1 ” E RT RA fe E É, (7 o FOMENTA EDÃd. DRA EMPREZA BIBLIOTHRCOA DAS MARAVILHAS PROPRIETARIO PEDRO M. POSSER ES CE EREEMECOREO ERVRARIA FRANCO-LUSITANA 246 e 248 Rua do Ouro 246 e 248 (Entrada pela Travessa de St.? Justa, 95) PURE Ao ala essi e À 74 - “] E CRIA FIO Ki PAPO ia of pe Ea ”> “OBA tela MIMO 4 ATA ai, es ELE RA ani ie E RR A Lia S CREAÇÃO HISTORIA E DESCRIPÇÃO ILLUSTRADA DOS ANIMAES COMPREHENDENDO MAMIFEROS, AVES, REPTIS E PEIXES SUA CLASSIFICAÇÃO SCIENTIFICA, CARACTERES, HABITOS, USOS E INSTINCTOS Enniquecida na parte respectiva ao homem com as noções mais essenciães de anatomia e physiologia COMPILAÇÃO DAS OBRAS DOS MAIS NOTAVEIS NATURALISTAS ESTRANGEIROS POR REDR O Ni ROSSER VOLUME TERCEIRO 1880 LALLEMANT FRÉRES, TYP. LISBOA 6 RUA DO TI ESOURO VELHO 6 a ae | / N o ra a [ = od d a Es ne o a ne a p, o Pro a o Rd...) | x Rr: ] 4a | E: PS “a ó 2 gd af ” E LEME ebeLiFEt a ISO SITE - nm Fte E y DESCI E + Sus uiÃa emana ER ide | x É Fº Asa e ] a ça E > é 7º | o ars : E » = BON E tardia a ; nes nm , sei pla, Tá 'y si Ea des esta de j UBS) EnJer E ê ' == I o RR E E ARES e ATO UR! + Ê . f 6 E los TO p E) ú Do as EMENTA E La LE PE ER Ea É Sat na, 8 É sato PO O a a dE ERR pao pro Est a TA Rs ts Piva Sr Ti dE, “* À .o sr É- dic aa À jiai NR te 331 É DES E AS A ÍA OR Fu dg são pm E . as j , 4 go SR No A A Mabe E a | E SA pr Ida o hu l NA E Dm , ti e Ee AMANTE RIDE 1 fiat! Wi PH PR TINA Wldap co sopra nr sorgagõas Ea SbaSRis IRIA) 8, 1 or io! sobandia qua a ff : epi LUI a EE LO O (MITOS ANTE TNT abs : Us BRMge afio ennmaieo ue e: ohaRr ao aee nlódieo sbnsdase Gem an eriB as nã % br 5 E Omin nas e CSRÓINE entes br dé detaivra EA FIItÊ Bh iqõr SE a ta RED EB jr ABI METZ dito PsaaA es BEL ço aa E DEI ASy cr oia as id 4 : k pts: À avjaog AS AVES As aves, como dissemos na introducção que abre o primeiro volume d'esta obra, formam a segunda classe dos vertebrados, isto é, do typo dos animaes cuja historia promettemos fazer, descrevendo as suas principaes especies. Feita a descripção dos animaes da pri- meira classe dos vertebrados, os mamife- ros, — se não tão miudamente como mui- tos dos nossos leitores desejariam, dan- do-lhe, todavia, desenvolvimento con- soante ás proporções d'esta obra, onde temos de tratar assumpto que pela sua vastidão requer, para ser largamente es- tudado, dezenas de volumes — segue-se fazer a historia das aves, animaes que em todos os tempos mereceram, uns a sympa- thia e a amizade do homem pela sua gen- tileza ou pela melodia dos seus gorgeios, outros que se tornaram estimados pela parte importante que teem na nossa ali- mentação, havendo ainda um grande nu- mero que presta servicos de ordem supe- rior, desconhecidos d'uma grande parte dos homens, que por ignorancia perse- guem estes animaes, servicos attinentes a limitar a demasiada multiplicação de ani- maes nocivos, e n'alguns pontos da terra a expurgal-a dos cadaveres e substancias em putrefacccão, cujos effeitos deleterios comprometteriam a saude e a vida dos habitantes. Antes de entrarmos na descripção das especies comprehendidas nas ordens em que se divide a classe das aves, pareceu- 1 nos util e interessante dar algumas nocões ácerca da sua organisacção, funcções phy- siologicas, e outros caracteres peculiares a estes animaes. O plano geral da conformação das aves é analogo ao dos mamiferos, e o seu es- queleto póde comparar-se ao destes, tendo quasi que os mesmos ossos, modificados no sentido de as tornar aptas para o vôo. As azas são membros anteriores trans- formados em orgãos proprios para voar, e compõern-se de braço, ante-braço e mão. Os membros posteriores dividem-se em côxa, perna e pé, e são nús ou cobertos de pennugem terminando geralmente em quatro dedos, separados ou unidos no to- do ou em parte por uma membrana. Dos dedos, tres dirigem-se para a frente e um para traz, que é o pollex; n'algumas es- pecies não existe o pollex e a ave só tem tres dedos ; dois tem o abestruz da Africa. Outras especies ha em que os quatro dedos estão situados dois para a frente e dois para traz, como se dá nos papa- gaios. Os dedos são armados de unhas que variam na fórma, segundo os habitos d'estes animaes, sendo vigorosas e adun- cas nas aves de rapina, direitas, grossas e chatas nas especies que vivem mais sobre o solo. As pennas são productos corneos, com- postos de tres partes: o tubo, a haste, que se continua á parte superior do tubo, e finalmente as barbas que nascem dos dois lados da haste. VOL. MI 6 MARAVILHAS DA CREAÇÃO Teem as pennas nome especial confor- me a região do corpo. Às pennas gran- des das azas chamam-se remiges ; remiges primarias as que se prendem á mão, re- miges secundarias as que estão fixas no ante-braço, escapulares as que estão pre- sas no humero, bastardas as que nascem do dedo pollegar, remiges rectrizes as da cauda. O resto do corpo é coberto de pen- nugem. É muito variavel o colorido das pen- nas e da pennugem, e mais brilhante e de côres mais vivas nas aves dos paizes quentes. Ha especies em que só o macho ostenta galas de côres vivas, pertencendo á femea tamsómente as córes sombrias ; e os pequenos só depois da primeira muda egualam o colorido dos paes. O bico é composto de duas pecas ôcas chamadas mandibulas, sendo move- dica só a inferior, e a superior soldada ao craneo. O bico é o orgão principal de prehensão na ave, e toma variadas formas segundo o seu genero d'alimen- tação. E' tambem a sua arma mais im- portante de defesa, e com ella ataca a presa. As aves differem muito dos mamiferos no apparelho digestivo. Não tendo den- tes, engolem os alimentos sem os mastigar, e estes em muitas especies dão primeiro entrada n'uma dilatação do esophago ,cha- mada papo, onde se conservam e soffrem a primeira digestão, e noutras vão immediatamente para o ventrículo suc- centuriado, ou segundo estomago, que existe em todas as aves, com maior des- envolvimento nas que não teem papo, e onde se segrega um succo analogo ao succo gastrico. Finalmente vão transfor- mar-se em chymo na moela, ou terceiro estomago, dotado de grande força mus- cular, podendo operar sobre os corpos mais resistentes, e triturar até mesmo pe- dras. Segue-se o intestino delgado, e depois o grosso, muito curto em relação ao dos mamiferos, que vae terminar na cloaca, onde tambem vão dar os conductos ex- cretores dos orgãos genito-urinarios. As aves não teem bexiga, e a urina mistura-se com os productos fecaes sendo expulsa ao mesmo tempo pela cloaca. A circulação nas aves é dupla, e o coração dividido em duas metades, direita e esquerda; o sangue é mais rico em globulos do que o do homem, porque o seu contacto com o ar é mais repetido, não se limitando ao que se exer- ce nos pulmões, como acontece nos ma- miferos, porque o ar entrando nos pul- mões, passa aos saccos aereos e d'estes ás cavidades dos ossos. «O que realmente distingue a ave não é o vôo, existindo quadrupedes, por exem- plo o morcego, e até mesmo certos pei- xes, os exocetos, que podem mover-se no ar, mas sim o modo porque se executa a respiração. Nas aves não existe a separação move- diça que se encontra nos mamiferos, cha- mada diaphragma, e que nestes serve para estorvar que o ar vá além do peito, podendo, portanto, o ar exterior intro- duzir-se em todas as partes do corpo pe- las vias respiratorias, que se ramificam em todo o tecido cellular, nas pennas, no interior dos ossos e até mesmo por entre os musculos. O corpo, dilatando-se pelo ar inspirado, perde uma parte impor- tante do seu peso, e cheio d'ar pode na- dar, para assim dizer, no elemento ga- ZOSO. As azas não bastavam á ave para se manter no espaço ; era-lhe necessaria a respiração dupla, para que o corpo ti- vesse sufficiente leveza especifica, e a cir- culação se aclivasse, avivada pelo oxyge- nio do ar que penetra em todas as cavi- dades do corpo, porque o calor vital, nos animaes, está sempre em relação com a respiração. D'este modo as aves, graças á sua organisação opulenta, podem viv2r nas mais frias regiões da atmosphera. As azas servem-lhe de remos para se di- rigirem, subir ou descer a seu bel prazer, e conforme o impulso que lhe dão. Nem todas as aves voam, e d'estas é exemplo o abestruz, que possuindo azas rudimentares, servem-lhe tamsómente pa- ra rebater o ar quando anda. As azas das aves são agudas ou obtu- sas. Quanto mais agudas são, isto é, as pennas vão diminuindo de comprimento a partir da ponta da aza, tanta maior é a aptidão do animal para voar, e com mais actividade se move em todas as direcções. A cauda, composta de doze pennas, deno- minadas remiges recirizes, serve como que de leme para dar direcção ao vôo. As aves reunem todos os graus de or- ganisação : voam, andam e nadam, con- formando-se com os seus habitos aerios, terrestres ou aquaticos. As diversas par- tes do corpo, posto que em todas as es- pecies se assimilhem, são todavia modi- AS AVES 7 ficadas segundo o genero de vida que a natureza lhe distribuiu. É digno de men- ção que a pelle das aves nos logares onde as pennas a cobrem é formada por uma derme pouco espessa; rija porém, e até mesmo coberta de escamas, em todos os sitios que ficam a descoberto.» (L. Fi- guier.) Nas aves os sentidos do tacto, do gosto e do ouvido são pouco desenvolvidos ; o sentido do olfato parece ser, principal- mente nas aves de rapina, bastante apu- rado, sendo pelo cheiro que presentem a grande distancia a existencia dos cor- - pos mortos. Alguns escriptores, porém, teem por melhor opinião ser a vista e não o olfato que as guia n'este caso. Evi- dentemente a vista alcança nas aves O maior grau de perfeição, e é superior á dos mamiferos. No dizer de Spallanzani o gaivão tem a vista tão apurada, que consegue ver objectos não excedendo o diametro d'um centimetro á distancia de cem metros. A rapidez com que as aves podem per- correr distancias consideraveis é real- mente surprehendente, e nenhum dos outros seres da creação pode com ellas competir. «Emquanto que, diz Figuier, os mamiferos mais rapidos na carreira apenas conseguem andar cinco ou seis leguas por hora, certas aves no mesmo periodo fazem vinte leguas. Em menos de tres minutos perde-se de vista uma das maiores aves, uma aguia ou um milhafre, que não tenham menos d'um metro de comprimento, podendo-se d'a- qui concluir que devem percorrer mais de 1460 metros por minuto ou 86 leguas por hora. Na Persia, segundo affirma Pietro Delle Valle, o pombo viajante percorre n'um dia a distancia que um peão an- daria em seis. Um falcão que pertenceu a Henrique 11 partindo um dia de Fon- tainebleau em perseguição d'uma betar- da, foi no dia seguinte encontrado na ilha de Malta. Outro falcão que haviam mandado das ilhas Canarias ao duque de Lerma, para Hespanha, regressou d'An- daluzia ao pico de Teneriffe em 16 horas, fazendo um trajecto de 250 leguas.» O apparelho vocal das aves differe do do homem; teem duas larynges, uma superior e outra inferior. A larynge in- ferior, situada na bifurcação da trachea- arteria, é o orgão productor do canto ; a larynge superior, situada na parte su- perior da trachea, é um orgão comple- mentar destinado ao maior aperfeiçoa- mento da voz. «O canto das aves, diz Figuier, é a expressão do seu sentir. Cantam não só pelo prazer que isso lhes causa como tambem para que as escutem. Quando os accentos melodiosos da sua voz resoam por entre o arvoredo, parece que estes graciosos artistas, ufanos do seu talento, se comprazem em que lhes admirem a voz, e olhando constantemente em volta de si, como que buscam fazer-se notar. Variam as aves o canto segundo as esta- ções, sendo principalmente na primavera que mais se póde gozar do encanto dos seus gorgeios e do conjuncto harmonioso dos seus concertos. Ha porventura al- guma coisa mais deleitosa do que ou- vir os trinados da toutinegra, ao despon- tar da aurora, repercutindo-se sob uma abobada de folhas verdes, ou as melodias cadenciadas do rouxinol, quebrando poe- ticamente o silencio da floresta nas noites serenas de junho ? » Possuem as aves uma linguagem que ellas bem comprehendem. «Amoldando-os ás cireumstancias, diz Brehm, os sons que soltam podem, sem exagero, conside- rar-se como outras tantas palavras, não só comprehensiveis para os seus simi- lhantes, como tambem para quem as ob- serva attentamente. Chamam-se, expres- sam o prazer e o amor, provocam-se á luta, pedem soccorro, avisam-se mu- tuamente da aproximação do perigo, n'uma palavra, communicam-se mil coi- sas. Os seus similhantes e até mesmo as aves das especies mais intelligentes sabem o que taes sons querem expressar. Todas as pequenas aves escutam com attencção as advertencias que lhes veem das aves ribeirinhas; os estorninhos e os outros passaros do campo ouvem attentos as gralhas; o grito d'alerta dado pelo melro põe em guarda toda a população alada da floresta. São as mais vigilantes sen- tinellas. No tempo das nupcias as aves teem os seus colloquios: conversam, tagarel- lam, ás vezes, com o tom mais amavel. » Não se pode negar a intelligencia ás aves, e erro manifesto é por certo cha- mar instincto ao sentimento que as leva a praticar um certo numero d'actos que são a nossa admiração. São susceptiveis de educação, e o homem consegue ensi- nal-as a fazer coisas que na verdade não 8 MARAVILHAS DA CREAÇÃO são resultado do instincto, ou então o instincto pode aperfeiçoar-se e muito se assimilha á intelligencia. O homem no seu immenso orgulho recusa aos animaes esta faculdade, temendo que a sua supre- macia possa soffrer com tal concessão, entretanto, não deve ella ser denega- da por quem de boa fé os observar. As aves são oviparas, isto é, pôbem ovos dos quaes nascem os filhos. A côr dos ovos varia segundo as especies, e da mes- ma forma a sua configuração, havendo-os arredondados ou alongados, ou deseguaes nas duas extremidades, á maneira dos da gallinha. Compõe-se o ovo de duas partes: agemae aclara, encerradas n'um involucro de natureza calcarea, a que se dá o nome de casca. A gema forma-se no ovario e é cober- ta por uma membrana muito tenue chama- damembrana vitellina, observando-se n'el- la um pequeno ponto branco, que tem o nome de cicatricula, sendo n'esta parte da gema que comeca o trabalho embryonario, como ponto de partida da formação do novo ser. Tão depressa a gema tem attingido o seu completo desenvolvimento, solta-se do ovario e passa para 0 oviducto, um ca- nal longo que vem terminar na cloaca, sendo n'esta passagem que se cobre suc- cessivamente de camadas de albumina, aqui segregada, e que constituem a cla- ra. A clara, que fica cercando a gema, é então coberta exteriormente por uma membrana espessa, que forra a face in- terna da casca, à excepção da extremi- dade mais grossa do ovo, ficando n'esta parte separada e formando um espaço cheio d'ar que se denomina camara do ar. Em ultimo logar forma-se a casca, na occasião da postura do ovo, e algumas vezes observa-se nas gallinhas o pórem ovos cujo involucro não está ainda com- pletamente solidificado, o que se deve altribuir á escassez de saes calcarios con- tidos na alimentação. A formação do novo ser dentro do ovo requer um certo grau de calor, que nas gallinhas é de 28 a 30 graus aproxima- damente. Na maior parte das especies são as proprias aves que chocam os ovos nos ninhos que construem, citando-se como excepção os abestruzes da Africa que en- terram os ovos na areia, cuja temperatura é suficiente para fazer desenvolver o ger- men. O cuco impõe ás aves d'outras especies o trabalho de lhe chocarem os ovos, tendo porém o cuidado de não os confiar se- não as insectivoras como elle. Um dos primeiros orgãos que se forma é o coração, depois os lineamentos da columna vertebral, e a cavidade thora- cica-abdominal, onde se desenvolvem os intestinos e os principaes vasos. Appare- cem os membros a principio todos de for- ma egual, os olhos logo nos primeiros tempos são visiveis, € assim pouco a pou- co o embryão passa ao estado de feto. Tão depressa o novo ser está completa- mente formado, quebra o involucro cal- careo do ovo, com o auxilio d'um tuber- culo muito resistente que lhe termina a mandibula superior. Os ninhos d'algumas aves, — sendo as especies mais pequenas as que mais arte empregam na sua construcção, con- tentando-se as grandes em fazel-os mais toscos, — são verdadeiras maravilhas que fazem a nossa admiração. Parece, diz Figuier, que foi tomando por modelo es- ses encantadores edificios que os homens aprenderam a pedreiros, carpinteiros, mineiros, tecelões, cesteiros, etc. Muito haveria a accrescentar sobre a organisação e caracteres das aves em geral; mas não nos sobra espaco para mais lon- ga resenha, e guardamos para quando tratarmos das especies em particular ou- tros pormenores que por agora omilt- timos. As aves constituem uma divisão bem natural, e o plano da sua organisação é uniforme; mas determinadas differenças secundarias nas formas e no genero de vida, — sendo umas carnivoras, ou- tras insectivoras ou granivoras, e algu- mas omnivoras, habitando certas espe- cies nos cimos das montanhas, vivendo outras sobre as arvores, e algumas prefe- rindo os pantanos ou o mar, —serviram de base paro dividir a classe das aves em seis ordens, conforme a classificação mais seguida, pois ha naturalistas que admit- tem maior numero. Seis são pois as ordens em que dividire- mos as aves, para descrevermos em parti- cular as suas especies mais principaes, se- guindo o methodo que usámos nos mami- feros. Eil-as: as aves de rapina, Os passa- ros, as aves trepadoras, os gallinaceos, as aves ribeirinhas ou pernaltas, e as aves aqua- ticas ou palmipedes. AVES ORDEM DAS AVES DE RAPINA As aves comprehendidas n'esta ordem ; são bem faceis de distinguir pelos seus caracteres geraes : — bico rijo e adunco, tendo a extremidade da mandibula su- perior aguda e recurvada para baixo, azas grandes e muito vigorosas, per- nas curtas e fortes cobertas de pennugem, dedos muito compridos, tres para diante e um para traz, armados de unhas muito robustas, recurvas, com a fórma de garras. A organisação é perfeitamente apro- priada ao seu genero de vida: a robus- tez das azas permitte-lhes elevarem-se a al- turas consideraveis, e em poucos instantes transportar-se a grandes distancias; a vista singularmente aguda dá-lhes a vantagem de poderem enxergar muito longe a presa accommettendo-a subitamente, seguran- do-a nas garras, e elevando-se com ella novamente para a devorar em sitio que lhes pareca mais azado. - Correspondem as aves de rapina aos carnivoros, nos mamiferos, e como estes o seu alimento compõe-se para algumas es- pecies de carne fornecida pelos corpos mor- tos que encontram sobre a terra, para ou- tras das presas vivas que accommettem com vigor e destreza notaveis, satisfazendo assim os seus appetites sanguinarios. Falta ás aves de rapina uma qualida- de, que é apanagio de quasi todas : a voz, geralmente agradavel n'estas e que n'aquellas se limita a duas ou tres notas pouco sonoras, uma especie de gritos rou- cos, que n'algumas teem o seu tanto de lugubres. A airosidade e belleza do colo- rido, que se observa na maioria das aves, falta nos animaes desta ordem, não poden- do em compensação negar-se-lhes a cora- gem, uma certa consciencia da sua força, c até mesmo uma tal ou qual magestade. São, porém, crueis, ferozes e astuciosas. Dá-se uma circumstancia singular n'es- tes animaes: a femea é frequentes vezes maior que o macho um terço, provindo d'aqui dar-se o nome de tercó ao macho em certas especies. Com os seus instinctos guerreiros e san- guinarios são o terror das outras aves, que ellas victimam, e vivem no geral solitarias. aos casaes nos sitios desertos, reunindo-se excepcionalmente quando se trata de devorar algum cadaver. Em toda a parte do mundo se encon- tram as aves de rapina, vivendo as espe- cies maiores nos cimos das serras em lo- gares inaccessiveis ao homem. Muitas es- pecies emigram quando o inverno se apro- xima, e dirigem-se para o sul em segui- mento das aves mais pequenas, e n'essa occasião reunem-se em grandes bandos. Divide-se esta ordem em duas sub- ordens: as aves de rapina diurnas e as aves de rapina nocturnas. AVES DE RAPINA DIURNAS O que acima dissemos ácerca das aves de rapina cabe principalmente a esta sub- 10 ordem. Como caracteres particulares men- cionaremos a existencia d'uma membrana na base do bico, de cór amarellada, cha- mada cera, e na qual se abrem as ventas; os olhos são lateraes, as pernas cobertas de pennugem, e os dedos nús. Differem muito os animaes d'esta sub- ordem em tamanho, desde o condor que mede da extremidade d'uma aza á da ou- tra quatro a cinco metros, até uma das especies do falcão que apenas tem trinta centimetros. Quasi todos cacam em pleno dia, pou- cos ás horas do crepusculo. Dividem-se as aves de rapina diurnas em tres familias: os abutres, os serpen- tarios e os falcões. | OS ABUTRES Distinguem-se os individuos d'esta fa- milia pelos seguintes caracteres : bico di- reito e recurvo só na extremidade, cabeca e pescoço em geral nús e cobertos de mem- branas carnudas mais ou menos espessas, unhas fracas e quasi direitas) cauda curta e azas muito compridas. Quando andam conservam o corpo horisontal, porque sem esta precaução varreriam o chão com as azas, differindo n'isto das aves comprehendidas na familia dos falcões, que trazem o corpo levantado e teem porte mais nobre. Caracterisam-se tambem estes animaes pelo gosto particular por carne corrom- pida, que constitue quasi que exclusiva- mente a sua alimentação, sendo raro ata- carem animaes vivos; assim a missão que a natureza lhes conferiu é uma das mais importantes, destinados como são a livrar a superficie da terra dos cadave- res que a tornariam inhabitavel. Os egypcios renderam culto a estas aves, e malgumas nações ainda hoje se 1 A maior parte dos naturalistas discordam na classificação das aves, e cada um geralmente se- gue melhodo seu. Não tivemos o intento de cs- crever um tratado de zoologia quando nos pro- pozemos a fazer este livro ; por isso fugindo a embrenhar-nos com o leitor nos meandros da clas- sificação ornilhologica, como antecedentemente fi- zemos com a dos mamiferos, teremos em vista a descripção das especies mais importantes, e d'es- tas preferindo ainda as que vivem no nosso paiz e no Brazil, considerando a classificação scien- tifica como objecto secundario, e seguindo-a prin- cipalmente para conservar certo methodo e ordem neste trabalho e para que ao leitor não fique ella sento completamente estranha. MARAVILHAS DA CREAÇÃO considera um delicto grave matar um abutre. O seu regimen é motivo para que exha- lem constantemente mau cheiro, e a carne não seja aproveitavel. Dividem os zoologos esta familia em muitos generos, dos quaes, porém, só daremos algumas das especies princi- paes, comecando pelas que se encontram em Portugal. O GRIFFO Gyps fulvus, de Gmclia.— Le gyps griffon, dos francezes Tem este abutre 1”,13 de comprido, e as azas abertas medem de ponta a ponta am 72. E' trigueiro arruivado, mais escu- ro no ventre, com as remiges primarias e as pennas da cauda pretas, as remiges secundarias escuras com uma orla ruiva pela parte de fóra; as pennas da colleira brancas ou brancas-amarelladas, a cera côr de chumbo escuro, o bico pardo, e os pés pardos-escuros. Encontra-se o griffo principalmente no sul e no sudoeste da Europa; sendo fre- quente nos Pyreneos, nos Alpes, na Sar- denha, na Italia, na Grecia, em Hespanha, c em Portugal é vulgar no Alemtejo. Vive tambem no noroeste da Ásia. Os animaes desta especie habitam nos rochedos, encontrando-se principalmente nas vizinhanças das montanhas. De dia, as horas que não empregam em procurar o alimento passam-n'as empoleirados n'al- guma saliencia ou aresta dos rochedos, e muito antes do pôr do sol recolhem ao sitio onde teem estabelecida a morada. A epoca dos amores é para o griffo de fevereiro a março, e faz o ninho n'al- guma fenda de rocha, formado d'uma camada pouco volumosa de ramos d'ar- vore. À femea põe um unico ovo, do ta- manho d'um ovo de ganso, que é chocado pelo macho e pela femea. Nos primeiros tempos os pequenos são alimentados pelos paes com carne proveniente de corpos mortos. De todos os abutres parece ser esta es- pecie e todas as do genero gyps as mais bravias e irasciveis. E' escassa a sua intel- ligencia. «Numa cacada na serra de Guadarra- ma, conta meu irmão, vi apparecer no ar dois gyps ec subitamente accometlte- rem-se. Seguros um ao outro, e não po- dendo voar, deixaram-se cair redemoi- nhando como um corpo morto, sem que O GRIFFO 11 isto lhes diminuisse o furor, e no solo continuaram a lucta sem se preoccupa- rem com o que existia em volta. Um pas- tor querendo apanhal-os correu para el- les com um cajado, e só depois de rece- berem um certo numero de pancadas per- ceberam que melhor lhes seria pôr-se em fuga, e deixarem o duello adiado para mais tarde. Então separaram-se, e voando rapidamente, foi cada um para seu lado. Quando alacam um cadaver, prefe- rem os orgãos contidos no interior. Bas- tam algumas bicadas para romperem o abdomen e abrir uma brecha por onde P ly EO | A) j ) sp Du ) des fr) ) p | Di ty nd podem introduzir o pescoço bastante com- prido. Pelo estremecimento do corpo per- cebe-se etnão o ardor com que se entregam á operação, cevando-se nas visceras, laes como o coração e o figado, sem nunca re- tirar a cabeca da cavidade abdominal; e só quando chega a vez aos intestinos os sacam para fóra do corpo, para depois de os cortar com uma bicada, engolil-os aos pedaços. Manchado a cabeça e o pescoço de sangue e despojos, o aspecto deste ani- mal é n'esta occasião horroroso. Não sei realmente se atacam os animaes doen- Gr. n.º 244 — O Grillo tese os muribundos, á maneira do condor, mas os arabes e os pastores das monta- nhas do sul da Hungria accusam-n'os d'es- tes maleficios. Estes ultimos affirmaram a Lazar que o abutre cinzento atacava e matava os carneiros que encontrava dis- persos (Brehm). O griffo é susceptivei de domesticar-se, posto que se não torne completamente manso. Conta Nordmann que uma senhora, que residia em Taganrog, possuia um griffo que todas as manhãs saía da sua habita- ção, situada no pateo da casa, e se dirigia ao estabelecimento onde se vendia a car- ne, e ahi não só o conheciam mas habitual- mente davam-lhe de comer. Caso lhe recusavam a pitanca do costume, pro- curava ardilosamente rouballa, e uma vez realisado o furto fugia para o te- lhado d'uma casa vizinha para ahi devo- ral-o em paz. Atravessava ás vezes o mar d'Azof para ir á cidade d'este nome, e pas- sava por lá o dia, regressando a casa para dormir.» O PICA-0SSO Vultur monachus, de Linneo — Le vautour arrian dos francezes É a maior das aves da Europa, mede 1", 20 de comprimento e 2”, 34 entre as extremidades das azas; a femea é maior. 12 MARAVILHAS DA CREAÇÃO E' trigueiro escuro por egual, bico azu- lado na base, em partes vermelho ou roxo vivo, e azul na ponta; pés bran- cos ou côr de carne com reflexos viola- ceos, as partes nuas do pescoco côr de chumbo claro e o circulo despido de pennugem que lhe cerca os olhos côr de violeta. E” frequente nos Alpes, nos Pyreneos, no archipelago grego, no sul da Hespa- nha, no Egypto. Em Portugal tem sido visto no Ribatejo e no Alemtejo. Esta especie, no dizer de Brehm, parece ser menos commum que os griffos, e en- contram-se estas aves isoladas ou reunidas em familias de tres a cinco individuos. Teem presença mais nobre e mais simi- lhante á das aguias. Alimentam-se da car- ne dos animaes mortos, aproveitando os intestinos só quando não teem por onde escolher, e não desdenham os ossos. Con- ta-se que atacam e matam alguns mami- feros. Aninham nas arvores, e o ninho é cons- truido sobre um dos ramos principaes, primeiro formado de cavacos da grossura d'um braço, sobre elles uma camada de troncos mais delgados, e tapisado depois com ramos seccos. A femea põe um ovo branco, de casca espessa, mais pequeno que o do griffo. Os pequenos só aos qua- tro mezes começam a voar, sendo ali- mentados até essa epoca pelos paes com carne corrupta. Este animal pode viver em domesticida- de e parece haver exemplos de se tor- Gr. n.º 245 — O pica-osso nar manso para as pessoas que o tratam, conservando-se, porém, bravio para os estranhos. D'um d'estes animaes domes- tico conta Leisler que digeria ossos de cinco a seis polegadas de comprimento, e que nunca atacou animaes vivos. Se lhe apresentavam um gato morto e por meio d'um cordel o faziam mover, o abutre fugia, e só depois de lhe dar com os pés e certificar-se que não vivia co- meçava a devoral-o. O ABUTRE DO EGYPTO Neophron percnopterus, de Linneo. — Le vautour alimoche, dos francezes Medem os individuos d'esta especie desde 0,70 até 07,80 de comprimento, e 17,68 a 17,73 entre as pontas das azas; teem a cauda curta e as azas alongadas. As pennas da nuca são compridas, estrei- tas e separadas, e uma parte da cabeça e as faces são nuas. Os adultos são brancos, tirante a ama- rellos no pescoço e na parte superior do peito, com uma malha de côr amarella alaranjada no papo ; as remiges primarias pretas, as escapulares pardas, o bico côr de chumbo, os pés amarellos e as unhas pretas. Encontra-se em muitos paizes da Eu- ropa, é vulgar em Hespanha e frequente em Portugal na serra da Louzã. Na Africa é principalmente commum no Egypto, onde o appellidam gallinha de Pharaó. Esta especie encontra-se representada nos monumentos egypcios, e foi motivo de culto no Egypto, sendo ainda hoje tida em grande apreço pelos povos d'al- guns paizes do Oriente. Conta Cuvier que O ABUTRE DO EGYPTO msá,AXO:ÊÔoÔos....-s.— alguns musulmanos legam quantias des- tinadas a alimentar um certo numero d'es- tas aves, e Shaw, na sua Viagem ao Egy- pto, diz que o pachá fornecia diariamente dois bois para alimento dos abutres. Os animaes d'esta especie são socia- veis como todos os abutres, sendo raro encontral-os isolados; vivem d'ordina- rio aos pares, e nos pontos onde são mais frequentes, taes como na Turquia, na Grecia, e principalmente no Egypto e na Arabia, vêem-se cruzar nos ares, em grandes bandos, vivendo na melhor har- monia. 13 O abutre do Egypto pousa geralmente sobre os rochedos, e raro é vel-o nas ar- vores, não penetrando nunca nas florestas; no norte da Africa e na Arabia vêem-se sobre os edificios. O seu alimento consiste não só em carne corrupta e em excrementos, como tambem em pequenos mamiferos e aves que póde apanhar. Diz Figuier que no antigo continente desempenha este ani- mal funccções eguaes ás do urubu na America. Em Constantinopla e nas cida- des do Egypto tem a seu cargo alimpar as ruas das materias susceptiveis de cor- Gr. a.º 246 — O abutre do Egypto romper-se, contribuindo d'esta sorte para a salubridade publica, o que lhe dá a estima das populações musulmanas que o deixam viver tranquillamente. «A protecção que o homem lhe con- céde, diz Brehm, ou antes a indifferencça com que o trata, inspira-lhe tal confian- ça, que vem passeiar socegadamente por defronte das portas das habitações, em busca das substancias que lhe possam ser- vir de pasto, á maneira das aves domesti- cas. Quando eu, na minha barraca, me 0c- cupava em abrir alguma ave, via-o chegar á entrada, olhar-me attentamente, e alli mesmo devorar os pedaços que lhe ati- rava. Nas minhas viagens pelo deserto aprendi a estimal-o: seguia a caravana dias inteiros, e á maneira do corvo do deserto era a primeira ave a apparecer no acampamento e a ultima a deixal-o. Já Hasselquist affirma que este abutre acompanha os peregrinos que vão a Me- ca, alimentando-se dos restos dos ani- maes que matam, e dos camelos que morrem durante a viagem. » O ninho do abutre do Egypto é for- mado de troncos e diversos outros mate- riaes, e ahi põe a femea dois ovos. Os pequenos nascem cobertos de pennugem branca pardacenta, sendo sustentados nos YOL. JI1 14 MARAVILHAS DA CREAÇÃO O sn SOS O SS primeiros tempos pelos paes, que lhes dão o alimento, já por elles em parte diga- rido, até que possam voar ; depois d'esta epoca ainda por muitos mezes os peque- nos vivem com os paes. Estas aves apanhadas novas domesti- cam-se facilmente, e no dizer de Brehm podem ter-se na capoeira sem receio mesmo de que ataquem os pintos que andam em companhia da mãe. Apren- Gr. n.º tambem grande abutre dos Andes. A pen- nugem que o veste é preta com reflexos azulados, as remiges primarias negras foscas, as secundarias negras pardaças orladas exteriormente de branco; o alto da cabeca, a face e a garganta pardos trigueiros, o pescoço côr de carne. Tem na cabeça uma crista cartilaginosa, que occupa tambem a parte posterior do bico, e dois appendices carnosos, vermelhos vi- vos, na frente do pescoço por cima da dem a conhecer o dono, andam atraz delle como um cão, e quando alguem se lhe aproxima gritam como os gansos novos. O CONDOR Sarcoramphus gryphus, de Duméril—Ze sarcoramphê condor, dos francezes O nome de condor vem-lhe de cuntur em lingua peruana, e é denominado D! 247 — O condor colleira ; a parte inferior do pescoço é or- nada com uma colleira de pennas com- pridas e brancas; tem olhos vermelhos e pernas escuras. A femea não tem crista, e a pelle do pescoço e da cabeça é nua e atrigueirada. O condor póde medir 1”, 20 de com- primento, e 2”, 80 d'envergadura, isto é d'uma a outra ponta das azas.. A patria do condor é nas montanhas da America do Sul, habitando principal- O CONDOR 15 mente na vertente occidental da cordi- lheira dos Andes, na Bolivia, no Peru e no Chili. Por vezes encontra-se nas cos- tas do mar, na Patagonia e no estreito de Magalhães, procurando alimentar-se com os despojos que o mar arroja, e ou- tras pairando sobre o Chimborazo, onde a neve é constante, muito acima das nu- vens, á altura de 7:500 metros. Supporta portanto o condor uma tem- peratura a que o homem não resisliria, porque a 6:000 metros de altura já o ar é por tal forma rarefeito e o frio tão in- tenso, que nenhuma creatura humana alli poderia demorar-se. De todas as aves é esta a que mais alto se remonta. «O condor, diz Figuier, passa a noite nas cavidades dos rochedos, proximo dos quaes a neve é eterna, e tão depressa o sol vem doirar o cimo das montanhas, o animal erguendo o pescoço até ahi oc- culto entre as pennas das costas, abandona o seu retiro, e agitando as immensas azas precipita-se no espaço. A principio vae levado pelo proprio peso, mas em breve, suspendendo-se na queda, percorre os ares tornando-se magestoso pelo tama- nho e pela destreza do vôo. Movimentos quasi imperceptiveis das azas bastam para que possa seguir em todas as direcções, e tão depressa rasteja pela superficie do solo como se eleva á altura de mil me- tros. D'ahi, então, domina os dois ocea- nos, e se deixa de ser visivel para os ha- bitantes da terra, nem por isso os meno- res movimentos d'estes escapam á sua longa vista. Mal divisa uma presa, reco- lhendo um tanto as azas, precipila-se so- bre a victima com a rapidez do raio. Embora a natureza o dotasse de po- derosos meios d'acção, o condor não ataca os animaes vivos senão emquanto são novos, ou encontrando-os enfraque- cidos e doentes, preferindo a carne cor- rompida e as immundicies. As narrações de alguns viajantes allinentes a provar a audacia d'esta ave são puras invenções. Dizem que se arremessa ao homem, e é falso, porque uma creança de dez an- nos armada com um pau é sufficiente para o pór em fuga. Affirmou-se que o con- dor arrebatava cordeiros, lhamas peque- nos e até mesmo creancças, e esta assevera- ção não resiste a um simples exame dos dedos, porque, á maneira de todos os abutres, os tem esta ave pequenos e ar- mados d'unhas que não pode retrahir, sendo-lhe completamente impossivel apo- | derar-se e levantar qualquer presa um pouco mais pesada. O que, todavia, não é duvidoso é o facto de pairar em volta dos rebanhos de vaccas e de ovelhas, e, a exemplo dos caracarás, arremessar-se sobre alguns d'es- ses animaes recem-nascidos e devoral-os. Acompanha tambem as caravanas que atravessam as aridas planicies da Ameri- ca meridional, e se algum malaventurado jumento, extenuado de fadiga e privações, se deixa cair na estrada, sem forças para mais caminhar, é assaltado por estes ra- pinanies alados, que o devoram a pouco e pouco, fazendo-o soffrer mil tormen- tos. Castelnau, que observou os condores nos Andes, conta a proposito o seguinte : «Tem acontecido a alguns viajantes, a quem as fadigas e os soffrimentos pros- tram, serem atacados e despedaçados por estas aves ferozes, que ao mesmo tempo que arrancam pedaços de carne á victi- ma lhe fracturam os membros com as pancadas dadas com as azas. Os infe- lizes conseguem ainda resistir por al- guns instantes; em breve, porém, os res- tos ensanguentados que jazem no solo servirão para advertir os viajantes que outros que n'estas paragens perigosas os precederam foram victimas de morte horrorosa. Possue o condor extraordinaria vitali- dade. Humboldt conta que não póde es- trangular uma d'estas aves, e que para levar a melhor lhe foi mister espancal-a com a espingarda. Quando está farto, o condor torna-se pesado e mal pode voar. Os indios, que não ignoram esta particularidade, sabem aproveital-a para destruir similhante cas- ta, que lhes é tão nociva. Attrahem os condores pondo-lhes como engodo, em sitio bem descoberto, uma porção de carne corrompida, e lão depressa os véem bem fartos perseguem-n'os a ca- vallo, atiram-lhes o terrivel laço, e ma- tam-n'os a pau. Os condores reunem-se para devorar algum animal de maior corpulencia ; findo o banquete cada qual vae para seu lado fazer a digestão n'alguma cavidade dos rochedos. Não construem ninho, e a femea põe dois ovos numa fenda das rochas ou nas penedias á borda do mar. Dura a creação dos pequenos alguns me- zes, e os paes alimentam-n'os dando-lhes as substancias depositadas no papo e que 16 MARAVILHAS DA CREAÇÃO MW JJÕJãÇJãà JIJ ÃZ£Ã ao e a ea ue asaaÃa lhes vem ao bico, no que imitam todos | os abutres. E” difficil domesticar o condor, e pre- so torna-se ainda mais bravio. Humboldt teve um durante oito dias, em Quito, e no seu dizer era perigoso aproximar- se-lhe. O URUBU REI Sarcoramphus papa, de Dumeril. — Le sarcoramphe pape, dos francezes O urubu rei não deve o nome só ás côres brilhantes das pennas; outra cir- cumstancia deu origem ao appellidarem- br. n.º 248 — Q urubu rei n'o rex vulturum (rei dos abutres). Conta d'Orbigny que um bando de urubus que em volta do corpo d'um animal dispu- ta entre si a posse dos pedaços que lhe arrancam, ao ver o urubu rei que se aproxima retiram-se á distancia d'alguns passos. E o urubu rei uma bella ave que se distingue do condor pelo collar que lhe rodeia completamente o pescoço, de côr parda, e pela crista alaranjada que lhe reveste apenas a base do bico. A cara, o pescoço e a cabeça são amarellos claros, o bico preto na base, vermelho claro no meio e branco amarellado na extremi- dade, a parte anterior das costas e a su- O URUBU 17 DE O perior das azas brancas avermelhadas, o ventre branco puro, as pennas das azas e da cauda negras, sendo as primeiras orladas de pardo pela parte de fóra; as pernas escuras. Mede 0,88 de comprido e 1,"86 entre as extremidades das azas abertas. Encontra-se no Mexico, no Perú, na Guiana, no Brazil e no Paraguay. À sua elevação maxima é de 1:600 metros acima do nivel do mar. Ao contrario do condor, que vive nos sitios mais aridos e escalvados, o urubu rei frequenta as florestas virgens e as pla- nicies cobertas de arvoredo, e passa a noite pousado nos ramos das arvores. O seu regimen é egual ao do condor. Acérca da influencia, a que já nos re- ferimos, que este animal tem sobre os demais abutres, lemos em Brehm os seguintes periodos de Schomburgk. «Centos de abutres reunidos em volta de quaesquer substancias corruptas retiram- se apenas divisam o urubu rei. Empolei- rados nas arvores vizinhas, ou simples- mente pousados no solo a certa distancia, aguardam, e n'isto os olhos brilham-lhe de cubiça, que o seu tyranno se haja sa- ciado e'se retire. Finda que seja a re- feição do urubu rei, precipitam-se todos sobre os restos, e cada qual trata de ob- ter a melhor parte. Fui muitas vezes testemunha d'este fa- cto, e posso affirmar que em frente de ne- nhuma outra ave as especies mais pe- quenas dos abutres abandonam a presa, como o fazem em frente do urubu rei. Tão depressa o enxergam, por mais en- tretidos que estejam, todos se retiram, e a vel-o aproximar-se como que o saudam levantando e abaixando alternadamente as azas e a cauda. Toma o urubu rei o logar que elles lhe cedem, e todos aguar- dam silenciosos que haja por bem reli- rar-se.» Não é bem conhecido o modo porque estas aves construem o ninho, nem me- lhor- conhecidas são as circumstancias es- peciaes da sua reproducção. O URUBU Cathartes foetens— L'urubu, dos francezes O urubu assimilha-se bastante ao perú, e parece ser esta a razão de haver sido appellidado gallinazo pelos primeiros co- lonos hespanhoes que se estabeleceram na America. Tem a cabeça e a frente do pescoco pardas azuladas escuras tiran- tes a negro, o corpo, as azas e a cauda negras, O bico trigueiro escuro e esbran- quicado na ponta. Habita em toda a America do Sul e na do Norte. «O urubu tem a corporatura dum perú pequeno. A pennugem negra dá- lhe ares d'um gato pingado, similhança que os seus habitos repellentes justificam plenamente. Como seja bastante sociavel, encontra-se sempre em grupos numero- sos, e, à maneira de todas as aves que se Gr. n.º 249 — O urubu alimentam de substancias corruptas, é companheiro assiduo do homem e se- gue-o em todas as suas peregrinações. Na maior parte das cidades da America meridional adquiriu direitos de cidadão, e corre livre e tranquillamente pelas ruas, para assim dizer, como domes- tico, e sob a protecção da lei multi- plicando-se cada vez mais. No Perú é certo que a lei prohibe matar o urubu, sob pena da multa de 408000 réis. Na Jamaica existe egual prohibição. Es- tas immunidades concedidas aos urubus comprehendem-se tão depressa se saiba que são os unicos encarregados, n'a- quelles paizes, de alimpar as ruas dos de- tritos de toda a especie, que sob a acção 18 MARAVILHAS DA CREAÇÃO da temperatura bastante elevada, infi- cionariam o ar, e seriam o germen de continuadas epidemias. São, pois, estas aves de rapina os zeladores da hygiene e da salubridade publicas, e sob este pon- to de vista bastante uteis, e explica-se que a lei os proteja não obstante tudo quanto teem de repellentes, e do terrivel fetido que exhalam. «A familiaridade dos urubus é excessiva, diz Alcide de Orbigny: vi-osna provincia de Mojos, na occasião de se distribuir a carne aos indios, arrebatarem-lh'a no mesmo instante em que lh'a davam. Em Conceição de Mojos, quando se effecluava uma d'estas distribuições periodicas, pre- veniu-me um indio que ia ver um dos mais descarados urubus, conhecido por ter uma perna de menos. Não tardou, etfectivamente, que o vis- semos apparecer e manifestar toda a sua annunciada ousadia. Affirmaram-me que conhecia perfeitamente a epoca da distri- buição da carne, que se faz todos os quin- ze dias em cada missão, e na semana se- guinte, estando eu na missão da Magdale- na, distante vinte leguas da da Conceição, á hora da distribuição ouvi os gritos dos indios e reconheci o urubu manco que chegara. Os superiores das duas missões affirmaram-me que este urubu não fal- tava nos dias destinados para a distribui- ção, o que denota n'esta ave um instincto elevadissimo, reunido a uma memoria rara entre as aves.» - Conforme habita no campo ou na ci- dade, o urubu passa a noite nos ramos mais grossos das arvores ou sobre os te- lhados das casas. De manhã, tão depressa rompe o dia, eil-o em busca de alimento, descrevendo grandes circulos no ar, e explorando os arredores. Se avista algum animal morto, corre avidamente a cevar-se, e os outros urubus, observando-lhe os mo- vimentos, chegam sem demora aos mi- lhares para tomar parte no festim. Suc- cedem-se então rixas e lutas, e d'ellas sae sempre victorioso o mais forte. Em poucos instantes o animal é devorado, e nada mais resta senão o esqueleto, tão bem escarnado que um anatomista o não faria melhor. Vão em seguida os urubus pousar em sitio perto, e ahi, com o pes- coço entre as espadoas, e as azas esten- didas, digerem tranquillamente os ali- mentos com que acabaram de cevar-se. Os urubus, á imitação da maior parte dos abutres, abrem as azas ainda mesmo quando repousam, e assim as conservam horas inteiras, porque exhalando do corpo uma especie de suor gorduroso, cuja evaporação o ar favorece, sen- tem-se assim mais frescos. A repugnancia que inspiram, não ob- stante os serviços que prestam, é motive para que ninguem os queira ter em do- mesticidade. Entretanto Orbigny viu mui- tos completamente domesticos, e obser- vou que são susceptiveis de affeiçoar-se Um indigena tinha uma d'estas aves, con- ta este naturalista, que havia creado, e que o seguia para toda a parte. Certo dia o dono do urubu adoeceu, e este não o vendo andava triste, até que em certa occasião, encontrando a porta do quarto aberta, pôde voar para junto delle, e manifestar-lhe pelas suas cari- cias a alegria que sentia ao vel-o.» (L. Figuier.) Além d'esta especie mencionam alguns naturalistas outra, o catharthes aura, que no Brazil appellidam vulgarmente urubu pellado. Brehm diz serem muito simi- lhantes nos habitos os individuos das duas especies. O GYPAETO BARBUDO Gypaetus barbatus, de Cuvier— Le gypaete barbu ou vautour des agneaux, dos francezes Os gypactos formam um genero inter- mediario entre os abutres e as aguias, e aproximam-se d'estas por ter a cabeça, o pescoço e os tarsos cobertos de pennu- gem; o bico é vigoroso e muito recurvo na extremidade; teem um tufo de pel- los asperos sob a mandibula inferior em fórma de barba, e d'ahi lhe provém o nome de gypaeto barbudo. E a maior das aves de rapina do an- tigo continente, e alguns ha que atlin- gem o comprimento de 17,48 e 37,13 entre as pontas das azas abertas. O gypacio adulto tem a cabeça branca amarellada, a nuca e a parte posterior da cabeca amarella ferrugentas, as costas, a pennugem da parte superior das azas e da cauda negras com a haste esbran- quicada e a extremidade malhada de amarello, as pennas das azas e da cau- da negras com a haste branca; a parte inferior do corpo amarella ferrugenta mais escura na garganta; uma linha preta partindo do bico dirige-se aos olhos e segue para a parte posterior da cabeça. A cera é negra azulada, o bico O GYPAETO BARBUDO 19 pardo com a extremidade negra, e os pés côr de chumbo. Este colorido varia se- gundo o paiz onde a especie vive. Habita mas montanhas mais altas da Europa, da Asia e da Africa. «O gypaeto é dotado de grande força muscular e o vÔo é vigoroso, não sendo para admirar que ataque animaes de grande corpulencia, taes como os vitellos, os cordeiros, os gamos, as camurças, e que possa derrubal-os. Para alcan- çar este resultado usa dum artifício em- pregado tambem pela aguia, que con- siste em aguardar que a presa esteja só á borda d'um precipício, para então ar- remessar-se contra clla, dando-lhe com o peito e descarregando-lhe golpes suc- cessivos com as azas até conseguir lan- çal-a no precipício, onde a segue para devoral-a. - Affirma-se que accommette por vezes o homem, se o encontra adormecido, e que até mesmo ataca os caçadores de camurças procurando fazer-lhes perder o equilibrio nas passagens mais difficeis; mas não pode admittir-se que arrebate os cordeiros e até mesmo as creanças para o ninho. As unhas não são tão vigorosas que lhe permittam segurar qualquer presa um pouco mais pesada, e por isso vê-se obri- gado a despedacal-a e a cevar-se sobre o solo. Se não pode arrebatar as creancças, en- tretanto ataca-as, e a tanto servem de prova os dois seguintes factos : Em 1819 foram duas creanças devora- das pelos gypaetos nas cercanías de Sa- xe-Gotha, e o governo poz a preco a ca- beça dos temiveis rapinantes. Crespon, na sua obra Ornithologia de Gard, narra o seguinte facto: «Possuo ha muitos annos um gypaeto que em- bora se não mostre corajoso em demasia para com as outras aves de rapina, que com elle habitam, para as creanças não. se dá o mesmo, pois accommette-as com as azas abertas e procurando aggredil-as com o peito. Ultimamente tendo-o sol- tado no jardim, esperou occasião em que ninguem o visse e arremessou-se a uma sobrinha minha, com dois annos. e meio de edade, e havendo-a agarrado pe- los hombros lançou-a por terra. Feliz- mente os gritos da creança advertiram-nos do perigo que corria, e apressei-me a soc- correl-a. A creança só soffreu o susto e o vestido tinha um rasgão. » Só quando a fome o aguilhoa e na. falta de presa viva o gypaeto se-alimenta de animaes mortos. Este rapinante dá provas de coragem quando se trata de defender os filhos. O. caçador de camurças, José Scherrer, ha- vendo trepado até ao sitio onde existia. um ninho de gypaetos, para apanhar os pequenos, teve de sustentar, depois. de matar o macho, luta tão furiosa con-. tra a femea, que vendo-se nos maiores - embaraços para se livrar d'ella, só con- seguiu abatel-a servindo-se da espingarda. Ainda assim voltou da expedição mal fe-. rido. Os gypaetos não são muito sociaveis, o que acontece frequentemente a todos os animaes que a natureza dotou de certa superioridade physica, porque só os fra- cos põem em pratica a maxima : «A união faz a força». Vivem isolados aos pares, e 20 MARAVILHAS DA CREAÇÃO ê raro encontral-os reunidos em maior numero (L. Figuier.)» O gypaeto devora ossos, e conta-se que deixa cair os maiores de grande altura para que partindo-se melhor os possa en- gulir. «Digere os ossos maiores, diz Brehm, em tão curto tempo, que custa a acredi- tar como tal possa fazer. Georgi, o excel- lente pintor que illustrou a obra de Ts- chudi, contou-me ter observado um dia, com auxilio d'um oculo, um gypaeto pousado n'um rochedo aguardando que findasse a digestão d'um osso tão com- prido, que uma parte lhe ficava fóra do bico. Observações d'estas teem-se feito muitas vezes em gypaetos captivos.» O logar preferido pelo gypaeto para construir o ninho é o cimo dos roche- dos, em sitio quasi sempre inaccessivel ao homem, ou de difficil accesso. A fe- mea põe dois ovos. Brehm, falando da reproducção do gypaeto, entre outros pormenores conta os seguintes: «Meu irmão foi, creio eu, o primeiro naturalista que visitou o ni- nho do gypaeto. Era situado sobre um rochedo, n'uma ponta saliente, que ficava a 50 bracas da base, protegida um pouco contra os raios do sol pela massa de ro- chedos que lhe ficava superior e sobre elle debruçada. Não era difficil lá che- gar. O ninho era muito grande :teria O diametro aproximado de 17,60, 1” de altura e a cavidade central 07,60 de diametro e 07,44 de fundo. Era cons- truido de troncos compridos, variando de grossura desde a d'um dedo pollegar até á do braco duma creancça, seguindo- se uma camada pouco espessa de pequenos ramos e sob estes assentava a cavidade central, tapisada de fibras de casca de arvores, de pellos de boi e de crinas de cavallo. O rochedo, todo em volta do ninho, cobria-se de uma espessa camada de excrementos brancos como a neve.» Este naturalista fala d'um gypaeto ca- ptivo que ao fim de certo tempo se tornou manso, não só para os homens como tam- bem para os animaes. OS SERPENTARIOS Comprehende-se n'esta familia um ge- nero unico, e este com uma só especie. Os caracteres que mais distinguem estas aves são os seguintes: bico rijo e muito recurvo na ponta, azas pequenas arma- das de tres esporões bem pronunciados, com quanto sejam obtusos, destinados a atordoar os reptis, principal se não o unico alimento dos serpentarios. A cauda é muito comprida, e as duas pennas do centro mais compridas que as lateraes ; tarsos muito altos e revestidos de escamas largas e resistentes que lhe cobrem tam- bem os dedos armados d'unhas pouco curvas. Na parte posterior da cabeça teem uma poupa formada de doze pennas, que de ordinario trazem caídas, mas que po- dem erguer quando querem. A unica especie da familia é a se- guinte : O SECRETARIO Serpentarius secretarius, de Gray —Le serpentaire, dos francezes Tem esta ave tres nomes: serpentario, que lhe vem do seu regimen especial, porque a sua alimentação consta no todo ou na maior parte dereptis, e principal- mente de serpentes; mensageiro, que lhe é dado pela rapidez com que an- da; secretario, que aqui lhe damos por nome vulgar, tirado da fórma da poupa, que tem certa analogia com a penna posta atraz da orelha, uso habitualmente seguido pelos escreventes. Seja dito, po- rém, que tal analogia só podia existir no tempo em que se escrevia com penna d'ave. O macho adulto tem a pennugem da parte superior da cabeca, a da nuca, a poupa, as pennas remiges e as rectrizes, á excepção das duas do centro, negras com as extremidades brancas; o ventre rajado de negro e pardo claro; as coxas de negra e trigueiro, as duas pennas do centro da cauda pardas azuladas com as extremidades brancas e malhadas de ne- gro. O bico é preto na ponta, a cera ama- rella escura, os tarsos amarellos alaran- jados. Mede aproximadamente 1,18 de comprido, e a femea é pouco maior que o macho. Encontra-se esta ave numa grande parte da Africa. O secretario passa a vida sobre o solo, evitando as florestas e caçando nas vas- tas planícies da sua patria. Nenhuma ave de rapina corre mais doque elle, po- dendo caminhar horas inteiras sem sc fa- tigar. Quando voa, á maneira da cego- nha, deita as pernas para traz e a cabeça para a frente. Vivem aos pares, «mas em determinadas circumstancias, diz Brehm, - AVES — O SECRETARIO 21 os secretarios reunem-se em grande nu- mero. Quando, antes da estação chuvosa, se larga fogo ás hervas resequidas da pla- nicie, e o incendio lavra na extensão de muitas leguas, levando diante de si os animaes espavoridos que ahi habi- tavam, os serpentarios correm ao logar do incendio para cacarem em toda a li- nha do fogc. Já dissemos que o secretario é reptili- voro; parece porém que não desdenha outros vertebrados. É muito voraz. as lutas do secretario com as cobras vene- nosas que infestam as planicies da Afri- ca, lutas de que sae sempre vencedor, e que o tornam justamente estimado dos homens, que n'elle vêem o mais denodado destruidor d'aquelles terriveis reptis. «A cobra, quando a alcançam a distancia do covil, detem-se, ergue uma parte do corpo, e busca intimidar o adversario avolumando extraordinariamente a ca- beca e dando agudos silvos. Então a ave, abrindo uma das azas, colloca-a de Le Vaillant conta da seguinte fórma | modo que lhe sirva de escudo e lhe pro- Gr. n.º 251— O secretario teja as pernas e a parte inferior do corpo. O reptil arremessa-se contra a ave, e esta dando um salto aggride-o por seu turno, recuando, furtando-lhe o corpo, moven- do-se finalmente em todas as direcções — espectaculo verdadeiramente comico para quem o observa — mas sem nunca abandonar a luta, e oppondo ao dente venenoso do adversario a extremidade da aza, que lhe serve d'arma defensi- va. Em quanto a cobra emprega inutil- mente o veneno nas pennas d'uma das azas do secretario, este applica-lhe com a outra rijos golpes, c que mais violentos 3 os tornam as duras prominencias que tem nas azas. Finalmente o reptil, atordoado pelos goi- pes recebidos, vacilla e cae, sendo então destramente agarrado pela ave que o arremessa ao ar repetidas vezes, até que, vendo-o derreado e já sem forças, lhe es- maga o craneo ás bicadas, engolindo-o d'uma vez, se é pequeno, ou prenden- do-o entre os dedos, e fazendo-o pri- meiro pedaços se é de mais avantajadas dimensões. » O macho ajuda a femea na construc- ção do ninho, d'ordinario feito no cimo VOL. HI 22 MARAVILHAS DA CREAÇÃO d'uma arvore. Servem-lhe de base os ramos d'esta, ligados com barro amas- sado, sendo pouco fundo e tapisado com pennugem e outras substancias macias. Servindo o mesmo ninho durante annos, acontece que os ramos sobre que é fei- to, lançando novos rebentos, o envolvem completamente, occultando-o a todas as vistas. A femea põe dois ovos e raras vezes tres. No Cabo da Boa Esperança os secreta- rios são muito queridos dos colonos, não só pelos serviços a que já nos referimos, como tambem pela facilidade com que se domesticam quando são novos, podendo viver nas capoeiras com as aves domes- ticas, e livrando-as dos ataques dos re- ptis venenosos e dos ratos. Não pára aqui o seu prestimo. Conta-se que ao vêr brigar dois individuos, dos que vi- vem com elles na mesma capoeira, os separam, empregando a força se tanto fôr mister. E preciso, porém, não esquecer ali- mental-os convenientemente, sem o que não porão duvida em devorar algum dos frangãos. No Cabo da Boa Esperança poucas ca- sas ha onde não exista uma d'estas aves, e é prohibido matal-as sob penas seve- ras. Para as Antilhas francezas foram transportadas algumas em 1832, com o fim de destruirem uma terrivel cobra, alli muito frequente. OS FALCÇÕES Esta terceira familia da sub-ordem das aves de rapina diurnas, muito numero- sa, comprehende grande numero de ge- neros e corresponde ao genero falco de Linneo e á tribu dos falconidés dos natura- listas francezes. A esta familia pertencem as aves de ra- pina mais perfeitas, tendo os caracteres geraes seguintes: corpo refeito, cabeça regular e pescoço curto coberto de pennu- gem, bico relativamente curto mas mui- to vigoroso, com a mandibula superior denteada nos lados, recurva e aguda na ex- tremidade, azas grandes, cauda sobre o comprido e muito larga, e unhas fortes, muito aduncas e afiadas. São caçadoras e carnivoras, alimen- tando-se geralmente da carne dos ani- maes que podem alcançar e prender nas garras, sendo de todas as aves as mais corajosas e intrepidas. Vôam com grande rapidez e remontam a consideravel altura, não se demorando no solo além do tempo necessario para empolgarem a presa. Encontram-se em todas as partes do globo, sós ou aos pares, reunindo-se algumas vezes para caçar ou quando emigram. As especies, de que em seguida fazemos a historia, são as mais impor- tantes dos generos principaes em que se divide esta familia. O CARACARÁ VULGAR Falco brasiliensis, de Gmelin — Le caracará du Bresil, dos francezes A especie de que vamos tratar pertence ao genero polyborus, que faz a transição dos abutres para os falcões, tendo como aquel- les o papo saliente, parte da face nua, o bico grande, pouco curvo e direito na base, os dedos compridos principalmen- te o do meio, e armados de unhas leve- mente curvas. Além do caracará vulgar, o mais commum d'este grupo de aves que vivem na America do Sul, existe mais o caracará chimango e o caraca- rá chimachima (milvago chimango e mil- vago chimachima. ) O caracará vulgar tem 0,38 de com- prido e mais de 1,” 30 de envergadura. Na parte posterior da cabeça possue uma especie de poupa negra atrigueirada, as costas trigueiras escuras com riscos bran- cos transversaes, as faces, a garganta e a parte inferior do pescoço brancas ou brancas amarelladas, o ventre, as coxas e as remiges na base e nas pontas trigueiras escuras, sendo estas ultimas brancas no centro, com as barbas cortadas de riscas estreitas transversaes, e de pequenas ma- lhas escuras; as rectrizes brancas cortadas transversalmente por algumas riscas tri- gueiras claras e trigueiras escuras nas extremidades. A cera e a parte que lhe contorna os olhos brancas amarelladas, o bico azulado, os pés amarellos tirantes a côr de laranja. Habita esta ave no Brazil e em toda a America do Sul, sendo principalmente frequente nas proximidades dos pantanos. Apparece tambem nas grandes plani- cies, nos bosques pouco espessos, mas nunca nas florestas virgens. | O nome porque vulgarmente é conhe- cido o caracará foi-lhe dado por imitação do seu grito mais habitual, que solta deitando a cabeça sobre as costas, de AVES — O CARACARÁ VULGAR 28 modo que o bico fica perpendicular, facilitando assim a emissão da voz. «O caracará, diz Orbigny, é omnivoro, e alimenta-se de qualquer substancia ani- mal embora corrompida, preferindo, po- rém, os animaes vertebrados, e d'es- tes os reptis, substituindo n'este ponto, na America, o s2cretario do Cabo da Boa Esperança. Fomos muitas vezes teste- munha da preferencia que esta ave dá às serpentes para devoral-as. Uma vez um caracará seguiu um criado que ia a cavallo, porque levava de rastos uma correia, que lhe pareceu uma cobra, não o largando senão quando deu pelo erro. Come por vezes caracoes e insectos, mas para tanto é necessario que a fome o aperte. Se ataca alguns pequenos ma- miferos, prefere, comtudo, caca mais facil de apanhar, ou contenta-se com alguns restos de carne putrefacta. Não persegue as aves que encontra correndo livremente pelo campo, embora em certos pontos seja constantemente perseguido por ban- dos de papa moscas, sendo estes passaros que principalmente mais o importunam, certos de que o caracará se não defen- de. Mais ousado, porém, com as aves domesticas, se habita proximo d'algum sitio onde haja uma ninhada de pin- tos, quando menos o esperam cae sobre elles, e arrebata algum, não obstante a Gr. n.º 252 — Q caracará vulgar pobre mãe correr em soccorro dos filhos, indo devoral-o para longe. Este rapinante acompanha por vezes o caçador, sem que este dê pela sua pre- senca, e tão depressa alguma ave cae fe- rida pelo chumbo, se o homem se não apressa a levantal-a, será precedido pelo caracará, que com descaro sem egual lhe roubará a caça. A ave, já ferida pelo ca- cador, é então morta pelo caracará, que não se atreve, todavia, a atacar mesmo um passaro pequeno, quando o encon- tre vigoroso. Se o pastor perde de vista a ovelha no momento de ter a cria, o caracará nem um instante deixa de espreital-a, e a falta de zelo do homem custará a vida ao pobre cordeiro, ao qual o rapinan- te alado despedacará começando pelo cordão umbilical. Vimos o cão de gado na provincia de Corrientes, tão activo como intelligente, correndo solicito em volta do rebanho, que elle só conduz e guarda, sem nunca permiltir que o cara- cará se aproxime impunemente dos ani- maes que lhe confiaram. Quando o viajante, que atravessa as vastas solidões d'America do Sul, julga estar só, engana-se; acompanham-n'o uns convivas que se escondem até elle fazer alto, porque n'essa occasião vêl-os-ha apparecer e pousarem nas arvores vizi- nhas, aguardando os sobejos da sua refeição. Comidos estes, e adormecido o 24 viajante, adeus caracarás até ao dia se- guinte. Posto que os não veja, elles partem ao mesmo tempo, seguem-n'o, e só de novo lhe apparecem na primeira pa- rada. Quando se lança fogo ás hervas seccas do campo, para que de novo reverdecam os pastos, o caracará é o primeiro a pairar | sobre esta scena de destruição, para lan- car as garras aos pobres animaes que alli a aii RR | MARAVILHAS DA CREAÇÃO viviam, quando buscam na rapidez da fuga escapar ao terrivel elemento.» Reunem-se muitas vezes os caracarás para perseguir os urubus, e parecen- do adivinhar as occasiões em que estes ultimos teem terminado a sua refei- ção, tanto os acocam que os obrigam a vomitar os alimentos, de que os caracarás então se aproveitam. O caracará construe o ninho sobre as Gr. u.º 253 — O tartaranhão arvores, e fal-o espacoso, de pedaços de troncos e de cipós, forrado com uma espessa camada de crinas, onde a femea põe dois ovos. O caracará chimango e o chimachi- ma são tambem frequentes no Brazil, e em grande parte da America do Sul, constando o seu principal alimento de carne corrupta, de vermes, larvas e in- sectos, não atacando as aves nem os ma- miferos. Uma destas especies, porém, o caracará chimachima, tem o habito de pousar no dorso dos animaes de carga, sempre que lhes observa chagas ou fe- ridas, e por ahi comecaria a devoral-os, se estes não tivessem o instincto de se espojar no chão, escapando assim a tão terrivel inimigo. O TARTARANHÃO Falco buteo, de Linneo — La buse vulgaire, dos francezes Esta especie-do genero Buteo, é a mais AVES — O TATARANHÃO 25 commum na Europa e teem estas aves como caracteres genericos o bico curto, largo, curvo a partir da base, e arredon- dado na parte superior ; tarsos nús, cur- tos e vigorosos, cauda mediocre e arre- dondada, e azas muito compridas, que alcançam quasi a extremidade da cauda. O tartaranhão tem desde 07,60 até 07,69 de comprido e 17,37 a 17,60 de envergadura. O colorido soffre grandes variações, e raro é encontrar dois in- dividuos perfeitamente eguaes. Uns são pardos escuros por egual, á excepcão da cauda que é rajada; outros teem as costas, o peito e as coxas trigueiras e o resto do corpo pardo trigueiro claro, cortado de malhas transversaes; outros teem a pennugem trigueira clara, com malhas compridas longitudinaes ; final- mente encontram-se individuos brancos amarellados com as pennas das azas e da cauda escuras, e o peito malhado. A cera e os pés são amarellos, o bico azu- lado na raiz e annegrado na ponta. Encontra-se esta especie em grande parte da Europa e da Asia central, e é muito commum no nosso paiz. O tartaranhão vôa lentamente, sem que isso obste a que remonte a grande altura, pairando por vezes no ar por largo espaco, até descobrir a presa. Prefere, porém, empoleirar-se n'uma arvore ou n'algum monte de terra, e ahi aguardar immovel, durante horas, sobre uma per- na, e com a outra escondida entre a pen- nugem, que alguma presa lhe passe ao alcance, para se arremessar sobre ella. O seu alimento principal consiste em pequenos roedores dos mais nocivos á agricultura, devorando consideraveis quantidades de ratos campestres; não desdenha as toupeiras, as rãs, os gafa- nhotos, á falta de melhor caca. Se por vezes ataca os lebrachos e os perdigotos, destroe tambem os reptis, e nomeada- mente a vibora, evitando d'este modo a sua maior propagação. O tartaranhão é pois, incontestavelmente, uma ave util, prestando importantes servicos que lhe devem ser levados em conta. No fim de abril ou principio de maio o tartaranhão construe o ninho ou repara o do anno antecedente, sempre situado n'uma arvore e feito de ramos seccos, primeiro os mais grossos com os mais delgados por cima, forrado depois de herva secca, musgo, pello de animaes, e outras substancias macias. A femea põe tres ou quatro ovos, e se é a unica que tem o encargo da incubação, os peque- nos são, todavia, alimentados e educa- dos pelo pae e pela mãe. O tartaranhão pode domesticar-se facil- mente, e alguns naturalistas citam exem- plos que provam quanto este animal se torna manso. Buffon fala d'uma d'estas aves que pertencia a um tal cura cha- mado Fontaine, a qual não só se tornou mansa como tambem affeicoada ao dono. Não tentava fugir, antes voltava a casa depois de vaguear horas inteiras pela flo- resta proxima, nunca faltando á hora do jantar, empoleirada a um canto da mesa, e acariciando o dono com o bico e com a cabeca. Este tartaranhão tinha antipathia com os barretes vermelhos, e se via algum na cabeca d'um camponez, tinha artes para lh'o tirar com tanta destreza, que o ho- mem só dava por tal depois de ter a ca- beca descoberta. O barrete era levado para o cimo d'uma arvore. A URUBITINGA Falco urubitinga, de Gmelin — L'urubitinga, dos francezes Esta especie é tambem denominada aguia do Brazil, e pertence ao genero Morphnus, comprehendido no grupo das aguias. As aves d'este genero habitam as flores- tas do Brazil, e teem o tamanho, a forca, e o todo arrogante das aguias; O corpo é vigoroso, a cabeca grossa, 0 bico alon- gado, pouco alto, com a mandibula su- perior adunca e pontuda. As azas em ge- ral alcançam a extremidade da cauda, e esta é comprida e larga; os dedos são curtos mas vigorosos, e as unhas rijas € agudas. A urubitinga tem 07,69 de compri- mento e 17,57 de envergadura, o bico negro, a cera amarela, o corpo tri- gueiro annegrado com uma mistura de cinzento nas azas, as pennas da cauda brancas com as extremidades negras, mas terminando brancas. As diagno- ses variando muito conforme os na- turalistas que descrevem a urubitinga, provam que o colorido varia muito n'es- tas aves. «Nunca encontrámos a urubitinga nas montanhas ou nas florestas muito espes- sas, nem mesmo nas planicies mais vas- tas. Vimol-a sempre á borda das lagoas, 26 MARAVILHAS DA CREAÇÃO ae ee eee dos pantanos e das ribeiras, pousada no cimo das arvores seccas mais prox1- mas quando se preparava para caçar, ou nos ramos inferiores das arvores mais fron- dosas quando queria dormir. Taciturna, sempre só, conserva-se immovel durante horas, olhando attentamente em volta de si, e procurando enxergar presa do seu agrado: um reptil, um mamifero pequeno, uma ave morta. Descia então com rapidez, devorava a presa, e voltava gravemente para o seu posto. Raras vezes a vimos voar, porque quasi sempre caca sem abandonar o pouso; tamsómente de manhã se dá ao incommodo de percorrer as vizinhanças do logar onde dormiu, para obter a pri- meira refeição, e só faz de tarde segunda excursão, quando inutilmente espera todo o dia que nova presa lhe passe pro- xima. Então vôa lentamente, remon- tando a grande altura, descansando re- petidas vezes nas arvores isoladas que encontra, para d'este modo melhor ob- Gr. n.º 254— À urubitinga servar em roda, evitando o prolongar o vÔo. A vurubitinga alimenta-se principal- mente de reptis, de mamiferos pequenos, de aves mortas, e parece que tambem de peixes. Cremos que não ataca as aves, mas devora as que encontra feridas. E raro vel-a pousada no solo, mas quando o faz, parece buscar de preferencia os logares pantanosos, supposição que se baseia em a termos visto com os pés en- lameados. Pudemos vel-a em domesticidade, sendo muito facil reduzil-a a este estado.» (A. d'Orbigny.) A AGUIA REAL Falco chrysaetos, de Linneo. — L'aigle royal ou dorê, dos francezes As aguias teem o bico vigoroso, direito junto á base, e muito adunco na ex- tremidade ; azas alongadas e largas, com a quarta e quinta remiges mais compri- das, alcançando e por vezes excedendo as pennas da cauda; os tarsos curtos intei- AVES— A AGUIA REAL 27 ramente cobertos de pennugem até ao nas- cimento dos dedos, que são de compri- mento regular, armados de unhas grandes c agudas, muito recurvas. Teem a pennu- gem muito basta e espessa, pontuda, e a da nuca e da parte posterior da cabeça estreita e comprida. A aguia real tem 1” de comprimento e 27 50 de envergadura. A femea é maior. O alto da cabeça e a nuca são guarnecidos de pennugem d'um ruivo claro e doirado, e a do resto do corpo trigueira escura, mais ou menos anne- grada, conforme a edade; a parte inte- rior das coxas e a pennugem dos tarsos trigueiras claras, a cauda mais comprida que as azas, arredondada e parda escura, regularmente rajada de trigueiro anne- grado, terminando por uma facha larga d'esta ultima cór. O bico é azulado, a cera e os pés amarellos. Esta especie é a maior de todas, muito frequente na Europa, encontrando-se em todas as serras de Portugal. No nosso paiz encontra-se tambem a aguia imperial, aquila heliaca, observada nas serras do Alemtejo. em Villa Vicosa, Borba, etc. e uma especie commum nas immediações de Coimbra, especie cujo nome vulgar ignoramos, a aquila Bo- nelli, ou aigle Bonelli dos francezes.! Ou tras especies de aguias propriamente di- tas habitam na Europa e na Africa, sendo muito longo dar de todas noticia, e po- dendo a descripção que em seguida se lê applicar-se ás differentes especies, por- que analogos são os seus habitos. «A aguia, por uma metaphora de rhe- torica, appellidaram-n'a a rainha das aves. Se a força c o abuso que d'ella se faça são caracteristicos da realeza, a aguia tem a esta direitos incontestaveis ; mas se a esse titulo se prenderem idéas de coragem e de nobreza, não será na cabeca da aguia que se deva collocar a corôa. Melhor avisados foram os antigos quando da aguia fizeram o symbolo da victoria. Os assyrios, os persas e os romanos tra- ziam no alto dos seus estandartes uma aguia com as azas abertas, e nos nossos dias ainda esta ave desempenha o mesmo papel emblematico, figurando nas armas de diversas nações da Europa. Algumas ha, como a Austria, que usam como arma falante de duas aguias. 1 Instruções praticas cte. Lista das aves de Portu- gal, pelo dr. Barbosa du Bocage. À aguia, porque remonta a alturas con- sideraveis, foi pelos antigos tida como a ave de Jupiter, e houveram-n'a como men- sageira dos deuses. Quando, depois da desgraça de Hebe, Jupiter quiz outro co- peiro, mandou para esse fim arrebatar Ganimedes por uma aguia. Deixemos, porém, a mythologia e os symbolos, e vamos á historia real desta grande ave dc rapina. Na aguia a vista é quanto possivel des- envolvida. Contemplae-a quando mages- tosamente paira no espaço, acima das nuvens e de todos os seres vivos, man- tendo-se a tão prodigiosa altura sem fa- diga e apenas com um imperceptivel remigio, lançando a vista sobre o for- migueiro terrestre, situado a dois mil metros abaixo della. Subito enxerga uma ave entre as urzes, e colhendo as azas, desce em poucos segundos até perto do solo, cae sobre a victima com as pernas estendidas, e, lancando-lhe as gar- ras, arrebata-a para a montanha vizinha. O immenso vigor dos musculos que operam os movimentos das azas d'esta ave explica a forca e a duração do vôo. À aguia, dotada duma energia muscular enor- me, pode lutar com o vento mais impe- tuoso. O naturalista Ramond, appellidado o pintor dos Pyreneos, conta que tendo subido ao cume do monte Perdido, o pico mais alto d'aquellas montanhas, viu uma aguia passar-lhe sobre a cabeca com uma rapidez surprehendente, posto que voasse contra o vento impetuoso que então soprava do sudoeste. Se ao peso da aguia addicionarmos o da presa que segura nas garras, e consi- derarmos que esta presa por ella arreba- tada a distancias consideraveis, trans- pondo por vezes a cordilheira dos Alpes, que separa dois paizes, é ordinariamente uma camurca nova ou um cordeiro, po- der-se-ha fazer idéa do seu grande vigor e energia muscular. Varia a corporatura da aguia segundo as especies, mas attinge sempre propor- ções imponentes. A femea da aguia real mede 1",1415 da extremidade do bico aos pés, e perto de 3” d'envergadura, que na aguia imperial não é superior a 2”. Tem-se dito que a aguia pode percor- rer 20 metros por segundo, o que daria a velocidade de 18 leguas por hora ; mas Naumann desmente positivamente esta asseveração, e affirma que a aguia não consegue alcançar um pombo a todo o 28 MARAVILHAS DA CREAÇÃO vôo, sendo certo, todavia, que voa rapi- damente. Tem sido vista a aguia caçar a lebre no campo, e apertal-a n'um circulo por tal forma impossivel de transpor, que a victima não consegue escapar-se por nenhum dos lados, vendo-se sempre pre- cedida pelo inimigo. A aguia construe o ninho nas fendas das rochas menos accessiveis, á borda dos precipicios, com o fim de ter os fi- lhos ao abrigo dos ataques. O ninho não passa, para assim dizer, d'um estrado formado de cavacos, collocados sem arte uns junto dos outros, e ligados por alguns ramos flexiveis, tapizando-o de folhas, juncos e urzes. É, todavia, soli- damente construido, resistindo por mui- tos annos á acção do tempo, e podendo aguentar não só o peso de quatro ou cinco aves pesando 30 ou 40 kilogram- mas, mas tambem as provisões alli accu- muladas, quasi sempre, com extrema abundancia. Ha ninhos d'aguias que teem cinco pés quadrados de superficie, e d'ordina- rio estas aves põem dois ou tres ovos, raras vezes quatro. Dura a incubação trinta dias. Os pequenos são muito vorazes, e os paes para lhes fornecerem sufficiente ali- mentação caçam sem descanso. Todavia se os alimentos escasseiam, não é grande o seu soffrimento, porque a natureza do- tou-os com a faculdade de supportarem o Jejum por muitos dias, faculdade que se estende aos adultos, e em geral a to- das as aves de rapina. Fala Buffon d'uma aguia, que, sendo apanhada n'uma armadilha, passou cinco semanas sem comer, e só nos ultimos oito dias deu mostras de enfraquecimento. Um autor inglez conta haver-se esque- cido de dar de comer a uma aguia do- mestica por espaço de vinte e um dias, sem que ao fim d'este tempo a ave desse indício de haver soffrido com tão prolon- gado jejum. Tão depressa os pequenos podem pro- ver ás suas necessidades, os paes expul- sam-n'os sem piedade do ninho paterno, para que vão estabelecer-se n'outro pon- to do paiz. A aguia é dotada, como já dissemos, de grande vigor muscular, e assim tor- na-se-lhe facil arrebatar aves de gran- de volume, taes como gansos, perus, grous, e bem assim lebres, cabritos e cordeiros. Nas montanhas, onde as ca- murças abundam, dá caca a este ani- mal, empregando diversos ardis para apa- nhal-o. Não ousa atacal-o de frente, por- que a camurça defende-se bem com os cornos, sempre que encontra abrigo pela parte de traz. Algumas vezes a aguia mata a presa com um unico golpe dado com a aza, sem lhe tocar sequer com as garras ou com o bico, e não sendo para admirar que o vigor dos musculos das azas lhe permilta arrebatar uma creança, e trans- portal-a a distancia. Por longo tempo se negou credito a estes factos, até que o testemunho de pessoas dignas de inteira confiança, não permittiu que por mais tempo fosse posto em duvida. Citaremos alguns exemplos. No cantão de Vaud, duas raparigas, uma de tres oulra de cinco annos, brin- cavam no campo ; veiu uma aguia € ar- remessando-se à mais velha, levou-a. Por mais activas que foram as pesquizas feitas por toda a parte, só se poderam encontrar um sapato e uma meia da creança. Dois mezes depois um pastor topou com o ca- daver da creança, horrivelmente mutila- do sobre um rochedo, a meia legua pelo menos do sitio onde se effectuara o acon- tecimento. Na ilha de Skye, na Escossia, uma mu- lher deixara o filho só no campo. Uma aguia arrebatou-lh'o levando-o nas gar- ras, ce d'este modo atravessou por cima d'uma vasta lagoa, indo depól-lo n'uma rocha. Por felicidade o rapinante fôra visto pelos pastores que por alli anda- vam, e que poderam chegar a tempo de lhe tirar à creança, trazendo-a sã e sal- va. Na Suecia outra creancça foi arrebatada em circumstancias similhantes, e a mãe, que estava a alguma distancia, ouviu por muito tempo os gritos da infeliz, sem to- davia poder soccorrel-a. Breve a viu des- apparecer e de pezar enlouqueceu. No cantão de Genebra, um rapaz de dez annos andava roubando as aguietas dos ninhos, e foi por uma das aguias levado a seiscentos metros de distancia do lo- gar d'onde fôra arrebatado. Salvaram-n'o os companheiros, sem que soffresse ou- tro damno além d'uma forte contusão feita pelas garras da ave. Na ilha de Feroé uma aguia arrebatou uma creança que a mãe havia instantes deixára só, e levou-a para o ninho no cimo d'uma rocha a pique. Deu o amor maternal forcas á mal aventurada mãe AVES — À AGUIA REAL 29 para chegar até ao logar onde jazia o fi- lho, mas só lhe encontrou o cadaver. Na America, proximo de New-Yorck, um rapaz de sete annos foi assaltado por uma aguia, e póde escapar ao primeiro ataque. De novo a ave se lhe arremessou, mas O pequeno, esperando-a com firmeza, atirou-lhe á aza esquerda golpe tão cer- teiro e vigoroso, com uma fouce que tra- zia, que a derribou. Aberto o estomago da ave, encontraram-n'o vasio; a aguia estava esfaimada, e por consequencia en- fraquecida, sem o que se não explicaria tanta teimosia e audacia, e bem assim a facilidade com que a creancça levara a melhor, | - Lao o A re: Es PEN Gr. n.º 259 — À aguia real Devemos, porém, accrescentar que, apezar do que fica narrado, estes casos são muito raros. A aguia d'ordinario foge da vizinhança do homem, contra quem não pode lutar. Ataca de preferencia os cordeiros recem-nascidos, e frequente- mente os arrebata, por mais que gritem os pastores e ladrem os cães. Accommette e devora algumas vezes os corcos e os vitellos novos sem os arrebatar, no pro- prio logar em que os agarra, contentan- do-se apenas em transportar pedaços para o ninho. Ha homens tão engenhosos como in- trepidos sabendo aproveitar, para se ali- mentarem sem dispendio, do habito d'es- tas aves que as leva a amontoar grande quantidade de provisões no ninho, des- 30 MARAVILHAS DA CREAÇÃO tinadas á alimentação dos filhos. Um aldeão irlandez viveu por muito tempo, elle e toda a familia, dos furtos praticados nos ninhos das aguias, apossando se dos alimentos que em abundancia o pae e a mãe traziam para os filhos. Para prolongar por mais tempo este singular modo d'exis- tencia, demorou a occasião em que os pe- quenos deveriam ser expulsos pelos paes, cortando-lhe as azas para os collocar na impossibilidade de voarem. Teve até mes- mo a lembrança de os ligar, para que gritassem, e assim estimulava os paes a que soccorressem os filhos ;trazendo-lhes novos alimentos. São desconfiadas as aguias, e difficil é poder abordal-as, deitar-lhes a mão ou ma- tal-as. Os montanhezes dos Pyreneos sof- frem grandes prejuizos com os destroços feitos por estas aves nos rebanhos, e por isso arriscam-se a ir desaninhar as aguictas, Deixa-se a aguia cair no laco, mas se a armadilha não estiver bem segura, have- rá occasiões em que consiga arrancal-a e escapar-se com ella. Conta Meisner que uma aguia, tendo ficado presa por um pé n'uma armadilha destinada aos raposos, tanto forcejou que a arrancou levando-a para o outro lado da montanha, não ob- stante o peso não ser inferior a 4 kKilo- grammas. A longevidade da aguia é digna de mencão, com quanto se não possa fixar exactamente a edade que attinge. Klein cita o exemplo d'uma d'estas aves que viveu captiva em Vienna cento e quatro annos, e fala mais d'um casal d'aguias que no condado de Forfarshire, na Escos- sia, habitou por tão longo tempo o mesmo ninho, que os mais edosos dos habitantes o conheceram desde creancças. A aguia é susceptivel de ser educada, conservando-se sempre no fundo arisca, por isso triste e pouco dada. Quando tem dois ou tres annos já é difficil domes- tical-a, e distribue vigorosas bicadas a quem tenta aproximar-se-lhe. Velha é in- teiramente indomesticavel. Captiva, toda a sorte de presa lhe convem, devora até mesmo as aves da sua especie, se se offerece occasião. A falta de melhor contenta-se com cobras, lagartos, e no dizer de Buffon come até mesmo pão. De tempos a tempos ouve se-lhe o gri- to agudo e pungente. Embora a aguia seja de seu natural iras- cível, dá algumas vezes provas d'uma'do- cilidade para espantar. Serve de exemplo uma que em 1807 vivia no Jardim das Plantas em Paris, apanhada na floresta de Fontainebleau. Partira uma perna na armadilha onde se deixára cair, tornan- do-se necessario fazer uma operação das mais dolorosas, que ella supportou com sangue frio e coragem admiraveis. De- pois da cura, que não levou menos de tres mezes, havia-se por tal forma fami- liarisado com 9 seu tratador, que per- miltia que elle a acariciasse, e á hora de deitar ia empoleirar-se proximo do seu leito. Os antigos falcoeiros do occidente não empregavam a aguia na caça ás aves, porque a sua indocilidade e o seu gran- de peso tornavam-n'a pouco apta para este genero d'exercicio; por isso, não tendo em conta mais do que as suas conveniencias, collocaram-n'a sem cere- monia no grupo de aves ignobeis. Os tar- taros, porém, empregam-n'a com van- tagem na caca á lebre, ao raposo, ao an- tilope e ao lobo. Como é pesada em demasia para que possa levar-se pousada no pulso, à ma- neira do falcão, collocam-n'a no arcão da sella, e em occasião opporluna sol- tam-n'a á caca.» (L. Figuier.) A AGUIA RABALVA Falco olbicilla, de Linneo— Le qyguargue vulgaire, dos francezes Esta especie é uma das mais notaveis do genero Haliaetus, ou pyguarque dos francezes, nome derivado do grego e que significa cauda branca. A aguia rabalva tem as dimensões da aguia imperial, 1” de comprimento e om 33 a 27,66 de envergadura. Os indi- viduos adultos são trigueiros arruivados, com a cabeca e o pescoco pardos triguei- ros e a cauda branca; o bico, a cera e os pés amarellos claros. Vive na Europa e na Ásia, e no inverno emigra para o norte da Africa. Não está averiguado que se encontre no nosso paiz. Além de muitas outras especies que vi- vem em diversos pontos da Africa e da Asia, comprehendidas no genero haliaetus, existe a aquia de cabeça branca, le pyguar- que à tête blanche, dos francezes, que ha- bita a America do Norte, vendo-se repre- sentada como emblema no estandarte dos Estados Unidos. Os individuos d'este genero são muito similhantes nos habitos, e bem lhes cabe o nome de aguias do mar, que lhes tem sido dado. Differem estas aves das aguias propria- mente ditas, por viverem constantemente nas vizinhanças dos rios e dos lagos. «Fóra da época das nupcias, vivem em bandos, e n'isto mais se parecem com os abutres do que com as aguias. Uma flo- resta ou um rochedo serve-lhes de ponto de reunião. No verão pousam muitas vezes á noite nas ilhotas, ou nas maiores arvo- res situadas á borda d'agua. Aos primeiros clarões da aurora apro- ximam-se das costas para caçar as aves aquaticas, os patos, os aleyones, os ma- miferos marinhos e os peixes. No dizer de Wallengren, as aves e os mamiferos que podem mergulhar estão ainda mais expostos aos ataques d'esta ave, do que os que não possuem tal facul- dade, pois que estes ao divisar o seu terrivel inimigo voam e escapam-lhe mui- tas vezes, em quanto os primeiros se refugiam debaixo d'agua. Mal véem vir a aguia mergulham, mas O inimigo deixa-se ficar, espreitando o momento em que elles devem vir ao lume d'agua, e se lhe podem escapar uma, duas ou tres vezes, à quarta, como se hajam demorado por mais tempo carecem portanto de to- mar a respiração, e n'este instante o ra- pinante os agarra arrebatando-os. Por muitas vezes vi a aguia rabalva na Noruega e nas margens do lago Mensa- leh, no Baixo Egypto, e observei sempre que todos os animaes, até mesmo as ou- tras aves de rapina, a temem. Rouba a presa á aguia pesqueira, e não duvido até mesmo que ella propria lhe não es- cape. À audacia e perfeito conhecimento da propria forca, reune a maior tenaci- dade. A. de Homeyer viu juma d'estas aves assaltar por diversas vezes um Tra- poso, que podia muito bem defender-se, sendo-lhe affirmado por pessoas dignas de fé e testemunhas presenciaes, que o raposo é quasi sempre victima da aguia, porque esta, perseguindo-o sem treguas, sabe evitar-lhe as mordeduras, ce impe- dir que possa refugiar-se na floresta. É sabido que o gado miudo não escapa á aguia rabalva, que ataca tambem as crean- ças. NoNorte estabelece a residencia pro- ximo das penedias, à beira mar, onde aninham innumeras aves, e rouba-lhes os filhos dos ninhos. Caca os gansos, AVES — À AGUIA RABALVA 3] arrebata as phocas pequena, ás mães, persegue os peixes até mesmo debaixo d'agua, mergulhando atraz d'elles, com quanto, por vezes, estes atrevimentos lhes saiam caros. Os kamtchadales contaram a Kitllitz que a aguia rabalva é levada para o fundo pelo golfinho, ao qual lan- ça as garras. Conta Lenz que uma d'estas aves, voan- do sobre o Havel, ao ver um esturjão precipitou-se sobre elle; mas havia por certo presumido em demasia da sua for- ca, porque o esturjão era de peso a não poder ser arrebatado fóra d'agua, posto que não fosse tão vigoroso que podesse obri- gar a ave a mergulhar, c assim corria ao Gr. n.º 256 — À aguia rabalva lume d'agua como uma frecha, levando a aguia presa ao dorso, com as azas aber- tas, parecendo um navio navegando a todo o panno. Houve testemunhas d'este espe- ctaculo singular, que embarcaram n'uma canoa e poderam apanhar o esturjão e a aguia; estava esta de tal forma presa com as garras ao corpo do peixe, que não pudera soltar-se.» (Brehm). A aguia rabalva põe dois ou tres ovos em ninho que ella construe, servindo- lhe para muitos annos, apenas com os ne- cessarios reparos, feito de troncos gros- sos por baixo, outros mais delgados por cima, e tapizado de ramos e de pennu- 32 gem que a femea arranca do corpo. Por vezes tem o ninho o diametro de 1",30 a 17,60 e 0”",50 a 1” d'altura. E” domesticavel esta ave, comquanto a principio se mostre bravia, terminando por affeiçoar-se ao seu tratador, que dis- MARAVILHAS DA CREAÇÃO E a e aa io mam a tingue entre outras pessoas, e a quem sauda com os seus gritos. A AGUIA PESQUEIRA Falco haliactus, de Linneo. — Le balbuzard, dos francezes Esta é a especie mais commum do ge- Gr. n.º 257 — À aguia pesqueira nero Pandion, que se caracterisa pelo bico | muito curto e recurvo desde a base, azas muito compridas excedendo a cauda, e tarsos curtos só cobertos de pennugem até um poueo abaixo da articulação, e no resto revestidos de escamas. Os dedos são curtos e armados d'unhas vigorosas e agudas. A aguia pesqueira tem a pennugem da cabeca e da nuca esbranquiçada, a do ventre branca ou branca amarellada, a das costas trigueira orlada de claro, a cauda rajada de trigueiro e de negro. Tem no peito uma malha trigueira, e uma facha trigueira que partindo dos olhos desce até meio do pescoço; a cera AVES— A AGUIA PESQUEIRA 33 e os pés são côr de chumbo, o bico e as unhas negras. Encontra-se esta ave em toda a Euro- pa, na Asia e no norte da Africa. E” com- mum no nosso paiz nas proximidades das lagôas e dos pantanos. «O regimen exclusivo d'esta ave obri- ga-a a viver em determinados pontos ; e por que só se alimenta de peixe, não reside senão nas proximidades das cor- rentes d'agua. Quando emigra, porém, entra pelo inte- rior das terras, achando sempre com que se alimentar na mais pequena albufeira. Aninha nas arvores mais altas, e o ninho construe-o de troncos grossos, de musgo e d'outros materiaes similhantes. No mez de maio a femea põe dois ou tres ovos, alongados brancos pardacentos, e semea- dos de malhas côr de oca avermelhadas. O ninho é o centro do seu dominio, que o macho e a femea percorrem regularmente todos os dias. Permittem-lhe as grandes azas poder facilmente transpôr gran- des distancias. Remonta a uma altura prodigiosa, pairando por algum tempo, para em seguida descer e adejar á super- ficie da agua, dando comeco á pesca... Primeiro, descrevendo grandes circulos no ar, observa se ha algum perigo para depois descer até á distancia aproxima- damente de 20” acima da superficie da agua, conservando-se por momentos, á maneira do francelho, como que im- movel, espreitando os peixes, até que deixando-se cair subitamente na agua, com as garras abertas, desapparece por um instante para se erguer em seguida com o auxilio d'alguns movimentos vi- gorosos das azas, sacudindo rapidamen- te as gottas d'agua presas á pennugem. Porque o primeiro ataque foi infructi- fero, não desanima, prosegue na empresa. Ao agarrar a presa, enterra-lhe as unhas nas costas com tal vigor, que não pode soltal-as rapidamente. Acontece muitas vezes arriscar a vi- da, e até mesmo perdel-a se o peixe a que lança as garras for pesado em de- masia para o poder levantar, e bas- tante vigoroso para conseguir arrastal-a para o fundo, e afogal-a. E” sabido que empolga sempre os peixes lançando-lhe dois dedos de cada lado do dorso. Se pode levantar facilmente a presa, eleva-se e leva-a para longe, preferindo transportal-a para a floresta onde a de- vora a seu commodo. Se o peixe é mais pesado, contenta-se em arrastal-o para à praia. Come-lhe os melhores bocados e abandona o resto, engole as escamas, mas parece que desdenha os intestinos. As aves aquaticas todas conhecem a aguia pesqueira, e não a temem. Olham- n'a como se fôra da sua especie, e não se amedrontam ao vel-a proxima. Perto do lago Mensaleh, no Baixo Egypto, onde todos os invernos arribam centenas d'aguias pesqueiras, vi-as muitas vezes d'envolta com os patos, sem que estes dessem mostras de que a sua presença os inquietasse. Ao inverso, as outras aves de rapina são-lhe adversas; e nos nossos paizes as gralhas, as andorinhas e as al- veloas, com quanto lhe não façam mal, perseguem-n'a, e onde vivem as aguias rabalvas a aguia pesqueira trabalha mui- tas vezes em proveito d'ellas. O pyguargue leucocéphale (aguia de ca- beca branca, especie a que acima nos re- ferimos), principalmente, está sempre em guerra aberta com ella, e ataca-a tão de- pressa a vê apossar-se d'uma presa, não a largando sem que lh'a ceda. Até os milha- fres, muitas vezes, a perseguem para lhe roubar o peixe que ella pescou.» (Brehm ) Parece que a aguia pesqueira vive mal captiva, e não se domestica. A HARPIA Falco harpyia, de Gmelin— La harpie, dos francezes Esta especie, unica do gencro Thrasac- tus, é uma das mais notaveis de todas as aves do grupo das aguias da America do Sul. Possue corpo robusto, cabeça gros- sa, cauda larga, azas curtas alcançando apenas o nascimento da cauda, bico alto e vigoroso, e mais adunco do que em nenhuma das aguias, os tarsos muito robustos, cobertos de pennugem só na metade superior da frente, e no resto co- bertos d'escamas; dedos grandes e termi- nando em unhas enormes, muito vigoro- sas. Tem a nuca ornada com uma poupa comprida e larga, que pode erguer quando quer. A harpia tem a cabeça e o pescoço pardo, a poupa, as costas, as azas, a cauda, a parte superior do peito negras azula- das, a parte inferior do peito e o uropi- gio brancos, o ventre branco malhado de preto, as coxas brancas ondeadas de preto, o bice e as unhas negras, e os pés ama- rellos. Alguns escriptores dão a esta ave 34 MARAVILHAS DA CREAÇÃO dimensões superiores ás da aguia real, e dizem attingir 1,50 d'altura do bico á extremidade da cauda, e ter as unhas dos dedos medios mais compridas e mais gros- sas do que os dedos do homem. Habita esta ave na America do Sul, en- contrando-se no Brazil. Frequenta as florestas humidas e prin- cipalmente as margens dos rios, sempre só, exceptuando a epoca das nupcias em que vive aos pares. Pousa de preferen- Gr. n.º 258 -— À harpia cia a pouca altura do solo, não é timida, e deixa que o homem se lhe aproxime. No dizer de Orbigny a harpia não de- vora as aves, só caca os mamiferos, pre- ferindo os monos a quaesquer outros, com quanto Tschudi diga tel-a visto perseguir as aves. Altribuem-se á harpia instinctos de no- tavel ferocidade : — que não receia atacar os maiores mamiferos carnivoros e até mesmo o homem, que caindo sobre a victima fende-lhe o craneo ás primeiras bicadas, e que com as garras lhe rasga as ilhargas e despedaca o coração. Posto que possam ser exageradas estas asseve- rações d'alguns escriptores, parece certo que a harpia é dotada de notavel vigor e grande ferocidade. Conta Orbigny que navegando no rio Securia, na Bolivia, indo elle e as pessoas que o acompanhavam n'uma piroga tri- pulada por tres indios, viram uma harpia empoleirada n'uma arvore. À segunda frechada dos indios a harpia caiu, e es- tes depois de lhe haverem descarregado algumas pancadas na cabeça, para aca- barem de a matar, tiraram-lhe as pen- nas das azas e da cauda, que teem em grande apreço, e arrancaram-lhe parte da pennugem, de que se servem, como nós das teias das aranhas para os golpes, e trouxeram-n'a. «Todos a julgámos morta, c foi collocada na piroga em frente de nós, sem que dessemos por que ella a pouco e pouco voltara a si do estado de atordoamento em que ficara. Furiosa, e querendo sem duvida vingar-se, arre- messa-se violentamente contra mim, não podendo, felizmente, servir-se com maior resultado senão d'uma das garras, com a qual me atravessou o ante-braço de lado a lado, entre o cubito e o radio, e com a outra rasgava-me o resto do bra- ço. Fazia simultaneamente esforços, por felicidade em vão, para poder accom- melter-me com o bico, e não obstante estar ferida foram precisas duas pessoas para obrigal-a a largar-me.» Os indios teem esta ave, natural- mente pela sua indole guerreira, em grande consideração, e as pennas são muito estimadas para guarnecer as fre- chas. Alguns conseryvam-n'a viva para poderem tirar-lhe as pennas duas vezes por anno. Diz Figuier que utilisam tam- bem a pennugem para se enfeitarem nos dias de gala, pondo oleo de coco nos ca- bellos, e por cima lancando a pennugem que d'este modo fica adherente. O GUINCHO DA TAINHA: Falco gallicus, de Gmelin — L'aigle Jean le Blanc dus francezes Esta ave, uma especie do genero Cir- caetus, tem de 0,70 a 0",77 de compri- 1 Dr, Albino Geraldes — Catalogo das aves de Portugal, existente no museu de Coimbra, a Po MARAVILHAS DA CREAÇÃO MN; Pio! ; Ne MIMAS, Vi) bi Impresso por Lallemant frêres. Lisboa Oo GERIPAETO BRANCO AVES — O GUINCHO DA TAINHA 35 mento e 17,80 a 17,90 de envergadura ; o corpo estreito mas vigoroso, pescoço curto e cabeça grossa, bico vigoroso e recurvo a partir da base, azas grandes e largas com a terceira e quarta pennas mais compridas; cauda de comprimento regular e larga, tarsos altos cobertos de escamas, dedos curtos armados d'unhas pequenas, curvas e agudas. Tem a parte superior do corpo triguei- ro, as pennas pontudas da cabeca e da nuca trigueiras desbotadas, com uma bordadura clara, as pennas das azas tri- gueiras escuras bordadas de trigueiro claro, com tubos brancos, e cortadas de riscas transversaes negras, as da cauda Gr. n.º 259 — O guincho da tainha trigueiras escuras com tres fachas largas transversaes pretas, terminando n'uma facha larga branca. As faces e a garganta esbranquiçadas, a parte superior do peito trigueira clara, o resto do corpo pela parte inferior todo branco com algumas malhas trigueiras claras. O bico é preto azulado, a cera e os pés trigueiros claros. Vive na Europa e em certas épocas do anno no norte da Africa, e tem sido vista no nosso paiz. O guincho da tainha encontra-se nas mattas, no campo ou á borda dos rios e dos lagos, e no dizer de Brehm mais se pa- rece com o tartaranhão nos habitos e no modo de vida do que com as aguias. «E” uma ave pacifica e indolente, diz aquel- le autor, que só cuida dos animaes que lhe podem servir de presa.» Quando quer alcançar algum dos indi- viduos que constituem a sua alimentação, desce lentamente, adejando por algum tempo perto do solo, até cair com as azas abertas sobre a victima. Entra na agua muitas vezes para ir buscar a pre- sa. Devora as cobras, os lagartos, as rãs, os peixes, os ratos, as aves pequenas, os carangueijos e os insectos grandes, posto que as primeiras sejam as preferidas. O meu circaeto domestico, escreve Me- chlenberg a Lenz, precipita-se como um raio sobre as cobras, por maiores e mais terriveis que sejam, segurando-as com as garras de um dos pés pela parte posterior da cabeça, e com o outro subjugando-as pelo dorso, dando n'esta occasião grandes gritos e batendo as azas. Corta-lhes em seguida os tendões e ligamentos, destron- cando-lhes deste modo a cabeça, de ma- neira que a cobra não póde defender-se. Instantes depois começa a devoral-a, prin- cipiando pela cabeça, e, a cada bocado que engole, applica uma bicada na espinha dorsal do reptil. N'uma manhã comeu tres grandes cobras, das quaes uma tinha perto de 1,30 de comprimento» (Brehm). O ninho é construido de troncos seccos, forrado de folhas verdes, com as quaes lhe prepara tambem uma especie de co- bertura. Serve para muitos annos, feitas as reparações indespensaveis. D'ordinario a femea põe um unico ovo, havendo po- rém observadores que affirmam ter visto dois. Estas aves são faceis de domesticar quando sejam apanhadas novas e bem tratadas. O GERIFALTO BRANCO Falco candicans, de Gmelin.— Le gerfault blanc, dos francezes Os gerifaltos são tidos como as aves mais nobres da familia dos falcões, sendo os mais bem proporcionados e mais vigo- rosos dos falcões propriamente ditos. Medem aproximadamente 0,” 60 de com- primento e 1”, 30 de envergadura, sendo as femeas maiores; o bico é robusto e muito recurvo, os tarsos são cobertos de pennugem em duas terças partes, a cauda é longa e larga, excedendo a extremidade das azas. As aves da especie acima citada teem a pennugem branca, rajada na parte supe- rior do corpo e na cauda de riscas estrei- + 36 MARAVILHAS DA CREAÇÃO | tas trigueiras, e a parte inferior do corpo egualmente branca com pequenas malhas trigueiras em fórma de lagrimas, maiores e mais numerosas nas ilhargas; bico ama- rellado, cera amarella clara, e pés ama- rellos. Aº maneira que envelhecem fazem- se mais brancos. Esta ave encontra-se na Islandia, e as outras especies de gerifaltos, que differem d'esta na côr da plumagem, predominan- do mais ou menos a côr branca, e tam- bem na forma das malhas, vivem tamsó- mente nos paizes situados mais ao norte: na Noruega, na Russia, na Groenlandia, na Siberia etc. Os gerifaltos, sem fugirem das flores- tas, não imitam comtudo os seus conge- neres; habitam as penedias á beira mar, estabelecendo-se de preferencia nos sitios onde as aves aquaticas veem aninhar. Nunca encontrei um destes sitios que ahi não visse d'estas aves... O logar uma vez escolhido para resi- dencia dum casal, sel-o-ha para sempre, e na falta d'este outro virá substituil-o. Na Laponia ha certas rochas que sempre foram habitadas pelos gerifaltos, pelo me- nos desde que ha memoria de homem. Em Warangerfjord, um negociante que alli existe chamado Nordvi, habil ornitho- logista, pôde-me indicar um sitio onde eu encontraria sem falta os garifaltos, posto que elle ahi não tivesse ido havia muitos annos, nem recebesse informações a tal respeito. Os gerifaltos alimentam-se no verão de aves aquaticas, e no inverno de lago- pedes, perseguindo tambem a lebre, e vivendo muitos mezes d'esquilos, no di- zer de Radde. Em Nyken, numas pene- dias das costas da Noruega, onde habitam numerosas aves marinhas, nos tres dias que alli estive vi um casal de gerifaltos da especie da Noruega chegar todos os dias regularmente ás dez horas da ma- nhã e ás quatro da tarde, em busca do alimento. Não era demorada a operação: chegavam, descreviam um ou dois circu- los em volta dos rochedos, e afinal pre- cipitavam-se sobre o bando d'aves alli reunidas, levando cada um o seu. Nunca os vi arremessar-se de balde.» (Brehm.) Estas aves anninham nas fendas das ro- chas, em sitio inaccessivel, e nas vizinhan- cas do mar. Existia uma antiga lei na Dinamarca, abolida em 1758, que punia com pena de morte quem matasse um gerifalto, e então o governo d'aquelle paiz enviava todos os annos um navio á Islandia, de- nominado o navio dos falcões, por ser principalmente destinado a trazer um certo numero destas aves. Ainda hoje veem d'alli alguns, todos os annos, para Copenhague. R O FALCÃO Falco communis. de Gmelin..Le'faucon pelerin, dos francezes. Esta especie dos falcões propriamente ditos é a que mais se encontra espalha- das pelo globo, differindo dos gerifaltos por ser mais pequena, ter o bico mais curto eainda mais recurvo, uma terça parte dos tarsos apenas coberta de pen- nugem, e a cauda mais curta não altan- cando por vezes as extremidades das azas. À cabeca, a parte superior do pescoço, e um risca larga, ou especie de bigode nascido na base do bico, côr d'ardosia, as outras partes superiores do corpo azul cinzento com riscas mais escuras; cauda raiada alternadamente de riscas cinzentas e negras, garganta e peito de côr branca limpa com algumas riscas delgadas lon- gitudinaes, e d'ahi para baixo branca su- ja, com pequenas riscas transversaes tri- gueiras ; numerosas malhas arruivadas ou esbranquicadas regularmente dispostas pe- lo lado de dentro das barbas das remiges. A parte nua em volta dos olhos, a cera e os cantos do bico, amarellos, o bico azul com a ponta negra, os pés ama- rellos. O macho adulto tem desde 0”, 44 até 0,749 de comprimento e 41” a 17,10 de envergadura. A femea é maior, attinge 07,58 de comprimento. Os falcoeiros dão a esta especie o no- me de falcão passageiro, que bem lhe cabe, porque viajando por todo o mun- do, é visto na Europa, na Asia e até no centro da Africa, ignorando-se se o fal- cão que na America representa esta es- pecie não será tambem o falcão com- mum. E pouco vulgar no nosso paiz. Antes de proseguirmos na descripção dos habitos e mais circumstancias do vi- ver desta ave, não serão tidas por inop- portunas duas palavras ácerca da falcoaria, ou arte de adestrar os falcões a caçar, arte que tem regras estabelecidas e até mesmo terminologia propria. «A falcoaria, ou arte de adestrar cer- tas aves de rapina para a caca a vôo, foi AVES — O FALCÃO 39 outrora tida em grande apreço em al- guns paizes da Europa. Tendo por muitos seculos feito as delícias da nobreza, foi abandonada logo depois de descobertas as armas de fogo. Só entre os arabes e n'alguns paizes da Asia ainda hoje a fal- coaria está em uso. Remonta esta arte a epoca bastante re- mota, e a ella se referiram Aristoteles, e mais tarde Plinio, sendo introduzida na Europa no correr do seculo quatorze, florescendo na edade media e na Renas- cença. Toda a nobreza, desde o rei até ao mais modesto fidalgo, era apaixonada pela Volateria, nome que então se dava á caça com o falcão e outras aves, e os reis e os mais opulentos senhores d'a- quelle tempo despendiam com ella som- mas consideraveis: era o luxo d'aquel- las epocas. Considerava-se como um presente magnifico alguns falcões dos melhores, e os reis de França recebiam todos os annos, solemnemente, doze fal- cões que lhes eram offerecidos pelo grá- mestre da ordem de S. João de Jerusa- lem. Um cavalleiro francez d'esta ordem era o encarregado de apresentar ao mo- narcha os falcões, e recebia em troca, a titulo de brinde, a quantia de 3:000 libras e as despezas da viagem. Um fidalgo francez e até mesmo uma dama, na edade media, não appareciam em publico sem um falcão pousado no pu- nho, exemplo seguido pelos bispos e pelos abbades. Entravam estes nas egrejas com o falcão em punho, e, durante a missa, empoleiravam-n'o nos degraus do altar. Os grandes dignitarios, por occasião de actos publicos, apresentavam-se com o maior arreganho trazendo n'uma mão o falcão e na outra a espada... Este modo de caçar está hoje com- pletamente abandonado, posto que se haja tentado fazel-o reviver sem grande succes- so, principalmente em Inglaterra e na Ale- manha. Para tal fim reune-se todos os an- nos o Hawking-Club n'uma dependencia do castello real de Loo, sob a presiden- cia do rei dos Paizes Baixos, e alli caçam garcas, não caindo menos de cem a du- zentas d'estas aves em poder dos caça- dores. Não passa tudo isto, porém, de baldados esforços para revocar instituições caducas. As aves outrora empregadas na fal- coaria dividiam-se em duas classes — alta e baixa volateria. Na primeira compre- hendiam-se o gerifalto, o falcão, o falcão h tagarote, e o esmerilhão ; e na segunda o acor e o gavião.» (L. Figuier). Os arabes ainda hoje teem por um dos mais nobres passatempos a falcoaria, e adestram o falcão para caçar aos pombos, ás perdizes e ás lebres. Utilisam-n'o tam- bem na caça á gazella, servindo para retardar a marcha do quadrupede até os cães poderem alcancal-o. O falcão des- tinado a este exercicio é por muito tempo habituado a não comer senão na cabeça d'uma gazella empalhada, e assim apren- de, mal avista um d'estes animaes no campo, a pousar-lhe nas ventas, seguran- do-se com as garras de modo que a ga- zella não pode sacudil-o, e com o cons- RES Se > Ê Gr. n.º 260 — O falcão tante adejar não só lhe estorva a carreira como tambem a impede de ver. Ainda hoje se caça com o falcão na India e na China. Posto que não possamos dar aqui lar- ga noticia acerca do processo seguido na educação dos falcões destinados a caçar as aves e as lebres, não que- remos comtudo privar o leitor d'alguns pormenores interessantes que nos pare- ceu seriam lidos com curiosidade. Os aprestos são: um caparão, ou es- pecie de capuz de coiro mais largo no logar dos olhos; duas correias de coiro para lhe prender os pés, uma corda com- prida, euma negaça formada de um pe- daço de madeira coberto pelos dois la- dos com pennas de pombo. O fal- coeiro usa de luvas grossas para que o VOL. al 38 MARAVILHAS DA CREAÇÃO falcão lhe não fira as mãos com as gar- ras. Apanhado o falcão, prendem-se-lhe os pés com as correias, cobre-se-lhe a cabe- ca com O caparão, e deixa-se jejuar por vinte e quatro horas, andando o falcoeiro com elle pousado no punho de dia e de noite, sem o deixar descansar, mettendo- lhe a cabeça em agua fria se tenta ag- gredil-o com o bico; ao fim das vinte e quatro horas tira-lhe o caparão e mostra- lhe uma ave. Se a não devora, põe-se-lhe de novo o caparão que só se lhe tira no dia se- guinte, e assim se vae praticando segui. damente, não lhe dando de comer duran- te quatro ou cinco dias, até que acceite o alimento da mão do homem e o coma pou- sado no punho, experiencia que se deverá repetir amiudadas vezes, porque assim mais facilmente se obtem resultado. Obtido elle, empoleira-se o falcão nas costas d'uma cadeira, e tirando-lhe o caparão ensina-se a saltar do movel para o punho do falcoeiro, para ahi comer, augmentando progressivamente a distan- cia que tenha a percorrer; tão depressa esteja exercitado n'este manejo, repele-se ao ar livre, tendo o falcão preso a uma corda de vinte a quarenta metros. Tira- se-lhe outra vez 0 caparão e motrando-lhe a negaça posta a principio a pequena dis- tancia, e que deve ter um pedaço de carne em cima, faz-se-lhe um signal falando-lhe para indicar-lhe a presa; se elle investe permitte-se que empolgue a carne que es- á sobre o manequim, mas que só deve comer quando esteja pousado no punho. Vae-se então augmentando a distancia en- tre o falcão e a presa até que tenha a percorrer todo o comprimento da corda, dando-se-lhe a comer a carne que esli- ver sobre a negaça, e sempre depois de pousado no punho do falcoeiro, afim de que conheça que trazendo a presa ao dono este o recompensa dando-lh'a a comer. Tão depressa o falcão obedece á cha- mada do dono, vindo de toda a ex- tensão da corda, pode-se soltar, pois a qualquer distancia que esteja, virá pousar- lhe no punho quando o falcoeiro o chamar, e quando tente escapar-se chama-se até vir mostrando-lhe a negaça. Ao mesmo tempo que estes exercicios se praticam é necessario passeal-o por sitios frequenta- dos afim de o familiarisar com as pessoas, eda mesma sorte habitual-o á presença dos cães e dos cavallos, animaes com que terá d'acompanhar. É pois chegada a occasião de o ensi- nar a caçar, e então atira-se ao ar um pornbo morto, para que o falcão invista com elle, permiltindo-se-lhe que comece a de- voral-o, mas tirando-se-lhe no melhor do gosto para que acabe de o comer pousado no punho do dono. Repete-se em seguida o exercicio com aves vivas, ás quaes se cortam primeiro as azas, e quando já esteja bem adestrado n'este manejo, leva-se ao campo em companhia d'um cão perdi- gueiro ; tão depressa o cão pára alguma perdiz tira-se o caparão ao falcão e indica- se-lhe a presa no momento d'ella tomar o vôo. Se erra a presa altrahe-se mostran- do-lhe um pombo ou a negaca. Se se destina o falcão para a caca ás lebres, com uma pelle d'este animal cheia de palha faz se uma negaça, pondo em ci- ma um pedaço de carne, negaça que um homem arrasta primeiro devagar e depois mais depressa, e mostrando-a ao falcão faz- se-lhe signal para que selhe arremesse. Mais tarde repete-se este exercicio sendo a negaça levada por um cavallo. Não se pode caçar às lebres com o falcão se- não em planicie descoberta. O falcão é, por excellencia, a ave de prear, e de todas a que possue maior vi- cor, agilidade e vôo mais rapido. Estas qualidades reunidas a uma visão das mais perfeitas, e á robustez das suas aduncas garras, tornam-o adversario bem para te- mer, espalhando o terror entre as aves por toda a parte por onde passa. Só se alimenta da presa ainda palpitante, e caça a vôo, acompanhando nas suas emigrações as aves, cada dia empolgando entre as do bando aquellas de que carece para o seu sustento. «O falcão commum parece alimentar-se tamsómente de aves, sendo o terror das creaturas aladas desde o ganso bravo até á cotovia. São consideraveis os destroços causados nos bandos de perdigotos e de pombos, perseguindo tambem os gansos sem treguas, e tornando-se até mesmo o algoz das gralhas que topa isoladas, sendo por vezes estas aves, que, durante semanas inteiras, lhe servem de sustento. Se lhe não é facil empolgar a ave que pousa no solo, com a maior destreza, po- rém, empolga a que vôa ou nada. Para obrigar a perdiz a tomar o vôo, e po- der lançar-lhe as garras, adeja primei- ramente sobre o bando, volteando. Os pombos quando se vêem perseguidos pelo falcão precipitam-se algumas vezes na AVES —O FALCÃO 39 agua para poderem escapar-lhe. Pri- meiro que empolgue os gansos, afadi- ga-os por tal fórma que por ultimo já não podem mergulhar. As aves de vôo mais rapido conseguem com difficuldade escapar-lhe, e os pom- bos domesticos, no dizer de Naumann, teem como unico meio de salvação voa- rem em columnas cerradas; mas tão de- pressa algum se aparta o falcão cae-lhe em cima. Se não conseguiu agarral-o á primeira, o pombo busca então fugir-lhe remontando mais alto do que o seu adver- sario, e n'este caso salva-se porque o fal- cão depois de fatigado abandona-o. Todas as aves conhecem o falcão pas- sageiro, e diligenceiam por todos os meios fugir-lhe ; as proprias gralhas escapam-se mal o avistam, não se atrevendo a fazer- lhe frente. O falcão d'ordinario empolga a presa voando, e se é tão pesada que não póde arrebatal-a; se se trata por exem- plo d'um ganso bravo, aferra-se-lhe e ven- ce-a pela fadiga dando com ella em ter- ra. Quando investe com a presa é tão rapido o vôo que a vista não póde acom- panhal-o : ouve-se-lhe o adejar, vê-se um vulto fender os ares, sem que todavia seja possivel distinguil-o. O impeto com que accommeitte a presa é de certo o motivo do falcão evitar o arre- messar-se ás aves empoleiradas ou pou- sadas no solo, porque corre risco de se despedaçar d'encontro a algum objec- to resistente, havendo exemplos d'algu mas d'estas aves morrerem ao topar com os ramos das arvores. E affirmado por Pallas que muitas vezes se afoga ao ac- commetter os patos bravos, pois que tão grande é a velocidade com que cae sobre a victima, que, mergulhando até grande profundidade, não póde voltar ao lume d'agua. E raro o falcão errar a presa, e ao em- polgal-a transporta-a para algum sitio descoberto, não sendo demasiadamente pe- sada, e ahi a devora; no caso contrario de- vora-a no proprio sitio onde a preou. Antes de devoral-a arranca-lhe pelo menos uma parte das pennas, engulindo as aves pe- quenas com as entranhas, não fazendo o mesmo ás maiores. Aninha nas fendas inaccessiveis das ro- chas, e na faltas destas, nas arvores mais altas, aproveitando algum ninho de gra- lha abandonado ou roubando-o ao pro- prietario. O ninho que o falcão construe é mal feito, formado de ramos seccos. No tim de maio ou principio de junho a femea põe tres ou quatro ovos arredonda- dos, d'um amarello avermelhado, man- chados de trigueiro, encarregando-se ella só da incubação, em quanto o macho busca distrahil-a com os seus exercicios de altanaria. Os paes alimentam os filhos de carne Já em parte digerida no papo, dando-lhes mais tarde aves, e quando começam a voar ensinam-lhes a empolgar a presa. (Brehm) O falcão vive muitos annos captivo se o tratam bem, alimentando-o de carne fresca; sendo naturalmente arisco e iras- civel, insensivel ás caricias, só se conse- gue domal-o e adestral-o para a caça sub- metlendo, como já vimos, a toda a casta de privações. A longevidade do falcão parece ser maior ainda do que a da aguia, e Figuier conta que um falcão fôra apanhado em 1797 no Cabo da Boa Esperanca, com um collar d'oiro ao pescoço, por onde se ave- riguara haver pertencido em 14610 ao rei d'Inglaterra Jacques |, tendo portanto 187 annos. O FALCÃO TAGAROTE Falco subbuteo, de Linneo. — Le faucon hobereau, dos francezes O tagarote adulto tem a parte superior do corpo negra azulada, a cabeça parda, a garganta branca, e de cada lado a par- tir dos olhos uma malha larga negra, que se estende pelos lados do pescoço, e uma malha esbranquiçada que lhe toma a nuca, as ramiges e rectrizes ne- gras, á excepcão das duas do centro que teem oito malhas arruivadas formando ris- cas transversaes. Nas partes inferiores é branco ou branco amarellado, com ma- lhas negras longitudinaes; as coxas e o uropigio ruivos vivos, a parte nua em volta dos olhos trigueira escura, a cera e os pés amarellos. o bico azulado. Tem o corpo alongado, azas compri- das que alcançam ou excedem a extremi- dade da cauda, e é mais pequeno que o falcão commum, medindo 0”",33 de com- prido e 0”,82 d'envergadura. A femea é maior, tem as partes supe- riores do corpo trigueiras annegradas, a côr branca das inferiores é mais suja, as malhas são mais trigueiras, e as coxas e o uropigio ruivos, menos vivos porém que o macho. 40 Esta ave encontra-se em quasi todos os pontos da Europa, e é bastante com- mum no nosso paiz. Vive nas mattas, pousando raras vezes no solo e dando preferencia ás arvores; é viva, agil e arrojada, rivalisando em ve- locidade com todos os seus congeneres. Devora a presa no solo. O macho e a fe- mea vivem sempre reunidos, e juntos emi- gram, caçando de sociedade, e os seus ha- bitos denotam grande intelligencia. O falcão tagarote alimenta-se de aves pequenas e de insectos, ce parece ser o terror das cotovias, a sua caca preferi- ) EA DD VAZ SA EDER dj PA A MARAVILHAS DA CREAÇCÃO da, tornando-se não menos perigoso para as andorinhas, apezar da rapidez do vôo d'estes passaros. «Por mais arrojadas que sejam as an- dorinhas, diz Neumann, perseguindo d'or- dinario as aves de rapina com os seus gri- tos zombetleiros, nem por isso deixam de receiar 0 tagarote, e fogem mal o avis- tam. Observei muitas vezes um tagarote investir com um bando d'andorinhas, e estas temerem-se por tal forma do ataque do falcão, que muitasscaíam por terra como mortas, deixavam-se agarrar, e só voavam muito tempo depois.» Gr. n.º 261 — O falcão tagarote (macho e femeas) As cotovias não arreceiam menos d'este adversario, e ao vêl-o buscam refugiar- se junto do homem, passando por entre as pernas dos camponezes e dos caval- los, e de tal modo espavoridas que é facil apanhal-as. D'ordinario o tagarote vôa baixo, e tão depressa as cotovias o enxergam, remontam rapidamente a tão grande altura, que não alcança a vista acompanhal-as, soltando então os seus cantos, pois bem sabem estarem alli em'seguranca, porque o tagarote só investe com a presa de cima para baixo, e nunca sobe a tão grande altura.» O tagarote aninha nas arvores, e O ninho é similhante ao dos outros falcões, construido de ramos e tapizado de ! comprida e excedendo as pennas pellos, de lã e de substancias macias. A femea põe de tres a cinco ovos. Era outrora o falcão tagarote ades- trado para a caca, e de todas as aves da familia dos falcões é a que depois de captiva se torna mais agradavel, mos- trando-se docil, conhecendo o dono, e apreciando as caricias que lhe fazem. O FRANCELHO, OU PENEIREIRO Falco tinnunculus, de Linneo —La crêcerelle, dos francezes O peneireiro assimilha-se aos fal- cões na fórma do bico, das azas e da cauda, sendo esta relativamente mais das AVES — FRANCELHO OU PENEIREIRO 41 azas. O alto da cabeça é pardo azulado, as partes superiores do corpo trigueiras avermelhadas, regularmente semeadas de malhas angulares negras, e as inferiores brancas levemente coradas de vermelho, com malhas oblongas trigueiras, cauda cinzenta com uma faxa larga negra na extremidade e franjada de branco ; bico azulado, a cera, a parte núa em volta dos olhos e os pés amarellos. Mede aproxima- damente 0,” 35 de comprido. A femea é maior, tem as partes supe- riores do corpo mais avermelhadas, cor- tadas transversalmente: de riscas triguei- Gr. n.º 262 — O peneireiro (macho e femea) ras annegradas, e as inferiores ruivas amarelladas com malhas oblongas negras; a cauda arruivada é atravessada por nove ou dez riscas estreitas negras, e uma mais larga da mesma côr na extremidade, aca- bando em branco arruivado. Encontra-se esta ave em toda a Euro- pa, sendo muito frequente no nosso paiz. Vive nas mattas, nos rochedos, e algu- mas vezes encontra-se nos edificios em ruina, até mesmo no interior das cida- des, alimentando-se de ratos, d'outros pequenos roedores e de insectos, não desdenhando as aves pequenas, uma ou grande numero de animaes nocivos que destroe. O ninho é similhante sad seus con- generes. À femea põe desde quatro alé sete ovos brancos amarellados ou ama- rellos ferrugentos com salpicos e man- chas vermelhas lrigueiras. Além das especies de que antecedente- mente falámos, — o falcão passageiro, o falcão tagarote e o francelho, —outras do genero Falco existem na Europa, mais pequenas do que aquellas, similhantes nos habitos, e alimentando-se de aves menores e de insectos, taes como o es- merilhão—fúalco lithofalco de Gmelin, Veme- rillon dos francezes, que não excede em ta- Gr. n.º 263 — O esmerilhão (macho e femea) manho o tordo eo falcão de pês verme- lhos — falco vespertinus de Linneo, le ko- bez dos francezes, com” 0,” 33 de com- primento ; a cera, o circulo em volta dos olhos e os pés carmezins, vivendo de in- sectos e principalmente de gafanhotos que empolga no ar. O MILHAFRE OU MILHANO Falco milvus, de Linneo—Le milan royal, dos francezes Os individuos do genero Milvus, a que esta especie pertence, teem a cabeça pe- quena, o bico forte e arqueado desde a base, azas muito longas, cauda comprida e mais ou menos aforquilhada, tarsos cur- outra rã e alguns lagartos. E” util pelo + tos cobertos de pennugem até um pouco 42 MARAVILHAS DA CREAÇÃO abaixo da articulação, unhas compridas e pouco vigorosas. O milhafre é a especie mais commum do genero na Europa: o macho mede 0,"65 de comprido e 1"57 d'enverga- dura; a femea é maior. Tem esta a parte superior do corpo ruiva ferrugenta em malhas e riscas trigueiras escuras, a cabeca e o pescoco esbranquiçados em riscas longitudinaes Lrigueiras, a cauda rui- va atravessada de riscas trigueiras escuras. Encontra-se esta ave em quasi toda a Europa, sendo muito commum no nosso paiz, principalmente no Alemtejo. E notavel pelo seu vôo dependurado, aguentando-se muitas vezes um quarto Gr. n.º 264 — O milhafre de hora sem um unico movimento d'azas, e tão depressa se eleva a uma altura tal que a vista mal pode alcancal-o, como adeja perto do solo. Alimenta-se de mamiferos pequenos, de aves que rouba nos ninhos, de lagar- tos, cobras, rãs, sapos, gafanhotos e ver- mes. Não lhe escapam os pintos, os pa- tos pequenos, os perdigotos e os lebra- chos. Pairando algumas vezes a alturas prodigiosas, observa d'alli a presa, e, cain- do sobre ella como um raio, empolga-a, e vae devoral-a para otopo d'uma arvore vizinha. O milhafre é preguicoso e co- barde, o que o não impede de ser um dos mais descarados e atrevidos rapinantes. «No Cairo, conta o dr. Petit, vi um dia um milhafre arrebatar das mãos d'uma mulher arabe um pedaço de pão coberto de queijo, no momento em que ella ia mettel-o na bocca. Em Chiré, na Abyssinia, outro roubou, mesmo á vista do cão que os guardava, e que investiu ladrando com o milhafre, os restos d'um carneiro que fôra morto havia pouco. De todos, porém, o maior arrojo foi o d'um milhafre com o qual se deu, a 4 de ju- nho de 1841, ofacto seguinte; Leusoua, um pequeno preparador negro que eu tinha, estava sentado no pateo da casa e acabava de preparar um pombo, ao qual na ves- pera extrahira a carne, restando apenas a pelle e a cabeca ainda completa, quan- do ao voltar a pelle na mão, um milhafre lhe levou a cabeca do pombo, deixando apenas um resto da pelle na mão do po- bre rapaz, afílicto e desesperado. Pou- cos momentos depois estava de volta, e ia roubar umas pimentas vermelhas que estavam a seccar ao sol, sem o menor receio de que o fizessem pagar caro tanta ousadia.» Apezar dos prejuizos causados pelo mi- lhafre, pode considerar-se esta ave como util, tendo em conta os numerosos ratos campestres que destroe para seu alimen- to e dos filhos. O milhafre aninha nas arvores mais altas, eo ninho é formado de troncos sec- cos e tapizado de substancias mais macias, por vezes de trapos e pedacos de papel, e quando encontra um ninho abandonado de gralha ou de falcão aproveita-o. No fim d'abril a femea tem posto dois ovos e ás vezes tres, esbranquicados e salpi- cados de manchas avermelhadas, encar- regando-se ella só da incubação e o ma- cho de prover á sua mantença durante este tempo. Na educação e alimentação dos pequenos cooperam os dois. O milhafre captivo torna-se manso, e até mesmo muito dado com as pessoas que conhece. Existem outras especies do genero Mil- vus e entre ellas o milhafre preto — falco ater de Linneo, le milan noir dos france- zes, e o milhafre parasita — milvus para- situs de Degland, que habitam na Eu- ropa, não havendo comtudo certeza que arribem ao nosso paiz. O primeiro apparece em França e na Alemanha e é frequente na Russia. Além dos pequenos mamiferos e das aves não lhe escapam tambem os peixes; é pes- cador habil, e introduz-se com o maior arrojo nos logares onde haja creação, AVES—O AÇOR 48 para empolgar as aves pequenas. No in- verno emigra para o Egypto, sendo alli tão frequente que se vê pousado nas ja- nellas das habitações até mesmo nas ci- dades. O milhafre parasita, sendo originario d'Africa, vem á Europa, costumando visi- tar a Grecia, e parece dever o appellido ao habito de viver á custa do homem, rou- bando-lhe as aves dos gallinheiros e até mesmo os comestíveis aos viajantes. A proposito do milhafre parasita conta Le- vaillant o seguinte facto : O parasita é mais atrevido que o nosso milhafre, e a presença do homem não o estorva de se arremessar ás aves domes- ticas pequenas, não havendo habitação onde a certas horas do dia não appareça algum d'estes rapinantes. Nas minhas via- gens era certo vêl-os chegar quando acam- pavamos, e pousando nos carros roubar- nos muitas vezes pedacos de carne. Os meus hottentotes enxotavam-nos, mas os parasitas regressavam mais vora- zes e atrevidos, e nem a tiro se podiam afugentar, que até mesmo depois de fe- ridos voltavam. A nossa cozinha ao ar livre era de molde para que, attrahidos pela carne que nos viam preparar, nol-a viessem arrebatar, para assim dizer das mãos, e a nosso pezar viamo-nos obriga- dos a sustental-os. » Na America existe uma especie, seden- taria no Brazil e ahi vulgarmente deno- minada Gaivão das praias — falco furca- tus, de Linneo, le milan de la Carole, ou naucler dos francezes, notavel pelo aforquilhado da cauda, similhante á das andorinhas, com a cabeça, o pescoco e o ventre brancos de neve, as costas, as azas e a cauda negras com reflexos azues e verdes, bico negro, cera azulada, e pés verdes claros. Mede 0”",63 de comprido e 1” 37 de envergadura. O seu principal alimento são os insectos. 0 AÇOR Falco palumbarius, de Linneo — L'autour, dos francezes Esta especie é a unica do genero As- tur que habita a Europa; tem o bico curto e largo, alto na base e muito arqueado até á extremidade, as azas alcançam ape- nas a metade da cauda, e esta é compri- da, larga, arredondada ou levemente chan- frada. Os tarsos são do comprimento do dedo medio, os dedos vigorosos, e as unhas robustas, aduncas e lacerantes. O acor tem as costas pardas trigueiras com reflexos mais ou menos cinzentos, o ventre branco, com as hastes da pen- nugem trigueiras annegradas e pequenas riscas ondeadas da mesma côr, bico ne- gro, cera amarella clara, pés amarellos. A femea tem menos reflexos cinzentos, a pennugem é mais tirante a trigueira, e são mais numerosas as riscas trigueiras abaixo da garganta. Mede o macho 0,"58 de comprido e 1,15 de envergadura ; a femea é maior. Vive na Europa e encontra-se no nos- so paiz. De preferencia frequenta as mattas em sitios montanhosos, e nos povoados acer- ca-se das habitações com a mira nas galli- nhas e nos pombos. A sua voracidade in- saciavel não lhe permitte que repouse, está sempre esfaimado, e sempre sequio- so de sangue. Ataca todas as aves desde a betarda até aos passaros mais pequenos, e todos os mamifaros que suppõe menos vigorosos do que elle. Investe com as le- bres, arrebata a doninha, vae buscar o es- quilo ao seu pouso, e tanto empolga a presa no vôo como pousada, seja uma ave aquatica ou um mamifero. «Caça principalmenté os pombos, e um casal de açores é sufficiente para em pou- co tempo exterminar o pombal mais bem fornecido. Mal avistam o sanguinario ini- migo, os pombos fogem, e o açor, inves- tindo com elles rapido como uma fre- cha, busca separar algum do bando. As azas parece que se não movem; conserva-as um pouco caidas e estende as garras para a frente, arremessando-se com tal impe- to que o estrepito produzido pelas azas ouve-se a cem ou cento e cincoenta passos... Empolga facilmente os lebrachos, e caça as lebres com certo methodo. A le- bre busca escapar-se pela fuga, e n'este caso o açor dá-lhe numerosas investidas, | € espícaçando-a, n'estas investidas, ter- mina por subjugal-a depois de ferida e exhausta de forças, e estrangula-a entre as garras. Prolonga-se por vezes a luta, e a uma assisti eu em que o algoz e a victima rolaram um sobre o outro por muito tempo, sem que o açor largasse a lebre. Um amigo meu, que merece cre- dito, contou-me haver morto d'um tiro uma lebre e um açor n'estas circum- stancias. 44 MARAVILHAS DA CREAÇÃO O acor não se contenta com uma presa ; agarra quantas possa, estrangula-as, devo- rando-as depois socegadamente. (Brehm). Aninha o acor nas arvores mais altas, mas em geral perto do tronco; o ninho, é grande e raso, feito de troncos seccos e sobreposto de ramos verdes, com o cen- tro tapizado de pennugem e de pennas. Serve para muitos annos feitos os reparos indispensaveis, e n'clle a femea põe dois a quatro ovos, chocando-os com a maior solicitude, e defendendo o macho e a fe- mea a sua progenie com grande coragem, havendo exemplos de accommetterem até mesmo o homem que se atreva a trepar á arvore onde esteja situado o ninho. Os Gr. n.º 265 — O açor (macho e femea) paes fornecem aos filhos o alimento de que carecem — e de muito precisam elles para se saciarem, —trazendo-lhes tudo que encontram, ás vezes ninhos inteiros de tor- dos e de melros com os pequenos ainda implumes. Este cruel rapinante é difficil de aman- sar, e ainda depois de captivo persiste sanguinario, não poupando qualquer animal mais fraco que lhe déem por com- panheiro, mesmo os da sua especie. En- tre os numerosos exemplos do instincto sanguinario do acor, contados por diver- sos naturalistas, ha os seguintes que lé- mos em Brehm : «Na primavera passada, conta meu irmão, mandei apanhar para o Jardim Zoologico de Hamburgo um acor femea com dois filhos. Metti-os de, manhã n'uma gaiola grande, e ao meio dia, quando fui para dar-lhes de comer, encontrei metade d'um dos filhos já de- vorada e o outro estrangulado. Alguns dias depois recebi um casal de acores com dois pequenos, e puz, cada um d'elles em gaiola separada, dei-lhes de comer com abundancia, e enviei-os ao seu destino. Quando lá che- garam juntaram-n'os com um acor Já preso havia um anno, mas que nem por isso deixou de investir com os mais novos e matal-os, devorando em seguida os paes. Afinal tambem foi devorado por outro acor.» y O GAVIÃO Falco nisus, de Linneo — L'épervier, dos francezes Esta especie, representante na Europa do genero Nisus, conta numerosas especies espalhadas pelo globo. São seus caracteres o corpo alongado, cabeca pequena, bico curto, inclinado a partir da base e muito adunco, azas curtas, cauda comprida, mais ou menos arredondada ou quadrada, tarsos delgados e altos, unhas lacerantes. Mede o macho O” 35 de comprimento e 0” 66 d'envergadura, e a femea é maior. O gavião é nas partes superiores do corpo cinzento azulado com uma malha branca na nuca, nas inferiores branco com ris- cas longitudinaes logo abaixo da garganta, e transversaes no peito e no ventre; a cauda é parda cinzenta com cinco faxas cinzentas annegradas, bico escuro, cera amarella esverdeada, pés amarellos. A femea é similhante ao macho, mas algumas teem a pennugem das partes superiores parda trigueira orlada de ruivo, com al- gumas malhas brancas nas espadoas. Vive o gavião na Europa, na Ásia ena Africa, sendo frequente na primeira e commum no nosso paiz. «O gavião, conta meu pae, esconde-se a maior parte do dia, e só apparece quando caca. Não obstante ter as azas curtas vôa com facilidade e rapidez, andando mal e aos saltos. E” desconfiado mas intrepido, não temendo nem mesmo as aves mais fortes. A femea é mais vigorosa e póde lutar onde o macho succumbiria. Fui teste- munha do seguinte facto : Um gavião femea havia empolgado um pardal, e transportara-o para detraz d'uma sebe, a curta distancia de minha caza, AVES—O GAVIÃO 45 et vm memo para ahi devoral-o. Havia apenas co- mecçado quando uma gralha correu a roubar-lhe a presa ; o gavião então abriu as azas para defendel-a. A gralha tantas vezes investiu com 0 gavião até que este tomou o vôo. levando o pardal n'uma das gar- ras, mas voltando-se com admiravel agi- lidade, quasi que tocando com as costas no chão, atirou tão valente golpe á gra- lha com o pé que lhe ficava livre, que ella julgou mais prudente retirar-se. Em arrojo não cede o macho á femea, e penetram ambos no interior das cida- des. E' o mais encarnicado inimigo de to- das as aves pequenas ; desde a perdiz até a carriça nenhuma está ao abrigo dos seus ataques, e da sua extrema audacia ; accommette os gallos e até as lebres, pa- recendo, comtudo, com respeito ás ulti- mas, ter em vista divertir-se assustan- do-as.» (Brehm). Piaf aU Ra DL " Y gil oa EO sta a E DA Y AC eo ISS " g Ra PARE «iv & PRA sie É Vga IO Gr. n.º 266 — O milhano, o falcão, o gavião O gavião construe o ninho geralmente a pouca altura do solo, entre o matto, formando-o de ramos seccos e com 0 cen- tro forrado da pennugem da femea. Põe esta de tres até cinco ovos que só ella choca; os paes provêem á sustentação dos pequenos que vivem com elles por muito tempo. O gavião domestica-se, e, em tempo, como dissemos, adestravam-n'o para a caça á maneira dos falcões. Na India, conta Jerdon, ao gavião commum e à uma cs- pecie mais pequena, ensinam-n'ºos de pe- 5 quenos a caçar as perdizes, as codorni- zes, as gallinholas e os pombos. O TARTARANHÃO RUIVO DOS PAUES Falco eruginosus, de Linneo—Le busard de marais dos francezes Pertence esta especie ao genero Circus, caracterisado pelo bico curto e recurvo a partir da base, pellos longos cobrindo a cera e inclinados para a frente, tarsos longos e delgados, dedos mediocres, cauda comprida e arredondada, e uma VOL. HI 46 especie de colleira semi-circular em vol- ta do pescoço, estendendo-se de ambos os lados até aos ouvidos, com uma tal ou qual similhança com o disco facial das corujas. O tartaranhão ruivo dos paues tem a cabeça, o pescoço e o peito brancos ama- rellados com numerosas malhas triguei- ras longitudinaes, que occupam o centro da pennugem, as pennas escapulares e a MARAVILHAS DA CREAÇÃO parte superior das azas trigueiras arrui- vadas, as remiges brancas na base e ne- gras no resto, sendo as secundarias e as pennas da cauda pardas cinzentas; a par- te interior das azas branca, o ventre, as ilhargas e as coxas ruivas ferrugentas com manchas amarelladas, o bico negro, cera amarella esverdeada, pés amarellos. Mede 0,” 58 de comprimento por 1”, 30 de envergadura. Gr. n.º 267 — O tartaranhão ruivo dos paues Esta! especie vive na Europa, e no nos- so paiz observa-se frequentemente nas pro- ximidades das lagoas e dos pantanos. Habitam estas aves nos sitios humidos e pantanosos, frequentando as margens das lagoas, dos pantanos e os bosques Gr. n.º 268 — O tartaranhão azulado, ou Ritaforme situados na vizinhança de rios. O seu alimento consta, principalmente, d'aves aquaticas, mas na falta d'estas devoram as rãs, Os peixes e os insectos. Diz Brehm que na epoca dos amores esta ave é uma das mais nocivas rapi- nantes, destruindo os ovos das aves aqua- ticas. Parte habilmente os grandes, e de- vora Os pequenos mesmo com casca. O ninho é grosseiramente construido de juncos, cannas e rastolho, onde a fe- mea põe de quatro a seis ovos, brancos esverdeados, que ella só se encarrega de chocar. O TARTARANHÃO AZULADO, OU RITAF ORME Falco cyaneus, de Linneo-—Le lusard Saint Martin, dos francezes Esta ave, congenere da antecedente, é mais pequena do que ella, medindo 0,747 de comprimento por 1,740 de enverga- AVES DE RAPINA NOCTURNAS 47 dura. Tem a cabeça, o pescoço, as cos- tas, as azas e o uropigio pardos azulados, as remiges brancas na base e depois ne- gras, as azas pelo lado de dentro, junto ao corpo, o ventre, as ilhargas, as coxas e a parte inferior da cauda brancas lim - pas, a parte superior da cauda cinzenta com a extremidade das pennas esbran- quiçadas, pés amarellos. A femea tem as partes superiores tri- gueiras foscas, com a pennugem da ca- beça, do pescoço e do alto das costas or- lada de ruivo, as partes inferiores ama- rellas arruivadas com grandes malhas tri- gueiras longitudinaes, as duas pennas do centro da cauda riscadas de negro e de cinzento muito escuro, e as dos lados de ruivo amarellado e de escuro. Esta especie habita em quasi toda a Europa e na Asia central, sendo com- mum no nosso paiz, e frequentando os mesmos logares que a especie antece- dente. O tartaranhão azulado tem habitos mui- to similhantes aos da especie anteceden- te. Alimenta-se de pequenos mamiferos, d'aves, de rãs e de reptis; construe o ni- nho entre os juncos e as hervas que bor- dam os pantanos. AVES RAPINA NOGIURNAS Os individuos desta sub-ordem distin- guem-se das aves de rapina diurnas pelos olhos grandes e muito abertos, situados muito á superficie e dirigidos para diante, rodeados d'um circulo de pennas estrei- tas e desfiadas, chamado disco facial, sain- do-lhe do centro o bico. Não teem cera, o bico é curto e adunco, os tarsos e os dedos curtos e geralmente cobertos de pennugem, o dedo externo tão movedico que podem dirigil-o para traz ou para diante, unhas robustas e lacerantes, cauda geralmente curta; a pennugem espessa, abundante e sedosa, augmenta-lhes con- sideravelmente o volume do corpo e da cabeça, sendo esta maior que a das aves de rapina diurnas. As pennas d'estas aves, pela sua natu- reza especial, permittem-lhes voar sem ruido, podendo deste modo atacar a presa sem que esta dê pela aproximação do seu adversario, e possa escapar-se. O que as caracterisa porém, principal- mente, é a sensibilidade extraordinaria da vista, que não lhes permittindo sup- portar a luz do dia, em compensação lhes dá a faculdade de vêr de noite, faculdade que resulta da grande dilatação da pupilla. Occultas durante o dia, tão depressa o sol se esconde no horisonte eil-as saindo dos seus lobregos escondrijos em busca de presa. Destinadas a impedir a desmarcada mul- tiplicação dos roedores que vivem sob a terra, e que só nas trevas saem das suas habitações, a natureza concedeu-lhes tudo quanto podesse auxilial-as nas suas ca- cadas nocturnas. Já vimos quanto a visão é desenvolvida n'estas aves ; pois a audição parece ser das mais apuradas, e Buffon diz que teem o ouvido superior a todas, e talvez mesmo a todos os outros animaes, pois que, guar- dadas as proporções, nenhum possue a concha do ouvido tão desenvolvida. Podendo mover as duas mandibulas, engole a presa facilmente d'uma só vez, sendo pequena, pois é consideravel a abertura do bico, e no estomago se se- param as partes não digeriveis, taes como os ossos, os pellos e as pennas, que vo- mita reunidos n'uma especie de novello. As aves de rapina diurnas, que se ali- mentam de presas vivas, possuem egual faculdade. Digamos por ultimo que o epitheto de nocturnas dado a estas aves não deve ser tomado tanto ao pé da letra, que se julgue não lhes ser possivel voarem de dia, e que possam vêr quando a escuridão seja completa. Se a maior parte só caça ás horas do crepusculo, e melhor nas noites de luar, as especies que existem no polo e as que habitam nos tropicos va- gueiam durante o dia. As aves de rapina d'esta sub ordem ganharam pelos seus habitos nocturnos tal reputação, que o vulgo considera-as prenuncio de grandes males, e por toda a parte o homem as persegue e não as poupa. Esta antipathia do homem é imi- tada pelas aves diurnas, que todas as odeiam,e assim que as avistam manifestam a sua mal querença por uma extrema excitação e pelos seus gritos repetidos Chamam-se umas ás outras, correm todas a rodeiar a ave nocturna, e perseguem- n'a, acocam-n'a, chegam até a espica- cal-a, sem que ella se defenda. O homem, melhor avisado que as aves, longe de querer mal a estes hospedes das trevas, para elle inoffensivos, devia protegel-os, porque lhe prestam excellen- 48 MARAVILHAS DA CREAÇÃO OSASCO tes serviços, destruindo vasta quantidade de ratos e d'outros roedores bem noci- vos; e nada ha, realmente, que possa jus- tificar o terror supersticioso que elles in- fundem a muita gente. Minerva, a deusa da sabedoria, é repre- sentada tendo a seu lado um mocho. Diz Fi- guier que os gregos assim praticavam, cer- tamente pela attitude calma e grave pecu- liar áquellas aves nocturnas, que lhes dá certo ar de philosophos meditando sobre os problemas da vida. As aves de rapina nocturnas, segundo o methodo de Linneo e de outros natu- ralistas, formam uma unica familia, — Striz, de Linneo, Les strigiens, dos fran- cezes,—da qual iremos successivamente descrevendo algumas das especies princi- paes. A CORUJA FUSCALVA Striz ulula, de Linneo — La chouette caparacoch dos francezes Esta especie é uma das do genero Sur- ma, que comprehende as aves de rapina nocturnas chamadas pelos naturalistas francezes choueites eperviêres, coruja-ga- vião ; e posto que pela sua conformação pertençam á sub ordem das aves de ra- pina nocturnas, pelos habitos diurnos e modo de caçar a presa, à maneira do ga- vião, formam a transição dos falcões para as corujas. A coruja fuscalva tem a cabeca larga, a fronte chata, olhos grandes, bico curto mais alto que largo, muito adunco, tar- sos e dedos curtos cobertos de pennugem, cauda comprida. A fronte é salpicada de branco e trigueiro, com uma risca negra que nasce atraz dos olhos, dá volta em roda dos ouvidos e vae terminar ao lado do pescoço ; as partes superiores são co- bertas de malhas de fórmas variadas, tri- gueiras e brancas; a garganta é branca, e bem assim as partes inferiores, corta- das de riscas transversaes trigueiras cin- zentas ; as pennas da cauda são trigueiras cinzentas com riscas estreitas transversaes e em zig-zag; bico amarello com man- chas negras que variam com a edade, Mede aproximadamente 0,” 41 a O,mkk, tendo de envergadura 0,” 80 a 0,” 85. A verdadeira patria d'esta ave é nas re- giões arcticas, encontrando-se na Finlan- dia, na Russia, na Siberia, e em grande numero no norte da America. Arriba á Allemanha, e raras vezes é vistaem Fran- ça, não se estendendo nunca d'ahi para o sul. A coruja fuscalva vive nas florestas, e, como já dissemos, vagueia de dia em pro- cura da presa. Alimenta-se de pequenos roedores e d'insectos que surprehende empoleirada nas arvores. Aninha nas arvores mais altas, constru- indo o ninho de troncos e tapizando-o interiormente de musgo e de lichens, onde io e o pi Gr. 269. — À coruja fuscalva a femea põe seis ou sete ovos brancos. Pode conservar-se captiva. O MOCHO ORDINARIO Athene noctua, de Gray — La chevêche commune, dos francezes A ave que nas gravuras vemos repre- sentada junto da deusa Minerva perten- ce ao genero Athene, de que faz parte a especie de que vamos falar. Teem as aves d'este genero a cabeca regular, bico curto e muito recurvo a AVES — O MOCHO ORDINARIO 49 partir da base, azas curtas e arredonda- das, cobrindo apenas duas terças par- tes de cauda, cauda mediocre, pernas al- tas, tarsos pouco pennugentos. São de pequena corporatura, não medindo além de 07,25 de comprimento e 0”,55 d'en- vergadura, sendo a femea maior que o ma- cho. A parte superior do corpo é trigueira tirante á côr de rato com malhas bran- cas irregulares, as faces pardas esbran- quiçadas, as partes superiores do corpo esbranquicadas com malhas trigueiras longitudinaes. As remiges são pardas tri- gueiras cortadas de malhas triangulares e riscas transversaes brancas arruivadas, e as rectrizes egualmente trigueiras com cinco faxas brancas arruivadas pouco vi- siveis. O bico é amarello esverdeado, e os pés pardos amarellados. Encontra-se esta especie em toda a Eu- ropa central, sendo uma variedade d'ella que habita o nosso paiz. Para descrever esta ave bem conhecida de todos nós, cujo piar faz estremecer e apavora mais d'um espirito fraco, que liga áquelles gritos, que só teem de funebres a hora em que d'ordinario os ouvimos, a idéa de prenuncios de morte e de rui- na, vamos transcrever em parte a descri- pcção do tantas vezes por nós citado e distincto naturalista allemão A. Brehm. «O mocho ordinario foge das grandes florestas e de preferencia encontra-se nos logares onde o arvoredo é menos cerra- do. Por toda a parte onde as aldeias são cercadas de pomares e de arvores vetus- tas é certo encontral-o. Acoita-se até mes- mo no interior das cidades, estabelecendo a sua morada nas torres, nos telhados, nos tumulos, e ahi se conserva occulto durante o dia. O homem não o assusta; pelo contrario é o mocho que o homem considera como vizinho pouco agrada- vel. E na verdade vergonhoso que ainda hoje, em certos paizes, tão supersticiosos como o podem ser populações d'indios selva- gens, sejam as corujas e os mochos tidos co- mo seres sobrenaturaes. Em muitos paizes da Allemanha teem o mocho como ave de mau agouro, e o seu piar como prenun- cio de morte. Honra seja feita aos habi- tantes do meio dia da Europa, onde o mocho ordinario é tão frequente, que longe de attribuir a esta ave o condão de agourar desgraças, n'elle vêem um ente util e digno da protecção do ho- mem. Realmente o mocho merece a nossa amizade. Não se póde dizer que seja uma ave diurna, porque a sua actividade começa ao pôr do sol; mas não foge da luz á maneira da maior parte das aves de ra- pina nocturnas, e pode a qualquer hora do dia entregar-se ás suas occupações. Nunca dorme tão profundamente que possa ser surprehendido, despertando ao mais leve rumor, e voando ainda que seja em pleno dia. Vôa descrevendo curvas, avança rapidamente, e passa sem maior custo por entre o matto mais cerrado. Quando repousa conserva-se encolhi- do, mas ao vêr objecto que se lhe torne suspeito, endireita-se, inclinando suc- cessivamente o corpo da direita para a Gr. n.º 270 — O mocho ordinario esquerda, para fixar bem o objecto que lhe attrahiu a attenção. Tem no olhar al- guma coisa de dissimulado e de astuto, mas nada n'elle indica maldade, e com prehende-se que os gregos fizessem d'esta ave o favorito da deusa da sabedoria. Não é das mais acanhadas a sua intelli- gencia, podendo considerar-se sob este ponto de vista como sendo um dos mais bem dotados da familia. Vive bem com os da sua especie. No meio dia da Europa e no norte d'Africa encontram-se muitas vezes bandos nume- rosos de mochos que parece viverem em optimas relações. Acoitam-se em commum no mesmo escondrijo, juntos vão à caça, n'uma palavra, reina entre elles a mais completa harmonia. Já antes do pôr do sol se ouve resoar 50 MARAVILHAS DA CREAÇÃO a voz do mocho, e á hora do crepusculo sae para caçar. Se a lua brilha no firma- mento, passa anoite inteira em continuado vaguear, percorrendo, todavia, curta dis- tancia em volta da habitação. Tudo o attrahe: esvoaça em torno da foguei- ra accesa pelo cacador, aproxima-se das janellas illuminadas, e póde d'esta sorte amedrontar alguma boa alma, fraca e cre- dula. O seu alimento consiste principalmente em mamiferos, aves e insectos. Destroe os morcegos, os musaranhos, os ratos, os ratos campestres, as cotovias, os par- daes, os gafanhotos e os besouros, mas a sua caça predilecta são os pequenos roe- dores. São-lhe necessarios cinco ou seis para o saciar, mas ainda que só admit- tamos, segundo a opinião de Lenz, que não devora mais de quatro, chegamos ao resultado de que num anno destroe 1460 roedores. E não teremos nós inte- resse real em proteger ave tão util? Reproduz-se em abril ou maio, e n'esta epoca é grande a sua excitação, grita e agita-se fóra do commum. Não construe ninho, limita-se a escolher uma cavidade conveniente entre as rochas, debaixo d'algum monte de pedras, n'algum muro meio derrocado, no tronco ôco d'alguma arvore e ahi deposita os ovos. A pos- tura não excede de quatro a sete ovos, que a femea choca durante quatorze ou dezeseis dias, e com tanta dedicação, que Naumann conta ter podido acariciar uma femea no ninho e pegar n'um dos ovos sem que ella fugisse. Alimenta os pequenos d2 roedores, aves e insectos. Afóra os inimigos que o mocho tem em todas as pessoas credulas e supersticiosas, existem outros muitos: o acor e 0 gavião matam-n'o, a doninha destroe-lhe os ovos, as gralhas, as pegas, os gaios e todas as aves pequenas perseguem-n'o com os seus gritos. O mocho acostuma-se com facilidade a estar preso, até mesmo em logar acanhado. A Halia é o unico paiz onde ainda hoje se educa com o fim de utilisar os seus pres- timos. «Para que não escasseiem os mochos, conta Lenz, os italianos teem o cuidado de preparar sob os telhados logares apro- priados e de facil accesso, onde aquel- las aves vão aninhar. Depois facilmente apanham tantos quantos individuos ca- recerem, deixando os outros em paz. Os mochos tornam-se então verdadeiros ani- maes domesticos, e deixam-se, depois de se lhes cortar as azas, correr livremente pelas casas e pelos pateos, onde empolgam os pequenos roedores, e principalmente vaguear pelos quintaes e jardins, onde destroem os caracoes e todos os vermes, sem causarem o mais leve prejuizo. Os alfaiates, sapateiros, oleiros e outros artistas que trabalham perto da rua, teem junto de si n'um poleiro dois ou quatro mochos, e com elles trocam de vez em quando os mais ternos olhares. Como nem sempre teem carne para dar-lhes, habituam-n'os a alimentar-se de polenta. '» O BUFO, OU CORUJÃO Striz bubo, de Linneo—Le grand duc, dos francezes Esta especie do genero Bubo é das aves de rapina nocturnas a maior e a mais perfei- ta. Mede 0,” 66 de comprimento por 1.760 d'envergadura. A femea é maior. Tem a cabeca chata ornada de dois martinetes de pennas aos lados, por ci- ma dos ouvidos, e inclinados para traz; bico vigoroso, adunco, com duas terças partes occulto pelas pennas do disco facial; azas mediocres, cauda curta e arredon- dada, tarsos curtos cobertos de pennugem que lhe reveste os dedos, armados d'unhas robustas, muito aduncas e agudas. O bufo tem a parte superior do corpo mesclado e ondeado de preto e amarello ocre, as partes inferiores d'esta ultima côr com manchas longitudinaes negras, a garganta branca, os pés cobertos até ás unhas de pennugem ruiva amarellada, bi- co e unhas escuros. Encontra-se em toda a Europa, sendo commum no nosso paiz. O museu de Lis- boa possue bellos exemplares, alguns apa- nhados em Mafra. O bufo vive nas mattas e principal- mente nas vizinhanças de rochas escar- padas, onde estabelece a sua morada, sen- do raro afastar-se para longe e encon- tral-o nas planicies descobertas. Se de dia o vôo é menos facil, à noite move-se com grande destreza esvoaçando proximo do solo ou remóhtando a grande altura. Tem-se dito que accommette os veados, os vitellos, que não recua em frente da aguia, e que se bate com o raposo ; entretanto estes factos parece não estarem provados, sabendo-se todavia que devora as lebres, os 1 Papas de farinha de milho com manteiga e queijo parmezão ralado. AVES — O BUFO OU CORUJÃO 51 coelhos, os gansos, as perdizes, não pou-- pandos os corvos e as gralhas, e que até mesmo o ouriço, armado com os seus es- pinhos, não escapa aos seus ataques. Em caso de necessidade, ou quando teem de prover á sustentação dos filhos, não des- denham as rãs e os reptis pequenos. Aninham, segundo as circumstancias, na fenda d'uma rocha, n'uma toca, em al- guma habitação em ruinas, sobre uma tram um ninho abandonado que lhes convenha, quando muito fazem-lhe os reparos necessarios; mas se teem de o construir de novo, é grosseiramente feito de folhas e hervas seccas. A femea põe dois ou tres ovos, brancos e arredonda- dos, encarregando-se de os chocar, e du- rante esse periodo o macho encarrega-se da sua manutenção. O bufo tem grande amor á sua proge- arvore e até mesmo no chão. Se encon- | nie, e em volta do ninho abundam sem- Gr. n.º 271 —A coruja das torres —O bufo, ou corujão — O mocho pequeno pre os restos de diversos animaes desti- nados a saciar o appetite dos filhos. Con- ta Figuier que um fidalgo sueco, chama- do Cronstedt, habitou por muitos annos uma propriedade situadã no sopé d'uma montanha, no cimo da qual havia cons- truido o ninho um casal de bufos. Os cria- dos um dia apanharam um dos filhos que havia abandonado prematuramente o ni- nho paterno, e encerraram-n'o na ca- poeira. No dia seguinte de manhã ficaram surprehendidos, ao aproximarem-se da capoeira, vendo junto da porta uma perdiz morta de fresco, o que os levou a crer que os paes do pequeno bufo, attra- hidos pelos seus gritos, tinham vindo de noite trazer-lhe alimento ; realmente as- sim era, repetindo-se o facto quatorze noites successivas. O sr. Cronstedt, para obter completa certeza, perdeu algumas noites em ob- servação, querendo apanhar a femea em flagrante delicto d'amor maternal. Debal- de, porém, procurou vêl-a; provavel- mente a ave, graças á sua vista pene- 592 MARAVILHAS DA CREAÇÃO trante, aguardava occasião em que es- tivesse distrahido para depor junto da porta as provisões destinadas ao filho. Chegado o mez de agosto, epoca em que os pequenos já podem prover ás suas ne- cessidades, os paes cessaram de lhe for- necer o alimento.» Não obstante o bufo ser naturalmente bravio e irascivel, sendo bem tratado pode conservar-se captivo, e até mesmo á força de cuidados tornar-se manso. Contam-se exemplos d'algumas d'estas aves, depois de domesticadas, andarem livremente pelo campo, voltando regularmente a casa, da- rem pelo nome, e responderem até á cha- mada do dono. Entretanto pode dizer-se, em geral, que a educação tem escassa in- fluencia no seu natural bravio. Entre as muitas especies do genero Bu- bo, das quaes a antecedente e outra, o Bubo ascalaphus, se encontram na Europa, existe uma que habita a America septen- trional e meridional—o bufo da Virginia, —bubo Virginianis, —mais pequeno que o bufo, e distinguindo-se pela diversa dis- posição dos martinetes que nascem junto ao bico. Faz grandes estragos na criação, e parece que o peru é de todos o seu manjar mais predilecto. O BUFO MEDIOCGRE Strix otus, de Linneo—Le moyen duc, dos fraucezes Esta especie, a mais commum na Eu- ropa, do genero Ótus, mais pequena que a antecedente, mede de 0,736 a 0.” 39 de altura e 0,” 96 a 1,” 04 d'enverga- dura. O bufo mediocre tem o bico curto, quasi que escondido entre as pennas do disco facial, as pennas do martinete mais curtas que as do bufo, azas alonga- das que alcançam e por vezes excedem a cauda, tarsos e dedos cobertos de pen- nugem. Tem as costas d'um amarello ar- ruivado sujo, malhado, salpicado e cor- tado de riscas pardas trigueiras escuras ; o ventre amarello ruivo mais claro semea- do de malhas trigueiras transversaes ou longitudinaes, as faces variando entre o pardo, o ruivo e o trigueiro, cauda ruiva pela parte superior com faxas trigueiras, pennugem dos pés arruivada, bico es- curo. Esta ave vive espalhada por toda a Eu- ropa e parte da Ásia, encontrando-se no nosso paiz, onde vulgarmente lhe chamam mocho, sem distinguil-o das outras espe- cies de egual nome. «Ao bufo mediocre vae-lhe bem o appel- lidarem-n'o mocho das mattas, porque só n'ellas se encontra. Se de noite vem al- gumas vezes vaguear pelos pomares que rodeiam as povoações, só o faz excepcio- nalmente. Nos habitos differe do bufo, e posto que de dia repouse como este, e só ás horas do crepusculo da tarde dê principio ás suas caçadas, é comtudo muito mais sociavel e menos bravio. Só na epoca das nupcias vive aos pares, porque mal os filhos po- dem voar reunem-se em bandos muitas vezes bastante numerosos. No outono vagueiam pelo paiz sem emigrarem, e vi bandos superiores a vinte individuos to- dos pousados n'uma arvore. Embora o vulgo ignorante o persiga e o não poupe, o bufo mediocre não é timi- do, e deixa que se aproximem da arvore onde estiver pousado sem pensar se- quer em voar, sendo necessario ás vezes sacudir a arvore com violencia para o obrigar a fugir. Os pequenos mamiferos, principalmente os ratinhos dos mattos, os campestres e os . musaranhos, são o alimento quasi exclusivo que do bufo mediocre. Isto não quer dizer uma vez por outra não invista com alguma ave pequena, alguma perdiz ferida ou can- sada ; factos porém tão raros são estes que não devem servir para empanar o brilho da sua reputação de ave util, queleva a vida a expurgar os nossos campos dos pequenos mamiferos nocivos que os devastam. Deposita o bufo mediocre os ovos em ninho abandonado da gralha, do pombo torcaz, d'alguma ave de rapina diurna, ou do esquilo, sem ao menos se dar ao trabalho de reparal-o. A postura é feita em março, e consta de quatro ovos arre- dondados, brancos, que a femea choca durante tres semanas. Em quanto dura a incubação o macho encarrega-se do ali- mento da femea, e dá-lhe provas do seu carinho, gritando e batendo as azas. Os dois alimentam os filhos testemunhan- do-lhes a mais viva affeição. São muito vorazes, os pequenos; gri- tam e piam sem cessar, como se nunca se saciassem, obrigando os paes a caçar constantemente. O bufo mediocre é util desde que nas- ce; o homem intelligente sabe conhecer os serviços que elle presta, e não o mal- trata; o ignorante, ao inverso, ma- AVES — O BUFO MEDIOCRE 3 ta-o, pequeno ou grande, e, como prova | do seu alto feito, prega-o de azas abertas á porta da quinta. A” maneira de todas as aves de rapina nocturnas, o bufo mediocre é detestado pelas aves pequenas, que não podem vêl-o sem o perseguir. Apanhado novo, quando ainda os cobre a primeira pennugem, e bem tratado, torna-se muito dado e in- teressante». (Brehm). Como prova da grande affeição d'estas aves aos filhos, e de que n'ellas existe avul- tada parcella d'intelligencia, transcrevere- mos a seguinte curiosa noticia publica- da no jornal La France de 15 de setem- bro de 1880. «Beuvry acaba de ser theatro d'uma terrivel vinganca tirada por uma ave de rapina. No tronco carcomido d'um carvalho vetusto, situado nas proximidades d'uma herdade, aninhava um casal de mochos; no principio de julho, chocando a femea tranquillamente os ovos, haviam nasci- do os pequenos. Um moco da herdade, instigado certamente pela antipathia que os mochos geralmente inspiram, foi-se ao ninho e matou os pequenos já em vespe- ras de poderem voar. Na tarde seguinte o aldeão ao voltar do trabalho notou que o mocho pae an- dava esvoacando em torno da casa, repe- tindo-se o facto cinco ou seis tardes suc- cessivas e na setima o rapaz, ao sair Gr. 2722 — O bufo mediocre de casa para ir á aldeia, foi accommettido pelo mocho, que do alto d'uma arvore investiu com elle, arrancando-lhe com as unhas o olho esquerdo. Louco de dór, o homem gritou por soccorro ate cair por terra sem sentidos; o medico chamado para lhe acudir de- clarou que a ave lhe rasgara a iris em toda a largura, podendo considerar-se o olho como perdido. O mocho n'esse meio tempo voara para longe.» O MOCHO PEQUENO Striz scops, de Linneo — Le pelit duc, dos francezes. Esta especie do genero Scops, a mais pequena da familia, caracterisa-se pelo 6 corpo mais esguio, cabeça muito grande. azas compridas, cauda curta e arredon. dada, tarsos altos cobertos de pennu gem pela frente, bico forte e recurvo» martinetes curtos, dedos nús. Mede de 0,718 a 0,720 de comprimento. A pennugem é variegada: a das cos- tas trigueira ruiva, mesclada de pardo cinzento e rajada longitudinalmente de negro, as azas riscadas de branco, as es- padoas de côr avermelhada, o venlre sa- rapintado de trigueiro ruivo, d'amarel- lo e de pardo esbranquicado, o bico pardo azulado, pés côr de chumbo escura. À fe- mea differe pouco do macho. Encontra-se em todos os pontos da Eu- ropa, emigrando em setembro ou prin- VOL, JII 54 MARAVILHAS DA CREAÇÃO cipio de outubro para o interior da Afri- ca. E” pouco frequente no nosso paiz. O mocho pequeno acoita-se nas arvores ou no chão entre as plantas, e ahi se con- serva durante o dia, não sendo facil en- xergal-o. A presença do homem não o assusta, porque, introduzindo-se nas po- voações ruraes e até mesmo nas cidades, não foge dos logares mais povoados. Diz Brehm que é muito vulgar vêl-o em Ma- drid, pousado nas arvores dos passeios mais frequentados Ao pôr do sol começa a vida activa do mocho pequeno, dando principio á ca- cada. Os insectos são o seu principal alimento, taes como os grillos, os gafa- nhotos, os besouros, os escaravelhos, posto que não desdenhe os pequenos vertebra- dos, fazendo importante consumo de ra- tos pequenos, o que o torna de grande utilidade para a agricultura. Conta um escriptor inglez, Dale, que em 1580 foi tão consideravel o numero de ratos pequenos que invadiram os cam- pos vizinhos de Southminster, que as plantas que cobriam a terra foram roidas até á raiz. N'este meio tempo, porém, appareceram os mochos pequenos em grande quantidade e destruiram-n'os. A femea põe os ovos, de quatro até seis, nas cavidades das arvores, nas fendas dos muros, e até mesmo sob os telhados das casas, sem se dar ao trabalho de guarne- cer o ninho de folhas ou de qualquer ou- Gr. n.º 273 — À coruja do matto tra substancia. E' raro que aproveile o ninho abandonado d'alguma outra ave. De todas as aves de rapina nocturnas, o mocho pequeno é a que melhor se do- mestica, tornando-se tão dado e familiar que obedece á chamada das pessoas com quem está costumado a viver. Se o tiverem cuidado de pequeno e ha- bituado a dar-lhe de comer em liberdade, não abandona o sitio onde foi creado ; mas ao chegar a epoca de emigrar nada o prende; por melhor que o tratem, abandona o seu tratador e vae em busca de novas regiões, sendo mister, querendo conserval-o, tel-o fechado antes de che- gar a epoca da emigração, d'ordinario em setembro. A CORUJA DO MATTO Striz aluco, de Linneo — La chouétte hulotte, dos francezes. A especie acima referida pertence ao genero Ulula, do latim ululare, uivar, por que os gritos d'estas corujas, how ou ou, se assimilham ao uivar dos lobos. Tem esta ave a cabeça muito grande, o bico adunco e quasi escondido nas pen- nas do disco facial, largo e bem pro- nunciado; o pescoco grosso, corpo re- feito, tarsos e dedos cobertos de pennu- gem, azas obtusas, cauda alongada e ar- redondada na extremidade. Mede aproxi- madamente 0,740 de comprimento. E” muito variavel o colorido da pen- nugem nos individuos d'esta especie, AVES — A CORUJA DAS TORRES 55 sendo a côr principal o trigueiro pardo ou O trigueiro ruivo claro, mais escuro nas partes superiores que nas inferiores, e as azas cobertas de manchas claras re- gularmente dispostas. Encontra-se esta coruja na Europa, sendo commum no nosso paiz, princi- palmente no Alemtejo. As mattas são os logares favoritos onde se acoita, e raro habita algum edificio em ruinas, e quando o faz é temporaria: mente. No verão vive no cimo das ar- vores, e no inverno n'alguma cavidade do tronco. É de todas as aves de rapina nocturnas a menos agil e a que mais evita a luz do sol. Occulta durante o dia, sae do seu es- condrijo depois do pôr do sol em per- seguição das aves pequenas, mas princi- palmente dos ratinhos campestres, e dos musaranhos, que constituem a parte prin- cipal da sua alimentação, circumstancia que lhe dá direito á protecção do homem. No fim d'abril ou principio de maio - é chegada a epoca da femea aninhar, para o que procura o tronco carcomido d'uma arvore, um buraco n'algum muro meio derrocado, ou ninho que per- tencesse a “ave de rapina, ao corvo ou á pega. D'ordinario contenta-se em pôr os ovos sem primeiro lhes fazer cama, sendo ra- ras as vezes em que forra o ninho com algumas hervas seccas, musgo ou pellos. A femea põe dois ou tres ovos, e encarre- ga-se só ella da incubação, auxiliando-a o macho na creação dos filhos. A coruja do matto é naturalmente docil, sendo facil domestical-a. No fim d'algum tempo aprende a conhecer o do- no, sauda-o com os seus gritos e deixa-se acariciar. À CORUJA DAS TORRES Striz flammea, de Linneo — La chouette cf'raie, dos francezcs A coruja das torres, especie européa do genero Strix, tem o corpo alonga- do, pescoço comprido, cabeça larga e grande, bico direito na base e adunco na extremidade, meio occulto entre as pennas do disco facial, e este em fórma de coração. A cauda é curta e larga, os tarsos altos, cobertos de pennugem, e os dedos mal semeados de pellos e armados d'unhas compridas, delgadas e lacerantes. Mede de 0,733 a 0,7 38 de comprimento por 1,” a 1,” 08 de enver- gadura. Nas partes superiores do corpo é loira clara com riscos pardos e lrigueiros em zig-zag, e mumerosos salpicos esbran- quiçados ; as faces e a garganta brancas, - as partes inferiores brancas arruivadas ou brancas com pequenos salpicos tri- gueiros. Encontra-se esta especie na Europa, sendo muito commum no nosso paiz. A coruja das torres, como já o nome indica, habita de preferencia as torres das egrejas, os edificios em ruinas, as casas deshabitadas; é esta ave que, no si'encio da noite, com os seus gritos dis- cordantes, perturba o somno e apavora os que crêem em almas do outro mundo e lobis-homens, e que, considerando-a como mensageira da morte, teem por certo que pousando em telhado d'alguma habi- tação, morre cedo pessoa da familia que debaixo delle se abrigue. Ao inverso de todos estes falsos e in- justos preconceitos, a coruja é dos ani- maes mais uteis ao homem, destruindo prodigiosa quantidade de pequenos roe- dores nocivos á agricultura. O seu ali- mento consiste em ratinhos, ratazanas, musaranhos, toupeiras, insectos grandes e aves pequenas, e durante o tempo em que tem de prover ao sustento dos filhos, é enorme a quantidade de roedores que destroe. Pesa sobre esta ave a terrivel accusa- cão de se introduzir nos pombaes para destruir os ovos e devorar os pombos pequenos, quando os verdadeiros crimi- nosos são os ratos, e ella, pelo contrario, quando alli se acolhe, para repousar, tor- na-se util destruindo os roedores que lá encontra, verdadeiro flagello dos pom- baes. D'outro crime a accusam, — o de beber sacrilegamete o azeite das lampadas de noite accesas nas egrejas. A coruja das torres põe os ovos a um canto da sua habitação encarregando-se a femea da incubação. Os paes cuidam da manutenção dos filhos, e trazem-lhes alimento em abundancia, que geral- mente consta de ratos e outros peque- nos roedores, Domestica-se esta ave facilmente ; apa- nhando-a nova e não querendo ter o encargo de sustental-a, basta encerral-a n'uma gaiola com grades largas, por que os paes se encarregam de lhe trazer o ali- mento. Em liberdade vive bem, morren- 56 MARAVILHAS DA CREAÇÃO do se a fecharem em gaiola estreita por melhor que a tratem. Não abandona a morada do dono, e deixa-se acariciar por elle. Diz Figuier que os chins e os tartaros rendem cult) especial a esta especie das corujas, em memoria d'um facto que merece ser narrado. Gengis Khan, fundador do imperio, derrotado pelo inimigo, viu-se na necessidade de pro- curar abrigo n'um bosque, e pôde esca- par ás pesquisas dos vencedores por- que uma coruja veiu pousar na mouta que lhe servia de escondrijo. Os que o perseguiam, ao vêr a coruja, tiveram como fóra de toda a duvida que no mes- mo sitio se não podiam acoitar o ho- mem c a ave. ua do Moinho de Ven Gr. n.º 274 — Ninho da coruja das torres AVES RORDEM DOS PASSAROS N'esta ordem, cuja denominação se deriva de passer, nome latino do pardal, comprehendem-se numerosas especies de aves, quasi cinco setimas partes das es- pecies ornithologicas conhecidas, e de tão encontradas fórmas e habitos, que diffi- cil é marcar caracteres que pela sua ho- mogeneidade sirvam para reunil-as no mesmo grupo. Pode dizer-se que os individuos desta ordem se distinguem por caracteres ne- gativos, isto é — que são passaros todas as aves, que não possuindo os caracleres peculiares aos individuos das outras or- dens, não podem pertencer ás aves de ra- pina, ás trepadoras, aos gallinaceos, ás pernaltas, nem ás palmipedes. Os maviosos cantores alados, que ani- mam com os seus gorgeios a solidão do campo ou da floresta, estão comprehendi- dos na ordem dos passaros, e muitas das especies d'esta ordem, pelo brilho e varie- gado da plumagem, são encanto para a vista. Numerosas são as divisões da ordem dos passaros adoptadas pelos diversos naturalistas, e posto que nós tenhamos principalmente em vista descrever os ha- bitos d'algumas das especies mais impor- tantes, para que a descripção seja regu- lar e methodica seguiremos uma classi- ficação, adoptando a de Cuvier, que divi- diu os passaros em cinco grandes fami- lias: os dentirostros, Os fissirostros, OS co- nirostros, os tenuirostros e os syndactylos. | As primeiras quatro denominações fun- dam-se na fórma do bico; a ultima na estructura dos pés. OS DENTIROSTROS Os passaros do grupo dos dentirostros são de pequena corporatura, tendo o bico mais ou menos robusto, por vezes esguio ou sovelado, ou um tanto recurvo, com a mandibula superior chanfrada na extremidade. Divide-se o grupo ou tribu em mui- tas familias, e estas em generos compre- hendendo numerosas especies, das quaes citaremos successivamente algumas das mais importantes. 0 PICANÇO Lanius excubitor, de Linneo— e pie-griéche gris:, dos francezes O genero Lanius, a que pertence a especie de que vamos tratar, é rico em especies que vivem espalhadas por todo o globo, e que pelo bico mais ou menos adunco na extremidade, e pelos instinctos bellicosos e sanguinarios, se aproximam das aves de rapina. Das especies que se encontram na Eu- ropa são frequentes no nosso paiz a que acima citámos, e o lanius meridionalis de Temminch, vulgarmente conhecido pelo mesmo nome de picancço. Estas aves teem o corpo refeito, o peito 8 MARAVILHAS DA CREAÇÃO eme em amplo, pescoço comprido, cabeça redon- da e grande, azas curtas, largas e arre- dondadas, cauda comprida, bico vigoroso, adunco, com um bem pronunciado dente, tarsos fortes e dedos compridos armados de unhas rijas e lacerantes. O picanço da especie excubitor é cin- zento claro nas partes superiores do cor- po, branco por baixo, com uma faxa ne- gra atravessando-lhe os olhos e o orifício dos ouvidos; azas negras com duas ma- lhas brancas, bico e pés negros. Mede 0,"26 a 0,"28 de comprimento por 0,"36 a 0,"38 de envergadura. Vivem os picancos de ordinario nas maítas, pousados de dia nos ramos mais altos, d'onde espreitam a presa, para d'alli investirem com ella. Espraiando a vista pas Gr. n.º 270 — O picanço em volta de si, não lhes escapa a ave de rapina que passa fendendo os ares, nem o rato ou o insecto que se move sobre o solo. «Mal enxerga uma ave de rapina corre para ella dando um grito agudo, e com a maior intrepidez persegue-a gritando sempre. Serve o grito do picanco para advertir as aves da vizinhança de que o perigo está imminente, e bem cabido é o nome de avisador que lhe teem dado. Quando avista as aves pequenas arremes- sa-se contra ellas, e posto que o picanço pareça pesado e pouco destro corre atraz dos ratos. No inverno é muitas vezes visto no meio dos pardaes, aquecendo-se aos raios do sol; de subito, empolga um, ma- ta-o ás bicadas ou estrangula-o. A victi- ma é em seguida levada para sitio se- guro, e se n'essa occasião lhe escasseia o appetite, enfia-a n'um espinho ou na ponta d'um ramo, para a devorar mais tarde, a seu commodo, depois de a fazer pedacos. A temeridade leva o picanço a atacar animaes maiores do que elle, e meu pae viu um investir com um melro. Naumann viu-o perseguir os tordos, e atacar as per- dizes presas no laço. Destroe numerosas aves pequenas. Se fosse tão agil como é ousado e corajoso, O picanço seria por certo o mais terrivel dos rapinantes entre as aves. Mas, por felicidade, a maior parte das presas escapam-se-lhe, não deixando por isso de ser bastante nocivo, e o ho- mem que estima os passaros, -que o dis- trahem com os seus gorgeios, não o vê com bons olhos.» ((Brehm). O picanço é notavel pela habilidade com que sabe imitar o canto das aves que estiver costumado a ouvir, e com tal perfeição, que não é facil distinguir o verdadeiro do imitado. Diz-se que apro- veita esta habilidade para attrahir os passaros, e assim melhor poder empolgar as suas victimas. Construe o ninho nas arvores, forman- do-o de talos de hervas seccas, das pon- tas dos ramos e de musgo, e forra-o de palha, hervas, lã e pellos. A femea põe de quatro até seis ovos. O picanço é facil de se tornar docil, muito interessante captivo, aprendendo rapidamente a conhecer o dono, sau- dando-o com os seus cantares. Se O reunirem com outros passaros é muito provavel que os mate. Alimenta-se prin- cipalmente de carne. Na Australia existe um genero d'aves ahi muito frequentes, a que os francezes dão o nome de cassicans, que se parecem com os picancos, sendo todavia maiores e de formas mais massudas. Nos habitos assimilham-se aos corvos, são omnivoros, alimentando-se de carne crua, sementes, insectos grandes, etc. O DRONGO Edolius paradiseus -— Le drongo paradisier, dos francezes Existe um genero de passaros (Dicru- rus) comprehendendo trinta e seis espe- cies que vivem na Africa meridional e na India, a que os colonos do Cabo da Boa Esperança dão o nome de papa-abe- AVES — O DRONGO lhas, por serem estes insectos o seu prin- cipal alimento. Nas fórmas assimilham-se aos corvos, e teem o bico robusto, reves- tido na base de sedas asperas dirigidas para a frente, recurvo a partir da base, azas longas, tarsos curtos e vigorosos, unhas curtas, e a cauda aforquilhada. Na especie acima citada, que vive na India, a pennugem é negra com refle- xos azues, e tem as pennas da parte anterior da cabeça alongadas formando uma especie de poupa. Mede 0,” 39 de comprimento. Levaillant, falando das especies que teve ensejo de observar, conta interes- santes pormenores dos seus habitos. Va- mos resumidamente narrar alguns. «Os drongos frequentam as florestas, 59 onde vivem em pequenos bandos, empo- leirando-se n'alguma arvore secca mais isolada, ou que tenha ramos seccos, afim de melhor observarem a occasião em que as abelhas entram ou saem das suas habitações, sendo de manhã antes do nascer do sol e á tarde antes do occaso que estas aves, de ordinario, cacam os industriosos insectos, que constituem a parte mais importante da sua alimenta- ção. «Imagine-se vêr trinta d'estes passa- ros, diz o autor suppra citado, esvoa- cando desordenadamente em volta duma arvore, c descrevendo mil voltas e cur- vas a que o vôo rapido das abelhas, fu- gindo dos seus inimigos, os obriga, umas vezes porque lhes escapa uma presa voltan- do-se rapidamente para outra, e assim se- Gr. n.º 276 — O drongo guidamente fazendo cinco ou seis ca- briolas no ar, ora para cima ou para baixo, ora para os lados, em todas as direcções, não descançcando em quanto não apanham uma das abelhas ou a fadiga a isso os obriga, e ter-se-ha uma pintura exacta dos manejos curiosos dos drongos. Ao ouvir-lhes os gritos, pia-griach, gria- ch, repetidos em todos os tons e por to- dos os individuos do bando, ao pôr do sol, sabendo-se que estes passaros são pretos por egual, não surprehende que em certos cantões haja homens simples, estupidos, excessivamente credulos, que os tenham por aves diabolicas, principal- mente ignorando a causa do ruido que elles fazem e dos seus descompassados movi- mentos. Os hottentotes que nos acompa- nhavam, não obstante conhecerem estes passaros, estavam ainda assim convencidos que eram de mau agouro. Rogaram-me que não fizesse fogo sobre elles, receiando que fossemos victimas d'algum acciden te desagradavel pelo caminho, principal- mente quando estivessem reunidos em conferencia com os feiticeiros.» O BEM TE VI Lanius sulphuratus, de Linneo — Saurophage bentévéo dos francezes Existe um grupo de passaros com a denominação de Tyrannus, nome que lhe provém do seu caracter intrepido e bel- licoso, atacando aves muito mais vigo- rosas, e principalmente as mais peque- nas da familia das de rapina. Neste grupo inclue-se o bem te vi, do genero 60 MARAVILHAS DA CREAÇÃO Saurophagus, ao qual demos o nome por- Mede este passaro 0,” 28 de compri- que é conhecido no Brazil. mento por 0,” 34 de envergadura; tem Gr. n.º 277 — O bem te vi as costas cór d'azeitona, na fronte uma linha pelo meio dos olhos branca, no alto da cabeça uma especie de poupa côr de enxofre, o resto da cabeça e as faces negras. A parte superior das azas, as re- miges e as rectrizes, são bordadas de rui- Gr. nº 278— À tesoura vo, a garganta e o pescoço brancos, o E” muito frequente esta especie na Ame- peito, o ventre e as coxas, côr d'enxo- | rica do Sul. fre. O bem te vi, no dizer de Brehm, não foge AVES— O TARALHÃO OU PAPA-MOSCAS 61 do homem; encontra-se nas plantações, na orla das florestas, ou nas pastagens adejando por entre as manadas de gado. N'uma arvore isolada, sobre um arbus- to, pousado n'uma pedra ou n'um monte de terra, até mesmo sobre o solo estabelece o seu observatorio, e d'alli espia a presa. E' vivo, activo, curioso, bulhento, cioso na epoca dos amores, lutando com os seus similhantes quando se trata de lhes dis- putar a posse d'uma femea. Schomburgk diz que elle vive em continuas lutas com elles. O grito que o macho e a femea repe- tem sem cessar é imitado de diversos modos pelos indigenas: no Brazil bem te vi e em Buenos Ayres e Montevideo ben te veo. O bem te vi é um verdadeiro tyranno; não se arreceia de nenhuma ave: nunca, conta o principe Wied, deixa escapar occasião de perseguir ou molestar uma ave de rapina. A sua audacia leva-o a atacal-a destemidamente aggredindo-a ás bicadas. Alimenta-se principalmente dos inse- ctos que caca, espreitando-os de cima de uma arvore ou de qualquer outro ponto elevado, e perseguindo-os a vôo até poder apanhal-os. Em seguida transporta-os para o sitio onde estabeleceu o seu observa- torio, e ahi os devora a seu commodo. Aninha nas arvores ou nas moutas, construindo o ninho de folhas, pennas e musgo, com o feitio de uma bola, ea um dos lados uma pequena abertura arre- dondada. Põe a femea de tres a quatro Ovos. O bem te vi pode conservar-se engaio- lado, e no dizer de Azara alimentar-se com carne crua. A TESOURA Muscicapaus tyrannus de Linneo— Le savana tyran, dos francezes Esta especie pertence tambem ao grupo dos Tyrannus, a que acima nos referimos. E' um pequeno passaro, cujo corpo não excede em comprimento O”, 42, possuindo a cauda aforquilhada e muito comprida, medindo 0”, 27. A cabeca e as faces são negras, as costas cinzentas, o ven- tre branco, a parte superior das azas e as remiges trigueiras annegradas orla das de pardo, metade das barbas externas das rectrizes lateracs brancas, bico e pés negros. Vive na America do Sul, e alimenta- se de insectos. O habito de abrir e fechar as grandes pennas da cauda, á maneira das folhas de uma tesoura, quando está pousado, parece ser a origem do nome que lhe dão no Brazil c que adoptamos. O TARALHÃO, OU PAPA MOSCAS Muscicapa grisola, de Linneo—Le gobe mouche gris, dos francezes Do genero Muscicapa existem na Euro- pa, Asia e Africa, numerosas especies, tres das quaes são frequentes no nosso paiz, sendo mais commum a que acima ci- tamos, e conhecidas todas pelo nome vulgar de papa-moscas. Teem estes passaros o bico mais pe- queno que a cabeça, guarnecido de sedas Gr. n.º 27) — O taralhão ou papa-moscas compridas e asperas, curvo e chanfrado na extremidade, azas alongadas e pon- tudas, cauda regular, tarsos do compri- mento do dedo medio, dedos curtos, unhas compridas curvas e agudas. O da espe- cie acima indicado tem 0”, 14 de com- primento por 0”, 29 d'envergadura. E” cinzento na parte superior, com o centro da pennugem e a cabeca mais es- curos, as pennas e a pennugem das azas bordadas de branco; pardo claro nas partes inferiores, com os lados do pescoco, o peito e as ilhargas riscados longitudi- nalmente de trigueiro, remiges e rectri- zes negras, bico negro na parte superior e mais claro na inferior. O taralhão é vivo e bulicoso,e até mesmo pousado agita constantemente as azas ou a cauda. Só se conserva tranquillo e si- lencioso durante o mau tempo, limitan- do-se então a voar, quando impellido pela fome, de ramo, em ramo, apanhando os insectos que encontra nas folhas. Nos bons dias, quando o sol brilha, volta-lhe a ale- 62 MARAVILHAS DA CREAÇÃO gria e o bom humor, corre apoz os com- panheiros em continuas folias, e fendendo os ares persegue as moscas, os mosquitos, as borboletas, e, por vezes, adejando pro- ximo do solo apanha voando alguns in- sectos que por alli topa. Aninha d'or- dinario nos troncos ôcos das arvores, guarnecendo o interior do ninho de mus- go e raizes, e reservando no centro um logar para os ovos, de cinco a seis, for- rando-o ordinariamente de pennas, de lã e de pellos. O macho auxilia a femea na incubação, que dura quinze dias. Diz Brehm que estes passaros são muito estimados pelos amadores d'aves, que os incluem no numero dos mais interessantes para engaiolar, sendo tão agradaveis pelo canto como pelos habitos. Accrescenta o mesmo autor que deixando-os voar li- semoas vremente pelas casas exterminam comple- tamente as moscas, e tornam-se tão mansos e dados que veem comer á mão do dono. Captivos, alimentam-se da mesma forma que os rouxinoes. A COTINGA CHILREIRADA EUROPA ! Ampelis garrulus, de Linneo — Le jaseur d'Europe dos fraucezes Esta especie pertence ao genero Bom- bycilla, adoptado pelos modernos natura- listas, e é a unica que se encontra no norte da Europa, havendo uma peculiar á Asia e outra que vive exclusivamente na Ame- rica septentrional. A especie da Europa, acima referida, tem como os seus congeneres bico curto, arqueado em cima e em baixo, pouco Gr. n.º 279 — À cotinga chilreira da Europa curvo na extremidade, azas mediocres, cauda de comprimento regular e arredon- dada, tarsos curtos e grossos, unhas vigo- rosas, muito aduncas e agudas, uma pou- pa que lhe nasce na parte anterior da ca- beca. E parda arruivada uniforme, mais es- cura nas costas que no ventre, com uma risca preta sobre os olhos, as remi- ges negras, terminando as primarias n'uma malha branca com a fórma d'um V, as secundarias brancas na extremidade, e seis ou oito com um prolongamento car- tilaginoso vermelho claro; rectrices pre- tas com as extremidades amarellas, bico trigueiro arruivado na base e negro na extremidade, pés trigueiros. Esta especie, como já dissemos, vive no norte da Europa e da Asia e n'alguns pontos da America septentrional. E raro | vêl-a em França, e na Alemanha encon- tra-se em epocas irregulares, acreditando o vulgo que só de sete em sete annos apparece, e tendo-a como prenuncio de guerra, fome e peste, como que a guarda avançada de todos os grandes fla- gellos. A cotinga chilreira deve o appellido ao seu continuo chilrear ; alimenta-se de se- mentes, bagas e insectos, caçando as mos- cas á maneira dos papa-moscas. E indo- lente, só cuida de procurar com que ali- mentar-se, fóra d'isso conserva-se tran- quilla no sitio onde estabelece a sua mo- rada. Por vezes penetra nos povoados, sem que a presença do homem lhe cause re- ceio, e só depois de perseguida se torna timida e desconfiada. Habitua-se facilmente a viver captiva, comendo bagas, pão, semeas amassadas, AVES — À COTINGA PURPUREA legumes cozidos, batatas, carecendo. po- | rém, de alimentação abundante. A COTINGA PURPUREA Ampelis pompadora — La cotinga pompadour, dos francezes As cotingas propriamente ditas são oriundas da America meridional, unico ponto do globo onde se encontram, e muito frequentes no Brazil, tornando-se notaveis pela belleza das côres da plu- magem. Brilham n'ellas as córes azul, roxa, vermelha, laranja, purpura, branca, ne- gra aveludada, com todos os seus di- Re. 63 versos tons, umas vezes harmonicos, li- gando-se pelas mais suaves gradações, outras produzindo admiraveis contrastes, e numerosos cambiantes, d'um effeito inimitavel. Teem estes passaros o bico quasi do comprimento da cabeca, muito compri- mido na base, e mais largo do que alto, chanfrado na ponta; as azas são longas, a cauda mediocre e larga, os tarsos curtos. A especie acima referida é côr de purpura, com as remiges brancas, termi- nando em pardo, a pennugem das azas comprida, curva, e sem barbas na ponta da haste. Mede 0,"17 de comprimento. Gr. n.º 280 — À cotinga purpurca Existem outras especies, entre ellas uma em que a côr predominante é a azul, com a garganta e o peito côr de violeta, e malhas douradas; e, outra côr de castay ha na parte superior do corpo e vermel ha clara na inferior. Estes passaros não se afastam para longe do sitio onde estabelecem a sua morada, approximando-se duas vezes no anno dos povoados, mas sem nunca se reunirem em bandos. De preferencia es- colhem os logares pantanosos, onde só vivem em quantidade os insectos de que se alimentam. A TANGARA VARIEGADA, OU SAHI-CHE (Pará) Tanagra talao de Gmelin—Le Tangara septicolor, dos francezes Os passaros do genero Tanagra, que comprehende numerosas especies, habi- tam a America meridional. Caracterisam- se pelo bico conico, triangular na base, chanfrado na ponta da mandibula supe- rior, azas alongadas, tarsos fortes. Azara dera aos passaros d'este genero o nome de lindos, que lhes vae bem pelo brilho e belleza das córes da plumagem. A especie acima citada é do tamanho do melro, preta por cima e azulada por baixo, verde esmeralda na cabeca e nas 64 MARAVILHAS DA CREAÇÃO espadoas, violeta na garganta, vermelha no dorso, amarella no uropigio, e a cauda cinzenta escura. Estas aves são vivas e bulicosas, muito similhantes nos habitos ás tutinegras e aos pardaes, e penetram nos pateos das habitações e nos quintaes, onde se tor- nam nocivas comendo os gomos das plantas, e os rebentos das vinhas. Nunca pousam no chão, e se alguma vez se vêem na necessidade de fazel-o, avançam com dilficuldade aos saltos. Aninham nas Gr. n.º 281 — Tangara variegada, ou sahi-che arvores, fazendo o ninho de bocados da casca das mesmas, ou de filamentos das plantas, de folhas e de raizes, e forran- do-o artisticamente por dentro com uma espessa camada de crinas. Pelo que conta Azara podem-se con- servar estes passaros engaiolados dando- lhes a comer carne crua. Na ilha de S. Domingos vive um pas- saro do genero Tanagra, a que os indi- genas dão o nome de palmista (tanagra dominica, de Linneo,) que lhe provém Gr. n.º 282 — O cephaloptero, ou guirá-memby do habito singular de aninhar nas pal- meiras, construindo em sociedade com os seus similhantes um ninho muito vasto, dividido em compartimentos, onde as femeas dos diversos casaes póem os ovos. As vezes 0 ninho occupa toda a copa da palmeira. O CEPHALOPTERO, OU GUIRÁ-MEMBY (BRAZIL) Cephalopterus ornatus, de Et Geoffroy Saint Hilaire Le Cephaloptere a ombelle, dos francezes Este passaro, bastante curioso, é a espe- cie unica do genero Cephalopterus, e vive na America meridional. Torna-o singu- “” MARAVILHAS DA CREACÃO MM dir Impresso por Lallemant frêres. Lisboa, O TORDO ZOBNAAE AVES — OS-TORDOS 65 lar entre todas as aves o grande numero de pennas que no alto da cabeca formam uma grande poupa á maneira d'uma umbella, e uma especie de papada que lhe pende da parte superior do pescoco, egualmente formada por um molho de pennas compridas. E todo negro, á excepção das pennas da poupa e das da papada que são vio- letas com reflexos meiallicos. Mede 0,753 de comprimento. Sabe-se mal dos seus habitos, por ser pouco commum. E frugivoro, e diz Brehm que na voz se assimilha ao mugir do touro, ouvido a distancia, e que por este motivo os indios lhe chamam to- ropishus, isto é, passaro-toiro. Sob a denominação de turdidés reunem os naturalistas francezes n'uma só familia tres generos de passaros, dois muito nos- sos conhecidos, e o terceiro da America, generos mais ou menos ricos em especies, a saber: os tordos, os melros e os tordos dos remedos. Os sabiás do Brazil perten- cem ao genero turdus. Em primeiro logar, e para que possa- mos fazer simultaneamente a descripção dos habitos dos dois primeiros generos, citaremos as especies que se encontram no nosso paiz, mais ou menos frequen- temente. Os caracteres da familia, com- muns aos tres generos, são os do melro e do tordo, aves bem conhecidas, para nos dispensar de insistirmos n'este ponto. Os tordos differem dos melros no colo- rido da plumagem, sendo os primeiros malhados na garganta, no peito ou nas ilhargas, de branco, trigueiro ou cinzento, e de côr negra por egual os segundos. O TORDO Turdus musicus, de Linneo — La grive commune, dos francezes Costas pardas tirantes a côr de azeitona, ventre branco amarellado com malhas trigueiras, a parte inferior das azas ama- rella ruiva clara, a superior malhada de amarello ruivo sujo na extremidade das pennas. Plumagem egual nos individuos dos dois sexos. Commum no nosso paiz. O TORDO ZORNAL Turdus pilaris, de Linneo—La grive litorne, dos francezes Tem a cabeça, parte superior do pes- coco, e uropigio pardos cinzentos, cos- tas e parte superior das azas e das espa- doas trigueiras castanhas escuras, reclrizes negras, com as duas do meio bordadas de branco na extremidade, remiges tri- gueiras, as primarias orladas exterior- mente de cinzento, as secundarias cór de castanha clara, a frente do pescoco ama- rella ruiva escura com riscas negras lon- gitudinaes, os lados do peito trigueiros, com a pennugem orlada de branco, ven- tre branco, bico amarello. Mede 0",28 de comprimento por 0”,46 de envergadu- ra, e 07,41 de cauda. Menos frequente no nosso paiz que a especie antecedente. A TORDEIRA OU TORDOVEIA Turdus viscivorus, de Linneo —La grive draine, dos francezes A maior das especies da Europa. Cos- tas pardas escuras, lado inferior do cor- SE Ave EP PtÇà erga a EE T ACE SS Aptet -s Gr. n.º 284 — À tordeira ou tordoveia po esbranquicado e malhado de trigueiro escuro, as pennas das azas e da cauda annegradas, orladas de pardo amarello claro. Bico amarello na base e trigueiro para a ponta, pés côr de carne. Commum no nosso paiz. O TORDO MALVIZ OU RUIVA ' Turdus iliacus, de Linneo—La grive mauvis, dos francezes Esta especie, a que geralmeute se dá tambem o nome de tordeira ou tor- doveia, é trigueira azeitonada por cima, ventre esbranquicado, lado do peito e parte exterior das azas ruivos claros, pes- coco amarellado; a parte inferior do corpo + O ultimo nome encontramol-o no Catalogo das aves de Portugal existentes no museu de Coim- bra, 66 MARAVILHAS DA CREAÇÃO é em grande parte coberto de malhas alon- gadas, arredondadas ou triangulares, tri- gueiras escuras; bico negro com a base da mandibula inferior amarella, uma risca branca por cima dos olhos, pés aver- melhados. Commum no nosso paiz. O MELRO PRETO Turdus merula, de Linneo — Le merle commun, dos francezes Mede de 0",27 a 07,28 de comprimen- to por 07,36 a 38 de envergadura. E completamente negro, com os olhos or- lados de amarello e o bico d'esta mesma côr, pés negros. A femea tem as costas de côr negra desluzida, o ventre pardo annegrado, malhado de pardo claro, a garganta e a parte superior do peito par- das com malhas esbranquicadas ou arrui- vadas, o bico trigueiro. E muito commum no nosso paiz. Existem melros completamente bran- cos, e no nosso paiz encontra-se, ainda que rara, uma especie a que os france- zes dão o nome de merle à plastron, me- rula torquata, conhecida entre nós pelo nome vulgar de melro de peito branco, com a parte inferior do corpo negra mais desvanecida do que na especie acima indicada, e uma grande malha branca Gr. n.º 285 — O melro de sobrancelhas brancas no alto do peito, que no outono passa a branca suja ou atrigueirada. Na Siberia e outros pontos da Asia, ra- ras vezes apparecendo na Europa, encon- tra-se uma especie de melro preto, com uma risca branca sob os olhos, a que os francezes dão o nome de melro de sobrance- lhas brancas, e que vae representado pela nossa gravura n.º 285. Os tordos e os melros são ageis, pos- suem excellente vista, enxergando ao longe o mais pequeno insecto, são magni- ficos cantores, e pode-se affirmar não serem destituidos de intelligencia. O tordo é muito sociavel, vive sempre em grandes familias, e nunca um chama pelos companheiros que estes lhe não respondam c não corram ao reclamo. Nas suas viagens reunem-se por vezes em grupos formados de individuos de espe- cies diversas; mas o seu natural sociavel não obsta a que sejam brigosos, e mo- vam continuas lutas uns aos outros. Fogem do homem, parecendo, todavia, saberem distinguir o pacifico aldeão que vae seu caminho do caçador, permittin- do que o primeiro se lhe aproxime e es- capando-se mal avistam o segundo. O tor- do apanhado vivo é ao principio bravio, não tardando, porém, a tornar-se man- so se fôr bem tratado, e até a affeiçoar- se ao seu tratador. «Podem-se classificar os tordos e os melros no numero dos passaros bons can- tores. Pertence o primeiro logar ao tor- do, da especie turdus musicus; depois AVES —OS TORDOS E OS MELROS 67 delle o melro, e em seguida a tordoveia e o tordo zornal. Na Noruega chamam ao tordo rouxinol do norte, e o poeta Welker appellidou-o rouxinol das flores- tas. É certo que uma ou outra vez, de envolta com sons que recordam os da flau- ta, outros solta asperos e pouco agrada- veis, sem que, todavia, possam estes alte- rar no conjuncto a graça do seu cantar. O canto do melro, pouco inferior ao do tordo commum, composto de phrases admiravelmente bellas, é todavia mais melancolico do que o do tordo. A tor- deira tem apenas cinco ou seis phrases quando muito, differindo pouco umas das outras, formadas, porém, de notas cheias e aflautadas. Outro tanto se dá com o tordo malviz... A maior parte dos passaros acompa- nham o canto com movimentos das azas, da cauda, ou do corpo todo, e só os tor- dos se conservam tranquillos e graves ao soltar os seus gorgeios. Todas as phrases são arredondadas, e as notas cla- ramente pronunciadas. O canto, tão per- feitamente amoldado á vastidão da flo- resta, é forte em demasia no interior das habitações. Os tordos principiam cedo a cantar, e terminam no fim do verão; o melro deixa- se ouvir antes de fevereiro, quando o campo estã ainda coberto de neve... À imitação de todos os passaros cantores, os machos disputam-se primazias, e mal um solta a voz empoleirado no cimo d'uma arvore, respondem-lhe outros sem demora. Parece não ignorarem que possuem excel- lente voz, e até mesmo terem certa vai- dade, porque conservando-se d'ordinario escondidos entre a folhagem, quando can- tam deixam-se vêr. Pousados n'uma ar- vore das mais altas, no extremo d'um ra- mo, soltam as suas notas argentinas que resoam pela floresta.» (Brehm). As bagas, os fructos e os insectos são a alimentação do tordo e do melro; os domesticados comem tambem carne pi- cada crua ou cozida, pão e fructas. O tordo faz o ninho n'uma arvore de mediocre altura ou sobre algum arbusto silvestre, formando-o de pontas de ramos seccos, de talos de hervas, de lichens, mus- go e raizes. Nos annos em que o inverno é menos rigoroso faz duas posturas, cada uma de quatro a seis ovos, de casca lisa, azul esverdeada, salpicada de negro ou de trigueiro arruivado. O melro aninha) a pequena altura do chão, ás vezes no proprio solo, e construe o ninho de raizes, feveras de hervas, ta- pisando-o no interior com uma camada lisa de hervas misturadas com terra hume- decida. Faz duas posturas, de quatro a seis ovos, verdes azulados desvanecidos, com manchas côr de ferrugem, ou azuladas, côr d'azeitona ou cinzentas, algumas ve- zes muito desvanecidas. Os melros não emigram no inverno; escolhem nos sitios onde habitam abrigo que melhor lhes convenha para passarem a estação invernosa, de ordinario nas mattas mais cerradas, onde existam ar- vores das que conservam a verdura no inverno, e lhes póssam fornecer recursos não só para se abrigarem do rigor do tem po, como tambem para se alimentarem, A carne do tordo e do melro é excel- lente, e posto que ainda hoje seja apre- ciada, principalmente a dos individuos que se encontram nos sitios onde a olivei- ra abunda, cuja fructo comem e lhes tor- na a carne succolenta, dando-lhe aro- ma a baga da murta de que muito gos- tam, está longe de ter o merecimento que lhe davam os antigos romanos, que conservavam milhares d'estas aves to- do o anno em grandes gaiolas destina- das para este fim, e onde por meio d'um regimen conveniente as engordavam dan- do á carne sabor delicado. Estas grandes gaiolas eram pavilhões d'abobada, guarnecidos no interior de poleiros, com a porta muito baixa, e ja- nellas construidas de modo que deixando passar a luz privasse os prisioneiros de po- derem ver os campos, as arvores, as aves voando em liberdade, finalmente tudo quanto podesse fazer-lhes recordar o pas- sado, e fosse obstaculo á sua engorda. O sustento compunha-se de milho miudo e d'uma especie de massa feita com figos pisados misturados com fari- nha, bagas de lentisco, de murta, final- mente de quanto lhe podesse dar á carne aroma tornando-a succolenta. Bebiam n'um pequeno regato que corria cons- tantemente pelo centro da gaiola. Faziam entrar n'um compartimento separado as aves destinadas a ser mortas em pri- meiro logar, para as poderem apanhar sem que esse acto perturbasse a tranquilli- dade das outras. Eram escravos, tratados . porém com todos os cuidados e mimos, consoante o importante fim a que eram destinados. Para conservar convenientemente os 68 MARAVILHAS DA CREAÇÃO tordos e os melros captivos carece-se de encerral-os em grandes gaiolas, postas ao ar livre, não só porque o seu canto den- tro de casa é pouco apreciavel, como tam- bem pelos resultados da sua grande vora- cidade, que nem sempre se podem com- pletamente remediar por maior asseio que haja. São interessantes pela sua petulancia, e o canto captiva-nos, sendo uma das aves que mais cedo comeca a cantar, quan- do as outras, captivas ou livres, ainda se conservam mudas. O TORDO DOS REMEDOS Turdus polyglotua, de Linneo — Le moqueur, dos francezes. Esta especie é a mais conhecida do genero Mimus. O tordo dos remedos mede 0,26 de comprimento por 0,37 d'envergadura, tem as costas pardas es- curas, os lados da cabeca e a frente malhados de trigueiro, o ventre branco alrigucirado, as remiges trigueiras an- negradas, as primárias malhadas de bran- co na base, as reclrizes medianas pre- tas, as externas completamente brancas, | O bico negro trigueiro, os pés negros. Este passaro encontra-se nos Estados Unidos, mais ao sul do que ao norte, nas plantações, sobre as arvores, nos bos- ques pouco cerrados e nos quintaes; no inverno principalmente avizinha-se dos povoados. «O canto do tordo dos remedos re- corda o do tordo da especie turdus mu- sicus, no dizer de Gerhardt; mas não é isso por certo o que lhe deu a grande re- Gr. putação de que goza, e que serviu para enthusiasmar todos os naturalistas ame- ricanos. Wilson e Audubon affirmam que o tordo dos remedos é o primeiro de todos os passaros cantores, e que ne- nhum outro possue voz tão extensa e variada. « Não são os maviosos sons da flauta, ou de qualquer outro instrumento, diz Audubon, é a voz da natureza supe- rior em melodias. Não se podem imitar notas tão cheias, tão variadas, tão exten- sas. Não ha ave no mundo que possa rivalisar com este rei do canto. Os europeus dizem que o canto do rouxinol não é inferior ao do tordo dos remedos; ouvi ambos, livres e captivos, e concordo que as notas do rouxinol destacadas sejam tão bellas como as do tordo dos remedos, mas apreciando o n.º 286 — O tordo dos remedos canto no seu conjuncto, não póde o do primeiro ser comparado ao do segun. do.» O canto do tordo dos remedos varía segundo as localidades em que vive: nas florestas imita os passaros, perto das ha- bitações reproduz fielmente os sons di- versos que d'alli partem; o cantar do gallo o latido do cão, o grunhido do porco, o ruido produzido por um catavento ou por uma serra, o tic tac do moinho. Por vezes dá que fazer aos animaes domesti- cos: assobia ao cão, que julgando ouvir o | dono levanta-se em sobresalto correndo ao seu encontro; outras vezes faz deses- perar as gallinhas, imitando o grito de angustia dos pintos; leva o terror aos ha- bitantes d'um gallinheiro imitando a voz das aves de rapina; o gato engana-se AVES — O MELRO D'AGUA muitas vezes parecendo-lhe ouvir os gri- tos amorosos da femea. Engaiolado não perde nada do seu ta- lento imitador, antes, pelo contrario, aprende mil outros sons, confundindo-os por vezes da forma mais comica, havendo momentos em que se torna insupporta- vel.» (Brehm). Alimenta-se de insectos, de bagas e de fructos; aninha nas arvores, pondo a fe- mea quatro a seis ovos da primeira pos- tura, até cinco da segunda, e nunca me- nos de tres da terceira. Os americanos teem em grande estima esta ave, que se domestica facilmente, a ponto de entrar e sair da gaiola. Captivo alimenta-se à maneira dos tor- dos. O MELRO D'AGUA Sturnus cinclus, de Linneo—Le merle d'eau, dos francezes Esta especie, do genero Cinclus, vive na Europa, sendo rara no nosso paiz. E' uma ave de 0,21 de comprimento por 0.731 d'envergadura, de bico direito, fra- gil, muito comprimido na extremidade, arredondado na base; azas arredonda- das, cauda curta, tarsos regulares, dedos fortes e grandes, unhas robustas e adun- cas. O melro d'agua tem a cabeca, a nuca e a parte posterior do pescoço trigueiras aloiradas, a pennugem das costas tirando a côr d'ardosia com as extremidades ne- gras, a garganta e o pescoço brancos, a parte inferior do peito e o ventre tri- geiros annegrados, mais escuro nas ilhar- gas. Esta ave, pelos seus habitos aquaticos, é uma excepção curiosa entre os indivi- duos da classe; posto que não tenha os pés palmados, mergulha e move-se debaixo d'agua, e abrindo as azas, serve- se d'ellas como de barbatanas. No dizer de Brehm, o melro d'agua é um dos passaros mais curiosos e interes- santes. A" maneira da alvéloa corre ligei- ro pelo solo pedregoso, agitando cons- tantemente a cauda, e mergulha nos regatos d'agua limpida, andando pelo fundo contra ou a favor da corrente, tão facilmente como se correra sobre ter- reno enxuto. Pode conservar-se debaixo d'agua quinze a vinte segundos. Não se arreceia d'entrar na agua quer ella se agite com violencia em redomoi- nho ou se despenhe de grande altura, 7 | 69 nadando tão bem como os palmipedes ; serve-se das azas á maneira de remos, ou para melhor dizer, vôa debaixo d'agua. Nenhum outro passaro está mais á von- tade n'este elemento: umas vezes en- tra na agua vagarosamente, a pouco e pouco, outras aos saltos imitando as rãs. Se o espantam foge adejando precipita- damente, sempre á altura do lume d'agua, acompanhando o regato no seu gyro tor- tuoso, estacando mal topa escondrijo se- guro, muitas vezes atirando-se de subito á agua attrahido pela presenca da presa. Se o perseguem percorre voando quatrocen- tos ou quinhentos passos ; fóra d'isso es- voaca de pedra em pedra. O melro d'agua é pouco sociavel; só na epoca das nupcias se reune o macho Gr. n.º 287 — O melro d'agua á femea, e encontra-se em pequenos gru- pos tamsómente em quanto os pequenos carecem do auxilio dos paes. D'ordinario não se afasta do sitio que escolhe para residencia, um quarto de legua aproxima- damente ao longo d'um regato; e se al- gum dos individuos da especie ousa pe- netrar nos seus dominios é expulso pelo proprietario, que o aggride promptamen- te. A presenca d'outras aves é-lhe indif- ferente. O melro d'agua alimenta-se dos insec- tos aquaticos e das larvas, e até mesmo de pequenos molluscos. Construe o ni- nho nas rochas, no tronco ôco da amiei- ra, sob o taboleiro das pontes, ás vezes até mesmo nas rodas das azenhas, quando estas se conservam por muito tempo sem movimento ; pouco solido, no exterior for- VOL. III 70 MARAVILIIAS DA CREAÇÃO mado de raizes, hervas e musgo, o ninho é forrado no interior de folhas das arvo - res. A femea põe de quatro a seis ovos de casca branca, e com tal dedicação se en- trega aos cuidados da incubação, que para não abandonar os ovos deixa-se apanhar. Não é facil conservar esle passaro ca- ptivo, porque a perda da liberdade pri- va-o de habitos sem os quaes não póde existir por muito tempo. O BREVE D'ANGOLA Pitta angolensis — La breve d'Angola, dos francezes No genero Pitta comprehendem-se nu- merosas especies, habitando a Asia, a Afri- ca e a Oceania, notaveis pelas córes vivas e brilhantes da plumagem dos indivi- duos que as formam. O breve d'Angola, uma especie da Africa occidental, tem, como os seus congeneres, o bico do comprimento da cabeça, grosso, direito e comprimido, com a mandibula superior levemente chanfrada na extre- midade, azas geralmente curtas, não cobrindo a cauda, e esta tambem pouco longa. Parece ser a estes dois ultimos caracteres que estas aves devem o no- me generico de breves, porque as co- nhecem os francezes. Mede 0,”16 de comprimento. E um dos mais lindos passaros da Africa. Tem as costas verdes, com de- beis reflexos metallicos, o alto da cabe- ca, uma risca larga que vae do bico aos olhos, as remiges, a cauda, e as azas pela parte de dentro, negros; a terceira, quarta, quinta e sexta remiges malhadas de branco na base; nas coberturas das azas e nas remiges exteriores riscas largas azues, o alto do peito amarello, o baixo ventre escarlate claro, o bico negro avermelhado, os pés côr de carne. Alimentam-se estas aves d'insectos e vermes, e á maneira dos melros de agua introduzem-se na agua para cacar os insectos aquaticos, mas em sitio onde ella lhe não suba além dos tarsos. Construem o ninho no solo, ou a pe- quena altura sobre as arvores, de raizes e ramos seccos, tapizando-o no interior de musgo, folhas e pellos. Podem conservar-se captivos, no dizer de um observador, e, se a principio se mostram ariscas e timidas, em breve se habituam à perda da liberdade, vindo | até comer á mão do homem. Engaioladas carecem de regimen ana- logo ao que usam em liberdade. Na America do sul existe uma familia de passaros, rica em generos e especies, que, alimentando-se de insectos, é prin- cipalmente formicivora. «Nas terras ermas, baixas e humidas da America meridional, os reptis e os inse- ctos avantajam-se em quantidade a todas as outras especies de seres vivos. Na Guiana e no Brazil as formigas são em numero tão consideravel, que, para se fazer idéa aproximada, é mister figurar formiguei- ros de algumas toezas de largura por muitos pés de altura, onde as formigas abundam como nos nossos pequenos for- migueiros, dos quaes os maiores teem apenas dois ou tres pés de diametro ; de sorte que um formigueiro da Ame- rica pode ser egual a duzentos ou tre- zentos da Europa, excedendo-os prodi- giosamente não só em tamanho como em numero de habitantes. Ha cem ve- zes mais formigueiros nos terrenos de- sertos da Guiana do que em nenhum paiz do nosso continente, e como na ordem natural devem umas especies servir de alimento ás outras, encontram-se n'a- quelle clima quadrupedes e aves que pa- recem deliberadamente creados para se sustentarem de formigas.» (Buffon) «Vendo que a nossa caravana fazia alto subitamente, e suppondo que algum obs- taculo imprevisto aisso a obrigara, corri inquieto a averiguar a causa. Os meus companheiros tinham estacado em frente d'uma grande faxa escura de dez a dezeseis pés de largura, que tal era na apparencia o que figuravam as fileiras cerradas de for- migas viajantes que atravessavam o ca- minho. Aguardar que passassem obrigar- nos-hia a importante perda de tempo, e por isso resolvemos atravessar as co- lumnas destes insectos correndo e sal- tando, o que effectuámos, sem que toda- via podessemos evitar as mordeduras das formigas, que nos cobriam as pernas até ao joelho, ou lograssemos sacudil-as. Estes insectos, de que ninguem conhece a procedencia nem o destino, atacam e destroem tudo quanto topam no cami- nho ; aguardam-os, porém, inimigos terri- veis e encarniçados, entre os quaes os passaros occupam o primeiro logar,» (Schomburgk) Depois do que acima transcrevemos, po- de o leitor ajuizar da importancia dos AVES — O PAPA-FORMIGAS TÉ | papa-formigas, que, como já dissemos, constituem uma familia rica de generos e especies. D'estas descreveremos a mais importante do genero Grallaria. O PAPA-FORMIGAS MAIOR Turdus rex, de Gelin — Le grallaire roi, des fraucezes Mede este passaro 0,"22 de compri- mento: é trigueiro com malhas claras Gr. n.º 288 — O papa formigas formadas pelas hastes da pennugem, as coberturas das azas tirantes a verme- lhas; as remiges trigueiras annegradas com as barbas ruivas ferrugentas pelo lado de fóra, as rectrizes eguaes ás re- miges, o ventre e o peito trigueiros ama- rellos claros, uma risca que parte da base do bico e se dirige ao pescoço bran- ca amarellada, bico negro orlado de branco avermelhado, pés pardos arruiva- dos. Vive esta especie em todas as florestas das costas do Brazil até á Columbia. Estas aves são pouco destras a voar, correndo ligeiramente sobre o solo aos saltos, e apenas voando para pousarem n'algum ramo pouco elevado. Não cons- truem ninho ; sobre uma cama de folhas seccas põe a femea os ovos, e alli se en- carrega da incubação. O canto d'estas aves differe, segundo as especies, existindo uma a que os france- zes dão o nome de beffroi, — grallaria tininiens, que deve o nome aos sons sin- gulares que solta ao nascer do sol e antes do seu occaso, similhantes aos d'um sino a tocar a rebate. Tem a voz tão forte que se ouve a grande distancia, custando a acreditar que parta de corpo tão pe- queno. Os papa formigas são muito bravíos, e se os encerram em gaiola maltratam-se contra as grades. Gr. n.º 289 — À graculina palreira A GRACULINA PALREIRA Gracula religiosa, de Linneo — Le mainate, dos francezes As especies do genero Gracula, em que esta se comprehende, caracterisam-se pelo bico grosso, alto, pés robustos, e princi- palmente pela existencia de duas excres- cencias carnosas na parte posterior da cabeca. A graculina palreira, uma das espe- cies mais conhecidas, tem 07,27 de com- prida por 07,51 de envergadura: é ne- gra lustrosa com reflexos verdes e cór de violeta em certas partes do corpo, uma malha branca oblonga no lado da aza que occupa as sete ultimas remiges, as excrescencias carnosas amarellas claras, por debaixo dos olhos um espaço nu 72 MARAVILHAS DA CREAÇÃO =] amarello, bico amarello tirante a cór de laranja, pés amarellos, unhas escuras. - Encontra-se com frequencia na India meridional e em Ceylão. A graculina palreira alimenta-se exclu- sivamente de fructos e de bagas de di- versas especies. E” um passaro vivo, pru- dente, esperto, excellente cantor, e que imita facilmente os sons que ouve. Diz Brehm haver quem affirme que a gracu- lina palreira é superior ao papagaio, por- que, repetindo como elle as palavras e até phrases completas, aprende a assobiar e a cantar, e não tem nenhum dos defeitos do papagaio. E” um bello passaro que se habitua rapidamente a conhecer o dono, e que se pode deixar livremente andar pela casa, tornando-se agradavel não só pelo dom d'imitação que possue, como tambem pelo bom humor e doci- lidade. O PAPA-FIGOS Oriolus galbula, de Linneo — Le loriot ordinaire, dos francezes Esta especie pertence ao genero Ório- lus, que comprehende diversas especies que vivem na Ásia, na Africa e na Ocea- nia, e a que acima citâmos, unica que se encontra na Europa. As aves d'este genero teem o bico alongado, um pouco achatado na base onde é mais largo, comprimido na extre- midade, azas muito longas, cauda de com- primento mediano e ampla, tarsos curtos. Mede o macho 0",27 de comprido por 07,50 de envergadura. A cabeça, o pescoço, as partes supe- riores e inferiores do corpo amarellos doirados, azas e cauda negras; tem uma malha amarella na base das remiges, e o terço inferior das rectrizes lateraes é tambem amarello; bico vermelho atri- gueirado, tarsos e pés côr de chumbo. Encontra-se na Europa, á excepção dos paizes mais septentrionaes, sendo com- mum no nosso paiz. Estabelece-se de ordinario nos sitios cobertos de arvoredo, onde forem mais frequentes as grandes arvores, taes como o carvalho e o choupo, e d'ahi dirige- se até ás vizinhanças dos pomares, prin- cipalmente na epoca em que as cerejas estão maduras, sendo esta fructa e os fi- gos os seus manjares mais predilectos. O seu alimento consiste em insectos de diversas especies, larvas, borboletas, e vermes, até à epoca da maturação das cerejas e de varios outros fructos. Um casal de papa-figos basta para n'um dia destruir uma cerejeira coberta de fructo. Debicando apenas no mais ma- duro desprezam o resto, causando d'es- ta sorte grandes estragos. E” raro vêl-o por muito tempo pou- sado na mesma arvore, esvoaca conti- nuamente d'um para outro lado; cora- joso e brigão, anda em continuas ri- xas com os da sua especie e até mesmo com outros passaros. No solo demora- se apenas o tempo necessario para apanhar um insecto, frequentando de preferencia as arvores mais altas, e d'es- tas os ramos mais elevados. Construe o ninho na bifurcação dos Gr. n.º 290 — O papa-figos ramos delgados das maiores arvores, de folhas meio seccas, talos, casca d'arvores, lã, teias d'aranhas e outras substancias, forrando-o no interior de hervas delicadas, pennas e lã. O macho e a femea traba- lham na construcção; parece, porém, que só a femea se encarrega dos arranjos internos. A postura é de quatro a cinco ovos, de casca lisa e branca, com alguns salpicos pardos cinzentos e vermelhos tri- gueiros escuros. A incubação é feita pela femea e pelo macho, substituindo este a companheira quando ella vae em busca d'alimento. E” difficil conservar estes passaros en- gaiolados por muito tempo; morrem ao fim de poucos mezes, por melhor que os tratem. h , a . 1 A a E z x $ + 4 : a 7 - ' o , e f ” , | | . . k | . , TA j 4 MARAVILHAS DA CREAÇÃO P.is Ide 4 Ve o bi A MR 0:/0p/29 mM Rido M.de Vento.) ZE 2 Impresso por Lallemant frêres, Lisboa, CÃO ASSES AS AVES — A LYRA 73 A LYRA Menura superba de Davis — La lyre dos francezes Esta especie é a unica do genero Me- nura, e caracterisa-se pela forma singular das pennas da cauda que nó macho apre- sentam o feitio de uma lyra, provindo-lhe d'esta disposição das rectrizes o nome vul- gar porque é conhecida. A pennugem da cabeça é comprida e em forma de poupa ; tem um espaço nu em volta dos olhos. A lyra é parda trigueira escura com reflexos avermelhados no uropigio, a garganta vermelha, o ventre pardo cin- zento atrigueirado, as remiges secun- darias trigueiras avermelhadas, a cauda trigueira annegrada pelo lado superior, esbranquiçada pelo interior; as barbas externas das duas rectrizes curvas são pardas escuras com a extremidade ne- gra rajada de branco, e as internas al- ternadamente rajadas de trigueiro escu- ro e de ruivo; as rectrizes medianas são pardas, as outras negras. Mede o macho 1,705 de comprido, incluindo a cauda que tem 0,60. A lyra vive na Australia. Alimenta-se de insectos, de larvas e de vermes; construe o ninho nas arvores a pequena altura do solo, onde a femea põe um unico ovo. Becker affirma que este passaro tem facilidade de imitar todos os sons que ouve, e conta d'um que habitava numa floresta nas vizinhan- ças d'uma serração mechanica, situada em determinado sitio da provincia de Sipps, na Australia, que imitava o rir dos homens, o choro das creancas, o la- drar dos cães, e o som produzido pe- las serras em movimento. A lyra é difficil de conservar captiva. A PETAHA Alauda pratensis, de Linneo—Le pipifarlouse, dos francezes “Entre as especies do genero Anthus, que frequentam o nosso paiz, é commum - a petinha da especie acima indicada. Estes passaros teem o bico mediocre, delgado e direito, cauda de comprimento regular e larga, tarsos e dedos delgados. Os individuos da especie pratensis teem as costas trigueiras azeitonadas com malhas trigueiras annegradas, peito loiro” claro com manchas longitudinaes trigueiras escuras, garganta e ventre es- branquiçados, uma faxa branca amarel- lada sobre os olhos, remiges trigueiras annegradas com os lados mais claros, re- clrizes trigueiras annegradas orladas de verde amarellado, as mais externas com uma grande malha branca nas extremida- des, bico pardo, pés avermelhados. Mede 0,"17 de comprimento por 0,” 26 d'en- vergadura. A femea não differe do macho na côr da plumagem. As petinhas variam, segundo as espe- cies, no seu modo de viver: umas fre- quentam os campos cultivados; outras as orlas das mattas, ou os terrenos pe- dregosos e as rochas nas proximidades das ribeiras. A especie a que parlicular- mente nos referimos prefere os prados e principalmente os logares humidos e pantanosos. Posto que todas estas aves tenham a faculdade de empoleirar-se, é Gr. n.º 294 — À petinha raro vêl-as pousadas nas arvores, á exce- pção da especie anthus arboreus, petinha das arvores, pouco commum no nosso paiz. O andar das petinhas é pausado e gracioso quando nada as perturba, cor- rendo rapidas, á maneira das calhandras, se as perseguem. São pouco timidas, dei- xando aproximar o homem a curta dis- tancia, e se fogem vão pousar perto. O canto d'este passaro é harmonioso, e, no dizer de Naumann, compõe-se de diversas phrases cujas notas repete fre- quentemente. O macho canta voando, e o da especie petinha das arvores, pousado n'um ramo secco perto do ninho, depois de breve preludio, levanta o vôo cantando, remonta até certa altura, e deixa-se cair em seguida, d'ordinario sobre o mesmo 74 MARAVILHAS DA CREAÇÃO BE e TT Ad SNI Do Pr O O e ramo, onde vem terminar a cantiga. Este exercicio repete-se seis ou oito vezes, com os intervallos precisos para descansar. As outras petinhas imitam as petinhas das arvores, com a differença, porém, de substituirem os ramos das arvores por uma pedra ou um monticulo de terra. A petinha construe o ninho nos canna- viaes, ou entre as hervas altas, n'alguma cova, sempre tão bem escondido que não é facil descobril-o ; forma-o de hastes sec- cas, de raizes do rastolho, e tapiza-o no interior de hervas macias e de crina de cavallo. A femea põe cinco ou seis ovos brancos pardaços ou avermelhados sujos, salpicados ou manchados de pardo ou de amarello trigueiro ; faz duas posturas no anno. As petinhas alimentam-se de vermes e de insectos pequenos, e como regimen addicional comem sementes e fructos, principalmente uvas, de que algumas especies muito gostam. A ALVÉLOA Motacilla alba, de Linneo. — La lavandiére grise,ou hoche-queue dos francezes. Esta especie, uma das que vive na Eu- ropa do genero Motacilla, é muito com- mum no nosso paiz. Tem o bico muito delgado, levemente chanfrado na ponta, azas compridas, cauda longa, tarsos muito altos e delicados, as unhas dos dedos pol- legares curtase recurvas. O macho tem a fronte, as faces, lados do pescoço e abdo- men brancos; nuca, garganta, frente do pescoço e peito negros; costas, uropigio e lados cinzentos azulados, azas negras nas coberturas bordadas de pardo e branco, e as remiges orladas de côr esbranquiça- da; rectrizes negras á excepção das duas ultimas de cada lado, que são quasi to- das brancas; bico e pés negros." Com- primento total 0,719 aproximadamente. A alvéloa apparece em quasi toda a parte, parecendo ser-lhe agradavel a companhia do homem, pois procura de preferencia a vizinhança dos povoados. Os francezes dão a este passaro o nome de lavandiêre pelo habito de conservar-se durante o dia em volta das mulheres que lavam nos rios, parecendo com os movimentos da cauda imital-as quando batem a roupa. No campo é commum vél-o acompanhar a curta distancia o trabalhador no acto de cavar, ou seguindo a charrua. E' um passaro vivo, agil, sempre em movimento, que só se de- tem para cantar, e fóra d'isto correndo d'um para outro lado sem descanço, agi- tando sempre, mais ou menos, a cauda. Alimenta-se de insectos de todas as especies, de larvas e de vermes, apanhan- do-os Junto dos regatos, nas pedras, nas estrumeiras, até sobre os telhados das ca- zas. Quando segue atraz do lavrador vae comendo os insectos e os vermes que a charrua põe a descoberto. O ninho construe-o nas fendas dos ro- chedos, nos buracos dos muros, sob as raizes das arvores, entre uma pilha de madeira ou no tronco secco d'uma ar- vore ; forma-o de pedaçinhos de madeira, de raizes, de folhas seccas e de palhas, e no interior forra-o de pellos, de crinas, de lã e d'outras substancias analogas. Na primeira postura a femea põe de seis a oito ovos, na segunda de quatro a seis, pardaços ou brancos azulados salpi- cados de pardo cinzento escuro, ou pardo cinzento claro. No outomno as alvéloas apparecem em maior numero, e vagueiam todo o dia pelos campos lavrados de fresco. A ALVÉLOA AMARELLA Motacilla flava de Linneo — La bergeronnette du printemps, dos francezes A alvéloa amarella é uma das especies do genero Budytes dos naturalistas moder - nos, differindo os individuos d'este ge- nero dos do genero Motacilla apenas em ter a unha do pollegar mais comprida e direita. Esta especie é commum no nosso paiz, e outras existem que habitam na Europa na Asia e na Africa. O macho tem o alto da cabeça a nuca e as faces cinzentas azuladas, costas e uropigio verde azeitona, ilhargas, frente do pescoço e partes in- feriores do corpo amarello junquilho com manchas atrigueiradas na parte superior do peito; remiges e rectrizes negras or- ladas de claro, uma risca esbranquiçada sobre os olhos, as azas cortadas por duas faxas amarelladas, bico negro, pés da mesma côr. 0,16 a 0,18 de comprimento. As alvéloas amarellas vivem nos cam- pos e nos sitios pantanosos, sendo nota- vel a affeição que estes passaros teem pe- los rebanhos, seguindo-os ec adejando constantemente em volta d'elles, e levando a familariedade a ponto de pousarem no dorso das vaccas e dos carneiros. AVES — A ALVÉLOA AMARELLA Conta Brehm que no interior da Africa, para onde emigram estas aves, vêem-se os rebanhos, e até mesmo o camelo, cavallo ou burro que paste isolado, cer- cados por um bando destes lindos ani- 75 maes, que cobrem completamente o solo nos pontos onde pasta o gado, acom- panhando-o aos bebedouros. E' dos es- pectaculos mais attrahentes ver as alvé- loas esvoacar por entre os bois, e quando Gr. n.º 292 — À alvêloa amarella a natureza do solo o permitte correr a seu lado como que pretendendo igua- lal-os em velocidade. Os insectos, os vermes, e na falta d'es- tes as sementes pequenas são o alimento d'estas aves. Fazem o ninho no solo, por entre c trigo, no meio das hervas, nas pro- ximidades dos regatos, sob as raizes das ar- vores, n'uma cova, construindo-o de folhas seccas, raizes e rastolho por fóra, forrado por dentro de hervas finas, lã, pellos e pen- nugem. A femea faz d'ordinario duas pos- Gr. n.º 293 — O enicuro malhado turas por anno, de quatro a seis ovos, bran- cos sujos amarellados, arruivados, ou par- dacos salpicados ou manchados de pardo amarellado, pardo trigeiro, ruivo ou vio- leta. A alvéloa, posto que amiga do ho- mem e vivendo perto delle, não quer ser sua escrava ; morre se a engaiolarem. Deixando-a todavia voar livremente n'um quarto, durante o inverno, ahi se conserva dando caca ás moscas, e apanhando as migalhinhas de pão que lhe deitarem. O canto assimilha-se ao da alvéloa (mota-. cilla alba), menos dobrado. 76 MARAVILHAS:DA CREAÇÃO O ENICURO MALHADO maculatus, de Vigors — L'énicuretacheté dos francezes Enicurus Existem nas montanhas da India uns passaros muito similhantes ás alveloas, não só em muitos dos seus caracteres como tambem nos habitos, posto que se- jam muito maiores, o bico mais vigoro- so, e tenham a cauda extraordinaria- mente aforquilhada, tendo as rectrizes do centro apenas um terço do comprimento das lateraes. A pennugem alongada da cabeça forma-lhe uma especie de pou- pa branca, e d'estacór é o ventre, o abdomen, uma parte das remiges, as co- berturas das azas e duas rectrizes lateraes, sendo as outras negras e franjadas de branco. O resto da pennugem é negro, os pés amarellados. Mede 0,30 de com- primento. «O enicuro só se encontra nas margens dos regatos e das torrentes que descem das montanhas, especialmente nos sitios onde se despenham sobre leito arenoso e co- berto de seixos, ou então no fundo de enormes precipicios assombreados por vegetação opulenta. Ahi perseguem os insectos e os vermes que apanham, agi- tando frequentemente a cauda, à maneira das alvéloas.» (Temminck). A CAIADA Motacilla enanthe, de Linneo — Le traquet moteuz ou cul blanc, dos francezes Pertence esta especie ao genero Saxi- cola, rico em especies, quatro das quaes se encontram no nosso paiz onde são communs. ' Teem os individuos d'este genero o bico franzino, mais largo do que alto na base, curvo na extremidade e chanfrado, azas alongadas, cauda mediana quasi sem- pre quadrada, tarsos longos e delgados. Os individuos machos da especie acima indicada são cinzentos claros nas costas, o uropigio, o ventre e a garganta bran- cos, o peito amarello arruivado, a fronte, uma risca sobre os olhos, duas malhas entre o bico e os olhos, coxas, e as duas 1 No catalogo das aves do museu de Coimbra encontram-se os nomes vulgares de lres especies do genero Saxicola: a que citâmus, a Caiada, Quei- jeira ou Tanjarra, motacilla stapazina de Gmlin, traquet stipazin dos francezes — e o rabo-branco, turdus leucura de Gmlin, le traquet rieur ou moteux noir, dos francezes rectrizes medianas negras, as demais re- ctrizes brancas com as extremidades ne- gras; bico e pés negros. Encontra-se habitualmente nos campos recentemente layrados, saltando de torrão em torrão á procura dos vermes e insectos de que se alimenta, e nunca pousado nas arvores altas; só nos vallados e nos pe- quenos arbustos. Se rapidamente o obri- gam a fugir vôa a pequena altura do solo, deixando ver a parte trazeira do corpo branca, o que permitte distinguil-o dos ou- tros passaros. Em movimento constante salta de pe- dra em pedra, d'um torrão para outro, Gr. n.º 294— À caiada (macho e femea) com o corpo direito, a cada momento meneando a cauda, levantando-se e abai- xando-se. Parece dever a este habito o nome de sachristão, que, no dizer de Brehm, dão em Hespanha a este passaro. Aninha nas fendas dos rochedos, nos buracos dos muros, entre as pedras sol- tas que em muitos sitios servem de divisão ás propriedades, nos troncos ôcos das ar- vores, construindo o ninho grosseiramente com raizes e folhas, forrando-o pelo inte- rior com lã, pennugem e pellos. A femea põe de cinco a sete ovos, azues desvaneci- dos, ou brancos esverdeados, raras vezes salpicados de trigueiro avermelhado. Só a femea se encarrega da incubação; o macho auxilia-a na creação dos filhos. AVES— O CARTAXO 77 O canto da caiada nada tem de nota- vel. Engaiolada morre em breve, maltra- tando-se d'encontro ás grades da gaiola. O CARTAXO Motacilla rubetra, de Linneo— Le tarier, dos francezes Duas especies do genero Pratincola se encontram no nosso paiz, ambas vul- garmente conhecidas pelo nome de car- taxo, e muito communs., Teem estes passaros o bico mais curto que a cabeça, Gr. n.º 295 — O cartaxo largo na base e guarnecido de pellos, curvo na extremidade e chanfrado, azas compridas, tarsos da altura do dedo medio e delgados. O cartaxo da especie indicada tem a cabeca, a garganta, a frente do pescoço e a cauda negras, sendo a pennugem orla- da de ruivo; peito e ilhargas vermelhos baios, o uropigio com duas malhas, uma no lado do pescoço e outra na aza, bran- cas, bico e pés negros. Mede 0,"14 de comprimento. O cartaxo, á maneira das caiadas, fre- quenta os logares descobertos, os campos, as proximidades dos regatos, escolhendo 8 ae de preferencia os terrenos amanhados. Do alto d'um arbusto, ou pousado na parte mais elevada de qualquer planta espreita a presa. Alimenta-se de insectos e de hervas; apanha as formigas no solo e as moscas no ar. Aninha no solo, occultando o ninho entre as hervas, onde não seja facil dis- tinguil-o, formando-o de raizes, talos seccos, rastolho, musgo, e tapizando-o no interior de substancias mais macias. A femea põe de cinco a sete ovos, ver- des azulados claros, cobertos, principal- mente na extremidade mais grossa, de manchas arruivadas pouco vivas. E difficil conserval-o engaiolado, não resistindo á perda da liberdade. A ESTRELLINHA Regulus ignicapillus, de Lichtenstein—Le roitelet à moustaches, dos francezes Do genero Regulus, cujas especies vi- vem espalhadas pela Europa, Asia e Ame- rica, duas se encontram no nosso paiz, sendo a da nossa epigraphe a mais com- mum. Tem esta ave e seus congeneres o bico muito franzino, direito c sovelado, levemente chanfrado na ponta, azas me- dianas, cauda chanfrada e tarsos delicados. A estrellinha da especie citada tem o alto da cabeça côr de fogo no centro, amarello alaranjado na frente e nos lados, e cercado de negro; parte superior do pescoço e do corpo verde azeitona, par- tes inferiores cinzentas levemente tirantes a ruivo, principalmente no pescoço; duas riscas brancas por cima e por baixo dos olhos atravessadas por outra preta, bi- godes negros e estreitos que partem do bico e se dirigem para os lados do pes- coco, duas riscas brancas nas azas, bico, negro, e pés annegrados. Mede 0,10 de comprimento e 07,16 d'envergadura. E” a mais pequena das aves da Europa. São muito vivos e ligeiros estes peque- ninos passaros, saltando sem descanso de ramo em ramo, sendo-lhes faceis todas as posições; muitas vezes de pés para o ar, agarrados à casca das arvores, buscam por entre ella os pequenos insectos de que se alimentam, as larvas e os ovos. O seu re- gimen não é só insectivoro, comem tam- bem sementes. A femea faz duas posturas cada anno, e conslrue o ninho no extremo dos ra- mos das arvores, de preferencia nos pi- nheiros, bem escondido entre a folha- gem. E espherico, formado externa- voL. HI 78 MARAVILITAS DA CREAÇÃO mente de musgo e de lichens, ligados so- lidamente com teias d'aranha ou de la- Gr. n.º 296 — À estrellinha gartas a pedacinhos de madeira, e no interior tapizado de pennugem. O macho acompanha a femca quando esta forma o ninho, sem todavia tomar parte na cons- trucção ; mais tarde, porém, auxilia-a na alimentação dos filhos, indo em busca dos insectos pequenos ou dos ovos d'estes, unico sustento que os pequenos tomam. A estrellinha torna-se facilmente dada a ponto de vir comer á mão, e habitua- se a viver captiva, sendo interessante não só pela sua pequenez e elegancia, como tambem pelo canto que é melodioso, pos- to que fraco. Quando são em maior numero acostu- mam-se mais facilmente á perda da li berdade ; vivendo na melhor harmonia, dormem no mesmo poleiro conchega- das umas ás outras. A CARRICINHA DAS MOUTAS Motacil'a troglodytes, de Linneo— Le troglodyte, dos francezes Esta especie, unica que vive na Eu- ropa, do genero Troglodytes, é formada Gr. n.º 297 — À carricinha das moutas por um pequeno passaro de bico fran- zino, sovelado, levemente arqueado ; azas curtas, cauda pequena, tarsos alongados, e o dedo pollegar muito longo e vigoroso, armado d'unha muito comprida c recurva. E” trigueiro ruivo na parte superior com riscas transversaes estreitas e anne- gradas nas costas, nas azas e na cauda; partes inferiores cinzentas arruivadas, tirantes a azulado na garganta e no peito, e com malhas esbranquicadas e riscas transversaes negras no baixo ventre e nas ilhargas; remiges trigueiras, as cinco primeiras marcadas alternadamente de negro e de arruivado por fóra ; bico tri- gueiro, pés arruivados. Mede de 07140 a 0",1414 de comprimento por 0,745 a 0716 d'envergadura. A femea tem as córes mais claras do que o macho. Encontra-se em todas as partes da Eu- ropa e é commum no nosso paiz. A carricinha das moutas vê-se d'or- dinario saltitando no solo, esquadrinhando cuidadosamente todos os buracos que topa, sendo raro vél-a nas grandes arvo- res; penetrando no interior dos povoa- dos, não tem duvida em estabelecer a sua residencia perto da morada do homem. caso encontre uma mouta bem espessa, um vallado, ou mesmo uma pilha de ma- deira onde possa abrigar-se. «Sempre alegre e bulicosa, como se nada lhe faltára, alé mesmo na forca do inverno, fóra das occasiões em que a AVES — A FOLOSA 79 tempestade é mais violenta, o seu bom humor não a abandona. Quando o frio é intenso e os proprios pardaes se mostram tristes e eriçam à pennugem, a carricinha sempre alegre canta como na primavera» (Naumann). A carricinha canta todo o anno, e como já vimos até mesmo no inverno; o canto é agradavel, composto de notas numero- sas, variadas, claras, formando no meio da canção um trinado bastante harmonioso, que para o fim vae baixando de tom. No inverno, quando a natureza está como que adormecida, e as aves silenciosas, o canto da carricinha produz impressão agradavel] a quem o ouve. A carricinha alimenta-se de toda a es- pecie d'insectos, e no outono come di- versas bagas. Diz Brehm que no inverno penetra nas habitações para apanhar as moscas, e que encontrando uma aber- tura por onde possa introduzir-se o faz frequentemente, tendo excellente memo- ria dos logares. O ninho é construido perto do solo, sobre os ramos dos arbustos, mesmo sobre a herva, debaixo d'um tronco ou contra uma pedra, redondo, e tão in- forme no exterior, que mais parece uma porção de musgo para alli atirada ao acaso. À femea põe de nove a dez ovos brancos, ou brancos amarellados, que são chocados pelo macho c pela femea durante treze dias, e ambos provéem á alimentação dos pequenos. Posto que não seja facil habituar a carricinha a viver captiva, quando se consegue isso, tem-se uma agradavel e in- teressante companhia, que póde durar alguns annos. A FOLOSA OU FUINHO Phyliopneuste rufa — Le pouillot veloce, dos francezes. No nosso paiz encontra-se mais d'uma especie do genero Phyllopneuste, conhe- cidas vulgarmente por folosas, sendo a supra citada mais commum. Teem por caracteres genericos bico direito, pe- queno, sovelado, levemente chanfrado na extremidade, azas alongadas excedendo metade da cauda e esta mediana pouco chanfrada, tarsos altos e delicados, pés franzinos. O fuinho tem a parte superior da ca- beca, do pescoço e do corpo pardas tri- gueiras mais ou menos tirantes a verde azeitona, uma malha trigueira junto aos olhos, garganta e frente do pescoço brancos amarellados, azas lrigueiras com as pennas franjadas de verde azeitona, rectrizes eguues, bico lrigueiro, pés an- negrados. Mede 0,153 de comprido por 0,20 d'envergadura. A folosa é um passaro vivo, bulicoso, ligeiro, muito sociavel, vivendo em pe- quenos grupos; sempre que pousa n'uma arvore corre-a em todos os sentidos, vi- sitando-lhe todos os ramos, em busca dos insectos ou das larvas, c das lagar- tas pequenas que se occultam nas folhas, e que constituem o seu alimento. Faz o ninho no chão, perto duma mouta, junto a um arbusto, sob um massiço de verdura, de forma oval, aberto a um dos lados, e formado exteriormente de musgo c de relva, o que o torna difficil de dis- Gr. n.º 298 — À folosa ou fuinho tinguir entre a herva em que se occulta, e forrado no interior de pennugem. Só a femea construe o ninho, e ahi põe de cinco a sete ovos, alongados e lisos, brancos com salpicos vermelhos. A incu- bação é feita pelo macho e pela femea, e esta, poucos dias depois dos pequenos poderem voar, faz segunda postura. O canto da folosa não é desagradavel, e, posto que seja pouco variado, tem um tanto de melancolico. A folosa não é dilficil de conservar ca- ptiva, e encerrada n'um quarto torna-se em breve muito dada. Um escriptor in- glez conta que uma, a que nos primeiros dias acostumara a dar leite numa colher, mais tarde voava atroz da pessoa que le- vasse a colher, pousando-lhe na mão sem o menor receio. 80 O PISCO DE PEITO RUIVO Motacilla rubecula, de Linneo — Le rouge-gorge, dos francezes Esta especie do genero Rubecula é com- mum no nosso paiz, e representada por um passaro de bico mediocre, levemente arredondado na base, azas muito curtas, cauda curta, larga e chanfrada, tarsos e dedos delgados com unhas recurvas. É trigueiro esverdeado escuro nas cos- tas, com o ventre branco prateado, os lados do peito pardos cinzentos, as ilhargas tri- gueiras, a fronte, a garganta e a parte su- perior do peito ruivas vivas, remiges es- curas bordadas de pardo arruivado por MARAVILHAS DA CREAÇÃO fóra, rectrizes pardas trigueiras, as duas do centro malhadas de côr d'azeitona ; bico negro, pés trigueiros. Mede O,"15 de comprimento por 0,”"23 d'enverga- dura. Este passaro busca de preferencia os lo- gares bem cobertos d'arvoredo e humidos. Na primavera alimenta-se de vermes e in- sectos que apanha com a maior destreza, ora adejando em volta das folhas para apa- nhar as moscas que alli pousam, ora no solo correndo aos saltos atraz da presa, ba- tendo as azas. No outono come bagas sil- vestres e uvas. O pisco de peito ruivo é bom cantor; o seu canto é formado de successivos tri- gr. n.º 299 — O pisco de peito ruivo nados, alternos com sons aflautados muito extensos e cheios. Vive bem com os seus similhantes toda a vez que cada casal se conserve no seu dominio, não consen- tindo um que outro lh'o invada, mostran- do-se intransigente n'este ponto. Vem a proposito dizer que se dois d'estes passa- ros forem encerrados no mesmo quarto, cada um considera a metade como sua propriedade, não consentindo que o outro lhe transponha os limites, sem que a guerra se declare entre ambos. “O ninho do pisco de peito ruivo é construido no chão, nas paredes d'um fosso, sob as raizes d'uma arvore, n'um massiço de verdura, exteriormente for- mado de ramos miudos e por dentro ta- pizado de raizes, de pellos e de pennu- gem. A femea põe de cinco a sete ovos brancos amarellados salpicados de ama- rello ruivo escuro; o macho auxilia-a na incubação, e os dois encarregam-se em commum da sustentação dos filhos, sus- tentação que nos primeiros dias consta de vermes, e mais tarde de insectos de toda a especie. Este passaro é facil de conservar-se en- gaiolado, aprendendo em pouco tempo a conhecer o dono, saudando-o com os seus gorgeios, e aprendendo a entrar e a sair livremente da gaiola. Póde viver muitos annos, e accommoda-se perfeita- mente com parte da nossa alimentação usual. AVES — O PISCO DE PEITO AZUL 81 O PISCO DE PEITO AZUL Motacilla suecica, de Linneo — Le gorge-bleu, dos francczes Esta especie do genero Cyanecula en- contra-se no nosso paiz, com quanto seja rara. Representa-a um pequeno pas- saro de bico mediocre, comprimido adian- te das ventas, azas curtas, cauda mediana, tarsos altos e franzinos. Mede 0,15 de comprimento por 07,23 d'envergadura. E" trigueiro cinzento na cabeca, na nuca e nas costas; a garganta ec a parte superior do peito são azues, com uma ma- lha branca prateada no centro; uma faxa transversal negra aveludada termina a parte azul, e a pennugem que forma esta faxa, por vezes franjada de branco, é se- Gr. n.º 300 — O pisco de peito azul guida d'outra faxa mais larga ruiva mais ou menos clara; abdomen branco pardaço, uma risca branca arruivada so- bre os olhos, faces trigueiras, remiges par- das trigueiras ; as duas terças partes su- periores da cauda ruivas, o terço inferior annegrado, e bem assim as duas rectri- zes do centro, que são, á imitação das outras, franjadas de pardo. Estes passaros são peculiares ás regiões septentrionaes da Europa e da Asia, e arri- bam na primavera aos paizes da Europa central e meridional, ao norte da Africa e sul da Asia. No nosso paiz encontram-se raros. O pisco de peito azul habita nas orlas das mattas, proximas dos sitios pantanosos e humidos, e antes da epoca da emigra- ção avizinham-se dos povoados encontran - do-se nos quintaes e nos vallados, sem mostrarem grande receio do homem. Nunca se vê em bandos, e raras vezes mais de dois reunidos, conservando-se perto da agua não só porque muito gos- tam de se banhar, como tambem por ahi encontrarem os vermes e insectos aquali- cos que constituem o seu alimento. No outono comem bagas de diversas especies. O canto do pisco de peito azul é agra- davel; este passaro parece ter o dom de imitar as vozes d'outras aves. O macho canta, d'ordinario, pousado n'algum ramo elevado, e poucas vezes no chão. Faz o ninho sempre proximo da agua, á borda d'um fosso ou d'um regato, occulto n'uma cova, entre as raizes ou nos macissos de verdura, exleriormente construido de fo- lhas seccas de salgueiros, de talos de hervas, e tapizado no interior de hervas finas e de pennugem. O macho e a fe- mea auxiliam-se na incubação, e ambos cuidam dos filhos fornecendo-lhes o ali- mento conveniente. Só á força de muitos cuidados e de alimentação escolhida e abundante se se pode conservar por muito tempo en- gaiolado o pisco de peito azul, posto que não seja difficil tornal-o em pouco tempo muito manso e' familiar com o dono. A RABIRUIVA Motacilla phoenicurus, de Linneo —Le rossignol de muraille, dos frauncezes Encontra-se no nosso paiz este passaro typo do genero Ruticilla, comprehen- dendo diversas especies que habitam na Europa, Asia e Africa. Em Portugal é tambem commum outra especie, vulgarmente conhecida por A RABIRUIVA OU FERREIRO Motacilla tithys, de Linneo — Le rouge-queue, dos francezes Os passaros d'este genero teem o bico mediocre e pontudo, azas longas cobrin- do duas terças partes da cauda, e esta comprida e ampla; tarsos altos e del- gados. Os individuos da primeira especie teem a fronte, os lados da cabeça e a gar- ganta negros, as costas pardas cinzentas, o peito, ilhargas e cauda de côr de fer- rugem clara, a parte superior da cabeça e o meio do ventro brancos, o bico e os 82 MARAVILHAS DA CREAÇÃO pés negros. Medem 0”",15 de compri- mento por 0",25 d'envergadura. Os da especie tithys são pretos, com a cabeça, as costas e o peito pardos cin- zentos, o ventre branco, as azas malhadas de branco, a cauda e o uropigio ruivos amarellados, à excepção das duas rectri- zes do centro que são trigueiras escuras. Medem 0",17 de comprimento por 0,27 de envergadura. Estes passaros frequentam particular- mente os povoados, até mesmo as cida- des, indo empoleirar-se nos edificios mais altos; e quando se afastam dos logares habitados acoitam-se nas rochas, nos muros, ou nas margens pedregosas dos ribeiros. São pouco sociaveis, vivem ape- nas com a femea, e nunca se afastam para longe do sitio onde habitam, não tolerando alli a presença de algum dos seus similhantes, e até mesmo provo- cando continuas rixas com os outros pas- saros. Alimentam-se de insectos. As rabiruivas aninham nos troncos ôcos das arvores, ou nas fendas dos mu- ros, construindo o ninho grosseiramente de raizes e rastolho, tapetado de pennu- gem. Faz a fernea duas posturas, de cin- co a oito ovos cada uma, de casca lisa, azues esverdeados, não fazendo a se- gunda no mesmo ninho da primeira, mas voltando na primavera seguinte a tomar posse do primeiro ninho. Os ovos da especie tithys são brancos, e cinco a a sete de cada postura. A rabiruiva canta melhor que o fer- reiro, e canta todo o anno; mas os pas- saros destas especies não são considera- dos dignos de ser engaiolados. Da pri- meira diz-se que possue o dom de imitar o canto d'outras aves. O CHINCAFOES, OU ROUXINOL DA ESPADANA Turdus arundinaceus, de Linneo — La rousserole des roseaux, dos francezes Esta especie, do genero Calamoherpe, pertence a uma familia de passaros, —da qual se encontram representantes d'al- guns dos seus generos no nosso paiz, — quasi todos frequentando as vizinhanças da agua corrente, acoitando-se nas mou- tas e nas arvores que orlam as margens dos rios e ribeiras, ahi aninhando, e ali- mentando-se exclusivamente de insectos, vermes, moscas e larvas que encontram á borda d'agua. Se não são cantores nota- veis, entretanto o seu canto está longe de ser desagradavel. O chincafoes é um passaro de 07,19 de comprimento, trigueiro arruivado nas partes superiores, branco amarellado nas inferiores, mais escuro nas ilhargas ; tem uma risca branca amarellada sobre os olhos, as pennas das azas trigueiras com grandes bordaduras arruivadas, bico tri- gueiro, pés escuros. Como já dissemos, referindo-nos aos ha- bitos da familia em geral, o chincafoes vive na vizinhança da agua, occultando- se entre os juncos, raras vezes pousando | nas arvores mais elevadas. «Na primavera, diz Brehm, ouve-se-lhe resoar o canto desde os primeiros clarões da aurora até ao pôr do sol, entrando por vezes pela noite dentro. Compõe-se o canto de phra- ses muito variadas, formadas de notas cheias e fortes. O coaxar das rãs influe de certo nos sons que forma, porque mais se parece o seu canto com os gri- tos d'aquelles animaes do que com o canto de qualquer outro passaro. Nem uma nota suave ou aflautada, todo o seu cantar é uma especie de grunhidos... O macho entrega-se completamente aos seus cantares, parecendo querer rivalisar com o rouxinol. O corpo direito, as azas caidas, a garganta entumecida, e o bico no ar, pousado n'um canico que o vento balouça, eriça a pennugem de maneira a parecer maior do que realmente é». O ninho, construe-o elle artisticamente de folhas e de talos de hervas seccas, tanto mais finas quanto mais para o interior, e por dentro tapizado de raizes muito finas. E mais alto do que largo, porque o constructor conhece a necessidade de evitar que os ovos saltem fóra do ninho, quando o vento verga os caniços, a que de ordinario o prende. A postura é de quatro a cinco ovos, azulados ou pardos csverdeados, salpicados de pardo cinzento ou de côr d'ardosia. Os chincafoes habituam-se à perda da li- berdade conservando-os em gaiolas gran- des, e dando-lhes alimentação conve- niente. A COSTUREIRA Orthotcmus longicauda — L'orthotome à longue queue, dos francezes A estes passaros dão os francezes O nome vulgar de cowturiers ou tailteurs, tirado do modo de construccção do ninho, o qual, como abaixo veremos, é feito de duas folhas cosidas uma á outra com fios AVES — A COSTUREIRA 83 de algodão ou fibras das plantas. A especie que citamos pertence ao genero Orlhoto- mus, e comprehende-se no grupo da es- pecie antecedente. E' um passaro de 0”,18 de comprido, verde azeitona nas costas, ruivo no alto da cabeca, ventre branco, os lados do peito malhados de negro, remiges tri- gueiras bordadas de verde, rectrizes tri- gueiras com reflexos esverdeados, e as lateraes franjadas de branco. No macho as duas rectrizes do centro são muito maiores do que as dos lados. Encontra-se na India e em Ceylão. Alimenta-se de insectos, principalmente formigas, de lagartas e larvas que desen- cantoa entre a casca das arvores e nas fo- lhas, ou que apanha no solo. Hutton, descrevendo dois ninhos da costureira, diz que um era elegantemente construido de canicos, algodão, fios de lã, tudo solidamente entralacado, in- Gr. n.º 301 — À costureira teriormente forrado de crinas de cavallo, disposto entre duas folhas d'um arbusto e cosidas uma á outra até pouco acima da metade inferior. O passaro empregá- ra na costura um fio rijo de algodão que elle proprio fiou. O ROUXINOL Motacilla luscinia de Linneo — Le rossignol, dos francezes Duas especies se comprehendem no genero Philomela, das quaes a que fica citada é commum no nosso paiz, € a philomela, grand rossignol dos francezes, muito rara. Encontram-se na Europa, na Asia e na Africa. O rouxinol é pardo arruivado nas par- tes superiores do corpo, mais escuro no alto da cabeça, e nas interiores pardo amarellado claro, a garganta e o peito mais claros; as remiges trigueiras escu- ras, as rectrizes trigueiras ruivas, bico an- negrado por cima e amarellado por baixo, pés trigueiros amarellados claros. Mede 0",18 de comprimento. A philomela é um pouco maior. 84 MARAVILHAS DA CREAÇÃO Os rouxinoes escolhem para seu do- micilio os logares assombrados, os bos- ques, as moutas bem espessas, os jardins, e é certo que uma vez estabelecendo o seu domicilio em qualquer ponto ahi voltam no anno seguinte, a não ser que o local haja perdido as boas condições que o tornavam apreciado, bastando, por exem- plo, que um corte feito nas arvores ou nos arbustos o haja privado da som- bra, o seu principal encanto aos olhos do rouxinol. Os pequenos procuram de pre- ferencia estabelecer-se proximos do sitio onde nasceram. O rouxinol não é timido, e por vezes fixa a sua residencia perto da habitação do homem. Alimenta-se de vermes de todas as es- Gr. n.º 302 — O rouxinol pecies, de larvas d'insectos, de formigas, lagartas, e no outono come bagas. Pro- cura 0 alimento no solo, principalmente nos sitios onde a terra estiver cavada de fresco, saudando a presa com um movi- mento subito da cauda. Raras serão, por certo, as pessoas que não tenham uma vez, sequer, escutado o canto do rouxinol, enlevando-se ao som da sua voz, por uma noite serena e tepi- da de primavera. Muitas aves ha cuja voz se ouve com prazer, taes como a tu- tinegra, o canario, o tentilhão, o pinta- silgo, o melro, o cochicho; umas notaveis pelo timbre da voz, outras pelo variado do canto, mas não ha nenhuma a que o rouxinol não seja superior, reunindo todas as bellezas de tão variados cantores, de sorte que as canções de todos os outros passaros não passam de simples estrophes do canto do rouxinol. Alterna as phrases maviosas, os lrilos, as notas sentidas e alegres com uma graça indefinivel. N'uns o canto comeca brando, suave, e a pouco e pouco vae ganhando força nara insen- sivelmente ir morrendo, outros soltam notas cheias e vibrantes, ou casam agra- davelmente os sons ternos e melancoli- cos com os garganteados brilhantes de prazer e de triumpho. O compasso e as pausas ainda mais contribuem para a bel- leza do conjuncto. Extasia-nos a variedade, o vigor, o cheio da voz de tão pequena ave, cus- tando a comprehender como d'aquella garganta saiam notas tão claras e bri- lhantes, e como os musculos da larynge tenham vigor para tanto. O rouxinol construe o ninho de ras- tolho, de talos d'hervas, de folhas de ca- niços, forrando-o de raizes delgadas e de crinas de cavallo, sobre o solo ou a pe- quena altura, n'uma fenda, n'um mas- siço d'hervas, ou n'uma sarça. À femea põe de cinco a seis ovos, e auxilia O macho na incubação, não se ouvindo n'es- ta epoca cantar o macho senão de dia. Os paes alimentam os filhos de vermes de toda a especie, e cuidam d'elles por muito tempo; se lh'os arrebatam do ninho, collocando-os em sitio proximo en- cerrados n'uma gaiola, ahi lhes levarão o alimento. O rouxinol pode ser creado em gaiola e ahi viver por muito tempo tratando-o com esmero. Captivo canta na prisão se lhe diminuirem os rigores do captiveiro, cercando-o dos objectos que mais lhe aprazem: pondo-o á sombra de folha- gem, tapisando a gaiola de musgo, não o expondo ao frio nem o importunando com vizitas, e dando-lhe alimento abun- dante e que lhe agrade. Todos os naturalistas são d'accordo em affirmarem que o rouxinol se affeiçoa ao seu tratador, chegando a distinguil-o pe- los passos, e saudando-o com os seus gor- geios cada vez que o vê. Muitos factos se citam para comprovar esta assevera- ção. Lemoine fala d'um rouxinol que dei- xou de comer, não podendo por ultimo ter-se em pé, por não ver a sua trata- dora durante alguns dias; tão depressa, porém, ella lhe appareceu, reanimcu- se, acceitou o comer que lhe apresen- tou, e em vinte e quatro horas estava restabelecido. AVES — A TUTINEGRA REAL 85 A TUTINEGRA REAL Motacilla atricapilla, de Linneo— La fauvelte à tête noir dos francezes No nosso paiz encontram-se diversas especies de tutinegras, todas notaveis como passaros cantores, avantajando-se- lhes a tutinegra real. Pode dizer-se que o seu canto rivalisa com o do rouxinol. A tutinegra real tem as costas pardas annegradas, o ventre pardo claro, a gar- ganta parda esbranquiçada, o alto da cabeça negro carvão, bico negro, pés pardos tirantes a côr de chumbo. Mede 0",16 de comprimento. A femea tem o alto da cabeca trigueiro ruivo e dimen- sões eguaes ás do macho. Habita nos arvoredos e é raro vel-a pousada no solo. O seu alimento com- põe-se de insectos, larvas e lagartas, que encontra nas folhas das arvores, e no ou- tono das bagas d'alguns arbustos. Cons- true o ninho nas sarças e nos arbustos, a pequena altura do solo, de hervas sec- Gr. n.º 303 — O gallo da serra cas, forrando-o de folhas e crinas no in- terior, onde a femea põe de quatro a seis ovos, côr de carne e salpicados de vermelho. Os paes cuidam alternadamente da in- cubação, e criam os filhos com a maior sollicitude. A tutinegra pode conservar-se em gaiola, e torna-se um dos passaros mais agradaveis pelo seu canto. Para muitos é ella superior ao rouxinol, ou- vida no interior das habitações: o canto prolonga-se além do do rouxinol, as no- tas são mais suaves, variadas, e ferem menos o ouvido. 9 Todas as tutinegras reaes facilmente se tornam mansas, conhecendo o dono e saudando-o com os seus gorgeios mais alegres. Brehm diz haver conservado uma onze annos e outra nove, accrescen- tando que são faceis de crear, não care- cendo de alimentação tão escolhida como os rouxinoes, e refere-se a alguem que as sustentava de pão, que se davam excel- lentemente. Um escriptor que traduziu as obras de Bechstein, ornithologista distincto, conta o seguinte d'uma tutinegra que possuiu: «No inverno tinha-a na estufa, e habitua- VOL. HI 86 MARAVILHAS DA CREAÇÃO ra-a a dar-lhe, todas as vezes que alli ia, um verme de farinha. De tal modo se acostumara a este mimo, que mal me via entrar vinha pousar perto da caixa onde eu guardava os bichinhos. Se fazia de conta que a não via, voava e vinha pas- sar exactamente por debaixo do meu na- riz, voltando em seguida para o seu pouso; teimando eu em não attendel-a repetia o manejo e dava-me com as azas, não se accomodando, finalmente, sem que lhe desse a appetecida iguaria.» Existem na America, ao sul da Asia e na nova Hollanda, diversos generos de passaros, formando uma familia a que os francezes appellidam pipridés, genero Pipra de Linneo, em geral formada de individuos de acanhadas dimensões, ha- vendo todavia alguns que attingem o ta- manho do pombo commum ; todos, po- rém, notaveis pela plumagem sedosa, ri- queza e brilho das córes que os ornam. Faremos menção d'algumas especies. O GALLO DA SERRA Rupicola) crocea, de Linneo — Le rupicole orangé, dos francezes E a especie mais conhecida do genero Rupicola. Tem este passaro e seus con- generes o corpo refeito, azas compridas e obtusas, cauda curta e larga, tarsos robustos, dedos com unhas rijas e longas; a plumagem da cabeça ergue-se forman- do uma poupa longitudinal, em forma de semi-circulo. E um dos mais bellos passaros da America meridional. A plumagem é ama- rella alaranjada clara, as pennas da crista bordadas de vermelho purpura es- curo, as coberturas das azas, as remiges e as rectrizes trigueiras avermelhadas, as ultimas franjadas de amarello e ma- lhadas de branco no centro; bico ama- rello desvanecido, pés côr de carne. Es- tas córes pertencem ao macho, que me- de 07,33 de comprimento; a femea é mais pequena. Esta especie encontra-se no Brazil. Vamos transcrever da narração de R. Schomburgk algumas linhas, que servirão para referir uma das circumstancias mais singulares do viver d'estes passaros, que parece terem decidido gosto pela arte choregraphica. «... O bando inteiro dispunha-se a dar começo ao baile sobre um enorme rochedo, e não posso exprimir o prazer que Live ao ver-me, finalmente, em pre- sença de tal espectaculo, de ha muito desejado. Em volta, nas sarças, havia pelo menos uns vinte espectadores, ma- chos e femeas, e no rochedo só estava um macho, que, percorrendo-o em todas as direcções, executava os mais surpre- hendentes movimentos. Tão depressa entreabria as azas, inclinando a cabeça successivamente para ambos os lados, escarvando o chão com os pés, e sal- tando mais ou menos ligeiramente no mesmo logar, como, abrindo a cauda em leque, caminhava todo ufano, a passo grave, em torno do rochedo; finalmen- te, fatigado, soltou um grito nada simi- lhante aos que dava habitualmente, e voou indo pousar n'um ramo vizinho. A este macho seguiu-se oulro, que da mesma forma fez prova de toda a sua graça e agilidade, acabando, por seu turno, por ceder o logar a um terceiro.» As femeas, no dizer do mesmo escriptor, assistiam gostosas ao espectaculo, e até mesmo applaudiam os artistas com a voz aos vel-os retirar fatigados. Estas dansas podem comparar-se, na opinião de Brehm, aos combates dados entre os machos d'outras aves, e umas e outros executam-se em homenagem ás fe- meas. Estes passaros vivem de fruclos, e no dizer de Humboldt podem conservar-se captivos. O TINGARÁ TIE-GUAÇU Pipra pareola, de Linneo — Le manakin huppé, dos francezes Do genero Manacus vivem na America muitas especies. Citaremos d'ellas o tie- guacu, um lindo passaro de 07,13 de comprimento, preto carvão com as cos- tas azul celeste, a cabeça ornada com uma poupa aforquilhada vermelha viva, bico negro, pés amarellos. É commum no Brazil. Vive nas florestas, alimentando-se de fructos. OS FISSIROSTROS Os passaros d'este grupo caracterisam- se pelo bico pequeno, curto, achatado horisontalmente, e muito rasgado. São essencialmente insectivoros. Dos habitantes alados da terra nenhum conseguiu fixar tão singularmente a at- tenção do homem como a andorinha, e como ella conquistar tão larga estima, a AVES— AS ANDORINHAS 87 ponto de a considerarem inviolavel em quasi todos os paizes e até mesmo sagrada. E' provocar infortunios o maltratal-a, bom presagio vel-a aninhar nas nossas habitações. Se todas as superstições, na verdade, fossem innocentes como esta, e dessem tão sympathicos e uteis resultados, nada se ganharia em destruil-as; quanto mais que sagrados nos devem ser todos os animaes que, á imitação da andorinha, só proveito dão ao homem. Em primeiro logar citaremos as espe- cies que frequentam o nosso paiz, e ou- tras notaveis que se encontram em di- versas partes do globo, deixando para ultimo logar o descrever os seus habitos geraes e particularidades mais dignas de menção, com referencia a cada especie. As andorinhas são pequenas, elegantes, peito largo e cauda aforquilhada, bico curto e chato, mandibula superior le- vemente recurva na ponta, bocca ras- gada até aos olhos; os tarsos são muito curtos e delgados, os dedos franzinos, as azas compridas e pontudas. A ANDORINHA DAS CHAMINÉS Hirundo rustica, de Linneo— L'hirondelle de chaminée, dos francezes As partes superiores do corpo, frente, lados do pescoço, e alto do peito são negros Gr. n.º 304 — 4. O andorinhão, 2 A andorinha das casas. azulados, o resto do peito e abdomen arruivados, fronte e garganta trigueiras acastanhadas, cauda muito aforquilhada, e n'esta todas as pennas, á excepção das duas medianas, teem uma malha branca nas barbas internas; bico negro, pés tri- gueiros. Ha variedades todas brancas e outras arruivadas. Mede 07,18. E" frequente no nosso paiz. A ANDORINHA DAS CASAS Hirundo urbica, de Linneo — I"hirondelle de fenêtre, dos francezes Plumagem negra lustrosa com reflexos azulados nas partes superiores, branca nas inferiores e no uropigio, pennugem rara e branca nos tarsos e nos dedos, bico negro. Commum no nosso paiz. A ANDORINHA DAS ROCHAS Hirundo rupetris, de Linneo — L”hirondelle de rocher, dos francezes. Parda cinzenta na parte superior, azas e cauda negras, rectrizes malhadas de branco amarellado, garganta esbranqui- cada, peito e baixo ventre pardos arrui- vados sujos, bico negro, pés avermelha- dos. Mede 0”",15 a 07,16 de comprimento. Commum no nosso paiz. A ANDORINHA ARIEL Chelidon ariel, de Gould —L'hirondelle ariel, dos franvezes Costas azues escuras, cabeca côr de ferrugem, uropigio branco amarellado tirante a pardo, ventre branco, azas e cauda trigueiras escuras, tarsos pardos 88 MARAVILHAS DA CREAÇÃO A atrigueirados, bico negro. 0",8 de com- primento. Esta especie, congenere da andorinha das janellas, é a representante do genero Chelidon na Australia, onde vive, sendo notavel, como mais tarde veremos, pela forma de construcção do ninho. O ANDORINHÃO * lHirundo apus, de Linneo — Le martinet de muraille, dos fruncezes Esta especie pertence ao genero Cypselus que os naturalistas incluem n'uma fami- ver Gr. n.º 305 — Ninho curo e pés negros. Medem, aproximada- mente, 0,” 19 de comprimento por 0,”45 d'envergadura. O andorinhão é frequente no nosso paiz. A ANDORINHA SALANGANA Hirundo esculenta, de Linneo.—La Salangana, dos francezes Esta especie, do genero Collocalia, per- tence á familia da antecedente. Mede a salangana de 0,7 43 à 0,” 14 de com- primento, tem o corpo trigueiro escuro por cima e trigueiro claro por baixo, azas e cauda annegradas, uma malha branca adiante dos olhos. Habita na Asia meridional, 1 Este passaro é conhecido em Portugal pelos seguintes nomes : Andorinhão, Gaivão, Ferreiro, Guincho, e Zirro (Cat. do Mus. de Coimbra), lia diversa da das andorinhas, e das quaes, embora com ellas tenha analogia no todo, se separa por caracteristicos diversos. O andorinhão tem os tarsos muito cur- tos, cobertos de pennugem até aos dedos, azas muito longas que excedem a cauda em comprimento, bico pequeno muito largo na base, cauda aforquilhada. Os individuos da especie citada teem a plu- | magem trigueira annegrada, similhante á fuligem, com reflexos esverdeados, gar- ganta branca cinzenta, bico trigueiro es- da andorinha ariel Adiante falaremos das circumstancias que tornam notavel esta especie. ; O ar é o verdadeiro elemento da an- dorinha; e prodigiosas são a facilidade e rapidez com que voa. A sua exis- tencia é um vôo constante: voando co- me, bebe, e banha-se; até mesmo ali- menta os filhos quando elles ensaiam os seus primeiros vôos. E' vêl-as subir e descer, desenhando curvas que se cru- zam em todas as direcções, e subitamen- te moderar a rapidez do vôo na sua maior intensidade, para seguir os insectos alados, de que se alimentam, no seu gyro caprichoso. E” tal a velocidade com que vôam, que especies ha podendo andar trinta leguas n'uma hora. Se possuem em alto grau a faculdade de voar, são inhabeis a andar : as pernas NES VENENO E E RS YO EANES CIBELE NE GRE iNEAL SE “"BOQSIT “Boy juemol|ey Jod ossordury OVÍVEINO VA SVHTIAVAVIN sssesesessccsmcmsmsiimHmmasma ] À AVES — AS ANDORINHAS 89 curtas mal as deixam mover, e se por aca- so pousam no solo teem difficuldade de levantar o vôo. Em troca a vista é tão apurada, que em nada cede à do falcão ecáda aguia. No dizer de Spallanzani, que fez experiencias repetidas e rigorosas com estes animaes, o andorinhão enxerga a formiga alada atravessando o espaço á distancia de cem metros ! As andorinhas são celebres pelas emi- grações. Arribam á Europa nos primeiros dias de primavera, isoladas ou quando muito acasaladas, occupando-se mal che- gam de reparar os ninhos antigos ou construir novos se aquelles foram destrui- dos. Com ellas veem as que nasceram no anno antecedente, e que pela primeira vez aninham na Europa. Por mais extraor- dinario que pareça, depois de seis mezes d'ausencia, que estas aves voltem ao an- tigo domicilio, sem erro ou troca, não é possivel deixar de acreditar o facto, porque as provas abundam para não permittirem sequer a duvida. (Figuier). «A andorinha das chaminés volta sem falta, todos os annos, á casa que pela primeira vez lhe serviu de asylo, arri- bando na primavera com a pequena fita de seda vermelha que no outono an- tecedente lhe prenderam aos pés. Tres vezes me servi d'este innocente meio pa- ra as minhas experiencias: das duas primeiras vi chegar os machos e as fe- meas aos seus respectivos ninhos trazen- do a prova incontestavel da sua identi- dade; á terceira não voltaram, morte na- tural ou violenta as surprehendera no ca- minho. Estas experiencias, tão curiosas e inte- ressantes, provam que as andorinhas não só voltam ao seu primeiro ninho, como tambem que as nupcias ahi celebradas são nó indissoluvel que prende o macho á fe- mea por toda a vida». (Spallanzani). «Conta-se que um sapateiro, morador em Bále, na Suissa, poz uma colleira em volta do pescoco duma andorinha, e na colleira escrevera— «Diz-me, bella andori- nha, onde vaes passar o inverno ? Na prima- vera seguinte, pelo mesmo correio, recebia a seguinte resposta : Em Athenas, em casa de Antonio; para que o desejas saber ? — (Chenu). «A forma do ninho e o logar onde o construe variam segundo as especies. À andorinha das chaminés forma o ninho nas paredes interiores das chaminés ; a andorinha das casas, sob as beiras dos telhados. Outras estabelecem-n'o nos tron- cos das arvores seccas, ás vezes numero- sos. Audubon calcula em onze mil os ninhos que teve ensejo de observar, n'um grande sycomoro, perto de Louisville. Ha andorinhas que os edificam nas fendas das rochas, ou nas abobadas das cavernas. De ordinario o ninho é feito de terra amassada com palha, e forrado no inte- rior de pennugem ; assim o construem a andorinha das chaminés e a andorinha das casas. O andorinhão forma-o de pe- dacinhos de madeira arrancados aos ra- mos seccos das arvores, e collados com auxilio de certo humor viscoso que lhe corre da bocca. A especie andorinha ariel dá ao ninho a forma duma garrafa com o gargalo dilatado, c prende-o pelo fundo nos sitios mais inaccessiveis. (Gr. n.º305). Terminada a construcção, fructo d'um mez de trabalho, a femea põe de quatro a seis ovos, e faz duas ou tres posturas por anno. Dura a incubação doze ou quinze dias, durante os quaes o macho dá provas da mais terna sollicitude á sua com- panheira , trazendo-lhe o alimento ao ninho, passando a noite a seu lado, e a todo o instante chilrando como que para lhe adocar os amargores da maternidade. Nascidos os pequenos,. rodeiam-n'os os paes dos carinhos necessarios a entes tão franzinos, e dão-lhes provas de notavel affeição, alimentando-os durante o tempo que se conservam no ninho; chegada a 0c- casião de os abandonarem, são ainda os paes que lhes guiam os primeiros adejos, e lhes ensinam a perseguir o insecio no ar. Boerhaave cita uma andorinha que, na volta d'uma excursão, viu a casa onde tinha o ninho ser pasto das chammas, e sem hesitar passou atravez o incendio para ir ao logar onde tinha os filhos le- varlhes o alimento» (Figuier). Muitas pessoas presencearam o seguinte facto, em Paris, em julho de 1843, por occasião das exequias do duque d'Orleans. As andorinhas que haviam feito o ni- nho nos capiteis das columnas, cobertos pela armação de lucto que guarnecia os porticos, não sabiam o modo porque ha- viam de passar para irem levar o sustento aos filhos. e andavam na maior agitação batendo d'encontro aos pannos. Todos que observavam o facto tinham uma palavra de compaixão para os pobres paes. Durou isto parte do dia, até que final- mente, dando-lhes animo os queixumes dos pequenos, aguilhoados pela fome,hou- 90 MARAVILHAS DA CREAÇÃO ve uma que se atreveu a passar por uma estreita fisga entre dois pannos. Uma vez encontrada a passagem todas por ella se introduziram, e nos dias seguintes, em quanto a armação esteve na egreja, foi por ahi que passaram sem a mais leve he- sitação.» (Brehm). «Em extremo sociaveis, estes passaros reunem-se em grupos numerosos, pare- cendo unil-as profunda afeição, e auxi- liando-se mutuamente em cireumstan- cias difficeis. «Vi, conta Dupont de Nemours, uma andorinha que tivera o infortunio de ficar presa a um cordel, que pendia d'uma goteira do telhado do collegio das Qua- tro Nações; introduzira, não sei como, a perna no nó corredio dado na extre- midade do cordel. Baldados foram to- dos os esforços feitos para soltar-se ; gri- tava dependurada, e por vezes tentando voar erguia-se até onde o cordel lh'o permittia. As andorinhas que habitavam todo o vasto espaço comprehendido entre a ponte das Tulherias e a Ponte Nova, e talvez ainda de mais além, haviam-se re- unido. Era uma nuvem formada por muitos milhares d'estas aves, e todas soltavam o grito d'alarme. As que estavam mais pro- ximas vieram, por ultimo, umas atraz das outras, como no jogo das argolas, dar uma bicada no cordel, sem nunca inter- romperem o vôo; succedendo-se as bica- das sempre no mesmo logar, com inter- vallos d'um segundo ou menos, em meia hora o cordel foi cortado, e a pobre ca- ptiva recuperou a liberdade. Linneo conta outro facto que prova evidentemente até onde alcança o espirito de confraternidade d'estas aves. Quando as andorinhas das casas, na primavera, regressam aos ninhos, encontram-n'os, por vezes, occupados pelos pardaes. A legitima proprietaria, assim privada de entrar na sua casa, faz todos os esforços para alli introduzir-se, o que nem sempre consegue, e n'este caso pede auxilio ás companheiras, e todas veem pôr cerco ao intruso. Se resiste, entrincheirado como está na fortaleza, elas então trazem no bico a terra amassada, e fecham a en- trada da cidadella, que assim se transfor- ma em tumulo do usurpador. De ordinario é no mez de setembro que asíandorinhas nos deixam, para irem em busca de temperatura mais amena e de alimento mais abundante.» (Figuier). «A partida das andorinhas, no outono, não se effeitua da mesma fórma que a chegada, na primavera. Arribam isoladas ou aos pares, vindo todos os dias um certo numero, que assim vae crescendo; a partida, ao contrario, é feita d'ordinario aos bandos ! Quando os individuos d'uma certa area sentem a necessidade de emigrar, vêéem- se mais agitados do que é costume e são mais frequentes os gritos com que se cha- mam; tendem a formar-se em grupos e a foliarem no ar, e reunem-se repeti- das vezes ao dia nos telhados, ou nos ra- mos seccos das arvores. À sua agitação, os gritos e estes exercicios diarios, são in- dício certo de que a partida está proxima; até que, finalmente, chegado o dia de rea- lisar-se a marcha, todos, levantando o vôo a um tempo, remontam vagarosamente a grande altura, em voltas successivas e sempre gritando. As andorinhas teem por fim, elevando-se por esta fórma, desco- brirem horisonte mais vasto, e mais facil- mente marcarem o caminho que devem seguir. A partida effeitua-se a qualquer hora do dia, toda a vez que o tempo e o vento sejam favoraveis, preferindo, po- rém, a tarde... E" certo que a andorinha das chaminés e a andorinha das casas descançam du- rante a viagem, e não é raro em se- tembro e outubro, na epoca da emi- gracão, surprehendel-as ao despontar o dia nas mattas onde pernoitam. Todos que na epoca da partida das andorinhas viajam pelo Mediterraneo sa- bem quanto é commum vêl-as fatigadas virem descançar na mastreação dos na- vios... Por longo tempo a viagem das ando- rinhas foi segredo para os naturalistas : Qual era o seu destino ? D'onde vinham? Hoje deixou de ser difficil o responder a estas interrogações. As especies que arri- bam aos nossos paizes passam regular- mente todos os annos pelas ilhas do Ar- chipelago, vindo da Africa para a Europa ou indo da Europa para a Africa. As an- dorinhas das chaminés vão até ao Sene- gal, onde Adanson as viu chegar alguns dias depois de partirem da Europa (Gerbe). «E fóra de duvida que a andorinha possue a faculdade de cair em lethargia durante o inverno, á imitação dos ani- maes hibernantes, despertando tão de- pressa a temperatura elevando-se as col- AVES — O NOITIBÓ 91 loque em condições normaes d'exislen- cia» (Figuier). As andorinhas em geral não vivem ca- ptivas, posto que não seja impossivel con- serval-as engaioladas, tratando-as com mui- to esmero Brehm diz ter visto muitas que viveram annos engaioladas, recebendo ali- mento egual ao que se dá aos rouxinoes. O leitor terá ouvido dizer mais d'uma vez que, entre os manjares exoticos que figuram na mesa dos chins, é tido como um dos melhores os ninhos de andorinhas. A andorinha salangana fornece tão appe- tecido manjar. Diversificam as opiniões ácerca dos materiaes com que a salangana fórma o ninho: querem uns que seja feito de substancias animaes,— ovas de peixe que em certa época cobrem a su- perficie do mar n'aquellas paragens, — outros que de substancias vegelaes, — certas plantas marinhas communs n'aquellas regiões. O ninho é construido no interior das grutas cavadas nos roche- dos á beira mar, sendo difficil e arriscado apanhal-o. Não obstante o subido preço d'estes ninhos, os chins consomem-n'os em grande quantidade, considerando-os como um grande reparador das forcas exhaustas pela doença, ou por excessos de qualquer natureza. Ainda hoje. diz Brehm, estes ninhos se pagam tão caros como ha muitos se- culos; no dizer dos viajantes, a China importa muitos milhões d'elles, que re- presentam o valor de 300.000 libras es- terlinas. Os chins separam-n'os em muitas qualidades, ec pagam-n'os por sommas realmente fabulosas. Gr. n.º 306 — O noitibô O NOITIBÓ Caprimulgus europeus, de Linneo.— L'engoulevent, dos francezes Pertence esta especie a uma familia de passaros, que está para as andorinhas como as aves de rapina nocturnas para as diur- nas. São aves tristes e solitarias, dormin- do de dia, e abandonando só depois do occaso do sol os seus retiros para irem á caça dos insectos crepusculares e noctur- nos. Os naturalistas distinguem n'este grupo dos Caprimulgidae muitos gene- ros, que habitam as diversas partes do globo. Os noitibós teem o corpo alongado, pescoco curto, cabeca grande e larga, bico curto e mais rasgado do que o das andorinhas, tarsos curtos, delgados, to- dos ou em parte cobertos de pennugem. Na physionomia e na plumagem sedosa e macia assimilham-se às aves nocturnas. A especie da nossa epigraphe mede 0r,28 de comprimento por 0”,58 d'en- vergadura. E um passaro cinzento na parte superior do corpo, com manchas, riscas e salpicos trigueiros, negros e amarellos arruivados; as partes inferiores pardas claras, com salpicos e riscas negros e trigueiros escuros, duas riscas esbran- quicadas uma por cima dos olhos outra ao longo da abertura boccal; as tres pri- meiras remiges malhadas de branco nos machos e de amarello nas femeas, as duas rectrizes do centro pardas cinzen- tas com riscas negras, as outras arruiva- das e malhadas de preto, com uma man- cha branca na extremidade. «A maneira que os ultimos raios do sol se perdem no horisonte, o noitibó 92 MARAVILHAS DA CREAÇÃO começa despertando, alisa a plumagem, olha em roda de si, e em seguida levantando o vôo percorre os sitios da floresta menos cerrados e as clareiras. Assim vôa toda a noite, com o bico muito aberto, e a presa que uma vez lhe entre na bocca não pode escapar-se, fi- cando collada à saliva viscosa que lhe humedece o interior. O noitibó, á maneira da andorinha, é um passaro util, destruindo grande nu- mero de insectos, taes como os besouros, as moscas, os escaravelhos, os grilos, as sephinges e as líbellinhas. Não construe ninho; a femea põe os ovos no solo, em sitio escuso, sobre um tronco d'arvore coberto de musgo, ou n'um massiço de verdura. Audubon conta o seguinte curioso facto, ácerca do modo como uma especie de noitibós da America esconde os ovos, facto de que foi testemunha. «Tão depressa o noitibó, o macho ou a femea, conhece que lhe tocaram nos ovos, eriça a plumagem e fica por mo- mentos como que profundamente des- animado. Solta em seguida um leve mur- murio, apparecendo o companheiro sem demora, quasi que rocando com as azas no chão. Depois de alguns gritos, pega um com a bocca n'um dos ovos, o outro noitibó imita-o, e ambos voando com o maior cuidado, perto do solo, desappa- recem entre o matto. Só procedem assim se alguem lhes toca nos ovos, porque se o homem apenas se aproxima sem lhes bolir, deixam-n'os ficar». E' muito difficil, mas não impossivel, crear os noitibós em gaiola, apanhando-os pequenos no ninho. Gr. n.º 307 — À calhandra OS CONIROSTROS Os passaros d'este grupo distinguem-se pelo bico vigoroso, mais ou menos co- nico, sem chanfradura. São geralmente granivoros, e algumas especies excepcio- nalmente insectivoras ou carnivoras. O COCHICHO Alauda calandra, de Linneo — La calandre ordinaire, dos francezes Esta especie, muito commum no nosso paiz, do genero Melanocorypha, é forma- da por um passaro de bico vigoroso com- primido lateralmente, azas muito longas, cauda curta, tendo a unha do dedo pollegar muito comprida; mede 0", 19 a 07,22 de comprido por 07,414 a 07,47 d'enverga- dura. E' ruivo avermelhado nas partes supe- riores do corpo com malhas negras, branco amarellado desvanecido nas infe- riores, com malhas longitudinaes tri- gueiras no peito, uma malha negra de cada lado do pescoço, e a ultima rectriz quasi inteiramente branca. ; O cochicho de ordinario habita nos campos cultivados, correndo sobre o solo, e vivendo com a femea na epoca das nu- pcias. Construe o ninho geralmente sob um torrão, entre o trigo, sempre n'al- guma cavidade, grosseiramente feito de talos e de raizes seccas. A femea põe de quatro a cinco ovos, brancos ou brancos amarellados com salpicos e manchas trigueiras, amarellas ou pardas. É geralmente conhecido este passaro como um dos melhores passaros cantores, possuindo a mais o dom de imitar o canto das outras aves, e até mesmo as vozes d'alguns quadrupedes. E” muito vulgar entre nós ver o co- chicho engaiolado, posto que a voz seja forte em demasia para poder ser ouvida no interior das habitações. Os AVES — À CARREIROLA A COTOVIA E A CALHANDRA 93 cochichos que se querem crear apanham- se ainda novos, ao abandonarem o ninho, antes da primeira muda, dando-se-lhes a principio coração de carneiro cortado miudo, em seguida sementes, migalhas de pão, tendo o cuidado de lhes conser- var na gaiola um pedaço de caliça para aguçarem o bico, e arcia fina onde possam espojar-se á vontade. Ligam-se-lhe as azas ou forra-se a gaiola por dentro para evitar que se maltratem contra as grades, porque a principio são bravios, e só mais tarde amansam, habituando-se ao captiveiro. Então cantam seguidamente, calando-se apenas na epoca da muda. A CARREIROLA Alauda brachydactyla, de 'Temminck — La calandrelle, dos francezes Esta especie tem o bico menos volu- moso do que o do cochicho, e a unha do dedo pollegar relativamente mais curta. E cinzenta arruivada, malhada de tri- gueiro nas partes superiores, nas inferio- res branca, mais ou menos tirante a ruiva Gr. n.º 308 — À cotovia de poupa no peito e nas ilhargas, com malhas tri- gueiras por baixo e ao lado do pescoço; remiges trigueiras bordadas de ruivo claro, rectrizes egualmente trigueiras e as duas mais externas em grande parte coloridas de branco e de ruivo, bico tri- gueiro, pés avermelhados. Mede 0,714 de comprimento. E commum no nosso paiz. A COTOVIA DE POUPA Alauda cristata, de Linneo.-—Le cochevis huppé, dos francezes “Caracterisa-se principalmente esta espe- cie pela existencia d'uma poupa no alto da cabeça.A cotovia de poupa é parda cinzenta por cima, branca tirante a arruivada por baixo, com malhas annegradas por de- baixo do pescoço, no peito e aos lados; remiges e rectrizes trigueiras arruivadas, as rectrizes lateraes annegradas e as duas primeiras dos lados bordadas de ruivo por fóra; bico trigueiro, pés pardos. Mede 0,718 de comprimento. Frequente no nosso paiz. A COTOVIA Alauda arborea, de Linneo, — Lºalouette lulu, dos francezes, Mede quando muito 0,"17 de compri- mento. As partes superiores são trigueiras annegradas e ruivas, com a cabeça cer- cada d'uma especie de fita esbranquiçada; partes superiores brancas amarelladas, ti- rantes a ruivo, e malhada de côr escura no pescoço, nc peito e nos lados; remi- ges negras e bordadas de ruivo, rectrizes trigueiras bordadas de côr arruivada, as dos lados franjadas de branco, sendo a mais externa parda trigueira; bico tri- gueiro, pés avermelhados. E” menos frequente no nosso paiz do que as especies antecedentes. A CALHANDRA OU LAVERCA Alauda arvensis, de Linneo,— L'alouette des champs;, dos francezes. Tem as costas pardas aloiradas, ventre esbranquicado, cabeça malhada de tri- gueiro, lados cortados de riscas longitudi- naes negras; a ultima rectriz dos lados e as barbas externas das duas seguintes brancas; bico pardo azulado, pés averme- lhados. E” commum no nosso paiz. Todas estas especies vivem nas gran- des planicies descobertas, de preferencia nas searas, distinguindo-se facilmente pelas unhas do dedo posterior, direitas, ou quasi direitas, longas, n'algumas es- pecies excedendo o dedo em compri- mento. Caminham facilmente pelo solo, sem saltitarem, transpondo rapidamente dis- tancias consideraveis. Alimentam-se de vermes, de lagartas, d'ovos de formigas, de aranhas, finalmente de todos os insectos tenros que encontram na terra, prestando d'este modo importantes serviços á agri- cultura. Tambem comem sementes. Em geral o canto d'estes passaros é 94 MARAVILHAS DA CREAÇÃO mais ou menos agradavel, pois até mesmo os que não cantam bem dão uns gritos que não ferem o ouvido, distinguindo-se entre todos, como cantor, a cotovia. Ani- nham no solo, n'um rego, entre dois tor- rões, construindo o ninho tosco, mas occultando-o quanto possivel dos seus ini- migos. A femea põe de cada vez qua- tro a seis ovos, fazendo tres posturas no anno, se a estação lhe corre favoravel. Depois de quinze dias de incubação nas- - jà podem sair do ninho, continuando a mãe a velar por elles, não se affastando para longe, e abandonando-os completa- mente só quando os cuidados d'uma nova ninhada a obrigam. «Apenas uma fita esbranquiçada indica no horisonte que a aurora vae raiar, já a calhandra, de pé sobre um torrão, solta o canto. Desponta o dia, e eil-a que le- vanta o vôo a grande altura, saudando o sol que nasce. Apenas um quarto de hora cem os pequenos, e passado periodo egual | antes do occaso do sol se calam estas REGr. n.º 309 —'Ninho aves, custando a perceber como lhes resta tempo para se occuparem da alimenta- ção» (Neumann). A calhandra é de todas as especies acima citadas, do genero Alauda, a que mais facilmente se habitua a viver captiva. Se a encerram n'uma gaiola grande pode ahi viver tres ou quatro annos, até mais, tornando-se agradavel pelo canto e tão docil que em pouco tempo conhece o dono e affeicoa-se-lhe. do chapim pendulinoZ' Ea Existe uma familia de passaros deno- minada pelos naturalistas francezes pari- dês, genero Parus de Linneo, rica em especies, que. se encontram na Europa, Asia, Africa e America septentrional. São pequenos passaros cantores, de corpo refeito, bico curto, direito e delgado, guarnecido na base de pellos, tarsos e pés grossos, unhas grandes e curvas, es- pecialmente as dos dedos pollegares, azas curtas e arredondadas, cauda comprida. Muito similhantes uns aos outros nos ca- racteres physicos e nos habitos. AVES — O CHAPIM 95 O CHAPIM Parus major, de Linneo — La mésange charbonniêre, dos francezes. Esta especie é a maior da familia, medindo o macho O, 16 de comprimento por 0,” 25 d'envergadura. E' verde azeitona nas costas, com o ventre amarello desvanecido; o alto da cabeça, a garganta, uma risca no meio do ventre e uma faxa circular em volta do pescoco negras ;.os lados da cabeca e uma linha sobre os olhos brancos ; remi- ges e rectrizes pardas azuladas, bico negro, pés itrigueiros tirantes a cór de chumbo. E” commum no nosso paiz. A MEGENGRA Parus ceruleus, de Lisneo. — La mêsange blue, dos francezes Tem as costas azeitonadas, cabeca, azas e cauda azues, remiges secundarias fran- jadas de branco, ventre amarello, o alto da cabeça rodeado por uma risca branca, faces brancas, no pescoço uma colleira azulada, bico negro e pés pardos tirantes a côr de chumbo. Mede 0,” 12 de compri- mento por 0,” 20 d'envergadura. Existe uma variedade com as azas e a cauda trigueiras. E” frequente no nosso paiz. O FRADINHO Parus caudatus, de Linneo.—La mésange a long queue, dos francezes, Especie do genero ÓOrites, dos moder- nos naturalistas, careterisado principal- mente pela cauda muito longa e um pouco aforquilhada. Tem o centro das costas negro, a ca- beca branca, o ventre branco arruivado, azas negras, as remiges secundarias bor- dadas de branco, as rectrizes negras, tendo as tres mais externas malhas brancas ; bico e pés negros. Mede 0,716 de com- primento por 0,” 214 d'envergadura, per- tencendo á cauda 0,710. Encontra-se em Portugal. O CHAPIM PENDULINO Parus pendulinus, de Linneo—Ia mésange remiz, dos francezes Especie do genero Remiz. Tem a parte superior da cabeca, pescoço e garganta brancos, a parte superior das costas e cen- tro ruivos claros, peito e ventre pardos com tons arruivados, fronte e face ne- gras, remiges e rectrizes annegradas fran- jadas de branco arruivado; bico negro e pés pardos tirantes a côr de chumbo. Habita na Europa, encontrando-se na Polonia, em França e na Italia. Todos os passaros da familia a que acima nos referimos, a que pertencem as especies citadas e outras, não obstante a sua pequenez e fraqueza apparente, são vivos e corajosos como poucos. A audacia, petulancia, coragem e instincto de sociabilidade tornam notaveis estas aves. Richosos até mais não, os chapins não perdem occasião de dar largas aos seus instinctos bellicosos, atacando os seus similhantes e mesmo outros passaros maiores, até deital-os de costas, e enter- rando-lhes as unhas no ventre ou no peito, abrem-lhes o craneo ás bicadas para de- vorar-lhes o cerebro. Em continuado movimento, saltan:t» de ramo em ramo, trepando pelos troncos das arvores, até mesmo pelas paredes, segurando-se de Lodas as fórmas, mui- tas vezes com a cabeça para baixo, não lhes escapa o mais pequeno insecto que se esconda na casca das arvores, esqua- drinhando minuciosamente as mais es- treitas fendas em busca dos vermes, dos insectos, e dos ovos d'estes. Variam de alimento estes passaros se- gundo as circumstancias, porque o seu regimen umas vezes é granivoro, outras insectivoro e até mesmo carnivoro. Comem sementes e fructos, seguran- do-os com as unhas e comendo-os aos bocados; devoram os insectos sem mesmo exceptuar as abelhas e as vespas; e como já vimos matam outros passaros, princi- palmente os que encontram fracos ou doentes, para devorar-lhes o cerebro. Ha especies para as quaes o sebo ou a gordu- ra rançosa é um dos melhores manjares. No inverno teem meio de apanhar as abelhas que se escondem nos cortiços. Aproximam-se da entrada e batem de en- contro ás paredes. Interrompe-se a tran- quillidade que reina no interior da ha- bição, e não tarda que algumas das moradoras saiam para castigar o intruso que se atrevera a perturbal-as. A primeira que apparece é agarrada pelo chapim, que vae comel-a para um ramo proximo, e que, segurando-a com os pés, devora-a. O frio obriga as abelhas a recolherem-se, mas o chapim volta a bater-lhes á porta, e ou- tra victima tem sorte egual á primeira. 96 MARAVILHAS DA CREAÇÃO A posição do ninho varía segundo as especies. O chapim aninha n'um buraco, a maior ou menor altura do solo, na borda dum muro e de preferencia nos troncos carcomidos das arvores; por ve- zes serve-lhe o ninho abandonado da gralha ou da pega. Construe o ninho com pouca arte. A femea põe de oito a qua- torze ovos, brancos, ruivos ou averme- lhados claros. Se o tempo é favoravel faz duas posturas. A megengra construe o ninho alto, na cavidade d'um tronco, e forra-o de pello e de pennugem. A femea põe oito a dez ovos, pequenos, brancos, salpicados de côr de ferrugem. O ninho do fradinho é mais artistico : tem fórma ovoide, com a abertura no alto dum dos lados; por fóra é feito de musgo com teias d'aranha e cober- to de lichens, dos involucros das chry- | salidas, da casca das arvores, e no in- terior tapisado de pennugem, lã e pellos. O ninho é feito nas arvores, e construi- do de fórma que se confunda com o tronco, tendo a apparencia e a côr da casca que reveste este. O chapim pendulino é de todos os pas- saros da Europa o que construe o ninho com mais arte, fixando-o pela extremi- dade superior a um ramo delgado e que se bifurque, geralmente suspenso sobre a agua. A nossa gravura n.º 309 melhor póde servir para dar a conhecer a fórma d'esta curiosa construcção, de 0,"16 a 0,722 de altura por 0,"11 a O,”14 de dia- metro, a um dos lados da qual está a entrada similhante ao gargalo duma garrafa, umas vezes feita horisontalmente outras obliquando para baixo. E tecido da felpa dos vegetaes, de musgo, pellos e lã, tudo collado com a saliva: uma ver- dadeira obra d'arte. A femea põe 7 ovos. Todas as especies de passaros da fami- lia dos chapins acima citadas são faceis de conservar captivas. O chapim não só se habitua com a maior facilidade a viver engaiolado, como tambem se torna do- cil; e, convencido que o homem lhe não quer mal, é dos passaros mais confian- tes, e que mais promptamente se habitua a vir comer á mão do tratador. Do genero Emberiza de Linneo, rico em especies, frequentam o nosso paiz al- gumas que em seguida vão descriptas. Os passaros d'este genero são caracterisados pelo bico curto, robusto, com a mandi- bula superior mais estreita do que a in- ferior, possuindo no paladar um tuber- culo ossco destinado a triturar as semen- tes que constituem a parte principal do seu alimento; teem as azas e a cauda muito compridas. O TRIGUEIRÃO Emberiza miliaria, de Linneo— Le bruant proyer, dos francezes Mede 0,"19 de comprimento. A pen- nugem das partes superiores do corpo é trigucira bordada de pardo, e a das in- feriores esbranquiçada com pequenas ma- lhas trigueiras arruivadas, redondas e tri- Gr. n.º 340 — À cia ou cicia angulares no pescoço, alongadas no peito e nas ilhargas; coberturas trigueiras, as remiges e rectrizes franjadas de côr esbran- quiçada ; bico azulado, pés trigueiros. E” commum em Portugal. A CIA OU CICIA Emberiza cirlus, de Linneo — Le bruant -zizi ou bruant des haies, dos francezes A parte superior da cabeça, pescoço e uropigio d'esta ave são cinzentos azeito- nados, com malhas annegradas ; tem uma risca amarella por cima dos olhos e ou- tra por baixo divididas por um traço ne- gro; costas ruivas, garganta negra, parte AVES — O TRIGUEIRO E A HORTOLANA 97 inferior do pescoco amarella, peito cin- zento esverdeado e côr de castanha nos lados, abdomen amarello, coberturas e remiges trigueiras franjadas de cinzento e de arruivado, rectrizes egualmente tri- gueiras, as duas primeiras de cada lado com uma grande malha branca nas bar- bas internas; bico cinzento esverdeado e trigueiro por baixo, pés arruivados. Mede 0,"16 a 0,"17 de comprimento. E frequente no nosso paiz. O TRIGUEIRO Emberiza cia, de Linneo — Le bruant fou, dos francezes Esta especie é notavel pela belleza da plumagem. A côr fundamental é verme- lha trigueira; a cabeça, a garganta e a parte superior do peito pardas cinzentas, as faces e a região auricular rodeadas por um circulo negro, orlado interior e exte- riormente por uma risca branca. Tem as costas malhadas de negro, e nas azas duas faxas claras; bico annegrado pela parte superior e pardacento na inferior, pés trigueiros. E” commum no nosso paiz. À HORTOLANA Emberiza hortulana, de Linneo — Le bruant ortolan, dos francezes Esta especie, menos commum em Por- tugal, é notavel pelo sabor delicado da carne. Os romanos conservavam as hor- tolanas em gaiolas allumiadas de noite, para que estas aves podessem comer a toda a hora, e d'este modo engordassem rapidamente. A carne da hortolana tem sabor analogo ao da gallinhola, e ainda mais delicado. Brehm diz que na Italia, no meio dia da França, e nas ilhas do archipelago grego se apanham estes passaros aos ban- dos: matam-se e depennam-se, os que estão bem gordos mergulham-se em agua a ferver, mettendo-os depois aos duzentos ou quatrocentos em barris pequenos com vinagre e especiarias. Assim preparados dão bom preço. A hortolana tem a cabeca, a nuca e o pescoço pardos, a garganta, uma faxa adiante das faces, e um circulo pequeno em volta dos olhos amarellos côr de pa- lha, as costas malhadas de escuro, remi- ge: trigueiras orladas por fóra de branco arruivado, rectrizes trigueiras escuras com as duas pennas do centro bordadas de ar- ruivado, e as duas externas com uma grande malha branca por dentro; bico e pés trigueiros avermelhados. Mede 0,"16 de comprimento. Todos estes passaros habitam no campo, nas sebes, nas orlas das maltas, e algumas especies procuram as vizinhanças das correntes d'agua e dos tanques. Não são dos mais ageis, andam salti- tando, e o canto é singelo. São sociaveis, e fóra da epoca das nupcias reunem-se em grandes bandos, ás vezes em numero con- sideravel, associando-se a outros passaros, taes como os tentilhões e as calhandras. Longe de fugirem do homem, veem al- guns d'elles fixar a sua residencia na proximidade das habitações, vendo-se no inverno vaguear pelos pateos, pelos quin- taes e em volta dos celleiros e dos es- tabulos. São pouco cautelosos, e caem facilmente em todos os laços que lhes armam. Procuram no solo o alimento, que cons- ta d'insectos, lagartas, larvas, moscas e se- mentes farinaceas, desprezando as oleo- sas. Comem muito e engordam facil- mente. O ninho é formado sempre no chão ou sobre arbustos rasteiros, de cons- trucção simples, feito de rastolho e rai- zes e tapisado de folhas brandas, pellos e especialmente de pennas. A femea põe de quatro a seis ovos, pardos salpicados d'escuro. Os paes encarregam-se alterna- damente da incubação, e criam os filhos em commum. Os passaros das especies que acabamos de citar, do genero emberiza, não são dos que mais se procuram para engaio- lar, não porque seja difficil habitual-os a viver captivos, mas porque nenhuma circumstancia os torna interessantes. Existe um grupo de passaros todos ori- ginarios da Africa, algumas especies fre- quentemente vistas no nosso paiz, e para aqui transportadas pelos navios que re- gressam das possessões portuguezas d'a- quella parte do mundo, tornando-se no- taveis, principalmente, pelas rectrizes que na epoca das nupcias tomam uma forma particular e attingem extraordinario comprimento. Passada esta epoca cae-lhes a cauda que tanto as embelleza, e a plu- magem perde todo o brilho. Ignora- -se se o nome de viuva, adoptado geralmente, tira a origem d' esta ulti- ma circumstancia, se da sua plumagem 98 MARAVILHAS DA CREAÇÃO na maior parte negra, se por corrupção, | berg affirma que nos dias de maior vento como crêem alguns naturalistas, da pala- vra Whydah, d'onde viria o termo latino Vidua, porque de Whydah, na costa 0e- cidental d'Africa, vieram as primeiras viuvas trazidas pelos portuguezes para a Europa. As viuvas teem o bico curto, conico e pontudo, azas medianas. Vivem no solo, onde encontram o alimento, que consta de sementes e d'insectos. Durante a epo- ca dos amores os machos conservam-se pousados nas arvores. N'esta epoca a sua linda cauda torna-os pouco ageis, e Thim- é possivel apanhar os machos á mão, estorvando-os a cauda de voar. Vivem bem captivos. Não se recom- mendando pelo canto, alegram todavia a vista com a linda plumagem da epoca dos amores, sendo agradaveis pela man- sidão. São numerosas as especies que se encon- tram na Africa, sendo entre nós conhe- cidas principalmente as da costa occiden- tal, que mais frequentemente são trazidas para Portugal. A nossa gravura n.º 3141 | representa Gr. n.º 341 — À viuva dominicana A VIUVA DOMINICANA Vidua serena, de Linneo, — La veuve dominicaine, dos francezes O macho é um lindo passaro, com o alto da cabeca, as costas, um collar na frente do pescoço, as coberturas superio- res das azas, as remiges e as grandes pen- nas das azas, negras; a parte inferior do corpo, e uma faxa que lhe atravessa a nu- ca, brancas; as remiges bordadas d'ama- rello claro. Mede 0,"30 de comprimento, dos quaes 0,”18 pertencem á cauda. Encontra-se no sul da Africa. OS TECELÕES Ploceus, de Cuvier — Les tisserins, dos francezes Os tecelões formam uma familia de pas- saros notaveis pela arte singular que em- pregam na construcção dos ninhos, e d'aqui lhes provém o nome vulgar de tece- lões, que nós lhe conservamos. Encontram-se sempre em grande nu- mero, tornando-se notaveis pelo instin- cto social amplamente desenvolvido, e por que em toda a parte estabelecem co- lonias. Passada a epoca das nupcias re- unem-se em grandes bandos, ás vezes de milhares d'individuos, vagueiam durante muito tempo pelo paiz, fazem a muda, e regressam finalmente á arvore que foi berço dos filhos, ou pelo menos a alguma proxima. Reina então durante mezes grande acti- vidade, não só porque a construcção dos ninhos é demorada, como tambem por serem estes passaros, permitta-se-nos a ex- pressão, tão caprichosos, que por vezes AVES — OS TECELÕES 99 destroem um ninho quasi feito para edi- ficarem outro. No interior d'Africa os ninhos dos te- celões são ornamento esplendido das ar- vores. Os pequenos artistas preferem prin- cipalmente as que são situadas á beira das correntes d'agua, e por vezes encon- tram-se algumas inteiramente cobertas de ninhos que lhes dão apparencia sin- gular. Agrupam-se os ninhos na mesma ar- vore, sendo excessivamente raro encon- trar-se um isolado, e dºordinario vinte a trinta; arvores ha, como já dissemos, que desapparecem sob o avultado numero de ninhos que as revestem. Construidos com grande solidez, resistem annos ao vento e á chuva, o que permitte que os ninhos da nova colonia se construam junto d'ou- tros que pertenceram a tres ou quatro gerações que passaram.» (Brehm). São formados os ninhos, em geral, de ramos mediocres, raizes, muitas vezes de talos de hervas muito flexiveis, entrelaca- dos e mesmo tecidos, parecendo collados com a saliva do passaro, e variando de forma e de posição segundo as especies. Algumas construem-n'os divididos em tres ou quatro compartimentos, outras com dois, servindo o primeiro de casa de en- trada, onde se abriga o macho, e o se- gundo de alcova, onde a femea põe os Gr. n.º 312 — Ninho do tecelão de cabeça doirada ovos e se effeitua a incubação. D'ordi- nario são suspensos dos ramos das arvo- res, havendo-os redondos, em espiral, e por vezes cylindricos alargando no cen- tro. A nossa gravura n.º 312 representa | o ninho da especie tecelão de cabeça doi- rada (hyphantormis aurifrons). Uma especie que vive na India, o Neli- courvi, ou tecelão de Bengala, faz todos os annos o ninho ao lado do do anno an- tecedente, e assim fórma uma especie de cacho que pende do tronco das arvores. De todas as especies, porém, merece es- pecial menção o ninho do tecelão repu- blicano. Estes passaros associam-se para formarem o ninho na mesma arvore, sob um abrigo ou tecto commum, e juntos uns aos outros como as cellulas dos favos de mel. Entre os diversos pro- prietarios dos compartimentos em que se divide o edifício reina sempre a melhor harmonia. «O que ha de mais singular na cons- trucção dos ninhos dos republicanos, é serem formados sob o mesmo tecto. Tão depressa encontram sitio conveniente, a primeira coisa que tratam é de formar a cobertura commum a todos os ninhos. Cada casal construe o seu em particu- lar, mas tão proximo do dos vizinhos, que ao vêl-os dir-se-ha ser um unico, coberto por immenso telhado, e ten- do uma infinidade de orifícios redon- dos. Não fazem duas posturas no mesmo 100 MARAVILHAS DA CREAÇÃO WWW] [w[w——w———J———————D—— ninho, construem outros por baixo dos primeiros, de sorte que a primeira cober- tura e os ninhos antigos servem de abrigo aos novos. Crescendo todos os annos o edificio pelo accrescimo de novas cons- trucções, é certo que o peso augmenta, terminando por partir o ramo que lhe serve de base e o edificio vem a terra.» (Smith). Levaillant, referindo-se a um ninho de republicanos que observou durante uma das suas viagens no interior da Africa, diz ser um dos maiores que viu, contendo trezentas e vinte cellulas habi- tadas. Suppondo que cada uma só abri- gava o macho e a femea, dão o total de seiscentos e quarenta individuos. No dizer, porém, do mesmo autor, o numero deveria ser maior, porque nesta especie é commum serem as femeas em maior numero do que os machos, de or- dinario tres por um. Os tecelões alimentam-se de sementes, principalmente de cereaes, não desde- nhando os insectos com que tambem sus- tentam os filhos. Gr. n.º 343 — Ninho do tecelão republicano Algumas especies teem vindo para a Europa; e sendo tratadas com cuidado acclimam-se. Diz Brehm que estes pas- saros, se não são agradaveis pelo canto, que nada tem de notavel, na epoca dos amores torna-se curioso vél-os tecer o ni- nho com a maior actividade. Descreveremos duas especies. O TESELÃO DE CABEÇA DOIRADA Ploceus galbula—Le tisserin loriwt, dos francezes Tem o alto e os lados da cabeça, a nuca, e toda a parte inferior do corpo côr de limão claro; na fronte, adiante e por baixo dos olhos é vermelho, tem as costas e as coberturas das azas verdes, com a haste das pennas mais escura, as remiges ver- melhas trigueiras bordadas d' amarello esverdeado, as rectrizes amarellas triguei- ras bordadas de verde amarellado ; bico negro, pés amarellados. Vive na Abyssinia e em todo o Soudan oriental. O TECELÃO MASCARADO Ploceus monachu — Le tisserin masqué, dos francezes A cabeça e a frente do pescoço até ao peito, negros; a parte superior do corpo AVES— O CANARIO amarella esverdeada, a inferior amarella, as grandes coberturas das azas franjadas de branco. Habita no Cabo da Boa Esperança, na Senegambia e na Abyssinia. O TECELÃO REPUBLICANO Philethoerus socius, de Smith -— Le republicain social, dos francezes Tem plumagem parda cinzenta, faces e garganta pretas, e nos lados numerosos salpicos negros ; bico e pés escuros. Mede 05749. Habita no sul da Africa. Na Africa existem determinados gene- ros de passaros, os bengalis e senegalis dos francezes, dos quaes algumas especies se tornam notaveis, reunindo a belleza da plumagem ao canto, e outras tamsó- mente pelas córes vivas e brilhantes das pennas. D'estes passaros são alguns muito co- nhecidos em Portugal, trazidos pelos na- vios que das nossas possessões os trans- portam em grande numero, posto que d'ordinario só uma pequena parte che- gue ao seu destino. Uma vez, porém, acclimados, vivem de sete a oito annos e até mais. São muito sociaveis e doceis, vivem na melhor harmonia uns com os outros, familiarisando-se facilmente, e em boas condições de temperatura e com regimen conveniente nidificam e multiplicam-se no nosso paiz. O macho mostra grande affeição pela femea, au- Xilia-a na construcção do ninho e toma parte na incubação. O melhor alimento d'estes passaros é o alpiste e o milho miudo, agradando-lhe immenso as sementes tenras do morrião, da alface e da tasneira. Citaremos duas especies d'estas aves, ambas conhecidas, e a segunda notavel pelo canto. O PEITO CELESTE Estrelda phoenicotis, de Swains Pardo atrigueirado na parte superior do corpo; uropigio, coberturas superiores da cauda e partes inferiores azues celestes, azas côr das costas, cauda azul celeste por cima e trigueira por baixo, bico averme- lhado, pés côr de carne. Existe uma es- pecie ou variedade que tem uma ma- 10 101 lha vermelha clara na região auricular. Mede 0",10 de comprimento. Encontra-se no Zaire e arredores de Loanda. O MARACACHÃO Fringilla melba, de Linneo Costas e azas azeitonadas, a parte su- perior da cabeça e pescoco cinzentos, uma mascara vermelha viva que lhe cobre a fronte, as faces e a parte superior da garganta ; a parte inferior d'esta e o peito amarellos junquilho ; as partes inferiores do corpo rajadas de branco sobre fundo trigueiro azeitonado, e o mcio do ventre e as pennas sub-caudaes brancas; cober- turas superiores da cauda e as duas re- ctrizes do centro vermelhas, as demais rectrizes d'esta mesma côr nas barbas externas e negras nas internas; remiges trigueiras bordadas por fóra de amarello azeitonado ; bico vermelho e pés averme- lhados.Mede 0,"12 de comprimento. Vive na Africa e é frequente em Ben- guella. O CANARIO Fringilla canaria, de Linneo—ZLe serin des Canaries, dos francezes «São passados trezentos annos depois que o canario abandonou a patria e se tornou cosmopolita. Eram dois irmãos que seguiram caminhos diversos: um bafejado pela fortuna, dotado de facul- dades que lhe permittiram elevar-se, creou fama e as multidões contemplam- n'o; o outro, vagueia nos campos da terra natal ignorado por todos, quando muito conhecido e estimado dos vizinhos, feliz no seu viver modesto. Eis a historia d'este passaro, que a natureza creou para ornamento d'algumas das ilhas isoladas do Atlantico. O homem assenhorou-se da especie, levou-a para longe da patria, associou-a ao seu viver, e alcançou de tal sorte modifical-a que Linneo e Buffon cairam no erro de tomar o pequeno passaro ama- rello, que todos conhecemos, por typo da especie, desprezando a que lhe foi es- tirrpe, de plumagem esverdeada, ainda hoje existindo lal como era. Para o verdadeiro admirador danature- za é sempre interessante conhecer, ainda que esbocada a tracos largos, a historia d'um animal; mas robustece-se o interesse, é mais geral, quando se trata de conhe- VOL, TI 102 cer a origem d'um ser que tem a sua historia, cujo desenvolvimento tem pas- sado por successivas gradações; d'um ente emfim, que dalgum modo faz parte da nossa familia, que anda associado a to- dos os prazeres domesticos, e que tem a recommendal-o não só a belleza e outros predicados interessantes, como tambem o proveito que d'elle auferem muitos dos nossos concidadãos menos felizes. Conhecemos em demasia o canario do- mestico, os seus habilos e particularida- des do seu viver, e é esta a causa dos escassos promenores que possuimos da vida do canario selvagem.» (Bolle). Todos os nossos leitores conhecem o canario, o pequeno cantor alado que solta os seus gorgeios no palacio do rico ou na modesta habitação do pobre, repar- tindo egualmente por ambos os accentos alegres e melodiosos da sua voz. «Se o rouxinol é o musico da floresta, o canario é o cantor das nossas habita- cões: o vrimeiro deve tudo á natureza; o segundo aprendeu alguma coisa com o homem. Garganta mais fraca, voz me- nos extensa, mais pobre de notas, o ca- nario tem, todavia, mais ouvido, imita com maior facilidade, e a memoria é me- lhor. Sendo as differenças de caracter, principalmente nos animaes, na razão directa da maior ou menor perfeição dos sentidos, o canario, cujo ouvido é mais applicado, mais susceptivel de receber e conservar as impressões estranhas, tor- na-se por isso mais sociavel, mais dado, mais familiar : conhece e affeiçoa-se, tem caricias adoraveis, e quando se amua ou se encolerisa não magoa nem offende» (Buffon). Conta-se da seguinte forma a vinda do canario para à Europa. Um navio que transportava mercado- rias para Liorne trazia muitos d'estes pas- saros, e naufragando nas costas da Italia, proximo da ilha de Elba, os animaesi- nhos vendo-se soltos refugiaram-se em terra. O clima temperado foi-lhes favora- vel e permittiu que se multiplicassem, e ahi constiluiriam uma nova patria se 0 homem, pelo desejo de os possnir, os não houvera impedido de mais largamente se propagarem. Eis como a Italia foi o primeiro paiz onde existiu o canario do- mestico. O canario selvagem, estirpe do canario domestico, e que ainda hoje se encontra nas ilhas Canarias, tem as costas verdes MARAVILHAS DA CREAÇÃO rajadas de preto, o uropigio verde ama- rellado, as coberturas superiores das azas verdes franjadas de pardo cinzento, a ca- beca e a nuca verdes amarelladas debrua- das de pardo, a fronte, a garganta, a parte superior do peito e uma faxa larga, que partíndo dos olhos se dirige para a nuca desenhando uma curva, amarellas esverdeadas; a parte inferior do peito amarelladas, o ventre esbranquiçado, as espadoas verdes bordadas de negro e de verde desvanecido, as remiges negras bordadas de verde, as rectrizes pardas annegradas bordadas de branco; bico e pés côr de carne atrigueirada. Estas são as córes do macho, susceptiveis, porém, de variar nos tons. Habita este passaro nas ilhas Canarias, na Madeira, e no archipelago dos Açores. E muito commum nos silios proximos das correntes d'agua, nos quintues e nas vizinhanças das habitações, encontran- do-se por toda a parte, á excepção das florestas mais cerradas. Alimenta-se principalmente, senão ex- clusivamente, de substancias vegetaes : se- mentes miudas, folhas tenras, fructos suc- colentos, e principalmente figos, que são um verdadeiro acepipe para o ca- nario, ulilisando apenas os que abrem de sazonados, e aos quaes come não só a polpa como as pequenas sementes que n'elles abundam. O canurio é muito amigo d'agua, e é-lhe até mesmo necessidade imperiosa banhar-se. Vê-se muitas vezes, diz Bolle, voar aos bandos em busca d'um regato onde beba, e se banhe, retirando-se por vezes completamente molhado. Não en- entraremos, por nos faltar espaço, em pormenores ácerca do canario domestico e da sua reproducção, porque tambem, sendo muito conhecido, nos dispensa de ser mais minuciosos. Apenas citaremos algumas observações curiosas de natura- listas distinctos que escreveram sobre o assumpto. Os canarios todos verdes ou malhados de verde são robustos, mas muito grita- dores. Os amarellos atrigueirados ou amarel- los escuros são delicados e pouco fecundos. Por serem malhados os paes, os filhos nem sempre o são. Os canarios d'olhos vermelhos são fra- cos. Quando se preferem os canarios de pópa é necessario procural-os que não tenham, AVES— O CHAMARIZ 103 principalmente na parte posterior da ca- beça, alguma calva. Para obter bons cantores carece-se de evitar que ouçam as cotovias, os tenti- lhões, ou o rouxinol, porque o que ou- vem dificilmente lhes esquece. Aos no- vos deve-se-lhes dar por mestres cana- rios adultos que cantem bem. Um canario de tres ou quatro annos, ouvindo outro cujo canto seja inferior ao seu, arrisca-se a adoptal-o; ainda mesmo que seja mais velho é susceptivel de se estragar ouvindo repetidas vezes um mau cantor. Além do alpiste, o unico alimento con- veniente é o pão molhado em agua; os fructos engordam-no em demasia. O ali- mento variado torna-os gulosos e grita- dores. As folhas d'alface, d'espinafre, de couves, etc., é melhor dar-lh'as quando estejam doentes. O canario deve conservar-se em sitio | onde não esteja exposto ás correntes de ar; porque se enrouquece, o que lhe acontece por tal motivo ou por comer demasiado, não é facil cural-o. Em boas condicões e em clima tempe- rado o canario pode viver vinte annos. Os pintasilgos, pintarroxos e verdilhões machos, sendo mansos, acasalam-se facil- mente com as canarias domesticas, e os filhos que nascem d'estas uniões cantam, porém, peior do que os canarios. A maior parte das vezes são estereis. Para tornar um canario manso é ne- cessario não lhe dar de comer nem de beber. na gaiola, e habitual-o a vir co- mer á mão do dono. E facil ensinal o a sair e a entrar na gaiola. «Tem havido canarios que, pegando com o bico em letras do alphabeto pos- tas na sua frente, compõem a palavra que se lhes diz; outros que distinguem as côres, fazem subtracções, addicões, divisões e multiplicações, e escolhem o numero desejado entre uma serie de nu- meros que teem diante. Ha-os que can- tam quando se lhes manda, que se fin- gem mortos disparando perto d'elles uma pequena peca d'artilheria, a ponto de se deixarem transportar n'uma especie de padiola por dois canarios, e sendo leva- dos até ao tumulo, ahi erguem-se feste- jando com os seus cantares a propria re- surreição. Os canarios ensinam-se á maneira dos cães, pela fome, e dá-se-lhes como recom- pensa, quando acertam, uma semente de linho ou um torrãosinho d'assucar. O pas- saro termina por conhecer todos os signaes feitos pelo dono, e obedece-lhe. Se lhe manda formar uma palavra, vae salti- tando em frente das letras, até parar n'aquella que o dono lhe indica com o olhar, etc.» (Lenz). O CHAMARIZ ! Fringilla serinus, de Linneo — Le serin cini, dos francezes Esta especie, congenere do canario, e seu representante na Europa, é commum no nosso paiz. O macho assimilha-se ao canario, mede 0,"12 de comprimento, tem a parte superior da cabeca, a gar- ganta e o centro do peito amarellos ver- des escuros, o ventre amarello claro, a parte posterior da cabeca, à nuca e as costas côr d'azeitona com malhas escu- ras dispostas em series longitudinaes, duas faxas amarellas nas azas, as remi- ges e rectrizes annegradas bordadas de verde. No outono as costas e as azas são trigueiras ruivas ou pardas verme- lhas. Frequenta de preferencia os quintaes com arvoredo, encontrando-se na vizi- nhanca das hortas, pousado nas arvo- res frucliferas. O chamariz é vivo e cantor infatigavel ; a voz não é forte, mas é melodiosa, e o canto tem muita analogia com o do ca- nario. Pousando de preferencia nas arvores fructiferas, ahi construe o ninho entre a folhagem, formado de raizes ou de ras- tolho, de hervas e de feno, tapizado no in- terior de pellos e pennugem. A femea põe de quatro a cinco ovos, brancos ou es- verdeados sujos, salpicados de trigueiro, vermelho e de pardo avermelhado. O chamariz é naturalmente docil, ha- bitua-se rapidamente a viver caplivo, e vive na melhor intelligencia com os ou- “tros passaros, chegando-se para elles e afagando-os com o bico. Parece toda- via ter, segundo affirma Bechstein, gran- de predileccão pelo pintasilgo, cuja voz imita facilmente. O TENTILHÃO Fringila colebs, de Linneo—Le pinson ordinaire, dos francezes * Este passaro, uma das especies do ge- nero Fringilla, é bastante commum no 1 Sereno, Milheiriça, Milheira, Serzino, Chama- riz. (Cat. do Mus. de Coimbra.) 104 MARAVILHAS DA CREAÇÃO nosso paiz. O macho tem a fronte negra a cabeca e a nuca azuladas cinzentas, as costas triguciras, as partes inferiores do corpo tirantes a côr de vinho, o ventre branco, e nas azas duas faxas brancas. Na primavera tem 9 bico azulado claro, no inverno e no outono branco averme- lhado, sempre com a extremidade negra ; pés pardos avermelhados. Mede 0,”16 de comprimento. O TENTILHÃO MONTEZ Fringilla montifringila, de Linneo — Le pinson des montagnes, dos francezes Esta especie, congenere da antecedente, substituindo-a no norte da Europa, en- contra-se no nosso paiz, posto que n'elle seja rara. O macho tem a parte superior do corpo Gr. n.º 314 — O tentilhão negra, a garganta e as espadoas côr de ferrugem alaranjada, o extremo das cos- tas, o peito e o ventre brancos, duas fa- xas brancas nas azas, e as rectrizes ama- rellas abaixo das azas. O tentilhão encontra-se frequentemente nas mialtas, nos parques, nos quintaes e nos jardins, sendo raro vêl-o em silios humidos ou pantanosos. Na epoca das nupcias vive acasalado, e cada casal tem o seu dominio onde não admitte que outro se estabeleça, com quanto es- tes passaros sejam sociaveis, e termi- nada a creacão dos filhos se reunam em grandes bandos, por vezes associan- do-se aos melros e a outros passaros para percorrerem o paiz. O tentilhão montez apparece entre nós de passagem, vindo no fim do outono, na epoca em que abandona as paragens seplentrionaes onde aninha para vaguear nos paizes meridio- naes. São os tentilhões alegres, ageis e cau- telosos, mas muito brigões, e repetem- se as rixas entre elles principalmente durante a construcção do ninho. O ciume excita-os, e a luta que comeca cantando, luta pacifica em que cada um dos con- tendores busca supplantar o adversario, termina quasi sempre a mal, perseguin- do-se atravez dos ramos das arvores, e por vezes vindo cair no solo agarrados um ao outro com unhas e bico. O ninho do tentilhão é um dos mais artislicos dos passaros da Europa, com a forma d'uma esphera troncada na parte superior, solidamente construido de mus- go, radiculas e rastolho, e todos estes materiaes ligados com teias de ara- nha e d'outros insectos, e no seu con- junto de tal forma similhando uma ex- crescencia do tronco, que a illusão é completa. No interior, forrado de folhas, pennas, lã, e felpa de diversas plantas, põe a femea de cinco a seis ovos na pri- meira postura, azues esverdeados claros, ondeados de trigueiro vermelho desvane- cido e salpicados de trigueiro annegrado; e d'ordinario só tres ou quatro na se- gunda. Os paes alimentam os filhos de lagar- tas e de insectos, que elles proprios co- mem, posto que o seu alimento mais commum sejam as sementes de diversas especies, mesmo trigo e aveia, que sa- bem despir da casca para lhe tirar a subs- tancia farinacea que contem. Se lhes rou- bam o ninho e o collocam n'uma gaiola onde o vejam, continuam, — avantajan- do-se o amor paternal ao instincto da pro- pria conservação — a levar o alimento aos filhos. O tentilhão, n'alguns pontos da Eu- ropa, é estimado como cantor. Na Bel- gica ha concursos de tentilhões, e ganha o premio o que mais vezes repete o canto durante uma hora que duram as provas. Degland, falando n'um concurso que houve em Tournay em 1846, diz que tres dos oppositores repetiram a sua can- ção 1118 vezes no espaço d'uma hora; outro 420; e um terceiro 368 vezes no mesmo periodo. O tentilhão é bom imitador, e não só aperfeiçoa o canto com os bons canto- res da sua especie, como tambem con- segue repetir alguns trechos do canto do rouxinol e do canario. E' facil de MARAVILHAS DA CREAÇÃO j Z / 2 Ss Rua do Moinho de Vento-BP Impresso por Lallemant frêres. Lisboa. O PINTASILGO ORDINARIO O DOM FAFELO FINTAÃELILEGO VERDE DON OS - AVES — PINTARROXO E O PINTASILGO crear e habitua-se sem difficuldade a viver captivo. O PINTARROXO Fringilla cannabina, de Linneo — La linotte, dos francezes* Este passaro é commum no nosso paiz, e com outras especies estabelece o genero Cannabina ou Linola. A côr da plumagem varia muito, se- gundo a edade, o sexo e a estação; na primavera o macho adulto é um lindo passaro. Tem a parte anterior da cabeça vermelha clara, a posterior, a nuca, os lados da cabeça e do poscoco pardos, as costas trigueiras arruivadas, o uropi- gio esbranquicado, a garganta branca pardacenta, o peito vermelho vivo, o ven- tre branco, os lados lrigueiros claros. No Gr. n.º 315 — O pintarroxo outono o vermelho desapparece. Os pin- tarroxos engaiolados perdem a pouco e pouco a brilhante côr vermelha que lhes orna a cabeça e o peito. Estes passaros são alegres, vivos e ex- tremamente sociaveis, reunindo-se por vezes em grandes bandos á excepção da epoca das nupcias em que vivem aos ca- saes. Aninham nas arvores a pouca al- tura do solo, construindo o ninho de tronquinhos, raizes e hervas, forran- do-o por dentro de hervas delicadas e de crinas, e aqui a femea faz duas ou tres posturas cada anno, de quatro a cinco ovos, brancos azulados com salpi- cos e riscas vermelhos desvanecidos, ver- melhos escuros e côr de canella. Ao inver- 105 so dos tentilhões, os pintarroxos machos vi- vem na melhor harmonia, reunindo-se para cantarem durante o tempo em que as femeas se empregam na incubação. O pintarroxo é granivoro, come prin- cipalmente sementes de hervas sem va- lor, e aos filhos dá os grãos que pri- meiro enbrandece no papo. O PINTASILGO Fringilla carduelis, de Linneo — Le chardonneret, dos francezes Esta especie do genero Carduelis, tão conhecida e commum no nosso paiz, encontra-se em toda a Europa, n'uma parte da Asia e ao nordeste d'Africa. Possuindo linda plumagem e canto agra- davel, sendo docil e singularmente apto para aprender differentes exercicios, só lhe falta ser raro e vir de paiz longinquo para ser estimado pelo que vale. Tem a parte posterior da cabeca ne- gra, as faces parte negras e parte bran- cas, costas trigueiras, o lado inferior do corpo branco, as azas e a cauda negras com malhas brancas, e nas remiges uma longa malha amarella muito viva. O bico é azulado na extremidade, e côr de carne na base, tendo em volta um circulo ne- gro e em roda d'este outro mais largo vermelho carmim. A femea é muito pa- recida com o macho, sendo difficil dis- tinguil-os, posto que este seja um pouco maior, o circulo vermelho das faces mais largo, e as córes negra e branca da ca- beça mais brilhantes. Mede 0,"14 de com- primento. O pintasilgo no estado livre alimenta-se de sementes, principalmente das semen- tes do cardo. Nidifica nas arvores, ge- ralmente na bifurcação dos ramos, soli- damente construido o ninho de musgo, lichens, raizes pequenas, rastolho, e no interior forrado de pennugem, e d'ou- tras substancias macias. Só a femea se encarrega da construcção do ninho, e emquanto esta dura o macho diverte-a com os seus cantares. A femea põe de quatro a cinco ovos, brancos ou azues esverdeados, com salpicos pardos violeta dispostos em fórma de corôa no lado mais volumoso, e fez quando muito duas posturas no anno. E tão conhecido este passaro, que se torna inutil referirmos aos seus habitos de captivo, pois todos sabem quanto é facil de tornar-se familiar, affeiçoar-se ao 106 MARAVILHAS DA CREAÇÃO dono, aprender a abrir a caixa onde se contém o alimento, tirar agua n'um balde para beber, fingir-se morto, etc. O PINTASILGO VERDE, OU LUGRE Fringilla spinus, de Linneo — Te tarin, dos francezes Este passaro, do genero Chrysomitris, tem certa analogia com o pintasilgo, não só na fórma do bico como no seu natu- ral docil e na vivacidade dos movimen- tos. Differe porém no colorido da plu- magem. O lugre tem a parte superior da ca- beca negra, as costas verdes amarelladas rajadas de lrigueiro escuro, as azas anne- gradas com duas riscas amarellas, o peito amarello escuro, ventre branco e gar- ganta negra. O lugre é originario da Noruega, da Suecia e da Russia, e d'ahi parte para os paizes do centro e do sul da Europa, sendo pouco frequente no nosso. Alimenta-se de sementes, renovos, fo- lhas tenras e insectos, Os filhos ali- menta-os particularmente de lagartas e de pulgões. Aninha nas arvores, nos ra- mos mais altos, e consegue de tal modo confundir o ninho com os troncos e as folhas que é difficil distinguil-o. Os ovos são parecidos com os do pintasilgo. O lugre é facil de reter em gaiola, affeicoando-se em breve ao dono, tornan- do-se muilo familiar, e aprendendo, á maneira do pintasilgo, diversos exercicios. Vive na melhor harmonia com os outros passaros. O PARDAL Fringilla domestica, de Linneo—Le moineau, dos francezes Esta especie do genero Passer é uma das que mais se encontram espalhadas pelo globo. No nosso paiz é tão communm, que se tornaria desnecessario descrever- lhe a plumagem, se não fôra para accen- tuar as differenças que existem entre esta especie e a seguinte, as duas que se en- contram em Portugal. Outras vivem na Europa, e não frequentam o nosso paiz. O pardal é pardo azulado no alto da cabeca, trigueiro castanho nas ilhargas, côr de ferrugem nas costas com riscas negras longitudinaes, tem duas faxas trans- versaes nas azas, uma larga e branca e outra estreita amarella tirante a côr de ferrugem ; garganta negra, parte inferior do corpo parda clara; bico negro no ve- rão e esbranquicado no inverno, pés par: dos. Mede 0,"16 a 0,”17 de comprimento. Existem muitas variedades d'esta espe- cie: pardaes brancos, brancos amarella- dos, e amarellos annegrados. O PARDAL FRANCEZ Fringilla petronea, de Linneo. — Le moineau soulcie, dos francezes Tem as costas pardas trigueiras malha- das longitudinalmente de trigueiro escuro e de branco pardo, as partes inferiores do corpo pardas esbranquicadas, a gar- ganta côr de enxofre, o alto da cabeça pardo, os lados e a fronte riscados de tri- gueiro azeitonado, uma risca estreita por cima dos olhos; nas barbas internas das pennas da cauda tem uma malha branca; o bico é pardo trigueiro no inverno, amarellado no verão, e os pés pardos aver- melhados. Mede 0",17 de comprimento. E" pouco frequente no nosso paiz. A historia do pardal, mesmo porque se refere a uma especie tão nossa conhecida, que por toda a parte acompanha o ho- mem, senão por affeicção ao menos em proveito proprio, merece que lhe desti- nemos algumas linhas. «Quem não conhece este passaro, vivo, audaz e astucioso, typo do gaiato entre as aves, vivendo em bandos nas vizinhan- cas das nossas habitações, e no interior das cidades; familiar, mas d'uma familiari- dade discreta e maliciosa? A todo o mo- mento o vêmos inundando as ruas e as praços publicas, mas sempre a distan- cia respeitosa do homem. Não ignora que a amizade dos grandes é perigosa, e a prudencia aconselha-o a que se es- quive a intimidades que lhe poderiam acarrear consequencias funestas. Só de- pois de repetidas experiencias, e d'uma longa serie de provas de boa amizade da parte do homem, o pardal referenda com elle um tratado de alliança, e torna-se confiante. Affeiçoa-se francamente a quem souber conquistar-lhe a confiança. Que o diga o pardal citado por Buffon, que pertencendo a um soldado, não só O se- guia por toda a parte, como tambem o distinguia entre os camaradas no meio do regimento». (Figuier). Os pardaes são eminentemente socia- veis; vão por bandos em busca do ali- mento e aninham perto uns dos outros AVES — O PARDAL 107 w nas fendas dos muros, nos telhados, nas arvores, até mesmo nos ninhos das an- dorinhas, de que se apossam com o maior descaro. É grande a multiplicação d'este passa- ro. Começando a construir o ninho cedo, nunca a femea faz menos de tres postu- ras cada anno, por vezes de sete a oito “ovos cada uma. O pardal é omnivoro ; não se pode ne- gar que a sua alimentação consiste prin- cipalmente em grãos, causando por tanto estragos nas searas e tambem nos po- mares; mas é certo que destroe grand? quantidade de insectos nocivos, e é este o alimento que a principio ministra aos filhos. Muitas paginas se teem escripto em que o pardal é por uns defendido e por ou- tros accusado, querendo estes que seja exterminado como um devastador dos ce- reaes e dos fructos; os primeiros, ao contrario, sem negarem completamente os seus malefícios, levando-lhes em conta as numerosas larvas e insectos nocivos á agricultura que destroem, proclamam- n'o como animal util, e digno de pro- tecção. A grande demanda parece es- tar ganha pelos amigos do pardal. Ahi damos em seguida alguns pontos da de- fesa. «Frederico o Grande mandou por um decreto que se offerecesse aproximada- mente 100 réis da nossa moeda por ca- beça de pardal, e isto levou muita gente a empregar-se na caça d'estas aves, tra- zendo ao Estado no fim d'alguns annos a despeza d'algumas dezenas de contos de réis. Não se fizeram esperar os incon- venientes de tal medida: as arvores de fructo que se diziam pilhadas pelos par- daes foram em breve enxameadas pelas lagartas e pelos insectos, que lhes des- truiram os fructos e até mesmo as folhas. O rei teve que emendar o erro, e elle, que quizera corrigir a obra do Creador, não só revogou o decreto como se viu forçado a importar pardaes para os sol- tar no paiz, ordenando que se lhes desse protecção. O doutor Brewer, escrevendo á socie- dade zoologica, diz que os pardaes recen- temente levados para New-York e outras cidades vizinhas teem sido de grande e bem reconhecida utilidade na exlincção dos insectos nocivos. No verão de 1867 foi tão activa a caça que fizeram aos insectos que se logrou por este modo conservar as folhas a grande numero d'arvores. Foram os seus serviços apreciados a tal ponto, que se construiram para os par- daes ninhos de palha, e se lhes dá regu- larmente de comer nos parques de New- York e d'outras cidades. Para a Australia transportaram-se par- daes com o fim de evitar a destruição feita pelos insectos nos pomares» (Brehm). O DOM FAFE Pirrhula vulgaris, de Temmink — Le bouvreutl. commun, dos francezes Este passaro, que frequenta as provin- cias do norte de Portugal, Minho e Traz os-Montes, onde é commum nas monta- nhas revestidas d'arvoredo, é uma linda especie do genero Pirrhula, notavel pela plumagem e pela voz. Mede de 0,"16 a 0,719 de compri mento por 0,729 a 0,731 de envergadura. O macho adulto tem a parte superior da cabeça, a garganta, as azas, e a cauda ne- gras lustrosas, as costas pardas cinzentas, o uropigio, e baixo ventre brancos, a parte superior do ventre e o peito vermelhos vivo. A femea tem o peito cinzento ar- ruivado. O Dom Fafe vive nas mattas e ahi se conserva em quanto lhe não escasseia o alimento, e só entra nos pomares e nos quintaes, proximos das povoações, levado pela necessidade de procurar o alimento de que carece. No verão vive com a femea, no inverno reune- se em pequenos bandos. Alimenta-se de sementes, e no verão d'insectos, sendo destes ultimos que sus- tenta os filhos. Insensivel ao frio, não lhe faltando alimento, ainda mesmo no rigor do inverno conserva-se alegre e buliçoso. Construe o ninho nas arvores a pequena altura do solo, com pouca arte, de musgo no exterior e forrado no interior de sub- stancias macias, onde a femea põe de quatro a seis ovos, verdes claros ou ver- des azulados, com manchas violetas ou negras e salpicos vermelhos trigueiros. O Dom Fafe é um lindo passaro para conservar captivo, não só pela plumagem, como pela facilidade que tem de apren- der qualquer aria que se lhe ensine de pequeno assobiando-a. Alguns chegam a aprender duas e tres e a conserval-as de memoria. No que, porém, o Dom Fafe se torna 108 MARAVILHAS DA CREAÇÃO mais notavel, é na affeição que toma ao dono, na sua immensa docilidade, sendo numerosos os factos narrados por diver- sos naturalistas que veem em auxilio d'esta asseveração. Fata-nos O espaço para transcrever alguns que attestam que estes passaros não só reconhecem depois de muito tempo a voz do dono, como tam- bem que alguns não resistem á ausen- cia da pessoa com quem estão habituados a viver. Gostam immenso que lhes falem e com elles se entretenham, mostrando-se tristes se os desprezam. Transcreveremos ainda assim o seguin- te facto narrado por Brehm: «Um amigo de meu pae foi viajar, e um Dom Fafe que tinha conservou-se triste e silencioso durante a ausencia do dono. Ao vêl-o, porém, quando regres- sou, não cabia em si de alegre, batia as azas, fazia-lhe comprimentos, como lhe haviam ensinado, soltava a voz dizendo a sua canção, e tal foi a alegria, final- mente, de que se possuiu, que não lhe resistindo caiu morto subitamente. Mata- ra-o o prazer de tornar a ver o dono. O VERDILHÃO Loxia chloris, de Línneo. — Le verdier, dos francezes Esta especie, muito commum no nosso paiz, é o typo do generoChlorospiza, com- prehendendo varias especies que habitam a Europa, a Asia e a Africa. Tem o lado superior do corpo esverdeado, o inferior verde amarellado, as azas pardas cinzen- tas, a cauda negra. As nove primeiras pennas das azas e as cinco primeiras da cauda teem malhas amarellas; o bico é côr de carne. A femea é mais sobre o pardo que o macho. Mede 0",15 de com- primento. O verdilhão frequenta de preferencia os terrenos cultivados, encontrando-se nas quintas vizinhas das povoações ; e no inverno busca as arvores que con- servam constantemente as folhas para ahi passar a má estação. Alimenta-se de sementes, preferindo as oleosas, sendo a do linho a de que mais gosta. Aninha nas arvores, e o ninho, formado com pouca arte, é de folhas seccas e de musgo, forrado no interior de pennugem e de lã. A femea faz duas ou tres posturas, de quatro a seis ovos cada uma, brancos azulados ou prateados, com manchas e salpicos vermelhos desvanecidos. O verdilhão não é notavel como cantor; mas tendo bom mestre, um canario ou um pintasilgo, aperfeiçoa muito o can- to. E” docil e facilmente se torna manso, a ponto de vir comer á mão do dono. O BICO-GROSSUDO Loxia coccothrauste, de Linneo — Le gros bec ou pinchon royal, dos francezes Esta especie é o typo d'uma familia de passaros, Coccothrauste, notaveis pela grande altura e largura do bico na base, muito vigoroso, curto e pontudo, circumstancia que deu o nome de bico- fio im) fi 4h Ear) hi /l at it, rs Gr. n.º 316 — O Dico-grossudo grossudo á especie de que tratamos. Tem o corpo refeito, as azas regulares e a cauda relativamente curta. Mede este passaro 0,"19 de compri- mento por 0,733 d'envergadura, tem a parte anterior da cabeca parda amarel- lada, a parte posterior e as faces triguei- ras amarelas, a nuca parda cinzenta, costas trigueiras claras, a parte inferior do corpo parda acastanhada, garganta ne- gra, azas negras com uma malha branca no centro, bico azul escuro na prima- vera e pardo no outono e no inverno ; pés avermelhados claros. Encontra-se individuos d'esta especie AVES — O CRUZA-BICO 109 variando muito no colorido da pluma- gem. E commum no nosso paiz. Acconsmodando-se com a temperatura, encontra-se nas mattas ou nos terrenos descobertos, frequentando as quintas e os pomares. Com5 as formas annun- ciam, é pesado e indoiente, conservando- se por muito tempo no mesmo logar; nunca se afasta para longe e regres- sa sempre ao sitio d'onde partiu. Alimen- ta-se de grãos, de bagas e de insectos, e os caroços mais rijos não resistem ao vigor do bico. Faz grandes estragos nas arvores fructiferas, principalmente nas ce- rejeiras, e, ao contrario dos outros pas- saros, abre o fructo para lhe haver o ca- roco, desprezando a polpa. Faz o ninho nos ramos das arvores, muito largo ea pouca altura do solo, mas de ordinario bem occulto, formado no ex- terior de ramos seccos, talos de hervas e raizes, e por dentro forrado de radiculas, pellos e lã. A femea põe de tres a cinco ovos, pardos cinzentos, com riscas e man- chas azuladas escuras, trigueiras e anne- gradas. São pouco agradaveis os bico-grossu- dos para serem engaiolados, e vivem mal com os outros passaros. Na America habitam muitos passaros da Gr. n.º 317 — O cruza-bico familia dos bico-grossudos, vulgarmente conhecidos pelo nome de cardeaes, alguns com a cabeça ornada d'uma poupa que o passaro pode levantar ou baixar quando quer. Carecterisam-se pelo corpo alongado, azas curtas, cauda longa, bico curto e pontudo, bastante largo na base, com a mandibula superior muito arqueada. O CARDEAL DA VIRGINIA Cardinalis virginianus — Le cardinal de la Virginie. dos francezes Tem a plumagem macia e lustrosa vermelha escura, a cabeca escarlate, as E! faces e a garganta negras, as remiges trigueiras claras com as barbas internas e ao longo da haste trigueiras escuras, bico côr de coral, pés trigueiros claros. E” commum na America do Norte, principalmente nos Estados do Sul. Alimenta-se de sementes, bagas e in- sectos. E tido por excellente cantor, e alguns naturalistas comparam-n'o ao rou- xinol, denominando-o rouxinol da Vir- ginia. E” um lindo passaro, que, embora a sua reputação de cantor possa ser exagerada, comparando-o ao rouxinol, se torna ainda assim notavel pela belleza da plumagem. E” facil conserval-o engaiolado, alimen- tando-o de sementes, VOL. mM 110 No Brazil existem tambem algumas es- pecies de passaros, conhecidos por car- deaes, e que formam o genero Paraoria dos naturalistas. São com pequenas variações côr de chumbo nas costas, com a cabeça verme- lha e o ventre branco. Medem aproxima- damente 0,” 18. O seu canto nada tem de agradavel, e captivos conservam-se d'ordinario tran- quillos e silenciosos. São bastante ariscos. O CRUZA-BICO, OU TRINCA-NOZES Lozxia curvirostra, de Linneo — Le bec croisé des” pins, dos francezes Esta especie, que se encontra no nosso paiz, onde é commum, pertence a um grupo de passaros notaveis entre todos pela fórma do bico. As duas mandibulas recurvas em sentido contrario, e termi- nando muito agudas, desviam-se uma da outra, umas vezes a mandibula superior para a direita e a inferior para a es- querda, outras vezes vice-versa. Teem a cabeça grande e vigorosa, o corpo refeito, azas muito longas, estreitas e pontudas, tarsos curtos e fortes. O macho da especie citada tem 0,7 18 de comprimento. No bico assimilha-se ao papagaio; tem a plumagem côr de vermelhão, ou de tijolo, variando muito os tons ; as remiges e as rectrizes pardas annegradas, o ventre pardo As femeas teem a plumagem parda esverdeada, ti- rante a verde amarellado n'algumas par- tes do corpo. São tão vizinhas no colorido as diver- sas especies de cruza bicos que os natu- ralistas distinguem, especies que habitam na Europa, Ásia e America septentrional, que alguns ha que;só as consideram como variedades locaes. Entre ellas, porém, fi- gura uma que se distingue por ter duas faxas brancas nas azas. O cruza-bico habita nas mattas onde abundam as arvores da familia das conife- ras, principalmente nos pinhaes, e ali- menta-se das sementes que ellas pro- duzem. O bico vigoroso e recurvo nas duas mandibulas é singularmente apto para abrir as pinhas, e do interior reti- rar as sementes. «Todos os cruza bicos são sociaveis, e até mesmo na epoca das nupcias; quando vivem acasalados, andam reunidos os casaes. Teem habitos curiosos. Vivendo constantemente nas: arvores, só descem ' MARAVILIIAS DA CREAÇÃO para beber, ou para comer as sementes das pinhas que caem no solo. O cimo dos pinheiros é a sua morada. Trepam com grande agilidade pelos ramos, servindo-lhe d'auxilio o bico, á maneira dos papagaios, e n'elle suspen- sos ou nos pés, de cabeça para baixo ou para cima, conservam-se por mo- mentos n'esta posição, na apparencia bastante incommoda.» (Brehm). Uma particularidade notavel dos cruza- bicos é aninharem em todas as estações , no verão ou na força do inverno, até mesmo nos paizes onde n'esta estação a neve cobre os ramos das arvores e a terra. O ninho é construido nas arvores, em logar onde os ramos superiores lhe sir- vam de abrigo, e formado de ramos de pinheiro, de rastolho, de lichens e de musgo ; o interior tapizado de pennas e de hervas. Tornam-se estes passaros facilmente doceis e familiares, habituando-se a viver captivos, e a conhecer o dono. O canto do macho é agradavel, e na gaiola canta todo o anno, á excepção da epoca da muda. O PICA-BOI Buphaga africana, de Linneo —Le pique-boeuf d' Afrique, dos francezes É um passaro realmente curioso o pica-boi, ao qual a natureza concedeu o singular instincto de pousar nas costas dos bufalos, dos bois e d'outros rumi- nantes da Africa, encontrando alimento nos vermes que extrahe com o auxilio do bico d'entre a pelle d'aquelles ani- maes. Esta especie e outra constituem o genero Buphaga dos naturalistas. O pica-boi da especie citada mede 0”, 25 de comprimento por 0”, 38 d'enver-. gadura.Tem as partes superiores do corpo, a frente do pescoco e a parte superior do peito trigueiras avermelhadas, o uropi- gio e a parte inferior do corpo loiro cla- ro, as azas e a cauda trigueiras escuras, bico vermelho claro na ponta e amarello na base, pés pardos atrigueirados. Encontra-se no sul da Africa, na Abys- sinia e no Senegal. «Os pica-bois formam pequenos ban- dos de seis e oito individuos, e vêem-se constantemente em companhia dos gran- des mamiferos. Acompanham as mana- das de bois e de camelos, pousando-lhes no dorso. Os viajantes que teem percor- rido o sul d'Africa dizem tel-os visto so- AVES — O PICA-BOI ua bre os elephantes e os rhinocerontes. Levaillant affirma que acompanham da mesma forma as antilopes. E” principal- mente nos animaes feridos que preferem pousar, porque as feridas atlrahem as moscas. Os mamiferos, de pequenos habituados aos pica-bois, não se mostram enfadados com a sua presenca, e nem mesmo pro- curam enxotal-os com a cauda. O pas- saro sobe e desce ao longo das pernas do mamifero, empoleira-se-lhe no foci- “nho, cata-lhe os vermes que encontra entre o pello, sendo digno de menção que o animal, como que convencido que a pequena dôr causada pelo bico do pas- saro ao extrahir-lhe as larvas d'entre a pelle é para seu bem, conserva-se tran- quillo supportando quanto o passaro lhe quer fazer. Os animaes, porém, que pela primeira vez vêem este passaro são me- nos tolerantes com tão singulares amigo.. O pica-boi só estima a sociedade dos animaes, e foge do homem mal o vê, não permittindo que ninguem se lhe abeire. E" em extremo bravio e espantadico. Nada se sabe ácerca da reproducção deste pas- saro. Na Africa habita uma familia de pas- saros, os CGolios —Colius — muito communs nas florestas virgens e nas povoações do interior da Africa, e do mesmo modo frequentes nas vizinhanças do Cabo da Boa Esperança. Uma das especies, o co- ho de cauda longa, tem O”, 36 de com- Gr. n.º 348 — O pica-boi primento 0”, 25 dos quaes pertencem á cauda. O pardo aloirado, mais ou menos aver- melhado, ou o pardo cinzento são as córes predominantes da plumagem dos colios, e d'aqui lhes provém o nome de passaros- ratos que lhes tem sido dado. Teem a cabeça ornada de poupa, mas o seu maior caracteristico é a pennugem excessivamen- te solta parecendo antes pello. Vivem em bandos, d'ordinario forma- dos de seis individuos, e nos pontos onde o malto é mais cerrado, onde as plan- tas parasitas e os cipós, entrelaçando-se com os ramos das arvores, formam bre- nhas inextricaveis, nas quaes os homens e os mamiferos não conseguem penetrar, e nem mesmo o chumbo dos cacado- res, ahi se acoitam os colios, sendo até hoje um enygma para o cacador saber, não só como alli penetram, mas tambem como se move no interior de taes brenhas um bando d'estes passaros. No dizer de Levaillant os colios re- unem-se em bandos para passar a noite, havendo de singular n'estes animaes o habito de dormirem suspensos dos ramos, de cabeca para baixo, e de tal forma uni- dos que se podem comparar a um en- xame de abelhas. Confirmando o que diz Levaillant, conta J. Verreaux haver observado por vezes que um colio se fixa ao ramo da arvore por um dos pés, deixando pender o outro; a este segura-se um segundo passaro, ao segundo um terceiro pelo mesmo pro- cesso, ao todo como que uma cadeia for- mada de cinco ou seis individuos. A carne d'estas aves é muito estimada pela delicadeza do sabor. 112 MARAVILHAS DA CREAÇÃO A uma familia de passaros a que os naturalistas denominam Icteri perlen- cem diversos generos, todos da America, que comprehendem varias especies de corpo alongado, bico conico, direito e ar- redondado, azas regulares, cauda medio- cre, alguns de poupa, tendo a plumagem macia e lustrosa, e predominando nella as tres córes: preta, amarella e vermelha. Faremos menção de duas especies, uma notavel pela construcção artistica do ninho, e a ambas conservaremos os nomes porque são conhecidas no Brazil. O GUIRA-UNA Oriolus jamacaii, de Gmlin.— Le carrouge jamacai, dos francezes E” dos mais bellos passaros da familia. Tem a cabeca, a garganta, as costas e a cauda negras, a parte posterior das costas, o peito e o ventre côr de laranja clara, as pe- quenas coberturas superiores das azas amarellas alaranjadas, e as in- feriores côr de gemma d'ovo ; bico negro, pés côr de carne. Em volta dos olhos tem um circulo nú de côr verde. Mede 0",27 de compri- mento. E commum no Brazil. O guira-una é vivo, agil, notavel pela belleza e brilho da plumagem, de voz agradavel, imitando o canto d'outros passaros. O seu principal alimento consiste em fructos, e ac- cusam-n'o de causar estragos nas arvores fructiferas, principalmente nas bananeiras e nas laranjeiras. Vive captivo e torna-se docil e fa- miliar com as pessoas que o cui- dam. z O JAPU Cassicus cristatus, de Linneo — Le cassique huppé, dos francezes E” negro luzidio, com a parte posterior das costas e o uropigio vermelhos trigueiros escuros. As re- Gr. n.º 319 — Ninho do japú quenta os terrenos arvorejados, encon trando-se nas plantações que lhes ficam proximas. E” muito sociavel, vivendo em bandos numerosos todo o anno, até mes- mo na epoca das nupcias, encontrando-se aos vinte, trinta e quarenta casaes, e to- ctrizes externas são amarelas, as duas do centro negras, o bico ama- rello esbranquiçado, os pés negros. Mede Om, 42 de comprimento. Encontra-se em grande parte da America do Sul, e é commum no Brazil. O Japú vive nas florestas, e fre- dos construem o ninho na mesma ar- vore. Alimenta-se de bagas, fructos e inse- ctos. Na epoca da maturação dos fru- ctos causa grandes estragos nas arvores fructiferas, atacando-as aos bandos. Nos AVES — O ESTORNINHO 113 habitos tem este passaro grande simi- lhança com os nossos estorninhos. Muito vivos, ageis, e de vôo rapido, são principalmente notaveis os japús pela arte com que construem o ninho. «Nidificam nas arvores mais ou menos altas, e o ninho, em fórma de bolsa, tem 0m, 30 de largo por 1” proximamente de alto. E estreito, arredondado na extre- midade inferior, e fixado a uma ramo da espessura d'um dedo proximamente. À abertura é alongada e situada na parte superior. A forma do ninho e a flexibi- lidade dos materiaes que entram na sua construecção expõóem-n'o a que a mais leve brisa o faça oscillar, posto que no todo seja solido e resistente, tecido e fel- trado com as fibras de certas plantas. No fundo desta longa bolsa existe uma cama de musgo, de folhas seccas e peda- cos de casca d'arvores, onde a femea põe um ou dois ovos. Para o naturalista, ou mesmo para o ca- cador, é um lindo espectaculo observar uma arvore coberta de ninhos, e nella saltitando, dºum para outro ramo, nume- rosos, estes grandes e bellos passaros, que se deixam observar sem que a presença do homem os assuste» (Brehm). Os japús, no dizer de Brehm, habi- tuam-se facilmente a viver captivos, ca- recendo d'uma grande gaiola e de que os não deixem sós. O ESTORNINHO Sturnus vulgaris, de Linneo — L'etourneau, dos francezes Tem a plumagem negra luzidia com reflexos cór de violeta e verdes, coberta, na parte superior do corpo, de pequenas malhas triangulares brancas arruivadas ; bico negro, pés trigueiros avermelhados. Mede 0”, 23 de comprimento. É commum no nosso paiz, e encontra- se em toda a Europa e na Africa septen- trional. O ESTORNINHO PRETO Sturnus unicolor, de la Marmora L'etourneau noir dos francezes A plumagem dos individuos d'esta es- pecie é toda negra luzidia com reflexos vermelhos, menos vivos nas partes infe- riores do que nas superiores; a pennu- gem do alto da cabeca e do papo é muito comprida e estreita, o bico amarello na extremidade, os pés trigueiros amarella- dos. Mede 0", 23 de comprimento. E tambem commum em Portugal, en- contrando-se associado ao estorninho vul- gar. Os estorninhos são graciosos, alegres, vivos, e de tal modo sociaveis que não só se agrupam aos da sua especie, como vivem em sociedade com outros passaros. E principalmente ao cair da tarde que se reunem em maior quantidade, como que para se esquivarem aos perigos da noite pelo numero. «Nas maltas, nos cannaviaes, á borda das correntes d'agua, reunem-se á tarde muitos milhares que se véem chegar de differentes pontos e muitas milhas dis- tante. Quando no fim de agosto os cannicos já feitos são mais resistentes, reunem-se os estorninhos á noite à bor- da dos lagos, dos ribeiros ou dos tan- ques, aos milhares ou ás centenas de mi- lhar, voando por muito tempo, d'um para outro lado, pousando ora nos cam- pos ora nos cannaviaes, até que final- mente, depois de por longo tempo ha- verem gritado, assobiado, cantado, e de repetidas rixas entre elles, terminam por cada um escolher o logar onde deve pas- sar a noite, e a pouco e pouco o silencio restabelece-se e eil-os adormecidos. Por vezes algum, quebrando com o peso o can- nico onde pousava, cae e perturba a tranquillidade dos vizinhos, fazendo mo- tim até encontrar outro poleiro que lhe agrade». (Lenz). Os estorninhos alimentam-se de les- mas, vermes e escaravelhos ; comem trigo, milho, semente de linho, cerejas, uvas, azeitonas, etc., e a grande quanti- dade de animaes nocivos à agricultura que destroem torna-os dignos de protee- cão, e dá-lhes direito a serem considera- dos como uteis. Não tem arte o ninho do estorninho: limita-se todo o empenho dos paes a reunir algumas folhas seccas, alguns ra- minhos de herva ou de musgo, no tron- co ôco duma arvore ou na fenda d'al- gum muro, ás vezes nos campanarios e no interior dos pombaes, e ahi põe a femea cinco ou seis ovos, grandes e alon- gados, cinzentos esverdeados. Creados os filhos d'esta primeira ninhada, a femea faz outra postura, e vae com os peque- nos da segunda ninhada reunir-se aos da primeira. No ninho os estorninhos alimentam os filhos de insectos, vermes e lagartas. - O estorninho, posto que não seja com- mum vêl-o engaiolado, é dos passaros mais 114 doceis e que mais promptamente se ha- bituam á perda da liberdade, até mesmo os que se apanham já adultos. «O estorninho familiarisa-se extraor- dinariamente tendo-o n'um quarto, e é docil como um cão; sempre alegre e vivo, conhece todas as pessoas da casa, nota-lhes os movimentos e amolda-se ao bom ou mau humor que apparentam. Ao vêl-o caminhar serio e vacillante, pare- cendo que tudo lhe passa desapercebido, realmente nada lhe escapa. Aprende a pro- nunciar palavras completas sem que seja MARAVILHAS DA CREAÇÃO necessario fazer-lhe nenhuma operação á lingua, repete as arias que ouve assobiar, tanto o macho como a femea, imita os gritos do homem ou dos animaes, final- mente o canto dos passaros que haja na mesma casa. E” necessario, porém, dizer que tão facilmente aprende como esquece, ou faz de tudo que sabe um amalgama indeci- fravel. Para que aprenda e conserve de memoria uma aria ou uma palavra, ca- rece-se de tel-o encerrado em sitio onde não ouça outros sons. Não só os estorni- Gr. n.º 320 — 0 estorninho nhos novos se ensinam ; os velhos apren- dem da mesma sorte e são admiravelmente doceis» (Bechstein). Alguns chegam a repetir phrases cur- tas, e diz-se dum que repetia o padre nosso sem omittir uma palavra. Lenz conta de certo estorninho que sabia duas pequenas canções, e que pro- nunciava distinctamente a palavra po- lisson (tunante). Um dia encontrando a janella aberta voou para o campo, e por muito tempo ninguem o viu. Mais tarde o dono, ouvindo grande algazarra, foi encontrar uns tantos rapazes debaixo d'uma arvore, dispostos a atirar pedras ao estorninho, que estava tranquillamente pousado n'um ramo, cantando e asso- biando, e por vezes gritando quanto po- dia: polisson, polisson ! O ROLLIEIRO Coracias garrula, de Linneo — Le rollier ordinaire, dos francezes Esta especie é a representante do ge- “nero Coracias na Europa, do qual diver- AVES— O ROLLIEIRO 115 CO E E a a sas outras vivem na Ásia, Africa e Ocea- | mar, bico negro, pés amarellados. Mede nia, sendo os paizes tropicaes a verdadeira patria d'estes passaros. Caracterisa-os O bico de comprimento mediano, direito e vigoroso, largo na base, e com a extre- | midade recurva, tarsos curtos, azas e cauda de tamanho regular. O rollieiro da Europa, typo do genero, não é raro no nosso paiz, tornando- se notavel pela sua apparatosa pluma- gem. A cór predominante é a verde, com as costas côr de canella clara, as pequenas coberturas das azas azul violeta, o uro- pigio matizado de verde e de violeta, peito e abdomen verde-mar, remiges trigueiras, as duas ou tres primeiras franjadas de ver- de, rectrizes trigueiras matizadas de verde 0,” 32 de comprimento. O rollieiro é um passaro d'emigração, pouco sociavel, vivendo em continuas ri- xas com os seus similhantes, e cujo canto se limita a certos gritos roucos e des- agradaveis que solta principalmente na epoca da femea occupar-se da incuba- ção. Alimenta-se de pequenos reptis, e de insectos de toda a especie, principalmente de gafanhotos, vermes, rãs pequenas e lagartos, e affirmam varios escriptores que os figos são manjar muito do seu agrado. A fórma porque os rollieiros con- seguem matar os animaes de que se ali- mentam é assás curiosa, segundo refere Bechstein. Tomam-n'os no bico, e, depois Gr. n.º 324 — O rollieiro de tentarem esmagal-os, atiram-n'os ao ar muitas vezes aparando-os no bico aberto, Se o animal ainda se move, dão com elle vigorosamente no chão, e atirando-o ao ar novamente esperam que elle caia a di- reito no bico, para engolil-o mais facil- mente. : Aninham nos troncos das arvores ou nas fendas dos muros, fazendo uma cama de raizes seccas, de rastolho, pennas e pellos, onde a femea põe de quatro a seis ovos brancos. E” muito difficil habituar o rollieiro á perda da liberdade: os adultos suc- cumbem, e os novos só á força de cui- dados se consegue que vivam engaio- lados. O GAIO Corvus glandarius, de Linneo — Le geai, dos francezes. Esta especie, commum no nosso paiz, forma com outras que vivem na Europa, Asia e Africa o genero Garrulus. Tem o bico grosso, levemente chanfrado na ponta, azas mediocres arredondadas, tar- sos vigorosos, cauda quadrada. As pen- nas da cabeca, geralmente alongadas, po- de o passaro erical-as quando quer. A côr predominante do gaio é o pardo avermelhado ou pardo trigueiro, mais escuro nas partes superiores do que no ventre; tem a pennugem comprida da frente e do alto da cabeça, branca pardaca tirante a azulada, e malhada longitudi- nalmente de negro no centro; a garganta 116 MARAVILHAS DA CREAÇÃO branca com uma faxa negra larga em volta, descendo-lhe até ás faces, o uropi- gio branco e as coberturas superiores das remiges primarias alternadamente raja- das de negro, azul e branco ; as remiges negras franjadas exteriormente de branco pardaço, as rectrizes tambem negras e al- gumas vezes bordadas d'azul ; bico negro, pés trigueiros desbotados. Mede 0,736 aproximadamente de comprimento por 0",55 d'envergadura. - O gaio frequenta os campos arvore- jados, as orlas das mattas, e principal- | mente os carvalhaes; na primavera en- contra-se aos casaes, e todo o resto do anno reunido em familias ou bandos pouco numerosos, que vagueiam d'um para outro lado. E" um passaro vivo, muito activo, e esperto como poucos. Pos-ue no grau mais elevado o dom d'imitar a voz dos outros passaros, a dos mamiferos, e todos os sons que ouve. « Um dia d'outono, conta Rosenheyn, fatigado da caca, sentei-me junto a um vidoeiro, entregue completamente aos meus pensamentos. Despertou-me agrada- Gr. n.º 322 — O gaio velmente o chilrar d'um passaro, mas o facto era para causar estranheza n'aquella epoca. Qual seria o cantor ? Examinei as arvores, mas o artista conservava-se 'incognito, e o canto cada vez mais se avigorava : era similhante ao do tordo. E um tordo, disse eu para commigo; mas subitamente outros sons menos melodiosos e entrecortados vieram ferir-me o ouvido, e parecia que a dois passos de mim se formara uma verda- deira orchestra. Era o grito do pica-pau e o da pega, em seguida o do picanso, do tordo, do estorninho e do rollieiro ... Finalmente, n'um dos ramos mais altos da arvore divisei um gaio. Era elle o unico productor dos variados sons que eu ouvira, imitados do canto de diversos passaros.» cInfelizmente o gaio tem defeitos que lhe roubam a amizade do homem. E” o mais cruel rapinante de ninhos que existe nas nossas mattas. Omnivoro na mais ampla accepção da palavra. Desde os ra- tos e os passaros novos até aos mais pe- quenos insectos, não ha animal que es- teja ao abrigo dos ataques do gaio. Não desdenha o regimen vegetal, os fructos, as bagas, etc... (Brehm). «Que faz este cavalleiro andante, este AVES — A PEGA E finorio, durante a epoca de nupcias das aves? Vae de arvore em arvore, de mouta em mouta, devastando os ninhos, engulin- do o conteudo dos ovos, e devorando os pequenos. Os picansos e o gavião são, na verdade, assassinos crueis, mas nenhum causa aos cantores alados da floresta o mal que lhes faz o gaio.» Aninha este passaro nas arvores, a pouca altura do solo, construindo o ni- nho exteriormente de troncos delgados e seccos, por cima hervas seccas, e no in- terior tapisado de raizes flexiveis. A fe- mea põe de cinco a-sete ovos, brancos esverdeados com salpicos pardos triguei- ros. Os pequenos são alimentados pelos paes, a principio com lagartas, larvas d'insectos e vermes, mais tarde com pas- sarinhos. Apanhado novo no ninho, o gaio tor- na-se manso, e é agradavel pela facili- dade que tem de imitar os sons que ouve. Aprende a assobiar uma aria cur- ta e mesmo a pronunciar palavras. Os velhos nem se amansam nem vivem capti- vos. Naturalmente irasciveis e richosos não se podem reunir a outros passaros” à PEGA Pica caudata, de Linneo—La pie, dos francezes Esta especie e a que em seguida vae descripta, o rabilongo, pertencem ao ge- nero Pica, rico em especies que habitam na Europa, Ásia, Africa e Oceania. À pega é muito commum na Europa e fre- quente no nosso paiz. Similhante ao corvo, tem, porém, à cauda comprida, as azas mais curtas, e a plumagem menos lu- gubre do que a d'aquelle. A pega vulgar é um passaro airoso, com a cabeça, pescoço, costas, quasi todo o peito, e as pernas negros carvão avel- ludados, com reflexos metallicos verde- bronze na fronte e no alto da cabeça; as barbas externas das remiges primarias, a parte inferior do peito e o abdomen bran- cos limpos, as azas e a cauda negras com reflexos verdes, azues purpurinos e violaceos, bico e pés negros. Mede 0”, 50 de comprimento, dos quaes a cauda tem 0n, 28. O RABILONGO Cyanopica Cookii, de Bonaparte — La pie blue, dos francezes O rabilongo, congenere da pega, é um lindo passaro, muito commum nos pi- nhaes do sul do Tejo. 12 | | Tem a cabeca e a parte superior da nuca negras avelludadas, as costas pardas trigueiras claras, a garganta e as faces pardas esbranquicadas, o ventre pardo loiro claro, as azas e a cauda pardas azues claras, bico e pés negros. Mede 0,"37 de comprimento, dos quaes 0,730 pertencem á cauda. Os habitos d'estas duas especies são muito analogos, sendo o rabilongo mais sociavel e encontrando-se em bandos nu- merosos. Faremos, pois, a descripção da pega. E' a pega um passaro sociavel, que se encontra por vezes em companhia dos cor- vos e das gralhas, preferindo porém a so- ciedade dos seus similhantes. Vive de or- dinario em familias. Compõe-se o seu ali- mento d'insectos, vermes, molluscos, pe- quenos animaes vertebrados, fructos, ba- gas e sementes. Na primavera ataca os ninhos dos passaros, devorando os peque- nos € os ovos. Vivendo em liberdade ou captiva é sem- pre dominada pelo desejo de amontoar provisões e de esconder todos os objectos que vê luzir. Este instincto, n'ella tão des- envolvido, deu causa, como o leitor tal- vez não ignore, a um drama popular, a pega ladra, historia verdadeira duma criada da aldeia de Palaiseau, accusada de haver roubado uns talheres de prata, e que sendo condemnada á morte e justicada, tendo mais tarde foi a sua innocencia pro- vada, e a pega que existia em casa reco- nhecida como autora do roubo. O facto deu-se em Paris, em casa d'um fundi- dor de sinos. Intelligente, esperta, de sentidos apura- dos, desconfia do homem, mas atreve-se a atacar animaes como o cão, o Tra- poso e as aves de rapina, conseguindo por vezes obrigal-os a retirar, auxiliada pelos seus similhantes que correm aos gri- tos que ella solta. Vôa pesadamente, qual- quer arage mais forte lhe difficulta o vôo, tornando-o incerto; caminha por sobre o solo, grave e pausadamente, baloicando o corpo, ás vezes acs saltinhos obliquos, mas sempre agitando a cauda á maneira das alveloas. O ninho construe-o sobre as arvores mais altas, de troncos, ramos espinhosos e terra amassada no exterior; por dentro forrado de raizes flexíveis e de despojos vegetaes, fazendo-lhe a entrada ao lado, de modo que a femea na incubação esteja VOL, HI 118 MARAVILHAS DA CREAÇÃO ao abrigo dos ataques que lhe possam vir | femea, mostrando ambos grande dedi- de cima. Affirmam alguns autores que a pega construe diversos ninhos ao mesmo tempo, mas que um só aperfeiçoa, e n'esse põe os ovos. Nordmann diz que ella pro- cede assim para desviar do verdadeiro ninho a altencão dos curiosos. Sendo ver- dade é necessario conceder á pega muita intelligencia e astucia. A femea põe algumas vezessete e oito ovos, oblongos, esverdeados sujos mais ou menos claros, com manchas azeitona- das e trigueiras, de cuja incubação se encarregam alternadamente o macho e a cação e carinho pela sua progenie. A pega torna-se facilmente docil e fa- miliarisa-se com as pessoas que a tratam, sendo apanhada de pequena no ninho; domesticada alimenta-se de carne, pão e queijo. Aprende a falar e repete as palavras que lhe ensinam; algumas instruem-se fa- cilmente, outras com difficuldade. E” uso cortar-lhe uma membrana fibrosa e ma- cia que existe sob a lingua, 0 freio, para que melhor possam pronunciar as pala- vras; alguns escriptores porém negam que a pega para falar [careça de tal opera- ção. Gr. n.º 828— 4, À pega— 2. 0 corvo Do genero Corvus existe grande nu- mero d'especies espalhadas por todos os pontos do globo, das quaes algumas vi- vem sedentarias no nosso paiz e outras d'arribação. Descreveremos em primeiro logar al- gumas destas especies, e diremos em se- guida o que ha de mais interessante ácerca dos seus habitos. A GRALHA CALVA Corvus fiugilegus, de Linneo — Le corbeau freux, dos francezes Tem a plumagem negra com reflexos purpurinos, mais brilhantes nas partes superiores do corpo do que nas inferio- res; bico e pés pardos. Mede 0",50. Faz o ninho nas arvores, e ás vezes dez ou quinze casaes nidificam na mes- ma arvore, uns proximos dos outros ; a femea põe de tres a cinco ovos muito variaveis na fórma e na côr, oblongos ou arredondados ; uns verdes com mancha- irregulares, grandes ou pequenas, tris gueiras ou côr de azeitona, e outros brancos esverdeados, azulados ou par- daços sem manchas, sendo por vezes estas em tão grande numero, que 0 ovo figura ser completamente trigueiro. A gralha calva vive na Europa e na Ásia Occidental. E commum no nosso paiz. AVES — O CORVO 119 A GRALHA Corvus corone, de Linneo — La corneille noir, dos francezes Tem a plumagem negra por inteiro com reflexos violaceos, principalmente nas azas; bico e pés negros. Mede 0",51 de comprimento. Construe o ninho nas arvores mais altas, e alli a femea põe de quatro a seis ovos alongados, azues desvanecidos tirantes a esverdeados, com manchas pe- quenas ou grandes, irregulares, pardas, cinzentas ou azeitonadas, mais ou menos trigueiras. Habita a gralha na Europa e na Ásia, e é menos commum no nosso paiz do que a especie antecedente. O CURVO Corvus corar, de Linnco-—Le corbeau, dos francezes A plumagem do corvo é completa- mente negra, com reflexos violaceos ou purpurinos nas partes superiores do cor- po, e verdes na inferior; bico e pés ne- gros. Mede 0,”67 de comprimento. Construe o ninho nas rochas ou nas arvores mais altas, onde não seja facil trepar, grande e formado no exterior de ramos grossos, em seguida d'outros mais delgados, e no interior tapisado de lichens, hervas, lã etc. A femea põe de tres a seis ovos oblongos, esverdeados sujos, com manchas irregulares, que dif- ferem no tamanho, trigueiras e mais ou menos escuras. Vive o corvo na Europa e na Ásia, sendo commum no nosso paiz. A CHUCA, OU GRALHA DAS TORRES Corvus monedula, de Linneo—Le choucas des clochers, ou courbeau choucas, dos francezes Tem a plumagem do alto da cabeca, das costas, do uropigio, das azas e da cauda negra, com reflexos esverdeados ou pardos, a dos lados do pescoco e parte posterior da cabeca cinzenta perola luzidia, e por vezes urna especie de col- lar branco ; pés e bico negros. E mais pequena que as especies antece- dentes, medindo 0,41 de comprimento. Aninha nas fendas dos muros ou das paredes das torres, e tambem nas cavidades dos troncos das arvores, a que vive nos campos; a femea põe de qua- tro a sete ovos azues desvanecidos, tiran= tes a verde pardacento, com manchas arredondadas, annegradas ou côr de bis- tre. A chuca vive em quasi toda a Europa ; é sedentaria em Franca, e encontra-se em Hespanha, devendo apparecer em Por- lugal. «Todas estas especies teem com pe- quenas variantes os mesmos caracteres, eguaes aptidões, e habitos similhantes. Exceptuando o corvo, que vive isolado com a femea, todas as outras se reunem em bandos, seja para irem em busca do alimento, ou para passarem a noite nas mattas, aninharem e crearem os filhos. Em intelligencia, finura, e até mesmo malicia todas se assimilham, possuindo o mesmo dom de imitação e tambem o costume de arrecadarem provisões em sitio escuso. «Na domesticidade degenera este cos- tume n'uma mania especial, que obriga estas aves a tomarem no bico e esconde- rem todos os objectos que lhes dão na vista, principalmente os que brilham, taes como os de prata ou oiro, as joias, os instrumentos d'aco, de cobre etc. Todas as especies do genero, e prin- cipalmente o corvo c a gralha, são omni- voras por excellencia. A carne viva ou morla, o peixe que vem dar á praia, os insectos, os ovos, os fructos e as semen- tes, tudo lhes agrada, e d'este modo são importantes as depredações feitas por es- tes passaros. O corvo, não satisfeito com o tributo que lança ás toupeiras, aos ra- tinhos campestres e aos lebrachos, intro- duz-se nas capoeiras, e sem mais ceremo- nia chama-lhes seus e devora os pintos, os patos pequenos e os faisões novos. Buffon vae mais longe: affirma que em certos paizes o corvo se fixa no dor- so dos bufalos, e os devora a pouco e pouco, depois de lhes haver arrancado os olhos. E' certo que a gralha, no dizer de Lewis, ataca os cordeiros nas pastagens da Es- cossia e da Irlanda. Finalmente os corvos e seus congeneres gostam de levantar a terra semeada de fresco, para se apossa- rem das sementes que o cultivador lhe confiou. Estes feitos criam-lhe entre os habitantes dos campos inimigos irrecon- ciliaveis, sempre promptos a perseguil-os e armar-lhes lacos. Ha paizes, taes como na Noruega, onde as rapinas d'estes pas- 120 saros sobem de ponto, sendo mister que a lei intervenha ordenando a sua exter- minação. Se considerarmos, porém, estes factos sem prevenção, teremos de nos conven- cer que na maior parte dos paizes os corvos são mais uteis que nocivos, e que melhor fôra protegel-os do que destruil-os. Não só contribuem para o saneamento da atmosphera, devorando os corpos cor- rompidos que poderiam vicial-a com as suas emanações, como tambem destroem todos os annos numero consideravel de vermes, larvas e insectos. Estes servicos compensam largamente os estragos cau- sados á agricultura. Os corvos teem o vôo vigoroso e firme, o olfato apurado e a vista agudissima, e á perfeição d'estes dois sentidos devem a faculdade de poderem, na altura a que remontam, e onde pairam com o maior desembaraço, enxergar as victimas que a morte todos os dias faz entre os seres animados. Os seus gritos, ou grasnada, muito des- agradavel, não contribuem menos que a côr negra da plumagem para dar-lhes a re- putação de aves de mau agouro. Atlri- buem-lhes os antigos o dom de adivinhar, e principalmente de annunciarem calami- dades, o que levava os arúspices a consul- tal-os, procurando prognosticos nos va- rios modos de grasnar ou nos seus mo- vimentos no ar.» (Figuier). As gralhas calvas, mais do que nenhum dos seus congeneres, no dizer de Brehm, fazem motim insupportavel para quem vive na proximidade dos sitios onde se reunem. Do habito peculiar a estes ani- maes de gritarem estrondosamente, veiu de certo a origem da palavra gralhada, que exprime a vozeria confusa de muita gente ou d'animaes. «Quando se avizinha a epoca das nu- pcias, as gralhas calvas reunem-se aos milhares nas arvores, e tal estrondo fa- zem que mal poderá fazer idéa quem o não ouça. Aninhando muitos casaes uns proximos dos outros, ás vezes quinze e vinte n'uma só arvore, tantos quantos nella cabem, as gralhas diligenciam rou- bar umas ás outras os materiaes que em- pregam na construcção dos ninhos, e d'aqui se origina tal vozeria que se ouve a grande distancia, vendo-se ao mesmo tempo estes passaros adejarem por cima das suas moradas, formando como que uma nuvem negra.» (Brehm). MARAVILHAS DA CREAÇÃO Quando se apanham novos, no ninho, os corvos domesticam-se com notavel facilidade, e embora os deixem andar livremente nunca abandonam a casa onde foram creados. Vão pelos campos em busca de alimento, mas á tarde vol- vem a casa do dono, e a este se affeiçoam por tal modo, que até depois de muitos annos de separação o reconhecem. A audacia e malicia destes passaros é inacreditavel, e se ganham antipalhia a alguem não ha travessura que lhe não fa- cam. Odeiam os cães e os gatos, e per- seguem-n'os sem treguas ás bicadas, ar- rancando-lhes à viva força o bocado de carne que elles se dispunham a comer. Em escondrijos que fazem occultam tudo quanto lhes excita a cubica ou o appe- tite. Aprendem a repetir palavras e até phrases, imitando os gritos d'alguns ani- maes». (Figuier). Brehm o distincto naturalista allemão, a quem tantas vezes nos havemos referido nesta obra, falando do corvo, diz: «Muito longe me levaria a narração de quantas historias sei a respeito do corvo, e por isso contentar-me-hei em dizer que tem intelligencia realmente humana, sabendo ser tão agradavel ao dono como desagra- davel aos estranhos Os philosophos que pretendem negar a intelligencia aos ani- maes observem o corvo, e terão de con- vencer-se que as theorias ácerca do ins- tincto, e da força instinctiva irracional, não podem applicar-se a este passaro.» Grande numero de factos citados nas obras de historia natural garantem a ver- dade desta asseveração, e entre elles men- cionaremos um dos que o dr. Franklin narra nasua obra. — A Vida dos Animaes. —Um corvo que fôra apanhado na Russia havia sido transportado para o Jardim das Plantas em Paris, e um dia em que por acaso o dr. Monin, a quem elle per- tencera havia dez annos, se deteve em frente da gaiola,o corvo saltou para o hom- bro do antigo dono e desfez-se em afa- gos de toda a sorte. O dr. Monin recla- mou-o levando-o para a sua casa de campo proxima de Blois, onde o corvo tinha por habito dirigir-se aos aldeãos em termos menos convenientes: trata- va-os por grous cochons (grandes porcos). AVES — O QUEBRA-NOZES A GRALHA DE BICO VERMELHO Corvus graculus, de Linneo — Le crave ordinaire, dos francezes Esta especie, unica do genero Fregiius, afasta-se das especies antecedentes do ge- nero Corvus por diversos caracteristicos importantes. A gralha de bico vermelho tem o corpo delgado, azas compridas, cauda curta, bico tenue, pontudo, le- vemente recurvo e vermelho; os pés d'esta mesma cór e a plumagem negra luzidia com reflexos verdes, azues e côr de purpura. Mede 0,42. Frequenta uma grande parte das mon- tanhas da Europa e da Asia, é commum nas serras de Hespanha e não é rara no nosso paiz. A gralha de bico vermelho parece ser principalmente insectivora, e com o au- xilio do bico comprido e recurvo sabe apossar-se dos insectos que se escondem entre as pedras. Construe o ninho nas fendas das rochas mais inaccessiveis, pondo a femea de tres a cinco ovos es- branquicados ou amarellos sujos, com sal- picos trigueiros claros. Este passaro, á imitação dos corvos, é fa- cil de domesticar, tornando-se como este docil e interessante. Come carne, gostando porém de quasi todos os alimentos de que usa o homem. O) nosso corvo é representado na Africa por duas especies do genero Corvultur, corbiveau dos francezes, ou corvos-abulres, que teem o bico muito grosso, compri- mido nos lados e muito recurvo, simi- lhante ao bico dos abutres, e que em ta- manho e voracidade vão muito além dos nossos corvos. Uma das especies que habita no Cabo da Boa Esperanca, corvultur albicolis, é preta com uma malha branca na nuca; tem o bico negro com a extremidade branca. A outra especie, corvultur crassirostris, que vive na Africa Oriental, é tambem negra, tendo uma malha branca na parte |, inferior da nuca com a forma d'uma pe- ra; pés negros e bico de egual cór com a extremidade branca. Mede 1,05 de com- primento, dos quaes 0,25 pertencem á cauda. Levaillant diz que estes passaros são vorazes, gritadores, petulantes, sociaveis e immundos, tendo analogia com o nos- so corvo pelo gosto que teem pela car- ne corrompida. Algumas vezes, reunidos 121 em grupos numerosos, atacam e matam os cordeiros e as gazellas novas para de- voral-os, comecando pelos olhos e em seguida a lingua. O QUEBRA-NOZES Corvus caryocatactes, de Linneo — Le casse-noix, dos francezes Esta especie da familia dos corvos fór- ma com outras duas o genero Nucifraga, differindo o quebra-nozes dos gaios e das pegas na fórma do bico, que é mais di- reito e obtuso; cabeça grande e achata- da, azas medianas e obtusas, cauda ar- redondada e de comprimento regular. E trigueiro escuro por egual na parte su- perior da cabeca e do pescoco, com ma- lhas brancas em fórma de lagrimas, pe- quenas nas partes superiores do corpo e mais largas nas inferiores; azas e cauda negras com reflexos esverdeados, as pri- meiras tendo nas coberturas salpicos bran- cos e a segunda terminando n'uma faxa branca; bico e pés negros. Mede 0,"35 de comprimento. O quebra nozes vive nas grandes flo- restas dos paizes montanhosos da Euro- pa; encontra-se em Franca, na Suissa e na Allemanha. Alimenta-se, como todos os passaros da familia dos corvos, d'insectos, vermes e caracoes; devora os pequenos vertebra- dos, atacando os passaros mais debeis do que elle e pilhando-lhe os ninhos. Gosta muito de fructos, e- especialmente de nozes, as quaes abre com o bico segu- rando-as entre os pés. Muitos naturalis- tas, e com elles Buffon, se referem ao cos- tume curioso deste passaro, que esconde nas cavidades das arvores e nas fendas dos rochedos os fructos que da alimenta- cão, lhe sobram, como se quizera estabe- lecer realmente depositos de provisões para os maus dias de inverno, em que ellas escasseiam. O quebra-nozes faz o ninho nos ramos e troncos grossos dos pinheiros e dos abé- tos. E facil de domesticar, e posto que o regimen animal mais lhe convenha acos- tuma-se facilmente a qualquer outra ali- mentação, tornando-se, porém, desagra- davel pela sua immensa voracidade. Na Nova Guiné ou Papouasia, ao norte da Australia, e nas ilhas vizinhas vive um grupo de passaros vulgarmente conheci- 122 dos por aves do paraiso, e caracterisados pelos feixes de grandes pennas filiformes e desfiadas que o macho tem nos flancos, podendo soltal-as ou recolhel-as á von- tade. N'alguns as duas rectrizes centraes alongam-se e formam dois filetes. A plu- magem é notavel pela belleza e brilho do colorido. Não existe passaro ácerca do qual tan- tas fabulas se hajam inventado e corrido, conservando-se por muito tempo desco- nhecidos os seus habitos. Uma das cau- sas que mais contribuiu para se acredi- lar na existencia maravilhosa destas aves foi o faltarem as pernas a todos os exem- plares vindos para a Europa sendo esta mutilação feita pelos indigenas, deu mo- tivo a acredilar-se que as aves do paraiso não tinham pernas, erro que Linneo sanc- cionou dando a uma das especies o nome de Apoda, isto é, sem pés. Mais se accrescentava então que estes passaros se suspendiam ás arvores pelos filetes da cauda, dormiam no ar, e que a femea punha os ovos nas costas do macho, realisando-se ahi a incubação, vi- vendo os dois sempre no ar, não care- cendo de pousar no solo nem nas arvo- res, € alimentando-se do ether e do rocio da manhã. Muitos viajantes e naturalistas que teem observado as aves do paraiso na sua patria, livres e captivas, nos pozeram hoje de pos- se da verdade, ácerca do viver d'estes pas- saros outr'ora fabulosos. Vivem nas florestas e alimentam-se de fructos e d'insectos, que buscam nas ar- vores, conservando-se durante o dia em continuo movimento. A noite re- unem-se em grupos, e dormem no cimo das arvores mais frondosas. Os papous cacam estes passaros para lhe haverem à plumagem, que tem grande valor, seja para envial-a directa- mente para a Europa ou para à India e China. As aves do paraiso vivem captivas, estando hoje perfeitamente demonstrado que se podem conservar engaioladas. O grupo das aves do paraiso, Paradisea, está dividido em diversos generos, cara- cterisados pela disposição da plumagem: d'elles descreveremos as especies repre- sentadas na nossa gravura. MARAVILHAS DA CREAÇÃO A AVE DO PARAISO Paradisea apoda, de Linneo—Le paradister emeraud, dos francezes A côr predominante d'este passaro é a trigueira castanha, tendo a fronte negra avelludada com reflexos verde esmeralda, o alto da cabeça e a parte superior do pescoço côr de limão, a garganta verde doirada, a parte anterior do pescoço tri- gueira violeta, as longas pennas das ilhar- gas côr de laranja clara com salpicos cór de purpura na extremidade ; bico e pés pardos azulados. Mede 0”",36 de compri- mento. A MANUCODIATA DOIRADA Paradisea aurea, de Linneo — Le sifilet, dos francezes Tem a plumagem preta e o peito verde doirado ; de cada lado da cabeca sae-lhe tres hastes finas, filiformes, terminando por um disco verde doirado. Tem o tama- nho d'um tordo. A MANUCODIATA REAL Paradisea regia, de Linneo— Le manucode royal, dos francezes Tem as costas côr do rubi, a fronte e o alto da cabeça côr de laranja, a gar- ganta amarella, o ventre branco pardaço, à largura do peito uma faxa verde com reflexos metallicos, as pennas grandes dos lados pardas com duas faxas trans- versaes, uma branca e outra vermelha, e na extremidade verde esmeralda; as duas pennas medianas da cauda, alonga- das, fórmam duas hastes muito compri- das terminando n'um disco de barbas. Tem o tamanho do tordo. Existem muitas outras especies nota- veis pelo esplendor do colorido e singular disposição da plumagem, cuja descripção, por minunciosa e completa, que seja, es- tará sempre longe da realidade. Aos nossos leitores, que o possam fazer, recommendamos uma visita aos bellos exemplares existentes do Museu de Lisboa. OS TENUIROSTROS Caracterisam-se os passaros deste grupo pelo bico longo e tenue, direito ou ar- queado, sem chanfradura. São inseclivo- ros. MARAVILHAS DA CREAÇÃO o GAL O GD NS YA À K / , Impresso por Lallemant frêres, Lisboa. AA TRE DO PARAISO A MANUCODIATA DOIRA TIA A NMANUOODTA TA EE A AVES—O PICA-PAU CINZENTO 123 O PICA-PAU CINZENTO Sitta cesia, de Wolf e Meyer—Le torchepot,dos francezes. Do genero Sitta, que comprehende di- versas especies, tres destas vivem na Euro- pa, e uma, a que serve de epigraphe a este artigo, é commum em Portugal. Teem es- tes passaros e seus congeneres o bico di. reito, pontudo e pyramidal, guarnecido na base de pennas curtas inclinadas para a frente; azas mediocres, cauda curta, dedos compridos armados d'unhas fortes e aduncas. O pica-pau cinzento tem as partes su- periores do corpo cinzentas azuladas, as Gr. n.º 324 — O pica-pau cinzento inferiores ruivas amarelladas, a garganta esbranquicada, as ilhargas e as coxas acastanhadas, uma risca negra do bico até aos lados do pescoço, passando sobre os olhos; remiges trigueiras, as rectrizes do centro cinzentas azuladas, e as restan- tes negras com uma mancha branca nas quatro primeiras ; bico cinzento azulado e pés côr de chumbo. Mede 0,713. Vive aos pares ou em pequenas fami- lias nas mattas, e no inverno aproxi- ma-se por vezes dos povoados. A melhor parte do tempo passa-a trepando ás ar- vores, subindo e descendo ao longo dos ramos, andando em volta dos troncos, em busca dos insectos que encontra nos ramos e occultos entre o musgo. Levan- tando com o bico a casca das arvores, põe tambem a descoberto os escondrijos onde elles se abrigam. Os insectos, as bagas e as sementes, constituem o seu alimento. O pica-pau cinzento faz deposito de provisões para o inverno, arrecadando-as nas cavidades dos troncos das arvores, e ás vezes de- baixo dos telhados das habitações. O ninho construe-o nos troncos ôcos das arvores e excepcionalmente nas fen- das dos muros, formado de folhas, de pedaços de corlica, de substancias seccas, tudo de tal maneira accumulado que custa a comprehender que alli possa in- troduzir-se o passaro, e haja logar para os ovos. À femea põe de seis a nove ovos brancos, salpicados de vermelho claro ou escuro. O pica-pau é facil de conservar captivo podendo dar-se-lhe para alimento aveia, semente de linho, etc. Numa gaiola gran- de ou n'um quarto conserva o habito de arrecadar as provisões, fazendo pequenos depositos, torna-se, porém, nocivo no se- gundo caso, pelo costume de em tudo ba- ter rijamente com o bico. A TREPADEIRA OU ATREPA Certhia familiaris, de Linúneo — Le grimpereau commun, dos francezes, Este passaro, do genero Certhia, tem o corpo alongado, bico arqueado e muito pontudo, tarsos delgados e dedos com unhas grandes, curvas e lacerantes; as pennas da cauda terminam em haste nua, rija e pontuda. A trepadeira tem as costas pardas es- curas malhadas de branco, o ventre bran- co, uma risca branca sobre os olhos, as remiges trigueiras annegradas, e todas, á excepção da primeira, malhadas na extre- midade e com uma faxa amarellada no centro ; asrectrizes pardas trigueiras bor- dadas de amarello claro por fóra; bico negro na parte superior e avermelhado na inferior, pés avermelhados. Mede 07,14 de comprimento. Habita em toda a Europa e é commum em Portugal. Justificando o nome, este passaro vê-se constantemente trepando ás arvores para desencantoar os insectosique se alojam sob a casca, e subindo pelos troncos a direito ou em espiral não lhe escapa fenda ou buraco onde não introduza o bico na esperança d'ahi encontrar acepipe do 124 MARAVILHAS DA CREAÇÃO seu gosto. É raro encontral-o no solo, onde caminha com difficuldade aos saltos, voando, porém, rapidamente. Não se arreceia muito do homem ; pene- tra nos quartos, trepa aos muros, e, uma vez certo de que o não perseguem, deixa aproximar qualquer pessoas a curta dis- tancia. Faz o ninho nos troncos ócos das ar- vores, nas fendas dos muros, entre uma pilha de madeira, e quanto mais funda for a cavidade onde possa construil-o mais será do seu agrado. Os ramos seccos, O rastolho, as folnas, as hervas e a casca das arvores, tudo isto ligado e entrelaçado t) €< ASH ES um » à Ê K | REA br. com teias d'aranha, forma o exterior do ninho; o interior é forrado de pennas. A femea faz duas posturas, a primeira de oito a nove ovos brancos com pequenos salpicos vermelhos. Não é possivel conservar captiva a tre- padeira pela difficuldade que haveria em alimental-a. A TREPADEIRA DOS MUROS Certhia muraria, de Linneo — Le grimpereau des murailles, dos francezes Esta especie encontra-se no nosso paiz, posto que seja menos commum que Gr. n.º 325 — À trepadeira ou atrepa a antecedente. Tem a parte superior da cabeca e o uropigio cinzentos anne- grados, a parte superior do pescoco e do corpo cinzentas claras, faces, garganta e frente do pescoço negras, parte inferior do corpo cinzenta mais escura do que a cabeca; a parte superior das barbas ex- ternas da maior parte das remiges ruiva clara, e estas no resto trigueiras anne- gradas, com duas manchas brancas nas barbas internas; cauda negra com as duas rectrizes externas brancas, as outras cin- zentas na extremidade; bico e pés negros. Mede 0,"17 de comprimento. Tudo quanto a trepadeira ou atrepa executa nas arvores faz este passaro nos | | | | muros e nas rochas cortadas a pique. Ahi trepa e caça, e nas fendas se acoita e faz o ninho. E” buliçoso e agil, e raro é vel-o acompanhado a não ser na epoca das nu- pcias, como acontece geralmente a todos os passaros insectivoros. O seu alimento consiste em hervas e insectos, d'ordinario moscas, formigas e aranhas. A difficuldade de dar a estes passaros alimento conveniente torna difficil con- serval-os engaiolados. Vive na America do Sul uma familia de passaros denominados vulgarmente AVES — OS ASSUCAREIROS 125 —————————————— Assucareiros (Certhiole), de bico regular, com a lingua comprida e bifendida, tar- sos curtos e vigorosos, azas e cauda re- gulares. São de mediocre corporatura, e o colorido da plumagem lindo e vistoso. O nome de assucareiros provém-lhes da predilecção que teem pelas substan- cias doces, substancias que extrahem do calice das flores ou das cannas do assucar, posto que a base do seu alimento sejam os insectos. Descreveremos seguidamente duas es- pecies. O SAI Certhia cyanea, de Linneo — Le guit guit sai, dos francezes O sai é um lindo passaro de 0,743 de comprimento, dos quaes 0,”"03 perten- cem á cauda; é azul claro brilhante, com o alto da cabeça azul esverdeado, as cos- tas, as azas, a cauda e uma risca sobre os olhos pretas; a borda interna das re- miges amarella ; bico negro e pés côr de laranja. A femea é verde com a garganta es- branquiçada. Habita o sai em quasi toda a America do Sul, encontrando-se frequentemente no Brazil. Wied diz ser muito commum em toda a provincia do Espirito Santo. Vive nas florestas em pequenas familias, e na epoca das nupcias aos casaes; é vivo e buliçoso, correndo constantemente pelo cimo das grandes arvores. O seu canto limita-se a um simples e fraco chilrar. O ASSUCAREIRO MARIQUITAS : Certhia flaveola, de Linneo— Le sucrier flaveole, dos francezes Esta especie, representada pela nossa gravura n.º 326 tem as costas trigueiras annegradas, o ventre e o uropigio ama- rellos vivos; uma risca sobre os olhos, as remiges primarias pelo lado de fóra, a extremidade da cauda e as rectrizes ex- ternas brancas, a garganta parda cin- zenta, bico negro, pés trigueiros. A fe- mea tem as costas negras azeitonadas e o ventre amarello desvanecido. Mede o macho 0,7 140. E” commum em todo o imperio do Brazil. 1 Nome vulgar brazileiro. 13 À familia antecedente é representada no antigo continente por outra (Nectari- nice) formada de diversos generos, entre estes OS soui-mangas, que, tendo á maneira dos passaros do grupo antecedente deci- dido gosto pelas substancias doces, jusli- ficam o nome, que significa comedores d'assucar. Os insectos que pousam nume- rosos nas flores constituem principalmente o seu alimento. Habitam na Africa meridional e nas In- dias, onde representam os beija-flores da America, tendo d'elles a vivacidade, Gr. n.º 326 — 0 assucareiro mariquitas e as córes esplendidas a ornar-lhes a plu- magem. Os soui-mangas teem o bico alongado e levemente arqueado, a lingua comprida, podendo estender-se além do bico, pro- fundamente bifendida, azas regulares, a cauda curta, e n'algumas especies as duas rectrizes centraes muito longas. Só vestem a sua esplendida plumagem na epoca das nupcias. No Cabo da Boa Esperança existem | captivos estes passaros, aos quaes só dão por alimento agua com assucar, e attrahindo esta em grande numero as VOL, JH 126 moscas, alli tão abundantes, fornece lhes todo o sustento de que carecem. O SOUI-MANGA JOANNA Neclarinie Johannae de Verreaux—Le soui-manga de Jehanne, dos francezes A plumagem da parte superior do cor- po, desde a frente até á parte inferior do uropigio é verde dourada muito bri- lhante, com reflexos metallicos; a garganta da mesma côr, frente do pescoço côr de violeta escura, peito e ventre côr de san- gue, com um feixe de pennas amarellas claras de cada lado do peito; flancos anne- grados matizados de vermelho com re- flexos purpurinos, coxas negras, cauda negra avelludada, pés negros. MARAVILHAS DA CREAÇÃO E' frequente nas grandes florestas do Gabon, na Guiné, onde foi descoberto em 1850. O FORNEIRO Furnarius rufus, de Vieillot — Le fournier roux, dos francezes Esta especie do genero Furnarius, a que no Brazil dão o nome vulgar de João de Barro, tem, como os seus congeneres, o corpo refeito, bico comprido e robusto, azas mediocres e cauda longa. Os for- | neiros, nome que se deriva, como adiante veremos, da fórma de construcção do ni- nho, são todos da America do Sul, e a especie que descrevemos é o typo do genero. Gr. n.º 327 — O forneiro Tem este passaro 0"19 de comprimento, dos quaes 0,”08 pertencem á cauda; a côr geral da plumagem é vermelha ruiva, mais clara no ventre, com a parte supe- rior da cabeça vermelha trigueira, e o centro da garganta branco com uma risca loira que parte dos olhos dirigindo-se para traz, as remiges são pardas, as re- clrizes loiras, bico e pés trigueiros. Os forneiros encontram-se de ordinario aos pares ou isolados, c nunca em bandos, frequentando os logares vizinhos das ha- bitações ruraes, como se a sociedade dos homens lhes fosse agradavel. O seu grande e curioso ninho construem-n'o de prefe- rencia junto das habitações, e algumas vezes no interior das mesmas ou nas se- bes que circumdam os pateos. Conta Burmeister que o macho e a fe- mea, empoleirados n'uma arvore ou pou- sados no telhado, fazem tal vozeria que duas pessoas conversando proximas não conseguem ouvir-se, sendo necessario afastarem-se ou aguardar que os passa- ros terminem tal gralhada. O ninho dos forneiros, tendo em vista a pequenez dos obreiros, póde conside- rar-se trabalho surprehendente que des- perta a admiração de quantos o vêem. E formado d'ordinario sobre um tronco d'arvore horisontal ou pouco inclinado, e por vezes nas janellas das habitações, nas sebes, nas cruzes dos campanarios. Trabalham na construcção o macho e a femea, trazendo cada qual no bico a sua bolinha de terra amassada . da grossura duma noz, e que empregam com o auxilio dos pés e do bico misturando-a com des- AVES — OS BEIJA-FLORES 127 pojos vegetaes, e nesta faina andam alternadamente, apropriando um os mate- riaes emquanto o outro os vae buscar. O ninho depois de concluido tem a fórma d'um forno de cozer pão, com 0,"16 a 0,719 de alto, por 0,"22 a 0,"25 de largo, e O,ml4 a 0,714 de fundo. A abertura é a um dos lados, duas vezes mais alta do que larga, e o interior divi- dido em dois compartimentos separados por uma parede delgada, começando junto a um dos lados da entrada; uma pas- sagem dá accesso para o compartimento interno, onde, sobre uma cama de hervas, a femea põe os ovos. A actividade que estes passaros empregam na construcção do ninho permitte-lhes por vezes terminar a obra em dois dias. Alimenta-se o forneiro d'insectos e se- mentes, e dos primeiros só os que to- pa no solo, porque os não persegue nos ramos das arvores nem os caca a vÔo. D'estes passaros captivos só Azara fala, referindo-se a um que possuiu durante um anno, que comia arroz cozido e carne crua, preferindo a ultima. Na America existe uma familia de pas- saros, frequentes principalmente no Bra- zil e na Guiana, os colibris, vulgarmente conhecidos por beija-flores, que se divi- dem em duas sub-familias: os colibris propriamente ditos e os passarinhos mos- cardos, distinguindo-se uns dos outros tamsómente por terem estes o bico direito e aquelles arqueado, podendo comtudo applicar-se a ambas as sub-familias o que no decurso d'este artigo dissermos ácerca dos beija-flores. Damos em primeiro logar a palavra a Buffon, o celebre naturalista, cujas des- cripções teem encanto singular, e que, descrevendo os colibris na sua linguagem poetica e elevada, se conserva tanto nos limites da verdade, que os naturalistas modernos o acompanham, ainda os menos expansivos, quando se trata de celebrar os encantos do beija-flor. «De quantos seres animados povoam a terra, nenhum ha tão elegante na forma como bello pelas esplendidas córes que lhe ornam a plumagem. As pedras pre- ciosas e os metaes polidos pela arte não podem comparar-se a este mimo da na- tureza, que ella collocou entre as aves, cabendo-lhe o ultimo logar na escala pe- las suas acanhadas dimensões, maxime miranda in minimus. O passarinho moscardo menor é a sua obra prima; n'elle reuniu todos os dons que se encontram dispersos pelas outras aves : agilidade, rapidez, subtileza, graca- plumagem opulenta, tudo finalmente con' cedeu ao seu pequeno favorito. Vêem-se brilhar na sua plumagem as esmeraldas, os rubis e os topazios, e nunca o pó da terra lhe empana o brilho, porque na sua vida aerea apenas por instantes desce a roçar na relva; sempre no ar, voando de flór em flôr, e das flores imitando a frescura e as galas, vive do nectar que ellas lhe fornecem, e só nos climas onde sem cessar se renovam. Tamsómente nas terras mais quentes do Novo Mundo se encontram todas as especies do passarinho moscardo. Bastante nu- merosas, parece todavia terem por limi- tes da sua area de dispersão os dois tropicos, porque as que se adiantam no estio até ás zonas temperadas ahi se conservam por pouco tempo, parecendo acompanhar o sol, com elle avançando e retirando, nas azas dos zephyros, em busca de primavera eterna». (Buffon). «E' realmente a ave do paraiso. Vê-se fender os ares tão rapido como o pensa- mento, e mal vos roca o rosto já o não enxergaes, volvendo novamente ao seu continuo adejo de flôr em flôr». (Wa- terton). «O typo d'estes passaros é realmente singular, e nos costumes differem com- pletamente de todas as aves. Os colibris são d'alguma fórma os representantes dos insectos entre as aves; os seus movi- mentos, regimen, todo o seu modo de ser, emfim, teem analogias innegaveis com determinados insectos, com as bor- boletas especialmente. Os colibris são aves quando pousados, insectos quando se movem». (Brehm). Variam muito os beija-flores em rela- cão ao tamanho, e ha especies que se não avantajam a uma abelha. Teem o bico delgado, alongado, direito ou leve- mente curvo, e n'algumas especies eguala em comprimento a metade do corpo; azas longas e estreitas, pés pequenos e muito delicados. A lingua é um instru- mento microscopico, maravilhosamente combinado. Formado de dois semi-tubos collocados um contra o outro, podendo separar-se ou reunir-se como as folhas d'uma pinca, é constantemente humede-., 128 cida pela saliva viscosa que lhe permitte prender os insectos em que toca. «Creado especialmente para a vida aerea, vê-se em continuado movimen- to, oceupado em procurar o alimento nos calices das flores. Os seus pequeninos olhos, vivos e brilhantes, descortinam nos sitios mais reconditos o pequeno in- secto, que elles tomam com o bico agu- do tão delicadamente que mal rocam na planta. Sugam o sueco e o mel das flo- MARAVILHAS DA CREAÇÃO res, mas não fazem d'elle o seu alimento exclusivo, como muitos autores affir- mam. Este regimen pouco substancial seria improficuo para alimentar a pro- digiosa e constante actividade destes pas- saros. Orgulhosos da sua esplendida pluma- gem, os colibris cuidam-n'a com o maior esmero, e alisam-n'a com o bico frequen- temente, para que em nada perca do seu esplendor. Vivos, d'uma petulancia que Gr. n.º 328 — Ninho do guanambi, ou beija-flor se não descreve, ostentam repetidas ve- zes sentimentos bellicosos pouco consoan- tes em tão frageis creaturas. Atacam passaros muito maiores do que elles, perseguem-n'os sem treguas, ameaçam de lhes tirar os olhos, conseguindo finalmen- te obrigal-os a fugir. Travam-se lutas en- tre elles proprios, e se dois machos se encontram no calice da memsa flor, arremessam-se por vezes um ao outro, e remontam soltando gritos, até desappa- recerem á nossa vista. Volta em seguida o victorioso a pousar na flor, causa primaria peito negro do coníflicto, e premio merecido da sua valentia. O ninho do beija-flor e bem assim o do passarinho moscardo são primores de architectura. do tamanho de metade d'um damasco ou d'um ovo de gallinha. Os materiaes transporta-os o macho, e a fe- mea apropria-os: são lichens artistica- mente tecidos e entrelaçados, collados com a saliva. O ninho no interior é guarne- cido de algodão em rama e de fibras se- dosas de diversas plantas. E” um berço encantador, suspenso d'uma folha ou d'um AVES — OS BEIJA-FLORES tenue raminho, até mesmo d'uma sim- ples febra de palha pendida da cobertura d'uma cabana d'indigenas. Alli põe a fe- mea dois ovos, duas vezes cada anno, brancos e grandes como hervilhas. Seis dias de incubação bastam para os pequenos partirem a casca, e no fim d'uma semana podem voar. Na epoca das nupcias os dois esposos manifestam a sua mutua affeição prodigalisando-se as mais 129 ternas caricias, e a sua progenie não lhes deve menos carinho. Os passarinhos moscardos são muito procurados, não pela carne, que tão pouca é que não valeria a pena apanhal-os, mas pela plumagem de que se fazem or- natos para as mulheres, collares, brincos ete. Certas tribus de indios convertidos ao christianismo sabem empregal-a no fabrico de figuras de santos, realmente Gr. n.º 329 — O beija-flor de poupa e colleira admiraveis. Os mexicanos e os peruanos empregavam-n'a outr'ora em coberturas riquissimas e pequenos quadros, notaveis pela frescura e brilho das córes. Os sol- dados da expedição franceza ao Mexico trouxeram d'estes pequenos quadros re- presentando passaros, gaiolas etc., feitos pennas dos colibris. O beija-flor não pode conservar-se por muito tempo captivo, não porque não seja docil e affavel, mas porque a sua natureza bulicosa, ao mesmo tempo fran- zina e delicada, não se accommoda nos acanhados horisontes d'uma gaiola. Morre ao fim d'alguns mezes, não obstante todos os cuidados que se empreguem para lhes prolongar a vida». (Figuier). Não é a falta de espaco causa unica da morte do beija-flor captivo; accresce a difficuldade de lhe dar alimento egual ao que encontra no estado livre. Tem-se re- petido as tentativas não só para os conser- 130 var em gaiolas na sua patria, como tam- bem para transportal-os para à Europa ; todas, porém, com mau exito. Aos passarinhos moscardos, como a to- dos os seres, não escasseiam inimi- gos, e entre elles, por mais cruel e encarnicado, deve citar-se uma volumosa aranha avelludada, muito commum na America, que, fazendo a teia nas vizinhan- cas do ninho, espreita a epoca em que os pequenos saem da casca para devo- ralos, e por vezes se consegue surpre- hender os paes reserva-lhes sorte egual. Descreveremos das numerosas especies de colibris, — elevam-se ao numero de MARAVILIIAS DA CREAÇÃO 426 as citadas pelo distincto naturalista americano, Elliot, das quaes existem 380 no museu de Washington -—— as que as nossas gravuras representam. O BEIJA-FLOR TOPAZIO TProchilus pe'las, de Linneo — Le colibri topaze dos francezes E um dos mais bellos. Tem o alto da cabeca e uma faxa em volta do pes- coco negros avelludados, o corpo verme- lho acobreado tirante a côr de rubi es- curo, com reflexos doirados; coberturas da cauda verdes, a garganta doirada com Gr. n.º 330 — O beija-flor sapho reflexos verdes esmeralda ou cór de to- , gradas com reflexos violaceos, as duas re- pazio, segundo a disposição da luz; remi- ges primarias trigueiras vermelhas, as se- gundas ruivas; rectrizes do centro verdes, as duas seguintes trigueiras acastanhadas, as restantes vermelhas atrigueiradas. A femea é verde com a garganta ver- melha. Mede o macho, contando as pen- nas da cauda que são longas, 07,10 de comprimento. O GUANAMBI, OU BEIJA-FLOR PEITO NEGRO Prochitus mango, de Linneo —Le colibri plastron noir, dos francezes Tem as costas verdes bronze com re- flexos acobreados, remiges pardas anne- ctrizes centraes de côr egual á das remi- ges na face superior, e a face inferior destas e as outras rectrizes pelos dois lados vermelhas violaceas tirantes a côr de purpura e franjadas de negro com reflexos metallicos azues; garganta, pes- coco, peito e parte superior do ventre negros avelludados, bordados em volta de azul, o baixo ventre verde bronze, bico e pés negros. A femea é mais clara que o macho nas costas, e tem o ventre branco riscado de negro. Mede 07,13 de comprimento, dos quaes 0”,04 pertencem á cauda. AVES — À POUPA 131 O BEIJA-FLOR DE POUPA E COLLEIRA Trochilus ornatus, de Gmlin — L'oiseau mouche huppe col dos francezes Tem as pennas do tronco verdes bron- ze, a poupa vermelha atrigueirada, uma faxa estreita que lhe atravessa as costas, as faces verdes com reflexos brilhantes, em volta do pescoço uma colleira de pen- nas compridas e estreitas que o passaro pode eriçar ou abaixar, trigueiras verme- lhas com malhas verdes brilhantes nas extremidades; remiges trigueiras pur- pureas escuras, as pennas da cauda ver- “hjí / V hi 7! (sas 4 ii ii ln [ud À melhas trigueiras escuras, bico côr de carne com a ponta trigueira. A femea tem as córes mais desvane- cidas, sem poupa nem colleira. O BEIJA-FLOR SAPO Sparganure sapho, — L'oiseauz mouche de Sapho, dos fraucezes Esta especie é notavel pela forma da cauda, cujas rectrizes vão augmentan- do em comprimento do centro para os lados, sendo as duas mais externas cinco vezes mais longas que as do cen- Gr. n.º 334 — À poupa tro. Tem as costas escarlates, a cabeça e o ventre verdes metallicos, a garganta mais clara, o baixo ventre trigueiro cla- ro, as azas trigueiras tirantes a côr de purpura, as rectrizes côr de laranja na base e trigueiras escuras na extremidade. Encontra-se na Bolivia. A POUPA Upupa epops, de Linneo — La huppe vulgaire, dos francezes Esta especie do genero Upupa é com- mum no nosso paiz, e caracterisa-se com | os seus congeneres pelo bico muito longo e tenue, triangular e um pouco arqueado, com a lingua muito curta e obtusa, ao contrario das trepadeiras e dos colibrís que a teem comprida; as azas são lon- gas, largas e muito arredondadas, a cau- da regular, as pernas curtas e vigorosas. A especie citada mede aproximada- ' mente 0,”30. Tem uma comprida poupa formada de pennas grandes ruivas com uma malha negra na extremidade, e abai- | xo d'esta outra malha branca; faces, pescoço e peito ruivos tirantes a côr de vinho, o meio das costas branco arrui- 132 MARAVILHAS DA CREAÇÃO vado com malhas longitudinaes triguei- ras nos lados, azas negras com cobertu- ras rajadas, bordadas e franjadas de bran- co amarellado; as remiges são atraves- sadas por faxas brancas, a cauda é negra com riscas longitudinaes brancas; bico e pés trigueiros A poupa encontra-se solitaria nas ter- ras baixas e humidas; timida e descon- fiada, vagueia em busca dos vermes, dos insectos e dos pequenos molluscos terres- tres, e nos sitios frequentados pelos re- banhos e manadas de gado emprega-se em procurar entre os excrementos os in- sectos em que elles abundam. No noroeste daAfrica, onde estes passaros são muito fre- quentes, diz Brehm que se encontram não só nas aldeias, mas até nas cidades, por- que tudo alli lhes é favoravel, não sendo unicamente os animaes, mas até mesmo o homem que fornece alimento a este immundo passaro. «Dir-se-ha, aceres- centa o mesmo autor, que os arabes teem pela poupa certa estima, porque sabem, ao que parece, que por mais re- pellente que seja o alimento destas aves, a poupa é ainda assim menos immunda do que elles». No chão a poupa é agil, caminha fa- cilmente sem saltitar; mas nas arvores move-se com difficuldade e quando muito corre pelos ramos horisontaes. Faz o ninho nas fendas dos muros € dos rochedos, principalmente nos tron- cos ócos das arvores; ás vezes, em caso de necessidade, construe-o no chão com hervas seccas, raizes e troncos. A femea põe de quatro a sete ovos, alguns d'uma só côr, outros esverdeados sujos ou pardos amarellados com salpicos brancos mui- to pequenos,os paes alimentam os filhos de vermes e insectos. Todo o tempo que dura a incubação e creação dos filhos exhala o ninho insupportavel fetido, devido á agglomeração dos excrementos dos peque- quenos e dos paes. A carne da poupa é gorda e saborosa. «A poupa commum, apparentemente incapaz de qualquer affeição, toma ami- zade ao dono, quando este a trata desde pequena com carinho, e é um dos pas- saros mais interessantes entre os que se podem conservar captivos. Encanta a sua docilidade e as suas brincadeiras di- vertem. Torna-se tão dada como um cão, vem á chamada do dono, come na mão da pessoa que a creou, segue-a para toda a parte, em casa ou no campo, sem que pense em fugir. Dir-se-ha, observando-a, que parece adivinhar os pensamentos do dono, e quanto mais d'ella se occupam mais satisfeita se mostra». (Brehm). O EPIMACO Epimachus magnificus, de Vieillot—- L'epimache superbe, dos francezes Na familia das poupas reunem muitos naturalistas certos passaros originarios da Nova Guiné, que, pelas pennas muito lon- gas dos flancos, em forma de pennacho, al- guns incluem nas aves do paraiso. O bico, porém, tenue, comprido e levemente re- curvo, autorisa a sua inclusão entre os te- nuirostros. D'estes, a especie acima citada é um Gr. n.º 332 — O epimaco esplendido animal, aproximadamente com 0,236 de comprimento. Tem a plumagem negra avelludada com refle- xos purpurinos, a frente do pescoço co- berta por uma especie de couraça de pennas em fórma d'escamas imbricadas, verdes azuladas com reflexos metallicos, tendo uma bordadura negra na parte in- ferior, e abaixo d'esta outra doirada tirante a verde; o ventre negro, e de cada um dos flancos saem-lhe pennas compridas e desfiadas, muito macias, que caem em fórma d'elegante pennacho; a cauda é curta, negra avelludada, á excepção das rectrizes centraes que são verdes doira- das. (1) (1) No museu de Lisboa existe um exemplar d'esta especie, realmente uma das mais esplendidas entre os passaros. AVES — OS SYNDACTYLCS 133 O epimaco, como já dissemos, só se en- contra na Nova Guiné, vivendo nas flo- restas. Nada se conhece dos seus habitos. OS SYNDACTYLOS Syndactylos, ou dedos unidos, que tal é a significação d'esta palavra, é o vo- cabulo que serve para designar um grupo de passaros que teem o dedo do centro ligado ao exterior em grande parte da sua extensão. Só este caracter é com- mum aos individuos que formam a tribu, porque differindo consideravelmente na conformação do bico, guardam tambem entre si pouca analogia nos outros ca- racteres. A MOMOTA GUIRANUMBI Prionites brasiliensis; de Illiger — Le momota vulgaire, dos francezes Esta especie, a mais conhecida do ge- nero Momotus, caracterisa-se, bem como os seus congeneres, pelo bico robusto e por ter as bordas das duas mandibu- las denteadas nas tres quartas partes da sua extensão a partir da ponta. À cauda é bastante longa, e as duas rectrizes cen- traes, mais compridas, são desprovidas de barbas a curta distancia da extremidade, n'uma extensão de quatro a seis centi- metros. Encontram-se esles passaros nos paizes mais quentes da America, e a especie Gr. n.º 39) — À citada vive nas florestas do Brazil e na Guiana. A momota tem as costas, as coberturas das azas e as coxas verdes azeitona, o pescoço, a garganta, o peito e o ventre côr de ferrugem, o alto da cabeca e as faces negras, a fronte e uma risca estreila na parie posterior da cabeça verdes cla- ras, as azas negras, tendo as remiges se- cundarias a extremidade anterior azul celeste ; a cauda é verde por cima e ne- gra pelo lado inferior; bico negro, pés pardos trigueiros. Frequentam estes passaros as grandes florestas onde vivem isolados, pousados nas arvores ou no solo; tendo o vôo muito curto, pouco mais fazem do que sal- titar. O seu alimento compõe-se d'insectos, e parece que tambem d'alguns fructos ; como não construem ninho accommodam- se nas tocas dos tatús e d'outros mamife- momota Guiranumbi ros, pondo a femea os ovos sobre algumas folhas e ramos seccos que para alli trans- porta. Os habitos destes passaros são pouco conhecidos. Ha exemplos, porém, d'al- guns viverem captivos alimentando-se de pão e carne. 0 MELHARUCO, OU ABELHARUCO Merops apiaster, de Linneo — Le guêépier vulgaire, dos francezes Do genero Merops, cujas especies vi- vem nos paizes quentes do antigo con- tinente, encontrando-se uma na Oceania, o melharuco é o unico que frequenta a Europa, sendo commum no nosso paiz. E um dos mais bellos passaros do ve- lho mundo, com o corpo alongado, airoso, bico comprido, delgado, um tanto ar- queado e pontudo, azas longas e agudas, 134 cauda comprida com as duas pennas cen- traes mais longas, tarsos muito curtos, o dedo medio soldado ao exterior até á terceira articulação. O melharuco tem 0,”"28 de compri- mento e destes 0,”114 a 0,712 pertencem á cauda. Tem a fronte branca, a parte anterior da cabeça verde, a posterior, a nuca, e o meio das azas cór de castanha ou de canella, as costas amarellas com reflexos esverdeados, uma risca negra do bico até ao meio do pescoco passando pelos olh os, garganta côr de oiro bordada de negro, ventre e uropigio azues ou verdes; as remiges verdes franjadas de azul exteriormente com as pontas negras, as rectrizes verdes azuladas rajadas d'ama- rello, e as duas mais longas do centro MARAVILHAS DA CREAÇÃO negras na parte que excede as outras; bico negro, pés vermelhos. Encontram-se estes passaros em gran- des bandos, variando o numero d'indi- viduos que os compõem seguado as con- dições do paiz; sendo o seu pouso fa- vorito algum paredão argiloso, bem alto e a prumo, onde o topam reunem-se nume- rosos. Passando horas inteiras voando nos arredores das suas moradas, nem por um momento se calam, fazendo resoar cons- tantemente os gritos com que se cha- mam. «Os melharucos são insectivoros, e pa- rece preferirem as abelhas e as vespas; devastam as colmeias, e quando algum topa com um vespeiro, em poucas horas logra apanhar e devorar todos os seus at e e ee mm E - eo ES === ==> Gr. n.º 334 — O abelharuco habitantes. Não desdenham os gafanhotos, as cigarras, as moscas, todos os coleopte- ros, e insecto que lhes passe voando ao alcance do bico é fatalmente devo- rado. Co nstrue este passaro o ninho nas mar- gens escarpadas e argilosas das correntes d'agua, onde abre, com auxilio do bico e das unhas, um buraco redondo de 0”,05 a 0”,07 de diametro, que dá accesso a um corredor horisontal ou mediocremen- te ascendente, por vezes attingindo o comprimento de 4”,30 a 2m, que vae abrir-se n'um compartimento,onde a fe- mea põe de quatro a sete ovos brancos luzidios sem manchas. O PICA-PEIXE, OU GUARDA RIOS Alcedo ispida, de Linneo — Le martin-pecheur, dos francezes Pertence esta especie a um genero de passaros, Alcedo, que mereceu figurar outrora n'um sem numero de historias maravilhosas. A este passaro attribuiam os antigos virtudes de toda a casta, taes como desviar o raio, trazer comsigo a paz e a abundancia, depois de morto indicava de que lado estava o vento, se pousava n'um ramo este seccava, etc. Ainda as- sim, despida das fabulas com que a orna- vam, a historia deste passaro nem por isso deixa de ser curiosa pelos seus ha- bitos bastante singulares. Mede elle 07,18 de comprimento e destes 07,04 pertencem à cauda; O AVES — O PICA-PEIXE 135 bico é direito, muito comprido, mais alto que largo, pouco proporcional ao tamanho do corpo, a cabeca grossa e alongada, o corpo refeito, azas e cauda mediocres, tarsos curtos. À parte superior do corpo é verde-azulada, a inferior ruiva, remiges trigueiras bordadas de verde azu- lado, garganta esbranquicada, uma fita ruiva de cada lado do pescoço, bico ver- melho na base e trigueiro no resto, pés avermelhados. Esta especie, que se encontra em toda a Europa, é commum em Portugal. O pica-peixe vive solitario, á excepção da epoca dos amores, proximo dos regatos | ou pequenos rios d'agua crystallina, pre- ferindo os que atravessam terrenos arvo- rejados ou serpenteiam por entre sal- gueiraes. Pousado n'um ramo secco ou numa pedra, que a agua deixa em parte a descoberto, ahi passa horas inteiras na mais completa immobilidade, aguardando que os pequenos peixes que constituem a sua alimentação lhe passem ao alcance do bico, sabendo apanhal-os com admira- vel destreza. Entretanto, como só do bico se serve para segurar a presa, é certo que esta lhe escapa muitas vezes, obrigando-o a repetidas investidas, e muitas infructife- ras. Toma o peixe entre as mandibulas, e, partindo-o com o aperto que lhe dá, ou d'encontro a uma pedra ou a um tronco d'arvore, engole-o em seguida de cabeca para baixo. Na falta de peixe persegue os insectos aquaticos. As escamas e es- pinhas do peixe vomita-as mais tarde em forma de bolas. O ninho do pica-peixe é construido nas margens seccas das correntes d'agua, n'uma escavação arredondada, para onde dá entrada uma abertura de 0" ,05 a 07,06 de diametro, seguindo-se-lhe um corredor de 0",6 a 1” de comprimento. Ahi põe a femea de seis a sete ovos brancos. É difficil acostumar o pica-peixe a vi- ver captivo; mas os pequenos que se o — (0) pica-peixe apanham nos ninhos, alimentando-os de peixe e carne, podem viver muito tempo. Conseguindo domestical-os, são muito interessantes. Dos generos da familia dos pica-pei- xes, que comprehendem as especies que vivem na Ásia e na Africa, mencionare- mos os ceyx, muito similhantes aos pica- peixes na sua organisação e habitos, dif- ferindo em não terem dedo interno, possuindo por tanto só tres dedos. A plumagem é lindamente colorida. Os ceyx vivem nas Indias, nas ilhas Filippinas e em Nova Guiné. 136 OS CALÃOS Buceros, de Linneo — Les calãos, dos francezes Na Asia meridional, onde são numero- sos, e no centro e sul da Africa, vivem diversos generos d'uma familia de pas- saros notaveis pelo enorme desenvol- vimento do bico, n'algumas especies ornado superiormente de protuberancias bastante volumosas. «Não ha genero de passaros em que se observe tanta variedade na fórma do bico como nos calãos, pois que cada es- pecie tem uma que lhe é peculiar, de modo que formaria realmente um genero, se na classificação se tivesse unicamente em vista este caracter. Algumas especies teem o bico não só descompassado, como tambem informe pelas protuberancias ou excrescencias na- turaes que o cobrem, e das quaes a na- tureza pareceu comprazer-se em variar a fórma até ao infinito; e por capricho ou talvez contradição, que outra coisa não parece, esta arma tão apparatosa e mes- mo tão poderosa está longe de corres- ponder nos effeitos ao que se poderia es- perar d'ella pela apparencia, ea tal ponto, que o passaro mais mediocre em tamanho ao pé do calão, um pardal, por exemplo, apezar da extraordinaria arma que aquelle possue, póde com o seu pe- queno bico ser mais para receiar, e as suas bicadas mais dolorosas» (Levaillant.) Como vimos, o bico do calão não póde confundir-se com o de outra ave, e não obstante o seu comprimento e espessura é, pela sua natureza cellulosa, leve e pouco resistente. Este passaro tem o corpo alongado, pescoço comprido, cabeca pe- quena, cauda maior ou menor segundo as especies, azas curtas e arredondadas, pés pequenos. Os calãos são sociaveis e encontram-se em bandos, d'ordinario pousados nas ar- vores, e excepcionalmente no solo. Andam com difficuldade e o vôo não é dos mais rapidos e vigorosos. São omnivoros: alimentam-se de peque- nos vertebrados, d'insectos e mesmo de carne corrompida, bem como de fruetos e sementes. «O modo de reproducção dos calãos, pelo menos d'algumas especies da India observadas até hoje, é realmente singu- lar. Aninham nos troncos ócos das arvores, onde durante a incubação a fe- mea permancce encerrada, fechando o MARAVILHAS DA CREAÇÃO macho a entrada com terra amassada, deixando apenas um orifício sufficiente para caber á prisioneira o bico e poder assim receber o alimento. A femea, assim enclausurada até que os pequenos nascam, e segundo outros autores affirmam, até que possam voar, é alimentada-e bem assim o resto da familia pelo macho, que provê elle só à manutenção de todos; de modo que, ao findar tão penoso encargo, só tem, para assim dizer, a pelle e o osso. A este respeito muito mais se conta ; abstenho-me porém de referir o que se diz, e que eu não julgo sufficientemente provado» (Brehm). Transcreveremos alguns periodos da narração feita por Russel Vallace acêrca d'uma familia de calãos encontrada nas vizinhanças de Sumatra. «Em quanto eu aguardava n'uma al- deia que se acabasse de calafelar a nossa embarcação, tive a sorte de poder enrique- cer o meu thesouro com tres calãos da grande especie buceros bicornis, um macho, a femea e o filho. Os meus caçadores, que eu havia mandado á descoberta, trouxe- ram-me primeiro o pae, que haviam morto na occasião em que dava de comer à fa- milia, entaipada na cavidade do tronco d'uma arvore. Repetidas vezes me haviam narrado este habito singular dos caldos, e por isso apressei-me a ir em companhia d'alguns indigenas ao sitio onde fôra morto o calão. Atravessei um regato e uma tur- feira, e achei-me em frente d'uma grande arvore pendida sobre a agua; na parte inferior do tronco, a vinte pés aproxima- damente do sólo, observei então uma grande pasta de lama com um pequeno orifício, por onde se distinguia o bico do passaro cuja voz rouca eu ouvia. Offereci uma rupíia a quem quizesse trepar á arvore e me trouxesse o calão com o pequeno ou o ovo, mas ninguem se arriscou, e tive de regressar muito descontente. Uma hora depois ouvi uns gritos rouquenhos, e vi que eram os pas- saros que eu tanto desejara. O pequeno era a ave mais exquisita que em minha vida pude observar; do tamanho d'um pombo sem signal ainda de pennugem, muito gordo, frouxo, com a pelle trans- parente, mais parecia uma bola de ge- léa a que se tivesse addicionado uma cabeca e duas pernas. Muitas especies dos grandes calãos teem AVES — OS CALAOS 137 o habito referido. O macho entaipa a fe- mea e o ovo durante o periodo da incu- bação, e provê à manutenção da família até que o filho possa abandonar o ni- nho. Este facto, entre muitos outros de historia natural, é d'aquelies onde a ver- dade vae além da mais arrojada phantasia.» Os calãos domesticam-se facilmente, e até se affeicçoam ao dono; na India criam- n'os e deixam-n'os correr pelas habitações para exterminarem os ratos. São conhecidas muitas especies de ca- lãos, variando extraordinariamente na conformação do bico; a plumagem em todas é negra e parda matizada de branco. A especie que a nossa gravura n.º 336 representa, o calão rhinoceronte, vive nas Indias orientaes, e deve o appellido á protuberancia que tem sobre o bico, a qual recorda a forma do corno do rhi- noceronte. PU Gr. n.º 336 — O calão rhinoceronte AVES ORDEM DAS IREPADORIO O nome de trepadoras, dado ás aves que formam esta ordem, nem sempre é bem cabido, porque nem todas possuem a fa- culdade de trepar, e este privilegio d'al- gumas não lhes é exclusivo, pois, como já vimos, algumas especies dos passaros o possuem. O caracter essencial das trepadoras existe na disposição dos dedos, dos quaes o exterior, que nas outras aves está para diante, se dirige para traz, junto com o pollegar, e assim as trepadoras teem dois dedos para traz e dois para a frente. Assim, pois, a denominação de zygo dactylos, que muitos naturalistas substi- tuiram á de trepadoras, leva vantagem a esta, por denunciar o caracter da or- dem, visto que o vocabulo zygodactylo, formado de duas palavras gregas, signi- fica dedos aos pares. A conformação especial dos pés dá a estas aves a faculdade de se fixarem soli- damente aos ramos das arvores, e por isso vêem-se constantemente empoleira- das. O vôo está longe de ter o vigor do das aves de rapina ou a rapidez do dos passaros. Algumas especies são insectivoras, ou- tras nutrem-se de fructos e sementes. E” pouco rica esta ordem, estando di- vidida em pequeno numero de familias ; destas citaremos algumas á medida que descrevermos as especies mais importan- tes. Na ordem das trepadoras incluem-se os =]. papagaios, aves bastante conhecidas, e que no dizer d'alguns autores são os monos da classe das aves. O JACAMACIRA VERDE Galbula viridis, de Latham — Le jacamar vert, dos trancezes Esta especie, a mais conhecida do ge- nero Galbula, forma com outras uma fa- milia de passaros da America do Sul, da qual algumas especies teem tres e outras quatro dedos, tendo todas o corpo alon- gado, bico comprido, direito e alto, azas curtas, cauda longa, e tarsos curtos. A especie citada tem as costase o peito verdes dourados, o ventre trigueiro ruivo, a garganta branca no macho e loira na femea; as rectrizes dos lados trigueiras ruivas e verdes na extremidade ; o bico e um circulo nu em volta dos olhos tri- gueiros ; pés côr de carne atrigueirados. Mede 0,722 de comprimento. Encontra-se 0 jacamacira verde nas flo- restas que se estendem ao longo das costas do Brazil, onde é commum. Por certas analogias parece que alguns indigenas dão a esta ave o nome de gran- de colibri ou colibri das florestas. Vivem os jacamaciras nas florestas hu- midas, isolados, tristes e silenciosos ; pou- co dados ao movimento, conservam-se por muito tempo no mesmo logar, aguardando que algum insecto lhes passe proximo, para voando o abocarem, e em segui- da regressarem ao seu pouso. AVES — OS PICA-PAUS 139 Aninham n'um buraco arredondado que abrem no solo á beira d'alguma cor- rente d'agua, buraco similhante ao que faz o pica-peixe, de que antecedentemente falámos. E' pouco conhecido o modo de vida destas aves. Espalhados por todos os pontos do glo- bo, exceptuando a (Oceania, vivem os pica-paus—Picide— formando uma fami- lia bem distincta, cujas numerosas espe- cies frequentam principalmente as gran- des florestas, encontrando-se, todavia, algumas nas pequenas mattas e nos ter- renos apenas arvorejados. As aves que compõem esta familia ca- racterisam-se pelo corpo alongado, bico vigoroso, direito, conico e pontudo, com a extremidade afiada; lingua muito ex- tensivel e delgada, podendo introduzir-se nos mais pequenos orifícios, e em vir- tude da sua mobilidade contornar todos os desvios das pequenas cavidades onde se abrigam os insectos; tarsos curtos e fortes, dois dedos para traz e dois para diante armados de unhas rijas, grandes, lacerantes e recurvas, permittindo-lhes fixarem-se facilmente nos troncos das ar- vores, e por elles treparem, auxiliando-se com a cauda, cujas pennas rijas e resisten- tes, firmando-se contra as sinuosidades da casca, lhes servem d'apoio. Nas extensas florestas virgens da In- dia e do Brazil são os pica-paus das aves Gr. n.º 337 — O jacamacira verde mais communs, e ahi as especies são nn- merosas e das maiores. Algumas existem na Africa; na Europa vivem oito, e d'estas, quatro, que saibamos, encontram- se em Portugal; tres conhecidas pelo no- me vulgar de pica-paus malhados, diffe- rindo, porém, no tamanho, eno colorido da plumagem, que são 0 picus-major, pi- cus medius, e picus minor, de Linneo, le pic-epeiche, pic-mar e pic-epeichette, dos francezes, e a quarta pelo de pica-pau verde. Descreveremos a primeira e a quarta especies. O PICA-PAU MALHADO OU PÊTO MALHADO Picus major, de Linneo — Le pic-epeiche, dos francezes “Tem a parte superior do corpo negra lustrosa com uma malha carmesim na parte posterior da cabeca; a inferior parda arruivada até ao ventre, e este ver- melho ; fronte branca arruivada, os lados da cabeca e o pescoco brancos mais ou menos limpos, uma risca negra que co- meça na base do bico, passa por baixo das faces e dividindo-se em seguida em duas, uma dirige-se para as costas e ou- tra para o lado do peito, deixando entre si um espaco branco; rectrizes late- raes malhadas ás riscas transversaes ne- gras sobre fundo branco, as do centro completamente negras; bico e pés tri- gueiros. Mede 07,24 de comprimento. A femea differe do macho em não ter a malha vermelha na nuca. 140 O PICA-PAU VERDE ! Picus viridis, de Linneo — Le pic vert, dos francezes Tem a fronte, o alto e a parte poste- rior da cabeca e bigodes vermelhos vivos, a parte superior do pescoço e a do corpo verdes amarelladas com o uropigio e as sub-caudaes amarellas, parte superior do corpo verde azeitona claro, faces negras, remiges com malhas brancas nas barbas AR NA NE NV SS NY q ANN SEO ENS (SS EO AS ] WN AN N AN AN EN N sl NAAS N AS ANO RENAN AS MARAVILHAS DA CREAÇÃO externas, cauda atrigueirada por cima e com riscas transversaes azeitonadas ; bico annegrado na parte superior, amarello nos lados e por baixo junto á base. Mede 0",31 a 0",32 de comprimento. A femea parece-se com o macho, dif- ferindo apenas em ter os bigodes negros ec não vermelhos. Os pica-paus teem todos o mesmo modo de vida; trepados ás arvores ahi passam a maior parte da existencia, descendo RN Os NERO Gr. n.º 358 — () pica-pau malhado raras vezes ao solo; o seu vôo é em geral pouco extenso. Trepam pelos troncos das arvores aos saltos; agarrando-se com as unhas á casca e firmando-se na cauda, assim sobem e descem; correm pelos troncos horisontaes, notando-se, porém, que só descem recuando, e nunca de cabeca para baixo. Alimentam-se de insectos e das suas larvas, que encontram nos troncos das arvores, e que sabem desencantoar das 1 Pêto real, pica-pau verde, ou cavallo rinchão. — Catal. do Museu de Coimbra, mais pequenas fendas, ou de sob a casca, levantando-a para este fim com o auxilio do bico, e pondo a descoberto os escon- drijos onde se abrigam os insectos. Al- gumas especies comem sementes, e d'el- las fazem depositos para o inverno. As especies que vivem na America, no dizer de Brehm, devoram os ovos e até mesmo os passarinhos que encontram nos ninhos. «A lingua dos pica-paus é maravilho- samente apta para estas explorações; muito longa, póde, por uma conformação natu- ral, dilatar-se e alcançar objectos que es- AVES — O PICA-PAU VERDE 141 tejam a cinco centimetros da extremidade do bico. Termina n'uma ponta cornea, co- berta de pequenos aguilhões em forma de ganchos, e cobre-se de certo humor vis- coso, segregado por duas glandulas bas- tante volumosas, que teem por fim en- viscar, para assim dizer, os insectos em que ella toca. Todas as vezes que o pica- pau introduz a lingua n'alguma fenda que topa no tronco das arvores, retira-a sem- pre mais ou menos coberta d'insectos, e se algum ha que não pode ser apanhado com o auxilio d'este orgão, então a ave quasi sempre recorre ao seu vigoroso bico. Batendo na arvore fende-lhe a casca e consegue apossar-se da presa; estas pan” cadas teem por fim conhecer se no interior existirá alguma cavidade occulta on- de se abriguem os insectos. Se o tronco ao tocar produz som que denuncie estar ôco n'aquelle sitio, o pica-pau examina-o por todos os lados até encontrar a entrada para a cavidade assim descoberta, e por ella introduz a lingua; mas se o orifício não é assaz largo para que por ahi lo- gre explorar o escondrijo com vantagem, alarga-o com auxilio do bico, até poder esquadrinhal-o de fórma que nem um unico recanto possa escapar ás suas in- vestigações. Gr. n.º 339 — O pica-pau verde Não é só em busca de alimento que os pica-paus abrem buracos nos troncos das arvores; fazem-n'o tambem para for- mar os ninhos. Algumas especies, na verdade, accommodam-se nas fendas e cavidades naturaes que encontram; ou- tras, porém, abrem-n'as para terem um ninho a seu gosto. Vêem-se estas occu- padas a inspeccionar as arvores de ma- deira mais branda, taes como a faia, o alamo, etc., para conhecer as que no interior estejam arruinadas. Feita a es- colha, o macho e a femea atacam a seu turno a casca da arvore, e só termi- nam o trabalho de perfuração quando teem alcançado a parte carcomida. O con- 16 ducto que alli vae dar é d'ordinario tão obliquo e profundo que reina n'elle completa escuridão; medida preventiva, sem duvida, contra os pequenos mami- feros, e principalmente contra os roedo- res, inimigos naturaes da familia. A femea põe os ovos n'uma cama de musgo ou preparada com o pó da ma- deira carunchosa. Os pequenos crescem lentamente, e por muito tempo carecem dos cuidados dos paes. Em geral os pica-paus conseryam-se silenciosos ou apenas soltam gritos des- agradaveis. Na época das nupcias cha- mam-se por certos gritos, batendo com o VOL. Mi 142 MARAVILHAS DA CREAÇÃO TES Il 222222] ST HJH?' PPBPJ?..õEE. bico nos troncos seccos das arvores, ti- rando sons que se ouvem a distancia, e sufficientes para attrahir todos os pica- paus que haja na vizinhanca. Geralmente os pica-paus são tidos por nocivos, pelos estragos que causam nas arvores das florestas ou dos prados; e esta supposição é motivo para se lhes mover cruel perseguição. Ao inverso, po- rém, são dignos de proteccão, porque destroem os insectos, os verdadeiros ini- migos das arvores, sendo certo que as de que os pica-paus furam os troncos são carunchosas, e quasi nunca sãs. 7 K detrhio ; qts Sh au eia: EM 7 ! Ky - a o Pés dy O TORCICOLLO OU PAPA-FORMIGAS Yunz torquilla, de Linneo—Le torcol vulgaire, dos francezes Esta especie do genero Yunx, a que vivena Europa, existindo outras na Asia € na Africa, é commum no nosso paiz. Teem os torcicollos o bico curto, direito e pontudo, azas mediocres, cauda longa, larga e formada de pennas macias ; tar- SOS Vvigorosos. A especie acima mencionada mede 0,"49 de comprimento, dos quaes 0,"07 pertencem á cauda. Tem as costas cin- TÃO qu Edi a ” Nao o) eo 1,4 Gr. n.º 340 — O torcicollo ou papa formigas zentas claras com salpicos pardos es- curos, o ventre branco com manchas escuras triangulares, garganta e pescoço amarellos com riscas transversaes, uma risca annegrada que parte do alto da cabeca e segue até ao fim das costas ; as remiges rajadas de trigueiro rui- vo ou trigueiro claro, as rectrizes salpi- cadas de negro e cortadas de cinco ris- cas curvas e estreitas, bico e pés amarellos esverdeados. Encontra-se esta ave nos sitios arvore- jados, sendo frequente nos pomares. Posto que possa segurar-se aos troncos das arvores verticalmente e por algum tempo, é certo que não póde trepar. No nosso paiz é mais conhecida esta ave pelo nome de papa-formigas, e com razão assim se appellida por que são real- mente as formigas que encontra no solo a parte principal da sua alimentação. Come tambem lagartas e outras larvas dos insectos. A lingua auxilia-a muito na caça ás formigas, porque, podendo estendel-a e introduzil-a atravez das aberturas dos AVES — O TORCICOLLO formigueiros, aguarda que as formigas se colloquem sobre ella, e ahi fiquem colladas com a saliva viscosa que a cobre, para d'uma vez as engulir. Passemos agora a falar d'uma circum- stancia bastante curiosa, a que esta ave deve o nome de torcicollo, por que é tam- bem conhecida. «O que n'ella ha de mais curioso é a faculdade que tem de virar a cabeca para todos os lados. Ao vêr coisa a que não esteja habituada faz repetidas caretas, e tantas mais quanto maior fôr o medo. Estende o pescoço, diz Neumann, eriça a pennugem da cabeca dando-lhe a fórma d'uma poupa, abre a cauda á ma- neira d'um leque, e ao mesmo tempo levanta o corpo vagarosamente e por muitas vezes seguidas; ou encolhe-se, estende o pescoço, inclina-se vagarosa- mente para a frente, torce os olhos, dilata a garganta como fazem as rãs, sol- tando ao mesmo tempo uns roncos sur- dos e gutturaes. Encolerisada, ferida ou presa no laço, se alguem vae para deitar-lhe a mão, a ave faz taes caretas, que quem pela primeira vez as vê fica pasmado se não assustado. Com a pennugem da cabeca ericada, os olhos meio cerrados e o pescoço esten- dido, vira a cabeca para todos os lados como faz a cobra, parecendo tracar nu- merosos circulos e tendo o bico tão de- pressa virado para a frente como voltado para traz. Dir-se-ha, ao vél-o pôr em pratica este manejo, que o torcicollo busca amedron- tar o inimigo ; a plumagem, cujo colorido se confunde com o dos troncos das ar- vores e com a côr do solo, auxilia a illu- são, e por vezes poderá intimidal-o imi- tando os movimentos das cobras, que tão temidas são por quasi todos os animaes. E não parece isto filho do instincto, mas sim aprendido, por quanto só os torcicollos adultos praticam desta sorte. O toreicollo encontra sem grandes can- seiras logar conveniente para estabelecer o ninho: bastalhe qualquer cavidade cuja entrada não seja muito larga, para que algum carnivoro alli não possa in- troduzir-se, sendo-lhe indifferente a al- tura a que esteja situada. Se na arvore existem muitas outras cavidades, d'ordinario cede as mais altas aos pardaes, aos chapins, ás rabiruivas e a outros passaros, com os quaes não quer contendas, estabelecendo-se nos si- 143 tios inferiores, e ahi vive em boa har- monia com os seus colocatarios. Depois de limpa a cavidade das sub- stancias que porventura a obstruam, de modo que o fundo fique bem liso, no fim de maio a femea põe de sete a onze ovos brancos, pequenos, obtusos, de casca lisa e tenue» (Brehm). Póde habituar-se o torcicollo a viver captivo, dando-lhe alimento analogo ao que usa em liberdade. O CUCO Cuculus canorus, de Linneo —Le coucou gris, dos francezes Esta especie do genero Cuculus é a unica que se encontra na Europa e commum no nosso paiz. Muitas outras vivem na Africa, na Asia Meridional, e nas ilhas da Oceania. Os cucos são airosos, teem o bico pe- queno e fraco, levemente arqueado, azas compridas e agudas, cauda muito longa e arredondada, tarsos curtos. Os da especie citada teem a cabeça, pes- coco, peito e partes superiores do corpo cinzentos azulados, sendo esta côr mais escura nas azas; ventre e coxas brancas raiados transversalmente de trigueiro an- negrado; cauda negra com manchas brancas na extremidade; bico negro com a base da mandibula inferior amarella; pés amarellos. Mede 0" 30 de compri- mento. Vive na Europa durante o verão, na Asia Occidental e no norte da Africa no inverno, e encontra-se nos pontos mais cerrados das matas,só ou acasalado, saindo muitas vezes para o campo em busca dos insectos, e principalmente das lagartas, que constituem o seu alimento. Vivo e activo como os que o são, em continuado movimento desde o romper da manhã até á noite, e muitas vezes durante uma parte d'esta, jámais nas suas excursões cessa de comer, porque egual á sua ac- tividade é a sua immensa voracidade. Vôa com rapidez e elegancia; firmado num ramo procura enxergar presa que lhe convenha, e mal a divisa, em meia du- zia de adejos, investe com ella, aboca-a, e volta ao seu primeiro pouso ou vôa para outra arvore, para d'alli repetir o manejo. Destro no vôo, nos outros mo- vimentos é pouco agil, caminha com dif- ficuldade e não consegue trepar. Naturalmente irascivel e richoso, prin- 144 MARAVILHAS DA CREAÇÃO TIE aa us se ss e O SS TETE EESTI E cipalmente para os da sua especie, vendo em todos um rival, não consente que ou- tro se estabeleça nos sitios por elle frequentados; e se algum apparece, as ri- xas succedem-se até que um dos adversa- rios haja abandonado o campo. O cuco é celebre pelo singular instin- cto da femea, que põe os ovos nos ni- nhos das outras aves, sendo o unico animal, entre os das classes superiores, que entrega a estranhos o encargo de crear e educar a sua progenie. À razão que leva esta ave a proceder assim, não obstante as variadas conjecturas emitti- das ácerca do facto, parece não ser ainda sufficientemente conhecida. Seria assumpto para muitas paginas se quizessemos repetir os variados pa- receres dos naturalistas ácerca dos habitos dos cucos, na parte que se referem ao seu modo de reproducção; parecendo resul- tar de tão encontradas opiniões que cer- tas particularidades do viver destas aves não são ainda sufficientemente conheci- BE ad RR) o o dh 4) / 1h A: Do Gr. n.º 344 — O cuco das. Limitar-nos-hemos, pois, a dar noti- cia dos factos que não soffrem contesta- ção, O cuco confia, principalmente ás di- versas especies dos passaros cantores, o cuidado da incubação dos seus ovos, e mais tarde o sustento dos filhos. Brehm diz não serem menos de cincoenta as es- pecies em cujos ninhos a femea do cuco põe os ovos; citaremos, entre as dos pas- saros, a calhandra, a carricinha, os pis- cos, a tutinegra, o rouxinol, o tordo, o melro, a alveloa, a pega, etc., e entre as gallinaceas, o pombo e a rola. «Na primavera, tão depressa o cuco dá entrada no sitio escolhido para sua resi- dencia, busca companheira, e com tal in- tento resoam por entre o arvoredo os seus gritos de amor: corre após todas as femeas que vê, perseguindo-as de arvore em arvo- re, e por vezes n'estas correrias transpõe distancias consideraveis. Ao aproximar-se a epoca da postura da femea, esta trata de encontrar ninho onde ponha os ovos, sem que o macho a acompanhe nas suas excursões, ou pareça d'alguma fór- ma preoccupar-se com o destino da sua progenie. AVES — O CUCO 145 Sempre voando, encontra a femea o ninho que lhe convem, e decerto possue instincto especial para taes descobrimen- tos, porque até mesmo os que mais occul- tos são lhe não escapam. N'este empe- nho olvida a sua timidez e não duvida introduzir-se nas habitações, entrar nos celleiros e nos estabulos, e se a fórma e posição do ninho lh'o permitte lá penetra e põe o ovo; no caso contrario põe-n'o no chão, e, tomando-o no bico, vae em seguida deposital-o no ninho. Por vezes introduz-se a custo em cavidades das quaes não logra sair. Não é raro encontrar no mesmo ni- nho dois ovos de cuco, ás vezes de córes diversas. Posto o ovo, a femea volta fre- quentemente ao ninho, arremessa para fóra um dos ovos ou dos pequenos que lá encontra, mas nunca o que lhe perten- ce.» (Baldamus). Figuier fala d'esta ultima circumstan- cia como ainda não referida, e confir- ma-a nos seguintes periodos: «A proposito vem o tornar conhe- cido um facto até hoje não citado em ne nhuma obra de historia natural. Acontece repetidas vezes que a femea do cuco tem a previdencia de tirar do ni- nho dos passaros um dos ovos da proprie- taria e partil-o no bico, espalhando os des- pojos, para que ella no seu regresso não dê pelo accrescimo effeituado na sua au- sencia. À isto se deve attribuir o ver-se frequentemente em volta dos ninhos, onde os cucos vão pôr os ovos, pedacos de casca d'ovo. Denuncia esta acção, por parte da fe- mea do cuco, um raciocinio perfeito, e por consequencia verdadeira intelligen- cia; isto por mais que digam os grandes philosophos que negam tal faculdade aos animaes» (Figuier). E notavel que os passaros, tão ciosos do ninho, e que o abandonam se al- guem lhe toca, arremessando para fóra outros ovos que não sejam os seus, pou- pem os do cuco, e ainda mais, encar- regam-se da sua incubação, não obstante havel-os este privado dos seus proprios ovos. «Sobe de ponto a admiração vendo a boa vontade da ama do cuco que se es- quece dos proprios ovos e dos seus fi- lhos para se entregar abertamente aos cuidados que exigem os d'um estranho. Este sacrificio, realmente uma renuncia ás affeições mais naturaes, feito em favor do cuco, porque na maior parte os passaros recusam cobrir outros ovos que não se- jam os seus, será, pois, obediencia a uma lei natural ? Não é permittido duvi- dar em vista das quarenta experiencias de Lothinger». (Vieiltot). Lothinger fez experiencias nos ninhos da tutinegra, do melro, da cicia, do papa- moscas, do pintasilgo, do dom fafe, do tentilhão, do tordo, até mesmo no da coruja, introduzindo alli ovos de especies diversas em troca dos que lá existiam, e observou que todas estas aves abando- navam o ninho depois da substituição. Posto que, como já dissemos, não pa- reca ainda completamente averiguada qual seja a razão porque a femea do cuco não cumpre, á maneira dos outros pas- saros, os encargos da maternidade, dare- mos aos nossos leitores conhecimento das observações de Florent Prevost, ácerca d'este assumpto, apresentadas nos seguin- tes periodos transcriptos de Figuier : «No dizer d'este naturalista, os cucos são polygamos, mas ao inverso das ou- tras aves. Em quanto n'estas são os ma- chos que possuem muitas femeas, nos cu- cos as femeas é que teem mais d'um ma- cho, porque n'elles o sexo fragil está, numericamente falando, melhor represen- tado. «Estas senhoras vagueiam d'um para outro sitio, vivendo em cada um dois ou tres dias em companhia do macho que alli exista, abandonando-o em seguida em obediencia á sua natural incons- tancia. E' então que os machos soltam tão frequentes os gritos que todos nós conhecemos, gritos dºonde lhes provém o nome, e que são uma especie de chama- mento ou convite á femea, que por seu turno lhes responde com um cucurejar que lhes é proprio. No espaço de seis ou sete semanas põem as femeas oito ou dez ovos no solo, e de ordinario dois apenas com o intervallo de dois a tres dias. Posto o ovo, a femea do cuco toma-o no bico e vae leval-o furtivamente ao ninho d'algum passaro pequeno que haja n'aquelle sitio, aproveitando-se da ausencia dos proprie- tarios, os quaes por certo, estando pre- sentes, se opporiam ás suas pretenções. Ha exemplos de piscos, apanhando-o d'improviso, obrigarem o intruso a es- capar-se com o fardo. O segundo ovo é da mesma sorte le- vado para outro ninho da vizinhanca, 146 mas nunca para o mesmo onde ficou o primeiro. A mãe tem, por certo, con- sciencia da má situação que crearia aos dois filhos, se procedesse d'outra fórma, porque os pobres passaros, proprietarios do ninho, ver-se-hiam realmente na im- possibilidade de prover á mantença de dois seres, tão vorazes como são os cucos pequenos... Eis, pois, como facilmente se explica que a femea do cuco não cumpra as suas obrigações maternaes. Pondo os ovos com tão largos intervallos, encontrar-se-hia na necessidade de simultaneamente cobrir os ovos e alimentar um filho, duas oc- cupações incompativeis, porque a ultima, obrigando-a a repetidas ausencias, seria MARAVILHAS DA CREAÇÃO nociva aos ovos que carecem de tempe- ratura constantemente egual. Não é, pois, indifferença, é antes o resultado d'um ra- ciocinio, que leva a femea do cuco a con- fiar a estranhos os seus deveres mater- naes.» (Figuier). Não ha quem não conheça o canto dos cucos, cu-cu, pelo menos aquelle que mais vezes repete e que lhe serviu d'origem ao nome em quasi todas as linguas. Dilio só o macho, principal- mente na primavera, na epoca das nu- pcias, voando de arvore em arvore, ou pousado n'um ramo secco. O cuco, sendo apanhado novo, acostu- ma-se a viver captivo, e Brehm diz, em resultado das proprias observações, que Gr. n.º 3420 — cuco rabilongo até mesmo os adultos se podem domes- ticar, e que não manifestam o odio, que alguns autores lhe attribuem, ás outras aves. O CUCO RABILONGO Cuculus glandarius, de Linneo —- Le coucou gear, ou coucou tacheté, dos francezes Esta especie, hoje comprehendida no genero Oxylophus, habita com os seus congeneres o norte da Africa e a Syria, apparecendo accidentalmente na Europa, e posto que se encontre no nosso paiz, é aqui muito rara. Teem estas aves o bico longo como a cabeça, tão alto como largo, comprimido nos lados e um pouco recurvo; na ca- beça uma especie de poupa formada de pennas alongadas, cauda muito compri- da, tarsos vigorosos e curtos. O cuco rabilongo tem a cabeça parda cinzenta, as costas e o ventre pardos tri- gueiros, a garganta, os lados do pescoço e o peito aloirados tirantes a vermelho, as coberturas das azas e as remiges secun- darias com uma larga malha branca de forma triangular na extremidade; bico negro com a mandibula inferior averme- lhada, pés pardos esverdeados. Mede 0",41 dos quaes 0”, 24 pertencem á cauda. Nos habitos os cucos rabilongos teem certas similhanças com os cucos; ali- mentam-se de insectos, e á maneira dos segundos põem os ovos em ninhos estra- nhos. O canto é diverso. Em resultado das suas observações, diz AVES — O CUCO INDICADOR 147 Brehm que esta ave na Africa deposita os ovos nos ninhos das gralhas, e em Hespa- nha são estes substituídos pelos da pega. Apanhados novos, diz Allen, os cucos rabilongos podem habituar-se a viver captivos. O CUCO INDICADOR Gmlin — L'indicateur a bec blanc, dos francezes Cuculus indicator, de Pertence esta especie ao genero Indica- tor, que comprehende nove especies da Africa e Asia, e de que a citada é o typo. Os passaros d'este genero, comprehen- dido na familia dos cucos, distinguem-se d'estes pelas formas mais refeitas, bico mais eurto que a cabeca, vigoroso, quasi direito e comprimido aos lados, azas lon- gas e pontudas, cauda mediocre. A especie que acima indicámos é parda trigueira nas costas, tem o ventre branco pardaço, a garganta negra, as remiges atrigueiradas, uma malha amarella na parte superior da aza, a cauda trigueira com algumas pennas brancas, o bico branco amarellado e pés trigueiros. Mede 0,724 de comprimento. O cuco indicador possue a faculdade singular de descobrir os ninhos das abe- lhas; e dos ovos e mel d'estas se alimen- ta. Muitos viajantes teem referido os habi- tos destas aves, e todos confirmam o no- tavel instincto que as leva a denunciar ao homem, por todos os meios ao seu alcan- ce, a existencia dos cortiços das abelhas, porque aproveitando este a melhor parte, lhes deixa ainda com que saciar-se. N'uma descripção de viagem pela Abys- sinia, lê-se o seguinte : «O cuco indicador veiu pousar no cimo d'uma pequena arvore, e voltado para o nosso lado repetia o seu grito cuic cuic, movendo-se e agitando a cauda, e só cessou este manejo quando nos levantá- mos dispostos a seguil-o. Então tomou o vôo, indo pousar n'outra arvore proxima, sempre virado para nós e continuando a chamar-nos. Assim o fomos seguindo até á arvore onde existia o cortiço, e ao chegar alli, pousando num ramo, soltou a voz mais vigorosa, dobrando o canto, agora diverso do anterior, isto durante o tempo que levá- mos a extrahir o mel : parecia ao mesmo tempo um incentivo e um canto de rego- sijo. Tão depressa findámos a operação, o indicador foi pelos restos que ficaram, bem merecida recompensa do seu trabalho.» Lobo, n'uma viagem pela Abyssinia,pu- blicada em 1728, narra o mesmo facto pela forma seguinte: «Existem na Abyssinia numerosas abe- lhas de diversas especies, das quaes al- gumas, à maneira das nossas, são domes- ticas e fabricam o mel em colmêas, e outras selvagens vão deposital-o nas cavidades das arvores ou em buracos sob o solo, que conservam no maior asseio, e dos quaes por forma tal apagam os vesti- gios,não obstante existirem nos caminhos, que sem o indicador não é possivel des- cobril-os. O mel assim produzido, no interior da terra, não é inferior ao que se encontra nas nossas colméas, e só me pareceu um pouco mais escuro. Deve ter sido d'este mel, ao que me parece, que S. João se alimentou no deserto. Descoberto o ninho das abelhas pelo indicador, vae este postar-se no caminho, e vendo passar alguem canta, bate as azas, e por diversos movimentos convida o viajante a seguil-o. Vendo que o com- prehenderam, vae voando de arvore em arvore até ao logar onde as abelhas es- condem o thesouro, e ahi solta o seu canto mais melodioso. O abyssinio então assenhorea-se do mel, não se esquecendo de deixar uma parte para o denun- ciante.» No sul da Africa não é menos estimado o cuco indicador, e os hottentotes apro- veitando-o para descobrir-lhes a morada das abelhas, guardam-se de o maltratar e véem com maus olhos quem attentar contra a sua existencia. Sparmann diz que, não obstante haver promettido a uns hottentotes que o acompanhavam farta recompensa, constante de tabaco e de missanga, para que o auxiliassem a apa- nhar um indicador, não conseguiu mo- vel-os, e obteve em resposta—que era um amigo ao qual não atraicoariam. Uma grande parte dos naturalistas affir- mavam que a femea do cuco indicador chocava os ovos; hoje, porém, ávista de observações ultimamente feitas por via- jantes e naturalistas dignos de credito, parece não existir duvida de que ella, à maneira do cuco da Europa, põe os ovos nos ninhos d'outras especies. Na America Central e Meridional vive uma familia pouco numerosa da ordem das trepadoras, os amis dos brazileiros 148 MARAVILHAS DA CREAÇÃO [TT >>" — Crotophaga, — que teem o bico do comprimento da cabeca, mais alto que largo, com a mandibula superior, desde a base até pouca distancia da extremidade, que termina adunca, formando uma con- vexidade comprimida nos lados ; em volta dos olhos tem um espaço nu, as azas são curtas, a cauda longa. Differindo na forma do bico e no ta- manho, existem tres especies, nos habitos similhantes, sedentarias, vivendo em fa- milias ou em bandos de trinta a quarenta individuos, e assim percorrendo as plan- tações, os pequenos bosques e a orla das florestas, desprezando as grandes arvores para se abrigarem nas moutas. Como o seu nome scientifico indica, crotophaga, ou comedor dinsectos, o anú alimenta-se de insectos e de vermes, e devora os parasitas que se abrigam no pello dos ruminantes. «Os anús comem os parasitas que são o tormento do gado, e para esse fim fre- quentam as pastagens. Correm pelo dorso dos animaes sem que estes manifestem o menor desagrado, vendo-se frequentes vezes mais d'um anú no dorso d'um boi, quer este esteja deitado ou vá a caminho, O principe Wied viu-os por esta forma em companhia do caracará branco, e Gosse refere-se ao zelo com que alguns se occupavam a livrar uma vacca dos parasitas que a atormentavam. Todos os naturalistas confirmam a amizade que reina entre o gado e os anús.» (Brehm). Estas aves possuem em alto grau 0 instincto da sociabilidade, e n'alguns ca- sos reunem-se por vezes muitas femeas para construirem um unico ninho onde põem e chocam os ovos em commum. Parece, todavia, deprehender-se das obser- vações de diversos naturalistas e escrip- tores que este facto dá-se provavelmente só com os anús que vivem nos sitios ermos, onde seja raro que o homem vá pertur- bal-os. Estas aves são pouco timidas e muito doceis, e das que se apanham novas diz-se que se domesticam facilmente. Descreveremos duas especies : O ANÚ COROA 1 Crotophaga major, de Linneo — L'ani des platuviers, dos francezes Tem a plumagem azul escura tirante a cór de violeta na cauda, e a pennugem ! Nome vulgar brazileiro. do peito orlada de verde ; bico negro, e desta côr um circulo em volta dos olhos; pés trigueiros escuros. Mede 0,751 de comprimento, dos quaes, 0,"27 perten- cem á cauda. O ANÚ PEQUENO ! Crotophaga minor, de Linneo — L'ani des savanes, dos francezes Menor do que a antecedente: tem esta especie 0,737 de comprimento, perten- cendo 0,"18 á cauda. A plumagem é azul escura, e a pennugem da parte an- terior do corpo tem reflexos violaceos na extremidade. Na America do Norte e principalmente Gr. na do Sul, vive uma familia d'aves— Coc- cyzus—que na fauna do Novo Mundo oc- cupa o logar dos cucos do antigo conti- nente. São aves de corpo refeito, azas mais ou mºnos curtas segundo as especies, cauda muito longa, tarsos altos e bico vi- goroso. Nos Estados Unidos é muito frequente a especie coccizus americanus, O coulicou americain dos francezes, e no Brazil en- coniram-se diversas especies que vivem nas plantações arvorejadas ou nas flores- tas. São timidas e solitarias, e de prefe- rencia conservam-se nos logares mais er- mos, correndo habilmente por entre os ramos das arvores, e de tempos a tem- pos descendo ao solo. Alimentam-se de fructos, e principal- n,º 343 — O coua-sassi i Nome vulgar brazileiro. AVES— OS SURUCUÁS 149 De O SRS TDR RR e mente de lagartas. Construem o ninho nos troncos ócos das arvores e a femea geralmente choca os ovos; parece, toda- via, que n'alguns casos os coccizus imi- tam o cuco, pondo os ovos em ninho alheio. A especie seguinte é muito commum no Brazil. O CODA-SASSI ? Cuculus naevius, de Linneo Plumagem trigueira vermelha nas par- tes superiores, cauda muito longa lri- gueira vermelha escura. Existe uma famillia de aves, T'rogon,divi- dida em diversos generos que habitam a Ásia, a Africa e a America. As especies que vivem no Brazil appellidam-n'as os naturaes surucuás. Teem por caracteristicos o bico curto, adunco, com as mandibulas mais ou me- nos dentadas, cercado de sedas na base; azas curtas, cauda longa, com as pennas do centro mais compridas do que as das ex- tremidades. A plumagem, macia e sedosa, é matizada de córes vivas com reflexos metallicos. Notaveis pela belleza da plumagem, nada ha digno de menção nos seus habitos. Passam a vida nos pontos mais cerrados da floresta, escondidos entre os ramos das arvores, onde os raios do sol não penetram; pouco sociaveis, naturalmente tristes, assi- milham-se muito ás aves nocturnas. Alimentam-se de insectos e de fructos. À femea construe o ninho nas cavidades das arvores, onde põe de dois a quatro ovos, em geral brancos. Uma particularidade digna de menção nos surucuás é as córes da plumagem perderem o brilho e desvanecerem-se ex- postas á claridade do dia. Não consta até hoje que estas aves se hajam conservado captivas. Descreveremos a especie seguinte, uma das mais notaveis pela belleza da sua plumagem. O SURUCUA VERDE Trogon viridis, de Linneo. — Le couroucou vert, dos francezes. Tem a fronte, as faces e a garganta negras; o alto da cabeca, a nuca, os la- dos do pescoço e o peito azues com re- flexos verdes; as costas, as espadoas e o ! Nome vulgar brazileiro. comeco das azas verdes bronze tanto mais tirante a azul quanto mais proximo do fim das costas; ventre e uropigio a- marellos claros, remiges negras bordadas de branco, as rectrizes medianas verdes, as outras negras bordadas externamente de verde bronze, e as tres ultimas com as barbas externas brancas; bico branco esverdeado, pés negros. Mede 0,” 35 de comprimento, e d'estes pertencem á cauda 0 45: Esta especie é principalmente muito commum nas florestas do norte do Bra- zil Habitam as florestas virgens da Ame- rica Meridional dois generos de passaros, os araçcaris (Pteroglossus) e os tucanos gr. v.º 344 — O surucuá verde (Ramphastus), comprehendidos n'uma só familia, e que facilmente se caracterisam pelo bico volumoso e descompassado, co- nico, recurvo, mais ou menos comprimi- do aos lados, com as duas mandibulas dentadas. A” primeira vista o bico parece pesado e vigoroso, devendo tolher os mo- vimentos da ave; mas pelo contrario, é leve, formado de tecido esponjoso cujas numerosas cellulas são cheias dar, e fra- gil ao ponto de ceder com a maior fa- cilidade á pressão dos dedos do homem, não servindo ao seu possuidor nem mes- mo para triturar os fructos. «A lingua dos tucanos, diz Chenu, é ainda mais extraordinaria que o bico. São as unicas aves que teem uma penna 150 em logar de lingua, uma penna na mais estricla accepcão da palavra, posto que a haste “desta penna-lingua seja de substancia cartilaginosa, com cinco millimetros de largura, guarnecida pelos lados de barbas muito unidas, e em tudo similhantes ás das pennas. Estas barbas, dirigidas para a frente, são tanto mais compridas quanto mais se aproximam da extremidade da lingua, tão longa como o bicos» As observações que vamos transcrever de diversos autores podem servir egual- mente aos tucanos e aos araçaris, porque estas duas aves muito se assimilham nos habitos. Os tucanos vivem no cimo das gran- des arvores, sendo raro encontral-os no solo : são ageis, alegres e muito timidos. Vivem aos pares ou em pequenos ban- dos,e no dizer de Bates observam-se por ve- zes em numero de quatro ou cinco empo- leirados numa arvore, onde se conservam horas inteiras soltando os seus singulares gritos. «Um d'elles, accrescenta este au- tor, empoleirado no ponto mais alto, pa- rece ser o regente n'este concerto pouco harmonioso, e os restantes, dois a dois, grilam por seu Lurno nos tons mais va- riados.» Alimentam-se estas aves de fructos, e na opinião d'alguns naturalistas não se limitam ao regimen vegetal: devoram os passaros pequenos e os ovos, o que parece evidente visto que no estado de domesti- cidade comem de boa vontade substancias animaes. Azara e outros naturalistas di- zem que os tucanos para engulirem os fructos ou os pedaços de carne arremes- sam-n'os primeiro ao ar, para recebel-os em seguida na bocca e engulil-os duma assentada. Aninham os tucanos e os aracarís nos troncos ôcos das arvores, onde a femea põe dois ovos brancos. A carne destas aves é, no dizer de muitos, succolenta e de sabor delicado, e por esta circumstancia, e para se apos- sarem das bellas pennas que lhes ornam a plumagem, dão-lhes caca nos sitios once ella apparece. Schomburgk falando no uso que os indigenas dão ás pennas do tuca- no, diz: «ornam a cabeca com gosto, empregando para isso as pennas verme- lhas e amarellas que os tucanos teem na raiz da cauda. Alguns fazem com ellas não só toucados como tambem cobertu- ras». MARAVILHAS DA CREAÇÃO Na Europa usou-se em tempo, moda importada do Brazil e do Peru, segundo affirma Figuier, ornarem-se as damas com as lindas pennas côr de laranja que algumas especies de tucanos teem na gar- ganta. Do tucano e do aracari pode dizer-se que se domesticam com a maior facili- dade, tornando-se muito interessantes e agradaveis. Humboldt diz que pelo seu viver se assimilham ao corvo. Não é difficil alimental-os, podendo sustentar-se de carne, fructos, pão, ba- tatas, ete. Provam-n'o numerosos exem- plos d'estas aves sujeitas a este regimen, com o qual se davam o melhor possivel. Gr. n.º 345 — O araçari O ARAÇARI Ramphastus araçari, de Linneo — Le pteroglosse araçari, dos francezes Tem a plumagem verde escura com brilho metalico na parte superior do cor- po, a cabeça e o pescoço negro, as faces trigueiras violaceas escuras, o peito e o ventre verde amarello claro, uma faxa que atravessa ao meio do ventre e o uropigio vermelhos, a cauda verde annegrada na parte superior ce parda esverdeada na inferior, o bico branco amarellado na mandibula superior e negra a inferior, AVES— O TUCANO pés pardos esverdeados. Mede 0”",47 de comprimento. E bastante commum nas florestas do Brazil. O TUCANO PEITO BRANCO Ramphastos toco, de Linneo — Le toucan toco, dos fraucezes E a maior das especies, tem 0",60 de comprido, pertencendo 0”",14 á cauda. E todo negro, à excepção da garganta, das faces, da frente do pescoço, e das coberturas superiores da cauda que são brancas; o uropígio é vermelho claro, Gr. n.º 346 — O tocano peito-branco o bico vermelho alaranjado claro, com a extremidade da mandibula superior negra, pés azulados. Habita a America do Sul, desde a Guia- na até ao Paraguay. OS PAPAGAIOS Psittacus, de Linneo—Les perroquets, dos francezes Os papagaios constituem entre as aves um grupo bem distincto pela forma do bico, que, parecendo á primeira vista si- milhante ao das aves de rapina, é toda- via mais grosso, vigoroso, relativamente mais alto, e todo elle mais desenvolvido. Teem a mandibula superior muito re- 151 curva e aguda na extremidade, exceden- do a inferior profundamente chanfrada ; a base da mandibula superior coberta por uma membrana flexivel e nua. A lingua é grossa, carnuda e movedica, os tarsos são curtos, e os pés tão perfeitos, que mais parecem mãos pela facilidade que teem de segurar os objectos, viral-os em todos os sentidos, levar os alimentos á bocca; são munidos d'unhas agudas e adun- cas que fazem d'estas aves as verdadeiras trepadoras. A Brehm, o illustre naturalista alemão que tantas vezes temos citado no decur- so d'esta obra, e que mais do que ne- nhum outro nos tem fornecido subsidios valiosos para a sua contextura, colloca á frente das aves os papagaios, com os quaes fórma uma ordem especial. Nos periodos seguintes justifica a prioridade concedida a estas aves, dando simultaneamente in- teressantes pormenores ácerca das suas faculdades. «Segundo a opinião de Oken, disse que os mamiferos eram animaes dotados de todos os sentidos, c fiz notar que o des- envolvimento egual e uniforme destes lhes marcava posicão elevada na escala dos seres. Appliquemos esta theoria ás aves, e veremos que, salvo pequenas excepções, os papagaios distinguem-se precisamente das outras aves pelo desenvolvimento uni- forine dos sentidos. Nenhum existe atro- phiado, nem cresce em perfeição com prejuizo d'outro. E notavel o falcão pela agudeza da vis- ta, o mocho pela finura do ouvido, pelo olfato o corvo: parece ter o pato o gosto apurado, a pega o tacto bastante des- envolvido, e com estas muitas outras aves se distiguem; mas é o papagaio o unico que tem a vista, o ouvido, o olfato, o gosto e o tacto cgualmente apurados. Não ca- recemos de provas para nos convencer- mos de que vê e ouve bem, e no que respeita aos outros sentidos basta obser- val-o: espirra se respira fumo, conhe- ce com incrivel rapidez os fructos que são bons. Examinae um papagaio depois de lhe haverdes dado um torrão de assucar, pas- sae-lhe a mão ao de leve sobre a pennu- gem, e tereis as provas de que lhe não escasseia nem o paladar nem o tacto. Indiscutivel é tambem a intelligen- cia d'estes animaes, e dá-lhes direito a appellidarem-n'os monos alados. Para 152 comprehender o que ha do mono no pa- pagaio, é mister primeiramente avaliar a intelligencia d'esta ave. Possue todas as faculdades e todas as paixões dos mo- nos, e d'elles tem as faculdades e os de- feitos. E” das aves mais intelligentes, mas é mono, isto é, caprichosa e inconstante. Tão depressa é companheira jovial e das mais agradaveis, como se transforma n'um ente insupportavel. O papagaio tem memoria, tino, astu- cia e reflexão; tem consciencia da sua individualidade; é orgulhoso, valente e affectuoso; até mesmo terno para as pes- soas que estima. Pode d'elle dizer-se que é fiel até á morte, e racionavelmente grato. . Aprende se o ensinarem e torna-se obe- diente á maneira do mono; mas é tam- bem colerico, mau, astucioso, falso, guar- dando a lembrança dos maus tratos e, á imitação do mono, não tem dó dos fra- cos nem dos que soffrem: o seu cara- cter é um composto de boas qualidades e d'imperfeições as mais contradictorias. Um tal conjuncto de faculdades indica porém grande desenvolvimento intellec- tual. Todos sabem com que perfeição os pa- pagaios conseguem imitar a voz humana e repetir as palavras, no que excedem todos os outros animaes, e por vezes de modo que ultrapassam tudo quanto é ve- rosimil. Não palram, falam; e sabem o que as palavras exprimem. Fóra da epoca das nupcias os papagaios vivem formando sociedades ou bandos nu- merosos; escolhem para residencia um ponto da floresta, e d'alli partem todos os dias para as suas excursões. Os membros de cada um dos bandos conservam-se fielmente unidos, e partilham em com- mum a boa e a má fortuna. Todos, ao amanhecer, abandonam o logar onde passaram a noite, e vão pousar n'alguma arvore ou plantação para se saciarem dos fructos. Vigiando pela salvação commum, postam sentinellas, e todos se conser- vam altentos ás suas prevenções. No momento de perigo partem todos, auxi- lando-se uns aos outros, e regressam jun- tos ao seu pouso, vivendo, n'uma pala- vra, continuadamente reunidos. Os cimos das arvores frondosas são tão indispensaveis aos papagaios como um Jo- gar de repouso bem seguro. Buscam de preferencia sitio onde se escondam do que abrigo contra o mau tempo: gostam do MARAVILHAS DA CREAÇÃO calor, mas não se arreceiam do frio e ainda menos da chuva. «Durante as medonhas tempestades dos tropicos, em que por vezes o ceo quasi se obscurece completamente, vêem-se, diz o principe Wied, os papagaios em- poleirados nos ramos mais altos, im- moveis, soltando alegremente a voz, ao mesmo tempo que a agua lhes escorre das azas. Ser-lhes-hia facil encontrar um abrigo sob a folhagem; parece, porém, que lhes apraz conservarem-se assim ex- postos à chuva tepida, trazida pela tem- pestade. Passado o mau tempo, apres- sam-se a seccar a plumagem». Nos dias em que o sol abraza a terra com os seus raios, não ha vél-os expo- rem-se aos seus ardores; occultam-se onde a folhagem seja mais basta, e outro tanto praticam se algum perigo os ameaça. Não ignoram que uma arvore bem fron- dosa é um escondrijo excellente para el- les, que usam a libré da floresta, e que alli é difficil divisal-os. Pode haver a cer- teza de que n'uma arvore existem empo- leirados não menos de cincoenta, e toda- via não é possivel enxergar um. Não lhes escasseia sagacidade, e como não desejam ser vistos, um d'elles, mal di- visa o inimigo, dá o signal d'alarme e todos se calam subitamente, retirando- se para o emmaranhado da folhagem, e alli, trepando silenciosamente, dirigem- se para o lado opposto d'onde o perigo se aproxima, e soltam o vôo sem que se lhes ouça a voz, a menos que não estejam a cem passos do inimigo, e d'esse modo como que zombam do importuno que veiu perturbal-os. Este processo é egualmente seguido quando todos se precipitam sobre uma arvore, para lhe devorar os fructos, e nas suas pilhagens nunca deixam de ma- nifestar no mais subido grau toda a sua finura e prudencia. A principal alimentação dos papagaios são as sementes e os fructos, e os estra- gos que causam são enormes quando se introduzem nas plantações e nos poma- res. Nas localidades por elles frequenta- das nada está seguro ; e os fructos ou as mais rijas sementes, pequenas ou grandes tudo lhes convem. Ainda á imitação dos monos, destroem mais do que comem. «Entrando n'um pomar, diz Brehm, inspeccionam arvore por arvore, provam de todos os fructos, rejeitando os que não encontram sufficientemente saboro- AVES— OS PAPAGAIOS sos, para só devorarem os que lhes agra- dam. D'esta sorte despem a arvore dos fructos começando pelos ramos inferio- res, e chegados ao cimo passam para outra e ahi continuam as suas depreda- ções». Na domesticidade o papagaio pode di- zer-se omnivoro, porque além dos grãos, das sementes e dos fructos, come pão, carne cozida ou crua, e gosta immenso de assucar. A amendoa amarga e a salsa são para elle venenos violentos. Bebe muita agua, e no verão, prin- cipalmente, gosta immenso de se ba- nhar. Os domesticos, se os habituarem, bebem vinho, e produz-lhes effeitos eguaes aos que opera no homem, tor- nando-os mais alegres e faladores. A epoca da reproducção corresponde á nossa primavera; precede a da matu- ração dos fructos. As femeas da maior parte das especies fazem uma unica pos- tura e põem dois ovos, à excepção das cacatuas que pócm maior numero. São brancos, arredondados, e de casca lisa. Nos troncos ôcos das arvores fazem o ninho os papagaios, havendo entre as especies da America algumas que o con- struem nas fendas das rochas. «Quando os papagaios não encontram arvore que lhes offereça as condições pre- cisas para estabelecer o ninho, de tronco carcomido pelo tempo ou n'elle aberta alguma cavidade pelo pica-pau, vêem-se na necessidade d'elles proprios o fazerem, e n'este caso sabem empregar o bico. O macho e a femea, e principalmente esta, abrem um buraco na casca, e suspensos do tronco, como o pica-pau, cortam ou antes roem-n'o fibra a fibra, até abrirem uma cavidade onde possam estabelecer o ninho. Leva semanas esta dura tarefa, mas á força de perseverança conclue-se. Aberta a cavidade o principal está feito, e bas- tam apenas algumas aparas para tapisa- rem o fundo» (Brehm). Só a femea choca os ovos, e dura a incubação nas especies pequenas de dez- “eseis a dezoito dias, e nas maiores vinte e tres a vinte cinco. Os pequenos nascem implumes, mas desenvolvem-se rapida- mente. No ninho são alimentados pelos paes, que lhes dão sementes embrandeci- das primeiro no papo, e que depois lhes introduzem na bocca. O amor pela sua progenie leya os papa- 153 gaios a defendel-a com a maior coragem e dedicação, affrontando o perigo e ex- pondo a vida; até mesmo os domes- ticos não consentem que os donos, por maior que seja a affeição que lhes te- nham, se abeirem do sitio onde estão os filhos. Os papagaios, não obstante terem aos dois annos a sua plumagem definitiva, e poderem reproduzir-se, é certo que vivem vida longa, e muitos exemplos existem d'estas aves domesticas verem desappare- cer todos os membros da familia, onde foram creados de pequenos. «As Memorias da Academia das scien- cias, de Paris, diz Figuier, mencionam um papagaio que viveu em Florença além de cento e dez annos, e que pertencia á familia do grã duque de Toscana.» Não se pode marcar a epoca em que o papagaio foi pela primeira vez domes- ticado, porque sendo Alexandre o Grande, ou algum dos seus generaes, quem pri- meiro trouxe da India para a Europa uma d'estas aves, já n'aquelle tempo as encon- trára domesticas nas moradas dos indi- genas. Na Roma antiga foram os papagaios muito communs e estimados, e nos sum- ptuosos banquetes dos imperadores figu- ravam estas aves. «Oh! infeliz Roma, exclamava Catão, até onde baixaste, para que as mulheres criem os cães no seio e os homens an- dem de papagaio em punho !» Encerravam-n'os os romanos em gaiolas de prata e de marfim, e tinham servos encarregados de os cuidar, e principal- mente de lhes ensinar o nome de Cesar. O valor d'um papagaio era superior ao de um escravo. Quando Christovão Colombo aportou á America, já alli encontrou, nas habi- tações dos indigenas, papagaios domes- ticos. A carne do papagaio, diz Brehm, posto que rija e fibrosa, é muito estimada e faz-se d'ella excellente caldo. Schomburgk fala da sopa de papagaio como d'um manjar excellente. Os chilenos teem esta carne no maior apreço, e os indios da America e os selvagens da Australia ca- cam os papagaios para os comer. Os papagaios podem reproduzir-se na Europa em determinadas circumstancias, e d'esta asseveração existem numerosos exemplos. «Os papagaios carecem de certas con- 154 dicções para o amador poder obter que as femeas ponham, e só é raro este facto nas que vivem captivas porque não bus- cam collocal-as num meio conveniente. Muitas observações provam que não é difficil obter que estas aves se reprodu- zam nas nossas habitações, toda a vez que se tenham em sitio vasto, onde es- tejam tranquillas, e se lhes forneça ni- nho do seu agrado. Um grande viveiro onde se conservem todo o anno, com um tronco de arvore MARAVILHAS DA CREAÇÃO de madeira branda onde haja uma grande cavidade, são as condições a satisfazer para que os papagaios se multipliquem. E” pois certo que se contentam com pouco, e que sabem amoldar-se ás circumstan- cias» (Brehm). Encontram-se os papagaios em todas as partes do mundo exceptuando a Eu- ropa, e habitando de preferencia as zo- nas tropicaes. E” consideravel o numero das especies, conservando entre todas ca- racteres uniformes, as quaes alguns natu- Gr. n.º— 347 —4, A arara—2, À catatua— 3, O papagaio ralistas separam em tres grupos : — papa- guos de cauda curta, ou papagaios pro- priamente ditos, cacatuas, e papagaios de cauda longa, e estes grupos dividem-se em generos, cada um comprehendendo numerosas especies. Daremos breve descripção d'algumas especies mais importantes e curiosas, visto que a mesquinhez do espaco nos não permitte ser prolixos no assumpto. Se- guindo a opinião dos naturalistas, daremos o primeiro logar ao papagaio cinzento da Guiné, que se pode considerar typo da familia. O PAPAGAIO CINZENTO DA GUINÉ Psiltacus erythacus, de Linneo — Le perroquet cendré, dos francezes Esta especie, muito conhecida no nosso paiz, é originaria da costa occidental da Africa, e d'ella diz Brehm ser digna re- presentante da ordem a que pertence. «Se não é, accrescenta este autor, a de vôo mais rapido ou de plumagem mais brilhantemente colorida, é todavia aquella cujas faculdades são mais uniformemente desenvolvidas. Se me permittem usar d'es- ta expressão, é a ave-homem. AVES — O PAPAGAIO CINZENTO 15 QT Não é acaso ou capricho, é a justa apreciação do seu merito que me leva a conceder-lhe o logar de honra.» Esta especie, como poucos dos nossos leitores ignoram, tem a plumagem cin- zenta clara, a cauda vermelha viva, bico negro, em volta dos olhos um cir- culo branco, e pés pardos escuros. Mede 0,733 de comprimento, dos quaes 0,”8 pertencem á cauda. A femea distingue-se pelo tamanho; faz uma pequena diffe- rença para menos. D'esta especie, pouco conhecida no es- tado livre, existem numerosos individuos domesticos espalhados por todo o mundo, e o papagaio cinzento é tido por uma das aves: mais interessantes das que vi vem nos aposentos do homem, pela sua doçura, intelligencia, e pela affeição que ganha ao dono. Em todas as obras de historia natural, em que se faz menção dos habitos e viver dos animaes, em nenhuma deixam de se encontrar numerosas anecdo- tas, cada qual mais interessante, ao tratar- se do papagaio cinzento. Não seremos nós que deixaremos de seguir tão autori- sados exemplos, e transcreveremos algu- mas publicadas em diversas obras. Levaillant fala nos seguintes termos d'um papagaio que observou em casa dum commerciante em Amsterdam — «Chamava-se Carl, e falava como Cicero. Tudo quanto lhe ouvi, discursos com- pletos, que me repetiu sem lhes faltar uma syllaba, seria materia para um li- vro. A” voz do dono trazia o hbarrete de dormir e as chinellas; chamava a criada, se careciam della, O seu pouso favorito era na loja, e alli era bastante util, porque se alguem entrava não estando o dono, chamava-o até que elle ou alguem appa- recesse. Tinha excellente memoria e sabia phra- ses inteiras em hollandez, e só aos ses- senta annos começou a perder a remi- niscencia, e a pouco e pouco foi esque- cendo o que sabia». Brehm fala d'um papagaio cinzento chamado Jaco, de quem se occupa- ram diversos auctores, entre elles Lenz, que o considerou como sendo a pri- meira, desde que existem aves, cuja edu- cação haja attingido tal grau de perfei- ção. «Em 14827, a pedido do conego José Maschner, de Salzburgo, o conselheiro ministerial Andrê Mechletar, comprou-o por 128000 réis a um capitão de na- vios de Trieste. Em 1830 passou ás mãos do mestre de ceremonias da ca- thedral, chamado Hanikl. Dava-lhe este uma lição diaria, de manhã das 9 ás 10 horas, ou de tarde das 10 ás 11, e tanto da sua educação cuidou que conseguiu desenvolver-lhe su- periormente as faculdades. Por morte de Hanikl o papagaio vendeu-se por 678500 réis, e mais tarde em 1842 por 1708000 réis. Um amigo de meu pae (de Brehm), o conde Gourcy-Droitaumont, publicou ácerca d'este animal um artigo que ex- citou o espanto geral. A pedido de Lenz, o ultimo proprietario de Jaco, o presidente Kleimayrn completou os primeiros dados do conde Gourcy-Droitaumont. São todas essas observações que nós aqui resumimos : Jaco reparava em tudo, e tudo apre- ciava, respondendo com acerto ás inter- rogações, obedecendo ás ordens que lhe davam, saudando as pessoas que chega- vam e as que se retiravam, tendo o cui- dado de dizer bons dias de manhã e boas tardes á tarde. Quando tinha fome pedia de comer. Conhecia todos os membros da familia pelo seu nome proprio, e al- guns mereciam-lhe preferencia. Se era ao presidente Kleimayrn que se dirigia, dizia-lhe — « Anda cá, papá». Cantava, falava e assobiava como um homem. Por vezes parecia um improvisador dis- cursando, a quem o enthusiasmo ar- rebatava, e dir-se-hia ouvir a distancia a voz d'um orador.» Não repetiremos aqui mais de cincoen- ta phrases diversas que Brehm menciona, e apenas referiremos as seguintes: — Quando lhe perguntavam: como fala o cão, ladrava. Se lhe diziam: chama-o, assobiava. Por vezes ao fazer exercicio dava as vozes — Sentido ! hombro armas ! preparar ! apontar ! fogo !e quando dizia fogo, fazia immediatamente pum e accres- centava, bravo, bravissimo. Mas como al- gumas vezes se esquecia da voz de fogo, não accrescentava então ao pum as pala- vras bravo e bravissimo, como tendo co- nhecimento de que praticara um erro. Se via pôr a toalha na mesa, ou se n'outro quarto ouvia o ruido dos pratos, gritava logo: «Vamos comer, vamos para a mesa.» Se o dono saía só, ao vêl-o abrir a porta, gritava-lhe: «guarde-o Deus» mas se ia acompanhado dizia sempre— «Deus os guarde a todos.» MARAVILHAS DA CREAÇÃO SEO RI aa O dono do Jaco tinha uma perdiz, e a primeira vez que o papagaio a ouviu cantar virou-se para ella e gritou-lhe : — «bravo, pequena, bravo!» Em Vienna ensinaram-lhe a cantar uma aria da Martha. «O presidente Kleimayrn morreu em 1853 — Jaco adoeceu de pezar. Em 1854 collocaram-n'o n'uma pequena almo- fada e ilratavam-n'o com o maior ca- rinho. Ainda falava e repetia então com voz triste: «Jaco está doente, está doente o pobre Jaco». E assim morreu. «Conta Goldsmith que o rei Henrique vi tinha um papagaio que conservava preso n'um quarto, cujas janellas davam sobre o Tamisa, e que alli aprendera di- versas phrases repetidas pelos marinhei- ros. Um dia que o papagaio caiu d'uma das janellas ao rio, exclamou em altos gritos: «Um bote, venha um bote! Vinte libras a quem me salvar !». Um barqueiro, a quem estas palavras fizeram suppor que alguem caira ao rio, correu apressadamente ao sitio d'onde partiam os gritos, e grande foi a sua sur- Gr. n.º 348 — O papagaio colleirado preza ao encontrar-se em frente do papa- gaio. Reconhecendo-o como pertencente ao rei, levou-o ao paço reclamando a re- compensa que o animal offerecera ao ver- se em perigo. Contado o facto ao rei, que riu a bom rir da aventura do seu papa- gaio, mandou o monarcha pagar as vinte libras ao barqueiro. «Lemaout conta que n'uma cidade da Normandia houve uma mulher que tinha um talho, a qual batia tão desapiedada- mente n'um filho de cinco annos, a ponto da pobre creança succumbir aos maus tra- tos. À justiça humana não lhe tomou conta de tão barbaro procedimento, mas um pa- pagaio que vivia defronte, na loja d'um sa- pateiro, tomou a seu cargo castigar a mãe desnaturada. Repetindo a toda a hora as palavras angustiosas da creança, quando a mãe corria sobre ella com a vara na mão :—«Porqne me bate, porque me bate ?» com tal accento de dór as dizia, e o tom era tão supplicante, que os transeuntes indignados entravam na loja do sapateiro para lhe exprobrar a sua crueldade. O sapateiro então justificava-se apre- sentando o papagaio e narrando a histo- ria da creança, o que em pouco tempo levantou tal indignação contra a mulher, : que accusada e perseguida pela opinião AVES — OS PAPAGAIOS 157 publica teve de fechar o estabelecimento ! extremidade da fronte uma risca trigueira e sair da cidade.» Dos papagaios de cauda curta existem numerosas especies na America, e d'estas, como sendo as mais communs, citaremos as seguintes : O PAPAGAIO AMAZONA Psittacus amazonicus, de Linneo —lLe perroquet amazone, dos francezes O PAPAGAIO VERDE Psittacus aestivus, de Linneo — Le perroquet vert, dos francezes São duas especies de grande corpora- tura, medindo aproximadamente 0,740 de comprimento, e d'estes O,"11 a 0,712 pertencem á cauda. O amazona é verde claro com a fronte azul celeste, as faces e garganta amarel- las, a curva da aza vermelha; as pennas lateraes da cauda são vermelhas pelo lado de dentro, o bico pardo escuro coberto na base de pelle negra, os pés pardos cin- zentos. O papagaio verde, a que n'alguns pon- “tos do Brazil appellidam kuruba, é verde e só tem azul a extremidade anterior da fronte e uma risca que parte do bico e se dirige aos olhos; a curva da aza é ver- de, e as pennas dos lados da cauda são vermelhas bordadas de verde. São estes dois papagaios muito frequen- tes no Brazil, e dos mais conhecidos na Europa, para onde são transportados em grande numero. Domesticam-se facilmen- te, aprendem a falar, e são doceis, prin- cipalmente para a pessoa que os cuida. Alguns ha que conservando-se ariscos e bravios para todos, affeiçoam-se singu- larmente ao tratador, conhecem-n'o a distancia, e, manifestando ao vel-o toda a alegria que lhes causa a sua presença, só para elle teem caricias. O PAPAGAIO COLLEIRADO Pesiltacus accipitrinus, de Linneo — Le perroquet accipitrin, dos francezes Esta especie é menos commum, e ha- bita as florestas da Guiana e as que bor- dam o Amazonas. Distingue-se dos outros papagaios pela pennugem da nuca e do pescoço, branda e susceptivel de se eriçar á vontade do animal, formando como um leque (Gr. n.º 348). Tem a cabeça parda amarella clara, na 15 que parte do bico para os olhos, a colleira vermelha suja franjada de azul celeste, cos- tas verdes claras; a pennugem das partes inferiores do corpo é vermelha bordada de verde no peito e de azul no ventre, as fa- ces e a garganta alrigueiradas, a extremi- dade das azas negra, a parte superior da cauda azulada, e a inferior negra. Mede 0,738 de comprimento, dos quaes 0,715 pertencem á cauda. Schomburgk diz que esta ave, quando a irritam, erica a brilhante plumagem do pescoço, formando um circulo em volta d'esta parte do corpo, e tornando-se d'este modo um dos mais lindos papa- gaios. No grupo dos papagaios de cauda curta incluem-se tambem os periquitos, lindas aves que são como que um diminutivo dos papagaios Habitam a Africa, a Ásia, e a America do Sul. Inseparaveis, appellidam-n'os alguns naturalistas francezes, e bem merecido é o nome se attentarmos na amizade que une estes animaesinhos, os quaes uma vez acasalados não sobrevivem á perda do companheiro. «Os poetas ignoravam o amor que nos periquitos une os dois esposos, e se as- sim não fôra por certo não teriam toma- do a rôla como symbolo do amor idyl- lico, tanto mais que esta lhes fica muito áquem. Vigora entre os dois esposos a mais completa harmonia, teem ambos uma só vontade, e a maior concordancia reina nas suas acções. Se um come, o outro imita-o; o ma- cho vae banhar-se, acompanha-o a femea ; aquelle solta a voz, esta responde-lhe; um adoece, o outro cuida-o e alimenta-o. Até mesmo reunidos em bandos nu- merosos, e pousados n'uma arvore, nunca os individuos que formam um casal se separam». Numerosas especies se comprehendem no grupo dos periquites, e longo seria descrevel-as, limitando-nos a apresentar a seguinte : O PERIQUITO VERDE DA GUINÉ Psittacus pullarius, de Linneo — Le moineau de Quiné, dos francezes É verde com a cabeca vermelha, o uro- pigio azul, e os lados da cauda malhados de vermelho. VOL, im 158 Na Ásia existem papagaios de cauda curta que differem dos descriptos ante- cedentemente, a que os francezes dão o nome de loris—Lorius—.O bico é relati- vamente longo e menos vigoroso, Ler- minando em ponta aguda e extensa; a côr predominante da plumagem é verme- lha. Habitam os loris na India e nas ilhas vizinhas. Domesticam-se, podem edu- car-se, e ensinam-se a falar; mas estão longe de egualar as especies a que nos temos referido, e raro é que resistam por muito tempo ao nosso clima. Descrevere- mos a especie seguinte : O PAPAGAIO COLLEIRADO DE BORNEO Psittacus domicella, de Linneo—ZLe lori des dames, dos francezes É a especie maior do genero Lorius, medindo 0,733 de comprimento. E” es- carlate vivo, com o alto da cabeça côr de purpura, a parte posterior da cabeça violacea, a parte superior das azas ver- de, as coxas azues celestes; no peito tem uma malha amarella em fórma de crescente, as pennas da cauda são verme- lhas bordadas de negro na extremidade com a ponta amarella; bico côr de la- ranja, tarsos pardos escuros. Encontra-se aos bandos nas florestas da ilha de Bornéo e na Nova-Guiné, onde é bastante frequente, parecendo não ser exacto que se alimente do succo das flôres, porquanto os domesticos susten- tam-se de sementes e de pão molhado em leite. O segundo grupo, em que dissemos se dividia a familia dos papagaios, é o das cacatuas. Teem estas aves o corpo refeito, cauda breve, bico grosso e curto, com a man- dibula superior fortemente recurva; em volta dos olhos teem um espaço circu- lar nú, e a cabeça é ornada de uma poupa de côr viva que a ave ergue á sua vontade. A côr da plumagem, que nas cacatuas propriamente ditas é sempre branca, em outros generos da mesma familia é côr de rosa desvanecida, ou de côr som- bria. Encontram-se as diversas especies que formam o grupo das cacatuas na Nova Hollanda, na Nova Guiné, nas ilhas Molu- cas e nas Filippinas, onde vivem aos MARAVILHAS DA CREAÇÃO bandos pelas florestas, ponto de partida para as suas correrias. As cacaluas são lindas aves, muito doceis e carinhosas, com os habitos dos outros papagaios, podendo facilmente vi- ver captivas; mas não falam. Descreveremos duas especies. A CACATUA DE POUPA AMARELLA Cacatua galerita—lLe cacatões a huppe jaune, dos francezes E” a especie que d'ordinario se en- contra na Europa, transportada da Austra- lia, sua patria, e vivendo aqui captiva. E” toda branca, com a poupa amarella, e o bico negro. A CACATUA DE LEADBEATER Cacatua Leadbeater—Le cacaties de Leadbeater, dos francezes E” notavel esta especie pela belleza da plumagem. E” branca, com a parte an- terior da cabeca, a fronte, os lados do pescoço, o centro das azas e o peito côr de rosa; sob as azas a pennugem é vermelha, e a poupa vermelha na base, amarella no centro e branca na extremidade. E” mais pequena esta especie que a antecedente, e encontra-se em todo o sul da Australia. No dizer d'alguns au- tores, é de todos os individuos da fami lia dos papagaios o que mais facilmente se domestica, para o que concorre o seu caracter docil e carinhoso. No terceiro grupo dos papagaios, ou papagaios de cauda longa, o primeiro lo- gar pertence ás araras, caracterisadas pelo bico muito grande e vigoroso, fortemente recurvo, faces largas e nuas, azas com- pridas, tarsos curtos, cauda muito lon- ga. A sua plumagem é realmente esplen- dida, e nella predominam, segundo as especies, o escarlate, o azul e o verde. Todas estas aves habitam a America do Sul, onde vivem no seio das grandes floresta virgens, longe da morada do homem, encontrando-se em pequenos bandos, ao inverso das outras especies dos papagaios. O nome d' arara provém- lhes por analogia do grito estridente que soltam. Familiarisam-se facilmente com as pes- soas com quem vivem, tendo em grande MARAVILHAS DA CREAÇÃO Impresso por Lallemaut Freres, Lisboa, A CATATUA DE LEADEEATER AVES— OS PAPAGAIOS 159 conta as caricias que estas lhes dispen- sam, mas não as recebem de bom grado dos estranhos, e até mesmo por vezes se servem do bico' contra elles. Descreveremos a seguinte especie. A ARARA AZUL Psittacus ararauna, de Linneo — L'ara bleu, dos francezes Tem a fronte, a maior parte da cauda, um circulo em volta dos olhos e outro ao redor do pescoço verdes, as costas azues claras, o ventre amarello. As coberturas das azas e o uropigio azues, as faces brancas com tres ordens de pennugem negra, bico e pés negros. Mede 1", e deste 0,"55 pelo menos pertencem á cauda. Por ultimo mencionaremos ainda uma familia do grupo dos papagaios de cauda longa, que tem representantes na America na Asia e na Oceania, e cujas diversas especies teem grande analogia com as araras, posto que sejam mais pequenas e não tenham como estas as faces descober- tas e sim revestidas de pennugem na to- talidade, ou apenas com um circulo nu em volta dos olhos. Appellidam-n'a os francezes perruches, e no Brazil, onde vi vem muitas especies , são conhecidas vul- garmente pelo nome de periquitos. Teem o bico curto, largo e vigoroso, a cera em parte coberta de pennugem, a cauda longa, a pennugem mais curta e arredondada que a das araras, predomi- nando n'ella a côr verde, por vezes lin- damente matizada. A especie que em seguida descrevemos é um dos mais lindos periquitos de cauda longa que vivem no Brazil. O TIRIBA PEQUENO Conurus leucotis, de Lichtenstein — Le perruche à oreilles blanches, dos francezes O nome que damos a esta especie é o mesmo porque a conhecem os brazileiros, que tambem a appellidam fura-matto. Tem a cabeca trigueira com reflexos me- tallicos esverdeados, a fronte, as faces e a garganta côr de cereja, no logar das orelhas a pennugem é branca; o pesco- co, as costas e as azas verdes escuras, a extremidade d'estas e o centro do ventre vermelhos, o peito no centro verde azei- tona com a pennugem guarnecida d'uma risca branca bordada de negro. À cauda é verde na base, côr de cereja no lado superior e vermelha por baixo; o bico branco na extremidade, os pés pardos cinzentos — Mede 0",25 dos quaes 07,10 pertencem à cauda. GV O e CO a AVES ORDEM DOS GALLINACEOS Os gallinaceos formam uma ordem da classe das aves, tendo por typo o gallo, e são caracterisados pelo bico curto, aboba- dado superiormente, e em geral vigoroso; tarsos robustos, unhas curtas e pouco recurvas. Encontram-se estas aves d'ordinario no solo, que percorrem em busca do alimen- to, e onde a maior parte faz o ninho. Sendo pouco habeis no vôo, só a elle recor- rem depois de tentarem subtrahir-se ao perigo correndo, e entre as diversas es- pecies dos gallinaceos alguns ha, taes como a perdiz, que caminham com notavel velocidade. Gostam de esgaravatar em busca dos vermes e dos insectos, e de cobrir o corpo de pó, o que parece prin- cipalmente destinado a livral-os dos pa- rasitas que os atormentam. A alimentação principal d'estas aves são as sementes, às quaes addicionam os vermes e insectos que, como já dissemos, buscam esgaravatando ou que topam no solo, e alguns vegetaes. O apparelho digestivo dos gallinaceos é dotado d'enorme forca muscular e rico em succos gastricos. A moela tem tal força muscular augmentada ainda pelo habito que estas aves teem d'engulir pe- queninas pedras, que a trituração de qual- quer especie de grãos é rapidamente feita. Diversas experiencias, no sentido de avaliar a forca digestiva do estomago d'estas aves, deram como resultados, entre outros, os seguintes: Em menos de qua- tro horas reduzir a pó uma bola de vidro, achatar tubos de folha de Flandres, des- fazer dezesete avellãs no espaço de vinte e quatro horas, etc. N'algumas especies os machos teem um esporão, situado superiormente ao dedo pollegar, arma que lhes serve para o ataque e para a defesa. No maior nu- mero a cabeça é ornada de cristas diver- samente coloridas, appendices que exis- tem tambem nas femeas, mas com me- diocre desenvolvimento. Entre os gallinaceos alguns rivalisam com os passaros pela opulencia e brilho das côres que lhes ornam a plumagem ; taes são o pavão, o argus, e superior a todos o faisão. Só o macho, porém, tem o privilegio exclusivo de tal riqueza de colorido; nas femeas apenas se obser- vam córes menos vivas e brilhantes. Se alguns se tornam agradaveis á vista pela belleza da plumagem, a voz, porém, está longe de ser harmoniosa. Os gallinaceos são quasi todos polyga- mos, e pelejam entre si para obter a pos- se das femeas. Estas pôem grande nume- ro d'ovos, ainda mesmo vivendo sepa- radas dos machos, e conservam-se estes indifferentes á incubação e á creação dos filhos. Da classe das aves são os gallinaceos que fornecem ao homem os melhores recursos para a sua alimentação, porque além da excellente carne os ovos, pelas suas qualidades alimentícias e pelo seu AVES — OS GALLINACEOS 161 excellente sabor, entram hoje como parte importantissima na nossa alimentação. São estas aves originarias na sua maioria das regiões quentes da Asia e da America, e algumas especies, taes co- mo a gallinha, o peru e o faisão, encon- tram-se hoje acclimadas em todos os pon- tos do globo. A ordem dos gallinaceos divide-se em duas sub-ordens, os pombos e os gallina- ceos propriamente ditos. Dos primeiros fa- zem os naturalistas modernos uma ordem independente, pelas importantes differen- ças que existem entre uns e outros, po- dendo referir-se tudo quanto dissemos dos gallinaceos principalmente á sub-or dem dos gallinaceos propriamente ditos” porquanto os pombos separam-se d'aquel- les em determinados pontos da sua or- ganisação e dos seus habitos. A descripcão da sub ordem dos pom- bos porá em evidencia as differencas que existem entre elles e os verda- deiros gallinaceos, sendo as mais impor- tantes as que parece estabelecerem certas analogias entre os pombos e os passaros, — sendo aquelles evidentemente a transi- cão dos passaros para os gallinaceos—taes como serem monogamos, isto é vivendo aos pares, tendo o macho uma unica Gr. n.º 349. — O pombo trocaz femea, fazendo ninhos em commum e n'elles chocarem ambos alternadamente OS OVOS, € OS pequenos nascerem cegos e debeis carecendo de se demorar no ninho por algum tempo. 0S POMBOS As aves comprehendidas n'esta sub- ordem são de corporatura mediana, re- feitas, pescoco curto, cabeca pequena e bem conformada, bico curto e em geral pouco vigoroso, recurvo ou simplesmente inclinado na extremidade, azas curtas ou mediocres, quatro dedos nos pés, tres para a frente e um para traz, cauda em geral curta e excepcionalmente longa. Os pombos são cosmopolitas, vivem dispersos por todo o globo, e em toda a parte são numerosos. São tão conheci- dos que nos dispensamos d'entrar em lon- gos pormenores ácerca do seu modo de viver e caracteres ; mas em troca seremos mais extensos na descripção das racas do pombo manso ou domestico, e de alguns fa- ctos curiosos que se prendem com a orga- nisação e faculdades especiaes d'estas aves. Diz Brehm que «os pombos no seu todo teem taes encantos e attractivos que desde os tempos mais remotos foram sempre o emblema de todas as boas qualidades, chegando a ser symbolos espirituaes; mas não obstante, o observador desprevenido tem de julgal-os menos favoravelmente, 162 MARAVILHAS DA CREAÇÃO Não se lhes pode negar elegancia ; admiram-se as provas de mutua affeição que uns aos outros dispensam ; mas no que respeita á fidelidade conjugal, tão afamada nas pombas, não está ella ao abrigo de suspeitas; e facil é tambem adduzir provas que desmintam o amor que dizem ter ellas á sua progenie. Em geral os pombos, havendo porém excepções, são sociaveis e vivem aos ca- saes; mas conservam-se estes fieis e uni- dos durante a sua existencia, como se tem affirmado? E” para duvidar, porque mui- tas observações desmentem a sua prover- bial fidelidade. .. (Brehm). Entre as especies principaes da familia dos pombos propriamente ditos —Columbae, encontram-se no nosso paiz as duas se- guintes, conhecidas vulgarmente pela denominação de pombos bravos, para dis- tinguil-as dos pombos mansos, ou domes- ticos. O POMBO TROCAZ “Columba palumbus, de Linneo— Le ramier, dos francezes Tem a cabeça, a nuca e a garganta azues escuras, a parte superior das cos- tas c das azas pardas azues escuras, a parte inferior das costas e o uropigio azues claros, a cabeça e o peito pardos avinhados, a parte inferior do ventre branca, a parte posterior do pescoço e os lados verdes dourados com reflexos azues e acobreados, tendo na parte inferior d'aquelles uma malha branca, remiges pardas, tirantes a côr d'ardosia, sendo as primarias bordadas de branco, as rectri- zes cinzentas escuras por cima, passando a negras na extremidade, e por baixo com uma larga faxa parda azulada, olhos amarellos claros, bico amarello desvane- cido na extremidade e vermelho na base, pés vermelhos azulados. Mede 0,745, dos quaes 0,18 pertencem à cauda. Encontra-se na Europa, na Asia, nas suas emigrações vae até ao noroeste da Africa, € é commum no nosso paiz. O pombo trocaz vive nas mattas, fre- quentando os cimos das maiores arvores, e excepcionalmente encontra-se no inte- rior das povoações ruraes e até mesmo nas cidades. Alimenta-se de sementes diversas, dos fructos da faia, do carvalho e da azinheira, e por vezes de vermes, e quando estes alimentos lhe escasseiam, nas terras semeadas vae esgaravatar as sementes que começam a germinar. Nidifica nas arvores, e posto que o macho e a femea transportem os mate- riaes necessarios para a construcção, — pequenos ramos seccos que arrancam das arvores com os pés é com o. bico, sem nunca se aproveitarem dos que juncam o solo—a femea tamsómente trabalha na formação do ninho, grosseiramente construido, achatado, apenas com um leve rebaixamento no centro, onde põe dois ovos de cada postura, fazendo duas cada anno. O macho substitue a femea na incubação dos ovos, quando esta ca- rece “de abandonar o ninho para ir em busca d'alimento, e mais tarde auxiliam- se mutuamente na mantença e creacão dos pequenos. O pombo trocaz domestica-se facilmen- te, não sendo difficil de sustentar porque quasi todas as sementes lhe são bom ali- mento. Apanhados em pequenos familia- risam-se sem custo, parecendo não senti- rem o menor pezar com a perda da liber- dade. Apezar d'isto os pombos trocazes captivos só excepcionalmente se reprodu- zem, e de rarissimos casos ha noticia. A POMBA Columbia livia, de Brisson -— La colombe biset, dos francezes Esta especie é pouco commum na Eu- ropa a não ser nas costas de Inglaterra, da Noruega e em certas ilhas do Mediter- raneo, porque estas aves preferem a qualquer outro sitio estabelecer-se nas vizinhanças do mar ou dos rios. E' me- nos frequente no nosso paiz. Tem as costas azues claras, o ventre azulado, a cabeca azul ardosia claro, o pescoço mais escuro com reflexos ver- des azues claros na parte superior, e pur- purinos na inferior, a extremidade das costas branca, a aza atravessada por duas faxas negras, as remiges pardas cinzen- tas, as rectrizes azues escuras com as pontas negras, e as barbas externas das dos lados brancas, olhos amarellos, bico ne- gro na extremidade e azul claro na base, pés vermelhos violaceos escuros. Mede 0,39 de comprimento. Esta especie passa por ser a origem dos pombos semi-mansos, ou que vivem em liberdade quasi completa, não obstante habitarem em moradas que o homem lhes prepara, e a que se dá o nome de pombaes. Percorrendo o campo livremente em busca AVES — OS POMBOS 163 d'alimento, por vezes abandonam os pom- baes e regressam ao viver da floresta. Nos habitos os pombos da especie aci- ma referida differem dos trocazes em ha- bitarem as rochas, as paredes e os edi- ficios em ruinas, e construem os ninhos nas fendas ou cavidades que alli encon- tram. O ninho consiste n'uma grosseira accu- mulação de ramos seccos, palha, e rasto- lho, onde a femea põe tres ovos, fazendo duas posturas cada anno, posto que os pombos que habitam nos pombaes façam tre no mesmo periodo. À maneira dos trocazes podem domes- ticar-se sendo apanhados novos, ainda que nunca se familiarisam com o homem como os pombos domesticos, ou de vi- veiro. Além d'estas duas especies de pombos bravos que frequentam o nosso paiz, e “ d'outra, O trocaz pequeno, columbia cenas de Gmlin, le petit ramier dos francezes, commum em Hespanha na provincia da Andaluzia, existem os pombos semi mansos que, como já dissemos, proveem da espe- cie que citámos, columbia livia, e vivem nos pombaes; e os pombos mansos ou do- mesticos, divididos em numerosas raças, differindo consideravelmente no tama- nho, nas formas, na côr, e que se en- contram espalhados por todos os paizes civilisados, habitando em viveiros, ou no interior das habitações do homem, e domesticos ao ponto de livremente sai- rem, regressando sempre á sua mora- da, sem nunca se' afastarem para longe della. Não é ponto resolvido qual seja a es- pecie origem de tão variadas raças, posto que seja a columbia livia a que incontes- tavelmente o foi d'um grande numero d'ellas. Faremos breve resenha das raças mais interessantes. k O poMBO MARIOLA. — E a raça mais com- mum e a mais estimada pela sua fecun- didade, podendo dar uma ninhada todos os mezes. Os mariolas são refeitos, ro- bustos, airosos, faceis d'alimentar e muito dados. Teem por caracter de raca um filete vermelho em torno dos olhos. A plumagem varia muito na côr, e da mesma sorte differem no tamanho, ha- vendo o pombo grande mariola que não é inferior a uma gallinha pequena, esti- mado tamsómente pela sua grandeza, pois é menos fecundo do que os indivi- duos de menor corporatura. O pomBo BAGaDEZ. — E um dos maiores pombos de viveiro: tem o bico adunco, e é noltavel pelo desenvolvimento que tomam a membrana que lhe cobre as ventas, e os filetes vermelhos que tem sobre os olhos, a ponto d'estes mal se verem, e do bico apenas apparecer a ex- tremidade. E” branco ou de côr escura, por vezes azulado cinzento, existindo nu- merosas variedades. O pomBo ROMANO. — E" grande; tem o bico mais ou menos annegrado, coberto na base por uma espessa membrana, uma fita vermelha em volta dos olhos, e duas excrescencias sobre o bico; as palpebras são vermelhas. E' muito commum na Italia, e divi- de-se em muitas variedades. O pomBo rurco.— Parece derivar do ro- mano e do bagadez, e tem como este excrescencias sobre o bico. À fronte é ver- melha, e d'esta côr o espaco em volta dos olhos desde a base do bico. Tem quasi sempre poupa, é baixo de pernas e largo de corpo. O pomBo poLAco. — E” mais pequeno que os das raças antecedentes, refeito, com o bico curto e muito grosso, os olhos or- lados de um largo circulo vermelho e as pernas muito baixas. D'ordinario é ne- gro, roxo, pardo escuro, alvadio claro, ou todo branco. E' pouco fecundo. O pomBo DE PpApo.—E” bem distincta esta raça pela faculdade que teem os indivi- duos n'ella comprehendidos de dilatar o papo aspirando o ar, e formando como que uma enorme bola, que os priva de vêr para a frente. São bastante fecundos. As variedades dos pombos de papo são numerosas, e entre muitas cilaremos : O pombo de papo sópa de vinho. Os ma- chos são furta-côres. O pombo de papo branco calçado, que tem azas longas cruzadas sobre a cauda. O pombo de papo côr de fogo, que tem sobre todas as pennas uma faxa azul e outra vermelha, e na extremidade uma orla negra. O pombo de papo côr de castanha, que tem as pennas das azas completamente brancas. O pombo de papo mourisco, negro ave- ludado com dez pennas da aza brancas, e uma especie de babadouro branco abaixo do pescoço. O POMBO CAVALLEIRO. == Provém do cru- 164 MARAVILHAS DA CREAÇÃO zamento do pombo de papo com o ro- mano, e d'aquelle tem a faculdade de dilatar o papo, e deste o filete ver- melho em volta dos olhos e as membra- nas sobre as ventas. O pomBo rrEIRA.—Caracterisado por uma especie de capuz na cabeça, formado de pennas levantadas, e que descendo ao longo do pescoco se prolonga pelo peito em fórma de gravata. E' pequeno e tem o bico curto. Ha-os brancos, cór de sopa de vinho, roxos furta-córes, ou camurcas furta-córes. E' um dos mais lindos pombos de viveiro, muito manso, familiar, e bastante fe- cundo. O pomBo GRAVATA.—E” um dos mais pe- quenos, com a pennugem do pescoço er- guida e frisada, bico curto e olhos salien- tes. E” muito airoso, e ha-os brancos, negros, brancos com manto negro, côr de sopa de vinho, pardos, roxos e furla- córes. O POMBO CONCHA HOLLANDEZ.— Assim cha- mado por ter a plumagem na parte pos- terior da cabeça voltada em sentido contrario, formando como que uma con- cha. E pequeno, com o corpo alongado e airoso, e geralmente com plumagem branca, e a da cabeça e as extremidades das pennas das azas e da cauda negras. O pombo DE LEQUE. — Assim denominado pela faculdade que tem de abrir a cauda em forma de leque. A cabeça deitada para traz toca-lhe na cauda, e quando o pombo quer olhar para traz de si, carece Gr. n.º 350. — O pombo correio, de passar a cabeça por entre as rectrizes. Emquanto que o numero das pennas da cauda nos pombos das outras raças não excede geralmente de doze, os pom- bos de leque teem trinta e mais. E' muito docil, fecundo, e em geral é todo branco, posto que os haja d'outras córes.. O pomBo RODADOR.—E" um dos pombos mais pequenos, com um filete estreito vermelho sobre os olhos, e os pés nus. A denominação de rodador provém-lhe de que remontando muito alto, deixa-se cair á imitação d'um corpo morto, rodan- do sobre si proprio, e dando tres ou qua- tro cambalhotas successivas á maneira d'um saltimbanco. E” muito fecundo. O pomBo BateDOR — Em vez de camba- lhotas, como o antecedente, quando vôa anda de roda, descrevendo circulos suc- cessivos, á similhança de uma ave ferida na aza, e batendo tão fortemente as azas que o ruido se assimilha ao de palmadas dadas com vigor. É O pomBo ANDORINHA. — É esbelto, azas longas, algumas vezes com poupa e os pés cobertos de pennugem. Tem a parte inferior do corpo branca, e todo o resto preto, roxo, azul ou amarello. O pomBo VOADOR. — É pequeno, airoso, com filete delgado e vermelho em volta dos olhos, pés nús, azas longas e pontu- das, e de vôo rapido. E bastante fecundo. Uma das variedades mais notaveis d'esta raça é o pombo correio, celebre desde tempos remotos pela affeição que os prende ao sitio onde nasceram, e pelo notavel instincto, que lhes permitte vol- AVES — O POMBO CORREIO 165 tar ao seu domicilio, embora os trans- portem para longe, conservando-os por muito tempo captivos. Pareceram-nos tão interessantes os se- guintes pormenores ácerca do pombo cor- reio, principalmente os que se referem a um acontecimento nosso contemporaneo, o cêrco de Paris pelos prussianos, que embora um tanto longos, não resistimos a transcrevel-os. «A faculdade preciosa d'estas aves foi de longa data utilisada, principalmente no Oriente, e entre os romanos fez-se uso por vezes dos pombos correios. Plinio conta que este meio de correspondencia foi praticado por Brutus e Hirtius, para poderem corresponder-se por occasião d'um d'elles occupar uma cidade sitiada por Marco Antonio. Os serviços admira- veis que os pombos correios prestaram durante o cerco de Paris pelos exercitos prussianos, em 1870-1871, commemo- ral-os-ha a historia. Não será possivel que em tempo algum se olvide que a esperança e a salvação dum milhão de homens estiveram suspensas da aza d'um pombo. Alguns pormenores, pois, ácerca da pombo-posta durante o cêrco de Paris, não veem aqui fóra de proposito. Em Paris, antes da guerra, existia uma sociedade denominada Colombophile, cu- jo fim era adestrar os pombos no ser- viço de mensageiros aerios, systema que, não obstante o telegrapho electrico, ainda se conserva em uso n'alguns pontos da Europa. Provado que os balões que saíam de Paris nunca alli voltavam, aos membros da sociedade Colombophile surgiu a idéa de transportar os pombos nos balões que partiam de Paris, na certeza, diziam elles, «que se os aérostatos podessem leval-os para fóra de Paris, os pombos por sua parte teriam o cuidado de regressar.» M. Rampont, director do correio, a quem este projecto foi communicado, resolveu immediatamente fazer a expe- riencia d'este precioso meio de corres- pondencia, e a 27 de setembro de 1870 partiam no balão Cidade de Florença, tres pombos, que seis horas depois re- gressavam a Paris com um despacho as- signado pelo aéronauta, annunciando ter descido proximo de Mantes. Concluida esta experiencia tão promet- tedora, a pombo-posta foi seguidamente organisada, e é certo que depois d'alguns 16 estudos preliminares acerca do modo de transportar, cuidar e soltar os pombos, as experiencias que se seguiram foram além de todas as espectativas, e M. Ram- pont resolveu franquear ao publico este meio de corresponder-se. Os despachos destinados a Paris eram, expedidos para Tours, e d'alli partiam para aquella ci- dade pelos pombos que os balões trans- portavam para fóra da cidade sitiada. A tarifa dos despachos era de cincoenta | centesimos (90 rs.) por palavra. Trezentos e sessenta e tres pombos fo- ram transportados pelos balões extra-mu- ros de Paris, e dos departamentos vizinhos soltos mais tarde, regressando apenas cincoenta e sete: quatro em setembro, dezoito em outubro, dezesete em novem- bro, doze em dezembro, tres em janeiro e tres em fevereiro. D'este modo os pombos completaram o optimo servico dos balões. O que, porém, permittiu que se ti- rasse d'esta interessante descoberta toda a utilidade possivel, constituindo real- mente uma creação scientifica, foi O sys- tema de despachos photographicos que os pombos conduziam a Paris. O peso que um pombo póde transportar sendo bem mediocre, pois não excede ao de uma folha de papel de quatro ou cinco centimetros quadrados, muito bem enro- lada, e presa a uma das pennas da cauda, não poderia ella conter longos despachos. Desde o começo do cêrco que se pen- sava nos resultados maravilhosos da pho- tographia microscopica, creada por Dra- gon, que na Exposição Universal de 1867 apresentou photographias reduzidas pelo microscopio a dimensões infinitamente pequenas. No espaço egual ao d'uma ca- beca d'alfinete, alcançara Dragon reunir quatrocentos retratos, monumentos, pai- zagens, etc. Foi, pois, Dragon, o inventor da pho- tographia microscopica, encarregado de reduzir a um cliché unico, e de pro- porções microscopicas, os despachos es- criptos n'uma grande folha de papel de desenho, não contendo menos de vinte mil letras. Tudo isto, com o auxilio do apparelho de Dragon, era reduzido a um cliché que não excedia a quarta parte d'uma carta de jogar. Pouco tempo depois, Dragon teve a idéa de substituir o pape! ordinario por uma especie de membrana bastante similhante á gelatina, isto é, uma folha voL, tir 166 MARAVILHAS DA CREAÇÃO de collodion, para nella imprimir a ima- gem photographica assim reduzida. As pequenas folhas de collodion que continham os despachos microscopicos eram enroladas e introduzidas n'um tu- bo de penna, preso à cauda do pombo (Grav. n.º 350); a grande leveza das folhas de collodion, a sua flexibilidade e imper- meabilidade tornavam-n'as proprias para este uso. N'um tubo unico era possivel acondicionar vinte d'estas folhas. E quasi desnecessario dizer que os despachos microscopicos chegados ao seu destino, gracas aos correios aereos, eram lidos com auxilio d'uma lente, isto é, uma especie de lanterna magica, e d'elles se en- viava copia aos destinatarios. Pude ver uma collecção d'estas peque- nas cartas de collodion, contendo despa- chos microscopicos, curiosa recordação do cerco de Paris, que o seu autor teve a bondade de me offerecer. Com o au- xilio d'um microscopio podia lêr paginas inteiras, que dariam texto para um jornal de grande formato,e contidas n'uma carta que não excedia o tamanho d'uma unha!... Trezentos mil despachos aproximada- mente foram expedidos por esta fórma para Paris, antes do armistício de 28 de janeiro de 18714. Reunindo-os todos, e impressos, formariam uma bibliotheca de quinhentos volumes.» O POMBO VIAJANTE Columba migratoria, de Linneo — Le pigeon voyageur, dos francezes Resta-nos ainda falar d'esta especie unica do genero Ectopistes, natural da America septentrional, notavel pelo vi- gor e rapidez do vôo, e pelas emigra- ções que em certas epocas executa, nas quaes dá provas d'uma velocidade real- mente incomprehensivel. O naturalista Audubon, falando do pom- bo viajante, diz o seguinte: — «O grande vigor das azas d'estas aves permitte-lhes percorrer e explorar, sempre voando, enorme extensão do paiz e em curto praso. Provam-n'o factos bem conheci- dos na America. Nos arredores de Nova- York teem sido mortos pombos ainda com o papo repleto de arroz, que só poderiam haver comido, suppondo que o fizessem nos sitios mais proximos, na Georgia ou na Carolina. Ora como a digestão n'estas aves se faz tão rapida que a decomposição com- pleta dos alimentos termina em doze ho- ras, segue-sesque em seis deveriam ter per- corrido trezentas ou quatrocentas mi- lhas, o que dá a media de uma milha por minuto. Partindo d'esta hypothese, um pombo viajante, se tal phantasia tivesse, poderia visitar o continente europeu em menos de tres dias.» O pombo viajante é refeito e vigoroso; azul ardosia pela parte superior e pardo avermelhado na inferior, com os lados do pescoço violaceos-purpurinos, e grandes malhas brancas n'alguns pontos do cor- po; olhos vermelhos, bico negro, pés côr de sangue. Mede 0,45 de comprido. Domestica-se e vive longo tempo nos viveiros, reproduzindo-se facilmente. A ROLA Columba turtur, de Linneo—La tourterelle commune, dos francezes Esta especie, typo do genero Turlur, genero no qual se comprehendem diver- sas especies que habitam na Ásia, na Africa e na Europa, é commum no nosso paiz. Tem a rola o corpo alongado, bico direito, azas longas, cauda comprida ar- redondada e tarsos longos e delgados. A pennugem das costas é trigueira arruivada nas extremidades, manchada no centro de negro e de pardo cinzento, o alto da cabeca, e a parte posterior do pescoço azues celestes tirantes a parda- co, os lados do pescoço com quatro faxas transversaes negras orladas de branco prateado, a garganta e o peito d'um ver- melho avinhado, o ventre vermelho azu- lado mais ou menos tirante a pardo, as remiges primarias e secundarias anne- gradas com reflexos azues cinzentos, olhos amarellos atrigueirados com um circulo vermelho azulado em volta; bico negro, pés vermelhos. Mede 0,”30. As rolas, compartilhando do instincto de todas as especies da sub-ordem dos pombos, são essencialmente emigrantes, e posto que frequentes na Europa durante as estações amenas, no fim do verão re- tiram-se para o norte da Africa. Na epoca da passagem vêem-se, reunidas em gran- des bandos, pousar nos campos, e n'esta epoca a caçada é bem rendosa. As rolas preferem as mattas na vizi- nhança dos campos amanhados, e pousam nas arvores procurando os sitios mais reconditos e sombrios. Findas as colhei- AVES — À ROLA DE COLLEIRA 167 tas, percorrem os campos, e, encontrando n'essa epoca alimento abundante, engor- dam consideravelmente. Além dos cereaes e grãos de toda a especie, comem pinhões e sementes di- versas, tornando-se uteis pelo grande consumo que fazem de sementes nocivas. De manhã e de tarde vão em busca d'agua para beber, não duvidando ir a um ou dois kilometros de distancia para en- contrarem fonte que lhes forneça agua limpida. A rola faz duas ou tres posturas por anno, de dois ovos cada uma, e construe o ninho grosseiramente, á maneira dos pombos, sobre as arvores. Os paes cho- cam os ovos alternadamente, e mais tarde cuidam dos filhos, dando-lhes alimento e protegendo-os ainda mesmo á custa da propria vida. Esta especie pode domesticar-se, e é facil fazel-a reproduzir nos viveiros. E muito dada e docil, e Brehm diz ter visto um grande numero d'estas aves que vi- nham comer á mão. À ROLA DE COLLEIRA Columba risoria, de Linneo—La tourterelle d collier, dos francezes Esta especie, que vive livre na Ásia e na Africa, é a que na Europa se cria ge- Gr. n.º 351. — Q nicobar de romeira ralmente em gaiolas e viveiros, bem conhecida pela especie de gargalhada que solta no final do arrulho, d'onde lhe vem o nome especifico, risoria, dado á especie. Vive aos casaes, e certas especies, diz Brehm, no começo da estacão das seccas, na Africa, reunem-se em bandos tão numerosos que levam muitos minu- tos a passar, e pousando cobrem litte- ralmente o espaço de muitos kilometros quadrados. Alimenta-se de sementes de diversas especies. A rola de colleira tem a plumagem izabel, mais escura nas costas que na cabeça, na garganta e no ventre, com as azas annegradas e a colleira negra ; os olhos são vermelhos claros, o bico ne- gro, os pés vermelhos. Mede 0,733 de comprimento, dos quaes 0,”14% pertencem á cauda. Em certas cidades do Egypto, e parti- cularmente em Alexandria e no Cairo, as rolas d'esta especie são mansas a tal ponto que percorrem as ruas, introdu- zindo-se mesmo nas habitações, sem que a presença do homem lhes imponha receio. São muito fecundas, e as domesticas põem todos os mezes, exceptuando a epoca da muda. Muitas outras especies da sub-ordem 168 dos pombos vivem espalhadas pela Ame- rica, pela Africa e pela Ásia. Não per- mittindo as pequenas proporções desta obra dar de todas noticia, descrevere- mos em seguida apenas duas, ambas no- taveis pela sua belleza. O NICOBAR DE ROMEIRA Columba nicobarica, de Linneo — Le nicobar à camail, dos francezes Esta especie pertence ao genero Calo- nas, cujos individuos se caracterisam pelo corpo refeito, bico vigoroso e co- berto na base por uma excrescencia car- nuda, molle e espherica; pernas vigorosas como as das gallinhas, tarsos altos, azas MARAVILHAS DA CREAÇÃO mais longas que a cauda, e esta arre- dondada. O nicobar é uma das mais lindas es- pecies da sub-ordem dos pombos, com a plumagem do pescoço comprida, for- mando uma especie de romeira; tem a cabeca, o pescoço, o ventre, e as remi- ges negras esverdeadas, a pennugem do ventre bordada d'azu-loio, as pennas do pescoço compridas, o uropigio e as coberturas superiores das azas verdes com brilho metallico, a cauda branca; bico ne- gro, pés côr de purpura. Mede 0,739 de comprido. Encontra-se nas ilhas de Nicobar, na Nova Guiné, nas Philippinas, e princi- palmente nas ilhotas desertas situadas Gr. n.º 3952 — À goura de poupa no meio do mar ou nas proximidades do continente. Parece que em parte nenhuma estas aves são communs ; pelo menos não se encontram em grandes bandos. Pelas narrações dos viajantes, o nicobar de romeira vive quasi exclusivamente no solo, correndo com grande velocidade, e alimentando-se de sementes de varias especies e d'animaes pequenos. Faz o ni- nho no solo á maneira da perdiz. O nicobar vive captivo, resistindo no nosso clima, e Levaillant, que viu alguns d'estes animaes captivos e lhes pôde es- tudar os habitos, julga que protegen- do-os contra o frio e principalmente contra a humidade, não só poderiam ser conservados em excellente estado de sau- de, como tambem haveria probabilidade de se reproduzirem, facto que effectiva- mente se tem verificado. A GOURA DE POUPA Columba coronata, de Linneo — Le goura couronnê, dos francezes Esta e outra especie formam o genero Goura, e são as maiores da sub-ordem dos pombos, egualando em tamanho ás nossas gallinhas. Caracterisam-se essencialmente pela explendida poupa formada de pennas sedosas, dispostas em forma de leque, e podendo jerguel-as ou abaixal-as à von- tade. Os individuos da especie citada são azues-ardosia, com a pennugem das es- AVES— O CORTIÇOL 169 padoas ruiva acastanhada, o centro da aza raiado de branco, as rectrizes atra- vessadas proximo da extremidade por uma faxa parda cinzenta, olhos verme- lhos, pés cór de carne. Medem 0,”75 de comprimento, dos quaes 0,”"28 perten- cem á cauda. Esta especie encontra-se na Nova Gui- né e nas ilhas Molucas. «Na Nova Guiné, a falta de animaes - carnivoros e de grandes reptíis tem auxi- liado a multiplicação d'esta bella ave. Te- nho-a encontrado muitas vezes vagueando pelas florestas, quasi sempre no solo, ape- nas voando quando a espantam, indo pou- sar n'algum dos ramos mais baixos das arvores, onde tambem passa as noites. Alimenta-se dos fructos que caem das ar- vores.» (Wallace). E' na Hollanda onde se encontra maior numero destas aves no estado domestico, transportadas da Australia, sendo facil ali- mental-as com milho, pão molhado em agua e salada; resistem bem ao inverno tendo o cuidado de preserval-as do maior frio durante a noite. A carne é muito esti- mada, e em Java os indigenas criam a goura nas capoeiras á imitação das! nos- sas gallinhas. OS GALLINACEOS PROPRIAMENTE DITOS Do genero Pterocles, formado de diver Gr. n.º 353 — O cortiçol sas especies que habitam a Europa meri- dional, a Asia e a Africa, duas frequen- tam o nosso paiz, e são asque em segnida descrevemos. Como caracteres geraes teem as aves d'este genero o bico mediocre, azas longas, estreitas e pontudas, e os tres dedos da frente reunidos por uma membrana até á primeira articulação. O CORTICOL, BARRIGA NEGRA Teiruo arenarias, de Pallas — Le ganga unibande, dos franctzes Tem a cabeca avermelhada, a nuca desta mesma côr mais escura, as cos- tas malhadas de amarello claro ou escuro e de côr de ardosia, tendo cada penna na extremidade uma mancha arredon- dada amarella alaranjada, terminando na parte superior por uma faxa mais es- cura; a garganta amarella atravessada por uma risca trigueira annegrada ; peito avermelhado, uma faxa no peito e o ventre negros ou lrigueiros annegra- dos, as remiges azuladas ou pardas cin- zentas, com as extremidades trigueiras annegradas e o lado inferior negro car- vão; as coberturas superiores das azas amarellas, as inferiores brancas; as duas rectrizes do centro cór de canella raiadas transversalmente de negro, as restantes pardas cinzentas com a ponta branca, e todas negras pelo lado de baixo; bico azulado, tarsos pardos azulados nas par- tes nuas e a pennugem que as cobre ama- rella trigueira. Mede 0”",37 de compri- mento. 170 MARAVILHAS DA CREAÇÃO d CORTIÇOL Tetrao alciata, de Linneo — Le gange alchata, dos francezes Tem a fronte e as faces trigueiras ar- ruivadas, a garganta e uma risca que parte dos olhos até á parte posterior da cabeça negras, a nuca e as costas verdes atrigueiradas, malhadas de amarello, a garganta loura avermelhada, o peito cór de canella claro com duas faxas es- treitas e negras uma na parte superior e outra na inferior, o ventre branco, as remiges pardas com a haste negra, as rectrizes raiadas de pardo e d'amarello nas barbas externas, pardas as internas com a ponta branca, bico pardo cór de chumbo, pés atrigueirados. — Mede 0,”"36 de comprimento. As duas especies citadas são communs Gr. n.º 354 — O tetraz grande das serras em todo o norie da Africa, habitam em parte da Asia, e na Europa podem consi- derar-se como frequentando regularmente tamsómente a Hespanha e Portugal. A especie vulgarmente conhecida por cor- licol, barriga negra, é mais commum no nosso paiz que o cortiçol. Estas aves encontram-se nas grandes planicies, e, evitando os sitios arvorejados, frequentam os campos depois da colheita. Na Africa habitam as vastas planicies de- sertas, preferindo os terrenos em poisio. O seu alimento são os grãos de diver- sas especies; pilham as searas de trigo e de;milho, e na India os arrozaes. No sul da Europa e no norte da Africa o cortical reproduz-se á entrada da pri- mavera, e o ninho é feito no solo, ape- nas com uma ligeira escavação, onde a femea põe dois ou tres ovos, amarel- los trigueiros claros, mais ou menos esverdeados ou vermelhos, com manchas pardas violaceas claras ou escuras. O cortiçol domestica-se muito facilmen- AVES—OS TETRAZES te. Brehm fala d'um casal de cortiçoes que andavam fóra da gaiola sem nunca tentar fugir, por vezes vindo pousar sobre a mesa, e comendo as migalhas depão, até mesmo as que lhe davam na mão. De manhã cedo o macho soltava a voz, similhante ao ar- rulho dos pombos. Outra familia dos gallinaceos, os te- trazes, existe espalhada pelos paizes do norte do globo, vivendo nas florestas que cobrem as montanhas do norte da Euro- pa, Ásia e America, faltando na Africa. Os característicos principaes dos mem- bros d'esta familia são os tarsos com- pletamente cobertos de pennugem, e sobre os olhos, á maneira de sobran- celhas, um espaço nú com a pelle ver- rugosa, de côr vermelha; corpo refei- to, azas curtas. Dos tres generos n'ella comprehendi- dos faremos menção, descrevendo algu- mas das especies principaes. O TETRAZL GRANDE DAS SERRAS Tetrao urogallus, de Linneo — Le cog de bruyêre, dos francezes O tetraz grande das serras é uma das maiores aves da Europa, pertence ao ge- nero Tetrao, e póde considerar-se a es- pecie typo do genero. Tem o alto da cabeca e a garganta annegrados, a nuca parda cinzenta on- deada de negro, a frente do pescoco on- deada de cinzento annegrado, as costas mescladas de cinzento e de trigueiro ruivo, a parte superior da aza negra, as pennas da cauda negras com algumas malhas brancas, o peito verde luzidio, o ventre malhado de branco e negro, os olhos com um circulo nú e vermelho em volta, bico claro. Mede de 0”,71 a 07,80 de comprimento, e 1”, 51 de enverga- dura. Esta especie encontra-se, entre outras montanhas da Europa, nos Alpes e nos Pyreneos, mas só é commum no norte da Europa e da Asia, nas grandes flo- restas da Noruega, da Suecia e da Rus- sia. Além d'esta especie, outra existe na Europa, sem descer tanto ao sul, pois não passa áquem dos Alpes. É a seguinte : 177 O TETRAZ PEQUENO DAS SERRAS Tetrao tetrix, de Linneo — Le tétras à queue forchue, ou petit coq de bruyére, dos francezes Esta especie é mais pequena que a antecedente, do tamanho do gallo com- mum, distinguindo-se principalmente pela cauda bastante aforquilhada, com as pennas dos lados viradas em semi-circulo, dando à cauda a forma de uma lyra. Tem a cabeca, o pescoço, e a parte in- ferior das costas azues escuros com reflexos metallicos, as azas atravessadas por faxas brancas, as sub-caudaes brancas, e todo o resto da plumagem negra; bico negro, dedos pardos atrigueirados, em volta dos olhos um espaço vermelho claro. Mede 0,66 de comprimento. As femeas das duas especies citadas são mais pequenas, e teem as córes da plu- magem mais variadas. Os pinhaes e as grandes mattas de be- tulas são a residencia dos telrazes; o te- traz pequeno prefere as planicies cober- tas de urzes, nos sitios humidos. O seu alimento compõe-se de fructos, bagas, renovos dos abetos e das betulas, inse- ctos e vermes. A mãe alimenta os filhos nos primeiros tempos com insectos, e principalmente com as larvas de formi- gas, indo desencantal-as nos formigueiros situados nas orlas da floresta. São polygamos e vivem em pequenas familias, refugiando-se nas arvores para dormirem ou para escaparem aos ini- migos que os persigam. O tetraz é naturalmente bravio, ec, como verdadeiro gallinaceo, colerico, cioso, batendo-se com os seus similhantes a toda a hora, e verdadeiro despota para as femeas. Na epoca das nupcias a sua exci- tacão toca as raias da loucura, não lhe permittindo ouvir o que se passa em volta delle, e por vezes até a detonação duma espingarda não basta para pertur- bal-o. Varios autores contam que, nestas circumstancias, o tetraz arremessa-se ao homem e aos animaes sem receio algum. Entre a espessura do matto fazem as femeas os ninhos, no solo, pondo os ovos, de oito a dezeseis n'uma postura, sobre uma cama de hervas e folhas ou sobre o solo nú. Os pequenos correm, mal saem do ovo, acompanhando a mãe durante muitos mezes, e esta mostra-se solicita e carinhosa para a sua progenie. O tetraz amansa-se e habitua-sc a viver 172 MARAVILHAS DA CREAÇÃO captivo, posto que não seja coisa facil, principalmente sendo apanhado adulto. Ha todavia exemplos d'estas aves se do- mesticarem, e até mesmo de se multipli- carem as captivas. O TETRAZ MALHADO DAS AVELLEIRAS Tetrão bonasia, de Linneo. — La gelinotte des bois, dos francezes Outra especie da familia dos tetrazes, ge- nero Bonasina, se encontra na Europa, ha- bitando as mesmas regiões que os tetrazes de que acima nos occupámos, menos rara porém em Franca que o tetraz grande das serras, e commum nos Alpes, na Ba- viera, na Bohemia, na Austria, na Noruega e Suecia, e nas florestas da Russia. Entre os caracteristicos, que a distin- guem dos outros tetrazes, avulta o de ter as pennas do alto da cabeca alonga- das à maneira de poupa, podendo eri- cal-as ou abaixal-as á vontade. Tem de 0,47 a 0",50 de comprimen- to, e a plumagem vistosamente malhada de cinzento, pardo, ruivo, branco e an- negrado. com uma grande malha negra abaixo da garganta, malha que só teem os machos; bico negro. Nos habitos o tetraz das avelleiras pouco differe das especies acima citadas; é como ellas timido e bravio, escondendo-se nos ramos das arvores ou entre o matto. No vôo é pouco destro, mas corre com ra- pidez. E monogamo, e acompanha constan- temente a femea, separando-se della ape- nas durante a incubação, mas ainda as- Gr. n.º 355. — O tetraz pequeno das serras sim vagueiando constantemente pelos ar- redores do ninho, não se afastando para longe da companheira, e mais tarde au- xiliando-a até certo ponto na educação dos pequenos. O ninho, á maneira do dos outros tetra- zes, él feito no solo, atraz dum pedaço de rocha, ou entre as urzes, onde a femea põe oito a dez ovos, e ás vezes doze e mais. A carne do tetraz das avelleiras é de- licada e saborosa, e alcança grande preco nos mercados onde apparece, preferin- do-a os amadores á do faisão e á da co- dorniz. Captiva, esta ave habitua-se facilmente ao seu novo regimen; mas é difficil de amansar, e com custo se familiarisa com o homem. O LAGOPEDE BRANCO Telrao albus, de Gmlin. —Le lagopêde blanc, dos francezes O nome de lagopede, dado a esta es- pecie da familia dos tetrazes, genero La- gopus, e que significa pés de lebre, tem a sua origem na circumstancia de terem estas aves não só os tarsos cobertos de pennugem, como tambem os pés, por cima e por baixo dos dedos, á maneira das lebres. O lagopede varia de plumagem con- forme as estações: no inverno é branco de reve, á excepção das rectrizes que são negras, e das seis remiges dos lados que são trigueiras annegradas. No estio, quando a neve que cobre os logares onde elle habita se derrete ao calor do sol, afplumagem é parda, semeada de ma- lhas brancas, trigueiras e ruivas. Como AVES — AS PERDIZES a passagem, porém, d'uma a outra plu- magem se não executa d'uma vez, e passa por successivas transformações, alguns naturalistas admittem que os lagopedes fazem quatro mudas no anno. Nas regiões septentrionaes da Europa, da Asia e da America, nas mais altas montanhas cobertas de neve, que pode considerar-se como elemento indispensa- vel aos lagopedes, encontram-se estas aves, cuja carne é excellente e bastante procurada. Na Noruega são muito com- muns, e d'este paiz, da Laponia e da Escocia veem todos os annos para In- glaterra e França quantidades conside- raveis de lagopedes. Um commerciante 173 de Dovrefjeld exportou n'um inverno para mais de 40:000. A especie da Escocia é o lagopede ver- melho, telrao scoticus, que não muda a plumagem no inverno, e a de verão as- similha-se á do lagopede branco, tendo a mais a côr vermelha na garganta, e n'ou- tras partes do corpo. Uma das familias mais numerosas dos gallinaceos são as perdizes, que differem dos tetrazes por terem o corpo mais es- guio, a cabeca relativamente pequena, e os tarsos nús com esporões. Teem as azas muito curtas e arredondadas, e a cauda mediocre. Gr. n.º 396 — 0 lagopede branco Iremos falando successivamente d'al- | firme, e motivo é gumas das especies mais importantes, comprehendidas n'esta familia, come- cando pelas perdizes propriamente ditas. Damos em primeiro logar cabida aos seguintes periodos em que L. Figuier faz a historia d'estas aves, e descreveremos em seguida as especies que frequentam o nosso paiz e outras, «Vivem estas aves constantemente no solo, empoleirando-se, se a tanto se vêem forçadas. Teem o instincto de co- brir o corpo de pó, á maneira das co- dornizes, e correm tão ligeiras e velozes que por isso se tornam notaveis. O vôo é bastante rapido; baixo, porém, e pouco este para que usem com maior frequencia das pernas que das azas quando se transportam d'um a outro lo- gar. Essencialmente sociaveis, vivem a maior parte do anno em bandos, formados dos paes e dos pequenos da ultima ni- nhada. São sedentarias, e estabelecem a sua re- sidencia n'uma certa extensão do paiz, onde passam a existencia, e que só acci- dentalmente abandonam. Ahi teem um sitio particular, abrigo certo e constante no caso de perseguição. As perdizes são monogamas, e a união contrahida entre os individuos dos dois 174 sexos só finda na primavera seguinte. De certas especies, taes como a perdiz vermelha, nas quaes as femeas são em menor numero do que os machos, estes, não podendo encontrar companheira, fi- cam em disponibilidade, e d'aqui se ori- ginam rixas entre solteiros e casados, por- que não se resignando facilmente os pri- meiros ao viver de celibatarios, esfor- cam-se por crear familia á custa alheia. Terminadas em fim as rixas, estabele- cida a união entre os casaes, aos machos que coube a má sorte de não encontrar companheira, não querendo metlter-se a ermilões, só resta o reunir-se em bandos formados tamsómente de individuos do mesmo sCxo. A affeição do macho à femea não tem egual. Na epoca da postura, a femea escava em primeiro logar um buraco no solo, guarnece-o de herva e de folhas, e ahi põe doze ou quinze ovos, ás vezes vinte e mais. Segue-se a incubação, que não dura menos de vinte dias, durante os quaes o macho vela pelo bem estar da companhei- ra, prevenindo-a de qualquer perigo. Chegado o momento dos perdigotos partirem a casca, o amor do esposo, agora pae, tem de repartir-se entre a compa- nheira e os filhos. Dirige-os solicito nos primeiros passos, ensinando-lhes a apa- nhar os vermes, e para elles desencanta os ovos das formigas. Não é menos enge- nhoso que a mãe, quando se trata de sub- trahil-os aos ataques dos inimigos. Mal avistam o cacador ou o cão, os paes soltam o grito d'alarme, advertindo os fi- lhos do perigo e recommendando-lhes que se escondam; então o macho solta o vôo ostensivamente, arrastando a aza, com o fim de attrahir o cacador, para que este lhe vá no encalço, em quanto a femea foge em direcção opposta, indo pousar a grande distancia, e regressando a correr ao sitio onde a aguarda a fami- lia, reune-a e apressa-se a conduzil-a a logar seguro, onde o macho irá encon- tral-a. São estes os engenhosos ardis que põem as ninhadas ao abrigo dos assaltos dos ca- cadores. Algumas semanas apenas, depois de nascidos, já os perdigotos podem voar e prover ás suas necessidades; mas nem por isso, como acima dissemos, abando- nam os paes, antes continuam a viver em sua companhia, na mais estreita in- timidade, até que cheguem os mezes de e e E E SE IS E E EO E VS e MARAVILHAS DA CREAÇÃO fevereiro ou março, epoca em que se se param para constituirem nova familia. É então que termina tambem a união dos paes, indo cada um para seu lado em busca de novos amores, até contrahirem segundas nupcias. São naturalmente timidas e medrosas as perdizes, e estas qualidades manifes- tam-se em diversas circumstancias, obri- gando-as a ver inimigos em toda a parte. Este receio, todavia, não nos deve pa- recer exagerado se attentarmos em que, sem falar do homem, o raposo e as aves de rapina movem-lhe guerra encarnica- da. Ao vel-as, as perdizes ficam como que assombradas, reunem-se em massa, escon- dendo-se o melhor que podem, e conser- vando-se na mais completa immobilida- de, só na ausencia do tyranno as pobre- sinhas cobram animo. Quando a ave de rapina investe com alguma d'ellas, a misera busca furtar-se á sua triste sorte refugiando-se entre o matto mais proximo; se consegue alli introduzir-se, não ha forças humanas que consigam obrigal-a a sair do escondrijo, sendo facil apanhal-a sem que tente resis- tir. Ha exemplos de que prefiram deixar-se enfumar entre o matto, do que expór-se mais uma vez às garras do milhano ou do abutre. O conhecimento deste facto dá origem a um mcio bastante simples e efficaz para a destruição dos grandes bandos de per- dizes, principalmente em Inglaterra. Con- siste o processo em assustal-as com o au- xilio d'uma ave de rapina artificial, presa com um cordel a um papagaio de papel, parecendo d'este modo pairar a certa al- tura do solo. As perdizes, que o ter- ror entorpece, ou que buscam furtar-se á vista do rapinante, permittem que os cacadores se aproximem, obrigando-as a levantar, e podendo atirar-lhes quasi á queima roupa. Não obstante serem naturalmente bra- vias, nem por isso as perdizes deixam de ser susceptiveis de educação, e á forca de cuidados e de brandura pode conse- guir-se tornal-as familiares. Conta Gerar- din d'uma perdiz cinzenta, creada por um frade cartuxo, que acompanhava o dono como se fóra um cão. Willonghby afíirma que um habitante do condado de Sussex alcançara domes- ticar uma ninhada de perdizes, a ponto de conduzil-as adiante de si à maneira d'um rebanho de patos. AVES— AS PERDIZES 175 Eee ie Tournefort conta que outr'ora, na ilha de Chio, se creavam bandos de perdizes que se podiam guiar da mesma fórma. Finalmente Sonini refere-se a duas bar- tavellas que um natural de Aboukir sou- bera tornar familiares. Todos estes factos demonstram sufficientemente que, á forca de paciencia, não seria impossivel conse- guir que a perdiz podesse ser compre- hendida entre as aves domesticas, ou de capoeira. A perdiz é tida geralmente por um bom boccado, e tem a mais para o ca- cador ser presa facil do seu furor cyne- getico...» Em seguida descrevemos algumas es- pecies de perdizes da Europa, acompa- nhando as descripções de pormenores que se referem em particular a cada uma d'el- las, A PERDIZ Perdiz rubra, de Brisson.— La perdrix rouge, do: francezes O genero Perdrix é representado no su- doeste da Europa por esta especie, bas- tante commum no nosso paiz. E uma linda ave, bem conhecida em Portugal, cujo tom pardo-vermelho da parte superior do corpo é principalmen- te mais pronunciado na nuca e na parte posterior da cabeca, tornando-se quasi vermelho ruivo; tem o alto da cabeça pardo ; o peito e a parte superior do ven- tre são pardos cinzentos atrigueirados, o baixo ventre amarello sujo, a pennugem dos flancos parda cinzenta clara, cortada de riscas transversaes brancas ruivas, cór de castanha e orlada de negro ; uma faxa branca na fronte estendendo-se ás sobrancelhas, colleira branca, olhos com circulo vermelho em volta, bico e pés vermelhos. Mede 07,39 de comprimen- to. E a perdiz tão conhecida em Portugal, e uma das aves que por toda a parte mais attrahe os nossos cacadores, que não serão desprovidos de interesse os seguin- tes periodos em que Brehm descreve a caca ás perdizes em Hespanha, com auxilio de reclamo. «O caçador posta-se por detraz d'um muro de pedras soltas, com 1 metro apro- ximadamente d'altura, que primeiro le- vanta no sitio onde param as perdizes ; e a dez ou quinze passos de distancia, em logar um pouco mais alto, colloca a pequena gaiola onde conduz a perdiz que lhe serve de chamariz, cobrindo-a de ra- mos verdes. Se o chamariz é bom, não tarda que solte repetidas vezes o seu tack tack, e logo em seguida o verdadeiro grito de reclamo, tackterack, ao qual em breve corre alguma das perdizes. No começo da epoca das nupcias em- pregam-se os machos como chamarizes, e ao seu chamamento veem machos e fe- meas, e muitas vezes casaes. As perdizes que correm em busca da sua companhei- ra, respondendo-lhe, descobrem-se e é facil acertar-lhes. Dura esta caca aproxi- madamente quinze dias, e logo que as femeas terminam a postura e estejam na incubação, o caçador usa d'uma fe- mea como chamariz, seguindo o mesmo processo. à No segundo caso só veem á chama- da os machos infieis ás suas companhei- ras e os celibatarios, e apresentam-se de aza caida, as pennas da nuca e da ca- beca ericadas, e seguem dancando em homenagem á femea que ouvem e não véem, dando ensejo a que o caçador lhes atire certeiro. Morto o primeiro macho, o caçador aguarda, porque se outro hou- ver n'um raio de quarto de legua não falta ao chamamento, apparecendo por vezes dois e tres machos ao mesmo tem- po, e armando-se violenta rixa. Por vezes d'um tiro caem todos os tres contendores. Se nenhuma outra perdiz vem ao re- clamo, o caçador abandona a espera, abei- ra-se silenciosamente da gaiola, cobre-a com um panno, e, levantando as pecas mortas vae-se em busca de sitio mais azado. Deve sempre ter em vista não appare- cer logo depois de fazer fogo, com o fim de recolher a caça morta, pois poderia se tal fizesse assustar o chamariz, e talvez inutilisal-o para sempre. Este modo de cacar dá motivo para que se vejam por toda a Hespanha perdizes domesticas, e em certas localidades não apparece uma casa onde se não encontre uma perdiz, e caçadores ha que possuem muitas, em diversas gaiolas, divididas por sexos. No rigor do estio, por mais singular que isto pareca, é certo que se consegue deitar a mão a estas aves, tão espertas e ageis. Um caçador meu conhecido é pe- rito n'este exercicio. Pela hora do meio dia vae-se encaminhando para o sitio onde sabe que existe algum bando, le- 176 MARAVILHAS DA CREAÇÃO vanta-o, corre direito ao logar onde elle pousou, obriga-o a levantar de novo, e assim vae successivamente até que as pobres aves extenuadas correm, aga- cham-se, e por ultimo deixam-se apa- nhar. Em geral não é necessario obri- gal-as a levantar mais de tres ou quatro vezes. A BARTAVELLA Perdiz areca, de Brisson— La perdriz grecque, dos francezes Tem as costas e o peito pardo-azulado com reflexos avermelhados, a garganta branca com uma faxa negra em volta, uma risca negra na fronte, a plumagem dos flancos ornada de ruivo, de amarello e de negro, o ventre amarello ruivo, as remiges trigueiras annegradas, as rectri- zes externas vermelhas arruivadas, bico vermelho e pés da mesma côr desmaiada. Mede 0,"36 a 0",39 de comprimento. A bartavella, ou perdiz grega, encontra- se de ordinario em sitios altos e escabro- sos, principalmente nas montanhas. E rara em Franca, na Austria e na Italia, e muito commum na Grecia, na Turquia e em mui- tos pontos da Asia, onde é frequente vel-a captiva, domesticando-se facilmente. A PERDIZ DAS ROCHAS Perdix petrosa, de Latham-—La perdiz gambra, dos francezes Tem a fronte e a cabeca pardas cin- zentas claras, a nuca e a parte posterior Gr. n.º 37 — 4. À perdiz — 2. À perdiz das rochas — 3. A perdiz branca do pescoço acastanhadas, as costas par- das arruivadas, azas tirantes a azulado, garganta e uma risca sobre os olhos es- branquicadas, ventre azulado, peito e lados eguaes aos da bartavella, e como principal caracteristico uma colleira cas- tanha com salpicos brancos. E” egual em tamanho á nossa perdiz. E” commum na Sardenha, na Corsega, na Grecia, rara em Franca, e encontra-se no sul da Hespanha, não sendo caso ave- riguado apparecer em Portugal. Nas ilhas Canarias são tão frequentes que os habi- tantes as consideram como uma praga, apezar da caca acliva e productiva que lhes fazem. A PERDIZ CINZENTA Tetrao perdiz, de Linneo — La perdrix grise, dos francezes. Esta especie existe espalhada pela Eu- ropa, sendo muito commum em Ingla- terra e Franca, em todos os paizes do cen- tro da Europa, no norte da Italia, Hes- panha, Turquia e Grecia. No nosso paiz, segundo o que vemos n'um catalogo dos gallinaceos do museu de Lisboa, devido ao trabalho intelligente do zeloso naturalista adjunto d'aquelle estabelecimento, o sr. João Augusto de Sousa, esta especie encontra-se em ser- ras das nossas provincias do norte. O sr. dr. Bocage, n'uma das suas digressões, viu dois exemplares da serra do Marão. AVES — O FRANCOLIM Esta especie não tem tuberculos nos tarsos, à maneira de esporões, e na con- formação das azas e da cauda difere das especies citadas. Para alguns autores forma um genero á parte, o genero Starna. Tem o alto da cabeça trigueiro, ris- cado d'amarello, os lados e a garganta loi- ros avermelhados, o dorso pardo riscado transversalmente de ruivo, uma faxa larga cinzenta no peito ondeada de negro, que se prolonga aos lados do ventre; o ma- cho distingue-se pelo ventre branco com uma grande malha côr de castanha em forma de ferradura, que na femea é mais pequena e desvanecida; as pennas da cauda ruivas avermelhadas, as remiges primarias trigueiras annegradas, com ma- lhas e riscas amarelladas. Em roda dos olhos tem um circulo estreito vermelho, o bico pardo azulado, e os tarsos pardos claros avermelhados ou atrigueirados. Mede 0,733 de comprimento. As grandes planicies cultivadas, por entre as searas, ou nos prados artificiaes, são os logares que de preferencia habita a perdiz cinzenta. O FRANCOLIM Tetrao francolinus, de Linneo — Le francolin vulgaire, dos francezes Os francolins confundiram-se por muito tempo com as perdizes, das quaes to- davia differem pelo bico mais longo, pernas mais altas, com um e ás vezes dois esporões, e cauda mais comprida. Do genero Francolinus, ao qual pertence a especie citada, que é a unica da Europa, encontrando-se nas margens meridionaes do mar Negro, na Sicilia e na ilha de Chypre, outras especies vivem espalhadas pela Africa e na India. A especie da Eu- ropa tende a desapparecer d'esta parte do mundo. Tem a frente da cabeca, as faces e o peito negros, com a plumagem da parte posterior da cabeça bordada de averme- lhado e raiada de branco, uma larga col- leira côr de castanha clara em volta do pescoço, costas negras variadas d”arrui- vado com pequenas malhas brancas, na parte inferior raiadas transversalmente de preto e branco; peito trigueiro escuro mais ou menos variado e malhado de branco proximo do ventre; remiges ver- melhas e negras, rectrizes negras raia- das, as duas do centro de pardo em todo o comprimento e as externas só na base: 177% bico negro, pés avermelhados. Mede 0,"36 a 0,739 de comprimento. O francolim vive nos logares humidos e pantanosos, aos casaes ou em peque- nos bandos, e alimenta-se de bagas, se- mentes, bolbos, raizes, vermes e inse- ctos. Parece que ao contrario das perdizes se encontram estas aves por vezes empo- leiradas nas arvores. A carne do francolim é bastante deli- cada, e tida como superior á da perdiz. Na America vive uma familia dos gal- linaceos que n'aquella parte do mundo substitue as perdizes, havendo entre estas e os individuos d'aquella familia certas analogias, posto que estes constituam um typo independente. Os odontophoridios, denominação que compozemos do seu nome scientifico para podermos designar este grupo d'aves, variam de tamanho ; teem o bico curto, muito alto, comprimido aos lados, com os bordos na maior parte dentados, tarsos altos sem esporões, e cauda mais longa que a das perdizes. São os odontophoridios, pela sua graça, elegancia, docilidade natural e aptidão para a domesticidade, dignos das boas graças do homem, e'a sua grande fecun- didade e boa qualidade da carne teem despertado o desejo de utilisal-os, redu- zindo-os á condição de aves domesticas. N'alguns paizes da Europa trata-se de acclimar algumas especies, e uma—a per- diz da Virginia, — de que adiante falare- mos, é presentemente tão commum em Inglaterra, onde se multiplicou prodi- giosamente, que hoje quasi póde conside- rar-se indigena d'aquelle paiz. Vamos seguidamente descrever algu- mas especies. O CAPOEIRA COMMUM + Perdis dentata, de Temminck — L'odontophore type, dos francezes Esta especie, a maior da familia, mede 0,"45 de comprimento. Tem a cabeça ruiva annegrada, uma faxa desde a base da mandibula superior, estendendo-se até á parte posterior da ca- beça, d'um ruivo claro; nuca trigueira ma- lhada de branco, parte posterior do pes- coço e superior das costas trigueiras com 1 Nome vulgar brazileiro. 178 MARAVILHAS DA :CREAÇÃO EEE EEE SS aaa Sin et eira pequenas malhas negras avelludadas e ris- cas transversaes brancas arruivadas ; cos- tas e uropigio trigueiros com riscas des- vanecidas annegradas ; remiges annegra- das com malhas brancas pelo lado de fóra; rectrizes negras raiadas de arruivado, com as partes inferiores côr de chumbo ; bico negro, tarsos côr de chumbo, e em volta dos olhos um circulo vermelho. O capoeira commum vive nas mais cer- radas florestas virgens, aos casaes na epoca das nupcias, e depois em pequenos bandos. O alimento tomam-n'o estas aves no solo, procurando-o entre as folhas seccas, ou vão por elle sobre as arvores, colhendo os! fructos e bagas que d'ellas pender. As horas do crepusculo, de manhã e de tarde, accommodam-se nos ramos mais rasteiros das arvores, conchegadas umas ás outras. No dizer do principe de Wied, o capoeira faz o ninho no solo, e n'elle põe a femea de dez a quinze ovos brancos. Os capoeiras domesticam-se facilmente, acostumando-se em breve ao logar onde nascem, e os pequenos criam-se sem gran- de custo, reunidos a uma ninhada de pin- tos. A carne é excellente. A PERDIZ DA VIRGINIA Tetrao virginianus, de Linneo — Le colin de la Virginie, dos fraucezes Pertence esta especie ao genero Ortix, encontrando-se em parte da America do Norte, sendo muito commum nos Estados Unidos e no Canadá. Gr. n,º 358— A perdiz da California A pennugem da parte superior do corpo é trigueira avermelhada, salpi- cada, raiada de negro e orlada de ama- rello; a da parte inferior amarella es- branquicada raiada longitudinalmente de ruivo, e ondeada de negro; uma faxa branca limitada superiormente por ou: tra negra estende-se da fronte á nuca, passando por cima dos olhos ; outra faxa negra que parte dos olhos cerca-lhe a garganta que é branca; as remiges prima- rias trigueiras escuras bordadas por fóra de azulado, as secundarias raiadas de ama- rello sujo, as rectrizes pardas azuladas, á excepção das do centro que são pardas amarelladas malhadas de negro ; bico tri- gueiro escuro, pés pardos azulados. Mede 0,725 de comprimento. | nos, | . . . | nos modos e nos habitos á perdiz cin- Pelas descripções de autores america- . a perdiz da Virginia assimilha-se zenta, diz Brehm. Corre tão veloz como ella, e vôa mais rapida ; eguala-a nas ou- tras faculdades, e só a voz é mais harmo- niosa. Alimenta-se d'insectos e de substancias vegetaes de todas as especies, principal- mente de grãos de cereaes, que no ou- tono são todo o seu alimento. A carne d'esta ave é muito delicada e saborosa, e por isso a perdiz da Virgi- nia é considerada como uma das melho- res cacas da America. Domestica-se com a maior facilidade, habituando-se a viver captiva, e familiarisando-se com o ho- mem. Como já n'outra parte dissemos, em inglaterra esta ave acclimou-se tão bem, AVES — À CODORNIZ multiplicando-se tão consideravelmente, que hoje é alli commum. Em Franca tem-se tentado por vezes acclimal-a e multiplical-a, com menos resultado porém, devido por certo á falta de perseverança. A PERDIZ DE POUPA DA CALIFORNIA Perdiz californica, de Latham-- Le colin de la Californie, dos francezes D'esta especie, que faz parte do genero Lophortix, diz Brehm não ser possivel observal-a sem a estimar, e desejar vel-a acclimada nos nossos paizes. «Desejo con- quistar a favor d'estas aves o maior nu- mero de sympathias, e rogo a todos os meus leitores, que cada um, quanto em si caiba, auxilie as tentativas feitas para a sua acclimação .» Um dos principaes caracteristicos da perdiz de poupa da California, e seus con- generes, é a existencia de duas a dez, d'ordinario quatro a seis pennas, muito estreitas na base, alargando para a extre- midade, recurvas á maneira d'uma fouce, concavas pelo lado anterior, e mais des- envolvidas no macho do que na femea. A perdiz da California é uma linda ave, posto que as córes da plumagem não sejam vivas, e a mais bella da familia. O macho tem a fronte cór de enxofre, o alto da cabeça trigueiro escuro, a nuca azulada, tendo a pennugem a haste e a orla negras, e duas malhas esbranqui- cadas na extremidade ; costas trigueiras azeitonadas, garganta negra contornada por uma faxa branca, o alto do peito azu- lado, e a parte inferior amarella ; o cen- tro do ventre vermelho trigueiro com a plumagem orlada de escuro; remiges trigueiras, as secundarias bordadas de amarello ; rectrizes pardas; bico negro, pés côr de chumbo escura. Mede 0,725 de comprimento. «Esta linda ave é extraordinariamente frequente em toda a California. No inverno reune-se em bandos numerosos, formados de mil individuos e mais, segundo as localidades. E” tão abundante nas flores- tas como nas planicies cobertas de matto ou nas encostas das collinas. Tão viva como a perdiz da Virginia, corre ainda mais do que esta, e furta-se a todas as perseguições pela rapidez com que corre ou pela destreza com que se esconde. Se a espantam vôa e vae pousar n'uma ar- vore, agachando-se sobre algum dos ra 179 mos horisontaes, e ahi é difficil desco” bril-a, tanto a côr da plumagem se con- funde com a da casca da arvore. Faz o ninho no solo, d'ordinario junto ao tronco d'uma arvore, ou sob alguma mouta. E bastante fecunda» (Gambel). Cada postura parece ser aproximada- mente de quinze ovos. Vive esta ave muito bem captiva, do- mestica-se, e é possivel a sua acclimação na Europa, multiplicando-se, como o provam algumas experiencias com bom exito. De todas as familias dos gallinaceos, nenhuma vive mais espalhada pelo globo do que as codornizes, de que vamos 0c- cupar-nos em seguida. São característicos das codornizes o bico pequeno, alto na base, azas pontu- das, cauda curta escondida pela pennugem do uropigio, tarsos com esporões rudi- mentares, sob a fórma d'um tuberculo, corpo refeito, pequena corporatura. A especie typo, e unica que vive na Europa, do genero Coturnix, é a seguinte: A CODORNIZ Tetrao coturniz, de Linneo -— La caille, dos francezes. A codorniz tem as costas trigueiras raia- das transversal e longitudinalmente de ruivo, a cabeça da mesma côr, mais es- cura; a garganta trigueira ruiva, o papo amarello ruivo, o centro do ventre branco amarellado, os flancos ruivos com riscas longitudinaes amarellas claras; as re- miges primarias trigueiras annegradas com malhas amarellas arruivadas, dis- postas em series transversaes, a primeira remige tem pelo lado de fóra uma orla estreita amarellada; as rectrizes são ama- rellas arruivadas com as hastes brancas, e faxas negras; bico pardo e pés ama- rellos claros ou avermelhados. Mede 0",21 de comprimento. E” commum no nosso paiz. «A codorniz é celebre pelas suas emi- grações. Todos os annos parte, em nume- rosos bandos, das regiões mais remotas da Africa, atravessa o Mediterraneo, e nos primeiros dias de maio faz a sua en- trada na Europa, por onde se espalha. No mez de setembro regressa, fazendo em sentido contrario esta enorme viagem. O instincto que obriga estas aves a emi- 180 MARAVILHAS DA CREAÇÃO grar é por tal fórma imperioso, que até mesmo nas codornizes que nascem captivas se manifesta, e na epoca da passagem vêem-se agitar nas gaiolas, e precipitarem-se com tal impeto contra as grades, que mais d'uma cae atordoada, ferindo-se gravemente. Se depois d'isto at- tentarmos em que as codornizes teem o vôo pesado, e que só a custo de grande fadiga podem emprehender tão longa via- gem, devemos convencer-nos de que além da necessidade de se furtarem aos rigores do inverno ou de proverem á sua alimen- tação, existe outra natural, tão imperiosa como a fome, á qual estas aves obedecem e a que não logram resistir. E' extraordinaria a fecundidade das co- dornizes, em proveito dos caçadores que buscam exterminal-as, quando o seu vôo menos facil as obriga a accumulações in- criveis em certos pontos, na epoca da pas- sagem. O bispo da ilha de Capri, situada no golfo de Napoles, recebia outr'ora um be- Gr. n.º 359 — As codornizes neficio annual de 7:2008000 réis, pelo di- zimo que lhe pertencia do commercio de codornizes mortas na ilha, e vendidas nos mercados de Napoles. Appellida- vam-n'o, por tal circumstancia, o bispo das codornizes. Nas margens do Bosphoro, na Morea e n'algumas ilhas do Archipelago, as co- dornizes arribam em bandos tão compac- tos, que, seguindo a phrase popular, basta qualquer abaixar-se para as apa- nhar. Caem exhaustas na praia, e obser- va-se então uma verdadeira chuva d'estas aves. Os habitantes d'aquellas paragens, que d'antemão aguardam a passagem das perdizes, correm a encontral-as, salgam- n'as, empilham-n'as em barris, exportan- do-as para outros paizes. As codornizes viajam noite e dia, re- montam a grande altura, mas nunca vôam contra o vento; ao inverso, para atra- vessarem o Mediterraneo aguardam que a brisa seja de feição. Veem para a Eu- ropa trazidas pelos ventos do sul, e re- gressam á Africa levadas pelos do norte. Se durante o trajecto a tempestade se declara, não podendo resistir-lhe, caem n'agua aos milhares. AVES — À CODORNIZ 181 As codornizes frequentam as cearas e os campos que se cobrem d'abundantes pastagens. Constantemente no solo, tendo por um dos maiores prazeres espojarem-se na terra, nunca se empoleiram. Alimen- tam-se de sementes e d'insectos. Como sejam pouco sociaveis, os indi- viduos dos dois sexos reunem-se apenas na epoca das nupcias, separando-se tão depressa os pequenos dispensam os cui- dados da mãe ; epoca que não vem longe, pelo seu rapido desenvolvimento. A fe- mea faz duas posturas no anno, uma na Europa e a outra na Africa, e de cada uma põe de dez a quatorze ovos. A codorniz é bastante veloz na carreira, e para escapar-se ao caçador usa frequen- temente d'este meio, recorrendo ao vôo apenas nas occasiões em que o perigo é mais imminente. Então vôa, sempre em linha recta, rastejando o solo. Co- nhece a fundo a arte de multiplicar as pistas para enganar os cães, e occultan- do-se nos massiços de verdura zomba dos caçadores novicos, posto que não consiga escapar-se aos experientes. E” mais pequena que a perdiz, e morta no tempo proprio, isto é, depois de ha- ver repousado das fadigas da viagem, o corpo reveste-se d'uma camada de gordura, que egual se não encontra n'ou- tra ave. A carne saborosa e delicada, exhalando fino aroma, é bocado estimado pelos gastronomos. E” classificada logo abaixo da galinhola e da narseja.» (Fi- guier). «No principio do verão a codorniz trata de preparar o ninho, n'uma de- pressão pouco funda do solo, tapisando-a de folhas seccas, e ahi põe de oito a quatorze ovos, grandes. lisos, triguei- ros amarellados, salpicados de manchas trigueiras annegradas ou trigueiras escu- ras, variando estas na disposição. Dura a incubação dezenove ou vinte dias, sen- do difficil obrigal-a a abandonar os ovos, e por vezes esta dedicação é-lhe fatal. Durante a incubação o macho vagueia pelo campo em busca de novos amores, sem cuidados pela sua progenie. As codornizes novas mal saem do ni- nho correm em companhia da mãe, que as guia, abrigando-as sob as azas nos dias tempestuosos, e dando-lhes provas bem evidentes da sua entranhada affeição. Crescem os pequenos rapidamente, dei- xando em breve d'obedecer ás prescri- pcções da mãe, e taes rixas se levantam 17 entre elles, que por vezes 0 sangue corre, Com duas semanas esvoaçam, e quando teem circo ou seis são já sufficientemente dese.ivolvidos para poderem voar e seguir Viagem.».... A codorniz captiva é muito interessante, perde em parte a sua timidez, não é dif- ficil d'alimentar, e pode-se ter nas habita- ções sem que as enxovalhe. Habituan- do-se rapidamente a viver em viveiro du 3esmo em gaiola, reproduz-se com fa- cilidade. Tendo-as em caza aninham, mas é raro que criem os filhos, em quanto que nos viveiros dos jardins zoologicos os resultados são mais favora- veis. Ha exemplos das codornizes reproduzi- rem-se até mesmo em condições desfavora- veis, e d'uma femea sei que vivendo n'uma gaiola bastante acanhada, a reuniam de tempos a tempos com o macho, e assim obtiveram que pozesse seguidamente se- tenta e trez ovos, os quaes lhe eram tirados em acto successivo. Chocados por uma gal- linha de casta pequena, á excepção de dois ou trez, todos vingaram. Nos viveiros são as codornizes menos interessantes que correndo livremente pelas habitações ; no segundo caso diver- tem o dono pelo seu constante bom hu- mor, destruindo os insectos nocivos que encontram, e vivem em boas relações com os cães e os gatos.» (Brehm.) O macho da codorniz é um dos galli- naceos mais ciosos; despota e tyranno para as femeas, em continuas rixas urs com os outros, e cada qual tendo em mira expulsar quantos rivaes apparecam no seu dominio. Estes defeitos teem sido explorados pelo homem, e na China dão- se combates de codornizes como em In- glaterra de gallos, fazendo-se apostas quan- tiosas pelo vencedor. O TOIRÃO DO MATTO Tetrao gibraltaricus, de Gmlin — Le turnia d' Afríque, dos francezes A especie que acabamos de citar per- tence a um genero dos gallinaceos, Tur- nix, formado de muitas especies que vi- vem na Ásia, communs nº India, na Australia e na Africa, e d'esta ultima parte do mundo uma se adianta até ao sul da Europa, o toirão do matto, espe- cie commum ente nós na provincia do VOL. Mi 182 MARAVILHAS DA CREAÇÃO = IS ESSES Alemtejo, e que da Europa visita tam- sómente o sul da Hespanha, Portugal e a Sicilia. O toirão do matto tem aproximadamente 0,217 de comprimento E' muito simi- lhante á cordoniz, differindo, todavia, no numero dos dedos; tem trez, faltando- lhe o pollegar. Tem a cabeça trigueira escura, com tres riscas amarellas longitudinaes, as costas atravessadas irregularmente por um certo numero de riscas em ziguezague, negras e trigueiras ruivas; as pennas das azas amarelladas com uma malha negra nas barbas internas; a garganta branca, o papo trigueiro arruivado, os flancos trigueiros arruivados com malhas escu- ras e o ventre branco limpo ; bico ama- rellado, pés côr de chumbo. Encontra-se este gallinaceo nos cam- pos cobertos de herva alta ou nas char- necas, alimentando-se de sementes e de insectos. Corre muito, e até mesmo per- seguido não vôa senão ne ultimo ex- tremo, escapando-se meio a correr meio a voar, indo esconder-se no matto mais proximo. Nunca se vê, á imitação das co- dornizes, em bandos numerosos. O ninho é feito no solo, entre o matto mais espesso, e os ovos são azues purpuri- nos com salpicos raros e espaçados. Os naturalistas hespanhoes, diz Brehm, parece não haverem observado esta ave no estado livre. Só um andaluz apelli- dado Machado, falando ácerca do toi- rão do matto, e não sabendo eu até que ponto deva merecer credito esta opinião dos caçadores hespanhoes, narra O se- Gr. n.º 360 — O toirão do matto guinte: «Os nossos cacadores affirmam que o toirão do matto é o conductor das codornizes, e morto, o bando que o se- guia dispersa-se, ficando as codornizes que o formavam na impossibilidade de vol- tar para Africa, sendo esta a causa dºellas se encontrarem em Hespanha no inverno.» O FAISÃO IMPEY Lophophorus impeyanus, de Latham—Le Lophophore resplendissant, dos francezes A esta especie do genero Lophophorus démos por nome vulgar o que lhe poseram os primeiros naturalistas que a descreve- ram, incluindo-a na familia dos faisões, de que hoje se encontra separada, e ap- pellidando-a do nome da sua introdu- ctora na “uropa, lady Impey. Na India os naturaes chamam-lhe montaul ou monaul. Teem cestas aves por caracteres gene- CE me TT er: mm e rr ricos o corpo refeito, bico longo, azas regulares, cauda curta, na cabeça uma poupa formada de pennas sem barbas na base, e os machos teem os tarsos arma- dos de esporões. O macho da especie citada é notavel- mente formoso e difficil de descrever. Tem a cabeca como que ornada d'um ramo d'espigas d'um verde doirado me- tallico, da mesma côr a garganta ; a nuca côr de purpura ou de carmim com o bri- lho do rubi; a parte superior do pescoço e as costas d'um verde bronze com re- flexos doirados; as coberturas superiores das azas e da cauda verdes violaceas ou verdes azuladas; a parte inferior do corpo negra com reflexos esverdeados e purpurinos no meio do peito, mais es- curos no ventre; remiges negras e rectri- zes côr de canella; os olhos com um circulo nu e azulado em volta; bico es- AVES — O FAISÃO IMPEY curo, pés verdes sujos. Mede 0," 72 de comprimento, dos quaes 0,25 pertencem á cauda. Vive na cordilheira do Himalaya, na Asia. Encontra-se nas florestas que cobrem as montanhas. e é ahi commum, vivendo em grandes bandos que a espessa vege- tação daquelles sitios impede de ob- servar. *Por vezes topa-se nas clareiras das grandes florestas e nos sitios des- cobertos, que percorrem em busca d'ali- mento. Sustentam-se de raizes, folhas, gomos, de toda a especie de bagas e sementes. e d'insectos; no inverno vão por vezes pastar nos campos de trigo e de cevada. A femea construe o ninho no solo, en- 183. tre um massico de verdura, pondo cinco ovos brancos sujos com salpicos e man- chas trigueiras avermelhadas. A carne d'estas aves é tida por excel- lente, qualidade que reunida á de serem realmente bellas, faz com que se hajam feito tentativas para acclimal-as ma Eu- ropa e conseguir a sua reproduceção. Entre tanto ainda hoje são raras, e con- servam preço elevado, posto que na India se obtenham facilmente. Nos diversos jardins zoologicos da Eu- ropa teem-se conseguido que estas aves anninhem e tirem os filhos; mas esíes pela maior parte succumbem na epoca da primeira muda. Gr. n.º 361 — O faisão Impey Vamos em seguida falar d'um genero dos gallinaceos, para nós um dos mais interessantes a muitos respeitos, e no qual se comprehende a primeira e mais util das aves domesticas, a galinha. Os individuos do genero Gallus teem por caracteres geraes parte da cabeca e da frente do pescoco núas, crista car- nuda e vermelha, que nascendo na base do bico se estende atê ao alto da cabeca ; a mandibula inferior guarnecida pela parte debaixo de dois barbilhões tam- bem carnudos e vermelhos; tarsos altos com esporões; azas curtas e obtusas; cauda vertical, arqueada e em forma de pennacho, com as pennas do centro mais ongas; plumagem brilhante com reflexos matallicos. A's femeas faltam as córes brilhantes dos machos; teem cauda direita e levan- tada um tanto, sem attingir grandes dimen- sões; a crista é rudimentar e nalgumas especies não existe, e não teem esporões ; são mais pequenas que os machos e a voz é mais fraca. O gallo é originario das Indias, e todas as especies selvagens vivem no interior das florestas, longe do homem, sendo certo que os seus habitos são pouco conhecidos, menos do que os de muitos animaes de bem menor valia e utilidade. As racas domesticas que hoje existem espalhadas por todo o globo descendem do gallo selvagem, parecendo ser uma especie que ainda hoje vive na India e nas ilhas do archipelago indico o tronco - 184 MARAVILHAS DA CREAÇÃO d'onde se deriva a nossa gallinha domes- | nos pontos mais septentrionaes, por toda tica, posto que se não possa ir além de conjecturas úcerca da especie estirpe, por quanto a domesticidade da gallinha data dos tempos pre-historicos. Das diversas especies selvagens, todas, como dissemos, originarias da Asia, citaremos a seguinte. O GALLO DE BANKIVA Gallus banliva, de Linneo — Le coq banhiva, dos francezes Parece ser esta a especie d'onde pro- cede o gallo domestico. Mede 0,"64 de comprimento, e a sua plumagem é das mais bellas: vermelha, côr de castanha clara e amarella, e preta com reflexos verdes doirados. Vive em Java, Sumatra, e nas ilhas Filippinas. Como já dissemos, não pode passar de conjecturas tudo quanto se diga para explicar o modo como o homem conse- guiu reduzir a escravos animaes que no estado livre são essencialmente bravios e amantes da sua liberdade. Nenhum docu- mento ou tradição indíca a epoca em que o gallo, transportado da India, se espa- Jhou successivamente pelo resto do glo- bo, passando ao estado de domesticida- de. Os mais antigos documentos falam do gallo donestico como trivial, sem por forma alguma accusarem que a sua do- mesticidade fosse recente. As observações feitas dão-n'os a saber que o gallo domestico entregue a si, e mesmo abandonado na floresta, não perde as qualidades que o distinguem do gallo selvagem, seu antepassado, e longe de se tornar bravio e independente, pelo contrario busca sempre guarida na habi- tação do homem. Nas aldeias da Africa central, diz Brehm, no interior das florestas, vivem bandos de gallos e de gallinhas domesticos, quasi sem que o homem, habitante d'alguma das choças isoladas que alli se encontram, olhe por elles. O alimento hão de pro- cural-o ; as gallinhas põem e chocam os ovos entre o matto, onde melhor lhes convém, e por vezes a grande distancia da morada do dono; passam a noite na floresta empoleiradas nas arvores, mas nunca as vi que fossem selvagens, e sem- pre e em toda a parte não abandonam as proximidades da habitação do homem.» Susceptivel de viver em todos os cli- mas, apenas diminuindo a sua fecundidade a parte onde o homem fixou a sua morada se encontra o gallo completamente do- mestico «O gallo é um verdadeiro sultão, cons- tantemente seguido das concubinas, e votando a estas affeição, que é um mixto curioso de attenções delicadas e de bruta- lidades revoltantes. E vel-o entre as com- panheiras, procurando por mil disvelos tornar-se-!hes agradavel, guiando-as, pro - tegendo-as, velando pelo seu bem estar, com uma solicitude que não fraqueja. Não encontra um acepipe do seu agrado, que com ellas o não reparta, e chegada a hora da refeição, com a sua voz mais suave, convida-as a tomar os grãos es- palhados no solo. Apezar de tudo isto, é por vezes cruel e brutal não só para as gallinhas como tambem para os pintos.» (Figuier.) Não lhe soffre o genio fortemente ir- ritavel que a seu lado viva um rival, e a luta é inevitavel sempre que dois gal- los se reunam na mesma capoeira. «Ainda é mais bello, mais arrogante, quando a voz d'um rival lhe vem ferir o ouvido. Escuta, levanta altivamente a ca- beca, bate as azas, e o seu canto é um cartel de desafio arremessado ao adver- sario. Se o inimigo se apresenta, adianta-se com coragem, e investe furioso. Os dois contendores estão em face um do ou- tro, a pennugem do pescoço eriçada, for- mando-lhe como que um escudo, os olhos despedem chispas, ambos buscam em sal- tosrepetidos levar debaixo o adversario, ou conquistar posição mais elevada para com- batel-o com vantagem. Prolonga-se o combate, e obrigando-os a fadiga a alguns momentos de treguas, então com a cabeca pendida, promptos para o ataque e para a defesa, com o bico raspando a terra, nunca se desviam um da frente do outro. Ainda bem o primeiro não solta um grito, com a voz tremula, mal repousado da luta, já o ou- tro investe novamente, e eil-os batendo- se com maior ardor, até que o cansaço intorpecendo-lhe os movimentos das per- nas e das azas, recorrem á arma decisiva, á mais terrivel, o bico. Já não saltam um sobre o outro, mas as bicadas succedem-se tão rapidas, que o sangue corre de mais d'uma ferida. Um dos adversarios então, já sem animo, hesita, recua, nova e vigorosa bicada lhe AVES — O GALLO 185 assenta o vencedor, e já não soffre duvida de quem será a victoria. O vencido foge, com as pennas da nuca eriçadas, as azas erguidas, a cauda rojan- do; vae agachar-se n'um canto, cacare- jando á maneira das gallinhas, como que implorando a clemencia do vencedor, sem que este, todavia, se deixe enternecer; an- tes ao inverso, depois de tomar alento e de cantar a victoria batendo as azas, eil-o de novo em perseguição do seu rival indefe- so, a quem já não resta outra ventura que não seja escapar à morte.» (Lenz). «Os homens, que de tudo tiram partido para preparar novas distracções, não dei- xaram de aproveitar a antipathia mortal com que a natureza separou estes ani- maes, e com tal arte o fizeram, esfor- cando o seu odio innato, que as lutas dos gallos se tornaram espectaculos ca- pazes d'interessar a curiosidade do povo, até mesmo o de paizes civilisados, desen- volvendo na alma essa preciosa ferocida- de, que é. dizem, o germen do heroismo. Em mais d'um paiz vêem-se homens de todas as condições correrem em mul- tidão a presencear estes torneios grotes- cos, dividindo-se em partidos, cada qual louvando acaloradamente um dos ad- versarios, e as apostas mais avultadas veem reforçar o interesse do espectaculo, decidindo por vezes a ultima bicada do gallo vencedor da fortuna de muitas fa- lias (Buffon). Gr. n.º 362 — Gallo e gallinha da raça Crevecoeur Alguns povos da antiguidade, e os gre- gos o fizeram, recreavam-se com estes barbaros divertimentos, e conta-se que Themistocles, ao atacar os persas que haviam invadido a Grecia, para levantar o animo abatido dos seus soldados se referira ao arrojo com que os gallos se batiam, terminando a sua arenga por es- tas palavras. «Se tanta coragem ha n'estes animaes, que se batem apenas pelo desejo de vencer, o que fareis vós, soldados, que ides com- bater pelos vossos deuses, pelo tumulo de vossos paes, pelos vossos filhos e pela liberdade !» Em memoria do bom exito de tal ar- razoamento, que prestando animo ás hos- tes gregas levaram a derrota aos persas, os athenienses destinaram um dia espe- cial, em cada anno, para combates de gallos. «Os romanos herdaram dos gregos este passatempo. Hoje ainda os comba- tes de gallos estão em uso em parte do Oriente, na Ásia, nas ilhas de Sonda, e na China. Em Java e Sumatra este diver- timento degenera n'uma verdadeira lou- cura, e os naturaes quasi que se não mo- vem d'um para outro sitio sem sobraçarem um gallo. Não é raro ver dois jogadores arriscarem não só a fortuna, como tam- bem a mulher e as filhas, apostando pela força e destreza d'um gailo tido como in- vencivel. Ninguem ignora que os comba- tes dos gallos são um dos melhores diver- timentos dos inglezes. 186 Henrique vir creou regulamentos para estes espectaculos populares, e seguindo o seu exemplo a maior parte dos reis d'In- glaterra protegeram estes divertimenios, nomeadamente Carlos 11 e Jacques 11. N'essas epocas os combates de gallos eram realmente uma sciencia, com seu codigo e leis especiaes, e volumosos re- gulamentos determinavam as circumstan- cias do combate, fixando os interesses dos que apostavam. Hoje esta diversão tor- nou-se, em Inglaterra, o privilegio quasi exclusivo do povo. E” o regalo de John Bull. : Annuncia-se o combate ao som da trom- pa, pelos pregoeiros, que marcam o dia, a hora e até nomeando os campeões ala- dos. Corre a multidão, e feitas as apostas, por vezes montando a sommas impor- tantes, o publico assiste com um prazer barbaro ás peripecias da luta encarnicada que se trava entre os dois adversarios, ar- remessando-se furiosos um contra o outro, cada qual armado com um esporão d'aco cortante e agudo, seguro ás pernas. Ter- mina o combate com a morte d'um dos contendores, e o vencedor é levado em triumpho. Triumpho, ás vezes, de pouca dura, por que de novo lançado na arena em frente d'outro adversario, encontra a morte no esporão do seu novo inimigo. O vencedor de ha pouco, a que tantos interesses houve ligados, excitando a admiração e sendo alvo dos mais enthu- siastas encomios, torna-se vil despojo, que poderá quando muito servir de ceia a algum vadio do sitio». (Figuier). Sob apparencia mais modesta e paci- fica é certo que a gallinha não é de ge- nero menos violento que o macho, e as rixas succedem-se entre ellas. Se uma es- tranha dá entrada na capoeira, pobre della que se verá perseguida e maltra- tada por todas, e só porá termo a tão barbaro proceder o tempo, que tudo acal- ma, ou então a manifesta protecção do gallo, senhor absoluto a quem todas res- | peitam e obedecem. A gallinha é modelo de boas mães, e ninguem por certo, uma vez ao me- nos em sua vida, terá deixado de con- templar com subido interesse o carinho e sollicitude com que ella guia os pri- meiros passos d'uma familia inteira de pintainhos que a cercam, e mesmo dos pequenos de especies bem diffe- rentes, confiados ao zelo d'esta mãe tão MARAVILHAS DA CREAÇÃO terna e dedicada, até mesmo para fi- lhos adoptivos. «O gullo fica indifferente aos cuidados de que carece a sua progenie ; são encar- gos que elle abandona inteiros à galli- nha, e bem substituido elle fica, que mais carinhosa dedicação não ha, e n'ella se encontra o typo e symbolo do amor maternal. Altentae no cuidado com que ella escar- va o solo, no seu terno cacarejo, como se desempenha do encargo de cortar os ver- mes, as espigas e os grãos em miudos bocados, para pol-os em frente do bico dos pequenos! Sempre solicita nem um momento os larga, e ao menor perigo, ao divisar no ar a ave de rapina, com que ancia os adverte ! E os pintainhos comprehendem per- feitamente o que a mãe lhes diz, e cor- rendo a esconder-se sob as azas da sua protectora, n'ellas encontram escudo que os deffenda do terrivel rapinante. E se algum foi victima, que inquietação a sua! Na presença do homem ou do cão não lhe esmorece o animo, e deffende-os da mesma sorte. Os pintos conhecem-n'a e ella conhe- ce-os a todos. Se no local existe mais de uma gallinha, quando uma chama só cor- rem para ella os pintos que lhe pertencem; andando juntos, ao ouvirem de dois pontos oppostos a voz das mães, para logo se separam, que cada um corre para d SUA es o Veja-se a gallinha que se deita com ovos de pato, o espanto e receio que ella manifesta ao ver os filhos adoptivos en- trarem ousadamente na agua, confiados nas proprias forças e na sua aptidão natural, que a pobre mãe desconhece. Como ella corre anciosa em volta da agua, chamando-os repetidas vezes, sem que os patinhos, encontrando-se no seu meio natural, se resolvam a obedecer ás sup- plicas da mãe adoptiva, para elles ma- drasta. Em breve, porém, a gallinha vê que os pequenos saem d'agua sem damno al- gum ; como isto pôde ser, não o sabe ella, mas a pouco e pouco acostuma-se a vel-os praticar arrojos taes, e limita-se a vigial-os da beira d'agua.» (Scheiiin). A gallinha é principalmente util para o habitante do campo, pela facilidade de alimental-a; que o dono lhe dê um pu- nhado de grão de manhã e á tarde, o resto ella o encontrará : sementes, hervas, AVES — O GALLO 187 vermes, insectos, despojos de toda a sorte, tudo lhe faz conta. Cita White um exemplo de quanto pode o furor d'estas pobres mães, vendo os filhos viclimas das garras d'um rapinante, useiro e viseiro em taes latrocinios. «Um proprietario, seu vizinho, acon- teceu-lhe ver todos os frangãos passarem successivamente para as garras d'um gavião, que se escondia entre a empena da casa e uma pilha de lenha, proximo do sitio onde estaym os pintos. Farto de ver que a capoeira se ia despo- voando, o proprietario preparou junto á lenha uma armadilha ao ladrão, e um bello dia teve o prazer de vel-o cair no laço. Uma vez senhor do rapinante, condem- nou-o á pena de talião : cortando-lhe as garras e com o bico mettido n'uma rolha entregou-o á vingança das gallinhas. Não é possivel descrever a scena que se se- guiu : o terror, a raiva, o odio e o ins- tincto de vingança das gallinhas não ha palavras que os traduzam. As matronas, cegas de furor, cobriram-n'o de injurias e d'anathemas, o triumpho embriagara-as, e só ficou satisfeita a sua vingança, quando depois de longos martyrios o fizeram pedaços. Aos seis mezes, os machos estão aptos para a reproducção, e as femeas nesta mesma idade commeçam a pôr. Na idade de tres mezes escolhem-se os frangãos que Gr. n.º 365 — Gallo e gallinha da raça Dorking se destinam para capões, nome que se dá aos frangãos que, privados dos attri- butos sexuaes, engordam sobremaneira, sendo a carne mais saborosa e delicada. Os capões perdem muito o genio irri- tavel do gallo, e alguns a tal ponto se fazem doceis que substituem as gallinhas na creação dos pintos, como vantagem para a postura. Consegue-se acostumal-os a cobrir os pintos arrancando lhes a plu- magem do ventre, e esfregando-lh'o com ortigas. Os pintos, quando se mettem de- baixo do capão, roçando pelo sitio offendi- do, são-lhe agradaveis,e assim obrigam-n'o a affeicoar-se-lhes e a servir-lhes de mãe. «A incubação artificial, que hoje se procura novamente adoptar, não dando todavia os resultados que se esperavam, não é processo moderno, existe no Egy- pto ha milhares d'annos. Outrora era propriedade exclusiva dos sacerdotes, no dizer de Malézieux, os quaes provavelmen- te foram os descobridores. Hoje occupam- se n'este mister uns pobres aldeãos, appe- lidados berméens, oubechermens, nome que lhes provém d'uma aldeia vizinha do Cai- ro. Os bermeens são de certo modo em- pregados dos proprietarios d'aquelles si- tios, com os quaes partilham metade dos lucros, que consistem no terço, ou em pouco menos, dos ovos que lhes são entre- gues para a incubação. Por cada grupo de quinze ou vinte al- deias existe uma fabrica de pintos, ma- 188 mal-el-kalaegt, ou el-farroug, na lingua do paiz, onde os habitantes levam os ovos, recebendo em troca um vale que passa- dos vinte e dois dias lhes dá direito a receber dois pintos por cada lres ovos...» (Brehm). «O numero de pintos havido artificial- mente por este processo era de cem mi- lhões no antigo Egypto, numero que ainda hoje não desce de trinta milhões. Em epocas diversas tem-se tentado intro- duzir na Europa o processo dos egyp- cios, sendo os primeiros, na antiguidade, os gregos e os romanos, depois na edade media em Malta, Sicilia e na Italia, e finalmente em França, onde Carlos vi em Amboise, e Francisco 1 em Montri- chard, mandaram construir fornos espe- ciaes. Em época mais recente numerosas tenta- tivas teem sido feitas por homens de scien- cia, e são conhecidas as experiencias de Réaumur, ás quaes seguiram-se outras pelo abbade Copineau, Dubois e Bonne- main.» (Malézieux) Todas estas experiencias só tem pro- vado quanto é difficil encontrar o segredo dos bermeens do Egypto. Não obstante a descoberta do thermometro, nunca sa- bios da Europa alcançaram egualar a cer- teza de temperatura, que uns pobres al- deãos do Cairo, sem instrumento de es- pecie alguma para regulal-a, obtinham todavia com tanta exactidão, regrando o fogo com tal arte, que conseguiam aprovei- tar os ovos quasi que na totalidade. Nos nossos dias os chins usam das chocadei- ras artificiaes para a incubação dos ovos em larga escala. «Legou-n'os a antiguidade a narrativa d'uma curiosa incubação feita em Roma pela imperatriz Livia. Estava a princeza no seu estado interessante, e desejando possuir um filho, lembrou-se de chocar no seio um ovo, e o sexo do pinto prognos- ticar-lhe-ia o da creança que trazia no ventre. Terminada a operação com bom exito, e do ovo tendo nascido um gallo, Livia teve por certo que veria realisados os seus votos, que na verdade o foram, dando á luz Tiberio, ave bem ruim, por signal.» (Figuier). Seria impossivel, nos limites d'esta obra, fazer uma resenha de todas as raças e variedades de gallos que existem, umas notaveis pela maior producção de carne e grande fecundidade, outras que se re- MARAVILHAS DA CREAÇÃO commendam pela belleza ou pelas suas fórmas caprichosas. Apenas mencionaremos as tres raças re- presentadas pelas nossas gravuras. Raça crêvecoeur.— Uma das mais espalha- das na parte occidental da Feanca, de ori- gem normanda ou picarda. E volumosa, corpo curto e largo, costas quasi horison- taes, peito bem desenvolvido, cabeca gros- sa, quatro dedos nos pés. O gallo tem a crista da fórma de dois cornos, paralellos umas vezes, outras reunidos na base, pontudos, mas diver- gentes. D'estes alguns são pela parte de dentro dentados. Tem poupa espessa, caindo-lhe em volta da cabeca, algumas pennas do centro erguidas, e barbilhões com 02,07 a 07,10 de comprimento, separados por um feixe de pennas. A plumagem é negra, com reflexos bronzeados, azulados e esverdeados n'al- guns sitios: a poupa tem algumas pennas brancas, e n'alguns a colleira e a parte inferior das costas é côr de palha. O gallo adulto pesa de 3 kilogrammas e meio a 4, e a gallinha 3, havendo-as que aos dois annos pesam 4 kilogram- mas. A gallinha tem poupa, os barbilhões muito pequenos, e é negra á excepção da poupa, que com os annos vae-se tor- nando branca. Ha variedades nos dois sexos cinzentas e brancas, mas são raras. «Esta magnifica raça, diz Jacque, pro- duz as aves mais excellentes que appa- recem nos mercados francezes. Os ossos são ainda mais delgados que os da raça Houdan, e a carne mais fina e mais bran- ca toma gordura com facilidade. Os pin- tos são sobremaneira precoces, podendo ser engordados aos dois mezes e meio ou trez mezes, e comidos quinze dias de- pois. Aos cinco mezes uma gallinha d'esta raça pode-se dizer feita.» A crêvecoeur é a primeira raça fran- ceza pela delicadeza da carne, boa dispo- sição para a engorda e precocidade, e creio que sob estes pontos de vista a primeira do mundo...» Raça de Dorking — Uma das mais bellas e mais estimadas d'Inglaterra. O gallo é um soberbo animal, de cabeca volumosa, com crista alta e larga, excedendo a ca- beça para a parte detraz, regularmente dentada, barbilhões largos e caidos, tar- sos curtos, vigorosos e carnudos; tem cinco dedos. AVES —O GALLO 189 A plumagem apresenta numerosas va- riedades, mas d'ordinario é como segue: Camalha e pennas lateraes do dorso côr de palha com pequenas malhas negras, as espadoas loiras vivas, as coberturas das azas negras com reflexos azues purpuri- nos muito brilhantes, remiges primarias brancas ; flancos, coxas e abdomen ne- gros; as grandes rectrizes negras. O peso d'um macho adulto varia de 3 */,a 4/2 ki- logrammas. «Em Inglaterra é tida esta raca como a primeira, alcançando precos excessivos as gallinhas que apparecem nos mercados d'onde se fornecem as primeiras casas... À raca dorking é naturalmente precoce, dá carne branca, succolenta, e de sabor de- licado, conservando bem a gordura de- pois de cozida» (Jacque). Raça da Cochinchina. — Caracterisa-se esta raca, representada pelo gallo na nossa gravura n.º 364, pelo corpo refeito, curto, anguloso, extraordinariamente vo- lumoso e pesado, com as espadoas bem Gr. n.º 364 — Gallo da Cochinchina pronunciadas; azas curtas, dorso direito e horisontal, pernas vigorosas, curtas e pennugentas, cauda curta. Tem as faces nuas até ao canal audi- tivo, crista de 07,60 de altura, lisa, curta e direita, com seis ou sete dentes, muito grossa na base, cobrindo-lhe o craneo quasi d'um ao outro lado ; barbilhões re- gulares e arredondados, bico forte e di- reito, dedos vigorosos, o do centro mais longo e o de fóra muito curto. À plumagem é loira clara e côr de café com leite, com reflexos doirados na ca- 18 malha, nas espadoas e nas pennas do uro- pigio. Pesa de 4 a 5 kilogrammas. A gallinha é ainda mais refeita e cheia de que o gallo, a cauda é quasi nulla, e as pernas muito curtas. Tem crista mediocre, barbilhões muito pequenos, e as faces nuas. A côr da plumagem é loira clara. Uma gallinha feita pesa 3 kilogrammas, e ha-as que ao segundo anno attingem o peso de 3 '/, até 4 kilogrammas, Ha variedades brancas e negras. A gallinha da Cochinchina é principal- mente noltavel pelas qualidades que a voL. um 190 MARAVILHAS DA CREAÇÃO tornam mais que nenhuma outra apta | rectrizes côr de azeitona raiadas de negro para a incubação ; é docil, muito fami- liar e bastante fecunda. O gallo não tem o arrojo, o valor e o genio arrebatado dos outros gallos, e a sua adolescencia é prolongada. Nos gallos das outras racas antes dos tres mezes já se revelam os symptomas do seu temperamento ardente; nos da Cochinchina só aos dez mezes ou depois, sendo difficil até esta edade distinguir os machos das femeas, e os primeiros nunca egualam o ardor do nosso gallo commum. Outra familia dos gallinaceos, de que vamos occupar-nos, notavel pela belleza d'algumas especies, realmente esplendi- das, são os faisdes, aves todas origina- rias da Asia. A introducção do faisão commum na Europa deve-se aos gregos, por occasião da expedição dos Argonau- tas, 1330 annos antes de Jesus Christo ; veiu das margens do rio Phase, na Col- chida, ao sul do Caucaso, e do rio lhe proveiu o nome. São os faisões principalmente notaveis pela grande extensão da cauda, cujas pennas do centro attingem n'algumas especies 1” 50 de comprimento; são aves elegantes, tendo nas faces e em volta dos olhos a pelle nua e verrugosa, esporões os machos, e só estes usam plumagem mais garrida, pois que a das femeas é modesta. A familia divide-se em diversos gene- Tos, ricos em especies, mas na impossi- bilidade de falarmos de todas, faremos a descripção de tres, podendo, o que em seguida dissermos dos habitos do faisão commum, attribuir-se a todas, por que no modo de vida, regimen e reproduc- ção são tão similhantes, que a historia d'aquella especie póde ser tomada na ge- neralidade. O FAISÃO ORDINARIO Phasianus colchicus, de Linneo — Le faisan commun, dos francezes O macho tem a cabeça e o alto do pes- coço verdes com reflexos azues metallicos; a parte inferior do pescoço, o peito, o ventre e os flancos castanhos com refle- xos purpurinos e bordados de negro lu- zidio; as pennas compridas do uropigio acobreadas com reflexos vermelhos; as remiges raiadas de triguciro e loiro, as e bordadas de côr de castanha; em vol- ta dos olhos um circulo mais vermelho ; bico amarello trigueiro e tarsos averme- lhados. Mede de 07,82 a 0”",88 de com- primento, dos quaes 0,44 pertencem á cauda. A femea é mais pequena e parda, ma- lhada de negro e de ruivo escuro. E originario das margens do mar Cas- pio e da Asia occidental, encontrando-se hoje na Europa em viveiros ou nos par- ques. Os faisões habitam as planicies arvo- rejadas, nas vizinhanças da agua, e mais timidos que nenhum dos outros gallina- ceos convém-lhes os sitios onde o mato seja mais espesso, e melhores escondrijos lhes forneça. Caminham facilmente mas voam mal, e o macho, embora tenha o andar altivo e magestoso, com pretenções a que lhe admirem a belleza, não é toda- via, neste ponto, para comparar-se ao gallo domestico. A sua intelligencia é nulla; tudo o as- susta, e na presença do menor perigo fica immovel, agacha-se, esconde a cabeca, ou corre como louco d'um para outro lado, sem tomar um expediente para escapar- se. A estupidez d'estas aves é causa mui- tas vezes da sua perda : caem em quantos laços lhes armam ; para o faisão não ha caçador inexperiente. O faisão não é sociavel, e reune-se á femea só na epoca das nupcias, não lhe dando os filhos nenhum cuidado. Se dois machos se encontram, batem-se pela posse das femeas, e renhidas são as lutas, fi- cando por vezes no campo um dos con- tendores. Alimentam-se estes gallinaceos de se- mentes, bagas, vermes, insectos e cara- coes. As femeas põem os ovos, de oito a doze, n'uma pequena escavação no solo, tapi- zada d'alguns ramos. Os ovos são mais pequenos e redondos que os das gallinhas, verdes amarellados por egual; a incuba- ção dura vinte e cinco ou vinte e seis dias. Os pequenos ao fim de doze dias podem esvoaçar, e um pouco mais cres- cidos já vão á noite empoleirar-se nas arvores em companhia da mãe. Em geral os ovos dos faisões de viveiro, como as femeas são más chocadeiras, dão-se a chocar ás gallinhas ou ás pe- ruas, e os pequenos, muito delicados e atreilos a varias doenças, carecem de AVES— O FAISÃO 191 CESSA on oo SR numerosos cuidados. A carne do faisão é muito saborosa e tida em grande es- tima. , O FAISÃO PRATEADO Phasianus nycthemerus, de Linneo. —Le faisan argenté, dos francezes Tem a poupa negra luzidia, a nuca, a parte superior do pescoço e as costas brancas, e estas cortadas de riscas estrei- tas negras, em zig-zague; o ventre e o peito negros com reflexos azues; remi- ges brancas orladas de negro, com riscas largas transversaes e' parallelas ; rectrizes egualmente brancas raiadas de negro; faces nuas, escarlates, bico branco azu- lado, pés vermelhos. Mede 07,98 de comprimento. A femea é mais pequena, ruiva por cima e raiada de pardo e cinzento por baixo, com malhas ruivas e riscas negras. Esta especie é originaria da China e do Japão, mas começa a naturalisar-se euro- péa, dando-se perfeitamente entre nós em viveiros ou capoeiras. A femea põe de dez a dezoito ovos, amarellos ruivos por egual, com salpicos trigueiros sobre fundo branco amarella- do. A incubação dura vinte e cinco dias, e os pequenos desenvolvem-se rapidamen- Gr. n.º 360 — O faisão prateado te. Comem insectos, folhas verdes, grãos, e gostam muito de couves, plantas pro- prias para salada e fructos. O FAISÃO DOIRADO Phasianus pictus, de Linneo. — Le faisan doré, dos francezes O faisão doirado é uma das mais Jin- das aves conhecidas, e quem o vê pela primeira vez não pode deixar de admi- rar o esplendor de tão bella plumagem. Tem a cabeca coberta com uma poupa amarella doirada, caindo-lhe sobre a col. leira de pennas côr de laranja bordadas de negro assetinado, formando series de riscas negras parallelas ; a pennugem das costas, em parte coberta pela colleira, é verde doirada bordada de negro ; a parte inferior das costas e as coberturas supe- riores das azas são amarellas claras; as faces e os lados do pescoco brancos ama- rellados, a garganta cór d'acafrão, as re- miges trigueiras avermelhadas bordadas de ruivo acastanhado ; as pennas da cauda ondeadas de negro sobre fundo trigueiro. Mede 07,88 de comprimento, 0",60 dos quaes pertencem á cauda. A femea é mais pequena e as córes da plumagem são menos vistosas ;/é d'um vermelho ruivo sujo, passando a ama- rello arruivado no ventre. 192 MARAVILHAS DA CREAÇÃO Esta especie é, como a antecedente, na- tural da Asia Central, e commum na China. O faisão doirado vive bem na Europa, e aqui se multiplica, carecendo os peque- nos nos primeiros tempos de muitos cui- dados. A femea põe oito a doze ovos, ruivos claros ou loiros, e como seja dif- ficil ella chocal-os, vivendo em viveiro, omde a vejam, dão-se em geral os ovos a chocar ás gallinhas, e os pequenos, que ao principio difficilmente se deixam guiar pela mãe adoptiva, em breve habituam-se a ella. Quando teem um mez estão bas- tante desenvolvidos. Convém ao faisão doirado alimento ve- getal e animal, composto de plantas ver- des, couve, saladas, grãos, fructos e in- sectos, podendo substituir estes por leite coalhado, queijo, carne crua picada, mis- turando-a com pão. Gr. n.º 366 — 0 faisão doirado 0 ARGOS Phasianus cargas, de Linneo — L'argus, dos francezes O argos, especie unica do genero Argus, deve o nome ás numerosas manchas em fórma d'olhos que lhe ornam as pennas, recordardo o Argos da Fabula, que tinha cem olhos, e a quem Juno dera o encargo de espreitar Io, amante de Jupiter. E' uma soberba ave, mais notavel pelo opulento desenho da sua plumagem do que pele brilho do colorido. Differe do faisão por ter os tarsos mais longos e sem esporões, e pelo desenvol- vimento singular das remiges secundarias. A cauda é larga, arredondada, com as duas pennas do centro muito mais longas que as lateraes. A plumagem é malhada de negro sobre fundo pardo ou cinzento amarellado, e quando a ave abre as azas apresenta dois leques esplendidos, onde se vêem sobre fundo bronzeado grande numero de man- chas em forma de olhos, assetinadas, com um circulo escuro e orladas de branco. AVES — O ARGOS 193 DS O argos encontra-se nas florestas de Java e Sumatra. E' bravio, difficil de conservar-se ca- ptivo, e parece que até hoje não tem vindo exemplar vivo á Europa; os seus habitos no estado livre são tambem pouco conhecidos. és NA VERA A ES PNR ARNO A + 0 PAVÃO Pavo cristatus, de Linneo — Le paon vulgaire, dos francezes Dos gallinaceos, as mais bellas e talvez as mais aprimoradas aves, são por certo os Gr. n.º 367 — O argos pavões, de que existem duas especies, am- bas comprehendidas no genero Pavo. Os pavões são originarios do sul da Asia, e a especie citada, que a nossa gravura representa, faz hoje parte das nossas aves domesticas. São bem conhecidas as bellas pennas da cauda do pavão, largas e compridas, podendo erguel-as em forma de leque, á maneira dos perús; é um dos seus at- tributos mais caracteristicos. A cabeça é ornada de poupa direita formada de pennas compridas, estreitas, com barbas apenas na extremidade. Tem a cabeça, o pescoço e o peito azues purpurinos, com reflexos verdes e doira- 194 dos; poupa verde doirada; as costas verdes com a plumagem bordada de riscos aco- breados que a contornam; as azas bran- cas riscadas transversalmente de negro; o centro das costas azul escure, o ventre negro ; remiges trigueiras claras; as pen- nas da cauda verdes com malhas em forma d'olhos, formadas de anneis pardos, vio- laceos, doirados e cór de cobre, no cen- tro azues pretos avelludados e côr de es- meralda. MARAVILHAS DA CREAÇÃO A pavóa é parda com reflexos verdes no pescoço, e não tem as pennas compridas na cauda. Não é conhecida exactamente a epoca de que data a domesticidade do pavão, sa- bendo-se que fôra introduzido na Grecia por Alexandre o Grande, no seu regresso das Indias. Ensina-nos a historia que tão maravilhado ficou o grande general ao ver esta esplendida ave, que prohibiu sob as penas mais severas que uma só fosse mor- Gr. n.º 368 — O pavão ta. Por muito tempo foi rara na Grecia, e o povo corria das povoações proximas de Athenas para ver tão linda ave, que Elien affirma valer n'aquelle tempo mil drachmas, aproximadamente 3208000 réis da nossa moeda. Da Grecia passou para Roma, e aqui o pavão tornou-se mais do que um objecto digno de ser contemplado ; sacrificaram- | no ao decidido gosto que os romanos ti- nham pelos gozos da mesa, e os impera- dores, nomeadamente Vitellius e Helio- gabalo, offereciam aos seus convivas enormes pratos com linguas e miolos de pavão, condimentados com as mais custosas especiarias da India. A pouco e pouco foi-se generalisando esta ave na Europa, e tempo houve em que foi bastante estimada a sua carne, apparecendo nas mesas mais opulentas, e então o pavão era servido com a cauda, que o cozinheiro lhe deixava intacta para AVES — O PAVÃO 195 mais lindo ornamento da mesa. O faisão e mais tarde o perú foram causa de que baixasse o valor gastronomico do pavão, e hoje cria-se apenas como recreio para a vista. O pavão é originario da Índia e de Cey- lão, onde se encontra habitando as flo- restas, principalmente nas montanhas, e muitos viajantes affirmam que é prodi- gioso o numero d'estas aves, aos gru- pos de centenas d'individuos, havendo si- tios onde de noite não é possivel dormir, tal é o estrondo que produzem os seus gritos estridulos, realmente em desac- cordo com a belleza e opulencia da plu- magem. Na vizinhança de muitos templos hin- dous vivem grandes bandos de pavões se- mi-domesticos, e os padres teem por de- ver cuidal-os. O pavão corre com grande rapidez, e só no ultimo extremo levanta o vôo, posto que possa transpôr por este modo distancias consideraveis. Durante o dia conserva-se no solo, frequentando os cam- pos vizinhos das florestas e as clareiras, em busca de alimento, e á noite empo- leira-se no cimo das arvores mais altas para dormir. A tendencia que nos pavões selvagens se manifesta para se empoleirarem nos sitios altos, herdaram-n'a os pavões do- mesticos, que na falta das grandes arvo- res da floresta as substituem pelos te- lhados das casas. Gallinaceo no regimen, o pavão ali- menta-se de substancias vegetaes e ani- maes, de tudo quanto comem as gal- linhas. Nos campos amanhados causa grandes estragos, e parece que nestes animaes existe o instincto da destrui- cão, porquanto nem sempre teem por desculpa a necessidade de procurarem alimento, fazendo estragos em sitios que nada lhes pódem fornecer. O pavão é polygamo; chegada a epo- ca das nupcias busca conquistar as boas graças das femeas, e vaidoso em estremo, ostenta todas as galas da sua bella plu- magem. O pavão domestico não busca só con- quistar a admiração das suas compa- nheiras; agradam-lhe os gabos do ho- mem, e na presenca d'elle gosta de fazer alardo da sua gentileza. A pavóa faz o ninho no solo, entre arbustos silvestres, formando-o de ramos e folhas seccas, e põe, segundo alguns autores, de doze a quinze ovos. As do- mesticas são menos fecundas. A incuba- ção dura vinte e sete a trinta dias, e os pequenos acompanham as mães logo de- pois de nascidos, e são adultos aos seis mezes. Aos tres annos atlingem o seu completo desenvolvimento. Na India e na China vive um genero d'aves que, á maneira dos pavões, tem a plumagem ornada de malhas em fórma d'olhos de côres lindas, que lhe cobrem a cauda, o dorso e as coberturas das azas. Teem, porém, a cauda mais curta que o pavão, e não possuem a faculdade de a abrir em leque, sendo o seu caracte- rístico principal, e a que devem o nome que os francezes lhes dão, eperonnier, ao numero d'esporões nos tarsos, de tres a seis. Pertencem ao genero Polyplectron, de que se conhece mais d'uma especie, todas naturaes da China, da India e das ilhas de Borneo e Sumatra. No estado livre são pouco conhecidas estas aves, mas habituam-se facilmente a viver captivas. Encontram-se frequen- temente em viveiros nos paizes d'onde são naturaes. A PINTADA OU GALLINHA DA INDIA Numida meleagris, de Linneo — La pintade commune, dos francezes Esta especie, do genero Numida, é a estirpe d'uma ave domestica hoje bas- tante commum, a que entre nós se dá vulgarmente o nome de gallinha da India, posto que todas as aves d'este genero se- jam originarias da Africa, e a especie ci- tada muito commum na Guiné e nas ilhas de Cabo Verde. Parece, todavia, que os portuguezes a trouxeram da India, para onde foi trans- portada da Africa, ahi multiplicando-se e voltando ao estado selvagem, razão do nome de gallinha da India que hoje se conserva ás aves domesticas que d'ella descendem. E” certo que estas aves foram conheci- das dos gregos e dos romanos em tem- pos remotos, encontrando-se a verdade d'esta asseveração nos primeiros haverêm feito d'ellas o emblema do amor frater- nal. O caso passou-se assim : As irmãs de Meleagro tal dôr soffreram 196 MARAVILHAS DA CREAÇÃO pela morte do irmão, que Diana as trans- formou em gallinhas da India para d'esta sorte pôr termo aos seus males, e como testemunho das muitas lagrimas que ver- teram, veja-se a sua plumagem salpicada de branco, vestigios d'ellas Depois da queda do imperio romano parece que estas aves tornaram-se raras ou desappareceram da Europa, para mais tarde reapparecerem. Transportadas para a America tão bem se acclimaram que hoje são alli communs no estado livre. As aves deste genero teem por caracte- risticos um tuberculo calloso no alto da cabeça, mais ou menos desenvolvido, dois barbilhões na mandibula inferior, cabeça pequena, bico e pescoço curtos, tarsos . mediocres sem esporões, corpo massiço com o dorso arqueado, azas curtas. A plumagem é cinzenta azulada salpi- cada de pequenas malhas brancas, a crista azul avermelhada, bico vermelho amarel- lado, pés côr d'ardosia suja. A gallinha da India frequenta no es- tado livre as florestas, as charnecas, os sitios agrestes e solitarios, cobertos de vegetação ; sobremaneira timidas fogem não só na presença do homem como de qualquer animal um pouco maior. E' raro encontral-as aos casaes, mas vêem-se fre- quentemente reunidas em familias de quinze a vinte individuos, ou então, a maior parte das vezes, em bandos forma- dos de seis a oito familias. Reina nos Gr. n.º 369 — A pintada, ou gallinha da India bandos a melhor harmonia, resultado do instincto sociavel d'estas aves tão forte- | mente desenvolvido. Correm rapidamente, mas voam só na ultima extremidade, buscando furtar-se ao perigo occultas entre o matto, ou nas fendas das rochas; mudando de tatica, porém, se o inimigo fór o cão ou qual- quer outro carnivoro, porque n'este caso buscam abrigo empoleirando-se nas arvo- res. E d'este modo passam a noite, para dormirem, ou então pousadas nas ares- tas dos rochedos. A gallinha da India alimenta-se de in- sectos, bagas, folhas, gomos e sementes de toda a casta, o que as leva a praticar grandes estragos nas terras amanhadas, que avizinhAam as florestas onde habi- tam. A femea põe os ovos, d'ordinario doze, entre um espesso massiço de verdura, sobre uma camada de folhas, e os peque- nos pouco depois de nascidos acompa- nham os paes nas suas excursões, e á noite empoleiram-se a seu lado nas ar- vores. A gallinha da India domestica fornece boa carne, pouco estimada porém, e é bas- tante fecunda os ovos sendo excellentes. Não é boa chocadeira, e por isso os ovos confiam-se usualmente ás gallinhas ou ás peruas, durando a incubação vinte e cinco dias. São bravias e richosas, accommetendo as gallinhas e mesmo os perús, e o seu caracter turbulento reunido á voz. estri- dula tornam-n'as menos agradaveis, e pouco frequentes nas capoeiras. AVES— O PERU 0 PERÚ Meleagris gallopavo, de Linneo—Le dindon vulgaire, des francezes Os perús constituem um genero que se distingue dos que temos passado em revista por caracteres bem distinctos. Teem o pescoço nú e coberto de promi- nencias verrugosas, pende-lhe da cabeca sobre o bico um appendice carnudo, vul- garmente conhecido por monco, suscepti- vel de erecção, e sob a mandibula infe- | 19% rior teem barbilhões membranosos. N'es- tas partes a pelle muda instantaneamente de branco para azul ou para vermelho, consoante as affecções do animal. O ma- cho tem a mais na base do pescoço uma especie de pincel de pellos longos e as- peros, similhantes a crinas, e á maneira do pavão abre a cauda em leque. O perú selvagem, nalivo da America, habita o norte e leste d'esta parte do mundo, desde o Canadá até ao isthmo de Panamá. Trazido para a Europa, depois Gr. n.º 370 — 0 perú selvagem da descoberta do Novo Mundo, aceli- mou-se muito bem, multiplicando-se tão consideravelmente, que veiu a ser um dos melhores gallinaceos domesticos. E' bem conhecida esta ave no estado domestico ; mas ignorada por muitos a historia do perú selvagem, vamos fazel-a em poucas palavras. O perú selvagem tem a plumagem tri- gneira raiada de negro, com reflexos metallicos azues e verdes. Mede de 17,10 a 1º,30, variando no peso, que o natu- ralista americano Audubon avalia, termo 19 medio, em 9 kilogrammas, accrescentan- do ter visto uma d'estas aves no mercado de Louisville que pesava 18 kilogram- mas. As femeas são mais pequenas e teem a plumagem menos brilhante. O perú encontra-se frequente nas flo- restas que bordam as margens dos gran- des rios da America Septentrional, emi- grando irregularmente d'uns para outros pontos do paiz em bandos de dez a cem individuos, á descoberta de sitios onde o alimento seja abundante. Posto que o perú erguendo o vôo possa VOL. MI 198 MARAVILHAS DA CREAÇÃO percorrer grandes distancias, não é to- davia este o meio de locomoção de que usa, e só na ultima extremidade o pra- tica. Correndo com consideravel veloci- dade, a ponto de ganhar dianteira ao cão melhor corredor, é d'este modo que exe- cuta às suas extensas viagens d'uma para outra parte do paiz. Reunem-se em bandos, como dissemos, e devemos accrescentar que os machos e as femeas estabelecem grupos separados, caminhando estas acompanhadas dos pe- quenos, ou de sociedade com outras que comsigo levam a progenie, formando d'esta sorte familias de sessenta a oitenta individuos. Digamos que as femeas sepa- rando-se dos machos com os filhos teem por fim subtrahir estes aos tratos brutaes dos perús velhos, que matam ás bicadas os pequenos sempre que os topam na sua frente. Assim marcham os bandos, uns após outros, caminhando rapidamente, toda a vez que não encontrem no caminho algum rio ou ribeira, porque então o caso muda de figura e carece de reflexão. «Se topam uma ribeira, sobem aos pontos mais altos que a dominam, e alli se demoram um dia, e ás vezes dois, como que para deliberarem. Durante este tempo ouve-se gritar os machos, chamando-se uns aos outros, fazendo grande algazar- ra, e pela sua continua agitação, abrindo a cauda, parece que buscam dar alento a si proprios para emprehenderem tão ar- rojada aventura. Até mesmo as femeas e os pequenos os imitam n'estas demons- trações emphaticas, andando umas em volta das outras, soltando uns certos mur- murios surdos e dando saltos extrava- gantes. Finalmente, quando a atmosphera está calma, e tudo em volta jaz em pro- fundo socego, o bando inteiro vôa para os ramos mais altos das arvores, e d'alli, a um signal dado pelo chefe de fila, e consistindo o signal d'ordinario n'um sim- ples cluk cluk, soltam o vôo para a mar- gem opposta. Os adultos e os que não teem enfermidade que os tolha, alcan- cam-n'a, mesmo que seja a distancia duma milha ; os novos, porém, e os me- nos robustos caem n'agua, sem comtudo se afogarem como era de suppôr. Encolhendo as azas e estendendo a cau- da, alongam o pescoço, e com os pés na- dam vigorosamente em direcção da terra. Se abeirando-se da margem a encontram tão escarpada que lhes não seja possivel tomar pé, deixam-se ir a favor da corrente até sitio abordavel, e ahi, com maior ou menor difficuldade, conseguem saltar em Terras =. Nos primeiros momentos que seguem ao atravessarem d'uma para outra mar- gem d'algama vasta ribeira, é singular a forma porque correm desordenadamente d'um para outro lado, por algum tempo, dando ensejo favoravel aos caçadores para os matar. Chegados a qualquer ponto do paiz onde abunde o pasto, dividem-se em pequenos grupos, formados de individuos de todas as edades, sem distincção, que devoram tudo quanto encontram. Dá-se isto no meiado de novembro, e então estas aves tornam-se por vezes tão mansas, depois d'estas longas viagens, que não é raro vêl-as aproximar-se das herdades e reu- nir-se às aves domesticas, introduzindo-se nos estabulos e nos celleiros em busca d'alimento. K assim que, caminhando atravez das florestas e vivendo do que estas lhes for- necem, os perús vivem durante o outono e uma parte do inverno. No meiado de fevereiro acasalam-se, e à voz da femea correm os machos que a ouvem, abrindo a cauda, e deitando a cabeça para traz sobre o dorso, pavo- neam-se em volta d'ellas soltando os re- petidos puffs puffs que todos conhecemos por ouvilos ao perú domestico. Ter- riveis rixas se levantam sempre que al- gum topa com outro rival, rixas de que resulta por vezes a morte do mais fraco, que succumbe aos vigorosos golpes que o adversario lhe dá na cabeca. Tão depressa começa a postura, as perúas formam um ninho no solo, cavado no terreno, e coberto de folhas seccas, onde pôem d'ordinario dez a quinze ovos, raras vezes vinte. E' em extremo caute- losa a perúa para não descobrir o sitio onde tem o ninho, não indo duas ve- zes seguidas pelo mesmo caminho quan- do para lá se dirige ou quando sae para vir comer, e n'este ultimo caso tem sempre o cuidado de cobrir os ovos com folhas seccas, para que olhos indis- cretos os não vejam. Os perús alimentam-se de hervas, ce- reaes, fructas e bagas de toda a casta, e teem o trigo e o milho por acepipe tanto do seu gosto, que não teem duvida em entrar nos campos amanhados e ahi pra- AVES — OS MEGAPODIOS . 199 ticarem grandes estragos. Em dada occa- sião certos insectos, as rãs e os lagartos, não escapam ao seu grande appetite, e ha perús, entre os domesticos, que matam e comem ratos. Os perús selvagens domesticam-se com grande facilidade sendo apanhados novos, tornando-se familiares. Audubon conta dum perú selvagem que elle creou de pequeno, que tão dado era que vinha á voz de quem o chamava; mas conservando do seu primeiro estado o amor pela liberdade, não queria em- poleirar-se d'envolta com os perús domes- ticos, dormindo sobre o telhado da casa, onde ficava todas as noites até ao alvo- recer, para ir em seguida vaguear pela floresta regressando todas as tardes. Um dia, porém, não voltou, e outros se passaram sem que o perú regressas- se; até que Audubon andando á caca, viu um bello e nedio perú que caminhava tranquillamente pela margem d'um rio, e como era a melhor época de caçar estas aves, soltou-lhe o cão que o acom- panhava. Grande foi, porém, o seu es- panto ao ver que o perú não fugia do cão, e que este, no momento de arremelter com a ave, estacou, voltando a cabeça para O dono. Finalmente o perú era o seu, que, conhecendo o cão, entendeu não dever fugir, o que de certo faria se avistasse um cão estranho. A carne do perú selvagem, no dizer de viajantes e naturalistas, é superior á do perú domestico, sendo o animal morto no inverno ou na primavera antes da época das nupcias. Vamos apresentar ao leitor uma fami- lia dos gallinaceos, composta de gene- ros cujo numero varia segundo a opinião dos diversos naturalistas, porquanto, exis- tindo pequena uniformidade nos seus ca- racteres zoologicos, reune-os principal- mente a similhança dos seus habitos singulares no que respeita á forma da in- cubacão, como adiante veremos. Todos os generos que compõem esta familia, á qual na falta de nome vulgar, chamaremos Megapodios, do seu nome scientifico Megapodidae, são indigenas da Australia, paiz rico dos mais extraor- dinarios phenomenos, e que diz Chenu parecer uma amostra d'eras bem remotas, calculadamente conservada para nos dar idéa do que fóra out'rora o nosso planeta. Os megapodios habitam as florestas e os logares pantanosos, vivendo geralmente em pequenos bandos; se os espantam correm com a maior rapidez no malto mais espesso, voando apenas em ultimo extremo, quando perseguidos pelos cães. Acerca da parte mais interessante dos seus habitos, a construcção do ninho e forma de incubação, transcrevemos o que escreve Francois Ponchet no seu livro O Universo «O ninho do megapodius tumulus, de Gray, é realmente uma obra herculea, da qual se poria em duvida a existencia, se não nos fôra comprovada pelo testemu- nho de pessoas de credito que a teem observado. Assenta no solo a immensa construccção feita pelo megapodio, a qual a principio consiste n'uma espessa camada de folhas, ramos e hervas, que em seguida cerca de terra e de pedras, que primeiro amontoou proximo, de modo que no todo tem a forma d'enorme tumulo crateriforme, concavo no centro, ficando a descoberto os maleriaes primeiro reunidos. Um ninho, de que o distincto ornitho- logista Gould nos deu as Cimensões exa- ctas, tinha 14 pés d'altura, apresentando a circumferencia dé 150 pés. Em rela- cão ao tamanho do animal, uma tal mon- tanha attinge proporções realmente pro- digiosas, e pergunta-se como pode o megapodio, tendo por enxada o bico e os pés por unico meio de transporte, ac- cumular tão grande numero de materiaes. O celebre tumulo d'Achilles e o de Pa- trocle por certo que ficam áquem d'es- te, e construidos com menor esforco. Esta obra gigantesca é o resultado do trabalho de certo numero de casaes, e a tal nos leva a crer não só as suas dimensões, como tambem a quantidade d'ovos que se encontram entre as hervas e as folhas accumuladas. Contam-se por vezes até cem e mais, em cada ninho, e sendo bastante volumosos e de bom pa- ladar, a descoberta d'estas edificações é sempre uma boa fortuna para os austra- lianos. Enterrados porém a mais d'um me- tro, não é facil obtel-os, porque para isso se carece de trabalho demorado. Terminada a postura, os megapodios abandonam esta verdadeira obra prima e a sua progenie, alli encerrada, que pelo instincto lhe revelou a providencia que os seus cuidados seriam d'ora ávante inuteis. 200 Dotado de maravilhoso instincto que o torna um verdadeiro chimico, o animal amontoa grande quantidade de vegetaes, para com a sua fermentação substituir a incubação. E é effectivamente o calor pro- duzido pela fermentação dos vegetaes que ha de fazer as vezes da incubação, e d'este modo a mãe subslilue-se realmente por um processo scientifico. Reaumur propunha sujeitar os ovos das gallinhas ao calor produzido pelo estrume; mas é certo que aos pintos que nasciam matavam-n'os os vapores mephiticos que delle se exhalavam, emquanto que o me- gapodio, mais judicioso que o celebre academico, só emprega a fermentação de hervas e folhas, que não tem taes incon- venientes. MARAVILHAS DA CREAÇÃO E' tudo extraordinario na historia d'esta ave. Longe de nascer nú ou mal coberto de pennugem, saindo do ovo insufficiente para prover à alimentação, o pequeno me- gapodio tão depressa quebra a casca, ap- parece revestido de pennas que lhe per- mittem voar. Saindo do ovo afasta as folhas que o envolvem não o deixando respirar, põe-se em contacto com o ar e a luz, trepa ao alto do edificio, expõe ao sol as azas ainda humidas, e ensaia o vôo. Confiando em breve nas proprias for- cas, e na sua sorte, tendo primeiramente lançado olhares inquietos e curiosos pelo campo que se estende ao redor, a de- bil ave solta o seu primeiro vôo aban- donando para sempre o berço, sabendo Gr. n.º 374 — O megapodio desde que nasce prover ás suas necessi- dades. Estas aves vivem captivas, não perdendo o instincto de accumular todos os vegetaes que encontram para com elles construir o ninho como o fariam no estado livre. Em seguida descrevemos a especie, uma das da familia dos megapodios, que vae representada na nossa gravura n.º 3714, e a que se refere principalmente a des- cripção do ninho que fizemos. O MEGAPODIO DA AUSTRALIA Megapodius tumulus, de Gould — Le mégapode d' Australie, dos francezes Megapodio, nome derivado de duas pa- lavras gregas, quer dizer pés longos, e as aves d'este genero, um dos mais notaveis da familia de que acima falámos, teem realmente os pés grandes, com unhas longas, rijas e quasi direitas; tarsos altos e robustos; grande parte da cabeca, a garganta e a parte anterior do pescoço nuas, pelo menos na maior parte. A pennugem da cabeça é trigueira avermelhada escura, a das azas e do dorso côr de canella, a das coberturas superiores e inferiores da cauda triguei- ra acastanhada escura; remiges e re- ctrizes trigueiras annegradas; a pennu- gem da parte posterior do pescoço e de toda a parte inferior do corpo parda; bico trigueiro avermelhado escuro, pés côr de laranja viva. Tem o tamanho d'uma gallinha. AVES — OS MUTUNS 201 Encontra-se na Australia e nas ilhas Filippinas. Na America Meridional vive um grupo d'aves, pelos naturalistas comprehendido na ordem dos gallinaceos, posto que en- tre ellas e estes existam importantes dif- ferenças. Os cracidios, que assim deno- minaremos as aves d'este grupo, do seu nome scientifico Cracidae, não teem es- porões nos tarsos, o dedo posterior está situado ao nivel dos anteriores, não são polygamos, e construem o ninho nas ar- vores, caracteres e habitos que os sepa- ram dos verdadeiros gallinaceos. Dos ge- neros comprehendidos n'este grupo ou familia falaremos dos principaes, des- crevendo algumas especies. O MUTUM * Crax alector, de Linneo —'Le hocco alector, dos francezes Os multuns, genero Crax, teem nas fór- mas e no tamanho certa analogia com os perús. Caracterisam-se pelo bico tão longo como a cabeca. comprimido aos lados, recurvo a partir da base, adunco, co- berto d'uma membrana que envolve as duas mandibulas até meio; azas curtas, cauda longa, ampla e arredondada; tar- sos vigorosos e dedos muito compridos. O alto e parte posterior da cabeca co- bre-os uma especie de poupa, formada de pennas delgadas, rijas, inclinadas um tanto para traz e recurvas nafextremi- dade para a frente. Gr. n.º 372 — OQmulum A especie citada, representada na nossa gravura n.º 372, é a especie typo do ge- nero: tem a plumagem negra azulada, luzidia, á excepção da do ventre, e a das extremidades das rectrizes que são brancas; a membrana do bico é ama- rella. Tem o tamanho do perú. Existe outra especie mais pequena, egual na plumagem, tendo a membrana do bico vermelha. As duas especies habitam no centro e sul da America, e ambas são communs no Brazil. Os mutuns vivem nas florestas, e se muitas vezes se encontram no solo, por onde correm com grande rapidez, o seu pouso é d'ordinario nas arvores, onde se véem empoleirados aos casaes na epoca das nupcias, ou em pequenos grupos de tres ou quatro, e mais, fóra d'esse tempo. Teem o vôo baixo, horisontal, e pouco pro- longado. No estado livre os ;mutuns alimentam- se principalmente de fructos, parecendo todavia que lhes convem as sementes, os vermes e os insectos; os domesticos co- mem tudo quanto se dá ás gallinhas. São estas aves monogamas, e construem o ninho nas arvores, a pouca altura do solo, das pontas dos ramos, e ahi, no dizer de muitos escriptores, põe a femea apenas dois ovos. Os pequenos não saem do ninho an- tes de poderem voar, como succede aos gallinaceos que aninham no solo, e os paes fornecem-lhes durante esse tempo vermes e insectos. 1! Nome vulgar brazileiro. 202 MARAVILHAS DA CREAÇÃO Todos os escriptores são unanimes em affirmar que os mutuns se domesticam fa- cilmente, tornando-se familiares e até accessiveis ás caricias do dono. Sonnini viu-os em Cayenna correrem pelas ruas em bandos, e voltarem regu- larmente a casa, conhecendo as pessoas que os cuidavam. Para dormirem, á ma- neira do pavão, pousavam, à falta de arvores, nos Lelhados das casas. «Conta Bates a historia dum mutum que muita amizade tomára ao dono, parecendo um membro da familia. Não faltava ás horas das refeições, e, andando em volta da mesa, a todos pedia de co- mer; de tempos a tempos ia acariciar o dono, rocando-lhe a cabeca pelos hom- bros ou pelo rosto. De noite dormia junto à rêéde d'uma menina a quem sobre to- dos era affeicoado, seguindo-a por toda a parte» (Brehm). A carne dos mutuns é excellente, di- gna do apreço dos gastronomos, reunindo estas aves as condições necessarias para no futuro entrarem no numero. das aves domesticas não só da America como da Europa, continuando-se as tentativas já feitas para a sua acclimação. O JACGU-PEMBA ! Penelope superciliaris, de Tliger.—Le penelope à sowrcits, dos 1, aneczes A especie supra citada faz parte do ge- nero Penelope, do grupo dos cracidios, de que acima falámos, e as aves d'esle genero appellidam-se vulgarmente no Bra- zil Jaciús. Os jacús teem o bico mediocre, pouco alto e quasi direito, coberto de cera na base; em volta dos olhos um espaço nu; a parte posterior da cabeca ornada por uma poupa que lhe cae sobre a nuca; cauda comprida, larga e arredondada ; tarsos curtos. O jacu-pemba mede 0,66 de compri- mento, dos quaes 0”",22 pertencem à cau- da, e tem a fronte, as faces e a garganta nuas. À plumagem do alto da cabeca, da nuca, do pescoço e do peito é negra-ar- dosia raiada de pardo, tendo as pennas uma orla esbranquiçada; a das costas, das coberturas superiores das azas e da cauda verde bronzeada bordada de ruivo e de trigueiro; o ventre e o uropigio ruivos, uma risca esbranquiçada sobre os olhos, 1! Nome vulgar brazileiro, ea parte nua da garganta vermelha ; bico trigueiro. Vivem os jacús nas grandes florestas da America central e meridional, e são communs no Brazil. Encontram-se em bandos, governados por um macho, e Humboldt diz ter visto uma vez á beira do rio Magdalena um bando de sessenta a oitenta individuos, todos empoleirados n'uma arvore secca. D'ordinario, porém, occultam-se nas ar- vores mais frondosas, não lhes escapando o que se passa em volta, e é difficil aproxi- mar-se-lhes. São pouco destros a correr e voam mal. O alimento consiste principalmente em fruclos e bagas; mas havendo-se-lhe en- contrado no estomago restos d'insectos, prova-se que o seu regimen não é tam- sómente vegetal. Nidificam nas arvores, e os ninhos são grosseiramente feitos de ramos, alguns ainda cobertos de folhas, onde a femea de cada postura põe de dois a seis ovos, muito grandes e brancos, ignorando-se se o macho a auxilia na incubação. Nos primeiros dias os pequenos são alimen- tados pela mãe, até que descem para o solo, e ahi a seguem como os pintos se- guem a gallinha. Apanhados no ninho, diz Brehm, aman- sam-se completamente, habituando-se ao seu novo estado. A imitação das galli- nhas, podem deixar-se sair com a certeza de que voltam a casa, e só não gostam de passar a noite encerrados em sitio co- berto, antes nas arvores ou sobre os te- lhados. Habituam-se a viver com as ou- tras aves domesticas, e tornam-se tão da- dos, que se deixam afagar e até mesmo manifestam ser-lhes agradaveis as carícias. A carne dos jacús passa por ser excel- lente. Na America do Sul existe outra familia dos gallinaceos, Tinamidae, vulgarmente conhecida no Brazil por Inhambis, tendo com as nossas codornizes e perdizes tal ou qual similhanca em certos caracteres e n'alguns habitos. Teem os inhambus o bico delgado, longo e recurvo, azas curtas e arredondadas não excedendo o dorso, cauda muito curta e n'algumas especies nulla; tarsos altos com o pollegar mediocre e situado muito acima. Habitam uns nos campos descobertos, AVES — OS INHAMBUS ec vagueiam por entre o matto ou alra- vez as searas á maneira das codornizes; outros só frequentam as florestas. Cor- rem com facilidade e rapidez, mas voam difficilmente, e d'aqui resulta passarem a vida no solo, c só as especies que ha- bitam a floresta se empoleiram á noite nos ramos mais baixos das arvores. Alimentam-se os inhambús de semen- tes, fructos, folhas, e insectos. A maior parte vive aos casaes, que ani- nham no solo, numa pequena escavação tapizada de hervas, onde a femea põe os ovos fazendo duas posturas cada anno. Os inhambús são para os caçadores dos paizes onde vivem, o que para nós são as perdizes e as codornizes, e cacam-n'os a tiro, a laço e com os cães. À carne é ex- cellente e muito estimada. Divide-se a familia em diversos generos, e destes indicaremos seguidamente algu- mas das especies. O INHAMBÚ PERDIZ Tinamus tataupa, de Temminck — Le tinamou tataupa, dos francezes É uma das mais bellas especies dos inhambús, com a cabeca, o pescoco e o peito pardos; o dorso, as azas e as coberturas da cauda trigueiras averme- lhadas; a pennugem do uropigio negra ou trigueira escura, bordada de branco ou de amarelio ; bico côr de coral, pés côr de carne. Mede 0”",26 de compri- mento. Encontra-se no Brazil, sendo princi- palmente commum na Bahia, e é mais frequente nos terrenos cobertos de herva alta do que nas florestas. Corre constan- temente no solo em busca de alimento. A femea põe muitos ovos côr de choco- late clara e do tamanho dos grandes de pomba. A PERDIZ DE MATTO GROSSO Tinamaus rufescens, de Temminck — Le rhynchote roussátre, dos francezes Esta especie tem a garganta esbran- quicada; o alto da cabeca raiado de ne- gro; o dorso, as azas e as coberturas superiores da cauda raiadas de negro tendo as pennas na extremidade uma orla estreita, amarella, com duas faxas negras e largas por cima ; as remiges pri- marias ruivas acastanhadas, as secunda- rias côr de chumbo ondeadas de negro e de pardo; bico trigueiro, pés côr de carne. Mede 0”,44 de comprimento. E” commum no Brazil e na Republica Argentina. A femea põe sete a oito ovos de cada postura, pardos escuros passando a cór de violeta, com a casca luzidia e como que polida. E uma das cacas mais estimadas nas paragens onde vive, e diz Brehm que d'ella se prepara um dos melhores pratos que o viajante póde comer no Brazil ou na Republica Argentina. O INHAMBU MAGUCO Tinamus brasiliensis, de Latham — Le trachypelme du Brésil, dos francezes Tem esta especic as costas trigueiras ruivas raiadas transversalmente de negro, o peito e o ventre pardos amarellos, a garganta esbranquicada, uma faxa loira no pescoço -que se estende da frente para ambos os lados, e n'estes com salpicos negros e brancos; bico trigueiro escuro por baixo e pardo claro nos lados; pés cór de chumbo. Mede 0,751 de comprimento. O inhambú macuco é frequente nas flo- restas da America do Sul, e no dizer de Burmeister caca muito apreciada dos bra- zileiros. A femea faz o ninho no solo, onde põe de nove a dez ovos, grandes, verdes azu- lados, encarregando-se da incubação. AVES ORDEM DAS As pernaltas, tambem denominadas ri- beirinhas, porque na maioria moram á beira d'agua, teem por caracteres com- muns apenas o grande comprimento das pernas, nuas, e que n'algumas especies attingem proporções tão desmedidas, que nos parece vêl-as caminhar sobre andas. A cegonha, uma das mais geralmente co- nhecidas, pode servir-nos para exemplo. Vivendo a maior parte á borda dos rios e dos lagos, ou nos pantanos, esta con- formação especial favorece-lhes o entra- rem n'agua e caminharem no lodo ato- ladiço, onde abunda o alimento que lhes convém. O pescoço é geralmente delgado e longo, em harmonia com o compri- mento das pernas. Teem tres ou quatro dedos, livres ou reunidos por uma mem- brana curta. São as pernaltas, na sua maior parte, aves d'arribacção, e n'alguns pontos do elobo é consideravel o numero das que vivem á beira dos rios e nos pantanos, numero que se é grande nºalguns pontos da Europa, cresce enormemente nas pro- ximidades do Equador. «Nada conheco mais attrahente, mais bello, do que os terrenos alagadiços da Hungria, com as suas aves, e onde ha tanto a notar o numero d'individuos, como a variedade das especies. Observem primei- ramente as aves ribeirinhas e dos pan- tanos n'algum museu, e em seguida fi- gurem-n'as todas reunidas, com os seus matizes, umas brancas de neve, cór de PERNALTAS palha, ou pardas, outras negras, amarel- las doiradas ou côr de purpura, com a cabeça ornada de poupas ou de penna- chos, variando na altura das pernas, e todas correndo, trepando, nadando, mer- gulhando, voando, vivendo emfim. Déem a este quadro por fundo o azul do firma- mento ou a côr verde das campinas, e hão de concordar commigo que tal população alada deve apresentar um espectaculo realmente surprehendente» (Baldamus). «Levado por forte viração do norte, vogava o meu barco por sobre as ondas es- curas do Nilo, percorrendo diariamente 150 kilometros pelo menos, e durante tres dias, nas duas margens do rio e nas ilhotas, pude observar uma fila nunca interrompida de pernaltas, umas em re- pouso, outras correndo, pescando ou ba- nhando-se. Não eram menos de cincoenta as especies que eu alli vi, e de cada uma os individuos eram ás centenas de milhares. Nas lagoas ou nos pantanos, onde as aguas da chuva ou das inunda- ções se estagnavam, havia em volta ban- dos numerosos d'estas aves, na propor- ção dos individuos. Para o habitante dos paizes do norte, que nunca teve ensejo d'observar tão grandes agglomerações, custa-lhe a acre- ditar na sua existencia; mas quem d'ellas foi testemunha, vê-se obrigado a confessar que as palavras lhe escasseiam para poder exactamente descrevel-as. Por mais que lhes queira avaliar o numero, AVES — AS PERNALTAS pelo maximo, ficará sempre áquem da verdade. O mesmo se dá na Ásia, e nas Americas Central e Meridional. O viajante que sobe algum dos grandes rios da India, de Ma- laca ou de Sião, fica antes de tudo absor- to ao contemplar as esplendidas flores brancas que ornam as arvores, e sobe de ponto o seu espanto quando, ao apro- ximar-se, conhece que são flores ani- madas, e que tem diante dos olhos milhares de pernaltas empoleiradas nas arvores. Ao redor dos lagos agglomeram-se quantidades innumeras d'estas aves, for- mando filas cerradas que se prolongam na extensão de muitas milhas» (Brehm). «Entre as pernaltas encontra-se a caça mais estimada, capaz de fazer crescer agua na bocca ao mais acabado gastronomo ; bastará citar a gallinhola, a narseja, a batarda, etc. Das especies cuja carne não tem valor culinario, ha algumas que se tornam notaveis pela belleza da pluma- gem, que ás nossas damas fornece lin- dos atavios, e d'estas citaremos o aves- truz ce o marabú. Fóra dos caracteres acima referidos, por serem communs ás aves desta or- dem, nos outros não existe paridade. Na fórma do bico, mediocre ou largo, por vezes furlando-se a qualquer descripção, tão singular é a sua conformação, na plumagem, na fórma das azas, no tama- nho, são tão grandes as differencas, que autorisam o desdobramento da ordem em algumas outras, como fazem alguns na- turalistas. Ha principalmente um grupo bem dis- tincto, que por alguns dos seus caracte- res se separa não só das pernaltas em geral, como tambem do commum das aves, formado de varias especies, que tendo azas, são estas todavia tão atro- phiadas, que lhes não permittem voar, e só lhes servem para auxiliar as pernas longas, robustas, dotadas de enorme forca muscular, dando-lhes os meios de corre- rem com extraordinaria rapidez. Muitos naturalistas estabelecem com es- te grupo uma ordem independente, com o nome de Brevipennes, denominação que recorda a curteza das pennas das azas, que lhe não permitte o vôo. Pernaltas corredoras é uma denominação que bem lhes cabe, e que nós lhes daremos estabe- lecendo uma divisão n'esta ordem, para até certo ponto separar estas aves do resto 205 das pernaltas, sem todavia nos embre- nharmos em largas dissertações de clas- sificação ; porque, como já dissemos, o nosso fim principal é a descripção das especies, sem querer todavia passar em silencio estes conhecimentos importantes. AS PERNALTAS CORREDORAS Este mosso grupo corresponde á pri- meira familia da ordem das pernaltas, os brevipennes, segundo a classificação de Cuvier. Entram n'esta familia seres bem extraordinarios. Custa-nos a admittir que possa haver aves que não voem; mas finalmente assim é, e as pernaltas corre- doras, privadas d'este meio de locomoção, vivem constantemente no solo. (O sterno destes animaes, em harmonia com a ca- rencia d'azas aptas para voar, não tem a proeminencia que se encontra no das outras aves: é chato. Accrescentemos, porém, que se estas aves em razão da atrophia das azas não podem voar, não tendo remiges nem re- ctrizes, sendo as pennas desbarbadas e como que pelludas, possuem em compen- sação pernas musculosas, extremamente desenvolvidas, muito robustas, com dois, tres ou quatro dedos, conforme os gence- ros, que lhes permittem correr com cx- traordinaria rapidez. São na maioria gran- des aves, as maiores de toda a classe, e dotadas de notavel vigor. Vivem as pernaltas corredoras na Afri- ca uma especie, tres na America, e nove na Oceania, não se encontrando nenhu- ma na Ásia nem na Europa. & Daremos em seguida a descripção das especies principaes comprehendidas n'esta divisão. 0 AVESTRUZ Struthio camelus, de Linneo — L'autruche, dos francezes Caso seja possivel, no dizer de Brehm, comparar dois animaes de classes diver- sas, póde-se dizer que o avestruz é o camelo transformado em ave. E tantos são os caracteres communs nos dois ani- maes, que aos antigos não escapou esta similhança. São ambos verdadeiros filhos do deserto, e de ambos a estructura e as faculdades especiaes tornam-n'os aptos para alli viverem. e: O avestruz tem o corpo volumoso, a cabeca calva e callosa, o pescoco com- prido e nu, relativamente delgado ; bico 206 MARAVILHAS DA CREAÇÃO mediano, direito, obtuso e arredondado na ponta, olhos grandes e vivos, pernas compridas e robustas, terminando em dois dedos; as azas muito curtas, forma- das de pennas macias e muito flexiveis, a cauda em fórma de pennacho. O macho tem a plumagem do tronco negra carvão, a das azas e da cauda bran- ca luzidia, o pescoco vermelho, as coxas cór de carne, o bico avermelhado. Mede 2" 60 d'altura, e pesa aproximadamente 75 kilogrammas. Conhece-se uma unica especie do ge- nero Struthio, a citada, muito frequente no interior da Africa. Desde a mais remota antiguidade que esta ave é conhecida, e tanto que Moisés prohibiu aos hebreus o uso da carne do avestruz como de animal immundo Nesta conta não a tiveram os romanos, que a estimavam, e conta-se que o im- perador Heliogabalo em certo festim apre- sentara aos seus convivas um prato de seiscentos miolos de avestruz, que ainda mesmo n'aquelles tempos custariam de- zenas de contos de réis, da nossa actual moeda. Certos povos da Africa ainda hoje comem a carne e os ovos d'esta ave, € teem a gordura em grande conta, não só para tempero, mas tambem como especi- fico para as feridas e mordeduras vene- nosas, e usam-n'a em fricções contra as dóres rheumaticas. O avestruz é sociavel e vive em ban- dos, formados por vezes de muitas cen- tenas d'individuos, e na época das nu- pcias encontra-se em familias compostas d'um macho e de tres ou quatro femeas. Encontram-se estas aves frequentemente d'envolta com as manadas de zebras e de coaggas. E' surprehendente a rapidez com que o avestruz corre, rapidez que excede a do melhor cavallo. Brehm conta que na sua viagem a Bahiuda, atravessando a cavallo uma planicie arenosa, viu as pé- gadas dos avestruzes cruzando-se em to- das as direcções, variando de largura con- forme o animalia a passo ou a trote, marcando no primeiro caso a distancia de 17,30 a 1,60 entre si, e no segundo 2" 30 a 3”, Anderson affirma que o aves- truz vendo-se perseguido póde fazer uma milha ingleza em meio minuto aproxi- madamente. Com o pescoco estendido para a frente, agitando as azas, e os pés mal tocando o solo, é certo que o aves- truz vence o melhor cavallo de corridas, e, segundo affirmam varios escriptores, pode sustentar esta carreira violenta por espaco de oito a dez horas. Admittindo-se um calculo de Gosse, che- ga-se a um resultado realmente espantoso. Diz este escriptor que n'umas corridas em Argel em 1864, um cavallo arabe, que obteve o premio, percorreu em 59 minutos e 16 segundos 28 kKilometros, os quaes o avestruz, sem exagero, faria em menos tempo. Suppondo que fosse em 59" e 10'” ou 28 kilometros e 394 metros n'uma hora, daria 227 a 28] kilometros nas oito ou dez horas que, como acima dissemos, este animal póde correr sem descanso. O ouvido e a vista são no avestruz amplamente desenvolvidos, principalmen- te a visão, sendo concordes, todos os que o teem observado, na affirmação de que o animal pode ver os objectos a duas le guas de distancia, conseguindo divisar o inimigo muito antes de que este possa de leve suspeitar a sua presença. O cheiro e o gosto, porém, são muito pouco desen- volvidos, e só assim se explica que o avestruz tome egualmente no bico tudo quanto lhe appareca. No estado livre en- cole pedras de certo volume, e o aves- truz captivo atira-se a tudo quanto en- contra no solo e possa engolir : pedacos de tijolo, vidros, ferro, bocados de es- tofo, tal como faria a um pedaço de pão. Ha ainda quem se recorde d'uma aven- tura de que foi victima um morador de Saint-Quentin, conta Gosse, que indo a uma exposição de avestruzes, teve a im- prudencia de se aproximar demasiada- mente d'uma d'estas aves, sem receio pela bella corrente de oiro a que levava seguro o relogio, desapparecendo ambos n'um abrir e fechar d'olhos no esophago do animal. O avestruz alimenta-se principalmente de substancias vegetaes mas come tam- bem insectos, molluscos, reptis, e até pequenos mamiferos e aves. Diz-se, mas é falso, que o avestruz não bebe; posto que possa passar dias sem beber. Quando assim acontece, por não encontrar agua, faz grandes marchas em procura dºella, e bebe com tal prazer que chega a olvidar a sua prudencia usual deixando-se apro- ximar pelos cacadores a tiro d'espingarda. E” notavel a força muscular do aves- truz: os domesticos levam com facili- dade, à imitação do cavallo, um homem montado, ou carregam fardos. AVES— O AVESTRUZ Os imperadores romanos apresentavam nos circos, para diversão do povo, aves- | truzes montados, e já um certo Marcus Firmus, tyranno que no seculo 11 rei- nou no Egypto, os empregava em seu servico. Os negros n'alguns pontos da Africa servem-se frequentemente destas aves montando-as. Uma pancada dada pelo avestruz com um dos pés põe fora de combate qualquer dos animaes que percorrem o deserto, e Eduardo Verreaux diz ter visto morrer um negro derrubado pela patada d'um avestruz. 207 O ninho d'estas aves tem por vezes mais dum metro de diamelro, c con- siste n'uma simples escavação feita na areia, protegida por um pequeno muro formado pela areia extrahida do solo, onde as femeas que compõem a familia fazem a postura, perfazendo um total que | varia de quinze a trinta ovos. Não os ha maiores, e pesa cada um 1!/, a 2 ki- logrammas, equivalente a 24 ou 25 ovos de gallinha. Seja dito de passagem que são saborosos, bastando um para farto al- moco de duas pessoas. Em volta do ni- nho apparecem ovos que não são desti- Gr. n.º 975 — O avestruz nados á incubação, parecendo, na opinião d'alguns observadores, postos de banda para servirem mais tarde de primeiro ali- mento aos pequenos avestruzes. Dura a incubação d'ordinario seis a sete semanas, e é quasi exclusivamen- te feita pelo macho, que cobre os ovos apenas de noite, abandonando-os por muitas horas durante o dia, mas co- brindo-os primeiramente d'areia, pois é sufficiente o sol ardente d'aquellas re- giões para conserval-os no grau conve- niente de temperatura. Os pequenos nascem cobertos de pen- nugem, podendo desde logo correr e pro- ver ás suas necessidades, o que não obsta a que o pae tenha por elles os maiores desvelos, defendendo-os, e pondo em pra- tica a astucia para salval-os. «Tão depressa nos avistaram, conta Anderson falando d'uma familia d'aves- truzes, pozeram-se em fuga, as femeas na frente, depois os pequenos, e por ul- timo, a certa distancia, o macho. Era commovente observar a solicitude dos paes. Vendo que nos aproximavamos, o ma- cho mudou subitamente de direcção; mas observando que o não seguiamos, apres- sou a carreira, deixou pender as azas que quasi tocavam no solo, andou em volta 208 MARAVILHAS DA CREAÇÃO de nós descrevendo circulos que a pouco e pouco se estreitavam, até que veiu pas- sar a distancia d'um tiro de pistola. En- tão deixou-se cair, imitando os modos d'uma ave gravemente ferida, no acto de diligenciar erguer-se a todo o custo. Atirei-lhe, e quando esperava encon- tral-o ferido, ao adiantar-me para elle, vi que o mal não passava dum bem pre- parado ardil, e á maneira que me apro- ximava o avestruz ia levantando-se a pouco e pouco, pondo-se por ultimo em fuga, indo reunir-se ás femeas que em companhia dos pequenos haviam ganho consideravel dianteira. Livingstone diz haver encontrado ni- nhadas d'avestruzes conduzidas pelo ma- cho, que se fazia coxo, com o fim de chamar sobre si a attenção dos caçado- res. Como seja difficil alcançar o avestruz na carreira, embora o cacador vá bem montado, usa este do seguinte processo. Persegue-o a distancia durante um ou dois dias, sem se apressar muito, mas não lhe permittindo tomar alimento, e quando o julga bastante faligado ce es- faimado vae sobre elle a todo o cor- rer, aproveitando a circumstancia destas aves nunca fugirem em linha recta, descrevendo curvas mais ou menos ex- tensas, para seguirem a corda do arco, e por este estratagema repetido muitas vezes consegue aproximar-se gradual- mente a curta distancia da presa. Uma vez alcançado este resultado, atira o cavallo a todo o galope, direito ao aves- truz, e á paulada ou com um peso de ferro seguro a uma corda consegue derribal-o, evitando quanto possivel fa- zer-lhe sangue, para não manchar as pennas. Não obstante a sua enorme forca, do- tou a natureza o avestruz de genio tão pacifico, e é naturalmente tão inoffensivo, que facil é domestical-o; e sendo apanha- do novo não é menos docil e domestico que os nascidos de paes captivos. Em Africa criam-se estes animaes para regalo ou para lhes haver as pennas da cauda e das azas, flexiveis e ondeadas, que se n'outro tempo serviram para adorno dos bravos, que as punham nos capacetes ou nos turbantes como signal de se haverem distinguido por altos feitos, hoje fazem parte dos atavios das damas, ornando muitos objectos do seu uso. A EMA Struthio americanus, de Linneo—Le nandou d' Amerique, dos francezes E" esta a especie mais conhecida do genero Rhea, e na America as emas re- presentam o avestruz, com os quaes teem grandes analogias na sua organisação, differindo porém em varios caracteres. As emas são mais pequenas, teem o bico maior, e tres dedos para a frente arma- dos d'unhas direitas e robustas. As azas são ainda mais curtas que as do aves- truz, sem remiges, e terminando num appendice corneo ; a cauda nulla, o alto da cabeca, a garganta e o pescoço co-. bertos de pennugem, uma parte das faces nua. A plumagem é negra no alto da cabe- ca, parte superior do pescoco, nuca e parte anterior do peito; o centro do pescoço amarello, a garganta, faces e lados do pescoco côr de chumbo cla- ro, o dorso, lados do peito e azas cin- zentas, a parte inferior do corpo branca suja; bico pardo atrigueirado, pés par- dos. O macho mede 1º" 65 de comprimento ; a femea é mais pequena. Vivem as emas nos pampas da Ame- rica Meridional, no Brazil, no Paraguay, no Peru, e na Patagonia. Preferindo as grandes planicies, não se encontram nas florestas virgens nem nos sitios montanhosos, frequentando das pri- meiras as que se cobrem de herva for- necendo-lhes farto alimento. Vive o ma- cho com cinco ou seis femeas, pouco mais ou menos, e fóra da epoca das nu- pcias as familias reunindo-se formam bandos de sessenta individuos e mais, que se vêem pastar em certas epocas de companhia com as manadas de bois, de cavallos e de carneiros, que frequentam os mesmos sitios. Não cede a ema ao avestruz na velo- cidade com que corre, e vence o melhor cavallo. Quando a perseguem são tão rapidos os seus movimentos que não é possivel distinguir-lhe os pa avan- cando de cada um 1”,60. Alimentam-se estas aves, como disse- mos, da herva que pastam nas extensas campinas onde anda o gado, e em cer- tas épocas de sementes e insectos. Na destruição das sementes, na maior parte de plantas espinhosas, nocivas ao gado, prestam serviço aos creadores. Os naturaes AVES — À EMA affirmam que a ema devora, além dos in- sectos, pequenos reptis e cobras. As emas não differem dos avestruzes na maneira de formar o ninho e na incu- bação. Como os d'aquelles, o ninho con- siste n'uma escavação pouco profunda fei- ta no solo, em sitio secco, rodeada pe- los cardos ou escondida entre a herva, e ahi põem as femeas os ovos. Affirma Azara que por vezes se encontram n'um só ninho setenta a oitenta ovos, encarregan- do-se da incubação tamsómente o ma- cho, emquanto as femeas vagueiam pela vizinhanca. Os pequenos, que nascem d'or- 209 dinario no principio de fevereiro, cres- cem rapidamente, e em quinze dias attin- gem 07,50 de altura. Durante um mez acompanham o pae, e as femeas veem suc- cessivamente reunir-se a elles. A ema é muito docil, e com a maior facilidade se domestica. Creada de pe- quena pelo homem, habitua-se a viver nas habitações, correndo pelas ruas ou no campo, mas regressando sem falta a casa do dono. Acostuma-se ao clima da Europa, e aqui se multiplica, alimentando-se de carne crua. A carne da ema adulta é pouco sabo- Gr. n.º 374— À ema rosa, posto que seja estimada pelos indios; mas a dos individuos novos é pelo con- trario agradavel e excellente alimento. Os ovos são estimados pelos indigenas, e um vale bem por quinze de gallinha ; utili- sam-lhe porém apenas a gema, porque a clara não tem bom gosto. Das pennas maiores fazem pennachos e das mais pe- quenas espanadores. O CASOAR Struthio casuarius, de Linneo—Le casoar á casque, dos francezes O casoar, tendo certa analogia com o avestruz, differe o bastante para formar um genero áparte, e para certos natura- listas uma familia diversa. Distinguem-se os casoares dos avestruzes pelo tamanho, meio termo entre estes e as emas; pelo bico curvo na ponta, a cabeça ornada com um appendice osseo, pescoço curto e grosso, azas ainda mais curtas que as do avestruz, até mesmo inuteis como auxi- liares na carreira, tendo cinco hastes arre- dondadas, sem barbas, similhantes a com- pridos espinhos ; tres dedos para a frente, tendo a unha do interno o dobro do comprimento das outras. O corpo mais pa- rece coberto de pellos, as barbas das pen- nas são asperas, curtas, e pouco bastas. 210 MARAVILIIAS DA CREAÇÃO A especie citada é negra, com a cabeça, as faces e uma parte do pescoço calvas, tendo este na frente um ou dois appen- dices carnudos, azues, esverdeados, ver- melhos e côr de violeta; bico negro, pés d'um pardo amarellado. Vive nas ilhas Molucas, em Java e em Sumatra, sendo bastante commum nas florestas da ilha de Ceylão. O casoar é timido e bravio, habita as florestas mais espessas onde se esconde por tal fórma que é difficil podel-o obser- var no estado livre, motivo por que os seus habitos são pouco conhecidos. Os que vivem nos jardins zoologicos da Europa, onde se tem conseguido a sua multiplicação, conservam-se sempre bra- vios e maus, não só para os homens como para os outros animaes, e arremessando- se-lhes buscam maltratal-os com o bico ou com as azas, armadas de cinco espinhos agudos, dos quaes o do centro tem 07,30 de comprimento. Na formação do ninho e no modo da Gr. n.º 3725— O casoar e 0 casoar da Australia incubação, os casoares não differem muito dos avestruzes, e é tambem o macho que se encarrega de chocar os ovos. São herviboros, mas parece não desde- nharem as substancias animaes, e Figuier diz que um que viveu no Museu de Histo- ria Natural de Paris acceitava tudo quanto lhe davam : pão, fructos e legumes, e be- bia 4 a 5 litros d'agua por dia. A carne do casoar não é boa, e sob ne- nhum outro ponto de vista esta ave pode considerar-se util. O CASOAR DA AUSTRALIA Dromeus Novae Hollandiae, de Linneo,—Le casoar d' Australie, dos francezes Differe esta especie da antecedente, for- mando o genero Dromeus. O casoar da Australia tem o todo do avestruz, mas é mais refeito; tem o pescoço mais curto e as pernas menos longas, o bico direito e muito comprimido aos lados, e tres dedos para a frente armados d'unhas vi- gorosas. Não tem, á similhança do ca- MARAVILHAS DA CREAÇÃO (dpi Impresso por Lallemant Frêres, Lisboa. O AL PRIEREA AVES — O CASOAR DA AUSTRALIA 211 soar da especie antecedente, appendices na cabeça, ou no pescoco, nem espinhos nas azas, sendo estas muito pequenas e sem remiges. As pennas apresentam o caracteristico singular de nascerem do mesmo bolbo duas hastes, excessivamente flexiveis, com barbas muito frouxas. A plumagem é trigueira, escura na cabeca, no meio do pescoço e no dorso, e mais clara no ventre; o bico escuro e os pés trigueiros claros. Mede 2” d'al- tura, aproximadamente. Eram outrora estas aves numerosas nas florestas de eucalyptos da Nova Gal- les do Sul, e d'ahi o homem as tem des- alojado obrigando-as a retirar-se para onde estejam mais ao abrigo dos seus ataques. Vigoroso e excellente corredor, fazendo frente com vantagem aos cães que os cacadores lhe lançam na pista, estes receiando-se das vigorosas patadas que o casoar lhes atira, o atacam de frente agarrando-o pelo pescoço. O casoar da Australia é todavia docil, amansa-se facil- mente, e até mesmo affeicoa-se ao ho- mem, Os habitantes da Australia comem a carne do casoar como os africanos a do avestruz e na America do Sul a da ema. E' tida por boa, comparada á do boi, um pouco mais doce, e a dos individuos novos conhecida por muito saborosa. Desta especie teem vindo para a Fu- ropa diversos individuos que, accliman- do-se facilmente, se multiplicaram sem custo. E” simples o regimen, composto principalmente de substancias vegetaes : sementes, plantas verdes e fructos. O APTERIZ Apteriz australia, de Shaw — L'apterix austral, dos francezes Apteriz, palavra formada de duas gre- gas, quer dizer sem azas, e a especie ci- tada appellidam-n'a os naturaes da Nova Zelandia, onde habita, kivikivi. A primeira vista parece não haver ana- logia entre os apterizes e as pernaltas cor- redoras de que temos falado, sendo aquel- les consideravelmente mais pequenos, pois não excedem o tamanho d'uma gal- linha, com o bico muito longo e estreito * maneira do da gallinhola, e os tarsos | curtos, com quatro dedos livres; mas as azas são apenas um pequeno côto, sem remiges, e a cauda nulla, caracte- res que lhes dão cabida entre os brevi- pennados, ou pernaltas corredoras. Teem a plumagem trigueira ferruginosa. São os apterizes aves nocturnas, que durante o dia se occultam em cavidades abertas no solo, p eferindo as raizes das grandes arvores para sob ellas se escon- derem, e saindo tamsómente de noite em busca d'alimento. Vivem aos pares, cor- rem e saltam com surprehendente rapi- dez, e alimentam-se de insectos, larvas, vermes, e sementes de diversas plantas. A femea põe unicamente um ovo, no solo, n'uma escavação por ella preparada sob as raizes das arvores, encarregando-se da incubação. Pode o apteriz viver caplivo, ainda mesmo na Europa, como o provam al- guns exemplos. AS PERNALTAS VOADORAS Esta divisão, que estabelecemos para se- parar as pernaltas propriamente ditas das aves de que acabamos de falar, ás quaes falta a faculdade de voar, comprehende numerosas especies que differem sobre- maneira uma das outras: ha-as peque- nas e grandes, com o .corpo refeito ou delgado, de bico curto ou comprido, azas agudas ou obtusas, pernas mais ou menos curtas, e correspondendo a es- tes diversos caracteres habitos e regi- mens os mais diversos. Todas possuem, po- rém, a faculdade de voar, algmas com no- tavel velocidade, remontando a grande al- tura, mas outros voam com custo, e ao inverso das aves de que nos temos occu- pado, que encolhem as pernas sobre o ventre quando voam, estas estendem- n'as para traz. Esta diversidade de caracteres faz com que este grupo das pernaltas se divida em grande numero de familias, ricas em generos. Só d'estes faremos mencão em harmonia com o nosso programma, á medida que tratarmos das especies prin- cipaes. A BATARDA Otis tarda, de Linneo—La grau de outarde, dos francezes A batarda'é a especie typo do genero Ótis, que para alguns naturalistas deve ser com- prehendido na ordem dos gallinaceos e que outros reunem ás pernaltas. O bico da batarda e dos seus congeneres é bas- 212 tante similhante ao do gallo e do perú, mas as pernas alongadas e parte nuas, á maneira das da cegonha, são caracteres que teem determinado a sua entrada na ordem das pernaltas. O corpo das batardas é refeito, o pes- coco e as pernas longas, as azas curtas e concavas, os dedos curtos e o pollegar nullo. Teem o vôo pesado e difficil, e as azas servem-lhe no maior numero de ve- zes para augmentar a grande velocidade com que correm. Os machos adultos teem a base da mandibula inferior guarnecida MARAVILHAS DA CREAÇÃO aos lados por um tufo de pennas estrei- tas mais ou menos alongadas. A batarda tem a cabeça, a parte supe- rior do peito e uma parte do lado supe- rior das azas pardas cinzentas claras, a plumagem do dorso loira, raiada trans- versalmente de negro; a da nuca ruiva, a do ventre branca suja ou branca ama- rellada ; as rectrizes externas quasi bran- cas e as restantes d'um vermelho arrui- vado com uma mancha branca na extre- midade e precedida d'uma faxa negra; as remiges pardas escuras ; as pennas que Gr. n.º 376 — À batarda lhe guarnecem a mandibula inferior do bico são compridas, estreitas e brancas pardacas, o bico annegrado e os pés par- dos. Mede 1”,08 a 17,16 de comprimento. Esta especie encontra-se em quasi toda a Europa, na Africa e na Ásia, sendo nas vastas planícies d'esta ultima parte do mundo, e da Europa, na Hungria e na Russia central, onde se encontra mais numerosa. No nosso paiz frequenta a provincia do Alemtejo e o Ribatejo. Prefere a batarda os campos onde se cultivam cereaes, e posto que viajem em ” bandos numerosos, é certo que nunca saem álem d'um espaço limitado. E pru- dente e cautelosa, só frequentando os campos descobertos, onde póde obser- var a grande distancia em redor quem lhe possa ser suspeito, e basta qualquer mudanca havida nos sitios onde cos- tuma pastar, uma cova que ahi se faça de novo, para dispertar a sua attenção e pól-a de sobreaviso. O andar da batarda é vagaroso e com- passado, dando-lhe um certo ar mages- toso ; mas se necessario fôr corre com tal rapidez, que difficilmente poderá um cão alcancçal-a. Quando vôa, diz Brehm, conhe- ce-se pelo pescoço deitado para a frente. ; AVES — À BATARDA as pernas lançadas para traz, e o tronco um tanto inclinado na mesma direcção. A batarda alimenta-se de plantas verdes e de sementes, e as pequenas d'insecios e larvas que a mãe lhes dá, e só mais tarde, quando já podem prover á sua subsistencia, começam a sustentar-se de substancias vegetaes. O ninho da batarda é uma simples es- cavação feita na terra, tapisada de hervas seccas, occulta entre o trigo ou no meio da herva alta, onde a femea põe dois ou tres ovos, mais ou menos alongados, com manchas trigueiras avermelhadas sobre fundo verde-azeitona claro. Não é sem as maiores cautelas que a batarda se abeira do ninho, quasi de rojo, com o pescoço estendido, e assim vae atraves- sando por entre o trigo sem ser vista, agachando-se mal enxerga alguem. Se o inimigo avança, vôa e vae pousar perto, entre as hervas, para então se escapar correndo. Se lhe tocam no ninho aban- dona os ovos, e basta para isso, ás vezes, que lhe passem repetidas vezes por ao pé. Nos dias de vento, quando o rumor do trigo a impede de ouvir os passos, póde a batarda ser surprehendida e levantar-se apenas a alguns passos do caçador, e n'es- te caso ainda que consiga fugir nunca mais regressa ao ninho, a não ser que os pe- quenos estejam a ponto de sair dos ovos. Dura a incubação trinta dias aproxi- madamente, e os pequenos nascem co- bertos de pennugem lanosa, trigueira manchada de negro. Dá-lhes a mãe os maiores desvelos, rodeando-os de tantos uidados que para salval-os arrisca a vida buscando attrahir a attenção do caçador, afastando-o do logar onde se escon- dem agachados no solo, com o qual se confundem na côr, e regressando para elles tão depressa consiga escapar ao ini- migo commum. A batarda, timida e precavida como já vimos, não é presa facil do caçador, embora a sua excellente carne, cujo valor augmenta pela grandeza da ave, se torne bem desejada. Podem-se crear estas aves apanhando-as dé pequenas, porque as adultas não resis- tem á perda da liberdade, ou dando os ovos a chocar ás gallinhas ou ás peruas. Nos primeiros tempos dá-se-lhes a comer carne picada e vermes, e mais tarde her- vas e sementes; e como a humidade lhes seja muilo nociva, é preciso tel-as em sitio secco e abrigado. 20 213 O CIZÃO Otis tetrax, de Linneo —L'outarde cannepetiére, dos francezes Outra especie do genero Otis é o cizão, que para alguns autores forma genero a parte, fundados nas seguintes differen- cas entre esta ave e a batarda. O cizão não tem o ltufo de pennas na base da mandibula inferior, o bico é mais longo e delgado, e finalmente por caracteristico tem na parte inferior do pescoço uma es- pecie de colleira que o animal póde er- guer á vontade. O macho tem o pescoço negro, a col- leira branca em aspa, descendo dos ou- vidos até á garganta; no alto do peito uma meia-colleira mais larga da mesma côr; as faces pardas escuras; o alto da cabeca amarello claro manchado de tri- gueiro; a parte superior do corpo loira clara transversalmente malhada e on- deada de negro; as extremidades das azas, as coberturas da cauda e o ventre bran- cos; as remiges trigueiras escuras ; as re- ctrizes brancas atravessadas proximo das extremidades por duas faxas escuras ; bico claro com a extremidade negra, pés ama- rellos desvanecidos. Mede 0,750 a 0,753 de comprimento. A femea é mais pequena e differe do macho no colorido da plumagem. Habita o cizão em quasi todos os pai- zes da Europa, para onde emigra em épo- cas certas, e no nosso paiz frequenta os mesmos sitios que a Datarda. O cizão, diz Brehm, emigra de Hespa- nha no verão para regressar na prima- vera seguinte. Nas suas emigrações atra- vessa os paizes cortados pelo Atlas, ce- lebre cadeia de montes da Africa Se- ptentrional, onde é possivel alguns pas- sarem o inverno. Nos habitos é esta ave muito similhante á batarda, e Nordmann, citado por Brehm, diz que um dos habitos naturaes que dis- tingue estas duas aves é o do cizão ao vér-se perseguido não levantar o vôo im- mediatamente, porque, agachando-se no solo, só vóa quando vê o inimigo proxi- mo, batendo as azas rapidamente e se- guindo em linha recta a pouca altura do terreno. Corre com rapidez notavel, e o homem não consegue alcançal-o. O cizão alimenta-se de substancias ve- getaes e animaes, e d'estas principal- mente : vermes, insectos e larvas. Chegada a primavera lutam os machos VOL. JI 214 MARAVILHAS DA CREAÇÃO pela posse das femeas; os mais fortes põem em debandada os mais fracos, e a cada um dos primeiros fica pertencendo um certo numero d'ellas. Estas fazem o ninho n'algum buraco que encontram ou preparam no solo, e ahi põem quatro ou cinco ovos, eguaes em tamanho aos da gallinha, trigueiros ou verdes-azei- tona, com manchas trigueiras averme- lhadas, mais ou menos pronunciadas. A carne do cizão é excellente, e Brehm diz não ser inferior ou pouco á do fai- são. Posto que não seja commum vêr estas aves captivas, o exemplo de” algu- mas que como taes teem existido, prova que é possivel conserval-as n'este estado. A alimentação animal parece ser-lhes in- dispensavel, e diz um autor que ás que creara dava uma mistura de carne crua, pão e folhas de plantas proprias para salada, tudo isto cortado miudo. Na parte mais septentrional da Africa, frequentemente em Marrocos, Argel e Tu- nis, vive uma especie da familia das ba- tardas, cujas apparições são frequentes A S, N E Basf SAM RO ME 57 Gr. n.º 377 — O cisão em Hespanha, e que accidentalmente póde visitar o nosso paiz. Dar-lhe-he-mos o nome de houbara, nome arabe, que hoje serve para denominar o genero. E” a otis houbara, de Gmlin, e a outarde houbara, dos francezes. Em muitos caracteres é similhante á batarda, e distingue-se dºella principal- mente pelos feixes de pennas soltas que tem no alto da cabeca, aos lados e na parte inferior do pescoço. As da cabeça são brancas e as do pescoço negras, e destas as superiores todas da mesma côr, as inferiores com o centro branco. São similhantes nos habitos ás duas es- pecies antecedentes, e no dizer de Bolle os individuos novos, não obstante serem sobremaneira timidos, são faceis de do- mesticar. O ANDARILHO Cursorwus europaeus, de Latham. — Le court-vite isabelle, dos francezes Na Africa Septentrional habita uma es- pecie do genero Cursorius, que apparece em Hespanha, na Andaluzia, raras vezes, não se podendo affirmar que não venha, ainda que accidentalmente, ao nosso paiz. Pela velocidade com que se move de- ram-lhe os francezes o nome de court-vite, id AVES — À PERDIZ DO MAR 215 e o seu nome generico cursorius, deri- va-se d'esta circumstancia. A” falta de nome vulgar portuguez demos-lhe o de andarilho, que se nos afigura caber-lhe bem. Desta ave diz Brehm «que no seu todo tem alguma coisa de notavel para que se possa confundir. Correm, o ma- cho e a femea, com uma rapidez incri- vel, sempre longe do alcance da espin- garda, a quinze passos aproximadamente um do outro. Emquanto vão na carreira, o corpo e as pernas movem-se com tal velocidade que não é possivel distin- guil-os; dir-se-hia um corpo sem pés mo- vido por uma força invisivel. Estaca de subito, olha em volta de si, apanha alguma coisa que observa no solo, e eilio de novo a correr, poden- do seguir horas inteiras sem que levan- te o vôo.» O andarilho tem a plumagem isabel, tirante a avermelhada nas costas e a amarello no ventre; a parte posterior da cabeça é parda azulada, e limitada por duas riscas uma branca e outra negra, que partindo dos olhos se dirigem para a nuca e formam uma mancha triangu- lar; o bico é annegrado e os pés ama- rellos desvanecidos. Mede 0",23 a 0" ,25 de comprimento. E” o andarilho um verdadeiro habi- tante do deserto, e nos sitios mais aridos, arenosos e cobertos de pedras, onde o Gr. n.º 378— À perdiz do mar solo mal alimenta aqui e acolá algumas escassas hervas, encontra-se esta ave. A plumagem confunde-se d'ordinario com a cór da areia do deserto, e só olho exercitado as distingue, aos pares, nos mezes de fevereiro a julho. A femea construe o ninho entre pedras ou no meio d'um massiço de hervas, uma simples escavação no solo, onde põe tres ou quatro ovos. Alimentam-se estas aves d'insectos e vermes. A PERDIZ DO MAR Glareola pratincola, de Pallas — La glareole à collier, dos francezes Esta especie do genero Glareola tem o bico curto e arqueado, mais largo do que alto na base e o inverso na extremidade; azas agudas mais longas do que a cauda e esta aforquilhada ; tarsos longos e del- gados; quatro dedos armados d'unhas quasi direitas e pontudas, sendo o me- dio e o externo unidos por uma pequena membrana. A perdiz do mar tem a cabeça e o dorso pardos trigueiros; o uropigio, a parte inferior do peito e o ventre bran- cos; a garganta loira com uma linha cir- cular trigueira; as extremidades das re- ctrizes e das remiges negras; bico côr de coral na base e negro no resto; pés trigueiros annegrados. Mede 07,28 de comprimento. Encontra-se na Europa nas costas do Mediterraneo, nas planicies que bordam 216 MARAVILHAS DA CREAÇÃO o Danubio e o Volga e nas margens do mar Negro. Reunem-se alli as perdizes do mar em grande numero nos princi- pios d'abril, e demorando-se algumas semanas partem cm seguida para os di- versos sitios onde vão aninhar. Frequen- tam o nosso paiz. As perdizes do mar habitam a borda d'agua, sem comtudo ser este o seu ele- mento indispensavel, seja doce ou sal- gada. Correm velozes, agitando constan- temente a cauda, e vôam com tanta facilidade e rapidez que só as andorinhas as egualam. Na epoca das nupcias vêem-se estas aves aos casaes, e fóra della em bandos de centenas d'individuos, correndo ou voando, e dando caça aos insectos, ás larvas e aos gafanhotos que constituem o seu alimento. No sul da Africa, diz Julio Verreaux havel-as observado na occasião da passa- gem dos gafanhotos, e que ellas acom- panhavam o vôo e perseguiam aquelles insectos devastadores, e para a destrui- cão dos quaes davam um bom contin- gente. Aninham no solo, n'uma pequena es- cavação forrada de rastolho ou de raizes, onde a femea põe quatro ovos, côr de terra ou pardos esverdeados desvaneci- dos, com manchas pardas bem pronun- ciadas, e numerosas riscas ondeadas, cuja côr varia entre o amarello trigueiro e o negro carvão. A' imitação das outras per- naltas são muito affeicoadas aos filhos, e defendem-n'os com risco de vida. Parece confirmado o facto de que fe- rida uma perdiz do mar, todas as do bando correm para o sitio onde caiu, soltando grandes gritos. O ornitholo- gista Crespon conta que um dia matou seis a seguir no mesmo sitio onde der- ribara uma, que ia correndo e gritando. E” raro que se guardem estas aves em gaiola; mas é certo por alguns exem- plos que são faceis de conservar-se ca- ptivas, dando-lhes insectos ou mesmo pão molhado em leite. Vivem bem com as outras aves e amansam-se facilmente. O ALCARAVÃO Oharadrius cdicnemus, de Linneo — L'oedicnéme criard, dos francezes Esta especie do genero Oedicnemus ca- racterisa-se pela cabeçai muito grossa, olhos grandes, bico do comprimento da | cabeca, grosso, triangular, levemente de- primido na base e comprimido nos la- dos; azas regulares e agudas que não al- cançam a extremidade da cauda; tarsos longos, delgados, com dedos curtos e grossos, reunidos na base por uma mem- brana estreita, sendo o pollegar nullo. D'este genero apenas a especie antece- dente vive na Europa, encontrando-se as outras espalhadas no resto do globo. O alcaravão é commum em Portugal. Tem a plumagem ruiva com malhas compridas trigueiras annegradas; duas riscas brancas uma por cima e a outra por baixo dos olhos, e a plumagem do ventre branca amarellada; remiges ne- gras; rectrizes brancas aos lados € negras na extremidade; bico amarello na base e negro na ponta; tarsos amarellos desva- necidos. Mede 0m,44 a 07,47 de com- primenio. «O alcaravão habita os campos deser- tos e as charnecas. No fim do outono emigra dos pontos mais septentrionaes e arriba ao meio dia da Europa ou a pa- ragens na mesma latitude, regressando na primavera ás regiões que abandonara no outono. Dos paizes que bordam o Mediterraneo não emigra, e frequenta todo o anno o mesmo sitio, qualquer que seja, mas sempre deserto. Nas cam- pinas de Hespanha, planicies medonhas que se afiguram mais aridas e inhospitas que o proprio deserto, nos sitios incultos das ilhas do Mediterraneo, no deserto pro- priamente dito, onde principiam as vas- tas charnecas, por toda a parte emfim se encontra o alcaravão como ave caracte- ristica. No Egypto vae até ao interior das cidades, e mesmo aninha nos telhados das habitações. Qualquer que seja o sitio onde o alca- ravão viva, e por mais variadas que sejam as suas condições, ha duas indispensaveis: poder estender a vista ao longe e ter es- condrijo proximo onde acoitar-se se pre- ciso fôr. Pode-se dizer que no alcaravão tudo é notavel: a presença, os seus grandes olhos amarellos doirados, o andar, o vôo e o seu todo finalmente. E um amigo da solidão, ao qual pouco cuidado dá os seus simi- lhantes. Não sabe o que seja confiança, e todo e qualquer animal lhe parece sus- peito, se não perigoso...» (Brehm) Alimenta-se o alcaravão exclusivamente de vermes, insectos, reptis, ratos, etc. Espreita os ratos campestres á maneira AVES—O ALCARAVÃO do gato, e apanhando-os na carreira ati- ra-lhes vigorosa bicada, e segura-os no bico para bater com elles contra o solo e quebrar-lhes os ossos, engolindo-os em se- guida. O ninho consiste n'uma simples escava- ção no solo, e a femea põe dois ou tres ovos com o volume e a fórma dos ovos da gallinha, amarellos desvanecidos com manchas d'um pardo-ardosia, e sobre es- tas pronunciam-se outras manchas escu- ras ou trigueiras annegradas. Mal os pe- quenos nascem e estão enxutos, seguem os paes e não regressam ao ninho. Não é facil a qualquer aproximar-se do 217 alcaravão a tiro de espingarda sem des- pertar a sua attenção; d'aqui a difficul- dade de o caçar e ainda mais de o apanhar vivo. É raro encontrar esta ave capliva, posto que não seja impossivel amansal-a, e Naumann cita um alcaravão que havia em casa de seu pae, do qual conta 0 se- guinte : «Davam-lhe pão molle molhado em leite, e de tempos a tempos carne co- zida e picada; por vezes um verme, um insecto, um ratinho, uma rã ou um ga- fanhoto. Era raro que meu pae entrasse em casa com as mãos vasias, e sabia-o tão bem o alcaravão, que corria para a Gr. n.º 379 — O alcaravão porta tão depressa o via apparecer ; e se não dava pela sua vinda, vinha á cha- mada, — dick, dick -— e acceitava o que meu pae lhe estendia na mão. De tal sorte se havia affciçoado ao dono, que vinha agachar-se-lhe aos pés, e quando elle entrava no quarto corria ao seu encon- tro, muitas vezes saudando-o com o seu grito dick, dick, com o bico inclinado para o chão, as azas abertas e a cauda erguida em leque. Se meu pae estava deitado ia pousar-lhe ao lado, olhando para elle, e só parecia contente se lhe falava. Tinha boas qualidades, mas enxova- lhava o quarto, circumslancia que o tor- nava pouco querido dos criados, aos quaes o alcaravão por seu turno não era affeiçoado, e d'elles se arreceava todas as - vezes que via entrar algum no quarto com a vassoura na mão.» O AVISADOR Charadrius Aogyptiws, de Linneo — Le pluvian, dos francezes Os arabes, cuja linguagem é sempre metaphorica e ornada d'imagens, appelli- dam esta especie o avisador do crocodilo, e avisador lhe chamamos nós à falta de nome portuguez que designe esta curiosa ave. 218 MARAVILHAS DA CREAÇÃO São realmente interessantes as suas relações com o terrivel habitante do Nilo, o crocodilo, relações que não eram des- conhecidas dos antigos, e que por muito tempo passaram por fabula, hoje ti- das por verdadeiras e affirmadas por es- criptores de todo o credito. O naturalista Geoffroy Saint-Hilaire, que fez parte da commissão de sabios que acompanhou o general Bonaparte na expedição ao Egy- pto, n'uma memoria lida á academia das sciencias em 28 de janeiro diz o se guinte: «É absolutamente verdadeiro o facio de existir uma pequena ave que, voando continuadamente dum para ou- tro lado, se introduz na bocca do croco- dilo em busca dos insectos que constituem a parte principal da sua alimentação.» Ouçamos mais o distincto naturalista Brehm, testemunha presencial do facto. «... O que os antigos viram pode ainda hoje observar-se, e bem cabe a esta ave o nome de avisador que lhe tem sido dado, porque realmente dá aviso não só ao crocodilo como tambem a outros animaes. A nada é indifferente: um barco que vae rio abaixo, um homem, um mami- fero, uma ave grande que se acerca, tudo a assusta e obriga a gritar. E astuta, tem intelligencia e raciocinio, e me- moria surprehendente. Se parece não Gr. n.º 380 — A tarambola recear o perigo, é porque o conhece e sabe dar-lhe o seu justo valor. Vive nas melhores relações com o cro- codilo, não porque este tenha por ella grande estima, mas á sua prudencia e agilidade deve o saber escapar das aggressões do reptil. Habitando nos sitios onde o crocodilo vae dormir e tomar O sol, conhece-o e sabe viver com elle. Cor- re-lhe sobre a concha como o faria sobre a relva, devorando os vermes e as san- guesugas que alli adherem, e limpa-lhe a bocca, tirando não só os bocados de ali- mento que ficam presos entre os dentes, como tambem os animaes que se lhe agarram ás maxillas e ás gengivas. Vi-o eu, e por muitas vezes» (Brehm). Digamos agora que o avisador é do tamanho de um tordo, preto na parte su- perior do corpo, com a garganta e O ventre brancos, e o peito e os flancos trigueiros ruivos desvanecidos; as remi- ges pretas com duas faxas brancas; bico negro e pés côr de chumbo claro. A sua patria é o nordeste da Africa, nas duas margens do Nilo, a partir do Cairo. A TARAMBOLA, ou DOIRADINHA Charadrius pluvialis, de Linneo.— Le pluvier doré, dos francezes A tarambola é a especie typo do genero Charadrius, e tem por caracteris- ticos, ella e os seus congeneres, a cabeça grossa, pescoço curto, bico mediocre, AVES —A LAVADEIRA 219 tendo raras vezes mais de metade do comprimento da cabeca; azas grandes e estreitas, cauda muito curta, tarsos del- gados; tem tres dedos, sendo o pollegar nullo ou rudimentar. Na tarambola o dorso é negro com pe- quenas malhas muito juntas, amarellas doiradas; o ventre e o peito negros na primavera, e no outono tem o pescoco e o peito malhados de pardo amarellado, e o ventre branco; reclrizes negras com faxas brancas na extremidade ; bico negro e pés pardos escuros. Mede 0,28 de comprimento. Do norte da Europa emigra a taram- bola para os paizes do sul e para o norte da Africa, emigração que se faz em se- tembro, regressando do sul para o norte em março. E' frequente no nosso paiz. A viagem fazem-n'a estas aves aos ban- dos, principalmente de noite; de dia descançam e buscam alimento. São ver- dadeiros habitantes dos pantanos, e a agua é para elles um elemento indispen- savel, não só para beber como para se banharem ; não passa um unico dia que não lavem e asseiem a plumagem. Nos pantanos, tão frequentes ao norte do globo, de todos os lados se ouve o grito melancolico e sentido da tarambola, e encontra-se aos pares, por familias, ou formando grandes bandos, segundo as estações. E" uma ave viva, alegre e agil, correndo rapidamente e voando bem, e podendo, á maneira do pombo, transpôr grandes dis- tancias. O seu alimento principal consiste em vermes e larvas ; come tambem peque- Gr. n.º 384 — A lavadeira (macho e femea) nos insectos e molluscos durante as vias gens. O ninho é feito no chão, bastando uma pequena escavação forrada d'algum ras- tolho secco para a femea pôr os ovos, -amarellos azeitonados desvanecidos ou sujos, com desenhos trigueiros escuros e trigueiros avermelhados. Os pequenos abandonam o ninho no proprio dia em que nascem, e os paes tratam-n'os com grande carinho e dedicação. A carne da tarambola é boa e geral- mente estimada A LAVADEIRA, ou BORRÊLHO Charadrius curonicus, de Beseke—-Le petit pluvier à collier, dos francezes Com o nome de lavadeira ou borrélho frequentam o nosso paiz mais tres espe- cies do genero charadrius, além da taram- bola, e que o vulgo confunde n'uma só. São o charadrius hiaticula, de Linneo, pluvier à collier, dos francezes — chara- drius cantianus, de Latham, pluvier à col- ler interrompu, dos francezes, e a es- pecie que serve de epigraphe a este ar- tigo, notaveis todas por uma colleira ne- gra, mais ou menos completa, na parte inferior do pescoço. A lavadeira da especie charadrius curo- nicus, commum em Portugal, é pequena: mede 0,18 de comprimento. Distingue-se entre outros caracteres pelos olhos escuros com um circulo largo doirado e extraor- dinariamente brilhante. Conta L. Figuier que outr'ora attri- buiam-se aos olhos desta ave a proprie- dade de curar a itericia, sendo suficiente 220 que o doente os fixasse com inteira fé na cura, para d'esta sorte o mal o abandonar em proveito da côr dos olhos da ave. Tem a lavadeira as faces, o alto da ca- beca e as costas pardas; o peito e o ven- tre brancos; na fronte uma faxa negra e estreita com outra por cima mais larga e branca; a garganta negra e da mesma côr uma faxa que lhe cerca o pescoco ; bico negro, pés avermelhados. Esta especie pouco differe nos habitos da tarambola, e a sua historia é egual em muitos pontos á d'esta ave. Apenas transcreveremos o seguinte periodo que lhe diz respeito. «Pelos habitos torna-se agradavel. Vive MARAVILHAS DA CREAÇÃO em paz com os seus similhantes, apenas alguma pequena rixa na epoca das nu- pcias, e tem á sua companheira e aos fi- lhos viva affeição. Sempre que regressa para junto da familia, por pequena que -haja sido a ausencia, sauda-a com os seus cantos e por certos movimentos . apropriados. Onde não a inquietam é confiante, mas as perseguições tornam-n'a limida e des- confiada. Até mesmo as que se apa- nham já adultas tornam-se mansas sem custo» (Brehm). Gr. n.º 382 — (O) abibe ou abecuinha O ABIBE, ou ABECUINHA Tringa vanellus, de Linneo— Le vanneau huppe, dos francezes Pertence esta especie ao genero Vanel- lus, caracterisado pelo bico mais curto que a cabeça, azas amplas, tarsos longos e delgados ; tem quatro dedos, sendo tres para a frente e o posterior articulado tão alto que apenas a extremidade da unha toca no chão; na parte posterior da cabeça tem um martinête de pennas es- treitas e compridas. O abibe tem o alto da cabeca, a parte anterior do pescoço, alto do peito e me- tade da cauda negros luzidios; o dorso verde com reflexos azues e purpurinos ; os lados do pescoço, a parte inferior do peito, o ventre e a metade posterior da cauda brancos; bico negro e pés dum vermelho escuro sujo. Mede 0,"36 de comprimento. A femea tem a poupa mais curla e o pescoço malhado de negro e branco. Em muitos paizes da Europa estas aves arribam numerosas no fim de outubro, e partem nos principios de março em direc- ção ao norte, d'onde vieram. Frequen- tam o nosso paiz, onde são communs. Habitam os pantanos e á beira das la- goas, e em geral todos os terrenos leves onde abundam os vermes, as larvas dos insectos e as lesmas. Nos campos lavra- dos de fresco, no outono, vê-se muitas ve- AVES — O ABIBE zes o abibe em busca dos vermes que a rêlha do arado põe a descoberto. «Vivem os abibes em sociedade, e só ao chegar á patria, no verão, se se- param em casaes, isolando-se então para se dedicarem á creação dos filhos. Põe a femea tres ou quatro ovos n'uma pe- quena depressão do terreno, entre a ver- dura, tapizada de hervas seccas, e os pe- quenos aos dezeseis dias de incubação saem do ovo e são conduzidos pela mãe para sitios mais escusos onde possam oc- cultar-se. j E" vivissima a affeição que os paes teem aos filhos, e para defendel-os fa- zem-se mais que nunca audazes, recor- rendo a mil astucias para enganar o ini- migo. Se o pacifico carneiro no seu e 221 mister de pastar no campo se abeira do ninho do abibe, a femea com as pennas ericadas e as azas abertas, investe com elle gritando, agitando-se, e d'ordinario consegue amedrontar o estupido rumi- nante. Em O pae e a mãe vão direitos ao homem com uma coragem realmente herojca, e o primeiro diligenceia enganal-o remon- tando e soltando no ar a sua cancão d'amor. Para os carnivoros emprega a mãe a astucia, e faz por attrahil-os para o seu lado, o que em geral consegue. São mais para receiar os carnivoros noctur- nos, e como nenhum outro o raposo, ao qual não é facil enganar» (Brehm). «A carne do abibe é excellente, mas Gr. n.º 383 — O vira-pedras não em todos os mezes do anno: só nas proximidades da festa de Todos os Santos adquire as suas boas qualidades, sendo n'essa epoca que se deve comer. Fóra d'esse tempo, na primavera, é caça reles, e está explicada a razão porque a egreja permitte o seu uso durante a qua- resma, pois realmente não ha alimento mais magro» (Figuier). Os ovos, diz ainda este escriptor, teem excellente gosto, e ha paizes onde d'elles se faz um commercio importante, especialmente na Hollanda. Devemos ac- crescentar que n'este paiz abundam os abibes como em nenhum outro. «Estas aves captivas, principalmente se as apanharem ainda novas, são bastante interessantes. Domesticam-se rapidamen- te, aprendem a conhecer o dono, seguem- 21 n'o, veem comer á mão, e vivem até nas melhores relações com os galos e os cães, ganhando certa autoridade sobre as ou- tras pernaltas suas companheiras. A principio alimentam-se de vermes, e a pouco e pouco habituam-se a comer pão. E' possivel conserval-as muitos an- nos, se durante o inverno estiverem em sitio abrigado» (Brehm). O VIRA-PEDRAS Tringa interpres, de Linneo — Le tourne-pierre à coller, dos francezes Encontra-se no nosso paiz esta especie do genero Strepsilas como ave d'arriba- cão, posto que não seja commum como as especies antecedentes. O nome de vira- pedras que lhe démos, e por que vulgar- VOL. III 222 MARAVILHAS DA CREAÇÃO mente a conhecem os francezes, tourne- pierre, e os inglezes turn-stone, deve-o ao meio singular que emprega para obter o alimento : com o auxilio do bico, que lhe serve d'alavanca, levanta as pedras e os seixos, para devorar Os insectos e vermes que sob elles se abrigam. Pareceu-nos bem cabido este nome, e poder adoptar-sc, na falta de nome portuguez, que o não tem, encontrando-se no catalogo do museu de Coimbra com o de maçarico, porque provavelmente assim o conhecem n'algum ponto do paiz, posto que este nome pertença realmente a outra especie, como adiante veremos, e tambem alli egualmente citada. O vira-pedras tem o bico do compri- mento da cabeça, pontudo e rijo na ex- tremidade; azas estreitas, cauda regular e um tanto arredondada; tarsos grossos e curtos, quatro dedos, sendo os tres anteriores reunidos na base por uma membrana muito pequena. A fronte, as faces, a garganta, a parte inferior das costas e uma faxa trans- versal nas azas são brancas; a frente e os lados do pescoco e do peito negros; o dorso malhado de negro e de vermelho, a parte superior da cabeça raiada de preto e branco ; as remiges annegradas, e as rectrizes brancas na base e na extre- midade, com uma faxa negra e larga proxima do peito; bico negro e pés d'um amarello alaranjado. Mede 0,"25 de com- primento. E uma especie cosmopolita, habitando tanto no antigo como no novo conti- nente: na Noruega, na Italia, no Egy- pto, no Cabo da Boa Esperanca, no Brazil, na India, e sempre á beira d'agua. Emigra regularmente do norte para o sul nos fins d'agosto e regressa nos fins d'abril ou meiado de maio, vivendo na epoca da emigracão aos bandos e no verão aos casaes. É vivo e bulicoso o vira-pedras, sendo raro vél-o parado du- rante o dia, e mesmo já de noite se lhe ouve a voz. Vôa rapidamente, remon- tando quando lhe é recessario, ou adejan- do a pouca altura do solo. E timido e pru- dente, não sendo facil observal-lo por muito tempo; que para elle o homem é um inimigo perigoso, de quem busca es- quivar-se mal o enxerga. O seu alimento consiste principalmente nos pequenos animaes que encontra na areia ou sob as pedras e os seixos á beira mar, não desdenhando os insectos; mas d'estes pouco consumo póde fazer, sendo as suas caçadas d'ordinario nas praias, quando a baixa-mar as deixa a desco- berto, e onde não ha insectos. O ninho é feito no solo e coberto de algumas hervas seccas, e ahi põe a femea de tres a quatro ovos. Parece que a carne do vira-pedras não é de todo má. O OSTRACEIRO Haematopus ostralegus, de Linneo — Le huitrier, dos francezes Esta especie, a unica do genero Hae- matopus que frequenta a Europa, tem, e bem assim os seus congeneres, o bico longo, robusto, tão alto como largo na base, e no resto comprimido ; azas regu- lares, cauda muito curta, tarsos vigoro- sos e não muito longos; tres dedos, re- unidos o do centro e o externo na base por uma menbrana. Tem o ostraceiro as costas negras lu- zidias, e bem assim a frente do pescoco e a garganta; a parte inferior do dorso, o uropigio, o peito e o ventre brancos ; as remiges primarias e as rectrizes negras, brancas na base; o bico vermelho vivo mais claro na ponta, e os pés vermelhos claros. Mede 0,”44 de comprimento. Encontra-se em todas as costas da Eu- ropa, e é commum em Portugal, O nome de ostraceiro provém a esta ave, no dizer d'alguns autores, do ha- bito que tem d'abrir as conchas das os- tras e outros mariscos para comer o con- teudo. Buffon diz o seguinte: «O ostra- ceiro, vendo uma ostra ou qualquer ou- tro marisco bivalve que o mar arroja á praia, espreita o momento em que elle entreabrindo a concha lhe permitta ahi introduzir a ponta achatada do bico, ob- tendo em seguida a separação completa das duas partes da concha pelo systema dos rachadores de lenha, que, segurando o tronco no gume do machado, batem com elle contra o solo até abrir-se. Assim faz o ostraceiro á ostra, e partindo a char- neira fica o mollusco a descoberto e póde ser devorado.» Como o nosso intento é que os lei- tores conhecam da historia dos animaes o que realmente é tido por verdadeiro, e não soffre contestação, sem por fórma alguma querermos armar ao effeito com narrativas proprias a despertar o inte- AVES — O OSTRACEIRO 223 resse, embora se lhes possa negar o se- rem fieis á verdade, transcreveremos o que A. Brehm diz acêrca do assumpto, e as suas observações são dignas de inteira confiança, tanto mais que não é facil acre- ditar que o bico do ostraceiro, por mais vigoroso que seja, possa abrir a concha da ostra quando o homem têm difficul- dade em fazel-o. - «D'onde lhe vem o nome de ostraceiro? E difficil dizel-o, porque esta ave não pesca ostras. Comerá os pequenos mol- luscos ou algum grande marisco de con- cha que o mar arrojou morto á praia, mas não pode abrir uma ostra. Consiste a sua alimentação principal em vermes, com quanto não desdenhe os crustaceos e os peixes pequenos, ou qualquer outro animal marinho...» Fala-nos o autor que acabamos de ci- tar do ostraceiro como sendo das aves ribeirinhas não só a mais esperta e agil, como tambem valente e rixosa. Não es- capa á sua attenção o mais pequeno ani- mal que passa á vista; gritando avisa as outras aves se se trata d'um inimigo, dis- tinguindo perfeitamente o pacifico aldeão e o pescador de qualquer outro viandante, principalmente do caçador, a quem não permitte que se aproxime a tiro d'es- Gr. n.º 384 — 0) ostraceiro pingarda. Corre facilmente, mantendo-se bem no chão mais atoladico, graças aos seus pés palmados, e vôa com firmeza e rapidez. Quando cêrca d'um bando d'estas aves se aproxima alguma outra tida por ini- miga, seja um corvo, uma gralha ou uma gaivota, um dos ostraceiros dá o alarme, e erguendo-se investem todos com o inimigo, perseguindo-o com fu- ror, e gritando denunciam ás outras aves a sua presença. Chegada a epoca das nupcias brigam os machos pela posse das femeas, e os bandos dissolvem-se. Reunindo-se então aos casaes, passam estas aves a viver iso- ladas, formando o ninho entre as hervas, proximo da beira mar, ou na falta d'estas entre os fucos ou O sargaço que o mar ar- roja á praia, numa pequena escavação que ellas proprias fazem. A femea põe dois ou tres ovos, muito grandes, d'um loiro atrigueirado, com manchas e salpicos violaceos claros, trigueiros escuros ou annegrados. Dura a incubação tres sema- nas, findas as quaes os pequenos saem do ovo, sendo a mãe que os guia e pro- tege. Parece que os ostraceiros são susce- ptiveis não só de viver captivos, como tambem se tornam mansos e dados a ponto de conhecerem o dono. Apanhan- do-os novos criam-se bem, dando-lhes a principio peixes, caranguejos e mollus- 224 MARAVILHAS DA CREAÇÃO cos, e a pouco e pouco habituando-os a alimentar-se só de pão. A GALLINHOLA Scolopax rusticola, de Linneo — La becasse, dos francezes A especie citada e outra formam o ge- nero Scolopax. As gallinholas teem o corpo curto e refeito, a cabeca comprimida aos lados, os olhos grandes e situados muito atraz, bico muito longo, direito, com a ponta arredondada; azas regulares, cauda curta, larga e pontuda; pernas curtas cobertas de pennugem até ao princípio dos tarsos; tres dedos dianteiros e um posterior com unha curta cuja extremi- dade assenta no chão. Tem a fronte parda, oito riscas trans- versaes no alto e parte posterior da ca- beca, quatro trigueiras e quatro loiras ; dorso ruivo, malhado de pardo arrui- vado, loiro, pardo trigueiro e negro; garganta esbranquiçada; peito e ventre ondeados de pardo amarellado e de tri- gueiro ; as rectrizes e as remiges malha- das de negro, as primeiras em fundo an- negrada e as segundas em fundo triguei- ro; bico e pés pardos. Mede 0,739 de comprimento. As gallinholas vivem nas mattas, du- rante o verão nas altas montanhas arvo- rejadas do norte e do centro da Europa, até que no outono emigram para os paizes do sul e norte da Africa, onde chegam no mez de novembro. A partir de fevereiro princípia o seu regresso. Não emigram em bandos, voam uma a uma e quando muito duas a par. Não é facil observar a gallinhola du- rante o dia, tanto ella é timida e des- confiada. Não apparece, e se a perseguem agacha-se no solo, com o qual se con- funde na côr. Uma gallinhola acaca- pada, immovel entre folhas, ramos seccos, ou junto duma raiz, escapa á vista mais perspicaz. N'esta posição se conserva, permittindo que o caçador se aproxime a alguns passos apenas de distancia, para então levantar o vôo. Se tudo jaz em completa tranquilli- dade é possivel ver a gallinhola vaguear pela matta mesmo de dia, mas em geral esconde-se nos sitios mais escusos, oceu- pando-se a virar com o bico as folhas seccas que tapizam o solo, apanhando os vermes e as larvas que ellas abrigam. A luz do dia offusca-a, e só ás horas do cre- pusculo apparece nos sitios descobertos, entrando nos campos amanhados, e per- correndo os terrenos humidos. E" erro manisfesto o julgar-se que a gallinhola se alimenta do succo da terra, como muitos creem, pois o seu sustento compõe-se tamsómente d'insectos, larvas e vermes que encontra no solo, oceultos sob as folhas, as quaes, como já disse- mos, ella sabe virar para pol-os a desco- berto, e que alcança tambem introdu- zindo o bico na terra humida ou pouco consistente. A femea faz o ninho n'um tronco ve- lho, entre raizes, na herva e no musgo, aproveitando uma cavidade que já exista ou abrindo-a ella propria, e forrando-a de hervas e folhas seccas; ahi põe tres ou quando muito quatro ovos, seguindo-se a incubação que dura dezesete ou de- zoito dias. Durante este tempo o macho pouco se importa com a femea, mas reune-se a ella tão depressa os pequenos abandonam o ninho, e ambos teem o maior cuidado e desvelo pelos filhos. Para salval-os não duvidam distrahir a attenção do ca- cador, desviando-a dos pequenos, que sa- bem occultar-se entre a herva e o musgo. onde só os cães são capazes de desco- bril-os. Affirma-se que a gallinhola, para salvar a sua progenie, toma a cada um dos fi- lhos por sua vez, segurando-o entre o peito e o bico, e assim vae pol-os em si- tio seguro. Conta um observador, no Magasin pit- toresque de 1850, que havendo encon- trado um ninho de gallinholas com qua- tro ovos, se dispoz a observar o viver d'aquellas aves. Viu muitas vezes o ma- cho agachado ao lado da femea, tendo ambos o bico apoiado no dorso um do outro, e os filhos mal sairam da casca corriam na frente dos paes, que os guia- vam por enire o matto. Finalmente um dia resolveu-se a deitar a mão á pequena familia que quasi se habituara á sua presença, mas o pae to- mando um dos pequenos, seguro entre a garganta e o seu grande bico, escapou- sea toda a pressa, e corria de tal sorte que o nosso homem julgou mais pru- dente deixal-os ir, e já com difficuldade pôde evitar que a mãe desapparecesse com o resto da ninhada. «Parece que as gallinholas se affeicoam ao sitio onde habitaram uma vez, e AVES — A GALLINHOLA 225 ahi voltam nos annos seguintes, como | se pode deprehender do seguinte fa- cto. Um couteiro tendo apanhado uma gallinhola a laco, deu-lhe a liberdade depois de lhe haver posto um annel de cobre n'um pé, e um anno depois póde perfeitamente reconhecel-a com o auxi- lio d'este signal, e verificar que voltára aos sitios onde vivera o anno anterior. A gallinhola é muito aceiada, e por coisa nenhuma d'este mundo deixa de fazer a sua toilette ao erguer-se e an- tes de se deitar. Todas as manhãs e á tarde solta o vôo em direcção do re- gato ou da nascente mais proxima, não | só para beber como tambem para lavar o bico e os pés. A primeira difficuldade para o caçador de gallinholas é descobril-as e obrigal-as a levantar. Occultas no seio das moutas mais espessas, mudas e immoveis, sem que o cão as fareje, embora corra por todos os lados e com perigo de enfadar- se, 0 cacador só conseguirá alguma coisa se bater balseiro por balseiro, sem at- tender aos rasgões que sem duvida os es- pinhos lhe farão no fato e na pelle. Se vir que o cão pára, aproxime-se sem ruido, e calculando por inducção o sitio onde a gallinhola se acoita, colloque-se na Gr. n.º 389 — À gallinhola melhor posição para lhe atirar tão de- pressa ella se levante. Se errar o tiro, pode ir sobre ella, sendo possivel que a veja pousar a curta distancia, mas póde contar que tem com que se divirta. As voltas, os desvios, os rastos que se cru- zam, todos os ardis emfim a que a galli- nhola é muito dada, farão com que elle e o cão por mais duma vez lhe percam a pista, e se o animal finalmente succumbir não será antes de os haver fatigado a va- ler». (Figuier) Não ignora o leitor que a gallinhola é uma das caças mais estimadas, a primeira pela sua carne succolenta, e boccado d'apetite, o que a faz procurada em toda a parte, e contribue para que o numero vá diminuindo progressivamente ainda mesmo nos pontos da Europa onde ou- tr'ora era muito abundante. E' preciso saber-se que além do homem são-lhe ini- migos terriveis as aves de rapina, e que os pequenos teem por principal algoz o raposo, um finorio, amador de bons boc- cados, e a que não falta artes e manhas para conseguir deitar-lhes a bocca. Apezar de timida e arisca a gallinhola pode domesticar-se apanhando-a nova. Torna-se mesmo muito dada e affeiçoa-se ao dono, no dizer de Brehm, responden- do-lhe se elle a chama, e manifestando- lhe a sua amisade por certos movimen- tos e posturas que recordam os da epoca dos seus amores. A principio dá-se-lhes 226 MARAVILHAS DA CREAÇÃO vermes, e habituam-se mais tarde a co- mer pão. À NARSEJA ORDINARIA Scolopax gallinago, de Linneo— La Décassine ordinaire, dos francezes As narsejas, genero Gallinago, differem das gallinholas por terem as pernas nuas ainda acima dos tarsos, estes mais lon- gos, e as fórmas mais esguias. Tres especies frequentam o nosso paiz, a narseja grande (scolopax major, Gmlin) a narseja ordinaria (scolopax gallinago, Linneo) ec a narseja pequena (scolopax gallinula, Linneo). A primeira é rara, a segunda commum, e a terceira muito frequente. Das duas ultimas especies fa- remos a descripção, e representa-as a nossa gravura n.º 386. A narseja ordinaria tem a parte supe- rior do corpo trigueira annegrada, com uma faxa larga loira que nasce no meio da cabeça, e quatro faxas compridas, da mesma côr, no dorso e espadoas; o ven- tre branco, a parte anterior do pescoco parda, o alto e os lados do peito malhados de trigueiro. Mede 0",30. A verdadeira patria da narseja é o norte da Europa e da Asia, d'onde emi- gra no outono para o centro e sul da Europa, norte da Africa e para o sul da Asia, onde passa o inverno. E frequente em toda a parte onde existem grandes pantanos e lameiros, e ahi ani- nha. Executa as suas passagens nos dias sombrios e chuvosos, voando tanto de dia como de noite. Os ovos d'esta especie são lisos, d'um amarello sujo, azeitonado ou esverdeado, com manchas pardas, e sobre estas ou- tras esverdeadas, avermelhadas ou tri- gueiras annegradas. A NARSEJA PEQUENA Scolopax gallinula, de Linneo — La becassine sourde, dos francezes E” mais pequena que a narseja ordi- naria, medindo 0",25 de comprimento, tem a cabeça trigueira com riscas da mesma côr, duas riscas loiras uma por cima e outra por baixo dos olhos; a plu- magem do dorso é azul negra com refle- xos verdese purpurinos e com quatro ris- cas loiras; a da garganta e dos flancos parda ondeada e malhada de trigueiro, no resto branca; as remiges e rectrizes negras com uma orla loira. Na prima- vera o colorido é mais sobre o arruivado: do que no inverno. Emigra dos paizes do norte á imitação da especie antecedente, e no nosso paiz, como já dissemos, é mais frequente do que a narseja ordinaria. Falta-n'os ele- mentos para poder afirmar que a espe- cie aninhe em Portugal, mas fazendo-o em Hespanha é provavel que o mesmo acon- teca no nosso paiz, onde ella é tão com- mum. Os ovos da narseja pequena são mais pequenos que os da narseja ordinaria, verdes-azeitona desvanecidos, com man- chas de um pardo violaceo e salpicos amarellados, trigueiros avermelhados e trigueiros annegrados. Já vimos que a narseja nos seus cara- cleres geraes pouco differe da gallinhola, mas existe entre ambas importante diffe- rença no que respeita aos habitos. Vive a primeira, como dissemos nas mattas, e alli sc acoita; a narseja só frequenta as terras baixas alagadicas e os pantanos, e o seu meio predilecto é o solo enchar- cado coberto de herva, junco e outras plantas aquaticas, tão atoladico que lhe seja facil enterrar o bico. Por alimento tem os insectos, vermes e molluscos que apanha á imitação da gallinhola, e as narsejas tendo comer em abundancia engordam consideravel- mente. E' principalmente ás horas do crepus- culo que estas aves mais apparecem, e que correm d'um para outro lado em busca d'alimento, posto que tenham mais que a gallinhola habitos diurnos. Cami- nham facilmente e voam com rapidez. A narseja ordinaria, depois de remontar à grande altura, afasta-se rapida, batendo as azas precipitadamente, e descrevendo um grande circulo volla pouco mais ou me- nos ao sitio d'onde partiu, fecha as azas, e deixa-se cair. A narseja pequena tem o vôo menos firme, não remonta a grande altura, e d'ordinario limita-se a adejar a pouca altura do solo. Encontram-se muitas destas aves habi- tando no mesmo sitio, mas na opinião de Brehm não se pode dizer que vivem em bandos, porque não são sociaveis, e cada individuo vive sobre si; mesmo as suas viagens fazem-n'as isoladas, e de noite. Só na epoca das nupcias se acasalam, e então o macho e a femea dedicam-se AVES — O SANDERLINGO 22% mutuamente grande affeição, e teem pela sua progenie entranhado affecto. Fazem o ninho no meio das hervas e dos juncos, n'alguma elevação cercada d'agua ou de terreno atoladiço, de dificil accesso ao homem e aos animaes, e ahi n'uma pequena escavação põe a femea quatro ovos, que só ella choca durante quinze ou dezesete dias. Nascidos os pequenos, abandonam logo o ninho ; mas os paes tomam a seu cargo guardal-os e alimental-os por algum tem- po, até que saibam prover ás suas neces- sidades. A carne da narseja é tida como supe- rior á da gallinhola, mas a sua caca é tambem mais difficil do que a desta, re- sultado dos sitios que a narseja frequenta, onde o homem não pode entrar sem gra- ves inconvenientes. Para matar uma nar- seja a vôo é necessario ser bom atirador E” possivel conservar esta ave captiva, mas carece de muitos cuidados. Habi- tua-se rapidamente ao homem e torna-se dada, no dizer de Brehm, fazendo do dia noite e da noite dia, o que a torna pouco interessante e bastante incommoda. 0 SANDERLINGO Charadrius calidris, de Linneo — Le sanderling, dos francezes A esta especie unica do genero Calidris, Gr. n.º 386 — À narseja pequena — À narseja ordinaria a que não conhecemos nome vulgar em portuguez, sendo quasi certo não o ter, conservámos o de sanderlingo que lhe dão os francezes, os inglezes e os alle- mães, e apenas lhe démos terminação mais portugueza. Teem estas aves o bico do compri- mento da cabeça, direito, flexivel, com- primido na base e obtuso na extremi- dade; azas pontudas, cauda curta, pernas nuas acima dos tarsos, e estes delgados ; tres dedos dianteiros separados; e não teem pollegar. Mede 0,719 de comprimento. No inverno o dorso é pardo cinzento claro, sendo as pennas annegradas ao longo da haste e brancas na extremidade; a parte inferior do corpo inteiramente branca. Na primavera teem o dorso negro ou trigueiro arruivado com manchas brancas e amarellas, a parte superior das azas trigueira annegrada com man- chas ruivas em ziguezagues e uma faxa branca; o peito pardo arruivado, tendo as pennas a haste escura e a orla branca; o ventre branco ; os tarsos pardos escu- ros e o bico annegrado. A patria do sanderlingo é o Norte, d'onde emigra para os paizes do sul no inverno, apparecendo n'esta epoca em Portugal com quanto não seja aqui muito commum. Habita á beira mar e só accidental- mente póde ser visto por terra dentro ; no inverno encontra-se aos bandos. Só se reproduz no verão na sua patria, e então os casaes separam-se dos 228 bandos construindo a femea o ninho á borda do mar, onde põe quatro ovos. «Alimenta-se de todos os pequenos ani- maes que o mar arroja á praia e vêem-se aos bandos acompanhando as vagas nos seus movimentos, seguindo-as quando se retiram e recuando na sua frente quando ellas veem subindo e rolando á praia. Levam n'este exercicio horas inteiras. Observam-se tambem a distancia da praia oceupados em espicacar o solo, e de tal sorte azafamados que só dão por quem vem a poucos passos de distancia» (Brehm). O sanderlingo é naturalmente manso, e no dizer de Naumann tão facil de do- mesticar, que bastam poucos dias para se tornar familiar e confiado ao ponto de se deixar pisar pelas pessoas que andam pela casa, ou de ficar entalado entre al- guma porta. A CALHANDRA DO MAR Tringa subarquata, de Temminck — Le becasseau cocorl: dos francezes Do genero Tringa veem ao nosso paiz algumas especies, umas mais frequentes do que outras, e a todas ellas não conhe- cemos o nome vulgar, que julgamos não terem, porque d'elles não faz menção o Catalogo do Museu de Coimbra nem as Instrucções praticas do sr. dr. Barboza du Bocage, obras estas que nos teem servido de guia para a terminologia vulgar das especies d'aves existentes em Portugal. O nome vulgar de calhandra do mar, que damos á especie citada, é traducção do que lhe dá Buffon, alouette de mer. Os individuos d'este genero são peque- nos, airosos, com 0 bico do comprimento da cabeca ou um pouco mais longo, di- reito ou recurvo; pernas altas e nuas muito acima da articulação dos tarsos, terminando estes em quatro dedos, tres anteriores e um posterior. Mudam a penna duas vezes no anno. A calhandra do mar mede 0,”"19 de comprimento. Na primavera tem a parte anterior do corpo ruivo acastanhado claro ou escuro ; O alto da cabeca ondeado de pardo ruivo; a parte posterior da cabeca ruiva ou ruiva acastanhada riscada de negro; a parte posterior do corpo á ex- cepcão do uropigio negra, com manchas ruivas claras cinzentas, ou loiras, e este malhado de branco ; as pennas da cauda d'um pardo cinzento mais escuro no cen- MARAVILHAS DA CREAÇÃO tro e com as hastes brancas ; bico negro e pés trigueiros annegrados. No outono tem a cabeça e a nuca ne- gras com riscas brancas e escuras, dorso e azas annegradas com a haste das pen- nas negras; o ventre esbranquicado ou malhado de pardo, tendo as pennas e as hastes escuras; por cima dos olhos uma risca branca. Habita esta ave no verão em toda a parte septentrional do globo, d'onde emi- gra no inverno para o Sul, chegando até ao Cabo da Boa Esperança e ás Indias. Frequenta o nosso paiz. A calhandra do mar é uma ave mari- tima, que de preferencia frequenta as costas arenosas e planas do mar, onde se encontra aos bandos, andando d'en- volta com individuos da mesma especie ou com outros seu congeneres. Corre todo o dia pela praia, em busca dos pequenos animaes que ahi encontra e que constituem o seu alimento; se a espantam vôa, regressando ao mesmo si- tio depois de haver descripto no ar uma extensa curva. Parece que só aninha na sua patria, formando o ninho no chão, onde a fe- mea põe quatro ovos. O COMBATENTE Tringa pugnax, de Linneo — Le combatant, dos francezes Esta especie unica do genero Philoma- cus tem o bico do comprimento da ca- beca, um pouco inclinado na extremi- dade; azas regulares e cauda curta, chata e arredondada; tarsos altos, delgados, nús ainda acima da articulacão ; quatro dedos, sendo o pollegar curto e articu- lado muito alto. O macho é um terço maior do que a femea. Na primavera a plumagem reves- te-se de variados matizes, e uma linda colleira de pennas compridas orna-lhe o pescoço. «Dar uma descripção exacta do com- batente, que possa applicar-se a todos os individuos, é impossivel. O mais que se póde dizer na generalidade é o seguinte : tem a parte superior das azas trigueira es- cura; cauda parda annegrada e as seis rectrizes do centro malhadas de negro ; o ventre branco. Quanto ao resto da plumagem varia sem fim no desenho e nas córes, princi- palmente a da colleira, formada de pen- AVES—O COMBATENTE nas rijas, aproximadamente com 0,”08 de comprimento, e que lhe tomam a maior parte do pescoço. Sobre fundo negro azu- lado, negro esverdeado, trigueiro arrui- vado escuro, trigueiro ruivo, ruivo claro, e outras córes, tem a colleira malhas, riscas, salpicos e desenhos variados, mais ou menos escuros, e apresentando tal variedade que difficil será encontrar dois eguaes. Pela experiencia sabe-se que to- dos os annos se repete exactamente no mesmo individuo o mesmo desenho e côres eguaes. O peito e o dorso teem as mesmas côres da colleira ou outras; o bico é esverdeado ou amarello esver- deado, os tarsos geralmente d'um ama- 229 rello avermelhado. Mede de 0,730 a 0,735 de comprimento» (Brehm). Estas aves vivem nos paizes septentrio- naes da Europa e da Asia, e nas suas emigrações atravessam estas duas partes do globo e passam até mesmo á Africa. Habitam á borda dos pantanos, e por ve- zes nas costas do mar, sendo das ribeiri- nhas as que mais se afastam da borda d'agua. Apparecem no nosso paiz sem comtudo serem communs. Em nenhuma outra ave como no com- batente o amor opera tão grandes trans- formações, não só na plumagem como no genio e nos habitos. Pacifico e socia- vel, á maneira das outras aves ribeiri- Gr. n.º 387 — Um duelo de combatentes nhas, vivendo em commum e correndo todo o dia, e mesmo de noite á luz da lua, em busca dos pequenos animaes aquati- cos, dos insectos, dos vermes e das se- mentes de que se alimenta, chegada a epoca dos amores o combatente transfor- ma-se e dá razão do nome que lhe de- ram. x «Os machos sustentam entre si conti- nuadas rixas, sem causa conhecida, pa- recendo provavel não ser a posse das fe- meas o movel d'estas frequentes lutas, porque se batem por uma mosca, por um verme, por um insecto, pelo motivo mais futil, quer haja ou não femeas perto d'elles, succedendo outro tanto com os ca- ptivos, que tenham estado engaiolados 22 horas ou annos, e a qualquer hora que seja» (Brehm). «O primeiro macho que chega observa em volta de si e aguarda que appareça outro. Se o segundo não está disposto a bater-se, aquelle espera que venha um ter- ceiro, um quarto, até que possa brigar. Dois adversarios que se encaram investem um com o outro, batem-se emquanto as forças lh'o permittem, e ao sentirem-se fa- tigados retiram para cobrar alento, vol- tando novamente á carga, e só O can- saço põe termo á luta. Estes combates dão-se sempre entre dois, e nunca um terceiro toma parte n'elles; se o espaço o permitte batem-se ao mesmo tempo dois e tres pares em VOL. II 230 MARAVILHAS DA CREAÇÃO duello, sem que nunca resulte briga de maior numero. Sucecedem-se com tal rapidez os golpes dos dois adversarios, que quem os obser- var de longe tomal-os-ha por loucos...» (Naumann). “À femea faz 0 ninho no solo, não longe da borda d'agua, e consiste n'uma pe- quena escavação forrada d'algum rasto- lho onde põe geralmente quatro ovos. Dura a incubação dezesete ou dezenove dias, e n'ella só toma parte a femea, tendo depois a seu cargo a creação dos filhos, que os machos proseguem em brigas re- petidas emquanto houver femeas que não estejam emparelhadas. Chegado o mez de julho terminam as lutas, despem os machos a esplen- dida plumagem que os adorna, e eil-os pacíficos e tranquillos vagucanlo á bei- ra-mar até ao momento d'emigrarem. Apezar do seu natural brigão, o com- batente, no dizer de todos os autores, é muito facil de domesticar-se, e em Fi- guier lemos que na Inglaterra e na Hol- landa, onde apparecem estas aves em grande numero, se criam e engordam para comer. Sem custo se alimentam, a principio com sopas de leite, carne picada muito miuda, vermes vivos. e finalmente com pão. Havendo mais d'um macho, diz Brehm, é preciso que cada um tenha o seu comedouro, pois sem esta precau- cão não teriam termo as brigas. Gr. n.º 388— À chalrêta A CHALRETA Scolopax calidris, de Linneo. — Te chevalier gambeite, dos francezes Frequentam o nosso paiz, como aves d'arribação, algumas especies do genero Totanus — Chevaliers, dos francezes— e entre ellas uma commum, a chalrêta, e outras menos frequentes ou raras. Tem a chalrêta o bico mais comprido do que a cabeça, delgado, com a mandi- | bula superior comprimida na ponta, fle- xivel na base e rijo na extremidade; azas do comprimento da cauda, e esta curta; tarsos altos e delgados; dos tres dedos anteriores o medio e o externo ligados por uma membrana curta; do pollegar só a extremidade toca no solo. A plumagem é parda na parte superior do corpo, e na inferior branca malhada de preto; tem os pés vermelhos. Vivem estas aves c seus congeneres em pequenos bandos na beira-mar ou junto dos rios e lagoas d'agua doce, preferindo os ultimos, e alimentam-se de vermes, de insectos, de larvas, dos girinos, e de rãs e peixes pequenos. São dotadas de grande actividade, e vêem-se constantemente correndo pela praia e pelas margens dos rios, ou dentro da agua, nadando e mergulhando. A chalrêta e todas as aves do mesmo genero que veem a Portugal habitam o AVES — O MAÇAÁRICO GALLEGO norte da Europa e da Asia, d'onde emi- gram para o sul todos os annos, no ou- tono, regressando na primavera. E" nos paizes seplentrionaes que aninham, pouco depois do seu regresso das regiões do meio dia, e a femea põe quatro ovos em ninho construido d'ordinario nas mar- gens dos grandes pantanos d'agua doce, occupando-se ella só da incubação. A chalrêta bem como todos os seus congeneres acostumam-se sem custo a viver captivos, e basta-lhes regular trata- mento e regimen muito simples para vi- verem muitos annos em gaiola. O MAÇÁRICO GALLEGO Sculopax luponica, de Linneo — La barge rousse, dos francezes, Do genero Limosa veem a Portugal duas especies, ambas conhecidas pelo nome vulgar de macarico gallego. Carac- terisam-se estas aves pela sua maior cor- poratura e corpo esguio; bico muito comprido, tres vezes mais longo que a cabeca, direito ou levemente recurvo; azas compridas e pontudas ; cauda curta ; tarsos altos e delgados, terminando em quatro dedos. O macarico gallego da especie citada, e não é facil distinguir as duas especies, tem no estio o alto da cabeca e a nuca Gr. n.º 389 — O d'um ruivo castanho claro raiado longi- tudinalmente de trigueiro; o dorso ne- gro malhado e raiado de ruivo; as co- berluras das azas bordadas de pardo e branco ; o uropigio branco malhado de lrigueiro; a garganta, o pescoco, os la- dos do ventre e o peito ruivos castanhos escuros ; as remiges negras ondeadas de branco ; as rectrizes raiadas transversal- mente de pardo e branco ; bico averme- lhado com a extremidade annegrada, tarsos negros. No outono a côr predominante é parda, e o dorso cinzento com man- chas trigueiras annegradas; as coberturas das azas são negras bordadas de branco, e a parte inferior do corpo branca. Mede 0”, 43 de comprimento. l maçarico gallego A verdadeira patria do macarico gal- lego é o norte da Europa e da Asia, é d'alli emigra para o centro e sul da Europa e da Asiae para o norte da Africa. É commum no nosso paiz. Moram estas aves nas vizinhancas do mar, e na baixamar frequentam as praias e os bancos d'areia que ficam a desco- berto, em busca dos animaes que o mar para alli arroja; outras adiantam-se por terra dentro e habitam nas proximidades dos pantanos. Voam rapidamente, entram na agua até ao ventre, e sendo preciso mergulham e nadam. O alimento consiste em vermes, larvas d'insectos, molluscos, crustaceos e peixes pequenos. O macarico gallego reproduz-se na sua 232 MARAVILHAS DA CREAÇÃO patria, e a femea construe o ninho no solo, nas planicies vizinhas do mar, onde põe quatro ovos. Pode habituar-se a viver captivo, e á imitação d'outras muitas pernaltas de que temos falado torna-se manso e dado, e habitua-se com facilidade a novo re- gimen. O FUZELLOS Charadrius himantopus, de Linneo — L'échasse, dos francezes Do genero Himantopus é esta especie a unica que frequenta a Europa. Das pernaltas é o fuzéllos que relativamente tem os tarsos mais longos, sendo o cor- po pequeno, alongado e airoso ; o bico é direito, comprido e estreito, adelgaçan- do-se para a extremidade, e esta recurva ; azas muito longas e estreitas e cauda curta; tem tres dedos sómente.. Na primavera o fuzéllos tem uma ris- ca estreita negra na parte posterior do pescoco e o dorso negro com reflexos es- verdeados; a cauda parda cinzenta; o resto da plumagem branco com um leve reflexo côr de rosa na metade anterior do corpo. Gr. n.º 390 — O alfaiate No inverno a parte anterior da cabeca e anuca perdem a côr negra e ficam par- das. O bico é negro e os tarsos vermelhos desvanecidos. Mede 0",40 de compri- mento. Habita esta especie o sul e sudoeste da Europa, norte da Africa e centro da Asia. E commum em Portugal como ave d'arribação. Frequenta a beira mar e as lagoas e pantanos do interior, encontrando-se aos casaes na epoca da reproducção, e em fa- milias ou grandes bandos no inverno. Mais do que nenhuma outra pernalta póde o fu- zéllos adiantar-se nos pantanos e lamei- ros, que assim lh'o permittem as longas pernas, ec na vasa, onde enterra o bico, procurar os insectos, que constituem a sua principal alimentação, e bem assim os vermes e pequenos molluscos. Anda com difficuldade, mas voa rapidamen- | te, e distingue-se perfeitamente no ar pelas immensas pernas retesadas para traz. Construe o ninho entre os juncos e as hervas, formado de folhas seccas e raizes, onde a femea põe quatro ovos, amarellos escuros ou verdes - azeitona, AVES — O ALFAIATE 233 com algumas manchas pardas cinzentas, ou numerosos salpicos trigueiros ruivos ou trigueiros annegrados, principalmente no lado mais grosso. A carne do fuzéllos não é boa. O ALFAIATE, FRADE OU SOVELLA Recurvirostra avocetta, de Linnco.— L'avocelte, dus francezes Por todos os tres nomes é conheci- da vulgarmente entre nós a especie do ge- nero Recurvirostra que vive na Europa. Esta ave c os seus congeneres distinguem-se de todas pela forma do bico, duas vezes mais comprido que a cabeca, delgado, flexivel como barba de baleia, com a ponta arrebitada e muito aguda; tem as azas longas, excedendo a cauda que é curta; as duas terças partes das pernas nuas; os tarsos longos e delgados ; tres dedos anteriores e o pollegar quasi nullo e articulado muito acima. O alfaiate tem o alto da cabeca, a nu- ca, 0 pescoço e uma grande parte das azas negros; duas malhas brancas nas azas e o resto do corpo branco ; bico ne- gro e tarsos d'um cinzento azulado. Mede aproximadamente 0”,50 de comprimento, postoque o corpo não exceda o volume do do pombo. Esta ave encontra se em todo o velho continente, e na Europa habita as costas do mar do Norte e do Baltico, e d'ahi emigra para o sul e norte da Africa. E” commum no nosso paiz. O alfaiate é uma ave maritima na ex- tensão da palavra, sendo raro vêl-o n'ou- tra parte que não seja á beira mar ou nos lagos d'agua salgada. O bico é per- feitamente organisado para remexer a vasa a grande profundidade, e ahi apa- nhar os vermes e os pequenos molluscos, e bem assim nas pocas que o baixa- mar deixa na praia e onde formiga um sem numero de pequenos animaes de que elle se alimenta. Como pode nadar, e bem, não é raro vél-o ir em busca de alimento até mesmo dentro d'agua. São muito sociaveis estas aves, posto- que tão bravias e timidas, que não é fa- cil ao homem observalas de perto, fugindo mal o vêem aproximar-se-lhes. Para as outras aves conservam-se indiffe- rentes, e nunca se reunem aos bandos das pernaltas que habitam nas mesmas paragens. Só aninham depois dalli na sua patria, pouco regressarem, em abril, mes e ma e nos campos que avizinham o mar, onde a femea faz uma escavação que tapiza de rastolho e raizes, e onde põe tres ovos e raras vezes quatro. A incubação é feita alternadamente pelo macho e pela fe- mea, e ambos cuidam dos filhos com desvelo, guiando-os para sitio seguro on- de possam oceultar-se. Conduzem-n'os primeiro para junto das grandes pocas de agua para ensinar-lhes a tomar o ali- mento, e mais tarde levam-n'os para o mar. Parece que estas aves se podem con- servar caplivas. A carne dizem ser sof- frivel e os ovos bons. O MAÇARICO REAL Seolopar arquata de Linneo — Le courlis cendré, dos francezes Do genero Numenius veem a Portugal tres especies, sendo commum a que ci- tamos, e que por caracteristicos teem, e bem assim os congeneres, o bico mais longo que a cabeca, arqueado, alto na base e estreito na extremidade; pernas muito altas, nuas acima dos tarsos; azas grandes; cauda mediana; quatro dedos, tres para a frente e o pollegar, que só toca no solo pela extremidade. O macarico real mede de 0,72 a 0",77 de comprimento ; tem o dorso trigueiro raiado de loiro claro e branco na ex- tremidade, com manchas trigueiras lon- gitudinaes; a parte inferior do corpo loira com manchas longitudinaes triguei- ras; as remiges negras, as tres primei- ras bordadas de branco por dentro, as outras com manchas claras dispostas em ziguezagues ; as rectrizes brancas raiadas de trigueiro annegrado; bico negro, e tarsos cór de chumbo. Reproduz-se esta ave no Norte, e emi- era no mez de setembro para o Sul, indo até 90 centro da Africa e sul da Ásia. Não é rara na America. Frequenta a borda do mar, ou as proximidades dos pantanos e dos lamei- ros, e por vezes encontra-se alé nos campos mais aridos, não se fixando em parte alguma, o que leva Brehm a dizer que encontrando-se por toda a parte, não se pode observar regularmente em parte nenhuma. E' desconfiada e caute- losa, foge do homem mal o vê, mas re- une-se com os seus similhantes formando pequenos bandos. O macarico real tem o andar grave e compassado, caminhando 234 todavia com rapidez, e quando se apres- sa não augmenta o numero dos passos, alarga-os. Voa bem e com firmeza, met- te-se na agua até ao ventre e nada quando lhe convem. Por alimento tem os insectos de todas as especies, os vermes, os molluscos, os crustaceos, os peixes pequenos e os re- ptis, e mesmo certas substancias vege- taes, principalmente as bagas. Como já dissemos o macçarico real multiplica-se nos pontos mais septentrio- naes da Europa e da Asia, e o ninho é feito no solo, tapizado de espessa cama- da de folhas que elle para alli transpor- ta, e onde a femea põe quatro ovos maio- res que os do pato. O macho e a femea ETTA ato ] MARAVILHAS DA CREAÇÃO substituem-se na incubação, e ambos são extremosos pelos filhos, expondo-se ao perigo para salval-os. A carne do macarico real é estimada, diz Brehm, menos delicada porém que a da gallinhola, e não tendo o seu verda- deiro sabor senão no fim do verão. Ac- crescenta o mesmo autor que estas aves se habituam com facilidade a viver ca- ptivas, acostumando-se ao dono e aos animaes seus companheiros, e a mu- dança de regimen não as prejudica, con- servando sempre decidida predilecção pela carne. Gr. n.º 391 — O maçarico real O IBIS VERDE Tantalus falcinellus, de Linneo. — L'ibis vert, ou ibis falcinelle, dos francezes. Do genero Ibis frequenta o meio dia da Europa a especie que citamos, que não sendo rara em Portugal, não tem to- davia nome vulgar portuguez. Damos-lhe um dos dois por que a conhecem os francezes, supprindo d'esta sorte aquella falta. O ibis verde e seus congeneres, e d'es- tes falaremos em seguida descrevendo o bis sagrado e o guará vermelho, teem o bico longo, recurvo á imitação d'uma fouce, quasi quadrado na base, adelga- cando para a extremidade que é arredon- dada; grande parte da cabeca e do pes- coco nua; azas compridas, e cauda curta; tarsos medianos, com tres dedos anterio- res unidos por uma membrana até á primeira articulação, e podendo assentar o pollegar quasi completamente no solo. Tem o pescoço, o peito, o ventre, as coxas e a parte superior das azas d'um trigueiro castanho ; o alto da cabeca tri- gueiro escuro com reflexos bronzeados ; o dorso, as remiges e as reclrizes triguei- ros annegrados com reflexos violaceos ou esverdeades ; em volta dos olhos um cir- culo nu pardo esverdeado ; o bico verde escuro sujo e os tarsos d'um pardo es- verdeado. No inverno tem a cabeca e o pescoço negros, e a plumagem da parte inferior do pescoco negra bordada de branco; o AVES—O IBIS VERDE 235 dorso côr de cobre e verde misturada- mente; o ventre e o peito pardos triguei- ros. Mede de 0",52 a 0",63 de compri- mento. Esta especie encontra-se na Europa, na Ásia e no norte d'Africa. E' ave de arri- bação na Europa, e parece que sedenta- ria no Egypto, apparecendo, como acima dissemos, no nosso paiz, no Alemtejo, onde não é rara. Habita o ibis verde nos pantanos e lameiros, nas vizinhanças das lagoas, preferindo os sitios onde na vasa possa encontrar pasto abundante. No dizer de Brehm muda de regimen segundo as es- tações: no verão sustenta-se de larvas, vermes, insectos, e principalmente ga- fanhotos; no outono de molluscos, de vermes, peixes, reptis pequenos, e d'ou- tros animaes aquaticos. Em busca de ali- mento entra pela agua dentro ou mesmo percorre os campos e as charnecas. «O ibis verde desperta a attenção de qualquer observador, bem que, ainda mesmo de longe, se assimilhe com o ma- carico. Caminha tranquillamente, com o pescoço formando um S, o corpo levan- tado na frente e o bico inclinado para o chão, a passos largos e cadenciados. En- tra n'agua mesmo nos sitios fundos, em procura do sustento, e nada sem que a isso o forcem para passar d'uma a ou- tra ilhota. Quando voa estende o pescoço e as pernas, agita as azas rapidamente, paira por algum tempo, e toma novo im- pulso. E” raro encontrar o ibis verde só, quasi sempre voa de companhia, a grande al- tura, em linha, e tão juntos andam uns dos outros que as azas parece tocarem- se.» (Brehm). O ninho fazem-no nas arvores, de or- dinario nos salgueiros, onde a femea põe tres ou quatro ovos, aproximadamente do tamanho dos da gallinha, d'um bello verde azulado tirante por vezes a verde claro. Diz Brehm que se conhece de longe o logar onde estas aves aninham pelo as- pecto das arvores, que perdem as folhas por effeito dos excrementos que sobre ellas lançam. Acêrca d'estas aves captivas, diz ainda o mesmo autor, que é possivel hoje obtel-as na primavera, por precos modicos, di- rigindo-se ao Jardim Zoologico de Pesth. Apanham-se novas, antes de poderem voar, alimentando-as de carne e pão alvo. Domesticam-se rapidamente, e podem-se deixar correr soltas vivendo em boas re- lações com as aves mais pequenas e es- quivando-se da sociedade das maiores. O GUARA” VERMELHO * Ibis ruber, de Gmlin. -— Libis rouge, dos francezes Esta especie differe da antecedente nos seus caracteres, principalmente por te- rem os individuos adultos parte da ca- beca nua. A plumagem é escarlate, e só as barbas externas das remiges e as ex- tremidades das internas são trigueiras annegradas; o bico é escuro na ponta e côr de carne na base; as partes nuas da cabeça são côr de carne; os tarsos ama- rellados. Mede 0”",66 de comprimento. Esta ave é commum na Guiana e ao norte da America do Sul até ao Amazo- nas. O nome de guará vermelho dão-lh'o no Brazil. Habita o guará vermelho á beira mar e na foz dos rios, e n'este sitio construe o ninho. A femea põe tres ou quatro ovos esverdeados em dezembro cu janeiro. Os pequenos só aos dois annos vestem a linda plumagem vermelha dos adultos, e facilmente se amansam podendo viver engaiolados muitos annos. Os que são trazidos para a Europa antes de adquiri- rem a plumagem “d'adultos, não se lhe adorna esta com as córes vivas dos que vi- vem na patria. O IBIS SAGRADO Tantalus ibis, de Linneo. — L'ibis sacré, dos francezes Distingue-se esta especie das duas acima descriptas por ter a cabeça e grande parte do pescoço núas, e algumas pennas das azas com as barbas desfiadas formando uma especie de pennacho. A plumagem do ibis sagrado adulto é branca, com a extremidade das remiges dum negro azulado ; a pelle do pescoco negra avelludada ; bico negro e tarsos tri- gueiros annegrados. Mede de 07,77 a 0,80 de comprimento. Encontra-se no Egypto e na Nubia, Nos seguintes periodos transcriptos de L. Figuier vamos dar a razão do voca- bulo sagrado com que se appellida esta especie. «E antiga a celebridade de que gotam ! Nome vulgar brazileiro, 236 MARAVILHAS DA CREAÇÃO estas aves, e devem-na á veneração que ou- | podem observar-se alguns especimens no tr'ora lhe consagravam no Egypto. Crea- vam-n'as nos templos, e eram tratadas como divindades; nas cidades por tal forma se multiplicavam, que no dizer de Herodoto e de Strabão embaracavam a circulação. Quem matasse um ibis, em- bora fosse involuntariamente, era viclima da populaça que o apedrejava sem pie- dade. Os corpos dos que morriam eram re- colhidos e embalsamados com todo o es- mero, e encerrados em vasos de barro hermeticamente fechados que se deposita- vam em catacumbas especiaes. Numerosas mumias d'ibis se encontraram nos necro- poles de Thebas e de Memphis, e d'ellas | museu da historia natural de Paris. Se o culto dos egypeios pelo ibis é um facto certo e incontestavel, não o é da mesma sorte a origem dessa adoração. Herodoto foi o primeiro a explical-a, real- mente por forma bastante nebulosa, mas que adoptada e arbitrariamente commen- tada pelos seus successores foi por muito tempo acceite pelos sabios. «Os arabes affirmam, diz Herodoto, que a gratidão pelos serviços prestados pe- los ibis, na destruição das serpentes ala- das, é a causa da grande veneração que os egypcios lhes consagram, e que por isso Os reverenceiam.» Seguindo a tradição, as taes serpentes Gr. n.º 392 — O colhereiro aladas vinham todos os annos da Arabia para o Egypto, no começo da primavera. Seguiam sempre o mesmo ilinerario, e invariavelmente passavam por um desfi- ladeiro onde os ibis as iam esperar, e então a carniceria era medonha. Hero: doto accrescenta que tendo ido á Arabia com o fim d'obter dados certos ácerca das serpentes aladas, observou, jazendo no solo, proximo da cidade de Buto, «quantidade prodigiosa d'ossos e espi- nhas dorsaes das ditas serpentes». Depois delle, e provavelmente firman- do-se tamsómente na autoridade dos seus escriptos, houve escriptores que repro- duziram esta fabula, enriquecendo-a de variações mais ou menos phantasiosas : Cicero, Pomponio, Mela, Solino e Eliano Cras A tais fada, ela foram d'esse numero, e na opinião deste ultimo o ibis tal terror inspirava ás ser- pentes, que era sufficiente uma penna d'esta ave para obrigal-as a fugir, e ao seu contacto a morte fulminava-as ou pelo menos eram tocadas de estupor. Nada mais foi mister para que todos os naturalistas admittissem como certo que os egypcios veneravam o ibis em ra- zão dos servicos que este lhes presta- va, destruindo grande quantidade de serpentes venenosas. Era a versão de He- rodoto, substituídas as serpentes aladas d'este por serpentes venenosas, versão, seja dito, livre em demasia. E tambem a opinião de Bourlet, que es- creveu uma memoria destinada a provar que Herodoto quiz, pela denominação de AVES—O IBIS SAGRADO serpentes aladas, designar os gafanhotos que frequentemente atravessam o Egypto, em bandos innumeros, e os paizes con- finantes, devastando tudo na passagem. Esta explicação afigura-se-nos melhor que a precedente, tanto mais sabendo-se ao certo que o ibis não ataca as cobras, pois tem o bico fragil em demasia para tal uso. Apresentada a versão de Bourlet, eis agora a do naturalista Savigny, cujos estudos ácerca d'este assumpto se encon- tram n'uma obra intitulada : Historia my- thologica do ibis. «A braços com as seccas e as epidemias, flagellos que em todos os tempos affligiram 237 os egypcios, observavam estes que os campos, tornados ferteis e salubres pelas cheras d'agua doce, eram em continente habitados pelos ibis, de maneira que um facto era seguido do outro, como se fossem coisas inseparaveis, e d'aqui lhes suppozeram existencia simultanea, attri- buindo-lhes relações desconhecidas e so- brenaturaes. Esta idéa, ligando-se intima- mente com o phenomeno de que depende a existencia d'este povo, isto é, com as cheias periodicas do rio, foi a causa pri- maria da sua veneração pelo ibis, e nella teve origem o culto consagrado a esta ave.» D'esta sorte, segundo o modo de ver Gr. n.º de Savigny, o ibis deve o ser venerado pelos egypcios a annunciar todos os an- nos a cheia do Nilo, e esta opinião é hoje geralmente seguida. Estas aves, cuja affeição pelo Egypto era outr'ora tão viva, que no dizer de Eliano se deixavam perecer á fome transportan- do-as para longe d'aquelle paiz, quasi que hoje alli não apparecem. Este abandono nasce provavelmente do modo porque os modernos egypcios, postergando as cren- ças de seus paes, cacam e comem os ibis À A gravura n.º 392, que por troca levou o titulo de colhereiro, representa o ibis sagrado. 23 | | a 393 — O colhereiro 1 como “qualquer outra ave, sem se preoc- cuparem em nada com a sua qualidade de divindades proscriptas. Assim, espoliado da antiga protecção que tão querido lhe tornava o Egypto, o ibis emigrou da terra ingrata dos Pha- raós. Se ainda alli faz curtas visitas, du- rante a cheia do Nilo, tamanho é o po- der do habito, retira-se bem depressa para o interior da Abyssinia, para onde o acompanham saudades e pezares.» O ibis sagrado emprehende grandes viagens d'uns pontos para outros do con- tinente africano, e encontra-se aos bandos ou aos pares á beira dos rios e dos lagos, VOL. TI 238 ou nos terrenos encharcados, em busca dos insectos e dos molluscos, sendo certo que devora os gafanhotos triturando-os primeiramente, e engulindo-os em se- guida. ista ave construe o ninho sobre as arvores, formando-o de ramos, e ahi põe a femea tres ou quatro ovos com 0 vo- lume aproximado dos ovos de galli- nha. O ibis sagrado domestica-se facilmente, segundo affirma Brehm, que, falando dos que creara, diz serem muito mansos, ac- ceitando o comer que lhes davam na mão, e correndo soltos pela casa atraz das pessoas que os chamavam. Comiam carne e pão, e davam caça aos insectos que apanhavam com o bico nas fendas e nos buracos onde se occultam. A carne do ibis sagrado é saborosa. ! O COLHEREIRO Platelea leucorodia, de Linneo — La spatule, dos francezes Do genero Platalea existem seis espe- cies espalhadas pelo globo, e destas a unica que se encontra na Europa é o colhereiro, que visita o nosso paiz, sendo n'alguns annos frequente. O bico das aves d'este genero é nota- vel pela sua forma singular : chato, largo e arredondado na extremidade, similhante na forma ás espatulas dos pharmaceu- ticos, e d'onde lhe provém o nome fran- cez spatule. Teem as azes longas, largas e agudas; a cauda curta; os tarsos muito altos e vigorosos, com os tres dedos an- teriores palmados na base. O colhereiro é branco, á excepcão d'uma malha amarella desvanecida na garganta ; tem o bico negro com a ponta amarella e os tarsos negros. Mede 0,”"85 de comprimento aproximadamente. E frequente na Hollanda e no sul da Russia, e alguns annos, como já dissemos, apparece em Portugal de passagem, mas não aninha aqui. Encontra-se o colhereiro em pequenos bandos, nas margens vasosas das corren- tes d'agua, á beira dos lagos, e nos pan- tanos que avizinham o mar. «Em busca do alimento vê-se caminhar 1 Por equivoco mencionámos esta especie como sendo o Tantalus ibis, de Linneo, especie de que em seguida nos vecuparemos, e erro que não pôde ser emendado por estar impressa a folha. O Ibis sagrado de que acabamos de falar é o Ibis reli- giosa de Savigny. MARAVILHAS DA CREAÇÃO a passo grave, com a parte anterior do corpo inclinada para o solo, e, deitando o bico para um e outro lado, como faz o alfaiate, remexe a agua e a vasa. É raro vêl-o direito, com o pescoco erguido ; tem-n'o d'ordinario curvo, de modo que a cabeca parece descancar entre as espa- doas, e só o reteza quando carece de ver ao longe. O andar é grave e compassado, mais ! elegante que o da cegonha, o vôo facil e airoso, e muitas vezes descreve circulos no ar. Quando vôa, distingue-se o colhe- reiro da garca por estender o pescoco, e da cegonha pelo bater das azas mais re- petido e precipitado. No: estado livre é raro ouvir-lhe a voz, e nunca se ouvem os colhereiros captivos.» (Brehm). Os colhereiros são muito sociaveis e vivem entre si na mais perfeita harmo- nia. O autor que acima citamos diz po- der concluir das suas observações que esta ave não pode viver longe dos seus similhantes, e que se não recorda de ter visto uma isolada. Parece que os peixes pequenos são o seu alimento mais predilecto, e diz Brehm que o colhereiro pode engulir os que teem 0,"44 a 0,”16 de comprimento, para o que os toma com a maior destreza no bico, virando-lhes a cabeca para dentro. Come tambem outros animaes aquaticos pequenos, crustaceos, molluscos, reptis e insectos. Construe geralmente o ninho nos ra- mos das arvores, e em certos pontos entre os canicos, largo e grosseiro, formado de hastes seccas e folhas dos canicoz, e pelo interior tapizado de folhas seccas e de juncos. A femea põe dois ou tres ovos brancos, com muitas manchas pardas avermelhadas desvaneci- das ou amarellas desvanecidas. Mesmo na epoca das nupcias os colhereiros conti- nuam vivendo em sociedade, e, no dizer de Brehm, construem na mesma arvore tantos ninhos quantos ella pode conter. E o colhereiro naturalmente docil, e habitua-se sem custo a viver captivo e à regimen animal ou vegetal. No dizer do naturalista que temos citado, aprende a conhecer o dono e sauda-o mal o vê, ba- tendo com as mandibulas. No Brazil vive um representante do genero Platalea — a colhereira côr de rosa, cuja plumagem é matizada d'esta côr, pro- duzindo bello effeito. AVES—O ARAPAPÁ 239 O ARAPAPÁ * Cancroma cochlearia, de Linneo— Le savacou huppé, dos francezes O bico d'esta especie, unica do genero Cancroma, é bastante característico: a mandibula superior é arqueada, com a forma duma colher tendo o lado con- cavo para baixo, e recurva na extremi- dade, e a inferior larga e chata, ambas com as bordas cortantes ; azas muito lon- gas e vigorosas e cauda curta; tarsos muito altos e delgados e as pernas cobertas de pennugem até ás articulações dos tarsos ; a plumagem macia e solta; a nuca e a parte posterior da cabeca guarnecidas de | | | pennas muito longas ; em volta dos olhos e na garganta tem a pelle nua. Tem a fronte, a garganta, as faces e a frente do pescoço brancas; a parte infe- rior do pescoco e o peito d'um branco amarellado ; a plumagem do dorso parda clara; a parte posterior e superior do pes- coco e o ventre dum ruivo castanho es- curo; os flancos negros; as remiges e rectrizes pardas esbranquicadas; o bico trigueiro com as bordas da mandibula inferior amarellas; tarsos amarellados. Mede 0,760 de comprimento e 1,714 de envergadura. Habita na Guiana e no Brazil. «O arapapá vive nas moitas e nos can Gr. n.º 394 — O aripapá naviaes que cobrem as margens dos rios do Brazil. Na epoca das nupcias en- contra-se solitario ou aos pares, e vê-se empoleirado nos pontos mais altos das arvores debruçadas sobre a agua. É mais frequente no interior das florestas virgens do que é borda do mar. Ao ver um barco abeirar-se do sitio onde está, salta rapidamente de ramo em ramo e escapa-se à vista do viajante. Alimenta-se de animaes aquaticos mas não come peixes. O principe Wied só en- controu vermes no estomago dos que abriu, e julga que esta ave não conse- guiria apanhar os peixes com o bico Ii Nome vulgar brazileiro. enorme que possue tendo a fórma d'um bote pequeno. Accrescenta este autor que nunca lhe pôde ouvir a voz. Schomburgk diz que o arapapá bate com as mandibulas, á imitação da ce- gonha, e que pelo menos assim acon- tece quando o apanham. Pouco se conhece ácerca da sua repro- ducção, mas sabe-se que os ovos são ar- redondados ou alongados, brancos baços, sem manchas. O TANTALO D'AFRICA Tantalus ibis, de Linneo — Le tantale ibis, dos francezes Vive no norte da Africa uma linda per- nalta do genero Tantalus, que alguns 240 MARAVILHAS DA CREAÇÃO autores collocam entre os ibis e outros incluem na familia das cegonhas. Os tan- talos são aves grandes, de corpo robusto, bico muito grande e similhante ao da cego- nha, grosso na base e um pouco recurvo na ponta; azas compridas e cauda curta; tarsos longos e vigorosos; dedos com- pridos e muito palmados. O tantalo da especie que citamos é branco, com reflexos côr de rosa no dor- so, e as coberturas das azas malhadas de côr de rosa e vermelho escuro : as remi- ges e as rectrizes são de um verde ne- gro luzidio; o bico côr de cera e os pés vermelhos desvanecidos. As partes nuas da cabeça são de um vermelho vivo. Como dissemos, pertence esta especie á Africa septentrional, e alguns autores affirmam que accidentalmente apparece na Europa. O tantalo habita proximo dos rios e dos lagos, aos bandos, e alimenta-se prin- cipalmente de peixes, reptis aquaticos e vermes, que caça dentro da agua. No modo de andar e no vôo assimilha-se á cegonha. Pouco se sabe ácerca da reproducção destas aves, que podem conservar-se ca- ptivas, alimentando-as à maneira das ce- gonhas. A CEGONHA BRANCA Ardea ciconia, de Linneo — La cigogne, dos francezes As aves do genero Ciconia, a que per- tence a cegonha, teem o corpo refeito, peito largo, pescoço vigoroso e de tama- nho regular; bico longo, direito, largo na base e pontudo ; pernas muito altas, nuas muito acima da articulação dos tar- sos; azas muito compridas e cauda curta e arredondada. A cegonha branca tem o corpo todo branco sujo, à excepção das remiges que são negras; 0 bico e os tarsos vermelhos. Mede 17" 15 de comprimento e 2”",36 de envergadura. À femea é mais pequena do que o macho. Exceptuando os paizes mais septen- trionaes, a cegonha frequenta toda a Europa embora não aninhe em toda a parte. Em Portugal é commum no Alemtejo. Emigra no fim do verão da Europa para o centro da Africa, d'onde regressa com a primavera. A cegonha branca habita as planicies extensas e baixas, pouco accidentadas, on- de haja agua corrente em abundancia, e principalmente que sejam pantanosas, parecendo procurar de preferencia os povoados, pois se muitas aninham nas arvores em sitios desertos, a maior parte procura para este fim os telhados das casas e os edificios mais altos. Regressa a cegonha na primavera ao sitio onde viveu no anno anterior. «Po- de-se assistir” á chegada d'estas aves, e vê-se o casal que nos annos prece- dentes se avezou a certas casas des- cer subitamente de grande altura, des- crevendo linhas espiraes, e vir pousar no ponto mais elevado do telhado, mos- trando-se tão habituada áquelles sitios como se nunca os houvera abandona- do.» (Brehm). E” necessario dizer que a cegonha é uma ave util pela quantidade de animaes nocivos que destroe, e data de tempos remotos a protecção que ainda hoje n'al- guns paizes lhe é concedida. No Egypto veneravam-n'a como ao ibis sagrado, de que anteriormente falámos; na Grecia existia uma lei que condemnava á morte todo aquelle que matasse uma cegonha; para os romanos era esta ave emblema do amor filial, e Plinio conta que viu muitas vezes as cegonhas mais novas tra- zerem alimento e prodigalisarem os mais ternos cuidados ás que a edade tornara impotentes para agenciar o sustento. Ainda hoje na Alemanha e na Hollanda são estas aves muito estimadas, e consi- deram como bom presagio que venham aninhar nos telhados das casas. Para isso collocam-lhe alli uma caixa ou uma roda velha enfiada pelo centro na ex- tremidade d'uma vara bastante alta, e a cegonha, acceitando o ninho que tão ge- nerosamente lhe offerecem, guarnece-o de hervas, pennas, folhas de canniços e outras substancias, e ahi estabelece a sua morada. «Sabe conhecer as pessoas e accommo- da-se ás circumstancias, excedendo n'es- te ponto todas as outras aves. Não carece de muito tempo para apreciar de que hu- mor estão a seu respeito os moradores de qualquer sitio: se apenas a toleram ou se a sua presenca lhes é aprazivel. A que dias antes era cautelosa, timida, fugindo dos homens, receiando de tudo, ao vêr a roda posta no telhado ou sobre uma arvore, convidando-a a formar alli o ninho, perde o medo, toma posse da habitação que lhe offerecem, e por tal AVES— A CEGONHA 241 modo se torna confiante que se não es- quiva a que a observem de perto. Aprende a conhecer o seu hospedeiro, a distinguir dos que lhe querem bem os individuos de quem deva arreceiar-se; conhece se a estimam e a vêem com bons olhos, ou se a notam com indiffe- rença: observa tudo, e nunca a expe- riencia a deixa commelter erros» (Nau- mann). «A cegonha, installando-se n'uma ha- bitacão qualquer, onde seja bem tra- tada, perde por fim o habito d'emigrar. Na epoca propria não pode furtar-se a certa agitação, ec acontece mesmo a algumas não resistirem á chamada das suas companheiras selvagens e á neces- sidade de se reproduzirem, porque as captivas tornam-se estereis, e cedendo a taes influencias acompanham os bandos emigrantes. E' certo, porém, que esta ausencia é temporaria, porque no anno seguinte a nossa fugitiva regressa, e vem de novo tomar posse da antiga morada, expri- mindo a sua alegria com os repetidos es- talos que dá batendo com as mandibulas. Mostra-se alegre ao tornar a ver a fa- milia da casa, e reata sem demora as re- lações intimas que a ligavam aos seus antigos hospedeiros. Folga com as crean- cas, acaricia os adultos, faz diabruras aos cães e aos gatos, n uma palavra é tal a sua alegria e tanta a sensibilidade, que de certo não eram de esperar do seu todo melancolico e taciturno. Acompanha a familia nas refeições e toma parte n'ellas; se o dono trabalha no campo, segue-lhe os passos, e vae devorando os vermes que o ferro da en- xada ou da charrua poz a descoberto.» (Figuier). «Alimenta-se a cegonha d'animaes de diversas especies, principalmente dos re- ptis, dos peixes e das rãs, e não devora menos os pequenos roedores e os insectos. Torna-a util a guerra que faz a muitos animaes nocivos. Antes de tomar no bico as cobras grandes, atordoa-as ás bicadas, para em seguida as engulir, de cabeça para baixo, ainda antes de mortas, o que por vezes dá motivo a que a cobra se lhe enrole em volta do pescoço, obrigando a cegonha a um movimento violento com a cabeca para a lançar fóra, ou com o pé a desprendel-a para poder engulil-a. Se está esfaimada, devora as cobras pequenas sem primeiro as atordoar, 2 ácontece que estas, agitando-se-lhes no esophago, se escapem, quando a cegonha abaixa a cabeca para tomar nova pre- sa. E” um espectaculo realmente inte- ressante observar a cegonha caçando as cobras, quando tem muitas reunidas na sua frente. Agradam-lhe as viboras, mas antes de as devorar applica-lhe bom numero de bi- cadas na cabeca. Se alguma lhe morde, anda por alguns dias doente, mas resta- belece-se promptamente» (Lenz). A cegonha busca as rãs nos charcos, e come-as, como já dissemos, o que não faz aos sapos ; parece que estes lhe repugnam e limita-se a matal-os sem os devorar. «Um casal de cegonhas visitava a miudo uma lagoa, e ahi procurava os pequenos crustaceos, que, d'envolta com os sapos, eram os seus unicos habitantes. Quando ao pôr do sol iamos esperar as gallinholas, já as cegonhas se haviam retirado, mas deixavam signaes evidentes da sua estada alli. Eram innumeros os sapos que jaziam á borda d'agua, de ventre para o ar, já mor- tos; e outros com os intestinos saidos e debatendo-se nas ultimas convulsões.» (Naumann). O ninho da cegonha é construido com pouca arte. A primeira camada consta de ramos da grossura d'um dedo, de silvas e torrões; segue-se outra de ramos mais del- gados, de hastes e de folhas dos cannicços, e por ultimo é coberto de hervas seccas, de palha, papeis e pennas. Estes materiaes são transportados pelo macho e pela fe- mea, mas só esta se encarrega da sua col- locação. A postura começa no fim d'abril, e consta de dois a quatro ovos, de casca lisa e fina, brancos e algumas vezes amarellados ou esverdeados. A incubação é feita pela femea, durando vinte e oito a trinta e um dias, e durante este periodo o macho vela por ella, alimenta-a, e pouco se afasta do ninho. Os paes dão o comer aos filhos á imitação dos pombos : introduzem o bico no dos pe- quenos e passam-lhe as substancias meio digeridas da sua ultima refeição. E deste modo tambem que lhe dão de beber. Merece a cegonha que disponhamos d'algumas linhas em seu favor, tornando assim mais conhecida a sua fidelidade conjugal, e tambem para apontal-a como modelo a boas mães. Abunda nas obras de historia natural a narração de factos que 242 MARAVILHAS DA CREAÇÃO são outras tantas confirmações da affeição que liga os casaes desta especie, e do amor que os paes consagram aos filhos. «De todas as observações feitas, e por diversos modos, chega-se à conclusão de que as cegonhas contrahem uniões que duram toda a vida, e que os dois conju- ges guardam entre si mutua fidelidade. Não aflirmamos que por vezes não haja motivo para suspeitas, e que uma vez ou oulra a cegonha, a femea, não tenha ce- dido ás pretenções d'algum macho estra- nho. Ha exemplos d'um macho celibata- rio atacar outro macho mais ditoso, em quanto este guarda o ninho, matal-o ás bicadas, e a femea entregar-se em segui- da ao assassino. E certo, porém, que estes factos não passam d'excepcões, e que nu- merosos outros se podem apontar que falam a favor da fidelidade conjugal das cegonhas. : Houve uma que por espaco de tres an- nos viveu consecutivamente no mesmo sitio agenciando o alimento pelas margens dos ribeiros, e na epoca dos maiores frios procurava abrigar-se nos estabulos. To- dos os annos o companheiro regressava para junto della e o casal entregava-se aos cuidados da reproduccão. A que fi- cava era a femea, e o macho emigrava todos os annos. A partir do quarto outono o macho deixou-se ficar passando o inverno em companhia da femea, durando isto só tres annos, porque gente mal intencionada ma- tou as duas cegonhas, descobrindo-se então que a femea se havia impossibi- litado de viajar, em consequencia duma ferida que recebera» (Brehm). «Em Voralberg, no Tyrol, foi visto um macho que contrariando os seus habitos e o instincto não duvidou passar o inverno alli, junto da companheira, im- possibilitada de voar em resultado d'um ferimento que tivera numa aza.» (Fi- guler). E se encontramos casos narrados nos quaes a fidelidade conjugal é offendida, a culpa é sempre da femea, e vcem para mais fazer resaltar a inquebrantavel leal- dade do macho. «Na aldeia de Tangen, na Baviera, conta Neander, vivia um bando de cegonhas. Rei- nava a melhor harmonia entre os casaes, e a vida destas aves deslisava-se livre e venturosa. Por infelicidade uma das femeas, até alli modelo de honestidade entre as ce- gonhas, deixou-se seduzir pelos galan- teios dum macho ainda novo, na au- sencia do marido oceupado em procurar o sustento da familia. Durou esta ligação criminosa até certo dia em que o macho veiu surprehendel-os, e pôde ser teste- munha da sua infelicidade. Não quiz, todavia, fazer justica em causa propria, e como lhe repugnasse manchar o bico no sangue d'aquella que tanto ama- ra, conduziu-a á presenca d'um tribunal, formado de todas as cegonhas, ao tempo reunidas para a partida do outono. Exposto o facto pelo offendido, que pediu toda a severidade do tribunal para a accusada, foi a esposa infiel condem- nada á morte, e a sentença executada sem demora, sendo a delinquente feita pedacos. O marido, apezar de vingado da traidora, ainda assim foi sepultar a sua dór para sitio bem deserto, e nunca mais delle se ouviu falar. Os habitagtes de Smyrna, conhecedo- res até que ponto os machos das cego- nhas são zelosos da sua honra conjugal, exploram-n'a em proveito das suas diver- sões um tanto crueis. Nos ninhos das ce- gonhas põem ovos de gallinha. O macho, ao vêr este producto insolito, sente o ciume morder-lhe o coração, e suppondo-se trahido pela companheira, esta, por mais que proteste a sua innocen- cia, é entregue ao furor das cegonhas que correm aos gritos do cioso marido. A vicltima, mal fadada e innocente, é feita pedacos, para maior prazer dos taes su- jeitos de Smyrna.» (Figuier). Passemos agora á transcripção de al- guns factos curiosos, para demonstrar o amor d'estas aves pelos filhos. Tem-se visto a femea preferir a morte ao abandono dos filhos ou dos ovos, e serve de prova a historia veridica que se- gue d'um facto d'esta ordem, occorrido durante um incendio na cidade de Delft, na Hollanda. «As chammas irrompiam furiosas de to- dos os lados e lambiam a parte do te- lhado onde existia um ninho de cego- nha. ao tempo habitado pelos pequenos ainda implumes. A mãe, terrificada, ten- tou em vão por todos os meios ao seu alcance salvar a progenie, mas foram im- potentes todos os esforços que empre- gou. Então, já cercada pelo incendio, meio suffocada pelo fumo, abriu as azas, e estendendo-as sobre os filhos morreu ; com elles. AVES — A CEGONHA 243 Bory de Saint-Vincent cita um exem- plo admiravel, de quanto é firme o amor materno das cegonhas. Pouco tempo de- pois de terminada a batalha de Fried- land, o fogo, lancado por um obuz, communicara-se a uma arvore edosa, sobre a qual uma cegonha edificara O ninho e onde chocava os ovos. Só quando o fogo alcançou o sitio onde es- tava o ninho a ave se ergueu, e esvoa- cando perpendicularmente sobre elle parecia aguardar o momento em que podesse salvar os ovos do perigo que os ameaçava. Viram-n'a repetidas vezes des- “ ] cer ao meio das chammas, como que para lutar com ellas, até que, finalmente, surprehendida pela violencia do calor e pelo fumo, foi victima na sua ultima ten- tativa.» (Chenu). «Em 1820, noutro incendio em Kelbra, na Russia, as cegonhas, ameacadas pelo incendio, conseguiram salvar os ninhos e os filhos, lancando sobre elles a agua que transportavam nos bicos. Prova este facto até onde póde attingir a intelli- gencia d'estas aves, excitada pelo amor maternal.» (Figuier). Falta dizer que a cegonha, com to- Gr. n.º 395 — O jaburú da a sua apparencia de mansidão, não é tão inoffensiva como se póde julgar. Naumann, citado por Brehm, diz que el- las vão aos ninhos das outras aves e matam os pequenos que encontram, apezar da resistencia dos paes. Matam alé os seus similhantes doentes, antes da partida, ou as cegonhas domesticas que recusam acompanhal-as. Se irritarem uma cegonha domestica, investe na maior parte das vezes com o seu perseguidor. Se a ferirem defende-se vigorosamente, ás bicadas, que atira de preferencia aos olhos do homem ou do cão que a perse- guir.» A cegonha branca habitua-se facilmente a viver captiva, principalmente se a apa- nharem ainda nova, e domestica-se ao ponto de conhecer as pessoas e seguil-as. Anda á solta, sae e entra, e ella pro- pria busca o alimento. Existem muitos exemplos de quanto estas aves são intelligentes, e de como se affeicoam ás pessoas que as tratam bem. A CEGONHA NEGRA Ardea nigra, de Linneo — La cigogne noir, dos francezes A Portugal vem tambem esta especie, 244 MARAVILHAS DA CREAÇÃO congenere da antecedente. E” mais pe- « culação dos tarsos ; tres dedos anteriores quena e da côr que o nome indica. A sua alimentação consta quasi que ex- clusivamente de peixes, e ao contrario da cegonha branca é arisca, aninha nos si- tios mais solitarios e nas florestas, bem longe dos povoados. Nos caracteres e nos habitos é muito similhante à cego- nha branca de que acabamos de falar. O JABURÚ Mycteria americana, de Linneo — Le jabiru, dos francezes Do genero Mycteria existem diversas especies na America, na Africa e na Aus- tralia, que differem por ter o pescoco nu ou pennugento, pela fórma do bico e pelo colorido. Nos habitos são simi- lhantes. O jaburú, acima citado, que se encon- tra no Brazil, é uma ave grande, de cor- po alongado, pescoço comprido e delga- do, bico muito longo e tarsos bastante altos. É todo branco, com a cabeça e o pes- coco nus, tendo a pelle negra, e só verme- lha a da parte inferior do pescoço; na parte posterior da cabeca tem apenas al- guma pennugem branca; o bico e os pés são negros. Vive em bandos numerosos, á beira dos lagos e dos pantanos, e ahi persegue os reptis e os peixes, que constiluem o seu alimento. A especie que a nossa gravura n.º 396 representa é o jaburú da Africa, que dif- fere da especie americana no colorido, tendo a pennugem variada de negro n'alguns pontos do corpo, e o bico negro no centro e vermelho na base e na ex- tremidade. Mede 17,54 de comprimento. O MARABÚ “Leptoptilos crumenifer, de Hartlaub — Le marabout , dos francezes Da familia das cegonhas vivem na Africa e na Ásia diversas especies do genero Le- ptoptilos, conhecidas por marabiús. Nada teem de formosas estas aves, de corpo robusto, cabeca e pescoco nus, tendo este no fim uma especie de sacco que lhe serve de papo: bico muito longo e muito grosso, quadrangular na base e pontudo na extremidade ; azas largas e cauda mediana ; tarsos muito altos e vi- gorosos; as pernas nuas acima da arti- e o pollegar assentando por inteiro no chão. Tem o marabú a cabeça côr de carne, coberta apenas d'alguma pennugem rara e curta, mais parecida com pellos; a pennugem do dorso verde escura com re- flexos metallicos; a nuca e a parte infe- rior do corpo brancas ; as remiges e as re- clrizes negras bacas; bico amarello sujo e os tarsos negros. Mede 1,”"65 de compri- mento, contando 0,"50 de bico e 0,"33 de cauda. Sob as azas tem o marabú pennas bran- cas compridas, finas e muito leves, muito estimadas, e na Europa conhe- cidas pelo nome de marabús, servindo para enfeitar os chapeos das senhoras. Na In- dia, em certos silios, criam estas aves tamsomente para lhes aproveitar estas pennas. O marabú tem um aspecto singular, que desperta a attenção de quantos o vêem. Nos jardins zoologicos dão-lhe d'ordina- rio a alcunha do conselheiro privado, e realmente, como diz Vierthaler, assimi- lha-se a um funccionario, que curvado ao peso de longos annos de serviço, de cabelleira côr de cenoira, casaca azul es- cura e calças brancas, observa timido e agitado o seu superior, d'aspecto car- rancudo, e aguarda humildemente as suas ordens. Parece, accrescentarei eu, um homem pouco habituado a frequentar boa sociedade, e que pela primeira vez veste a casaca sem saber haver-se com ella. Em Africa chamavamos-lhe o fraque, tanto o marabú se parecia com um ho- mem assim vestido. O porte do marabú está em harmonia com o seu aspecto ridiculo ; tudo n'elle respira indolencia e serenidade. Tanto o andar como o olhar parecem medidos e compassados. Se o perseguem observa pausadamente em volta de si, calcula a distancia que o separa do inimigo, e por ella regula o andamento. Se o caçador avança de vagar imita-o ; se elle apressa o passo, eil-o a caminhar mais rapido, e se finalmente o homem pára, o marabú estaca ao mesmo tempo. Em campo aberto, onde o marabu possa guardar sempre à mesma distancia, é raro que se deixe apro- ximar a tiro de espingarda ; não vôa, mas caminha sempre a trezentos ou quatro- centos passos do caçador. » (Brehm). Accrescenta o autor referido que em Charthoum, na Africa, os marabus, ex- AVES — O MARABU 245 ME SS. ES aa Goto eee tee eee eee tremamente cautelosos, viviam nas me- | d'esse dia vinham ao matadouro, toman- lhores relações com os cortadores d'um matadouro situado ás portas da cidade ; penetravam no edificio, para apanhar os despojos que topavam no chão, e che- gavam mesmo a importunar os homens para que lhes dessem de comer. Os cor- tadores toleravam-n'os, e quando mui- to, á forca de se verem perseguidos pe- los marabús, atiravam-lhes alguma pedra. Na primeira vez, porém, que o nosso narrador derrubou um a tiro, os com- panheiros mudaram de tactica, c a partir do todavia a precaução de postar vigias, e mal divisavam ao longe algum homem branco voavam. Os marabús na India vivem em inti- mas relações com o homem, e este levando em conta os servicos que elles lhe prestam, expurgando as ruas de toda a casta de despojos e immundicies que se tornariam nocivas, deixa-os transitar livremente. «Na India, no dizer de Dussumier, os marabús são tão venerados como os ibis Gr. n.º 396 — O marabú o eram no Egypto, e tendo a salvaguar- dal-os a protecção official da autoridade, tornam-se mesmo incommodos e peri- gosos para os viandantes. São mumerosos em todas as grandes cidades da India: passeiam pelas ruas de Calcuttá, entram nas casas, vão aos ma- tadouros, e a horas certas reunem-se nos sitios onde sabem que haja pitança, por exemplo, nos quarteis, para alli recebe- rem os sobejos do rancho. Nos monturos são hospedes certos, e disputam aos abutres a carne ou os des- pojos corruptos dos animaes. Véem-se, à imitação d'aquellas aves de rapina, pou- 24 sados sobre os cadaveres que o pobre hindou confiou ás aguas sagradas do Gan- ges. A protecção de que gozam torna-os de tal modo petulantes que não toleram da parte dos caminhantes a mais leve aggres- são, sem que se dêem ares de querer de- fender-se ou buscando mesmo vingar-se.» (Brehm). Em Calcuttá e Chandernagor paga a multa de dez guineos quem matar um marabú. Estas aves, que vivem, como já vimos, nos povoados, aninham todavia nas flo- restas sobre as arvores, longe dos sitios ha- vuL, mi 246 MARAVILHAS bitados. A femea põe dois ovos grandes e brancos. O marabú domestica-se sem custo, mas é difficil conserval-o pela sua immensa voracidade. Conta Brehm que d'algumas destas aves que matou pôde sacar do esophago ore- lhas de boi inteiras, pés do mesmo com as unhas, ossos tão grandes como nenhuma outra ave seria capaz de engulir, etc.; e referindo-se ainda ao appetite voraz do ma- rabú, narra o seguinte caso : «Vi uma vez dez a doze marabús que no Nilo estavam occupados a pescar, e davam testemunho da sua habilidade, pouco vulgar, porque, dispostos em cir- culo, uns enxotavam os peixes para 0 lado dos outros, e assim serviam-se mutua- mente. Um dos marabús apanhou e enguliu um peixe maior; mas este debatia-se no esophago, obrigando-o a dilatar-se consideravelmente. Visto isto pelos com- panheiros, cairam sobre elle maltratan- do-o, afim de lhe tirarem a presa, e para a não largar teve o marabú de fugir. 0 BICO ABERTO Anastomus lamelligerus de Temminck—Le bec-ouvert dº Afrique, dos francezes Do genero Anastomus existem duas es- pecies, uma que vive na Africa e outra ao sul da Ásia, sendo esta commum na India. Devem estas aves o nome de bico-aberto á forma singular do bico, grosso, muito comprimido nos lados, e com as man- dibulas arqueadas em sentido opposto, de modo que, unindo-se na base e na ex- tremidade, deixam no centro um espaco vazio; teem as azas grandes, a cauda curta, e os tarsos similhantes aos da cegonha. A especie da Africa, acima citada, é mais pequena que a cegonha, e as has- tes da pennugem do pescoço, do ventre e das coxas, transformam-se na extremi- dade em laminas longas e estreitas, cor- neas ou cartilaginosas com reflexos ver- melhos ou esverdeaios, que matizam lin- damente a plumagem negra; os tarsos são negros. Vive esta especie no centro e sul da Africa, e Brehm diz que ella habita Mo- cambique. Mora junto d'agua em grandes ban- dos, assimilhando-se no todo e no vôo á cegonha. Alimenta-se de peixes, reptis aquaticos e mariscos de concha, e sabe DA CREAÇÃO abrir esta partindo com o bico a char- neira. A GARÇA REAL Ardea cinerea, de Linneo.—ZLe heron cendré, dos trancezes Teem as, garças, genero Ardea, o corpo esguio; o pescoco longo e delgado, e a cabeca pequena; o bico mais longo que a cabeca, vigoroso, direito, muito comprimido, e dentado na ponta; azas compridas e largas; cauda curta e ar- redondada; tarsos altos, e os dedos lon- gos armados d'unhas agudas, a do meio dentada interiormente. Os adultos teem na parte posterior da cabeca pennas alongadas formando poupa. À garça real tem a fronte e o alto da cabeça branco; pescoço esbranquiçado, e costas cinzentas raiadas de branco ; as pennas da poupa, tres ordens de malhas na frente do pescoço e as remiges pri- marias, negras; as remiges secundarias e as rectrizes pardas; as partes nuas da face d'um amarello verde; o bico côr de palha e os tarsos negros atrigueirados. Mede 1,” 15 de comprimento. Encontram-se estas aves em todo o elobo, emigrando d'uns para outros pon- tos. Apparecem em outubro. nos paizes do meio dia da Europa para d'aqui pas- sarem á Africa, d'onde regressam em março e abril. No nosso paiz são com- muns. Viajam em bandos, de dia, voando a grande altura, e estabelecem a sua resi- dencia á borda d'agua, tanto nas praias como nas ribeiras, procurando sempre sitios onde ella não seja muito profunda, e possam dar caca aos reptis, ás rãs e aos peixes que constituem o seu alimento. Ou- camos a descripção de Naumann, citado por Brehm, descrevendo, como testemu- nha ocular, o modo porque estas aves apanham a presa. «Mal chegam á borda da lagoa, não sus- peitando que alguem as observa, as garcas entram pela agua dentro e começam a pes- ca. Com o pescoço curvo, o bico inclinado para baixo, o olhar fixo na agua, cami- nham pausadamente, e, avançando em si- lencio até a agua lhes cobrir os tarsos, gyram desta sorte em volta da lagôa. A cada momento, porém, o pescoço reteza-se como que impellido por certa mola, e umas vezes o bico e outras o bico e a cabeça des- apparecem dentro d'agua, e por cada um destes movimentos apanham um peixe, que é immediatamente devorado ou vi- AVES — A GARÇA REAL rado primeiramente de modo que a ca- beca é sempre a primeira engulida. Se o peixe passa a maior profundidade, a garça mergulha tambem o pescoço, e para manter-se em equilibrio abre as azas, cuja parte superior toca,na agua... Caça d'esta sorte as rãs, os girinos e os insectos aquaticos. As rãs maiores dão- lhe por vezes serios trabalhos: toman- do-as no bico, arremessa-as para tornar a apanhal-as, dando-lhes bicadas até fi- carem semi-mortas, para depois as tra- gar de cabeca para baixo». Comem as garças, alem dos animaes que ja referimos, cobras, pequenas aves aquaticas e pequenos roedores, taes como ratos, os molluscos e vermes. A garça real é muito timida e preca- vida; esquiva-se do homem mal o en- xerga, e não é facil que este possa apro- ximar-se-lhe. Construe o ninho de compa- nhia com os seus similhantes, sobre as arvores nos pontos onde os ramos se bi- furcam, formando-o de ramos seccos, cannas, folhas e palha, forrando-o de pel- les, de lã, e de pennas. A femea põe tres ou quatro ovos, esverdeados, de casca lisa. Dura a incubação tres semanas, e os pe- quenos só abandonam o ninho quando já podem voar, separando-se então os novos dos adultos. Reunem-se as garças por vezes, mesmo as de especies diversas, n'um massiço de arvores, para ahi aninharem, formando uma especie de colonia. Na Alemanha, onde se encontram estas colonias, diz Brehm, contam-se aos grupos de cem ni- nhos. (Chegando a epoca de emigrar partem as garcas e voltam no anno se- guinte, indo cada casal occupar o ninho do anno anterior, ao qual faz as repara- -cões de que carece. «Cérca dos primeiros dias d'agosto, (finda a creação dos filhos) e sempre na mesma data, a colonia, que conta então quinhentos ou seiscentos individuos, pre- para-se para a partida e abandona o sitio onde tem os ninhos. No anno seguinte regressa, e para chegar tem dia fixo como para a partida, havendo a notar que os casaes são com pequena diffe- rença tantos como os ninhos, encon- trando cada um o seu logar, sendo pois certo que a geração nova foi fundar nova colonia n'outro sitio» (Figuier). As aguias e os falcões teem grande predilecção pela carne da garça, e são os seus mais terriveis inimigos. Para esca- 247 par-lhes tem esta como recurso o remon- tar a grande altura, para o que em pri- meiro logar vomita os alimentos que ul- timamente tomou, diminuindo assim o peso, e o que nem sempre lhe aproveita, pois o falcão, levando-lhe vantagem, ata- ca-a pela parte superior. E” então que a garca, sentindo o inimigo proximo se serve do bico, e o aggressor tem de pre- caver-se contra os golpes que ella lhe atira. Se o falcão consegue filar a victi- ma, o que na maior parte das vezes suc- cede, — exhausta esta de fadiga e já sem poder voar, — veem ambos redomoinhan- do parar a terra. Os reis e os nobres, na epoca em que lhes era privativa a caça com o falcão, pelo modo que já referimos ao tratar d'esta ave de rapina, davam a preferencia á garcça e adeslravam os seus falcões especial- mente para cacar esta ave. O vôo alta- neiro das garcas, as ondulações que am- bas as aves descrevem no ar, ora remon- tando ora descendo, o ataque e a defesa, tudo isto dava um espectaculo dos mais attrahentes. A garça real é facil de crear de pe- quena dando-lhe peixe, rãs ou pequenos roedores. A GARÇA Ardea purpurea, de Linneo — Le heron pourpré, dos francezes Esta especie, congenere da antece- dente, é mais pequena, e tem a parte su- perior do corpo cinzenta lavada de ruivo, e o alto da cabeça negro ; o pescoço ruivo com uma risca negra ao meio, na parte posterior, e outras mais estreitas da mesma côr nos lados; faces ruivas claras; a parte inferior do corpo ruiva acasta- nhada com cambiantes purpureos; o meio do ventre negro ; remiges trigueiras ma- tizadas de cinzento e cauda cinzenta; pés d'um trigueiro esverdeado; bico ama- rello. E” commum em Portugal, na provin- cia do Alemtejo. Nos habitos é similhante á garça real. A GARÇA BRANCA Ardea alba, de Linneo — Le heron blanc, dos francezes Esta especie, congenere tambem das antecedentes, é branca pura, com a parte nua das faces dum amarello esverdeado ; bico amarello escuro e tarsos pardos es- 248 MARAVILHAS DA CREAÇÃO curos. Na epoca das nupcias nasce-lhe das espadoas uma plumagem fina e se- dosa, que lhe cobre o dorso, saindo de ambos os lados da cauda em penna- chos. Mede 17,10 de comprimento. Vive no sudoeste da Europa, e ao sul da Siberia, emigrando para o sul da Asia e norte da Africa. E' rara no meio dia da França e em Hespanha. Encontra-se nos mesmos logares que a garca real, isto é, junto das correntes d'agua e dos grandes pantanos, procu- rando os sítios mais escusos e solita- rios. O regimen é egual ao das outras gar- ças, e aninha nas arvores ou nos can- niçaes. Pode viver captiva, e é mais dada que a garça real, affeicoando-se ao tratador. A GARÇOTA BRANCA Ardea garzetta, de Linneo — Le heron garzeite, dos francezes Esta especie é muito similhante à garca branca, mas muito mais pequena, me- dindo apenas 0",66 de comprimento. E' branca, com o bico negro e os tarsos d'esta mesma cór. À garçota branca, que vive nos mesmos pontos que a garca branca, é todavia mais commum. Apparece regularmente de passagem no sul da França. Não dif- fere nos habitos da especie antecedente, sendo dos seus congeneres a mais graciosa e elegante. Pode viver captiva. A GARÇA BOVINA Ardea bubulcus, de Cuvier — Le heron garde boeuf, dos francezes Esta especie da familia das garcas, que para alguns autores forma o genero Bu- bulcus, vive no sul da Ásia e no noroeste da Africa, apparecendo muitas vezes no sul da Europa, e vindo a Portugal ainda que pouco frequentemente. Conhece-se aqui pelo nome vulgar de garça, que serve para confundil-a com as especies que temos citado. Demos-lhe o nome de garça bovina, pela mesma razão que os francezes lhe chamaram garde boeuf ou heron des boeufs e osinglezes cow-heron;e qual seja essa ra- zão mais adiante diremos ao tratar dos habitos d'esta ave. um pombo: mede 0",52 de comprimento. Tem à plumagem branca luzidia, e na epoca das nupcias o alto da cabeca, a frente do peito e o dorso ornam-se de pennas longas d'um ruivo ferrugento ; o bico e os tarsos amarellos Esta ave, à imitação das outras garcas, vive na borda dos lagos e dos rios ou nas terras encharcadas, mas avizinha-se dos povoados, no que differe d'ellas. Do habito de viver na sociedade de certos mamiferos, taes como os bois, os bufalos e os elephantes, se deriva o nome que lhe dão vulgarmente os francezes e os inglezes, como acima dissemos, e o de garca bovina pelo qual a appellidámos. cGosta de viver em companhia dos grandes animaes. No Egypto encontra-se junto dos rebanhos de bufalos, e no Sou- dan de sociedade com os elephantes ou sobre elles. Torna-se n'estes sitios um ver- dadeiro parasita, fazendo o seu principal alimento dos insectos que molestam os mamiferos, e pousa no dorso d'estes para poder dar-lhes caça. O bufalo e o elephante, aprendendo rapidamente a conhecel-a por sua bemfeitora, permit- tem-lhe estas confiancas. No Soudan, em pontos diversos, affir- maram-me que por vezes se vêem vinte d'estas aves empoleiradas no dorso d'um elephante, o que me parece verosimil a julgar pelo que vi. Muitas vezes sobre um bufalo andam oito ou dez garças, e con- fesso que estas aves com a sua plumagem d'um branco brilhante formavam um ap- paratoso adorno ao mamifero. Vive a garça bovina em perfeita inti- midade com os indigenas, e como não ignora que a vêem com bons olhos e que ninguem a molesta, anda sem o menor receio por entre os homens que traba- lham no campo, a ponto de que quem a vê toma-a por ave domestica. Até os pro- prios cães consentem que ella os cate. Não é só d'estes insectos que a garça bovina se alimenta; em occasião oppor- tuna atira-se aos reptis e aos peixes pe- quenos, posto que os invertebrados cons- tituam o seu alimento principal» (Brehm). No Egypto, accrescenta ainda este au- tor, eno Soudan, aninham estas aves nas arvores, e n'uma mimosa ou n'um syco- moro reunem-se todos os ninhos das gar- cas bovinas d'aquelle sitio. Captivas são muito interessantes, domesticam-se sem custo, aprendem a corner na mão do dono, A garça bovina é pouco maior do que ' e apanham as moscas e os insectos. MARAVILHAS DA CREAÇÃO AI des Sa E À Ny ' E AROS 1 Mk E Lo GAI Impresso por Lallemant Frêres, Lisboa. O GORAZ O GARCÊNHO À GARÇA REAL A GARÇOTA BRANCA AVES —O PAPA RATOS E O GORAZ 249 O PAPA-RATOS 1 Ardea comatus, de Linneo, — Le heron crabier, dos francezes Esta especie, congenere da antecedente, tem o nome vulgar de papa-ratos, e Ire- quenta o nosso paiz, pois encontramol-a citada como tal no catalogo do museu de Coimbra, e alli representada por oito exemplares capturados em Portugal. Tem a plumagem branca nas azas, no ventre e na cauda, com o pescoço e o dorso ruivos; na epoca das nupcias tem as pennas longas da parte posterior da cabeça brancas bordadas de negro ; bico azulado e negro para a extremidade ; pés amarellos. O GORAZ ? Ardea nycticorax, de Linneo. — Le heron bihoreau, dos francezes Pertence esta especie ao genero Nycti- corax, e distinguem-se as aves d'este ge- nero das dos generos antecedentes da fa- milia das garças mais pelos habitos do que pelos caracteres. Teem o bico mais curto e os tarsos regulares, e na par- te posterior da cabeça tres pennas gran- des e filiformes. O goraz tem o alto da cabeça, a nuca, a parte superior do dorso e as espadoas ne- gras esverdeadas, o resto do corpo na parte superior e os lados do pescoço cinzentos; o baixo ventre d'um loiro claro, as pen- nas compridas por detraz da cabeça bran- cas, raras vezes negras em parte; o bico negro e amarello na raiz; as partes nuas da cabeca verdes; os tarsos d'um ama- rello verde. Mede de 0",58 a 0,60 de comprimento. Os individuos novos fazem grande dif- ferença dos adultos: teem a plumagem da parte superior do corpo trigueira com malhas loiras e brancas amarelladas ; o pescoco malhado de trigueiro em fundo amarello; o ventre esbranquicado com malhas trigueiras. Não teem poupa. O goraz vive na Europa no verão, sendo muito frequente na Hollanda e na Alle- manha, emigrando para a Africa no in- verno, e apparece de passagem no meio dia da França, em Hespanha e na Italia. Em Portugal não é raro. Fóra da epoca das nupcias o goraz só ao cair da noite se mostra activo, e en- 1 Catalogo das aves do museu de Coimbra. ? Catalogo das aves do museu de Coimbra. tão vôa das arvores onde dorme todo o dia para ir em busca do alimento nas lagoas e nos pantanos. Quando tem os filhos a sustentar pesca de dia, pois a voracidade dos pequenos obriga-o a al- terar os seus habitos. Diz Brehm que o goraz differe das outras garcas, tanto como o mocho do falcão, pois passando todo o dia com o pescoço entre as espadoas, os olhos fechados e immovel, ao pór do sol comeca a despertar, e á maneira que a noite vae caindo vê-se saltar lesto d'uns ramos para os outros, pondo em pratica toda a sua actividade. Pousado nos ramos mais altos das arvores, voa então aos bandos em direcção do sitio onde os aguarda a refeição. Consta esta de peixes, rãs, e tambem d'insectos e larvas. Nidificam nas arvores, a meia altura, na bifurcação dos ramos, e o ninho é construido de ramos seccos por dentro, e mal forrado de folhas de canniços e de hervas. Põe a femea quatro a cinco ovos, verdes por egual. Na Hollanda são muito frequentes as colonias d'estas aves, que fazem o ninho nos massiços das arvores, ás vezes d'envolta com os das outras espe- cies das garças. Em volta das arvores onde estabelecem os ninhos cobre-se o solo de excrementos, como se fôra revestido por grossa camada de neve, e vêem-se os des- pojos de peixes e das rás em estado de putrefacção, denunciando-se pelo fetido que exhalam. Os pequenos tão depressa podem voar separam-se dos paes, sem que, todavia, abandonem o bando de que estes fazem parte, e chegada a epoca d'emigrarem partem todos juntos. Pode conservar-se captivo o goraz, ali- mentando-o de peixe; mas é realmente pouco interessante, pelo habito de dor- mir o dia inteiro. O GARCENHO Ardea minuta, de Linneo — Le heron blongios, dos francezes O garcênho é a especie do genero Ar- deola, que frequenta a Europa. É a mais pequena da familia das garças, uma linda ave de 07,40) de comprimento aproxi- madamente, com o alto da cabeça, a nuca e as espadoas de um negro luzidio esverdeado ; a parte superior das azas e o lado inferior do corpo loiro; os lados do peito malhados de negro ; as remiges 250 MARAVILHAS DA CREAÇÃO e as rectrizes negras; o bico amarello | ou nos ramos das arvores, onde se con- desvanecido e os tarsos esverdeados. As femeas e os pequenos differem um tanto no colorido da plumagem. O garcênho frequenta toda a Europa, da Hollanda para c sul, aninhando n'uns paizes e n'outros apenas apparecendo de passagem. O inverno passa-o no norte da Africa, e em abril emigra para a Europa. E" pouco frequente em Portugal. Vive à borda dos lagos e dos terrenos encharcados, escondido entre os cannicos o to MA á ANA VA = NA TAN Morada A = ANNAN Te < IN , ' k . AETATRA | serva durante o dia, e só de noite aban- dona o seu escondrijo. E mesmo diffi- cil vêl-lo de dia, tão bem sabe occul- tar-se. O seu alimento principal consta de re- ptis, comendo tambem insectos e vermes. Faz o ninho nos cannicaes, onde a femea põe de quatro a seis ovos. O garcênho é facil de habituar-se a viver captivo, e a pouco e pouco vae ga- nhando em mansidão, sem todavia per Ee - F « = > SESES SS = ss =: PÉS IT AEE Gr. n.º 397 — O abelouro der totalmente o seu natural bravio e matreiro. A GALLHNHOLA REAL, OU ABETOURO 1! Ardea stellaris, de Linneo — Le butor, dos francezes Do genero Botaurus vem a Portugal a especie citada, que na primavera vac da Africa ou dos paizes do sul da Europa para o norte, e regressa em setembro ou outubro. As aves d'este genero teem o corpo refeito, o pescoco longo e grosso, na frente e nos lados guarnecido de pennas 10 primeiro nome encontramol-o nas Instruc- ções Praticas do sr. dr. Barbosa du Bocage, e o segundo no Catalogo das aves do museu de Coim- bra. E compridas e largas, e por detraz apenas coberto de pennugem muito fina; o bico estreito e alto, agudo na ponta; as per- nas pennugentas até aos tarsos, e quatro dedos com unhas compridas e vigorosas, muiot curva a do pollegar. Tem o abe- touro o alto da cabeca negro, a parte de traz do pescoco variada de pardo anne- grado e de amarello ; o resto da pluma- gem loiro claro, com malhas negras e tri-. gueiras, que na frente do pescoço formam tres riscas longitudinaes ; a mandibula su- perior atrigueirada, e a inferior esverdea- da; os tarsos são verdes claros. Mede 0”,77. de comprimento. Qualquer ponto que o abetouro es- colha para residencia será sempre na vizinhança de uma lagôa ou de terrenos alagadicos, onde encontre abrigo entre AVES — O GROU os canniços. A falta d'estes refugia-se nas arvores, mas só em ultimo caso. De dia esvoaça a pouca altura do solo, quasi que roçando pelo cimo das can- nas e dos juncos, e só á noite ergue o vôo remontando a grande altura. A toda a familia das garcas, notavel pelas posições variadas e pouco communs que os individuos tomam, o abetouro ga- nha-lhe pelas singulares posturas que escolhe, accommodadas ás circumstan- cias. Se está tranquillo inclina o corpo para a frente e encolhe o pescoço, de sorte que a cabeça descança na nuca; quando caminha ergue o pescoço, e se se enco- lerisa levanta a plumagem, eriça as pen- nas da nuca, abre o bico e põe-se na defensiva. Se fugindo de algum perigo vac es- conder-se, descança o corpo sobre os tar- sos, e ergue o tronco, o pescoco, a cabeca e o bico, de modo que tudo isto forma quasi uma só linha obliqua. Nºesta postura mais parece uma velha estaca aguçada na ponta, ou um molho de cannas seccas, do que uma ave.» (Brehm.) O nome de abetouro dado a esta ave, o de butor que os francezes lhe dão, e ou- tros analogos porque é conhecida nos demais paizes, todos teem por origem a sua voz. Na epoca das nupcias a voz do abetouro é similhante ao mugir do touro, e ouve-se a grande distancia. Reune esta ave á sua inercia natural o ser prudente, bravia e má, e Brehm fa- lando das qualidades do abetouro diz: «Só vive para si, e parece que odeia to- dos os seres: os animaes pequenos são boa presa e mata-os; com os maiores in- veste se se lhe aproximam. Se o adversa- rio é mais forte do que elle bate em reti- rada, mas no ultimo extremo, não poden- do escapar, atira-se a elle com incrivel temeridade, servinco-se do bico com vi- gor e destreza, e de preferencia dirige as bicadas aos olhos do inimigo. O pro- prio homem tem de precaver-se se não quizer ficar ferido e gravemente. O ca- ptiveiro não lhe modifica os maus ins- tinctos, e os abetouros que se criam de pequenos teem todas as más qualidades dos que vivem no estado livre, e por mais comicas que sejam as posições que tomem não conseguem ainda assim an- nullar a antipathia que inspiram.» Alimenta-se esta ave principalmente de 251 peixes, rãs e outros animaes aquaticos, e tambem de cobras, lagartos, aves pe- quenas e mamiferos do tamanho de ratos pequenos. Ha epocas em que só comem sanguesugas, engulindo-as vivas. Construe o ninho entre as cannas ou nos juncos, á borda da agua, com folhas de canna, juncos e folhas seccas, pondo a femea de tres a cinco ovos, trigueiros es- verdeados desvanecidos, que ella só choca, emquanto o macho a distrahe, nas ho- ras vagas, com os seus mugidos. Diz Brehm que na Grecia e no meio-dia da Europa caça-se o abetouro para apro: veitar a carne, que alli acham saborosa, não obstante ser azeitada. O GROU Ardea grus, de Linneo — La grue cendrée, dos francezes As aves do genero Grus, a que per- tence a especie acima citada, teem o corpo alongado e grosso; pescoço longo e del- gado; cabeca pequena e airosa, em parte nua; bico do comprimento da cabeça ou pouco maior, direito ou pouco com- primido nos lados, rijo na ponta; azas grandes e agudas, as remiges secunda- rias mais compridas, com as barbas en- crespadas, formando uma especie de pen- nacho caido sobre a cauda; esta curta e arredondada, e os tarsos muito altos; quatro dedos, sendo o medio e o externo palmados até á primeira phalange, e o pollegar articulado muito acima. O grou tem a plumagem cinzenta, a fronte, e o baixo dos olhos negros com reflexos azues esverdeados; os lados do pescoço esbranquicados e as rectrizes ne- gras; bico avermelhado na base e negro esverdeado na ponta e tarsos annegrados. Mede 1,48 de comprimento e d'enver- gadura 27 55. O grou é essencialmente emigrante; tendo por patria o norte da Enropa e da Asia, emigra da primeira para o centro e leste da Africa e da segunda para a India. Encontra-se com frequencia em Portugal, na província do Alemtejo. Viaja em grandes bandos, partindo em epocas certas, e seguindo todos os annos invariavelmente a mesma direc- cão; vôa todo o dia, do nascer ao pôr do sol, e ouve-se a toda a hora da noite. «A ordem mantida durante as viagens destas aves não é menos digna de admi- 292 ração do que a uniformidade nas epocas em que se effectuam as emigrações. Os grous vôam em triangulo, com uma das esquinas para diante formada por um unico individuo, dos mais vigorosos e peritos, e por consequencia dos mais edosos. A este cabe a tarefa mais difficil e penosa, o encargo de ser o primeiro a fender o ar, e de guiar o bando atra- vez do espaco. Quando o cansaço o impede de proseguir, passa então para a recta- guarda, e outro, capaz de succeder-lhe no MARAVILHAS DA CREAÇÃO posto, vae substituil-o. Todos os indivi- duos do bando obedecem ao chefe, e este de tempos a tempos solta um grilo, como que para chamar os companheiros, ao qual estes respondem sem demora. A voz destas aves é tão forte e estre- pitosa que se ouve de noite a distancia, e denunciam-as as diversas inflexões da voz. De espaco a espaco o bando pousa no solo para descançar, e affirma-se que então um dos grous, de pescoço erguido, é posto de sentinella para advertir os com- Gr. n.º 398 — O grou e a cegonha panheiros de qualquer perigo, soltando gritos de alarme» (Magasin pittoresque, citado por Chenu). O grou possue a faculdade de passar muitos dias sem comer, faculdade, seja dito, que não é rara entre as pernaltas, e alimenta-se de substancias vegetaes, sem todavia desdenhar inteiramente o regi- men animal. Se come hervas. sementes, e fructas, dá caça tambem aos vermes, aos insectos, e uma vez por outra ás rãs e a outros pequenos animaes aquaticos. Encontram-se os grous nas grandes pla- micies cortadas por aguas correntes onde existem terrenos alagadiços; e se se re- unem em bandos numerosos para via- jar, chegados á patria os casaes sepa- ram-se para edificar o ninho, longe uns dos outros, nos terrenos apaúlados, pro- curando as pequenas eminencias que a agua deixa a descoberto, e onde crescem as plantas aquatlicas. Sobre ramos seccos, dispostos com pouca arte, e cobertos de rastolho, fo- lhas seccas, hervas e juncos, põe a femea dois ovos grandes, alongados, que são alternadamente chocados pelo macho e pela femea. Em qualquer occasião o grou AVES — O GROU 253 foge na presença de qualquer perigo e principalmente á vista do homem; mas durante a incubação ou quando tem a de- fender os filhos, resiste até mesmo a este e não duvida atacal-o. Vamos transcrever, ácerca das qualida- des, intelligencia e domesticidade do grou, alguns paragraphos mais interes- santes da descripção de Brehm. «O grou cinzento é ave das mais gra- ciosas, ao mesmo tempo prudente e bem prendada, e as suas faculdades intelle- ctuaes recordam as do homem. Nos mo- vimentos é elegante, e no todo interes- sante até mais não... Linneo reunia os grous ás garcas ; ou- tros autores collocam-n'os junto ás ce- gonhas, mas é certo que differem d'umas e d'outras pelo seu todo e pelo genero de vida. Tem a garça posturas grotescas, e sob diversos aspectos não passa duma caricatura; a cegonha tem do mesmo modo os seus lados ridiculos; mas no grou, pelo contrario, todos os movimen- tos são elegantes, primei palmente quando está de bom humor. O grou apanha pedacinhos de ma- deira ou pedras pequenas, atira-as ao ar buscando apanhal-as de novo; arquea o corpo rapidamente e muitas vezes segui- das, bate as azas, danca, salta, corre d'um para outro lado, busca finalmente por di- versos modos exprimir o seu contenta- mento e bom humor, mas nunca se des- manda e é sempre bello e galante. Não é só no grou livre que se aprende a conhecer todas as suas boas qualida- des; é necessario tel-o por companheiro para poder aprecial-o pelo seu justo valor. Tanto esta ave no estado livre foge do homem, como depois de captiva se lhe affeiçoa. Afóra o papagaio, e dos mais doceis, não ha outra ave que mais intima amizade tome ao homem, e que melhor lhe comprehenda os gestos e mais saiba ser-lhe util. No dono não vê unicamente a pessoa que lhe dá de co- mer: considera-o como um amigo e prova-lh'o. Afaz-se á casa com menos custo que qualquer outra ave, conhecendo-lhe to- dos os cantos; mede o tempo, aprecia o grau de intimidade de cada uma das pes- soas ou dos animaes que a frequen- tam; é um bom mantenedor da ordem, não consentindo que no pateo onde vive a creação haja a menor rixa, e guarda o gado como o faria um bom cão. Investe ás bicadas com quem o maltratar, sol- tando gritos atroadores; mas ao inverso manifesta o seu reconhecimento e os seus excellentes sentimentos, dançando e incli- nando o corpo, e apraz-lhe a sociedade das pessoas que o tratam bem. Não sof- fre injurias, e guarda recordação d'ellas durante mezes e annos; numa palavra é um homem sob a plumagem d'uma ave.» O grou captivo habitua-se a todos os regimens, e póde conservar-se por muitos annos dando-se-lhe sementes a comer. Pre- fere as hervilhas e as favas aos cereaes, e o pão é uma gulodice por elle muito apre- ciada. Gosta de batatas cozidas, rabanos cortados, couves, fructas, mas não des- denha pedaços de carne fresca, e não perde occasião de apanhar um ratinho ou um insecto. A carne do grou era tida outr'ora em grande conta, e os gregos estimavam-n'a muito. Finalisaremos a historia do grou di- zendo que esta ave é conhecida desde a mais remota antiguidade, e muitos escrip- tores antigos falam das suas emigrações. D'envolta com a verdade, referiam gran- de copia de fabulas ridiculas, que tinham curso na Grecia e no Egypto, terras clas- sicas de tudo quanto é maravilhoso, mas fabulas muito longas para aqui podermos referil-as. Não deixaremos, todavia, de narrar a seguinte historia em que os grous teem parte interessante. No anno 540, antes de Jesus Christo, existia na cidade de Reggio, Reghium dos antigos, um poeta lyrico de nome Ibyco, que morreu assassinado n'uma es- trada por dois malfeitores. Na occasião do crime, vendo o malfadado poeta pas- sar sobre a cabeca um bando de grous, ergueu a voz clamando: —«Sêde testemu- nhas da minha morte, ó aves que passaes. Dias depois, estando os assassinos n'uma praca da cidade, e vendo passar os grous, um d'elles disse para o companheiro : «Ahi vão as testemunhas de Ibyco»; pala- vras que, ouvidas por diversas pessoas, fo- ram delatadas á autoridade, que man- dou prender os scelerados e pôde obri- gal-os a confessar o crime. Em seguida foram condemnados á morte. O GROU PANTOMIMA Ardea virgo, de Linneo — La demoiselle de Numidie, dos francezes Do genero Anthropoides é esta a espe- cie européa, e differem estas aves dos 254 grous propriamente ditos por terem o bico mais curto, a cabeca toda coberta de pennugem, e principalmente por um fei- xe de pennas mais longas que teem de cada lado da cabeca. Na parte inferior do pescoco outras pennas longas, de barbas soltas, pendem-lhe ao longo do papo. O grou pantomima tem à plumagem côr de chumbo clara, com as faces, a frente do pescoco e as pennas longas que cobrem o papo negras; o feixe de pen- nas que lhe cobre a cabeca é branco luzidio; as remiges negras e as rectrizes trigueiras; bico verde sujo na base e vermelho desmaiado na ponta e os tar- sos negros. Mede 0”,88 a 0",91 de com- primento. Vive no sueste da Europa e na Asia Central, d'onde emigra para a Africa e sul da Ásia. E ainda mais elegante do que o grou, e não cede a este em intelligencia, se o não excede. Similhante nos habitos á es- pecie antecedente, e mais forte na pan- tomima, põe tal affectação nos seus mais simples movimentos, que d'aqui lhe veiu o nome de demoiselle que lhe deram os francezes. Em tudo o mais é similhante ao grou, à excepção do ninho que é construido em sitios seccos, sendo os ovos mais peque- nos e da mesma côr. Torna-se tão manso como os grous, e vive perfeitamente captivo, reproduzin- do-se até se gozar d'uma tal ou qual liberdade. Diz Brehm que no jardim d'acelimação de Moscow se podem obter destas aves, por preço que não excede ao do grou. O GROU PAVONINO Ardea pavonina, de Linneo— La grue couronnêe, ou oiseaux royal, dos francezes Esta especie do genero Balearica e seus congeneres teem por caracteres genericos a fronte prominente, arredon- dada, coberta de pennugem aveludada, e um feixe de pennas filiformes na parte posterior da cabeca que o animal pode abrir em forma de leque. Teem as faces e a garganta nuas. A plumagem é negra, a poupa de que acima falámos amarella doirada variada de negro; as coberturas das azas brancas ; as remiges secundarias dum trigueiro arruivado ; as primarias e as rectrizes negras; o bico negro com a ponta esbranquiçada e os tarsos annegra- MARAVILHAS DA CREAÇÃO dos. A pelle nua das fontes é branca e a das faces vermelha muito viva. Mede 1",04 de comprimento. A patria d'esta especie, que vem á Europa, é a Africa Central, e alguns au- tores teem-n'a por originaria das ilhas Baleares, d'onde lhe vem o nome gene- rico Balearica. Vive aos pares ou em bandos nas mar- cens dos rios cobertos de moutas ou nas mattas pouco densas, e alimenta-se quasi que exclusivamente de grãos gom- mos, renovos, fructos e insectos. Diz Brehm que estas aves em pé so- bre os bancos d'areia, ao avistar qual- quer objecto ou animal a que não estejam habituadas, começam a dançar Saltando por vezes a mais d'um metro d'altura, abrindo um pouco as azas, e deixando-se cair ora n'um pé ora n'outro. O grou pavonino habitua-se facilmente a viver captivo, c é muito interessante não só pela sua elegancia como tambem pelas suas pantomimas. O SARY-EMA' Dicolophuº cristatus, de Iliiger — Le cariama huppé, dos francezes Vive na America meridional uma es- pecie do genero Dicolophus cujos cara- cleres são os seguintes: corpo sobre o comprido ; cabeca muito grossa e pescoço longo; bico mais curto que a cabeça, di- reito na base e com a ponta recurva, muito similhante ao das aves de rapina, um pouco comprimido aos lados e ras- gado até abaixo dos olhos; pernas muito altas nuas muito acima dos tarsos ; quatro dedos sendo tres anteriores, curtos e ar- mados d'unhas fortes e agudas. Atraz da base do bico tem um feixe de pennas er- guido em forma de poupa. O sary-emá, a que conservámos o nome brazileiro, do qual, provavelmente, os francezes fizeram o seu cariama, tem 0r,84 a 07,85 de comprimento. E par- do,tendo a pennugem cortada de ris- cas muito finas, ondeadas, em zigue- zagues, e alternadamente uma clara ou- tra escura, desenho que só não tem a pennugem do baixo ventre. As pennas compridas da cabeça e do pescoço são trigueiras annegradas, as remiges triguei- ras, sendo as primarias brancas na ex- 1 Nome indigena; obras ineditas do dr. Alexan- dre Rodrigues Ferreira, AVES— O SARY-EMÁ 255 tremidade ; as rectrizes trigueiras anne- gradas no centro, e brancas na extremi- dade e na base, á excepção das duas do centro que são pardas trigueiras por egual. Tem em volta dos olhos um cir- culo azulado; o bico é côr de coral, e os tarsos avermelhados. Da descripção de Brehm feita pelas observações de Burmeister e do principe Wied resumimos o seguinte : Habita o sary-emá nas grandes campi- nas e nas collinas cujo solo se cobre de herva, sendo arvorejado. Só nos sitios onde a herva é alta se encontra esta ave, aos pares na época das nupcias ou fóra desse tempo em familias de tres e quatro individuos. E” difficil observal-a, porque ao menor ruido esconde-se entre a herva e corre rapidamente por entre ella, aga- chando-se, e só de tempos a tempos er- gue a cabeca. A voz é rouca e aspera. Alimenta-se principalmente de insectos, destruindo grande numero de cobras, la- gartos e outros reptis similhantes, pare- cendo que come tambem certas bagas succolentas. Gr. n.º 599 — O sary-emá Os captivos comem carne, pão, insectos, e manifestam verdadeiros instinctos de ave de rapina. Conta Homeyer que se um rato ou um pardal se acerca do come- douro, investe com elles correndo e to- ma-os no bico com notavel pericia, e de- pois de bem os molhar na agua, engole-os Inteiros. Molha principalmente os animaes um pouco maiores, porque aos pequenos, taes como os ratinhos, engole-os a secco. - Faz o ninho nas arvores, a pouca al- tura do solo, com ramos seccos, e a fe- mea põe dois ovos salpicados da cór de ferrugem. A carne é branca e succolenta, mas a caça a estas aves é bastante difficil, pois sendo o sary-emá muito precavido, sabe occultar-se com tal arte que se não vê, e não é facil deixar que o caçador se lhe approxime. Afazem-se estas aves a viver captivas com grande facilidade, tornando-se mes- mo domesticas a ponto de sairem e entrarem livremente, vindo quando as chamam para lhes dar de comer. Nas ca- poeiras vivem em boa harmonia com a creação. O JACAMIN TROMBETEIRO * Psophia crepitans,de Linneo —L'agami bruyant, dos francezes Os trombeteiros, de que existem tres es- pecies, todas da America meridional, teem ! Nome vulgar brazileiro. 256 o corpo refeito; o pescoço regular ; a ca- beça pequena; o bico curto e arqueado; os tarsos longos e os dedos curtos com unhas aduncas; azas e cauda curtas. O jacamin trombeteiro tem a cabeca, o pescoço, a parte superior do dorso, as azas, a parte inferior do peito, o ventre e o uropigio negros; a parte inferior do dorso cinzenta; a curva das azas dum negro purpura com reflexos azues ou ver- des; o peito e a parte inferior do pescoco azues com reflexos bronzeados, em volta dos olhos um espaço côr de carne ; bico branco esverdeado e tarsos côr de carne amarellada. Mede 0”",55 de comprimento. MARAVILHAS DA CREAÇÃO Vive esta ave nas florestas da America do Sul, em grandes bandos que Schom- burgk suppõe terem de mil até dois mil individuos, e o seu alimento consta de fructos de diversas especies, de sementes e insectos. O jacamin vôa com difficuldade mas corre rapidamente; e é principalmente quando o espantam que solta os gritos a que deve o nome de trombeteiro, cons- tando primeiramente d'um som agudo, seguido de certo ruido surdo prolongan- do-se durante um minuto, e que vae dei- xando de ouvir-se como se o objecto que o produz se fosse afastando. Este ruido Gr. singular, que a ave produz com o bico fe- chado, suppõem os indios ter origem no ventre, asseveração que Brehm e outros autores teem por falsa, parecendo, toda- via, não estarem d'accordo na sua ori- gem. Nidifica esta ave no solo, junto das ar- vores, numa depressão pouco profunda do terreno, e põe a femea d'ordinario doze ovos verdes claros. Os pequenos apenas enxutos abandonam o ninho e acompanham os paes. Domestica-se o jacamin trombeteiro com a maior facilidade. «Encontra-se, diz Schomburgk, citado por Brehm, em todas as habitações dos indios, em perfeita li- berdade, servindo de guarda ás outras aves. Conhece os seus tratadores, obedece | | n.º 400 — O jacamin trombeteiro á voz do dono, segue-o como o cão, ás vezes caminha na sua frente, saltando em volta delle e executando os mais extra- vagantes saltos, e se este se ausenta por muito tempo, manifesta o seu contenta- mento ao tornar a vel-o.» Resumindo o que a tal respeito di- zem os autores citados e é confirmado por outros muitos, o jacamin não só na docilidade e affeição ao dono se as- similha ao cão, senão que, á imitação d'este animal, serve para guardar os re- banhos d'aves domesticas, conduzindo-as á noite para casa. Cita-se um jacamin trombeteiro do Jardim d'Acclimação de Paris, que guardava um bando de gal- linhas como se fóra o dono, e chamava-as cacarejando como ellas. AVES— A ANHIMA UNICORNE A ANHIMA UNICORNE 2 Palamedea cornuta, de Linneo.— Le kamichi corn, dos francezes As especies do genero Palamedea, a que pertence a que acima citamos e a anhima chuia que adiante vae, teem por caracte- res a cabeca pequena com hico curto, muito similhante ao das gallinhas; pes- coco comprido e tarsos grossos ; os dedos externo e medio unidos por uma mem- brana, o posterior ao nivel dos anterio- 257 res, e armado com uma unha vigorosa e direita; cauda mediocre e arredondada e dois esporões fortes e recurvos nas azas. A anhima unicorne tem a mais das ou- tras especies um corno delgado na fronte, do comprimento de 07,14 a 07,17, ter- minando em ponta aguda, A pennugem aveludada do alto da ca- beca é esbranquiçada, e annegrada para a extremidade; a das faces, da garganta, do pescoco, do dorso, do peito, das azas e da cauda, trigueira escura, tendo nas Gr. n.º 401 — À anhima unicorne grandes coberturas das azas reflexos me- tallicos esverdeados; na parte superior do pescoço e no alto do peito é parda prateada clara bordada de negro; a do ventre e a do uropigio brancas ; bico tri- gueiro escuro com a ponta esbranquicada, e tarsos côr d'ardosia. Mede 0".82 de comprimento. Encontra-se a anhima unicorne nas flo- restas do centro do Brazil e na Guiana. Vive nas grandes florestas virgens, na vizinhança das aguas correntes, aos ca- I Nome vulgar brazileiro. saes na epoca dos amores, em pequenas familias de quatro a seis individuos fóra d'esse tempo. Pousa no cimo das arvo- res, e entra pela agua dentro em bus- ca de certas plantas e sementes aquati- cas, pois o seu regimen é perfeitamente vegetal. Faz o ninho no solo, perto da agua, formado de ramos, e parece que a pos- tura é de dois ovos brancos. Póde conservar-se captiva esta ave, de genio docil e brando, que raras vezes faz uso das suas armas, fóra das lutas com os seus símilhantes na epoca das 258 MARAVILHAS DA CREAÇÃO nupcias, e que vive em boa harmonia com as oulras aves. Diz Brehm que a anhima unicorne existente no Jardim zoologico de Londres era mansa para as pessoas, mas punha-se na defensiva mal avistava um cão, e sa- bia fazer tão bom uso dos esporões das azas, que, ao primeiro golpe, punha em fuga aquelle que se lhe aproximasse. A ANHIMA CHATA | Palamedea chavaria, de Linneo — Le Kkamichi jidele, dos francezes Differe esta especie da antecedente pela falta do corno na fronte, e por ter a mais uma poupa na nuca. A anhima chaia tem o alto da cabeça e a poupa pardas; as faces, a garganta e o alto do pescoco brancos; o dorso tri- gueiro escuro ; as extremidades das azas, o ventre e o uropigio esbranquiçados ; a parte nua em volta dos olhos côr de carne; o bico negro e os tarsos verme- lhos claros. Habita esta especie no sueste do Bra- zil e no Rio da Prata. Distingue-se a anhima chaia da anhima unicorne, cujos habitos pouco differem, principalmente pela maior disposição da primeira para tornar-se domestica. Apanhando-se ainda nova, a chaia tor- na-se tão dada e habitua-se de tal sorte a viver com o homem, que se pode dei- xar á solta. Conhece o dono e a familia, e deixa-se afagar pelas pessoas a que está afeila. Alguns escriptores affirmam que esta ave, á maneira dos trombeteiros, guia os rebanhos d'aves domesticas, defen- dendo estas em caso de necessidade, e conduzindo-as a casa ao cair da noite. O FRANGO D'AGUA, OU FURA MATTO Rallus aquaticus, de Linneo — Le vale d'eau, dos francezes Teem as aves do genero Rallus o bico mais comprido do que a cabeca, direito ou um pouco recurvo, e comprimido nos lados; tarsos muito altos e dedos delga- dos completamente livres; azas curtas e arqueadas ; cauda muito curta e estreita. O frango d'agua tem a parte superior ! Nome vulgar brazileiro. nº 442 — O frango d'agua | do corpo dum ruivo azeitonado malhado de negro; a cabeça aos lados e a parte inferior do corpo cinzentas azuladas; os flancos raiados de branco e negro; o ven- tre e o uropigio dum ruivo ferrujento tirante a amarello ; as remiges d'um ne- gro atrigueirado baço e as reclrizes ne- gras bordadas de lrigueiro azeitonado ; o bico vermelho com a aresta trigueira e os tarsos verdes atrigueirados. Mede 0,30 de comprimento. O frango d'agua é do norte e centro da Europa; emigrando em epocas certas para o sul, vae até ao norte da Africa. Apparece regularmente no meiado de ou- tubro em Hespanha, e é então commum no nosso paiz. E” mais nocturno que diurno, e a sua actividade cresce com o crepusculo; de dia repousa, e sendo muito timido, es- conde-se nos juncos, no mailto, ou entre AVES — O CODORNIZÃO as hervas dos pantanos. Vôa mal, mas corre com grande velocidade, e é por este modo que procura escapar se O perseguem, voando só no ultimo caso, e nunca para muito longe. Nada bem, e arrisca-se nos sitios mais fundos dos pan- tanos onde não tem pé. Alimenta-se principalmente de larvas e d'insectos, e come tambem sementes. Construe o ninho entre os juncos e os cannicos,; com pouca arte, formado de fo- lhas, SR cannicos, e ahi põe a femea seis a dez ovos, e mais, de casca lisa, com manchas violaceas e pardas cinzen- tas em fundo loiro desvanecido ou es- verdeado, e sobre aquellas outras aver- melhadas ou côr de canella. Os pequenos 259 mal saem do ovo, cobertos de pennugem negra, correm por entre as hervas, mais parecendo ratinhos, e nadam perfeita- mente. A mãe cuida-os até lerem maior desenvolvimento. A carne do frango d'agua é boa, diz Figuier, superior á da gallinha d'agua ; no outono tem sabor delicado. «Os frangos d'agua captivos são muito interessantes, diz Brehm, e rapidamente se avezam á perda da liberdade. A prin- cipio buscam esconder-se por quantos cantos encontram; mas em breve tor- nam-se confiantes e tão mansos que veem comer á mão do dono, deixando mesmo que este os afague, o que poucas aves per- mittem.» Gr. n.º 403 — O codornizão O CODORNIZÃO Rallus crex, de Linneo — Le rale des genéls, dos francezes Esta especie differe da antecedente, para alguns autores formando o genero Crea, pelo bico menos curto do que a cabeca, quasi conico, muito alto na base e comprimido, e por outros caracteres de menor valia. O codornizão é trigueiro malhado de trigueiro azeitonado no dorso, tendo cada penna uma orla d'esta côr; a garganta ea frente do pescoço são pardas cinzen- tas ; os lados do pescoço pardos trigueiros com malhas ruivas trigueiras ; as azas atri- gueiradas com pequenas manchas d'um branco amarellado ; os tarsos côr de chum- bo. Mede 0,30 de comprimento. Vive o codornizão no norte da Europa, e em parte da Asia Central, apparecendo no meio-dia da Europa na epoca da emi- gração. No nosso paiz não é raro. | | | | | O nome de codornizão, ou rei das co- dornizes que lhe dão alguns autores estrangeiros, vem-lhe de se affirmar que em cada bando de codornizes se encon- tra um codornizão, que o governa e di- rige nas viagens, o que vemos desmen- tido por alguns autores. Esta especie frequenta os prados e as searas, não procurando os sitios humidos e pantanosos como o frango d'agua, com o qual se assimilha nos habitos. Dormindo durante as horas do calor, ouve-se quasi toda a noite, sempre oc- culto entre as hervas, ou nos regos á sombra da verdura que os cobre, esca- pando-se a todo o correr por entre a seara se o perseguem, atravessando-a fa- cilmente por mais emmaranhada que es- teja, porque exiguo espaço lhe basta para passar o corpo pequeno e esguio. Só vôa em ultimo caso, rapidamente, mas sem ir longe, parecendo não igno- 260 MARAVILHAS DA CREAÇÃO DR O CC css A ER SOS LS EA rar que mais facil lhe será esquivar-se a quem lhe quer mal correndo ao abrigo da verdura protectora. A grande agili- dade do codornizão reunida á perfeição dos sentidos que lhe permitte distinguir o perigo a distancia, tornam difficil ca- | cal-o a não ser com o cão, porque, cor- rendo na frente do homem, levanta o vôo vendo-se atacado de perto por aquelle animal. Esta ave só aninha na epoca em que à herva está alta, e faz o ninho entre ella, no chão, abrindo uma pequena cova, que tapiza de hervas, folhas, musgo e raizes. ] | Ahi a femea põe d'ordinario sete a nove | ovos, de casca grossa, lisa e brilhante, com manchas pequenas d'um vermelho ocre, vermelhas desvanecidas, trigueiras arrui- | vadas, azues ou cinzentas, sobre fundo amarellado ou branco esverdeado. Du- rante a incubação não é raro deixar-se a femea apanhar á mão, por não querer abandonar os ovos. Ôs pequenos mal nas- cem correm atraz da mãe, e não é facil dar com elles, porque sab2m esconder-se de tal sorte que se lhes não põe a vista em cima. Só excepcionalmente esta ave se repro- Gr. n.º 404 — O jassanã piassoca duz no sul da Europa, e em geral ao chegar á sua patria na primavera. O codornizão é mau não só para os seus similhantes como tambem para os animaes mais fracos, atacando as aves pequenas nos ninhos. Naumann diz ha- ver observado estas aves captivas mata- rem os ratos pequenos e os passarinhos, devorando os miolos aos ultimos. Amansa-se sem custo o codornizão, e acostuma-se a viver engaiolado tornan- do-se muito dado. A sua carne é excel- lente e muito estimada. O JASSANà PIASSOCA : Parra jacana, de Linneo — Le jacana commun, dos francezes Os jassanãs, genero Parra, distin- guem-se principalmente das outras aves pelo extraordinario comprimento das unhas, quasi tão longas como os dedos, que não são curtos . Teem o bico delgado e estreito, mais comprido do que a ca- beca; tarsos muito altos ; cauda curta e azas estreitas armadas d'esporões. A especie acima citada, o jassanã pias- ! Nome vulgal brazileiro. AVES — O CAMÃO 261 O! re me im mm soca, uma das aves ribeirinhas mais com- muns na America do Sul, tem a cabeca, o pescoço, o peito e o ventre negros; as costas, as azas e os flancos trigueiros ruivos; as remiges d'um verde amarellado com a extremidade negra; as rectrizes trigueiras avermelhadas escuras. O bico é vermelho com a ponta amarellada; as carunculas do canto da bocca e a pelle callosa da fronte côr de sangue; tarsos côr de chumbo. Mede 07,28 de compri- mento. Nos pantanos da America do Sul, na Guiana, no Brazil e no Paraguay, onde vegetam as plantas aquaticas de folhas largas, que boiam á superficie da agua, é certo encontrar o jassanã piassoca, andando desembaracadamente por so- bre ellas, em busca dos insectos aquati- cos e das larvas que alli encontra, ou das sementes que aquellas plantas lhe fornecem. Se o espantam foge, mas sendo o vôo rapido, é todavia pouco prolonga- do, e a ave não se afasta para longe. Gritando sempre no momento de erguer o vôo. respondem-lhe todos os jassanãs que houver perto, e uns apoz outros, aproveitando da advertencia, vão fugindo do perigo que os ameaca. Não reina a paz entre os casaes que Gr. n.º 405 — O camão habitam no mesmo sitio ; pois tendo cada um o ninho longe do do vizinho, se en- contra no seu dominio um estranho é certa, a luta e servem-se com vantagem dos esporões que teem nas azas. Aninham por vezes sobre o solo, sem cama para os ovos, e só durante as horas em que o sol os não aquece a femea os cobre, porque no clima em que os jas- sanãs habitam o calor do sol suppre a ausencia da femea. Põe esta quatro a seis ovos, azulados ou côr de chumbo esverdeados, com sal- picos amarellos trigueiros. Os pequenos acompanham a mãe tão depressa nascem. Vivem outras especies congeneres do jassanã piassoca não só na America como 25 na zona tropical do antigo continente, todas notaveis pela sua gentileza, mas difficeis, ao que parece, de viverem ca- ptivas. ; Ê O CAMÃO OU ALQUIMÃO Porphyrio veterum, de Gmlin—ZLe talêve ou poule sultane, dos francezes , O camão é uma linda ave, a unica do genero Porphyrio que frequenta a Europa. Mede 0",50 de comprimento; o bico é vigoroso e muito alto, um pouco mais curto do que a cabeca, prolongando-se pela fronte n'uma grande callosidade acima dos olhos ; tarsos altos, robustos, e dedos muito grandes, completamente li- vres; azas compridas, cauda curta. VOL. III 262 MARAVILHAS DA CREAÇÃO Tem as faces e a frente do pescoço de um azul-turqueza; a parte posterior da cabeca, a nuca, o baixo ventre e as co- xas d'um azul-anil escuro; a parte infe- rior do peito, o dorso, as coberturas das azas e as remiges da mesma côr mais clara; o bico branco com a collosidade frontal vermelha, e os pés avermelhados. Encontra-se no sul da Europa, frequen- tando o nosso paiz no Ribatejo. Já em tempos remotos era conhecido o camão, querido entre os gregos e romanos, a ponto de o crearem nos tem- plos sob a protecção dos deuses. No estado livre habita nos pantanos, fre- quentando os arrozaes, e adianta-se pelas searas, pois o seu principal alimento con- siste em substancias vegetaes, taes como grãos, hervas, gomos, tendo predilecção especial pelas sementes dos cereaes e en- tre estas pela do arroz. Pilha os ninhos das outras aves, destruindo os ovos; e Brehm diz que mesmo os captivos, á maneira das aves de rapina, espreitam os pardaes que veem pousar junto do comedouro, ou esperam os ratinhos á entrada da toca, à imitação dos gatos, para os accommetter, D'uma bicada matam a presa, e em seguida seguram-n'a com um pé, em quanto o outro lhes serve para fazel-a pedacços e leval-os ao bico. Trislam viu O camão matar os patos novos, e eu obser- vei-o frequentes vezes dando caça aos pardaes. Construe o ninho entre os canniços e os juncos, de hervas, juncos, folhas de canna e d'arroz; a femea põe de tres a cinco ovos, de casca lisa, escuros, d'um ama- rello-ocre ou pardos arruivados, com malhas violaceas, e sobre estas oulras isoladas d'um trigueiro avermelhado. Os pequenos nascem cobertos de pennugem azul-escura, com o bico e os tarsos azu- lados, e em breve aprendem a nadar e a mergulhar, acompanhando os paes que os guiam com a maior solicitude guar- dando-os do perigo. O camão vive aos casaes, sem reunir-se a outras aves, nem mesmo ás da sua es- pecie; tem o andar airoso e compassado, e a cada passo agita a cauda. Meio voando e meio correndo atravessa por entre as hervas que fluctuam nos panta- nos; nada perfeitamente, mas não voa por muito tempo nem remonta a gran- de altura. E' facil crear o camão, que se torna manso sem custo, familiarisando-se com as pessoas de casa, e sendo facil de ali- mentar. A GALLINHA D'AGUA, RABILLA, RABISCOELHA |? Fulica chloropus, de Linneo—ZLa poule d'eau, dos francezes São caracteres do genero Gallinula — do qual a unica especie existente na Eu- ropa é a acima citada— o bico conico, | comprimido nos lados, e tendo junto á base na parte superior uma callosidade frontal, menos extensa porém que a do camão ; pés grandes com quatro dedos longos, munidos d'unhas agudas, e guar- necidos d'uma membrana estreita; azas curtas e largas, e cauda muito curta. A gallinha d'agua tem a parte superior do corpo trigueira-azeitonada-escura, O resto do corpo pardo-ardosia-escuro ; os flancos malhados de branco e o uropigio completamente branco; o bico vermelho na base e amarello na extremidade; os tarsos dum verde amarellado. Mede 0,33 de comprimento. Encontra-se esta especie em quasi todos os paizes da Europa, á excepção dos mais septentrionaes, e é commum em Portu- gal, Vive nos pantanos, á borda das la- goas e das ribeiras, dando preferencia aos sitios ricos de plantas aquaticas que po- dem servir-lhe d'abrigo, e onde a agua desapparece sob espesso tapete de ver- duras por sobre o qual a gallinha d'agua gosta de correr. Com o auxilio dos gran- des dedos mantem-se facilmente, servin-. do-lhe tambem para trepar pelos canni- cos. Nada habilmente, e a estreiteza do corpo permitte-lhe passar por entre os can- niçaes mais emmaranhados. Caminha com rapidez no chão firme, a passos largos, e se a perseguem corre tanto como o cão. Vôa com custo, em linha recta, de vrdinario a pouca altura do lume d'agua, com o pescoço e as pernas estendidas. De dia esconde-se entre os canniços, e só de manhã e á tarde apparece nos si- tios descobertos em busca dos insectos e dos molluscos aquaticos que constituem a sua alimentação. Com tal arte se occulta entre a verdura á beira d'agua, ou mer- gulhando completamente para surgir mais longe, e ainda assim por precaução dei- 1 Todos os tres nomes se encontram no catalogo do museu de Coimbra, como dados vulgarmente a esta especie, AVES—A GALLINHA D'AGUA 263 xando apenas vêr parte da cabeca, quan- to seja mister para respirar e exami- nar a situação antes de sair da agua, que dá que fazer ao cacador e mesmo ao cão. A gallinha d'agua nidifica sobre as fo- lhas dos juncos seccos ou verdes, aca- madas, trabalhando o macho e a femea na construcção do ninho. De cada pos- tura, —acontece fazer tres no anno,—põe a femea de sete a onze ovos, de casca grossa e lisa, loira desvanecida, com sal- picos pardos violaceos e pardos cinzen- tos, de envolta com salpicos, malhas e riscos pequenos côr de canella ou tri- gueiros arruivados. Dura a incubação vinte e um dias, e é feita pela femea, que o macho apenas substitue quando ella precisa ir procurar alimento. Os pequenos logo depois de nascidos saem do ninho em companhia da mãe, e poucos dias depois já sabem adquirir o sustento. Os paes então servem pará guial-os e advertil-os dos perigos, sendo certo que correm rapidamente, nadam, mergulham e sabem esconder-se perfei- tamente A gallinha d'agua criando-se de pe- quena habitua-se a um regimen mais àc- commodado ao seu modo de vida, affei- Gr. n.º 406 — A gallinha d'agua e o ninho coa-se ao dono, e torna-se quasi tão do- mestica como o camão. O GALEIRÃO Fulica atra, de Linneo —- La foulque morelle ou macroule, dos francezes Do genero Fulica existem duas especies em Portugal, a citada que é commum, e outra conhecida pelo mesmo nome, a fulica cristata, de Gmlin, menos fre- quente. Os galeirões assimilham-se muito ás gallinhas d'agua; teem o corpo refeito, um pouco comprimido nos lados, cabeça grande, bico mais curto que a cabeça, e mo conico, com a callosidade frontal muito grande; tarsos altos e vigorosos, dedos muito compridos com largos festões mem- branosos, azas regulares e cauda muito curta. O galeirão da especie que serve de epigraphe a este artigo tem a cabeca e o pescoço negros; a parte superior do corpo negra ardosia e a inferior negra azulada. A callosidade frontal que segue ao bico é branca tirante a côr de rosa ; bico branco rosado por cima, mais vermelho por baixo e azul na ponta; pés cinzentos lavados de verde, com joelheiras verme- lhas esverdeadas, Mede 07,50 de compri- mento, 264 Encontra-se na Europa, e, como disse- mos, é commum em Portugal. Habita os lagos e os paúes, onde passa a maior parte do tempo nadando, sendo raro vêl-o em terreno enxuto. Mer- gulha perfeitamente, e a grande profun- didade, não só para ir apanhar ao fundo a maior parte do seu alimento, como tambem para escapar-se se o perseguem. Só vôa em ultimo extremo, com custo, um pouco melhor porém do que a gal- linha d'agua. E mais sociavel do que esta, pois fóra da época das nupcias encon- tra-se em bandos, ás vezes numerosos. «Nos seus quarteis d'inverno, diz Brehm, MARAVILHAS DA CREAÇÃO cobrem por vezes completamente toda a superficie de grandes lagos, alguns que excedem 1 kilometro quadrado.» O galeirão come insectos aquaticos, larvas e vermes, pequenos molluscos e substancias vegetaes. Brehm diz que é provavel que estas aves por vezes aban- donem o seu meio favorito para ir ás searas pastar, por quanto os galeirões captivos comem perfeitamente sementes de diversos cereaes, e até por ultimo preferem-n'os á carne. Faz o ninho nos juncos, á borda da agua, ás vezes fluctuante, formado na base de rastolho e hastes dos canni- Gr. n.º 407 cos, e tendo a camada superior dos mesmos materiaes, empregando-os po- rém mais delgados, e addicionando-lhe juncos, hervas seccas e folhas; por ve- | zes tudo isto habilmente entrelaçado. A postura é de sete a quinze ovos, grandes, de casca lisa, amarella-ocre des- vanecida ou trigueira-amarella com sal- picos e manchas cinzentos-claros, triguei- ros-escuros ou trigueiros-annegrados. A incubação dura vinte e um dias, e os pequenos nascem cobertos de pennugem negra, á excepção da da cabeca que é vermelha. — 0 galeirão Os paes alimentam-n'os, guiam-no's e advertem-n'os do perigo por algum tem- po, mas ainda antes de poderem bem voar já os pequenos se separam d'el- les. A carne do galeirão é ainda peior que a da gallinha d'agua, que não é boa. Diz Brehm que os galeirões só podem viver captivos havendo tanque onde na- dem, e n'esse caso são bastante inte- ressantes pela sua vivacidade e animo richoso. Podem mesmo reproduzir-se, e é então occasião de observar os peque- nos, realmente galantes. AVES MNRNDEM DAS PALMIPEDES As aves comprehendidas n'esta ultima ordem apresentam um caracter commum, pelo qual é facil distinguil-as, e que se encontra na conformação dos pés. Os tres dedos anteriores, e nalgumas o pollegar, estão ligados por uma mem- brana mais ou menos chanfrada na parte anterior ; e dos pés, assim palmados, lhes vem o nome de palmipedes. Esta conformação particular dos pés accommoda-se ao seu genero de vida in- teiramente aquatico, pois estes orgãos assim formados são como que remos, de grande utilidade na natação. A pal- mide — e quem haverá que não tenha visto o pato nadando — abre os dedos e reteza as pernas para traz de modo que os pés, á maneira da pá do remo, encontrando resistencia na agua, dão ao corpo impulso bastante vigoroso para a sua rapida carreira n'aquelle elemento, e basta que a ave una os dedos para de novo as pernas virem para a frente sem abrandarem o impulso adquirido pelo corpo. . Todas as palmipedes nadam, e para muitas qualquer outro meio de progres- são é difficil, vindo a terra só para des- cançarem ou para se reproduzirem ;— e diz Brehm, que as palmipedes são para as aves o que as phocas são para os mamiferos — mas é tambem certo que en- tre ellas algumas ha que correm e voam ainda melhor do que nadam. «As azas bastante perfeitas permittem- lhes fender os ares com extraordinaria rapidez, e algumas destas aves avistam- se no alto mar, a enorme distancia de terra. A certas especies apraz-lhe a tor- menta, o mar embravecido e revolto. Ao bramir das ondas e ao estampido pro- duzido pelo embate furioso dos elemen- tos unem os seus gritos selvagens. O marinheiro, observando com inquie- tação a nuvem que aponta no horisonte, promettendo desfazer-se em chuva tor- rencial, adquire a certeza que ella an- nuncia tempestade proxima se ao mesmo tempo vê desenhar-se as azas brancas do albatroz no ceo negro e ameaçador a ser- vir-lhe de fundo. A natureza mais uma vez se mostrou mãe previdente, e a estas aves destina- das a viverem constantemente na agua não se olvidou de dar plumagem bas- tante densa, e o que é mais, á prova d'agua. A pennugem embebida de certo producto oleoso, segregado pelas glan- dulas que existem no interior da pelle, torna-se impermeavel e nem mesmo dá passagem á humidade. Tratando das especies comprehendidas n'esta ordem, teremos occasião de falar do seu genero de vida, e basta por agora dizer que as palmipedes na maior parte se alimentam de animaes, e algumas de vegetaes ; que todas são sociaveis, e que entre ellas se contam algumas especies de grande utilidade para o homem, ci- tando por agora o ganso e o pato do- 266 MARAVILHAS DA CREAÇÃO ee mesticos, cuja carne é justamente esti- mada, e os ovos excellentes. Outro serviço nos prestam algumas es- pecies das palmipedes, e diremos qual seja nos seguintes periodos transcriptos de L. Figuier. «São ainda as aves maritimas que pro- duzem esse maravilhoso adubo a que se dá o nome de guano, que é o excre- mento d'estas aves accumulado durante seculos, e formando bancos enormes em muitas ilhas dos mares austraes. Custa a comprehender ainda assim como este producto possa formar camadas succes- sivas que descem a uma profundidade de 90 metros, quando se ignora que mais de vinte e cinco mil aves veem dormir todas as noites n'algumas d'a- quellas ilhotas, podendo cada uma pro- duzir aproximadamente 25 grammas de guano por noite. O guano, d'um trigueiro pardaco nas camadas superiores, é amarellado nas inferiores. A ilha de Cincha, nas costas do Peru, é uma das localidades mais ri- cas n'este producto. A agricultura tira admiravel proveito d'este adubo sem egual, cuja força productiva é devida ao sal ammoniaco, ao phosphato de cal, e aos detritos e pennas das aves. Postoque, como mais d'uma vez ha- vemos repetido, não seja nosso intento entrar em promenores de classificação, diremos comtudo que as palmipedes se dividem em quatro grupos ou sub-or- dens, e tão naturaes ellas são que quasi todos os naturalistas as adoptam. São os Lamellirostros, os Longipennes, os Toli- palmas e os Brachipteros ou Mergulhões. OS LAMELLIROSTROS N'esta primeira sub-ordem incluem-se as palmipedes que teem o bico d'ordi- nario direito, largo, um pouco arquea- do na parte superior, revestido de pelle flexivel, tendo as bordas das mandibulas armadas de laminasinhas corneas, dis- postas em forma de dentes, e que lhes servem para dar passagem á agua em que veem envolvidos os alimentos. As azas são pouco perfeitas e não lhe permittem grande firmeza no vôo; os tres dedos anteriores são palmados e o pollex livre. São aquaticas, vivendo prin- cipalmente nas aguas doces, e alimen- tando-se em geral de substancias vege- taes. A adem ou pato-real é o typo dos la- mellirostros. O FLAMMANTE Phoenicopierus ruber, de Linnec.— Le flammant, dos francezes A esta especie do genero Phoenicopte- rus (azas de fogo) demos o nome de flammante, à falta de nome vulgar auto- risado, pois nos pareceu conservar assim | à idéa que se liga ao seu nome scientifi- co. Além d'isto os francezes pela mesma razão a appellidaram flambant ou flam- mant. Alguns autores, devemos dizel-o, in- cluem o genero phoenicopterus nas per- naltas, e esta divergencia na classifica- ção provém de que o flammante tem pernas de pernalta e pés de palmipede. L. Figuier, que na sua obra Les oiseaua comprehende esta ave na ordem das per- naltas, dá d'ella a seguinte descripção. E” uma das pernaltas mais curiosas. A imaginação mais caprichosa não pode- ria crear de certo nada tão exotico como o corpo d'este animal. Pernas sem fim para supportarem um corpo mediocre, e o pescoco egual ás pernas; bico mais alto que largo, de tal modo recurvo que mais parece partido pelo meio, c pro- vavelmente inventado para desespero de quem tente descrevel-o ; (crêmos que o melhor modo dos nossos leitores pode- rem conhecer a forma singular do bico do flammante é examinal-o na nossa gra- vura n.º 408, que representa esta ave) azas mediocres; cauda curta. Eis os ca- racteres que distinguem tão singular ani- mal, que por complemento tem os pés palmados e o pollegar curto...» A plumagem do flammante é branca matizada de cór de rosa; a parte supe- rior das azas côr de carmim ; as remiges negras. O bico é côr de rosa na base e negro para a extremidade; os pés ver- melhos. Mede 1,32 a 17,38 de compri- mento e 1,76 de envergadura. Os flammantes encontram-se nas zonas torridas e temperadas do antigo e novo continente, e a especie citada é origina- ria dos paizes que avisinham o mar Me- diterraneo e o mar Negro. Diz Brehm que d'aqui se estendem para um lado até ao mar Vermelho, e para outro alé ás ilhas de Cabo Verde. Na Europa é fre- quente na Sardenha, apparece em Hes- ! panha, e no museu de Coimbra existe AVES — O FLAMMANTE um exemplar capturado em Estarreja, mas parece-nos dever-se ter por acciden- tal a apparição do flammante no nosso paiz. E” frequente tambem na Africa, em Argel, Marrocos, Egypto, etc. Habitam estas aves em bandos á borda dos lagos vizinhos do mar, ou á beira- mar, e alimentam-se de pequenos ani- maes aquaticos, principalmente de mol- luscos, vermes e crustaceos. Não despre- zam os peixes pequenos, e comem tambem substancias vegetaes. Brehm diz que o flammante captivo vive perfeitamente e 267 por muito tempo, alimentando-se de arroz cozido, trigo remolhado, cevada e pão, sendo, todavia, necessario addi- cionar-lhe alguma carne. Quando exploram a vasa, mettendo-se pela agua dentro, dobram o pescoço de modo que a cabeca fica-lhe no mesmo plano dos pés, e com estes vão levantando o lodo do fundo. Enterram na vasa à mandibula superior e assim caminham a passos curtos para a frente ou de recuo, abrindo e fechando successiva- mente o bico, e com a lingua apalpando Gr. n.º 408 — O flammante as substancias que n'elle dão entrada, pe- neirando-as, para assim dizer, e expul- sando as que não são alimenticias. Quan- do pescam, formados em linha, ou mes- mo nas horas de repouso, affirma-se que postam sentinellas encarregadas de ad- vertir o bando d'algum perigo que se avizinhe. A” menor suspeita a vigia solta o grito de alarme e o bando levanta o vôo, sempre em boa ordem. Estas aves viajam formando um trian- gulo, e ao vêlas ao longe avançar em bandos numerosos, mais parecem faxas de fogo a desenhar-se no firmamento. « Nunca olvidarei a impressão que senti ao ver os flammantes pela primeira vez. Foi perto do lago Mensaleh, onde moravam milhares e milhares de aves, mas os olhos iam-se-me n'uma longa faxa de fogo, que brilhava com um esplen- dor soberbo, indescriptivel. Eram os raios do sol projectando-se na plumagem branca e rosada dos flammantes, Não sei que apparição accidental os poz em sobresalto ; o bando, porém, le- vantou o vôo, e, passado um instante ape- nas de desordem, aquellas rosas anima- das agruparam-se n'uma immensa massa 268 MARAVILHAS DA CREAÇÃO - triangular e chammejante, deslisando pelo azul do firmamento. Era explendido ! A pouco e pouco vieram outra vez pousar em terra, e de novo se formaram em linha, de sorte que se me afigurava vêr em frente um corpo de tropas nu- merosas...» (Brehm). Se o flammante é realmente uma ave de formas exoticas, o ninho tambem tem seu tanto de original. O flammante es- colhe sitios onde a agua seja pouco pro- funda, e alli, reunindo com os pés a vasa, vae construindo um monticulo conico, de altura sufficiente, para que os ovos estejam a 0",30 ou 0”,50 acima do nivel d'agua e que, secco ao sole coberto de plantas aquaticas, tendo uma cavidade na parte superior, serve á femea para pôr geralmente dois ovos brancos. Para co- bril-os dizem uns autores que o flam- mante encolhe as pernas, e outros que as deixa pendidas, ou por outra, que se es- carrancha no ninho. Logo ao primeiro dia de nascidos os pequenos acompanham os paes. A carne do flammante é boa, e Brehm, que diz tel-a provado, achou-a delicada e a lingua deliciosa. Gr. n.º 409 — O cysne da Nova Hollanda O flammante póde viver captivo, e já dissemos qual o regimen que lhe con- vém ; accrescentamos agora que não só se torna manso, mas até distingue o tra- tador das outras pessoas. O CYSNE Anas cygnus, de Linneo — Le cygne muet, dos francezes Esta especie, que hoje encontramos do- mestica vivendo nos lagos dos jardins, e sendo um dos seus mais bellos orna- mentos, ainda hoje existe livre ao norte da Europa e na Siberia oriental. Poucas pessoas haverá que não tenham visto esta ave, notavel pelas suas fórmas elegantes, pela graciosa curva do pescoço, pela sua- vidade dos seus movimentos, e mais d'um poeta tem celebrado a sua belleza em comparações lisonjeiras à sua amante. Os gregos deram-n'a por companheira ás deusas, e levaram o seu enlhusiasmo pela formosa ave ao ponto de affirmarem — pura ficção poetica! — que o cysne antes de exhalar o ultimo suspiro soltava o seu canto harmonioso. A voz do cysne porém nada tem de melodiosa. Esta especie é branca de neve, e os pe- quenos pardos ou brancos; tem o bico . MARAVILHAS DA CREAÇÃO NUA; 1 Impresso por Lallemant frêres, Lisboa. O CXENE DE FESECOÇO NEGRO AVES — O CYSNE 269 do comprimento da cabeça, vermelho, coroado na base por uma caruncula negra; os pés atrigueirados ou negros. Mede 17,92 de comprimento e d'enver- gadura 2”,75. A femea é um pouco mais pequena do que o macho. O cysne no estado livre encontra-se nos grandes lagos e nos pantanos bas- tante fundos; construe o ninho á borda d'agua doce, e só depois da epoca da reproducção vae ao mar, onde o alimento é mais abundante. A agua é o seu meio predilecto, vae a terra por necessidade e vôa em ultimo caso. As pernas situa- das na parte posterior do corpo teem collocação vantajosa para a natação, mas que pouco favorece o andar. O cysne é mau e richoso : bate-se com os seus similhantes, ataca as aves mais pequenas, e ás vezes com tal furor que lhes dá a morte, pelo unico prazer de fa. zer mal ou de mostrar o seu valor. Mas se entre os machos se levantam grandes lutas por causa das femeas, entre os ca- saes reina a melhor união, guardam mutua fidelidade e uma vez unidos é para toda a vida. A femea põe de cada postura seis ou oito ovos, de casca grossa, brancos sujos ou verdes desmaiados sujos, durando a incubação de cinco a seis semanas. Nascem os pequenos cobertos de pennu- gem, d'ordinario parda, e só ao terceiro anno vestem plumagem como os paes. O cysne tem grande affeição aos filhos. A mãe transporta-os sobre o dorso, á noite abriga-os sob as azas, e se algum perigo os ameaça dá provas de grande valor e notavel dedicação. Para defendel-os não hesita em bater-se com animaes mais possantes, com a aguia mesmo, e ataca corajosamente os carni- voros, Conta Figuier que uma familia de cys- nes tinha o ninho á borda d'uma ribeira, e a femea vendo vir do lado opposto uma raposa, que se lançara a nado em di- recção do ninho, suppondo que melhor se defenderia do adversario no seu ele- mento natural do que em terra, foi-lhe ao encontro, e tal golpe lhe atirou com a aza que a rapoza atordoada morreu dentro d'agua. Preciso é accrescentar que a melhor arma do cysne não é o bico, como acontece á maior parte das aves, mas sim as azas, de que sabe servir-se com grande vantagem. O regimen dos cysnes é animal e ve- getal: comem raizes, folhas e sementes das plantas aquaticas, bem como insectos, vermes, molluscos, reptis pequenos e peixes. Os captivos habituam-se aos re- gimens mais variados, mas preferem as substancias vegetaes. Os cysnes, até mesmo adultos, podem tornar-se tão mansos como os que nas- cem domesticos ; mas é bom sempre pre- caver-se contra elles, mesmo os mais mansos não são de fiar, e podem tor- nar-se perigosos principalmente para as creanças. A carne do cysne não é boa. Na America do Sul vive uma especie que a nossa estampa representa, o cysne de pescoço negro, que é mais pequeno, branco, com a cabeca e até meio do pes- coço negros; tem uma risca branca por cima dos olhos; o bico é côr de chumbo, e os pés dum vermelho desvanecido. Brehm dá-a como existente nas proxi- midades da provincia de S. Paulo, no Brazil. Outra especie, que vae figurada na nossa gravura n.º 409, commum nos la- gos e aguas correntes do sul da Austra- lia, é o cysne da Nova Hollanda. E" preto, mais claro no ventre, com as remiges primarias e parte das secundarias bran- cas; o bico vermelho, e os pés negros. Domestica-se facilmente, e tem-se re- produzido em Inglaterra O GANSO BRAVO « Anas anser, de Gmlin — Loie cendrée, dos francezes D'esta especie do genero Anser se de- riva o ganso domestico. Os gansos são corpulentos, teem a cabeça grossa, o pes- coco de comprimento mediano, o bico tão longo como a cabeça, armado de laminasinhas espacejadas que cobrem as bordas da mandibula superior; cauda curta, tarsos grossos, dedos medianos com unhas curtas. O ganso bravo tem em geral a pluma- gem parda, passando a cinzenta nas azas ; o dorso pardo atrigueirado e o ventre pardo amarellado; as pennas da parte superior do corpo com bordaduras es- branquiçadas e as da parte inferior bor- dadas de pardo escuro ; o uropigio bran- co; as remiges e rectrizes annegradas com a haste branca, e as ultimas com a extremidade branca. O bico amarellado 270 os pés d'um vermelho desvanecido. Mede um metro ou pouco mais de com- primento. O ganso bravo vive na Europa e na Asia, aninhando nos paizes septentrionacs, e nas suas emigrações visita as regiões meridionaes destas duas partes do mun- do. Frequenta o nosso paiz. Habita nos vastos terrenos apaúlados, semeados de ilhotas revestidas de abun- dante vegetação, e n'ellas repousam e fa- zem o ninho. Em busca do alimento, que se compõe de substancias vegetaes, folhas, hervas, fructos, bagas e sementes, correm os campos e os prados, fazendo estragos nas searas, nas arvores novas, e nas plan- tações. MARAVILHAS DA CREAÇÃO | O ganso domestico pouco differe do ganso bravo nos modos, sendo este, to- davia, de porte mais arrogante, mais ra- pido nos movimentos, correndo melhor do que aquelle, nadando e mergulhando a grande profundidade, e com o vôo rapi- do e prolongado. Os gritos d'ambos são tão similhantes que não é facil distinguil-os. Quando os perseguem assobiam. Os gansos são dotados de excellente vista, e teem principalmente o ouvido tão apurado que lhes não escapa o me- nor ruido, a que respondem com um grito unico que parece destinado a pôr o bando de prevenção. Affirmam muitos autores que o ganso ganha ao cão em | vigilancia. Gr. n.º 410 — O ganso bravo É bem sabido que foram os gansos que no Capitolio advertiram os romanos do assalto tentado pelos gaulezes, e por isso todos os annos era destinada certa quan- tia para sustento d'aquellas aves. Nos anni- versarios d'este feito praticado pelos guar- das alados do Capitolio, os cães eram azor- ragados para castigo do seu silencio em circumstancias tão graves. O ganso bravo faz o ninho no solo, formado de ramos, rastolho, folhas de cannas e juncos, tudo isto entrelaçado com pouca arte, formando a cavidade destinada aos ovos de substancias mais fi- nas, e por ultimo da pennugem com que cobre os ovos todas as vezes que se au- senta. Põe até quatorze ovos, similhan- tes aos do ganso domestico, e dura a in- cubação como a d'este vinte e oito a trinta dias. No dia seguinte ao do nas- cimento já os pequenos acompanham a mãe, que os conduz junto d'agua para os ensinar a adquirir o sustento. O pae e a mãe teem pela sua progenie grande af- feição, e o primeiro redobra de vigilan- cia tão depressa os filhos nascem, obser- vando com o maior cuidado tudo quanto lhe pareça suspeito, advertindo a mãe e os filhos para que se ponham em logar de recato. A femea do ganso domestico põe de quinze a vinte ovos, começando a pos- tura em marco ; alimentam-se os peque- nos nos primeiros dias com semeas remo- lhadas ou cozidas em leite, e folhas d'alface migadas. Se o tempo não corre bom, é conveniente tel-os fechados em casa nos primeiros dias de nascidos. AVES — O BERNACHO 271 O ganso engorda consideravelmente, e com a gordura adquire o figado grande desenvolvimento e delicado sabor, sendo do figado d'esta ave que se faz o celebre foie gras, tão apreciado dos gastronomos. «Os pasteis de foie gras não foram co- nhecidos dos antigos, como se tem dito erradamente por falsa interpretação d'uma passagem de Plinio. Este delicado manjar é de origem moderna, inventado em 1780 por um tal Close, normando, en- carregado da mesa do marechal de Con- tades, em Strasburgo. Quando o marechal Stinville foi sub- stituir o marechal Contades, Close conti- nuou a mandar á mesa do seu novo amo os pasleis de foie gras, sem que este to- davia lhes desse grande apreço, o que de tal modo feriu o amor proprio de Close, que, saindo da casa do marechal, foi esta- belecer-se na cidade. Abriu uma lojinha na rua Mesange, onde vendia os pasteis. Em pouco tempo fez boa fortuna com este commercio, e ganharam fama os pas- teis de foie gras de Strasburgo. Em 1792 um certo Dojen, de Bordeos, conseguiu aperfeicoal-os addicionando- lhes trufas. O pobre Close morreu de desgosto» (L. Figuier). Antes da invenção das pennas metalli- cas escrevia-se com as extrahidas das azas dos gansos, e por isso o seu commercio Gr. n.º 4114 — O Dernacho era importante; hoje ainda tem valor a pennugem que se lhe extrahe do pes- coco, de sob as azas e do ventre, duas vezes durante o verão. O ganso bravo, apanhado de pequeno, domestica-se sem custo, e mesmo affei- coa-se ao homem. O BERNACHO Anas bernicla — Le bernache à collier, dos francezes Os bernachos differem dos gansos, a cuja familia pertencem, por serem de menor corporatura, tendo, porém, o cor- po refeito. O pescoco é curto, a cabeca grossa, o bico breve e alto na base, adelgacando para a extremidade, fraca- mente dentado; tarsos grossos ce peque- nos, e azas compridas cobrindo a cauda que é curta. O bernacho da especie citada, e que a nossa gravura n.º 411 representa, tem à parte anterior da cabeca, o pescoço, as remiges e as rectrizes negras, a pennu- gem do dorso, do peito, e da parte su- perior do ventre d'um pardo escuro, com uma orla mais clara em volta ; os flancos, o uropigio e as coberturas superiores da cauda brancos. Tem aos lados do pescoço uma malha branca semi-circular, que só se encontra nos adultos. Mede 0,766 de comprimento. As regiões mais septentrionaes da Eu- 272 MARAVILHAS DA CREAÇÃO ropa, da Ásia e da America são a patria dos bernachos, que no inverno retiram das paragens inhospitas onde aninham, arri- bando por esse tempo ás costas da Fran- ca, e vindo talvez accidentalmente ao nosso paiz. No fim de outubro e principio de novembro, no dizer de Brehm, vêem-se nas praias do mar Baltico e do mar do Norte aos milhões, e até onde a vista pode alcancar avistam-se cobrindo todos os ban- cos d'areia que a agua deixa a descoberto na baixamar. E raro encontrar o berna- cho por terra dentro, ainda mesmo perto dos rios ou dos lagos: o seu viver é nas praias. E elegante, corre e vôa excellentemen- EA pm da Ea rapa pardo te, mergulha melhor que os gansos, é muito sociavel e de costumes brandos, vivendo na melhor harmonia em bandos só formados de individuos da sua espe- cie. Alimenta-se de vegetaes, hervas e plantas aquaticas, e come tambem in- sectos e molluscos. Aninha como dissemos nos pontos mais septentrionaes, formando a femea o ninho na areia ou nos rochedos, com fo- lhas e plantas aquaticas, e ahi põe de seis a nove ovos, d'um branco esverdeado sujo. A carne do bernacho é excellente, e esta ave, que a principio se mostra bra- via, domestica-se a pouco e pouco a pon- to de conhecer o dono e seguil-o. Gr. n.º 412 — (O pato tadorno Diz Brehm que é facil obter estas aves, e refere-se de certo ao seu paiz, nos commerciantes d'aves e nos jardins zoologicos, por preços mais que modi- cos. Habituam-se a comer grãos e plan- tas verdes. O PATO TADORNO Anas tadorna, de Linneo — Le canard tadorne, dos francezes A esta especie não conhecemos nome vulgar, e por isso aqui lhe damos o de pato tadorno, que fomos buscar ao seu nome scientifico. Os patos, genero Anas, a que pertence a especie citada, differem dos gansos pe- las pernas mais curtas e dos cysnes pelo pescoço menos longo. Teem o tronco cur- to e largo, o pescoço regular ou curto, o bico do comprimento da cabeça ou um pouco menos longo, largo por egual, ou um pouco mais na extremidade que na base; pernas articuladas muito atraz, bastante curtas, tres dedos dianteiros completamente palmados e o pollex li- vre. O tadorno é o mais lindo pato da Euro- pa, com a cabeça e o pescoço d'um bri- lhante verde escuro ; duas malhas negras nas espadoas; uma malha grande no peito, o centro das costas, as coberturas das azas, os flancos e as rectrizes brancas lu- zidias ; o centro do peito e o ventre d'um AVES— A IRERE pardo annegrado; uma colleira larga e algumas das remiges secundarias d'uma linda côr de canella; as remiges anne- gradas; bico côr de carmim e os pés avermelhados. Mede 0”",66 de compri- mento. A femea tem a plumagem similhante á do macho, mas de córes menos vivas. O tadorno é commum nos mares do norte da Europa, e no inverno estende as suas viagens até ao norte da Africa. Em Portugal não é raro no Ribatejo. Encontra-se mais geralmente no mar ou nos lagos d'agua salgada, que elle pre- 273 fere á agua doce. Alimenta-se de sementes, de cereaes, das partes tenras das plantas aquaticas, comendo tambem peixes pe- quenos, molluscos e insectos. Na baixa- mar corre pelas praias em busca das di- versas substancias que o mar deixa a des- coberto e que lhe podem servir d'ali- mento. O tadorno construe o ninho em cavi- dades subterraneas, e é affirmado por varios escriptores, por mais singular que isto pareca, que o faz junto da toca da raposa e do texugo. Baldamus, citado por Brehm, diz—«Porque razão a raposa, Gr. n.º M3— À irerê que não respeita animal nenhum mais fraco do que ella, faz excepção a favor do tadorno? Julgo que a causa d'esta isenção é a grande coragem d'esta ave, pela qual se faz respeitar da raposa, coragem que não é só apanagio dos adultos, mas até dos novos. Vi tador- nos, apenas com alguns dias de nas- cidos, fazer frente a aves maiores do que elles, a cães pequenos e aos coe- lhos.» Figuier diz que a femea do tadorno escolhe para aninhar as tocas dos coelhos que encontra nas dunas, expulsando os proprietarios. A femea põe de sete a doze ovos, bran- cos, grandes e lisos, durando a incuba- ção vinte e seis dias. Tão depressa os pe- quenos nascem a mãe encaminha-os para o mar. Apanhados novos são os tadornos fa- ceis de crear, tendo agua com abundan- cia onde possam correr e mergulhar, e comquanto busquem de per si o ali- mento nos insectos que topam, dá-se- lhes pão, carne picada e lentilhas. Tor- nam-se mansos, adornam-se de todas as galas da sua bella plumagem, mas não se reproduzem. 274 MARAVILHAS DA CREAÇÃO A IRERÊ |! Anas viduata, de Linneo — Le canard de Maragnon, dos francezes Esta especie existe na America Meri- dional, onde se encontra em bandos in- numeros vivendo nos pantanos, nos lagos e nas aguas correntes. E' muito commum no Brazil. A irerê tem as faces e a garganta bran- cas, a parte posterior da cabeça, os la- dos e a parte de traz do pescoço negros ; a parte inferior do pescoço e a superior do peito trigueiras avermelhadas ; os la- dos do peito e o dorso d'um ruivo azeitonado ondeado e malhado d'escuro ; a parte inferior do dorso, o centro da cauda e o ventre negros; os flancos par- dos raiados transversalmente de negro ; as coberturas superiores das azas d'um trigueiro vermelho vivo: as remiges e rectrizes negras atrigueiradas ; bico ne- gro com uma faxa cinzenta, pés côr de chumbo. Mede 0,"50 de comprimento. Nos habitos as irerês pouco differem dos seus congeneres, e domesticam-se sem custo. O PATO REAL, OU ADEM Anas boschas, de Linnco — Le canavd sauvage, dos francezes Descende d'esta especie o pato domes- tico ordinario, sem que se saiba ao certo em que epoca comecou a domesticidade d'esta palmipede, que occupa hoje entre as aves domesticas logar tão importante pelo delicado sabor da carne e excel- lencia dos ovos. O pato real é muito frequente em quasi todos os pontos da terra, tendo todavia por verdadeira patria o norte do globo, regiões inhospitas d'onde no inverno emigra para os paizes meridionaes. Mal se pode imaginar o numero realmente espantoso de patos reaes que no verão habitam as grandes ribeiras da Laponia, da Groelandia e da Siberia, e que alli ani- nham no mez de maio. Em Portugal esta ave é muito commum. O macho tem a cabeça, a garganta e a metade superior do pescoco d'um verde esmeralda; o peito d'um trigueiro pur- pureo, com uma faxa estreita branca separando esta côr do verde do pescoço ; o dorso é d'um cinzento trigueiro se- i Nome vulgar brazileiro | meado de ziguezagues pardos esbranqui- | cados; a parte inferior do corpo parda esbranquiçada, ondeada de escuro ; al- gumas das pennas da cobertura da cauda negras com reflexos verdes são arqueadas; o bico é amarello esverdeado e os tarsos d'um vermelho desvanecido. Mede 0”,66 de comprimento. A femea é mais pequena, e tem a plu- magem variada de trigueiro e de pardo arruivado. Vivem os patos reaes nas lagoas, nos grandes pantanos cobertos de canniçaes e de juncos, e embora prefiram a agua doce encontram-se tambem nas enseadas ou nos lagos d'agua salgada, onde perma- necem por pouco tempo. Teem o vôo rapido e prolongado, e erguem-se com facilidade do chão ou da agua, subindo perpendicularmente até passar do cimo das arvores para seguirem depois horisontal- mente. Nos habitos e no todo o pato real é similhante ao seu descendente, o pato domestico, com quanto aquelle exe- cute todos os movimentos com mais vigor e rapidez. Na voracidade são tambem eguaes, e o pato real só não come quando dorme ou quando não encontra absolutamente coisa que lhe convenha. Alimenta-se de folhas tenras, de gomos, de plantas aquaticas,-de sementes, de tuberculos, dá caça aos ani- maes aquaticos, desde os vermes até aos reptis, e aos peixes. O pato bravo, como dissemos, só se reproduz na sua patria, formando o ni- nho em sitio secco, não longe da agua, coberto de matto ou sob um massiço de verdura, muitas vezes nas arvores, aproveitando os ninhos abandonados das pegas e das gralhas. O ninho mal feito no exterior, formado de ramos seccos e folhas, no interior é tapizado de pen- nugem, e a femea põe de oito a de- zeseis ovos, de casca grossa, alongados, d'um branco esverdeado ou amarellado, durando a incubação vinte e quatro a vinte e oito dias; n'ella só toma parte a femea. Nascem os pequenos cobertos de pennugem amarella, não podendo voar senão aos tres mezes, mas saem immediatamente do ninho para alli não voltar, abrigando-se sob as azas da mãe. Esta ensina-os a entrar na agua, animan- do-os com o exemplo. O pae não toma parte na creação dos filhos: durante ella abandona a femea indo viver com outra, ou se a não encon- AVES — O PATO-REAL tra reune-se a machos da sua especie. E' chegado o tempo da muda, e perde então a linda plumagem da epoca das nupcias trocando-a pela de verão, mais modesta, e que apenas traz quatro mezes. Se o pae não cuida da sua progenie, a mãe ao inverso tem-lhe entranhada affeição, e não duvida expôr-se para sal- vala. Solicita sempre em defender os filhos e occultal-os ás vistas dos seus ini- migos, na presença do perigo adverle-os para que se escondam, geralmente entre as hervas, e os pequenos obedecem não se movendo até que a mãe venha bus- . EV , VA 275 cal-os. Entretanto procura ella chamar a attenção do inimigo sobre si desviando-a dos pequenos. O pato real adulto tem a perseguil-o a raposa e a lontra, e emquanto novo a doninha e a foeta. Destroem-lhe os ovos os ratos d'agua e os milhafres, mas os maiores inimigos da especie, e que maior numeros d'estas aves victimam, são os falcões. Procuram os patos escapar-lhes mergulhando, e por vezes o estratagema surte effeito. A carne do pato real é excellente, e por isso caçam-n'o por toda a parte, empre- Gr. n.º 44 — gando diversos meios, que todos exigem astucia, pois a ave é das mais precavi- “das. À caça a tiro não é a mais produ- ctiva, e por isso empregam-se armadi- lhas, caca-se ao candeio com rêde, ou es- pera-se occultando-se o caçador n'uma choça feita á borda d'agua. É na verdade tão curiosa e comica a seguinte narrativa de Figuier, que não resistimos a trans- crevel-a. «Para triumphar da constante descon- fiança dos patos reaes empregam alguns caçadores um meio bastante extravagante, o disfarçarem-se em vacca, usando para isso d'um apparelho de papelão feito com pouca arte mas representando o corpo O pato-real d'este animal. Protegido por este disfarce é facil ao caçador aproximar-se dos pa- tos, sem levantar suspeitas, com tanto que saiba usal-o convenientemente, isto é, se vá abeirando d'aquellas timidas pal- mipides a pouco e pouco, descrevendo com o supposto corpo da vacca curvas graciosas e compassadas. Desta sorte a caçada torna-se produ- ctiva, mas não isenta de perigos. Certo caçador que se mascarara de vacca, en- controu-se sem dar por tal no centro duma manada de bois, que ao verem-n'o investiram com elle correndo em sua per- seguição pela pastagem fóra. O pobre do homem só conseguiu escapar aos seus 276 perseguidores, despindo conforme pôde o disfarce e abandonando-o ao furor dos quadrupedes. » O PATO DE POUPA Anas sponsa, de Linneo — Le canard huppé dos francezes Uma das mais lindas especies dos patos é realmente o pato de poupa, não só pela belleza das córes da plumagem como principalmente pela vistosa poupa que lhe orna a parte posterior da cabeca. Tem o alto da cabeca e as faces, entre MARAVILHAS DA CREAÇÃO o bico e os olhos, d'um brilhante verde escuro, os lados da cabeca e uma malha grande de cada lado do pescoço verdes purpureos com reflexos azulados ; as pen- nas que fórmam a poupa verdes doiradas, com duas faxas brancas ; a parte superior do peito côr de castanha com malhas pequenas brancas; uma faxa em volta da parte superior do pescoço, o meio do peito e o ventre brancos ; os flancos par- dos amarellados ondeados de negro ; re- miges e rectrizes negras e verdes avelu- dadas, com reflexos azues purpureos ; bico amarellado no centro, vermelho escuro Gr. n.º 415 — O pato de poupa na base e negro na ponta; pés d'um amarello avermelhado. Mede 07,48 de comprimento. . A femea é mais pequena do que o macho, e não tem poupa. Esta especie é originaria dos Estados Unidos, emigrando no inverno das para- gens mais septentrionaes para a America Central. Teem sido mortas algumas d'estas aves na Europa, em França e em Ingla- terra. Nada ha nos habitos d'esta palmipede que mereca menção especial, pois são em tudo analogos aos do pato real. A carne é tida como deliciosa, desde setembro até ao principio do inverno, e por isso o pato de poupa é uma das ca- cas mais procuradas n'aquella epoca na America do Norte, onde é muito abun- dante; razão talvez porque não teem di- ligenciado tornar domestica esta especie, que se afaz á domesticidade sem custo, até mesmo os individuos adultos. O PATO TROMBETEIRO Anas clypeata, de Linneo — Le souchet, dos francezes Esta especie é mais pequena do que o pato-real, e tem o bico mais comprido do que a cabeça, estreito na base, muito largo e em fórma de colher para a extre- AVES — O PATO TROMBETEIRO midade, deprimido no centro, e com as bordas das mandibulas guarnecidas de laminasinhas muito finas e longas. Tem o pato trombeteiro a cabeca e o alto do pescoço verdes; a nuca e o dorso pardos claros ; a parte inferior do pescoço, e a garganta brancas ; as azas variadas de branco e azul claro; a parte inferior do dorso e o uropigio d'um verde negro; 0 peito e o ventre trigueiro castanho ; as remiges atrigueiradas; as rectrizes tri- gueiras sendo as lateraes mais ou menos brancas; bico negro e tarsos amarellos. Mede 07,52 de comprimento. A femea tem a plumagem d'um pardo aloirado com malhas escuras. Esta ave habita no norte da Europa, 277 e nos Estados Unidos, d'onde emigra to- dos os invernos para o sul. E” commum em Portugal. Os patos trombeteiros é raro que se reu- nam em grandes bandos, vivendo d'ordi- nario em pequenas familias, e nos habitos e regimen pouco ou nada differem dos ou- tros patos de que temos falado. A femea põe de sete a quatorze ovos, de casca lisa dum ruivo sujo ou branco esverdeado, durando a incubação vinte e dois a vinte e tres dias. O pato trombeteiro póde ter-se captivo, mas, no dizer de Brehm, é mais difficil conserval-o do que aos outros patos seus congeneres. Gr. n.º 416 — O pato trombeteiro O PATO MUDO, OU PATO DE CORAL Anas moschata, de Linneo — Le canard musquê, dos francezes Este pato differe no bico que é relati- vamente longo, com protuberanceas na base, e os lados da cabeça com grandes verrugas; tem as pernas muito trazei- ras e a cauda grande. O alto da cabeça é verde atrigueirado ; o dorso, as azas e todo o resto da parte superior do corpo d'um verde metalico com reflexos violaceos ; as remiges verdes com reflexos azues escuros ; parte da co- bertura das azas branca ; a parte inferior do corpo trigueira annegrada baca; as coberturas inferiores da cauda verdes lu- zidias ; a parte verrugosa do lado da cabe- ca e as protuberancias do bico vermelhas; 0 bico annegrado com uma risca trans- 26 versal branca azulada e a ponta cór de carne. E' maior do que o nosso pato com- mum, medindo 07,88 de comprimento. Esta especie habita uma grande parte da America do Sul no estado livre, e do- mestica é muito commum no Brazil. No nosso paiz existe só como especie domes- tica, conhecida pelos nomes que servem de epigraphe a este artigo. No estado livre o pato de coral vive na foz dos rios, nas ribeiras, nos lagos e nos grandes pantanos. Durante as horas do calor busca os logares asombreados, á borda d'agua, ou nos bancos d'areia, e só de manhã e á tarde vae em busca dos peixes e mollus- cos, e das algas e outras plantas aquati- cas de que se alimenta. Passa a noite nas arvores altas, onde se refugia durante o dia seo perseguem, e mesmo os que du- YOL. TI 278 meme rante o dia habitam nas savanas, ao pôr do sol voam em direcção dos sitios arvo- rejados para dormir nas arvores. Voa com grande rapidez, sendo o vôo pesado mas vigoroso. O ninho forma-o proximo das margens, n'um tronco d'arvore carcomido ou so- bre os ramos. A carne do pato mudo ou de coral é boa. O RABIJUNCO Anas acuta, de Linneo — Le canard pilet, dos francezes Esta especie é commum no nosso paiz, emigrando do norte da Europa. Tem a plumagem d'um pardo desmaia- do riscada de pequenos traços negros, pa- recendo feitos a penna; as coberturas das azas com grandes riscas negras e bran- cas ; nos lados do pescoço duas faxas bran- cas, similhantes a duas fitas ; a cabeca côr de castanha; a cauda negra e branca é longa e termina em duas pontas, á maneira da cauda das andorinhas, circumstancia que serve para distinguir facilmente esta especie. Habita nos lagos e ribeiras, á maneira dos outros patos, tendo habitos analogos aos d'estes. A carne é boa. A FRISADA Anas strepera, de Linneo — Le canard chipeau, dos francezes Est'outra especie do genero Anas é mais pequena que o pato real, tem a plumagem da cabeca mosqueada de tri- gueiro-negro e debranco, predominando a côr negra no alto da cabeca e na parte superior do pescoço; o peito, as costas e os flancos são riscados d'estas duas cô- res; tem nas azas tres malhas ou faxas, uma branca, outra negra e a terceira d'uma côr de castanha avermelhada ; bico negro e pés d'um amarello sujo com as membranas negras. Passada a epoca das nupcias, a frisada, como todos os outros patos, perde esta plumagem e toma outra parda. A patria d'esta especie é o Norte, d'onde emigra no outono para o Sul. Frequenta o nosso paiz, não sendo porém muito commum. A ASSOBIADEIRA 4nas penelope, de Linneo — Le canard sifieur, dos francezes Distingue-se dos outros patos, princi- palmente pela voz aguda, similhante aos MARAVILHAS DA CREAÇÃO sons que se tiram d'um pifano, que solta repetidas vezes e sempre que voa. à um pouco maior do que o pato do- mestico, com a plumagem da cabeca e do alto do pescoço ruiva; a do alto da cabeca esbranquiçada; a do dorso riscada de negro com ziguezagues sobre fundo branco; uma grande malha branca nas azas; a parte superior do corpo branca, com os lados do peito d'um lindo ruivo avermelhado ; o bico azul com a extre- midade negra. A femea é mais pequena e parda. Esta especie emigra do Norte para o Sul em grandes bandos, e no inverno en- contra-se nos paizes meridionaes da Eu- ropa, sendo commum em Portugal. Nos habitos e no regimen não differe dos outros seus congeneres. Domestica-se facilmente. A TARRANTANA Anas ferina, de Linneo — Le canard millouin, dos francezes E um outro pato que no inverno fre- quenta os paizes meridionaes da Europa e o norte da Africa, commum então no nosso paiz. O macho tem a cabeca e a parte ante-- rior do pescoço trigueiras ruivas ; o peito negro, o dorso e os flancos pardos cin- zentos desvanecidos, ondeados de negro ; o uropigio negro; a parte superior do corpo esbranquiçada ; as coberturas das azas d'um pardo cinzento; as remiges e rectrizes pardas; o bico pardo azulado e negro na base e nas bordas; os tarsos d'um pardo esverdeado. Mede 0,752 de comprimento. Vive nos lagos e ribeiras d'agua doce, não differindo nos habitos e no regimen das outras especies dos patos de que nos temos occupado. São estes palmipedes faceis de domesticar e a sua carne é excel- lente, A NEGRINHA Anas fuligula, de Linneo — Le morillon, dos francezes Ainda outra especie dos patos, pequena, tendo a plumagem negra com reflexos purpureos e d'um vermelho esverdeado ; o ventre, a parte superior das espadoas e riscas nas azas brancas ; o bico azul. À pen- nugem da parte posterior da cabeça er- gue-se em fórma de poupa, mas só nos machos. Encontra-se esta especie nos lagos e nas ribeiras, frequentando tambem o AVES — À NEGROLLA mar; os seus habitos e regimen não a separam dos congeneres. Domestica-se sem custo. A NEGROLLA Anas nigra, de Linneo — La macreuse commune, dos francezes A negrolla é ainda uma especie da fa- milia dos patos, e distingue-se pelo bico com protuberancias na base. E” negra, com o bico vermelho, e os tarsos côr de carne. Mede 0,”66 de comprimento. Esta especie é natural das regiões se- ptentrionaes, e nas suas emigrações fre- quenta o meio-dia da Europa, apparecendo no nosso paiz. Passa a vida na agua, en- contrando-se aos bandos nas costas, nas enseadas, ou nos lagos vizinhos do mar. Adianta-se pelo interior das terras acci- dentalmente; o vôo e o andar são pe- sados, mas nada e mergulha habilmente. No regimen assimilha-se aos outros pa- tos, sendo o seu alimento principal os molluscos. Não é facil de conservar captiva ; dá-se mal com o verão nos paizes meridionaes, e com a mudança de regimen. A carne da negrolla não é boa, con- serva gosto a lôódo bastante pronun- ciado, o que não evita que certos povos do norte da Europa e da Ásia a tenham em grande conta. Entre nós, os povos meridionaes, apezar de mau acepipe, a negrolla tinha seu merecimento, pois era alimento permittido na quaresma. Outro facto curioso se dá com esta palmipede no que respeita á sua origem, pois ou- tr'ora tinha-se por nascida de vegetaes, na opinião d'alguns; outros dayam-na como saida de certas conchas do mar. São bastante curiosos os seguintes pa- ragraphos que transcrevemos de L. Fi- guier, e por elles se conhecem as razões que a egreja tinha para permittir o uso da carne da negrolla durante o tempo santo. «Os concilios do seculo xrr concederam aos leigos e religiosos poderem comer a carne das negrollas na quaresma, isto por ser geralmente admittido então, se- gundo a opinião de Aristoteles, que estas aves se não geravam no ovo, e tinham a sua origem nos vegetaes. Os sabios da edade media e os da Renascenca, vendo grande numero destas palmipedes appa- recer subitamente, sem que tivessem noticia da existencia dos ninhos nem houvessem visto os ovos, fizeram toda a 279 sorte de conjecturas para explicar este facto mysterioso, e concederam á ne- grolla diversas fórmas de geração todas perfeitamente singulares. Vendo uns que os appendices pelludos da anatifa, um mollusco de concha, ti- nham tal ou qual apparencia de pennas, quizeram que aquella se transformasse na negrolla. Outros phantasiaram que esta palmipede tinha a sua origem na madeira do abéto que apodrecia depois de boiar por muito tempo no mar; ou nos cogu- melos e musgos marinhos que vegetam nos destroços dos navios. Havia mesmo alguns autores que affirmavam existir em Inglaterra, e principalmente nas ilhas Orcades, uma arvore cujos fructos caindo no mar se transformavam n'uma ave de- nominada anser arboreus, e que julgavam ser a negrolla... O papa Innocencio im, porém, mais sabido que Aristoteles na historia natu- ral das negrollas, desprezando todos estes contos, prohibiu o uso desta caça du- rante a quaresma, sem que, todavia, ninguem nos conventos, nos palacios ou nas tabernas quizesse tomar a serio tal interdicção do soberano pontifice. N'este meio tempo appareceu uma inesperada illucidação á questão debatida. Um mnavegante hollandez, Gerard Veer, encontrou n'uma das suas viagens ao norte da Europa os ovos das negrollas, e trazendo-os deu-os a chocar a uma galli- nha, vendo-se no fim d'alguns dias nas- cer pequenas aves em tudo similhantes ás que os antigos affirmayam provirem dos vegetaes apodrecidos. Gerard Veer de- clarou que as negrollas só aninhavam na Groenlandia, e que d'esta sorte se expli- cava não apparecerem os ovos nos nossos paizes.» Estes contos sobre a origem da ne- grolla abrangiam outras especies, e entre ellas o bernacho, de que antecedente mente falámos. O MARRECO OU MARREQUINHO Anas crecca, de Linneo — La sarcelle d'hiver, dos francezes O MARRECO OU MARREQUINHO Anas querquedula, de Linneo — La sarcelle dt, ou petite sarcelle, dos francezes Conhecidas pelo mesmo nome frequen- tam o nosso paiz as duas especies da fami- lia dos patos acima citadas, sendo a pri- 280 meira commum e a segunda pouco fre- | quente. A especie menos commum em Portu- gal, anas querquedula, é do tamanho d'uma perdiz, com a plumagem lindamente va- riada de negro sobre fundo pardo, tendo os lados do pescoço e as faces até aos olhos com pequenos riscos brancos ver- miculados sobre fundo ruivo; a parte superior da cabeça e a garganta negras, com uma risca branca sobre os olhos que vae terminar abaixo da nuca; uma ma- lha verde em cada aza; os flancos e O uropigio riscados de pardo annegrado sobre pardo esbranquiçado e tão: linda- MARAVILHAS DA CREAÇÃO mente mosqueados como o resto do cor- po. A outra especie, anas crecca, commum, como já dissemos, no nosso paiz, é mais pequena, e differe no colorido da cabeca, sendo esta ruiva com uma risca larga verde bordada de branco, estendendo-se dos olhos até á parte posterior da cabeca ; o resto da plumagem é similhante á da especie antecedente. Sendo os habitos e regimen destas duas especies muito similhantes aos das outras especies de patos antecedente- mente descriptas, não faremos d'elles des- cripção especial. Gr. n.º 417 — O marreco ou marrequinho (anas querquedula ) O EDER Anas mollissma, de Linneo —L” eider vulgaire, dos francezes O eder é um bello pato, o maior da familia, e util como nenhum para os habitantes dos paiz”s mais septentrionaes dos dois continentes. Conhecem-se diversas especies d'estas aves, sendo mais commum a que acima ci- tamos. O macho tem o alto da cabeca, o pescoco, o dorso e as coberturas supe- riores das azas brancos; a parte anterior do peito tirante a vermelha; a fronte, os lados da cabeça, a parte inferior das costas e o ventre negros; as faces d'um verde-mar; as remiges e rectrizes d'um negro atrigueirado; bico amarello es- verdeado e tarsos d'um verde azeitonado. Mede 07,66 de comprimento. O eder vive nos mares do norte do globo, onde é muito frequente. E uma verdadeira ave maritima, movendo-se em terra com difficuldade, voando com custo e a pouca altura do lume d'agua, e só n'este elemento adquire toda a sua agilidade, nadando habilmente e mergu- lhando a grande profundidade. Diz-se que o eder póde conservar-se debaixo d'agua durante seis minutos e mergulhar á pro- fundidade de vinte e cinco braças. Ali- menta-se de peixes e vermes aqualicos. AVES — O EDER 281 Aninham estas aves nos rochedos á beira-mar, muitas em sitios de difficil accesso; mas os habitantes da Islandia, da Laponia e das costas do mar do Norte, logram descobrir os ninhos e conseguem lá chegar para adquirir os ovos, para elles de subido valor, relirando-os á medida que a femea os põe, obrigando-a d'esta sorte a pôr maior numero. Ha rochedos onde estas aves estão afei- tas a aninhar todos os annos, e que são propriedade d'uma certa familia, transmit- tindo-se a sua posse de paes a filhos. O que torna, porém, mais util o eder não são os ovos, nem a carne que é má, posto que os naturaes a comam ; é a pen- nugem singularmente macia, leve e quente, e tão elastica que um kilogram- ma, ou mesmo kilogramma e meio, bem apertado fecha-se na mão, e aberto en- che uma almofada de cama grande. A pennugem do eder, a que os france- zes chamam édredon, sendo a melhor a que se encontra nos ninhos servindo de cobertura aos ovos, e que d'alli se ex- trahe finda a incubação, é motivo d'um commercio importante. Uma libra de pennugem limpa do eder, na Noruega, diz Brehm, vende-se por 48000 réis, moeda portugueza, e um eiderholm, que assim se Gr. n.º 48 — 0 eder chamam os sitios onde estas aves aninham, sendo frequentado por grande numero de ederes, constitue uma propriedade bastan- te rendosa. O proprietario só tem o traba- lho de retirar a preciosa pennugem, por- que o mar encarrega-se de fornecer o alimento a tão uteis palmipedes. Para se formar idéa aproximada dos lucros que o eder dá aos habitantes das regiões onde habita, e da enorme quan- tidade d'estas aves que povoam os ma- res septentrionaes, transcrevemos o que diz Holboll, citado por Brehm. A maior quantidade de pennugem, peso bruto, exportada durante um anno do sul da Groenlandia, foi de 5:007 libras, e o norte produziu metade aproximada- mente. Calculam-se doze ninhos, termo medio, para arrecadar uma libra de pennugem, sendo portanto necessarias 104:520 destas aves, as quaes não só forneceram a pennugem como tambem os Ovos. O eder não se habitua a viver captivo, morre em pouco tempo, d'ordinario na - primeira muda. O MERGANSO Mergus serrator, de Linneo — Le harle huppé, dos francezes Os mergansos, genero Mergus, differem dos patos principalmente na fórma do bico, mais estreito, delgado, quasi cy- 282 MARAVILHAS DA CREAÇÃO lindrico, tendo nas bordas das mandibu- las uma fileira de pequenos dentes pon- tudos, dirigidos para traz e similhantes aos dentes d'uma serra. O corpo é alonga- do,e as pernas muito trigueiras; no todo teem estas palmipedes bastante analogia com os patos. A especie citada é, das que frequentam a Europa, a unica commum em Portugal, no inverno, pois os mergansos teem por patria os paizes boreaes do antigo e novo continente, d'onde emigram fugindo aos maiores rigores d'aquella estação, passan- do-a em regiões mais temperadas, O merganso tem a cabeca e a parte superior do pescoço d'um negro violaceo passando a verde dourado, e uma longa poupa ornando-lhe a parte posterior da cabeca; o peito é ruivo variado de branco e o dorso negro ; o uropigio e os flanco- raiados em ziguezagues trigueiros e par- dos esbranquicados ; as azas são variadas de negro, trigueiro, branco e cinzento ; o bico e os pés vermelhos. E” do tamanho do pato. O merganso é raro que venha a terra ; passa a vida na agua, frequentando as ribeiras c os lagos, e do habito de nadar com o corpo debaixo d'agua e só a ca- beca de fóra teve origem o nome scien- tifico Mergus, de mergere, mergulhar. Con- serva-se por longo tempo debaixo d'a- gua, percorrendo um espaco largo antes de vir á superficie, o que lhe permitte ir ao fundo em busca do alimento. Em terra caminha mal, e o vôo sendo ra- pido e firme, não lhe permitte todavia remontar a grande altura. Gr. n.º 419 — O merganso Os mergansos são monogamos, e a sua | os longipennes, distinguem-se pelo vigor Alimentam-se os mergansos de peixes e outros animaes aquaticos, reptis peque- nos, crustaceos e insectos, e sendo muito vorazes devoram os peixes em grande quantidade, tornando-se por isso bastante nocivos. São extremamente ageis e correm em perseguição da presa, servindo-se, para obter maior velocidade, das pernas e das azas, e seguem-n'a mesmo de- baixo d'agua, a grande profundidade. Diz Figuier que os mergansos teem o habito de engulir o peixe pela cabe- ca, acontecendo muitas vezes ser estes grandes em demasia para que a operação se faça d'uma vez, e n'este caso a pal- mipede não o lanca fóra, engole-o a pouco e pouco, e já a digestão da cabeca do peixe está comecada no estomago quando a cauda apenas entra no esophago. reproducção faz-se à maneira dos patos. Aninham no solo, entre a verdura, nos troncos ôcos das arvores, formando o ni- nho com pouca arte, de cannicos seccos, folhas, musgo e juncos. A postura regula por sete a quatorze ovos, e a incubação dura vinte e dois a vinte e quatro dias. E” possivel conservar captivos os mer- gansos, tendo-os em tanques, onde não haja peixes, pois de contrario devoral-os- hiam até ao ultimo. São bonitos e cheios de vivacidade, mas sem utilidade, porque a carne não presta. OS LONGIPENNES Assim como os lamellirostros são en- tre as palmipedes notaveis como nada- dores, as aves d'esta segunda sub ordem, e arrojado do vôo. O grande desenvolvi- mento das azas caracterisa essencialmente os longipennes, e posto que alguns an- dam e nadam bem, o seu meio de pro- gressão principal é o vôo, no que exce- dem todas as outras aves, e apenas algu- mas, poucas, poderão egualal-os. A sua patria é o mar, que percorrem em todas as direcções, uns em bandos numerosos, outros isolados ou em peque- nos grupos, voando constantemente, e repousando excepcionalmente á superficie d'agua ou na praia. A esta mobilidade infatigavel devem o ser cosmopolitas, voando em torno do globo, visitando to- das as regiões. Um unico acto da sua existencia, a reproducção, os prende á terra, obrigan- do-os a sair do seu meio em busca das costas. Em terra aninham, e ahi se con- servam os pequenos em quanto as azas não teem vigor bastante para lhes per- mittir soltarem o vôo. Como caracteres teem o corpo volu- moso; o pescoço curto e bico mediano, pontudo ou adunco; os tres dedos anterio- res palmados; azas longas e pontudas muito grandes em relação ao corpo. Damos em seguida algumas das mais importantes especies dos longipennes, principalmente as que se encontram no nosso paiz. A ANDORINHA DO MAR OU GAIVINA Sterna hirundo, de Linneo — Le Pierre-Garin, ou la grande hirondelle de mer, dos francezes São numerosas as especies do genero Sterna, andorinhas do mar, que frequen- tam a Europa; mas só duas são com- muns no nosso paiz, a especie citada e a sterna minuta, que poderemos appellidar pequena andorinha do mar. Os individuos do genero sterna teem o bico mais longo do que a cabeca, delgado e quasi direito, pontudo, com a extremi- dade da mandibula superior levemente recurva; tarsos e dedos curtos; as azas longas excedendo a cauda, e esta muito aforquilhada, á imitação das azas e da cauda das andorinhas; e d'aqui veiu a estas aves o nome vulgar de andorinhas do mar. A especie acima-citada é o typo do genero. Tem o alto da cabeca negro; a parte superior do corpo cinzenta azulado, a parte 'anterior branca; o bico e os pés vermelhos. AVES — A ANDORINHA DO MAR 283 A pequena andorinha do mar é mais pequena, tem a fronte e a parte inferior do corpo brancas; o alto da cabeca e a nuca negros; a parte superior do corpo d'um pardo cinzento; bico côr de cêra com a extremidade negra, e pés amarel- los. Mede 0,25 de comprimento, dos quaes 07,08 pertencem á cauda. Estas duas especies emigram em epo- cas certas d'uns para outros pontos da Europa, sendo muito frequentes no norte da Africa durante a estação mais rigorosa. Como dissemos são ambas communs no nosso paiz. Habitam nas costas do mar, ou nos lagos e grandes pantanos do interior, onde encontram em abundancia os pei- xes pequenos, os molluscos e os insectos de que se alimentam. Para apanharem os animaes aquaticos mergulham, e alcan- cam os que vivem no solo ou que pou- sam nas hervas sem suspender o vôo. Por vezes, correndo com extraordinaria ra- pidez ao lume d'agua, apanham voando o peixe que vem ao cimo, ou então remon- tando a grande altura, d'alli observam a presa com o seu olhar penetrante, e caem sobre ella. Para repousarem durante as suas viagens buscam os rochedos á bei- ra-mar. As andorinhas do mar aninham nos bancos d'areia junto da costa, na foz dos rios, ou junto dos lameiros, n'uma pe- quena cavidade aberta no solo, sem mais preparo ; e alli põe a femea dois ou tres ovos. Por vezes reunem-se estas aves ás centenas para estabelecer os ninhos n'um certo ponto, e tão proximos uns dos outros que as femeas no choco tocam-se. Bolle, falando d'uma d'estas colonias, que observara, diz serem os ninhos tantos e tão proximos, que era mister muito cuidado para não pisar os ovos. «Mal comecámos a encher d'ovos os nossos chapeos e os cestos que levavamos, vi- mos levantar-se um bando de milhares d'andorinhas do mar, similhante a uma grande nuvem branca de neve que pai- rava sobre nós. O ruido produzido pelos seus gritos era d'ensurdecer. ..» Os ovos da andorinha do mar são ex- cellentes e muito estimados em certas partes onde abundam. Figuier diz que nos Estados Unidos são objecto de com- mercio importante. Póde viver captiva a andorinha do mar, mas resiste por pouco tempo á perda da liberdade. 284 MARAVILHAS DA CREAÇÃO A ANDORINHA D'AGUA Sterna fissipes, de Linneo — La guifete ou epou-vantail, dos francezes Esta especie das andorinhas do mar, que alguns autores separam do genero Sterna, formando o genero Hydrochelidon, differe das especies de que acabamos de falar, não só por algum dos seus ca- racteres, mas principa'mente pelos habi- tos e regimen. E” muito commum na Europa e frequenta o nosso paiz, appare- cendo no Tejo. Em Portugal não tem nome vulgar especifico, mas appellidam-n'a alguns autores francezes andorinhas d'agua, por que ao inverso da andorinha do mar frequenta de preferencia as ribeiras, os lagos e os pantanos, no interior das ter- ras, afastando-se das costas. Não come peixes, e o seu regimen é unicamente insectivoro. Aninha nos canniçaes ou en- tre as hervas, e fórma o ninho com pouca arte, de folhas seccas, troncos e folhas de cannicos. De resto no todo assimilha-se ás an- dorinhas do mar, e como ellas voa cons- tantemente com grande rapidez, remon- tando a muita altura. A andorinha d'agua tem a cabeca, a nuca, o peito e o centro do ventre negros aveludados; a parte superior do corpo Ae ER EO: “Pa RS be PIA Mo: a / Us id se vtd SN dubla! dl à LCA si A 4 N Gr. n.º 420,— À andorinha do mar on gaivina parda azulada e o uropigio branco ; as re- miges d'um pardo escuro orladas de claro; as rectrizes d'um pardo claro; o bico vermelho na base e negro para a ponta, e os pés vermelhos atrigueirados. No inverno tem a parte posterior da cabeca e a nuca negras, a fronte e a parte inferior do corpo brancas. Mede 0",25 de comprimento, e destes 07,10 perten- cem á cauda. “0 BICO-TESOURA Rynchops nigra, de Linneo, — Le bec-en-ciseaum, dos francezes As especies do genero Rhynchops teem, como as andorinhas do mar, as azas muito longas e a cauda aforquilhada, e o seu caracteristico principal reside na confor- mação singular do bico. A mandibula inferior é muito mais comprida do que a superior, ambas achatadas nos lados, com as bordas cortantes, e quasi que dispostas como as folhas d'uma tesoura. Tem a fronte, as faces, a cauda, os flancos e a extremidade das grandes co- berturas das azas brancas; o alto da ca- beca, a parte posterior do pescoco, a gar- ganta e o dorso d'um trigueiro negro ; bico e pés vermelhos. Mede 0",46 de com- primento. Estas aves vivem nos mares dos tropi- cos, encontrando-se numerosas no mar das Antilhas. De dia conservam-se quedas, deitadas de ventre na areia, raras vezes em pé, e AVES — O BICO-TESOURA ao pôr do sol readquirem toda a sua vivacidade, e gritando vão á caça dos insectos que apanham á superficie de agua. Voando ao lume d'agua, mergulham a mandibula inferior e assim vão cortando a agua, conservando aberta e fóra d'agua a mandibula superior, para fechal-a quan- do topam algum insecto aquatico ou peixe miudo. Conta Lesson que o bico-tesoura da America vae pousar junto dos molluscos de concha que o baixa-mar deixa a des- coberto, aguardando com toda a pacien- cia que elles se entreabram. Então a pal- mipede introduz a mandibula inferior en- tre as conchas, que se cerram, e levando d'esta sorte o mollusco preso ao bico vae dar com elle contra uma pedra até fen- padoas, ainda mesmo caminhando ; tar- sos altos; os tres dedos anteriores pal- mados e o posterior livre mas muito pequeno; azas longas e pontudas que exce- dem a cauda, e esta d'ordinario quadrada. Habitam estas aves em todos os pon- tos do globo, vivendo aos bandos nas costas, na foz dos rios, sempre em gran- de numero ; frequentam as ilhas e os ter- renos vizinhos do mar, encontrando-se por vezes a muitas leguas da costa. São em maior numero nas regiões septentrio- naes, onde os corpos mortos das baleias e d'outros peixes grandes lhes fornecem farto alimento. «Estas aves são gritadoras e vorazes, chama-lhes Buffon os abutres do mar, pois expurgam-n'o dos corpos mortos de to- das as especies que boiam ao cimo d'agua ou que o mar arroja ás praias, quer 285 der-lhe as conchas e poder devorar o animal que alli se abrigava. Aninha na areia, em pequenas cavi- dades que elle proprio cava, e onde a femea põe de tres a cinco ovos. r O genero Larus é dos mais ricos da ordem das palmipedes, comprehendendo grande numero de especies espalhadas pelo globo, as quaes alguns autores repar- tem por diversos generos. Pertencem a este genero as aves conhecidas no nosso paiz pelos nomes vulgares de alcatrazes e gaiwotas. Caracterisam-se pelo bico alongado, achatado aos lados, com a ponta da man- dibula superior recurva, a cabeça grossa e que trazem constantemente entre as es- 424 — O bico-tesoura sejam mortos de pouco tempo ou em es- tado de decomposição adiantada. Tão co- bardes como gulosas, não se atrevem a atacar senão os animaes mais debeis, e cevam-se com o maior prazer nos cada- veres. Não ha comer que as farte, e sendo faceis de contentar com relação á qualidade dos alimentos, não se dá o mesmo com a quantidade. Aninham estas aves nas rochas á beira mar ou na areia da praia, aproveitando das primeiras as cavidades naturaes, e no segundo caso cavando ellas proprias uma pequena cova, onde a femea deposita os ovos sobre cama de lichens seccos en- contrados na praia. A postura é de dois a quatro ovos, de casca grossa, granulo- sa, malhada de pardo cinzento ou de trigueiro escuro sobre fundo verde ou verde tirante a trigueiro. 286 MARAVILHAS DA CREAÇÃO Os alcatrazes e as gaivotas são faceis de crear de pequenos, tornando-se domes- ticos e tão dados, principalmente com a pessoa que d'elles trata, que a conhecem entre todas e festejam a sua presença com os seus gritos mais alegres. A carne d'estas aves é pessima, de mau gosto e coriacea; mas os ovos são hons, e alimento estimado de muitos habitan- tes dos paizes do norte. Das especies que frequentam a Europa, cinco ao certo apparecem no nosso paiz, e outras visitam-n'o talvez accidental- mente. Damos algumas em seguida. O ALCATRAZ D'AZAS NEGRAS Larus marinus, de Linneo -— Le goeland à manteau moir dos francezes E" branco com o dorso e azas negras ; o bico e pés amarellos. Pouco commum em Portugal. O ALCATRAZ Larus argentatus, de Linneo. — Le goeland à manteau blue, dos francezes Tem a parte superior do corpo cinzenta e todo o resto branco; bico amarelo e pés vermelhos desvanecidos. Mede 0",65 de comprimento. Frequenta o Tejo. A GAIVOTA Larus ridibundus, de Linneo. — La mouelte rieuse, dos francezes Tem o dorso e as coberturas das azas d'um cinzento azulado; o pescoço, a cauda e as partes inferiores do corpo brancos ; Gr ns bico e pés vermelhos. Mede 07,43 de comprimento. Na epoca das nupcias tem esta especie o alto da cabeca e do pescoco d'um tri- gueiro tirante a arruivado, e o peito e ventre brancos lavados de côr de rosa. E” commum no Tejo, e das suas con- generes é a mais facil de domesticar, tor- nando-se muito dada e affeicoada ao tra- tador. Não é difficil de sustentar, por- que, alimentando-se d'ordinario de carne e peixe, pode habituar-se a comer pão. Brehm diz que as apanhadas de peque- nas são muito interessantes. Acompanham o dono, por vezes alongando os seus pas- seios a grande distancia de casa, mas re- gressando sempre ás horas da refeição. Acontece trazerem em sua companhia in- dividuos da mesma especie a quem sabem insinuar tanta confianca no homem, a 422 —() alcatraz d'azas negras ponto d'elles se conservarem por alguns dias na morada da sua introductora. A GAIVOTA Larus tridactylus, de Linneo. — La mouette à trois doigts, dos francezes Esta especie caracterisa-se pelo dedo posterior excessivamente curto, o que permittiu aos francezes darem-lhe o nome de gaivota de tres dedos. Tem a plumagem da cabeça, do pes- coco, do uropigio, da cauda e dos flan- cos branca; o dorso d'um cinzento azu- lado; as remiges d'um branco pardaço com as pontas negras; o bico amarello, os tarsos amarellados e os pés negros. Depois da muda, no outono, a parte posterior do pescoço faz-se parda azulada, e uma malha redonda que tem atraz do ouvido torna-se negra. Mede de 07,45 a 07,48 de comprimento. E” commum em Portugal, no Tejo. A GIVOTA LONGICAUDA Larus parasiticus, de Linneo. — Le labbe parasite, dos francezes Esta especie do genero Stercorarius, bem como os congeneres, tem suas ana- logias com as gaivotas e alcatrazes, mas differe na conformação do bico, robus- to e coberto d'uma membrana desde a base até ás ventas, com a mandibula su- perior adunca e armada na extremidade d'uma especie d'unha ; as pennas da cauda são deseguaes, tendo as duas do centro AVES—A GAIVOTA LONGICAUDA 287 mais compridas que as dos lados, e n'al- gumas especies esta differença é grande. A especie citada tem o dorso trigueiro tirante a ruivo, com uma malha na fronte, e os lados do pescoço d'um branco ama- rellado ; os flancos trigueiros ruivos; O ventre branco pardaco ; o papo pardo ; o bico negro. Mede de 0”",50 a 0”,52 de comprimento. Esta palmipede é bastante frequente nas regiões septentrionaes do antigo e novo continente, desde o Spitzberg e a Groen- landia até ao centro da Noruega, na Is- landia, nas ilhas de Feroê e no norte da Escossia. E” muito frequente na Terra Nova e no Labrador. Estas aves vivem quasi sempre isoladas Gr. n.º 423 — À gaivota (larus ridibundus ) á beira mar, avançando por terra den- tro na occasião de tempestade, e distin- guem-se das gaivotas pela maior rapidez e destreza dos seus movimentos. Correm e nadam perfeitamente e voam com gran- de rapidez, ainda mesmo contravento rijo. Avantajam-se em voracidade ás gaivotas c alcatrazes, e perseguem estes encarnica- damente para lhes roubar a presa, obri- gando-os a entregar-lh'a. «... Mal divisam ao longe outras aves maritimas, correm para ellas, e, pondo-se de observacão, aguardam que alguma al- cance a presa para investirem com ella, atacando-a á maneira das aves de rapina, com tanta audacia e vigor, e sem a lar- garem até que lhes ceda o bocado que pôde apanhar. Por vezes não se contentam só com o roubo, e o roubado é tambem victima. Groba conta d'uma destas aves que d'uma bicada abriu o craneo a um papagaio do mar, e outros observadores teem visto algumas vezes a gaivota lon- gicauda matar as gaivotas e os mergu- lhões e fazel-os pedaços. Persegue as aves doentes que encon- tra fluctuando ao cimo d'agua, devo- ra as mortas, e as validas escapam-lhe porque mergulham ao vel-a aproximar-se. Pilha com o maior arrojo os ninhos, e não só come os ovos, como devora os pequenos e os paes se lá os encontra.» (Brehm). Faz o ninho no solo, no cimo das serras e nas encostas, entre o matto, for- mado de hervas e musgo, pondo a femea dois ovos d'um verde amarellado sujo malhados de trigueiro. Chocam os ovos o macho e a femea, e defendem com tanta coragem a sua progenie, que não temem 288 qualquer animal nem mesmo o homem, atacando-o ás bicadas e obrigando-o a defender-se. O ALBATROZ Diomedea exulans, de Linneo. — L'albatros hurleur, dos francezes Os albatrozes, as maiores aves mariti- mas, são robustos; teem o pescoço curto e grosso; cabeca grande: bico vigoroso, longo, e adunco; azas muito longas e es- treitas; cauda curta e tarsos curtos e gros- sos; tres dedos na frente palmados, e o pollegar nullo. MARAVILHAS DA CREAÇÃO Conhecem-se varias especies do genero Diomedea, todas habitando os mares aus- traes e o oceano Pacifico septentrional, das quaes especies só a citada apparece accidentalmente na Europa, sendo a mais commum, e á qual os navegantes dão o nome de carneiro do Cabo, muito frequen- te nas costas meridionaes da Africa. E' todo branco este albatroz, á excepção das azas que são negras; o bico é branco tirante a vermelho, e amarello na extre- midade. As azas abertas medem de ponta a ponta 5 metros. O vôo vigoroso e rapido do albatroz é realmente admiravel, e facilita a estes Gr. n.º 424 — 6 albatroz animaes distanciarem-se enormemente da terra ainda mesmo affrontando a tempes- tade. Vôa a favor ou contra o vento com a mesma facilidade, e explora toda a vas- tidão do oceano sem que lhe dê cuidado a distancia a que se encontra da costa. Diz Gould que o albatroz pode seguir por muitos dias sem custo uma embarcação, correndo com vento favoravel, sem inter- romper as suas habituaes evoluções que o obrigam a desvios de muitas leguas, e regressando sempre para seguir na esteira do navio com o intuito d'apanhar os so- bejos que de bordo se lançam ao mar. Pode passar muitas semanas sem dor- mir, e quando a fadiga o vence repousa ao lume d'agua com a cabeca entre as azas. «s navegantes que teem tido ensejo de observar estas aves nas regiões polares, onde a noite dura seis mezes, vêem-n'as aos bandos adejar em volta das embar- cacões durante muitos dias, sem que manifestem a mais leve fadiga ou di- minuam a rapidez dos seus movimen- tos. O que o vôo do albatroz tem de mais curioso é não se distinguir o bater das azas, parecendo estas sempre immoveis como na occasião em que a ave se pe- neira no ar, isto quer desça ou remonte. É insaciavel o albatroz, e a necessidade de continuas refeições obriga-o a percor- AVES — O ALBATROZ 289 rer grandes distancias e a passar a maior parte da existencia voando d'um para outro lado. A digestão é tão rapida que pouco tempo lhe resta de descanço, sem que a fome o obrigue a novas excursões. Alimenta-se o albatroz dos pequenos animaes maritimos, dos molluscos e z00- phytos que andam ao de cima d'agua, e dos restos dos grandes peixes que encon- tra boiando. No mar imitam estas pal- mipedes os abutres, e Marion de Procé, citado por Brehm, diz haver encontrado um dia um bando consideravel de alba- trozes em volta do corpo d'uma baleia morta, e já em putrefacção, e tão empe- nhados andavam em arrancar aos peda- ços a carne do cetaceo, que nem atten- taram no navio que vinha proximo. Arriou-se a chalupa e remaram os ho- mens na direcção do corpo da baleia, aproximando-se sem que os albatrozes pensassem em fugir, tal era a voraci- dade que os não deixava perceber o que se passava, e seria possivel apanhal-os á mão se não fôra o receio das suas mor- deduras. | «Segue a esteira dos navios porque es- tes agitando a agua trazem á superficie os animaes pequenos de que o albatroz se alimenta. Tudo quanto cae ao mar de bordo das embarcações lhe serve, mesmo o homem. Um marinheiro que caira ao mar de bordo d'um navio francez, não podendo ser soccorrido immediatamente por faltarem os apparelhos de salvação, foi atacado pelos albatrozes que seguiam a embarcação, e que lhe rasgaram a cabe- ça e os bracos, antes de haver tempo para arriar um escaler e correr em seu au- xilio. Não podendo resistir a um tempo ao mar e aos inimigos que o cercavam, o homem succumbiu á vista da tripula- ção.» (Figuier). Na epoca da reproducção os albatrozes reunem-se em certas ilhas, e em numero consideravel nas de Auckland, Campbell e Tristão de Cunha, e ahi nidificam en- tre o matto nos pontos altos das monta- nhas, formando o ninho de hervas sec- cas, ramos e folhas. A postura é d'um só ovo, que tem termo medio 0",13 de com- prido por 0",10 de grossura e pesando 850 grammas. Não são conhecidos os por- menores da incubação nem ao certo se sabe o modo de vida dos pequenos alba- trozes, emquanto as azas lhe não permit- tem correr os mares em busca do sus- tento. Na opinião de certos autores não conseguem voar antes d'um anno, dando logar a opiniões diversas e algumas pouco verosimeis ácerca do modo porque se ali- mentam os pequenos albatrozes durante este periodo. Diz Figuier que a carne do albatroz é dura, e só pode ser comida depois de sal- gada por um certo tempo, cozida e bem condimentada. Ainda assim os marinhei- ros e os habitantes do litoral, onde estas aves apparecem, só a comem em dias de penuria. No mar o albatroz não é difficil d'apa- nhar, victima da sua voracidade, bastan- do para isso um anzol com boa isca, que elle decerto engulirá ficando preso. E' ne- cessario, porém, que a corda e o anzol sejam fortes, pois o albatroz resiste vigo- rosamente na occasião de o puxarem para bordo, e então cercam-n'o os companhei- ros soltando gritos agudos e bastante des- agradaveis. A PROCELLARIA GIGANTE Procelaria gigantea, de Gmiin. —- Le briseur d'os, dos francezes Esta especie do genero Procellaria é a maior d'um grupo d'aves a que vulgar- mente se dá o nome de aves de tormenta, por allusão á facilidade com que cami- nham sobre as vagas, firmando-se nas azas, acompanhando as ondulações do mar embravecido e affrontando a tor- menta com a maior tranquillidade. Para os marinheiros são estas aves mensagei- ras de tempestades. As procellarias teem por caracter o bico curto, com a extremidade curva e adun- ca, parecendo formado de diversas pecas soldadas e articuladas, as bordas cortan- tes guarnecidas de laminasinhas ; as azas estreitas e longas; tarsos regulares e os tres dedos anteriores palmados tendo no logar do pollegar uma unha romba. A procellaria gigante, na sua pluma- gem d'adulta, é côr de chocolate, com o bico vermelho desvanecido c a extre- midade côr de vinho. Mede 0",90 de comprimento e 1,65 de envergadura. «Gould julga ser esta ave capaz de fazer a volta do globo. Uma procellaria gigante, notavel pela sua plumagem parda clara, acompanhou o navio onde este naturalista fez a viagem do Cabo da Boa Esperança á terra de Van Diemen durante tres se- manas, percorrendo n'este espaço quatro mil leguas pelo menos, porque descre- 290 vendo grandes curvas de quarenta metros da diametro, apenas se deixava ver de meia em meia hora. Alimenta-se esta palmipede de peixes, molluscos e restes dos grandes cetaceos que fluctuam ao cimo d'agua. Frequentam as costas na epoca da re- producção, e nas cavidades das rochas põe a femea um unico ovo grande e branco. A incubação é longa eo pequeno nasce coberto de pennugem branca, sendo tardio o desenvolvimento. Estas aves vivem nos mares do Sul, e só accidentalmente apparecem nos do Norte. MARAVILHAS DA CREAÇÃO A PROCELLARIA DO CABO Procellaria capensis, de Linneo— Le damier, ou petrel du Cap dos francezes Esta especie das procellarias é princi- palmente frequente no Cabo da Boa Es- peranca, encontrando-se tambem nas cos- tas da America na latitude correspondente. Apparece accidentalmente na Europa. Tschudi compara a plumagem do dorso desta palmipede ás casas d'um taboleiro de damas, e d'esta circumstancia lhe pro- vém o nome de damier que os francezes lhe dão. Tem o dorso na maior parte ne- gro da côr da fuligem, malhado de branco Gr. n.º 429 — À procellaria gigante e negro; o ventre branco ; as azas e as re- ctrizes negras na extremidade. Mede Om, 38 de comprimento. Nos habitos não differe da especie an- tecedente. A ALMA DE MESTRE Procellaria pelagica, de Linneo — L'oiseau tempête, dos francezes Do grupo das proceltarias merece men- cão esta especie que habita o oceano Atlan- tico desde o sul da Groelandia até ao equador, não sendo rara no nosso paiz. Tem o alto da cabeca negro luzidio; a fronte atrigueirada; o dorso trigueiro-ne- gro; as pequenas coberturas superiores das azas brancas na ponta e na base; bico negro e pés d'um trigueiro avermelhado. E' a mais pequena das palmipedes, me- dindo apenas 0”, 15 de comprimento—o tamanho d'um tentilhão. Habitualmente estas aves vivem no alto mar, aproximando-se da terra apoz as tempestades muito prolongadas, ou na epoca da reproducção para aninharem. O seu regimen consiste em pequenos crusta- ceos e molluscos e nas substancias oleo- sas que boiam ao cimo d'agua. Parece que estas aves, quando as per- seguem ou apanham, lançam pelo bico ja- ctos de certo liquido amarellado e oleoso. | — AVES—O RABO DE JUNCO Construem o ninho no chão, n'uma pe- quena cova que abrem no solo, tapizan- do-a de alguns raminhos de herva. A fe- mea põe um unico ovo. A alma de mestre presente a tempestade, e no mar busca abrigo nas embarcações e serve d'aviso aos marinheiros. «Por mais sereno que o tempo pareca, se um bando de almas de mestre se aproxima da embarcação, seguindo na sua esteira e parecendo querer buscar abrigo na pópa, os marinheiros tomam as suas precauções para affrontar a tor- menta que se não fará esperar. E” pois a apparição d'estas aves um motivo de alarme, mas ao mesmo tempo um aviso precioso, e para tal a natureza as es- palhou por todos os mares, pois esta pro- cellaria encontra-se em todo o universo, e no dizer de Forster nos mares do Norte tanto como nos do Sul, e em quasi to- das as latitudes.» (Buffon). AS TOTIPALMAS As aves comprehendidas n'esta terceira sub-ordem das palmipedes distinguem-se principalmente pelos quatro dedos unidos por uma membrana. O RABO DE JUNCO Phaeton oeteereus, de Linneo — Lº oiseau de tropique, ou paile-en-queue, dos francezes A esta ave deu Linneo o nome de Phaeton, filho de Apollo e de Clymene, um louco que teve um dia a preten- ção de guiar o carro do sol e ia abra- zando o mundo. Os navegadores denomi- naram-n'a ave dos tropicos. Ambas as denominações teem por origem a existen- cia d'estas palmipedes na zona torrida, e a sua apparição indica ao marinheiro a entrada n'aquella zona, quer pelo lado do norte ou pelo do sul, em todos os mares do mundo. O nome de rabo de junco que aqui lhe damos, pelo qual tambem o conhecem os hespanhoes, e o de paille-en-queue dado pelos francezes, menos poeticos por certo, derivam-se da forma da cauda destas aves que tem no centro duas pennas lon- gas c estreitas em quanto que as outras são largas e curtas. No resto dos caracte- res distinguem-se pelo bico mais com- prido que a cabeca, comprimido nos la- dos ; azas longas, e todos os quatro dedos palmados. 291 Teem a cabeca, o pescoço, a parte in- ferior do corpo e a cauda brancos, leve- mente matizados de côr de rosa e ondea- dos de negro; os lados do corpo e o dorso riscados transversalmente de negro em fundo branco ; as azas negras bordadas de branco; bico vermelho e pés d'um amarello escuro. Mede de comprimento 0",80, comprehendendo 0",47 das duas pennas grandes da cauda, tendo as late- raes 0716. Existe outra especie, que, tendo a plu- magem variada de branco e preto, dif- fere nas duas pennas longas da cauda, brancas na base e no resto vermelhas es- curas com a haste negra. E” maior que a antecedente. A especie de cauda branca parece ser mais commum no oceano Atlantico e a de cauda vermelha no Pacifico, appa- recendo todavia ambas nos dois mares. Habitualmente encontram-se estas aves nas vizinhanças das costas, posto que os marinheiros tenham por certo, no dizer de Brehm, que se desviam por vezes á dis- tancia de 300 leguas ao mar. Bennett diz que «são incontestavelmen- te as mais lindas aves maritimas, doceis e graciosas, notaveis pela elegancia e vigor do vôo, e pelo effeito admiravel do sol reflectindo nas bellas côres da plumagem. Parece que os navios lhes prendem a atten- cão ; abeiram-se d'elles, voam ao redor, descem em espiraes successivamente mais estreitas, e baloucando-se no ar por al- gum tempo, a pouca altura da embar- cação, chegam mesmo a pousar nas ver- gas. Se as não espantam acompanham os navegantes dias inteiros, até que o navio saia da zona onde vivem ou que outra circumstancia as obrigue a afastar-se. São principalmente habeis na pesca, c á maneira das grandes especies dos alcatrazes pairam por muito tempo no ar espreitando attentamente o que se passa por baixo, e de subito caem com as azas abertas e quasi perpendicularmente na agua, com tal impeto que mergulham á profundidade d'alguns pés, sendo mister grande vigor nas azas e nos pés para se erguerem novamente.» Para aninharem buscam de preferen- cia as ilhas isoladas e desertas, e a femea põe no solo, entre o matto mais espesso, ou nas anfractuosidades dos rochedos, um unico ovo de cada postura. 292 O GANSO PATÓLA Peclicanus bassola, de Linneo. — Le fou, dos francezes As especies do genero Sula, a que per- tence a especie citada, comprehendem aves mais robustas e ao mesmo tempo mais esguias que os rabos de junco. O bico é mais longo do que a cabeca, ras- gado além dos olhos, grosso na base, di- reito, conico, e dentado nas bordas como uma serra, com a mandibula superior arqueada na ponta; azas alongadas ; tar- MARAVILHAS DA CREAÇÃO | sos curtos e grossos; cauda longa e pon- tuda. Teem as faces e a garganta nuas. O ganso patóla é a unica especie da Europa do genero Sula, todo branco, exceptuando as primeiras remiges que são dum negro tirante a trigueiro ; O alto da cabeça e parte posterior do pes- coco matizados de amarello. Teem o bico azulado, os pés verdes, e a pelle nua da garganta negra. Mede 07,99 de compri- mento pertencendo á cauda 07,27. Esta especie é commum no norte da Europa, na Islandia, nas ilhas Feroe, Gr. n.º 426 — O ganso patóla perseguido pela fragata apparecendo individuos isolados na cos- tas da França e em grande numero nas da America. E' commum nas costas de Portugal. A presença dos gansos patólas no mar annuncia sempre terra proxima, porque não obstante o vôo rapido e possante d'estas aves, nunca se afastam conside- ravclmente da terra, e veem dormir á noite, sempre que podem, nos rochedos mais altos e escarpados que se erguem no meio da agua, e d'onde possam estender a vista ao largo. Em terra caminham com difficuldade, bambaleando-se ; nadam raras vezes e só para descançar, deixando-se ir impellidos pelo vento e remando pouco, apezar dos seus pés completamente palma- dos; todo o seu vigor e pericia empre- gam-os no vôo. Alguns vigorosos adejos e o ganso patóla fende os ares com a rapidez d'uma frecha, peneirando quasi a tocar na agua, para remontar em segui- da a alturas prodigiosas. Só alcança a presa a vôo, ou precipi- tando-se de certa altura e mergulhando : assim apanha os peixes de que se ali- menta. AVES—A FRAGATA Os francezes deram a esta ave o nome de fou, parvo, e nós o appellido de pa- tola, querendo d'esta sorte alludir á es- tupidez que com justiça ou sem ella se lhe attribue. E' certo que o ganso patola deixa-se apanhar em terra, e até espan- car pelo homem sem mesmo tentar fu- gir; mas deve attribuir-se esta in- curia em fugir do perigo, menos ás suas curtas faculdades intellectuaes do que ao pouco conhecimento do homem, de quem vive geralmente afastado, e principal- mente á sua organisação imperfeita que em terra o torna inepto, pois tão difficil lhe é caminhar como erguer o vôo para escapar aos inimigos. Para as outras aves é mau, e entre as da mesma especie nem sempre reina a paz; sendo certo que o bico vigoroso fornece ao patola o meio de defender-se das outras aves maritimas, sem o pôr comtudo ao abrigo dos ataques das fra- gatas, aves arrojadas, que 6 perseguem obrigando-o a ceder-lhes a presa. Os gansos patolas reunem-se em certas ilhas, na época da reproducção ás cente- nas de milhar, cobrindo litteralmente as serras; e tantos são os ninhos e tão proximos uns dos outros que é difficil passar por entre elles sem os pisar. São toscos, e os das aves que primeiro chegam maiores, sendo os outros mais pequenos á falta d'espaço. A femea põe um unico ovo branco. A FRAGATA Pelecanus aquilus, de Linneo — La fregate, dos francezes As fragatas, genero Tachypeies, teem por caracteres principaes o bico longo com as duas mandibulas recurvas na ex- tremidade ; a frente do pescoço nua; as azas e a cauda muito compridas e a ulti- ma bastante aforquilhada ; as membranas que unem os dedos chanfradas. O nome de fragatas deram-lh'o os mari- nheiros em vista das suas fórmas airosas e principalmente pelo vôo rapido, compa- rando-as aos navios de guerra mais velei- ros e bem lançados. Encontram-se estas palmipedes nos mares dos tropicos, sendo communs no Brazil, na ilha d'Ascensão, em Timor, nas ilhas Mariannas e nas Molucas. Se excepcional- mente se afastam das costas, por vezes a mais de duzentas leguas ao mar, d'ordi- nario não vão além de trinta ou quarenta. A especie citada tem a plumagem ne- 27 293 gra, tirante a trigueira na cabeca, no peito e nos flancos; a pelle da gar- ganta vermelha, e em volta dos olhos azul-purpura ; pés vermelhos. Mede 17,12 de comprimento e d'envergadura 2" 35. A femea tem parte da plumagem do peito branca. Para muitos naturalistas a fragata é das aves maritimas a que tem o vôo mais ra- pido, e Audubon diz, «o açor, o falcão e o gerifalto, que se consideram como os mais velozes de todos os falconidios, vêcm-se por vezes forcados a perseguir as suas victimas por espaco d'uma legua antes de poder alcançal-as, emquanto que a fragata se arremessa com a rapidez do raio, das altas regiões em que paira, sobre a ave que avista, cortando-lhe a retirada e obrigando-a a ceder-lhe a presa que acabou de fazer e d'engulir. A vista da fragata é perfeitissima, e assimilha-se á das aves de rapina. Sendo os peixes voadores o principal alimento destas palmipedes, enxergam-n'os d'uma altura a que nós não podemos avistal-as, e caindo sobre elles de subilo, no mo- mento em que saltam fóra d'agua, apa- nham a presa a vôo, roçando-se pela su- perficie da agua. Como dissemos, falando do ganso patola, é este um dos melhores fornecedores da fragata, ainda que for- cado, e a nossa gravura nº 426 repre- senta uma d'essas expoliações a que os pobres patolas estão sujeitos. Parece que não só os peixes constituem a alimentação da fragata: alguns autores affirmam que esta não poupa as aves pe- quenas, apanhando-as no ninho, e Gosse diz que as agarra com o bico, e com as unhas levando-as em seguida á bocca. Quando tem fome a fragata ainda é mais arrojada, e gira em volta dos pescadores com o fito de lhes roubar o peixe no acto de colherem as redes. Um navegante francez, o sr. Kerhoent, citado por Fi- guicr, conta que durante a sua estada na ilha da Ascensão uma nuvem de fragatas girava constante em volta dos marinheiros, aproximando-se estas aves da cozinha que era no convez e a descoberto, e passando a pouca altura da caldeira para roubar a carne; isto á vista da tripulação e sem que a sua presenca impozesse receio ás arrojadas palmipedes. Kerhoent pôde der- rubar com uma bengalada um destes indiscretos visitantes. A fragata passa a noite em terra, e ao despontar da aurora ergue 0 vôo e vae no VOL. HI 294 MARAVILHAS DA CREAÇÃO oceano em busca d'alimento ; bem sacia- da regressa a terra a fazer a digestão empo- leirada nas arvores. «A estas aves, uma vez no solo, custa- lhes a erguer o vôo, e não nadam, ou pelo menos não teem sido vistas n'este exer- cicio. Não podem voar do convez do na- vio, e em terreno plano e arenoso não logram escapar-se a quem as persiga, e por isso só pousam nas arvores d'onde lhes é facil tomar o vôo.» Pelo meado de maio reunem-se as fra- gatas por vezes em bandos de mais de qui- nhentos casaes, nas ilhas onde habitual- | | mente aninham, reparando os ninhos dos annos anteriores ou construindo outros formados de troncos que tiram das ar- vores ou que apanham fluctuando á su- perficie da agua. Os ninhos construem- n'os nas arvores que se debruçam na agua: uns nos pontos onde os ramos se bifur- cam, outros no cimo, e muitos na mesma arvore; por vezes no alto dos rochedos. A postura é de dois a tres ovos, e os peque- nos são tardios no seu desenvolvimento, demorando-se muito tempo no ninho até poderem voar. Gr. n.º 427 — 4. O mergulhão (podiceps cristatus). 2. A anhinga A ANHINGA CARARÁ ! Plotus anhinga, de Linneo — I'anhinga vulgaire, dos francezes As anhingas caracterisam-se pelo corpo alongado, pescoço delgado e excessiva- mente comprido ; cabeça pequena e cha- ta, com o bico longo, direito, delgado e muito pontudo, emforma de fuso, tendo as bordas cortantes e dentado na extre- midade ; pernas muito trazeiras ; tarsos curtos e robustos; azas curtas e cauda muito longa e arredondada. 1 Nome vulgar brazileiro. Figuier, descrevendo a cabeca e pesco- co da anhinga, diz parecer esta uma cobra enxertada n'uma ave. «Quando se move, o pescoço imita o serpear dos reptís, e nos Estados-Unidos appellidam-n'a ave- cobra.» Existem diversas especies das anhin- gas: na America, na Africa, na Asia, e ul- timamente descobriu-se uma represen- tante do genero na Nova Hollanda. A pri- meira conhecida foi a especie citada, que vive na America e é frequente no Brazil. Tem a cabeca, o pescoço e todas as partes inferiores do corpo d'um negro aveludado, com reflexos esverdeados ; a AVES — À ANHINGA 295 plumagem na fronte e nas partes poste- riores da cabeça malhada de trigueiro, e no dorso pequenas malhas claras e maiores na parte superior das azas; as remiges e rectrizes annegradas, as ul- timas para a extremidade d'um trigueiro- pardo tirante a branco; o bico trigueiro pardaço na mandibula superior e triguei- ro vermelho tirante a amarello na infe- rior; a garganta vermelha clara tirante a amarello e ás vezes a amarello sujo ; tar- sos trigueiros amarellos na parte posterior e na frente trigueiros pardos. Mede 0" 95 de comprimento e 17,22 d'envergadura. As anhingas habitam os rios, os la- gos, os grandes pantanos, e excepcio- nalmente o mar. Como nadadoras são infatigaveis, e mergulham admiravel- mente, sendo n'este exercicio superiores a todas as outras palmipedes. Em terra caminham com cifficuldade, bambalean- do-se, mas movem-se com certa destreza nos ramos das arvores e voam bem. Se as perseguem mergulham, e apenas á su- perficie d'agua apparece o pescoço, que por muito delgado escapa á vista. Debaixo d'agua movem-se com veloci- dade talvez superior á dos peixes mais ra- pidos, e diz Brehm que a anhinga per- corre em menos d'um minuto sessenta metros, remando com os pés e servindo- lhe a cauda de leme. Gr. n.º 428 — O) corvo marinho Estas aves não são das mais sociaveis, encontrando-se todavia em grupos não su- periores a vinte individuos, e d'ordinario ás cinco e oito juntas no mesmo local, reunindo-se á noite estas pequenas fami- lias nas arvores que escolhem paradormir. As anhingas pescam mergulhando, e d'este modo perseguem os peixes, esten- dendo de subito o pescoço para apa- nhal-os, tão depressa os teem a curta distancia. Carecem de muito alimento, pois são singularmente vorazes. Todas estas aves sempre que podem aninham nas arvores, e á falta d'estas nas rochas, mas o mais proximo pos- sivel da agua, sendo o ninho formado exteriormente de troncos seccos e ramos de arvores, e no interior forrado de musgo, raizes flexiveis e outras subslan- cias macias. A femea põe tres ou quatro ovos, e os pequenos, nascendo cobertos de pennugem, são sustentados pelos paes com os proprios alimentos que estes vo- mitam para esse fim. Pode viver captiva a anhinga, e sendo creada de pequena domestica-se facil- mente, chegando a conhecer o dono e a manifestar-lhe certa affeição. O CORVO MARINHO Pelecanus carbo, de Linneo — Le grand carmoran, dos francezes Tres especies do genero Phalacrocorax 296 MARAVILHAS DA CREAÇÃO existem na Europa, e duas d'ellas fre- quentam as nossas costas, parecendo ser commum em Peniche o corvo marinho da especie citada. Nas outras partes do globo existem diversas especies, que differem no tamanho e na plumagem, similhantes porém nos habitos ao corvo marinho de que vamos oceupar-nos. Todas estas se caracterisam pelo corpo refeito, cabeca pequena e achatada, com o bico maior que a cabeça, direito, arre- dondado por cima e comprimido nos la- do, muito recurvo na extremidade ; azas curtas e cauda alongada; tarsos muito robustos e curtos. Da plumagem negra que predomina em todas as especies, pa- rece provir o nome de corvos marinhos dado a estas palmipedes. O corvo marinho tem a parte superior da cabeca e do pescoço, o peito, o ven- tre e a parte inferior do dorso d'um bello verde annegrado com reflexos metallicos; o alto das costas e das azas atrigueira- dos, com reflexos bronzeados; as remiges e rectrizes negras; uma malha branca que começa pela parte detraz dos olhos e contorna a garganta, e outra nos flan- cos; bico amarello na base e negro no resto; pés negros. A pelle nua das faces e da garganta amarella. Mede de 0",95 a 1” de comprimento. Estas aves são muito sociaveis e raro é encontrar uma só, vendo-se reuni- das aos bandos mais ou menos nu- merosos. Habitam à beira mar e na foz dos rios, dando preferencia por vezes a certos pontos da costa cobertos de rochas escarpadas de difficil accesso, e no dizer de Brehm «ha exemplos dos corvos ma- rinhos se internarem nas cidades, indo es- tabelecer-se nos campanarios das egrejas. De manhã pescam, e tão excellentes nadadores como habeis mergulhadores, pois nestes exercicios só lhes levam van- tagem as anhingas, perseguem com ex- traordinaria rapidez os peixes, mergu- lhando a grande profundidade e con- servando-se por longo tempo debaixo d'agua, vindo só por momentos á su- perficie, para de novo desapparecerem. E' raro que a presa lhes escape. Fartos, vão para terra empoleirar-se nas arvores, ou pousar nas arestas das rochas, e ahi fa- zem a digestão. N'estes mesmos sitios ani- nham na epoca propria. Em terra o corvo marinho move-se com difficuldade, nas arvores melhor; vôa bem, mas só é realmente habil na agua nadando e mergulhando como acima dis- semos. «O corvo marinho engole a presa sem- pre de cabeça para baixo, e se no acto de apprehendel-a lhe não fica a geito, atira-a ao ar e apanha-a n9 bico pela cabeça. Passa-se às vezes uma hoa meia hora sem conseguir alojar conveniente- mente no estomago alguma enguia mais teimosa. Esforca-se por engulil-a, mas no momento em que se julga haver ella des- apparecido para sempre, eil-a que de subi- to surge do fundo do seu sepulchro, e ten- ta os mais desesperados esforços para es- capar-se. Então o corvo marinho engole-a de novo, e a enguia recalcitrando deixa ver a cauda saindo do bico da ave, até que exhausta de tão longa como inutil resistencia se resigna finalmente á sua cruel sorte.» (Figuier). Habeis na pesca, não escaparam os cor- vos marinhos ao homem que lhes não utilisasse a prenda, e em certas regiões da Asia são estas aves domesticas e empre- gam-n'as na pesca, sendo certo que obe- decem á voz do dono e lhes trazem os pei- xes que apanham. E” na China que mais está em uso aproveitar esta habilidade dos corvos marinhos, e para evitar que elles al- guma vez, tentados pela gula, devorem o peixe em vez de o entregarem ao dono, põem-lhes em volta do pescoco um annel de metal que os impede d'engulir. Estas palmipedes aninham de prefe- rencia nas arvores, mas na falta d'estas aproveitam as cavidades dos rochedos, e formam o ninho de ramos, juncos, can- niços, e outros materiaes analogos. A pos- tura é de tres ou quatro ovos pequenos, de casca lisa, e d'um verde azulado, que são chocados pelo macho e pela femea alternadamente, e em commum se encar- regam os dois d'alimentar os pequenos. Domestica-se o corvo marinho sendo facil conserval-lo por muito tempo, se houver um tanque grande onde possa vi- ver, e comer com abundancia, pois a sua voracidade é enorme. A carne d'esta pal- mipede é má, mas comem-n'a certos po- vos do Norte. O PELICANO Pelecanus onocrotalus, de Linneo.-—Le pélican, dos francezes Os pelicanos, genero Pelecanus, distin- guem-se principalmente pelo bico longo, largo e achatado, tendo a mandibula in- AVES — O PELICANO 297 ferior guarnecida por baixo d'uma mem- brana nua, dilatavel, formando uma especie de sacco. Teem as faces nuas ; azas grandes e agudas; cauda curta e arredondada ; tarsos curtos e grossos € pés muito palmados, com unhas longas. Conhecem-se d'este genero diversas es- pecies que habitam nos paizes quentes, sendo muito communs na Africa, na Ásia, em Sião, na China, em Madagascar, nas ilhas de Sonda e nas Philipinas, e na Ame- rica; duas visitam a Europa, sendo a especie citada rara no nosso paiz. O pelicano, pelecanus onocrotalus, adul- to, é todo branco, matizado de cór de rosa claro, com as pennas longas da parte posterior da cabeça e o papo ama- rellos; o bico pardaço ponteado de ver- melho e amarello; pés côr de carne. Mede 14”,50 a 17,70 de comprimento. Os pelicanos são aves aquaticas que vivem indistinclamente na agua doce ou na salgada, nas praias ou nos rios, á borda dos lagos e das ribeiras, procu- rando os sitios pouco fundos para apa- nharem os peixes de que se alimentam. Unem-se em bandos para pescar : nos lagos, nos pantanos ou no mar, à pouca distancia de terra, formam-se em circulo, e nas ribeiras pouco largas em duas fi- Gr. n.º 429 — O pelicano las; no primeiro caso vão a pouco e pouco estreitando o circulo e batendo as azas para agglomerar os peixes n'um espa- co menor, e melhor poderem apanhal-os; ou descrevendo um semi-circulo vão avan- cando para a praia levando-os adiante de si, € mais facilmente os apprehendem. No segundo caso avançam as duas filas uma para a outra e pescam os peixes que ficam entre ellas encerrados. O bico, pela sua sin- gular conformação, presta-lhes assignala- dos serviços, permittindo-lhes não só as- senhorear-se facilmente da presa como tambem retel-a no sacco guttural. Terminado o repasto e plenamente sacia- dos, o que não é das coisas mais faceis, pois se grande é o estomago do pelicano melhor é o appetite, alojando alli de cada vez tanto peixe como o que seria bastante para alimentar seis homens, vão repousar nos bancos d'areia ou nas arvores, e à um tempo fazem a digestão c asseiam a plumagem. No Egypto dão a estas aves o nome de camelos do rio, pela grande quantidade d'agua que absorvem, mais de dez litros de uma vez, c vem aqui a péllo narrar a seguinte lenda que prende com esta fa- culdade dos pelicanos. Construia-se em Mecca o templo, e sendo mister conduzir a agua de muito longe, faltavam braços que a transportassem, 298 queixando-se os pedreiros de que o traba- lho parava á falta d'ella. Allah, então, at- tentando em que a queixa era justa e não querendo que a construcção se re- tardasse, enviou milhares de pelicanos, com os saccos gulluraes cheios d'agua, para a fornecerem aos pedreiros. Faltava dizer que o pelicano cami- nha no solo sem muita difficuldade, vôa perfeitamente, e nada com rapidez e sem esforço. E naturalmente docil, vi- vendo em boa harmonia com todos os animaes, e só a sua voracidade enorme dá motivo a algumas rixas. Aninha nas anfractuosidades dos rochedos á beira mar, ou construe o ninho de juncos e cannicos à borda dos pantanos ou nas arvores. A postura é de dois ovos, mais peque- nos que os do cysne, brancos azulados, e depois de quarenta ou quarenta e cinco dias de incubação nascem os pequenos cobertos de pennugem parda. Alimenta-os a mãe, e basta para isso apertar contra o peito o sacco guttural, para assim lhes fornecer o peixe depositando-o no bico dos pequenos, e d'aqui provém certa- mente a fabula que corre acêrca dos peli- canos, de que a femea rasga o peito para alimentar os filhos com o proprio san- gue. Podem amansar-se os pelicanos, e são até susceptiveis de domesticar-se e de tal ou qual educação. OS BRACHYPTEROS OU MERGULHÕES Brachypteros é um vocabulo formado de duas palavras gregas que dizem azas curtas, o que bem cabe ás aves d'esta ultima sub-ordem das palmipedes, as quaes teem azas curtas, estreitas e pon- tudas, n'algumas especies mais barbata- nas do que azas, improprias para o vôo. Em compensação são habeis mergulhado- ras, e nadadoras infatigaveis, servindo-se das azas como barbatanas. Em terra, onde só veem aninhar, ca- minham com custo, porque as pernas muito trazeiras obrigam-as a ter-se em posição vertical, e tornam-lhes o andar pe- noso. O MERGULHAO Colymbus cristatus, de Linneo — Le grêbe huppé, dos francezes Com os nomes vulgares de mergulhões existem no nosso paiz tres especies do MARAVILHAS DA CREAÇÃO genero Podiceps, que comprehende cinco especies da Europa, afóra muitas exoticas. Os mergulhões teem o bico do com- primento da cabeca, direito, pontudo e comprimido nos lados; azas curtas, es- treitas e agudas; cauda rudimentar; os tarsos mediocres e achatados aos lados ; o pollegar delgado e sem unha, e os de- dos anteriores só palmados até á pri- meira articulação, sendo o resto livre, guarnecidos aos lados por uma mem- brana larga e arredondada na frente. O mergulhão (Podiceps cristatus), raro no nosso paiz, € que vae representado na nossa gravura n.º 427, é o mais bello do genero, do tamanho d'um pato. Na epoca das nupcias tem um tufo de.pennas na cabeca formando duas pontas, e uma col- leira de pennas longas e brilhantes que lhe orna a garganta e os lados da cabeca. A parte superior do corpo é d'um bello trigueiro annegrado; as faces e a gar- ganta brancas; a colleira côr de rosa bordada de trigueiro annegrado ; a parte inferior do corpo d'um branco assetinado malhado de ruivo e de pardo annegrado nos lados ; bico vermelho claro, e pés es- curos. No inverno, época em que visita o nosso paiz, não tem colleira nem poupa. Outro mergulhão (Podiceps minor), o castagneus dos francezes, muito mais pe- queno, com 0",24 a 07,27 de compri- mento, apparece tambem em Portugal e é commum no Ribatejo. Com a plumagem da época dos amo- res é dum negro luzidio com reflexos atrigueirados na parte superior do corpo; e nas inferiores d'um branco pardaço, com cambiantes mais escuros; a garganta annegrada ; os lados da cabeça e do pes- coco trigueiros acastanhados; bico verde tirante a amarello na base, negro na ponta; pés annegrados pelo lado de fóra e mais claros na parte interna. No inverno, quando nos visita, é pardo trigueiro na parte superior do corpo; branco assetinado na inferior, e a cabeca e pescoço pardos claros. Uma terceira especie (Podiceps auritus), grebe oreillard, é tambem commum no Ribatejo, e distingue-se pelo bico depri- mido na base e com a extremidade arre- bitada. Os mergulhões habitam no mar, mas preferem a agua doce; na primavera an- dam aos casaes, e no outono encon- tram-se aos bandos de cincoenta indivi- AVES—O MERGULHÃO 299 duos e mais, quando emigram do Norte para o Sul. Em terra cusla-lhes muito a andar, e para ter-se em pé carecem d'apoiar-se na cauda, com os tarsos e os dedos estendi- dos para os lados, e em posição vertical. Vôam, porém, relativamente bem, em li. nha recta, e nadam e mergulham excel- lentemente. Tão ineptos são em terra, como habeis e elegantes na agua, e por isso só na ultima extremidade abandonam o seu elemento favorito, a não ser para emigrarem ou na primavera para cons- truirem o ninho. Alimentam-se estas palmipedes de pei- xes pequenos, insectos, rãs e gerinos dos batrachios, indo buscar a presa ao fundo e engulindo-a ainda antes de regressarem à superficie da agua. Aninham os mergulhões entre os can- nicos e juncos á borda d'agua, e ás ve- zes formam o ninho boiando á superfi- cie «que no todo mais parece um mon- ticulo de plantas aquaticas, que o vento uniu, no dizer de Naumann, e que nin- guem menos experiente tomará de certo por um ninho d'ave. E mais é para admi- rar não só que elle possa aguentar o peso do mergulhão, como tambem que se não vire nas continuas entradas e saidas.» Gr. n.º 430 — O grande mergulhão do norte (colymbus glacialis). A postura é de tres a cinco ovos, e a incubação feita pela femea e pelo ma- cho, que se alternam, sem nunca os dei- xarem a descoberto, pois muito neces- saria é a assistencia continuada d'elles sobre os ovos, estando estes habitual- mente quasi com a metade dentro d'agua. Os paes são muito affeicoados á sua pro- genie, e por ella arriscam a vida. Emquan- to os pequenos não teem bastante vigor para nadar, ou quando a agua está agitada, trazem-n'os ás costas. A carne dos mergulhões não presta, mas a pelle é estimada e serve para cer- tos artefactos em que geralmente se em- pregam as pelles dos mamiferos, sendo a plumagem basta, rija e lustrosa, e a do peito d'um bello branco prateado. Podem existir captivas estas aves, e tor- nam-se a final tão domesticas que veem á chamada e comem na mão. Carecem, porém, de viver na agua, ainda que seja mum tanque pequeno, e dando-se-lhes peixes pequenos para alimento. O MERGULHÃO DO NORTE Colymbus septentrionalis, de Linneo—Le plongeon cat-marin, dos francezes Os mergulhões do genero Colymbus, dos quaes não conhecemos o nome vul- gar — e á especie mais commum em Por. 300 tugal demos o nome de mergulhão do norte para distinguil-a das especies anterior- mente citadas — differem dos mergulhões (Podiceps). de que acabamos de falar, não só por serem de maior corporatura, te- rem a cabeça maior e o bico mais grosso, mas principalmente pelos pés que não são guarnecidos de membrana em volta dos dedos, tendo completamente palma- dos os tres dedos anteriores. Conhecem-se tres especies, e todas se encontram na Europa, nos mares septen- trionaes, emigrando no inverno para o Sul. Em Portugal apparecem todas tres, sendo mais commum a especie acima citada, que é egualmente a mais frequente em todo o occidente da Eu- ropa. O mergulhão do norte (colymbus septen- trionalis) na época das nupcias tem o alto da cabeca e os lados do pescoço pardos cinzentos; a parte posterior do pescoço negra raiada de branco ; a frente do pes- coco ruiva acastanhada muito clara; O dorso negro atrigueirado, e a parte infe- rior do corpo branca, com os lados do papo e do peito raiados de negro ; bico negro e pés escuros. Mede 07,65 a 07,70 de comprimento. No inverno, época em que frequenta o nosso paiz, é pardo escuro na cabeça e no pescoço; annegrado no dorso com as azas bordadas de claro; branco nas partes inferiores do corpo, com os lados do papo raiados de negro e de branco. As duas outras especies são : O grande mergulhão do norte (colymbus glacialis) le plongeon imbrim, é uma bella ave, aproximadamente com 1” de com- primento. A plumagem de verão é an- negrada com malhas brancas; a cabeça e o pescoço d'um negro pardaço e no meio do pescoco tem uma colleira incompleta preta e branca; os lados do peito raia- dos de negro e branco; o ventre d'um branco assetinado ; bico negro e pés par- dos. (Gr. n.º 430). No inverno é negro na parte superior do corpo e nos lados, sem malhas bran- cas; branco na parte inferior, raiada a plumagem de negro nos lados do papo. Esta especie, que vive nos mares ao norte do novo e velho mundo, no inverno frequenta regularmente alguns paizes mais septentrionaes da Europa, e em Portugal é rara. O mergulhão arctico (colymbus arcticus) le plongeon arctique, outra especie, tem a MARAVILHAS DA CREAÇÃO plumagem de nupcias no alto da cabeca d'um pardo cinzento, a da fronte e lados (| do pescoço branca com malhas negras ; o dorso e o uropigio negros; a das cober- turas das azas salpicadas de malhas bran- cas, e todas as partes inferiores do corpo d'um branco limpo; o bico negro e os pés pardos. Mede 0,76 a 0,82 de com- primento. No inverno é pardo escuro na cabeca e no pescoço ; annegrado no dorso, com as azas bordadas de claro; as partes in- feriores do corpo brancas, e tem aos lados do papo a plumagem raiada de ne- gro e branco. E muito commum no norte da Europa, nos lagos da Siberia, e na America na Groenlandia e na bahia de Hudson. No nosso paiz é muito raro. Todas estas palmipedes teem habitos similhantes, todas vivem no mar, e só frequentam os lagos e rios d'agua doce na epoca da reproducção, ou no inverno quando emigram. Vivem da pesca, e sem faltarem ao que o nome indica, são realmente habeis mergulhadoras, podendo conservar-se de baixo d'agua por espaço de oito minutos. Nadam com grande rapidez, e em veloci- dade ganham aos peixes mais velozes. Vôam melhor do que se pode esperar da curteza das azas, mas em terra, onde ra- ras vezes se encontram, a não ser na epoca da reproducção, são completamente ine- ptas. Brehm diz que em terra não podem ter-se em pé, e accrescenta que havendo- as observado repetidas vezes e durante semanas inteiras, nunca as viu caminhar nos pés, e sempre arrastarem-se com auxi- lio do bico e do pescoço, ajudando-se ao mesmo tempo das azas e dos pés. São pouco sociaveis, d'ordinario en- contrando se isoladas, e só na epoca das nupcias se vêem aos casaes, e estes sem- pre a distancia uns dos outros. Aninham á borda dos lagos d'agua doce, ou nas ilhotas e promontorios de- sertos, fazendo o ninho o mais proximo possivel da agua, de canniços e plantas aquaticas, amontoados sem arte. A femea põe dois ovos, que ella e o macho cho- cam alternadamente, e em commum cui- dam da creacão dos pequenos. A carne destas aves não presta, é co- reacea e d'um gosto detestavel. AVES — O AIRO O AIRO Colymbus troile, de Linneo. — Le guillemot à capuchon, dos francezes As especies do genero Uria, no qual se comprehende o airo, caracterisam-se pelo bico longo e direito, convexo por cima e anguloso por baixo, um pouco curvo e chanfrado na extremidade das mandibu- las; azas muito estreitas e pontudas; cauda mediocre; pernas curtas e muito trazeiras; os tres dedos anteriores liga- dos por uma só membrana, com unhas curvas e agudas, e o pollegar nullo. 301 Habitam nos paizes boreaes, d'onde emigram no inverno para as regiões tem- peradas, quando o gelo cobre os mares d'aquellas regiões. Das especies da Eu- ropa só uma se sabe ao certo que visita o nosso paiz, sendo commum em Peniche, Cezimbra, e outros pontos da costa de Portugal. O airo com a sua plumagem de nu- pcias tem a frente do pescoço e a parte superior do corpo d'um trigueiro avelu- dado, com as extremidades d'algumas das remiges brancas ; as partes inferiores do corpo brancas com os flancos raiados longitudinalmente de trigueiro; o bico Gr. n.º 444 — O airo negro e os pés côr de chumbo. Mede 0»,48 de comprimento. Com a plumagem d'inverno tem a parte anterior do pescoço e parte da pennu- gem atraz das faces brancas. Estas aves, em resultado da conformação das pernas, teem grande difficuldade de mover-se em terra, onde caminham ar- rastando-se, ou então, por vezes, dan- sando, assim se pode dizer, nas pontas dos dedo, se ajudando-se das azas para se manterem em equilibrio ; de sorte que este modo de locomoção é antes voar im- perfeitamente do que andar. Raro tam- bem é vêlas em terra, a não ser na epoca da reproducção. Para aninharem buscam os rochedos, onde a femea põe um unico ovo nas cavidades e fendas naturaes, sobre a pedra nua. Voam rapidamente, mas não vão longe sem descansar, e só para alcançarem o ninho remontam a maior altura acima da superficie da agua. Os ovos dos airos são para os povos do Norte um recurso precioso, e não só os d'elles como tambem os dos mergulhões, de que anteriormente falámos, e os das tôr- das mergulheiras e papagaios do mar de que em seguida trataremos. Todas estas aves habitam nos mares boreaes em tão grande numero, encontrando-se sitios onde aninham aos milhões, que, apezar da sua pouca fecundidade, fornecem quantidade enorme de ovos e d'aves no- voL. du 302 —————— vas de que se alimentam os pobres habi- tantes das ilhas incultas d'aquelles mares, onde salgam as aves novas para as con- servar até ao inverno. Esta abundante colheita não se obtem, todavia, sem arriscar a vida a todo o momento ; e dos homens que se empre- gam n'este mister poucos morrem no leito, isto depois de haverem encarado a morte vezes sem conto. A curiosa descripção que em seguida vae, e na qual Figuier descreve o modo porque se fazem estas colheitas d'ovos e aves nas ilhas Faroé, é tão cheia d'inte- resse que não resistimos a transcrevel-a. « Os intrepidos habitantes das ilhas Faroé, pertencentes á Dinamarca, e situa- das ao norte da Escossia entre a No- ruega e a Islandia, no oceano Atlantico, seguem o seguinte processo na colheita dos ovos e dos pequenos das aves mari- timas. Trepam primeiro alguns ao longo de uma vara até ao primeiro sitio da rocha talhada a pique onde possam ter-se de pé, e d'ahi lançam aos companheiros uma corda cheia de nós para estes se lhes reunirem n'aquella cornija natural. Repe- te-se a manobra tantas vezes quantas sejam necessarias para d'esta sorte alcan- carem o cimo do penedo. O peior resta ainda por fazer, pois tra- ta-se de visitar as cavidades onde se en- contram os ninhos. A” borda do penedo colloca-se horison- talmente um barrote, e prende-se a elle um cabo de seis centimetros de diame- tro que não tem menos de trezentos me- tros de comprimento. No extremo d'esta immensa corda ha uma taboa pequena onde o cacador se assenta, o fuglemond, como no paiz se lhe chama, e o homem leva na mão a ponta d'uma corda delgada destinada a transmittir aos companheiros certos signaes convencionados. Seis ho- mens arriam-n'o então ao longo dos ro- chedos que se debrucam no mar. O cacador assim suspenso na extremi- dade da corda, desce de recife em recife, de penha em penha, visitando todas as saliencias e cavidades, e fazendo larga colheita d'ovos e d'aves que apanha á mão ou em rêde presa na ponta de uma vara, servindo esta ao passarinheiro para apanhar as aves que esvoacam em torno d'elle, pouco mais ou menos como as creanças praticam para cacar as borbo- letas. N'um sacco que traz a tiracollo vae MARAVILHAS DA CREAÇÃO depositando o producto de tão perigosa exploração. Sempre que quer mudar de logar im- prime á corda um vigoroso movimento d'oscillação, que o arremessa para a parte do penedo que deseja explorar. Terminada a colheita ou julgada suffi- ciente, adverte os companheiros por certo signal, e estes içam-no para o alto do penedo. E” enorme a destreza e coragem do homem que assim se suspende sobre um abysmo medonho, seguro a uma fragil corda, vencendo milhares d'obstaculos e affrontando a morte ! E” tão facil a corda partir-se, gastando-se d'encontro ás ares- tas da rocha! E se acontece torcer-se, o infeliz, n'um vertiginoso rodopio, está a ponto de esmagar a cabeça contra os rochedos. Quando imprime á corda o balanço necessario para mudar de logar, arrisca-se sempre a dar com a cabeça ou com os membros d'encontro a uma sa- liencia da rocha, ou a ser esmagado pelas pedras que se desprendem ao embate da corda !...» Por esta descripção vê o leitor que realmente o quadro não é de tentar, e que áquelles pobres homens bem penosa é a existencia em regiões inhospitas, onde o alimento se alcança a troco de grandes fadigas e perigos medonhos. O airo pode existir captivo tendo um tanque onde viva, e amansa-se a ponto de acceitar o comer da mão do dono. O PAPAGAIO DO MAR Alca arctica, de Linneo — Le macareux, dos francezes. Estas aves, genero Mormon, distinguem- se de todas pela conformação especial do bico, mais alto do que comprido, exce- dendo na base o nivel do craneo, muito comprimido e arqueado, mediocremente pontudo mas muito cortante; teem tres dedos palmados ; azas pequenas e estrei- tas e cauda muito curta. O papagaio do mar, (fig. 3 da nossa gravura n.º 432) tem o alto da cabeça, o pescoço e o dorso negros; as faces e a garganta d'um pardo cinzento; o ventre branco, pardo ou negro aos lados; um circulo vermelho em volta dos olhos ; bico vermelho desvanecido na ponta, pardo azulado na base, côr de laranja no angulo da bocca ; pés vermelhos. Vive esta palmipede nos mares septen- AVES— A TORDA MERGULHEIRA trionaes, encontrando-se nas costas da Europa, da Ásia c da America. No inver- no encontra-se accidentalmente de pas- sagem no sul da Europa, diz Brehm. O dr. Barbosa du Bocage dá esta ave como rara no nosso paiz, não se conhecendo captivos em Portugal senão os exem- plares que pertenciam a el-rei, e hoje se encontram no Museu. É habil o papagaio do mar moven- do-se no cimo das vagas, ajudando-se das azas e dos pés, meio voando meio nadando ; nada á superficie da agua ou mergulha sem esforço, demorando-se de- baixo d'agua dois a tres minutos, e vôa 303 a grande altura. Em terra caminha a passos curtos e vacillantes, com custo, mas ainda assim com rapidez, e descança sobre o ventre ou na ponta dos pés, apoiando-se na cauda. « Como os seus congeneres, diz Brehm, mesmo quando descança vira constantemente a cabeça de um para outro lado, como quem busca alguma coisa em volta de si.» Alimenta-se de peixes e pequenos crus- taceos, e é com estes que os paes ali- mentam os pequenos no ninho. Nidifi- ca nos rochedos, e qualquer fenda ou cavidade lhe serve, sem mais preparo, e alli a femea põe de cada postura um Gr. n.º 432 — 4. Alca impennes. — 2, À torda Tergulheira, — 3. 0 papagaio do mar. unico ovo branco, um pouco maior do | comprimento da cabeca, muito estreito, que o do pato domestico. Como dissemos, falando do airo, os ha- | bitantes dos paizes onde estas aves aninham comem-lhes os ovos e os pequenos, salgan- do estes para conserval-os até ao inverno. A TORDA MERGULHEIRA 4lca torda, de Linneo — Le pingouin comnmun, dos francezes Esta especie e a alca impennis, ambas representadas na nossa gravura n.º 432, formam o genero Alca. Osindividuos n'elle comprehendidos caracterisam-se pelo bi- co, analogo ao do papagaio do mar, do alto e arqueado na parte superior, ter- minando em angulo recto na parte infe- rior, com as bordas muito cortantes; cauda curta e azas estreitas e alongadas, que na alca impennis, (grand pingouin dos francezes), são de tal modo rudimentares que quasi não merecem este nome. Estas aves pertencem exclusivamente aos paizes septentrionaes, encontrando-se a tôrda mergulheira em todos os pontos onde vive o papagaio do mar. À especie alca impennis é rara em toda a parte, e parece hoje quasi extincta. A tórda mergulheira na epoca das nu- pcias é negra na parte superior do corpo e na garganta, com uma risca branca que 304 vae do bico aos olhos; o peito e o ventre são brancos; bico e pés negros. No inverno tem a garganta e os lados da cabeça brancos. Nos habitos é tão similhante ao airo, que dispensa descripção especial. O COTÊTE Aptenodytes patagonica, de Forster — Le manchot de Patagonie, dos francezes Os cotêtes parece estabelecerem a trans- ição entre as aves e os peixes. O corpo quasi conico vae adelgaçando de baixo para cima; a cabeca é pequena, e o bico mais comprido do que esta, direito, del- gado, recurvo na ponta; as pernas muito curtas e articuladas junto do uropigio; as azas atrophiadas, completamente nul- las para o vôo, uma especie de côtos cha- tos e muito curtos sem pennas, cobertos de pennugem que mais parece escamas ; tres dedos anteriores palmados. Estas aves só vivem no hemispherio sul, e a especie citada encontra-se no mar da Terra de Fogo, nas ilhas Falkland e na Nova Georgia, sendo frequentes nas costas da Patagonia na época da reproduceção. O cotête da Patagonia tem a cabeça e à garganta negras, e a nuca e o dorso d'um pardo ardosia luzidio ; o ventre branco; o peito mais ou menos amarello; por detraz de cada olho uma risca amarella estreita que desce pelo lado do pescoço e se une na garganta à do lado opposto ; azas an- negradas e bico negro na base, ama- rello na extremidade e por baixo; pés d'um trigueiro negro. A estructura d'estas aves está em tiar- monia com o seu genero de vida essen- cialmente aquatico : são habeis nadado- ras e incomparaveis mergulhadoras. Em terra caminham em posição vertical, com difficuldade, dando passos curtos e acom- panhando-os com o corpo que viram al- ternadamente para um e outro lado. Mas se as perseguem, deitam-se de peito ar- rastando-se com tanta rapidez, ajudan- do-se dos pés e das azas, que o homem tem difficuldade em alcançal-as. MARAVILHAS DA CREAÇÃO Bennett, citado por Brehm, diz dos co- tétes o seguinte - «O numero de cotétes que se reunem n'um só ponto é tão consideravel, que im- possivel seria contal-os, pois de dia e de noite mais de 30:000 ou 40:000 d'estas aves vão e veem do mar para a terra. Os que estão em terra enfileiram-se á imita- ção de um regimento de soldados, divi- didos por edades: os novos a um lado, os adultos, as femeas no acto da incuba- ção e as femeas livres a outro. A separa- ção é tão rigorosa, que cada um dos grupos não consente por fórma alguma no seu seio individuo que pertença ao outro.» Figuier conta que n'uma ilha proxi- ma do estreito de Magalhães, os mari- nheiros do capitão Drak mataram mais de tres mil cotêtes n'um dia. Aninham estas aves no solo, abrindo grandes covas para a femea pôr um ou dois ovos, e reunem-se no mesmo sitio tantos, que Abott diz haver encontrado uma extensão de terreno, não menor de 500 toezas de comprimento por 50 de largo, por tal sorte coberta d'ovos, que não era possivel passar entre elles sem os esmagar. «Os cotêtes não se arreceiam do ho- mem, esperam-n'o a pé firme, e defen- dem-se ás bicadas quando lhes querem pôr a mão. Se os perseguem, simulam fugir para o lado para se voltarem de subito e atirarem-se ás pernas do assal- tante. Outras vezes, diz Pernett, «fixam o homem, abanando a cabeca, como se quizessem zombar d'elle.» Teem-se em pé, com o corpo a prumo, e n'esta posi- ção e a distancia tomar-se-hiam por um bando de rapazinhos de aventaes brancos, ou por meninos do côro de so- brepeliz e murça negra... A carne do cotête, pouco appetitosa, é um recurso preciso para os mari- nheiros que viajam n'aquellas paragens, quando gastos os mantimentos. Como succede com a maior parte das palmipe- des, os ovos do cotête são muito bons.» (Figuier). MARAVILHAS DA CREAÇÃO E e Map os a E ni À ú u no ad) dia Impresso por Lallemant Freêres, Lisboa. O COTÉTE DA PATAGÔONIA EPTIS 4 SR PM e, BY), ” À En a A m N 4 E , N bot - . l hd t o y E ; ro hz 4 1 e t 7 pe, q Fi A a f q + “ 2 w to lx x do th e RS REPTIS Comprehende-se na terceira classe dos vertebrados, os reptis, certo numero de animaes cuja unica similhança com os das duas primeiras classes, mamife- ros e aves, consiste na existencia de um esqueleto osseo identico ao destes, apresentando, comtudo, varias modifica- ções no numero, fórma e disposição dos ossos. Afóra esta circumstancia da sua organisação, que os liga aos animaes de que temos até agora falado, dando aos reptis entrada na grande divisão dos ver- tebrados, os outros seus caracteres servem para distinguil-os d'aquelles. A pelle dos reptis é nua ou escamosa, sem pellos como tem a dos mamiferos, nem pennas á maneira das aves; os mem- bros, muito curtos, são geralmente qua- tro, n'algumas especies apenas dois, e outras ha, como as serpentes, que não teem membros. Do latim reptare, andar de rojo, veiu o nome a estes animaes, e bem cabido, pois não só uma parte anda de rastos, movendo-se pela simples adherencia das escamas do ventre ao solo, como se dá nas serpentes, mas até mesmo nos reptis que teem pernas, á maneira das tartaru- gas e dos lagartos, são ellas tão curtas que não permittem ao animal elevar o corpo acima do solo, e quando cami- nha mais parece arrastar-se. A circulação do sangue nos reptis é incompleta, tendo o coração duas auri- culas mas um só ventriculo, e n'este se ad mistura o sangue venoso com o arterial, gyrando os dois nas arterias. A respira- ção é pulmonar, mas pouco activa, pois os pulmões dos reptis são uma especie de saccos, umas vezes simples, outras divididos em pequeno numero de cel- lulas, e como o calor animal seja pro- duzido pela respiração, existindo na pro- porção da sua actividade, e da maneira mais ou menos completa porque o san- gue se põe em contacto com o ar, exer- cendo-se ella debilmente nos reptis, o corpo d'estes animaes conserva constante- mente uma temperatura baixa, razão por- que se lhes dá o nome de animaes de sangue frio. A falta de caloricidade leva, pelas ra- zões expostas, os reptis a procurarem no calor do solo que naturalmente lhes fal- ta, motivo porque sendo consideravelmen- te mais numerosos e atlingindo mais avan- tajadas proporções nos climas quentes, na Africa, na Ásia, na America, são em pequeno numero na Europa, e de aca- nhadas dimensões. E a não ser a vibora, só n'aquellas regiões, que tão bem se ac- commodam á organisação especial dos re- ptis, vivem essas especies tão temiveis pelo veneno que segregam, com que dão morte rapida aos mais avantajados ma- miferos, não escapando o homem, tantas vezes victima. E” ainda a baixa temperatura do corpo que obriga os reptis durante o inverno a permanecer em estado de entorpeci- 308 mento, — facto que vimos dar-se n'al- guns mamiferos, —e n'este somno le- thargico se conservam, não tendo em si sufficiente calor para reagir contra o frio exterior, até que os primeiros assomos da primavera venham desper- tal-os. Hibernam os reptis, segundo o seu genero de vida, uns em terra abri- gando-se entre as pedras ou nas cavida- des que topam, outros na vasa, e alguns no fundo da agua. Ao sair do entorpeci- mento em que os lança o frio, despem o involucro que os cobria, e assim todos os annos vestem pelle nova. Os sentidos são pouco desenvolvidos nos reptis: o tacto, o gosto, e o olfato são todavia aptos para aprender, como cer- tos mamiferos e aves, o que o homem lhes ensinasse, nem de qualquer sorte se lhe affeicçoam. A estreiteza do cerebro ainda é motivo da curta sensibilidade dos reptis, cujo systema nervoso é pouco des- envolvido, e as mutilações, que nos ou- tros animaes seriam mortaes, parece af- fectal-os pouco. E assim que largam uma parte da cauda ou que se lhes corta um pedaço á cabeca ou a um membro sem que deixem de viver, e ao fim de certo tempo cstes orgãos volvem ao seu primi- tivo estado. Houve uma tartaruga que viveu seis mezes sendo-lhe extrahido o cerebro, an- MARAVILHAS DA CREAÇÃO bem mediocres; o ouvido é melhor mas pouco apurado, e só a vista parece ser boa. Teem os olhos grandes, vivos, e a pu- pilla contractil n'alguns permitte-lhes, como ás osgas, distinguir os objectos na escuridão. A” excepção das cobras, que soltam assobios agudos, e d'algumas es- pecies de crocodilos, que gritam forte, nos reptis a voz é quasi nulla. A osga deixa apenas ouvir um certo ruido par- ticular muito monotono. O cerebro por mediocre permitte aos reptis faculdades intellectuaes muito limi- tadas, e se se consegue amansar alguns e mesmo fazel-os domesticos, não são MN N M Gr. n.º 433 — Esqueleto da tartaruga dando como d'antes; e ha exemplo de uma salamandra cujo estado de saude era excellente, não obstante ter a cabeça quasi separada do tronco por uma ligadura que lhe apertava fortemente o pescoço. O canal digestivo nos reptis termina como o das aves por uma cloaca, onde tambem vão dar os orgãos da reproduc- ção e da secreção da urina. São carnivo- ros os reptis, e alimentam-se de presas vivas, alguns engolindo-as antes de lhes dar a morte, e teem a bocca armada de dentes conicos, mais proprios para reter a presa do que para a mastigação. No seguimento da historia dos reptis, tra- tando das especies em particular, falare- OS REPTIS 309 mos mais detidamente do seu regimen especial. Os reptis são oviparos como as aves, isto é, nascem d'ovos, sendo grande a fecundidade das femeas; mas estas não os chocam, deixam os ovos apenas expostos á influencia do sol ou da humidade, que desenvolve o germen. Alguns destes animaes são ovoviviparos, como as co- bras, pois saem do ovo ainda no corpo da mãe ou immediatamente depois, po- dendo-se dizer d'elles que são postos vivos. Os pequenos reptis, apenas nascidos, teem immediatamente de prover a todas as necessidades, pois os paes não imitam os animaes das classes superiores ; são completamente indifferentes aos filhos, não os alimentando nem defendendo. O animaes dos dois sexos entre os re- ptis apenas se unem quanto basta para realisar a fecundação dos ovos e perpe- tuar a especie, sem affeição alguma do macho para com a femea, ou vice-versa, e findo o acto separam-se immediatamente para continuar a viver no seu habitual isolamento. São os reptis em geral mal vistos, e a aversão que inspiram ao homem torna-o seu inimigo mortal, que não lhes per- dôa onde os encontra. Se com effeito uma parte é realmente repellente, como a osga, outros ha que mais parece inspirarem-nos horror instinctivo, talvez porque a qua- lidade de venenosos, d'alguns, os faz jul- gar a todos como perigosos. E necessario, porém, dizer que dos reptis só algumas cobras são veneno- sas, e das do nosso paiz apenas a vibora é para receiar, sendo as outras comple- tamente inoffensivas. O lagarto, a lagar- tixa, a osga, e esta ultima principalmente, muitas pessoas os não vêem sem terror, sendo realmente innocentes. Prestam os reptis certos serviços que não são sem valor, já destruindo um sem numero de vermes e insectos nocivos, que infestam os sitios onde habitam, Já, alguns, sendo de proveito na alimentação do homem. A sópa de tartaruga é tida como manjar delicado, e algumas especies d'estes reptis fornecem excellente carne de que se faz grande consumo onde ella é commum, e na Europa tem-se como de- licada. Na America, nas margens do Amazonas e seus affluentes, a carne da tartaruga é um precioso alimento para os habitantes, e dos ovos das varias es- pecies que alli vivem fabrica-se a man- teiga de tartaruga, que constitue impor- tante ramo de commercio no Brazil, na provincia do Amazonas. Comem-se em muitos paizes as co- bras, que são aproveitadas pela gente do campo n'alguns sitios e comidas com grande satisfação. Nas primeiras epocas geologicas exis- tiram no globo numerosas e variadas es- pecies de reptis, como o attestam os fos- seis encontrados, que differiam das espe- cies hoje existentes não só na fórma como principalmente no tamanho. Os re- ptis de hoje são apenas descendentes de- generados das gigantescas e monstruosas especies d'aquelles tempos. Divide-se a classe dos reptis em tres ordens: os chelonios, os saurios e os ophi- dios; e seguidamente falaremos d'ellas tratando d'algumas das suas especies mais importantes. pe TRAIR. 1d ORDEM DOS Os reptis da ordem dos chelonios são as tartarugas, que se não confundem com quaesquer outros animaes. Distingue-os a singular armadura que a natureza lhes deu, formada de dois escudos osseos unidos pelos lados, que protegem o tronco, e onde o animal pode recolher a cabeca, as pernas e a cauda. O escudo superior tem o nome de concha ou casca e o inferior chama-se couraça, sendo am- bos cobertos pela pelle, na superficie re- vestida de largas placas ou escamas cor- neas, cuja disposição e aspecto variam segundo as especies. São estas escamas que fornecem a materia prima para os variados e lindos objectos que a industria prepara, chamados de tartaruga. As tartarugas não teem dentes : as ma- xillas são munidas de peças corneas ana- logas aos bicos das aves, e engolem o alimento sem o mastigar, apenas di- vidindo-o. A sua alimentação consta de substancias vegetaes brandas e de her- vas, e algumas vezes de pequenos mol- luscos, insectos e crustaceos: são muito vo- razes, mas podem permanecer muitos me- zes sem comer. Teem quatro pernas, umas vezes achatadas em forma de remos e mais proprias para a natação, outras cy- lindricas ; geralmente cinco dedos, raras vezes quatro, e são curtos, achatados, separados pelas dobras da pelle ou unidos em forma de côto. A cauda é redonda, conica, mais ou menos curta, e na maior parte das especies apenas excede a concha. CRHELONTOS A tartaruga não participa da aversão geral de que são victimas os reptis. To- das as especies são inoffensivas, e algu- mas, como já dissemos bastante uteis. Conhecem-se hoje aproximadamente cento e cincoenta especies vivas, afóra um grande numero de fosseis. As especies existentes, tomando por base a for- ma dos pés e os habitos, agrupam-n'as os erpetologistas em quatro familias, a saber : tartarugas terrestres, tartarugas dos pantanos, tartarugas dos rios e tarta- rugas do mar. TARTARUGAS TERRESTRES As especies comprehendidas n'esta fa- milia caracterisam-se pelas quatro per- nas todas aproximadamente do mesmo comprimento ; cinco dedos pouco distin- ctos, quasi eguaes, sem movimento, e unidos por pelle espessa tomando a fórma d'um côto arredondado ; as unhas, mais ou menos agudas e bem saidas. A con- cha, em que podem recolher o corpo, a cabeça, os membros e a cauda é geral- mente muito arqueada e muitas vezes mais alta do que larga e sem movimento; a cabeca é curta, grossa, coberta de pe- quenas placas corneas; as ventas abertas na extremidade do focinho; os olhos á flor com palpebras rasgadas obliqua- mente ; cauda d'ordinario grossa na ba- se, muito curta, conica, mal excedendo REPTIS — AS TARTARUGAS TERRESTRES 311 a concha, e só mais longa n'algumas es- pecies. São conhecidos estes reptis desde os tempos mythologicos, e attestam-no mui- tos monumentos e objectos d'arte d'a- quellas epocas, onde se vê representa- da a tartaruga. Os antigos consagra- vam-n'a a Mercurio, que passa por ser o inventor da lyra, e por ser a concha d'este reptil que serviu para formar o primeiro d'estes instrumentos. Apollodoro, celebre escriptor d'Athenas, que viveu 150 annos antes de Christo, conta o caso do seguin- te modo: O deus ao sair da caverna onde matára os bois de Apollo encontrou uma tartaruga pastando a herva, e matan- do-a tirou-lhe a concha, a que prendeu cordas feitas da pelle dos bois que acabá- ra de esfolar. Assim se fez a primeira lyra. As tartarugas terrestres vivem nas flo- restas nos sitios abundantes de hervas, e procuram de preferencia os logares mais abrigados. Alimentando-se quasi exclu- sivamente de substancias vegetaes, uma vez ou outra não desdenham os animaes. As que se conservam captivas preferem a qualquer outro alimento as folhas das plantas que d'ordinario se usam em sa- lada, mas escasso sustento lhes basta, e podem passar mezes sem comer. Os machos são, em geral, mais peque- nos do que as femeas e teem d'ordinario a cauda maior e mais grossa na base. Na epoca da reproducção vivem muitos dias em companhia das femeas. Chegada Gr. n.º 434 — À tartaruga mourisca a epoca da postura dos ovos, vão ellas deposital-os em covas que abrem no solo em sitios bem expostos ao sol, sem que mais se importem com a progenie. Os ovos são de forma espherica, e a casca de natureza calcarea e bastante solida. Os pequenos não nascem com as fórmas dos adultos. Chegado o inverno, as tartarugas ter- restres abrem no solo a pouca profundi- dade, 0,750 ou 0,”60, uma especie de toca onde se abrigam durante a estação rigorosa, passando-a em completo estado de entorpecimento, até que os primeiros calores venham despertal-a do seu somno lethargico. E” longa a vida das tartarugas terrestres, e cita-se uma captiva na Italia que viveu sessenta annos. Existindo esta familia dos chelonios espalhada por quatro partes do mundo, pois falta na Oceania, só tres especies se dão como existentes na Europa, e nenhuma d'el- las se encontra no nosso paiz. ' Citaremos tres especies das principaes, a segunda das quaes vae representada na nossa gravura n.º 434. A TARTARUGA GREGA Testudo graeca, de Dumeril e Bibron — La torlue grecque, dos francezes Tem a concha oval, muito arqueada, inteira, mais larga atraz do que adiante, com vinte e cinco placas marginaes em volta, e a couraça quasi tão grande como t Na designação das especies existentes em Por- tugal tivemos por guia um trabalho antigo do dis- tincto director do museu de Lisboa, o dr. Barbosa du Bocage. Nada mais nos consta que exista pu- blicado acêrca da nossa erpetologia. 312 a concha, dividida em duas partes por um sulco longitudinal. A concha tem as placas amarellas com uma malha negra | no centro, as placas da couraça são malha- das de negro e d'amarello esverdeado. Me- de 07,28 de comprimento. Parece que o nome de tartaruga grega lhe vem da simi- lhanca de certos traços da concha com caracteres gregos. Vive na Grecia, na Italia, nalgumas ilhas do Mediterraneo e no sul da Fran- ça. Encontra-se nos sitios arenosos, de dia tomando o sol, e alimentando-se de her- vas, raizes, caracoes e vermes. As femeas põem no correr do mez de junho de quatro a doze ovos brancos, esphericos, da grossura de nozes pequenas, que de- positam n'uma cova exposta ao sol, co- MARAVILHAS DA CREAÇÃO brindo-os de terra. Nascem os peque- nos pelos fins de setembro. Esta tartaruga é uma das mais estimadas pela excellente carne que fornece. A TARTARUGA MOURISCA Testudo mauritanica, de Dumeril e Bibron — La tortue mauresque, dos francezes A tartaruga mourisca é muito commum em Argel, e d'alli vão para França as que apparecem á venda nos mercados de Paris. Tem a concha oval e arqueada ; cauda curta; a côr geral azeitonada, com malhas annegradas na parte central da concha, ; as placas da couraça com uma larga malha negra sobre fundo azeitona- do. E maior que a especie antecedente, Gr. n.º 499 — O cágado A TARTARUGA ELEPHANTINA Testudo elephantina, de Dumeril e Bibron — La tortue éléphantine, dos francezes Esta especie é da familia a que attinge maiores dimensões tanto em comprimento como em altura. Na collecção dos reptis vi- vos do museu de Paris existiram * dois in- dividuos que mediam d'um extremo ao ou- tro da couraca 0,86, sendo a concha um pouco maior, com a altura de 0”,62, e cada um pesava 180 Kilogrammas aproximadamente. Para conduzil-os do pateo onde estavam durante o dia para um compartimento onde tinham boa ca- ma de feno sempre bem preparada, era mister ajudal-os a caminhar com auxilio ! Notice historique sur la ménagerie des repli- les du Museum d'Histoire Naturelle, par Aug. Duméril. d'uma alavanca. Comiam com grande avidez as folhas de salada e cenouras que lhes davam com abundancia, mas pre- feriam-lhe o pão. Se a ração lhes parecia escassa, augmentavam-n'a com a herva que crescia no pateo ou com o feno da cama. A tartaruga elephantina vive na maior parte das ilhas que ficam entre a costa oriental d'Africa e a ilha de Madagascar, ao norte do canal de Moçambique, no archipelago das Comores. A carne é boa. Outro genero de tartarugas, Homopodes, vive na Africa austral, principalmente nas vizinhanças do Cabo da Boa Esperan- ca, e é notavel por terem os individuos n'elle comprehendidos apenas quatro de- dos, quando todas as outras tartarugas terrestres teem cinco. REPTIS — OS CÁGADOS 313 Na America existe o genero Cinixys, tartarugas de concha movel na parte pos- terior, com cinco dedos, tendo os dos membros posteriores apenas quatro unhas. AS TARTARUGAS DOS PANTANOS, OU CÁGADOS Estas tartarugas estabelecem a trans- margens dos lagos e dos pantanos. Posto que algumas especies destas tartarugas habitem em terra, nos sitios humidos, a maior parte vive nas aguas estagna- das. São d'ordinario os cágados de curtas dimensões, alimentando-se de pequenos animaes vivos, e os das especies maiores maltratam-se uns aos outros, morden- do-se com furor. A carne dos cágados ição das tartarugas terrestres para as tar- | não presta, exhala pessimo cheiro, e a tarugas essencialmente aquaticas, e carac- terisam-se principalmente pela concha mais ou menos abatida e oval; pés com dedos bem pronunciados, flexiveis, guar- necidos d'unhas aduncas, e que, unidos na base por uma pelle elastica lhes per- mittem abrir-se, servindo da mesma forma para caminhar em terra, nadar á super- ficie da agua ou no fundo, e trepar pelas concha por delgada e menos bella não é aproveitada na industria. Conhecem-se cem especies aproxima- damente, repartidas por todas as partes do mundo, mais abundantes nas regiões quentes ou nas temperadas. Na Europa conhecem-se tres. duas das quaes existem no nosso paiz. Destas duas ultimas nos occuparemos, Gr. n.º 436 — À tartaruga matá-matá e d'uma especie da America meridional bastante curiosa. O CÁGADO Cistudo europea, de Dumerii e Bibron — La cistude commune, ou tortue bourbeuse, dos francezes Esta especie do genero Cistudo tem a concha oval, mais ou menos abatida, an- negrada ou atrigueirada com linhas ama- rellas ; a couraça larga e quasi tão longa como a concha, amarellada e cortada de estrias ou malhas avermelhadas ou anne- gradas. Cabeça, membros e cauda anne- grados ou atrigueirados salpicados d'ama- rello. O tamanho é bastante variavel, medindo os adultos de 07,24 a 0m,34. O cágado da especie citada habita o sul da França, certos pontos da Allema- nha, a Grecia, a Italia, a Hespanha, e é commum em Portugal. De preferencia vive nos pantanos e nos regatos, nadando e mergulhando habilmente, e alimentan- do-se de vermes, insectos, molluscos e pei- xes pequenos. Passa a maior parte do dia dentro d'agua, e ao cair da noite regressa a terra. No outono enterra-se na vasa reappa- recendo só na primavera seguinte, e pou- co tempo depois do seu regresso á vida effectua-se a união dos sexos, dentro d'agua, soltando n'essa epoca uns fracos assobios. Decorrido um mez, a femea vae depôr os ovos, brancos, de seis a doze, segundo alguns autores, e de vinte a trinta, se- gundo outros, eguaes no tamanho aos das rolas, em terreno secco, proximo da agua, para o que escava o terreno com a cauda e os pés, abrindo uma cova e ahi depositando-os tendo a precaução de os cobrir de terra e alisando-a na parte 314 MARAVILHAS DA CREAÇÃO superior com a couraça. Os pequenos, segundo a opinião de muitos naturalistas, nascem nos proximos mezes de junho ou julho, e outros julgam que só na seguin- te primavera saem do ovo. A carne do cágado, especie citada, posto que não seja boa, parece que nem por isso deixa de ser aproveitada n'alguns pontos onde elle é commum, e affirma-se que a dos individuos alimentados por algum tempo de herva ou semeas amas- sadas torna-se boa. O CÁGADO Emys sigriz, de Dumeril e Bibron — L'emyde vigriz, dos francczes. Com o mesmo nome vulgar de cágado existe no nosso paiz uma especie do ge- nero Emys, que se caracterisa pela con- cha oval de côr azeitonada, com manchas alaranjadas contornadas de negro, e a couraça trigueira bordada ou variada de amarello sujo, com uma malha negra nos prolongamentos lateraes. Mede de 02,10 a 07,12 de comprimento. A TARTARUGA MATÁ-MATÁ Testudo matamata, de Daudin, — La tortue matamata, dos francezes Esta curiosa especie do Brazil, genero Chelyde, representada na nossa gravura, tem a cabeça muito diprimada, larga, triangular, com as ventas prolongando- Gr. n.º 437 — À tartaruga verde se em forma de tromba; a bocca muito rasgada ; pescoço guarnecido de longos appendices cutaneos, e dois hbarbilhões na queixada inferior. AS TARTARUGAS DO RIO D'esta familia não existem represen- tantes na Europa; todas as especies que lhe pertencem vivem nos rios e ribei- ras, ou nos grandes lagos de agua doce das regiões mais quentes da Africa, da Asia e da America. São communs nos rios Nilo, Euphrates, Ganges, Mississipi e Ohio. À tartaruga do rio tem a concha muito larga e abatida; pés achatados, com os dedos unidos até ás unhas por membra- nas flexiveis, que fazem das mãos e dos pés verdadeiros remos para a natação, mas sem utilidade para caminhar no solo; só tres dedos de cada pé teem unhas. A concha d'estas tartarugas é branda, coberta de pelle flexivel e cartilaginosa, com a superficie enrugada; e como não tenha placas corneas, á maneira das ou- tras, dá-se-lhes tambem o nome de tarta- rugas de casca molle. Nada com grande facilidade á superfi- cie da agua, e á noite vae estender-se e repousar no solo. E” muito voraz, per- seguindo a presa a nado, e dando caça aos reptis, peixes e molluscos, de que faz exclusivamente o seu ali- mento. A carne das diversas especies de tar- tarugas do rio é muito estimada, e por isso em todos os paizes onde ellas vivem as procuram com grande interesse. AS TARTARUGAS DO MAR A estructura d'estas tartarugas está em perfeita harmonia com o meio em que vivem. Essencialmente aquaticas, os membros teem as extremidades livres e achatadas, e os dedos, ainda que distin- ctos, não podem executar movimentos separados : unidos solidamente entre si, formam uma especie de barbatana que na natação lhes serve de remo. Os mem- bros anteriores são muito mais longos que os posteriores, e de ordinario só teem unhas no primeiro dedo de cada REPTIS— AS TARTARUGAS DO MAR 315 pé, posto que as tenham algumas vezes no segundo. A concha é muito abatida, alongada e mais estreita atraz, em fórma de coração, e chanfrada na frente; a sua disposição especial não consente que O animal, á maneira das outras tartarugas, possa recolher completamente a cabeça e os membros. A couraça é mais com- prida que larga, a cabeca quasi quadra- da, e a cauda redonda, muito grossa, e no comprimento não sae fóra da concha. São as tartarugas do mar as maiores da ordem, e só algumas das terrestres as podem egualar. Diz Chenu, que teem sido vistos individuos d'esta familia, do genero Sphargis, pesando 8:000 kilo- grammas; e outros do genero Chelonia, Gr. n.º 458 — À tartaruga cuja concha media 3 metros em circum- ferencia e dois de comprimento, pesando 400 a 450 kilogrammas. Duméril, na obra d'este autor, a que já nos referi- mos, cita uma tartaruga verde (Chelonia midas) dada por um armador do Havre ao Museu, que media da ponta do foci- nho á extremidade da cauda 1,70, e poucos dias antes de morrer poz trinta ovos, com a forma e o volume de pe- quenas bolas de bilhar, encontrando- se-lhe muito maior numero nos ovidu- ctos depois de aberta. Nadam e mergulham habilmente as tartarugas do mar, podendo demorar-se muito tempo debaixo d'agua, e só veem a terra quando a postura a tal as obriga, posto que algumas especies, segundo se affirma, se arrastem de noite nas praias e nas rochas das ilhas desertas, para pastar certas plantas do seu agrado, que nascem á borda d'agua. Em terra estes ani- maes movem-se com difficuldade, imi- tando dos mamiferos e das aves as pho- cas e os cotêtes. Véêem-se ás vezes, quando o mar está calmo, fluctuar á superficie da agua, na mais completa immobilidade, e julga-se que é d'este modo que dormem, em- baladas pelo oceano. Alimentam-se as tartarugas do mar das plantas maritimas, que encontram abundantes no fundo do mar, e princi- palmente nas encostas de certas ilhas, a partir do lume d'agua para o fundo, e por vezes a tão curta profundidade, que 316 contam os viajantes terem-n'as visto em occasião de calmaria pastando n'aquelles virentes prados. Depois de haverem co- mido veem á superficie da agua respirar. Algumas d'estas tartarugas, e d'ellas uma, a chelonia caouana, commum no nosso paiz, comem os pequenos crusta- ceos e molluscos. As femeas chegada a epoca da postura dos ovos encaminham-se de noite para certas ilhas desertas, cujas praias arenosas lhe facilitam poder arrastar-se a certa dis- tancia do mar, e abrem no solo com os pés, por vezes longe da beira-mar, covas com 07,60 aproximadamente de fundo, e ahi depositam os ovos, cujo numero pode attingir a cem de cada postura, e fazendo até tres posturas successivas com o inter- valo de duas ou tres semanas. Os ovos são perfeitamente esphericos, com 0”,06 a 07,08 de circumferencia, e acabada a postura a tartaruga cobre-os com a areia que tirou da cova, tendo o cuidado de nivelar o terreno antes de se pôr a caminho para o mar aonde regressa. Dos ovos expostos a temperatura ele- vada, produzida pela acção dos raios so- lares, quinze ou vinte dias depois da pos- tura nascem as pequenas tartarugas, do tamanho de rãs, esbranquiçadas, e que sem perda de tempo se encaminham para o mar cnde o seu crescimento se opera rapidamente. No trajecto muitas são vi- ctimas das aves de rapina, pois impellidas pela maré téem difficuldade de ganhar o mar largo. Como dissemos, o crescimento d'estas tartarugas é bastante rapido, e vem a péllo transcrever um trecho d'uma carta escripta por um tal Laborie, advogado na ilha de S. Domingos, ao autor d'um antigo diccionario de Historia Natural, d'onde o transcrevemos. «Meu pae, estabelecido n'esta ilha, par- tiu para França em 1741 ou 1742, e en- tre outras provisões teve o cuidado de mandar para bordo uma tartaruga que ten- cionava comer a meio da viagem Pesaria vinte ou vinte e cinco libras, e foi met- tida n'uma celha com agua do mar, to- dos os dias mudada, e para alimento da- vam-lhe os talos das hortaliças e o inte- rior da creação morta a bordo. Passados quinze dias já a celha era pe- quena para a tartaruga, e foi mister ser- rar uma barrica ao meio para n'uma metade collocar o reptil. Crescia, porém, com tal rapidez, que o facto chamou à MARAVILHAS DA CREAÇÃO attenção não só de meu pae como tam- bem do capitão da embarcação, e resol- veram comel-a á chegada a Bordeus. Em poucos dias já o alojamento era pequeno para a tartaruga, e foi necessario mettel-a n'um grande tonel que fazia parte do va- silhame da aguada...» O importante cres- cimento d'esta tartaruga, como mais abai- xo diz o autor da carta, realisou-se em quarenta e cinco dias. Encontram-se as tartarugas do mar aos bandos, mais ou menos numerosos, em todos os mares dos paizes quentes, prin- cipalmente da zona torrida. No oceano equinocial, nas praias das Antilhas, de Cuba, da Jamaica, da ilha de S. Domin- gos; no mar das Indias, nas ilhas de França e Madagascar; no golpho do Mexico ; e no oceano Pacifico nas ilhas de Sandwich e Galapagos. As que acciden- talmente apparecem fóra destes mares, isoladas, são individuos tresmalhados d'al- gum bando, e é raro encontral-os. De todos os reptis são as tartarugas do mar os mais uteis ao homem, e aquelles que mais perseguidos são. A carne é de excellente alimento, sadia e nutritiva, e de tão fino paladar que nas melho- res mezas da Europa apparece como prato de estimação. A gordura de algu- mas especies, fresca, substitue a man- teiga e o azeite, e a das especies de carne coreacea e de mau cheiro, serve para as luzes. Os ovos de quasi todas as tartarugas do mar são excellentes e de delicado sabor. São as conchas d'estes reptis que for- necem a melhor tartaruga empregada em diversos artefactos, taes como pentes, co- fres, caixas de rapé, encadernações de livros, e outros muitos objectos. Entre os diversos processos emprega- dos para haver as inoffensivas tarta- rugas, que teem por unico crime ser uteis ao homem, o mais seguido é espe- ral-as na epoca da postura dos ovos, nas ilhas onde costumam ir deposital-os, e se- guindo-lhes a pista na areia vão encon- tral-os, cercam-n'as, e com as mãos ou com auxilio de paus conseguem viral-as de pernas para o ar, posição em que as pobres tartarugas ficam sem poder mo- ver-se, até que veem buscal-as finda a cacada. Ha pescadores que as arpoam quando surgem ao lume d'agua para respirar, e outros que as apanham em redes, onde os animaes se embaracam, e não podendo REPTIS — AS TARTARUGAS DO MAR vir á superficie da agua morrem asphi- xiados. L. Figuier conta uma forma das mais curiosas de pescar as tartarugas, a qual por interessante vamos transcrever. «Um methodo de pescar dos mais curio- sos se pratica ainda hoje nas costas da China e no canal de Moçambique. Os verdadeiros pescadores não são homens, são peixes d'uma especie congenere do echneis remora». Teem estes peixes no alto da cabeça uma placa oval, com vinte laminasinhas parallelas, em duas series, guarnecidas nas bordas de pequenos ganchos. Os pescadores conservam muitos d'estes pe- gadores vivos numa celha com agua, e quando no mar vêem uma tartaruga adormecida aproximam-se d'ella o mais que podem e lançam ao mar o pegador. O peixe investe com o reptil, e agarra-o com o auxilio da placa que tem na ca- beca, e estando preso a uma longa corda por meio d'um annel fixo á cauda, pu- xa-se o peixe e com elle a sua victima. Como se vê, esta fórma de pescar é realmente singular, com anzol vivo, indo elle proprio perseguir a presa dentro d'agua.» As especies mais conhecidas das tarta- rugas do mar são doze, repartidas por dois generos: Chelonia e Sphargis. Men- cionaremos tres, uma- d'ellas' commum em Portugal. “ A TARTARUGA VERDE Chelonia midas, de Dumeril e Bibron — La tortue franche, dos francezes Esta especie, representada pela nossa gravura n.º 437, tem a concha quasi em forma de coração e pouco alongada ; loira com grande numero de malhas côr de castanha. A tartaruga verde, nome que lhe vem da côr verde da carne e da gordura, vive no oceano Atlantico, habitando de prefe- rencia as ilhas e costas mais desertas. E a especie mais conhecida, e já os anti- gos della falaram, pois Plinio cita um povo das costas do mar Vermelho que quasi exclusivamente se alimentava da carne e dos ovos d'esta tartaruga. E' 1 Esta especie, de que falaremos mais tarde ao tratar dos peixes, tem o nome vulgar de pegador, agarrador, ou peixe-piolho, (Brito Capello, Cat. dos peixes de Portugal). 29 317 facil trazel-a viva para a Europa, e o que se sabe dos habitos das tartarugas do mar refere-se principalmente a esta especie. «A carne é excellente e a gordura de- licadissima, e della se faz a famosa sopa de tartaruga de que os inglezes tanto gos- tam, menos conhecida em França. A sopa de tartaruga é a gloria da cozinha ingleza, e a sua descoberta não vem de longa data. Foi o almirante Anson o primeiro, em 1752, que trouxe para Londres a pri- meira tartaruga. Por muito tempo foi a tartaruga um prato custoso; mas a navegação com os seus progressos tornou o animal muito mais commum, e hoje abunda nos mer- cados inglezes. A concha da tartaruga verde, posto que não seja a superior, é todavia a que a industria aproveita em maior quanti- dade. A TARTARUGA IMBRICADA Chelonia imbricata, de Dumeril e Bibron—-Le caret, dos francezes Da disposição das placas da concha d'estas tartarugas, imbricadas, isto é, postas á maneira das telhas no telhado, lhes vem o appellido. E' mais pequena esta tartaruga do que a da especie ante- cedente, com veios trigueiros em fundo loiro ou amarello. Encontra-se no mar das Indias e nos mares da America. A carne é má, mas os ovos são bons, sendo muito procurada a tartaruga imbricada pela concha, que é de superior qualidade. A TARTARUGA Chelonia caouana, de Dumeril e Bibron—Ta tortue caouane, dos francezes Com o simples nome de tartaruga se conhece vulgarmente esta especie no nos- so paiz, onde é commum. Tem a concha um tanto alongada, quasi do feitio d'um coração (Gr. n.º 438), tri- gueira ou côr de castanha. E” mais pe- quena do que a tartaruga verde, medindo apenas 1,25, e variando no peso de cento e cincoenta a duzentos kilogrammas, E” muito voraz, alimentando-se princi- palmente de molluscos. A carne não é aproveitavel, e a gordura só serve para luzes, VOL, MI 318 O nn A TARTARUGA ENCOIRADA Sphargis coreacea, de Dumeril e Bibron, — La tourtue luth, dos francezes A tartaruga encoirada é a especie unica do genero Sphargis, e distingue-se das outras tartarugas do mar por não ter a concha coberta de placas, e sim de pelle espessa e coriacea. Não tem unhas. A concha apresenta sete arestas longi- tudinaes, loiras, sendo o corpo d'um tri- gueiro claro; a cabeca é trigueira, e Os MARAVILHAS DAFCREAÇÃO membros annegrados bordados d'ama- rello. Vive esta especie no oceano Atlantico e no mar Mediterraneo, e é rara, pois só accidentalmente teem apparecido alguns individuos nas costas da França e da In- glaterra. No nosso Museu existe um ma- gnifico exemplar morto em 1828 pro- ximo de Peniche. Nos habitos não differe da tartaruga verde. Gr. n.º 439 — À tartaruga encoirada REPTIS ORDEM DOS SAURIOS Os saurios são reptis de corpo alon- gado, n'alguns coberto de escamas, e a maior parte tendo quatro membros, ra- ras vezes dois, com dedos armados de unhas aduncas; cauda d'ordinario com- prida e muito grossa na base; maxillas guarnecidas de dentes muito agudos. Os saurios são carnivoros, e alimentam-se quasi que exclusivamente de presas vivas. Não bebem, e uma refeicão copiosa serve- lhes d'alimento para muitos dias. As es- pecies maiores são muito vorazes. Devoram os mamiferos pequenos, aves, molluscos e insectos, e tendo a boccamuito rasgada podem engulir enormes pedacos. Os dentes são numerosos, mas não servem para mastigar, pois engolem grandes bo- cados inteiros digirindo-os vagarosa- mente. Os saurios apresentam tal variedade de caracteres e habitos que não é facil des- crevel-os na generalidade mais larga- mente. São muitas as familias em que os autores dividem esta ordem; só fa- laremos, porém, das mais principaes, de- signando-as pelo nome do seu principal representante. OS CROCODILOS Estes reptis são de longa data notaveis, e d'elles se occuparam os autores antigos, contando casos extraordinarios e as mais estranhas fabulas ácerca do seu viver. No velho Egypto era o crocodilo sagrado, adoravam-n'o, e ainda hoje se encontram as mumias destes animaes nos antigos templos em ruinas. Em Roma, annos an- tes de Jesus Christo, já elles figuravam nos circos. «Se a aguia é a rainha das aves, o tigre e o leão tyrannos na floresta, a baleia o colosso dos mares, o crocodilo estende o seu temivel poderio ás praias e ás ribei- ras. Vivendo nos limites da terra e da agua, é o enorme reptil a um tempo o flagello dos habitantes das aguas e das especies ribeirinhas. Maior que o tigre, o leão e a aguia, seria o mais avantajado dos animaes terrestres, se não existira o elephante, o hippopotamo, e algumas serpentes de descommunal comprimento» (Figuier). O crocodilo no todo assimilha-se ao lagarto, em ponto grande, e tem por ca- racteres particulares cabeca achatada; fo- cinho alongado ; bocca rasgada além dos ouvidos, com enormes maxillas armadas de dentes conicos, agudos, inclinados para traz, deseguaes em tamanho e grossura, e nalgumas especies os da frente da queixada inferior tão grandes e agudos, que com a bocca fechada se vêem appa- recer rompendo a pelle junto da maxilla superior. Só a queixada inferior é mo- vel, e ainda assim sem movimento para os lados; como o crocodilo não tem beiços que cubram as maxillas, os dentes estão sempre á vista. Tem realmente seu tanto de medonho a enorme bocca do 320 crocodilo aberta, eriçada de dentes agu- dos, ameacadores, como outros tantos es- petos agucados. Os olhos são pequenos, muito vivos, proximos um do outro, e colocados obli- quamente; a cauda é muito longa, na base tão grossa como o corpo, e acha- tada; tem quatro membros, sendo os dedos dos posteriores palmados, tendo só tres unhas em cada pé. A pelle é dura, resistente, coriacea, protegida por esca- mas quadradas muito rijas, maiores ou menores segundo as diversas partes do corpo, com flexibilidade para se não que- brarem, e dispostas em faxas transversaes, formando uma couraca em muitos pon- tos á prova de bala d'espingarda. As es- camas das partes inferiores do corpo são menos rijas. Alimentam-se os crocodilos principal- mente de peixes, por vezes d'aves aqua- ticas, passaros, mamiferos, vermes e re- ptis. Se a presa é um pouco mais volu- mosa, levam-n'a primeiro para debaixo d'agua, e depois de a asphixiarem dei- xam-n'a de mólho por algum tempo em sítio escuso, devorando-a em seguida a pedaços. E falso que o crocodilo devore immediatamente o homem, pois segue o processo que apontamos, e só depois de o arrastar até ao fundo do rio, onde morre asphixiado, se antes o não matou o terror de se ver entre os dentes do me- donho reptil. Parece que só depois de bem remolhado, o crocodilo o devora então a seu belprazer. Comprehende-se quanto este feroz e voraz animal deve ser temido pelos habi- tantes das margens dos grandes rios, ou dos pantanos onde vive, tanto mais que a sua organisação de verdadeiro amphi- bio lhe permitte a existencia na agua ena terra, onde se move com agilidade. To- lhe-lhe, porém, a sua estructura especial o poder virar-se de lado, circumstancia que aproveitada dá ao homem meio de poder escapar-se sendo perseguido pelo voraz reptil. Conta Figuier que á borda do lago Nicaragua, na America, um jacaré vinha em perseguição d'um inglez que surpre- hendera proximo do lago. O animal ganhando terreno ao homem estava pres- tes a alcançar a presa, quando uns hes- panhoes gritaram ao inglez que corresse de modo a descrever um circulo. A ad- vertencia veiu a proposito, e posta em pratica pelo inglez foi a sua salvação. MARAVILHAS DA CREAÇÃO E" certo que a maneira de fugir ao crocodilo, aproveitando o defeito da sua estructura, que lhe não permitte voltar-se de lado, é correr em circulo até pôl-o fóra da pista. Os crocodilos são oviparos, e as femeas põem ovos, de casca dura, em sitios favoraveis à sua incubação, que se rea- lisa sem auxilio d'ellas. As femeas dos crocodilos do Nilo pôem os ovos na areia das margens; mas affirma-se que em di- versospon tos d'America ellas os deposi- tam sob um montão de folhas accu- muladas em sitios humidos, produzindo a fermentação o calor necessario para o desenvolvimento do germen. Acerescenta-se mesmo que as femeas vigiam os pequenos por algum tempo depois do seu nascimento. Os crocodilos nascem com 0,10 a 0”,20 de comprimento; crescem porém rapida- mente, e diz-se que alguns ha com 10 metros. A vida d'estes reptis parece ser bastante longa, carecendo porém de tem- peratura elevada, e nos pontos menos quentes da America, onde ainda se en- contram, caem em entorpecimento duran- te o inverno. Sob o equador os grandes calores obrigam-n'os do mesmo modo a dormir o seu somno lethargico. Encontram-se os crocodilos na Africa, na Ásia e na America, não existindo na Europa nem na Oceania, posto que a primeira d'estas duas partes do globo fosse rica em animaes desta familia du- rante as primeiras epocas geologicas. As especies da familia encontram-se nas tres partes do mundo em que vivem, pertencendo, porém, a cada uma certas e determinadas especies, de sorte que as do antigo continente não existem na America e vice-versa. A familia dos crocodilos divide-se em tres generos: os jacarés, da America, os crocodilos propriamente ditos, da Africa ; e os gaviaes, das Indias orientaes. O JACARÉ COMMUM Alligator eynocephalus, de Dumeril e Bibron— Le caiman vulgaire, dos francezes Teem os jacarés, ou crocodilos america- nos, genero Alligator, a cabeca mais larga que longa e o focinho curto; dezenove a vinte e dois dentes deseguaes; pernas e pés trazeiros arredondados, estes com os dedos unidos até mais de meio por uma membrana, ou semi-palmados. REPTIS — O JACARÉ COMMUM 321 A especie citada é muito commum no Brazil, vivendo em quasi todos os rios d aquelle vasto imperio, e attinge de dois a tres metros de comprimento. Parece que os jacarés só vivem na agua doce, e na estação rigorosa enterram-se na vasa, e alli aguardam entorpecidos que a primavera venha despertal-os , rea- quirindo então a sua actividade. «A noite, que preferem para pescar, unidos em grandes bandos, quando tudo jaz em silencio e a escuridão é com- pleta, enxotam o peixe adiante de si, le- vando-o para alguma calheta bem escusa, para ahi a seu belprazer poderem assenho- rear-se dos pobres habitantes do rio, que por movimentos da cauda são impellidos para a bocca largamente aberta. À distan- cia d'uma milha ouve-se-lhe o bater dos dentes.» (Figuier). N'alguns pontos da America os indi- genas dão caca aos jacarés. Aguardam que algum appareça isolado, adormecido, ou deitado de costas fazendo a digestão de copioso repasto, e n'essa occasião atiram-lhe o laço. Então, armados de paus, apertam as cordas, açaimam o ja- caré, e esmagam-lhe a cabeca. Os indios teem ainda outro processo para se assenhorearem do jacaré. Prepa- ram quatro pedaços de pau rijo, do com- primento de 07,30 aproximadamente, 4 = “e | |] € Gr. n.º 440 — O jacaré grossos como o dedo minimo e agucados nas duas pontas. Prendem-n'os à uma corda de modo que suppondo ser esta uma frecha, os quatro paus figurariam as pennas da parte superior da haste, e a outra extremidade atam-na a uma ar- vore. Esta sorte d'anzol prepara-se com pedaços de carne e lança-se ao rio. O jacaré vem e engole a carne, en- terrando-se-lhe as pontas dos paus nas guellas. Aguarda-se então que O reptil morra para o puxar para terra, ou semi- morto acabam-n'o ás pedradas. Apezar da sua immensa voracidade, podem os jacarés, á imitação do que se dá com as tartarugas e as serpentes, sup- portar jejuns prolongados, e ha exem- plos d'alguns destes animaes viverem muitos mezes sem comer. 0 CROCODILO Crocodilus vulgaris, de F. Cuvier — Le crocodile vulgaire, dos francezes O crocodilo tem a cabeca oblonga, duas vezes mais comprida do que larga ; trinta dentes inferiores e trinta e oito superio- res, sendo os quartos dos dois lados da ma- xilla inferior os mais compridos e mais grossos, e ficando a descoberto ainda mes- mo tendo o animal a bocca fechada; os pés posteriores teem o lado de fóra guarne- 322 cido d'uma especie de crista dentada, e os | intervallos dos dedos são completamente palmados. O crocodilo da especie citada, chamado crocodilo do Nilo por alguns autores, é d'um verde azeitona na parte superior do corpo, salpicado de negro na cabeça e no pescoço, e com malhas da mesma côr na cauda; nos flancos tem duas ou tres faxas largas negras obliquas; a parte inferior do corpo é d'um ama- rello esverdeado. Póde alcançar até 3 me- tros de comprimento. pot MARAVILHAS DA CREAÇÃO Esta especie, que é o celebre crocodilo dos egypcios, de que falámos ao tratar em geral d'esta familia dos reptis, é muito commum na Africa, nos rios Nilo e Se- negal, encontrando-se tambem nos da Cafraria. Parece que na India se encontra esta especie. Vive na agua e em terra, e alimenta-se principalmente de peixe. Em voracidade o crocodilo é superior ao jacaré da Ame- rica, e conta Hasselquist por muito fre- | quente no Alto Egypto serem as mulheres Gr. n.º 444 — O crocodilo que veem buscar agua ao rio devora- | das pelos crocodilos, e muitas vezes vi- ctimas do terrivel reptil as creancas que brincam nas margens do Nilo. Geoffroy Saint Hilaire diz ser muito commum encontrar entre os arabes al- guns a que falta uma perna, e que ac- cusam o crocodilo como autor d'esta mutilação. Ouçamos o celebre explorador da Africa equatorial, Livingstone, que mais d'uma vez teve occasião de se encontrar com o feroz reptil. «O crocodilo faz todos os annos nu- merosas victimas das creanças que teem a imprudencia d'ir brincar para a borda do Liambo, quando alli vão buscar agua. O reptil dando-lhe com a cauda atordoa a victima, e arrasta-a em seguida para O fundo do rio até afogal-a. Em geral mergulha o crocodilo quando avista o homem, encaminhando-se furti- vamente para o lado onde o viu, ou cor- rendo para elle com uma velocidade es- pantosa, que se denuncia pelas rugas á superficie da agua. Se uma antilope REPTIS — OS CAMALEÕES 323 perseguida pelo caçador se acolhe nas lagunas do valle de Rarotsé, ou se o cão e o homem alli vão em busca da caça, não escapam ao crocodilo de que nem se- quer suspeitavam a existencia n'aquelle sitio. A gente moça das povoações á borda do rio, depois de haver á noite dançado ao luar, lança-se ao rio para se lavar da poeira que lhe enxovalha o corpo, e acon- tece repetidas vezes nunca mais voltar.» O GAVIAL OU CROCODILO DO GANGES Crocodilus Tongirostris, de G. Cuvier — Le gavial du Gange, dos francezes Os gaviaes são principalmente notaveis pelo grande comprimento da cabeça : teem o focinho estreito, cylindrico, alargando um pouco na extremidade; os pés posterio- res dentados e palmados como os do crocodilo. O gavial ou crocodilo do Ganges é de um verde escuro na parte superior do corpo, com numerosas malhas trigueiras; amarello desvanecido na parte inferior. Alguns attingem de cinco a seis metros de comprimento. Nos seus habitos nada ha que mereca especial menção. OS CAMALEÕES Se aos camaleões não fôra dada a ce- lebridade que se lhes attribue de mu- dar de côr segundo a dos objectos de que se aproximam, não a tendo pro- pria, — fabula vulgarmente acceite, e d'onde provém o dar-se este nome ao homem astuto e variavel, que muda de cara segundo as circumstancias o exigem — nem por isso deixaria de ser um dos animaes mais curiosos pela sua confor- mação, uma mistura de lagarto e de sapo, pelos habitos, e pcr certas propriedades que serviram de motivo ás fabulas que vo- gam a seu respeito. Os camaleões são pequenos reptis, com a pelle enrugada e granulosa, sem esca- mas; o corpo comprimido aos lados ; ca- beça muito grossa, angulosa, coberta de uma especie de capacete; sobre o dorso uma aresta saliente; pescoço muito curto e grosso, confundindo-se com o tronco; quatro pés muito delgados. São estes, em geral, os caracteres dos camaleões, e em seguida vamos dar alguns pormenores da sua organisação realmente singular. Os olhos do camaleão são grandes e muito saídos, cobertos por uma só palpe- bra, tendo no centro um pequeno orificio por onde se vê brilhar a pupilla. Mas se esta conformação do olho já é singu- lar, muito mais o é a faculdade que teem estes animaes de olhar para diversas par- tes ao mesmo tempo, isto é, em quanto com o olho direito avistam para a frente, com o esquerdo podem vêr o que se passa atraz, ou com um fitar os objectos que lhe estejam collocados superiormente, em quanto que o outro observa o que se passa em plano inferior. A lingua não é menos curiosa. E' re- donda, carnuda, e tão extensivel, que o animal póde lançal-a de subito, com extraordinaria rapidez, a distancia quasi egual ao comprimento do corpo, para assim, com a ponta viscosa, alcançar os insectos que deseja apanhar. Com prom- ptidão egual a recolhe, carregada com a presa. Tem cinco dedos nos pés, divididos como que em dois feixes, um formado de tres e outro de dois dedos, envolvidos na pelle até ás unhas, e dispostos em direcção in- versa; de modo que lhes permitte facil- mente agarrar os troncos das arvores pon- do um dos feixes por um lado e o segundo pelo outro, á maneira dos papagaios e de outras aves trepadoras. Os dedos são armados de unhas agudas. A cauda é prehensivel, podendo enrolar-se em volta do corpo, servindo-lhe de quinto membro, á imitação de alguns monos, principal- mente para o auxiliar a trepar, prenden- do-a aos ramos das arvores. D'esta conformação dos membros e da cauda resulta que o camaleão se move com mais facilidade nos ramos das arvo- res do que no solo, e n'elles se encon- tra principalmente este reptil, na mais completa immobilidade ou movendo-se pausadamente. E finalmente, o camaleão não carece de correr: podendo observar ao mesmo tempo o que se passa atraz e adiante, e d'ambos os lados, tem tempo de sobra para escapar aos seus inimigos; a lingua vaeella propria a distancia bus- car o alimento de que o reptil carece. Nos camaleões a pelle não adhere aos musculos em todas as partes do corpo, deixa espaços livres onde o ar penetra, e assim o animal póde inchar-se conside- ravelmente quando quer, ou rapidamente desinchar-se, Diz Figuier que «quando esta bexiga animada se vasa, o animal 324 assimilha-se a um sacco de pelle com alguns ossos dentro. Os camaleões, posto que não tomem a côr dos objectos de que se aproximam, é certo que mudam de côr e umas ve- zes são esbranquicados, outras amarel- lados, verdes, avermelhados e mesmo negros, por egual em todo o corpo ou ás manchas. Por muito tempo attribuiu-se es- tas alterações de côr á maior ou menor di- latação dos vastos pulmões d'este animal, e ás modificações occasionadas pela quan- tidade de sangue que era levado á pelle. Hoje esta fórma d'explicar a mudança de côr d'estes animaes foi abandonada. Con- forme a opinião de Milne Edwards, as causas das variações de colorido residem na estruclura especial da pelle d'este rep- til. A femea do camaleão é assaz cui- dadosa nos ovos, e toma certas precau- cões para a sua boa conservação ; feita a postura cobre-os de terra e de hervas para conservarem o calor recebido dos raios solares. São conhecidas muitas especies de ca- maleões, que vivem em todo o globo, á excepção da America. A mais conhecida é a seguinte : O CAMALEÃO ORDINARIO Chamaelio vulgaris, de Laurenti — Le caméléon ordinaire dos francezes N'esta especie a parte posterior da ca- beça é pontuda, o corpo coberto de grão- sinhos quasi arredondados, muito juntos; uma especie de crista dentada na me- tade do dorso, outra menos saliente a partir de sob a mandibula inferior até ao anus. A cór é excessivamente variavel, e d'ordinario amarellada, podendo tornar-se branca ou preta, e outras vezes estas duas côres dispõem-se de tal sorte que o ani- mal parece zebrado ou tigrino. Póde tam- bem ser trigueira ou amarella, com ma- lhas côr de laranja, vermelhas ou ne- gras. Mede aproximadamente 0",16. Do camaleão da especie citada conhe- cem-se duas variedades, uma que vive no sul da Hespanha, na Sicilia, e no nor- te da Africa, e outra nas Indias orien- taes. E' manso, muito indolente, e vive d'or- dinario trepado ás arvores. O seu alimento consta de insectos que apanha pela fórma já dita. MARAVILHAS DA CREAÇÃO AS OSGAS São estes reptis que, pelo seu aspe- cto repellente, mais se tornam odiados, e a repugnancia que inspiram toma por vezes proporções mais vastas, attribuin- do-se-lhes, sem razão, própriedades mal- fazejas. Timidos e inoffensivos, são inca- pazes do menor damno. As osgas são de tamanho mediocre, de corpo massiço e achatado, andando quasi de rojo. A cabeça é larga, achatada, com olhos muito saidos, apenas orlados de palpebras curtas: a bocca grande, com as maxillas guarnecidas de dentes peque- nos, eguaes, cortantes na corôa. Teem as pernas curtas, pouco mais ou: menos de egual comprimento, com os dedos orlados de membranas lateraes, e guarnecidos por baixo de laminas trans- versaes imbricadas, que adherindo soli- damente ás superficies mais planas, lhes permittem correr pelas paredes mais lisas e ahi conservar-se por muito tempo im- moveis. As unhas em geral recurvas, € podendo encolhel as á imitação das do gato, auxiliam-n'as tambem a trepar ás arvores e aos muros. Correm com tão ex- traordinaria rapidez, que é difficil apa- nhal-as. As osgas vêem de noite, e é então, principalmente, que se lhes ouve a VOZ. Alimentam-se de larvas, lagartas e in- sectos, que apprehendem de ordinario nos buracos onde se acoitam. Falaremos em seguida de duas espe- cies, uma commum no nosso paiz, e outra exotica; esta ultima representada na nossa gravura n.º 442, A OSGA Platydactylus muralis, de Dumeril e Bibron, — Le gecko des murailles, dos francezes Esta especie do genero Platydactylus é de um pardo cinzento nas partes supe- riores do corpo, e esbranquiçada por baixo. Tem os dedos livres, e só o ter- ceiro e o quarto armados de unhas. Mede de comprimento 0” 14. Habita em França, Hespanha, n'uma parte da Italia, e na Africa; em Portu- gal, como dissemos, é bastante com- mum. O seu pouso habitual é nos muros ve- lhos; mas vê-se, por vezes, no inte- rior das habitações trepar ao longo das paredes. “ MARAVILHAS DA CREAÇÃO allemant Frêres, esse por L Imp dem O CAMALEAO REPTIS — OS IGUANAS 325 A nossa gravura n.º 442 representa | locephalus, natural de Java, medindo uma especie exotica, platydactylus homa- | 07",16, e notavel por ter unhas em todos Gr. n.º 442 — À osga (platydactylus homalocephalus) os dedos á excepção dos pollegares; o | cabeça, os membros e a cauda, d'uma corpo contornado, incluindo os lados da | especie de franja; a cauda achatada. Gr. n.º 443 — O iguana OS IGUANAS America ; sendo n'esta parte do mundo, e quasi exclusivamente na America Meri= Da ordem dos saurios é esta a familia | dional, que se encontra o maior numero. mais numerosa, de que se conhecem, | Ogenero typo da familia é o iguana, de que aproximadamente, cento e cincoenta es- | em seguida trataremos. pecies, habitando a Africa, a Asia e à São os replis d'esta familia caracterisa- 30 VOL. JI 326 MARAVILHAS DA CREAÇÃO dos pelo corpo e cauda cobertos de esca- mas. pequenas, tendo de ordinario ao longo do dorso uma especie de crista for- mada de pontas separadas e bem distin- clas; os dedos são livres e armados ge- ralmente de cinco unhas arqueadas, em raras especies quatro nos membros pos- teriores. Os iguanas são em geral dotados de grande agilidade, porque tendo os mem- bros bastante desenvolvidos, permiltem- lhes estes erguerem facilmente o corpo. Para alguns a cauda achatada e excessi- vamente longa serve-lhes de remo e leme, e d'esta sorte podem habitar nos terre- nos encharcados, movendo-se facilmente na agua. Auxiliados pelas unhas aduncas podem sem custo trepar e perseguir os insectos de que se alimentam habilualmente, posto que um grande numero de espe- cies se sustentem quasi exclusivamente de substancias vegetaes. Na America al- guns dos iguanianos são estimados pela carne, tida por excellente e de fino sabor. Seguidamente mencionaremos algumas especies da familia, representadas pelas nossas gravuras. O IGUANA Iguana tuberculata, de Laurenti — L'iguane tuberculeuse, dos francezes O iguana é um grande reptil, medindo 0”r,75 de comprimento, que se distin- gue facilmente pela grande papeira que Gr. n.º 444 — O dragão tem pendente da garganta, e pela crista dentada que se estende ao longo do dor- so, desde a cabeca até á extremidade da cauda. E” esta muito longa, delgada e achatada. O iguana tem os dedos com- pridos e deseguaes. Na parte superior do corpo é verde mais ou menos escuro, passando por ve- zes a azulado, com riscas em zigue-za- gues nos flancos trigueiras orladas de amarello; a parte inferior do corpo é amarclla esverdeada. + A alimentação d'estes reptis, que vi- vem na America Meridional, parece ser exclusivamente herbivora, pois nos indi- viduos abertos apenas no estomago se lhes tem encontrado folhas e flóres. São mansos e inoffensivos, e n'alguns pontos caçam-n'os para lhes aproveitar a carne, que é estimada e servida mesmo nas boas mesas. A especie iguana delicatissima, nome que lhe provém do finissimo sabor da carne, existe no Brazil. O BASILISCO Basiliscus mitratus, de Daudin — Le basilic à capuchon, dos francezes Contavam os autores antigos de um animal chamado basilisco, que, sendo pe- queno de corpo, grandes eram os damnos que podia fazer. O homem, cujos olhos se encontrassem com os do terrivel reptil, era victima d'um fogo interior que o de- vorava, morrendo depois de crudelis- REPTIS — OS IGUANAS 327 simos tormentos; mas passava a salvo se elle era o primeiro a ver o animal. A mordedura do basilisco era morte instan- tanca para quem a soffresse. Outras muitas fabulas se attribuiam a este animal, que não era decerto o que hoje tem este nome, que só vive na Ame- rica, então desconhecida, e a que Linneo, levado pela similhança com o basilisco descripto pelos gregos, deu o nome de | certa basiliscus. Entre os dois existe porém a importante differença de que tão inoffensivo é o ba- silisco de hoje, como malfazejo era o de então, a julgar pelo que d'elle se nar- rava. O brsilisco dos autores modernos mede de comprimento 07",65, dos quaes per- tencem á cauda tres terças partes. Tem alraz da cabeça uma especie de capuz, arredondado na extremidade, e um tanto inclinado sobre o pescoco; uma crista que se estende desde a cabeça até á cauda em fórma de barbatana; cauda achatada aos lados. É trigueiro aloirado na parte superior do corpo; esbranquiçado na inferior com riscas d'um trigueiro tirante a côr Gr. n.º 445 — Chlamydosaurus Kingii e Lophyrus dilopus de chumbo na garganta, e aos lados dos olhos tem uma risca esbranquiçada orlada de negro, que se perde no dorso. Esta especie encontra-se na America, entre oulros pontos, na Guiana, no Me- xico e na Marlinica. Vive nas arvores, e saltando de ramo em ramo, persegue os insectos ou colhe as sementes de que se alimenta. O DRAGÃO, OU LAGARTO VOADOR Draco volans, de Linneo — Le dragon volant, dos francezes O nome d'esta especie é, à maneira do basilisco, celebre tambem pelas ficções de antigos escriptores, que descreveram com o nome de dragão uma especie de monstro com azas, tendo um tanto de morcego e ao mesmo tempo partici- pando da conformação geral dos mami- feros, com cauda de serpente. Era, final- mente, um ser exotico e medonho, que servia para guarda dos thesouros, e devorava um homem com a maior faci- lidade, tanto era feroz e voracissimo. Se o dragão dos poetas antigos e dos artistas da edade media era um horrendo animal, fructo da sua imaginação, pois nada prova que tal monstro existisse, o reptil que lhe succedeu no nome não é 328 menos notavel, embora seja inoffensivo, pois a sua conformação singular entre os reptis distingue-o de todos. E o unico reptil que tem azas (Gr. n.º 444), for- madas por dobras da pelle, situadas dos dois lados do corpo entre os membros anteriores e os posteriores, mas inde- pendentes d'elles, e que se não são assaz vigorosas para vibrar o ar e permiltir ao dragão voar como as aves, servem-lhe todavia de pára-quedas, e auxiliam-n'o con- sideravelmente nos saltos que dá de uns para outros ramos das arvores, á caca dos insectos de que faz a sua principal ali- mentação. Teem os dragões o corpo pequeno, co- berto de escamas imbricadas; a cabeca triangular, obtusa na frente; adiante do pescoco um grande sacco e dois mais pequenos aos lados da cabeca, que enchem de ar a seu bel-prazer ; cauda muito lon- ga, delgada, e um pouco deprimida na base ; cinco dedos separados e todos ar- mados de unhas. O dragão da especie citada é na parte superior do corpo d'um pardo mais ou menos escuro, salpicado de negro na ca- beca; as azas d'um pardo arruivado ou atrigueirado, malhadas e riscadas de ne- gro, ou com faxas da mesma côr. E natural de Java, e todas as especies suas congeneres vivem nas Indias orien- taes, nas regiões arvorejadas do conti- nente e das ilhas. Como dissemos, a familia dos iguanas é rica em especies, c além das que citá- mos e das restantes mais exoticas, men- cionaremos duas que vão representadas na nossa gravura n.º 445, as quaes pela sua conformação tão curiosa como singu- lar merecem que as façamos conhecer dos nossos leitores. A figura superior representa uma es- pecie dos iguanas existente na Nova Hol- landa, chlamydosaurus Kingii, unica espe- cie do genero, notavel principalmente pelas duas largas membranas que tem no pescoco, e que abertas se assimilham a uma especie de gola. A figura inferior é o lophyrus dilopus, especie não menos exotica, que vive nas ilhas de Java ec Ambonia. OS LAGARTOS Esta familia dos saurios, conhecida desde tempos remotos, comprehende grande numero de especies do antigo e MARAVILHAS DA CREAÇÃO do novo continente, que se dividem em dois grupos diversos, tendo em vista principalmente a disposição dos den- tes. Como caracteres geraes diremos que os lagartos, variando no tamanho, teem o corpo arredondado, o pescoço perfeita- mente distincto e um pouco mais estreito do que a cabeca e sem papeira; repre- senta a cabeca uma pyramide quadran- gular, achatada, terminando mais ou menos aguda, coberta de escamas que variam de numero e de tamanho, e que revestem as faces e as maxillas ; os olhos vivos, geralmente, com tres palpebras mo- veis; os dentes deseguaes na fórma e no comprimento, em todas as especies in- sertos na borda interna das maxillas, e n'algumas especies insertos a mais no ceo da bocca. Teem quatro membros, com cinco dedos livres, armados de unhas re- curvas; a cauda é conica, muito longa, arredondada, na maior parte das vezes, coberta em todo o comprimento de es- camas distribuidas regularmente em an- neis. A parte superior e a inferior do tronco são tambem revestidas de esca- mas variando de fórma e tamanho no dorso. Os lagartos estão divididos pelos autores em muitos generos, de que nos não cabe falar, mais ou menos ricos em especies, e apenas d'estas citaremos algumas das principaes, depois de havermos dito al- gumas palavras ácerca do modo de vida d'estes reptis, realmente bellos e dignos de interessar qualquer observador. Habitam os lagartos, segundo as espe- cies, nos terrenos aridos e arenosos, no meio de pedras ou nos muros, entre o matto na orla dos bosques, e mesmo nos terrenos humidos e pantanosos. Por toda a parte estabelecem as moradas sob o solo, em tocas que perlenceram a outros ani- maes ou aproveitando as cavidades natu- raes. Muitos cavam elles proprios as ha- bitações subterraneas que lhes servem, variando com as circumstancias, de asylo contra os inimigos, ou de abrigo nos dias tempestuosos e nas noites frias. Alli estabelecem tambem o seu dormitorio no inverno, quando o frio os entorpece obrigando-os a permanecer em estado lethargico. São estes elegantes saurios mais ou me- nos lestos nos movimentos, alguns cor- rendo com pasmosa velocidade, c mal se podem observar quando vão de fugida. REPTIS — OS LAGARTOS 329 Trepam aos arbustos caté aos ramos infe- ! rapidamente e um novo orgão cresce em riores das arvores. Mudam a pelle os lagartos muitas ve- zes durante o estio, e tanto mais brilhan- tes e vivas são as córes que a adornam, quanto mais proximos estão da epoca em que se opera a muda. Exercem sobre estes reptis notavel in- fluencia as variações atmosphericas. O frio obriga-os a conservar-se mais ou me- nos entorpecidos nas suas moradas; a chuva impede-os de sair dos covis; mas se o sol brilha e o frio diminue, vêem-se abandonar rapidamente os escondrijos e vir gozar com delicias do bencefico calor dos raios solares, manifestando o seu bem-estar pelas suaves ondulações da cauda. Todos gostam do calor, c é facil observal-os durante horas inteiras, na mais completa immobilidade, expostos ao sol ardente do verão. De manhã cedo, ao sair dos covis, ou á tarde, depois do sol posto, quando a temperatura baixa, são sempre estes animaes menos vivos e lestos do que em pleno dia. Até mesmo a vista'c o ouvido, os dois sentidos mais desenvolvidos dos lagartos, parecem então menos apurados. Segundo os logares que habitam, assim estes reptis buscam o alimento que me- lhor lhes convém. Um espreita, ce com o auxilio da lingua aboca, com rapidez no- tavel, a mosca que imprudentemente lhe foi pousar a curta distancia; outro vae em busca das aranhas e dos insectos de diversas especies; procura um terceiro apossar-se dos vermes e dos molluscos ; e finalmente os maiores atacam mesmo os pequenos vertebrados. Engolem a presa sem a mastigar, não obstante terem den- tes bastante agudos, que mordem a mão de quem os queira apanhar. Vem aqui a péllo dizer que a morde- dura do lagarto não tem consequencia nenhuma funesta, pois ao inverso do que muita gente. julga não é venenosa. Um facto bem conhecido é a facilidade com que os lagartos perdem a cauda á menor pancada, ou quando alguem os segura por ella, sem parecer que isso os moleste ou mesmo os incommode, parecendo mesmo ser a fragilidade da cauda uma prevenção da natureza, que assim lhes quiz dar um meio de escapar aos seus numerosos inimigos, que, jul- gando apprehender o reptil, só conseguem ficar-lhe com a cauda, vendo-o retirar apenas menos bello. Cicatriza a ferida breve, deixando todavia signaes da fra- clura nas escamas que a revestem no si- tio onde ella existiu, ou então differe no tamanho ou na cór. Acontece algumas vezes, por motivo de lesão secundaria ou pressão produ- zida por corpo estranho, que a cauda, ao crescer novamente, se divide em duas ou mais partes, parecendo ter o lagarto duas ou tres caudas, e tornando-se, para quem ignore esta circumstancia, motivo de es- panto, e para muitos de receio, quando é certo que se póde, com facilidade, con- seguir artificialmente dar aos lagartos mais d'uma cauda. Chegando a primavera, os lagartos aban- donam os seus quarteis d'inverno, veem reanimar-se ao calor do sol, readquirindo pouco a pouco o uso completo dos sen- tidos e toda a actividade. E' então que os individuos dos dois sexos se bus- cam, manifestando os seus sentimentos por afagos um tanto rudes e pelos mo- vimentos da extremidade da cauda, an- dando o macho repetidas vezes em volta da femea, e tomando altitudes variadas e bastante comicas, até que a fecundação se opera repetidas vezes no mesmo dia. A fidelidade não parece ser apanagio dos lagartos, posto que nem por isso os machos deixem de ser ciosos, maltratan- do-se por vezes uns aos outros e distri- buindo formidaveis dentadas, como attes- tam os que por essa epoca apparecem sem cauda, e com cicatrizes que servem de prova ás rixas que entre elles se levantam. A maioria das especies dos lagartos é ovipara, mas algumas são ovoviviparas. Nas oviparas, quatro ou cinco semanas depois da reunião dos sexos, a femea vae depositar os ovos n'algum escondrijo, para esse fim preparado sob o sõlo,“a pe- quena profundidade, ou debaixo de folhas e hervas seccas, e por vezes entre as pe- dras ou n'alguma fenda de muro. Os ovos, variando em numero segundo as especies, geralmente de sete a nove, são ovaes, esbranquicados, elasticos, com a casca semi-dura, e de ordinario unidos num feixe por uma especie de colla na- tural. Assim permanece por algum tempo esta nova geração, occulta a todas as vis- tas, até que em agosto ou setembro os pequenos quebram a casca, havendo-se desenvolvido o germen sem outra acção que não seja a do calor atmospherico, pois as femeas, finda a postura, abando- 330 MARAVILHAS DA CREAÇÃO nam os ovos completamente. Os recemnas- cidos adquirem em pouco tempo a grande agilidade dos adultos. Nas especies ovoviviparas, a femea só no mez de agosto ou selembro pare os filhos, que nascem vivos, saindo do ovo na pro- pria occasião em que são expulsos do ven- tre da mãe. O crescimento dos pequenos em ambos os casos é vagaroso. e só ao terceiro anno os lagartos novos attingem a corporalura e todas as faculdades dos adultos. Chegado o outono, variando a data com os annos e com os climas, desapparecem estes reptis no fundo das suas moradas, e ahi vão passar o inverno, dormindo o somno le- thargico que lhe suspende a vida por al- gum tempo, umas vezes isolados, outras aos pares ou por familias. Diz-se geralmente que o lagarto é amigo do homem, é é isto devido a que este re- ptil d'ordinario não só não foge do ho- mem, mas parece vêl-o até com certo agrado, posto que isto não seja motivo, como já dissemos, para que se não de- fenda se o quizerem agarrar. São valentes e arrojados os lagartos, mais os dos paizes quentes, que allingem maiores dimensões, e só fogem depois de realmente conhecer o perigo. Diz-se que certas especies não teem duvida em bater-se com os cães, e principalmente Gr. n.º 446— O sardão e 0 lagarto com'“as cobras. São sobrios, pois comem pouco e digerem com difficuldade, po- dendo supportar longos jejuns. O SARDÃO Lacerta viridis, de Daudin'— Le lerard vert, dos francezes Tem os membros posteriores compara- tivamente grandes; a cauda egual duas vezes ao tamanho do corpo; a cabeça duas vezes mais comprida do que larga e bastante aguda. Mede ao todo 07,32, e Dumeril diz que na Grecia existem in- dividuos com 02,76. D'esta especie exis- tem bastantes variedades, que differem no tamanho e no colorido. O sardão é d'um verde por egual na parte superior do corpo, trigueiro sal- picado de verde, verde salpicado de. amarello, ou atrigueirado com malhas verdes ou esbranquiçadas, ondeadas de negro ; na parte inferior do corpo é ama- rellado. E commum esta especie nos paizes quentes da Europa e no norte da Africa, e pouco frequente no nosso paiz. Encon- tra-se de preferencia nos terrenos acciden- tados, pedregosos, cobertos de matto e abrigados. Esconde-se entre as pedras, nos buracos que topa, e trepa por vezes REPTIS — OS LICRANÇOS aos troncos e ramos superiores das arvo- res. E bastante agil, bravio, e morde, sem que todavia a mordedura seja perigosa. O LAGARTO Lacerta ocellata, de Daudin — Le lezard ocellé, dos francezes Esta: especie é muito commum em Portugal. Tem a parte superior do dorso verde, variado, malhado e riscado, á fei- ção de malha de rêde, de negro ; grandes malhas azuladas nos flancos; a parte in- ferior do corpo esbranquiçada. Medem alguns até 0",43 de comprimento, dos quaes 0”,26 pertencem á cauda. - Encontra-se nas cavidades das rochas, nos sitios mais expostos ao sol, entre as raizes das arvores, nas vinhas e nos va- lados. Alimenta-se quasi que exclusiva- mente de vermes e insectos, e diz-se que não duvida atacar os ratinhos, os musa- ranhos, as rãs e até as cobras. E" facil tornal-o domestico, sustentan- do-o de leite. A LAGARTIXA Lacerta muralis, de Laurenti — Le lezard gris, dos francezes Esta especie distingue-se pela cabeça chata e triangular ; focinho arredondado ; cinco dedos nos pés, livres e guarnecidos de unhas curvas muito uteis para trepar ás arvores e correr pelos muros; cauda muito longa e afusada, comecando a di- minuir de diametro logo junto á base. A lagartixa é um lindo reptil, airoso e agil, cujo colorido é bastante variavel, tendo d'ordinario o alto da cabeca e o dorso d'um pardo cinzento, com salpicos ou riscos atrigueirados; a parte inferior d'um branco esverdeado, algumas vezes salpicado de negro. A maior parte dos machos tem na parte inferior dos flan- cos malhas alternadas negras e azues. Como dissemos varia muito o colorido da pelle n'esta especie, segundo as loca- lidades, a estação e o sexo. Dá-se o mesmo com respeito á sua corporatura, e termo medio mede a lagartixa 07,20 dos quaes 07,14 pertencem á cauda. Encontra-se este pequeno e inoffensivo reptil de preferencia nos sitios pedrego- sos, nos muros velhos, e bem assim nos sitios aridos e a descoberto, bem banha- dos pelo sol. E” notavel a rapidez com que a lagartixa corre no solo ou ao longo 331 dum muro, desapparecendo tão veloz que a vista mal póde acompanhal-a. Consiste a sua alimentação principal- mente em insectos, aranhas e molluscos. A femea põe de nove a quatorze ovos, n'uma fenda de muro, ou sob um monte de pedras, saindo os pequenos em junho ou julho. «Diz Figuier que a lagartixa póde facil- mente conservar-se captiva, e que sendo docil se torna em breve muito dada. «Busca retribuir afagos por afagos, e aproximando a bocca dos labios do dono, suga a saliva com immensa graça, graca que nem todos lhe permiltem exhibir.» OS LICRANÇOS | Os licranços são reptis da ordem dos saurios, posto que tenham sido por al- guns autores incluidos nos ophidios, por- que, tenlo certas analogias com uns e outros, differem dos individuos d'estas duas ordens em muitos pontos. Lagartos sem pernas, parecem-se pela sua confor- macão externa com as cobras, differindo d'ellas, todavia, pela sua organisação in- terna analoga á dos saurios. Tendo as extremidades do tronco quasi eguaes, a posterior e a anterior, os olhos quasi invisíveis, a cauda muito curta, com a cloaca na extremidade do corpo, simulando outra bocca, não é para admi- rar que observadores menos minuciosos hajam dito que este reptil tem duas ca- beças, affirmando-lhe a faculdade de caminhar para diante ou para traz a seu bel-prazer. Plinio mesmo affirma que este reptil possue duas cabeças, isto é, uma na cauda, «como se uma bocca só não fóra sufficiente, diz aquelle escriptor, para se- gregar o veneno.» Dois erros, pois não só o licranço não tem duas cabeças, como tambem não existe n'este reptil veneno algum. Por caracteres principaes teem estes saurios o corpo cylindrico, quasi todo da mesma grossura, incluindo a cauda, muito curta, obtusa ou conica ; não teem membros, e a pelle é sem escamas, mas repartida em pequenas secções, mais ou menos regulares, dispostas em fórma de anneis em volta do corpo. Privados de palpebras, sem escamas que sirvam para proteger o corpo, vivem estes reptis d'ordinario em cavidades sob o solo, e principalmente junto aos formi 332 gueiros, alimentando-se de formigas e de larvas. Conhecem-se diversas especies, quasi todas da America, existindo na Africa duas uma das quaes se encontra no sul da Europa, sendo commum em Por- tugal. É a que segue. O LICRANCO Amphisbena cinerea, de Vandelli — L'amphisbene cendrée, dos francezes Esta especie, como já dissemos, é commum no nosso paiz. Tem a cabeça deprimida, focinho curto, olhos visi- veis: a cabeca é branca, e as secções em que está dividida a pelle são dum cinzento azulado ou d'um trigueiro mais | MARAVILHAS DA CREAÇÃO ou menos arruivado ou côr de casta- nha, com os intervallos azulados, bem como os sulcos que existem ao longo dos flancos e do dorso. Mede 07,25. Entre as especies da America, mencio- naremos uma que existe nos arredores do Rio de Janeiro, amphisbena oxyura, conhecida alli vulgarmente pela cobra de duas cabeças. Tem a cauda e a cabeça tão eguaes em grossura, que é difficil diffe- rencal-as. OS ESCINCOS Damos o nome de escincos a uma fa- milia de reptis, cujo genero principal é Gr. n.º 447 — O Seps chalcides o escinco, que sc distinguem por ter as escamas do tronco dispostas á ma- neira de telhas, geralmente sobre o largo e arredondadas na borda externa ; na maior parte teem duas palpebras sus- ceptiveis de poderem unir-se fechando os olhos. Dos escincos alguns teem membros mais ou menos desenvolvidos, outros ca- recem d'elles; o corpo é bastante alon- gado, com a conformação do das cobras ; andam de rojo. Falaremos em seguida de tres especies, representando tres dos principaes gene- | ros comprehendidos n'esta familia. O ESCINCO Scincus officinalis, de Laurenti—Le seinque, dos francezes Tem este reptil o focinho pontudo, o. corpo coberto de escamas lisas, arredon- dadas, mais largas que longas, dispostas em series longitudinaes ; cauda grossa na base e delgada e comprimida para a ex- tremidade, e mais curta do que o corpo; quatro membros com cinco dedos cada um, quasi eguaes, achatados, com as bor- das em fórma de serra. E na parte superior do corpo d'um amarello prateado, com sete ou oito faxas transversacs negras; as partes lateraes e inferiores do corpo d'um branco prateado REPTIS — O ESCINCO 333 mais ou menos limpo. Mede de 0,"18 a 0,20 de comprimento. Parece que esta especie pertence á Africa, posto que habitando a Nubia, a Abyssinia, o Egypto, se encontre na Ara- bia. Na Europa apparece na Sicilia e em certas ilhas do archipelago grego. Encontra-se este reptil, no dizer dos autores, perto dos monticulos d'areia fina que o vento accumula junto ás sebes que rodeiam os campos cultivados, vendo-se tranquillamente a tomar o sol ou caçan- do os insectos que topa. Corre rapida- mente se o perseguem, e busca escapar enterrando-se na areia, por vezes à pro- fundidade de 0",50, o que executa com notavel rapidez. Se o apanham procura fu- gir, mas não morde nem tenta defen- der-se com as unhas. Os medicos arabes tinham o escinco como remedio efficaz para combater grande numero de doenças. Emprega- vam-n'o como contra-veneno nas feridas feitas por frechas envenenadas ; e a carne, principalmente a dos lombos, considera- vam-n'a remedio depurativo, excitante, restaurativo, antisyphilitico, e aphrodi- siaco. Na Europa hoje não é usado este medi- camento; mas os medicos orientaes recom- mendam-n'o ainda nos casos de elephan- cia, nas molestias cutaneas e em certos casos de ophthalmia. Encontra-se no nosso paiz um reptil cujo nome vulgar ignoramos, e cremos mesmo que o não tem, o seps chalcides, (lacerta chalcides), de Linneo, que pelo corpo em fórma de serpente se assimi- lha ás cobras, e sendo intermediario entre os escincos e as anguimhas esta- belece a passagem dos saurios para os ophidios. Como os escincos, tem quatro membros, mas muito afastados os anterio- res dos posteriores, e quasi rudimen- tares, incompletos com relação ao nu- mero de dedos. (gr. n.º 447). Na parte superior do corpo é d'um pardo côr d'aço com quatro riscas lon- gitudinaes trigueiras, duas de cada lado do dorso ; na parte inferior do corpo de um pardo esbranquiçado. Mede 0,733 de comprimento. - Encontra-se no meio dia da Europa e na Barbaria, sendo commum em Por- tugal, como já dissemos. mr a es amem mea ra SS e e rr 2 + 4 rr e rt rs rm me mm mara Outr'ora era este reptil tido por vene- noso, e ainda hoje muita gente o consi- dera como tal, estando todavia demons- trado por todos os observadores dignos de confiança que este pequeno reptil. é na verdade inoffensivo. Quando o inverno se aproxima es- conde-se sob o solo na cavidade que topa, d'onde sae só na primavera seguinte para ir habitar os sitios cobertos de verdura, e junto dos terrenos pantanosos. Alimen- ta-se de aranhas, insectos e lesmas pe- quenas. São viviparos os seps, pois os peque- nos saem do ovo ainda no ventre da mãe. Por observações feitas sabe-se que a femea póde ter quinze filhos de cada barriga. A ANGUINHA Anguis fragilis, de Linneo — L'orvet fragile, dos francezes A anguinha é um pequeno reptil com a apparencia exterior das cobras, pois o corpo cylindrico, arredondado nos flan- cos, e de grossura quasi uniforme, é privado de membros, e apenas sob a pelle se encontram signaes fugitivos dos membros posteriores. A cauda é comprida e cylindrica, na base de grossura egual á do tronco, diminuindo gradualmente d'espessura até ao termo. À cabeça é co- nica, arredondada na extremidade, cober- ta de numerosas escamas delgadas e de fórmas diversas. A anguinha adulta varia muito no co- lorido: tem a parte superior do corpo acobreada, bronzeada, parda ou arruivada por egual, a maior parte das vezes sem mais ornamentação, outras com um risco dorsal negro ou annegrado, que n'alguns individuos tem duas linhas trigueiras parallelas, uma de cada lado e n'outros uns salpicos atrigueirados. Os flancos umas vezes eguaes no colorido ao dorso, mais claros ou escuros, mas d'ordinario tri- gueiros, ou annegrados. Aparte infe- rior do corpo é d'ordinario parda ou es- branquicada, e nos individuos mais novos atrigueirada, annegrada ou mesmo negra. As anguinhas novas são pardas esbran- quicadas por cima, com um risco negro no dorso, e os flancos e a parte inferior do corpo d'um negro azulado ou viola- ceo. Medem as adultas 07,25, dos quaes 07,15 pertencem á cauda, e teem a grossura de uma penna de cysne. 334 Esta especie existe espalhada pela Eu- ropa, encontrando-se tambem no norte da Africa. E muito frequente no nosso paiz. Nos sitios seccos, cobertos de verdura ou em parte pedregosos, estabelece a anguinha a sua morada, n'um buraco ou sob qualquer abrigo. Por vezes afas- ta-se da habitação, caminhando de rojo rapidamente, á busca dos insectos, dos vermes, ou das lesmas que lhe servem d'alimento. Embora privada de membros, nem por isso deixa a anguinha de abrir galerias sob o solo, relativamente bastante profundas, ajudando-se da cabeça e da cauda, ambas egualmente conicas. Ahi, em agosto ou se- tembro, a femea tem de oito a quatorze fi- MARAVILITAS DA CREAÇÃO lhos, que saem dos ovos na mesma occasião em que são postos. Ao aproximar-se o outono as anguinhas reltiram-se aos seus quarteis d'inverno, sob o solo, tapando a entrada com terra e musgo, e é facil encontrar 20 a 30 in- dividuos reunidos n'uma só galeria, ás vezes de 0”",70 a 1” de comprimento. A anguinha justifica o seu appellido de fragil porque a cauda, por vezes exce- dendo metade do corpo, parte-se á me- nor pressão, exactamente como acontece á dos lagartos. Tem-se em geral este pe- queno reptil por nocivo, e muita gente o julga venenoso, quando é realmente o mais inoffensivo dos animaes, e prestando serviços na destruição de muitos insectos prejudiciaes. an teesa es Pe : Gr. n.º 448 — À anguinha REPTIS ORDEM DOS OPHIDIOS Os ophidios, conhecidos vulgarmente pelo nome de serpentes, teem o corpo alongado, cylindrico, sem membros, e terminando em cauda pontuda conti- nuando-se ao corpo. A bocca é muito rasgada e susceptivel de dilatar-se; a lingua bastante longa e bifendida; nas maxillas teem dentes muito agudos ; não teem palpebras, e por isso o olhar parece fixo e penetrante. Algumas especies dos ophidios são no- taveis pelc veneno que segregam d'uma glandula situada de cada lado da ma- xilla superior, por detraz da orbita, e conduzido por dentes especiaes, situados na parte anterior e media da maxilla su- perior, agudos, recurvos e ôcos, que o vasam na ferida que fazem. Antes de tratar da divisão dos ophi- dios, para em seguida mencionar algu- mas das suas principaes especies, apre- sentaremos acêrca d'estes reptis algumas interessantes observações geraes transcri- ptas d'um distincto naturalista e observa- dor directo, o dr. Victor Fatio; ! e mais tarde, com relação a cada especie em particular, diremos ao cital-a e descre- vel-a o que haja de especial no seu vi- , ver. «Existem na Suissa serpentes que não sendo exclusivamente aquaticas* vivem ! Faune des Vertébrés de la Suisse, vol im — Bistoire naturelle des Reptiles e des Batraciens. ? Das especies da Suissa a maior parte encon- todavia na agua ou proximo d'ella, e ou- tras que preferem, pelo contrario, os sitios seccos e aridos. Cada qual esco- lhe, como melhor lhe apraz, morada mais a seu gosto, junto d'um charco, no prado, entre o matto, ou mesmo em terreno pedregoso, d'onde se afasta apenas o tempo necessario para ir em busca do alimento. Acontece, porém, ao aproximar-se o inverno, uma ou outra cobra ou a vibora melter-se a caminho, c, embora a viagem seja curta, ir em cata de habitação mais confortavel ou d'alguns dos seus similhantes para em so- ciedade passar a fria estação. Umas então introduzem-se nas fendas dos muros ou sob um monte de pedras, outras abri- gam-se sob as raizes das arvores ou nos troncos, e mesmo nas galerias abertas pelos ratos campestres. Os animaes pequenos que servem de alimento ás nossas especies de serpentes são, como se sabe, engulidos, sem que previamente sejam mastigados, uns ainda vivos, outros asphyxiados ou mortos pelo veneno. O reptil para alcançar a presa recorre á astucia ou á destreza: a vibora aga- chada, immovel, aguarda pacientemente que o rato ou a ave que cubiça lhe passe ao alcance, e arremessando a ca- tra-se no nosso paiz, e o que ácerca d'ellas se vae ler póde tomar-se como referindo-se aos nossos ophidios em geral. 336 MARAVILHAS DA CREAÇÃO beca de subito sobre a presa, morde-a e espera em seguida pelos effeitos rapidos do envenenamento que acaba de produzir. A cobra, mais agil, surprehende ou per- segue, quer em terra quer na agua, as di- versas victimas que encontra nos dois ele- mentos, que em ambos ella se accommoda da mesma sorte. Trepando habilmente aos arbustos, espreita, por exemplo, um ninho de passaros, ou nadando silenciosamente no charco aboca n'um prompto a pobre rã que não deu pela aproximação do re- ptil. Algumas vezes, até, deslisando por entre as pedras vae ao fundo da agua, apa- nhando lestes os cadozes e outros pei- xes pequenos. Engole os diversos animaes de cabe- ca para baixo, e humedecidos abun- dantemente pela saliva vão a pouco e pouco passando pela guela dilatavel da serpente, impedindo-os de recuar os den- tes numerosos e recurvos proprios para tal fim, ec assim vão lentamente cami- nhando, sob a influencia de fortes con- tracções musculares, até dar entrada no estomago do ophidio, que adquire pro- porções accommodadas ao volume e quan- lidade das presas tragadas. E" certo que o reptil, depois de tão co- pioso repasto, perde uma parte da sua agilidade, e de ordinario fica por algum tempo em immobilidade quasi completa; ou então por vezes, se algum perigo a força a fugir, diligencia lançar fóra o peso que a opprime, abrindo a bocca des- medidamente. O rato, qualquer ave ou um lagarto são em geral asphyxiados pela cobra antes de os engulir, mas a rá ou os peixes são de- vorados vivos. Ha muito quem distinga os gritos angustiosos do batrachio abocado pela serpente, e mais d'uma vez me aconteceu libertar alguma pobre rã, indo buscal-a ao fundo das guelas da cobra. A progressão das serpentes faz-se tan- to na agua como em terra, por meio de inflexões lateraes das diversas partes do corpo. As costellas, movidas por muscu- los poderosos, executam, quando o reptil se roja, funcções quasi analogas ás dos membros. Em quanto a columna verte- bral facilmente se curva para a direita ou para a esquerda, as costellas, movendo-se de diante para traz, encontram no solo a resistencia que lhes dão as placas abdominaes em parte levantadas, e que de encontro ao terreno facilitam a cada uma das partes do corpo o seguir ávante erguendo-se. Na agua produzem-se eguaes movimentos, e o pulmão, mais ou me- nos cheio de ar, á vontade do animal, permilte-lhe conservar-se á superficie ou no fundo. Apoiando-se na cauda e em parte do tronco, a serpente póde erguer o corpo mais ou menos; mas ha poucas, princi- paimente das venenosas, que suspenden- “do-se pela cauda possam levantar a ca- beça ao nivel d'este orgão. As nossas co- bras são, sob este ponto de vista, mais vigorosas que as viboras, e podem dei- tar o corpo de lado ou para traz, con- servando no ar aproximadamente uma quarta ou terça parte do seu comprimento total, e arremessar de subito a parte an- terior contra a presa. Nunca vi nenhuma das nossas espe- cles, venenosas ou não, erguer-se com- pletamente do solo e saltar como muita gente affirma: havendo até quem asse- gure ter sido perseguido por viboras que davam saltos apoiando-se na ponta da cauda. Sempre observei que as nossas co- bras fugiam do homem, a menos que este as surprehenda ou se vejam de qual- quer maneira na necessidade de defen- der-se. Com os primeiros calores do sol da primavera, variando a data segundo as especies, os annos e as localidades, do principio de marco, nos valles, ao fim de maio, nos Alpes, as nossas serpentes despertam do torpor em que jazeram du- rante o inverno e abandonam os seus es- condrijos; e a partir d'essa epoca até ao outono mudam cinco ou seis vezes a pelle, isto é a epiderme, e ás vezes mais, se- gundo as circumstancias. Este involu- cro externo, que lhes reveste o corpo in- teiro, incluindo os olhos, solta-se a pouco e pouco, fendendo-se largamente proximo aos beiços. O animal, que busca então largar esta vestimenta que se lhe torna inulil, passa e repassa atravez do matto mais cerrado, por entre as pedras ou pelo centro-das raizes entrelaçadas, para con- seguir alli deixar a velha tunica que o incommoda. De ordinario pouco depois da primeira muda, em abril ou maio, começam os amores, e os individuos dos dois sexos procuram-se, reunindo-se muitos, ás ve- zes, n'um determinado sitio. O macho e a femea foliam juntos: umas vezes esten- dem-se immoveis um ao lado do outro, outras abraçam-se, entrelaçando-se amo- REPTIS — OS OPHIDIOS rosamente. O acto da fecundação dura apenas algumas horas, e durante ellas conservam-se as duas serpentes estreita- mente unidas. Tres ou quatro, até mesmo cinco me- zes depois, e geralmente uma unica vez cada anno, a femea põe no solo, sob um monte de pedras ou despojos vegelaes, ou simplesmente sob o musgo nos sitios humidos, ovos brancos, ovaes, de casca mais ou menos rija, ou os pequenos vivos. O numero dos ovos póde variar com as especies, as condições de existencia e a edade dos paes, de seis a trinta e cinco ; mas nas especies em que os pequenos nascem vivos, o numero d'estes não vae além de doze a quinze. Contam alguns autores haver observado “nas especies exoticas uma sorte de incuba- cão pela femea, que se enrola em volta dos ovos; eu nada observei no meu paiz que a tal se assimilhasse, e encontrei sempre os feixes d'ovos abandonados. Depois da postura, conforme os casos e as especies, em diversos graus de desen- volvimento, os pequenos nascem dentro dum periodo variando de tres a oito semanas. A cobra que pare os filhos vi- vos não me pareceu por isso merecer-lhe a sua progenie maior cuidado, em- “bora:a certos autores lhes apraza contar que a vibora vigia os filhos, e que ao menor perigo os engole para lançal-os fóra passado elle. E certo que os pequenos da mesma bar- riga se conservam, muitas vezes, reuni- dos até ao anno seguinte no sitio onde hasceram, e que não obstante o seu dimi- nuto tamanho, tomam em breve os mo- dos lestos dos adultos, e vão em cata, cada um por si, do sustento de que carecem. Não passando os animaes que aos adultos servem d'alimento pela abertura da bocca dos pequenos, precisam estes nos primeiros tempos dirigir de preferencia os seus ataques aos vermes, insectos e molluscos. Crescem as serpentes novas vagarosa- mente, e se aos quatro annos estão aptas “para reproduzir-se, não attingem com- tudo o tamanho dos adultos antes dos seis ou sete annos. Os machos em geral são mais pequenos do que as femeas. Teem as variações atmosphericas gran- de influencia nos ophidios. A maior parte das nossas especies apparecem de preferencia durante o calor e o bom tempo, e as do genero Tropidonotus, que 337 vivem principalmente na agua, arre- ceiam-se menos da chuva e do mau tempo. As serpentes inoffensivas são princi- palmente diurnas; mas as especies ve- nenosas parece serem, em certos ca- sos, tanto nocturnas como diurnas. Mui- tos observadores affirmam que a luz exerce, nestas ultimas, altracção per- feitamente analoga á que produz n'ou- tros animaes incontestavelmente noctur- nos; e que as viboras, por exemplo, empregam de noite actividade muito di- versa da apathia de que parecem vicli- mas muitas vezes durante o dia. Quanto a mim, observei muilas vezes que as nossas serpentes venenosas não só co- mem, mas que a reunião dos sexos se executa durante o dia, o que me leva a crer que os seus habitos devem variar se- gundo as condições em que vivem. As serpentes, a que se attribue tanta astucia e finura, não parece possuírem sentidos bastante apurados. Só a vista se afigura mais desenvolvida, e o olho é n'estes animaes 0 orgão mais completo. A falta de canal auditivo ex- terno deve diminuir a sensibilidade do ouvido, e difficilmente se accommoda com a fama de melomania que gratuitamente lhe crearam. O olphato da mesma sorte é pouco delicado, porque o cheiro mais activo parece não causar o menor des- prazer a estes reptis. O tacto é egual- mente pouco sensivel, e observa-se repe- tidas vezes pequenos animaes passeiarem pelo corpo da serpente sem que esta mostre dar por tal. Finalmente o gosto deve ser de todos os sentidos o menos perfeito, porque engole os alimentos sem os mastigar, e a lingua não toma parte na deglutição. A lingua, todavia, está longe de ser inutil, antes desempenha um papel im- portante na existencia do ophidio ; não como instrumento para picar, como asse- vera muita gente, porque é macia e fle- xivel, mas serve-lhe simultaneamente d'orgão de tacto dos mais delicados, sendo um apparelho de linguagem muda dos mais expressivos. Em qualquer circumstancia, e em pre- sença de um objecto novo, a serpente arre- messa a lingua para se pôr em contacto com o mundo exterior; toca mesmo al- gumas vezes nos objectos com as pontas agudas d'este orgão, isto nos corpos de que quer conhecer a natureza e proprieda- des. Além d'isso, como já disse, os movi- 338 mentos da lingua, que este reptil estende passando pelo entalhe do beiço superior, exprime os sentimentos que o agitam em diversas circumstancias. Todos os seus instinctos e paixões se traduzem pelos movimentos d'este orgão, tanto mais promptos quanto as impres- sões são mais violentas; e ao inverso vaga- rosas na razão da insensibilidade do ani- mal, por doença ou entorpecimento. Aos movimentos expressivos da lingua une-se, em certos casos, e particularmente quando a colera o agita, uma sorte de assobio, estridente e prolongado, produzido pro- vavelmente pela saida rapida do ar atra- vez do entalhe boccal; pelo menos nunca ouvi a nenhuma das nossas especies pro- duzir este ruido com a bocca aberta. As serpentes teem inimigos de sobra entre os mamiferos e as aves. Das se- gundas mencionaremos as aguias, os fal- cões, os mochos, os corvos, as cego- nhas, as garças e alguns patos, etc.; nos primeiros figuram os gatos, os cães, as fuinhas, o tourão, o ouriço, o porco, etc. Affirma-se até que estes tres ulti- mos animaes nada soffrem com as mor- deduras da vibora, que elles trincam a seu bel-prazer. Chega finalmente a epoca, que se de- mora mais ou menos conforme os annos e as condições do clima, do fim d'ou- tubro ao fim de novembro, por vezes só em dezembro, em que os nossos ophi- dios se refugiam uns em seguida aos outros nos seus quarteis d'inverno, sob o solo ou n'alguma cavidade bem abrigada. Apodera-se d'elles profunda lethargia, que os obriga a conservar-se soterrados até á primavera seguinte, agrupados por fa- milias ou em numerosa sociedade, en- redados ou enrolados uns nos outros. Encontram-se por vezes n'estes feixes de serpentes entorpecidas individuos de diversas especies, mas na maioria dos casos as especies separam-se.» O crescimento nos ophidios executa-se vagarosamente, mas a sua longevidade permilte-lhes atlingir dimensões conside- raveis. Varía o tamanho segundo os ge- neros, e até os da mesma especie diffe- rem n'este ponto, concorrendo para isto a escassez ou abundancia da alimentação, e as diversas condições da sua existencia. Existem cobras cujo comprimento não vae além de 07,20, outras alcançam de 3 a 5 metros, e mais. OQ brilhante colorido da pelle d'algu- MARAVILHAS DA CREAÇÃO mas serpentes só pode bem observar-se no momento em que ellas a mudam, e en- tão aos bellos tons das côres vivas, real- cadas pelo brilho metallico, une-se o as- pecto avelludado das côres escuras. Conhecem-se hoje aproximadamente seiscentas especies, que vivem espalhadas por toda a superficie da terra, sendo certo que as maiores só se encontram nas re- giões intertropicaes, onde habitam ao mesmo tempo as mais terriveis serpen- tes venenosas. Em face de tão avulta- do numero comprehende-se que resu- mamos a nossa noticia apenas a algumas das especies principaes, como represen- tantes dos generos mais importantes, ci- tando, todavia, todas as que sabemos exis- tirem em Porlugal. ! Como methodo mais facil, e segundo alguns naturalistas, dividimos as serpen- tes em dois grupos : serpentes sem veneno e serpentes venenosas. SERPENTES SEM VENENO A SERPENTE PYTHON Python sebe, de Dumeril e Bibron.—Le python de Seta, dos francezes Dava-se na Mythologia o nome de Py- thon a uma enorme serpente, que, tendo escolhido por morada o Parnaso, fôra morta ás frechadas por Apollo. Do nome deste animal fabuloso vem o do genero Python, dado pelos modernos erpetologis- tas, e comprehendendo diversas especies de serpentes que excedem em tamanho todas as outras, até mesmo as boas. Ci- tam-se serpentes d'este genero que se diz terem 15 metros, como refere Adamson, accrescentando, porém, que só as viu com 7 metros. Tendo-se por exagera- da aquella dimensão, é certo existirem nas collecções individuos de mais de 8 metros de comprimento. Só se encontram estes ophidios na Africa e na India. Os individuos d'este genero teem q corpo grosso, arredondado, e por cara- cteristico essencial a existencia de dois esporões de cada lado do anus, conside- rados como vestígios dos membros pos- teriores, facto que se dá tambem nos in- dividuos do genero Boa. 1 Serviu-nos de guia o trabalho do digno di- rector do Museu de Lisboa, o sr. dr. Barbosa du Bocage, a que já nos referimos. No genero Python conhecem-se cinco especies, todas muito similhantes no co- lorido da pelle: teem uma especie de grande rêde trigueira ou negra, de ma- lhas quasi quadrangulares, sobre fundo amarellado, estendendo-se desde a nuca até á cauda; de cada lado da cabeca uma faxa negra que parte das ventas, passa pelos olhos e vae até aos beicos. Encontram-se nas arvores, nos sitios quentes e humidos, á borda das nascen- tes e das correntes d'agua, d'onde esprei- tam os animaes que alli vão beber. Embora não sejam venenosas, são estas serpentes temiveis pelo tamanho. Varia o modo de atacar as presas segundo as circumstancias: ou seguras pela cauda á arvore conservam a parte anterior do cor- po livre e oscillante, e arremessam-n'o REPTIS — A SERPENTE PYTHON 339 ; contra a viclima, ou esperam-n'a immo- veis postas d'emboscada. Alguns individuos d'esta especie exis- tiam vivos no Museu de Paris, ainda ha poucos annos, dos quaes Dumeril conta que um já tinha nove annos, sendo o maior do comprimento de 3 metros, dimensão que está longe da que estes animaes podem attingir, como já disse- mos. Para o leitor julgar da sobriedade dos ophidios, transcrevemos as seguintes li- nhas do autor citado, referindo-se ainda ás pylhons. As nossas pythons de Seba comem com bom appelite, e uma das tres, que se avan- tajou em tamanho, provou pelo seu maior crescimento a influencia que póde ter a alimentação abundante no desenvolvi- Gr. n.º 449 — À serpente python mento d'estes animaes. Em quanto a maior parte das nossas serpentes maio- res tomam, termo medio, nove ou dez refeições por anno, a de que se trata co- meu aproximadamente dezeseis vezes no mesmo periodo, regimen que durante tres annos deve ter sido o motivo do seu maior crescimento, e circumferencia aug- mentando esta pelo menos mais duas terças partes. D'uma especie das pylthons do museu de Paris, conta ainda Duméril que oito d'estes ophidios nasceram alli, tendo ao sair do ovo 07,45 a 07,50; aos vinte mezes já media o mais pequeno 17,17 e o maior 27,34, e aos quatro annos ha- viam attingido as dimensões que depois conservaram, isto é, o mais pequeno 27250 e o maior 37,30. Uma das ser- pentes nascidas no museu, á data em que o distincto erpetologista a quem nos referimos escreveu esta noticia, já tinha doze annos e meio, e as outras haviam morrido. A BOA Boa constrictor, de Linneo — La boa constricteur dos francezes O genero Boa comprehende a especie citada e outras que vivem na America, distinguindo-se não só pelo tamanho, pois excedem alguns d'estes ophidios tres metros de comprimento, como tambem pelo vistoso colorido da pelle. As boas teem o corpo robusto, mais grosso no meio que nas extremidades e um pouco comprimido; a cabeça relati- vamente pequena, mais larga na parte posterior e estreitando para a frente, bas- tante deprimida; a cauda curta na prp- 340 MARAVILHAS DA CREAÇÃO porção do tronco, conica e susceptivel d'enrolar-se. A boa, boa constrictor, menos rara que os congeneres, logo depois da muda é um lindo replil, quasi côr de carne, com grandes malhas no dorso trigueiras avel- ludadas, com reflexos metallicos, postas a certa distancia umas das outras; na face superior da cauda tem outras ma- lhas de um vermelho côr de tijolo, bor- dadas de negro. Vive em parte da America do Sul, principalmente na Guiana, no Brazil, nas provincias do Rio da Prata, etc., e habita de preferencia os logares seccos no inte- rior das florestas, passando a melhor parte da vida nas arvores. Outras especies, que hoje os natnralistas distinguem generica- mente, e outrora faziam tambem parte do genero Boa, vivem á borda dos rios e dos pantanos, e mergulhando n'agua, enterradas na vasa, ou suspensas dos ra- mos das arvores que se debruçam na agua, esperam os animaes que vão beber para se lhes arremessar, e á maneira da boa apertam-n'os nas suas immensas voltas, que estreitando-se, lhes vão esmigalhando os ossos até reduzir as victimas a uma massa informe, que o reptil engole em seguida. Diz-se que a carne d'estes ophidios é boa para comer, e no Brazil existem duas especies, a giboia (boa conchria), e a su- curiú ou sucuriuba (boa anacondo), cujas pelles são aproveitadas para calçado e ou- tros usos. A COBRA D'ESCULAPIO Elaphis Zosculapii, de Duméril e Bibron — La couleuvre d'Esculape, dos francezes Esta especie do genero Elaphis, rico em especies, vive no meio dia da Euro- pa, e encontra-se no sul da França, na Allemanha e na Italia, onde é frequente. E” notavel por ser a especie venerada na antiguidade em Epidauro, onde existia um templo dedicado a Esculapio, o deus da medicina, a quem era consagrada esta serpente como symbolo da prudencia. «Conservamos o nome de serpente de Esculapio, diz Lacépêde, á especie que desde dezoito seculos, ao que parece, é assim denominada, como se a innocen- cia e mansidão d'este reptil fosse motivo para escolhel-a de preferencia para sym- bolo da divindade bemfazeja, repetidas vezes representada pelo emblema da ser- pente.» Mede a cobra de Esculapio adulta, re- gularmente, 1,25. E” de um trigueiro esverdeado, ornada especialmente nos flancos e no meio do corpo de salpicos brancos, dispostos em series; habitual- mente de cada lado do pescoço, logo em seguida á cabeça, tem uma malha ama- rella, que unindo-se com a do lado op- posto figura uma colleira. Tem o habito singular d” atravessar-se nos caminhos e veredas;no dizer de Millet, estendida em linha recta e immovel; n'esta posição aguarda que lhe passe ao alcance algum animalsinho, de que possa fazer presa. Trepa ás arvores com grande fa- cilidade, para alli surprehender as aves, e destas e dos ovos se alimenta. A COBRA ESCADEADA Rhinechis scalaris, de Bonaparte — Le rhinechis à échelons, dos francezes No nosso paiz, é commum em Cintra, Coimbra e outros pontos, existe esta cobra do genero Rhinechis de que não sabemos o nome vulgar, ou que o não tem, sendo designada como todas pelo nome de cobra. Damos-lhe para a distinguir o de cobra escadeada, tirado do desenho da pelle, que sendo d'um loiro arruivado, tem duas riscas negras longitudinaes na parte superior do corpo, ligadas de dis- tancia a distancia, e com intervallos quasi eguaes, por faxas largas e annegradas, dispostas como os degraus d'uma escada. D'esta circumstancia se deriva o nome scientifico scalaris e o francez Rhinechis à échelons. Esta especie habita tambem na França, na Italia, e nas ilhas do mar Mediterra- neo. É facil de guardar captiva. A COBRA D'AGUA Coluber matriz, de Linneo — La couleuvre à collier, dos francezes Esta especie, do genero Tropidonotus dos modernos zoologistas, encontra-se em grande parte da Europa e é muito commum em Portugal. Como caracteres genericos teem estas cobras a cabeça regular, mais ou menos larga atraz, e d'ordinario destacando-se do pescoco ; focinho arredondado ; o alto da cabeça achatado e revestido de nove grandes escamas; bocca muito rasgada; MARAVILHAS DA CREAÇÃO lost Gu dpi. E ! trai) des til St Sh In lj i Mi li | H di | | A | o e ii il li | A GIBOIA Impresso por Lallemant frêres, Lisboa, REPTIS — A COBRA DAGUA 341 cauda mediana, terminando pontuda e egual na base á grossura do tronco. A cobra d'agua é parda azulada, tri- gueira ou annegrada na parte superior do corpo, com malhas negras no dorso e nos flancos, e outras negras esbranqui- cadas ou amarelladas de fórma irregular na parte inferior. Tem uma larga malha em fórma de crescente, esbranquiçada ou amarella, seguida d'outra triangular negra. de cada lado, na parte posterior da cabeça. O comprimento medio dos individuos adultos é aproximadamente d'um metro, e raras vezes excede esta medida. As femeas são maiores de que os ma- chos, mas estes teem a cabeça mais vo- lumosa. Habita a cobra d'agua de preferencia nos logares humidos, junto dos regatos; nos pantanos ou nos fossos, encontran- do-se tambem nas mattas e nos terrenos enxutos. Corre com grande rapidez no solo, trepa se preciso fór aos ramos in- feriores dos arbustos, e nada habilmente. Alimenta-se, segundo as presas que pode haver, de ratos, aves pequenas, lagartos, rãs, e de varios insectos e vermes. A maneira de todos os ophidios engole a presa sem a mastigar, e a maior parte das vezes ainda viva. Ri ÇA Ao aproximar-se o outono, a cobra d'a- gua vae em busca de sitio mais abrigado, aproveitando as moradas subterraneas d'al- guns animaes, e até mesmo abeirando-se da * morada do homem, e encontram-se nessa Gr. n.º 450 — A cobra d'agua epoca algumas nas estrumeiras e até nos estabulos. D'aqui provém, de certo, a cren- ca popular de que estes ophidios veem ma- mar nas vaccas, crença tão falsa como a que affirma que o reptil penetrando de noite nas habitações introduz na bocca das creanças a ponta da cauda, para d'esta sorte as calar, em quanto se re- gala com o leite das mães adormecidas. Carecendo de beicos carnudos, estas co- bras não lograriam comprimir sufficiente- mente o bico do peito da mulher ou as tetas da vacca e da cabra a ponto de ex- trahir o leite, e os dentes pela sua dispo- -Sição magoariam estas partes tão delicadas, obrigando a victima a despertar e a de- fender se. Uma vez cada anno, em abril, realisa-se a união dos individuos dos dois sexos, e em julho ou agosto a femea põe, segundo 31 a edade, de dez até trinta ovos, de dia- metro egual aos das rolas, em sitio quente e humido. De tres a quatro semanas é o tempo sufficiente para se desenvolver o germen, e então os pequenos quebrando a casca nascem com 07,17 a 07,22 de com- primento, e bastante vigorosos para cada qual seguir para seu lado em busca do sustento, isto é, dos vermes e pequenos insectos que devem formar o seu pri- meiro alimento. A cobra d'agua é completamente inof- fensiva, e de todas a que melhor se presta á domesticidade. Por vezes, vendo o ca- minho tomado, finge-se morta para assim escapar; mas se a agarram morde, pe- quena mordedura, porém, e sem conse- quencias perigosas, pois a sua principal arma defensiva são as contracções da sua vigorosa musculatura. VOL. dl 342 Lacépéde narra curiosos pormenores acerca da docilidade da cobra d'agua, taes como : poder conservar-se nas habi- tações dando-lhe de comer ; de tal modo habituar-se ao tratador que ao menor si- gnal se lhe enrosca em volta dos dedos, do braço ou mesmo do pescoço, sem ten- tar molestal-o; sugar a saliva entre os labios do dono; e sem receio permittir- lhe mesmo o conchegar-se entre o corpo e o fato. A COBRA VIPERINA Tropidonotus viperinus, de Dumeril e Bibron — La couleuvre viperine, dos francezes Esta especie congenere da antecedente habita como ella na Europa, encontran- do-se em Portugal, posto que seja aqui rara, E mais pequena do que a cobra d'a- gua, medindo os individuos adultos termo medio 0", 65. Como o nome indica, esta especie assimilha-se bastante á vibora, e alguns individuos por tal forma se con- fundem com a vibora, especie coluber berus, que à primeira vista é difficil dis- tinguil-os. Esta difficuldade parece não se dar só com as pessoas pouco afeitas a observar estes animaes, pois que Dumé- ril, o notavel erpetologista francez, foi mordido em 1851 por uma vibora que tomára por uma cobra viperina. Este ophidio tem a parte superior do corpo pardo esverdeado ou atrigueirado, com malhas annegradas muito juntas ou unidas formando uma linha sinuosa ; ma- lhas escuras nos flancos com o centro mais claro; na parte inferior do corpo é par- daço ou amarellado, com malhas pardas ou negras no ventre. A cobra viperina é mais aquatica do que a cobra d'agua, pois encontra-se de preferencia nos charcos e nos pantanos, ou nas margens das ribeiras e dos lagos, raras vezes nas mattas ou em terrenos seecos. Não só é habil nadadora, mas conserva-se longo tempo debaixo d'agua, deslisando vagarosamente por entre as hervas ou pelas pedras do fundo, em busca das rãs, dos tritões e dos peixes pequenos, que todos estes animaes cons- tituem o seu habitual alimento. A femea põe de quinze a vinte ovos. Não obstante a sua analogia exterior com a vibora, esta cobra é completa- mente inoffensiva, mordendo se a agar- ram, mas tão fraca é a mordedura que não penetra além da pelle. MARAVILHAS DA CREAÇÃO Mencionaremos ainda, no avultado nu- mero das serpentes sem veneno, uma es- pecie que vive em Portugal. Coluber hippocrepis, de Linneo, a que os francezes chamam Pérops fer à cheval, um lindo ophidio commum no nosso paiz, que se distingue pelas grandes ma- lhas arredondadas, d'um trigueiro negro, dispostas em tres series e occupando as regiões superiores do corpo; tem uma faxa em fórma de ferradura na região do craneo, a qual não é constante. SERPENTES VENENOSAS Como dissemos anteriormente, uma parte dos ophidios, felizmente a menor, é formada d'especies notaveis pelo terri- vel veneno segregado em duas glandulas especiaes, situadas uma de cada lado da cabeça e conduzido por dois dentes da maxilla superior. À conformação d'estes dentes é apropriada ao horrivel mister que executam, pois são desde a base atraves- sados por um canal que se abre na frente junto á extremidade, ou teem simples- mente um sulco communicando com a glandula; em qualquer dos casos são sempre mais longos do que os outros. Tem de notavel o veneno d'estas ser- pentes, um dos mais violentos que se co- nhecem, dando por vezes a morte com ra- pidez assombrosa, poder ser engulido sem que resulte o menor damno ; em quanto que introduzido em qualquer ferida e misturando-se com o sangue, é morte certa n'alguns casos, e por vezes fulmi- nante. Varia a energia do veneno segundo as especies, e a mordedura das serpentes venenosas é tanto mais ou menos peri- gosa quanto nas glandulas que o segre- gam se contém em maior ou menor quan- tidade. Nos paizes quentes é mais prompto e terrivel o seu effeito do que nos paizes frios ou temperados. Dissemos que os dentes destinados a entornar o veneno na ferida por elles feita eram situados na parte anterior e média da maxilla superior, facto que se dá nas especies mais terriveis, de que em seguida nos hemos d'occupar; mas não deixaremos passar sem menção um grupo d'ophidios que, devendo ser considera- dos como venenosos, tem todavia por ca- racter especial a maxilla superior guar- necida na frente de dentes lisos como os das cobras não venenosas, existindo, REPTIS —A COBRA DE CAPELLO 343 porém, na parte posterior da maxilla den- tes mais longos com um sulco na frente, por onde o veneno se derrama. Posto que as serpentes d'este grupo sejam venenosas, é certo que pela dispo- sição dos dentes conductores do veneno, situados na parte posterior da maxilla, não podem ser nocivas para os animaes cujo corpo lhes exceda o diametro boc- cal, visto que só podem ser mordidos quando penetrem até ao fundo da bocca, isto é, na entrada da pharynge. Para os animaes, pois, que pela sua maior cor- poratura não caibam na bocca d'estes ophidios, são elles inoffensivos, o que se não dá com as outras serpentes vene- nosas, as quaes, tendo os dentes condu- ctores do veneno á frente da bocca, po- dem servir-se d'elles contra todos os ani- maes, qualquer que seja o tamanho. A utilidade do veneno assim derramado pelos dentes situados no fundo da bocca, explicam-n'a os autores da Erpetologia Geral, Dumeéril e Bibron, pela seguinte fórma. «A estria que se observa ão longo dos dentes posteriores apresenta um sulco tão profundo que mais parecem separados em todo o comprimento, e é ao longo deste rêgo que deve correr o veneno destinado a introduzir-se nas carnes da victima, e produzindo provavelmente a insensibilidade nos animaes vivos. Este virus, modificando a sensação penosa da dór, se é que a não extingue completamente, reduz o corpo animado da victima ao estado de materia inerte, abundante em succos nutritivos já per- feitamente preparados, e dos quaes a ser- pente poderá extrahir no todo, embora a acção se effectue lentamente, todas as partes alimenticias que a presa lhe pu- der fornecer percorrendo o tubo diges- tivo, isto durante a longa permanencia que a substancia animal alli deve ter, não obstante a curteza do canal intestinal.» Neste grupo das serpentes venenosas a que acabamos de referir-nos, opistho- glyphos dos autores, incluem-se numero- sas especies que vivem espalhadas por todo o globo, mas apenas sabemos que exista a seguinte no nosso paiz Celopeltis insignitus, de Wagler, especie conhecida em França por couleuvre mail- lée. E' originaria da Africa, encontran- do-se todavia na Italia, no sul da França, e commum em Portugal nos arrabal- des de Lisboa. Os individuos adultos são na parte superior d'um verde azeitonado com tons negros proximos da cabeça ; as partes inferiores do corpo amarellas com leves sombras negras; os flancos azula- dos. Seguidamente damos noticia d'algumas das principaes especies das serpentes ve- nenosas, conhecidas desde longo tempo pelo damno que causam, e algumas cuja mordedura é quasi constantemente mortal. A COBRA DE CAPELLO Coluber naja, de Linneo — La serpent à lunettes ou à coife, dos francezes A cobra de capello, gencro Naja, bas- tante frequente em todas as regiões da India, distingue-se principalmente, bem como as suas congeneres, pela faculdade de dilatar o pescoço. Quando o reptil está tranquillo, esta parte do corpo não tem maior diametro do que a cabeça ; mas sob a influencia d'um sentimento qualquer que o agite, dilata-a rapida- mente, voltando ao primeiro estado tão depressa cesse o motivo da sua agitação. Outra circumstancia não menos nota- vel d'estes ophidios é poderem erguer verticalmente a parte anterior do corpo, conservando-a direita e firme, em quanto a parte posterior descança no solo, e servindo de ponto d'apoio permitte ao reptil poder avancar. A mordedura da cobra de capello é bastante perigosa, pois o veneno que instilla na ferida é muito subtil, e para nenhum é mais necessario que os re- cursos da medicina sejam empregados rapidamente. Em todos os tempos se teem indicado numerosos remedios con- tra as mordeduras d'esta serpente, mas na maior parte das vezes sem resultado favoravel. A cobra de capello da especie citada é dum amarello atrigueirado, mais desva- necido na parte inferior, raras vezes com faxas negras transversaes, tendo geral- mente no pescoço um risco negro em fórma de luneta. Vive no solo, abrigando-se nas gale- rias subterraneas formadas por outros animaes e é raro que trepe ás arvores. Durante o dia ou quando presente al- gum perigo occulta-se nos velhos tron- cos carcomidos, por vezes entre as pedras ou nas cavidades dos rochedos. 344 MARAVILHAS DA CREAÇÃO - ——"———.. Da A ASPIDE Coluber haje, de Linneo — L'aspic, dos francezes Esta especie, congenere da cobra de capello, é mais pequena e tem o pescoço menos dilatavel. Encontra-se na Africa, sendo principalmente commum no Egy- pto. Diz-nos a historia que Cleopatra, rai- nha do Egypto, tão celebre pela for- mosura como pelos crimes, receiando cair viva em poder de Octavio, depois da batalha em que este vencera o marido, se suicidara applicando uma aspide a um braço ou ao peito. A aspide é esverdeada com malhas atri- gueiradas. Pretendiam os antigos, diz Chenu, que a mordedura d'este ophidio não causava dôr, e apenas determinava somno le- lhargico, e que tão ao de leve a morde- dura era feita que d'ella não restavam vestigios. Outros autores affirmam que do somno lethargico se passa suavemente á morte; Chenu accrescenta que o veneno da aspide é mais deleterio que o das vi- boras da Europa. E Referindo-se ás serpentes do genero Naja, a cobra de capello e a aspide, conta L. Figuier o seguinte: Gr. n.º BI—A «Os antigos habitantes do Egypto ado- ravam estas serpentes, e attribuiam-lhe a conservação das sementes, pelo que as deixavam livremente percorrer os cam- pos amanhados. Hoje que estes ophidios não são já no Oriente objecto de adora- ção dão em quasi todos os paizes da Asia, na Persia e no Egypto um espe- ctaculo bastante curioso. O povo rodeia os charlatães que se annunciam dotados de poderes sobrena- turaes que lhes permiltem domar e fas- cinar estes temiveis reptis. O psyllo, isto é, o encantador de serpentes, depois de tomar na mão certa raiz servindo-lhe de preservativo contra a mordedura vene- nosa da serpente, tira esta do vaso onde está encerrada e mostrando-lhe uma vara cobra de eapello procura irrital-a. O animal então ergue a parte anterior do corpo, dilata o pes- coco, abre a bocca alongando a lingua bifendida, brilham-lhe os olhos e solta os medonhos silvos. Começa uma especie de luta entre a serpente e o psyllo, que, entoando certa canção monotona, mostra ao mesmo tempo o punho fechado ao reptil, ora d'um lado ora d'outro. O animal com o olhar fixo na mão que o ameaça segue- lhe todos os movimentos, e balanceando a cabeça e o corpo simula uma especie de dansa. Ontros domadores de serpentes conse- guem d'estes reptis acompanharem de movimentos alternados e cadenciados do pescoco os sons que tiram de pequenas REPTIS — A VIBORA 345 flautas. Conta-se mais que estes mysterio- sos domadores sabem, com o auxilio de certos toques, mergulhar o seu perigoso inimigo n'uma especie de lelhargia, dan- do-lhe a rigidez cadaverica, estado que a seu bel-prazer podem fazer cessar. Em todo o caso é certo que não lograriam impunemente tocar n'estes reptis, cuja mordedura é extremamente perigosa, sem haver de qualquer modo neutralisado o effeito do veneno. Presume-se que os psyllos esgotam to- dos os dias o veneno ao reptil, obrigan- do-o a morder repetidas vezes n'um pe- daço d'estofo, ou que, na maior parte das vezes, arrancam ás serpentes os den- tes conductores do veneno, dos quaes uma unica picada é de sobra para matar rapi- damente. » A VIBORA Vipera ammodytes, de Duméril e Bibron—La vipêre à museau cornu, dos francezes Citamos esta especie, ao tratar das vi- boras, ophidios de que nos occuparemos mais d'espaco, como sendo osunicos real- mente venenosos que existem em Portu- gal, pois que no trabalho do dr. Barbosa du Bocage, a que já nos referimes ante- cedentemente, é esta especie apresentada como a unica das viboras que aquelle nosso distincto naturalista diz haver en- contrado no nosso paiz. As viboras distinguem-se facilmente das cobras sem veneno pela fórma da cabeca, mais triangular e mais larga na parte posterior; pelas placas mais pequenas que lhe cobrem a parte superior da ca- beça, principalmente as das viboras am- modytes e aspis; pelas pupillas verti- caes e não arredondadas, e finalmente pela cauda mais curta. Da familia das viboras conhecem-se umas vinte especies, todas do antigo continente, e mais particularmente abun- dantes na Africa. Só tres habitam na Eu- ropa: vipera aspis, vipera ammodytes, e pellias berus. A especie vipera aspis, a que os fran- cezes chamam vwipêre commune, encon- tra-se frequentemente nos sitios montanho- sos e arvorejados da Europa meridional e temperada, em Inglaterra, em França, na Kalia, na Allemanha, na Polonia, e até mesmo na Suecia e Noruega. Nos arra- baldes de Paris habita nas florestas de Montmorency e Fontainebleau. Mede de 07,35 a 0",70 de comprimento, tendo de grossura maxima 07,03. A ca- beça é quasi triangular, um pouco mais larga do que o pescoco, oblusa e o foci- nho troncado ; olhos pequenos, vivos, or- lados de negro; lingua comprida e bi- fendida. O corpo é d'um pardo cinzento ou annegrado, com uma faxa dorsal con- tinua, negra e flexuosa, ou formada de malhas distinctas contiguas, arredonda- das ou rhomboides; na parte inferior do corpo o colorido é bastante variavel, geralmente d'um pardo côr de aço ou avermelhado, com malhas brancas irre- gulares. À vipera ammodytes, que dissemos en- contrar-se em Portugal, vive tambem em França, na Allemanha, na Italia, na Gre- cia, etc. Distingue-se principalmente da aspis pelo prolongamento do focinho em fórma de tromba pequena e carnuda, co- berta d'escamas pequenas (Gr. n.º 453). E” mais pequena do que a especie ante- cedente. A especie pellias berus, de que os autores formam um genero, tem o focinho curto e largo, e as escamas da cabeça gran- des, analogas ás das cobras; circums- tancia que, reunida á similhança do colorido, dá motivo a confundir-se esta vibora com a cobra viperina, como ante- cedentemente dissemos ao falar desta especie do grupo das serpentes sem ve- neno. Esta vibora é a que habita os pon- tos mais septentrionaes da Europa, e Du- méril dá-a até vivendo na Siberia. As viboras são pouco activas, e posto que uma ou outra vez se encontrem nos sitios humidos, vivem de preferencia nos logares seccos e aridos ou nas mattas. O inverno e o comeco da primavera pas- sam-n'os occultas em qualquer cavidade bastante funda, ao abrigo do frio, e en- torpecidas. Diz-se que por vezes se encon- tram muitos d'estes ophidios reunidos, enroscados e enlaçados uns nos outros. O andar da vibora é pesado e irregular, os movimentos vagarosos ; de seu natu- ral parece este reptil apathico. Aguarda que a victima lhe passe ao alcance, sendo raro perseguir a presa. Com a maior pa- ciencia, immovel, sem causar o mais le- ve ruido que possa trahir a sua presença, espera a victima, e arremessando-se rapi- damente sobre ella com a bocca aberta, morde-a com os dentes inoculadores do ve- neno, situados na frente da maxilla su- perior, e largando-a novamente, fica es- perando pelo resultado do veneno que lhe 346 inoculara no corpo. O animal mordido não tarda a cair agonisante, presa de violentas convulsões, e morre; então a vibora abeira-se-lhe novamente, volta-o, por vezes busca esmagal-o apertando-o nas dobras do corpo, até que o engole tomando-o pela cabeca. Os filhos da vibora nascem vivos, de- pois de uma gestação de oito mezes, con- servando-se durante o tempo que perma- necem mo ventre da mãe dentro d'ovos de casca membranosa. Nascem já dota- dos do terrivel veneno que tão profi- cuamente os auxilia desde logo a pro- ver ás necessidades da sua alimentação; só, porém, aos seis ou sete annos attin- gem todo o seu desenvolvimento. A vi- bora pode ter d'uma barriga doze a vinte e cinco filhos. MARAVILHAS DA CREAÇÃO É occasião de descrevermos o terri- vel apparelho da vibora, que a torna te- mida a ponto de se admittir por mui- to tempo que este reptil exercia sobre certos animaes uma especie de acção magnetica, a que se dava o nome de fascinação, e que deve atlribuir-se uni- camente a causa mais simples, isto é, ao sentimento de profundo terror que a vibora inspira, e que n'alguns animaes os torna immoveis, incapazes de fugir, como que petrificados. Conta Duméril d'um pintasilgo que tinha na mão com o maior cuidado—ao tempo em queleccio- nando no curso do Museu da Historia Na- tural pretendia demonstrar o effeito su- bito e mortal da mordedura da vibora nos pequenos animaes, — que a pobre ave- sinha não careceu de tanto para sue- Gr. n.º 492— À vibora (Vipera aspis) cumbir : morreu á simples vista da vi- bora. O apparelho venenoso da vibora com- põe-se de tres partes distinctas: as glan- dulas, os canaes e os dentes inoculadores do veneno. As glandulas estão situadas sob a pel- le, uma de cada lado da cabeça, por baixo e atraz dos olhos, formadas de um certo numero de empolas, compos- tas de um tecido granuloso e dispostas com regularidade ao longo dos canaes excretores, como as barbas d'uma pen- na, disposição que só se observa com auxilio do microscopio. E aqui que se segrega o veneno, sob a fórma de um liquido amarellado, transparente e vis- coso. Segue-se a cada 'glandula um canal membranoso, que, partindo da glandula, vae abrir-se na base de cada um dos dentes venenosos, e que levemente curvo serve tambem de deposito onde se accu- mula o veneno. Finalmente, de ambos os lados, e col- locados na maxilla superior, existem dois dentes maiores que os restantes, recurvos para o lado de dentro, muilo agudos, e atravessados por um estreito canal que termina na ponta pelo lado anterior. Tão depressa os dentes venenosos, que são moveis, encontram ao morder a mais pequena resistencia, exercem pressão no reservatorio onde se guarda o veneno, e este projecta-se ao longo do dente vindo entornar-se na ferida, por mais pequena que seja, entrando assim na circulação. Estes dentes, quando o animal não carece do seu uso, permanecem cobertos por dobras das gengivas, que os occultam em parte, mas saem do seu estojo na- tural toda a vez que a vibora precisa REPTIS— A VIBORA 347 empregal-os. «Pouco mais ou menos como o homem, diz Figuier, que para defender-se ou atacar puxa da navalha, com a diferença de que n'aquelle caso a navalha está envenenada.» Dois ou tres dentes, mais pequenos que os primeiros, existem sempre como de prevenção por detraz d'estes, para no caso d'algum accidente que destrua os antigos serem estes substituidos. Tal é a arma terrivel da vibora, e não a lingua, como o vulgo acredita, que dá a morte a todos os animaes com muito pequenas excepções. Descripto o apparelho venenoso da vi- bora, resta-nos dizer quanto é perigosa a mordedura d'este reptil, e por ultimo quaes os meios praticos a empregar para evitar que ella possa ter consequencias fataes. Como regra geral a vibora foge do ho- mem ; morde-o porém se elle lhe tocar, ou, em ultimo extremo, não tendo por onde escapar defende-se. Não se expõe ás funestas consequencias que sobreveem á mordedura d'este reptil quem tenha o cuidado de evitar em geral as serpentes, quando não saiba distinguir á primeira vista as especies venenosas das inoffen- sivas ; e nos sitios onde estes animaes pos- sam existir será sempre prudente obser- var o terreno para não correr o risco de pisal-as. A vibora arreceia-se da chuva e do frio, e nunca sae pelo mau tempo. Gosta de calor, e busca de preferencia os sitios pedregosos ou cobertos de matto, onde se observa estendida sob os ramos dos arbustos, ou immovel e enrolada sobre uma pedra á torreira do sol. Ha quem habituado a conhecer estes reptis os segure pela extremidade da cauda, sendo certo que a vibora assim suspensa não tem vigor bastante para erguer a cabeça á altura da mão que a segura; mas deve-se ter sempre por ar- riscado o praticar d'esta sorte, pois que o animal torcendo-se póde aproveitar um momento em que a mão não vá a suffi- | ciente distancia do corpo e morder a perna de quem a leva. A mordedura da vibora opéra rapida- mente nos pequenos animaes que lhe ser- vem d'alimento, principalmente nos de sangue quente, laes como os ratos e as aves, que succumbem em poucos minutos, no meio de dóres angustiosas. Os animaes maiores, o carneiro e a cabra, morrem d'ordinario não sendo tratados ; as vaccas e os cavallos se não morrem adoecem e a parte ferida incha consideravelmente. Muitos casos se contam do homem succumbir á mordedura da vibora, e entre elles cita Lenz o d'um domador de serpentes, por nome Horselmann, que morreu á vista do narrador, cincoenta minutos depois de ser mordido na lingua por uma vibora. E certo, porém, que os effeitos do veneno variam de gravidade dadas certas circumstancias. O grau de temperatura e o estado da pessoa mor- “dida parece influirem poderosamente na gravidade da mordedura. «Tem-se notado que a mordedura da vibora é tanto mais perigosa quanto a temperatura é mais elevada, o paciente mais debil, encalmado, ou mais facilmente impressionavel, posto que o effeito esteja ainda dependente do estado da vibora n'aquella occasião. E certo que será mais Gu menos perigosa a mordedura se- gundo o reptil estiver em jejum ou sacia- do, ou lenha feito uso do veneno ha mais ou menos tempo, porque accumu- lando-se este a pouco e pouco augmen tará o perigo em relação á dose que ti- ver sido inoculada. Favorecendo o calor a secreção e a absorpção, explica-se facilmente porque as mordeduras no começo da primavera ou no outono são geralmente menos gra- ves do que as de verão. Parece que a vibora, em principio de entorpecimento, quando vae em busca d'abrigo contra os rigores do inverno, tem perdido já muito da sua terrivel faculdade de en- venenar. (V. Fatio). Parece-nos não só curiosa como tam bem d'interesse à noticia de qual seja o rnelhor meio de combater o envenena- mento produzido pela mordedura da vi- bora, e darmol-a em seguida, lembrando sempre que o melhor dos tratamentos pouco vale não sendo applicado imme- diatamente. «Apenas recebida a mordedura e en- contrados os dois pequenos signaes ver- melhos feitos pelos dentes agudos da vibora, é necessario atacar o mal sem perda de tempo. Poucos minutos bastam para que a dose de veneno que acabou de inocular-se seja levada na circulação. Nada de gastar tempo inutilmente, por exemplo, applicando o reptil á parte mordida, que para nada serve ; como util recommenda-se apertar e chupar a ferida alternadamente, extrahindo d'esta sorte 348 MARAVILHAS DA CREAÇÃO uma parte do veneno, que não tem acção deleteria tomado internamente em pe- quena dose, e que dizem só envenena penetrando directamente no sangue. Creio todavia, que será sempre mais prudente empregar, podendo ser, a ventosa substi- tuindo a sucção, por duas razões : a pri- meira, porque não ha completa certeza de ter a mucosa boccal em perfeito esta- do, e corre-se o risco d'uma segunda inoculação ; a segunda, porque não julgo sufficientemente provado que o veneno dos .ophidios não possa, segundo a dose e o estado do individuo, tornar-se peri- goso tomado internamente. ... O mais conveniente a seguir, na mi- nha opinião, é preparar rapidamente uma ligadura e com ella apertar um pouco acima o sitio mordido, não demasiada- mente, abrandando assim a circulação, e acto continuo alargar a ferida fazen- do-a sangrar. Em seguida, e o mais bre- Gr. n.º 498 — Cabeça da vibora (Vipera am- modytes) ve que possa ser, deve-se proceder á cauterisação bastante profunda, de prefe- rencia pelo ammoniaco derramado na ferida. Tenho o ammoniaco por mais activo do que o nitrato de prata, podendo sem inconveniente empregar-se ambos, o segundo naturalmente depois do pri- meiro. * Algumas pessoas me tem recom- mendado o acido phenico em substitui- ção do ammoniaco, mas não tive ainda oecasião de empregal-o. Um banho demorado da parte atacada em agua fria, ou applicações d'esta e um copo d'agua com algumas gottas de al- ! Para cauterisar a ferida indica L. Figuier na sua obra, Os Reptis, as duas seguintes formulas: Percholoreto de ferro.... 4 grammas AcIdo iCitrico so. je teto tenho 4 . Acido chlorhydrico...... k » [NGS start rolado os 24 » FTA E E e Ropaefo (º d0 grammas lodureto de potassium... 4 » Iodo metalliço......... 4 » | cali ou d'acido phenico, diminuirão a inchação e as dóres, bem como as syn- copes e as nauseas. Applicado este tratamento, rapida e in- telligentemente, prevenirá algumas vezes quasi que completamente os accidentes, ou atlenuará muito a sua gravidade ; na certeza, porém, de que passada uma hora depois da mordedura, terá elle per- dido já grande parte da sua cfficacia. Fi- nalmente, depois de chegar av domici- lio, o doente seguirá com o tratamento applicando fricções, emeticos e sudorifi- cos. (dr. Victor Falio). A COBRA DE CASCAVEL Crotalus durissus, de Linneo, — Le serpent à sonnettes, dos francezes Sob a epigraphe de cobra de cascavel, especie citada, typo do genero Crotalus, falaremos d'estes ophidios, exclusivamente americanos. Teem os crótalos a cabeca bastante vo- lumosa, terminando em focinho curlo, grosso e arredondado ; orifícios lacrimaes centre os olhos e as ventas; e a cauda, donde lhe vem o appellido cascavel, tem a extremidade guarnecida de pequenas peças corneas, produzindo vibrações agu- das quando o animal lhes imprime mo- vimentos rapidos, ao agilar vivamente a cauda. «O som produzido é tão estranho que não é possivel esquecel-o, diz Du- méril, principalmente, contam os via- jantes, sendo ouvido nas campinas e florestas da America, onde a cobra de cascavel é tão temida.» Quando este ophidio está inquieto ou quando se arrasta, ouve-se o ruido das capsulas caudaes, que, não sendo muito retumbante, se ouve ainda assim ao longe, aproximadamente a trinta passos de distancia, servindo de aviso providen- cial ao homem e a todos os animaes de que não está longe o mais terrivel dos reptis. Os crótalos teem uma certa uniformi- dade no colorido da pelle. A cobra de cascavel, crotalus durissus, typo do gene- ro, é parda e amarellada no dorso, com uma ordem de malhas negras longitudi- naes, bordadas de branco. Os olhos são brilhantes ; a bocca muito rasgada, e dei- xando vêr a lingua negra e bifendida ; os dentes venenosos muito longos e si- tuados na frente da maxilla superior. Me- dem estes ophidios regularmente 1,30 REPTIS — A COBRA DE CASCAVEL de comprimento, havendo-os que attin- gem 2º”. Encontra-se esta especie principalmente nos Estados Unidos e no Mexico. No Brazil vive outra especie do genero Grotalus, alli conhecida tambem pelo nome vulgar de cascavel. Alimentam-se estes ophidios de ani- maes pequenos, mamiferos ou replis. Aguardam pacientemente que elles se lhe aproximem, e então desenrolam-se subitamente para os alcançar. São sus- ceptiveis de longa abstinencia, e Duméril fala duma cobra de cascavel que viveu no Museu vinte e dois mezes sem comer, não contando o tempo que teria decor- rido depois da sua ultima refeição alé ser captiva, e a duração da viagem para França. Passado este tempo principiou a comer, tomando alimento seis ou oito vezes cada mez. E' ovovivipara a cascavel, e parece, se- gundo a affirmativa d'alguns viajantes, que os filhos lhes não são completamente indifferentes, como succede com os ophi- dios em geral. Ha mesmo um viajante que refere haver presenceado um facto, teste- munho singular do amor maternal d'esle reptil. Querendo o viajante apossar-se d'uma cobra de cascavel, o reptil fez re- soar o apparelho caudal, e, abrindo muito a bocca, o nosso narrador viu cinco pe- quenas serpentes alli alojar-se. «Surpre- hendido com tal espectaculo, refere o autor, desviei-me alguns passos, occul- tando-me por detraz de uma arvore, c O animal, convencido de que o perigo ces- sára, abriu a bocca e sairam os pequenos que alli se haviam abrigado. Reappareci, e os pequenos reptis correram de novo a buscar asylo na bocca da mãe, que d'esta vez se escapou por entre as hervas, levando comsigo tão precioso thesouro. - A cobra de cascavel é o mais perigoso de todos os ophidios venenosos, e a sua mordedura tem effeitos tão graves como rapidos, sendo a morte, na maioria dos casos, o termo fatal tanto para o ho- mem como para os maiores mamiferos, morte precedida de agonia em extremo penosa : séde devoradora, lingua intume- cida, não cabendo na bocca; sangue ne- gro escorrendo pelas ventas; a gangrena, finalmente, corrompendo rapidamente o corpo. “Entre muitos casos fataes cita-se o d'um domador de feras, chamado Drake, mor- dido por uma cobra de cascavel da sua 349 collecção, em Rouen, na occasião em que julgando-a morta, lhe pegou imprudente- mente para verificar o seu estado. À ser- pente mordáeu-o n'um dedo, que Drake, segundo se conta, teve animo de cortar d'um golpe de machado; mas a absor- pcão estava feita, e o homem morreu depois de nove horas de soffrimentos atrozes, apezar dos soccorros da medi- cina. Conta-se que, comprehendendo bem o seu estado, o infeliz Leve ainda o gene- roso pensamento e sangue frio bastante para fechar o replil que indiscretamente tirara da jaula. Depois d'este facto foi prohibida em França a entrada d'estes ophidios, á ex- cepcão dos que cram destinados ao Mu- seu, porque vivendo elles nos Estados Unidos cujo clima é egual ao da França, bastaria que por imprudencia um casal podesse escapar-se para o campo para que o paiz em pouco tempo fosse infes- tado pela sua progenie. Ás cascaveis que vivem no Museu de Historia Natural teem dupla jaula, c tomam-se as mais rigoro- sas providencias para impedir a sua fuga. Como exemplo da violencia do veneno d'este reptil narraremos ainda o seguinte caso : Haviam desembarcado em Liverpool, vindas da America, oito cobras de cascavel, e um exhibidor de feras comprou-as tra- zeudo-as para Northampton onde linha a sua collecção d'animaes, tendo o cuidado d'encerral-as em solida jaula. Havendo transportado os animaes para Tundbridge-Wels, foi aqui que se deu o accidente que vamos narrar : Sob a jaula das serpentes existia um re- servatorio d'agua quente para assim obter temperatura mais conveniente á existen- cia dos reptis, e o guarda tinha por 0e- cupação aquecer a agua e vigiar os habi- tantes das gaiolas. Uma vez que a agua fervia com violencia, indo elle moderar o lume, deixou a porta entreaberta, e só depois deu pela fuga d'uma das serpen- tes. O terrivel crótalo saltava no meio do pateo, silvando e erguendo a cabeça por forma ameaçadora. O guarda tratou de fechar a porta da jaula, gritando pelos outros guardas que se oceupavam da lim- peza das jaulas e outras habitações dos animaes. Á vista do reptil ficaram todos tomados de terror panico, e só um, o mais edoso, por nome Godfrey, se dei- xou ficar, conseguindo por ultimo que 390 MARAVILHAS DA CREAÇÃO CID DON SE SN EE AEDES A A SO mais alguns o acompanhassem. Armados de enxadas, pás e alavancas, tendo á sua frente Godfrey, os nossos homens encaminharam-se para a serpente. Arremessaram-lhe primeiramente um sacco, julgando que d'esta sorte melhor lhe teriam mão ; mas o reptil escapou-se di- rigindo-se para o meio da casa, silvando de modo medonho. Existiam em volta outros animaes encerrados em diversos compartimentos, pelos quaes a serpente passou sem causar damno, até que, che- gando em frente dum magnifico bu- falo, deteve-se, introduziu-se no inte- rior da gaiola e mordeu-o no focinho. Repassando novamente pelas grades se- guiu para um pateo onde os criados se occupavam a carregar palha n'uma car- roça. A carroça estava atrelado um sober- bo cavallo, ao qual a serpente se arre- messou mordendo-o; mas o cavallo em- pinando-se e escouceando com violencia derrubou a cobra, que ficou atordoada pela queda, e que mal tornou a si foi es- magada sob as ferraduras do cavallo que furioso a espesinhava. Poucos momentos depois de mordido, Gr. n.º 494 — À cobra de cascavel o cavallo tremia, os olhos pareciam que- rer sair das orbitas, e soltava sentidos rinchos. Breve expirou em medonha ago- nia. Ao mesmo tempo o bufalo, que pri- meiro havia sido mordido, era victima de horriveis convulsões, e caia por terra, morto tambem.» (Figuier). Até depois de mortas as cascaveis, os dentes não perdem completamente o seu poder mortifero. No Museu da Historia Natural de Paris um naturalista adjunto, o sr. Rosseau, cravando no peito d'alguns pombos o dente d'uma d'estas serpentes, morta havia dois dias, os animaes suc- cumbiram rapidamente. CEE > Narra-se até a seguinte historia, que talvez pareça um pouco exagerada, mas que encontrámos citada em diversas obras, e entre outras nos Replis de L. Figuier. N'uma rua das Antilhas morreu um ho- mem, que depois se soube fóra mordido n'um pé por uma cascavel, não obstante: as grossas botas que trazia, não se dando n'aquella occasião pela causa da morte. Um dos filhos herdara entre outras coisas as botas do pae, calçou-as um dia, e breve caiu doente e morreu. Vendeu-se o espolio do defunto e en- tre elle as malditas botas, que um irmão, julgando lhe serviriam bem, comprou, REPTIS — A COBRA DE CASCAVEL 39] morrendo da mesma sorte logo depois de as calçar. Os medicos trataram, então, d'averi- guar qual poderia ter sido a causa d'es- tas tres mortes successivas e tão rapidas, e lembrando alguem as botas, foram estas examinadas com cuidado encontrando-se o dente da cascavel enterrado no coiro. Fóôra pois o terrivel dente que victimara successivamente os tres homens. Não terminaremos a historia da casca- vel sem dar aos nossos leitores conheci- mento d'um facto singular succedido com este replil, que, apezar de toda a sua maldade, não é indifferente ao pra- zer da musica. E o facto tem a affir- mal-o nada menos do que as seguintes linhas do celebre escriptor francez Cha- teaubriand. « Viajavamos em julho de 1791 no Alto Canadá com algumas familias de sel- vagens dos Ounoutagnos. Um dia em que haviamos feito alto n'uma planicie nas margens da ribeira Génédie, entrou uma cobra de cascavel no nosso acampamen- to. Andava então comnosco um canadea- no que tocava flauta, e querendo diver- tir-nos avançou para a serpente com esta arma de nova especie. Na presença do inimigo a serpente ar- mou-se em espiral; achatou a cabeça di- latando as faces; contrahiu os beicos, deixando a descoberto os dentes veneno- sos e a bocca vermelha; a lingua bifen- dida agitava-se fóra da bocca; os olhos brilhavam como carvões ardentes ; de rai- va O corpo ora se erguia ora se abaixava á maneira d'um folle; a pelle dilatada e ericada d'escamas; a cauda produzindo som sinistro, oscillava com tal rapidez que mais se nos afigurava tenue vapor. Eis que o canadeano começa o concerto, e então a serpente faz um movimento de surpreza, recua a cabeça, e a bocca vae-se-lhe a pouco e pouco fechando. À medida que o effeito magico da musica se produzia no reptil os olhos perdiam o furor selvagem, as vibrações da cauda afrouxavam, e o ruido que toda ella fa- zia ia-se enfraquecendo e gradualmente extinguindo. Menos perpendicular sobre a linha es- piral, as dobras da serpente fascinada vão-se alargando e pouco a pouco vem descançar no solo formando circulos con- centricos; as escamas da pelle abaixan- do-se readquirem o brilho; e o reptil, voltando rapidamente a cabeça, fica im- SS e a e movel na posição de gostosamente es- cutar. O canadeano dá então alguns passos, tirando sempre da flauta sons brandos e monotonos, e o reptil abaixando o pescoço passa a cabeça atravez das hervas, e eil-o de rojo seguindo os passos do musico que o attrahe, parando quando elle pára, ar- rastando-se quando elle se afasta. Assim foi levada a cascavel para fóra do acampamento, á vista da multidão de espectadores, selvagens e europeus, que a custo podiam acreditar o que os olhos viam.» Na familia dos Crótalos comprehende- se outro genero d'ophidios, os Trigono- cephalos, cujo nome se deriva de tres palavras gregas que sigificam — cabeça com tres angulos. Teem as formas das cascaveis, com a cauda pontuda, mas sem as escamas corneas ou cascaveis. Uma das especies principaes é a que os francezes chamam serpente amarella das Antilhas ou vibora ferro de lança. Tem a cabeca volumosa, notavel por ser uma parte triangular, e os tres an- gulos occupados pelo focinho ec pelos olhos. De cada lado da maxilla superior vê-se um, ás vezes dois e mesmo tres dentes conductores do veneno. Atlinge por vezes esta serpente 2 metros. E' d'um amarello aurora. maculado de tri- gueiro e de negro, e com os flancos d'um vermelho vivo. Vive em parte das Antilhas, na Mar- linica, em Santa Luzia e n'uma pequena ilha perto de S. Vicente. Encontra-se de preferencia nas planta- cões de canna de assucar, e o seu ali- mento consta de reptis, aves, e principal- mente de pequenos mamiferos, taes como ratos, etc. O veneno dos trigonocephalos é quasi tão terrivel como o das cascaveis; a sua mordedura mata em maior ou menor tempo todos os animaes, ainda mesmo os de grande corporatura como o boi. A mordedura segue-se dôr violenta e in- chação da parte atacada. O corpo esfria e torna-se insensivel, o pulso e a respi- ração afrouxam, o cerebro perturba-se, sobrevindo o côma e tornando-se a pelle azulada. Dá-se n'esta especie uma circumstancia que a torna ainda mais temida: a sua fecundidade, pois tem-se encontrado no 392 MARAVILHAS DA CREAÇÃO corpo d'algumas femeas até sessenta fi- ! qual, como se devem lembrar, é habil lhos. Os accidentes repetidos de que são vi- ctimas os habitantes d'aquellas ilhas, prin- cipalmente os negros empregados na cul- tura da canna do assucar e os soldados da guarnição, teem levado a diligenciar obter um meio de destruir tão perni- cioso reptil. Entre outros parece que o mais efficaz seria acclimar-se o secretario, ou serpentario, ave de rapina de que falá- mos em tempo aos nossos leitores, a | em destruir toda a casta de serpentes, parecendo mesmo invulneravel ás suas mordeduras. A Sociedade de acclimação offerece premio a quem realisar a accli- mação d'aquella ave nas ilhas infestadas por estes ophidios. Do genero Trigonocephalus vivem no Brazil algumas especies, taes são as vul- garmente alli conhecidas por urutiús, su- rucucús, jararacas, jararacussús. Gr. n.º 495 — A serpente amarella das Antilhas (Trigonocephalus) OS BATRACHIOS OS BATRACHIOS Por muito tempo os batrachios fóram incluidos na mesma classe com os reptis, sendo certo, porém, que differem d'estes por muitas circumstancias da sua orga- nisação e que mais se aproximam dos peixes do que dos animaes hoje compre- hendidos na classe dos reptis. Nascem os batrachios com guelras como os peixes, unicos orgãos respiratorios que então possuem ; na primeira idade, pelas fórmas e no viver, e sob o ponto de vista physiologico são peixes. Antes, porém, de chegar á edade adulta, opera-se n'elles uma metamorphose essencial: adqui- rem pulmões, e a sua respiração feita até alli pelas guelras, orgãos que servem aos peixes para respirar o ar contido na agua, como já explicámos, passa a ser aeria como a dos animaes de que até aqui temos tratado. Os batrachios, pois, estabelecem a transição dos reptis para os peixes, mas separam-se de ambos o sufficiente, pelos seus caracteres e organisação, para for- mar uma classe particular dos verte- brados. Na introducção d'esta obra algumas palavras já dissemos ácerca da metamor- phose dos batrachios, e vamos agora com- pletar a descripção desta importante par- ticularidade da sua organisação. A meta- morphose d'estes animaes póde ser com- |! pleta ou incompleta. Completa, quando as guelras e a cauda desapparecem inteira- mente e os quatro membros se desenvol- vem; incompleta quando apparecem só dois membros ou nenhum, e a cauda | e as guelras permanecem no individuo adulto. Os batrachios saem do ovo sem simi- lhança nenhuma com os paes : são peque- nos e de corpo alongado, cabeça volu- mosa, privados de membros, cauda con- tinua e achatada propria para a natação, guelras de ambos os lados do pescoço, assimilhando-se finalmente aos peixes, e como elles vivendo constantemente na agua, encontrando-se em numerosa quan- tidade nas aguas estagnadas dos charcos. Chega, porém, uma época em que a transformação começa a operar-se: a cauda cae-lhe a pedaços; atrophiam-se- as guelras e fecham-se os orifícios d'es- tas, desenvolvendo-se os pulmões ; appa- recem os membros, e finalmente a me- tamorphose completa-se, ficando a sua organisação apta para outro modo de existencia. E” então que saindo da agua o batrachio pela primeira vez pisa o solo, mas sem nunca esquecer o elemento onde passou a infancia, pois é ainda na agua ou junto della que passará o resto da vida. A nossa gravura n.º 456, que repre- senta as metamorphoses do sapo, indica perfeitamente a fórma porque se opera a transformação do gyrinc, que assim se denominam os batrachios antes da me- tamorphose. N'alguns batrachios desenvolvem-se os pulmões persistindo por toda a vida as guelras e funccionando os dois orgãos, gozando estes animaes o privilegio de viver a seu bel-prazer no solo ou no fundo das aguas: são os verdadeiros amphibios. 356 A pelle dos batrachios é nua, e a der- me de natureza essencialmente mucosa, com numero consideravel de glandulas que vertem á superficie certo humor con- tendo um principio acre, e que em certas especies, taes como no sapo, na salaman- dra e no tritão, póde ser venenoso. D'aqui provém, justificando-se até certo ponto, a repulsão que estes animaes geralmente causam, pois é verdade que pela secreção cutanea certos Datrachios são veneno- sos, e por fraca que seja a acção dele- teria do veneno póde ainda actuar sobre alguns animaes. O veneno da salamandra e do sapo ino- culado n'uma rã suspende-lhe os movi- mentos do coração, e o da saramantiga actua nos musculos da vida da relação, exagerando-lhe os movimentos e tornan- do-os desordenados. O apparelho circulatorio dos batrachios depois da metamorphose é similhante ao dos reptis; tem um só ventriculo no co- ração e duas auriculas. A respiração pul- monar é pouco activa, e exerce-se em maior grau pela pelte ; alguns batrachios, taes como as rainetas e os sapos, absor- vem mais oxygenio por a pelle do que pe- los pulmões. MARAVILHAS DA CREAÇÃO Pode a fórma dos batrachios ser á si- milhança dos lagartos, como por exem- plo as salamandras ; outros assimilham-se aos ophidios, como se dá com as ceci- lius; outros, a maior parte, são despro- vidos de cauda e teem quaíro membros á maneira das rãs e dos sapos. São de fraca corporatura os batrachios em geral; mas certas especies exoticas excedem em tamanho as da Europa. Na America vivem rãs e sapos vigorosos bas- tante para atacar e devorar os patos pe- quenos, e existe no Japão uma salaman- dra cujo comprimento attinge aproxima- damente um metro. Já dissemos que os animaes da classe dos batrachios differiam na metamor- phose, e esta circumstancia serve para de- terminar a sua classificação, resultando que alguns autores — os que dos batra- chios formam uma classe, pois para ou- tros estes animaes são comprehendidos n'uma quarta ordem dos reptis; — di- videm os animaes vertebrados da classe dos batrachios em tres ordens a saber: | OS anures, os urodelos e os peromelos ou cecilidios. Gr. n.º 456 — Metamorphose do sapo ", os ovos unidos em forma de cordão — b, o gyrino no momento de sair do ovo— b' o gyrino maior que o natural para deixar ver as guelras aos lados da cabeça — c, o gyrino já sem guelras exteriores mas não tendo ainda membros — d, com cs membros posteriores— e, com os membros anteriores e posteriores — f, o corpo começa a perder a forma de gyrino para tomar o do individuo adulto — g, já pouco resta da cauda. BATRACHIOS ORDEM DOS ANURES Como o vocabulo anures indica, os batrachios d'esta ordem caracterisam-se pela falta de cauda depois da meta- morphose. Teem o corpo largo e exces- sivamente curto; a pelle nua e unida aos musculos e aos ossos só em deter- minadas partes do corpo; o pescoco não se distingue do tronco. São quatro os membros nos individuos adultos, des- eguaes em tamanho e grossura, sendo os posteriores muito maiores do que os an- teriores e mais vigorosos; a cabeça é achatada e larga; a bocca bastante ras- gada com a lingua carnuda ; os dentes fal- tam sempre na maxilla inferior, existindo na superior ou no ceo da bocca. A res- piração dos anures no estado perfeito é pulmonar. O gyrino dos anures, isto é, o animal antes da metamorphose, nasce do ovo com a cabeça muito grossa, confundindo- se com o ventre, respira por guelras, e o tronco continua-se pela cauda longa e comprimida que desapparece completa- mente logo que o animal alcança o seu perfeito desenvolvimento. De ordinario n'estes gyrinos os membros posteriores apparecem antes dos anteriores. Tratando das especies, diremos o que houver de mais interessante nos habitos d'estes batrachios, mencionando apenas por agora que os anures em geral vi- vem de preferencia nos sitios humidos ou na agua, alimentando-se os adultos de presas vivas: molluscos, insectos, crusta- ceos, vermes etc. Os autores dividem a ordem dos anu- 32 res em dois grupos: no primeiro incluem os que teem lingua, phaneroglossos, com- prehendendo tres familias, isto é, as rãs, rainetas e sapos. No segundo, os que carecem de lingua, aglossos, unidos n'uma só familia, os sapos pipas. Citaremos de cada familia algumas das especies principaes, occupando-nos ao mesmo tempo dos seus habitos e parti- cularidades do seu viver. A Rà Rana viridis et esculenta, de Linneo — La grenouills verte ou commune, dos francezes A familia das rãs comprehende os anu- res, tendo por caracteres geraes a maxilla superior armada de dentes, quatro dedos livres nas mãos e cinco nos pés unidos ou não por membranas. São animaes de fórmas airosas, ageis, de movimentos graciosos e destros, inof- fensivos, dignos finalmente de despertar o interesse pela sua metamorphose e con- formação singular; mas apezar de tantas circumstancias favoraveis, uma só desfa- voravel basta para que estes pequenos ba- trachios sejam temidos oudesprezados, e para muita gente motivo de repulsão : — a sua similhanca com o sapo. Se o sapo não existisse é provavel que a rá merecessse as boas graças do homem, quanto mais que, além de ser curioso ornamento dos tan- ques e lagoas pela sua attitude graciosa e flexibilidade dos movimentos, a carne da rã é tenra, muito branca e de sabor de- licado, um bom alimento, não obstante VOL. ti 358 ser pouco usado e geralmente desde- nhado no nosso paiz. «E iguaria pouco estimada, diz Figuier, mas injustamente, posso affirmal-o. Cozi- nhada à la poulette, a rã tem um sabor analogo á da creação muito nova.» ! Conhecem-se numerosas especies de rãs, espalhadas por todo o globo, que alguns erpetologistas elevam ao numero de cin- coenta e uma, mas das quaes apenas ci- taremos as seguintes como sendo as que vivem no nosso paiz. A rã da especie citada, genero Rana, de que existem muitas variedades differindo no tamanho eno colorido, é d'ordinario verde mais ou menos escuro na parte superior do corpo, irregularmente macu- lada de malhas trigueiras ou annegradas, com tres riscas amarellas no dorso, e branca ou amarellada na parte inferior MARAVILHAS DA CREAÇÃO do corpo. O comprimento medio d'este animal regula por 0”",20 medidos da extremidade do focinho á dos membros posteriores. Vive esta especie na Africa, na Asia € em grande parte da Europa, sendo muito commum em Portugal. E essencialmente aquatica esta rã, en- contrando-se nas aguas correntes ou esta- gnadas, principalmente nos sitios lodosos * Junto das plantas aquaticas. Alimenta-se de insectos, molluscos pequenos e ver- mes. Vive tambem no nosso paiz outra es- pecie, menos commum do que a ante- cedente, conhecida do mesmo modo pelo nome vulgar de rã, (rana tempora- ria de Linneo) grenouille rousse, dos fran- cezes. É ruiva, trigueira, pardaça ou es- verdeada, com malhas irregulares tri- Gr. n.º 457 — O sapo parteiro (alytes obstetricans) gueiras ou negras; na parte superior do corpo ; esbranquiçada, amarellada ou es- verdeada com malhas ou riscas vermelhas, amarellas, esverdeadas ou annegradas na 1 Nunca é de mais dar a conhecer o modo de preparar um bom prato, pouco dispendioso, e que generalisado póde augmentar os recursos da nossa alimentação; sendo certo que hoje em Paris se vendem enfiadas de rãs, havendo muita gente que ganha a vida com este commercio. Em seguida vae explicado o modo de preparar as rãs e de cozi- nhal-as à la poulette. Cortam-se abaixo das espadoas, aproveitando tamsómente Os quartos trazeiros, tira-se-lhes a pelle, lavam-se e deixam-se por algum tempo de molho em agua fresca. N'uma cassarola deita-se manteiga e farinha, levam-se ao lume as duas substancias misturando-se bem, e addiciona-se depois uma pouca d'agua, sal, pimenta, uma cebola e salsa, deixando ferver tudo a fogo brando durante um quarto de hora, Em seguida deitam-se as rãs preparadas pela fórma acima indicada, e depois de ferverem durante cinco minutos, junta-se-lhe gemma d'ovo batida e me- che-se. parte inferior. Variando no colorido tem por caracter constante os lados da cabeca, entre os olhos e a espadoa, ne- gros ou lrigueiros escuros. Esta especie vive nos sitios humidos, nos campos e nas vinhas, e ainda mesmo, de preferencia, nos logares cobertos de ve- getacão, entre o matto e nas florestas. Segundo as circumstancias abriga-se nos buracos que topa, sob as folhas seccas, ou mesmo debaixo d'algum monte de pedras. Chegada a epoca da reproducção busca a agua e alli faz a postura dos ovos; e no fundo dos charcos e das lagoas hibernam algumas, outras passam a estação rigo- rosa em cavidades longe da agua. Afóra estas duas especies europeas, e que habitam em Portugal, outra aqui se encontra que não deixaremos de mencio- nar pelo que de notavel teremos de re- BATRACHIOS — AS RÃS 399 ferir ácerca da sua reproducção. Vae re- presentada na nossa gravura n.º 457. E este batrachio conhecido no nosso paiz pelo no- me vulgar de sapo, embora pertença á fa- milia das rãs, genero Alytes. E" a especie alytes obstetricans Wa- gler, a que os francezes denomi ul- garmente crapaud accoucheur, notavel pelo corpo curto, massudo, analogo ao dos sapos, d'um pardo esverdeado ou atri- gueirado, com malhas pequenas anne- gradas ou arruivadas na parte superior do corpo, e na inferior esbranquicaão ou amarellado com pequenos salpicos escu- ros. Mede da cabeça ao anus 0,046 aproximadamente. Esta rã, de que nos occuparemos mais uma vez na seguinte descripção acerca dos habitos e modo de viver das rãs em geral, pelo que de interessante se nos of- ferece a dizer com respeito a este batra- chio, vive em quasi todos os pontos da Europa temperada, sendo muito commum em Portugal. Como dissemos, a rá vive segundo as especies na agua ou fóra d'ella, mas até mesmo as que habitam nos pantanos e charcos veem frequentes vezes a terra não só em busca d'alimento como tambem para se aquecerem aos raios do sol. E' vel-as então de corpo erguido, apoian- do-se nos membros anteriores, e descan- çando nas pernas trazeiras, a cabeca le- vantada, numa attitude realmente ele- gante e mais propria d'um animal de clas- se superior do que d'um mesquinho ha- bitante dos charcos e lameiros. Distinguem-se ainda asrãs de quasi to- dos os batrachios e mesmo dos reptis pela faculdade de grasnar, geralmente em côro, ouvindo-se nos dias de calor pela manhã e á noite; e o seu canto, que se pretende imitar pelas syllabas brekeken- koax, coax, embora triste e monotono, ouvido a distancia em noite de luar, tem realmente a nosso vêr seu tanto d'agrada- vel e mesmo de contemplativo. Não o entendiam, porém, desta sorte os antigos senhores feudaes, que, vivendo nos seus castellos cercados de fossos onde habitavam as rãs em numero considera- vel, impunham aos vassallos o dever de pela manhã e á noite bater a agua dos fossos, impedindo por este modo que o grasnar das rãs lhes fosse perturbar o somno. E” necessario accrescentar que só o ma- cho solta a voz sonora e ouvida a dis- tancia; ás femeas apenas se ouve um gru- nhido particular e pouco distincto. Alimentam-se as rãs de larvas, insectos aquaticos, vermes, pequenos molluscos, e especies ha, — á maneira da rana mu- giens que vive na America, nos arredores de New Yorck, e cujo comprimento attin- ge 0, 40 — que atacam tambem os peque- nos mamiferos e os peixes. Qualquer, po- rém, que seja a presa que se lhes depare, é mister que esteja viva. Espreitam-n'a, e quando lhes passa a calculada distancia arremessam-se vivamente sobre ella para a abocarem, deitando a lingua fóra da boca para R elhor se apoderarem da presa, ajudando-se do fluido viscoso que cobre este orgão. Vem a péllo dizer que a lingua da rã é mais ou menos livre na parte pos- terior e presa na frente, e que dobran- do-a para diante pode projectal-a mais ou menos fóra da bocca. Chegado o outono a rã cessa d'alimen- tar-se, e para se furtar aos rigores da es- tação invernosa trata de procurar abrigo enterrando-se profundamente na vasa, e para isso reune-se com outras, e ahi pas- sam todo o inverno em completo estado de entorpecimento, acontecendo por ve- zes permanecerem por muito tempo en- tre o gelo sem que a morte sobrevenha. Nos primeiros dias de primavera des- pertam do somno lethargico e começam a agitar-se, sendo então que se effectua a reunião dos sexos. A reprodueção d'estes animaes merece realmente ser descri- pta. O macho e a femea vivem por algum tempo unidos, ás vezes durante tres se- manas, e o macho principalmente acom- panha a femea para toda a parte para onde ella vae. Finalmente esta, depois de vio- lentas contracções abdominaes, comeca a postura dos ovos, e o macho auxilia o acto comprimindo-lhe o ventre com os membros dianteiros, e facultando a saida da numerosa progenie; ao tempo que os ovos vão saindo unidos uns aos outros por uma substancia viscosa e transparente, o macho fecunda-os regando-os com certo liquido que expulsa pelo anus. E” enorme a multiplicação d'estes ani- maes, pois a femea pode pôr annualmente de 600 a 1:200 ovos, e d'este modo procu- rou a natureza evitar a extincção da es- pecie, porque abandonados os ovos á su- perficie da agua é uma grande parte des- truida, não falando dos perigos que cor- 360 rem estes batrachios, no seu primeiro es- tado, victimas dos numerosos animaes aquaticos. Os ovos abandonados na agua vão ge- ralmente ao fundo e voltam á super. ficie, effectuando-se o desenvolvimen- to do germen sob a dupla influencia do liquido e do calor solar. Ao fim d'al- guns dias, mais ou menos segundo o ca- lor atmospherico, o gyrino rompe o invo- lucro do ovo, solta-se pouco depois do muco que o envolve, e livre nada na agua onde se completa o seu desenvolvimento. E' então o gyrino de fórma oval, confun- dindo-se a cabeça com o tronco, e a este continua-se a cauda grande e achatada aos lados; em ambos os lados da cabeça existem duas guelras em forma de pen- nacho. Prosegue o trabalho da sua organisa- ção, e passados quinze dias já se lhe di- visam os olhos e os rudimentos dos mem- bros anteriores, e depois de egual pe- riodo apparecem os posteriores; a cau- da começa a atrophiar-se a pouco e pou- |! co, de modo que tem desapparecido com- pletamente quando o animal chega ao seu perfeito desenvolvimento. O gyrino alimenta-se de pequenos ani- maes aquaticos e de vegetaes; o seu vi- ver é exclusivamente aqualico, e como os nossos leitores teem noticia, a sua or- ganisação differe muito da das rãs, pois o gyrino respira por guelras como o peixe, e a rã tem pulmões como os ani- maes superiores. As rãs mudam a pelle muitas vezes no anno. A interessante metamorphose dos anu- res pode ser observada por quem tenha a curiosidade de assistir a estes phenome- nos naturaes, seguindo dia a dia as admi- raveis modificações que fazem do gyrino uma rã. Basta no tempo proprio recolher os ovos que se encontram nos charcos onde habitualmente vivem estes batra- chios, e collocal-os com algumas her- vas aquaticas n'um aquario ou mesmo n'um vidro dos usados para peixes. E diversão a um tempo agradavel e ins- tructiva que aconselhamos aos nossos leitores. Resta-nos falar da fórma singular por- que se conduz o macho da rã, alytes obstetricans, por occasião da reproducção. Primeiro diremos que esta rã, pelos seus habitos nocturnos, é a menos facil de observar, conservando-se occulta du- rante o dia, só ou acompanhada, seja MARAVILHAS DA CREAÇÃO sob um monte de pedras, n'alguma cavi- dade natural, ou mesmo sob o solo. Chega a epoca da postura dos ovos, na primavera, e então o macho auxilia a fe- mea n aquelle acto apertando-a para que OS OVOS saiam mais facilmente, e á maneira que elles vão saindo em fórma de roza- rio, ae: uns aos outros por uma es- pecie de materia viscosa que endurece ao ar, vae-os enrolando em volta das coxas ficando assim solidamente ligados. Os ovos são amarellados, de casca um tanto resistente, tendo cada um o diametro d'um grão de milho, e a postura varía en- tre quarenta e sessenta. O pobre do marido assim carregado com a sua progenie, que mal lhe deixa livre os movimentos dos membros poste- riores, vae, o melhor que pode, aju- dando-se dos membros anteriores, oc- cultar-se sob o solo proximo d'algum charco, e por vezes a grande profundida- de. A femea livre a esse tempo da pro- genie e do marido vae procurar vida por onde melhor lhe convem. O macho conserva-se como que enter- rado vivo por alguns dias, os sufficientes para que os ovos alcancem, para assim dizer, um determinado grau de maturi- dade; e em seguida, saindo do seu escon- drijo, dirige-se para o charco mais proxi- mo e mergulha d'envolta com a familia. A materia que unia Os ovos, e que ao ar se tornara mais consistente, dissolve-se na agua, e então os ovos separam-se, resti- tuindo a liberdade ao atribulado pae, que desde essa hora nada mais tem que vêr com a sua descendencia. De cada ovo surgirá um gyrino, e a metamorphose executar-se-ha pelo modo que antecedentemente explicâmos. À este singular habito do alytes obstetricans deve elle o nome scientifico e tambem o vul- gar, crapaud accoucheur, dado pelos fran- cezes, que poderemos traduzir pelo de sapo parteiro. (Gr. n.º 457). A RAINETA Hyla viridis, de Laurenti — La rainette, dos francezes As especies comprehendidas na familia das rainetas distinguem-se principalmente das rãs pela existencia de pequenas placas sob os dedos, uma especie de ventosas, que dão ao animal a faculdade de se se- gurar a qualquer corpo por mais liso que seja e mesmo collocado verticalmente. Se- guram-se a qualquer ramo e a face infe- BATRACHIOS — AS RAINETAS rior d'uma folha d'arvore é-lhe sufficien- te ponto d'apoio. A raineta da especie citada, que vive na Europa, sendo mais commum nos paizes que avizinham o Mediterraneo, é frequente em Portugal. Encontra-se tam- bem na Asia Menor, no Egypto e na Barberia. Tem a parte superior do corpo d'um bello verde gaio, sendo a pelle lisa, com duas riscas estreitas e amarellas que par- tem de ambos os lados da cabeca e se di- rigem aos membros posteriores; e outras riscas similhantes nascendo no beiço su- perior prolongam-se até aos lados dos membros anteriores. A pelle da parte in- ferior do corpo é granulosa, esbranqui- cada ou amarellada. Mede 07,03 a 07,04 de comprimento. Conhecem-se trinta e quatro especies d'esta familia espalhadas pelo globo, uma unica na Europa, e vinte e quatro na America. No Brazil existe uma, a Hyla tinctoria, que se pode denominar a rai- neta de tingir, e a que os francezes dão o nome de rainette à tapirer. Conta-se d'esta raineta, que é d'um trigueiro amarellado por egual com duas riscas brancas aos lados do corpo, ser usada pelos selvagens para com o san- gue matizar a plumagem dos papagaios, pois segundo se diz arrancando-se as pen- nas a estas aves e esfregando-lhe a pelle com o sangue da raineta, as pennas cres- cem vermelhas ou amarellas. A raineta como vimos é mais pequena do que a rã, mas não lhe cede em genti- leza. De verão encontra-se nas folhas das arvores que vegetam nos sitios humidos, e o inverno, á imitação das rãs, passam-n'o no fundo das aguas d'onde apenas saem em maio depois da postura dos ovos. Em- quanto o sol brilha no horisonte conser- vam-se estes pequenos batrachios ao abri- go das folhas das arvores, mas ás horas do crepusculo vêem-se saltar de ramo em ramo, trepar ás arvores, balouçar-se nas folhas, dando provas de agilidade supe- rior á das rãs. Alimentam-se de pequenos insectos, vermes e molluscos sem con- cha, a que dão caça esperando-os durante longas horas immoveis no mesmo sitio. O grasnar da raineta é muito similhante ao da rã, podendo imitar-se pelas sylla- bas krac-krac pronunciadas da garganta, e ouvem-se de manhã e á tarde, prin- cipalmente no tempo de chuva ou nas noites serenas de luar. Ouve-se-lhe o canto 361 a grande distancia, pois desde que uma dá signal, tomam todas parte no concerto. 0 SAPO Bufo vulgaris, de Laurenti — Le crapaud commun, dos francezes Se as formas massudas e o todo repel- lente não fossem bastantes para distin- guir os individuos da familia dos sapos do resto dos anures, haveria como ca- racter principal a separal-os das rãs e das rainetas a falta de dentes. Tem o sapo a pelle rugosa, cabeça mais larga do que comprida, bocca ras- gada, olhos salientes; os membros são deseguaes, menos porém do que os da maioria dos anures; tem quatro dedos nos membros dianteiros e cinco nos tra- zeiros mais ou menos palmados. O sapo da especie citada é dum pardo esverdeado, arruivado ou trigueiro, com manchas mais ou menos visiveis, triguei- ras ou negras, e muitas vezes com salpi- cos vermelhos ou amarellos na parte su- perior do corpo. A parte inferior é es- branquiçada ou amarellada, riscada ou maculada de pardo ou de côr annegrada. Tem a pelle muito tuberculosa. Mede o sapo adulto, termo medio, de 07,08 a 07,10 do focinho ao anus. Esta especie é muito commum na Eu- ropa, e frequente em Portugal. E” o sapo mais nocturno do que diurno, e fóra da epoca da reproducção busca es- tar só, conservando-se isolado dos seus similhantes. Durante o dia, a não ser que o tempo esteja humido, conserva-se im- movel no seu escondrijo, sob uma pe- dra, nas fendas dos muros, n'alguma ca- vidade natural, ou mesmo nas que cava no solo. E' certo que por vezes se apro- xima das habitações, estabelecendo-se nas estrumeiras, nos subterraneos, ou nas par- tes humidas e sombrias dos mattos. Diz-se até que este animal se torna docil, e Pennant fala d'um que tendo estabele- cido a sua morada sob uma escada, se acostumára a ir todas as tardes, mal via a luz, á casa de jantar que ficava pro- xima da sua habitação, e alli permittindo que lhe pegassem e o collocassem sobre a mesa comia o que lhe davam ; e se al- gum dia se esqueciam de lhe offerecer logar á mesa, pela sua attitude parecia implorar que o não olvidassem. Viveu d'este modo trinta e seis annos, morrendo victima d'um corvo domestico que exis- tia na mesma casa. Quando o tempo está chuvoso, o solo molhado, ou a atmosphera impregnada de humidade, o sapo aproveita estas circumstancias para dar o seu passeio pelo campo ou ao longo das estradas, e é então que se pode observar a astucia deste animal que se finge morto á menor pancada que lhe déem. Deitado sobre o ventre, com as pernas estendidas, afigu- ra-se-nos morto; mas se o homem se esconde ou se afasta, e o sapo vê que o perigo passou, levanta-se tranquillamente e vae seu caminho. Se o deitam de costas volta-se como que involuntariamente para apresentar sempre ao inimigo a parte dorsal, que se cobre de certo humor venenoso, arma offensiva e defensiva do sapo. Se o que- MARAVILHAS DA CREAÇÃO rem apanhar vasa na mão que o segura o conteudo da bexiga urinaria. Muita gente tem o sapo por animal perigoso ; vejamos até que ponto é ver- dadeira esta asseveração. O sapo não morde, e não morde por uma razão das mais convincentes: porque não tem dentes; a urina é quasi tão inoffen- siva como a agua, áparte o nojo que ella possa causar ; resta a secreção produzida na pelle, e esta circumstancia, que até certo ponto explica o receio do contacto deste batrachio, é ainda assim exagerada em relação ao homem. Numerosas experiencias provam que o humor cutaneo dos batrachios pode en- venenar sendo introduzido directamente na circulação; sabe-se que a secreção do Gr. n.º 498 — O sapo sapo ordinario pode matar um mamifero, uma ave, um reptil, ou mesmo um pei- xe; mas é necessario que a dose inocu- lada seja sufficientemente forte e sempre proporcional ao tamanho do animal. Não possuindo o sapo, á imitação das serpen- tes, arma destinada a ferir e a introduzir o veneno na circulação, e sendo mister que a dose do veneno seja avultada e engu- lida ou inoculada para que possa tornar-se perigosa, resulta que qualquer pessoa que tiver na mão um sapo não soffrerá o me- nor damno, não podendo ser inoculado o veneno. Ainda mesmo que a mão te- nha uma pequena arranhadura, o veneno que por alli se pode introduzir não será sufficiente para occasionar accidentes peri- gosos, sendo bastante neste caso ou sempre que o sapo esteja em contacto com a pelle uma simples lavagem d'agua commum. Na reproducção os sapos não differem dos outros anures, e a femea põe os ovos, por vezes mais de mil, em forma de cor- dões, saindo dois ao mesmo tempo da cloaca, e excedendo cada um 1” de comprimento. Os ovos, na maior parte das vezes, ficam no fundo da agua pre- sos às plantas aquaticas. Dos ovos nas- cem em pouco tempo os gyrinos. que se- guem as mesmas phases dos das rãs. Se não fosse os numerosos accidentes a que está sujeito este animal desde o ovo até ao seu perfeito desenvolvimento, e mesmo a guerra que lhe movem depois de adulto, o numero dos sapos seria enorme attenta a sua vasta multiplica- ção. Ha ainda um facto curioso que não passaremos em silencio, tal é a faculdade que teem os ovos de conservar à sua força vital por longo tempo, aconte- BATRACHIOS — OS SAPOS 363 cendo que se o charco onde foram depo- sitados seccar, permanecendo alli ainda que seja annos, vindas as primeiras chu- vas podem nascer os gyrinos. O sapo como todos sabem é um ani- mal repellente, que ninguem vê com bons olhos, e a sua sentença de morte es- tá d'antemão lavrada, considerando-se to- dos com o direito de ser em qualquer oc- casião seus executores. Pois digamos que o sapo não é tão mau como o julgam, e que apezar da natureza o ter creado de aspecto tão desagradavel, é um animal util, que longe de merecer a morte pode ser aproveitado; que o digam os jardi- neiros inglezes conservando-os nos seus jardins, certos de que durante a noite elles se lhes avantajarão na destruição dos insectos e vermes nocivos, das lesmas por exemplo, que tantos estragos causam nas plantas. Um sapo cm Inglaterra paga-se aproximadamente por um schilling, ou 220 réis da nossa moeda. Na Hollanda mettem-se estes batrachios nas estufas, na certeza de que destroem os bichos de conta e outros animaes que alli damnifi- cam as plantas. A vida pouco activa do sapo é todavia persistente, e podem estes animaes viver por longo tempo encerrados em espaços Gr. n.º 459— 0 sapo agua € O sapo pipa limitadissimos, parecendo haver exemplos d'alguns que se conservaram desta sorte durante muitos mezes. à O SAPO PIPA Rana pipa, de Linneo—Le pipa d' Amerique, dos francezes Do genero Pipa existe uma unica es- pecie na America, encontrando-se na Guiana e n'algumas provincias do Brazil. O sapo pipa avantaja-se em hedion- dez ao nosso sapo, e as suas formas são das mais exoticas. A cabeça é achatada e triangular, separada do tronco pelo pes- coço muito curto, e tambem deprimido; o tronco é achatado e nos membros an- teriores tem quatro dedos completamente livres, tendo na extremidade de cada um pequenas digitações em forma de estrel- las; os dedos nos membros posteriores são cinco, completamente palmados. Tem os olhos muito pequenos e não tem lin- gua. E” trigueiro ou azeitonado na parte su- perior do corpo, e esbranquicçado na in- ferior, medindo O”, 16 de comprimento. O que principalmente faz d'este batra- chio um dos animaes mais notaveis é o modo de reproducção. —E' oviparo, mas não abandona os ovos como fazem os de- mais batrachios; quando a femea termina 364 a postura, o macho toma os ovos e espa- lha-os nas costas da sua companheira, para em seguida fecundal-os. A femea levando no dorso a sua futura progenie encaminha-se para um charco e ahi mergulha, desenvolvendo-se logo uma especie de inflammação erysipelosa na pelle em contacto com os ovos, e estes introduzem-se n'ella desapparecendo sob este tegumento. N'esta especie de cellu- las onde os ovos se encerram effectua-se o nascimento do animal, que alli se de- mora durante o periodo de gyrino, saindo só depois de completa a sua metamor- MARAVILHAS DA CREAÇÃO phose, quando a cauda já lhe desappa- receu completamente. Então a femea, livre já da progenie, abandona a sua residencia aquatica, onde se conservou até aquelle momento. À nossa gravura n.º 459 representa 0 sapo pipa, e com elle outra especie do ge- nero Bufo que vive tambem na America meridional. E' o bufo agua, de Latreille, que os francezes denominam crapaud d'agua, e que attinge 0”",30 de compri- mento. BATRACHIOS ORDEM DOS URODELOS O caracter constante que separa os uro- delos dos anures é a existencia da cauda mesmo depois da metamorphose, sendo esta no resto egual á dos batrachios que perdem a cauda. São os urodelos batrachios de corpo alongado, coberto de pelle nua mais ou menos verrugosa ou glandulosa ; pescoço na maioria das especies bem distincto ; cabeca mais ou menos achatada ; bocca pouco rasgada, armada de dentes nas maxillas e no ceo da bocca, tendo a lin- gua carnuda e curta; quatro ou dois mem- bros, cada par muito separado do outro, curtos de modo que lhe não permittem sal- tar, e só caminhar vagarosamente no solo, arrastando o ventre; podem ao inverso mover-se com a maior facilidade e rapi- dez na agua, onde de preferencia habi- tam. O modo de reproducção é analogo ao dos batrachios em geral, afóra algumas particularidades que mencionaremos ao falar das especies. São aproximadamente cem as especies comprehendidas na ordem dos urodelos, não se contando na Europa mais de 14 ou 15 bem distinctas, e das quaes só se conhecem desde tempos remotos as sa- lamandras. A classificação dos represen- tantes d'esta ordem varia muito segundo os autores, que mais geralmente dividem os urodelos em duas sub-ordens: os caducibranchios e os perennibranchios, os primeiros que perdem as guelras quando passam ao seu estado perfeito, e os se- gundos que conservam estes orgãos de respiração aquatica ainda mesmo depois da metamorphose. Na sub-ordem dos caducibranchios com- prchende-se uma familia unica, as sala- mandras, de que em seguida nos occu- paremos falando dos dois generos prin- cipaes, salamandras e tritões, e simulta- neamente das especies que vivem em Portugal. Na dos perennibranchios incluem- se os proteos, os axolotes e as sereias, generos pertencentes á America, existindo unicamente dos primeiros uma especie na Europa. A SALAMANDRA Salamandra maculosa, de Laurenti — La salamandré tachete, dos francezes As salamandras são conhecidas desde a mais remota antiguidade, e figuram em numerosos contos fabulosos attribuindo- se-lhes faculdades realmente assombrosas. Na edade media acreditou-se, e não sabe- mos se hoje ainda alguem toma a se- rio estas ficções, que a salamandra po- dia viver no meio do fogo, sendo como tal considerada incombustivel. Mas o gosto pelo sobrenatural não ficou por aqui : le- vou os escriptores d'aquelle tempo a af- firmar que o mais violento incendio se extinguiria lançando-lhe uma salaman- dra. Nos exorcismos das feiticeiras figurava sempre a salamandra; os poetas canta- vam-n'a como symbolo do valor; os pin- tores nos seus quadros allegoricos repre- 366 MARAVILHAS DA CREAÇÃO sentavam-n'a saindo incolume do mais aticado brazeiro. Foi mister que os naturalistas e escri- ptores modernos tomassem á sua conta provar pela experiencia quanto eram absurdos todos estes contos, e investigan- do-se o que teria dado causa a tal precon- ceito, apresenta-se como provavelo liquido segregado pelas glandulas que este animal tem sobre a nuca, que apparece em grande abundancia toda a vez que elle se irri- ta. De momento este humor acre e vis- coso póde diminuir a violencia do fogo em contacto com o corpo da salaman- dra; mas em breve, cessando a secreção, aquelle elemento continuará a sua obra de destruição por um momento inter- rompida, e a morte não se fará esperar. Não foram só estes os contos maravi- lhosos que vogaram acerca da salaman- dra; parece que a par de tão brilhantes faculdades outras se lhe attribuiam bem funestas. Plinio tinha este batrachio co- mo um dos mais perigosos pelo veneno que produzia, — «contaminando com o ve- neno quasi todos os vegetaes d'um paiz vasto, póde dar a morte a nações intei- ras». Vê-se pois que os antigos acredi- taram no veneno da salamandra, e di- ziam até que a sua mordedura era fa- tal como a da vibora. Observações feitas pelos peritos dão em resultado que a salamandra segre- ga, como o sapo, nas pustulas da pelle certo humor que é um veneno activo para os animaes, inoculado que seja na circulação, e experiencias feitas em aves, e em mamiferos taes como o porco da In- dia e o cabrito, deram em resultado a morte d'estes animaes. Com relação ao 6r. n.º 460 — A salamandra homem veja-se o que a tal respeito dis- semos tratando do sapo. Do genero Salamandra serve de epi- graphe a esta noticia a especie typo, que habita a Europa Central e Meri- dional, sendo commum no nosso paiz. Tem à cabeca achatada, olhos bastante | grandes, tronco espesso; quatro mem- bros, os anteriores com quatro dedos e mais curtos do que os posteriores que teem cinco; cauda arredondada, conica em todo o seu comprimento e terminan- do em ponta conica. Tem o corpo negro, verrugoso, com grandes malhas amarellas na cabeca, no dorso, nos flancos, nas pernas e na cauda. Mede 0,18 de comprimento total. Encontra-se nos logares sombrios e hu- midos, e junto de algum velho muro ou à sombra do arvoredo, de manhã ou á noite; conservando-se durante o dia nos seus escondrijos: a fenda d'um- muro, alguma galeria subterranea, ou simples- mente sob o abrigo que lhe fornecem o musgo ou as raizes das arvores. Quando o tempo ameaça chuva ou o solo está molhado é facil vel-a de dia, caminhando lentamente em cata dos vermes, dos molluscos e dos diversos animaes articu- lados que lhe servem de alimento. A salamandra só procura a agua na epoca da reproducção, e a femea que é ovovivipara põe os ovos soltos, saindo os pequenos no momento da postura ou pouco depois, sendo certo que a sala- mandra põe os ovos com intervallos e por vezes em sitios diversos, interval- los que podem prolongar a postura até vinte dias. Affirmam alguns autores que os pequenos não excedem dez ou | doze, outros que attingem de sessenta a ese e dois, dando uma media de trinta e cinco a quarenta. Nascem os pequenos com guelras, ai BATRACHIOS — À SARAMANTIGA 367 do quatro membros e uma barbatana caudal bastante larga; e dura quatro a cinco mezes a sua transformação com- pleta. Em outubro ou novembro, segundo a estação corre mais ou menos fria, a sa- lamandra retira-se para o quartel de in- verno, geralmente um buraco subter- raneo, e ahi aguarda que a primavera venha despertal-a do seu entorpecimento e permittir-lhe vida mais activa. Estes animaes possuem a faculdade de sup- portar longa abstinencia, podendo pro- longar-se por muitos mezes. A SARAMANTIGA Triton marmoratus, de Latreille—Le triton marbre, es dos francezes Pertence esta especie ao genero Triton, ou salamandras aquaticas, no nosso paiz representado por esta e por outra espe- cie vulgarmente conhecidas por sara- mantigas. Teem estes batrachios a cabeca mais larga que longa, comparativamente ele- vada; o focinho arredondado ; o corpo alongado, e coberto de pelle lanosa e ver- rugosa; a cauda que nas salamandras é arredondada e conica, nas saramantigas é achatada aos lados. O tronco é supe- riormente coberto por uma crista mem- branosa que se estende ao longo do dorso d'esde a cabeça até á extremidade da cauda, principalmente na época da reproducção. A saramantiga (Triton marmoratus) é na parte superior d'um bello verde, mais ou menos claro, com salpicos ou traços negros ou annegrados bem distinctos ; o lado inferior é trigueiro ou d'um par- do annegrado e salpicado de branco. À Gr. crista do macho é regularmente corta- “da de pequenas riscas d'um branco ro- sado, e nos dois sexos existe uma faxa prateada lateral em toda a cauda, prin- cipalmente na epoca dos. amores. Mede 0,”075 de comprimento total. Encontra-se na Europa e é commum no nosso paiz. A saramantiga (Triton palmatus), de pelle lisa, e notavel por terem os machos os cinco dedos dos membros posteriores palmados, é trigueira esverdeada ou ama- rellada clara, côr de azeitona ou loira, mais ou menos matisada de tons amarel- los ou doirados, principalmente nos flan- cos; a crista dorso-caudal é d'um pardo amarellado ou azeitonado sem manchas; a face inferior do corpo d'um branco prateado, mais ou menos lavado de amarello na garganta e no ventre. Mede 0,"074. E commum esta especie em Coimbra. As saramantigas vivem habitualmente n.º 461 — À saramantiga na agua, nos fossos ou pantanos, e nos sitios mais sombrios sob as pedras, en- tre a casca das arvores, debaixo do musgo, etc. São mais ageis no solo de que as salamandras, posto que não possam aqui viver por muito tempo. São essencialmente carnivoras, poden- do comtudo supportar longa abstinencia, e alimentam-se de moscas, insectos di- versos, dos ovos das rãs, e até mesmo dos urodelos, não lhes escapando até os proprios filhos. | As femeas põem os ovos soltos, em pequenos grupos, muitas vezes de um ou dois, sob as folhas das plantas aquaticas que para esse fim dobram com os mem- bros posteriores, sem que d'alli por diante se inquietem com a sorte da sua pro- genie. Os gyrinos, que por muito tem- po conservam as guelras, só nascem quinze dias depois e seguem as phases da sua metamorphose á maneira dos outros urodelos. (Grav. n.º 462) 368 MARAVILHAS DA CREAÇÃO Chegado o inverno procuram estes animaes abrigar-se, alguns na vasa do fundo das aguas, outros, principalmente os novos e por vezes as femeas, sob o musgo, n'alguma abertura do solo, ou ainda mesmo entre a casca das arvores, e ahi se conservam até á proxima prima- vera. Gr. n.º 462 — Desenvolvimento da samarantiga a, oovo — b, e, desenvolvimento do germen — b', c', as mesmas figuras maiores do que o natural — d, o gyrino no momento de sair do ovo — d', o mesmo maior — e, já com membros — f, nais perfeito, não tendo ainda perdido as guelras. Os batrachios, como dissemos, divi- dem-se n'uma terceira ordem, os perome- los ou cecilidios, formando uma familia unica, as cecilias, * batrachios com forma de serpentes e dos quaes pouco teremos a dizer. O corpo é arredondado, excessivamente comprido e sem membros, e por estes e outros caracteres teem estes animaes bastante analogia com os ophidios, e na ordem dos quaes muitos zoologos os in- cluem; mas a pelle viscosa, quasi nua, e outros caracteres os aproximam dos batrachios, principalmente a metamor- ! Encontrámos estes animaes designados pelo nome de ibicaras ou ibiaras como nomes vulgares que lhes dão no Brazil, mas não lhes garantimos a exactidão. phose que affirmam effectuar-se n'estes animaes. Das cecilias, de que se indicam cinco ou seis especies particulares á America Meridional e ás Indias Orientaes, a espe- cie mais conhecida é a ceciha lumbri- coide, que tem a bocca situada transver- salmente debaixo do focinho, medindo de comprimento total 0 "11 e de diame- tro 0,"07. E” d'um trigueiro azeitonado. Encontra-se em Surinam e outros pon- tos da America Meridional. Não são conhecidos os habitos d'estes animaes, mas pelas particularidades da sua conformação julgam os naturalistas que devem viver sob o (solo, de prefe- rencia nos sitios humidos. Ee PEIXES RS RIA S Como havemos praticado com as qua- tro classes dos vertebrados de que nos temos occupado n'esta obra, ao tratar da quinta e ultima classe, os peixes, diremos antes de tudo algumas palavras ácerca da sua organisação e funcções physiologicas. Os peixes, como todos sabem, vivem na agua, e consoante o seu modo de vida lhes deu a natureza conformação e orga- nisação especiaes. Apezar da variedade das suas fórmas, em geral são estes animaes oblongos e comprimidos latteralmente; não teem pescoço, e ao tronco segue-se im- mediatamente a cabeça. O esqueleto é osseo ou cartilaginoso : no primeiro caso formado de peças duras, verdadeiros ossos, mas sem o canal medular no inte- rior; no segundo as pecas que o com- põem são flexiveis e semi-transparentes. O corpo é coberto de pelle núa e em geral escamosa, e os membros existem nos peixes transformados em barbata- nas, orgãos adaptados á natação, e apoia- dos em muitos raios ou espinhos. Po- dem as barbatanas ser pares ou impa- res: as pares situadas aos lados do cor- po representam os membros; as duas que substituem os membros anterio- res chamam-se barbatanas peitoraes, e correspondem ao braco do homem e á aza da ave, e estão collocadas no tronco logo atraz da cabeça ; as outras duas que representam as pernas, situadas na parte posterior do corpo, denominam-se barba- tanas abdominaes. Umas vezes estes dois pares de barbatanas existem muito pro- ximos, outras muito afastados, e ha pei- es e xes que não teem barbatanas abdomi- naes, dando-se-lhe o nome de apodos. As barbatanas impares são tres: uma que existe na parte media do dorso a que se dá o nome de dorsal ; outra pro- xima do anus, a anal; e a terceira collo- cada verticalmente na extremidade da cauda, a caudal. Os peixes possuem um orgão especial considerado de grande auxilio na natação, a vesicula natatoria, uma especie de bolsa membranosa cheia de ar, situada no abdo- men sob a espinha dorsal, e que podendo ser dilatada ou comprimida pela acção das costellas, no primeiro caso enche-se de ar diminuindo o peso especifico do corpo e por consequencia permittindo ao peixe subir ; e no segundo augmentando o peso do corpo e podendo o peixe descer para o fundo da agua. Nas especies que só nadam profundamente ou vivem occul- tas na vasa, este orgão é muito pequeno ou não existe. A respiração dos peixes é branchial, isto é, executa-se por meio das guelras, orgãos respiratorios constantes n'estes animaes, e que pela superficie exterior recebem e absorvem o oxygenio do ar dissolvido na agua. São estes orgãos dºordinario cons- tituidos por laminas membranosas, dis- postas em series parallelas, á maneira dos dentes d'um pente. As guelras ficam quasi sempre occultas por laminas osseas ou cartilaginosas situadas aos lados da cabeca, que se abrem e fecham á maneira de valvulas, e que se denominam operculos. Vejamos o mechanismo da respiração 372 nos peixes. A agua penetra pela bocca pelo movimento de deglutição e chega ás guelras, pondo-se em contacto com a sua superficie e permittindo a absorpção do oxygenio do ar dissolvido na agua, como já dissemos, e em seguida sae pelos opér- culos. Como exemplo, ao alcance de to- dos, apresentamos os peixes que é uso ter em vidros e que poucos dos nossos lei- tores terão deixado de observar. O animal abre a bocca e os operculos alternada- mente, e estes dois movimentos conti- nuados representam a inspiração e a ex- piração. Durante o espaço em que as guelras estão em contacto com a agua, o sangue que circula n'este orgão abundantemente, e que lhe dá a côr vermelha que elle tem, combina-se chimicamente com o MARAVILHAS DA CREAÇÃO oxygenio contido no liquido, e o sangue deste modo é oxygenado e torna-se arte- rial. Digamos que o coração dos peixes, que fica perto das guelras, compõe-se só d'um ventriculo e d'uma auricula, correspon- dendo á metade direita do coração dos mamiferos e das aves. O sangue vindo de todas as partes do corpo entra no cora- ção, que o envia ás guelras, e ahi depois de oxygenado distribue-se pelo corpo sem voltar ao coração. Os peixes teem os olhos muito gran- des, enormes, se attendermos ao volume da cabeça, sem palpebras, e parece que estes animaes véem bem ao longe; os ouvidos, embora se não observem exte- riormente, existindo sómente o ouvido interno, permittem-lhe distinguir bem os Gr. n.º 463 — À perca do rio sons, e não ha pescador que ignore que para o bom resultado da pesca contri- bue o silencio. A bocca n'estes animaes varia de ta- manho, mas em geral é susceptivel de abrir-se largamente para facilitar a appre- hensão dos alimentos. Os peixes são carni- voros, devoram sem escolha outros mais pequenos, e algumas especies ha que se nutrem de vegetaes. A maior parte dos peixes teem dentes numerosos, em diver- sas partes da bocca, sem raizes, soldados aos ossos, existindo não só nas maxillas como tambem na lingua, nas fauces, no ceo da bocca e até na pharynge á entrada do esophago. A digestão é muito rapida n'estes animaes. Os vertebrados desta classe são geral- mente oviparos, e d'ordinario não teem o menor cuidado com os ovos; limitam- se a pól-os em sitio conveniente ao des- envolvimento do germen e abandonam-os, Citam-se, porém, alguns que construem verdadeiros ninhos, e ao tratar das espe- cies d'esta classe teremos occasião de nos referir a elles. Na maior parte das especies o macho e a femea que con- tribuem para a reproducção nem se co- nhecem. A multiplicação d'estes animaes é real- mente extraordinaria; a femea põe my- riades de ovos como se a natureza quizesse d'este modo evitar a extincção das especies, attentos os perigos que cor- rem não só os ovos, pois nas circumstan- cias em que são abandonados pela femea perde-se avultado numero, como tambem os pequenos cercados de innumeros peri- gos. A fecundação é feita pelos machos de- pois da postura, regando os ovos com o licor que expellem de si, produzido em duas grandes glandulas que corres- | pondem e tem a forma e o tamanho das ovas da femea, onde se alojam os ovos. Ha entre os peixes algumas especies, poucas, que são viviparas, isto é, nas quaes os pequenos se desenvolvem no ovario e saem vivos por um canal muito curto. O instincto dos peixes é pouco desen- volvido; e os meios de observação de que dispômos para bem conhecer estes animaes são escassos, não os podendo nós acompanhar no meio em que vivem. Pa- rece todavia que a voracidade insaciavel é o instincto dominante d'estes animaes, e d'alguma sorte o unico movel das suas acções, a não ser o furtar-se aos ataques dos inimigos. São muito limitadas as suas faculdades; parecem privados de certos sentimentos naturaes que são apa- nagio dos animaes das classes superiores, pois que, em geral, não só não conhecem os filhos, como até mesmo o macho póde não ter nunca visto a femea de que pro- veem os ovos que ha de fecundar. Os peixes vivem nos mares ou nos rios e nos lagos d'agua doce, e alguns ha que se encontram tanto no mar como nos rios. Andam uns a grande profundidade, outros quasi á superficie da agua, no alto mar ou proximo da costa. Não é possi- vel ter noções bem exactas acêrca da area de dispersão das especies, sabendo-se com- tudo que algumas são mais frequentes numas paragens do que n'outras, e mais numerosas nos mares dos climas quen- tes do que nos do Norte. O colorido da pelle dos peixes é bas- tante variado, havendo principalmente a notar a belleza dos matizes e a harmonia dos tons. Em muitos o oiro e a pra- ta casam-se com as mais bellas córes, e sobre fundo branco ou rosado vêem-se riscas e malhas d'um vermelho vivo, azul claras, ou amarellas. Estas brilhantes cô- res, porém, abandonam o animal tão de- pressa elle sae do meio em que vive, e não é possivel apreciar sufficientemente o bri- lho da pelle dos peixes nos individuos que observamos mortos. Parece que os peixes teem vida longa, e julga-se que alguns vivem centenas de annos, adquirindo enorme corpo- ratura. Diz-se que os salmões existentes no grande tanque de Fontainebleau alli vivem desde o reinado de Francisco 1, sendo hoje muito grandes, havendo-se tornado a pelle quasi branca. 33 OS PEIXES 373 Modernamente descobriu-se que o ho- mem podia obter a fecundação artificial dos peixes, e assim conseguir que estes ani- maes se multipliquem enormemente, evi- tando ao mesmo tempo que os ovos es- tejam sujeitos aos numerosos accidentes que destroem uma grande parte. Os salmões e as trutas, cujos ovos pelo* seu tamanho se prestam melhor a esta operação, podendo ser transportados para pontos muito distantes bem acondiciona- dos entre hervas humidas e encerrados em caixas, atrazando-se mesmo o desen- volvimento do germen se preciso fôr en- volvendo os ovos em gelo, teem podido ser acclimados em paizes onde não exis- tiam, ou appareciam em pequenas quan- tidades, insufficientes para satisfazer ás necessidades da alimentação publica. Para a Australia foram transportados ovos de salmão, e para os Estados Unidos teem sido enviados estes e os d'algumas espe- cies que alli não existiam, e hoje se mul- tiplicam n'aquelle paiz. Da China, paiz onde a piscicultura de ha muito attingiu grande perfeição, teem vindo para a Europa peixes exoticos, no- taveis pela sua singular conformação ou belleza das cores, e que aqui se teem multiplicado pela fecundação artificial. « A fecundação artificial, que hoje se pratica em larga escala, dando motivo a uma nova e importante industria, con- siste em obter os ovos no estado de ma- turidade, e regal-os com o licor do ma- cho para assim obter a sua fecundação. Toma-se uma celha d'agua pura deven- do ter a temperatura de + 3º a + 10º, e segurando-se a femea o mais perto pos- sivel da agua comprime-se-lhe o ventre para extrahir os ovos contidos no ovi- ducto. Feita esta operação larga-se a femea na agua, e tomando o macho pra- tica-se da mesma sorte, isto é, aperta-se- lhe brandamente o ventre para que o li- cor fecundante corra dentro da celha, e soltando-se o peixe agita-se suavemente a agua para que os ovos se ponham em contacto com o licor do macho. Para que os. peixes nascam dos ovos assim fecundados artificialmente collo- cam-se n'um apparelho especial de ver- gas ou vimes entrelaçados, sobre o qual corra sem cessar um fio d'agua, ou en- tão n'algum regato collocando os ovos nos interstícios das pedras ou do cascalho, e com este armando-lhe um abrigo. De- corrido o tempo necessario para o desen- voL, ill 374 volvimento do germen o peixe sae do ovo, e então fornece-se-lhe o alimento conve- niente e appropriado á primeira edade, para assim obter o seu mais rapido des- envolvimento» (L. Figuier). Como dissemos anteriormente, o esque- leto dos peixes é osseo ou cartilaginoso, e serve esta circumstancia para dividil-os em dois grupos ou sub-classes, isto é, pei- ves ossiferos e peixes cartilaginosos. Cuvier dividiu ainda estes dois grupos ou sub-classes em nove ordens, sendo seis para os peixes ossiferos e tres para os cartilaginosos, a saber: PeixES OSSIFEROS. — Acanthopterygios, malacopterygios abdominaes, malacoptery- gios sub-branchiaes, malacopterygios apo- dos, lophobranchios, e plectognates. Peixes CARTILAGINOSOS. — Esturianos, se- lacios, e cyclostomos. MARAVILHAS DA CREAÇÃO A ichthyologia, ou parte da Historia Na- tural que trata dos peixes, é sciencia vasta, ácerca da qual existem numerosas e importantes obras publicadas, bastando dizer que hoje se conhecem para mais de doze mil especies, repartidas por nume- - rosas familias. Segundo o methodo que adoptamos nesta obra, e acommodando-nos com a sua indole e curtas dimensões, dando noticia das grandes divisões, só seremos mais minuciosos na descripção das es- pecies, e d'estas occupar-nos-hemos prin- cipalmente das do nosso paiz e das es- trangeiras mais importantes, e cuja histo- ria se torne mais interessante pelos seus habitos, pela sua utilidade na industria, ou pela parte que tomam na nossa ali- mentação. ES PEIXES ORDEM DOS ACANTHOPTERYGIOS Os peixes comprehendidos n'esta or- dem, a mais numerosa de todas, distin- guem-se pela presença de raios espinho- sos nas barbatanas. A primeira parte da barbatana dorsal, ou a primeira dorsal completa quando ha duas, é mantida pe los raios espinhosos, havendo-os tambem nas barbatanas anaes, e pelo menos um em cada uma das abdominaes. D'aqui o vocabulo acanthopterygio, formado de duas palavras gregas que significam espinha e barbatana, e que se refere á circums- tancia de terem estes peixes raios firmes e agudos nas barbatanas, em quanto que outros os teem brandos e flexiveis, e por tal se denominam malacopterygios. A PERCA DOS RIOS Perca fluviatilis, de Linneo — La perche commune, dos francezes Do genero Perca occupamo-nos d'esta especie representada na nossa gravura n.º 463, como sendo a especie typo e um dos mais bellos e melhores peixes d'agua doce, conhecido de longa data e muito commum em França, em toda a Europa temperada e numa parte da Asia, não se sabendo que exista em Portugal. Tem o corpo oblongo e um pouco com- primido, estreitando para a cauda e para a cabeça de sorte que parece corcovado; duas barbatanas dorsaes separadas, com os raios da primeira espinhosos e os da se- gunda brandos, á excepção do primeiro que é espinhoso. A côr soffre alterações se- gundo as aguas em que vive; mas d'ordina- rio é d'um amarello mais ou menos doi- rado e esverdeado, passando a amarello mais claro nos flancos e a branco quasi baco no ventre; tem de uma a oito fa- xas annegradas no dorso, as barbatanas de côres variadas: pardas ou violaceas, malhadas de negro, amarellas esverdea- das ou avermelhadas, e a cauda d'um vermelho vivo. Mede regularmente de 07,45 a 07,50, postoque no Norte possa attingir 17,35, havendo a notar que o crescimento d'este animal accommoda-se á extensão da massa d'agua onde vive. De preferencia demo- ra-se nos sitios hervosos e pouco profun- dos, e só no inverno busca os sitios mais fundos, adiantando-se para o lado das nascentes dos rios e fugindo cuidadosa- mente da agua salgada. A perca é voraz e carniceira, pois ainda mesmo depois de saciada ataca novas pre- sas. Tem por armas as barbatanas, das quaes a primeira dorsal tem quinze raios espinhosos, fortes e agudos, que lhe ser- vem para a defesa e para o ataque. Ali- menta-se de insectos, peixes pequenos, vermes, gyrinos das rãs, arremessando-se á superficie da agua veloz como uma fre- cha para alcançar a presa. Desova no principio de maio e a sua multiplicação é realmente prodigiosa. Dois autores affirmam: o primeiro ha- ver contado duzentos e oitenta mil ovos n'uma perca de pequenas dimensões; o segundo perto d'um milhão. Tal fecun- didade tornaria de certo este animal muito mais frequente do que é realmente, se não fossem os numerosos accidentes que 370 se oppõem ao desenvolvimento dos ovos, e a destruição que lhe fazem certas aves aquaticas que habitam nos lagos e rios d'agua doce onde vive a perca. A femea põe os ovos presos uns aos outros por certa substancia viscosa, à maneira de longos rosarios, e prende-os ás pedras e ás plan- tas aquaticas. A carne da perca é rija, branca, de bom sabor e facil digestão, e tida em França, no dizer d'alguns gastronomos, como im- mediatamente inferior á da truta. O ROBALLO Labrax lupus, de Cuvier e Valenciennes—Te bar commun, dos francezes Esta especie do genero Labrax, e da familia das Percas, assimilha-se á perca MARAVILHAS DA CREAÇÃO dos rios, tendo todavia o corpo mais alongado e menos refeito, e duas bar- batanas dorsaes, tendo a primeira nove raios espinhosos e muito rijos, sendo os dois primeiros mais curtos, e a segunda doze ou treze, o primeiro dos quaes é mais curto e espinhoso e os restantes brandos. E" muito frequente no Mediterraneo e n'alguns rios que alli desaguam, e com- mum no nosso paiz. Apparece nos mer- cados de Lisboa e do Algarve todo o anno, encontrando-se em maior quantidade e attingindo fortes dimensões, 1” e 17,05, nos mezes de dezembro. ! A imitação das percas são estes peixes muito vorazes e carnivoros, e frequentam as costas e principalmente a foz dos rios, subindo-os por vezes a grande distancia. O roballo desova em maio e junho nas cos- Gr. n.º 464 — O roballo tas arenosas, e os ovos, muito numerosos, são d'um amarello desvanecido. Os individuos adultos teem a parte su- perior do corpo parda azulada, os flan- cos mais claros e o ventre prateado. Cada escama tem na superficie um ponto pra- teado, e do conjuncto resultam reflexos do mais bello effeito. Os novos são muitas vezes malhados de trigueiro. Mede d'or- dinario 07,50 de comprimento. A carne do roballo é muito boa, e já os antigos gregos e romanos a tinham em grande estima. Outras especies do genero Labrax en- contram-se na America e no Japão, vi- vendo nos rios de agua doce e no mar. O CANARIO DO MAR Anthias sacer, de Bloch — Le barbier, dos francezes Os individuos do genero Anthias, a que pertence esta especie, teem o corpo alto e comprimido ; uma unica barbatana dorsal com os raios anteriores espinhosos, o ter- ceiro com o dobro da altura dos outros e os restantes brandos. A cauda é muito aforquilhada e termina em dois longos filamentos. O canario do mar é de um bello ver- melho com reflexos metallicos, tendo os flancos doirados e o ventre prateado. Nas faces tem tres riscas amarelladas, e as 1 Na indicação das especies de peixes que vi- vem nos mares de Portugal, seus nomes vulgares e epocas em que apparecem nos nossos mercados, guiamo-nos pelo Catalogo dos Peixes de Portugal e artigos diversos publicados no Jornal da Acade- mia das Sciencias de Lisboa, trabalhos do mallo- grado naturalista portuguez Felix de Brito Capello, um dos mais zelosos e intelligentes cultores da 200- logia em Portugal, e que dos peixes fez o seu es- tudo predilecto, PEIXES —A GAROUPA, O MÉRO 377 barbatanas são amarellas matizadas de | n.º 465) tem o corpo alto e comprimido, cór de rosa na base. Mede 0,25 a 0,30. E” um dos mais bellos peixes do Me- diterraneo, e poucas vezes passa o estreito de Gibraltar em direcção ao Oceano, sen- do raro nos nossos mercados. A carne é pouco estimada. A GAROUPA Serranus cabrilla, de Cuvier e Valenciennes Le serran commun, dos francezes Sob o nome vulgar de garoupa conhe- cem-se no nosso paiz duas especies do ; genero Serranus, caracterisado por uma unica barbatana dorsal, com a parte an- terior espinhosa e a posterior branda, ter- minando os operculos em uma ou muitas pontas. A garoupa da especie citada (Grav. na parte superior d'um bello trigueiro esbatendo-se gradualmente nos flancos, em muitos individuos cortado de faxas transversaes mais escuras. Os flancos são d'um amarello avermelhado com duas ou tres faxas longitudinaes azuladas; o ventre amarellado, e nas faces tem um certo numero de faxas irregulares da mes- ma côr. As barbatanas imitam as córes geraes do tronco. Mede de 0,10 a 0,12 de comprimento. Este peixe é abundante no Mediterra- neo, habitando de preferencia entre os rochedos a curta distancia da costa. Apparece por vezes no Oceano, e é pou- co vulgar nos mercados do nosso paiz. Alimenta-se de peixes pequenos, crus- taceos e molluscos. A garoupa, serranus scriba, — outra Aê po AN ANN Gr. n.º 460 — À garoupa especie congenere da antecedente, que vive tambem no Mediterraneo e é abun- dante no nosso paiz, sendo a carne deli- cada e muito estimada nos mercados da Europa, — tem no focinho, nas faces e na cabeça riscas azuladas irregulares; o dorso avermelhado é cortado de faxas ver- ticaes d'um trigueiro escuro e o ventre é amarello; as barbatanas são d'um ama- rello ruivo malhado. Para os antigos estas duas especies eram notaveis por se julgar não haver n'ellas individuos machos; eram todos herma- phroditas. Como taes as descreve Cuvier, e parece que depende ainda de novas observações a affirmação ou rejeição deste singular caracter. O MÉRO Serranus gigas, de Cuvier e Valenciennes — Le mérou, dos francezes Além dos caracteres geraes das duas especies citadas, tem esta pequenas esca- mas na maxilla inferior, que faltam nas duas especies antecedentes em ambas as maxillas ; caracter que serve para distin- guir as garoupas do méro. Tem este peixe a parte superior do corpo trigueira avermelhada, com os flan- cos e o ventre mais claros; duas riscas amarellas desmaiadas atravessam-lhe de ordinario as faces, e as barbatanas são trigueiras. Mede geralmente 0,”"35, mas encontram-se individuos com 14”, Pesca-se em todas as costas do Medi- terraneo, e apparece no Oceano, indo até ao golfo da Gascunha. E' peixe de fun- dura, pouco vulgar no nosso paiz, e apa- 378 MARAVILHAS DA CREAÇÃO nha-se accidentalmente com os chernes | no ventre, levemente matizado de pardo. e congros. Os individuos novos teem algumas vezes Desova em fins de abril a principios | duas malhas trigueiras. As barbatanas são de maio. A carne é muito estimada. d'ordinario da côr do corpo, algumas ve- zes bordadas de branco, e principalmente O CHERNE a caudal. Medem alguns chernes até 2”. Alimenta-se de molluscos e especial- Polyprion cernium, de Cuvier e Valenciennes — Le cernier brun, dos francezes mente de perseves, encontrando-se-lhe tambem no estomago restos de peixes O cherne é um dos maiores peixes do | pequenos. Mediterraneo, frequentando tambem o A carne é tenra, branca e muito sa- Oceano, e abundante em toda a costa de | borosa. Portugal desde dezembro até março, e O OLHUDO raro no resto do anno. Tem o corpo curto, grosso e alto ; a Pomatopus be da ie pomatome telescope, cabeça deprimida e rugosa na parte su- perior ; uma unica barbatana dorsal, da Esta especie, pouco commum, deve o qual a parte anterior é pouco elevada e | nome vulgar de olhudo á grandeza des- formada de raios espinhosos, e a poste- | medida dos olhos, muito proximos um rior branda e bastante alta. do outro. Tem corpo alongado, cabeca E pardo mais ou menos escuro, mais des- | grande, duas barbatanas dorsaes bem se- vanecido nos flancos e passando a branco | paradas uma da outra, tendo a primeira CATA SPA Gr. n.º 466 — O peixe aranha os raios espinhosos, e a segunda brandos | cados. Tem aquella o corpo alongado, a á excepção do primeiro; a barbatana da ! cabeça rugosa e achatada na parte supe- cauda é muito desenvolvida. rior, os olhos muito juntos e a bocca rasga- O olhudo é d'um trigueiro violaceo com | da obliquamente; duas barbatanas dor- reflexos iriados, tendo as barbatanas mais | saes, sendo a primeira muito curta e a se- escuras do que o corpo e com reflexos aver- | gunda muito baixa e comprida; a bar- melhados. Mede quando muito 07,40 ou | batana anal é ainda um pouco mais longa 07,50 de comprimento. do que a segunda dorsal. Este peixe é raro no nosso paiz; é do O peixe aranha (trachinus draco) é d'um alto, e só accidentalmente se aproxima | pardo arruivado riscado em todo o corpo da costa. de escuro, quasi negro, e separados os A carne passa por ser excellente. traços por faxas azues ou d'um amarello claro. A parte superior da cabeca é parda escura, as lateraes amarellas claras, o ven- tre branco com reflexos amarellados; a primeira barbatana dorsal é matizada de negro, a segunda mais clara e a caudal es- cura mosqueada de amarello. Mede 07,35 de comprimento. O peixe aranha (trachinus vipera) é mais pequeno do que a especie antece- dente, pois raro é que exceda a 0",15, mas tem com ella grande analogia. E tri- O PEIXE ARANHA Trachinus draco, de Cuvier e Valenciennes — La vive commune, dos francezes No nosso paiz dá-se o nome de peixe aranha a duas especies do genero Tra- chinus, das quaes só a citada é de uso alimentario, não o sendo a outra, trachi- nus vipera, pela sua pequenez. À primeira é pouco vulgar, a segunda rara nos mer- DD > PEIXES —O MASCA TABACO, O SALMONETE gueiro amarellado nas partes superiores do corpo e o ventre branco; a primeira dorsal negra e as outras barbatanas tri- gueiras. Alimenta-se a primeira especie de pei- xes pequenos, crustaceos e molluscos ; a segunda, de insectos aquaticos e pequenos crustaceos. São estes peixes de fundura, habitando de preferencia nos fundos arenosos onde por vezes se enterram deixando ape- nas de fóra a cabeca. Este habito, dizem alguns autores, torna este peixe perigoso para os pescadores que carecem d'andar descalços na areia, e affirma-se mesmo que não é o primeiro banhista que tem sido ferido pelos raios espinhosos da barba- tana dorsal d'estes peixes. «Os pescadores lançam-n'o ao mar, diz F. Capello referindo-se ao trachinus vipera, assim que o vêem, e se por acaso escapa 379 algum nos barcos, ou apparece quando o arrastam, esmagam-no logo com pedras com receio de serem feridos pelos espi- nhos da dorsal, que produzem grandes dóres, segundo é constante entre elles.» Os francezes dão a estes peixes o nome de vives pela faculdade que teem de vi- ver por muito tempo fóra d'agua, po- dendo por consequencia ser transporta- dos a grande distancia. No começo do verão aproximam-se es- tes peixes das costas para desovar. O PAPA-TABACO OU MASCA-TABACO Uranoscopus scaber, de Cuvier e Valenciennes— L'uranos- cope vulgaire, dos francezes O caracter mais particular d'esta espe- cie é, como exprime o nome generico formado de duas palavras gregas ceo e eu vejo, ter os olhos collocados na parte su- Gr. n.º 467 — O masca-tabaco perior da cabeca e muito juntos, de mo- do que só pode ver para cima. O corpo é conico, a cabeca grande, rugosa, e guar- necida nas partes superiores de espinhos muito agudos, a bocca rasgada vertical- mente; tem duas barbatanas dorsaes, a primeira curta e formada de quatro ou cinco raios espinhosos, a segunda muito mais longa, tendo um raio espinhoso se- guido de quatorze brandos. » O masca-tabaco, nome que Capello diz ter este peixe no mercado de Lisboa, é d'um pardo atrigueirado, n'alguns sitios malhado de trigueiro, e as malhas re- unidas formam faxas longitudinaes. A pri- meira barbatana dorsal é negra, a segunda mais clara, e a caudal mais ou menos es- cura. Frequenta este peixe os fundos de vasa e hervosos, onde encontra em grande abundancia os peixes pequenos e os mol- lussos de que se alimenta. Posto que seja | um dos peixes mais feios, nem por isso a carne é completamente má: branca e por vezes muito rija, o gosto a lodo que quasi sempre tem torna-a pouco pro- curada. O SALMONETE Mullus surmiuletus, de Cuvier e Valenciennes — Le surmu- let, dos francczes, Os salmonetes, genero Mullus, teem o corpo alongado e sobre o redondo, a ca- beca curta, bocca pequena, dois barbi- lhões no extremo da maxilla inferior, duas barbatanas dorsaes muito separadas uma da outra, a primeira de forma trian- gular, resultado dos sete raios espinhosos de que é formada irem diminuindo d'al- tura gradualmente, a segunda menos ele- vada com um raio espinhoso seguido de oito brandos; a barbatana da cauda é muito aforquilhada. No nosso paiz conhecem-se duas espe- 380 cies de salmonetes, as duas unicas da Eu- ropa, a citada e o mullus barbatus, cele- bre desde tempos remotos. A primeira que vive no Oceano e no Mediterraneo é vulgarissima todo o anno no rio e costa de Setubal, e pouco com- mum em Lisboa. E” lindo este peixe, com o dorso e os flancos d'um bello vermelho assombreado, com riscas longitudinaes amarellas doi- radas e o ventre côr de rosa desvanecida. As barbatanas dorsaes são vermelhas la- vadas de amarello, e a caudal mais escura. Na epoca da desova, em maio, ganham estas córes em brilho. Mede este salmo- nete 07,35 a 0”,45 de comprimento. O mullus barbatus,—rouget barbet dos francezes — assimilha-se muito ao salmo- nete da especie antecedente, distinguin- MARAVILHAS DA CREAÇÃO do-se pela cabeça mais vertical ; na frente pelos barbilhões mais longos, e pela cór vermelha mais viva, mais acarminada, apresentando os mais bellos cambiantes, e sem as riscas amarellas da especie aci- ma descripta. Encontra-se abundante no Mediterraneo e no Oceano, sendo vulgar em Setubal. Esta especie foi dos antigos roma- nos a mais estimada, tanto pela delicadeza da carne como pelo colorido, e para aquelle povo o salmonete era n'aquella epoca um motivo de ostentação; para possuil-os em viveiros gastavam-se quan- tias enormes. O valor crescia extraor- dinariamente segundo o tamanho, e no dizer de Plinio o salmonete ordinario pesava duas libras, e apresental-o já era luxo; pesando tres libras era motivo de Gr. n.º 468 — O salmonete (mullus barbats) admiração e prova da opulencia do am- phitrião; um salmonete, porém, de qua- tro libras tinha-se por um prato verda- deiramente ruinoso. Séneca conta a historia d'um salmo- nete apresentado a Tiberio, salmonete que pesava quatro libras e meia, e que sendo por este enviado ao mercado, o celebre gastronomo Apicio e Octavio disputaram a sua posse, sendo entregue ao segun- do pela quantia de 5:000 sestercios, ou aproximadamente 1758000 réis da nossa moeda. Juvenal cita um destes pei- xes vendido por 6:000 sestercios e pe- sando seis libras; e finalmente Suetonio fala de tres vendidos por 30.000 sestercios (1:0508000), causa das leis sumptuarias promulgadas por Tiberio, taxando os co- mestiveis expostos nos mercados. Varrão conta tambem que Hortensius, o rival de Cicero, possuia nas suas pisci- nas avultado numero de salmonetes, que por meio de tubos vinham dar á sala de jantar, e expostos á vista dos seus con- vivas podiam estes gozar as alterações que no bello colorido do peixe causava a as- phyxia lenta e dolorosa que precedia a morte do animal. Os salmonetes alimentam-se de pequenos crustaceos, molluscos e vermes do mar, viajando em cardumes ao longo das costas. Nos mares da America e das Indias vi- vem aproximadamente vinte especies de salmonetes, todas notaveis pela opulen- cia do colorido e na maior parte estima- das pela sua excellente carne. O ROCAZ OU RASCASSO . Scorpaena scrofa, de Cuvier e Valenciennes — La grande scorpene, dos francezes. Do genero Scorpaena temos a mencio- nar duas especies, a citada e o requeime PEIXES — O REQUEIME PRETO, A GALLINHA DO MAR 381 preto de que em seguida nos occupare- mos. Teem os peixes d'este genero a cabeça larga e comprimida, sem escamas aos la- dos, e armada d'espinhos e appendices car- nudos ; O corpo grosso, a bocca muito ras- gada. O rocaz tem a barbatana dorsal muito longa, sendo a sua maior altura no ter- ceiro raio espinhoso, e tendo doze d'estes raios, seguidos de nove brandos. As bar- batanas peitoraes são muito largas e a da cauda arredondada. E vermelho com malhas mais escuras ou brancas em certos sitios, tendo-as tam- bem mais pequenas nas barbatanas, e só as abdominaes são côr de rosa, bem co- mo o espaço comprehendido entre as peitoraes e a parte inferior da cabeça. As barbatanas peitoraes são por vezes par- das. Pode attingir 07,35 a 07,40 de com- primento. Este peixe, muito abundante no Medi- terraneo, onde vive em cardumes numero- sos, e menos frequente no Oceano, é vul- gar no nosso paiz, posto que pouco abundante, apparecendo no inverno com as gallinhas do mar. É para temer este peixe e o da especie em seguida descripta, sua congenere, pe- los espinhos que lhes eriçam o corpo, cau- sando feridas bastante dolorosas. A carne do rocaz é boa, mas por vezes dura, e outr'ora attribuiam-lhe a proprie- dade de curar a pedra da bexiga ou dos rins. Gr. n.º 469 — O rocaz ou rascasso O REQUEIME PRETO Scorpaena porcus, de Cuvier e Valenciennes—La scorpéne brune, dos francezes Este peixe, congenere do antecedente, é muito mais pequeno do que elle; os olhos são grandes, e os appendices car- nudos, situados sobre elles. no focinho e aos lados, são menos numerosos do que no rocaz. Dislingue-se d'este principal- mente na cór. Tem o dorso quasi sempre trigueiro maculado de negro ; o ventre branco com reflexos avermelhados ; as barbatanas la- vadas de amarello ou matizadas de côr de rosa, sendo as peitoraes mais escuras. Esta especie, que vive tambem no Me- diterraneo, tem sido pescada nas costas da America proximo de New-Yorck, e sendo pouco vulgar em Lisboa, appare- ce todo o anno em Setubal, posto que em pequena quantidade. Na America e no mar das Indias vi- vem numerosas especies congeneres d'esta e da antecedente. A GALLINHA DO MAR Sebastes imperialis, "de Cuvier e Valenciennes — Le sébaste imperiale, dos francezes Do genero Sebastes menciona Brito Ca- pello quatro especies de Portugal, appa- recendo só no inverno e sendo raras nas outras estações. Teem estes peixes a ca- beca larga, comprimida, armada de espi- nhos, em menor quantidade porém do que os rocazes, coberta de escamas e sem appendices cutaneos. A unica barbatana dorsal tem os raios anteriores espinhosos e os posteriores brandos. 382 A gallinha do mar é vermelha, com malhas trigueiras formando em certos in- dividuos cinco faxas transversaes ; os flan- cos são mais claros e o ventre branco. A carne da gallinha do mar é medio- cremente estimada. Nos mares do Norte vive uma especie d'estes peixes, attingindo a mais de 0",65, vermelha, e cuja carne fornece aos esqui- maus apreciado alimento; no dizer de Cuvier, dos raios espinhosos muito ri- jos das barbatanas fabricam aquelles po- vos agulhas. O BEBO OU BEBEDO Trigla cuculus, de Cuvier e Valenciennes — Le grondin, dos francezes Do genero Trigla conhecem-se quinze especies, vivendo algumas nos mares da Europa, principalmente no Mediter- raneo, e outras nos mares das Indias. No nosso paiz conhecem-se sete, e tan- tas são as citadas por Brito Capello no seu catalogo. Os peixes d'este genero teem a cabeca bastante desenvolvida, mais ou menos achatada na região facial, aspera ao ta- cto e armada de espinhos mais ou menos rijos; o corpo é escamoso, teem duas bar- batanas dorsaes, e as peitoraes muito grandes. O bebo tem o corpo irregularmente ar- redondado, adelgaçando-se a partir da base da barbatana anal, muito analogo na for- ma ao ruivo, — peixe bastante conhecido e seu congenere, de que em seguida tra- taremos; tem a cabeça angulosa e ru- gosa em toda a superficie; duas bar- batanas dorsaes, sendo a primeira muito alta e pouco longa, formada de nove raios espinhosos dos quaes o segundo é o maior; a segunda dorsal, mais baixa e alongada, tem dezoito raios brandos. A cabeca, o dorso e os flancos do bebo são dum lindo vermelho vivo, tendo as partes inferiores dos flancos e o ventre | brancos. As barbatanas dorsaes e a cau- dal são côr de zarcão, as peitoraes am arellas, as abdominaes côr de rosa, a anal d'um branco de leite na base e ma- tizada d'amarello na borda. Mede 07,25 a 07,30 de comprimento. Vive no Mediterraneo, no Atlantico e tambem no mar do Norte; sendo pouco vulgar em Lisboa, apparece em Setubal todo o anno, posto que em pequena quan- MARAVILHAS DA CREAÇÃO tidade. Nos mezes de maio e junho aproxi- ma-se das praias para effectuar a desova. Alimenta-se de molluscos, crustaceos e peixes pequenos; a carne é excellente, rija e de sabor delicado. Diz-se que este peixe ao ser tirado da agua solta certos sons que se assimilham ao grito do cuco, e d'aqui lhe provém o seu nome especifico cuculus. Conhecido em Lisboa com o mesmo no- me de bebo, ou bebedo, e aqui pouco vul- gar, mas no Algarve appellidado ruivo, existe outro peixe, trigla lineata de Lin- neo, o trigle camard dos francezes, que attinge por vezes 07,40 de comprimento. Tem a cabeça mais curta do que a especie antecedente, o perfil mais verti- cal, as barbatanas peitoraes mais lar- gas. E dum vermelho brilhante por egual á excepção do ventre que é bran- co, e na região dorsal tem pequenas man- chas negras. As barbatanas peitoraes são semeadas de malhas azues formando qua- tro ou cinco series transversaes. O RUIVO OU CABAÇO Trigla hirundo, de Cuvier e Valenciennes — Le trigle hirondelle, dos francezes O ruivo, congenere do bebo, parece-se muito com o da primeira especie des- cripta, trigla cuculus, differindo todavia na cabeca mais achatada, nos olhos mais separados; as barbatanas peiloraes são muito mais desenvolvidas, e tanto que d'aqui lhe provém o nome especifico hi- rundo (andorinha), pela similhança que tem com duas azas pequenas. Tem o dorso, os flancos, as barbata- nas dorsaes ce a caudal vermelhas triguei- ras, côr que vae esmorecendo a partir do meio dos flancos, e o ventre bran- co; as barbatanas peitoraes são matizadas d'azul na face externa. E” maior do que o bebo, attingindo alguns individuos 0”,70. (Grav. n.º 470). Vive no Mediterraneo, no Oceano Atlan- tico, na Mancha, no mar do Norte e no Baltico; em Portugal é vulgar e abun- dante, apparecendo todo o anno. E” peixe de fundura, e é raro vêl-o á superficie, alimentando-se de molluscos, crustaceos e peixes pequenos. Conhecidas tambem sob o nome vul- gar de ruivos, apparecem nos nossos mer- cados outras duas especies do genero PEIXES — O RUIVO, A CABRA, O EMPRENHADOR Trigla, — trigla obscura, Linneo, e trigla poeciloptera, Cuvier e Valenciennes. A primeira tem por caracteres espe- ciaes o focinho armado de dois espinhos na extremidade, e do operculo á barba- tana caudal corre-lhe uma faxa de placas mais altas do que largas. E” d'um vermelho desvanecido, esmore- cendo nos flancos, e a região abdominal d'um branco amarellado. E' muito commum no Mediterraneo, e vulgar nos mares de Portugal. O ruivo trigla poeciloptera, a que os francezes denominam petit perlon, é a mais pequena das especies do genero Trigla, e encontra-se no Atlantico, sendo vulgar em Portugal no verão, deixando de apparecer nas outras estações. Tem a cabeça larga e achatada no alto, uma linha de espinhos a partir do foci- 383 nho até ao olho; tendo-os tambem sobre os olhos, na extremidade do focinho, e mesmo no corpo se lhe encontram, em cima das barbatanas peitoraes, e uma serie d'elles na base das duas dorsaes. Das duas barbatanas dorsaes, a primeira é mais alta e triangular, a segunda se- gue-a a curta distancia. Tem o dorso vermelho trigueiro com reflexos doirados nos flancos, e o ventre branco. As barbatanas são avermelhadas, e n'alguns individuos a segunda dorsal e a caudal matizadas de côr de violeta. A CABRA OU CABRINHA Trigla lyra, de Linneo — Le trigle lyre, dos francezes Est'outra especie do genero Trigla é no nosso paiz vulgar e abundante no ve- rão, apparecendo em menos quantidade Gr. todo o resto do anno. Tem este peixe a ca- beça grande e um tanto arredondada na parte superior; o focinho fendido na extremidade apresenta de cada lado uma “Saliencia achatada nas bordas; o corpo diminuindo de espessura desde a cabeça até á base da barbatana caudal é n'esta parte muito estreito. Tem nove raios na primeira barbatana dorsal, e dezeseis na segunda. A cabeça, o dorso e os flancos d'este peixe são d'um bello vermelho, e o ven- tre branco. As barbatanas superiores imi- tam a côr do corpo, as abdominaes e a anal são desvanecidas. O EMPRENHADOR Irigla gurnardus, de Lianeo. — Le trigle gourneau, dos francezes Este peixe, tambem congenere do ruivo, Dn DS e tt (e e e e n.º 470 — O ruivo tem muita similhanca com a especie que acabamos de descrever, e egualmente com o bebo, differindo d'este por ter a bocca maior e a cabeca menos ele- vada. E” nas partes superiores do corpo e nos lados d'um pardo esverdeado ou atriguei rado, com pequenas malhas brancas nos flancos; o ventre é prateado ou apre- senta reflexos amarellos. Tem as barba- tanas pardacas ou matizadas de trigueiro. O emprenhador é commum no Medi- terraneo e no Oceano Atlantico, sendo raro nos nossos mercados; anda em car- dumes vindo por vezes em numero consideravel á superficie da agua, nã? obstante ser peixe de fundura. A carne é branca e rija, mas este peixe é pouco estimado pela sua pequenez, 384 O PEIXE VOADOR Trigla volitans, de Linneo. — Le dactyloptêre volant, dus francezes Os peixes do genero Dactylopterus são conhecidos de longa data pelas narrações dos navegantes, e denominados peixes voa- dores pela faculdade que teem de se elevar a um ou dois metros fóra d'agua e per- correr d'esta sorte algumas centenas de metros, sem todavia poderem mudar de direcção, pois as barbatanas de raios muito longos e em fórma d'azas que es- tes peixes teem abaixo das barbatanas peitoraes, apenas lhes servem de para-que- das quando saltam fóra d'agua. O corpo tem analogia com o dos peixes do ge- nero Trigla que acabámos de descrever, MARAVILHAS DA CREAÇÃO o ruivo, o bebo etc.; mas a cabeça é mais achatada, dura e ossuda, o focinho muito curto, a bocca pequena e rasgada por baixo, sendo a maxilla superior mais longa do que a inferior. A especie acima citada é muito com- mum no Mediterranec, encontrando-se no Oceano Atlantico, no mar das Anli- lhas e no Brazil. Não a vemos mencionada no catalogo dos peixes de Portugal, sendo certo que ella é muito abundante, mas apparece raras vezes nos mercados pela má qualidade da carne. Tem a parte superior do corpo d'um trigueiro mais ou menos escuro, por vc- zes com reflexos violaceos; os flancos vermelhos e o ventre côr de rosa. As bar- batanas peitoraes que lhe servem d'azas 6r. n.º 471 — O peixe voador são d'um verde annegrado malhado de azul. Mede 0,35 de comprimento. Por vezes vêem-se cardumes d'estes ani- maes clevarem-se acima das ondas, perse- guidos pelos peixes carniceiros, taes co- mo as doiradas, que veem em sua per- seguição; mas fugindo d'estes acontece exporem-se aos ataques das numerosas aves maritimas, as fragatas, e os albatro- zes, que d'elles se alimentam e lhes dão caça, e assim aos miseros sobram ini- migos em qualquer dos elementos onde se encontrem. Ainda assim pela destreza e agilidade com que passam d'um ele- mento a outro, nadando ou voando, con- seguem furtar-se por vezes aos ataques dos seus inimigos. À nossa gravura n.º 471 representa uma especie dos peixes voadores do mar das Indias, que muito pouco differe nas for- mas do da Europa, e só nas côres, pois é trigueiro doirado na parte superior do corpo e esbranquiçado por baixo. O ESGANAGATA Gasterosteus brachycentrs, de Cuvier e Valenciennes—Le épinoche à courte épine, dos francezes Vamos occupar-nos presentemente de um genero de peixes, Gasterosteus, com- prehendendo avultado numero de espe- cies d'agua doce e uma que vive no mar. No nosso paiz só se conhece até hoje a especie citada, que se encontra em Se- tubal onde a denominam vulgarmente esganagata, apparecendo tambem no Mon- dego; e a que vive no mar. São muito pequenos, estes peixes, geral PEIXES — O ESGANAGATA 385 mente de 07,07 ou 07,08, não excedendo os maiores 0,10. Teem o corpo alongado e comprimido lateralmente, diminuindo de espessura da cabeça para a cauda; a cabeça lisa, sem espinhos ; olhos gran- des, duas barbatanas dorsaes, a primeira das quaes é formada de raios espinhosos separados uns dos outros e a segunda de raios flexiveis ligados entre si por uma membrana. As abdominaes reduzem-se a um espinho unico, rijo e agudo. No dorso teem placas osseas nas quaes se articula um certo numero de espinhos que o ani- malsinho só ergue se o atacam. Distin- guem-se principalmente as diversas espe- cies pelo numero de raios espinhosos soltos que teem na primeira barbatana dorsal, e a especie que se enconira em Portugal tem tres. E' em geral esverdeado por cima, pra- teado nos flancos, sendo o macho e a fe- mea similhantes no colorido durante o inverno; mas na primavera o primeiro ostenta as mais lindas córes: o azul, o vermelho e o oiro matizam o corpo d'estes peixes. E” a epoca das nupcias a epoca da sua nidificação, pois os peixes de que actual- mente nos occupamos fazem ninho á imi- tação das aves, com a differença, porém, que é o macho que se encarrega da sua construcção, para abrigo dos ovos que a femea alli deve pôr. Estes animaes, abundantes nos rios, nas ribeiras, nas aguas estagnadas dos charcos, teem dado ensejo a que muitos observadores lhes hajam podido estudar os habitos, descortinando no seu viver ac fr. n.º 472 — A femea do esganagata no ninho tos que motivam a admiração de quan- tos os conhecem. São dotados de grande agilidade, e dão saltos fóra d'agua a 0,35 d'altura ; armados d'espinhos agudos, distribuidos por diversas partes do corpo, não re- ceiam inimigos de maior corporatura, e por vezes dão-lhe batalha, lutando tam- bem entre si. Dão caça aos vermes aqua- ticos, aos insectos, aos molluscos sem concha ; devoram tambem os ovos dos peixes, não escapando mesmo os indivi- duos recemnascidos da sua especie, pois é enorme a voracidade d'estes peixes: certo naturalista falla de um, ao qual viu devorar em 5 horas 74 peixes pe- quenos de 07,007 a 07,008. Em certos pontos da Europa abundam tanto estes peixes, que são apanhados em grande quantidade para estrumar as terras, e tambem, diz-se, para sustento dos porcos. Não se aproveitam em geral para alimentação do homem pela sua peque- nez e muitas espinhas, posto que a carne seja boa, e possa fazer-se com estes pei- xes um excellente e saboroso caldo. Resta-n'os falar da nidificação destes peixes, a mais curiosa e interessante par- ticularidade do seu viver, e vamos satis- fazer a esta parte da nossa descripção transcrevendo o que a tal respeito escre- veu L. Figuier no seu livro Os Peixes. «No começo de junho o macho busca sitio asado á construcção do ninho, e depois de definitivamente escolhido, escarva na vasa uma pequena cavidade, etransportan- do para alli despojos de plantas aquaticas, indo por vezes buscal-os a distancia, forma com elles uma especie de tapete. Como seria facil que a corrente d'agua lhe le- vasse os materiaes que compõem a pri- meira parte do edificio, tem a prevenção 386 MARAVILHAS DA CREAÇÃO de tomar uma porção dºareia na bocca e colloca-a sobre as hervas. Em seguida, para que estes materiaes adquiram maior consistencia calca-os com o corpo, ligan- do-os com o muco que este transsuda ; e para verificar que tudo está solidamente unido, move rapidamente as barbatanas agitando a agua emvolta do ninho e se observa que alguma hastesinha se des- prende, volta novamente a calcal-o com o focinho, alisando-o, e com auxilio do muco da pelle solidifica aquella parte. Estando as coisas n'este estado, o nosso pequeno architecto, digno rival das fe- meas das aves, trata d'escolher materiaes mais solidos, taes como raizes e hastes, que prende no interior ou á superficie da sua primeira construcção, collocan- do -as todas na mesma direcção longitu- dinal, de sorte que as duas extremida- des correspondam mais tarde uma á en- | trada e a outra á saida do ninho. Formado assim o sobrado e as pare- des lateraes do edificio, resta a cobertu- ra, que o peixe construe dos mesmos ma- teriaes e seguindo egual processo, tendo o cuidado de deixar uma abertura con- venientemente preparada em volta, artis- ticamente unida e fixada com o humor que a pelle segrega. O ninho assim construido tem a fórma d'uma abobada arredondada, de 0,10 aproximadamente de diametro, com uma só abertura, a que o macho ou a femea em breve abre segunda, furando o ninho de lado a lado. O que fica dito refere-se a um certo numero d'especies (entre as quaes se inclue a esganagata), pois outras mais pequenas que differem em certos caracteres de que não fazemos aqui men- ção, não construem os ninhos na vasa, suspendem-n'os aos ramos dos vegetaes aquaticos, tomando as maiores precau- cões para occultal-os. O macho vae em cata das conférvas, plantas aquaticas, e, transportando-as na bocca ; amontoa-as no sitio que encontra accommodado á construcção do ninho, li- gando-as aos ramos que lhes servem de esteio. Accumulados estes materiaes em quantidade sufficiente, introduz-se no cen- tro como n'um estojo, penetrando por entre elles a pouco e pouco, e executando sobre si uma serie de movimentos de ro- tação que, á medida que se effectuam, vão pela pressão do corpo soldando os ve- getaes que se enrolam em volta do cor- po em fibras circulares, dando ao ninho a fórma d'um regalo. Julga o sr. Coste ! que esta disposição em fibras anneladas é resultado dos numerosos espinhos que o animal possue ao longo do dorso, e que produzem, operando circularmente nas confêrvas, os mesmos effeitos dos dentes das machinas de cardar lã. Tão depressa a construcção está em es- tado de receber os ovos, o macho, que a esse tempo ostenta as galas do seu vestua- rio de nupcias, vae encontrar-se com as femeas. As faces e a região abdominal perderam a esse tempo a côr desvanecida habitual e tornaram-se d'uma côr de la- ranja viva, o dorso outr'ora pardaço passa por successivas gradações das córes ver- de, azul e prateada. A femea segue então o macho, que, dirigindo-se para o ninho, introduz a ca- beça na abertura, alargando-a, e retira-se em seguida para ceder a vez á femea, que a seu turno alli entra, demorando-se dois ou tres minutos, o tempo de con- cluir a postura, e sae pelo lado opposto furando o ninho de lado a lado. O macho logo que a femea sae introduz-se outra vez no ninho, deslisa sobre os ovos me- neando-se vivamente, e sae depois de curta demora. D'esta sorte, e durante muitos dias, convida elle a mesma femea ou outras que estejam para desovar, presta-lhes o seu auxilio em tão dolorosa conjunctu- ra, e anima-as afagando-as com o foci- nho. O ninho vae por este modo tornando- se rico deposito da descendencia d'estes peixes, e os ovos alli accumulados for- mam importante volume, sem que a fe- mea d'elles tenha o menor cuidado, an- tes desejo de devoral-os. E” então a vez do pae, que construiu o ninho e a ins- tancias do qual a mãe ou as mães alli fo- ram depositar os ovos, vigiar pela sua geração, encargo que desempenha com o maior zelo. O escriptor citado observou e descreve minuciosamente os diversos actos d'este pequeno animal, velando pela salvação dos futuros representantes da sua espe- cie. Para que o ninho, cujo volume é al- gumas vezes egual á metade do corpo do peixe, adquira maior solidez, cobre-o de 1 Luiz Figuier diz n'outra parte do seu livro que extrahiu tão curiosos pormenores acerca da nidifica- ção d'estes peixes d'uma memoria escripta por este illustre homem de sciencia, PEIXES — O ESGANAGATA, A CORVINA 387 pedras, conservando-lhe apenas uma en- trada, que elle veda a qualquer animal que se abeire, mas atravez da qual im- pelle a agua que agita com os movimen- tos rapidos das barbatanas peitoraes. A agua assim agitada tem por fim, no dizer de Coste, lavar os ovos obstando a que se cubram de musgo, o que poderia atra- zar o seu desenvolvimento. A qualquer individuo da sua especie, macho ou femea, que se abeire do ninho, accommette elle vigorosamente, e mesmo a quatro ou cinco que se apresentem não receia atacal-os e repellil-os pela força. Se o inimigo cresce em numero, faz o que a prudencia aconselha; recorre a diversos ardís, que nem sempre teem bom exito. O sr. Coste viu alguns destes ani- maes occupados em reconstruir o ninho, cinco e seis vezes, e todas ellas sem al- cançar o resultado appetecido. Se o macho logra que o ninho se con- serve sem damno até á época em que os peixes devem sair do ovo, é vêl.o do- brar de zelo: allivia-o das pedras para melhor ficar em contacto com a agua, agita esta para ficar mais rapidamente em volta dos ovos, mexe-os, passando-os de cima para baixo e vice-versa. Passados dez ou doze dias de canceiras e cuidados nascem os pequenos, carecendo ainda por muito tempo da protecção do pae, porque a sua vesicula umbilical bas- tante volumosa torna-os tão ineptos que não lograriam escapar aos inimigos. Não permitte elle que os recemnascidos saiam do seu berço, e se algum se tresmalha corre a tomal-o na bocca para o trans- Gr. n.º 473 — À corvina portar ao domicilio. Se o numero dos desertores cresce, elle reconduz todos ao mesmo tempo, e a nenhum maltrata. A medida que os pequenos se desen- “volvem, o pae alarga o espaço em que lhes permitte correr e exercitar-se; mas augmentam os cuidados, e sendo mais difficil guardal-os, mais activa se torna a sua vigilancia. «Vê-se, diz o sr. Coste, correr d'um para outro lado, á ma- neira dos cães de guarda em volta do rebanho, conduzindo as ovelhas que se tresmalham, e sempre promptos a de- fendel-as contra os ataques dos inimigos.» Duram estas fadigas quinze ou vinte dias, findos os quaes o pae volta ao seu antigo viver em companhia dos da sua especie. E mencione-se um facto realmente no- tavel. Este pae que construe o ninho, que presta o seu auxilio ás femeas, que cuida dos ovos, que defende e guia os peque- nos, vive na mais perfeita abstinencia durante os longos dias que dura a nidi- ficação, a incubação e a primeira crea- cão dos pequenos.» A CORVINA Sciaena aquila, de Cuvier e Valenciennes Le maigre, dos francezes A corvina é um dos maiores peixes que frequentam as costas de Portugal; mede d'ordinario 1”, mas póde attingir 2” de comprimento. Abundante no Mediterra- neo, encontra-se tambem no Oceano, sen- do vulgar e abundante no nosso paiz de marco a maio, pescando-se no resto do anno em menor quantidade. A corvina caracterisa-se pela cabeça ar- queada, a maxilla superior excedendo um pouco a inferior, o focinho conico, os beicos delgados, e a bocca mediocre em relação ás dimensões do corpo. Tem duas 388 MARAVILHAS DA CREAÇÃO barbatanas dorsaes, a primeira curta e , e como tal e por valiosa se offerecia ás muito alta, tendo nove raios espinhosos ; a segunda tres vezes mais longa do que a primeira e mais baixa, com vinte oito ou trinta raios, os quaes á excepção d'um só são brandos; a barbatana caudal ter- mina a direito. A corvina é geralmente d'um pardo prateado, mais escura no dorso e leve- mente colorida de vermelho trigueiro ; as barbatanas vermelhas, e só a caudal é matizada de trigueiro. Era muito conhecida a corvina dos an- tigos, e em Roma, onde a denominavam umbrina, nome porque ainda hoje este peixe se conhece em Italia, era muito es- timada a sua carne, e a cabeça passava por ser uma das mais saborosas iguarias, pessoas de distincção. Sob este mesmo nome vulgar conhe- ce-se ainda outra especie, a umbrina cir- rhosa de Cuvier e Valenciennes, denomi- nada pelos francezes ombrine commune, a qual, como caracter generico servindo para distinguil-a da especie de que ante- riormente falámos, tem um pequeno bar- bilhão na maxilla inferior, sendo nas fórmas muito similhantes estas duas espe- cies, que ambas como dissemos se deno- minam vulgarmente corvinas. Na côr differem, pois esta especie tem o corpo amarellado, raiado de verde trans- versal e obliquamente; a parte superior da cabeça mosqueada de negro,fteji'nos Gr. n.º 474 — O sargo operculos riscas verdes. Pode medir este peixe mais de 2” de comprimento e pe- sar 16 kilogrammas. E' muito abundante no Mediterraneo, e tambem no Oceano, mas é raro nos nossos mercados. A carne é excellente. O SARGO Sargus Rondeletti, de Cuvier e Velenciennes—Le sargue, dos francezes Este peixe do genero Sargus, pouco vulgar no mercado de Lisboa, tem aqui o nome de sargo e no Algarve o de bi- cudo. Tem o corpo alto e achatado nos lados; a cabeça curta e escamosa lateral- mente com os operculos lisos ; o focinho arredondado e a bocca um pouco ras- gada; uma só barbatana dorsal, da qual a primeira parte tem doze raios espinho- sos e a segunda de doze a quinze bran- dos; a anal tem tres raios espinho- sos e tres brandos, a caudal é aforqui- lhada. ; E' d'um pardo prateado no dorso e nos flancos, com faxas transversaes annegra- das ou prateadas, e o ventre mais claro; as barbatanas peitoraes e abdominaes são annegradas com reflexos verdes, a dor- sal pardaça, e a caudal esverdeada e lavada de negro nas extremidades. Me- de. aproximadamente 07,20 de compri- mento. Este peixe, vivendo no mar, entra nas enseadas e nos portos em busca dos nu- merosos detritos organicos de que se ali- menta. Reune-se em bandos numerosos, e a sua alimentação ordinaria consta de peixes pequenos, molluscos e zoophy- tos. PEIXES — O ALCARRAZ, A DOIRADA, O PARGO, O GORAZ O ALCARRAZ Sargus annularis, de Cuvier e Valenciennes — Le petit sargue, dos francezes Esta especie, congenere da anteceden- te e de pequenas dimensões, tem o corpo menos elevado do que os sargos. E' ama- rello na região dorsal, pardo com refle- xos prateados nos flancos e branco na Te- gião abdominal. Na região caudal tem uma malha negra em forma d'annel, d'onde lhe provém o nome especifico annularis. E" muito abundante nas costas do Me- diterraneo esta especie dos sargos ; appa- rece nos mercados de Portugal, sendo co- nhecida em Setubal pelo nome de alcar- raz. A DOIRADA Chrysophys aurata, de Cuvier e Valenciennes — La daurade, dos francezes A doirada que se pesca nas costas do Mediterraneo e do Atlantico é pouco vul- gar nos nossos mercados, e apparece só- mente de verão. Tão elegante de fórmas como matizada de lindas côres, a doira- da mereceu dos gregos ser consagrada a Venus, e davam-lhe o nome de sobrance- lhas d'oiro, em attenção a uma brilhante malha doirada que tem entre os olhos. Os mais opulentos romanos apresenta- vam-na á sua meza, havendo até um cer- to Sergius que se alcunhava aurata, como referencia ao preço excessivo por que pa- gava estes peixes. Tem a doirada o corpo muito elevado, comprimido lateralmente, mais alto na parte que corresponde ao terço da bar- batana dorsal; a cabeca curta e larga, bocca estreita, beicos grossos, e a ma- xilla inferior um pouco mais curta do que a superior. Os olhos são grandes com um circulo doirado e as pupillas negras. Tem uma unica barbatana dorsal, com onze raios espinhosos e cinco brandos, e a caudal um pouco aforquilhada. E” difficil descrever com exactidão as côres da doirada, quanto mais que fóra d'agua alteram-se consideravelmente. Po- de-se dizer, todavia, que tem as partes su- periores do corpo d'um pardo violaceo com reflexos avermelhados ou azulados, os flan- cos d'uma linda côr de oiro, e o ventre prateado ; entre os olhos uma faxa bri- lhante côr de oiro. Mede d'ordinario 0",35 de comprimento e pode pezar seis kilos. Na primavera a doirada vem á costa desovar. e no inverno conserva-se na fun- 3k ! e e e e e e e VE A ts E 389 dura ; alimenta-se de crustaceos pequenos e de molluscos. A carne d'esta especie é excellente. Nos mercados do nosso paiz apparece outra especie de doirada, rara, a que vul- garmente se dá o nome de doirada fe- mea, chrysophrys crassirostris, muito in- ferior em tamanho á especie antecedente. O PARGO Pagrus vulgaris, de Cuvier e Valenciennes—Le pagr e vulgaire, dos francezes O pargo tem muita analogia nas for- mas com a doirada, mas distingue-se á primeira vista pelo corpo menos alto e bastante mais alongado. A cabeça é cur- ta, a bocca rasgada obliquamente, os bei- cos grossos; os operculos lisos e mais al- tos do que largos; a barbatana dorsal muito alongada, baixa, e formada de doze raios espinhosos, todos pouco mais ou menos da mesma altura, e seguidos de doze raios branlos; a caudal é um tanto chanfrada na extremidade posterior. Tem o pargo as partes superiores do corpo claras e rosadas, os flancos pratea- dos com reflexos côr de rosa menos viva que a do dorso; o ventre branco ou le- vemente amarellado. Este peixe vive em bandos pouco nu- merosos, procurando as funduras, e ali- menta-se de peixes pequenos, crusta- ceos, molluscos e mesmo de substan- cias vegetass, e só no verão se abeira das costas. Encontra-se no Mediterraneo e no Oceano Athlantico, sendo vulgarissimo e abundante nos nossos mares, e posto que appareça em todas as epocas, é no inverno que se pesca no alto mar. O GORAZ Pageltus centrodontus, de Cavier e Valenciennes—Le pagel à dents aigues, dos francezes E' bem conhecido e vulgarissimo em Portugal este peixe do genero Pagellus, do qual existe uma duzia de especies es- palhadas por todos os mares, e d'estas cinco ou seis peculiares aos da Europa. A especie citada tem o corpo muito alto, a cabeca curta, o focinho arredon- dado. A barbatana dorsal tem quinze raios espinhosos e treze brandos, a cauda é afor- quilhada. A parte superior do corpo é d'um pardo avermelhado, tendo os flancos mais claros e o ventre branco com reflexos doi- vol Ju 390 rados ; ao lado e proximo da cabeça tem uma malha negra larga. As barbatanas dorsal e anal são trigueiras, e as peito- raes, as abdominaes e a caudal vermelhas. Este peixe que no verão frequenta a costa, no inverno busca as funduras ; ali- menta-se de pequenos crustaceos, de mol- luscos e de vegetaes. Encontra-se no Me- diterraneo e no Oceano, abundantissimo nos nossos mercados em dezembro e ja- neiro, continuando a apparecer até marco, e no resto do anno em menor quantidade. A carne do goraz, de que no nosso paiz se faz largo consumo, nem por isso é tida em grande estima. A BICA Pagelius erythrinus, de Cuvier e Valenciennes—Le pagel commun, dos francezes Do genero Pagellus apparece nos nossos SE: AS MARAVILHAS DA CREAÇÃO SE E mercados mais esta especie, além da an- tecedente, e da qual Capello diz haverem- lhe affirmado ter sido outr'ora abundan- te em Setubal, onde se pescava á rede:e a anzol, sendo hoje rara. Tem o corpo de fórma ovai e alongado, cabeca curta, a bocca mediocremente ras- gada e os Dbeiços grossos, tendo a maxilla inferior um pouco mais longa do que a superior. A barbatana dorsal tem doze raios espinhosos seguidos de dez brandos; as abdominaes são longas e pontudas e a caudal muito aforquilhada. Na parte su- perior do corpo é d'um vermelho vivo esbatendo-se nos flancos; o ventre pra- teado; as barbatanas são da mesma côr do corpo, mais desvanecidas as das par- tes inferiores. Frequenta durante o inverno as fun- duras, e só no começo do verão se apro- Gr. n.º 47) — À bica xima da costa; é em extremo voraz, alimentando-se de pequenos crustaceos, molluscos e vegetaes. O VESUGO Pagellus acarne, de Cuvyier e Valenciennes — Le pagel acarne, dos francezes r O vesugo é congenere das duas espe- cies antecedentes. Encontra-se no Mediter- raneo e no Atlantico, alcançando as costas de Inglaterra, e é vu'gar nos nossos mer- cados todo o anno, postoque seja pescado em maior quantidade no inverno. Tem o vesugo o corpo menos elevado do que a bica e o focinho mais arredon- dado ; a barbatana dorsal tem doze raios espinhosos seguidos de onze brandos. Em geral o corpo é d'um pardo prateado com reflexos doirados ou avermelhados, e tem na parte axillar das barbatanas peitoraes uma larga malha trigueira avermelhada. As barbatanas dorsal e caudal são d'um bello vermelho, as peitoraes e abdomi- naes brancas. Tem habitos similhantes aos seus con- generes já descriptos. Sob o nome vulgar de vesugo appare- cem nos nossos mercados outras duas es- pecies congeneres da antecedente : Pagel- lus bogaraveo, de corpo menos alongado de que o vesugo da especie antecedente, excedendo raras vezes 07,145 ou 07,20 de comprimento e tendo as partes superiores do corpo rosadas e os flancos e ventre prateados, muitas vezes com reflexos doi- rados. A barbatana dorsal é averme- lhada orlada de negro, as peitoraes e as abdominaes amarelladas e a caudal côr de rosa deslavada. Pagellus mormyrus, em Lisboa raro e conhecido vulgarmente pelo nome de fer- reiro; em Setubal denominam-no vesugo d'ova, e pesca-se em todas as epocas do anno no rio e na costa. Tem o corpo muito alongado, com re- flexos prateados; faxas annegradas nos flancos separadas por outras mais claras e menos longas ; ventre branco. O DENTÃO Dentex vulgaris, de Cuvier e Valenciennes—Le denté vulgaire, dos francezes No mercado de Lisboa apparece esta especie do genero Dentex, ainda que pouco vulgar e geralmente confundida, diz Brito Capello, com o pargo. Tem o corpo ele- vado e comprimido, a cabeca obtusa e achatada entre os olhos, a maxilla infe- rior mais longa do que a superior, e am- bas armadas de quatro dentes caninos re- curvos; tem onze raios espinhosos na barbatana dorsal, sendo esta mais alta no quarto raio, e seguidos de onze bran- dos ; a cauda é talhada em forma de cres- cente. Tem as partes superiores do corpo d'um trigueiro avermelhado, muitas vezes com malhas annegradas; os flancos mais cla- ros, o ventre d'um branco sujo, As bar- batanas são d'um trigueiro mais ou me- nos escuro tirante por vezes a amarello. Alcançam alguns grande desenvolvimen- to, apparecendo d'estes peixes com 1”. O dentão é peixe de fundura, mas na primavera abeira-se das costas e frequenta a foz dos rios, indo alli desovar. A carne é muito estimada. O CACHUCHO Dentez macrophthalmus, de Cuvier e Valenciennes—Le dentex aux gros yeux, dos francezes Outra especie do genero Dentex, vul- gar todo o anno no nosso paiz e mais abundante no verão, epoca em que at- tinge o seu maior desenvolvimento, é o cachucho, muito mais pequeno que o dentão, de olhos muito grandes, e d'um vermelho por egual. A CHOUPA Cantharus vulgaris, de Cuvier e Valenciennes —Le canthtre commun, dos francezes. - Do genero Cantharus, de que se conhe- cem quatro especies da Europa e mui- tas da Africa e mar das Indias, a especie PEIXES — O DENTÃO, O CACHUCHO, A CHOUPA, A BOGA 391 citada é conhecida no nosso paiz, sendo vulgar em Lisboa e muito commum em Setubal todo o anno. E' um lindo peixe, a choupa, de corpo alto e arqueado, diminuindo de elevação para a cauda, onde é muito estreito. Tem a bocca pequena, com beiços grossos ; a barbatana dorsal muito á frente, bastan- te longa, alta e formada de onze raios es- pinhosos seguidos de doze brandos; a cau- da é mediocremente aforquilhada. Na parte superior do corpo é de um azul pardaço com reflexos verdes, tendo o dorso e os flancos com faxas longi- tudionaes de côr mais escura. A bar- batana dorsal é de um trigueiro desva- necido, as peitoraes da côr do corpo, as abdominaes, a caudal e a anal trigueiras. Attinge grande comprimento, pois indi- viduos ha que medem de 07,30 a 02,50. Busca de preferencia os fundos rocho- sos, alimentando-se simultaneamente de substancias animaes e vegetaes. A BOGA Box vulgaris, de Cuvier e Valenciennes — Le bogue com- mun,dos francezes. A especie citada do genero Box é co- nhecida de ha muito, bastante commum no Mediterraneo, e passando por vezes para o Atlantico sendo encontrada nos mares da Madeira e das ilhas Canarias. É vulgar nos mercados do nosso paiz. A boga tem o corpo cylinárico, alon- gado, arredondado na região dorsal e acha- tado na abdominal ; olhos grandes com a iris doirada; bocca pequena; a barbata- na dorsal muito longa, a principio alta e diminuindo até aos raios brandos, sendo os primeiros d'estes mais altos do que os ultimos espinhosos; tem quatorze raios espinhosos e outros tantos brandos; a cau- dal é bastante aforquilhada. E” a boga de um amarello azeitonado no dorso com os flancos mais claros, e riscas longitudinaes amarellas; o ventre branco. Vive nos fundos rochosos na vi- zinhança das costas, alimentando-se em grande parte de substancias vegetaes. A carne da boga é muito estimada. Do mesmo genero Box é vulgar em Setubal, apparecendo todavia em pequena quantidade, a salema, box salpa de Cu- vier e Valenciennes, que se distingue da boga na forma do corpo, mais alto e com- prido, e d'nm lindo colorido. 392 O dorso e os flancos são pardos azula- dos, o ventre mais claro e a garganta le- vemente amarellada; o corpo é riscado longitudinalmente de côr de laranja. O TROMBEIRO OU TROMBETA Smaris gagarella, de Cuvier e Valenciennes — Le picare? commun, dos francezes Do genero Smaris é vulgar e abundantis- simo no nosso paiz este peixe que no Al- garve denominam trombeiwro ou trombeta. Tem o corpo pouco elevado e alongado, achatado na região abdominal e bastante curvo na dorsal; a cabeca é curta e es- guia, os olhos grandes, a bocca pequena e rasgada obliquamente. Tem uma unica barbatana dorsal, bastante desenvolvida, com onze raios espinhosos seguidos de doze brandos. O dorso é de um pardo esverdeado com reflexos pratcados on doirados; os flan- cos mais claros e cortados de faxas azula- das: o ventre branco. A barbatana dorsal e de côr azeitonada, matizada de côr de rosa desvanecida nos raios; as peitoraes e abdominaes amarellas arruivadas; a caudal levemente colorida de côr de ro- sa. Atraz das barbatanas peiloraes e na parte superior tem uma malha trigueira ennegrada, que n'alguns individuos é completamente negra. Frequenta este peixe de preferencia os fundos de vasa proximos da costa, e ali- menta-se de peixes pequenos e de mol- luscos. A SARDA Scomberscomber, de Cuvier e Valenciennes — Le maquereau commun, dos francezes. E' bem conhecido entre nós este peixe, vulgar e abundante em todas as epocas, mas principalmente no verão. Encontra- se em todos os mares do globo, tanto nas regiões tropicaes como nas glaciaes, e muitos autores consideram-no emigran- te. Vive por vezes proximo da costa, outras nas grandes iunduras, e Jarrel diz que vizinha das costas na epoca da des- ova. A sarda tem o corpo alongado, muito estreito na região caudal; a cabeça coni- ca, o focinho pontudo, tendo a maxilla inferior um pouco mais longa do que a su- perior. Tem duas barbatanas dorsaes, a primeira de forma triangular, situada no terço anterior da região dorsal, com onze MARAVILHAS DA CREAÇÃO raios; a segunda situada muito atraz, mais baixa, e menos larga que a primei- ra, dividida em muitas partes, das quaes a primeira que constitue a verdadeira se- gunda dorsal tem doze raios, sendo o primeiro espinhoso. Seguem-se cinco series de pequenos raios separadas por es- pacos livres, a que se chamam falsas bar- batanas. A barbatana anal, á imitação da segunda dorsal, é seguida de cinco falsas barbatanas. A caudal é muito afor- quilhada. A parte superior do corpo da sarda é d'um azul esverdeado com reflexos iria- dos, com faxas de cór mais escura; os flan- cos teem reflexos rosados, o ventre é bran- co. As barbatanas dorsaes, a caudal, as peitoraes e as abdominaes são pardas com reflexos verdes, a anal prateada. Mede de 07,35 a 07,40 de comprimento. A pesca da sarda faz-se em grande es- cala nos mares da Europa nos mezes de verão, e a sua immensa voracidade per- mitte apanhal-a facilmente, pois qualquer substancia animal serve de isca. Pesca- se á linha proximo da costa ou á re- de no alto mar, apanhando-se por vezes muitos milhares de um só lanço. A femea da sarda pode dar de cada desova 500:000 ovos. As sardas são tão vorazes, diz Figuier, que, não obstante as suas fracas dimensões, atrevem-se a ata- car com a maior audacia “peixes mui- to maiores e mais vigorosos, preten- dendo-se mesmo que a carne humana lhes não desagrada. Conta Pontoppidan, um bispo naturalista que viveu no seculo xvi, que um marinheiro dum navio an- corado n'um dos portos da Noruega, ha- vendo-se lançado ao mar para banhar-se, fôra accommettido por um cardume de sardas. Correram em soccorro do homem, e com custo poderam pôr em debandada os seus vorazes inimigos, mas era tarde, porque o infeliz falleceu poucas horas depois. E certo, porém, que por justa com- pensação da natureza, lhes não escasseam inimigos: não só os grandes peixes que as devoram a seu belprazer, como tantos outros na apparencia fracos, as moreias, que lhes levam vantagem». A sarda, como os leitores não igno- ram , sendo apanhada em quantidade superior ás necessidades do mercado mais proximo, é preparada e salgada, podendo ser expedida a distancia ou con- servada por certo tempo, fornecendo re- PEIXES — A SARDA, À CAVALLA curso alimentar ás classes menos abasta- das. - A carne é gorda e de bom sabor, mal recebida porém pelos estomagos mais de- licados. Diz Figuier que em outros tem- | pos usava-se, para assim dizer, espre- mer este peixe para obter uma especie de substancia liquida, muito nutrifiva, a que se dava o nome de garum. O preço d'esta substancia era bastan- te elevado, pela medida moderna valia 38600 réis o litro. Tinha gosto acre, nau- seabundo e como de substancia putrefac- ta, com a propriedade, porém, de avigorar o estomago e abrir o appetite. O garum | | | 393 w'aquelle tempo substituia as especiarias de hoje, quando ainda se não conhe- ciam as numerosas substancias excitan- tes que a India actualmente nos fornece. Séneca já então aitribuia ao garum a propriedade de arruinar o estomago e a saude dos que abusavam d'este condimen- to, tal como hoje se diz da pimenta e dos pimentões. O uso do garum conser- vou-se por muito tempo, ce o naturalista e viajante Pierre Belon diz que na sua epoca, seculo xvr, era muito estimado em Constantinopola. Pertencem as sardas ao grupo dos pei- xes phosphorecentes, isto é, que brilham Gr. n.º 476 — As sardas accomettendo o homem (pg. 392) no escuro, principalmente quando come- çam a corromper-se. A CAVALLA Secomber colias, de Linneo — Le moquerear colias, dos francezes Esta especie. congenere da anteceden- te, é muito similhante tanto nas fórmas como no colorido, e distingue-se pelo cor- po menos elevado do que o da sarda, a cabeça e o focinho mais alongados, os olhos maiores, e principalmente pela exis- tencia da vesicula natatoria que as sardas não teem. Na, cór em geral pouco differem á pri- meira vista; todavia a cavalla tem as ris- cas no dorso mais accentuadas, entran- do mais pelos flancos, e estes cobertos de manchas pardas esverdeadas variando de tamanho nos diversos individios. É vulgar e abundante nos mares da Eu- ropa como a sarda, e no nosso paiz O seu tempo proprio é o verão. O ATUM Scomber thynus, de Linneo — Le thon commum, dos francezes O atum é um dos nossos maiores pei- xes, e a especie citada muito conhecida dos antigos. A sua carne era bastante es- 394 timada na Grecia c Roma antigas e n'ou- tros pontos banhados pelo Mediterraneo, mar onde principalmente este peixe é abundante. Na costa occident::l do nosso paiz, se- gundo diz Brito Capello, é o atum pou- co vulgar, não succedendo o mesmo na costa do sul, no Algarve, onde é abun- dantissimo de abril a junho, na occasião em que se dirige em grandes massas pa- ra o Mediterraneo onde vae desovar. N'esta epoca dá-se-lhe o nome de atum direito, e é de melhor qualidade; no verão quando volta chamem-lhe os pes- cadores atum de retorno ou de revez, sen- do de inferior qualidade. Tem o atum bastante analogia na sua conformação com a sarda, sendo todavia maior e mais redondo no tronco, e alguns d'aquelles peixes podem attingir 2? de comprimento e pesarem 50 kilogrammas. O focinho do atum é curto; a maxilla MARAVILHAS DA CREAÇÃO inferior um pouco mais longa do que a superior, e a bocca relativamente peque- na, duas barbatanas dorsaes, a primeira longa e pouca elevada, diminuindo d'al- tura até encontrar-se com a segunda, da qual apenas a separa um raio espinhoso livre e baixo. A segunda é pouco desen- volvida, com treze raios brandos e se- guida de nove ou dez falsas barbatanas. A barbatana anal é tambem seguida de sete falsas barbatanas. Teem estes peixes as partes superiores do corpo d'um azul escuro tirante a ne- gro, e o peito mais escuro; os flancos e o ventre d'um branco pardaço com re- flexos prateados em certos sitios. A pri- meira dorsal, as peitoraes e as abdomi- naes são annegradas; a caudal atriguei- rada; a segunda dorsal e a anal rosadas; as falsas barbatanas amarelladas com uma orla negra. À maneira da sarda o atum emigra em Gr. n.º 477 — O atum certas epocas, e no verão encontra-se em grande abundancia no Mediterraneo, onde é certo desovar, crescendo os pe- - Quenos rapidamente. Vive em grandes cardumes, alimentando-se de peixes pe- quenos, cruslaceos e outros animaes. A carne do atum é como se sabe gor- da e parecida com a da vitella, saborosa mas um tanto pesada; e come-se fres- ca, salgada, ou d'escabeche. Desta ul- tima fórma é para muita gente iguaria de subido merecimento, preparando-se em grande quantidade em Marselha e Cette, com o nome de thon mariné e em outros pontos do Mediterraneo ; no nosso paiz no Algarve. A ALBACORA Thynnus brachypterus, de Cuvier e Valenciennes— Le thon à pectorales courtes, dos francezes. Esta especie é similhante ao atum com- ss mum, differindo pelis menores dimen- sões da segunda barbatana dorsal, das peitoraes e da anal. Na parte superior do corpo é d'um azul escuro, com os flan- cos e o ventre prateados. Na região dor- sal tem malhas mais claras e faxas ver- ticaes mais escuras, e sobre estas d'es- paço em espaço outras mais pequenas d'um azul desvanecido. As barbatanas são pardacças. Mede d'ordinario 0,90 de com- primento. No Algarve é vulgar e abundante, e pesca-se junto com a especie antecedente. O JUDEU Thynnus thunina, de Cuvier e Valenciennes. — La thonine commune, dos francezes Outra especie de atum, o judeu, appa- rece nos nossos mares, muito analogo nas PEIXES — O GAYADO, O ATUM GUELHA COMPRIDA, O SERRA 395 formas ao atum commum, differindo Lo- davia n'alguns caracteres. Tem o focinho mais curto, a primeira barbatana dorsal mais alta na parte an- terior, a segundo baixa, e as peitoraes tambem mais curtas. No dorso é dum bello azul cortado d'arabescos annegra- dos, com reflexos doirados nos flancos ; o ventre prateado com malhas pardaças de distancia a distancia, principalmente na parte anterior. O GAYADO Thynnus pelamys, de Cuvier e Valenciennes. .- La bouite, dos francezes + * Este peixe congenere do atum, mais pe- queno do que elle, posto que na conforrma- ção do corpo haja certa analogia entre ambos é frequente no Mediterraneo e no Oceano, apparecendo nos nossos mares. f | | | | ! Tem o gayado a cabeça conica € alon- gada, o focinho pontudo, a maxilla infe- rior mais longa do que a superior, e os olhos muito acima da cabeça; a primei- ra barbatana dorsal tem o primeiro raio espinhoso muito alto e é formada de quinze raios, a segunda tem um raio es- pinhoso e doze brandos, seguindo-se oilo falsas barbatanas. Tem o dorso azul annegrado, os flan- cos mais claros com reflexos iriados, o ventre prateado com quatro faxas longi- tudinaes d'um trigueiro esverdeado ; ca- racler que bem distingue o gayado das outras especies de atuns. São estes peixes vorazes á maneira dos atuns, e alimentando-se de peixes peque- nos, são vistos por vezes saltar fóra d'agua em perseguição da presa. Os marinheiros algumas vezes conseguem apanhal-os atan- do na extremidade da linha um peixe arti- 6r. ficial, que obrigam a mover-se ao lume d'agua. A carne do gayado é mais escura do que a do atum, e inferior áquella. O ATUM GUELHA COMPRIDA Thynnus alalonga, de Cuvier e Valenciennes. — Le germon, dos francezes Esta especie é abundante no Oceano e apparece nos nossos mares. Nas formas é similhante ao atum commum, mas é facil distinguil-o á primeira vista pelas barbatanas peitoraes muito longas, que collocadas contra o corpo excedem a ex- tremidade posterior da segunda dorsal. E" d'um azul annegrado na região dor- sal, tornando-se mais claro nos flancos; o ventre é branco amarellado. A maneira do atum este peixe encon- tra-se em grandes cardumes, e a sua Im- mensa voracidade obriga-o a morder em qualquer isca que se lhe apresente. n.º 478 — O romeiro A carne do atum guelha comprida é muito estimada. O SERRA Pelamys sarda, de Cuvier e Valenciennes. — La pélamide commune, dos francezes genero Pelamys encontra-se nos a mares esta especie, pouco vulgar, apparecendo sómente no verão e no mar alto. Nas fórmas geraes este peixe tem analogia com a sarda, posto que seja muito maior, sem todavia alcançar as di- mensões do atum, pois attinge pouco mais de 07,60 de comprimento. ; Tem a cabeça alongada, a bocca bem rasgada, a primeira dorsal com vinte e dois raios espinhosos, a segunda dois e treze ou quatorze brandos, seguida de oito ou nove falsas barbatanas. O peixe serra tem o dorso azulado, tor- nando-se esta côr mais clara á maneira 396 que se aproxima dos flancos, e com faxas obliquas mais escuras, d'ordinario dez e por vezes mais. Os flancos são mais cla- ros e o ventre tem reflexos iriados. Este peixe que se encontra em quasi todos os mares da Europa, vae até aos da America e do Cabo da Boa Esperança. A carne é estimada. O ROMEIRO Nautrales ductor, de Cuvler e Valenciennes. — Le pilote, dos francezes : Esta especie do genero Naucrates en- contra-se no Mediterraneo e no Oceano MARAVILHAS DA CREAÇÃO Atlantico, sendo rara nos nossos merca dos. Tem o corpo alongado e arredondado na região dorsal, a cabeça curta e o focinho obtuso, a maxilla inferior excedendo a superior ; duas barbatanas dorsaes, tendo a primeira quatro ou cinco raios cur- tos e espinhosos, e a segunda, que come- ça junto da primeira, tem um raio espi- nhoso seguido de vinte e seis a vinte e oito brandos. Tem espinhos soltos adiante da barbatana dorsal, e dois muito curtos que precedem a anal. E lindamente colorido este peixe, d'um Gr. n.º 479 — O agulhão atacando a baleia azul com reflexos prateados na região dorsal, mais claro nos flancos: cinco fa- xas azues mais escuras em volta do cor- po, e por vezes uma malha da mesma cór na parte superior da cabeça. A parte do ventre comprehendida entre estas fa- xas é d'uma linda cór de rosa desmaia- da. As barbatanas são azues por egual. Mede 07,35 de comprimento. O nome de piloto que os francezes dão a este peixe, e porque é conhecido tam- bem noutros paizes, deriva-se do habito que elle tem de seguir os navios para se aproveitar de tudo quanto de bordo se lança ao mar; e como os tubarões te- nham egual costume, alguns viajantes, principalmente os antigos, affirmavam que o romeiro servia de guia ao tubarão. Mas o que parece averiguado é que aquel- le peixe trata de aproveitar alguns restos d'alimento que sejam lançados ao mar, detendo-se para os apanhar, e evitando sempre aproximar-se do tubarão para o que nada com grande velocidade. A carne do romeiro é delicada, muito parecida com a da sarda. O AGULHÃO OU AGULHA Xiphias gladius, de Linneo — L'espadon, dos franceres Este peixe é um dos mais notaveis que PEIXES — O AGULHÃO, O CARAPAU apparece nos nossos mares, não só pelo tamanho, pois attinge de 2" a 3”, co- mo principalmente pela fórma do foci- nho: a maxilla superior, prolongando-se horisontalmente em fórma de espada de dois gumes, comprida e aguda, serve- lhe para atacar os mais vigorosos habitan- tes dos mares, e não só estes como os objectos inanimados que topa no seu caminho, pois arremessa-se com o mes- mo furor contra os peixes ou contra os navios. «Em 1725, conta L. Figuier, na occa- sião em que alguns carpinteiros france- zes examinavam o fundo de um navio que regressava da sua viagem aos ma- res tropicaes, encontraram a arma de um aguilhão por tal modo cravada no cavername do navio, que para tanto st obter com um instrumento de ferro de egual tamanho e fórma, seria mister, segundo os seus calculos, oito ou nove pancadas de um martello pesando quinze kilogrammas. Pela posição em que se encontrou à arma perfurante do agulhão, era evi- dente que o peixe seguira 0 navio quando este corria a todo o panno, e com elle atravessara uma pollegada do forro me- tallico, tres pollegadas de espessura do taboado, e meia pollegada do cavername. » O agulhão não tem duvida em bater- se com o tubarão; e mesmo o grande colosso dos mares, a baleia, o não ame- dronta, sendo possivel que ao atacar os navios se lhe afigure arremessar-se con- tra algum d'estes enormes cetaceos. Tem estes peixes o corpo alongado, re dondo e adelgaçando junto á cauda; uma barbatana dorsal com tres raios espinho- sos seguidos de quarenta brandos nos novos, e variando o numero nos adultos; a cauda é em forma de crescente. Tem a parte superior do corpo de um azul annegrado com reflexos prateados, e o ventre branco. Alimenta-se de peixes pequenos e de plantas maritimas, sendo a carne bran- ca, de excellente sabor, e de melhor di- gestão que a do atum. Pesca-se geralmente este peixe com o arpão: mal se sente ferido desapparece na fundura do mar, sendo necessario largar-lhe corda sufficiente para evitar o abalo que poderia imprimir á barca, e bastante vigoroso para viral-a ; só quan- do o animal tem perdido as forças se recolhe a bordo. 397 No estreito de Messina a pesca d'este peixe tem certa importancia. Os pes- cadores de Messina e de Reggio, tripu- lando um certo numero de barcos com pharoes, vão para o mar, onde um del. les, subindo ao tope do mastro, indica á companha a presença do agulhão, cor- rendo todas as barcas para aquelle sitio com o fim de arpoal-o. N'alguns museus existem pedaços de navio onde se observa ainda cravada parte da arma do agulhão O CARAPAU Caranx trachurus, de Cuvier e Valenciennes, — Le saursl, dos francezes Este peixe é vulgarissimo, muito abun- dante nos nossos mercados, e pesca-se du- rante todo o anno. Quando é novo deno- mina-se carapau ; o mesmo peixe adulto tem o nome de chicharro, e é mais abun- dante de janeiro a março. Tem este peixe o corpo de forma oblon- ga, com escamas pequenas, mas aos la- dos do corpo tem outras muito largas em linha, formando uma serie de placas escamosas que terminam agudas na ex- tremidade posterior. A cabeca é curta, os olhos grandes, a bocca rasgada obliqua- mente, duas barbatanas dorsaes, a pri- meira de forma triangular e formada de nove raios espinhosos; a segunda muito proxima da primeira, com um raio espi- nhoso e trinta e um a trinta e tres bran- dos, muito alta na parte anterior e di- minuindo gradualmente até ao termo, muito proximo da caudal. O corpo d'este peixe é pardo azulado no dorso, mais claro nos flancos, com o ventre prateado ou levemente maltizado de amarello; tem uma malha negra na extremidade do operculo. As barbatanas dorsaes e as peitoraes são mais escuras, as abdominaes e a anal mais claras. Me- dem os adultos, quando vulgarmente se appellidam chicharros, 07,35 de com- primento, havendo-os maiores. O carapau vive no Oceano e no Medi- terraneo, e viaja em cardumes por vezes numerosos. Do genero Trachurus a que pertence este peixe, outras especies se encontram no Oceano, no Mediterraneo e nos mares da America. O PINPIM Capros aper, de Cuvier e Valenciennes, — Le sungiler, dos francezes Esta especie do genero Capros, conhe- cida dos antigos, rara no Mediterraneo c no Úceano, rarissima nos nossos merca- dos, tem o corpo muito similhante ao da doirada, muito alto e achatado aos lados, arqueado no dorso, abaixando ra- pidamente a cabeça para o lado; os olhos grandes e orlados d'um circulo doirado, a bocca pequena, rasgada obliquamente, e muito extensivel, podendo alongal-a de modo a duplicar o comprimento da cabe- ca. Tem duas barbatanas dorsaes, a pri- meira bastante alta formada, de nove raios espinhosos, sendo o terceiro o maior; a segunda muito proximo d'aquella, mais baixa, com vinte e tres ou vinte e quatro raios brandos. Na parte superior do corpo o pimpim é duma linda côr amarella alaranjada com reflexos vermelhos, os flancos mais claros, o ventre branco; as barbatanas malizadas como o corpo de vermelho mais ou menos vivo. Succede raras ve- zes exceder 07,20 de comprimento. A carne do pimpim é excellente. O PEIXE GALLO, OU ALFAQUIM Zeus faber, de Linneo. — La dorée, dos francezes Este peixe foi conhecido dos antigos, e já descripto por Plinio; em parte da França e na Italia conhecem-n'o por peixe de 8. Pedro, attribuindo-se-lhe, conta Va- lenciennes, ser este o peixe que S. Pe- dro retirara do mar por ordem de Jesus Christo, e os dedos do apostolo ficaram para todo o sempre impressos no corpo do peixe, em duas malhas negras que todos os individuos da especie teem nos flancos. O peixe gallo, genero Zeus, de que exis- tem outras especies nos mares da Europa, da Asia e da Africa, tem o corpo muito achatado nos lados, de forma oval, alto; a cabeça muito grande, bastante compri- mida e angulosa, e tão grande, como o resto do corpo quando dilata a bocca; olhos grandes e collocados muito para a parte superior da cabeça. Tem duas barbatanas dorsaes, a primei- ra formada de nove raios espinhosos, e tendo na parte membranosa tambem nove filamentos muito longos, collocados pela parte posterior dos espinhos e tres vezes | | MARAVILHAS DA CREAÇÃO mais longos do que estes; a segunda con- tigua à primeira e formada de vinte e dois raios, menos alta do que esta, tendo de cada lado na base uma serie de espi- nhos, que varia entre sete e dez. O peixe gallo na parte superior do corpo é dum trigueiro azeitonado matizado d'amarello, com reflexos metallicos; os flancos ama- rellos claros e o ventre branco. Acima e pela parte de traz das barbatanas peito- raes tem uma mancha circular muito larga, d'um bello negro violaceo no cen- tro e mais clara para as extremidades, Mede geralmente 0",60 de comprimento, e alguns individuos mais. Vive o peixe gallo no alto mar, isola- do, encontrando-se principalmente no Mediterraneo e no Oceano, sendo vulgar nos nossos mercados e apparecendo em todo o tempo, posto que em pequena quantidade. A FREIRA, OU CHAPUTA Bramo Raii, de Bloch. —La castagnole, dos francezes Esta especie do genero Brama, que se encontra no Atlantico e no Mediterraneo, é vulgar nos nossos mercados e por vezes abundante no verão. O corpo é alto e comprimido; a ca- beça pequena e o focinho curto, os olhos muito grandes, a bocca rasgada obliquamente. Tem uma unica barbatana dorsal, cujos tres raios espinhosos são mais pequenos que os primeiros brandos, aos quaes se seguem outros muito mais curtos, formando ao todo trinta e tres raios brandos. À barbatana caudal é bas- tante desenvolvida e chanfrada. A freira é d'um negro azulado nas partes superiores do corpo, com os flan- cos pardos tirantes a côr de chumbo, e o ventre mais desvanecido. Em certos in- dividuos encontram-se faxas trigueiras pelo corpo, tomando formas bastante va- riadas. Mede de 0”",70 a 07,80 de com- primento. A carne d'esta especie é boa. A PESCADA PRETA Centrolophus pompilus, de Cuvier e Valenciennes. — Le centrolophe pompile, dos francezes No nosso mercado apparece ainda que pouco vulgar uma especie do genero Cen- trolophus, a que em Lisboa se denomina pescada-preta, pouco commum no Medi- terraneo e no Atlantico. PEIXES — O PEIXE ESPADA, O PEIXE ESPADA LIRIO ——— — ——— e Tem o corpo muito alongado, de for- ma oval, com a cabeça curta, o focinho arredondado, a bocca mediocre e rasga- da obliquamente; uma unica barbatana dorsal, com trinta e nove a quarenta e um raios, e a cauda bastante grande e pouco chanfrada. E d'um azul escuro nas partes supe- riores e lateraes do corpo, e mais clara | ! são grandes e as maxilias deseguaes. A no ventre, nos flancos tem alguns refle- xos prateados, visiveis principalmente nos individuos novos. Aos lados da cabeça véem-se pequenas riscas d'um negro es- verdeado. A pescada negra alimenta-se de mol- “luscos, e a carne é molle e insipida. .899 O PEIXE ESPADA Lepidopus lusitanicus, de Leach. — Le poisson d'argent, ou jarretiere d'argent, dos francezes O peixe espada, genero Lepidopus, tem, como é bem sabido, o corpo muito alon- gado, comprimido nos lados, e a cabeça muito esguia na parte anterior. Os olhos barbatana dorsal toma-lhe todo o dorso, principiando logo atraz da cabeca, e, con- servando sempre a mesma altura aproxi- madamente, vae terminar a pouca dis- tancia da barbatana caudal. Faltam-lhe as barbatanas abdominaes, e a caudal é muito pequena e mediocremente chan- frada. Não tem escamas este peixe. O peixe espada é prateado com refle- 6r. n.º 480 — À tainha xos iriados na região dorsal, e as barba- : comprimido lateralmente, e a pelle sem tanas pardas. E frequente no Mediterraneo, no Atlan- tico, e muito vulgar e abundante nos nossos mercados; pesca-se em todas as epocas no alto mar, posto que o seu tem- po proprio seja março e abril. bem sabido quanto a carne d'este peixe é saborosa no tempo proprio. O PEIXE ESPADA LIRIO Trichiurus lepturus, de Cuvier e Valencieunes—Le trichiure de VAtlantique, dos francezes Esta especie do genero Trichiurus en- contra-se só no Oceano Atlantico, mais abundante nos climas quentes. No mar das. Indias vivem outras especies suas congeneres. Tem este peixe o corpo esguio, muito escamas como o peixe espada ; não tendo, como este, barbatanas abdominaes, dif- fere principalmente por lhe faltar a bar- batana caudal, terminando o corpo pon- tudo. A cabeça é alongada, achatada nos la- dos e na região frontal, com o focinho conico e as maxillas deseguaes, exceden- | do a inferior muito a superior; a bar- batana dorsal que se estende ao longo do dorso, desde a cabeça até ao começo da parte filiforme em que termina o corpo, tem cento e trinta e cinco raios, sendo os mais altos os que occupam a parte média. O peixe espada lírio é d'um branco prata por egual, e vendo-se no momento de sair ida agua apresenta reflexos iriados do mais lindo effeito; as barbatanas são 400 MARAVILHAS DA CREAÇÃO amarellas deslavadas, e a dorsal tem na extremidade livre pequenas manchas an- negradas formando uma malha entre os primeiros raios. À carne do lirio não merece grande apreço, mas como seja muito abundante nos mares tropicaes salgam alli este peixe em grande quantidade para entregal-o ao consumo. A TAINHA Mugil capito, de Cuvier e Valenciennes — Le muge cephale, dos francezes Nos nossos mercados conhece-se esta es- pecie do genero Mugil pelo nome vulgar de tainha, e os individuos de grandes dimen- sões denominam-se fataças, tendo ainda outro nome especial, bicudo. E' muito abundante no Mediterraneo, d'onde passa para o Oceano, subindo pelos rios acima aos milhares, e sendo vulgar nos nossos mares 'e rios onde se pesca todo o anno. Os peixes d'este genero teem o corpo cylindrico, alongado e comprimido late- ralmente, coberto de escamas grandes ; a cabeça de forma quasi conica, e a bocca regular com beiços grossos; os olhos muito grandes com o iris amarello esverdeado ; duas barbatanas dorsaes, a primeira a meio corpo, mais alta que longa, formada de quatro raios muito rijos; a segunda bas- tante separada da primeira, com o pri- meiro raio espinhoso, e ao todo sete ou nove; a caudal bastante desenvolvida e | em forma de crescente. A tainha é nas partes superiores do corpo d'um pardo azulado, com os flan- cos e o ventre d'um branco esverdeado e cortados de faxas longitudinaes d'um amarello mais ou menos vivo ; nos lados da cabeça tem reflexos doirados, e na base das barbatanas peitoraes uma malha annegrada. As barbatanas são d'um verde mais ou menos eseuro. Apparecem fata- 6r. n.º 481 — () peixe rei cas superiores a 07,50 de comprimento, mas são pouco communs. A carne d'esta especie é muito boa. Com os mesmos nomes vulgares e tam- bem o de mugueiru, veem aos nossos mer- cados outra especie congenere da ante- cedente, muito similhante nas formas, differindo todavia em certas particulari- dades e na cór. A tainha, mugil cephalus tem as córes mais brilhantes do que a antecedente: o dorso é pardo azulado e os flancos pra- teados cortados por sete faxas longitudi- naes com reflexos doirados; as barbata- nas dorsaes são d'um pardo esverdeado, as peitoraes da mesma cór, tendo na base uma malha d'um azul annegrado; as res- tantes mais claras e matizadas de ama- rello. Apparece ainda uma terceira especie que além do nome de tainha se conhece | | | | | | | tambem pelo de muge ou garrento, vul gar nos nossos mercados, apparecendo em abundancia todo o anno. E” mais pequena do que as anteceden- tes, e tem nos operculos uma linda ma- lha amarella com reflexos metallicos. Com o nome de corvêo, recebendo tam- bem o de tainha e fataça, outra especie do genero Mugil se encontra vulgarmente nos nossos mercados durante todo o anno: o mugil chelo, a que os francezes deno- minam muge à grosses lêvres, e que effe- ctivamente se distingue pela grossura dos beiços, muito carnudos, tendo como o mugil cephalus uma malha negra nas barbatanas peitoraes, e egualando-o nas dimensões. A carne de todas estas especies é ex- cellente, principalmente no verão, por se- rem n'esta estação estes peixes mais gor- dos. PEIXES — O PEIXE REL, O MURTEFUGE 401 O PEIXE REI áiheryna presbyter, de Cuvier e Valenciennes — L'aihérine prêtre, dos francezes Este peixe do, genero Atheryna, vulgar no nosso paiz, tem o corpo muito alon- gado e pouco comprimido, com a cabeça de fórma pyramidal; os olhos grandes e muito proximos da parte superior do cra- neo, a bocca pequena e rasgada obliqua- mente. Tem duas barbatanas dorsaes, a primeira com sete raios, e a segunda mais alta e longa do que a primeira com doze ou treze; a caudal é muito aforquilhada. Tem as partes superiores do corpo es- verdeadas com reflexos amarellos nos flan- cos, e o ventre d'um bello branco com re- flexos doirados. Os peixes-rei e todos os seus congene- res altingem curtissimas dimensões, e encontram-se em numerosos cardumes, vivendo muitas especies d'este genero nos mares da America, do Gabo da Boa Esperança, e da Nova Hollanda. O MURTEFUGE Blenmius gottorugine, de Cuvier e Valenciennes — La blez; nie à bandes, dos francezes Do genero Blennius veem aos nossos mercados algumas especies, das quaes 4 citada é vulgar no Algarve onde a denó- minam murtefuge. São estes peixes de corpo alongado, pelle lisa e viscosa, ca- beça curta e focinho obtuso, e tendo uma unica barbatana dorsal. O murtefuge, es pecie citada, tem o corpo largo adiante e estreito na região caudal; os olhos gran- des e sobre as orbitas um appendice mem- branoso mais ou menos longo segundo os individuos, e ramificando-se na parte superior. A barbatana dorsal que occupa Gr. n.º 482 — () mortefuge ou judia toda a parte superior do corpo é bastan- te alta, formada de trinta e tres raios, dos quaes os primeiros são espinhosos e os restantes brandos ; as abdominaes, si- tuadas sob a garganta, limitam-se a dois pequenos raios. Tem as partes superiores do corpo e da cabeca d'um trigueiro avermelhado esbatendo-se nos flancos, e no ventre passando a trigueiro amarellado ; os bei- cos rosados. N'este peixe as córes são baças, e por todo o corpo encontram-se muitas e pequenas malhas escuras. As barbatanas são malhadas como o corpo e da mesma cór. Os peixes do genero Blennius medem entre 07,12 a 0”,15, os maiores alcan- - çam raras vezes 0”,24. De ordinario en- contram-se por entre os rochedos que bordam as costas. À carne não é tida em grande apreço. Com o mesmo nome de murtefuge ou judia, é conhecida outra especie conge- nere da antecedente, e rara nos nossos mercados: o blennius pavo, representado pela nossa gravura n.º 482. N'esta espe- cie o macho distingue-se da femea pela presenca d'uma crista membranosa na parte superior da cabeca. Teem estes peixes o corpo alongado, mais largo na região abdominal, e o focinho arredon- dado ; faltam-lhe os appendices sobre as orbitas, e na cabeca teem de cada lado uma malha negra circular. São d'um verde escuro tirante a amarel- lado na garganta e no ventre, com seis malhas d'um verde annegrado ao longo do dorso, e estendendo-se pela borda da bar- batana dorsal; a crista do macho é d'uma bella côr de laranja. Variam muito as côres d'uns para outros individuos. 40% O ALCABOZ Blennius pholis, de Linneo —Le blennie pholis, dos francezes Este peixe é congenere do murtefuge com o qual .se assimilha nas fórmas, dif- ferindo em não ter os appendices sobre as orbitas. Com respeito ao colorido, pos- to que varia segundo a edade, o sexo e o meio em que vive, pode dizer-se em ge- ral que é d'um pardo azeitonado malha- do de escuro com manchas esbranqui- cadas, e nos lados da cabeça reflexos metallicos. As barbatanas são amarella- das e malhadas de negro. Frequenta este peixe as funduras onde abundam as plantas maritimas ; vive por muito tempo fóra d'agua. E” vulgaris- simo nos nossos mares. MARAVILHAS DA CREAÇÃO O CABOZ Gobius niger, de Cuvier e Valenciennes, — Le gobie noir, dos francezes Sob o nome vulgar de caboz conhe- cem-se por serem pescadas nos nossos mares cinco especies do genero Gobius, e além d'estas outras muitas frequentam os mares do velho e novo continente. São estes peixes caracterisados pelo corpo mais ou menos alongado e coberto d'escamas muito grandes, a cabeça pou- co arredondada, e superiormente achata- da; duas barbatanas dorsaes. + O caboz, especie citada, alcança 07,192 a 0",15 de comprimento; é d'um tri- gueiro esverdeado com malhas irregula- res mais escuras, e o ventre mais claro que as outras partes do corpo. Tem as barbatanas dorsaes e a caudal malhadas de negro, a anal d'um trigueiro amme- Gr. n.º 483 — O caboz. grado, as abdominaes pardas trigueiras, e uma malha negra adiante das peito- raes. A nossa gravura representa uma espe- cie de caboz que vive no Mediterraneo, o gobius limbatus O PEIXE PAU OU O PEIXE PIMENTA Callionymus lyra, de Linneo — Le callionymelyre, dos francezes Esta especie de genero Callionymus é pouco vulgar nos nossos mercados, e ca- racterisa-se pelo corpo deprimido na par- te anterior, cylindrico no resto, e sem escamas; a cabeça triangular e achatada na parte inferior, a bocca rasgada hori- sontalmente por debaixo do focinho, ten- do a maxilla superior maior do que a in- ferior não só na frente mas tambem aos lados; olhos muito proximos um do outro e situados na parte superior da cabeça. Tem duas barbatanas dorsaes, a pri- meira com quatro raios unicos, e de for- ma singular, pois o primeiro raio muito longo e filiforme alcança por vezes pro- ximo da barbatana caudal; a segunda dorsal comeca um pouco atraz da primei- ra, e tem nove raios da mesma altura, egualmente distanciados uns dos outros. Tem lindas côres este peixe: nas par- tes superiores do corpo e nos flancos é de um amarello mais ou menos escuro, e o ventre branco amarellado. No focinho no resto do corpo, de espaço em espaco, tem malhas circulares de ordinario azues, algumas vezes tirantes a côr de violeta. Na cabeça e nos flancos vêem-se riscas ou faxas d'estas mesmas córes, e bem assim nas barbatanas dorsaes e na base da cau- dal. As barbatanas peitoraes teem os raios vermelhos alaranjados, as abdominaes é a anal são matizadas de negro. Mede este peixe de 07,15 a 07,20 de comprimento. PEIXES — O TAMBORIL, O BODIÃO OU CANARIO O TAMBORIL Lophius piscatoris, de Linneo — Le boudroie commun, dos francezes Do genero Lophius conhece-se esta espe- cie no nosso paiz, ainda que pouco vulgar, existindo outras nos mares da America, do Cabo da Boa Esperança e da India. E' dos peixes mais vorazes e real- mente dos mais feios que se conhecem. O tamboril tem o corpo largo e acha- tado na parte anterior, esguio e conico na região caudal; a pelle é lisa e viscosa, a cabeça enorme e muito achatada, a boc- ca desmedidamente rasgada e situada na parte superior, avançando a maxilla infe- rior sobre a superior;.os olhos grandes. Tem duas barbatanas dorsaes, a pri- meira formada de seis raios longos e fle- 403 xiveis, sendo os tres primeiros situados na cabeça, e os tres ultimos separados dos primeiros por grandes intervallos e tam- bem independentes uns dos outros; a se- gunda dorsal é muito inclinada para traz, branda, e formada de onze a doze raios. Nas partes superiores é d'um triguei- ro esverdeado mais ou menos escuro, e de distancia em distancia tem malhas mais escuras e por vezes negras; as par- tes inferiores do corpo são brancas; as barbatanas dorsaes, a caudal e as peito- raes da mesma côr que as partes supe- riores do corpo; a anal mais clara, e as abdominaes brancas. O tamboril mede por vezes mais de 1” de comprimento. São curiosos os seus habitos, . pois vi- vendo na areia ou na vasa, escarva com auxilio das barbatanas uma cavidade on- Gr. n.º 484 — O tamboril de se enterra, deixando apenas de fóra as partes superiores do corpo. O appen- dice que tem na extremidade do primeiro raio da barbatana dorsal, que elle sem cessar agita, serve de isca para attrahir os outros peixes que elle observa perfeita- mente, tendo os olhos situados na parte superior da cabeça, e mal dos que teem a desgraça de aproximar-se da guella sem- pre aberta do tamboril. Apesar do aspecto repellente d'este pei- xe, a carne é bastante saborosa. O BODIÃO OU CANARIO Labrus mixtus, de Linneo— Le labre varié, dos francezes Entre as especies do genero Labrus que veem ao nosso mercado, a mais vulgar "E" ""Sã é a citada, representada pela nossa gra- vura n.º 485. Os peixes d'este genero teem o corpo de forma oval, regular, a cabeça muito alongada e o focinho mais ou menos pontudo, com os beiços bastante carnu- dos, parecendo duplo o superior. Osten- tam as mais lindas córes, o amarello, o verde, o azul e o vermelho, em faxas ou malhas, a par dos brilhantes reflexos me- tallicos. Seis especies cita Brito Capello, como apparecendo nos nossos mercados, todos com o mesmo nome vulgar Bodião, á excepção da especie citada, tambem co- nhecida por Canario, e dos Margota. D'es- tas duas faremos a descripção em parti- cular, como sendo das mais vulgares. O bodião ou canario tem a barbataná 404 dorsal muito longa, formada de uma parte de raios espinhosos, mais curta, e de outra de raios brandos, mais alta; a caudal é arredondada. Diversificam muito os individuos d'esta especie no colorido, sendo dificil descrevel-os mesmo na ge- neralidade, podendo, dizer-se, todavia, que são de um amarello alaranjado, mais escuros no dorso, e menos nos flancos, principalmente na região abdominal; a cabeça e a parte anterior da região dor- sal são de um azul esverdeado, por ve- zes de um trigueiro violaceo, tendo na cabeça, nos operculos e nas partes lateraes do corpo tres faxas largas azu- ladas. A barbatana dorsal é azulada na parte anterior, no resto côr de laranja, e pos- teriormente orlada de azul; a caudal é azul ou amarella no centro, com as E NOM À == NANA) E OR o q ao PR A SA SM WS A MARAVILHAS DA CREAÇÃO extremidades azuladas. As outras barba- tanas são de côr alaranjada e por ve- zes bordadas de azul. A femea differe muito do macho na côr, pois é, de ordinario, de um verme- lho mais ou menos desvanecido, nos flancos tirante a côr de rosa, e comple- tamente branca na região abdominal. A margota, labrus bergylta, tem o corpo mais alto, e a barbatana dorsal baixa na parte dos raios espinhosos, muito mais alta na dos raios brandos, e arredon- dada. A margota varia muito no colorido, sendo umas vezes d'um pardo azulado, d'um vermelho mais ou menos sobre o escuro, ou azul com reflexos esverdea . dos no dorso ; os flancos são mais claros, e o corpo é semeado de malhas amarellas alaranjadas. Tem a cabeça d'um azul es- AE A Aa br. u.º 489 — O bodião ou canario verdeado nas partes superiores, os beiços verdes amarellados. Mede de 0",30 a 07,35 de comprimento. Só no mar, podendo observal-os nos sitios onde a agua se conserva tranquilla, ao abrigo dos rochedos, se consegue ad- mirar as lindas córes d'estes peixes, pois perdem-n'as quasi totalmente e todo o brilho que alli ostentam, ao serem tira- dos do elemento em que vivem, mor- rendo promptamente. Abundam no Oceano e no Mediterra- neo, e as especies que acabamos de des- crever são vulgares nos nossos mercados, apparecendo todo o anno. Reunem-se proximo da costa sem toda- via formarem grandes cardumes, e alimen- tam-se de pequenos crustaceos, mesmo dos de crosta dura, taes como o caran- guejo e a lagosta, que os bodiões conse- guem facilmente partir. Na primavera buscam os sitios abun- dantes em algas marinhas para alli as femeas desovarem, podendo os peque- nos ao nascer encontrar abrigo não só contra a violencia das vagas como tam- bem furtarem-se á voracidade dos seus inimigos que são em numero conside- ravel. A carne d'estas especies é branca e rija e diz-se bastante agradavel. A JUDIA de Cuvier e Valenciennes—Za girelle commune, dos francezes Julis vulgaris, Brito Capello menciona no seu cata- logo duas especies do genero Julis como apparecendo nos nossos mercados, a citada e outra com o mesmo nome vulgar, o ju- lis pavo. Tcem estes peixes o corpo comprimido e de fórma oblonga, coberto de escamas pequenas, á excepção da cabeça; uma unica barbatana dorsal. Do genero Julius, a que pertencem as duas especies citadas, conhecem-se cem especies, vivendo principalmente nos ma- res das regiões quentes do globo, sendo notaveis estes peixes pelas córes brilhan- tes e variadas que os ornam. A judia, julis vulgaris, é um dos mais bellos peixes do mar, de corpo alongado e fusiforme, com o focinho pontudo; é d'um bello verde com reflexos metallicos nas partes superiores do corpo, que n'al- guns individuos são azuladas. Os flancos d'um azul violaceo com uma larga faxa longitudinal amarella mais ou menos es- cura e recortada nas extremidades, e na maior parte das vezes côr de laranja; o ventre prateado ou d'um amarello des- lavado. Nos lados da cabeça observa-se por vezes a côr azul violacea dos flancos, mas d'ordinario são d'um amarello alaranjado com reflexos doirados. ti DN dl À f = a h uy eSS)) ess AN à VE O PEIXES — e JUDIA | 405 Tem a barbatana dorsal bordada de côr de laranja, na base amarella clara, e na membrana que prende os primeiros raios espinhosos uma malha azul violeta tendo em volta um circulo vermelho ; a barbatana caudal é violacea na extremi- dade e amarella mais ou menos escura na base. Varia muito nas córes este peixe, e é de pequenas dimensões. A judia, julis pavo, tem o focinho curto e arredondado. E” d'ordinario verde ou trigueira matizada d'amarello, com re- flexos doirados e faxas verticaes verdes, e em cada escama uma pequena estria ver- melha. A barbatana dorsal tem faxas azues, verdes ou vermelhas, e a caudal é azul com os raios matizados de ver- melho. Vivem estes peixes d'ordinario proxi- mos da costa, na visinhança das rochas, onde encontram em abundancia os mol- luscos e crustaceos dc que se alimentam, e cujo envolucro conseguem facilmente destruir com os dentes rijos e conicos. Rad a 35 o, VOL. IH PEIXES ORDEM DOS MALACOPTERYGIOS ABDOMINAES Dissemos já que ao inverso dos acantho- pterygios, peixes de que acabamos de fa- lar, e que nas barbatanas teem raios es- pinhosos, os malacopterygios os teem bran- dos e flexiveis. Por outros caracteres, po- rém, divide-se este grande grupo em tres ordens, das quaes a mais importante é a dos malacopterygios abdominaes, cujo ca- racter especial é terem as barbatanas abdo- minaes situadas na parte posterior do cor- po, atraz das peitoraes. Comprehende-se n'esta ordem a maior parte dos peixes d'agua doce, e avultado numero de especies maritimas. Gr. n.º 486 — O siluro Seguiremos conforme o nosso plano na descripção d'algumas especies mais im- portantes e conhecidas. O SILURO, OU BAGRE DA EUROPA Siluris glanis, de Linneo.— Le silure, dos francezes Os bagres formam um grupo de peixes d'agua doce comprehendendo diversos generos e numerosas especies, na maior parte de grandes dimensões, abundantes nos rios dos paizes quentes, encontran- do-se todavia alguns nas regiões frias do globo e a grandes altitudes. Uma unica especie, a citada, vive na Europa. Os siluros são os maiores habitantes das aguas doces da Europa, d'ordinario medindo 12,35 a 22, e citam-se alguns PEIXES — O SILURO,OU BAGRE DA EUROPA 407% excedendo muito estas dimensões. No rio Volga diz-se existirem d'estes peixes com k e 8 metros, e fala Lacépéde d'um, visto na Pomerania, perto de Limritz, cuja bocca tinha o diametro necessario para dar passagem a uma creança de seis annos. Os siluros teem a cabeça grossa e acha- tada; a bocca muito rasgada, com as maxillas armadas de numerosos dentes, tendo seis barbilhões ; os olhos são peque- nos e a grande distancia um do outro. O corpo é alongado, sem escamas, com uma unica barbatana dorsal, grosso no dorso e no venire e coberto de certo humor viscoso. Na parte superior é d'um triguei- ro pardaço mais ou menos tirante a verde escuro, com os flancos mais claros e o ventre amarellado ; os beiços bor- dados de vermelho, e as barbatanas d'um trigueiro mais ou menos escuro. Encontra-se este peixe na maior parte dos grandes rios do norte da Europa: no Rheno, no Danubio, no Volga, no Elba, e n'alguns lagos taes como o de Harlens na Hollanda e Neuchatel na Suissa, ha- vendo-se feito nos ultimos tempos tenta- tivas para acclimal-o n'alguns pontos da França, e aguardando-se que tenham feliz exito. A carne do siluro é gorda, branca e doce, agradavel ao paladar no dizer de Lacépéde, mas de dificil digestão ; n'al- guns paizes vende-se nos mercados prin- cipalmente para lhe aproveitarem a gordu- ra que substitue a do porco. Da visicula natatoria faz-se excellente colla, e nas mar- gens do Danubio a pelle secca ao sol de ha Gr. n.º 487 — À carpa muito substitue o toucinho para os ha- bitantes pobres d'aquelles sitios. Conta-se que o siluro é muito voraz, não poupando nenhum dos outros peixes á excepção da perca, e a esta pelos espi- nhos que lhe servem de defesa. Vão, po- rém, mais além os crimes que lhe attri- buem, pois d'elle se contam os seguintes casos a que o leitor dará o credito que quizer. Em 1700 um pescador apanhou um si- luro perto de Thora, encontrando-se-lhe no estomago uma creança ; e na Hungria citam-se muitos casos de creanças devo- radas por estes peixes na occasião de entrarem no rio para encher os cantaros. Diz-se mais que nas fronteiras da Turquia foi pescado um siluro tendo no estomago o corpo d'uma mulher, encontrando-se a esta na algibeira do vestido uma bolsa com dinheiro, e um anel n'um dos dedos Teem os siluros habitos sedentarios, e de preferencia conservam-se enterrados na vasa ; agitando os barbilhões attrahem os outros peixes, que vindo em cata d'uma supposta presa, desapparecem na enorme bocca do seu voraz inimigo. 4 Dos siluros citaremos ainda o siluro electrico, que se encontra em muitos rios do interior da Africa, um peixe grosso e curto com o tronco arredondado e a ca- beça achatada, de 07,20 a 07,60 de com- primento, notavel pelo apparelho electrico que serve para entorpecer os outros peixes podendo devoral-os mais facilmente, simi- lhante ao das tremelgas e gymnotos, de que adiante falaremos, e por esta occa- sião diremos então ao leitor o que em geral se entende por peixes electricos. A carne do siluro electrico diz-se ser boa, posto que pouco sadia. 408 mms ce À CARPA Cyprinus carpio, de Linneo — La carpe commune, dos francezes Esta especie, typo do genero Cyprinus, é vulgar em Portugal e vive nas aguas doces. E' conhecida vulgarmente por sal- mão, confundindo-se d'esta sorte com o peixe a que este nome realmente perten- ce e de que adiante falaremos. Tem o corpo alto e comprimido lateral- mente, coberto de grandes escamas ; ca- beça de forma pyramidal, bocca pequena com dois pares de barbilhões, um situado no beiço superior e o outro mais longo nos cantos da bocca. A unica barbatana dorsal é situada na parte posterior do corpo, pouco elevada, comprida, com o primeiro raio osseo e dentado á ma- neira d'uma serra. Tem a carpa o dorso d'um trigueiro azeitonado e doirado enfraquecendo gra- dualmente nos flancos, e o ventre branco amarellado ; as barbatanas abdominaes e a caudal por vezes matizadas de côr de violeta, e a anal vermelha. Ha a notar que esta forma de colorido pode soffrer notaveis modificações, accomodadas ao genero d'agua em que o peixe viver. Mede 07,35 de comprimento. Existem d'esta especie muitas varieda- des, e no nosso paiz encontra-se a varie- dade Regina, que differe por ter o corpo menos elevado e mais sobre o comprido. Este peixe foi conhecido dos antigos, e é muito commum nas aguas doces de quasi todos os paizes da Europa, com excepção dos mais septentrionaes. Por toda a parte se multiplica extraordinariamente, e pros- pera da mesma sorte nos grandes rios ou nos pequenos tanques. E uma das espe- cies d'agua doce mais estimadas pela bel- leza do colorido, excellencia da carne, rapido desenvolvimento dos pequenos, e extraordinaria fecundidade, até mesmo prodigiosa, podendo contar-se até dez mil ovos n'uma femea das maiores, nu- mero que muitos autores consideram ainda bastante diminuto. No primeiro anno este peixe cresce ra- pidamente, e aos oito ou dez mezes at- tinge 07,20 a 07,25 de comprimento ; depois o crescimento opera-se mais va- garosamente, apparecendo todavia dºes- tes peixes com dois e tres kilogrammas. Na Prussia alcançam em geral o peso de vinte kilogrammas, e mesmo de quarenta e cinco na Suissa, no lago de Zug. MARAVILHAS DA CREAÇÃO São notaveis as carpas pela sua longivi- dade, e cita Buffon as dos fossos de Pont- chartrain com cento e cincoenta annos. Affirma-se que nos lagos do jardim real de Charlottenbourg, proximo de Berlim, exis- tem d'estes peixes com duzentos annos, ha- vendo até quem pretenda que os que habi- tam nos tanques de Fontainebleau, enor- memente volumosos, datam do tempo de Francisco 1, isto é, teem a bagatella de trezentos e cincoenta annos. Esta extraor- dinaria longevidade é, porém, negada por alguns naturalistas. Em Portugal ninguem se dedica á crea- cão d'estes e outros peixes, como acontece n'outros paizes, onde se lhes prepara em tanques especialmente destinados para esse fim alimento conveniente, semeando certos vegetaes aquaticos no fundo ou proporcionando-lhes substancias que in- fluem não só na sua maior nutrição como tambem no sabor da carne. Gostam as carpas muito de leite coalhado, sopas de vinho, etc., e diz-se que assim ali- mentadas podem ser transportadas d'uns para outros pontos, fóra d'agua, tendo o cuidado de collocal-as sobre musgo e con- servando-o sempre humido. Contribue para isto a vida tenaz que teem estes peixes, que mesmo depois de escamados e cortados em postas se agitam ainda por algum tempo. O PEIXE DOIRADO Cyprinus auratus, de Linneo — Le poisson rouge dos francezes Entre nós poucas serão as pessoas que não conheçam estes peixes, que bem po- demos dizer domesticos, pois repetidas vezes se guardam nos nossos aposentos em bocaes de vidro, expressamente feitos para servirem de carcere a tão lindos prisio - neiros. Duas palavras da sua biographia. São naturaes da China, da provincia de Tche-Kiang, e alli se denominam Kin-gu. Diz Yarrell que depois da des- coberta da India foram os portuguezes os primeiros que trouxeram estes peixes para o Cabo da Boa Esperança, onde ainda hoje são bastante communs, e d'aqui vieram para Lisboa. Os primeiros que entraram em Fran- ça foram enviados pelos directores da Companhia das Indias á senhora de Pom- padour. Hoje são communs em todos os pontos do globo, e pelas suas brilhantes córes e graciosas evoluções captivam a attenção de quantos os observam. Na China onde este peixe se encontra em todas as casas de distincção, e diz-se que nos tanques dos palacios reaes se vêem alguns com 0",50 de comprimento, conhecem-se, no dizer de Sauvigny, oi- tenta e nove variedades, differindo prin- cipalmente no numero das barbatanas, e algumas variedades notaveis por as terem duplicadas. A uns falta a barbatana dor- sal, outros teem-n'a muito desenvolvida, alguns ha com os olhos singularmente sai- dos das orbitas. Das córes é bastante diffi- cil affirmar ao certo quaes sejam, tanto variam, e só em geral se pode dizer que os novos são trigueiros azeitonados, e os adultos tomam gradualmente a bella côr vermelha doirada que os caracterisa ; ha- vendo-os tambem malhados de preto, PEIXES — O BARBO 409 esverdeados, côr de rosa, e prateados. O peixe doirado alimenta-se de subs- tancias vegetaes, de vermes e d'insectos, e nos tanques e mesmo os que vivem em vidros proprios podem alimentar-se de migalhas de pão, gemma d'ovo co- zido, moscas e caracoes extrahidos da casca. Para um chinez é diversão muito do seu gosto dar a estes peixes um verme, por vezes maior do que elles, e vêl-os, vorazes como são, correr atraz do que primeiro apanhou a preza, procurando alcançal-a pela extremidade livre para a subtrahirem ao primeiro possuidor. Posto que na China e nalguns outros pontos sirvam estes peixes de alimento, são geralmente tidos por toda a parte como agradavel passatempo. Gr. n.º 488 — Ablette 0 BARBO Barbus fuviatilis', de Cuvier e Valenciennes. — Le harbeau commun dos francezes Os peixes do genero Barbus são conhe- cidos pelo corpo alongado, maxilla supe- rior com dois barbilhões na frente e dois aos cantos da bocca, e mais longa do que a inferior; as barbatanas anal e dorsal curtas, e esta com um raio osseo dentado na frente. Vivem estes peixes nas aguas doces da Europa, sendo communs em Inglaterra nos rios Trent e Tamisa, na Alemanha, no Rheno, no Elba e no Danubio. Encontra- se abundante tambem no Nilo e nos rios da India, conhecendo-se mais de ses- senta especies. Brito Capello cita duas especies exis- tentes em Portugal, conhecidas uma com o nome vulgar de barbo e outra com o de CUVA. A especie citada é esverdeada no dorso, | com os flanços prateados ou doirados se- gundo a edade, semeados de pequenas ma- lhas annegradas; o ventre branco. As barbatanas peitoraes são amarellas, as ab- dominaes, a anal e a caudal d'um ver- melho mais ou menos deslavado. Mede 0”,75, havendo destes peixes no Elba que medem 1”, e 47 60. Diz-se que no rio Volga pescam-se pesando 20 a 25 kilo- grammas. Os barbos buscam o alimento no fundo com o auxilio dos barbilhões, e consiste este em vermes, insectos, molluscos, sub- stancias animaes em decomposição e ou- tras vegetaes; na primavera, epoca da desova, unem-se em bandos, as femeas na frente, após os machos adultos, e os novos fechando a columna. As femeas põem os ovos nas pedras. Na maior parte dos rios da Europa, preferindo as aguas correntes, e encon- trando-se numerosos em França, no Sena, no Loire, no Mosella etc., vivem uns pe- - 410 quenos peixes, de corpo esguio, compri- mido Jateralmente, com o dorso dum verde metallico e o ventre branco pra- tcado. Medem regularmente de 0",15 a 07,18. Denominam-n'os os francezes ablettes e no nosso paiz não sendo conhecido este peixe do genero Leuciscus, não tem no- me vulgar. Não tem valor algum a carne d'esta es- pecie, mas utilisam-se as escamas do ven- tre valendo aproximadamente uma libra por kilogramma. D'ellas se obtem a sub- stancia com que se fabricam as perolas falsas. Para obler esta substancia, que em França se chama essence d'Orient, segue- se o seguinte processo. Um certo numero de creanças e mu- lheres empregam-se em escamar o pei- xe com todo o cuidado, aproveitando só as escamas do ventre, pois as do dorso nada valem' pela sua côr esverdeada, c depois de bem lavadas são batidas e tri- turadas n'um vaso com pouca agua. O producto realisado por esta forma é pas- sado por uma peneira para o separar das escamas, deixa-se assentar e lava-se de novo, obtendo uma especie de pó muito fino, como que impalpavel, a que se addiciona uma certa quantidade de ammoniaco para o preservar de toda a decomposição animal, e sendo depois di- luido numa dissolução de gelatina é introduzido e fixado em pequenas bo- las de vidro, convenientemente prepara- das, obtendo-se d'esta sorte imitar as ver- dadeiras perolas. Parece ter sido um conteiro de Paris o primeiro que descobriu o fabrico das perolas artificiaes ; mas no começo d'esta industria eram as perolas feitas de cera e cobertas com o preparado obtido pela forma que dissemos, o que as tornava de facil deterioração. Existem fabricas de perolas falsas em França nas povoações marginaes d'alguns rios onde abundam estes peixes, e esta industria occupa hoje numerosos opera- rios, principalmente do sexo femenino. «A exportação annual deste producto, diz Figuier, eleva-se hoje a mais de réis 180:0008000, e na exposição universal de 1867 appareceram perolas falsas obti- das pelo processo indicado difficeis de distinguir das perolas finas. “São necessarios quatro mil peixes para obter meio kilogramma de escamas, e es- MARAVILHAS DA CREAÇÃO tas apenas fornecem a quarta parte do seu peso da substancia conhecida, como dis- semos, pelo nome de essenciado Oriente. O LUCIO Esox lucius, de Linneo — Le brochet commun, dos francezes O lucio é a unica especie do genero Esox que vive na Europa, encontrando-se principalmente nos lagos, rios e ribeiras dos paizes septentrionaes, muito abun- dante na Suecia, na Noruega, na Rus- sia, commum na Europa central, faltando em Hespanha, e em Portugal não o ve- mos citado no catalogo do nosso natu- ralista Brito Capello. O lucio é denominado tubarão das aguas doces, tamanha é a sua voracidade, pois não só devora os pequenos peixes de agua doce, como tambem os da sua especie, e até os mamiferos pequenos, as aves aqualicas e os reptis. Muitas pes- soas teem sido mordidas por este peixe, e recebido ferimentos bastante graves nas pernas ou nas mãos, por occasião de atravessarem os rios a vau ou quando alli lavam roupa. Antes de narrarmos diversos factos interessantes e que servem de prova á voracidade do lucio, façamos a sua des- cripção. Individuos ha, raros, que medem 2”, mas regularmente attingem 0”,75 e mes mo 1”. Teem o corpo alongado, quasi da mesma altura junto á cabeça ou à barbatana caudal; com a cabeça muito achatada e o focinho longo; bocca bas- tante rasgada, armada de dentes numero- sos € rijos, que são o terror dos outros pei- xes de agua doce; a barbatana dorsal é situada na parte posterior do corpo pro- xima da caudal. Tem a cabeça e a parte superior do corpo d'um verde azeitonado, mais ou menos escuro; os flancos mais claros, com reflexos amarellados, cortados de faxas esverdeadas, dispostas irregular- mente; ventre branco Voltando á enorme voracidade do lu- cio, que o leva a atacar tudo quanto vê agitar-se na sua frente, reproduziremos o que a tal respeito escreve L. Figuier. «Conta Boulker, na sua Arte de pescar ao anzol, que seu pace, tendo apanhado um lucio do peso de desoito kilogram- mas, o offereceu a lord Cholmondley. Em má hora o lord recebeu a offerta, PEIXES — O AGULHÃO, O LUCIO porque lançando o lucio no seu viveiro, abundantissimo em peixes, ao fim de um anno tinham todos desapparecido devo- rados pelo lucio, que apenas poupara uma carpa de quatro a cinco kilogrammas de peso, e esta mesmo já mordida gra- vemente.» Tem-se visto o lucio arremessar-se aos patos e a outras aves aquaticas e arras- tal-os debaixo d'agua. Narra certo cacador que atirando ás gralhas e tendo uma caido na agua, fóra á sua vista devorada por um lucio. De um d'estes peixes se conta que morrera engasgado por querer engulir outro da sua especie, grande de mais para ser de- vorado de uma só vez. Outro lucio, em Trenton, n'um ca- nal pertencente a lord Grower, no mo- mento em que um cysne mergulhava a cabeca, arremessou-se a clle e apertou- lhe com tanto vigor o pescoço, querendo devoral-o a todo o custo, que um e ou- tro, mal feridos pelo ataque e pela de- feza, morreram pouco depois. Diz-nos ainda Walton que um dos seus amigos observara em certo dia um lucio esfaimado lutando com uma lon- tra. O caso era que a lontra havia pes- cado um salmão, e preparava-se para o festim; mas um lucio que antecipada- mente cubicara a mesma presa e a es- preitava a distancia, furioso por vêr esta escapar-lhe em proveito alheio, arremes- sou-se ao nariz da lontra, e quiz arran- car-lhe a victima. D'aqui seguiu-se a lu- ta, mas é certo que o lucio não levou a melhor n'este combate singular ! Muitos autores dizem que póde este pei- xe viver longos annos, e affirma-se que mais de cem. Conrad Gesner, um dos na- turalistas do seculo xvr, na sua historia dos animaes, cita um lucio que viveu no lago de Kayserweg com 267 annos. Ave- riguara-se a edade do animal ao encon- trar-se-lhe um annel em volta do corpo com a seguinte inscripção em lingua gre- ga: Fui o primeiro peixe que m'este lago en- trou, e aqui lançado pela propria mão do senhor do mundo, Frederico II, a 5 d'ou- tubro de 1230. Lutando com a escassez d'espaço, ainda assim não podemos resistir ao desejo de dar conhecimento aos nossos leitores da seguinte anedocta, narrada n'uma memo- ria apresentada pelo doutor Warwich á Sociedade litteraria e philosophica de Li- 411 verpool em 1850. O caso a dar-se prova que o lucio por mais voraz que seja não é absolutamente privado d'intelligencia. «Estando eu em Durham, passeando certo dia no parque do conde de Stemen- ford, abeirei-me do lago onde era d'an- temão lançado o peixe destinado ao con- sumo dos habitantes do palacio. Cha- mou-me a altenção um bello lucio aproxi- madamente de tres kilogrammas de peso, que vendo dirigir-me para elle se preci- pitou na agua como uma flecha. Na fuga bateu com a cabeça no gancho de ferro d'um poste de madeira, e mais tarde averiguei que havia fracturado o craneo e offendido o nervo optico. O ani- mal dava indicios de soffrer dores ter- riveis, pois arremessava-se ao fundo, en- lerrava a cabeça na vasa, e andava á roda com tal velocidade que por momentos cessei de vel-o; mergulhava ora n'uma parte ora n'outra, até que veiu parar á borda do lago completamente fóra d'agua. Pude então examinal-o e ver que uma parte diminutissima do cerebro saía pela fraclura do craneo. Com todo o cuidado repuz o cerebro no seu logar, e auxiliado d'um palito de prata colloquei convenientemente as par- tes dentadas do craneo. Durante a opera- ção o peixe conservou-se tranquillo, de- pois d'um salto mergulhou no tanque, e ao fim d'alguns minutos appareceu de novo mergulhando successivamente em diver- sos pontos, até que se arremessou nova- mente fóra d'agua, repetindo estes mo- vimentos muitas vezes seguidas. Então chamei o guarda, e por elle auxiliado, pude applicar ao peixe uma ligadura no sitio da fractura, depois do que o lança- mos no tanque abandonando-o d'esta vez á sua sorte. No dia seguinte de manhã aproximan- do-me do tanque onde estava o lucio, vi-o abeirar-se do sitio onde eu parava, e em seguida descançar a cabeça nos meus pés. O facto era realmente extraor-- dinario, mas sem mais commentarios tra- tei d'examinar a ferida, e conhecendo que ia em via de cura, deixei o peixe e conti- nuei o meu passeio ao longo do tanque. O lucio, porém, acompanhou-me nadando na direcção dos meus passos, e quando em certo ponto voltei pelo mesmo cami- nho, o peixe imitou-me, e como d'esta vez era o olho inutilisado o que estava virado para 0 lado por onde eu seguia, mostrava pela sua agitação quanto isso 412 lhe era desagradavel, e assim praticando todas as vezes que me acompanhou n'esta mesma direcção. Convidei alguns amigos para no dia seguinte observarem este facto, e o lucio ao ver-me nadou para mim como fizera no dia anterior. Com o tempo ganhou tal docilidade que bastava eu assobiar-lhe para vel-o apparecer, e da minha mão acceitava o comer que lhe offerecesse. Estes factos, porém, davam-se excepcio- nalmente comigo, pois de resto continuou a ser para todos timido e arisco como sempre o fôra.» A carne do lucio é saborosa, e n'al- guns pontos salgam este peixe para ser transportado a distancia. Em paizes onde primitivamente não existia, como por exemplo em Inglaterra, foi introduzido e MARAVILHAS DA CREAÇÃO ahi se multiplica, mas em sitios onde sc não pretende conservar outras especies de peixes, pois pela sua enorme voraci- dade as destruiria em breve. Da familia dos lucios, genero Stomias, existe no Mediterraneo um peixe real- mente curioso, com o corpo alongado, es- treito e comprimido ; a cabeça similhante à das serpentes, focinho muito curto, boc- ca extraordinariamente rasgada, dentes pouco numerosos mas longos e recur- vos, e um barbilhão por baixo da ma- xilla inferior. Não é conhecido no nosso paiz, pois como dissemos só se encontra no Medi- terranco, e á falta de nome vulgar con- servar-lhe.hemos, á imitação dos autores Gr. n.º 489 — O stomias boa francezes, o nome scientifico stomias boa (Grav. n.º 489). Tem o corpo coberto d'escamas peque- nas, d'um azul annegrado muito escuro no dorso e no ventre, mais claro nos flan- cos. Mede 07,16. A carne é molle e de mau gosto e passa na opinião dos pescadores por ser vene- nosa, facto que não está provado. O sto- mias boa, muito frequente nos mares da Italia, é alli conhecido dos pescadores por peixe diabo e vibora do mar, nomes que provam a aversão que elles lhe teem. O PEIXE AGULHA . Belone vulgaris, de Cuvier e Valenciennes L'orphie vulgaire, dos francezes Do genero Belone existem numerosas especies dispersas por todos os mares, e só uma se aproxima das nossas costas, a citada, conhecida dos pescadores pelo no- me de peixe agulha. Teem estes peixes a justificar-lhes o nome o corpo estreito e muito alongado ; arredondado no dorso e e com o ventre comprimido; a cabeça longa, achatada superiormente, e o focinho muito com- prido com a maxilia inferior muito mais longa do que a superior, armadas de dentes pequenos e numerosos. A barba- tana dorsal é situada muito alraz, curta e pouco elevada, com dezesete raios sendo os primeiros mais altos. Tem as partes superiores da cabeça € o dorso d'um verde azulado com reflexos metallicos, os flancos mais claros, o ven- tre branco, as barbatanas dorsal e caudal pardas, as restantes brancas. Mede 07,65 de comprimento, affirmando-se que exis- te uma especie de peixe agulha com 3” PEIXES — O PEIXE VOADOR, O HARENQUE 413 de longo, sendo a sua mordedura para re- ceiar. Vive o peixe agulha em cardumes, e na- da muito á superficie da agua, moven- do-se com grande rapidez. A carne é boa, postoque para muitas pessoas se tor- ne d'antemão desagradavel pela cór verde das espinhas. Em Inglaterra é muito es- timada e faz-se d'este peixe largo consu- mo. O PEIXE VOADOR Exocetus lineatus, de Bloch— L'exocet fuyard, dos francezes Com o nome de peixe voador descre- vemos já uma especie do genero Dacty- | | | | | | lopterus, da ordem dos acanthoptervgios, não conhecido nos nossos mares, mas pelo mesmo nome é vulgarmente conhecido no nosso paiz a especie do genero Exo- cetus acima citada, rara nos nossos mer- cados. Estes peixes teem o corpo alongado, ar- redondado no dorso e na região abdo- minal, um pouco comprimido nos flan- cos; a cabeça longa, larga e achatada na parte superior e comprimida aos lados, o focinho curto e arredondado, a bocca pequena e os olhos muito grandes. E' notavel principalmente pelo grande de- senvolvimento das barbatanas peitoraes, em forma d'azas, permittindo-lhe ele- var-se a cima da agua e fugir dos ini- Gr. n.º 490 — O peixe voador migos que o perseguem no seio das on- das. Quantas vezes, porém, fugindo aos dentes do tubarão, vae o pobre peixe voador dar de frente com o albatroz ou com a fragata, os quaes pairando á su- perficie das aguas aguardam o momento de se lhe arremessarem para o devorar. O privilegio que a natureza concedeu a este peixe de sair do seu elemento habitual, podendo elevar-se nos ares á altura d'um metro, e no pouco tempo que dura o vôo percorrer ainda assim distancia con- sideravel, se por vezes é a salvação é n'outras a sua perda, e diremos como Figuier que a natureza lhe tira com uma mão q que com a quira lhe deu ! O peixe voador da especie citada tem o dorso cinzento azulado muito escuro, e mais claro nos flancos onde a cór é francamente o azul prateado do aço; o ventre é branco prateado. Uma faxa es- cura a partir da base da barbatana pei- toral estende-se por todo o corpo até á caudal. Mede este peixe 0,30 de com- primento, e alguns individuos mais. A carne é boa e de bom sabor. O HARENQUE Clupea harengus, de Linneo — L'hareng commum, dos francezes Os harenques são o genero typo d'uma das familias dos peixes mais uteis ao ho- mem, pela parte importante que tomam na sua alimentação as diversas especies n'ella comprehendidas; basta eitar entre todas, além do harenque, as sardinhas, os 414 saveis, as anchovas, etc. de que adiante falaremos. Os harenques são nas formas muito similhantes à sardinha, e isto dispensa- nos de maior descripção, mesmo porque muitos dos nossos leitores os terão comido ou pelo menos devem tel-os visto salga- dos e empilhados nos barris onde se ex- põem á venda. Se conhecem a sua con- formação, ignoram porém que o haren- que é d'um azul esverdeado nas partes superiores do corpo, com os flancos pra- teados e o ventre branco ; as faces e os operculos prateados, e muitas vezes com reflexos doirados. Mede aproximadamente 0",30 de comprimento. O harenque encontra-se em grande quantidade no oceano boreal, isto é, nas bahias da Groenlandia, da Islandia, da Laponia e das ilhas Féroe; apparece e é abundantissimo nos mares da Noruega, da Suecia, da Dinamarca, existindo tam- bem no Baltico, nas costas da Inglaterra, e nas da França até á foz do Loire, não passando d'ahi para o sul, e sendo des- conhecido nas costas de Hespanha e de Portugal. Os harenques encontram-se aos cardu- mes, e é prodigiosa a quantidade d'es- tes peixes que por vezes se observa nos mares do Norte, emigrando d'uns para outros pontos. Conta Valenciennes d'um pescador de Dieppe que encontrando-se com um bando de harenques a vinte ki- lometros ao noroeste da ponta d'Ailly, n'um fundo de dezoito braças, observou- os formados em columnas regulares, pa- rallelas, na extensão de mais d'um kilo- metro. Caminhavam para oeste, e lão à flor d'agua iam, que facil era distinguir os individuos que as compunham. Teem sido vistos estes peixes em noites de luar, com o tempo sereno, formados em columnas de cinco ou seis milhas de comprimento por tres ou quatro de lar- gura, avançando quasi à superficie da agua, e figurando immenso tapete pra- teado onde brilham os reflexos da saphi- ra e da esmeralda. O brilho augmenta-se pelas scintillações phosphorescentes que se desprendem d'aquella massa de cor- pos vivos. Nas costas da Escossia, em 1773, foram por tal forma abundantes os harenques durante dois mezes, que, segundo os cal- culos exactos de que ha noticia, todas as noites se carregavam no golfo de Terri- don 1:650 barcos d'estes peixes, transpor- MARAVILHAS DA CREAÇÃO tando aproximadamente vinte mil tonela- das de peso. Mais tarde appareceram em tão pro- digiosa quantidade na costa occidental da ilha de Skya, que se tornou impossi- vel receber todos quantos vinham nas re- des. Depois de carregados os barcos e quando já todas as povoações haviam feito as suas provisões, o resto era lan- cado ás estrumeiras para adubo das terras. Outro facto similhante se deu em 1825 no golfo de Ulm, sendo invadido com- pletamente na extensão de mais de meia legua por cardumes d'harenques, de tal forma compactos, que trouxeram adiante de si numerosos peixes d'outras especies, vindo dar á praia na frente da primeira linha d'harenques, que ao impulso do grosso dos bandos alli veiu morrer, co- brindo completamente as margens do golfo. Explica-se a prodigiosa abundancia d'es- tes peixes pela maior existencia das fe- meas e pela sua espantosa fecundidade, avaliando-se a postura de 21:000 a 36:000 ovos. Posto que seja difficil calcular o numero dos ovos, é certo que na época em que os harenques se abeiram da costa para desovar, vê-se no baixa-mar o fundo coberto d'uma camada d'ovos por vezes de dois a quatro centimetros d'espessura. Nos movimentos que as fe- meas fazem para expulsar os ovos per- dem uma parte das escamas do ven- tre, e estas vindo ao lume d'agua figu- ram uma vasta toalha de prata cobrindo o mar. O harenque pela sua grande abun- dancia e baixo preço tem grandê parte na alimentação dos povos dos paizes se- ptentrionaes, sendo menos procurado nos paizes do meio dia onde o seu consumo é escasso. À sua pesca é pois uma das industrias mais lucrativas e das que em- pregam maior numero de braços n'alguns paizes do Norte. Os francezes, os dinamarquezes e os suecos apenas pescam na razão do con- sumo dos seus paizes; os inglezes, os hollandezes e os norueguezes abastecem não só os seus como tambem os mercados estrangeiros. «A quantidade de harenques que todos os annos pescam os nossos vizinhos d'além da Mancha é realmente enorme. Só do pequeno porto de Yarmouth saem quatrocentos barcos de 40 a 60 tonela- das, sendo os maiores tripulados por doze homens. O valor da pesca é aproximada- mente de 3:150 contos dos réis. Em 1857 tres d'estes navios, pertencentes a um uni- co proprietario, apanharam tres milhões setecentos e sessenta e dois mil peixes. Desde o principio d'este seculo os pes- cadores escossezes rivalisam com os in- glezes, e em 1826 aquelles empregavam já quarenta mil seiscentos e trinta e tres barcos, quarenta e quatro mil seiscentos e noventa e um pescadores e setenta e quatro mil e quarenta e um salgado- res. Em 1603 o valor dos harenques ex- portados pela Hollanda elevou-se a perto de 9:000 contos de réis, e occupavam- se n'esta pesca dois mil barcos e trinta e sete mil homens. Tres annos mais tarde encontramos as Provincias-Unidas com tres mil barcos pescadores, nove mil trans- portando os harenques para outros pai- zes, e o commercio d'este peixe precioso AM RUE 4 UA PEIXES — O SAVEL, A SAVELHA, A SARDINHA 415 dando emprego aproximadamente a du- zentas mil pessoas. Diz Bloch que no seu tempo os hollan- dezes salgavam seiscentos e vinte e qua- tro milhões d'harenques. Segundo uma locução dos Paizes Baixos Amsterdam for fundada sobre cabeças de harenques. Ainda hoje importante, a pesca hollan- deza está longe de igualar o esplendor de ha dois seculos. Em 1858 empregava noventa e cinco navios, em 1859 noventa e sete, e em 1860 noventa e dois. Em 1860 a pesca do harenque na Hollanda foi avaliada em 214:4128220 réis» (Mo- quin-Tandon).! O SAVEL Clupea aluusa, de Cuvier--- L'alose, dos francezes E' esta a especie typo do genero Alausa, que comprehende mais de vinte especies distribuidas pelos mares do novo e velho mundo, bem conhecido entre nós e abun- ds Gr. n.º 491 — À anchova dante no Tejo c outros rios de Portugal. O savel tem o corpo alto e comprimido aos lados, a cabeça relativamente pe- quena, a bocca muito rasgada, e olhos grandes; a maxilla inferior excede um pouco á superior. Tem as partes superior do corpo esver- deadas, os flancos e o ventre prateados com reflexos acobreados. Atraz dos ouvi- dos uma malha annegrada mais ou me- nos distincta nos diversos individuos. Alimenta-se de vermes, insectos c pei- xes pequenos; gosta de se aproximar da costa, ena primavera entra nos rios onde vae desovar. A carne do savel é excellente, e a dos individuos pescados na agua doce muito superior à dos apanhados no mar. A SAVELHA Clupee finta, de Cuvier — L'alose finte, dos francezes A savelha é muito parecida com o sa- vel, tendo o corpo mais alongado, as escamas mais pequenas, e os dentes mais vigorosos. Na cór differe pouco da es- pecie precedente, mas distingue-se á pri- meira vista pela existencia nos flancos d'- uma a seis malhas annegradas. A maneira do savel a savelha vem des- ovar na d'agua doce dos rios nos mezes da primavera, e n'essa epocha é vulgar mas menos abundante do que o savel. A SARDINHA Clupea pilchardus, de Bloch — La sardine, dos francezes A sardinha é um dos peixes mais vul- gares e abundantes nos nossos merca- dos, e pesca-se nas costas da Hespanha, da França e da Italia. Muito abundante no Mediterraneo, nas costas da Sardenha, parece derivar-se d'esta circumstancia o nome de sardinha que nós lhe damos, o ! Le Monde de la mer, 2.2 edição, pag. 508. 416 de sardina que lhe dão os hespanhoes, sardine os francezes e sardella os italianos. A sardinha tem as partes superiores do corpo d'um verde azulado, e os lados da ca- beça matizados d'amarello ; os flancos e o ventre prateados. Alimenta-se de peixes pequenos, de crustaceos e de molluscos, e na epoca da desova aproxima-se da costa em gran- des cardumes, sendo então mais ren- dosa a pesca d'este peixe. Finda a pos- tura retira-se para o alto mar. Todos nós sabemos que a sardinha é um peixe saboroso; e que no nosso paiz deve o pouco apreço que os ri- cos lhe dão á sua grande abundancia e baixo preco porque é vendido. Sem esta circumstancia seria tida em particular estima e considerada um dos melhores peixes. Faz parte importante da alimen- tação das classes pobres nas povoações situadas á beira mar, e é artigo impor- tante de commercio sendo exportada para o interior depois de salgada. Em França é valiosa a pesca d'este peixe, que, depois de preparado e conservado em azeite, é exportado, entrando no nosso paiz com o nome de sardinhas de Nantes. N'estas condições teem as sardinhas francezas o privilegio negado aos indivi- duos da mesma especie pescados nos nos- sos mares, o de apparecerem ás mezas dos ricos. A ANCHOVA OU BIQUEIRÃO Clupea encrasicholus, de Linneo — L'anchois dos francezes Este peixe, que mede de 0",12 a 07,15 de comprimento, tem o corpo muito alon- gado, arredondado no dorso e compri- mido na região ventral. À cabeça é grande, o focinho muito pontudo e a bocca bas- tante rasgada. Tem o dorso e as partes superiores da cabeça d'um verde mais ou menos es- curo, com os flancos e o ventre prateados. São muito abundantes as anchovas, não obstante a pesca activa que lhe fazem, e o grande numero que serve de pasto aos cetaceos e aos grandes peixes que as devo- ram. A anchova geralmente não se come fresca, e n'este estado tem pouco valor, mas sendo previamente salgada é de ex- cellente sabor e muito estimada. Pre- param-se pondo-as primeiro de salmoira, e depois tirando-lhes a cabeça e o in- terior acamam-se em barris ou caixas O asse É SE eee eme ee e mm am MARAVILHAS DA CREAÇÃO de folha, collocando alternadamente uma camada de anchovas e uma de sal. O SALMÃO Salmo salar, de Linneo.— Le saumor commun, dos francezes. A familia dos salmões é formada de grande numero de generos, cujos repre- sentantes vivem uns na agua doce, ou- tros alternadamente n'esta e no mar. Al- cançam certas especies de salmões grande corpo, e a carne é afamada pelo seu sa- bor delicado, dando motivo a importante commercio. Como caracteres geraes teem estes pei- xes o corpo escamoso, com uma barba- tana dorsal de raios brandos e atraz d'esta outra pequena barbatana adiposa, isto é, formada da pelle e no interior da gor- dura. As barbatanas abdominaes atraz das peitoraes; a hocca grande e sem barbi- lhões. Das especies existentes falaremos da citada, genero Salmo, conhecida no nosso paiz e vulgar nas provincias do norte de Portugal, e bem assim da truta, salmo faro, adiante discripta. O salmão tem o corpo alongado, o fo- cinho pontudo, a parte superior do cra- neo coberta de pelle lisa, o corpo co- berto de escamas pequenas, d'um azul ardosia, com os flancos prateados e a parte inferior do corpo d'um branco pra- teado nacarado, e bem assim as faces; à garganta é branca baça e tem na parte superior da cabeça e dos olhos, e nos operculos grandes salpicos negros, e no dorso e flancos malhas irregulares triguei- ras que desapparecem muitas vezes na agua salgada. De resto estas córes estão sujeitas a variar. Mede 07,80 a 1”, e pode em casos raros attingir 17,60. O salmão é uma das especies mais com- muns nas costas septentrionaes da Europa banhadas pelo Oceano, tornando-se raro nas lattitudes elevadas; encontra-se nas costas septentrionaes da America. E' abun- dante no Baltico, no mar Branco, no mar Caspio e até mesmo na Ásia. Parece que o salmão gosta d'abrigar- se nas grandes cavidades cavadas pelo mar ao longo das costas, e na epoca da desova, isto é, de junho ao fim de setembro, e n'esse tempo apresenta muitas vezes pelo corpo malhas vermelhas, penetra nos rios que vão desaguar ao mar, subindo-os à grande distancia da foz. PEIXES — O SALMÃO, A TRUTA 41% - A cauda do salmão é um verdadeiro remo movido por musculos vigorosos. Não o detem uma queda d'agua ou uma cata- racta de seguir o seu caminho, e na epoca propria de passar das aguas salgadas para as doces; curvando a columna verterbal forma uma especie de mola, e batendo de encontro à agua com violencia consegue elevar-se a quatro ou cinco metros no ar e transpôr assim o obstaculo Existem em Inglaterra quedas d'agua ce- lebres pelo salto do salmão. Na cidade de Pembroke a ribeira de Zing lança-se perpendicularmente no mar de grande altura, e é facil observar a força e destreza com que os salmões sal- tam a consideravel altura para transporem a cataracta e passarem do mar para as aguas doces da ribeira. Por maior, porém, que seja a pericia d'estes peixes a saltar, alguns erram e vão mem mm cair nos ramos d'arvores que os habitan- tes d'aquelles sitios collocam nos roche- dos convenientemente dispostos para re- ceber os menos peritos. Conta J. Franklin uma curiosa ane- docta, se não verdadeira pelo menos bas- tante espirituosa, mas que ambas as coi- sas pode ser passando-se o caso com um inglez, lord Lovat. Parece que o lord tendo observado que muitos salmões erravam o salto na que- da d'agua de Kilmorack, vendo-os cair nos rochedos, teve a ideia de collocar sobre uma ponta da rocha uma fornalha acesa e sobre ella uma frigideira. Aconteceu que alguns dos miseros salmões ao errar o salto foram alli cair, e d'este modo o lord pôde encarecer os grandes re- cursos do seu paiz, onde bastava accen- der o lume e preparar o azeite na frigi- deira para que o peixe alli fosse dar Gr. n.º 492 — O salmão poupando ao homem despeza e traba- lho. Chegado o outono os salmões abando- nam os rios e vão passar o inverno no mar, e no dizer de certos autores, no anno seguinte regressam ao sitio onde estiveram no verão anterior. As femeas no momento da desova ca- vam na areia regos de certa profundi- dade onde depositam os ovos, e teem mes- mo o instincto de preparar entre as pe- dras uma especie de ninho para servir de abrigo aos ovos e aos pequenos re- cemnascidos, vindo os machos fecundar os primeiros no sitio onde a femea os deposita. O salmão tem a carne vermelha, mas excellente e muito estimada. A sua pes- ca é de bastante importancia pelo va- lor que este peixe tem em fresco, ou pre- parado d'escabeche e salgado. Parece que n'outros tempos era o sal- mão por toda a parte mais commum do que hoje, sendo consideravelmente me- nor o seu valor. Na Escossia era tão abun- dante este peixe, que os moços de lavoira quando se assoldadavam punham por con- dição de lhe não darem salmão mais de tres vezes por semana. A TRUTA Salmo fario, de Linneo. — La truite commune, dos francezes A truta pelas formas assimilha-se ao salmão ; o corpo é alongado e cylindri- co, mais alto do que largo; a cabeça achatada e o focinho pouco alongado e obtuso; a bocca bastante rasgada. Tem uma barbatana dorsal pouco desenvol- vida, e outra adiposa á maneira do sal- mão, situada muito á parte posterior do corpo. Nenhum peixe é mais dado a grandes 418 MARAVILHAS DA CREAÇÃO variações no colorido do que a truta, va- riações que teem por causa a edade, a estação, o sexo, a natureza das aguas em que vive, e até mesmo a fundu- ra dellas. Em geral tem as partes su- periores do corpo d'um verde azeitona, desvanecendo-se gradualmente para os flancos, que se tornam quasi brancos, e com reflexos prateados no ventre; no dorso, nos operculos e na barbatana dor- sal tem malhas negras, e outras redondas nos flancos, d'um vermelho alaranjado com um circulo em volta mais claro. Pode attingir esta especie 07,50 de compri- mento. Encontra-se n'alguns rios do nosso ==" ss paiz, e Brito Capello cita exemplares do museu procedentes do rio Zezere. A truta gosta das aguas correntes e limpidas, nadando em geral contra a corrente, e á imitação do salmão vence saltando as grandes quedas d'agua. Gos- ta de abrigar-se nas cavidades que en- contra nas margens dos rios, e conser- va-se ahi por longo tempo tão tranquilla, que por vezes é possivel apanhal-a á mão. Alimenta-se de peixes pequenos e princi- palmente de insectos. A femea deposita os ovos n'uma espe- cie de ninho que fórma na areia, não os pondo todos no mesmo logar e desovando Gr. n.º 493 — À truta por differentes vezes com oito ou dez dias de intervalo. A carne da truta é tão boa como a do salmão, tendo a seu favor o ser branca. A TRUTA SALMONEJA Salmo truta, de Linneo — La trute de mer, dos francezes Esta truta, representada na nossa es- tampa, vive alternadamente na agua doce e na salgada, e aproxima-se nas fórmas mais do salmão do que da truta com- mum, de que se distingue perfeitamente pelo colorido. Tem as partes superiores do corpo d'um pardo azulado com os flancos pra- teados, e tanto n'estes como no dorso malhas annegradas, que se encontram tambem nos operculos e na barbatana dorsal, tomando por vezes a côr vermelha; o ventre branco. Alcança esta truta avantajadas propor- ções. pois sendo o seu peso ordinario quatro ou cinco kilogrammas, algumas ha que pesam quinze. Desova no mez d'outubro, e alimenta-se de vermes, in- sectos aquaticos e peixes. A carne da truta salmoneja é excellente e tema côr avermelhada da do salmão. MARAVILHAS DA CREAÇÃO PN RCE Impresso por Lallemant frêres. Lisboa. MC TPRUTAT SA EUEMONEdS A PEIXES ORDEM DOS MALACOPTERYGIOS SUB-BRANCHIAES Os peíxes comprehendidos n'esta ordem teem os raios das barbatanas brandos ou cartilaginosos, sendo as abdominaes si- tuadas muito perto das peitoraes, e arti- culando-se aos ossos das espadoas. E' esta ordem menos rica em generos e especies do que as antecedentes. O BACALHAU Gadus morrhua, de Linneo—Le cabiau ou morue vulgaire, dos francezes Das especies “do genero Gadus é a ci- tada que se encontra mais abundante e dá motivo á consideravel industria onde se empregam milhares de navios de dif- ferentes nacionalidades. Antes, porém, de seguirmos n'alguns promenores ácer- ca da importancia d'esta industria, e do modo porque se pesca o bacalhau nos mares onde é mais frequente, faremos a descripção d'esta especie; pois embo- ra seja um dos peixes de que se faz mais largo consumo, chega até nós de tal sorte mutilado que impossivel seria julgar das suas fórmas pelos despojos que nos apresentam. Tem o bacalhau o corpo fusiforme, alongado e mediocremente comprimido; a cabeça grande, comprimida, sem esca- mas; os olhos situados aos lados mas muito proximos um do outro; a bocca bastante rasgada com a maxilla inferior mais curta do que a superior. São tres as barbatanas dorsaes d'este peixe, duas as anaes, e as abdominaes, situadas sob a garganta, pequenas e agudas. Tem as partes superiores da cabeça e do corpo d'um pardo malhado de trigueiro aver- melhado, com os flancos mais claros, e o ventre branco. As barbatanas dorsaes e a caudal são escuras e maculadas de amarello, as peitoraes amarelladas, as abdominaes e anaes pardas. Mede regu- larmente de 0,"65 a 1,” havendo muitos individuos que attingem maior compri- mento. | O bacalhau só vive na agua salgada, nas grandes funduras, e abeira-se das costas tamsómente na época da desova. Seguindo a distribuição geographica d'esta especie, tal como a apresenta Lacé- pêde, temos que no Oceano existem duas vastas regiões preferidas por este peixe. À primeira limitada d'um lado pela Groen- landia e do outro pela Islandia, Noruega, costas da Dinamarca, Alamanha, Hollan- da, e norte e leste da Grã-Bretanha ; a segunda, conhecida mais modernamente, avizinha-se da Nova Inglaterra, Nova Es- cossia, principalmente da ilha da Terra Nova, junto da qual existe o famoso ban- co d'areia medindo aproximadamente du- zentas leguas de comprimento por ses- senta e duas de largura, e vinte a cem metros abaixo da linha d'agua, onde o bacalhau se encontra em innumeros car- dumes, existindo alli em abundancia os harenques e outros animaes de que se 420 alimentam. E' n'este banco, principal- mente, que os navios americanos, ingle- zes, francezes, hollandezes, norueguezes e suecos, e em tempo os portuguezes, pescam a quantidade prodigiosa d'este peixe com que fornecem os mercados de todos os paizes. O bacalhau é dos peixes mais vora- zes que se conhece; tudo quanto en- contra que se mova engole, mesmo que sejam bocados de pau ou outras substan- cias inuteis para seu alimento. D'aqui provém a facilidade de iscal-o com qual- quer substancia, até mesmo com pedaços de panno vermelho. A fecundidade d'esta especie é realmen- te prodigiosa, e só assim se póde compre- hender como se abastece o mundo d'este producto comestivel, hoje um dos impor- TIO o 4 VER MARAVILHAS DA CREAÇÃO tantes recursos da alimentação humana, li- mitada a pesca aos pontos que indicámos. Calcula-se que uma femea do bacalhau medindo 0,775 a 1,” de comprimento, póde conter nos ovarios nove milhões de ovos! Ainda assim a quantidade d'este peixe parece diminuir em certos pontos onde era em outras epocas mais abun- dante, tendo até desapparecido d'outros, sendo possivel que em epoca mais ou me- nos proxima seja mister ir em persegui- ção das especies antarticas do mesmo ge- nero, que pódem bem substituir esta. «A ilha da Terra Nova foi descoberta e visitada pelos norueguezes no seculo X e Xi, isto é, antes do descobrimento da America, mas só em 1497, depois da descoberta de Christovam Colombo, foi que o navegador Jean Cabot, tendo visi- Gr. n.º 494 — O bacalhau tado aquellas paragens, lhes deu o nome porque hoje se conhecem, e soube da existencia alli de grandes cardumes de bacalhaus. A Inglaterra e outras nações, após isto, trataram de explorar tão rica e vasta mina, e em 1578 enviava a Franca 150 navios ao banco da Terra Nova, a Hespanha 125, Portugal 50 e a Inglaterra 40» (L. Figuier). Hoje avalia-se de cinco a seis mil o numero de navios de todas as nações em- pregados n'esta pesca, e transportando a todos os pontos do globo trinta e seis milhões de bacalhaus preparados e con- servados por diversos modos. Mais de dois mil navios inglezes e aproximadamente trinta mil homens se empregam todos os annos n'esta industria. Nas costas da Noruega, da Russia ao cabo Lindesness, a pesca do bacalhau é fonte de uma industria e commercio im- portantes. Dá occupação a mais de vinte mil pescadores, tripulando cinco mil bar- cos, e avalia-se em mais de vinte milhões o numero de peixes entregues ao consumo d'aquelles paizes. «() bacalhau pesca-se á rêde e á linha. A rêde empregada na Terra Nova, e usada tamsómente nas proximidades da costa, é rectangular, guarnecida de chumbo na parte inferior e de cortiça na su- perior, com uma das extremidades em terra e a outra no mar, seguindo uma curva formada pelos barcos. Arrasta-se o peixe puxando as duas extremidades da réde, e por vezes d'um só lanço obtem- se a carga de muitos barcos. As linhas são de duas especies: linha de mão que cada pescador tem á direita e esquerda do barco, e linha de fundura formada por cordas muito fortes a que prende certo numero de linhas. par- PEIXES — O BACALHAU, A FANECA, O LACRAU DO MAR ciaes. A uma das extremidades da corda prende-se uma fateixa que a arrasta para o fundo, e à oulra uma ancora com um pequeno cabo amarrado a uma boia de cortica. Preparam-se d'esta sorte até tres mil anzoes. A isca é fresca ou salgada; a fresca fornecida pelo harenque ou pelo caplano, peixe pequeno que na primavera vem dos mares do Norte perseguido pelo ba- calhau. Fugindo aos innumeros cardumes dos seus inimigos, os caplanos dispersam- se por todos os mares que avisinham a Terra Nova em massas tão compactas, que por vezes as vagas veem deposital-as na areia da praia. A pesca mais importante do caplano, destinado a servir d'isca ás linhas de fun- dura, faz-se na costa da Terra Nova, e os habitantes d'estas paragens fornecem aquelle producto aos pescadores de baca- lhau que vão a S. Pedro. Os navios depois de receberem a bordo porção consideravel d'este peixe, largam de S. Pedro e aproando a nordeste se- guem na direcção do banco. Alli che- gados o capitão escolhe o sitio que julga mais conveniente para fundear, ficando o navio amarrado a longos cabos de linho, em quarenta ou sessenta bracas de fundo, e procede-se então ao pre- paro das linhas de fundura para serem lançadas ao mar. A todo o instante estas se levantam para recolher o peixe, e pos- tas as iscas onde faltem são de novo lancadas ao mar e assim successivamente. O primeiro preparo que o bacalhau re- cebe para não corromper-se consiste em abril-o, extrahir-lhe o interior, e depois de rasgado de alto abaixo é salgado e posto ás pilhas. Esta operação é feita si- multaneamente com a pesca, e os homens encarregados da salga trabalham dia e noite, muitas vezes encharcados até aos ossos, cobertos de sangue e escorrendo em azeite, mal se vendo no meio dos des- pojos dos peixes que exhalam cheiro pestifero. A pesca com as linhas de fundura não basta, e as embarcações pequenas largam do navio todos os dias tripuladas por dois homens, indo a distancia deitar as linhas de mão, e regressando ao navio quan- do teem obtido quantidade sufficiente de peixe. A maior parte do bacalhau entregue ao consumo não tem outro preparo além d'aquelle que acabamos de indicar; ou- 36 421 tros processos, porém, se empregam para conservar este peixe, entre elles o de seccal-o ao sol. Do genero Gadus, conhecida tambem vulgarmente pelo nome de bacalhau, vem raras vezes aos nossos mercados outra especie, (gadus merlangus, Linneo) abun- dante nas costas septentrionaes do Atlan- tico, e cuja carne muito estimada pela sua delicadeza, mas pouco nutritiva e de facil digestão pela limitada proporção de ma- terias gordas, é tida por muito convenien- te aos estomagos debeis, e recommendada aos convalescentes. Mede este peixe d'ordinario de 07,20 a 07,30 de comprimento; o corpo é pro- porcionalmente mais sobre o comprido do que o do bacalhau da especie ante- cedente; a cabeca alongada, o focinho conico, a bocca muito rasgada e a ma- xilla superior mais longa do que a infe- rior. Na parte superior do corpo é d'um pardo arruivado mais ou menos desvane- cido, com os flancos mais claros e o ven- tre prateado. Acima da inserção das bar- batanas peitoraes tem uma malha anne- grada. Desova nos mezes de inverno. A FANECA Gadus luscus de Linneo — Le tacaud, dos francez>s Nos nossos mercados é vulgarissima esta outra especie congenere do bacalhau, a faneca, cuja carne é todavia inferior á das especies antecedentes. Tem o corpo alongado, comprimido e muito mais alto de que o do bacalhau ; a cabeça mais curta, os olhos grandes e a maxilla inferior mais longa do que a su- perior armada d'um barbilhão. Tem tres barbatanas dorsaes sendo a primeira a mais alta. Na parte superior da cabeca e do dorso é dum trigueiro amarellado, os flancos e as faces mais claras, o ventre esbran- quicado. Adiante da articulação das bar- batanas peitoraes tem uma malha anne- grada. O LACRAU DO MAR Gadus poutassou, de Risso —- Le poutassou, dos francezes Este peixe, tambem congenere do ba- calhau, abundante nas costas septentrio- naes da Europa banhadas pelo Oceano VOL. Hi 422 pelo Mar do Norte e pelo da Mancha, é raro nos nossos mercados. Tem o corpo mais alongado e delgado do que o do bacalhau, a bocca muito rasgada, a maxilla inferior excedendo a superior, os olhos grandes com a pupilla negra e a iris prateada ; as tres barbatanas dorsaes muito separadas umas das outras. E d'um trigueiro esverdeado nas partes superiores do corpo, com os flancos mais claros, tendo nas partes lateraes da cabe- ca reflexos amarellados ; o ventre é bran- co prateado. Acima das barbatanas pei- toraes tem uma larga malha escura. O BADEJO Gadus pollachius, de Linneo — Le merlan jaune, dos francezes Esta especie tambem do genero Gadus, muito vulgar em Setubal e menos no mercado de Lisboa, é bastante commum nos mares do norte da Europa, nas costas da Inglaterra e da Noruega. Raro é que exceda de 0,40 a 07,50 de comprimento ; tem o corpo alongado e alto no centro, a cabeça grossa, bocca bastante rasgada e sem barbilhão ; tres barbatanas dorsaes muito juntas. A parte superior da cabeca e do corpo é dum trigueiro azeitonado, com os flancos prateados e malhados de amarello; o ventre branco. Vive em cardumes numerosos, desovan- do proximo do inverno. À carne é bran- ca € rija. A PESCADA Merlucius vulgaris, de Bonaparte — La merluche vulgawe, dos francezes É tão conhecida esta especie no nosso paiz que bem dispensa ser descripta, pois é vulgar e abundante em todo o tempo na costa de Portugal. Póde a pescada attingir avantajadas proporções e medir 1”, pesando até 10 ki- logrammas. A sua carne branca e de excel- lente sabor é geralmente estimada, e como este peite se encontra em grandes ban- dos, acontece a sua pesca ser facil e por vezes tão abundante, principalmente no verão, que uma parte é salgada. Dá-se esta circumstancia mais frequentemente nas costas septentrionaes da Europa, onde se dá á pescada salgada o nome de stochfish. MARAVILHAS DA CREAÇÃO A ABROTEA Phycis blennoides, de Bloch. — Le merlus barbu, dos francezes Phycis mediterraneus, de Delaroche, — Ze tanche de mer, dos francezes Sob o nome vulgar de abrotea conhe- cem-se no nosso paiz duas especies do genero Phycis, a primeira pouco vulgar em Lisboa e mais em Setubal, a segunda bastante frequente n'este segundo mer- cado. Tem a abrotea, primeira especie cita- da, o corpo comprimido latteralmente, diminuindo progressivamente d'altura ; cabeca curta, achatada superiormente e escamosa ; focinho arredondado, bocca grande, e na maxilla inferior um barbi- lhão curto e delgado. Tem duas barba- tanas dorsaes, ambas baixas, a segunda muito comprida e mais baixa do que a primeira, e esta de forma triangular ; as barbatanas abdominaes situadas á fren- te das peitoraes consistem n'um unico raio muito longo e bifurcado na extre- midade. E dum trigueiro annegrado no dorso, mais claro nos flancos e na região abdo- minal, e da mesma côr as barbatanas á excepcão das abdominaes que são bran- cas. A segunda especie differe da primeira na forma da primeira barbatana dorsal, que não sendo triangular é ao inverso arredondada e egual em altura á segunda. Quanto ás córes não differe da especie precedente. Estes peixes attingem grandes dimen- sões, e a carne passa por ser muito boa. A DONZELLA Molva vulgaris, de Nilsson. — La anolve vulgaire, dos francezes Duas especies do genero Molva veem aos nossos mercados, ambas raras, e dis- linguem-se genericamente pelo corpo muito alongado e pouco alto, coberto d'escamas pequenas ; cabeça grossa e de- primida na região superior, duas barba- tanas dorsaes e a anal muito longa. Um barbilhão na maxilla inferior. A donzela tem as partes superiores do corpo, o dorso e os flancos d'um pardo azeitonado, e o ventre prateado. As bar- batanas dorsaes, anal e caudal da cór do dorso, orladas de branco, e a caudal com uma faxa negra na base; as peitoraes e PEIXES — A JULIANNA. O PICO DEL-REI, O PREGADO abdominaes d'um branco amarellado. Existem d'estes peixes medindo 1” a 17,50 de comprimento. Muito abundante no norte da Europa, e mais rara nas costas occidentaes, a donzel- la é alli muito estimada pela excellencia da carne, branca e de bom sabor, conservan- do-se salgada melhor ainda que o baca- lhau, e dando motivo a importante com- mercio. Pesca-se todo o anno e segue-se na salga processo egual ao do bacalhau. A JULIANNA Molva alongata, de Nilsson. — La molve allongêe, dos francezes Esta é a segunda especie do genero Molva a que antecedentemente nos refe- rimos, differindo tamsómente da primeira por ter a maxilla inferior mais longa do que a superior, e as barbatanas abdomi- naes e a anal mais desenvolvidas. 0 PICO D'EL-REI Motella tricirrata, de Nilsson. — La motelle vulgaire, dos francezes Do genero Motella vem vulgarmente aos nossos mercados esta especie, tornan- do-se notavel tanto pelas formas como pelo colorido. Tem o corpo cylindrico, alongado e coberto d'escamas extrema- mente pequenas; a cabeça grossa e acha- tada na parte superior, dilatada aos lados ; focinho obtuso, arredondado, com tres barbilhões, dois proximos das ventas e o terceiro abaixo da maxilla inferior. Das barbatanas dorsaes a primeira podendo occultar-se- numa especie de ranhura aberla aos lados da base, e a segunda maior e mais alta sem este caracter. Tem a parte superior da cabeça e do corpo d'um bello trigueiro vermelho ala- ranjado, com os flancos e o ventre mais claros, e riscas de variadas formas mais escuras no alto da cabeca, ao longo do dorso e nas barbatanas dorsaes, peito- raes e caudal. Mede geralmente de 0",50 a 07,60 de comprimento. A carne d'esta especie é pouco estima- da, e corrompe-se rapidamente. O PREGADO Rhombus maximus, de Cuvier. —- Le turbot, dos francezes Antes de descrevermos este peixe, o primeiro da familia dos pleuronectos, ou peixes chatos, de que vamos tratar, dire- 423 mos algumas palavras ácerca da sua es- tranha conformação. Teem os pleuronectos o corpo alto, acha- tado por um dos lados, um tanto arquea- do pelo outro; o lado completamente chato é esbranquicado, o arqueado é no inverno por vezes vivamente colorido, e n'este estão os olhos, pois existe nestes peixes um singular caracter, unico entre os vertebrados, a falta de symetria na ca- beça: os dois olhos são situados do mesmo lado, numas especies á direita e n'outras á esquerda, e os lados da bocca deseguaes. O deslocamento dos orgãos visuaes está em harmonia com o viver d'estes peixes, que descancam o corpo nos fun- dos arenosos ou de vasa pelo lado chato, onde não teem olhos. Movendo-se, os pleu- ronectos, cujo nome se deriva de duas palavras gregas que significam nadar de lado, conservam a mesma posição, e é raro que nadem verticalmente. De resto estes peixes nadam mal, e de ordinario conservam-se no fundo, occul- tos entre a vasa, occupados em prover á sua sustentação. Teem de substituir a falta d'agilidade pela mais completa im- mobilidade, pois não podendo perse- guir a presa aguardam que ella se apro- xime. A sua alimentação exclusivamente animal consta de todos os pequenos ani- maes de que podem apossar-se. O grupo de peixes chatos comprehende limitado numero de especies, vivendo quasi que exclusivamente ao longo das costas, e algumas penetrando nos rios alli se conservam por longo tempo na agua doce. Attingem alguns d'estes peixes avan- tajadas proporções, e citaremos aqui uma especie do norte da Europa, — pleurone- ctus hippoglossus, Linneo — le fletan, dos dos francezes — principalmente abundan- te na Noruega, na Islandia e na Groen- landia, que alcança por vezes o compri- mento de mais de 2” e o peso de 150 a 200 kilogrammas. A carne posto que branca é dura e pouco saborosa, o que não obsta a que os habitantes dos paizes citados façam d'ella largo consumo, fresca, salgada, ou fumada. Feitas estas considerações geraes ácerca dos peixes chatos, passemos a falar do pre- gado, um dos mais estimados pela excel- lencia da carne, estima concedida de longa data, pois já os antigos romanos o appellidavam phasianus aquatilis, faisão 424 do mar, como ainda hoje o denominam n'alguns pontos da Franca. Conta-se mesmo que o imperador Do- miciano não hesitou em convocar o se- nado para que resolvesse sobre um ponto realmente intricado, com respeito a este peixe, o de saber com que molho deveria ser comido um pregado de proporcões gi- cantescas ! O pregado, (grav. n.º 495), tem o corpo tão alto como comprido, medindo de cir- cumferencia mais de 1,35, sem escamas mas eriçado de pequenos tuberculos coni- cos e pontudos ; a cabeca lão longa como alta, a maxilla superior mais curta do que a inferior, bocca grande, olhos si- tuados do lado esquerdo, o inferior adian- te do superior; a barbatana dorsal com- = MARAVILHAS DA CREAÇÃO meca adiante d'este e vae terminar na base da caudal. = O lado esquerdo do corpo é d'um tri- gueiro amarellado ou esverdeado mais ou menos escuro com as barbatanas mais claras, e tendo estas á imitação do corpo pequenas malhas mais escuras irregular - mente dispostas; o lado direito é dum branco rosado. Alcancam grandes dimen- sões os pregados pescados nas costas de Franca e d'Inglaterra, não sendo raros os que pesam 10 a 15 kilogrammas. No nosso paiz este peixe é vulgar mas pouco abundante. EK" peixe de fundura, preferindo os fundos arenosos, e alimenta-se de pei- xes pequenos, molluscos e crustaceos. Gr. n.º 495— O pregado O RODOVALHO Rhombus laevis, de Rondelet La barbue, dos f:ancezes Este peixe do grupo dos pleuronectos é um dos mais estimados pela excel- lencia da carne; pesca-se como o pre- gado nas costas da Europa, sendo no nosso paiz à imitação daquelle peixe vul- gar mas pouco abundante. O corpo é similhante ao do pregado mais sobre o comprido, coberto: de pe- quenas escamas e sem tuberculos; a boc- ca muito rasgada com a maxilla inferior excedendo a superior, os olhos situados do lado esquerdo. Deste lado é d'um trigueiro escu- ro, com malhas arredondadas ou em fórma de crescente lrigueiras arruiva- das. O rodovalho é mais pequeno de que o seu congenere, o pregado, havendo to- davia alguns que excepcionalmente pe- sam 4 e 5 kilogrammas. Nos habitos tam- bem pouco differe do pregado, alimen- ta-se da mesma forma, e altrahe os pei- xes pequenos agitando a extremidade das barbatanas. A CARTA Arnoglossus bosci, de Risso—L'arnoglosse bosquien, dos francezes Nos peixes chatos distingue-se o ge- nero Arnoglossus, e d'este duas especies, sendo a citada pouco vulgar e a outra rara no nosso paiz. Por caracteres genericos PEIXES — À SOLHA, O LINGUADO teem estes peixes o corpo de forma oval “alongado, coberto d'escamas muito gran- des e finas, bocca grande, olhos situados no lado esquerdo, a barbatana dorsal começando adeante dos olhos e termi- nando muito proximo da caudal. A carta, especie citada, que attinge por vezes 07,30 a 07,40, tem o lado esquerdo do corpo d'um pardo arruivado transpa- rente, e duas malhas arredondadas e an- negradas nas regiões posteriores das bar- batanas dorsal e anal. A carne d'estas-especies é pouco esti- mada. A PATRUSSA OU SOLHA Pleuronectus flesus, de Linneo—Le flet, dos francezes Do genero Platessa de que se conhe- cem diversas especies nas costas da Eu- 24 ropa, uma, a citada, é vulgar em Por- tugal. Pertencem estes peixes ao grupo dos pleuronectos, e teem o corpo em ge- ral muito alto, nu ou coberto d'escamas muito pequenas, como se dá na solha ; as maxillas deseguaes, olhos d'ordinario do lado direito, mas por vezes do es- querdo, separados por uma especie de crista pouco elevada. A solha tem o lado do corpo onde estão situados os olhos d'um trigueiro escuro com reflexos esverdeados, e geralmente em riscas annegradas, variando o colo- rido na razão da natureza da agua e do fundo, pois n'alguns individuos encon- tram-se malhas d'um vermelho alaran- jado. Mede d'ordinario de 0",15 a 07,20, havendo individuos de maiores dimen- sões. ; Gr. n.º 496 — A patrussa ou solha Este peixe é principalmente notavel porque subindo rio acima, a grande dis- tancia da foz, conserva-se nas aguas do- ces. A carne não é tida em muita estima. O LINGUADO Solea vulgaris, de Risso—ZLe sole vulgaire, dos francezes No catalogo dos peixes de Portugal cita Brito Capello seis especies do genero Solea mais ou menos vulgares nos nos- sos mercados, sendo duas raras e vul- gar e abundante a que citâmos. Não é para aqui dar descripção em separado de todas ellas. E” bem conhecido o lin- guado e universal a sua fama pela deli- cadeza e sabor da carne, sendo n'alguns pontos do littoral da França conhecido pelo nome de perdiz do mar. A especie citada tem o corpo oval mui- to alongado, com escamas pequenas, ca- beça mais alta que comprida, focinho arredondado e bocca pequena ; os olhos são pequenos, o inferior situado acima do canto da bocca. Do lado direito o linguado é d'um trigueiro amarellado ou azeitonado mais escuro em certos sitios, e do esquerdo branco ; tem uma malha negra na barba- tana peitoral direita, sendo a esquerda branca. Mede regularmente 0",30, ha- vendo-os de maiores dimensões. O linguado é melhor fresco do que sal- gado, e só no primeiro estado é uso co- mel-o no nosso paiz, tendo todavia gran- de consumo em Inglaterra depois de salgado. 426 O PEIXE-PIOLHO Echneis remora, de Linneo — L'echéne rêmora ou sucet, dos francezes Este peixe raro no nosso paiz, denomi- nado tambem pegador ou agarrador, per- tence a um genero de peixes notavel por terem os individuos n'elle comprehen- didos a cabeca perfeitamente plana na parte superior, e nella um disco formado de numerosas laminas cartilaginosas, com o auxilio do qual estes peixes se aferram vigorosamente aos rochedos e mesmo acs navios. O peixe-piolho é das especies do genero [DD DD>>>—>— >>> MARAVILHAS DA CREAÇÃO Echneis a mais notavel, encontrando-se no Mediterraneo e no Atlantico, e celebre já era na antiguidade, sendo objecto de con- tos fabulosos, e attribuindo-se-lhe diver- sas faculdades mais ou menos maravi- lhosas. Tem o corpo alongado, fusiforme, co- berto de pequenas escamas; na cabeca O orgão singular a que já nos referimos, uma especie de ventosa, (Grav. n.º 497); focinho arredondado e bocca muito ras- gada; duas barbatanas dorsaes, a pri- meira formando o disco na parte supe- rior da cabeça, a segunda na parte pos- terior do corpo e alongada. E dum Gr. n.º 497 — O peixc-piolho trigueiro escuro no dorso, mais claro nos | flancos e no ventre, com as barbatanas da mesma côr. Mede d'ordinario 0",50 de comprimento. No numero das fabulas que abundam na historia d'este peixe, tal como a escreve- ram os antigos, figuraa de poder sustar elle só o andamento de qualquer navio, e muito a serio diz Plinio que na bata- lha de Actium o navio de Antonio foi retido por este obstaculo invencivel, dan- do a victoria a Augusto ! E” realmente desnecessario affirmar aos nossos leitores que o peixe não suspende o andamento dos navios, mas é certo que se prende á quilha por meio do orgão singular a que nos referimos não só para descansar como tambem, ao que parece na intenção de transportar-se mais com- modamente. Dá-se este facto com os na- vios, e da mesma sorte com todos os cor- pos fixos ou boiando ao lume d'agua, pois o peixe piolho agarra-se não só aos rochedos como tambem aos troncos das arvores levados pela corrente, e o que é mais aferra-se ao corpo do tubarão e d'outros peixes, realisando d'esta sorte longas viagens transportado por estas lo- comotivas animaes. E quando seja o tu- barão, duas vantagens tem o nosso passa- geiro, furta-se ao cansaco da viagem e não haja receio de que os inimigos o ac- commettam, basta a terrivel locomotiva para os conservar a respeitosa distancia ! PEIXES ORDEM DOS MALACOPTERYGIOS APODOS Os peixes comprehendidos n'esta or- dem, formando numero avultado de ge- neros e especies, caracterisam-se pela falta de barbatanas abdominaes, tendo todos o corpo alongado, a pelle grossa, macia e pouco escamosa. Encontram-se espalhados por quasi to- dos os mares do globo, á excepção cas especies que vivem na agua doce, e que abundam em quasi todos os rios e lagos. Daremos breve descripção d'algumas es- pecies mais notaveis. A ENGUIA Anguilla acutirostris, de Yarell. — L'anguille à long bec, dos francezes A especie citada e a eiroz, de que adian- te nos occupamos, são por Brito Capello as unicas citadas no seu catalogo dos pei- xes de Portugal como sendo vulgares e abundantes no nosso paiz, posto que se conheçam algumas outras especies do ge- nero Anguilla, abundantes nos lagos e rios d'outros paizes. E bem conhecido este genero de pei- xes de corpo alongado, serpentiforme, quasi cylindrico e achatado para a cau- da; a cabeça na especie que citamos é delgada e o focinho pontudo, a pelle co- berta de certa mucosidade que permilte ao animal escorregar facilmente das mãos e escapar-se por mais que pretendamos re- tel-o. Varia o colorido segundo a natu- reza das aguas, sendo a parte superior do corpo negra e a inferior parda ama- E rellada, ou aquella d'um verde matizado ou riscado de trigueiro, e esta prateada. As enguias á imitação dos salmões e dos saveis veem do mar para os rios estabelecer-se nas aguas doces, com a differença, porém, de que os ultimos aqui desovam, emquanto que a enguia só desova no mar. Todos os annos my- riadas de pequenas enguias ainda inco- lores assomam á foz dos rios, e subin- do-os veem continuar o seu desenvolvi- mento na agua doce. N'essa epoca são muito pequenas, filiformes, com 0”,04 ou 0",05 de comprimento, e apparecem aos cardumes. E' então que se podem reco- lher, e conservando-as em hervas humi- das transportal-as ainda mesmo a distan- cia, para povoarem os tanques ou lagos d'agua doce onde adquirem fortes dimen- sões. E" todavia ainda hoje obscuro o modo porque estes peixes altingem o seu com- pleto desenvolvimento, e os naturalistas em desaccordo explicam-n'o por diversas formas. Vejamos o que ácerca d'este ponto escreve Chenu, seguindo a enguia depois da sua primeira entrada nos rios. «Quando já mede 0",10 ou 07,12, ten- do o diametro d'um tubo de penna, é cór d'enxofre; em seguida, medindo já de 02,20 a 07,30 sendo da cór dos adultos, só se encontra proxima do mar, igno- rando se d'aqui ávante o seu modo de vida até que attinge 07,45 ou 0º,50 de comprimento, encontrando-se nova- mente na agua doce. E cresce ainda con- sideravelmente, porque sendo o seu com- 428 primento habitual 1,” pode atlingir 1,70 de grossura havendo enguias com 14 kilogrammas de peso.» A enguia vive indiflerentemente nas aguas correntes ou estagnadas, e ac- commoda-se facilmente ás circumstancias, conservando-se tranquilla durante o dia ao abrigo das plantas aquaticas ou nas ca- vidades que topa nas margens; de noite vae em busca d'alimento, devorando os peixes pequenos e todas as substancias animaes que encontra, mesmo um tanto corrompidas. e não obstante a pequenez da bocca é muito voraz. Durante o frio acolhe-se na vasa, e acontece ao despe- MARAVILHAS DA CREAÇÃO jar um tanque ser necessario revolver esta para as obrigar a sair. O mais singular, porém, é a enguia por vezes não desgostar de dar o seu pas- seio em terra firme, e assim o affirmam escriptores autorisados, sendo encontrada por vezes a distancia da sua morada aquatica atravessando os terrenos humi- dos; e arrastando-se à maneira da cobra vac em busca dos vermes e insectos e mesmo de certas plantas leguminosas e só regressando á sua habitação depois de saciado o appelite. Accrescenta-se que por vezes, sendo surprehendida pela luz do dia, nestas excursões conserva-se Gr. n.º 498 — O congro acoutada entre as hervas aguardando que a noite lhe permitta voltar para a agua cobrindo-a com o seu negro manto. A enguia pela forma cylindrica do corpo tem tal ou qual similhança com a cobra, sendo este o motivo da repulsão de que por muito tempo foi victima e que ainda hoje certas pessoas lhe guardam, o que não impede de ser um excellente peixe, muito apreciado pelo seu optimo sabor, e de que se faz largo consumo principal- mente em certos pontos da Europa onde é abundantissimo. As lagunas de Commachio, na Italia, alimentadas pelas cheias do Pó e d'outros rios, são celebres de ha muito pela quan- tidade de enguias que ali se encontra, avaliando-se a pesca de setembro a de- zembro n'um milhão de kilogrammas, e na primavera em cêrca de trezentos e noventa kilogrammas. O mercado de Londres é fornecido d'este peixe por duas companhias hollandezas, possuindo cada uma cinco navios conve- nientemente acondicionados para o trans- porte de oito a dez mil kilogrammas de enguias vivas. A EIROZ Anguila lattirostris, de Yarrel.—L'anguille é large bec, dos francezes. “Esta especie congenere da antecedente é, como dissemos, vulgar e abundante nos nossos mercados, e differe da enguia na cabeça muito larga, arredondada na PEIXES — O CONGRO, O PEIXE COBRA parte posterior e achatada na região nasal. Tem o dorso d'um trigueiro esverdeado, variando todavia muito na côr geral do corpo. ; Pode applicar-se à eiroz o que disse- mos ácerca do viver da enguia, sua con- genere. O CONGRO Conger vulgaris, de Cuvier. —Le congre vulgaire, dos -francezes O congro na forma do corpo é perfei- 429 tamente similhante á enguia, tendo a ca- beça comprida e achatada, com a maxilla superior mais larga do que a inferior; a barbatana dorsal começando logo atraz das peitoraes é baixa e confunde-se com a caudal, succedendo o mesmo á anal. Tem o dorso d'um trigueiro esbran- quiçado com os flancos mais claros e 0 ventre branco; as barbatanas dorsal e anal orladas de negro. Mede de 17,75 a 2”, e diz-se que alguns congros attin- gem 4m, Gr. n.º 499 — O peixe cobra E abundante nas costas occidentaes da Europa e no Mediterraneo, sendo vulgar no nosso paiz, onde é conhecido quando novo pelo nome de safio. E” estimado posto que a sua carne não seja das mais saborosas. O PEIXE COBRA Ophisurus serpens, de Lacéptde.—La serpent de mer, dos francezes, Este peixe de conformação singular, re- presentado na nosa gravura n.º 499, attin- | geporivezes 1'",75 e mesmo 2”, coma gros- sura dum braço de homem, Tem o corpo muito alongado, cylindrico e esguio na região caudal, terminando em ponta e sem barbatana caudal; o focinho é delgado, a bocca bastante rasgada, e as barbatanas dorsal e anal terminam um pouco antes da extremidade do corpo. E' trigueiro na parte superior do corpo e prateado na posterior, com as barba- tanas dorsal e anal orladas de negro. Sendo principalmente commum no 430 MARAVILHAS DA CREAÇÃO Atlantico, na visinhança do estreito de | À cabeca é pequena, a bocca grande, o Gibraltar, é pouco vulgar nos nossos mer- cados. Os movimentos d'este peixe são bas- tante rapidos, e o seu modo de locomo- cão dá-lhe completa similhanca com as serpentes. A MOREIA Muraena helena, de Linneo. — Le murêne hélêne, dos francezes A moreia da especie citada, uma das muitas do genero Murena que vivem espa- lháda por todos os mares, é bastante fre- frequente no Mediterraneo ; menos com- mum, porém, no (Oceano, sendo vulgar nos nossos mercados. As moreias teem o corpo alongado e cylindrico, comprimido na frente e pouco elevado na região caudal, sem escamas. focinho agucado e os olhos pequenos ; não tem barbatanas peitoraes, e a dorsal que segue em todo o comprimento do dorso reune-se á caudal bem como esta á anal, Na parte anterior do corpo a moreia é d'um trigueiro amarellado salpicado de negro, e a parte posterior avermelhada, coberto por inteiro de malhas irregulares mais ou menos escuras, em geral azula- das, purpureas ou trigueiras, variando o colorido com a idade, sexo, e epoca do anno em que se observa. Pode attingir 17". 35 a 1,75 de comprimento. A moreia alimenta-se de peixes pe- quenos e de caranguejos, e é tal a sua voracidade que por vezes, dizem, à falta de melhor roem estes peixes a cauda uns aos outros. À carne da moreia é branca, de optimo sabor, e foi outr'ora apreciada dos ro- manos a ponto de tornar-se este peixe celebre na antiga Roma pelas enormes quantias gastas na construcção de viveiros onde eram mantidos aos milhares. «Lendo-se os escriptores latinos sabe- se quanto a moreia foi estimada dos ro- manos, estima que não era só resulta- do dos seus appetites gastronomicos. Nos tempos da degeneração do imperio romano praticavam-se realmente loucu- ras para possuir estes peixes, gastando-se sommas enormes na conservação dos vi- veiros; e ahi de tal sorte se multiplicavam, que Cezar por occasião d'uma das suas victorias mandou distribuir aos seus ami- gos seis mil moreias. Licinio Crassus foi celebre em Roma pela opulencia dos seus viveiros de mo- ee reias. Obedeciam os peixes, dizem,fá sua voz, e bastava chamal-os para correrem a receber o alimento que de sua propria mão lhes dava. Foi elle e Quintus Hor- tensius, outro opulento patricio, que cho- ravam a perda das moreias que mor- riam nos viveiros. Até aqui, porém, era questão de gosto ou de moda, mas o que segue era bar- “baro e resultado da depravação dos cos- tumes. Alguem, entre os romanos, descobriu que as moreias alimentadas de carne hu- mana eram mais saborosas, e houve um liberto, de nome Pollion, homem opu- lento, que não deve confundir-se com um orador celebre assim chamado, que praticava a crueldade de mandar lancar os escravos condemnados à morte nas piscinas das moreias, e mesmo por ve- MARAVILHAS DA CREAÇÃO | no l di a Impresso por Lallemant Frêres, Lisboa. ESCRAVO ROMANO LANÇADO NO VIVEIRO DAS MOREEIAS + SAD Pere mn e co no o ça app me me, qe do Au DA pl pm a dn | ao Ed E (rip A er de sasmt-ab aorta ETA mtasÕo E de e el] Bioafig o [E A Odete nã Ea “iius ED 4 plo STO died = ori DELI o ta SO Eobjaits Dis io a > BEI UNE Ê er an jo Ne ae Ea “oriy GbRonal toa E “65 ARS Re ra sp RC a end a getã sia RE TIS rs dear A Sa VORDE O radar sb ata Omi a tica ÚsE tia 6 ta Et o Oba 2a vote alan) É Vlnstága- PO oljas Era má DOER cabo 2 atosetih oro ora «goes VE sup soa tua era pt 4 : Pein ado PIA gor UitÃor qua sigla quo! gia (a fest «Obagnóto, Uligert WE TRT O “náo dep di did dire am É e tg sem vê 5 gaRat: Bo x As IPEA E E E FRIA dÇÃE Edi fegté-s cs isa: SR TR An «aRócAa ed iv bão Sob TOR sho sois sie dia = A apatti pm He E a a PEIXES — O GYMNOTO ELECTRICO - 431 zes alguns que de modo nenhum haviam O GYMNOTO ELECTRICO merecido castigo. : "1 Es G t lectricus, de Li — L te électrique, Jantava certo dia no palacio de Pol ymnotus electricus a pe a gymnote électrique lion o imperador Augusto, quando um misero escravo teve a má sorte de Na America do Sul existe um genero quebrar um vaso de subido valor, pelo | de peixes de agua dôce de que se conhe- que foi condemnado a ser lançado vivo | cem varias especies, uma porém, a que ás moreias. Interveiu porém o impera- | citamos e vae representada pela nossa dor e salvou o escravo dando-lhe a liber- | gravura n.º 501, bastante celebre pela dade, e querendo provar quanto o indi- | sua singular organisação. gnára a barbara acção do opulento li- ! Os gymnotos, a que nos referimos, teem berto ordenou que fossem feitos pedaços | o corpo muito alongado, quasi cylindri- todos os vasos preciosos que se encon- | co e serpentiforme, com a região caudal trassem no palacio, relativamente muito longa, sem barbata- A moreia está longe ao presente de | na dorsal, e a anal tomando-lhe quasi tão subida estima, posto que seja ainda | toda a parte inferior do corpo que ter- hoje bastante apreciada nas costas da Ita- | mina pontuda. lia. Guardam-se os pescadores dos dentes A especie que citamos mede por vezes acerados d estes peixes, cujas mordeduras | 2”, embora d'ordinario sejam estes pei- são realmente para receiar. xe mais pequenos, e tem o corpo anne- grado com riscas estreitas mais escuras. Gr. n.º 504 — O gymnoto electrico São as propriedades electricas dos | para em seguida devoral-os, facto que li- gymnotos que os tornaram celebres, e o | nha todos os visos de verdadeiro, conside- astronomo Richer, que em 1678 foi en- | rando o effeito que o seu toque produzia viado a Cayenna pela Academia das Scien- | nos homens.» cias de Paris, referindo-se a estes peixes Outros diversos escriptores e viajantes conta o seguinte : confirmaram depois a singular proprie- « Qual foi a minha admiração ao vêr | dade d'este peixe, por muitos posta em um peixe de tres ou quatro pés de com- | duvida, até que Humboldt apresentou a prido, similhante a uma enguia, paraly- | primeira descripção dos gymnotos em sar durante um quarto de hora o movi- | termos preciosos, tendo-os observado na mento do braço e da parte do corpo mais | America, e vindo desta sorte confirmar o proxima a quem ousasse tocar-lhe com um | que os seus antecessores haviam dito, dedo ou mesmo com um pau. Fui teste- | dando a conhecer outros muitos prome- munha ocular do effeito produzido pelo ! nores interessantes. contacto d'este peixe, e senti-o eu pro- Conta que na sua viagem pela provin- prio quando em certo dia toquei n'um | cia de Caracas teve occasião de observar ainda vivo, embora ferido pela fateixa | os gymnotos n'um ponto onde eram abun- com que os selvagens o haviam tirado | dantissimos, a ponto de forçarem a gente da agua. Não souberam dizer-me o nome, | d'aquelles sitios a abandonar certa estra- affirmaram-me porém que tocando nos | da por ser necessario passar a vau uma outros peixes com a cauda os entorpecia, ! ribeira na qual se afogavam annualmente 432 MARAVILHAS DA CREAÇÃO muitas mulas, aturdidas pelas descargas electricas dos gymnotos. Assistiu o celebre naturalista a que nos referimos a uma pesca do gymnoto com auxilio de cavallos meio selvagens, que obrigados a entrar na agua e a alli conser- var se, receberam as primeiras descargas electricas dos gymnotos, e alguns mesmo morreram afogados, até que estes peixes, perdendo a pouco e pouco a sua proprie- dade electrica, fosse porque o orgão ele- ctrico cessasse as suas funcções estando fatigado pelo uso repetido, poderam fa- cilmente ser apanhados com fateixas. Depois de haver observado, diz Hum- boldt, que as enguias derrubavam um cavallo privando-o completamente da sen- sibilidade, não era para admirar que hou- vesse receio de tocar-lhes logo no primeiro instante em que se tiravam da agua; e tão forte era o receio dos indigenas que ne- sm A | di NUS > Í) Mi / À ' ny ) IR ih 2 A, MA (SÉ Zi ER va LEE f “al ú ANS | ly? di Uh (' Ni NY o; T: Ip dl | jp nhum se atrevia a soltar os gymnotos do arpão com que haviam sido apanhados e transportal-os para as pequenas cavidades cheias de agua fresca que haviamos aberto na praia. Foi necessario que me resolves- se a receber os primeiros choques, que de certo não foram dos menos violentos, os mais energicos superiores aos choques electricos mais dolorosos que me lembra de haver recebido accidentalmente d'uma grande garrafa de Leyde li gos carregada. Desde então comprehendi não haver exagero nas narrativas dos indios, quando affirmavam que era facil um nadador afo- gar-se recebendo uma descarga electrica d'um destes peixes, ainda que fosse n'um braço ou n'uma perna. A descarga é tão violenta que póde bem paralysar durante alguns minutos toda a acção dos mem- bros...» (EN n" PEIXES ORDEM DOS LOPHOBRAÂNCHIOS Comprehende esta ordem limitado nu- tmero de especies, eos peixes n'ella admit- tidos teem por carecteristico a singular estructura das guelras, de que se não en- contra exemplo nos individuos de outra qualquer ordem. As guelras não teem a fórma de laminas ou pentes como acon- tece no geral dos peixes, dividem-se em uma especie de pequenas borlas redon- das, aos pares, dispostas ao longo dos ar- cos branchiaes. Estes peixes teem o corpo duro, secco e desprovido de carne. Dos lophobranchios citaremos apenas a especie seguinte. O CAVALLO MARINHO Hippocampus brevirostris, de Cuvier — Iºhippocampe, dos francezes Deve este peixe o nome vulgar á fór- ma especial da cabeca tendo certa ana- logia com a do cavallo. O corpo é comprimido aos lados, muito alto na parte media e diminuindo rapida- mente de elevação e adelgacando-se até á extremidade caudal. A cabeça na parte superior tem oito tuberculos salientes, uma especie de crista e aos lados é guar- necida d'espinhos; o corpo formado de quarenta e sete anneis, que recordam va- gamente a estructura da lagarta. Tem uma barbatana dorsal, as peitoraes muito proximas da cabeça, e faltam-lhe as abdo- minaes e a caudal. O corpo do cavallo marinho é de um verde atrigueirado malhado de branco ou azul desmaiado, formando as malhas li- nhas irregulares na parte posterior dos flancos; na barbatana dorsal tem uma faxa negra. Attingem 0",30 ou 0",40 de comprimento. A femea distingue-se do macho pela existencia na primeira d'uma especie de bolsa sítuada na base da região caudal, onde os ovos dão entrada e nascem os pequenos, abrindo-se em epoca propria para lhes dar saida. Nadam estes peixes guardando sempre a posição vertical, com a cabeca erguida, e Gr. n.º 502 —0 cavallo marinho servem-se da cauda à maneira de orgão de aprehensão para se fixarem ás plantas ma- ritimas ou a qualquer outro corpo que possam encontrar na agua; n'esta posi- cão observam o que se passa em volta, promptos a arremessar-se sobre a preza com a maior destreza e rapidez. PEIXES ORDEM.DOS PLECTOGNAMES Os peixes que esta ordem comprehende estabelecem pela sua organisação a pas- sagem dos peixes ossudos aos peixes car- tilaginosos. O seu principal caracter con- siste na immobilidade da maxilla supe- rior, fixa aos ossos do craneo. Daremos noticia de algumas especies mais notaveis. Gr. n.º 503 — O peixe lua OS BIDENTES, OU OURIÇOS DO MAR Diodon, de Linneo — Les diodons, dos francezes Nos mares dos paizes quentes e estra- nho á Europa encontra-se um grupo de peixes que faz parte da ordem dos plecto- gnates, notavel pela faculdade que teem estes animaes de se dilatarem á maneira d'um balão, enchendo pela deglutição o estomago d'ar, ou antes uma especie de papo muito dilatavel que occupa toda a extensão do abdomen. N'este estado vi- ram-se de ventre para o ar, flucluando ao lume d'agua sem direcção, e como o corpo seja guarnecido de espinhos que PEIXES— OS BIDENTES, OS QUADRIDENTES, O PEIXE LUA 435 1 [DIOS O O ES EEE ES E ES E RR EA ESET n'esta posição se erguem, ficam ao abrigo dos ataques dos inimigos. O nome scientifico Diodon, isto é biden- tes, deriva-se da fórma das maxillas ossu- das, formando uma só peca cada uma, sem fenda nem chanfradura, similhando dois dentes. Este apparelho é perfeita- mente acommodado á masticação, po- dendo quebrar a concha dos molluscos e o envolucro rijo dos crustoceos de que estes peixes se alimentam. São, pode dizer-se, os ouriços ou por- cos espinhos do mar, pois como estes er- guem os espinhos em sua defeza. Conhecem-se muitas especies dos biden- tes, alguns medindo 0”,35, cuja carne é dura e despresada como alimento, pois diz-se ser venenosa, e principalmente o fel é tido por veneno violento. OS QUADRIDENTES Tetraodon, de Linneo. — Les tétrodons, dos francezes Estes peixes differem dos antecedentes principalmente em terem as maxillas di- vididas ao centro, com a apparencia de dois dentes em cada uma, ou quatro dentes nas duas, d'onde lhes provém a denominação de quadridentes. Gozam da mesma faculdade singular de tornarem o corpo globoso pela absorpcção de certa quantidade de ar, que accumu- lando-se na região abdominal torna esta parte do corpo mais leve, e permilte ao Gr. 0.º 504 — O ostracião animal boiar ao lume d'agua com o ventre para cima. Só no abdomen teem espinhos, menos rijos e longos do que os dos bidentes. Vivem estes peixes nos mares e rios das regiões quentes do globo, e uma es- pecie tem vindo accidentalmente á Euro- pa, o tetraodon Pennantii, que figura no catalago dos peixes de Portugal de Brito Capello. O PEIXE LUA Orthagoriscus mola, de Schneider—Ze poisson lune, dos francezes Este peixe representado pela nossa gravura n.º 503, é tambem conhecido vul- garmente nos nossos mercados pelos no- mes de roda e rodim, e o de peixe lua, nome que os francezes tambem lhe dão, parece provir não da sua configuração mas sim do brilho prateado que o corpo reflete. «E principalmente de noite que me- lhor lhe vae o nome, quando brilha da propria luz com um fulgor phosphores- cente, e tanto mais bem cabido quanto mais escura é a noite. Quando se ob- serva este peixe debaixo d'agua, a peque- na profundidade, a luz que se reflete do corpo e que as camadas d'agua que atra- vessa tornam ondiante, assimilha-se á claridade da lua vista atravez da neblina. E surprehendente ver nadar na fundura este disco suavemente luminoso, e sem querer julga-se observar a imagem da lua projectando-se na agua, isto quando o astro da noite está ausente do firmamento. » 436 MARAVILHAS DA CREAÇÃO E' realmente bastante singular a con- formação d'este peixe, de corpo arredon- dado, comprimido, muito alto, e como que troncado na parte posterior; a pelle grossa e rugosa, bocca pequena e as maxillas formadas d'uma só peca ; as bar- batanas dorsal e anal situadas muito atraz, junto da caudal, que toma toda a parte posterior do corpo entre aquellas duas. Tem a parte anterior do corpo d'um pardo azulado com os flancos muitas ve- zes matizados de trigueiro azeitonado; o ventre branco. Pode alcançar grandes di- mensões, 1,30 de comprimento, e pe- sar 150 kilogrammas, no dizer d'alguns escriptores. Vive no Mediterraneo e no Atlantico, e é raro apparecer nos nossos mercados. A carne é má. OS OSTRACIÕES Ostracion, de Linneo—Tes ostracions ou cofres, dos francezes São realmente curiosos os peixes que s = “mp, ———————————————eee eee eee me TESE Na indicamos sob o nome d'ostraciões, não tendo como os outros peixes o corpo es- camoso, mas encerrado n'uma especie de couraca formada de placas osseas e regulares, soldadas umas ás outras, sem movimento, de sorte que o peixe só pode mover as barbatanas, uma parte maior ou menor da cauda e a bocca. Alguns d'estes peixes tem o corpo cober- to d'espinhos, outros carecem delles, va- riando tambem na forma, umas vezes triangular outras quadrangular. Vivem os ostraciões nos mares da Ame- rica e das Indias, e a especie represen- tada na nossa gravura vive n'estes ulti- mos, sendo notavel pela forma dos espinhos similhantes, os da frente, a duas orelhas. Não atlingem grandes dimensões, e nada valem sob o ponto de vista alimentício, pois a carne não só é pouca mas tam- bem tida por doentia. %, “|, úA SA Za, PEIXES ORDEM DOS ESTURIANOS A ordem dos esturianos é a primeira do segundo grupo dos peixes, ou peixes car- tilaginosos, e caracterisam-se aquelles pei- xes pelas guelras livrese cobertas de oper- culo movel; são desprovidos de dentes. Comprehende esta ordem uma só fami- lia pouco rica em generos. Os esturianos são de grandes dimen- sões e vivem nos mares; mas em certas epocas entrando nos rios ahi se conser- vam na agua doce. Citaremos duas das especies mais im- portantes. O PEIXE COELHO Chimara monstrosa, de Linneo—La chimére arctique, dos francezes Este peixe, que se encontra nos mares septentrionaes vivendo entre os gelos e nas grandes funduras, apparece tambem nas regiões temperadas, vindo por vezes aos nossos mares, e citam-se alguns exem- plares do museu de Lisboa obtidos nos mercados. k dos peixes de fórmas mais exoticas, e nalguns paizes chamam-lhe mono ma- rinho, gato do mar, rato, etc. Denomina- ram-n'o os naturalistas chymera, ainda pela mesma razão, e vejamos o que a tal respeito escreveu Figuier. «Os naturalistas Clusius e Aldovrande quando baptisaram este peixe de chimera do norte tiveram em vista a sua singular conformação. O caprichoso das fórmas, o modo estranho e desegual porque move as diversas partes do focinho e mostra os dentes, certas contorsões do mono, a 37 cauda longa similhante á dos reptis e que o animal agita rapidamente, todas estas circumstancias prenderam a attenção do vulgo e dos antigos naturalistas. Clusius e Aldovrande compararam en- tão este peixe á chimera, monstro da antiga mythologia, representada com cor- po de cabra, cabeça de leão, cauda de dragão, e guela aberta por onde vomitava chammas. Mais tarde contentaram-se em ver-lhe apenas a cabeça do leão, e sendo este o rei dos animaes e carecendo-se d'um reino para a chimera, decidiu-se que lhe seria dado o dos harenques, visto ella perseguir os enormes bandos d'estes peixes. E assim foi denominada rei dos harenques.» 1 Tem este peixe o corpo alongado e comprimido, terminando á maneira da cauda d'uma lagartixa, mais comprida e filiforme; cabeça grande com o focinho muito prominente, conico, prolongando- se além da bocca; olhos grandes; duas barbatanas dorsaes, a primeira triangular, e a segunda mais baixa avançando muito pela região caudal. Tem as partes superiores do corpo ma- tizadas de trigueiro, com os flancos pra- teados e o ventre branco, por vezes todo o corpo salpicado de trigueiro. Os olhos são tão vivos que por vezes assimilham-se no brilho aos do gato. Mede 17,65 a 2”. A carne é dura e pouco apreciada, apparecendo todavia nos mercados do norte da Europa; na Noruega comem os 1 Dão este nome n'alguns paizes do norte da Europa ao peixe coelho, VOL, li 438 ovos e o figado d'este peixe e d'elle ex- trahem certo oleo medicinal. No oceano anctartico vive outra espe- cie muito similhante a esta na conforma- ção e nos habitos, differindo na existen- cia dum appendice carlilaginoso no fo- cinho, que prolongando-se se curva em seguida sobre a bocca. O SOLHO Acipenser sturio, de Linneo — L'esturgeon, dos francezes Pelo nome vulgar de sólho é conheci- do nos nossos mercados um peixe aqui raro, mas commum, elle ou os seus con- generes, no mar do Nor te e principalmen- te no mar Negro e no mar d'Azof, appa- recendo periodicamente nos rios. E” abun- dantissimo no Volga e no Danubio, pes- cando-se por vezes no Rheno, no Sena no Loire, e no Gironda. Pertence ao nu- mero dos maiores peixes conhecidos, pois medindo d'ordinario 2” a 2", 30 de com- primento, póde attingir 5 ou 6 metros. Tem o corpo alongado diminuindo gra- dualmente de espessura a partir da ca- beça até á barbatana caudal, e na base d'esta muito delgado, coberto de uma ordem de placas osseas longitudinaes ten- do no centro um espinho inclinado para traz; o focinho é muito longo e pontudo ; a bocca consideravelmente. rasgada é si- tuada por baixo do focinho, “tendo as maxillas guarnecidas de carlilagens sub- stituindo os dentes, e no espaço com- prehendido entre a bocca e a extremi- dade do focinho quatro barbilhões. A unica barbatana dorsal é situada quasi na extremidade posterior do corpo. E' amarellado no dorso, sendo esta côr mais clara nos flancos, e tem o ven- tre prateado. No inverno o sólho procura a agua doce para desóvar, e os pequenos pouco tempo depois de nascidos dirigem-se para o mar. O sólho alimenta-se de harenques, sardas e bacalhaus durante a sua perma- nencia no mar, e nos rios desvasta os salmões, sendo aproximadamente na mes- ma epoca que estes dois peixes frequentam a agua dôce. Diz-se que os barbilhões ser- vem ao sólho para atrahir os peixes, vindo MARAVILHAS DA MARAVILHAS DA CREAÇÃO estes descuidados metter-se na bocca do inimigo, julgando ver boa presa onde só encontram a morte; para melhor os en- ganar o sólho esconde a cabeça entre as plantas marinhas. A carne d'este peixe é delicada e lida em grande apreço, e nos rios onde elle abunda a pesca faz-se em grande escala. Os maiores d'estes peixes, pesando 500 a 600 kilogrammas, só se encontram nos rios que desaguam no mar Caspio e no mar Negro, e pescam-se nos rios Volga, Danubio e Don. Digamos ainda que dos ovos do sólho se prepara na Rus- sia um manjar alli muito apreciado, co- nhecido pelo nome de caviar. A'cêrca da utilidade d'este peixe diz L. Figuier: «As avantajadas dimensões d'este peixe, excellencia e qualidades nutritivas da carne, sã e de magnifico sabor, e a enor- me quantidade d'ovos que se extrahe das femeas, são motivos de prosperidade para o commercio e industria dos habitantes das povoações marginaes do mar Caspio e do mar Negro. Daremos ideia da abundancia dos ovos nas maiores especies do sólho dizendo que o peso dos ovos é quasi igual a um terço do peso total do peixe, pois d'uma femea de 1400 kilogrammas pesam as ovas 400 kilogrammas. Os ovos do sólho são a base do caviar, ali- mento tanto mais estimado quanto mais el- les forem escolhidos com esmero, lavados, e preparados com sal e outros ingredientes. O caviar se não fez as delicias de muitos dos visitadores da Exposição Universal de 1867, foi pelo menos motivo d'admira- ção no restaurante russo, e ficará sendo uma das suas mais caras recordações». Da vesicula natatoria d'este peixe ex- trahe-se um producto valioso, quasi toda a colla de peixe que se consome na Eu- ropa, conhecida pelo nome de ichthyo- colla, servindo para preparar as geléas e clarificar os licores. Nos paizes meridionaes da Russia a gordura fresca do sólho substitue a man- teiga e o azeite, e a pelle serve na falta do coiro d'outros animaes; a dos indi- viduos novos, bem limpa de todas as substancias que possam tornal-a opaca, depois de secca substitue as vidraças dos caixilhos n'uma parte da Russia e da Tartaria. FEIXE > BRNEM DOS SELÁCIOS Os selacios teem as guelras fixas e adhe- rentes á pelle, e ambas as maxillas arma- das de dentes vigorosos e cortantes. N'esta ordem comprehende-se o maior numero d'especies dos peixes cartilaginosos, va- riando enormemente nas fórmas. Entre estes peixes avultam alguns de fortes dimensões e notaveis pela sua vo- rocidade. Vivem espalhados por todos os mares do Globo, sendo mais abundantes nos do Norte. Daremos seguidamente a descripção d'algumas das especies mais notaveis dos selacios, por alguns autores divididos em dois grupos distinctos, os esqualos e as raias, os primeiros com as fórmas geraes da maior parte dos peixes, e as segundas de corpo achatado e conformação singu- lar. O TINTUREIRO Carcharias glaucus, de Linneo — Le squale bleu, dos francezes Este esqualo, a que os nossos pescado- res denominam lfintureiro, tem o corpo delgado, longo de 2 a 3 metros, coberto de pelle aspera e rija. A cabeça é conica, o focinho longo e pontudo, e as temiveis maxillas armadas de dentes triangulares com as bordas dentadas. A parte inferior da barbatana caudal é inferior a metade da superior, sendo esta longa e em fórma de fouce. E d'um azul annegrado na região dor- sal e na cabeça, com os flancos mais cla- ros e o ventre branco. As barbatanas imi- tam a côr do corpo. Vive este peixe em quasi todos os ma- res das regiões quentes e temperadas do Globo, sendo muito commum no Medi- terranco e no Oceano Atlantico. E” vul- gar nos nossos mares, e no Museu de Lisboa existe um exemplar com 2,48 de comprimento. As femeas d'esta especie, á maneira de outros selacios, teem os oviductos organi- sados por fórma que os pequenos saem do ovo no interior do corpo da mãe, e ao individuo que acima citámos refere Brito Capello haver encontrado nos ovi- ductos oitenta fetos, alguns de 0",45 de comprimento. E muito voraz este esqualo, que con- fundindo-se na côr com a agua do mar torna-se um inimigo terrivel, não só para os peixes que persegue e de que se alimenta, como tambem para o homem a quem não poupa. O OLHO BRANCO Carcharias lamiu, de Risso — Le requin, dos francezes Pode affirmar-se que o esqualo a que os nossos pescadores chamam vulgar- mente olho branco, e que realmente tem os olhos brancos, é, se não o mais temi- vel, pelo menos o mais feroz de todos os habitantes dos mares. Conhecem-n'o os leitores de nome, mas teem-n'o ouvido designar por tubarão e não por olho branco, sendo este o nome que encon- tramos no catalogo do nosso naturalista Brito Capello como vulgar em Portugal, 440 e que os francezes tambem por vezes usam para designar a mesma especie, — requin à ceil blanc. Attinge por vezes este peixe nove me- tros e mais de comprimento, com o peso de 500 kilogrammas ; tem o corpo alon- gado, fusiforme, coberto de pelle rugosa, tão rija que se emprega em alisar certas obras de madeira ou de marfim, na cober- tura de estojos, e no fabrico de correias e prisões de diversas especies. A cabeca é achatada, com o focinho curto e arre- dondado ; a bocca enorme, em fórma de semi-circulo, situada por baixo da cabeça e atraz das ventas, armada de seis ordens de dentes triangulares e dentados, apro- MARAVILHAS DA CREAÇÃO ximadamente com dois metros d'abertura nos individuos de maiores dimensões, e a que se segue guela proporcionada. Não é pois para admirar que este peixe, no dizer de Rondelet e d'outros escripto- res, possa engulir um homem inteiro, e quando morto e arrojado pelo mar á praia, conservando por qualquer circumstancia as maxillas abertas, se haja visto os cães entrando pela bocca irem até ao estomago em cata dos restos d'alimento anterior- mente devorado pelo enorme esqualo. Terminando a descripção dos caracte- res d'esta especie, diremos que tem duas barbatanas dorsaes, das quaes a primeira mais proxima da cabeça do que da cau- Gr. n.º 505 — O olho branco da, e a segunda junto d'esta; as bar- batanas peitoraes muito grandes, e a anal com a parte superior excedendo no dobro a inferior. A cauda é tão vigorosa, que d'uma pancada póde quebrar uma perna ao homem mais robusto. O olho branco é d'um pardo annegrado na parte superior do corpo, mais claro nos flancos e no ventre. Encontra-se em todos os mares sendo raro nas costas de Portugal. O macho e a femea no verão andam juntos, proximos das praias. Os pequenos nascem dos ovos ainda no ventre da mãe, sendo expulsos aos dois e aos tres de cada vez. «Tão depressa nasce o olho branco tor- na-se o flagello dos mares, e tudo lhe serve: os molluscos, os peixes, e entre estes de preferencia o atum e o bacalhau. De todas as presas, porém, a que mais pa- rece agradar-lhe, e que procura com deci- dido empenho, é o homem, a quem de- dica grande affeição, afeição puramente gastronomica. No dizer de diversos auto- res manifesta até mesmo preferencia por certas raças. Se dermos credito ao que alguns nã- turalistas e viajantes teem escripto, das tres ou quatro variedades de carne hu- mana ao alcance d'este peixe, prefere elle o curopeu ao asiatico e este ao negro ; mas seja qual fôr a côr, é certo que à carne humana lhe agrada sobremaneira. PEIXES — O OLHO BRANCO 441 Frequenta todas as paragens onde lhe parece poder encontrar tão delicada igua- ria, e alli se conserva aturado, perse- guindo o homem e praticando os mais extraordinarios esforços para poder alcan- cal-o. Salta ás embarcações e lança-se aos pescadores espavoridos ; atravessa-se na prôa d'um navio correndo a todo o panno para poder tragar algum pobre marinheiro que encontre no costado do navio occupado em qualquer mister; acompanha os navios negreiros, segue-os com perseverança, aguardando para de- voral-o que seja lançado ao mar o cada- ver do pobre negro, que succumbiu aos tormentos da viagem. CD | e Narra Commerson o seguinte facto bem frisante. Na extremidade d'uma verga estava suspenso o cadaver d'um negro, a mais de vinte pés acima do nivel d'agua, e o olho branco arremessando- se-lhe repetidas vezes, por ultimo con- seguiu alcançal-o, decepando-o membro por membro, sem receio dos gritos e das aggressões da tripulação, que no con- vez assistia a tão estranho espectaculo. E' necessario que os musculos da parte posterior do corpo sejam admiravelmente vigorosos, para permittirem a este animal tão pesado saltar a tamanha altura. Sendo a bocca d'este peixe situada na parte inferior da cabeça, precisa elle Gr. n.º 506 — O peixe martello voltar-se todas as vezes que pretende apos- sar-se d'objectos que lhe não estejam in- feriores. Homens ha que levam a sua coragem ao ponto de aproveitar esta cir- cumstancia para destruirem este feroz e temivel animal. Na costa d'Africa vêem-se os negros nadar ao encontro do terrivel esqualo, e esperando o momento em que se volta rasgam-lhe o ventre com a faca» (Figuier). Em certos pontos da costa d'Africa os habitantes adoram o olho branco. Con- sideram o estomago d'este peixe como o melhor e mais curto caminho para che- gar ao céo, e celebram tres ou quatro ve- zes cada anno a sua festa, sacrificando-lhe uma creança de dez annos, desde o nas- cimento apontada como victima neste sangrento sacrificio. L. Figuier, de quem havemos estes promenores, diz a tal res- peito e bem conceituosamente. «O homem em todos os tempos adorou a força ; beija a mão que o esmaga e venera os dentes que o dilaceram. Respeita o senhor ou o rei que o opprime, e adora o tubarão !» A carne do olho branco é dura e de difficil digestão, mas utilisa-lhe a gordura e a pelle. O PEIXE MARTELLO Squalus zygaena, de Linneo — Le squale marteau, dos francezes Esta especie pertence como a antece- dente ao grupo dos esqualos, e pela con- 442 formação da cabeça merece bem ser des» cripta. Tem o corpo fusiforme e coberto de pelle rugosa; a cabeça, tres vezes mais larga do que comprida, prolongando-se aos lados e achatada na frente, é simi- lhante á cabeca d'um martello. N'estes dois prolongamentos estão situados os olhos, grandes, saídos, com a iris doi rada e a pupilla negra. Por baixo da cabeça e proxima do sitio onde começa o tronco existe a bocca, semi-circular e armada nas duas maxillas de tres ou qua- tro ordens de dentes largos e agudos. Tem duas barbatanas dorsaes. A nossa gravura n.º 506 representa esta especie e dá idéa mais exacta da sua singular con- formação. O peixe martello é d'um trigueiro par- daço mais esbranquiçado nas partes infe- riores do corpo, e mede regularmente 3” pesando 250 kilogrammas. Vive no Mediterraneo e no Oceano MARAVILHAS DA CREAÇÃO Atlantico, encontrando-se tambem nas costas da America, na Australia e no Ja- pão. E' peixe de fundura e habita os fundos de vasa ; extremamente voraz, ali- menta-se principalmente das raias e dos harenques. A carne é coriacca e de mau sabor, mas do figado extrahe-se azeite em abundancia, e a pelle emprega-se em cer- tos artefactos. O CAÇÃO Mustelus vulgaris de Linneo — L'emisolle ou mustêle vulgaire, dos francezes O cação faz parte do grupo dos esqua- los, sendo vulgar nos nossos mercados ; a carne é má e obtem baixo preço. Tem este peixe as formas geraes do olho bran- co; corpo alongado e Tusiforme, com os olhos situados muito acima e o focinho pontudo ; duas barbatanas dorsaes, e a caudal com a parte superior longa e Gr. n.º,007 — O pata-roxa estreita e a inferior dividida em duas partes. E” d'um pardo uniforme malhado de branco nos flancos, e alguns individuos são pardos por egual. Mede 17,50 de comprimento. Esta especie é vivipara, isto é, os filhos desenvolvem-se no utero da femea, pre- sos por uma especie de placenta. 0 TUBARÃO Carcharodon lamia, de Bonaparte — Le carchorodon lamie, dos francezes D'esta especie do grupo dos esqualos, diz Brito Capello que só pela descripção d'alguns pescadores suppõe que appareça raras vezes nas costas de Portugal, sendo conhecido pelo nome vulgar de tubarão. Vive no Mediterraneo e no Oceano Atlantico, e no dizer de certos autores póde este peixe pesar mais de 1500 kilo- grammas, e alguns se tem apanhado me- dindo 11 metros e mais. Tem o corpo fusiforme, a cabeça conica com o focinho muito curto e pouco pontudo; bocca enorme com numerosos dentes, grandes, triangulares, achatados, direitos e com as bordas dentadas, que lhe permittem dilacerar e engulir duma só vez presas de avantajadas dimensões. As barbatanas dorsaes são duas, e as peitoraes alongadas, largas e em forma de fouce; a caudal em fórma de crescente. O corpo é d'um pardo annegrado com reflexos azulados no dorso, o ventre d'um branco pardaço. Nos terrenos terciarios teem sido en- contrados dentes de varias especies d'este ! genero, alguns medindo de 0",08 a 0,10 de comprimento. Comparando-os aos da especie de que tratamos, unica do ge- nero Charcharodon hoje conhecida, te- mos que aquelles peixes deveriam attin- gir o comprimento de 30 metros ! PEIXES — O PEIXE RAPOZO OU ZORRO, A PATA-ROXA 443 O PEIXE RAPOZO OU ZORRO Alopias vulpes, de Bonaparte — Le squale renard, dos francezes Esta especie, comprehendida tambem no grupo dos esqualos, vive no Mediter- raneo e no Atlantico, apparecendo por vezes nas proximidades das costas. E" vul- gar no nosso paiz. Tem o corpo arredondado e coberto de pelle quasi lisa; a cabeça curta e o foci- nho conico; a bocca em forma de ferra- dura, com as maxillas armadas de dentes chatos e triangulares, lisos e cortantes. O caracter mais notavel d'esta especie é o grande comprimento da parte superior da barbatana caudal, pois medindo o peixe rapozo entre 2 e 4 metros, tem aquella 1”",50 de extensão. É d'um pardo azulade na parte supe- rior, branca no inferior, matizada de cór de roza por vezes na região abdominal. A carne, posto que pouco agradavel, tem consumo. Gr. n.º 508 — O peixe anjo O PATA-ROXA Seyllium canteula, de Cuvier —La grande roussete, dos francezes Esta especie dos esqualos é muito com- mum no Mediterraneo e no Oceano Atlan- tico, sendo vulgar nos mercados do nosso paiz. Tem este peixe o corpo baixo e sobre o comprido, diminuindo gra- dualmente de espessura á medida que se aproxima da extremidade posterior; a r cabeca é achatada superiormente, o fo- cinho curto e obtuso, olhos e bocca gran- des, tendo esta uma cartilagem na ma- xilla inferior, e ambas as maxillas arma- das de dentes pequenos e triangulares. Duas barbatanas dorsaes, e a caudal com a parte superior longa e a inferior trian- gular. E” d'um pardo arruivado malhado de trigueiro ou de negro nas partes supe- riores do corpo, e as inferiores d'um branco sujo. Attinge 1” a 1”,30 de com- primento. 444 A carne do pata-roxa é pouco estimada, e tem certo cheiro que lhe é peculiar tornando-a desagradavel ao paladar. A pelle emprega-se na industria, servindo para cobrir malas, estojos, etc. O PEIXE-ANJO Squatina vulgaris de Risso — L'ange de mer, dos francezes Este peixe differe nas fórmas dos outros esqualos. A cabeca é larga, arredondada, achatada e separada em parte do tronco ; a bocca situada na frente, os olhos arre- dondados e na parte superior da cabeca ; as barbatanas peitoraes e abdominaes bas- tante desenvolvidas e dispostas horison- talmente; as dorsaes situadas na parte MARAVILHAS DA CREAÇÃO posterior do corpo junto da caudal, é esta com a parte superior mais curta do que a inferior. Nas partes superiores do corpo é d'um verde azeitona matizado de trigueiro, com o ventre e a parte inferior da cabeça bran- cos. Alguns d'estes peixes attingem gran- des dimensões, 2 metros e mais. Vive o peixe-anjo em todos os mares da Europa sendo vulgar nas costas de Portugal, e apparecendo nos mercados de Lisboa e Setubal. A carne é dura e má, mas do figado extrahe-se grande quanti- dade de azeite. Gr. n.º 509 — O espadarte O ESPADARTE Pristis antiquorum, de Latham — La scie, dos francezes Este peixe, uma das especies do genero Pristis, tem dos esqualos o corpo alon- gado, achatado porém na frente, e differe de todos os peixes conhecidos pela fórma da cabeça que se prolonga á imitação da folha d'uma espada. Este prolongamento do focinho é longo, rijo e coberto de pelle resistente, guarnecido aos lados de dezeseis a vinte pares de dentes, se- parados uns dos outros, agudos, e cor- tantes pelo lado anterior. Tem as barba- tanas peitoraes muito grandes, as abdo- minaes pequenas, duas dorsaes, e á cau- dal falta-lhe a parte inferior. O espadarte é d'um pardo amarellado por egual. Alguns d'estes peixes attingem avantajadas proporções, havendo-os de 5 e 6 metros. Encontram-se no Mediterraneo e no Oceano Atlantico. Os pescadores que frequentam os ma- res do Norte affirmam que o espadarte não duvida atacar o grande colosso dos mares, a baleia, e do singular duelo entre os dois campeões parece que nem sempre a victoria pertence ao gigantesco cetaceo. E' certo que a baleia com uma pan- cada da cauda se libertaria para sempre do seu adversario, mas 0 esqualo é agil, evita o choque terrivel da cauda do ce- taceo, e saltando fóra d'agua arremessa-se PEIXES — A TREMELGA 445 á baleia e enterra-lhe no dorso a arma terrivel formada pelo prolongamento do focinho. Parece que por vezes o espadarte arremette tambem contra os navios, dei- xando enterrada na madeira uma parte da espada. A TREMELGA Torpedo marmorata, de Risso — La torpille marbré, dos francezes A nossa gravura n.º 510 representa esta especie do genero Torpedo, pouco vulgar nos nossos mares, existindo outra mais commum a torpedo oculata. As tremelgas frequentam o Mediterra- neo e o Oceano Atlantico, sendo notaveis desde a mais remota antiguidade pelos energicos choques electricos que recebe a E quem lhes toca, unica arma de defeza que teem estes peixes, fracos, indolentes e pouco ageis, vivendo quasi constante- mente occultos na vasa, e servindo-lhes tambem para primeiro entorpecer os pei- xes de que se alimentam, e dos quaes só assim pódem facilmente apossar-se. O braço mais robusto sente-se paraly- sado tomando-se na mão a tremelga, e os peixes que correm para devoral-a es- tacam entorpecidos, recebendo os cho- ques invisiveis que dºella se transmitem mesmo a consideravel distancia. Rédi, naturalista italiano do seculo xvrr, o primeiro que observou este peixe scien- tificamente, referindo-se a uma tremelga que acabava de ser tirada da agua, diz o seguinte : Gr. n.º 510 — À tremelga «Apenas lhe toquei, tomando-a na mão, senti n'esta um formigueiro que se com- municava ao braço e ao hombro, seguido de tremor bastante desagradavel e de dór aguda e insupportavel no cotovelo, de sorte que fui forçado a largal-a.» A dór e o tremor resultantes do conta- cto da tremelga, no dizer do citado autor, cessam á medida que o animal perde as forças, e terminam com a sua morte. Teem a vida tenaz estes peixes, e no tempo frio só morrem vinte e quatro horas de- pois de tirados da agua. Pertencem as tremelgas ao segundo grupo dos selacios, as raias, e com estas teem muita analogia. O corpo é achatado e sobre o redondo, resultando esta con- formação do grande desenvolvimento das barbatanas peitoraes; entre estas está situada a cabeça, a ellas ligada por car- tilagens, existindo entre estes orgãos o apparelho productor da electricidade. A bocca e os olhos são pequenos, e atraz destes tem dois respiradouros em fórma d'estrellas; a região caudal é grossa e curta e n'ella estão situadas as duas barbatanas dorsaes, terminando pela barbatana cau- dal de fórma triangular. A pelle é perfeitamente lisa, e varia O colorido segundo as especies, sendo a tremelga da especie representada pela nossa gravura d'um trigueiro claro com malhas da mesma côr mais escuras, por vezes claras, e mesmo brancas, ha- vendo individuos trigueiros por egual. A carne da tremelga não é boa, mas tambem não é nociva como se diz, e póde comer-se; os pescadores, porém, receiam-se e com razão dos seus choques electricos. 446 MARAVILHAS DA CREAÇÃO AS RAIAS Raja, de Cuvier — Les raies, dos francezes Conhecem-se muitas especies de raias, e Brito Capello no seu catalago dos peixes de Portugal cita quatorze especies mais ou menos vulgares no nosso paiz. Na im- possibilidade de falarmos de todas as es- pecies, descreveremos os caracteres geraes do genero, e a nossa gravura n.º 514 re- presenta a especie raja batis, Linneo. São as raias singularmente conforma- das; a parte anterior do corpo de fórma rhomboide comprehende a cabeca e o tronco, sendo orlada por ambos os lados das barbatanas peitoraes, consideravel- mente desenvolvidas; a região posterior é formada pela cauda mais ou menos longa e delgada. As ventas, a bocca e as aberturas branchiaes são situadas na parte inferior do corpo, os olhos e os respiradouros na superior. A pelle é raras vezes lisa, e quasi sem- pre coberta de asperezas mais ou menos desenvolvidas e d'espinhos implantados em tuberculos osseos. A barbatana cau- dal é mediocre ou rudimentar. Varia o colorido segundo as especies, e a que a nossa gravura representa, uma das que attinge maiores dimensões, 2 me- tros e o peso de 100 kilogrammas, é dum pardo cinzento com malhas anne- gradas, tendo a parte inferior do corpo branca salpicada de negro. Gr. n.º 5M— À raia Diz-se que a cauda longa e flexivel das raias, armada d'espinhos, serve-lhes á ma- neira d'açoite para deffender-se, e ao mesmo tempo para atacar os peixes que lhe passam ao alcance, quando se conser- vam acoitadas na vasa e entre as algas. Brandindo-a com força sobre a presa, deixam-n'a mal ferida ou morta, podendo em seguida devoral-a facilmente. Os ovos das raias merecem especial menção pela sua conformação singular, que egual não existe em nenhum outro peixe. São quadrangulares, um pouco achatados, e tendo a cada canto um cor- dão cylindrico recurvo em forma de gan- cho. A carne das raias é em geral branca, e vêmol-a por certos autores qualificada de tenra e saborosa, sendo certo, que tem bastante procura nos mercados d'outros paizes. Nos nossos mercados, onde algu- mas especie são vulgares, é tida em me- diocre apreço, e vende-se por baixo preço. O UGE OU URZE Trygon pastinaca, de Cuvier — La pastenague, dos francezes Este peixe é na fórma do corpo ana- logo á raia, e tem a região caudal muito alongada, sem barbatanas, e armada d'um vigoroso espinho dentado pelos dois la- dos. Tem o focinho pequeno e triangular, os olhos grandes e a bocca pouco rasga- da, (Grav. n.º 512). E' ouge d'um pardo amarellado, algumas vezes azulado na parte superior do corpo,-e a inferior é PEIXES — O RATÃO esbranquiçada com uma faxa marginal arruivada. Attinge este peixe por vezes mais de 4 metros de comprido, e diz-se que a carne é tenra e saborosa. O espinho que arma a cauda do uge passa por vencnoso, seja porque as feri- das que causa se tornam graves. O caso 447 e parece que á maior parte d'estes peixes que vem ao mercado falta-lhe este appen- dice, que os pescadores lhe arrancam. O RATÃO Myliobatis aquila, de Cuvier — L'aigle de mer, dos francezes Este peixe do grupo das raias appellida- é que os pescadores arreceiam-se delle, | se vulgarmente nos mercados de Lisboa Gr. n.º 512 — O uge ou urze e Setubal ratão, rato lhe chamam no Algarve. E' de fórma triangular, tendo o disco com as barbatanas peitoraes muito desenvolvidas sendo mais largo do que alto. A cabeça é arredondada e excede a extremidade superior da barbatana ; o dorso prominente, bocca transversal e quasi direita, olhos grandes e situados aos lados. A cauda delgada é egual apro- ximadamente a duas vezes o comprimento do corpo, e tem a distancia da base um espinho agudo. (Grav. n.º 514). O ratão na parte superior do corpo é d'um trigueiro esverdeado com refle- xos bronzeados, sendo as extremidades do disco mais claras; na parte inferior é d'um branco amarellado. A carne do ratão é de má qualidade. PEIXES ORDEM DOS. LC TCrOSToOnC Os peixes comprehendidos n'esta ul- tima ordem caracterisam-se pela confor- mação singular da bocca, circular e só propria para sugar. O corpo é alongado, nú e viscoso, lembrando na fórma o das serpentes ; as vertebras reduzidas a sim- ples anneis cartilaginosos, apenas distin- guindo-se uns dos outros, e outras cir- cumstancias do esqueleto tornam estes peixes os mais imperfeitos da classe e mesmo dos vertebrados. Não teem bar- batanas peitoraes nem abdominaes, e as restantes são rudimentares. Como typo da familia conhece-se a lamprêa, e só d'ella nos occuparemos. Gr. n.º 513 — À lamprêa À LAMPREA Petromyzon marinus, de Linneo — La grande lamproie dos francezes Esta especie, representada pela nossa gravura n.º 513, é uma das que vive na Europa, havendo outras duas aqui conhe- cidas e algumas proprias da America e dos paizes quentes. A lamprêa citada en- contra-se no nosso paiz. Tem o corpo cylindrico, a bocca cir- cular com um beiço carnudo em volta, armada pela parte de dentro de muitas ordens circulares de dentes rijos, uns sim- ples outros duplos, e sete aberturas bran- chiaes de cada lado do corpo formando duas linhas longitudinaes. As duas bar- batanas dorsaes separadas uma da outra. O corpo é amarellado e riscado de tri- gueiro. Mede de 0",65 a 1m. Vive no Mediterraneo e no Oceano Atlantico, e na primavera encontra-se na foz d'alguns rios, onde se pesca em abun- dancia. Alimenta-se de vermes, mollus- cos e peixes, sendo a bocca um pode- roso chupadouro com auxilio do qual a lamprêa se aferra ao corpo d'animaes por vezes de grandes dimensões, conse- PEIXES — À LAMPREA guindo por este modo devoral-os. É muito voraz, e todas as substancias animaes lhe servem, mas com especialidade os vermes e os peixes. E' ainda com auxilio da bocca, que opera á maneira de ventosa, que a lam- prêa se fixa ás pedras e a outros corpos solidos, sem que o corpo deixe de agi- tar-se ondeante d'um para outro lado. A carne da lamprêa é muito estimada, e merece bem o favor que lhe dispensam. E até certo ponto confirma a excellencia da iguaria tornando-a historica o farto consumo que d'ella fez o rei d'Inglaterra 449 Henrique 1, que morreu nas vizinhanças de Elbeuf, d'uma real fartadella de lam- prêa. Assim o diz Figuier, um dos autores que por vezes temos citado no decurso deste trabalho, e ao qual bem como a mui- tos outros devemos os materiaes empre- gados na estructura d'esta obra, que oxalá possa ter offerecido aos nossos leitores algumas horas de util passatempo, e a alguns o desejo de proseguir no conhe- cimento dos segredos sublimes da Natu- reza, que nos descerra o estudo das Scien- cias Naturaes. N SS Gr. n.º 514 — O ratão TABOA ANALYTICA DAS MATERIAS CONTIDAS N'ESTE VOLUME Pag. As aves — Algumas noções ácerca da sua organisação, funcções physiologicas e outros caracteres peculiares aos animaes d'esta classe — O ovo e a sua formação — Desenyolvi- mento do germen — Ninhos — Divisão das AVC (oi ado Cata e ja ee TE ooo Ne DO RE e AR E O PA 1 AVES Ordem das aves de rapina Caracteres geraes — Classificação ........... 9 AVES DE RAPINA DIURNAS Os abutres — Caracteres peculiares á fami- Va: custas ETA Rdeic VERONA Ga o O griffo — Caracteres—hHabitação — Onde ani- nha — Postura — Brayura e voracidade — Domêsticidade sed. pis sonia Re o) 10 a 414 O pica-osso — Caracteres — Onde vive — Ali- mentação — Construcção do ninho e postura — Domesticidade .............. Fo A dna EA O abutre do Egypto — Caracteres especifi- cos — Noções histuricas — Onde vive — Re- gimen — Nidificação — Domesticidade. 42 a 44 O urubú rei—Rasão do nome—Onde vive — Regimen — Respeito á magestade .... 16 a 417 O urubú — Caracteres especificos — O urubú gato-pingado — Serviços prestados á hygiene publica —Habitação — Domesticidade e affei- ção ao dono...... Taro E OS casi ida VAB O gypaeto barbudo — Caracteres especificos — Sua força muscular —Ataque ao homem — Creanças devoradas ou acommettidas por esta ave — Regimen — Amor aos filhos — O ninho do gypaeto........... SUDO DO 19 a 20 O condor — Caracteres da especie — Patria — Curiosos promenores ácerca do seu genero de vida e ferocidade — Multiplicação -—Indo- mesticidade. .. .. cce sos OD s oba a - lh a 46 Os serpentarios — Caracteres genericos.... 20 O secretario — Varias denominações — Ca- Facteres — Modo de vida — Regimen — Des- truição dos reptis — Combate do secretario com as serpentes — Nidificação — Utilidade do qsecreláTio “+. cj fere re e t-ledcho ERR ES 20 a Os falcoes — Caracteres da familia. ....... O caracará vulgar — Caracteres especificos — Onde vive — Regimen — Rapinas — Nidi- ficação —O caracara chimango e o caracará CU BD E NO nat GS SOCO. .. 22 à O tartaranhão — Caracteres genericos e es- pecificos — Onde vive — Regimen —Nidifica- ção e postura — Domesticidade — O tartara- nhão e os barretes vermelhos ...... 2 a A vurubitinga — Caracteres — Habitação — Genero de vida — Regimen — Domestici- dade. asle joia ans ce care Sis E ea voga di A aguia real — Caracteres genericos — Onde vive — Desenvolvimento da visão e grande vigor muscular da aguia — Rapidez do vôo — O ninho da aguia — Abstinencia — Rapi- nas — Curiosos promenores do viver d'estas aves — Domesticidade ....... 500 BOs 26 a A aguia rabalva — Caracteres — Onde vivem — Genero de vida — Nidificação — Pos- UU e OS RS Se SG 30 a A aguia pesqueira — Caracteres — Onde vive — Regimen — Curiosos promenores do seu viver — Indomesticidade........... DRA À harpia — Caracteres — Onde habita — Re- gimen e ferocidade — Promenores interes- FIVES TOSA Das Ss cara ando DO CRE O guincho da tainha — Caracteres — Onde vive — Modo de vida — Caça ás serpentes Nidificação e postura — Domesticidade 34 a O girifalto branco — Caracteres — Onde se encontra —Regimen — Nidificação — Protec- cão aos Tgeritaltos.. spots a fol= datoyo no .. 32 à O falcão — Caracteres — Falcoaria — Rapidez no vôo — Nidificação e postura — Domes- ticidade — Longevidade. ....... AO PENNE) O falcão tagarote — Onde vive — Regimen — O tagarote e a andorinha — Ninho e pos- tura — Domesticidade.............. 39 a O francelho ou peneireiro — Caracteres Onde vive — Regimen — Nidificação e pos- tura—Outras especies do genero Falco 40 a O milhafre ou milhano — Caracteres — Regimen — Rapinas — Utilidade do milhafre Pag. 22 29 dd do 25 25 26 30 33 34 35 36 39 40 41 TABOA ANALYTICA 451 Pag. Pag. — Ninho e postura — Domesticidade Outras PR vero = sinpéio do genero Ta- especies do genero Milvus..,....... h1 a h3 ETF NARA bip CU Ra 63 a 64 O açór — Caracteres — Onde se encontra — O cephaloptero ou guirá- memby (Brazil) O açor e os pombos -— Caça ás lebres — Onde vive — Caracteres — Habitos... 64 a 65 O ninho do açor — Ferocidade...... Ea CAM O tordo-- Caracteres e cc cecen cats nos 65 O gavião — Caracteres — Onde vive — Ge- O tordo zornal — Caracteres............. 63 nero de vida—Arrojo —Rapinas—Nidificação A tordeira ou tordoveia — Caracteres. ... 65 e postura — Domesticidade. ........ h4 a 45 | O tordo malviz ou ruiva—Caracteres 65 a 66 O tartaranhão ruivo dos paues — Cara- O melro preto — Caracteres—hHabitos geraes cteres—Onde habita—Rapinas—Ninho 45 a 46 dos tordos e dos melros — Canto— Regimen O tartaranhão azulado —Caracteres — Onde — Os ninhos do tordo e do melro — Ex- VIVE MADILOS. e cce cseescs sos = O a Hu cellencia da carne d'estas aves — Creação e engorda dos tordos pelos antigos ro- AVES DE RAPINA NOCTURNAS Manos. ....eccrenerereraeres . 67 a 68 O tordo dos remedos — Caracteres — Canto Caracteres geraes — Antipathias — Utilidade ei Es de imitação — Regimen — Domes- k das aves nocturnas — Minerva e o mocho 47 a 48 0 o E a Eee ds C e 2605 b; 68 a 69 A coruja fuscalva — Caracteres — Patria — e o na — Caracteres — Ha nei Onde habita — Nidificação e postura ..... 48 0 rose ao A a k É ai R4O O mocho ordinario—Caracieres —Onde vive nda Angola — Patria — Caracteres — — Falsas apprehensões sobre estes animaes p eglmeEn — Nidificação — Captiveiro...... 70 — Genero de vida — Alimentação —Postura romenores interessantes ácerca dos papa-for- — Domesticidade — O mocho na Italia 49 a ,80 | q MIgaS. ..ere cer erererererenecero 10 a 71 O bufo ou corujão — Caracteres — Onde se pacas formigas maior — Caracteres — Ha- encontra — Habitos — Nidificação e postura bitos a DE ã Bravura CEP E A ad Sy n — Amor paternal — Domesticidade — Outras A graculina palreira — Caracteres — Patria especies do genero Bubo........... 80 à 82 õ ap no Do Ta do SOU AB On SB as 72 O bufo mediocre — Caracteres — Onde vive PABaÇigus Caracteres — Onde habita — — Habitos — Regimen — Postura — Affeição Alimentação — Nidificação e postura — Dif- aos filhos — Utilidade — A vingança do ficuldade de conserval-o engaiolado..... 72 bufo . s Spade Sos SO RISE 5272 453 A aa — Caracteres — Promenores do viver 73 ESA DAVO- nisi et: Po aaa M mocho pequeno — Es Tera A petinha — Caracteres — Modo de vida das Postura — Domesticidade........... 53 a 54 | diferentes especies — Voz — Ninho — Re- A coruja do matto—Caracteres—Onde vive á rel pa cicAs jon Pneh e) Neo Mol cicAao ado On micígio 73 a 7h — Habitos — Nidificação e postura—Domes- alveloa — Caracteres — Habitos interes- EE aee c eo be NS dk a 53 | , Sintes — Regimen — Nidificação e postura.. 74 A coruja das torres — a cterós== Onde “e A alveloa amarella — Caracteres — Onde ha- encontra — Grande utilidade — Postura — bita HA Modo de vida a Shea fue us o Danmetaiado tá O Rei LO interior dºAfrica — Regimen — Ninho — Do- EPA Ri O TE Sbrentaos o feonacato = afaio o opa asia (Si ara NR 75 O enicuro malhado — Caracterees — Habitos 76 AVES A caiada — Caracteres — Onde se encontra — Habitos — Ninho e postura —. Capti- CTN tado 5d Pet do fo A RISCO O ra so TO a Ordem dos passaros O cartaxo — Caracteres — Habitos — Capti- IV ELEOS ooo ca do fe Seo dao E AMA SS Ata E) 77 Considerações geraes — Classificação ........ 57 | À estrellinha — Caracteres — vivacidade e Os dentirostros — Caracteres geraes — Sua destreza destes passaros —Regimen—Ninho divisão ..... o steve do e sy, e postura — Captiveiro............ Pr Eh O picanço — Caracteres — Onde vive — Ha- A carricinha das moutas — Caracteres — bitos — Arrojo — Dom de imitação —Ninho Onde se encontra — Genero de vida — Re- — Domesticidade ................. 57 a 58 gimen — Nidificação e postura — Capti- O drongo—aracteres—Onde vive—O drongo VEIO LO 3 ip A io da deh 78 a 79 e as abelhas — superstição dos hotten- A fulosa ou fuinha — Caracteres — Genero totes paid. : A Sri PERENE DE 58 a 59 de vida — Nidificação — Canto — Capti- O Rem: to vi — Coractorós — Onde vive — VEIO = stdico: oie is O ES ar ENE ei) E 79 Habitos — Arrojo — Regimen — Nidificação O pisco de peito ruivo — Caracteres — Ha- SD 6 E PA 60 bitos — Ninho — Postura — Captiveiro 80 a 81 A tesoura — Caracteres — Onde vive — Ha- O pisco de peito azul — Caracteres — Onde bito que lhe deu o nome........... OA vive — Habitos — Canto e Nidificação — O taralhão ou papa-moscas-—Caracteres— CRplIveIro: So tono DEI EIS ot E sir S o todo 81 —Onde vive—Habitos—Domesticidade 64 a 62 | À rabiruiva ou ferreiro—Caracteres— Onde A cótinga chilreira da Europa — Cara- habita — Nidificação e postura — Canto — cteres — Onde vive — Regimen — Capli- Capliveds E datar arotadosare dire o irasip 81 a 82 CE ES ABA IE qr ed RA 62 a 63 | A chincafoes ou rouxinol da espadana — A cotinga purpurea — Patria — Caracteres Habitos — Caracteres — Promenores do seu ESENARILOS - 4:40 0 0a sic cê, ENO PRE VE EEE 63 viver — Nidificação e postura — Captiveiro. 82 A tangara variegada, ou sahi-che— Onde A costureira—Caracteres—Onde vive — Re- vive — Caracteres -— Habitos — Nidificação gimen—Curiosa construcção do ninho 82 a 83 452 MARAVILHAS DA CREAÇÃO O rouxinol — Caracteres — Onde habita — Regimen — O canto do rouxinol — Nidifi- cação — Affeição ao dono.......... 83 a A toutinegra real — Caracteres — Onde ha- bita — Regimen — Nidificação e postura — Voz — Captiveiro..........c.s.e rs 85 a O gallo da serra — Onde vive — Cara- cteres — Promenor singular do seu viver — Regimen — Captiveiro..............c... A tingara tie-guaça—Caracteres —Onde vive —Regimen............ Os fissirostros — Caracteres geraes.. A andorinha das chaminés — Caracteres... A andorinha das casas — Caracteres..... A andorinha das rochas — Caracteres,... A andorinha ariel — Caracteres. ......... O andorinhão — Caracteres .............. A andorinha salangana — Caracteres Interessantes promenores do viver das andori- nhas — Os ninhos — Grande sociabilidade de estas aves — À expulsão dos intrusos — A partida das andorinhas — Para onde vão — Captiveiro—O ninho da andorinha salangana TESES Saddam sind c dosob asas 88 a O noitibó — Caracteres — Habitos — Postura — Forma curiosa de occultar os ovos 91 a Os conirostros — Caracteres geraes ....... O cochicho — Caracteres — Voz — Modo de OS (Crea JORTeDIMENT . -r-po o opala cofaro fofa poda 92 a A carreirola — Caracteres... ....... coeso A cotovia de poupa — Caracteres......... A icotovia — Garacteresit. 2... o joel alojar A calhandra ou laverca-—Caracteres— Onde vivem as especies do genero Alauda—Canto — Captiveiro .... O “chapim — Caracteres... ..ezcorerenzado A migengra — Caracteres, . O fradinho — Caracteres ... cce ec caro O chapim pendulin — Caracteres......... Habitos das quatro especies antecedentes —Ali- mentação — Promenores curiosos — Nidif- cação d'estes passaros — Forma curiosa do cnc o quero e. vc cnc ne ca sa cc orcs... ninho do chapim pendulino......... 95 a O trigueirão — Caracteres. .............. A cia ou cicia — Caracteres........ SS O trigueiro — Caracteres............... : A hortolana — Caracteres vcs see .. Habitos e modo de vida das quatro especies antecedentes À cs itio avec nto tendo Et or altajoto Caracteres geraes das viuvas ........creeso A viuva dominicana — Caracteres. ....... Os tecelões — Arte singular d'estas aves na construcção dos ninhos e descripção d'alguns — Diversas especies de tecelões — O ninho do republicano—Regimen d'estas aves 98 a O tecelão de cabeça doirada — Caracteres O tecelão mascarado — Caracteres....... O tecelão republicano — Caracteres...... Grupo de bengalis e senegalis—Caracteres geraes — Promenores — Alimentação. ...... O peito celeste — Caracteres O maracachão — Caracteres ............. O canario — Traços biographicos do canario — Canto — Introducção do canario selvagem na Europa — Observações curiosas ácerca do canario domestico, 1014 a O chamariz — Caracteres —Onde vive—hHabitos O tentilhão — Caracteres................ O tentilhão inontez — Caracteres — Genero “ocaso cons. 04 Pag. 84 103 103 104 de vida das duas especies citadas—Regin.en —Voz—Domesticidade....... é... 404 à O pinta-roixo — Caracteres — Habitos — Re- BIMEN:- a(o [2/00 5 fa oie efa ja tolo ato fofo feio eo Pao a O pintasilgo—Caracteres—Nidificação e pos- tura — Domesticidade. ............ 105 a O pintasilgo verde ou lugre — Caracteres — Onde vive — Habitos.............. oo O pardal — Caracteres... ................. O pardal francez — Caracteres—Curiosos pro- menores ácerca do viver d'este passaro 106 a O dom fafe — Caracteres—Onde vive—Ninho — Notavei docsilidade d'este passaro 407 a O verdilhão — Caracteres — Modo de vida. O bico-gossudo —- Caracteres — Onde vive— Regimen — Nidificação. ........... 108 a O cardeal da Virginia — Caracteres. . 409 a O cruza-bico ou trinca-nozes — Caracteres —. Qnde habita — Habitos curiosos—Nidifi- cação -— Docilidades 2.0. assiste to EO) pica-boi — Caracteres — — O pica-boi e os grandes mamiferos......... cccodo 440 à Os fcolios — Caracteres geraes — Habitos cu- DO do sopa b o a duo qua OP RECREIO 411 a O guira-una — Caracteres ............... O japú — Caracteres — Alimentação — Forma curiosa do ninho. . «ce. «. oo oeno o 412 à O estorninho — Caracteres...... DM erp O estorninho preto — Caracteres — Historia interessante d'estas duas especies... 113 a O rollieiro — Caracieres — Regimen —Nidifi- cação — Captiveiro.,......cccssv 114 a O gaio — Caracteres — Onde vive — Canto — Rapinas — Nidificação — Domestici- dades sm ssdo seriado ore RR data a a . 445 à À pega — Caracteres PES RA a Brito od O rabilongo —- Caracteres — Habitos interes- santes d'estas duas especies — Notavel in- telligencia — Nidificação e postura— Domes- ticidade.... 117 à A gralha calva — Caracteres — Nidificação e postura—Onde vive. --iele lote plo sie rtorol atoa A gralha — Caracteres — Ninho — Onde ha- Ditas ss saio co Lao oo Ha E eta E O corvo — Caracteres — Nidificação e postura A chuca ou gralha das torres — Caracteres — Ninho — Onde se encontra — Varios pro- menores ácersa do viver das quatro especies citadas —Noiavel intelligencia do corvo 449 a A gralha de bico vermelho — Caracteres— Onde habita — Regimen — Domesticidade — Varias rea africanas do genero cor- LAO ac Mira io eo ls dto cafona ro a Voto me 120 a O quebra nozes — Caracteres — Regimen e domesticidade QB 00099508 As aves do paraizo — Caracteres a — Promenores do seu viver.......... 305 A ave do parizo — Caracteres... ......... A manucodiata doirada — Caracteres..... A manucodiata real — Caracteres........ Os tenurostros — Caracteres geraes....... O pica-pau cinzento — Caracteres — Onde vive — Regimen — Nidificação — Capti- 122 a A trepadeira ou atrepa-—Caracteres — Onde vive — Modo de vida — Nidificação 123 a A trepadeira dos muros — Caracteres — Regiment. «ea ao sjota tola vie RE Os assucareiros — (Caracteres ia 124 a O sai -- Caracteres — Onde habita. . cerco toco nocao cerca coco aço no TABOA ANALYTICA O assucareiro mariquitas — Caracteres , Os soui mangas — Caracteres geraes — Modo do TUMOR co ge a OO RAS O 125 a O soui manga Joanna — Caracteres -— Onde vive O forneiro — Origem do nome — Caracteres — O ninho curioso dos forneiros—Regimen anidomesticidade. =. cj sos sn 0 126 a Os colobris ou beija-flores -— Historia in- leressante d'estas lindas aves..... 127 à O guanambi ou beija flor peito negro E SLALAÇIPXES ecc ac wra so 000.0 ES tor O beija flor topazio — Caracteres O beija flor de poupa e colleira — Cara- CEE EE PARA PSOE EEE O beija flor sapho — Caracteres.......... A poupa — Caracteres — Genero de vida — Ninho — Domesticidade. ......... 131 a O epimaco — Caracteres — Onde vive..... Os syndactylos — Caracter s geraes....... A momota gutrannos — Caracteres — Onde MEME a are!s 0/0 O melharuco ou abelharuco — Caracteres Onde vive — Genero de vida — Regimen— RR nesses canos aero nõos O pica peixe ou guarda rios — Caracteres — Modo de vida..... Os calãos — Caracteres geraes — Regimen — Habitos singulares d'estes passaros. 136 a Waloo d vn 2 avos sans cos ecoa. oe. o.s ec. o ronca sos... AVES Ordem das trepadoras Caracteres Beraes. .ceserrarerrerresreto O jacamacira verde — Caracteres — Onde vive — Regimen —Nidificação........... O pica pau — Caracteres genericos — Onde vive — Especies diversas .............. O pica pau malhado ou peto malhado — Caracteres — Onde vive............... O pica pau verde— Caracteres—Habitos cu- riosos das duas especies antecedentes 140 a O torcicollo ou papa-formigas —Caracteres Regimen—Promenores curiosos ácerca desta ave — Nidificação — Captiveiro.... 142 a O cuco — Caracteres — Modo de vida — Ha- bitos curiosos do cuco na reproducção — As amas do cuco — Voz — Domestici- REDE o farelo o > feio tera o 0 000 5 145 a O cuco rabilongo — Caracteres — Onde vi- 146 a O cuco indicador — Caracteres — Ea faculdade de descobrir os ninhos das abe- lhas-- Trecho d'uma descripção de viagem pela RUISV ASH TA a rarpio o a oro oie to aja q) 0 6/0) é Os anús — Caracteres geraes — Habitos inte- ressantes — Sociabilidade -— Domesticida- dons raa . 447 à O anú coroya — Caracteres... Rd O anú pequeno — Caracteres. .....s.c cce O coua-sassi — Caracteres ............... Os surucuás — Caracteres — - Regimen.. : O surucuá verde — Caracteres — Onde se DOCAS, 5 PA na creio eis o plo ia ais avero MrotSUr AA Os araçaris é Os tucanos — Caracteres ge- raes dos dois generos — Observações de 38 126 126 127 130 130 130 131 131 132 132 - 138 453 Pag. diversos autores ácerca d'estas aves — Regimen — Optimas qualidades da carne — Domesticidades srs oro o ima apo lo foro jania 149 a 450 O araçari — Caracteres — Onde vive. 450 a 151 O tucano peso branco — Caracteres onde VE to (ola Pora ho Lotata abra “sra! E O Taa a tubo ar [o "RT o Toà o 1514 Os papagaios — Historia notavel d'estas MELO AUTO DTD (LO Duas E 151 a 154 O papagaio cinzento da Guiné — Caracte- res — Interessantes anedoctas sobre a sua intelligencia e loquacidade....... 154 a 157 O papagaio amazona e o papagaio verde — Caracteres das duas especies. ,....... 157 O papagaio colleirado — Caracteres...... 157 Os periquitos — Onde vivem — Mutua affei- CAORAOSNCASAES Ti nto assado a o /o fon (0/5 falo sro Te 157 O periquito verde da Guiné — Caracteres. 157 Os loris — Caracteres — Onde vivem — Do- mesticrdades MM de nto o oteto a feno jo a olats pola ota 158 O papagaio colleirado de Borneo — Cara- cteres — Onde vive — Regimen.......... 158 As cacatuas — Caracteres genericos — Onde vivem Eabitosd;a ss)» (a = o je) [a ofo on oo ofaçe 158 A cacatua de poupa amarella — Caracte- LeSFeSppoICOSS à fatos sis pola corais o fo falo o 158 A cacatua Leadebeater — Caracteres — Do- IES MEG OS do SLI RR E CRENCAS CHÃO CREEP ENRO CS 158 As araras — Caracteres — Onde se encontram SEU ss Soc PASO DE OS A SIND Da dr 159 A arara azul — - Caracteres PRN PERES 241 159 O periquito de cauda longa — Caracteres DA dA IT DI ATO Exa Or ... 159 O tiriba pequeno — Caracteres... ........ 159 AVES Ordem. dos gallinaceos Caracteres geraes da ordem — Considerações diversas sobre estas aves — Divisão em sub-ordens .,...... fo o fofaf ave oiloyo to 160 a 161 OS POMBOS Caracteres geraes d'estes gallinaceos .. 1461 a 162 O pombo trocaz — Caracteres — Onde vive — Modo de vida — Domesticidade....... 162 A pomba — Onde habita — Caracteres — Ha- ILOS fofo refeito fa ato Toba lote Enio foto Wifelo fo fo /0)6! 162 a 163 Os pombos semi- mansos e os pombos mansos ou domesticos — Origem — Bre- ve resenha das raças mais interessantes — O pombo correio durante o cerco de Pa- ris— A photographia microscopica. 163 a 166 O pombo viajante — Promenores curiosos sobre esta especie — Caracteres — Domes- Heldaddos err tar Cr OA ares te 166 a 167 A rola — Caracteres — Emigração — Regimen me NIHON O POSCIEA. 10/0000 000 0 ciais [o efe areia 167 A rôla de colleira — Onde vive no estado livre — Caracteres — Varias outras obser- VAÇÕES a so mr aaa aro ae 0 Fio 1071 4 168 O nicobar de romeira — Caracteres — Onde vivo = CABlivolO....cesccgo resmas 168 A goura de poupa — Caracteres — - Onde vi- ve — Modo de vida — Domesticidade 168 a 169 VOL, MARAVILHAS DA CREAÇÃO 454 Pag. OS GALLINACEOS PROPRIAMENTE DITOS Caracteres geraes...c.....vs RETA STO jairo oa Pata 169 O cortiçol de barriga negra — Caracteres. 169 O cortiçol—Caracteres—Habitos das duas es- pecies antecedentes —Domesticidade. 170 a 4714 Os tetrazes — Caracteres geraes.......-... 174 O tetraz grande das serras — Caracteres — Onde se enconira......ccccccsseees 174 O tetraz pequeno das serras — Caracteres 174 Modo de vida das duas especies anteceden- ELO ERRA DA VOS PARES O RMT O 171 à 172 O tetraz malhado das avelleiras — Onde vive — Caracteres — “2rios promenores do SEMPEVIVOL= = cus tokerora vo ano jo info fonto fofo (s fofo afiado fefedo 172 O lagopede branco — Origem do nome — Caracteres — O lagopede vermelho 172 a 173 As perdizes — Caracteres geraes — Modo de vida d'estas aves — À caça ás perdizes — Domesticidade. ....cccc covers Sia 47 A perdiz — Caracieres — A caça a recla- NE SP DER RS E O EE QNTO O 475 a 176 A bartavella — Caracteres — Onde se encon- DE SUR RR DI Rr OR TENOR AUD Or O ELO 176 A perdiz das rochas — Caracteres — Onde ANITA DO SA RT EIS Mo DO DO SD 176 A perdiz cinzenta — Caracteres — Onde ha- DTL on PÇA SER Tao RS ae e aa 176 a 177 O francolin — Onde vive — Caracteres .... 177 Os odontophoridios — Caracteres geraes — Outros promenores........cccccsceasos 177 A capoeira commum — Caracteres — Gene- ro de vida — Domesticidade...... 177 a 178 A perdiz da Virginia — Caracteres — Regi- men — Domesticidade............ 178 a 179 A perdiz de poupa da California — Cara- cteres — Modo de vida — Domesticidade e aCelimação fodido fe lota Jo o ola fo) 00) o (o) o to of) o Neo jo 179 As codornizes — Caracteres geraes........ 179 A codorniz — Caracteres — Emigração — O bispo das codornizes — Viagens — Genero de vida -— Excellencia da carne — Nidifi- cação — Captiveiro — Combate das cosor- MIZES ESB ada PoE e Too Rae sia Mio Ra oo fo isito 5 179 a 1481 O toirão do matto — Caracteres — Modo de VIDA Rs apena ota a toa ND Es ts Tola ee aa 181 a 182 O faisão Impey — Caracteres — Onde vive — Regimen — Boa qualidade da carne — Acelimação - sis o etc ovo oi» NO QBD 9 50 - 182 a 183 O gallo — Caracteres geraes — D'onde é ori- MINAFIO.;= o nei safra fo (oiro (o) afofo plo dafnipio Do ja 183 a 184 O gallo de Bankiva — Caracteres — Onde vive — Habitos interessantes — Combate de gallos — Amor materno da gallinha — Conhecimentos uteis para a creação d'es- tas aves — Incubação artificial e sua ori- gem—Diversas raças e sua descripção 184 a 190 Faisoes — Caracteres geraes — Introducção d'esta ave na Europa — Caracteres geraes — Divisão em generos........cccce.co 190 O faisão ordinario — Caracteres — Patria — Genero de vida—Regimen—Postura 490 a 191 O faisão prateado — Caracteres — Patria — Postura — Regimen.......cccccrce ros 1914 O faisão doirado — Caracteres — D'onde é natural — Postura — Regimen..... 191 a 192 O argos — Origem do nome — Caracteres — Indomesticidade.............. .. 192 à 193 O pavão —D'onde é originario — Caracte- res — Introducção na Europa — Promeno- res curiosos do seu viver — Nidificação e TT SS SS SD 50 6 RSA DO fi. 193 a A pintada ou gallinha da India — Origem do nome — Patria — Estas aves tidas como emblema do amor fraternal — Caracteres — Genero de vida no estado livre — Regimen —Qualidade da carne........... 195 a O peru — Caracteres — Historia do peru sel- vagem — Observações interessantes — Qua- lidade Idaicarnest o os» pepeso feno epa nado 197 a Os megapodios — Modo de vida — A con- strucção do ninho — Curiosa descripção do megapodius tumulus.......... 199 a O megapodio da Australia — Caracteres— Onde seencon trai EN baga 200 a Os cracidios — Caracteres geraes — Habitos O mutum — Caracteres — Genero de vida — Docilidade — Excellente qualidade da car- TIBIA dee Poet jo jelo siga to na o o Ro do a a 2014 a O jacu-pemba — Caracteres — Onde vive — Nidificação — Domesticidade — Boa quali- dade dalicarne- E tosa terei fest ER Os inhambus — Patria — Caracteres — Regi- men — Modo de vida — Excellencia da CATNE: pior tio 200 tono Cofo Povo Niko do Nogo Ro genoa 202 a O inhambú perdiz—Caracteres—Onde vive A perdiz de Matto grosso — Caracteres — Onde give. . serao oro fe faRo fo o fee tiano aa PO ban O inhambú macuco — Caracteres — Onde vive — Nidificação — Postura. ,.,...... : AVES Ordem das pernaltas Caracteres communs — Genero de vida d'estas aves — Observações curiosas — Noções di- VEREI do DOGd do PRP Ra ENO CEA ERA SRT PERNALTAS CORREDORAS Caracteres geraes— Onde vivem............ O avestruz — Caracteres — Historia curiosa diesta avi efe falo apelo fofo = fofo fo afeto 205 a A ema — Caracteres — Modo de vida — Re- gimen — Aproveitamento da carne e dos tos — Regimen....... SERA DES nb 209 O casoar da Anstralia — Caracteres — Onde vive — Genero de vida— Acclimação—Re- BUM a atra o RE ANPR POR 210 a O apeteriz — Origem do nome — Caracteres Genero de vida — Postura — Captiveiro.. PERNALTAS VOADORAS (Caracteresfoeraes No fofos Ralo o dogota genoa oa OR ao A batarda — Caracteres — Onde vive — Ge- nero de vida — Regimen — Nidificação — Excellente qualidade da carne — Creação destas aves: . rota oimjfetite foto o apo ta TE 2414 a O cizão — Caracteres — Habitos — Onde vi- VB Rh dsastoio o rinaRo so lo guiete to São cata RO 243 a O andarilho — Caracteres —Onde vive—Ni- CLÍCAÇÃO orais o a e ioifa flo falta for fo Sa toa RT 2144 a A perdiz do mar — Caracteres — Onde se encontra — Alimentação.. ..s.su co 215 à Pag 195 196 199 200 204 201 202 202 203 203 203 203 . 204 1 214 2143 244 215 2146 TABOA ANALYTICA 455 Pag. Pag. O alcaravão — Caracteres — Onde vive — A garça bovina — Onde vive — Caracteres Maneira curiosa de caçar os ratos campes- -— Habitos — Alimentação — Captiveiro... 248 ires Alimentação. ...cccrcs co 216 a 217 | O papa ratos — Caracteres .............. 249 O avisador — Relações interessantes d'esta O goraz — Caracteres — Onde vive — Nidifi- ave com o corcodilo -— Onde vive — Ca- CAÇÃO Me: DOSLNNA RS srefaror sia ovo] anaraioPiRare! é «Er 249 racteres, DE ENE E - 217 a 2148 | O garcenho — Caracteres — Onde se encon- A tarambola ou doiradinha — Caracteres ADE ps ER ria SAS - 248 a 250 —Qnde vive—Nidificação e postura 218 a 219 | A gallinhola real ou abetouro — Caracte- A lavadeira ou borrêlho—Caracteres 219 a 220 res — Onde vive — Origem do nome — Voz O abibe ou abecuinha — Caracteres — Onde — Alimentação ........ E semeia 250 a 251 habita — Amor paternal —Captiveiro—Ac- O grou — Caracteres — Onde vive — Habitos climação PERA soe nd Do E 220 a 221 — Viagens — Regimen — Curiosos prome- O vira pedras — Origem do nome — Cara- nores do seu viver — O testemunho dos cteres -— Onde vive. Ra aaa aro DRM A DAR NE Be Bo Cc Pie CARO E 251 a 253 O ostraceiro — Caracteres — Onde se encon- O grou pantomima — «aracteres—Onde vive tra — Origem do nome — Curiosos prome- — Grande affectação destas aves — Domes- nores do seu viver — Alimentação 222 a 224 DICE Cc obopeonodDn Dor 300 BID D “o 253 à 254 A gallinhola — Caracteres — Onde vive — O pavonino — Caracteres — Patria — Modo Nidificação e da — Excellencia da de vida — Domesticidade ...,........... 254 EACOEE ato so eo o OCO DO 224 a 226 | O sary-emã — Caracteres — Resumo das ob- A narseja ordinaria — - Caracteres — Onde servações de Burmeister sobre o viver d'estas GE (CON TEL BE Dao Do QRO 226 EM peidos DORETO LO RR BE 254 a 255 A narseja pequena — Caracteres — Nidifica- O jacamin trombeteiro — Caracteres gene- CARO SS 5/0 sao o o EO ts aro 226 a 227 ricos — Caracteres especificos — Onde vive O sanderlingo — Esfacipros — Patria — Ali- — Habitos — Nidificação — Domesticidade IRONLACAOM GE SIS Soco siste aa é é - 227 a 228 enaffeicãonao donord ame Sor AdOP q) 200 A calhandra do mar — Caracteres — Onde A anhima unicorne — Caracteres — Onde se babita: so. DRESS LAS dal o DRE Sa 5) areia aifapnda 228 encontra — Modo de vida — Captivei- O combatente — Caracteres — Promenores Sept pe ad E A 257 a 258 curiosos ácerca do viver d'estas. aves — A anhima chaia — Caracteres — Onde vive Combates — Nidificação e postura — Ali- — Domesticidade — Utilidade nos rebanhos Ê ME brito 998 à 230 G'aves domesticas..... SOC ADO ULOr 258 A chalreta — Caracteres — Onde vive 230 a 231 | O fardo ca e fura matto — Gara- O magario,aelogo — Caras — Quo, | vida Regime — Nação Os fame O fuzellos — Caracteres —- Onde habita — Ev og Ei OA e Niificação: e postura. .......c.... 232 a 233 0 SAN EBeeasir o gn AR O alaito, fado om soveiia —Garacures| | cores io Rprodocrão— O maçarico real — Caracteres — Onde vi- Ptiveiro.....esccesrrcess PRP 259 a 260 RM. 233 à 23h O jassanã piassoca — Caracteres... 260 a 261 Ec e dae So EESC O camão ou alquimão — Caracteres — Onde O ibis verde — Caracteres — Onde se encon- 2 se encontra — Alimentação ....... 261 a 262 tra — Ninho — Captiveiro........ 234 a 28 | A gallinha d'agua, Rabilla, Rabiscoelha 0 guará vermelho — Caracteres ......... 235 — Caracteres — Onde: vive — Nidificação e O ibis sagrado — Caracteres — Veneração dos POSfUpaR qe to) rea ara tape Gs Soa e 262 a 263 egypeios por estas aves — Onde vive — Do- O galeirao — Caracteres — Onde habita —Ni- MESEIAÇER. -ieiirio-istoero io ro 00,000 235 a 238 nho o.. RUE price O Do eaG Tra BA O colhereiro — Caracteres — Onde se encon- tra — Alimentação — Ninho e postura ... O arapapá — Caracteres — Onde vive...... O tantalo d'Africa — Onde vive — Caracte- 239 a A cegonha branca — Caracteres — Onde ha- bita — Sociabilidade d'estas aves — Alimen- tação — Nidificação e postura — Fidelida- de conjugal — Anecdotas curiosas ácerca do viver destas aves — Domesticida- CER E aro = cOgo ie RO 240 a A cegonha negra — Caracteres..... O jaburú — Caracteres — Onde se encontra. O marabu — Caracteres — Habitos — Regi- Se ESSO ER 244 a O bico aberto - — Caracteres — Onde vive. A garça real — Caracteres — Onde se en- contra — Promenores curiosos ácerca d'esta 246 a Ramarca — Caracteres, ....cecessc cesar A garça branca— Caracteres onde vive 247 à A garcota branca — Caracteres . 243 a 2 AVES Ordem. das Palmraipedes (Caracteresa penas css pfaPo joio Ro Toa Jane OS LAMELLIROSTROS O flammante — Caracteres — Onde se encon- tra — Habitos — Ninho — Excellencia da GERE as 000 ob ova bdo Taboado Be - 266 à O cysne — Caracteres — Onde vive — Regi- DVÍNSO sedos abs Gaara da gn os 268 a O ganso bravo — Caracteres — Onde vive — Vigilancia destas aves — Ninho e pos- LADO SURDO SOTO E O DRE 269 a O bernacho — Caracteres — Patria — Nidifi- CErEo CO fita sand co adce pe onr 270 a O pato tadorno — Caracteres — Onde habita — Ninho — Postara............ a SA DE) 456 MARAVILHAS DA CREAÇÃO O irerê — Onde vive — Caracteres... ...... O pato real ou adem — Caracteres —- Onde vive — Reproducção — Nidificação e pos- tura — Caça... 27h a O pato de poupa — Caracteres — Onde vive O pato trombeteiro — Caracteres — Onde 040 cio nie dv/0 0 ain) d qe Pag. habitasteos - = sega Sirelad ea 277 O pato mudo ou pato de coral — Caracte- Tres — Onde vive... .... cc cesso 277 a 278 O rabijunco — Caracteres. ............... 278 A frisada — Caracteres — Onde vive....... 278 A assobiadeira — Caravieres ...... Ee Ss ATO A tarratana — Caracteres —- Onde vive .... 278 A negrina — Caracteres — Onde habita..... 278 A negrolla — Caracteres — (Onde habita — Curiosos promenores do viver d'esta ave.. 279 O marreco ou marrequinho — Caracte- RES oodorconSosCcaso nba) suoge 279 a 280 O eder— Caracteres — Onde vive — Ninho — Valor da pennugem............. 280 a 281 O merganso — Caracteres — Onde se encon- tra — Habitos — Reproducção..... 281 a 282 OS LONGIPENNES Caracteres geraes...... tdo PELOS ALE AS. A andorinha do mar ou gaivina — Cara- cteres — Onde habita — Nidificação e Er EA BA E AS DO E Do curto A andorinha d'agua — Caracteres. ....... O bico-tesoura — Caracteres — Habitos 284 a Gaivotas e alcatrazes. — Caracteres aa raes, NENE afeto fera foto da favo Rota to joia 285 a O alcatraz d'azas negras — Caracteres . Qsalcatraz-— Caracteres. - .thhd=p spas tos A gaivota —- Caracteres — Onde se encontra — Domesticidade............... custa ta A gaivota longicauda — Caracteres — Onde vive — Habiios — Ninho......... 287 a O albatroz — Caracteres A aa curio- sosddcercaid esta ave atfala piso» 288 a A procellaria gigante — Caracteres — Onde O AACD SA O EO E Sid o E JXSORA A procellaria do Cabo — Onde vive — Ca- DACLCROSNS o neta ade joe jo ceia aee SN at o ja A alma de mestre — Onde vive— Caracieres — Habitos ..... eo SE O SRS 290 a OS TOTIPALMAS Caracteres ceraesta No tor e espero sons o oe ouege valor O rabo dé junco. — Origem do nome — Ca- racteres — Habitos — Onde VIVES Soo dr O ganso patóla — Caracteres — Onde vive — Origem do nome — Nidificação« 292 a A fragata. — Caracteres — Origem do nome — Alimentação — Ninho — ...... 293 a A anhinga Carará — Caracteres — Onde vive SA DULVICLEO) ego o “ole oR aos gato o Sn oia 294 a O corvo marinho — Caracteres — Onde se encontra — Habitos — Regimen — Domes- HICITAdES =, o crate lo cor and A Es ADOIA O pelicano. — Caracteres — Habitos — Obser- VAÇOPSECUELOSA: rs Re ENS SA RE OS BRACHYPTEROS OU MERGULHÕES Eagapteres Gordos”, SMA aa Sort RM o 298 0 mergulhão. — Caracteres — Onde vive — Habitos — Nidificação e postura... 298 a 299 O mergulhão do norte — Caracteres — Onde habita — Alimentação... :....... 299 a O airo — Caracteres — Onde habita — Excel- lencia dos ovos — Perigos da caça d'estas aves . 301 a O papagaio do mar — Caracteres — Onde vive Nidificação e — postura..... 300 a A torda mergulheira — Caracteres onde se encontra, 303 a O cotête — Caracteres —- Onde vive — O co- téte da Patagonia — Habitos — Nidificação e postura..... OSS REPTIS Considerações geraes à cerca d'esta classe d'a- nimaes ..... - 307 à REPTIS Ordem dos Chelonios Caracteres communs. E Tartarugas terrestres — Caracteres da fa- NES oo dd ar 30 a A tartaruga grega— —Caracteres— Onde vive — Optima qualidade da carne.. À tartaruga mourisca -— Onde se encontra — Caracteres A tartaruga elephantina — Caracteres — Onde vive As tartarugas dos pantanos ou cágados — Caracteres geraes. O cágado — Caracteres — Onde habita — Re- producção 313 à O cagado — (Genero emys) — Caracteres. A tartaruga matã-matá — Caracteres..... As tartarugas do rio Caracteres com- As tartarugas do mar — Caracteres geraes — Descripção curiosa d'estes reptis —- Pes- ERP SERES OVO E) 1 “ 314 à A tartaruga verde — Caracteres — Prome- nores diversos — Sopa de tartaruga — Uti- codec conosco. 0a pio /0jo as fajo e lu “ec vseca ..... cce. . . ecc tone. . ccecCusee a... se. vce... 309 310 341 - 312 312 312 313 314 - 31h 314 314 317 lidadesda conchas ER 317 A tartaruga imbricada -— Caracteres— Onde se encontra......... SSODODDoSSS 953 3c 317 A tartaruga — Caracteres —— Regimen...... 317 A tartaruga encoirada — Caracteres - — Onde VV OM (o! steyaio fofo torso fofa gorolta Fofo foto Po fa ET DÃO REETIS Ordem dos saurios Caracteres geraes........... PCN REDE 319 OS CORCODILOS Considerações geraes sobre estes reptis —- Divi- são da familia em generos., Joao ago SD O jacaré commum — Caracteres — Onde vive -- Habitos — Caça ao jacaré -— Voracidade e abstinência 2... ..ccc avo cova. DADA SAL O corcodilo — Caracteres —- Onde habita — Genero de vida — Ferocidade..... 321 a 323 O gavial ou o do Ganges —- Cara- CLOTeSNaE cio NE Sr ASS oe TABOA ANALYTICA OS CAMALEÕES Caracteres singulares d'estes reptis -- Mudança de côr — reproducção . O camaleão ordinario — Caracteres — Onde SEMENCONÊA;. = scene rs 006. a Pera Tolo SRA Se AS OSGAS Caracteres -—- Regimen ............... A osga —- Caracteres especificados — Onde ha- bita =-— Genero de vida — Uma especie exo- tica d'estes replis.... - 32k à OS IGUANAS Caracteres communs —- Regimen —— Aprovei- tamento da carne ......... E 325 a O iguana — Caracteres especificos -— Regimen -—Docilidade — Excellente sabor da carne O basilisco —O basilisco da fabula — Caracte- res d'esta especie — Onde vive......... O dragão ou lagarto voador —— Caracteres — Patria —- Duas especies exoticas 327 a OS LAGARTOS Historia d'estes reptis 323 a O sardão -— Caracteres —— Affeição a0 homem —— Valor — Grande sobriedade deste re- DL ss oc dc o POD ASS 330 a 0 lagarto =— Caracteres — Onde habita — Re- gimen — Domesticidade. ............... A lagartixa — Caracteres — Regimen — Doci- lidade .. OS LICRANÇOS Caracteres geraes — Onde vivem..... 331 a O Licranço — Caracteres —- A cobra de duas cabeças. ..... S DO PARTO Da OR E Qd OS ESCINCOS (RAtares CONIMUDS, . cio ce sseloo see esmo voo O escinco Caracteres -- Onde vive —— Modo de vida — Utilidade medicinal..... 332 à O seps-chalcides -- Caracteres -- Onde vive —- Habitos — Reproducção............. A anguinha — Caracteres — Onde habita -—— EUNiÃo cos dpo dd ERRA: 333 a REPTIS Ordem. dos Ophnidios Considerações geraes sobre estes reptis — Di- TES O UNE so Sa O RR SERPENTES SEM VENENO A serpente python—Caracteres--Onde vive Especies diversas — Genero de vida -— As pythons do museu de Paris...... 338 a A boa -— Caracteres — Onde vive —— Habitos — Utilidade d'estes replis........ 339 à A cobra de Esculapio — Caracteres — Ha- Ditos e regimen.... A cobra escadeada — Caracteres — Onde ge (ADLIVELEO) - + 6 0 seselóia eee oio a 6,0 ora A cobra d'agua — Caracteres— Onde habita gajo a Uíaio vfeo iv im o Jd o jais a do Bope Pag. 352 332 352 333 333 354 335 339 340 340 340 — Genero de vida —Docilidade d'este ophi- dio. 340 a A cobra viperina — Caracteres — Onde se das o sn na Sia ag IN DUO O dq encontra — Onde vive — Poslura,....... : SERPENTES VENENOSAS Observações geraes sobre os caracteres d'este grupo. 5 342 a A cobra de capello iG adaptoros = Orden Vis mad ss osns 9/0 Quo Faé s vive — Effeitos da mordedura..,....... A aspide —- Suicidio da Rainha Cleopatra— -- Effeitos do veneno — Adoração dos egy- pcios -- Os domadores de serpentes 344 a A vibora — Caracieres d'estes ophidios—(Ca- racteres especificos da vibora de Portugal —- Genero de vida d'estes reptis -- Repro- dução — O apparelho venenoso da vibora —-- Resultados fataes da innoculação do veneno--Modo de combater o envenenamen- to causado pela mordedura da vibora. 345 a A cobra de cascavel--Caracteres—-Singular conformacão da cauda —- Onde vive —- Re- gimea —— Reproducção e amor maternal -— Varios casos fataes da mordedura da cas- cavel -— As botas envenenadas — (O effeito da musica n'estes ophidios, narração de Chateaubriand 348 a A vibora ferro de lança —— Caracteres es- pecificos -— Onde se encontra — Violencia do veneno —— Grande fecundidade -— Accli- mação do secretario para a destruição d'es- tes ophidios —- Especies do Brazil.. 351 a OS BATRACHIOS Considerações geraes ácerca d'estes animaes Metamorphoses Rs eee» e 350 à BATRACHIOS Orderma dos Anures SUAS S/s 0,00 9) 6 090 a 0/98 Caracteres geraes — Classificação, .......... A ra. — Caracteres geraes — Valor da rã como comestivel — Outra especie — Reproducção Hibernação — O sapo parteiro — Modo de vida d'estes batrachios — Enorme multipli- cação — O gyrino— Modo singular da repro- ducção do sapo parteiro....,.... 357 à A raineta. — Caracteres — Modo de vida — VÁ por 360 a O sapo — Caracteres — Genero de vida — Do- mesticidade — O que ha realmente a temer do sapo — Reproducção — Utilidade d'este batrachio, 361 a O sapo pipa. — Caracteres — Modo notavel porque se effectua a reproducção deste animal — O bufo agua... ...... Ro BATRACHIOS Ordem dos Urodelos Shar sletuin ja otulo du 00 dm alga o ja Caracteres da ordem — Classificação. ..... A salamandra. —Contos fabulosos ArtribitDe a este batrachio — Secreção do veneno — Onde vive — Caracteres — Genero de VIC AS Ste eis 365 a 457% 351 352 326 357 360 3614 363 363 a 364 - 365 367 458 A saramantiga. — Caracteres — Especie do nosso paiz — Onde vive — Regimen — Reproducção... Soma RE DOT estas. OS CICILIDIOS Caracteres geraes — Uma das especies mais co- nhecidas — Onde habitam,...... e de : OS PEIXES Considerações geraes ácerez dos animaes d'esta classe — Giassificação ..,...c.... dl à PEIXES Ordena dos Acanthopterygios Caracteres geraes da ordem. ......... A verca dos rios. — Caracteres — Onde vive — Prodigiosa multiplicação d'esta es- Pecion fi. E 375 a ju o eo vip alo (e'(o ft! O roballo. — Caracteres — Onde habita. O canario do mar. — Caracteres — Onde VARÃES EC Ap No EC QUONAÃS CER T OCooNROIE A garoupa. — Caracteres — Onde se encon- tra — A garoupa, serranus scriba....... O méro. — Caracteres — Onde se pesca 377 a O cherne. — Onde se encontra — Caracteres. O olhudo. — Caracteres... ........... - O peixe aranha. — Caracteres — Outras es- pecies do genero Trachinus — Onde habi- as ooo Sade ssa aro RS ae O papa-tabaco ou masca-tabaco. — Ca- racteres— 'Habitoscs. css smp eis ee faia O salmonete. — Caracteres — Onde se en- contra — Historia interessante d'este pei- IDG Da SALTO 5 SR PCS O E E 379 a O rocaz ou rascasso. — Caracteres — Onde NUS SNI A STO A E UOS E 380 a O requeime preto. — Caracteres — Onde se ENCONTRA Lv (efe toro pote RM Raa to eee SR A gallinha do mar. — Caracteres — Onde vive — Applicação que os esquimaus dão aos raios espinhosos d'estes peixes 381 a : bebo ou bebedo. — Onde se encontra — Marapleres ss 0 O ruivo ou cabaço - — Caracteres — Onde vive — Outras especies... ...... - 382 A cabra ou cabrinha. — Caracteres... or O emprenhador. — Caracteres — Onde se en- CONIDAE MPR eso fere SPO oleo oa O peixe voador. — Caracteres — Origem do nome — Habitos. . O esganagata. — Caracteres — Voracidade — Narração curiosa sobre a nidificação d'es- tes peixes — Ninho. ............ 384 a A corvina. — Onde se encontra — Caracte- Than sb ada Doasp poda Lasar 387 a O sargo. — Caracteres — Onde vive ....... O alcarraz. — Caracteres — Onde habita... A doirada. — Caracteres — Estimação em que era tida pelos gregos e romanos......... O pargo. — Caracteres — Onde vive........ O goraz. — Caracteres — Habitos — Onde se DIM va dana Es Gac SA BEá E 389 a A bica. — Caracteres — Onde se encontra... Pag. 368 374 MARAVILHAS DA CREAÇÃO O besugo. — Onde vive — Caracteres — Qu- tras especies... .... a mio, afajo ora foto oo RS DA O dentão. — Onde se depa — Caracteres Habitos:t. = 2% essa od o do o ovais gas so O cachucho — Caracteres. RR CRP A choupa — Onde vive — Caracteres RNA é A boga. — Onde se encontra — Caracteres — (ulra JESponie ça o cia iote nao ro NEVE 3914 a d O trombeiro ou trombeta. — Onde vive — Caracteres — Habitos. ....s. och: A sarda. — Onde habita — Carnetoras 4 po ca — Prodigiosa reprodueção — Voracida- CB Moteis Se ERRO ra TRENTO E E A cavalla — Caracteres... ...... Sato a Ra O “atum — Onde se encontra — Caractóres o = Habitos. SS SAIDO FE ste E Da 0 albacora - — arariores EE arara de care dação O judeu. — Onde vive — Caracteres. . 39% a : O gayado. — Caracteres ....eccsch-menoo a O atum guelha comprida — Caracteres — HabitosS so store ae E E RD : 5 O serra — Onde se encontra — DERA e EEB O MS O TO SS USOS RS SS O romeiro. — Onde vive — Caracteres — Ha- DOSE Ss tejo Meu te o COSTS SETE, o O PNR O agulhão ou agulha — — Caracteres — His- toria interessante ácerca d'este peixe — Habitos — Pesca... ... PARE Pqcir Ee SIA Ra carapau. — Caracteres — Onde vive..... pimpim. — Onde habita — Caracteres.... peixe gallo ou alfaquim. — Relação in- teressante deste peixes com S. Pedro — 00 Caracteres — Onde vive... ...cccseccs . A freira, ou chaputa. —Onde se encontra— Caracteres ER Ie DE PIS SO NS A pescada preta. — Caracteres — Onde vi- VB Ono Cova Cabo nO OSS Dasgoas 398 a O peixe espada. — Caracteres — Onde ha- Dita, ie cielo fotdogs Ep tg O peixe espada lirio — Caracteres... 399 a A tainha. — Caracteres — Onde vive — Ou- tras especies......s.cesecsesesesestro O peixe rei. — Caracteres — Onde “se encon- LEA er a MS E CRS Sp SE TR O murtefuge. — Caracteres — Onde vive — HabDitos; .cs atear MR Ro ABRO OM POTN AXA O alcahoz — Caracteres: 30, 00% = Mot a O caboz. — Caracteres — Onde vive....... O peixe pau ou peixe pimenta. — Ca- ragterest sa met co foRr ELE REA ANNE O tamboril. — Onde se encontra — Caracte- Tes==HaDitos é cre cite ReRErS ES o poe pen O bodião ou canario. — Caracteres — Ou- tras especies — Habitos....... ato EO SA A judia. — Onde vive — Caracteres. . 404 a PEIXES Ordem dos Malacopterysgsios Ass abdomainase Caracteres geraes da ordem. ...=....ccscco O siluro ou bagre da Europa. — Caracte- res — Onde se encontra — Voracidade — Narração curiosa á cerca d'este peixe 406 a A carpa. — Onde vive — Caracteres — Multi- plicação — Longevidade, O peixe doirado — Onde se encontra — Ca- TARLORES. «cimo = cido oie Ses RR : - 408 à AO7 108 409 TABOA ANALYTICA O barbo. — Caracteres — Onde vive — Habi- RR RR RO qe a ess a on oa o vis 6a o e RE A ableta — O valor das escamas deste peixe — Processo empregado em França para obter as perolas falsas. .......... 409 a O lucio — Onde se encontra — Caracteres — Interessantes narrações ácerca da grande voracidade d'este peixe — O Jucio e a lon- Da sis ale e o! 00 cas tra — Longevidade — Intelligencia, 410 a O stomias boa. — Caracteres............. O peixe aaa — Caracteres — Onde vi- TV Sc ÃO SO Si É DE RR 412 a O peixe voador. — Caracteres — Onde se CECIL AO A Bi RR AR PR O harenque. — Onde se encontra — Caracte- res — Prodigiosa quantidade d'esles peixes — À pesca e seu valor — peso — O TES DI RR 413 à savel. — Caracteres — Onde vive. savelha. — Caracteres. ................ sardinha. — Onde se encontra — Caracte- TÉO 2d Aba o une DR pato ao MADE a: anchova ou biqueirão. — Caracteres — Onde vive..... SE CDI OO E SOC salmão. — Caracteres — Onde se encontra — Habitos — Passagem d'este peixe da agua salgada para a agua doce — Descri- o PP rpO Pag. 409 140 h12 412 413 413 415 45 445 416 416 PEAOS COTLOSAD AE amis, sraveia los sro en AAGr a, 447 A truta. — Caracteres, — Onde vive. — Ha- Ditos, ... as. corccperosoosussoo ALT à 418 A truta salmoneja. — Caracteres... ...... 418 PEIXES Ordem dos Malacovpterygios sub-branchniaes Caracteres geraes da ordem. OO O bacalhau. — Caracteres — Onde vive — Destribuição geographica d'esta especie — Voracidade — Fecundidade — Grande quan- tidade de navios empregados na pesca do bacalhau -— Descripção curiosa da pesca deste peixe CEO para o consumo — Outra especie . 414% a A faneca. — Caracteres, SERA Pta O lacrau do mar. — Onde vive — Caracte- 0 ..... ..... 421 a badejo. — Onde se encontra — Caracteres A pescada. — Caracteres................. A abrotea. — Onde vive — - Caracteres apare A donzella — Caracteres — Onde vive 422 a A julianna — Caracteres “esc. coco 0 0a. O pico d'el-rei. — Caracteres............. O pregado. — Considerações geraes ácerca dos peixes chatos— Onde vivem — Cara- GLEROSTA os ARA Ro RE Tao 0 5] 00! etef ia sie - 423 à O rodovalho. — Onde se encontra — Cara- cteres e... h2k a “oco coa rço Coco oco nt gerou. O linguado. — ob cipres DERDO 8 age raro! qua iao O peixe piolho — Caracteres — Observações curiosas ácerca d'este peixe -— Habitos,.. 126 REIXES Ordem dos Malacopterygios Apodos Caracteres geraes da ordem............... 427 A enguia. — Caracteres — Onde vive — lla- DILOS A sato ato ereta PDS als Srs SiS h27 a 428 Roca Caracteres a Tigas sds ss = ais 428 O congro, — Onde vive — Caracteres. ..... 429 O peixe cobra. — Caracieres — Onde se en- CONANANTAA pi cfata 7 nho foto ator ho bone o - 429 a 430 A moreia. — Onde v:ve — Caracteres — Vo- racidade — Estimação que os romanos da- vam por este peixe -— Alimentação com came NUmana os ateimio cisto a cio 430 a 431 O gymnoto electrico — Onde vive — Cara- cteres — Propriedade electrica d'este peixe — A pesca do gymnoto — Noções curiosas sobre estes animaes.,..... DM rratarafo 431 a 432 PEIXES Ordem dos Lophobranchios Caracteres geraes da ordem..........c.... O cavallo marinho. — Caracteres..... PEIXES Ordena dos Plectognates Caracteres geraes da ordem... ............ 434 Os bidentes, ou ouriços do mar. — Ca- racteres — Onde vivem..... coco 433 à 435 Os quadridentes. — Caracteres — Onde se GD déb. ad E de SOLACE 435 O peixe lua. -- Caracteres -- Onde vive — Origem do nome....... DE DUE 4353 a 436 Os ostraciões. -—- Caracteres — Onde vivem 436 PEIXES Orden dos Esturianos Caracteres geraes da ordem............. 437 O peixe coelho — Onde vive — Origem do none scientifico — Caracteres — Qualidade das CATNGR - More fope aerea) ERR 437 a 438 O solho — Onde se encontra — Caracteres — Regimen — Boa qualidade da carne — Uti- lidaro recarga O PETI PÃO O DORSO e pj PELXES Órderna dos Selacios (Cara cloresmpera os Eat potat a o jobatogs ia o o 8 oo se 439 O tintureiro — Caracteres — Onde vive — Reproducção — Voracidade....... dd 439 O olho branco — Illucidações — Caracteres— Onde vive — Regimen — Decidida preferen- cia pela carne humana — doraana do olho DEN DE OSS CEC E h39 a 441 O peixe martello — Cnbnstesos — — Onde vive Do Modo de vidae, cs, AER 460 MARAVILHAS DA CREAÇÃO Pag. O cação — Caracteres — Onde vive........ 442 | O uge ou urze — Caracteres. ........ ES o O tubarão — Onde habita — Grandes dimen- O ratão — Caracteres ............. ER içars 1 sões d'esta especie — Genero de vida... 442 O peixe raposo ou zorro — Onde vive — Caracleros.rctepadets fo ofaiRe e 6 tao Vo ot fe apa e tao 443 O pata-roxa — Onde se encontra — Caracte- E E ] X E S res — Valor da carne........... 443 a 444 O peixe anjo — Caracteres — Onde vive ... 444 Ordem. dos Cyclostomos O espadarte — Caracteres — Onde se encon- tra — Luta do espadarte com a baleia 444 a 445 A tremelga — Caracteres — Propriedades ele- Caracteres geraes.........ccecereraerreses 448 clinicas. sho esa e E gde 445 | A lamprêa —Varias especies — Caracteres — As raias — Singular couformação d'estes pei- Onde vive — Modo de vida — Excellencia xes — Varias especies — Os ovos das raias da carne — Duas palavras que terminam a — Qualidades da carne ....... ent Lad .. 446 ONES 5º, Sina epi net, UE .. 448 a 449 COLLOCAÇÃO DAS ESTAMPAS Estampas Paginas 1.º — O gerifalto branco, em frente da pag.......... RT Soto fa e of RAR go 35 2º O dordozórnal, - em frente da pag:?. pec tio Ra e RE PR 65 Ss EACavra, em frente da pag...» 0. em r tt RR Dr aa 1 Z 73 h.º — Ninho da andorinha salangana, em frente da pag........ ........ 88 5.º — O pintasilgo ordinario;, o dom fafe e o pintasilgo verde do norte, em frente-da pas... ses ssm re bis O sro o PAR E Pe a e 105 6.º — A ave do paraiso, a manucodiata doirada, a manucodiata real, em frente da Npae cut ae E ro PRE Sea NES do Ne RTo RA E 122 7.º-— A cacatua de Leadheater, em frente da pag..........icaccssraesõo 158 8.º 0 apteriz, -em frente "da pas d.... om. mstratpa E ES E pa SR 2144 9.º — O goraz, a garça real, o garcenho e a garçota branca, em frente da pag. 249 10.º — O cysne de pescoço negro, em frente da pag........... E sos 268 14;* — O coléle da-Patagonia, em frente da pag... remo sito ep 304 12.º O camaleão, em frente da pag............ REA sp spp o RR q 324 19.º—A eiboia, em frentêkda pag... .lo o. vo tr e no RR DE 34) 14,8 A iunta; salmoneja, em Trente da pas... .. apso A or h18 15.º — Escravo romano lançado no viveiro das moreias, em frente da pag... 430 FIM DO 3.º E ULTIMO VOLUME F W Fdis a sap = is gia gica 0 na dado ERA RE m me “ QN ES Es E Cotar, NIE EE X RESARO PRE E CRORER LER RITO ÇÃS 32:40) " TA DES TA TES RREO ET ANS) mae da Pés + Ee = to a Ras a Ro hu, = VIRA Ps h PA pads o uetd Se us Caata (5 a A a ai Seta aa 4, NONO OSS ES PESE)? NAS LIA era ex PELAS TRAD e TES had a »* eo SA NIREEO TOSA