiz de Méuar, seria pois «a (fortaleza) vistosa», a «maravilhosa». Como se vê, a derivação para que Orta se inclina é perfeitamente acceitavel. Das cousas novas DIMAS Nunca ouvistes dizer marmelos de Benguala? ORTA Si ouvi; e algumas vezes os vi em conserva, e pareceme cousa muyto estitica, e os físicos Guzarates usam desta fruta, sendo elles novos e tenros, em conserva de vinagre (a que elles chamam achar) e em conserva de açucare, como nós usamos; e sempre aquelle sabor estitico lhe dura por mais maduro que seja. RUANO Já que concordaes ambos em ser cousa estitica e boa pêra camarás, será bem que diga o doutor primeiro os no- mes e feições desta fruta ou arvore. ORTA A esta fruta lhe foy chamado o nome de marmelo de Bengiiala, porque em hum navio meu se trouxe esta con- serva, e veo de mestura com outras, que me de lá vieram. E já veo com nome de ser boa pera as camarás. E gaban- doa eu muyto a hum meu amiguo, homem de muyto bom saber, que muytas vezes andava á caça no mato, me dixe que não se avia de chamar este pomo marmelo de Ben- guala, pois aviam muytas arvores nas terras firmes desta ilha, na qual ilha avia alguns. E pois quereis saber o nome desta f-uta, diguo vos que em Benguala, e em todos os ca- bos se chama cirifoles e belas. E porque eu sabia que se chamava beli em Baçaim, perguntei a estes físicos da terra qual era o seu próprio nome, se cirifole ou beli; e elles me dixeram que cirifole era o nome vulguar, e porém que beli era o nome dos físicos, e que elles o tinham em suas escri- turas. He o arvore do tamanho de huma oliveira, o que he maior: as folhas sam como de peixigueiro e o cheiro também de peixeguos; dá pouca frol, e duralhe pouco; sam em principio tenros, e a cor he verde escura, e a casca he del- guada neste principio, e depois se vai engrossando, fazen- dose seca, até quando he madura a fruta, porque entonces tem a casca casi tam dura como a do coquo ; e no principio 376 Colóquio quinquãgesimo oitavo he do tamanho de huma laranja pequena, e vem a crecer tanto, que muytas vezes he maior que hum grande mar- melo; do qual tiram huma medula (que quando he maduro he já muyto teso) e a fazem em talhadas grandes, e depois em conserva de açucare, como já dixe; e quando sam mais tenros e novos, os comem em achar ou salguados, e isto he o que sei desta fruta ou mézinha. Aguora pode dizer o senhor licenciado a experiência que tem desta mézinha, e o que com ella lhe aconteceo; porque elle também he do nu- mero dos físicos amadores da verdade. DIMAS Estando o visorey Dom Constantino em Jafanapatam, com os continuos trabalhos da guerra, e muytas aguoas, em que sempre os homens andavam metidos, e falta de mantimen- tos, adoeceo muyta gente de camarás, a cura das quaes todas passou por minha mão, por nam aver outro físico • na armada. E como as medecinas, que de cá se levaram, eram já gastadas na ilha de Manar, com os doentes de duas náos do reino, que a ella vieram ter tam mal tratados que eni espaço de quarenta dias curei passante de trezentos homens; e não avendo depois com que acudir ás camarás, que tanto trabalho davam ao exercito, foime neçasario c forçado esprementar o que destes marmelos da gente da terra tinha ouvido; e com elles curei a muytas pessoas, mandando fazer mivas c emprastos pera o cstomaguo e bar- rigua. Mandei também fazer marmelada, a qual não sabia mal, antes tinha hum azedo de muyto guosto; mandava aos doentes que os comesem asados com açucare; e mandei também fazer, no tempo que duravam estas camarás, cris- teis do cozimento das suas cascas, e faziam o efeito nam muyto deferente das balaustias e cousas estiticas, que cá usamos; de modo que, com estes chamados de nós mar- melos, foy remediada a falta das outras mezinhas. Huma cousa não posso leixar de vos contar, que com estes mar- melos me aconteceo. Tinha Agustinho Nunez, fílho de Lio- nardo Nunez, físico mór destes reinos, muitos dos seus sol- Das cousas novas 377 dados doentes; e eu mandei assar dous marmelos a hum seu negro, pera dar a hum soldado enfermo; e arrebentando no foguo estes marmelos, queimou o miolo delles o negro que os assava, de maneira que parecia ser queimado com panella de pólvora, porque nos peitos e rosto e braços não deixou cousa que não abrasáse: pareceme que este foguo obrou mais, porque a matéria em que se fundou, foi mais estitica e ajuntada; porque o foguo queima mais posto em ferro ou em pedra, que em estopa. Isto he o que vi desta mézinha, e o que delia posso testemunhar. ORTA Alem de o vossa mercê dizer, traz isso muyta rezam; porque aquelle miolo de dentro, quando o fruto não he muyto seco, he tam glutinoso e pegadiço, que aos que o comem, não se pode desapeguar das mãos. RUANO Eu levarei alguma jarra de conserva destes marmelos, se os puder achar (2). ORTA Buscalosemos, e fazervosei delia serviço. E emtanto me dizei se vos trouxe algumas cartas de Malaca aquelle catur que ontem chegou de Cochim, porque traz novas que ficam já ahi a5'náos de Malaca. DIMAS Trazme cartas e novas da minha fazenda: folguo de achar aqui ao senhor doutor Ruano, porque veja a feiçam dos do- riôes e mangustães, ante que se vá pera o reino, porque me vem aqui de cada hum seu pomo feito de cera. RUANO Posto que este anno me não vou já pera o reino, e en- verna cá a náo, folgarei muito de ver esses pomos. ORTA Muito fermoso pomo hc, porque he tamanho como huma muyto grande pinha, e he da mesma feiçam da pinha, senão 378 Colóquio quinquagesimo oitavo que tem os bicos mais delguados, e sam como os do ou- riço cacheiro, animal conhecido. DIMAS Na minha carta diz que ha outros mais grandes que estes, a que elles soem chamar cabeça de alifante: tem dentro de quatro camarás pera cima (a que elles chamam peitacasj; a folha he como de huma lança pequena, dividida pello meo com dous fios, e outros que se tecem pera as ilharguas; he muyto verde o arvore, e muyto grande e bem copado; di- zem que não dá fruto, senão de 40 annos: o pomo quando he maduro tem o verde mais craro. ORTA Hum homem casado de Malaca me disse que dava fruto aos quatro annos, e que elle o vio. DLMAS Seja o que for, que a verdade não se pode saber tão des- tintamente. E asi me escreve do dor iam, que o miolo de dentro he como nata. E vedes aqui o mangostam : também he verde escuro; e do tamanho como huma laranja pequena*. ORTA Pois aqui estam plantadas, asi daram fruto; e veremos por esperiencia a como sabem, se nos Deos der dias de vida. DIMAS Também me lembra que, lendo o vosso capitulo do mar- fim, vi que nam falaes ahi no marfim mineral, do qual fala Andreas de Laguna. Huma de duas cousas me parece nisto: ou que não vistes este autor, lendo todo o capitulo que escreveo, ou que deve ser algum vosso amiguo, e não ♦ Sobre o dorião veja-se antes (i, 297 e 3oi); e sobre o ynangostão (11, 161, 162). Das cousas novas o quereis reprender. E já pode ser que não lhe lestes o ti- tolo, pois lhe erraes nome, e lhe chamaes Tordelaguna, cha- mandose elle Andreas de Laguna. ORTA Fala esse Laguna huma cousa tam fóra de rezam, que ouve vergonha de reprender isto, pois de si he tam visto ser falso; e mais elle não alegua autor algum que o digua; asi que pois só quer dizer a falsidade, com elle fique o erro. E quanto he a dizer de que lhe errei o nome, não me ponhaes culpa; porque nao li bem o titolo, e mais porque conheci em Alcalá a ouvir medecina hum, que se chamava Torde- laguna, o qual avia sido buticairo, e sabia algum pouquo de arábio, e era grande ervolario, e por isso me pareceo que devia ser esse; mas folguo de o não ser; porque o outro era meu amiguo, e não avia de folgar de errar de tal ma- neira, como este errou*. RUANO Se andamos a acusar erros, Leonardo Fuchsio, homem douto, diz que não ha marfim verdadeiro no mundo. ORTA Ha humas mentiras tão grossas, que não he bem, nem me- recem ser eprendidas, senão leixalas passar avante, até que dêem doze badaladas, como relógio de meo dia. Este homem ha muytos annos que escreve, e eu não acustumo nomealo poUo seu nome; porque ainda que soube na física bem, soube muyto pouco em condenar sua alma, e ser hereje con- denado por luterano; porque, alem de os seus livros virem no catalago condenados, hum religioso da ordem dos Pré- guadores me dixe que o conhecia de Alemanha, e que pra- ticára muytas vezes com elle, e que nunqua o poude con- vencer; e por esta causa me vieram a avorrecer suas obras; * Effectivamente em todo o livro, Orta escreveu Tordelaguna, que n'esta edição substituímos por Laguna^ çtn, vista da emenda feita n'este. Colóquio. 38o Colóquio quinquagesimo oitavo e ainda que a medecina não he ciência de religiam cristan, comtudo me avorreceo o autor, e foi muyto desenvergo- nhado em dizer que nao avia marjim verdadeiro, avendo tantos alifantes em todalas bandas da índia, e da Etiópia, e serem levados a Portugal. Parece que os Luteros devem ter no inferno algum marjim, que seja guardado pera elles*. RUANO Pareceme que se pudera escusar Andreas de Laguna; porque me mostrastes aqui, ha poucos dias, córnos, que criavam raizes no cham, e eu os vi com muyto grandes raizes. ORTA He verdade que vos mostrei isto, e ha muyto nesta terra, por ser húmida**; mas o marjim não se enterra, nem ha ma- neira disso. DLMAS Aveis de escrever desta fruta, que chamam ariana^; por- que certo que he rey das frutas no sabor, e muyto mais no cheiro. ORTA Escreve desta fruta Oviedo, o que escreveo das índias ocidentaes, como de fruta própria dessa terra; por onde não he necesario escrever eu cá delia, avendoa lá, e na província de Sancta Cruz, chamada de nós o Brasil (que he terra que está muyto perto de Espanha), onde saberam milhor escrever delia***. ♦ Orta conserva todo o seu bom humor, mesmo n'esta passagem, em que manifesta uma certa intolerância religiosa. • * Pela primeira vez encontramos uma asserção de Orta, da qual não podemos dar uma explicação plausível; e é difficil imaginar o que seriam estes cornos enraizados. * * * É interessante esta citação directa da Natural hystoria de las índias de Oviedo, á qual, de resto, Orta se referiu já mais de uma vez, mas sem mencionar o nome. Onde este diz, que o Brazil está perto de Hespanha, quer evidentemente significar, perto das possessões ame- ricanas da Hespanha. Das cousas novas DIMAS Lendo das patecas achei escrito, que não eram ellas as balancias de Africa, e pareceme que nisto vos enganaes, porque aqui me dixeram homens criados e nacidos em Aza- mor, e outros em Tanger e Arzila, que sam as mesmas as balancias de Africa, como as patecas da índia. ORTA Eu não disse que era deferente huma fruta da outra, por- que pera julgar isto, avia de conhecer ambas as frutas, c eu nunqua vi a de Portugal; mas disse que se pudiam en- guanar nisso, porque a mata destas patecas he muyto defe- rente da que dá os melões de Portugal, e também as al- budiecas, e sandias de Gastella sam deferentes das patecas da índia. Eu me remeto ás pessoas que viram humas e outras*. DIMAS Também aveis de acrecentar mais no pao da China o que me delle escreveram; e he que se dá onde o semeam arri- mado a arvores, assi como a era. ORTA Eu creo /sso, pois que volo escrevem testemunhas de vista* *. DIMAS Esta mézinha, que vos quero dizer aguora, he muito ne- cesaria, porque he contra a peçonha, e trála das bandas de Malaca hum homem letrado, vosso amiguo, que vós mui bem conheceis. ORTA Se he o homem com quem faláveis o outro dia, quando fomos visitar aquelle fidalguo, bem sei que mézinha he. E * Sobre esta questão das patecas e sandias, veja-se a nossa nota (ii, 144). • * A Smilax Chim é efFectivamente uma planta trepadeira. 382 Colóquio qiimquagestmo oitavo porém não ousarei escrever delia, sem vós primeiro me di- zerdes o que tendes nella visto, e o que ouvistes dizer delia; porque se formos duas testemunhas, ajuntadas com a pu- brica voz e fama que dessa mézinha ha nas bandas de Malaca, darlheemos autoridade. DIMAS Já sei que vistes isso, pellos signaes que daes. ORTA Eu não a vi, mas seu dono me dixe que era huma pedra contra a peçonha, e que estava em vossa mão, e que como fosse á sua nola amostraria, e mais me dixe a feiçam da pe- dra, e que lhe foi dada em Malaca em grande estima; a qual pedra se acha em Pam (terra confim e acheguada a Malaca)* e achase metida no fél do porco espinho, e a gente da terra a tem em grande estima. DIMAS Sabeis em quanta estima; que outra que se achou irmã desta foi mandada dessas terras ao conde de Redondo, viso- rey da índia; e nesta terra de Pam onde se acha a pedra ba^ar em muyta cantidade, ou, ao menos, em mais canti- dade que esta, he esta, como diguo, mais estimada que a pedra ba:[ar de que antes escrevestes. ORTA Eu não me lembro aver lido áç.^\di pedra do fel do porco alguma cousa, e por isso queria saber delia alguma espe- riencia. DIMAS Pois eu vos darei rezam e esperiencia. * Pam, as terras na costa de leste da península de Malaca, moder- namente Pahang, ou melhor Páang. Das cousas novas 383 ORTA Muyto me prometeis. DIMíVS Pois sabei que Já me dixestes, praticando na pedra ba^ar, que diziam os Mouros da Pérsia, que em tres cabos se achava a pedra ba\ar, convém a saber, no Coraçone, e na ilha das Vacas (perto do cabo do Comorim) e em Pam, que he ve- sinho de Malaca, e que a erva que pasce o gado nestas partes he toda de huma maneira; e que por esta causa os carneiros e os bodes criam no estamaguo esta pedra, que vai contra a peçonha: ora pois nesta mesma terra se acha esta pedra no fél do porco espinho, e a gente da terra co- nhece a vertude delia; he conforme á rezam que se não enguanem. E quanto he á esperiencia, eu a dei a duas pes- soas, ás quaes aviam dado peçonha; e estando muyto mal delia, dandolhe eu a aguoa desta pedra se acharam muito bem. Ora vedes como compri comvosco e vos dei a rezam de a pedra ser contra peçonha, e a esperiencia, como a es- prementei. ORTA A isso não ha que dizer senão, está tudo muyto bem dito; e dandome D-íos dias de vida, eu a esprementarei muytas vezes, porque' a peçonha he acustumada muyto nesta terra. DIMAS Aguora a quero mostrar ao doutor Ruano, e vedela aqui. RUANO A cor delia he vermelho craro, e achoa amarguosa no guosto, e ao tocar he como sabam francês, e asi he languida ; he necessário que nos diguaes, como a esprementastes, se foi em sustancia, se em vertude. DIMAS Deiteia em aguoa, onde esteve um pouco, e deilha a be- ber; os quaes confessavam que lhe amarguava aquella aguoa, e porém que ficavam com o estomaguo rijo e confortado. 384 Colóquio quinquagesimo oitavo ORTA Tudo isso he verdade, porque o homem cuja he esta pe- dra me disse, que elle provou a aguoa delia, e que lhe amar- gou, e porém que ficou muyto contente do estamago, e não fora máo que déreis esta pedra em alguma aguoa cor- dial. DIMAS Não avia ahi outra aguoa aparelhada tam asinha, e avia periguo na tardança. ORTA Eu sam muito satisfeito desta pedra, e se viver saberei delia mais. RUANO E eu queria aver huma, pera levar a Portugal. ORTA Se me vier á mão, eu vola darei, mas não me parece, por- que nam ha tantas como isso; porém o tempo que descobre tudo, a descubrirá; e certamente que vos devem muyto os físicos desta terra, pois a esprementastes: porque, por mais mézinhas que aja contra a peçonha, mais sam necesarias; e também parece ser que em Roma teria esta pedra muyta valia (3). Nota (i) O licenciado Dimas Bosque era hespanhol, natural de Valencia, e havia talvez começado os seus estudos médicos em uma das universi- dades da Hespanha, Salamanca ou Alcalá; mas em todo o caso com- pletou-os na universidade de Coimbra, pois elle próprio nos diz (vol. i, pag. i3) ter ouvido ali as lições do doutor Thomaz Rodrigues da Veiga. Foi para a índia, segundo parece, no anno de i558, acompanhando o vice-rei D. Constantino, irmão do duque de Bragança. ía na qualidade de medico particular da sua pessoa; mas, como geralmente succedia, exerceu ali as funcçóes de physico mór, intervindo officialmente nos negócios e assumptos da sua profissão. Vê-se, por exemplo, de um re- querimento do boticário Balthazar Rodrigues, que o vice-rei D. Cons- Das cousas novas 385 tantino, «tomando verdadeira informação com o Licenciado Dimas Bos- que e outros officiaes», havia mandado emendar uma tabeliã de preços das drogas. Embora Dimas Bosque não seja claramente nomeado por physico mór, é claro do documento que elle exercia aquella funcção. Passado algum tempo, Dimas Bosque, sendo provavelmente rico, e tencionando talvez estabelecer-se na índia, adquiriu ali uma proprie- dade. Um certo Jorge Vaz de Magalhães, almoxarife da ribeira e arma- zém de Goa, havia morrido, ficando alcançado com a fazenda publica; e fez-se uma penhora nos seus bens moveis e de raiz. Entre estes pos- suia elle uma ilha, chamada de Santa Cruz, dos lados de Goa a velha — não o que hoje chamam a velha Goa, que então estava em toda a sua prosperidade, mas a Goa antiga, na parte sul da ilha, fronteira ás terras de Salsette. Postas em leilão as propriedades do fallecido almoxarife, a 4 de setembro de i56i, foi arrematada a pequena ilha de Santa Cruz «ao Licenciado Dimas Bosque, Fisico mór de Sua Alteza nestas partes», pela quantia de i :56o pardaus de tanga. A ilha de Dimas Bosque ficava, como dissémos, da parte de Goa velha, isto é, no rio Zuarí, hoje chamado ás vezes rio de Mormugão. Era uma verdadeira ilha, pois o documento tem o cuidado de explicar, que estava «cercada d'agua por todalas partes»; e tinha dentro um palmar de perto de quinhentos co- queiros, algumas outras arvores de fructo, e umas casas térreas. D'esta ilha lhe falia no Colóquio Garcia da Orta, perguntando-lhe se os seus hortelões contaram alguma cousa nova do betre. Dimas Bosque, como também elle próprio diz no Colóquio, acompa- nhou D. Constantino na expedição a Jafnapatam, na extremidade norte da ilha de Ceylão, empreza brilhantemente começada e terminada com menos felicidade, da qual Diogo do Couto dá uma relação circumstan- ciada, que não será necessário recordar. O medico valenciano era, como nos diz, único da sua profissão na grande armada portugueza, e teve muito que fazer n'aquella expedição, pois nas demoras em Jafnapatam e na ilha de Manaar adoeceu muita gente de dysenterias. Parece ter sido um medico zeloso e intelligente, fazendo ali as suas observações sobre os marmelos de Bengala, de que fallaremos em outra nota; e também o estudo de um animal interessante, facto que recordaremos brevemente, por ser pouco conhecido. Foi o caso, que andando elle na praia como costumava, conversando com o padre Henrique da companhia de Jesus, foram ambos chamados a toda a pressa por uns pescadores, para que vissem um espectáculo maravilhoso : cum clamoribus piscatores Patrem Henricum ad suas ut iret scaphas rogantes, spectatum ingens miraculum naturce. Acaba- vam de cair nas redes dezeseis cetáceos, nove fêmeas e sete machos, da curiosa espécie, chamada dugong — Halicoi*e indicus, Cu- vier. Dimas Bosque examinou-os e estudou-os attentamente. Notou a fórma redonda da cabeça; as orelhas parecidas com as do homem; os 35 386 Colóquio qiiinquagesimo oitavo olhos muito diversos dos dos peixes, e cobertos por pálpebras; os den- tes, igualmente diversos dos dos peixes; as mammas das fêmeas simi- Ihantes ás da espécie humana: neque eas feminis pêndulas, sed quales virginibus globosas. Apertando aquellas mammas, o medico observou também que deitavam leite branco. Examinou igualmente os órgãos genitaes, e advertiu que se pareciam muito com os da espécie humana, tanto exterior como interiormente, por onde se vê que se não con- tentou com a inspecção externa e procedeu a dissecções. Nos mem- bros posteriores é que se observava a principal differença em relação ao homem, pois terminavam em uma cauda de peixe, tal qual como os auctores antigos contavam das sereias. Embora sahisse um pouco do nosso assumpto, pareceu-me curioso desenterrar esta noticia, que se acha perdida nos volumosos in-folios da Historia da sociedade de Jesus. Por ella se vê, como Dimas Bosque estudou, muito antes de Buffon e Cuvier, e mesmo de mais antigos escriptores, por exemplo Camper, aquelles singulares cetáceos dos mares da índia, próximos do mayíaius, ou peixe mulher da Africa. Claro está, que o seu estudo não foi compa- rável como dos grandes naturalistas, que nos occorreu citar; mas não deixa por isso de ser interessante, attendendo sobretudo ao periodo em que o fez. Os dugongs não são raros nas aguas de Ceylão, e assim como servi- ram provavelmente de typo ás sereias dos antigos escriptores, é possí- vel que influíssem igualmente na creação das rãkchasis, as mulheres malfazejas e cannibaes, em parte terrestres, mas também, segundo pa- rece, aquáticas, que figuram em algumas lendas buddhicas relativas justamente a Ceylão. Voltando, porém, a Dimas Bosque, devo dizer que nada sei da sua vida posterior. Vê-se que elle não regressou a Portugal com D, Cons- tantino, porque este entregou o governo em setembro de i56i,e justa- mente poucos dias antes o seu medico havia comprado a ilha de Santa Cruz, o que seguramente não faria no momento da partida. Alem d'isso, este Colóquio, em que elle figura, foi de certo escripto pouco antes da impressão do livro, sem duvida já nos fins do anno de i562. (Cf. Rivara, Archivo portugue^^-oriental, fase. v, parte ii, 5o5 e 877; Couto, Asia, VII, IX, I, 2, 3, 4 e 5; Orlandino, Hist. Soe. Jesu, na Pars secunda do padre Francisco Sacchino, lib. iv, pag. i62;Tennent, Cey- Ion, II, 557; Vasconcellos Abreu, Fragmentos de Estudo Scoliastico, pag. 5i, Lisboa, 1880.) Nota (2) Os marmelos de Bengala são o fructo da espécie JEgle Max*- melos, Corrêa da Serra fCratceva Marmelos, Linn.), uma arvore da familia das Aurantiacece, ou da familia das Rutacece, na qual se funde Das cousas novas 387 hoje geralmente a primeira. Esta arvore parece ser espontânea nas florestas de algumas montanhas da índia, e é, alem d'isso, cultivada ali com muita frequência. — O nome «bela» ou «beli» é muito conhecido, e vem citado por vários escriptores modernos nas formas bela, beli, bel, bael. A fórma bél parece ser hoje a mais usada em hindustaní e bengali. — O nome «cirifole» encontra-se no Index de Piddington, na fórma shreephula, applicado a uma variedade menor da mesma espécie, A Phannacographia também o menciona como um nome hindustaní, na fórma siri-phal; e no Amaracocha encontramos '^TFITr^, sriphala, entre os synonymos do ^Egle Aíarmelos^. Esta arvore é sagrada para os indianos, e, na sua interessante no- ticia sobre as plantas consagradas ao culto, o dr. Lisboa diz-nos que ella representa a trindade hindu, Bhrama, Vichnu, e Mahecha ou Síva, mas é especialmente empregada na adoração de Síva. É por isso cul- tivada em todos os jardins da índia, considerando-se um sacrilégio arrancal-a ou destruil-a. E também medicinal, e, sob o nome de vilva ou bilva, vem men- cionada em muitos livros sanskriticos, sendo uma das dez plantas ou dasamula, varias vezes aconselhadas n'aquelles livros, e, entre estas, uma das cinco maiores, vrihat pancha mula. As folhas e a casca têem variados usos therapeuticos; mas são so- bretudo os fructos, imperfeitamente maduros, que gosam da reputação de um remédio efficaz na diarrhea e na dysenteria. Depois de Dimas Bosque e de Garcia da Orta, Bontius também os descreveu sob o nome de tnalimt cydonium, e louvou o seu effeito: indubitatum est remedium adversus dyscnterias. Apesar de este medicamento ser assim conhecido e celebrado na índia desde os mais antigos tempos, só recentemente attrahiu as attenções dos médicos inglezes, sendo incluído em 1868 na Pharmacopoeia of índia, e ainda depois, segundo creio, na British Pharmacopceia (cf. Dymock, Mat. ined., iSg; Pharmac, 116; Piddin- gton, Index, 2; Amaracocha, 86; Lisboa, Useful plants of the Bombay presicleny, 285; Bontii Hist. nat., 98). A planta, que foi descripta pelo nosso botânico portuguez, Corrêa da Serra, creador do género ^gle, e também por Roxburgh e por outros, corresponde de modo bastante exacto cás indicações dadas por Orta, sendo de notar a casca dura do fructo, e a consistência extre- mamente glutinosa da sua polpa interior, «glutinosa e pegadiça», como diz o nosso escriptor (cf. Corrêa da Serra, Trans. Linn. Soc.,\^ 222; Roxburgh, Flora Indica, ir, 579). ' Nas Asiat. Researches, 11, 349, se diz que se chama shreephula, porque nasceu do leste de Shree ou Sri, a deusa da abundância. 388 Colóquio quinquagesimo oiíapo das cousas novas Nota (3) No Colóquio quadragésimo quinto, Orta fallou de um bejoar de Malaca e terras próximas, que devia ser idêntico ou muito similhante ao verdadeiro bejoar da Pérsia e ilha das Vacas, como recorda n'este Colóquio. Outros escriptores, por exemplo, Teixeira, mencionam igual- mente aquelles be:^oares de Malaca e mais terras de leste, como aná- logos aos da Pérsia, ainda que de qualidade inferior. A pedra de Malaca, ou pedra de porco, era uma cousa muito diversa, comquanto fosse também o calculo intestinal de um animal. Parece que esta pedra de Malaca é aquillo que Guibourt descreveu, pelos exem- plares pertencentes á eschola de pharmacia de Paris, sob os nomes de be:^oard fauve ou be:{oard ellagique, e considera como sendo cálculos intestinaes — e não do fel — de um animal não determinado, mas pro- vavelmente de um roedor, ordem a que pertence o porco espinho. Pedro Teixeira, que falia largamente d'esta pedra, pretende ter visto o animal em que se creava, e assegura ser um porco espinho : por ver si los animales que crian estas piedras convenian con el nombre, hi^e, estando en Malaca, traherme uno de Syaka (uma terra próxima) allé que es un puerco spin sin diferencia alguna de los commuties. O medico hollandez Bontius affirma ter tido em seu poder duas d'aquellas piedras de puerco, tiradas, a mais pequena de um porco espinho, e a maior de um porco bravo ou javali : unum parvulum ex Hystrice, alterum ex Apro, excisum. E, porém, difficil saber se elle averiguou com cuidado a procedência. Kãmpfer descreveu também a pedra de porco pretiosa nialaccensis, distinguindo-a de uma pedra de porco falsa, que vinha de Ceylão. Não sei se elle se pronunciou sobre a natureza do animal que a produzia, pois não tenho n'este momento á minha disposição o seu livro. Em resumo, a pedra de Malaca, ou pedra de porco, ou pedra de porco espinho, era um calculo intestinal, como o bejoar, mas de um animal diverso. Gosava de uma grande reputação no Oriente, superior mesmo á do verdadeiro bejoar, e Pedro Teixeira affirma que a viu obrar maravi- lhas nas duas grandes epidemias de cholera em Cochym, nos annos de iSgo e 1591. Não admira que se lembrassem de a applicar ao trata- mento do cholera, porque estas doenças epidemicas e de marcha rápida eram geralmente — e não sem rasão — assimilhadas a um envenena- mento. A pedra de porco, como o bejoar, foi sobretudo considerada um antídoto, e são curiosas as ultimas palavras de Orta, e aquella allusão a Roma, que no xv século fôra a terra clássica dos Borgias e do veneno. (Cf. Guibourt, Hist. nat. des drogues simples, iv, io5 ; Teixeira, Rela- ciones, 161 ; J. Bontii Hist. nat. et tned., 48; Pharmaceutische Post, xxv, (1892), 20). COLÓQUIO DO BETRE E OUTRAS COU- SAS EM QUE SE ENMENDAM ALGUMAS FALTAS DE TODA a obra, as quais ficaram por esquecimento, e pode as o leitor ler acabados os colóquios da letra B, que he no colóquio do betre*. INTERLOCUTORES RUANO, ORTA RUANO Pareceme, senhor, que nos esqueceo falarmos do betre, pois he tam acostumado a comeio a gente de todas estas partes, somente a vossa mercê o não vi comer, nem provar; e disme a gente desta casa que nunqua volo viram comer. Parece ser que, ou sois muito pertinaz, ou em vós ficou a fé de portuguez somente. OR TA Eu pera mim tinha que já a pratica do betre era acabada, mas pois a minha memoria he tam fraca, perdoaime este es- quecimento com outros muytos, que por mim podiam passar. E quanto he a não o comer eu, nam he isso prova de não ser elle muyto bom, senão de minha pertinácia, como vós dizeis; porque eu provei este betre, quando vim de Portu- gal, em Pangim, que he huma fortaleza pequena, que está na boca do rio, e amargoume, e assi amargua a todos os que o comem, se lhe nam misturam areca, e alguma pouca quantidade de cal, e com esta mistura dizem ser muyto sa- boroso çumo, e a mim me ficou desta prova tal avorrecimento, que nunca pôde acabar comigo o Nizamoxa que o comese, quanto mais tomalo da boca da mulher como muitos o fa- zem (ainda que sejam portuguezes); porque nenhuma mu- lher conversa com homem, que o não leve mastigado na boca. » Pelo facto de Orta emendar n'este Colóquio «algumas faltas de toda a obra», pareceu-nos melhor deixai- o n'este logar, e não o inserir na sua ordem alphabetica. Colóquio do betre RUANO Nam lhe mesturani outra cousa alguma mais que o que dixestes? ORTA Misturamlhe cate, e as pessoas poderosas cânfora de Bur- neo, e alguns linaloes, e almisqiiere ou ambre. RUANO Cânfora me parece que lhe não lançaram, porque faz os homens inpotentes. ORTA Si, misturam: e disso se ria o gram soldam Bahadur, rey de Cambaia, dizendo: E dirmeis os portuguezes que este- reliza e faz inpotentes os homens esta cânfora? E eu lhe respondi que a cânfora, em pouca quantidade, misturada com outras mezinhas, não faz os homens inpotentes, e por- que, nos colóquios que tratam da cânfora e da areca e cate, vireis estoutras mezinhas, nellas vos não falarey, aqui so- mente vos digo do betre; o qual, feito com esta mistura, he tam aprazível ao gosto e faz tam bom cheiro, que todos o mastigam continuadamente; porque muyto pouco tempo passa, que o não mastigam os que o podem gastar. E digo isto, porque no sertam e terras afastadas do mar, vai muyto caro e por esta causa gasta o Nizamoxa cada anno em elle 3o mil cruzados, porque toda a fruta que vos dam he essa-, e quando vos querem dispidir, com isso vos dispedem-, e gasta cada hum deste betre, como pode; e também os se- nhores cada hum segundo seu merecimento; e ás vezes o dá elrey por sua própria mão, e a outros pella alhea, que é o pagem delle, aquém chamam xarabdar, e outros tam- buldar. Só duas pessoas vi que avorreciam este betre, e o não podiam comer; e eu sam hum delles, e outro era um físico arábio de Nizamoxa, que avia nome Mula Ucem. RUANO Muytas pessoas vi que o não comiam? e outras cousas ORTA Verdade he; mas podiam o essas pessoas comer, se qui- sessem-, eu não o posso comer, nem tenho apetito pera elle. E prezamse tanto os índios disso que, porque o bcti^e tem humas veas ou nervos ao longo da folha, tomam huma fo- lha na mão, e tiramlhos com a unha do dedo poUegar, a qual não tem romba ou redonda, como nós, senão com huma ponta aguda no meio, que pera este effeito fazem; e assi dobram a folha, e lhe misturam a cal em pouca quantidade, e areca em pedaços, ou moida, e, dobrada a folha tres ou quatro vezes, a mastigam; e o primeiro çumo lançam fóra, o qual he de cor de sangue. E algumas pessoas não fazem isto, senam tudo mastigam logo, e tomão depois outras fo- lhas pella mesma maneira feitas; e o ordinário disto he quando despedem alguma pessoa, ou se ella despede por si, damlhe, scilicet, folhas em uma bolsinha de tafetá com alguns grãos de arequa e cate, e huma pouca de cal amas- sada; e esta cal não lhe faz mal, porque he em pouca quan- tidade; e mais porque a cal que se dá he feita de ostras queimadas polia mor parte. Já lhe dixe que, segundo a pes- soa que o dá, ou a quem o dam, assi he o numero das fo- lhas; porque os príncipes que despedem alguma pessoa, ou ella se despede, nam se parte até que lhe não dêem o beií^e, e com isto se vam, que é o sinal de se despedirem. RUANO Muyto usada cousa he essa, e parece que he o principal man- timento da terra. E ha o em todas as partes? E quando he o tempo mais usado pera o mastigar? ORTA Principalmente quando vam os homens falar a alguma pessoa de qualidade o levam mastigando na boca, por fa- zer bom cheiro; e he entre elles tam avorrecido cheirar mal o bafo, que se falam os menores com alguma pessoa de au- toridade, tem a mão adiante da boca hum pouco afastada por lhe não dar máo cheiro; e asi a mulher que ha de tratar Colóquio do betre I amores, nunqua fala com o varam, sem que o traga mas- tigado na boca primeiro, e assi tem ellas que para as vodas de Vénus he principal alcoviteiro; e depois de comer, toda a pessoa desta terra o come ou mastiga, porque dizem, que, não o fazendo, lhe vem o comer á boca, e arevesam. E muytos Portuguezes dizem que, como comem pexe logo arevesam senão comem betre; e dizem muytos, que as pessoas acos- tumadas a o comer lhe cheira mal o baífo se o não comem por a indigestam ou putrefaçam do cibo causada no estô- mago; porque o não comiam, e quando o comiam não a tinham. Este beíi'e nam o comem alguns dias os que per- deram pay ou may, e assi o não comem em alguns grandes jejuns; e também os Mouros, e os chamados Moalis, que sam os que seguem a Aly, em dez dias que elles fazem jejuns, porque estes filhos de Aly, dizem elles, que morreram de sede, cercados em huma fortaleza*. E nisto contam mil fabulas graciosas, ou dignas de se rir delias, e deitamse no cham, e não comem este beire. E quanto he o que dizeis onde o ha, digo que em todas as partes da índia sabidas dos Por- tuguezes; e isto se entende nas terras que estão perto do mar; porque em todo o mais do sertam não o ha, senão trazido da fralda do mar. He verdade que em Dultabado (cidade famosa de Decam), e em Bisnagua o ha, mas destas cousas se não faz regra, por ser em pouca quantidade. Pera as partes da Pérsia e da Arábia não chega mais que até Calaiate (distante de Ormuz oitenta legoas), e dahi ávante vai algum de carreto muyto caro aos que o podem comprar; e outros mastigam areca com cardamomo ou cravo. RUANO Queria saber da feiçam da arvore; posto que a folha a vi; e como se chama, e qual hç o milhor, e pera que apro- veita em uso da íisica? * Os imams, os doze filhos de Ali Hucein, netos de Ali, o ultimo dos quaes, El-Mahdi, ainda não morreu e deve vir a reinar na terra» segundo crêem os Schiitas, a que Orta chama Moalis. e outras cousas 393 ORTA O nome em malavar he beire; e em decani, guzarate e canarim, pam; e em malaio ciri. RUANO E como tomam o nome malavar, e deixaram aos outros? Porque mais rezam fora que lhe chamáramos folium indum, como nós temos que he, ou chamarlhe, como em Goa lhe chamão, scilicet, ORTA Chamamoslhe betre^ porque a primeira terra dos Portu- guezes conhecida foy o Malavar: e a mim me lembra que não diziam em Portugal que vinham á índia, senão a Ca- lecut; e isto porque esta cidade foy donde se levava toda a droga e especiaria ao estreito de Meca; e era huma requis- sima esquala; e agora, em vingança do que nos fizeram em Calecut, he perdido o trato todo delle. E sendo o rey de Calecut emperador, tem menos poder que o de Cochim, porque nos ajudou em principio; de modo que todos os no- mes que virdes, que não sam portuguezes, sam malavares; assi como betre, chuna, que he cal, majnato, que he lava- dor de roupa, jca/awjr, que he caminheiro, e outros muytos. E ao que dizeis que se chama folium indum, não se chama assi em nenhuma lingoa; e o folium indum he muyto defe- rente delle. E Avicena faz capitulo de hum e de outro se- parado. RUANO Muyto espantado estou, porque sempre tive quQ folium indum era mais conforme nome pêra o beire, ORTA Eu tive esse vosso error quando cheguei á índia, e dahi a alguns dias foy ver o Nizamoxa a quem vulgarmente cha- mão Nizamaluquo: querendolhe fazer huma composiçam pera o estamago lho receitei, e dizendo que folium indum era o que mastigava cada ora, se rio de mim, porque entendeo aquella palavra de folium indum em portuguez e entonces amostrou o Avicena cm arábio, onde estavam dois capítulos 394 Colóquio do beire diferentes hum de outro, scilicet, o folium indum, duzentos e cinquenta e nove, e o do betre, setecentos e sete% e ali me mostrou o folium indum; e porque no capitulo do fo- lium indum fizemos delle mençam, não o meteremos aqui ; so- mente sabei, que Avicena chama ao betre, tembul, e parece ser vocábulo hum pouco corrupto, porque todos lhe chamão tambul, e não tembid. RUANO Afora dizelo hum rey, não tendes outra prova; porque ainda que se digua comummente palavra de elrey he pro- vérbio, não quer dizer, que não mentem os reys, senão que nunca aviam de mentir, pois sam reys. ORTA Tenho os dous capítulos diversos de Avicena; e pergun- tai a qualquer Arábio ou Etiope, como se chama o betre, e dirvosá tambul; e diz o mesmo Avicena, que conforta a carne que ha entre os dentes, e sempre o mastigam os índios pera isso; e abaixo diz mais, conforta o estômago; e por isso o mastigão sempre os índios. RUANO Não sei que diga a tam fortes sinais, com que o pinta Avicena; e pera isso quero ver o livro, porque, como dizem, ver e crer. ORTA Eis aqui o livro dos enmendados pello Belunensis. RUANO Assi diz, mas tenho duvida em dizer, que he frio no primeiro, e sequo no segundo. ORTA Está corrupta a letra; e os Mouros todos leterados dizem que foy enganado Avicena na compreisam, e que falou nisto • Na traducção latina, edição de Rinio, o capitulo do folium indum é 25q, e o do tembul, 709; adiante, Orta mostra a Ruano uma d'estas edições, com as emendas do Bellunense. e outras cousas 395 por falsa informaçam; e não he muyto daremlha má; porque o povo erra muitas vezes nestas graduações, que tem a pi- menta e o cardamomo e a cebolla por frias de compreisam. E quanto he ao betre ser quente e sequo no fim do segun- do, eu o tenho assi pera mim, por ter tal sabor e cheiro; e assi he proveitoso pera mais cousas na física; o qual vós sabereis por as compreisôes que tem. RUANO Dizei a feiçam da folha, e se tem semente, e como se planta, e qual he milhor. ORTA A feição da folha, como vedes, he ser mais comprida e mais estreita na ponta, que a da larangeira: e temse por milhor o mais maduro, que he casi amarelo ;'*postoque algu- mas mulheres folgam mais com o que não he tam maduro, porque lhe trinca, e soa mais na boca. Tem este betre em Maluquo huma semente trocida, como rabo de lagartixa, e esta comem em Maluco*, porque a acham mais saborosa e milhor, e já esta semente foy trazida a Malaca, e comemna e achama muyto boa, e plantase como a pereira, e poelhe alguma estaca, a que se arrime e vay por ella trepando, assi como a nossa era: algumas pessoas, por fazer mais proveito a arrimão ás arvores da pimenta**, ou da arequeira, e fazem humas graciosas ramadas delle: querse muito bem tratado e muyto limpo, e bem agoado. RUANO Tendes dito muyto bem; queria saber se o tendes por certo. • Os amentilhos femininos, filiformes, com as flores imbricadas, dis- postas em espiraes, é o que significa este «rabo de lagartixa». Não sei por que Orta diz, que dava esta «semente» em Maluco, quando a podia ver na índia; mas é possível que não florecesse com muita frequência. * » Quer dizer ás mesmas arvores a que arrimam a pimenta, que é igualmente uma trepadeira. Colóquio do betre ORTA Digo que todos os que vos escreveram o contrario, antigos e modernos, erraram; porque diz o Musa e o Pandecta* que he malabaU^um e isto he alheo da verdade: no colóquio que falia do folio indo, vereis tudo ser falso no que elles dizem. E cavalguemos, e mostrarvosey o hetre nas hortas (i). RUANO Em tanto me dizey algumas cousas, que vos esqueceram, ou tem necessidade de declaracam. ORTA No capitulo do aloés digo, que o aloés e outras muytas mezinhas de cá da índia vam a Ormuz, e dahi a Adem e ao Cairo: hase, de emmendar, que este caminho não he de bom piloto, senão hase de dizer, que o que vay a Ormuz, vai dahy a Bácora, e ao Cairo; e o que vay a Adem, vay dahy ao Cairo e Alexandria, e não o de Ormuz; porque he andar o caminho duas vezes. E portanto eu falei isto, sem o considerar bem**. E também me lembra que o an>ore triste, que estilam a agoa delle, molhando os panos nella, he boa pêra os olhos. RUANO Dizemme que ha muyta canela, e muyto boa na ilha de Mindanao. ORTA He muyta verdade; e também a ha nas ilhas de Aynão, que confinam com a China, que he donde vai a areca e be- tre á China: por tanto podeis acrecentar isso no capitulo da canela***. * Matheus Sylvatico, o que escreveu o Liber pandectarum vtedicince. »* Veja-se a nota (vol. i, pag. Sg). Ainda n'esta emenda vae envol- vida uma inadvertência, pois o que ía a Hormuz e Bassora passava d'ali á Syria e não voltava ao Cairo. *** A Cássia lignea do Extremo Oriente; veja-se a nota (vol. i, pag. 226). e outras cousas RUANO Sabemme tam bem as cousas da Jaca, que queria que me dixeseis se aproveita pera alguma cousa mais. ORTA Seivos dizer, que aproveitam as castanhas áeijaca pera estanquar as camarás: e em mim e em outras pessoas o tenho experimentado. E nam he muito, considerando a fei- çam do sabor delias; podeislo acrecentar no capitulo delias*. E assi podeis acrecentar, onde falo na torre de Babilónia, e digo que não he Bagada nem Bácora: tenho por enfor- maçam muito certa que a torre de Babilónia, ácerqua da gente da terra era em hum monte perto delia; mas neste monte não aparece pedra nem ladrilho, nem cousa alguma, somente a fama he que foi aly; e ainda que estas cousas não relevam muyto, o podeis acrecentar**. E onde falo do morbo galico, que os Pérsios lhe chamam bade frangi, que na nossa lingoa quer dizer mal france^* * * . RUANO E esses homens da Pérsia não vos dizem alguma cousa mais da pedra ba:{ar? ORTA Dizem que he agora muyto guardada nas terras onde a ha, e que fazem muitas diligencias pera que todas vam ter á mão de elrey^, e que se fazem coutadas delia, assi como ha em Espanha, e em toda a christandade se fazem****. E da pe- * Veja-se antes (11, 23). *» Veja-se a nota (11, 97). **» Veja-se a nota (11, 116). «*** Coutadas das regiões em que se encontrava a cabra selvagem. Teixeira diz quasi o mesmo : Xa Abbas Rey de Pérsia tiene guardiãs en aquel lugar para que las piedras que tuvieren mas de un cierto peso las tomen por suyas. Colóquio do beire dra de Malaqua me não pergunteis, porque cada dia acho novas de mais louvores delia, heide screver isto, se me Deos der dias de vida. RUANO E também, pois me parece tão galante este olho de gato, que me destes, que* aveis de dizer alguma virtude delle. ORTA Posto emcima delle hum panno apertado de modo que chegue ao olho de gato, não se queima com fogo algum, e eu o esprementei com huma candea e achei que he muyta verdade; podeis esprementalo, ou credelo**. RUANO Tudo fare}''; e mais vos peço que comamos aquelle pavão, que agora vos troxeram, porque dizem que é carne, que não apodrece. E isto não he fabula, porque alem de o di- zerem Plinio e outros estoriadores, o diz S. Agostinho; e he em tanta maneira isto verdade que alguns doutores, no Regimento da peste, louvam muyto a carne do pavão, por não ser aparelhada á putrefaçam. ORTA He verdade que tudo isso passa assi ; porém he esta terra (como muytas vezes vos tenho dito) tam sujeita á putrefaçam que não dura o pavão mais sem apodrecer do que dura a perdii, e isto tenho eu esprementado muytas vezes. RUANO Será isso nesta fralda do mar, mas não dentro na terra firme, que não he tam húmida como esta, e he mais fria nos tempos frios, segundo mo todos dizem. 398 * Deve ser «me». * • Não é muito fácil crer n'esta experiência do nosso bom Orta. e outras cousas ORTA Antes lá no Balagate comy mais pavões que em nenhum cabo, em special na cidade de Juner, que he cercada de ser- ras e he terra fria; e de industria quis esprementar isto, e achei que apodreciao mais, que cá em Goa; e por tanto po- deis crer, que essas propriedades que lhe lá achao, não lhas achamos cá; e os que screveram isso de lá dessa Europa, disseram verdade; e nós dizemos verdade, falando nesta terra do que conhecemos*. RUANO Lendo ontem em uma coronica, que me mostrou este moço de elrey de Portugal, achei no cabo hum tratado de muytas misturas de cousas, que em seu tempo vio este scriptor; e achei ahi que no reino Dely avia huma raiz muyto peço- nhenta que matava, e tinha uma fruta que dava saúde a todo o homem empeçonhentado, e que era muyto saborosa ; a raiz se chama baçaraga, e a fruita se diz mirabixi: muito me maravilho de vós não escreverdes disto**. * Orta emenda Santo Agostinho com todas as precauções oratórias; mas não deixa de o emendar. A referencia do grande bispo africano á carne de pavão, vem na De civitate Dei, cap. iv. * * Orta refere-se á Miscellania de Garcia de Rezende, na parte que damos, com a sua nota marginal : A raiz se No reyno de Deli ha chama Ba- arbores daquesta sorte, çaragua, e que a raiz é tão má a fructa mi- peçonha que se se dá rabexi. a comer dá logo morte; a fructa tem tal virtude, que comendoa dá saúde a todo peçonhentado, he fructo muy estimado com que se á peçonha açude. Foi publicada com a 2." edição da Chron. de D. João II (i554); e temos assim mais um livro citado pelo nosso escriptor. 400 Colóquio do betre ORTA Esse reino Dely he muyto pouco conversado de nós outros ; pois pera falar de ouvido tratamos com huma gente, que chamam jogues, que o que oje dizem, ámanhã o negão, e he gente que vive pedindo esmola, como já vos dixe; eu isso nunca o ouvi, e conversey com muytos, e nunca me tal disseram; mas pareceme isso contra toda boa filosophia, porque da raiz se mantém o tronco, e do tronco se mantém os ramos, e dos ramos se mantém a fruita; de modo que do primeiro até o derradeiro a fruita que he contra a pe- çonha se mantém da raiz, que he peçonhenta a respeito do mesmo homem: e sendo, assi a raiz como a fruta, mézinhas simples, he contra rezam dizermos que he retificada a fruta. Isto que dixe foy porque a triagua, sendo o seu principal fundamento vibora peçonhenta, he retificada com outras ses- senta e tres mézinhas, e está muyto tempo primeyro que seja retificada, mas estoutra não traz caminho por onde possa ser. RUANO Se andais per filosophias, cada dia achamos plantas e se- mentes, que tem em diversas partes compreisões contrarias; assi como he a \argatoa. E de algumas arvores se diz cá na índia, que a raiz estilada he a aguoa muyto fria, e a casqua e a semente muyto quente. E também me dixeram homens de Malaqua que a erva que mata, untada nas fré- chas, he de uma banda de huma arvore que olha o levante confeiçoada ; e contra erva me dixeram que se fazia da mesma arvore, da banda que olha o ponente. ORTA Estas matérias dos simples não se querem tratar com tanta subtileza, nem he necessário pera ellas tantas filosophias, porque tudo tem resposta; que nam he muito huma planta ser na raiz fria, e nas folhas e fruta quente; pois em nenhum cabo delles tem a qualidade em summo gráo; mas que seja huma cousa na raiz venenosa, e na fruita cibo ou comer. e outras cousas 401 e comprendido debaxo do género que se pode chamar nu- tritivo, e o veneno é totalmente contrario a isto; porque o veneno em si não tem rezam de nutrir, senáo de matar. E ao que dizeis que a contra erva de Malaqua, e a erva com que sáo empeçonhentadas as frechas, sam ambas de huma arvore, he muyto falso isto, porque a erva he huma raiz, e não erva; e isto he muyto sabido. E por tanto dei- xemos isto pera quem o milhor souber; porque eu vos pro- meto que ey de tirar grandes inquirições, como me topar com esses jogues do reino Dely. E crede que, se Deos me der dias de vida, que vos ey de falar verdade, ou ao me- nos será ella bem examinada (2). RUANO Pois tendes, polia via de Ormuz, conversaçam com os Mouros da Pérsia, dizeime destas rosas persiquas, que asi as chama Avicena, e nós lhe chamamos açuquare rosado de Alexandria; e se tem cá os da Pérsia estas rosas por so- lutivas, pois nós achamos ser assi, scilicet, das que lá foram levadas e plantadas. ORTA Mézinha he muyto usada acerqua dos moradores da Pér- sia e de Ormuz, e pera hum homem se purgar levemente, tomão rosas em boa quantidade e cozemnas muyto, e deste cozimento dam a beber dez onças com hum pouco de açu- quare, c fazem cinquo ou seis camarás, e outros dez e doze. E hum fidalgo mu3'to honrado me dixe que fazia mais de doze, e he este fidalgo tam dureiro, que anda hum mez sem fazer camará. Mas falando a verdade, os homens a quem dei esta mézinha por menorativo, nunqua os vi passar de seis camarás, RUANO Folgo muyto de saber isso que me contais; e porém du- vido em huma cousa, que he coseremse muyto as rosas' tendo a vertude muyto superficial, como a tem todas as outras flores. 26 402 Colóquio do betre ORTA Já ao menos temos experiência, nas rosas, em contrario; quanto mais que as rosas sam estitiquas e purgam compri- mendo; por onde não he de maravilhar sofrerem as rosas muyto cozimento, como todas as outras cousas estitiquas (3). Nota (i) O betre de Orta e dos portuguezes d'aquelles tempos, hoje mais habitualmente chamado betei, é a folha de uma planta trepadeira da mesma família e género das que produzem as pimentas, o Pipex* Betle, Linn. Esta folha foi e é de uso muito commum e muito conhecido nas terras do Oriente. Como é natural, tendo um emprego geral e espalhado por varias regiões, a planta e folha foi designada por muitos nomes diversos: — O de betre, ou betle, ou betele, ou betei, é a adaptação portugueza do tamil vettilei, maláyalam vettila, que se diz significar simplesmente a folha, isto é, a folha por excellencia. Como Orta adverte com rasão, os primeiros portos visitados pelos portuguezes foram os do Malabar, e ali, em Calicut, e depois em Cochim e Coulão, elles aprenderam os primeiros nomes indianos, e alguns árabes, das drogas. De vettila fize- ram, pois, betele ou betre, que se transformou mais tarde em betei. — O nome de «pam» é o hindustani e deckani ^L> pán, o mais usado nas regiões do norte da índia, e que os anglos-indianos escrevem hoje geralmente na fórma pawn. — O nome arábico, tanto nos escriptores antigos como na linguagem corrente, é J_^b, tanbul, que Orta escreve «tambul». Como muitos outros nomes de drogas, é a simples adaptação arábica de um nome sanskritico ri I *"^ramasceriiM, Miller, cultivada na Pérsia e outras partes do Oriente. Um contemporâneo do nosso Orta, o celebre medico hes- panhol Nicolao Monardes, escreveu um pequeno tratado ou artigo so- bre as suas virtudes e propriedades medicinaes, intitulado De Rosis persicis seu alexandrinis, que poderá ver o leitor, desejoso de mais am- plas informações (cf. Monardes, em Exoticoriim, 48). Da mesma Rosa Damascena procede o oleo, otto, ou attar de rosa, o conhecido, celebre e caro perfume, ainda hoje fabricado na Pérsia, e principalmente na Turquia. TABOADA DO CONTEÚDO NESTE LIVRO pelo ABC, scillicet das cousas de notar Vol. Pag. AçAFRAM chamado na índia açafram da terra, e he mezinha usada dos físicos desta terra, e provase que escrevem delia Avicena e outros Arábios I 278 Ai.LAQUECA ha muyta cantidade delia em o Guzarate, e he mer- cadoria pera as partes do ponente II 222 Alões tem nome em todas as linguas, e o milhor he de Çoco- tora acerca de todos, e não he milhor o de cima que o de baixo, se se faz limpamente; nem se falsifica com acácia e gomma arábica, e dizse a maneira de se conhecer, e dizse como nam o ha em Alexandria pera delle se fazer caso, e dase a rezam por que se chama cabalino o ruim; e he mé- zinha muyto usada de todos os Indianos; e a herva do aloés também usam delia pera purgar, e pera as chagas dos rins e bexiga, e pera quebraduras *. I 25 a erva do aloés amarga muyto em todas estas partes, e quanto se ha de tardar o cibo sobre ella; e porque se mu- daram as pirolas de Rufo e as de Rasis; e porque o aloés mesturado com mel purga menos; e porque por dentro he solutivo, e por fóra restringe I 33 aloes metálico não o ha em Jerusalém como alguns es- crevem I 34 O ALJOFRE e PÉROLAS tem nomes em todas as linguas, e dase rezam porque se chamou aljôfar, e porque se chamou pé- rolas orientaes; e como esta pescaria da índia he decorada com os padres e hirmãos da companhia de Jesus; e como as pérolas das índias ocidentaes valem cá mais que em Es- panha; e como nam ha pérolas furadas cá, nem verdes, como dizem que as ha em Peru, e de tudo isto se trata II iig Algarves que quer dizer e onde sam I 78 Apilidos dos reis e senhores desta terra, e o que querem di- zer, e como foram os reis expelidos, e como ficou a casta delles I 122 Arabis sam huns Mouros, e Magarabis outros, e o que querem dizer estes nomes I 78 * Conservamos sem alteração a taboada da primeira edição, a não ser nas referencias ao •volume e pagina. 4o8 Taboada Vol. Pag. O AMBRE se chama assi em todas as linguoas, ou varia muyto pouco; dizemse as opiniões que ha do seu nacimento, e con- tase huma muyto conforme á rezam; dizse dos grandes pe- daços que delle se acharam, e o grande preço em que he tido na China I 4^ Do AMOMO se diz donde vem a esta terra, e como o estimão em muyto os reis, pera fazer metridato, de que usam I Sg O ANACARDO ha muyto nesta terra, e he muyto usado na tísica, e presumese ser diverso do de Cecília, e uzase pera muytas enfermidades na índia I 65 O ARVORE que se chama triste não dcá froles, senão de noite, e cheira muyto, e contase delle algumas fabulas graciosas. . I 69 Anil que cousa he, e donde ha mor cantidade delle, e asi se fala dos âmbares, que he huma fruita azeda I 86 Assa fétida de quantas maneiras seja, e assa doce não he alca- çus, e serve nesta terra pera temperar os comeres, e he hum cibo muyto medecinal nestas partes, e muyto usado I yS Alepo he cabeça da Suria I 202 foy senhoreado de Abraham e póese a derivaçam delle. . . II 297 Avicena donde foy e em que linguoa escreveo I 77 Babilónia, a antiguoa, não he o que agora chamamos Baçora, nem he o que chamamos Bagadá II 93 Baçaim, cidade delrey nosso senhor, tem em si cousas de notar II 840 Badajoz cidade de Castella, se ha de chamar Guadajoz II 85 Baneanes sam os genosofistas, que guardam o costume de Pi- tágoras, e tem esprital de pássaros pera os curar II 104 Bangue que cousa he, e como nam he amfiam nem linho al- canave; e pera que se toma, e como se faz I 95 Benjoim tem nomes em diversas partes, e donde o ha, e pera onde o levam; e da feiçam do arvore, e de quantas manei- ras o ha; e como se mestura hum com o outro I io3 Os BRiNDÓES, scillicet, a sua casca aproveita pera tingir, e pera fazer vinagre I 117 Balagate o que quer dizer; e como o Gate he huma serra di- ferente das outras I 121 Berilo ha muyta cantidade em Cambaia, e Pegu e Ceilam, e fazemse delle grandes peças II 199 As boubas quando vieram á Europa II 107 Cancamo he anime e dizse delle II 3^ Calamo aromático nam o ha senam na índia; he mézinha muyto uzada dos Indianos pera os homens, e pera cavallos; nam se chama aromático, por ser cheiroso; e ahi se trata também das Caceras I Taboada 409 Vol. Pag. Cam he vocábulo corrupto, porque ha de dizer ham, que quer dizer rei acerca dos Mogores I 123 Cânfora he de duas maneiras; de Burneo e da China, e de muy diferentes preços; e como se falsifica ás vezes, e dos nomes que tem, e da sua compreisam; e ahi se trata das ca- rambolas, fruta indiana I Choaris sãos uns Gentios, que vieram da Pérsia, e tem diversa supristiçam, da que tem o gentio de Baçaim II 342 Canela e cassialinea e cinamomo tudo he huma cousa, e nam differem em mais, senão em ser boa ou má; nam a conhe- ceram os Gregos, nem a ha na Etiópia, e tem nomes em di- versas linguoas, e foy levada pellos Chins pera o ponente; póese a derivaçam dos seus nomes, e como não ha cinamomo alipiíino I 201 Cássia fistola ha em todolas partes da índia, e tem nomes acerca de todolas linguoas; e as vacas nam a pascem, por onde he falso dizer que as camarás da índia vem por sua causa, pois os arvores sam tam altos I 193 Carbúnculo he toque dos rubins II 218 Cardamomo ha mayor e menor na índia, e dizse como se se- mea, e qual he milhor, se o maior, se o menor; e como o autor descobrio esta mezinha, com algumas historias do que nisso o autor passou; onde se trata da feiçam e da cor das carandas I 1^3 Cravo contase delle o nacimento, e como nam o ha senão em Maluco ; não he mézinha conhecida dos Gregos, ao menos de Galeno: e contase de outra fruita redonda, que ha na ilha de S. Lourenço, que cheira como cravo, assi contase como veo a ser conhecido dos Malucos I 35q Ceilam he huma das melhores ilhas do mundo I 216 Chins sam muyto sutis e letrados e usam muyto de justiça; da- vam as leis a esta terra; damse lá gráos; a arte da empre- sam foy lá sempre I 260 dos Chins ficou huma pedra em Cochim, que levou elrey de Calecut, e pôla em Repelim, onde se coroava, a qual to- mou Martim Afonso de Sousa per guerra, e a poz em Cochim I 2o5 Cheiros sam muyto gastados na índia, porque a gente da ín- dia he muyto enclinada a elles, que deixam de comer pera gastar em cheiros I 71 Coles foram primeiro senhores de muyta parte do Balagate, e aguora vivem de roubos I 119 O çoFi ou soFi não he o Xatamaz, nem o Xaismael, senão foy o seu capitam principal I 124 410 Taboada Vol. Pag. Colérica passio, chamase na índia morxi; mata em 24 oras; põese os sinaes delia, e a maneira de curar dos índios, e nossa em casos que aconteceram ao autor I 261 Crisocola ou TiNCALvem do Chitor, ou do Mandou I 277 Crisolita pedra ha no Balagate, e em Ceilam, e na costa de Choromandel CosTO ha somente na índia, e não em outro cabo; vem de Chi- tor; he a principal mercadoria pera a China e Malaca; e pera as partes do ponente em pouca cantidade; não ha costo doce e amargo senão for corrupto, nem he verdadeiro costo o que não for trazido da índia I 2.55 O coQUO tem nomes em todas as lingoas; poese os sinaes da arvore, e muytas cousas pera que aproveita; e como as cascas não aproveitam pera os paralíticos, como alguns di- seram; do olio do coquo pera que aproveita; e como escre- veram desta mézinha os Arábios, e dos erros que tiveram outros escritores nelle I 284 Cairo se chamou assi por causa de huma rainha assi chama- da II 324 Cubebas não foram conhecidas dos Gregos nem he carpesio, nem mirto silvestre, sam muyto usadas dos Mouros em fí- sica, e cozemnas na Jaoa, porque nam se dêem em outro cabo I 289 CuRCAS sam huns inhames pequenos, provase escreverem delias os Arábios, e dizse os nomes que tem I 279 O DiAMAM he precedido da esmeralda e do rubi em igual can- tidade e bondade, porque as pedras preciosas não tem o preço somente polia virtude, senam polia falta e bom pa- recer delias; e he usado em física acerca dos Gentios; e não he peçonha o pó delle, nem nace na mineira do cristal, porque o cristal não no ha cá II iqi o diamam se quebra não tansómente na bigorna mas com um martello pequeno; e o sangue do bode nam o faz mais brando, que he falso dizer que o quebra, e achase maior muyto que uma avelan, e nam sam vigiados das ser- pentes, nem ha mister carne confeiçoada pera lhes dar, ... II 199 os diamães não tem roca em Espanha, nem em Arábia nem em Chipre, como dizem alguns autores; e a pedra de cevar traz o ferro, presente estando qualquer diamam; e posto debaixo da cabeçeira da mulher, não dá sinal da sua bondade e malicia; e os diamães muito finos, esfregandoos se apegam hum ao outro, e trazem a palha como os alam- bres n 202 Taboada 411 Vol. Pag. Dio foy entregue a Martim Affonso de Sousa, estando lá com pouca gente, e depois foy defendido duas vezes por nós com muyto esforço II 339 Os DURiÓES he huma fruita muyto gabada nas bandas de Ma- laca e põese a feiçam delia e do arvore I 297 Datura he huma mézinha venenosa, que causa riso e prazer, e poe-se a feiçam delia, e a cura e os sinais I 295 Do ELEFANTE não SC uza em fisica mais que dos dentes, por- que os outros ossos e as unhas se deitam por ahi, contra Paulo Egineta; e contamse estorias verdadeiras e muyto gra- ciosas dos elefantes, e os nomes que tem nas terras donde os ha, e em nenhuma se chama barro, contra Simam Genoes I 3o3 gastase cada ano na índia pasante 6000 quintais de mar- fim; e contase huma suprestiçam que tem os Baneanes de Cambaia, por onde se gasta tanto marfim I 3o5 contamse as enfermidades dos elefantes, e como se cu- ram, e como tomam bem as lingoas, e assi se conta o ajun- tamento do macho com a fêmea, e como deferem pouco do dos outros quadrúpedes; e póese a maneira de os amansar, e provase terem memoria porque se lembram das emjurias recebidas I 3o8 A ESMERALDA não cmtra no letuario de Gemis, senão a tur- quesa; provase isto evidentemente II 220 esmeralda ha muytas contrafeitas de vidro, e ha outras que não sam verdadeiras, nem as do Peru tem cá por verda- deiras II 221 EspiQUENARDO tem nomes diversos, e não vai tanto como valia antiguoamente, e por isso se não falsifica, e nace o espique perto do rio Ganges, e nelle se lava todo o gentio, e paga por isso meo pardao; e o verdadeiro nace na índia, e não na Siria, e dáse a rezam por que se enganavam nisso II 291 Espique não he suspeitoso por fazerem delle piso, que he pe- çonha, nam ha tal cousa II 296 Espique aliep he o espique que vai de Alepo, avendo vindo pri- meiro da Índia II 296 Espique satieche he espique de Satigam, porto famoso de Ben- gala II 297 EspoDio não se ha de chamar assi senão tabaxir, por escusar equivocaçam, que foy causa de muitos erros II 3o2 o espodio nam se faz das canas semelhantes ás nossas, nem o cinzento he pior II 3o3 EsQuiNANTO pasce todo o gado em Calaiate e Mascate, terras da Arábia perto de Meca por terra II 3ii 412 Taboada Vol. Pag. EsQUiNANTO tem pouca frol, e essa que ha nam vem á índia; nem o ha na terra dos Nabateos, nem em Jerusalém, nem he calamo aromático, nem galanga II 3ii O FAUFEL, que he areca ou avelan da índia, come a gente mis- turado com o betre, e he rectificativo delle, e conforta o es- tamago, e aperta as gengivas, e dizemse os nomes delle nas terras donde o ha I 325 Os chamados figos da índia sam escritos pellos Arábios, e cada anno se plantam de si mesmos; ha os em muytas partes todo o anno I 329 Os Físicos INDIANOS tem enganos e cautelas em suas maneiras de curar os enfermos II 140 Frangue quer dizer cristam do ponente, e frangistam quer di- zer cristandade, e frangui quer dizer boubas; e tudo isto se prova II 107 Galanga não foy conhecida dos Gregos, e ha de duas maneiras, scilicet, na China e na Jaoa, e ambas se dam em Goa, e ne- nhuma he o açoro nem a raiz do esquinanto I 354 Gengibre tem muitos nomes nesta terra; e dáse a rezam por- que em verde não he tam quente; e porque se cobre com barro; e como se faz em conserva, e de que terra he milhor II 5 Granadas ha as no Balagate, e na costa do Malavar e Choro- mandel, e he rubi preto II 216 Guadalupe se emtrepretará Rio do amor e não Rio de lobos II 85 GuAiACAM pao foy degradado da índia, porque matava os ho- mens com fome II 261 Da HERVA contra as camarás, chamada herva de Malavar, dáse a rezam porque se chama assi, e dizse como se faz, e qual aproveita mais, e de que compreisam he, e qual he mais forte mezinha; e doutra maneira de curar camarás, segundo os da Arábia ; dizemse outras cousas peraque aproveita, e huma estoria, que aconteceo ao autor com hum físico malavar; e assim se conta de outra erva, que se não deixa tocar .... II i3 Jambos, jambolões, jacas, jangomas sam frutas da índia boas pera ver II 23 Jacintos ha no Balagate em muyta cantidade e na costa do Malavar II 216 Índias chamadas occidentaes não são propriamente índias; e dáse a rezam por que esta terra he chamada índia II 107 O LACRE tem nomes em arábio e pérsio, e nas terras onde nace, e a rezam por que se chamou locsumutri; e como he falso o dizer que as formigas o criam na vasa em paos pequenos, que lhe antes punham, porque antes se cria em huma certa Taboada Vol. arvore, onde as formigas ás vezes lavram, a qual não he se- melhante á murta, antes he huma arvore grande II O LACRE não foy conhecido de Avicena, nem tem a virtude do carabe, nem he o cancamo de Dioscórides; e em muytos cabos estam os nomes corruptos; nem o arvore onde se cria he nespereira ou sorveira II ha verdadeiro lacre na índia, e verdadeiro cancamo, e não he do arvore do benjoim II o lacre vai muyto menos do que valia, porque se achou nas terras do Turco outras tintas semelhantes II o lacre não o ha em Ceilam, que he hum breu pera cala- fetar navios, e dizse por que se mudou o nome dos Pegus, que era trec II O LiNALOES se sabe delle o arvore, ainda que com perigo dos que vam buscalo, por causa dos muytos tigres; e Galeno não o conheceo nem o ha na Arábia; nem he bom dizer que se gasta por falta de encenso; decrárase os nomes das terras, donde dizem que nace, e descobrese a causa dos errores donde naceo; nem no ha em Cantão, nem em toda a China, nem o cosem nas terras donde nace, como dizem comum- mente II — não vem do paraíso terreal, e ha muyto nestas terras, posto que o bom e grande vai muyto, e não vem pollos rios abaixo, senão em pouca cantidade, nem he falsificado com a camelea, pois a não ha nestas terras II — o linaloes he sujeito a putrefaçam, mas nam tanto se- gundo o âmago; e os Portuguezes não cortam as arvores (como dizem), nem ha tanta cantidade delle; e o mais fino chamase calambac II O Licio que chamam na Europa chamase na índia cate; he mézinha muyto usada dos índios; fazse de hum pao muyto pesado; he mercadoria pera Malaca e pera a China, e he milhor o da índia, que o da Licia; e póese a maneira como se faz, e as maneiras de fazer este licio nas outras terras; não sam tam faciles de haver como levando de cá da índia, e por falta do indiano se hade gastar o de Licia e não pello contrario como dizem II A MAÇA como he feita, e a que se parece o arvore que a dá, e como emcima delia ha outra casca, de que não fazem caso, senão pera conserva de açucare; e Galeno, nem os Gregos conheceram esta mézinha II Mangas podem competir com as melhores frutas da Europa, e as frutas de espinho da índia excedem as da Europa; sam 414 Taboada Vol. Pag. de compreisam fria e húmida contra o povo indiano, e os caroços aproveitam pera os fluxos 11 99 Manna ha de tres maneiras, e huma delias se parece com a de Calábria, e a que chamam tiriamjabim se corrompe muyto nesta terra 11 91 MiRABOLANOS hc nomc inventado pollos trasladores, e não porque seja o mirabolano dos Gregos; poêse as especias dos mirabolanos e os nomes, e a causa de tudo; e não sam todos de huma arvore, como alguns dixeram, senão de cinco; ser- vem de tingir e de curtir pelles, como çumagre ; e não sam cá reitificados pollos físicos, como em Portugal II i5i Mangostam he fruta muyto saborosa feita como laranjas pe- quenas e he das bandas de Malaca II 161 Mirra se diz dela alguma pouca cousa donde vem, porque vem da Caldea, da qual lingoa ha nota II 353 MuNGO he semente muyto conhecida nesta terra, e he cibo mc- decinal chamado por Avicena e pellos outros Arábios mex; ha também na Palestina, e contase huma estoria, que o au- tor passou com o sultão Badur, sobre a cura de Martim Af- fonso de Sousa, e outra que pasou com o Nizamoxa sobre a cura de seu filho, e decrarase hum dito de Avicena II 139 Negundo he huma mézinha indiana resolutiva e mitigativa de dor; tem outro nome em Decanim, e outro em Malavar; he boa para chagas e inchaços, nam he agno casto, como alguns cuidaram II i63 Nimbo he huma arvore grande, cujas folhas pisadas sam muyto esprementadas, e he mundificativo pera as chagas das bestas e dos homens; tem huma fruta de que se faz hum azeite muyto medicinal II 167 Noz he fruita de huma arvore nacida em Banda, pôese ao que se parece; he mézinha não conhecida dos Gregos II 81 Odres de rinocerotes nem de camelos não os ha nesta terra^ e pôese onde ha o rinocerote, e outro animal que parece unicórnio, e dizse como este rinocerote foy levado a Portu- gal II 74 Olho de gato o milhor he o de Ceilam, e dizemse delle suas propriedades, e vai cá mais que em Portugal. n 222 O opio se chama na índia amfiam, faz os homens impoten- tes, e por outra maneira aproveita pera dilatar o jogo de Vénus; o milhor he o do Cairo (que he o tebaico) e o mais usado he o de Cambaia, e de Adem; façe de semente de dormideiras brancas, e nam leva trovisco, nesta terra, nem o ha na terra donde se faz ; U j^.^ Taboada 4i5 Vol. Pag. Ostras que dam pérolas sam de outra feiçam, do que sam as ostras que comemos II 122 as ostras e búzios que chamamos madrepérola, se usa muyto delias em cousas de policia, e assi se usa da tartaruga II 128 Pao de cobra aproveita pera as mordiduras peçonhentas, e pera as lombrigas, bexigas, e sarampam; e pera a colérica passio, e pera as febres de dificultosa eradicaçam; e dizse como isto se veo a saber, em que se conta huma estoria verdadeira; e diz-se como este pao ha em muytos cabos, e outro de semelhante virtude em Jafanapatam II i8i Patecas he o que Avicena chama melam da índia II i35 Peixè e leite tudo misturado não he tam defeso na índia como Avicena diz II 106 Pecegos, nunca foram venenosos na Pérsia, nem agora o sam II 25o Pedra bez.\r he criada no estamago de hum carneiro ou bode, que ha no Coraçone, e no cabo de Comori e em Pam; é criase sobre huma palha, e falsificase algumas vezes, e apro- veita pera todalas emfermidades venenosas, e pera a colérica passio, e pera lepra e quartãas; e tomamna os Mouros ricos e honrados duas vezes por anno, pera esforçar a natureza, e aproveita pera muyta cousa segundo se vê II 281 Pedra arménia ha em Ultabado, cidade de Decam, e purga pouco II 203 Pedra safira não passa de mil crusados, e as milhores de todas sam as de Pegu II 216 Pedra de cevar faz o homem ser mais novo, comendoa em pouca cantidade, ou feitas panelas delia e fazer o comer nellas. E os que dizem que os que navegam de Calecut pera Ceilam levam pregos de pao nas naos, porque não as tra- guam os montes de pedra de cevar pera si as naos, he fa- buloso; e assi dizer que a pedra de cevar não pesa mais com muyto ferro, que com pouco II 204 A pedra criada no fel do porco espinho aproveita muyto con- tra a peçonha II 383 Pimenta não se cria senam ao longo do mar, e a maior canti- dade de todas ha no Malavar, e na Çunda ; e o arvore da pi- menta se planta arimado a outro arvore, como a era; e cresce tanto como a arvore a que está arimado, e nace em cachos como uvas, senão sam mais meudas II 241 da pimenta ha tres arvores distintos, e hum he da pimenta preta e outro da branca, e outro da longa; e assi nacem em terras distintas, e não em huma só arvore, porque as terras 4i6 Taboada Vol. Pag. donde se dá a pimenta preta sam muy longe daquellas donde se dá a pimenta longa, e a pimenta preta não nasce na raiz do monte Cáucaso; põese os nomes delia em todas as lin- goas, e em nenhuma se chama barcamasim; e os físicos da índia também erram na graduaçam da pimenta, a que cha- mam fria; nem poem fogo ao mato pera afuguentar as ser- pentes que a guardam II 243 Raiz da china como se soube II 260 a cantidade que na China se dá desta raiz, e que não se dê sem ser retificada, e tomase pera as chagas dos rins, e da bexiga, e pera os tisicos II 2Ó3 a raiz da China se toma nesta terra muytas vezes, por a terra ser quente, e nesta terra se tolhe o sal poucas vezes, e muytos homens no Balagate mesturam dragma e mea desta raiz moida e com mel mesturada II 265 na China comem esta raiz cozida com carne, e aproveita pera os paralíticos, e pera todas as enfermidades dos nervos e junturas, scilicet, e pera alporcas, e aproveitou pera huma febre latica II 267 O RUIBARBO vem da China todo, e algum vem da província do Usbeque, e este he o que chamamos ravamturquino II 275 o ruibarbo que vai a Espanha pella via de Veneza he milhor, que o que vai da índia por mar, porque apodrece; e gasta mais hum mez de mar, que hum anno de terra, e se dana muyto nas terras que estão perto do mar; e com o rui- barbo se curam os cavalos na Pérsia, e cá na índia, e he muito boa mezinha II 276 RuBiNS tem mineira e roca conhecida II 217 Rumes diferem dos Turcos I 32 Sabores nesta terra não ha mais que tres sabores, doce e azedo e amargo, e todo o sabor que lhe não sabe chamam amar- gozo I 208 Sândalo branco e vermelho e amarelo em que terras o ha, e o sândalo vermelho em que difere do Brazil; e a feiçam do arvore do sândalo e a fruta e a frol que dam; e como não o ha senão na índia, nem o ha em Calecut, senão o que he trazido de Timor, e das outras partes n 281 O SÂNDALO amarelo he todo hum pao, e não feito de branco e vermelho, e sândalo macharazi quer dizer sândalo amarelo II 283 Sândalo chamado assi na ilha de S. Lourenço, não he verda- deiro sândalo, nem o sambaram he do Malabar, posto que os arvores do sândalo se dam em muytas partes, mas não cheira H 287 Taboada Vol. Tamarindo põese como he feito o arvore do tamarindo, e como se faz em conserva, e como não he palmeira silvestre, nem os ha nas terras de Jamem, nem sam dateles tebaicos, nem tem feiçam delles; e os caroços do tamarindo não aprovei- tam pera cousa alguma, nem os ha em o Cairo, nem sam o fenicobolano dos Gregos, nem se falsificam os tamarindos da índia II O TURBiT dos Arábios nunca foy conhecido dos Gregos, senão dos Arábios somente; e he pao e não raiz, e não ha mister que o toque o mar, nace por si sem ser semeado; e por ter goma nam he milhor, porque a tem, por ser picado ou torcido; nem por ser preto he pior, senão fôr podre; nem se mistura com o gengivre por necesidade II o turbit nam tem a folha semelhante á da ferula senam à da malva franceza, nem he semelhante à planta chamada aristis» nem he raiz cheirosa, nem esquenta quando a comem; nem vai contra a peçonha, nem muda a frol três vezes ao dia ; nem he semelhante à planta dita arasentis, nem à hisiatis, nem aos murtinhos II o turbit não he especia de esula nem he alipium, nem alipia, nem empola as mãos nem o rosto quando se colhe . . II o turbit não he pitiuza, nem esula, nem tapsia II Thure ou emcenso não o ha na índia senão todo vem da Ará- bia, nem ao bom chamão macho, nem a gente da terra aceita a comparação que lhe damos dos testiculos, e tem feiçam das folhas da aroeira e todo o mais se gasta na China II TuTiA da que usam em Espanha, como he levada da provincia de Tartaria, e fazse da cinza de hum certo arvore II Turcos sam deferentes dos Rumes, porque os Turcos são da Asia-menor e da provincia da Natolia, e os Rumes sam de Constantinopla e do seu império I UzBEQUE he a provincia de Tartaria, e confina com a China. . II XÁ quer dizer rei na Pérsia, e xeque he defferente de xá, e o xaismael e o xatamaz, se chamam xá, que quer dizer rey por excellencia e os reis seus sujeitos se chamam paxá, que quer dizer pé de rey 11 Zangue zingui quer dizer, em pérsio e em arábio, Cafre ou Etio- pio, e Zingue quer dizer a terra dos Cafres I ^7 índice Colóquio vigésimo sexto — Do Gengivre 5 Colóquio vigésimo sétimo — Das Hervas i3 Colóquio vigésimo oitavo — Da Jaca, dos Jambolões, dos Jambos e das Jamgomas 23 Colóquio vigésimo nono — Do Lacre 29 Colóquio trigésimo — Do Linaloes 47 Colóquio trigésimo primeiro — Do Cate 69 Colóquio trigésimo segundo — Da Maça e noz 81 Colóquio trigésimo terceiro — Do Maná 91 Colóquio trigésimo quarto — Das Mangas 99 Colóquio trigésimo quinto — Da Margarita 119 Colóquio trigésimo sexto — Do Mungo e Melam da índia i33 Colóquio trigésimo sétimo — Dos Mirabolanos i5i Colóquio trigésimo oitavo — Das Mangostaes 161 Colóquio trigésimo nono — Do Negundo i63 Colóquio quadragésimo — Do Nimbo 167 Colóquio quadragésimo primeiro — Do Amfiam 171 Colóquio quadragésimo segundo — Do Pao da cobra 181 Colóquio quadragésimo terceiro — Do Diamão 195 Colóquio quadragésimo quarto — Das Pedras preciosas 21 5 Colóquio quadragésimo quinto — Da Pedra bezar 23 1 Colóquio quadragésimo sexto — Da Pimenta 241 Colóquio quadragésimo sétimo — Da Raiz da China 259 Colóquio quadragésimo oitavo — Do Ruibarbo 275 Colóquio quadragésimo nono — Do Sândalo 281 Colóquio quinquagesimo — Do Epiquenardo 291 Colóquio quinquagesimo primeiro — Do Espodio 3oi Colóquio quinquagesimo segundo — Do Esquinanto 3ii Colóquio quinquagesimo terceiro — Dos Tamarindos 319 Colóquio quinquagesimo quarto — Do Turbit 327 Colóquio quinquagesimo quinto — Do Encenso e da Mirra 35 1 Colóquio quinquagesimo sexto — Da Tutia 359 Colóquio quinquagesimo sétimo — Da Zedoria e Zerumbet 363 Colóquio quinquagesimo oitavo — Das Cousas Novas 371 Colóquio do Betre 389 Taboada 407 • índice alphabetico A abada, bada, rhinoceronte, 3i8. II. 8o. Abd-er-Razzak, embaixador, yS. Abrahão. II. 297. Abreu (Antonio de), Syo. II. 88. Abriis precatorius. II. i3o, 196. Abulfeda, 220. Abu Zeyd, 219. Abyssinia, 187. II. 325. Acácia Catechu. II. 79; A. Suma, 76. Acanthus, Soo. açafrão, 3 1, 70; — da índia, 278,283. achar, conserva, 66, 68, i85, 365. II. 5, 1 53, 159, 375. Achem, 17. Achillea, 64. Aconitum ferox. II. 298; A. Napellus, 298. açoro, 59, 141, 144-149, 355, 356. Acosta (Christoval). II. 21, 89, 168, 192. Acra, 39, 375. Adão, 33 1, 337; Pico de — , 217, 233 ; Ponte de — , 221. Aden, 39, 223. II. 173, 178. Adi! 3cháh de Bijapur. II. 97, 3 10. Aécio de Amida, auctor do Tetra- biblos,58, i5i, i56, 162. II. 56, 368. yEgle Marmelos. II. 386. Afghanistan, 88, 91, 3i5. II. 79, 04, 95. Africa, 188-190, 228, 336. II. 44, 78, 1 12. Agaçaim (passo de), 295, 299. agaloco. II. 56. agathas. II, 226. agno casto, 292. II. 164, 166. Agostinho (Santo). II. 206. Agrimonia, 64. agua marinha. II. 227; — rosada. I. 35, 199, 242. aguila, 142. II. 48, 61, 64,65; — brava, 5o, 52. Ahmedábád (Amadabar), 268, 277. II. 18. Ahmednaggar, 39. II. loi, 287. Akbar, 148. Alá ed-Din Khiljy, 128, i33. Albuquerque (Affbnso de), 89, 134, i39, 320, 370. II. 10, II, 79, 126, 127, 176, 179. Albuquerque (D. João de), bispo de Goa, i5, 274. II. 124. Alcaçova (Fernão de). II. 259. alcaçuz, 76, 88. Alcala de Henares, 352. Alcalá (Pedro de). II. 145. Alepo, 202, 216. II. 296, 297, 299. 422 índice alphabetico Alexandre ou Ezcader, Sy, Siy, SSg. II. 107, 1 13, 1 14. Alexandria, 26-28, Sg, 377. algalia, 71. Algarve, 78, 89, Alhagi Camelorum. II. ; A. Mau- rorum, 95. Ali ben Redhwan, Sg. aljôfar, 170, 206, 217, 223. II. 119- 123, 126- i3i. Al-mamun, khalifa, 40. almecega, 35, 40, 366. II. 16. Almeida (D. Francisco de). II. 11, 41, 253, 254. almiscar, 71, 97, 159, 169, 170, 206, 223, 347. II. 29, 42. Alòe, 36, 37; A. abyssinica^ 37; A. Perryi, aloés, 24-42, 83, 187, 223. aloés (páo de). II. 60-64, 66. Aloexy^lum Agallochum. II. 62. Alpinia Cardamominn, 186; A. Ga- langa, 357; A. officinarum, 35~. alsi, 96, 98. altiht, 75-78, 90. Aluf Khán, 128. alvará, para a impressão dos Coló- quios, 3, 14. alvará relativo aos physicos india- nos. II. 148. alvará relativo á pimenta. II. 256. Alvares (Sebastião), 371. alveitaria, 29. Amadabar, 256, 268, 277. Amarello (rioj. II. 278. Amato Lusitano, 210. II. 44, 237. âmbar, 36, 45, 47, 48, 55-57, 71, 97, i58, 328, 347. âmbares, 87, 94. Amboyna, 25i, 383. ameos, 142, 148. II. 14. America, 198, 226, 340. II. 44, 11 3, 129, 288. amethista. II. 221, 229. Ammiano Marcellino, historiador, 53. amomo, 59-63, 177, 187-190, 207, 224. Amomuni Zingiber. II. 9. Amoy, 167. Amr-ibn-el-Aci. II. 326. Amu-Darya, ou Oxus, 88. II. 97. Amurat II, i33. Anacardhnn occidentale, 67. anacardo, 65-68. ananaz. II. 38o. Anchusa officinalis, 64. André Milanez, 3 11, 323. Andropogon, 149; A. laniger. II. 3 16, 317; A. SchcenanthuSf 317. anfião, 95, 97, 100. II. 1 71-175. Angelica archangelica, qi. Angelo Palia (Angelus Palia Juve- natiensis), 291, 293. II. 66. An-hsi (Parthia), 219, 23o. anil, 68, 75, 86, 87, 9! anime, 37, 43, 44. anjuden ou angeidan, 75, 90. Antonio do Porto (Fr.), franciscano. II. 346, 347. Antuérpia. II. 258. Aplotaxis Lappa, 267. Aquilaria Agallocha. II. 61, 62. árabes, 3i, 42, 187, 209, 293. Arábia, 228, 326, 335. arábica (gomma), 25. Aragão (Rebello de), 218. Arai, 91. Aravalli. II. 178. Arcádio (imperador), 210. arcebispo de Goa (D. Gaspar), i5. Archangelica officinalis, 85, 93. archipelago Malayo, 114, 162, i63. 3oi. II. 86, i32. areca, 96, 187, 232, 325-327, 334. II 69, 73, 78. arequeira, 334, 335. Aripo (praia de). II. 128. índice alphabetico Aristolochia indica. II. 189. Aristóteles, 28, Sy, 48, 191. II. 36, io3, ii3. armada hespanhola, SyS. armada de Rumes. II. 89. armadas, 276. Armênia, 27, 178. Arriano, 220, 228, 3 18, 32 1, arroz, II. 371, 372. arruda. II. 7. arte de imprimir, 260, 270. Artocarpus integrifolia. II. 2Ó. Arum indicum, 285. arvore triste, 69-72. II. 396. asa-foetida, 75-84, 88, 90-93, io3- io5, 1 10. Asclepias pseudosarsa. II. 192. Asia, 173, 256, 267, 282. II. 42, 112; — central. I. 219; — menor, 32, 41. II. 178, 179. Asia, entrada da inquisição, bulia, i5. Asparagus, 64. assa dulcis, 104; — odorata, io3, 104. Assam, 284. II. 61. assucar. II. 3o8. Assyrios, 228. Astragalus. II. 96. Astruc, medico. II. 116. Asuan. II. 227. Athayde (Tristão de), 373. atropina, 3oo. Auctuario, 290, 346, 358. II. 159, 335. Auklandia Costus, 267. Austrália, 252. Ava II. 42, 224. avacari. II. 17, 20. avelã da índia, 325. Avenzoar (Abd-el-Malek ben Zohr), 48, 54, 58, 179. Averrhoa Bilimbi, 170; A. Caram- bola, 170. Averroes (Abu-l-Walid Mohammed ben Rosch), 48, 54, 58, 78, 104, 157, 174, 290. II. 53, 82, 84, 285, 3o5, 324. Avicenna (Abu Ali Huçein ben Ab- dallah ben Sina), 28, 36, 39, 42, 55-57, 60-64, 7^-7^» '49? i56, i58, 160, i63, 166, 179-181, 187, 207, 278, 283, 33o, 343.'ll. 3i, 32, 54, 86, 89, 91, 106, 143, 147, i5o, 363, 365, 367, 394. awál, 55. Ayres (Diogo), 268. A^adirachta indica. II. 168. azar, moeda. II. 45, 178. azevre, 25-29, 37, 38. azougue, 159, 169. II. 207, 36o. B Babel. II. 93, 98. Bab el-Mandeb, 228. Báber, i3o, 317. II. 79, 80. Babylonia. II. 93, 97, 3i3, 397. Baçaim, 38, 74, 246, 326. II. 77, 328, 33o, 340, 342, 348. Bacham (Batchian), 369. Badajoz II. 85, 89, 372, 373. Baghdad. II. 93, 97, 397. Bahádur Schah (rei de Cambaya), 29, 97, 101, 120, 1 28-1 3o. II. 140. bahar (baar, bar), peso, 11 3, 159, i65, 214, 376, 377. II. 282. Baillon. II. 278. Balaam, 362. Balagate, 121, i32. Balassia (Badakhshan). II. 225. Balk, 89. Balsamodendron Myrrha. II. 356. Baltanas (Fr. Domingos de). II. 201. bambu. II. 3o2, 309. Bambusa arundinacea. II. 307. bananas, 33o, 335-341. bananeira, 336-340. II. 26. baneanes, 3o6. II. 52, 104-106, 1 10, 329, 342. 424 índice alphabetico bangue, ()5-ioo. Barace. II. 252. Barbaria. II. 7, 83. Barbosa (Duarte), 56, yS, 114, 128, 189, 225, 3i6, 369. II. 63, 77, 129, i58, 177. Baroche. II. 178. Barreira (Fr. Isidoro de), 338. Barreiros (Gaspar). II. 373. Barreto (Antonio Moniz). II. 148. Barreto (PVancisco). II. 77, 340. Barros (João de), 53, 54, 56, 127- 129, i3i, i32, 137, 188, 218, 220- 222, 245, 247, 248, 285, 286, 369, 371. II. 19, 87, III, 211, 252, 253, 255, 288. Fr. Bartholomeo, (Bartholomasus Urbevetanus), 291, 293. Barús (Bairros, Fansur), porto de Sumatra, 11 5, i53, 164. Bassora (Basra), 27, 39, 219, 283. II. 38, 92, 95-97, 397. bastão (do cravo), 363, 374, 375. Batecalá. II. 9, 26, 154. bazarucos, 38 1. Beadala, 2o5, 223, 23 1. II. i25, 235. Beatriz (Infanta D.). lí. 229. Beduinos, 353, 356. Behar, i3i, 3i5. beijoim, 84-86, 93, io3-u6; — de boninas, 347. II. 34, 37. Beja (Diogo Fernandes de), 320. bela, bel. II. 375, 376, 387. Bellas. II. 216, 226. Belleau (Remy). II. 207. Bellon (Pedro). II. 299. Bellunense (André), i58, 283. Beluchistan, 88. II. 95. Bengala (El-rei de), 120. II. 154. ber, 118, 126. II. 3o, 40. Berar, 134. II. 210. Berbera. II. 356. Berbéria. II. 7. Berberis. II. 77, 79; B. aristata, 79. beribéri. II. i65. Berid (Kasim), (Verido, Veriche), I2I-I23, i35, i38. Bernier. II. 187. berylo. II. 199, 209, 221, 222, 227. betle (betele, betei), 80, iii, 184, 265, 325, 327, 328, 343, 35i. II. 69, 78, 372, 389-396, 402-404. Beyrut, 39. Biblia. II. 273, 354. Bider, 121, i33. Bijapúra, i33. Bijayanagar (Bisnaguer), 73, 198. bilimbeiro, 170. Biophytion sensitiviim. II. 21, 326. Birdword (Dr.) II. 109, 354. Birs-Nimrud. II. 98. bispado de Nossa Senhora da As- sumpção da cidade de Malaca, 276; — de Santa Cruz de Cochim, 276; — de Goa, 276. Blandford. II. 189. Blumea balsamifera, i68. Bocchus. II. 226. Boissier. II. 175. Bokhára (Bochorá, Bocora), 77, 89. II. 91, 97. bola (boi, vola), 28. II. 356. Bombaim, 268, 326, 335. II. 28, 356, 369. Boodt (Boécio de), 206-208. Borassus, 246] B.Jlabelli/onuis, 232. borato de soda, 281. bórax, 277, 281. Borba (Diogo de). II. i25. Bornéo, 164, 3 16. II. 128, 211. bornéol (agua de cânfora), i63, i65, 166. Bontius (Jacob de Bondt), 275. II. 159, i65, 166, 387, 388. Bosque (Dimas), i5, 234. II. 146, 164, 186, 384-386. Boswellia Bhau-Dajiana. II. 354; B. Carteri, 354; B. thurifera, 355. índice alphabetico 425 Botelho (Francisco Marques), inqui- sidor, i5. Botelho (Simão), 128, 246, 38 1. II. 128. Brahma. II. 1 12. brahmanes, 36, 100, 233. II. 104-106, 110, 139. Brahmaputra. II. 42. branca ursina, 297, 3oo. Brava. II. 353, 356. brazil (páo). II. 283, 288, 289. bredos, 79, 80, 92. Bretschneidei. II. 177. Briggs (coronel), i38. brindão, 117, 118, I25, 126. Brindisi, 285. Brindonia indica, i25. Brinjam. II. Q9. Brito (Antonio de), 370. Brown (Roberto), 336, 341. Bruce, 229, 233. Buddha, 269. buddhistas, 222, 233. Budeo (Guilherme), II. 291, 299. Buhrán Nizam Sháh, 126, 127, 317. II. 147, 309, 3io. bulia do Papa Alexandre VI, 371. burladora, herva, 3oo. Burmá, 322, 324. II. 40, 42, 76, 225. Burmanno, 248. II. 190. Burnell (A. Coke), 129, 275. II. 80. Butea frondosa. II. 41. búzios. II. 123, i3i. bybo, 65. 67. O cabo de Boa Esperança, 2o3. II. 75; — de Calimere ou Canhameira, 182 ; — Comorim. I. 2 1 5. II. 49-52, 63, 127; — das Correntes, 75; — de Fartaque. I. 335; — Mesurado, 188; — das Palmas, 188; — Verde, 332. Cabral (Pedro Alvares), 222. II. 253. Cabul, 88. II. 94. caceras, 147, 149. cachalote, 54-57. cacho. II. 77. Caes de Santa Catharina. II. 21. Ccesalpinia Sappan. II. 288. Caiado (Thomé), 16. Cairo, 258, 280, 285. II. 173, 3i3, 323, 326. cairo, do coco, 237, 245. caixa, moeda, 38o. cajueiro, 67. Calabarga (Kulbarga). II. 3o7, 3 10. Calaiate (Kalhat), 356. II. 3 11, 3 17, 392. calambac. II. 55, 58, 61. calamo, 83, 141-149, 324, 355, 356. II. 3 15-317. calandares. II. 363. calcedonia. II. 23o, Calcuttá, 267. II. i32. Calicut, 2o5, 220, 222. II. 88, 286, 393 ; Rajá de — . I. 58. II. 403. Camarão. II. 119, 126, 127. Cambaya, 25-27, 119, i35, 182, 256, 268, 3o5, 3 10, 3 16. II. 77, 177-179, 294; El-rei de — , 75, 342, 403. Cambayete, 256, 268, 277, II. io5, 140, 174, 328. Cambodja. II. 63, 64. camellos. II. 74. caminhos que seguiam as merca- dorias, 39. II. 396. Camões, ode ao conde de Redondo, 7; razão da lição adoptada, 16. Citado a pag. 18, 55, i32, 163,220, 23o, 233, 25o, 369, 370. II. 63, 87, 112, 126, 172, 254, 255, 258, 290, 355, 403. Çamorim, 2o5. canafistola, 193, 197. II. 373. canal de Paumben, 221. Cananor, 189. II. 10, 254. 426 índice alphahetico Canará, 244. II. 76, 286, 288, Sog. Canarium commune. II. 87. cancamo. II. 32-37, 43, 44. candil, medida. 11. igS. Candolle (De), 334, 336, 341. lí. 177. canela, 201-217, 223-23i, 265, 328, 345, 352. II. 396. cânfora, 97, ii5, iSi-iSg, 162-169, 187, 212, 2i3, 328. II. 390. cânhamo, 98-100. Cannabis, 98-101. Cantão (Kuang-cheu), i56, 219. II. 5o. caparosa. II. 36o. capillus veneris, 60. Capra Aegag}-us. 11. 236. carabe. II. 3i, 32, 37, 43. Caradiva. II. 127. carambola (kamaranga, camariz), 161, 170. Carapatão, 333. carbúnculos. II. 217, 224. Carpophaga concinna. II. 87. cardamomo, 173-190, 206, 223, 327. II. i38. Cardoso (Jorge), 352. caril, 238, 279, 284, 285. Carissa Carandas, i85, 191. Caryophyllus aromaticus, 3 59-36 1, 368, 374, 375. Carlos Magno, 319. Carlos V, 371, 373. II. 238. Carlos VIII, de França, 11 5, 116. Carneiro (Padre Belchior). II. 149. carpata, 285. carpessio, 289-292. Carquizano (Martin Iniguez de), 373. carta de Alfonso de Albuquerque a D. Manuel. II. 176; — de Felipe II, 128; — geographica. I. 228, 25 1. Caryota, 232. casa da índia, 2 lo, 320, 382. II. 72, 248, 258, 276, 279. Cássia Fistula, 34, 179, 193-199; C. lignea, 201-204, 207-210, 216, 224, 226, 396. cassoneira. II. 343. Castanheda, 56. castas. II. 342, 348. Castella, 195, 362; El-rei de — , 36i. Castello Branco (D. Francisco de), 341. Castro (Balthazar de), 218. Castro (D. João de), 154, 190. II. 1 14, 340. cate, peso da China, 11 3, 159, i65, 327, 328. II. 69-79. Catechu. II. 76, 77. Cathartocarpus Fistula, 197. Cathayo, 271. II. 5o, 64. Catifa (El-Qatif). II. 119, 126. Cáucaso, 88. II. 246. causónes. II. 134. Caxem. II. 48. cebar. Vide aloés. Celidônia, 279, 284. cerca de S. Domingos, em Goa. II. 169. cetreiros ou falcoeiros, 29; medica- mentos que usavam, 40. Ceylão, 17, 5i, 52, 56, 181, 186- 189, 206, 210-216, 221, 222, 224, 23o-233, 3o5, 309, 3i5, 324, 335. II. 5o-52, 63, 125, 127, '181, 184, 199, 224-226, 385, 386, 388. Chagatay (Khanato de), 89. II. 97. Chaggi Memet (Hadj Mohammed), mercador. II. 278. Chaldéa, 23o, 23i. II. 353, 356. Champá. II. 62, 63. Champanel (Champanír), 129. champe, champa, champaka, 71, 73. chanquo ou chank, II. i23, i3i. Charaka, 375. II. 149, 159. Chatigam (Chittagong). II. 297. Chaul, 100, 214, 326, 333. II. 9, 26, 28, 134. Chauveau, vigário. II. 278. índice alphabetico Chavica officinarum. II. 25 1 ; C. Rox- burghii, 25 1. chego, peso, i3o, i3i. Chelidonium rnajus, 283. Chengiz-Khan, 89. II. 97, Chevers (Dr, Norman), 3oo. Chiammay. II. 42. 80. Chilam (baixos de), 2o5, 20, 221. II. 232. China, 58, i55-i58, 166-170, 204, 214, 219, 222, 223, 226, 229-231, 260, 268, 270-272, 288, 353, 357. II 64, 161, 162,179,259,315,367. Chinacota, 222. Chincheo (Chang-chau), 167. II. 5o. chins, 204, 206, 219, 221-223, 270, 364. II. 285. Chitor, 256, 267. II. 374. cholera, 272-276. II. 388. chrisobalanus. II. 83. christandade. II. 108, 120. christãos. II. 108, u5, i25; — de Socotora. I. 37, 38. chrysocolla, 281. chumbo. II. 207. cinabrio, 169. Cinnamomum, 1 98, 202-2 11, 2 1 3 , 2 1 5, 2 1 6, 224-230, 348; C. Tamala, 349, 35o; C. nitidum, 349; C. Cam- phora, 166-168. Cirênia (peninsula Cyrenaica), 104, 1 10. cirifoles. II. 375, 376, 387. Cissus vitiginea, 62. Citrulhis vulgaris. II. 144-146. Clematis indica. II. 190. Clusius, 41, 55, 62, 72, 88, 127, 140, 198, 253, 294, 341. II. 5o, 65, 184, 191, 192. cobras. II. i8i-i83, 187-191. cobre, 129, 169, 206, 223. Cocais lacca. II. 40,41; C. mannipa- rus, 96; C. nucifera. I. 232, 244, 25o, Cochim, 159, 190, 2o5, 373. II. 10, 55, 127, 235, 254. Cochinchina, 162, i65. II. 61, 62, 64, 129, 162. coco, 235-252, 279, 3 10. II. 84. códices arábicos, 40. Coge Çofar, 280, 285. Coje Perculim, 26, 38, 77. Celebrooke. II. 149. colérica passio, 261, 272, 280. II. i3. Colles ou Kolis, 119, 128, 129. Colocasia, 285; C. indica, 285; C. antiquorum, 285. Colombo (Christovam). II. 10, ii3, 1 15. Colombo (porto de Ceylao), 23 1. cominhan, 84, 104, 109, 11 5. Commiphora Myrrha. II. 356. Companhia de Jesus. II. 120. Concam, 54, 121. conde da Castanheyra. II. 258; — de Redondo (D. Francisco Cou- tinho). I. 14, i5. II. 382; —de Villa Nova. I. 341. Congo, 247, 336. Constantino de Bragança (D.), i5 II. 376, 384, 386. Constantinopla, 39, 53. Conti (Nicolo di), 249. II. 62, 209. convento de S. Francisco, 199. II. 20. Cooley (Desborough), 224, 229, 23i. copal duro. II. 44. copra, 238, 239, 243, 245. Coptis Teeta, 284. coqueiro, 240, 244-249. Coraçone. Vide Khorásán. cordierite. II. 225. Cordo (Valério), 63, 176, 188, 191, 209. II. 56, 323. Cordova (Gonçalo de). II. 11 5. cornalina ou cornelina. II. 23o. Coromandel (Choromandel), 170, 221, 222, 244. II. 41, 182, 235, 282, 288. 428 índice alphabetico corte de Scháh Jehan. II. 187; — de Aureng Zeb, 187. córtex cinnamomi, 225 \ — cassia- lignea, 226; — vtargosce. II. 168. cortimento de pelles. II. i54, iSg. coru. II. 17. Coruna, 373. coryndon. II. 228. Cosmas Indicopleustes, 248, 368. II. 227, 289. Costa (Christovão da), 67, 68, 72, 3oo. II. 298, 309. costa do Abexim, 33 1 ; — da Abys- sinia. II. 127; — da Arábia, 127; — de Arracán. I. 273; — da Mala- gueta, 188, 189; —de Malé, 53; — da Pescaria. II. i25, 127; — de Zanzibar. I. 57. costo, 177, 244, 255-260, 267-269, 282. II. 79. Cota, 23 1, 282. Cotamaluco (Qutb el-Mulk), 121- 123, i34, i35, 137, 3o5, 3i5, 326. II. 3 10. Cotoneastcr nummularia. II. 94. Cottonara. II. 252. Coulão, 220, 222, 375. II. id, 253. Coutinho (Vasco Fernandes), 317. Couto (Diogo do), 40, 1 3 1, 222, 373. Covarrubias (D. Sebastian), 247. II. 25l. Cranganor (El-rei de). II. 36o. Cratceva Marmelos. II. 386. cravo, 97, 187, 201, 206, 223, 325, 347, 352, 361-384. II. 10, 88. Crawfurd, 244, 335, 368. II. 62, 86, 129, 224. Cremonense (Gerardo), 42, 76, 166, 176, 193, 198. II. 95, 3oi. Crindle (Mac), 322. crisocoUa, 277, 281. cristal de rocha. II. 197, 199, 209. croco indiaco, 282, 283. Cruz (Fr. Gaspar da), 221, 271. crysoberyl ou cymophana. II. 23o. crysolitha. II. 221, 229; — oriental. 23o. Cubeba officinalis, 187, 287-298. Cucumis Melo. II. 144. Cucurbita Citrullus. II. 144. Cueva (Luiz de). 11. 238. Cunha (Gerson da), 129. II. 109. Cunha (Nuno da), 38, 286. II. 18,89. Cunha (Tristão da), 819. curcas, 279, 280, 284, 285. Curcuma, 281-284; C. angustifolia, 284; C. longa, 282, 284; G aromá- tica. II. 368, 369; C. Zedoaria, 869. curumbins. II. 842, 848. D Dabul, 214. II. 6, 7, 184, 154. Daghestan, 87. Dahlac. II. 127. Damão. II. 69, 77. Damarkand, 89. Damasco, 89. Darien. II. 118. Datura, 295; D. alba, 800; D. fas- tuosa, 800. daturina, 3oo. dauco silvestre, 292. Daugim (passo de). II. 169. Daulutábád. II. loi, 204. David, 106. Deckan (Daquem), 98, 121, 188. Dehli, 75, 87, 88, 119, 120, 127, 180, i3i, 140, 256, 267. II. 294. Della Valle, 54. Derbend, 87. deres. II. 842, 848. Dhibat-el-Mahal, 53. diamante. II. 195, 198, 206, 207, 209- 212. Dianthus caryophyllus, 867. Diarbekr. II. 96. índice alphabetico 429 Dictamus, 64. Didjelah. II. 93, 97. Dimocarpus Lichi. II. 162. dinheiros. II, 291. Dioscórides, 27, 62, 191. II. 44, 79. Diu (Tiyu), 219, 286, 320. II. 89, 339. Diul. II, 107, 1 12. Djazirat al-Yacut. II. 224. Djebel Zabbara. II. 227. Djidda (Judá), 27, 39. Djilolo, 364, 368, 369. Djolfar. II. 126. Dofar, 326, 335. II. 48, 355. dorião, 2()7, 298, 3oi. II. 109, 161, 377, 378. dormideiras. II. 174. Dourado (Vaz), 25 1. drago (sangue de), 40. II. 32, 34, 35, 39. Drake, navegador, 63. Dryobalanops aromática, i63, 164, 166, 168. dugong. II. 385, 386. Du Halde (Padre), 270, 272. dulce lignum, 224. Dultabado. II. 392. duque de Bragança, 372; — de Lo- rena. II. 66. Diirio jibethijws, 3o i. Duzgun, 91. Dyaks de Borneo, 164. Dymock (W.) 63, 91, 199. II. 20, 25 1, 325. dynastia de Bahmany, i33; — Han, 375; — Ming, 112, 170; — Sung, 167; — Thang, 219. E Echites antidysentericum. II. 19. eclypses, 36 1, 372. Edrisi, 37, 55, 219, II. 227. egreja de Nossa Senhora da Con- ceição. II. 347; —de Nossa Se- nhora da Misericórdia, 347 ; — de Nossa Senhora da Piedade, 347; — de S. Miguel, 341, 347. Egypto, 286. II. 17S, 227, 326. ehvomel, 240. El-Beckri, 89. electarium de gemmis. II i3i, 223. Elephanta. II. 347. elephantes, 217, 232, 3o3-3o4. II. 80; — branco. I. 3o5, 3 16. elephantiasis, 60, 63. Elephas indicus, 3 16; E. sumatra- nus, 3 16. E leitaria Cardamomum, 186-189. Eleusine Coracana. II. 78. Elichpúra (Lispor), 134. \l. 198,210 ElHot (Walter). II. 19. Elvas, 371. Empoli (João de), 272. Epiphanio (Santo). II. 208. ermida da Piedade, na Povoa, 341. ermida de S. Braz, em Goa, 299. Erskine, historiador. II. 80. escamonea, 34, 196, Esclavonia, 293. esmeraldas, 241, II. 196, 227-229. espadana, 355, 356. espinhela, rubi. II. 218. espique, 268. espiquenardo. II. 291-298. espodio, 3o3. II. 3oi-3o8, 36o, 36i. esquadra portugueza, de André Furtado de Mendonça, 252, esquinanto, 356. II. 3ii-3i7. Estatutos da Universidade de Coim- bra de i5gi. II. io3. estipendio ao governador da índia, 127; — ao physico mor, 127, estoraque liquido, 107, 112. Estrabão. II. 75. estrada de Santa Luzia, em Goa, 299. 43o índice alphabetico estreito de Magalhães, 870; — de Tanjampur. II. 211. Ésula. II. 337. Ethiopia, 3o5. II. 106, 112, ii3. Eugenia caryophyllata, 368; E. jambolana. II. 27; E. malaccen- sis, 27. Eupatorio, 64. Euphorbia. II. 337; E. Tirucalli, 343. Euphrates, 219, 23o. II. 93, 96, 97. Evangelho de S. João, 41. II. 60. Êxodo, 227. Ezequiel, 227-229. F Falcão (Aleixo Dias), i5. Falcão (Figueiredo), 112, 276. II. 257, Falcão (Luiz). II. 114. falcoeiros ou cetreiros, 29, 40. Falconer (Dr.) 268. Faleiro (Ruy), 362, 370. Fallopo (Gabriel). II. 116. fanão, moeda, 93, 378. farazes. II. 348. farazola, peso, 93. Faria (Antonio de). II. 129. Faria (Dr. João de), 319. Faria (Nicolau de), 319. Faria e Sousa (Manuel de), 16. Fars ou Farsistán, 89. faufel, 334. fava de Malaca, 65. feitoria de Flandres, 382. II. 258. Felici (Acácio). II. 55. Felix jubata, 137. Ferishta, historiador, i35. Fernandes (Alvaro). II. 18. Fernando II, de Nápoles. II. 108, ii5. Ferreira (Fernandes), 40. Ferreira (Miguel), i3g. ferro, 232. Ferula alliacea, 90-92; F. Asa-foe- tida, 90; F. Narthex, 90. feruzegi. II. 223, 228. f estucai caryophylli, 374. Ficus religiosa. II. 40. figos da índia, 329-339. Firdusi, 1 14. Flacourtia cataphracta. II. 27 ; F. Jangomas^ 27. Floyer (E. A.). II. 227. Fliickiger, 162. II. 168, 176. Fo-kien, 167. folio indo, 343-352. 11.393. formigas que lavram o lacre. II. 3o. Forstera magellanica, 63. fortaleza de Calicut. II. 187; — de Cananor, 11; — de S. João, de Ternate. I. 370. Frade de S. Francisco, 337. II. 341. frades, dominicos e franciscanos, 271. fragmenta preciosa. II. 223. Francisco I, 32i, 38i. S. Francisco Xavier (Mestre Fran- cisco). II. 120, 125, 346. francos. II. 108. frangues, 40. II. 107, 1 15, 273. Franguístan. II. 107. Fraxinus Ornus. II. 96. Frederico II (Imperador), 68. Freitas (Jordão de), 374. fructus carpesiorum, 293. Fu-chau, 167. Fuchsio (Leonardo). II. 295, 379. fules, 71, 73, 236, 246. Fu-lin, 219. Fumaria, 64. fumus terrce, 62. a Galacia, 356. galanga, 144-146, 149, 353-358. II. 3i5-3i7. Galeno, 179, 227, 289-292, 359. IL 47, 144, 245. índice alphabetico Galilea. II. 3i3. gallas, 229. Galles (Ponta de), 221. Gallus Lafayetti, 232. Galvão (Antonio), 369. II. 252. Gama (D. Estevão da). II. 124. Gama (Vasco da), 53, 57, 249, 377. II. III, 253, 4o3. ganda, rhinoceronte, 3io, 3i8. II. 75, 79- Ganges (Guanga), io5. II. 292-297. ganta, peso ou medida. II. 261. Garcinia indica, G. mangos- tana. II. 162. Gardênia lúcida. II. 355. Gaspar Corrêa, loi, i3i, 225, 245, 273-275, 299, 320. II. 11, 19, 80, 89, 187. Gaspar de S. Bernardino (Fr.), 3i5. Gaza (Theodoro). II. 327. Génesis, 338. gengibre. II. 5-ii, 345. geruda, 25i, 253. Ghates (Montes dos), 121, i32. ghí, manteiga, 126, 148. Gil Vicente. II. io3. Gill (William). II. 278. Giunti (Thomazo). II. 278. Glanvilla (Fr. Bartholomeu de). II. 66. Glycyrrhi^a, 88. Goa, i5, 100, 122, i39, 276, 333. II. 235, 385. Gobi. II. 279. ^ Godavery. II. 210, 293. Goes (Damião de), 3 14, 319. Gogá. II. 294. Golconda, i35, 3i5. II. 210. golfo de Manaar. II. i25, 127, i3i ; — de Oman, 126; — Persico. I. 39, 218, 375. II. 126. Gomes (Diogo), 188. Gomes (Ruy), 139. gomma da herva-babosa, 3i. Gonçalves (Jorge). II. 93, 98. gongs, de Java, 379. grãa ou kermes. II. 39, 45. granada. II. 216, 226. granum paradisi, i88. Grão Cão do Cathay. II. 224. Grão-Mogol, i3o. II. 129. Grão Turco, 124, i38. II. 39. gravura em madeira, 270. gregos, 37, 40, 229. Guadalupe. II. 85, 89. guaiacam, 179. II. 259-261, 270. Guaiacum officinale. II. 270; G. san- ctum, 270. Guardafui, 228. II. 356. gubera. II. 33, 43. Guibourt, 55, 91, 269. II. 388. Guiné, 2o3, 249, 336. Guirmon. II. 359. gundras, 245. Guzerate, 128, 256. II. 140, 23o. gymnosophistas. II. iio, 112. H Haçan Gangú, i33. Hadramaut, 335. II. 355. Hadrar. II. 356. Hai-nan, 357. hakims, 39, 42. II. 146. Halicore indicus. II. 385. Haly Rodoam, 28, 43. ham (khan), 120, i23, i36. Hamadan, 134. Hamza de Ispahan, 219. Hanbury (Daniel), 112, 227, 357. Hariz, i55. Harun er-Raschid, 40, 55, 319. haschisch, 99-101. Haussknecht. II. 94. Helleborus. II. 238. Hemidesmus indicus. II. 192. Henrique (Infante D.), 217. 432 índice alphabetico Henrique III, de Inglaterra, 3 19. Henrique (Padre), da Companhia de Jesus. II. 385. Herat, 91. II. 95. herba sentiens. II. 21. herva de besteiros. II. 238. Herbelot (D'), 100, 23o. Hermano (Wolferio), 252. Hermanno. II. 191. Hermolao Bárbaro. II. 295, 299. Heródoto, 100, 227. Herpesíes Mungo. II. 188; H. gri- seus, 188. Herrera (Antonio), 371. herva-babosa, 25; — cidreira, 62. Hespanha, 38, 90. Himalaya, 64, 268. hing (ingu), asa-foetida, 75, 86, 90. Hippocrates, 42. hippopotamo. II. 80. Hirah, 219. Hirth (F.), 219. Hitaspis (batalha de), 317. Holarrhena. II. 89; H. antidysen- íerica, 19. hollandezes, 383. Hooker. II. 190. Hormuz, 39, 71, 88, 107, iii, 219, 220, 228. II. 38, 94, 114, 178. hospital de aves. II. io5, 1 12. Huçpin. II. 141, 147. Huen Thsang. II. 224. Humboldt, 341. Hungria, 260, 271. Hutten (Ulrich von). II. 271. Hyoscyamiis, 100. I Ibn-al-Baitàr, 283. II. 23o. Ibn Batuta, 53, 164, 220. II. 63, 225. Ibn Khurdádbah, i63, 358, 375. ichneumon. II. 188. Iconium, 41. Idalcam (Hidalcão), 121, i33. ilha do Almirante, 25 1; — Angediva, 46, 53, 121, 249; — Aynam ou Hai-nan, 170. II. 129 396; — de Bahrein, 126, 129; — de Banda. I. 365, 370, 375. II. 81, 82, 86-88; — do Cabo Verde. I. 372; — das Cabras. II. 236; — Chandana, 289; — de Chypre. I. 338; — Cômoro, 46, 52. II. 6; — do Corpo Santo. I. 25i ; — de Delft. II. 236; — de Divar. I. 100, 246; — de Engoxa, 46; — Espanola, 199. II. 11 3, ii5; — Formosa. I. 166; — de Jeru (Je- run ou Gerun), 220; — Kamaran. II. 127; — dos Ladrones. I. 248; — de Mahé, 25 1; — Manaar, 221. II. 129, i32, 376, 385; — de Mas- carenhas. I. 25 1; — de Mindanáo. II. 396; — Polluoys. I. 252; — de Pori ou do Elephante. II. 341, 347; — Praslin. I. 25i ; — de Ramese- ram, 221. II. i25; — de Repelim. I. 2o5, 223, 23 1; — da Reunião, 383 ; — do Sal, 372 ; — de Santa Cruz. II. 385; — de Santo Antão. I. 372; — de S. Domingos, 194; — de S. Lourenço, 2o3, 218. II. 6; — de S. Thomé. I. 217, 233, 337; — Seychelles ou dos Sete Irmãos, 25 1; — Ternate, 362, 369, 370; — Tidore, 369; —Timor, 25i. II. 283, 285, 2B9; — dos Tres Irmãos. I. 25i; — das Vaccas, 232. II. 232, 235, 236, 383. Imad Scháh. II. 210. Imam de Mascate. II. 127. Imperatoria Ostruthium, g3. império do Maharadja, 187. império ottomano. II. 98. impostos, 74, 128, 246, 247. incenso, ii3, 269, 282, 335. II. 48 351-357. índice alphabetico 433 índia, 38, 53, 162, 170, 182, 194, 222, 249, 269, 272. II. 49, 5i, 106, 107, 112, 259, 282. índias (Companhia das), 57. Indo (Rio). II. 107, 112. Indo-China, 23o, 3 16, 323. 11.41,61. inhames, 280, 285. iolite. II. 225. Ipomcea Tiirpethum. II. 344. Iravaddi (Delta do), 324. II. 42, 225. Isaac do Cairo. II. 85, 89, 204. Ismael Adil Scháh, 89, 124, i34, j38. Ispahan, 88. Itália, 321, 333. II. 1 15. italianos, 3i. Izidoro (Santo). II. 206, 245. J jaca. II. 23-27, 397. jacinthos. II. 208, 216, 226. Jacquemont (Victor), 268. Jafnapattam, i5. II. i85. jagra, 236, 238, 246. jalapa. II. 345. jambolóes. II. 24, 27. jambos. II. 25, 27. jangomas. II. 25-27. Japão, 166-169. II. 77, 259. jaqueira, 340. II. 26. jarras martavans. II. 270, 273. Jasminutn Sambac, jS. Java, 109, 114, 190, 288, 292, 356, 375. II. 283. Jeronymo di Santo Stephano, 249. Jerusalém, 33i. II. 3i3. Joanes Jacobi. II. 67. Joáo II (D.), 352. João III (D.), 217, 371-373. II. 89, 124, 235. jogues. II. 112, 182, 186,400. Johannes de Monte Régio, 372. Jones (Sir William), 349. II. 149, 189. Jordão (Fr.), 245, 248. II. 49. Jorge de Santa Luzia (D. Fr.), 276. Jorge Themudo (Fr.), 276. Judéa, 41, 1 10. II. 3i3. jujubas, 118, 126. Julfar. II. 1 19, 126. junça. II. 7. juncos da China, 2o5, 218-223, 23o. junco aromático. II. 3i5; — odo- rato, 3i3; — redondo, 3i3. Juner (cidade de). II. 399. K Kabul. II. i58. Kachmira, 268, 269. Kíimpfer, 91, 112. II. 237, 388. Kandahar. 88, 91, 92. II. 94, 95. Kándésh, i35. Kashgaria. II. 279. Kathiawar. II. 18, 294. Kayal (Çael), i25. II. 128. Kerman (Guirmon), 36 1. kermes. II. 39, 40. Khán, i36. Khorásán, 87. II. 383. Kiachta. II. 279. Kiang-mai ou Xiang-mai ou Jamay. II. 29, 42. Kiang-si, 167. Kipchak (Khanato de), 89. II. 97. Kircher (Padre). II. 278. Kiruan, 75, 87. Kishna. II. 210. Kordofan. II. 325. Krishna, 73. Kurdistan. II. 96. Kyat-piyu (Capeiam). II. 225. L Lacadivas, 244. lacca. II. 29, 33, 39-45. lacre. II. 29-45. 38 índice alphabetico Lagondiuni vulgare. II. i65; L. lit- torale, i65. Laguna (André), 38, 178, 23 7, 35 1. II. 248, 259, 379. Landino, 190. Laos. II. 42. lápis lazuli. II. 2o3, 21 3. laqueca ou alaqueca. II. 221, 23o. Lar (Provincia de). II. 237. Laredo (Fr. Bernardino de), 352. II. 66. Laristan, 91. laserpitiumy 75-86, 92. Lassen, 340. Laurvs, 349; L. Camphora, 166. leis chinas, 260, 271. Lemos (Fernão Gomes de), 139, 317, Leoniceno (Nicolau), i5o, 293. II.. 116. liamba ou riamba, loi. Libéria, 188. lignum aloés, 41, 162, 206, 328. II. 47-67 ; — sanctum. II. 271 ; — vi- tce. I. 339. II. 271. Lima (D. Fernando de). II. 19. Lima (D. João de), 317. Ligustrum. II. 190. Limadura. II. 23o. limonata smaragdorum. II. 228. linho alcanave, 95-98. Linschoten, 67, 247, 3oo. II. 79, 227, 273, 309. Liquidambar altingiana, ii3; L. orieutalis, 1 12. Lisboa, 238, 253, 259. II. 65, 238. Lisboa (Dr.), 73, 149. II. 387. Littré, 359. II. 236. Loaysa (Fr. Garcia de), 373. loc ou looch. II. 45. Lodoicea Seychellarum, 25 1. Lopes (Duarte), 247, 337. louça da índia, 170. Loureiro (Padre). 284, 367. II. 61. Luang-prabang. II. 42. Luiz (S.), rei de França, 319. Lycia. II. 71-79. lycio. II. 71-79. M Macassar, 282. II. 283. maça, da noz muscada, 97, 206, 223, 345, 352, 365. II. 81-89. maçans d'anafega, 117, 118, 126. maceira. II. 3o. macer. II. 88. Maçudi, 37, 55, 187, 337. II. 114. Madagáscar, 218, 35 1. Madrasta. II. 235. Madremaluco (Imad êl-Mulk), 121- 123, i34, i38. madrepérola. II. i23, i32, 229. Magadaxo. II. 353, 356. Magalhães (Fernando de), 370. Magalhães (Jorge Vaz de). II. 385. Maghreb ou Maghrib, 89. Magno (Alberto). II. 206, 207. Mahmud Scháh II, i33. Mahommed Bahmany, i33. Makh:(an-el-Adwiya, livro árabe, ii3. n. 317. Malabar, 53, 169, 211, 219-221, 2^3, 3i3, 332, 35o. n. 99, 252,393. malabathrum, 347, 349, 35o. Malaca, 107, iii, 169, 214, 220, 298, 317, 377. II. 178, 285, 382, 388. malagueta, 178-189. Maldivas, 46, 5i-53, 236-252, 326. Maljaz (pagode de). II. 341. Malum cydonhmt. II. 387. Malupa. II. 147. Malwá, 268. II. 178. Mambré (Michele). II. 278. Manapá (Manahpaud). II. i25. Manardo (João), 199. mamtus, peixe mulher. II. 386. manchuas. II. 255. Mandalay. II. 225. índice alphabetico 435 Mandeslo (João Alberto de), i3o. Mandou, 256, 267, 268. II. 178, 294, 298. manga. II. 99-104, 109; —brava, 337, 343. mangelim, peso. II. 196. Mangifera indica. II. 109. mangustão. II. 161, 162, 377, 378. mangues, 228. manná, 77, ii3, 179. II. 40, 91-96. Manorá. II. 69, 77, 340. Manuel (El-rei D.), 38, 268, 3 1 8-32 1. II. 10, 41, 79, 127, 176, 229, 233, 256. mão, peso, 169. II. 178, 195, 33o. Maquien (Makian), 369. Maranta Galanga, 357. Marco Polo, 55, 164, 167, 169, 271. II. 42, 277. marfim, 3o3, 3o6, 3 16. II. 378-380. margarita. Vide pérolas, margosa. II. 168. Marignolli (Fr. João de), 249, 338. II. 27. marmelos de Bengala. II. 3j5-3jj^ 385-387. marquez de Villa Real, i5. mar Caspio, 87; — Mediterrâneo, 39, 23 1; — Roxo. II. 173; — Vermelho. I. 39, 23 1, 375. II. 127. Martaban, 107, ii5, 3i6. II. 41. Martin (Andrés de S.), 372. Mascarenhas (D. Francisco). II. 18. Mascarenhas (D. João). II. 340. Mascarenhas (D. Pedro de), 190,299. Mascate, 356. II. 3ii, 3i5, 317. matical, peso, i65. Matthioli, 62, 188, 234, 294, 314. II. 234, 278. Maundeville (Sir John). II. 224. Mauro (Fra), 18. Mawarunnahar. II. 95. Mecca, 169. II. 10, 53, 3i5, 317, 393. Mecia Dandrade (D.). II. 229. Megasthenes, 314, 32i, 322. Mekong. II. 42. melancias. II. 144-146, 38i. Meleagrina margaritifera II. i25. Melia A^adirachia. II. ió8; M. in- dica, 168. Melinde, 57, 3o5, 3i5. 11.49,52, iii. melique, i23, i36. Melissa officinalis, 64. Mello (Martim Affbnso de), i3i, 272. melões. II. 144. memiran, 279, 281, 283. Memphis. II. 323, 326. Menam. II. 42. Mendonça (André Furtado de), 25o, 252. Menezes (D. Christovão de). II. 18. Menezes (D. Duarte de), iSg. Menezes (D. Manuel Tello de). II. 16, 18. Menezes (D. Tristão de), 370, 379. Mesopotâmia, 219, 376. II. 97. Mesué, 39, 240, 294, 367. II. 333, 345. Mewár, 268. mex. II. 143, i5o. Michele (Michele San). II. 378. Alichelia Champaca, 73. Mindanáo. II. 128. Minjak. II. 278. Miranda (Simão de), 3 16. Mirkond. II. 1 14. Mir Mohammed. II. 95. Mir Mohammed Hussein. II. 64. missionários, no Thibet. II. 278. mithridato, 60-64. moalis (schiitas), 326, 335. II. 392. Moçambique, 217, 249, 25i. Mogok. II. 225. mogores, 120, i3o. II. 92, 97. mogory, 69, 73. Mohammed (Hadj), 89. Molucas (Maluco), 36i-3;o, 373,383 Mombaça. II. 1 1 1 436 índice alphabetico Mombaim (Bombaim), 326, 335. Monardes (Nicolau), 198. II. 206, 237, 271, 4o5. monções, 52. II. 100. Monpacer (pagode de). II. 347. Monte Corvino (Fr. João de), 23o, 248. Moraes (Gaspar de). II. 208. Moringa aptera. II. 157. Mormugão (rio de). II. 385. morphina. II. 179. morxi, 261, 264, 266, 275. Moscovia. II. 259. Moutel (Mortir), 369. Moysés, 227. II. 273. múmia, 40, 41. mungo. II. 139-143, i5o. Munster (Sebastião), 18. Musa (Antonio), 35i, 355. II. 56, 1 16. Musa sapientum, 335^ 337; M. pa- radisíaca, 336. muscadeiras. II. 87. mussulmanos. II. 11 5. Muzaffar Scháh, 320. II. 79. Myrepso (Nicolau), 358. Myristica fragrans. II. 86; M. offi- cinalis, 86 ; M. moschata, 86. myrobalanos. II. i5i-i6o. myrrha, 28, 3i, 41, 107. II. 3i, 60, 352, 356. Myrtus silvestris, 289, 290, 293. Mysore, 189, 226. II. 289. N nachani, naxenim. II. 71, 78. Nagapattanam (Negapatam). II. 182. naique, capitão, i35. naires, 326, 334. Naja tripudians. II. 187. Nápoles. II. 11 5. nardo, 177, 345-347. Nardosiachys Jatamansi. II. 298. Narsinga, i36. II. 41, 210. Narthex Asa-foetida, 90. nau Algaravia, 276; — Assumpção, 276; — Chagas. II. 257; — Trin- dade. I. 373; — Victoria, 371. Nebrija (Antonio de), 65, 68. Nebuchadnezzar. II. 98. Nectandra cinnamomoides, 226. Nees von Esenbeck, 224. negundo. II. i63. Nepaul, 349, 35o. Nephelium Litchi. II. 162. Neriiim antidysentericum. II. 19. ngai, espécie de cânfora, 168. Nicodemo. II. 60. Nicolau Antonio, 352. Niebuhr, 39. II. 96. Nieuhof, 72. Nigela citrina, 178. Nildtin (Athanasio), 148. Nilo, 229. nimbo. II. 167. Nipa fruticans. II. io5. Nirukta. II. 289. Nischapur (Nixábur). II. 228. Nizamaluco (Nizam el-Mulk), 26, 121-124, i33, i34, 137. II. 75, 141, 3o9 ; filhos de — . I. 3oo. Noronha (D. AíTonso de). II. 307, 3io. Noronha (D. Garcia de), 134, 190. noz muscada, 97, 187, 223, 359,365. II. i5, 16, 81-89; —da índia, coco. I. 235, 244-249; —de ben ou glans unguentaria. II. 157. Nunes (Antonio), 379. II. 160. Nunez (Agostinho). II, 376. Nunez (Leonardo). II. 376. Nyctanthes Arbor tristis, 72. O Odorico de Pordenone (Fr.), 190, 220. oleo de linhaça, 98. índice alphabetico oleum cinnatnomi radieis, iiq. olho de gato. II. 222, 23o, 398. olivastro de Rodas. II. 56. Oliver. II. 354. Oman (costa de), 220, 228, 335. Ophiorrhi:^a Mungos. II. 189. Ophioxylon serpentinum. II. 190. Ophir. II. 289. opio, 95, 100. II. 14-16, 171, 175-179. opium thebaicum. II. 178. opus cyrenaicum, 85, 1 10. Orissa, 3i5. Orixá. II. 293. Ormuz. Vide Hormuz. orraca, 236, 246. Orta (Garcia da), 38, 119, 127. II. 3 10, 348; indicações para a sua biographia, 28 ; viagem á Ilha das Vaccas, 235 ; quando saiu de Por- tugal, 342. Ortelius, 18. ostras. II. i32. Otranto, 285. ourivesaria, 281. ouro, 223, 232. Ouseley (William), 23o. Ovidio, 71. Oviedo (Gonçalo de), 199, 247. II. 1 13, 116, 271. Oxalis sensitiva. II. 21. Oxus, 88. II. 225. P Pacem, i53, 164. Pacheco (Duarte), 188. Pachyma Cocos. II. 272. Pacifico, 370. Padre Ignacio (Santo Ignacio de Loyola). II. 120. pagodes. II. 346-348. Paizes Baixos, 140. Paleacate (Pulicat). II. 235. Palestina, 34. II. i5o. palha da Meca. II. 3 11. Palk (bahia de), 232. palmeira, 232, 235-237, 241, 249. palmitos, 240, 245. Paludano (Dr.), 68, 35 1. Pam (Pahang, Páang). II. 382. panditos. II. 148. Pangim. II. 389. Panipát (batalha de). II. 80. Panjáb, i3o. Pantaleão de Aveiro (Fr.), 338. Papa Leão X, 319, 32 1. Papa Paulo IV, 210, 276. II. 299. Papaver somniferum. II. 175. Paranda, 122. parava. II. i25. pardáo, moeda, 127, igS, 38o. II. 45. parizataco, 70-72. paros (paráo), barcos, 2o5. parvu. II. 342, 348. parteiras, 354. Parthia, 112. Partibus (Jacob de), 33. parsis. II. 342, 348. pashtu, i3i. Passo-Secco, 299. patane, i3i. Patane. II. 79. patecas ou melões da índia. II. i33- i36, 144-146, 38i. pau de aguila. II. 60; — de cobra. I. 241. II. 181, 185-188; —de con- tra herva. I. 266. Paula de Andrade, 299. pavão. II. 398. pecegos. 11. 249, 258. pedra arménia. II. 2o3, 212; — be- zoar. I. 241, 266, 276. II. 23 1-238, 382-384, 388, 397; —de cevar ou iman, 195, 202-205, 2i3; — do fel de porco, 382; — hume. I. 223; — de Malaca. II. 239, 388, 398; — sanguinha. I. 40. índice alphabctico 438 Pedro Martyr. II. SSy. Pegolotii, 375. II. 160, 256. Pegú, 3 12, 3 16, 324. II. 41. Pe-king, 271. Penha (Garcia de la). II. 114. Pereira (Diogo), 52, 57, 314. Pereira (Jonatham), 187, 188. Periploca indica. II. 192. pérolas, 170. II. 1 19-132, 195. Persépolis. II. 98. Pérsia, 77, 88, 229. Peru, 340. II. 201. Peshawár, i3i. Pessoa (Balthazar), iSg. Peucedanum, 93. Phaseolus Mungo. II. i5o; P. Max, i5o. Phenicia, 229. phenicios. II. 354. Philippinas, 370. Phillips, 167. Phcenix dactylifera, 232. II. 325. Phyllanthus Emblica. II. i58. Physeier macrocephalus, 54. Pie de la Mirandole. II. 353, 356. Pictet (A.). II. 176. Piddington, 72. Pigafetta (Antonio), 247, 337. II. 273. pilulas de Rasis, 3i ; — de Rufo, 3i. pimenta, 206, 265, 268, 287-289, 365, 379. II. 241-258. Pina (João de), 32 1. Pinto (Fernão Mendes), 170. II. 42, 80, 129. Pinzon (Vicente Yanes). II. 357. Piper Betle. II. 402; P. Clusii, 253; P. Cubeba. I. 292 ; P. longum. II, 25 1; P. nigrum, 25o; P. offici- nalis, 25 1; P. trioicum, i52. Pires (Sancho). II. 3o6, 309. Pires (Thomé), 38, 41. II. 127-129, 160, 177, 278, 326. pityusa. II. 335, 345. Planchon. II. 62. Platearius (Mattheus), 3o. Platina, 32. Plinio, 38, 41, 190, 3 18, 340, 359. II. 188, 206, 244. Plutarcho. II. 1 13. polipodio. II. 18. Poli (Nicoláo). II. 271. Polónia, 271. Polycrates de Samos. II. 226. Pomet, 35 1. II. 62. pompholix. II. 307, 36o. Pondichéry, 275. Ponto Euxino. II. 277. porcelana, 170, 223. II. 221. 229. Poro, 317. prata, 169, 232. Prjevalsky. II. 278. Prospero Alpino, 285. II. 178. Pterocarpus santalims. II. 288. Pterygium costatum, i63. Ptolomeo, 228, 229. pucho, 267. II. 70. Pulegium, 64. Pyrard de Lavai (Francisco), 53, 252, 3oo. II. 273. Pythagoras, 79. II. 1 10, i 12. Q quartzo. II. 209, 229. Quedá. II. 255. Quercus Vallonea. II. 95; Q. Pérsica, 95. Quevedo, 25o. Quindur. II. loi. quintaladas. II. 257. Quito, 226. R Rabello (Diogo), 221. radix mustelce. II. 191. rainha Cândace, 233 ; — de Coulão, II. 255. índice alphabetico raiz angélica, 267; — da China. II. 259-272, 38 1 ; — de mongo, 191. rájá, i35; — de Bijayanagar, i36. Rájputana, 128. Rama, 221. Ramusio, 89, 337, 35/. II. 129, 278. Rasis, Rhazes (Abu Bekr ben Zaka- ria er-Rasi), 39, 276. II. 43, 147, 159. Ratnadvipa. II. 224. ratti, peso, i3o, 175, 196. Rauyvoljia serpentina. II. 189, 190. Ravensara aromática, 218. Rawlinson (Henry), 23o. Regimento do hospital real da ci- dade de Goa. II. 18. rei de Cranganor. II. 36i; — de Hor- muz. I. 319; — de Porcá. II. 254; — de Xael, 19. Reino da Pimenta. II. 254. reisbutos (Rajpúts), 119, 128. reis christãos, em Goa ( Tabarija, de Tanor, das Maldivas, de Ter- nate), 374; — de Pegu, 324. renda da especiaria. II. 160. rendas do estado, 74, 100, 246, 403. rendeiro de Bombaim. II. 25. Rezende (Garcia de), 270. II. 349, 399. Rhamnus. II. 78. Rhede van Drakenstein, 244. II. 191, 255. Rheum officinale. II. 277. rhinoceronte, 3 10, 3 18. II. 75, 79. Rhinoceros indicus. II. 79; R. son- daicus, 79. rhuibarbo, 28, 34, 83, 157, 179. II. 275-279, 367. Ribeiro (João), 323. II. 127, 188, 23o, 236. Ritter, 248, 340. roçamalha, 109, 112. Rodolpho II (imperador), 252. Rodrigues (Balihazar). II. 384. Rodrigues (João), 233. Roma, 32, 3 18. II. 388. romeos, 32. Rondot, 168. Rontecalli (D. Fr. Antonio de). II. 299. Rosa Damascena. II. 4o5; — de Ge- ricó. I. 59, 62; — pérsica. II. 401, 40 5. rosalgar. II. 76. Roumea jangomas. II. 27. Roxburgh, 72. II. i65. Royle (Dr.), 62, 267. II. 79. Ruano, 19, 21. rubi. II. 195, 217-225 ; — balax, 225 ; — espinela, 225. Ruelio (Jean de La Ruelle), 63, 85, 191. ruiva. II. 45. Rumes, 32, 40. Rúm ou Rúmestan, 41. Rumphius, 166, 198, 250-252, 339, 374. II. 191. Ruscus, 293. Rússia, 271. II. 279. S Sabayo, i33, 137. Sabéa, 23 1. Salerno (Fabricio Mordente de), 72. II. 325. Salomão, 106. II. 289. Salsette. II. 340, 346. Saluen. II. 42. Samarkanda, 89, 91. II. 97, 279. sambucos (sambacos), 365. sândalo, 70, 142, 187, 206, 223. II. 64, 281-290; — vermelho. I. 325. II. 73. sandias. II. 38 1. Santa Cruz (Vera Cruz). II. 288. Santalum álbum. II. 64, 289. 440 índice alphahetico Santo Agostinho. II. 399. Santos (Fr. João dos), 3 14, 3i5. sapphira. II. 21 5, 223; — de agua, 200, 202, 2i5, 225 ; — oriental, 225. Saragoça, 373. sardonix. 11. 216, 223, 226. sarsaparilhas. II. 272. Saumaise. II. 244. Saussurea Lappa, 267, 268. Savonarola (Miguel). II. 66, Scaligero, 41, 87, i65, 166, 224. II. 3i, 317. scammonea. II. 345. scháh, 124, 137; — da Pérsia, 89. II. 127, 239; — Rock. I. 73. Schans (Terra dos). II. 42. Schat el-Arab. II. 96. Scheik el Djibal, Velho da Monta- nha, 101. Scher Khan (Scher Schah), i3i. Schirwân, 87. Schmauss (Leonardo). II. 116,271. Schwanbeck (Dr.), 322. Scirpus Kysoor, 149. Scorodosma foeiida, 90. Scythas, 100, 260, 271. Scythia. II. 208. Seda, 159, 170, 206, 223. Seldjukidas (Turcos), 41. Semecarpus Anacardium, 67. Séneca. II. 1 13. Sepulveda (Fernando de), 94, 196, 199. II. 286, 296. Sequeira (Diogo Lopes de), 218. II. 41, 255. Serapio, 55, 149, 166. II. 33. sereias, II. 386. Serra (Correia da). II. 387. Serra da Pimenta. II. 254. Serrão (Francisco), 370. Servius. II. 112. Shan-si. II. 278. Sheibáni Khan. IL 97. Shen-si. II. 278. Shen-nung Pen Ts'ao king. Maté- ria medica do imperador Shen- nung, 23 I. Sião, 1 14, i65, 3 16. II. 42, 63. Siculo (Lucio Marineo). II. 89. Sikait. II. 227. Silhet, 349. II. 61. Silveira (Gonçalo da), 218. Silvestre (Vida de S.) 32. Sinai. II. 96. Sinf. II. 63, 64. Sinforiano (Symphorien Champier) II. 66. singhalezes, 232, 244. Siqueira (Pero Vaz de), 276. Siraf, 219. Sison, 148. II. 14. Síva, 233. II. 347, 387. Smilax China. II. 271, 38i; S.ferox, 271. Soar (Soer), 220, 335. Soares (Fernão). II. 256. Soares (Lopo^, 39. Sociedade Linneana de Londres, 357. Socotora, 37, 55. Sofala, 5i, 2o3, 3o5, 3i5. II. 52. Solapor, 122. Soleyman, escriptor arábico, 221. Soliman Pachá, 286. Soliman II. II. 98. Solino. II. II 3. somalis, 229. II. 355. Sonnerat, 218, 275. II. 148. Sophi, 124, i38. Sorbus domestica. II. 43. Sousa. II. 149. Sousa (Francisco de), 276. Sousa (Fr. João de). II. 89, 145. Sousa (Fr. Luiz de), 25o. II. 258. Sousa (Manuel de), loi. Sousa (Martim Aflfonso de), i5, 32, 97, i3o, 2o5, 23i. IL 18, 125, 140, 235, 260, 33o, 348. índice alphabetico 441 Sousa (Ruy de), 218. Sphagnum, 63. spinela. II. 225. Spondias mangifera, 94. II. 343. Sprengel, 63, 223, 248, 294, 349. II. 36, 60, 79, 335. Stewart. II. gS. Stigmarosa jangomas. II. 27. Streeter. II. 210, 224, 23o. Strombus. II. i32. Strychnos éolubrina. II. 191; S. mi- nor, 192. Síyrax Benjoin, 11 5. succino, âmbar amarello. II. 43. Succuir (Suchau, Sukchur). II. 277. sudras. II. 139, 147. Suez, 39. Suimo (serra do). II. 226. sultão de Babylonia, 285; — de Cam- baya, 1 1 1 . Sulu ou Suluk (Solor). II. 128. Sumatra, 17, 114, i56, 233, 25i, 3i6. II. 29, 52, 62. Sumba. II. 289. Sunda, i53, 289, 292. sura, 236, 246. Surate, 268. II. 294. Susrúta, 272. II. 149, 09. Sylvaticus (Mattheus), 259. II. 246, 293, 396. syphilis. II. 107, II 5, 259, 272, 397. Syria, 293, 341, 376. II. 294, 299, 325. systema Vaidak. II. 146; — Yunáni, 146. Sz-chuen. II. 278, T Tabarija, 373, 374. tabaschir. II. 38, 3o2-3o8. Tali-fu (lago de). II. 42. Tâmara (Francisco de), 233. II. 201. tâmaras. II. 322, 325. tamargueira. II. 96. tamarindo. II. 319-326. Tamarindus indica. II. 325. Tamarix, 64 ; T. gallica. II. 96. Tanjampur (estreito de). II. 211. Taprobana, 17, 233. Tapti, i35. taras, peso. II. 196. tarifas de Marselha, 375 ; — de Bar- celona, 375. Tartaria, 77, 271. II. 97. Tártaros, 120, 271; — Uzbeks, 89. tartaruga. II. 124. Tavernier (João Baptista), 3 16. II. 112, 127, 209, 236. Teixeira (Pedro), 57, 89, 91,220. II. 97, i58, 2i3, 228, 236, 36i, 397. templo de Somnath. II. 290. Tenasserim. II. 61, 255, 285, 289. Tennent (Emerson), 23o. II. 236. Tenreyro (Antonio), iii, 139. II. 114, 126. Terêncio, 191. Terminalia Chebula. II. 1 57 ; T. be- l eriça, i58; T. citrina, i58. terra arménia. II. 212; — japonica, 77; — de Lemnos, 212; — merita. I. 282 ; — sigillata, 241. II. 212. Thalictrum foliosum, 284. thalisafar (talisfar), 352. Thamasp Scháh (Xatamaz), 124, i38. II. 98. Thapsia g orgânica, 92. Thebaida. II. 178. Themistio, 191. Theobald (W.). II. 40, 42. Theophrasto, 191, 248, 293, 339. II. 1 10, 229, 252, 327. Thibet, 170, 282. II. 42, 114. thugs, 3oo. Thumbadra. II. 210. tigres, 1 16, i56. Tigris (rio). II. 93, 96, 97. tincal, tincar, 268, 277, 281. Tinnevelly. II. i25. 442 índice alphabetico Tipura, 323. tolla, peso. II. 175. Tombo do Estado da índia, 128, i35, 38o. tones, barcos. II. 255. Tong-king. II. 42. topázio. II. 200, 202, 224. toques. II. 218. Toro. II. 48, 96. Toscano (Simão), II. loi, 109. transmigração. II. io5, iii. Transoxiana, 89. II. 95. Tratado de Tordesillas, 371. Travancore, 189, 226. II. 255, 289. Trebisonda, 39. Tremelle (pagode de). II. 235. triaga, 61, 63, 241, 265, 276. II. 404. trigo. II. 139. trindade hindu. II. 387. Tripoli, 39, 375. II. 140 tripolio. II. 345. Trogoidita. II. 7. Turbinella pyrum. II. 1 3 1 ; 7". rapa, i3i. turbit. II. 327-339, 344-346. Turcomanos. II. 272. turcos, 32, 40. Turkestan, 88. II. 94, 279. turqueza. II. 220, 228. tutia. II. 3o I, 3o7, 35g-36i. Tutikorin. II. i25. Tyro, 229. U ud, 109, 1 15. Udipúra, 268. II. 178. unicórnio, 265. II. 75, 233. unio. II. 125. uperção. II. 193. uplot, 267, 268. Ur, 23o. II. 297. Uruk (rei), 23o. Uzbek Khan. II. 97. Uzbeque, 77, 88. II. 92, 94, 97. V Vaidak Hindu. II. 149. Valle (Pietro delia). II. 98, 112. valores monetários, 376-378. Varthema (Luiz), 106, iii. II. 27, 4o3. Vateria indica. II. 355. Vaz (Miguel). II. 124. Vedas. II. 188, 289. Vega (convento de S. Francisco da cidade da), 195, 199. Vega (Garcilaso de la), 226. Veiga (Thomaz Rodrigues da) i5. II. 234, 384. Veneza, 27, 178, 199, 271, 35i. Venezaras, 1 19, 129. Verbali. II. 283. vermelhão, 169. versões arábicas, latinas e syriacas, 40, 42. Vesalio (André). II. 272 Vicente de Burgos (Fr.). II. 66. Vicente Maria (Padre), 338. II. iii. Vidara, 126. vidyas ou vityas. II. 146-149. vihára. II. 346. Vincent (Dr.), 227, 35 1. Vindhya, 268. II. 178. violas, 62, 64. Visapor, 122. Vishnu, 54. II. i32. Vitex, 291-293 ; V. Negundo. II. i65; V. trifolia, i65. Viverra. II. 188. Volga. II. 277. Vulgata, 338. W Wadding (Fr. Lucas), 352. Wallace, 3oi. II. 87. Wallich (Dr.), 126. Wan-ti (imperador), 270. índice alphabetico 443 Waring (Dr.). II. i65. Wedel de lena. II. 77. Wellstead, 38. Wight, 3cx). Wilson. II. 149, Sog. Wrightia antidysenterica. II. 19. W. tinctoria, 20. X xadrez, i25, i3g. Xael (Xaer), 335. II. 16, 48. xaráo (xarave, xarope), 246. Xarnauz (Sornau, Shahr-i-náo), 114. Xeque, 124, i36. xerafim. II. 128. Y Yarkand, 99. II. 279. Yemen. II. 325. yoga. II. 186. Yule (Henry), iii, 129, i65, 167, 223, 275, 38o. II. 26, 63, 78. Yun-nan. II. 42. Yusuf Adil Khán, i33, 137. Z Zaidam. II. 278. Zanzibar, 56, 383. II. 49, 112. zargatoa. II. 14. Zaytún, 166, 167. zedoaria. II. 363-369. Zegir, 21 5. Zendj, 56, 336. Zerumbet. II. 363-369. Zingiber officinale. II. 9. zingis, 5i, 56, 21 5. Zijyphtis jujuba, 126. II. 40 ; Z. vul- garis. I. 126. Zuarí (rio). II. 385. Zumaco, 21 3, 226. Cf-