^n ^m^ 'KWJ' "\jOu;a\oJ ' tw^; w^^^^^- ,Wj^?w 5 ^.U2 oU ITibrars of i\t Uluseum OF COMPARATIVE ZOOLOGY, AT HARVARD COllEGE, CAMBRIDGE, MASS. jíouníctí b» pcfbate suijscrfptíon, Cn 1861. The gift of JyHí^ "yrc^x^o^^r-yi-^OL JU-o/. No. sns". ã^ 2^ MEMORIAS DA 4C\DEIII4 REAL DAS SCIENCI4S DE LISBOA CLASSE DE SCIEmS IIATUEIIATICAS, PBVSICAS E SATIMES Nisi utile est quod facimus, stulla est gloria NOVA SERIE — TOMO IV, PARTE II !5gg iò M LISBOA T\TOGRAPHIA DA ACADEMIA '^ 1870 ^'t^^ ;t-''^ é. np. DA 11 PARTE, TOMO IV DA NOVA SERIE CLASSE DE SCIENCIAS MATHEMATICAS, PHYSICAS E XATURAES Estudo sobre as perforações cardíacas, e em particular sobre as communicações entre as cavidades direitas e esquerdas do coração, a propósito d"um caso notável de teratocardia, pelo dr. Pedro Francisco da Costa Alvarenga. Estudos sobre a diabete — 3." estudo — diagnostico e prognostico, pelo dr. Abel Jordão. Elementos de thermometria clinica geral, pelo dr. Pedro Francisco da Costa Al- varenga. Du traitement de la fièvre typhoide par les reconstituants, par lo docteur Lu- cien Papillaud (Ilenri Almès). ESTXJIDO SORRF. AS PERFORACÕES CARDÍACAS o E EM PARTICULAR SOBRE AS COMMUNICAÇÕES ENTRE AS CAVIDADES DIREITAS E AS ESQUERDAS DO CORAÇÃO .1 [irnposito d'um caso notável DE TERATOGARDIA PELO SÓCIO EFFECTIVO Dr. Pedro Francisco da Costa Alvarenga DsTPiODUCÇAO É por extremo notável o caso de teratocardia, que motivou a Memoria que hoje tirámos a lume. Interessa a sua descripção, tanto debaixo do ponto de vista da anatomia e pliysiologia patliologicas, porque as alterações são múltiplas, e importa conhe- cer a influencia d"ellas, não só soltre o exercício do órgão affectado, mas tam- bém sobre todo o organismo, como pelo quadro symptomatico das alterações verificadas pela autopse, o que é de máxima utilidade no campo pratico da me- dicina, por quanto o diagnostico é a base da therapeutica. Os celebres médicos Gintrac e Hunter mostraram com lucidez a importân- cia do estudo das anomalias do coração, e os perigos que resultam da falta de conhecimento d"estes vicios de conformação. Do mesmo parecer é, entre outros observadores distinctos, o abalisado teratologista J. G. Saint-Hilaire, que se ex- prime n'estes termos: «La connaissance de ces anoraalies (du coeur), três im- portante pour la médecine pratique, est par elle-mème d'un haul intérèt sous le point de vue théorique '. ' Traité de tératolonie, t. 1", pag. S62. Paris, 1832. ME.M. DA AC.\D.— 1." (XASSE. T. IV, P. U. 1 2 ESTUDO SOBRE AS Não é somente pela multiplicidade das alterações orgânicas, de que foi sede o órgão central da circulação, que se recommenda a observação clinica; aquella víscera tinlia experimentado um deslocamento (cctocardia) muito raro, e tão raro que não vem mencionado nos escriptos, que tratam d'este assumpto. Accresce a estas circumslancias, já tão ponderosas, que não nos constando que em caso análogo fora já applicado o spliygmographo, e tendo nós colhido vá- rios traçados do pulso, pôde por este lado ainda interessar o seu conhecimento. Em summa, um caso clinico, importante pela multiplicidade e raridade das alterações, sendo uma d'ellas ainda não descripta (o deslocamento trochocardia- co), pelos respectivos traçados sphygmographicos, a primeira vez colhidos n'es- tas circumstancias, e pelos symptomas attentamente observados e descriptos, não devia ficar sepultado no esquecimento. Eis o motivo por que assentámos dar conta delle aos nossos illustrados coUegas. Quando se observa um caso raro, nasce logo o desejo de o confrontar com outros análogos, e de investigar o que a tal respeito se tem escripto. N'este pro- pósito consultámos as principaes obras, que tratam do objecto, analysámos os fa- ctos registados nos archivos da sciencia, comparámol-os já entre si já com os de nossa observação, e com estas bases traçámos a Memoria, que submetlemos ao juizo esclarecido da Academia Real das Sciencias, a que muito nos honramos de pertencer. PKRFonAcõi.s cardíacas BOSQUEJO HISTÓRICO Desde eras mui ai-redadas os vicios do confoimarão, anomalias oii cacuge- neses, teem attrahido a altenção dos observadores. Dois períodos, bem dislinctos, se podem estabelecer na historia dos des- vios orííanicos do typo normal. No primeiro período, que poderia chamar-se pri- mitivo 011 myslico, os corihek'íiiientos acerca das monstruosidades não constituíam iim corpo de doutrina. A ignnram-ia ou a superstição foram eníão a origem de idéas extravagantes e de explicações absurdas. N'esso largo período, que se estende desilo longínqua antiguidade até o prin- cipio do século XVIII, as monsliuosidades foram tidas ora como eíTeítos da cho- lera celeste, ou manifestações prodigiosas da gloria de Deus, ora como opera- ções do demónio, no que acreditava entre outros Licelus em líJtC ', ou feitas á imagem do diabo, como dizia Kiolano, que, apesar do seu superior engenho e primorosa illustraç.ão^ não duvidou aconselhar, no século XVII, a reclusão ou sequestração d"estes monstros e [)ropôr a morte para aquelles, que, .mído me- tade homens e metade ninmaes fazem iiijnria d natureza e ao género liiinumo -. Na lei das doze Taboas entre os Romanos estava prescrípta a morte dos monstros. «Pater filium monstrosum, et contra formam generis humani, recens sibi natum, cito necato.-i> Não se ínlira porém d'aqui que n"esses tempos remotos fora completa a barbaria. Encontram-se factos interessantes, cuidadosamente colhidos, Ihcorias e hypolheses não inteiramente inverosímeis. Mas a sciencia pouco lucrou com esses factos dispersos e íncoherentes. Comtudo começaram-se já a preparar alguns materíaes, que mais tarde deviam entrar na construcção do grandioso edifício. O segundo período, a que com razão se pôde applicar o epítheto de scien- tifico, abrange os séculos XVllI e XIX. Neste período a parte da sciencia, que se occupa das monstruosidades, deu um largo passo no caminho do progresso. No principio, débil, vacillanle, como todos os ramos de conhecimentos liumanos, robusteceu-se com o espirito ver- dadeiíamente phílosophico de grande numero de cultores, e foi elevada á cate- goria de sciencia distincta pelo celebre escriptor J. G. Saint-Hílaire, que lhe impoz o nome de Tóratologie ^. ' De monstrorum caiisis, natura et diffeir.niiis, libri duo. ' De monstro nalo Cuteliae. Paris, 160o. ' J. G. Saint-Hilairt! diviíle a liisloria das monstruosidades em três períodos. O primeiro, a que chama fabuloso, termina nos primeiros annos do século 18."; o segundo, 1. 4 ESTUDO SOBRE AS O estudo das anomalias deixou de ser um objecto de mera curiosidade, e converteu-se em rica fonte de contiecimentos úteis. Dominou o espirito de ob- servação rigorosa dos factos, prevaleceu a critica ajuizada, e a sciencia colheu o fructo d'esta alliança. Discussões porfiadas se agitaram no centro das academias, e muitas me- morias sobre dilTerentes pontos, mais ou menos controvertidos, viram a luz da publicidade. A origem ou causa primeira das monstruosidades foi um dos assumptos que primeiro prendeu a attenção dos médicos, sustentando uns que ellas provinham de alteração primordial dos germens, admittindo outros, talvez em maior nu- mero, que eiam devidas a causas accidentaes, que modificaram, mais ou menos profundamente, a evolução dos germens, os quaes eram primitivamente regu- lares. Deste modo os observadores dividiram-se em dois campos, defendendo uns a hypothese dos germens originariamente monstruosos, outros accumulando fa- ctos e argumentos em abono das monstruosidades adquiridas. Tanto em um como era outro campo militavam homens de grande saber e génio observador. Houve porém médicos, que, entrando com a razão repousada no exame ri- goroso e imparcial dos factos, adoptaram o meio termo, acreditando na dupla origem das monstruosidades : médio intissimiis ibis. Um dos grandes vultos scientificos, que mais se estremou n"esta época, tanto pela vastidão de seus conhecimentos como pela rectidão de seu espirito sagaz, foi o celebre physiologista de Berne. Effectivamente Ilaller, que contri- buiu para o progresso da teratologia, libertando-a dos erros, que a infestavam, e abrindo o campo a novas observações, advogou exclusivamente, no principio, a hypothese das monstruosidades primitivas, quando auxiliou Winslow na re- nhida contenda, que este enlabolára com Lémery, partidário exclusivo das mons- truosidades accidentaes. Mais tarde o sábio observador abandonou o exclusivismo, que é um dos maiores e mais frequentes vicios das opiniões em medicina, e admiltiu as duas origens dos monstros. A obra de Haller De monstris ' é ainda hoje lida cora pro- veito. No primeiro livro, que intitulou histórico, Haller descreve as monstruosi- dades; no segundo livro, a que chamou plulosophico, estuda as causas das mons- truosidades. Outro sábio suisso, que muito se distinguiu pelos seus trabalhos d"anato- que appellida jwsitivo, compreliende a primeira metade do século 18.° ; este período, que qualilicariamos antes de transilorio, não nos parece tão bem caraclerisado e limitado, e por isso o omittimos; o terceiro periodo começa na segunda metade do século 18.° ' De monstris, libri II. — Gtfittingue, 1751. rKiíFORAÇuES cardíacas 5 mia normal o p;Uholoi^'ica, limi taiiihiMii í,n-ani]o impulso ao estudo das mons- (niosidados; refoiimo-iios a João Fredoiico Moikei. Foi este celebre professor de Halle, quem mais se empenhou em estabelecer a theoria, que refere as ano- malias a certos estados transitórios, que o feto apresenta em diversos períodos de sua evolução, a qual seria perturbada no seu curso regular por uma causa accidental. Nos escriptos de Meckel encontra-se a origem de mais de uma dou- trina, que depois vogou na sciencia sob os auspicies doutrem. Finalmente entre os teratologislas occupa logar eminente, pela sua inesti- mável obra, J. G. Saint-IIilaire '. Os observadores, já tão numerosos, que toem cultivado este campo feracissimo de investigações importantes, hão tomado a peito principalmente a classilicação dos seres monstruosos segundo as leis da biotaxia. Conitudo, apesar do impulso dado ao estudo da teratologia por espíri- tos tão esclarecidos, é força confessar que ella contém ainda muitos pontos du- vidosos e outros envolvidos de grande obscuridade. Sendo o nosso único propósito dar noticia d'um caso d"anomalia cardíaca, seria inopportuno o alargarmo-nos em considei-ações sobre teratologia geral, (|ue ainda assim muito reslríctas e incompletas seriam attenta a vastidão do assum- pto. Temos empregado o termo nioíisirtiosiilade pai'a representar as alien^acões da regra geral ou do lypo normal, por estar consagrado pelo uso multisecular. embora pareça impróprio aos nimiamente escrupulosos. Jlontaigne fatiando (rum pastor de Medoc, que apesar de não ter órgãos genitaes era barbado e libidi- noso, exprime-se assim: «Ce que nous appellons monstres, ne Ic sont pas á Dieu, qui veoid en rimmcnsité de son ouvrage, riníinité des formes qu'il y a comprinses. Et est à croire que cette figure qui nous estonne. se rapporte et tient à quelque autre llgure de mème genre, incogneu à Ihomme -.» Já o elo- quente orador romano havia escripto: «Quod crebro videt, non miratur, etiam- si, cur liai nescit. Quod ante non vidit, id si evenerit^ ostentum esse censet^.» Quando tratarmos da anatomia pathologica com referencia ao caso, que faz objecto da nossa observação, diremos alguma coisa acerca das differentes ano- malias do coração. Postas estas noções muito geraes, passemos a descrever o facto clinico, que observámos. ' Histoire générale et pnrliculière des anomalies de Vorgnnisation chez Ikommc et les animaux, ou Traité de tératologie . Paris, 1832-1836. ^ Essais de Mechel rle Montaigne, t. 2.° MDccxcni. 5 Cie. de Div. lib. 2. ESTUDO SOBRE AS CAPITULO I Observação clinica Aperto extnioidiuaiifl (1(( oiifuio pnlinonar pela reunião das respectivas válvulas si- giiioi(!éas ; bjpertrophia concenlrica do veafriciilo diicito ; jjrande dilatafão liypertrophica da aurícula direita; comniunicacão interauricular pein huraco oval, intervenlricular por aheriura guarnecida de válvula na parte superior do septo, c intcrarlerlal pelo canal arterial; Iru- ciiorisocardia ; cvanose; trafados do pulso; autcpsc. António Gonçnlves Resende, 16 annos de edade, temperamento lymphati- co-sanguineo, constituição tVaca, pequena estatuía, membros delgados, cabello castanho-claro, pelle fina, natural de Arades (eoncelíio d'Aveiro), residente ulti- mamente em Lisboa (rua da Bombarda), foi admiiddo no hospital de S. José, enfermaria de S. Seliastião, cama numero 46, a 21 de dczembio de 1864, pe- las 9 horas da manhã, e falleceu a 30 do mesmo mez ás 3 horas da manhã. Historia pregressa. — Teve variola e sarampo na infância ; mais tarde mui- tas constipações e algumas sezões. Não foi vaccinado. O doente, segundo affirmaram a mãe e um irmão delle, foi até á edade do 10 annos um menino experto e bem constituído, parecendo lograr excellente saúde. A dentição fez-se bem, sendo comtudo a saida de alguns dentes acompa- nhada de dores, que depois lhe repetiram por vezes. Ha 6 annos ^ em 1858, brincando com outros rapazes, caiu em uma valia, da qual conseguiu sair com custo e todo molhado. Não mudou de roupa, que erixugou no corpo. Da queda não lhe resultou incommodo algum. Passados dias foi acomraettido de rheumatismo polyarlicular febril, do qual se curou, ficando sempre fraco desde essa época; podia comtudo ajudar seus irmãos em alguns ti'abalhos do campo. Neste estado foi vivendo sem maior incommodo de saúde. Notaram porém a mãe e os irmãos que elle não se desenvolvia, e se queixava frequentemente de frio, mesmo no verão. O inverno era-lhe muito penoso, apesar de andar sempre bem enroupado. Quando o frio apertava, enfraquecia muito, difficultava-se-lhe a ' Escreviamos esta historia cm i864. PERFORAÇõns cardíacas 7 respirarão, ns extremiclndos dns dedos faziam-se azuladas, ás vezes deitava es- carros sanguinolentos c tinha ligeiras liemoptyses. Veiu, lia um anno (dezembro de 18G3) para Lisboa, onde se conservou na companhia d"ura irmão, que se occupava no ti-ato de vaccas e na venda de leite pela cidade. Aqui o doente impossibilitou-se dentro de pouco tempo. O cansaço augmen- tou consideravelmente, as unhas das mãos e dos pés, bem como os lábios e o lóbulo do nariz, tornaram-se d"um azul escuro e a face vultosa. Este estado nunca mais desappareceu, aggravando-se com o trabalho e principalmente com o frio. N"este ultimo anno leve vários ataques de forte dyspnéa com muito frio, hemoptyse abundante, ás vezes vómitos biliosos, soluços, lipothymias, e sempre grande prostração. A voz chegava a sumir-se quasi completamente, a pelle co- bria-se de suor frio, o ouvido tornava-se duro, a vista turvava-se, parecendo- Ihe vêr através de espesso nevoeiro. Durava o ataque alguns dias, 3 a 8 ordi- nariamente. Depois da comida augmentavam a oppressão, a dyspnéa, o cansaço e a cya- nose. De ordinário o doente passava melhor de dia do que de noite. Os ataques não tinham épocas Oxas, mas eram muito mais frequentes e fortes durante o inverno. Manifestavam-se também com facilidade depois de es- forços; o frio porém era a sua principal causa occasional. Os paroxysmos amiu- darara-se e tornaram-se mais foiles progressivamente. Os pães nunca soffreram doença análoga. A mãe, que observámos no hos- pital, quando foi visitar seu filho, não offereceu ao nosso exame, postoque mi- nucioso, aíTecção dos órgãos da respiração e circulação, nem nos accusou pade- cimento algum. O pae succumbiu a uma febre. Tiveram três filhos, além do que faz objecto d'esta observação. Um delles, que vimos varias vezes, era um rapaz de 19 annos de edade, forte e robusto. Historia da doença no hospital — Primeiro dia de observação (21 de dezembro de 1804). — Estávamos na enfermaria, passando a visita, eram 9 '/a horas da manhã, quando o doente nos foi apresentado com um dos seus ataques. Tremia de frio, respirava com diíTiculdade. estava livido, não podia dar um passo. Voz amortecida, tosse, ouvido duro, suor frio, grande ansiedade. Parecia instante a morte. Foi mettido na cama e convenientemente medicado. Não fizemos exame mais detido, porque causaríamos grande incommodo ao doente, cujo allivio ou bem estar deve ser o primeiro ponto de mira do me- dico. Passado algum tempo applicámos á artéria radial direita o sphygmographo do dr. Marey, que deu o seguinte traçado do pulso. ESTUDO SOBRE AS Em quanto funccionava o apparelho registrador o doente tossiu, o que exa- gerou as ondulações da linha sphygniograpiíica. Mostra este traçado, além das -ondulaçues devidas aos esforços da respira- ção 6 á tosse, grande embaraço ou tibieza da circulação. Amplitude pequena, linha ascendente, diastoUca, obliqua, pequena, continuando-se com o vértice ar- redondado, ao qual se segue a linha descendente, systulicfi, sem dicrolismo e ter- minando em base pouco distincta. A pulsação sphygmographica forma no todo um arco de circulo, que reunido pelas extremidades aos contíguos, e estes aos immediatos desenham um traçado, que, abstrahidas as ondulaçues, se assemelha ao dos aneurismas da aorta, tomado no lado do pulso pequeno. Denuncia ainda o mesmo traçado a desegualdade das pulsações. A falta de dicrotismo provém, a nosso ver, da pequena quantidade de sangue lançado no systema arterial pelo coração, da fraca reacção, pequena pressão da aorta, e do lento e frouxo abaixamento das válvulas sigmoidéas. No mesmo dia, estando o doente mais alliviado e sem tosse, tomámos o pulso com o sphygmographo, que descreveu a seguinte curva das pulsações: Não se encontram já n'esta linha sphygmographica as ondulações da pre- cedente, e as amplitudes, com quanto pequenas, são mais distinctas, e n"algu- nias pulsações já se descobrem visos de dicrotismo. Segundo dia de observação (22 de dezembro). — Parecer de menino de Kl a 11 annos: tronco pequeno, extremidades, principalmente as infeiiores, com- pridas e delgadas, órgãos genitaes diminutos; nunca houve ejaculação de esper- ma, nem mesmo erecção do penis. Face volumosa, túrgida. Cyanose muito pronunciada nos lábios, lóbulo do nariz, e nas ultimas pha- HÍKKORAÇÕES CARDÍACAS 9 langes, anioiloceiídd iiulas sup(?rlkics visinlias, soiidi) baslaiitc sensivel ainda na lace palmar e plantar dos dedos ; uns longes de côr azulada na pelic das domais partes do corpo. Olhos grandes, muito saídos á flor do rosto, brancos, húmi- dos : conjunctivas palpebraes arroxeadas ; piipillas dilatadas e pouco moveis. Bocca e lances dum vermelho muito carregado, lingua volumosa, hypeieniiada, grossa e arredondada na extremidade livre, estreita e menos expessa para a base. Pon- tas dos dedos, além de lividas, muito grossas e arredondadas, mormente no pol- legai', contrastando com a magreza das outras parles ; unhas compridas, largas e muito convexas. Thoi'ax largo na base, de 78 centímetros de circnmferencia ao nivel do appendice xiphoideo, e estreito para a parte superior, de 68 centímetros de circumferencia por baixo das axillas ; sterno levemente arqueado para diante, de 14 centímetros de comprimento. A pressão, mesmo branda, mas demorada, produz uma mancha violácea na pelle ; a ligeira compressão do depressor elástico do sphygmographo, no acto de reproduzir graphicamente o pulso, deixa lormada uma nódoa roxa. O lado esquerdo da face apresenta uma lai'ga mancha, como de contusão, por ser para este lado o decúbito ordinário do doente. Veias jugulares muito dilatadas (triplo volume, talvez, do ordinário) com ma- nifestas pulsações, synchronas com o pulso arterial. Feita a compressão na parte superior d"estes vasos, torna-se maior a sua turgencia e mais ampla a iiulsação venosa; exercida a compressão na parle inferior desapparece a pulsação acima. A auscultação não descobre ruido de sopro n'estes vasos, mas um brando som obscuro, especial, em cada syslole do coração. Systema venoso peripherico muito desenvolvido. Pulso radial pequeno e frequente, a 120. Choque cardíaco forte e extenso, com tinnido metallico, no 5." espaço in- tercostal esquerdo, aonde corresponde a máxima impulsão do coração. Rosnadura de galo, perceptível em quasi toda a face anterior do thorax, ve- rificando-se os pontos de maior intensidade no 2." e 3." espaços interchondraes esquerdos, parte inferior do sterno, e sobre o vértice do coração. Som massiço precordial em uma área de 14 centímetros transversalmente, e em MYa no sentido vertical. Ruido de serra cardíaco, em toda a face anterior e a lateral esquerda do thorax, não tendo em toda esta superfície o mesmo timbre, nem egual intensi- dade e tom. Este ruido anormal parece único em cada revolução cardíaca, e a sua duração tal, que a preenche quasi toda, havendo um pequeno intervallo de .silencio no fim, que a separa da revolução seguinte. A segunda bulha cardíaca é imperceptível. Assim cada pancada completa do coração parece constar de dois tempos, relativamente á auscultação, o primeiro, que fijrma os três quar- »!EM. DA ACAD. 1 .* CLASSE. T. IV, P. II. 2 10 ESTUDO SOBRE AS tos. pouco mais ou menos, é occupado pelo ruido patliologico, e o segundo é apliono. O ruido anormal começa no primeiro tempo, com a impulsão do coração, prolongando-se até o silencio, que o separa do ruido pertencente á pancada se- guinte. Os pontos do thorax, em que este ruido se manifesta com maior inten- sidade, correspondem ao 2." e 3." espaços interchondraes do lado esquerdo, á extremidade inferior do sterno, ao 3." espaço interchondral direito, e ao lado ex- terno do bico do peito esquerdo no 4.° espaço intercostal. Pôde dizer-se que, em geral, ò para a base do coração ou parte superior da área do som massiço que o ruido é mais forte. Talvez se imi te o ruido anormal cojri a pronunciação rápida de thchóii. tlichâu. thchôii no 2." espaço intercliondral esquerdo ; de thchòju. thchófii. thchnfu no 3." espaço interchondral esquerdo e na extremidade inferior do stei'no ; de tlicliôú. thchââ. thchóú. no 2." espaço interchondral direito ; áetlirròfà. thmlfíi. thrrú- ffi no 3." espaço intercostal direito '. Nas artérias não ha ruido anormal. Respiração anhelante, a 21. Ruido respiratório áspero, e em alguns pontos fervor mucoso. Pouco appetite, digestão lenta, ventre lúbrico. Figado volumoso, estendendo-se da S.'' costella a 3 dedos transversos abaixo do rebordo costal, e prolongando-se pelo epigastrio e hypochrondrio es- querdo ; baço lambem augmenlado de volume. Urinas alambreadas, límpidas, não albuminosas, de 1021 de densidade (uri- nometro de Prout). Somno interrompido por sonhos; o doente accorda muitas vezes sobresal- tado. Frequentes tonturas de cabeça; cephalalgia durante os paroxysmos. Fraqueza muscular notável; o doente senta-se com custo na cama, sendo- Ihe muito diíTicil o levantar-se. Cambaleia desde os primeiros passos; a marcha é muito fatigante. Os músculos dos membros são delgados e molles. Dores geraes, vagas, sendo porém permanentes no quadril direito, o que torna penoso o decúbito sobre este lado, e por isso o decúbito preferido è o la- teral esquerdo, podendo comtudo o doente deilar-se de todos os lados. Vista fraca, muito turva nos paroxysmos. Zunidos e dureza d'ouvidos. Olphactação, gustação e tacto sem alteração. Não ha aneslhesia, nem anal- gesia. O doente sente frio, mesmo deitado na cama e agasalhado com coberto- res; e apenas descobre qualquer parte o frio augmenta a ponto de produzir tremor geral. Com tudo ao tacto a pelle não parece fria. O thermomelro mar- ' Os pontos. . . . correspondem ás pausas ou intervallus aphonos. PEllFOli ACUES cardíacas 11 cava ^1" C. nas palmas das mãos e plantas dos pés, So" C. nas axillas, c '.\í'',H C. dfbaixo da lingua. A teniperaUira da ('iiHTinai-ia era de 0,5 C. ' O [iiilso l>alia então 120 pulsações por niiiiiilo. e faziam-se 20 respirações no mesmo tempo. O doente está ordinarianieute triste, taciturno: pede (pie o levem para a companhia da mãe; occasiões ha, porém, em que se mostra irascivel. Aiiiilicando o spliygmographo do dr. Marey ás radiaes, colhemos vários traçados do pulso. Aqui reproduzimos um dos specimens. Este traçado apresenta as pulsações mais distinctas. A linha ascendente forma com o vértice e o começo da linha descendente uma curva; a linha sys- tolica (^descendente) depois d'um pequeno descenso mais i'apido cunserv;i-se com ligeira inclinação, offerecendo um dicrotismo pouco pronunciado. Terceiro dia de observação (29 de dezembro). — O ataque forlissimo com i]ue o doente entrou na enfermaria, foi successivamente alirandando; deci^es- ceram os symptomas graves, o doente levantava-se sem mainr inconimodo, pas- seava soíTrivelmente pela enfermaria, sempre muito enroupado, sentinilo apesar d'isso algum frio. O pulso oscillou enh-e 120 e 108 pulsações por minuto. No dia 2G, em que o pulso batia 112 pulsações e o doente achava-se bas- tante alliviado, colhemos varias linhas sphygmographicas, das quaes apresenta- mos um specimen. Fitr. 4. Este traçado descreve claramente os caracteres do pulso. Regularidade das pulsações, amplitude pequena, fraqueza e lenteza na projecção do sangue no A teiiiperalura exterior era de 6° C. 12 ESTUDO SOBRE AS systema arterial, dicrotismo sensível. A forma fundamental do pulso é a mesma dos traçados precedentes, mas denotando a circulação mais desembaraçada. N'cste dia (29 de dezembro) á tarde, o doente queixou-se de muito frio, grande oppressão, anxiedade e os mais sympíomas dos paroxysmos. Este es- tado foi-se aggravando até pelas 3 horas da manhã do dia seguinte, em que o doente exalou o ultimo alento. Autopse no dia 31 de dczeriihro ás 8 horas da manhã. — Decúbito supino. Livo- res cadavéricos, em largas manchas, na parte posterior do tronco e nas pare- des do abdómen. Mucosa labial rosada, a buccal um pouco mais carregada em cor; lóbulo do nariz e o das orelhas arroxeados. Unhas das mãos e pés bran- cas (em vida estavam lividas). Edenja no escroto e prepúcio. A percussão da região precordial tirava som massiço em 19 centímetros no sentido transversal e 14 no vertical. Levantada a parede anterior do thorax notámos o seguinte: no centro o pericai'dÍT) occupando a maior parte da cavidade tlioracica ; de um lado, parte do lobo superior do pulmão esquerdo alojado na metade superior d'este lado, cobrindo um pouco o pericárdio ; do outro lado o lobo superior do pulmão di- reito, sobreposto a uma porção do pericárdio, e uma pequena parle do bordo anterior do lobo médio do mesmo pulmão. Os lobos inferiores dos dois pul- míjes estavam deprimidos nas respectivas gotteiras vertebraes e cobertas pelo pe- ricárdio. Algum liquido seroso nas duas cavidades pleuraes. Aberto o pericárdio saiu cerca de seis onças de serosídade límpida, citrina. Coração volumoso, deitado transversalmente sobre o diaphragma, com a base para o lado direito, e torsido como se tivera rodado sobre o seu grande eixo, de modo a apresentar para diante o seu bordo direito, bastante largo (que re- presentava de face anterior do coração), para cima a face anterior do ventrículo direito, para traz a face anterior e bordo do ventrículo esquerdo, e para baixo grande parte da face posterior do ventrículo direito; via-se apenas a origem da artéria pulmonar ao lado esquerdo e posterior do começo da aorta ; na base do coração appareciam o appendice da aurícula direita e a face anterior e externa d'esta aurícula, que estava muito túrgida e descaia um pouco sobre o ventrículo direito. D'esta disposição resultava ficar occulto o coração esquerdo e patente somente o direito, o qual tinha de extensão 186 millímetros, pertencendo 122 millimeLros ao ventrículo e 6i millímetros á aurícula. A maior parte do ventrículo direito era formada pela camará pulmonar, (pie tinha extraordinária extensão. Os dois terços superiores (8 centímetros) do sulco anterioi' (de 12 centímetros e 2 millímetros de comprimento) do coração i)erten- ciam á camará pulmonar, e o terço inferior (4 centímetros) á camará auricular. Sobre a face anterior do ventrículo direito uma larga placa leitosa, e alguns pontos esparsos da mesma natureza. PF-liFORAÇMES cardíacas 13 Aurionla direita muito dilatada, de 10 ccntimetros de diâmetro vertical, lendo a parede externa iniiili) expessa e o appendice também mais comprido, largo e robusto. Buraco oval patente ((*> millinietrns de comprimento e 2 millimelros di^ largura), sendo limitado dum lado pela válvula oval (de 13 millimelros no seu maior diâmetro), e do outro pelo seplo, que formava alii um bordo arredon- dado, dirigido para cima e para a aurícula direita, de sorte que se elle se pro- longasse iiia cobrir a face direita da válvula oval; as extremidades do buraco oval eram consliluidas pelas commissuras ou ângulos de união dos dois bordos. O septo interauricular engrossava adiante do buraco oval, formando como uma ponte muscular, de 9 miUimotros de largura, que o separava da porção contigua do mesmo seplo, que estava tão adelgaçada, que representava não uma parede carnosa, mas uma ténue membrana, muito semelhante no aspecto e forma, á válvula oval, membrana, que era limitada anteriormente por uma arcada muscular, que offerecia uma margem livre e se prolongava para a parte superior e posterior por cima da válvula oval até perto da embocadura da veia cava superior. O septo parecia pois ter duas membranas inlerauriculares, das quaes uma, a oval, estava separada em parle do seu contorno ou onticl interauricular para formar a abertura de communicação das duas auiiculas. As embocaduras das veias cavas, e principalmente a da cava inferior, es- tavam ampliadas e formavam na aurícula como duas camarás, em cujo fundo se abriam aquellas veias. A fossa coronária era mais pi-ofunda e larga, deixando bem patentes o oriQcio e válvula da grande veia coronária. O orifício auriculo-venlricular direito bastante dilatado, e insufilciente a válvula tricuspida; duas das laminas ou liiiguetas d'esta válvula reunidas em parte, formando um corpo duro, tiliroso, de 4 millimelros de grossura; na mar- gem livre da válvula varias granulações, alfectando algumas a disposição dita em couve-flor. O ventrículo direito de paredes mais espessas do que as do esquerdo apre- sentava bera demarcadas as suas duas camarás por um grosso lacerlo, existente na abertura inferior ou interna do infundibulo, d"onde enviava os seus tendões á válvula tricuspida. Junto do bordo superior deste lacerto havia uma aber- tura que communicava o ventrículo direito com o esquerdo. A camará auricu- lar deste ventrículo, pequena em relação ã pulmonar, eia cónica, tendo d'al- tura 4 centímetros e Í2 millímetros, e por base a área do orifício auriculo-ven- lricular direito, cuja circumferencia media 12 centímetros e 2 millimelros. A camará pulmonar representava um canal cónico de .^ cenlímeli'OS de comprimento, curvo, e de paredes muito grossas, terminando inferiormente por uma abertura circular de 2 renlimetros e 5 millímetros, e conlínuando-se su- 14 ESTUDO SOBRE AS periormente com um estreito canal coiistituido pela reunião das válvulas sigmoi- des, o qual apresentava no interior da artéria pulmonar um rebordo grosso e prominente, em cujo centro estava o orifício ventriculo-pulmonar, de 2 millime- tros apenas de diâmetro. A agua lançada na camará pulmonar saia em fio del- gado e lentamente por este orifício. As duas camarás do ventrículo direito apresentavam capacidade pequena relativamente ao volume que mostrava este ventrículo, quando visto pela sua superfície externa, o que era devido á grande hypertrophia de suas paredes. A espessura do ventrículo direito era na base de 14 míllimetros, na parte media de 9 millimetros e na ponta de o millimetros. Aurícula esquerda muito mais pequena do que a direita, tendo na parede interna a válvula e abertura interaurículares já descriptas. Apparellio valvular aórtico e mitral sem alterarão. Na parte superior do septo inter-ventricular, por baixo d"uma das válvulas aórticas, havia um buraco oblongo de 2 V2 cenlímetrus de comprimento e 1 cen- tímetro de largura, o qual se abria na base do infundíbulo ou camará pulmo- nar, como dissemos. Este buraco era guarnecido na parte superior duma vál- vula sero-fibrosa, um pouco arrugada, que se prolongava para o orifício auri- culo-ventrícular direito. No ventrículo esquerdo esta abertura era limitada em cima pela base da referida válvula aórtica e no resto por um rebordo muscular, formado pelo septo interventricular; no ventrículo direito tinha no contorno in- ferior o grosso lacerto já mencionado, que delímílava as duas camarás d"este ventrículo, na parte superior a sua válvula (que descrevemos ha poucoj, e la- teralmente a parede do infundíbulo. As artérias aorta e pulmonar communicavam entre si pelo canal arterial, que se não tinha obliterado de todo. Fígado volumoso, fortemente congestionado, seus vasos dilatados. Baço grande e bastante consistente. Peritoneo muito injectado em varias partes. Meninges encephalicas hyperemiadas; cérebro congestionado. Medidas das diCferentes partes do coração Cent. Mill. Diâmetro vertical do coração 9 10 » transversal 11 O Circumferencia pela base dos ventrículos 27 5 Altura do ventrículo esquerdo 7 O Circumferencia da base do ventrículo esquerdo 11 O Espessura do ventrículo esquerdo, base O 7 » » » D parte media O o D » » » vértice O 2 PERFORAÇÕES CARDÍACAS 15 Cem. Mill. Espessura do ventrículo direito, base 1 4 » » » 1) parle media O 9 » » » » vértice O 5 B daauriciiladireita, na face externa, mais grossa. O 7 » na parede lisa, mais lina O 2 B da aurícula esquerda O 2 » do septo interauricular, parte mais espessa. . . O 6 » DD intervenlricular, base 1 1 » » 1) » vértice O 6 Circumferencia do oriíicio aórtico 7 2 í » » mitral 8 O D » » tricuspido i2 4 Diâmetro do orifício pulmonar O 2 Capacidade do ventrículo esquerdo * 22 4 cub. Tal é a historia singela do interessante caso relativo á alteração de estru- ctura e de situação do primeiro agente da circulação. Tudo quanto observámos, tanto em relação aos signaes physicos e funccionaes, como á necroscopia, fica fielmente descripto. CAPITULO II Considerações anatómicas e physiologicas I BURACO oval; época de sua occlusão Erasistrato, que, apesar de suppor as artérias cheias de ar, d'onde veiu a estes vasos o nome (derivado de aéra, ar, e terein, encerrar), fora com Hero- philo dos primeiros que deram impulso aos estudos anatomico-physiologicos depois da fundação da escola d'Alexandria, conhecia já a válvula e o buraco ovaes, que tinham sido entrevistos pelos seus predecessores. O celebre discípulo de Theophrasto dá também noticia das outras válvulas do coração e dos usos d"ellas. ' Dizia Erasistrato que as vahulas do orificio auriculo-ventricular direito se • Avaliada segundo a nossa fórmula —i:^:^- Vide Memoria sobre a iiisiifpciencia das válvulas aórticas, pelo dr. P. F. da Costa Alvarenga, pag. 24. Lisboa, 18oa. 16 ESTUDO SOBRE AS nssimilharam a pontas de dardos e eram em numero de Ires. Daqui vem, se- gundo Galeno, a origem tio vocaijulo triyluchina, que os discipulos de Erasis- li'ato deram áquella válvula (de tri, três, e glochina, ponta; tricuspida). A ignorância porém, diz Senac, o celebre anatómico e cardiopalhologista do século xvii, considerou a indicação dos usos das válvulas cardíacas como uma fabula inventada para apoiar vãs opiniões. Galeno, que combatera o erro em que laborara Erasistrato, provando que as artérias continham sangue e não ar, mas que desconhecera o uso deste na respiração, suppondo que o ar refrescava o sangue, descreve o buraco e vál- vula ovaes, bem como o canal arterial, admirando-se d'estas communicações não serem conhecidas dos anatómicos do seu tempo pela extensão d'ellas, pois atfi os cegos pelo lacto as podiam perceber. «Sin vero sunt ca^ci, vasa in manus sibi imposita contrectare jubebo; nam nequo exiguum eorum utrumque, neque vul- gare est, sed amplum admodum, commemorabilemque intra sese babet mea- tum, quem non solum is qiii óculos liabet non ignora verit, sed ne is quidem cui tangendi erit potestas, si solum ad auatomen velit accedere (De usu par- tium, lib. vi).» O sábio medico de Pergamo estabeleceu que poucos dias depois do nasci- mento se fechava o buraco oval, e se obliterava o canal arterial. É a opinião dos physiologistas hodiernos. De entre os anatómicos modernos foi Vesalio o primeiro que viu o buraco oval, e Fallopio quem primeiro observou o canal arterial. Estes eminentes anatómicos, assim como os seus dois distinctos discipulos, Aranlius e Carcanus, são accordes em admirar a lucidez com que Galeno falia do buraco oval e do canal arlerial. É por isso que alguns julgam mais justo dar ao buraco oval antes o nome de Galeno, do que o de Botai. Comtudo tem prevalecido o uso de chamar buraco de Botai: de Botai, que, tendo encontrado este buraco em um cadáver de adulto, aonde só por excepção existe como no feto, pondo em communicação as duas aurículas, errara não o suppondo próprio do feto, como tinha estabelecido Galeno. Leonardo Botai, medico de Carlos IX e de Henrique III, natural de Aslí no Piemonte, não era, segundo Flourens, um anatómico, mas um medico ousado, que se tornou celebre em Paris pelo abuso da sangria, quando os purgantes estavam muito em moda. Commetteu elle outro erro, quando refere a sua sup- posta descoberta do buraco oval, já descripto por Galeno, Vesalio, Arantius e Carcanus, julgando que era arterial o sangue que passa da aurícula direita para a esquerda: «... satis conspicuum repeii ductuni, juxla aurículam dextram, qui slatim ín sinistram aurem recto tramite fertur; qui ductus, vel vcna, jure arle- 1'iaruni ... niitri.v dici potest, ob id quod per hanc feratur sanguis arterialis in PERFORAÇÕKS CARDÍACAS 17 cordis sinislrum vpnfrioiíliim, cl consequonti.i in omncs artérias, non aiitom per sepliim, vel venosaiii arteriaiu, iil (ialeniis vol Columbiis putaveriiiil (Op. oiiinia, pag. 66, 1600).» A abertura de communicação entre as duas aurículas, a que Botai chama veia, niio pôde de modo algum qualificar-se de veia nutritiva das artérias. Carcanus, tendo encontrado abertos o buraco oval e o canal arterial mais de três mezes depois do nascimento, é de parecer que elles não se fecham nos primeiros dias da vida extra-utorina. É notável o modo por que este distincto anatómico do século xvi descreve o buraco e a válvula ovacs. Aqui reproduzimos alguns trechos: «No reparti- mento das duas auiiculas existe um grande buraco de figura oval ou ol)longa; a esta abertura está adherente uma membrana delgada, dura, transparente, ex- cepto no sitio que corresponde á cavidade da aurícula esquerda, aonde ella se afasta do contorno; relaxando-se esta membrana permitte a passagem do sangue da veia cava para o reservatório das veias pulmonares, mas levanlando-se im- pede que este mesmo sangue volte pai'a a aurícula direita. Sc do lado da aurí- cula esquerda encostardes esta membrana com um eslílete, vereis que ella é maior do que a abertura. ... O buraco oval, contínua Carcanus. não se fccba alguns dias depois do nascimento... Eu tenho visto esta communicação fechar-se pouco a pouco... Mais de três mezes depois do nascimento não a vi inteira- mente tapada; a membrana posta sobre o buraco oval já não estava frouxa, ella tínha-se retrahído de modo que formava somente uma espécie de canal, porém a communicação era muito livre e muílo larga '». Quanto se tem avançado sobre estes conhecimentos? Harvey descreveu de modo admirável a circulação do feto e do arlulto; o seu pequeno livro Excrcitalio aiintoinica de molu cordis et sangiiinis in ani- maJihtis, publicado em 1628, é uma obra prima; o sr. Flourens considera-a como o mais bello livro de phi/siologia. Quando as idéas de Harvey pareciam solidamente radicadas, levanta-se na academia das sciencias de Paris uma vehpmcnte discussão a respeito da circu- lação do feto. Mery e Duverney são os dois campeões da contenda. Mery segue a opinião de Harvey relalivamente ao cnnal arterial; é-lhe po- rém adverso com relação ao buraco oval, admiltindo que o sangue vae da aurícula esquerda para a direita, e não d'esta para aquella, como o havia esta- belecido Harvey, e muito antes d'elle Galeno. Mery, acerca do qual Fontanelle consignou, no seu Éloge de Mery, este dito: «Nous autres, anatomistes, nous sommes comme les crocheurs de Paris, ' Setiac, Traité de la structiire dn ccciír, de son ucíion et de ses maladies, t. l"', pag. Ifi2. Paris, mdccxlix. MOI. DA AC.VD. — 1.^ CLASSE. T. IV, P. U. 3 18 ESTUDO SOBRE AS qiii en connaissent toiítes les rues jusqu'aux plus petites et aux plus écartées, mais qui ne savent pas ce qui se passe dans les maisons»; IMery, repetimos, não pôde resistir á demonstração de Duverney. Este celebre medico não mostrou somente ser bom anatómico; foi muito além de Ilarvey no tocante ás relações da circulação com a respiração. Duver- ney deu um largn passo no campo da pliysiologia, quando disse: «La princi- pale fonction du poumon est dimprégner le sang d'air et de le rendre par là capable de porter par lout Taliment, la vie et la chaleur'». Moigagni diz que a válvula oval tapa ás vezes muito cedo o respectivo buraco, e outras vezes muito tarde; que mesmo nos velhos o bordo da válvula não se fixa sempie á margem do buraco. No coração que pertencera a uma mulher de quarenta annos, pôde elle introduzir a extremidade do pequeno dedo pela abertura oval. Le Cat, que floreceu pelo meado do século xvni em Rouen, aonde fundou a academia real d"esta cidade (1744), affirma que, tendo examinado grande nu- mero de cadáveres de homens, em nenhum encontrara aberto o buraco oval; o mais velho, em que vira um resto de abertura, era um rapaz de quinze annos. Mas que em vinte mulheres achara sete vezes o buraco oval abeito. Senac, pelo contrario, affirma ter visto poucos cadáveres, de homens, em quem a válvula estivesse totalmente reiaiida d margem do aiiiiel oval; «... le trou ovale ne se fcrme presque jamais entièrement». Fia quasi sempre uma pe- quena passagem, que pôde recebei' a cabeça de um grosso alfinete-. Esta abertura é muitas vezes muito maior, porém menor quasi sempre do que no feto. Adiou o illustre anatómico, que é tão minucioso na descripção do buraco e fossa ovaes, que no feto de termo esta abertura era de quatro linhas •'. Segundo o mesmo medico o buraco oval é o ultimo que se fecha \ Tratando dos usos da válvula oval Senac exprime-se assim: «... la valvule est assez étendue dans les coeurs des foetus de huit ou neuf móis pour couvrir le trou ovale; mais dans les foetus plus jeunes elle n"est pas si élevée; elle oppose donc moins d'obstacle au passage du sang"». Da analyse das diversas opiniões a este respeito Senac tira as seguintes conclusões: «La valvule, dans le foetus qui est au dessous de cinq móis, n'empèche jamais, pendant la contraclion même, la communication des deux oreillettes: cette valvule est donc dans de tels faHus une valvule imparfaite; mais elle était ' Mémoircs de Vacad. des se, année 1701, pag. 240. 2 0|). cit., t. 1.°, p3!í. 168, 177 e 408. ^ Oii. cit., t. 1.", pag. 230. * Op. cit., t. 1.", pag. 177. '" Op. cit., t. 1.", pag. 404. PERFORAÇÕES CARDÍACAS 10 nécessairc piuir qui le sang fúl dóterminé plus facilemeiít vers Ic vcnlricule ganche. «Apròs la contraclion, le commerce des deux oreillettes est entiòrement ouvert. puis (pralors la valvule est une niembrane lâche et flottanle. «IMus la valvule est élevée dans les f(Vlus qui approclient du lemps mar- que pour leur iiaissance, plus elle est appliquée aux bords du tidu ovale, et s'oppose à Fentrée du sang qui vient de rorciilette droile. «Dès quil arrive beaucoup de sang par les veines pulmonaires, la valvule doit être plus fortement appliqueé aux bords du Irou ovale pendant la contra- ction des oreillettes, et même pendant leur dilatation *.» Não omittiremos o modo de ver, n"esta questão, do famoso analomo-patho- logista do século xvui e dislincto académico de Bolonha. Segundo Alorgagni, como dissemos, a válvula oval fecha algumas vezes muito cedo o buraco oval, outras muito tarde, que mesmo nos velhos o bordo da válvula não se fixa sempre ao bordo do buraco; fica formada uma espécie de saco, em cujo fundo ha uma abertura, pela qual pôde passar a extremidade do cabo do escalpello ou do pequeno dedo. Em alguns corações temos visto o saco descripto por Morgagni, ou para melhor dizer um pequeno canal, obliquo, mas com uma abertura muito mais pequena no fundo, pela qual podia passar apenas um estilete ou um barbante; as mais das vezes este saco tem-nos parecido fechado no fundo que corresponde á aurícula direita. Haller viu o buraco oval quasi fechado um dia depois do nascimento; a communicação entre as duas aurículas já não subsistia em uma observação refe- i'ída nas Eplicmérides. Em uma creança, nascida havia alguns dias, a maior parte do buraco oval estava fechada, refere Trew; mas em outra creança de onze semanas o buraco oval estava mais aberto do que n"aquella, affirma o mesmo escriptor, o (jual tendo examinado mais dois corações, um de sete e outi'0 de onze semanas, achara o buraco oval quasi inteiramente obliterado -. Segundo Riolano é no es- paço de três a quatro mezes que se fecha o buraco oval ^ A forma, extensão, estructura e usos da válvula oval foi o thema de re- nhidas discussões nas academias. Comtudo o objecto não ficou inteiramente es- clarecido. O facto é que se tem encontrado era todas as idades uma communicação bastante larga entre as duas aurículas, sendo porém mais rara nos velhos, o ■ Op. cit., t. 1.°, pag. 403. 2 Senac, op. cit., t. l.", pag. 176 e 177. ^ Senac. loco cl talo. 20 ESTUDO SOBRE AS que leva a crer que a abertura do septo inlerauricular pôde subsistir muito tempo, e encerrar-se somente em uma idade avançada. Tal é a conclusão a que cbegou Senac depois da analyse das observaçijes a este respeito, conclusão que é talvez ainda hoje justa. Seria ocioso referir a opinião de um anatómico, citado por Senac, de que a natureza trabalha para fechar o buraco oval até os cincoenta annos nas mu- lheres, e até os cincoenta c seis annos nos homens *. Também não merece men- ção a opinião de Ettmuller que imaginou poder-se obstar á occlusão do buraco oval e do canal arterial difíkultando a respiração das creanças -. Suppoz-se também que o buraco oval e o canal arterial permaneciam aber- tos nos mergulhadores, e nos indivíduos que desde tenra idade se habituavam a ficar debai.\o d'agua por certo tempo. Aquella condição seria mesmo, segundo Sallzamann, o privilegio de muitas famílias e de muitas nações ^1 Os anatómicos têem porém em vão procurado aquellas vias de communicação dos dois san- gues nos coraçíJes dos amphiblos (o castor, a lontra, etc). É na verdade forçada a analogia que se pretendeu achar entre a vida do feto, a dos mergulhadores e a dos animaes amphibios. Os pliysiologistas e os anatómicos modernos ainda não resolveram cabal- mente o problema da época precisa da obliteração do buraco oval e do canal arterial. São muito interessantes as indagações de Billard sobre a época da occlu- são do buraco oval e do canal arterial, para que as omitíamos aqui. Ei-las: CreaDças de um dia. — Em 18 creanças de um dia, diz Billard, havia i4, em que o buraco de Botai estava completamente aberto; 2 em que começava a fechar-se, e 2 em que eslava inteiramente feciíado. N"aquellas mesmas 18 crean- ças o canal arterial eslava livre e cheio de sangue em 13: começava a oblile- rar-se em 4, e na ultima estava completamente obliterado; esta creança era uma d'aquellas, em que havia occlusão completa do buraco de Botai. Creanças de dois dias. — De 22 creanças de dois dias 13 tinham o buraco inlerauricular muito livre; 3 tinham-no quasi obliterado, e as 4 restantes ti- nham-no inteiramente fechado. Em 13 d'aquellas creanças o canal arterial era ainda livre; em 6 começava a obliterar-se, e nas 3 restantes eslava completa- mente obliterado. Creanças de três dias.— Entre 22 creanças de três dias 14 apresentavam o buraco de Botai ainda livre; em o começava a tapar-se, e estava completa- mente fechado nas outras 3. O canal arterial achava-se livre em la d"aquellas * Senac, op. cit., t. 1.°, pag. 177. * Senac, op. cit., t. 1.°, pag. 178. ' Senac, op, cit., l. 1.", pag. 408. PERFORAÇÕES CARDÍACAS 21 creanças; começava a obliterar-se om li, e nas 2 restantes a obliteração era com- pleta, bem como a do buraco interauriciilar. Creanças de quatro dias. — O buraco de Botai estava ainda aberto em 17 das 27 creanças de quatro dias, estando em O aquella abertura muito larga e dis- tendida por uma grande quantidade de sangue. Em outras 10 creanças a oc- clusão começava a eITectuar-se em 8, sendo completa em 2. Em 17 d'aquellas creanças o canal arterial conservava-se ainda aberto; em 7 começava a oblite- rar-se; a obliteração era completa em 3. Creanças de cinco dias. — Sobre 29 creanças de cinco dias 13 offereciam o buraco de Botai aberto, variando o grau da abertura; era muito grande em 4 e medíocre em 9; o encerramento era com[)leto em 6, e quasi completo em 10. Acliava-se aberto o canal arterial em lo casos, sendo largo em 10 destes e es- treito em 5. Em 7 d'aquellas creanças era completa a obliteração do canal aiterial e incompleta n'outros 7. Creanças de oito dias. — De entre 20 creanças d"esta idade 11 apresentavam o buraco interauricular completamente fecbado; 4 incompletamente fechado, e 5 livre. Em 3 das 20 creanças o canal arterial não estava ainda obliterado, em 6 estava quasi obliterado, e em 1 1 a obliteração era completa. Creanças de maior idade. — i\a maior parte destas as aberturas fetaos acha- vam-se obliteradas; comtudo pôde encontrar-se o buraco de Butal e o canal arterial abertos aos doze ou quinze dias e ao cabo de três semanas, sem que a creança experimente no decurso de sua vida accidentes particulares. Orflla, que refere os resultados das invesligaçijes de Billard, conclue: 1.", que as aberturas felaes são livres no momento do nascimento; 2.°, que ellas se fecham em uma época variável depois do nascimento; 3.°, que as mais das vezes ellas se obliteram pelo oitavo ou decimo dia; 4.°, que o buraco de Bo- tai se fecha depois do canal arterial *. Estas conclusões não podem admittir-se como absolutas, mas sim como a expressão da generalidade dos casos; nem ellas decorrem inimediamente das observaçijes de Billard. Viu este observador, em 18 meninos de um dia, fechados completamente o buraco oval duas vezes, ou 1 : 9, e o canal arterial uma vez, na razão de i : 18. Accresce que ha exemplos de occlusão completa do buraco oval Já no feto, antes do nascimento, sendo em alguns casos supprida a falia d'aquelle buraco por outra abertura, por outra via que conduza o sangue á aurícula esquerda, como uma communicação entre a veia cava e as veias pulmonares, por exem- plo. É que a natureza nas suas infracções ás leis que lhe são prescriptas, pro- 1 Traiíé de médecine légale, 4ême ed., t. 2«"«, pag. 210, Paris, 1848. 22 ESTUDO SOBRE AS cura reparar as suas faltas, ainda que seja commettendo outras aberrações. A teratologia o confirma a cada passo. Se fossem mais frequentes as autopses dos fetos (mortos antes de nasce- rem), talvez se encontrassem mais casos de occlusão da abertura inlerauri- cular. Em quanto á terceira conclusão, convém não esquecer que mesmo nas ob- servações de Biilai-d liouve uma diíferença apenas de dois casos de occlusão sobre os de persistência da abertura oval (11 : 9 ou 1,2 : 1). A quarta conclusão exprime realmente um facto geral, confirmado por muitos observadores. O sr. Flourens marca as seguiníes épocas, em que o buraco oval está com- pletamente fechado : No porco da índia, aos 12 dias. No coelho, aos IG dias. No cão, aos 23 dias. No vitello, entre 1 e 2 annos. No homem, não está ainda fechado aos 18 mezes K Segundo o sr. Béclard esta obliteração verifica-se nos três ou quatro dias, que se seguem ao nascimento -. Galeno já tinha dito que nos primeiros dias de- pois do nascimento. Na sua excellentc obra de physiologia o sr. Longet não avança mais, sobre este ponto, que Galeno. O canal arterial, diz elle, persiste até o nascimento ; e mais adiante diz: persiste até depois do nascimento^. E o buraco de Botai per- siste até o nascimento, em que pelo desenvolvimento do septo o sangue não pôde passar da aurícula direita para a esquerda ^ O sr. Sappey descrevendo a aurícula esquerda diz: «Na parte anterior da fossa oval nota-se com bastante frequência uma espécie de fenda, na qual se pôde introduzir obliquamente o cabo de um escalpello; existe então uma com- municação apparente entre as duas aurículas; mas esta communicação não deixa passar nunca o sangue de uma para outra cavidade, as duas laminas que for- mam esta fenda juxtapõem-se, logo que as aurículas se contrahem ^. E adiante diz: «Na época do nascimento a communicação interaurlcular é inteiramenle snpprimida^». 1 Histoire de la dêcomerte de la circvhtlion dii sang, pag. 66. Paris, 18S4. - Traité élémentaire de phijsiologie humaine, pag. 1149. Paris, 1862. ' Traité de phjsioloífic , t. 2", pag. 872, 87o. '' Op. cit., pag. 879. ' Traité d\inatomie descriptive, l. l", 2™" partie, pag. 352. Paris, 1855. « Op. cit., pag. 354, riciíFoiíAçòES cardíacas 23 Que illação se deve tirar de tudo que deixamos expendido? Quando é que se fedia o buraco oval? Encerra-se elie inteiramente? (Jl;tlitera-se sempre? A oc- clus3o do buraco oval pôde operar-se em edade avançada? Muito se tem dito sobre este assumpto, mas a difllculilado d"elle não tem permittido aos observadores ciiegarem a um resultado dellnilivo, satisfactorio. Parece-nos mesmo que este objecto não está sufTicientemente estudado, que a observação não tem sido bastante aturada, que muito resta ainda para investi- gar. O problema fundamental está por resolver. Comtudo, alguns factos já se tem colhido, que são importantes. O buraco oval fecha-se inteiramente depois do nascimento, ou permanece aberto por mais ou menos tempo, até á virilidade e á velhice; n"este caso a abertura inlerauri- cular é ordinariamente mais pequena tio que no feto. Da existência do buraco oval não deve inferir-se a communicação ou mistura do sangue de uma aurí- cula com o da outra, porque a válvula oval pôde tapar a passagem de commu- nicação entre as aurículas, o que se verifica frequentemente. Por inducção se pôde admittir que a sua occiusão se elfeclua em qualquer época da vida, tanto mais rara e diiricilmente, quanto mais distar do nascimento. A existência de abertura na fossa oval, sem communicação ou mistura dos dois sangues, é tão frequente no adulto e no velho, que, diz o sr. Cruveilliier, pôde considerar-se esta disposição antes como uma variedade anatómica, do que como estado mórbido '. Do que deixamos dito se collige que se ignora a época, em que ordinaria- mente se encerra o buraco oval. Desejando dar o nosso contingente para escla- recer este ponto de anatomia, assentámos examinar os corações de creanças que podessemos haver. Adiante consignaremos os resultados de nossas observa- ções. II SEPTO INTERVENTRICULAR : SUA PERFORAÇÃO Galeno, que demonstrara contra a opinião de Erasistralo e de seus sectá- rios que as artérias continham sangue c não ar, incorreu no grave erro de sup- por, como os seus predecessores, que, no estado normal, era perforado o septo, que separa os dois ventrículos do coração. O celebre medico grego tendo indicado, elle o primeiro, a existência de dois sangues differentes, o sangue espirittioso, que era o sangue das artérias e do ventrículo esquerdo, e o sangue venoso, que era o sangue das veias e do ' Anat. pathol., t. 2*»«, pag. 47S. 24 ESTUDO SOBRE AS venlriculo direito, admittia também, cousa notável, que as veias levavam o san- gue do centro ás diversas partes do organismo. Assim pois, dos três erros principaes, em que laborara a antiguidade, e que occullavara o grande facto da circulação do sangue, Galeno acceitou dois, a perfuração (normalmente) do septo interventicular e a distribuição do sangue por todas as partes do corpo pelas veias e artérias. Foi o medico de Pergamo obrigado a adinittir a perforação do septo inter- venticular para satisfazer a um syslema de circulação, que eiie imaginara. Suppoz Galeno que o espirito, certa exhalação do sangue puro íspiritns exhalatio qn(edam est sangiiiiiis henicjni) só se formava no ventrículo esquerdo. Era este espirito que dava ao sangue certas qualidades. O sangue espirituoso servia para nutrir os órgãos delicados, os pulmões por exemplo, em quanto que o sangue venoso era destinado para a nuliúção dos órgãos espessos, grosseiros, como o fígado e as demais partes da economia. 5Ias como o sangue venoso (o sangue do ventrículo direito) precisa tam- bém conter alguma porção de espirito para nutrir convenientemente os órgãos, é indispensável, continua Galeno, que os dois ventrículos communiquem entre si; esta communicação effectuar-se-hia por uns suppostos buracos no septo in- terventicular. A quem conhece qual foi a aucloridade do celebre medico da antiguidade, não maravilhará que muitos anatómicos, mesmo já na época moderna, se sub- mettessem humildes ao oráculo de Pergamo. Disse Galeno que o septo interven- ticular era pcrforado ; logo o septo é perfurado. Até o século xvi os anatómicos faziam supplementos á anatomia de Galeno, mas não se abalançavam a critical-a. Não havia coragem, como diz o sr. Chereau, para tocar neste palladio, debaixo do qual se tinham abrigado tantas gerações. Mas esta deferência excessiva e pre- judicial devia acabar, como acabou, com a contemplação da natureza. Bérenger de Carpi é o primeiro que parece duvidar da existência dos ori- fícios do septo interventicular, quando diz que é diíDcil vel-os no homem (... in homiiie cinn máxima dij]iciiltatc videntur). O famoso anatómico bruxellense, fundador da anatomia humana, ousa em fim sacudir o jugo da auctoridade, e affirma que taes orifícios não existem: que através do septo, formado de um tecido egual ao das demais partes do coração, não podia passar uma gotta de sangue. Foi este facto attestado pelo grande Vesalio, que patenteou o caminho que conduziu á descoberta da circularão pulmonar, a qual, segundo a expressão de Cuvier, è uma fracção da circulação geral. A gloria d"esta descoberta cabe, se- gundo algons, a Servet no século xvi, que a consignara no seu livro de theolo- gia, Chrislianismi rcstitutio, 1533, pelo qual foi queimado cm vida! Servet in- dicou a circulação pulmonar, mas na opinião de Bérard não a estabeleceu defí- PERFORAÇÕKS CARDÍACAS 25 nilivamente, como fez Ilarvcy, de ciija líldria niuilos pretenfleram oslnillial-n. K a soi'te (las grandes descobertas. No estado pliysiologico os dois ventrículos do coração não commiinicam um com o outro, não ha abertura alguma no septo por onde possa passar o sangue: é um focto demonstrado. Por conseguinte a existência de communica- cão interventicular durante a vida extra-uterina é uma circumstancia anormal. III CANAL arterial; época da sua occlcsão Galeno já faz menção do canal arterial. É um pequeno canal, diz elie, que a natureza fez expressamente para ligar a veia arteriosa (artéria pulmonar) á grande artéria (aorta). Mas o abalisado medico de Pergamo parece ter desconhecido o uso do ca- nal arterial, quando affirma que é por este canal que os pulmões recebem da aorta o sangue mais espirituoso '. É isto tanto mais para notar, quanto é certo que o medico grego conhecia o uso do buraco oval, no qual admittia a existência de um operculo membra- noso, que, ahaixando-se para a aurícula esquerda pelo impulso do sangue, per- mittia que este passasse, mas impedia o seu retrocesso para a aurícula direita ^. Na opinião de Galeno o buraco oval e o canal arterial eram destinados a con- duzir, no feto, o sangue para os pulmões por um caminho differente do que elle segue no adulto. Harvey estabeleceu que elles servem para impedir que o san- gue vá para os puhnões, ou pelo menos na menor quantidade possível ^. • Este sangue é o que resulta da mistura do sangue das partes com o espirito, que Galeno suppunha formar-se no ventrículo esquerdo. ^ . . . tuni niembranam quanidam in eo, instar operculí, eslmachinata. qua?ad pul- raonis vas facile resupínaretur, quo sanguini a vena cava cum impetu affluontí cederet quidem, prohiberet autem ne sanguis rursum in venam cavam reverteretur (Deustipar- tium, lib. XV, cap. 6.°). ' Dexter (ventriculus) si quidem sanguinem ab aurícula recípiens, inde per venam arteriosam, et propaginem suam (canalem arteriosum díctam) in magnam arteriam pro- pellit. Sinister simílítor eodem terapore, mediante aurícula? motu, recípit sanguinem ( in illam sinistram auriculam deductum scílicet per foramea ovale e vena cava), et ten- sione sua, et constrictíone per radicem aorta; ín magnam ítídem arteriam simui impel- lit. Ita in embrijonibiis, dum pulmones otiantiir. et niãlam actionem aut motum habent, (]uasi nvlli foreiít, natura duohus rentriculis cordis quasi uno utitur, ad sanguinem trans- mittendum (Exercít. anat., de motu cordis). ME.M. DA ACAD. — 1."'' CLASSE. T. IV, P. H. 4 26 ESTUDO SOBRE AS Segundo Galeno o canal arterial oblitera-se poucos dias depois do nasci- mento, como succede ao buraco oval '. Por largo tempo passou despercebido o canal arterial. Foi Fallopio, celebre anatómico italiano do século xvi, e um dos fundadores da anatomia moderna, quem primeiro, depois de tão longo silencio, chamou a attenção sobre o canal arterial, admirando-se da omissão dos anatómicos, não só por ser largo este canal no feto, mas também por Galeno já o haver assi- gnalado. Pela mesma época o canal arterial foi estudado pelo celebre Vesalio, o in- feliz André Vesalio, que tão caro pagou o seu amor pelo estudo da anatomia humana, de que é considerado o fundador; accusado pelos seus invejosos de ter aberto um corpo ainda vivo, foi expiar o crime supposto á Terra Santa: no seu regresso é arremessado pela tempestade sobre as costas escarpadas de Zante (uma das ilhas Joniasj, aonde exhalou o ultimo alento. Non est invidia supra medicorum invidiam ! Vesalio respondendo ao reparo de Fallopio, confessa que não tinha ainda visto o canal arterial, mas que conhecia não só o alludido trecho de Galeno so- bre este canal, mas aquelle em que elle descreve o buraco oval, de que Fallo- pio não dá noticia. Carcanus não só descreveu (17o4) extensamente o canal arterial, indicando na embocadura d'este, na artéria pulmonar, a existência de uma membrana frouxa, espécie de válvula, mas procurou, por meio de numerosas observações feitas em fetos humanos e nos de vários animaes, determinar o modo e época de sua obliteração. O distincto discipulo de Fallopio concluiu de suas investigações que o ca- nal arterial não se encerrava alguns dias depois do nascimento; que passados três mezes ainda o achara não inteiramente obliterado; as membranas do canal tinham-se espessado, mas um estilete podia passar pela sua cavidade^ . É opi- nião contraria á de Galeno, seguida pelos anatomo-physiologistas da actuali- dade, como veremos. Haller considera o canal arterial como um terceiro ramo, continuação da artéria pulmonar, o que já suppozeram Bartholino e Saltzmann; os outros dois ramos da artéria pulmonar são os que se descarregam nos pulmões. Quando é que se oblitera o canal arterial? ' Pari modo id vas, quod magnam arteviain veuíc qu.T fertiir ad pulmonera connectit, cum ali;e omnes animalis partícula' augoantur, non moilo non augotur, veriim etiam tenuis semper effici conspicilur, adeo ul tenq^ore procedente, jienitus tabescal, atque exsiccelur (op. cit.). ' Senac, Tntité de la strnctnre dti emir, \. 1", pag. 152. Paris, 1749. PERFORAÇÕES CARDÍACAS 27 Encontra-se aqui a mesma incerteza iiue ha a respeito do buraco oval. Em uma creança nascida havia alguns dias viu Trew o canal arterial quasi com a mesma capacidade. Em outra creança de setenta e sete dias o canal ar- terial estava reduzido a um cordão, alTu-ma o mesmo auctor *. Segundo Riulano, que loi o único anatómico a quem Harvey fez a honra de responder na porfiada luta sobre a circulação do sangue, e a quem Thomás Bartholino, que lhe dedicou a sua obra sobre os vasos lymphaticos. chamou o maior anatómico da Franca e do mundo (Máximo orbis et urbis Parisieiísis anatómico), é dentro de três ou quatro mezes que se fecha o canal arterial, as- sim como o buraco oval-. Haller viu o canal obliterado ao terceiro dia, muito apertado em outra creança ao decimo dia, e inteiramente aberto ao quadragésimo dia. Senac, que dá do canal arterial uma descripção que bem mereceria ser referida, para mostrar o empenho com que o illustre medico de Luiz XV se de- dicava ao estudo da anatomia, diz que o canal arterial começa a oblilerar-se quando o sangue entra no pulmão: que este canal se converte em ligamento, mais no meio do que nas extremidades, posto que seja pela sua inserção que elle comece a fechar-se ; pelo menos a parte que sae da artéria pulmonar é a ultima que se encerra ^ Segundo o sr. Flourens, as épocas em que o canal arterial está completa- mente obstruído, depois do nascimento, são as seguintes : No cão, .36 dias. No coelho, 26 dias. No homem «eu tenho examinado õ canal somente em creanças de 18 me- zes a 2 annos; elle não estava ainda obliterado^. O dr. Almagro diz que no fim do primeiro mez da vida extra-uterina o ca- nal arterial está convertido em um ligamento ^. O sr. Longet no seu excellente tratado de physiologia diz apenas que o ca- nal arterial persiste até o nascimento . . . até depois do nascimento *'. Affirma o sr. Beclard, no seu bom tratado elementar de physiologia, que a obliteração do canal arterial se verifica nos 3 on 4 dias que se seguem ao nas- cimento ^. ' Senac, op. cit., t. 1.°, pag. 176. ■' Senac, loco citato. 2 0p. cit., t. 1.», pag. 233. * Op. cit., pag. 69. ■" Êtude clinique et anatomo-pathologique sur lapersistance du caiud artériel, pag. 92. Paris, 1862. *0p. cit., pag. 872, 87o. " Op. cit., pag. 149. 4. 2b E5TUU0 SOBRE AS O canal arterial persiste algum tempo depois do nascimento. É um facto. Por que causa se fecha elle? Como è que o sangue se desvia para entrar nos pulmões, quando estes se enchem de ar? Porque não segue o sangue o transito que percorria antes? Pois esta via não é mais fácil, por ser mais aberta e mais curta do que a que o sangue deve percorrer através dos pulmões? Taes são as duvidas formuladas por Senac e apresentadas por elle ao dis- íincto anatómico Hunauld. Como é de suppòr, Hunauld procurou esclarecer as duvidas do erudito es- criptor. O seu modo de ver n"esta questão é em resumo como se segue: Logo que o ar entra no pulmão, os vasos d'esta viscera, até então de pe- queno volume e sem acção, desenvqlvem-se e alongam-se. Este ar é uma força continuamente applicada aos vasos ; o pulmão entra em acção, que é reforçada pelo movimento alternativo do thorax. No feto a artéria pulmonar deve ser considerada como um vaso dividido em três ramos, canal arterial e duas artérias pulmonares. Ora como os vasos pulmonares se abi'iram, se alongaram e entraram em acção, o sangue que não penetrava no pulmão comprimido, entrará no pulmão agora dilatado. Mas porque é que o sangue se não distribue por estes três canaes segundo o calibre delles? O canal arterial figura aqui de vaso transversal entre os dois troncos arte- riaes, aórtico e pulmonar; ora o sangue, impellido pelo coração, encontrando egual resistência nos dois ramos da artéria pulmonar, correrá por estes e não pelo canal arterial, que não está na direcção do tronco primitivo (artéria pulmonar). Este canal ficará pois sem acção por não ser percorrido pelo sangue, e por isso se estreitará paulatinamente até fechar-se de todo. Quando o pulmão é animado pelo ar que recebe^, a resistência diminue nos vasos pulmonares, o sangue penetrará n'elles com maior facilidade, e passará em menor quantidade pelo canal arterial. Emflm, quando for egual a resistência que o sangue encontre no pulmão e no resto do corpo, não correrá mais san- gue pelo canal arterial, e este se encerrará. Tal é, resumidamente exposta, a explicação dada por Hunauld. Senac não satisfeito com a explicação, achou na acção do coração sobre a aorta uma causa simples da obliteração do canal arterial. Eis como Senac com- prehendeu o phenomeno. « Le sang marche fort lentement dans le foetus ; le ventricule ganche n'en en- voye qu'une petite quantité dans Taorte; ce sang ne heurte donc pas impétueu- sement contre la courbure de cette artère, mais dòs que le fíjolus respire. Taction du coeur est plus vive, le sang dilate laorte avec plus de force, il pousse en haut la courbure; par conséquent le canal est tire et allongé par cet effort; or c'est cette action, qui, en le tirant, diminue la cavité; c"est ainsi quun tuyau, PliRFORAÇÕES cardíacas 29 iin inipstin de poiíle, par exemple, se rétrécit quancl on le tire par Ics deiix liouls 011 sons o[>posé. L'ohscrvalion confirme ce que j'avance ici. Le canal ar- tériel est plus mince, et pour aiiisi ilire étranglé vers le milieu dans Tadulte et daus le fa'tiis dun móis '. '> Senac recorre também á nova direcção do canal arterial, já antes adrait- tida por outros, para explicar o mechanismo pelo qual se fecha este canal. Sustentam alguns escriptores, diz Senac, que o canal se encerra por mu- dar o angulo que elle forma com a aorta. Logo que o pulmão se dilata, sup- põem elles, este canal é puxado pelos ramos da artéria pulmonar. Mas esta ac- ção do pulmão, dilatado pelo ar, diz Senac, não está bem provada ; comtudo é força confessar (jiie o canal muda de situação, tonia-se transrersal ; por con- seguinte é puxado para traz pelo ramo esquerdo da artéria pulmonar; é pois necessário que a extremidade do canal, que se insere na aorta, se arrugue e se feche um pouco; o tronco toma egualmente outra situação sobre o ramo es- querdo da artéria pulmonar; estes dois desvios podem contribuir para parar o curso do sangue tio canal; todavia não deve suppor-se, como se tem dito, que o sangue não entre neste canal de communicação, porque o seu curso seria ahi retrogrado; o sangue poderia seguir o antigo trajecto, ainda quando fosse op- posto á sua antiga direcção-. Não insistiremos mais n"este ponto, estranho ao nosso assumpto, em que incidentemente tocámos. A causa do encerramento das aberturas existentes no feto, entre as aurículas e entre os dois grossos vasos ventriculares, está prova- velmente na sua desnecessidade ou inutilidade depois do nascimento, segundo o plano geral de organisação, que compete á classe a que pertence o homem. No feto, o buraco oval e o canal arterial são necessários, attenta a disposição do ap- parelho circulatório e o estado dos pulmões. Se aquellas communicações esti- vessem obstruídas, o sangue, como bem dizia já Senac, se accumularia nos pul- mões, e ahi estagnaria. O canal arterial é mais uma válvula de segurança em- pregada pela natureza, tão previdente na feitura de suas obras. É por isso que os fetos, com occlusão do buraco oval, podem manter a vida e conserval-a ainda depois do nascimento por mais ou menos tempo. Um notável caso d"estes foi relatado por Vieussens, anatómico dos fins do século xvu e começo do xvni. Era uma creança exteriormente bem conformada, a qual desde o nascimento tinha a respiração dilTicil, a voz fraca e rouca, cor plúmbea em todo o corpo, extremidades frias, e que viveu trinta e seis horas. A autopse mostrou os pulmões muito túrgidos com os seus vasos muito engorgilados de sangue; o ventrículo direito do coração muito dilatado, assim como a artéria ' Senac, op. cit., t. I.°, pag. 411. - Senac, loco cit ato. 30 ESTUDO SOBRE AS pulmonar; não havia vestifjio algum da existência do buraco oval. Existia o ca- nal arterial. N'este caso a impermeabilidade dos pulmOes tinha certamente sido a causa da driatação da artéria pulmonar e do coração direito, assim como da cya- nose geral; a falta de acção dos pulmões deu causa também ao seu engorgitamen- to. O barão de Corvisart, que refere esta observação, exprime-sc assim: «Le dan- ger de cet état contre nature aurait sans doute été bien plus grand, si le canal artériel n'eút existe, pour suppléer, au moins en partie, à Touverture naturelle et necessairo qui manquait dans ce petit suject '.» O buraco oval livraria o pulmão de uma parte do sangue, mas a porção de sangue que passasse ao ventrículo direito, iria depois engorgitar os pulmões, ainda sem acção, se o canal arterial p não recebesse, desviando-o d'estes órgãos; a resistência que os pulmões offerecem então ao curso do sangue é mais uma circumstancia que favorece o ingresso d'este liquido no canal arterial, que pela sua amplitude e situação facilmente o admitte e conduz para a aorta. E a na- tureza é tão previdente em reparar as suas faltas, que, em casos em que se tem observado a ausência do buraco oval ou do canal arterial no feto, ella tem esta- belecido no primeiro caso uma coramunicação entre a veia cava e uma das veias pulmonares, e no segundo uma artéria entre o ventrículo direito e a aorta para supprir a ausência do buraco oval e do canal arterial. Postos em acção os pulmões pela entrada do ar, que se torna indispensá- vel para a grande funcção, que deve realisar-se então, o sangue, que é outro ele- mento d esta funcção e que deve entrar em conílicto com o ar, aftlue aos pulmões, que já lhe offerecem menor resistência e mais tarde toda a liberdade á circula- ção d'elle nos vasos pulmonares. Em harmonia com esta nova disposição, o bu- raco oval e o canal arterial toinani-se inúteis, e se fecham, sultsistindo ainda abertos mais ou menos tempo, em quanto se firmam bem a resi)iração e a cir- culação nos pulmões. Segundo a nossa observação, baseada em bom numero de autopses, que serão opportunamente referidas, o canal arterial é o primeiro a encerrar-se. E assim devia ser, não só pela sua disposição e condições anatómicas, mas ainda pela sua funcção de válvula de segurança que lhe attribuimos. Effectivamente, depois do nascimento esta garantia seria inteiramente supérflua, permanecendo ainda o buraco oval, que é o principal fiador da accumulação de sangue nos pulmões, da excessiva quantidade de sangue enviada a estes órgãos pelo cora- ção direito. Se o buraco oval e o canal arterial se fechassem antes de entrarem em ac- ção os pulmões, o cngorgitamcnto d"estes órgãos seria a consequência necessá- ria; o mesmo teria logar, se depois se suspendesse a acção dos pulmões, se ' Essai sur Ics maladics et Ics lésioiís du cwur, pag. 303. Paris, 1811. PERFORAÇÕES CARDUCAS 31 parassem os seus movimeiílos alternativos de dilatação e de retracçíio, de ins- piração e de expiração. D'aqui vem porventura a doutrina do illustrado professor de anatomia da escola de medicina de Lisboa, o dr. Tiiomás de Carvalho, o qual sustenta que o nascimento é um acto necessário, a consequência do complemento da oríani- sação do centro circulatório, da occlusão que deve ellectuar-se no buraco oval e no canal arterial. O feto seria viclima se não viesse respirar o ar exterior, se não pozesse em acção os seus pulmões, se não nascesse em summa. O immortal Harvey dizia que o ponto capital no adulto é que o sangue vá aos pulmões, porque é pelos pulmões que o adulto respira; o ponto capital no feto é que o sangue não vá a estes órgãos, porque não é pelos pulmões que o feto respira... O pulmão do feto não respira, não se dilata; elle não pôde pois receber o sangue da circulação (jcral... No feto os dois corações estão unidos, o sangue vae de um para outro directamente pelo buraco oval ; é por isso que o feto não tem circulação pulmonar. No adulto os dois corações estão comple- tamente separados, o sangue só pôde ir de um para o outro coração passando pelos pulmões; é por isso que o adulto tem uma circulação pulmonar K Mais de meio século depois da publicação da obra do celebre medico de .lacques e de Carlos I de Inglaterra, Duverney dizia na academia das scioncias de Paris: «Á Tégard du fiítus Immain, qui ne respire point tant quil est dans le sein de la mère, si le sang fourni par les deux veines caves allait circuler par le poumon, il Texposerait à des accidents mortels ; il a donc faliu que la na- ture pourvút à la décharge des poumons par des routes particulières, et c'est ce qu"elle a fait au moyen du trou ovale et du canal artériel -. Mas, pôde objectar-se, os casos em que permanece patente o buraco oval ou o canal arterial ou ambos simultaneamente até uma edade avançada? A cir- culação não se fará então como no feto? Alem de que esses casos são excepcionaes, anomalias ou estados patholo- gicos, o que d'alii se infere é que a vida pôde manter-se sem que todo o san- gue passe pelos pulmões. Senac pergunta também se a vida não poderia sustentar-se, quando todo o sangue passasse pelo buraco oval e canal arterial sem entrar nos pulmões. O illustre anatómico tendo em consideração o curso do sangue no feto humano, isto é, que, quando os pulmões não funccionam, parte do sangue passa pela placenta, pensa que é necessário que o sangue se elabore, soffra alguma pre- paração nos vasos de alguma parte antes que circule n'aquellas que deve nu- trir e animar. Não pôde pois allirmar-se, diz elle, que os pulmões não prepa- ' Cul. Harvey. Exercit. anat. de motu cordis in animalibus. 1628. ^ Mémoires de 1'académie des sciences. Paris, 1699. 32 ESTUDO SOBRE AS rem o sangue, e que não imprimam a este liquido os caracteres necessários. Adduz ainda Senac que mesmo os animacs que' não respiram como o homem, teem órgãos particulares que exercem as funcções dos pulmões; o sangue deve por conseguinte ser preparado por alguma parte que substitua o pulmão '. Deixemos aos physiologistas a solução destas questilies. Assim como o canal arterial permanece permeável, por mais ou menos tempo, no decurso da vida extrauterina, e ás vezes mesmo em edade bastante adiantada, tem-se observado, pelo contrario, a sua ausência completa no feto. Nestes casos, raros na verdade, tem-se encontrado ou a artéria pulmonar dila- tada ou uma artéria, que partindo do ventrículo direito ia descarregar-se na aorta, e que por conseguinte substiluia o canal arterial. Em logar de um tem a observação mostrado a existência de dois canaes arteriaes. Em um caso, referido pelo dr. Deguise e que fora observado por Bres- chet, um dos canaes desembocava no tronco brachio-cephalico e o outro na ar- téria subclávia esquerda, nascendo cada um d'elles dum dos dois ramos da ar- téria pulmonar. Pertencia a peça a uma creança de seis semanas; o coração ti- nha uma aurícula, com dois appendíces, um ventrículo, duas veias cavas su- periores e outras duas inferiores; as artérias aorta e puhnonar nasciam, sepa- radamente, do ventrículo, tendo cada uma d"ellas as suas três válvulas sigmoi- deas; no oriíicio auriculo-ventricular viam-se apenas vestígios da válvula. Resumindo as opiniões dos observadores, sobre a época da obliteração do canal arterial, temos: Galeno; que o canal arterial se oblitera poucos dias depois do nascimento, como succede ao buraco oval. Carcanus; que não se encerra alguns dias depois do nascimento: que passados 3 mezes ainda o vira permeável. Riolano; que se oblitera dentro de 3 ou 4 mezes, bem como o buraco oval. Senac; que começa a obliterar-se quando o sangue entra no pulmão. Almagra; que se fecha no fim do primeiro mez. Flourens; que persiste ainda aberto em creanças de 18 a 24 mezes. Longet; que persiste até depois do nascimento. Bedard; que se oblitera nos 3 ou 4 dias que se seguem ao nascimento. Vê-se pois, pelo que fica dito, (juanta incerteza reina ainda sobre este ob- jecto. ' Senac, crp. cit., t. 1.°, pag. 4l6. i'i:uF(mAi;ui;s (.iaudiacas CAHTULO III ;53 Observações originaes relativas á occlusão do buraco oval e do canal arterial 1 CONSIDERAÇÕES PRELLMI.NARES Alii fica exposto o que nos dizem os observadores sobre o encerranienlo do buraco oval e do canal arterial. Sendo tão divergente a sua opinião, emprehendemos uma serie de observa- ções com o propósito de verificar a exactidão dos factos, e dar o nosso humilde contingente sobre este assumpto litigioso. Para este fim assentámos examinar os corações das creanças, que succum- bissem no hospital de S. José e na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e cuja edade fosse conhecida. E para dar regularidade ás nossas investigações, fizemos uma coUecção de mappas com os seguintes quesitos, a que devíamos satisfazer rigorosamente : Numero de ordem das observações, data ou dia do mez e anno em que estas foram feitas, edade, sexo e peso total de cada creança, peso do co- ração, peso de cada um dos pulmões, de cada rim, do figado, do baço, da massa encephalica, e em separado do cérebro e do cerebello, e por ultimo se persistiam ainda ou não o buraco oval e o canal arterial. Logo que nos era trazida uma creança, e passado o tempo necessário para se poder fazer a autopse, lançava-se nas respectivas columnas dos mappas o re- sultado do exame, satisfazendo d'este modo as suas indicações ou quesitos. O sr. J. J. da Silva Amado, preparador e conservador do museu da escola medico-ci- rurgica, abria o coração e os gi'0SS0S vasos, e observava com todo o cuidado, se estavam abertos ou obliterados o buraco oval e o canal arterial, e notava logo no mappa o resultado da sua observação. Daqui lhe damos os nossos agradeci- mentos. Depois examinávamos attentamente os mesmos corações, verificando o re- sultado da observação do sr. Amado e tomando nota da extensão e forma do bu- raco oval e da permeabilidade do canal arterial. Deste modo não podemos duvidar da exactidão dos factos, que foram obser- vados pelo sr. Amado e por mim em épocas differentes ou simultaneamente. Quando havia duvida sobre a permeabilidade do canal arterial ou por qualquer motivo este não tinha sido observado, escrevíamos no mappa indeteiuiiiuidu. MEM. DA AC.VD. — 1.^ CLASSE. T. IV, W U. 5 34 ESTUDO SOBRE AS Como O nosso fim é indagar qual è a época do encerramento do buraco oval e do canal arterial depois do nascimento, aqui consignaremos somente o que diz respeito a este objecto, prescindindo das outras indicações dos nossos mappas. II BURACO OVAL Para facilidade do estado, em que vamos entrar, consideraremos separada- mente o buraco oval e o canal arterial; trataremos depois da coexistência des- tas duas vias de communicaçiio. No seguinte quadro expomos os resultados das nossas observações relativas ao buraco oval. Quadro dos casos considerados "em rolarão ás edades e ao buraco oval BURACO OVAL EDADES NUMERO DE CASOS ' ■ '. — — OBSERVAÇÕES Aberto Pech.ido Até 1 (lia . De 1 a 3 30 11 30 1 - ' De três dias de cdade - 0 pulmão esquenlo de uma d'cstas Jias De 3 a o B 7 7 - creanças (de 8 dias de edade) tinha De Sa 8 » 6 = 6 - um notável kysto seroso De 8 a 11 » 9 9^ _ ' Em um caso (creança de 10 dias) era De 11 a 14 » 10 10 - muito pequeno o buraco oval De 14 a 17 » 7 7 - '' Em um d"estes casos era muito pe- De 17 a 20 D 9 9 - queno 0 buraco oval De 20 a 23 J) 4 4 _ 5 Em dois dVstes casos (creanças de 45 De 23 a 26 )> 4 i 4 diasj era muito peq.° o buraco oval De 26 a 20 D 2 1 2 - ^ Creança de 2^ mezes De 29 a 30 1) 24 24.1 - " Creança de 3 mezes De 30 a 43 » 28 285 - * Em um d'estes casos (creança de 3i De 4a a 60 » 12 12 - mezes) era muit o peq.''obur."oval De 2 a 2 f mezes 8 7 ic ' Em um d"estes casos era muito peque- De2i a 3 D 15 14 1^ no 0 buraco oval De3a3i » 6 1 fis » '" Em um d"esles casos era mui to peque- De 3i a 4 D 5 1 5» D no 0 buraco oval De 5 a 6 » 7 ' gio 111 " Creança de 6 mezes De 84 » 1 ! 1 D '- Era muito pequeno o buraco oval De 91 D 1 3 » " Nos dois casos estava muito reduzido De 12 8 112 » 0 buraco oval De 12 a 19 » 4 3 ■♦ Era muito pequeno o buraco oval De 2 annos. 1 i 1 1 [ 16 213 1 1" 1 1 lu '■■ Havia insulliciencia das valv.^Siort."' 's Os pulmões d'esta creança eram tu- berculosos De 4 » . De4i » . De 1 í » . De 12 » . Totr . . . . li... 213 20o 8 pkrfouações cardíacas ."io D'este quadro se colligo: 1.° Que em ál3 corações Je creanças, desde o nascimenlo ale á cdade de 1^ annos, encoiilrou-se patente a communicação interauricular, pela conservação do buraco oval, em 203 casos ou na pi-oporção de 9G,2i por cento, e já fechado este buraco em 8 casos ou na proiiorção de 3,7.j por cento. 2." Que a máxima i);irte dos corações examinados, 176 nos 213 casos, ou na relação de 82,62 por cento, pertenceu a creanças desde o nascimento até a edade de 3 mezes, e o menor numero d"elles, 37 dos 213 casos, ou na relação de 17,37 por cento, ás edades comprehendidas entre 3 mezes e 12 annos. 3." Que até á edade de 2 mezes, era que foram observados 153 corações dos 213, ou na relação de 71,83 por cento, o buraco oval foi encontrado sempre aberto. 4." Que foi depois de 2 mezes para os 2 '/a de edade, que pela primeira vez vimos a occlusão completa do buraco oval pela respectiva válvula, que estava adherente por toda a sua circumferencia. Neste periodo da vida, em que foram examinados 8 corações, apenas em 1 (de creança de 2 [i mezes), ou na relação de 1 : 8 ou 12,30 por cento, foi encontrado fechado o buraco oval. S." Que na edade de 2 [/■: para 3 mezes, em que foram observados 13 co- rações, ou na proporção de 7,04 por cento em relação ao total dos casos (213), foi encontrado fechado o buraco oval em 1 caso somente, na relação de 1 : 13 ou 6,66 : dOO, ou relativamente ao numero total dos casos na proporção deO,'iG por cento. 6." Que na edade comprehendida entre 3 e 4 mezes, em que observámos 11 corações, encontrámos constantemente aberto o buraco oval. 7." Que na edade entre 3 e 6 mezes, em que 7 corações foram submcttidos ao nosso exame, só em 1 caso, isto é, 1 : 7 ou 14,28 : 100, foi notada a occlusão do buraco oval. 8.° Que no periodo que decorre de 8 Va a 12 ráezes, em que foram obser- vados 3 corações, sendo uma creança de 8 V-2 niezes, três de 9 '-2 mezes e uma de 12 mezes, permanecera sempre aberto o buraco oval. 9." Que na edade de 1 a 2 annos, em que foram examinados 10 corações, notou-se a occlusão do buraco oval em 4 casos, 4 : 10 ou 40 por cento. 10." Que em 2 corações observados, um na edade de 4 annos e outro na de 4^/2, conservava-se ainda aberto o buraco ovai. 11.'^ Que em um coração de uma creança de 11 annos estava já encerrado o buraco oval. 12." Que era outra creança de 12 annos, cora tuberculose pulmonar, estava ainda aberto o buraco oval. Assim, dos 8 casos de persistência do buraco oval um foi observado em uma creança de 43 dias de edade, outro era unia creança de 3 mezes, outro 3 • 36 ESTUDO SOBRE AS aos 6 mezes, outro aos 12 Va mezes, outro aos 16 '/a mezes, outro aos 19 mezes, outro aos 2 annos, e o ultimo aos H annos. Considerando as notas, que acompanham o quadro, vè-se que em uma creança de 10 dias de edade o buraco oval, posto que estivesse aberto, acha- va-se comtudo já muito reduzido, o que pode levar a suppòr que já n"esta edade comece a operar-se a occlusão d"aquelle buraco. Digo pôde levar a suppòr, por- que é possível que o buraco oval do coração d'aquella creança fosse natural- mente muito pequeno, ou que alguma circumstancia accidental tivesse disposto o buraco para fechar-se, o que não é para maravilhar, visto que mesmo no feto se tem encontrado inteiramente fechado, pela sua membrana, o referido buraco. O certo é, que nas edades seguintes foi em uma creança de 1 mez que tornámos a notar a grande reducção ou pequenez do buraco oval, que persistiu aberto em todos os casos até á edade de 2V-2 mezes exclusivamente. D'esta época era diante foi mais frequente encontrar-ne reduzido o buraco oval, que em muitos outros casos conservava sensivelmente as suas dimensões ordinárias. Em ultima analyse, que illações se podem tirar d'estas observações relati- vamente á época da occlusão do buraco oval? Este é o ponto culminante, e que nos levou a emprehender o ímprobo trabalho de tantas e tão minuciosas obser- vações. Parece-nos que, fundados nos factos observados, podemos concluir: 1." Que a occlusão do buraco oval verifica-se depois dos 60 dias da vida extra-uterina. Antes d'esta época nunca o vimos fechado; se a sua occlusão foi notada por alguns observadores nos dois primeiros mezes, deve ser muito rara, por quanto em 176 corações encontrámos sempre patente o buraco oval. 2." Que de 2 a 12 mezes é ainda rara a occlusão completa do buraco oval, por quanto em 41 corações foi etia observada somente em 3, isto é, na razão de 7,31 por cento. 3." Que não ha uma época fixa para o encerramento do buraco oval, como era de esperar, attentas as variadas circumstancias que o podem embaraçar. 4." Da inocclusão du buraco oval em período adiantado da vida, não deve inferir-se necessariamente a communícação das duas aurículas ou a mistura do sangue de uma com o da outra, porque ordinariamente a válvula oval tem ex- tensão sullicieate para tapar o buraco oval. Daqui vem o encontrar-se em adul- tos a membrana oval não inteiramente adherente ao contorno do annel oval, sem que esses indivíduos tenham offerecido o menor íncommodo ou desarranjo na circulação. PERFORAÇÕES CARDÍACAS 37 III CANAL ARTERIAL Não foi tão elevado o numero dos corações de creanças, em que podemos determinar bem a permeabilidade ou obliteração do canal arterial. Montam as nossas observações a 130, e não a 213, como succedeu com o buraco oval; ainda assim é uma somma bastante avultada, e não nos consta que observador algum tenha reunido um numero tão alto de casos. E convém notar, que foi maior ainda o numero de corações que examinámos com estas vistas; mas tendo duvida sobre a existência do canal arterial, expungimol-os do nosso quadro, que só contem casos bem observados, incontestáveis. No quadro seguinte apresentámos os resultados do nosso exame nos refe- ridos 130 casos. 38 ESTUDO SOBRE AS Quadro dos casos considerados em relação ás edadcs e ao canal arlcrial EDADES Ale 1 dia De 3 a 5 dias De 5a 8 » De 8 a 11 » De 11 a 14 » De 14 a 17 í De 17 a 20 » De 20 a 23 » De 23 a 26 » De 26 a 29 » De 29 a 30 » De 30 a 4o » De 45 a 60 » De 2 a 2^ mezes De2ia3 » De 3 a 3 i d De3i a 4 » De dl » De 12 a 18 » De 2annos De 4 » De 4J- B Do 12 » NDMERO DE CASOS CANAL ARTERIAL Aberto Obliterado 16 2 1 o 6 7 8 3 4 2 19 17 8 6 8 4 1 3 2 1 1 1 161 2 S 6 7 8^ 3 4 2 18* 175 7 5 4 3 39 212 113 16 V 48 2 110 1 31' i » 1 OBSERVAÇÕES ' Em um d'estes casos estava dilatado o canal, e em dois bastante diniinui- do de calibre ^ De 6 dias de edade ^ Ein dois d'estes casos, um de 18 e ou- tro de 19 dias, estava muito redu- zido o canal arterial * Em um d'esles casos estava muito re- duzido o canal = Era um d"estL'S casos estava muito re- duzido o canal ^ Estava obliterado no meio, somente, do seu comprimento ' N''este caso o canal arterial era per- meável na extremidade que se abre na artéria pulmonar, estando obli- terado no resto da sua extensão ' Em um d'esles casos dava-se a mesma circumstancia que no caso supra " N'estes três casos estava muito redu- zido o canal '" Estava obliterado no meio somente da sua extensão ; pertencia o coração a um menino de 4 mezes " Uma das creanças tinlia 12| mezes, outra 14 mezes e outra 161 mezes de edade '- N'estes dois casos estava muito redu- zido o canal " Estava muito reduzido o canal Tolal 130 ! 114 16 Foram pois 130 os casos bem averiguados; em 114 d'estes vei'ificou-se a permeabilidade do canal arterial, ou na proporção de 87, G9 por cento, e a sua obliteração em IG casos, ou na proporção de 12,30 por cento. As edades das creanças foram as desde o nascimento ató 12 annos. A máxima parte dos casos porém foi observada até os 4 mezes, tendo sido submet- tidos ao nosso exame, n'este período, 121 corações, ou na proporção de 93,07 PEIiFORAÇUES CARDÍACAS 39 por ceiílo. em quanto que luis edades seguiiUes foram examinados 9 corações, ou na proporção de G,9i por cento. Vejamos que illações se podem tirar d"aquelle quadro com relação á perme.i- bilidade do canal arterial nos differentes períodos da vida extrauterina. D'elle se deduz : 1." Que até 29 dias depois do nascimento o canal arterial foi encontrado permeável em todos os casos. A relação para o total dos casos (130) de todas as edades foi :: 41,53 : 100. i^." Que o primeiro caso do obliteração completa do canal aiterial foi no- tado na edade de 30 dias, na qual foram observados 19 corações, em 18 dos quaes estava permeável o canal, ou na relação de 94,73 por cenlo, e em um já redu- zido a ligamento, ou na relação de 5,26 por cenlo, e relativamente ao numero to- tal (130) dos corações das differentes edades, na proporção de 0,76 por cento. 3." Que na edade de 30 a 45 dias não houve caso algum de obliteração do canal arterial nos 17 corações observados. Em um dos casos porém o canal es- tava muito reduzido no seu calibre. 4.° Que no periodo seguinte, de 43 a 60 dias, foi notada uma vez a occlu- são do canal arterial em 8 casos, ou na relação de 12,50 por cento. N"aquelle caso o canal conservava-se ainda permeável nas suas extremidades, que se abriam nas artérias aorta e pulmonar. 3." Que na edade de 2 a 2 Y» mezes foi encontrado obliterado o canal em um caso nos 6 observados, ou na relação de 16,66 por cento: mas a obliteração não era completa, acliando-se ainda permeável o canal na extremidade, que desem- boca na artéria pulmonar. 6.'' Que dos 2 *'-2 mezes em diante foi mais frequente a occlusão do canal arterial. Effectivamente, no periodo de 2 '/a a 3 mezes em 8 casos houve 4 de encerramento do canal, ou na relação de 50,00 por cento; na edade de 3 a 3 ^ji mezes observou-se a occlusão em 3 sobre 3 casos, ou na proporção de 60,00 por cento; na de 3 Ya a 4 mezes em I sobre 4 casos, ou na relação de 25,00 por cento. 7." Que aos 9 V-2 mezes, em que foi observado um coração, e de 12 a 18 me- zes, em que foram examinados 3 corações, assim como aos 4 e aos 12 annos. já não existia canal arterial. Com tudo ainda se encontrou permeável, posto que muito reduzido, o canal arterial aos 2 e aos 4 Va annos. Tendo em attenção as notas lançadas na casa ou columna das observações, vè-se que já no primeiro dia do nascimento o canal arterial foi encontrado muito diminuído no seu calibre. É possível que fosse uma disposição natural, oq me.--- mo anormal provocada por alguma circumstancia especial, accidental, visto que em um caso o canal arterial se achava, pelo contrario, dilatado. Dos 18 dias em diante foi mais frequente encontrar-se reduzido de capacidade o referido canal. 40 ESTUDO SOBRE AS Os 16 casos, em que foi observada a occlusão do canal arterial, deram-se um aos 30 dias, outro aos 2 mezes, outro aos 2 Va mezes, 4 aos it mezes, 2 aos 3 Va mezes, 1 aos 4 mezes, 1 aos 9 Va mezes, 1 aos 12 7-2 mezes, 1 aos 14 mezes, 1 aos 16 '/a mezes, 1 aos 4 annos, e o ultimo aos 12 annos. Parece-nos que, relativamente á época da obliteração do canal arterial, po- demos assentar as seguintes proposições, baseadas nos factos que ticam rela- tados : 1.° É aos 30 dias, e d'aqui em diante, que o canal arterial se oblitera. 2." Não ha uma época fixa para a obliteração completa do canal arterial. 3." É dos 2 para os 5 mezes que, em geral, se completa a obliteração do canal arterial. 4." D'esta época era diante é rara a persistência do canal arterial; e quando este permanece ainda permeável é, ordinariamente (nós observámol-o sempre), muito reduzido de calibre, pelo que não dará passagem ao sangue, que encon- tra outro transito fácil e lar^o. Veremos se a observaçSo ulterior confirma estas conclusões. Por nossa parte não levantaremos mão d'estas investigações, cujos resultados apresentaremos em tempo opportuno. IV ESTUDO COMPARATIVO DA OCCLUSÃO DO BURACO OVAL F. DO CANAL ARTERLVL As investigações que temos feito, fornecem-nos os elementos para o estudo d'este assumpto, de que os escriptores não lêem tratado com o devido desen- volvimento. No seguinte quadro apresentámos, resumidamente, os resultados de nossas observaçiíes, segundo a ordem por que foram feitas, relativamente ao buraco oval e ao canal arterial. perfokaçOes cardíacas 41 BUUACO OVAL CANAL ARTERIAL ^XMF.RO DE ORDEM EDADE OBSERVAÇÕES Aberto Fechado Aberto Obliterado 1 3 mezes 1' ' Era ainda peniiea- ^ 2i » _ _ vel na extremida- 3 "1 dia _ 1^ - de que se abre na 4 4o dias _ J3 - artéria pulmonar S 2^ mezes 1 - 1;» ^ Estava bastante re- 6 43 dias _ 1 duzido de calibre 7 18 . _ _ 5 Muito reduzido 8 2o » - - * Era ainda permeá- 9 30 » - - vel na sua embo- 10 30 . - í 1 ^ - cadura na artéria 11 18 . _ - pulmonar 12 4o . _ _ ' Muito reduzido 13 2 mezes 1 _ _ ^ Muito reduzido 14 30 dias _ - " Dilatado lo » » _ 1 - ^ Muito reduzido 16 4 mezes _ 1 6 - ' Muito reduzido 17 2 » _ - '» Muito reduzido 18 Idia _ 1? - i' Muito reduzido 19 4o dias - - 20 27 » - • - 21 45 » - - 22 2 annos 1 1 s - i.3 4o dias - - 24 17 » - - 2o 2 mezes - - 2G 17 dias - - 27 3 mezes - - 28 19 dias - - 29 26 » - - 30 12 . - - 31 13 . - - 32 4o » - - 33 4o „ - - 34 14 » - - 3o 1 mez - - 36 41 annos 1 9 - 110 - 37 10 dias - - 38 19 í - 1'1 - 39 14 . - - 40 1 dia - - 41 l{ mez - - 42 1 » - - 40 2 40 2 MEM. DA ACAD. — 1.' CLASSE. T. IV, P. II. 42 ESTUDO SOBRE AS BURACO OVAL CANAL ARTERIAL NUMERO DE ORDEM EDADE OBSERVAÇÕES Aberto Fechado Aberto Obliterado 40 2 40 2 ' Muito reduzido 43 4 dias - 1 - - Muito reduzido 44 1 mez - 1 - ' Muito reduzido 45 li . - 1 - 4(5 3 mezes - 1 - 47 10 dias - 1 - 48 2 aniios - 1» - 49 1 j mez -- 1 - SO » » 1 - 1 - 51 4 mezes 1 - 12 - 52 9 1 „ - 1 - 53 D B - 1 - 54 Receninascido - 1 - 55 27 dias - 1 - 50 2 mezes ~ 1 - 57 2i » 1 - 58 1 mez - 1 - 59 1 dia 1 - 60 Recemnascido - 1 - 01 1 mez - - 1 62 2 mezes - 1 — 63 Recemnascido - 13 - 64 1 dia _ 1 - " 65 15 dias 1 - 66 21 mezes - 1 - 67 14 » - 1 68 1 mez - 1 69 12 annos - 1 - 70 3^ mezos - - 1 71 1 mez - - 1 72 Recemnascido - 1 - 73 11 dias - 1 - 74 6 » - 1 - 75 1 mez - 1 - 76 26 dias - 1 - 77 33 ). - 1 - 78 30 » - 1 - 79 30 » - 1 - 80 3i mezes - 1 - 81 3 . - - 1 82 3i » - - 1 83 30 dias - 1 - 84 )) » - 1 - 85 4 ânuos 1 i - 1 86 Recemnascido 1 1 - 84 2 76 10 rF.RFOU AO lES r.ATiniAC AS 43 BURACO OVAL CANAL ARTERIAL NUMKUO - — — _^. — — — - . ■^^ DE OUDEM EDADE OBSERVAÇÕES Aliorto Fechado Aberto Obliterado 84 2 76 10 ' Obliterado no meio 86 4 mezes _ 1' _ - Muito reduzido 87 3 » _ _ ^ Muilo reduzido 88 1 » - - '' Obliterado no meio 8!) 17 dias - _ ■' Massas tuberculosas 'JO 22 » - - em ambos os |iul- 91 30 » - - mões 'J2 4 mezes {2 - - 93 2 » - - !)4 19 dias - - m 22 » - - 96 Recemnascido - - 97 3 mezes - 1 98 45 dias - - 99 3i mezes - - 100 2" » - - 101 19 dias - - 102 22 D - - io:$ Recemnascido - - 10'i 3 mezes - 1 lori H mez - - 106 3 5 mezes - - 107 16i » 1 1 108 12 dias - - 109 9^ mezes - 1 110 20 dias - - Ml 11 » - - 112 Recemnascido - - 113 9 dias - - 114 16 » - - 115 25 » - - 116 1 mez - - 117 1 dia - 118 5 dias - - 119 Recemnascido - - 120 1 h mez 1 3 - - 121 13 dias - - 122 125r mezes 1 1 123 13 dias - - 124 18 » - - 125 1^ mez - - 126 2 mezes - 14 - 127 17 dias - - 128 Recemnascido - - 129 3 mezes" - 1 - 125 5 115 15 44 ESTUDO SOBRE AS Mostra este quadro a edade de cada uma das creancas observadas, e os resultados do exame relativo á persistência e á occlusão do buraco oval e do ca- nal arterial em cada coração em particular. Por este quadro se conhece, quaes fo- ram as edades e os casos, em que aquellas duas vias de communicação fetaes permaneceram abertas simultaneamente, no mesmo individuo, ou uma d"ellas somente. Para tornar mais clara e fácil esta confrontação formulámos o seguinte qua- dro, que recapitula o precedente. 4 ^ rF.RK( íO 13 c3 1 1 1 1 1 I 1 1 1 i^Hi^h-H^sííG^^H-thCOi^Hi*!^ o ,3 O -w ^ 1 O < 1 Ch s 1 1 — .-> o c^ lá 1 ^ ^-) r~ — í-i eví &- p; 1 ■r i:Dí3^^!H:o^i>Xcc*íí^oor>-i>ao * m i^h i ,^ < ( o ^ mri -Pi -r^ ^ J 1 < < j 1 ^ n ao C I C o COO^I-HSOCOr-COffO^ííQ^Cit^OOOCOíO-sJ^-^COa-l-p^-w*^ o [ £ ò- -s:^ "^ ^?i ro \ l-ê o 13 o — "u O llllIllIlllllvH-sHllitTtl-sHlii — hJ 1 -< 1 ■n --^ r- ri — O 1 ■^ Or^oa:Oi:^o*=?<*=í«G"i*=í'OOG'ii>.-5í*:oocoaríG^'^^-«H i>. o r? -^ G^G^-H ^ Cj ^ •H < 1 < rr 1 2 1 £ o ■^1 ?í 1 o 2 OC^OCSOt^C-.-i^-^ai^^OOG^ICOJOOiOCCCOro-H.^'--! rs f E S CO -^ 3^1 Ol -ri -^ o 1 g^ " ::::;;:::::::::::::;::: : | ::::::::::::::::::::.:. . i • CO o .... •.2«'*A**®^^****««S*='*''=''=*'^ "TZ Cã :-=> a . ■ ■ ■ o Q d -rt -^ -7> CM Oi 3-< o-i r-: ^ O -w" -l!^<<^' .^ ° H -< Q W 46 ESTUDO SOBRE AS D'este quadro se coUige : 1." Que até aos 29 dias, depois do nascimento, a persistência do canal ar- terial acompanhou sempre a do buraco oval. 2." Que em todos os períodos, em que dividimos as edades das creanças observadas, a obliteração do canal arterial acompanhou a do buraco oval, excepto em dois casos (que se verificaiam um em uma creança de 2 annos e outro em uma creança de 4 V2 annos), nos quaes o canal arterial, posto que estivesse muito diminuído de capacidade, era ainda permeável, em quanto que o buraco oval estava já fechado. Esta excepção deu-se na relação de 2:130 ou 1,33 por cento. 3." Que a occlusão do canal arterial foi observada em época muito anterior à da occlusão do buraco oval, tendo a primeira sido notada aos 30 dias e a segunda aos io dias depois do nascimento. 4." Que a obliteração do canal arterial foi mais frequente em cada um dos períodos da vida extra-uterina, excepto nos dois já referidos, do que a occlu- são do buraco oval; o que claramente se vê no seguinte quadro: EDADES BURACO OVAL FrequcDCia da sua occlusão sobre 100 CANAL ARTERIAL Frequência da sua obliteração sobre 100 De 2 a 2-!- mezes 14,28 7,14 37,50 33.33 20,00 50,00 40,00 25,00 100,00 100,00 0,00 100,00 0,00 100,00 De 24 a 3 » De3a3i » De3ia4 » De 9i . De 12 a 19 » De 2 annos De 4 » De4i » De 12 )) Começámos a comparação da frequência da occlusão das duas vias de com- municação, interauricular e pulmo-aortica, no periodo de 2 para 2 '/a mezes, porque foi nesta época que appareceu, pela primeira vez, fechado o buraco oval. Este quadro mostra claramente a grande differença que ha na facilidade do encerramento do canal arterial em relação ao buraco oval, e que, excepto PERFORAÇÕES CARDÍACAS 47 em dois períodos, o canal artei-ial Toi onconlrado sempre obliterado desde os 9 Ví mezes em diante. Tal é o resultado de nossas investigações acerca da época da occlusão do buraco oval e do canal arterial. As conclusões que d"ellas deduzimos, se não representam toda a verdade, devem approximar-se muito d"esta, porque são ba- seadas em grande numero de factos rigorosamente observados. Á observação ulterior, tanto a dos nossos collegas, que se votarem ao estudo deste impor- tante ponto, como a nossa em que proseguimos, pertence sanecionar ou não as proposições que os factos nos levaram a assentar. CAPITULO IV Anatomia pathologica I CLASSIíICAÇÃO DAS PERFORAÇÕES A tres grupos, segundo nos parece, se podem reduzir os factos sobre as perforações, que põem em communicação as cavidades direitas com as esquer- das do coração. No primeiro grupo incluímos a persistência das aberturas normaes do feto, independentemente d"outras alterações orgânicas, isto é, os casos, em que as per- forações representam as aberturas de communicação, que existem normalmente em algum período da vida fetal. São alterações primordíaes, sempre congénitas, verdadeiros vícios de conformação em relação á época em que se observam. Aos casos d'esta espécie denominámos perforações primitivas, ou congénitas por anomalia. No segundo grupo entram os casos de perforações devidas a alterações do coração, dos grossos vasos ou dos pulmões. São estados, anómalos ou patho- logicos consecutivos, congénitos ou posteriores ao nascimento. Ás perforações d'esta espécie chamamos perforações consecutivas. O terceiro grupo comprehende os casos em que as perforações são a con- sequência de doenças in situ, de alterações de tecido da parte, que se produ- ziram quer antes, quer depois do nascimento. São verdadeiros estados palholo- gicos accidentaes, adquiridos no decurso da vida intra ou extra-uterina. Ás per- forações d'esta espécie damos a denominação de perforações accidentaes por doença in situ. 48 ESTUDO SOBRE AS Estas são, a nosso ver, as origens capitães da communicação entre as aurí- culas e da entre os ventrículos. Para mais clareza podem dívidir-se as perforações em duas espécies fun- damentaes: 1.^ perforaçõo.s primilivas por anomalia: 2.* perforações consecu- tiras. Esta segunda espécie consta de duas variedades: l.''' perforações conse- cutivas a anomalias ou a lesões mais ou menos distantes; são as do segundo grupo da nossa primeira divisão; 2.''' perforações consecutivas a doença ou al- teração in situ; são as do nosso terceiro grupo. Teem-se distinguido as perforações em congénitas e accidentaes. Esta distincção parece-nos viciosa, ou pelo menos imprópria, podendo in- duzir em erro em vez de esclarecer. EÍTectivamente, as aberturas congénitas dos septos interauricular e inter- ventrícular podem ser ou anomalias simplesmente, uma continuação de disposi- ções normaes do estado fetal, ou effeito de alterações pathologicas, e n"este caso cabe-lhes com egual direito a qualificação de accidentaes, posto que tenham sido produzidas também no decurso da vida inlra-uterina; e vice-versa as aberturas accidentaes, que se observam em periodo mais ou menos adiantado da vida extra- uterina podem reconhecer egualmente as duas origens, uma anomalia ou uma doença. For conseguinte, pela época simplesmente, em que se patenteiam as perforações cardíacas, não pode chegar-se ao conhecimento da sua origem. A divisão que propomos, salva estas duvidas, e parece-nos ser a expres- são dos factos. Trataremos em particular de cada uma das duas ordens de factos. II RUPTURAS DO CORAÇÃO; SUA SÉDE E FREQUÊNCIA Por anomalia ou por doença, os septos interauricular e interventricular apre- sentam ás vezes uma ou mais aberturas, que estabelecem conimunicacão entre as respectivas cavidades do coração. As perforações do coração, produzidas por causas occasionaes ou orgâni- cas, differem muito, nos seus cai-actéres anatomo-pathologicos e na sede, das que são devidas a vicios de conformação ou anomalias. Consideremos em pri- meiro logar a sede, que é o ponto que mais importa conhecer agora. Das quatro repartições do órgão central da circulação, é o ventrículo es- querdo a sédtí predominante das soluções de continuidade da primeira espécie, ou rupturas do coração. É um facto ha muito conhecido. Effectivamente Morgagni, que, em suas inestimáveis cartas anatomico-medi- cas, relata as observações conhecidas no seu tempo, estabelece que as rupturas 1'KlíruKAÇUKS CARDÍACAS 49 lio venlriíHilo esquerdo estão para as das outras partes do coração : : 7 : 8. E do numero total das observações, que eram dez, o escrupuloso anatouio-pa- tliologisla tirou duas, por serem uma troncada e outra antes um exemplo de fis- tula consecutiva a uma ferida: dos oito casos restantes só em um a ruptura se ef- fectnáia no ventrículo direito, em quanto que o ventrículo esquerdo era a sede (la ruptura nas outras sete observações (Eam observationem si cum caeteris, quas Itrotulimus, novem conjunxeris; de decem, aut certe de octo; secunda enim ad Ustulam spectat vulnus secutam, quarta autem manca est; tmam, haud amplius, fcperifs qitce ventricnlum dexlerum disriiplum ostenderit, cum scplcm reliquce sinistnim omnes exhibuerint '). Morgagni não assignala somente o facto, procura também explical-o. Qual é a razão, diz Morgagni, porque a ruptura é muito mais rara na parte cm que se- ria tanto mais para receiar, quanto a espessura e força da parede do venti'iculo direito são menores que as do ventrículo esquerdo? Em primeiro logar a parte baixa do ventrículo esquerdo, aonde se fez a ruptura na quinta e sexta (observações, é mais delgada e mais fraca do que a parede do ventrículo direito. Em segundo logar, continua Morgagni, quanto mais a força do ventrículo es- querdo se avantaja á do ventrículo direito, tanto mais comprimida é a pai"ede do primeiro, mormente quando lia algum obstáculo á saida do sangue da sua cavidade; de modo que, se alguma parte desta parede está enfraquecida por uma ulcera ou qualquer outra causa, em seguida a uma doença ou depois do nas- cimento, ella não poderá resistir a tamanha força e se romperá alfim n'essa parte, ainda que no resto da sua extensão esteja espessa e rija, como na observação de Harvey ^. Esta explicação mostra bons desejos de dar conta dos factos; as razões ad- duzídas pelo fundador da anatomia palhologíca não são peculiares ao ventrículo esquerdo do coração, nem podem ser generalisadas. A primeira causa invocada pelo celebre professor de Pádua não passa de uma asserção gratuita, fazendo sup- pôr que as rupturas do coração são mais frequentes na extremidade inferior do que em qualquer outi'o ponto. Os observadores desvairam no parecer sobre a altura em que mais fre- quentemente se elfectuam estas rupturas, admíttindo alguns que seja na ponta. Mas comparando os ca.sos em que foi notada a sede precisa da ruptura, acha-se que não ha grande differença para esta ou aquella região, sendo coratudo mais a favor da base do ventrículo. Assim, em 29 observações, das quaes 28 foram collígidas pelo sr. Ellaume, encontramos a ruptura indicada na base \i vezes, ' De sedibus et causis morbonim per nnatmiien imlagatis, lib. ii. episl. 27, | 10. Ebroduni in Helvetia, mdcclxxix. ^ Moreagni, episí. cit. MEM. DA ACAD. — 1.^ CLASSE. T. IV, P. I. 7 50 ESTUDO SOBRli AS 11 : 29 ou 37,93 por cento, 9 na ponta, 9 : 29 ou 31,03 por cento, e 9 na parte media, 9 : 29 ou 31,03 por cento. A differença ó pois tão pequena, que não auctorisa a tirar unia conclusão geral. Mais tarde Morgagni modificou um pouco a sua opinião sobre a frequência das rupturas dos dois ventriculos, dizendo que as do ventrículo direito sendo mais raras do que as do esquerdo, não o são todavia tanto, quanto elle suppunha antes, porque depois das observações referidas em a sua carta 27.'' elle lera no- ticia de outras, em que a ruptura se realisára no ventrículo direito '. É porém um facto o predomínio das rupturas do ventrículo esquerdo do coração sobre as das demais partes d'este órgão. A primeira observação de ruptura do coração, que é devida ao Immortal descobridor da circulação, fornece um exemplo da sede deste accidente no ven- trículo esquerdo. Deu-se o caso em um homem atreito a ataques de dor oppres- siva no peito, com ameaça de lipotbymia ou de suffocação, que tornando-se hy- droplco e cachectico succumbiu em um dos paroxysmos com extrema oppres- são. A parede do ventrículo esquerdo, que parecia bastante espessa e forte, apre- sentava uma i'uptura, que recebia facilmente um dos dedos de Harvey, e pela qual saíra o sangue; havia também obstáculo á passagem do sangue d'aquelle ventrículo para a aorta ^. Senac, que no livro 4.", cap. 7." da sua excellente obra trata das inflam- mações, abcessos e ulceras do coração, põe a questão da frequência d'estas ul- timas alterações nas differentes secções do coração, mas não a resolve por falta de numero suíQciente de observações; comtudo, diz o famoso medico do rei, conslderando-se simplesmente a theoria, poderia crer-se que as aurículas, que são delgadas, que impellem uma grande quantidade de sangue, que fazem e sustentam grandes esforços, devem ser mais expostas a taes accidentes. E mais adiante diz: «Une partle qul paroit dans le coeur fort sujette à des abcès et à des ulceres, c'est la base de cet organe l « Corvlsart hesita em dar uma opinião definitiva, por quanto pela resistência das paredes das cavidades deviam as rupturas serem mais frequentes nas au- rículas, mas os factos referidos por Verbrugge provam o contrario: «11 sembie cependant, diz Corvisart, d'après les rapprochemens que Verbrugge (Dissert. dr amvrysm.) a faits sur ce point, que les ventricules se déchlrent plus fréquem- ment que les oreillettes, et même que, des deux ventricules, le gaúche, qui pa- ' De ml. et caus. morb., epist. 64, | 16. ^ De circuL sang., exercit., 3. ^ Traité de la stnictiire du caevr, de son action et de ses maladies, t. ii, jiag. 386. Paris, 1749. PERFORAÇUKS T ARDIACAS 51 rait par sou orgaiiisalion moins exposé à ces ruptures, en est néanmoins le plus tVequeinnient le siége K » O príncipe da cardiopathologia em França, fundado na observação necros- copica, admitte a maior frequência das rupturas do coração (como a das ulce- rações e tumores aneurismaes) nas cavidades esquerdas do coração. Effectiva- mente, nas dez observações relatadas na obra do insigne professor, a ruptura veriíicou-se seis vezes no ventrículo esquerdo e quatro na aurícula direita ^. O dr. William Stokes estabelece a sede ordinária das rupturas do coração no ventrículo esquerdo, no vértice ou perto deste: «In tbe great proportion of cases the left ventricle has beem the seat of tbe lésion, and the perforation has occuret either at or near to the apex ^. » Emípianto á ultima parte da asserção do illustre professor de Dublin, os factos que apontámos não a confirmam: é mais para a base do coração que se fazem as rupturas do ventrículo esquerdo. Cita o eminente cardiopathologista a estatística de Townsend, na qual sobre á5 ca- sos três vezes a ruptura tivera a sua sede no ventrículo direito, e sobre 19 casos colligidos por Bajie três vezes também existira a ruptura no ventrículo direito. Sommando estes casos lemos o total de 44, dos quaes só 6 são exemplos de ru- ptura do ventrículo direito, 1 : 7 Va ou na relação de 13^63 por cento. É na verdade o ventrículo esquerdo a parte de eleição, para assim dizer, das rupturas cardíacas; prova-o a anatomia pathologica. Juntando aos 71 casos de ruptura do coração, colligidos pelo dr. Ellaume, um que examinámos*, acha-se : No ventrículo esquerdo 46 casos No ventrículo direito 12 » Na aurícula direita 9 » Na aurícula esquerda S » Total ~¥à )> D'aqui se deduz que, n'esta collecção de observações, as rupturas das di- versas secções do coração seguiram esta ordem de frequência: 1.°, no ventrí- culo esquerdo, 1 : 1,5 ou 63,88 por cento: 2.°, no ventrículo direito, 1 : 6 ou 16,66 por cento; 3.", na aurícula direita, 1 : 8 ou 12,30 por cento; 4.°, na au- rícula esquerda, 1 : 14,4 ou 6,94 por cento. O ventrículo esquerdo só de per ' Essai sur les maladies et les lésmis organiques du coeur et des grosvaisseaux, 2' ed., pag. 239. Paris, 1811 - Bouillaud. Trnité diiiiqur des maladies du coeur. 2'""^ ed., t. sec. Paris, 1841. ' Tlie diseasfs of lhe hvart and the aorta, pag. 496. Dublin, 1854. * Era um liomem, de edade avançada, que viera iratar-se ao hospital de S. José de 7- bZ ESTUDO SOBRE AS si foi mais vezes affectado do accidente em questão do que todas as outras par- tes do coração conjunctamente, 1 : 2,7 ou 36,11 por cento, sendo a relação dos dois casos de 1,7 : 1. Consideradas assim de modo geral as rupturas do coração, é um facto pro- vado a sua maior frequência no ventrictilo esquerdo. Mas se as reportarmos ás suas causas, se attendermos separadamente ás rupturas produzidas por causas externas (quedas de logar alto, choques ou pancadas violentas sobre o tliorax, etc.}, e ás determinadas por causas internas, acharemos resultados contrários á regra com relação á primeira espécie. Assim, dos 72 casos, ha pouco referidos, ii) dizem respeito a rupturas por causa externa, e 56 por causa interna; ora nos primeiros notou-se esta ordem - Nfl aurícula direita (> casos No ventrículo direito li » Na aurícula esquerda 3 » No ventrículo esquerdo 2 » Total 16 » D'aqui se coUige: 1." Que o coração direito foi muito mais vezes affectado (H : 16 ou 68,75 por cento), mais do duplo (H : 5), do que o coração es(]iierdo (5 : 16 ou 31,25 por cento); 2." Que as aurículas foram mais vezes (9 : 16 ou 56,25 por cento) a sede da alteração do que os ventrículos (7 : 16 ou 43,75 por cento); 3." Que a ruptura foi mais frequente na aurícula direita (6 : 16 ou 37,50 por cento), depois no ventrículo direito (5 : 16 ou 31,25 por cento), em ter- ceiro logar na aurícula esquerda (3 : 16 ou 18,75 porcento) e menos frequente no ventrículo esquerdo (2 : 16 ou 12,50 por cento). 0 dr. Ellaume attríbue esta differença á posição do coração direito, que o torna mais accessivel ás violências externas '. Nos 56 casos de ruptura por causa interna só o ventrículo esquerdo foi a sede da solução de continuidade 44 vezes (44 : 56 ou 78,57 por cento), ten- do-se manifestado nas 3 outras cavidades apenas 12 vezes (12 : 56 ou 21,12 por cento). D'onde procederá esta tão notável differença? Em regra as rupturas do co- uiu simples embaraço gástrico, segundo a informação dada pelo sr. dr. Avellar na so- ciedade das sciencias medicas de Lisboa (sessão de 3 de maio de 1866). Este doente na occasião em que se despedia dos seus companheiros da enfermaria para sair, caiu e suc- cumbiu rapidamente. A autopse mostrou a existência de duas rupturas Iransveisaes no ventrículo esquerdo, e o microscópio fez ver a degeneração gordurosa do coração. 1 Essui sur les rvptures du emir. Paris, 1858. PERFORAÇÕKS CAUDIACAS 53 ração ligam-se a lesões ou doenças deste oigão, entrando por muito a degenera- ção gordurosa. Ora é sabido que o ventriculo esquerdo é a repartição do coração mais vezes atacada de doença. Temos pois que as rupturas cardíacas por causa externa produzem-se com maior frequência no coração direito, principalmente na aurícula, emquanto que as por causa interna dão-se ordinaiiamente no ventriculo esquerdo ; sem referen- cia á causa é este ventriculo a sede predominante das rupturas. É o ventriculo esquerdo a sede predominante das rupturas do coração. Mas dão-se estas com maior frequência em alguma parte deste ventriculo, ou indif- ferentemente em qualquer ponto? É o exame necroscopico que deve resolver o problema; e elle mostra que na grande maioria dos casos é na parte anterior que se fazem as rupturas cardía- cas; tem-se mesmo estabelecido a relação de 3 : 4 com referencia ao numero to- tal, ou 3 : 1 com relação ás rupturas da parte posterior. Pelo que toca ao ponto preciso das paredes ventriculares, em que ellas se effectuam, a observação indica egual frequência, sensivelmente, nas differentes al- turas do ventriculo. Mas no que os observadores concordam é na raridade das rupturas do septo, que separa as cavidades cardíacas. Nos exemplos referidos pelo professor Bouil- laud nenhuma ruptura occupava o septo : « Dans aucune de nos dix observations, diz o eminente cardiopathologista, les cloisons interventriculaires ou interauricu- laires n'étaient le siège de la rupture *.>> Poucos casos na verdade se encontram arcbivados nos annaes da sciencia. « Les ruptures de la cloison, diz o dr. Ellaume, sont assez rares, c'est à grande peine si nous avons pu en reunir quelques cas ^. » Cita este escriptor o facto observado por Prescott-Hewett e relatado pelo nosso compatriota Giraldes na société de chirurgie de Paris. Dava-se o caso em um rapaz de doze annos de edade, que cairá de uma casa, e succumbíra quatro horas depois de sua admissão no hospital de S. George. A autopse mostrou: na parte anterior e superficial do coração, na região correspondente á parte superior do repartimento, e pollegada e meia abaixo da origem da artéria, uma ecchy- mosB de uma pollegada de extensão, achando-se intacta a serosa, debaixo da qual estava o sangue. Correspondia esta ecchymose a uma ruptura do coração, que se continuava para a parte superior do septo, dividia-o em toda a sua ex- tensão, estabelecendo d'este modo uma communicação entre os dois ventrículos ; a ruptura prolongava-se até á parte anterior da parede do ventrículo direito. No ventriculo esquerdo duas columnas carnosas estavam divididas incompleta- ' Traité clinique des maladies dii emir, i. sec. Paris, 1841. * Op. cit. 54 F.STfDO SOBRE AS mente. Não havia sangue derramado no pericárdio, nem fractura thoracica, mas uma contusão do cérebro com fractura do craneo^ da maxilla inferior, das duas coxas e ruptura do baço. Este caso é interessante também por fornecer um e.xemplo de ruptura dos iacertos do coração. Com quanto os archivos scientificos contenham fados d"esta onlem, elles são comtudo bastante raros. Halier já se admirava da falta de ot)- servações de ruptura dos tendões do coração, em vista da tenuidade d'elles e do esforço que sustentam. Senac suppõe a existência d'eslas rupturas intracardiacas, indicando as con- dições que as devem facilitar, como se vê no seguinte trecho: «La partie interne du cceur ne doit pas être exempte.des suppurations et des ulceres. A ne con- sulter raème que la slructure, il semble que cest dans les cavités, c'est-à-dire, dans les ventricules, que ces maladies doivent arriver plutòt que dans le reste de la substance qui forme cet organe; car les colonnes sont flnes en plusieurs endroits; elles se croissent, quelques unes traversent les ventricules; or dans les efforts du cceur elles peuvent être tirées trop fortement, ou être déchirées; leur action peut mème à leur racine forcer la substance du cceur, et occasionner des inflamraations et des suppurations. II paroít qu'elles sont d'autant plus à craindre, que la membrane qui revêt le coeur est fort mince et que le sang peut être poussé facilement dans les ventricules '«. Mas parece que o famoso anatomo-pathologista não tinha conhecimento de facto algum de ruptura dos pilares ou dos tendões cardíacos, não só porque elle diz apenas que estas partes não devem ser isentas, mas ainda porque as ob- servações de vários médicos, Benivenius, Du Laurens e Lazaro Rivière, que a tal propósito elle cita, não exemplificam o facto; são casos de abcessos e ulce- rações da superficie interna do coração, mas não de rupturas dos Iacertos ou tendões. Morgagni não refere observação alguma de ruptura dos Iacertos, nem dos cordões tendinosos. O eximio académico de Bolonha relata, é verdade, a historia de um cozi- nheiro dado em excesso ao vinho, que succumbiu no dia immediato ao de sua entrada no hospital de Santa Maria d"aquella cidade, a 30 de abril de 1703, com enorme dilatação do coração, cujas fibras volumosas eram muito fracas, de sorte que as columnas carnosas, prominentes nos ventrículos, cediam facil- mente á tracção dos dedos. Eis como o abalisado anatomo-pathologista se ex- prime: «In thorace et ventre aqua erat; non magna lamen copia. Sed in illo cor ex majoribus qu» un((uam viderim, idque, ut auricula quoque dextra, quse valde erat dilatata, et vasa coronária, quse ampla exstabant, sanguinis plenum ' Op. cit., t. 2.°. p-d'^. 386. PKRFOHAÇÕKS CAISDIACAS 55 alri, ot foi'me fluidi. sine iiUa polyposu foiícrclioiíe. Magiii aiitem hujiis ronlis Gbr* laxissimaí eraiit; ut vel ipsio, qua; iii ventriculis prominent, columii» fa- cillime sequerenUir Irahontis dígitos'.» Mas d'aqui não se deduz a existência de ruptura das fibras ou columnas do coração do doente, mas simplesmente a disposição, a facilidade para a sua producção no exame cadavérico, o que é muito differente. Corvisart é porventura o primeiro que nos apresenta factos positivos de ruptura das columnas carnosas e dos tendões do coração. São três as observa- ções que o medico do impei'ador descreve com referencia a esta alteração; a 33, a 40 e a 41 da sua obra clássica sobre a especialidade. A primeira observação, que exemplifica a ruptura dos tendões da lamina anterior da válvula mitral, diz respeito a um cavouqueiro de trinta e nove an- nos de edade, que fora atacado de uma fluxão de peito em novembro de 1799, da qual melhorou, tendo fallecido no anno seguinte no hospital da Caridade. «La grande portion de la valvule milrale, diz o distincto cardiopathologista, qui est au-devant de loritice de Taorte ne tenait plus par les filets tendineux aux colonnes charnues aux quelles ces filets vont se rendre *. » A segunda observação, que ministra um bom exemplo de ruptura de um dos pilares da válvula mitral, pelo que elle íluctuava livremente na cavidade ventricular, refere-se a um homem vigoroso, de trinta annos de edade, que deu entrada no hospital da Caridade em um dos primeiros annos da revolução, apre- sentando as extremidades ligeiramonte inchadas, pulso pequeno, muito frequente e irregular, pancadas do coração muito fortes, tumultuosas, irregulares; o doente não tinha posição, estando num estado indizível de agitação e de anxiedade. Es- tes symptomas adquiriram rapidamente grande intensidade, e o doente foi vi- ctima de tão horrível soffrimento. A terceira observação foi colhida em um torneiro de trinta e quatro annos de edade e forte, que entrou para a clinica interna, a 24 de março de 1803, em um estado de extrema anxiedade e com tão vehementes dores na região pre- cordial, que lhe arrancavam gritos, principalmente de noite ; exhalou o ultimo alento dois dias depois. O exame necroscopico fez ver divididas duas das co- lunmas carnosas do ventrículo esquerdo: «En examinant les tendons des piliers qui soutiennent ces valvules, on vil que deux d'entre eux avaient été ancíenne- ment rompus. Les extrémités de ces deux tendons étaient mousses, lisses, et arrondis à lendroit de leur rupture^» O coração estava muito dilatado; as pa- redes do ventrículo esquerdo espessas e a válvula mitral guarnecida de algumas * De sed. et caus. morh. /)i"c (inat. uidngati^, lib. ii, epist. xxi. ' Corvisart; op. cit., 3' elas., cliap. u. ^ Op. cit., pag. 269. 56 ESTUDO SOBRE AS excrescências brandas, como que carnosas : a válvula tricuspida insuíliciente por ampliação do respectivo orifício. Depois de Corvisart têem os observadores notado casos de rupturas intra- cardiacas, já isoladas já acompanhadas de rupturas das paredes do coração, ten- do algumas sido produzidas no calor do acto venéreo. Seria supérfluo para o nosso fim o alargarmo-nos na citação d'estes casos. Fica assentado que as rupturas cardíacas devidas a causas occasionaes e orgânicas, isto é, originadas por esforços, violências exteriores ou por alteração do tecido, são muito mais frequentes no ventrículo esquerdo do que em todas as outras repartições do coração; que se produzem mais vezes na face anterior d'este ventrículo do que em qualquer outro ponto d'elle; que a sua frequência è sensivelmente egual nas diftercntes alturas do coração; finalmente, que são muito raras nos septos intracardiacos. III PERFORAÇÕES PRIMITIVAS; SUA SEDE E FREQUÊNCIA Vejamos agora em que parte da porção ventricular do coração são mais fre- quentes as perforações primitivas, congénitas, ou que se ligam a vícios de con- formação. Dá-se n'este género de perforações o inverso do que se verifica nas ruptu- ras accidentaes com relação á sua sede. De feito, é quasi sempre no septo in- terventricular, e na base d'este, abaixo das válvulas sigmoidéas, que as primei- ras têem sido observadas, em quanto que as segundas são ahi raras, como dis- semos. Em dez casos de communicação inlerventricular, collígidos por Louis ', nove vezes a abertura estava situada na base do septo -, e uma vez no meio d'este ^. Nos casos de nossa observação tem eila existido sempre na base do septo. A abertura inlerventricular acha-se ordinariamente disposta de modo que o sangue do ventrículo direito pôde passar facilmente para a aorta, como o in- dicam a nossa observação e muitos factos referidos pelo sr. dr. Gintrac '\ ou para o ventrículo esquerdo, do que servem de exemplos muitas das observações d'este sábio professor^. • Mémoires ou rech. wiatomo-palholoijiquís. P;iris, 18Í26. 2 Obs. 7, 8, 9, 10, 13, 16, 17, 18 e ^20. 'Obs. 11. *Obs. 6, 11,32, 42, 47, 49 e 51. ^ Em a sua excellentr obra, Ohscn-ations et rechfrches sur la ei/anone, Paris, 1824, PF.RKonArõKS r.AuniACAS 57 Em oulros pontos do septo Iciii sido observada a abertura interveiitricii- lar, postO(|ue raras vezes. Louis relata, eoiiio dissemos, uma observação, extra- ctada do Joiírn. gúnér. de méd., 1817, cm que esta abertura existia na parte media do septo : « . . . au milieu de la doison des ventricules, un trou elliplique (fun pouce de large et síariii duri corps íibreux à son pourtour'.» Era 110 meio do reparlimeiíto dos dois ventriculos, coisa notável, que Ga- leno suppoz serem mais frequentes as pretendidas perforações, que normalmente estabeleceriam a communicarão entre estas duas cavidades : «Qu;e igitur in coixle apparenl foraraina, ad ipsius potissimum médium septum, pra-dicta' commuui- talls gratia, extiterunt (De usu partium, lib. vi).» A que não obriga uma dou- trina forjada somente á custa da imaginarão ! Já noutra parte indicámos os motivos da supposição do celebre medico de Pergamo, e como os anatómicos respeitaram por tanto tempo a sua auctoridade, que foi alQm sacudida. Notaremos ainda uma sede da perforação do ventrículo, para a qual cha- mamos muito particularmente a attenção. Na base do ventrículo, mas terminando por baixo da vahTila mitral, tem também sido encontrada a perforação interven- trícular. Na já citada obra de Louis vem referida uma observação, que foi co- lhida pelo dr. Hall Jackson, em que a communicação anormal é assim descri- pta : «A la base de cette ossification (situada na base da válvula tricuspida) il exislait un troisième trou qui aboutissait au ventricule gaúche, sous la valvule mitrale immédiatement, et pouvait admettre Textrémité du petit doigt-.» Vol- taremos a considerar esta sede da abertura de communicação interventricular. O dr. Buhl descreveu um caso de communicação entre o ventrículo esquerdo e a aurícula direita por abertura na parte superior do septo. A autopse mostrou: ventrículo esquerdo um pouco liypertrophiado; na parte superior do i'epartí- mento a substancia muscular estava transformada em um tecido tibroso, espesso, no meio do qual havia um orifício oval (dum centímetro e um cjuarto no maior diâmetro, e meio centímetro no menor), circumscripto por um annel cartílagí- neo, solido, e conduzindo á aurícula direita, immediatamente acima da ínsersão da qual este eminente pratico nos fez a honra de offerecer um exemplar, cita para con- firmar este facto 2o observações; cumpre-nos porém notar que pela leitura que fizemos d'essas observações, divergimos do illustre director da escola de medicina de Bordéos. Em primeiro logar ás observações por elle referidas devem juntar-sc mais ires das con- signadas na sua obra (obs. 1, 18 e36); em segundo logar das observações mencionadas pelo mesmo professor devem subtrahir-se duas (obs. 41 e 51), nas quaes não se in- dica abertura alguma interventricular. ' Op. cit., pag. 320. 2 Op. cit., pag. 312. .VEM. DA ACAD. — ] .* CLASSE. T. IV, P. I. 8 58 ESTUDO SOBRE AS da válvula tricuspida. As válvulas aórticas estavam delgadas, o ventrículo di- reito dilatado, a válvula tricuspida muito espessa, rija e retrdiida, principalmente perto da abertura anormal, sendo alii insufficiente. Artéria pulmonar dilatada; calibre da aorta diminuído. 0 auctor attribue a abertura anormal a uma ínílammação ulceratíva do septo durante a vida letal ou pouco depois do nascimento. O caso foi observado em uma rapariga de 19 annos de edade (Henle, Zeitschrift fiir rat. Meã. Band v, Heft i; e arch. gén. de mdd., ■1833, pag. 106). Finalmente a abertura anormal pôde estar situada de modo a pôr em com- municação as quatro cavidades cardíacas ao mesmo tempo, do que pôde servir de exemplo um facto observado por Thibert, que o descreve assim : «... á la réunion de la cloison des oreillettes et de celle des ventricules, une large ou- verture irrégulière, dont le pourtour était forme par des franges membraneuses jaunâtres, et quí faísait communiquer les quatre cavités ensemble K-> Fica pois assentado que a sede predominante das perforações da secção ventricular do coração, devidas a vícios de conformação, é na base ou parte su- perior do septo ínterventricular. Posto isto, examinemos qual é o ponto de eleição das perforações na re- partição auricular do coração, e em que relação estão para com as do ventriculo. Nas aurículas teem sido observadas perforações devidas já a causas occa- síonaes, externas ou internas, já a causas orgânicas ou alterações de tecido, já a vicios de organisação ou anomalias. As d'esta ultima espécie são as mais fre- quentes, e dão-se, como as dos ventriculos, no septo respectivo, estabelecendo communícação entre as duas aurículas. Vimos que as perforações, consideradas em globo, eram muito mais fre- quentes nos ventrículos, mormente no ventrículo esquerdo, do que nas aurícu- las. Mas se attendermos unicamente ás perforações anómalas dos dois septos ín- tracardíacos, ás communicações interaurículares e ínterventrículares, acharemos que a frequência é maior nas primeiras do que nas segundas. A communicação ínterauricular é ordinariamente devida á falta de occlusão do buraco oval. A válvula oval não adhere então por toda a sua circumferen- cía ao annel oval, mas fica d'este separada, na parte anterior, era maior ou me- nor extensão. A persistência do buraco oval no adulto é conhecida ha muito tempo, o que é provado pelas observações de Pineau, Ríolano, Lower, Kempfer, Bar- tholino e de muitos outros médicos; c já dissemos em que condições Botai viu o buraco, que indevidamente tomou o seu nome. Os annaes da sciencia conteem bom numero de casos observados em todas as edades, mesmo na velhice. O já 1 BuU. dr la faculte, an. 1819; e Déguise, De la ajanose rardiaquc. Paris, 1843. PERFdnAÇÕKS CAHniACAS 59 bom museu da escola de medicina de Lisboa pode ser consultado com vanta- gem a este respeito, como sobre muitris outros pontos. Louis consignou em uma bem elaboiada memoria, De la conimunication (les cavités droites avec les cavités gaúches ', vinte observações, duas das (|uaes foram por cUe coibidas. N'estas vinte observações nolam-se 1 i casos de communicação interauricu- lar pelo buraco oval^, li de communicação interventricuiar por abertura no septo ^, existente ordinariamente na base d'este, e 2 de communicação pulmo- aortica pela persistência do canal arterial ^. O sr. Gintrac em a sua notável obra reuniu cincoenta e três casos, dos quaes alguns se acham mencionados na citada memoria de Louis, de vicios or- gânicos do coração e dos grossos vasos, que permittem a communicação do san- gue venoso com o arterial, nos quaes se notam 3o de communicação interauri- Qiilar^ 21 de communicação interventricuiar", e 13 de communicação pulmo- aortica. Confirmam pois estas observações a relação de frequência daquelles vicios, deduzida das referidas por Louis. O sr. Deguise coUigiu em sua these para o doutoramento em medicina ' oitenta e duas observações de anomalias do coração, que permittem a mistura do sangue venoso com o arterial. Separando as 13 ultimas observações, que di- zem respeito duas a corações compostos de uma aurícula e dois ventrículos, e onze a corações de uma aurícula e de um ventrículo, restam 69, nas quaes achou 52 vezes a communicação entre as aurículas (52 : 09, ou 73,36 por cento), 39 vezes a communicação entre os ventrículos (39:69, ou 56,52 por cento), e 18 vezes a persistência do canal arterial (17:69, ou 24,63 por cento). ' Mêm. ou recherch. anatomo-mtholoyiqves sur diverses maladies, pac;. 304. Paris, 1826. ^ Obs. 1, 2, 3, 4, 5, 6, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19 e 20. 5 Obs. 7, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18 e 20. ^ Obs. i2 e 13. 5 Obs. 1, 2, 3, 4, 7, 10, 13, 14, 16, 17, 20, 21, 22, 23, 25, 26, 27, 28, 31, 34, 33, 36, 37. 38, .39, 40, 41, 43. 44, 45, 46, 48, 50, 32 e 53. •i Obs. 1, 2, 3, 16, 18, 19, 21, 23, 25, 26, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 39, 41, 42, 47 e 49. Se n'esta contagem nos guiássemos simplesmente pelas epigraphes das obser- vações, acharíamos um numero muito menor de casos de coramunicação directa entre os dois ventriculoSj o que importaria uma differença enorme na frequência d"elles. É uma causa de erro, em que incorrem por vezes escriptores aliás de provado merecimento. '' De la cyanose cardiaque dne à la commiinication anormale entre las cavités droites et ganches. Paris, 1843. 8. 00 ESTUDO SOBRE AS Consitlerando as 81 primeiras observações, referidas pelo dr. Deguise, visto que nfio lia razão plausível para separar as 13 ultimas, como fez este medico, por quanto n"ellas se dão também as communicações interauricular, interventri- cular e interarterial, mas simplesmente a ultima por não ter toda a aulhentici- dade desejável, adiámos que havia comniunicação entre as aurículas em Gi ' ca- sos (02:81, ou 76,84 por cento), comniunicação entre os ventrículos em 53^ casos (53:81, ou 65,43 por cento), e permanência do canal arterial em 18 ca- sos^ (18:81, ou 22,22 por cento). Ainda aqui pois se confirmam os resultados geraes das observações anteriores, isto é, a communícação entre as duas aurí- culas pelo buraco oval é muito mais frequente do que a comniunicação entre os dois ventrículos pelo respectivo septo. Teem-se encontrado perforações na fossa oval e em outros pontos do septo, o que c muito mais raro. Já o grande Senac menciona a existência de buracos na válvula oval do coração do feto: «Souvent on trouve d'autres ouvertures dans la surface de la valvule : j'en ai vu vers ses cotes ... on en a trouvé au milíeu raême de cette soupape^)) O celebre Morgagni víu-as em um velho na parte inferior ; Trew observou-as no meio d'esla membrana. Nestes casos a abertura é devida, segundo opina Se- nac, a alguma dilaceração ^, o que não nos parece exacto pelo menos cm todos os casos; temos presente o coração de uma creança, morta á nascença, que apre- senta além de largamente aberto o buraco oval, uma perforação redonda na parte inferior da válvula, que não foi por certo originada por dilaceração. A observação 14.^ da Memoria de Louis fornece um exemplo de aberturas na válvula oval : «... la fosse ovale três large et três profonde, son tissu mem- braneux percé de plusieurs trous".» Esta observação, que foi descripta em 1809 por Paloís, medico em Nantes, vem reproduzida na obra do sr. Gíntrac e na do sr. dr. Bouillaud. Pôde também confirmar o facto a observação 34.' referida pelo professor Gíntrac: « . . . le trou ovale était ímparfaitement fermé; sa vaKule étaít criblée de petites ouvertures ' . » É bastante notável o caso, observado por A. Valette, de comniunicação in- > Obs. 1 a 23, 37 a 52, 55 a 64, 67 a 74, e 76 a 81. 2 Obs. 24 a 59, 60, 65 a 74, 76 a 8!. 3 Obs. 18 a 23, 53 a 59, 62 a 64, 77 e 78. '' Trailé de la stnicture dii cwur, de son actiun et de ses maladies, t. 1", pag. 232. Paris, 1749. '■' Op. cii. pag. 178, t. 1.° 6 0p. cii., pag. 322. ' Op. cit., pag. 121. rETtFORAÇ.nrs C.\ni)I.\CAS 61 teraiiriciilar pelo buraco oval opor outra aiíerlura abaixo dcslo, cxistonio tam- bém no septo. Era uma menina que nascera com as apparencias de boa saúde; seis semanas depois começou a solTrer de dyspnéa e a apresentar cyanose ; viveu até á edade de seis annos. A autopse mostrou : uma larga abertura entre os dois ventrículos, o buraco oval aberto, um jmiico mais inferiormente uma segiwda abertura de commuiiicação entre as daas auriculas, e um oriticiu auriculo- ventricular nnico. Estas anomalias faziam este coração similhante ao dos batra- cios, como se fora composto de uma aurícula c de um ventrículo, apesar de ter quatro cavidades '. Também se teem citado exemplos, em que o septo faltava inteiramente; mas ahi havia antes uma só aurícula no logar das duas, do que perforação do septo, restando apenas, em alguns casos, vestígios do logar d'elle. Senac aponta esta anomalia. Ás vezes este rudimento do septo interauricular apresenta-se de- baixo da forma de uma ou duas pequenas linguetas carnosas ^. Lawrence des- creve uma observação, em que o repartimento entre as auriculas era constituído por uma delgada fita musculosa, que formava um buraco oval sem válvula; o coração tinha um só ventrículo ^ Estes casos de septo rudimentar podem con- siderar-se como fazendo a transição entre os corações de duas aurículas e ura ventrículo e os corações de uma aurícula e de um ventrículo. Fica pois provado pela observação necroscopica : 1." Que o septo das aurículas e o dos ventrículos são a sede de eleição das perforações por vicio de conformação ou anomalia : 2.° Que as communicações ínterauriculares são muito mais frequentes do que as ínterventriculares : 3." Que a sede predominante das perforações ou aberturas é, para as au- riculas a fossa oval, e para os ventrículos a base ou parte superior do septo. Antes de passarmos a outro capitulo rememoraremos a sede das perfora- ções ínterauriculares e ínterventriculares. Na repartição auricular notaremos : 1." Abertura constituída pela persistência do buraco oval, acliando-se a res- pectiva válvula incompleta, rudimentar, ou faltando completamente. N'este caso o septo é ordinariamente pouco desenlvolvido '\ naquelle o septo é completo ou rudimentar. ' Note snr «n cos curieux de vice de conformation da cneur, consistant en vnc oveil- letle et «n ventricule, publicada na Gaz. médicale de Paris, 1845. 2 Deguise : De la cyanose cardmque, pag. 49. ' Deguise: these citada, pag. 45. ^ O sr. La-\vrence mostrou em 1814 ao dr. l-'arre um specimen, em que o septo au- (32 ESTUDO SOBRE AS ^." Orifícios, maiores ou menores, na válvula oval, do que demos vários exemplos. 3." Perforações em qualquer outro ponto de septo, do que lambem demos exemplo *, podendo estar completa a válvula oval, que fecha inteiramente o res- pectivo buraco. 4." Abertura formada por falta de todo ou de parte do septo. 5." Abertura constituída por falta de adherencia, simplesmente, da válvula. Esta liem como o annel oval conservam as suas dimensões ordinárias, tendo aquella extensão bastante para tapar este completamente. Mas os comua da vál- vula Acaram separados, e a margem doesta, semilunar, ou fica applicada sobre a face esquerda da porção contigua do septo, ou adhere em parte pelos lados e forma um canal obliquo de uma para outra aurícula. N'estes casos, de que te- mos observado muitos exemplos, não se dá ordinariamente a passagem do san- gue de uma para outra cavidade, porque a válvula tapa o buraco oval. A communicação interauricular por permanência do buraco oval é mais fre- quente do que todas as outras reunidas i^não comprehendida a ultima variedade descripta). É um facto importante, que convém não perder de vista. Na repartição ventricular indicaremos : 1." Abertura no espaço membranoso sub-aortico. Este espaço, constituído pelo endocardio direito e esquerdo, algum tecido fibroso e fibras musculares, está situado na base das válvulas aórticas direita e postero-esquerda, prolon- gando-se mais ou menos pelo intervallo dos respectivos bordos d'estas duas vál- vulas, a cujo angulo superior cliega algumas vezes. Se a abertura ou perfora- ção tem a sua sede na parte inferior deste espaço, fica estabelecida a commu- nicação entre os dois ventriculos : se na parte superior d'elle, a communicação resultante é entre o ventrículo esquerdo e a auricula direita-; se a perforação occupa todo aquelle espaço, dá-se então a communicação entre as três cavida- des ; isto é, do ventrículo esquerdo com a aurícula e ventrículo direitos. Final- mente, pôde a perforação existir, na base do coração ainda, mas no ponto de contacto dos dois septos, resultando d'aqui a communicação entre as quatro ca- ricular era formado somente por uma delgada fita muscular, tendo um largo buraco oval desprovido de válvula (Without any valve). ' É curioso o caso descripto por Hein em 1816, De istis cordis ikformationibus, quw sanguinem venosum cum arterioso permittiint ; Goetthigíe) ; eram duas as aurículas, mas na margem ou limite do foramen oval viam-se três perforações em togares difTerentes. En- contram-se citados mais casos no Prccis ihéorique et pratique dfs maladies du cceur par C. Forget. - A"s observações já citadas podo juntar-se a peça pathologica apresentada pelo dr. Daldj-, em lS-i3, á sociedade medica hunlciiaDa. PERFORAÇÕES CARDÍACAS 63 vidadcs cardíacas, do que vimos exemplo na observação deTIiibert. Estas aber- turas ou perforações occupam todas o espaço membranoso, que pela sua situa- rão denominamos sub-aortico c mitral, e não inten-eutriculnr, porque algumas vezes esta denominação seria muito imprópria. Os inglezes chamam-ihe undefen- dcd space. Em outro logar trataremos mais extensamente d'este ponto de ana- tomia. 2." Abertura, ainda na base do coração, mas na parte do septo que separa o ventrículo esquerdo do infundibulo ou conus arteriosas, ficando mais ou me- nos perto da origem da artéria pulmonar. É raro. Ha, segundo o dr. Peacock, no museu do St.Tbomas's bospital duas peças que confirmam esta disposição; no museu Depuytren ba uma peça análoga (n." 32) offerecida por Gorvisart e que corresponde á 43.* observação relatada na obra d'este eminente observa- dor K 3." Duas ou mais aberturas no espaço membranoso sub-aortico, que no resto está bem formado. 4." Perforações em diiferentes pontos do septo, sendo mais frequentes na base. 3." Perforação perto do vértice do coração. 6." Abertura por falta de parte do septo, mais vezes verificada na base. 7." Pôde emfim faltar completamente o septo, ou liaver um só ventrículo. Senac, refere por informação de Pozzis, a observação de um homem de 27 annos, cujo coração, de extraordinário volume, tinha um ventrículo somente, que continha 16 onças de sangue^. De todas estas perforações as que são constituídas pela perforação ou falta do espaço membranoso sub-aortico, são incomparavelmente mais frequentes do que as situadas em qualquer outra parte do septo. E- entre as diversas variedades que apontámos, a perforação da base daquelle espaço, estabelecendo a commu- nicação entre os dois ventrículos, é a que ordinariamente se observa. É um fa- cto importante, a que adiante nos referiremos. Podem os dois septos faltarem ao mesmo tempo, tendo o coração então só- 1 Esta peça foi coUiida em um rapaz de doze aunos e meio. que eiiirára no hospital da clinica interna a 21 de abril de 1797. A aulopse mostrou: dilatação das aurículas, liy- pertrophia do ventrículo direito e a communicação alludida, que é assim descripla : • Cette mème cloison, à Tendroit de la naissance de rartôre pulmonaire, était percée d'une ouverture ronde qui pouvait admettre rextrémité du petit doigt. Getie ouverture communiquait directeraent avec la cavité du vcntricuje gaúche ; les bords en étaient lis- ses et blanchãtres dans tout leur étendue» ÍEssai svr les maladics du coeur, pag. 278, Pa- ris, 1811). 2 Gorvisart, op. cit.. pag. 286. 64 ESTUnO SOBRE AS mente uma aurícula e um ventrículo, do que se encontram exemplos nas obras de Peacock, de Cruveilhier e d'outros observadores. Não abriremos mão d'este assumpto, sem indicar duas condições anato- mo-pathologicas, que com elio teem connexão. Uma consiste na dilatação sim- ples da membrana sub-aortica para a direita, formando no ventrículo direito uma convexidade, maior ou menor, ou uma espécie de pequeno saco. O celebre professor Rokitansky, de Vienna d"Austria, possue varias peças d'este género ; o dr. Hare apresentou em 1865 um bello specimen na Pathological Society of London*. Esta disposição parece ser a transição para a ruptura, que muito fácil será então. A outra disposição consiste na formação de pequenos bolsos em uma das laminas da válvula tricuspida. Vejamos como se produz este phenomeno, que aliás é raro. Quando a perforação da base do septo ventricular existe sem outra altera- ção (o que raramente se observa), quer do coração, quer dos grossos vasos na sua origem, a onda sanguínea é lançada do ventrículo esquerdo para o direito, o que era de suppor, attenta a maior potencia d'aquelle ventrículo; por outro lado a abertura direita da perforação fica logo abaixo da zona do orifício auri- culo-ventricular direito. D'estas duas condições resulta que o sangue, impellido pelo ventrículo esquerdo, irá de encontro á face ventricular da porção corres- pondente da válvula tricuspida, que n'esse momento se eleva. Aquella porção da válvula vae-se dilatando em um ou mais pontos, e com a continuação dos cboques do sangue acaba por apresentar um ou mais pequenos bolsos ou dila- tações. Esta disposição anatomo-pathologíca, que fora descrípta em 1838 pelo dr. Thurnam, a propósito dos aneurismas do coração, acha-se indicada na obra do dr. Peacock^, o qual afQrma que existe um specimen delia no museu do Royal College of Surgeons. A abertura por permanência do buraco oval é mais frequente do que as que teem sua sede no septo ventricular. ' Peacock, op. cil. 2 Op. cil. PKai'OUA(JUES CARDÍACAS li") IV DIAGNOSTICO ANATOMO-PATHOI.OC.ICO DAS PKRFORAÇÕK.S CARDÍACAS A forma, extensão e direcção da perforação interventricuiar variam, como era de suppor pelo que levámos dito. Convém fazer aqui a distincção, relativa á origem ou causa da perforação. Esta pôde ser um vicio de conformação, uma anomalia, ou ligar-se a causas oc- casionaes que actuaram rapidamente, ou a alterações pathologicas, mais ou me- nos antigas. Nos casos de anomalia as formas mais frequentes são: a semilunar com a concavidade superior, a arredondada, a triangular', a elliptica e a oval com o maior diâmetro no sentido do hordo superior do septo. É muito variável a extensão das perforações; de 2 a 12 linhas segundo al- gumas observações. Pôde dizer-se, em geral, que desde um pequeno buraco directo, praticado na base do septo, até uma abertura formada peia ausência de uma parte, maior ou menor, deste septo, vão muitos graus intermédios, de que a natureza offerece exemplos. A extensão da perforação pôde ser tal, que pouco reste do septo, como se nota nas observações 5.^ e 59.* do professor Gintrac. em uma excellente peça do museu do St. Thomas's hospital, no caso descripto por Tliore, etc. Os an- dores citam muitos exemplos de corações sem septo ventricular, havefido en- tão um só ventrículo com uma ou duas aurículas, como dissemos. A direcção da perforação é ou transversal, perpendicular á base do septo, ou obliqua, formando ás vezes um canal bem distincto, mais ou menos extenso; em um caso apontado pelo dr. Deguise tinha este canal meia poUegada de com- primento. Esta obliquidade é em uns casos dirigida de modo a favorecer a passagem do sangue do coração direito para o esquerdo, o que é o mais frequente; n'0H- tros dá-se em sentido contrario, do que pôde servir de exemplo a observação referida por Richerand, de um homem de quarenta e dois annos de edade com perforação do septo interventricuiar, persistência do canal arterial e dilatação da artéria pulmonar; a abertura de communicação interventricuiar n'esta peça era oblonga, de meia poUegada de extensão, e lançada obliquamente de baixo, ' D'esta ultima forma descreve o sr. Cruveilhier ura caso, apresentado á Société analomique era 1848; a perforação intervenlricular tinha a forma d'ura triangulo isos- celes, cujo vértice, dirigido para cima, occupava o intervallo de duas válvulas aórticas (Traité d"anat. pathol., t. 2''"S pag. 469. Paris, 1852). ME.M, PA ACAD. — 1 .* CLASSE. T. IV, P. II. 9 66 ESTUDO SOBRE AS de diante e da esquerda para cima, para traz e para a direita, de sorte que, tantu esta direcção, como uma espécie de válvula, formada no ventriculo direito por uma columna carnosa e de tal modo disposta que ella se oppimha á volta do sangue para o ventriculo esquerdo, tudo indicava claramente a passagem do fluido d' este ventriculo para o direito e para a artéria pulmonar'. A espessura, consistência e configuração dos bordos da perforação não são sempre idênticas. Ordinariamente os bordos são mais ou menos espessos, sendo o contorno arredondado, egual, liso, esbranquiçado e de consistência ligamentosa ou fibrosa. Tem-se encontrado a margem da perforação guaiiiocida de válvula, como vimos em um caso, ou de pregas membranosas, do que serve de exemplo en- tre outras a observação 13.* de Louis, ou de excrecencias, como observou o celebre Corvisart em um caso, que é assim descriplo: «A la partie supérieure du pourtour du Irou on apercevait deux petits tubercules charnus de couleur rougeàtre '^ . » Taes são os caracteres das perforações anómalas do septo ventricular; os das perforações interauriculares são, mutalis mutaudis, análogos a estes, como era de suppor, altenta a communidade de origem. Estas perforações apresentam, como aquellas, variedade em relação á sua extensão (de 1 '/a a 15 linhas nas observações colligidas por Louis), forma (re- donda, elliptica e triangular), direcção (mais vezes obliqua) e contorno (ordi- nariamente liso, esbranquiçado, e mais ou menos rijo). Esta perforação forma tambeift ás vezes um verdadeiro canal, que em um caso observado por Andrew Blake, em um homem de vinte e um annos, tinha 3 linhas de comprimento-*. Muito dilíerentes são os caracteres das perforações accidentaes, por causas occasionaes externas ou internas, ou por alterações de tecido. Não entraremos aqui na questão se ha ou não rupturas do coração sem alteração previa do te- cido d'este órgão, yior ser inopportuna. As perforações accidentaes não se apresentam tão bem delimitadas, tão dislinctas; são verdadeiras rupturas, dilacerações das fibras musculares, ou ul- cerações do tecido. De ordinário encontra-se a ruptura no centro de uma ecchymose; ás vezes existem varias rupturas pequenas, incompletas, que communicam entre si, ha- vendo comtudo uma que é completa. Os bordos da ruptura são deseguaes, iiregulares e se adaptam reciproca- mente, quando são approximados. ' Nouveaiix i'dcini:nts de physiologie, l. 1, - Essiii sur Ics maladies du aeur, paj;. ^78. Paris, 1811. ' The London nied. anil surg. journ. 1828. PEKFOllAÇ.ÔES cardíacas (57 Constam estas peiforações de três partos; duas alicrluras e um canal ou liajoclo. Em geral o orilicio externo é maior do que o interno ; as abei'luras são ou pequenas, sendo diílicil encontral-as, ou grandes, largas. Ás vezes os dois orifícios ficam fronteiros, outras não se correspondem, licando um nuiito distante do oulro; tem-se encontrado o orilicio externo no venlricuio direito e o interno no ventrículo esquerdo. Ordinariamente a ruptura é leita na direcção das fibras mulculai'es, i'ara- mente ò transversal; esta direcção é apontada como períencendo particular- mente á degeneração senil do coração. A sede mais fi-equente do orilicio interno é perto do septo, no angulo formado por este e as paredes ventriculares. O canal é em alguns casos directo, n"outros obliquo: ora rectilíneo, ora si- nuoso. Ás vezes offerece o mesmo diâmetro em toda a sua extensão, outras é desegual, apresentando em certas circumstancias urna dilatação no centro : dá-se este ultimo caso nas rupturas devidas á apoplexia do coração. Então o foco he- niorrhagico ou rompe primeiramente a paiede externa, o que é mais frequente, ou a interna, precipitando-sc o sangue na cavidade cardíaca. N'este caso ou se rompe também a parede externa, e fica formada uma peiforação completa, ou esta parede resiste, distende-se e forra-se de coágulos sanguíneos, constituin- do-se então um aneurisma. A extensão das rupturas varia, segundo o dr. El- leaume, entre 4 e 54 millimetros, sendo a media de 20 millimetros. Vê-se pois que, em geral, é fácil o diagnostico anatomo-patliologico das duas espécies de perforação. CAPITULO V Alterações cardíacas concomitantes das coiamunicações entre as cavidades direitas e as esquerdas do coração CAvmADES cardíacas; suas alterações; sede e fuequencia destas As alterações anatómicas, encontradas no coração e grossos vasos, nos ca- sos de communicação preternatural entre as cavidades cardíacas, podem divi- dir-se, para facilidade do estudo, em dois grupos. No primeiro comprehendem-se aquellas, que estabelecem a communicação entre as cavidades direitas e as esquerdas do coração; no segundo grupo en- tram as demais alterações, existentes já nas paredes das cavidades, já nos ori- íicios e válvulas, assim como as relativas á situação do coração. 9- 68 ESTUDO SOBRE AS Se quizesseraos usar da nomenclatura que é costume empregar-se em casos análogos, caberia ás primeiras alterações a designação de essenciaes, e ás segundas a de concomitantes. Estas podem faltar, dando-se conitudo o facto ca- pital da communicação interauricular e interventricular, em quanto que sem as primeiras, as essenciaes, não pôde haver communiqação entre as cavidades di- reitas e as esquerdas do coração. No primeiro grupo podia muito bem ser incluída a communicação da ar- téria pulmonar com a aorta pelo canal arterial, por isso que esta alteração pode produzir também a mistura do sangue arterial com o sangue venoso. Consistem pois as alteraçães anatómicas essenciaes nas aberturas ou per- íorações praticadas no septo das aurículas, no dos ventrículos * e na persistên- cia do canal arterial ou pulmo-aor'tico. As alterações concomitantes, que podem ter a mesma origem das essenciaes, ou serem causa d'estas de combinação com outras lesões, como veremos, são a dilatação, a hypertrophia, a retracção e a atrophia das paredes cardíacas, as diversas lesões dos apparelhos valvulares e os deslocamentos do coração (ectocardias). Poderiam ainda induir-se n'este grupo as alterações consecutivas das demais partes do organismo, as quaes omittimos aqui por serem alheias ao fim que nos propomos. Tratámos das alterações essenciaes, occupemo-nos agora das concomitantes. É tão frequente a existência das alterações concomitantes, que Bérard af- íirma (jue a communicação anormal das cavidades do coração é constantemente acompanhada de outras modificações pathologícas d'este órgão ^ É exagerada a asserção do illustrado medico, por quanto os archivos da sciencia conteem factos, que mostram a ausência completa d'essas modificações em vários casos. Tupper, Burns e Howship colheram observações clinicas, nas quaes não se menciona, nas respectivas autopses, alteração alguma do coração além das que constituem a anomaha ou vicio orgânico, que estabelece a com- municação entre o coração direito e o esquerdo. Em alguns dos casos os ob- servadores até tiveram o cuidado de dizer explicitamente que não havia outra alteração cardíaca. Para que não fique duvida a este respeito, vamos referir as alterações ne- croscopicas que aquelles médicos descreveram nas referidas observações. 1.^ Observação (Martin Tupper). <í As aurículas e os ventrículos nada apre- sentavam de extraordinário relativamente á sua capacidade; porém examinando ' Antes da descoberta que immortalisou Harvey, do mais bello principio de econo- mia animal, como o qualifica o sr. Flourens, alguns auctoressuppozeram, como dissemos, .■i.s aberturas interventrlculares uma condição normal do coração. Senac, pelo contrario, apesar de bom numero de testemunhas, não estava disposto a admittir a existência does- tas aberturas ventriculares, nem mesmo como casos excepcionaes e teratologtcos. - Diilionnairc de mé.iecinr, 2^™'' édition, I. 8", pag. 22i. Paris, 1834. PERFORAÇÕES CARDÍACAS m as primeiras via-sp o buraco oval conservado, como se apresenta no feto; o re- partimento dos ventriculos eslava perfoi'ado na base, de modo que o sangue pe- netrava, em quantidade egual, de um e outro ventriculo na aorta. O bordo desta abertura era exactamente opposto ao centro d'esta artéria.» 2.'^ Observação (Allan Burns). «O canal arterial e o buraco oval estavam abertos. O primeiro egualava em grossura uma grossa penna de corvo e o se- gundo offerecia os diâmetros de uma penna de pato. » 3.-'' Observação (Howhip). «Abrindo as cavidades do coração, viu-se que a aorta se inseria nos dois ventriculos, e communicava tão bem com o direito como com o esquerdo. Faltava uma parte do septo dos ventriculos, o qual of- ferecia, na insersâo da aorta, um bordo semi-circnlar, a largura d'este espaço era egual ao diâmetro da artéria; o rebordo do septo tinha uma consistência ligamentosa. O coração não offerecia outra alteração.^ Se dos factos se não pôde deduzir rigorosamente a existência constante de alterações concomitantes das perforações do coração, elles provam comtudo a grande frequência d"aquel!as alterações. Vejamos qual é a frequência relativa das alterações concomitantes. Louis, que tão prestantes serviços fez á sciencia com o seu génio investiga- dor, reuniu era uma excellente memoria. De Ia communicaliou des cavités gan- ches du cceur (Mémoires ou recherches anatomo-pathologiques sur diverses mala- dies, pag. 301, Paris, 1826), vinte observações clinicas *, das quaes lhe perten- cem duas (a 4.^ e a 10.*), que podem ser resumidas, na parte necroscopica, do seguinte modo: A primeira é um caso de communicação interauricular pelo buraco de Botai, hypertrophia excêntrica da auricula direita, bypertrophia simples do ventriculo direito, retracção ou diminuição da capacidade do ventriculo esquerdo, amplia- ção dos orifícios tricuspido e pulmonar (48 linhas de circumferencia), aperto dos orifícios mitral e aórtico (24 linhas), e dilatação da artéria pulmonar. A segunda observação exemplifica também a coexistência de lesões múlti- plas no centro circulatório: communicação interventricular, aperto do orifício ventriculo-pulmonar, hypertrophia excêntrica da auricula direita, hypertrophia concêntrica do ventriculo do mesmo lado, espessamento e concreções caicareas na válvula tricuspida. ' Louis jà tinha publicado 19 d'cstaí5 observações, 18 alheias e 1 própria (a 9.") nos Archives géncrales de médecine, 1823, t. 3.°, pag. 325, em um trabalho intitulado Oh- servations suivies de quelques considcrations sur la communicalion des cavilés droites avec les cavités ganches du coeur. Este trabalho foi reproduzido quasi integralmente na sua ul- tima memoria, e tão fielmente, que o auctorcoramette alguns lapsos, quando n'esta me- moria se refere ás observações. 70 ESTUDO SOBRE AS Na apreciação das alterações anatómicas Louis exclue destas vinte oijser- vações uma, a 9."\ pela mingua de pormenores. Ficam pois dezenove observa- ções, acerca das quaes Louis se exprime assim: «La dilalation de loreilielte droite a été observée dix-neuf fois, six fois avec hypertrophie (obs. 2, 5, 10, 12, 14)*, et deux fois avec amincissemenl de ses parois (obs. 7 e 11); celle du ventricuie droit, dix fois (obs. 2, 3, 5, M, 12, 14, 18, 19, 20)2, gon hyper- trophie onze fois, et cinq fois cette hypertrophie a coincide avec la dilatation de sa cavité: landis que du cote gaúche la dilatation de Toreillette a été observée trois fois seulement, celle du ventricuie quatre, son hypertrophie trois, et celle de loreillette deux, précisément Tinverse de ce qu'on rencontre orchnaire- ment ^. » Estes coroUarios não são inteiramente exactos, não se deduzem das obser- vações clinicas que Louis refere em sua obra; é verdade que este eximio pra- tico foi tão conciso na referencia de algumas destas observações, que por mais de uma vez lhe esqueceu indicar alterações anatomo-pathologicas, e algumas de mór importância, como veremos. É também muito notável que Louis omittisse a hypertrophia concêntrica do ventrículo direito, que se acha comtudo mencio- nada n'algumas observações que resumiu. Para facilitar a confrontação d"estas lesões, relativamente á sua frequência, distribuimol-as, como se segue, empregando a nomenclatura hoje mais usada em cardiopathologia^: ' Note-se que diz seis vezes e aponta somente cinco observações, que são as indica- das na sua primeira memoria; falta ali a observação 4.-' É um dos lapsos a que allu- diinos. ^ Faltou também mencionar uma observação, a 4." ^ Op. cit., pag. 333. '' Serviram-nos de b^sc para a leitura d"este quadro as alterações anatomo-palliolo- gicas, que se acbam indicadas nas observações clinicas; a relação numérica d'estas al- terações é dilTerente da apresentada no trecho que transcrevemos da obra do Louis. Qual- (juer, lendo as observações, conlieeerá facilmente aonde está a exactidão. Acrescentare- mos ainda que, para maior exacção, recorremos á leitura das observações na sua integra, o que nos mostrou no resumo feito por Louis as omissões que suppriraos no nosso qua- dro. PERFORAÇÕES CARDÍACAS 7i LESÕES ANATÓMICAS AURieULA DmEITA VENTnieilLO UmEITO AURÍCULA ESQUERDA ventrículo esquerdo Dil.ilaçSo simples 11 2 () 4 1 5 2 4 3 1 3 1 1 1 2 2 » atrophica » liyperlro[iliica HvpLMliophia simples » concêntrica Atronliia simules Retracção » Total 19 IR 7 7 Ausência de alteração :]5 1 4 1 i:i 4 13 Segundo a apreciação de Louis o quadro seria o seguinte, em referencia somente a 19 observações: LESÕES ANATOfflCAS AURÍCULA DIREITA VENTRÍCULO DIREITO AURÍCULA ESQUERDA VENTRÍCULO ESQUERDO Dilatação simples 1 atropliica .... 2 hypertropliica Atrophia simples Hypertrophia simples . . » concêntrica 11 19 16 3a Vê-se assim claramente quanto diíTere a relação das alterações, apontadas por Louis, das que deduzimos da leitura das mesmas observações clinicas. O nosso primeiro quadro abrange as vinte observações; a excluída por Louis da apreciação não é inferior a algumas das outras, que elle tomou em consideração. Do nosso primeiro quadro se deduz: 1." Que as cavidades direitas do coração foram muito mais vezes affecta- das do que as esquerdas, na razão de 3o : 14 ou as primeiras na razão de 71,42 por cento e as segundas na razão de 28,57 por cento. 2." Que foi a aurícula direita a sede mais frequente das alterações, 19 ve- 72 ^ ESTUDO SOBRE AS zes em 20 casos ', seguindo-se-lhe o ventriculo direito, 16 : 20, o venlriculo es- querdo, 7 : 20, e a aurícula esquerda, 7 : 20, na mesma relação. 3." Que na auricula direita a alteração dominante -, ou para melhor dizer constante, foi a dilatação, 19 : 19, sendo H vezes simples (11 : 19)^, seis vezes com hypertrophia (6 : 19) ^ e duas vezes (2 : 191 com atrophia ou adelgaça- mento das paredes auriculares ". 4.° Que no ventriculo direito a alteração mais frequente foi a hypertrophia, na razão de 11 : 16, ou 68,75 por cento, já excêntrica, 5 vezes ^ nos 11 casos ou na relação de 45,45 por cento, já concêntrica, 4 vezes' nos 11 casos ou na relação de 36,36 por cento, já simples, 2 vezes ^ nos onze casos ou na relação de 18,09 por cento. Em segundo logar notou-se a dilatação, na razão de 10 : 16 ou 62,50 por cento, sendo com hypertrophia em 5 casos ^ nos 10 ou na rela- ção de 50 por cento, dilatação simples em 4 casos '" ou na razão de 40 por cento, e com atrophia em um só caso ^K o." Que na auricula esquerda houve duas alterações, e oppostas, que se manifestaram em egual relação, a dilatação simples, 3 vezes *^ nos 7 casos em que se encontrou lesada esta auricula, ou na razão de 42,85 por centOj e a re- tracção simples ou diminuição da cavidade auricular, também 3 vezes *^ nos 7 casos; em um caso a alteração consistiu na atrophia simples". 6.° Que no ventriculo esquerdo deu-se facto análogo ao da auricula do mesmo lado, isto é, 2 casos ^^ de dilatação, 2 : 7 ou 28,56 por cento, e outros 2 casos "^ de retracção simples, 2 : 7. Houve também 2 casos '" de atrophia sim- ples, 2 : 7, e um de hypertrophia '^, 1 : 7. • Segundo Louis a auricula direita teria sido conslantomente lesada. - Excluímos por emíjuanto as lesões dos orilicios, que consideraremos mais tarde. 5 Observações 1, 3, 6, 8, 12, 14, 16, 17, 18, 19, 20. * Observações 2, 4, 5, 10, 13, 15. ^ Observações 7 e 11. « Observações 2, 5, 13, 18, 20. ' Observações 6, 10, 16, 17. ' Observações 1 e 8. ' Observações 2, 5, 13, 18, 20. '" Observações 3, 4, lo. 19. " Observação H. '^ Observações 5, 8, 15. •' Observações 4, 18, 20. ''' Observação 1. '5 Observações 6, 15. "• Observações 5, 18. " Observações 1, 4. '* Observação 6. 1'ERFORAÇÕES CARDÍACAS 73 Consultemos outras observações. O sr. Gintrac colligiu, como dissemos, 53 observações de vaiios auctores, e com quanto algumas entrassem no numero das vinte de Louis, nem por isso deixará de ser importante o conhecimento dos factos neilas contidos. Tendo teilo a leitura d"essas observações, classificámos as alterações das paredes do coração, como se segue: ALTERAÇÕES ANATÓMICA? Dilalação simples » atropliica « hypertropliica . Hypertropliia simples . . . » concêntrica Atropina simples Retracção » Total . . aurícula DIREITA 16 4 20 VENTRÍCULO DIREITO 51 6 2 17 1 4 31 AURÍCULA ESQUERDA 4 1 10 15 VENTRÍCULO ESQUERDO 3 _7^ 18 33 Deduz-se d'este quadro: 1.° Que as cavidades direitas do coração foram mais vezes affectadas (51 : 33 ou í)6,22 por cento) do que as esquerdas (33 : 53 ou 62,26 por cento), na ra- zão de 51 : 33. 2." Que as aurículas apresentaram menor numero de alterações analomo- pathologicas ' do que os respectivos ventrículos, sendo no coração direito na ra- zão de 20 : 31 ou 64,51 : 100, e no esquerdo na de 13 : 18 ou 83,33 : 100 2. 3." Que de todas as cavidades a inais vezes alterada foi o ventrículo di- reito (3i : 53) ^. Seguiu-se-lhe na ordem de frequência a aurícula direita (20 : 53), o ventrículo esquerdo (18 : 53) e por ultimo a aurícula esquerda (15 : 53)-. 4." Que no ventrículo direito a alteração mais frequente consistiu na dila- tação da cavidade (25 : 31)*, sendo acompanhada as mais das vezes de hyper- • Prescindimos aqui dos orifícios. 2 Nas vinte observações de Louis deu-se facto análogo relativamente ao coração di- reito; mas a .•juricula e o ventrículo do coração esquerdo estiveram na mesma relação com referencia ao numero das alterações. ' Nas observações de Louis foi a aurícula direita. * Nas observações de Louis foi a dilatação também. líFM. DA ACAD. — 1.^ CLASSE. T. IV, P. II. 10 74 ESTUDO SOBRE AS trophia, em i7 casos sobre os 2S (17 : 25), sem outra alteração em 6 (6 : 23), 6 com atropliia ou adeignçamento das paredes em 2 casos (2 : 25). Em segundo logar, mas com pequena diíTerença, foi a hypertropliia (22 : 31), sendo na má- xima parte dos casos (17) acompanhada de dilatação (hypertrophia excêntrica). em 4 (4 : 22) de diminuição da cavidade (hypertrophia concêntrica) e em 1 (I : 22) sem outra alteração (hypertrophia simples). o." Que na aurícula direita observaram-se somente duas alterações, dilata- ção e hypertrophia, coexistindo esta sempre com aquella, que foi muito mais frequente; a dilatação simples verificou-se em 16 casos*, e com hypertrophia em 4. Note-se bem, que não houve caso algum de atrophia nem de retracção da aurícula. 6.° Que na aurícula esquerda a alteração mais vezes notada foi a retracção simples da sua cavidade, 10 vezes em 15 casos (10 : 15 ou 66,66 por cento), seguindo-se-llie, com grande differença, a dilatação, 5 vezes nos 15 casos (5: 15 ou 33^33 por cento), que foi ordinariamente simples, 4 vezes n'estes 5 casos (4 : 3), e uma só vez acompanhada de hypertrophia (1 : 5). 7.° Que no ventrículo esquerdo a dilatação e a retracção da cavidade esti- veram quasi na mesma relação, por quanto a primeira verificou-se 8 vezes em 18 casos (8 : 18 ou 44,44 por cento) em que foi notada alguma alteração, e a segunda 7 vezes também em 18 casos (7 : 18 ou 38,88 por cento). Nos 8 casos de dilatação, 6 vezes esta foi simples (6 : 8) e 2 vezes acompanhada de hyper- trophia (hypertrophia excêntrica). De atrophia simples das paredes do ventrí- culo esquerdo houve 3 casos em 18 (3 : 18 ou 16,66 por cento). O que levámos dito é a expressão rigorosaMios factos deduzidos da leitura das 33 observações, referidas pelo sábio director e abalisado professor de cli- nica medica da escola de medicina de Bordeos. Referindo estas alterações ao numero total dos casos (53), vejamos em que relação para 100 foi observada cada uma d'ellas. Para este fim formámos o se- guinte quadro: ' Das 53 observações e das 20 em que liouve lesão auricular; nas 23 observações restantes não se apontou alteração alguma na aurícula direita. PlíRKORAOÕES cardíacas 75 ALTEKAÇÕES ANATÓMICAS aurícula DmEITA VENTRÍCULO DIRKITO aurícula esquerda ventrículo esquerdo Dilatação simples 30,18 7,o3 11,32 3,77 32,07 1,88 7,53 1,88 7,:J3 1,88 18,86 11,32 3,77 0,66 13,21 » ntropiíica » Iiypertropliica HTpertrophia simples í concêntrica Alronhia simples Retracção " Mostra este quadro que a alteração dominante foi a dilatação hypertropliica ou liypertropliia excêntrica do ventrículo direito, 32,07 por cento, e em segundo logar a dilatação simples da aurícula direita, 30,18 por cento. A estas altera- Ç(5es seguíram-se, em ordem de frequência, a retracção simples da aurícula es- querda, 18,86 por cento, e a do ventrículo esquerdo, 13,21 por cento (o in- verso do que se notou nas cavidades direitas), a dilatação simples dos dois ventrículos, 11,32 por cento, a liypertropliía concêntrica do ventrículo direito, a dilatação simples da aurícula esquerda e a dilatação hypertrophíca da aurícula direita, todas na mesma relação de 7,53 por cento, a atrophía simples do ven- trículo esquerdo, S,C6 por cento, a dilatação atrophica, ou com adelgaçamento das paredes do ventrículo direito e a dilatação hypertrophíca do ventrículo es- querdo, ambas na mesma relaçãíi, 3,77 por cento, e em ultimo logar a dilata- ção hypertrophíca da aurícula esquerda, a hypertrophía simples do ventrículo direito e a retracção simples d"este ventrículo, dando-se estas três alterações na mesma relação, 1,88 por cento. Vejamos agora qual é o resultado dos factos colhidos por outros observa- dores. Entre estes figura o professor Bouíllaud, como era de esperar, altenta a sua incontestável proficiência em matéria de cardíopathologia. Das observações, em numero de 15, colligidas por este exímio medico, justamente cognominado o príncipe da cardíopathologia em França, concluiu elle d'este modo: «Dans onze des quinze cas que nous avons rapportés, le volume du coeur était augmenté (ce volume n'a pas été indique dnns les quatre aulres cas). L'aug- mentation de volume ténaít à la foís, dans la plupart des cas, et à ia dílata- lion et à Ihypertrophie des cavités droites. La dílatatíon afiíectait de préférence Toreillette droite: elle a été notée dans díx cas (dans les cínq autres, le volume de loreillette n'a pas été indique). Dans cínq des dix cas de dílatatíon de Toreil- 10 . 76 ESTIDO SOBRE AS lette, répaisseur de ses parois n'a pas été noiée; il est dit dans les cinq autrcs cas que l'oreiliette était hypertrophiée en même temps que dilatée. L"hypertro- phie du ventricule droit a été signalée dans dix cas (il n'est rien dit de i'épais- seur des parois de ce ventricule dans les cinq autres cas). Une circonstance des plus remarquables, c'est que dans quatre des dix cas d'liypertrophie du ventri- cule droit, celle-ci affectait la forme concentrique. Les cavités gaúches du cceur n'ont, en general, presente aucune lésion notable, sauf les trois cas dans les queis existaient Tinduration des valvules et le rétrécissement des orifices gaú- ches '.» Conclue-se daqui: 1." A grande frequência das lesões das cavidades do coração direito, e a raridade d'ellas no coração esquerdo; 2." Que estas lesões consistiram na dilatação e hypertrophia, predominando a primeira na auricula e a segunda no venlhculo; 3." A existência da hypertrophia concêntrica no ventrículo direito, forma raríssima nas doenças do coração, que se não ligam a vicios de conformação d'este órgão. Antes de apresentarmos os resultados das nossas observações e das que coJligimos de differentes auctores, analysaremos sob o ponto de vista da natu- reza e frequência das alterações anatomo-pathologicas os 82 casos reunidos pelo dr. Deguise em a sua these já citada. Este distincto medico não se fez cargo d'este estudo, e por isso foi-nos preciso recorrer á leitura de cada um d"aquel- ies casos. D"estas 82 observações excluímos a ultima, que é dada para exemplo de coração formado de uma única cavidade, por não ter a necessária authentiei- dade; ficam pois 81 observações somente. Seguindo o methodo que temos empregado, consideraremos em primeiro logar as lesões das paredes do coração e depois as dos orifícios do mesmo ór- gão, classificando as primeiras do modo seguinte; ' Tratté clinique des maladies du cmur, pag. 685. Paris, 1841. PERFORAÇÒKS CARDÍACAS 77 AURÍCULA ALTEBAÇOKS ANATOMO-PATIIOLOGICAS pmEITA Dilatação simples 1 airophipa » hvperiropliicaouhyper- iropiíia excêntrica Dilatação concêntrica » simples Atropliia » » concêntrica ou com re- tracção Retracção simples Total 22 2 10 1 36 ventrículo OmEITO 10 2 20 G 38 74 aurícula esquerda ventrículo esquerdo 16 23 D'este quadro se collige: 1." Que consideratjas todas as cavidades cardíacas em geral, as alterações anatomo-palhologicas foram muitíssimo mais frequentes nas cavidades direitas do que nas esquerdas, na razão de 74 : 23 ou 3,2 : 1, ou as primeiras na re- lação de 93,8 : 100 e as segundas na de 28,3 : 100. 2." Que de todas as cavidades cardíacas a mais vezes aífectada foi o ven- trículo direito *, na razão de 38 : 81 ou 46,9 : 100. Depois do ventrículo direito, e com pequena differença, acha-se a aurícula direita, na razão de 36 : 81 ou 44,4 : 100; em seguida a esta o ventrículo esquerdo, na razão de 16 : 81 ou 19,8 : 100. 3.*^ Que a alteração predominante na aurícula direita consistiu na dilatação de suas paredes, 34 sobre 36 casos ou 94,44 por cento; em segundo logar foi a hypertrophia, 11 sobre 36 ou 30,55 por cento; e por ultimo a retracção, no- tada uma única vez, l : 36, on 2,77 por cento. Os 34 casos de dilatação da au- rícula direita decompõem-se em 22^ de dilatação simples, 10 ^ de dilatação hy- pertrophíca e 2 * de dilatação atrophica. ' Não considerámos agora os orifícios, de que adiante trataremos era capitulo espe- cial pela importância do assumpto, nem os septos auricular e ven;ricular, de que já falíamos. = Observações 4, 8, 7, 8, 9, 12, 13, 15, 19. 20, 32, 36, 37, 40, 41, 42, 46, 48, 49, 54, 63, 68. ' Observações 1, 5, 11, 14, 16, 31, 33, 52, 59, 60. * Observações 17, 34. 78 ,ri ESTUDO SOBRE AS 4.° Que a alteração mais frequente das paredes do ventrículo direito foi também a dilatação, em 32 dos 38 casos, ou 84,21 por cento, sendo comtudo em menor proporção do que na aurícula. Segui u-se-lhe a hypertrophia em 26 dos 38 casos, ou 08,42 por cento. Mas a combinação da dilatação do ventriculo direito com a hypertrophia de suas paredes foi differenle da que se observou na aurícula direita, por quanto nos 32 casos de dilatação do ventrículo direito houve 20 ' com hypertrophia, 10 ^ de dilatação simples e 2 Me dilatação com atrophia. 5." Que no ventrículo esquerdo os casos de dilatação pouco dífferíram era numero dos de hypertrophia, por quanto dos primeiros houve 6 em um total de 16 casos de alterações diversas do mesmo ventriculo, ou 37,50 por cento, e dos segundos 3 no mesmo numero, 16, de casos, ou 31,23 por cento. Dos 6 casos de dilatação 1 ^ foi acompanhado de hypertrophia, e nos 3 ^ restantes a di- latação foi simples, sem outra alteração concomitante. Dos 5 casos de hyper- trophia do ventriculo esquerdo 2 ^ foram acompanhados da diminuição da cavi- dade (hypertrophia concêntrica), 2 ' sem outra alteração (liypertrophia simples), e 1 ^ com dilatação (hypertrophia excêntrica). G.° Que a atrophia e a retracção do ventriculo esquerdo foram frequentes relativamente ás demais alterações das outras cavidades cardíacas, e observadas na mesma proporção, 3 : 16 ou 18,1 : 100. Os 3' casos de atrophia das pa- redes do ventriculo esquerdo, como os 3 *" de retracção da respectiva cavidade, foram simples, isto é, sem outra alteração das paredes. 7." Que na aurícula esquerda houve somente duas espécies de alterações e oppostas, mas em proporções muito differentes, sendo 6 " casos de dilatação, simples, 6 : 7 ou 83,71 por cento, e 1 '^ com retracção simples, 1 : 7 ou 14,28 por cento. 8." Que as alterações do coração direito consistiram, exclusivamente no • Observações 1, 2, 4, 5, 14, 16, 21, 26, 31, 36, 37, 43, 44, 45, 46, 51, 52, 53, 58, 67. 2 Observações 7, 11, 12, 13, 20, 35, 38, 54, 60, 65. ' Observações 8, 24. ^ Observação 9. = Observações 12, 16, 20, 37, 60. ' Observações 34, 36. '' Observações 17 e 21. * Observação 9. " Observações 49, 51, 52. '" Observações 8, 45, 46. '< Observações 12, 15, 16, 20. '- Observação 8. PF.IiFORAÇÕES CARDÍACAS 79 ventriculú e com uma única excepção na aurícula, na dilatação e na hyperlro- phia; em quanto que no coração esquerdo, relativamente poucas vezes alterado, foram frequentes a atropina e a retracção, 7 vezes nos 23 casos, em que se no- tou alteração no coração esquerdo, ou 30,43 por cento. Consideradas de modo geral as alterações anatomo-pathologicas nas qua- tro cavidades cardíacas, acha-se a seguinte ordem de frequência: 1.°, dilatação (78 : 81 ou 96,29 por cento); 2.°, hypertrophia (42 : 81 ou 31,85 por conto); 3.°, retracção (o : 81 ou 6,17 por cento); 4.°, alrophia (3 : 81 ou 3,70 por cento), o que claramente se vê no quadro que segue: ALTEUAÇÕES ANATOMO-PATHOLOGICAS aurícula DIREITA ventrículo DIREITO AURÍCULA ESQUERDA ventrículo esquerdo < S Dilatação 34 11 1 32 26 6 5 3 3 6 1 78 42 3 5 Hvpertiopliia Atropliia Retracção Conhecidas as alterações das cavidades cardíacas, vejamos em que propor- ção para 100 se deram em cada uma d'estas cavidades.Xom este intuito for- mamos o sciíuinte quadro: ALTERAÇÕES ANATOMO-PATHOLOGICAS AURÍCULA DIREITA ventrículo DIREITO aurícula esquerda ventrículo esquerdo Dilatação simples 27,16 2,46 12,34 1,23 1,23 12,34 2,46 24,68 7,40 7,40 - 1,23 6,17 1,23 2,46 2,46 3,70 3,70 » atrophica » hyperlroplHca Hypertrophia concêntrica » simples Atropliia simples 11 concêntrica Retracção simples D'aqui se infere que as alterações predominantes foram a dilatação simples da aurícula direita (27,16 por cento) e a hypertrophia excêntrica do ventrículo direito (24,68 por cenlo), seguindo-se-lhe, na ordem de frequência, a dilatação simples do ventrículo direito e a hypertrophia excêntrica da aurícula do mesmo lado (12,34 por cento). Taes são os corollarios que deduzimos do exame das observações colligi- das pelo dr. Deguise com relação ás alterações das cavidades cardíacas. 80 ESTUDO SOBRE AS II orifícios cardíacos; suas alterações e frequência Indicadas as alterações anatomo-pathologicas das paredes cardíacas e a sua relação numérica, consideremos agora os orifícios do coração debaixo de egu;il ponto de vista. Nas observações reunidas por Louis, em o seu citado trabalho, encontrá- mos mencionadas as seguintes lesões: Aperto do orifício pulmonar 7 ' Dilatação do orifício pulmonar 3 * Aperto do orifício tricuspido 3 ' Dilatação do orifício tricuspido 2 ' Aperto do orifício mitral 2 ■"' Aperto do orifício aórtico 1 ^ A simples inspecção mostra logo repetida aqui a circnmstancia, verificada a propósito das cavidades, isto é, a maior frequência das alterações nos orifí- cios do coração dire^o do que nos do esquerdo. É facto notável, ao qual vol- taremos adiante. Os casos de alterações dos orifícios direitos estiveram para os dos orifícios esquerdos : : 15 : 3, ou os primeiros mostraram-se na relação de 75 por cento e os segundos na de 15 por cento, com referencia ao numero total (18i dos casos. O orifício mais vezes atacado foi o ventriculo-pulmonar (10 : 18 ou 55 55 por cento); seguiu-se o orifício auriculo-ventricular direito (5 : 18 ou 27,79 por cento), depois o auriculo-ventricular esquerdo (2 : 18 ou 11,11 por cento), e por ultimo o ventriculo-aorlico (1 : 18 ou 5.55 por cento). A alteração anatomo-pathologica mais frequente em todos os orifícios car- díacos consistiu no aperto d'elles, produzido quasi sempre pela reunião das vál- vulas ou de diílerentes partes da mesma válvula. ' Observações 2, 6, 9, 10, 13, 16, 17. ^ Observaçijes 4, 5, 12. ' Observações 6, 7, 10. Na observação 10 o auctor não diz que houve aperto, mas descreve alterações da válvula tricuspida que, cora quanto não produzam necí^saria- mente o aperto do orifício, põem estorvo á passagem do sangue. * Observações 4 e 5. ^ Observações 4 e 5. ^ ' Observação 4. PERFORACOES CARDÍACAS 81 Mas foi principalmcnle no orilicio pulmonar qiin levo lugar a coaiclação ou aporto {1 : IH ou ;J8,88 por cento)*; depois no orifício tricuspido (3 : 18 ou ■IG,G6 por cento) 2, no oriíicio mitral (2 : 18 ou 11.11 por cento) ^ c no aór- tico (1 : 18 ou 3,55 por cento)'*. Taes são os corollarios, que se deduzem das observações clinicas colligi- das por Louis em a sua memoria; passemos ao exame de outras observações, com o fim de indagar se ellas confirmam ou invafidam os factos deduzidos. Debaixo d"este ponto de vista as oò observações, consignadas na obra do sr. Gintrac, distribuem-se assim: ALTERAÇÕES ANATÓMICAS Aperto Dilatação Aperto e insufficiencia Insufficiencia Total OUIFICIO PULMONAR 32^ 26 1' orifício tricuspido 39 orifício AÓRTICO 110 orifício MITRAL ' Observações 2, 6, 9, 10, 13, 16, 17. - Observações 6, 7, 10. 3 Observações 4 e 5. ^ Observação 4. 5 Em 6 (Vestes casos (observações 3, 4, 25, 27, 33, 53) liavia occlusão completa do orifício. ^ Observações 19 e 30. ■" Observação 10. 8 Em duas das observações (44 e 52) o aperto era notável, e nas outras duas (23 e 26) a válvula tricuspida estava bastante alterada, espessa e como callosa em um caso, e carlilaginea no outro caso. ' Observação 17. Com quanto n"esta observação se não falle de aperto aórtico, a al- teração das respectivas válvulas devia produzil-o: « . . .les vahules sigmoides étaient ossi- '" Observação 18. »La valvule seiuilunaire aortique était corrodée et en partie dé- truile. . . le sang poussé par le ventricule gaúche dans la cavitè de Taorte, pouvait, lorsque ce ventricule gaúche cessait d'agir, refluer, à la faveur de la destruction de la valvule sigmoide, dans le ventricule droit, en traversant Touverture contre nature.» '1 Em um caso (obs. 36) o aperto chegava á obliteração completa do orifício ; no outro (obs. 25) não se indica o aperto, mas a válvula offerecia alterações que deviam modificar, mais ou menos, a passagem do sangue, como se houvesse aperto. ME.M. DA AC.\D. — \ ^ CLASSE. T. IV, P. II. H 82 KSTUDO SOBRE AS Encontrámos ainda aqui verificado o facto notável da grande frequência das alterarôes no coração direito e da raridade delias no coração esquerdo, nos ca- sos de communicação anormal entre as cavidades d'este órgão. Effectivamente, nas 33 observações, referidas pelo abalisado professor de Bordéos, acham-se 43 casos em que os oiitlcios, ou as suas respectivas válvulas, estavam alterados. 43 : 53 ou 81^13 por cento, e d'esses 43 casos pertencem ao coração direito 39 (39 : 53 ou 73,58 por cento) e 4 apenas (4 : 33 ou 7,34 por cento) ao coração esquerdo, facto análogo ao já verificado nas observações colligidas por Louis. Estão pois os casos de alteração dos orifícios direitos do coração para os esquerdos : : 39 : 4 ou 9,75 : 1 , e para o total (33) das observações na rela- ção de 73,58 por cento, como vimos acima. D'estas observações resulta também que o orifício ventriculo-pulmonar foi, só de per si, mais vezes aífectado do que todos os outros reunidos, na relação de 35 : 8 ou 4,37 : 1, e para o total das observações (33) na relação de 66,03 por cento. Ao orifício pulmonar seguiu-se, na ordem de frequência, o auriculo-ventri- cular direito, 4 vezes nos 43 casos ou na relação de 9,30 por cento, e depois em egual proporção, os orifícios mitral e aórtico, cada um destes 2 vezes nos 43 casos ou na relação de 4,03 por cento. De todas as alterações anatomo-pathologicas a mais frequente, quasi con- stante, consistiu na stenose dos orificios, 42 ' vezes nos 43 casos ou na propor- ção de 97,07 por cento. Em alguns, 7, destes casos (7 : 42 ou 16,06 por cento), sendo 6 no orifício pulmonar e 1 no mitral, a lesão anatómica obstruía completamente o orificio, como o mostram as seguintes observações: Observação 3.'^ i(L"artère pulmonaire était tellement oblitérée par Tunion mutuelle des valvules sigmoídes, que Teau injectée dans ses parois ne coulait que par une pelite ouverture faite auparavant par mégarde, en introduisant une sonde três fine-.» Observação 4." «L"artère pulmonaire, entièrement oblitérée à son origine, était libre dans le reste da son étendue^.» Observação 23.^ «Â la place de Tartére pulmonaire, se trouvait un filament oblitérée, conduisant à un larg canal artériel qui put étre suivi depuis Taorte jusqu'aux deux branches pulmonaires '. « Observação 27.* «Quoique Tartère pulmonaire naquit de la base du coeur, ' Em um d"estes casos havia também insufficiencia. 2 Gintrac, op. cit., pag. 29. ^ Idem, pag. 32. '• Idem, pag. 84. PERFORAÇOliS CARDÍACAS 83 comme à rnrdre ordinaire, rintroductioii duiie sonde du cote da ventricnle prouva qu"ellc étail oblitéréc '.» Observação ÍIO.* «. . .lartère pulmonaire était iinperforée jusquà sa bifur- cation-." Observação o3.* «... rai-tère pulmoiKiiro fort petile, et entièreraent oblité- rée à sa naissance •''. » Em lodos estes casos de imperforação ou olilitcração completa do orifício pulmonar, excepto no primeiro (obs. 4.') a artéria pulmonar ou os seus ramos recebiam sangue pelo canal arterial, que se conservava aberto. Em todos era no- tável a bypertropliia do ventrículo direito e em 4 d'elles a grande extensão do bui"aco oval, liavendo também em um d"estes 4 casos de communicação inter- ventricular, e em outro caso somente communicação entre os dois ventrículos. Vejamos agora em que proporção esteve cada uma das alterações dos ori- fícios com referencia ao numero total das observações. Para este fim formulá- mos o seguinte quadro : ALTERAÇÕES ANATÓMICAS orifício pulmonar orifício orifício TRICUSPIDO aórtico orifício MITRAL Aperto 60,37 3,76 1,88 7,54 1,88 1.88 3,7G - Dilatação Aperto e insufliciencia Insufliciencia D"este quadro se collige que o aperto do orifício mitral foi a lesão domi- nante, 60,37 por cento, seguindo-se-lhe, mas com extraordinária dilferença, o aperto do orificio tricuspido, 7,54 por cento, a dilatação do orifício pulmonar e o aperto do oriíicio mitral na mesma proporção, 3.76 por cento, e por ultimo o aperto aórtico, o aperto com insuíBciencia valvular do orifício pulmonar e a insufficiencia aórtica, todas estas lesões achando-se na mesma relação, 1,88 por cento. Em outro logar veremos a importância d"estes factos. Apontaremos ainda algumas observações clinicas, que comprovam a exis- tência da obliteração completa de algum dos orifícios do coração. Nas observações reunidas por Louis, em o seu excellente escripto, ha uma, a G.% que ofTerece exemplo de occlusão completa do oriflcio tricuspido pela res- ' Gintrac, op. cit., pag. 97. - Idem, pag. 118. ' Idem, pag. 202. H 84 ESTIDO SObllE AS pectiva válvula. «La valvule triscuspide ossifiée fermait roíifice auriciilo-venlri- culaire droit *.» No coração do doente, objecto d"esta observação, havia uma no- tável communicação inlerventriciilar, que terminava, no lado direito, debai.xo da válvula tricuspida. No coração de um menino, descripto por Breschet em 1826, a artéria pul- monar estava imperforada na sua origem, recebendo os ramos desta o sangue pelo canal arterial. O coração tinha um único ventrículo, por falta do septo, nas- cendo d"elle uma larga aorta; a aurícula direita era muito dilatada, tendo duas aberturas de communicação para a aurícula esquerda, duas veias cavas inferio- res e as veias pulmonares que nella se abriam. No museu do S. Thomas's hospital ha um coração preparado, que oíTerece duas aurículas com largo buraco oval, obliterado o orifício auriculo-ventricular direito, e o septo interventricular rudimentar, que está reduzido a uma grossa columna carnosa estendida na parte posterior do ventrículo, do qual nascem a aorta e a artéria pulmonar, as quaes estão transpostas na sua origem; o orifi- cio mitral está aberto-. 0 dr. Hunter descreveu, em 1783, o coração de uma creança, cuja artéria pulmonar se achava reduzida a um cordão, recebendo os seus ramos o sangue transmittido da aorta pelo canal arterial; o buraco o^■al conservava-se aberto, e o septo interventricular estava formado. Á Pathological society de Londres teem sido apresentados muitos casos de atresia completa da artéria pulmonar. Entre elles é notável o observado pelo dr. Crisp em uma menina de doze annos de idade, cuja artéria pulmonar faltava completamente (The pulmonari/ artery was entirehj abscntj, havendo dois pe- quenos vasos, que terminavam em extremidades fechadas nas paredes do cora- ção^. É também notável o caso observado pelo dr. C. Heine, de Tiibingen. O ori- fício da artéria pulmonar estava inteiramente tapado por um septo membranoso, no qual se não distinguiam traços de segmentos ; a aorta nascia do ventrículo direito e communicava com o esquerdo por uma abertura praticada no reparti- raento interventricular; o sangue era foi-necido aos pulmões pelo canal arterial; o buraco oval conservava-se aberto *. Muito de adrede consignámos aqui estas observações, que poderíamos mul- tiplicar, por-que I. G. Sant-Hilair-e affirma não conhecer caso algum de imperfo- ração completa dos orifrcios arteriaes: «Je ne connais aucun exemple de imper- 1 Airhives générales de médecine, l. 3^"'=, pag. 33G. Paris, 1823. - Peacock, op. cit., pag. 25. 3 Path. tnins. 1847. '' Pfiacock, õp. cil., pag. 62. I'i:itFi)UAÇÕKS CARDÍACAS 85 foralion propreinoiíl ilile de Vmw ou ile pkisioiírs caviíés dii ccpww mais sciile- iiieiil quolqiies cas dnnporroratioii parlicUe des nrificos arlúricls dos wntricules, résullant de Tadliérence des valvules*.» Jlas o illustre teratologisla admilte a existência d"esta ordusão, quando trata da persistência do canal arterial. A dilataçrio do orifício pulmonar foi poucas vezes encontrada. É para no- tar a raridade da dilatação do orifício pulmonar, sendo tão fre(]uente a altera- ção das válvulas adaptadas a este oriQcio; e ordinariamente não se indica n"es- ses casos, mesmo raros como são, se havia ou não insuíTiciencia das válvulas pulmonares. Nas observações do sr. Gintrac vimos dois casos apenas (2 : 33 ou 3,76 por cento), e nos de Louis três (3 : 20 ou io por cento ^). Na 4.* observação colhida por Louis, diz este observador somente: «... les orifices auriculo-vcntriculaire et ventriculo-pulmonaire droits avaient 48 lignes de developpement, tandisque ceux du cote opposé n'avaient que 24 lignes. La dilatalion de fartère pulmonaire était générale l Na 3.* observação, que pertence a Corvisart, lè-se: «L'artére pulmonaire était três dilatée à son embouclmre, et mème sa division. Les valvules semilu- naires de cette artère avaient acquis beaucoup d"êtendue, sans être autrement alterées K » Na 12^ observação indica-se simplesmente a dilatação da artéria: «... fai- tère pulmonaire uniformement dilatée, depuis sa naissance jusqu'au moment ou elle se divisei» Foi ainda mais rara a insufficiencia das válvulas sigmoidéas da artéria pul- monar; encontra-se mencionada uma única vez nas 33 observações do sr. Gin- trac (d : 33 ou 1,88 por cento). Um exemplo de insufQciencia das válvulas pulmonares foi observado pelo dr. Gordon em um caso notável pela lesão anatómica e pelos respectivos sym- ptomas, e por isso o resumimos aqui. Era um rapaz de doze annos, que foi admittido no hospital de Hardwiche com symptomas de uma aíTecção pulmonar grave. Na região precordial sentia-se notável rosnadura de gato (ihrill); duplo murmúrio, análogo ao da insufficiencia aórtica, ao longo do sterno, com o ma- ximum de intensidade na base; diminuía d'aqui para a ponta do coração, aonde cessava. Nas artérias carótidas, subclávias e radiaes não havia viliração, nem ' Histõire gen. et part. des anomalics de rorganisatíon clie: 1'homme et les aiiimaux; t. i", pag. 331. Paris, 1832. - Observações 4, 3 e 12. ^ Op. cit., pag. 307. ^ Corvisart; Essai siir les mal. et les lésions organiques du cmur et desgros vaisseaux; sec. ed., 1811, pag. 283. ' Louis, loc. cit., pag. 320. 86 ESTUDO SOBRE AS murmúrios, nem pulsações arteriaes notáveis. Na região inlerscapular o duplo ruido lie sopro ouvia-se muito menos intenso. Este rapaz tinha logrado boa saúde até á edade de sete annos. A autopse mostrou : buraco oval patente, de 9 linhas; válvulas cardiacas sãs, excepto as pulmonares, que estavam espessas, duras e opacas, circumscrevendo um orifício, pelo qual passava livremente a agua lançada pela artéria pulmonar (leaviug a gaping orifice through wich wa- ter passed freely when pourred into the artery). Havia também ligeira hyper- tropliia do coração K Não passaremos adiante sem notar uma circumstancia que poderia causar duvida no espirito d'aquelles, que, comparando as illações que tirámos das ob- servações citadas com as deduzidas por outros auctores, achassem divergência nos resultados. Os auctores do Compcndium de médecine pratique, reportando-se ás 53 observações do sr. Gintrac, contaram um numero menor de alterações valvula- res: «... \ingt-sept fois les valvuies étaient altcrées^.» Forget, o illustre cardiopatliologista de Strasburgo, recorrendo á mesma origem, repetiu a asserção d"aquelles eminentes escriptores, n'estes termos: «... vingt-sept fois il existait des lésions valvulaires, toutes du còté droit, et vingt-six fois ces lésions occupaient Torifice de l'artére pulmonaire^.» Entretanto encontrámos, como fica dito, 42 vezes as válvulas alteradas, sendo 38 no coração direito e 4 no esquerdo, nas mesmas 53 observações re- feridas pelo sr. Gintrac na sua excellente obra. A causa da divergência é a que já apontámos. Aquelles auctores, suppondo que as epigraphes das observações resumiam, como devera ser, todas as alte- rações, contentaram-se cora o enunciado d'ellas, e acharam, o que é exacto se- guindo-se este processo, o algarismo que apresentam. A experiência porém ten- do-nos mostrado o vicio de semelhante modo de proceder, obrigou-nos á lei- tura das observações na sua integra, e por este modo qualquer poderá verificar a exactidão das nossas deducções. A respeito do estado das válvulas o dos oriOcios cardíacos, nas 15 obser- vações, que colligira, o professor Bouillaud exprime-se n'estes termos: «Sur quinze cas de ce vice de conformation rapportés dans cet ouvrage, il en est douze ou les valvuies du coíur étaient alterées, épaissies, indurées, cor- rodeés, perforées (dans les trois autres cas, il n'est pas fait mention de Tétat des valvuies). Dans dix des douze cas ou les valvuies étaient indurées, il exis- tait un rétrécissement de Torificc du cceur au quel elles appartenaient (dans les ' Stokes; The diseascs of lhe hearl and the aorta, 1854, pag. 166. 2 T. 2.", pag. COO. 5 Preás théor. et prat. des mal. dn cwur. Strasbourg, 1851. PERFORAÇÕES CARDÍACAS ' 87 deiix nutres cas, los diniensions de rorifiro iVoíit pns été indiqnées). Dans Imit des douze cas, la lésioii occiípait les valviílcs droilos; daiis Irois les valvules gaúches; dans uii cas enliii, il est dit »]u'elle occupait les valvules sigmoídcs, sans quoii u"ail spécilié si ces valvules étaient cclles de rarlóre pulmoiiaire ou celles de Taorle. Dans cinq des luiit cas de lésion des valvules droites, celle lésion affectait les valvules pulmonaires; dans deux, la valvule tricúspide, et dans un, les valvules pulmonaires et la valvule tricúspide à la fois; dans deux cas, les valvules pulmonaires n'étaient qu'au norabre de deux'.» N'esta coUecção de observações clinicas snbresaem ainda os factos deduzi- dos das observações anteriores, isto ó, grande frequência das lesões valvulares no coração direito, consistindo principalmente no aperto dos orifícios, e sendo o orifício pulmonar a sede de predilecção desla alteração, nos casos de coni- municação anormal entre as cavidades oppostas do coração. As alterações dos orifícios cardíacos apontadas pelo dr. Deguise nas 81 ob- servações, consignadas em a sua memoria, podem distribuir-se assim: Aperto do orificio pulmonar 30 - Occlusão do orifício pulmonar , 4 ^ Insufficiencia valvular ou dilatação do orilicio pulmonar . . . 3 ' Aperto do orificio tricuspido 8 •• Aperto do orificio mitral 5 ^ Occlusão do orifício mitral 1 ' Aperto e insufficiencia do orificio mitral 1 ** Aperto do orifício aórtico 5 '■' InsufQciencia valvular ou dilatação do orifício aórtico G'" Daqui se deduz: 1." Que os orifícios do coração direito (pulmonar o tricuspido) foram muito mais vezes affectados (45 : 81 ou 53,5o por cento) do que os do coração es- ' Op. cit.. pag. G84. 2 Observações 1, 6, 7, 8, 9, 12, 15, 21, 24, 25, 29, 30, 33, 35, 37, 40, 41, 42, 43, 45, 47, 48, 49, 51, 52, 55, 59, 67, 68, 69. ' Observações 10, 18, 54, 57. * Observações 11, 53, 70. 5 Observações 6, 9, 32, 33, 43, 49, 52, 67. 8 Observações 12, 14, 16, 43, 70. " Observação 67. " Observação 30. 'Observações 11, 12, 16, 36, 50. i» Observações 26, 37, 43, 47, 48, 54. 88 ESTUDO SOBRE AS qiierdo (18 : 81 ou 22,22 por cento), estando aqiielles para estes na razão de 4o : 18 ou 2,5 : 1. É a confirmação do facto deduzido das observações de Louis e do professor Ginti'ac de Bordéos. 2." Que de todos os orificios cardíacos o mais atacado, e com grande dif- ferença dos outros, foi o pulmonar (37 : 81 ou 45,67 por cento), seguindo-se, na ordem de frequência, o aórtico (H : 81 ou 13,58 por cento), o tricus- pido (8 : 81 ou 9,89 por cento) e por ultimo o mitral (6 : 81 ou 7,40 por cento). O oriticio pulmonar só de per si foi mais frequentemente lesado do que os outros três reunidos; a relação foi de 37 : 26 ou 1,4 : 1. É outro facto com- probativo da illação a este respeito tirada das observações de Louis e do dr. Gintrac. 3." Que a alteração predominante foi o aperto dos orifícios (54 : 81 ou 66,66 por cento), que se verificou 34 vezes no orifício pulmonar, 8 no tricus- pido, 7 no mitral e 5 no aórtico. A dilatarão do orifício, ou alteração de vál- vulas produzindo a insufíiciencia, foi notada 10 vezes nos 81 casos, sendo 3 no orifício pulmonar, 6 no aórtico e 1 no mitral. A occlusão foi observada lam- bem nos orifícios do coração, 4 vezes no orifício pulmonar c 1 no mitral. O quadro seguinte mostra a frequência, em relação a 100, dos apertos e dilatações ou insutriciencia valvular dos quatro orifícios cardíacos : ALTERAÇÕES ANATÓMICAS OMFICIO PULMONAR orifício tricuspido orifício AÓRTICO orifício MITRAL ÂDerto 37,03 4,93 4,93 9,87 6,17 7,40 6,71 1,23 1,23 Occlusão Insuílicitíncia víilvulíir .\perto 0 insulliciencia Aqui se vè claramente que a alteração dominante foi o aperto do orifício pulmonar, na proporção de 41,97 por cento (comprehendidos os 4 casos de occlusão), seguindo-se-llie, mas com extraordinária differença, o aperto do ori- fício tricuspido, 9,87 por cento, a insufíiciencia das válvulas sigmoidéas da aorta, 7,40 por cento, o aperto dos orifícios aórtico e mitral, 6,17 por cento, a in- sufíiciencia valvular do orifício pulmonar, 3,70 por cento, e o aperto do orifí- cio mitral com insuffíciencia valvular, 1,23 por cento. Mostra egualmente este quadro a raridade da insufíiciencia valvular, sem aperto do orifício respectivo, facto bastante impoitante, como veremos. As illações tiradas da confrontação das alterações dos orifícios do coração PKRFORAÇÕKS CARDÍACAS 89 estão em liarmonia com as dediizidas da confrontação das alterações das cavi- dades do mesmo órgão, e corroboram as fundadas cm outros factos. III COEXISTÊNCIA DAS DIFFERENTES ALTERAÇÕES CARDÍACAS As alterações anatomo-pathologicas, sejam as das paredes e oriQcios do coração, sejam as das aberturas ou communicações anormaes, encontram-se or- dinariamente reunidas, em maior ou menor numero, no mesmo individuo. Exa- minando a coexistência destas alterações nas 81 observações referidas pelo dr. Deguise chegámos aos resultados expressos no mappa seguinte: jõ ^ /Simples (sem communiração intervcntricular e sem canal arterial) 17 i 2 I Coramunicação interauricular com perioração do septo ventricular 24 ^ Communicação interauricular com ausência do septo ventricular 12 ' Comraunicação interauricular com persistência do canal arterial 14 * Communicação interauricular com duplo canal arterial 1 ^ Communicação interauricular com perforação do septo ventricular c persis- tência do canal arterial S ^ t.^ (Communicação interauricular com dilatação simples da aurícula direita. . . .10 ' Communicação interauricular com dilatação liypertrophica da aurícula di- reita 5 ' Communicação interauricular com dilatação atrophica da aurícula direita . . 1 ' Communicação interauricular com retracção simples da aurícula direita. . . 1 '" Communicação interauricular com dilatação simples do ventrículo direito . . 5" I "1 1 Communicação interauricular com dilatíição hypertrophica do ventrículo di- 3 " \ reito ....'. ' 8 '2 ' Observações de 1 a 17. ' Observações 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 55, 56, 57, 58, 59, 60, 69, 70. 3 Observações 67, 68, 71, 72, 73, 74, 76, 77, 78, 79, 80, 81. " Observações 18, 19, 20, 21, 22, 23, 55, 56, 57, 58, 59, 63. 64, 77. * Observação 78. ^ Observações 55, 56, 57, 58, 59. ' Observações 4, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 15, 19, 20. ' Observações 1, 5, 11, 14, 16. ' Observação 17. •" Observação 18. " Observações 7, II, 12, 13, 20. '2 Observações 1, 2, 4. 5, 14, 16, 21, 67. MEJf. DA ACAD. — 1.'' CLASSE. T. IV, P. II. 12 3 2 C 90 ESTUDO SOBRE AS S - Communicação interauricular com dilatação alrophica do ventrículo direito. 1 Communicação interauricular com hypertrophia concêntrica do ventrículo direito f.| Communicação interauricular com dilatação simples do ventrículo esquerdo. 3 ' Communicação interauricular com dilatação hypertrophica do ventrículo es- querdo ' Communicação interauricular com hypertrophia simples do ventrículo es- querdo 2 Communicação interauricular com retracção simples do ventrículo esquerdo 1 ^ Communicação interauricular com dilatação simples da aurícula esquerda. . 4 ' Communicação interauricular com retracção simples da aurícula esquerda. . 1 " ICommunicação interauricular com aperto do orifício pulmonar 10 ' Communicação interauricular còm occlusão do oriíicio pulmonar 2 '" Communicação interauricular com insufficiencia valvular ou dilatação do ori- fício pulmonar 2 " Communicação interauricular com aperto do orifício tricuspido 3^^ 1 S Communicação interauricular com aperto do orifício aórtico 4 " - ' Communicação interauricular com aperto do orifício mitral 6 '* Na observação 14 diz-se: « Tartère pulmonaire élait três dilatée à son embouchure et même à sa division», o que significa dilatação do oriQcio pul- monar; mas logo em seguida accrescenta Corvisart, que recolheu esta observa- ção: «....ses valvules avaient acquis beaucoup d^étendue sans élre aiUremcnl alteréesr,, o que parece indicar que ellas obturavam o respectivo orifício, que não eram instifficientes, e por conseguinte nada importaria na funcção a dilata- ção do orifício; pelo menos o caso é duvidoso e por isso o excluímos dos de dilatação do oriíicio ou insuíBciencia de válvulas. * Observação 8. * Observações 6, 9, 10. 5 Observações 12, 16, 20. ■* Observação 7. * Observações 17, 21. ' Observação 8. " Observações 12, 15, 16, 20. ' Observação 8. » Observações 1, 6, 7, 8, 9, 12, 1.5, 21, 67, 69. '"•Observações 10, 18. " Observações 11, 70. '- Observações 6, 9, 67. " Observações 11, 12, 16, 21. «* Observações 11, 12, 14, 16, 67, 70. rEnFORAÇÕES CARDÍACAS 91 Na observação 20 diz-se somente: «.... le coeur était três voliimineux, ainsi que les gros trones artèrieis et veineux»; ora isto não quer dizer dilatação dos orifícios cardíacos respectivos. Na observação 13, colhida pelo sr. dr. Bouillaud, diz-se: «.... l"artère pulmonaire. dilatée, offrait un calibre double de ceiui de laorte.i' Ora como esta dilatação da artéria dá-se muitas vezes sem a dilatação do orifício cardíaco respectivo, e sendo tão exacto e rigoroso o professor Bouil- laud nas suas descripçíJes, é de suppor que não houvesse ao mesmo tempo a dilatação do orifício pulmonar, aliás elle a teria assignalado, por isso não in- cluímos este caso nos de dilatação do orifício pulmonar. Mostra a tabeliã antecedente a raridade da existência exclusiva da communí- cação interauricular, por quanto foi somente em 17 casos q\ie ella foi notada sem haver ao mesmo tempo a communicação interventricular ou a pulmo-aortica. E se examinarmos attentamente as observações citadas, achar-se-ha que apenas era duas • das 62 observações a communicação entre as aurículas foi desacompa- nhada de outra alteração cardíaca; nas 60 observações restantes houve sempre lesão das paredes ou orifícios do coração, ou persistência do canal arterial. Para sermos mais rigorosos ainda na analyse, notaremos que em uma ^ d"aquellas duas observações havia transposição na origem das artérias pulmonar e aorta. «Le trou de Botai obstrué en presque totalité, laorte naissait dii centricide droit, et Vartère pulmotiaire dti veiitriciile gaúche^. n Só em um caso, pois, dos 62 de communicação interauricular, esta se verificou isolada. Da mesma tabeliã das alterações cardíacas se deduz: 1." Que de todas as alterações a que mais frequentemente acompanhou a communicação entre as aurículas * foi a communicação entre os ventrículos por perforação ou ausência do respectivo septo, o que foi notado em 36 das 62 ob- servações ou 58,06 por cento. Depois da communicação interventricular coinci- diu com mais frequência a persistência do canal arterial, 13 nos 62 casos, ou na proporção de 24,19 por cento. 2." Que as alterações das paredes do coração, concomitantes da commu- nicação interauricular, foram muito mais frequentes no coração direito do que no esquerdo, na razão de 32 : 13 ou 4 : 1, sendo o ventrículo mais vezes a sede d'essas alterações do que a aurícula, na relação de 29 : 23. 3." Que das diversas alterações a mais frequente em todas as cavidades 1 Observações 3 e 61. ^ Observação 61. ' Deguise: these cit., pag. 41. * Continuámos a dizer n'estes casos, e outros análogos, commvnicação interauricu- lar. e não pelo buraco de Botai, como geralmente se diz, pela simples razão de que a communicação se effectua também por outros pontos do septo. 12» 92 ESTUDO SOBRE AS foi a dilatação, 38 vezes', e depois a hypertrophia, 19 vezes-, sendo raras, a retracção, 6 vezes ^ e a atrophia, 2 vezes ^. 4." Que de todas as alterações concomitantes a mais frequente no ventrí- culo direito foi a hypertrophia, e na aurícula do mesmo lado a dilatação. 5." Que no ventrículo direito a dilatação foi, as mais das vezes, 8 nos 14 casos, acompanhada de hypertrophia, e uma só vez de atrophia: em quanto que na aurícula direita a hypertrophia foi notada em menos da terça parte dos ca- sos de dilatação, 5 : 16 ou 1 : 3,2. O quadro seguinte mostra claramente estas combinações: ' COMMUNICAÇAO INTEKAURICULAR COM : Dilatação Hypsrtrophia . . Retracção Atrophia Total AURICtlLA DIREITA 16 S 1 1 23 ventrículo DIREITO 14 H 3 1 2'J :^''2 aurícula esquerda ventrículo esquerdo i:; 38 19 6 5 65 Para apreciar melhor a relação ou influencia da communicação interauri- cular, sem outra via de communicarão dos dois sangues, sobre as alterações das paredes cardíacas, formámos a seguinte tabeliã com as 17 observações, em que se dá aquella circumstancia: ' Sendo 16 na aurícula direita, 14 no ventrículo direito, 4 no ventriculo esquerdo e 4 na aurícula esquerda. ^ Sendo 5 na aurícula direita, 11 no ventriculo direito e 3 na aurícula esquerda. ' Sendo 3 no ventrículo direito, 1 na aurícula direita, 1 no ventriculo esquerdo e 1 nn aurícula d"este lado. * Sendo 1 na aurícula direita e 1 no ventrículo direito. B PERFORAÇÕES CARDÍACAS 93 Tiom (liI.it;ição simples da aurícula direita 8 ' í: ) Com dilatação hyperlropliica 5 ^ i l Com dilatação atrophica 1 ' ■3.1 C()in dilatação simples do ventrículo direito 4 ' Com dilatação liyportropliica do veiitrieulo direito 6 ^ Com dilatação atrophica do ventrículo direito 1 " n jConi hypertrophia concêntrica do ventrículo direito '^ ' I ^ Com dilatação simples do ventrículo esquerdo 2 ' .1 ICom dilatação hypertrophica do ventrículo esquerdo 1 » •§. iCom hypertropliia simples do ventrículo esquerdo 1 '" ■ilCom retracção simples do ventrículo esquerdo 1 " || Com dilatação simples da aurícula esquerda 3 '^ I I Com retracção simples da aurícula esquerda 1 " ; Sem outra alteração 1 ' '' D"este quadro, que representa fielmente a combinação ou concomitância da communicação interauricular com as alterações das paredes das (piatro ca- vidades cardíacas, se coUige: 1." Que só em um caso o coração deixou de apresentar alguma outra al- teração concomitante da cominunicação entre as aurículas. 2." Que na máxima parte dos casos a aurícula e o ventrículo direitos esti- veram alterados, e na mesma relação, 14 : 17 ou 82,35 por cento. 3." Que na aurícula direita a dilatação foi a alteração constante (14 : 14), havendo também hypertrophia em S casos (5:14 ou 35,71 por cento) e atro- phia em 1 somente (1 : 14 ou 7,14 por cento). 4." Que no ventrículo direito a alteração predominante consistiu na dilata- ção simples (11 : 14 ou 78,57 por cento), sendo na maior parte dos casos • Observações 4, 6, 7, 8, 9, 12, 13, 15. 2 Observações 1, 5, 11, 14, 1'6. ' Observação 17. * Observações 7, 11, 12, 13. ^ Observações 1, 2, 4, 5, 14, 16. '' Observação 8. ' Observações 6, 9, 10. ' Observações 12 e 16, ' Observação 9. '" Observação 17. " Observação 8. '- Observações 12, 1.^, 16. " Observação 8. " Observação 3. 94 ESTUDO SOBRE AS acompanhada de hypertrophia (G : 14) e em um só de atropliia (1 : 14). Depois da dilatação a alteração do ventrículo direito mais frequente foi a hypertroptiia (9:14 ou 64,28 por cento), sendo nos dois terços dos casos combinada cora a dilatação (6 : 9) e na terça parte com a retracção ou diminuição da cavidade respectiva (3 : 9). 5." Que nas cavidades esquerdas do coração a dilatação foi ainda a altera- ção dominante, posto que muito mais rara (3 vezes em cada cavidade), sendo a hypertrophia apenas notada em dois casos no ventrículo esquerdo (um com dilatação) e em nenhum na aurícula esquerda. 6." Que nas cavidades direitas do coração não se notou caso algum de re- tracção ou diminuição de suas capacidades (sem hypertrophia), em quanto que nas cavidades esquerdas foi esta alteração notada na razão de 1 : 4 na aurí- cula, e na de 1 : 5 no ventrículo. 7." Que no ventrículo esquerdo houve 2 casos de hypertrophia nos 5 em que elle se encontrou alterado, e nenhum na aurícula esquerda. Para mostrar mais claramente a combinação destas alterações nas quatro cavidades, distribuimol-as do seguinte modo: COMMUNICAÇAO INTER AURICULAR SIMPLES COM! Dilatação Hypertrophia. . . . Atrophia Retracção simples Total. aurícula DIREITA 14 5 1 20 ventrículo DIREITO 41 11 9 1 21 aurícula esquerda ventrículo esquerdo 10 31 16 2 2 51 Deste quadro se deprehende: 1." Que no coração direito se encontraram muito mais vezes alterações do que no esquerdo, acompanhando a communicação entre as aurículas (41 : 10 ou 4,1 : 1). 2." Que a dilatação e em segundo logar a hypertrophia foram as alterações mais frequentes, estando a primeira na razão de 31 : 51 ou 60,78 por cento, e a segunda na de 16 : 51 ou 31,37 por cento. 3." Que a atrophia e a retracção simples foram raras, achando-se cada uma delias na razão de 2 : 51 ou 3,92 por cento. Temos considerado as paredes das cavidades cardíacas, façamos agora es- PERFORAÇÕES CARDÍACAS 95 tudo análogo a respeito dos orifícios. Nos ()2 casos de communicação interau- ricular notaram-se as seguintes lesões dos orifícios: é 1 Com aperto dn orifício pulmonar 10 •5 ei l Com occlusão do orifício pulmonar li •5 I ;Com insufficiencia valvular ou dilatação do orifício pulmonar 2 c -5 ]Coni aperto do orifício tricuspido 3 £ 1 / Com aperto do orifício aórtico 3 = " 1 Com aperto do orifício mitral 6 D'este quadro se deduz: 1." Que o orifício pulmonar foi a sede mais frequente de alterações, e mais que todos os outros orifícios reunidos, estando os casos de lesão d"aquelle para os de lesão d'estes :: 14 : 12 ou 1,16 : 1, ou os primeiros estiveram na rela- ção de 22,58 por cento e os segundos na de 19,35 por cento. 2." Que a alteração mais frequente consistiu, em todos os orifícios, no aperto, 24 nos 26 casos ou na relação de 92.31 por cento, dando-se a insuffi- ciencia das válvulas ou dilatação dos orifícios em poucos casos, 2 vezes nos 26 casos ou na relação de 7,69 por cento, e na duodécima parte somente em re- lação aos casos de aperto, 2 : 24 ou na proporção de 8,33 por cento. 3." Que o aperto foi tão frequente no oriflcio pulmonar como em todos os outros orifícios reunidos (12 : 12). 4." Que apenas em dois casos se notou alteração que produzisse a insuffi- ciencia das válvulas, e foi no orifício pulmonar; nos outros orifícios o aperta foi plienomeno constante, nos casos de alteração, bem entendido. 5." A atresia foi verificada no oriQcio pulmonar somente. No quadro seguinte tornámos bem visível a conabinação das alterações dos orifícios com a communicação interauricular. ALTERAÇÕES ANATOMO-PATHOLOGICAS orifício pulmonar orifício tricispido ORIFÍCIO AÓRTICO ORIFÍCIO MITRAL H C Aperto 12 2 3 3 6 14 2 Dilatação Total 14 3 3 c 6 26 1 7 ) N'fiste quadi'o se vê quanto foram frequentes as lesões do orifício pulmo- nar, e raras as dos demais orifícios, que pouco differiram entre si a esto res- 96 ESTUDO SOBRE AS peito, pois que foram indicadas 6 vezes no orifício mitral, 3 no tricuspido e 3 no aorlico. Notaremos ainda que, com quanto importem em 2G o numero das altera- ções observadas em todos os orificios, ellas foram comtudo encontradas em 17 somente dos 62 casos de communicação interauricular, porque muitas d"ellas coexistiam no mesmo coração. Passemos ao estudo das relações da communicação interventricular com as alterações das cavidades e orifícios do coração. Para facilidade do estudo clas- sificámos essas alterações d'este modo: Communicação interventricular S3 ' Gonimunicação sem outra alteração . : - ^ Communicação simples (sem outra communicação, mas com alteração das paredes ou orifícios) 12 ' Communicação com perforação do septo auricular 2-5 ' Communicação com ausência do septo auricular 11 ' Communicação com persistência do canal arterial 7 ^ Communicação com duplo canal arterial 1 ^ Communicação com perforação do septo auricular e persistência do canal arterial . S ' Communicação com dilatação simples da aurícula direita 12 ' Communicação com dilatação hypertrophica da aurícula direita 5 '" Communicação com dilatação atropliica da aurícula direita .' 1 " Communicação com hypertrophía concêntrica da aurícula direita 1 '- Communicação com dilatação simples do ventrículo direito 5'^ Communicação com dilatação hypertrophica do ventrículo direito 12 '' Communicação com dilatação atrophíca do ventrículo direito 1 '^ 1 Pela base do septo 34; por outros pontos do septo G; ausência do septo 13. 2 Observações 23 e 29. 3 Observações 21, 2.5, 20, 27, 28, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35. < Observações 37, 38, 39, 40, 41, 42, 43, 44, 4o, 46, 47, 48, 49, oO, .j1, 52. o5, 56, 57, 58, 59, 60, 67, 68, 74. 5 Observações 69, 70, 71, 72, 73, 76, 77, 78, 79, 80, 81. 6 Observações 53, 54, 65, 56, 57, 58, 59. '' Observação 78. * Observações 5o, 56, 57, 58, 59. « Observações 32, 36, 37, 40, 41, 42, 46, 48, 49, 54, 6o, 68. 1" Observações 31, 33, 52, 59, 60. " Observação 34. '- Observação 66. '3 Observações 35, 38, 54, 60, 65. >' Observações 26, 31, 36, 37, 44, 45, 46, 51, 52, 53, 58, 67. '^ Observação 34. PERFORAÇOES CARDÍACAS 97 Communicação com Iiypcrtrophia concêntrica do ventrículo direito 5 ' Cdiiununicação com dilatação simples do venlriculo esquerdo 2 ^ Coinmunicação com liyperirophia concêntrica do ventrículo esquerdo 2 ^ Communicação com atropliia simples do ventrículo esquerdo 3 * Communicação com retracção simples do ventrículo esquerdo 2 * Communicação com dilatação simples da aurícula esquerda 2 * Communicação com retracção simples da aurícula esquerda 5 ' D'esta tabeliã se tiram as seguintes illações dignas de attenção: 1." Em 53 casos de communicação entre os ventriculos apenas em dois este vicio de conformação cardíaca foi observado isolado, isto é, sem cjue o co- ração offerecesse outra alteração quer nas suas cavidades, quer nos seus oriQ- cios. 2." Na maior parte dos casos a communicação interventricuiar coexistiu com outra communicação entre os dois sangues, estabelecida já pelo septo inlerauricular, já pelo canal arterial, sendo a primeira muito mais frequente, 36 : 53 ou C7,92 por cento, do que a segunda, 8 : 53 ou 15,08 por cento. 3." Em alguns casos, 5 : 53 ou 9^43 por cento, coexistiram no mesmo co- ração as três espécies de communicação (interventricuiar, inlerauricular e pul- mo-aortica). 4." Que as cavidades direitas foram quasi sempre affectadas de varias al- terações e muito mais frequentemente, 42 : 53 ou 79,24 por cento, do que as esquerdas, 16 : 53 ou 30,18 por cento. 5." Que o venlriculo direito foi a sede de predilecção d'essas alterações, 23 nos 53 casos ou 35,84 por cento, seguindo-se-lhe a aurícula direita, 19 nos 53 casos ou 35,84 por cento, depois o ventrículo esquerdo, 9 nos 53 casos ou 16,98 por cento, e por ultimo a aurícula esquerda, 7 nos 53 casos ou 13,20 por cento. No quadro seguinte representamos a frequência relativa d'eslas alterações nas quatro cavidades: ' Observações 33, 41, 43, 49, 66. ^ Observações 37, 60. ' Observações 34, 30. ' Observações 49, 51, 52. ' Observações 4o, 46. « Observações 37, 60. ' Observações 25, 41, 42, 52, 68. ME.M. DA ACAD. — 1.* CLASSE. T. IV, P. II. 13 98 ESTUDO SOBRE AS ALTERAÇÕES ANATOMO-PATHOLOGICAS aurícula DIREITA ventrículo DIREITO AURÍCULA ESQUERDA VENTRÍCULO ESQUERDO < f- o E- Dilatação 18 6 18 17 2 5 4 2 3 2 42 23 3 7 Hvuerlronhia Retracção Total 24 33 «9 7 11 ' ' ^8 77 Convém advertir que na auriciila direita houve um c;iso, em que as pare- des d'esta cavidade estavam atrophiadas, e outro em que a cavidade era me- nor, mas havia conjunctamente no primeiro dilatação (dilatação atrophka) e no segundo hypertrophia (liyperlrophia coucetitrica); não eram puis casos de di- latação nem de retracção simples da aurícula. O mesmo se pôde dizer a res- peito do caso, em que o ventrículo direito esteve atrophiado, e dos cinco, em que houve diminuição da cavidade (hypertrophia concêntrica). D'aquelle quadro se resume: 1.° Que nos 53 casos de communicação ioterventricular se encontraram 77 vezes nas paredes das cavidades cardíacas alterações constituídas per hypertro- phia, dilatação, atrophia e retracção das cavidades cardíacas, combinadas de vários modos. 2.° Que nas cavidades direitas a frequência das alterações em relação ao total foi de 39 : 77 ou 7(3,62 por cento, sendo o ventrículo direito a sede prin- cipal d'ellas, 35 : 77 ou 45,45 por cento, e em relação ás cavidades esquerdas de 51 :98 ou 3,2: 1. 3." Que nas cavidades direitas não se notou caso algum de atrophia ou de retracção simples. 4." Que consideradas em geral estas alterações, a dilatação foi a mais fre- quente, 42 : 77 ou 54,54 por cento, seguíndo-se-Ihe a hj'pertrophia, 25 : 77 ou 32,46 por cento, depois a retracção, 7 : 77 ou 9,09 por cento e em ultimo logar a atrophia, 3 : 77 ou 3,89 por cento. 5." Considerada em cada uma das cavidades cardíacas a relação entre aquellas alterações diversificou. Na aurícula direita a dilatação esteve para a hypertrophia : : 18 : 6, no ventrículo direito :: 18 : 17 e no ventrículo esquerdo :: 4 : 2; na aurícula esquerda não se notou hypertrophia. 6." Que no ventrículo direito a hypertrophia foi muito mais frequente do que em todas as outras cavidades reunidas, na razão de 17 : 8. É um facto que não deve perder-se de vista, e que será lembrado em occasião opportuna. PKIiFORAÇÕES cardíacas 99 7." Que nas cavidades esquerdas a atropliia e a relracção simples (altera- ções que se não encontraram nas cavidades direitas) foram mais frequentes do que a dilatação e a hypertrophia, na relação de 10 : 8. Fecharemos esta parte do nosso estudo mostrando no seguinte quadro em que proporção para 100 esteve cada uma das alterações das paredes cardíacas, que foram observadas em coexistência com os 53 casos de communicação inter- venlricular. ALTERAÇÕES ANATOMO-PATHOLOGICAS ACRICULA DIREITA ventrículo DIREITO aurícula esquerda ventrículo esquerdo Dilatação simples 22,64 9,43 1,88 1,88 9,43 22,64 1,88 9,43 3,77 9,43 3,77 3.77 5,66 3,77 » hyperlropliica » atronliipa Hypertrophia concêntrica Alronhia sinicles Retracção simples A simples leitura d"este quadro faz conhecer os pontos capitães da coexis- tência da communicação entre os dois ventrículos com as lesões das paredes das cavidades do coração; dilatação da aurícula direita, hypertrophia do ven- trículo direito, atrophia e retracção das cavidades esquerdas, taes são os factos fundamentaes da coexistência d'estas alterações orgânicas, e que serão additzidos em occasião opportuna. Vejamos agora quaes foram as alterações dos orificios cardíacos e em que relação estiveram com a communicação interventricular. Essas alterações resu- mem-se na seguinte tabeliã: Communicação interventricular 83 Communicação com aperto do orifício pulmonar 22 ' Communicação com occlusão do orifício pulmonar 2 ^ Communicação com dilatação do orifício pulmonar 4 ' Communicação com aperto do orificio tricuspido 6 * » Obsenações 24, 25, 29, 30, 33, 3S, 37, 40, 41, 42, 43, 45, 47, 48, 49, 51, 52, 55, 59, 67, 68, 69. ^ Observações 54, 57. 3 Observações 38, 46, 53, 70. * Obsenações 32. 33, 43, 49, 52, 67. 13- 100 ESTUDO SOBRE AS Communicação cora aperto do orifício mitral 3 ' Communicação com insuUiciencia valvular mitral 1 ^ Communicação com aperto do orifício aórtico 2 ' Communicação com dilatação do orifício aórtico ^ 3 * D'este quadro se deprehende: 1." Que o oriflcio pulmonar, só de per si, foi affectado em muito maior numero de casos, quasi o dobro, do que todos os outros orifícios do coração, 28 : 15 ou 1,8 : 1. 2." Que o aperto do orifício pulmonar foi o phenomeno predominante, dando-se em numero de casos muito superior ao das alterações de todos os ou- tros orifícios reunidos, 24 : lo ou 1,6 : 1, e ainda em muito maior numero de casos, mais do dobro, do que aquelles em que houve aperto em todos os outros orifícios 24 : H ou 2,2 : 1. 3." Que a alteração do orifício tricuspido consistiu sempre na coarctação ou aperto. i" Que no orifício mitral o aperto foi também muito mais frequente do que a dilatação, 3:1, em quanto que no orifício aórtico se deu o contrario, havendo dilatação em 3 casos ^ e aperto em 2. No quadro seguinte representámos o numero d'estas alterações nos diffe- rentes orifícios comparativamente. ALTERAçiJES ANATOMO-PATHOLOGICAS ORIFÍCIO PULMONAR ORIFÍCIO TRICUSPIDO ORIFÍCIO AÓRTICO ORIFÍCIO MITRAL -< g Aperto 24 4 6 3 1 2 3 3S 8 Dilatação Total 28 6 4 < 5 43 3 4 ) ' Observações 43, 67, 70. - Observação 36. ' Observações 36, 50. " Observações 26, 47, 54. ■'' Em um d"estes casos (obs. 26) não havia dilatação do orifício, mas insuiliciencia valvular por destruição de uma das válvulas: «la valvule semilunaire aorlii[ue, siluee au dessus de ce trou (interventriculaire), était corrodée et en partie détruite; elle fnr- mait une especa de pelite frange, qui se présentait à rorifice de coramunication, sans le boucher entièrement (Deguise, thése cit., pag. 32).» Nos outros dois casos (nbs, 47 e S4) a aorta, muito dilatada, nascia dos dois ventrículos. PERFORAÇÕES CARDÍACAS 101 Mostra o antecetleiíle quadro: 1." Que as alleraçõtís aiiatomo-palhologicas sn enconliaiam com nuiilo maior frequência, mais do triplo, nos orifícios do coração direito do que nos do esquerdo 34 : 9 ou 3,7 : 1, sendo o oriQcio pulmonar a sede de predilec- ção, para assim dizer, d'essas alterações. 2." Que o aperto dos orilicios foi o phenomeno dominante, estando para a dilatação na relação de 35 : 8 ou 4,3 : i. Examinando as 53 observações de communicação interventricular acha-se que em 32 ' d'ellas se verificaram alterações nos orifícios do coração, isto é, em pouco mais de metade, 32 : 53 ou 1 : 1,6 ou GO : 100. É este um facto capital, de que se não deve esquecer. O quadro seguinte indica a proporção para 100 em que cada uma das al- terações dos oriQcios coexistiu com a perfoi-ação do septo interventricular. ALTERAÇÕES ANATOMO-PATHOLOGICAS Aperto Occlusão Dilatação ou insufficienoia valvular ORIFÍCIO PULMONAR 41,51 3,77 7,54 ORIFÍCIO TRICUSPIDO 11,32 ORIFÍCIO AÓRTICO 3,77 5,C6 ORIFÍCIO MITRAL 5,66 1,88 Mostra claramente este quadro que a alteração dominante dns orificios car- díacos nos casos de communicação interventricular foi o aperto do orifício pul- monar, 45,28 por cento (compiehendidos os casos de occlusão completa). É um facto capital que convém ter presente na memoria. Os demais orifícios encon- tram-se alterados em proporção muito inferior, sobresaindo ainda entre estes o tricuspido pela frequência do seu estreitamento, 11,32 por cento. Consideremos os casos de persistência do canal arterial. Nas 81 observações referidas pelo dr. Deguise vem mencionada a persis- tência do canal arterial em 18 -, havendo em uma d'ellas ^ dois canaes arteriaes em logar de um. Este caso, que é bastante notável, dava-se em um menino de seis semanas, cujo coração constava de uma só aurícula e de um ventrículo, tendo a primeira dois appendices; havia duas veias cavas superiores e duas veias ca- ' Observações 24, 25, 26, 29, 30, 32, 33, 35, 36, 37, 38, 40, 41, 42, 43, 45, 46, 47, 48, 49, 50, 51, 52, 53, 54, 55, 57, 59, 67, 68, 69, 70. 2 Observações 18, 19, 20, 21, 22, 23, 53, 34, 55, 56, 57, 38, 59, 62, 63, 64, 77, 78. ' Observação 78. 102 ESTUDO SOBRE AS vas inferiores; a aorta e a artéria pulmonar nasciam separadamente do ventrí- culo, e eram munidas cada uma delias de três válvulas sigmoideas ; no orifício auriculo-ventricular encontravam-se apenas vestígios de válvula. Cada uma das divisões da artéria pulmonar communicava por um ramo anastomotico, a direita com o tronco bracliio-cephaiico e a esquerda com a artéria subclávia do mesmo lado; eram dois canaes arteriaes *. Por esta descripção se vê que "na aurícula se verificavam as condições de duas aurículas, menos a existência do septo; o mesmo se pôde dizer a respeito do ventrículo, posto que não se tivesse notado vestígio de orííicio que correspondesse ao auriculo-ventricular esquerdo; mas lá estava a aorta com a sua origem ordinária. Pôde apresentar-se este caso para exemplo de transição do coração completo (de quatro cavidades) para o cora- ção simples (de uma aurícula e dé um ventrículo). Em outro caso ^ muito notável de coração simples, apresentado pelo cele- bre parteiro Ramsbotham á sociedade hunteriana, o canal arterial substituía a artéria pulmonar; as veias pulmonares esquerdas abriam-se na veia subclávia esquerda, e as veias pulmonares direitas atravessavam o diaphragma e desen- bocavam na veia-porta^. Sendo 18 os casos de permanência do canal arterial nas 81 observações, é claro que este canal existiu em menos da quarta parte dos casos (1 : 4,5). Aquelles 18 casos podem dispor-se do modo seguinte em relação ás com- municações entre as aurículas e entre os ventrículos: Persistência do canal arterial 18 Simples (sem communicação entre as cavidades cardíacas) 1 * Com communicação interauricular somente 8 ^ Com communicação interventricular somente 2 ' Com communicação interauricular e interventricular simultaneamente 7 ' Mostra este quadro : 1." Que apenas em 1 caso dos 18 a persistência do canal arterial foi ob- servada isoladamente ou na proporção de 5,5o por cento. 2.° Que foi rara a coexistência do canal arterial com a communicação in- terventricular simplesmente, 2 vezes nos 18 casos ou 11,10 por cento. 1 Deguise, these cit., pag. 46. " Observação 77. ' Deguise, pag. 46; e Arch. gén. de médecine, 1829, t. 2', pag. 375. ^ Observação 62. ^ Observações 18, 19, 20, 21, 22, 23, 63, 64. '' Observações 53, 54. ' Observações 5a, 56, 57, 58, 59, 77, 78. PERFORAÇÕES CARDÍACAS 103 3.° Qae foi frequente a coexistência do canal tanto com a cominunicação interauricular simplesmente, 8 : 18 ou 44,44 : 100, como com a dupla com- municação interauricular e intervenlricular, 7 : 18 ou 38.88 : 100. Reunindo os casos era que se verificou a existência de communicação in- terauricular e intervenlricular, acha-se o seguinte resultado: Persistência do cana! arterial 18 Simples (sem coraniunicação entre as cavidades cardíacas) 1 ' Com communicação interauricular 13 ^ Com communicação interventrieular 9 ' Com communicação interauricular e interventrieular 7 ^ Por este quadro e pelo precedente se vê: 1." Que a permanência do canal arterial coexistiu em todos os casos, ex- cepto em um, com a communicação interauricular (8 : 18) ou interventrieular (2 : 18), ou com estas duas communicações simultaneamente (7 : 18). 2." Que nos 17 casos, em que entre as cavidades do coração se notaram communicações, estas se combinaram de modo que a communicação interauri- cular foi muitíssimo mais frequente (15 : 18) do que a interventrieular (9 : 18). Taes são as conclusões que se deduzem das numerosas observações colli- gidas pelo dr. Deguise em sua these. Elias confirmam os fados estabelecidos por observações anteriores, e que em logar opportuno serão lembrados para esclarecer alguns pontos em litigio. Tanto nos casos de permanência do canal arterial, como nos de communi- cações entre as cavidades direitas e as esquerdas do coração, alguns houve em que se observaram anomalias nos grossos vasos, já em relação ao seu numero, já em relação á sua transposição. É outro modo pelo qual a natureza quiz va- riar os seus desvios do typo normal, e do qual não nos propomos tratar iiqui. O caso que faz objecto da observação que motivou a rápida noticia, que temos dado, acerca das communicações entre as cavidades direitas e as esquer- das do coração, confirma as deducções do grande numero de observações que temos comparado sob o ponto de vista anatomo-pathologico. Effeclivainente, o caso clinico, que descrevemos departidamente no capi- tulo I, é um exemplo frisante de coexistência, no mesmo coração, das três aber- turas (buraco oval, perforação do septo interventrieular e canal arterial), pelas ■ Observação 62. 2 Observações 18, 19, 20, 21, 22, 23, 3o, S6, 57, 38, 39, 63, 64, 77, 78. 3 Observações 33, 34, 33, 36, 37, 38, 39, 77, 78. * Observações 33, 56, 57, 58, 39, 77, 78. 104 ESTUDO SOBRE AS quaes o sangue venoso pôde misturar-se com o sangue arterial. Esta triplica via de communicação era acompanhada de extraordinária stenose (quasi atre- sia) do oriQcio pulmonar, hypertrophia concêntrica do ventrículo direito, dilata- ção hypertropliica da aurícula direita e insuíiiciencia da válvula tricuspida. CAPITULO VI Eotocardia ou deslocamento do coração Falta-nos ainda fallar d'uma alteração que apresentava o coração, já tão anó- malo, do nosso doente; referinio-nos á posição extraordinária do coração, e tão rara deve ella ser que não a vimos mencionada em escripto algum. É um des- locamento duplo, a que demos o nome de trochocardia ou trochorizocardia (trochan rodar, horison horisontal e kardia coração), isto é, coração horisontal e tendo rodado sobre o seu eixo. Em consequência da raridade d esta ectocardia, apresentámos á Academia Real das Sciencias uma memoria intitulada ApoiUaniPiitos acerca das ectocardias a propósito duma variedade não descripta, a trochocardia ', na qual depois de darmos uma classificação regular dos deslocamentos do coração, que denominá- mos ectocardias, descrevemos as diííerentes espécies, exemplificando-as com observações, pela maior parte originaes, acompanhadas dos traçados sphyg- mographicos. Para maior clareza d'este assumpto, parece-nos conveniente extractar para aqui o que acerca d'elle exposemos na referida memoria. I DEFINIÇÕES E CLASSIFICAÇÃO Damos o nome de ectocardia (de vz-roi, ektos, fora, e Kxpòia, kardia, co- ração) ás mudanças de posição do coração. Exprime este vocábulo o que é ge- ralmente conhecido pelas denominações de deslocamentos do coração, vicias de situação do coração, diastases ou desvios de situação e de direcção do cora- ção, etc. Breschet, com outros médicos, denominou ectopia (de e/., ek, fora, e ronoç, topos, logar, região) aos deslocamentos do coração, comprehendendo n'aquella designação as hérnias d'este órgão. í Lisboa, MDCCCLXVI. PERFOHAÇÕES CARDÍACAS 105 O termo ectopia tem porém siçrnificarrio muito mvnis lata segundo o rigor etymologico: significa o deslocamento de qualquer parte, as alterações de silua- çrio dos órgãos; é synonimo, em summa, de deslocamento. I'ara restringir a signiricaeão do termo ectopia, referindo-o unicamente ao coração, é necessário juntar-liie o epitheto cardíaca. É para evitar esta longa denoniinagão de ectopia airdiaca, que propomos o termo cctocardia (coração fora do seu logar), que é de bom cunho e defme bem a espécie pathologica. Com quanto não votemos, em geral, pelo augmento do vocabulário me- dico, já tão extenso, e sejamos de parecer que ainda não chegou o tempo de estabelecer um syslema perfeito de nomenclatura nosologica, que virá quando a sciencia possuir uma classificação natural das doenças, que lhe sirva de base, preferimos comludo um termo, que exprima bem a idéa, a uma incommoda periphrase. O coração deslocando-se pôde conservar-se na cavidade thoracica, ou sair d"esta. Daqui vem a primeira divisão das ectocardias em ectocardia intratho- racica, ou ectocardia propriamente dita, e ectocardia extrathoracica, ou hérnia do coração, que poderia designar-se pelo termo cardiocele {kardia, coração, e y.Tj.T,. kélé, tumor, hérnia). A ectocardia pôde eíTectuar-se em vários sentidos, os quaes servem para caracterisar as divisijes de cada uma das ordens mencionadas. Assim, se o co- ração se desvia para um dos lados da cavidade thoracica, temos a ectocardia lateral: se para a hnha mediana, ou no sentido vertical, constitue a ectocardia central ou vertical. Cada um doestes géneros de ectocardia offerece particularidades^ que teem servido para distinguir varias espécies. Na ectocardia intrathoracica lateral o coração occupa o lado direito ou o esquerdo da cavidade do peito. No primeiro caso temos a dcxiocardia (de Síh.o;, dexios, direito, e kardia, coração), ou car- dianastrophia (de -/.xcdix, coração, avx, aria, em sentido contrario, e ç-psifsív, strephein, girar), como diz Hoffmann*: no segundo caso ha o deslocamento cardíaco lateral esquerdo, o qual por abreviatura denominaremos arislrocar- dia (de ap^-socc, aristeros, esquerdo, e kardia, coração). Tanto a dexiocardia como a aristrocardia podem ser completas, totaes, ou incompletas, parciaes, isto é, o coração ou é deslocado em totalidade para um dos lados do peito, deixando inteiramente a sua região habitual, ou se des- via somente em parte, mudando apenas de direcção, para qualquer dos lados (dexiocardia ou aristrocardia parcial). No primeiro caso as cavidades cardíacas ou conservam as suas relações normaes, ou inverteiu-se, quer dizer, as esquer- das ficam á direita e vice-versa. No segundo caso, como no primeiro, o des- ' Cardianastrophia admiranda. Leifizig, 1761. MEM. DA ACAD. — 1.* CLASSE. T. IV, V. U. 14 106 ESTUDO SOBRE AS vio lateral do coração pôde ser tal que este órgão se torne transversal. A esta espécie de ectocardia lem-se chamado deslocamento transversal, horisontal do coração; não vale a pena dar-lhe um nome de origem grega, que poderia ser horizocardia (de opiÇ™, horizón, horizonte, e kardia). Esta forma de desloca- mento constituirá para nós, como veremos, uma das variedades da dexiocardia e da aristrocardia. Incluímos no género ectocardia lateral uma espécie, em que o coração, além de estar horisontal, tem volvido ou rodado sobre o seu eixo ou linha media, apresentando d'este modo um duplo desvio, na direcção geral do órgão e na relação das suas partes. A esta espécie, que não vimos mencionada nos escriptos que consultámos, e da qual daremos um frisante exemplo, denominaremos, para guardar harmonia na nomenclatura, trochocardia (de rpoxo;, trochos, r&o/av, trochan, roda, rodar, e kardia, coração) ou melhor trochorizocardia. Na ectocardia central ou vertical, em que o coração se acha, mais ou me- nos, na direcção vertical, este órgão ou está situado na parte media do peito, (deslocamento mediano), ou na parte superior (deslocamento para cima), ou na parte inferior (deslocamento para baixo). D'aqui procedem três espécies que po- dem ser designadas, a primeira mesocardia (de ueo-o;, mesos, meio, e kardia, coração), a segunda epicardia (de s-rn, epi, acima, e kardia, coração), e a ter- ceira hypocardia (de útto, hypo, abaixo, e kardia coração). Nas ectocardias extrathoracicas ou cardioceles ha três espécies fundamen- taes, que foram bem descriptas por Breschet, que as denominou ectopia tho- racica, ectopia abdominal e ectopia cervical. As duas ultimas espécies já tinham sido indicadas antes de Breschet por Fleischmann (1810), e com mais precisão por Veesse (1818). Parece-nos satisfactoria esta divisão que adoptámos, substi- tuindo o termo ectopia por ectocardia. Notaremos ainda de passagem que pela expressão hérnia do coração, en- tenderemos sempre a saida do coração da caixa thoracica, como fica dito. É por isso imprópria a epigraphe de hérnia do coração, hérnia of lhe heart, dada por Hird ao caso anatomo-pathologico, de que apresentou um specimen á So- ciedade Medica de Westminster, em sessão de 18 de novembro de 1848, e que consistia na passagem do coração para fora do pericárdio, que tinha em um lado uma bolsa pendente ^. Postas estas noções, que bem rápidas foram, representámos no seguinte quadro uma classificação, que nos parece abranger as espécies principaes de deslocamentos cardíacos que teem sido observados: 1 The I^ancet, l. U, pag. 611. London, 1848. Ectocardia. PERFORAÇÕES ('.AUDIACAS 107 , Dexiocardia / lateral .... | Aristrocardia /,..,. \ ( Trochocardia Intrathoracica... . < „ ,. \ ] I Mesocardia ] \ central . . . | Epicardia í ( Hypocardia / /Thoracica \ Extrathoracica ou cardiocele. . Abdominal ( Cervical Estas espécies de ectocardia podem combinar-se umas com outras de dif- ferentes modos, como veremos, quando tratarmos de cada uma d'ellas em par- ticular, apreciando as condições principacs de sua producção. Na classificação ectocardiaca, que acabámos de apresentar, tivemos em vista distribuir as espécies fundamentaes conliecidas, de modo a facilitar a mnemo- nisação, e designar cada uma d'ellas por um vocábulo apropriado. Não é preciso ser versado na lingua grega para descobrir a etymologia dos termos empregados, que bem poucos são; raro medico se encontrará que não esteja no caso de o saber. Comtudo para aquelles que desconhecerem as raizes gregas, ou preferirem outra nomenclatura, vamos indicar o modo por que se podem exprimir as differentes espécies de ectocardia, que se reduz á versão dos termos gregos. Assim, dexiocardia ou desvio do coração para o lado direito da cavidade thoracica, ou simplesmente desvio lateral direito; aristrocardia ou desvio do coração para o lado esquerdo, ou desvio lateral esquerdo; trochocardia ou des- vio horisontal do coração com rotação d"este órgão ou desvio horisonlal rotató- rio*; mesocardia ou coração collocado verticalmente, ou quasi, na parte media da cavidade do peito, ou desvio para o centro; epicardia ou desvio do coração para cima ; hypocardia ou desvio do coração para baixo. Estas espécies de ectocardia offerecem variedades, que serão descriptas a propósito de cada uma das espécies. ' Quando descrevermos esta espécie veremos, pelos seus caracteres, que ella não é um desvio rigorosamente lateral, mas central, horisontal e rotatório simultaneamente. 14. 108 ESTUDO SOBRE AS n DEXIOCAKDIA A primeira espécie que se offerece ao nosso exame, é a que mais tem attrahido a attenção dos observadores, sendo quasi a única que mereceu des- cripção especial; referimo-nos á dexiocardia. Não concordam os auctores no verdadeiro sentido que deve ligar-se á pa- lavra dexiocardia. Bérard comprehende no deslocamento lateral direito do co- ração todas as mudanças de posição, em que o vértice do coração é desviado para o lado direito da cavidade thoracica, qualquer que seja a causa da ecto- pia. «Chez les sujets qui offrent une transposilion complete des viscères, le coeur a sa pointe dirigée à droite et en avant, et sa base en sens 'opposé. Le mème changement de direction a été observe dans des cas oú les viscères n'é- taient pas transposés^» Opinavam já deste modo os observadores antigos, taes como Cardano nos fins do século XVI, Riolano no meado do século XVII, Bonet no fim do século XVIII, e a maior parte dos médicos modernos, os quaes apesar da diversidade de ori- gem das dexiocardias, não deixam por isso de as designar todas pelo mesmo nome. O sr. Bouillaud porém não é d'este parecer, e dá como caracter essencial da dexiocardia a transposição completa do órgão, isto é, o coração não só está no lado direito do peito, mas as suas cavidades esquerdas occupam o logar das direitas, e vice-versa, havendo simultaneamente a situação invertida das outras vísceras -. O abalisado professor de clinica medica participa n'este ponto da opinião do celebre teratologo Isid. Geoffroy Saint-Hilaire, que parece excluir da classe das anomalias, a que impoz o nome de hetcrotaxia, os casos em que o coração é a única víscera transposta, existindo na cavidade direita do thorax^. É considerar o objecto debaixo de um ponto de vista particular. Definida a dexiocardia, como quer o dr. Bouillaud, cabe a esta espécie de ectocardia o nome de cardianastrophia (de kardia, coração, ana, em sentido contrario, e stirphein, girar), empregado por HoíTman no século XVII, ou mais precisamente a designação de trochodexiocardia, porque efifectivamente o cora- ção roda da esquerda para a direita. ' Dictionnairc de medecine, 3" ed., t. VIII, pag. 218. Paris, 1834. - Traite cliniíjue des maladies dii co?in , t. II, pag. 665. Paris. 1841. 3 Traité de téralohgic . Paris, 1832. PERFORAÇÕES CARDÍACAS 1 09 Adoptando o sentido etymologico do termo, denominámos dexiocardia o vi- cio de situação do coração, em que este órgão, total ou parcialmente, está des- viado para o lado direito da cavidade thoracica, quer este vicio se ligue á trans- posição das vísceras, quer a outra causa qualquer. Dizemos total ou parcialmente, porque a observação tem mostrado o cora- ção, ou collocado todo no lado direito, tendo perdido a sua região normal, ou somente parte delle, o vértice, o que é mais frequente. D'aqui procedem duas variedades de dexiocardia, completa ou total, e incompleta ou parcial. A ultima parte da definição diz respeito á distincção que pôde estabelecer-se nas dexiocardias com relação á sua causa ou origem. A dexiocardia effectiva- mente é ou um vicio congénito ou adquirido. No primeiro caso ou faz parte da anomalia geral das outras vísceras, da hete- rotaxia^ do que os fastos da observação conteem já um bom numero de exemplos, ou existe só de per si, sem a inversão de outros órgãos, do que Bonet colhera uma observação interessante em iG7I ; Breschet notara caso análogo em quatro indivíduos, e mais exemplos se encontram registados nos archivos scientifi- cos. No segundo caso a dexiocardia liga-se a uma causa accidental, que obrigou o coração a desviar-se, mais ou menos, para o lado direito do peito. D'aqui procedem duas variedades de dexiocardia, congénita e accidental. Não achámos razão plausível para não incluir todas estas variedades de deslocamento, em que o coração toma uma posição análoga, embora devida a causas diCferentes, debaixo do mesmo nome, dexiocardia, que não significa mais do que a situação anormal do órgão, a nova relação em que elle se acha cora os órgãos visinhos. Nem pôde servir de objecção a este modo de ver^ a consideração de que a dexiocardia, no sentido restricto que lhe dá o sr. Bouillaud, é um vicio con- génito, como as anomalias de transposição completa das vísceras, porque ano- malias ha, e mesmo do coração, que podem ser devidas a estados mórbidos, desenvolvidos durante a vida intrauterína ou extrauterína, o que é admittido pelo mesmo exímio professor de Paris. Além de que muitas vezes o observador o mais perspicaz hesita na determinação da origem da anomalia. Seja como for, é um facto de observação a dexiocardia, e que esta pôde ser congénita ou accidental, completa, total ou incompleta, parcial. Varia muito o grau de desvio do coração; as mais das vezes este órgão está em direcção obliqua de cima para baixo, e da esquerda para a direita. Ca- sos ha, porém, em que o vértice se eleva a ponto do coração tomar a direcção horisontal ou mesmo obliqua para cima. É a dexiocardia transversal ou horison- tal no primeiro caso, e dexiocardia superior no segundo. Pôde ainda o coração descer no lado direito do peito, pouco em geral por 110 ESTUDO BOBRE AS causa do fígado. Temos enlão a variedade que denominaremos deaiocardia in- ferior. A dexiocardia congénita é ao mesmo tempo completa ou total. Raramente se encontra um caso em que, n'esta espécie, só o vértice do coração tenha sim- plesmente mudado de direcção para o lado direito; é todo o coração que se des- loca ordinariamente. Nos annaes da sciencia acham-se consignados, como dissemos, muitos ca- sos de ectocardia congénita, que teem entretido a imaginação a mais de um es- criptor. Foi, segundo refere o sr. Bouillaud, a propósito da inversão das vísce- ras de um soldado dos inválidos notada na autopse feita por Méry em 1680, que o celebre Leibnitz compoz estes quatro versos: La nature, peu sage, et sans doute en débauche, Placa le foie au côté gaúche ; Et de mênie, vice versa, Le coeur à la droite placa. Para StoU, que observou um caso de transposição completa das vísceras thoracicas e abdominaes, esta anomalia era um jogo extraordinário da natu- reza. O museu da escola de medicina de Lisboa possue um bom exemplar de situs inversus do coração, fígado e baço. Uma das observações mais completas, bem descripta, e muito notável a mais de um respeito, é devida ao sr. Bouillaud, e foi publicada em 1824, pelo dr. Dubled nos Arch. gén. de médecine, e reproduzida no riquíssimo Traitè des mal. du coeur (t. II, pag. 667 a 671) d'aquelle sábio medico. A dexiocardia congénita reconhece também por causa as hérnias congéni- tas dos órgãos abdominaes para a cavidade thoracica através do diaphragma. Um dos factos mais notáveis é o que foi observado por Veillant, citado pe- los drs. Bouillaud e Stokes, em uma creança que viveu sete annos, tendo na cavidade esquerda do peito grande parte dos intestinos, o baço e o pâncreas, e na cavidade direita o coração, a thymus e os dois pulmões. Os srs. Bouillaud, Stokes e Cruveiihier referem ainda outros casos curiosos. A dexiocardia accidental ou adquirida offerece muito mais interesse sob o ponto de vista clinico. A sua etiologia e prognostico são muito importantes para merecerem a devida apreciação. As causas da dexiocardia accidental residem no peito ou no ventre. Das primeiras a mais frequente é a coUecção de liquido na cavidade esquerda do peito, hydrothorax c empyema. O derramamento pleuritico pôde ser livre, ou enkystado; este é muito mais raro. PEKFOKAÇÔHS CARDÍACAS 111 As dexiocardias por diTiamanienlo llioracico são conhecidas desde muito tempo; temos observado alguns casos. O liemothorax raramente produzirá a dexiocardia, porque, ou a eITusão de sangue é pequena, e por isso insutliciente, ou é abundante, e então a morte é a sua consequência immediata. Não são os derramamentos liquidos somente que determinam a dexiocar- dia ; os derramamentos de fluidos aeriformes dão resultado análogo. Para exem- plo citaremos o caso observado pelo dr. Budd no king's CoUege Hospital, e ex- tensamente relatado pelo sr. Jordan na Laiicct. O hydropneumothorax esquerdo opera do mesmo modo o deslocamento lateral direito do coração. O emphysema pulmonar ò incluído também na etiologia da dexiocardia; porém raramente a produzirá, já por aquella doença atacar de ordinário os dois pulmões simultaneamente, já por não ter a extensão necessária para dar aquelle resultado. As hydropisias enkystadas do tliorax teem também produzido a dexiocar- dia, do que Larrey, citado pelo dr. Bouillaud, observou um caso. Tumores de differentes espécies desenvolvidos no lado esquerdo são outra causa de dexiocardia, do que já Boerliaave forneceu um exemplo na aulopse do marquez de Saint-Auban, cujo coração tora impellido para a cavidade thoracica direita por um grande tumor. As causas de dexiocardia que temos enumerado, teem a sua sede no lado esquerdo do peito, e actuam pela pressão lateral, excêntrica, que exercem sobre o coração, pelo que a dexiocardia poderia chamar-se n'este caso excêntrica (Stokes). A retracção ou atrophia do pulmão direito por qualquer affecção é sus- ceptível de dar origem á dexiocardia. Os tubérculos, a gangrena, o desappare- cimento de grande hydrothorax e do empyema do lado direito, estão no mesmo caso. Esta espécie de ectocardia pôde chamar-se concêntrica por opposição á precedente. O dr. Stokes communicou em 1850 á sociedade pathologica de Dublin um caso de deslocamento transversal do coração para a direita (dexiocardia trans- versal) observado em uma gangrena chronica do pulmão *. Pelo que respeita ao diagnostico, prognostico e tratamento, deduzem-se do que levámos expendido. Temos pois, que a dexiocardia é congénita ou accidental, total ou parcial, simples ou com inversão, transversal, superior, e inferior. As causas occasio- naes mais frequentes da dexiocardia são os derramamentos pleuriticos do lado esquerdo. ' Op. cit. pag. 46. 112 ESTUDO SOBRE AS lU ARISTROCARDIA Damos este nome ao vicio de situação do coração, em que este órgão, to- tal ou parcialmente, se desvia para a esquerda, deixando a região que occupa normalmente. É o deslocamento lateral esquerdo do coração. Dizemos total ou parcialnw/He, porque umas vezes lodo o coração é des- locado para a esquerda, outras só parte d'elle, a extremidade livre; o que é mais frequente. N"este desvio a ponta do coração eleva-se mais ou menos, chegando a tor- nar-se horisontal, e constitue então a variedade de aristrocardia, que pôde por esta circumstancia denominar-se aristrocardia transversal. A elevação do vértice do coração pôde ainda ser maior, indo bater na re- gião subclavicular, pelo que caberia a esta variedade a designação de aristro- cardia superior ou subclavicular. Noutros casos o coração além de desviar-se para a esquerda desce mais ou menos, chegando o seu vértice o pulsar no hypochondrio esquerdo, pelo que esta variedade se poderia designar aristrocardia inferior. Entre estes desvios ha muitos graus, que em verdade não merecem men- ção especial. As causas da aristrocardia residem no peito ou no abdómen, sendo as mes- mas que as da dexiocardia, e actuando de egual modo. Nas suas grandes hypertrophias e dilatações o coração desloca-se muitas vezes para a esquerda, e o seu vértice vae percutir a parede lateral do thorax muito longe do sterno; em alguns casos a direcção do primeiro motor da circulação é horisontal. O iilustre Corvisart chega a considerar como constante este deslocamento nos casos de grande dilatação cardíaca. Os copiosos derramamentos pleuriticos do lado direito, mormente quando se formaram com rapidez, hydrolhorax, empyema, pneumothoras, hydropneu- molhorax, e os tumores de qualquer natureza, principalmente os aneurismas da aorta, taes são os estados pathologicos a que mais frequentemente se liga a aristrocardia. Os aneurismas da aorta ascendente e da crossa determinam mais vezes a aristrocardia inferior; os tumores da base do peito, como os do hypochondrio, originam a aristrocardia transversal ou superior. A atrophia do pulmão esquerdo por qualquer causa, e com particularidade quando a ella se segue o desapparecimento dum derramamento pleuritico, as PERFORAÇÔES CARDÍACAS 1 1 3 largas cavernas pulmonares que ahateram, e ás quaes adheria o pericárdio, fa- zem também parte da etiologia da arislrocardia. Segundo o dr. Stokes, o desvio da ponta do coração para a esquerda, como para a direita, pôde ser momentâneo, verificando-se este caso no hydropericar- dio segundo a posição do doente : «... from a accumulation of fluid in the sac, the apex of the heart is found to impinge against different position of the chest, according to lhe position of the patient*.» Admitte Smith que a pulmonite aguda é lambem uma causa de desloca- mento do coração. Sendo tão frequente aquella doença, parece que devia ser objecto assentado e não controverso; o que nos faz duvidar já da veracidade do facto. Será possível um deslocamento por esta causa, mas deve ser tão ligeiro, que poderá considerar-se nuUo. Nas numerosas observações de pulmonite que temos colhido e publicado, nunca notámos a ectopia cardíaca. O facto se existe, é pois muito raro. A arislrocardia total ou completa é, como dissemos, mais rara, e de ordi- nário devida á presença de tumores. O dr. Houston, citado pelo dr. Stokes. observou um caso, em que existiam tumores cancerosos nos dois pulmões, sendo o direito mais affectado; o mediastino e o coração tinham sido repelli- dos para o lado esquerdo (. . .the mediastinum and heart were pushed to the ieft side). As causas da arislrocardia residentes na cavidade abdominal são a ascite, a hypertrophia considerável do baço, os tumores que fazem grande projecção na cavidade fhoracica ou hérnia atravez do diaphragma. O modo d'acção é sem- pre o mesmo, e o effeito proporcionado á pressão que exercem sobre o coração. O diagnostico, prognostico e tratamento da arislrocardia nada offerecem de especial, e por isso nada diremos a este respeito. Em resumo, a arislrocardia pôde ser total ou completa, parcial ou incom- pleta, transversal, superior e inferior, segundo a direcção do coração. rv TKOCHOCARDIA Passemos a indicar os caracteres do deslocamento cardíaco, a que demos o nome de trochorizocardia ou simplesmente trochocardia (de trochan, rodar, e kardia, coração). * The diseases of the heart and lhe aorta, pag. 452. Dublin, 1854. MEM. DA ACAD. — 1.^ CLASSE. T. IV. P. H. IS 114 ESTUDO SOBRE AS N'esla espécie de ectopia o coração assenta horisonlalinente sobre o cen- tro do diaphragma, pela sua face posterior, ficando a base voltada para a di- reita e o vértice para a esquerda, depois de ter rodado ou volvido sobre o seu eixo, de modo que a face anterior do órgão se torna superior, o bordo direito e parte da face posterior olham para diante, o resto d'esta face, dirigida para baixo, apoia sobre o diaphragma, e o bordo esquerdo do coração e uma pequena parte das faces contíguas ficam voltados para traz e para baixo. As artérias pulmonar e aorta acompanham o coração n'este deslocamento ; a primeira de anterior que era na sua origem passa a ser posterior, em quanto que a segunda vem para a parte anterior, encobrindo a extremidade cardíaca da artéria pulmonar. As aurículas seguem o movimento da massa ventricular, que constilue a parte principal do coração. Ha pois na trochorizocardia dois deslocamentos; um que consiste na des- cida da base do coração, pelo que este órgão se coUoca horisontalmente na base do peito, e outro que depende da rotação do coração sobre o seu eixo, agora horisontal, de baixo para cima e do ventrículo direito sobre o esquerdo; é n'este segundo desvio ou mudança de relação das partes que está o caracter fundamental d'esta espécie de ectocardia, e pelo qual a denominámos com par- ticularidade trochocardia. Talvez se não julgue bem coUocada a trochocardia no deslocamento late- ral, porque o coração repousa na parte media da base do thorax. Pôde ser; porém incluimol-a n"aquelle grupo para não fazer um género á parte. Além d'isso, como o coração está transversal, e os desvios transversaes entram na ecto- cardia lateral, e por outro lado comprehendendo-se na ectocardia central os des- vios effectuados no sentido vertical, preferimos fazer da trochocardia uma espé- cie do género ectocardia lateral. Emfim fica archivada mais uma forma de vicio de situação do coração. Não é outro o nosso propósito. Não poremos termo a este estudo sobre a trochocardia, sem indicar uma forma de deslocamento do coração, que representa bem uma das partes, para assim dizer, da trochorizocardia; queremos fallar da posição do coração, em que este órgão está deitado horisontalmente sobre o diaphragma, no meio da base do peito, e não propellido para um dos lados, como succede na variedade transversal da dexiocardia ou da aristrocardia. Temos notado, principalmente em casos de grande hypertrophia excêntrica dos dois ventrículos ou de dilatação simples d'estes, acompanhada de dilatação da aorta ascendente e da crossa, o coração horisontal com a base descaída e collocada na cavidade direita do peito, ficando parte do coração á esquerda e parte á direita da linha mediana, a qual por isso é perpendicular ao meio, pouco mais ou menos, do coração. N'este deslocamento, o coração está no meio PliRFOUAC.ÕKS CAHDIACAS 115 lia base do \M'\la. iia linha mediana, não na dircccãd liCsla, mas pcípciídicniar a olla. É para este deslocamento, que poderia ibrmar uma espécie dislincla, que i'eservariamos a denominação de horizocardia ou do, deslocamento liorisontal, se geralmente se não applicasse este epilhcto, ou o de transversal, a lodos os casos em que o coração toma a posição transversal, embora seja por simples desvio, para cima, do vértice d'este órgão. Poderia mesmo fazer-se d'aquelle des- locamento um género com duas espécies, uma horizocardia simples, outra ho- rizocardia com rolarão ou irochorizocardia. Do que levámos dito se collige: 1." Que o coração pôde deslocar-se para a parte inferior e tornar-se intei- ramente liorisontal. 2." Que este desvio é simples, ou acompanhado de rotação, maior ou me- nor, do coração sobre o seu eixo ou linha longitudinal. No primeiro caso o desvio constitue a horizocardia. e no segundo a tro- chocardia ou irochorizocardia. Terminaremos aqui o estudo das espécies cornprehendidas no género eclo- cardia intrathoracica lateral. MESOCARDIA Descriptas as espécies e variedades do primeiro género de ectocardia in- terna ou intrathoracica, passemos ao estudo das espécies que formam o segundo género, ectocardia central, da mesma ordem. Não deve surprehender a rapidez com que nos propomos descrever estas espécies, porque os auclores que faliam n'ellas, não tratam de nenhuma em particular. Quasi todos se limitam a consideral-as em geral. Na ectocardia central o desvio faz-se mais ou menos, no sentido da linha mediana, vertical, da cavidade thoracica, e por isso cabe egualmente a este des- locamento a designação de ectocardia vertical. Este género de deslocamentos cardíacos é muito mais raro do que o late- ral, e tanto que o sr. Curveilhier apesar de sua extensa observação afQrma não conhecer caso algum d'este género; comtudo, o insigne professor d'anatoraia pa- thologica não nega a existência d'este desvio. «Je ne connais pas dexemple de déviation dans la direction du cceur independente de l'inversion splanchnique ; je ne connais pas non plus d'exemple de cceur humain verticalement dirige comme chez les animaux; les tumeurs médiastines, les epanchements pleureux sont les causes les plus ordinaires de cette déviation, qui peut être porlée 15. 116 ESTUDO SOBRE AS à un tel degré que la pointe du coeur soit refoulée à droite de la ligne me- diana'.» Bérard já duvidava da existência da ectopia vertical e transversal no feto: «11 est douteux, diz elle, qu'on ait vu, dans le foelus, le coeur tout à fait verti- tical, comme chez les animaux, ou coniplétement dirige en travers; ce sont, au reste, des variétés anatomiques peu dignes d'intérêt^.» São porém muitos os observadores que viram os deslocamentos centraes ou verticaes do coração, como já dissemos, e teremos occasião de mostrar ainda, e por isso não nos parece que haja razão fundada para pôr em duvida a existência d'estas ectocardias. A primeira espécie de que nos vamos occupar, é a que designámos pelo vocábulo mesocardia (de niesos, meio, e kardia, coração). Consiste a mesocardia em o coração achar-se na parte média da cavidade thoracica. O vértice do coração desvia-se da esquerda para a linha mediana e a base volta-se para a parte superior, d'onde resulta ficar todo o órgão na di- recção do slerno. Este deslocamento pôde considerar-se como uma phase ou grau da dexio- cardia, isto é, quando o coração não é impellido de súbito para o lado direito do peito, mas sim lentamente, elle fica, mais ou menos tempo, na posição ver- tical, na linha mediana, ou em mesocardia; continuando o desvio, o coração vae collocar-se á direita e formar a dexiocardia. N'este caso a mesocardia é um pe- ríodo de transição para o dexiocardia. Pôde também a mesocardia significar o regresso, para a posição normal, do coração que esteve deslocado no lado direito do peito, do que observámos um bom exemplo a propósito da dexiocardia. Em outros casos porém a mesocardia permanece, e constitua todo o des- locamento. Os auctores não fazem d'esta forma de deslocamento uma espécie distin- cta ; incluem-na, pelo que pode inferir-se da leitura de seus escriptos, na epi- cardia, ou deslocamento vertical para cima Comtudo, parece-nos que esta espécie, com quanto seja rara, existe sem que ao mesmo tempo o coração tenha subido de modo notável. ' Trinlè tVanal. palhulogique génrralc, t. I", pag. 730. Paris, 1849. - Dir. de méd., l. VIU, pag. 21'J. Paris, 1834.' PKRFOHAÇÔKS CAUDIACAS 117 VI HYPOCARDIA Em seguida á mesocardia vae occupar a nossa atlenção a hypocardia, pe- las estreitas relações que esta tem com aquella, da qual apenas differe no des- vio para baixo. A hypocardia é um deslocamento central, em que o coração, em direcção mais ou menos vertical, desce, desvia-se para a parte inferior; d'aqui vem a origem do nome. N'esta espécie de ectocardia o diaphragma está deprimido, e o vértice do coração percute no epigastro e mais abaixo. O termo hypocardia, no sentido restricto em que o tomamos aqui, não ex- prime exactamente o mesmo que as expressões deslocameiílo do coração para baixo, prolapso do coração, procidencia do coração, empregadas por differen- tes observadores, por quanto estas expressões significam todos os deslocamen- tos para baixo, tanto no sentido da linha mediana ou vertical, como no lateral ou obliquo. Ora os deslocamentos d'esta espécie, segundo a classificação que apresentámos, entram no género ectocardia lateral, fazendo parte das espécies dexiocardia ou aristrocardia. Gomtudo, não achámos inconveniente em admittir a hypocardia como um género, representando todos os deslocamentos do coração para baixo da sua região normal, com duas espécies, uma central, outra lateral, sendo esta di- reita ou esquerda. Do mesmo modo que poderia fazer-se do deslocamento ho- risontal, horizocardia, um género abrangendo todos os casos em que o coração toma a posição horisontal, com duas espécies, uma lateral (que corresponderia á dexiocardia ou aristrocardia transversal), com duas variedades, a lateral direita e a lateral esquerda, e outra central, em que o coração está collocado transver- salmente na parte inferior da linha thoracica mediana, tendo também duas va- riedades, uma central simples ou sem rotação (horizocardia central simples), e outra com rotação ou trochocardia propriamente dita. Em matéria de classificação, que são todas artificiaes, mais ou menos, po- de-se tomar para guia este ou aquelle principio, ou ponto de vista que julgá- mos mais importante. Continuaremos a seguir a classificação que apresentámos, por nos parecer a mais conforme aos factos, e mais simples, embora a não jul- guemos fora do circulo das objecções. O dr. Walshe descreve com o nome de procidencia (procidentia of the heart) o deslocamento em que o coração é desviado para bai.xo e para a linha 118 ESTUDO SOBIíE AS mediana, correspondendo a impulsão do coração ao epigastro. ordinariamente entre o appendice xiplioideo e o rebordo costal esquerdo '. Este deslocamento é o que designámos hypocardia. É porém impróprio o vocábulo escolhido pelo dr. Walshe para o significar, por quanto o termo pro- cidencia (de procidere, cair) é empregado em medicina para exprimir a saida, a projecção duma parte através de qualquer abertura natural ou accidental (pro- cidencia da iris, do recto, do útero, etc). N'esta espécie de ectopia o coração desce mais ou menos no ventre, aonde forma um tumor pulsátil. VII EPICARDIA Eis-nos chegados á ultima espécie de deslocamento do coração intratho- racico central. Este desvio opera-se em sentido inverso do que acabamos de descrever. A esta espécie de ectocardia denomina Stokes deslocamento vertical superior (vertical displacement npivards). Consiste a epicardia, como o nome indica, no desvio do coração para a parte superior, conser.vando-se este, pouco mais ou menos, na linha mediana. Na epicardia o deslocamento é da totalidade do órgão, cuja base se eleva também, aproximando-se mais ou menos do vértice da cavidade thoracica. É por esta ultima circumstancia que a epicardia differe da dexiocardia ou aristro- cardia superior, era que é o vértice do coração que se desloca para cima e para a região subclavicular, em quanto que na epicardia o vértice do coração se di- rige para o sterno. Tera-nos parecido que ordinariamente o coração não permanece vertical na linha mediana, mas sim com obliquidade, elevando-se a base para cima e para a direita. As causas d'esta ectocardia são os derramamentos pleuriticos e os tumo- res da base do thorax. São occasionados as mais das vezes pela ascite, kystos consideráveis dos ovários ^, tumores de qualquer natureza desenvolvidos no ventre, grande volume das vísceras abdominaes, etc. ' Op. cit., pag. 167. ^ Temos actualmente na enfermaria de clinica medica da escola, a nosso cargo, um caso notável de epicardia, devido a um enorme kysto multilocular do ovário di- reito, que dilata extraordinariamente todo o ventre. O coração está situado quasi verti- calmente por detraz da parte superior do sterno, occupando o espaço que vae desde a segunda cartilagem costal (d'um e outro lado) até á quarta cartilagem (direita e es- querda) e a porção intermédia do sterno; o vértice do coração percute no terceiro es- paço intercondral esquerdo perto (dois centímetros) do bordo do sterno. PEUFOliAr.ÕRS CARDÍACAS 119 Walshe observou um caso devido á hypertrophia do baço na leucocylhe- mia. As affecções do pulmão que tenham diminuído o volume da extremidade superior d'esta víscera, como a tuberculose com atrophia do pulmão, encerra- mento das cavernas c retracção da matéria exsudada, tanto intersticial como pleural, são apontadas como causas da epícardia. Varias causas podem coexistir e cooperar para o desvio de situação do ór- gão central da circulação. Eis as conclusões, que em a nossa citada memoria tirámos do estudo acerca das ectocardias: 1.* O coração é susceptível de muitos c variados deslocamentos. 2.^ Os deslocamentos são congénitos ou accidentaes; parciaes ou lotaes. 3.* Os deslocamentos cardíacos verificam-se, já dentro da cavidade tliora- cica (ectocardias intrathoracícas), já para fora d'esta cavidade (ectocardias extra- thoracicas ou cardioceles). 4.* Nos deslocamentos herniarios o coração ou passa para a cavidade abdo- minal (cardiocele intra-abdominal) ou vae para o exterior (pescoço, thorax, e abdómen). 5.* O termo ectopia geralmente empregado para designar os deslocamen- tos do coração é impróprio; para o substituir propomos o vocábulo ectocardia. 6.* Às espécies de ectocardia descriptas deve acrescentar-se uma, que ob- servámos, e a que demos o nome de trochocardia, ou mais rigorosamente iro- chorizocardia. 7.^ Sendo admittido, como é, o termo dexiocardia, de origem grega, para exprimir o deslocamento lateral direito do coração, propomos para designar as outras espécies de ectocardia, que não teem denominação especial, os termos aristrocardia, mesocardia, epicardia e hypocardia, todos egualmente de ori- gem grega, e contendo cada um d'elles só de per si a definição do desvio car- díaco. 8.-' Para conservar harmonia em toda a nomenclatura, chamámos ás hér- nias do coração cardioceles; á hérnia cervical cardiocele auchenio, e á hérnia abdominal cardiocele celiaco. d.^ Os deslocamentos do coração, ou ectocardias, são conhecidos ha muito tempo; a espécie trochorizocardia não se encontra mencionada. 10.'' É importante o estudo das ectocardias. Na clinica medica o diagnos- tico, prognostico, e tratamento de muitas doenças, dílucidam-se com o conhe- cimento da existência e curso das ectocardias adquiridas ou accidentaes. 11.* As funcções do coração, bem como as dos demais órgãos, não se per- turbam, em geral, com as ectocardias. Era um facto já conhecido. 12.^ Aos meios, pelos quaes se demonstrava a veracidade da proposição 120 ESTUDO SOBRE AS precedente, juntámos um, o sphygmographo, que não nos consta tenha sido antes de nós empregado nas dilíerentes espécies de ectocardia; pelo menos não conheciamos observações feitas n'este sentido. 13/ Por meio do sphygmographo mostrámos que o pulso não se altera, nos seus caracteres principaes, quer no augmento progressivo do deslocamento, quer no regresso gradual do coração á sua região normal. li.^ Por meio do sphygmographo mostrámos que a forma do pulso, pró- pria de certas lesões dos grossos vasos e do coração, não se altera com a ecto- cardia. Não temos também conhecimento de observações d'esta ordem, nem que o facto tenha já sido indicado. 15.* O mesmo individuo pôde em occasiões diversas apresentar varias es- pécies de ectocardia sob a influencia de causas análogas, ou da mesma causa actuando em differente grau. Em todos estes casos o sphygmographo nos mos- trou o pulso com a mesma forma, a qual era egual á do pulso sem desloca- mento do coração. CAPITULO VII Etiologia e pathogenia das perforações I CONSmERAÇÕES ANATÓMICAS ; DESCRIPÇÃO DO ESPAÇO MEMBRANOSO INTERVENTRICULAR SUBAORTICO E MITRAL Vimos que a sede ordinária, de eleição para assim dizer, das communica- ções entre as cavidades direitas e as esquerdas do órgão central da circulação, era para as aurículas a fossa oval, e para os ventrículos a base do septo, logo abaixo das válvulas aórticas. Este é o fado, provado pela observação; qual è a sua causa? A etiologia ou apreciação das causas das aberturas anormaes do coração, toca muito de perto na debatida questão da origem primitiva ou accidentai d"estes vicios orgânicos. Não tratámos agora d'esta questão, porque ella abrange os demais vicios orgânicos do coração; será por isso ventilada em logar mais opportuno. Mas indagaremos se ha ou não condições anatómicas que favoreçam a predilecção da sede indicada para as perforações anormaes do coração. Examinemos primeiramente as aurículas e depois os ventrículos. Das paredes das aurículas a mais delgada, a que offerece menos resistên- cia á pressão excêntrica do sangue, é sem duvida a interna ou septo interauri- cular. Ha mesmo n"esta a fossa oval formada por uma membrana flna, que no PERFORAÇÕES CARDÍACAS 121 feio, e até certo período da vida extraulerina, como vimos, não adhere em parte ao annei ovai, deixando uma abertura que injustamente se tem denomi- nado buraco de lioial. Ora se este buraco permanecei' aberto, ficará constituída a anomalia, que será então congénita.'. Se porém a válvula oval se fixa, depois do nascimento, como é costume, a todo o contorno do annel, fechando completamente o buraco oval, ainda neste caso será mais fácil a sua ruptura ou separação, do que a de qualquer das ou- tras partes da aurícula, que todas são mais espessas e providas de fibras mus- culares que oíferecem extraordinária resistência ás tracções e rupturas. Em al- guns casos, como em um que temos presente, parece mesmo que a válvula oval se destacou em parte do annel, sem que comtudo se possa provar positivamente, peremptoriamente, que este fosse o mechanismo da formação da abertura, e que esta não preexistisse, não fosse congénita. A maior frequência dos casos de ruptura da própria membrana oval, já adberente por toda a sua circumferencia ao contorno do annel respectivo, po- dem ser adduzidos em abono da maior disposição d'esta parte do septo a rom- per-se. A abertura de communicação em outro ponto do septo auricular é tão rara, que custa a encontrar um ou outro exemplo nos annaes da observação medica. Citaremos um caso que foi observado em 1843 pelos srs. Broussonnet, filho, e Dubreuil, e cuja descripção foi dada pelo sr. Lacroix, interno dos hospitaes, no Journal de médecive pratique de Montpellier. Pertencia o coração a um individuo de quarenta e três annos de edade, temperamento lymphatico, que nunca lograra boa saúde. .\ auscultação da re- gião precordial revelava um ruido tumultuoso, difficil de anahjsar e no qual se confundiam a diástole e a systole, sem isoclironismo com as pancadas do pulso: não apresentava em ponto algum cyanose. Foi victima de uma peritonite aguda. O exame do coração e grossos vasos mostrou: as duas veias pulmonares direitas abrindo-se na aurícula d'este lado, hypertrophia excêntrica do coração direito, hypertrophia simples do coração esquerdo, uma larga abertura de com- ' Na vida intraulerina o buraco oval, isto é, o espaço circumscripto pelo annel oval está inteiramente patente, aberto, por certo tempo; depois nasce da parte posterior do annel oval uma membrana, que se desenvolve progressivamente, fixando-se ao seu con- torno pelo lado da aurícula esquerda até tapar todo o buraco, o que se effectua, mais ou menos tempo, depois do nascimento. Antes da occlusão completa do buraco oval, fica por mais ou menos tempo um canal muito obliquo, que se estende da aurícula direita para a esquerda, e que pôde persistir no adulto. Galeno e depois Harvey tinham já asse- verado que a membrana oval era sempre disposta de modo a ceder ao sangue da aurí- cula direita para a esquerda e não d"esta para aquella. Mpi. DA ACAIJ. — 1.^ CLASSE. T. IT, P. 11. 16 i22 ESTUDO SOBRE AS municação no septo interauricular e outra mais pequena, que são assim des- criptas pelo sr. Dubrueil: « . . .la cloison inter-auriculaire est percée d'une três grande ouverture régulièrement circulaire, dont le diamètre transversal a trois centimètres et demi, le perpendiculaire un demi-centimètre de moins. Le bord inférieur de Touverture se continue avec le repli valvulaire de la veine cave as- cendante, alors que le supérieur se confond avec les plicalures de loreiUette. La communicalion élablie entre les oreillettes augmente encore par une lègére pression, au point qu'on peut ainsi affaisser, faire momentanément disparaitre ce qui reste de cloison arretée dans son développement, et rien ici n"indique un état pathologique, mais au contraire une disposition congénitale. En bas et avant de la cloison rudimentaire,_un apercoit une scissure longitudinale, dont les bords coupés en biseau s'appliquent Tun sur Fautre, et sans oíírir de con- nexions avec la grande valvule d'Eustache'.» Adrede reproduzimos a descripção feita pelo observador francez, porque ella dá margem a mais de uma interpretação sobre a correspondência, se a ha, de alguma destas aberturas com o buraco oval. Seja porém como for, é facto que a perforação não era praticada somente na fossa oval, e é o que nos basta saber agora. No coração que faz objecto da nossa observação clinica, observámos adiante da fossa oval uma parte do septo reduzida a uma ténue membrana, formada pela união dos dois endocardios das aurículas direita e esquerda, cercada por grosso rebordo muscular, a qual bem podia representar uma segunda fossa oval com a sua válvula lixa. Esta disposição não é natural; mas será congénita, primitiva ou acciden- tal? Quer n'uma quer n'outra bypotbese é rasoavel suppor que n'esta parte do septo, assim disposta, seria mais fácil produzir-se uma abertura do que em qualquer outro ponto da aurícula, e por isso não seria para admirar, que, se o doente continuasse a viver, se formasse outra abertura de communicação in- terauricular (além do buraco oval), que seria accidental, não congénita, posto que fosse egualmente difficil demonstrar depois a sua origem positiva. Seja como for, não íica menos certo que a fossa oval é a parte mais ade- quada, mais favorável, que melhores condições ofTerece para se fazerem as com- raunicações interauriculares, o que a anatomia pathologica confirma plenamente. É supérfluo advertir que consideramos o coração cora as suas quatro cavidades. Vejamos se nos ventrículos ha alguma disposição anatómica que dê a ra- zão do predomínio das aberturas anormaes na parte superior do repartimento que os separa. Examinando cora attenção o septo interventricular, acha-se que na parte ' Des anomalies artèrielles. Paris, 1847. rEHFORAÇÕES CARDÍACAS 123 superior iVeste, logo por baixo das válvulas aórticas visinhas, ha uma porção, maior ou menor, mas ordinariamente pequena, na qual faltam, ou pelo menos não são patentes, fibras musculares, sendo constituída toda por uma membrana resultante da união do endocardio dos dois ventrículos. A esta parto do septo podo denominar-se espaço membranoso intcrventricular ou fossa interventricu- lar. É n'esta parle, exactamente, que se observa quasi sempre a abertura in- tcrventricular. Nas 20 observações colligídas por Louis, notam-se 11 em que houve per- foração intcrventricular. Em uma d"estas 11 observações não se indica a sede, que é mencionada nas 10 restantes; n'estas 10, apenas uma vez a abertura não teve sua sede na base do septo. A relação pois da sede na base para a sede n"outros pontos foi de 9 : 1 ou de 7io, considerando todos os casos coUectiva- mente. E convém notar que no caso em que a abertura de communicação não existia na base do septo, o tecido do coração parecia estar profundamente al- terado, o que se deduz da descripção da peça anatómica. «On trouva le cceur triple de volume, flasque et facile à déchirer, les cavités droites dilatées et três minces, le ventricule gaúche contracté et fort épais; au milieu de la cloison des ventricules, un trou elliptique d'un pouce de large et garni d'un corps fibreux à son pourtour*.» Era pois fácil dilacerar o coração, e o ventrículo esquerdo estava afifectado de hypertrophía excêntrica, e a abertura era bastante antiga pela estructura do rebordo, se não era congénita. Nas 25 observações de communicação interventrícular referidas pelo sr. Gintrac, 20 vezes a abertura anormal era simplesmente na base do septo ^, em duas vezes ella comprehendía todo o septo ^ e em 3 casos não se indica preci- samente a sede ^ Por conseguinte abstrahindo d'estes 3 últimos casos, a base do septo foi sempre atacada e no sítio indicado acima. Também se tem observado no repartimento interventrícular uma disposi- ção análoga á que notámos no repartimento interauricular do coração do nosso doente, e a que ha pouco alludimos, isto é, a falta de fibras musculares. Na obser- vação 25." das referidas pelo sr. Gintrac lè-se o seguinte; «II manquait dans la cloison des ventricules plusieurs fibres musculaires ; la membrane quí tapísse le ventrículo gaúche avait trois trous, ce quí lui donnait nn aspect cribriforme.» Pertence talvez á mesma categoria de factos, aquelles em que o septo é substituído era parte por uma membrana, uma válvula, como observou Hein, *' ' Louis, op. cit. pag. 319. 2 Observações 2, 5, 6, 10, 11, 14, 16, 18, 20, 21, 23, 26, 32, 35, 37, 38, 41, 42, 47, 49. ^ Observações 36 e 39. * Observações 19, 25, 33. 16» 124 ESTUDO SOBRE AS em 1814, em uma doenle, cuja historia se acha reproduzida na obra do sr. Gintrac. A respeito do septo dos ventriculos d'este doente diz-se o seguinte: «On s'aperçut que le septum des ventricules n'existait pas, et qu'il n'y avait qu'une seule cavité. Au lieu de cloison, on ne voyait qu'un repli valvulaire for- me, vers le sommet du coeur et la paroi postérieure, par la réunion des mem- branas internes des cavités droites et gaúches*.» Vè-se pois que em todos estes casos a abertura teve logar nos pontos mais fracos do septo, n'aquelles que natural ou accidentalmente oíTereciam mais dis- posição, maior facilidade para se romperem. Esta circumstancia é muito ponde- rosa na questão da congenitalidade dos vicios de organisação do coração. Ha muito tempo que temos notado a disposição anatómica, que referimos, da base do septo intervenlricular.' Não foi sem surprcza que lemos, ainda ha pouco, ter-se agitado na imprensa periódica alguma discussão sobre a priori- dade da descoberta. O dl'. Hauska, professor da escola de medicina militar de Yienna, julga ter sido o primeiro que em 1854 notara o espaço membranoso inlerventricular, ou pelo menus que este fora pouco attendido antes d'elle, segundo refere a Ga- zette hebdomadaire de Paris (1853), reportando-se a um jornal de ViennafMe- ner med. wochens., num. 9, pag. 133; 1853). O dr. Hauska, tendo examinado mais de trezentos corações, dá a seguinte descripção do espaço membranoso intervenlricular: «Existe, diz o medico de Yienna, uma parte da parede intervenlricular, na qual falta normalmente a parede muscular. N'este ponto as duas cavidades ven- triculares não estão separadas uma da outra senão pela reunião de seus endo- cardios. Esta parte tão pouco resistente está collocada na parte superior do se- pto abaixo do bordo convexo das válvulas aórticas, entre as válvulas direita e posterior: atrás e no ventrículo direito ella corresponde a uma das laminas da válvula tricuspida; a forma deste espaço é a de um pai'allelogrammo alongado^; a parede que separa n"este ponto os dois ventriculos é tão delgada, que é de uma transparência quasi perfeita. Esta disposição particular observa-se em Iodas as edades da vida, na creança, como no adulto e no velho ^.» O dr. Hauska as- signala esta disposição anatómica como favorecendo as aberturas de communi- cação entre os ventrículos. «Ora supponde, diz elle, esta membrana interna do coração frágil e friável por uma endocardite anterior, e podereis facilmente com- ' Gintrac, op. cit. pag. 147. * No extracto do artigo do jornal de Yienna, publicado pela Union médicalc (pag. 287, 1833) diz-se: «este espaço tem a grandeza de uma fava ou de uma amêndoa, c é de fornia aliongada, angulosa.» ^ Gazette hehdnmadnire, pag. 389. Paris, 1855. l'lil!FOHAgÒHS CAIIDIAO.AS 1^25 prelionder ooin que facilidade se estabelece uma commuiiicação entre os dois veiUriculos.» O sr. Guéneau de Mussy, dirigiu uma carta ao redactor principal da Ga- zettc ficbdomadaire de Paris, pai'a mostrar rpic o dr. Hauska não fora o pri- meiro em mencionar a disposição anatómica em questão, vertendo em francez o seguinte trecho de uma obra de dois médicos inglezes: «Si Ton prend en con- sidération que, dans la partie supéricure de la cloison interventriculaire, il est un point oú la substance muscuiaire fait défaut pour maintenir la séparation en- tre les doux cavités, on doit s'allendre à rcnconlrcr plus fréquemment Ics ané- vrismes dans ce point que partout ailíeurs; mais, dans les circonstances ordi- naires, Tèquilibre de la circulation sulTit pour prevenir ce resultai (A Maincal of Pathobgical Anatomy, hij C. Uaudfidd Jones, et Edward II. SicvekiwjJ.y «Sei também, acrescenta o sr. Guéneau, que o dr. Sieveking, medico e profes- sor no hospital de Santa Maria, tem jã, lia muito tempo, observado e represen- tado em um desenho a disposição anatómica que o sr. Hauska crê ter assigna- lado pela primeira vez (Gaz. heb., ISoii, pag. 555).» Por nossa parte não pretendemos reivindicar a gloria da prioridade; cum- pre-nos todavia lembrar: I.°, que os citados auctores foram omissos a respeito do espaço membranoso mitral, o qual ora faz continuação ao espaço membra- noso siibaortico, o que è a regra, ora é d'este separado; 2.", que o professor viennense indicou uma das formas, a menos frequente talvez, e a situação do espaço membranoso sub-aortico, o qual foi apenas mencionado, e com outro fim, pelos dois médicos inglezes. Em vista d'isto vamos dar uma descripção resumida do espaço membra- noso sub-aortico e mitral, fundada no que a observação ha muitos annos nos tem mostrado tanto no estado normal, como no de doenças do coração. Para mais fácil intelligencia, indicaremos primeiramente a posição relativa dos quatro ori- fícios ou anneis que os circumscrevem, ventriculo-auriculares e arteriaes. O orifício aórtico e o mitral estão situados um ao lado do outro, pouco mais ou menos no mesmo plano horisontal, Ocando o primeiro á direita e adiante do segundo, e tocando-se em certa extensão, na quarta ou terça parle, do seu contorno. É d'este ponto de contacto que parte a lamina direita ou aórtica da válvula mitral que estabelece na parte superior a separação das duas camarás, a aórtica e a auricular, do ventrículo esquerdo ; esta separação é completada na parte media e inferior pelos tendões que se fixam n'aquella lamina, e pelas respectivas columnas carnosas. O orifício tricúspide, cuja área se acha em um plano quasi horisontal, com ligeira inclinação de cima, da esquerda e do diante para baixo, para a direita e para traz, está lançado do bordo direito do coração até o contorno direito da aorta na sua origem. 126 ESTUDO SOBRE AS Os dois anneis auriculo-ventriculares pela sua proximidade deixam formado na parte anterior um espaço angular, que é occupado pelo annel aórtico, d'onde resulta a união reciproca d'estes três anneis. O orifício pulmonar, cuja área está em um plano quasi vertical, com ligeira inclinação de cima e da direita para tiaixo e para a esquerda, aclia-se situado adiante e á esquerda do annel aórtico, do qual dista 10 a 12 millimetros, ficando separado do orificio tricuspido pelo appendice comidal do ventrículo direito. N'cste ventrículo ha uma porção musculosa mais saliente, que forma uma arcada, de concavidade inferior, e que divide, ao nivel do bordo esquerdo do annel au- riculo-ventricular direito, o ventrículo em duas camarás, a pulmonar ou infun- dibulo e a auricular ou direita, porção esta que forma o pavimento do appen- dice conoidal ou infundibulo. Notaremos ainda que das três válvulas sigmoídéas da aorta uma é anterior, correspondendo á parede anterior do ventrículo, outra direita, que fica ao ni- vel da base do septo interventricular, e a ultima postero-esqiierda, que corres- ponde á união da aorta á aurícula esquerda. Attendendo á forma circular do orificio aórtico, talvez seja mais rigoroso dizer-se que uma das válvulas sigmoidéas é antero-esqiierda, outra antero-di- reita, e a terceira postero-esquerda, sendo os seus ângulos de união um ante- rior, outro esquerdo e o terceiro direito. O espaço angular intermédio á válvula aórtica direita e à postero-esquerda corresponde ao angulo direito do ventrículo esquerdo ; o espaço angular, que- fica entre a válvula aórtica anterior c a postero-esquerda, corresponde á união da aorta á aurícula esquerda. A lamina aórtica da válvula mitral fica abaixo d'este espaço e de grande parte da válvula aórtica postero-esquerda e da ante- rior. Por detraz da aorta os dois anneis auriculo-ventriculares, direito e esquer- do, correspondem-se, como dissemos, em certa extensão do seu contorno. Vê-se pois que três dos orificios cardíacos, o aórtico e os dois ventriculo- auriculares, estão era contacto reciproco, e que o bordo superior ou base do septo interventricular corresponde ao espaço intermédio a duas válvulas aórti- cas, a direita e a postero-esquerda, e ás porções contíguas dos anneis tricuspido no ventrículo direito, e mitral no ventrículo esquerdo junto da inserção da la- mina aórtica da válvula mitral. Postas estas indicações anatómicas, vejamos o que é o espaço membranoso ôu transparente que temos denominado sub-aortico e mitral, qual a sua posi- ção, relações, forma e extensão. Entre a porção do annel aórtico, que corresponde ao íntervallo das duas válvulas sigmoidéas direita e postero-esquerda, e a porção subjacente do bordo superior do septo interventricular, ha um pequeno espaço membranoso, trans- parente, do qual uma das faces está voltada para o ventrículo direito e a outra rERKonAçõiiS cardíacas 127 para o ventrículo esquertlo, coinplelaiido na parte superior a separarão destes dois ventrículos : é este o espaço membranoso sub-aortico, membrana interveti- tricular, fosscta interventricular. No ventrículo direito fica este espaço situado junto do annel tricuspido, e da lamina interna ou esquerda da válvula honionyma perto da base do infundi- bulo ; é reforçado ás vezes por dependências ou expansões d"aque!la válvula. Nem sempre é esta exactamente a situação do espaço membranoso sub-aor- tico; não occupa sempre o intervallo angular das duas mencionadas válvulas aórticas; ás vezes corresponde a parle do bordo adherente de uma d'aquellas válvulas, e se prolonga transversalmente até parte somente do referido espaço intervalvular ; outras vezes fica por baixo da inserção de uma das válvulas aór- ticas (da direita ou da poster o-esqiier da). A forma varia bastante : triangular, com o maior lado ou base para baixo e o vértice para cima ; oval com o maior diâmetro transversal ; arredondada ; em forma de parallelogrammo ; de secção de circulo, isto é, de uma base infe- rior, sensivelmente rectilínea, e de um arco ou curva superior, e de outras for- mas maiê ou menos similhantes ou próximas d"estas. De todas as mais frequen- tes são a ultima (secção de circulo), a primeira (triangular) e a circular. Variam as dimensões do espaço membranoso sub-aortico ; póde-se estabe- lecer, em regra, que, quando não é circular, a sua extensão transversal é maior do que a vertical. No avultado numero de corações em que temos medido cui- dadosamente aquelle espaço e notado as formas d'elle, o diâmetro vertical osci- lou entre 12 e 13 míilímetros e o transversal entre 5 e 25 miUímelros, sendo no primeiro a media de 5 míilímetros e no segundo de 14 millimetros. O espaço membranoso sub-aortico ou interventricular existe em todos os corações normalmente, postoque em alguns seja muito pequeno. Temos dado muitas vezes a demonstração do espaço membranoso sub-aortico aos alumnos da escola medico-cirurgica. Em 273 corações, que acabámos de examinar, e que pertenceram a indivíduos de ambos os sexos, quasi todos recemnascidos e até á edade de quatro annos, encontrámos em todos o espaço transparente in- terventricular. É supérfluo advertir que já no feto elle existe, sendo nos primei- ros tempos da vida intra-uterina substituído por uma abertura. O espaço membranoso interventricular mitral está situado entre o bordo fixo da lamina direita ou aórtica da válvula mitral e a porção visinha do annel aórtico, correspondendo ao intervallo das válvulas sígmoidéas anterior e postero- csquerda, ou ao rebordo adherente d'esta somente. O espaço membranoso interventricular mitral é, ordinariamente, a conti- nuação do espaço membranoso sub-aortico, é um prolongamento d'este espaço, podendo por isso considerar-se então os dois como formando um único espaço, que pôde denomínar-sc simplesmente espaço membronoso intervettlrimlar. 1^8 ESTUDO SOBRE AS Temos encontrado já, posto que raramente, o esparo mitral isolado do siib- aortico e mesmo qiiasi sem a existência d'esle, que parecia faltar então na sua situação habitua], ou que pelo menos não era ahi apparente; é este o motivo por que o mencionámos separadamente, se bem que, repelimos, fique em continua- ção do espaço sub-aortico. A forma d'este espaço membranoso é ou a do sub-aortico, de que faz uma parte, ou a de um traço ou ellipse transversal, de 5 millimetros em media n'este sentido sobre 2 millimetros em media no vertical. Quando o espaço membranoso mitral se apresenta só, parece substituir o sub-aortico propriamente dito, porque 6 então maior e tem a forma d'este ; dir- se-hia então que o espaço membranoso sub-aortico se desviou um pouco da sua situação ordinária. Em todo o caso é elle um espaço sub-aortico, porque corresponde sempre ao rebordo do annel aórtico e é intercavitario. Um facto, observado por Hall Jackson, em que o orifício auriculo-ventri- cular direito estava obstruído pela válvula tricuspida ossifícnda, exemplifica aquella disposição, por quanto o buraco interventricular anormal estendia-se da base ou inserção da válvula tricuspida á base ou inserção da válvula mitral. Bé- rard, depois de Louis, em 1834 havia indicado também esta situação da aber- tura interventricular : «... cette ouverture aboutit sous les valvules sigmoídes, et rarement sous la valvule mitrale'». Este espaço membranoso, transparente, deita para o ventrículo direito, fi- cando junto do annel tricuspido, ou se estende um pouco acima d'este annel, correspondendo também á superfície contigua da aurícula direita, de modo que a sua ruptura põe em communicação o ventrículo esquerdo com o direito e com a aurícula direita. Temos encontrado, não poucas vezes, estas ultimas relações, e até notado que a maior parte do espaço membranoso interventricular correspondia á aurí- cula direita, acima do annel tricuspido. A observação necroscopica tem effecti vãmente mostrado, como dissemos, exemplos em que as quatro cavidades cardíacas communícavam entre si, por uma abertura existente na base dos ventrículos e commum ás quatro cavidades. D'entre as observações coUigidas por Louis ha uma, a IS."*, que attesta este facto. É nos casos de grande dilatação, simples ou hypertrophica, do ventrículo esquerdo, que se torna mais manifesto, por ser maior, o espaço membranoso interventricular. Parece que o septo ventricular na sua ampliação distendeu a membrana da base, a qual é então muito mais extensa do que é costume obser- ' Dict. de méd. pag. 223, Paris, 1834. pEUFOUAçOics cardíacas 129 var-se no estado normal. É uma circumstancia que temos notado muitas vezes, nas autopses, aos nossos alumnos. Nas outras doenças do coração, que não são acompanhas da dilatação ven- tricular, o espaço membranoso interventricular não soíTre modificação. O espaço membranoso interventricular parece existir em todos os mammi- feros, excepto no cavallo, segundo as indagações do dr. Albini, communicada à sociedade de medicina de Vienna em sessão de 16 de abril. No cão, coelho, rato, esquilo, porco e ouriço, em que aquelie professor observou claramente o espaço membranoso, este tinha sempre a mesma situação, as mesmas relações com as válvulas semilunares e a mesma extensão, guardadas as proporções, que no ho- mem. É n'este logar que se encontra, no boi, o espaço ossificado bem conhe- cido, que o dr. Albini viu egualmente em outros animaes, taes como o carneiro e a cabra, e que nos animaes novos existe no estado de cartilagem. O exame microscópico mostra que o espaço membranoso, no homem e no cão, não é con- stituído somente pelos endocardios dos dois ventrículos, mas que entre elles existe uma membrana fibrosa, na qual se inserem as fibras musculares como em um centro '. II NOÇÕES EMBUYOLOGICAS Poderíamos talvez encetar o estudo da etiologia e palhogenia das perfora- ções ; mas como temos de fazer referencias a alguns pontos de embryogenia, pa- rece-nos melhor expol-os aqui para não cortar o curso das idéas. Procuraremos resumir, quanto for possível, e somente no que respeita ao coração e aos grossos vasos arteriaes, as idéas dos embryologistas mais acredi- tados, e que se encontram nas obras de Burdach, MuUer, Béclard e Longet. São umas rápidas noções, ou antes a indicação de alguns pontos do desenvolvimento do apparelho circulatório. Primeira circulação. — Pelos fins da primeira quinzena, em que começam a despontar os delineamentos dos vasos (sobre o folheto interno da vesícula blastodermica, aonde formam o seio terminal) e do coração (na região cepha- lica, ao nivel da fovea cardíaca), este órgão é constituído por um pequeno tubo cylindríco com uma cavidade única ^ dando origem por uma extremidade, * UUnion médicale de Paris, pag. 288; 18S5. ^ Segundo Reichert o coração na sua phase inicial é lodo solido e não oco, succe- dendo o mesmo aos vasos que d'elle partem. E mais tarde que o coração começa a ca- nalisar-se, formando as cellulas internas o primeiro vestígio do sangue. É observação, se é exacta, que vae além, mas que não contraria a exposta, que é geralmente seguida. MEM. DA ACAD. — 1.* CLASSE. T. lY, P. 11. 17 130 ESTUDO SOBRE AS parte anterior ou superior, a dois vasos, artérias, que se denoininaram]orcos aór- ticos ou aortas, e por outra extremidade, parte posterior ou inferior, a outros dois vasos, que receberam o nome de veias omphalo-mesentericas. Os arcos aórticos, curvando-se para baixo e descendo encostados ã parede posterior do corpo do embryão, fornecem as duas artérias omphalo-mesenteri- cas, pelas quaes distribuem a maior parte do sangue na vesícula umbilical, e pelas ramificações terminaes dividem o resto do sangue pelo embryão. As veias omphalo-mesentericas conduzem para o coração o sangue das dif- ferentes partes (seio terminal e outras partes). O coração ou tubo cardíaco de recto torna-se bem cedo curvo em S, e en- tra em systole e diástole lentamente. Desenvolvem-se os vasos, o liquido, que elles conteem, toma o aspecto de sangue^ o coração curva-se cada vez mais e accelera os seus movimentos. Eis estabelecida a circulação primitiva, primeira circulação, circulação hlastodermica, que se completa no decurso do primeiro mez. O sangue é im- pellido pelo coração para os arcos aórticos, d'oode é conduzido ao embryão e vesícula umbilical, regressando d'estas partes para o coração, onde entra pelas veias omphalo-mesentericas. No fim do primeiro mez a circulação passa por um período de transição, que comprehende a circulação da vesícula umbilical, que dentro em pouco des- apparecerá, e a da vesícula allantoidea, que começa a formar-se. As modifica- ções do apparelbo circulatório não interessam ao nosso fim n'este período, e por isso passamos adiante. Segunda circulação. — Completa-se no decurso do segundo mez o appare- lbo vascular do feto ; no terceiro mez está estabelecida a circulação, com que o feto viverá até nascer. No coração, que se vae curvando cada vez mais, como dissemos, tornan- do-se inferior a sua extremidade arterial, e superior a extremidade venosa, ma- nifestam-se três elevações ou dilatações; uma, auricular, situada á direita e atraz, converte-se em saco venoso ou auricular, outra, ventricular, formará a reparti- ção dos ventrículos, e segundo alguns o ventrículo direito somente, e a terceira, aórtica, corresponde ao logar aonde a aorta penetra no coração e tem sido de- nominada bolbo aórtico; é a este que corresponderá, segundo alguns, o ventrí- culo esquerdo '. Temos pois já aqui um vestígio de coração com duas secções, uma auri- cular e outra ventricular, posto que em aberta communícação. * Ao estreitamento ou coarctação, que existe entre a primeira e a segunda dilatação, tera-se chamado canal auricular; o que fica entre a segunda e a terceira tem tido a de- nominação de estreito de Haller (fretum Halleri). PERFORAÇÕES CARDÍACAS 131 No fim tio segundo niez está completo o septo intervcnlricular. em quanto que o septo auricular só do terceiro para o quarto mez se forma, deixando ainda assim uma larga abertura, buraco oval. Ecker viu, em um cmbryíJo de perto de C semanas, o septo ventricular com a margem em forma de crescente; Kolliker figura, em um coração de embryão de perto de 4 semanas, um septo rudimentar: completa-se o septo na 7.^ semana. Temos então, e melhor ainda antes, a representação de um coração de três cavidades, dois ventrículos e uma aurícula (não se achando as aurículas separa- das uma da outra). Os arcos aórticos multiplicam-se do lado cephalico, e formam a crossa da aorta, as artérias pulmonares, as carótidas, as subclávias e seus ramos. Digamos, muito em resumo, como se operam estas successivas metamor- phoses. A primeira dilatação ou auricular, que é direita e posterior, apresenta, pouco depois de sua existência, nos lados oppostos duas pequenas elevações ou bolsas, que são os appendices auriculares. A divisão, em duas aurículas, d"esta dilatação, que se tem ampliado então muito, faz-se tarde por meio de uma membrana que nasce da sua parte superior e anterior, e se dirige para a infe- rior e posterior da mesma cavidade. Este repartimento deixa uma chanfradura semilunar para traz. O tronco commum das veias cavas separa-se, com a ampliação da dilata- ção auricular, nas duas cavas, uma superior e outra inferior '. Duas válvulas se formam n'esta época, partindo ambas do oriflcio da veia cava inferior;' uma da margem antero-ínferior, é a válvula de Eustachio; outra do bordo postero-superior, é a válvula oval. Esta válvula, que é outro repar- timento, nasce da parte posterior da dilatação auricular, entre as embocadu- ras das duas cavas, e alonga-se para diante até encontrar o outro septo, que acima mencionámos, apresentando, como este, mas em sentido contrario, uma margem semilunar. D'esta disposição resulta uma abertura oval, que mais tarde será tapada pela mesma válvula, que continua a crescer. A segunda dilatação, ou ventricular, é a que primeiro toma desenvolvi- mento; amplia-se, espessa-se. mostra um sulco na sua superfície, e começa a subdividir-se em duas cavidades por um septo, sendo no principio uma pequena saliência; nasce da porção concava da dilatação ventricular, e dirigindo-se d'aqui. com a sua margem superior, semilunar, tanto para o bolbo aórtico como para o canal auricular^. ' Até então estas veias, bem como todas as do corpo, terminavam em um tronco com- mum que se abria na dilatação auricular ou saco venoso. ^ Espaço estreitado que separa a dilatação ventricular da auricular. 17. 132 ESTUDO SOBRE AS D'esle modo se fornia o se*pto iuterventricular, cuja parte superior ou base é a ultima a completar-se, e mesmo assim fica membranosa, constituindo o es- paço membranoso interventricular sub-aortico, que descrevemos. Quando este septo está a chegar á base da cavidade, a abertura auriculo- ventricular, até então única, divide-se em duas, uma direita e outra esquerda, succedendo o mesmo ao estreito de Haller. Aquelles dois orificios manteem a communicação de cada um dos ventrículos, primeiramente com a cavidade au- ricular, depois (formado o septo interauricular) com a respectiva aurícula: ni5o está bem determinado como se formam as válvulas tricuspida e mitral. Dos dois orificios aórticos um communica com o ventrículo direito e o outro com o esquerdo. O bolbo aórtico, nas aves e nos maouniferos, desapparece cedo ; alonga-se, forma a crossa da aorta, torce-se e subdivide-se em dois canaes, que commu- nicam um com o ventrículo direito e outro com o esquerdo. Não se sabe ao certo como se formam as válvulas sigmoídéas, como pouco se sabe do desen- volvimento do pericárdio. Dissemos que na primeira circulação partiam do tubo cardíaco dois arcos aórticos. Com o desenvolvimento do erabryão mais arcos se formam successi- vamente em numero de cinco de cada lado, posto que não coexistam pelo des- apparecimento mais rápido de dois pares. Estes novos arcos nascem no bolbo aórtico e vasam-se nos dois arcos pri- mitivos. Persistem por certo tempo somente três pares de arcos; dois d'estes arcos, os anteriores de um e de outro lado, convertem-se nas carótidas e nas subclá- vias; o segundo da esquerda formará a aorta definitiva; o segundo da direita oblitera-se; o terceiro par constituirá a artéria pulmonar. É a um dos vasos de divisão do bolbo, o anterior, que vem do ventrículo direito, que pertence o terceiro par de arcos aórticos, que originam as artérias pulmonares; são estes mesmos arcos que em certa época formavam as origens da aorta. Com o desenvolvimento das artérias pulmonares, a raiz direita da aorta atrophia-se e desapparece; depois de formar por certo tempo um canal anasto- mosico, canal arterial direito, entre a artéria pulmonar direita e a aorta des- cendente, atrophia-se também a raiz esquerda da aorta, mas somente na parte que fica entre a artéria pulmonar esquerda e a crossa da aorta, reduzindo-se a um simples canal de communicação entre a crossa e a artéria pulmonar. É este vaso anastomosico que recebeu o nome de canal arterial de Botai ou canal ar- terial esquerdo. O segundo arco aórtico esquerdo diiata-se e transforma-se na verdadeira crossa da aorta. Assim se passam as principaes phases do apparelho circulatório, segundo VKRFORAÇÕES CARDÍACAS 133 OS embryologislas, achando-se completa a segunda circiihirão. que i)ernianpceiá até o nascimento do feto, no terceiro mez da vida inti'auleriiia. Omittimos adrede o que diz respeito ás veias e ao resto do systema arterial, por não ser preciso para o nosso fim. Também nada diremos da terceira circulação, porque é a da vida extranlerina, de todos bem conhecida. III MECHANISMO DA FORMAÇÃO DAS DIFFERE.MES ESPÉCIES DE PERFORAÇÃO Perforações congénitas por anomalia. — Estas aberturas são constituídas na repartição auricular pelo buraco oval, e na repartição ventricular pela falta do espaço membranoso sub-aortico, ou ao mesmo tempo por falta da porção contigua, mais ou menos extensa, dos septos nas duas repartições. Qual é a causa desta anomalia? qual é o mechanismo de sua producção? Teem os teratologistas discursado largamente sobre a explicação dos vícios de conformação; seria longo reproduzir aqui as suas idéas, que aliás não dilu- cidariam cabalmente a questão. A doutrina da suspensão de desenvolvimento é a que nos parece ter melhor applicação n'estas anomalias do órgão central da circulação. Já em outro logar expozemos o desenvolvimento embryonario dos septos interauricular e interventricular, bem como o mechanismo do encerramento do buraco oval; d'ahi se deduz o modo por que se estabelecem as aberturas anó- malas de communicação entre as cavidades direitas e as esquerdas do coração. Já dissemos também porque era mais frequente a persistência do buraco oval, e por isso é inútil repetil-o aqui. ilas qual será a razão porque se não completa sempre o desenvolvimento normal? Manet alta mente repostnm. Na verdade para os casos desta categoria, em que não ha outra anomalia ou alteração pathologica, que ponha obstáculo ao curso do sangue na sua saida de alguma das cavidades do coração, não encontrámos razão plausível d"este desvio do plano geral de organisação. É o resultado a que chegámos, quando pretendemos attingir a causa primaria das cousas. As leis que regulam os phe- nomenos orgânicos, assim como as suas aberraçijes, subtrahem-se muitas vezes a toda a explicação. Dizer-se que a anomalia tem por causa uma alteração de nutrição ou uma constituição primitivamente viciosa do gérmen, não è certa- mente dar a razão do phenomeno; é remover para mais longe a difficuldade, mas não é resolvel-a. Com razão disse o professor Bouillaud: «La raison de cette exception aux lois normales de Tevolution organique n'est-elle pas un de 134 ESTUDO SOBRE AS ces misteres qui se perdent dans lobscurilé des canses premières? Voutoir expli- quei' ces infractions à l"ordre normal, serait fatiguer son esprit en puré perte*.» As anomalias a que nos reportámos aqui, são a persistência de disposições orgânicas normaes em certo periodo da evolução embryonaria, e representam estados normaes do desenvolvimento completo de animaes inferiores. Perforações consecutivas. — Estas perforações são devidas a alguma ano- malia ou a lesão do apparelho circulatório ou respiratório, podendo verificar-se antes ou depois do nascimento. Consistem na existência do buraco 'oval e na abertura da parte superior do septo interventricular, ou na ausência de parte de um ou dos dois septos intracardiacos. A causa ordinária doestas perforações é o obstáculo a saida do sangue do ventrículo direito. A sede mais frequente d'este obstáculo é o orifício ventri- culo-pulmonar, que está estreitado ou obstruído completamente. A stenose e a atresia do orifício da artéria pulmonar podem ser um vicio de conformação primordial, original, ou um estado pathologico, cujo resultado foi a adherencia parcial ou total das válvulas sigmoidéas. A inflammação da membrana serosa é uma origem d'estas alterações: «In some of these cases, diz o dr. Peacock, the obliteration is probably due to in- flammation of the lining membrane of the vessel ^. » Effectivamente teem-se ob- servado traços de doença valvular antiga em creanças que succumbiram pouco depois do nascimento ou que nunca respiraram; os drs. Obre, Quain e Ingram colheram factos d'esta ordem. Mostra a observação necroscopica que as aberturas de communicação das au- rículas e as dos ventrículos coexistem as mais das vezes com o aperto, quasi sem- pre muito grande, do orifício pulmonar. O sr. Cruveilhier assevera que todos os casos de dupla communicação (interauricular e interventricular) consignados nos archivos da sciencia apresentam ao mesmo tempo um aperto muito considerá- vel da artéria pulmonar, o qual parece dominar toda a lesão ^. Posto este facto, fácil é explicar a formação das aberturas interauriculares e interventriculares. Se a stenochoria ou aperto do orifício pulmonar sé dá no decurso da vida fetal, o sangue, que deve chegar ao ventrículo direito, não podendo passar de- pois para a artéria pulmonar, se accumulará à tergo, n'aquelle ventrículo e na aurícula direita, e d'esta passará para a aurícula esquerda pelo buraco oval, que está patente, e que longe de se encerrar será obrigado a alargar-se. O sangue retinido no ventrículo direito pôde, pela enérgica contracção d'este. refluir para a aurícula, o que contribuirá para a dilatação d'esta c do buraco oval. ' Op. cit. t. II, pag. 70o, - On maljormatiom. of lhe human heart. pag. 63. London, 18G(í. ' Op. cit., tom. I. pag. 49B. PliUFORAÇÕES cardíacas 135 O ventrículo direito, pelos siiccessivos esfoi\'os para vencer o olislaculo, se hypcrlrophiará (outra lesão companheira), conservando-se normal a sua capaci- dade ou ampliando-se, e a aurícula direita se dilatará (o que se observa com frequência), podendo também hypertrophiar-se, pela abundância de sangue que afllue á sua cavidade. A dilatação da aurícula é a seu turno causa do alargamento do buraco oval. D'esta arte flcará estabelecida a communicação ínterauricular, pelo buraco oval, durante a vida extra-uterina. Pela forte e reiterada impulsão do ventrículo direito pôde romper-se o es- paço membranoso sub-aòrtico, e eis formada a abertura íntervenlricular, a qual com a passagem successiva do sangue se augmentará, e os seus bordos se tor- narão lisos e arredondados, como costumam ser nas perforações primitivas, ou flcarão deseguaes, rugosos, como nas rupturas cardíacas accidentacs. Assim se estabelece pela base do septo a communicação interventricular, que permanecerá no decurso da vida extra-uterina. Se a stenose ou stenochoria (aperto) do orifício pulmonar se dá no co- meço da evolução embryonaria, quando o septo ventricular está ainda incom- pleto, manter-se-ha aberta a communicação entre os dois ventrículos pelo mesmo mechanísmo, e talvez mais facilmente, porque se conserva e dilata o buraco oval. A potencia do ventrículo direito, superior á do esquerdo, lançará então a onda sanguínea para este e para a aorta, que então, pela sua posição, a recebe facil- mentC:, bem como a do ventrículo esquerdo. Pelo obstáculo ao curso do sangue na artéria pulmonar, produzindo a hy- pertrophia e a dilatação do ventrículo direito, o septo ventricular se desviará, pouco a pouco, para a esquerda, em quanto que o orifício aórtico, pela onda sanguínea que nelle é projectada com força por aquelle ventrículo, tenderá a dílatar-se e a desviar-se para a direita; será, para assim dizer, puxado para este lado, approxímando-se mais ou menos da direcção do ventrículo direito. A aorta parece então nascer dos dois ventrículos, ou só do direito por cor- responder toda a este, do que ha muitos exemplos. D"este modo se conserva patente, depois do nascimento, uma abertura própria da vida fetal. Se estas disposições anatómicas permanecem depois do nascimento, a ar- téria pulmonar não podendo ministrar aos pulmões a sufficiente quantidade de sangue, de que carecem estes órgãos, é substituída ou auxiliada pelo canal ar- terial, que lhe levará o sangue que recebe então da aorta, ficando d'esta sorte compensado um vicio orgânico por outro vicio, sem o qual a morte do indiví- duo teria logar *. * Ha mais outros meios pelos quaes a natureza suppre o grande aperto ou oblite- ção do orifício venlriculo-pulmonar, do que trataremos em outro logar. 136 ESTUDO SOBRE AS É esta uma lei providencial, da qual encontrámos frequentes exemplos no estudo do apparcllio circulatório. Já o celebre teratologista, Is. Geoffroy Saint- Hilaire, tinha escripto em a sua excellente obra, Hisloire générale et parti- culière des anomalíes de rorganisation chez lliomme et les avimaiij:, Paris, 1832-1836, este trecho: «On conçoit très-bien qu'un vice de conformation, né- cessairement mortel s'il existait seul, par exemple Toblitération de Fartére pul- monaire, peut ne plus apporter d'obstacles insurraontables à raccomplissement de la vie, si la présence d'une seconde anomalie doit omrk de nouvelles voies à la circulation, et créer une combinaison qui, quoique doublement contraire à Tordre normal, se trouve cependant harmonique.» Vè-se pois que a coarctação notável do orifício pulmonar pôde dar conta da permanência das aberturas de communicação auricular, ventricular e pulnio- aortica, existentes normalmente em differentes períodos da vida fetal, bem como das alterações concomitantes das paredes do coração, sem que seja preciso re- correr, nos casos de que tratámos, á theoria da suspensão de desenvolvimento. A mesma causa, a stenose do oriíicio ventriculo-pulmonar, pôde explicar lambera alterações mais profundas ainda do órgão central da circulação ; refe- rimo-nos á imperfeição ou deficiência dos septos intracardiacos, quando a ste- nose, e com mais razão a atresia, do oriflcio pulmonar se verificar na primeira phase da evolução cardíaca, estando aquelles em via de formação. Nos casos que vimos de suppor, as aberturas que permittem a mistura do sangue venoso com o arterial, são vicios congénitos, isto é, já existentes no momento do nascimento, mas ao mesmo tempo adquiridos, consecutivos, e não primitivos, porque são o resultado de outra alteração, que pôde ser um vicio primordial de organisação ou um estado pathologico; e aqui se mostra mais uma vez quanto é imprópria, como dissemos, a distincção das anomalias em congénitas e accidentaes. Mas não poderá a mesma causa, o obstáculo á passagem do sangue para a artéria pulmonar, originar aquellas aberturas em época mais ou menos remota depois do nascimento? Deve ser mais diíQcil a producção d'este phenomeno de- pois de completa a organisação do coração; todavia não nos repugna nada ad- mittil-a com os srs. drs. Bouillaud, Peacock, Cruveiihier e outros; os factos bem averiguados da manifestação, ás vezes quasi súbita, dos symptomas car- diopathologicos depois do nascimento, em edade mais ou menos adiantada, em indivíduos que até então fruiam excellente saúde, probabilisam por extremo aquella supposição. N'este caso as perforações dos septos serão não só acciden- taes ou adquiridas, mas também posteriores ao nascimento. O restabelecimento do buraco oval parece poder facilmente dar-se, por quanto a válvula oval permanece de ordinário não inteiramente adherente ao annei de Vieussens, mas em parte, e no resto simplesmente juxta-posla, impe- PKRFOllAr.ÕKS cardíacas 137 (lindo comluilo a mistura do sangue por ter extensão sufflciente para tapar o orifício no momento da coiiiracção, que é isochrona, nas aurículas. N'estas con- dições, a accumulação do sangue na aurícula direita, pelo embaraço ao curso do sangue, bem como a distensão e hypcrtrophia consecutivas das paredes d'esla cavidade, poderão alargar o oriflcio, separando ou rompendo a válvula oval, e assim se restabelecerá o buraco que impropriamente se tem chamado de Bo- tai. É esta mais uma razão da frequência muito maior do buraco oval que da abertura interventricular. O sr. Cruveilhier admitte como provável a ruptura da adlierencia da válvula oval ao rebordo do annel nos casos de forte distensão do septo. Deve porém notar-se que a adherencia da válvula oval resiste muito ás tracções, a ponto de esta alargar-se em grande extensão. D"aqui vem dizer o dr. Peacock que a abertura interauricular, produzida depois do nascimento, é antes devida á ruptura ou ulceração da válvula oval do que ao restabelecimento do buraco oval: «. . .and it is probable that, when a communication occurs in after life between the two auricules, it is ralhar due to the rupture or erosion of the valve, than to the restoralion of the passage*.» Este illustre cardiopatho- logista possue no Victoria Park hospital museum uma peça (que tirara de uma mulher de cincoenta e quatro annos), na qual a válvula oval forma um largo saco lançado para dentro da aurícula esquerda. No começo do século actual observou o celebre Corvisart um caso de grande dilatação da fossa oval, que tinha duas pollegadas de diâmetro, atravessada por uma abertura oval ou antes desegualmente circular do diâmetro de mais de uma pollegada; n'este caso, departidamente descripto pelo medico do impera- dor e que constitue a 44.^ observação da sua obra^ a abertura de communi- cação parece devida á grande dilatação da aurícula direita e da fossa oval. As- sim a dilatação auricular é outra causa da existência de abertura entre as aurí- culas. Abernethy dava tanta importância a esta causa, que pensava que a com- municação interauricular só se produzia nos indivíduos presa de grande dyspnea, a qual restabelecia o buraco de Botai (Cruveilhier, tom. II, pag. 510). O que levámos dito acerca da permanência ou producção das aberturas in- terauricular e interventricular, tem applicação, e com mais razão, aos casos em que o obstáculo ao cuiso do sangue é, não a stenose ou aperto do oriflcio ven- triculo-pulraonar, mas a atresia ou obliteração completa d'este oriflcio, do que os annaes scíentiflcos registam exemplos como mostrámos. O aperto do orifício pulmonar é as mais das vezes devido á união ou adhe- rencia das válvulas sigmoidéas, que formam ordinariamente um pequeno infun- ' Op. cit., pag. 119. - Essai stir Ics malniia dn emir, pag. 279 e seguintes. Paris/ 1811. MÓI. DA .\CAD. — 1.^ CLASSE. T. IV, P. II. 18 138 ESTtJDO SOBRE AS dibulo OU, mais raramente, um pequeno lubo, lendo na extremidade livre, que se acha dentro da artéria pelo choque successivo do sangue, uma abertura, cujo diâmetro varia, mas que é quasi sempre pequeno. Nos pontos de união das vál- vulas observam-se três linhas salientes, raphes ou frena, na face arterial d estas, estendidas da sua margem livre à base e correspondendo a outros tantos sulcos na face ventricular. Em alguns casos ha somente duas válvulas sigmoidéas, sendo ordinaria- mente, segundo o dr. Peacock, uma mais larga do que a outra, c apresentando uma linha longitudinal que revela a união dos dois segmentos primitivos '. A aber- tura do orifício tem então a forma de uma pequena fenda. Além de unidas entre si, as válvulas apresentam-se frequentemente espes- sas, endurecidas e com vegetações ou depósitos de differente natureza, que são ás vezes de recente formação, e que contribuem para diminuir ou obstruir a abertura valvular. Ás vezes o orifício pulmonar offerece, em logar de válvulas com a dispo- sição indicada, uma membrana, espécie de diaphragma, com uma perforação no centro de forma triangular ou circular; nesta membrana teem-se notado tam- bém as linhas a que Hunter chamou cross-bars, que indicam as peças ou partes de que se compõe. Tem-se também observado uma simples dobra da membrana interna da artéria, ou uma espécie de fita de fibras musculares subsfítuindo as válvulas pulmonares. Não é somente nas vahialas sigmoidéas que residem as alterações que cau- sam o embaraço ao curso do sangue. Encontram-se também no annel ou zona fibrosa do orificio, na artéria pulmonar, no começo do infnndibulo ou em todo este, e nos pulmões. As doenças do endocardio, da zona fibrosa, ou a hypertrophia da substan- cia muscular subjacente, podem estreitar ou obstruir o orificio ventriculo-pul- monar. De coarctação e obliteração da artéria pulmonar, que chega a reduzir-se a um cordão, acham-se consignados nos archivos da observação muitos exemplos. Este estado da artéria liga-se á obliteração do orifício pulmonar, que não deixa passar o sangue do ventrículo direito, ou a doenças do vaso. N'estes casos é pelo canal arterial, ordinariamente, que o sangue é levado á extremidade ex- terna da artéria pulmonar, d'onde passa pelos seus ramos para os pulmões. Ás vezes não existe canal arterial, mas a artéria pulmonar está juxta-posta á aorta, havendo no ponto de contacto uma abertura, que substitue aquelle canal. Casos ha em que da aorta partem, existindo ou não canal arterial, outros vasos que conduzem o sangue aos pulmões; da primeira espécie ha uma peça. descripta ' On malformations of the Intmam hearl. Londoii, 1866. PKRFORAÇÕES CARDÍACAS 1 .30 pelo rtr. Clievers, no Guy's hospital muscum, c da sogunda nulra peça, exami- nada pelo dr. Peacock, no museu do London hospital. Em outro caso era a ar- téria subclávia esquerda que fornecia o sangue á artéria pulmonar. O aperto no começo do infundibulo é devido ou ao desenvolvimento pre- ternatural da columna carnosa, que alii existe normalmente e a que se fixam al- guns tendões da válvula tricuspida, ou conjunotamente ao espessamento do en- docardio, que pôde offerecer varias transformações ou depósitos, que estreitam muito a abertura de communicação. O infundiblo diminue, tornando-se delga- das e flaccidas as suas paredes. Ás vezes o infundibulo está dilatado acima do aperto da sua base; ha no museu Dupuytren uma peça, encontrada por Pigné em um monstro duplo, que exemplifica esta disposição, em que o infundibulo foi tido por um terceiro ventrículo *. O curso do sangue do coração direito pôde ser estorvado por lesão pul- monar-. Esta causa é muito menos poderosa do que as precedentes. Finalmente o embaraço á circulação pôde dar-se nos oriflcios auriculo-ven- triculares e aórtico; o aperto tricuspido impedirá a occlusão do buraco oval, o aórtico e mitral, obrigando o sangue a passar das cavidades esquerdas para as direitas do coração, manterão patentes as aberturas dos dois septos e o canal arterial ; este enlão conduzirá para a aorta parte do sangue projectado na arté- ria pulmonar. Esta origem da persistência das communicações cardíacas, pró- prias do feto, são muito mais raras. As cavidades à tergo do aperto dilatam-se, e as que se lhe seguem, atrophiam-se e retrahem-se. Todas estas alterações operam no mesmo sentido, e produzem efleitos análogos segundo o periodo da evolução embryonaria em que ellas se verificam e o grau que teem attingido. Do que deixámos dito se deprehende: {.", que a persistência das abertu- ras de communicação normaes do coração nos diffei'entes períodos de sua evo- lução embryonaria, pôde ser devida a embaraço ao curso do sangue no ventii- culo direito; 2.°, que pela mesma causa se explica a producção d'aquellas vias de communicação (buraco oval, perforação do septo ventricnlar e canal arterial), a das aherações concomitantes immediatas (hypertrophia e dilatação das cavi- * Cruveiihier: Anat. pathol., tom. II, pag. 492. Paris, 18.o2. - A tísica pulmonar ó a mais frequente ; no museu do St. Thomas's hospital ha uma peça, que exemplifica o caso, com uma abertura no espaço membranoso sub-aor- tico (undefended space), e que pertencera a um tísico de vinte e três annos; muitos ou- tros casos se poderiam citar. Com outras doenças teem coexistido as aberturas de com- municação nos septos, taes como o edema dos pulmões, a escarlatina, etc. (Peacock, op. dt., pag. 30). 18- 140 ESTUDO SOBRE AS ilades a tergo, o dosvio do septo ventricular para a esquerda e o do orifício aórtico para a direita) e de outras alterações mais remotas. Postoque pelo embaraço da circulação do coração direito se possam expli- car as alteraçijes que mencionámos, não se creia que, todas as vezes que estas coexistam com aqueile, o obstáculo ao curso do sangue tenha sido necessaria- mente a causa dessas alterações; todas podem ser um vicio primordial, origi- nai, de organisação. E médicos ha, como os drs. Cari Heine e Halbertsma, que teem sustentado uma ordem opposta na successão dos phenomenos, admittindo que, nos casos de coexistência d"aquellas alterações, a deficiência e o desvio do septo interventricular são os vicios primitivos, pelo que, passando o sangue li- vremente do ventrículo direito para o esquerdo, a artéria pulmonar e o seu ori- ficio se estreitam. Esta ultima doutrina parece-nos insustentável, porque além de ser appli- cavel somente ao curto periodo da via fetal em que o septo interventricular está incompleto, ainda em via de formação, não dá conta das demais alterações con- comitantes e que são mais frequentes do que a perforação do septo. Acresce que, mesmo no caso que lhe é mais favorável, esta hypothese não explica bem o extraordinário aperto e a obliteração da artéria pulmonar e do seu orifício, por quanto n"esse caso por este vaso também deve, ou pôde pelo menos, pas- sar sangue; e menos explica ainda a união intima das válvulas sigmodéas, que chegam a formar um verdadeiro diaphragma. O dr. Peacock admitte uma doutrina mixta, para assim dizer; julga o aba- lisado cardiopathologista, que o desvio da aorta é em parte devido á suspensão do desenvolvimento, pelo que esta artéria conserva a sua posição primitiva, e em parte ao embaraço ao curso do sangue do ventrículo direito para a artéria pulmonar, pelo que se produzirá' a dilatação d"este ventrículo, o desvio do septo para a esquerda, e o alargamento, com desvio para a direita, do orificio aórti- co K Este modo de considerar a pathogenese das aberturas de communicação entre as cavidades direitas e as esquerdas do coração não se oppõe á doutrina, que no principio expendemos, antes está n'ella incluído. Em todo o caso o aperto ou obliteração da artéria pulmonar deve representar papel importante na ma- nutenção d'aquellas aberturas e das outras alterações concomitantes. Notaremos ainda que, com quanto o aperto ventriculo-pulmonar produza as aberturas, dos septos, podem dar-se casos de existência d"aquelle aperto sem estas aberturas ; a sua coexistência é a regra geral, mas não constante, invariá- vel, sem excepção. Os auctores referem exemplos de stenose congénita do ori- ficio pulmonar com occlusão das aberturas de communicação, e vice-versa a existência de largas aberturas de communicação entre as cavidades direitas e as ' Op. cit., pag. 43. PERFORAÇÕES CAIiDlACAS 41 s esquerdas do coração com ililalação da arlcria pulmonar, |)rol(tngaiido-se a di- lalação ás vezes desde a embocadura d"esta aileria alé á sua divisão, como ob- servaram Louis, Corvisart e o dr. Bouillaud. Mas é difficil de admittir a existência congénita de grande aperto, e mais ainda de obliteração, do oriricio venlricuio-pulmonar sem alguma abertura de communicai;ão entre as cavidades direitas e as esquerdas do coração. Quando depois do nascimento se observe este phenomeno, pode elle ter explicação mais plausível, suppondo-se que sobreveiu doença que produziu a obliteração ou au- gmentou o aperto, que primitivamente fora pequeno, e por isso não obstara ao encerramento do buraco oval ou ao desenvolvimento completo do septo ventri- cular. A vida compatível com a alteração primordial tornou-se impossível com a segunda. A ausência de impedimento ao curso do sangue, que dê conta da persis- tência das aberturas dos septos, verificada em edade mais ou menos avançada depois do nascimento, não deve ter-se por prova írrefragavel de que o emba- raço não tenha existido antes, quando aquellas aberturas estavam em via de se encerrarem, porque esse obstáculo pôde ter desapparecido mais tarde. O embaraço ao curso do sangue do ventrículo direito dá-se em todos os períodos da vida intrauterina, antes de começar a fazer-se a separação entre as cavidades direitas e as esquerdas, no decurso d"esta separação, e depois de com- pleto o desenvolvimento do coração. Não está positivamente assentado em que periodo da evolução fetal sejam mais frequentes estas anomalias; comtudo as observações archivadas levam a suppor que é nos primeiros períodos. Quanto mais cedo começa a irregulari- dade do desenvolvimento cardíaco tanto maior è o vicio ou anomalia. Esta doutrina do obstáculo ao curso do sangue, para explicação da persis- tência das aberturas cardíacas do feto, acha-se indicada já por Morgagni, nas re- flexões que o celebre professor faz a propósito de um caso de permanência do buraco oval, hypertrophia excêntrica da aurícula e do ventrículo direitos, retrac- ção do ventriculo esquerdo e aperto do oriíicio ventriculo-pulmonar por união das válvulas sigmoidéas, deixando no centro um orificio do diâmetro de uma lentilha, observado em uma rapariga que soflrèra, desde o nascimento, de grande dyspnéa, abatimento extremo, pelle lívida, e que succumbira aos dezaseis an- nos de edade. Suppunha o íUustre fundador da anatomia pathologica que a alteração do orificio pulmonar era primitiva, congénita, e que desenvolvendo-se progressiva- mente originara todo o sotTrímento e as alterações encontradas post morteni. «Huic ením virgíni jam inde ab initio fuisse ínchoamenta crediderim, ejus vitií ad ostium arterise pulmonaris, cui vitio, sensim magis magisquc adaucto, om- nia qu» vívens patiebatur, et qua; in mortua deproliensa sunt, accepta facile 142 ESTIDO SOBRE AS sint referenda*.» farlimlo iVesla idéa explica Morgagni o desenvolvimento suc- cessivo das differentes alterações d'este modo: «... por outro lado a entrada menos fácil do sangue na artéria pulmonar era a causa da estagnação de grande quantidade d'este liquido no ventrículo direito, na aurícula direita e em todas as veias, donde resultavam a cor livida da pelle^, a dilatação do ventrículo e da aurícula direitos, e a permanência do buraco oval, cuja válvula era impellida por muito sangue da direita para a esquerda, em quanto que só uma pequena quantidade a impellia da esquerda para a direita para a applicar sobre o bordo do buraco. Por causas contrarias a aurícula e o ventrículo esquerdos não eram suflicientemente desenvolvidos nem bastante fortes, e o sangue não cbegava em quantidade conveniente ao cérebro e ás demais partes, donde provinha o grande quebramento de forças e a respiração anhelante ; este ultimo symptoma depen- dia também da artéria pulmonar não lançar o sangue através dos pulmões com a necessária energia.» A doutrina contida nas reflexues de Morgagni é professada pelo sr. Cru- veilhier. Effectivamente este eminente auatomopalliologista, perguntado se é uma simples casualidade a coexistência do aperto ou obliteração do oriflcio pulmo- nar com a communicação interauricular, interventricular e pulmo-aortica, res- ponde n"estes termos: «N"est-il pas au contraire évident que le rétrécissement ou Toblitération de Tartère pulmonaire domine tout le reste de la lésion, que les Communications anormales, la persistance du trou de Botai, la perforation ou réchancrure de la cloison intervenlriculaire, sont la conséquence forcèe de ce rétrécissement, et que la persistance du canal artériel, destine à remplacer Tartère pulmonaire absente ou oblitérée, est la conséquence nécessaire de Tobli- tération complete de cette artère^.» A suspensão do desenvolvimento ou a ma- nutenção do estado fetal seria consecutiva a outra lesão de canalisação por aperto de um dos orifícios d'este órgão. Não abriremos mão deste assumpto sem apresentar as idéas do dr. Alma- gre* sobre o modo de producção das alterações cardíacas, que coexistem com a persistência do canal arterial. Julga o antigo interno dos hospitaes de Paris que a permeabilidade do canal arterial é a causa primeira das obliterações car- díacas concomitantes d'esta anomalia, produzindo o refluxo do sangue pela ar- téria pulmonar. Eis como o dr. Almagro desenvolve esta hypothese : ' De scdibus et catisis morborum per anatomen indagatis, lib. II, epist. XVII, 1 12 e 13. Ebroduni in Helvetia, MDGCLXXIX. - Noie-se qui.' Morgagni attribue a lividez ao embaraço da circulação e não á mistura do sangue venoso com o arterial. 3 0|). cit., t. 2.°, pag. 507. '' Êlade clhúquc et niintamo-pathologique sur la persistance du canal artériel. Paris, 1862. PERFORAÇÕES CARDÍACAS \ 43 «NÓS jiiliíâmos que por uma omissão ila natureza, ou talvez por dimensões exageradas do canal aiMerial, ou por outra iiualijuer causa, este canal fica per- meável depois do nascimento; n'este presupposlo julgamos que a circulação se faz desli' modo : a contracção dos ventrículos lança o sangue na aorta e na ar- téria pulmonar: immcdiatamenle sobrevem a diástole ou expansão cardíaca e a contracção das artérias; o canal arterial, largamente aberto na aorta, acha-se nas mesmas condições que o tronco brachio-ceplialico, a carótida e a subclávia es- querda, isto é, disposto a receber sangue vindo da aorta. Esle liquido passa pelo canal arterial para a artéria pulmonar, e d"ahi penetra no ventrículo venoso, vencendo a resistência das válvulas semilunares direitas ; este trajecto anormal e retrogrado do sangue, é á primeira vista difllcil de comprehender, e talvez apesar de nossos argumentos não seja ainda admittido por todos. Dir-se-ha que se, du- rante a vida fetal, o canal arterial dá passagem ao sangue da artéria pulmonar para a aorta, porque, depois do nascimento, este papel é invertido, succedendo o contrario? Adiámos a resposta no estado anatómico e physiologico dos pul- mões: como todos sabem, estes órgãos são inúteis durante a vida intrauterina, e o seu parenchyma, denso e compacto, só pôde receber uma fraca quantidade de sangue, e o resto deste liquido contido na artéria pulmonar passa para a aorta. Depois do nascimento os pulmões funccionam energicamente, e a artéria pul- monar acha um terreno em que pôde derramar todo o sangue que contém. Es- tabelece-se assim um equilíbrio entre a circulação nos pulmões e a quantidade de sangue que sáe do ventrículo direito, e por isso o canal arterial perde os ca- racteres do seu estado fetal e o sangue deixa de passar por elle para a aorta. Mas porque, na nossa hypothese, passa o sangue da aorta para a artéria pulmo- nar? É preciso suppor para isso um estado anormal do canal arterial, sobretudo seu calibre exagerado; então elle flca nas condições dos outros vasos que nas- cem da crossa da aorta ; o sangue penetra no seu interior depois da contracção aórtica, e d'ali na artéria pulmonar'.» Não está ainda completa a idéa do di'. Almagro; falta mostrar que da ar- téria pulmonar o sangue passa para o ventrículo direito. Para este fim entra em alguns pormenores anatómicos; diz elle que observara sempre nas creanças, até aos vinte e cinco ou trinta dias depois do nascimento, que o canal arterial, mais ou menos estreitado, se dirigia da esquerda para a direita e de cima para baixo, da aorta para a artéria pulmonar, aljrindo-se n"este vaso a 2 millimetros acima das válvulas sígmoídéas; que n'aquelia edade estas válvulas são de uma extrema fraqueza, parecendo sempre não fecharem o orifício ventriculo-pulmonar; que este estado das válvulas está em relação com a pequena força do refluxo do sangue na artéria pulmonar, devido isto á fraca reacção e á pequena extensão d'esta ■ Op. cii. pag. 99. 144 ESTUDO SOBRE AS artéria, e por isso crê possível nas condições ordinárias, a regularidade da peque- na circulação no concurso d"aquellas válvulas. Mas uma disposição anormal pode alterar esta regularidade e então o sangue, continua o dr. Almagro, obedecendo á contracção aórtica, passa para o canal arterial, d'este para a artéria pulmo- nar, e ainda movido pela impulsão dada pela aorta não encontra resistência sufficiente nas válvulas semilunares e penetra no ventrículo direito. Poder-se-ia ainda pensar, acrescenta o dr. Almagro, que o sangue vindo da aorta entraria no ventrículo quasi ao mesmo tempo que o sangue que ahi chega pelo orificio auriculo-ventricular. O ventrículo direito se hypertrophia então pelos esforços que faz para expellir a grande quantidade de sangue e pela presença do sangue arterial na sua cavidade. Tal é, segundo o dr. Almagro, o mechanismo por que se produz a liyper- trophia do ventrículo direito, mechanismo fundado em hypotheses, que carecem de demonstração. Em primeiro logar o auctor suppõe a preexistência da permeabilidade do canal arterial, do que não dá explicação, suppondo-a um capricho, uma omis- são da natureza, cuja causa é desconhecida, ou um luxo que deu em resultado um canal arterial mais largo e que por isso não leve tempo de se obliterar logo depois do nascimento *. Ora pela doutrina do embaraço ao curso do san- gue do ventrículo direito é fácil comprehender a persistência e alargamento do canal arterial; e quando falte esse ou outro embaraço ao curso do sangue, a persistência do canal entrará na primeira categoria de factos que estabelecemos, isto é, nas anomalias ou vícios primitivos, originaes, de organisação; mas sup- por que seja sempre assim não nos parece racional, nem conforme aos factos. Em segundo logar suppõe o illustre medico, cuja opinião analysâmos, que o canal arterial, depois do estabelecimento da respiração pulmonar, fica nas condições dos vasos que partem da crossa da aorta. Mas como e porque? Como é que, admittida mesmo a exagerarão do calibre do canal arterial (o que é já uma terceira bypothese e pouco abonada pelos factos^), este canal fica nas con- dições das artérias que partem da crossa da aorta? Porque estando permeável, dilatado, este canal não recebe o sangue (em parte ao menos) que passa pela aorta durante a contracção do ventrículo esquerdo, e só o recebe durante a re- tracção d'aquelle vaso? Se é neste momento que o canal arterial recebe sangue ' Op. cit. pag. 97. ' O dr. Deguise, que colligiu bom numero de observações, fallando da persistên- cia do canal arterial diz que elle é: «Le plus souvent três rétréci» (op. cit., pag. 50). Nos 130 corações de creanças com o canal arterial, referidos n'esta memoria a pag. 38, só em um caso aquelle canal estava dilatado, nos outros o seu calibre era regular ou re- duzido. PERKOHAÇUES CARDÍACAS 145 (la .Kirta, como 6 que elle se acha nas coiKli(;í3es dos grossos vasos que o re- cebem no momento da dilatação c não no da retracção d'aquella artéria? Dir- se-hia antes que n"aquella hypotliese o canal arterial está em condições oppostas ás dos grossos vasos com relação á circulação sanguínea. Verificando-se a re- tracção da aorta ao mesmo tempo que a da artéria pulmonar, não porá esta embaraço ao ingresso, no seu interior, do sangue que reílue da aorta? E ad- miltida a bypothese do refluxo do sangue arterial, da aorta para a artéria pul- monar, qual é a prova da insufficiencia das válvulas pulmonares (outra liypo- Ihese), permiltindo a entrada do sangue refluído no ventrículo direito? É a te- nuidade, a fraqueza d'estas válvulas nos primeiros tempos da vida extrauterina? E mais tarde porque não ofl"erecerão estas válvulas resistência sufficiente ao re- fluxo do sangue, cujo impulso deve ser destruído ou pelo menos muito dimi- nuído pela retracção isochrona da artéria pulmonar? E se é tão fraca a resis- tência d"aquellas válvulas, porque não se produzíiá sempre a sua insufliciencia, mesmo em ausência do canal arterial, pela retracção da artéria pulmonar? E se o oríQcio ou toda a artéria pulmonar estão obstruídos, o que se observa em muitos casos, aquella serie de hypotheses será capaz de fazer penetrar o sangue no ventrículo direito? A estas objecções, que nos suggeriu a leitura da memoria do dr. Alma- gro, não responde a doutrina do refluxo do sangue, fundada toda em uma se- rie de liypolheses. Para explicar a hypertropliia e dilatação do ventrículo direito não ha necessidade da presença do sangue arterial, que actuaria como um irri- tante produzindo um augmento de nutrição K Esta doutrina leva o auctor a considerar a hypertrophía do coração, «como a lesão necessária produzida pela persistência do canal arterial, hypertrophía que começa nos primeiros tempos da vida.» A observação necroscopíca não jus- tifica esta ligação constante, necessária, das duas alterações, mostrando casos de permanência do canal arterial sem hypertrophía cardíaca. O dr. Almagro não admitte também stase sanguínea na aurícula direita, pelo que o buraco oval tem tempo de se encerrar. Não é exacta a asserção; o buraco oval acompanha muito frequentemente a persistência do canal arterial, e tanto que o sr. Cruveilhier não hesitou em estabelecer «que a persistência do canal arterial suppõe necessariamente uma communicação entre as cavidades di- reitas e as esquerdas do coração, achando-se sempre combinada quer com a permanência do buraco oval, quer com a perforação do septo interventrícular, quer com as communicações auricular e ventricular reunidas^.» Com quanto esta opinião não nos pareça ser a expressão rigorosa dos factos, em regra é ' Almagro; memoria citada, pag. 102. ' Trnité d'anatomie pathologique, lom. 2™*, pag. 467. Paris, 1852. MEll. DA XCXD. — 1.^ CL.\SSE. T. IV, P. II. 19 146 ESTUDO SOBRE AS exacta, isto é, a permanência do canal arterial é as mais das vezes acompanhada de communicação interauricular ou intcrventricular ou de ambas simultanea- mente. Em 18 casos de persistência do canal arterial, referidos pelo dr. Deguise, Dotava-se o seguinte: Persistência do canal arterial e do buraco oval 6 Persistência do canal arterial com perforação do septo ventricular 2 Persistência do canal arterial com perforação do septo ventricular e com o buraco oval 6 Persistência do canal arterial com transposição arterial l Persistência do canal arterial com transposição arterial e com o buraco oval 2 Persistência do canal arterial com coração simples 1 Total .18 Houve pois em 14 casos sobre 18 (7 : 9 ou 77,77 por cento) conservação da abertura oval. Mas como é um facto a hypertrophia e dilatação da aurícula direita, o dr. Almagro explica-a dizendo: «que do ventrículo direito o trabalho hypertrophico se propaga a toda a substancia muscular do coração.» Pois que? Não é tão fre- quente observar-se a hypertrophia hmitada ás paredes de uma cavidade car- díaca somente? A hypertrophia cardíaca representa, para o dr. Almagro, um papel impor- tantíssimo; é a causa das alterações do apparelho valvular (aperto, deformações, perforações, depósitos atheromatosos, etc), concomitantes da persistência do canal arterial. Dos dois tecidos que compõem o coração, um, o muscular, tem por propriedade essencial o augmentar de volume em relação com o exercício de suas fibras, o outro, o fibroso, que forma a zona do coração, quasi não gosa d'esta propriedade. D'aqui resulta, pouco tempo depois do nascimento, um aperto relativo dos orifícios do coração, aperto que a seu turno se torna causa do desenvolvimento da hypertrophia; eis explicada a formação do aperto dos orifícios, segundo o dr. Almagro. Em quanto ás outras alterações valvulares, a sua causa está do mesmo modo na falta de equilíbrio (sempre segundo o dr. Almagro) na nutrição das differentes partes fíbrosas e na sua vísinhança do tecido muscular, o qual con- centra em si a maior parte dos suecos nutritivos, que eram destinados para o tecido muscular e para o tecido fibroso. D'esta falta de nutrição do tecido fibroso e das inQammações, que são a sua consequência, procedem todas as alterações das válvulas. Descobre-se em tudo isto uma tendência pronunciada para a hy- pothese e para explicações complicadas de factos, que as dispensam. Diremos ainda que o sr. P. L. Piza attribue a perforação congénita da base do septo interventricular á divisão do bolbo aórtico era duas partes deseguaes. PERFORAÇÕES CARDÍACAS 147 a mais pequena das quaes constitiiii'ia a artéria pulmonar, no periodo embryo- nario. Como dissemos, a porção ventricular do coração divide-se em dois ven- triculos distinctos por um septo, que vae elevando-se da parte inferior oa vér- tice para a parte superior ou base, sendo o seu bordo superior semilunar, e completando-se a divisão pelos fins do segundo mez. A divisão do bolbo aór- tico nas duas artérias, pulmonar e aorta, que comraunicam com o ventrículo, então único, eíTectua-se antes, pela quinta semana, segundo de Baer. Ora se o bolbo se divide pelo meio, como se verifica normalmente, uma das divisões se dirige para diante e para a direita, e a outra para traz e para a esquerda, cor- respondendo a abertura, inferior, do angulo, que formam pelo seu afastamento aquellas duas divisões, ao eixo da cavidade ventricular; o septo interventricular ainda não completo, continuando a desenvolver-se chega á base da cavidade ventricular, e ahi corresponde ao septo do bolbo, e à'este modo fica fechada a communicação entre os dois ventrículos. Siipponhâraos agora, diz o sr. Piza, que o bolbo não se dividiu pelo meio, que a porção ou ramo direito é formado pela parte anterior somente da metade direita do bolbo; o ramo esquerdo será con- stituído não só pela metade esquerda do bolbo ou tronco primitivo, mas ainda pela parte posterior e lateral direita, e n'este caso communicará com a porção direita do ventrículo por toda a extensão do bolbo, que devia ter feito parte do ramo direito. O eixo ventricular corresponderá então ao interior do ramo esquerdo ou cavidade da aorta, e o septo ventrícular, quando attingir a base do coração, encontrará pelas extremidades anterior e posterior do seu bordo semi- lunar, a parte anterior e posterior da circumferencia aórtica, e não o angulo dos dois ramos ou divisões do bolbo, como acontece nos casos normaes; estabele- cer-se-ha entre os pontos de contacto a adherencia, que não poderá effectuar-se, é claro, em toda a extensão do bordo que corresponder á cavidade da aorta. Ficará d'este modo estabelecida uma abertura semilunar na base do septo, tendo na parte superior a cavidade da aorta, como ordinariamente se observa nos ca- sos de communicação interventricular pela base do septo •. Ve-se, pois, que na opinião do sr. Piza a alteração primordial é o estrei- tamento da artéria pulmonar, produzido no periodo embryonario pela divisão desegual do bolbo, e que a abertura da base do septo interventricular é a con- sequência forçada d"este vicio primitivo d"organisação. Acrescenta o sr. Piza que se tem supposto que o aperto da artéria pulmo- nar, em vez de ser sempre congénito, é muitas vezes devido á inflammação da membrana interna do coração. Concede elle que em certos casos se possa for- mar d'este modo o aperto, mas que deve ser em pequena extensão do vaso, na ' Coruidérations sur les anomalies cardiaques et vasculaires qui peuvent causer la ajanose, pag. 44. Paris, 1854. 19. 148 ESTUDO SOBRE AS embocadura deste principalmente, porque nos casos de simples aperto, este é parcial e não affecta todo o tronco da artéria até á sua divisão, como se nota nos casos em que o aperto é acompanhado da chanfradura do septo. Em se- gundo logar, que n'estes casos não existem quasi nunca vestígios de inflamma- ção, posto que em rigor se deveria tel-a encontrado mais vezes. Em terceiro logar, que a inílammação, quando tenha existido, não pôde ser considerada como a causa das outras lesões, porque, em todos os casos de aperto da arté- ria pulmonar, o coração reagindo contra o obstáculo á passagem do sangue im- pelle este com violência para a artéria, e estes esforços de reacção podem ser uma causa de inílammação para a artéria, inílammação que é então effeito e não causa do aperto. Finalmente, nas perforações em outros pontos do septo ven- tricular, nota o sr. Piza que quasi' sempre o orifício de communicação ou suas visinhanças apresentam lesões de origem inílammatoria, pelo que poder-se-hia talvez pensar que esta variedade procede de inílammação. Com tudo, continua o sr. Piza, pode-se conceber a existência duma abertura no meio do septo desde a vida intrauterina, procedendo da falta de algumas fibras musculares n"aquelle ponto ou da evolução irregular do bordo semilunar do septo; no se- gundo caso uma das extremidades d'aquelle bordo se desenvolveria mais do que a outra, e ligando-sc a esta pela parte superior converteria a chanfradura em buraco ; o septo assim deformado poderia depois, pelo seu desenvolvimento, at- tingir a base do coração, e formar ahi a separação entre o ventrículo direito e o esquerdo '. D'esta doutrina se deduz: 1." que o facto primordial, a causa primaria da existência de abertura na parte superior do septo, é a divisão desegual do bolbo aórtico, produzindo o estreitamento originário da artéria pulmonar; 2.° a pos- sibilidade deste estreitamento ou aperto ser devido, excepcionalmente, a in- ílammação; 3.° que a inflammação é posterior ao aperto e effeito d'este pela impulsão forte do sangue; k." que as perforações em qualquer outro ponto do septo são também um vicio originário de organisação. Sobre esta doutrina occorrem-nos as seguintes considerações. Em primeiro logar, nem sempre ha aperto da artéria pulmonar, e por conseguinte os casos d"esta ordem ficara fora da explicação do sr. Piza. Em segundo logar o aperto da artéria pulmonar é sempre primitivo, originário? O sr. Piza é o primeiro a admittir, quando trata da persistência do buraco oval, a producção d'aquelle aperto depois do nascimento. E supposta a existência de aperto da artéria pul- monar, como é que por este simplesmente se explica a adherencia ou união das válvulas sigmoidéas, que é phenomeno tão frequente? Será outro vicio originá- rio, que se deverá admittir, ou effeito de inflammação? Em terceiro logar, ha- ' Op. cit., pag. 45. PERFORAÇÕES CARDÍACAS" 149 vendo signaes de inflammação, quaes são as provas de que esta é effeilo e não causa da diminuição de calibre do vaso e da adlierencia das respectivas vál- vulas? O que é mais racional de admiltir-se e mais conforme aos factos da ana- tomia pathologica? Em quarto logar, como poderão ser attribuidos ao vicio pri- mitivo de organisação, invocado pelo sr. Piza, os casos de perforaçoes veriDca- das em periodo mais ou menos adiantado da vida extrauterina? E mesmo nas perforaçoes congénitas, quando o aperto se limitar ao orifício da artéria pulmo- nar, será elle devido também á divisão desegual do bolbo? Quaes são os factos que abonam o mecbanismo complicado, segundo o qual o sr. Piza suppõe que se effectuam as perforaçoes, que teera a sua sede no septo, mas que não são formadas no bordo superior d'este? Por tanto a explicação dada pelo sr. Piza é uma hypothese que, além de carecer de demonstração, é deGciente por não abranger todos os factos, e em alguns casos é contraria á observação. Pelo que respeita as aberturas, que estabelecem a communicação entre as aurículas, o sr. Piza attribue-as ou á suspensão do desenvolvimento do septo interauricular, ou a obstáculo ao curso do sangue e difQculdade da respiração, ou a ruptura e a ulceração. Porque razão não admittirá o sr. Piza estas mesmas causas na producção das perfurações do septo interventricular? Porque foi tão exclusivo para estas e tão extensivo para aquellas? Que distincção essencial, capital, radical, existe entre umas e outras perforaçoes? Finalmente, notaremos ainda o seguinte trecho exarado na these do sr. Piza : «Quant au cas oii le rétrécissement et la persistance du trou de Botai se trou- vent seuls reunis, nous croyons que le rétrécissement n'est pas congénital, que Tartère ne sest pas développée en volume ou s'est obturée après la naissance, parce que le sang s'engageait dans d'autres voies '. » É uma asserção gratuita, e além d"isso contraria aos factos. Pois não ha a coexistência congénita do bu- raco oval e do aperto da artéria pulmonar? Não se teem encontrado simultanea- mente estas duas alterações logo depois do nascimento? E que difficuldade ha em as admittir reunidas na vida intrauterina? Em resumo, a doutrina do sr. Piza, relativa á explicação das perforaçoes dos septos interauricular e interventricular, parece-nos deflciente e pouco cohe- renle. Perforaçoes accidentaes por doença in sitii. — A três grupos ou espécies reduzimos as aberturas que põem em communicação as cavidades direitas com as esquerdas do coração. Ás da primeira espécie denominámos perforaçoes con- génitas por anomalia, ás segundas chamámos perforaçoes consecutivas, e ás ' Op. cit., pag. 47. 150 ESTUDO SOBRE AS terceiras demos a denominação de perfurações accidentaes por doença in situ. Tratámos das duas primeiras espécies, vamos occupar-nos agora da terceira. As perforações d'esta espécie são o resultado de doenças ou alterações pa- thologicas, que se desenvolveram no logar em que aquellas se manifestam. Estas perforações produzera-sa, dissemol-o em outro logar, tanto antes como depois do nascimento. Pois que! já no seio materno é o individuo affe- ctado de doenças do coração? Nenhuma duvida ha a este respeito; já lá vae o tempo dos reparos sobre este ponto de cardiopalhologia. É fado provado pela anatomia palhologica; os archivos da sciencia conteem observações decisivas. Os observadores mais eminentes não desvairam d'este parecer. Eis como se exprime o abalisado cardiopatbologista inglez, o dr. Peacock: «Analogy would lead us to expect that the foetus in ulero is liable to diseases precisely similar in their nature and results to those which aífect child after hirlh ; and the cor- rectness of this inference is confirmed by clinicai experience, for there can be no doubt that both the peri and endo-cardium are occasionally the seat of in- flammation during foetal life*.» Não é menos explicito o príncipe da cardiopalhologia em França, o pro- fessor Bouillaud, que se expressa n'estes termos: «Quant aux vices de confor- mation, par suite dune maladie survenue pendant le cours de la vie intra-uté- rine, lem' existence est un des faits les plus incontestables ^. » Se nos fosse per- mittido adduzir a nossa observação, diríamos que ella corrobora a d'estes illus- trados práticos. Dissemos já que a adherencia das válvulas pulmonares, bem como o seu espessamento e induração, eram frequentemente effeitos de inflammação, que atacara aquellas partes durante a vida fetal, do mesmo modo que se observa na vida exlrautcrina. O dr. Peacock e muitos outros médicos teem observado em indivíduos, que viveram pouco tempo, e em alguns que não chegaram a respirar, alterações valvulares muito antigas, denunciando a sua formação intraulerina. E não só nas válvulas pulmonares tem sido notada a inflammação, ou os seus effeitos, se não também nas outras válvulas, no endocardio e no pericárdio. O dr. Mas- mann, de Berlim, descreveu um caso de doença das válvulas mitral e tricuspida desenvolvida no feto; o dr. Billard viu em uma creança, de dois dias, rijas adhe- rencias entre os dois folhetos do pericárdio. E por que razão não seria susceptível de inflammação ou outro estado patbologico o coração no decurso da vida fetal, quando os demais órgãos o são? ' On malfmmnlions of lhe human heart, pag. 162. London, 1866. ^ Traité clinique des matadies dii casur, tom. sec, pag. 63.3. Paris, 1841. PERFURAÇÕES CARDÍACAS 151 O celebre medico Louis, que é o mais estrénuo defensor da origem primi- tiva das aberturas de coniniunicação dos septos auricular e ventricular, não pôde resistir á evidencia dos factos, acabando por admiltir excepções á lei que mui- tas vezes prodamáia como principio constante: «Nous ne prétendons pas, diz o eximio observador, que jamais il ne puissc y avoir de perforation accidentclle de la cloison des cavités du ctEur, puisque on a des exemples de perforations sponlanées de cet organe, dans d"autrcs points de son étendue; mais nous pen- sons que ces cas sont infiniment rares, et quils doivent être la suite de quelque ésion de tissu plus ou moins grave, et dont on doit relrouver des traces après la mort'.» Notaremos de passagem que esta ultima asserção não é exacta, quando a morte se tiver verificado muito tempo depois do desenvolvimento da lesão, ou por já não existirem traços delia, ou por os caracteres da perforação não diíTerirem então dos das aberturas primordiaes, que normalmente existem no feto em certos períodos de sua existência. É pois um facto a existência de perforações nos septos que separam as ca- vidades esquerdas das direitas do coração, devidas a estados palhologicos pri- mitivos, originados no decurso da vida intrauterina. Ha porém um ponto de anatomia patbologica de difílcil explicação. D'onde vem a grande frequência do aperto do orificio ventriculo-pulmonar, ordinaria- mente por adherencia das respectivas válvulas, no feto, quando é tão raro de- pois do nascimento? Na vida extrauterina a endocardile, a pericardite e as le- sões valvulares consecutivas são frequentes no coração esquerdo e raras no co- ração direito; por que razão se dá o inverso na vida intrauterina? qual será a causa d'esta tão notável dilíerença? Suppoz-se que a infiararaação era determi- • nada pelo sangue arterial que entra no ventrículo direito. Considerações anató- micas porém desviam esta supposição. Effectivamenle a anatomia patbologica mostra, nas perforações dos septos cardíacos com stenose ou atresia do oriflcio pulmonar, o ventrículo direito hypertropbiado, muito mais vigoroso do que o esquerdo, o que deve fazer com que o sangue seja impeliido d'aquelle para este, e não do ventrículo esquerdo para o direito. A physiologia patbologica assim o exige também. Por conseguinte pouco sangue arterial passará, se é que passa algum, no caso snpposto, do coração esquerdo para o direito. E se então hou- ver também communicação entre as aurículas, o que é frequente, o sangue, que será pouco arteríalísado pela stenose ou atresia do orifício pulmonar, quando chegar ao ventrículo esquerdo estará já misturado com sangue venoso, que da aurícula direita passou para a esquerda. Demais, suppor que é o sangue arte- rial que provoca a inflammação ou alteração valvular, è admíttir que a commu- nicação pelo septo auricular ou ventricular precedeu esta alteração, e que o co- ' Mémoires ou recherches anatomo-pathologiques sur diverses maladies. Paris, 1826. 152 ESTUDO SOBRE AS ração esquerdo tinha mais força do que o direito, hypotheses estas pouco abo- nadas pela observação necroscopica. O dr. Peacock julga que a maior exposição do orificio pulmonar ás doenças é devida á mais immcdiata connexno do ventrículo direito com a circularão 7m aorta descendente e nas artérias umbcUicaes; a circulação no cordão e placenta seria mais exposta a embaraços temporários do que no próprio corpo do feto '. São bons desejos de dar a razão de todos os phenomenos, embora faltem ou sejam vacillantes as bases sobre que se apoia a explicação. Seja qual for a causa da maior frequência das alterações do coração direito na vida intrauterina, é um facto, provado pela observação, que n'esta época o coração é susceptível de apresentar estados pathologicos análogos aos que se verificam depois do nascimento; entre estes estados predomina a cardite e en- docardite ulcerativa. A existência de doenças do coração durante a vida extrauterina, dando origem, no logar do seu desenvolvimento, a perforaçiSes dos septos auricular e ventricular, é geralmente reconhecida. O sr. Cruveilhier refere dois casos de sua observação para confirmar a communicação interventricular accidental e mórbida. No primeiro havia uma per- foração recente do septo com fragilidade e cor amarellada do tecido ambiente. O segundo caso foi observado em um filho de oito annos de edade, do celebre medico Parent-Duchàtelet ; dez raezes antes de morrer este menino, que até en- tão lograra saúde, fora acommettido de syncopes graves e persistentes, de que melhorara, apresentando na convalescença um forte e grave ruido de grosa no primeiro tempo da revolução cardíaca. Succumbiu a uma syncope nos braços de seus pães. Na abertura do cadáver encontrou o sr. Cruveilhier na base do septo interventricular uma perforação, que admittiria uma peuna de pato, e cujo contorno apresentava um tecido fibroso cicatricial muito pronunciado^. Notaremos aqui que o sr. Cruveilhier considera como uma prova clinica da communicação accidenlal das cavidades do coração, os casos de indivíduos que apresentaram as perturbações cardíacas muito tempo depois do nascimento, tendo sido determinado rigorosamente o momento da invasão dos accidentes mórbidos l Os factos d"esta ordem são frequentes nos annaes da observação. O professor Bouillaud já opinava d"aquelle modo, quando em a sua inesti- mável obra escreveu: «II se peut également que des causes analogues à celles qui déterminenl la rupture des parois du cffiur, des colonnes charnues ou des tendons valvulaíres, amènent quelquefois aussi la rupture des cloísons inter-au- ' Op. cit., pag. 163. ^Op. cit., pag. 489. ^ Op. cit., pag. b07. PKnFOnAÇnKS CARDIAr.AS J53 riciilairo et inter-ventriciiliiire. II est bicii Jillicile de nc pas admctlre que tel ;i été le inécanisme des perforations daiis quclques uns iles cas que nous avotis rapportés plus haut, si Ton considere que plusieurs individus, après avoir long- temps vécu sans souíTrir aucun signe de maladie, ont été pris tout-à-couii ou LTadueilement des symptòmes d'une lésion organique du coeur*.» Com quanto respeitemos muito a autoridade d"estes dois eminentes obser- vadores, não adoptamos inteiramente a sua opinião. Não temos por prova, em todos os casos, da foi'niação accidental e não congénita da perforação dos septos auricular e ventricular a manifestação dos symptomas em época mais ou menos remota, depois do nascimento, por quanto temos visto casos de communicação interauricular peio buraco oval era individuos avançados em annos, que durante a vida nunca apresentaram symptoraa algum referido ao órgão central da cir- culação, tendo succumbido a doenças de outros órgãos. N'estes individuos a abertura interauricular era por certo congénita ; dava-se ji'elles a permanência do buraco oval. E concebe-se como esses individuos poderam passar a vida sem incommodo, por ser nuUa ou pequena a mistura do sangue venoso com o arte- rial, apesar de patente a abertura do septo auricular, pela contracção simultâ- nea das duas cavidades, além da parte que pôde ter a influencia do babilo. Em segundo logar compreliende-se bem que a manifestação dos accidentes mórbidos lenha por causa não a abertura anormal du communicação, mas o des- envolvimento de complicações ou de outras doenças do coração, que juntando-se ao estado mórbido já existente perturbem sobre modo as funcçijes do primeiro agente !da circulação, sendo a moite a consequência inevitável. N'estes casos uma parte das alterações cardíacas é congénita e outra parte é accidental. O apparecimento súbito de symptomas cardíacos graves em dada época da vida extrauterina indica que alterações profundas se produziram então, mas não é prova irrefragavel de que antes deste accidente não houvesse já alguma ano- malia do coração, tal como a persistência de alguma das aberturas de commu- nicação próprias da vida fetal. Pode haver simplesmente probabilidade, maior ou menor, da producção recente da perfoi'ação, tendo em conta os caracteres d'esta, que em outro logar descrevemos, e os das alterações concomitantes. E apesar de tudo bem considerado, em dados casos é por extremo difOcil, senão impossível, determinar a origem primitiva, primordial, ou accidental do vicio or- gânico. Segundo o professor Bouillaud, a abertura de communicação, simples ou múltipla, que não occupa a sede do buraco de Botai, é evidentemente o resul- tado de um verdadeiro estado mórbido accidental ^ Parece-nos também um ' Truité clinique des rnaladies du cwur, 2<=™« ed., tom. sec, pag. 603. Paris, 1841. 2 Op. cit., pag. 682. MEM. DA ACAD. — 1.* CLASSE. T. IV, P. II. 20 154 ESTUDO SOBRE AS PERFORAÇUES CARDÍACAS pouco exagerada a asserção do sábio cardiopathologista. Pôde haver uma sus- pensão do desenvolvimento orgânico em ponto differente d'aquelle que é ordi- nariamente o ultimo formado. Mas em geral deve ter-se por verdadeira aquella proposição, que tem egual applicação ãs aberturas do septo interventricular. EÍIectivamente, quando a abertura existe no logar do buraco oval ou occupa a parte superior do septo ventricular, pôde ter por origem um vicio primitivo de organisação do gérmen ou uma doença desenvolvida, quer no periodo fetal, quer depois do nascimento. Quando porém as aberturas de communicação occu- pani outros pontos dos dois septos, a sua origem é as mais das vezes patholo- gica, ligada a uma doença que sobreveiu cm qualquer época da vida do indi- viduo. Os estados pathologicos que mais vezes produzem as perforações cardía- cas são a cardite, a endocardite ulcerativa, a apoplexia, a degeneração gordu- rosa, o aneurisma parcial e o amollccimento do coração. Seria estranho ao nosso assumpto tratar aqui d'estas affecções, que apenas mencionámos. Tencionávamos tratar, em capítulos diversos, da symptomatologia, curso, duração, terminação, diagnostico e tratamento das perforações. Mas, como esta memoria vae já muito mais longa do que esperávamos, por isso lhe poremos aqui termo. Os capítulos que restam, em um dos quaes deve entrar a cyanose, phenomeno que tem dado margem a larga discussão e a opiniões encontradas, farão objecto de outro trabalho, que teremos a honra de apresentar á x\.cademia Real das Sciencias de Lisboa. ESTUDOS SOBRE A DIABETE TERCEIRO ESTUDO DIAGNOSTICO E PROGNOSTICO PELO Dr. Abel Jordão PREFACIO Quando em 1863 apresentámos o primeiro e segundo dos nossos estudos sobre a diabete, promettemos a continuação d'elles. Hoje cumpri- mos uma parte da promessa apresentando á publicidade o terceiro, que se occupa do diagnostico e prognostico da doença. Ficam ainda para es- crever o quarto c quinto, relativos um ao tratamento e outro á natureza da diabete; não sei se novos trabalhos cmprchcndidos c a minha pouca saúde me permittirão concluil-os tão breve como este. Farei em todo o caso os esforços necessários para não deixar por terminar a historia completa da diabete. Lisboa 22 de dezembro de 1866. MEM. D.\ ACAD. — 1 .^ CLASSE. T. IV, P. H. PARTE I iDi.ÀC3-nsrosTico Fuluium siJero ut ?ii[uii animam deJeril aiialo- micac luimorum investi;.'atione, per variorum linuo- rum infusionem, argumento sane a paiu-is aiiimad- verso, eum magnam lucem curatione ninrljoniin al- lalurum. (Baglivi. De bilis nntura p. 'i40) O diagnostico da diabete não é dos mais difficeis de fazer, mas é necessá- rio saber analysar as urinas, no sentido de reconhecer a presença do assucar, determinar a sua quantidade e investigar a constância do apparecimento d'este principio, tanto em relação a um periodo de tempo, como ás differentes horas d"um mesmo dia. Combinando estes dados com os outros symptomas o (hagnos- lico é fácil, fora d"isto a difficuldade é insuperável. Se os antigos e alguns modernos desconheceram e continuam ainda lioje a não saber distinguir os casos que se lhe apresentam, é porque, limitando-se somente aos symptomas racionaes, desprezam o conselho de Hufeland: — O medico deve examinar attentamente as urinas dos doentes que emagrecem sem que para isso se ache razão sitfíiciente. — As diíBculdades que pôde haver para o diagnostico são quasi sempre no principio da doença; mais tarde, em geral, os symptomas são de tal modo ca- racteristicos que quasi é impossível desconhecel-a. No começo da doença a analyse chimica é a pedra de toque, sem ella to- dos os esforços serão inúteis; mais tarde ainda é o melhor auxilio do diagnos- tico. Tal é pois o motivo que nos obriga a começarmos esta parte pela enu- meração dos meios aconselhados para conhecer a existência da glycose, e a de- morar-nos um tanto sobre este ponto. 1 . ESTUDOS CAPITULO I MEIOS PARA CONHECER O ASSUCAR 1." A degustação. — Este meio tem sido aconselliado por alguns médicos, mas além de pouco agradável, é por extremo incerto porque muitas urinas dia- béticas, sem serem doces, são insípidas ou salgadas, nlio só em differentes in- divíduos mas até num mesmo doente nos diversos períodos da doença e a ho- ras desencontradas do mesmo dia, como já fizemos sentir tratando d'este sym- ptoma. — É muito para admirar, depois destas considerações, ver Lima Leitão * dizer «a degustação é a decisiva prova da substancia saccharitia na zirina.» 2.° Deixar cair algumas gotas de urina sobre tecido de lã preta; se ha assucar formam-se manchas esbranquiçadas e pegajosas, depois de o liquido seccar. (Prout). 3." Lançando alguns pingos de urina n'um papel ordinário, e aquecendo-o depois sobre brazas, forma-se um resíduo de consistência de xarope; se o pa- pel for pardo apresenta-se uma mancha oleosa. 4." Pôr uma pequena porção de urina na palma da mão e esfregar com a outra durante algum tempo; quando o liquido começa a seccar, as mãos ficam pegajosas. 5.° Recolhendo a urina n um vaso de barro de cadinho, não vidrado (alca- razas) e deixando-o ao ar durante alguns dias, o assucar passa através das pa- redes do vaso, deposita-se na superfície externa e ahi crystallisa. (Brzeszinski de Kiew) ^. 6." Evaporando uma grande porção de urina sobre uma placa de ferro, sem levantar muito a temperatura, forma-se um deposito de caramelio d'uma cor vermelha escura, se ha assucar. (Ridwell) ^. 7." Quando se põe uma gola de urina n"uma placa de vidro, e ao lado se colloca uma capsula contendo acido sulfúrico concentrado, e se cobre os dois objectos com uma campânula de vidro, o liquido evapora-se e deixa um resí- duo granuloso. Examinando este ao microscópio veem-se massas crystallinas de assucar. (Bence Jones) '. 8." Expondo a urina ao ar durante alguns dias, formam-se n'ella glóbulos » O Esculápio. 1849. Lisboa, p. 80. - Journ. des conn. med.-chir. 1848, i.° de fevereiro. ^ Boston, med. and surg. Journ. Novembro, 1860-330. i The lancet. 1830. SniiRE A niABKTE 5 de fermento (torulae cerevisiac) que podem ser reconhecidos pelo microscópio ; a urina toma um cheiro vinoso e alcoólico. (Arthur Hill Hassall) *. Este processo não tem o rigor que Ilassall lhe suppõe, porque é diflicil distinguir os sporulos e filamentos do penicillium glaucum e os da torula. Este microscopista julga que os sporulos da torula são maiores que os do penicillium glaucum, mas Beale tem-os visto do mesmo tamanho e até mais pecpienos. Julga eguahiiente Hassall que a forma circular é característica da torula, mas Beale viu que em certas circumstancias se podem obter das duas plantas, sporulos ovaes e circulares. Além d'isso, segundo Roberts, pôde este fermento desenvoi- ver-se em urinas que não contém assucar. Ha também outro inconveniente di- gno de ser notado, tal é não se poder por este meio, decidir d'um dia para o outro se uma urina contém assucar. Em muitos casos, segundo viu Beale, o niy- coderma não se desenvolve senão dois ou mais dias depois da exposição ao ar. 9." Misturando-se 30 grammas de urina com 15 grammas de chloroformio e ligando bem os dois líquidos pela succussão, o todo toma um aspecto leitoso. Passado algum tempo o liquido divide-se em duas camadas; uma superior, lím- pida, outra inferior e leitosa; separa-se a camada superior pela decantação e deixa-se evaporar. Se ha assucar apparece este puro ou quasi puro. (Cailliau). 10." Pela densidade. — Alguns médicos, principalmente os inglezes, teem querido conhecer a quantidade de assucar pela densidade da urina, fundando-se para isso na auctoridade de Henry de Manchester. — Além de ser falsa a attri- buição de tal opinião a Henry, o qual só disse haver relação entre a densidade e o extracto solido da urina, o processo é o mais inQel que é possível. As experiências de Bence Jones, Guitard, Morin, Barbier e as nossas, que em seguida transcrevemos, são irrecusáveis provas contra semelhante meio. As de Bence Jones: Densidade Quantidade da urina de assucar 1023 2,20 grammas 1023 2,10 1026 ; 4,00 1027 2,30 .) 1027 4,30 » 1028 14,50 » 1029 3,30 » 1030 3,60 1030 7,25 1031 14,50 )> ' ML'd.-chir. Transact. t. XXXVI 1853. ESTUDOS As de Guitard: Densidade da arina 1000. 1000. 1000. 1000. 1000. 1017. 1017. 1027. 1028. 1038. Quantidade de a^sncar 00 grammas 70 73 80 140 75 70 75 73 80 As de Morin: 1022 0,16 1023 0,17 1026 0,00 1027 13,50 1027 45,00 1034 26,00 1037 47,00 1038 signaes 10.39 3,73 1040 37,00 As de Barbier: Quantidade de urina Densidade 1008 5,00 1008 8,00 1008 8,00 1008 8,00 1013 18,00 1019 27,00 1022 21,60 1022 37,00 1028 35,10 SOBRE A DUBETE As nossas: Quantidade Deusidade de urina 1010 53,14 grammas 1013 59,91 » 1012 59,02 » 1014 58,39 » 1013 56,86 » 1012 54,23 1021 58,17 1014 63,32 » O sr. Roberts ' expciúmentou egualmente sobre a relação da densidade com a quantidade de assucar, e formulou duas taboas em que se demonstra não lia- ver tal relação, quer a urina excretada seja em excesso, quer em dose moderada : Urinas excretadas na dose diária de 4257 grammas a 6149 grammas: Densidade da urina Quantidade de assuear 1045 125,25 grammas 1043 133,49 » 1042 93,78 » 1041 126,46 » 1041 ;... 127,88 1040 125,16 » 1039 93,78 » 1035 120,25 » 1034 88,58 .) 1033 87,16 » Urinas excretadas na dose de 946 grammas a 1419 grammas: Densidade da urina Quantidade de assucar 1044 85,86 grammas 1042 75,94 1041 81,14 1041 68,37 1039 78,00 1039 83,50 1039 82,38 • Practical treat. on urinar, and ren. diseases, London. 186o, p. 137, 138. ESTUDOS Densidade Quantidade da urina de assucar 1039 61,22 grammas 1036 31,77 1033 64,63 1034 06,84 1034 42,79 A quaiilidiíde de urea e de albumina, existentes por vezes nas urinas dia- béticas em maior escala, podem segundo Harley augmentar ou diminuir a den- sidade e explicarem assim uma das causas do erro d'este processo. Apresentamos só uma parte das nossas experiências para não sermos ex- tensos, e reenviamos quem desejar vèl-as completas ao nosso primeiro Estudo sobre a diabete, 1864— Lisboa, p. 118. Não apresentamos egualmente a taboa d'Henry sobre a densidade porque se pôde ver no mesmo Estudo p. 116. M." Pela fermentação alcoólica. — a. Pelo apparelho de Bernard. — (Fig. 11. Este apparelho compoe-se duma eprouveta A de um centímetro a I '2 de diâmetro e duma rolha de cortiça através da qual passa um tubo estreito de vidro, a a' que deve ser dobrado em angulo recto d'um lado, e do outro (que deve ter um comprimento quasi egual ao da eprouveta) em gancho. Enche-se o apparelho completamente de urina, misturada com um pouco de fermento de cerveja bem lavado (para o desembaraçar da fécula e do assu- car) ; fecha-se a eprouveta com a rolha de cortiça de modo que esta toque bem a superfície do liquido e intercepte completamente a entrada do ar, estabelece-se SODRIi A DIAIiETi; 9 ;i lomporatura convcnicntcmontc jiiiilo do apiiarclho, o colloca-se uma fpniHivla iileiílioa ao lado d"esla com uma ponjão de fermcnlo e agua. Se ha assucar, logo que comera a fermentação, o acido carbónico formado sobe e reune-se junto da rolha, e uma porção do liquido deslocado sae pela ex- tremidade recta do tubo. A cprouvcta em que se colloca o fermento e agua serve de contraprova, ou antes para saber se o acido carbónico é realmente devido ao assucar da urina ou ao do fermento. Para reconhecer se o gaz formado é o acido carbónico deve voltar-se o ap- parelho, o gaz reune-se então no fundo; leva-se logo o appareilio á cava de mercúrio, tira-se a rolha e introduz-se por meio da pipeta uma solução de po- tassa cáustica ; se o gaz é realmente o carbónico combina-se com a polassa, e a columna liquida eleva-se. Para reconhecer se a fermentação produziu álcool, dislilla-se o liquido que ficou no apparelho, e aquece-se o producto n'uma cproiivela com um fragmento de cal, se existe álcool, approximando um corpo era ignição á extremidade d'esta deve apparecer uma chamma azulada. Também se pode reconhecer por um outro meio; junta-se ao liquido distiliado um pouco de acido sulfúrico di- luído, e em seguida uma ou duas gotas d"uma solução de bichromalo de po- lassa, e leva-se o todo á ebullição; o sr. Leconte recommenda, como mais sim- ples, juntar ao liquido a ensaiar metade do seu volume do seguinte reactivo: Acido sulfúrico IOOt"-,00 Chromato de potassa O^^lõ Se ha álcool no liquido, a sua cor escura passa no momento da ebullição a verde esmeralda. Antes de nos servirmos d'este reactivo devemos primeiro reconhecer se no liquido a ensaiar ha assucar (pelo reactivo de Fehling) porque esta substancia dá com o bichromato de potassa a mesma reacção que o álcool. b. Apparelho de Freseniiís. — (,Fig. 2). Este apparelho é composto de dois balões A e Zí e de duas rolhas a e a' furadas cada uma em duas partes. No ba- lão A a rolha é atravessada por dois tubos; um b abre-sc no exterior e desce até ao fundo; o outro c c' parte do gargalo do balão A e dobra-se duas vezes em angulo recto para entrar no balão B atravessando um dos furos da rolha a' e descer até ao fundo, o outro tubo b' è recto, abre-se no exterior e não desce senão a uma pequena altura do gargalo do balão B. Ko balão A deita-se urina com fermento bem lavado, de modo, que fiquem cheios dois terços da capacidade do balão; do mesmo modo se enche o balão B com agua de baryta, e depois estabelecc-so uma temperatura conveniente (ío" a 30") junto do balão A. MKM. PA Ai:Ar>.— 1.'' CI.ASSK. T. IV. I'. H. 2 10 liSTUDOS • m.±] Quando existe assucar, forina-se no balão A acido carbónico que vasa pelo tubo c c' para o balão B, onde se combina com a bai^yta, formando o carbonato de barvla; o que se reconhece pelo aspecto turvo que toma o liquido. (Fig. 3.) c. Apparcllto de Uvclard. — (Fig. :?). Consiste em dois Iialões A c B: o balão A tem uma rollia furada no centro por onde passa um tubo a que par- tindo do meio do gargalo dobra-se duas vezes em angulo recto e entra depois até ao fundo do balão B; n"este balão a rolha tem duas aberturas uma por onde passa o tubo descripto e outra através da qual vem um tubo b que, de- pois de formar dois ângulos rectos, vae mergulhar n'uma cpromrla C com pé. N'esta eprouveta está agua de cal para impedir a acção do acido carbónico do ar sobre a agua do cal existente no balão B. iNo balão A lan(;a-se a urina com um pouco de fermento bem lavado (se SOimi'; A DIAlllCTI', 1 1 a urina cslii mui carreiíada do muco iiHo i; necessário), c colloca-se depois o iia- lão ao banlio-maria [-2'ó" a 30" cciiligrados). Quando existe assacar, passado algum tempo, a fermentação começa e o acido carbónico produzido, manifesla-se pela turvarão da agua de cal; o álcool formado ílca no liquido do balão .1. Gomo na urina lia algum acido carbónico livre, ou algumas combinações orgânicas (juc possam dar iogai' á sua formação, ò bom C(Mno contraprova distillar o álcool d'este liquido, e reconhecel-o pelos processos indicados. Em todos esles apparelhos de fermentação, deve-so ter a caulella de não elevar a temperatura além de 23° a 30" centígrados para que o fermento não se coagule. (Leconle). Ouando a urina parece ter pouco assucar é necessário concentral-a o tirar- Ihe a maior (piantidade possível de corpos estranhos, e a razão é porque sendo o volume de acido carbónico, desenvolvido na fermentação, egual ou inferior ao do liquido em ensaio, a sua presença não pôde soi' verificada. O modo acon- selliado pelo sr. Leconle ' para concentrar a urina e desembaraçal-a da maior parte dos corpos estranhos é o seguinte: «Tomam-se 4 litros de urina, por exemplo: acidulam-se com acido acético e evaporam-se ao banho-maiia em pratos de procelana; quando os ^;w do liquido tem desapparecido deixa-se es- friar. Á parle restante junta-se pouco a pouco álcool a 38° de modo que pre- cipite a maior parte dos saes mineraes, e que se obtenha um liquido alcoólico bastante fraco para poder reter o assucar cm dissolução. Este licor alcoólico c evaporado até á seccura, e o residuo é tratado pelo álcool a 40", o qual dissolve a urea e deixa só o assucar com os saes mineraes solúveis no álcool fraco.» O liquido que depois de concentrado d"este modo e posto convenientemente em .contacto com o fermento de cerveja, não manifestar, passadas duas horas, o desenvolvimento de gaz, é signal que não contém assucar. Este meio da fermentação que era lido por infallivel até aqui, não é consi- derado assim pelo sr. Pavy^, por quanto, segundo as observações do sr. Ber- tlielot, a glycerina, a mannile, a dulciíia e a sorbina também fermentam como o assucar. Sem negarmos o valor das reflexões do sr. Pavy, quer-nos parecer que na doença que estudamos não se nota a existência d"esles princípios, e por isso neste caso deve continuar a ser tida como infallivel a prova da fermentação, de- vendo comtudo notar-se que este reactivo tem o seguinte inconveniente, a saber: Quando a urina tem pouco assucar, por exemplo, menos de 0,3 por "/o ou 2 '.'2 grãos por onça, a fermentação não pôde reconhecer-se, porque a urina ' Journ. de Plivs. \Sm. T. II, p. 39"). -■ The Lancei. 1860. p. 304. '2- 12 ESTUDOS pódc al)sorvcr o sen volume do acido cnrhnnion formado. Alem d'isso para esto processo ter valor 6 necessário empregar a contraprova, isto é, coUocar ao pé do apparelho em que a urina deve fermentar, uma porção do fermento em agua pura para se reconhecer se o gaz é devido ao assucar decomposto, se ao fermento que ás vezes está inquinado com fécula. É bom notar que no fermento mesmo bem lavado, Pavy observou sempre o desenvoluimento duma pequena quantidade de acido carbónico. 12.° Pela extracção directa do assacar. — a. Processo de Bonchardat. — Lança-se a urina n'uma capsula de porcelana, aquece-se esta em banho de areia pelo vapor de agua, de modo que a temperatura não vá além de 60° (porque se se aquece até á ebuliição, a urea e a matéria extractiva da urina reagem so- bre o assucar e o convertem n"um melaço negro e incrystallisavcl) ; deixa-se as- sim evaporar o liquido até marcar 30° ao areometro de Beaumé, depois collo- ca-se n'um sitio secco para poder ter logar a evaporação espontânea. O assu- car, passado tempo crystallisa, mas os crystaes teem quasi sempre uma cor ama- rellada, e se algumas vezes são brancos, nem por isso deixam de conter dif- ferentes principios sólidos da urina em bastante quantidade. Para obter o assucar bem puro é necessário dissolver este residuo em agua distillada, filtral-o pelo carvão animal, e evaporar de novo. Os crystaes obtidos por esta segunda evaporação devem ser lavados successi- vamente pelo ether sulfúrico alcoolisado, e álcool até ficarem perfeitamente bran- cos; lavam-se depois em álcool rectificado, fillra-se e deixa-se ci-ystallisar de novo, e assim successivamente solvendo, evaporando e fazendo crystallisar. b. Processo de Siinoii K — Evapora-se a urina até á consistência de xarope e mistura-se com quatro ou seis vezes o seu peso de álcool anhydro, o qual precipita a maior parte do assucar. Este deve ser lavado em uma nova quanti- dade de álcool, em seguida dissolvido em uma porção de agua e tratado peio álcool a fim de precipitar o muco, saes de cal etc. Terminada a operarão lil- tra-se o liquido, evapora-se até ã seccura c dissolve-se depois o residuo em álcool concentrado e fervente. Pondo a solução a evaporar, forma-se uma crusta crystallina e incolor que é formada de pequenos crystaes de assucar reunidos em massas cónicas. c. Processo Leconln. — Acidula-se ligeiramente a urina com acido sulfuiico (os sulfatos mineraes são insolúveis no álcool) e evapora-se ao banho maria em pratos pouco covos. Obtem-se por este meio um residuo pastoso ao qual se junta a quente uma pequena quantidade de álcool a 33° para o diluir. Lança-se este liquido n'um inatraz, onde por meio do calor e de addições successivas de álcool a 33°, se lhe esgotam todas as partes solúveis. 1 liandb. der Md. cliem. 1848. T. 1, p, 521. SnilUK A ItlAliliTF. 1.'] Os liqniilns, oMidos siiccossivnmciik', n'iinon>S(\ ni|iiocom-S("! c fillrani-so. depois ilc frios. Junta-sc eiiirio pouco a pouco uma solução, rccenle o saturada de potassa cáustica em álcool, o agila-se o todo fortemente a cada addição. Nesta occasião o liquido turva-se, mas depois torna-se limpido pela separação do uma matéria pastosa, que liça adlierente ás paredes do vaso. Conlinua-se sempre a juntar a potassa até não pi'oduzir turvação no liquido, chegado esse momento decanta-se o liquido claro c lava-se repetidas vezes com álcool o ma- ç;nia depositado nas paredes do vaso. Depois de o dissolver n"uma pouca de agua, precipita-se a potassa por um ligeiro excesso de acido tartarico agitando bem a solução. O bitartaralo de po- tassa formado, c separado pela fdlração, c o liquido que ficou é posto a frio em contacto com um excesso de ci'é, a fim de o neutralisar; deixa-se assim por algum tempo, e agita-se o todo de quando em quando, até parecer neutro ao papel de tornesol. Chegado esse momento liltra-se de novo, evapora-se a banho- maria, e o residuo é tratado pelo álcool. O licor exposto á evaporação espontânea, apresenta passado algum tempo crystaes de assucar que teem a forma prismática com quatro faces terminando cm vértices diedros, mui visíveis ao microscópio. d. Fóde-se obter egualmcnte a glycose pelo seguinte processo. Trata-se a urina pelo acetato básico de chumbo, llllra-se c retira-se o excesso de chumbo pelo hydrogenio sulfurado. O liquido obtido da segunda liltração é sujeito á eva- poração, e o assucar é extrahido por meio do álcool absoluto; deixa-se aquelle ciystallisar e separam-sc os crystaes pela liltração. 13." Toma-se uma pequena quantidade de urina n"um tubo de ensaio, jun- la-se-llie uma pequena quantidade de potassa cáustica solida, ou porção egual da solução concentrada (lU(U) p. c.) e aquece-se o todo a uma lâmpada de ál- cool. Se ha assucar o liquido toma uma cor mais ou menos escura, conforme a (|uantidade d'elle e á medida que se eleva a temperatura pronuncla-se esta cor, Ocaiido bem sensível depois do resfriamento do liquido. N'esta operação for- mam-se o acido melacico ou sacchulmico, que é escuro, o acido foimico, e o gluclco. Obtida esta cor escura ó fácil fazel-a desapparecer juntando um excesso de acido nítrico; o liquido desenvolve então um cheiro a melaço e torna-se claro. Como a mudança de cor na urina, em virtude da acção da potassa, não é ás vezes bem pronunciada por causa da pequena quantidade de assucar exis- tente, ou da cor carregada da urina, o sr. Bruecke * recommcnda, para evitar este inconveniente, dividir-se o liquido em ensaio por dois tubos, aquecer um, deixar o outro para padrão, metter depois era agua o tubo que esteve sobre o • Zeitsclirift der k. k. Gesellschaft der Aerztc zu Wien. 20, setembro, 1838. 1 í- ESTUDOS fogo (para vcriílcar se a miKlanra do cor ò fixa ou se é devida á elevação de temperalnra), e comparal-o com o outro que serve de padrão. Nós ' costumamos seguir um processo que nos parece mais expedito e que é também aconseliiado por Jaccoud-. Depois de preparado o liquido n"um tubo de ensaio aqueço-o pela parte su- perior da columna liquido, em logar de ser pelo fundo, como geralmente se faz. Se ha nssucar, a cor do liquido muda somente na parte onde se applicou o calor;' ficam por tanto duas camadas bem distinctas e a comparação pôde ser feita ra- pidamente. Uma cautella que é necessário ter sempre em vista (Rees), é a polassa ser bem pura e livre de chumbo; esta circumstancia da inquinação pelo chumbo é fíicil de realisar-se se a solução de potassa c conservada em vaso de vidro ou crystal, porque o sr. Pavy teve occasião de achar no vidro d'uma capsula de porcelana uma certa quantidade de chumbo, depois de ter ahi evaporado uma solução de potassa pura. O sr. Roberts viu egualmente uma solução de potassa pura, conservada por 6 semanas num basco, dar uma grande quantidade de chumbo. A razão d"esta cautella com o chumbo, c porque este tem a propriedade de, sendo fervido com matérias orgânicas em que entra o enxofre (como a albu- mina) pôr este em liberdade, e combinar-se com elle formando ura sulfureto o qual dá uma cor escura ao liquido. Em vista desta circumstancia é fácil haver confusão com as urinas da doença de Bright e deve-se portanto verificar sempre se existe albumina antes de empregar a potassa, quando não temos a certeza, como quasi sempre acontece, se ella está livre de chumbo. O sr. Cahen lilho ^ diz que este reactivo da potassa é mui sensível, dando a conhecer Vcisi de assucar, e Roberts 1 '/a grão por onça de liquido. Não nos parece que n"elle se deva ter toda a confiança, por quanto os srs. Becquerel'', IlasalP, Behier" e Thirial' toem visto urinas sem conterem assu- car, darem pela potassa uma cor escura semelhante. O sr. Golding-Bird ^ tam- bém observou algumas urinas, contendo acido oxalico, darem uma cor de vi- nho da Madeira quando tratadas pela potassa e pelo calor. O próprio sr. Cahen é o primeiro a confessar que as urinas albuminosas * Gonsidérations sur un cas de diabete. Paris. lSo7, p. 48. - Clinique médicaie. 1867, p. 8o7. ' Areh. gen. de iiiéd. 1864, fevereiro. '' Abeilie niéd. 18o7, p. 2'f:J. ■' Tlic Lancirt. 1, Janeiro, 183.3. «Gaz, lied. 18o7, p. 387. -> Union ni(!d. 1837, p, 260. 8 Do furino ele. Paris. 1861. p. 413. SOBUI'. A 1IIAHI'.TK 15 tomam, ;is vezes, uma cor carreiíada pela potassa, mas, acresccnla que o dilíc- iL'iitc iim pouco da que se produz (juaiido lia assucar. Julgamos não ser fácil esta distiucção; c outro tanto pensa lloberts, principalmente quando ha muita alluiniina, muito epithelio renal ou sangue como acontece na doença de Brigiit aguda, e a solução de polassa contém cliunilio. Em vista d'rsta circumstancia e das observações acima apontadas não duvidamos allirraar que outras substan- cias ha. além do assucar, que dão esta reacção com a potassa. O sr. Nota ' também descoloriu ultimamente que a urina dos indivíduos (juc fazem uso da santonina è cgualmente corada peia potassa, mas apresenta uma dilíercnça mui pronunciada das que contem assucar; isto è, a urina contendo santonina córa-se tanto a quente como a frio, em quanto a urina glycosurica é- só a quente. lAlas haverá um meio seguro para podermos afllrmar que a coloração das orinas pela potassa é devida ao assucar e não a outros princípios? O sr. Becquerel pensa que tratando a uiina pelo acetato de chumbo e de- pois pelo sulfato de soda, pelo modo (juc mais tarde indicaremos, se obvia a estes inconvenientes. Não duvidamos que assim aconteça, porém já vimos uma urina dar a cor escura pela potassa, depois de preparada como quer o dr. Becquerel, apesar do reactivo de Fehling não mostrar a existência do assucar. Além disso, se a quan- tidade de assucar, contida na uiina a ensaiar for mui pequena, é possível per- der-se quando tratada por este processo. O sr. Cahen propije um meio que me parece insufficiente, e vem a ser fer- ver a urina, íillral-a e depois juntar-lhe a potassa. A albumina será posta de parle na maioria dos casos é verdade, mas a matéria corante da urina e outras que se tornam escuras pela potassa, não saem pela fervura e filtração. Bruecke-, com o intuito de tii"ir estas causas de erro, manda ferver a^ urina, como contraprova, com oxido de chumbo. Se se produz uma cor escura, por causa do sulfureto de chumbo formado, ha motivos para desconfiar que a eor primitiva obtida pela potassa não seja devida ao assucar. O processo que nos parece mais expedito é tratar a urina, antes do en- saio, pelo carvão animal. Além d'isso os inconvenientes, que podem haver no processo da potassa, não são de grande importância poríjue quasi nunca se emprega este processo só por si quando queremos um certo rigor na observação. De resto o sr. Leconte ^ faz quanto a nós perfeitamente sobresair, a não infal- > Liiion niéd. 1863, n.^ 143. - Sitzungshericlite der Mathein. Classe der K. Acad. dor Wissenscli. 18.^8.. ^ Journ. de pliys. 18Í59, [i. 597. 16 ESTUDOS libilidadc deste processo dizendo: aPeisotmc, à mon avis, ne saiirail qmud à présenl, rúpondrc par laflirmative ; les matiércs colorantes de V urine sont a pcine conniies, et il existe un grand nonibre de suhstances qui se colorem eu brim soits Viujluence des alcalis, et dont la teitite se foncepar la chaleur; loií- tes les maliéres extractives, les composés hulmiques sont dans ce f«s.» Este pro- cesso empregado empyricamente no coramercio foi introduzido na sciencia por Chevatier ' em 1842, e applicado ao estudo da diabete por Donné, segundo al- guns auctores. Os médicos francezes em geral chamam este processo o de Mialhe, os in- glezes processo de Moore de Birmingham ^ e os allemães processo de Ileller. ■14." Processo da cal. — Junta-se ú urina um leite de cal, como se faz no processo da potassa, e ferve-se ó todo ; se ha assucar apresenta-se uma cor es- cura. O leite de cal deve ser feito do seguinte modo: lomam-se 50 grammas de cal virgem, junta-se uma pouca de agua para a poder dividir, acrescenta-se- Ihe depois um litro de agua e conserva-se o todo em um frasco bem rolhado para servir quando necessário for. O sr. Bouchardat pensa que por este meio se pôde reconhecer o assucar n uma urina que o contém na dose de um decigramma por litro, tendo a van- tagem sobre a potassa de estar mais á mão e de não dar logar a erros como a potassa. Parece-nos que a pretendida vantagem da cal sobre a potassa énulla: primeiramente porque se obtém tão facilmente a cal como a potassa, em segundo logar aquella actua sobre as matérias extractivas da urina como a potassa, e em- íim esta parece ser mais sensível do que a cal. 15." Processo pela soda. — Teem alguns práticos pretendido substituir a potassa e a cal dos dois processos antecedentes pela soda, ou por uma mistura de potassa e soda. Esta modificarão não tem vantagem alguma. 16." Reactivo Maimené. — É formado duma solução aquosa de bichlorurelo de estanho (1 parte para 2 de agua) na qual se molham tiras delgadas, como as de papel de reactivo, de merino branco, durante quatro ou cinco minutos, sendo depois seccas, sobre tiras do mesmo tecido, ao banho-maria. Para reconhecer se uma urina tem assucar, lançam-se algumas gotas dx'lla sobre uma destas pequenas tiras, a qual é aquecida e secca sobre uma lâmpada de álcool. Se ha assucar formam-se, nos pontos em que se lançou a urina, man- chas mais ou menos escuras conforme a quantidade d'este principio. Segundo o sr. íMaumené, este reactivo ê sensível a ponto de descobrir o assucar contido em uma solução de 10 golas de urina diabética n"um metro culiico de agua. Deve-se coraludo notar que outras substanciívs além da glycose dão uma ' Journal de cli. mcJ. T. VIU, p. 372. - Tliu Lancul. 1844, |i. 7al. sonriK A mAiJETic i7 semellinnlo reacção com o biclilonirclo de estanho; neste caso estão o assucar (Ic canna, a fécula, o algodão, o linho, ele. 17." Processo de Ruvgc *. — Lançam-se algumas golas de urina n'uma chi- cara, a qual é collocada sobre uma cafeteira de agua fervente. Logo que a urina sécca, juntam-se algumas gotas de acido sulfúrico diluído (1 parle de acido para 8 de agua). Se a urina contém assucar forma-se uma mancha escura, se o não contém toma o todo uma cor de laranja. Segundo Runge este reactivo é de tal modo sensível, que algumas gotas de urina contendo assucar na porporção de 1 por 2:000, dão por meio d'elle a reacção caracteristica. 18." Processo Pettenhorf. — Põe-se uma quantidade de urina, em que se te- nha dissolvido fel de boi, dentro d'um copo, depois lança-se pouco a pouco e ao longo das paredes do vaso, uma porção de acido sulfúrico, egual á da urina. Se ha assucar o liquido toma uma cor quasi purpurina. 19." Processo Bence Jones. —Toma-se uma solução de nitrato de prata e junta-se n'um tubo de ensaio com urina diabética ; a prata, se ha assucar, é re- duzida ao estado metallico, mesmo a frio, e deposita-se formando nas paredes do tubo uma camada brilhante. — Este processo que transcrevemos da obra de Hassall é indicado por alguns auctores com outra variante, e sem llie darem o nome de Bence Jones. Será um processo de outro auctor ou haveria da parle dos escriptores algum erro? O sr. Jaccoud dá-o como sendo de Neubauer, mas nós não podemos decidir este ponto. 20." Processo Neubauer e Vogel. — Lançam-se algumas gotas de uma solu- ção de nitrato de prata n'um tubo de ensaio e junta-se uma gota de ammoniaco, um precipitado de oxido apparece immediatamente. N'esta occasião acrescenta-se uma quantidade mui pequena de urina e aquece-se o tubo. Se ha assucar, uma camada de prata se fixa nas paredes do tubo. Este processo pela prata é infiel, porque muitas outras substancias como a urea, o acido úrico e até mesmo a agua o reduzem. O sr. Bence Jones, notou que, sem mesmo applicar o ammoniaco, as urinas não saccharinas reduzem o nitrato de prata, quando o calor è applicado á mistura ^. A cor escura produz-se egualmente quando a urina contém ferro, chumbo, cobre, mercúrio ou acido tartrico. ' Bérzelius. Traité de Chimie. T. Ill, p. 694. - Lancot. Janeiro, 1853. ME-M. D.V .\CAIl. — 1.^ CLASSt. T. IV, l'. U. 1 8 ESTUDOS ^1." Processo LoPireiílhal K — Prepararão do rroclivo. — Tonin-so (Fiim lado: Acido larlarico GO grammas Carboualo de soda cryslallisado . . 120 » Agua dislillada . , 230 » o faz-se a solução a quente. Do outro lado toma-se: Carbonato de soda 120 » Agua distillada laO » e solve-se a quente. Logo que òs dois liquidos estão frios, junlam-sc e acres- centa-se perchlomreto de ferro crystallisatlo 3 ou 6 grammas, ferve-se a mis- tura e filtra-se. Mudo de o/jt'r«r.— Junta-se um pouco deste reactivo á urina suspeita e ferve-se; se ha assucar o liquido toma uma cor escura, turva-se pelo arrefeci- mento c dá um precipitado volumoso que contém protoxido de ferro. Este processo precisa da contraprova do oxido de chumbo, visto a cor es- cura que se obtém com o reactivo poder ser devida ao sulfureto de ferro. Se a urina fervida com o oxido do chumbo não se torna escura, é signal de que o precipitado obtido com o reactivo é de protoxido de ferro e não de sulfureto de ferro, contendo, por isso, assucar a urina ensaiada. 22." Processo de Hunefeld. — Toma-se um copo de ensaio, lança-se dentro uma onça de urina, juntam-se algumas gotas duma solução do acido chromico e expõe-se o todo á luz. Se ha assucar, a urina toma uma cor escura e depois verde. 23." Processo de Horsleij de Chellenham.—Faz-se uma mistura de uma so- lução concentrada do potassa cáustica com chromato neutro de potassa em par- tes eguaes; juntam-se algumas gotas deste reactivo á urina e ferve-se esta n"uni tubo de ensaio. Se ha assucar, o licor toma uma cor verde escura devida ao oxido de chromio em solução na potassa. Segundo o sr. Horsley este reactivo é por extremo sensível. 24." Ileaclii-o Lnioii-. — Assim chamaremos este reactivo^, apesar de Will e Lehmann o terem indicado antes do sr. Luton, pois o uso lhe tem consagrado este nome. W. Krause pretende, mas erradamente, ter sido o primeiro a em- pregal-o -^ ' .louni. fur Praktis. Cliimie. - Gaz. méd. de Paris, 18oo. ' Gaz. méd. da Paris. 1837, p. 194. Sdiílti: A DIAliKTK 19 Fttiiiiula (lo reactivo: Bicliromato de potassa t \mW. Solva em Agua distillada 2 » Junte Acido sulfúrico concentrado á » Decante Em resultado obtem-se um liquido vermelho o cuja composição é agua, acido sulfúrico, acido chromico e bisulfato de polassa. Moiin de o rmprerjar. — Junla-se n'um tubo de ensaio com urina, uma quan- tidade de reactivo necessária para c()rar o todo de vermelho, e leva-se a mistura á ebuUição. Chegado esse momento manifesta-se uma eíTervesccncia, e o liquido toma uma cor verde esmeralda, se ha assucar. As reacções que lecm Ifigar n"esse momento são, o acido chromico estando em presença do acido sulfúrico queima o assucar e passa a sesquioxido de chromio, este combina-se com o acido sul- fúrico formando, naturalmente, um alúmen de chromio, c ao mesmo tempo ha formação de agua, acido carbónico e fórmico. Em logar de se empregar o acido sulfúrico n'este reactivo podemo-nos ser- vir do acido azotico ou chiorydrico; então elle fica cor de rubim. N'esta hypolhese, e quando ha assucar, o reactivo depois da lervui'a toma no primeiro caso uma cor de lilaz carregada, e no segundo a verde. Segundo o sr. Luton, este liquido é sensivel a ponto de descobrir o por 1 :0()U de assucar, mas o sr. Guitard observa que elle só muda de cor com 0^''',007f) de assucar; segundo o sr. Kuhne tem este reactivo o inconveniente de ser reduzido por quasi todos os liquides orgânicos. É necessário comtudo notar que a urea, o acido úrico, os uratos e a albumina não teem, segundo os si-s. Thudichum, Beale, Hassall e outros ' acção alguma sobre elle. 23." Processo de Bõtícher ou tíollijer ^ ?—C.omhl(i em lançar na urina uma solução de carbonato de soda (1 de sal para 3 de agua) em partes eguaes, jun- tar uma pequena quantidade de subnitrato básico de bismutho e levar o todo á fervura. Se ha assucar, o liquido toma imia cor cinzenta ou escura, devida á reduc- ção do oxido de bismutho ao estado de suboxido ou de metal ; esta cor é tanto mais intensa quanto maior é a quantidade de assucar. Se se observa a reacção com altenção pôde mesmo ver-se o oxido amarello. ' Henle 's und PfeufL-r Zeitsch, fur pract. med. 1857. '' A\rh. fur Pharm. 2.'- serie. T. LXLllI. N.M. 20 ESTUDOS Deve-se notar qne é preciso prolongar a cbullição ás vezes, porque quando existe pouco assucar no liquido, só assim ellc muda de côr. N'este caso é lam- bem conveniente deixar repousar algum tempo o liquido e observar depois a sua superflcie, porque n"estas condições ahi se encontra uma camada fina e es- cura de bismutho. Quando se deseja um grande rigor n'esta analyse é conveniente sujeitar o reactivo a uma contraprova, para verificar se a cor escura observada não é devida ao sulfureto de bismutho, formado á custa do enxofre não oxidado de alguns princípios de urina. A contraprova consiste em juntar á urina uma pouca de potassa e de mi- nio ou carbonato de chumbo finamente pulverisados e depois ferver. Se a urina não contém albumina não se forma precipitado escuro, e pôde concluir-se com segurança que o precipitado obtido com o subnitrato de bismutho, è de bismu- tho metal! ico. O sr. Iliííelsheim * teve occasião de verificar a sensibilidade d'este reactivo; 6 o sr. Bruecke, achando-o mais seguro que os de Trommer e Fehling, não du- vida aflh-nuii', que toda a urina que não dá as reacções características com a po- tassa e com o subnitrato de bismutho, não contém assucar. O sr. Beneke com este reactivo obteve em algumas urinas normaes a mudança de cor que se ob- serva quando ha assucar. O sr. Jaccoud confirma egualmente a excellencia deste reactivo, e afllrma com o seu auctor que elle não é reduzido senão pelo assucar, mas que é pos- sível observar a cor escura quando ha albumina, ferro, mercúrio, chumbo ou cobre. 2^).° a — Teem alguns substituído n'este reactivo a soda pela potassa mas sem vantagem, porque o sr. Jaccoud tem visto o reactivo ser reduzido pelos uratos cm quanto que não se observa o mesmo phenomeno quando se emprega a soda em logar da potassa. -IG.° Reactivo de CappezuoU, de Florença. — Lança-se a urina n"um vídici cónico, junta-se-lhe um pouco de hydrato azul de oxido de cobre, e alcalinísa-se o todo com uma solução de potassa cáustica. Sc ha assucar o licor toma uma cor encarnada; passadas algumas horas o bordo do i)recipitado torna-se amarello pela reducção do oxido ao estado me- tallico; esta mudança de cor estende-se depois gradualmente a todo o preci- pitado. ' Mcm. de la soe. de biol. i850, p. 82. SnnRF. A niABP.TF. 21 á?." Heactirn de Cahen filho*. — Toma-se: Oxido de cobre S grammas Acido tartarico 4 » Polassa cáustica 15 » Agua distiilada 80 » Modo de o empregar. — É o mesmo que para o reactivo de ÍJarreswiil. do qual nos occuparemos mais tarde. Duzentas gotas deste reactivo, são reduzidas por 5 centigrammas de as- sucar. 28." Reactivo de Trommer'^. — Colloca-se uma pequena porção de urina n'um tubo de ensaio, junta-se-lhe uma solução concentrada de polassa cáustica (metade do volume da urina empregada ou quantidade egual segundo outros) lançam-se dentro uma ou duas gotas de solução de sulfato de cobre (O'', 50 de sulfato de cobre para 30 grammas de agua distiilada), o suíTiciente para dar ã mistura uma tinta azul, e leva-se o todo á ebuUição, ou então deixa-se durante algumas horas em observação sem o aquecer. Quando se lança na urina o sulfato de cobre, forma-se sulíiito de potassa solúvel e um precipitado esverdeado de oxido de cobi-e que se dissolve pela agitação quando ha assucar e dá ao liquido uma cor azul escura. A formula da reacção c a seguinte: SO^ CuO -f KaO = SO^ KaO + CuO. Não é indifferente para a i'cacção juntar o sulfato de cobre em maior quan- tidade, porque havendo um excesso de oxido de cobre, sobre o qual o assu- car não pôde actuar, passa elle ao estado anhydro pela ebullição e occulla, em virtude da sua cor negra, a vermelha do suboxido reduzido. Fundados nesta razão costumam os practicos mandar juntar unia gola somente de solução de sul- fato em logar de duas, quando se suppije existirem só traços de assucar. Relati- vamente á solução de potassa não é indiíTerente, segundo Roberis, o lançal-a em excesso porque pôde influir na reacção; se o assucar existe em quantidade, n'esle caso a cor escura produzida pela acção da potassa sobre o assucar occulla a reacção do reactivo. 0 sr. Jaccoud apresenta uma ligeira modificação tirada dos livros inglezes, mas sem importância, ao manual operatório. Consiste em lançar primeiro algu- 1 Arcli. gén. de méd. 18'i6, fevereiro. - Ann. der Cliem. and. Pliarni. Band. 7. s. 300 22 ESTUDOS mas golas da solurão de sulfalo de ouljre na uiina a ferver; a mistura liça com a mesma cor, mas se lhe juntamos, ainda sobre a lâmpada, um excesso de solução de potassa, forma-se immedialamente um magma esverdeado, depois a mistura torna-so límpida e azn! mas logo em seguida vermelha pela reducçriu do oxido de cobre. Os phenomenos que se passam no li(iiiido urinário preparado pelo methodo vulgar, se o assucar ali existe, silo logo que se applica o calor: formarão d iini precipitado amai'ello avermelhado mais ou menos carregado em cor, que é n suboxido de cobre mais ou menos deshydratado; se se deixa por algumas ho- ras em observação o liquido, sem apitlicar calor, apparece o mesmo precipitado de suboxido mas vagarosa e gradualmente. Os pliospliatos da urina dãiiás vezes com este reactivo um precipitado que não se deve confundir com o do suboxido porque é lloculento e esverdeado ou ás vezes esbranquiçado. Por ultimo devemos acrescentar que ha ditTerentes precauções a tomar an- tes de afllrmar a existência do assucar, depois da mudança de cor do liquido, porque se a reducção do suboxido só tem logar depois d"uma ebullição prolon- gada, outras substancias podem, nestas circumstancias, produzir um semelhante etleito; outro tanto acontece quando o liquido muda simplesmente de cor pela ebullição sem formação de precipitado bem dislincto, pois alguns specimens de urina, sem terem assucar, apresentam o mesmo phenomeno. Quando a urina contém albumina, é necessário desembaraçar-nos d"ella pii- meiramente pelo calor, ou pelo acido acético, neutralisando-o em seguida por um alcali (salvo o ammoniaco) ou então precipitando-a pelo sulfato de soda; de outro modo acontecerá que, quando lançarmos a solução de sulfato de co- bre, o liquido não tomará a cor azul mas sim violeta, e applicando-se o calor formar-se-ha um precipitado negro em floculos formado de sulfureto e phosphu- reto de cobre, e a não ser que haja um excesso de assucar, não se reduzirá o oxido de cobre. Quando o assucar existe em pequena quantidade, o oxido não reduzidn confunde o resultado não deixando ver a cor do oxido vermelho; se a urina con- tém pigmentos biliares ou é mais carregada em cor, é necessário descúral-a primeiro pelo carvão animal (ju pelo acetato de chumiio e sulfato de soda: a não ser esta cautella, pôde o reactivo falhar. Eis pois duas causas de erro. A reacção verdadeiramente caraclerislica, é a formação d"um precipitado amarello avermelhado, quando a mistura foi fervida durante um minut», nu es- teve de observação por algumas horas. Não se deve confundir este piecipitado com aquelles que os phosphatos da urina formam ás vezes com o reactivo; são elles esbranquiçados ou esverdeados. Segundo o sr. Thudichum, este reacliso da um precipitado vermelho com soimi-. A niADicTE ^23 lima soliirão roíitondn '/lonooo The Lancei. 1860. p. o04. 28 ESTUDOS Magiies, Fauconneau-Dufresne e Pavy nas quaes o tartarato neutro de potassa entra logo desde o principio da operação como elemento essencial. Todos estes reactivos de cobre devem ser conservados em frasco ordinário coberto de papel azul escuro, ou antes em frascos de vidro da mesma cor, e coUocados em logar escuro ; a razão d'esta cautella é porque a luz tem a pro- priedade de os reduzir. O reactivo quando tem um certo tempo de preparação deixa muitas vezes precipitar o oxido de cobre e fica mais frouxo, outras vezes^ quando é levado á fervura, deixa precipitar o oxido de cobre, sem existir assucar. A razão deste phenomeno, segundo o sr. Thudichum *, é porque o acido tartarico converte-se na presença do ar, com o tempo, em acido racemico, que tora a propriedade de precipitar o oxido de cobre. Um reactivo que estiver na primeira circumstancia precisa antes do seu emprego ser reunido com uma solução forte de potassa cáustica para lhe augmentar a densidade ; o que estiver na segunda circumstan- cia deve ser rejeitado; é por este motivo que se deve sempre ensaiar só por si o reactivo antes de o empregarmos em qualquer analyse. Para evitar todos estes inconvenientes tem-se por isso recommendado ser- vir-se, tanto quanto seja possível, d"um reactivo recentemente preparado, e Neu- bauer - fez notar perfeitamente esta circumstancia dizendo : « Wenn Kupferlosung iiicht frisch bereitet ist sondern langere Zeit aufbnvart íimrde, so tritt leichl eine Zersetzung der in ihr enthaltenen Weinsaiire ein, wodurch beim Gebrauch der- selben, iiamenteliche beim Kochen, in jeder Flussigkcit, olme alie Gegemvart von Ziicker, eine scheinbara Zuckerreaction entsteht.>^ Com o fim de obviar a estes inconvenientes, o dr. Harley segue o seguinte meio: faz á parte três soluções compostas d"este modo: 1.^ 34S'',63 de sulfato de cobre secco em 1000"' de agua distillada. 2.* Solução de potassa cáustica com 1060 de peso especiflco. 3.* Solução saturada de bitartrato de potassa. Quando quer servir-se do reactivo reúne 20''' de cada solução e com a mis- tura ensaia as urinas. Para se poder conhecer a existência do assucar na urina por meio dos li- quides de cobre, é necessário desembaraçal-a dos princípios que podem reduzir o oxido de cobre (por exemplo o acido uricoj ou occultar a sua reducção (al- bumina). Para purificar a urina, differentes processos teem sido aconselhados: a Medem-se 30" de urina, lançam-se num balão, juntam-se-lhe 2 gram- mas de acetato de chumbo, leva-se o todo á ebullição e fdtra-se. O liquido fd- • On tlie pathologic of urine, p. 309. - Anieit. zur quam. und qual. Analyse des Harns, s. 132. SOBRE A DIABETE '20 trado é posto de novo num balão, juntam-sc-lhe 4 grammas de sulfato de soda, leva-se á ebuUição e fdtra-se. O liiiuido íiltrado é límpido e contém somente as- suear, urea e alguns saes '. b Trata-se a urina pelo acetato de chumbo, depois faz-se passar, através do liquido, uma corrente de hydrogenio sulfurado e depois filtra-se. Este pro- cesso é menos conmiodo que o antecedente. c Toma-se n'um vaso uma porção de urina, junta-se-lhe bastante carvão ani- mal, mexe-se bem, deisa-se assim durante algumas horas e £iltra-se. A urina que passa é limpida, e acha-se então, segundo as experiências do sr. Bernard, desembaraçada dos princípios que podem reduzir o reactivo. d Processo recommendado por Bruecke'^. — Toma-se acido oxalico ou an- tes chlorydríco (os quaes teem a propriedade de precipitar o acido úrico da urina, a ponto de o deixar ficar somente na dose de 0^''',001 em máximo) e di- lue-se em agua dístíUada de modo que entre unicamente 0°',23 de acido puro na mistura. A razão por que se deve empregar o acido diluído em vez de con- centrado, é, segundo Bruecke, para evitar que este ultimo, actuando sohre a substancia chromogenia, descuberta por Schunk, a converta em assucar e dê por isso logar a erros na analyse futura. O acido diluído deve ser junto á urina na proporção de 1 :2, e a mistura é então collocada em logar fresco durante vinte e quatro horas; passadas ellas, filtra-se para separar o acido úrico que fica então na superficie do filtro. Este processo além de ser longo, é mais trabalhoso que o do carvão ani- mal, e tem o inconveniente de desembaraçar a urina somente do acido úrico. e Processo recommendado por Bruecke. — É útil principalmente quando existem pequenas quantidades de assucar. Consiste em precipitar a urina pelo acetato neutro de chumbo e depois pelo acetato básico do mesmo metal, e filtrar: ao liquido que passou junta-se uma pouca de ammonia a qual dá logar a um precipitado em que se acha contido todo o assucar; trata-se depois por uma solução de acido oxalico ou pelo hy- drogenio sulfurado, como recommenda Bence Jones, para desembaraçar do chumbo, filtra-se, e ensaía-se depois o liquido pelo reactivo. Por este meio pôde descobrir-se V? de grão de assucar dissolvido em seis onças de agua. f Processo de Leconte. — Trata-se a urina por um excesso de acetato de chumbo, flltra-se e concentra-se ; depois trata-se o liquido obtido pela ammonia e filtra-se de novo. A ammonia tem inconvenientes, como bem nota o sr. Beale, e por isso é melhor empregar o carbonato de soda ou de potassa. O excesso > Abeil. méd. 1867, p- 243. - Zeitsch. der K. Gesellsch. der Aerzt. zu Wien. 20, setembro, 1858. 30 ESTUDOS de chumbo pôde também ser tirado pelo hydrogenio sulfurado; mas em todo o caso, obtido o precipitado, é necessário filtrar e concentrar o liquido que passa para depois o ensaiar. g Tratar a urina pelo acido acético, evaporal-a até ao V5 do seu volume, jun- tar álcool, filtrar e evaporar depois a solução alcoólica para a ensaiar em seguida. Este processo é, como o anterior, do sr. Leconte, e tanto um como outro, são principalmente empregados quando existe pouco assucar. h Quando a urina contém albumina e nos queremos desembaraçar d'ella, é tratar a urina pelo sulfato de soda numa dose egual ao peso da urina e de- pois filtrar: o excesso de sulfato de soda que ficar existindo não tem influencia na analyse pelos reactivos de cobre. Este processo não é sufficiente porque não purifica a urina do acido úrico e outros princípios reductores; é mais applicavel ao ensaio de liquides orgâni- cos que não seja a urina. Conhecidos os meios para preparar a urina, resta-nos ainda quaes são os modos que temos para applicar o reactivo de cobre á descoberta do assucar. Os melhodos seguidos são dois: i.° O de Cahen filho. — Consiste em molhar tiras de papel, sem gomma, no reactivo, e seccal-as para nos servirmos d'ellas quando necessário for. Querendo saber se uma urina contém assucar, não lemos mais que fervel-a numa capsula e introduzir-lhe dentro, no momento da ebullição uma das tiras preparadas pelo processo já indicado. Se existe assucar, a tira, de azul que era, passa a amarello. 2.° Lança-se uma pouca de urina num tubo de ensaio, junta-se-lhe uma quantidade egual de reactivo com algumas gotas de solução concentrada de po- tassa cáustica e leva-se o todo á ebullição. Se ha assucar, a cor do liquido muda para amarello e depois para vermelho. Segundo o sr. Hassall, é sempre conveniente ver, antes de juntar o reactivo á urina, se ella é acida: n"este caso alcalina-se primeiro com a potassa, depois junta-se o reactivo, e no fim acrescenta-se uma nova porção de solução concen- trada de potassa cáustica. A neutralisação pela potassa é mui conveniente por- que a acidez da urina é uma das causas de muitas vezes falhar o reactivo. A segunda addição da potassa tem por fim facilitar a precipitação do oxido de cobre, e fazer evolver algum ammoniaco existente na urina. Por esta razão e pela circumstancia da possibilidade do assucar existir em pequena quantidade deve-se sempre prolongar a ebullição. No caso de existência de pequenas quan- tidades de assucar, o precipitado não se forma senão depois do resfriamento, e sempre d"um pequeno volume. O sr. Roberts aconselha, como importante, ferver-se primeiro o reactivo e juntar pouco a pouco a urina; tem este meio a vantagem de nunca se empre- SOBRE A DIABETE 31 gar um excesso de urina, o que é prejudicial, e de não se precisar prolongar a ebuUição por tanto tempo (o que tem seus inconvenientes). Quando o assucar existe em excesso sobre a solução de cobre, o oxido deste, quando reduzido, é dissolvido pelo assucar não decomposto, e por isso não apparece precipitado. A propósito da necessidade da juncção da polassa para fazer evolver a am- monia, trataremos d'esta importante questão da acção que os differentes princí- pios constituintes da urina e alguns outros, que por qualquer causa estão jun- tos a ella, teem sobre a reducção destes differentes licores de cobre. O sr. Hassali * foi o primeiro a conhecer que os reactivos de cobre falham muitas vezes apesar de existir assucar na urina ; juntando a uma onça de urina dois grãos de assucar, viu elle sobre quarenta e duas vezes, falhar o reactivo vinte e duas vezes dando resultados satisfactorios só em vinte. Esta rectificação era necessária, pois geralmente é attribuida esta desco- berta ao sr. DuroY '^. Pai-a reconhecer a causa deste phenomeno, experimentou o sr. Hassali so- bre os differentes princípios da urina, começando pela urea. Solveu n'uma onça de agua distillada um grão de urea e um oitavo de grão de assucar, juntou o reactivo e ferveu, em resultado obteve o precipitado caracteristico. Fazendo uma solução dum oitavo de grão de assucar e meio grão de carbonato de ammo- niaco n'uma onça de agua distillada, e tratando-a pelo reactivo, obteve um pre- cipitado castanho avermelhado: cor que elle attribue com razão a uma mistura do oxido de cobre negro com o vermelho. Variando a quantidade de assucar de um oitavo de grão a meio grão, e con- servando as mesmas doses da agua e do carbonato de ammoniaco, obteve ainda um precipitado escuro. Em vista destas experiências, concluiu elle que a razão dos resultados ne- gativos obtidos com algumas urinas contendo assucar, é a decomposição da urea em carbonato de ammoniaco debaixo da influencia do calor e talvez do próprio reactivo. Estas conclusões apresentadas por occasião do seu primeiro trabalho con- firmou-as elle no segundo ^. Em 1833 ^ continuando com as suas experiências obteve os seguintes re- sultados. 1.° Numa solução em meia drachma de agua distillada de um quarto de » The Lancet. 12, Abril, 1851. 2 Archiv. gen. de raéd, 1858. T. XXXII, p. 506. 5 The Lancet. 12 de junho de 1852. * The Lancet. 1 de janeiro de 1853. 32 ESTUDOS grão de urato de ammonia com um oitavo de grão de assucar falhou o rea- ctivo. 2." N'uma solução semelhante, mas tendo o urato na dose de um quarto de grão, o reactivo reduziu mal. .3." N'uma solução semelhante á antecedente, com a differença do urato de ammonia estar na dose de um dezeseis avos de grão, o reactivo reduziu perfei- tamente. 4." Um pouco de carbonato de cal dissolvido n'um excesso de acido carbó- nico, não impediu que o reactivo descobrisse um trinta e dois avos de assucar. 5." Solução de um grão de phosphato de cal e um oitavo de grão de as- sucar em meia onça de agua distillada ligeiramente acidulada com acido phos- phorico. O reactivo não deu precipitado. 6." Solução de meio grão de phosphato de cal e um oitavo de grão de as- sucar em meia onça de agua distillada ligeiramente acidulada com acido phos- phorico. O reactivo deu um precipitado de oxido negro de cobre mas um pouco castanlio. 7." Solução de um quarto de grão de phosphato de cal e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada ligeiramente acidulada com acido phosphorico. O reactivo deu um precipitado ligeiramente castanho. 8.° Solução com um oitavo de grão de phosphato de cal com outro de as- sucar em meia onça de agua distillada ligeiramente acidulada com acido phos- phorico. O reactivo deu um precipitado castanho avermelhado. 9." Solução com um dezeseis avos de grão de phosphato de cal e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada ligeiramente aci- dulada com acido phosphorico. O reactivo deu um precipitado castanho claro. 10." Solução com um trinta e dois avos de grão de phosphato de cal e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada, ligeiramente acidu- lada com acido phosphorico. O reactivo deu o precipitado característico. H." Solução com um oitavo de grão de phosphato de magnesia e outro tanto de assucar em meia onça de agua distillada. O reactivo não deu preci- pitado. 12.° Solução com um dezeseis avos de grão de phosphato de magnesia e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. O reactivo não deu precipitado. 13." Solução com um trinta e dois avos de grão de phosphato de magne- sia e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. O reactivo não deu precipitado. 14." Solução com um sessenta e quatro avos de grão de phosphato de ma- gnesia e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. O rea- ctivo não deu precipitado. SOBRE A DIABETE 33 15." Solução com um cento e vinte oito avos de grão de phosphato de ma- gnesia e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. O rea- ctivo deu um precipitado vermeiho-cereja acastanhado. 16." Solução com um grão de phosphato de ammonia e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. O reactivo deu um precipitado cor de castanha. 17." Solução com meio grão de phosphato de ammonia e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. O reactivo deu um precipi- tado hgeiramento castanho. 18." Solução com um quarto de grão de phosphato de ammonia e um oi- tavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. O reactivo deu um precipitado castanho-amarellado. 19." Solução com um oitavo de grão de phosphato de ammonia e outro tanto de assucar em meia onça de agua distillada. O precipitado foi caracte- rístico. 20." Solução com um grão de phosphato de soda e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado castanho. 21.° Solução com meio grão de phosphato de soda e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado castanho. 22." Solução cora um quarto de grão de phosphato de soda e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado vermelho-ati- jolado. 23." Solução com um oitavo de grão de phosphato de soda e outro tanto de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado levemente vermelho. 24." Solução com um dezeseis avos de grão de phosphato de soda e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado cara- cterístico. 25." Solução com dois grãos de sulfato de potassa e um dezeseis avos de grão de assucar em meia onça da agua distillada. O reactivo deu um precipi- tado característico. 26." Solução com um grão de sulfato de magnesia e um trinta e dois avos de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado cor de laca. 27." Solução com um grão de sulfato de magnesia e um dezeseis avos de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado cor de laca. 28." Solução com um grão de sulfato de magnesia e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado característico. 29." Solução com um cento e vinte oito avos de grão de oxalato de am- monia e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Com o reactivo manifestou-se uma reacção imperfeita. MEM. DA ACAD. — 1.* CLASSE. T. IV, P. H. 5 34 ESTUDOS 30." Solução com um grão de bioxalato de polassa e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado cinzento. 31." Solução com meio grão de bioxalato de potassa e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado avermelhado. 32." Solução com um quarto de grão de bioxalato de potassa e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado amarello-vivo. 33." Solução com um grão de oxalato de cal e um oitavo de grão de as- sucar em meia onça de agua distillada. Precipitado vermelho abundante. 34." Solução com dois grãos de chlorureto de sódio e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado característico. 35." Solução com dois grãos de chlorureto de cálcio e um oitavo de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado característico. 36." Solução com um grão de acido tartarico e um dezeseis avos de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado característico. 37." Solução com dois grãos de acido tartarico e um trinta e dois avos de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado característico. 38." Solução com dois grãos de acido cítrico e um dezeseis avos de grão de assucar em meia onça de agua distillada. O reactivo falhou. 39." Solução com um grão de acido cítrico e um dezeseis avos de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado característico. 40." Solução com um grão de acido oxalico e um dezeseis avos de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado amarello carregado. 41." Solução com um grão de acido oxalico e um trinta e dois avos de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado de cor acinzentada. 42." Solução com cinco gottas de acido phosphorico diluído e um deze- seis avos de grão de assucar em meia onça de agua distillada. Precipitado ca- racterístico. 43.° Solução com muco, epithelio e assucar. O reactivo falhou. De todas estas experiências deduziu o sr. Hassall que os saes que fazem principalmente falhar o reactivo de cobre são: 1." Carbonato de ammoniaco. 2." O urato de ammonia. 3." Os uratos de outras bases. 4." Os phosphatos, principalmente o phosphato de cal, o de soda e o de ammonia, os quaes são, por sua ordem, os que em menor quantidade actuam sobre o reactivo. 5." Os oxalatos, principalmente o de cal que mais commummente se acha nas urinas vista a afSnidade que ha entre o acido oxalico e a cal. Verificou egualmente o sr. Hassall que algumas urinas normaes nas quaes se lançou previamente um pouco de assucar, sendo evaporadas até a consisten- SOBRE A DIABETE 35 cia de xarope, e depois este dissolvido em asíua distillada, e ensaiado pelo rea- ctivo, dão signaes de assucar, quando os não davam antes da evaporação. Parece pois haver na urina principies que isoladamente teem a propriedade de impedir a redacção do bioxido de cobre, perdendo essa qualidade quando es- tão em combinação. Assim ha urinas normaes a que se juntou assucar, as quaes podem fazer falhar o reactivo; estas mesmas urinas, depois de evaporadas fazem falhar o reactivo menos vezes. O sr. Leonel Beale ' em 18i)3 fazendo como o sr. Hassall experiências so- bre os princípios que podem impedir a reducção do bioxido de cobre, viu: 1." Que o precipitado de suboxydo de cobre é facilmente dissolvido pelos acides acético, chlorydrico. nítrico e pela ammonia. 2." Que o precipitado é insolúvel n'uma solução de chlorurelo de sódio, mas é dissolvido n'uma solução fraca de chlorureto de ammonio. 3." Que a addição de algumas gottas de chlorureto de ammonio, a uma solução de assucar misturada com o reactivo de cobre, impede a precipitação do suboxido, conservando a mistura a sua cor esverdeada ou tornando-se casta- nho claro. 4." Que se á solução precedente se junta uma outra de potassa cáustica, forma-se o precipitado desenvolvendo-se ao mesmo tempo vapores ammoniacaes; se o chlorureto de ammonio existe numa dose um pouco elevada é necessário prolongar por mais tempo a ebuUição para se formar o precipitado. 5." Que o oxalato de ammonia produz o mesmo effeito que o chlorureto de ammonio, mas precisa para isso estar numa dose mais elevada. 6." Que o urato neutro d'ammonia impede a precipitação do suboxido e o dissolve quando precipitado; juntando uma solução de potassa e prolongando a ebullição podem contrabalançar-se estes inconvenientes. 7." Que as urinas assucaradas contendo muito urato de ammonia, podem fazer falhar o reactivo, mas pela fermentação dão a conhecer a glycose. Destes factos concluiu o sr. Beale: l.° Que se a urina contém chlorureto de ammonio. urato de ammonia, ou outros saes ammoniacaes e pouco assucar, o reactivo falha, manifestando-se uma cor escura sem precipitado ou ficando a cor azul se elles estão em ex- cesso. 2." Que juntando, n'estas circumstancias, potassa em excesso, o reactivo é reduzido. 3." Que é sempre conveniente juntar ás urinas diabéticas, potassa cáus- tica em excesso para fazer evolver os vapores ammoniacaes. ' Med-chir. Revie\v. Janeiro, 18o3. Vol. XI, p. 113. 36 ESTUDOS 4." Que nestes casos duvidosos, a fermentação mostra claramente a exis- tência do assucar. 5." Que formando-se, em regra geral, o precipitado de suboxido nas uri- nas assucaradas no momento da ebullição, ou logo depois, n'estes casos acima indicados é necessário prolongar a ebullição para se evolverem os saes ammo- niacaes e precipitar-se o suboxido. Depois d'estes dois observadores o sr. Duroy, Pavy •, Bruecke ^ e nós ' mesmo temos tido occasião de verificar a influencia do ammoniaco sobre a não precipitação do suboxido. Estudadas as circumstancias em que não se verifica a reducção do reactivo resta-nos tratar das reacções que tem logar quando ella se manifesta. O assucar em presença da potassa oxida-se á custa do bioxido de cobre, este passa ao estado de protoxido, insolúvel no acido tartarico, aquelle conver- te-se em acido carbónico, fórmico e sacchulmico. O protoxido de cobre é quem dá a cor amarella ao liquido, o qual se torna vermelho se o oxido se deshydrala. Que confiança devemos ter n"estes reactivos de base de cobre? A este res- peito não podemos deixar de citar as palavTas do sr. Glaude Bernard* aLeur caractere absolii ríest qiinn caractere négatif, cest-à-dire qu'on peut affirmer que tout liqueur qiii ne produit pas avec eux les reactions indiquées ne con- tient aucun des sncres de la deuxième espèce. Mais quand cette reaction exiMe on ríest pas ahsolument certain quelle soit dite à du sucre, car la glycerine, le tannin, la cellulose (coton), V acide urique, Ic chloroforme, peuvent la produire à dijferents degrés.v Em vista das experiências dos srs. Hassall, Beale, Duroy, Pavj e das nos- sas, das quaes se conclue que os saes ammoniacaes, o epithelio, o muco e ou- tras substancias podem impedir a precipitação do protoxido de cobre, não po- demos admittir este caracter negativo, que lhe attribue o sr. Bernard, pelo me- nos para as pequenas quantidades de assucar. Em quanto aos outros princípios, diílerentes do assucar, que podem redu- zir o reactivo, faremos sobre elles algumas considerações. As substancias que tem sido indicadas como estando n"estas circumstancias são: 1." A allantoina, segundo o sr. Hassall. 2." O acido úrico, segundo as experiências dos srs. Leconte, Bonnet, Ber- hn. Babo, Pa\7, Meissner^ e as nossas. Babo e Meissner julgam que um átomo ' Ttie Lancet. 1860, p. 504. - Sitzguns berich. der mathem. Cias. der K. Akad. der Wissenschaft. 1858. ' Gazeta Medica de Lisboa. 1861, p. 117. " Leçons de pliys. 1854-o5, p. 39. ' Journ. de Ctiim. méd. 1859, p. 67. SOBRE A DIABETE 37 de acido úrico reduz dois de oxido de cobre, mas o sr. Bruecke pensa serem quatro. O acido úrico, segundo elle, converte-se n'esla occasião em allantoína, uma parte da qual passa depois ao estado de urea e acido oxalico. 3." A leucina, segundo o sr. Pavy •. 4.° O licor prostatico segundo os srs. Fauconneau-Dufresne '. 5." Os ácidos orgânicos voláteis da urina, segundo Babo e Meissner. De- vemos porém acrescentar que o sr. Bruecke nunca viu os productos da distil- lação da urina reduzirem os reactivos. 6." O tannino que dá uma cor de castanha. 7." O acido arsenioso o qual muda a cor do liquido para amarello esver- deado. 8." O aldehyde. 9.° A salicina. 40." O chloroformio que, segundo Pavy, dá uma cor amarella. 41." O acido sulfuroso. 12.° Os sulQtos. 13." Os hyposulQtos. 14." O algodão, segundo os srs. Bernard e Pavy, reduz um pouco o rea- ctivo, porém as nossas experiências não confirmam de modo algum a d'estes observadores. Por mais de uma vez temos ensaiado o reactivo com o algodão e nunca podemos obter o mais leve precipitado. 15." A glycerina, segundo o sr. Bernard. As experiências que fizemos ^ em 1837 e que foram repetidas pelo sr. Be- champ, mostram perfeitamente ter havido uma illusão da parte do illustre phy- siologista, pois não foi possível obter a reducção uma única vez. O sr. Pavy fa- zendo egualmente experiências com esta substancia, chegou, em 1860*, a um resultado semelhante, o qual elle de novo consignou ultimamente dizendo: I have tested has not yelded any reaction ^. » 16." A albumina, depois de muito tempo de ebullição reduz também o rea- ctivo segundo o sr. Hassall. Não temos podido verificar esta reducção mas temos visto que ella produz uma confusão no resultado, impedindo que se forme o pre- cipitado e dando logar ao apparecimento d uma cor verde ou violetta (conforme os casos) mais ou menos escura. Sobre a explicação desta acção da albumina tem-se apresentado duas hypoteses. Na primeira suppõe-se que uma parle da al- ' The Lancet. 1860, p. 504. « Union méd. 1859, p. 22. ' Considérations sur un cas de diabete. Paris, 1857, p. 51. * The Lancet. 1860, p. 504. ' Researches on the nat. and treat. of diabetes. London, 1862, p. 6. 38 ESTUDOS bumina se decompõe fornecendo ao assucar o oxygenio necessário para elle se queimar, e outra parte se combina com o bioxido de cobre para formar al- buminato de cobre. Na segunda hypothese, que é a do sr. Pavy, a albumina é decomposta pela potassa contida no reactivo e dá logar á formação do ammo- niaco, o qual impede a precipitação do protoxido de cobre. Segundo o sr. Icery, á custa do enxofre e phosphoro de albumina fórma-se, n'esta occasião sulfureto e phosphureto de cobre os quaes dão a cor mais ou menos escura. Alguns outros princípios urinários tem sido ensaiados com o reactivo, no intento de verificar se elles o reduzem, mas com resultado negativo: taes são a creatina, a creatinina, o acido hj^ppurico, e a matéria corante da urina se- gundo os srs. Babo e Meissner. O sr. Lespiau ' pretende ter sido o primeiro a verificar que estes reactivos de cobre são reduzidos por outras substancias além do assucar. Não sabemos em que se funda este sr. para sustentar esta sua revendicação. Pela nossa parte desde 1857 até boje temos experimentado estes reactivos com o tannino, o acido arsenioso, o chloroformio, o algodão, a glycerina e o acido úrico. 36." Processo Trousseau. — Os srs. Trousseau e Dumontpallier em 1863 - propozeram a tintura de iode como reactivo. Os factos em que elles se fundaram para estabelecer esta propriedade á tintura de iode, foram: 1." Que seis centímetros cúbicos de urina diabética descoram mais rapida- mente, que as urinas normaes ou pathologicas, um numero mui superior de gottas (8 a 30) de tintura de iode. 2." Que para obter o iodureto de amido, quando este ultimo se acha junto á urina diabética, é necessário empregar um numero maior de gottas, que se elle estivesse em solução na agua. 3." Que esta propriedade descórante da urina diabética não é devida á giy- cose, por quanto a solução aquosa d'esta substancia não tem a mesma proprie- dade que a urina diabética. Estes factos foram confirmados pelo sr. Mauvezin ^. O sr. Déchambre * estudando a proposição dos srs. Trousseau e Dumontpallier que a descóração das urinas diabéticas não é devida á glycose, viu urinas normaes e pathologi- cas descorarem a tintura de iode tão forte e rapidamente como as urinas dia- béticas. Buscando qual é o agente da descóração, reconheceu elle terem este po- ' Gazet. méd. de Paris. 18.o7, p. 327. - Union méd. 1863, 31 de março. 5 Union méd. 1863, 9 de abril.' ^ Gazet. hebd. 1863, p. 234, 267. SOBRE A DIABETE 39 der o sulfato de potassa, o acido úrico e os uratos de soda, potassa e ammo- niaco. O sr. Farges d'Angers ' experimentando este reactivo, reconheceu egualmente em doze experiências comparativas, que as urinas febris teem um poder descó- rante maior que as urinas diabéticas. Os srs. Coubera Dannecy^, Castaing*, Corvisart,^ Cailliau e Petit" acharam também urinas normaes e pathologicas com um poder descórante mais forte que o das diabéticas. Sobre qual sejam os agentes da descóração varia a opinião doestes aucto- res: o sr. Dannecy suppõe ser a matéria corante da urina ou a extractiva de Scherer, em quanto que o sr. Corvisart sustenta serem os priocipios indicados pelo sr. Déchambre e além d"esses o ammoniaco. O sr. Castaing teve também occasião de verificar que o bromio gosa rela- tivamente a estes principies, da mesma propriedade que o iode. Em vista do que temos exposto, facilmente se deduz que a tintura de iode não pôde servir de reactivo para conhecer a existência do assucar em qualquer liquido orgânico. Quando em 1860 institui algumas experiências comparativas entre a urina dos phthisicos e a de outros doentes com o fim de reconhecer se na urina dos primeiros existia a substancia glycogenica, porque julgávamos ser a perda d'esta a causa da phthisica, tive occasião de verificar que não só as urinas dos tuber- culosos davam ds vezes pela tintura de iode a cor característica pellure d'oi- gnon, mas também em seguida a descoravam completamente. Verifiquei por essa occasião que, além d'estas urinas, as diabéticas e outras a descoravam egualmente, sem comtudo darem como a dos phthisicos aquella cor caracte- rística. Estas experiências não teem por ora valor algum, no sentido em que foram instituídas, mas confirmam plenamente as conclusões dos auctores que teem es- tudado a importância d'este novo e supposto reactivo da glycose. 37." Processo de Mulder. — Deitam-se algumas gottas d*uma solução de car- mim de Índigo alcalinisada com carbonato de soda, numa porção de urina que se pertende analysar, e aquece-se a mistura. Se a urina contém assucar, a sua cor azul devida ao reactivo, muda successivamente para verde, vermelho pur- pura, vermelho violeta e em fim para amarello claro. ' Gazet. hebd. 1863,|p. i69. = Ibidem, p. 288. ^ Ibidem, p. 534. ' Union méd. 1863, p. 293. ' Ibidem, 9 de abril, 1863. = Ibidem. 1863, p. 192. 40 ESTUDOS Chegado esse momento, agitando-se o liquido amarello, vê-se esta cor pas- sar a vermelho violetta, e depois ao vermelho purpura, a verde e no fim ao azul, voltando assim pela escala chromatica que tinha descido. Como estas mu- danças de cor são devidas á acção do oxygenio do ar, logo que este deixa de actuar, isto é, logo que se cessa de agitar o liquido e elle fica em repouso por algum tempo a cor amarelia volta de novo. Segundo o sr. Jaccoud ' este reactivo tem um certo valor quando a mu- dança da cor é no sentido que acabamos de indicar, e se manifesta no momento da ebuUição. Não basta haver uma mudança de cor, nem que ella se manifeste depois da ebuUição, pois n'este sentido actuam muitas outras substancias não assucaradas. É verdade que o chumbo, o ferro, o cobre e o mercúrio contidos n'uma urina, podem fazer mudar de cor ao reactivo, mas nunca chegam a pro- duzir a cor amarelia. N'uma palavra, o sr. Jaccoud pensa que toda a urina que no momento da ebuUição toma com este reactivo uma cor amarelia clara, presistente, contém as- sucar. O sr. Jaccoud modificou um pouco o modus faciendi d' este processo. Em logar de fazer uma mistura da solução de carmim de indigo com a de carbonato de soda, conserva as duas soluções á parte. Junta então á urina que pretende ensaiar, algumas gotlas da solução de carmim e ferve; a cor azul da mistura não muda, apesar da fervura, mas se se lhe junta, ainda a quente, uma porção da solução concentrada de carbonato de soda, havendo assucar, a mistura toma immediatamente a cor característica de amarello claro. Não lemos ainda pela nossa parte a experiência necessária d'este reactivo para sobre elle darmos a nossa opinião. Em resumo diremos que de todos estes reactivos o mais seguro é quasi sempre a fermentação, sobre tudo quando se faz a contraprova pelos reacfivos de cobre. Em geral o processo do bismutho, o de Fehling, Barreswill e de Mul- der (segundo Jaccoud) são mais que sufficientes para o uso clinico, o essencial é nos primeiros ensaios das urinas dum individuo, analysal-as por dois ou três processos: depois, quando haja a certeza da existência do assucar, o de Fehling só por si é mais que suíBciente. Nós costumamos servir-nos n'um primeiro exa- me, da potassa, depois, do bismutho (Boettger) e no fim do de Fehling. Quando queremos mais rigor, e talvez para termos menos incommodo^ temos por habito fazer a contraprova pelo diabetometro. Por este meio simplificamos o trabalho, fazemos a contraprova e dosamos ao mesmo tempo. » Clinique méd. 1867, p. 863 SOBRK A DIABETE 41 CAPITULO II MEIOS PARA DOSAR O ASSUC.4R Diílerentes são os meios propostos com este fim, enumeremos aquelles de que temos conhecimento, e a propósito de cada um d'elles diremos o que nos parecer mais conveniente e importante. (Fig- 1." íi—Pela fermentação. — Toma-se um apparellio de Fresenius (fig. 2). (que já descrevemos quando tratámos da analyse qualitativa da urina) mas redu- zido a pequenas dimensões ; introduz-se no balão A a urina com uma porção de fermento de cerveja bem lavado, e no balão B uma porção de acido sulfúrico concentrado a fim de absorver alguma porção de agua ou álcool que para ali venha passar: feito isto pesa-se rigorosamente o apparelho. Finahnente, depois de tapado com uma bola de cera o tubo b, é o apparelho coUocado em logar próprio a fim de que a temperatura seja de 37" centígrados. No fim de vinte e quatro a quarenta e oito horas tem terminado a fermen- tação, o que se conhece pela falta de desenvolvimento de gaz no balão, con- tendo a urina e o fermento; então tira-se a bola de cera collocada em b e so- pra-se pela extremidade aberta do tubo a fim de expulsar o acido carbónico que ficasse no apparelho. Terminada esta operação pesa-se de novo o apparelho ; designando por p o peso primitivo, por p' o segundo peso, teremos p — p' egual ao peso do acido carbónico formado durante a fermentação; em seguida por meio da formula da glycose G»^ H*^ 0*^ ou C H^ 0« = 2 00^4- C^ H« 0^ calcula-se a quantidade de assucar existente na urina. MEM. DA ACAD. — 1.^ CLASSE. T. IV, P. U. 6 42 ESTUDOS Póde-se egualmente determinar a quantidade de assucar conhecendo o peso do acido carbónico e calculando pelo principio de um grão de acido carbónico corresponder a dois grãos de assucar. (Fig. 4) 1 b — Pela fermentação. — O sr. Leonel Beale recommenda um apparelho (fig. 4) que consiste n"um balão b, communicando por um tubo dobrado em an- gulo recto c com um outro tubo cheio de chlorureto de cal secco ou pedra po- mes molhada em acido sulfúrico anhydro a. Colloca-se a urina com o fermento no balão b e logo que a fermentação se estabelece, o gaz passa pelo tubo c e em seguida pelo tubo a onde é secco pelo chlorureto de cálcio ou pelo acido sulfúrico anhydro, perdendo-se depois na atmosphera. Tendo pesado previa- mente o apparelho antes da fermentação e repetindo-se esta mesma operação depois de terminado o desenvolvimento do gaz, conhece-se por uma subtracção qual o peso de acido carbónico formado; conhecido o peso do acido é fácil por meio da formula do assucar determinar a riqueza glycosica da urina ensaiada. 1 c — Pela fermentação. — Christison * segue o seguinte processo: toma um tubo graduado em poUegadas cubicas onde introduz a urina a analysar com uma porção de fermento, volta depois este tubo sobre uma cuva de mercúrio, to- mando cautella de não entrar n'esta occasião nenhum ar. Deixa fermentar a urina completamente, e vè quantas pollegadas cubicas do tubo são occupadas pelo gaz. Depois partindo do principio çositivo de que 47 pollegadas cubicas de acido carbónico representam 45 grãos de assucar, formula esta proporção 47P- c. ; 45gr. íe as. . . ^ . 3. A representando o numero de pollegadas cubicas de acido carbónico encontra- das. Pôde também calcular-se partindo do principio que 17"' de acido carbó- nico correspondem a \ grão de assucar. ' Library of medecine. Vol. IV, p. 249. SOBRE A DIABETE ' Í3 1 (1 — Pela fermeidarão.—Tomsi-se um balão ao qual está ligado uni tubo, com chiorureto de cálcio, o qual vae terminar n"um apparelho de Liebifí em que está uma solução de potassa do peso especifico lá",». Pesado o appare- lho de Liebig introduz-se no balão a urina com o fermento e seguem-se todas as cautellas para a fermentação jjrogredir: terminada esta pesa-se de novo o appa- relho de Liebig e assim se oblem o peso do acido carbónico. Em seguida pelo meio da formula da glycose ou pela regra 1 grão de acido carbónico é egual a á de assucar se reconhece a liqueza da urina. Estes processos da fermentação podem não ser muito rigorosos poique o assucar em logar de se converter todo em acido carbónico, pôde uma parte d'elle converter-se em acido láctico, sobre tudo não havendo todas as cautellas na disposição do apparelho. Desde o momento que esta circumstancia se rea- lisar não è possível suppòr, senão erradamente, que o acido carbónico obtido representa a quantidade real da glycose da urina. 2." Pela fermentação e pela densidade. — Proposto pelo dr. Roberts ', con- siste em tomar a densidade de uma porção de urina diabética (100"^) a uma dada temperatura, juntar-lhe fermento de cerveja bem lavado, e collocar o todo convenientemente para que se estabeleça a fermentação; passadas 24 horas es- tando esta concluída, toma-se de novo a densidade, á mesma temperatura da primeira vez, busca-se a differença entre uma e outra e multiplica-se esta por 0^23. O numero obtido representa a quantidade de assucar por cem de urina. Como é incommodo estar a estabelecer a egualdade da temperatura, de modo que seja a mesma no momento de tomar as densidades em dias differen- tes, o sr. Roberts aconselha encher dois frascos com egual quantidade de urina, fechar um hermeticamente e tapar o outro com rolha toda cheia de buracos para deixar evolver o acido carbónico e entrar o ar necessário. Por este meio toma ao mesmo tempo e á mesma temperatura a densidade da urina fermentada e da não fermentada. • Esta operação representa-se pela seguinte formula: 5 — i)'X0,23=-C'2H'2 0'2 por «/o de urina D representa a densidade da urina antes da fermentação, e D' a densidade da urina depois de fermentada. Querendo saber a quantidade de assucar por onça de urina, não temos se- não a partir do principio seguinte; cada grau de densidade perdido pela urina fermentada corresponde a um grão de assucar por onça de urina. Este processo funda-se no facto da urina depois da fermentação perder da ' Edinburgh monthlv Journal 18G1 outubro 44 ESTUDOS sua densidade não só pela destruição do assucar em acido carbónico mas tam- bém pela presença do álcool, formado em consequência do desdobramento, que fica existindo no liquido. O auctor d'este processo chegou a obter a formula que apresentamos em virtude de uma serie de ensaios comparativos, entre os resultados obtidos pelo processo dos volumes e o seu processo proposto. Para melhor determinação das densidades no seu processo o sr. Roberts fez construir dois urinometros com escala differente; n'um a escala vae desde 995 graus até 1025, n'outro desde 1025 a 1055 graus. 3." Processo de Garrod. — Este processo, que ainda não empregámos, funda-se no principio de ser a cor escura da urina, quando fervida com a po- tassa, proporcional á quantidade do assucar existente. O modo de usar d"este processo, que se pôde bem chamar chromometro, é o seguinte: Toma-se um tubo de vidro bem claro com meia pollegada de diâmetro, e eiiche-se com uma solução de assucar (três centigrammas) em agua trinta gram- raas com vinte e cinco de carbonato de potassa, ferve-se o todo e guarda-se para servir de talão depois de frio. Toma-se então uma porção de urina que se pretende analysar e ferve-se com a potassa Q3rocesso de Moore ou Heller) e vè-se se a cor obtida é mais carregada que a alambreada; n'este caso junta-se uma porção determinada de agua e ensaia-se de novo; se a cor obtida ainda é carregada junta-se mais agua e torna-se a ensaiar e assim successivamente até dar a cor indicada. Chegado este ponto toma-se uma dada porção de urina diluida (se foi necessário) com a quanti- dade de agua que a experiência anterior indicou, junta-se-lhe uma quantidade egual da solução de carbonato de potassa (5:6 de agua) e reune-se a agua dislillada (quantidade determinada) com que se lavou o vidro onde se mediu a solução de potassa. Terminada esta operação, ferve-se a mistura por cinco minutos, deixa-se esfriar e depeja-se depois n'um tubo egual ao tubo padrão. Comparam-se as 'cores e por meio de um calculo determina-se o assucar. Este processo, que achamos confusamente exposto nos auctores inglezes, parece-nos longo e pouco rigoroso; não aconselharemos por isso o seu uso pois o julgamos inútil e obs- curo. 4." Processo Maumené * fundado na propriedade do chlorureto de estanho mudar a glycoze, por meio da deshydratação, n'um corpo chamado carameUtw (C'2 H^ O*). Processo.— Gomeça-se por determinar approximadamente quanto de assu- car esta contido na urina; para isso toma-se uma quantidade determinada deste liquido juntam-se-lhe algumas grammas de bichlorureto de estanho ; evapora-se ' Journ. des connais. méd. 1854. SOUIíK A niABKTE 45 O todo até à seccura (vigiando somiire a temperatura): siibmette-se depois o resi- duo a uma temperatura de 120 a 130 graus duiante dez minutos e trata-se u residuo pela agua; se ella se cora era castanho junta-se mais um pouco de bi- clilorureto de estanho e recoraeça-se a evaporação e a torrefação; o producto tratado pela agua depois d"esta segunda torrefiição é em geral incolor ou pouco corado; trata-se então pela agua fervente fortemente acidulada com acido sulfú- rico ou chlorhydrico, as matérias estranhas dissolvem-se e fica o carameUno ])uro ou quasi puro que é insolúvel nos ácidos, alcalis e agua. Recolhe-se então o precipitado sobre um filtro tarado, e determina-se o seu peso P. Conhecendo o peso do carameUno P, determina-se a quantidade appro- simada da glycose pelos equivalentes e por meio da seguinte proporção : G'2H*0^:C*2Hi20'2::P:x ou 1330;2300; ;P;x Conhecida a quantidade approximada do assucar, póde-se obter com mais precisão ajuntando 13 ou 30 grammas de bichlorureto por cada gramma de as- sucar achada. Procedendo depois do mesmo modo que se fez para determinar a quantidade ajjproximada, obtem-se a somma do assucar existente. 3." Pelos reactivos de cobre. — Podemos servir-nos delles de diíTerentes modos; — 1." pelo methodo de Mulder — junta-se a urina, depois de clarificada, aos reactivos e ferve-se, recolhe-se sobre um filtro o oxidulo formado e depois su- jeita-se este a uma temperatura elevada para o transformar em oxido, que se pesa, e d'ahi se deduz a quantidade de assucar; 2." pelo methodo de Hassall — junta-se o reactivo em excesso á urina bera clarificada, e ferve-se em banho de arêa para que se precipite a totalidade do suboxido reduzido, deixa-se assentar, depois decanta-se, lava-se o precipitado com agua fervente, secca-se e pesa-se; calcula- se então pelos seguintes dados a quantidade de assucar; 100 partes de assucar anhydro correspondem a 198,2 ou, segundo Neubauer, a 201,62 de suboxido de cobre; 3." methodo de Schwarz * — procede-se do mesmo modo que no methodo de Mulder, com a differença de se dissolver o oxidulo no acido chlorhydrico, em logar de elevar a temperatura; depois de sujeito á acção do acido dosa-se o producto pelo camclcão. Estes três raethodos são longos e difiiceis, e por isso se segue o que pas- samos a indicar. — A primeira condição n"este methodo é ter o reactivo titrado, e para isso se procede d"esta forma. Toma-se uma gramma de assucar de canna (assucar candi puro e secco a 100") junta-se-lhe 20" de agua distillada e duas gottas de acido chlorhydrico ou acido sulfúrico, lanca-se o todo num balão e ' Fr. Mohr. Traité d'Analyse chimique, p. 229. 46 ESTUDOS leva-se á ebullição; em resultado o assucar de canna converte-se em glycose. Por meio dos equivalentes calcula-se quanto de glycose existe no liquido pela seguinte formula: Qi2HMO":C'ni'20'2::I»^:x ou 171 : 180 :: 1 :x== 1,052 Junta-se depois a agua distillada necessária para fazer i^"' e enche-se a bitrette (ou galheta) graduada que tem essa capacidade. Tomando então um balão em que se tenham lançado 10"' de reactivo 30 de agua distillada e algumas gottas de potassa cáustica, leva-se o todo á ebulli- ção e chegado este momento deita-se-lhe gotta a gotta o liquido que se acha na burette até a cor azul passar a vermelha, depositando-se o oxido formado. Para conhecer se o reactivo está completamente reduzido ha dois meios: l." Ver se o liquido azul do balão perdeu completamente a sua cor, depois de termos deixado depositar o protoxido de cobre; 2.'^ Ensaiando algumas gottas do liquido que sobrenada, depois de neutra- lisado pelo acido chlorydrico, com uma gotta de ferro cyanureto de potássio; apparecendo um precipitado vermelho é signal que o reactivo não está comple- tamente reduzido, e então é necessário continuar a lançar-lhe o liquido assuca- rado até desapparecer a cor azul, e não se obter o precipitado vermelho com o ferro cyanureto de potássio. Chegado esse momento da completa reducção do licor de cobre lê-se na burette quantos millimetros cúbicos se gastaram, e calcula-se d'este modo por meio de uma proporção quanto assucar se empregou para reduzir os 10"' de reactivo : 250"":i::Z:X A representa a quantidade de glycose existente nos 25"^ Z a quantidade de millimetros cúbicos gastos para reduzir os 10'^'^ de reac- tivo— X representará o titulo do reactivo. Quando o reactivo tiver algum tempo de preparação deve-se sempre en- saial-o previamente pelo calor para ver se está em bom estado ; se reduzir pelo calor deve ser regeitado; se o reactivo, já antigo, tiver deixado precipitar algum suboxido é necessário não nos regularmos pelo titulo antigo, mas sim proceder a novo ensaio n'este sentido. Conhecendo o titulo do licor pôde dosar-se o assucar da urina pelo se- guinte processo: Tomam-se 30'='^ de urina, perfeitamente descorada pelo carvão animal, juntam-se-lhe 270" de agua distillada (isto é nove vezes o volume da urina) e enche-se a burette com esta mistura até ao O". O bico da burette deverá ser co- SOHRK A DIAnF.TF. 47 bertú com [larafina du cera pai'a impedir (jue u iiíiuido babe au longo do (ubo, ti sejam assim mais rigorosas as goltas. Em logar da burette podemos servir- nos do tubo graduado de iMohr que é mais commodo. Os fins que se tem era vista quando juntamos agua á urina são : 1." Diluir em parte os principios da urina e destruir o embaraço que es- tas substancias podem pòr á nitidez da reacção. á." Reduzir a '/lo os erros que se podem commetter deixando cair no reac- tivo algumas gotas de urina a mais ou a menos. 3." Evitar que se forme um precipitado leve e pouco coherente de cor amarella que se manifesta quando se lança a urina pura; este precipitado de- positando-se diBQcilmente produz confusão na determinação da completa reduc- ção do reactivo. O sr. Beale recommenda tomar só 20°'^ de urina e juntar-lhe depois 180 (nove vezes o seu volume) ou 280 (quatorze vezes o volume) de agua distillada. Esta modificação é de pequena importância, basta só conbecel-a e leval-a em conta no calculo quando empregarmos esta diluição Vio ou V13. Preparada assim a burette, A (fig. 5), toma-se um balão B e põe-se-lhe uma tira de papel no collo C, torcendo-a de modo que deixe uma prega para o suster. Lançam-se-lhe dentro 10''^ de reactivo e 30"'= de agua distillada (40" recommenda Beale) e depois 3'=' de solução concentrada de potassa cáustica ; as vantagens da união d"esta solução é facilitar a precipitação do oxido de cobre e ao mesmo tempo fazer evolver algum ammoniaco que possa existir na urina, o que é importante, porque esta substancia tem a propriedade de impedir a reducção do bioxido de cobre, como tem visto os srs. Duroy e Pav7 e verificaram Bruecke e nós outros '. ' Gazeta med. de Lisboa, 1861, p. 117. 48 ESTUDOS Emprega-se um balão em logar de uma rapsula, como alguns tem recom- mendado, porque nesta o ar acha-se mais em contacto com o reactivo do que no balão, e pôde por isso ou a glycose oxidar-se á custa .do oxigénio do ar em vez de o tirar do bioxido de cobre, ou pôde então o protoxido de cobre reoxidar-se á custa do oxigénio do ar; além disso o balão deixa, pela facilidade de lhe impri- mir um movimento de rotação, precipitar mais facilmente o oxido de cobre for- mado, o que não acontece com o outro instrumento. A capsula além d'estes inconvenientes apresenta um outro, que é não deixar perceber tão bem, como no balão, as mudanças de cor que se passam no liquido. Aquelles que preferem a capsula ao balão julgam que a cor leitosa da- quella torna mais saliente o azulado do liquido que sobrenada; não tem funda- mento esta idéa logo que empregarmos a folha de papel, pelo modo abaixo in- dicado, quando nos servirmos do balão. Processo para a dosagem. — Toma-se, com a mão esquerda, o balão pela tira de papel posta ao redor do coUo e coUoca-se por baixo uma lâmpada de álcool accesa, dá-se um pequeno movimento ao braço, e o balão, porque está sus- penso á tira de papel, começa a oscillar. As vantagens d'este movimento são im- pedir os sobresaltos do liquido, que poderiam fazer estalar o balão e communicar a temperatura egualmente a toda a solução. Espera-se que a ebullição se manifeste, toma-se então com a mão direita a burette e começa-se a lançar a urina gotta a gotta: logo que o liquido principia a tornar-se vermelho, colloca-se a burette de parte e toma-se o balão na mão di- reita e dá-se-lhe então um movimento rápido de rotação para que o oxido de cobre se reúna no fundo. Obtido este resultado inclina-se o balão sobre uma fo- lha de papel branco e olha-se atravez do liquido, livre do precipitado; se elle conserva alguma tinta azulada, recomeça-se a operação até que esta cor esteja extincta. O sr. Beale recommenda para mais segurança filtrar a mistura logo que se tem formado o precipitado; se o reactivo não foi todo reduzido o liquido que filtrou, tendo deixado todo o oxido de cobre, fica com uma cor azulada bem dis- tincta. Parece-nos desnecessária esta cautella, pelo processo que indicamos é facillimo conhecer a tinta azulada do liquido que sobrenada. Se quizermos um grande rigor temos a ensaiar o liquido que sobrenada pelo ferro cyanureto de potassa segundo o principio já indicado. Quando se está porém habituado a trabalhar com este reactivo, não é necessário recorrer a este meio para conhecer a completa reducção. O principal n'este processo é ter cau- tella em lançar a urina gotta a gotta porque deitando-se em excesso a operação fica inutilisada. Conhece-se se houve excesso de urina pela cor loira escura com que fica o liquido sobrenadante depois de terminado o ensaio. SOBRE A DIABETE 49 Para se saber cora rigor a quantidade de assucar existente na urina é ne- cessário repelir este ensaio por três vezes, tomando nota de cada vez do nu- mero de millimelros cúbicos gastos, e depois tomar a media d'estes três nú- meros. Supponhamos que o numero obtido foi 5",2 ; ora como a urina tinha sido diluida em nove vezes o seu volume de agua disliliada, segue-se que d'aqueile numero de centimetros só um decimo é de urina, isto é 0",52. Como o reactivo está em geral litrado a O^^OS por IO" segue-se que 0",52 da urina contém O^^.Oa de assucar. Querendo calcular quanto assucar existe em 1000" de urina, tem-se apenas a fazer esta proporção: 0",52: 0",0o::1000: x. Logo x=96^M5 .Y representa a quantidade de assucar contido em mil grammas de urina. Na hypothese presente, se a urina tiver sido diluida em 14 vezes o seu volume de agua distillada, dos 5",2 obtidas só Yi5 é de urina, isto é 0",346 ; e n'este sentido se fará o resto do calculo. Finalmente póde-se calcular facilmente a quantidade de assucar contido em 1000 centimetros cúbicos, qualquer que seja a quantidade de urina gasta e o ti- tulo do licor pela seguinte formula : y_rxiooo, ■^~ A mas sendo A = -rjr teremos X== -^^ x 10 Representando T o titulo do licor: A o numero de centimetros cúbicos de urina realmente empregada; a o numero de centimetros cúbicos de liquido em- pregado (urina e agua). Como o titulo do licor é em geral de 0,05 fizemos para isso uma taboa que dispensa qualquer calculo, conhecido o numero de centimetros cúbicos gas- tos durante a operação. MEM. DA AC.U). — 1.^ CLASSE. T. IV, P. U. Tabeliã para conhecer a [juantiiladf de assucar em um litro (1 e urina •a S .j, a 3 - rt 5 ^ rí 0 111! ' 2 "S ^ * .a - S 2 S.-S 5 ■= t; .« s 111 S.--. a í; " = s a " c ti P « 8.5 5.S3 3 llii ■■5 «~ 1 § «gtb 3 (u •« s 0 P. a 3 fl « -Tl ii"- 3 ■» ft- li"- 3 ® ft a â-^l 0.1 500,0 5,1 9,80 ' 10,1 4,95 15,1 3,31 20,1 2,480 0,2 250,0 5,2 9,60 : 10,2 4,90 15,2 3,28 20,2 2,470 0,3 166,6 5,3 9,40 10,3 4,85 15,3 3,26 20,3 2,460 0,4 125,0 5,4 9,20 ; 10,4 4,80 15,4 3,24 20,4 2,450 0,5 100,0 5,5 9,10 10,5 4,76 15,5 3,22 20,5 2,430 0,6 83,3 5,6 8,90 10,6 4,71 15,6 3,20 20,6 2,420 0,7 71,4 5,7 8,70 1 10,7 4,67 15,7 3,18 20.7 2,410 0,8 62,5 5,8 8,60 10,8 4,62 15,8 3,16 20,8 2.400 0.9 55,5 5,9 8,40 10,9 4,58 15,9 3,14 20,9 2,390 1.0 50,0 6,0 8,30 11.0 4,54 16,0 3,12 21,0 2,380 1,1 45,4 6,1 8,10 1 11,1 4,50 16,1 3,10 21,1 2,360 1.2 41,6 6,2 8,00 11,2 4,46 16.2 3,08 21,2 2,350 1.3 38,4 6,3 7,90 11,3 4,42 16,3 3,06 21,3 2.340 1.4 35,7 6,4 7,80 ; 11,4 4,38 16,4 3,04 21.4 2.330 1:5 33,3 6,5 7,70 '11,5 4,34 16,5 3,03 21,5 2,320 1,6 31.2 6,6 7,50 11,6 4.31 16,6 3,01 21.6 2,310 IJ 29;4 6,7 7,40 ; 11,7 4,27 16,7 2,99 21,7 2,300 1,8 27,8 6,8 7,30 1 11,8 4,23 16,8 2,97 21,8 2.290 1.9 26.3 6,9 7,20 i 11,9 4,20 16.9 2,9o 21,9 2^280 2,0 25,0 7,0 7,10 i 12,0 4,16 i7;o 2,94 22,0 2,270 2.1 23,8 7,1 7,00 1 12,1 4,13 17,1 2,92 22,1 2,260 2.2 22,7 7,2 6,90 12.2 4,09 17.2 2,90 22,2 2.250 2,3 21,7 7,3 6,84 12,3 4,06 17,3 2,89 22',3 2,240 "2,4 20,8 7,4 6,80 ; 12,4 4,03 17,4 2,87 22,4 2,230 2,0 20.0 7,5 6,70 12,5 4,00 17.5 2,85 22.5 2,220 2,6 19,2 7,6 6,50 12.6 3.96 17,6 2,83 22,6 2,210 2.7 18,5 7,7 6,49 12,7 3,93 17,7 2,82 22,7 2.200 -VS 17.9 7,8 6,41 1 12,8 3,90 17,8 2,80 22,8 2,190 2,9 17.2 7,9 6,30 i 12,9 3,87 17,9 2.79 22,9 2,180 3,0 16,6 8,0 6,20 13,0 3,84 18,0 2,77 23,0 2,170 3,1 16.1 8,1 6,10 13,1 3,81 18,1 2,76 23,1 2.160 3,2 15,6 8,2 6.09 13,2 3,78 18,2 2,74 23,2 2; 150 3,3 15,2 8,3 6,02 13,3 3,75 18,3 2,73 23,3 2,140 3,4 14,7 8,4 5,95 1 13,4 3,73 18,4 2,71 23,4 2,130 3,5 14,3 8,5 5,90 1 13,5 3,70 18,5 2,70 23,5 2,120 3,6 13.8 8,6 5,80 1 13,6 3,67 18,6 2,68 23,6 2.110 3,7 13,5 8,7 5,70 13,7 3,64 18,7 2,67 23,7 2;ioo 3.8 13,2 8,8 5.68 13,8 3,62 18,8 2,65 23,8 2.100 3,9 12,8 8,9 5,61 13.9 3,59 18,9 2,64 23,9 2,090 4.0 12,5 9,0 5,60 14,0 3,57 19,0 2,63 24,0 2,080 4,1 12,1 9,1 5.49 14,1 3,54 19,1 2.61 24.1 2,070 4.2 11,9 9.2 5,43 14,2 3,52 19,2 2,60 24,2 2,060 4.3 11,6 9,3 5,37 14.3 3,49 19,3 2,59 24,3 2.050 4,4 11.4 9,4 5,31 14,4 3,47 19,4 2,57 24,4 2.048 4,5 11,1 9,5 5,26 14,5 3,44 19,5 2,56 24,5 2,040 4.6 10.8 9.6 5.20 • 14^6 3,42 19,6 2,55 24.6 2.030 4,7 10,6 9.7 5,15 ^ 14,7 3,40 19,7 2,53 24,7 2.020 4,8 10.4 9,8 5,10 14,8 3,37 19,8 2,52 24,8 2,010 4,9 10,2 9,9 5.05 14,9 3,35 19.9 2,51 24.9 2,008 -0 10.0 10,0 5,00 15,0 3,33 20,0 2,50 25,0 2.000 j SOURli A DIABETIÍ 51 O modo de dosar com todos os outros líquidos de cobre é o mesmo que este, e não tem de per si nada de especial. O sr. Pa\7 fez lambem uma taboa para facilitar o uso do seu reactivo, a qual apresentamos em seguida. Números de mínimos Assucar Numero do mínimos Assucar Numero de mínimos Assucar empregados para reduzir por onça fluida empregados para reduzir por onça fluida empregados para reduzir por onça fluida 100 de reactivo grãos 100 de reactivo grãos 100 de reactivo grãos 13 16,00 44 3,45 73 3,28 16 lo,00 45 5,33 74 3,24 17 14,11 46 5,21 75 3,20 18 13,33 47 5,10 76 3,13 19 12,63 48 5,00 77 3,11 20 12,00 49 4,89 78 3,07 21 11,42 50 4,80 79 3,03 22 10,90 51 4,70 80 3,00 23 10,43 32 4,61 81 2,96 24 10,00 53 4,52 82 2,92 25 9,60 34 4,44 83 2,89 26 9,23 55 4,36 84 2,83 27 8,88 56 4,28 83 2,82 28 8,37 57 4,21 86 2,79 29 8,27 58 4,13 87 2,73 30 8.00 59 4,06 88 2,72 31 7,74 60 4,00 89 2,69 32 7.50 61 3.93 90 2.66 33 7.27 62 3,87 91 2,63 34 7,0o 63 3,80 92 2,60 35 6,85 64 3,75 93 2,58 36 6,66 65 3,69 94 2,53 37 6,48 66 3,63 95 2,32 38 6,31 67 3,58 96 2,50 39 6,15 68 3,52 97 2,47 40 6,00 69 3,47 98 2.44 41 3,85 70 3,42 99 2,42 42 5,71 71 3,38 100 2,40 43 5,38 72 3,33 Se a urina foi dilluida em 3 ou 10 vezes o seu volume de agua, assim se deve multiplicar o numero achado por 5 ou 10. O sr. D. José de Saldanha, chimico muito distincto da casa da moeda, se- gue um outro meio de dosar, que nos parece muito rigoroso. Cada vez que quer fazer um ensaio determina previamente o tittdo ou riqueza do licor, depois, á porção de reactivo (10"^) em ebullição junta uma pequena mas determinada porção de urina; logo que o precipitado se deposita examina a cor do hquido que sobrenada para lhe servir de guia na operação que segue, e começa a jun- 7. 52 ESTUDOS tar a este o liquido assucarado, que lhe serviu para determinar a riqueza do reactivo, até conhecer pelo melhodo ordinário que todo elle está reduzido. Depois pelo seguinte calculo determina a quantidade de assucar urinário: An + X=r, logo X=T — An. Sendo A a quantidade de assucar contido em cada millimetro cubico da solução assucarada. re^o numero de millimetros cúbicos d'esta solução gastos na dosagem. T^ o titulo de licor. Conhecida a quantidade de assucar n'uma dada porção de urina calcula en- tão sobre 1000. O sr. D. José para mais rigor, pratica todas estas operações em três tubos de ensaio ao mesmo tempo, e depois toma a media dos números achados. Dosagem pelos apparelbos de phjsica Antes de descrever estes instrumentos diremos algumas palavras a respeito das precauções a tomar no seu emprego. 1." A urina, antes de ser examinada n'um d'estes instrumentos, deve ser tratada pelo carvão animal, e filtrada em seguida, para a desembaraçar de todas as substancias que poderiam prejudicar a pureza da observação. Lembraremos nesta occasião, que MM. Requin e Contour commetteram uma grande inexa- ctidão, dizendo, que a devíamos expurgar da albumina, pois que, segundo elles, esta substancia desvia para a esquerda a luz polarisada, e pôde por isso neu- tralisar por um certo numero de graus a acção do assucar urinário sobre o po- larimetro. A albumina não desvia para a esquerda, como pensam estes auctores, mas sim para a direita, e portanto não pôde neutralisar de modo algum a acção do assucar; bem pelo contrario deve augmental-a. 2." Todos os tubos, e vasos, que tenham de servir para descorar e filtrar a urina, devem ser enxutos com muito cuidado, a fim de não diminuir a quan- tidade relativa do assucar. A descripção que apresentamos do polarimetro de M. Biot, e do saccha- rimetro de M. Soleil é a que dá M. Guitard *: a do diabetometro deveraol-a ao favor de M. Robiquet. ' De la glucosurie, de son siége, de sa nature, de ses causes, et de son traitemeni, 1856. SOBRE A blADETE 53 A — Polarimelro O polarimelro de M. Biot compõe-se: 1." de um espelho refleclidor fu- mado na sua face inferior; 2." de um tubo de cobre munido de diaphragmaj interiores, destinados a conduzir o raio reflectido e polarisado ; faz com o espe- lho um angulo de 33° 30'; o espelho, e a extremidade do tubo, que lhe corres- ponde, são as únicas partes do apparelho expostas á claridade em quanto que a parte restante do apparelho fica contida n"um quarto escuro; 3." de um cir- culo, cuja circumferencia está dividida em 206 divisões. No centro está colio- cado um prisma birefringente de Spath dlslandia achromatico, fixo a uma ali- dade movei, a qual corresponde á circumferencia do circulo, e percorre as suas divisões. O prisma está coUocado, de forma que se lhe pôde dar um movimento independente de rotação circular, e por meio de um parafuso de pressão, que serve para o fixar á ahdade, se lhe pôde dar este mesmo movimento em roda do raio luminoso, quando se faz percorrer ao indicador as divisões do quadran- te. A direcção e posição d'este quadrante são taes, que o raio fica perpendicu- lar ao seu plano, e passa pelo seu centro, onde se acha o prisma. Entre o tubo vector, e o circulo dividido ha um espaço, onde existem supportes destinados a receber o tubo que contem o liquido para examinar. Modo de proceder Depois de ter levado o indicador da alidade ao zero do circulo faz-se girar o prisma só, até que a imagem extraordinária chegue ao seu minimo de intensi- dade que se denomina, ponto de extincção; fixa-se então o prisma á alidade por meio do parafuso de pressão. Colloca-se então sobre os supportes o tubo de co- bre, cheio de urina, previamente filtrada pelo carvão animal; este tubo é fechado em cada extremidade por uma lamina de vidro polido, com faces parallelas. Se a urina não contém assucar, não ha desvio do plano de polarisação, a imagem extraordinária fica extincta ; se contém assucar, o plano de polarisação muda, e a imagem extraordinária reapparece colorida. As dissoluções de glycose polari- sando á direita, moveremos a alidade da esquerda para a direita, até que a ima- gem se extinga de novo. O angulo de desvio para um mesmo liquido é proporcional ao comprimento da columna liquida atravessada pelo raio, ou ao comprimento do tubo ; e para um mesmo tubo, á quantidade de assucar dissolvido; com estes dados póde-se avaliar a quantidade d'este principio. Sejam / o comprimento em millimetros do tubo, que 54 ESTUDuS contem o liquido; d a medida do angulo de desvio: o peso do assucar coulido n"um litro do liquido observado será em grammas 2176 4- Este calculo abbrevia- se com o auxilio dos loiíarithmos. (Fig. 6) B — -Saceharimetro ■ O Saceharimetro de M. Soleil compõe-se de duas partes tubulares T T, e T" T" constituindo o corpo principal. A luz pode ser, indifferentemente, ou a luz solar, ou a de um candieiro. Em qualquer dos casos os raios luminosos en- tram em o por uma abertura circular de 3 millimetros de diâmetro, atravessam na parte T T primeiramente um prisma polarisador. sensivelmente achromatico, collocado em p, depois em p' uma placa de quartz de dupla rotação. Esta placa é ' Mr. Lespiau (Gazette médicale p. 527. 1857) foi o primeiro que o empregou para dosar o assucar diabético. SOBRE A DIABETE ' 55 composta de dois semi-discos de egual espessura 3"™,75, ou do dobro 7""",r)0, cortados perpendicularmente ao eixo de cristaliisação. Desviando o plano de po- larisação, uni da direita para a esquerda, o outro da esquerda para a direita. Chegada á parte T' T", a luz encontra em p" uma placa de quartz de ro- tação simples, ou para a esquerda ou [lara a direita, e de uma espessura indeter- minada. Mais adiante atravessa em /' duas laminas prismáticas de quartz de um mesmo poder rotatório, mas contrario ao da placa p'' que as precede. Estas duas laminas estão ajustadas n"uma corrediça para escorregarem uma sobre outra da esquerda para a direita, e da direita para a esquerda, conservando o parallelismo das suas faces homologas, perpendiculares ao eixo de cristaliisação, de maneira que era razão da sua forma e da sua opposição de base ao vértice, faz-se variar á vontade a somma da sua espessura no trajecto do raio luminoso polarisado. Uma pequena roda correspondente ao botão B, e uma dupla roda dentada, cor- tada nas montagens de cobre d'estas laminas operam este duplo movimento. O raio atravessa então em a um prisma birefringente, denominado analy- sador, e o instrumento termina-se por uma luneta de Galilèo L. O prisma a está coUocado relativamente a um diaphragma da luneta L, de forma tal, que a passagem de uma das duas imagens, que produz, é interceptada, como succede cora o prisma polarisadoryjj e por isso só fica no campo do instru- mento, a imagem ordinária, ou a extraordinária, conforme a placa de dupla lo- tação tem uma espessura de 3""",75, ou 7'"'",50. GoUocando o olho perto do ocular da luneta, a abertura o apresenta a ap- parencia de um disco luminoso atravessado por uma linha mediana e vertical, produzida pela juncção dos dois quartz, collocados em p, e que compoera a placa de dupla rotação. N'este estado normal do instrumento, a somma da es- pessura das duas laminas prismáticas //' é egual á espessura da placa de rotação siraples //', e o poder d"estas laminas neutralisa exactamente o de sentido opposto d"esla mesraa placa; a influencia dos dois quartz da placa de dupla rotação é então unicamente sensível. Mas os poderes rotatórios d'estes quartz, inda que de sentido contrario entre si, tendo valores eguaes determinara ura colorido uniforrae nas duas raetades do disco, e esta cor, em virtude da posição dada ao prisma analysador, é violeta. Se se interpOe em V ura tubo (de cristal, de paredes espessas, e coberto com um cylindro de cobre) contendo ura liquido dotado de um poder rotatório sobre a luz polarisada, a uniformidade da cor nas duas metades do disco luminoso cessa no mesmo instante, e pôde fazer-se voltar, girando cora o botão B, quer da esquerda para a direita, quer da direita para a esquerda, conforme o sentido do poder do liquido. O sentido do desvio, e a espessura do quartz empregado para neutralisar o efleito do liquido, reconhecem-se sobre uma escala ee' cora duas graduações in- 56 ESTUDOS versas, partindo do mesmo zero, e com um duplo nónio, que dá espessuras de um centésimo de millimetro. Está annexo ao instrumento um productor de cores sensíveis, que se com- põe de um tubo, contendo era n um prisma de Nicol, e um ^ uma lamina de quartz, cortada perpendicularmente ao eixo de cristallisação. Colloca-se na parte anterior do instrumento n'uma chapa k, que recebe um movimento de rotação por meio da engrenagem h, que corresponde por intermédio da haste hh' a um botão B. O prisma polarisador /; actua como analysador relativamente a este sys- tema, d'onde se segue, que o laio polarisado no primeiro prisma n, e disperso pela lamina de quartz q fornece, depois da sua passagem pelo prisma p, uma luz cuja cor varia com a posição do. prisma n. Fazendo girar o botão B obteremos pois uma serie de cores, entre as quaes acharemos em geral uma, que neutra- lisará com mais ou menos exactidão a do liquido ou luz empregada. Em vista d'estas considerações, e da lei, que uma rotação de cem divisões sobre a escala do instrumento, sendo a observação feita n um tubo de 20 cen- tímetros, corresponde a uma quantidade de 22.5^'',63 de assucar por litro de urina, poderemos facilmente reconhecer as quantidades de assucar existentes n'uma urina. Assim um grau do saccharimetro de Soleil corresponde a 2^',25 de assucar por litro. Ha também uma modificação d'este apparelho proposta por Jonh H. Jel- lett ', que não descreveremos por não ter ainda sido applicado ao diagnostico da diabete. Em Allemanha em logar do saccharimetro de Soleil servem-se do de Mittscherlich, que é pouco ou nada usado entre nós, em Inglaterra está também em uso um apparelho, que é uma espécie do saccharimetro de Soleil modificado por Becker e Beale. C — Saccharimetro Becker-Beale Este apparelho além do tubo onde se mette a urina, como no de Soleil, tem uma parte através da qual passam os raios luminosos, que é composta d"este modo. Na extremidade do apparelho, que fica voltada para um candieiro acha-se o prisma polarisador (spath d'lslandia) e na que fica próxima do olho do obser- vador está o prisma analysador. Este ultimo prende a um ponteiro que se faz mover com uma agulha, sendo os seus movimentos graduados sobre uma placa circular e ahi determinados por meio de um nónio. Modo de se servir. — Põe-se defronte da luz de um candieiro a extremidade ' Procedings of the royal Irish Academy Dublin, 1863, l. 8, p. 279. SOBRE A DIABETE 57 onde está o prisma polarisador e colloca-se o ponteiro no zero, olhando poia extreraiilade onde está o prisma analysador, n'este momento o spectro está obs- curo. Terminada esta operação enche-se o tubo e colloca-se nomeio doapparelho; observa-se então pela ocular e faz-se mover o ponteiro para a direita, chegado um certo momento o spectro nprcsenta-sc pouco a pouco C('>rado de violetta e depois de vermellio. Nota-se em seguida o grau em que a cor violetta passa para ver- melho. Tem-se previamente determinado o valor de cada um dos graus por meio de soluçijes de força conhecida, e então é fácil achar a riqueza da urina em assucar pelo numero de graus achados. D — Diabetometro Robiquct A — Descrípção do opparelho (fig. 7). — ^4 — Lente simples: pôde avançar ou recuar rectilineamente por meio da tampa aa', o que permitte fixar a visão so- bre a placa bi-quartz E. B — Prisma de Nicol, fazendo as vezes de analysador. C — Circulo graduado, podendo girar n um plano vertical, e levar na sua ro- tação o analysador B; esta communicação de movimento percebe-se facilmente á vista da estampa (fig. 8). D — Pequena haste triangular, servindo de ponto de partida para contar os graus do circulo graduado. MEM. DA ACAD. — i.* CLASSE. T. IV, P. II. 8 58 ESTUDOS E — Placa de quartz de dupla rotação, composta de dois semi-discos, tendo cada um uma espessura de 7"™,60, e dando a cor sensível azul violácea, quando o instrumento está regulado a zero. F— Tubo central destinado a receber os liquides para analysar; é termi- nado por duas tampas com placas de vidro moveis: um diapbragma metálico está collocado no seu interior para regular a marcha dos raios polarisados. É bom notar que nos últimos diabetometros construídos, não apparece este diaphragma, porvavelmente por ter sido julgado inútil. E na realidade os assim construídos trabalham tão bem como os antigos. G— Prisma de Nicol, servindo de polarisador, e não deixando passar senão o raio extraordinário. /—Tampa de vidro verde descorado, podendo tirar-se á vontade, quando se opera á luz do dia. A flgura 9 representa em perspectiva o diabetometro montado na caixa SS' servindo de pé. |i;|iiiil[iii*ri (Fig. 9) Modo de operar i— Determinação do zero, correspondente á egualdade da cor azul violá- cea dada pela lamina bi-quartz. Fixe-se o instrumento sobre a caixa SS', ponha-se no seu logar o tubo cen- tral F, e vise-se a charama bem accesa. Segurando então a extremidade aa' o observador repellirá ou attrahirá para si, conforme a força da sua vista, o tubo movei que contém a lente A, até vêr bem distinctamente uma imagem circular dividida em duas partes eguaes por uma risca negra vertical, e tendo entre as suas duas metades uma perfeita egualdade de cor approxímando-se do azul vio- láceo. N'este momento o zero do circulo graduado deve achar-se em frente do SOBRE A DUBETE 50 ponto dc partida D. Logo que o zero passe um pouco áquem ou além a egual- dade da cor desapparecerâ. Por isso os pliysicos deram á cor azul violácea correspondente ao zero, o nome de cor scnsiirl Se por um movimento mui forte o analysador se deslocasse da sua posição normal, a egualdade da cor seria ainda perturbada, mas poderíamos mui facil- mente remediar este accidente; bastaria para isso desapertar o parafuso L, e fazer oscillar mui ligeiramente para a direita ou para a esquerda a tampa aa', até que a egualdade da cor se reproduza. N'este momento aperta-se de novo o parafuso L, e o instrumento está regulado. É mui essencial habituar o olho a conhecer a egualdade da cor correspon- dente ao zero do insti-umento, assim como a menor differença que possa pro- duzir-se entre as duas metades do disco colorido. B— Preparação do liquido para examinar. Estando o instrumento regulado a zero, e o olho do observador perfeita- mente exercitado em perceber a cor azul violácea, só resta preparar o liquido que se quer observar. Para isso mede-se no provete graduado 25 centímetros cúbicos dc urina diabética, 1 centímetro cubico de extracto de Saturno, e um centímetro cubico de ammoniaco liquido. Completa-sc exactamente com agua um volume de 50 centímetros cúbicos, místuram-se os líquidos com a vareta de vi- dro, e depois de alguns minutos de repouso, filtra-se para um provete não gra- duado. As primeiras porçijes de liquido que passam são ordinariamente um pouco turvas; tornam-se a lançar no filtro, até se obter uma pureza perfeita. C — Enchimento do tubo central. Desenuosca-se uma das tampas do tubo central F, no qual se verte pouco a pouco o liquido filtrado e descorado, até que exceda levemente o orifício. N'este momento faremos escorregar a pequena lamina de vidro sobre a extremidade descoberta do tubo, e enrosca-se a tampa. Por causa do diaphragma, collocado no centro, é raro poder encher assim completamente o tubo central. É necessário en- tão voltal-o docemente, desenroscar a segunda tampa, e operar n'esta segunda extremidade, como se praticou na primeira. Não existindo nos diabetometros mo- dernos este diaphragma é inútil este trabalho, porque o tubo fica bem cheio logo á primeira vez. Verifica-se mui facilmente, se o tubo está exactamente cheio, quando coUocando-o entre o olho e a luz distinguimos uma columna liquida perfeitamente transparente, e bem homogénea. Ao contrario, por pouco ar que fique (o que ás vezes acontece quando não se faz trasbordar o liquido no momento de encher o tubo) a visão não épura, o liquido parece todo turvo e agitado, muitas vezes mesmo os raios luminosos não podem passar, e ha obscuridade completa. D — Dosagem do assucar diabético. Installa-se o tubo no centro do instrumento, e visa-se de novo a luz. Se a 8. 00 ESTUDOS urina que se ensaia não contém assucar, a egualdade de cor dada pela placa de quartz de dupla rotação não é de forma alguma perturbada. Se pelo contrario ha assucar diabético, as duas metades da placa bi-quartz teem cores inteiramente differentes, cuja natureza e intensidade variarão conforme a riqueza sacharina do liquido analysado. Qualquer que seja esta opposição de cor, fal-a-hemos desapparecer girando com o disco graduado (na ordem numérica das suas divisões era relação ao ponto de partida D), até se ter restabelecido mui exactamente uma perfeita egualdade de cor. Observaremos então, o grau, que se achar em frente do ponto de par- tida D. Supponhamos que seja o 21° grau; isso significará, que a urina ensaiada contem por litro 21 grammas de assucar diabético. Assim cada grau do circulo dividido corresponde a 1 gramma de assucar de diabete por litro de urina. Podemos operar com a luz natural visando o ceo, sobretudo quando está anuviado; mas então devemos tirar a pequena tampa munida do vidro verde /. Querendo reduzir os graus dos differentes saccharimetros aos graus do de Soleil, ou saber a quanto de assucar corresponde cada grau dos saccharimetros, é recorrer a estas duas taboas. 1.» COMPARAÇÃO DOS GRAUS DOS SACCHARIMETROS ENTRE SI 1° Soleil 0",215 Mitscherlich 1° Soleil 0°,620 Ventzke-Soleil r Mitscherlich 4°,64a Soleil 1" Mitscherlich 2°,879 Ventzke-Soleil 1" Ventzke-Soleil 0^347 Mitscherlich r Ventzke-Soleil r,613 Soleil 2° QUANTIDADES DE ASSUCAR CORRESPONDENTES A CADA GRAU r Soleil 2»^251 1° Mitscherlich 10»'',45' de assucar l" Ventzke-Soleil 38^621 SOBRE A DIABETE 1)1 CAPITULO III DIAGNOSTICO PROPRIAMENTE MEDICO Conhecidos os differentes meios para determinar a existência do assucar na urina e dosar a sua quantidade, resta resolver um outro ponto, a saber, a presen- ça do assucar iia urina de qualquer iiidiriduo ó sufficieute para diagnosticar a diabete-:' Quando falíamos do assucar a propósito da urina já tratámos este ponto; apesar d"isto julgamos dever comtudo consignar de novo o que a tal respeito dissemos, vista a importância da matéria. A simples existência do assucar não pôde caracterisar a diabete, porque muitos estados mórbidos e até physiologicos são acompanhados da presença doeste principio na urina. Assim tomando em jejum, e até mesmo ás comidas, uma porção exagerada de assucar, elle apparece nas urinas segundo viram Bis- choff, Ilegar ', J. Beeker e Leonel Beale, o qual chegou a encontrar n'estes ca- sos até 2 grammas por 1000, principalmente nos mezes de verão. Nas mulhe- res gravidas (algumas), nas amas, e nas parturientes também o acharam Blot, Becquerel, Kirsten, René de Montpellier, Lecoq, Bruecke e Beidel. A quantidade deste principio pode mesmo chegar até G grammas (Lecoq) ou 12 (Blot). Este phenomeno não é comtudo constante porque WiederhokP, Heynsius^ Zwenger*, Meissner ^, Von Babo, e Riedcl '' não poderam verificar a existência do assucar nas urinas de algumas mulheres puerperas, prenhes, ou amamentando. Em seguida a um accesso de cólera (Bernard). N'alguns indivíduos depois de come- rem espargos (Harley), depois de bebidas alcoólicas ("Bouchardat, Sandras, Rey- noso e Harley). Em indivíduos tendo comido alimentos indigestos (Garrod). Na urina dos velhos (Dechambre e Lecoq); facto este que Mooré de Dublin' negou. E finalmente em toda e qualquer urina normal sustentam a sua exis- tência constante, Biot, Bruecke, Wiederhold, Behier, Tuchen, Lehmann e outros, facto que o sr. Winogradoffe ** ultimamente confirmou, acrescentando comtudo haver algumas urinas que não o apresentam. ' Archiv. des Vereins, Bd. 2, p. 420. 2 Schmidfs Jahrb. 18S8, N. i, p. 14. 3 Schmidfs Jahrb. 1837, N. 11, p. 18o. * Henles Zeitschr. 18.Õ8, p. 336, Bd. 3. 5 Henle's Zeitschr. 18o8, p. 34, Bd. 3. * Monatssclirift Gebustsk. Jan. 1858. ^ Heller's Pathologlcal Chemystry. 8 Yirchow's Archiv. 1862. 6:2 ESTUDOS Debaixo da influencia de alguns medicamentos pôde também apparecer o assucar nas urinas. Assim se tem notado depois do uso dos mercuriaes (Cheva- lier); do biclorureto, sulfureto e iodureto de mercúrio (Reynoso); dos saes de antimonio (Reynoso); do ópio (Reynoso); do acido phosphorico (Pavy); do sul- fato de quinino (Reynosoj; e do carbonato de ferro (Reynoso). Apesar das ex- periências de Uhie * sobre o sulfato de quinina, narcóticos e mercuriaes, e as de Coze sobre a morphina não confirmarem as outras, nem por isso se pôde dei- xar de admittir que alguns casos existem nos quaes o assucar se manifestou nas urinas depois do uso dos medicamentos supra mencionados. Em differentes estados pathologicos também a glycose apparece nas urinas, sem existir a diabete. Na phtbysica, Walslie - e Reynoso, mas negado por Lecoq e Uhle. Na pneumonia, DietI, e Pavy, mas não comprovado por Lecoq e Uble. Na bronchite chronica, Reynoso, e Guitard ; estas experiências não foram confirmadas por Lecoq. Na pleuresia Reynoso; facto que Uhle não pôde verificar. No emphyseuma pulmonar pelo sr. Bobiere. Os srs. Uhle, Frerichs e Stae- deler^ não o acharam em alguns casos. Na asthma em seguida aos ataques, Reynoso; as experiências do sr. Lecoq não confirmam as d'este auctor. Na gangrena pulmonar notou-o o sr. Guitard. Na tosse convulsa os srs. Gibb, Jolinston^ e Pavy; as nossas experiências não confirmam as d'estes observadores. Na hydrocepbalia chronica o sr. Guitard. Na myelite aguda, e na meningo-encephalite-cerebellosa o sr. Becquerel. Em seguida aos ataques de bysterico o sr. Reynoso, Micbea e Herzfelder; esta circumstancia não foi confirmada pelo sr. Uhle. Na chorea o sr. Goolden. As experiências feitas n'este sentido pelo sr. Lecoq são contrarias ás doeste observador. Depois de ataques epilépticos os srs. Reynoso, Michea, Goolden, Herzfel- der, Guitard, e Gibb ^ São porém negativas as experiências dos srs. Beale ^ Lecoq e Uhle. Na mania o sr. Michea. > Experimenta de saccharo in urinam Leipzik, 1852. - Diseases of the Heart and Liings, p. 516. ' Mullers Archiv. der Anat. 1854, p. 393. " The Lancet, 1858, p. 303. ' The Lancei, 1855, março. •5 British. and for. med. Chir. Rev. 1853, jan., p. 112. SOBRE A DIABETE G3 No delido tretnens o sr. Michea. Nas paralysias. Os srs. Becquorel e Michea na paralysia geral; Goolden em algumas paralysias; Grisolle, GiiU e Barlow em hemiplegias. Nas nevroses (em geral) achou-o o sr. Heller; n'alguns casos porém não o encontrou o sr. Lecoq. Nas nevralgias: nas faciaes e sciatica Goolden: nas faciaes Thompson; nas intercostaes nós. Nas febres intermittentes Burdel (até 15 por 1000) e Guitard. Na febre typlioide Dietl. Na febre de leite Heiler, e Lehmann. N"um caso de amaurose Guitard. Nas convulsões de dentição nas creanças Goolden. No rheumatismo e gota Garrod e Prout. Na dyspesia Prout, Lecoq, Garrod, e Chrislison '. Nos cancros Putegnat e Dannecy; no do útero Becquerel. Na congestão chronica do fígado Becquerel. Na cachexia paludosa e anemia Becquerel e Burdel. No cholera Heintz, Samoje Buhl-, Hassall e Gubler. Na urina dos que recebem pancadas na cabeça ou no fígado Fischer, Ber- nard, Jacquemet, Klée e outros. Na dos que soffreram a acção dos anesthesicos Reynoso, Bence Jones ^ Harley e Pavy. É verdade porém que outros observadores como Uhle, Kletzinsky, Mor- se, Frerichs, Staedler, SchiíT, Beale ^, Harley, não o encontraram em alguns casos. É necessário notar que muitas das experiências que teem sido feitas nas uri- nas não diabéticas, precisam ser de novo ensaidas, por quanto é possível que a reacção que tem sido ás vezes observada seja devida a um outro principio que o assucar. Assim na urina normal existe um principio que Schunk descobriu, o indican, ou uroxanthina de Heiler, o qual tem a propriedade de se transformar em indigo e assucar debaixo de certas circumstancias; as experiências de Bloxham parecem conQrmar completamente esta descoberta de Schunk. Um outro principio, com a propriedade de reduzir o licor de cobre é a alka- ptona, descoberta na urina de um individuo com padecimentos cerebro-spinaes, pelo sr. Boedeker, e cujos princípios elementares são CHNO. Em vista destes dois factos é claro que devemos ser cautelosos na deter- ' Monthly Journ., jan., 1831. - Hen]e's und Pfeuflérs Zcitsch fur rat. Med., 18oo, Bd. vi, Heft. i. ' Briíish and for. Med. Chir. Revicw, jan., 1833. * Ibidem. 04 ESTUDOS minação da glycose e pedir com Beale e Ilassall a repetição das experiências pas- sadas relativas á existência do assiicar na urina de certas doenças. Em vista d'esta resenha que fizemos das moléstias em que a urina pôde re- duzir os reactivos, devemos concluir que a presença do assucar na urina não é suf- flciente para caracterisar a diabete. É necessário para isso que a urina apresente: 1.° a persistência d"este principio; 2." que elle seja n'uma quantidade superior a 13 grammas; 3." que outros symptomas appareçam. Poderá alguém pensar que somos exagerados estabelecendo esta primeira condição: responderemos porém que os casos de diabete alternante e periódica que á primeira vista parecem ficar fora do quadro da doença, abi íicam na reali- dade comprehendidos. Na verdade, n'e3tas espécies de dialjete o assucar é constante durante um certo período, isto é, persiste por um espaço de tempo bastante longo e não ap- parece somente durante alguns dias: mostra-se sempre ou quasi sempre n'uma dose superior a lo grammas, e é além d"isso a sua presença acompanhada da manifestação de symptomas diabéticos. Relativamente á diabete intermittente na qual o assucar se manifesta só du- rante algumas horas, e sem ser acompanhada de symptomas francamente diabé- ticos, diremos que na realidade existe uma diabete intermittente, quando ha constância do apparecimento do assucar em certas occasiões, este se apresenta em dose superior ãs lo grammas, e se manifestam alguns symptomas diabéticos. Fora d'isso não ha diabete, ha um augmento temporário de um elemento normal da urina, o que é compatível com a saúde. Parece-nos, a propósito da segunda condição que estabelecemos, dever notar que esta quantia de lo grammas não ó de um rigor absoluto, por quanto não é possível marcar de um modo positivo o quantum abaixo do qual é possível conti- nuar a existir o estado de saúde. É porém um facto que o assucar pôde existir nas urinas até essa dose sem o estado physiologico soíTrer, como também pode existir numa dose inferior e o individuo ser diabético; quando a doença co- meça ou quando melhora pôde observar-se esta pequena quantidade; é neces- sário por isso combinar com o estado anterior ou esperar a marcha futura. A ultima condição da existência de phenomenos mórbidos parece-nos es- sencial, por quanto vemos nas amas e nas puerperas a glycose manifestar-se na urina até á dose de 12 grammas sem comtudo se manifestarem incommodos de saúde. É uma condição de rigor para classificar a existência da diabete a ma- nifestação de alguns phenomenos mórbidos, por que, quando o acido úrico, a urea, os sulfatos ou os pliosphatos augmentam, sem ser n'um grande excesso, não dizemos existir uma moléstia sô por esse facto ; assim também o devemos fa- zer para o assucar, que é um elemento normal da urina. Quantos indivíduos não terão soffrido um tratamento incommodo e desnecessário por terem alguma SOBRE A niABETE 65 quantidade de assucar na urina, quando aliás essa quantidade é para elles phy- siologica, ou pelo menos não mórbida! Como já sabemos o modo de coniiecer e dosar o assucar cumpre-nos agora dizer e apontar quaes são os symptomas que caraclerisam a diabete, não só porque julgamos o seu conhecimento necessário para se decidir se um indivi- duo, que apresenta assucar na urina, está ou não diabético, mas também porque não é possível analysar a urina de todos os doentes. De facto pode haver localidades em que não haja os elementos necessá- rios para a analyse, e além d"isso, nos sitios em que é possível, o medico não pode sujeitar-se ao ímprobo trabalho de analysar a urina de qualquer; é neces- sário pois que haja nos symptomas alguma serie d'elles que nos faça desconfiar de existência da diabete para fazermos a contraprova da analyse. Quaes são esses symptomas que nos podem fazer desconfiar da existência da diabete? Em que outras doenças podem apparecer alguns d"esses symptomas" ou antes, quaes são as doenças com que se pode confundir a diabete. Relativamente ao primeiro ponto diremos, que uma sede excessiva, um au- gmento no appelite e na secreção urinaria, são motivos mais que sufficientes para desconfiar da existência da diabete, sobre tudo se a isto se reúne a magresa. Mas não são só estes os symptomas que nos podem fazer suppor a doença ; muitas vezes é prudente examinar as urinas, se um individuo apresenta um an- thraz, ou uma erupção furunculosa, apesar de mostrar um aspecto de saúde e até mesmo uma gordura excessiva. É um erro suppor que a diabete se apresenta sempre acompanhada de magreza ; bem pelo contrario, no principio é frequente ver-se o diabético com uma boa nutrição, o que é sem duvida de- vido ao excesso de assucar existente no sangue, o qual não podendo ser todo queimado passa ao estado de gordura, e impede que o oxygenio actue sobre os tecidos azotados. Os prurigo das partes genitaes tanto no homem como na mulher devem também chamar a attenção do pratico, e este deve sempre ter presente que os doentes, na maioria dos casos, não dando attenção á quantidade de agua que tomam, e á quantidade de urina que excretam, negam muitas vezes, ou pelo menos occultam, estes dois symptomas ao pratico, causando-lhe bastante emba- raço no seu diagnostico se elle não tem a cautella de bem perguntar os doen- tes e depois analysar as urinas. O que dissemos a respeito da sede e da polyuria também se refere ao au- gmento de appetite, porque os doentes achando que comem perfeitamente bem, admiram-se dos pequenos incommodos que sentem, e não podem crer que tão terrível moléstia os tenha atacado, sobre tudo em vista da boa nutrição que apresentam. Quando um doente se queixa de phenomenos nervosos, de marcha irregu- MEM. DA ACU). — 1.^ CLASSE. T. IV, P. II. 9 66 ESTUDOS lar, insomnias, ligeira constipação de ventre, caimbras, um excesso de calor, sobre tudo na cabeça e nas palmas das mãos, é conveniente ver as urinas. Em todos os doentes em que se pôde desconfiar da existência da doença é bom sempre examinar o estado da bocca, se a lingua se acha espalmada e como polvilhada de pó branco ou com dois riscos de saliva espessa, se os dentes estão ou não cariados, porque os symptomas que acabamos de enumerar vem mui- tas vezes reunir-se aos grupos já descriptos. O hálito especial dos diabéticos, o cheiro característico da pelle, ou a sua seccura devem também estar presen- tes ao espirito. A propósito d'esta ultima circumstancia é conveniente notar que os suores são frequentes no principio da doença, e que nem por isso nos devemos illudir; alguns práticos julgam que a existência de abundantes transpirações pôde ou deve affastar da idéa a diabete, fundando-se para isso nas descripções da doença geralmente apresentadas. Por ultimo não posso deixar de acrescentar que as urinas dos indivíduos soffrendo de cataracta, sobretudo sendo novos, ou de amblyepia, devem ser cuidadosamente examinadas, ainda mesmo que não accusem os doentes outros symptomas diabéticos. A razão d'esta ultima recommendação é obvia, e já em parte foi dita quando falíamos a respeito de alguns symptomas diabéticos. Acrescentaremos comtudo que na diabete a sede e a fome nem sempre augmentam logo no principio; e que um facto que mais deve prender a atten- ção, e dar suspeitas em todas as circumstancias que temos enumerado, é um estado de fraqueza geral ou antes de moUeza contrastando com um bom as- pecto de saúde. Temos tratado até aqui do modo como se pôde desconfiar da existência da diabete; muito mais poderíamos dizer relativamente a symptomas, mas o que dissemos em outra parte do nosso trabalho dispensa-nos d'isso. Actualmente devemos occuparmos de saber quaes as doenças com que a diabete se pôde con- fundir. A primeira e a mais principal é a polyuria. Esta doença apresenta muitos pontos de contacto com a diabete, e a não ser a analyse da urina quasi que seria impossível distinguil-a. De facto, as experiên- cias do sr. Bernard sobre o quarto ventrículo mostram quanto é fácil produzir a diabete ou a polyuria picando esta porção do systema nervoso, mais ou menos distante do seu centro ; n'este caso é uma questão de míllímelros o appareci- mento de uma ou outra doença. Além d'ísso a polyuria precede muitas vezes e alterna outras com a dia- bete. Relativamente aos seus symptomas não são elles tão dessemelhantes como muitos auctores julgam e entre elles o sr. Fauconneau-Dufresne. A sede é exces- SOBRE A DIABETE 67 siva como na diabete, maior talvez. A seccura da pelle é extrema, não chegando comtiido á que se nota nos últimos períodos da diabete ou nos primeiros, em casos excepcionaes. A cor da pelle muda algumas vezes, como nos diabéticos, para terrosa. Os cabellos caem com facilidade e apresentam a particularidade, como nos diabólicos, de ficarem debaixo da epiderme como enroscados sobre si mesmos, parecendo não terem força para atravessar a epiderme, e dando por isso logar á manifestação de pequenas manchas escuras sobre a pelle. A lingua apresenta-se egualmente espalmada, esbranquiçada e muitas vezes fendida. As sensações subjectivas referidas a pelle, como picadas e formigueiros, lambem se notam nos polyuricos. Os únicos meios para distinguir estas duas doenças, com certeza e rigor, são a analyse chimica, e o exame da densidade, que é sempre menor na urina dos polyuricos. Mas o meio principal é a determinação da presença do assucar, sendo por isso inútil todos estes diagnósticos symptomaticos, sempre falliveis com que geralmente os livros estão cheios. O mesmo que dissemos sobre a polyuria em relação ao methodo de diagnos- tico deve entender-se relativamente â anazoturia e a hippnria, doenças pouco communs e ainda hoje não bem estudadas, mas que se reconhecem pelos meios chimicos, deterrainando-se o excesso da urea ou de acido bippurico e a ausên- cia de assucar, nos casos em que possa haver duvida principalmente quando se observa a magreza. Existe também uma espécie de affecção cuja natureza não podemos deter- minar, porque das observações publicadas nada se pôde concluir, mas que muito se assemelha á diabete e só d"ella se distingue pela analyse chimica. Esta doença foi observada pelo sr. Charles Baron em 1855 e é descripta pelo sr. Fauconneau- Dufresne no seu Giiide du diahútique, p. 112. Não podemos deixar de transcre- ver a descripção de dois casos observados, pela novidade que apresentam. Eram dois homens um de vinte e seis annos, outro de trinta e sete, am- bos de temperamento nervoso e impressionavel. Emmagreceram pouco a pouco, resultado de desgostos e contrariedades. A pelle tornou-se-lhes um pouco ama- rellada, secca e até escamosa por partes; o génio passou a ser triste, sombrio e até intratável. Diminuíram as forças e a energia. A prisão de ventre tornou-se habitual. As urinas eram abundantes e mais copiosas que as bebidas, quando comiam farináceos; três ou quatro horas depois de uma semelhante comida co- meçava a necessidade de urinar, e continuava durante quatro ou cinco horas a ser mais frequente que de ordinário. A quantidade de urina era também de cada vez mais copiosa que nas circumstancias ordinárias. Este liquido era um pouco descorado, aquoso, ás vezes um tanto espumoso á superflcie sem sedimento nem nubeculas ; era ligeiramente acido, não tinha augmento de densidade e or- dinariamente cheirava, na occasião da emissão, ao farináceo que tinha sido in- 9. 68 ESTUDOS gerido. N'estas urinas não descobriam a presença do assacar nem a potassa, nem a cal, nem o reactivo de Barreswill, nem o diabetometro de Robiquet. Posto que a quantidade das urinas emittidas depois da ingestão dos fa- rináceos fosse maior que a ordinária, era comtudo um pouco menor do que a que se observa nos individues cujas urinas são assucaradas. Quanto menos azote continham os farináceos ingeridos tanto maior era a quantidade de urina depois da sua ingestão; assim, as batatas e as castanhas occasionavam uma emissão muito mais abundante do que a farinha de trigo, os feijões e as ervi- lhas. Um dos doentes distinguia perfeitamente, pela quantidade das urinas a pro- porção de azote contido em cada um dos alimentos feculentos, que tinha comido, assim como a de glúten das differentes espécies de pão. Era-lhe também fácil des- cobrir as falsiíicaçijes dos fabricantes de massas, dos padeiros e dos paslellei- ros, quando sophisticavam com uma quantidade maior ou menor de fécula de batata os alimentos que só deviam ser compostos de farinha de trigo. As bata- tas no principio da estação própria causavam-lhe menor incommodo do que na época em que se tornam mais feculentas; quanto mais farináceas eram tanto maior era a quantidade das urinas excretadas. Um desses doentes por este meio conhecia a quantidade de farinha que entrava na composição dos seus ali- mentos. Os dois doentes digeriam muito melhor os bolos de massa pesada e indi- gestos para a maior parte das pessoas, sendo feitos de farinha azotada e de grande quantidade de ovos, do que os de massa leve e facilmente digeriveis, mas feitos de fécula de batata. Os alimentos assucarados produziam um effeito análogo ao dos feculentos mas em menor grau. Com o augmento da urina coincidiam alguns outros symptomas: ligeiras dores de estômago; sensação de vácuo na região epigastrica; fome violenta três ou quatro horas depois da comida, menor comtudo que a dos diabéticos; bor- borismos na região sub-epigastrica; dores ligeiras na região lombar e coxas, e fraqueza geral pronunciada; somno interrompido; pelle ligeiramente amarellada, e secca, olheiras pronunciadas. Em geral a bocca não estava muito pegajosa, a lingua apresentava-se pouco carregada, e muito menos depois da digestão dos alimentos feculentos. A sede não era forte nos intervallos das comidas ainda que tivessem sido feculentas. Um dos doentes nunca tinha sede nem gostava de beber a não ser durante a co- mida: e se bebia mais do que de costume soffria do estômago arrotando á be- bida ingerida. Algumas condições influíam sobre a digestão dos feculentos nos dois doentes; nas estações frias a digestão era acompanhada de maiores incom- raodos e de emissão de uma quantidade de urina maior do que no tempo quente. A ingestão de substancias excitantes, assim como a dos alimentos relaxantes e dos SOBRE A DIABETE 69 corpos gordos em excesso, ajudava a digestão; as emoções moraes produziam o mesmo efTeito. Quando os doentes tinliam alguma indigestão ou as fezes se tornavam mais molles ou mais biliosas, era então que os farináceos eram melhor digeridos, a quantidade das urinas era menor, e os incommodos concomitantes eram nuUos ou pouco pronunciados. Se o ventre se soltava depois de uma prisão de alguns dias, lambem por essa occasião a digestão se fazia bem. Os doentes limitando-se ao uso dos alimentos que o estômago supportava bem, não sentiam grandes incommodos. Para combater este estado foram empregadas diííerentes substancias tóni- cas, purgativas e alcalinas. — O uso do caííé e vinho durante as comidas, o uso de flanella sobre a pelle, o ar do campo e as viagens, produziram passado um certo numero de annos um allivio muito pronunciado. Este soffrimento parece ter sido provavelmente uma dispepsia ; doença em que muitas vezes se observa esta difficuldade de digestão. Tudo são conjecturas em vista da observação. Depois destas considerações que temos feito sobre o diagnostico, parece- me conveniente apresentar alguns casos que temos visto na nossa pratica, em que o diagnostico diabete teve certa difficuldade em ser estabelecido. O primeiro e o mais notável foi uma senhora, M.™" *" que vimos cora o nosso collega Au- gusto César Alves de Azevedo. Esta senhora tendo cincoenta e tantos annos de edade, era d"um tempera- mento lymphatico e constituição deteriorada. Queixava-se havia cinco mezes d"uma tosse secca teimosa que tinha resistido ao tratamento empregado por dif- ferentes facultativos, e que tinha consistido era xaropes, narcóticos, óleo de fíga- dos de bacalhau, revulsivos etc. Além d'isso a doente apresentava-se ura tanto ma- gra e cançando facilmente ao menor exercício. Tinha accessos vespertinos, suores nocturnos, fastio. N'uma palavra todos estes symptomas pareciam confirmar o diagnostico de tuberculisação pulmonar formado pelos primeiros coUegas. O meu collega .Azevedo tendo sido chamado para ver esta doente depois de exame atu- rado, desconfiou da existência da diabete pela circumstancia de ao perguntar á doente se tinha sede esta lhe di:er, mas sem se queixar, que bebia bastante agua. Tendo duvidas sobre o diagnostico pediu pois a minha comparência para mutuamente nos esclarecermos sobre este caso difficil. As duvidas do meu col- lega eram na realidade bem fundadas. A doente não estava emaciada, havia mesrao um certo arredondamento de formas, mas segundo o dizer da família havia cinco mezes que a doente tinha emmagrecido sensivelmente; via-se pois por esta circumstancia que esta senhora tinha sido bastante robusta. A pelle da doente estava por extremo macia não havendo erupção alguma. X língua estava espalmada, em pouco gretada, mas 70 ESTUDOS não secca, havia mesmo uma certa humidade. A sede era um pouco forte ; o ap- petite era quasi nullo; a digestão fazia-se bem; não havia grande prisão de ventre ; as urinas não eram mui abundantes, nem eram claras de mais. Em vista d'estes symptomas não era fácil desconfiar da existência da dia- bete; comtudo a circumstancia de haverem bastantes dentes caidos, que ti- nham vindo inteiros e sem grande dor, parecendo serem expulsos do fundo do alvéolo; o aspecto das gengives; a circumstancia de se terem manifestado furún- culos, havia alguns raezes e por differentes occasiões; a natureza da tosse que parecia nervosa, não estando de modo algum em relação com os signaes phy- sicos que se observavam no vértice do pulmão direito, e que se limitavam a li- geira diminuição de som á percussão e diminuição da respiração no mesmo ponto ; o emmagrecimento rápido que tinha havido durante os cinco mezes, não correspondendo as lesões locaes pulmonares; a mudança de génio da doente, que se tem tornado irritável nas pequenas coisas, e indulgente ou antes indif- ferente nas occasiões importantes; a memoria um tanto aíTectada, a ponto de es- quecer os factos passados havia pouco, mas lembrando-se com certa facilidade de acontecimentos longínquos; e finalmente uma certa moUeza de corpo, que não estava de accordo com a apparencia que a doente tinha, fizeram-nos des- confiar muito da existência da diabete. O exame das urinas e a marcha que a doença tem seguido vieram confir- mar as nossas desconfianças. As urinas deram pela analyse 58 grammas de as- sucar por litro de urina ; e o tratamento próprio da diabete tem feito melhorar muito a doente, que se sente já bastante forte e quasi sem tosse, tendo engor- dado um pouco. N'este caso, vê-se que a diabete se desenvolveu primeiramente que a le- são pulmonar, porque a doente abusava de ha muito de substancias feculentas e já por vezes tinha tido erupções furunculosas, não é pois uma doença que viesse ultimamente. Desenvolvida ella é fácil comprehender a manifestação da lesão pulmonar que ainda hoje se acha felizmente em principio. A circumstan- cia do uso de grande diversidade de xaropes e abuso de farinhas, aconselha- das com o fim de tratar a tuberculose fizeram augnientar a doença principal, e em resultado a lesão especial. A tosse devida talvez á lesão pulmonar era muito augmentada pela doença principal. A diabete dá muitas vezes logar ao desenvolvimento duma tosse quintosa e de caracter nervoso, e outras, mas menos frequentemente, a uma tosse catarrhosa. Podem algumas vezes, como no caso presente, unirem-se os dois elementos e fazerem suppor que o symptoma observado é devido unica- mente á lesão pulmonar. Com o systema de tratamento seguido até ao momento em que se conhe- ceu a verdadeira doença, é claro que a diabete teria sempre augmentado, e o ele- SOBRE A DIABETE 71 mento nervoso da tosse se pronunciaria cada vez mais. Finalmente a lesão pul- monar teria augmentado não só pela permanência do excesso de assucar no san- gue, mas também pela continuação da excessiva tosse. O resultado d'este es- tado de coisas seria a morte mais rápida da doente, e um erro mais a lançar nas papeletas mortuárias. Esta observação demonstra perfeitamente a facilidade da confusão de pthi- sica com a diabete; eis pois doenças que á primeira vista parecem completa- mente diíTerentes, e por isso quasi impossível serem desconhecidas, dando logar a um erro de diagnostico: erro terrível porque fazia empregar um tratamento errado compromeltendo com certeza a existência do individuo. Faz objecto da segunda observação o sr. Salomão S., que foi observado no fim da sua existência pelos srs. drs. Barrai, Gamara, Beirão, Arantes e Alva- renga. Este individuo de sessenta e tantos annos de edade, bem nutrido, consti- tuição forte, queixava-se ultimamente d'um certo cançaço, que era attribuido á sua excessiva nutrição, e de dores teimosas occupando os extremos superiores e inferiores, augmentando com a mudança de tempo, e parecendo então fixa- rem-se mais especialmente na musculatura. O tratamento tinha sido dirigido no sentido de haver um rheumatismo mus- cular, mas o doente nem por isso melhorava d'e.ste estado. Ultimamente já não existia o cançaço, somente no momento da marcha, ha- via mesmo um tal quebramento de forras que o doente não podia nem sequer partir o pão á mesa: esta operação decepava-lhe completamente as forças. Examinando o doente por esta occasião, feriu-me por extremo a sua cons- tituição robusta contrastando com a falta de forças. Desconfiei então da diabete. De facto, examinando o doente reconheci o seguinte: que a pelle está macia ex- cepto nos dedos, que a lingua está espalmada, gretada e como polvilhada de pós, um tanto secca, começando a assemelliar-se á hngua de gato. Ha seccuras, bom appetite, digestões fáceis, prisão de ventre. As urinas estão augmentadas em quantidade, claras, espumosas e contém 42 grammas de assucar por litro. As funcções genitaes estão completamente abolidas, segundo o doente, ha dois annos completos. O génio tem mudado muito, irritável á menor contrariedade, certa preguiça para negócios mais importantes, memoria dos factos ultimamente pas- sados muito aíTectada. No exame dos órgãos nada se nota de especial a não ser uma ligeira bypertrophia do coração. Institue-se o tratamento conveniente no sentido de diabete, e o doente me- lhora; comtudo, passado um certo tempo sobrevem um hydropericardio, em seguida a um resfriamento. Por esta occasião já o assucar existe em pequena quantidade, mas como se applicaram dois vesicatórios, um na região precordial, outro entre as espáduas, desenvolveu-se um anthraz enorme na região dorsal. 72 ESTUDOS O anthraz é convenientemente tratado, mas desenvolve-se edema nas extremi- dades inferiores que sobe até á cavidade abdominal. Quando o antliraz já se achava no período da reparação o doente succumbe a uma congestão ou derrame seroso no cérebro. N'esta observação, que apresentámos a largos traços, torna-se curiosa a con- fusão fácil de diabete com o rheumatismo. A gordura do doente, e a natureza das dores pareciam excluir a idéa da glycosuria. Foi comtudo o quebramento de forças, comparado á gordura e boa apparencia do doente, que deu o alarme n'este caso, É por este motivo que quando tratámos da marcha da doença fize- mos sobresair esta circumstancia como importante para o diagnostico. N'esta observação ha além. d'isto um ponto curioso para o diagnostico, a saber, o desenvolvimento do anthraz quando o assucar já tinha diminuído muito. É hoje para mim fora de duvida que os anthrazes e outi'os phenomenos inflam- matorios, se desenvolvem nos diabéticos tanto na occasião em que o assucar augmenta nas urinas, como também quando elle diminue mui sensivelmente. Parece que o desequilíbrio no modo de nutrição dos órgãos, esta passagem rápida de mais para menos ou de menos para mais assucar é causa predisponente para os furúnculos e anthrazes se desenvolverem á menor irritação externa. Este caso demonstra como muitos outros que a circumstancia da ausência completa, ou da existência em pequena quantidade de assucar, quando existem furúncu- los ou anthrazes não é motivo suEQciente para excluir a existência da diabete. N'estes casos é pois conveniente consultar a historia pregressa dos doentes, ver se por acaso tem sido empregado algum tratamento capaz de diminuir a secreção do assucar, e finalmente seguir o doente por algum tempo, depois do desapparecimento do anthraz. Esta observação daria logar a muitas outras reflexões a propósito da sym- ptomatologia, marcha, tratamento e terminação da diabete, mas abstemo-nos d'ellas, porque isso nos desviaria do nosso propósito. A terceira observação é feita n'um coUega nosso, o sr. A. A., no qual os symptomas predominantes da diabete foram a principio uma inflammação das gen- gives que fez diagnosticar um escorbuto; mais tarde, a existência d'uma certa moUeza, apesar da boa apparencia de saúde fizeram desconfiar da existência da diabete. O exame minucioso do doente, e as analyses da urina feitas pelo sr. Azevedo, pharmaceutico a S. Roque, e depois por mira, vieram confirmar o dia- gnostico que se tinha formado. Este facto tem de bastante curioso a facilidade de confusão de certos pa- decimentos de gengives e a diabete, quando não existem phenomenos diabéti- cos pronunciadissimos e ao mesmo tempo o aspecto do individuo indica boa saúde. N'este nosso collega o aspecto de bem estar era de tal modo pronunciado SOBRE A DIABETE 73 que muitos indivíduos suppunham ser um erro de diagnostico, classificar a doença como diabete. N"esles casos é fácil o engano, e ó bom ter sempre presente que é um erro suppor como phenomeno forçado da diabete, a magreza. Já por differentes ve- zes temos insistido n"este ponto, mas assim é necessário para fazer bem sentir este facto tão commum mas tão ignorado; a magreza é quasi sempre um sym- ptoma tardio da doença e a gordura é quasi sempre um symptoma incipiente, entendemos por isso inútil deniorar-nos mais sobre este ponto. A quarta observação tem por objecto um caso em que a confusão foi en- tre a doença de que nos occupamos e uma lesão grave do estômago. Mr. X. . . d'uma constituição robusta, um pouco pallido, e algum tanto ma- gro, soffre haverá três mezes de vómitos depois das comidas, vómitos que não se manifestam todos os dias, mas são em todo o caso frequentes. Accusa o doente uma sensação de aperto na região epigastrica, sensação que se torna por extremo dolorosa alguns minutos antes do vomito. O doente também sente nos dias em que vomita uma certa difficuldade de deglutição na occasião das comi- das. A pelle está macia, sua bastante, não ha sede segundo diz o doente, a lín- gua está espalmada e como polvilhada de farinha, ventre um pouco preso, urinas esbranquiçadas, algumas insomnias. O doente accusa certa fraqueza de forças e acha-se bastante apprehensivo. O diagnostico foi lesão grave do estômago (?) e applicaram-se opiados, carvão de Belloc, bismutho, pepsina, etc. Quando fomos consultado, desconfiámos do diagnostico do coUega que nos tinha precedido pelos seguintes factos: 1." pelo aspecto da língua; 2.° pela fra- queza que o doente accusa; 3.° pela cor da urina; 4." pela circumstancía de sua mãe ter morrido com diabete; 5." pelo aperto que accusa de tempos em tempos no momento da deglutição. Levado a suppor por estes motivos a existên- cia do assucar na urina, dirigi as minhas perguntas mais especialmente neste sentido, e então verifiquei mais uma vez quanto é fácil n'estes casos de diabete latente, sermos enganados involuntariamente pelos doentes. M. X. . . bebia na realidade agua em excesso e urinava também em ex- cesso, mas não o suppunha elle. Geralmente os doentes julgam, a não ser uma cousa excessiva, que é bom urinar em quantidade ; e que três a quatro copos de agua depois de jantar é coisa muito regular. A expressão de que eiles or- dinariamente se servem quando lhe perguntamos pela urina é, urino bem, o que geralmente quer dizer que devemos insistir mui particularmente n'este ponto. Relativamante á agua, os termos empregados são, bebo alguma agua, a ne- cessária para a digestão; tenho por isso sempre por costume ver se posso saber qual é a quantidade bebida para assim não deixar de parte um elemento para o diagnostico. Aqui está mais um caso em que havia confusão de diagnostico devido não MEM. DA ACAD. — 1.^ CLASSE. T. IV, P. II. 10 74 ESTUDOS á imperícia do collega mas de certo á má exposição do doente, o qual ferido com o plienomeno anormal — vomito das comidas — para ahi dirigia toda a sua attenção, e insensivelmente arrastava o pratico para esse campo. Todas estas observações são de diabete chamada latente e que tão frequente é no nosso paiz. De resto esta forma já tinha sido notada por Frank, e mais tarde o sr. Marchai de Calvi fez todo o possível para sobre ella chamar a attenção dos práticos. Estudado o modo de conhecer a diabete, é conveniente também ter pre- sente que esta doença pôde ser simulada. Umas vezes com o fim de enganar o facultativo, outras vezes com a intenção de tirar o partido do diagnostico dia- bete com relação á dieta; por isso alguns indivíduos mais ou menos instruídos na marcha e symptomas d'esta doença, teem-se querido apresentar como victi- mas d'ella. Os dois únicos casos de que temos conhecimento d'este género, são os apresentados pelo sr. Fauconneau-Dufresne no seu Giiide dn diahétique a pag. 118, os quaes nós transcrevemos para melhor se conhecerem os ardis que po- dem ser postos em pratica com o flm da simulação. Prcmier fait Une jeune íiile fut adressée à M. le docteur Sée par un honorable confrére dans le but de savoir son opinion sur Tétat de sa maladie, qu"un autre méde- cin très-éclairé avait qualiflée de commencement de diabete sucré. Elle avait été prise, sans cause connue, de douleurs épigastriques et abdominales qui semblaient augmenter par Tingestion des aliments. 11 en resulta une veritable crainte de se nourrir, et en même temps du dégout pour manger, de la fai- blesse musculaire, des insomnies, de la tristesse. A ces troubles fonctionnels s'était jointe, dès le début, une aménorrhée qui avait fait naitre Tidée d'une chlorose commençante. La persistence des accidents et les douleurs qui s"irra- diaient vers la région hépatique suggérérent la pensée d'examiner les urines; on y constata une quantité assez notable d'acide urique, de la matière colorante de la bile, et une petite quantité de sucre, d'oú Ton avait conclu à un diabete peu manifeste. Cependant la jeune filie ne présentait pas le moindre signe d'a]tération dans la santé générale; Fembonpoint était conserve; le teint était colore; les vais- seaux et le coeur n"offraient pas de trace de bruit de souflle; le foie avait ses dimensions normales; les troubles digestifs, loin de consister dans Taugmentation de la soif et de Tappetit, semblaient caractérisés uniquement par Tanorexie ou peut-être seulement par le refus de manger; les douleurs abdominales n'avaient ni localisation precise ni retours réguliers, et la pression de la main ne les mo- SOBRE A DIABETE 75 difiait pas. Les sécrétions se faisaient coninie dans Tétat ordinaire; la peau n'of- frait pas de sécheresse. Tons ces signes n'indiqiiaicnt pas qu'il existat un diabete. L'analyse de lurine, pratiquée par uii liabile chimiste, vient coníirmer cette prévision. Trois moyens furent employés à cet effet: i" la liqueur cupro-potas- sique; 2" la potasse caustique; 3" raròomótre. Les deux réactifs ne donnérent aucun Índice de sucre; mais la densité, révélée par rarèométre, était de 1,065, pamt d"autant pliis étrange que riirine était claire, lirapide et ne contenait quune quantité normale d'acide urique et d'urates. II fallait trouver la raison de cette peíanteur tout à fait aiioi'niale, et dans ce but on procede à une nouvelle ana- lyse de Turinc restante, qui avait séjourné toute une nuit dans le laboratoire. Quel ne fut pas l etonnement quand on constata des quantités appréciables de sucre, se révélant, à Faide de la potasse et de Tébullition par la coloration brune de cette urine. Le saccharimétre vint à son tour en conflrmer Texistance, voici ce qui s"était passe. Du sucre de canne avait été ajouté à Turine. Ce sucre ne se modiíiant ni par la potasse caustique à cbaud ni par la liqaeur cupro-potassique, ne put être re- connu par ces réactifs; mais quand la fernientation vint à se développer sous riníluence des matières épithéliales contenues dans Turine, le sucre de canne se transforma en sucre interverti, et dês lors se colora par la potasse. Ainsi, rarèométre avait mis sur la voie de la vérité, et la réaction par les alcalis caus- ticpies complete la demonstration. L'étude clinique avait déjà permis de nier Téxistence d'un diabete vrai et de n"adraettre comme maladie qu"un état névropathique des organes digestifs et génitaux. Dcuxième fait Lautre observation de diabete simule a été publiée par M. le docteur Bourdon. Un journalier àge de trente-cinq ans, ayant été inflrmier dans les ho- pitaux de Paris, entre, le 27 octobre 1836, à rbôpital de Lariboisière, dans le service de ce médecin distingue. II se dit atteint du diabete et raconte que, de- puis neuf móis, il a été traité pour cette affection dans divers hopitaux, qu'il a été presque entiérement guéri, mais qu'il est retombé il y a quatorze jours, à Toccasion d'une congestion cérébrale à laquelle il est sujet. II accuse parfaitement tous les symptòmes du diabete : appétit exagere et impérieux, sécheresse de la bouche, soif ardente, urines extrêmement abondan- tes; de plus, abolilion presque complete des facultes génitales et absence de désirs vénériens; enfin toux frequente, affaiblissement de la vue et des forces rausculaires. L'état general parait bon; Tembonpoint est conserve; la face est assez colorée; il n'éxiste aucun mouvement fébrile. L'examen le plus attentif de la poitrine ne fait reconnaitre aucune lésion pulmonaire. La langue a une ap- 10. 76 ESTUDOS parence tout à fait normale; la salive, essayée avec le papier de tournesol, pre- sente la réaction acide. Le foie n'est pas augmenté de volume. L'urine est très-peu colorée. très-limpide, sans le moindre dépôt, a peine odorante; elle presente une saveur notablement sucrée; sa densité est augmen- tée; elle pese 1,032; mélangée à la liqueur Barreswill, elle donne par TébuUi- tion une couleur d'un vert un peu jaunâtre, mais il ne s'y forme pas de preci- pite de protoxyde de cuivre. Traitée par la potasse caustique, la teinte jaune devint un peu plus foncée, sans brunir. On prescrit; macération de quinquina, eau de Vichy, pain de glúten, quatre portions d"aliments et un kilogramme de viande rôti en supplément. Dès la première visite, M. Bourdon avait été três surpris de ne pas cons- tater par les réactifs la présence du sucre dans une urine aussi dense qu'était celle du malade^ et otTrant une saveur sucrée. La couleur verle que donnait la liqueur Barreswill avait bien une teinte jaune, mais on obtenait à peu prés la même coloration avec de Furine normale, et en conséquence, ce phénoméne ne pouvait êlre considere comme caractéristique. Aux visites suivantes, la pesanteur spécifique du liquide variant d'un jour à Tautre de 1,011 à 1,038, et Tétat general de sujet paraissant toujours par- faitement bon, on commença à avoir des soupçons. Bientôt, on fut tout à fait en déflance, parce que le raalade avait plusieurs fois refusé d'uriner séance te- nante. On laissa quelqu'un en garde prés du lit, et Turine ayant été immédia- tement recueillie ne pesait plus que 1,003; elle donnait bien plus faiblement encore les légéres réactions obtenues les jours précédents avec la liqueur Bar- reswill et la potasse. Loin d'avertir le malade de ce résultat négatif, on lui donna un verre à ex- périence, en lui deraandant d'y conserver les urines de la journée. Celles-ci, ren- dues en Tabsence du témoin, reslérent à sa disposition jusqu'au lendemain ma- tin: aussi ne fut on pas étonné de leur trouver une densité plus considérable et d'obtenir les réactions qu'on avait d'abord observées. On ne s'en tint pas là. Une certaine quantité de cette urine fut rcmise à M. Ducom, pharmacien en chef de Thôpital. On evapora un litre de ce liquide au bain-marie; il fournit 40 grammes d'un residu solide, grenu, contenant, au milieu d'une masse visqueuse, des cristaux bien limites. Une petite portion de ce residu, essayé par la liqueur Barreswill, ne donna qu'un résultat négatif. M. Ducom prit alors une nouvelle portion de cette matière, la chaufía avec de Teau acidulée par Tacide chlorhydriquc, pour transformer en sucre interverti ou sucre dé- vianl à gaúche la lumière polarisée, le sucre de canne qui pouvait être contenu dans le residu de levaporation. L"intervertion de ce sucre opérée, il satura Tacide par quelques gouttes de solution de potasse, de manière à rendre la li- queur alcalino et il léssaya de nouveau avec la liqueur Barreswill. II obtint aus- SOBRE A DIABETE 77 sitôt un precipite rouge, semblable à celui que donne le glycose. On ne pouvait guére douter que rnrine analysóe no conlint du sucre de canne. La cerlitude fut complete, lorsquon cut cxlrait du résidu un sucre parfaitement cristallisé, présentant tous les caracteres pliysiques et ciiimiques du sucre de canne. Après cette découverte, ii était évident que, dans lintention de simuler le diabete cet homme mettait du sucre dans ses urines; que, en autre, pour au- gmenter la quantité de ces dernières et les rendre plus aqueuses, il prenait des boissons en grande abondance. On pouvait dès lors se rendre compte du défaut de concordance entre les divers caracteres du liquide urinaire; s'expliquer comment, dune part, urine aussi aqueuse, aussi peu chargée de seis, peuvaitpeser autant; comment, d'au- tre part, avec une pesanteur de 1,032 et une saveur évidemment sucrée, elle ne donnait pas des résultats plus satisfaisants par les réactifs cbimiques. Supposons maintenant que ce prétendu diabétique se soit servi, pour trom- per, de sucre de raisia ou glycose, au lieu de sucre de canne, sa fraude eút elle été également découverte? Les réatifs auraient donné des résultats capables de faire croire au diabete; mais les grandes et subites variations dans la den- sité du liquide urinaire, eussent pu, comme dans la première observation, met- tre sur la voie de soupçonner une fourberie. De plus Fétat parfait de la santé générale serait venu confirmer ce soupçon. Le but de cet individu n"était autre que de prolonger son séjour dans 1 eta- blisseraent, ou ii frouvait un bon regime et une vie oisive à son goút. II faisait sans doute aussi certains profits en trafiquant avec les autres' malades d'une grande partie de ses aliments. Ancien infirmicr, il avait appris à connaitre les symplômes du diabete, et il se servit de cette connaissance pour en imposer aux médecins. Conhecida a existência da diabete, isto é, feito o diagnostico rigoroso da doença, é necessário ao medico ir mais além por causa do tratamento. É preciso determinar o periodo, a forma e a causa provável da doença: comecemos pelo diagnostico do periodo. Como vimos, a diabete tem ordinariamente três periodos que não são bem distinctos. Conhece-se que a doença está no primeiro periodo quando a quan- tidade da urina não è excessiva, se apresenta corada, com cheiro a urina de porco, um pouco espumosa, dando, quando fermenta ou depois das comidas, um cheiro a pevides seccas e torradas, ao mesmo tempo a quantidade de assucar dosada é pequena; sede augmentada principalmente depois das comidas mas sem ser muito excessiva; dyspepsia depois da comida composta de feculentos, alguma sensação de peso e vacuidade na bocca do estômago; diarrheas ou antes dysenterias em seguida ás comidas; leves entorrhagias; tendência para hemorrhagias, principal- 78 ESTUDOS mente subcutâneas com os caracteres que já descrevemos; augmento de gor- dura; exageração das faculdades genitaes; fraqueza geral; tendência dos órgãos a adormecerem quando sugeitos á pressão; desenvolvimento de fu)'unculos. Conhece-se o segundo período pela exageração dos symptomas que cara- cterisam o primeiro periodo ; pela lesão das gengives e dentes ; perturbações na vista; insomnias; alguma magreza; alguma seccura de pelle; desenvolvimento de anthrazes; phleimões; sensações nervosas; diminuição das faculdades geni- taes. Neste periodo é raro manifestar-se a tendência hemorrbagica e até mesmo conservar-se. Diagnostica-se o terceiro periodo pela exageração dos symptomas prece- dentes principalmente pela magreza, lesões oculares; diarrbeas teimosas alter- nando com a prisão de ventre; desarranjos intellectuaes; inflltrações; pthisica conDrmada. A influencia da natureza da alimentação também pôde servir para caracte- risar os differentes períodos. Assim no primeiro, o assucar urinário parece ser formado é custa dos feculentos ingeridos; no segundo, á custa dos feculentos e dos alimentos azotados; no terceiro, a custa dos próprios órgãos: são provas d'esta ultima circumstancia um doente observado por Traube em que appare- ciam por dia 1072 grãos de assucar a mais do que podia ser fornecido pelas substancias feculentas e azotadas, e dois outros observados por Ringer n'um dos quaes havia uma excreção media por hora durante o jejum de isr^°\í de as- sucar e n'outro de ls''''°,93. Não nos compete discutir agora as hypotheses apresentadas para explicai' estes factos, limitamo-nos imicamente a apontal-as. Haverá em todos estes pe- ríodos uma suspensão nas metamorphoses normaes do assucar? Haverá forma- ção no estômago durante o primeiro periodo, como quer Van Durscb, d"ama matéria que impeça a transformação do assucar? No segundo periodo será o fí- gado que forme o assucar á custa das substancias azotadas como quer o mesmo auctor? Haverá no primeiro periodo como quer Bence Jones um simples excesso de acido no organismo (o láctico?) devido ao assucar não poder seguir as suas transformações? São outros tantos problemas que mais tarde discutiremos quando tratarmos da natureza da doença. Relativamente ás formas que a diabete apresenta, é muito útil conhecel-as; é ahi, assim como no conhecimento das causas ou antes dos órgãos que serviram de ponto de partida á paralysia reflexa do fígado, e d'outros órgãos d'onde pro- vém o assucar diabético, que está a difficuldade do tratamento. Não ha, como veremos, tratamento especifico n'esta doença; conforme estas condições de cau- salidade, typo, forma, assim o tratamento pharmacologico e hygienico varíará. Tal é a razão porque umas vezes será conveniente privar completamente de fecu- lentos o doente, e a outras tal recommendacão seria em absurdo. Do mesmo SOBRE A DIABETE 79 modo ha medicamentos que convindo immenso em certas e determinadas for- mas mórbidas da diabete, noutras serão inúteis senão perniciosos. Causa na realidade tristeza ver n'esta doença como em muitas outras, a imaginação humana a torturar-se na descoberta dos específicos. Quando se medita sobre esta monomania therapeulica, chegamos a descrer do progresso da scien- cia ou a acreditar no desprezo dos verdadeiros princípios d"ella. Não podemos dei.xar de nos demorar n"estas questões relativas ao tratamento, porque são el- las que legitimam a insistência com que queremos aperfeiçoar o diagnostico. As formas da doença mais necessárias para conhecer, são como dissemos a coimiiwptiva, a thoracica, a abdominal e a nervosa. A primeira distingue-se pela tendência pronunciada para o emmagrecimento, acompanhada da perda rápida e pronunciada da vitalidade da pelle e seus an- nexos ; pela abundância do hquido urinário, parecendo os doentes que se des- fazem todos em urina, e que os alimentos e líquidos tomados passam através do corpo como um liquido através dum cano. N'esta forma é commum ver desen- volver-se rapidamente a cataracta. A thoracica com quanto caracterisada pelo emmagrecimento excessivo, não é elle tão pronunciado como na forma antecedente. Os órgãos respiratórios são atacados cedo, e a pthisica pulmonar em grau mais ou menos adiantado, inde- pendentemente do período da diabete, manifesta-se mui cedo. A abdominal que acompanha sempre o primeiro período da doença é mais difíicil em ser conhecida, principalmente quando a boulímia não é muito excessiva. Os doentes apresentam uma boa nutrição, boa cor de pelle, todas as fuucções fazem-se qaasí bem, ou bem, salvo alguma fraqueza geral: o appetite é muito pronunciado. Esta forma abrange quasí todos os casos de diabete latente. A nervosa conhece-se pela manifestação de grande quantidade de pheno- raenos nervosos, como por exemplo a impotência, ou exageração das faculda- des genitaes, dores de cabeça, differentes nevralgias, paralysias, convulsões, impressionabilidade excessiva de génio, nervosismo, sensações subjectivas de calor e frio, de corpos estranhos marchando sobre a pelle etc. É bom notar que esta forma se associa muitas vezes á abdominal. O typo da diabete também é conveniente ser conhecido. Como vimos pôde ser alternante, periódico, inter mittente, continuo e agudo. Estes diíTerentes typos podem ser facilmente diagnosticados; conhece-se o alterante quando a doença desapparece, e é substituída por outra, como por exemplo a gota, a polyuría, ou a albuminúria. N'este caso o diagnostico é pois uma questão de observação de urinas por mais ou menos tempo. É n'este typo que se observa muitas vezes a forma abdominal. O periódico e o intermittente conhecem-se pelo mesmo modo que o ante- cedente, isto é, pelo exame das urinas por um dado tempo, combinado com o 80 ESTUDOS exame dos symptomas. São typos que quasi sempre precedem o continuo, e que pouca impressão fazem sobre a saúde e estado geral do individuo. O continuo è aquelle que mais especialmente temos descripto, e por isso es- cusamos de dizer mais alguma coisa em especial sobre elle. O agudo conhece-se pela presença do assucar em grande quantidade na urina manifestando-se ou augmentando rapidamente n'um individuo, e dando quasi sempre logar a complicações sérias sobre órgãos importantes. Esta forma é rara e não vimos nenhum exemplo delia. Resta-nos ainda a resolver um problema no diagnostico, isto é, determinar a causa ou o órgão affectado, que primitivamente deu logar ao desenvolvimento da diabete As causas mais frequentes que se observam são, irritação intestinal ou do flgado; excitação cerebro-espinal; irritação da bexiga. A primeira conhece-se pela historia antecedente do doente em quem se tem sempre notado anteriormente uma dysenteria mais ou menos teimosa, e é por este motivo, que quasi sempre os individues que teem estado em Africa, e teem soffrido das dysenterias próprias d'aquelle clima, são atacados desta doença. No mesmo caso está a diabete provindo de irritação do fígado. Não se pôde marcar com rigor se a causa primaria está no fígado ou nos intestinos, porque é raro achar esta irritação sem ser em seguida a padecimentos intesti- naes, salvo na gota. De resto, esta distincção não é d'uma grande importância porque o tratamento que convém a um caso, convém a outro. Quando existe como causa productora da diabete, uma irritação cerebro- espinal, os symptomas nervosos pronunciados no principio da doença, e a his- toria pregressa da doença, são elementos de que devemos lançar mão. A irritação da bexiga e rins pude dar a diabete, mas a doença apresenta então algumas particularidades que podem fazel-a conhecer, ou dislinguil-a da diabete clássica. N'estas circumstancias apparecem phenomenos diabéticos, e a urina contém assucar, mas todos estes symptomas desapparecem logo que se acalma a irritação dos órgãos urinários. Neste caso a doença é intermittente, e temos visto desenvolvel-a, sobre tudo nos indivíduos idosos com degeneração orgânica da bexiga. É bom notar que esta parte do diagnostico é muito incerta, não existem, como vimos, symptomas bem característicos que possam fazer diílerenciar bem a acção d uma ou outra causa. Quando se tem a felicidade, por meio duma boa historia pregressa, e pela reunião de certo numero de symptomas prováveis, de se chegar a formar o diagnostico de causa, é um elemento importante para o tratamento, e por isso devemos sempre buscar obtel-o, pesando, comparando e até discutindo os pe- quenos symptomas sobre tudo os do primeiro período. PARTE II i^Roa-nsrosTico A diabete é uma doença por extremo grave, e sobre este ponto lodos os escriptores estão de accordo. Nos antigos tempos, quando o tratamento não es- tava tão bem estudado como hoje, o prognostico era muito mais terrível no entender dos médicos d"aquellas épocas. Assim Zacuto Lusitano * diz a seu res- peito «sit affcctiis hic qui si semel imascrit inter/ícit.» Hencke ^ julgava-a sempre mortal e Nasse ^ aconselhava aos que eram af- fectados de diabete a fazerem o seu testamento. Cullen ^ conta também ter visto bastantes doentes de diabete, todos bem tratados e não se curar nenhum d'elles. Areteu sempre grande na descripção d'esta doença, foi mais prudente no seu prognostico dizendo «brevis erit hominis vita in quo aífectus iste perfectus fuerit. » Alguns modernos tem exagerado egualmente a gravidade do prognostico. Assim Prout, Lubbock, e Bell ^ julgam esta doença incurável. O que se deve pensar do prognostico d'esta doença na actualidade é que elle é em geral grave, mas que ha casos que se curam, muitos que melhoram ao ponto dos doentes viverem por muitissimo tempo vindo a morrer de outra doença, e em fim que bastantes casos terminara pela morte. Qual seja a pro- porção das curas para as mortes não a sabemos, e julgamos puramente hypothe- ' Opera. T. II, p. 44C. 2 Handb. der spez. Pathol. Berlim. 1808. B. d. 2, p. 290. ' Archiv. fur med. Erfahr. Março, abril, 1810, p. 330. ' Elements de médec. pratique. T. II, p. 450. '" Glascow med. Journ. Julho, 1836. MEM. DA ACAD. — 1." CLASSE. T. IV, P. II. H 82 ESTUDOS tica a proporção apresentada por Copland 1 : 7 ou 8 mortes : além de hypothe- tica julgamol-a exageradamente favorável. Esta exageração no prognostico da curabilidade, depende quanto a nós da ignorância do preceito de Frank «non satis fidas semper esse diabetis sanati, nisi morbus per annum et ultra non redeverit, historias.» Para se formar ura bom diagnostico é necessário ter presente uma serie de condições. Assim é necessário saber o periodo era que a doença está; se ella vae já no fira do segundo ou está no terceiro é incurável como bem nota Garrod, po- dendo comtudo viver o diabético por muito tempo em alguns casos. Relativamente ao typo da diabete deve formar-se um prognostico favorável quando elle não é continuo. A forma influe egualmente no juizo que se deve formar: a forma abdomi- nal é a menos grave, a consumptiva e a thoracica são as peiores. Quanto ás diabetes traumática e espontânea, a primeira é menos para te- mer que a segunda. A diabete aguda é sempre mais perigosa que a chronica. Relativamente ás causas, temos a edade influindo muito no prognostico. Nas creanças ou individuos mui novos, a diabete é gravíssima; nos indivíduos d'uma certa edade ou mesmo velhos, a doença não apresenta tanta gravidade. As constituições fortes são uma garantia para o feliz êxito, em quanto a fraqueza d"esta é de mau agoiro. Segundo Rouchardat o sexo feminino influiria na cura da doença, que segundo elle é de mais diflicil cura nos homens. A nossa observação não confirma uma semelhante idéa. Em quanto aos symptomas, temos a considerar em priraeiro logar as fa- culdades digestivas. Se ellas se conservam, é signal de que a vida se pode pro- longar; se pelo contrario o appetite se perde, a doença marcha com rapidez. Se a dysenteria se manifesta é d'um péssimo agoiro. O apparecimento de cataractas é mau signal, indica sempre quanto a nu- trição está compromettida e tenho observado que todos os diabéticos que são d'ella affectados não se curam; as amblyopias leves não são d'um prognostico tão grave. A constância no apparecimento de furúnculos, ou a manifestação de an- thrazes são phenomenos que indicam não a gravidade da doença em si, mas que nos devem ter sempre em guarda. Indicam elles a tendência para a mani- festação de phenomenos gangrenosos que podem pôr a vida em perigo mais ou menos imminente. Como já tive occasião de dizer, o perigo d'esta manifestação, é não só no auge da doença como também quando cila cae. Todos os symptomas de inflammação são para temer nos diabéticos, e por isso devemos sempre receiar logo que se manifeste a febre ou que um órgão SOBRE A DIABETE 83 se inflamme. É por esta razão que a manifestação ou descobrimento d'uma pneu- monia, torna sempre gravissimo o prognostico. De facto n"esta doença ha uma falta de força radical que não deixa resistir os diabéticos a estas inflammações. Temos visto, como alguns outros médicos, casos de pneumonia diabética em que esta percorreu rapidamente os seus períodos e o doente succurabiu. Pela nossa parte, não temos visto escapar doente algum diabético n'estas cir- cunistancias, a não ser por excepção. Relativamente á urina devemos considerar a sua quantidade e os seus con- tentos. Quando a urina é muito excessiva, quasi sempre a doença é incurável ou pelo menos é de difficil cura. Se a urea, o acido úrico augnientam era quantidade e o oxalato de cal ap- parece, são phenomenos que indicam um bom resultado segundo o sr. Bence Jones *. Relativamente ao acido úrico, temos pela nossa parte verificado que a pre- sença dos seus crystaes na urina corresponde quasi sempre á forma abdominal, circumstancia que torna muito menor a gravidade do prognostico. Quando o as- sucar da urina diabética, sem haver um motivo plausível no regimen ou no trata- mento, baixa repentina e consideravelmente, devemos receiar peia vida do doente. Quasi sempre quando se realisa esta circumstancia é porque uma inflammação profunda ou a luberculisação tomaram o seu direito de presença no pobre dia- bético. O sr. Garrod^ cita dois exemplos d'este género, em que a tuberculisa- ção foi a causa do desapparecimento rápido do assucar, e nós também já vimos um caso semelhante. Se o assucar não diminuo nas urinas, apesar d'uma dieta rigorosamente animal, ou mesmo se diminuo não desapparece, este facto indica que a doença tem uma certa gravidade. Se o assucar diminuo na urina depois do tratamento, mas por vezes re- pentinamente e sem causa conhecida volta ao seu antigo estado durante alguns dias, não é um bom signal para o prognostico. O apparecimento da albumina na urina diabética aggrava sempre o pro- gnostico e indica com raríssimas excepçiíes que a doença é mortal. Por este motivo é bom sempre ter em vista a albumina, quando analysamos a urina dia- bética, e não nos contentarmos unicamente com a determinação qualitativa e quantitativa do assucar. Os meios pecuniários do doente assim como a sua illustração e força de caracter influem no prognostico. Em geral a necessidade duma alimentação quasi exclusivamente animal no ' London med. Chir. Transact. T. XXXVI. 2 British. med. Journ., 1857, abril, 18. 84 ESTUDOS SOBRE A DIABETE tratamento da doença exigem uns certos meios sem os quaes é impossivel ob- ter resultado algum. Quantas vezes não temos visto pobres affectados de dia- bete que se tivessem meios para poderem ter uma boa alimentação se teriam curado I É mais uma prova de que o dinheiro ás vezes dá saúde. A illustração do doente é também um elemento para o prognostico, por- que se o doente não tem uma certa educação litteraria, não só acha disparatadas as modificações ordenadas na sua alimentação, mas também julga absurda a con- tinuação do seu tratamento quando se sente com algumas forças. A força de caracter do doente também concorre não só para a melhoria do estado presente como para a consolidação dos resultados obtidos. Geral- mente os doentes não podem ou antes não tem forças para continuar a privar-se de matérias assucaradas e a comer em pequena escala os feculentos. Temos co- nhecido doentes muito instruídos que não tem tido esta força, apesar de conhe- cerem bem as consequências do seu erro. XlSrJDXGJEí PAC. PREFACIO 1 PARTE 1. — Diagnostico ,•{ Capitulo 1. — Meios para conhecer o assucar 4 1.° Degustação , 2.° Urina sobre pannu preto , "í." Urina sobre papel , 4." Urina nas mãos , 5.° Urina em vaso não vidrado > 6.° Evaporação sobre laminas de ferro n 7.° Evaporação sobre laminas de vidro > 8.° Fermentação e microscópio , 9." Misturando chloroformio g 10." Densidade „ 11.° Fermentação alcoólica 8 o Apparelho Bernard » b Apparelho Fresenius 9 c Apparelho Beclard 10 12." Extracção directa 12 a Processo Bouchardat i b Processo Simon » c Processo Leconte » d Processo ? 13 13.» Processo pela potassa i 14." Processo pela cal 16 15." Processo pela soda » 16.° Reactivo Maumené » 17.» Processo de Runge 17 18.° Processo Pettenkorf » 19.° Processo Bence Jones » 20.° Processo Neubauer e Yogel » 21.° Processo Loe^enthal 18 22.° Processo Hunefeld » 23.° Processo de Horsley » 24.° Reactivo Luton » 2b.° Reactivo Bottger 19 25.° (o) Idem substituindo a potassa à soda 20 26.° Reactivo de Cappezuoli n 27.° Reactivo de Cahen 21 28.° Reactivo de Trommer » 11. PAG. 29.° Reactivo de Barreswill 23 30.° Reactivo de Fehling » 31.° Reactivo Donaidson 25 32.° Reactivo de Magnes 26 33.° Reactivo Rernard » 34.° Reactivo Fauconneau-Dufresne » 3b.° Reactivo de Pavy 27 Apreciação dos reactivos de cobre » Modos de purificar a urina 28 a j> b 29 c " » d de Bruecke » e do mesmo » f de Leconte » a 30 h » Modo de applicar o reactivo » Substancias que impedem a reducção 31 Substancias que reduzem o reactivo 36 36.° Proce.sso Trousseau 38 37.° Processo de Mulder 39 Capitulo II. — Meios para dosar o assucar 41 1.° a Fermentação (Fresenius) » 1 .° í) Fermentação (Beale) 42 1.° c Fermentação (Cliristison) » 1 .° cí Fermentação 43 2.° Processo de Roberts » 3.° Processo de Garrod 44 4.° Processo de Maumené » S.° Pelos reactivos de cobre 45 Tabeliã para determinar o assucar 50 Tabeliã de Pavy 51 Dosagem pelos apparelhos de pbysica 52 A Polarimetro S3 B Saccbarimetro Soleil 54 C Saccbarimetro Becker-Beale 56 D Diabetometro Robiquet 57 Capitulo III. — Diagnostico propriamente medico 61 Diabete simulada 74 PARTE II. — Prognostico 81 ELEMENTOS DE THEMOMTRIA CLINICA GERAL PELO SOCKI EFFECTIVd Dr. Pedro Francisco da Costa Alvarenga lOTRODDCÇiO É por extremo notável o progresso, que n'estes últimos tempos tem leito o diagnostico. Ao aperfeiçoamento dos instrumentos de investigação medica e á sua extensa e bem dirigida applicação se deve tão profícuo re- sultado. D'entre estes instrumentos merecem menção especial o sphygmogra- pho e o thermometro. E dos preciosos elementos que a medição thermica ministra, tanto para o diagnostico, como, e principalmente, para a apreciação do curso (ias doenças, do prognostico e das indicações tlierapeuticas, que nos va- mos occupar. Muito extensa é já a collecção de factos, registados nos interessantes repositórios da sciencia, e d'elles se têem deduzido leis de subida impor- tância pratica. Comtudo o campo da thermometria clinica não está inteiramente ar- roteado. Bastante ha ainda que desbravar; muitos pontos carecem de accurada investigação. Assentámos por isso revolver também este terreno feracissimo, e dar conta dos fructos que d'elle podessemos colher. As nossas primeiras observações datam do anno de 1856, em tpie podemos obler um bom thermometro, cujos graus eram divididos em quin- tos, podendo-sc marcar décimos de grau. Foram então meros ensaios. Mas reconhecendo dentro de pouco tempo a importância do conhe- cimento da temperatura animal na determinação da febre, de que é o 6 INTRODUCÇÃO único critério exacto, na distincção de certas espécies e variedades patho- logicas, e sobre tudo na avaliação do curso das doenças agudas, formulá- mos desde logo os nossos registos, que denominámos thcrmo-sphjgmo- pneometricos, e instituimos observações methodicas, regulares, completas, feitas pelo menos duas vezes no dia em todo o decurso da doença e na convalescença. De ha muito que notámos a temperatura de todos os doentes, c|ue entram na nossa enfermaria do hospital de S. José; na clinica particular servimo-nos frequentemente do Ihermometro, que é mais necessário do que o estethoscopio e o plessímetro. Possuindo avultado cabedal de observações sobre a temperatura, pulso e respiração, desveladamente colhidas, julgámos poder offerecer aos nossos collegas se não obra completa c bem acabada, ao menos os modes- tos fructos de nossas indagações, feitas em Lisboa, cujos resuhados po- dessem ser comparados com os que a sciencia possue, e de incentivo para empreza de maior vulto. No escripto que vamos dar á estampa expomos noções geraes sobre a thermometria clinica, d'onde lhe vem a denomioação de — Elementos de thermometria clinica geral. Aqui apresentámos a exposição clara e substancial do que conhecemos de mais positivo e útil em matéria de thermometria clinica. E na thermometria clinica geral que os neophytos da medicina se iniciarão, para idoneamente poderem dar-sc ao cultivo d'este ramo de conhecimentos práticos e ampliarem-n'o com os valiosos resultados de suas explorações. N'este escripto, depois de fazermos a historia da Ihermomelria cli- nica desde os tempos mais longinquos e nos diversos paizes até nossos dias, expomos a matéria em sete capítulos. No primeiro tratámos da temperatura physiologica e de suas modi- ficações sob a influencia de varias condições, já individuaes já exteriores. O capitulo segundo é consagrado á descripção dos thermometros clinicos, das condições a que devem satisfazer, do modo d'applicação, c aos regis- tos thermo-sphygmo-pneometricos. O capitulo terceiro é dedicado ao exa- me das modificações palhologicas da temperatura. O quarto capitulo é des- tinado ao estudo da febre e dos períodos da temperatura pathologica. O iNTRonrcçAO 7 (liiinlo capitulo occupa-sc do ciii'so geral da teniporalura patliologica e das relações dVsla com outros symptomas. Faz olijcclo do capitulo scxio a tcuiperatura considerada sob o ponto de visla da semiótica c da diera])eu- lica. No capitulo seplimo, que intitulámos thcrmopathogenia, fazemos a ("xposição c a analyse ciilica das diversas theorias propostas para expli- car a temperatura anormal. Em cada um d'esles capítulos não só damos noticia do fiue encon- Irámos de mais im])orlanlc e útil nos cscriplos francczes, inglezes e allc- mães, mas apresentámos lambem os resultados de nossas investigações clinico-thermometricas. O capitulo sexto, que se estrema pelo seu valor pratico, foi claliorado quasi exclusivamente com os fados de nossa obser- vação. Se conseguirmos evidenciar a grande utilidade da thermometria cli- nica, facilitando o seu estudo, teremos attingido o escopo. Junho de 1870. Dr. Alvarenga ELEMENTOS OE THERMOMETRIA CLIMCA PRIMEIRA PARTE THERMOMETRIA CLINICA GERAL HISTORIA A temperatura do corpo nas doenças tem sido considerada desde eras as mais arredadas. A antiguidade medica notara já o augmento de calor no estado febril. Hippocrates, que, no dizer de Galeno, não ignorava a sphygmologia, tinha dirigido a sua attenção para a temperatura da peripheria do corpo. Era pela temperatura que o venerando patriarcha da medicina se guiava, já em época tão longiqua, na apreciação da febre. D'aqui veiu designarem os primeiros mé- dicos a febre pelo vocábulo Trupe-o-r, pyretns, do radical ruo, pyr, fogo. A ety- mologia latina tem análoga significação: febris, de ferveo, fervere, ferver, arder. Galeno, que floresceu no segundo século da era chrislã, teve em tanta conta a temperatura, que não duvidou estabelecer que o augmento do calor do corpo constituia a essência da febre: « Calor prceternaturalis substantia fehrium '.» Tem fundamento o asserto de Galeno; os observadores mais versados n'esta matéria o attestam. O professor Andral no seu curso da faculdade de medicina de Paris, 1841, assentou que o phenomeno mais característico do estado febril era a elevação de temperatura 2. O dr. Roger em a sua notável memoria, Re- cherches sur la température chez les evfants à Vétat physiologique et patholo- gique ^ estabeleceu que a temperatura elevada era o elemento essencial e o mais ' Líber de di/ferentiis fehrium: cap. i, de generali febrium divisione. ^ Duelos: Quelques recherches sur Vétat de la température dans les maladies. — Pa- ris, 1864. ' Arch. gén. de méd. ; 1844 e 1845. MEM. DA ACAD. — 1.* CLASSE. T. IV, P. 11. 1 2 ELEMENTOS constante do estado febril... que o phenomeno característico, fundamental, da febre consistia em uma lesão da caloricidade. O dr. Traube, dislincto professor em Berlim e um dos mais esforçados promotores da thermometria clinica, con- cluiu de suas numerosas e accuradas observações que a febre consistia princi- palmente na elevação de temperatura '. Em 1855 o dr. H. B. Maurice escreveu: «La fièvre consiste essentiellement dans une élévation de température du corps-.» Para o dr. Hardy a elevação de temperatura è o signal pathognomonico, o cri- tério certo da febre ^ Não menos explicito foi o dr. Ladé: «Sans élévation de température il n"y a pas de fièvre; c'est du moins le seul symptòme constant et qui ne manque jamais^.» O mesmo pensamento foi, ainda ha pouco, enun- ciado pelo dr. Hirtz, professor de Strasburgo, n'estes termos: «C"est la chaleur exagérée qui est Tessence capitale de la flèvre^.» Finalmente, para não alongar demasiadamente estas citações, invocaremos a opinião do clinico o mais aucto- risado n'esta matéria, do abalisado professor de Leipzig, que acaba de tirar a lume uma obra monumental, fructo de dezeseis annos de assidua e rigorosa ob- servação. Diz o dr. Wunderlich: «O medico que quizesse julgar de uma aíTec- ção febril sem medir a temperatura, assimilhar-se-bia ao cego que quizesse orien- tar-se em uma localidade desconhecida''.)) Quando tratarmos da importância da thermometria na clinica, expenderemos a nossa opinião a este respeito; por emquanto, cora relação especial á febre, podemos dizer que não conhecemos meio mais seguro do que o tbermometro para determinar a existência da febre, me- dir a sua intensidade, seguir as suas oscillações e prever os seus resultados. É a convicção que nos resulta de mais de oito mil observações thermometricas, que temos colhido nestes últimos annos. Pelo que fica dito se vé que não é exagerada a asserção de Galeno. O ce- lebre medico de Pergamo, cuja auctoridade dominou por muitos séculos, legou à posteridade os seus conhecimentos sobre este objecto. Pôde dizer-se que a maior parte dos médicos da antiguidade e da edade media considerou a elevação da temperatura como o symptoma pathognomo- nico da febre, e todos reputaram aquelle phenomeno como o signal mais im- portante nas doenças agudas. ' Ueber Crisis und critische Tage. — Berlin, 1831. - Des modifications morbides de la température animale dans les affections fébrites. — Paris, 18oo. ^ De la température animale. — Paris, 1839. ' De la température du corps dans Ics maladies. — Genóve. 1866. ° Nouv. dict. de méd. et de chir. pratiques, t. vi, art. chaleur. — Paris, 1867. ^ Das Verhalten der Eigeruvãrme in Krankheiten (Da temperatura do corpo nas doen- ças), pag. 63.— Leipzig, 1868. DE THERMOMETRIA CLINICA 3 Mas n"essas épocas a apreciação deste elemento estava muito longe de ser rigorosa. Sendo a sensação referida pelo doente e a mão do medico os únicos meios de avaliação da temperatura, a medida exacta d"esta era impossível; po- dia-se apenas conhecer que a pelíe estava mais ou menos quente D'este do que n'aquelle caso, ou do que costuma ser no estado normal. A mão é mau meio para apreciar a temperatura; não offerece de modo algum as condições de um bom instrumento calorimétrico. Pelo seu volume é dlíGcil adaptal-a a certas partes, que melhor revelam a temperatura do corpo; dotada de forte calor especifico, assume ou fornece, como diz o sr. Fouqué *, muito calor ás regiões, a que é applicada; percorrida por multiplicadas corren- tes sanguíneas, que lhe chegam a cada momento com uma temperatura sensi- velmente egual, constante, não pôde pòr-se em equilíbrio com as partes do corpo, porque essas correntes levarão o excesso de calor que lhes é transmit- tido, e a temperatura da mão permanecerá a mesma ou estacionaria, quando o calor perdido pela irradiação exterior e o excesso roubado pelas correntes san- guíneas forem eguaes ao calor, que ella recebe da parte com que está em con- tacto. A mão pois só pôde dar a sensação do calor que ella recebe ou perde em dado tempo, ou a differença entre a sua temperatura e a dos corpos. A mão pôde sentir frio, ainda que esteja elevada de muitos graus a temperatura da parte sobre que está applicada, o que depende do calor da mão do observador e da humidade da parte explorada. Por tanto, a mão é um instrumento ther- mometrico insuíSciente e infiel. Acresce que o methodo, ordinariamente empregado, de applicar a mão so- bre o rosto, braços e mãos dos doentes, é vicioso, porque estas partes estando habitualmente descobertas resfriam cora facilidade. As partes que convém exa- minar, são as que se acham cobertas, e nomeadamente o peito e o ventre, para o que se deve introduzir a mão por baixo das roupas. A determinação rigorosa do calor animal não podia vir senão depois da descoberta (fins do século x\i) do maravilhoso instrumento, que tão valiosos serviços tem prestado á sciencia e á industria, e cuja invenção é attribuida por uns a Cornelio Drebbel, filho de um camponez da HoUanda do norte, por ou- tros a Galíleo, e por muitos a Sanctorius. Mas no que todos concordam é que as primeiras observações da applica- ção do thermometro no corpo humano são devidas ao medico veneziano Sancto- rius, o paciente Sanctorius ^, que foi professor de medicina na universidade de Pádua, e do qual são bem conhecidas outras notáveis investigações sobre o peso do corpo. ' De Vemploi du thermomètre en médecine, pag. 10. — Paris, 1858. ^ Nascido em 1561 em Capo d'Istria e fallecido em 1626. 1. 4 ELEMENTOS Ficou posta a primeira pedra do edifício, que só muito mais tarde foi con- tinuado. Decorreu mais de um século, em que a tiíermometria não deu um passo sequer, até que Boerhaave * e seus discipulos flzeram uso do thermometro na clinica medica. Boerhaave, que combatera a antiga doutrina da febre, suppoz que dos três phenomenos (calefrio, frequência do pulso e calor), por elle admittidos como principaes na febre (/n omni febre a cattsis internis orta horripilatio, pulsus velox, calor, vario febris tempore, vario gradu, adstint)^, só a frequência do pulso se manifestava em todos os períodos da febre, sendo por isso o pheno- meno essencial d'esta (Quce quidem in omni febre adsunt, sed sola velocitas pulsus adest ex his omni febris, tempore, ab initio ad finem, eaque sola medi- cus pressentem febrim judicalj ^. Não é de admirar a opinião do erudito pro- fessor; elle ignorava ainda que no calefrio das febres ha elevação da tempera- tura do corpo. Comludo Boerhaave serviu-se do thermometro para determinar o calor nas doenças. No aphorismo 673 diz o distincto professor de Leide que o calor ex- terno se conhece pelo thermometro, e o interno pelo sentimento do doente e pela vermelhidão da urina (Calor febrilis thermoscopio externus, sensu cegri et rubore urince interntis cognosciturj ''. AíErmam os discipulos de Boerhaave, e com particularidade Van Swieten, que possuíam thermometros bons e portáteis, divididos segundo a escala de Fahrenheit e com a indicação da temperatura normal (93" a 96"), marcada no Índice graduado. Van Swieten commentou o ultimo aphorismo do mestre n"es- tes termos: (íOmnium ergo certíssima mensura habetur per thermoscopia, qua- lia hodie pulcherrima habentur et portatilia quidem, fahrenheitiana dieta a primo invenlore; accuratissima imprimis illa sunt, quce argentum vivum loco alterius cujuscunque liquidi continent. Tali thermometro prius mensuratur ca- lor hominis sani et plerumque in índice affixo íllo gradus notatus est; deinde hoc cognito, si idem thermometrum a febricitante cegro manu teneatur, vel bui- bus ejus ori immíttatur, vel nudo pectori aut sub axillis applicetur per aliquot minuta horm, apparebit pro varia altítudíne ascendentes argenti vivi, quantum calor febrilis excedat naturalem et sanum calorem. ^. » Mas nem Boerhaave nem os seus discipulos nos transmittiram resultados ' Nasceu em Worhout, perto de Leide, em 1668 e falleceu em 1738. ^ De cognoscendis et curandis morbis aphorismii aphor. 563, pag. 149. — Lovanii, MDCCLXV. ' Op. cit., aphor. 570. * Op. cit., pag. 178. * G. Van Swieten, Commentarii in H. Boerhaave aphorismos. — Lugh. Batav., 1745. DE TIIERMOMETRIA CLINICA O claros de suas observações, pelo que parece que não conheceram toda a impor- tância da thermometria clinica. Cabe a de Haen, escriptor fecundo, dislincto professor de clinica e conspí- cuo medico do hospital geral de Vienna d'Austria, a gloria de ser o fundador da thermometria clinica. A obra Ratio medendi * d'este pratico experimentado é digna de leitura pausada. Foi de Haen quem introduziu o estudo da thermometria na pathologia (De supputando calore corpnris htnnani); foi elle quem preconisou o emprego do thermometro, mostrando as suas vantagens, depois de ter feito extensa applica- ção d'este instrumento, tanto em individues sãos como doentes, descobrindo d'este modo factos importantes, taes como as remissões da temperatura pela manhã e as suas exacerbações á tarde nos febricitantes, a elevação da tempera- tura na febre algida, a falta de relação entre a frequência do pulso e o grau de temperatura em muitos doentes, o frequente contraste entre o sentimento de ca- lor subjectivo e a elevação de temperatura objectiva, etc. Foi de Haen quem primeiro notou que no periodo de frio dos accessos de febre intermittente o thermometro indica elevação de temperatura, a qual se sustenta no periodo de calor; foi elle quem primeiro revelou o facto de que em alguns casos a tempe- ratura augmenta, e ás vezes muito, depois da morte. O esclarecido medico guiou-se pela temperatura em as suas applicações therapeuticas, e considerou o regresso da temperatura pathologica ao grau normal como prova do restabele- cimento da saúde. O augmento da temperatura, chegando muitas vezes ao maximmn, durante o calefrio dos accessos febris é hoje um facto assentado. Senac notara já que no estádio de frio da febre intermittente não descia o thermometro, introduzido na cavidade buccal ^. Muitos médicos, na Polónia, na Inglaterra e nos Estados Unidos, observaram a subida do thermometro na cholera-morbus prope morteni. Os srs. Briquet e Mignot ^ em época muito posterior, notaram a elevação da tem- peratura no periodo algido da cholera, momentos antes da morte, facto que foi depois bem fixado pelo dr. Doyère K O sr. Bennet Dowler verificou também o augmento da temperatura immediatamente depois da morte, o que tem sido apontado ultimamente por muitos observadores, Ebmeier, Leyden, Billroth, Fick e outros, na Allemanha, em varias nevroses, e nomeadamente no tétano. O dr. Wunderlich observou 43",4 em um tetânico um quarto de hora antes do ' Consultar a parte ii, cap. x; parte iii, cap. iii; parte iv, cap. vi; parte vii, cap. v; parte x, cap. i e ii. — Paris, 1761. ^ De recôndita febrium intermitt. natura, pag. 40. — Paris, i759. ' Traite du choléra-morbus. — Paris, 18S0. * Mémoire sur la respiration et la chaleur humaine dans le cAo/era. — Paris, 1863. b ELEMENTOS fallecimento, e 44'',9 no momento em que o doente succumbia; a temperatura subiu depois progressivamente por espaço de 55 minutos, em que o thermo- metro marcou 45°,50, declinando d'aiii em diante, de sorte que hora e meia depois da morte era egual (44'',9) á do fallecimento; no dia seguinte ás 10 ho- ras e 55 minutos da manhã a temperatura era ainda de 38'',4 '. Por nossa parte temos já verificado o facto em alguns casos, de que daremos conta. Mas de Haen não tirou conclusões de suas minuciosas observações, não mostrou toda a importância pratica da thermometria no diagnostico e prognos- tico das doenças; por isso o seu trabalho não foi tido em grande apreço e caiu em quasi completo esquecimento. Seguiu-se outro periodo do decadência para a thermometria clinica ; pode- ria citar-se um ou outro nome que passou rápido. A temperatura animal foi en- tão estudada quasi exclusivamente sob o ponto de vista physiologico. Merece comtudo especial menção J. Currie (1797), em cuja obra as historias das doen- ças são acompanhadas da medição da temperatura, e notadas as modificações d'esta sob a influencia de vários meios therapeulicos. Borsieri (1725-1785) tendo feito experiências pouco rigorosas julgou infiel o thermometro e por isso renunciou ao emprego d'este instrumento. J. Hunter (1728-1785) fez interessantes indagações e experiências para a determinação da temperatura local, que teremos occasião de referir em outro logar. O celebre physiologista e afamado medico entregou á luz da publici- dade (1775-1778) o resultado de suas observações thermometricas, mostrando que os animaes podiam supportar grandes abaixamentos da temperatura am- biente, porque possuíam em si mesmos bastante calor para sustentarem o equi- líbrio. Foi Hunter o piimeiro que notou a elevação tópica da temperatura nas inflammações, referindo-se a sua primeira observação a um caso de hydrocele operado. Spallanzani (1729-1779) estudou as relações da circulação com a respira- ção no estado normal. Ch. Martin (1740) publicou na Inglaterra as suas observações thermome- tricas, feitas com regularidade em indivíduos sãos e em animaes. Haller, que prestara séria attenção ao estudo do calor animal, também em- pregou o thermometro em alguns casos mórbidos, achando na febre amarella 38°,8, na febre intermittente 41°,l-42°,2, e na febre typhoide 42",5 2. O sr. Donné teve em vista determinar quaes eram as doenças em que a temperatura era mais elevada, e mais frequentes a respiração e a circulação; entre outras cousas notou que é na febre typhoide, em que o nivel da columna í Arch. der Hcilk; 1864. * Arch. gén. demcd., 1835. DE THERMOMETRIA CLINICA 7- thermometrica chega acima de 40°, que encontrara a maior desharmonia entre a temperatura e a frequência do pulso; mas não indicou, por falta de numero suíTi- ciente de observações, as relações entre as variações pathologicas da temperatura c o curso das doenças ^ Em summa, n'este periodo, a thermopliysiologia foi assumpto de serias in- vestigações, emprehendidas por médicos dislinctos, taes como Blagden, Dobson, Lavoisier, Crawford, Gentil (1815), Edwards (1824), etc. Renasceu a tliermometria clinica pelo anno de 1840, em que médicos aba- lisados se devotaram ao seu estudo pratico, e lho deram importância conside- rável, trazendo a lume o fruclo de suas investigações. É assim que o professor Bouillaud, fundado em grande numero de factos, mostrou a facilidade do emprego do lliermometro e a certeza dos resultados d'este modo obtidos-. O sr. Piorry contribuiu também para vulgarisar em Pa- ris o emprego do Ihermometro, apresentando em um quadro os resultados de suas indagações sobre a temperatura no estado pliysiologico e palhologico ^. O venerando professor Andral, investigador indefesso, chegando a estabe- lecer (1841) algumas leis sobre a temperatura pathologica, deu impulso á ther- mometria clinica. Não admira; o dr. Andral apparece sempre, segundo escre- veu o dr. Wunderlich, á frente do progresso scientifico da sua época. A thermometria medica infantil teve também nesta época seus explorado- res devotados. O sr. Henri Roger deu á estampa, nos Arch. gén. de m6d. 1844 e 1843, uma boa serie de observações sobre a temperatura nas differentes eda- des da infância e nas variadas doenças d"este periodo da vida ^ É um dos trabalhos mais completos sobre a especialidade e que foi muito utilisado pelos observadores subsequentes. O sr. Monneret escreveu no Compendiíim de médccme pratique '-> um bom artigo acerca da temperatura com relação á pathologia geral; dividiu as doen- ças em dois grupos, abrangendo em um as doenças com elevação de tempera- tura e no outro as doenças com diminuição da temperatura. Passados anno.s occupou-se do mesmo assumpto com relação á natureza das doenças e á sua classificação nosographica em o seu Traité de pathologíe générale', 1857. A cirurgia, posto que menos avançada n'esta parte do que a medicina, não foi esquecida. Depois de Hunter ", que tentou o estudo da temperatura nas doen- ' Recherches sííc Pétat du povls, de la températurc et de la respiration; Arch. gén. de méd., 1835. ^ Clinique médiaik, t. iii, pag. 438. ' Traité de diagnostic et de sémeiologie, t. iii, pag. 33-41. — Paris, 1840. * De la tempéraíiire chez les enfants d Vétat phijsiolngigiie et pathologique. ^ An. Température, t. vrii, pag. 114. — Paris, 1846. « Philosoph. trnnsactions; 1775-1778 e 1837. 8 ELEMENTOS ças cirúrgicas, de Tomson, que fez indagações sobre o calor produzido nas par- les inflammadas, e de Brechet e Becquerel, que acharam elevação da tempera- tura local na inflammação *, o sr. Demarquay fez uma serie de experiências com o propósito de determinar quaes eram as modificações impressas á temperatura animal pela dor, pelas hemorrhagias, pela ligadura dos vasos, pelas inflamma- ções traumáticas, pelos estrangulamentos tanto internos como externos e pelos agentes tóxicos^. Os agentes therapeuticos foram também considerados sob o ponto de vista das modificações que imprimem á temperatura. N'este sentido dirigiram os seus estudos os srs. Demarquay ^ Dumeril e Lacointe ^, os quaes dividiram os me- dicamentos em trea ordens, coraprehendendo na primeira aquelles que, em qual- quer dose, elevam a temperatura (todos os excitantes e o iodureto de potássio), na segunda aquelles que, em qualquer dose, diminuem a temperatura (iode, su- blimado corrosivo e os estupefacientes), e na terceira aquelles que, em fraca dose, a augmentam, e em alta dose a diminuem. Em época anterior James Currie indagara a acção da agua fria e quente na febre e outros estados mórbidos, assim como a influencia da dedaleira, do ópio e do álcool sobre a temperatura ^ Até este tempo pôde dizer-se que se lançavam as bases da thermometria clinica, que mais tarde devia apparecer em todo o seu esplendor. As investiga- ções dos práticos quasi que se limitavam a determinar os máxima, os mínima e as medias geraes da temperatura nos diversos morbos; as observações ther- mometricas não eram, geralmente, feitas em todo o curso das doenças, e pos- tas em parailelo com os symptomas manifestados nos differentes períodos das mesmas doenças; não havia, em summa, um plano regular de medições ther- micas. Em 1850 a thermometria pathologica entrou em nova phase de verdadeiro progresso. É d"esta época, e sobre tudo n'estes últimos nove annos, que a ther- mometria clinica mais tem progredido, tomando por ventura a principal parle n'este movimento a sabia e laboriosa AUemanha. É a época mais brilhante da clinica thermoscopica. Os drs. Bãrensprung, medico de Halle, Traube, professor de Berlim, e mais tarde Wunderlich, professor de Leipzig, foram os primeiros que consignaram ' Ann. des sciences naturelles; 183S. * Recherches expérimentiiles sur la tempcrature animale; these inaugurale. — Paris, 1847. ' Thcse cit. * Académie des sciences; 1847-1848; e Arch. gén. de méd.; 1848. * Medicai reforts; 1779. DE TIIF.RMOMETRIA CLINICA y observações thermometricas regulares, completas, desveladamenle colhidas e em relação com o curso, períodos, duração e terminação das doenças; foram elles que introduziram definitivamente a thcrmometria na pratica medica. O sr. Bãrensprung, que instituiu observações quotidianas e seguidas com methodo, tirou a lume em 1851 o fructo de suas investigações em uma extensa memoria sobre o calor physiologico e palhologico '. Mas este celebre observa- dor começara já antes a serie de indagações importantíssimas, com que enri- queceu a thcrmometria clinica. O dr. Traube publicou em 1850 as suas primeiras medições da tempera- tura em um escripto sobre a acção da digital; mas foi em junho d'este anno que o esclarecido professor começou a notar a Icmperatura anormal, em um caso de febre typhoíde, posteriormente ao dr. Bãrensprung. O dr. Traube dotou a sciencia com uma notável memoria, Ueber Krisen und kritische Tage, 1831 (Das crises e dos dias críticos), rica em factos, e tendendo a restabelecer a antiga doutrina das crises. N"esta memoria o dr. Traube divide as doenças, em relação á sua terminação, em duas classes, comprehendendo em uma as que terminam rapidamente, e na outra as que acabam lenta e gradual- mente. Para dar idéa do trabalho do illuslrado medico, reproduzimos aqui, em resumo, as conclusões principaes da sua memoria. 1.° A febre consiste principalmente na elevação da temperatura. 2." O regresso da temperatura ao estado normal eíTectua-se de dois mo- dos, ou rapidamente, como de salto, em 12 a 36 horas, ou progressivamente, em alguns dias. 3." O abaixamento rápido da temperatura, que precede o restabelecimento da saúde, é geralmente acompanhado de díaphorese copiosa, e mais raramente de precipitado de acido uríco nas urinas. 4." O abaixamento súbito da temperatura, que annuncia a cura, pôde maní- festar-se ainda antes que o processo ínflammatorio tenha cessado de se estender. 3." Com o abaixamento rápido da temperatura coincide quasí sempre uma diminuição rápida da frequência do pulso. 6." Nas doenças de longa duração, em que a temperatura diminue gradual- mente, o typo da febre é o da febre hectica, isto é, nas remissões matutinas a temperatura desce até á normal, ou mesmo abaixo d"esta, em quanto que nas exacerbações vespertinas a temperatura se eleva acima da normal. 7.° O abaixamento subitaneo da temperatura nas doenças agudas, quando precede o 14." dia, verifica-se nos dias 3.°, o.", 1° e 9." ' Untersuchungen iiber die Temperaturverhàltnisse dcs Fwtus und des erwachsenen Menschen im gesunden und kranken Znstande (Indagações sobre a temperatura do feto e pessoas crescidas no estado de saúde e de doença); MuUer^s Arch., 1851. MEM. DA ACAD. — 1.* CLASSE. T. IV, P. II. 2 10 ELEMENTOS 8." Quando a temperatura baixa rnpidamente nos dias supra indicados em uma inflammação aguda, o processo inllammatorio deixa de se propagar. N'es- tes casos o descenso da temperatura pôde ir abaixo da normal, e elevar-se de- pois lentamente. No pulso observa-se frequentemente phenomeno análogo. 9." A frequência do pulso não ministra muitas vezes elemento algum para a apreciação da intensidade da febre; o pulso frequente pôde coincidir com a temperatura normal e vice-versa '. O dr. Wunderlich, um dos mais distinctos práticos da Allemanba, cultivou e ampliou o campo de exploração dos drs. Bãrensprung e Traube. A tliermo- metria clinica recebeu extraordinário incremento da esclarecida e aturada ob- servação do celebre professor de Leipzig; por espaço de dezeseis annos este experimentado clinico estudou com admirável dedicação a tliermometria; a cli- nica do dr. Wunderlich tem sido, como bem diz o dr. Beaumi, de Strasburgo, um foco donde a thermomctria tem irradiado, primeiramente sobre a Allema- nha, e d'aqui para França, Inglaterra, America, para toda a parle em summa, graças á perseverança do mestre e á dedicação dos discípulos. O dr. Wunder- lich, que dera principio ás suas investigações Ihermometricas em outubro de 1831 , consignou os resultados de seus rigorosos e conscienciosos trabalhos em numero- sas publicações, que ampliou, desenvolveu e reuniu o anuo passado em uma obra magistral ^. É a este incansável observador que a ihermometria clinica mais deve o seu progresso e vulgarisação. Seguiram o movimento e cooperaram na obra commum muitos outros prá- ticos da Allemanha, entre os quaes figuram os nomes respeitáveis de Lichten- feis e Frõhlich ^ Michael *, Wachsmulh ^ Griesinger ^ Billroth ', Thomas *, Jenni ^ Liebermeisler "^ e de outros clínicos de renome. ' O dr. Traube publicou mais trabalbos relativos á thermometria medica: Ueber den Einfluss, etc. (Da induencia das emissões sanguíneas sobre a temperatura do corpo nas doenças febris, 1851), e Zur Thcorie des Fiebers; 1864 (Sobre a iheoria das febres). ^ Das Verhnlten der Eigenicãrme in Krarikheitm, em 8.°, de vi-384 pag., com 40 gravuras e 7 quadros de temperaturas. — Leipzig, 1868. ' Beohachtungen iiber die Gesetze, etc, ; 1852 (Observ. sobre as leis da frequência do pulso, e sobre as datemperat." no estado normal e debaixo da influencia de certas causas). * Archiv fúr phijsiologische Hctlkunde; 1856. ^ Typhus ohne Fieber; 1863 (Typbo sem febre) e Zur Lehre vom Fieber; 1865 (So- bre a doutrina da febre). ^ Infections Krankheiten; 1864. Esta obra foi traduzida em francez pelo dr. G. Le- mattre (Trailé des maladies infectieuses; Paris, 1868). ' Arch. fiir Chirttrg.; 1864; e Arch. qén. de méd. ; Paris, 1865. 8 Arch. der Heilk.; 1864, 1865 e 1867. ' Beobachtungen úber die Kõrpcncãrme in Krankheiten (Observações sobre o calor do corpo nas doenças). — Zurich, 1860. '" Klinische Untersuchungeti iiber das Fieber; 1865 e 1866, DE THERMOMETIUA CLINICA 1 1 Eslabolereram os médicos allcinãcs, e nomeadamente o dr. Wunderlich, que a temperatura seguia um curso especial nas diversas doenças febris, facto iinportanlissimo para o diagnostico, prognostico e therapeutica racional, |como veremos em outro iogar. Segundo allirma o dr. Wunderlich, em todos os estabelecimentos clínicos da Aliemanha, na maior parte dos hospitaes, e na pratica particular dos princi- paes médicos, as medições thermicas são de uso ordinário e consideradas como parte essencial da observação nas doenças febris. A França, a Inglaterra, a Rússia e a America não descuidaram a thermo- melria clinica. Os escriptos dos srs. A. R. Mignot *, Robert Latour^ H. B. Mau- rice ^ Spiclmann K F. A. Fouqné ^ E. Hardy ^ Duelos ^ Cbarcot ^ Mantegazza** , A. Ladc*", Hirtz'*, J. Jaccoud '^ Anfrun '^ E. Labbée *^ mostram a impor- tância que em França se liga ao exame da temperatura nos estados patholo- gicos. Da Inglaterra e da Rússia merecem menção especial os srs. drs. Thomas ' Recherches sur les phénomènes normmix et morbides de la circulation , de la calori- cite' et de la rcspiration, chez les nouveati-nés, Paris, 18S1. * Des êléments physiologiques du pouls, pag. 19 e seguintes. Paris, 1852. De la cha- lenr animnle comine élément du diagnostic des fièvres inlermittentes sans intermittences, jKrnicieuses ou non. Paris, 18C2. De la chakur animale comme principal élément du dia- gnostic différentiel de la pneumonie. — Paris, 1864, ' Des modifications morbides de la température animale dans les a/feciions fébriles. —Paris, 1855. * Des modificutions de la température animale dans les maladies fébriles aigues et chro- niques. — Strasbourg, 1856. ^ De Vcmploi du thermomètre en médecine. — Paris, 1858. ^ De la température animale dans quelqttes états pathologiques, et de ses rapports avcc la circnlation et la respiration. — Paris, 1859. ' Quelqucs recherches sur Vétat de la température dans les maladies. — Paris, 1864. ' De Vétat fébrile chez les vieillards {Gaz. des Iwpitaux, juin, 1866). " Jnfluence de la douleur sur la chaleur animale ( Gaz. kebd., 1866j. '" De la température du corps daris les maladies et en particulier dans la fièvre ty- ■phoidc. — Genève, 1866. " Chaleur dans les maladies (Nouv. dict. de méd. et de chirurg. pratiques, t. 6*'"*; Paris, 1867). '2 Leçons de clinique médicale. Paris, 1867. " De la valeur diagnostic et pronostique de la température et du pouh dans quelques maladies. — Paris, 1868. " Recherches cliniques sur les modificalions de la température et du pouls dans la fiè- vre typhoide et la variole régulière. — Paris, 1869. 2» 12 ELEMENTOS Armetriding Compton *, Sidney-Ringer *, Aitken, H .Zorn ^ cujos estimáveis tra- balhos, fructo de mui boa observação, teremos occasião de citar mais de uma vez. Na America distinguiu-se o sr. Seguiu. Compenetrados da utilidade pratica da thermometria clinica dêmos começo ás nossas observações em 1856, época em que podemos haver um bom ther- mometro, que marcava quintos de grau, podendo notar-se muito approximada- raente décimos de grau. Mas foi ultimamente que coordenámos os nossos tra- balhos, e formulámos registos, que nos mostram não só as variações do calor no decurso de cada doença, mas também a relação da temperatura com o pulso e a respiração. E para não sermos dos últimos a darmos o nosso contingente, postoque minguado, começámos em 1867 a consignar os resultados da nossa observação na Gazeta medica de Lisboa, chamando a attenção dos nossos col- legas para este estudo pratico. Pelo que levamos dito com respeito á historia da temperatura do corpo no estado mórbido, podemos talvez marcar-lhe quatro períodos: Primeiro período. — Este período, que poderíamos qualificar de período primitivo, decorre desde os tempos mais antigos até á invenção do thermome- tro. Neste período a temperatura era simplesmente apreciada pela sensação do doente e pela mão do observador. Segundo período. — Este periodo, que poderíamos qualificar de período inicial da thermometria medica, começa com a invenção do thermometro, fins do século XVI, e acaba em de Haen, meado do século xvm. É Sanctorius o he- roe d"esta época. Terceiro periodo. — Este periodo, que poderíamos qualificar de período da fundação da thermometria clinica, comprehende o tempo que vae desde de Haen até perlo do meado do século xix. É de Haen o fundador deste periodo. Quarto periodo. — Este periodo, em que a thermometria clinica mais se vulgarisou, abrange os últimos vinte e nove annos do século actual. Este pe- riodo, postoque pequeno, pôde considerar-se dividido em duas partes; a pri- ' Temperature in aaite disease. — London, 1866. ^ As indagações d'este celebre professor de matéria medica na Universily-College sobre a temperatura do corpo na tisica pulmonar foram analysadas pelo dr. Ricliard nos Arch. gén. de méã,, 1866. ' O escripto doeste dislincto medico do hospital Obuchoff de ,S. Petersburgo, que nos foi offerecido pelo auctor, acha-se traduzido em allemão. — Die Febris recurrens. DE THERMOMETRIA CLINICA * 13 meifa que poderíamos denominar período de renascimento da thermometria cli- nica, abrange os dez primeiros annos, de 1840 a 1850; a segunda parte, a que caberia a qualificação de período de progresso da thermometria clinica, conta os últimos dezenove annos. É o dr. Wunderlich o maior vulto d"este periodo; é a este abalisado professor de Leipzig que a thermometria clinica deve o seu má- ximo desenvolvimento. CAPITULO I Temperatura pbysiologica ; suas modlGcações sob a influencia de diversas circumstanrias TEMPERATURA PHYSIOLOGICA O homem está constantemente a produzir calor e constantemente a perder calor; a differença entre a producção e a perda representa a sua temperatura, que vem a ser a parte livre do calórico, e que medimos com o thermometro. O homem, bem como os mammiferos e as aves, tem uma temperatura pró- pria, sensivelmente a mesma, pela qual pôde manter-se em grau thermometrico differente do dos corpos ambientes. Três factos capitães dominam a thermometria medica. O primeiro é a exis- tência de uma temperatura própria ao homem no estado de saúde. O segundo é a estabilidade, a constância d'esla temperatura; em todas as situaçijes o ho- mem são offerece sempre a mesma temperatura, sensivelmente; dizemos sen- sivelmente, porque algumas oscillações apresenta a temperatura physiologica, mesmo fora de influencias extraordinárias, como veremos, mas são tão peque- nas, que podem bem ser desprezadas. O terceiro facto é a variabilidade, a mo- bilidade da temperatura do homem no estado de doença, na generalidade dos casos. Nas doenças agudas, nas acompanhadas de febre, a temperatura muda sempre, eleva-se, mais ou menos, acima da normal; nas doenças ajgidas o des- vio é em sentido inverso. Mas casos palhologicos ha que não importam modifi- cação sensível na temperatura própria do individuo. D'aqui vem o não poder considerar-se necessariamente no estado de saúde o individuo, cuja temperatura é normal; mas está doente o individuo, cuja temperatura se desvia dos limites da temperatura physiologica. 14 • ELEMENTOS É um facto que a temperatura animal varia, quer no estado pliysiologico quer no pathologico. No primeiro caso a escala das oscillações thermicas é muito pequena, de 2 graus apenas; em geral acima de 38° c. ha febre e abaixo de 36" c. começa a algidez. No segundo caso as variações da temperatura são muito extensas, dão-se entre limites muito mais distantes. Segundo o dr. Wunderlich as variações normaes ou espontâneas da tem- peratura raras vezes excedem meio grau no mesmo individuo; a immobilidade da temperatura è, em gerai, signal de saúde. O celebre thermographista, con- siderando 37" a 37°, 5 a temperatura dos órgãos internos e 37° a da axilla bem fechada, tem sempre por muito suspeita a temperatura superior a 37°, 5 e a in- ferior a 36°, 25; só em circumstancias muito particulares poderá reputar-se nor- mal um pequeno desvio além d"estes limites '. O dr. Compton foi, talvez, um pouco exagerado, quando estabeleceu que a temperatura quotidiana de 99° Fah. (37°,2 c.) e acima indica sempre doença 2. Será este o resultado da observação do illustre medico em Londres; em Lisboa temos notado esta temperatura em grande numero de indivíduos de excellente saúde, e quando havia doença, esta era chronica, não febril, sem reacção sobre o organismo. As variações da temperatura são ou geraes, manifestando-se em todo o or- ganismo, ou parciaes, locaes, tópicas, limitando-se a uma região do corpo. Na esperie humana a temperatura normal osciila em torno de 37° centígra- dos no adulto. Esta temperatura representa a media normal ou antes a media das medias. A temperatura media normal do homem, indicada pelos diversos observa- dores, não é exactamente a mesma; mas as differenças são muito pequenas, o que levaria já a suppor a constância e a egualdade da temperatura humana. Assim Davy dá para temperatura physiologica 37°,33 debaixo da lingua e 37° na axilla, variando entre 36° e 37°,2, Despretz 37°,9, Roger 37°,2 nas crean- ças^ Wurtz 37°, sendo 36°, 54 quando a temperatura é tomada na axilla ^ Bá- rensprung 37°,08, Billroth 37°,5 (media de 200 observações), oscillando entre 36°,3 e 37°,9, Chisholm 36°,11 (media de 67 indivíduos), Froelich 36°,9, Li- chtenfels 36°,9 K Mignot « 37°, Robert-Latour 36°,5 a 37°5, sendo 37° a me- ' Das Verhalten der Eigenwârme in Krankheiten, pag. 5_. — Leipzig, 1868. 2 Cp. cit., pag. 3. * Op. cit. ' De la production de la chaleur dans les etres organisés, pag. 6. — Paris, 1847. ■' Op. cit., e Nouv. diction. de médecine, t. vi, pag. 763. — Paris, 1867. '' Recherches siir les phénomhies normaux et morbides de la circulation, de la calmi- cité et de la respiration chez les notwean-nés. — Paris, 1851. DE TllERMOMETRIA CLINICA 15 dia ', Maurice 36^60 -, Hardy 36°,S a 37°,5 e na primeira infância 37", I ', Compton 97^4 Fah, variando entre 9í)»,5 e 98",5*, Hirlz 36" a 38° 5, Anfrun 37» a 37»,o « Wunderlich 37», oscillando entre ^&°,2õ e 37"'50 \ Jaccoud 37°,2 a 37°,o «. O sr. Roger achou em nove creanças as seguintes medias: A' nascença 36°, 14 De 1 a 7 dias 37°,08 De 4 niezes a 6 annos 37°, 11 De 6 a 14 annos 37°,31 D'aqui se deduz a media de 36°,91, desde a nascença até os quatorze an- nos, e a de 37°, 17 ou 37°,2 desde um dia até os quatorze annos. O dr. Th. Jurgensen, tomando as temperaturas no anus, achou, em resul- tado de perto de onze mil observações thermometricas, que a media era de 37»,87, com uma differença máxima nas variações individuaes de l'',3, sendo a temperatura minima de 37°,27 e a máxima de 38°,14^ Estas temperaturas, posto que tomadas no anus, são um pouco elevadas; é pena que não possam sen"ir geralmente de guia na clinica pela difficuldade e sobre tudo repui;nancia dos doentes para a introducção do thermometro no anus. Segundo as nossas observações a temperatura media diária no adulto é de 37°,27. A temperatura não é egual nas differentes partes; é um facto provado pela observação e experiências. Mas não está deGnitivamente estabelecido o modo por que se faz a distribuição do calor nas diversas regiões do organismo. Quanto á temperatura dos órgãos internos divergem os experimentadores. Dos trabalhos de Dav}', Breschet e Becquerel resulta que a temperatura é tanto ' Des éléments physiologigues dupouls, pag. 22. — Paris, 18o2. - Des modifications morbides de la température animale. — Paris, l85o. ^ De la température animale, pag, 10. — Paris, 18o9. ' Température ia acute disease, pag. 3. — London, 1866. -' Nouv. diction. de méd- et de chir. pratiques, art. Ckaleur. — Paris, 1867. ' De la valeur diagnostic et pronostic de la température et du ponls dans gtielgio-x mnladies, pag. 9. — Paris, 1868. ■ Op. cit. ' Traité de pathologie interne, pag. 74. — Paris, 1869. » Deustcbe Archive Klinische Medic, 1863; Gaz. hehd. de Paris, pag. 606, 1868; Arch. méd. belges, pag. 411, 1869. 16 ELEMENTOS mais elevada quanto mais se approxima do centro circulatório *. Segundo Davy a temperatura das partes contidas no craneo é inferior á dos órgãos alojados na pelve; a do tronco vae augmentando das extremidades para o diaphragma, e o maximum verifica-se no ventrículo esquerdo do coração; mas segundo o sr. Cl. Bernard o sangue do ventrículo esquerdo é menos quente (0°,2 em me- dia no carneiro) do que o do ventrículo direito, sendo isto devido a que o san- gue se resfria, quando passa pelos pulmões ^. O mesmo experimentador e Wal- ferdin dão para sede do maximum de temperatura o confluente das veias cava e suprahepaticas; é ahi que o sangue attinge a sua máxima temperatura. Podem ler-se em Gavarret^os resultados das indagações d'aquelles distinctos observa- dores, os quaes dividem o corpo humano em três secções, em cada uma das quaes examinam a distribuição do calor animal. O sangue venoso seria, por toda a parte, mais quente do que o arterial, se estivesse resguardado das per- das de calor que mais facilmente experimenta pela sua situação superficial. Mas a diCferença das temperaturas dos órgãos internos não passa de fracções de grau. A temperatura do sangue arterial eleva-se da peripheria para o coração; d'onde resulta que todas as vezes que o sangue arterial aíTluir a qualquer parte da superfície do corpo, subirá ahi a temperatura, a qual tenderá a equilibrar-se com a temperatura interna e poderá mesmo excedel-a. O sangue arterial affluindo a qualquer região lhe augmentará a temperatura, não só pelo calor que traz, como pelo que desenvolve, activando os phenomenos chimicos, as diversas me- tamorphoses dos tecidos, as combustões orgânicas. É o systema nervoso o regulador do calor animal, determinando a sua pro- ducção e distribuição. É um facto deduzido das notáveis experiências do sr. Cl. Bernard sobre a secção do grande sympathico. Quando de qualquer modo o sys- tema nervoso interrompe ou suspende a sua acção sobre qualquer parte, ahi afllue o sangue, augmentam as combustões e a temperatura se eleva; quando, pelo contrario, torna mais enérgica a sua acção, os vasos se contraem, afflue menos sangue e a temperatura baixa ^. Não se infira d'aqui que seja só por pa- ralysia dos nervos vaso-motores dependentes do grande sympathico que a tem- peratura possa experimentar elevação. Médicos ha, e experimentadores distin- ctos, que admittem que os vasos recebem duas ordens de filetes nervosos, uns, cerebro-espinhaes, são dilatadores dos vasos, outros, sympathicos, são constri- ' Demarquay, Recherches expéritnentales sur la température aniwale, pag. 7. — Pa- ris, 1847. ^ JVoup. dict., t. VI, pag. 766. — Paris, 1867. ' Traité de la chaleur datis les êtres vivants. — Paris, 1856. ^ Nouv. dict., t. VI, pag. 767.— Paris, 1867. DE TIIEUMOMETIUA CLINICA 17 dores dos mesmos vasos; do equilíbrio d'esle antap;onismo d"acções resulta o estado normal dos vasos; a ruptura desle equilíbrio dará o estado anormal, produzindo-se a dilatação ou o aperto vascular segundo predominar uma ou outra acção das duas roparliçijes de nervos. EITectivamcnte, concebe-se que te- nba logar a dilatação vascular, e consequentemente maior aílluxo de sangue, maior actividade nutritiva, augmento da temperatura, ou por excitação dos ner- vos vaso-motores espinbaes ou por paralysia dos nervos vaso-motores sympa- thicos: e vice-versa a excitação d"estt'S ou a paralysia d'aquelles importará o aperto dos vasos, e consequentemente diminuição do sangue, abaixamento da temperatura. A maior parte dos pbysiologistas crê que a ectasia vascular, mesmo a consecutiva á excitação dos nervos, é sempre effeito de paralysia, suppondo que o estimulo esgota a excitabilidade nervosa, á qual succede a paralysia. Não é facto demonstrado. Em todo o caso o apparelho circulatório representa pa- pel importante na producção e repartição do calor, estando sob a dependên- cia immediata do systema nervoso. Voltaremos a este assumpto mais de es- paço. A pelle é a parte mais fria do corpo, e assim devia ser pelas perdas de ca- lor que continuamente soffre pelo contacto com corpos mais frios, pela irradia- ção e pela evaporação. Segundo o dr. Paul Bert a temperatura da pelle varia de 32° a 37". Nas regiões, em forma de cavidade, cercadas pelas partes visi- nhas e cm que o ar não se renova, é que a temperatura da pelle se encontra mais elevada, como acontece na axilla e na mão fechada. Achou Martin que a temperatnra da peripheria do corpo era : no baixo ven- tre de 28° a 30" Réaumur, no peito de 26",4 a 29°,6, na mão de 23",2 a 29°,6, no pé de IG" a 27". J. Davy notou: acima do umbigo 28", no peito 27", 1 a 27", S, na coxa 27",S, na perna 26",2 a 27", 1 e no meio da planta do pé 23",7 *. O sr. Roger classifica as dilTerentes regiões do corpo das creanças, com relação á sua temperatura, n'esta serie descendente: axilla, abdómen, boca, sangradouro, mãos e pés. A temperatura interior sobe quando a exterior desce (W. Edwards, Don- ders, Marey), e vice-versa a temperatura interna diminue quando se eleva a do ambiente. * Burdach, Trnité dj> phijsioloriic, t. O, pag. 624. — Paris, 1841. MEM. DA ACAD. — l.'' CLASSE. T. IV, P. II. i8 ELEMENTOS II MODIFICAÇÕES DA TEMPERATURA SOB A INFLUENCIA DE VARIAS CIRCUMSTANCIAS Algumas circumstancias podem fazer variar, posto que dentro de peque- nos limites, a temperatura animal. Ainda que seja alheio ao nosso assumpto o estudo de cada uma doestas influencias, cora tudo parece-nos conveniente apre- sentar aqui os resultados de algumas observações. D'estas circumstancias influen- tes as mais importantes para o. clinico são as edades e as diíferentes horas do dia, em que a temperatura pôde variar normalmente. l.° Edadfí. — O sr. Biirensprung estabeleceu a seguinte tabeliã de tempe- raturas nas differentes edades: A' nascença 37°,08 Pouco depois do nascimento 3(i",9S Nos primoiros dez dias 37°, S5 Até á puberdade 37", 63 De 13 a 20 annos 37°,39 De 21 a 30 annos 37°,08 De 31 a 40 annos 37°,11 De 41 a 50 annos 3G°,94 De Gl a 70 annos 37" ,09 Aos 80 annos 37°, 46 D'esta tabeliã deduzimos: 1." Que a tem])eratura varia mui pouco nos diíferentes períodos da vida; 2." Que logo depois do nascimento baixa a temperatura, a qual se eleva mais tarde, permanecendo quasi estacionaria até os 40 annos; 3." Que dos 41 aos 50 annos a temperatura é um pouco inferior á do periodo anterior; 4." Que dos 61 aos 80 annos a temperatura sobe um pouco, tornando-se quasi egual á dos 15 a 40 annos; 5." Que a temperatura media desde o nascimento até os 15 annos é de 37°,30 c; dos 15 aos 40 de 37°, 19, um pouco inferior (0",H) á precedente; dos 41 aos 50 annos de 36",94, inferior (0°,25) á anterior e mais baixa ainda (0'',36) do que a primeira; dos 61 aos 80 annos de 37",27, superior ás duas precedentes e inferior á primeira; dos 15 aos 60 annos de 37",10; a media ge- ral, desde o nascimento até os 80 annos é de 37",20 c. DE TllEIíMOMETRlA CLINICA 19 Segundo o dr. Ernest Lal)ht'c ' a Icniporaturn imlirada por W. Edwards para os sexagenários ò de 33" a 34°, e segundo os auctores do CoinpciuUum de médecine pratique- o mesmo observador teria indicado 35" a 36'' para os sexagenários e 31" a 33" para os octagenarios; Davy e Roger acharam na ve- Iliice uma dilTerenca, para menos, de alguns décimos de grau somente. Pôde pois considcrar-se que, segundo as observações ciladas, a tempera- tura media nas creanças é de 37'',30 c, na juventude e virilidade de 37°, 39 c, na velhice de 37°,04 c. e na extrema seneclude de 37", 17 c. A differença é pois muito pequena; pode dizer-se que a temperatura é sensivelmente egual nas diUerentes edades. O sr. A. Mignot fez sobre o calor, pulso e respiração dos recemnascidos investigações que merecem ser aqui i'eferidas. Em 14 creanças, que tinham to- das as apparencias de saúde, achou ^: Números dos casos Edade Sexo Constituição Pulsações Inspirações Temperatura 1 5 dias Masculino Forte 132 48 37°,7 2 4 dias Feminino Delgada 112 38 37»,3 3 5 dias Masculino Fraca ■ lOS 24 37°,5 4 4 dias Masculino Fraca 120 48 37°,8 5 5 dias Masculino Forte 120 28 38°, 0 6 4 dias Masculino Fraca 132 30 36°,8 7 4 dias Masculino Mediana 120 36 38M 8 7 dias Feminino Forte 132 36 37",4 9 3 dias Feminino Forte 120 33 37°,5 10 5 dias Feminino Fraca 134 38 37°,9 11 S dias Feminino Forte 132 - 38°,0 12 3 dias Masculino Forte 132 _ 37'',9 13 4 dias Feminino Forte - - 37»,6 14 5 dias Masculino Forte 132 42 37°,8 D'este quadro se collige: 1.° Que em creanças de 3 a 7 dias de edade e de differentes constitui- * Rechcrches cliniques sur les modificationx de la température et dii poids dans la fiè- vre typhoide et la variole régulière, pag. 11. —Paris, 1869. ^ T. vm, pag. 110, art. température. ' Op. cit., pag. 9. 20 ELEMENTOS ções, O maximim de pulsações foi 134 (em uma menina de 5 dias), o de ins- pirações de 48 (em um menino de 4 dias) e o de temperatura, na axilla, de 38°, 1 (em um menino de 4 dias); o minhmím de pulsações 108 (em um me- nino de 5 dias), o de inspirações 24 (em um menino de 5 dias) e o de tempe- ratura 36°,8 (em um menino de 4 dias); a media de pulsações foi 116 S a de inspirações 3G°,4^ e a de temperatura 37°, G. 2.° Que os três elementos, pulso, respiração e temperatura não variam proporcionalmente entre si, por quanto o numero, 132, de pulsações coincidiu com 48, 42, 36 e 30 inspirações, e com 37,8-37,9-38-37,4-36,8 e 37,7 graus de temperatura; o maximitm de pulsações, 134, foi observado com 38 inspiraçaes e 37°,9 de temperatura; o mimmim de pulsações, 108, coexistiu com 24 inspirações e 37°, 5 de temperatura. 3.° Que o pulso e a respiração apresentaram grandes variações não só nas differentes edades, mas também na mesma edade, em quanto que a tempera- tura variou muito pouco, sendo ordinariamente a differença de décimos de grau; apenas em dois casos (de extremas temperaturas) a differença foi de r,3. Dispondo as temperaturas segundo as edades achamos: Edadea Numero de casos Temperaturas extremas 3 dias 2 5 6 1 37°,S— 37%9 4 dias , 360,8— 38",! 5 dias . . 37%5-38'' 7 dias 37%4 Aqui se vê que a temperatura, se não foi exactamente a mesma nas mes- mas edades, pouco diíferiu, excepto na edade de 4 dias, em que a differença (r,3) foi maior. A media tbermica, achada pelo sr. Roger em creanças de 1 a 7 dias, foi de 37°,08, muito próxima da encontrada pelo sr. Mignot. A tempe- ratura pois no estado physiologico, n'aquellas edades, é phenomeno muito mais constante, muito menos variável, do que o pulso e a respiração. D'aqui se po- dia inferir já a maior importância do conhecimento das oscillações da tempera- tura nos estados palhologicos. No trabalho citado está escripto 125; suppomos que houve lapso. ' Na obra citada está escripto 3o; suppomos que houve lapso. DF, TIIKRMOMETRIA CLINICA 21 Pelas observações que temos referido, e de muitas outras refíistadas nos archivos da soiencia, não pôde ler-se por verdadeira a seguinte lei formulada pelo sr. Edwards: que a faculdade de produzir calor é, no reccmnascido, 710 seu miiiiiiunu. e que cila augmenta succcssivomente alé á edade adulta^. Segundo referem os auctores do Compaulium de nuHlecine pratique ^, o sr. Roger acliou que nas creanças o numero de respirações e de pulsações era a única circumslancia pliysiologica, que linha alguma influencia sobre a tempera- tura. Não temos por exacto este asserto, nem no estado pliysiologico nem no pa- thologico, pelo menos do modo absoluto, com que é enunciado; as variações da temperatura são, geralmente, acompanhadas de modificações correspondentes na circulação e na respiração, mas não estão na dependência immediata e rigo- rosa d"estas duas grandes funcções; quando se apreciam comparativamente a temperatura, o pulso e a respiração nos seus pormenores aquella relação falta, encontram-se numerosas excepções, variando a temperatura independentemente do pulso e da respiração, e vice-versa. Mais avisado andou o sr. Paul Bert, quando no Nouveau dictioniiaire de médecine et de chirurgie pratiques ^ escreveu que, sendo a maior parle do ca- lor animal devida as oxydações lentas, consecutivas á absorpção do oxygenio do ar, a intensidade da respiração está em relação directa com a temperatura, e que podemos, sans craindre dlntroduire des causes notablcs d'errcur, medir as variações deste ultimo phenomeno pelas do primeiro. Mas, note-se bem, só muito em geral podemos ter por verdadeira esta proposição, a qual, em mui- tas circumstancias, e muito principalmente no estado mórbido, oflerece nume- rosas excepções, e nunca aconselharíamos que se julgasse da temperatura ani- mal pela intensidade da respiração. No decurso d'este escripto, e particular- mente na thermometria clinica especial, encontraremos a demonstração cabal do que asseveramos, As experiências do dr. Liebermeister podem ser adduzidas em abono d'esta asserção, porquanto mostraram que a maior actividade da respiração não augmenlava, no homem, a temperatura*. Notaremos, finalmente, que os recemnascidos resfriam-se com facilidade, se não são cercados de vestidos que os agasalhem, e que resistem facilmente á asphyxia; estes phenomenos são ainda mais notáveis segundo observou Davy, quando as creanças vieram ao mundo antes do termo. Na senectude é também fácil o resfriamento, e por isso muito convém manter os velhos em boas con- dições de temperatura pela atmosphera ambiente, pelos vestidos, etc. ' Mignot, op. cit., pag. 13. ^ Art. tempéiatiire, t. 8, pag. 110. 5 T. VI, pag. 749. — Paris, 1867. * Nouv. dict. de mêd. et de chir. pratiques, t. vi, pag. 761. 22 ELEMENTOS 2.° Hora da observação. — É muito importante o assumpto de que nos va- mos occupar, peia determinação das horas do dia em que mais convenha tomar a temperatura, e meliior se possa julgar das modificações d'esta com relação ao estado physioiogico e pathologico. A temperatura animal não permanece sempre a mesma nas difíerentes ho- ras do dia e da noite; teem as observações e experiências mostrado que a tem- peratura augmenta durante o dia e diminue no decurso da noite. Segundo Chos- sat, a amplitude d"esta oscillação não passa de 0^74; segundo Ogle o desvio médio é de 0°,9 em 24 horas, segundo Bãrensprung pode elevar-se a r,l2, e segundo P. Ladame a i°,2. Estas oscillações são independentes da temperatura exterior, do somno, da alimentsição e do repouso. Pretendendo precisar mais as variações da temperatura nas differentes ho- ras do dia, o dr. Bãrensprung resumiu na seguinte tabeliã os resultados de suas observações feitas no adulto: Pela manhã, antes do almoço, entre S e 7 horas. . .36", 09 Pela manhã, depois do almoço, entre 7 e 9 horas. 37", 19 Antes do meio dia, entre 9 e 11 horas 37°, 26 Antes do jantar, entre 1 e 2 horas 36°, 84 Depois do jantar, entre 2 e 4 horas 37°, 16 A' tarde, entre 4 e 6 horas 37°,49 A' tarde, entre 6 e 8 horas 37", 44 Depois da ceia, entre 8 e 10 horas 37°,03 Antes do deitar, entre 10 e 12 horas 37", 3S Depois do deitar, entre 12 e 2 horas 36", 63 Depois do deitar, entre 2 e 4 horas 36°, 31 D'esta tabeliã deduzimos: 1." Que a temperatura máxima do adulto se verifica á tarde algumas ho- ras depois do jantar, das 4 ás 8 horas (sendo a media de 37'',46) ou antes, das 4 ás 6 horas (37°,49), e a minima depois da meia noite, das 2 ás 4 horas (3G'',31) e depois, das 12 ás 2 horas (36",6o), e pela manhã cedo das 3 ás 7 horas, antes do almoço (36'',69), sendo a temperatura media desde a meia noite até as 7 horas da manhã de 36'',55. 2." Que depois da temperatura máxima da tarde (das 4 ás 6 horas ou em media pelas 3 horas) ha na manhã também uma temperatura máxima (37",26), que se observa algumas horas depois do almoço, das 9 ás 11 horas. Ha pois duas temperaturas máximas no dia, sendo uma de manhã e outra de tarde (al- gumas horas depois das respectivas comidas), e duas temperaturas mínimas, uma de manhã e outra de tarde, assim representadas : DE TllERMOMETRIA CLINICA 23 Maximnm da tarde (das 4 ás 6 horas) 37°, 49 Ma.rimiim da maiiliã (das 9 ás 11 horas) 37'\26 Miuimnm da lardc (das 8 ás 10 horas) 37", 03 Miitiiiuim da manhã (das 5 ás 7 horas) 36°,69 3." Que considerada em geral a temperatura vae augmentando desde a manhã (7 horas) até á meia noite, experimentando um ligeiío abaixamento an- tes do jantar. 4." Que a temperatura decresce sensivelmente desde a meia noite até ás 5 horas da manhã, em que começa a elevar-se um pouco até o ahiioço, época em que sohe nolavehiienle até 2 a 3 horas depois d"este, para mais tarde des- cer um pouco. Resultados análogos colheu o sr. Mantegazza de suas observações, indi- cando duas máximas, uma pelas 10 horas da manhã e outra pelas 5 horas da tarde '. Mas nem todos os observadores estão inteiramente de acordo sobre este ponto. Segundo William Ogle, citado pelo sr. P. Bert, ha, nas vinte e quatro horas, só uma temperatura máxima, que se verilica pelas 7 horas da tarde: tcn- do-se porém posto o physiologista inglez em completo repouso todo o dia, achou em si dois máxima, o primeiro ã uma hora e o segundo ás 5 horas da tarde; admitte também W. Ogle que além da elevação diurna ha uma diminuição ou queda nocturna, que é accelerada pela ingestão do vinho e retardada ou enfra- quecida pelo chá. O sr. Paul Bert inferiu dos factos, de que tinha conhecimento, que a me- dia da temperatura diurna tem logar pelas 10 horas da manhã. O sr. Labbée indica dois máxima, independentes da digestão e do somno, notando que a temperatura das 10 horas da manhã e a das 6 horas da tarde representam cora bastante exactidão as medias da temperatura diária, e por isso escolheu estes dois períodos do dia para as suas observações thermonietricas ^. Em attenção ás oscillações diurnas da temperatura teem os observadores escolhido dado período do dia para a determinarem; uma única medição ther- mica diária não basta, porque assim não se podem conhecer as variações da temperatura no decurso do dia, o que é essencial sobretudo em certas doenças para o seu diagnostico exacto e para a therapeutica. De ordinário os observa- dores tomam a temperatura duas vezes por dia, e é suíTiciente, uma pela ma- nhã e outra á tarde, não estando todos accordes na hora que se deve preferir para este exame. ' Novv. dict. de méd. et de chir. pratiques, l. vi. — Paris, 1867. ^ Op. cit., pag. 11. 24 ELEMENTOS O sr. Duelos, que adopta e aconselha a pratica do dr. Bârensprung, diz todavia, sem razão a nosso ver, que nas doenças chronicas e na convalescença basta uma única observação thermometrica, feita depois do meio dia '. Parece- nos conveniente fazer duas observações diárias pelo menos, porque mesmo n'es- tes casos pôde haver accessos e remissões, que não seriam denunciados por uma única observação diária. O sr. Maurice prefere tomar a temperatura das 8 ás 9 horas da manhã e das 4 ás 5 horas da tarde; o sr. Labbée das 10 Y2 ás H horas da manhã e das o ás 6 horas da tarde; o dr. Anfrun das 7 ás 9 da manhã e das 5 ás 6 da tarde; o dr. Jaccoud das 7 ás 9 da manhã e das 5 ás 7 da tarde ; o dr. Zorn pelas 8 da manhã e pelas 5 da tarde. O dr. Th. Jurgensen, tomando a temperatura no recto, inferiu de perto de onze mil observações thermometricas, feitas em 41 dias; 1.°, que a curva thermica pode dividir-se em dois períodos para um nychthemero, um pe- ríodo ascendente ou temperatura diurna e outro descendente ou temperatura nocturna, durando o primeiro 13 horas e 50 minutos, e o segundo 10 horas e 10 minutos; 2.", que a media da temperatura diurna é de 38° c, com oscilla- ção, positiva ou negativa, de um grau, sendo a media da temperatura nocturna de 37",6, com oscillação, para mais ou para menos, de um decimo de grau; 3.", que o maximiim da temperatura diurna é de 38'',4, veriticando-se tanto en- tre 1 e 3 horas, como entre 7 e 9 horas da tarde, e que o minimum da tem- peratura nocturna é de 37'',4, verificando-se entre 4 e 7 horas da manhã; 4.", que a media geral (no anus) é de 37°, 87 '. Em os nossos registos thermometricos, sphygmometricos e pneometricos temos indicado quatro períodos no dia para as observações, a saber: das 6 ás 7 6 das 10 ás 11 horas da manhã, das 3 para as 4 e das G para as 7 horas da tarde, e quando as observações são simplesmente biquotidianas, adoptámos o 1.° e o 3." períodos, ou o 2." e 4." períodos, como adiante veremos. Deste modo parece-nos que temos obtido as variações prlncipaes da temperatura e in- dicado os seus máxima, mínima e media no decurso do dia. Mas temos va- riado o numero e as épocas das mensurações thermicas segundo as doenças e o fim especial que levámos em vista. Acontece que, tanlo nas doenças agudas como nas chronicas, os accessos se manifestam a hora diíTerente ou muitas vezes no dia, ou com intervallos de dias, circumstancias estas que, pela sua importância no diagnostico, prognos- tico e therapeulica, devem ser apreciadas pelo clinico que pretender tirar todo o partido da thermometria. O preceito que se pôde estabelecer, em geral, é repetir tantas vezes no ' Op. cit., pag. 27. 2 Deustche Archiv f. klinische ■niedic, 1863; e Ga:, hebd., pag. 606, 1868. DE TIIEHMOMETRIA CLINICA 25 dia a observação ihermometrica quantas forem precisas para conhecer os extre- mos da temperatura nesse dia e determinar d'este modo o rhylhmo da febre. Assim, para distinguir a pyemia da febre intermittente por meio do therrnome- tro é preciso tomar a temperatura muitas vezes no dia, de duas em duas ho- ras em algumas occasiões. Para apreciar rigorosamente o curso da temperatura da febre intermittente, temos conservado permanente o thermometro na axilla e notado successivamente todas as oscillações da temperatura ou somente de 5 em 5 minutos, ou de '/i em '/4 de hora, além de colhermos os resultados da applicação de outro thermometro sobre vários pontos da peripheria do corpo. O dr. Griesinger observou um doente com febre typhoide no segundo período, em que o thermometro marcava pela manhã 37°, 3 e á tarde 38",2, em quanto que ao meio dia a temperatura se elevava a 39°, 6 '. Casos d"estes não são muito raros, e mostram a necessidade de multiplicar os exames thermome- tricos. Em geral basta para o clinico o exame biquotidiano da temperatura; quando não ha febie as duas temperaturas, a da manhã e a da tarde, dilTerem apenas em décimos de grau e a media d'ellas representa a temperatura media do in- dividuo; quando porém ha febre, a primeira exprime, ordinariamente, o periodo de remissão da temperatura e a segunda o periodo da sua maior exacerbação, e assim se obtém o ma-ximum e o miniinum da temperatura no decurso do dia no estado febril. Diremos duas palavras acerca da influencia de algumas outras circuraslan- cias sobre a temperatura do corpo. 3." Temperatura ambiente; climas; estações. — J. Davy, tomando a media dos resultados thermometricos que elle colhera em sele indivíduos passando por latitudes diversas, achou que a temperatura se elevava de um grau na região tro- pical. Mas os observadores não estão inteiramente de accordo a este respeito. W. Edwards não encontrou differença na temperatura dos animaes de sangue quente (ou antes de temperatura flxa) no estio e no inverno. Os srs. Becquerel e Breschet verificaram que a passagem das planícies para as montanhas, e re- ciprocamente, não importava modíQcação alguma na temperatura do corpo, e que a habitação, prolongada por annos, nas altas regiões dos Alpes não modi- ficava de modo apreciável a temperatura do homem. Talvez que esta pequena divergência de opiniijes proceda do modo por que se effectuou a mudança de clima. É provável, como adverte o sr. Wurtz, que quando a passagem se fizer lentamente, a economia se vá dispondo, se prepare, achando em si recursos que lhe permitiam manter a sua temperatura, em quanto que o contrario tenha logar quando a transição for rápida. ' Op. cit., pag. 220. ME.M. DA ACAD. — 1 .^ CL.\SSE. T. IV, P. 11. 4 26 ELEMENTOS Entre os phenomenos, que constituem o mal das montanhas ', indica-se o abaixamento da temperatura durante a marcha e o seu regresso ao grau nor- mal durante o repouso. O dr. Lortet, que subiu nos dias 17 e 26 de agosto do corrente anno (I8G9) ao mais alto pico do monte Branco e verificou em si aquelie phenomeno, attribue, como Gavarret, o resfi'iamento á insntliciencia das combustões internas, as quaes, para manter a temperatura, têem de lutar si- multaneamente contra o frio exterior e contra a perda de calor transformado em trabalho mechanico. Mas admitlida que seja a differença da temperatura com os climas e esta- ções, ella veriflca-se sempre dentro de limites muitos estreitos. Parry e Back observaram que a temperatura.de certos mammiferos nas regiões árcticas, em que o thermometro descia a 35" abaixo de zero, se mantinha ainda superior a 40"; segundo Delisle, citado por P. Bérard, o homem tem podido viver em uma temperatura de 46" abaixo de zero; Parry expoz-se muitas vezes, em a sua celebre viagem, a esta temperatura ambiente, sem que a sua tivesse baixado sensivelmente. Os habitantes da Groenlândia, os viajantes que exploram os ge- los polares, podem elevar a temperatura do seu corpo a ponto de ser apenas inferior á dos negros que percorrem os desertos abrazadores da Africa"^. 0 homem pôde tolerar temperaturas exteriores muito altas. Blagden notou a conservação da temperatura normal em indivíduos postos em logar aquecido á temperatura da agua ebulliente; Dobson observou egual phenomeno em tem- peraturas ainda mais altas. Tillet e Duhamel viram, em 1760, uma rapariga, filha de um padeiro, entrar e demorar-se por doze minutos em um forno, cuja temperatura elles avaliaram em 128" 3. Delaroche e Berger, que, com Banks, Fordyce e Dobson ', conílrmai^am a observação craquelles dois académicos, mar- caram o limite de 45", no ar secco, como compatível com a vida dos animaes vertebrados, por certo tempo, limite que todavia pôde ser excedido, sendo por pouco tempo a exposição do individuo a essa temperatura. Berger supportou por sete minutos o calor de 109", 48. Em resultado das suas recentes experiências, o dr. Richardson estabeleceu que a vida de um animal não pôde manter-se, quando a temperatura excede a normal em mais de 11" ou 12"; que a grande elevação de temperatura coagula o sangue, tendo os coágulos aspecto semelhante ao dos encontrados em certos 1 Estes phenomenos consistem principalmente na oppressão e acceleração da res- piração, frequência e pequenez do pulso, fadiga muscular, inappetencia, cephalalgia occipital, náuseas, somnolencia, mal estar geral, etc. * Wurlz, op. cit., pag. 12. ^ Mcmoires de Vacadémie des sciences. — Paris, 1764. ■* Transact. philos.; 177o. DE TllERMOMF.TRIA CLINICA 27 casos palliologicos. Achou mais o mesmo experimentador que o ar ozonisado elevava a temperatura a ponto de dar a morte, produzindo-se phenomenos analofjos aos da iniialação do ar quente. Muito mais dillicil é supportar as altas temperaturas húmidas. Delaroche não pôde estar por mais de dez minutos e meio cm um hanho de vapor de 5r,23, e é já impossível tolerar os banhos de agua á temperatura de 40° a 43° *, e não consta que alguém tenha podido estar em uma estufa saturada á temperatura do o3'\ Nestas altas temperaturas o calor próprio do animal eleva-se, mas muito pouco, relativamente á temperatura exterior. A razão d'esta resistência tão grande está em um piíenomeno physico, já assignalado por Franklin; é a transpiração cutânea, que, cobrindo o corpo de suor, o resfria continuamente. 4.° Exercido muscular. — O trabalho muscular desenvolve calor. Os srs. Becquerel e Breschet allirmani que, quando um musculo se contrahe, ha au- mento da sua temperatura, cerca de um grau. llunler notou que durante o somno a temperatura baixava 1 '/a grau Fah. ^. Mas a temperatura geral pouco se affecta com o movimento pelas perdas devidas á evaporação tanto pulmonar como cutânea; a temperatura local pôde experimentar, segundo as observações de J. Davy^ diíferenças muito maiores. Assim, no homem achou: Nos pés Nas mãos Debaixo da lingua Nas urinas O dr. Bãrensprung inferiu de suas observações que o somno não faz va- riar a temperatura do homem, talvez por este se achar resguardado das influen- cias que favorecem a perda do calor. 5.° Alimentação. — É geralmente reconhecida a pouca influencia immediata da alimentação sobre a temperatura do corpo; a insuíTiciencia de alimentos e a inanição fazem baixar a temperatura, mas só depois de decorridos alguns dias; a oscillação diurna do calor augmenta progressivamente até que o resfriamento seja tal (jue obste á reacção durante o dia, e que o animal esteja prestes a succumbir de frio. Em as suas interessantes experiências sobre a inanição, o sr. Chossat notou que pombos submettidos ao repouso e jejum forçados se resfriavam progressiva- ' Wurlz, op. cit., pag. 1-3. '' Compcndium de méd. pratique, art. températwe. ' Nouv. dict. de méd. et de cliir. pratiques, t. vi. — Paris, 1867. Aates de andar Depois de andar 21%4 3G°.2 27°,2 35»,8 36°,7 37°,7 37°,8 38", 3 28 ELEMENTOS mente e pereciam depois da sua temperatura ter descido de 42" a 26° '. Os drs. Froelicti e Lictenfels notaram que as oscillações thermometricas, que ordinaria- mente têem logar no decurso do dia, permaneciam as mesmas, apesar da dieta e do repouso. Por tanto pôde dizer-se que a alimentação insufficiente e a absti- nência, por pouco tempo, pequena ou nenhuma influencia têem sobre a tempe- ratura geral nas condições ordinárias em que vive o homem; mas que a insufli- ciencia e mais ainda a falta de alimentação, sendo prolongadas, fazem baixar a temperatura. 6." Constituição; temperamento; sexo. — Estas condições individuaes pouco ou nada fazem variar a temperatura animal. A influencia do sexo não está bem de- terminada ; com tudo muitos observadores, a maior parte talvez, são de parecer que a mulher produz menos calor do que o homem, donde resulta a sua menor resistência ao frio \ Das investigações de Paul Bert resulta que, quaesquer que sejam as condições em que se ache o individuo, a temperatura do corpo, no es- tado de saúde, não varia nunca mais de um grau ^. Remataremos este capitulo com o resultado de nossas observações thermo- metricas, em numero de 280, feitas a diversas horas do dia em individues sãos e de edade de nove a sessenta e cinco annos. As horas da medição thermica foram 5, 7, 9, 10 e 11 da manhã, e 2, 4 e 8 da tarde. No quadro seguinte apresentámos as temperaturas máxima, minima e media, achadas em cada uma d'estas horas, e também a temperatura media geral ou a media diária de todas as observações thermometricas. Horas das observações Temperatura Media geral A's 5 da manhã A's 7 . A's 9 . . As 10 » . A's 11 » » A's 2 da tarde. . A's 4 » » . . A's 8 » » . . 36°,81 37°,04 37°,32 37°,35 37^36 37°,42 370,42 37°,36 37°,27 ' fíecherches expérimentales sur rinanition. — Paris, 1843. ^ Hardy, op. cit., pag. 17. ' Nouv. dict. de méd. et de chir. pratiques. — Paris, 1867. DE TIIERMOMETRIA CLINICA 29 Convém advertir: 1.", que a temperatura de 37'',8 foi raramente encontrada, e muito mais rara ainda foi a de 21", 9; 2.", que todos os individues a que se refere este quadro almoçavam pelas oito horas, jantavam do meio dia para uma hora, e ceavam pelas sete lioras. Notaremos ainda no quadro seguinte o resumo de nossas investigações so- bre a temperatura local. Como alguns observadores aconselham que se cubra com algodão a superlicie livre do reservatório do ihermometro, empregámos este processo em metade, pouco mais ou menos, das medições ihermicas, conservando descoberto o reservatório nas restantes observações. No mesmo quadro acham-se extremados os resultados obtidos pelos dois processos para se apreciar a sua influencia sobre a temperatura. Partes exploradas Cabeça Thorax Epigaslro . . . Hypogaslro . Sangradouro Coxa Poplex Planta do pé. Temperatura Media 36°,05 35°,74 35°,60 34»,55 36°,01 35°,21 36°,43 35°.30 36°,33 36°,16 35°,86 35°,7S 35»,98 35%92 33°,52 32°,70 Media geral s 35°,92 3b°,20 35°,66 35«,94 36°,2() 35°,81 35°,95 33»,20 ■ Os números superiores dos relativos a cada parte representam as tempe- raturas achadas com o thermometro, cujo reservatório tinha a superfície externa coberta com algodão. Em os nossos registos thermometricos, d'onde extrahimos estes resultados, acham-se mencionados o dia, mez e anno, em que foi feita cada uma das ob- servações, assim como a edade, sexo e constituição de cada um dos indivíduos submettidos ao nosso exame. 30 ELEMENTOS CAPITULO II Thermoraetro; suas condições; modo de applicacão; partes do corpo preferíveis; registos tliermometrieos, spbjgmoiiielricos e pneonietricos I THERMOMETRO ; SUAS CONDIÇÕES; VANTAGENS RELATIVAS É O thermometro o instrumento geralmente empregado para determinar a temperatura do corpo. Os apparelhos thermometricos, de grande precisão, não conseguiram desenthronisar o thermometro, que para as exigências da clinica é muito sufficiente. A avaliação da temperatura com a mão é, dissemol-o já, um methodo vi- cioso, uma fonte de erros; pôde a pelle estar quente, e o medico não apreciar a elevação de temperatura, e vice-versa; todavia a mão em muitos casos dá conhecimento, postoque superficial, apenas approximado, da temperatura, ha- vendo o cuidado de a applicar sobre as partes habitualmente cobertas. Seria inopportuno descrever aqui o thermometro e as modificações por que tem passado; damos por matéria sabida. Comtudo faremos menção dos princi- paes, dizendo duas palavras sobre a sua construcção mais vantajosa para os usos clínicos. O thermometro deve ser um instrumento facilmente portátil e sufficiente- mente solido, tendo a haste ou tubo o comprimento necessário para admittir uma escala desde vinte até cincoenta graus, e em que cada grau seja dividido, bem legivelmente, em cinco ou em dez partes. O reservatório deve ter a exten- são adequada, com meio centímetro \ pouco mais ou menos, de diâmetro. Quando o reservatório é muito pequeno, restringem-se os pontos de contacto, e ás ve- zes não se ajusta bem ás parles; quando é grande torna-se o instrumento me- nos sensível. A forma do reservatório não é indifferente; para tomar a temperatura na axilla e no recto a forma cylindrica é a preferível; o dr. Wunderlich julga melhor para a axilla a forma espherica, mas se o reservatório for cilíndrico, deverá ter pequena altura, approximando-se da forma espherica; para o anus e para a vagina prefere a forma cónica. Parece-nos que o reservatório cy- * O dr. Wunderlich considera ^ a J de centímetro como o mais apropriado; acon- selha o mesmo medico que o reservatório seja de metal. DE TIIKRMOMETRIA CI.INIC.V 31 liiiilrico, pequeno em altura e em diâmetro, e de vidro pouco espesso, serve muito bem para a exploração da temperatura iraipicilas regiões e nas demais partes. O reservatório achatado seria melhor para tomar a temperatura das su- perlicies, ás quaes se applicaria commodamenle, mas o reservatório cylindrico satisfaz plenamente. Dissemos que a escala thermometrica devia estender-se de 20 a 50 graus, para que o instrumento seja completo, applicavcl a todos os casos das varia- ções da temperatura humana. É verdade que o dr. Ilirtz em o seu excedente artigo sobre a temperatura animal ' allirma que a temperatura máxima do ho- mem (mesmo no estado pathologico) não attinge nunca 45° e não desce abaixo de ;!0"; porém o dr. Wunderlich viu a temperatura elevar-se, pouco depois do óbito, em um tetânico, a 45",25, e o dr. Mignot notou i23° em casos de escle- rema. É preciso pois contar com estes extremos. A condição essencial é que o ihermomefro seja exacto e muito sensível, para o que convém afTeril-o, de quando em quando, por um thermometro pa- drão, e que seja dividido distinctamente em quintos, ou, ainda melhor, em dé- cimos de grau. São muitos os thermometros empregados nas clinicas nos diversos paizes. Uns são rectos, outros curvos, de álcool ou de mercúrio. Os thermometros de Leyser, fornecedor da universidade de Leipzig, de Giesler, de Jobert Latour, os de Fastré, os construídos pelo sr. E. Rousseau, de Paris, de Alverniat, satis- fazem ás exigências ordinárias da clinica. Os thermometros que tèem a escala traç;ida no vidro são ás vezes de difficil leitura, o que não succede quando a escala é feita em marfim. O (Ir. Jobert Latour mandou construir um thermometro curvo a angulo recto, formado por conseguinte de dois ramos, dos quaes um, horisontal, con- tém o reservatório de mercúrio, e o outro vertical, é munido de uma escala so- bre marfim"^. O sr. Potain apresentou á socíété médicale des hôpitaux de Paris, em ses- são de 13 de dezembra de 18G7, uma serie de thermometros de álcool, de que se servira na clinica, e que foram successivamente aperfeiçoados pelo sr. Fas- tré segundo as suas indicações. Temos empregado um d'estes thermometros, ultimamente fabricado por este constructor; é da grossura de um lápis ordiná- rio, de 12 centímetros de comprimento, com a escala de 33" a 43", dividida em f|uintos de grau, bastante espacejados, de modo que podem marcar-se muito approximadamente décimos de grau. Este thermometro assas sensível, muito ' Nouveau dictionnaire de médecine et de chirurgie pratiques, t. vi, pag. 774. — Pa- ris, 1807. - Dcs éléments plnjsiolofjiques du pouls, pag. 23. —Paris, 18.^2. 32 ELEMENTOS portátil e suíBcientemente solido, reúne a vantagem de ser bem visível a co- lumna thermometrica pela côr do liquido; oíTerece porém o inconveniente de ter a escala pequena e de desarranjar-se facilmente. O sr. dr. Jaccoud, preferindo com razão os thermometros de mercúrio aos d'alcool pela sua maior precisão e ausência de divisão frequente da columna liquida em segmentos isolados, mandou ultimamente construir ao sr. Fastré thermometros de 16 centímetros de comprimento, três dos quaes pertencem ao reservatório. A escala graduada contém 10 graus (de 33° a 44"), sendo cada um d'estes dividido em décimos, podendo apreciar-se vigésimos de grau. Entre a extremidade superior do reservatório e o grau mais baixo da escala ha um es- paço não graduado de 4 centimetros, pelo que toda a escala fica fora da axilla, sendo por isso facílima a sua leitura *. É uma imitação dos modelos allemães. Para os usos ordinários da clinica é excellente, mas quando a temperatura for inferior a 35", como succede no esclerema, ou para a medição da temperatura de certas partes periphericas, este instrumento será insufficiente. O sr. Hérard apresentou á sociélé médicale des hôpitaux de Paris, em sessão de 27 de março de 1868, um thermometro de máxima em todas as direcções e de bolha de ar permanente, construído pelos srs. Alvergniat & Irmãos, segundo as in- dicações do sr. Mederkorn, estudante de medicina. É um thermonieli-o de mercú- rio com a escala de 34° a 42°, gravada sobre o vidro, sendo cada grau subdividido em décimos, e a columna mercurial dividida por uma bolha de ar mui fina, a qual deixa acima a fracção do mercúrio, que serve de index. Quando o index está abaixo da temperatura da parte que se pretende explorar, pôde applicar-se logo o instrumento; mas quando o index se acha em um grau superior, é preciso fazel-o descer previamente, o que se consegue por meio de pequenos choques impressos ao thermometro, seguro com uma mão percutindo sobre a palma da outra mão. Depois de applicado o instrumento pelo tempo conveniente, reti- ra-se e vê-se o index fixo, pela adherencia capillar, ao grau mais alto da tem- peratura a que chegou. Este thermometro offerece a vantagem de conservar a in- dicação da temperatura da região explorada, e poder-se d'este modo fazer a sua leitura mais tarde, o que é útil principalmente na clinica particular, aonde ás ve- zes é ditlicil vencer a nimia susceptibilidade do pudor; os próprios doentes po- dem introduzir o thermometro no recto, na vagina, e retiral-o depois para lerem o grau de temperatura ou esperar a visita do medico, que fará a leitura do instru- mento. Tem este thermometro o inconveniente de exigir frequentemente o abai- xamento do index pelas percussões já mencionadas, as quaes dividem muitas vezes a columna mercuiial em muitas fracções, que formam outros tantos Índi- ces, sendo então necessário para restabelecer a integridade da columna, sub- ' Tiaiíe de pathulogie interne, t. l"', pag. 70. — Paris, 186i). BE TIIURMOMETRIA CLINICA 33 mctlor o Ihermomctro ao movimento do rotação rentrifuga; demais, a escala tliermomctrica, sufficiente para os usos ordinários da clinica, é pequena para todos os casos. O thermometro adoptado, segundo diz o sr. dr. Anfrun ', pela escola de medicina de Paris, e ao qual elle dá a preferencia, é de álcool, recto, de reser- vatório cylindrico e com a escala dividida em quintos de grau. Possuímos um d'estes thermometros ; tem 14 '/a centimetros de comprimento e 5 millimetros de diâmetro, é bastante sensível e solido, e com a escala medindo de 27° a 50°; mas é de difficil leitura, e a columna mercurial quebra-se frequentemente, indo a fracção de mercúrio occupar a ampola superior, sendo por isso preciso sujei- tar o instrumento á rotação centrífuga. Ha dois thermometros que trazem o nome de Celsius (escala centesimal), um curvo e outro recto; são os mais perfeitos, de que temos feito uso em as nossas explorações therraicas; são de mercúrio, reservatório cylindrico, de lei- tura facílima, de escala extensa, muito sensíveis e sólidos; são porém mais vo- lumosos do que os pequenos thermometros, que temos descripto, mas ainda fa- cilmente portáteis, sobre tudo o recto. O thermometro curvo de Celsius consta de dois ramos, tendo o ramo ver- tical a escala que se estende de 0° a 53° c, com divisões muito distinctas de quintos de grau, podendo-se apreciar approximadamente décimos de grau. O thermometro recto de Celsius, que comprámos em 1864 em S. Peters- burgo, é mais pequeno do que o ramo vertical do thermometro curvo e o seu diâmetro metade do d'este, sendo a escala, que comprehende o espaço de 22° a 45°,4, dividida mui claramente em décimos de grau. É a este thermometro que damos a preferencia pela sua sensibilidade, precisão, fácil leitura e conser- vação; de emprego quotidiano em o nosso serviço clinico do hospital, ainda não experimentou até hoje a menor alteração. Conhecemos mais dois thermometros de Celsius, ambos rectos, construí- dos por Leyser, de Leipzig. Um, que temos já empregado em muitos doentes, marca quintos de grau desde 20° até 46°,4; a escala toda estende-se de O a 46°,4, mas de O até 20° os graus não são subdivididos em fracções. Este ther- mometro tem de comprimento 20 V2 centímetros e de diâmetro 12 millimetros; o reservatório é espheríco, como aconselha o dr. Wunderlích, de Leipzig, tendo de diâmetro 8 millimetros. O outro thermometro diflere d'este em ser mais com- prido, ter reservatório cylindrico e marcar décimos de grau desde 0. São am- bos muito sensíveis; mas preferimos o que comprámos em S. Petersburgo • De la valeur diagnostique et pronostique de la tempêrature et du poiãs, pag. 5. -Paris. 1868. MEM. DA AGAD. — 1.^ CL.\SSE. T. IV, P. II. 5 34 ELEMENTOS por ser muito mais fácil a sua leitura. É muito barato o primeiro thermome- tro de Leyser, pois custa apenas 4 francos (720 réis). Seguindo o exemplo de bons observadores, temo-nos servido para o mesmo doente do mesmo thermometro, para evitar qualquer differença ou causa de erro, que possa provir da diversidade dos instrumentos. Para os exames clínicos, relativos ao curso das doenças, ao seu diagnostico e prognostico, bastam os tbermometros, de que temos tratado, e por isso não descreveremos o de Walferdin, que mede centésimos e millesimos de grau, nem o thermographo do dr. Marey, que indica e regista as temperaturas. U PARTES A QBE SE APPLICA O THERMOMETRO ; SUA PREFERENCIA A todas as partes do corpo se pôde applicar o thermometro para lhe me- dir a temperatura. Mas quando se trata de avaliar a temperatura geral, diver- gem os médicos sobre qual seja a região mais adequada para este fim; a axilla, a mão fechada, a boca, a vagina e o recto têem sido as partes geralmente es- colhidas para as observações thermometricas. A axilla é, com razão, a parte preferida, salvo circumstancias especiaes, porque reúne á facilidade e commodidade da apphcação do thermometro sufi- ciente grau de precisão; situada perto do centro do corpo, garantida da perda de calórico pelo braço approximado do tronco, a axilla oíTerece effectivamente vantagem sobre todas as outras partes. A observação pôde ser feita ahi sem fe- rir o pudor ainda o mais delicado. Na boca o thermometro dá resultados variáveis e pouco precisos pelas cor- rentes de ar, que de continuo entram e saem pelas fossas nasaes, ainda que o reservatório do instrumento seja collocado debaixo da lingua e os lábios este- jam bem applicados em torno da haste. Alguns doentes recusam-se a receber na boca o thermometro que é introduzido em outras cavidades; além de que em alguns casos é impossível esta exploração na boca pela difQculdade ou im- possibilidade da respiração pelo nariz, condição indispensável no exame ther- mometrico d'aquella região. A temperatura da mão cerrada sobre o reservatório do thermometro é, em geral, inferior á temperatura animal, além de estar sujeita ahi a muitas varia- ções. A vagina e o recto são partes que pouco se prestam aos repetidos exames thermometricos; além de incommoda a introducção do thermometro nestas ca- vidades, é ordinariamente repugnante para o doente e para o medico, e a tem- DE THERMOMETRU CLINICA 35 peratura varia com a profundidade a que chega o instrumento, o que fora já no- tado por Hunler '. Com tudo casos lia, em que se torna necessária a inlroduc- ção do thermometro no anus, o que se verifica por vezes nos recemnascidos, nos individues nimiamente prostrados, nos cholericos, e segundo o dr. Hirtz também nos agitados, o que nos parece ser muito mais diíHcil. Em todo o caso é condição essencial que o reservatório do tliermometi'o tique todo introduzido no canal. Em as nossas observações clinicas a temperatura do corpo foi medida, du- rante certa época, na boca, palma da mão fechada e na axilla, como objecto de estudo e de comparação ; depois restringimos o nosso exame thermometrico á axilla. Para o estudo comparativo da temperatura de diversas partes da peri- pheria temos applicado o thermometro na cabeça, thorax, epigastro, hypogas- tro, sangradouro (estando o antebraço em grande flexão sobre o braço), meio da face interna da coxa, poplex (estando a perna em forte flexão sobre a coxa) e planta do pé, para o que construímos o seguinte registo thermometrico. B 3 5 a Cabeça Peito Ejiigas- tro HyiJO- gastro Sangra- douro Poplex T. Coxa Planta do pé M. T. M. Em casos especiaes e com fins determinados, temos feito applicação do thermometro a outras partes do corpo. Pelo que levámos dito se vè que nos casos ordinários da clinica é a axilla a parte preferível para determinar a tempe- ratura geral do corpo. Para a avaliação da temperatura local o thermometro será applicado sobre a parle que se pretende explorar debaixo d'este ponto de vis- ta, depois sobre a parte congénere, se a ha, e na axilla. D'este modo não só se 1 Achou este medico que sõ quando o thermometro chegava ao nivel do bolbo da uretra é que revelava a temperatura geral do corpo (Forget, Be Vinfluence que ks mnla- dies exercent sur la chaleur anmak: pag. 10. — Paris, 1832). 5. 36 ELEMENTOS conhecerá qual seja a temperatura da parte, mas também a sua relação com a temperatura geral e a da parte homologa. m MODO DE APPLICAR O THERMOMETRO ; PRECAUÇÕES QUE SE DEVEM TOMAR ; QUANDO SE DEVE FAZER A NOTAÇÃO DA TEMPERATURA Nada ha mais fácil do que a applicação do thermometro, quando se tem adquirido o habito de manusear- este instrumento. Todavia é preciso tomar cer- tas precauções para que se obtenha a verdadeira temperatura do corpo ; da sua inobservância nascem talvez muitas das divergências que se apontara. A condição capital da applicação do thermometro é que o seu reservatório fique em contacto constante, por todos os lados, se é possível, com a parte que se explora. N"este propósito deita-se o doente horisontalmente sobre o dorso, enxuga- se a axilla e introduz-se o reservatório do thermometro no fundo d"esta cavida- de, formando a columna ou haste do instrumento, dirigida para diante, um an- gulo agudo com a linha axillar; depois encosta-se bem, o mais exactamente pos- sível, o braço do mesmo lado ao thorax e curva-se o antebraço sobre o braço em angulo (de 60" pouco mais ou menos), indo a mão apoiar sobre a parte su- perior da face anterior do lado opposlo do peito ou sobre o hombro ; mantem- se n'esta posição o thermometro e o braço por todo o tempo da observação, para o que convém chegar ao thorax, de quando em quando, o cotovelo, tiran- do-o um pouco para diante, e veriGcar se o instrumento se deslocou, impellin- do-o para o fundo da cavidade axillar. Tem-se aconselhado collocar por baixo do braço uma almofada, para lhe servir de apoio ou encosto e assegurar a sua posição ; mas este meio não pre- enche o fim, e é desnecessário. Quando for penoso para o doente o conservar aquella posição, deverá o observador auxilial-o, mantendo com uma das mãos o braço do doente applicado ao thorax e sustentando com a outra o instrumento lixo na conveniente situação ; é pratica que sempre seguimos. Aconselham al- guns que o doente volte a cabeça para o lado opposto ' ; é cautela que, além dé desnecessária, a menos de alguma circumstancia especial, incommoda o doente. Tem-se também feito a applicação, na axilla, do thermometro curvo pela parte posterior em creanças, para lhes subtraliir á vista o instrumento. ' Cmnpendmn de médccinc pratique, t. viii. DE THERMOMETRIA CLINICA 37 Se O doente c muito magro e se suspeita que o reservatório do tliermome- li'0 não fica em contacto com as paredes da axilia, aconsciiiam alguns ojjservado- res que se envolva aquella parte do instrumento em algodão ou outra substan- cia. Raramente será necessário empregar este meio auxiliar. O sr. Fouqué cos- tuma circumdar o resei'vatorio e a parte contigua da haste do thermometro de um tríplice envolucro de panno para impedir a irradiação '; é precaução inútil, e por isso não a vemos seguida por nenhum outro observador, além de que é conveniente, como dissemos, que o reservatório oflereça pequeno volume. Não é condição essencial que o doente esteja deitado para se lhe tomar a temperatura ; em qualquer posição se pôde fazer a observação, com tanto que o thermometro seja convenientemente applicado e se faça bem a sua leitura; ha mesmo doentes que não podem estar deitados, e n'elles só sentados, recos- tados ou inclinados para diante, se poderá fazer a medição thermica. Mas, em geral, a melhor posição é a que descrevemos. Para determinar a temperatura parcial ou de qualquer parte que não forme cavidade, colloca-se de prancha sobre ella o reservatório do thermometro ; acon- selha-se que se cubra a parte livre do reservatório com algodão ou compressas de panno para evitar ou diminuir a irradiação caloriíica "^. Temos seguido um e outro processo. Applicado, convenientemente, o thermometro, não se deve proceder logo á sua leitura, porque não indica ainda a temperatura animal. O preceito geral é, notar a temperatura só depois de haver a columna thermometrica completado a sua ascensão ou attingido a máxima altura; é então que o instrumento marca a verdadeira temperatura. Deve pois o observador empregar todo o cuidado na observância deste preceito, que é essencial. Para que o thermometro chegue ao ponto fixo, ao mais alto grau, a que o pôde elevar a temperatura animal, é preciso mais ou menos tempo ; em ge- ral 13 minutos são sufficientes para se conseguir este resultado. De Haen sup- punha que bastavam 77^ minutos, e juntava á temperatura, indicada pelo ther- mometro, 1 ou 2 graus de Fah., por julgar que esta seria a differença pai'a a temperatura interna. Não tinha razão. Muito mais tarde (1831) o dr. Bãrens- prung acrescentou 2 décimos de grau ás temperaturas achadas para compensar os desvios para menos, e julgou necessária a permanência do thermometro na axilia por espaço de meia hora. É excesso de precaução. O dr. Jaccoud deixa o thermometro em posição por espaço de 20 minutos ^. Segundo o dr. Duelos, quando o liquido do thermometro tem estacionado ' De Vemploi du tliermomètre en médecine. — Paris, 1858. * Compendium de médecine pratique, t. viii. ' Leçons de clinique médicale, pag. 24. — Paris, 1867. 38 ELEMENTOS por 1 minuto, pôde ter-se por exacta a temperatura por este indicada •. Pare- ce-nos arriscado o asserto do nosso collega, porquanto temos visto o thermo- metro sul)ir ainda depois d'este lapso de tempo. Em as nossas observações have- mos mantido o tliermometro em posição 13 minutos pelo menos, registando o grau da temperatura passados 3 minutos depois de terminada a subida do li- quido do instrumento. Para alcançar com maior proraptidão a temperatura, ou para que o ther- mometro chegue mais facilmente ao grau de calor do corpo, costumam muitos observadores aquecer previamente este instrumento, elevando uns a tempera- tura d'este a proximamente 37", e outros muito acima, a 40°, 41", 42°, e ap- phcal-o immediatamente á parte -que se pretende explorar. Segundo a tempera- tura da parte o thermometro terá de subir ou de descer para se pôr em equi- líbrio e revelar a verdadeira temperatura do corpo. Para elevar a temperatura do thermometro têem-se empregado vários meios, taes como cerrar o reservatório na mão fechada, friccional-o com um panno, in- troduzil-o em agua quente, submettel-o ;i chamma de uma vela, etc. Temo-nos servido dos dois primeiros processos, e quasi sempre do primeiro, por serem fáceis e promptos ; os outros exigem preparativos que consomem ainda mais tempo e podem ser muito incommodos. Fixa a columna mercurial, por algum tempo, no seu mais elevado grau, to- ma-se então nota da temperatura, estando ainda na mesma posição o thermo- metro; esta circumstancia é essencial, excepto para os thermometros de index permanente, e a razão ó obvia. O sr. Fouqué com o emprego do thermometro procurou determinar a quan- tidade de calor, que este instrumento recebe em dado tempo. Quando é grande a quantidade de calor transmitlido, o thermometro sobe rapidamente; se for pequena, a sua ascenção será lenta. Por conseguinte a quantidade de calor ad- quirida pelo thermometro em dado tempo varia na razão inversa do tempo que lhe é necessário para percorrer os differentes graus do seu curso ascensional. Basta pois contar por meio de um relojo o tempo que o thermometro gasta para passar de um grau ao immediato, ou notar o numero de graus que a columna thermometrica percorre em intervallos de tempo eguaes até o momento em que a temperatura estaciona. Um observador exercitado pôde desempenhar esta ta- refa ; mas segundo o mesmo sr. Fouqué «pour opérer convenablement il est bon détre deuxii. O observador do thermometro pronuncia a palavra stop, logoque o nivel do mercúrio attinge um grau, em quanto que o outro observador com um relojo de segundos nota o tempo correspondente. É supérfluo este compli- cado apparato de exploração thermometrica, que além d"isso não dá o resultado ' These citada, pag. 20. m THERMOMETRIA CLINICA 39 que se deseja : nos primeiros graus de sua elevação o thermomelro sobe muito mais de pressado que nos graus subsequentes. Demais, não ha necessidade da de- terminação exacta da quantidade de calor que o tbermnmetro vae adquirindo suc- cessivamente. O essencial é marcar bem, rigorosamente, a temperatura; basta notar depois, approximadamente, o tempo, dentro do qual a columna mercu- rial attingiu o seu máximo grau na escala thermometrica, como em outro logar veremos. Portanto, para tomar a temperatura do corpo é necessário ajustar bem o reservatório do thermometro á parte que se explora, evitar as causas de resfria- mento, manter o instrumento fixo na mesma posição, e fazer a sua leitura só depois que a columna mercurial tem estacionado por algum tempo no mais alto grau da escala. IV REGISTOS THERMOMETHICOS, SPHYGMOMETRICOS E PNEOMETRICOS; REGISTO GRAPHICO ; SUA IMPORTÂNCIA E VANTAGENS RELATIVAS Conhecida a temperatura, como deve ser feita a sua notação, para que se obtenliam resultados comparáveis já entre si, já com a frequência do pulso e da respiração? De dois modos têem os médicos registado a temperatura tomada nos dif- ferentes dias e horas. Um, que denominamos registo numérico das temperatu- ras, consiste em indicar em um quadro, dividido em certo numero d^ colum- nas, os dias e horas da observação, e os graus e fracções d'estes. No outro modo, que pôde chamar-se registo graphico, registo das curvas ou traçados thermicos, ha também um quadro, dividido por linhas verticaes e transversaes em pequenos quadriláteros, tendo ao lado uma columna, em que está inscripta a escala thermometrica (graus e fracções de grau) e na parto su- perior outra transversal, em que se acham indicados os dias e horas da obser- vação. Marca-se todos dias e em horas determinadas, com um ponto, zero ou qualquer outro signal, o quadrilátero fronteiro ao grau e fracção d'este que cor- responde á temperatura observada no doente; reunem-se depois estes pontos (relativos aos differentes dias e horas) por linhas rectas, e assim se obtém uma linha geral, que é a curva thermica, formada de maior ou menor numero de pequenas linhas, que se encontram duas a duas n'aquelles pontos, os quaes re- presentam os vértices dos ângulos e indicam as temperaturas respectivas aos dias e horas, que se acham indicados na parte superior. Para tornar estes registos extensivos á circulação e á respiração, acrescen- tam-se ao lado da columna thermometrica outras duas columnas, egualmente ver- 40 ELEMENTOS licaes, contendo uma a escala das pulsações e outra a escala das respirações. A estes quadros damos a denominação de registos thermometricos, sphygmo- metricos ' e pneometricos ^, ou thermo-sphygmo-pneometricos. Nos mesmos re- gistos das curvas thermometricas se traçam, por egual processo, as curvas sphyg- mometricas e pneomeliúas por meio de linhas pontuadas ou de cor diíferente. Os registos das curvas são de grande vantagem, porque indicam á vista o cyclo completo das três grandes funcções, calorificação, circulação e respiração, tanto na sua totalidade, como nos pormenores, em cada um de seus periodos. Seria supérfluo advertir que as rectas, que reúnem os pontos, não repre- sentam de modo algum o curso que a temperatura seguiu nos intervallos de uma a outra indicação, durante os quaes poderiam ter-se effectuado muitas os- ciUações, que não são reveladas pelas linhas rectas; ò um vicio inherente á construcção graphica, mas que não tem inconveniente para o flm que se leva em vista, que è conhecer precisamente a temperatura do corpo a dadas horas do dia e fazer idéa geral das variações da mesma temperatura para a aprecia- ção, pelo thermometro, do curso da doença. Demais, o vicio, já insignificante na generalidade dos casos, diminuo e chega mesmo a desapparecer com a ap- proximação das épocas das medidas thermicas. Em certos casos o instrumento pôde permanecer na axilla, como dissemos, no decurso de toda a doença, e fazer-se a sua leitura constantemente, notan- do-se todas as oscillações que se verificarem, o que temos praticado nos acces- sos das febres intermittentes. Em as nossas indagações thermometricas temos empregado os dois modos de notação — registos numéricos e registos das curvas ou traçados. O nosso registo numérico das temperaturas, pulsações e respirações consta de: l.°, três columnas verticaes, sendo uma, mais larga, em que se inscrevem as doenças, outra para as datas ou dias do mez e anno, em que se fizeram as observações, e a terceira para os dias de duração das doenças; 2.°, três casas ou divisões, servindo a primeira para as observações feitas pelas seis horas da manhã, a segunda para as das dez horas da manhã e a terceira para as das nove horas da noite. Cada uma d'estas casas é subdividida em seis columnas verticaes, sendo as quatro primeiras destinadas para a indicação da tempe- ratura da boca, da mão, da axilla e da enfermaria, e as duas ultimas para o numero de pulsações e de respirações em um minuto; tudo isto refere-se, bem entendido, a cada um dos dias da doença. Notámos n'estes registos, em cada uma das épocas da observação diária, a temperatura da enfermaria e os dias de duração da doença, para conhecermos ' Vocábulo derivado de sphygmos, pulso, e metron, medida. ^ Vocábulo derivado de pnein, respirar, e metron, medida. DE TIIERMOMETRIA CLINICA 41 os períodos d"esta e podermos confrontal-os com os períodos da temperatura morltída, e ainda para adiarmos a diflerenca entre a temperatura do doente e a da enfermaria. No reverso do registo descrevemos a historia resumida da doença, apon- tando as necessárias circumstancias relativas á cdadc, sexo, constituição, profis- são, duração e intervallos da menstruação, symptomas, etc, etc. Não conhecemos registos thermometricos que contenham tantas indicações como estes, que traçámos para o nosso estudo da calorimetria pathologica, e de que damos o seguinte specimen: Pelas 6 horas da manha Tomperatura a c3 Pelas 10 horas da manha Temperatura r^ a Pelas 9 horas da noite Temperatura Nos primeiros tempos de nossas observaçijes foram segundo este modelo os registos de que nos servimos; depois simplificámol-os em parte, tirando as indicações das temperaturas da boca, mão e enfermaria ', e ampUámol-os no nu- mero de observações diárias, como se vê no specimen que segue: 1 A temperatura da enfermaria é notada, três vezes por dia, em registo especial. MUI. DA ACAD. — 1/ CLASSE. T. fV, P. H. 6 42 ELEMENTOS Das G ás 7 horas da manhã L>as 10 ás 11 horas da manha Das 3 ás 4 horas da tarde Das 6 ás 7 horas da tarde Além doestes registos geraes temos outros especiaes para determinadas doenças, em que convém amiudar as observações diárias, de cinco era cinco minutos ou de quarto em quarto de hora, por exemplo, como fazemos nas fe- bres de accessos. Eis um modelo d'estes registos, de que nos temos servido: DE THERMOMETRIA CLINICA 43 3 a. s c 50. OS t3 o ri 1 8PJ«X " s çqnBjv , vxox[ op vioxi ap oiJunb./çi o{si ujoq 9p ojJçnbofloN •cjoq ap oijBnbo-giojj ujoq ap ojjT7nbo'5ioíí ■B-ioq ap o;junbu-n o^ ■Bjoq ap ojJBnbg-OT ox ?/ ■naoq op ' OJJBTlb o"6 ON 5 ir BJoq ap o;jBnb (j-g oíí Tíjoq ap ojjuubo-i oj^ ■BJoq ap ojJBnb 0*9 OK ■BJoq ap oijunb Q-g ox ■BJoq ap oiJtinb Q-f ox ■cioq ap ojjunb Q-g o>j ■Ejoq ap ojJBub 0-5 OK -BJoq ap ojjTitib (,'1 ox; Hora do começo do Buor ou do S."* estádio c E B t- c c 1 C et 1 1 c £ ' c a £ "c t/- a, CC c c u Hora do começo do calor ou do 2." estádio Hora do começo do accGsso ou do calefrio -n fS c c« O C ^ ^ ^ odjoD op ui.iaq uaiu^BJadn B di-iad «p J3X 44 ELEMENTOS Quanto aos registos graphicos ou das curvas thermometricas tem variado a sua forma e o numero de indicações, como passámos a mostrar, referindo os principaes. O dr. H. B. Maurice apresenta em a sua these * nove quadros de curvas thermicas, todos pelo mesmo modelo, contendo cada um d'elles o nome da doença, a escala thermometrica, de 35° a 40" com décimos de grau, e os dias da doença. O sr. Duelos^ leva vantagem a muitos dos observadores mais modernos na construcção dos seus quadros graphicos. Effectivamente, um dos specimens, muito bem imaginado, apresenta três curvas, uma, representada por um traço largo, para a temperatura; outra, feita com um traço fino, para o pulso, e a terceira, figurada por pontos, para a respiração. Compõe-se o quadro de: 1.°, uma columna vertical (respiração) com o numero de respirações, de 33 a 10, marcadas de 5 em 5; 2.", ao lado d'esta, outra fcirculação) com o nu- mero de pulsações, de 130 a 60, notadas de 10 em 10; 3.°, ao lado d'esla, outra (temperataraj com os graus thermometricos, de 41° a 32°, sendo cada grau dividido em quintos com largos intervallos para se poderem notar décimos de grau; 4.°, na parte superior, casas ou divisões para os dias da doença, sendo cada uma delias dividida em duas columnas verticaes, uma para a tem- peratura da manhã (traço mais carregado) e a outra para a temperatura da tarde (traço mais fino). Acima do quadro está escripto o capitulo da doença. O dr. Thomas A. Compton ^ construiu um registo graphico assas desen- volvido, no qual, em diíTerentes columnas, faz menção do sexo e edade, dia- gnostico, dias da doença, graus thermometricos (de 105° a 96° Fahrenheit, ou 40°,o a 35°, 3 centígrados), sendo cada grau dividido em meios graus com lar- gos intervallos que permittem marcarem-se quartos de grau, numero de pul- sações (em uma columna transversal e inferior) e o de respirações (em outra columna transversal, abaixo da precedente); no lado direito do quadro ha uma chave que abrange os graus extremos da temperatura normal (96° a 98",5 Fah., ou 33°, 5 a 36°,9 centígrados), segundo o dr. Compton, o que não é exacto, como dissemos. A bom numero de indicações satisfaz também o quadro das curvas ther- micas do dr. Ladé, a saber: 1.°, diagnostico; 2.°, anno, mez e dia de obser- vação; 3.°, dias da doença, sendo cada um d'estes dividido em manhã e tarde; ' Des mndifications morbides de la température animale dans les affections fébriles. — Paris, 1855. ^ Quelqiies recherckes siir Vétat de la température animale dans les affections fébri- les.— Pari?, 1855. ' Température in acute disease. —Loadon, 1866. rtE TlIERMOMETUIA CLINICA 15 4.", graus ihermometricos (de 4ií'',4 a Sá^.S) com divisão em décimos de grau; 3.", limites da temperatura normal {W,8 a 37",4), demarcada por uma faxa vermelha transversal '. É muito curioso o quadro graphico do dr. H. Zorn, de S. Petersburgo. Em o seu acurado escripto sobre a febre recurrente (traduzido em aliemão; D ie fe- bris reciirrcmj o distincto e paciente observador do hospital ObuclioíT apresenta dois specimens, um para os casos em que convenha tomar a temperatura mui- tas vezes no dia, e o outro para os casos em que sejam sufDcientes duas obser- vações diárias. O primeiro specimen consta de: 1.°, uma columna vertical com os números de pulsaçiies, de 124 a 40, sendo marcadas, de 2 em 2, em linhas trans- versaes (124, 122, 120, etc), com intervallos largos para permittirem notar-se os números intermédios ou impares; 2.°, outra columna vertical (ao lado da pre- cedente) com os graus thermometricus, de 42'',4 a 34°, sendo cada grau divi- dido em quintos de grau, mas com largos intervallos para se poderem marcar bem décimos de grau; 3.°, dias da doença, sendo cada um d'estes subdividido em tantas columnas verticaes, quantas são as observações feitas n'esse dia, e achando-se indicada no topo de cada uma d'estas columnas a hora da obser- vação. As horas indicadas no specimen são, 8 e 11 da manhã, 1, 3, o e 7 da tarde, 1 da noite e 4 da madrugada; quando a temperatura é tomada somente duas vezes por dia, as horas são: 8 da manhã e 5 da tarde. O segundo speci- men é análogo ao primeiro, com a differenca de ser a casa respectiva a cada dia dividida em duas columnas somente, uma para a temperatura ás 8 horas da manhã e a outra para a temperatura ás o horas da tarde. No Nonveau dictionnaire de médecirie et de chirurgie pratiques, 18G7, en- contram-se três modelos de registos graphicos da temperatura. No primeiro men- cionam-se os dias da doença, os graus thermometricos, de 41" a 36", cada um dos quaes é subdividido em meios graus; no segundo (para typo muito rápido da temperatura) indicam-se, em logar dos dias da doença, differentes horas em um dia, e os graus subdivididos em quintos: o terceiro (para typo rápido) é análogo ao primeiro, sendo a casa de cada dia dividida em duas columnas ver- ticaes, uma para a temperatura da manhã e a outra para a da tarde. Entre muitos quadros graphicos da temperatura, em vários estados patho- logicos, o dr. Wunderlich apresenta um specimen que contém as seguintes in- dicações: 1.*, uma columna vertical {Besp.J para as respirações, de 95 a 10, numeradas de 10 em 10 (93, 90, 80, 70, etc), sendo cada intervallo dividido por quatro linhas transversaes para indicação das respirações intermédias; 2.*, outra columna vertical (Puis.) parallela á precedente, para as pulsações, ' De Ia tcmpérature du corps dana les maladies. — nenève, 1866. 40 ELEMENTOS de 210 a 40, numeradas também de 10 em 10 (210, 200, 190, etc), mas tendo nos intervallos dois traços transversaes somente, e não quatro como na columna das respirações; 3.*, temperatura (Wãrme) com a escala de 42",5 a 34°, sendo cada grau dividido em quintos com largos intervallos para se mar- carem décimos de grau '. Além d'estas indicações, o quadro apresenta outras, a saber: na sua parte superior, nome, edade, profissão, nacionalidade, ultima habitação, data da invasão da doença, dia do começo da observação (Tag des eintrius in die beohachtiing) e diagnostico; e na parte inferior do quadro, ob- servações sobre o curso (Bemerkungen zum verlauf) ^. Não passaremos adiante sem notar que esperávamos encontrar executados segundo este modelo os quadros graphicos de differentes morbos, que o dr. Wunderlich apresenta em o seu excellente tratado de thermometria ; não suc- cedeu porém assim. Nos 77 registos graphicos de temperatura com que o au- ctor remata a sua obra, acha-se somente a indicação dos dias da doença, cada um dividido em manhã e tarde, e da escala thermometrica, além da curva ther- mica. É, provavelmente, porque o experimentado professor de clinica concen- trou o seu estudo quasi exclusivamente na temperatura. Em a sua memoria sobre a febre recurrente em Leipzig ^ o dr. Wunder- lich apresenta cinco quadros em cada um dos quaes se acham traçadas duas curvas, uma thermica (traçado grosso) e a outra sphygmica (traço fino) em re- lação com as respectivas escalas do thermometro e do pulso. O dr. J. F. Anfrun '* apresenta dois modelos de registos dos traçados ther- micos, que merecem ser conliecidos. O primeiro contém estas indicações: 1.% nome da enfermaria; 2.% numero da cama; 3.'', mez e dias, sendo cada um (festes subdividido em duas columnas verticaes. uma para a observação da ma- nhã e outra para a da tarde; 4.% dias da doença, notados na parte inferior das columnas dos dias do mez; S.^, numero de pulsações, que é escripto no vér- tice de cada angulo da curva que indica a temperatura, e não em columna es- pecial, como se faz geralmente e temos visto até aqui; G.^, em uma columna vertical os graus tbermometricos, de 42" a 35°, sendo cada grau dividido em quintos de grau com largos intervallos para se notarem décimos de grau. O segundo modelo é idêntico ao primeiro, tendo de mais uma faxa vermelha trans- versal indicativa da temperatura normal, o que já fora feito pelo dr. Ladé. Em alguns quadros do dr. Anfrun indica-se a medicação empregada em certos dias. ' Das Verhalteii der Eigcnwãrme in Krankkeiten. — Leipzig, 1868. ' Suppomos que o auctor se refere ao curso da temperatura. ■' Beobaclitiingen iiber typhus recurrens in Leipzig. ' De la valeur diagnostique et pronosiique de la tempéiatare et du potãs da/is qucl- ques inaladics. — Paris, 1868. DE TlIERMOMETRIA CLINICA 47 A innovação de escrever o numero de pulsações nos vértices dos ângulos das curvas Ihermicas poderá facilitar a leitura, mas não substituirá de modo algum a curva sphygmica, que mostra claramente á vista as oscillações do pulso e a sua relação com as da temperatura. Finalmente, faremos menção do quadro das curvas thermicas, traçado pelo dr. Labbée'. Este registo comprehende: 1°, diagnostico; 2.°, parte a que se applicou o thermometro; 3.", enfermaria e numero da cama; 4.°, dias do mez; 5.", graus thermometricos, de 42" a 38° ou de 41° a 37°, sendo cada grau di- vidido em quintos ou em décimos de grau. Taes são os principaes registos das curvas thermicas, como se acham tra- çados nos escriptos dos seus auctores. Para o estudo especial do curso da tem- peratura satisfazem pela maior parte; mas para o estudo comparativo das va- riaçijes da temperatura com as do pulso e da respiração, não nos parece que offereçam todas as condições para uma observação rigorosa. Os quadros, que para este íim construímos, e de que nos temos servido, ha já alguns annos, são de três formas segundo as exigências do rigor da observação. Eis Ires specimens d'estes quadros: ' fieclierches cliniques sur les modifications de la tempêrature et du pouh dans la fiè- tre typhoide. — Paris, 1869. 48 Enfermaria Diagnostico: Sexo Edade ELEMENTOS Modelo n." 1 Cama n.° Data (mez e annoj Constituição Profissão Dias do mez Dias da doença Graus ther- momet. C. 44»,5 44°,0 43°,5 43",0 42°,5 42%0 41»,5 41°,0 40°,5 40",0 39°,5 M M MI T M M MT M T Observaçõe» DE TIir.RMOMETRIA CLINICA 49 (continuação) 39%0 38°,5 :38«,0 37%5 37°,0 36%S 36°,0 35»,5 3o°,0 34»,S Pulsações Bespirações Xo dia 5 .1 1 ás Ida horas ?.a 1 No dia ás da horas MEM. DA ACAD. — 1 .* CLASSE. T. IV, P. IL 50 Enfermaria Diagnostico : Sexo ELEMENTOS Modelo n." 2 Cama n.° Data (mez e anno) Eãade Constituirão Pro/ifisão Dias do mez Dias da doença Tempera- tura 44",5 44%0 43°,5 43",0 42°,5 42°,0 41°,b 41°,0 40°,5 40», O 39°,5 — I— ■ Observações DK tiiiíhmomi;tria clinica 51 (i;rtNTINUAÇÃo) 39%0 38°,5 38°,0 37°,o 37»,0 36", 5 36°,0 3o",o 35°,0 34°,5 Pulsações Resfiiraf-õefl No dia 4' ás da horas d ta, 1 No dia fás da horas i* 52 ELEMENTOS Enfermaria _ Diagnostico: Modelo n." 3 Cama n.° Data (mez e anno) Sexo Edade Constituição Profissão Traçado sphygmographico Pulsações Graus thermo- met. C. M T M T No dia ás horas da No dia Respirações ás horas da 115 110 170 165 160 155 150 145 140 135 130 125 120 44°,5 44°,0 43°,5 43°,0 42%5 42»,0 41°,5 41°,0 40%S 40", 0 39",5 — — — lOo 100 — 95 — 90 85 — — 80 1 75 I 1 70 j 1 1 65 1 DE THERMOMETRU CLINICA 53 (continuação) 60 53 oO 4b 40 33 30 23 20 io 10 115 110 103 100 93 90 83 80 7b 70 6b 60 bb 50 39%0 38°,3 3S°,0 37»,5 37°,0 36°, 3 36»,0 35°,b 3b°,0 34%3 1^ 34°,0 33%b 33°,0 32°,5 Temperatura atmospherica . 54 ELEMENTOS D'estes quadros os dois primeiros compreliendem somente as curvas Uier- micas, representando todavia por números as oscillações do pulso e da respi- ração; são registos mixtos, numéricos e thermographicos. O terceiro é um ver- dadeiro registo thermo-sphygmo-pneographico. Demais, todos estes registos con- tèem os traçados sphygmographicos, o que nos parece boa innovaçâo, porque não é tanto o numero de pulsações, como a forma do pulso, que mais importa conhecer no diagnostico das doenças. Havendo impressos ou lithographados estes registos, facilitar-se-lia muito (j trabalho, tanto nos hospitaes como na clinica particular. Na therraomelria cli- nica especial veremos estes registos preenchidos. Para notar a temperatura, -ás vezes muito baixa, de certas partes da peri- pheria, ha registos especiaes. CAPITULO III Modiflcaçõcs pathologicas da temperatura I TEMPERATUHA GERAL; CLASSIFICAÇÃO DAS DOENÇAS EM RELAÇÃO Á TEMPERATURA; TYPOS DE TEMPERATURA ; CONSIDERAÇÕES GERAES A condição ou circumstancia mais influente das variaçijes da temperatura do homem é a doença. Nas doenças febris a temperatura sobe, attinge certu grau, manlem-se n'esla altura, com leves oscillaçijes, declina depois até á nor- mal, ou abaixo d'esta,elevando-se de novo ao nivel physiologico no decurso da convalescença. Vimos quão estreitos eram os limites das oscillações ph)'siologicas da tem- peratura sob a influencia das variadas condições individuaes e dos agentes ex- ternos; não acontece assim nos casos de doença. No estado pathologico as va- riações da temperatura manifestam-se entre limites muito extensos. O maximum da temperatura, de que temos conhecimento no homem doente, é de 44",7.j, observado pelo dr. Wunderlich era um tetânico no momento du fallecimento, e o minimuin, notado no esclerema, de 22" segundo o dr. Ilardy', e de 23", na mesma doença, segundo o sr. Mignot ^. Nas observações relatadas ' Op. cit., pag. 17. ' Ttiese 1'itada, pag. 23. DE THERMOMETRIA CLIMCA b.) por este ultimo observador, em a sua ihese para o doutoramento, a tempera- tura não desceu tanto; a mais baixa temperatura, loiuada na axilla, Ibi de 23",;) em um menino de sete dias, que apresentava 22 inspirações por minuto e o pulso imperceptivc! '. Nunca observámos temperatura tão baixa na axilla; no- támos já a tempei-alura de 22°, 8, mas foi no dorso da mão esquerda, que es- lava fora da roupa da cama, em um doente de 59 annos de edade, com amol- lecimento cerebral; e em cuja axilla o thermoraetro marcava 37'',2, conlando-se 72 pulsações e 30 respirações por minuto. Entre aquelles dois extremos obser- vam-se, nos difTerentes morbos, as temperaturas intei'medias. Como corolíarios de suas observações thermometricas o dr. A. Comptou estabeleceu as seguintes proposições: l.'\ a temperatura quotidiana de 99° Fab. (37°,2 c.) c acima, sendo continua, indica uma condição pathologiea e veriíi- ca-se em casos de doenças agudas; 2.-\ a temperatura muito alta, tal como 105° Fah. (40°,o c), em qualquer caso, em que mesmo os syraplomas geraes não revelem gravidade, deve merecer seria atlenção, mormente se o diagnos- tico não está ainda feito, porque essa temperatura é própria das formas graves das doenças. A nossa observação nos desvia de aceitar como verdadeiras as duas pro- posições do illustrado medico inglez. Em primeiro logar a temperatura de 37°, 2 c. nu 99° Fah. entra nos limites normaes, dá-se em indivíduos de excellente saúde. Em segundo logar a temperatura de 40°, 3 c. ou 105° Fah. não nos tem pare- cido ser própria das formas graves das doenças; temol-a notado muitas vezes em doenças febris sem gravidade, e nada ha mais frequente que esta tempera- tura nas sezões simples e benignas. Segundo o dr. Wunderlich as oscillações da temperatura no homem doente não passam de 12° a 13°, isto é, dão-se entre 44°, 7o e 32°, mas que é raro que a temperatura se eleve acima de 43° e se deprima abaixo de 33°, c que nas doenças graves oscilla entre 42°, 5 e 33°^. Segundo a nossa observação só em geral se deve admittir a proposição do illustrado clinico; é já rara a tem- peratura de 42°, e muito mais rara a de 43°; de 44° nunca observámos. As oscillações diurnas da temperatura pathologiea, que são muito maiores do que as da temperatura normal, têem a sua origem, como se verá demons- trado na tbermomelria especial, no curso regular da doença, ou ligam-se a cer- tas circumstancias, taes como disposições individuaes, desvios dietéticos, com- plicações (prisão ou soltura de ventre, diurese e diaphorese copiosas, liemor- rhagias naturaes ou arlificiaes) e o uso de certos medicamentos. Muitos dos desvios que a temperatura experimenta no estado mórbido, es- ' Tliese citada, pag. 21. ' Op. cit., pag. tj. Parece-nos que deve ser 43" e não 33". 56 ELEMENTOS tão já sujeitos a certas leis. Esta parte da thermometria, que se tem denomi- nado thermonoiíiia pathologicn, merecerá particular altenção. É tão fixa a temperatura normal, que deve suspeitar-se perturbação na saúde, aindaque esta se apresente apparentemente boa, quando se manifestar a mobilidade da temperatura, sobre tudo por certo tempo, sob influencias exte- riores. As oscillações mórbidas da teniperalui'a mostram-se, muitas vezes, antes de todas as outras perturbações funccionaes. Quando a temperatura se eleva acima da normal, diz-se que ha febre; quando descae abaixo do limite physiologico, diz-se que ha algidez. D'aqui vem tomarem alguns clínicos as expressões de temperatura animal exagerada e febre como synonimos '. É pela sua constância que a temperatura foi tomada para base de classifi- cação das doenças em vários grupos. Uns estabeleceram três classes ; a primeira comprehende todas as doenças em que ha elevação de temperatura, signal ca- racterístico da febre; a segunda abrange as doenças que são acompanhadas de abaixamento da temperatura (inferior á normal); na terceira classe, formada por exclusão, entram as doenças que não apresentam modificação pathologica na tem- peratura animal. O abaixamento permanente da temperatura dá-se em poucas formas mór- bidas, pelo que é pequena a segunda classe nosologica, ha pouco referida, que consta apenas do esclerema e da cholera-morbus. Mas o abaixamento passageiro da temperatura dá-se em muitos estados, ordinariamente transitórios, favoráveis ou desfavoráveis; quando a differença thermica é grande^ a sua significação é má. O sr. Hardy adopta, em a sua these, a divisão das doenças em dois gru- pos, a saber: doenças com elevação de temperatura, e doenças com abaixa- mento de temperatura ou algidas. No primeiro grupo estuda o sr. Hardy, com relação á frequência do pulso e da respiração e ás variações da temperatura, a variola, o sarampo, a escarlatina, a infecção purulenta, a erysipela, a febre sj'- noca, a febre lyphoide, o rheumatismo e a pulmonite, doenças que observara em 31 doentes, nos quaes se fizeram 393 observações thermometricas ^. Do se- gundo grupo o sr. Ilardy não apresenta observação alguma própria, limitan- do-se a referir alguns factos de observação alheia, notando que, além da cho- lera-morbus e do esclerema, em que a temperatura desce além da normal, os phenomenos de algidez téem ainda por causa: \.° as doenças do coração, com- municações entre o coração direito e o esquerdo; 2.°, as doenças do pulmão (pneumonia, tuberculose, duplo derramamento); 3.°, as perturbações da inner- ' Notiv. diction. de méd. et de chir. pratiques, t. vi. — Paris, 1867. * These citada, pag. 18. DE TlIERMOMETRIA CLINICA 57 vacão; 4.", as alterações do sangue; 5.", as lesões locacs (ligadura de artéria principal, gangrena, secção de nervo) '. Para o estudo das alterações da temperatura pôde adniittir-se esta divisão nosologica; mas flca excluído d'ella um grande numero de doenças chronicas, em que ordinariamente a temperatura não experimenta modificação, pelo menos por certo tempo, mas que nem por isso devem ser omittidas na exploração ther- mometrica, porque em certas occasiões ou períodos offerecem particularidades dignas de attenção. O augmento subitaneo da temperatura geral ou interna, coexistindo com a temperatura normal na cabeça, mãos e pés, dá-se ordinariamente com forte sen- timento e tremor de frio, e constitue a febre algida (Fieberfrost dos allomães). O augmento de temperatura, que chega ou ultrapassa 38",5, liga-se com sentimento subjectivo de calor, debilidade, sede, cephalalgia, ás vezes frequên- cia e velocidade do pulso, e, quando dura mais tempo, diminuição de peso do corpo; é a febre ardente (Fkberhitze dos allemães). Grande diminuição da temperatura das extremidades e da face, com au- gmento ou diminuição da temperatura geral, coincide frequentemente com a pequenez do pulso, abatimento, depressão da pbysionomia e, suores; é o co- lapso -. Consideradas particularmente em cada doença as oscillações da tempera- tura são eguaes, repetem-se do mesmo modo, offerecem certos limites, em ge- ral. Com relação ás variações da temperatura as formas das doenças formam três grupos. Em um as formas mórbidas correspondem a typos bem determi- nados, fixos, da temperatura (typho, febres eruptivas, pneumonia, etc); no ou- tro as formas mórbidas não tèem typo determinado e lixo da temperatura, pos- toque ás vezes d'elle se approximem (pyemia, septicemia, inflammações catar- rhaes agudas, rheumatismo polyarticular agudo, meningite, pleuresia, tubercu- lose aguda, etc); o terceiro grupo é constituído pelas formas mórbidas em que não ba elevação de temperatura ou não são acompanhadas de febre (sypbilis, cholera, etc). Muitas formas mórbidas tèem um typo único de temperatura ; são mono- tt/picas. Outras seguem vários typos, e por isso se denominam poUjtijpicas, ou pleotypicas, como as appellida o dr. Wunderlicb. Convém porém advertir que os typos mórbidos da temperatura não seguem uma ordem invariável, não tèem uma fixidez absoluta. Em casos particulares qualquer forma mórbida, mesmo d'entre as de typo fixo, pôde offerecer irregu- ' These citada, pag. 51. ' Wunderlich, op. cit. MEM. DA AC.\D. 1." CUVSSE. T. IT, P. II. 8 58 ELEMENTOS laridades, devidas já a disposições individuaes, já a influencias fortuitas. Mas ainda assim estas irregularidades dão-se dentro de certos limites e a tiiennome- tria ensina a discriminar os casos. II períodos da temperatura Tem a observação mostrado que em cada espécie pathologica a tempera- tura tende a seguir um curso peculiar e a attingir certa altitude, o que é de summa importância para o diagnostico e prognostico. A temperatura mórbida offerece em seu curso períodos ou estádios, que correspondem aos períodos ou phases da doença. Três períodos são geralmente admittidos no curso da temperatura pathologica ; estes períodos, que se distin- guem pela ordem numérica (].", 2." e 3.°) têem recebido varias denominações. Ao primeiro se tem chamado período inicial, período ascendente ou de ascen- são, período de desenvolvimento, período de Incremento, período pyrogenetico; ao segundo, peciodo de estado, período estacionário, período de acme, fastí- gio; ao terceiro, período de declinação, período descendente, período de ter- minação, desfervencía. Pelo que temos observado, seria talvez mais em harmonia com os factos a divisão do curso da temperatura pathologica em quatro períodos que denomi- naríamos: 1.°, período de Invasão; 2.°, período de progresso ou de Incremen- to ; 3.°, período culminante, de apogeo, ou de estado ; 4.°, período de termina- ção. Por abreviatura podem denomlnar-se estes períodos: invasão, incremen- to, estado^ terminação. Como porém os dois primeiros períodos ou estádios não são, muitas vezes, bem dístínctos, e raramente é dado ao medico observar, prin- cipalmente nos hospltaes, uma doença logo no seu começo, por isso póde-se, sem inconveniente algum, reunir os dois primeiros períodos em um só, e deno- minal-o período de incremento ou ascensional, que se estenderá desde o prin- cípio da temperatura mórbida até o momento em que esta attinge o seu 7na- ximum, com o qual começa o segundo período ou de estado. O dr. Wunderlich formula em a sua excellente obra três casos, em cada um dos quaes estabelece vários períodos, a saber: A. Períodos anteriores á terminação da doença. Aqui nota os seguintes pe- ríodos : 1." Período de desenvolvimento (periodo inicial j estádio pyrogenetico), que dura mais ou menos tempo ; 2." Periodo de completa evolução (periodo de acme, ou fastigiiim), no qual a febre flxa a sua temperatura caracterisllca; DE THERMOMETRIA CLINICA 59 3." Período de oscillação (período amphibolo), no qual se apresentam con- sideráveis irregularidades de temperatura. B. Períodos nos casos de cura : 1." Perturbação crítica (perturbatio critica) ou período de declinação (sta- diuin decremeiíli); 2." Período de regresso à temperatura normal ou de desapparecimento da febre (stadium der for Eiitfieberuniig, DefervescenzJ ; 3." Período de convalescença, em que a temperatura é normal ou abaixo d'esta. C. Períodos nos casos de terminação fatal : 1.° Período proagonico, que mostra a tendência para a terminação fatal; 2." Período da agonia, ou agonico; 3." Momento da morte '. Alguns destes períodos são curtos ou faltam completamente em muitos casos. Adiante trataremos em particular de cada um dos períodos da temperatura. IH TEMPERATUBA PARCIAL OU TÓPICA A temperatura pathologica pôde variar debaixo de outro ponto de vista, que merece ser altendido. Referímo-nos á extensão, em que se manifesta o ca- lor mórbido, o qual pôde ou circumscrever-se a uma parte mais ou menos li- mitada, a um órgão ou parte d'este, ou generalisar-se por todo o organismo. D'aqui vem a distíncção em temperatura geral, do sangue ou interna, e tempe- ratura local, tópica ou parcial. Temos tratado da temperatura geral, represen- tada pela da axilla, vamos occupar-nos da temperatura parcial, cujo conheci- mento é menos importante do que o d'aquella, e por isso não tem sido objecto de tão aturadas investigações. Têem os observadores indagado, se nas inflammações, ou nas partes acom- mettidas de qualquer outra doença, a temperatura se elevava, se era mais alta ahi do que nas partes congéneres e em outros pontos do organismo. N'este intuito tem a observação sido feita já em partes espontaneamente inflammadas, já em partes, em que se provocou artificialmente a ínflammação. Nos dois casos achou Hunter elevação da temperatura local, o que tem sido ve- rificado por muitos outros observadores, e contradictado por alguns. ' O auctor diz: «der Eintritt des Todes und die postmortalen Veránderungen der Temperatur» cuja traducção litteral é: entrada da morte e alterações da temperatura depois da morte. 8* 60 ELEMENTOS Em dois casos de estomalite simples o sr. Roger notou 37",75 e 38° na boca e 37°, 3 na axilla. Em um doente com inflammação da veia femural direita 6 tumefacção de todo o membro, o thermometro, sobre este applicado, marcou 38°,5 e no outro membro 36°, 5 ; egual elevação de temperatura foi encontrada na lymphangite da perna e na erysipela. Segundo os auctores do Compendium de medicine pratique \ que observaram estes casos, encontra-se, ordinariamen- tS:, o augmento de 1° a 2° de temperatura na superfície inflammada, que li- mita a grangrena. Temos actualmente em a nossa enfermaria do hospital de S. José um doente de trinta e quatro annos de edade, temperamento sanguíneo, forte constituição, estatura regular, trabalhador do campo, affectado de lymphangite aguda no braço e antebraço direitos, consecutiva á mordedura de um rato sobre a arti- culação da primeira com a segunda phalange do dedo grande da mão direita. O exame thermo-spygmo-pneometrico deu os seguintes resultados: Pontos de applicação do thermometro Das 9 ás 10 horas da manha Das 3 ás 4 horas da tarde 'Axilla 4.° I Parte doente { Braço são . . (Axilla 5." j Parte doente ( Braço são . . ( Axilta 6.° I Parte doente ( Braço são . . ! Axilla Parte doente Braço são . . Í Axilla Parte doente Braço são . . 38%9 37°,S 35°,S 37°,6 36°,4 34",8 36°,8 35°,2 34M 36",0 33°,5 32°,5 36»,2 33°,5 33°,8 68 60 44 60 !■' :68 24 20 16 16 16 38°,5 36°,7 35°,2 37°,4 36%4 35°,6 68 64 24 18 « Tomo VIU.— Paris, 1846. DE THERMOMETRIA CLINICA 61 A lymphangite começou a declinar francamente no 3." dia de observação (6." dia de doença); no o." dia de observaçrio (8." de doença) tinham desappa- recido todos os phenomenos locaes da doença. Nos dois braços o thermoraetro foi sempre applicado em pontos correspondentes, sendo no doente sobre a flta vermelha da pelle, devida á angioloucite. Em um caso de estomatite aphtiiosa aguda, que observámos, em abril de 18G8, em uma menina de quatorze annos de edade e de fraca constituição, no- támos o seguinte : 4.U I a,° 6." 8.» Sobre a língua Debaixo da língua Axilla Sobre a língua. . . Debaixo da língua Axilla Sobre a língua. .. Debaixo da língua Axilla Sobre a língua. . . Debaixo da língua Axilla Sobre a língua. . . Debaixo da língua Axilla n ^t) á6 á() Em outro caso de mais intensa estomatite (com muita salivação e grande deposição, sobre a mucosa, de matéria pultacea), de que foi affectado um doen- te, de trinta annos de edade, temperamento mixto e constituição mediana, que foi admittido em a nossa enfermaria, colhemos os seguintes resultados do exa- me thermo-spygmo-pneometrico: 62 ELEMEMOS Pontos de ai)plicação do tbermometro Das 8 ás 9 horas da manhã 10 t L»as 3 ás 4 ei = lioras da tarde e3 O ê •a rt Q a IO tí &4 IH ! Pi Boca 38°,2 370,8 ' 38" 0 76 - - 18 16 18 18 16 .e -1 16 16 .8| .B| ,o| '«! .8| 16 j 18 1 16! 1 38",2 38°,0 38°,2 380,6 380,4 380,1 380,2 370,6 370,9 370,5 370,6 370,4 37°,3 370,6 370,5 37°,8 37°,0 36",8 37°,0 , 360,8 \ 370,0 ^ 360,8 360,8 360,6 37",0 j 360,8 ( 360,8 1 370,4 1 370,0 , 36°,8 , 360,8 1 370,0 ( 370,2 ( 37°,0 i 76 80 68 68 72 68 68 72 76 72 64 68 64 64 64 64 60 5.0 Axilla 20 6.0 7.0 8.0 9.0 10.0 11.0 12.0 13.0 14.0 15.0 16.0 17.0 18.0 19.0 20.O 21." 22.0 Boca Axilla Boca 20 Axilla ' (j4 370,6 \ 37%8 1 64 370.4 i 370.6 , gg 37»,3 1 VS'' * 68 370.0 1 37%0 ( go 370.1 1 370.2 ) gg 370.5 ! ^^ 37°,2 j 7., 36°,8 * 360,2 1 gg 360,0 i ^^ 370,0 i 360,8 ) 360.5 j g 360,2 i ^ 360.7 1 gQ 360,4 \ 360.6 ( 36",5 ( 360,3 360,6 360.8 j 360,6 \ ^^ 360,6 ) 360,8 i "" 360,8 ^^ 20 Boca Axilla 16 Boca . Axilla 20 Boca Axilla 16 Boca Axilla 18 Boca Axilla 20 Boca Axilla 18 Boca Axilla 18 Boca Axilla - Boca Axilla 18 Boca Axilla 18 Boca Axilla 16 Boca Axilla 18 Boca Axilla 16 Boca Axilla 16 Boca Axilla 18 1 ^■«Mí» DE TIIKKMOMICTRIA CLINICA C3 Convém advertir: 1.", que na boca o lliermomolro foi applicado sobre os pontos mais afíectados, ora debaixo da lingua, ora sobre esta, já entre os lá- bios e as gengivas, já na face interna das boctieciías; 2.", que o doente esteve muitos dias em dieta severa por não poder tomar alimentos, visto lhe ser muito dolorosa a mastigação. Daquelle quadro se deduz: 1." Que a máxima temperatura na boca foi 38'',4, á tarde (no 7." dia de doença, 3." de observação) e na axilla de GS^G (no 6." dia de doença); que a niinima temperatura, em quanto houve febre, foi na boca 38" e na axilla 38°,!, e depois de exlincta a febre foi na boca 36",2 (no 14." dia) e na axilla 30" (no 1 i." dia). 2." Que muitas vezes a temperatura da boca foi superior á da axilla. Temos applicado o thermomelro sobre partes externas inflammadas e com- parado a temperatura d'estas com a das partes correspondentes sãs e com a da axilla, como vimos de mostrar; temos levado mais longe a nossa observação, introduzindo aquelle instrumento já dentro de focos purulentos depois de eva- cuados, já no tecido cellular subcutâneo, e notando a temperatura destas par- tes e a da sua peripheria ou em torno dos mesmos focos. Uma circumstancia, que, pela sua importância na apreciação da tempera- tura local, deve flxar a attenção do observador, é a intensidade da inflamma- ção. É de não se ter attendido devidamente a esta circumstancia, que procedem, segundo nos parece, as divergências entre observadores distinctos. Aífirmam uns que na parte inflammada a temperatura não se eleva, asseveram outros que é bem notável o augmento da temperatura; opinam estes que a temperatura ge- ral sobe, mais ou menos, debaixo da influencia de uma inflammação externa, julgam aquelles que a temperatura natural do individuo se mantém nos limites normaes; dizem uns que por mais alta que seja a temperatura de uma parte in- flammada, ella não attinge a temperatura interna ou do sangue, crêem outros que a temperatura local, em uma parte inflammada, pôde ser egual á interna normal ou mesmo excedel-a. Seria matéria para larga discussão a analyse das observações e experiên- cias emprehendidas para esclarecer este ponto em litigio. Vamos apresentar os factos de nossa observação, e deduziremos as illações que d"elles naturalmente decorrerem. A observação tem-nos mostrado que, quando a inflammação é leve ou de pequena intensidade e sem augmento da temperatura geral, a temperatura local não soflVe alteração ou se eleva pouco, alguns décimos de grau, relativamente á temperatura da parle congénere ou de outros pontos da peripheria do corpo, sem attingir nunca a temperatura da axilla. Para exemplo citaremos um caso de orcliile du lado direito, observado em um individuo de vinte e quatro annos 64 ELEMENTOS de edade, temperamento lymphatico, constituição mediana e estatura regular. Datava a doença de quatro dias; o testículo direito estava mais volumoso que o esquerdo, dorido á pressão, e a pelle vermelha; a orchite era pouco in- tensa. O exame da temperatura, pulso e respiração deu estes resultados: Partes explorada?; A'a 10 horas da manhã A'b 4 horas da tarde Axilla 4" j Testículo doente. ' Testículo são . . . ! Axilla Testículo doente. Testículo são . . . Í Axilla Testículo doente. Testículo são . . . 6.° 31M 36°,7 36°,4 37°,0 36°,6 36°.4 37»,0 36%4 36°,4 60 62 60 16 16 16 37°,i 36", 7 36°,4 37°,0 36°,6 36",4 37°,0 36",4 36°,2 62 62 60 16 16 16 N'este ultimo dia (3.° de observação e 6." de doença) o testículo já não apresentava symptomas de inflammação. Quando a inflammação cutânea é de medíocre intensidade, que não chega a dar reacção geral, mantendo-se a temperatura da axilla nos limites normaes, a temperatura da parte affectada eleva-se, excedendo de O", 5 a 1" a das partes sãs, sem attingir o grau da temperatura geral. Para exemplo podemos dar o caso de erysipela bulhosa, que observámos na coxa esquerda de um doente de sessenta e cinco annos de edade, temperamento sanguíneo, constituição forte, estatura regular, creado de servir, que entrara para a nossa enfermaria no hos- pital de S. José, a .') de maio de 1869, e saíra curado a 14 do mesmo mez. Ti- nha sido vaccínado em creança e não tivera febre alguma eruptiva. Datava de quinze dias a erysipela, que ia já em declinação. A applicação do thermometro sobre a coxa doente, depois no ponto correspondente da coxa sã e na axilla deu estes resultados: DE THERMOMETRIA CLINICA 65 Dias domez de maio Pontoa de applicação do thermometro Axilla .... \ Coxa doente l Coxa sã . . . / Axilla .... jCôxa doente- ( Coxa sã ... . /Axilla \ Coxa ^doente, ( Coxa sã ... . /Axilla I Cfixa doente] f Coxa sã ... . A's 10 hor-as d.a manb.ã I 37°,5 36°,6 34'',5 37°,2 36°,0 34°,0 37»,0 34",0 34°,S 37%0 34%0 34",0 72 64 24 24 99 A'b 4 horas da tarde a (D 3()»,8 ( 35%0 ) 37°. 6 36°,8 35%0 37»,0 3S»,0 35°,0 37'',2 35°,0 3S»,0 37»,3 35°,0 35°,0 86 68 24 20 22 A erysipela continuou na sua declinarão rápida, podendo considerar-se ex- tincta no dia 8 de maio, em que a temperatura da manhã desceu 0",3 abaixo da da coxa sã, e 2°,6 da que fora no primeiro dia de observação. O tratamento consistira em banhos com infuso de flores de sabugueiro e na apphcação de amido. Quando a erysipela é intensa e acompanhada de febre, a temperatura da parte affectada eleva-se mais ou menos, ás vezes muito, chegando a exceder 2",.') a da parte correspondente sã, e ultrapassando o limite normal da tempe- ratura geral ou da axilla, mas attingindo ou e.xcedendo, muito raramente, a tem- peratura geral pathologica, que, no doente, é superior á normal. Para confirma- ção podemos citar uma observação de nossos registos thermo-sphygmo-pneome- tricos. É uma erysipela phlegmonosa na perna direita em um individuo de vinte e seis annos de edade, temperamento sanguíneo, constituição forte, estatura regu- lar, trabalhador do campo, que foi admittido na nossa enfermaria, S. Sebastião, cama n." 18, a 21 de maio de 1869. Tivera variola e sarampo na infância; não fura vaccinado. A erysipela ia no sétimo dia de duração. Eis o que observámos, diariamente, pelas dez horas da manhã, no decurso d'esta doença: MFJl. DA ACAD. — 1.* CLASSE. T. IV, P. II. 66 ELEMENTOS à Pontos de applicaçao do thermometro S "3 ^^ma^^..-''''''^-—-^^^^^^ ■^ t> Dias do Euez o .5 s Asilla Perna direita Perna esquerda Z <" .2 íá (doente) (sãj Si tí 21 7 40°,0 39°, 0 36'',5 100 20 22 8 38»,5 39°,0 1 37'>,0 1 90 20 23 9 38»,7 38°,6 2 37°,2 2 88 18 24 10 38°,2 37°.5 ' 36°,3 3 72 18 25 11 38%5 38<\0 " 3g°,5 4 80 20 26 12 38>.0 37°,0 5 3d°.0 = 76 24 27 13 39°,5 39°,5 6 37°,0 6 96 22 . 28 14 39»,0- 38°,8 ■ 36°,3 ' 80 20 29 15 39°,0 37%7 8 3o",5 8 84 24 30 16 40°,0 39»,0 9 38'',o » 88 28 31 17 38°,0 37",5"' Dentro do foco \ 39°,3" Fora do foco 36°,4'» 80 26 1° de junLo 18 39°,0 ( 36°,3 104 32 37",0 2 19 39°,5 37°,8'2 36°,3i2 80 28 3 20 39°,0 38°,0" 36°,0" 76 26 4 21 39",8 38°,6 14 37°,0i'' lÓO 28 S 22 39'M 38%0 37»,0 80 20 6 23 39»,0 38°,4 36°,7 100 28 7 24 39", 1 j 38° ,0 Dentro do foco 3a°,4 92 26 8 25 39°,2 39°, 5 Fora do foco 38°,0 3o°,4 92 26 9 26 39°,2 36,5 34.-0 72 24 10 27 37",5«5 36°, 2 33°,8 72 20 11 28 37°,2 36\2 34°,2 72 18 12 29 37".4'6 37°,0 3o°,0 80 20 13 30 37»,0 35°,0 34°,7 72 20 14 31 370 217 3i°,6 34°,5 72 18 15 32 37°,0 34°, 2 34°, 2 72 18 OBSERVAÇÕES ' O reservatório do thermometro estava coberto com algodão. - Idem. 3 Sem algodão. í Thermometro coberto com algodão. 5 Idem. B Idem. 7 Idem. s Idem. 9 Idem. Abcesso na perna, 'd Idem. .Abriu-se o abcesso. <• Logo que se introduziu, 3 cent., o thermometro, este marcou 39",0 e 20 minutos depois SQ",."?. '2 Thermometro coberto com algodão. '3 Idem. '■* D'este dia em diante o thermometro foi coberto (o reservatório do mercúrio) com algodão. '5 A erysipela declinou muito; o foco vae em via de cicalrisaçâo. '^ A erysipela vae desapparecendo. " Está exiincta a erysipela, e o foco cicatrisado. DE THERMOMETRIA CLINICA 67 Vê-se n'esta observação: 1." Que só lima vez (no oitavo dia de doença e segundo de observação) a temperaluia da ]iarle iiiflammnda (sendo o reservatoiio do thermometro coberto cora algodão para evitar a irradiação) foi superior, C.S, á da axilla, excedendo 2" a da parte correspondente sã (perna esquerda). 2." Que uma vez a temperatura da parte inílammada foi egual á da axilla (no decimo terceiro dia de doença ou sétimo de observação), excedendo 2°,5 a temperatura da parle correspondente sã. 3." Que o thermometro introduzido debaixo da pelle, na parte inflammada, indicou uma temperatura superior, 0",3, á da axilla, e â da pelle em torno do foco (em um dia 2°, 3 e em outro dia r,5), excedendo muito (em um dia 2'',8 e em outro dia 4°,!) a temperatura da pelle no membro correspondente são. 4." Que a máxima temperatura da parte inflammada (pelle e tecido cellu- lar subcutâneo) foi de 39^5 e a da axilla de 40", e a minima de 36'',5 emquanto houve reacção geral ou febre (39°,2 na axilla), tendo oscillado a temperatura entre estes dois extremos. õ." Que as oscillações da temperalura peripherica na parte inflammada segui- ram, em geral, as da temperatura da axilla, mas que houve muitas excepções, não se podendo por isso estabelecer o paralielo entre a temperatura tópica e a geral. 6.° Que ainda depois de extincla a febre, a temperalura local excedeu um pouco, 0°,5 (no vigésimo nono dia de doença, quando a erysipela estava em adiantada resolução) a temperatura da mesma parte, quando ainda havia febre (39°, 2 na axilla, no dia vigésimo sexto de doença). Poderíamos ciíar grande numero de observações, que temos colhido, mas reservâmo-nos tratar mais de espaço da temperalura local na thermometria es- pecial, quando nos occuparmos das doenças cirúrgicas em relação a tempera- tura. Passaremos então em revista varias doenças do foro cirúrgico. Na temperatura parcial ou local podem notar-se períodos análogos aos da temperatura geral, incremento, estado, terminação; mas tem-nos parecido que estes períodos são menos dislinctamente delimitados, e que principalmente o período de estado ou de apogeo é susceptível de grandes oscillações. A temperatura local não attinge as grandes altitudes a que chega a tempe- ratura geral, medida na axilla, nas febres e nas inflammações dos órgãos in- ternos. Nas partes peripherícas inflammadas o theimometro raramente sobe a 39» e nunca vimos exceder 40°, ainda quando introduzido debaixo da pelle, pos- toque a sensação do doente e a mão do observador pareçam indicar ás vezes uma temperatura muito mais elevada, o que é devido á grande irradiação do calórico. A temperatura parcial ou local pôde experimentar uma modificação inversa á que lemos considerado, isto é, tornar-se inferior á normal. Na gangrena a tem- 9. 68 ELEMENTOS peratura desce muito, chegando o thermometro ao nivel da temperatura am- biente, quando é applicado nas partes inteiramente sphaceladas. Não pôde ter- se por verdadeiro o asserto do famoso cirurgião da França, Dupuytren, por ser contrario ás leis da physica, que a temperatura das partes gangrenadas é infe- rior á do ambiente K Na invasão da gangrena húmida o thermometro pôde mar- car a temperatura normal ou mesmo excedel-a; dá-se isto, quando a gangrena é precedida de inflammação local, pelo que esta variedade tem sido denominada gangrena irritativa. Mas n'este caso a elevação de temperatura tem a sua razão de ser na irritação e não na gangrena ou mortificação da parte. Nas partes paralysadas tèem uns achado elevação da temperatura, outros temperatura egual á das partes Sãs, e muitos diminuição. O problema não é tão simples de resolver-se como pareceria á primeira vista, e por isso o deixare- mos para a thermometria especial, em que perante os factos exporemos o es- tado actual dos conhecimentos a este respeito. Comtudo, desde já podemos di- zer que nas paralysias, quer completas quer incompletas, quer do movimento e do sentimento simultaneamente, quer de um d"estes actos somente, temos achado a temperatura local ora egual, ora mais alta, ora mais baixa que a da parte correspondente no outro lado do corpo, mas sempre inferior á temperatura ge- ral ou da axilla. Temos colhido um grande numero de observações a este res- peito, que exporemos na thermometria especial. CAPITULO IV Febre; períodos da tenípcratora patiiologica I febre; considerações geraes; definição A elevação da temperatura é o pbenomeno característico da febre. É um asserto que tem sido repetido por muitos e eminentes observadores em toda a antiguidade, na edade media e nos tempos modernos. É um facto geralmente tido por averiguado. Os symptomas fornecidos pela circulação, pela respiração e por outras funcções, e que frequentemente se encontram na febre, não só faltam muitas vezes em doenças consideradas como febris pelo consenso unanime dos medi- ' Leçons orales de clinique chirurgicale, t. iv. — Paris, 1834. DE TI1ERM0METRIA CLINICA flO COS, mas podem manifestar-se sem que haja febre; alguns d"estes phenomenos, e dos mais imporlantes, se observam mesmo no estado normal. Acresce que as duas funcí,'ões, a circulação e a respiração, que são de prompto consultadas, e cuja frequência pôde ser rigorosamente representada por números, ofTerecem grandes variações, consideráveis modificações, com as edades, estado de repleção ou de vacuidade das primeiras vias, exercício, in- fluencias moraes, etc, etc. Certas aíTecções do coração e dos pulmões tornam muito frequentes o pulso e a respiração, sem que sejam acompanhadas de fe- bre. As sensações especiaes, referidas pelos doentes, as perturbações dos ór- gãos digestivos e annexos e as da innervação podem também faltar em doenças claramente febris. Só a elevação de temperatura é constante. Daqui o podermos detinir a febre: estado pathologico caracterisado pela elevação da temperatura acima do maximum physiologico. Não dizemos sim- plesmente elevação ou augmento da temperatura, porque esta pôde, como te- mos dito, oscillar dentro de certos limites no estado de saúde, pôde subir até certo grau sem que haja febre; para que esta se manifeste é condição essencial que a temperatura animal seja superior ao mais alto grau de temperatura nor- mal. Poderia alguém lembrar-se de objectar que a temperatura de uma parte peripherica inflammada pôde elevar-se muito, exceder mesmo a temperatura ge- ral, que se mantém nos limites normaes, e com tudo não se dirá que o indi- viduo tem febre. A objecção porém não colhe, reflectindo-se que quando se diz temperatura physiologica, entende-se sempre a temperatura geral ou in- terna. No caso alludido a temperatura geral, medida pelo thermometro na axilla, não ultrapassou o limite superior normal; não havia pois febre; houve apenas, se se quizer, febre local ou topka. Para que se possa dizer, com preci- são, que ha febre, é necessário, repetimol-o, que a temperatura do individuo tenha excedido o maocimmn physiologico. O sr. dr. Jaccoud definiu a febre: um estado pathologico constituído pelo augmento da combustão e da temperatura orgânicas *. Notaremos em primeiro logar que, sendo o augmento da combustão orgânica a causa do augmento da temperatura, não ha necessidade de incluir na definição a causa e o eííeito, o phenomeno primordial e o consecutivo. Em segundo logar o augmento da com- bustão orgânica, postoque denunciado frequentemente pela alteração das urinas, não é phenomeno apreciável pelo clinico, e por isso não pôde entrar em uma definição, que, primeiro que tudo, deve ser clara e pratica; emquanto que o augmento da temperatura é phenomeno manifesto, rigorosamente mensurável pelo thermometro, servindo não só para indicar a existência da febre, mas tam- bém para exprimir a sua intensidade e apreciar as suas oscillações. Em terceiro ' Traité de palhotogie interne, t. 1^'', pag. 72. — Paris, 1869. 70 ELEMENTOS logar a temperatura animal, quer physiologica, quer pathologica, não depende exclusivamente das combustões orgânicas; pelo contrario, a temperatura resulta de dois termos: l.°, producção do calor pelas combustões orgânicas; 2°, perda de calor pela irradiação peripherica, evaporação cutânea e pulmonar. É do equi- líbrio entre estes dois termos, um positivo e outro negativo, que emana a tem- peratura normal, a qual permanece constante, fixa (com ligeiras oscillações), porque aquelles dois termos guardam entre si uma relação também constante no estado normal, augmentando ou diminuindo ambos proporcionalmente. Da ruptura d'este equilibrio physiologico procede a temperatura mórbida. Ora, o desequilíbrio, produzindo augmento da temperatura, pôde provir ou do augmento da producção do calor (Iiyperpjrogenese ') ou da diminuição das perdas de ca- lor ou d'estas duas origens; na segunda bypothese a febre não poderia ser de- finida pelo augmento da combustão. É verdade que a exageração das combus- tões orgânicas é o phenomeno capital, o mais importante na febre, mas não é exclusivo. O que é certo, o que é positivo, matliematicamente demonstrado, é o augmento de temperatura, seja qual for a sua origem. Nestas idóas nos pa- rece estar o sr. dr. Jaccoud, porquanto, depois de dar a definição que referi- mos, diz: «seule Télèvation de température est constante et immuable à ce point qu"elle suffit pour spécifier et pour definir la fièvre.» E mais adiante: o . . . tout individu dont la température subit un accroissement durable a la fiè- vre.» As definições de febre, que se encontram nos diversos tratados de patho- logia, são pela maior parte inexactas. Pura exemplo citaremos a de Grisolle: «estado mórbido caracterisado. principalmente pelo calor anormal da pelle, pela acceleração do pulso, por um estado de mal estar e por perturbações diversas de algumas outras funcções-.» Vista á luz dos conhecimentos da actualidade, esta definição apresenta os seguintes vicios: 1.", não òprincipalmetite, masse»»- pre; 2.", não é rigorosa para o caso a expressão calor anormal, porque as tem- peraturas inferiores ao minimum physiologico são também anormaes, e longe de pertencerem cá febre caracterisam a algidez; deveria dizer-se augmento anor- mal da temperatura; 3.°, o augmento da temperatura não se dá só na pelle, mas em todo o organismo, é geral; 4.", a acceleração do pulso não é pheno- meno constante, e dá-se em muitos outros estados não febris; 5.°, os demais phenomenos mencionados na definição podem faltar, ou não se manifestarem. Na febre, não só se eleva a temperatura animal, mas o thermomelro sobe então e attinge o limite da sua ascensão muito mais rapidamente do que no es- * Empregámos este vocábulo, derivado de hyper, excesso, pí/r, fogo, e génesis, ge- ração, para exprimir a producção exagerada do calor. * Traité élémentaire de pathologie interne, t. l". — Paris, 1855. DK TIIERMOMETRIA CLINICA 71 tado pliysiologico. A tlifferenrn é tHo sensível que tem sido medida. Parece que no primeiro caso o poder de irradia(;rio do calórico é muito maior do que no segundo, o que para alguns dá a razão, porque ás vozes os doentes sentem frio, estando a sua pelle muito quente •. A velocidade na ascensão thermome- trica é, pois, também um indicio de febre. Mas qual é o grau Iherraomctiico inicial da febre? Eis o primeiro problema, cuja solução muito importa á pratica da thermo- metria medica. Não eslão inteiramente accordes os observadores, como não o estão na fixação do grau tliermico pbysiologico; mas a divergência é muito pe- quena. Pôde estabelecer-se, de modo geral, que a temperatura de 38" c, to- mada na axilla, exprime o começo da febre. Estabelecido o grau Ibermometrico inicial da febre, senão de modo abso- luto, ao menos approximadainente, o primeiro exame da temperatura em um doente pôde logo fornecer um elemento precioso de diagnostico, quaesquer que sejam os demais symploinas [lor elle oITerecidos. Mas o medico nunca deve limitar-se ao primeiro exame; pelo contrario, se quizer tirar todo o partido da thermometria clinica, deverá proseguir n'esta ex- ploração diariamente, tomando a temperatura duas ou mais vezes nas vinte e quatro boras. É d"este modo, exclusivamente, que elle poderá, além de conhe- cer que ha febre, formar o seu diagnostico, julgar do curso da doença pela tem- peratura, das suas phases, das suas oscillações diurnas, quer no cyclo completo do estado febril, quer em cada um dos seus estádios, e deduzir d'ahi indica- ções para o prognostico o tlierapeutica. Effeclivamente, a curva thermographica de uma doença febril tem, bastan- tes vezes, caracteres que a distinguem da de outra doença. Em grande numero de doenças febris a espécie mórbida pôde ser determinada pela forma da curva thermographica; a simples inspecção d'esta basta, em muitas occasiões, para es- tabelecer o diagnostico. A curva pode variar segundo circumstancias especiaes do caso, mas dentro de certos limites, e tudo isto muito convém conhecer e apreciar. Adoptando três períodos no curso da temperatura pathologica vamos des- crever cada um d"elles em particular. Ladé, op. eit. 72 ELEMENTOS n PRIMEIRO período OU DE INCREMENTO DA TEMPERATURA O primeiro periodo conta-se desde o começo da subida do therraometro acima do nivel physiologico, até que este instrumento attinge o maximum da temperatura mórbida; ou desde a elevação anormal da temperatura até o seu mais alto grau. A este primeiro periodo, em que a temperatura se dispõe, para assim dizer, para chegar ao seu- apogeo, chama o dr. Wunderlich estádio pyro- genetico '. De dois modos geraes pôde effectuar-se o primeiro periodo ou ascensão da temperatura, d'onde resultam dois typos: l.° Incremento rápido. — Aqui a temperatura eleva-se rapidamente, de sorte que em poucas horas (febre intermittenle)^ em um dia ou dia e meio tem attingido o seu maximum (pulmonite, angina e erysipela agudas, variola, etc.) 2." Incremento lento. — N'este typo a temperatura eleva-se lentamente, de sorte que são precisos alguns dias, 3 a G em geral, para chegar ao seu maxi- mum (febre typhoide, pulmonite catarrhal, etc.) No primeiro caso, em que a ascensão é quasi continua ou apenas interrom- pida por fraca remissão, temos o tijpo rápido; o segundo, em que ha muitas oscillações, constituo o typo lento. O typo lento offerece duas variedades: I.^, a temperatura eleva-se gra- dualmente, é ascendente, de modo que as exarcerbações de um dia são maio- res do que as correspondentes do dia anterior, e as remissões menores: 2.^ a ascensão da temperatura é irregular, havendo grandes oscillações. Á primeira variedade, que é a mais ordinária, chama o illustrado professor Jaccoud ati- gmento por oscillações ascendentes: denominal-a-hemos incremento lento regu- lar ou simplesmente ascensão regular; a segunda variedade denominaremos incremento lento irregular, ou simplesmente ascensão irregular (rheumatismo articular agudo, sarampo anómalo, e em geral as doenças de prodromos dura- douros ou de curso mal definido, de invasão insidiosa). Nos dois typos, e suas variedades, do primeiro estádio thermico, a tem- peratura apresenta oscillações; mas no typo rápido as oscillações são muito pequenas, pouco importantes tanto pelo seu numero, que ordinariamente não passa de uma, como pela sua extensão, que ordinariamente se limita a fracções de grau; emquanto que no typo lento as oscillações thermicas repetem-se dia- '■ De pijr, fogo, calor, e giyno, gerar, isto é, productor do calor. DF. THERMOMETRIA CLINICA 73 riamente, sendo sempre ou qiiasi sempre ascendentes na primeira variedade (ascensão regular) e irregulares, ora ascendentes, ora descendentes, na segunda variedade (ascensão irregular). A forma ou typo do primeiro periodo da temperatura pathologica é cara- cteristico em algumas espécies mórbidas. Esle primeiro periodo da leniperalura escapa ordinariamente á observação do medico, pelo menos no seu começo, porque raramente os doentes o consul- tam no principio de suas aíTecções. m SEGUNDO período OU DE ESTADO, FASTÍGIO Assim se denomina o periodo, em que a temperatura patbologica, tendo completado a sua ascensão, permanece, sensivelmente, no mesmo grau. Dize- mos sensivelmente, porque a fixidez da temperatura não é absoluta, sempre a mesma; o thermometro não estaciona rigorosamente no mesmo nivel; apresenta, pelo contrario, oscillaçiJes, das quaes umas, quasi constantes, são diurnas e pe- riódicas, e outras, accidentaes, ligam-se a exacerbações e remissões da doença, ou a phenomenos intercorrentes, ou aos meios therapeuticos empregados. De ordinário a temperatura diminue pela manhã (remissão) e sobe á tarde (exacer- bação). Este periodo, em que a febre está confirmada, em que ella mostra a tem- peratura que lhe é própria ou característica, medeia entre o fim do primeiro pe- riodo e o começo do terceiro. De dois modos geraes pôde veriQcar-se o fastígio, d'onde resultam dois ty- pos ou formas: 1." Fastígio rápido.- — Quando o maximinn se manifesta algumas horas a três dias, completando-se todo o seu curso n"esle lapso de tempo, e seguindo- se-lhe logo a declinação ; a curva thermographica apresenta só um, dois ou três máxima, ordinariamente á tarde, representados pelos vértices superiores dos ângulos. É o fastígio rápido, que se dá nas sezões, febre ephemera, erysipela, pulmonite ás vezes, e, em geral, nas doenças agudas de curta duração. O dr. Jaccoud denomina esle typo ou forma fastigium à sommets. 2." Fastigio lento. — Quando o maximiim tliermico se repete mais de fres dias successivos. N"este typo, a que o dr. Jaccoud dá a denominação de fastí- gio oscíUaníe, e que designaremos fastígio lento, apresenta lambem remissões matutinas e exacerbações ve.«pertinas, variando a amplitude das oscillações da temperatura, o que dá origem a certas formas ou variedades. MEM. DA ACAD. — 1.* CLASSE. T. IV, P. II. 10 74 ELEMENTOS Em relação ao curso e á extensão das oscillações thermicas podem admit- tir-se quatro variedades fundamentaes D'este segundo typo ou fastígio lento. 1." Fastígio lento egual. — As oscillações são sensivelmente eguaes nos differentes dias, sendo pequena a sua amplitude; a exacerbação vespertina de um dia restabelece, pouco mais ou menos, o maxhmím do dia anterior, que fora diminuído pela remissão matutina, d'onde resulta ser o fastígio represen- tado por uma curva horisontal, cujos ângulos superiores pouco distam dos in- feriores (fracções de graus, 3 a 7 décimos apenas). A esta variedade, que se tem appellidado continua, dá o dr. Jaccoud a denominação de fastígio de os- cillações estacionarias; cbamal-a-hemos fastígio lento egunl. Observa-se esta variedade na pulmonite aguda tranca, na escarlatina, na febre inicial da va- ríola, no typho exantbematico, etc. A duração d'este fastígio é de 4 a 7 dias, ordinariamente. 2.* Fastígio lento ascendente. — As exacerbações da temperatura são suc- cessivamente maiores do que as anteriores, sendo por consequência crescente a amplitude das oscillações, donde resulta ser ascendente, na sua totalidade, a curva thermographíca, ou a línba que passar pelos seus vértices superiores (máxima), succedendo o mesmo á linha que reunir os vértices inferiores (mi- nima); d'aquí vem chamar o professor Jaccoud a esta variedade fastígio de os- cillações ascendentes; denomínal-a-hemos fastígio lento ascendente. 3.^ Fastígio lento descendente. — As exacerbações thermicas são successi- vamente menores, d'onde resulta ser descendente a curva thermographíca, e por isso o dr. Jaccoud appellida esta variedade fastígio de oscillações descen- dentes; chamal-a-hemos fastígio lento descendente. N'estas duas ultimas varieda- des a amplitude das oscillações não excede l'',5, ordinariamente. 4.* Fastígio lento remítiente, irregular. — As oscillações diurnas são gran- des, e frequentemente deseguaes, irregulares; a amplitude das oscillações chega a 3° e mais. O dr. Jaccoud considera com outros observadores esta forma como um terceiro typo, a que chama fastígio remittente. Mas como n'esta forma se dá o caracter fundamental do segundo typo, isto é, ser lento o fastígio, por isso a temos por uma variedade d'este, denominando-a fastígio lento remittente, ir- regular. Dá-se esta variedade nas doenças febris de longa duração, a tubercu- lose, febre heclica, suppurações diuturnas, e também nas febres catarrhaes, pye- mia, rheumatismo articular, etc. Não se creia que as doenças devam apresentar forçosamente uma ou outra d'estas variedades exclusivamente; a natureza não se submette servil ás nossas classificações; pelo contrario, não é raro observar no mesmo morbo, mormente quando a febre se prolonga, diversas variedades successivamente. Segundo as observações do dr. Thomas, nas doenças inflammatorias a tem- peratura sobe progressivamente do meio dia para a meia noite, e decresce DE THERMOMETRIA CLESTCA 75 d'esla até pela manhã. Mas nem sempre este é o curso das oscillações diurnas; casos ha. mais raros na verdade, em que se observa o inverso, isto é, a tem- peratura matutina é superior á vespertina, como viu o dr. Hirtz na tisica aguda, 6 temos encontrado, accidentalmente, em outras doenças. Segundo o dr. Srao- ier, de Praga, quando esta forma se manifesta no começo da doença, persiste depois em todo o seu curso. Se dado maximum de temperatura fosse constante para cada espécie pa- thologica, ou se cada doença tivesse o seu maximum de temperatura, teríamos aqui um symptoma pathognomonico no rigor do termo. Não succede porém as- sim, o que não nos deve maravilhar, por quanto a semiologia, ou mais parti- cularmente o diagnostico, não possue um signal infallivel, um symptoma que possa ser rigorosamente qualificado de pathognomonico. Mas se o maximum de temperatura não revela, só de per si, a espécie pa- thologica, indica a ordem ou classe, a que pertence a doença, que se observa, o que é já de summa vantagem para o medico no estabelecimento do diagnos- tico, do prognostico e da therapeutica, e o maximum da temperatura, conjun- ctamente com os outros symptomas, é um dos meios mais importantes, senão o mais seguro, para chegar a determinação da doença. .\cresce que o maximum da temperatura é a medida mais exacta, que pos- suímos, da intensidade da febre, e a sua duração serve para distinguir certos grupos de afíecções febris. As temperaturas mais elevadas dão-se nas doenças, em cuja invasão, ou mesmo no seu decurso, se manifestam calefrios. N"estas doenças além de ser alta a temperatura, é rápida a ascensão do thermometro até chegar a essa tem- peratura, em que estaciona. Podem servir para exemplos a febre intermittente, a pyemia, a febre puerperal. As doenças, em que a febre precede qualquer localisação mórbida, apre- sentam temperaturas mais altas (40", 41° e mais graus) do que as doenças em que a febre é secundaria, consecutiva á lesão de um órgão ou tecido; no pri- meiro caso estão as febres ditas essenciaes (febre typhoide, typho) e as eruptivas (escarlatina, sarampo, variola), e no segundo entram as inflammações agudas dos differentes órgãos. E ainda aqui ha variedades, que se podem notar de modo geral; assim, nas inflammações das serosas, a temperatura raramente attinge 40", e nas das mucosas poucas vezes chega a 39" K Differem ainda as inflammações agudas (além da menor temperatura) das febres, tanto inficiosas como exanthematicas, pela menor variabilidade da temperatura e pelo seu curso mais regular. Quando em qualquer doença a temperatura é de 40'',5 a 42", a febre é 1 Ladé, op. cit. iO. 76 ELEMENTOS muito intensa e deve fixar seriamente a attenção do clinico, mormente se ella permanece n'este grau, porque o prognostico é então gravíssimo, e pôde predi- zer-se, com grande probabilidade, uma terminação fatal, quando o thermome- Iro marca além de 42°. Como nota o dr. Griesinger, devemos desconfiar das temperaturas muito elevadas e muito baixas, que apresentam os doentes na occasião da sua entrada nos hospitaes; são, muitas vezes, temperaturas accidentaes, o que se conhece, logo que a temperatura toma o seu curso ordinário. Quando no periodo de estado ou fastigio sobrevem complicações, estas são denunciadas por elevações tardias ou serôdias da temperatura '. É muito variável a duração- do segundo periodo; de algumas horas, como nas sezões, a muitos dias, 4 a 7 dias e 4 a 5 septenarios, como na febre ly- phoide; comtudo offerece certa regularidade cm muitas espécies palhologicas. Não ha relação constante entre a duração do primeiro periodo e a do se- gundo; pôde dizer-se, em geral, que quando o primeiro periodo é curto, nas doenças agudas, o segundo também o é; quando dura alguns dias, como suc- cede na febre typhoide, o periodo de estado prolonga-se por alguns septena- rios; encontram-se, porém, excepções, como na crysipela, que apresenta um pe- riodo de invasão rápido, em quanto que o de estado pôde prolongar-se por al- gumas semanas. Quando, além de extenso, o primeiro periodo offerece oscillações notáveis, como se observa em certos rheumalismos, o segundo periodo apresenta egual- mente grandes oscillações. Também se tem notado que, em geral, no segundo periodo a elevação da temperatura è maior depois de um periodo inicial curto, do que quando este é lento e oscillante; ha todavia numerosas excepções. Estudando a temperatura, no segundo periodo, das doenças febris de typo continuo, submettidas á expectação racional, chegou o dr. Maurice a estas con- clusões: 1.^ As oscillações diárias da temperatura podem ser nullas; não ha então remissão nem paroxysmo. 2.'* As oscillações podem ser muito pequenas, infe- riores a um grau, como nas affecções sub-agudas. 3.^ As oscillações podem ser superiores a um grau, chegando muitas vezes a dois graus, e excedendo este limite se sobrevem uma perturbação no curso natural da doença. 4.^ Em todo este periodo a temperatura permanece constante ou raramente excede a dos primeiros dias^. Em relação á época e ao modo por que se manifestam as oscillações diur- nas, no segundo periodo da temperatura, admitle o sr. Maurice quatro typos- ' Wunderlich, op. cit. 2 Op. cit., pag. 30. DE TIlERMOMETniA CMMCA / / No primeiro a temperatura eleva-se mais á tarde do que pela manhã. No se- {Tundo o maxiiitum da temperatura verifica-sc peia manhã c o minimmn á tarde. No terceiro a temperatura não experimenta variação alguma, mantem-so egual pela manhã e á tarde. No quarto o curso da temperatura ê muito irre- gular, ora sobe ora desce, quer de manhã quer de tarde. O primeiro typo re- presenta a regra geral; o segundo é raro; o terceiro e o quarto são devidos, segundo julga o sr. Maurice, ao tratamento ', o que nos não parece exacto, por- que muitas outras circurastancias, já inherentes á doença, já estranhas a ella, podem fazer variar a temperatura. Temperatura hijperpijrclka. Em muitos casos a temperatura eleva-se muito na agonia ou prope mortem. A estas temperaturas exageradas deu o dr. Wun- derlich o nome de In/perpi/reticas. Observam-se estas temperaturas em varias doenças, na febre typhoide, escarlatina, p)emia, tuberculose pulmonar, tétano e outras, nas quaes a temperatura chega a 42°, e raramente a 42",5, 43°, e muito mais raramente a 44'',73. A máxima temperatura notada pelo sr. Andral é de 42^ pelo sr. Roger de 42", 3 em uma creanra com meningite aguda, pelo dr. Maurice de 40^6 na pulmunite e na febre continua, pelo dr. Uhie de 42'',3 em um epiléptico no mo- mento da agnnia, pelo dr. Compton de I07°,2 Fah. (40°,6 c), pelo sr. Labbée de 41",6 em uma febre t3phoide de fúrma adynamica, e pelo dr. Hirtz de 44" em uma febre intermittente terçã, que se curou. Em um doente com fracluiva do craneo, amoUecimento e dilaceração cere- bral achou o dr. Ladame, uma hora e um quarto antes do óbito, a temperatura de 41",5; três (juartos de hora antes do óbito 42°; no momento da morte 42'',4, e cinco minutos depois 42'',5, que se conservou n'este ponto por uma hora, diminuindo depois, de sorte que 2 ^4 horas depois do obilo era de 40", e 4 ^4 horas depois do óbito de 39°. O dr. Wunderlich viu em um tetânico o thermometro subir a 44°,75 no momento da morte, e mais meio grau, 4o°,25 uma liora depois da morte; é a temperatura mais alta, de que temos conheci- mento. Nunca observámos temperaturas tão elevadas; o maximum que temos no- tado é de 42° em uma febre typhoide, que terminou pela cura; em outro doente de febre typhoide de forma ataxo-adynamica, no qual o thermometro marcou 39°, 5, a temperatura foi o minutos depois do obilo (11 horas e 3o minutos da manhã) de 40°,2; passadas 2 '/a horas tinha descido a 37°,7, e 3 horas de- pois a 33°. Em outro caso de febre typhoide de forma adynamica, que obser- vámos em um rapaz de 17 annos de edade, temperamento lymphatico, consti- tuição fraca, creado de servir, notámos: quatro horas antes de fallecer, o que ' Op. cit., pag. 27. 78 ELEMENTOS teve logar ás oito e um quarto horas da noite, 36°,4; ás oito e meia horas (quinze minutos depois do óbito) 36°, 4 (a mesma temperatura); ás oito horas 6 quarenta e cinco minutos (meia hora depois do ohito) 36°,0 ; ás nove horas (três quartos de hora depois do óbito) 35", 5; ás nove horas e um quarto (uma hora depois do óbito) 34°,8; ás nove horas e meia (uma hora e um quarto de- pois do óbito) 34°,3; ás nove horas e quarenta e cinco minutos (hora e meia depois do óbito) 33°,7; ás dez horas (uma hora e três quartos depois do óbito) 32'',4 ; e ás onze horas (duas horas e três quartos depois do óbito) 30°,0. Pelo que fica dito, não pôde ter-se por exacto o asserto do dr. I\Iarey com relação á máxima elevação da temperatura, expresso n'estes lermos: «En somme, dans les fièvres les plus intenses, on trouve seulement 3 ou 4 degrés d'augmen- tation dans la température '» quer o illustrado medico tome por ponto de par- tida a temperatura media physiologica Çòl°,2'), quer o limite superior d'esta (38°). Qual é a causa da extraordinária elevação de temperatura? O dr. Wunderlich diz que as temperaturas hyperpyreticas annunciam um começo de paralysia geral. Não é dar a explicação do phenomeno. O dr. Ladame attribue-as á paralysia da medulla oblongada. Em apoio adduz o eximio medico : 1.°, os seguintes S}'mptomas, que observara em um doente, difficuldade na deglutição, eructações, pancadas do coração muito frequentes (184 por minuto), respiração pouco frequente e irregular, pupillas muito contrahidas; 2.°, as experiências de corte dos nervos vaso-motores, d'onde resulta elevação de temperatura nas parles em que se distribuem esses nervos. O dr. Ladé adopta esta opinião, que generalisa, formulando-a assim: «as temperaturas hyperpyreticas são produzidas pela paralysia dos centros nervo- sos.» Tudo isto mostra os bons desejos de explicar um phenomeno, cuja causa é ignorada. Não nos parece que esteja bem determinada a causa primordial das temperaturas mórbidas; trataremos mais de espaço d'este objecto na thermo- ■Phjjsiol. méd. de la circulaiion du sawj. —Paris, 1863. DE THERMOMETRIA CLINICA 79 IV TERCEIRO período OU DE TERMINAÇÃO De tres modos geraes pôde apresenlar-se este terceiro periodo; ou a tem- peratura declina e ciiega ao nivel physiologico *, o que se veriflca em todos os casos de cura e muitas vezes nos de obilo; ou persiste no maxhnum, pouco mais ou menos, do fasligio, o que se dá nos casos de óbito; ou eleva-se ainda mais no momento da morte. Á vista d"esle curso thermico não pôde dizer-se que a temperatura patho- logica termine sempre pelo seu abaixamento ou diminuição, e por conseguinte seria impróprio o nome de declinação ou de desfervencia dado, de modo geral, a este terceiro periodo. É por este motivo que preferimos a designação de pe- riodo de terminação. D"aqui se deduz também a conveniência de considerar se- paradamente este terceiro periodo nos casos de cura e nos de obilo. A. Nos casos de cura. Ao regresso da temperatura pathologica ao nivel physiologico os observa- dores allemães com o dr. Wunderlich têera chamado defervescenz, d'onde os observadores francezes derivaram o vocábulo dcfervescence. Exprimiremos a mesma idéa pelo termo desfervencia ^, que nos parece de bom cunho. Podería- mos propor um vocábulo de origem grega, dijslhcrmasia ^, que tem egual si- gniGcação, senão julgássemos supérfluo augmentar, sem necessidade, o voca- bulário medico. De dois modos pôde effectuar-se a desfervencia, d'onde resultam dois ty- pos: 1." Desfervencia rápida. — A temperatura decresce rapidamente, verifican- do-se em algumas horas (febre intermittente) até dois dias (pulmonite aguda) a temperatura normal (apyrexia). A desfervencia rápida começa a manifes- tar-se, ou por grande diminuição da exacerbação vespertina relativamente ã do dia anterior e á remissão do mesmo dia, ou por augmento considerável da remissão matutina, havendo d'este modo uma grande queda da temperatura (1°,S a 4° e mais; cm curto lapso de tempo. Esta forma de desfervencia cor- responde ao que os antigos chamavam crise K Às vezes a desfervencia é prece- ' Em alguns casos a temperatura na sua declinação vae abaixo da media normal (37°, 27), mantendo-se comtudo ainda nos limites physiologicos. - De des ou dh, pretixo disjunctivo, e fervcnciu. ^ Formado de dijs e íhennasia, fervor. '' Lat. crisis, do gr. krisis. juizo. 80 ELEMENTOS (lida de elevação temporária da temperatura; é a periurhatio critica. A desfer- vencia rápida é observada em grande numero de doenças, sarampo, varioloide, erysipeia, typlio exanthematico, etc; é rara nas febres catarrhaes. A desferven- cia é às vezes tão rápida que passa despercebida pelo clinico; nos casos de terminação fatal falta frequentemente. 2." Desfervcncia lenta. — A temperatura declina lentamente, sendo preci- sos muitos dias, 4 a 10, para que a temperatura chegue á media normal, a qual ultrapassa ás vezes. É a desfervcncia lenta que constilue o que os, antigos chamavam lijsis '. Observa-se na febre typhoide, rheumalismo articular agudo, pericardite, etc. Este typo oíTcrece duas variedades, fundadas na extensão da amplitude das osciUaçues; ou a :implilude é pequena, a temperatura vae gradualmente dimi- nuindo, ou a amplitude das oscillaçiJes é gi-ande, havendo grandes remissões e exacerbações. No primeiro caso diz-se desfervcncia regular, egual, e no segundo desfervcncia remittente. A desfervencia diz-se completa, quando reapparece a temperatura normal; e incompleta, quando ha simplesmente grande diminuição da temperatura pa- thologica, que poinianece, por largo tempn, acima do grau normal (0°,3 a 1"). Tem-se chamado desfervencia provisória á que apparece nu fim do primeiro pe- ríodo de certas doenças, nas quaes a febre reapparece mais tarde, como se ob- serva na variola; desfervencia intermittcníc, quando a temperatura da manhã é egual á normal, permanecendo elevada a da tarde. A designação de desferven- cia remittente tem também sido empregada quando a temperatura matutina é muito próxima da normal. B. Nos casos de morte. Quando a terminação da doença é fatal, o terceiro periodo da temperatura pathologica tem recebido a denominação de periodo agonico ou da agonia^. De três mod^s geraes pôde effectuar-se o periodo agonico, d'onde resul- tam três typos. 1." Desfervencia agonica. — A temperatura vae diminuindo successivamente alé o dia em que deve veriflcar-se o óbito, e no momento da morte a tempera- tura ou baixa ainda mais, ou se eleva mais ou menos (de alguns décimos de grau a um grau e meio). A esta fórraa se tem chamado typo descendente; de- nominal-o-hemos desfervencia agonica ou periodo agonico descendente. Obser- va-se nas doenças de longa duração e consumptivas (febre typhoide, febres eru- ptivas complicadas, etc.) 2." Iiícrcmcnlo agonico ou periodo agonico ascendente. — A temperatura, * Ly<:is, solução, de hw, solver. ^ Derivado de arjón, combate, lucta. DE THERMOMETRIA CLINICA 81 longe lie declinar, vac subindo continuamente até o óbito, em que apresenta o seu 7naj:imum. É o lypo ascendente; poder-se-hia chamal-o incremento ago- nico. N'este typo nem sempre a temperatura sobe progressivamente; ás vezes no seu curso a temperatura apresenta alguma remissão, a qual por ser pequena não destroe o caracter geral da ascensão thcrmica. Mas ha duas variedades, que importa conhecer; uma consiste em a temperatura ollerecer no seu curso ascen- sional uma grande remissão ou descenso; é um phenomeno accidental, que tem a sua razão de ser em algum incidente, epiphenomeno ou complicação, como hemorrhagia copiosa, perforação intestinal, etc. Neste caso ou o doente succumbe nessa temperatura baixa, o que se verifica quando a morte succede immedia- tamenle ao accidente, ou a temperatura torna a elevar-se ao seu maximum ou perto d"este, no qual succumbe o doente. A esta variedade o dr. Jaccoud im- poz o nome de ti/po ascendente quebrado. A outra variedade consiste em a elevação de temperatura ser precedida, durante 36 a 48 horas, de notável descenso (1° a r,S); esta declinação da tem- peratura poderia impor por bom signal prognostico, fazer crer na resolução da doença; mas ordinariamente, o estado geral do doente, o augmento successivo da frequência do pulso e da respiração e os demais symptomas mostram a illusão, que é depois confirmada pela ascensão da temperatura. A esta varie- dade deu o dr. Jaccoud a denominação de typo ascendente com remissão ini- cial. N"estas duas variedades o traço saliente é a remissão notável, que pôde inanifestar-se no curso do terceiro período ou no começo d'este; por isso as designaremos collectivamente pela denominação de incremento remittente. 3." Incremento agonico irregular. — A temperatura experimenta no seu curso muitas remissijes e exacerbações, sendo crescente a amplitude das oscil- lações nos dois ou três dias que precedem a morte. É o typo irregular; poder- se-hia denominal-o incremento agonico irregular. Segundo o dr. Jaccoud este typo dá-se principalmente nos doentes, ]que foram submettidos a uma thera- peutica violenta. Admittimos pois no terceiro periodo, nos casos de óbito, dois typos fun- damentaes, — desfervencia agonica e incremento agonico, — e n'este segundo typo três variedades, — egual ou regular, remittente, e irregular. Poderia qualificar-se este terceiro periodo d'outro modo, a saber : periodo agonico, seria o nome geral ou do género, o qual constaria de duas espécies, — periodo agonico descendente (desfervencia agonica) e periodo agonico ascen- denle (incremento agonico) ; esta segunda espécie apresentaria três variedades, — periodo agonico ascendente egual ou regular, per. ag. ase. remittente e per. ag. ase. irregular. MEAI. DA .\CAD. — 1.^ CLASSE. T. IV, P. H. 11 82 ELEMENTOS No quadro seguinte resumimos os períodos da temperatura pathologica com suas variedades. „ . , í algumas horas Rápido ,. . , , \ ' I a um e meio dia l.° Período. . Incremento ■ . . { , , y T . regular (Lento . " , ^ ' irregular „ . , l algumas horas Rápido ° , ,. ( a três dias 2." Perido . . Fastígio { ' cgual, regular ,, , \ ascendente Lento < , , , J descendente ' remittente, irregular í _. . , i algumas horas 1 Rápida ° . . ,. _ „ . \ "^ a dois dias ÍDesfervencia ' , , ,.■-(■ IN ), . \ ogua\, regular ( termmacao favorável) / Lenta ... . .^ , ^ [ ( remittente, irregular [ Descendente (desfervencia agonica) Período agonico ) í egual, regular (terminação lethal) ) Ascendente . . . | remittente » ( irregular Período ou estádio amphibolo. Alguns observadores admittem com o dr. Wundeilich um período no curso da temperatura, a que este celebre pratico de Leipzig chamou amphibolo K É um período que medeia entre o fastígio e a des- fervencia, e no qual a temperatura se mostra incerta, vaga, irregular, com no- táveis oscíllaçues, por tempo variável, ás vezes por uma semana ou mais. Casos ha em que algumas d'estas oscíUações podem ser attríbuidas ou a accidentes da doença ou aos meios therapeutícos empregados; d'outras porém ígnora-se a causa. Ohserva-se em doenças graves, taes como o typho, meningite epidemí- ca. Tem-nos parecido que este período amphibolo, no qual os máxima de tem- peratura não são ordíiiar'íamentc Ião elevados como no fastígio, não constítue um período distincto; é apenas a prolongação do fastígio irregular. Nem todos os observadores têem adoptado a divisão das formas da desfer- vencia da temperatura pathologica, que expozemos, por nos parecer exprimir me- lhor os factos. Os drs. Traube, Wunderlích e Spielmann admittem ires typos de desfervencia: 1.°, desfervencia rápida, quando em 12 a 3G horas a temperatura dímínue 1",5 c mais, observando-se principalmente quando a temperatura de- cresce não só da tarde para a manhã, mas também d'esta para aquella; 2.", des- Do grego amplúholos, incerto, ambíguo; derivado de amphi, dois e hallô, laneav. DE THERMOMETRIA CLINICA ,4 64 20 37° 0 60 24 1 10." 36°,5 60 20 37° 0 58 22 Tuberculose pulmonar ( Indeter- 38°,0 100 32 37° 8 104 44 Do3.°grau; morte j minado 37",6 104 40 37° 2 106 40 30." 37°,0 100 32 37° 0 104 34 31.° 36», 3 100 36 38° 2 110 40 32.» se-.s 100 36 38" 1 108 38 33.° 37°,0 104 36 38° 0 116 38 Empyema do lado es- querdo; morte 34.° 35.» 36.° 37°,0 37°,6 36°,5 104 100 100 32 36 32 38° 38° 38° 4 2 0 120 120 128 40 36 36 37.° 37°.5 106 36 38° 4 124 36 38.° 36°,5 104 36 38° 8 124 48 39.° 37'>,0 110 44 38° 5 120 36 40.» 36",7 104 32 38° 0 116 36 94 ELEMENTOS Doenças Dias da doença Das 9 ás 10 horas da manha Tempera- tura Respira- ção Das 3 aB 4 horas da tarde Tempera- tura Respira- ção „ , , O doente Hyperlrophia excen- , trica (enorme) do \ e ventriculoesquer- ,4 37°,5 31",^ 108 120 104 100 96 72 100 76 86 72 76 80 72 72 60 S6 m 60 32 36 40 48 28 24 28 28 18 18 18 26 20 20 16 20 18 20 38°,0 37",7 38°, 1 38",0 37°,1 38°,4 38°,2 38°,3 116 100 100 100 96 56 56 56 32 32 32 38 28 22 20 20 1 lista observação ó muito extensa e por isso do respecli\o registo só extraliimos as temperaturas notadas em alguns dos dias. Estas observações, a que poderíamos juntar grande numero d'outras, são suíficientes para provar as proposições que enunciámos a respeito da relação entre a temperatura e a frequência do pulso; para tornar mais clara a demons- tração, dispomos na tabeliã seguinte as temperaturas em escala decrescente cora o numero de pulsações que corresponderam a cada uma. DE THERMOMETRIA CLINICA 95 Graus ther- ' mometricos PiiUaçõos 40",S 40%3. 40°,2. 40",0 39°,6. .39°,5 39°, 4 39°,2 39°,0 38°,8. 38°,7 38°,5 130 124 HG 116 104 100 110 112 100 96 120 112 110 100 72 60 100 76 124 86 70 120 92 Graus ther- mometricos Pulsações 38°,4 38°,3.., 38",2 38M 38°,0 37°,8 37°,7., 37°,6 124 120 56 56 120 116 72 60 56 108 100 54 128 116 100 76 36 108 104 100 104 100 Graus tlier- mometricos Pulsações 37»,5 37°,4. 37°,3. 37'',2 37°, 1 37°,0 106 100 90 88 80 74 72 68 64 62 54 120 73 100 74 60 58 96 60 110 104 100 Graus ther- mometricos Pulsações 37°,0 36'',7 36°,6 36°,5 36°,4.. 36°,3.., 36°.0. . . 64 60 58 54 52 104 56 52 72 60 104 100 66 60 48 64 100 52 Ha casos, em que a desharmonia do pulso cora a temperatura tem a sua razão de ser mais ou menos manifesta ; assim nas aíTecçiiies pulmonares graves pôde o pulso tornar-se frequente, quando a temperatura baixa, o que, segundo o dr. Smoler, é effeito da asphyxia. Nas affecçues cerebraes observa-se, no pe- ríodo de compressão, a lenteza do pulso sem modificação na temperatura ; na convalescença a anemia consecutiva entretém a frequência do pulso, em quanto que a temperatura é normal ou hypophysiologica '. Se o grau de temperatura não mantém relação com a frequência do pulso, tem-n'a mais intima com a tensão do pulso e a pressão do sangue; a tensão ar- terial diminue a elevação da temperatura. Foi esta circumstancia que nos levou a introduzir em os nossos registos thermo-spbygmo-pneometricos as curvas tra- çadas pelo sphygmographo. Nouv. dict. de méd. et de chir. pratiques, t. vi.— Paris, 1867. 96 ELEMENTOS As idéas que temos apresentado sobre as relações da temperatura com o pul- so, 6 que são a deducção dos factos que temos observado, representam a opi- nião geralmente seguida pelos práticos, que se tèem dedicado a este estudo. O dr. Monneret na sua Palhologie genérale, t. ii, depois de dizer que a frequên- cia do pulso é proporcional, em geral, á intensidade do calor febril, acrescen- ta: «Cependant cetle corrélation iiest pas anssi constante quon le dit. On ob- serve sous ce rapport des variations nombreuses. » O dr. Spielmann cbegou a esta conclusão : «O pulso augmenta de frequên- cia cora a temperatura na maior parte dos casos; mas é impossível julgar da elevação da temperatura pela frequência do pulso e vice versa Kv Dos factos de observação própria e alheia o dr. Hirtz, de Strasburgo, concluiu: 1." O pulso accelera-se quasi sempre com a elevação de temperatura ; mas pude accelerar- se por outras causas; 2." A variabilidade do pulso impedirá sempre que este dè a medida exacta do estado febril, em quanto que o calor é a sua expressão a mais precisa ^. O dr. Peter, aggregado da faculdade de medicina de Paris, apresentou em 18G7, á académie de médccine um trabalho intitulado: Des rela- tions entre les modifications de la température genérale et des changements de volume de quelques organes internes, — cuja conclusão, relativamente ao nosso assumpto, é esta: «II n'y a aucun rapport constant entre les variations de la tem- pérature et celles de la circulation^.» Assim, pois, continua o dr. Peter, o augmento de frequência do pulso nas doenças não traz comsigo necessariamente a elevação da temperatura geral (tomada na axilla), e quando esta se eleva, en- tão que o pulso augmenta de frequência, não lia relação constante entre o au- gmento de frequência do pulso e a elevação da temperatura. IV RELAÇÃO ENTRE A TEMPERATURA E A RESPIRAÇÃO ; FORMULA DA RELAÇÃO DA TEMPERATURA COM O PULSO E A RESPIRAÇÃO Consideraremos aqui somente os movimentos respiratórios. Menos rigorosa, menos precisa, menos constante, é a relação entre o grau da temperatura e a frequência da respiração. Bluito em geral pôde dizer-se que entre os dois phe- nomenos ha certa relação, que com tudo não é proporcional; pela frequência da respiração não se pode medir a elevação de temperatura, como se não apre- ' These cit. ^ Nouv. dict. de méd. et de chir. pratiques. — Paris, 1867. 5 Gazette des hãpiiaux, n." 47, 20 avril. Paris, 1867. DE THERMOMETRIA CLINICA 97 cia a frequência do pulso. Os factos colliidos por grande numero de observa- dores e os de nossa própria observação atlestam esta proposição. Das observações thermometricas, que ha pouco referimos, se deduz a se- guinte tabeliã : Graus ther- morae tricôs Respirações Gr.ius ther- moraetricos RespiraçEcs Graus ther- momeíricoB Respirações Graus ther- mometricos Respirações 36°,0. 20 / 20 18 38°,8.. 48 36°,3. 36 24 i 20 39°,0. . 28 36°,4. 20 37°,2 < 28 38°,0 < 32 / 20 36°,S ( 20 22 32 37%3... 36 40 32 ( 36 38 J8 39". 2 ( ) 24 36 64 36", 6 36 24 37°,4... 36 20 38»,1 . 32 38 39°,4 1 48 60 í 48 26 1 16 28 1 18 i 28 i 18 39°,5 64 36°,7 ) 1 20 37°,5 36 38%2 < 20 68 32 40 i 36 39°,6... 28 20 1 44 ( 40 40°,0 27 1 22 [ 48 38°,3... 20 68 ' 24 l 52 í 22 40°,2... 66 37°,0 28 32 37°,6 j 28 36 38°,4 36 40 40°,3... 40'',5 30 28 34 37°,7..: 40 38°,5 j 28 68 36 32 36 37M 1 J 44 28 32 37°,8 32 44 38",7 18 28 Esta tabeliã mostra claramente quanto variável é a relação entre o numero de graus de temperatura e o numero de respirações. Na thermometria clinica es- pecial encontraremos a cada passo a confirmação do que deixamos dito. O dr. Smoler crê mais intima a relação do que suppomos, porquanto opi- na que a acceleração da respiração está constantemente em relação com a ele- vação de temperatura e muito irregularmente com a acceleração do pulso; para aquelle medico o calor febril e a combustão, que o origina, são as verdadei- ras causas da precipitação dos movimentos respiratórios. A respeito da influencia das inflammações das vias respiratórias sobre a temperatura, o dr. Hirtz formula esta proposição geral: «emquanto a inflamma- ME.M. DA .\a\D. — 1.* CL.\SSE. T. IV, P. II, 13 98 ELEMENTOS cão das vias respiratórias, no seu primeiro periodo, não embaraça a hematose, a temperatura não excede a normal ; ella decresce, ao contrario, logo que os phenomenos asphyxicos se pronunciam *.» O illustre escriptor acrescenta: «Mais en deliors de cetle formule générale, que d'exceptions à résoudre!» E teve ra- zão ; tanto são as excepções que temos encontrado, que difficilniente subscreve- ríamos á formula geral. O dr. Peter no seu já citado traballio, apresentado em 1867 á academia im- perial de medicina de Paris, chegou a esta conclusão: «II n'y a aucun rapport constant entre les variations de la température et celles de la respiralion^l» Assim, segundo o dr. Peter, o augmento de frequência da respiração não traz necessariamente a elevação da temperatura, e quando esta se eleva, então, que a respiração augmenta de frequência, não ha relação constante entre o augmento de frequência da respiração e a elevação da temperatura. O sr. Hardy admitlindo no adulto, no estado physiologico, a temperatura media de 37°, 15, a frequência do pulso de 72 e a da respiração de 20 por mi- nuto, isto é, T=37",Iy, C^72 e R=20, deduziu que a relação normal en- tre a temperatura e a circulação era: 1=^=0,513 e a da temperatura com a respiração : T 37°,1S R~ 20 = 1,85^ De modo análogo se pôde formular a relação entre a calorificação e a cir- culação e a respiração no estado pathologico, referindo os resulados á mesma unidade, á relação physiologica. Eis a proporção que nos servirá para avaliar a relação entre o numero de graus da temperatura e o numero de pulsações : T T' ^:100::^:X = T exprime a temperatura normal (T=37'',27); C representa o numero normal de ' Nov. dict. de méd. et de chir. pratiques. —Paris, 1867. - Gazette des hój)itaux, n.° 47. — Paris, 1867. ' Na these do sr. Hardy estíi escripto o numero 0,56 e não 0,51, que indicámos, o que nos parece ser erro typographico, posloque se encontre repetido. ^ These eit., pag. 19. DE THERMOMETRIA CLINICA 99 pulsações por minuto (C==73); T a temperatura do doente e C o numero de pulsações, por minuto, do doente. Esta formula pois traduz-se assim : a relação normal entre a temperatura e a circulação está para a unidade, 100, assim como a relação entre a temperatura e a circulação pathoiogicas estará para o numero que lhe deve corresponder proporcionalmente. D"aquella formula se deduz que, para determinar a relação da tempera- tura e do pulso no estado palhologico com a do estado physiologico, bastará juntar duas cifras ao quociente do numero de graus da temperatura anormal pelo numero de pulsações do doente e dividir por 0,51. Para determinar a relação da temperatura com a respiração procede-se do mesmo modo, substituindo, na proporção acima estabelecida, o numero de pul- sações pelo de respirações por minuto. Assim : T T' Representando R o numero normal de respirações por minuto (R^20) e R' o numero de respirações, por minuto, do doente. D"esta formula se deduz que, para achar a relação da temperatura c da respiração do doente com a normal, bastará juntar duas cifras áquella relação ou ao quociente da temperatura anormal pela respiração do mesmo doente e dividir o resultado por 1,8o. Mas não ha necessidade de recorrer a estas formulas, que demandam certo calculo : como o lim principal é a apreciação das modiflcações por que vão pas- sando a temperatura, a circulação e a respiração no decurso das doenças, os registos bem traçados mostram sufficientemente á vista as oscillações d"estas três funcções. Admittiram-se na temperatura certas modiflcações ou variedades, a que se deram denominações especiaes, taes como calor halitoso, secco, acre, mordi- cante, ardente ou urente ; calor idiopathico (quando manifestado na parte doen- te), calor sympathico (quando manifestado em partes differentes da affectada). calor errático (aquelle que se transportaria rapidamente dum para outro to- gar) etc. '. Estas variedades da temperatura, que não são reveladas pelo tliermome- tro, não têem actualmente a importância que outr'ora se lhes attribuiu. 1 Forget; De rinfluence que les mahdies exercent sur Ia chaleur animale, pag. 18. — Paris, 1832. 13. 100 ELEMENTOS RELAÇÃO DA TEMPERATURA COM OS SUORES Em geral os suores, só de per si, não modificam a temperatura; o seu apparecimento, augmento ou diminuição não importam oscillaçues equivalentes na temperatura, a qual segue o seu curso. Mas os suores acompanham frequen- temente os grandes abaixamentos da temperatura. O dr. Traube, que não acredita na influencia dos suores sobre a tempera- tura, notou que, quando na declinação das doenças sobrevinham suores copio- sos, estes seguiam sempre a diminuição da temperatura. O mesmo medico, para verificar se os suores abundantes causavam o abai- xamento da temperatura, provocou-os artificialmente seguindo os processos hy- drotherapicos; os suores appareceram, é verdade, mas a temperatura não di- minuiu. Para o dr. Jochmann os suores dos phtbysicos são de duas espécies ; uns, que elle chama svmptomaticos, e sobrevem as mais das vezes á noite, não se acompanham de alteração alguma da temperatura, ou ha ás vezes exacerbação ; outros, que o auctor denomina criticos e apparecem no decurso do dia, são acompanhados muitas vezes de diminuição da temperatura. O dr. Thierfelder observou que, quando os suores se manifestavam na fe- bre typhoide em dia em que não havia remissão da temperatura, elles não di- minuíam a temperatura; mas que, se sobrevinham em dias em que havia abaixamento da temperatura, augmenlavam-n'o ainda mais. Todos os práticos têem observado, na declinação das doenças, suores mais ou menos abundantes, acompanhando a diminuição da temperatura e o melho- ramento parallelo do doente. Mas os suores não constituem o phenomeno capi- tal da crise; apparecem ou não, em quanto que a diminuição da temperatura é phenomeno constante na declinação das doenças. Não é, pois, de admirar que os siidamina não exerçam, como se tem observado, influencia sobre a tempe- ratura. Pôde estabelecer-se que nos dois primeiros períodos do cyclo febril (in- cremento e fastígio) a secreção do suor diminue, e que no terceiro periodo (desfervencia) augmenta, sendo ás vezes copiosa. Quando nos períodos de in- cremento e fastígio da febre os suores apparecem copiosos, é, ordinariamente uma circumstancia que revela gravidade; dizemos ordinariamente, porque doen- ças ha, em cujo curso os suores são phenomeno habitual. DE THERMOMETRIA CLINICA 101 Sobre a composição do suor na febre a sciencia não possue ainda obser- vações suDQcientes, que permitiam estabelecer conclusões seguras. O dr. Meis- sner em uma febre typhoide e em um rheumatismo agudo achou diminuição da iiréa no suor. VI RELAÇÃO DA TEMPERATURA COM AS URINAS As urinas apresentam na febre modificações ph.vsicas e chimicas, que são notáveis no período de incremento e sobre tudo no fastigio, e que desappare- cem na desfervencia, rapidamente ou lentamente segundo a desfervencia é rá- pida ou lenta. No incremento e fastigio as urinas escasseam, fazem-se mais coradas, a densidade augmenta e tornam-se sedimentosas. Contèem maior quantidade de uréa, que chega ás vezes quasi ao dobro (de 30 grammas, media normal, ele- va-se a 50 grammas em 24 horas), assim como de acido úrico (de 30 centi- grammas, media normal em 24 horas, chega a 1 gramma). Os chloruretos, pelo contrario, diminuem muito nas urinas, chegando ás vezes á decima parte; calculando em 1 1 Y-2 grammas a quantidada media dos chloruretos excretados pe- las urinas em 24 horas, durante a febre esta quantidade tem baixado a I gramma. É tão raro não encontrar esta diminuição dos chloruretos, que quando alguma analyse a não revela, deve-se tel-a ou por pouco rigorosa, ou como denunciando um caso por extremo excepcional. Para confirmação do que fica dito, apresentaremos em seguida os resulta- dos das analyses dos drs. Traube, Jochmann, Moos, Uhle e Banke feitas nas urinas de indivíduos affectados de febres intermittentes, e que se encontram re- produzidas nas Leçons de clinique médicale do professor Jaccoud. Nas febres intermittentes são frisantes as modificações da urina, porque são intermittentes como as doenças que as originam, apparecem com o paroxysmo e acabam com elle, o que é mais uma circumstancia que mostra que essas alterações estão in- timamente ligadas com a febre. Eis os resultados d"algumas analvses devidas ao dr. Moos: 102 ELEMENTOS ( Paroxysmo *ÍGura Í' Parox.ysino Apyrexia . . Cura í Paroxysmo. ^iCura . (Paroxysmo. I Apyrexia. . í Paroxysmo, 5 1 Apyrexia. . (Cura Urina excreta Cent. cúbicos 1062 1109 1062 1080 1220 1007 1006 930 1080 876 780 1360 Chlorureto de sódio 6,3 12,7 5,3 4,3 12,2 2,3 12,0 5,5 6,4 0,8 7,6 14,9 Uréa 34,9 21,1 35,5 32,4 27,4 35,0 23,0 29,2 25,6 15,7 9,3 17,6 Não passaremos adiante sem notar uma circumstancia, que dá conta d"um phenomeno que pareceria fazer excepção á regra; é que, ás vezes, terminada a doença, a quantidade da uréa das urinas é superior á do paroxysmo; a razão está na alimentação corroborante, de que fazem uso os indivíduos depois de terem estado mais ou menos adietados. Na ultima analyse das acima citadas a quantidade da uréa na cura era superior, 1,9 gramma, á do paroxysmo anterior. As analyses seguintes, devidas ao dr. Uhle, foram feitas em creanças, e as quantidades são referidas a 1 kilogramma de peso do corpo: Urina excreta Cent. cúbicos Clilorureto de sódio Uréa 1 Paroxysmo í Apyrexia. o ( Paroxysmo ( Apyrexia . q ( Paroxysmo ! Apyrexia . 4 \ Paroxysmo ' Apyrexia . 34,04 28,10 32,99 20,47 34,11 21,56 24,14 17,04 0,298 0.252 0,215 0,234 0,736 0,576 0,835 0,463 0,752 0,525 0,450 0,392 Citaremos ainda os resultados da analyse feita pelo dr. Banke, de Munich, em um caso de febre intermittente terçã, por ser uma das observações mais completas. DE THERMOMETRIA CLINICA 103 Urina excreta Cent. cúbicos Clilorureto de sódio Apyroxia. . Paroxysino Apyrexia. . Paroxysiiio Apyrexia . . Cura .... 553 1187 1273 1530 12C2 808 1233 2023 0,44 1 18 1,29 3,10 4,29 4,84 8,53 14,83 25,53 28,48 23,38 27,90 21,45 10,96 23,72 29,91 Em um caso de febre quarta acharam os clis. Trauljc e Jochmann: Muito de adrede reproduzimos os resultados d'esta analyse para mostrar uma rara excepção, em que ha augmento da quantidade dos chloruretos. O professor Andral, investigador indefesso e clinico abalisado, verificou a relação directa entre a quantidade de uréa excretada pelos rins e o grau de temperatura nas affecções pyreticas, tanto em inflammações (pulmonite, pleu- riz, etc), como em febres essenciaes (febres intermittentes, typboides, erupti- vas, etc). Em uma communicação *, feita recentemente á academia das scien- cias de Paris, o illustrado medico apresentou os resultados de suas analyses, que se resumem no seguinte: em 23 analyses de urinas, pertencentes a indivíduos affectados de febre intermittente, achou em H a quantidade d'uréa oscillando entre 20 e 32 grammas, em 9 entre IG e 20 grammas e em 2 entre 13 é 14 grammas. Adverte o eximio pratico que, actuando a dieta em sentido inverso ao da febre na thermogenese, pôde succeder que a uréa diminua (conservan- do-se ainda em quantidade elevada), mantendo-se a temperatura no mesmo grau. ' Du rapport des variations de la tcmpérniurc dn corps hitimin avec les variations de qanntité de (pielqnfis principcs du sang et de rurinc. 1 04 ELEMENTOS O sábio académico indica uma doença, que faz excepção á regra; é a cir- rhose do fígado, que, sendo uma doença apyretica, apresenta todavia augmento na quantidade de uréa eliminada pelos rins, como observara em três analyses. O sr. Andral, ponderando as experiências physiologicas que parecem demons- trar certa solidariedade entre as funcções excrelorias do fígado e dos rins, in- clina-se a suppor que as matérias azotadas da bilis, que não podem ser elimi- nadas do sangue pelo fígado, cujo tecido está alterado, acham nos rins uma via supplementar da eliminação. As doenças febris produzem o augmento da uréa nas urinas; mas não quer isto dizer que outras causas não possam produzir effeito análogo. O sr. Andral calcula a quantidade d'uréa normalmente segre- gada pelos rins, era 10 a 15 grammas para 1000 grammas de urina. Examinando a relação dos princípios do sangue cora a temperatura o dr. Andral achou: 1." Relativamente á fibrina, diz o illustre académico, pôde estabelecer-se como um facto geral que, quando o sangue contém mais de 4 millesimos d'este principio, a temperatura eleva-se. Que o augmento da temperatura é propor- cional ao da fibrina, mas que este facto offerece numerosas excepções. Que é impossível achar aqui uma relação de causalidade, visto que em uma grande classe de doenças, as pyrexias, a fibrina fica nos limites physiologicos ou abaixo, e com tudo a temperatura é muito alta e pode ser superior á das inflammações, as quaes são caracterisadas por augmento de fibrina. 2." Quanto aos glóbulos, factos numerosos mostram que a sua diminuição, mesmo muito considerável, não faz descer a temperatura abaixo do limite phy- siologico; casos ha em que a temperatura excede este limite. 3.° Em relação á albumina, quando esta em vez de ser empregada toda aa nutrição é em parte perdida pelas urinas, a theoria pareceria indicar que de- veria haver menos calor, e os factos observados pelo professor Andral auctori- sam a suppor que effecfivamente assim é. O augmento da uréa na urina tem sido encontrado já antes do calefrio do accesso, o que era de esperar, visto que a temperatura começa a elevar-se tam- bém antes do calefrio, e a elevação da temperatura como o augmento da uréa têem por causa commum a combustão orgânica exagerada. Confirmam o facto que fica referido, as interessantes analyses do dr. Sydney Ringer, e cujos re- sultados reunidos e referidos a uma hora de tempo são os seguintes *: Sydney Ringer, Med. chir. Tinns.: e Jaccoud. Leruns de cliniqve médicale. DE THERMOMETRIA CLINICA 105 Urina excreta Cent. cúbicos Chlorureto de sódio Uréa Antes do calefrio 41 0.073 0,226 0,21)0 0,167 0,083 0,969 No calefrio 60 65 60 50 1,224 1,545 No calor No suor 1,339 0,587 O numero superior corresponde á época mais distante do calefrio. N'estas observações o maximum da uréa coincidiu com o calefrio. Para a analyse deve-se colher separadamente a urina em cada um dos pe- riodos do accesso, antes d'este, e na apyrexia, como fizeram os observadores allemães, que temos citado, e o dr. Sydney Ringer. Na desfervencia as urinas regressam ao estado normal nas suas qualida- des physicas e chimicas. Diminuem a densidade, a colorisação, a uréa e o acido úrico da urina; augmenta a quantidade da urina e dos chloruretos. Alterações análogas se dão nas demais doenças febris. Temos notado dia- riamente a quantidade e a densidade das urinas em varias afifecções agudas; para exemplo referiremos o seguinte caso, observado em um rapaz de 13 annos de edade, temperamento lymphatico e constituição mediana, affectado de pleuro- pulmonite aguda, no segundo grau, do lado direito. Diaa_da doença Densidade da urina 1 Quantidade da urina excretada em 24 horas 3.° 1027 543 grammas 4.» 1023 820 5.° 1023 660 6.° 1021 528 7.° 1017 600 8.» 1013 1025 9." 1008 1730 10.» 1013 500 11." 1016 730 12." 1019 840 ' A densidade foi tomada com o urinonielro de Proul. MEM. DA ACAD. — 1.* CLASSE. T. IV, P. II. 14 106 ELEMENTOS A elevação da temperatura está em relação com a alteração da urina, e também com o emmagrecimento, como veremos, porque estes três plienome- nos reconhecem a mesma causa commum, que é a combustão orgânica. Não é somente a secreção da urina que escassea; diminuem também, e muito, as secreções gastro-intestinaes no incremento e fastigio do cyclo ihermo- metrico, d'onde resulta a prisão do ventre, restabelecendo-se depois na desfer- vencia. VII RELAÇÃO D A TEMPERATURA COM A NUTRIÇÃO A funcção de nutrição manifesta, entre outras, uma notável alteração, que é constante quando a febre tem durado por certo tempo; referimo-nos ao emma- grecimento. Se a febre reconhece por causa inimediata o exagero das combus- tões orgânicas, é claro que ella deve produzir a consumpção do individuo, que, privado de alimentos, vive á sua própria custa, tendo de fazer todos os gastos, de ministrar todos os materiaes para a combustão. Este resultado, que a theo- ria prevê, é conQrmado pela observação directa, que mostra nos febricitantes uma diminuição de 20 a 30 por cento do seu peso. Em um doente atacado de pulmonite aguda achou o dr. Wachsmuth a perda de um kilogramma em 24 horas no fastigio do cyclo febril; na véspera da desfervencia a perda foi de 718 grammas, no começo da desfervencia foi de 37 grammas apenas, e no dia se- guinte, em que o doente tomou alguns alimentos, houve o augmento de 200 grammas de peso •. N"este caso, pois, a perda de peso diminuiu com a febre, cessou ainda na desfervencia, e o ganho ou augmento de peso começou com a alimentação. Por tanto, a consumpção, que é effeito da superactividade das com- bustões, da autophagia febril, e da dieta, veriíica-se nos períodos de incremento e de fastigio, declina e desapparece na desfervencia. A consumpção febril é pro- porcional á intensidade e sobre tudo á duração da febre. ' Jaccoud, Lcçims de clinique médicale. Paris, 1867. DK THERMOMETRTA CLINICA 107 VIU RELAÇÃO DA TEMPERATUR.V COM A INNERVAÇÃO ; CONSIDERAÇÕES SOBRE O CALEFRIO E OUTROS 1'HENOMENOS DA FERRE Perturbações nervosas acompanham muitas vezes as oscillações da tempe- ratura pathologica; em muitos casos nota-se certo parallelismo entre as duas ordens de alterações, em outros é frisante o contraste. Na febre a regra é raanifestarem-se abatimento geral, mau-estar, dores va- gas, excitabilidade cerebral com insomnia ou somno interrompido, exagero da impressionabilidade dos sentidos e sensação subjectiva de frio. Quando a febre é moderada, a estes se limitam os accidentes nervosos nos adultos; nas crean- ças porém não só podem assumir maior intensidade, mas também novos phe- nomenos podem sobrevir, por tomar o cérebro parte mais activa no drama mór- bido. Quando a febre é intensa, symptomas mais graves se produzem; taes como delirio, convulsões, sobresaltos dos tendões e verdadeiros calefrios. Estas per- turbações da innervação dão-se com particularidade nas creanças e nos indiví- duos nimiamente excitáveis. Quando se notar contraste entre a extensão e intensidade dos accidentes nervosos e a elevação da temperatura, deve haver todo o cuidado na verifica- ção da causa d"estes accidentes, porque muitas vezes elles dependem então duma affecção cerebral. Dentre os phenomenos mencionados um, o calefrio, tem sobre modo attra- hidú a altenção dos observadores n'estes últimos tempos. Em que consiste o calefrio? em que época do cyclo thermico se manifesta 6 desenvolve o calefrio? que relação de prioridade ha entre o calefrio e a ele- vação de temperatura, entre o grau d"esta e a intensidade d"aquelle? qual a causa do calefrio? Taes são as differentes questões, de que nos vamos occupar. O calefrio consiste na convulsão subitanea dos músculos vegetativos (lisos), com particularidade dos vasculares, e ordinariamente também de parte ou da totalidade dos músculos de vida animal (estriados). A observação attenta mos- tra que três são os phenomenos capitães do calefrio: aperto dos vasos periphe- ricos, saliência dos bolbos pilosos fpelle de galinha) e espasmos do systema muscular. Estes phenomenos variam na intensidade e extensão segundo a vio- lência do calefrio, ou para melhor dizer elles medem a intensidade do calefrio. Ora estes phenomenos, que caracterisam o calefrio, traduzem todos uma exci- tação preternatural do systema nervoso. Começara os calefrios no principio dos accessos febris; é um facto, sobre 14. 108 ELEMENTOS que todos os observadores estão de accordo. Mas o calefrio é o phenomeno ini- cial da scena mórbida, é a primeira alteração que se produz em uma doença febril, em um accesso de febre intermittente, por exemplo? A affirmativa foi a resposta, que por muito tempo se julgou indubitável, superior a toda a contestação. Mas o thermometro veiu demonstrar quanto era errónea tal supposição, denunciando já anles do calefrio a elevação da tempera- tura, a qual continua a subir durante o calefrio, attingindo o seu maximum para o fim d'este ou no esLadio de calor. Antes do apparecimento do calefi'io, ás ve- zes alguns minutos, outras vezes uma ou mais horas, a temperatura começa a elevar-se, no principio lentamente, alguns décimos de grau, depois mais rapi- damente, e quando tem chegado a cei'to grau febril, desenvolve-se o calefrio. Temos actualmente em a nossa enfermaria um doente com febre intermittente quotidiana simples, em quem o thermometro marcou, meia hora antes do frio, 38»,7. Segundo o dr. Jaccoud é entre 39° e 40° que o calefrio se manifesta *. A nossa observação não confirma inteiramente esta proposição, porquanto temos notado o calefrio já antes da temperatura de 38°, e d'aqui para cima. O dr. Sydney Ringer refere algumas observações, que mostram o curso da temperatura nas sezões. Em seguida reproduzimos duas d'estas observações, a primeira das quaes diz respeito a uma febre intermittente terçã, e a segunda a uma febre intermittente quotidiana ^. FEBRE TERÇà Horas Temperatura 7 'A 36°,8 7 'AalO V4 38°,0 11 40°,0 (calefrio) 12 40°,7 » 1 40°,3 (calor) 4 38°,4 (suor) FEBRE QUOTIDIANA Horas Teiniieratura 5 V2 36°.9 7 37°.3 8 37°,7 ' Lermis de clinique médicale. Paris, 1867. - Sydney Ringer, Med. Cliir. Transactions , 1859; Jaccoud, Lecons de clinique mé- diade, 1867. DE THERMOMETRIA CLINICA 109 Horas Temperatura 8 Va 39",3 (calefrio) 8 V* 39°,G (calor) 9 74 40%5 » 10 V2 39^8 » M a 12 39'\0 (suor) 1 38",3 » 3 37°,8 » 5 37°,0 )) Vè-se n'estas duas observações: 1.°. que a temperatura começou a ele- var-se antes do calefrio (algumas horas); 2.", que em um caso o calefrio mani- festou-se quando a temperatura era de 39", 3, e em outro de 40°,0; 3.", que o maximum de temperatura verificou-se n'aquelle caso no meio do estádio de ca- lefrio, e n'este no estádio de calor. Dos nossos registos tliermo-sphygmo-pneometricos extrahimos as quatro observações seguintes, que são das mais completas, que conhecemos, para mostrar o curso da temperatura geral nos accessos regulares das febres inter- mittentes, e a temperatura tópica nos diversos estádios do accesso. ilO ELEMtiNTOS Tomi eratur.a da peri- 3^ H s -o o 1^ Respir Horas = g o ^ -a ES pheria i5 Oí . " ? -! -5 o 3 tCÍ 1 =" 1 ;j -0 ■y >flc^ "ISO — 9= o 15 S = "=^ 0 rj-:t o ^ rr -í «o Si p p ■ ç ^ - o ° • Ip- ° c ■ 1 t& O o to -o -I • L^S to o ^-1- o. o . 5 Pi Vj (!) ^ 5' Ip- CO Í-S CO o IO h^ ^ ^ ■^ "p: l« to o til— ca o o o '-' "òt o tr- % to CO CO CO -£- Ê CO hâ* ^í ^1 -J G5 »^ to o IO h^ ^1 ■^ ° ts to. o C5 IO o >^ "5- 2. CO 00 CO is- CO CO W p t* C- ' o o ° , ^ f õ" o _ rp* CO ^ ^ oo"oo '^ m hS C2 O CO h^ ^ °ç ^k -ÍE- o to to o ti- CO IP- o -l— P_ CO 'hp- o* bO cc CO CO co to os CO CO ts to o I4i— o o J° J ^1— o "co Ip- CO CO CO CO h^ 00 Q0O5 o o o o ^1 IO CD CO CO CO 1® CO Ip- o IO o o «o to o *-I:j Ip- Ip- o CO 03 0t« 00 "--1 a o ►1 CO Ip- ^^ hS CO CO IP- to 00 h^ !•& ' II bS to o íp* ^ o w IO -|u Temperatura d epois CO CO de completo resta- bS CO ^ IO 00 hp' h^ belecimento to to ->l-. IO Ip- _ ^' 1 o io to 00 CO 00 iP- to 00 *" ^ ^ >";? P w o "^ o o m- to 00 c isl-* 2.3 CD V • »_ CO Ip- to 00 ^1 ip- IO CO o ^ii^ • £( o o H" to 00 o isl- 1 C! "cc r CO Ip- ■ 11 to 00 03 C3I to oo o Hí- : 'í o o IO 00 o *.iw CO CO GO "-4 CO ^ ^•^ II to 00 05 Ct to oo õ K) „°„= 1! o o o í^l- IO 00 o CO N* 1 ii 00 '' C/3 t/3 s s- 1 Pt a o CO 5' O! 3 P to = 3 su- ei s Cl. a ►Q C Vi •1 o ta -a> í:;. c 65 1 to CO CP o- o p c P 00 CO DE THERMOEMTRU CLINICA 111 es 9 er CA •CS O c« o CD 00 S O o ô es TS CO os O o o a c/l O c 3 s Cu t^ CO cS £ CO v; '§• ■s 2 o JS S t*í O) cS e a S 3 rt .M ^ ,Q 1 (M O S-I l>. CO l- Gl 1 CM !0 i -|T1 CO ^ -If o 1 o 1 ai O e^ t» r~. o: 1 nn -* 1 o 1 00 1 CM 1 ■»■ CO 1 CJI CM ~" 1 1 CM o CD w* m-f ■^ 1 O 1 o OJ 0-1 CO 00 00 1 Gl 1 — , •cí' CO 1 1 ai JO 1 1 f^lvf ep «* -i-N "* 1 o 1 ^p^ O 05 G-I CO (Yl 00 1 Si 1 CO 1 io CO 1 H^ o (M ^ «l^ «3- 1 o 1 •H 00 05 S< CO 00 00 1 ©1 1 n CO 1 O o 1 1 ■r-l-- o ^ 9>I CD -# 1 o 1 ^fH 00 00 CM 05 00 1 (M 1 ■ro CO ■ k O CO 1 K -,-, O o (N nl-í -jX 1 O 1 1 00 00 (N ia 05 OO 1 ^ 1 f CO CO 1 '^'"* 05^ (-, O -iM l^ K-1 « O t^ 00 G^ JO 05 « 5 G-l CO CO 1> 00 &» O — i-j* rf ) (M r- t- (íí JO C5 oc ) (M ^H co CO o ^H o*^ 3>1 o íO ^ " Cf ) Gl ••H CO t^ 3-1 O -SI ot ) (Jí SO Gl ai k^ O c^l-a- oc -* •^ co 00 Si -* § a O-í JO -* n|«i" ^ o -1-N m ■Sj! *H 1> CO 00 Si -* o cr G» SO JO -l-N "• 00 o T-1-» n- ■Si 00 s^ •J* o cr (M CO <* JO CO ^ " CO ®J <* ^'^• G' <* ~^ r- t^ G-l O o: Qi "^ CO -* ^ ^ l--. ^^ o O e7\--r ir .* ■^ CO 00 CN CO § st CM a< t^ O iS o 00 ^1« CO Õ a ^ CO ^ o !>. o o CO O GJ CO o c CD 3^ CO ao o o CC !M c- U Lh CO OJ 3 OJ CO ÍO n IO o O' 03 (1 IO ir Ci z^ p « í^ cz C- ;-• s CO CO £ R c/- c^ c; 3 a> Q^ £ 5: 1 i- 1 0> CG 1 X 1 È- 1 C^ tC 1 s a 3 a c o a - 3 CS OJ 3> a s a ? •"- ~ o a 1 il2 ELEMENTOS 33 1 TS H 3: to *fl H 1 S a> ■^ o CD -= -o r 15 ■- 3 r>i '-- r ^ 1 -s S3 -1 1 to 1 P3 *í 2= Oi Cí n =1 Ji o w -3 -! as p >^ CO w 00 - O -S ■Xl IXl *" l-O ÍS' O CS to _^ s < ^ . bO CO ^ 00 IÍ3 - o i- t-e [O .= o - w ^ ts J3 ^ IO n o N ,;te OD ^ - ° ta -* S" 35 ^ o ^0 35 o 1-0 00 01 ^ 3 - 1 o 1- 1-0 00 ^ o - o 00 1-0 1- is- 1. CO '■ o CO ^ O C3 to o lO ■^ CO í^ g ^ 00 1" to 3 - to 1- CO «2- g o o ^ o 1« K to 00 o o - 31 1- CO 42- 'ê to 1- to 00 i ^ ICO CO íi- E s ^ 00 o Ct to 3 o CO o CO fl- g 8 ^ CO o at -u g i - o CO p- IO o s ^ o 3J CO to i ^ J3 o 1- CO fí- K3 o -J 35 CO 3 => lO O 1-0 . ° ,, ;- -0 '-J 1 o J! =: ^ &5 r/l H ^ ^ ^ o t-c^ ri S S o o C •^ s 1T> o CJ- o c o tq t» o ÍD 1-1 tsi ^ CD a- s esi a. Cl. B r- s CO -a O) a S « s s » b a o. ri- sa 5 w c D- iD o -í c ■^ CD r^ OS 00 >■ (35 na O (XI DK THERMOMETRIA CLINICA 113 Enfermaria: S. Sebastião. Cama n° 12. Data: 17 de junho de 18G!). Diaçpiostico: Febre inlermittente quarta simples. Searo: Masculino. £(Z(íi/t'; 39 annos. CowsíiíwiVão; Mediana, /'/o/issão : Marilimo. Frio: ás nove e meia horas da manhã. Calor: ás dez emcia horas. Smr: á uma hora e cinco minutos. Temperatura notada de cinco em cinco minutos desde o começo do frio. ■HSM rt d rt c 3 o 5 o m t^ e3 i» rt « t~ rt ;. d d O o _o lOi 40 ' Antes da sangria -' 1 38",0 2 104 40 38M 100 32 2 Depois da sangria 28 37°,5 100 48 38°,0 100 38 29 37°,5 í)6 28 37M 96 28 30 37»,0 96 32 37°,0 80 28 31 37°,0 96 40 37",0 96 38 Junho 1 37»,0 84 38 37M 84 28 2 37°,0 84 36 37M 94 28 3' 37°,2 80 32 ■' Fallcccu n'e?tc diaá tarde N'este caso a modlDcação manifesta foi rápido augmento da temperatura, de 4 décimos apenas, modificação que desappareceu logo no dia immediato o seguintes pelo regresso da temperatura ao grau anterior (com muito ligeira diffe- rença para menos). Esta elevação da temperatura, posto que pequena, foi effeito da sangria? Ha toda a razão para a duvida, e para perguntar se alguma outra circumstancia a teria determinado. Em outro doente, de 36 annos de edade, temperamento sanguineo, con- stituição forte, caieiro, atacado de rhcumatismo polyarticular agudo, observámos antes da sangria (de 300 grammas) 39°, logo depois da sangria GS^S, e quatro e meia horas mais tarde 38'\5, c nos dias seguintes a temperatura elevou-se, como mostra a seguinte tabeliã: ME.M. DA ACAD.— 1." CLASSn. T. IV, P. II. 19 146 ELEMENTOS *í D.as n .^s 10 horas da manhã o tB Das 4 ás 5 horas da tarde o Observações a a> o -3 ,4 80 28 If)." 38°,8 88 36 39°,2 88 36 (1S.°) Escarros sanguinolentos 16.» 38°,8 92 38 39'>,5 92 36 (16.°) Nada de sangue 17." 39°,6 88 28 39°,2 92 38 18." 38%3 92 32 39»,2 96 32 Esta observação, que foi registada até á terminação fatal da doença; 6 muito extensa, e por isso não a transcrevemos toda aqui, mas basta esta parte para o nosso fim. 19. 1 48 ELEMENTOS N'esta observação se vê: 1.°, que nos quatro dias (1.°, 2.", 9." e 12,°) de grande hemoniiagia a temperatura oscillou entre 37°,4 e 39'',4 nas manhãs, cm que se verificaram as hemoniiagias, e entre 38°,3 e 39°,4 á tarde dos mesmos dias; 2.", que depois das grandes liemorrhagias a temperatura ora se elevou ora declinou, mas sempre muito pouco; 3.", que só em um caso (9." dia) a grande hemorrliagia foi seguida de notável abaixamento (1°,C) de temperatura, a qual no mesmo dia á tarde elevou-se r,l, e no dia seguinte pela manhã de- clinou 0^3, elevando-se á tarde 1",0, isto é, excedendo a temperatura do dia anterior pela manhã l^S; 4.°, que no dia seguinte (3." dia) aos dois (1.° e 2." dias) de copiosa hemorrhagia a temperatura clevou-se 0",1, tendo havido he- morrliagia também n'este mesmo dia (3.°); 5.°, que nos dias em que não houve hemorrhagia alguma a temperatura foi ora inferior, ora egual, ora superior ãs dos dias em que houve hemorrhagia. Por tanto, as perdas de sangue, quer naturaes quer artificiaes, não têem, no estado pathologico, effeito constante sobre a temperatura. D"onde se infere que as emissões sanguíneas não são um meio antifebiil seguro, e que não devem ser empregadas com o propósito único de diminuir a temperatura; além de que o seu uso deve ser muito restricto pelos resultados nocivos que pode produzir. 2." Ardimoniaes. — Ha muito que os preparados antimoniaes são conside- rados como medicamentos anliphlogislicos. D"aqai vem o terem sido empre- gados em larga escala no tratamento da pulmonite aguda. Como estes medicamentos augmentam as secreções, o que é do muita uti- lidade em certas doenças febris, que declinam debaixo da influencia destes moios, por isso elles são incluídos nos antifobris, mas não parece que tenham umn acção prompta e immediata sobre a temperatura, cuja diminuição poderá ser devida á declinação natural da doença. Damos aqui algumas observações de emprego dos pós de James no rheumalismo agudo. A primeira das seguintes observações foi feita em um homem de 33 annos de edade, temperamento mixto, constituição mediana, caixeiro, atacado de rheu- malismo polyarticular agudo. DE TIIERMOMETRIA CLINICA 140 Das"J ;is 10 horas «la iiianhã Das -1 ás f) horas da tardo cl 5 d 3 1 s g d. o 1 W c 0 til & .1" Trat.iniunto 5." 38", 8 84 18 39",2 92 20 (5.°) Pós dc James, seis mas nas 24 horas dccigram- (5.° 3t)»,0 88 18 39"',8 92 20 (0.°) Idem 1." 38°, 8 88 18 39",0 92 20 (1.°) Idem 8." 39",2 84 20 39",8 88 22 (8.°) Idem 9." 38°,G 84 18 390,3 88 20 (9.°) Idem 10.° 38°,4 84 18 39°,6 88 20 (10.°) Idem H.» 38°,7 84 18 38°, 8 84 20 (11.°) Idem 12.° 38°,5 80 IG 39",0 ■ 88 20 (12.°) Nada 13.° 38° ,0 80 20 38°,6 84 22 (13.°) Nada Este doente tomou cm sete dias 4,2 grammas de pós de James, sem que a temperatura bai.^casse um só dia sequer; pelo contrario, em muitos dias eie- vou-se alguns décimos de grau. O doente passou depois a fazer uso dos alcali- nos, e curou-sc. A observação seguinte foi colhida em um homem de 24 annos de edade, temperamento sanguíneo, constituição forte, sapateiro, affectado de rheumatismo polyarticular agudo, com dores vehementes e inchação em muitas articulações. ci D.1S n ás 11) h oras da manhã Das 4 ás 5 horas da arde n 0 ri P CS 3 5 0 0 m „^ 0 0 t 0 Tratamento 8.« 39°,0 116 24 39",8 120 24 (8.°) Oito dccigraniinas de pós do James nas 24 horas 9.° 39°,0 104 20 39°,8 120 2S (9.°) Idem 10.° 38°,S 100 20 38°,8 100 24 (10.°) idem u.° 38", 5 96 20 38°,8 100 22 (11.°) Liem 12.° 38°, 0 96 18 38°,6 96 20 (12.") Um purcianle 13.° 38°,0 84 18 38°,2 88 20 (13.°) Infuso d'allhi'a qnenlc 14.° 37°,6 92 18 37°,8 96 20 (14.") Idem 15.° 37°,5 88 18 37°,7 92 18 (15.°) Idem 16.° 37",4 88 18 37°,4 88 16 (16.°) Idem 17." 37°, 0 73 16 37°,0 76 16 (17.") Nada 150 ELEMENTOS Este doente tomou em quatro dias 3,2 grammas de pôs de James. A tem- peratura só baixou no 3" e 4° dias meio grau; nos dias seguintes continuou a declinar até o nivel nomial, fazendo o doente uso de chá de altliéa quente. No caso seguinte, que observámos em um doente, de 23 annos de edade, creado de servir, de temperamento iympliatico, constituição mediana, estatura regular, atacado de rheumatismo polyarticular subagudo, foram os antimoniaes empregados em dose muito mais elevada, e com tudo o effeito sobre a tempe- ratura não foi mais pronunciado. t> a g •a ri s a DasíláslOho ci ti a rasdai o d níinhã •1 ti 1 Dasdá.sííh cí t. d ti O 5ras (la tardo o cí o; Tratamento 6.» 38°,2 88 20 38»,8 92 24 (0.") Pós de James, 12 decigraranias nas 24 lioras 7.» 38°,0 88 22 38",5 84 20 (7.°) Idem, idem 8.° 38»,0 80 20 38",4 80 20 (8.°) Idem, 18 deeigrammas 9.» 37°,9 80 20 38",4 80 22 (9.°) Idem, idem 10.° 37'',9 80 18 38",0 80 20 (10.") Idem, 24 deeigrammas ld.° 37°,9 80 18 38°,0 80 20 (11.°) Idem, idem 12." 37°,7 70 18 37",8 76 20 (12.°) Idem, idem 13," 37%4 72 18 37»,6 72 20 (13.°) Idem, idem 14.» 37°,4 72 18 37°,6 76 20 (14.°) Nada 15." 37°,3 74 18 37°,3, 76 22 (15.°) Nada 16.° 37°,3 72 20 37°,4 84 20 (I0.°) Nada 17." 37%2 72 18 37°,2 70 20 (17.°) Nada 18." 37°,4 72 16 37»,5 70 18 (18.°) Nada 19.» 37°,3 76 16 37",5 72 20 (19. °) Nada O doente tomou em oito dias 15 grammas e 6 deeigrammas de pós de Ja- mes, e apesar d'isso pôde dizer-se que a temperatura não se modiflcou, por quanto a pequena differença que se nota cm alguns dias pôde bem ser devida ao curso natural da doença, manifestando-se do mesmo modo depois da suspen- são do medicamento. As urinas d'este doente marcaram no urinometro de Prout a densidade de 1027 no 1.° dia d'observação, 102G no 2." o 3." dias, e 1023 no 4.° dia. Tcm-nos parecido pouco mais pronunciada a acção do kermes mineral so- bre a temperatura, como se vê no seguinte caso, que observámos em um indi- viduo de 20 annos de edade, creado de servir, de temperamento lymphatico. DE TIIERMOMETRIA CLINICA 151 constituição mediana, estatura regular, atacado de pleuro-pulmonite aguda do lado direito no segundo grou. Das íl :is IO l oras (la i i.anhã, Das I ás 5 horas da tardo c Cl Q tí i" i o '3. o E •í Tratamento 5.° 40M 120 24 40%4 124 24 (5.°) Kernies mineral, ccnligramnias cm 24 (|UÍI1ZC loras. tí.° 39",8 100 28 39%8 124 28 (6°) Idem 7.° 39°,0 100 24 39%4 104 24 (7.°) Idem 8.° 38", 0 100 20 39»,2 104 22 (8.") Idem 9.» 38",0 100 18 38°,4 100 20 (9.°) Idem 10." 37°,4 70 18 38°,0 88 22 (10.°) Idem 11.° 37°,0 76 18 37% 1 80 20 (11.°) Idem 12.° 37°,0 76 18 37°,2 80 20 (12.°) Idem 13.° 37",0 72 20 37°,2 76 22 (13.°) Idem 14.° 3C°,5 72 18 37°,0 72 20 (14.°) Nada 15.° 36»,2 72 18 37°,0 76 20 (15.°) Nada Foi no 3.° e 4." dias de observação (7." e 8.° dias de doença) que se ma- nifestou notável diminuição da temperatura, o que na pulmonite aguda não é de estranhar, qualquer que seja o medicamento empregado. N'este doente as urinas deram as seguintes densidades: Dias da doença Densidade da urina 5." 1025 6." 1023 7." 1021 8." 1017 9." 1013 10." 1008 11.° 1013 12." 1016 13." 1019 14." 1014 la." 1014 1 5!2 ELEMENTOS 3.° iMiTCuriaes. — Gosam estes medicamentos de grande reputação contra as inflammações das serosas; mas tèem elles acção directa sobre a tempera- tura? É questão que, pela divergência das opiniões, parece estar ainda inso- luta. Na febre typhoide tèeni os preparados mercuriaes sido empregados com o fim de diminuir o estado febril. Os drs. Traube e Thierfelder são de parecer que os calomelanos operara favoravelmente no tratamento da febre typhoide, mas que a sua acção não é immediata, que elles actuam antes sobre o curso da doença. O benéfico eííeito dos calomelanos produzir-se-liia n'estas circuras- tancias: 1.", quando são empregados logo no começo da doença; 2.°, quando não ha diarrhea; 3.°, quando se administram na quantidade de 25 a 50 cenli- grammas em 24 horas, em duas uóses. O dr. Schutzemberger é também de opinião que os calomelanos só aproveitam na febre typhoide quando são admi- nistrados no primeiro septenario. Eis os resultados notados em 59 casos: Em 15 os doentes succumbiram » 19 o medicamento não patenteou effeito algum « 13 o resultado foi duvidoso » 12 o resultado foi francamente favorável D"aqui se deduz que a mortalidade foi de 1 : 3,93, ou de 25,4 por cento, e que os calomelanos aproveitaram em 20,3 por cento dos casos. Para mostrar a influencia dos calomelanos sobre a temperatura, apresen- tamos a seguinte observação de peritonite aguda, e.xtrahida do nosso registo thermo-spiíygmo-pneometrico : PE TIIERMOMETRIA CLINICA 153 > Das 9 ás 10 horas da manhã Das 4 ás 5 horas da tarde % o 3 o 1CS ca 0 trt Tratamento -3 aí « 5 CU C g o 1 o "3 cu 1.» 38'\8 128 24 39°,4 130 24 (1 .") Ventre untado com pomada do belladona e mercurial; ca- taplasma de linhaça 2." 38°,4 120 20 39",0 124 22 (2.°) lílcm, e COcentigrammas de ealomelanos internamente 3.» 38°,0 120 20 39%0 120 22 (3.°) Idem, e 120 centigrammas de ealomelanos 4.» 37°,8 100 20 38»,8 104 24 (4.°) Idem 5.» 38°,2 96 20 38°,8 100 22 (5.°) Idem 6." 37%4 96 20 38",4 IIG 22 ((i.°) Nada internamente 7.» 37°,8 96 20 38°.6 120 24 (7.°) Idem 8.0 37",8 92 20 38°,8 120 22 (8.°) Idem Tomou este doente em 4 dias 4 grammas e 20 centigrammas de ealome- lanos, além das fricções com a pomada mercurial misturada com a de bella- dona. Nunca se manifestou ptyalismo, mas diarihea ao 5." dia de observação. A temperatui\i pouco se modificou; no dia immediaío ao da administração dos ealomelanos a temperatura baixou 4 décimos apenas, e nos dias seguintes a dif- ferença foi ainda menor. As urinas, que nos três primeiros dias eram muito car- regadas, sedimentosas, tornaram-se depois límpidas. Eis a densidade que foram apresentando successivamente : Dias de observação Densidade da urina 2.0 1029 3." 102G • 4." 1023 5." 1024 6." 1025 7." 1026 O doente, a que se refere esta observação, era um homem de 24 annos de edade, de temperamento mixto, constituição fraca, estatura regular, marí- timo. ME.M. DA AC^D. — 1.^ CLASSE. T. IV, P. U. 20 154 ELEMENTOS 4." Alcalinos.— Oi alcalinos têem sido empregados n'estes últimos annos, em larga escala, no tratamento do rheumalismo geral agudo, e muitos práticos se louvam do seu emprego. Temos tratado avultado numero de doentes, a£fe- ctados de rheumalismo agudo, com excellente resultado, mesmo nos casos com- plicados de endo-pericardite. Os alcalinos, quando administrados em alta dose, diminuem a temperatura 8 a frequência do pulso. Para exemplo aqui reproduzimos algumas observações extrahidas de nossos registos clínicos. A primeira diz respeito a um homem de 56 annos de edade, temperamento sanguíneo, constituição mediana, estatura baixa, caixeiro em armazém de vinhos, atacado de rhcumatismo polyarticular agudo com tumefacção e vermelhidão de varias juntas. 10.» Das 9 ás IO horas da manhã Das 4 às õ horas da tanie 39°, 4 38°,7 11.» 38», 1 ,12.^ 1 37°,4 13.° 37°,4 14." 2 37°,0 13.° 37°, 2 16." 36°,8 100 96 80 76 72 68 72 72 32 28 24 20 24 16 16 16 39°,5 38°,8 38°, 1 38°, 1 37°,4 37°,2 37°,0 37°,0 100 96 92 84 68 68 72 64 32 20 32 20 20 20 16 16 Tratamento (9.°) Purgt." de sulphato de soda (10.°) Seis decigranimas de bi- carbonato de soda, seis vezes nas 24 horas (3,6 grammas) (11.°) hlem (12.°) Idem (13.°) Idem (14.°) Idem (lo.") Idem (16.°) Nada (iceis. Desappareceram as dores; m.is algvimas arlieulações estão ainda túrgidas e com os movimenlus dif- As arlieulações eslão inteiramente livres e os movimentos fáceis; nada de dor. Este doente tomou em sete dias 2.j,2 grammas; a temperatura foi decli- nando successivamente, e a cura foi rápida. A observação seguinte refere-se a ura rapaz de 25 annos de edade, tem- peramento lymphalico, constituição fraca, afleclado de rheumalismo geral agudo com endocardile. As dores eram violentas, e os movimentos impossíveis. PF, TI1ERM0.METRIA CMXICA 155 tg Das 9 ás 10 horas da manh.ã Diis 4 .Hs 5 bora? da tarde = o o •3 ot •3 to d ã 3 a c O â £ K o ■3 Pi •1 Tratamento 6.0 39°, 1 112 20 39°,6 116 22 (6.°) Um purgante 7.° 3S°,8 112 20 39°,6 112 22 (7.°) Seis decigrammas de bicar- 8." 39°,0 96 20 39", 4 100 20 bonato de soda duas vezes nas 9.» 39»,2 96 18 40°,0 100 20 24 iioras (1,2 gram.) 10." 39°,0 96 18 39»,4 100 20 (8.°) Idem 11.» 39°,0 108 18 40°,6 112 20 (9.°) Idem 12.° 40°,0 108 18 40',6 112 20 (10.°) Idem 13." 40°.0 100 18 40°,4 100 20 (11.°) Idem 14.0 38°,8 96 18 40°,0 120 20 (12.°) 0 mesmo remédio quatro lõ." 39°.2 100 20 40°,0 120 22 vezes (2,4 grammas nas 24 ho- 16." 39',2 116 20 40°,0 120 22 ras) 17.° 39°,2 116 20 40",0 120 22 (13.°) Idem 18." 39°,0 120 22 39°,5 124 24 (14.0) Idem até o dia 22, em que 19.» 38°,0 100 20 39%0 120 24 se suspendeu o tratamento 20.° 38° ,0 108 20 38°,8 116 22 (23.°) Infuso de althéaaté aodia 21.° 38°, 0 100 18 38°,8 112 20 26.° 22.° ' 38°,0 100 20 39°,0 112 24 23.° 38°,4 108 20 38°,8 112 22 24.° 38°, 0 112 20 38°,6 116 22 2o.° 37°,4 100 20 38°,6 104 22 26.° 37°,6 100 20 38°, 4 104 22 27.° 37°,4 116 18 ' Cessaram as dores, a tumefacíJo e a vcrmelhidiSo das arliculações. Neste caso, em qiie o doente tomou em 16 dias 31,2 grammas de bicar- bonato de soda, a temperatura não se modiíicou sob a influencia d"este medi- camento. A dose medicamentosa não foi assas elevada e o caso era complicado, e d'aqui proveio talvez a indifTerença da doença. Terceira classe de meios antipyreticos. — São comprehendidos n'esta classe a dedaleira, a quina e seus derivados, a veratina, os alcoólicos, etc. 1." Dedaleira. — Empregada no 16.° século por Withering no hospital de Birmingham a digital só no começo do século actual (1804, Loiídon medic. and 20- lÕG ELEMENTOS physic. jotir.) foi applicada ao tratamento da piilmonite aguda. Depois vários preparados desta planta foram administrados contra a piilmonite e a pleuresia agudas por muitos práticos, entre os quaes merecem menção especial Rasori (1811), Barbier (1834), Berlhet (1837) e Millet (1839); mas a dedaleira era em- pregada com outras substancias, de sorte que é dilTicil discriminar a qual dos medicamentos administrados pertenceu o benelico resultado. ' É nestes últimos nove annos que a acção da dedaleira tem sido melhor apreciada no tratamento da pulmonite e da pleuresia agudas, tomando boa parte n'este estudo os drs. Ilirtz (18G2), Gallard (18CG), Legroux, Lelion e Legros (1867). Por nossa parte podemos dizer que em 18G3 publicámos na Gazeta me- dica de Lisboa um bom numero de observações, minuciosamente descriptas, de pulmonites agudas, das quaes umas tratámos com a dedaleira, outras com a aguardente, outras com a veratrina, e outras com o acetato de chumbo em alta dose. A dedaleira é uma das substancias que n"estes últimos tempos mais tem attrahido a attenção dos physiologistas, dos clínicos e dos medicos-legistas. Aqui só estudaremos a sua acção sobre a tem.peratura, não omittindo com tudo o seu effeito sobre a circulação e a respiração. Os preparados de dedaleira, que temos geralmente empregado, são o ex- tracto bydro-alcoolico e o infuso das folhas reduzidas a pó (1 a 2 grammas d'este para 120 ou 200 grammas d'agua). O extracto é tolerado mais facilmente; mas o infuso tem-nos parecido mais enérgico e prompto na sua acção. A irregu- laridade do pulso, as náuseas e os vómitos são os primeiros indicies da acção toxica, que cessa simplesmente com a suspensão do tratamento ou com o uso do café, de bebidas ligeiramente aromáticas, etc. É a melhor substancia antipyretica a dedaleira, na opinião do dr. Hirtz, pela intensidade, precisão e duração da sua acção, e pela extensão de suas in- dicações; «ou pourrait Fappeler, diz o professor de Slrasburgo, le spécifique de la fièvre inflammatoire.» Segundo as observações d"este medico e as dos drs. Traube, Kulp e Wunderlich, a temperatura baixa em 24 a 60 horas, o pulso diminuo de frequência em 24 a 48 horas, e a doença começa a resolver-se den- tro de 36 a 72 horas depois da administração da digital. Eis como o dr. Hirtz refere os effeilos d'este medicamento: «o primeiro effeito é a irregularidade e a intermittencia do pulso, sua acceleração com o menor movimento; algumas horas depois o pulso torna-se lento, a temperatura o segue logo. lia ordinariamente náuseas, especialmente vómitos, quasi sempre suores com frio das extremidades, nunca augmento das urinas. Interrompido o medicamento, o pulso e a temperatura continuam a baixar. Ao cabo de 24 ho- ras pára a diminuição do calor, umas vezes na tempei'atura normal, outras 1 ou HE TIlKKMdMICTIÍlA CMMCA 157 i crraiis abaixo, e desde então ella sóbc rapidamente ao typo physioiogico. O pulso, pelo contrario,, continua muitas vezes a diminuir por muitos dias, ás ve- zes com imminencia syncopal, e em alguns casos raros fica lento durante 10, 15, 45 e 50 dias, sem que o doente experimente mal estar algum *.» Segundo o mesmo auctor o modo de administrarão em Strasburgo, como na AUemanba, é a infusão da lierva pulverisada (0,75 a 1,25 grani, por poção de 100 grammas). Finalmente, nota o dr. Ilirtz que é preciso cliegar a esta acção pharmaco-dynaniica para obter resultado salisfaclorio; mas se é excedida, podem sobrevir accidentes, d"onde vem a necessidade de examinar constante- mente o pulso e a temperatura -. O dr. Kulp, discípulo do dr. Traube, apresentou a sua Ihese inaugural so- bre a acção anliphlogistica da dedaleira nas doenças agudas. Segundo este tra- balho oito observações de pulmonite, rheumatismo articular agudo e pleurite deram os seguintes resultados: 1 o para Tempo necpss.irio ha\er dímiuuii,íio do: Febi -tR eir até e pregadas 3 íim Doença Tempo .Ir-i se estabelece Pulso nis 'lo '|il.-il u 0 miniiíium /5 Pulso Temperatura Doença Temiieratiira 2 22 h oras 9 72 horas 1,15 grani. 1,60 gram. 108 horas 120 horas 1 24 t 9 30 1,1o T) 2,80 » 96 .. 8i .. 4 24 » 24 horas 60 1,13 )) 2,80 » 72 . 60 I. 6 24 36 » 36-60 » 1,60 » 2,80 » 60 » 84 » 3 28 28 » 72 2,0 )) 2.10 » 120 .) 120 » 5 36 60 . 9 2,0 » 3,20 » 144 » 96 >. 8 48 48 » 48-60 » 2,0 1 3,40 .. S6 » 144 , 7 48 48 . 60 6,0 > 5,23 . 132 » 136 » Segundo estas observaçilies a tempei-atura declina pelo mesmo tempo que o pulso na maior parte dos casos (4 : 6), e mais tarde a doença. O minitmim da temperatura verificou-se antes do pulso na metade dos casos (4 : 8), e em um caso ao mesmo tempo. O lapso de tempo, em que o pulso começou a diminuir de frequência, oscillou enlre 22 e 48 horas, a temperatura entre 24 a 60 horas e a doença entre 36 e 72 horas. Para que a digital produza elTeitos antiphlogisticos é necessário adminis- ' Xouv. dict. de méd. et de chir. pratiques, p. 818, t. vi. Paris, 1869. ^ Nouv. dict. de méd. et de chir. pratiques, p. 819, t. vi. Paris, 1869. 158 ELEMENTOS tral-a em doses elevadas; o dr. Kulp aconselha 2 a 4 grammas da herva de in- fusão em 120 a 180 grammas d'agaa, lembrando que haja todo o cuidado em observar o doente e que se suspenda o medicamento logo que appareçam acci- dentes (vómitos, ele.) Tèem alguns médicos dito que observaram elevação da temperatura no co- meço do tratamento pela dedaleira, suppondo-a o primeiro elleito d'esta sub- stancia. É uma falsa interpretação; a temperatura, nas doenças agudas, pôde continuar a elevar-se apesar das primeiras applicações da dedaleira; mas esta só por si nunca augmenla a temperatura, deprime-a sempre, mais cedo ou mais tarde. O dr. Legros nota que a temperatura fica ás vezes estacionaria por 12 ou 2'i lioras, mas que na maior parte dos doentes a temperatura baixa pela mesma época que o pulso e nas mesmas proporções, pouco mais ou menos, continuando a descer depois da cessação do medicamento, para regressar depois ao typo physiologico mais depressa do que o pulso. Sendo 37°,28 a temperatura media das creanças, segundo as observaçijes do dr. Legros, achou este medico que com o emprego da dedaleira a temperatura descia a 3S'',4, isto é, quasi 2" abaixo da media normal e 3^ a 3°,25 abaixo da temperatura mórbida no co- meço do tratamento. Exporemos em resumo algumas de nossas observações, relativas ao assum- pto, de que nos occupâmos aqui. A primeira observação foi colhida em um homem de 26 annos de edade, temperamento mixto, constituição mediana, estatura regular, creado de servir, atfectado de pleuro-pulmonite aguda do lado direito no segundo grau, de que se curou. Eis o que notámos: DK THERMOVETRIA CLINICA 159 Da«!l àslOhorasdamanhã Das 4 às 5 horas da tarde « Tratamento 2.° 4,02 7.» 8.» 39",0 38",0 37°,5 3(5°,4 36°,G 3(5\4 3G".8 100 80 56 48 44 32 24 22 18 18 18 18 18 39° ,2 38», 4 37°,5 37°,0 36",8 37M 100 76 52 48 44 52 24 20 20 18 18 18 (2.°) Infuso de dedaleira (120 p;ram.) » (3.°) Idem (4.°) Infuso de valeriana (S.°) Idena (6.°) Nada ' Esta infusão foi feita com 2 graramas de dedaleira em pó para 120 grammas d'agua, ■•' O doente teve vómitos a noite passada e esta manliã, pelo que se suspendeu o uso da dedaleira. 3 Continuaram os vómitos, pela maior parte biliosos. '' Cessaram os vómitos. N'este caso a temperatura baixou 1° nas primeiras 16 horas; 0°,5 nas 24 horas seguintes e 1°,! no dia seguinte, em que a temperatura desceu abai.xo da normal (36", 4), isto é, em três dias e meio a temperatura baixou 2'\6, tendo o doente tomado o remédio somente nos dois primeiros dias. Em um doente de 10 annos de edade, temperamento lymphalico, com hy- dro-pleuresia aguda do lado esquerdo, o eíTeito da dedaleira foi ainda mais pro- nunciado, segundo se \è na seguinte tabeliã : Das 9 ás 10 horas da manhã Das 4 ás 5 horas da tarde Tratamento 5." 6.° 702 e o 3 38°,6 39°,5 36°,6 36°,5 120 124 108 48 20 20 20 20 39",4 39" ,9 37°,4 37°,0 120 126 104 80 22 20 20 20 (5.°) 60 grammas de infuso de dedaleira ' (6.°) 120 gram. do infuso supra (7.°) Só chá d^althéa (8.°) Idem ' Esta infusão foi feita com 1 gramma de dedaleira em pó para 60 grammas de agua. - Teve vómitos, expulsando quatro lombrigas, pela manhã. 3 Continuou a vomitar, deitando mais duas lombrigas. 1(10 ELEMENTOS No primeiro dia a dose muito fraca do remédio nlio produziu eITeito, con- tinuando a temperatura a elevar-se; mas no dia seguinte, depois do emprego de uma dose regular do remédio, a temperatura declinou consideravelmente, ^",9 relativamente á temperatura da manhã anterior, descendo abaixo da nor- mal, em quanto que o pulso ainda se conservava frequente (108), tendo des- cido 10 pulsações somente; mas no dia immediato, em que o doente tinha já interrompido o uso da infusão de dedaleira, o pulso remittiu muitíssimo, pas- sando de 108 a 48 (60 pulsações de menos). Em um caso de rheuraatismo polyarticular agudo, terminado pela cura, que observámos em um homem de 26 annos de edade, temperamento lymphalico, constituição mediana, estatura alta, creado de servir, notámos o seguinte: Das 9 ás 10 horas da manha Das 4 ás 5 horas da tarde cí -— = ,% d o c tr* Pi Tratameuto 8." 9." 10.° 11." 12.° ^ 13.»^ 14.° '^ 38°,6 38°,6 38",8 38°,0 37°,2 37°,6 37°,4 96 88 84 84 48 44 m 20 39",2 92 20 20 39», 2 90 22 20 39°,2 100 22 20 38°,4 88 20 18 37°,5 48 20 20 37°,6 40 20 18 37°,7 40 20 (9.°) 120 grammas de infusão de dedaleira ' (10.°) Idem 2 (11.°) Idem 3 (12.°) Infusão de valeriana (I3.°) Idem (14.°) Nada ' Esta infusão foi feita com 1 gramma de dedaleira em pó. - Esta infusão foi feita com l i gramma de dedaleira. ^ Esta infusão foi feita com 2 grammas de dedaleira. i O doente teve hoje vómitos pela primeira vez. ^ Ainda muitos vómitos hoje. ''• Cessaram de todo os vómitos. As urinas tinham de densidade 1023 no 3." dia de observação (10.° de doença), 1026 no 4." dia, 1020 no 3.° dia, 1016 no 6." e 7." dias. As articu- lações dos membros estavam quasi todas túrgidas a muito doridas; o doente jazia quasi immovel de costas. N'este doente a infusão preparada com um gramma de dedaleira não pro- duziu cffeito algum sobre a temperatura, mas a infusão preparada com I '/-> gramma produzia logo no dia seguinte uma remissão de 0'',8 da temperatura sem modiQcação no pulso nem na respiração. Depois d'esta queda da tempera- DE TlIKiniOMKTRlA CUMCA IGl tiira o cloonto tomou 120 trrnnimns da infusão [ircpnrafla com 2 giammas de iltMlaleira e a loiíípcraliira desceu ;i normal no dia sc.l^uíiiIo; foi enlão que o pulso aprcsoiilou uma remissão de 36 pulsações por minuto (de 84 a 48). Em um caso grave de pleuro-pulmonile aguda do lado direito no segundo grau, que observámos em um homem de 20 annos de cdade, temperamento mixto, conslituiçrio mediana, estatura regular, tecelão, notámos o seguinte: d Das 9 às lo horas da nianbã Das 4 às õ horas da arde es •3 5 3 _C3 o "a ■1 el 3 o c E o o Tratamento 4." 40",0 i28 26 40°,0 128 28 (4.°) Infuso tl'altliéa 5.» 40°,0 124 24 40",0 104 28 (5.°) 120 gramraas de infuso de dedaleiía ^ tj." .38", 0 104 22 39°,S 120 26 (6.°) Idem 2 1 ." ' 37%6 64 24 37°,8 56 32 (7.°) Infuso de valeriana 8." < 3S'',8 48 24 3S°,8 48 24 (8.°) Idem ; vinlio do Porto com caldo 9.° 5 35°,4 68 22 3.o°,0 48 24 (9.°) Idem 10.° 6 35°,0 52 22 3S°,0 60 18 (10.°) Café W." 3.5",6 44 18 35°,8 52 22 (11.°) Idem 12.» 36",5 60 18 36°,0 52 20 (12.°) Idem 1.3," 36°,1 48 20 36»,2 48 18 (13.°) Idem 14.» 36°,0 44 18 36°,3 48 18 (14.°) Idem 45.°- 36°,4 44 18 36°,6 44 18 (15.°) Nada ' Esta infusão foi preparada com 1 4 gramma de folhas de dedaleira em pó. - Esta infusão foi feita com 2 grammas de dedaleira. 2 Teve esla manliã muitos \omitos. * Ainda alguns vómitos. 5 Vomitou uma vez somente. s Cessaram os vómitos; grande prostração. " O doente acha-se restabelecido e pede alta, que lhe foi concedida no 17." dia. Dois dias depois (17.°) a temperatura voltou a 37°, o pulso a 64, e o doente saiu do nosso serviço clinico do hospital inteiramente bom. Esta observação mostra claramente não só a rapidez da acção deprimente da dedaleira sobre a temperatura e o pulso, mas também o effeito prolongado muito depois da interrupção do uso d'aquella substancia. Treze horas depois de tomar 120 grammas da primeira infusão de dedaleira (que foi administrada em MEU. DA X.C\Vi. — l."* CLASSE. T. IV, P. U. 21 162 ELEMENTOS , 3 doses com intervallos de 3 horas) a temperatura baixou 2" e o pulso 20 pul- sações, mas na tarde do mesmo dia a temperatura subiu F,o e o pulso IG pul- sações. A administração doutra infusão mais forte de dedaleira (2 grammas para 120 d'agua) fez baixar no dia seguinte a temperatura O", 4 relativamente á da manhã do dia anterior e l^.O relativamente á da tarde anterior, produzindo muitos vómitos. Nos dias seguintes a temperatura e o pulso desceram muito abaixo do normal, marcando no terceiro dia (10.° dia de doença) a primeira 35", e o segundo 52 pulsações, apesar do doente ter tomado valeriana, café e vinho do Porto. A temperatura e o pulso conservaram-se abaixo da media phy- siologica ainda por sete dias, tendo a temperatura regressado á normal an- tes do pulso. N"este doente a temperatura chegou a 2",27 abaixo da media physiologica 6 5'',0 abaixo da temperatura pathologica do primeiro dia de observação, e em que foi administrada a dedaleira. O caso seguinte foi observado em um doente, de 21 annos de edade, sol- teiro, temperamento lymphatico, constituição fraca, estatura regular, moço de padeiro, affectado de rheuraatismo geral subagudo. DK TIIERMOMETRIA CLINICA 1C3 c Das 9 ás 10 horas da manhã Das -l ús õ horas da tarde > 1 o 5 u ei y c td u "c. ty « íi o i o "o o irt « 0^ Tratamento 6.° 38",3 88 20 (6.°) Purgante de sul pli. de soda 7." 38",8 88 20 39°,8 108 20 (7.°) Iníusão de dedaleira > 8." 39',2 104 20 39°,S 100 22 (8.°) Infuso mais forte de deda- leira - 9." 3 37°, 6 48 20 38°,6 56 24 (9.°) Nada 10.°^ 37",S 64 20 38",3 60 20 (10.°) Nada 11.» 37»,5 72 20 38°, 2 60 20 (11.°) Infusão de dedaleira ^ 12." ^ 37°,2 44 20 37».5 44 22 (12.°) Idem 13.»" 36'>,8 44 22 37°,5 52 22 (13.°) Nada 14.°' 37°,0 52 20 38° ,0 56 22 (14.°) Café lo." 8 37°,5 44 20 37°,0 48 24 (15.°) Idem 16.°» 37°,0 44 22 38°,0 52 20 (16.°) Idem 17.° 37°,2 S2 18 38'',0 56 22 (17.°) Nada 18.° 37°,3 44 20 37°,7 60 20 (18.°) Sul pinto de quinina e de ferro (ãa 30 centigrammas) 19.° 37°,4 54 20 37°,6 52 20 (19.°) Café 20.°'" 37°,9 60 20 38°,0 60 22 (20.°) Idem 21.011 37",4 68 22 38°,0 09 20 (21.°) Idem 22.° 37°,7 72 18 37°,6 72 22 (22.°) Idem 23.» 37°,4 76 20 37°,8 72 20 (23.°) Nada 2'i.° 37°,8 72 20 37», 4 72 22 (24.°) Nada ' 1 gramma de JeJaleira para 200 d'agua. - 1 I gramma de dedaleira para 200 d'agua. 3 Te\e vomilos na noile anterior. * Não teve mais vomilos. '■ Vomitou uma vez. s Vomitou duas vezes. ' Não leve vomilos, mas muitos soluços. 8 Continuam os soluços muito repelidos. 9 Cessaram os soluços, mas o pulso está irregular, ora inlermiltente, ora com uma pulsação apres- sada e outra lenta, ora duas lenias e uma apressada, ora uma lenia c duas apressadas. 10 Pulso muito menos irregular. " Pulso regular; o doente não sente o menor incommodo. N"este doente tornou-se notavc4 a sua susceptibilidade para a dedaleira. Tomou dois dias successivos a dedaleira e logo no terceiro dia se manifestaram 21* 1C4 ELEMENTOS vómitos, que cessaram no dia seguinte. Passados dois dias sem vómitos, o doente tomou outros dois dias a infusão de dedalcira (1 7-2 gramma para 200 d\igua), e os vómitos reaijpareceram; interrompido o remédio continuaram os vómitos, os quaes foram depois substituidos por soluços muito frequentes e incommo- dos, e mais tarde por irregularidade do pulso bem representada nos traçados spbygmographieos que colhemos no doente. Foi também muito notável a grande remissão do pulso, logo no dia immediato á primeira administração do remé- dio, baixando 36 pulsações (de lOí a 48) Em outro caso de rlieumatismo geral subagudo, que observámos em um individuo de constituição mediana, temperamento bilioso, estatura regular, de ri" annos de edade, trabalhador do campo, a influencia da dedaleira sobre a temperatura, pulso e respiração, foi a seguinte: Das 9'ãs 10 horas da manhã Das 4 ás 5 horas da tarde d o o 5 õ S o (5 o ri õ o o O * Observações 3." 38%.^ 92 20 38",7 84 22 (3.°) Infusão de dedaleira ' 4." 38",i> 72 20 38", 3 80 24 (4.") Idem 5." 37°,5 68 22 38", 0 84 22 (5.") Idem G."- 37°,5 44 20 37°,5 40 24 (6.") Nada 7.° 3 37°,0 44 20 36", 6 44 22 (7.") Nada 8." 30", 4 52 20 36",6 36 24 (8.") Nada 9.» 30", 2 36 18 30", 2 40 22 (9.") Nada 10." 36",G 40 18 37", 1 40 22 (i0.°) Nada 11." 3G",5 40 20 37",2 40 22 (11.") Nada 12." 37",0 56 18 37%6 56 20 (12.") Nada 13.° 37°,0 60 18 37",2 60 20 (13.") Nada 14." 37°,0 64 18 37",3 66 20 (14.") Nada 1 1 i ^niniiiiH lie dcJ;ilcira liara 200 d'agua. - Teve lioje alguns vómitos. 3 Cessaram os vomilos. N'este doente tornou-se sobre tudo notável a acção da dedaleira sobre o pulso; ao 4.° dia o pulso baixou a 40 por minuto, tendo o doente tomado o remédio somente nos três dias anteriores, e ao C.° dia á tarde (8.° de doença) o pulso desceu a 36, oscillando depois por alguns dias entre 36 e 40 apesar da interrupção do uso da dedaleira. O minimum da temperatura foi de 36", 2 notado quati'o dias depois da cessação do remédio. Referiremos ainda um caso grave de inílammação aguda de todo o pulmão ni: TllF.RMnMF.TRIA CLINICA 165 esquerdo, il;ilando j;i do (i dias, e em que IVii empregada a infusão de dedaleira. Observámos este caso em um doente de 30 annos de edade, temperamento mixto, constituit^-ão forte, alta estatura, moço de padeiro. Eis qual foi o registo ther- ino-spliygmo-pneometrico. ei_ Da.s :ii.s 10 h ora.s (l;i 1 iauh.l Dil.í 1 ás .•. 1 oras d;i tanl(! a c •o o 3 ■1 Tr.itameuto rs Q ã èí" u 'H. 2 1 o "d ti, 6." 40»,4 136 24 40°,4 136 28 (6.°) Infusão de dedaleira ' 7.° 2 40'>,0 126 24 40°, 2 128 26 (7.°) Infusão mais forte ' 8.°* 39°,0 108 24 38°,0 84 24 (8.°) Idem, e um vesicatório so- bre 0 lado esquerdo do thorax 9." 5 36°,3 40 24 36°,1 48 24 (9.°) Café; \inlio do Porto com caldo d0.''6 36°,2 44 22 36°,0 40 24 (10.°) Idem 11.»' 3C",0 40 22 36°,4 40 22 (11.») Idem 12. ° 36°, S 42 20 36°,.5 48 24 (12.») Idem 13.° 8 36",4 40 20 36°,7 40 24 (13.°) Infusão de valeriana; vi- nlio do Porto 14 0 9 3G°,6 40 22 36°,7 40 26 (14.°) Idem Vó." 36»,8 44 20 36°,6 40 22 (15.°) Yinlio do Porto 16.0 36°,1 40 20 36°,5 44 22 (16.°) Idem 17." 36°,5 36 20 36°,8 44 22 (17.°) Idem 18.» 36",2 38 20 36°,6 44 20 (18.°) Idem 19.» 36°,5 44 20 37°,0 36 20 (19.°) Idem 20." 36°,4 44 18 36°,7 44 20 (20.°) Idem 21." 36°,o 44 18 37»,3 52 20 (21.°) Idem 22.° 36°, 9 60 18 37°,0 60 20 (22.°) Idem 23." 36°,7 56 20 37°,0 68 20 (23.°) Idem 24.° 36°,7 64 18 37°,4 70 20 (24.°) Idem 2í).° 37», 1 70 18 37°,5 70 20 (25.°) Nada ' 14 gramma de detlaleira para 200 grammas d'agua. - Vomitou uma lombriga. 3 2 grammas de dedaleira para 200 d'agua. '' Não leve náuseas, nem vómitos. » Vomitou Ires vezes de noite. << Vomitou os caldos e uma lombriga; alguns solufos. ' Conlinuam os vómitos e solui;os; o doeiíle acha-se prostrado, mas respira bem c a tíepatisação pulmonar está resolvida. * Poucos soluços, diarrhea; vomitou o café. ' Cessaram os soluços, os vómitos e a diarrliea. 106 ELEMENTOS N"este doente a temperatura e a frequência do pulso diminuiram logo no dia seguinte, a primeira O^i e o segundo 10 pulsações; no segundo dia, de- pois de tomada a infusão mais forte de dedaleira, que o doente supportou muito bem, a temperatura baixou 1° e o pulso 18 pulsações, mas como a pul- monite não declinava e o doente estava bastante anciado, lhe applicámos um largo vesicatório loco ajfecto. Foi extraordinária a queda do pulso e da tampe- ratura no 3." dia do uso da dedaleira: o pulso baixou 68 pulsações e a tempe- ratura 2'\7 relativamente ao dia anterior, e 96 pulsações e 4°,! relativamente ao primeiro dia. As observações que ficam referidas, foram todas colhidas em o nosso ser- viço clinico, enfermaria de S. Seba*stião do hospital de S. José; a infusão de de- daleira foi administrada em três doses eguaes, sendo a primeira ás 4 horas da larde, a segunda as 6 horas da manhã e a terceira ás 10 horas da manhã. Julgamos necessária esta advertência para a apreciação do tempo em que a dedaleira, que foi o único medicamento empregado, começou a operar o seu effeito. D'estas observações e d'outras que se acham consignadas em os nossos re- gistos thermo-sphygmo-pneometricos, se collige: 1.° Que a dedaleira, dada em infusão (1 a 2 grammas para 120 a 200 grammas d'agua) tem acção deprimente prompta e enérgica sobre a tempera- tura e o pulso. 2." Que a temperatura e o pulso declinam, em geral, nas primeiras 24 a 48 horas depois do emprego da primeira prescripção; mas muitas vezes se ma- nifesta notável remissão {0°,^ a 2° e 12 a 30 pulsações) antes das 24 horas (4 a 12 horas). 3.° Que a temperatura e o pulso descem ao nivel physiologico, ou ainda abaixo d"este, em 40 a 76 horas ou em 48 '2 horas, termo médio, começando a contagem depois de tomada toda a primeira prescripção. 4." Para que a acção da dedaleira seja rápida, é necessário que a infusão seja feita com 1 '/a a 2 grammas d"esta planta para 120 a 200 grammas d"agua; com tudo ás vezes a infusão de l gramma basta para fazer declinar logo a tem- peratura e o pulso. 5." O effeito da dedaleira é tanto mais pronunciado e prompto, quanto mais alta é a temperatura, mais frequente o pulso e mais elevada a dose. 6." Que a temperatura e o pulso começam, em geral, a declinar pela mesma época, e de ordinário proporcionalmente. 7." A tempei'alura attinge o nuíumiini ora ao mesmo tempo que o pulso, ora aiiies, ora depois d"este, a differença de tempo é geralmente pequena. 8." O minimum de temperatura que temos notado, é 35° e o do pulso 36 pulsações por minuto. DE TIIERMOMF.TRIA CMNICA 10 7 9." A lemiioratiira í\c\)o\í de ler chegado ao mininuim começa a elevar-se e regressa ao iiivel normal primeiro do que o pulso. 10." Interrompido o uso da dedaleira a temperatura e o pulso continuam a declinar, 1 a 3 dias, e permanecem em nivel inferior ao normal 2 a lo dias ou S dias era media, sem que o enfermo experimente por isso incommodo al- gum, excepto se ha vómitos, soluços ou irregularidade do pulso. 11." Que bastam, em geral, dois dias de emprego da dedaleira, para que a temperatura e o pulso febris desçam ao typo normal ou abaixo d'este. 1:2. " Que a dedaleira administrada nas doses indicadas produz facilmente vómitos, menos vezes soluços e irregularidade do pulso. 13." Que manifestado algum d'estes phenomenos se deve suspender o em- prego da dedaleira. 14." Que obtida a temperatura nos limites physiologicos é inútil, senão prejudicial, a continuação da dedaleira. 15." Que a acção da dedaleira sobre a respiração é insignificante ou nulla. A dedaleira é, por tanto, ura dos antifeltris mais rápidos e poderosos. O dr. Legroux opina que a acção da dedaleira é análoga á da excitação do grande syrapathico e principalmente á dos seus fdetes vaso-raotores. Quando o grande syrapathico, diz o dr. Legroux, funcciona fracamente, como succede sobre tudo nas doenças febris, rompe-se o equilíbrio normal. Ateia-se a febre, o calor augraenta, produzem-se congesti5es e lieraorrhagias, as secreções não se effectuam na sua proporção normal, os vasos sanguíneos relaxados deixam pas- sar sem resistência a corrente sanguínea, o coração torna-se irregular e rápido nas suas contracções. Se n"estas condições, os filetes vaso-raotores do grande syrapathico são excitados, ou se acaso se administra a dedaleira, regularisa-se a circulação geral, reslabelece-se o equilíbrio entre as lesistencias dos capilla- res e as pancadas do coração, entre o aíflu.xo e a saida do sangue, nas diversas partes do corpo. O abaixamento da temperatura é devido á contracção dos vasos debaixo da acção da dedaleira sobre o grande sympatliico, as pancadas do coração di- minuem a seu turno. Para verificar a realidade da contracção dos vasos, o dr. Legroux, depois de ter examinado os movimentos e o volume da artéria central do ouvido d"um coelho, injectou debaixo da pelle do dorso d'este animal um centigramma de digitalina dissolvida era um grararaa d'agua. Cerca de um quarto de hora de- pois viu, claramente, a contracção permanente da artéria, que persistiu até o dia seguinte, e as pulsações d'este vaso parcelara fazer-se por intervallos mais raros. As orelhas que, antes da injecção, tinham uma temperatura elevada, tor- narara-se frias passado pouco terapo; este abaixamento da temperatura era ainda muito distincto 12 a lo horas depois. 168 ELEMENTOS O dr. Legros, tendo 'obtido os mesmos resultados em duas experiências, empregando na primeira um cenligramma de digitalina, e na segunda uma quan- tidade equivalente da infusão do pó da dedaleira, segue a opinião do dr. Lo- groux sobre o modo d'acção da dedaleira. 2." Qiii?ia e seus derivados. — A quina, e mais especialmente os seus al- calóides e saes, são ura excellente meio para combater a febre, e não só a fe- bre paludosa, da qual o sulphato de quinina é o especifico por excellencia, mas também todas as demais febres agudas, e nomeadamente o rheumatismo poly- articular agudo. É um facto, geralmente recebido, que o sulphato de quinina em alta dose diminua a temperatura e simultaneamente a frequência do pulso. O dr. Hirtz suppõe que o sulphato de quinina, como a dedaleira, actua sobre a meduUa oblongada com irradiarão mais pronunciada sobre os nervos trigemios e acús- ticos, depois paralysia reflexa *. A acção do sulphato de quinina não nos tem parecido tão pronunciada nem tão prompta, como a da dedaleira, o que se vê na seguinte observação de rheumatismo polyarticular subagudo, colhida em um individuo de 22 annos de edade, temperamento sanguíneo, constituição forte, estatura regular, trabalha- dor do campo. eí Das 9 ás 10 b jras da manhã Das 4 ás 5 horas da tarde a o os 'a ai ej 5 1 o ,2 g '5. 1 o S o IS Tx-atamento 10.° 38",5 88 20 (10.°) Sdecigrammas de sulphato de quinina 11.» 38",6 90 20 (11.") Idem, idem 12." 38°, .5 90 22 (12.°) 10 docigramiiias, idem 13." 38",4 120 18 39",0 124 20 (13.°) 20 decigrammas, idem 14.» 38",0 100 20 39",4 112 22 (14.") 26 decigrammas, idem 15.0 38",2 104 20 38°, 2 92 22 (1.^.") 32 decigrammas, idem 16." 38-.0 88 20 38°,0 88 20 (16.°) Idem, idtm 17." 37°,9 80 18 38°,0 88 20 (17.°) Idem, idem 18.0 37°,9 76 18 38°,0 84 20 (18.") Idem, idem 19.» 37",4 88 18 38° ,0 88 20 (19.°) Nada 20." 37".4 90 18 37°, 6 90 20 ' Nouv. dict. de méd, et de chir. pvnliqucx. Paris. 1SG7. DE THERMOMETRIA CLINICA 1G9 Este doente tomou em 9 dias trinta grammas de sulphato de quinina, e com tudo a temperatura baixou r\l somente no fim deste tratamento. Em outro caso de rlieumalismo geral subagudo, que observámos em um individuo de 20 annos de edade, temperamento sanguineo, constituição forte, alta estatura, lialialiiador do campo, o exame thermo-sphygmo-pneometrico deu o seguinte resultado: íí Da?!lâslObor.isda manhã Das 4 ás 5 hr ra? da tarile c 0 tca © Tratamento 3." 39°,2 124 20 39°,8 120 22 (3.°) lo milligr. de vcratrina nas 24 horas em 3 pílulas 4.° 39°,4 120 18 39°,o 124 24 (4.") Idem 5.° 39",0 116 20 390,0 116 24 (5.°) 20 milligr. de veratrina em 4 pílulas 6." 37",4 88 20 37»,5 88 20 (6.°) Idem 7.° 3o",S 84 20 3S°,1 80 22 (7.0) Nada 8.» 35%3 80 18 35",5 80 20 (8.") Nada 9.° 3o",9 84 18 3b°,5 68 20 (9.°) Nada 10." 3o", 9 72 18 3S°,7 80 18 (10.") Nada n." 3.5",6 68 18 36",0 76 20 (11.") Nada 12." 3a", o 60 18 3o°,8 72 18 (12.") Nada 13." 3o",7 80 18 36°,0 88 20 (13.°) Nada 14.° 36",0 64 18 36°,0 68 18 (14.") Nada 15.° 36",0 72 18 O doente, achando-se bom, pediu alta e saiu da enfermaria. N'este doente o effeito da veratrina manifestou-se no segundo dia pelo abai- xamento de 1°,4 da temperatura e de 8 pulsações por minuto, sem modificação da respiração, tendo sido administradas 3Ò milligrammas de veratrina nas 48 lioras. Mas tendo-se augmentado a dose diária da veratrina (20 milligrammas em vez de 13 milligrammas) a temperatura bai.\ou no dia seguinte 1°,6, chegando ao nivel normal, e o pulso diminuiu de 28 pulsações (de 116 a 88), permanecendo a respiração no mesmo estado. No dia immcdiato a temperatura desceu abaixo do limite physiologico, marcando 33",5 pela manhã e 30°,! á tarde; o pulso de- clinou apenas 4 a 8 pulsações. Interrompida a administração da veratrina a temperatura conservou-se ainda muito baixa por oito dias, oscillando de 35°,3 a 36",0; o pulso desceu a 60 por minuto. O segundo caso foi observado em um doente de 28 annos de edade, tem- peramento mixto, constituição mediana, estatura regular, creado de padeiro, affectado de pleuro-pulmonite aguda do lade esquerdo no segundo grau. Eis o respectivo registo; 22. 172 ELEMENTOS « Das 9 áa 10 horaE da manhã Das 4 ás 5 horas da tarde ■§ S 5 es s ® a â "E. 3 1 S s •1 Cd 1 Pi Tratamento 40M 120 24 40", 3 120 24 (4.°) 2 centigr. de veratrina em 3 pílulas nas 24 horas 5 39",S 112 22 39",5 100 20 (5.°) 25 Qiilligr. de veratrina 6 39",6 ^ 96 22 39°,0 , 88 20 (6.°) 3 centigr. de veratrina 7 38",0 84 20 38",0 80 20 (7.°) Idem 8 37°,5 64 18 37°,0 56 20 (8.°) 15 milligr. de veratrina 9 se»,? CO 20 36°, 8 52 18 (9.") Nada 10 36»,2 64 18 36",8 68 20 (10.°) Nada H 36'\7 64 18 37°,0 64 20 (11.") Nada 12 37°,5 60 18 N'este doente logo no dia seguinte, IG horas depois de haver tomado 2 centigrammas de veratrina, a temperatura e o pulso remittiram, o primeiro 0",5 e o segundo 8 pulsações; no 2.° dia a temperatura subiu 0°,1 pela manhã, e diminuiu 0'',3 á tarde, e o pulso 16 pulsações; no 3." dia houve grande queda da temperatura, l",6j tendo o doente tomado na véspera 3 centigrammas de ve- ratrina. A temperatura e o pulso dimiuuiram ainda depois da suspensão do me- dicamento. D'estas observações e d'outras, que omittimos para não tornar muito ex- tensa esta parte, se coUige: 1." Que a veratrina tem acção immediata sobre a temperatura e o pulso diminuindo aquella e a frequência d'este. 2." Que o effeito da veratrina se manifesta nas 12 a 48 horas depois de sua administração. 3." Que a acção deprimente da veratrina sobre a temperatura e o pulso, continua a manifestar-se muitos dias, 3 a 12, depois da interrupção do medi- camento. 4.° Que para obter a diminuição da temperatura e do pulso não ha neces- sidade de administrar as doses tão elevadas, 5 a 5 */2 centigrammas por dia, como tem sido aconselhado, e nós mesmos temos empregado, na pulmonite aguda. Basta, em geral, a dose diária de 15 a 30 milligrammas para se obter o effeito desejado. 4." i/coo/. —Foi Robert Benlley Todd o maior propugnador do emprego DE TlIERMOMETRIA CMNICA 173 dos alcoólicos no Iratamento das inflammações agudas, nomeadamente da pul- monite. Desde 1840 que o celebre professor do Kings coUegc hospital se em- penhava em fazer prevalecer as applicações do álcool nos estados febris; mas foi em 18G0 ' que o dr. Todd apresentou a luz da publicidade as suas lições sobre o assumpto. Os discipulos de Todd e muitos outros médicos, nacionaes e estrangeiros, adoptaram as idéas do illustrado pratico. Em Portugal foi en- saiado, mas sem enlimsiasmo, o emprego do álcool, e não poucas observações de nossa clinica, publicámos na Gazeta Medica de Lisboa nos annos de 1863 e 1804. Já no começo do século passado (1718) o nosso compatriota Francisco Corrêa de Amado mencionava o uso da aguardente nos pleurizes. Mas não ò das virtudes therapeuticas do álcool, que nos incumbe tratar aqui; não é das vantagens ou desvantagens d'esta substancia no tratamento de certas doenças, que será questão n'este logar. O nosso propósito é simplesmente apreciar a acção do álcool sobre a temperatura, pulso e respiração. Fundado nos factos que temos observado, podemos estabelecer as seguintes proposições. 1." Nas doenças febris o álcool, administrado em alta dose (120 grammas e meia, nas 24 horas), faz baixar a temperatura, de alguns décimos de grau a 1". 2." Manifesta-se a diminuição da temperatura dentro de 20 a 48 horas. 3." O abaixamento da temperatura não impede a exacerbação vespertina, podendo esta egualar ou exceder a temperatura matutina do dia anterior. 4." Na desfervencia a remissão da temperatura pôde ir abaixo do nivcl physiologico. 5." A acção dos alcoólicos sobre a temperatura é muito mais prompta do que sobre a frequência do pulso e da respiração. 6." Ás vezes diminue a frequência do pulso em 24 horas, mas ordinaria- mente só passados alguns dias; e ha casos em que o pulso continua do mesmo modo ou augmenta de frequência. 7." Verificada a primeira remissão do pulso, este conserva ordinariamente por alguns dias a mesma frequência, pouco mais ou menos, para baixar depois à media normal. Ás vezes o pulso torna-se dicroto, outras intermiltenle. 8." A respiração pouco influencia experimenta, quanto á sua frequência, do uso do álcool. Para exemplo apresentamos a seguinte observação, extrahida do nosso re- gisto thermo-sphygmo-pneometrico. Refere-se este caso a um individuo de 20 annos de edade, solteiro, tecelão, de temperamento mixto, constituição me- diana, estatura regular, affectado de pleuro-pulmonite aguda do lado direito no segundo grau. O doente estava muito afflicto e prostrado, quando foi submet- tido ao tratamento pelo álcool, exclusivamente, cujos efifeitos foram: ' Clinicai lecturcs on certain descases. London, 1860. 174 ELEMENTOS Das 9 ás 10 horas da manhã Das 4 ás Õ horas da tarde 5 O, s J (5 •1 f3 e3 3 % ti O a o P4 o o; « Tratamento 7." 39°,3 120 22 39%3 120 28 (7.°) Aguardente, 10 grani, de 2 em 2 horas com chá d'althéa 8." 38°,4 120 22 39%2 120 32 (8.°) Idem 9.» 38°,3 120 24 38%5 120 24 (9.°) Idem 10." 37°,0 88 20 37%0 60 24 (10.) Idem 11.° 36°,8 80' 22 37%0 88' 20 (11.°) Nada 12.° 37°,0 84' 20 37^0 88' 20 (12.°) Nada 13.° 37",0 842 18 36%7 722 20 (13.°) Nada ' N'estes dois dias pulso intermittente. * Tornou-se regular o pulso. Tomou o doente 120 grammas d'aguardente, de 26", por dia, vindo a to- mar em todo o tratamento, 4 dias, 480 grammas d"aguardente. A temperatura normal reappareceu ao 3." dia do uso do medicamento, e o minimum da tem- peratura no 4.° dia. 5." Acetato neutro de chumbo. — Também tem sido preconisado este sal, em alta dose, no tratamento da pulmonite aguda. São já decorridos alguns annos, uma das celebridades medicas da Bélgica exclamava em occasião solemne: «Le siècle est au scepticisme; il y a peu de croyances qui ne soient ébranlées; celles même qui, par leur ancienneté, pro- mettaient d"être éternelles, sont presque passées dans le domaine de la mylho- logie. La mèdecine elle-mème n'a pu se défendre de la contagion.» A pneumonia podia, com relação á sua therapeutica, ser adduzida para justificar aquelle asserto. Maravilha na verdade observar por que extremos tem corrido a opinião dos médicos com respeito ao tratamento da pulmonite. A jul- gar pelas dissidências, que tão repetidamente se levantam, este assumpto seria um dos mais atrazados da palhologia. E com tudo não é assim. Para julgar do valor therapeutico do acetato neutro de chumbo na pulmo- nite aguda, colhemos algumas observações clinicas, que publicámos na Gazeta medica de Lisboa em 1863. Não é porém este o nosso propósito agora, mas sim indagar o effeito do acetato neutro de chumbo sobre a temperatura, pulso e respiração. DE THERMOMETRIA CUXICA 175 Era um doente de 39 annos de edade, temper.imento mixto, constituição mediana, estatura regular, trabalhador do campo, alToctado de pleuro-pulmonite aguda da base (lado direito) observámos o seguinte: «e Das 9 ás 10 horas da manhã Das 4 ás 5 horas da arde a o a •3 3 5 Temperatura — "3 e o IS Temperatura o 1 ç « Tratamento 3." 39\6 90 24 40",3 84 20 4." 3y°,o 84 20 38",o 80 24 (4.°) Acetato de chumbo, tigram. (em S pil.) o cen- 0." 370.5 64 18 37%o 84 20 {n.") Idem 6.- 37°,2 60 18 38°,0 72 20 (6.°) Idem, 3 centigr. 1." 37",3 60 18 37»,4 74 20 (7.°) Nada S.» 37".2 70 18 37»,4 74 18 (8.°) Nada Nesta observação a temperatura e o pulso declinaram muito logo no dia immediato ao emprego de 5 centigrammas de acetato neutro de chumbo, a primeira l°,o e o segundo 20 pulsações. Esta grande remissão seria effeito do medicamento, ou da declinação natural da doença? O certo é que ella se ma- nifestou no 5.° dia de doença, que ao 8." dia estava resolvida. Em outros casos não temos obtido resultado tão prompto, mesmo com doses mais elevadas de acetato de chumbo. Em outro doente, de 22 annos de edade, temperamento sanguíneo, cons- tituição forte, estatura regular, trabalhador do campo, atacado de pleuriz agudo do lado direito, notámos o seguinte: 176 ELEMENTOS 0! Das 9 ás 10 horas da manlia Das 4 ás 5 horas da tarde O -d ri à 2 s o. E ê o O «a K u 3 o a ,§ S Tratamento 2.° 40°,6 108 22 40°,6 104 24 (2.°) Acetato de chumbo, 7 centi- íírammas, em 3 pílulas ■ó." 40°,2 104 24 40",2 96 22 (3.°) Idem, 14 centigrammas 4." 39°,6 100 22 39%G 104 24 (4.°j Idem, 21 centigrammas 5."! 40° ,0 104 20 40°,0 104 24 (5.°) Um vesicatório no peito; kernies mineral, 15 cenligr. 6." 2 39°,8 108 22 39°,6 108 22 (6.°) Idem 7.° 38°,8 100 26 38°, 8 108 28 (7.0) Idem 8.» 37°,4 80 26 37°,8 80 26 (8.0) Idem 9." 37%4 84 22 37°,6 72 22 (9.°) Nada IO."' 37%2 72 20 (10.°) Nada ' Suspenden-se a expectoração, o doente está muito aílliclo. - Alguma expectoração, algum alivio. ^ O doente está bom, e sae do hospital. N'esle doente, sob a influencia do acetato neutro de chumbo, a tempera- tura desceu O", 4 no primeiro dia e 0°,6 no segundo, tendo o doente tomado até então 21 centigrammas d'aquelle sal. Mas no terceiro dia, em que o doente tomara dose egual (21 centigrammas) a d'estes dois dias conjunctamente, a tem- peratura elevou-se 0'',4. O acetato de chumbo não é uma substancia antiíebril com que possa contar-se. 6." Ipecacuanha. — Tem também sido empregada no tratamento da pulmo- nite e do pleuriz a ipecacuanha sob a forma de infusão, preparada com 5 a 8 grammas para 200 d'agua. Não conhecemos observações em que se achem re- gistadas diariamente as temperaturas para apreciar-se a acção d'aquella planta sobre o curso thermico ; é o effeito therapeutico simplesmente que tem fixado a attenção de alguns médicos. Em os nossos registos clinicos porém se acham consignadas observações thermometricas sobre a ipecacuanha. Em um doente de 22 annos de edade, temperamento lymphatico, consti- tuição fraca, estatura regular, criado de servir, affectado de pleuresia aguda do lado direito, notámos o seguinte quadro thermo-sphygmo-pneometrico. DE TIIERMOMETRIA CLINICA 177 Dasd ;U10 horas da manhã Das 4 ás 5 lioras da farde s (S •o õ «4 s & s E-i 1 1 3 C S O o trt 2 & Tratamento 2.» 3.» 38",6 38»,0 80 96 20 18 39°,0 38»,0 76 88 20 20 (2.") Infusão de ipecacuanha i (3.°) Mem 4.» 37°,8 72 18 37°,8 68 20 (4.») Idem 5.» 37°,8 60 18 37»,4 56 22 (5.°) Idem 6.» 37°,4 64 18 37",5 60- 22 (6.") Idem 2 7.0 37",7 60 18 37°,0 60 21 (7.°) Nada 8.» 37°,5 52 m 37»,3 60 20 (8.°) Nada ' Esta infusão foi preparada com 5 grammas de raiz de ipecacuanha para 200 d'agua ebuliente. - Esla infusão foi feita com 6 grammas de ipecacuanlia. N"este doente, horas depois de tomada a ultima porção da infusão, ou du- rante as 24 horas do uso do medicamento, a temperatura baixou C.G, em quanto que o pulso se tornou mais frequente (10 pulsações por minuto). Mas no dia seguinte (4." de doença), depois do emprego da segunda prescripção, a tem- peratura diminuiu 0'',2 apenas, em quanto que a remissão do pulso foi de 24 pulsações. Nos outros dias a inlluencia da infusão de ipecacuanha sobre a tem- peratura, que tinha descido aos limites physiologicos, foi pouco sensivel, modi- ficando-se esta muito pouco, ora para mais ora para menos; mas o pulso foi-se tornando successivamente mais lento, ainda depois da suspensão do medica- mento, chegando a 52 pulsações por minuto. Convém também advertir que não houve nunca vómitos, e com tudo ob- teve-se o resultado referido, curando-se o doente. O dr. Cbauffard, que ulti- mamente tem preconisado a infusão de ipecacuanha no tratamento da pulmo- nite, suppõe que, quando o remédio é inteiramente tolerado, isto é, que não determina vómitos ou dejecções inteslinaes, não produz cffeito '. Esla supposi- ção do illustrado medico não encontra apoio na observação que fica referida. Em outro caso de pleuro-pulmonite aguda do lado esquerdo no segundo grau, que observámos em um individuo de 25 annos de edade, temperamento mixto, constituição mediana, estatura regular, moço de carvoaria, colhemos o seguinte quadro: 1 Journ. de mcd. et chk. pratiques, 1869; e Gazeta medica de Lisboa, p. 75, 1870. MEJl. DA ACAD. — 1.* CLASSE. T. IV, P. II. 23 i78 ELEMENTOS d Das 9 ás 10 horas da manhã Das 4 ás 5 horas da tarde o d a- c O c o o Tratamento 5 3 1 F5 á M 8.° 39°,0 96 20 38°,3 96 24 (8.°) Infusão de ipecacuanha ' 9.° 2 37°, .5 68 20 37°,0 84 20 (9.°) Idem 10.» 3 37°,0 72 18 37°,0 60 22 (10.°) Nada H.»" 36°,7 64 18 37°,2 64 20 (11.°) Nada . 12.° '" 38°,5 96 20 38'',4 88 20 (12. °) Sinapismo loco dolenti 13.° 37°,5 76 18 36°,6 68 20 (13.°) Idem 14." 36°,6 86 18 36°,2 56 20 (14.°) Nada lo.°« 36°,6 58 18 36°,2 68 22 (15.') Nada 16." 36°,8 64 18 (16.°) Nada ' Esta infusão foi preparada com O graiumas de raiz de ipecacuanha para iOO {.'ranmias d'agua. - Vomilou varias vezes hoje. 3 Cessaram os vómitos, mas persiste ainda a pontada sobre o lado esquerdo. ■* Forte pontada supramamaria. 5 Desappareceu a pontada. 6 O doente está restabelecido. N'este doente a temperatura bai.xou 0°,1 no mesmo dia logo depois de to- mados os dois terços da infusão de ipecacuanha, sem modiGcação na frequência do pulso. Administrada toda a infusão, que provocou vómitos, a temperatura desceu (1°,3 relativamente á primeira observação) ao nivel physiologico, assim como o pulso (28 pulsações menos). Nos dias seguintes a temperatura foi em diminuição, ainda depois de suspenso o uso do medicamento, chegando ao íkí- nimum de SG^jS, excepto em um dia em que houve recrudescência da doença. Yè-se d'estas observações que a ipecacuanha tem acção deprimente sobre a temperatura e pulso, sendo mais pronunciada, mais prompta e mais duradoura sobre a primeira. Na terceira classe de meios antipyreticos inclue também o dr. Hirtz o aco- nito e a aconitina, a belladona e a atropina, o meimendro e a morphina. Podem ainda entrar nesta classe o ether, chloroformio, phosphoro. A maior parte dos ácidos, taes como o sulphurico, oxalico, cyanhydrico, etc, faz também baixar a temperatura. A physiologia experimental tem levado muitos médicos a crer que a acção d'estas substancias se exerce por intermédio dos nervos vaso-motores, dimi- nuindo os movimentos do coração e apertando o systema vascular, d'onde re- DF. TllKRMOMETRIA CLINICA í 79 sultaria a anemia dos tecidos e o abaixamento da temperatura. Trataremos cm outro iogar da importância do systema nervoso na tiíermogenia patliologica. Excitantes do calor. — Fediaremos este capitulo, dizendo duas palavras sobre os meios que provocam o calor. Como gosando (resta virtude apontam-se o café, chá (Licbtenfels e Frõlich) em menor grau, vinho, almiscar OVunderlich), bebidas quentes. O curara se- gundo as investigações de Voisin et Liouville produz aífeito análogo, podendo elevar a temperatura até 40", consistindo o seu modo d"acção em diminuir a actividade dos nervos vaso-molores c dilatar o systema vascular '. Fica patente o campo para novas invesligaçijes. ACÇÃO DOS VENENOS MÓRBIDOS E DE CERTOS PRODUCTOS ANIMAES SOBRE A TEMPERATURA As experiências, repetidas por muitos e hábeis experimentadores, têem mostrado que as substancias pútridas introduzidas no sangue elevam a tempera- tura, determinando um verdadeiro estado febril com calefrios, acceleração do pulso, diminuição de peso do corpo, etc. Effeito análogo se produz pela injecção dos productos da metamorphose dos tecidos, colhidos cm uma ferida inflammada, por exemplo, em que não existe signal algum de putrefacção. Segundo muitos investigadores, como veremos, a febre traumática não te- ria outra origem; ella seria devida á penetração dos líquidos, derramados á su- perfície das feridas e carregados dos productos formados pela destruição dos tecidos, através das paredes dos lymphaticos e das veias, e á sua mistura com o sangue (Billroth). O sangue de um animal com febre, sendo injectado nas veias de outro ani- mal são, produz lambem febre, segundo alguns experimentadores-. Mas nem todas as substancias sépticas dos líquidos palhologicos occasionam febre. Algumas ha mesmo que diminuem a temperatura, a qual ou se eleva depois ou continua a descer progressivamente até â morte. Não são para admirar estes elTeitos oppostos das substancias pútridas, quando a chimica mostra que são variáveis os princípios procedentes das matérias em putrefacção segundo a natureza d'esta, e a phase da fermentação pútrida. D'en- tre aquelles princípios ha alguns que introduzidos isoladamente no sangue pro- • Hirtz,, op. cit. * Charcot, Lerons faites à la Salpctricre, 1869. 23. 1 80 ELEMENTOS (luzem o abaixamento da temperatura; taes são o carbonato d'ammoniaco, o acido butyrico, o acido sulphydrico e o sulpbydrato de amraoniaco. Ora, se es- tas substancias predominarem sobre as subslansias pyrogenicas no organismo, o seu eITeito será a diminuição da temperatura central '. Com tudo as experiên- cias do dr. Hufshmidt, referidas pelo professor Billrotli, mostraram que d'eslas e outras substancias (uréa, sedimento d'urina alcalina, ichor, solução d'acido sulphydrico, sulphureto de carbonio, sulphurcto d'ammoniaco, acido acético) só o carbonato d"ammoniaco produzia abaixamento da temperatura, seguido de- pois de fraca elevação^. A pathologia porém parece confirmar aquelles factos de experimentação. Effectivamente ha septicemias com febre, e outras com algidez; estes dois esta- dos podem succeder-se no mesmo individuo. As partes mortificadas na gan- grena durn membro, por exemplo, são a origem de infecção apesar da parte sphacelada parecer estar isolada do resto do organismo, por isso que a circu- lação se suspendeu ahi e coogulos tèem obstruído as artérias e as veias. Mas aquelle isolamento da parte gangrenada é meramente apparente, como o de- monstra claramente a experiência de Kussmaul, o qual tendo injectado debaixo da pelle d"um membro gangrenado uma porção de iodureto de potássio, encon- trou traços d'csta substancia nas urinas quatro Jioras depois. Por conseguinte as substancias pútridas das partes mortificadas poderão também ser absorvi- das, e misturarem-se com o sangue e produzirem ora febre ora algidez. O dr. Charcot observou muitas vezes, na Salpétrière, a successão d'estes phenome- nos em casos de gangrena espontânea, determinada, em gei-al, pela oblitera- ção atheromatosa ou por thrombose das artérias principaes do membro. Não está bem determinado como actuam estas substancias para produzi- rem o abaixamento da temperatura. O dr. Williams julga que é determinando a necremia ou morte do sangue. Aquellas substancias destruiriam os glóbulos sanguíneos ou pelo menos os privariam de seu poder respiratório. Outros pensa- ram que a accumulação do carbonato d'ammoniaco no sangue dissolveria os cor- púsculos sanguíneos, que são os principaes vehiculos do oxygenio, d'onde re- sultaria diminuição da oxydação do .sangue, e consequentemente abaixamento de temperatura. Mas as injecções, no sangue, com agua distillada e acido acé- tico, que dissolvem os corpúsculos, não determinaram resfriamento, antes elevação de temperatura. Por isso o dr. Billrotli admitte que o carbonato dammoniaco suspende directamente no sangue os processos d'oxydação. Suppõe o dr. Char- cot que, além d'esta acção, algumas substancias affectam o coração, paralysando os seus movimentos, como succede, segundo Leyden e Rohiig, com a bilis. ' Charcot, loco citato. ^ Arch. gén. de méd. Paris, 1865. OK TIlKlIMn.MKTItlA CLINICA 181 As experiências lêem clie^iaiid a (Ictenninai' quaos sãd os |)iiiK-ipios da bí- lis capa/es de diminuir os nioviínenlos do corarno o a (em|)eraUira ^'eiai. listes principiíis são os ácidos biliares, os qiiacs injeclados no sangue produzem aquel- les efíeitos, em quanlo a choieslerina, as matérias corantes e gordurosas não dão semelhante resultado. Os drs. Van Dusch e Kuline acharam que os ácidos da biiis tinham tainiiem a propriedade de desliuir os glóbulos sanguíneos, o que deve ser mais uma causa de abaixamento da temperatura. A observação clinica está de accordo com a experimentação, mostrando na icterícia, em que a bilis ou os seus princípios fundamentaes passam ao sangue, o enfraquecimento com lenteza do pulso e o abaixamento da temperatura interna ou central. Em todos os estados do coração, em que a acção d'este órgão se en- fraquece, ha tendência para a diminuição da temperatura; a syncope é o bmlte d'este enfraquecimento. A dor violenta, as grandes commoções nervosas podem produzir, por acção reflexa sobre o coração, a lipothymia e a syncope, com dimi- nuição mais ou menos considerável da temperatura, e até mesmo a morte. As experiências do sr. Cl. Bernard, confirmando as de Magendie, mostram que a irritação dos nervos produzem a diminuição e a suspensão d'acção do co- ração. Aberto o canal vertebral de um cão e patente a medulla, o sr. Cl. Ber- nard vellicou a raiz anterior, o que foi seguido da rápida suspensão das pulsa- ções cardíacas; sendo cortada esta raiz (a anterior), o coração não apresentou modificação alguma; mas sendo vellicada a extremidade peripherica d'esta raiz, teve logar a suspensão rápida dos movimentos do coração, seguida da accele- ração das suas pulsações. N'estes casos a sensibilidade recurrente chega, por acto reflexo, á medulla pela raiz posterior, e tanto é assim que, cortada esta raiz (a posterior), a vellicação da raiz anterior nenlmma influencia tem sobre o coração, em quanto que a irritação da extremidade central da raiz posterior (cortada) faz parar o coração '. O dr. Manteggaza em experiências análogas ve- rificou o abaixamento da temperatura interna. ' Lerons siir la jihijsiol. et In pathol. ãu stjst. nervenx, l. i. Paris, 18S8. 1 (S2 ELEMENTOS CAPITULO Vil Therraopatiioíjenia ou tlieorias do caloi' pathologico I CONSIDERAÇÕES GERAES No rápido bosquejo histórico das theorias do calor febril, que vamos apre- sentar, não remontaremos a essas épocas longínquas, em que a pyretologia foi assumpto de subtis discussões, não só porque alongaríamos demasiadamente este capitulo, mas ainda pelo pouco interesse que essas theorias caducas offe- recem na actualidade. Demais, seria diíTicil separar as theorias pyretologicas das doutrinas medicas que nos differentes tempos tèem reinado na sciencia. To- davia procuraremos dar uma idéa geral das principaes opiniões desde os tem- pos hippocraticos até nossos dias. Hippocrales, que, com o bom senso de que era dotado, mais se occupava da observação attenta das doenças, do que de indagações especulativas, não for- mulou theoria alguma da febre; attribuiu este estado ao predomínio e á alteração dos humores (bílis, pituita, sangue). Quando algum d'estes humores se aquece, a temperatura do corpo se eleva também, e d aqui resulta a febre. Mas, como é que o augmento ou a alteração dos humores produz a febre? é demonstrada a modificação quantitativa ou qualitativa dos humores? em que consiste esta alteração? É o que a escola de Cós não disse. Com tudo Hippo- crates andou bem avisado, considerando o calor como o phenomeno capital da febre. Erasislrato, que foi dos primeiros médicos que contribuíram para o pro- gresso dos estudos anatomo-physiologícos, depois da fundação da escola d'Ale- xandria, apesar de suppor que as artérias continham ar', admiltiu que a febre era devida ao movimento das artérias pelo choque do sangue, contido nas veias, contra o ar, que vinha do coração. É opinião baseada em um erro, e como tal julgada por si mesma. Galeno, cuja auctoridade dominou por muitos séculos, adoptou a idéa da escola de Cós, admittindo o calor exagerado como o phenomeno primordial da febre-; e suppoz que a causa da febre era a alteração dos humores (pituita, ' D'nn(lc veiu a esles vasos o nome, derivado de acra, ar, e terem, encerrar, * Essentia quidem febrium est in geiíere coloris praetcr naturam. DE TIIERMOMETUIA CUNICA 183 bilis e afrnbilis), e que a sedo piimitiva do calor (no coração, nos humores, ou nos espirilus) ori[íinava as dilíeixMílcs espécies de fel)re. Na cdade média, e ainda na do rcnascimenlo, os médicos quasi que se li- mitavam a repelir as ideas de Galeno, exagerando e escurecendo muitas vezes as suas doutrinas. Devemos citar a opinião de Van-Helmont, que, rejeitando as doutrinas hu- moraes, então em voga, e com particularidade a putrefacção do sangue, attri- buiu a feiíre á indignação do archeo contra alguma substancia estranha e não vital introduzida no organismo? Que diremos daquelies que, em tempos mais modernos, admillem que a febre consiste no movimento desordenado do san- gue e na etíervescencia d'este liquido (Willis)? ou que a febre é uma operação da natureza, pela qual as partes nocivas do sangue, que a irritam e determinam no corpo um tremor ou calefrio, são separadas das partes puras e rejeitadas pelos dififerentes emunctorios do organismo (Sydenham), activando-se então a circulação geral, d'onde provém a acceleração do pulso e o augmento do calor (Stahl)? ou que a febre consiste no espasmo do S}Stema nervoso c vascular, expellindo os líquidos do interior para o exterior (Hoffmann)? ou que a causa da febre é o incrassamento do sangue, que actuando sobre as paredes dos va- sos c do coração, exageraria a acção d'este órgão, e determinando o influxo considerável dos fluidos nervoso e cerebelloso sobre os músculos, os poria em maior actividade (Boerhaave)? ou que a febre é constituída pelo espasmo das extremidades dos vasos (Cullen)? Vè-se pois que nas doutrinas, que temos apontado, a febre tem a sua ra- zão de ser ou na alteração dos líquidos ou na do systema nervoso e vascular; mas não se indica claramente o mecanismo^ o modo d'acção d'estas causas, como é que se produz o phenomeno patliognomonico da febre, a elevação da temperatura animal. No século actual tem continuado a correr divergente a opinião dos médi- cos sobre a génese do calor febril. É considerável a variedade das thcorias ther- mogenicas; com tudo o sr. dr. Jaccoud julga que todas se podem leduzir a dois grupos : theorias nervosas e theorias humoraes. Nas primeiras a febre é devida á perturbação primitiva do systema nervoso; nas segundas a febre tem a sua razão de ser na alteração do sangue. Nas theorias nervosas comprehendem-se duas espécies muito distinctas, se- gundo a parte do systema nervoso, a que é outorgada a origem das modifica- ções thermicas; uma é denominada theoria dos centros nervosos caloríficos, a outra intitula-se theoria vaso-molriz. 184 ELEMENTOS II THEORIA DOS CENTROS NERVOSOS CALORÍFICOS N'esla theoria suppõe-se que a funcção da caloriQcação tem apparelhos ner- vosos, que a desempenham e regulam, e que estes apparelhos residem nos cen- tros nervosos. Quando uma causa pathogenica qualquer excita os apparelhos productores do calor, eleva-se a temperatura, veriflcando-se os demais plieno- menos que acompanham ou precedem a alteração Ihermica. Se, pelo contrario, a causa morbigena paralysa aquelles centros, baixa a temperatura. Se a paraly- sia alfecta os apparelhos ou centros moderadores do calor, sobe então a tem- peratura, em quanto que esta desce se a causa mórbida estimula estes mesmos apparelhos. Mas que apparelhos caloríficos são estes? quem os viu, quem demonstrou a sua existência? É uma hypolhese, que serve de base a uma theoria. Ha porém algumas tentativas experimentaes, tendentes a determinar a sede dos centros moderadores ou regularadores do calor. O dr. Tscheschichin achou que, cortando transversalmente a medulla a differentes alturas, a temperatura se elevava nos membros, o que elle attribue á paralysia vaso-motriz consecu- tiva, e que havia ao mesmo tempo resfriamento das parles centraes, devido á perda do calórico e á fraqueza cardíaca causada pela accumulação do sangue na periplieria. Mas se o corte era feito sobre o ponto de união da medulla oblon- gada com a protuberância, a temperatura elevava-se rapidamente, attingindo alto grau em duas a três horas, e accelerando-se ao mesmo tempo o pulso e a res- piração. Daqui inferiu o dr. Tscheschichin que exis'tem no encephalo, acima do ponto indicado, centros moderadores, cuja paralysia determina a producção exa- gerada e desordenada de calor '. As deducções tiradas pelo dr. Tscheschichin de suas experiências em coc- hos, feitas no laboratório de Bois-Reymond, são as seguintes. 1." A medulla, contendo os centros da circulação e da respiração, actua raedíatamenle sobre os processos chimico-organicos e consequentemente sobre o calor animal. !2." O corte da medulla produz o enfraquecimento da circulação, d'onde re- sulta a repleção das veias pelo sangue, o qual augmenla a irradiação, e a tem- peratura geral diminue. 3." Envolvendo o corpo animal em substancias más conductoras do calo- ' Charcol; Gaz. hebdomadaire, p. 744. Paris, 1869. DK TIlERiMOMETRIA CLINICA 185 rico, iliminue-se a perda (reste pela superfície do corpo. Póde-se pois á vontade diminuir ou prevenir o abaixamento da temperatura; e vice- versa, (juanto mais frio é o meio em que se acha o animal, depois da secção da medulla, mais de- pressa resfria o animal. 4." Visto que o augmento da irradiação do calórico superficial é devido á paralysia dos vasos e á sua repleção pelo sangue, todos os meios que fizerem desapparecer esta paralysia, enfraquecerão a irradiação e a perda de calor. íi." As causas (jue produzem a paralysia dos vasos, actuam sobre a irra- diação do calórico como o corte da medulla. 6.° As caimbras que se produzem depois da ingestão de certos venenos, augmentam a temperatura interna do corpo dos animaes. 7." No envenenamento pelo álcool, a temperatura geral começa a baixar immediatamente depois do envenenamento. 8." O corte do grande sympathico tem sobre o calor geral do corpo a mesma acção que o corte da medulla. 9." O corte do pneumogastrico não tem influencia alguma directa apreciá- vel sobre a mudança da temperatura animal. 10." O corte da medulla oblongada na cavidade craneana, no ponto em que eila se reúne á ponte de Varolio, produz phenomenos febris dolorosos. 11.° Os mesmos phenomenos febris dolorosos se produzem depois da in- jecção de líquidos animaes em putrefacção. 12.° As experiências physiologicas e os factos clínicos confirmatn a exis- tência de centros moderadores no cérebro *. De duas maneiras se pôde conceber o modo d'acção dos suppostos centros caloríficos, ou elles produzem e regularisam directamente o calor, ou actuam sobre os actos chimicos do organismo, dos quaes resulta immediatamente o ca- lor. Mas a primeira condição de admissibilidade da theoria em questão é a de- monstração dos centros nervosos, que determinam ou regulam o calor animal, o que está ainda muito distante de veriflcar-se. III THEORIA VASO-MOTRIZ Estabelece esta theoria que a causa primordial da febre é a modificação primitiva do systema nervoso vaso-motriz. Segundo esta theoria, que conta mui- tos proselytos, ha no desenvolvimento da temperatura febril dois períodos, que ' Ann. de la Soe. de méd. d'Anvers, mars, 1869. MEM. DA ACAD. — 1." CLASSE. T. IV, P. 11. 24 1 80 ELEMENTOS correspondem a dois estados opposfos do systema nervoso vaso-motriz, sendo o primeiro de excitação e o segundo de parahjsiia. Mas como é que dois esta- dos oppostos produzem o mesmo effeito? Para cortar a objecção admitte a theo- ria que no primeiro caso não ha verdadeiramente augmento na pruducção do ca- lor, mas sim diminuição na perda, peia superfície cutânea, do calor normalmente produzido. Ainda menos exacto é suppor-se que n'este primeiro período, que se tem assemelhado á galvanisação do grande sympalhico, ha realmente frio, abaixamento da temperatura, devido á diminuição ou falta do sangue, do liquido comburente, pelo aperto dos vasos ; è comprehender mal o primeiro período, o de calefrio, de uma sezão. Segundo a Iheoria vaso-motriz o mecanismo d'acção do systema nervoso seria este: A causa pyrogenica actua sobre o grande sympalhico e excita-o; d'esta excitação resulta o calefrio, o aperto dos vasos periphericos, a perda me- nor do calor pela pelle, e consequentemente retenção maior do calor na econo- mia, elevação da temperatura. O systema sympalhico esgota-se depois, tem lo- gar a paralysia, da qual resulta a dilatação anormal dos vasos, maior aOluxo de sangue á peripheria, maior actividade das combustões orgânicas, e consequen- temente elevação da temperatura. Assim se executam os dois períodos d'este processo, podendo faltar o pri- meiro ou de excitação, e verificando-se então logo o segundo ou de paralysia por esgotamento ; n'este caso não se observa o calefrio. Os fautores d'esta theoria assemelham o segundo período ao resultado da secção do grande sympalhico no collo. São bem conhecidas as experiências do sr. Cl. Bernard sobre o corte do filete sympalhico no collo e sobre a extirpação do gangUo cervical superior; achou o illuslrado experimentador que se produ- zia então grande augmento da temperatura no lado correspondente da cabeça com turgencia vascular e maior actividade circulatória. É verdade (]ue o mesmo physiologista notou que esta actividade da circulação diminuía consideravelmente nos dias seguintes e ás vezes já no segundo dia, permanecendo com tudo a mesma elevação de temperatura, e que esta elevação de temperatura não excedia ordi- nariamente a temperatura interna ou do recto, posto que muitas vezes fosse su- perior a esta em um ou dois graus *. Os srs. Kussmaul e Tenner são de parecer que a elevação da temperaluia locai, depois da secção dos ramos do grande sympalhico, não é devida a alguma influencia especial do systema nervoso sobre a caloricidade, mas sim ao afiluxo anormal do sangue, porque ligando as carótidas dos dois lados e cortando o grande sympalhico no collo dum só lado verificaram que a temperatura era egual nos dois lados da cabeça. I Lecom snr la phusiologie et lapathologie du système neneux, p. 491-93. Paris, 18.^8. DK THRRMOMKTRIA CLINICA 187 O nome do celebi'C physiologista lifíado ;is expericncias, que serviram de liasc a esla Iheoria, c a analogia, que se pretendeu encontrar entre os plieno- menos febris e os observados n"essas experiências, atlrahiram muitos prosely- tos. Mas graves objec(;(3es se podem apresentar contra esla theoria, que deixa sem explicação nuiilos factos. Em primeiro lugar suppõe a theoria que o augmento de calor observado no começo, no denominado período de excitação, é devido á diminuição das per- das de caloi' na pelle. Ora esla supposição é inadmissível, porque mesmo no apogêo do calefrio duma febre intermiltente, por exemplo, a temperatura é muito superior (40°, 41°, 4^°, 43°, 44°) á temperatura interna normal; logo liouve realmente uma producção maior de calor. Mas supponhamos, por um momento, que a elevação da temperatura é pe- quena. \ diminuição das perdas de calor dará conta d'este augmento, posto que pequeno, da temperatura? Parece-nos que não, porque quaesquer que sejam as condições em que se ache o febricitante, o Ihermomelro revelará sempre ele- vação da temperatura, que excede a normal central. Se a diminuição das per- das de calor pela superfície cutânea fosse a causa da elevação de temperatura, esta não deveria exceder a temperatura central; ora é exactamente o inverso que tem logar, e sem esta condição não poderia qualificar-se de febril a tempe- ratura. Aquella diminuição poderá dar a razão do augmento da temperatura lo- cal, tópica, mas não da temperatura geral, interna, que ás vezes é tão alta. E porque, provado que seja que no primeiro período ha aperto de vasos, se elevará a temperatura central? é por menos sangue ir resfriar-se na pelle? mas esse resultado não será compensado pela maior rapidez da circulação? Em todo o caso a diminuição, nem mesmo a subtracção das perdas de calor dão conta das grandes elevações de temperatura que o thermometro indica na febre. Ha pois eíTectivamente hyperpyrogenese ou producção exagerada de calor. Em segundo logar o calefrio e os phenomenos nervosos em geral não con- stituem a phase inicial, não são os primeiros que se manifestam nos estados febris. Não mostrámos que o augmento da uréa nas urinas e a elevação da tem- peratura começavam já antes do calefrio *? Ora, se os phenomenos ligados á mo- diQcação do systema nervoso são posteriores á elevação da temperatura, como poderão elles ser causa d'esta, d um phenomeno que lhe é anterior? E os phe- nomenos nervosos são constantes, desenvolvem-se sempre nas febres? Por certo que não; consequentemente não podem ser invocados como causa d'um facto constante, a elevação da temperatura. Por tanto, considerado por este lado o systema nervoso ainda não pôde originar o phenomeno capital, pathognomonico da febre. ' Vide pag. 104 e seguintes d"esla obra. 24* 188 ELEMENTOS Em terceiro logar é muito forçada a analogia entre os effeitos da secção do grande sympatliico e os phenomenos febris; os phenomenos observados no ap- pareiho circulatório não justificam semelhante analogia. Effectivamente, na febre, ha exageração da frequência das pancadas cardía- cas; este facto não se compadece com a paralysia do grande sympathico, cujo effeito è a lenleza e depois a cessação dos movimentos do coração. Mesmo en- tre os estados anatomo-pathologicos da secção do grande sympathico e a febre a analogia não é completa, porque n'esta a dilatação vascular é acompanhada de modificações nutritivas, que faltam n'aquelies. Suppõe Henle que o systema nervoso vaso-motriz actua ordinariamente por acção reflexa. Esta idea tem sido apoiada por uma experiência, em que Cl. Ber- nard viu que, cortando os nervos mixtos que se distribuem no pé d'um cão, a presença dum corpo estranho ou qualquer lesão nos tecidos doesse pé não de- terminava a febre traumática, posto que provocasse uma inflammação local, em quanto a febre se desenvolvia se aquelles nervos se conservavam intactos. Mas esta experiência presta-se a duas interpretações; ou o relaxamento vascular, a febre, é um acto reflexo, devido á impressão centrípeta conduzida pelos nervos mixtos, ou a dor resultante da lesão traumática é uma causa de esgotamento nervoso, mas que o corte dos nervos mixtos supprimindo-a impede o desenvol- vimento da febre. Varias theorias se filiam n"esta theoria geral vaso-motriz. Trataremos de algumas. , A primeira, que vae occupar a nossa attenção, é a do dr. Marey, que pa- rece ter conquistado bom numero de sectários. O ponto capital d'esta theoria é que a circulação tende constantemente a restabelecer o equilíbrio da tempe- ratura das differentes partes do organismo, equilíbrio que o resfriamento, de- vido â irradiação da superfície do corpo, á evaporação pulmonar e cutânea, e á perda de calor pelo contacto dos corpos exteriores mais frios, tende constante- mente a destruirá Hasea-se esta theoria nas experiências do sr. Cl. Bernard, que vamos refe- rir, em resumo, para facilitar a comprehensão da theoria. 1." Quando se corta o grande sympathico no collo de um coelho eleva-se a temperatura da orelha do mesmo lado. Este é o facto experimental. Qual é a sua causa? Attribue-se á dilatação dos vasos e á maior rapidez da circulação, pelo que chega das partes centraes á orelha maior quantidade de .sangue e mais quente, que compensa, com a sua temperatura, as perdas ordinárias do calor da mesma orelha, perdas que são tanto maiores, quanto maior é o resfriamento. Isto é tanto ' Marey. Physiologie jnédicale de la circuhilion du sanrj, pag. 340. Paris, 1863. DE TIlERMOMETmA CLINICA 189 assim, accrescenta-se, que se se removerem as causas de resfriamento, se o ani- mal é conservado em uma estufa, só a orelha do lado são se aquece, de sorte que dentro de pouco tempo as duas orelhas apresentam a mesma temperatura, a do sangue das partes centraes; não se manifesta então a dilTerença de tempe- ratura pelo corte do grande sympatliico. Acresce que o corte dos filetes splauchnicos do grande sympathico não pro- duz elevação de temperatura nas vísceras, porque estas, livres das causas de res- friamento pela sua situação profunda, possuem sensivelmente a temperatura do sangue, qualquer que seja a rapidez da sua circulação. Iiivoca-se, linalmenle, a observação de Hunter que notara que a inílammação natural ou artificial de qual- quer parte peripherica do corpo não elevava nunca a temperatura acima da do sangue, e que a intlammação de qualijuer parte profunda (que tem já a tempe- ratura do sangue) não modifica sensivelmente a temperatura d'essa parte *. 2." A ligadura da aorta abdominal, nos animaes, eleva a temperatura do sangue, acima da parte laqueada. Qual é a razão d'este facto ? É a abolição d'uma causa de resfriamento pelo embai'aço do curso do san- gue. De feito nas extremidades, e principalmente nas inferiores, o sangue res- fria, e muito, pela irradiação; impedir a chegada deste sangue á circulação geral, diz o dr. Marey, é tirar uma causa de resfriamento ou aquecer o sangue central. 3." A temperatura do sangue eleva-se com a diminuição e a suspensão da respiração. Depende isto de que o sangue resfria nos pulmões pela evaporação de que é a séde^. Destes factos deduz o dr. Marey que a circulação pela rapidez do seu curso produz o duplo resultado; aquecer as partes periphericas e resfriar as partes profundas. Para cori'oborar esta conclusão, o dr. Marey procura provar experimental- mente, que a maior rapidez da circulação augmenta muito pouco a producção do calor na economia, de sorte que este pequeno augmento não pôde dar conta da grande elevação da temperatura que se observa. Eis a experiência do sr. Cl. Bernard era que elle se funda: Cortado o grande sympathico no lado esquerdo do collo de um cão, a ore- lha esquerda apresenta dentro de pouco tempo o excesso de 4" sobre a tempe- latura da orelha direita, que antes da operação era egual á da orelha esquerda. Envolvendo então a cabeça do animal em algodão, para diminuir a perda de ca- lor, nota-se, passado algum tempo, que a temperatura da orelha direita sobe gradualmente até que dista apenas em 0'\2y da temperatura da orelha esquerda. As temperaturas observadas foram: ' ^farey, op. cit., p. 341 -4'i. - Jlarey., np. cit., p. 34G. 190 ELEMENTOS DO Na jugular direita 38" Na jugular esquerda 38°,25 Sangue arterial 38" Jç,L O D'aqui se coUige que houve realmente augmcnto na producçío do calor no lado em que o grande sympalhico foi cortado, mas muito pequeno, de 0°,2S. Por tanto a elevação de temperatura de uma parte, continua o dr. Marey, é quasi inteiramente produzida pelo calor que lhe é trazido pelo sangue. De tudo isto deduz o dr. Marey a theoria da thermogenia febril. Assim : Na febre produzem-se phenomenos análogos aos da secção dos nervos do grande sympathico, a saber: 1.°, dilatação dos vasos e maior rapidez do curso do sangue, d'onde resulta o renovamento mais frequente do sangue nas partes periphericas por sangue mais quente vindo das regiões centraes, o que importa o aquecimento daquellas partes pela reparação das perdas, que n'ellas lêem le- gar, generalisando-se, na fehre, a dilatação vascular a toda a economia, bem como o aquecimento que d'ella provém; 2.", augmento, posto que pequeno, da produc- ção de calor pela rapidez do movimento circulatório. Vê-se pois que, segundo o dr. Marey, a elevação da temperatura na febre consiste antes no nivelamento da temperatura nos diíferentes pontos da econo- mia do que no aquecimento absoluto ^ Ha todavia na febre ura pequeno au- gmento do calor central, o que pôde explicar-se pelo pequeno augmento da pro- ducção do calor, quando a circulação se accelera, mas que pôde ser devido em grande parte á suppressão quasi completa das causas de resfriamento nos doen- tes 2. Não nos parece satisfactoria a theoria do eximio physiologista. Filiada na theoria vaso-motriz, cabem-lhe todas as objecções dirigidas contra esta ; e de- mais pecca no que lhe é especial. Effectivamente, os pontos fundamentaes, ca- racterísticos d'esta theoria são: 1.°, augmento do calor (na febre) principalmente na peripheria do corpo ; 2.°, nivelamento da temperatura central na economia, produzindo este augmento de calor; 3.", maior frequência da circulação deter- minando este nivelamento; 4.", pequeno augmento da producção do calor, de- vido ou á rapidez da circulação ou á suppressão quasi completa das causas de resfriamento. São sólidos estes alicerces? Em primeiro logar é facto provado, e geralmente admittido que, na febre, a temperatura pôde elevar-se muito, e por conseguinte este excesso de calor nem pôde ser attribuido á distribuição regular, ao nivelamento, de temperatura mais baixa, do calor normal central, que não excede 38°, nem a pequeno au- ' Op. cit. p. 361. 2 Op. cit. p. 363. DK TlIERMOMETRIA CLINICA 191 gmento da producção de calor. É pois forçoso admiltir-se que ha, ivostcs casos pelo menos, producção exagerada, grande, de calur. Esla idòa, à priori admit- lida, é provada à posteriori, pelo augmento dos prodnctos da combustão na lebre. Mas supponliamos que o augmento na producção do calor é pequeno. Será esta liypergenese do calor devida á maior rapidez da circulação e á diminuição ou abolição das causas de resfiiamento na pei'iplieiia do corpo, como suppõe o dr. Marey? Se assim é, estes dois plienomenos devem estar em relação com a temperatura, variando com esta proporcionalmente. Ora isto não se verifica; a observação mostra peremptoriamente a falta de relação entre a frequência do pulso e o grau de temperatura, podendo haver febre sem alteração na rapidez do curso do sangue e até com diminuição da frequência normal. Que de modificações não experimenta o pulso, sob condições variadíssimas, sem que se produza febre ou sem modificação na intensidade d"esta? Quantas vezes não é frequenlissimo o pulso, e por muito tempo, nas lesões cardíacas, por exemplo, e agora temos na enfermaria a nosso cargo um caso frisante, com uma temperatura abaixo da normal? Como se ligam pois os dois plienomenos pela relação de causa a effeito? Não se infira d"aqui que negamos toda a influencia á circulação na produc- ção do calor ou elevação da temperatura. É sabido como a circulação pôde in- fluir nos phenomenos Íntimos de nutrição, e consecutivamente sobre a produc- ção do calor. Mas isto é muito differente de ser a circulação, pela sua maior rapidez, a causa do calor patliologico. A diminuição ou abolição das perdas de calor contribuo para manter a temperatura normal, mas não pôde produzir fe- bre, exageração do calor. Por conseguinte por estas duas causas não se explica nem mesmo a pequena elevação da temperatura febril. Em segundo logar, ainda que fosse constante a relação entre o grau da temperatura febril e a velocidade da circulação, porque razão seria esta causa e não effeito d'aquella? quaes são os factos que o provam? Pois o dr. Marey não se empenha, em a sua excellente obra, para mostrar que o calor dilata os vasos e accelera a circulação, e que o frio os aperta e enfraquece a circulação? Nãa é n'este facto que o dr. Marey assenta a sua doutrina sobre a fixidez ou egualdade, qiiasi perfeita, da temperatura nas regiões profundas do organismo '? Mo chama o dr. Marey á contractilidade vascular o apparelho reijiikulor da tem- peratura na economia, obedecendo directamente ás menores mudanças da tem- peratura, de modo a luctar continuamente contra as influencias de todo o gé- nero, que tendem a elevar ou a abaixar o calor interior^? E para que não haja duvida acerca da influencia da temperatura sobre a contractilidade vascular, ad- • Pliysiologie incdicalc, p. 347. = 0p. cit.. p. 349. 192 ELEMENTOS mitlida pelo áv. Marey, aqui reproduzimos a conclusão da doutrina d'este cele- bre physiologista : «En résuraò, c'est par rinlermèdiaire de la contractilité des vaisseaux que la chaleur du sang régie elle-mème sa dépense d'après sa produ- ction. Cela explique pourquoi la température centrale ne peul varier que dans certaines limites, puisque chacun de ses écarts produit dans la circulation un changement qui ramène la température du sang à son degré normal*. Se pois a causa da uniformidade da temperatura reside na acção especial do calórico sobre a contractilidade dos vasos, se as osciUaçijes da temperatura produzem as mudanças da contracção vascular, como é esta causa daquella ? Será ora causa ora effeito conforme as conveniências da economia ou da theoria? Quanto ao primeiro estádio, ôu de frio, das febres intermittentes, o dr. Ma- roy acha n'elle perfeita analogia com os effeitos produzidos pela galvanisação do grande sympathico, que contrahe os vasos; e para explicar a elevação da tem- peratura observada n'este estádio soccorre-se á experiência, em que Cl. Bernard viu a temperatura do sangue elevar-se depois da ligadura da aorta em um cão. N"este caso o sangue não iria resfriar-se nas extremidades inferiores do animal: bem como na algidez, pela contracção dos vasos periphericos, o sangue não iria resfriar-se na superfície do corpo ; d"aqui proveria o aquecimento do sangue e con- sequentemente das partes profundas 2. A este respeito já nos explicámos; diremos somente que aqui também o dr. Marey admitte augmento na producção do calor. Do que levámos dito. se conclue que a theoria do dr. Marey não dá conta salisfactoria do phenomeno capital da febre, a elevação da temperatura. Finalmente, diremos ainda relativamente á theoria nervosa, que os experi- mentadores não estão de accordo sobre o ponto do systema nervoso, que deva ser considerado como o centro d"acção, que rege os phenomenos caloríficos. Uns o localisam na meduUa oblongada (Scliiff), outros em toda a medulla espi- nhal (Rrown-Sequard), outros só em parte d"esta (Budge), outros no nervo grande sympathico. IV THEORIA HUMORAL Suppõe esta theoria que a origem immediata do calor febril è o augmento das combustões orgânicas, devido a alguma modificação do sangue sobre o qual actua primitivamente a causa pyrogenica. Seja qual for o modo dacção desta causa, o seu effeito é uma alteração íQp. cit.. [.. 357. * Op. cit., p. 373. DE TIIERMOMETRIA CLINICA 193 qualquer Jo sangue, que determina a actividade exagerada das combustões, donde resulta a elevação de temperatura. Os factos sobre que assenta esta theoria, são a existência de phenomenos que revelam o augmenlo das combustões nutritivas, precedendo e acompanhando a febre, e a relagão quasi constante entre estes phenomenos e o curso da tem- peratura mórbida. O augmento da uréa e do acido úrico nas urinas e o emmagrecimento * na invasão, incremento e fastígio da febre denotam o exagero das combustões or- gânicas. A quantidade da uréa nas urinas segue parallelamente o curso ascen- dente e descendente da febre, augmentando e diminuindo proporcionalmente á temperatura, apesar da dieta a que são submeltidos os doentes, o que parece mostrar que os dois phenomenos reconhecem a mesma causa, a combustão or- gânica. O dr. Sydney Ringer chegou a verificar que a uréa augmentava nas uri- nas já antes do calefrio inicial das febres; phenomeno análogo tem sido obser- vado com relação á temperatura, o que faz crer que a elevação da temperatura é eHeito do processo orgânico que determinou a formação exagerada da uréa. Todos estes factos levam a admillir que a causa, a fonte da temperatura pa- thologica é o exagero das combustões orgânicas. Objectou-se que esta lei do augmento parallelo da uréa e da temperatura ofiferece excepções ; casos ha de grande elevação da temperatura sem augmento proporcional da uréa nas urinas. Qual é a causa d'estas excepções? infirmam ellas a regra geral? Segundo o dr. Hirlz as excepções dependem ou de que a uréa ficou no sangue ou de que o calor pathologico foi produzido pela combustão doutros elementos, taes como a gordura e o assucar. Com relação ao assucar ha factos que parecem justificar a idéa. Elfectivamente o sr. Cl. Bernard mostrou que o assucar dos diabéticos diminuía nas urinas durante a febre, circumstancia no- tada lambem por outros observadores e experimentadores^. Boucliardat obser- vou nos diabéticos aljaixamento da temperatura normal ; Lomnitz tomando a temperatura na axilla de três diabéticos e comparando-a com a de indivíduos da mesma edade achou nos primeiros a differença, para menos, de 1",25, r,30 e i'\í5; Hosenslein notou em um diabético que, quando a excreção do assucar attingia o maxinuun, a temperatura da axilla era de 30", 6 a 36", 8, e que quando o assucar desapparecia da urina, sob a influencia do tratamento, a temperatura axillar era de 37°,5. O que indica que na diabete parte do assucar escapa á combustão ou metamorphoses da nutrição. Relativamente á gordura, ha mesmo quem supponha que ella é o principal elemento das combustões. ' Vide capitulo vi, art. vi e vii d'esta obra. - Nouv. dict. de méd. et de chir. pratiques. Paris, 1867. MEM. DA ACU). — 1.* CLASSE. T. IV, P. II. 25 194 ELEMENTOS O dr. Marvaiid concluiu de suas investigações: 1°, que a febre é um com- plexo de symplomas devidos ao augmento de temperatura do organismo; 2.", que a temperatura anormal tem por causa o exagero da oxydação operada nos tecidos ; 3.°, que a combustão da gordura é a principal origem do calor febril, para a qual concorrem, mas em proporção muito mais fraca, os outros elemen- tos orgânicos '. A objecção não colhe na verdade, porque a principal fonte do calor ani- mal é a oxydação das substancias liydrocarbonadas; ora os últimos termos d"esta oxydação são a agua e o acido carbónico, cuja medição deve entrar em linha de conta na apreciação das combustões ou oxydações, que se effectuam no orga- nismo, e não simplesmente a qu.-tntidade d'uréa e d'acido úrico, que são os productos últimos das combustões das substancias azotadas. Vè-se pois que os casos, que parecem excepcionaes, tèem explicação plau- sível e não podem invalidar a regra geral. Convém ainda notar a diminuição, no caso das altas temperaturas, das ma- térias extractivas (leucina, creatina, thyrosina, etc, productos de oxydação in- ferior ao da uréa), que provavelmente se convertem, como se suppõe, em uréa. Quanto á diminuição do chlorureto de sódio das urinas na febre já dissemos as- sas. Por tanto os productos das combustões orgânicas mostram o exagero d'es- tas durante a febre, a qual segue parallelamenle, em suas oscillações, as modi- ficações quantitativas d'esses productos. Mas que alteração ou alterações do sangue produzem o exagero das com- bustões orgânicas? A analyse quantitativa dos princípios normaes do sangue não mostra nada que dê conta satisfactoria das alterações da temperatura, porque tanto com o augmento como com a diminuição da febrina, dos glóbulos e da albumina se verificam as mesmas modificações da temperatura, e vice-versa esta pôde alte- rar-se sem alteração correspondente d'aquelles princípios, e manter-se inalterá- vel apesar de profundas variações quantitativas dos mesmos princípios. Sirvam de exemplo os estados anemicos e plelhoricos, as pyrexias e inflammações. Não se encontrando nas modificações quantitativas dos princípios ordinários do sangue a razão da temperatura pathologica, lem-se pietendido encontral-a na presença de outros elementos ou nos productos da combustão d"aquelles princípios. Os productos da combustão que mais tèem fixado a allenção são a uréa e o acido carbónico. O dr. Picard demonstrou experimentalmente que o sangue contém uma pe- quena fracção duréa, 0,01G por cento; observou depois o mesmo medico que ' Journal de médecine de Bordeaux, ISGS.—Gazette médicale de Paris, 1870. DE TUERMOMETRIA CMNICA 195 uas inflammacões e nas pyrcxias o sangue cnntinlia mais uréa do que no estado normal, 0,0230 por coiilo. Este excesso de uréa não é tão pequeno, como pa- rece á primeira vista, attendendo-se a que os rins a excretam constantemente. Por outro lado as experiências de inoculação de sangue inficioso, feitas pelos srs. Coze e Feltz em cães e coelhos, mostrando no sangue a presença de gly- cose e de uréa, e que no decurso da doença d'estes animaes, assim inficiona- dos, a uréa augmeníava proporcionalmente á elevação de temperatura e ao au- gmento d'acido carbónico no sangue, em quanto que diminuíam gradualmente o oxygenio e a glycose; e tendo o dr. Billrolli e llufslimidt observado também o augmento de temperatura nas suas experiências de injecções de matérias pú- tridas, tem-se inferido de todos estes resultados que a causa da temperatura fe- bril é o producto da combustão das matérias albuminóides e hydrocarbonadas, 6 provavelmente dos glóbulos rubros *. Mas qual é a prova de que o augmento de uréa e de acido carbónico no sangue produzem febre, elevação anormal da temperatura? quaes são os factos e experiências que demonstram aquella liypothese? Não temos feito experiências relativas a este objecto; mas os factos clíni- cos, que são experiências apresentadas pela natureza, peimitlem a duvida a tal respeito. EITectivamente, a temperatura devia attingir, na liypotliese sujeita, grande elevação na uremia ; ora é o inverso o que se verifica ; o dr. Hirtz ob- servou em um doente atacado de uremia a temperatura de 34"; o professor Billroth aponta, em a sua excellente memoria^, a uremia como sendo uma doença em que baixa a temperatura; em um doente com anuria quasi completa, apesar de ter nephrite aguda, fusão purulenta da próstata e dos corpos caver- nosos, achou este observador a temperatura de SS^.G a .36'',3 ^. É de observa- ção que nos envenenamentos uremicos não se desenvolve febre oi'dinariamente; na doença de Bright aguda, acompanhada de febre, raramente tem sido encon- trado augmento duréa no sangue, em quanto que na doença de Bright clironica, em que a existência do augmento da uréa no sangue tem sido verificada por muitos observadores, a temperatura é normal ou inferior. No estado physiolo- gico, com a temperatura normal, pôde a uréa apparecer em excesso na urina, como acontece, por exemplo, depois de copiosa alimentação azotada ^ Mas para que fosse completa esta theoria da Ihermopalhogeuia, deveria dar ' Nouv. dict. de méd. et de chir. pratiques. Paris, 1867. ^ Eludes exiiérimentides snr la fièvrc traumiitique et sur les maladies traumatiques ac- cidentclles (traduclion abrcgée du dr. Culmann). Paris, 1865. ^ As experiências feitas em animaes mostraram ao dr. Billroth que o abaixamento da temperatura na uremia era devido ao carbonato d'ammoniaco. ^ O professor Lehmann, de Leipzig, demonstrou em si mesmo a influencia da na- 2.3. 196 ELEMENTOS a razão do exagero da combustão quer no sangue quer nos órgãos; porque se activa então a combustão para dar febre ou elevação da temperatura, o que é que determina a superexcitação da combustão orgânica. Theoria da fermentação. — Têem alguns médicos visto na temperatura fe- bril o resultado de uma fermentação. Allegam para fundamentar esta hypolhese as febres de causa inficiosa, as experiências, já citadas, do dr. Billroth, o qual diz ter observado que as injecções de substancias pútridas e purulentas eram seguidas de elevação da tem[)eralura, e as observações do dr. Tigri mostrando no sangue dos typhosos bactérias e vibriões, que foram também encontrados pelos drs. Coze e Feltz no sangue de animaes inficionados. A theoria da fermentação, outrora em voga, não logra agora de melhor fortuna; 1.°, porque os factos, que lhe servem de base, carecem de confirma- ção e não são constantes; 2.°, porque, quando existam as alludidas alterações do sangue em dadas pyrexias, não é provado que ellas sejam a causa da eleva- ção de temperatura, a qual pode ter sua origem no exagero das combustões or- gânicas independente daquellas causas. Theoria de Wachsinuth. — Suppõe este observador que a elevação da tem- peratura na febre é devida á combustão dos glóbulos e não das outras substan- cias albuminóides e das hydrocarbonadas. A base desta theoria é a existência constante, segundo o dr. \yachsmulii, de um residuo hemato-globulino e da ma- téria corante do sangue na urina. Esta theoria está comprehendida na theoria geral da combustão ; c uma parte d"ella. É ponto assentado que as metamor- plioses, as combustões, se dão tanto no sangue como em todos os tecidos. Apontaremos ainda algumas theorias, que participam mais ou menos dos caracteres das que ficam referidas. Theoria de Traube. — Este illustrado professor, não satisfeito com a theo- lia da combustão, que adoptara primeiramente, estabeleceu que o augmento da temperatura provinha da retenção do calor no organismo por diminuição das perdas desle. Recorre o distincto medico ao systema nervoso, admittindo que em virtude dum estado particular d"este é embaraçada a sua acção compensa- dora, que deve produzir uma perda proporcional do calor produzido; que o sys- tema cerebro-espinhal actuando sobre os nervos vaso-motores do grande sym- pathico perturba a acção reguladora, que elles exercem sobre os capillares su- perficiaes, apertando-os, donde resulta a concentração, para o interior, do sangue e do calor, effectuando-se ahi a accumulação d'este. tureza da alimentação sobre a quantidade da uréa excretada pela urina. Nas urinas de 24 horas achou o seguinte peso médio, expresso em grammas : 3:2, 2o com a alimenta- ção animal, 22,52 com a vegetal, 32,53 com a mixta, e 15,41 com a não azotada (Gol- ding Birà — De rurine et des depois urinaires, traduit par le dr. O' Rorke; Paris, 18G1). DE THERMOMETRIA CLINICA 197 A tonippraliira fol)ril vem a sor, sogundo o dr. Traiibe, o eíTeito da con- tracção de todas as pe(iiieiias aileiias do corpo. Pela excilação d"um centro vaso- motor produz-se a contracção tetânica das pequenas artérias, que permanece por algum tempo (rstadio di' calefrio com elevação de leniperatnra); esta contracção se transforma depois cm paraiysia (calor, estádio de suor com abaixamento de temperatura). Serias objecções se podem oppor á tlieoria do celebre professor de Berlim: l.", se a contracção das pequenas artérias é o facto primitivo, no calefrio das febres, d'alii devia resultar a dilatação dos capillares, por diminuição da força' a lergo, e consecutivamente a vermelhidão da pelle; mas o contrario é o que se observa, pois a pelle empallidece; 2.", se se suppõe que a contracção se dá em todos os vasos cutâneos, ella pôde ser devida â contracção das fibras mus- culares da derme, que determina a pelle anserina, que é o primeiro pbenomeno do calefrio; demais pôde haver febre e muito intensa e duradoura sem calefrio (febre lyphoide, erysipela traumática, etc). Quanto ao centro do sijsíema nervoso vaso-motor, diz o dr. Traube que pro- vavelmente elle tem a sua sede na parte cervical da medulla espinhal; é uma hypothese, â qual se podem oppor as experiências de Cl. Bernard que fazem sup- por que os gangleos do grande sympathico formam centros vaso-motores para os vasos do coUo, da cabeça, das extremidades. Sobre a theoria do dr. Traube diz o dr. Hirtz apenas: «C"est sous une forme assez obscuro la Ihéorie fébrile fort claire, mais assez incomplète de Marey'.» Não nos parece inteiramente exacto o asserto do dr. Ilirtz; a theoria do dr. Traube não é idêntica á do dr. Marey. Este medico dá, segundo dissemos, como causa da febre, da elevação da temperatura, a maior rapidez do curso do sangue; esta frequência exagerada da circulação não só nivela o calor nas dif- ferentes partes, diffundindo-o pelo organismo, mas também determina, ella mes- ma, augmento na producção do calor; esta causa do augmento e nivelamento do calor é auxiliada pela diminuição das perdas de calor na peripheria pela sub- tracção das causas que as determinam, ou pelo emprego de meios que obstam a essas perdas, taes como as roupas que cobrem os doentes, o aquecimento do quarto, as bebidas quentes, etc. O dr. Traube suppije que a maior producção do calor na febre é devida em parte á exageração da combustão orgânica, e que o estado dos vasos obsta á perda ordinária do calor pela peripheria. Differem pois as duas theorias uma da outra, posto que tenham algum ponto de contacto. A theoria do dr. Traube não é tão má, como julga o dr. Hirtz; ella indica qual é a causa do phenomeno capital da febre e o modo por que elle se produz. A segunda parte da theoria do dr. Traube não é satisfactoria, como dissemos, ' jYówr. dict. de màl. et de cliir. frntiqiies. Paris, 1867. 198 ELEMENTOS e ainda porque faltava-llie dizer como é que se perturba a acção reguladora do centro vaso-motor sobre os capiilares superíiciaes. Theoria do dr. Hirtz. — O apparecimento instantâneo, o desenvolvimento, muitas vezes tão promplo, e a declinação, ás vezes tão rápida, do calor febril, o seu desapparecimento pelo emprego de certos meios, quinina, digitai, sua du- ração apesar da dieta, dos refrigerantes e das espoliações, diz o dr. Hirtz, des- viam da idéa de um acto espontânea e primitivamente chimico, e indicam uma causa activa que ateia e extingue a combusião. Esta causa não poderia ser se- não o sistema nervoso '. Assim o professor de Strasburgo admilte que o sys- tema nervoso é o agente primordial da temperatura pathologica, actuando sobre as combustões orgânicas, que seriam a sua causa immediata. Na febre, continua o dr. Hirtz, a acção compensadora e moderadora dos nervos (Traube) seria pa- ralysada, particularmente a da meduUa oblongada, d'onde partem os nervos vaso- motores (Schiff); assim se explica a prostração geral, o mal estar precordial, a anorexia, a frequência do pulso, ao passo que se comprehende melhor porque muitas vezes perlo da agonia o calor augmenta"^. Produzida a elevação da temperatura, começa o conflicto entre ella e os ór- gãos, d"onde resultam os phenomenos geraes. O sangue, continua o dr. Hirtz, aque- cido, carregado de princípios excremenlicios, alterado, em summa, na sua com- posição e na sua pressão, perturba os órgãos no seus tecidos e nas suas func- ções, deprimindo ou excitando o systema nervoso, precipitando o pulso e a res- piração, alterando ou suspendendo as secreções, perturbando profundamente a nutrição depois de ter sido perturbado por ella, e determinando alGm, se o ca- lor é muito elevado ou muito duradouro, a paralysia do coração e o esgotamento do systema nervoso 3. A esta theoria oppõem-se as duvidas e objecções feitas á theoria nervosa. FEBRE TRAUMÁTICA Antes de Indicarmos o modo, por que nos parece dever ser considerada a thermopathogenia no estado actual da sciencia, exporemos a theoria da febre traumática. Por muito tempo vogou a idéa de que o calor da febre inílammatoria tinha ' Noiív. dict. de méd. et de chir. pratiques, p. 814. Paris, 1867. 2 Op. cit., p. 815. ' Op. cit. DE TlIERMOMETRIA CLINICA 190 a sua origem no calor local, que a lomperatura febril ?;eral era o resultado da dilTusão do calor do loco iullaimnatorio. Ainda hoje lia observadores, e nomea- damente Zimmermann, de Danzig, que não admitlem outra origem para a febre traumática. Já as observações clinicas e as experiências de J. Hunter tinham abalado esta opinião. O eximio pbysiologista, praticando no St. Georgs hospital a opera- ção da cura radical dum hydrocele, introduziu na túnica vaginal, logo que esta foi aberta, o reservatório d'um thermometro, o qual subiu a 9:2" Fah. (Sa^G c). No dia seguinte, estando bem desenvolvida a inílammaçno, lUniter fez nova introducção do thermometro, o qual marcou então 98" ^A Fah. (37",08 c), tendo liavido por conseguinte o augmenlo de calor de G"^'^ Fah. ou 3",78 c. Esta ob- servação repelida e dando sempre os mesmos resultados mostrava que na in- flammação havia elevaçío de temperatura, mas que esta não excedia a tempe- ratura central ou do sangue. Depois J. Hunter, pretendendo verificar se se dava facto análogo nos ór- gãos profundos, fez uma incisão no lado direito do thoras dum cão, e por ella introduziu, até o diapbragma, o thermometro, o qual marcou 101" Fah. (38'',33 c); no dia segumte repeliu a introducção do instrumento do mesmo modo, e obteve idêntico resultado, isto é, a temperatura foi sempre 101" Fah. '. D"estas experiências se inferiu que a temperatura se eleva, na verdade, no foco inflammalorio, mas que isto é devido ao augmenlo do aílluxo do sangue interior, que traz mais calor, e que se um órgão for banhado por sufllciente quantidade de sangue e estiver ao abrigo das causas externas de resfriamento, não haverá elevação da temperatura. Esta conclusão foi geralmente acceita. Passado muito tempo, em I83o, appareceram as experiências de Becque- rel e Breschet, feitas com um apparelho tbermo-eleclrico, as quaes deram re- sultado opposto ao das experiências de Hunter, achando aquelles observado- res em tumores inflammalorios a temperatura mais elevada, e ás vezes muito mais, do que a da boca, do recto e do musculo bicipite brachial, cuja tempera- tura foi tomada para typo da temperatura interna ou do sangue. Mais tarde, as experiências do corte do grande sympathico no collo, feitas pelo celebre physiologista Cl. Bernard, vieram dar nova força ás de Hunter, mos- trando a dilatação vascular e o augmenlo de 3, 4, 5 e mais graus de tempera- tura na orelha do lado correspondente. Por oulio lado o celebre pathologista Billroth em a sua observação clinica verificava factos análogos. Em 41 casos de inllammação traumática no homem achou somente em 1 a temperatura um pouco mais elevada no foco inflammalorio do que a do recto ; dos 39 casos restantes em 31 a temperatura era mais baixa, e em 8 era egual á do recto. Não podia pois o ' JoliD Hunier; Works, l. Jii, 1837. 200 ELEMENTOS desenvolvimento do calor local ser considerado como a origem da temperatura geral, por isso que aquelle é quasi sempre menor do que esta, e quando é su- perior, o que muito excepcionalmente succede, a differença é pequena e insuf- ficiente para dar a razão do augmento, por vezes de muitos graus, da tempe- ratura geral. As nossas observações clinicas, algumas das quaes foram já referidas em outro logar, confirmam as do professor Billrotli. As experiências do dr. Hufschmidt, feitas em animaes, tinham já auctori- sado análoga conclusão; em 48 exames thermomelricos achou este experimen- tador que só em dois casos a temperatura das feridas ou partes inQammadas excedera a do recto. Por tanto eram factos assentados: l.°, que a temperatura das partes ex- ternas inílammadas é superior á das partes não inflammadas, mas inferior, ge- ralmente, e poucas vezes egual, á temperatura interna ou do sangue; 2.°, que só excepcionahnente a temperatura da parte inílammada è superior á tempera- tura central ou do sangue; 3.", que quando se dá esta excepção a differença das duas temperaturas (a interna e a da parte inflammada) é pequena. Posto isto, suscitou-se logo a questão de saber se a elevação de tempera- tura da parte inflammada (a febre topicaj era o resultado do augmento de pro- ducção do calor, loco affecto, ou se effeito simplesmente do maior afíluxo de sangue aos vasos dilatados da parte inflammada. Esta segunda hypothese pare- cia mais plausível, por isso que a temperatura da parte inflammada não era su- perior á central ou do sangue. Mas as experiências de 0. Weber, pelo melhodo thermo-electrico *, mos- trando sempre que a temperatura da parle inflammada, assim como a do san- gue venoso que sae do foco inflammalorio, é superior á temperatura do sangue arterial, e os casos clínicos de temperatura mais alta na parle inflammada do que a central vieram dar nova força á primeira hypothese, isto é, que na inflamma- ção ha effectivamente augmento de producção do calor. Parece-nos que se podem alliar muito bem as duas hypotheses, que se fun- dam ambas na anatomia palhologica. Na inflammação ao aperto vascular (que é ás vezes tão rápido que passa despercebido) se seguem a dilatação e o aflluxo do sangue, que traz necessariamente mais calor á parte ; por outro lado o facto essencial da inflammação é o exagero da nutrição cellular, o que importa o au- gmento das transformações, das oxydações orgânicas, o que produz calor, e con- sequentemente augmento da temperatura. As duas causas pois mãocommunam-se ' Este processo de medir a temperatura foi empregado por 0. Weber, de Heidel- berg, em 18(53-64; mas já em 1860 John Simon, de Londres, a indicara, dando conta de suas investigaçíjes. DE THERMO.METUIA CLINICA 201 seiíundo nos parece para o mesmo resiillado: polo monos nada lia que prove o contrario. Qual será a causa da febre traumática, da febre geral que acompanha a in- flammação ? Suppoz-se que o sangue atravessando o foco inllammatorio se aquecia e communicava o calor ao resto do sangue e a todo o organismo. Mas consideraudo-se que o excesso da temperatura do foco era muito pe- queno para aquecer em tão pouco tempo toda a economia, cuja temperatura se eleva as vezes de muitos graus, não podendo acceitar-se que a febre traumática fosse efíeito da diílusão do calor do foco inflammatorio, procedeu-se á indaga- ção d"outras causas. Para resolver este problema o dr. Hufschmidt instituiu, de accordo com o dr. Billrotb, uma serie de experiências, em que foram injectados, nas veias ou debaixo da peJle, pus e líquidos pútridos. O resultado d estas experiências foi que a prnelração no sangue, quer directamente, quer por intermédio dos lym- phaticos, d'aquellas substancias, e sobre tudo de pus proveniente de indivíduos pyemicos, pôde provocar a febre *. Não pararam aqui as investigações do celebre experimentador; procurou saber qual era o principio ou princípios dos líquidos pútridos, que determina- vam a elevação da temperatura. Para este fim fez injecções subcutâneas e dire- ctamente no sangue com solução aquosa de acido suipbydrico, com sulphureto de carbonio, com sulphureto de ammoniaco e com leucina. As injecções d'acido sulphydrico não foram seguidas de elevação de temperatura; as de sulphureto de carbonio deram fraco resultado, succedendo o mesmo ao sulphureto d"ammo- níaco ; as injecções de leucina produziram grande elevação de temperatura. Quanto aos effeitos locaes, o acido sulpliydríco, o sulphureto de carbonio e a leucina não desenvolveram inflammação alguma no tecido cellular subcutâneo; o sulphureto d'ammoniaco produziu suppuração seguida de febre. D'estas experiências se colligiu que nenhuma daquellas substancias substi- tuía, nos seus effeitos, os líquidos pútridos e o pus. Tendo o dr. Bíllroth encontrado notável abaixamento da temperatura em casos de extensa queimadura, de septicemia, de uremia e ammoniemia, procu- rou indagar qual seria a causa d'aquelle abaixamento de temperatura. O resul- tado de suas observações e experiências foi : que era a accumulação do carbo- nato d'ammoniaco no sangue que determinava o pbenomeno em questão. A respeito das queimaduras extensas já o dr. Edenbuizen tinha supposto, em resultado de suas observações, que a morte era devida á suppressão da trans- ' Billrotli ; Eludes e.rpérinmitales sitr la fièvre iraumatique et sur les maladies trmi- matiques accideiitelles; traduclion abregée du dr. Culmann. 1865. MEM. DA ACAD. — 1.^ CLASSE. T. IV, P. II. 26 202 ELEMENTOS piração cutânea, havendo então retenção d^iim corpo azotado, do ammoniaco tal- vez, o qual determinava tima verdadeira intoxicação '. Proseguindo no estudo da origem da febre traumática, o dr. Billroth pro- poz esta questão : como são postas em actividade as causas que provocam a fe- bre? A hypothese que conta maior numero de proselytos é, que a febre é o re- sultado da combustão exagerada. De três modos se pôde conceber, n'esta bypo- tbese, a producção da febre. 1." Produzem-se no sangue transformações chimicas que determinam o exa- gero das combustões, ou com o sangue se misturam corpos que favorecem e en- tretêem estas transformações, sem 'que os nervos tenham aqui a menor parte. 2.° O sangue envenenado excita os centros nervosos, e d'aqui provém a febre. N'este modo suppõem uns que são os nervos Iropliicos que são excitados, pelo que elles provocam directamente os processos d'oxydação ; é bypothese que carece de base. Suppõem outros que o sangue envenenado excita os centros vaso-motores, donde resulta ou o exagero das oxydações em toda a economia, ou a contracção das pequenas artérias, diminuição das perdas de calor, e por isso elevação da temperatura. 3." A producção da febre, ou elevação de temperatura, é inteiramente es- tranha, independente do estado do sangue; a febre é produzida por uma exci- tação especifica (inflammatoria) que actua directamente sobre os nervos peripbe- ricos, reflectindo-se sobre os nervos vaso-motores, que determinam então a febre, ou por exagerarem os processos d oxydação ou por diminuirem as perdas de calor. Alguns factos pareciam abonar este mcchanismo, taes são o apparecimenlo d'accesso5 febris pela irritação devida ao calheterismo, o rhythmo das alterações diurnas da temperatura tanto normal, como pathologica nas febres remittentes, e a falta de relação entre a intensidade da febre e o grau das lesões traumáticas. Mas qual a prova de que o systema nervoso é assim estimulado e que de- pois se effectua uma reflexão? Admittida que seja esta hypothese, como e poi- que ao acto reflexo se seguirá o augmento das oxydações e não a sua diminui- ção, ou o aperto e não a dilatação vascular, em summa a elevação e não o abaixamento da temperatura? Pondo de parte, por não poder ser resolvida definitivamente, a grande ques- tão,— se as causas pyrogenicas actuam directamente sobre o sangue ou por in- termédio do systema nervoso, o professor Billroth estabelece que o agente ex- citador da febre tem a sua origem na parte inflammada, d"onde é transmittido ao sangue, opinião que fora já entrevista pelos drs. Roser e Traube. Fundado 1 Billrotli; memoria cilada. DE THERMOMETUIA CLLMCA 203 em bom iinmoro de experiências c de considerações, o celebre professor de Vienna tem por certo que dos focos pulriãos c provavelmente também dos focos itiflammatoiios se communicam ao sangue substancias capazes de determinar a febre; que toda a febre, ligada a um processo inflammatorio local, é uma doença devida ti infecção, que se opera no próprio corpo do individuo, sendo a septi- cemia e a pijemia as suas formas mais intensas, a sua mais alta expressão '. Até aqui as experiências só provavam que a absorpção do pus e dos lí- quidos pútridos podia originar a febre. Jlas nos casos em que não ha pus nem substancias pútridas, qual será a causa da febre traumática? N"este sentido dirigiram as suas experiências O. Weber e Billroth. Acha- ram estes observadores que o sueco expresso das partes inflammadas, o simples soro do pus e o sangue d"um animal com febre, sendo injectados debaixo da pelle ou no sangue de animaes sãos, produzia febre. Se pois os productos de desorganisação como os da neoplasia, os produ- ctos, em summa, da inOammação são susceptíveis, quando postos em contacto com o sangue, de provocar febre, nada mais natural que suppor que á absor- pção d"algum d'aquelles productos é devido o desenvolvimento da febre trau- mática. Assim o dr. Billroth chegou a esta conclusão : «A febre traumática, como em geral as febres inflammatorias, depende essencialmente d'um estado de in- toxicação do sangue; ella pôde ser provocada por diversas substancias que do foco inflammatorio se introduzem na torrente circulatória^.» Será este o único modo de producção da febre inflammatoria? não haverá outra causa, que não seja a absorpção dos productos da inflammação, capaz de dar origem à febre traumática? como é que estes productos misturados com o sangue excitam, augmentam as raetamorphoses, as combustijes orgânicas? por- que a inflammação chronica não gera, como admitte o próprio professor Bill- roth, substancias pjTogenicas? porque as oscillaçijes da temperatura não são proporcionaes á extensão e á intensidade da inflammação local? São problemas, cuja solução aguardamos. Não basta dizer que os productos da inflammação não tèem sempre egual poder pyrogenico, nem são absorvidos na mesma quantidade. A theoria da febre traumática deve ser a mesma da febre de qualquer na- tureza; a causa pyrogenica actuará sobre as fontes da temperatura animal, exci- tando-as, activando-as. 1 Mem. cit. ^ Billroth; Elemcnts de pathol. chirurg. générale (trad. par les drs. Culmann et Sen- gel;. Paris, 1868. 26. 20 i ELEMENTOS vn MODO POR QME DEVE SER CONSIDERADA A THERMOPATHOGENIA NO ESTADO ACTUAL DA SCIENCIA Que inferir de tudo que temos expendido sobre a thermogenia palhologica? que ha de positivo nas diversas doutrinas sobre a temperatura mórbida? qual é a theoria preferi vel? De dois modos geraes poderia suppor-se a origem da temperatura patiio- logica; ou esta provém de novas fontes calorilicas que se tenham creado no or- ganismo sob a influencia da causa inorbigena, ou procede das mesmas fontes da temperatura normal, que se modificaram. A primeira hypothese não é admissivel, porque não tem base em que se estribe. Ainda nenhum observador, que saibamos, descobriu nem um foco ca- loriGco geral das doenças, que seja commum aos diversos morbos, que possa ser considerado como pertencendo exclusivamente ao estado pathologico, nem focos particulares a cada doença, que dêem a razão da temperatura mórbida. Houve tempo em que se suppoz que nas doenças havia um fúco pyroge- nico, donde o calor se irradiava para todo o organismo; que era do órgão alte- rado que emanava o calor febril. A febre era então tida como o resultado do aquecimento da economia pela lesão local, a qual era a fonte calorífica. Graves objecções fizeram baquear esta hypothese, que não tinha por si os factos clínicos nem as experiências. Em primeiro logar falta a alteração local, como phenomeno inicial, em mui- tos estados mórbidos, nas pyrexias, nas nevroses convulsivas, nas doenças, em summa, em que a temperatura attinge o seu mais alto grau de elevação. Aqui não pode a temperatura originar-se d"uma fonte que não existe ou lhe é posterior'. Em segundo logar, nos casos de alteração local tem a observação mostrado: \.°, que ordinariamente a temperatura central é superior á da parte affectada, e quando esta é superior, como acontece nas inflammaçijes, a dilTerença é tão pequena, que não dá conta da grande elevação de temperatura, como já disse- mos; 2.", que a manifestação da temperatura febril geral precede muitas vezes a localisação ou o apparecimento da alteração local; 3.", que a temperatura cen- tral desferve antes da declinação do estado mórbido local, chegando ás vezes ao typo normal, quando ainda existe claramente a lesão do órgão; 4.°, que as duas temperaturas, a central e a local, não se acompanham rigorosamente uma a ou- tra nas suas vicissitudes de elevação e abaixamento; 5.°, que profundas altera- ções locaes ha sem elevação da temperatura. Por tanto a temperatura febril geral não pôde ser o resultado do aqueci- mento da economia pelo calor desenvolvido em qualquer órgão. DE TllERMOMETRIA CLINICA 205 .l;'i quo falíamos na relação da Icmporatura fíoral com as alterarões loi'aes, vitaromos os resullados das investigarões do dr. l'eter, rclalivos ao ligado e ao baço. De seu interessante trabalho *, apresentado cm 18G7 á academia imperial de medicina de Paris, o illiistrado professor tirou estas conclusões: 1." Não ha relação alguma constante entre as variações de temperatura e as mudanças de volume do fígado. 2." lia relação constante entre as variações de volume do baço e as da temperatura. Assim, todas as vezes que a temperatura do corpo se eleva, nas doenças, o baço augmenta de volume; para um ou muitos graus de elevação de temperatura o baço augmenta geralmente d'um ou muitos centímetros no seu diâmetro vertical'^. A proposição incluída na primeira conclusão é exacta; a observação ijuoti- diana o prova. Quanto á segunda, as repetidas observações clinicas que temos feito nas febres intermittentes, splenite, leucocythemia, cachexia paludosa, hyper- trophia do baço, nos impedem de a ter por verdadeira, pela expressão dos factos. Resta-nos pois pai'a a explicação da temperatura palhologica a segunda hy- polhese, isto é, as fontes d'esta temperatura são as mesmas, mais ou menos mo- dificadas na sua actividade, que as do calor physiologico. Já devíamos julgar a priori que assim fosse, porque as condições da tem- peratura normal modificam-se, mesmo no estado physiologico, para poder man- ter-se sensivelmente constante no meio das variações do ambiente, que rouba ora mais ora menos calor ao organismo. Se a producção de calor fosse sempre egual variando as perdas não poderia a temperatura permanecer fixa. Varia pois a producção do calor animal com a variação das perdas de calor para susten- tar-se o equilíbrio normal; logo que este equilíbrio se rompe, temos a tempe- ratura anormal, que deve reconhecer as mesmas causas. D'aqui se vê que para estabelecer a pathogenia da temperatura, é necessá- rio, primeiro que tudo, conhecer bem quaes são, no estado normal, as origens da temperatura e as circumstancias que as podem modificar, já exagerando-as, já enfraquecendo-as; depois apreciar o modo d'acção das causas pathogenicas sobre essas origens da temperatura, determinando as modificações consecutivas. Quaes são pois as fontes da temperatura normal, e como se modificam para dar em resultado a febre ou a algidez? Em todas as theorias que expozcmos, a algidez foi desattendida; e com tudo a algidez é um estado tão pathologico como a febre. A theoria thermopa- thogenica que aspirar á qualificação de verdadeira, que pretender dar conta dos ' Dcs relíitions entre les modificaíions de la température générale et les chtniíjcmenls de vohime de ciuelques organcs internes. • Gazelte médicale des Iwpitaux, p. 186. Paris, 1867. 20G ELEMENTOS plienomenos thermicos observados nas doenças, deve comprehender a febre e a algidez. Não è islo o que se tem feito ; da algidez falla-se incidentemente, a fe- bre tem absorvido toda a altenção. A temperatura mórbida reconhece as mesmas origens e o mesmo mecha- nismo que a temperatura normal; sob a influencia pathogenica as fontes d'esta ou se exageram, e d'ahi resulta a febre, ou se entibiam, e d"ahi procede a algi- dez. Estas fontes da temperatura resumem-se na producção do calor e nas per- das do calor produzido, e por conseguinte a febre pôde ter por causa ou o exa- gero da producção ou a diminuição das perdas, ou de combinações especiaes d'estes dois factores. Segundo a physiologia actual todas as mefamorphoses que se effectuam no sangue e nos órgãos podem originar calor. Dizemos metamorphoses e não oxy- dações, porque se as oxydações pelo oxygenio da respiração são a origem prin- cipal do calor animal, não é menos certo que outras mudanças de ordem chi- raica e mesmo de ordem mecbanica possam também produzir calor. A formação d'agua e d'acido carbónico, que são os últimos termos da oxy- dação das matérias hydrocarbonadas, é acompanhada de desenvolvimento de calor, e constitue a principal fonte calorífica da economia animal ; d'aqui vem a quahficação, dada áquellas matérias, de thermogenicas. A formação d"acido úrico e d'uréa, que são os últimos termos da oxydação das substancias albuminóides, é lambem acompanhada de calor, e constitue ou- tra fonte calorífica, que pôde substituir até certo ponto a primeira fonte do ca- lor-animal; d'aqui vem não ser inteiramente rigorosa a distincção entre substan- cias respiratórias ou thermogenicas e substancias plásticas. Antes d"estes dois últimos termos da combustão das matérias azotadas, ha outros productos, que representam graus inferiores de oxydação d'estas substan- cias, taes são as matérias extractivas, que entram no sangue ou são exgregadas com a urina, a creatina, creatinina e acido inosico (nos músculos), que proce- dem da fibrina, os ácidos cholico e choleico (provenientes da bilis), que no in- testino se transformam em ácidos cholalico, choloidico e dyslisina, etc, que ori- ginam também calor. O assucar do fígado pôde provir também das matérias azotadas, como das matérias gordurosas. Ás substancias hydrocarbonadas succede o mesmo; passam por uma serie de transformações, que produzem calor, até que se resolvem em agua e acido carbónico, que se eliminam pelos pulmões, pelle e rins. A gordura forma muitas vezes na economia um verdadeiro deposito de ma- téria thermogenica, que substitue a falta de outras, sendo queimada nos tecidos ' 1 Provavelmente sob a influencia do oxygenio, que sae dos vasos com o plasma do sangue. DE TIIERMOMETRIA CLINICA ^07 segnndn as nocossidndos do oi'ganismo, alem de que posta debaixo da pelle coiislitue um abrigo do resfriamento pela sua má coiiductibilidade do calor. A fixação do oxygenio sobre os glóbulos sanguíneos produz também calor, que Bertlielot avalia em 4 a 5 calorias para Ifi grammas de oxygenio; é ver- dade qu(! o thermometro não denuncia este calor nos pulmões pelo resfriamento devido ao desenvolvimento, no estado de gaz, do acido carbónico dissolvido no sangue e á evaporação e contacto do ar frio '. A contracção muscular produz também calor pela combustão, havendo des- envolvimento de acido carbónico, de creatina, etc. Tem havido questão, se du- rante a contracção a oxydação se dá no próprio tecido muscular, se nos alimen- tos introduzidos no sangue, para produzir calor e movimento. Suppoz-se que a oxydação dos alimentos não azotados produzia o calor, e que a oxydação dos músculos e dos alimentos azotados originava o movimento; hypothese inadmis- sível, não só porque depois de forte contracção não ha augmento notável de uréa excretada, mas ainda por que as experiências tèem mostrado que a potencia des- envolvida pelo musculo é superior á oxydação do mesmo musculo : por conse- guinte o movimento deve proceder da oxydação do musculo e das matérias não azotadas. Por outro lado a oxydação do musculo, não sendo sufficiente para dar todo o seu movimento, todo o trabalho produzido pelo musculo, não deve ma- nifestar-se sob forma de calor, e consequentemente esta provirá quasi exclusi- vamente das matérias alimentares introduzidas no sangue. Outras combinações chimicas se podem effecluar no organismo e produzir calor independente, talvez, da combustão respiratória. Assim, o sangue das veias suprahepaticas é mais quente do que o sangue do coração, e mais particular- mente do que o do ventrículo esquerdo; ora o sangue d'aquellas veias pôde ser influenciado, segundo diz o sr. Cl. Bernard, na sua passagem atravez do fí- gado pela secreção biliar, pela formação da matéria glycogenica á custa das ma- térias albuminóides, e sua transformação em assucar. Mas as oxydações não são as únicas fontes caloríficas de origem chimica. Ha transformações isomericas e certos desdobramentos que podem e£fectuar-se, 6 originar calor, sem absorpção do oxygenio, como succede na fermentação al- coólica e butyrica, na deshydratação de vários saes ammoniacaes, etc. Nas glân- dulas existe outra fonte de calor, que parece não ser produzida e entretida por oxydações, porque o sangue sae d'aquelles órgãos não só mais quente, mas tam- bém vermelho. Ainda mais, na economia animal o calor pôde provir também de origem puramente mechanica, da transformação do movimento em calor, como acontece em physica. O dr. Onimus é de parecer que nos cai)illares se realisa esta fonte ' Kouv. dict. de méd. et de chir. pratiques, p. 739. Paris, 1867. 208 ELEMENTOS de calor, pela perda da velocidade do sangue, devendo o movimento d"esle li- quido ser convertido em calor. As experiências, que mostram elevação de tem- peratura do sangue acima do ponto ligado de uma artéria, e o facto de ser o sangue da veia renal mais quente do que o da artéria correspondente, abonam aquella opinião. O calor, que è um modo de movimento, pôde ser produzido á custa do trabalho mechanico, d'onde resulta que o animal, que executa um trabalho me- chanico, deve perder calor, e adquiril-o quando consome trabalho. A elevação de temperatura que se observa no calefrio e nas nevroses convulsivas, nomea- damente no tétano, é attribuida por muitos observadores (Billroth, Fick, Ley- den) ás contracções exageradas dos"musculos; esta opinião é mais plausível do que a do dr. Wunderlick, que a considera como o resultado do esgotamento da acção reguladora da temperatura, da paralysia do systema nervoso central que preside á calorificação, o que é uma h}i)othese fundada em outra hypothese sem base, como dissemos. Também se attribuiu a elevação de temperatura nos esfor- ços musculares ao augmento do sangue, que circula nos músculos, visto que a velocidade media do sangue é maior durante a contracção; mas Heidenhain, de Breslau, nota que o sangue venoso, que sae do musculo é mais quente do que o arterial que n'elle entra, e que consequentemente o sangue não pôde dar ca- lor, antes o tiraria. Outros suppozeram que a elevação da temperatura era de- vida á maior frequência da respiração, que introduz mais oxygenio, d'onde o au- gmento das combustões. Mas é provado que só de per si a frequência da res- piração não augmenta o calor. Nada ha de mais frequente observação do que a conversão do calor em movimento e a do movimento em calor. Tem-se chegado mesmo a determinar em que proporções se correspondem estes dois elementos, ou a que numero de kilogrammetros * corresponde uma caloria 2. Movimento, calor, luz, electricidade são manifestações diversas dum só e mesmo elemento, a que se tem dado o nome de força, e podem transformar-se entre si. .V machina de vapor trans- forma o calor em movimento, o altrito converte o movimento em calor, uma barra de ferro doce, posta no meio d"uma espiral do circuito duma pilha, é um meio de reduzir a electricidade a trabalho mechanico. A força não se destroe nem se produz, ha somente transformação. Na contracção muscular, nos esforços, passam-se phenomenos análogos ; na substancia de um musculo que se move, ha um gasto de força egual á que po- ' O kilogrammetro é a unidade de efTeito meclianico representado pelo trabalho que é preciso empregar para levantar 1 kilogramma a 1 metro d"altura. ^ Caloria é a quantidade de calor necessário para elevar a temperatura de 1 kilo- sramma d"agua de 1° centiçrrado. DE TIIKRMOMF.TRIA r.I.INlCA 209 rioria ser a causa do traballio muscular produzido. Ilelmlioltz chamou forças vi- vas (lel)eiulige krafte) ás fori^-as livres, em acção, e forras de tensão (Spannkra- fle) ãs forças ligadas a certos estados da matéria. A força tal qual ella existe na composição chimica do tecido muscular é uma força de (cnsão, a força que se manifesta no estado de calor do musculo é uma força viva. Quando a força ap- parece sob uma forma é que outra forma desappareceu, e vice-versa; o tra- balho, por exemplo, que se torna livre é calor que se tornou latente; o calor posto em liberdade é trabalho que se tornou latente. O trabalho dito positivo é trabalho inechanico posto em liberdade e susceptível de communicar a outros corpos o seu movimento, o próprio trabalho; este trabalho livre suppõe pois uma quantidade equivalente de calor que desappareceu e passou ao estado la- tente; o trabalho que se diz negativo é a desapparição do trabalho mechanico. D"aqui vem estabelecer Dufour * esta relação: Producção de trabalho positivo = producção de calor negativo. Producção de trabalho negativo =: producção de calor positivo. Chamando C ao calor do musculo sem trabalho, t ao trabalho mechanico duma contracção e c a quantidade de calor equivalente a este trabalho, tere- mos-: Força do musculo em repouso = C ou calor = C Força do musculo contrahido . . = C + 1 — c Calor = C — c Força do musculo estendido .. = C — t + c Calor = C4-c Transcendeariamos os limites do nosso assumpto, se déssemos desenvolvi- mento a esta matéria, aliás tão importante, em que apenas tocámos para lem- brar que a acção muscular é uma fonte de calor, como também pôde ser de perda de calor. Para mais amplo desenvolvimento e conhecimento das variações da temperatura do corpo nos diílerentes exercícios, aconselhámos os escriptos de Davy, Valentin, Liebermeister, Beclard, Heidenhain, Billroth e Dufour. São pois muitas as fontes do calor animal, que não se resumem todas em oxydaçijes, posto que estas constituam a origem calorífica capital da economia. As transformações chimicas operam-se em todo o organismo, tanto no san- gue, como nos tecidos dos diversos órgãos. Seria supérfluo demonstrar aqui esta proposição. É sobre estes phenomenos intimes da economia animal, sobre estas fontes caloríficas, que actuam, directa ou indirectamente, as causas morbigenas, já acti- ' La constance de la force et les mouvements musculaires. Lausanne. 1865. ^ Dufour; diss. cit. MKM. D.\ ACAD. — i .^ CLASSE. T. IV, P. II. 27 ;210 ELEMENTOS vando-as, d"onde resulta o augmento de producção do calor, já enfraquecendo-as, d'onde resulta a diminuição de producção do calor, isto é, a febre ou a algidez nos seus diversos graus. É difficil determinar rigorosamente o grau das transformaçijes de que te- mos tratado, e algumas não podem ser medidas. Avalia-se a combustão pelos seus resultados, mas esta avaliação é muitas vezes apenas approximada. Não basta apreciar a quantidade d'agua, d'acido carbónico, d'acido úrico e d'uréa excretados pelas diversas vias ou contidos no sangue, o que é já bastante dif- ficil, é preciso ter também em conta os productos das combustões incomple- tas, graus intermédios de oxydação, e ainda os desdobramentos, os phenome- nos d"ordem physica e mechanica, è certas particularidades que devem ser at- tendidas na apreciação geral do phenomeno. O sr. Berthelot achou que com a mesma quantidade de oxygenio absorvido e de acido carbónico formado, o ani- mal desenvolve quantidades de calor dillerentes segundo os alimentos, e que com o mesmo oxygenio e os mesmos alimentos varia a quantidade de calor, segundo a combustão se opera completamente em uma parte do corpo, ou só se produzem oxydações incompletas em todo o corpo •. Taes são as origens do calor animal, ou as circumstancias que determinara a producção do calor. O professor Th. BiUroth, em os seus estudos experimentaes sobre a febre traumática (memoria traduzida do allemão pelo dr. Culmann) reduz todas as influencias, de que dependem as oxydações orgânicas, ás seguintes: 1." Quantidade de oxygenio contido no ar inspirado e nos diversos alimen- tos. 2." Quantidade das substancias oxydaveis do corpo. Aqui são os glóbulos sanguíneos que occupam o primeiro logar. 3." Faculdade d^absorpção de todas as substancias do corpo, que podem absorver oxygenio. A decomposição anormal de certos princípios do corpo, o augmento exagerado de certos princípios normaes do sangue, ou a introducção no sangue de princípios novos poderão determinar condições, nas quaes se for- mem compostos oxygenados mais ou menos fixos, que não permitiam nova ab- sorpção doxygenio ou que este se combine mais tarde, d'onde resultará a di- minuição ou annullação completa da combustibilidade de certas substancias. D'este modo suppõe o professor Billrolh que opera o carbonato d"ammoniaco, accumulado no sangue, quando determina o abaixamento da temperatura. 4.° Rapidez de impulsão dos corpos oxydaveis, isto é, rapidez com que o oxygenio se põe em relação com estes corpos. O sangue venoso, por exemplo, oxyda-se mais rapidamente, quando é balido do que quando é simplesmente exposto ao ar; a velocidade da corrente sanguínea poderá influir do mesmo ' Nouv. dict. de méd. et de chir. prat. Paris, 1867. DE TIIERMOMETRIA CLINICA 211 modo sobre os processos d"oxydação, e consequentemente sobre a prodiicçúo do calor '. Mas a temperatura animal não consiste, como mostrámos em outro logar, simplesmente na pioducção do calor; a temperatura é a resultante da produc- ção e das perdas do calor, representa a parle livre do calor, que é denunciada pelo thermometro. Logo para conhecer devidamente a formação da temperatura é necessário ter em conta tanto a producção como as perdas de calor. É pela exacta apreciação cVestas duas condições que se poderá chegar ao conhecimento da thermogenia. As principaes causas das perdas de calor são: o contacto com corpos mais frios, a irradiação e a evaporação pelas superfícies externa e interna. Na perda por contacto incluem-se também a ingestão de alimentos frios e a introducção d'ar nos pulmões. Outras causas de perda de calor ou de resfriamento ha de menos impor- tância, como é a mudança de estado physico das substancias, que pude ser compensada pela mudança opposta, o desenvolvimento da electricidade em cer- tos casos, e a conversão das forças umas nas outras, como a do calor em tra- balho mechanico ou movimento. Certas transformações chimicas, como nota o sr. Berthelot, absorvem calor, e são outra fonte de resfriamento, mas cujo va- lor na temperatura geral não está determinado. Como poderá e£fectuar-se a diminuição das perdas de calor para contribuir para a elevação da temperatura? Crê-se geralmente que este phenomeno de- pende da contracção dos vasos cutâneos, os quaes admitlindo então menos san- gue, em dado tempo, menos calor cederão ao ambiente. Se a contracção vascu- lar peripherica permanecer por certo tempo, sobre tudo com um ambiente quente, o calor accumular-se-lia no interior do organismo, d onde a elevação de temperatura. Se pelo contrario os vasos cutâneos se dilatarem, com um am- biente frio, o sangue aíTluindo áquelles em maior quantidade, perderá mais ca- lor, d'onde resultará o resfriamento successivo de todo o sangue. Vê-se pois que, por alteração deste factor da temperatura, esta pude mo- diflcar-se, elevando-se ou deprimindo-se. Em outro logar mostrámos a pouca importância d"este factor na determinação da temperatura pathologica, a propó- sito da theoria de Traube. Pelo que levamos dito se vê de quantas circumstancias depende a tempe- ratura animal, mas cujos resultados se resumem na producção e na perda de calor. Ora, é claro que a temperatura geral, como a especial de qualquer parte, deve alterar-se com as modificações daquelles dois factores, e dar origem á temperatura pathologica, e vice-versa todas as vezes que a temperatura animal ' Arch. gén. de méd., t. 5S. Paris, 1865. 27» 212 ELEMENTOS ultrapassar os limites physiologicos, quer para mais quer para menos, originando a temperatura anormal, alguma causa actuou sobre as fontes da temperatura normal. Logo é sobre estas fontes que as causas morbigenas devera actuar para produzir a febre ou a algidez. Esta conclusão, que emana directamente do ra- ciocínio, é refocillada pelos factos que mostram a temperatura seguindo paral- lelamente, em geral, na sua elevação ou depressão, a quantidade dos productos das transformações orgânicas, que denunciam o augmento ou diminuição does- tas transformaçijes, donde depende a producção do calor. Portanto a thermo- genia palhologica ou a theoria da temperatura mórbida deve assentar toda n"esta base, — modificação das fontes da temperatura normal. É provável que a causa pathogenica actue sobre os dois factores geraes da temperatura, na febie, isto é, sobre as fontes de producção do calor e sobre as fontes das perdas do calor, excitando aquellas e diminuindo estas. Mas como os animaes de sangue quente (mammiferos e aves) produzem calor sufficiente, pai'a que, compensando as perdas, conservem sempre tempe- ratura sensivelmente egual, donde lhes veiu a qualificação mais apropriada de animaes de temperatura fixa, pode dizer-se que a tliermopathogenia consiste ou no exagero das transformações, e sobre tudo das oxydações, donde resulta o augmento anormal da temperatura, a febre, ou na diminuição d'essas transfor- mações, e sobre tudo das oxydações, d"onde resulta a algidez. Não fica assim desattendido o outro factor da temperatura, a perda de calor, somente fica re- presentando papel secundário. Assim se ex[)Iica a elevação da temperatura nas pyrexias, de qualquer ori- gem que sejam, as quaes são todas verdadeiras doenças consumptivas, em que as combustões dos elementos orgânicos assumem alto grau, como o mostram os seus productos excretados e o emmagrecimento. Assim se comprehende por- que sobe a temperatura nas partes inflammadas, visto que a inflammação con- siste essencialmente no exagero da nutrição das cellulas, o que importa augmento da troca dos raateriaes, da combustão e assimilação das substancias nutritivas; esta superactividade nutritiva, que constitue o acto fundamental da inflammação, não pôde deixar de ser acompanhada de desenvolvimento exagerado de calor, devido ao exagero das combustões orgânicas. Assim se dá a razão da falta de febre nas inflammações chronicas, nas inflammaçõcs ligeiras ou de sede muito limitada, porque as transformações orgânicas, operando-se lentamente ou em pequena quantidade, não chegam em dado tempo a produzir a quantidade de calor suflicieiite para que a temperatura ultrapasse os limites da fluctuação normal. Assim se pude interpretar a alta temperatura no decurso e pouco de- pois dos ataques de convulsões geraes, clonicas ou tónicas, porque a contrac- ção muscular é origem de calor, tanto pelo augmento das combustões que n"elle se verificam, como pelo trabalho mechanico. Assim se conhece a causa DE THERMOMETRIA CLINICA 213 do ahaixamento da temperatura nas doenças, em que as funcções de nutrição es- tão profundamente aílectadas, enfraquecidas, havendo diminuição nas combus- t(5es, já por falta d'actividade, já por deficiência dos materiaes nutritivos. Assim se pode dar a razão das modificações da temperatura nos casos de alteração do sangue já nos seus principios constituintes, já pela mistura de certas substan- cias estranhas, visto que o sangue é o theatro de continuas metamorphoses e o meio de todos os phenomenos de nutrição. Assim se explica porque a febre não está sempre em relação cora a uréa das urinas, por quanto os productos das transformações não se resumem na uréa, nem são excretados somente pelos rins. Como actuam as causas morbigenas sobre as fontes do calor animal, acti- vando-as ou enfraquecendo-as, augmentando ou diminuindo as transformações orgânicas? é directamente ou indirectamente por intermédio do systema ner- voso? qual é o mechanismo intimo d'acção d'aquellas causas? Força é confessar a nossa ignorância a este respeito. Nem isto nos deve admirar; é este o resultado a que chegámos, quando pretendemos attingir a causa primeira das coisas. As leis que regulam os phenomenos orgânicos e os desvios d"estes esquivam-se muitas vezes a toda a explicação. Serve-se melhor a sciencia confessando a deficiência de nossos conhecimentos e instigando os observadores devotados a redobrarem de esforços e empenho, do que cortando as questões, que ficam do mesmo modo insolutas. Está patente o campo para novas investigações que forneçam os elementos necessários para a solução com- pleta do problema. Do que deixamos expendido, não deve inferir-se que desconhecemos a in- fluencia do systema nervoso na temperatura pathologica; pois se elle influe nos phenomenos Íntimos de nutrição, nas transformações orgânicas e dynamicas, é claro que elle também deve ter sua parte nos desvios d'estes phenomenos e consequentemente nos seus resultados. Mas isto é muiío differente de ser o systema nervoso a causa da temperatura pathologica. E não deve ser somente o grande sympathico que gose desta influencia, mas também o systema cerebro- espinhal, com o qual aquelle nervo está em intima ligação, que lhe é necessária para o exercício cabal de suas funcções. É innegavel a acção do systema ner- voso, qualquer que seja o modo por que ella se realise; quer se adopte a hy- pothese de SchiCf, que attribue toda a influencia aos nervos vaso-motores, que elle divide em duas ordens, uns, pertencentes ao grande sympathico, são con- striclores dos vasos, e outros, seguindo os troncos rachidianos, são dilatadores; quer se admitta a opinião de Samuel, que refere aquella acção a nervos tro- phicos ou de nutrição e não aos vasculares; quer se acceite a idéa de Mayet, o qual crê que são os nervos destinados á sensibilidade ou ao movimento, que preenchem egualmente as funcções de presidir á nuliição das partes. Estabe- 214 ELEMENTOS DE THERMOMETRIA CLINICA lece Mayet a distinceão entre as perturbações de nutrição, consecutivas á irri- tação dos centros ou dos nervos, e as produzidas pela suppressão de sua ac- ção; as primeiras consistiriam em phenomenos de perversão e de augmenlo de actividade, e as segundas na perversão e na diminuição da vitalidade K Seja qual for a explicação, o facto ficará o mesmo ; o systema nervoso pode influir na tem- peratura pathologica, mas não é a causa immediata d'esta. O mesmo podemos dizer acerca do appareilio sanguineo. O movimento nu- tritivo dos órgãos está geralmente em relação com a quantidade de sangue que os penetra ou dos vasos que os percorre, e ainda cora a quantidade de princí- pios do sangue, de que esses órgãos carecem para a sua nutrição. O apparelho circulatório é um calorifero, que pôde distribuir pelas differentes partes o ca- lor produzido na economia. Por todos estes modos pôde o apparelho circulató- rio influir na temperatura pathologica, sem que seja a sua causa. Aíflue o san- gue em maior quantidade a uma parte, a temperatura eleva-se, não só porque o sangue leva para ahi mais calor, senão também porque activa as combustões que se verificam n'essa parte. Em ultima analyse, a elevação anormal da temperatura é o phenomeno pa- thognomonico, essencial da febre; o abaixamento anormal da temperatura é o phenomeno característico da algidez. A causa da temperatura pathologica é a al- teração das metamorphoses orgânicas e dynamicas, que constituem as fontes da temperatura normal. Além daqui tudo é hypothese sem base firme, em que se apoie. ' Gazette médicale de Lvnn; 1868. DU TRAITEMENT DELA FIÈYRE TITHOIDE PAR LES RECONSTITUANTS PAR LE DOCTEUR LUCIEN PAPILLAUD (Henri Almèsj II y a une trentaine cVannées, on appliquait largement aux íièvres typhoi- cles le traitement par les émissions sanguines, par les vésicatoires et par une dièle rigoureuse; plus tard, les purgatifs remplacèrent les saignées, mais sans exclure la diète. Tandis que le grand nombre suivait ce courant, quelques ten- tatlves de médicalions spéciales furent essayées, soit d"après la pratique du pro- fesseur Serres avec les mercuriaux et principalement le sulfure noir de mercure, soit d"après la pratique du professeur Chomel avec les chlorures alcalins. Actuel- lement, on a recours de préférence aux toniques médicamenteux et alimentaires, et mème dans une certaine mesure, aux stimulants. Ce dernier changement nous est venu d^Angleterre, et est dCi aux métliodes de Graves, de Todd et de Be- nett. II est juste de reconnaitre que, depuis qu'on a renoncé aux saignées et aux vésicatoires, qu'on s'est un peu modéré sur Temploi des purgatifs et qu'en mème temps on a alimente et toniflé les malades, la mortalité de la íiòvre typhoide a considerablement diminué. II est une médication qui, de jour enjour, prend une plus large place dans la thérapeutique, cest la médication reconstituante. II n'est pas encore à notre connaissance qu elle ait été instituée dune manière formelle pour le traitement de la flèvre typhoide. Quelques-uns des médicaments qui forment les éléments de cette médication, sont cependant donnés souvent dans le cours de cette ma- ladie, mais sans esprit d'ensemble et sans suite, sans coordination et sans le lien dune idée arrêtée et d'un príncipe dominant les indications de détail. Cest pour atteindre ce but que nous écrivons ce mémoire. MEM. DA ACAD. — I.* CLASSE. T. IV, P. IL 1 2 DU TRAITEMENT DE LA FIÈVRE TYPHOIDE Nous aclmettons, cVaprès les médccins anglais que nous venons de citer, que, quels que soient les pliénomènes d'hyperstliénie et de phlogose qui existent au début d'une maladie, on ne doit pas perdre de vue que, pendant son cours, il vient toujours un temps ou cet état est remplacé par rhyposlhénie et Tané- mie; à la surexcitation succéde la torpeur, à la violence inflanunatoire succé- dent la dépresslon et Fafíaiblissement. Toute affection qui parait commencer par un excès de vitalité, finit par un défaut de résistance vitale, de sorte que les moyens thèrapeutiques qui auraient été diriges contre les symptômes de la pé- riode initiale, se trouveraicnt formellemenl contre-indiqués pour ceux des pério- des suivantes, et, en dèfinitive, ils opèreraient dans le sens de la maladie au lieu d'agir au profit du malade. Du reste, la fièvre et rinllammation elle-même ne sont plus considérées comme des symptômes de suractivité; ce sont des pliénomènes passifs dus à riiyposthénie ou à la paralysie de Tappareil nerveux vasomoteur, et cette étiolo- gie doit ôter toute idée de les guérir en alTaiblissant le sujet par des soustra- ctions de sang. Enfin, et pour derniòre raison, la fiéwe typhoide étant considérée comme une intoxication rniasmatique, cette intoxication doit exister au moins partieile- ment dans le sang, et c"est à guérir ce sang altéré et non pas à en diminuer la quantité, que doit tendre le traitement. Le traitement par les purgatifs quotidiens ne consiste-t-il pas, lui aussi en spoliations répétées qui affaiblissent le malade sans atténuer la maladie? Ea appliquant la médication purgative à la pyrexie typboide, on obéissait à Tidée d'une élimination du príncipe toxique par les évacuations alvines. Cest là une hypotbèse sous preuves et à laquelle a toujours manque, jusqu'à présent, la dé- monstration. Le choiéra, la dyssenterie (celle du moins qui est épidémique), ne sont ils pas aussi des maladies toxiques et infectieuses? Or, dans ces affections, les évacuations alvines continuelles servent-elles à éliminer le príncipe toxique? N'aboutissent-elles pas plutòt à éliminer le malade lui-même qui s"en va dans cette fonte incessante de tous ses tissus et de lous ses organes? Et dans la flèvre typhoide elle-même, n'existe-t-il pas le plus souvent une flux intestinal dont la persislance, au lieu de diminuer et d'abréger la maladie, est, au con- traire, un signe certain de sa malignité, et un présage de sa terminaison fu- neste? Pour ces raisons, nous croyons qu'on doit étre trés-réservé sur lemploi des purgatifs contre la pyrexie typhoide, et qu"il n"y a que très-peu de bien à attendro de leur usage continu et de leur prétendue action éliminatrice. Nous poserions volontiers pour rògle de s'abstenir, dans ces cas, de toute médication qui, directement ou indirectement, peut spolier Forganisme d'une manière con- tinue ou répétée. La spoliation de Forganisme et Faffaiblissement du sujet, ne sont-ils pas les efl'ets de toute maladie? Pourquoi, dans notre thérapeutique or- PAR LES RECOxXSTITUANTS ó ilinairc, aiderions-nous encore à cette spoliation et a cet affaiblissement? L"in(li- cation uesl-elle pas pliitòt de soutenir et de consolider, dans la mesure du pos- sible, les forces physiques et morales du paticnt contre la cause que tend à les déprimcr et á les anéantir? Dans le traitemenl dune affeclion dune certaine durée, comme la fièvre ty- plioide, et en l"absence d'une mèdication spécifique, le problème, selon nous, consiste à faire durer le malade, plus longtemps que la maladie. laquelle, après avoir accompli son évolulion, s^éteint delle-mème dans une délai variable, mais que cependant a ses limites certaines. Tâcber de faire survivre le malade á la maladie pour laisser celle-ci se guérir ensuite d"elle-mème par une extinction graduelle, c"est un programmc bien modeste, mais qui, s"il pouvait être réa- lisé, nous épargnerait dans un grand nombre de cas bien des mécomptes et bien des déceptions. Ce ne serait point de la médecine militante, ce ne serait point une at laque en régie contre la maladie, ce serait une espectalion corroborée dune aclion médicatrice qui se rapproclierail plus de Ihygiène que de la théra- peutique. Tel est le programme de traitement que, dans Tétat actuei de la scien- ce, il nous parait rationnel d"opposer à la fièvre tj^ihoide, et pour le remplir, nous ne voyons rien qui convienne mieux que la mèdication reconstituante. Après ces quelques considérations théoriques, nous allons aborder la par- tie pratique de notre travail. Toute maladie commence par un germe qui éclot, se développe, reste plus au moins longtemps stalionnaire, puis decroit, et finit par disparaitre. Ces diverses périodes sont marquées par les sjTuptòmes d'incubation, d'invasion, d'état et de dèclin. II y a donc dans la marcbe d une maladie, un ordre et une succession régies d'avance et génèralement suivis. En abordant le traitement, il est toujours avantaguex de commencer par déranger cet ordre et troubler cette régularité au moyen d'un médicament perturbateur destine à imprimer à Tor- ganisme une secousse subite et passagère. C"est du tartre stibié que nous avons fait cboix pour remplir cette indication, et nous dèbutons, dans notre mèthode de traitement, par le donner soit en trois ou quatre doses vomitives, soit en do- ses fractionnées se rèpètant d'heure en heure pendant toute une joui^nèe. Après cette mèdication préliminaire et préparatoire, nous commençons le traitement par les reconstituants. On donne le titre de reconstituants à plusieurs agents thérapeutiques, mais il nous semble que ceux qui possèdent incontestablement cette qualité au plus baut degrè, sont les eaux minèrales, le fer, larsenic, et le quinquina. Prenant en considèralion la teinte jaune pãle et terreuse que finissent tou- jours par présenter, à la période la plus criliíjue de leur maladie, les sujets atteints de fièvre typhoide, et raltèration du sang dont cette teinte est lindice certain, nous avons eu l'idée de soumettre les fébricitants à Tusage d'une eau minérale 1- 4 DU TRAITEMENT DE LA FIEVRE TYPHOIDE ferrugineuse. Cette médication avait pour biit de prevenir ou d'aUénuer autant que possible la lésion du liquide sanguin, en mettant Torganisme sous rinfluence du fer qui est le réparateur par excellence du sang, et en donnant ce niédica- ment en eau minérale, forme sous laquelle il est le mieux toléré, tout en pro- duisant, avec les plus petites doses, les elTets les plus considérables. Mais il nous a semblé de plus que nous devions tenir compte dun des élé- luents les plus importants de la pyrexie typhoide, du catarrhe bronchique, si pe- nible, si fatiguant, si long, et qui épuise à un si haut point les forces des malades. Le catarrhe bronchique, qui va quelquefois jusqu"à la broncho-pneumonie, est un symptòme à peu prés constant de cette affection, car nous Tavons rencontré à un degré plus ou moins prononcé, dans-près des neuf dixièines des cas. Si Tétat ca- tarrhal typhoide n"a pas été oublié dans les descriptions nosographiques, il est presque passe sous silence dans les indications thérapeutiques. On a le droit de s'etonner de cette omission, car les lésions des voies respiratoires peuvent avoir tout autant d'iraportance que celles des voies digestives, et la médication qui mo- difierait avantageusement les primières pourrait étre dune aussi grande valeur pour le résultat définitif que celle qui cicatriserait les ulcéralions des plaques de Peyer. Serait-on fondé à objecter que les lésions des follicules intestinaux sont constantes, tandis que les lésions bronchiques peuvent manquer? Cette objection n'aurait que peu de valeur, car, en définilive, en observant le catarrhe pulmo- naire dans les neuf dixiémes des cas, quelle que soit leur terminaison, nous le constatons plus souvent que les altérations anatomiques de Tinteslin qu'il ne nous est permis de vérifier qu"apròs les cas mortels, lesquels, heureusement, forment la plus petite proportion. Le catarrhe bronchique nous a donc paru mériter d'avoir une part dans la médication de la fiévre typhoide, et nous lui avons opposé les eaux minérales sulfureuses. Parmi celles-ci, nous avons choisi les Eaux de Bonnes qui, en Fran- ce, passent avec raison pour ètre les plus faciles à tolérer, les plus légères, les plus digestibles, et les plus assimilables. Notre médication a consiste à faire boire à nos malades, selon le degré de leur soif et sans dose déterminée, alternativement d'une eau ferreuse et d"une eau sulfureuse, soit à Tétat naturel, soit légérement sucrée. Nous avons pre- scrit en mème temps une alimentalion proportionnée à Tappétit des sujets, et consistant en bouillon, soupe, lait et mème viande et vin lorsque rinappétence ne les repoussait pas. Quand nous avons commencé à mettre ce traitement en pratique, nous ne Tavons fait, les premiéres fois, qu à une époque assez avancée de la maladie et apròs lemploi d'autres moyens restes infructueux. Nous avons vu, sous 1'influence de cette médication, reparaitre peu à peu les couleurs de la santé en méme temps que la toux diminuait de fréquence et d'intensité, et que Texpectoration PAI! I.ES RECONSTITUANTS 5 1'cndiic [ilus facile, se larissail progressivement. Kvidemmenf, la sanguification avait óté favorablement inlluencée par leau ferreuse, en raème tenips que Teau sulfureuse avait exerce son action élective et médicatrice sur la rauqueuse pul- monaire. Ces excelients résultats nous engagèrcnt à employer ce traitement dès le dóbul de la maladie et avant rapparition des symptumes que nous avions en vue de modifier. Nous agissions ainsi dans Tintenlion de prevenir ou du moins datlénuer raltération sanguine et rinvasion catarrliale. Nous obtiiinies ces résul- tats dans la grande majorité des cas, et nous eúmes la satisfaction de voir les malades soumis à lusage des eaux ferrugineuse et sulfureuse conserver une coloration de teint qui se rapprochait de celle de la santé, et ne subir que tar- divement un catarrbe de medíocre intensité, ou mème en être complétement in- demnes. De plus, chez ces malades, Tappétit, les forces et Temboupoint ètaient relativement conserves, tous les symptòmes de raílection ètaient notablement atténués. et sa durée totale se bornait le plus souvent à une vinglaine de jours. La plupart de ces sujets remarquèrent que lingestion des eaux minérales était suivie chez eux d'une sensation de bien-être, et que lorsque, par une cause quel- conque, ils venaient à en être prives, cette suspension leur faisait Teffet d"une suppression d'aliments. Cest que les eaux minérales ne sont pas seulement des remedes spéciaux s^adressant à telles ou telles manifestations morbides, selon quelles occupent tels ou tels organes ; elles sont aussi et avant tout des recon- stituants, elles activent Tinnervation et la nutrition, et par cela mème, elles re- staurent les forces et réparent les pertes organiques et dynamiques causèes par la maladie. Lorsqu'on volt une qualité si constante être Tatlribut de presque tou- tes les eaux minérales qui sont si diverses de composition et de propriétés thè- rapeutiques, on est tente d'en voir la cause dans une subslance qui est répan- due dans la presque généralitè de ces eaux, et qui n"a pas besoin de s'y trou- ver en grande proportion pour y jouer un role actif : cette substance est Tar- senic. Cette minéralisation arsenicale, quon ne soupçonnait pas autrefois et qui du reste aurait été pour un établissement tbermal un motif de discrèdit, s'est trouvée à peu prés dans toutes les eaux ou lanalyse la cherchée. II y a déjà plusieurs années qu"elle était conslatèe dans quatre-vingt-deux sources ; il est évident que ce chiffre de sources arsenicales à dú s"accroitre encore à mesure que les recherches ont été dirigées dans cette veie. Les eaux carbonatées ferreu- ses, surtout, sont à peu prés toutes arsenicales. L"arsenic est un admirable ad- juvant du fer, et la nature nous a donnè, par Tassociation presque constante de ces deux substances dans ses eaux médicinales^, une leçon dont, jusqu'à present, la thérapeutique à peu profité. En donnant une eau minerale ferrugineuse á nos malades atteints de íiè- vre typhoíde, nous leur donnions par cela mème une eau arsenicale. Cétait un 6 DU TPiAITEMENT DE LA F1È\T{E TYPHOÍDE encouragement pour leur administrer directement et isolément quelques prépa- rations arsenicales officinales ou magistrales, dont les doses auraient été en rap- port avec les effets que nous aurions eus en vue. Cest ce que nous avons fait en variant nos doses de deux milligrammes à un cenligramme, et il nous a paru que ce remede influençait dune manière heureuse la maladie en general, en di- minuant Tintensité du mouvement fébrile, en redressant la déviation de Tinner- vation qu'on connait sous le nom dataxie, en aidant la résolution des conges- tions passives et hyposthéniques, et enfin, en soutenant, dans une certaine me- sure, la nutrition. Les idées de ferments pathogeniques, consideres comme cause des mala- dies infeclieuses, gagnent de plus e-o plus aujourd"hui dans les esprits. Les re- marquables travaux. d'un medecin italien, le professeur Polli, ont mis en évidence Faction neutralisante des sulfites et des hyposulfites contre les fermentations pa- thologiques, comme les recentes observations du professeur Barbosa, de Lisbon- ne, ont démontré FeUicacité du soufre sublime contre les productions parasitai- res de la dipbtérie. Cela ajouterait encore à Tinterprétation des bons effets des eaux sulfureuses en admettant Faction anti-septique de leurs sulfites, et on pour- rait en partie expliquer aussi par une action analogue, par une action parasiti- cide contre les microzoaires, et les mycrophytes, 1'efficacité de la médication ar- senicale. Ces explications ne sont point basées sur des interprétations bypothé- tiques, elles sont fondées sur des propriélés parfaitement démontrées et sur des faits nombreux et rigoureusement observes. On aurait peut-être à objecter au traitement de la fièvre typhoide par les eaux minérales, que ces eaux transportées sont des médicanients de luxe, c'ést- à-dire, qui coutent fort cher et qui ne sont pas à la portée des malades pauvres. En effet, il serait impossible de se servir dans la médecine des pauvres de ce médicament dispendieux, d'aulant plus que leur usage doit toujours être pro- longo. Dans ces condictions oú il faut trouver et quelquefois improviser des suc- cédanés aux médicaments dun prix trop eleve, nous avons cherché à suppléer, du mieux qui il nous a été possible, à ce que nous ne pouvions nous procurer, et nous avons fait préparer par les procedes les plus simples de l'eau ferrée et de Feau soufrée artificielles. La première a été faite au moyen de fragments de vieux fer rouillé, placé dans un vase rempli d'eau quon renouvelait au fur et à mesure de sa consommation. Le seconde a été préparée d'une manière analo- gue avec une bille de soufre cassée en fragments du volume d'une noisette, et placés au fond d'un vase rempli d"eau renouvelée comme la precedente. Nous recommandions à nos malades de boire de ces eaux selon leur soif, et mème un peu plus que dans la proporlion de leur soif lorsqu"elle n"était que médiocre, en allernant avec Fune et avec Fautre. Nous ne leur donnions pas d'autre tisane. L"eau férrée ainsi préparée conlient, comme on sait, une minime PAR LES RECONSTITUA.NTS 7 proportion de carbonate tle fer eii dissoliition, grâce à Tacide caiitoniíiue de ralmiis[)liéie et une notable proportion du nièmc sei et d'oxydc qui reslent en suspcnsion. Gest un médicaraent vulgaire et três usité. Quant à Teau soufrée, dont Tiisage est beaucoup moins répandn et qiii est peiit-í mmm^ 'mm yf^f^^ii y