«^^^t HISTORIA E MEMORIAS DA ACADEMIA R. DAS SCIENCIAS DE L I S B O A. $'.m v~ HISTORIA ,,^,/fv i>-^'^ MEMORIAS D A ACADEMIA R. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. Nisi utile est qttod facimus , stulta est gloria. TOMO IV. Parte I. LISBOA NA TYPOGRAFIA DA MESMA ACADEMIA. I 8 I 5. Com licença de S. ALTEZA REAL. (^,ios-í:D'^ ■I?. mH n HISTORIA D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA PARA O ANNO DE 1814. Discurso recitado na Sessão publica de 2^ de Junho de 1 8 1 4 PELO VICE-SECRETARIO Sebastião Francisco de Mendo Trigozo. s Enhoues. Tendo concorrido algumas vezes neste mesmo lugar , cm tempos de amargura , cm que nos era preciso hum esforço extraordinário para atrendcr a outros objectos, que não fossem a salvação da Pátria , e da independência Nacional ; quão grande não deve ser o nosso contcntamen- Tom. ir. to II Historia da Academia Real to por nos acharmos hoje outra vez reunidos , quando a nossa honra brilha livre de toda a mancha , quando cstáo cumpridos os nossos votos mais ardentes , c quando a Paz precursora de todas as prosperidades vem aíFugentar as nos • sas penas, e debuxar a expressão da alegria sobre todos os semblantes ? Os males fysicos e moraes , que atd agora nos opprimião , estão desvanecidos, ou vão a dcsvanecer-se den- tro de pouco tempo ; c os nossos esforços acabao de ser coroados com a mais ditosa recompensa : mas cllcs forao extraordinários cm todo o sentido durante aquclla época ; era necessário segurar ao mesmo tempo a gloria das ar- mas , e a das lettras : ^ e que constância podia ser bastante para estas se não deixarem ao desamparo, quando os hor- rores da guerra dcvastavão o nosso Paiz , quando viamos correr perto das próprias habitações o sangue dos nossos concidadãos ? ' Eu não pretendo trazçr-vos i memoria o calamitoso pcriodo, cm que curvados debaixo de hum dominio usur- pador ,, VAciUavamos ainda na incerteza do nosso ultimo des- tino ; nem tão pouco aquellc , cm que arrojando com hum nobre enthusiasmo os grilhócs, que parecião de novo amea- çar-nns , perseguíamos o inimigo além das nossas Frontei- ras j babta-me só lembrar-vos , que durante estes mesmos pcriodos , não desamparou esta Academia o posto, que lhe havia sido confiado , c que não s<) não ficarão estacionários , mas ainda fizcrão alguns progressos os seus estudos scicnti- ficos e litterarios. Ella tinha mostrado a energia , que a ani- mava no meio dos perigos c das calamidades; e devia igual- mente dar-vos , dentro de pouco tempo , outro exemplo próprio a fazella credora dos vossos applausos. O Dcos dos Exércitos abençoou as nossas armas : hii- ma victoria seguia-se a outra victoria, hum triunfo a ou- tro triunfo ; o regato que no principio corria pobre e va- garoso , engrossou , rompeo os diques , e desbaratou quan- tos ÍI3\I Ol DAS SciENCiAs DE Lisboa. iii tos obstáculos se lhe oppunhao ; nada resiste ao valor Por- tuguez, e he clle o primeiro que faz arvorar a Bandeira branca aos nossos oppressorcs , envergonhados da sua pró- pria escravidão. A força sustentada pelo despotismo ficou aniquilada ; ^ c que espirito poderia , no meio de tanta glo- ria , conservar bastante sangue frio para se dedicar exclusi- vamente ás meditações scicntificas , c deixar de seguir, ao menos com o pensamento , as ditosas fadigas, e immortaes trofcos dos nossos compatriotas ? TjI era sem dúvida a situação do Reino inteiro , e principnlmentc a desta Academia , desde a ultima vez que aqui concorrestes : toda a sua attenção parecia reunir-se em o objecto mais digno de ser contemplado, cm a successão de scenas as mais brilhantes , que huma imaginação exalta- da podia apenas conceber em os seus prestígios ; mas quem se não deixou abater pelo terror, e pela desgraça, também se não devia deslumbrar com o resplandecente clarão da nos- sa gloria. Os deveres contrahidos por este Corpo continua- vão A ser os mesmos , e era justo que o ardor a desempe- nhallos continuasse também com igual actividade. Mas ,; será por ventura isto bastante para apparecer- mos hoje em público de maneira que fique satisfeita a vos- sa expectação ? Algumas circunstancias particulares podem fizello recear ; a dispersão de muitos dos nossos Sócios , empregados em objectos de interesse mais immcdiato e ur- gente , he huma delias ; a prolongada auscncia e grave mo- léstia do nosso Secretario o Sr. José Bonifácio de Andrada he a outra, pois não só o impedio de assistir a qujsi to- das as nossas conferencias, que tanto animava, mas até de occupar agora hum lugar , em que tanto se distinguia. Obri- gada a Academia , por este extraordinário motivo , a confiar de mim a historia das suas transacções c estudos deste an- no, eu temo justamente que elles pareção diminutos e mes_ quinhos, em razão da grosseira penna , que vo-los vai tra_ * I ii çar. tr Historia da Academia Real çar. O parallclo do que hides ouvir , com os Discursos que tendes ouvido em outros semelhantes dias, seria sufficientc para me desanimar de todo : lisonjcio-me porém que não criminareis a Academia pelas faltas , que conhecerdes no seu Orador; e que attcndcreis principalmente á relação dos seus trabalhos , desculpando o estilo e linguagem , com que vos vão ser annunciados. A Enumeração dos acconte cimentos , mencionados nos nossos Fastos , involve desta vez successos calamitosos , cu- ja recordação excita ainda a nossa sensibilidade. He a par- te mais difficil e penosa da minha tarefa, e eu me apres- so a cumprilla com o mesmo sentimento de amargura , com que o viajante atravessa as pavorosas solidões , e hor- ríveis precipícios dos Alpes, impaciente de estender a vis- ta sobre as férteis campinas da Itália, e sobre o pomposo espectáculo do Adriático. Roubou-nos a Morte no decurso deste anno dois ^Só- cios Honorários , que reunião em si as qualidades próprias para o desempenho daquellc lugar; o amor ásLettras, e o exercício dos empregos mais eminentes. Taes forão o Ar- cebispo d' Évora , o Sr. D. Fr. Manoel do Cenáculo Filias^ Boas ; e o Patriarcha Eleito de Lisboa e hum dos Gover- nadores do Reino , o Sr. D. Avtonlb de S. José de Castro, O primeiro tendo enchido huma longa carreira , repartida entre o estudo , c as obrigações do seu Ministério , fez-se mais do que ninguém acredor do premio , com que esta Aca- demia costuma recompensar , principalmente aquelles dos seus Sócios, cujo nome deve passar á Posteridade na fren- te dos seus escritos : assim a'Ós ouvireis o seu Elogio no fim desta Sessão. O segundo , consumindo grande parte da sua DAS SciENCiAs DE Lisboa. v sua vida em a austeridade de hum Instituto, que separa os seus membros da communicaçâo dos outros homens, soube tirar partido disto mesmo para profundar os estudos da sua profissão , e applicar as Iioras que lhe restavao ao conhe- cimento da nossa Litteratura. Existe huma prova desta ver- dade na reimpressão dos opúsculos do nosso celebre João de Barros, cuja raridade era tal, que se tinhão feito quasi desconhecidos; e hc igualmente certo, que elle projectava ainda novos trabalhos desta natureza , quando as suas reco- nhecidas virtudes o fizerão subir á Cadeira Episcopal do l'orto. Empregado então unicamente em apascentar a sua Dio- cese , e instruir o Clero , para o qual edificava hum Se- minário amplamente dotado; mal presumia elle que huma repentina serie de successos inesperados , c incalculáveis o viria pôr á testa do Governo Civil, Económico, e Mili- tar daquella Cidade, que durante hum curto periodo se pode dizer que foi também o principal do Reino. Não he da nossa competência referir os accontecimentos desta épo- ca , tão fatal , quão gloriosa da nossa Restauração ; outra melhor penna se empregará sem dúvida em os transmittir aos vindouros ; e esta Academia occupada exclusivamente em objectos scientificos , inhibio-se a si mesmo tudo o que diz respeito aos políticos. Não posso porém passar em si- lencio , que os seus serviços forão julgados de tão relevan- te natureza , que o conduzirão a ser hum dos Governadores do Reino , e Parriarcha Eleito de Lisboa. Eoi então que esta Academia o nomeou seu Sócio ho- norário ; não era a adulação quem dirigia hum semelhante passo , era a experiência comprovada pela Historia Littera- ria de todas as Nações, de quanto o amparo e protecção das grandes Personagens he proveitosa ao adiantamento das Scicncias; ellas são semelhantes á Videira, que com o apoio de alguma arvore cresce, enrama, e dá fructos copiosos; quando isolada , recompensa apenas mesquinhamente as des- pezas do Agricultor. Não siau ot VI Historia da Academia Real Não ficou por esta vez enganada a nossa expectação. Assíduo áqucUas das Sessões Académicas para que era con- vocado , vós concorrestes aqui com ellc , ainda quando huma grave ophtalniia lhe fazia penosa qualquer claridade. Ze- loso pelo adiantamento da Litteratura Nacional, elle achou nos manuscritos da Livraria da Cartuxa d' Évora o Livro cha- inado Da J'"trtuosa Bemfeitoria escrito pelo Senhor Infante D. Pedro nos principios do Século XV. , e por conseguinte hum dos antigos monumentos da linguagem Portugue/a : a pezar de estar escrito em huma lettia muito apagada , e quasi inintcUigivel , elle estudou e dcscobrio a sua chave, fez trasladallo na sua presença , não confiou de ninguém mais a sua revisão , e presenteou por fim a Academia com huma nitidissima copia , que ella conserva cuidadosamente no seu Cartório. Se hum dos nossos Sócios não vos devesse dar conta dos progressos da Instituição Vnccinica , cu vos faria ver quanto este projecto de Beneficência lhe era devedor, e quanto as suas exhortaçoes Pastoraes fizerao propagar nas duas Dioceses que administrava , este incomparável preserva- tivo. Far-vos-hia igualmente conhecer outros factos , que provão com toda a verdade o interesse que elle tomava por esta Corporação , mas a cscacez do tempo deve des- culpar o meu silencio ; ella me obriga , ainda que invo- luntariamente , a contentar-me com as poucas linhas, que deixo consagradas á sua memoria. i Quanto não estimaria parar aqui com a narração af- flictiva das nossas perdas ! mas hum dos Sócios effectivos da Classe das Scicncins Mathematicas , e que consagrou grande parte da sua vida á utilidade do Estado , merece sem dúvida que se lhe não roube hum lugar, que os seus trabalhos tão dignamente lhe grangcárão. A elles he que se deve a medição dos grandes Triângulos para a Carta Geo- gráfica de Portugal, e o adiantamento em que ella se acha- va quando a dureza dos tempos fez suspender aquellas ope- ra- li A-S S Cl 115 Cl AS CE Li SH o A. Vlt raçócs *, a clles se deve huma serie de Observações Astro- nómicas, que a Academia fc/ imprimir nas suas Actas : a cl- Ic finalmente se deve o simples, e bem combinado syste- ma de Telégrafos , de que se faz uso com tanta ventagem no nosso Reino. O Sr. Francisco Jntmiio Ciera merecia sem dúvida, que nos demorássemos mais a seu respeito; mas a -contiTmaçãío c pubhcação daquclles trabalhos, que foríio por ordem superior rcmettidos ao Archivo Militar , formará o Elogio mais agradável á sua memoria, e o mais proporcio- nado ao seu merecimento. O ultimo, que em ordem de tempo tem também hum direito inconrrastavcl á nossa recordação , he o Sr. Jo/ío Ma- noel de Ahreu , Sócio livre desta Academia. Ainda moço ellc se applicou ao estudo das Mathematicas , ao principio com seu Mestre c r.migo José Anastasio da Cunha , e depois cm a Universidade de Coimbra. Alguns infortúnios e des- gostos oífuscárão esta época da sua carreira ; porém a sua -alma não succumbio a elles , e os seus reconhecidos talen- tos o fizerao nomear Lente da Academia Real da Marinha , c da Cadeira de Historia em o Real Collegio de Nobres. Eu tive a fortuna de ouvir as suas prelecções neste ultimo Estabelecimento ; e posso segurar , que jamais conheci pes- soa dotada em gráo mais eminente das qualidades necessá- rias para o Magistério , que mais fizesse amar o estudo aos ieus Discipulos , e melhor obtivesse o seu affecto. Acer- limo propugnador , e defensor dos Principios Mathemati- ccs do seu primeiro Mestre , e desejoso de divulgallos aos Estrangeiros , achando-se em Paris , elle emprehcndco a sua traducçáo : as importunações dos seus amigos, e a con- templação dos incommodos que o ameaçavão , nada foi bas- tante a desviallo deste intento. Em fim , entre afflicções c pezares , de que esteve a ponto de ser victima , he que elle acabou de imprimir aquella obra , de que tanto lustre resulta i Nação Portugucza ; depois do que , teve ainda a doce consolação de vir acabar os seus dias no seio da rua Pátria. Taes VIU Historia da Academia Rkal Taes foráo aquellcs de cujas luzes, e patrocínio nos vimos privados no decurso de hum anno ; em qualquer ou- tra occasião seria a sua falta por extremo sensivei , porém na presente ella se podia olhar como huma calamidade , pelas poucas acquisições que a Academia estava em cir- cunstancias de fazer para a reparar ; com tudo ella elegeo o Sr. Jtisttnwno de Mello Franco seu Correspondente e col- laborador da Instituição Vaccinica : nomeou também Cor- respondente o Sr. Joaquim Machado de Castro , e Sócio Es- trangeiro a Mr. Ilaíiy ; querendo assim dar no primeiro hu- ma prova de gratidão , devida a hum dos melhores Artis- tas deste Século , e que emprega os seus momentos de des- canço em o commercio das Musas ; c ao segundo hum si- nal do apreço, que a Academia e a Europa inteira faz dos seus import-uitissimos descobrimentos mineralógicos e cris- talographicos , c das suas virtudes sociaes. Passando já a fazer a rezenha dos trabalhos lirtera- rios , e privativos dos Membros da Academia ; eu chama- rei primeiro a vossa attençao para as Sciencias Fysicas , que fazem a principal base dos seus estudos. A Medicina , a Chimica , a Historia Natural , a Fysica , e a Economia , são os differentes troncos , em que ellas se ramificao , e que eu tratarei promiscuamente. O Sr. Francisco Eliar Rodrigues da Silveira lêo huma Memoria sobre a Digitalis purpúrea , Planta da classe das Mascarinar ^ bastante trivial entre nós principalmente nas Províncias do Norte , c de que não ha ainda muitos annos que a Medicina tem sabido tirar hum vantajoso e enérgi- co remédio para a cura de muitas enfermidades. O Sr. Francisco de Mello Franco offerecco hum Trata- do completo de Hygienc , o qual merecendo muito a ap- provação da Academia , foi logo mandado imprimir em hnm volume separado ; não só por não poder fazer parte das Col- lec- DAsSciEKCiASDE Lisboa. ix lecçõcs Académicas, pela sua extensão, mas porque a ma- téria he de huma utilidade tão geral , e está tratada com tanta clareza e exactidão , e até com hum estilo tão ele- gante, que não se devem poupar meios alguns para vulga- rizar este precioso trabalho , cuja impressão já chega ao meio. Se porém o methodo de prevenir as moléstias em ge- ral forma huma parte tão importante da Medicina , ,; quan- to o não deve ser aquella que trata de minorar ou impe- dir o contagio das que já huma vez se declararão? A Peste, e a Febre ainari.ila, nomes que repetidos bastão para fazer sentir huma espécie de horror, são as que se propagão mais facilmente, quasi por todas as maneiras imagináveis, e cu- jo foco pôde permanecer largos tempos, até talvez dentro de huma carta. Por esta razão julgava-sc, ainda ha pouco, necessário abrir todos os papeis , que vinhão de terras in- fectadas ou suspeitas , com o fim de os passar pelo vina- gre. Esta medida , que por huma parte podia parecer pe- rigosa e impolitica , era por outra a única que dictava o bem da saúde pública , Lei suprema de todos os Estados. As bel las experiências de Mr. de Morveau sobre a proprie- dade desinfectante dos Ácidos , principalmente do muria- tico oxygenado , derão logo esperanças, que elles fossem hum defensivo contra a propagação da Peste ; e algumas experiências directas, accompanhadas de todos os argumen- tos que pode sugerir a analogia , assim o demonstrarão con- vincentemente. Mas ^ hc o gaz muriatico susceptível de atravessar os poros do papel , e destruir o fomes pestilen- cial , que se occulta dentro de huma carta , sem que seja necessário primeiro abrilla ? He o que provão as curiosas experiências do Sr. Bernardino Ant07iio Gomes ^ o qual não sa- tisfeito ainda com a cíHcacia deste agente , nem com a do gaz acetoso , que igualmente empregou , descobrio em o vapor do Acido sulfúrico, outro que elle reputa mais pró- prio para permear a matéria do papel , e desinfectar eco- nómica , e quasi instantaneamente as cartas , e os corpos susceptíveis , que dentro delias estiverem fechados. Tom, IV. * z O X Historia da Academia Real O Sr. justiniano de Mello Fronco Ico huma Memoria intitulada Tabeliãs ccmparativas ilo estado da Puberdade j Fe- ífítididiíde , GcsTaçiío , Grandeza individual , c termo da vida dos Animaes mammif eros \ c iguilincntc a Descripfao dar ven- tagens de buma nova Cadeira obstetricia , inventada primeiro pelo Dr. Stein , reformada c emendada pelo Professor Osian- der, c aperfeiçoada ultimamente segundo as suas próprias observações: era esta Descripção aecompanhada de hum mo- dcllo em pequeno ; e a Academia olhando este objecto co- mo muito digno da sua attençao ( por dizer respeito á épo- ca mais esí-encial da existência humana , em que a repro- ducção da nossa espécie reclama todos os desvelos para ajudar a grande obra da Natureza) mandou construir hum modello em grande da dita maquina , o qual não foi pos- sível acabar a tempo de se expor aos vossos olhos. A Analyse das Agoas mineraes he outro objecto de tão grande utilidade na praxe clinica , que todos os traba- lhos tendentes a augmcntar estes conhecimentos no nosso Paiz , devem ser recebidos com todo o appreço. Assim suc- cedeo a huma Memoria que entregou o 111.'"" e Ex."^° Sr. Visconde de Balsemão sobre os Banhos dos Cucos junto á Villa de Torres Vedras, que ha poucos annos se tem fei- to célebres por algumas curas prodigiosas. Estas agoas são quentes, mas a sua temperatura varia á proporção da estação , e da quantidade da chuva , ainda que nem sempre por hum modo uniforme : o estado da atmosfera , limpa ou nublada , influc nellas mui sensivel- mente : estas alterações , que muitas vezes se observão no mesmo dia em huma mesma nascente, fazem a sua analyse mais difficultosa; a agoa de que se trata nesta Memoria foi tirada do Banho vulgarmente chamado da Bomba ; ella dá pela evaporação alguns productos gazosos , como o Gaz aci- do carbónico , e huma pequena porção de Hydrogenio sul- furado ; e contém Saes formados pelo dito Ácido carbóni- co , e pelo sulfúrico , e muriatico , com a cal , ferro , ma- gne- íiavi oi DAsSciENCIASDELrSBOA. XI gnesia , e soda. Estas observações sao tanto mais estimá- veis, que cilas comprovao os resultados que tinha indica- do o nosso Sócio o Sr. Francisco Tavares , que alem disso observou nas mesmas agoas huma grande porção de Nafta: eu mesmo a tenho visto muitas vezes formando huma es- pécie de teagem sobre a superfície dos Banhos. O mesmo Sr. Fiscoude lêo huma Descripção do Destrito da Marinha grande , nas vizinhanças de Leiria , que com- prchcnde a noticia dos seus Estabelecimentos. Não ha tal- vez , cm toda a extensão do Reino , hum pequeno recin- to, onde o Observador tenha tanto a contemplar, quer o olhe pelo lado da Agricultura , quer peio das manufactu- ras : huma parte da Memoria cujo extracto se vai ler nes- ta Sessão , provará o que acabo de dizer. A Dccripçíío Fysica e Económica da Villa da Ericeira ainda he obra da mesma penna , e igualmente o hc outra Disicrtafão sobre a Jgriculttira da Provinda do Minho ^ e em particular no que toca ao ramo florestal. Entre as Sciencias Económicas não ha nenhuma , que deva fixar agora tanto a attenção dos Portuguczes, como a Agricultura ; conforme o seu estado ella será para nós hu- ma fonte inexhaurivel de riqueza e prosperidade , ou de abatimento e de miséria. Esta asserção tem ainda de vir a ser demonstrada pela experiência ; e em quanto o não he , todos os escritos, que tratão deste assumpto, são recebidos avidamente. Parece, a darmos credito a alguns, que temos chegado neste ponto a hum grande gráo de perfeição , em quanto outros nos fazem sepultados na maior barbaridade. Longe de nós o falso patriotismo de apresentar a nossa Na- ção como grande agricultora, seria attentar do modo pos- sivel contra a felicidade pública : temos o mais bello clima , susceptivel das producçóes mais variadas , o cultivo de al- gumas delias chega a ser perfeitamente conhecido, a nossa posição geográfica hc summamenrc vantajosa, os nossos ope- rários não cedem a nenhuns da Europa , em fim tratou-nos a Natureza como a seus filhos mimosos : são estes os bens * 2 ii com XII Historia da Academia Real com que podemos contar , c realmente não sao poucos j mas ainda resta muito para fazer , e huma das cousas mais urgentes hc dar aos nossos Agricultores huma sufficiente instrucção dos conhecimentos práticos da sua arte. Convencido desta necessidade , oflFereci á Academia hum Projecto de Escolas rufaes praticas , que me parecerão capa-- zcs de melhorar muito o nosso systema agrário : foi este projecto remettido ao Sr. Félix Avellar Brotero para o exami- nar, e dêo assim occasião a elle escrever as suas Reflexões sabre a Agricnkitra de Portugal , sobre o seu antigo e presen- te estado , e se por meio de Escolas rtiraes praticas ou por ou- tros e/ia pode melhorar , e tornar-se florescente ? Esta Obra augmentou consideravelmente o pequeno merecimento do meu Opúsculo , pois he provável que sem elle nos não fos- fossem conhecidos os prineipios daquelle sábio Professor, que está muito acima dos meus elogios. Outro Lente da Universidade de Coimbra também Sócio da Academia , o Sr. Constantino Botelho de Lacerda lhe mandou huma Memoria sobre a cchesõo artificial das madei- ras ; elle fe» huma quantidade de experiências sobre diffe- lentes páos principalmente do nosso Paiz , unidos com gru-» de , e ao mesmo tempo que reconhecia que a adhesão do grude era mais forte , que a das fibras lenhosas , determi- nava a força que era necessário empregar para estas se rom- perem. Porei o ultimo remate ao que tenho para dizer sobre as Scicncias Naturacs com huma noticia Botânica communi- cada pelo Sr. Anastasio Joaquim Rçdrigues : descobrio elle nas ruinas do Castello de Almourol , hum tronco de Cactus , da espécie chamada vulgarmente Figueira da índia , de huma altura prodigiosa : todos conhecem aquelle arbusto bastan- te trivial entre nós; mas nem todos sabem, que na sua ve- lhice elle tem por base hum tronco pardo , lenhoso , e que iião costuma ser muito alto : o comprimento total do de Al- ,->j>i!o>.-r. . DAS SciENÇlAS U£ LispoA,' SLIU Almourol he-nos desconhecido , mas hum toro cortado del- Ic , c que veio para a Academia , tem cento e cincocnta poUegadas d' altura, c perto de vinte de diâmetro na sua maior grossura, j Qual não deve ter sido a duração daquella Arvore , que provavelmente he coeva ás primeiras ruinas deste monumento dos Templários ! As Sciencias Mathcmaticas continuarão também a fa- zer alguns pmgressos , quer em os seus principios , quer cm alí^umas das suas applicaçõcs. O Jr. Francisco Simões Míirgiochi em os seus Fundamentos da Algorithmia ^ deduzio de algumas Proposições elementares da Álgebra , por hum modo simples e elegante, formulas Logarithmicas próprias para demonstrar as propriedades destes números. O Sr. Matthetfs Valente do Couto em hum a Memoria in- titulada Breve Etisai» sobre a deducção Filosófica das operações Jílgebricas comprehende huma theoria luminosa das opera- ções e sinaes Algébricos , deduzida com muita clareza da operação primitiva da addiçao. Este mesmo Sócio offereeeo também hum breve Tra- tado da theoríca da construo çao naval , para delia se deriva- rem as regras praticas relativas á construcção , carregação , e manobra dos Navios, Este escrito era destinado a formar a primeira parte de hum Compendio para a Aula de Con- strucção naval , e por diíFcrentes motivos não chegou a con- clui i-sc ; mas ainda mesmo olhado sobre si , e como hum Exame das Forças, a que fica sugcito hum Navio, logo que se acha fluctuando , elle não diminue o nome , que o Áu- thor tem ganhado com as suas outras publicações. O Sr. Francisco de Paula Travassos apresentou huma Taboa Cosniograjica dos Portos , libas , e Lugares das Costas Marítimas y a qual he tirada das Ephemeridcs de Coimbra, mas com as latitudes c longitudes de Lisboa j trabalho en- fadpnhp e muito inferior ás suas forças , mas de que havia si- XIV Historia da Academia Real sido incumbido , para se ajuntar ás Tahoadas perpetuas As- tronómicas para uso da Navegação Portugueza , que estão de- baixo do Prelo. Finalmente o Sr. Paulo José Maria Cidra entregou as suis Observações astronómicas j feitas no Observatório da Ma- rinha em o anno de 1807, ^ "os que se seguirão até 18 12. Semellianres Observações , que a Academia se tem feito hum dever de publicar logo que lhe são entregues, principiarão em 1778, e tem depois sido continuadas, e interrompidas por diversas vc/es : agora porem que se determinou para cilas hum estabelecimento permanente, he de esperar que o ^elo daquelle Sócio nos habilite a divulgallas de huma maneira mais regular. Depois das Sciencias Fysicas e Mathematicas segue-se a Litteratura , terceira ramificação dos Estudos Académicos. Nesta parte fizemos este anno huma acquisição importan- te em alguns manuscritos do Sr. Joaquim de Foyos. São três Traducções do Grego , a primeira da Cyropedia de Xenofon- íe, a segunda da Expedição do mesmo Cyro à Ásia alta., e a terceira da Oração de Lycurgo contra Leocrates. Estas Obras postas em Linguagem , e com as. annotações de hum dos nos- sos melhores Hellenistas , são muito merecedoras de ver a luz pública , e sem dúvida conseguirão este beneficio , lo- go que as circunstancias permittão prover-se a nossa Ty- pografia dos caracteres necessários. Não somente se fez conhecida esta parte da Historia antiga , fizerâo-se também esforços para romper as trevas que o tempo , e a falta de noticias espalharão sobre alguns pontos da moderna : por isso o Sr. João Pedro Ribeiro , con- tinuando nas suas indagações diplomáticas, apresentou três Dissertações huma sobre o uso do Papel sellado no nosso Reino , outra sobre os Documentos divididos pelas letras do Alfabeto , e a terceira sobre os sinaes públicos , rubricas , c assignaturas empregadas nçs nossos Diplomas. Estas Me- mo- DAS SciENCiAS DE Lisboa. xv morias acGompaiohadas de sessenta c quatro Documentos , até agora inéditos , correm já impressas , e formão a se- gunda parte do 3.° volume das suas Dissertações Cbronologi- cas e Criticas. Este estudo das nossas antiguidades tão útil , e indis- pensável , hc ao mesmo tempo árido c escabroso ; e o «fr. Alexandre António das Neves veio a propósito tornar mais amenas algumas das nossas Conferencias , com a leitura da sua Tradiicçdo de Esther y producçao inimitável do immortal Racine. Esta Tragedia , que respira os mais nobres senti- mentos de Religião e de Piedade , e cujos Coros sobre tu- do tem hum estilo simples e terno, que vai direito ao co- ração , devia ha mais tempo ter passado para a nossa lin- guagem, se mil difficuldades não fizessem desanimar o com- mum dos Traductores. Não hc por certo pequena gloria tcllas sabido vencer, e passar para o Portuguez no mesmo numero de versos as bclle/as do Original, Eu tive também a honra de ler o Elogio Histórico do Sr» Fr. João de Sousa, Religioso da Terceira Ordem da Peni- tencia , Professor Régio de Lingua Arábica , e Sócio des- ta Academia, fallecido em o anno de 1812; e li igualmen- te huma extensa Memoria a respeito do nosso celebre Matbe' niatico Martim de Bohemia, sábio muito conhecido e nomea- do entre os Estrangeiros , e do qual entre nós se conserva- rão escassas , e pouco exactas noticias. Alem dos trabalhos individuaes , que até agora tenho numerado , conta a Academia outros , feitos em commum pebs suas Commissócs , de que igualmente vos devo dar noticia. A Instituição Vaccinica continua com o mesmo ze- lo c actividade , com que se tem distinguido desde o seu principio : a ella se deve ter-se vaccinado neste anno hu- ma grande quantidade de Individuos , entre os quacs 85-27 tiverão Vaccina verdadeira , fora outros muitos que igual- men- òiav ot / XVI Historia da Academia Real mente a tcriao , mas que não se apresentarão a tempo de isto se verificar, j Qiic de victimas pois não se subtrahírão a huma morte antecipada! j que de Cidadãos conservados ao Estado ! I e que satisfação não devem experimentar aquel- les que concorrerão para huma tão nobre empreza , que se tem estendido a todas as Provindas ! Mas eu conheço que estou usurpando hum direito , que hoje me não pertence, e o Sr. Francisco Elias Rodrigues da Silveira deve logo annun- ciar-vos os louváveis esforços da Instituição , e dos seus beneméritos Correspondentes. A Commissão de Historia traz entre mãos duas obras importantes, que os Eruditos descjão ha muito tempo: he a primeira a publicação das antigas Chro?ticãs do Sr. Rei D. Pedro L, e D. Fernando ; escritas ao que parece originaria- mente por Fernão Lopes , e retocadas depois pelo outro Chronista Ruy de Pina. He certo , que José Pereira Bayão tinha já impresso a Chronica do Sr, D. Pedro , mas com huma frase tão adulterada, que ella se podia ainda reputar como inédita ; pelo contrario a Chronica do Sr. D. Fernan- do faltava totalmente á nossa Littcratura, Estas edições , que já entrarão no Prelo , são feitas escrupulosamente sobre os manuscritos da Torre do Tombo , cotejados com os da Bi- bliothcca Pública, e com os que o 111.""* e Ex.'"" Sr. Mar- quez de Tancos teve a bondade de confiar da Academia , que gostosa se aproveita desta occasiao , para lhe dar Ku- ma prova authcntica do seu reconhecimento. O segundo trabalho em que se emprega a Commis- são he colligir chronologicamente os principaes, e mais im- portantes Documentos ila Historia de Portugal, debaixo de qualquer aspecto que seja considerada. Este projecto con- cebido lia bastantes annos por hum dos nossos Sócios mais distinctos , e que mais se disvclava pelo adiantamento das Scicncias , e da Littcratura nacional, o Sr. José Cerrea da Serra , foi approvado pela Academia , que logo mandou al- guns dos seus Membros a examinar a maior parte dos Car- to- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XVII tórios do Reino j mas suspcndco-sc depois por algum tem- po, cm consequência de circunstancias calamitosas, que não dcixavão nem os meios , nem o socego de espirito neces- sários para huma cmpreza tão prolixa. Como porem entre tanto aquella primeira idca estava apenas adormecida , des- pertou novamente , mal começarão a ouvir-se as vozes, que auguravão o nosso dcscanço e felicidade. A Commissão crea- da ha pouco mais de hum anno , principiou por examinar a grande collccção destes Diplomas , que com tanto trabalho tinha sido feira , c reraettida para o nosso Cartório ; e não contente ainda com isto , faz novas indagações em o Real Archivo , e em o do Mosteiro de S. Vicente de fora ; am- bos minas riquíssimas destas preciosidades , mas onde he necessária toda a pcricia da parte do Operário , para não confundir o diamante com o cristal rocha , e para o lapidar de modo , que brilhe em toda a perfeição. O primeiro destes dois trabalhos , isto he , a impres- são das Chronicas , está já principiada, e continuará sem in- terrupção ; o segundo caminha com hum passo mais vaga- roso , e mediará ainda bastante tempo , antes que acabe de aprcntar-se o primeiro volume , que deve conter os Monu- mentos anteriores á Monarchia , e até ao fim do Século XII. Resta ainda fallar da Commissão de Lingua, estabele- cida ao mesmo, tempo que a de Historia • e smto ter a an- nunciar-vos , que os seus trabalhos estão em parte suspen- didos interinamente. Era ella incumbida com particularida- de da continuação do Diccionario da Lingua Portugucza ; e como esta he huma das obras de maior interesse para a Littcratura Nacional , parece que não será fora de propósi- to dar huma ligeira idéa dos motivos, que obstarão ao seu adiantamento. O Vocabulário de huma lingua morta , pôde ser com- posto debaixo de hum de três planos 5 ou contendo só as palavras c frases dos tempos , em que ella se escrevia com pureza ; ou escolhendo tão somente os vocábulos e expres- Tom. ly. * 3 soes xvm HiSToniA da Academia Real soes barbaras que se introduzirão na sua dccadcncia ; ou ajuntando promiscuamcntc no mesmo corpo humas c ou- tras , com a indicaçiáo das authoridadcs que as abonao. Em qualquer lingua que nao está em uso, o trabalho do Dic- cionarista hc regulado por huma destas trcs normas. EUe pòdc escolher a seu arbítrio, certo de que a revolução dos Séculos nunca hade augmcntar , neni diminuir o mereci- mento intrínseco c absoluto da sua Obra. Pelo contrario as Linguas Vivas marchando em hum sentido differentc , se por hum lado perdem , pelo outro accrcscentão todos os dias os seus cabedaes; o que hoje he neologia , passa brevemente a ser usado ; e o que ha pou- co era puro c corrente , vem a olhar-se coino expressão an- tiquada. Hum Diceionario em huma lingua destas, nunca pode ser perfeito, senão respectivamente ao tempo em que se escrevco. Mas para se adquirir esta mesma perfeição relativa , ^ qual he o methodo que deve buscar huma Sociedade de Litteratos incumbidos de tal cmpreza ? Dois são os cami- nhos que até agora se tem trilhado : ou esta Sociedade se compõe de homens de reconhecido . merecimento , c em- prehende este projecto no Século áureo da Litteratura na- cional , e neste caso ella se erige em Legisladora , e de- termina decididamente o uso e regras da linguagem: ou o Vocabulário he composto em tempos de decadência , cm que o idioma está contaminado com dicções e neotcrismos es- trangeiros, c então tem os Diccionaristas (que não se de- vem considerar livres do mesmo mal ) de se regular pelo que se acha escrito em tempos mais felices , em que elle florc- cia com mais elegância , pureza , e magestadc. Os Sócios da Academia France/.a , que escrevião no Século das luzes , c das Bellas Letras , no Reinado de Luiz XIV. seguirão com razão o primeiro destes systemas: os Sócios da Academia Real das Scicncias de Lisboa , que publicarão as primicias do seu trabalho em o anno de 1793 , seguirão , e também com razão , o segundo. To- DAS ScrENCIAS DE LiSBOA. XIX Tomando pois somente por guia a authoridade alheia , lerão a maior parte dos Authorcs do Século chamado de quinhentos, e escolhcriío os que o juizo geral dos homens doutos tinha já antecipadamente recomendado do Século se- guinte , em que a linguagem principiava a marchar para a sua ruina com passos agigantados ; e par.indo assim cm o principio do Século passado, prescindirão de quanto se ti- nha escrito depois, e até aos nossos dias. Não porque não reconhecessem nesta época bastantes Escritores puros , ele- gantes , e por isso dignos de toda a estimação; mas por- que pensarão que elles não devião ser julgados (com huma espécie de nionoscabo dos outros a quem se preferião) se- não por hum tribunal competente , isto he , pelo juizo pu- blico , que he quem coufirma pelo andar do tempo as de- cisões em matérias de gosto , que de outra maneira podem ser precipitadas ou influídas. Tal foi o plano do primeiro volume do Diccionario, tal foi também o que a Commissão quiz adoptar para o segundo ; com tudo era ella a primeira a reflectir , que a Obra podia ser olhada como defeituosa e imperfeita ; por isso que de alguma sorte suppunha a lingua estacionaria durante o ultimo Século : visto porém , que fiel aos seus principios , não podia fazer uso do seu juizo particular em a escolha destes Authores modernos , determinou seguir a mesma vareda, que já tinha principiado a trilhar a outra Com- missão que a precedera. ^ Era porém necessário obter o voto da Academia , a quem se dirigião todos aquelles trabalhos; e esta, ouvin- do por escrito, c de viva voz a sua Classe de Litteratura, não approvou aquclla restricção ; pelo contrario tendo em vista a maior perfeição da Obra , c o desar com que podia apparecer aos olhos de alguns Críticos , e mostrando sobre tudo huma confiança illimitada nas forças e luzes da Com- missão , determinou que esta se fizesse cargo dos principaes Escritores do Século passado, e até aos nossos dias; fican- * 3 ii do XX Historia da Acacemia Real do a seu arbítrio determinar o seu merecimento, e pôr de .parte os que não fossem da sua approvação. lista decisão era summamentc honrosa ; mas os dois ■novos trabalhos que accrcsciao á prolixa c fastidiosíssima tarefa , que já se havia encetado , fez desanimar os Mcm- ,bros da Commissao , qiie não se considerarão aptos para contrahir hum tão grande empenho. Era necessário ler ai- tentamente perto de mil volumes, extractar as suas frases e -termos, ou para melhor dizer copiallos mais de huma vez; ■ci-a necessário alfabetar esta collcc^ão immensa, para depois lescolher c joeirar, segundo regras fixas e anteriormente es- •tabelccidas , o que fosse mais digno de se aproveitar ; era necessário buscar Ethimologias , Definições , cm fim tudo o que constitue os matcriaes da grande compilação do Thc- souro da Lingua Portugueza ; e era sobre tudo necessário , antes de qualquer destes trabalhos , formar hum juizo cri- íico dos Escritores modernos ; matéria difficil de sua natu- reza , ainda mesmo que se olhe despida de algumas cir- cunstancias , que a tornão melindrosa e cheia de espinhos. Eu tinha a honra de ser hum dos cinco Membros da Com- missão, quando se deliberou sobre este objecto; e possa segurar-vos que só depois do mais maduro exame , e de conhecer que os seus hombros crao summamente fracos pa- ra supportar hum tão grande peso , he que ella se resol- veo , ainda que com custo e pezarosa , a suspender nesta parte o seu trabalho, reservado talvez para tempos mais fclices, cm que maior concurso de Sócios, e de meios se- gure o cabal desempenho dos votos c importantes projectos da Academia , e da sua Classe de Litteratura. Tacs fbrão os estudos desta Sociedade durante o ul- timo anno , ella desejava poder dar.vos conta de outros , que tinha promovido fora deste recinto , pelo concurso aos Prémios do seu Programma ; mas esta inesma esperança era limitada, por conhecer que no meio da Guerra poucas pes- soas se podcrião dedicar a trabalhos aturados : conhece ain- da DAS SciEWCIAS DE LiSBOA. XXt da agora que as Scicncias se hão de sentir talvez por lon-f go tempo do estado de opprcssão , por que passarão ; seme- lhantes aos pêndulos, que depois de ter cessado a força, que lhes dêo o primeiro impulso , continuão a fazer oscil- laçócs progressivamente menores , até virem a ficar em quie- tação. Com eíFcito não apparecco senão huma Memoria, a qual não pôde ser coroada. He hum esboço do estado da Agricultura da Comarca de Castello-branco, onde ha factos interessantes , c bastantes idcas que se podem aproveitar : como porem tudo o que alli se diz relativo a alguns dos Programmas propostos , he antes indicado doque tractado , não poude a Academia conferir nenhuma das Medalhas des- tinadas áquelles assumptos ; sem embargo do que , desejan- do dar ao Author huma prova do quanto apprecia os seus conhecimentos , mandou-lhe passar a Carta de Correspon- dente , e tendo-se para isso aberto o bilhete que continha o seu nome , achou-se ser o Sr, Joilo de Macedo Pereira da Guerra For jaz. Os outros Prémios de Agricultura , que o zelo e be- neficência do Governo destes Reinos a tinha habilitado pa- ra oiFerecer aos Lavradores , que mais se distinguissem no cultivo das batatas, ficarão igualmente por distribuir, á ex- cepção de dois ; hum dos quacs foi adjudicado ao Sr. Fran- cisco Joaquim Carvalhosa, assistente no Lugar do Arneiro, Comarca de Alcmquer , e o outro ao Sr. Francisco Luiz Fer- reira Tavares t do Lugar da Palhaça, Comarca de Aveiro, os quacs ambos , cada hum no seu destricto , tiverão huma ampla colheita daquellas raizes. A Academia , conferindo estes Prémios , não pode deixar de lamentar amargamente as desastrosas calamidades , que entorpecerão os Povos de algumas das nossas terras invadidas , e que a embaração de distribuir o deposito que se lhe confiou, para animar aquel- le precioso ramo de Industria Nacional. A Bibliotheca , e Medalheiro Académico também se locupletou neste mesmo periodo com os dons de algumas pes- iiTa o^ xxir Historia ca Academia Real pessoas que se intcressão pela nossa prosperidade. O JV. João Pedro Ferreira Cangalhas oíFerccco hum exemplar das suas Taboas de Unidades de peso e medida de Lisboa e Londres. O Sr. Fr. Diogo de Mello e Menezes , Professor Régio nes- ta Corte , mandou hum exemplar da sua Arte Granwtatico- Filosofica para aprender a lingua Latina. Os Redactores do Jornal de Coimbra entregarão vários Números do seu Perió- dico. Os nossos Sócios os Snr.' Francisco de Borja Garção Stocklcr ^ e José Maria Dantas remettêrao da Corte do Rio de Janeiro , o primeiro hum excaiplar das suas Cartas ao Jvthor da Historia da invasão dos Francezes em Portugal ; c o segundo o seu Elogio Histórico do Sr. Infante D. Pedro Car- los. O benemérito Director da Classe de Sciencias exactas, o Sr. José Monteiro da Rocha prezenteou a Academia com as suas Taboas Astronómicas , o Sr. Francisco Manoel Trigozo com a continuação das Obras de António Diniz da Cruz , que formão o quarto volume das suas Poesias , e o Sr. António de Araiijo Travassos com hum Folheto em que responde a algumas objecções , que se haviao feito aos seus descobri- mentos sobre a dcstillaçao e outros assumptos. Finalmen- te o Sr. Joaquim Machado de Castro cnriqueceo-nos com al- gumas obras Estrangeiras , e com huma collecção das suas que tem publicado ate ao presente. Foi esta remessa accompnnhada de algumas Medalhas modernas , c o Sr. Francisco Xavier de Almeida Pimenta , Correspondente da Instituição Vaccinica , augmcntou tam- bém hum semelhante donativo , que havia feito no anno passado ; mas o maior mimo desta natureza foi feito pelo Sr. Fr. Bento de Santa Gertrudes Magna , Cartorário da Con- gregação Bencdictina , o qual offerccco huma quantidade de Medalhas Romanas do Baixo Império , achadas todas na Fre- guezia de Marccos , junto á Cidade de Penafiel. Tenho-vos , Senhores , dado conta do que succedeo mais notável cm o ultimo anno da nossa carreira Littera- ria : todos trabalharão , a pezar das difHculdades que pon- derei no principio deste Discurso , para não desmentir da no- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXIIt nobre confiança , que a Nação parece ter posto nesta Aca- demia. As Obras que hoje incsnio se publicao mostrarão até que ponto ella he merecida. Mas ou se repute grande ou diminuta a extensão destes trabalhos , ^ que immensa carreira nos não resta para caminhar ? Esta mesma Paz que veio fcHcitar-nos , e abrir a communicação com o resto da Europa, de que tantos annos haviamos sido privados, ^- em que atra/amento nos vai achar a respeito dos seus novos descobrimentos e escritos nas Scicncias , nas Artes, e na Littcratura ? ^ Que reunião de meios, e de esforços não se- rá necessário empregar para hombrcarmos com as outras Naçõjs cultas em os seus novos conhecimentos ? Os the- SGuros que ellas tem amontoado ha mais de doze annos , são-nos quasi desconhecidos ; e a nossa situação he de algu- ma sorte semelhante á dnqucllc que depois de huma lon- ga peregrinação , fosse obrigado a estudar de novo as ruas , e praças da Cidade cm que foi criado , pelas grandes alte- rações e mcllioramcntos feitos durante a sua ausência. Esta consideração ainda que penosa , deverá incitar-nos a redobrar de zelo , e actividade em a nossa cmpreza. Nós pomos huma confiança illimitada no patrocínio do Gover- no , que ainda nos não faltou , e nas luzes dos Sábios es- palhados pelo corpo da Nação , que se dignarão de auxi- íiar-mís: munidos com estes soccoiros tudo nos será facil ; sem ellcs tudo difficultoso. Huma nobre emulação tem até agora prevallccido sobre o egoismo apathico, e feito revi- ver no momento do perigo todas as virtudes sociaes , pa- trióticas , e militares ; ^ e porque não continuará ainda es- ta emulação a estimular-nos para o amor das Sciencias e da Litteratura como nos felices Reinados do Sr. D. João II. , c D. Manoel ? Quando a Nação Portugueza em esta bri- lhante época , impellida pelos mesmos sentimentos que ago- ra , desbaratava os seus inimigos na Europa ; extendia o seu Commercio na Africa , alcançava o respeito de toda a Ásia, e fundava novas Colónias na America , então mesmo ella produzia os Barros, os Rezcndcs , os Camões, os Pedros Nu- XXIV Historia da Academia Real. Nunes, c tantos outros Escritores estimados entre os mes- mos Estrangeiros: a nossa gloria militar não hc agora por certo menor do que o foi naquellc tempo; ,; porque razão pois o não ha de igualmente ser a littcraria ? ^ Porque ra- zão o Paiz que converteo dentro de cinco annos as suas novas levas em soldados experimentados e valentes , não da- rá aos Estudos aquelle impulso próprio para lhe fazer reas- sumir o brilhante nome , com que já foi conhecido na Eu- ropa ? Basta somente qucrello, c o progresso dos conheci- mentos humanos chegará facilmente áquelle gráo de perfecti- bilidade , a que a Nação Portugucza em todos os tempos tem mostrado que he capaz de aspirar. PR O- XXV PROGRAMMA D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS D E L I S B O A, ANNUNCÍADO NA SESSSo PUBLICA DE 24 DE JUNHO DE 1814. Para o anno de i8i6. NAS SCIENCIAS NATURAES. £. lAf FYSICA. A Analyse Chymka das Jgoas dos Chafari- zes de Lisboa , que provêm das Agoas Livres. EM ECONOMIA RURAL. Que diversidade ha de Lans em Portugal} Em que differem as nossas das melhores de Hespa- nha ? De que provêm aquellas differenças ? Quaes os meios de melhorar as nossas Lans ? EM MEDICINA. Qttaes são os signats caracteristicos , que dis- tinguem as diversas affecções de Gota anómala das outras en- fermidades ^ com as quacs se parecem ^ e muitas vezes se con- fundem^ e qual o methodo em geral mais próprio de tratar ca- da huma daquellas anomalias gotosas ? Assumptos fixos para todos os annos. I. A Descripção Fysica de alguma Comarca ou Território considerável do Reino , ou Dominios Ultramarinos , que comprehen- da a Historia da Natureza do Paiz descripto. II. A Descripção Económica de alguma Comarca ou Terri- Tem. IF. * 4 to- XXVI HiSTOHIA DA AcADEMIA ReAL tório considerável do Reino , feita conforme o Plano adoptado pela ÀcadLVtia para a viiita da Comarca de Setúbal \ e que se publicou no Tom. III. das suas Memorias Económicas. III.  Topografia Medica de huma grande Povoação ( Ci- dade ou Vílla notável') de Portugal : scgtuido o Plano indicado na Histoire et Mémoircs de la Socictc Royalc de Medici- ne , Prefac. p. Xir. Tom. I. Para o anno de 1816. NAS SCIENCIAS EXACTAS. EM JNâLYSE. * Exposição da idea que deve formar-se das quantidades negativas. EM ASTRONOMIA. Dar hm Critério dos Cálculos de Lon- gitude feitos a bordo. EM LITTERATURA PORTUGUEZA. EM LINGOA PORTUGUEZA. Avaliar com exactidão os fun- damentos , por que alguns dos nossos Escritores tem reputado a Lingoa Portfgueza derivada da Latina j e outros da dos Povos do Norte. Huma Chrestomathia dos mais acredita-los Aitctores Portii" gttezes , ou CollecçM dos passos mais elegantes , e próprios pa- ra servirem de modelos de Estilo : arranjados sobre o Plano da Obra de Heineccio De stylo cultiori , e contendo os qtte servem de exemplo do melhor Estilo Epistolar , Dialogistico , Histori ■ CO f &c. Tudo accommodado d instrucção da Mocidade , que do estudo da Grammatica passe ao de Rhetorica. EM HISTORIA PORTUGUEZA. A Historia das Cotifirma- fões * Ao Programmn de Analyie proposto em o anno pasftido , piirn o nn- no de iRiy, se deve accrescciítar o sc^uhue : n Dnndn porem humfl explica- 71 ção diversa da tjue vem na fncroduc^.ío ã Philosuphin das Afaihenu-icas s de Mr. Hoené fVronskj , em qnt entra a distinci^ão de Zero absvlu.o , t tt de Zero relativo, n giarr c 4. -^ UAS SciENCIAS DE LlSBOA. XXVII çSes geracs determinadas por algum dos nosso r Soberanos ; com htima noção histórica das Confirmações chamadas por Succes- são , e de Rei a Rei. A Historia das enfermidades pestilenciaes^ que tem havido em Portugal : indicaudo-sc da forma possível as causas de suas origens^ e progresws ', e os meios que se empregarão para obstar d propagação dcUas , e para as dcbellar. Para o aiino de 1817. Huma Historia .dos Monumentos sepiílchraes de Lisboa , isto he , huma Collecção de quantos se achao nesta Capital : com a exposição dos factos , de que podem servir de prova , ou de illustração. Assumptos fixos para todos os annos. EM POESIA , E THEATRO NACIONAL. Huma Tragedia Portugueza. Huma Comedia de Caracter em verso , ou em prosa. Assumpto de Premio dobrado, sem limitação de tempo. Huma Grammatica Filosófica da Lliigoa Portugueza, Os Prémios ordinários consistem em huma medalha de ouro do peso de 5-0(|)ooo réis, ou este valor: e todas as Pessoas podem concorrer a clles, á excepção dos Sócios Ho- norários , e EíFectivos da Academia. As condições gcraes para todos os Assumptos propos- tos são : Que as Memorias , que vierem a concurso , scjão escritas em Portuguc/ , sendo os seus Auctores naturaes destes Reinos ; e cm Latim , ou cm qualquer das Línguas da Europa mais gerahiiente conhecidas, sendo os Auctores * 4 ii Es- XXVIII Historia da Acadfmia Real Estiíingeiros : Qiic scjao entregues na Secretaria Hn Acade- mia por todo o mcz de Maio do anno , cm que houverem de ser julgadas : Que os nomes dos Auctorcs venhiio em carta fechada , a qual traga a incsma di\isa que a Memo- ria , para se abrir somente no caso em que a Memoria se- ja premiada: li finahncnte que as Memorias premiadas não possão ser impressas senão por ordem, ou com licença ex- pressa da Academia ; condição que igualmente se extende a todas as Memorias , que não obtendo Premio , merecerem com tudo a honra .do -(^^^«'.rj/í. Porém nem esta distincção, nem mesmo a publicação determinada , ou permittida pela Academia deverá jamais reputar-sc como argumento decisi- vo , de que esta Sociedade approva absolutamente tudo , quanto se contiver nas Memorias, a que conceder qualquer destes signaes de approvaçao ; porém somente como huma prova , de que no seu conceito desempenharão , senão in- teiramente , ao menos em relação ao estado presente di'S circunstancias da Nação , a parte mais importante dos As- sumptos propostos. J- Endo-sc distribuido alguns dos Prémios , que para este anno se tinhão cfferecido aos Lavradores , que em alguns Districtos tivessem maior producção de Batatas; restáo ain- da os seguintes, que a Academia ha de conferir, logo que se apresentem os Concorrentes. Território além do Lima ------ Prémios a Comarca de Bragança 2 Miranda --------.--2 Moncorvo .-_-_---. -2 Castello branco -------. j Portalegre ----------2 Elvas ..«__------ 2 Co- DAS SciENClAS DE LiSBOA. XXIX Comarca de Viseu --._---_ Prémios i Linhares ----------- i Liunego _---_. I Mira-- ---------- I Coimbra --.------- j Arganil ----------- i Leiria , e Alcobaça -------^ Thomar , e Ourem ------- j Chão do Couce -------- j Santarém ---------- 7. Ribatejo ----------- I — Torres Vedras --------- i Villa da Chamusca ----_-_---_ j Território além do Guadiana --------a Comarca de Lagos -__--_----_ i Faro ------------ I Tavira -----------1 Lisboa na Secretaria da Academia Real das Sciencias aos 24 de Junho de 18 14. CON- ^-■x^T n» XXX Historia da Academia Real CONTA DOS TRABALHOS ^'ACClNICOS: Lida lia ScísÍio Pilb/ha da Jciidcniia Real das Sciencias de Lisboa aos 24 de Junho de 1814. Por Francisco Elias Rodrigues da Silveira. H. I. .E esta a vez segunda, que a Instituição Vnccinica da Academia Real das Sciencias tem de apresenrar-vos em Pú- blica Sessão o resultado das suas philanthropicas tarefas ; e fazcr-vos conhecer , quanto os seus desejos tem sido em gran- de parte preenchidos a beneficio da Humanidade: e tendo sido eleito para ser hoje o seu órgão , he de meu dever cxpor-vos fielmente ; de que maneira tem sido propagada a Vaccina por todo o Reino; quaes sejao as Observações dos Correspondentes e a sua utilidade ; e os diíFcrcntes torpc- ços , que tem havido , para que a Vaccinação não tenha ca- minhado de hum modo mais vantajoso a todos os respei- tos. Este objecto he tanto mais interessante e digno da vos- sa attenção , quanto o seu fim he libertar a Humanidade de hum mal , que tem causado a destruição de milhares de indivíduos da nossa espécie, arrancando a vida a muitos, que deverião ser algum dia membros do grande corpo so- cial. Desde que pela primeira vez appareceo á face do Glo- bo o terrível flagello das Bexigas , e que de dia em dia os seus estragos erão marcados com a deformidade c mor- te DAS SciENCIAS DK LiSBOA. XXXI tc dc muitas pessoas, que sofFriao o seu contagio; então to- dos á porfia pcrtcndião achar o meio de extinguir tão tcr- rivel mal, não menos exterminador que a PcSte: porém não foi preciso muito tempo, para que conhecessem que os seus maiores esforços erão inúteis, e que os pretendidos preser- vativos não servião mais do que de illudir a imaginação de huns , e a credulidade de outros , visto ser sempre in- certa a sorte daqucllcs que se vião delle atacados. Foi en- tão que depois de inúteis fadigas, conhecendo-se a impos- sibilidade de extirpar pela raiz similhantc mal , o julgarão como congénito á nossa espécie , e , contentes por tanto com o fazerem só mais benigno , inventarão a Inoculação das Bexigas. Esta medida assas engenhosa vogou por muito tem- po , e seus Proselytos todo-cheios de orgulho , e até ma- ravilhados da sua descuberta , julgarão ter com ella feito o abrigo da espécie humana : porém desgraçadamente bem depressa foi conhecido que , longe de afugentar-se huma tão terrível enfermidade , a fazião apparecer mais prematura , originando-se talvez daqui damnos , que aliás ter-se-hiao evitado. Foi no meio de tão desastrosos successos que o im- mortal Jeutier apparcceo , e com clle o precioso preserva- tivo , que ha tanto tempo e com tanta anciã se procurava. Huma tão importante descuberta não podia deixar de fixar a attenção de todos os Médicos Inglezes ; e logo os tra- balhos de muitos com os de Woodville , Medico do Hospi- tal de Bexigas e Casa de Inoculação de Londres , e os de Pearson ^ o primeiro que fundou hum Estabelecimento sus- tentado e dirigido por Subscriptorcs , fizerão a par dos de Jeuner marcar com evidencia a marcha da Vaccina no ho- mem , determinando os pontos essenciaes para a sua utilidade. Por toda a França , Dinamarca , Alemanha , Rússia , e mes- xxxil Historia da Academia Real mesmo a Turquia foi levado tSo saudável beneficio; e vio- sc muitas ve/es cmpregar-se a voz da ReligiSo , para obri- gar ob povos a particip.ircm de tão siibcranu bem: c tanto se estendeo a Vaccina , que por quasi toda a superfície do Globo se levou aos seus habitantes o preservativo de hum mal, a que ellcs não podiao escapar, e de que muitos dei- xes tinhão sido desgnçadas victimas. Formao-se então Es- tabelecimentos philanthropicos erigidos com a protecção dos Governos , appareccm Leis sabias , prémios multiplicados aos mais trabalhadores , e em fim resultados felizes são o fructo de tão soberana descuberta : de sorte que em 1 800 o Almirantado Inglez fez vaccinar quasi todos os filhos dos marinheiros, e os pioprios marinheiros; e foi então mesmo que se vaccinárao Regimentos inteiros ; e deste modo se via grandemente diminuir o numero dos Detractores de si- milhante invento, sendo vencidos pela força do poder, da razão, e da experiência. Hum tal acontecimento não podia deixar de ser tam- bém conhecido em Portugal , quando os escritos dos Vacci- nadores particulares , e de Sociedades inteiras procuravão com o maior esmero fazer chegar ao conhecimento de to- do o Povo civilizado tão preciosa descuberta. Era então que vogava o partido da Inoculação , o qual , apezar da valen- tia dos seus abonadores , começava já a vacillar; por quan- to apparecião factos , que elles de balde procuravão escon- der, e que longe de demonstrar a utilidade de huma tal prática , só erão capazes de desacreditalla. Com tudo elle era ainda grande , e por isso as primeiras Vaccinaçõcs feitas em Portugal sofircião grandes obstáculos , a ponto de se perder quasi toda a esperança de propagar-se tão saudável beneficio ; até que , pelo andar dos tempos , por esforços repetidos , e persuasões continuadas de muitos Médicos sen- satos, e mais que tudo pela perda de indivíduos que, a to- do o momento , erão sacrificados á morte , olhou-se com nt- tenção para o que até alli se tinha rejeitado com tanto afer- ro. DAS SciENClAS DE LiSBOA. XXXIll ro. Porém tudo então apresentava ainda huma forma irre- gular e vacillantc; porque lhe faltava hum Estabelecimento SL-guro , de que dimanasse como de hum manancial peren- ne e sem interrupção tão soberano preservativo, e que com hum caracter todo verdadeiro infundisse a maior confiança a quem o procurasse. II. Foi então que do seio da Academia se organizou com alguns dos seus Membros a Instituição Vaccinica j fazendo- sc para esta hum Regulamento próprio , e fundado sobre bases , cuja estabilidade promettesse , que a Vaccinação ca- minhasse uniformemente com a extensão e maior aproveita- mento possível , de sorte que fosse decoroso á Nação , e ao Corpo a que pertencia. Mas hum tal Estabelecimento seria pouco durável e fructifero , se a protecção do nosso vigilante e sábio Go- verno não o amparasse com a sua approvação , expedindo Ordens positivas a todos os Ministros territoriaes , e Insi- nuações aos Senhores Bispos , para que houvessem de per- suadir aos Povos, que a Vaccina era hum bem, que elles devião anciosamente abraçar , a fim de se livrarem do funes- to effcito das Bexigas. Foi então que a voz do Governo , ouvida por todo o Reino , fez com que Magistrados ze- losos pelo Bem Público , e beneméritos Vaccinadores , to- mando a seu cargo destruir toda a preoccupação contra a Vaccina , despertarão a indolência e tibieza , começando a ver-se de dia em dia crescer o numero dos vaccinados : de sorte que tenho hoje a maior satisfação de annunciar-vos que tivcrão este anno Vaccina legitima 8. 527 Indivíduos j além de outros muitos de que não ha relação , ou porque sendo vaccinados não voltarão para se> tomar delles assen- to , ou porque se vaccinárão fora do alcance dos Corres- pondentes Vaccinadores e da Instituição, sendo huma das Tom. ir. * 5 ra- XXXIV HrSTORlA DA AcADEMIA ReAL razões , para o poder asseverar , o prodigioso numero de la- minas com matéria vaccinica , que tem sido pedidas c en- viadas da Instituição para pessoas particulares , c até para as Ilhas e Brazil : não numerando as crustas ; pois que es- tas também costumão desenvolver a Vaccina legitima , reu- nindo de mais a propriedade de conscrvar-sc por mais tem- po inalterável , e ser mais segura a sua conducção. Este trabalho todo philanthropico foi executado pela Instituição e seus Correspondentes : e para tecer o mais de- cidido elogio da sua actividade, e espirito de beneficência pública, devo annunciar-vos , que chega hoje a loo o nu- mero dos Vaccinadores por todo o Reino. Mas suas fadigas não tem sido limitadas unicamente a vaccinar, elles tem feito mais; observações sagazes, re- flexões mui sensatas , hypothescs bem combinadas , escritos cm' fim habilmente delineados são rcmettidos á Instituição ; mostrando em tudo quanto he vivo o seu desejo de traba- lhar pelo interesse da Humanidade. He por este motivo que cumpre lembrar os que com mais particularidade se tem distinguido , sendo aliás isto huma mui pequena paga do reconhecimento público. Entre estes apparece o Snr. José Francisco de Carvalho , Medico em Lagos, cujas judiciosas Contas tem merecido a approvação , para serem inseridas entre os Opúsculos da Insti- tuição , como também a i.* e 2.' parte da sua Memoria, on- de appareccm observações , que até aqui só erao conhecidas pelo testemunho dos Estrangeiros : tendo sido por tão par- ticulares serviços nomeado este anno Correspondente da Aca- demia , e premiado o anno passado com huma Medalha ho- norifica. Merece igual consideração o Snr. Jiitonio d' Almeida ^ Medico em Penafiel, cuja intelligcncia e exactidão na cor- res- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXXV lespondcncia nos tem penhorado , accres<5endo a isto ainda maiores serviços ; porque não contente de beneficiar por si só o Público , tem associado para este tão importante ob- jecto vários Cirurgiões de diversos Lugares, conservando com clles huma estreita e útil relação : entre os quaes lem- bra com particularidade o Cirurgião de Paço de Sousa o Síir. José António Moreira , e os Snrs. José António Coelho , e Jntonio Rodrigues. He com eíFcito o maior elogio, que posso exprimir deste digno Professor, dizer que n' hum Map- pa nominal apprcsentado á Instituição chega a perto de 1 200. o numero das pessoas , que por seu zelo torao vacci- nadas este anno ; de maneira que hoje na Cidade de Pena- fiel os que não tiverem soffrido o contagio das Bexigas na- turaes , existirão vaccinados. Tanto se deve á philanthropia deste digno homem ! Huma das Medalhas honorificas lhe foi gostosamente conferida. O Snr. José dos Santos Dias , Medico em Montalegre , observador muito exacto e circumspecto , refere algumas observações , que além de mostrarem com toda a evidencia a virtude antivariolosa da Vaccina , provão poder ella desen- volver-se maravilhosamente, sem que por isso obste o ex- cesso de humidade e frio ; como aconteceo a muitas pessoas mendigas , c guardadores de gado , estando expostos a co- piosas chuvas , e ao frio d' huma athmosfera de 5 gráos a baixo de Zero. Esta observação he toda a favor da prefe- rencia da Vaccina á Inoculação das Bexigas : e pela manei- ra por que todos os seus trabalhos forão feitos , mereceo es- te digno compatriota ser premiado este anno. He digno da maior contemplação pública o Snr. José Fradesso Belloy Cirurgião mór em Elvas, que sendo o an- no passado premiado com huma Medalha , o foi novamen- te neste , pelo muito que -zelosa e assiduamente tem tra- balhado na propagação da Vaccina , não deixando até ao presente de remetter mensalmente as suas Contas j e pelo * j ii nu- XXXVI Historia da Academia Real numera considerável de vaccinados que ellas aprcscnrâo , bem dcpTcss.1 será alli desconhecido o terrivel flagello da Hu- manidade. Este serviço o fará sempre lembrado pelos ama- dores do bem público , prestando os devidos tributos ás suas virtudes sociaes. O Sfír. José Luiz da Cunha , Cirurgião em Vianna do Minho , cujos conhecimentos o fazem credor de grande apre- ço , tem nas suas Contas apresentado judiciosas reflexões , quando pertende demonstrar a razão , por que a Vaccina lo- cal SC torna constitucional , e deixa algumas vezes de pe- gar a matéria ; o que tem fixado fortemente as vistas da Instituição: por quanto as suas idéas são tanto mais ajus- tadas , quanto as deriva da natureza do virus vaccinico , e sen- sibilidade do órgão cutâneo ; sendo , por seus distinctos me- recimentos , premiado este anno. O Snr. Valentim Sedam Bento de Mello j Medico das Caldas da Rainha , ao mesmo tempo que nos seus traba- lhos mostra muito interesse e discernimento, tem procura- do , quanto he possível , a cooperação de outras pessoas pa- ra o progresso da Vaccina ; fazendo expressa menção dt» Reverendo Parocho de N. Senhora dos Anjos do lugar do Cotto o Síir. Manoel dos Reis , e do Cirurgião do Lugar de Carvalho Bem-feito. O Sfír. Manoel José Mourão^ Medico da Mealhada, já bem conhecido na Instituição pelo seu discernimento e acti- vidade , não tem sido menos assiduo ; e n' huma Conta bem delineada , que apresentou , apparece o seu génio observa- dor, e hum arreigado desejo de propagar a Vaccina : deven- do-se ao seu zelo o contar-se hoje entre os Corresponden- tes o Snr. João da Costa Baptista , Cirurgião do mesmo Lugar. He não menos trabalhador e exacto o Snr. José Antó- nio Barbosa da Silva ^ Cirurgião de S. Thyrso , que anima- do DAS SciENRIAS DE LiSBOA. XXXVJI do sempre pelo interesse da Vaccinaçao , tem posto a sal- vo de serem atacadas pelas Bexigas muitas pessoas do seu districto. Não posso deixar de mencionar o Snr. Sebastião Arcan- jo Paes , Medico em Alcmquer , que não só tem appresen- tado hum bem circumstanciado e exacto Mappa de vacci- nados ; mas também dignas observações , para mostrar que a dissolução da matéria secca vaccinica feita com a saliva de- ve ser preferida á praticada com a agua : verificando com isto o que diz Brcra , c Chtaranti. Seria notado de omisso, se, além destes, não nomeas- se o Snr. Francisco Xavier d^ Almeida Pimenta , Medico do Sardoal , tanto zeloso pelo bem público , como intelligen- te na sua Profissão ; o qual em huma Carta que escreve no 1° de Outubro de 1813, diz assim: «íNo Sardoal não ap- >í parecem Bexigas naturaes ha treze annos , á excepção dos >» individuo» que com ellas tem vindo contagiados fora da » Villa j>. Este grande serviço he unicamente devido ao seu zelo em propagar a Vaccina , quando ella era ainda pouco conhecida no nosso Paiz. O mesmo tem acontecido no Cartaxo , pelo muito que o Snr. João Gervásio de Carvalho , Medico dessa Villa , tem trabalhado na Vaccinaçao , indo até grandes distancias, não contente só com vaccinar em sua casa a todas as pessoas que por este fim o procuravão : c o seu nome será sempre lembrado com estimação pública , por taes serviços. Merece não menos mencionar-se o que tem feito o Snr. António José d' Almeida , Medico da Ericeira , que , á força dos seus disvellos e persuasões, tem conseguido estabelecer ahi a Vaccinaçao ; de maneira que vai sendo mui crescido o numero dos que diariamente concorrem a procurar o sobe- rano preservativo das Bexigas: sendo para sentir que elle ha ETT"ST XXXVIII HiSTOniA DA AcADEMIA ReAL ha mais tempo , por motivos poderosos , não tivesse podi- do livrar tantos indivíduos sacrificados á morte por hum mal tão pcstilcntc. O mesmo tem praticado o Srir. Luiz Cypriauo Coelho de Magalhdcs ^ Medico em Aveiro j queixando-se sempre da ti- bieza c indiffcrença , com que aquelles Povos procurão a Vaccinação : de sorte que cada individuo vaccinado poder- sc-ha julgar como hum triunfo da sua philanthropia. Deve ser particularmente lembrado o Síír. Guilherme Newton , Medico cm Pereira , bem conhecido pelas suas lu- zes , o oual apresentou huma Conta de 446 vaccinados com Vaccina legitima, bem que principiando antes de ser insta- lada a Instituição ; sendo necessário interromper por algum tempo os seus trabalhos vaccinicos , por não haver já alli quem se vaccinasse. Scjão igualmente sabidos os nomes dos Sfírs. Joaquim Ahes à^ Araújo , Medico de Alter do Chão ; do Snr. Ma- noel Nunes Furtado , Cirurgião em Bragança , e do Snr. An- tónio Manoel Pedreira de Brito , Cirurgião em Valença do Minho : que rivalizando na gloria de promover a causa da Humanidade , não tem poupado esforços nem precauções para conseguir o progresso da Vaccina. Em fim , Senhores , seria não acabar nunca , se inten- tasse especificar os nomes de cada hum dos Vaccinadores das Províncias, os seus trabalhos vaccinicos, as suas obser- vações parciaes : que referindo-se a diversos respeitos mos- trão o infatigável zelo , com que elles tem feito propagar pelos Povos a matéria antivariolosa ; e sobre tudo os diífe- rcntcs meios , de que elles se tem servido para vencer a igno- rância de huns, c os prejuízos de muitos. Porém eu faltaria a hun,ia grande parte do meu dever , se DAS SciENCIAS DE LiSfiOA. XXXÍX SC deixasse de referir com particularidade os trabalhos da incomparável Sn.'" Dcmi Maria Isabel Wanzeller , residente na Cidade do Porto , a qual tem sempre remettido á Insti- tuição , desde o seu principio , Mappas mensacs dos seus vaccinados em muito crescido numero ; pois que excedem a alguns milhares as pessoas, a quem ella tem feito par- ticipar do beneficio antivarioloso. Este tão grande , e in- teressante serviço , praticado por huma Senhora , que não se tem esquecido de meio algum para o fazer abraçar, faz na verdade o seu maior elogio , tornando-a sempre mere- cedora da maior contemplação pública. Não hc menos apreciável que em S, Vicente de Pen- so, districto de Braga, o Snr, Manoel José Malheiro da Costa e I.ima , homem dotado de virtudes sociaes , e que em ou- tras occasióes já se tinha feito conhecido em rasgos de be- neficência e patriotismo, fizesse em z6 de Agosto de 1813 hum Estabelecimento de Vaccinação , convocando para coo- peradores de tão digna empreza aos Cirurgiões os Snrs. Bento José Gomes , ylgostinho Rodrigues , Custodio José Gomes da Costa , e Manoel Joaquim Rodrigues 5 avisando ao Público que alli se vaccinava gratuitamente duas vezes cada sema- na : para onde tem concorrido muitas pessoas a aproveita- rcm-se do bem , que lhes offerecia hum tão digno Patriota. A Instituição recebco com a maior satisfação a noticia des- te importante serviço ; e para mostrar o muito que apre- ciava a quem o fez, votou unanimemente, que se lhe des- sem os maiores agradecimentos , conferindo-se-lhe hum dos Prémios deste anno. Muitos respeitáveis Bispos , beneméritos Parochos , e Ecclesiasticos , e zelosos Ministros territoriaes tem feito á porfia propagar a Vaccina , fazendo assim serviços verdadei- ramente grandes á causa do Estado e da Humanidade : c só para fazer menção d' alguns , cumpre lembrar os dos Senho- res Bispos do Algarve y e da Guarda j não devendo occultar , que xL Historia da Academia Real que estes virtuosos Prelados tem feito os maiores esforços para livrar os seus Diocesanos do terrível flagello das Be- xigas , pedindo por varias vezes matéria vaccinica á Insti- tuição : Da mesma sorte o Senhor Bispo de Pinhel^ queren- do dar ás suas Ovelhas a melhor prova dos seus sentimen- tos a respeito da Vaccina, cm huma Pastoral publicada aos i6 de Janeiro de il!i4, depois de ter fallado da sua vir- tude e cfficacia antivariolosa , com aquella valentia e pu- reza de expressões que o caracterizao , manda aos RR. Pa- rochos debaixo de obediência em negocio grave , e de res- ponsabilidade, hajão de a ler sempre na Missa Conventual; e que procurem além disto todos os meios de persuasão , para que os seus Freguezcs se convenção da necessidade de similhante objecto, e da obrigação contrahida para com Deos e a Sociedade de assim o praticarem. Esta medida verda- deiramente heróica , com que procedeo tão digno Prelado , produzio o melhor effeito ; concorrendo efficazmente para o seu desempenho o zello e actividade do Siir. António Júlio de Frias Pimentel , como Corregedor da Comarca, e a in- telligcncia e prontificação do Snr. Francisco Manoel d^ Albu- querque , i.° Medico do Partido da Camera ; de sorte que ate o dia 27 de Maio tinhão sido vaccinadas muitas pes- soas de ambos os sexos e differentcs idades , das quaes ti- verão Vaccina regular e legitima is 46. O Senhor Patriarca Eleito fez igualmente insinuar os seus sentimentos em huma Pastoral dirigida aos Reverendos Pa- rochos do Patriarcado , para que empregassem todo o zelo e voz da Religião , a fim de persuadir aos seus Freguezcs , que devião abraçar a Vaccina como hum bem , que lhes con- vinha. O mesmo foi praticado pelo Senhor Bispo de Elvas, que conhecendo de quanta utilidade era a Vaccina para as pes- soas, DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XLI soas, que não tinhao ainda soffrido o tcrrivel mal das Be- xigas , mandou que nas Igrejas fosse declarada esta verda- de com aquelle fervor que pedia tal objecto; e em huma sua Pastoral mostra , quanto era o seu interesse em promo- ver tão grande beneficio. Não me he possível deixar de particularizar o Síir. '^osé Bernardo Henriques de Faria , Corregedor da Feira , o Snr. António Feliciano d' Âlbuqtierque Betencourt , Corregedor de Bra- gança , o Srir. Jodo Pedro Ajfonso Videira , Corregedor do Cra- to , e o Snr. António Cesário de Sousa da Guerra Qitaresma , Corregedor de Leiria ; em razão dos úteis e continuados es» forços, que a par dos seus desejos tem produzido a maior vantajem na Vaccinação ; não esquecendo o digno Abbade de S. Marinha de Fornos^ e o respeitável Parocho da Fregue- zia de Paço de Sousa , de quem faz também particular men- ção o Síir. António d^ Almeida ; e o benemérito Abbade de Santa Cruz do Douro ^ de quem o Snr. António Xavier da Sil- va faz a mais viva recommendaçao ; e o bom e zeloso Cu- ra de Couvea , e o Reverendo Prior de Mafra o Snr. Ma- noel Duarte y tão recommcndavel pelo seu caracter e distincta probidade , que por ella tem os seus Freguezes ahi abra- çado sem repugnância o bem que se lhes oiFercce ; coadju- vado pelo Capitão Mór da mesma Villa o Snr. Máximo Es- tevão de Carvalho: praticando não menos serviços outros de di- versos Lugares , que associados a Pessoas distinctas tem mos- trado hum constante empenho em promover a causa do bem público. IH. Tal he , Senhores , o agradável quadro , ainda que em esboço , que vos apresento da Vaccinação nas Províncias ; c senão receasse cansar demasiado a vossa attenção , eu o fa- ria mais extenso e circunstanciado. Resta-me comtudo re- ferir ainda, quanto se tem praticado na Instituição no de- curso de rodo este anno. Tom. ir. * 6 Os XLii Historia da Academia Real Os Directores de cada hum dos mczes tem com zelo c assiduidade assistido á prática da Vaccinaçao: a quem os vaccinados são apresentados , para julgar-se bem convenienre- mcnte do seu estado, desenvolvimento dos butõcs , caracter das vesículas , c de todas as demais circunstancias que de- vem acompanhar a formação de hum juizo exacto ; a fim de se poder assegurar ao vaccinado que está livre de soíFrer o contagio varioloso : indo ás vezes ás suas próprias casas , quando são avisados de algum incidente , que aos conhe- cedores do objecto he sempre mui fácil de remediar, pro- cedendo pela maior parte de causas muito alheas á nature- za essencial da Vaccina. Os Membros da Instituição tem prestado a mais exacta observância do seu Regulamento , fazendo sempre as suas Sessões nos dias determinados, dando as suasContis com- petentemente ; ao mesmo tempo que a Correspondência da"? Províncias dirigida pelos respectivos Secretários tem cami- nhado com a melhor ordem e expedição possível : de sor- te que he á diligencia e regularidade deste serviço que se deve, este anno , a acquisição de 5*9 Correspondentes, os quaes voluntariamente se oííerecêrão para o desempenho de tão heróica empre/a , e a que alguns mui dignamente tem satisfeito. São bem recommcndaveis o zelo e actividade que o Snr. justiniano de Mello Franco tem manilestado todas as vezes que os seus serviços são necessários : merecendo igual con- templação o Snr. '^osé Maria Soares , que , depois de ter prestado muito á Instituição , achando-se em Mafra por mo- tivo de seu Emprego , e não podendo ser tranquillo expe- ctador dos progressos das Bexigas, fez com que ahi se es- tabelecesse a Vaccinação; mostrando ainda mesmo de lon- ge qual era o espirito de todo o Corpo, de que elle era Membro. Pou- nAS SciENClAS DE LiSnOA, XLIII Poucas são as Observações tanto das Províncias como da Instituição, que devâo notar-sc com especial menção j pois que tudo está observado e conhecido por aquclles que tem procurado saber, quanto se tem escrito sobre este in- teressante Objecto : no entretanto notemos que as erupções cutâneas parece não serem sempre obstáculo á Vacci nação, observando judiciosamente a similhante respeito o Snr. jfoj-^ Feliciano de Castilho , que em algumas crianças que ou pade- ciáo a Crusta de leite , ou a Psoriasis contrahida peia mam- maçao ou por contagio , a Vaccina caminhou regularmente nos seus pcriodos , e foi legitima. O mesmo he particula- rizado pelos experimentos do Snr. Bernardino António Gomes : sendo taes Observações idênticas com as que fiz nos mezes em que servi de Director , e com as dos Correspondentes das Províncias , como são além das d' outros as dos Snrs. Se' bastião Arcanjo Paes , Pedro António Teixeira , António José d^ Almeida, e Josc dos Santos Dias , podcndo-sc por ellas mes- mas até assegurar o haver-se conseguido o melhoramento de algumas erupções cutâneas rebeldes, e o curativo de outras: a cujo respeito o Srir. José Pinheiro de Freitas Soares fallan- do de hum vaccinado com erupção papulosa , que atacava os braços', pernas, e parte do tronco, assevera ter melho- rado esta enfermidade depois da Vaccinação. E não he só esta huma das mui grandes utilidades da Vaccina : outra produz ás pessoas vaccinadas , que sendo ata- cadas de Sarampo, ordinariamente elle he benigno ; para cu- ja prova , sem referir mais observações que attestem esta verdade , são bem notáveis e do maior interesse as dos Cor- respondentes da Ericeira e da Villa d'Ovar , onde o Saram- po foi mortífero para os que não tinhão sido vaccinados. Mas não obstante quanto fica referido , he geralmente adoptado que a Operação vacclnica só deverá effeituar-se em pessoas sadias, cujo órgão cutâneo não esteja affcctado de moléstia alguma j porque além d' algum incidente, que, * 6 ii em xi.iv HisTOBiA DA Academia Real cm ra/ão do seu estado morbofo , possa sobrevir e trans- tornar a marcha regular , pode ser também huma das cau- sas da sua fallencia, por isso que as moléstias de pelle cos- tumiio diminuir a susceptibilidade do órgão cutâneo: por- que ate ao presente ainda não temos signaes sufficientcs,que demonstrem , fora de toda a duvida , quando existe a sua insusceptibilidade ou pouca predisposição para contrahir mo- léstias contagiosas; não estando ainda bem verificado quan- to a este respeito drz Mr. Bryce. Tem sido quasi geralmente praticado pelos Vaccina- dores das Provincias e da Instituição o mcrhodo da perto- ração ou pimctura com preferencia ao da incisão: bem que algumas observações pareção demonstar ter melhor pegado a Vaccina por este ; trazendo por similhante motivo o Snr. Bernardino Jntonio Comes algumas em seu abono. Com tudo eu me persuado não ser útil a incisão em pessoas de hum temperamento sensitivo-irritativo , principalmente favorecen- do a estação a diathese estenica. Ainda que bem pode as- severar-se , que todos os inconvenientes são quasi sempre acau- telados, se o Operador tem hum perfeito conhecimento do que faz , e de quando se deve excluir a operação : o que maravilhosamente he exposto pelo Sfír, Wencesldo Anselmo Soares em huma Memoria que apresentou á Instituição, on- de são bem marcados os casos , em que deve praticar-se a Vaccinação a salvo de todo o risco; o que observado, será sempre regular e benigno o seu andamento , como lhe he natural : do que ha mais que sobejas provas nas Relações de todos os Correspondentes ; e tanta he a sua benignida- de , que nota o Snr. Francisco de Mello Franco ^ que em todo o Trimestre em que sérvio de Secretario, nada apparcceo de extraordinário, que portal houvesse de extrahir-se das Con- tas que lhe forão remettidas. Na verdade , Senhores , posso assegurar-vos com bem multiplicadas observações feitas não só pelos Estrangeiros , mas Íl3« O» n^s SciLNCiAs UE Lisboa. xlv mas ate pelos nossos Vacciíiadorcs , que a Vaccina he tão benigna pela su.i natureza , como útil cm seu resultado. Hum só caM) não poiiciei aprcsentar-vos, cm que a Vaccina fosse a origem da morte de algum vaccinndo : e muito embora os seus Detractores pertendao denegrilla com fantásticos exemplos, exagerados pela malevolencia , ou suggcridos pe- la ignorância ; que alguns delles sao os próprios que fazem o seu maior elogio , quando cheg.lo a attribuir á Vaccina moléstias próprias da constituição, ou de contagio; como as Febres esporádicas, as Tosses convulsivas, os effcitos da dentição, a Sarna, e ate o Sarampo; por não saberem de- terminar a natureza de tacs enfermidades, e muito menos a ordem da sua filiação. Suas asserções devem ser despresa- das , como destituídas de fundamento; pois que se a Vap- cina , além de ter a virtude antivariolosa , devesse ter a de preservar a constituição de todo outro mal , queria-se que hum vaccinado viesse a ser ente immortal. Alguns casos tem sido apresentados á Instituição , em que os vaccinados forão atacados de Bexigas ; porém ,; quaes são estes ? Forão de pessoas , cujos enxertos se desenvolve- rão, sem que fossem observados na sua marcha para se deci- dir da sua natureza; ou que elles mesmos se julgarão livres de Bexigas , só porque se lhes fez a operação ; ou que já estavão contagiados no tempo da Vaccinação : porem hum só não tem apparecido , sendo a Vaccina legitima e consti- tucional , e enxertada a matéria antes da aíFccção variolosa. Além de que muitas vezes se tem tomado por Bexigas na- turaes a yarkella ; servindo isto para illudir a credulidade dos Povos , em que existe ainda o receio de a abraçar. Dei- xcm-se pois de huma vez falsas idéas dimanadas da preoccu- pnção ou reprehensivcl egoísmo, pois que todas ellas estão cabalmente destruídas por homens imparciaes , e que só as- pirão ao verdadeiro interesse , o bem da Humanidade. Tal «irna oi XLVi Historia da Acad. R. mas Scienc. nt Lisboa. Tal he cm conclusão , Senhores , o precioso resultado de todos os Trabalhos Vaccinicos deste anno ; elle he tan- to mais útil , quanto nos assegura a vida de milhares de In- divíduos , que outra ora scrião victimas da morte , pois que hc geralmente estabelecido " Que a duodécima parte da ra- ça humana he levada ao tumulo pelo mal das Bexigas. » Es- ta idda toda assustadora e terrivcl deverá despertar os Chefes de familia c de Corporações , para vaccinar todas as pessoas que estiverem a seu cargo , e que não tenhão ainda sofFrido as Bexigas naturaes: pois que alias tornão-se responsáveis a Deos c á Sociedade dos males , que possão resultar da sua criminosa omissão e indiflferença ; e tanto mais quando o nos- so Governo , que tem procurado aos demais respeitos o bem e a felicidade da Nação a que preside , fez saber do modo o mais positivo , quaes erao os sentimentos que o anima- vão sobre este objecto , e qual o interesse que se seguia aos que ouvissem a sua voz. ELO- ELOGIOS HISTÓRICOS. ZLIX ELOGIO HISTÓRICO D E Fr. JOÃO DE SOUSA POR SEBASTIÃO FRANCISCO DE MENDO TRIGOZO. F. R. João de Sousa , Religioso da Terceira Ordem da Penitencia , Interprete de S. Magestade Fidelissima para a Lingoa Arábiga , Professor Rcgio da mesma Lingoa , Offi- cial da Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha , e Sócio desta Academia ; nasceo na Cidade de Damasco , pou- co mais ou menos pelos annos de 1730. Esta Capital da Syria he huma das terras mais popu- losas c ricas do Oriente ; a fertilidade do seu terreno , a suavidade da sua atmosfera , e a grande quantidade de ma- nufacturas alli estabelecidas, attrahem a ella hum grande concurso de Estrangeiros , que a pesar de estarem sugeitos a hum dominio Turco , niío sentem tanto o seu despotis- mo alli , como nas outras partes , em que elle parece des- tinado somente a embrutecer , e até anniquilar a Espécie hu- mana. Esta tolerância abrange ainda a Religião ; e os Ju- deos , os Gregos , c mesmo os Catliolicos Romanos são li- vres de a exercer a seu arbítrio. Os Pais do Sr. Fr. João de Sousa erão deste ultimo Cul- to : ignoramos qual fosse a sua occupação e cabedaes, as- sim como também quasi tudo o que diz respeito aos pri- meiros annos de seu Filho ; somente nos consta que passou huma parte dcllcs com os Barbadinhos Fraij^ezes , que ti- nhão em Damasco hum daquellcs Estabelecimentos, instituí- dos pelo zelo de algumas Corporações Religiosas com o Tom. ir. * 7 aor b Historia da Academia Real nome de Missões. Instruído talvez alli nas primeiras letras Euiòpcas , aprcndco também as lingoas Franccza , Italiana, e Hespanhola , e isto com tanta facilidade, c dando mostras de hurh' engenho tab penetrante , que os seus Mestres o reputarão próprio para brilhar em outro maior thearro , c deliberarão, com o seu consentimento e o de seu Pai , fa- zello viajar, e estabelecer na Europa. Contava o nosso Indiano perto de dezanove annos , quando esta resolução se pôz por obra ; em semelhante ida- de tudo' parccc não só possível , porém fácil de conseguir ; he então que a nossa imaginação tem chegado ao maior auge de força , e quando nos faz ver todos os objectos pe- fe' face nlais favorável ; j que satisfação pois para hum Man- cebo y que poucos passos teria dado longe da sua habita- ção , e do Hospício dos Barbadinhos , ver-se senhor do seu alvedrio, transportado a hum dos Paizes mais deUciosos da Europa , e com' esperanças do atigmentar nelle os seus co- nhecimentos, c a sua fortuna! Cheio d'estes projectos 11- sôngeiros , e que lhe parccião infalíveis , munido de cartas de recomendação para algumas Casas de Commercio Fran- cezas , disse adeos ás margens do Basaldí, e ás frescas som- aras do Líbano, e embarcou no Mediterrâneo em hum Na- tio mercante , que seguia o rumo da Europa. Desgraçadamente durou pouco esta brilhante perspecti- va, c a stia viagem foi bastante desastrosa , como não he faro succedcr naquelle Archipelago. As tempestades , e os ventos contrários o lançarão de porto cm porto , e o tive- rão muitas vc/cs quasi soçobrado ; até que em fim tenda »encido hum sem numero de perigos , veio arribar a Lis- boa , Oridc sahio em terra , sem nenhum destino , mas bem pcfsuadido a não tornar por então a affrontar de novo o tu- multuoso Império de Neptuno. Sem amigos , sem conhecimentos , e sem cabcdacs ; to- tàlrrrente estrangeiro não só a Lisboa , mas mesmo á Euro- pa , e aos seus usos, era bem de recear que ellc acabasse, como tantos outtos , victima da miséria, ou (o que seria aiii- Í!<14 Oi dasScienciasdeLisboa. li ainda peor) da corrupção. Isto teria provavelmente acconte- cido , se a candura do seu génio, c a singularidade do seu estado , por hum feliz acaso lhe não abrissem as portas de huma Casa illustre , que o acolheo. A Providencia , se nos hc licito exprimir assim, tinha combatido as suas primeiras resoluções , até ao ponto de o fazer abrir mão delias, e de o lançar no abysmo da indigência ; e esta mesma Providen- cia lhe abre agora novos caminhos , e lhe dá Pais , Famí- lia , e Amigos em o Palácio dos Saldanhas. Com cffeito aqui achou o Sr. Fr. João de Sousa tanto, c ainda mais do que havia deixado na sua Pátria , e pro- vavelmente do que acharia cm outros paizes , se cumpris- se a sua primeira resolução. Dentro de bem poucos dias elle se vio contemplado, não como hum hospede, mas como hum filho, a quem se não deixava faltar cousa alguma, que po- desse fazer-lhe esquecer os passados trabalhos, e tornar-lhe aprazível a sua actual existência. Os seus Pais por adopção até quizerão que usasse de hum dos seus appellidos, e tra- balhavão desveladamente cm lhe advinhar os seus desejos ; em fim tanto se entranhou esta amizade , que posto que magoados da resolução que ao depois tomou de largar aquel- la habitação pela do Claustro, sempre a sua porta lhe fi- cou aberta com igual carinho ; extorquindo-lhe a promessa de vir assistir com clles ao menos quando padecesse alguma enfer- midade : mas não antecipemos ainda estes accontecimentos. Chegou a Lisboa o Sr. Fr. João de Sousa em o anno de i75'o, e a seis de Janeiro de 1758 foi nomeado Reitor da Universidade hum dos seus amigos e protectores, Gaspar de Saldanha , que succedeo neste emprego a seu Irmão D. Francisco da Annunciação , Cónego Regrante de Santo Agostinho. O amor que aquelle Prelado tinha consagrado ao seu Pupilo , e as preciosas qualidades que de dia em dia descobria nellc , o persuadirão a não o tirar do lado , durante a sua residência em Coimbra , aonde previa ser-lhc necessário : e a experiência mostrou ao depois quão acertada tinha sido esta resolução. * 7 u Pa- LU Historia da Academia Real Para isto se conhecer melhor, deve advcrtir-se , que ji em os últimos annos do Reinado do Sr. D. João V. tinha este Monarca trabalhado com di.svelo na restauração das Le- tras cm Portugal , que por hum extraordinário concurso de circunstancias, cstavao quasi em total decadência. A sua pro- longada moléstia , c a morte que se lhe seguio , suspende- rão por algum tempo este grande projecto, cujo comple- mento estava reservado a seu Augusto Filho o Sr. D. José de gloriosa Memoria. Ora a educação scientifica da moci- dade devia necessariamente servir de base ao novo Edifício que se pertendia erguer , e por isso a reforma dos abusos da Universidade de Coimbra , onde ella se instrue e habi- lita para todos os empregos, mcrecco a attençao deste gran- de R.CÍ , pouco depois da sua subida ao Throno : era porém necessário conhecer estes abusos para os combater e dissi- par, era preciso esquadrinhar as suas origens para os cor- tar pela raiz , e descobrir as occultas tramas de Pessoas tal- vez empenhadas em os perpetuar : em fim era indispensável ter hum pleno conhecimento de causa para poder comple- tar a grande reforma que de antemão se tinha projectado. Para manejar esta melindrosa commissao, he que foi esco- lhido Gaspar de Saldanha , e para confidente e Secretario de tão importantes segredos , hc que este levou comsigo o Sr. Fr. João de Sousa. AíFastar-nos-hiamos muito do nosso assumpto se entrás- semos na enumeração individual dos assignalados serviços , que elle fez por esta occasião ; baste-nos somente saber , que ellcs forão não só merecedores da approvação do seu illustre Protector , mas também (oquehemais) do concei- to e contemplação do Conde de Oeiras , depois Marquez de Pombal , que nunca se desmentio destes sentimentos em todo o decurso da sua carreira Politica. Debaixo destes auspícios podia o Sr. Fr. João de Sousa aspirar a hum estado mais brilhante , porém o tempo dos prestígios tinha já passado, e as reflexões de hum Homem de quarenta annos, que tem conhecido o Mundo, são por via 5iwá tot 7)AS ScTENCIAS DE LiSBOAi LITt Tia dc regra marcadas com o cunho da madureza e da razão ; alc-m disso se as vozes do Christianismo , que as mais das vezes soão ainda pouco nas primeiras idades, adquirem maior íorça á proporção dos annos ^ com que violência não arras- tarião ellas o espirito de hum homem costumado a dar-Ihe ouvidos desde a sua meninice ? Entrando pois em si mes- mo , elle se achou como attrahido por hum impulso irresis- tivcl a acabar os seus dias na austeridade de hum Claustro , mas para isto tinha que lutar com a única prizão , que o retinha no Mundo , o amor e obrigações devidas a seus Pro- tectores, a quem era extremamente penosa esta separação: em fim á força de súpplicas derão estes o seu consentimen- to , e immediatamente apoz elle , scguio-se vestir o habito da Ordem Terceira da Penitencia. Havia com tudo hum obstáculo , que poderia servir a qualquer outro de grande estorvo. Tendo o Sr, Fr. João de Sousa passado na Ásia os primeiros vinte annos da sua idade , e destinando-se então á vida mercantil , procurou , co- mo era natural , instruir-se nos conhecimentos próprios para hum semelhante emprego , e por isso não se tinha lembra- do de que a lingoa Latina lhe viesse a ser necessária ; os outros vinte annos que se seguirão a estes , incerto ainda do seu ulterior destino , absorvido ao principio em o exame de hum Mundo novo em que devia viver , e depois nas repetidas commissóes de que era incumbido ; tinha-lhe só restado o tempo bastante para se applicar ao estudo da lin- goa da sua nova Pátria , e dos seus bons Authores, e ao da Historia Nacional e Estrangeira : isto posto , quando se deliberou a entrar na vida Monástica , achava-se ainda sem hum dos requisitos indispensáveis para alli figurar dignamen- te ; porém a resolução estava tomada , c por maneira que não podia diíFcrir-sc por mais tempo. Em fim lançou mão do único partido que lhe restava , e vestio o habito de Ir- mão Converso ; talvez mesmo que assim continuasse , se os seus companheiros, que forão logo igualmente os seus ami- gos , e souberão apreciar os seus talentos , o não tivessem rc- AA« O' Liv Historia daAcade MIA Real resolvido a tomar outro parecer. Foi então quando tirou algumas horas vagas do resto do anno do Noviciado, e as applicou ao estudo da lingoa Latina , para a qual llie bas- tarão poucos mczcs ; ficando no fim deste tempo habilitado para professar , e os seus Superiores admirados da sua com- prehensão c comportamento. ^ E quem crao estes Superiores ? Eu fallarei somente em hum dcllcs nosso digníssimo Collega , então Provincial da Ordem Terceira , e que hoje occupa tão dignamente a Ca- deira Archiepiscopal de Évora. O Ex.'"° e Rcv."'° Sr. D. Fr. Manoel do Cenáculo (já amigo do Sr. Fr. João de Sousa an- tes de entrar para aquella Religião, e que muito concorre- ra para a preferencia que lhe tinha dado ) trabalhava por este tempo cm resuscitar os Estudos amortecidos da sua Pro- vinda , e o conhecimento das Antiguidades e das lingoas Oricntacs , em que he tão eminente. Falto de subsídios, de homens capazes para instruir os seus Súbditos , e até dos li- vros absolutamente indispensáveis para esta empreza ; he bem ciu^ioso ler em as suas Disposições Provinciaes os meios y de que se sérvio para introduzir estes conhecimentos de to- do adormecidos em Portugal , e o feliz concurso de cir* cunstancias , devidas todas ao seu zelo infatigável , que lhe deparou homens capazes de preencherem tão louváveis fins i fazendo appareccr como por encanto o Grego , o Arábigo , e o Hebraico mais conhecidos, e divulgados, do que o não tinhão sido ainda nos Séculos mais florescentes da Monar- chla. ^Qiianto não seria bem recebido o novo candidato em esta respeitável Corporação de Sábios ? Elle achou alli já estabelecida huma Cadeira de Árabe , regida pelo Padre Fr, João Baptista Abrantes, o qual se tinha consideravelmente avantajado naquclle Estudo aos seus outros companheiros ; mas a verdadeira Sciencia não he presumida , e o antigo Professor cedia facilmente a palma ao novo Mestre , que ti- nha aquella lingoa por materna: quando o Sr. Rei D.José determinou mandar huma Embaixada a Marrocos em o anno de dasScienciasdeLisboa. tv de 1773 a fim de ajustar a Paz com aquclle Imperador, e nomeou para Secretario e Interprete dcUa ao Sr. Fr. João de Sousa ; o qual devia , no caso de se concluirem os Tra- tados , ficar cm terra por algum tempo , para tomar conhe- cimento da Politica daquella Corte , dos usos dos Nacio- naes, e para se aperfeiçoar na lingoagem do Paiz, que he hum Dialecto bastante diíFerente do que usao os Árabes Asiáticos. Não nos he possível patentear os eminentes serviços , que elle fez nesta occasião, nem tão pouco as notas e ob- servações interessantes que na sua volta entregou ao Mi- nistério : somente nos será licito dizer , que a aptidão que mostrou neste emprego, e o conhecimento que em poucos mezes alcançou do caracter e intenções daquelle Soberano d'Atrica, e dos Povos em geral, fez com que em todo o resto da sua vida os Ministros de Estado o considerassem como hum Homem indispensável em semelhantes Negocia- ções. Apenas descançado o Sr. Fr. João de Sousa da sua via- gem, apresentou-se-lhe huma occasião de mostrar publica- mente não só os seus conhecimentos da lingoa Arábiga, mas ainda a sua gratidão ao Monarca , e á nova Pátria que Q tinha adoptado. Inaugurava-se a Estatua Equestre do gran- de José I. , e as almas dos Portuguezes electrizadas á vis- ta desta nova maravilha da Arte , que lhes trazia á memo- fia , e servia de perpetuar nas gerações futuras a imagem daquelle a quem a Nação devia tantos benefícios , mostra- vão em altas vozes o seu contentamento , e o transmittião também á posteridade já em Prosa , já em todas as qua- lidades de Poesia , em o nosso Romance , e em grande par- te das lingoas do Globo , tanto mortas como vivas. A Con- gregação da Ordem Terceira foi huma das que mais se dis- tinguio neste concurso, e entre os Escritos que ella estam- pou , se pôde facilmente conhecer o trabalho deste seu tão distincto alumno. Pouco sobreviveo o Soberano a esta prova do amor dos ivj.'s. o? Lvi Historia da Academia Real dos seus Vassal los ^c que motivos não teriío ellcs para se mostrarem inconsoláveis por semelhante perda , se a não suavisasse verem que subia ao Throno S. M. F. a Rainha D. Maria I. N. S. ? Herdeira das virtudes de seu Pai , tu- do lhe augurava huma inalterável serie de prosperidades ; pois se no antecedente Reinado tinha algumas vezes sida necessário mostrar o rigor das Leis para reprimir abusos inveterados, neste não havia senão graças a conceder, c el- las se tornavão ainda mais estimáveis pela amabilidade da Soberana que as destribuia. Portugal ha de Icmbrar-se eter- namente desta Época ditosa, e a Academia Real das Scien- cias nunca poderá repetir sem veneração e ternura o au- gusto Nome da sua primeira Protectora. Esta Sociedade fundada em o anno de 1779 buscou immcdijtamcnte chamar para o seu grémio todos os Sábios Nacionaes que cst^ivão em circunstancias de lhe poder con- sagrar os seus estudos , e entre elles não podia esquecer o Sr. Fr. João de Sousa. As vistas que a Academia tinha , nomeando-o seu Correspondente , erão vastas e interessan- tes , exigião hum trabalho assíduo , e quasi impossível de se levar ao fim por hum só homem ; mas assim mesmo veremos como grande parte delias ficarão preenchidas. A Littcratura Arábiga foi sempre em Portugal huma das menos cultivadas , c comtudo muitos motivos havia pa- ra se lhe dever dar alguma estimação. Além do grande numero de Authores que escreverão nesta lingoa, dignos de serem consultados pelos Estudiosos , todos sabem que os Mahometanos de Africa forão os que succederão aos Go- dos , senhoreando -se das Hespanhas em o Século VIII. O primitivo idioma da Península , adulterado já com muitos Tocabulos dos primeiros conquistadores , adoptou ainda tal- vez hum maior numero destes últimos , os quaes se ficarão conservando até os nossos dias. Os Filólogos Portuguezes , e entre elles Duarte Nunes de Leão , conhecerão isto mcsr mo , e derão a lista de algumas destas palavras , e das suas ethymologias ; mas taes catálogos erão diminutos , e a Aca- de, DAS SciENCIAS DE LlSBoA. LVH demia que desejava tratar este objecto cm toda a sua ex- tensão , o incumbio ao seu novo Correspondente. PÔz ellc as mãos á obra , e jevando-a ao fim com a maior assiduida- de , estava já para a imprimir cm 1786, quando obriga- ções superiores o fi/crão largar os seus estudos e o seu retiro , e embarcaf para Argel em circunstancias summa- mente criticas , visto grassar então alli huma furiosa peste. Não tinha porém sido S()mente esta a sua occupação no espaço de dez annos que presistíra em Lisboa : ao mes- mo tempo que trabalhava em as ethymologias Arábigas , compunha huma Numismalogia ou breve recopdaçao de al- gumas Medalhas de prata dos Califas de Africa, e dos Reis Árabes de Hespanha , achadas em diversas épocas em Por- tugal , c de outras da mesma qualidade , que se descobri- rão no Termo da Villa de Lagos no Reino do Algarve em dezanove de Fevereiro de 178 1. A cada huma destas Me- dalhas ajuntava huma breve noticia do tempo e governo dos Reis, c Califas a que pertencia, formando huma his- toria , cuja publicação pôde ser muito interessante , ainda mesmo que o manuscrito se não ache completo , huma vez que se lhe ajuntem os desenhos daquellas Medalhas , que pertencião em grande parte ao Museu do 111.'"° e Ex.'"'° Mar- quez de Angeja. Todos estes trabalhos ficarão interrompidos , ainda que por pouco tempo , com a sua jornada a Afiica : tornando depois ao Reino, dêo o ultimo polimento, e estampou em 1780 o seu Lcxicon Ethymologico ; e levou ao fim a co- pia c traducção dos Monumentos Árabes existentes no R>al Archivo da Torre do Tombo em que já antecedentemente trabalhara, também por ordem da Academia , para o que se tinha impetrado e tacilmente obtido a licença de S. Magcs- tade. Estes Documentos fi/,crão-se públicos cm 1790, e pa- ra isto se escolherão , entre muitos que se achavão inter- pretados, aquelles que tinhao huma relação mais immedia- ta com a Historia de Portugal. Não paravão ainda aqui os designios desta Sociedade , Tom. ir. ' * 8 nem LViii Historia da Academia Real nem o zelo do Sr. Fr. João de Sousa : já clle rinha nesse tempo entregado nesta Secretaria a copia de quatro Inseri - pções Arábigas descobertas cm o nosso Reino ; huma das quacs era a da celebre cohibrina achada cm Diu , trophco illustre dos nossos maiores , c cuja conservação nestes últi- mos tempos se deve a hum mero acaso, e aos seus conhe- cimentos e patriotismo. Estas Inseri pçócs forao impressas em 05.° volume das Memorias de Litteratura ; porém tanto cilas como algumas outras , que ainda se conservao manuscritas , dão muito pou- ca luz para o conhecimento da nossa Historia. Os Árabes , extremamente religiosos, contentao-se as mais das vezes de escrever huma sentença, hum passo do Alcorão em os seus Monumentos , que por isso quasi nunca deixão perceber o «cu objecto , nem a época cm que forão feitos : fies este cuidado a cargo dos seus Chronisras; e a Livraria do Escu- tial contém hum riquissimo thesouio destes Escritores Ára- bes. Desejava pois a Academia possuir , c presentear o Pú- blico com o que alli se acha de mais próprio para illustrar a Historia Portugueza , e deo esta commissão á mesma pes- soa que tão bem tinha desempenhado todas as outras. A nossa Augusta Soberana protegia este trabalho , que mere- ceo também a plena approvaçao de S. Magestadc Catholi- ca , e nada parecia faltar para se pôr por obra ; quando cir- cunstancias imperiosas o fizerao de novo largar o caminho de Madrid pelo de Marrocos , e impedirão , talvez por lar- gos annos, a execução de hum projecto tão necessário paia acclarar as trevas dos séculos anteriores á fundação da nossa Monarchia. Esta ultima expedição do Sr. Fr. foão de Sousa á Cos- ta de Africa foi em tempos bem desastrosos para aquclle Paiz. Pela morte do Imperador Sidi Mahomct Ismael fica- rão quator/.e filhos, grande numero dos quaes disputarão o Império entre si, fa/endo sentir áquelles Povos os horrores de huma guerra civil , que a Corre de Hespanha achriva interesse Cín fomentar. Alguns destes Principes morrerão no cam- DAS SciENCtAS DK LiSBOA. LIX campo de batalha , outros andarão foragidos de terra em terra , e hum finalmente foi obrigado a embarcar a sua fa- mília para buscar amparo em huma Corte Estrangeira. Já o Sr. Fr. João de Sousa estava de volta da sua commissâo , quando Lisboa teve o nunca visto espectáculo da arribada destas frincezas Africanas , e do resto da Famí- lia de Mulei Abdcssalão , que se compunha ao todo de du- zentas e vinte e huma pessoas. Não podemos agora referir nenhum dos particulares desta extraordinária visita, durante a qual elle náo cessou hum momento de estar occupado co- mo Interprete da nossa Corte ; mas será fácil aos curiosos ler estas circunstancias na exacta relação , que elle publicou deste acontecimento ; na qual reconhece agradecido a gran- de benevolência que mereceo a S. A. R. , e á Real Família Portugucza, durante todo este tempo, isto he, em. o Verão de 1793. Logo em o anno seguinte de 1794 foi o Sr. Fr João de Sousa nomeado para reger a Cadeira de Língua Arábiga em lugar do P. Fr. António Baptista Abrantes , que tinha sido eleito Confessor da Princeza N. S. , e que com tantQ applauso tinha dado lições desta lingoa aos Religiosos do Convento de Jesus ; e pouco tempo depois , qtierendo S. A. R. o Príncipe Regente N. Sr. tirar todo o partido possi- vel das luzes c conhecimentos do novo Mestre , mandou pelo seu Decreto de 12 de Abril de 1795' que a dita Ca- deira fosse pública, assignando-lhe hum ordenado, e hum Substituto para a reger nos impedimentos do Proprietário. Este Decreto dá bem a conhecer o interesse do nos- so Soberano pelo progresso das Letras e estudos de seus Vassallos : persuadido de quão necessário era o conhecimen- to da lingoa Arábiga , e querendo confiar este cuidado da Ordem Terceira de S. Francisco, que tão louvavelmente o hia desempenhando , mandou que houvesse sempre na Ci- dade de Marrocos hum Padre , escolhido entre aquelles que tivessem mostrado maior aptidão , o qual seria destinado e vir depois reger a sobredita Cadeira. Já o Sr. Fr. José da * 8 ii San- LX HiRTOHIA DA ÂcADBMfA ReaL Santo António Moura (nosso digno Collcga , a quem dcvc- nios parte destas noticias , c que succedco cm todos os em- pregos ao Sr. Fr. João de Sousa ) havia seguido este cami- nho , e persistido quatro annos na Costa d*Africa , quando foi chamado por esta occasião para primeiro Substituto. Além destas providencias, incumbia-se também ao no- vo Professor a redacção de huma Grammatica daquelle idio- ma : he certo que pela falta total que no- nosso Paiz ha- via de semelhantes Livros , já o P. Fr. António Baptista havia dado á luz em 1772 huma, tirada pela maior parte da de Erpenio , mas ainda que forcejasse pela resumir , era assim mesmo bastante volumosa, e estava quasi extincta to» da a edição. Para satisfazer ao preceito , e obviar esta dif- ficuldade , principiou a sua o Sr. Fr. João de Sousa ; e tan- ta pressa se dêo por acaballa , que conseguio publicar em 1795: hum elegante e methodico resumo dos seus principac» preceitos. Em poucas cousas se dá mais a conhecer a sciencia de qualquer Escritor, do que na redacção de hum bom com* pendio , ainda que á primeira vista pareça este objecto de pouco momento. Não basta mesmo a sciencia para o des- empenhar cabalmente, he necessária huma certa Filosofia e penetração , que faça apresentar cada huma das matérias pelo lado mais perceptível , e ao mesmo tempo por aquel- le em que ofFerecem a melhor e mais simples ligação. Aos intelligentes pertence julgar, se os Elementos de que rrara- mois são trabalhados debaixo deste Plano, e se o seu Au- thor merece ou não os louvores , que universalmente lhe tri- butão. Mas poderá talvez haver algucm a quem pareçâo dé pouco momento os trabalhos , que até aqui temos enumera- do ; por isso mesmo que sendo a lingoa Arábiga o idioma natural do Sr. Fr. João de Sousa, não era multo que elle o soubesse em perfeição, com todos os seus preceitos , e idio- tismos. He porém obvio que são mui poucos os Nacionaes de hum Paiz que fâlláo , e escrevem, correctamente a suai ^ lin- ■hLC DAsSciENCIASnELrsBoA. LXl lingoagcm , c c]uc ainda menor numero sabe a fundo an re- gras da sua Grammatica , e as differcntes anomalias da dic- ção , ainda quando esta não tem a variedade de dialectos do Arábigo. Alem de que, hc necessário hum estudo assiduo, huma sciencia , e penetração particular para a leitura dos ca- racteres Cuficos , em que ainda existem tantos Monumen- tos dentro mesmo de Portugal : para se conhecer esta dit- ficuldade basta advertir-se , que estes caracteres , os primei- ros de que usarão os Árabes , são actualmente muito pouco conhecidos na Europa , e ainda menos entre os Povos dcs- cencientes dos seus primitivos authores. Encontrão se nelles muito maiores difiiculdades do que nas nossas antigas Es- crituras do principio da Monarchia ; porque como as letras deste alfabeto são algumas delias muito parecidas entre si, e só se distinguem pelos chamados pontos diacriticos ; quan- do estes faltão ( o que succede commumente ) dcixão na ignorância do verdadeiro sentido da palavra ; daqui vem que cada vocábulo , cada oração he huma espécie de eni- gma para decifrar : c por isso tendo o douto Nieburg ajun- tado , e interpretado huma quantidade destas InscripçÕes , muitas delias obtiverão melhor sentido , segundo a lição do Sr. Fr. João de Sousa; que também decifrou algumas, que ainda erão de todo desconhecidas. Oxalá que a Academia se ache hum dia em circunstancias de fazer estas publica- ções , de que resultaria gloria ao Author , e á Litteratura Nacional. Tantos c tão assignalados serviços mcrecião por fim huma recompensa ; por isso esta Sociedade desde o auno de I7Q2 o contou em o numero dos seus Sócios livres; c quasi pelo mesmo tempo o nomeou a Rainha N. S. OiE^ial da Secretaria de Estado dos Negócios da Mjrinha. Estes empregos , que lhe davão novas honras , pare- cião também impor-lhe novas obrigações , mas a sua idade já avançada, e o seu corpo debilitado, difíicilmente lhe per- mittião cumprillas. As differcntes viagens que tinha feito a Africa, a vida applicada e sedentária dos seus últimos an- nos, siim: oi Lxn HiSToniA DA Academia Real nos, a sua transplantação ( dcixem-mc assim dizer) para á Europa , onde se não tinha perfeitamente climatiiiado , tudo concorria a extenuar-lhc as forças antes de tempo por huiii modo muito sensível , e poucos dias bastarão para huma aflfecção catharrosa o levar da vida presente aos 29 de Ja- neiro de 1812, em o mesmo Convento de Nossa Senhora de Jesus , onde havia professado. Temos feito hum ligeiro esboço dos serviços Acadé- micos e Políticos do Sr. Fr. João de Sousa ; seria porém necessário outra melhor pena para traçar as qualidades do seu coração, e as suas virtudes sociaes e Christans. Amigo verdadeiro , com huma notável simplicidade de costumes , e hum génio sempre affavel , elle tinha penhorado a affciçao de todos os que o conheciâo : Religioso observante de hum Instituto eminentemente pobre , elle repartia a totalidade das sommas que lhe provinhão dos seus empregos , já com o seu Convento , já com os necessitados, a quem a sua ar- dente caridade nunca deixou de soccorrer : a menor porção -subtrahida a estes dois fins lhe parecia hum crime , de que mesmo depois de morto elle pedio perdão aos Religiosos em hum papel que se achou com a sua assignatura. Pren- das tão estimáveis fizerão universalmente sentida a sua fal- ta, e merecêrâo-lhe ser ainda hoje chorado por aquella Com- munidade, onde com todo o applauso exercco os empregos de Mestre de Noviços, e Definidor, e onde faleceo com as honras de Ex-Geral effectivo. j Quanto não devia ser fe- liz e tranquilla esta morte, tendo lhe precedido huma vida tão Christã e ajustada ! ELO- LXIIt ELOGIO HISTÓRICO DO EXCKLLENTISSIMO E REVERENDÍSSIMO D. Fr. MANOEL DO CENÁCULO, ARCEBISPO D^EFORAy POR FRANCISCO MANOEL TRIGOZO D' ARAGÃO MORATO , Vtce-Secr etário da Academia R. das Sciencias ; E por elle recitado na Assembléa Publica da mesma Academia, de 24 de Junho de 1814. D '. Fr. Manoel do Cenáculo Villas-Boas, do Conselho de S. A. Real , Arcebispo Metropolitano d' Évora , e Sócio Honorário desta Academia , nasceo em Lisboa no i.° de Março de 1724, de José Martins e de Antónia Maria. A sua genealogia não fará parle do seu Elogio : filho de Pais honestos , e que grangeavão o sustento com hum trabalho rude e mecânico , mas assas illustre por seus avoen- gos (íi), e mais illustre ainda pelas virtudes de que a Na- tureza o dotara , elle adquiriu para si huma verdadeira no- breza pelos eminentes cargos que exercitou ; e a pezar de seu estado e humilde Instituto , a benignidade do Soberano o (/j) Segundo a Noticia e Arvore Genealógica, que conserváo os Pa- renres Ho Sr. Arcebispo, er.i elle descendente d' huma família illustre de Trasos-Montes ; e seus sétimos avói l-ernando Loureiro de Figueiredo, e Mecia Martins , foráo tronco commum de outras trcs hmiii.i'; muito distinccas pelos nppellidos de Figueiredos , Sousas , Banos e Farias. S13.'Í ei LXIV HiSTOBIA DA AcADEMIA ReAL O fez considerar como tronco de muitas iamilias illustrcs, que dellc só dcrivao a rcpresentaç:1o politica de que gozão. Imperiosamente arrebatado pelo amor das Lettras , á proporção que a sua ra/ao se começava a desenvolver, o es- tudo foi o único passatempo da sua mocidade ; e aos quin- ze annos deidade, depois de ter frequentado hum curso de Filosofia na Congregação do Oratório (a) , havia jd recebi- do o habito da Ordem Terceira da Penitencia no Convcrin to de Jesus de Lisboa , onde professou no anno seguinte {h). Foi Coimbra o novo assento em que o Sr. Fr. Ma- noel do Cenáculo continuou as suas applicaçõcs litterarias , seguindo o curso completo dos Estudos da sua Religião., e ao mesmo' tempo o curso publico da Faculdade Thcolô- gica d'aquella Universidade (f ) ; e forao tão rápidos os seus progressos , que apenas contava vinte e dous annos , quan- do o nomearão Lente d' Artes no CoUcgio de Coimbra (4) ; recebendo três annos depois com grandes gabos o gráo de Doutor na Universidade (e), e repetindo segundo curso de Artes no sobredito Collegio (/). Mas ( c ode Cou- tor a 26 do mesmo mez. > (/) Por disposição do Capitulo Provincial, celebrado em Santarém no mez de Agosto de 1749. DAS SciENCXAS DE LfSBOA, LIV Mas por grande que fosse o louvor, que alcançnu pe* los seus progresbos na carreira publica da-, Lcttras, não era menor o que llie devia resultar por suas medit.içõcs e tra- balhos particulares ; pois que era a sua alma mui levanta- da c conhecedora da própria dignidade , para se sujeitar servilmente ao pequeno circulo dos conhecimentos que en- tão se adquirião nas Aulas ; e se a obrigação de professar pu- blicamente a Filosofia Aristotélica e huma Thcologia pura* mente Escotistica , andava a par da falta , que muito lasti" mava, de quasi todos os meios de dar huma boa direcção aos seus Estudos (a) , o seu espirito ao menos sahio são e sal- vo dos intrincados laberintos, onde os outros conimummen- tc ficnvão enredados, e com forças bastantes para tentar por si o novo caminho que o havia de conduzir á verdadeira sabedoria. He assim que <« quando os Estudos geraes tem >» degeneração , ou se reduzem á influencia do mero costu- >» me , fica reservada aos particulares a excepção que lhes j» faz gloria, pelas suas tentativas e exemplos em adiantar » o partido das Sciencias». A modéstia do nosso Sócio não lhe permittio applicar a si mesmo esta sentença , que deixou escrita nas suas Obras (/>). A viagem a Roma , que o Sr. Fr. Manoel do Cená- culo , então Secretario da Província Terceira , commettco no principio do anno de 1750 , para assistir ao Capitulo Ge- ral da Religião Franciscana , fez por confissão deíle mesmo huma época muito principal na sua vida littcraria (c), Muj- Tom. ir. * 9 MS Çai) Dos estudos então seguidos na Ordem Terceira rraca largamente o Sr. Arcebispo nas Aíatwrias Históricas dos progressos c resiabílecimcnto das Lettras Scc. Apenas se conservou (escrevia elle) o estudo das especulares Thco- lo)^icas e Filosóficas ; e se houve doutos que no sen particular quizerâo sahir a maior distancia , faltoií-lhcs unixo de outros sujeitos do mesmo entender , e o concurso de superiores e de livros : suspcitnva-se das Lettras amenas va- gamente , e sem tolerância ; e reputavão-se não só inúteis , mas perniciosas ttns Estudos Theologicos : finalmente as controvérsias iitterarias sobre vários pontos da doutrina da Escola excitarão fcnnentai^Ões , que algumas vezes de- generarão cm tempestade Scc. Veja se todo o cap. 4, Cb) Aíemor, Histor. acima cie. pag. zi. (r) ^obrc esca viagem , c sua iniluencia nos progressos liccerarios do Lxvi Historia da Academia Real tas cousas fazião ilkistrc esta Assemblca : compunha-se de homens de muitas Nações e Províncias, notáveis huns pelo seu sjber, outros também por sua Religião c virtudes ;ce- lebrava-sc em Roma , Cidade então famosa até pela cultu- ra dos bons estudos , tanto de Humanidades como de Scicn- cias , cuja recente reforma se devia ao grande génio de Be- ncdicto XIV.; era presidida por este Pontificc , hum dos maiores Lettrados do seu tempo , c singular honrador dos Sábios , c das Lettras ; finalmente concorria n'aquellc anno o Jubileu universal , que a Cabeça do mundo Christao ce- lebrava com o maior applauso, o que atrahia a Roma hum grande numero d' Estrangeiros distinctos de todas as clas- ses e condições. Transportado da sua Pátria para tão difFcrente thea- tro , não foi o esplendor do novo espectáculo capaz de des- lumbrar seu espirito : acostumado sem interrupção a huma vida de meditação e de estudo, e unindo ao ardor de sa- ber novas cousas a facilidade de as comprehender , conse- guio receber as mais expressivas demonstrações de benevo- lência de eminentes personagens da Cúria , e do mesmo Pontifice ; communicar muitos sábios com aproveitamento e reciproco interesse ; especular consideradamente as insignes Universidades , e Bibliothecas , que encontrou na sua pas- sagem por Itália , França e Hespanha (rt) ; e adquirir huma gran- Sr. Arcebispo , veja-se o cjue csre diz tia Dissert/ição sobre a DiíjjnibilidA- de do Mjisterio da Conceição, pag. 214; na Dedicatória das CoucIusõls Li- túrgicas, dirigida a Bcrtedicto XIV.; nas yi^íwor. Hisior. dos progressos e restabelecimento das Lettras , p.ig. 200 e seguintes ; nos Cuidados Liitera- rios , pag. 7j), Veja-se também Fr. Vicente Salgado na Origem e frogrcs- so das Linguas Orientaes &c. pag. 42 e seguintes. (tí) Entrou em Hespanha por Badajoz, e vio algumas Cidades notáveis da Estremadura , Castella nova , Aragão , e Cat.ilunha ; passou depois 3 França, e viajou pelas Províncias do Roussillon , Languedoc , e Dtlphi- nado , até penetrar a Sabóia : dahi passou os Alpes em Monte Cenis , c vio as principaes Cidades do Piemonte, do Milanez, do Ducado de Prr» ma , do Modenez , e dos Estados da Igreja , aié chegar a Rom.T. Na volta esteve em Génova ; e entrando em França pela Provença , pene- trou outra vez o Languedoc , e desandou até Lisboa o mesmo caminho que havi.i andado. UAS SciENCIAS DE LrSBOAt LXVII grande porção de livros , ou muito raros , ou de todo des- conhecidos entre nós , cujo conhecimento e lição podia ac- celerar a felicíssima restauração dos Estudos Portuguezes. Não chegou ao fim do anno a sua ausência da Pátria , e já no de 1751 o admirava a Universidade de Coimbra os- tentando publicamente á Cadeira d' Escoto ; porém deixou esta jornada gravadas no seu espirito impressões bem pro- fundas , e huma saudosa lembrança , a que corrcspondeo em toda a sua vida com animo agradecido. Restituído então ao Collegio de Coimbra, para con- cluir o Magistério de Filosofia , e ensinar successivamentc hum novo curso de Theologia (a) , os Estudos fizerão a sua primeira occupaçâo, e as suas únicas delicias; assim parecia que queria vencer cm breve carreira o longo estádio d'aquel- ías Sciencias ; e que não contente de copiar em si os altos exemplos de sabedoria , que observara na sua peregrinação , pertendia nada menos que reproduzir os bellos dias da flo- rente reputação das Lettras na sua Familia , e se tanto po- desse , na sua Nação (b). Sem duvida podia então julgar-sc maravilhoso hum se- melhante projecto : não porque fosse muito difficil conhe- cer os vicios do complicado systema dos nossos Estudos, e o verdadeiro methodo por que estes se dcvião dirigir ; ou- tros homens dotados de bom senso conhecião igualmente que as Sciencias da razão e da fé não podião prosperar , em quanto fossem desconhecidos os seus necessários subsí- dios , e em quanto o espirito humano gemesse debaixo do jugo da escravidão litteraria. Alas ^ de que servia este conhecimento ? em huns não produzia mais do que hum triste desalento; em outros atiça- * 5» ii va (fCiAS DE Lisboa. Lxxiit ta Cruzada (a) , (^^udilícador do Santo Oííicio (b) ; c ulti- mamente Capclláo Mór das Armadas (t) , emprego que lhe conferio a benignidade do Soberano , e no qual fez assina- lados serviços c de muito decoro á sua Congregação (d). Mas nem a multiplicidade destes cargos , nem o des- empenho de outras ainda mais importantes obrigações (e) , o podião retrahir ou das applicaçócs litterarias a que d' an- tes exclusivamente se dedicara , ou do projecto que havia concebido de accelcrar a reforma das Lettras Portuguezas ; o tempo que reputava perdido para o estudo , compensava-o com as horas roubadas a. huma innocente distracção , e ao descanço corporal; e os seus amigos attestão, que o encon- travão repetidas vezes já alto dia, rodeado de livros, ou entregue á meditação , sem que a noite tivesse interrompi- do por algum tempo o seu trabalho (f). Então se aperfeiçoava no conhecimento da lingua Gre- ga (g) , e aprendia os primeiros elementos do Arábigo e Sy- riaco (b) : então com o estabelecimento d' huma Sociedade Littcraria no Convento de Jesus (/), e mais que tudo com Tom. TV. * IO a (a^ Por Provisão do Commissario Geral dâ Bulia, de i6 de Setembro de 1761, (b) Por Provisão do Coticelho Geral do Santo Offício, de 20 de Se- tembro de lyóy. (c) Por Patente assinada por S. Magestade cm 20 de Dezembro de 1764. (í/) Vcj. o Commentario VI. sobre a Capcllaiiia Mor , no fim das Aíe- moiins Histor. dos progressos e restabelecimento 3.:c. pag. ^17, e 518. (e) Já neste tempo, isto he , pelos annos de 17Ó5, e 1766, era cha- mado o Sr. Arcebispo por ordem d'ElRei, para assistir a difFerentes Jun^ tas extraordinárias , onde como elle mesmo escrevia , se tratavão uegO' tios de gravissima entidade. (/") Fr. Vicente òalgado , Origem e progresso Scc. pag. 49. (g) Foi seu Msstre desta língua em Lisboa o Abbade Durand. Salga- do , Origem e progresso Scc. pag. 45. (A) Juaijuim Sader , natural de Alepo , que appareceo em Lisboa no anuo de 176^ , foi ijuem o dirigio neste estudo, segundo escreve o mes- mo S.ilgido na Obra citada , pag. 51 ; o qual acrecenta , que conserva- va em seu poder algumas folhas que o Sr. Arcebispo então escrevera, e que erão os primeiros ensaios que fizera no mesmo estudo. (/) Desta Sociedade dá noticia Salgado não só na Origem e progresso txxiv HisTOBi\ OA Academia Real a composição das Memorias Históricas do Ministério do ?ttl- pito ^ conseguia (para me servir de suas mesmas palavras) 3> introduzir cm parre , e em parte lomcntar as applicações r> e estudos úteis do Claustro , a fim de que a mocidade » Religiosa tirasse luzes e estimulos para ser erudita , e >» passar alem do systcma Escolástico exclusivo ». Comtudo novo campo se offerccco ao Sr. Fr. Ma- noel do Cenáculo de mostrar-se prestadío á sua Religião e á Pátria, quando em Março de 1768 se publicou no Convento de Jesus , com Beneplácito Régio, a sua nomea- ção para Provincial da Ordem Terceira de Portugal (rt) , c quando pjucos dias depois foi provido por Sua Magestade cm hum lugar de Deputado Ordinário da Real Mesa Cen- sória , logo na sua creação {li). Não pertendo attribuir a hum homem só toda a gloria que compete ao mesmo tempo a muitos ; somente direi , que se a qualidade dos negócios que nesta Mesa se tratarão ( que sem duvida forão os mais árduos e ponderosos d'aquel» le Reinado {c) ) acredita os indivíduos que forão chamados para a formarem ; não parecerá exageração dizer, que entre tantos varões egrégios ninguém desempenhou melhor a ex- pectação do Soberano, do que aquclle que dous annos de- pois foi escolhido para Presidente do mesmo Tribunal de que era membro. Poucos dias , mas esses da maior gloria para este Sá- bio , e credito para a Pátria de que era filho , o demora- rão fora de Portugal , quando pelo novo emprego de Pro- vincial da Ordem Terceira, foi chamado ao Capitulo Ge- ral de Valença. Chegava apenas a esta Cidade o Sr. Fr. Manoel do Cenáculo , sem aguardar o risco que a sua repu- tação litteraria hia correr , e o triunfo que havia de conse- guir , ■■I - - kc. p.ig. 50 ; rriAs nos Elogios Históricos áos Arcebispos e Jiiípus , projcssos fia Ordem Terceira. (a) Salgado Compenâ. Histor. da Congreg. da Terceira Ordem , pag, iii: (fr) Passou-sc-lhe Carta de Deputado em 21 de Abril de 1768. (c) Basta consultar para exemplo a Collecção de Leis e Sentenças sobre' O Scisma do Sigillisim. Impr. em Lisboa em 1765. siaa or DAS SciENCIAS DE LiSBOA. LXXV triiir, quando pelo repentino impedimento do Orador, a quem estava incumbido o Sermão da abertuni do Capitulo , foi clle escolhido para satisfazer hum tal encargo , por mui- tos outros regcitado. O espaço de on/c horas, que só re- tardava o principio da solcmnidadc , e esse mesmo rouba- do ao descanço necessário depois de huraa longa jornada , foi-lhc tempo bastante para meditar e escrever huma eloquen- te Oração Latina , accommodada ao Evangelho do dia , a qual attrahio de modo singular os ânimos d' hum Auditório entendido, e tantas vezes emulo das nossas glorias (a). As honras publicas e extraordinárias , o applauso geral e mui- tas vezes repetido (^), finalmente a publicação do Discur- * IO ii so (d) O St, Arcebispo contava muitns vezes a afriicçáo etn que se tinha visto, quando começou o seu trabalho: pois que se tratava da honra e decoro da Religião Franciscana , da reputação da Provincia Terceira de Portugal , e do credito da Litieratura Pátria , e do Soberano , que acaba- va de apreçar e remuncr.ir os talentos do Orador. Alem disto ningucra conhecia melhor a dirticuldade da empresa , por quanto ( como elle es- crevia nas Mcmor. Hiscor. do Mlnister. do Púlpito , pag. 228.) dizer ex- temporaneamente ao ponto com regularidade Oratória e animada , he de ra' tissimos sujeitos ; dizer de repente com persuasão e bom estilo , ainda que falte cm alguns períodos a harmonia Rbetoricn , he de pessoas muito versa- das , f muito possuídas da verdade da matéria , e de Oradores natos : maior be o numero dai]iielles , tjite se acaso não proferem despropósitos , o que he dijpcultoso prevenii lu: Orai^ão repíntina , comtudo levão o discurso substan- cialmente dirigido , ainda que ora frouxo , ora vchemente na dki^ão. (<>) O Franciscano Fr. joáo Baptista Servera dá o seguinte testemunho desta Oração , o qual se iinprinilo juntamente com ella : Fehementer stu- pui , eo quod orator noster In tali temporis angustia , ut ne: reni coiictpcre vaUret , talem tani^jue augustam , prjcciaram , omnlbusque numeris absohitnm Orationem confecerlt , et prodierlt. Hora etenim noctls circiter undécima , mo- nitus fuit Rcverendlsslmus noster Gencrain Pr.cuil de impedlto In itinerc Re- ligioso illo viro , ad múnus boc dic sequ:nti inter Mlssarum solemnia cxcqttcn- dum distinato. Nox vero llla julsítt , f( nostratlbus , et maximc Gcnerali nostro Prxsult, non tam tenebris oppresía , qitani anxletailbus refecta , ( cuin perdifficile videretur , ut In gravíssimo Illo , et si tot docthslmofum hominum consessu , quhplam inveniretur , qul brevíssimo spatlo coram amplíssimo Jor' midandoque eornm conspectti dlcere auderet ) nlsl inter tot tantosquc viioi adesset R. admodum P. Emmanuel d Cixnaculo Lusitanus. Slquidem bac sua Oratione , undeclm horarum spatlo confecta , velutl repentino lumlne nobls or- to , d callgine communis anxietatis et mojstitu nos Utanter erlpiilt , et omnibus clarisslmis saplentlsslmlsijue audlentibus viris , qui de hoc testlmo- nium perhibent , dian Utissimum dedit. LXXVI HlSTOKlA DA AcADEMIA ReaL so quasi como fora por clle escrito, ao menos sem algum retoque ou emenda (a) , davão ao Orador Portugiicz huma. recompensa , de que a sua modéstia se fatigava ; c lhe fa- zi5o conhecer , que nada seria negado as suas rogativas. Hum só premio ousou clle a pertender , que era a permissão pa- ra reformar os Estudos da sua Província Portugucza ; e o Capitulo fazendo o devido apreço de lao zelosa suppiica , não só lhe concedeo a licença pedida , mas fez-lhe a hon- ra que elle não sollicitava , de o eleger com uniformida- de de votos em Definidor Geral de toda a Familia Fran' ciscana. ' A reforma dos Estudos da Ordem Terceira forão os primeiros cuidados do Sr. Fr. Manoel do Cenáculo , logo que se rccolheo á Pátria (/>) : elle a meditou e executou com huma sabedoria superior a todo o elogio ; sendo o pri- meiro que em nossos dias estabeleceo em Portugal hum sys- tema arrazoado de ensino , ou se attenda ao encadeamento dos Estudos e á constituição particular dellcsj ou á cultu- ra das Humanidades como subsidiarias das Scicncias maio- res , ou á prudente economia das Aulas , e do estudo (c) '. o (4) O Autor escreve no Diiirio desta jornacta : £u lhe acrcccntei tio f.xof Ãio hum comprimento ao Seino tlc Falença , que ampli/isse o que tinhit icei' tildo ; e acrcccntei duns hypotyposis : o mais hc como o fz em a noite que wo encomendiirão. Ronuci por ultimo ao Padre Molina ^ que semelhantes Ora' Cães não sio para imprimir , pois não são ptrjeii,is ; nem se deve variar , porque seria jaltar d ingenuidade. (/i) Vcj, as A/cmcr. Histor. dos progressos e restaMecimento Scc. png, 208. O Sr. Arcebispo estava persuadido ha muito tempo, que a economia dos Religiosos apenas pôde subsistir com dignidade sem estudos, c cjue a ruína dos Regulares entre outras causas nasce da falta de amor á so- lida Litteratura. Não pertendo (escreve clle) com af minhas expressões co»' trariar o merecimento dos Institutos , em qm se absirahe de applieai,Ões littt' farias : mas que qualidades , e que exercidos sc requerem uos membros de semelhames Institutos ? Mcmor. Histor. do Ministério do Púlpito , pag. 80. E em outro lugar: yíi hellas lettras dão calor, adoi^ão o estilo, e conso- mem não sei que rtistico ar , que costumão ter ânimos onde ellas não en- irão. Memor. Histor. dos piogrcssos e restabelecimento &c. pag. iCO. (f) Os estudos estabelecidos pelo Sr. Arcebispo na Ordem Tcrceir.i , forão os das Linguas rrance2a , Ingleza , Italiana , Grega , Hebraica , Arábiga, e Syriaca ; os da Rhetorica , c da Mathematica; e os da Fi* losofia , Moral , Theologia , e Direito CanonicO. DAS SciENCIAS DE L I S BTO Aí LXXVIÍ O qual systema adquirio tal reputação, que depois o vimos substancialmente seguido no plano da reforma da Universi- dade , assim como lie de esperar que ainda o vejamos se- T ourt gui- Com a Rhetorici uni.i-se o estudo setunJario da Clcogr^fia , da Cri- tica , lia l''iloloi;ia , c da Hisiòria universal ;C esiavâo regulados os cxei* cicios práticos, próprios do objecio principal da Cadeira. .;,■., ?; ' .o O curso de I''ilosofia concitava df trcs aniios : no primeiro expiica- vá-sc á Histori.i Filosófica, a Logicl, c a Geometria ; no scgiinJo a Me^ tafysica , e a l-ysica ; no terceiro a F.thica, c o Diícito Natural. O curso de C.mones dividia-se também em tics annos : no primeiro explicava-se a Historia , c as Instituições do Direito Canónico ; no se- dufitlo o Código antigo dos Cano;;es da Igreja \JnSVtrsal ; no t:rceirò ai Decretaes. . -r;; .\ Historia Ecdesiastica , commum aos Çanonisifis e Theoíogos , di- vidia se sabiamente em três annos , cm cada hum i1o& quaes se expiica- TÍo seis séculos da Igreja. - ■ ' *^ ' ' ■: P curso de Moral durava três annoí : o, ultimo en destinado pjra exet» cicios práticos , e para os Estudantes ftequentaxem a Aula de f iiosoti^ Moral. , FinaliTiet\te o curso "de Theologia , dividido tambern em tre»- annos^, compunha-se das Cadeiras de Historia Ecdesiastica , Religião Revelada'^ Theologia Dogmática , e Escritura. , » As .intigas denominações de Lentes de Prima , Terça , Noa ,( c Vés- peras , lotáo abolidas. I'rohibio-se lodo o nso de escrever nas Aulas -^ (ubstituindose ás antigas Postill^s o« Corep^ridios clássicos approxradoj para esse efFeito. Todas as semanas se devia ler por espaço de duas horas p(5V fllguip livro magistral da matéria que andasse entre mãos , para bs ÉsFUoantefc çonhcrcrem os Autores que podi.io consultar em tempo opportuno. Pará esre lini dcviáo também os iVlcstics levar os seus discipuios á Livr.iria nos dias ieri.idos , para lhes mostrarem os livros das sujs F.iculòadcs , e ler-lhe; alguns lu^:irrs da Historia Liiturjria respectiva. Havia hum Concelho , ao qual pertencia regular , consultar , e pro- mover quanto respeitava ao estado litterario da 1'rovincin. Os exercícios práticos d.13 Aulas cráo muito recommendados : ptf/í O meihoán áe formar os boimns em doutrina, comute n.i ccrtcz.i df' hom prin- cípios , npplicadoi methodicar.icmc , e p'jr muito exercício 4 diversidade df ma- terias , que se estudarem. A estes Exercicios ;icrcciáo as Sabatinas , as Con- feren.-!.-.? , c os Exames gcraes. A» Opposiçóes as Cadeiras consraváo de rrcs diversos exercidos: i." de fjzcr o Òppositor extractos de passos d' alguns livros encolhidos: 2." d« repetir huma liçáo de ponto tirado por òorie : 5.° de escrever huma Disser- tação solne assumpto grave c vasto. Depois de nove annos de Leitura, de pu!>licar (!u;is Dissertações, c de presidir a duas Contiusões publicas, podu obter qualquer Mciire a sua jubil.iç.\o. Eis-aqui o espirito em que he feito o primeiro Plano de Esiujot. Cl ■Lxxviii Historia da Academia Real <'UÍdo n'outias providencias que a cxpericncia de todos os dias mostra necessárias para a perfeita constituição dos nos- sos Estudos públicos. Mas ^ que difficuldades não vcncco o Sr. Fr. Manoel do Cenáculo para levar avante a reforma que havia inten- tado ? Era preciso combater o falso zelo daquellcs , que edu- cados com os antigos prcjuizos, reputavíío as modernas dou- trinas, e meihodos, e livros, ou inúteis, ou perigosos; e. o estudo simultâneo de tantas disciplinas superior ás capa-. cidades e applicaçõcs ordinárias : e elle combateo ora com exhortaçõcs paternaes , ora com illustraçÕes sabias , ora com decidida severidade tão injustas calumnias (a). Erão precisos Liyros proporcionados a tão variadas ap- plicaçõcs, e Mestres que ensinassem línguas , ou desconhe- cidas entre nós , ou pouco estudadas ; e elle lança os fun- damentos á grande sala da Livraria do Convento de Jesus, e adquire a melhor parte da preciosa collecção de Livros, de que hoje se vê ornada. Alem disto , á fama do Portuguez Cenáculo concorrem de Paizes Estrangeiros ao seu Conven- to de Lisboa Sábios versados nas Línguas Orícntaes , ou que as havião bebido com o leire ; os quaes presos do gasalha- do e affabilídade d'aquelle Prelado , deixão de todo estabe- lecido, este ensino , e radicado o uso das Asscmbléas Lít- terarias , nas quaes muito acharão que aprender do seu be- nigno hospede {b). Era (/j) Vej. principalmente a Patente de 14 de Janeiro , e a de 10 de Se- tembro de 1770 , sobre a execução do [-"lano de Estudos. Também aqui tem lugar fazer menção da Patente de 1 1 de Outubro de 17651, sobre as virtudes que se (tevcm praticar no Clauítro , para se conservar a paz e ob- servância Religiosa; e da outra de 1 de Junho de 177O, em que se pro- poz hum novo Regulanjcnto para o Noviciado : pois com estas disposi- ções se acalmarão as agitações funestas da Província , e se acostumou a mocidade desde o seu tirocínio Religioso a huma vida btteraria. (/>) Entre os Estrangeiros que por este tempo estivcrjo no Convento de Jesus , conta Fr. Vicente Salgado o Marroquino Abrahâo Bem Isai , Judeo d'aquelle Império; D. José Maron , Vigário Geral de Antiochia; o Maronita D. Paulo Hodar ; Fr. Rafael Rodrigues Mohedano , Autor da Historia Litteraria de Hespanha. Vej. Oii^em c progresso &c. pag. 65 , e scg. DAS SciENClAS DE LiSBOA. LXXlX Era em fim preciso que o publico mostrasse intcrcs'^e pelos novos Estudos , c que estes não ficassem encerrados no breve recinto da Provincia, que lhes havia dado o ber- ço: e a csre respeito j quão bem pago foi o seu zelo ! Man- davão-se vir de Londres a instancias suas os typos dos ca- racteres Orientacs , para uso da Typografia Regia , e ser- vião logo para a impressão das Instituições da Grammatica Hebraica, e Arábiga, que sahiao do Claustro de Jesus (a) j achavão-sc as Aulas deste Convento cheias de Estudantes seculares , que a cilas hião receber educação e doutrina (b) ; alli mandavão estudar seus alumnos quasi todas as Congre- gações Regulares de Portugal , e ainda a Província Terceira de Andaluzia (f ) ; e deposto todo o espirito de emulação, ou faziáo seu o Plano d' Estudos alli seguido , e o adopta- rão para as suas Escolas (íi); ou confessavão publicamente o seu agradecimento ao sábio Cenáculo , e chamavão seus Mestres aos Mestres Terceiros (e). Os mesmos Príncipes (/) , os maiores Senhores do Es- tado , os Sábios Nacionaes e Estrangeiros concorrião ao Con- vento de Jesus, para admirar os rápidos progressos que fa- zião os Estudos , principalmente o das Linguas ; pois que no cuito espaço de cinco annos se celebrarão Actos públi- cos de Linguas Orientaes (^), e Academias Litterarias , que at- (_a) Salgado , Origem e progresso , pag. 76, 82. (/>) Salgado, na mesma Obra, pag. 64 , 85 ; e no Compendio Historh to , pag. 216. (c') Silgado, na Origem e progresso &c. pag. 78, e seg. i^íi) As duas Provindas Franciscanas de Portugal e dos Algarves fize- ráo seu o Plano de Estudos da Congregação Terceira , e o publicarão novamente para uso das suas Aulas ; a segunda em ij^p > e a primeira em 177(5. (e) Vejáo-se os Planos eirados das Províncias de Portugal e dos AN garves , na Prefação ; o Jtegtilameiito das Escolas do CoUegio d'Alcoba(^a , impresso em 1776 , a pag. 26 ; e os Estatutos Litterarias dos Religiosos Carmelitas calcados, impressos no mesmo anno , a pag. 62. (y ) Indo o Sereníssimo Sr. D. José, Príncipe da Beira, ao Conven» to de Jesus no verão de 1770, já alguns Religiosos lhe fizerâo suas fal* ^as nas Linguas Orientacs. Salgado, Origem e progresso &c. pag. 70. (^) O Acto publico das Instituições Gramraacicaes das Linguas Orien- siarf or Lxxx Historia da Academia Retal attestarâo á posteridade a perícia com que aqucllcs Reli- giosos cscrcvião em tantos idiomas peregrinos (a). Assim nenhuma Escola tinha adquirido entre nós tama- nha celebridade! Ao espirito que a animava deve a Congre- gação Terceira as mercês que tem recebido da grandeza dos nossos Soberanos (h) : delia sahírao então sujeitos beneméritos, que depois forao utilmente empregados , já como Enviados ás Cortes Barbarescas, já nos lugares Civis c Ecclesiasticos de maior graduação , ainda mesmo n'aquelles em que quasi ex- clusivamente se requerem os Estudos Mathematicos (c). Lastimava-se ainda nos seus últimos Escritos este Pre- lado {d) , de que seus trabalhos em promover a reforma das Lettras , e em particular o estudo das Línguas , tivessem pa- decido interrupções desagradáveis. Tal he a vicissitude das cousas humanas , que ora se levantão do abatimento cm que jazem , ora se precipitão nelle da maior altura a que se ele- varão ! Comtudo creou aquella reforma hum lume bem vi- vo , que se não he em algum tempo alimentado pelo com- mum dos homens , fica religiosamente conservado por hum numero limitado de sábios , que de novo o podem difflm- dir em futuros socegados dias. Então na escolha dos arbí- trios, que possão fazer prosperar os Estudos, se conhecerá a preferencia d'aquelles que este Sábio poz em pratica ; e taes foi celebrado no anno de 177, , com assistência de dous Ministros de Estado , e de muitos Senhores e Litteratos da Corte. Vej. Salgado , na Obra cit. pag. 82 , 8}. (/j) Veja-sc a Academia celebrada pelos Relif^iosos da Ordem Terceira de S. Francisco, do Convento de N. Senhora de Jesus de Lisboa, no dia da solcmne Inaugurarão da Estatua Equestre d' ElRei D. José primeiro , N. Senhor. Lisboa na Oificina R. 1775. foi. (i) O Sr. Rei D. José doou á Congregação Terceira em 1776 , o Col- legio onde estava a antiga Universidade de Évora : e S. Magestade tjiie Deos guarde , fez permanente no Convento de ]esus o ensino da Lingua Arábiga, pelo Seu previdente Decreto de 12 de Abril de 1795. (c) O Sr. Fr. João de Sousa foi mandado varias vezes a Marrocos e a Argel , ou como Interprete, ou como Enviado; Fr. Alexandre de Gou- vea foi Bispo de Pekim ; Fr. Marcellino José da Silva , de Macao ; Fr. Caetano Brandão, do Pará, e depois Arcebispo de Braga: não fallan- do nos empregos que tiveráo os Mestres Estrclla , Maine, c Abrantes. Qd) Cuidados Litterarios , pag. 5^5, I UAS SciENCIAS DE LiSBOA. LXXXI O seu espirito imprimido nas Obras que publicou, será hunt grande incif.uncnto para se conseguir aquclla prosperidade. Fallo das Obras , que primeiro mcsrra'rão aos l^ortugue- zes novos horizontes, onde clles então não tinhão penetra- do j das que lhes excitarão a lembrança de seus íermosos c tristonhos dias em todo o género de Sciencias e Litte- ratura ; das que os estimularão para adquirirem o bom gos- to de saber , e lhes ensinarão a honrar o merecimento em qualquer século e paiz que se achasse (a) : fallo especial- mente d'aquella parte das Memorias Históricas do Ministério do Púlpito j onde se trata da origem e progressos da nossa Litteratura ; do jippettdix sobre a reforma das Sciencias e das Artes na Europa ; e das Metnorias Históricas dos progressos e restabelecimento das Lcttras na Ordem Terceira ; das quaes Obras todas se pôde tirar o fundamento de huma excellen- te Historia Littcraria Europca , a qual respectivamente ao nosso paiz , se deveria então reputar a primeira , e pela ex- tensão e variedade das matérias ainda hoje a única {b). ;\J'Ue homem mais digno poderia escolher oillustrado espirito do Sr. Rei D. José , para presidir á educação de seu Tom. W. * I r Au- (rt) Os erros (escrevia o Sr. Arcebispo) são de todos os tempos: a di- versidade consiste em fazerem ou os erros, on o bom gosto, a totalidíide , ou a excepção , e jorinnr-se delles o caracter dos séculos. Memor. Hisior. do Minist. do Púlpito, png. 294. E cm outro lugar: £sta combinação dos dous estados , isto hc , da situãt^Jo , que preccdeo á rejorma das Lettras , e do que esta produzia , dá muito a conhecer as ventngens dos últimos sécu- los. Mas CH devo prevenir o leitor por três considerações : primeira , que a tcmp/tr.içao seja instiiuida com a idade media : segunda , que não sejão re- putados destituidos de todo o merecimento os séculos , em que esse fnerecimen' to ira sujjccado pela barbaridade : terceira , que nem desta barbaridade, nem de outros defeitos carecem os mesmos dias illiistrados. Appendix sobre a rc« fornia J.i? Lcttr.is &Ci p.ig. 52. (/•) Diz SC o fuitdamcnto de huma Historia, e náo huma Historia; pois que o objecto dcstns Obr.is er.i , como escrevia o seu Autor , excitar os ânimos para a sincera cultura das Lettras , e para serem professadas com niethodo ; apontando para aquclle fim as causas, e os chatos dignos da imi- tai^ão , ou da ccnsur.j. Alem diuo ellas foráo escritas aos pedaços, apro- veiíundo o mesmo Autor as oppoitunidades , que a Providencia lhe o§ereci.t , pfira nnir as opccies aicançadas em diferentes fempos , e ainda quando as Enidi.^Õcs EseoListicas exclusivas servião de uniço assumpto dos Estudos, Exxxn Historia DA Academia Real Augusto Neto , e para dirigir ao mesmo tempo a sua con« ciência e os seus estudos (ti) r Tão sábio c politico como Bossuct , tão modesto e virtuoso como Fenclon , teve ain- da o Sr. Fr. Alanoel do Cenáculo a gloria de viver junto de hum Príncipe , que não só em candidcza d' alma , e sua vasta comprehcnsão , mas no amor forte e constante que consagrava a seu Mestre, se aventajava grandemente aos an- tigos Príncipes da França. Os elementos da Geometria, a Historia Pátria , e a Universal forão o primeiro objecto de suas lições : mas a sciencia própria de hum Principe , e o conhecimento pratico das virtudes que deve ter aquel- k , a quem ha de ser jncumbido o governo dos Povos , erão todo o fundamento da instrucção sublime que do extre- moso Mestre recebia seu Real Discípulo j cujo feliz adian- tamento o fez tão querido dos Portuguezes , c faz hoje mes- mo tão saudosa a sua memoria. O que sem duvida me se- rá permittido dizer livremente n'hum dia dedicado a solemni- 7,ar o Nome do nosso Soberano c Protector; pois que Suas Regias Virtudes , que tão amado o fazem de Seus Vassal- los , igualmente tiverão consistência e augmento n'aquella exceUente Escola ; c pois que EUe mesmo com liuma virtuosa emulação , que tão bem assenta n' hum Principe perfeito , não duvidava dar publicamente o titulo de Seu Mestre ao Mestre de Seu Augusto Irmão. Pouco tempo antes, de ser incumbido o Sr. Fr. Manoel do (4) A nomcAçáo do Sr. Arcebispo para Confessor do Principe parece tei sido feita em 8 de Dezembro de 1768; mas cm 16 de Março do an- uo seguinte he que foi datado o Decreto, tjue lhe assina por este car- go o ordenado de 260.^000 rs. no rendimento da Casa de Bragança. A nomeaç.io de Mestre foi feita posteriormente pelo Aviso do teor seguin- te : Ex."" e J{.""' Sr. Sua Mnffestade tetiÁo consiileracjo As kttras e me- recimentos de F. Ex." e feia confiança que jaz lia sua Pessoa , Houve por bem nomenllo Adestre do Principe Nosso Senhor , para F. Ex." exercitar com o de Confessor o sobredito importante carj^o : e pela Secretaria dEstado se expedirá a F. Ex.' o Alvará dos emolumentos pertencentes ao mesmo cargo. Deos guarde a F. Ex." Paço 9 de Abril de 1770. — Conde de Oeiras. — Sr. D. Er. Manoel do Cenáculo. — Por Alvará de ro do mesmo mez lhe forão assinados 400çí)OCO rs. de ordenado , na Folha dos Ordenados dos Ministros e Officiaes do Concelho da Fazenda. DAS SciEMCIAS DE LlSBOA, LXXXflI do Cenáculo da educação do Príncipe, havia sido ekito Bispo da nova Diccesc de Beja {a) ; mas nem os prestígios da Corte , nem o esplendor da dignidade Episcopal crão capazes de afrouxarem o ardor , com l]uc elle promovia a verdadeira íelicidadc da sua Província Religiosa : por isso ainda depois de demiltir , poucos dias antes da sua Con- sagração , os lugares de Definidor Geral , e Ministro Pro- vincial [b) , ficou conservando durante a sua residência na Corte , a direcção privativa dos Estudos , e a natural influen- cia no governo d' huma Congregação , que lhe continuou a dever toda a sua prosperidade {c). Foi no momento em que depunha a PrcFectura Religiosa, que elle escrevia as sabias exhortaçoes pastoracs , fundadas na Encyclica que o Papa Clemente XIV. havia dirigido aos Bispos da Igreja Catho- lica , por motivo da sua exaltação ao Pontificado. Ainda outros empregos sobre o Sr. Bispo de Beja ac- cumulados , fazião ver a superioridade dos seus talentos , e o summo gráo de confiança que deile fazia o Soberano. Assim o Sr. Rei D. José lhe conferio a mercê do titulo * II ii do (rt) O Aviso à^ nomeação he concebido nestes tenros: Sua Magata- de tendo consideração ás virtudes, iettnis , e niais recomrtrendaveis auaíida- des , qtie cancorrciu na Pessoa de F. P. J{.'"'' Hortve for bem nomeallo Bifpo da nov.i Dieccsc de Beja , desmembrada do extenso Ârcehiipado de Évora , por louvável e exemplar instancia e cessão do £x."'° e K."" Arcebispo da dita Santa Igreja Metropolitan.!. O que participo a V. P. K"'" p.ra que possa mandar tra' 'r das suas habilitações , e expedição de su.i Bulia Con- firmitoria. E por esta Secretaria de Estado tem o dito Senhor Jei;o expedir a Carta Regia de Àpresentai^ão na forma costumada. Deos guarde a F. P. £.'"" Paço a $ de Alargo de 1770. — Conde de Oeiras. — Sr. Fr. Manoel do Cenáculo. — (/>) O i>r. Bispo de Beja foi sagrado na Real Capclla da Ajuda , na presença da l) Pelo Alvará de 4 de Junho de 1771. (f) Pela Carta de Lei , e Alvará de 10 de Novembro de 1772. ((<) Novecentas c vinte e cinco Cadeiras e Escolas foráo estabelecidas neste Reino e seus Domínios pela Lei de 6 de Novembro de 177Í , e Alvará de 11 de Novembro de 17-?. (f) Lei de 6 de Novembro de 177^. §. 4- Lxxxvi Historia da Academia Real ve em Lisboa (a). Então estavao as classes cheias de Es- tudantes , que se applicavão ás Lcttias com nobre ardor, pois só na Capital passavao de du/.enros os Discipulos de Grego (Zi) : e o corpo dos Professores animado pelo favor Real , apparecia ornamentado d'aquella vasta erudição e dcocrosa gravidade, que rornão tau dignas da consideração publica as pessoas a quem hc confiada a educação da mo- cidade. Em quanto a mim , huma das melhores cousas que tez o Sr. Bispo de Beja a favor dos Estudos , a qual pou- cos terão devidamente apreçado , porque a não tem conhe- cido , foi a composição d' humas Instrucçõcs para todas as Aulas menores , as quaes regulavão as matérias que se devião explicar, a ordem e graduação do ensino, e a eco- nomia das differcntes Classes : mas este trabalho, a que talvez ainda faltasse a ultima mão , apenas se pôde concluir no principio do anno de 1777 , e por isso não chegou a obter a approvação do Soberano, nem vio ainda a luz pu- blica (f). Eu (/») O Sr. Bispo de Beja havia promovido desde o anno de i~6(j o es- tudo d.i Diplomática , mandando no Plano dos Estudos pag. 20 , ijiie se applicasscm alguns Religiosos a ler e transcrever os Códices antigos, a fim de fazerem por elles o progresso necessário para a Historia. iSio an- no de 177^ tez rciniprin-.ir cm Lisboa na OlHcina Regia o Methudo Di- plomático, ijue forma a pirr. 8." do Novo Tiat/ido de Diplomática. Fi- nalmente em Resolução de Consulta da Real Mesa Censória de 24 de Julho de i-'7S , se estabeleceo huma Cideiri com o titulo de Ortografia Diplomática , e ordenado de 40O!3;jooo rs. a qual teve exercicio no R«al Archivo , até que falleceo o seu primeiro Professor , o Fadre José Perei- ra da Silva. Comtudo ainda depois deste tempo, e quando se escreviáo as Instrncçocs pata as Aula^ , de que adiante se falia , considerava-se fi- xa e permanente aquella Cadeira. (í») Consta da minuta d' huma Consulta, que a Mesa Censória fez subit á Real Presença em 25 de Julho de ij~>2- ■, sobre a i-npress.ío do Dic- cionario de Lingua Grega , composto por meu Mestre o Sr. Custodio José de Oliveira : a qual minuta se acha entre os Apontamentos manuscritos do Deputado Fr. Francisco Xavier de Santa Anna , que e.\istcm na Li- vraria do Convento de Xabregas. (c) Foráo lidas estas Instrucçõcs pelo Sr. Bispo de Beja na Confe- rencia de i^ de Janeiro de 1777, e lançadas no Livro das ConfercncMS da Mesa Censoiia. Posteriormente reconheceo-se a necessidade absoluta DAS SciENGlAS DE Li';bOA. LXXXVII Eu não espero ser taxado por attribuir áqucHc Piela-» do a principal parte nos trabalhos da Musa Censória a fa- vor dos Estudos ; pois era tanta a influencia legal que tinha o seu parecer nas determinações da Mesa, que não se po- dia sentenciar cousa alguma a final , huma vez que estives- se ausente o seu Presidente ; e que quando este acompanha- va a Corte nas jornadas de Salvaterra , fazia Sessões ex- traordinárias do Tribunal , com os Deputados que alli se achavão , independentemente das Sessões ordinárias , que continuavão a fazer-se em Lisboa (a), j Distincção pessoal , de que ha de custar a achar exemplos ! Mas esta e outras muitas distincções (que não perten- do accumular com importunação) nem serião tão frequen- tes , nem tão variadas , se não assentassem sobre hum mere- cimento muito eminente. Foi assim que tratando-se no an- no de 1774 da Inscripção , que devia gravar-se na base da Estatua Equestre , levantada pela Cidade de Lisboa ao seu ínclito Monarcha ; e encarregando-se separadamente esta obra a três Filólogos bem acreditados , se preferio e ado- ptou entre os outros o projecto do Sr. Bispo de Beja : escolha que elle podia reputar tanto mais lisongeira , por ter concorrido a este trabalho com o Sr. António Pereira, e com o sábio Professor Olivieri. l Que mais faltava á gloria do sábio Prelado ? Comtu- do estava ainda reservado para receber a ultima prova da constante amizade, que devia ao seu Soberano. Foi já no lei- to da morte que o Sr. Rei D. José , querendo mostrar que as muitas mercês com que engrandecera este Vassallo , erão hum eíFcito da convicção intima de seus merecimentos , e bem provada fidelidade ; lhe fez ainda a singular honra de o eleger para tratar o Casamento de seus Augustos Neto , e d' hum semelhante rcmilnmento, que ainda hoje falta, e que foi incum- bido ás diversas Ulrectoiias dos Estudos, por Carta de Lei de 21 de Ju- nho de itH-", e Carta Regia de i~ de Dezembro de 1794. (.?) Consta dos Apontamentos citados , do Deputado Fr. Francisco X»» vier de Santa Anna. LXXXVni HiSTORtA DA AcADEMlA ReAL c Filha; c de o designar no mesmo dia do Recebimento, para Padrinho do Real Noivo na administração do Sacra* mento da Confirmação, Não podião ser desconhecidas ou desestimadas pela no- va Rainha as altas qualidades deste Prelado: porem depois de acabada com o Casamento do Príncipe a sua educação, e depois de consolidado o novo estabelecimento da Instruc- ção Publica , nada havia que podesse demorar na Corte o Sr. Bispo de Beja , longe do rebanho que muito amava , e cuja felicidade no meio de gravíssimos cuidados não ti- nha cessado de promover (a). Assim foi elle mesmo quem pcdio licença a Sua Magestade , para se recolher ao seu Bispado ; a qual lhe conccdeo a Soberana {b) com expres- sões de muito louvor, acrecentando ainda a estas a mercê de lhe conservar em sua vida as honras e emolumentos de Confessor e Mestre do Príncipe. oEr-me-hia agor.i agradável desenvolver o sábio systcma de administração, que o Sr. Bispo de Beja poz em pratica no longo espaço de vinte e cinco annos , em que presen- cialmente presidio a esta Igreja nascente : mas já que os limites do discurso não consentem huma longa narração des- ta parte da sua vida publica ; apontarei ao menos poucos factos que mostrem o seu zelo no desempenho de mui di- ver- (rt) Peio Aviso de ; de 3anciro de 1772 , dirigido ao Ouvidor da Co- marca de Beja , decidiráo-sc as duvidas que se haviáo suscirado sobre os verdadeiros limites do Arctbispado de Évora, e Hispado de Beja. O Avi- so e Decreto de 17 do mesmo mcz e anno , expedidos em virtude da representação do Sr. Bispo de Beja , resolverão as questões sobre pon- ros de )urisdicção entre os Bispos Diecesanos e as Ordens Militares. Tam- bém as DctcrminaifÕcs para o Bispado de Beja , feitas em ) Nestas Obr.is discorre o Sr. Arcebispo com grande acerto e tri- diçio sobre os principies geraes de todas as Artes e Sciencias, sobre a extensão de conhecimentos que delias deve ter o Ecciesiastico, sobre o methoJo por(]iie este deve dirigir os seus estuJos , e sobre o espirito de moder.nçáo e prudência com i]oe os deve proseguir. Mas tão grandes ílocumenros , longe de serem privativos do Clero, para o qual seu Autor immediatamentc os destinou , são transcendentes a todos os ijuc desejáo entrar n" huma vida de estudos , seja qual for o objecto principal das suai applicaçóes. Talvez o Sr. Arcebispo se demorasse demasiadamente no aisuDipto da Filosofia e Theologia Escolástica ; mas se alguns quizctcm Eina os DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XCt Animada com a presença , com a doutrina , e com os exemplos do Sr. Bispo de Beja, a nova Escola Pacense emu- lou a famosa Escola de Alexandria, que antigamente tanto havião illustrado hum Panteno, hum Clemente , e hum Ori- gcnes : nem aquclle Prelado podia negar o publico testemu- nho de louvor e agradecimento aos seus alumnos , " pois » que sem aspirações a prémios e despachos certos, isto hc , » nas esterilidades d' huma Igreja nascente , e no encontro j> de opiniões sobre a dur.ição da Cadeira Episcopal , elles j> por huma lisonja innocente feita ao seu Pastor, pela hon- J5 ra pessoal , c pelo decoro da sabedoria , que por si mcs- j) ma se taz digna de a bem quererem os homens , proce- >> dèrão sempre com brio e fidelidade no desempenho de » seus officios j> (n). Apenas faltava para a perfeita consistência da Escola de Beja o que não dependia só dos esforços deste Prela- do : mas se elle vio baldadas no seu progresso as diligen- cias que fizera para a creaçâo d' huma Cathedral , e d'outros •estabelecimentos necessários ao decoro da Religião e perpe- tuidade dos Estudos {b) , teve ao menos a gloria de conce- * 12 ii bcr por isso descobrir nelle hum cerco resabio dos Estudos com que fnra crcado , devem reflectir tjue elle julgou indispensável nesta crise de tem- pos aiei^rar com mansidão rugas já desaprazivcis , e unir ds cousas gar.as cousas de bom vigor ; e assim lhe parecco neeesiario dizer das especula- ções o que cilas merecem , e o que delias be jastidioso ; e congraçr.r unica- mente^ o útil do velho estilo com a magestade e importância de melhora- dos estudos neste nosso tempo. (^Cuidados Litter. pag. 541.) Em quanto ao estilo destas Obras, não se pjJe duvidar tjus muita parte delias foi es- crita com propriedade e e!oi)uencii de pensamentos e expr.-ssõ.s , posto 4jue ás vezes a frase seja obscura c embaraçada , e cause c.nç.iço a he- (juente repetição da mesma doutrina. Os Cuidados Litterarios dáo mais exemplos desta contusão, e escuridade ; mas o Autor logo no principio da Obra preveniu este reparo , e satisfez a el!e com huma candidez» tal , ijuc merece ser corrcspondi^fa pela constância do homem de lettr.-s , (]ue SC c]uizer utilizar do ihesouro de sabedoria, <]ue es(á encerrado nes- te Escrito. \'ci. a pag. 5. (rt) Vej. Cuidados Litter. pag. 5^1. (/') O Breve da erecção do Bispado de Beja de 10 de Julho de 1770, havia supiimido trinca ( alias vmce e oito ) Benefícios nas Collegiadas d'a4uclla Cidade, desde que vagassem i os quaes com os rendimentos das xcii Historia da Academia Real bcr hum systema pertcito cm todas as partes, c de prcmo- vtr quanto em si estava a sua execução. Hum systema , digo, da instriicção do Clero, que com» tudo não era mais do que hun-.a parte do inteiro systiMna da sua admini.-tração Episcopal. Também á instiucção dos po- vos , em tudo que pertencia ao desempenho das obrigações Civis c Religiosas, se estendião os seus cuidados Pastoracs. Para este fim estabelecia na Capital do Bispado Alestras de meninas , que as instruíssem nas primeiros Lettras , e nas outras cousas próprias do seu sexo e condição ; para isto promovia do hum modo muito efficaz o ensino do Catecis- mo da Religião , instituindo Catcchistas nas Parochias , e dando-lhcs amiudadas instrucçõcs , para que este ensino não parando n' huma pura theoria , fosse accompanhado de exhor- tações e doutrina , que produzissem as noções e a pratica d' huma fé animada. Nenhuma parte do rebanho escapava á sua vigilância j e os pobres habitantes das agrestes 1'arochias estabelecidas na longa serra , que divide o Campo d' Ourique do Algarve, darão em todo o tempo hum illustre testemu- nho da sua caridade e affeiçao paternal (n). Zelador da observância d' huina piedade solida e illus- tra- duas Comarcas desmembradas d' Évora , erão assinados pira dote da Igre- j.i Episcop.il , c do C.i')iJo. l''ara inteira execução deste Breve , veio o Sr. Bispo de Beja d Corte pelos annos de fjSç^, e 1790, sollicitar a pro- tecção da Soberana a favor da sua recente Igre|a : por isso na Siluila- çãu Pastoral publicada em lypo, escrevia i]ue a itia amada Igreja sentia se» Pastor ausente , pela necessidade de a estabelecer : e na outra Saitda- j/to publicada no fim da Visita geral em o anno de 1788 , commentan- do mui a propósito hum texto de Is.iias , dizia que reservara prudente- mente as temporalidades pruisas e copiosas para o culto e doutrina , aos Beneméritos da Igreja , e particularmente aos que na voz do Profeta são os que a devem nutrir e sustentar. (a) Por huma Provisão de 6 de Janeiro de 1779, mandou i.° escolher das famílias pobres d'aquellns Parochias al°uns moços, que fossem sustenta- dos e educados na Cidade debaixo da sua inspecção , para que hum dia poJessem instruir aquella pirtc da Diect.sc : i." estabelscer em duas po- voações da mjsma Serra Professor d;; Lat'in , e Mestre de Primeiras Let- tras: 5."* instituir huma Capclla de Missa cjuotidiani , applicaJa pelos atjo- nisantes , os quaes muitas vezes eráo desciíuiJoi de consolação c assis- tência. tjiau CS DAS SciEMClAS DE LiSROA. XCIII tnda , Kumas vc/cs explicava cm seus Escriros o vcrJadci- lo caracter da vida e das virtudes christas ; outras ensinava a descobrir o espirito da Igreja nas ccrcmonias externas, e nas outras praticas da Religião j outras acautelava os abu- sos, tjuc a lalta de reflexão , c huma piedade mal entendi- da facilmente propaga , ainda entre pessoas de polida edu- cação; outras íinalmcate substituía exercicios simplices e dis- cretos á demasiada impei tr.icncia de leituras c orações su- pcrficiaes ; e com a mesma mão com que escrevia altos do- cumentos de sabodji ia , escrevia também em estilo chão , e accommodado a todas as capacidades, excellentcs devocio- nários, c meditações de piedade; c prestava a sua autorida- de ao precioso livro intitulado Horas Christãs para uso da sua Igreja (a). Assim o seu zelo era incançavcl , e não tinha outros limites que não fossem os do Officio Episcopal , e os das necessidades dos seus súbditos. Porem quando occorriao cir- cunstancias extraordinárias de calamidade publica , então era hum bello espectáculo ver o sensível Pastor unido mais for- temente ao seu Rebanho , e ministrar-lhe consolação c al- livio por todos os arbítrios d' huma caridade compadeci- da , pelas repetidas exhortaçoes de palavra c por c-ciito , pela mesma magnificência do culto , c pelo uso não só das Preces publicas da Igreja , mas das que não duvidava intro- duzir de novo , fundado nos direitos imprescriptiveis do Epis- copado. Não posso eu particularizar tão illustres feitos, de que darão eterno testemunho as sabias Instiucções P.isturaes do Sr. Bispo de Beja ; mas nem por isso deixarei de tazer menção de seus cuidados acerca daquella p;irte, que pode- mos chamar a mais intima do Episcopado, qual he a con- servação da Eé , e do deposito da Revelação. Pois que quan- do I • ■ -1 - -- I 1 (.?) Hora< Christãs , que contem todos os exercicios orAiiiarios , que àivt firiV.tc.ir o Chriíiio é-c. /ii'pics(í. (O O Sr. Arcebispo não só enriqueceo a preciosa Livraria do Conven- to de Jesus desta Capital com os Livros, que no seu tempo se hav^ã© comprado para o CoUegio de Coimbra , e com os que elle mesmo com- prara , durando o seu Provincialado, ( Vej. Mcmor. Histor. íIcs progr. t restablecnmnto das Lef.ras , pag 200, e 21c.); maí com a doaçáo da Livraria , que tinha dv; seu u>o qunndo se re olhco ao Bispado de Bóia $ e com o grandioso presente que depois lhe fez de muitos Livros e Ma- nuscrito? raros , entre os quacs entrava hum e>cemplar da Bíblia Mogun- t na , cousa de grindc raridade e estimação. Vej. Salgado nos £logiot H:stor. dos Arcebispos e Bnpos , professos na Ordem Terceira. (r/) A Doação feita pelo Sr. Bispo de Beja á Real Biblioiheca Pu- blica em M.irço de ly^'' , contem o seguinte : D Huma quantiosa Collecção de Livros de grande estimação e pre- » ço , que constão do Catalogo qnc .se tez cm dons volumes de folha ; > úoi quatis o priiiieiío contem o catalogo mechodico da Obtaj peiten^: 81319. 03" Si?-- xcvi Historia da Academia Real va aiiula hum grande rcmanccentc , com o qual depois instr- tiiia a da Mina de Beja {a) , c a publica da Igrcjj d' Évo- ra (b) ; não fallando nos ricos mimos de Livios e Mnnu- scri- s centes á Historia , ás Bcll.is Lettras , c ás Scicnri.is Natiiracs e Filoso- s ficas ; o segundo o Jas Obras relativas ás Sciencias Ecclesiasticas , e á V Polygr.ilia , oti Enidifáo universal , c Miscellanea. » Huma Coliecçáo de Maniiscriíos pertencentes a cada huma cias Ar- » tcs e Sciencias, cjiie constão do catalogo também methodico , ijue se > tez cm hum volume de lolha. )) Hnma CoUccção de Mapas , Plantas , Estampas , e Descnlios , de n ijue também- se tez hum t.italogo. » Huma numerosa Coliecçáo Monetária de mais de trcs mil mcda- V Ih;is não duplicadas , de cobre, prata, e ouro, Consulares, Inipeiiaes , )) Arábigas , Portuguezas , c de outras Nações. He o t]ue consta do Padrão , tjoe se mandou assentar no Livro da Fa- zenda da R, Bibliotlieca ; porque pcr.sse eterna. a leiíibr.iKa de tão honra- do feito , e do grato reconhecimento desta Casa a taniíttilJo ben fiào. (rf) Na Provisão de ii de Setembro de 1811 , de t]ue na Nota se- guinte SC taz menção , diz o Sr. Arcebispo ijue deixara na sua primeira Diecese de Beja huma Bibliotheca completa , e proporcionada para se- cultivarem os Estudos Ecclesiasticos , que dei.Kara fundados. Esta Livra- ria he avaliada em cerca de nove mil volumes. , (7') Esta Bibliotheca toi fundada pelo Sr. Arcebispo no anno de l8cç , para uso do seu Clero , e dos povos d'aquella Diecese e Provincia ; mas toi no anno de loii , e por Provisão de 21 de Setembro, que este Pie- lado tez pura c perpetua doação delia á Igreja Metropolitana d' Évora , dando-lhe ao mesmo tempo Estatutos para o seu governo e econoniia , e applicando para a conservação e adiantamento da mesma Bibliotheca , e para ordenados dos seus OiHciaes ^0C(if)0CO rs. das rendas di Mitra , e ico^ das da Fabrica; para o que obteve Beneplácito Rcgio, e Appro- vação Pontifícia. Este donativo , do qual diz o Sr. Arcebispo que não será excessivo , se o levar acima de trezentos mil enizados ; e que não he mais do que o remanecente com que se recolheo a Évora , depois de ter enriqucciJo a K. Bibliotheca Publica , e instituído a de Beja ; comem o seguinte : )) Huma Collccção de bons cincoenta mil volumes , entrando em con- ta livros da primeira raridade , e grande copia de manuscritos singu- lares , e de grande preço ; tudo aquisições suas , á excepção de dous mil tomos que achou no Palácio da stui Meiropoli , deixados pelo seu Antecessor. )i Huma Collccção de muitas pinturas insignes por seus autores , e desetr.penho da arte; sendo muitas de grande estimação, por serem veras efligies de Personagens illustres, » Huma Collccção de raridades Históricas , naturacs e nttificiaes. )) Huma numerosa e rica Collccção de medalhas de todos os metacs ,- > Koniatias , Ponuguezas , e de outras Nações : a <^ual seiía mais co->. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XCVU scritos raros que brindava a muitas pessoas , que com el- Ic tinhao relações de amizade e comíiiercio {a). ^ Com quo outro fim trabalhou o Sr. B:Spo de Beja por desentranhar da terra hum grjnde numero de lapidas , cippos , sarcófagos , lanternas sepulcraes , e outros monu- mentos da antiguidade , entre elles huma elegante estatua de Cybcles , senão para enriquecer em beneficio publico o Museu da sua Igreja , e para illustrar a antiga historia do território a que presidia {b) ? Chegou o sábio Prelado a es- crever esta historia , á qual ajuntou os desenhos dos mo- numentos em que era fundada : e o grande apreço que fa- zia desta sua Obra , nos deixa bem pesarosos de que a não tivesse publicado , por causa dos tristes acontecimentos , que encherão de amargura o restante da sua vida (f). Tom. IV. * I 3 i Com t -- ' '- -^1- ^ , ..' I ' • i» piosa , se não houvesse sido em grande parte roubada pelo Exercito I inimigo na invasão d' Évora. D Hum- Carcorio , instituído com dependência da Bibliotheca , para D guarda segura dos documentos e niemoriís pertencentes á Mitri ». ( , and lyyo , impressa em Londres em iTy^ , publicou algumas das antiguidades do Muicu de Beja primorosamente estjmpadas. (c) Já no anno de 178; se propunha o i"t. Arcebispo promover , o» póJe ter ainda escrever a Historia das ahtiguidades da sua Oiecese. (\'ej^ :«(Evm Historia DA Academia Real .^•íGoii* 6jue fim cultivava tanco o Sr. Bispo de Beja o estudo das Linguaa , c fazia que os seus aluimios o culti- vassem , scnao paia ^uc os estudiosos da sabedoria se po- dcsseni coinmunicar com fracernal commcrcio, c para ejue não tossem como cegos no meio da grande claridade? li com, eÔeico ninguém que sahisse tao pouco tempo da sua Pátria^ teve relações litterarias com maior numero de sábios Estran*) geiros {a) , e se poderá jactar de ter adquirido taò grande pericia em Línguas ; pois que alem da materna, faliava com elegância o Latim, o Castelhano , o Italiano, c o Fran- cez ; entendia , posto que imperfeitamente , o Inglcz , c Ale- mão 'y. sabia O Grego, o Hebraico , e o Arábigo; não des- conhecia nem o Syriaco , nem o Russo {b). j Ul- . mn^ ■ Instruc^ío Pastoral ao Clero e Orílinaiidos , p-i^., lo. i E çorn effcito levou avante o seu projecto, pois (]uc assim escrevia n'humj Carta familiar, tpic tenho á vista , em data de 7 de Dezennbro de iyu7 '■ Tenho-me re* duziilo a antiguidades desta Diecese , do (fue hrcvcmcnte darei pruva tal éfitiú : a coma vai longe: //líi^o raízes: quem vir melhor, corte , apure , enxerte , e ramifitjue : mas do estado exótico desde os Postdilnvianos vão tspecics novas , provadas com visualidades inncceutes , aqui descobertas , e np:i' radas , auantum fas eif conjectare. Esta historia comem se no texto e no- tas da Óbia que compoz fom o tituJo de Sisenando Martyr : mas a Jes* pesa necessária para abrir muitas chapas da; estampas i|ue a devíão rtcompanhâf , a qual despesa era superior ás faculdades do Sr. Arcebis- po ; e as perturbações publicas que sobrevicrão, quando hum Ministra de Estado se olFerecia graciosamente para obter de Sua Alteza Real a impressão da Obra a expensas da Onicina Regia , não pcrmittítao que cila visie a luz publica. (rt) Das relações litterarlas que tinha o Sr. Arcebispo com alguns sj- bios Estrangeiros , lembra-se elle mesmo na Saudarão Pastoral , impres- sa em 1795. pag. 24. nos Cuidados Litterar. pag. 21 , 79 , 217 , e ç;^ ; e nas Notas á Vida de S, Sisenando : mas alem destes , he ainda mui- to grande o numero dos Sábios , e hábeis Artistas Estrangeiros , que vin- do a Portugal , tentaváo gostosos a jornada de Beja , para communic.T- rem hum vario de tão vastos conhecimentos ; no qual acnaváo sempic O mais benigno agasalho , e muitas vezes generoso socorro. (/>) Não causará isto admiração a qaem reflectir , que das suas appli- íações a mais favorita era o estudo das Linguas : parou me a alnui im Línguas (escrevia elle n' huma Carta familiar, nos últimos annos da sua rida ) ; das mais cousas recordome que houve livros delias. Assim mesmo houve todo o cuidado cm graduar o conhecimento que tinha o Sr. Ar- cebispo dos diiTerentes idiomas , para que esta noticia nio parecesse ou affecttda , ou invetosimil. DAS SciBNCIAS DE LiSBOA. XCIX Ultimamente ; com que outro fim que não fosse o adian- tamento da Agricultura , fonte manancial da publica pros- peridade , promovco o Sr. Bispo de Beja de hum modo o mais efficaz , e quasi prodigioso , a cultura dos muitos ter- renos desaproveitados que havia na sua Diecese ? Pois que das tabeliãs que produzio Ferrari {a) na interessante Obra manuscrita intitulada Despertador da Agricultura de Portugal y consta que até o anno de 1782 romperão quatrocentos e outenta e outo indivíduos diffcrentcs terras nas duas Co- marcas de Beja e Ourique, exceptuando ainda alguns dis- trictos destas, dos quaes ellc r,1o tinha podido recolher no- ticias exactas : e confessa o mesmo Escritor , que todos es- tes arrotcadores trabalharão á sua custa , sem isenção de di- reitos , ou outro favor do Governo , e unicamente animados pelas efficazes exhortações paternaes daquelle Prelado, j De tanto são capazes os homens , quando ha hum génio acti- vo e benéfico , que os saiba dirigir I jHLSsim vivia placidamente o Sr. Bispo de Beja , fazen- do a felicidade daquelle Rebanho , bem como este toda a alegria do seu Pastor ; quando , correndo já o anno de 1802 , Houve Sua Alteza Real por bem nomeallo Arcebispo d' Évo- ra {b). Longe de ter ambiciosamente desejado a dignidade * 13 ii a (4) Lui< Ferrari de Mordno chegou a ser nomeado pelo Sr. Rei O. José , Intendente Geral da Agricultura do Reino ; mas não tendo recebi- do Instrucçóes , e Regimento proporcionado ao seu emprego, e não en- coi\trando nas Províncias , por onde viajou , hum segundo homem da tem- pera do Sr. Bispo de Beja , apenas se limitou a escrever acjuella Obra , na qual dá huma idéa da agricultura do Reino , e dos diverbos melhora- mentos que cila pôde admittir. O Manuscrito Original ainda hoje existe; e dellc me dèo noticia o Sr. ]osc Bonifácio de Andrada. (í>) A copia do Aviso he a seguinte: Ex"' e R.'"" Sr. O Príncipe Re' gente Nosso Senhor tendo considerarão ás virtudes , letir/is , e mais partes ijue concorrem na Pessoa de F. E%.' e por confiar qtte V. Ex." continuará a satisfazer plenamente as obrigações Pastoraes , como convém ao scrvií^o de Deos : Houve por bem nomear a V, Ex." para yircchispo da Santa Igreja Metropolitana d' Évora , vaga por fallecimemo de D. joaquim Xavier Bo- telho de Lima ■ò-c. Palácio de Queluz viços , que fizera á Igreja e ao Estado por mais de ses- j> senta e quatro annos , nos differentes cargos que occu-* >» pou , e em muitas e particulares incumbências da maior » importância e confidencia , que lhe forao confiadas j> . j Tes» temunho illustre de piedade e de justiça, não menos hon- roso para o Soberano do que para o Vassallo ! Por (rt) Sua Alteza Real , a requerimento do Sr. Arcebispo, houve por bem despachar a seu Sobrinho Manoel José Gregório de Brito Villas-Boas, com o foro de Fidalgo Cavalleiro da Real Casa , e com a Conimenda de S. Martinho do Pindo da Ordem de Christo , em sua vida : e a suas três Sobrinhas , com semelhantes foros , c com o Habito da Ordem de Christo, para se verificarem nas pessoas, ijue com elias houvessem de casar; e além disto com 6co^ooo rs. annuos a cada huma , pagos aos quartéis pelo Cofre das Commendas vagas , e com sobrevivência de hu- ma para as outras. Também foi Sua Alteza servido, a requerimento do mesmo Prelado , nomear Bispo Titular ao Provisor do seu Arcebisp.ii'o o Sr. António José de Oliveira ; e por cfFcito da Sua Real Grandeza nomeou Cónego da Santa Igreja Patriarchal ao Sr. José Jorge de Gus- iT.áo ; pessoas muito da confiança do Sr. Arcebispo, ás cjuacs amb;is de- vo a melhor parce das noticias , de que fiz uso no presente Elogio. DAS SciENClAS DE LiSDOA, CY Por este tempo a Academia Real das Sciencias , a qual desde o seu estabelecimento havia contado este Prelado no numero dos seus Correspondentes (n) , e que havia recebi- do bastantes testemunhos do muito interesse que cllc to- mava pelos seus úteis trabalhos, desejando mostrar o apre* ço que fa/ia da eminente sabedoria do Sr. Arcebispo d' Evo* ra , lhe conferio unanimemente o titulo de Sócio Honora* rio (b) ; escrevendo seu nome entre o de dous Principcs Es* trangeiros (t) , c das Personagens mais conspícuas do Estado. Assim a gloria deste Prelado tinha chegado ao auge de sua grandeza ; mas nos últimos trcs annos de vida co- meçou ellc a sentir os incommodos da velhice : então a fra- queza do corpo , a perda da vista , e o sensível dccresci- mcnto das. faculdades intellectuaes forão annunciando pouco a pouco o scki fim. A Igreja , a Pátria, e as Lettras o per- derão no infausto dia 26 de Janeiro de 18 14, na idade de noventa annos não completos j c sempre abençoarão a sua memoria. liLle havia bebido nas Divinas Escrituras o verdadeiro espirito das virtudes Christãs , que tanto illustrárao o seu Pontificado; e aquelle estudo pode-se dizer que foi o obje- cto de todas as suas fadigas litterarias : Coliecção exqui- sita , custosd , e copiosíssima de quantas Bíblias manuscri- tas e impressas pôde haver; estudo de Linguas Orientaes, e de antiguidades de toda a espécie , tudo era principal- mente subordinado áquelle fim. Respeitava e amava tanto este Livro , que nunca deixou de o trazer comsigo , ainda em viagem ; nunca o abrio com a cabeça coberta ; nunca se deitou , ainda nos incommodos aposentos em que se alo- java nas occasiões de Visita , sem que primeiro lesse de joelhos hum Capitulo delle. Tom. IF. * 14 Do- - — ■ ■ m. (rt) Foi nomeado em Assembléa particular de 28 de Junho de 1780. {b) Na Assembléa de EíFectivos de 6 de Junho de 1812. (f) Pouco ances tinháo sido eleitos Sócios Honorários da Academia Suas Altezas Reaes o Príncipe de Galles , e o Duque de Sussex. cvi Historia da Academia Real Dotado cm consequência disto de huma piedade soli- da, e de hum ardente /elo de vingar a causa da Religião ■e da Moral contra os ataques dos Heterodoxos , c dos Fi- lósofos, comtudo nem aquella piedade era indiscreta, nem O' zelo desabrido: elle possuia a grande arte de conciliar a devoção com o espirito (a), e prczava-se de nunca faltar aos officios que devia a Sábios de abundantíssima litteratu- ra , onde cila se achasse, c como cila merecesse (b). .<■ Sábio Ecónomo das rendas Ecclcsiasticas , era parco e humilde no seu trato , e nao consentio que a sua familia passasse de huma honesta mediocridade , assinando-lhc ape- ras os ordenados de que Sua JMagcstade lhe havia feito mercê , em quanto os não cedeo espontaneamente em bene- ficio do Estado : mas ao mesmo tempo era apparatoso nas ceremonias exteriores do culto, magnifico noexercicio da. hospitalidade , cm extremo grado e liberal a seus Diecesa- nos : c post.) que , por effeito de hum raro desinteresse , nun- ca o rendimento da Igreja de Beja excedesse em seu tem« po a somma de vinte e dous mil cruzados , ainda lhe fi- cava hum grande remanecentc , que generosamente despen- dia para o progresso das Sciencias em utilidade da Pátria.^ Sensível o mais que se pode ser á amizade, nunca des- amparou os seus amigos na desgraça , nem se esqueceo dcl- les na morte : ás vezes misturava com aquella doce aíFeiçao hum não sei que de insólito e de antiquado ; como quan- do conservava com religioso respeito a caveira de seu anti- go mestre e particular amigo , o Dr. Fr. Joaquim de S. José , determinando que esta se enterrasse na mesma sepul- tu- (íi) Sabc-se hoje cunciliar a devoção eom a civilidiíde c intcratura , para destruir o motivo com que a piedade tem sido exposta d risada das gemes, que a capitidavão de rústica e de inerte. Na cxcclknte ylpologia que o Bis- po De l'uy fez d virtude , : com quanta verdade mostra a possivel allian- ^a eniie a acvoião , bel las Icttras , e mais occupa^oes em que se cxerctta o espirito do homem'. Appendix sobre a reforma das Lettras , pag. 52. (t) Ve|. Cuidados Litterar. pag. 252, e 255; e em outro lugar (pag. 522.) Seria cousa agradável acariciar sujeitos, que não jugirião de nós ven- do que erão buscados de todos os modos possiveis c prudentes , longe de con- trovérsias desagradáveis , pelas pessoas capazes destas entrevistas. srau 01 DAS SciBNCIAS OB LiSBOA. CVll tura com o seu próprio cadáver; c quando sendo visitado em Beja por outro amigo seu, sagrado Bispo para a Chi- na, lho conccdco na sua Sc, e em sua presença, a honra publica do Throno , Sacrifício , c Benção. Era accessivel a todos, summamcnte polido e urbano no seu trato ; e posto que vivesse muito tempo na Corte dos nossos Príncipes, valido de dous , c estimado de todos < esteve sempre igualmente longe do orgulho e da baixeza; e merecendo os créditos de iium hábil cortezão , não adqui- rio inimigos , nem cmulos. Finalmente foi singular honrador dos Sábios , e foi el- le mesmo hum Sábio de vastíssimos conhecimentos , e de reconhecida modéstia : nunca prostituio a sua penna á lison- ja ; e longe de ser Escritor de partido , nunca entrou co- mo Doutor particular em discussão alguma , daquellas em que as circunstancias do tempo o obrigarão a tomar parte, como homem publico. As suas numerosas Obras erao uni- camente dirigidas ao fim de auxiliar a reforma dos Estudos Portuguezes , e a conservação e esplendor da Religião de nossos Pais ; e o Autor se esquecia quasi sempre da sua própria gloria, ou occultando nellas o seu nome, ou evi- tando os titulos pomposos com que as poderia fazer recom- mendar , ou não curando da correcção e elegância do seu estilo. Mas se este estilo he muitas vezes obscuro , outras em- baraçado com frequentes metáforas e transposições, e tal- vez cançado pelas repetições da mesma doutrina ; perdoe- se este defeito (nem eu chamarei virtude ao que entendo que o não he) a hum Escritor, que discrahido com tantas obrigações Religiosas e Civis, era cada dia obrigado a lar- gar muitas vezes mão do seu trabalho ; e que assas com- pensou alguns passos escabrosos das suas Obras com mil bcllezas de pensamentos e de expressão, e com huma cer- ra graça natural , que dá vida á sua doutrina , e grande ef- ficacia ás suas exhortações. Tal foi a vida e o caracter do Sr. Arcebispo de Evo- • ' :j * 14 ii ra: cvm Historia da Academia Real ra: a lettra da sua divisa podia ser a mesma , que a de hum dos nossos bons Principes : Vontade de bem fazer. Por is- to trabalhou na longa carreira da sua vida ; e isto sem du- vida conscguio , tanto ou mais do que he dado a hum ho- mem não Principe. Assim mereceo elle sempre a admira- ção e a estima dos que lhe forâo contemporâneos ; e as- sim merece depois da sua morte , com as benções da pos- teridade , o innocente tributo de reconhecimento, que a Academia lhe paga hoje por minha voz. CA- CIX CATALOGO DAS OBP.AS D O SENHOR ARCEBISPO DE ÉVORA. c. pag. Diário da Jornada ao Capitulo Geral de Roma em itjo. Hum vol. M. S. autografo, em i." pequeno de 193 pag. nao numera- das. A^ 7?. Começa este Diário em i z de Fevereiro , dia em qiic o Mestre Cenáculo saliio de Lisboa, em companhia de seu Mestre o Provincial dos Terceiros; e acaba cm 17 de Agosto, dia em que entrarão ji de volta em Elvas. Coutem hiuna breve noticia desta jor- ot cx- Historia da Academia Real jornada, com a situajao das terras por onde passou, e a distancia de humas a outras; ajuntando a descripçno das Cidades mais notá- veis , de alguns dos Slus edifícios, e estabelecimentos, c usos de seus habitantes: cncontrao-sc também escassas noticias litterarias ou po^ liticas. Este Diário foi escrito muito negligentemente quanto ao es- tilo : alem disto , muitas cousas se acliao alii apenas apontadas; outras ao contrario , sendo de pouca monta , são tratadas com dema- siada minudência. Conservao este Livro os parentes do Sr. Arcebis- po , e tbi-me communicado pelo Sr. José Jorge de Gusmão. Conclusiones Philosophicas Critico-Rationales de Historia Lógica', ejus Frowniialibus , Ente rationis , et Universíilibus in commu- ni , ad mentem V. Scoti , D. Mariani , ac subtilis. Pr^eside D. Fr. Emnianuele a Caiiaculo, Ar ti um Lee t ore. Conimbriae : ex lypogr. in Régio Ar ti um Col/egio Societ. Jesu , 1751. 7 pag. Conclusiones Physiologicas juxta Vener. Doct. Marian. et Subt. Doctrinam. Pr.eside Fr. Emmanuele a Cwnaculo , Doct. Theologo Conimbr. et Pbilosophia Professore. Conimbricíe : ex Typogr. Ant. Sivwens Ferreira, Universit. Typogr. Au. Domini ly^z. foi. Conclusiones Theologico-Dogmatice de SS. Trinitatis Mysterio, ad mentem Seraphici Doct. S. Bona-ventura , et Ven. P. ''Joan. Dunsii Scoti , Doct. Mariani , ac sub ti /is. Praside Fr. Em- manuele a Cwnaculo , Doct. Theologo Conimbr. et TheoIogitC Ves- f erário Professore. Conimbricai : ex Typogr. Ant. Simuens Fer- reira, Univírsit. Typ. An. Domini 17^^. 3 pag. Advertências Criticas e Apologéticas sobre o juizo , ejue nas ma- térias do B. Ray mundo Lulío formou o D. Apnloniu Philomuso , e communicou ao Publico em a res^iosta ao Retrato de Morte-cor , que contra o Autor do Verdadeiro Methodo de estudar escreve o - Rev. Doutor Ahthophilo Cândido de Lacerda. Satisfaz-se de passagem aos Autores , em cujo testemunho se fundou o D. Apo- lónia. Fa/ença: por Vicente Baile , 1752. 4.° E Coimbra: por António ò'i?noens , no mesmo anno , 4.° de 1 22 pag. N. B. Da Edição de Valença faz menção a Bibliotheca Lusi- tana. Sanctissimo Domino Nostro Benedicto XIF. P. O. AL Exercita- tiones Litúrgicas , in quihus ejusdem B. P. doctrina de Sacri- fício Missie adstruitur , et defeuditur . . . D. Fr. Emmanuel v Ca- UAS SciENCíAS DE L IS BOA. CXt Cwtiacu^o . . . Quo pr.esJdc ad disceptandum proponit . . . . íh Lishoncn. Conxcntu Domin,e Nosti;e de 'Jestf , . . LisboníC : opud hranàscum Ludovtcum Ameno . . . i/J^. foi. Em 7 folhas de papel n;ío niimcr.idas. Tem liuma Dedicatória a Benedicco XIV. Ora fio in laudem Eininentissitni D. D. Josephi Cardinalts Em^ ttiatiuel , íid Lishoitensis EcclcsÍ£ Patriarchatum evecti , habita Oiy.rsipone in F.cclesia Dominte Nostne dos Cardaes , die 26 Au-^ gusti , r75'4. M. ^. ■■-■■'■■ N. H. Desta Obra faz menção a Bibliotheca Lusitana , e a Ga* zeta de Lisboa do 5- de Setembro do mesmo anno : o Ex.^^Sr. Bis- po Eleito Provisor diz , que cila ainda hoje existe. Dissertação Theologica , Histórica , Critica soire a Definibilida- de do Mysteyno da Conceição Immaculada de Maria Santissi' via. Lisboa : na Officina de José da Costa Coimbra , 1758. 4.* de 248 pag. N. B. Esta Obra foi traballiada no anno de 175'4, pois que então se susciton na Corte a questão, que lhe doo motivo. (Vej. a Nota a pag. 3 da Prefação ) ; e estava concluída no principio de 17^') , pois que de 2j de Março deste anno lie datada a Dedicatória ao Geral Fr. Pedro João de Molina. Neste mesmo anno era o Autor Lente de Prima de Theologia no CoUegio de Coimbra , e segunda vez Secretario da Província. Oração que disse Fr. Manoel do Cenáculo , sendo Presidente em ã . primeira Sessão da Academia Mariana , celebrada nesta Cida- de de Lisboa no i.° de Agosto de i75'6 ; a qual dd d luz o P. Fr. Vicente Salgado. Lisboa : na Officina de Miguel Alanescal da Cosia, 1758. 4." de a8 pag.. Elogio fúnebre do P. Fr. Joaquim de S. José', Doutor Theologo Conimbricense , Defifiidor Geral da Religião Franciscana , e Pro' vincial da Terceira Ordem de Portugal; dado d luz por Joa- quim Rodrigues Pimenta. Lisboa : na Officina de Francisco Luis Ameno, 17J7. 4-° de 24 pag. N. B. Desta Obra faz menção a Bibliotheca Lusitana. nda do P. Fr. Joaquim de S. José. M. S. iV. B. Deste Escrito se lembra Fr. Vicente Salgado nos Elo- gios Históricos dos Arcebispos e Bispos professos na Ordem Tercei* ra , Obra M. S. que se conserva na Livraria do Convento de Jesus : o cxji HxSToKiA DA Academia Real o Ex.'"° Sr. Bispo Eleito Provisor diz , que ficara qiiasi conclulcío , mas que o Autor abrira mão delle, preterindo antes incluir as prin- cipaes noticias da vida do seu Mestre na Historia do restabelecimen- to das Lcttras na Ordem Terceira. Necro/ogium Provinde Tertii Ordhtis Lusitana , quo Fratrum et ■^.htsiguium Benefacíorum nomina , et caracteres recensentur. ^° »VtvM. S. .■ ., ^^ V,l Í.W'.K.>- V VW N. B. A Bibliotheca Lusitana faz menção desta Obra ; e o seu: Autor nas Memorias Históricas ehs progressos e restabeleci- mento das Lettras &c. a pag. '204Í diz que ella hia muito adian* tada na composição. . ,, . Jlfont amentos para a Bibliotheca da Ordem Terceira. M. S. N. B. Delles se lembra o Autor nas referidas Memorias His- tóricas, a pag. >2o6 : mas o Ex."'° Sr.. Bispo Eleito Provisor diz, que são apontamentos informes. j Memorias Históricas do Ministério do Púlpito, por hum Religioso da Ordem 'Terceira de H. Francisco. Lisboa : na Officina Regia , 1776. foi. de 316 pag. N. B. Esta Obra (escreve Fr. Vicente Salgado , Origem e progresso &c. pag. 5-0. ) he trabalho deste meio tempo ( falia depois do anno de 1757, e antes do de 1763 ), ainda que não vio a lua publica senão nestes dias. O Autor diz na Prefação que estas Me- morias forão escritas quando jd começava a cahir o presente sé- culo. Mas deve-se crer que se concluirão depois do anno de 1760 , pois. já são omittidas na Bibliotheca Lusitana. Oratio pro aperiendis , initiandisve totius Ordinis Fratrum Mi- norum Generalibus Comitiis, habita ad PP. in Regali Con- ■ventu Valentite die if Máji , ,1768 , a R. adm. P. Emmanuele a Cwnaculo , Lectore Jub. Lusitana Provinda: Tertii Ordinis Mi- nistro Provinciali , et totius Ordinis Generali Diffinitore. Va- lentia : ex Typographia Benedicti Monfort , anno 1768. 4.° de 14 pag. Diário da "fornada ao Capitulo Geral de Valença em 1768. Hum vol. M. S. autografo, cm 8." grande de 180 pag. não numeradas. N. B. Este Diário (que foi escrito á semelhança do Diário da jornada a Roma , e que me foi communicado juntamente com elle), começa em 13 de Abril, dia em que o Provincial Cenáculo sa- DAS SciENCIAS UE LiSEOA. CXHI sahio de Lisboa, e acaba cm 2 de Julho, dia em que se recollico ao seu Convento do Jesus ; tendo feito caminho pela Estremadura Hcspanhola , Castclla nova , e Reino de Murcia ; c voltado por gran- de parte do Reino de Valença , Murcia , Granada , e Andaluzia , até tornar a entrar na Estremadura. No fim do Diário ajuntou hu- ma Aleinoria das pessoas eruditas, aquém tratou nesta jornada , e de antes não conhecia. He Obra cheia de erudição , e escrita em estilo pela maior parte desempeçado e ameno : contêm noticias cu- riosas , e muitas delias recônditas , que dizem respeito á nossa mes- ma Litteratura. Patente de 5- de Maio de 1770, publicando a Patente Encyclica. de Ir. Pascoal de Farisio , Geral dos Menores , datada em Ma- drid a 19 de jigosto de 1768. Impressa em foi. de 5^4 pag. N. B. Contem o Original Latino com a versão Portugueza ao lado ; e vem inciuido o Decreto e Aviso Régio de 7 de Abril de 1770, que autorizão a publicação da mesma Encyclica. Patente de 3 de Setembro de 1770. N. B. Salgado na Origem e Progresso &c. pag. ^6, dá noti- cia desta Patente , acrecentando que se acha impressa , e que he fundada sobre as máximas da Encyclica do Geral de Varisio. Patente de 10 de Setembro de 1770, sobre os Estudos da Provin- da. M. S. N. B. Também desta dá noticia Salgado na Obra citada , pag. ^^. Disposições do Superior Provincial para a observância regular e litteraria da Congregação da Ordem Terceira de S. Irancisco destes Reinos , fritas em os annos de 1769 , e 1770. Tom. i. Lisboa: na Officina Regia, 1776. foi. N. B. Este volume contém o primeiro e segundo Plano de Es- tudos , confirmados por Alvarás de S. Magestade, em data de 3 de Jimho de 1769, e de 3 de Janeiro de 1774, e então separadamen- te impressos : contêm também varias Patentes relativas á execução dos ditos Planos ; e o ylppendix primeiro sobre a reforma das Let- tras na Europa ; tudo em Latim e Portuguez. A versão Latina do volume atiribue-se ao Sr. António Pereira de Figueiredo, Memorias Históricas e ylppendix segundo d Disposição quarta da Collecção das Disposições do Superior Provincial , para a obser- vância e estudos da Congregação da Ordem Terceira de S. Tom. IF. * ic Fran- cxiv Historia da Academia Real Francisco. Tom. z. Lisboa: na Ojjicina Regia, 1794. foi. de 318 pag. N. H. Contôm as Memorias Históricas dos progressos e res- tabelecimento das Lettras na Ordem Terceira , em Portuga/ e seus Dominios. Nesta Obra trabalhava o Autor no anno de 1769, co- mo elle escreve a pag. jy. Fr. Vicente Salgado, no Compendio His- tórico da Congrcgaçiío da Terceira Ordem, diz que fora compos- ta (talvez acabada) pelos annos de 1773. Patente sobre o verdadeiro systema de Theologia , que se deve se- guir na Provinda da Ordem Terceira da Penitencia , segundo a saudável determinação do SS. Padre Clemente XW. Impr. em foi. de 7j pag. sem declaração de anno , nem de lugar de impres- são. De repetendis fontibus doctrin.-e , Moderatoris Provincialis Tertii Ordinis Saticti Francisci per Lusitaniam , admonitio ad Sodales, quum PriCfecturam depomret. Atino 1770. Impr. em foi. de jj- pag. sem declaração de anno, nem de lugar de impressão. N. B. Estas duas Patentes , que sao muito semelliantes entre si, posto que a segunda se nao possa chamar traducção littcral da primeira , forao impressas na Officina de Simão Thaddeo Ferreira , em 1793 , para fazerem unidas o Tom. 3. das Disposições do Su- perior Provincial , &c. Vej. Salgado na Obra M. S. já citada com o timlo de Elogios Históricos &c. O Sr. António Pereira de Fi- gueiredo escreveo outra versão Latina da Patente Portugueza , pr - vavelmente mais littcral que a versão do Autor; e tinha por tim- lo : Âdhortatio ad Sodales , de repetendis et continuandis studiis Fontium Theologicorum ; mas nao se imprimio. Commentario d Epistola de S. Judas. M. S. l>í. B. Desta Obra dá noticia o Ex.'""' Sr. Bispo Eleito Provl- sor , acrecentando que seu Autor a projectara logo que foi consa- grado Bispo 5 o que succedeo no dia dos Apóstolos S. Simão e Ju- das. Não está completa ; e isso mesmo que ficou , he tão confundido com emendas , entrelinhas , e chamadas , que he mui difficil de se ler. Determinações para o Bispado de Beja , fritas pelo Ex."" e R."" Sr. Bispo da mrsma Diecese. Impr. em foi, de 11 pag. N. B. Tem a data de 9 de Fevereiro de 1777. Pastoral, pela qual ha por bem saudar os seus Diecesanos , ad- moes- siayc OT uasScienciasdeLisboa. ' cxv ntoestando^os sobre a natureza e officios da Religião, Impr. cm foi. de ij pag. N. B. Tem a data de l8 de Maio de 1777. Editaes de 22 e 30 de Maio de 1777 , soíre a festa do Coração de Jesus , e sobre outras mudanças , que se devem fazer no Calen- dario. Impr. em foi. Editaes (dons) de 22 de Julho de 1777, annunciando os dous diaS de absolvição plenária e benção Papal, e a Indulgência plena-' ria para a hora da morte. Impr. na Officina Regia , em foi. Edital de z^ de Julho de 1777 , sobre as Conferencias Ecclestas- ticas. Circular de 26 do mesmo mez e anno^ sobre o mesmo assumpto. Impr. na Officina Regia , em foi. Pastoral do i.° de Maio de 1778, estabelecendo Catechistas nas Parochias. M. S. Pastoral do \.° de Maio de 1778 , mandando ler aos Parochos ., de-' pois do Evangelho da Missa do dia , o Catecismo Evanelico , de que mandava exemplares. M. S. A'. B. Este Catecismo escrito pelo Padre Olivier, foi traduzido em vulgar por Fr. António da Purifica(,-ao e Silva , Religioso Ter- ceiro , e mandado imprimir pelo Sr. Arcebispo. Pastoral de 2f) de Agosto de 1778, estabelecendo na Capital do Bispado Se.mões de Missão, nos primeiros e tr.eiros Domin- gos dos mezes em todo o anno ; e também outras praticas Re- liji^iosas. M. S. Circular de 30 de Setembro de 1778 , sobre as Conferencias Eccle- siasticas. M. S. N. B. Com esta Circular foi remettida huma Instrucção para o Sacramento da Confirmação. Impressa na Officina Regia , 1777. em 4.° Editaes (dous) de 2 de Novembro de 1778 , annunciando a F/si' ta , e publicando as Graças Apostólicas concedidas por esta oc- asião. M. S. Pastoral de 6 de Janeiro de 1779 , dando disposições para o ensi- * 15 ii no cxvi Historia ua Academia Real no e soccorro espiritual das gentes rudes , hulit antes na serra que divide o Campo d'' Ourique do Algarve. M. S. Ediíaes (dons) de 28 de Maio de 1779, viandando fa:ier Preces e outras deprecacoes publicas , por occasião do desacato de Pai' me lia. Offuios (três) de z% e 30 do mesmo mez, sobre o mesmo assumpto. M. S. Pastoral de z^ de Agosto de i"79, dando regulaynento aos Jnstrui- dores dos Ordinandos. Circular da mesma data , que acompanhou a sobredita Pastoral. M. S. Pastoral de % de Setembro de ijj() , mandando fazer preces publi- cas por occasião da esterilidade. Officio de 18 do mesmo mcz, sobre o mesmo assumpto. M. S. Pastoral de 17 de Novembro de 1779, mandando fazer preces pa- ra obter chuva. M. S. Pastoral de 2 de Fevereiro de 1780, condenando a pratica que se havia introduzido , de se fazerem os Enterros processionalmente sem assistência do Clero. M. S. Instrucção Pastoral do Ex."'° e R."" Sr. Bispo de Beja sobre a me- moria da Paixão e Agonia do nosso Divino Redemptor. ( em da- ta de 21 de Agosto de 1780. ) Lisboa: >ia OJJicina Regia ^ 1780. 8.° de 35 pag. Instrucção Pastoral do Ex."' e R."" Sr. Bispo de Beja ao Clero e Ordenandos da sua Diecese. ( em data de 5- de Fevereiro de 1783.) Lisboa: na Officina Regia, 1784. 8.° de 385" pag. Instrucção Pastoral do Ex^' e R."" Sr. Bispo de Beja sobre a Re- ligião revelada, (em data de 28 de Outubro de 1783.) Lisboa: na Officina Regia, 1785. 8.° de 15-4 pag. Instrucção Pastoral do Ex.'"' e R."° Bispo de Beja sobre as Gra- ças e fubileus ^ novamente concedidos ás Instancias da Rainha N. Senhora Dona Afaria I. venerando-se e celebrand'j-se a me- moria da Instituição do Augustissimo Sacramento da Eucha- ristia. ( em data de 23 de Janeiro de 1784. ) Lisboa : na Offi- cina Regia , 1784. 8.° de 44 pag. Ia- «i:xs O/ DAS SciENClAS DE LiSBOA. CXVTÍ Initrucção Vastoral do l-lxJ"" e R."'° Bisfo de Beja sohre o rito ê disciplina da Igreja na administração do Suntissimo Sacramento da Lucharistia por viatico em Ambulas Viatorias. ( em data de 2Ç de Março de 1784.) Lisboa : na OJjicina Regia, 1784. 8." de 52 pag. Justrucção Pastoral do Ex."" e R."'" Sr. Bispo de Beja sobre as virtudes da Ordem Natural, (cm data do i.° de Abril de 1785.) Lisboa: na Ojjicina Regia, 1785'. 8.° de 70 pag. Instrucção Pastoral do Ex."" e R."'" Sr. Bispo de Beja sobre a con' fiança na Divina Providencia, (em data de 15- de Outubro de 1785:.) Lisboa: na Officina Regia , 1786. 8." de 40 pag. Instrucção Pastoral do Ex."" e RJ"' Sr. Bispo de Beja sobre os Es" tudos Fysicos do seu Clero, (em data de 25" de Janeiro de 1786.) Lisboa: na Officina Regia, 178Ó. 8.° de 5:3 pag. Instrucção Pastoral do Ex.'"" e R."° Sr. Bispo de Beja sobre o Ca' tecismo, (cm data de 28 de Maio de 1786.) Lisboa : na Oj/h cina Regia, 1786. 8.° de 101 pag. Instrucção Pastoral do Ex."" e R."'° Sr. Bispo de Beja sobre a jus- tiça Cnristã. (em data do i.° de Janeiro de 1788.) Lisboa: na Ojjicina de Simão Thaddeo , 1794. 8." de 52 pag. Instrucção Pastoral do Ex."'" e R."" Bispo de Beja sobre a modés- tia dos vestidos do Clero, (em data de 22 de Abril de 1788.) Lisboa: na Ojjicina de Simão Thaddeo, 1792. 8.° de 117 pag. Saudação Pastoral do Ex,'"" e R.'"" Bispo de Beja no fim da sua Visita geral, em o anno de 1788. Lisboa : na Officina Regia , 179:5. 8.° de 106 pag. Cuidados Litterarios do Prelado de Beja em graça do seu Bispa- do. (em data de 8 de Dezembro de 1788.) Lisboa: na Officina de Simão Thaddeo, 1791. 4.* de 552 pag. Instrucção Pastoral do Ex."" e R."" Bispo de Beja sohre alguni pontos da Disciplina Ecclesiastica. Lisboa: na Offtcina Regia, 1790. 8." de 34 pag. N. B, Com esta Pastoral se distribuirão as Orações para an» tes ^^■^■^..v CXVIII Historia da Academia Real tes da Commii:ihtio : a que se segue : Ritus in prima communtO' ve pueroruvi : Ritus quando pueri prieseiitantur in Ecdcsia a parcntihus. Impressas cm Lisboa : na ÚJficina Regia, ^790. ai pag. tonnulirio para se observar nas Estações pelos Rtvereiídos Fa- rocbos da Diecise de Beja. Lisboa : na Ojficina Re^ia , 1789. 4.° de 7 pag. Saudação Pastoral do Ex."° e R."" Bispo de Beja a seus Diecesa- nos! Lisboa -.na Ojjicina Regia, 1790. 8." de 27 pag. N. B. Com esta Pastoral se distribuirão os seguintes Opúsculos : Preparaçilo para a Confis.uw, Actos das Virtudes Theologaes , e Orações para se dizerem cada dia , e no tempo da Missa , pelo Povo que não tem maior instrucçao. Para o Bispado de Beja. Lisboa : na Officina Regia , 1789. de 34 pag. Salmos d: David ( lie a traducçao de oito Salmos ) . Lisboa : na Officina Regia , 1790. de 12 pag. Meditações sobre o Padre nosso, tiradas de di- versos Autores. Lisboa : na Officina Regia , 1789. de 14 pag. Retrato de Jesu ('hristo Bem nosso , copiado das Santas Escritu- ras e de sábios Doutores , para conciliar o seu amor, Lisboa : na 0(Ji'cina Regia, '789. de 16 pag. Traducçao do Salmo Miserere ttiei Deus. Lisboa: na Officina Regia, 1789. 4.° de 3 pag. yida Christã. Lisboa: na Officina de Simão Thaddeo , 1792. 8." de éi pag. N. B. Foi huma industria Pastoral ( assim escreve o Ex."" Sr. Bispo Eleito Provisor,) com que Sua Ex." qui::, atalhar a in- quietação que principiava , quando appareceo o P. Pereira com a explicação da Protestação da fé. Instrucção Pastoral do Ex."" e R."" Bispo de Beja , pela qual man- da se facão em sua Diecese Preces publicas e particulares a De os Nosso Senhor , pela esperada felicíssima sueca são desta Monarchia. (em data de 7 de Dezembro de 1792. ) Lisboa: na Officina de Simão thaddeo, 1792- 8." de 21 pag. Instrucção Pastoral do Ex."'" e R."" Bispo de Beja , em que manda se rendão acções de graças a Deos Nosso Senhor , pela gloriosís- sima Real Successão da Monarchia Portugueza. ( em data de j de Abril de 1793.) Lisboa: naOffiicina de Simão Thaddeo, 179^. 8.° de 13 pag. Carta do Ex."" e R."" Bispo de Beja , e outras Instrucções sobre os DAS bCIENCIAS DE L.ISBOA. CXIX OS trabalhai presentes da Santa Igreja. Lisboa: na OJJiciua de Simão 'Jhaddco, 17<;^. 4.° de 1:5 pag. N. /?. Segue-se: Piedade Corista, de 5-3 pag. Preces a Deos Nosso Senhor pelo trabalho actual da Santa Igreja , e que pjde cada hum dizer em particular. Ibid. 1794. 4." de 8 pag. Excellentissimo et Reverendíssimo Episcopo Castrensi S. Episcopus Pacensis. M. S. N. B. Desta Obra dá noticia o Ex.""^ Sr. Bispo Eleito Provi- sor , dizendo que he buma Epistola Latina bastante exiensi , di /- gida ao Bispo de Castres , o qual com a sua família e alguns Co- iiegos emigrou para a Hespanha , onde não foi muito bem acolhi- do; e recorreo a Portugal , passando por Beja , até fixar-se em . /- cabaça. He esta Carta verdadeiram nte fraternal : hum Bispo con- sola outro Bispo nos seus trabalhos , e anima-o ao sofrimento pe a causa da Religião. Discorre como Theologo e como Politico sobre os erros do tempo , e causas da perseguição. Sisenando Martyr. Beja sua pátria. 4.° M. S. N. B. Desta Obra também dá noticia o Ex."" Sr. Bispo Elei- to Provisor , dizendo que contem a Vida do Diácono Sisenando , na- tural de Beja , que indo a Córdova por causa dos Estudos , intré- pido professou na presença dos Árabes a Religião de Jesu Chrisio, e foi por isso preso e degolado. Esta pequena Historia dá occa-^iao a Notas copiosas , nas quaes o Autor incluio o que pertence á il- lustração das antiguidades de Beja. Instrucção Pastoral do Sr. Arcebispo de Évora, ( sem data , nem rosto.) Lisboa: na Ojjicina Regia, i8o8. 8.° de izf pag. Instrucção Pastoral do Sr. Arcebispo de Évora. { sem dará , nem declaração do anno da impressão, ou de Officina.; 8.° de 88 pag. Pastoraes do Sr. Arcebispo de Évora no tempo da invasão dos Fran- ceses. N. B. Sáo duas , ambas manuscritas, a primeira em data de 30 de Julho , e a segunda de 6 de Agosto de 1808. Memoria dos trabalhos que sofreo o Sr. A'-cebispo ã' Évora , desde a invasão dos Francezes naqutlla Cidade. 1808. M. S Pastoral saudando os seus D/ecesanos , depois de ser r.stituido a el- fiTTíT OT cxx Historia da Academia Real eJles , salvo dos perigos que tinha corrido «a desgraça de Évora y e na sua prisão em Beja. Datada de Abril de i8il. N. B. Desta Pastoral dá noticia o Ex."'° Sr. Bispo Eleito Pro- visor , dizendo que hc extensa , e que está pronta para a impressão. Provisão de 21 de Setembro de 1 8 1 1 , pela qual ha por bem insti- tuir hnma Bibliotheca publica na Cidade de Évora , e dar-lbe regulamento. M. S. MEMORIAS D A ACADEMIA R. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. MEMORIA Sobre as Boubas FOR Bernardino António Gomes. INTRODUCÇAO. A Enfermidade denominada Boubas, que faz o assumpto deste Ensaio, hc hum flagelio da escravatura no Brazil. Não se entra em engenho algum ou fabrica de Assucar , onde se não tenha o dissabor de ver numerosos Pretos cobertos de sórdidas ulceras boubosas , languidos , c interditos mui- tas vezes do uso de seus membros. Alguns destes são victi- mas do seu mal ; outros ficao estropiados para sempre , e os que chegão a curar-se , por muito tempo tem estado incapa/es de trabalhar , com grande damno da Agricultura Tom. jr. A do 1 Memorias DA Academia Real do Brazil , onde ha tanta necessidade de braços , quanto o paÍ7. hc vasto c pouco povoado. Nâo he porém somente nos Pretos que se observa es- ta cntormidadc. Os privilégios, que na ordem social provêm da difFeiença de côr , não são reconhecidos igualmente pe- la Natureza na distribuição das enfermidades : também os Brancos a padecem, se se expõem a contrahilla, e não he raridade encontralla nestes, ou sejão indígenas, ou natura- lizados. Eu também a observei nas tripulações dos navios de guerra poucos mczcs depois que aportou ao Brazil a Esquadra Portugueza , que em 1797 demandou aquelle pai/.. Se , além da trivialidade das Boubas no Brazil e nas Possesóes Portuguesas em Africa, se notar, que ellas ain- da não forão descriptas por Medico algum , de que eu te- nha noticia; que o que diz Pisão na Medicina Braziliense, e Sâuvages na sua Nosologia , he tão escasso , e tão vago , que não pôde guiar o Pratico no tratamento desta enfermi- dade •, que , por este motivo ou por falta de observações , he empírico , e muito imperfeito o tratamento , que com- mumente se lhe costuma fazer naquelles paizes , e que eu mesmo por imitação , e por falta de experiência própria , in- faustamcnte executei no primeiro doente de Boubas, que tratei ". attcnto tudo isto, não pôde deixar de merecer al- gum apreço qualquer informação prática , por incompleta que seja , acerca desta enfermidade. He nesta persuasão que me animei a expor nesta sabia Companhia o resultado do algumas investigações , que fiz ha quator/c annos ; he ain- da mais com o intento e esperança de excitar os Práticos daquclles paizes a fazer, c a communicar ao Público novas c mais luminosas observações sobre aquclla c sobre outras enfermidades endémicas do Brazil, tacs como os Bócios de S. Paulo , as Erisipelas e Sarcomas do Rio de Janeiro , as ulceras que no Brazil chanião Formigueiros , a notável en- fermidade denominada Corrupção , &c. DAS >:;;« oi DAS SciENClAS DE LiSBOA. DAS BOUBAS. SECÇÃO I. H, CAPITULO I. Noções preliminares desta enferviidndc. .R da numerosa e mal conhecida tnbu das doenças cu- tâneas e chronicas a que nos Domínios Portuguczes Ultra- marinos dcncminão Boubas, e que nelles presentemente se obsciva endémica. 3. Os Brancos e os Pretos sao sujeitos a padecella ; nes- tes porém obscrva-se tao frequentemente , que parece scr- llics particular. Em Africa, segundo me disscrao, he tao trivial nelles , que poucos deixão de a padecer em algum período da vida, 3. Não pude saber cm que época se manifestou pela primeira vez nos diversos paizes, em que hoje se observa: reflectindo porém que hc muito mais familiar aos Pretos que aos Brancos ( §. 2.), parece verosímil, que he indígena de Afiica, e que dalli foi transmittida com a Escravatura pa- ra o Brazil. 4. Obscrva-se mais frequentemente na mocidade , e ain- da mais na tenra idade ; todavia as idades provectas não são inteiramente isentas delia. 5. De todos os doentes de Boubas, que vi, c dos que as rlnhâo tido , c que inquiri sobre a rcassumpçao desta enfermidade , nenhum me disse que a tivera mais de huma vez ; vi mesmo duas crianças irmãs , das quaes huma a ti- nha tido, e a outra estava doente delia 5 com ião , vivião, A li e 4 Memorias da Academia Real c dormiáo juntas ; a primeira porem não a contrahio de no- vo no espaço de vários me/es , que tinha então de dura- ção a doença da segunda : .sendo mais que verosimil , que ella teria tido alguma arranhadura , ferida , ou ulcera , por onde o virus podia inocular-sc. Não me esquece que hum hábil Cirurgião do Rio de Janeiro , Luiz de Santa Anna Gomes , me asseverou , que já tinha visto casos de reas- sumpção j todavia pelas multiplicadas indagações que fiz , e por esta moléstia , sendo maltratada , curar-se algumas ve- zes apparentcmcnte , e manifestar-se algum tempo depois; persuado-mc que os casos de reassumpção são tão raros , e por ventura ainda mais que nas Bexigas. Submetto todavia ainda o meu juizo ao resultado de escrupulosas observações, a não ser de inoculações artificiaes, pois só estas ou aquel- las podem resolver completamente estas , e outras impor- tantes questões a respeito das Boubas. CAPITULOU. Descripção das Botthas. 6. J_^Istinguem-se no BraziJ duas espécies de Boubasi. A primeira , que chamão Boubas scccas , consiste em pe- quenos tubérculos cutâneos , lenticulares , de côr encarna- da escura , e ás vezes roxos , dispersos pela cara , mãos , e outras partes do corpo, sem dor, sem prurido notável, c tacs em fim que nunca supurao. 7. Eu vi varias vezes sobrevir esta moléstia a pessoas, qu€ tinhão usado do mercúrio por causa de enfermidades Tenereas ; e não he raro encontralla particularmente no Bra- zil , nas pessoas que tem sido inficionadas de virus vené- reo. Hum mancebo de constituição delicada , apresentou-sc- me no Hospital Militar do Rio de Janeiro com cancros ve- néreos , impossibilitado de andar , com dores nocturnas pe- las extremidades , glândulas parotidas e maxillarcs intu- meeidas , e febre. Pelo uso de vários remédios , dos quaes hum DAS ScrENCiAS DE Lisboa. f hum c o principal foi mercúrio, consegui cm pouco mais de hum mez pólo a pé inteiramente bom. Fosse porém , ou porque logo que cessou do uso de remédios , começou a expôr-se ao ar livre sem cautela, ou por outra causa, pas- sados poucos dias estava coberto , principalmente pelo ros- to, de Boubas seccas (§. 6.). Esta espécie de Boubas he essencialmente diíFcrente da seguinte, e por isso he estra- nha ao meu assumpto. 8. A segunda , que por ser talvez a genuina , e mais formidável, chamão simplesmente Boubas, tem trcs pcrio- dos. No primeiro manifcsta-se por pequenos tubérculos cu- tâneos semelhantes aos mencionados ( §. 6. ), com a diffe- rcnça de terem a côr natural da pelle , e serem mais dis- persos, e mais amplos: entre estes apparccem algumas ve- zes papulas arrebanhadas bem como nas aíFecções herpeti- cas. Tanto as papulas como os tubérculos , pouco depois de assomarem, apresentão na superficie huma crosta furfii- racra , tem pouco ou nenhum prurido , e não tem o rubor e symptomas inflammatorios , que scompanhao os herpes. 9. No segundo periodo , que não tarda em succeder ao primeiro, a superficie de cada tubérculo torna-se cm huma ulcera circular , que cresce até á grandeza de huma moe- da de 240 réis , muito pouco dolorosa , e coberta de hu- ma matéria lardacea muito tenaz , que sobrepuja a pelle. Se por meio dos remédios detergentes se consegue remo- ver a maior parte desta matéria , obscrva-se per entre os restos delia huns grãosinhos carnosos e rubros , que imitaó de alguma sorte os acinos de huma amora ou morango. 10. No terceiro periodo , que se observa, quando o mal se tem inveterado ou prevertido por hum tratamento in- competente, apparece hum novo symptoma, o mais contu- maz e o mais incommòdo desta enfermidade. Brotao pelas plantas dos pés certas excrescências , que chamão cravos , pela semelhança que tem com as excrescências deste no- me, que nascem pelas mãos em muitas pessoas. São os cra- vos humas carnosidades , hum pouco duras , do diâmetro de € Memorias da Academia Real de huma ou duas linhas, que parecem nascer da pelle, mas por baixo da cútis , a traves da qual se manifestao e so- brepujão muito pouco. A sua extremidade , que he da côr da pcllc , he escabrosa tirante á superfície das amoras. A cútis , que cerca o cravo , não adhcre a elle , e este nao dóc senão comprimindo-se. Não ha no lugar dclle ulcera alguma. 11. Os cravos remanecem muitas vezes depois de cica- trizadas as ulceras boubosas. Eu vi hum mancebo , que ti- nha tido Boubas , das quaes não conservava vestígios 5 ti- nha as plantas dos pés tão cheias de cravos , e era tão in- commodado dclles , que mal podia andar. 12. Não vi em Boubento algum cravos senão nas plan- tas dos pés, nem carnes fungosas senão as descriptas (§. 9.). 13. Dão commumente a huma das ulceras boubosas o nome de mai das Boubas : ordinariamente esta não diíFere das outras senão em ser maior; observei porém duas vezes que as ulceras boubosas , quando se manitcstão nas plantas dos pés, são mais irregulares, e profundão ao inverso do que se observa no resto do corpo ( §. 9.); cm hum destes casoá podia-se chamar com alguma propriedade mãi das Boubas a ulcera do pé , porque precedco ás Boubas mais de hum mez , resistio a todos os remédios , e só depois de curadas as Boubas he que cicatrizou perfeitamente , ten- do até então feito por vezes cicatrizes falsas. 14. Todo o exterior do corpo humano he susceptível destas ulceras; as nádegas porém, cara, escroto, e mem- bro viril são mais sujeitos aellas, principalmente estas duas ultimas partes, onde frcqucnremcnte são mais copiosas, e onde algumas vezes exclusivamente se manifestao. Na glan- de e face interna do prepúcio jamais vi ulcera alguma bou- bosa, O interior das partes genitacs das mulheres , segun- do me informou hum Preto casado, cuja mulher tinha tido Boubas, também parece ser exempto delias. 15'. Alguns Boubcntos queixão-sc de dores pelas extre- midades; este symptoma porém não me pareceo ser cons- tan- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 7 tante ou essencial ; era porém mais notável nos que tinhão usado intempestivamente de mcicuiio e tópicos repellen- tes , ou que parecião ter complicação de outra moléstia. As dores boubosas assemclhao-sc ás venéreas pelas exacer- bações nocturnas , e por infestarem também os ossos lon- gos ; notei porém que aquellas atacavão mais as aponevroses c pequenas articulações dos pés c mãos , e que algumas ve/.es imitavão perfeitamente a Gota , como se vê na ob- servação seguinte. Hum sujeito , achando-se com ulceras boubosas , começou a curallas com tópicos taes que logo se cicatrizarão ; após disto sobrevier-ío-lhe dores cruéis pe- las canelas e pelos pés com inchação e huma extrema sen- sibilidade nas pequenas articulações. As dores e inchação transportavão-se de hum pé para o outro , e dos pés para as mãos ; de noute exacerbavão-se , e erão acompanhadas de indisposições de estômago : tornarão a manifestar-se as Bou- bas , ao mesmo passo se dissiparão as dores : usou novamen- te dos remédios tópicos ; á proporção que diminuía a su- puração , crescião as dores. Não sei bem , que remédios de- pois empregou além de vários purgantes , e de banhos de diíFcrerites hervas ; sei só que passados mezes melhor esta- va , mas andava ainda com muita diíEculdade. He de no- tar que o pai deste doente , segundo este me disse , pade- cco dores pelas extremidades inferiores , que forão rebel- des a todos os remédios ; alem disto o mesmo doente era costumado a hum exercicio grande , de que de repente se tinha abstido , sendo ao mesmo tempo affectado de disgos- tos. ^ Havia nesta enfermidade complicação de Boubas , c Arthritis ; de Boubas , Gallico , e Arthritis ; ou era ella a Arthritis Americana de Sauvages ? i6. As Boubas ordinariamente não são acompanhadas de febre , nem de fastio ; a lingua porem costuma obser- var-sc branca , e as urinas são pallidas. CA- íi:í\t ot Memorias da Academia Real CAPITULO III. Analogia das Boubas com o Pian e o Yaws. 17. Í>1 •E se attenta na historia c symptomas das Bou- bas , e SC confrontão com os do Pian e do Yaws , aclia-se tanta analogia entre estas três enfermidades , que não po- dem deixar de rcputar-se cípecics do mesmo gcnero , ou meras variedades da mesma enícrmidade. Todas trcs pare- cem oriundas de Africa ( §. 3. («) ) ; são mais particulares aos Pretos ( §. 2. (b) ) ; grassão mais nas primeiras idades ( §. 4. (c) ) ; atacão com particularidade as mesmas partes do corpo ( §. 14. {d))\ não se padecem mais de huma vez na vida ( §. $. (e) ) ; em todas ha carnes fungosas com hum particular e semelhante aspecto (§. 9. {/)); todas em fim são igualmente contagiosas, e curão-se semelhantemen- te (g)j como adiante se verá. Io. He certo que ha differenças notáveis no aspecto de todas três. No Yaws e Boubas não ha commumcnte , como no Pian , aquclla ulcera phagcdenica e desfungosa , que cha- mão mamapian. As Boubas e o Yaws são muito mais seme- lhantes ; todavia os fungos das Boubas parecem diffcrir al- guma cousa dos do Yaws , c eu nunca vi que os pellos próximos das ulceras boubosas se fizessem brancos , como suc- (rt) L.orry de Morb. cut. pag. Jpi e 394. (A) Ocel. , Histori.idor Philos. , diz tjue toJos os Negros das Ilhas da Americ.i Scptentrional tem huma vez na vida o Pian. Lorry diz qunsi o mesmo do Yjws ua». ;8y , c igualmente o Dr. Huncer Obs. on the Discases of the ylrmy in "Jamnica pag. 506. CO Lorry pag. 589. (d) Lorry pag. 590. (c) J\íealmcnte de alimentos crassos e farinhosos , já da classe dos legumes , como mangaló Dolicos lablabb de Liniico , man- dubi d'Angola Glicine subterrânea L. , guandos Cydsus cajau L. , diíFcrcntcs. sortes de feijão Phaseohis vtilgnris L. , mun- .dubi Arachis hypogjca L. &c. ; já da classe das raízes tube- rosas , como batatas Convuhnlits batatas L , carás Dioscerea aaileata ^ sativa^ bit/bife ra , &c. ; aipim Jatropha manihot L. &c. ; já dos cercaes , como lucú Holcus ? L. , massa Ilolcus ? L. , massango Oriz-a? L. , e milho mnys Zea mays (a), de que prcparão mil azymas e indigestas iguarias; já da clas- se dos fructos , como bananas Alusa sapietitiim , e paradisíaca L. , cocos de dcndé Eiveis Giiineemis L. &c. A sua bebida usual e estimada he huma espécie de cerveja , que chamao ,aluá (Z») , com que frequentemente se embriagão. Por este bosquejo dos alimentos , de que usão os Pretos no conti- nente d'Africa , fica manifesto que nclles ha de ser langui- da a excitabilidade , c que as primeiras vias ou canal in- testinal ha de estar forrado de saburra, ou matéria viscosa. Sc não he por tanto instincto , he bom costume o que el- les (/i) Desportes not.i , que os Pretos * nwrbns (joic r/if » Plenck Hromatolog. pag. ^84: que se náo deve espe- car do uso quotidiano do alua, usando-se ao mesmo tempo dos referidos alimentos ? ssaM or DAS SciENCiAS DE Lisboa. ir les tem , de condimentar os seus alimentos com . algumas substancias , que esporeão o estômago , e corrigem desta sorte a qualidade crassa e inerte dos alimentos: taes são as pimentas conterrâneas , Capsicum antimim , baccatum , &c. L. , o giló Solamim JEthiopicuvi L, , o gingibre Amomum zingi- ber L. &c. Assim cllcs não gostassem ao mesmo tempo , e não usassem tanto do crasso óleo ou , como lhe chamão , azeite de dendc , o qual não pode deixar de aggravar os inconvenientes da sua dieta. • 22. O alimento dos Pretos no Brazil não he muito dif- fcrcntc do Africano. Os mesmos legumes e raizes tubcro- sas ( §. 2 1.), o mays , farinha de mandioca Jatropha ma- nibot L. , bananas , carne de vacca secca , e bagre sccco Si- lítrtis .... L. fazem a principal parte do seu alimento. Bebem também alua de arroz , mas muito mais a agoa-ar- dentc , chamada cachaça, de que gostão apaixonadamente. 23. Do uso destes alimentos (§. 22.) não he de espe- rar huma disposição morbosa muito differente da mencio- nada ( §. 21.). A farinha de mandioca, ainda que mais sau- dável , e de mais fácil digestão que os manjares de mays, pelo uso quotidiano , c pela indole glutinosa também hão de occasionar saburra mucosa de primeiras vias : ^ não o at- testão bastantemente os vermes intestinaes , as oppilaçóes, e outras doenças análogas , que não são raras nos Brazilei- ros , e que perseguem muito os Pretos .'' A carne secca he hum alimento duro , e de difficil di- gestão ; além disto tem hum cheiro ingrato , que indica certo gráo de ranço; não pode por consequência ser hum alimento muito salutar. O grande uso , que se faz delia no Brazil, he talvez huma das causas porque são tão triviaes, principalmenta entre os Negros, ulceras de máo caracter, a Lepra, e outras doenças cutâneas. O bagre , principalmente o amarello , he hum peixe muito pingue , ou como vulgarmente se diz , reiuioso , e em geral as espécies deste género não dão hum muito bom alimento : talvez por isso fosse interdicta aos Judeos a cs- B ii pe- t» Memorias DA Academia Real' pccie Silíirus glanis L. Se além disto notarmos que se usa do bagre sccco , estado , em que hc mais indigesto , e em que não raras ve/es ha de estar rançoso (do que se prescin- de quando hc para o uso dos Rscravos), devemos telo por tanto mais suspeito , quanto he certo que varias doenças cutâneas , e a mesma Lepra se tem visto provir do uso de peixe rançoso {a). 24. Estas reflexões dão hum ar de verosimilhança á opi- nião de Pisão , o qual se persuadia que as Boubas podem manjfcstarse espontaneamente , usando-se de alimentos fé- tidos e salgados, e de bebidas rançosas e corruptas {b'). Co- mo porém esta enfermidade he das que se padecem huma só vez (§. j- e 17.) na vida, e não repete ainda que, de- pois de curada, se continue no uso dos mesmos alimentos; parece que o alimento dos Pretos não pôde senão predis- pôlos mais para cila , e que per si só não tem energia bastante para a produzir. 25. Entre as causas occasionaes parece-me , que não se deve omittir o clima. Apczar da frequente communicação dos Portuguezes da Europa com os habitantes dos climas quentes d'Africa e do Bia/ il , e apezar daquellcs serem su- jeitos ás Boubas no Brazil e Africa , nunca vi esta enfer- midade em Portugal no decurso de quatorze annos , ou des- de que a conheço e que regressei do Brazil. Parece que hum clima frio obsta ao seu desenvolvimento , e que por isso nos Estados Unidos hc menos frequente que no Bra- zil c Africa , como affirma Swcdiaur. He talvez por isso que o Dinamarquez, que o Dr. Adams tratou do Yaws na Madeira, não sentio os effèitos do virus por espaço de dez mezcs , que esteve na Europa , e começou a sentillos arri- bando á Madeira quando voltava para a America. Despor- tes diz , que em S. Domingos as aves domesticas são sujei- tas a Boubas usando de certo alimento, principalmente no tempo quente. (íj) Plenck Brom.itolog. pag. 248. ij)) De Medic. Brazil. pag. 35. BI3\r Ol dasScienciasdeLisboA. rj aí. A immundicie, cm que vivem habitualmente os Pre- tos, hc sem dúvida também huma das causas , que faz gras- sar as Boubas entre ellcs. Nada favorece mais a geração e contagio das doenças cutâneas , que a immundicie ; e nada ha mais immundo , que o modo de viver , os hábitos , e as sanzalas ou albergues dos Pretos, 27. A causa porém principal , e sem a qual talvez nun- ca se manifesta esta enfermidade , he o contagio. De qua- tro sortes parece que este se pôde transmittir; por heran- ça, amammcntaçao, coito, e inoculação. Não tive occasião de ver doente algum manifestamente contagiado da primei- ra sorte, Pisaõ porem a reconhece (1. c). Parece que por este modo o contagio envenena os primeiros rudimentos da míiquina humana de huma maneira fatal , porque o mencio- nado Cirurgião (§ 5".) asseverou-me ter observado, que os filhos dos boubcntos se faziao rachi ticos , e morriáo com- mumcntc antes da puberdade. 28. Do contagio por amammentação apenas vi hum exem- plo , que me não pareceo inteiramente fora de dúvida. 2p. Em quanto ao coito , se se houvesse de dar credi- to ao célebre Author da Historia Philosophica das duas ín- dias , não deverião os Europeos ter o menor receio de se darem aos prazeres venéreos com as Boubcntas {a) ; parece porem que não só o Yaws ou Boubas da Jamaica se coni- ^unicão desta sorte (b) , mas também as do Brazil. Eu vi e tratei Boubcntos , que parcciao ter sido inficionados pe- lo coito. Deste modo a infecção não se manifesta tão pres- tes , como nas outras doenças contagiosas ; o tnininmm de tem- po , que intermedca desde a applicação do virus até á ap- parição de seus symptomas , he , segundo o que pude ob- servar , de vinte dias , e o niaximniii de sessenta. 30. A inoculação he outro meio não menos certo que vuí- (íj") Lcs Fiiropécus m prcnnent jamais c«presque jám.iis cctte mâlaiiie nul- gre U commerce jnquent , on piut dire journatier , qu^ils um avec Ics Ncr cresses. {b) Dr. Hunt. obr. cit. pag. 506. 14 Memorias daAcademiaReal vulgar , pelo qual se propagâo as três variedades de Bou- bas. He desta sorte que nas fabricas d' assucar do Brazil se multiplicão mais os doentes desta enfermidade. As moscas e os mosquitos são os indcfessos inoculadores delia. Como estes insectos gostao de pascer em todas as sortes de ulce- ras , e nos engenhos d' assucar encontrão sempre boubcn- tos , inoculão incessantemente as Boubas vindo das ulceras boubosas pouzar sobre outra qualquer chaga ou ferida. Eis- aqui porque em muitas crianças se manifcstão Boubas pou- co tempo depois de terem hido a algum engenho. <( Grc- sc mesmo que as moscas communicão a infecção (ainda sem haver chaga ou ferida), quando, depois de pascerem ma- téria virulenta nas ulceras boubosas, picão a pcUe dos sãos ; basta , para que após esta inoculação se manifeste bem de pressa a enfermidade , que haja no inoculado disposição £i- voravel para ella j» {a). Tanto mais provável he esta opi- nião, quanto hc certo que as moscas, c muito mais os mos- quitos no Brazil , e em todos os outros paizes entre os Tró- picos, são tão copiosos como insupportaveis pelo continuo aguilhoamento , que he intolerável ao mesmo gado vaccum e cavallar; e que na gente faz muitas vezes Erisipelas, e gottejar sangue. Ora se huma arranhadura feita com lancc- ta , que sérvio a evacuar as pústulas variolosas , he ás ve- ^es quanto basta para inocular as Bexigas : ^ que se não de- ve esperar das ferretoadas dolorosas e cruentas daquelles in- sectos , que nas fabricas d' assucar sempre andão fartos e cnlodados da matéria ulccrosa dos boubcntos í Não havendo coito, ou inoculação, persuado-me que qualquer outro contacto não communica esta doença. O pai das duas crianças (§. 5.) dormia com cilas, e não tinha Boubas. CA- (). Isto porém na minlia opinião não prova tanto a cííicacia desta preparação , como o conhecimento que elle tinlia da occasião própria para usur das preparações mercuriaes. "^^ pôde bem colli- gir-se daqui qual seja a cfficacia absoluta deste vegetal, liu intentei determinalla por huma experiência , mas não me foi possivel diiigilla até ao fim; como porém assim mesmo imperfeita pode dar algwma idéa das virtudes deste remédio, refcrilla-hci , e depois direi o conceito, que formo delle. Observação. Hum page da náo Conde D. Henrique , es- tando no Hospital com huma ulcera em huma perna , e con- vivendo muito com outro page doente de Boubas , come- çou hum mcz depois de finda esta convivência, a cobrir-sc de Boubas e de papulas (§. 8.), que diariamente fazião progressos. Haveria hum mez que tinhão começado a ap- parccer as Boubas , quando o examinei ; tinha já tomado al- gumas pilulas mercuriaes purgantes, mas poucas ; nestas cir- cunstancias principiei a dar-lhe internamente 4 oitava de fo- lhas de caroba empo, duas vezes no dia, c cozimento sim- ples de caroba : fazia-o banhar quotidianamente em cozimen- to desta planta , e mandava curar-Ihe as ulceras com extra- cto da mesma. Nos primeiros dias não houve evacuação al- guma notavelmente augmentada ; continuárão-se os mesmos remédios, duplicando porém a dose de caroba cm pò ; após isto tinha ordinariamente duas evacuações alvinas por dia , passados porém alguns dias, foi necessário dar quotidiana- mente huma oitava mais de caroba para obter o mesmo ef- feito. Ao cabo de 20 dias tinhão sarado perfeitamente mui- tas ulceras , mas o resto não dava indicios de se aproximar da mesma terminação ; entretanto as papulas multiplicavão- sc , e ao mesmo tempo manifestavão-se pústulas sarnosas pe. Ç/i) Aublec 1. c. p. 65?' f DAsSciENCrASDELiSbOA. Jt pelas mãos. Ne.stc tempo cessei de assistir ao meu doente ; vi-o depois algumas vezes , c me disserão que continuava no mesmo mcthodo , mas com muit.i negligencia na appli- cação tópica da caioba , e sem attençao alguma á evacua- ção alvina. Passados mais de dous mezcs de uso de caroba , niío havendo indicios de se poder curar só com ella , e achando-sc além disto mais cuberto de sarna , entrou no uso de humas pilulas mercuriaes purgantes , curando ao mesmo tempo as ulceras com verdete. Por estes meios curou-se das Boubas , mas tinha o corpo tão coberto de ulceras sarno- sas, que parecia ainda mais doente que com as Boubas. 55:. Por esta observação, e pelo que notei em todas as occasioes que usei da cai-oba , estou persuadido que as fo- lhas deste vegetal, cujo sabor he brandamente amargo, dadas interiormente são hum pouco purgantes , excitão a acção dos vasos cutâneos , ou obrão , se se quizer dizer , como expellente ; applicadas porém topicamente possuem algum poder detergente ,. como se vê não só na observação precedente, mas também na a.'' observação (§. 47). Não he por conseguinte improvável que a caroba dada interna- mente com os diaforéticos , applieada depois topicamente , e auxiliada ultimamente com purgantes, e occasionalmente com algum escarotico , poderia curar as Boubas. He neces- sário todavia que se facão ainda obsen^ações assas numero- sas , para estabelecer decisivamente este ponto de doutrina pratica. ^6. Pelas noções , que acabo de dar da virtude anti- boubosa do mercúrio , e da caroba , pode bem avaliar-se a imperfeição do methodo Braziliano de tratar as Boubas pe- las chamadas massas e farinhas de caroba. Estas duas com- posições constão em geral de caroba , e de salsaparrilha em pó , de calomelanos , e de alguns purgantes ; estes simpli- ces , reduzidos em electuario por meio de qualquer xaro- pe, chamão-se massas, e misturados com carimá , ou outra farinha , constituem as farinhas. Eis-aqui huma formula das massas , que me communicárão no Rio de Janeiro. De aa Memorias da Academia Real De folhas de caroba , e de raiz de salsaparrilha em pó . .aã 2 onças; Folhas de senne , c de raiz dcjalappa em pó aã i onça. ^ Calomclanos -Coitava. Misture-sc , e com xarope commum faça-sc mas- sa. Uose huma colher , de manhã , e de tarde. Eis outra formula, que o muito sábio e curioso Bispo d* El- vas o bV^^^cR.^^Sfír. D. José Joaquim da Cunha de Azere- do Coutinho teve a bondade de me communicar como ex? perimentada e cfficaz. De assucar mascavado em calda .... 9 onças. Mercuno ( calomelanos ?).....; oitava. Jalappa em pó 6 oitavas. Senne em pó 2 oitavas. Salsaparrilha em pó 3 onças. Farinha de mandioca fina q. b. Misture-se , e faça-se massa. Dose a mesma da precedente. 57. As mencionadas massas e farinhas de caroba dão- se sem attcnçao ao estado das Buubas , e , como era de es- perar dos seus ingredientes, costumão soltar muito o ven- tre, Durante o seu uso tratão as ulceras com verdete. Por este empírico methodo curão-se algumas vezes as Boubas , mas frequentemente se repercutem ou suppitão , donde re- sultâo dores osteocópas , ou huma reincidência na mesma enfermidade. 5-8. A razão do inconstante effeito deste methodo ma- nifesta-se bem pelo que fica dito. ^ Quem não vê que es- tas composições , nimiamente purgantes , dadas permatura- mente , ou antes de se ter completado a erupção , e ulce- ração boubosa , estoi-vão ou suppitão esta , e fizem huma cu- ra apparente , ou huma degeneração da enfermidade .'' Pelo con- DAS SciEKCiAs DE Lisboa. 33 contrario se se derem , quando convém , o mercúrio ( §. 45). ) , e se regularem de sorte que soltem moderadamente o ven- tre , então podem curar. 59. Do que acabo de ponderar (§. 5'4. e 5-9.) collíge- se também que a caroba, á qual pelo nome daquellas com- posições se attribue principalmente a virtude delias , não merece assas estas honras quando cura , nem vitupério quan- do falha ; porque manifestamente tem mais parte no bom ou máo successo os purgantes e o mercúrio , que fazem parte delias. 60. Expostos os meios , que ha de preencher 32.* in- dicação (§. 46. e S9-) y segue-se tratar dos meios de satis- fazer a 3.* e ultima ( §. 43.), isto he , a cicatrização das ulceras. Esta indicação he fácil de encher-se, quando se tem desempenhado a 2.* , isto he , destruído o virus bouboso. He preciso pois , antes de attender á 3.» , examinar se está satisfeita a segunda. Póde-se crer que está, se por sufficien- te tempo se tem usado dos remédios competentes , se não apparecem novas Boubas , e se as que existem , se detergem facilmente , ou dão indícios espontâneos de quererem cica- trizar-se. Nestas circunstancias os tópicos detergentes ou es- caroricos, limpando as ulceras, e excitando huma boa sup- puração , c os purgantes , augmentando a absorpção cutâ- nea , e conseguintemente a cicatrização , finalizão a cura. 61. Dos detergentes os melhores são os mercuriaes, porque detergindo as ulceras , obrão juntamente como cor- rectivos do virus. Por isso julgo que destes se pôde usar muito mais cedo que de todos os outros : chego mesmo a crer, que com a simples applicação tópica dos remédios mer- curiaes , e algum purgante de tempos a tempos se podem curar as Boubas , e este seria o methodo , de que eu usaria nas crianças , ás quacs he difficil administrar remédios inter- nos. Eu consegui tão bons effeitos do bálsamo mercurial de Plenck (a) , e do unguento mercurial com os calomelanos , Tom. ir. E que ( DAS SciENCIAS DE L I S B O A. JJ" abusado do mercúrio , cumpre lançar mão dos mesmos re- médios internos e externos (cap. 2,); accrescendo , quando este tratamento não he sufficicnte , o uso de escaroticos for- tes , como agoa phagcdenica , agoa cáustica para os condi- lomas de Plenck {a) , pedra infernal , ou nitrito de prata, &c. Tcndo-se porém abusado do mercúrio, a salsaparrilha, a caroba , e os outros muitos remédios aqui indicados, me- nos o mercúrio : a não ser como escarotico , são o recur- so, que conheço, declarando com ingenuidade digna de as- sumptos médicos e de hum homem de probidade , que a minha experiência a respeito dos cravos he nimiamente es- caca para poder tratar bem esta parte do meu assumpto. Qa) Doutr. das Enfetno. Vener. p. zii. 11 xME- 3^ Memorias da Academia Real MEMORIA SOBRE A DESINFECÇÃO DAS CARTAS. Por Bernardino António Gomes. P R O B L E M A. «f ^ Será sufEcicntc para preservar este Reino da intro- >» ducção do mal da Peste , ou da Febre amarella , dar al- j> guns golpes nas Cartas , que vierem de partes suspeitas , í» e fumigallas sem as abrir, e sem mesmo passarem pelo »> vinagre ? E passando-as pelo vinagre ^ poderá evitar-se » que se abrão ? " Non fingendmn , seã invenieiídiím, . Bac. ^^Ucrendo o Governo deste Reino evitar que se abris- sem , como manda o Regimento da Saúde do Porto de Bclcm , para depois passarem por vinagre , as Cartas vin- das de lugares empestados, ou suspeitos, fez á Junta da Saúde os referidos quesitos , aos quacs a Junta, tendo por máxima a respeito de Peste , peccar antes por excesso de cautela , do que por ligeira negligencia , ou , não propor ao Governo se não as mais seguras medidas , teve a honra de responder, que lhe não parecia haver perfeita seguran- ça contra a introducção da Peste por meio das Cartas , sem estas SC abrirem , porque podiao encerrar amostras de cou- sas susceptíveis, que he necessário também desinficionar", e que se costumão desinficionar por processos differentes ; e porque, ainda quando não tragáo dentro cousas susceptí- veis , DAsSciENCIASnELlSBOA. 37 vcis, mostra a observação, que cilas não são bem penetra- das pelo vinagre ; por cujos motivos , c por ser o vinjgre o desinfectante das Cartas mais acredit.ido , julgava necessá- rio abrillas , e passallas depois pelo vinagre como manda o Regimento da Saúde. Desta opinião todavia não foi a frouxo toda a Junta ; houve quem opinasse que não era necessário abrir as Car- tas , c que bastava fumigallas pelo Processo desinfectante de Mr. Morveau. A' vista destes pareceres o Governo , attcndendo mui- to á reputação do Processo de Mr. Morveau , que mais c mais se tem acreditado contra os miasmas de diversas moléstias contagiosas , e levado ao mesmo tempo do desejo de evi- tar , quanto he possível , que se viole o segredo cias Cartas, determinou que as Cartas , assim de lugares empestados co- mo dos suspeitosos , se purificassem pelo Processo de Mr. Morveau , abrindo-se as dos lugares empestados , e golpean- do-se somente as dos lugares suspeitosos. A' primeira vista esta resolução pareceo-me perigosa , ou que podia ter hum dia consequências mui funestas ; por- que, alem de me não recordar então de observação, ou ex- periência alguma , que mostrasse pratica e decisiv.nmcnte que o poder deinfectantc da Chlorina se extcndia á Peste ; dos lugares suspeitosos podião vir , antes de nos ser notório que nelles se tinha manifestado a Peste , Cartas empesta- das, e perfumando-se estas , golpeadas somente e não aber- tas , parecia inverosímil que o gaz do perfume , que ten- de mais a elevar-sc , que a insinuar-se lateralmente cm es- paços occupados por ar mais pezado , penetrasse pelos gol- pes , por onde mais facilmente havia de penetrar e mal penetra hum liquido mais pc/.ado como he o vinagre. Feitas estas reflexões , contra as quaes nada via indica- do na opinião, que havia proposto o Processo de Mr. Mor- veau , c não querendo ainda assim em matéria tão grave adoptar , ou rejeitar opinão alguma sem todo o possível exame , propuz que se pedisse ao Governo a suspensão da sua 38 Memorias nA Academia Real sua Portaria a este respeito ein quanto por experiências , que SC dcvião fazer , se não via se erão bem ou mal fun- dadas as minhas reflexões , e o meu receio. Conformando- se ajunta com este parecer, fez a mencionada Supplica , á qual o Governo , mostrando a prudência que o caracteri- za , immcdiatamcntc annuio. Em consequência disto o Ex.""» Marquez de Tancos, o Desembargador Barrliolomcu Giraldes , o Primeiro Secre- tario Luiz António Rebello , os Doutores José Pinheiro de Freitas Soares , Henrique Xavier Baeta , Ignacio Xavier , e eu concorremos no Laboratório Chimico da Casa da Moe- da , onde se fizerão as duas seguintes experiências. Experiência i." Mettêrão-se e pozerão se a prumo em hum forno de Baumé Artas abertas ; deixárao-se por y' expostas á Chlori- na desenvolvida pelo Processo de Mr. Morveau. Tiradas do forno observou-se , que algumas letras , que estavão mais per- to da capsula fumigatoria , se tinhao tornado amarcllas , e que as Cartas chciíavão fortemente á Chlorina. Experiência 1." Praticando se o mesmo, e por 10' com huma Carta fe- chada , e traspassada com três golpes parallelos , de huma poUegada cada hum , observou-se , que niío só o sobrescri- to mas também a Carta inclusa , posta longe do sobrescri- to , cheirava por toda a parte ao perfume , muito menos po- rém que a da Experiência i." , e a letra estava sem altera- ção. Levando para casa estas Cartas observei que ellas con- s2rvaváo por longo tempo o cheiro do perfume , e que es- te , na Carta encerrada no sobrescrito , era mais forte nos primeiros seguintes dias , que no dia da Experiência. Estas duas Experiências , contra a minha expectação , pa- siaiT or TAS SOIENCIAS DE LrSBOA, 39 parccerão-me abonar a resolução do Governo ; porque o chei- ro do perfume , que se observava na Carta fachada , indi- cava que elle a tinha penctrido; e a maior intensidade do cheiro na Carta aberta , indicando que o Processo desin- fectante he mais forre abrindo-se as Cartas, justificava o mandar se operar desta sorte quando as Cartas são mais suspeitosas. '-.zv-í':; Nestas circuTTstáncias , pela gravidade da matéria , e porque as illações e a opinião dos meus Sábios Collcgas a respeito de se abrirem as Cartas, não se achavão idênti- cas com 36 minhas , julguei necessário elucidar a questão por meio de novas experiências. Não sendo todas as Cartas de meia folha de papel co- mo a da Experiência 2." , e contendo algumas cousas sus- ceptíveis, cumpria indagar o que succederia com Cartas mais volumosas , com as que recatassem cousas susceptiveis , e em fim como a Chlorina penetra as Cartas. Para resolver estes problemas fiz no Laboratório as se- guintes experiências , para as quaes , do mais bom grado , me franqueou tudo o que me foi necessário, o Doutor Gre- gório José de Seixas, Ajudante do Director do Laboratório. Experiência 3." Tomei dous cadernos de papel; dobrei-os ao compri- do ; fechoi-os com obreas em huma folha de papel ; tras- passei-08 com quatro golpes transversaes de poUegada ; met- ti-os no forno ; e pullos obliquamente ; fiz desenvolver por baixo da grelha a Chlorina misturando huma onça de sal commum com duas oitavas de Manganez {morado dos Olei- ros), quatro oitavas d'agoa, e seis oitavas d'acido sulfúri- co; dcixei-os no forno por ly'; abri-os depois; tirci-lhe o sobrescrito, e levando-os da lugar da experiência para ou- tra casa , eu , o Doutor Seixas , e hum Servente do Labo- ratório, achámos que os cadernos de papel cheiravão por dentro 4 CbiurtHa. Ex- tirara 01 4© Memorias da Academia Real Experiência 4/ Fiz huma semelhante experiência, fechando em huma folha de papel três folhas do mesmo, dobradas em oita- vos , e traspassadas com três golpes de poUegada. Obser- várão-se depois semelhantemente , e achou-se que cheiravão não pouco á Chiorina : o resultado destas experiências , e a observação , que havia feito , de se conservar , por mui- tos dias , nas Cartas fumigadas o cheiro da Chiorina , fize- rão-me crer , que a Chiorina não se introduz nas Cartas so- mente pelos golpes. Para verificar isto Experiência y." Repeti a Experiência 4.' , sem golpear a Carta , e examinando-se da mesma sorte, achou-se que cheirava não pouco á Chiorina. Podendo porém na Experiência 5'.° insinuar-se a Chio- rina pelas margens não pegadas do sobrescrito. Experiência 6." Repeti a Experiência j-.' , lacrando toda a Carta , não sò nas margens onde se pòz a obrea , mas também nas mar- gens lateraes , de sorte que ficou o papel incluso hermeti- camente fechado. Observado depois como nas precedentes experiências , achou-se que cheirava bem perceptivelmente ao perfume , menos todavia que nas Cartas golpeadas. Experiência 7.° Repeti a Experiência 6.* encerrando a Carta em dous sobrescritos , ambos hermeticamente fechados : o resultado foi idêntico , e tão manifesto , que o meu CoUega e ami- go o Doutor Pinheiro, que duvidava da exactidão da ex- -T, i pe- DAS SciENCIAS DE LlSEOA. 4I pcrlcncia , c em cuja casa abri esta Carta dous dias dcpoig da fumigação, reconhecco no papel, incluso nos dous so- brescritos , o cheiro da Chlorina y e convcio em queopar pel he traspassado por ella. Se a Chlorina pois extende o seu poder desinfectan- te até sobre o contagio da Peste , mal se pode duvidar , que pelo Processo de Morveau se possão dcsinficionar as Cartas sem se abrirem , e até sem se golpearem. Ainda po- rém restava determinar, que tempo devia durar a fumiga- ção , ou quando , e em que circunstancias se podião dar por desinficionadas por este Processo as Cartas suspeitosas^ Experiência 8." Para determinar este ponto essencial , á imitação de Mr. Alorveau , deixei apodrecer em hum.pircs seis onças de carne de vacca , tendo em roda delia , e hum pouco mais cm alto, secla^ algodão ^ estopa ^ lã y rama de pennas de hum pcnnacho , e hum retalho de pelletina. Tudo isto estava co- berto com huma manga de vidro , a qual tinha no topo huma chave , ou registro. Todo este aparelho estava den- tro de huma bacia , que se encheo d'agoa até altura de meia poUegada. Qyando. pelo registro percebi que a carne.,, tinha bas- tante cheiro de podridão , examinei aquellas matérias sus- ceptiveis , que estavão' em roda , e em todas achei o máo cheiro da carne , o qual era mais forte nas pennas e na pelle y menos na seda c /fH«flj , c pelles ^ tomão mais do cheiro cada- veroso , que as vegetaes ; que estas o perdem , ou se puri- fi^-ão mais facilmente ; que o effeito da fumigação he me- nor logo que se acaba a operação , que guardando-se a Cir- ta fechada até o seguinte dia; em fim que as substaiic.as animaes carecem de huma acçãa mais prolongada, ou mais intensa do perfume. Para verificar esta ultima conclusão Efcperiencia 5." Pu2 em cima de hum papel picado com hum alfine- te àquellas substancias animaes inficionadas do gaz cadave- rôso , e neile as perfumei fora do forno , suspendendo o papel duas pollegadas acima da capsula fumigatoria. Pas- sados 5' em nenhuma se achava o máo cheiro. j t Experiência 10." Inficionei, como na Experiência 9.* , idênticas substan- cias susccptivcis , e papel. Nesta inficionação houve de dif- ferença ; primeiramente, não haver a meia pollegada d'agoa (a qual na Experiência 9." tinha humedecido muito as sub- stancias susceptíveis); em segundo lugar , ser o cheiro me- nos forte , ou fosse por se exhalar mais pela falta da agoa , ou fosse por outra razão. Todas estas substancias, sem exceptuar o papel, fu- migadas como na Experiência 9,^ , derão o mesmo resultadoí Etc DAS SciENCiASDE Lisboa. 43 Experiência 11.' Fumiguei da mesma sorte Cartas , que recatavâo pw pelf seda, lã ^ algodão c estopa^ semelhantemcnre inficiona- dos, e dcixando-as no foino da desinfecção por huma noi- te , no seguinte dia cheiravão á Chlorina , e tinhão perdido o cheiro cadaveroso. Esta Experiência confirmando a ultima conclusão da Experiência 8.' , indica hum requesito, que deve haver na desinfecção das Cartas pelo Processo de Mr. Morveau. Devo porém advertir, que, ou seja porque a exhala- çâo da Chlorina não he igual , ou porque as Cartas nun- ca ficão igualmente expostas a ella , o resultado deste Pro- cesso não he exactamente igual, e podendo por isso suc- cedcr que cm alguma operação ficassem algumas Cartas mal fumigadas , era necessário achar para este Processo hum cri- tério de desinfecção. Para o achar , e para conhecer as van- tagens , e desavantagens do Processo de Mr. Morveau , e dos outros processos desinfectantes conhecidos , e applicados , ou applicaveis ás Cartas , fiz as seguintes reflexões. O contagio da Peste he differente da ordinária cxha- lação cadaverosa , porque alias seria a Peste tão frequente na Europa toda , como he a putrefacção animal , nem ha- veria cousas insusccptivcis , porque observei nas minhas ex- periências , que o trigo , cevada , &c. que são insusceptí- veis, tomão e retcin muito o cheiro cadaveroso. Por con- seguinte as experiências feitas com o ga/ cadaveroso não são rigorosamente concludentes a respeito do contagio da Peste , e por isso não podem bem indicar a efficacia dos Processos desinfectantes. Nestas circunstancias examinei quaes erao os agentes da desinfecção pestilencial , que a observação assas tinha abonado , e achei que era o vinagre , o enxofre em com- bustão, c o ácido nítrico, isto he , três ácidos differentcs : Reflecti então que o modo de obrar destes ácidos na dcsin- F ii fec- 44 Memoíias DA Academia Real lecção não estava evidentemente demonstrado , porque náo SC sabe com certeza se elles obrao oxygcnando c queiman- do, ou neutralizando j mas sendo inquestionável, que obrâo por huma qualidade commum , que não pôde ser senão a de serem ácidos , julguei que era sufficicnte indicio da sua acção desinfectante o indicio do seu accesso e da sua acti- vidade onde quer que pode estar b contagio pestilencial. E como seja huma propriedade commum dos ácidos mudar em vermelho a côr azul da orsila {tournesol dos Francezes ) , as- sentei que o papel tinto desta côr e mettido nas Cartas po- dia indicar melhor que o cheiro da carne podre , a activi- dade , e vantagens de cada Processo desinfectante. Conse- quentemente Experiência iz." Perfumei pelo Processo de Mr.Morveau diversas Car- tas , em cada huma das quaes , e em idêntico lugar , tinha mettido hum para He logra mo de papel , tinto de orsila , de duas pollegadas de comprido , e de huma e meia de lar- go. Perfumei-as diversamente, e observei que o cheiro da Chlorina algumas vezes era perceptível dentro das Cartas sem mudar muito de côr o papel azul ; e que quando ou por aproximar mais as Cartas da capsula fumigatoria , ou pela reiteração das fumigações , ou pela prolongação destas , ha- via mudança na côr da letra do sobrescrito, havia também decisiva mudança na côr do papel azul incluso, o que in- dicando que o ácido tinha penetrado em estado assas acti- vo, ou capaz de desinficionar , dá por critério de desinfec- ção , no Processo de Mr. Morveau , a mudança de côr na letra do sobrescrito. Consequentemente na desinfecção por este Processo cumpre repctillo , ou prolongallo até se observar aquella mudança no sobrescrito, ou não reputar desinficionadas por este Processo as Cartas, em que não ha a referida mudança. Para avaliar as vantagens , e desavamagens , que este Pro- ces- 6\< ;-.■.■ .,n DAS SciENCiAS DE Lisboa. J^.f cesso desinfectante tem a respeito dos que se costumao usar em alguns Lazaretos , fiz as seguintes experiências. Experiência 13." Fechei meia folha de papel branco em outra meia fo- lha , como hiima Carta ; traspassei-a com dous golpes , cada hum de pollegada e meia de comprimento; mergulhei-a em vinagre até que o sobrescrito ameaçava romper-se ; abri-a depois, e vi que grande parte da meia folha inclusa, c parte do jncsmo sobrescrito náo tinhâo sido tocadas pelo vinagre. Experiência 14." Tomei huma pouca de lã inficionada de gaz cadave- roso , e ensopei-a em vinagre. Duas horas depois cheiran- do-a, eu, o Doutor Seixas, o Servente do Laboratório, e o Capitão Mor de Faro , que casualmente se achava no La- boratório , percebemos de mistura com o cheiro do vina- gre o cheiro cadaveroso. Estas Experiências, 13.* e 14." , parecem justificar a Junta de dar a resposta que dêo aos Qyisitos do Governo; todavia reflectindo que as Cartas se secção antes de se en- tregarem a quem pertencem , que seccando-se ha evapora- ção , e que nesta o vapor do vinagre pôde penetrar , co- mo o gaz muriatico oxygenado , a Carta , e tocalla em todos os pontos ; para reforçar , ou invalidar a opinião da Jnj^ta fiz a seguinte experiência. Experiência ly." Alergulhei em vinagre por ^' huma Carta como a da Experiência 13.' , na qual tinha encerrado hum parallcio» gramo de papel tinto com orsila como o da Experiência 12." Sequci-a depois suspendendo-a pouco acima de hum banho d' arêa , e , abrindo-a , vi que o vinagre só tinha maiv> cha- • --. ■'••-» 4<5 Memorias da Academia Real chado os bbios dos golpes , donde collegi , que na immcr- sao o vinagre não tiniu penetrado mais para dentro ; ob- servei porém que o papel azul se tinha tornado côr de rosa , donde se collige que o vapor do vinagre a tinha pe- netrado na cxsicação. Experiência 16.° Repeti a Experiência 15".', sem golpear a Carta, a qual estava escrita por dentro e por fora, e observei que o papel azul incluso igualmente se tinha tornado côr de rosa , e que a letra do sobrescrito se tinha hum pouco apa- gado. Experiência 17.° Repeti a Experiência ij"/ , fechando a Carta herme- ticamente , e sem a golpear. Observei depois que o papel azul se tinha tornado côr de rosa , mas esta côr era menos viva, que nas Experiências if.* e 16.* Estas três ultimas Experiências, fazendo ver claramen- te que as Cartas mergulhadas no vinagre ( particularmente sendo antes golpeadas , e depois scccando-se ao calor do lume ) são penetradas e tocadas em todo o interior pelo vinagre em vapor, ou pelo agente da desinfecção, mostrão também que ellas podem ser desii^cionadas por este agente sem se abrirem. Estas mesmas Experiências justificao a antiga pratica de Marselha , onde , segundo Mr. Papon (a) , as Carfas se desinficionavão pelo vinagre , sem se abrirem , á excepção das que parecião encerrar cousas susccptiveis, as quaes hiao ao Lazareto para alli se abrirem , e se purificar o que con- tinhão. Esta excepção pordm parece escusada, porque quan- do o vinagre penetra as Cartas , penetra não menos as cou- sas de seda, la , e quaesquer outras susceptíveis, que venhão den- (^a) De la Peste t. i. p. 158. DAS SciENCIAl DE LrSBOA. 47 dentro delia , e como o papel passado pelo vln:igrc fica dcsinficicnado , ^- podem as cousas siisceprivcis , depois de traspassadas pelo vapor do vinagre, deixar de ficar também purificadas ? A negativa desta interrogação só pode fazer estranheza a quem não reflectir, que não ha razão para crer que o vinagre he antídoto do contagio da Peste quando adherente ao dinheiro, ao papel &c. , e não quando adhercn- te ás outras substancias susceptíveis , porque humas e ou- tras não são senão meros recepientcs do contagio , e este he o mesmo em todas. Nem deve obstar a diversidade de processos, que se em pregão na desinfecção das diversas sub- stancias suspeitosas , porque esta diversidade he por causa das fa7.endas e não do contagio , he para se não avaria- rem como succederia mettendo-as em vinagre , e mesmo porque não haveria copia bastante deste para se passrrem por elle todas as fazendas suspeitosas importadas em hum e mais navios. Experiência 18." Misturando huma oitava de nitro, e outra de ácido sulfúrico, fumiguei por 10' no forno de Baumé duas Car- tas , como as da Experiência 13.' , ambas inficionadas de gaz cadavcroso , e ambas com papel tinto de orsila den- tro ; huma porém não havia sido golpeada , e estava herme- ticamente fechada. Abrindo-as depois observei , que conser- vavão o cheiro cadavcroso , e que o papel azul não tinha mudado sensivelmente de côr. Esta Experiência mostra que o Processo desinfectante do Dr. Smith serve mal para purificar as Cartas não se abrin- do. Experiência 19.* Repeti a Experiência 18/ fumigando as Cartas pelo Processo modernamente usado em Marselha (a) , misturando duas (/j) Truité dcs moyens de desinfecter 1'aLr. ParGuyton-Morveau p. 584 e 4«v. -.'■VX ^^ 48 Memouias da Academia Real duas oitavas de ácido muriatico, c tics oitavas de a'cido sul- lurico. Observei depois que amb.is cheiravão ao gaz mu- riatico , menos porém que nas Experiências feitas pelo Pro- cesso de Mr. Morveau , e que a mudança de côr no papel azul era quasi nulla. Esta Experiência indica que o Processo desinfectante recentemente usado em Marselha he menos activo , ou in« ferior ao de Mr. Morveau. Rcstava-me inquirir sobre a desinfecção pela combus- tão do enxofre, Processo o mais antigo, que se conhece. O 111.'"" e Ex.'"" Snr. Principal Sousa , sabendo que cu me oc- cupava de experiências sobre os meios de desinficionar as Cartas, e ouvindo que em Malta se desinficionavão sem se abrirem , dêo huma prova , que eu devo não omitir aqui , do desejo , que tem , do bem publico, incumbindo ao Ajudan- te do Director do Laboratório, o Doutor Seixas , que execu- tasse o Processo de Malta , e que me mandasse as Cartas para eu examinar o resultado. Experiência 20." Este Processo consiste em perfumar as Cartas com fu- mo de enxofre e de palha. O Doutor Seixas executou-o no forno de Baumé, onde deixou estar as Cartas por meia hora. Destas Cartas humas estaváo hermeticamente fecha- das como na Experiência 6." , e as outras cstavão fechadas ao modo usual. Abertas todas estas Cartas , observei que o perfume as tinha penetrado bem , porque todas , sem exce- ptuar as hermeticamente fechadas, cheiravão muito ao per- fume , cujo cheiro conservarão mais de hum mez. O chei- ro parecia mais de palha' queimada , que sulfúreo. Experiência 21." Repeti a Experiência 20.'' sobre duas Cartas inficiona- das de gaz cadaveroso , huma hermeticamente fechada , e ou- 1 D A S S C I E N o I A S D E L I S B o A. 4p outra golpeada, havendo mettido dentro delias papel tinto de orsib. Ambas perderão o cheiro cadaveroso e adquiri- rão o do perfume , c em ambas o papel azul se fez côr de rosa (a). Não ardendo bem o enxofre neste Proces-^o, e poden- do da palha levantar-sc chama , que chegue a danificar as Cartas , procurei por vários ensaios achar o modo de evitar estes dous inconvenientes, e pareceo-me suíEciente o seguinte. Experiência a a." Tomei huma pequena porção de estopa , e estendi-a muito , dentro de huma capsula ; espalhei por cima huma mistura bem feita de meia oitava de salitre e meia oita- va de enxofre cm pó ; metti esta capsula no cinzeiro do forno de Baumé ; puz em cima da grelha duas Cartas , huma fechada só com obrca e não golpeada , e outra her- meticamente fechada , encerrando ambas papel tmto de or- sila. Deitei fogo aos combustiveis da capsula por meio de hum ferro em braza (o que também se podia fazer por meio de hum tissão) ; deixei as Cartas no forno por meia hora, e, abrindo-as immediatamente , em ambas obsen^ei o papel azul tornado na mais viva côr de rosa , e as letras sem alteração {b). Tom. W. G Pon- () Consultando alguns Sábios de Paris sobre o conteúdo desta Me- moria , Mr. Pelletan , (o filho) Medico da Camará de S. Majestade l^uiz WllI. , teve a bondade de me escrever nestes termos . Le Docteiir ylHbcrt ayant reciipar mon eniremise le Mémoire , qiie vous lai avez adnsse, »ii'ii pric de me chargcr de repondre â vos questions sur son mente et son importaiice. Je l^ai commnntqué à plusieurs de mes confreres de Faris , que , comm: mci , se sont spãialemein occupé de Chimie , notre avis commum est ceini , íjne jni 1'hoiineur de vous transmettre. La marche génàrale de votre onvrage est convenable et dirigée par un bon Ciprit , vos tr.pcrkmes sont methodiqties et concluames , et le moyen , qt(t voiís avez mis en usage , est aussi ingéiiieux que conduant t pMsqu'ú at tif$ yo Memokias da Academia Real Ponderando c confrontando os resultados de todas es- tas Experiências concluo ; que: se podem desiníícicnar as Cartas , sem se abrirem , peio vinagre , pelo Processo de ^Ir. Morveau , e pela combustão do enxofre •, que não he necessário , mas he vantajoso , golpeallas ; que he necessá- rio , quando se usar do vinagre , scccallas ao fogo ; que o Processo de Mr. Morveau he menos uniforme , e por con- seguinte mais incerto, que o do vinagre; que ambos podem danificar a letra das Cartas ; que quando se usar do de Mr. Morveau , he necessário repetillo , prolongallo , ou fazcllo tão forte , de sorte que haja alteração na letra 3 cm fim que a fumigação pelo enxofre he superior a ambos, por não da- nificar a letra , por ser mais expedito e uniforme , tanto ou mais barato , por manifestar maior actividade, e por ne- nhum ter huma reputação mais bem dem( nstrada contra a Peste boubonica e contra a da Febre amarella como logo farei ver. Cumpre aqui dizer, que o critério de desinfec- ção deste Processo he o cheiro sulfúreo que as Cartas ad- quirem , e que para o adquirirem basta queimar algum en- xofre com salitre de sorte que se vcjâo os vapores sulfúreos elevar-se por cima das Cartas. O credito do vinagre como antidoto do contagio da Pes- probahle que !es mitismes pestilenciels sont d''une nature analogue à cclle des emanations putrides. Permetuz moi de votis /idrèsser une legere ohserv/itton siir la nature du gaz deúnfíciíinc , au qud votts donnez une juste pnjéreuce. Le gaz, qui se developpe pnndant la combustion du soufre avcc partie tgnle de nitre , )i\'íf pas a beauccup prés de l\icide stilfureux pur , 1/ cnn- tient beaucotip de gaz nhrcux et un peii d''acide sulfmiqjte ; ne pourait cn pai attrtbucr eu grande partie la desinfection à ce gaz niirenx , tatuiis que la conservation de l\ciiture serait determiiwe par la prcscncc des autres gúz i Dcs nouvclles experiences comparativa pourront resoudre cette question. Re- novando ai)ui a Mr. Pelletan- os meis devidos agradecimentos , por ter cjuerido examinar com outros Sábios esta Memoria e por ter a bondade ck me participar o favorável jiiizo , i]ue em commum fizeráo delia , pu- blico , p^ra cjuc al;;ucm se occupe delia , a sabia questão i]ue clic susci- ta, e í]ue, segundo me parece, em nada inva í -a as minhas experiências e o meu raciocínio , o qual pelo que se lè a pag. 4j c 44 c de 50 — 55 , não involve hypocheses ou princípios controversos. 613 ■a O» DAS SciENCiAs DE Lisboa. 5"! Peste Lcvantina ou boubonica funda-se no uso antigo , e mui geral , que delle se rcm feito, onde quer que ha, ou se quer precaver aqnellc flagcllo. Apoiados na experiência , todos a tVoxo reconliccem o poder anti-contagioso deste acido , para cujo credito bastava ser o meio de que no La- zareto de Marselha se servem , ou por muitos annos se tem servido para desinficionar as Cartas vindas de Paizes em- pestados , ou suspeitosos. Em consequência do seu credito contra a Peste Lcvan- * tina , começou a empregar-sc contra o contagio da Peste Americana , ou Febre amarella , e emprega-se familiarmente contra todos os contágios febris. He verosimil que o que dcstroe o fomes ou semente da Peste Levantina , destrua o das outras moléstias pestilenciaes , ignoro porém que se tenha acrisolado por experiências concludentes esta ampli- ficação do poder desinfectante do vinagre. O enxofre tem a sua reputação anti-contagiosa mais bem estabelecida. Já Hippocrates o tinha por anti-loimico , ou anti-pestilencial; não he porém senão depois que o Ca- puchinho Fr. Maurício de Toulon o empregou em varias Cidades empestadas, principalmente cm Génova em i^fó, que d'elle se fez maior uso como anti-loimico. Este bom Reli- gioso , que tanto se expôz , e que parece ter tido contra a Peste o mesmo privilegio, que alguns individuos tem con- tra as Bexigas, Mal venéreo, &c. , misturava com o enxo- fre cous:\s inúteis , ás quaes attribuía essencialmente a vir- tude desinfectante. Este engano porém não era de conse- quência, porque felizmente, a titulo de fazer a mistura mais combustivel , entrava nesta o enxofre era proporção tanto maior, quanto mais poderoso se requeria o perfume. Ado- ptandí;-se depois nos Lazaretos e em outros lugares os perfumes anti-pestilenciaes , alteraVãose , e simplificárão-se muito as receitas , conservou-se porém em todas o enxofre , ao qual devião única , ou principalmente a sua virtude des- infectante. He porém em Mosco w que esta preciosa vir* tude se fez ver mais claramente. Em 177 1 , devastando a G ii Pcs- ji Memokias da AcADEMrA Real Peste esta populosa Cidade , dez pclliças , segundo refere o Drutor A. WoU", inficionadas de Peste , foiáo expostas a luima fumigação forte do Pó anli-pestilencial , c(;m que se costumavão purificar as casas, cuja base era cnx >tre e sa- litre , e que alem disso se compunha de farelos e vege- tacs aromáticos {a)\ e sendo dez criminosos, que estavão condenados á morte , obrigados a vestillas , nenhum con- trahio a Peste. Não devo omittir , que esta experiência, co- ' mo nota o Doutor Mertens, foi feita na declinação da Pes- te , e quando já o tempo era muito frio ; todavia a virtu- de anti-contagiosa deste perfume nao fica duvidosa , quan- do o mesmo Mertens diz que delle se tinha usado sunimo cum successu na desinfecção das casas de Moscom' , e quan- do se adverte que pelas fumigações sulfurosas se costumão desinficionar as Cartas em Malta {b) e em outros Lazare- tos. Ha huma prova , quasi tão decisiva , do poder desinfe- ctante do enxofre contra o contagio da Febre amarella , e dcve-se esta ao denodo , luzes , e zello do Doutor Cabane- las (f) , o qual em Sevilha , quando esta Cidade era desola- da pela Febre amarella , tomou o reguingote do Doutor Sanais, em que este tinha suado, vomitado, e morrido de Febre amarella ; e perfumou-o em hum pequeno quarto , queimando huma onça de enxofre ; no dia seguinte tornou a perfumallo com ácido nitrico , e estendendo -o na cama , dormio sobre ellc sete horas e meia ; trouxe-o depois em contacto com a peite hora e meia; e- vesti ndo-se , pô-lo por cima do vestido, sahio, e tendo andado cinco horas com cile , tendo suado e descançado embrulhado nelle, dêoo a hum pobre, o qual também o trouxe ; todavia nem o po- bre , nem o Doutor Cabanclas contrahírao a Febre amarella. He para sentir que o Doutor Cabanelas quizes^e fa- zer equivoca esta bella e interessante experiência fumigan- do ^^^.— ^"^^ i ' ( huma estrebaria está infectada , he necessário tirar delia j» os outros cavallos , e não entrarem nella , sem primeiro j> se alimpar , e pincelar de novo , defumando-a com en- j> xofre , e salitre, antimonio , pez , e solas de çapatos ve- j> lhos queimados , e depois fumos de alecrim , e hervas j» odoríferas com vinagre , que tudo he defensivo do ar " corrupto. »> No Thesouro de Lavradores de Alexandre Dias Ramos, impresso cm 1737, acha-se recommendado o n:esmo perfume contra a febre pestilencial das rezes ( L. 5. C. 3. p. lói.), (o que me foi communicado pelo Vice- Sccreiario desta Academia o Snr. Sebastião Trigozo. ) A virtude anti-contagiosa ou desinfectante da ChJori- na he hum conhecimento moderno , que se deve aos en- saies, e á luminosa obra de Mr. Morveau {Traité des moyens de desinfecter í'air.). Os ensaios, e experiências deste sá- bio mostrarão , que a Chlorina destroe os miasmas cadave- rosos , ou exhalações' fétidas das substancias animaes em pu- trefacção. Desta descoberta resultou o uso deste desinfe- ctante, e fez-se conhecer a sua cíKcacia contra diversos con- tágios. O do typho foi o primeiro , que se mostrou doma- 5" 4 Memokias DA Academia Real vcl pela Chlorina , e por isso o uso delia se acha hoje muito gencralisado ; e não he em j8io, como parecco ao sábio Professor de Chimica de Coimbra , cjue pela primei- ra ve?. SC empregou em Portugal o Processo desinfectante de Alorveau , porque em 1802 o empreguei cu contra a epidemia que havia na Esquadra Portugucza , que então se achava cm Gibraltar; cmprcguei-o depois nos Hospitacs Mi- litar e da Marinha, no Lazareto da Trafaria quando ha três annos se mandarão para alli os doentes , pela maior parte ryphosos , que vicrão da Esquadra que tínhamos no Estreito de Gibraltar, cm fim nas casas particulares todas as vezes que tem havido febre typhoidea. Contra o contagio da Febre escarlatina consta {d) , que Mr. Duboseq de la Roberdiere o empregou felizmente , e cu recentemente observei os seus bons eíFeitos anti-conta- giosos em casa da Senhora Dona Maria José de Lencastre , e cm casa de Mss. Edward defronte de S.Julião , em cada huma de cujas duas casas tratei huma doente de Febre es- carlatina , que se não communicou a pessoa alguma. O virus varioloso também se mostrou domavel pela Chlorina na experiência de Mr. Cruickshank , o qual inocu- lou duas pessoas com matéria variolosa misturada com Chlo- rina., e a nenhuma sobrevierão Bexigas {b). Contra o contagio da Febre amarclla vio-sc o seu po- der preservativo na Andaluzia (r) , cm Marselha {d), &c. A respeito da Peste Levantina são ainda escassas as obseiTações, apenas achei que Mac-Gregor tinha feito uso dos vapores muriaticos contra a Peste. Na Hist. Med. do Exercito do Egypto , depois de dizer , que as fumigações do ácido nitrico lhe tinhão sido evidentemente mui úteis para suspender os progressos do contagio da Peste, accres- centa , que , acabando-se o nitro , se lhe substituíra o sal ma- ri- (ji) Morvcau p. 356. (/') r.lorveau p. 316. (O Ibid. p. 50 - 5 o Doutor Sotira) por toda a parte, até nas arcas e ar- » niaríos , os mais bem fechados , desinficiona o fato e mó- » vcis, e faz desapparecer o contagio. Eis aqui quanto a >> mim (continua Mr. Sotira) porque cm cada invasão da >» Peste cessa esta constantemente no Cairo pelo solstlcio » do Estio, e não cessa em Constantinopla, a pezar dos » habitantes destas duas Cidades terem os mesmos costu- » mes, a mesma superstição, a mesma negligencia em des- j» inficionar as cousas susceptíveis , e a pezar do clima de »> Constantinopla ser naturalmente mais saudável que o do » Cairo » (c) . Menos se lhe pode recusar quando se re- flecte na diversidade, e multiplicidade de contágios, que a Chlorina dcstroe , e quando se adverte , que até destroe as qualidades soporiferns e venenosas da cicuta e do ópio, como observou Crawford segundo refere Mr. Morveau ; em ^ fim (/i) Bibiiothcque Britanique N, 2:56 p. léç. (,.';) fràttaJo Polirico da praticarsi nc tempi de Pesti p. 107 e 108. (c) Mem. sur le tgypte t. 4. p. 195. jí Memot^iAs da Academia Real fim quando se nota , que a combustão das cousas inficiona^ das dcsuoc o contagio, que lhes estava adhercnte ; que es- te hc por conseguinte combustivel ; c que a Chlorina he hum comhurcnte sem chama dos mais poderosos. He provavehiiente pelo pczo destas razões , que o Go- verno Francc/. mandou que se praticasse o processo desin- fectante de Mr. Morveau em todos os seus Domínios {a) , c que este , modificado da forma indicada na Experiência 19." , se acha presentemente adoptado no Lazareto de Mar- selha {h). Creio pordm ter demonstrado, que, para desinficionar Cartas, nenhum processo merece mais confiança, nem hc preferível ao da combustão do enxofre com salitre , e que por este podem ellas desinficionar-se seguramente sem se abrirem. Lisboa 20 de Abril de 18 14. APPENDIGE. N< o Lazareto de Malta as Cartas não se purificão sim- plesmente pelas fumigações sulfurosas como dei a entender a pag. j I ; antes de se fumigarem são passadas pelo vi- nagre. Eu cahi naquella. inexactidão pelo erro, que commet- teo Mr. Bertin quando diz na versão Franceza da Historia dos Lazaretos de João Howard p. 19 "Une lettre appor- » tde par un vaisseau nouvellement arrivé de Turquie , y » fut rcçúe sous mes yeux avec des pincetrcs trampées dans j> du vinaigre, puis enfermée dans une boite et deposée " pan- (rt) Morveau 1. c. p. 155 , e 418. (/í) Id. ibid. p. 585. Na Organhation du scrvice dcs /]u,:iantai)ics dam le Port de Genes , impressa em 1810, acha-se : c\st avec ccttc vapcw (^dc l'acide mtiriatirjite oxygcné ) qH''on cxpnrge particnlteiei):cin Us Icttrcs sinipks tt qticlques pctiies objits susccptibles qti'ellcs poiírroiein conteiiir , p. 2j. DAS SciEVCIAS UE LiSBOA. ff j> pariLlnnt un qii;'.rt d'heure sur des grillcs defer, sous leS 3> (jucllfs on biula de la paille et dcs parfiimcs: aprés cela >j on ouvrit la baite et la Icttre en fut rctirée par un dcs j> Directeurs du bureau. Tclle est la manicre habituelle »» d'y recevoir les Icttres. " O original Inglez nesta passa- gem em lugar de dizer como na versão Franceza , que se pegara na (Jarta com tenaz molhada em vinagre , diz {d) que se pegara na Carta com tenaz ; que esta se molhara em vinagre ; e que depois ... se perfumara &c. , não diz porém que se abrira primeiramente. No Lazareto de Liorne parece que a purificação se faz meramente pelas fumigações sulfurosas , porque Papon na sua Obra De la Peste tom. 2. p. lyó depois de dizer que cm Marselha se recebem as Cartas de Saúde pegando-se-lhes com huma tanaz , mergulhando-as em vinagre , tirando-as quando bem ensopadas , e estendendo-as sobre huma taboa , onde o Conservador da Saúde as lê sem lhes tocar, acres- centa : A Livotirtie on reçoit au hout de une canne de six a sept pieds de long , la patente et le manifeste qiCon par fume avant de les toucher. Cette pratique est peut être plus súre. A respeito porém do methodo de purificar as Cartas em Malta , cumpre advertir que elle he redundante , porque se o fumo do enxofre he desinfectante , como está prova- do até pela pratica de Liorne , he desnecessário , além de dispendioso e incommodo, empregar primeiramente o vina- gre ; e se o vinagre basta , como mostra a pratica de Mar- selha , he supérfluo empregar depois o enxofre. Tom. IV. H PRO- (rt) A Liter htou<[ln hy a Ship just arrived from Turksy , was , I í.jw , reccivtd w,tb a pair of imit tongs , dipped in vinegar , and tbin put imo it case , and laid for abont a quarter of an boiír on wire gratcs , vender icicb stran and perfumes bad been burni: An Account of the Principal La- zatettos p. 8. 58 Memobiasda Academia Real PROJECTO DE HUM ESTABELECIMENTO DE ESCOLAS DE AGRI- CULTURA PRATICA. POR SebastiXo Fkancisco de Mendo Trigozo, Odos hoje conhecem , ao menos em theoria , que a Agri- cultura hc a mais interessante c productiva de todas as oc- cupaçdes sociaes , e a que faz a principal base da felicida- de publica ; e por isso todos propugnão pelo seu adianta- mento , indicão os obstáculos que se lhe cppõem , e os meios porque deve ser promovida Este voto universal tem feito com que os differentes Governos tenhão desde hum certo tempo promulgado grande quantidade de Leis para augmcn- tar os seus progressos; mas a pezar de tudo, he hum facto que ninguém se atreverá a negar, que na maior pai te dos Paizes ella se conserva ainda hoje em hum deplorável atra- zamento. Parece mesmo que hum Fado maligno empece que es- ta Sciencia se não communique, e adiante como as outras. Os descobrimentos Fysicos , Mathcmaticos , Médicos , e mes- mo os das Artes e Manufacturas , apenas apparecem cm hum Districto , logo correm quasi toda a Europa , em quanto os descobrimentos agronómicos morrem ás ve/.cs passados sécu- los, sem se affastarem do lugar que os vio nascer. O amor da novidade , o desejo da imitação , tão poderosos a ou- tros respeitos , nada podem contra este afferro ás praticas adoptadas. Hum mal tão universal deve ter causas que tambcm o jjraií oi DAsSciENCiAs DE Lisboa. 5*5» o sejáo, c huma das principacs he sem duvida a ignorân- cia dos Agricultores : bem pódc hum Governo estubelccec hum systema de tributos sábio e uniforme, bem pôde tirar os obstáculos que se oppóem ao Commercio interno , e regu- lar devidamente o externo , bem pode cm fim pôr-se pof obra tudo o que depende da vontade e poder do Imperan- te ; em quanto os Agricultores não tiverem huma instruc- çáo conveniente, todos os seus projectos, todos os seus melhoramentos serão nullos , ou precários , e muitas vezes ruinosos. He bem certo que houve já tempos em que os nos* SOS Lavradores eríio tão ignorantes como agora , e a pezar disso a cultura de Portugal era superior á de quasi todas as outras Nações. Mas na infância da nossa Monarchia , scí- guiamos ainda as noções agriologicas, que os Árabes e Go- dos tinhão herdado dos Romanos , nossos primeiros con- quistadores ; e se não éramos os únicos povos que tinhamos estes conhecimentos , he ao menos indubitável que nenhuns outros nos excedião ; mas ,; poderemos ainda agora di/er o mesmo ? ^ Quanto não difFere a Europa actual da Europa do Século XIII. ? Então os nossos conhecimentos práticos erão talvez os que estavão mais adiantados, agora são sem duvida os que estão mais atrazados , respectivamente ás ou- tras Nações (a), H ii He (/j') He esta huma das objecções cjiie se pôde oppor aos Estabelecimen- tos *]ue propomos , e será facil v.iriar os exemplos ; assim não filr.uá »|uem liiga , cjue os Mouros e os Grcjos vendem o seu ^rio em concor- rência com as outras Nações , ao mesmo tempo que cítáo muito mais atrazados em conhecimentos do que cilas ; mas ; ijuem não ve tjue a f .1- ta de numerário ijuc allí circula , he qus fiz com <.|ue a sua mão de obra se|a muito mais barata do •.jue a nossa : Quem porsaber que o trigo se vendia pormenor preço em Níariocos, oii njs Ilhas do Archipelago , do que cm In.;l,ircrri , tirasse por cone usão que a Agricultura estava alli mais aperfeiçoada do que na Grã-Brcianha , enganar se hia palp.ivcl- in?nre. A mesma falta de numerário, unida com outras causas politicas, produz na China huma grande barateza cm os géneros da primeira ne- cessidade. N'huma palavra considero Portugal não Isoladamente, mas em lelaçáo com os outios Paizes , e govetnando-se pela mesma Legisla* 6o Memorias da Academia Real He a este anazamcnto que eu vou propor hum re- médio que julgo eíficaz , sem que com tudo pense sarar com elle todas as feridas da nossa Aí>ricultura. Pcsso-is de huma reconhecida instvucçao , e que gozao da confiança do Governo , estão incumbidas de examinar os obstáculos Ic- gaes que se oppôem a ella , e os meios de os desvanecer , e de melhorar o nosso sysrema agronómico. O meu objecto restringe-se somente a mostrar, que em o estado actual dos nossos conhecimentos passar-se-hão muitos annos , e talvez séculos antes que as nossas terras aumentem a qu.intidade das suas producções , se se não promover u instrucção por meio das Escolas de Agricultura pratica. He certo que estes conhecimentos agrários tem já me- recido a attenção dos nossos Soberanos , principalmente em o felicíssimo Reinado da Rainha N. Senhora. Ampliando a jurisdicçáo da Junta do Commercio , deo-lhe esta Augusta Soberana huma inspecção immediata sobre a Agricultura, não só para examinar o estado actual da de todo o Rei- no , mas para fazer subir á Sua Real Presença todos os pro- jectos e melhoramentos que julgasse conveniente pôr em pra- tica : estabeleceo-se esta Academia Real das Sciencias cc- mo hum foco de luzes e de conhecimentos , que devião ser espalhados por todo o Estado, para assim se promoverem não só as Sciencias , mas também a Industria nacional ; em fim creou-se huma Cadeira na Universidade de Coimbra , para nella se lerem privativamente os principios da Agri- cultura, e foi este objecto encarregado a hum dos mais há- beis e beneméritos Professores daquella Faculdade. A pcz.:r porém de tantos desvelos e fadigas, seja me licito pergun- tar , i se depois de todas estas providencias se conhece me- lhor cultura nos nossos terrenos , se houve algum adianta- mento ou melhoramento geral , algumas plantas ou instru- mentos novos univeralmente introduzidos? Não Ç30 politica e económica aue aciualmente leni , e neste caso hc cjuc ailírmo , <.]ue nunca poderáo concorrer os seus géneros com os dos tí« trangeiros , em quanto o« Agricultores não forem mais intiruidos. SIKM OT DAS SciENCIAS DE L I S B O A. 6l Não se conclua poiém daqui que o pouco fructo , qu3 até agora se tem tirado na pratica , dos sobreditos Estabe- lecimentos hc de alguma tórma devido á sua imperfeição ou inutilidade ; esta idéa seria totalmente absurda : a con- sequência que se pôde tirar he , que ellcs ainda não são bastantes , e que depois de se ter olhado a Agricultura pelo lado scientifico , he igualmente necessário promover o ensi' no methodico da sua pratica : se ella he huma Sciencia j he também huma Arte , que tem , como muitas outras , princípios theoreticos em que se funda ; mas por huma par- te estes princípios não se podem dilFundir tanto em Por- tugal, que cheguem a todos, quaesquer que sejão os meios que se adoptem ; e por outra parte o pequeno numero de pessoas capazes de os adquirir não se costumão empregar em o cultivo de suas fazendas , que deixão entregues ao cuidado de Administradores subalternos. Isto posto , persuado-me que se a Agricultura se olhas- se como huma Arte , e se lhe applicasse até hum certo ponto a Legislação das outras Artes, resultariao daqui van- tagens incalculáveis. O official de qualquer officio mecânico , por mais simples que elle seja , nâo o pode exercer publi- camente , sem o ter apprendido alguns annos ; e por huma inconsequência de que não se pôde dar razão solida , hum destes mesmos officiaes, hum homem que nunca vio o cam- po , he muitas vezes posto á testa da administração de hum grande prédio , de que nunca teve as mais ligeiras no- ções. Este abuso tão antigo , que já Columella se queixava delle , pôde ter remédio no estabelecimento de Esc(;l;'.s praticas , cm que as pessoas , que se desrinão a semelhantes occupações , vão apprcndcr o curso dos trabalhos campestres, e habilitar se a ensinar hum dia com o seu exemplo aquel- les mcthodos , que apprcndêrão , e virão usar com maior van- tagem. O interesse que daqui devem tirar, lhes pagará com usura o tempo que gastarem naquelle estudo; e os melho- ramentos que souberem introduzir nos differentcs cultivos , re» 6ia« OT 6t Memokiasda A-c ademia Real recoinpcnsaráõ amplamente os Proprietários da maior des- peza que com: eUcs forem obrigados a fazer.t '^ ■ t. .:•■, \^r. vi.. Nito hc porém Ci>te o único ponto de vista' em que se' hão de considerar estes Estabelecimentos , tem outros igual- mente interessantes. - bhiyji •-■'■ • -, A- Agricultura pratica ofFerccc huma grande divcrsida-i <3e de ramos a que se deve attcndcr: cm. os vegctaes já cultivados no Pai/., ella pode melhorar o seu cultivo, e augmcntar a sua prodiicção , pôde ensinar o methodo dd ícrtilizar os terrenos , de preparar e empregar os estrumes (cousa ainda entre nós bem pouco conhecida ) ; pôde intro- duzir o uso de muitos instrumentos que diminuirião .consi-- deravclmcnte a mão de obra , e era fim climati/.ar muitas plantas e arvores exóticas ,. de que se tirariao grandes inte- •resses. Ora como tudo isto por forma alguma se consegue melhor do que pelo Estabelecimento que proponho , será preciso entrar em alguma explicação sobre cada hum des- tes artigos. •:' -íi A cultura dos Cereaes he a mais recommendavel de ,todas, por formar a base do nosso alimento, e desgraçada- mente he aquella que menos em Portugal, se tem aperfei- çoado.. Em. huma viajem que Arthur Young fez á Catalu- nha, que lhe tinha sido pintada como o jardim da Hes- panha , ficou elle pasmado de ver os seus immensos valles .e colinas em grande parte de alqucive ; e em hum escrito -que publicou relativamente, a .este assunto , serve-sc de ordinário, para explicar o máo estado de cultura de. hum districto , da seguinte expressão; Terra de alqueive y e em consequência md cultura, i Que diria este sábio Agrónomo se chegasse ao Alemtéjo , e examinasse a maior parte das .outras terras lavradias de Portugal ? ^ Qiie diria se visse. n-lo já.o.systema dos alqueires, mas sim muitos terrenos, que só de três cm três , ou de quatro em quatro , e mesmo de oito em oito annos ,. he que são semeados? ^ Que diria se ■visse grande parte dos outros condcmnados a produzir quasi .perpetuamente o mesmo género de plantas ? . . A dasScienciasdeLisboA. 6^ A grande urte d;is Sementeiras consiste hoje cm diá nos aíFolhamcntos; introduzidos ellcs c bem regulados, des- apparccem os puusios e os alqueivcs , e o terreno a pezaí de dar mais abundante colheita , melhora-se de anno cm an- no. Alas a natuie/a destes afiFolhamentos nao se pódc bem fixar somente por principios theoreticos ; os dilRrentes cli- mas, as diftlrcntcs terras, e mil outras circunstancias exigem diffcrcntcs ordens de successao de plantas. Só a experiência he que pôde decidir este ponto, ^ e onde melhor se podem fazer estas experiências do que nas Escolas praticas? A fertilidade dos terrenos depende (além dos aifolha- mentos appropriados) da qualidade dos estrumes , e do mo- do de os empregar. Os estrumes são de duas naturezas di- versas, huns destinados a obrar mecanicamente, adelgaçan- do a terra quando por sua natureza he muito tenaz e for- te , e vice versa ; outros destinados a obrar chimicamente fornecendo os principios próximos da vegetação. Para o em- prego dos primeiros, e mais ainda dos últimos, ha bastan- tes cousas a que attender, superiores á commum intelli- gencia dos Lavradores , que não he conduzida por huma pratica illustrada : não somente se pôde aumentar a sua quantidade por meio de substancias de quasi nenhum va- lor, e que cada huma de per si seria de pouco uso; mas a sua força pôde ser maior , á proporção dos materiaes que se empregão nas Estrumeiras, do modo de construir estas, e do tempo e methodo variado porque os estrumes se lan- ção d terra. Estes diversos conhecimentos difficilmente se poderão tirar da simples thcoria , e em parte alguma se ap- prendcráõ melhor do que nas Escolas de Agricultura pra- tica. O outro objecto ("como acima toca'mos) pira que ci- las são muito proveitosas he para a introducção das Maqui- nas aratorias. ,; Que se diria de hum Povo, que não tendo idéa alguma das Maquinas que se tem inventado, por exem- plo , para fiar os algodões, fizesse á mão todas as fiações, e quizesse depois competir nas suas manufacturas com os ^4 Memorias daAcademia Real outros Povos , onde estes instiumcntos são conhecidos ? Ora he justamente o que nos accontece na Agricultura : a nos- sa mio de obra deve de necessidade ser mais cara do que a estrangeira , onde hum homem com huma Maquina sim- ples faz o que muitas vezes quatro por si só não poderião executar. O que se diz a respeito dos homens, deve-sc en- tender, e talvez com mais razão ainda, a respeito do em- prego dos animaes. Pódc talvez dizer-se , que já muitas vezes se tem inten- tado introduzir o uso de algumas Maquinas; e que o re- sultado não tem correspondido á expectação ; desgraçada- mente he isto huma verdade , que assim devia succedcr. O emprego da mais simples Maquina exige huma certa destre- za , que só se adquire pelo habito; além de que, muitos instrumentos que (em razão do terreno) são mui vantajo- sos em hum Paiz , não o são em outro sem algumas alte- rações, que por mais pequenas que sejão, só podem ser de- terminadas por pessoas intelligentes, precedendo sempre ex- periências preliminares; e por modo algum se poderão me- lhor alcançar todos estes fins , do que por meio das Escolas de Agricultura pratica. A introducção dos novos géneros de cultura he outro ponto que ( segundo o estado actual dos nossos Lavrado- res) nunca se poderá conseguir senão pelo methodo já apon- tado. Esta Academia tem publicado ha muito nos seus Es- critos o catalogo de algumas plantas exóticas , que seria con- veniente cultivar no Reino : agora mesmo que o Brazii es- tá muito mais conhecido , seria fácil , mantendo com os nos- sos Sócios huma correspondência mais activa, fazer vir mui- tas sementes , que se dariâo bem no nosso clima , e augmen- tarião a nossa riqueza. A mesma Academia tem proposto prémios aos Lavradores que cultivassem melhor algumas plantas , que de certo se sabe que prosperão em Portugal : tem-sc-lhe mandado dar gratuitamente as sementes, e accom- panhado esta distribuição com escritos, que ensinao o me- thodo do seu cultivo; e com tudo a pczar de tantos esfor- ços, DAS SciENClAS DC LiSBOA. 6^ ços , apenas a cultura das Baratas tem feito alguns progres- sos , e esses ainda diminutos. A razão dibto hc a meu ver bastante obvia : estas re- mentes , estes escritos chegao ás mãos de Proprietários que não cultivão por si , mas fazem cultivar por seus Caseiros , a quem confião as novas plantações. Estes , as mais das ve- zes inimigos de toda a novidade , não somente pela sua ignorância , mas por não terem algum trabalho de mais , fiizem a primeira tentativa ; e não obtendo , como não he provável que obtenhão , eíFeito favorável delia , renunciao a experiências ulteriores , e fica assim decidido no seu con- ceito , que semelhante género de cultura he inadmissivel no nosso Paiz. Se se reflectisse , que as Plantas que em hum Clima se scmeão por exemplo no Outono , em outro se devem semear no Inverno , e em outro na Primavera ; se se co- nhecesse que as lavouras preparatórias para as Sementeiras são também diversas pelos mesmos motivos ; que as Semen- tes em humas partes vegetão bem em a mesma terra em que se semeão , em outras vingâo melhor sendo transplan- tadas , e mil outras diíFerenças que agora não posso indi- car ; conhecer-se-hia quanto as experiências preliminares são necessárias , e que sem ellas todas as despezas e desvelos serão frustrados, ao menos por longo tempo. Ser-me-hia fácil ( se fosse preciso ) multiplicar ainda estes argumentos , mas referirei em lugar disso , que tra- tando-se em Inglaterra , no Condado de Durham , de es- tabelecer hum terreno de experiências agronómicas , ajun- tárão-se»logo alguns indivíduos zelosos do bem publico, que subscreverão para mil Ib. st. de fundo , e quatrocentas annuacs de renda. Passado algum tempo , e desejando os promotores deste Estabelecimento empregar huma maior somma por hum modo vantajoso , consultarão o celebre Ar- thur Young sobre o methodo , que elle julgava mais pró- prio para fazer florecer a Agricultura ; se a publicação de Memorias , se os Prémios , ou se finalmente huma Escola Tom. IF. I de 66 AIemofias da Academia Real de Experiências. A resposta deste S.ihio filantropo he de- masiado csrensa para se inserir neste lugar , mas quem ler os seus Annaes , virá no conhecimento de quanto elle repu- tou prefcrivcl este ultimo methodo, Sc pois cm Inglaterra , onde a massa de conhecimen- tos agronómicos hc tão grande ; onde ha tantas pessoas instruidas que cultivao por si mesmo os seus prédios ; {a) onde mais que em parte nenhuma se tem escrito sobre es- te objecto , e a classe dos leitores hc muito numerosa ; e onde finalmente cada Herdade se pôde considerar como hu- ma Escola pratica , em que todos os dias se põem por obra novos melhoramentos; se cm Inglaterra, digo, se julgou o methodo que acabo de propor como o melhor de todos , ^ o que não será em Portugal , onde aquclles meios de ins- trucção estão muito mais resumidos ? A conclusão he fácil de tirar, {b) A este testemunho de Young , que hc do maior pe- so, ajuntaremos outro, que em nada lhe he inferior, e que faz ver quando as considerações politicas devem ceder, quan- do se trata do bem geral da humanidade. Quan- (íi) A esta classe de Propriecarios-cultivadores deve particularmente a Inglaterra o adiantamento da sua cultura; e todos os Escritores de Eco- nomia rural antigos e modernos não cessão de indicar quanto seria con- veniente para os progressos da Agricultura que semelhantes pessoas cul- tivassem pcJas suas mãos. Já o Carthaginez Magon dizia : Qui a^riim farabit , domum vendat , ne malit urbanum quam ruaicum larem cohre ; e Columella que o cita, emprega parte do seu primeiro livro em persua- dir isto mesmo por muitas maneiras difterentes. Hum dos motivos que talvez mais concorreo para que a Província da Estremadura s'e restabe- lecesse depois da Invasão das tropas Francezas , foi verem-sc alguns dos seus Proprietários em circunstancias de serem obrigados a feitorizar as suas próprias fazendas : não era tanto como donos , mas como pessoas mais entendidas , e tomadas industriosas pela necessidade , que a sua as- sistência no campo foi de hum tão grande proveito. (b) Longe de mim a falsa persuasão de que cm Portugal não ha pes- soas instruidas na pratica da Agricultura ; mas , no nosso estailo actual , são ellas as únicas que tirão partido destes conhecimentos , ou quando muito os seus visinhos : se porém estas mesmas pessoas dirigissem alguns dos Estabelecimentos propostos ; quanto mais se não divulgatiào as suas praticas , e serião úteis á Sociedade i SI3>T Oõ I D A S S C I E N C 1 A S D E L I S K o A. ■' ' éf Quando Mr. Otro esteve Commissario da Republica Franceza em Inglaterra, o Cavalheiro Sinclair , Membro do Parlamento , c fundador da Mesa Britânica de Agricultu- ra, lhe entregou o Projecto de hum Plano para o estabe- lecimento de Escolas experimentaes , e para fixar os prin- cípios dos progressos agriculas. Dando-lhe este papel , elle lhe recommendou que o enviasse a Prança , para ser examinado no Instituto, e impresso nas suas collecçóes. Foi o projecto examinado em huma Commissáo ,, de que Mr. Tcssier era Orador , e todos concluirão que não só se de- via fazer logo publico, mas que este era o meio mais pronto e enérgico de aperfeiçoar , e augmentar dentro de pouco tempo os conhecimentos agronómicos. Aquelle projecto de Mr. Sinclair era algum tanto dif- ferente do que tenho a honra de propor ; mas também o estado da Agricultura Franceza e Ingleza he bastante dif* ferente do nosso. Attendendo pois a este estado hc que cu vou delinear as bases destas Escolas. A superfície do Reino de Portugal ainda que peque- na, admitte pela sua feliz situação, e pela sua variada tem- peratura huma grande diversidade de cultivos , offerecendo assim a vantagem de reunir em hum pequeno espaço as Plantas septcntrionaes , e as meridionaes. O Algarve dá-nos hum clima apropriado para as segundas \ em quanto as pri- meiras vegetão soberbamente na Província de Traz os mon- tes , e em algumas cordilheiras mais elevadas da Beira : basta esta consideração para se conhecer quanto seria con- veniente o estabelecimento de huma Escola cm cada hum destes Dibtrictos. Independente destes dois Estabelecimentos , he claro que deve haver outro nas visinhanças da Capital. Se o fim primário delles he formar homens capazes de administrar hum dia propriedades ruraes ; em parte alguma se podem achar reunidos maior quantidade de meios para isto, do que nas immediações de Lisboa , onde a população he mais nu- merosa .e . cica , onde ha mais facilidade de chegarem os I ii no- 6S Memorias ua Academia Real novos descobrimentos estrangeiros , e onde pódc concorrer para sua instrucção a mocidade de toda a Província da Estre- madura. Estas trcs Escolas , a das Provincias do Norte , a das do Sul, e a terceira (que pela sua posição chamarei cen- tral ) parecem-me absolutamente indispensáveis , e também me persuado, serem bastantes, attcndendo a que o Alein- téjo pôde em grande parte tirar a sua instrucção da Esco-> la central , quanto lho permittir o calamitoso estado da sua Economia agraria , e que o Mmho he a Província que me- nos necessidade tem deste soccorro immedíato. A difficuldade maior , e talvez a única que pôde ha-i ver para se realizarem estes Estabelecimentos , he a falta dos fundos necessários para elles. Em Inglaterra , onde o egoís- mo cessa logo que se trata do bem geral da Nação , pro- punha Mr. Sinclair o meio, alli tão trivial, das subscrípçõcs, e acima vimos como huma foi ampla , e prontamente preen- chida. Este methodo poderia talvez tentar-se em Portugal ; não me atrevo porém a dicidir se por si só seria sufEcien- te : além disso Mr. Sinclair tomava este projecto em pon- to maior, do que não julgo a propósito de propor, ao me- nos por agora ; neste caso huma grande parte das co- lheitas annuaes servia a compensar a despeza , e vinha em fim a dar hum lucro excedente , pelo corte das madeiras , que tinha lugar de annos a annos. Eu abraçaria facilmente as mesmas idéas , se os nossos Capitalistas , assim como es- tão prontos a formar associações Commerciaes , estivessem na pratica de se Hgarem entre si para Sociedades agrarias, as quaes se não fossem tão lucrosas , seríão muito mais se- guras do que as primeiras. Na falta deste meio só tratarei do outro, na hypotese de que o Estado toma a si a manutenção destes Estabe- lecimentos , cousa tanto mais possível , que o Fisco , a Co- roa , e as Cameras do Reino nos seus respectivos Baldios , tem terrenos que podem ceder para estas três Granjas de Instrucção , sem detrimento considerável da Real Fazenda, Da fií3^ oz DAS SciBNCIAS DE LiSBOA. 69 Dados estes terrenos, as primeiras despezas , isto lie, as necessárias par;i pôr as Escolas em exercício , são mui- to difficultosas de arbitrar agora , pois dependem do esta- do cm que ellcs se acharem. Hum prédio que tenha casas e oíEcinas , que esteja já cultivado, murado &c. não fará a mesma despcza do que outro em que faltem estes requisi- tos. Somente em hum terreno determinado se poderá avaliar com alguma exactidão a somma , que he necessário empre- gar para o proposto fim. Não accontcce o mesmo com os gastos annuaes que ao depois se seguem. Huma Economia bem dirigida , que em- pregue somente os operários precisos , e que aproveite a venda das differentes producções da terra, tanto em fructos , como em sementes , como em arvores , poderá sem duvida com 8oo(i) réis de ajuda de custo em cada hum anno na Escola central , e com 600^ réis nas das Provincias , man- ter hum curso regular de experiências agronómicas , não entrando com tudo nesta conta os dois ordenados do Di- rector, e Subdirector das sobreditas Granjas. Na escolha destes he que está toda a alma desta em- preza. Nos primeiros tempos será talvez difficil o provimen- to destes lugares ; mas he de esperar que de dia em dia $s vão formando pertendentes mais beneméritos; seria mes- mo hum meio de dar emprego a alguns Bacharéis Forma- dos na Faculdade de Filosofia , ainda tão pouco frequentada entre nós , por não se ter determinado occupaçâo alguma para os que se empregão simplesmente no seu estudo. Este Director , que he obrigado a fazer huma residên- cia assídua no seu Estabelecimento, deve ter hum ordenc- do que o habilite a prescindir de outros interesses, e sub- sídios : competc-lhe a administração tanto dos trabalhos, como. dos fundos da Granja , e o dar de viva voz as lições de Agricultura pratica , expondo á vista dos differentes tra- balhos , os motivos em que são fundados , e a razão da sua preferencia :. por occasião disto clle poderá explicar , e fa-» zcr conhecer as differentes naturezas dos terrenos, o mo- do Bia^fl 03 ytt Memo FIAS da Academia Real do de empregar os estrumes , em fim tudo o que diz res- peito á pratica desta arte tão nobre c iiiecessaria. Semelhan- tes lições bem se vê que náo devem ser sugeitas a hum' Compendio fixo ; a occasião he quem ensina as matérias que devem ser tratadas naquelle dia , c o campo he a Au- la em que devem cxplicar-se. O Subinspector tem mais particularmente ao seu cui-í dado vigiar sobre os empregados subalternos ; he huma es-^ pccie de Feitor incumbido da administração de hum Pré- dio, em que assiste o dono. Elle deverá ter os seus livros de registo sempre patentes a todos , será obrigado a lançar nelícs as épocas dos differentes trabalhos, os methodos que SC seguirão em cada hum , e os resultados que offerecêrao comparativamente , em fim tudo quanto poder servir para illustrar os objectos que alli se tratão. A Academia Real das Sciencias estava mais que nin-? guem cm circunstancias de ser Fiscal destes Estabelecimen- tos , e além do interesse publico tiraria disso muitas ou-. trás utilidades : como os Directores deverião ser seus So-; cios , os resultados mais decisivos das experiências podião enriquecer as suas Actas : a sua Classe de Sciencias natu-* raes podia indicar os pontos que desejasse ver illustrados, as Plantas cuja cultura lhe parecesse mais fácil e vantajosa , e os Instrumentos cujo uso repufasse mais manual: os Pré- mios finalmente, que ella costuma propor todos os annos aos Lavradores , teriao hum resultado muito mais feliz ^ e estas duas Instituições dariao mutuamente as mãos, e con- correrião melhor, assim unidas, para a propagação dos co- nhecimentos úteis , e para os progressos da Agricultura. Como as três Escolas que tenho proposto trabalhão j:odas para o mesmo fim , não só devem ter as mesmas Instrucçôes , mas será conveniente que os seus Directores mantenhão huma correspondência regular, e necessária pa- ra se .repetirem em differentes qualidades de chão , e diífe- rentes climas as suas experiências , e fazerem-se conhecidos es seus resultados. De- DAS SciENCiAS DE Lisboa. 71 Desejaria poder entrar cm averiguações circunstancia-» das a respeito da cstensão necessária dos terrenos para as Escolas , e das divisões que nelles se devem praticar , mas isto excederia ns Icmitcs i]uc me prescrevi. Hum campo mais cstenso exige , que as primeiras despezas sejão maiores , mas serão as experiências mais completas, c será menos despcn- diosa a sua conservação annual ; em fim persuado-me que em menos de cincoenta a sessenta feiras serão os trabalhos mesquinhos e insufficientcs, ou serão poucos os objectos a que se attenda. Em quanto ás divisões do terreno, p(Sde dizer-se em geral que as Plantas próprias para os Prados artificiaes , as Plantas leguminosas que admittem cultura em grande para o sustento do Gado , as Plantas cereaes , e finalmente os vi- veiros de Arvores formão quatro grandes divisões ^ em que a Granja se pódc repartir , deixando huma pequena por- ção para outras experiências diversas. Estas grandes divisões devem necessariamente ser ain« da subdivididas: por exemplo, se vinte geiras são destina- das aos Prados artificiaes , metade pode ser empregada em Plantas regadas , e outra metade cm Plantas de terrenos se- cos. As Plantas que se cmpregão em alimento para o Ga- do , como muitas são pouco usadas entre nós para este fim , virão a occupar bastante espaço , que também deve ser subdividido. Assim as Cinouras , as diíFerentes espécies de Nabos , as diversas raizes que o vulgo tem confundido debaixo da denominação genérica de Batatas, e muitas ou- tras deverião ter hum lugar separado. O terreno destinado ás Plantas cereaes não só deverá ter a subdivisão das di- versas espécies que nelle se cultivarem , mas até seria con- veniente que algumas destas espécies fossem cultivadas por diversas maneiras , para depois se compararem os seus re- sultados ; e por isso o trigo poderia em parte ser semea- do á mão , em parte com o semeador , e em parte trans- plantado , vindo-se por este modo no conhecimento da pre- ferencia de hum destes methodos , ao menos em hum ter- rc- Sl3Ta 03 7Z Memorias da Academia Real rcno dado : semelhantemente se deverá proceder a respeito de outros grãos. He bem evidente que este quadro deve ser variado , ao menos em parte , todos os annos ; pois não nos devemos esquecer que o primeiro movei da boa cultura são os aíFo- Ihamcntos ; mas tanto estas variações, como outras miude- zas a este respeito , não podem ter lugar nesta Memoria , que não passa de hum simples Projecto. No caso que se adoptasse o Plano que proponho, os Directores deveráó ter bastantes conhecimentos, e a Classe das Sciencias Naturaes tem bastantes idéas a communicar-lhes, para poderem pres- cindir dos meus fracos soccorros. Não fallei até aqui de outro artigo de Economia Ru- ral para que as Escolas podião ser igualmente profícuas , e he a criação do Gado em geral , e principalmente do la- nigero. Será fácil querendo, annexar este aos outros ramos de instrucção , principalmente sendo as Granjas hum pouco mais estensas ; poderia mesmo ser huma delias mais parti- cularmente destinada a este fim , visto ser certo que sem criações não pode haver boa Agricultura , c que temos al- guns Districtos, taes como o Alemtéjo e huma grande par- te da Beira , que parecem mais propriamente destinados para ellas ; he alem disso fora de toda a duvida , que as nossas lans , melhoradas as raças , são capazes de competir com as mais estimadas da Europa. Em conclusão do que até aqui tenho exposto , resta- me somente observar, que nunca houve huma época em que fosse necessário olhar tanto para a nossa Agricultura, e em que por conseguinte se devesse mais lançar mão de todos os meios de g augmentar, do que he a presente (a). A pas- tosa revolução, que tão felizmente ainda ha pouco tempo terminou , infiuio por hum modo muito sensível nos nossos interesses Agrários, e nos Commerciaes, que lhe estão es- treitamente ligados. Se por hum lado os princípios liberaes hoje estabelecidos exigem huma perfeita reciprocidade nas nos- — ■ !■ I — -—■■■.. ■ I ^1 ■ 11 ■ . ■ ■ ^1 (d) No lim de Abtil de 1814. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 73 nossas transacções mercantis , pelo outro he preciso que os nossos géneros possao manter a concorrência com os estran- geiros nos mercados tia Europa , ou ao menos nos de Por- tugal; de outro modo viremos dentro de poucos annos a ser de todo pobres , assim como já somos dependentes. Muitas cousas sáo necessárias , como já notámos no principio , pa- ra a nossa Agricultura prosperar; mas a maior parte delias cabem somente na jurisdicção do Legislador, e sempre en- contrão difficuldadcs , por hirem atacar abusos inveterados , ou interesses de pessoas poderosas. Esta que agora se pro- põe he de outra natureza ; e posto que não remedeie senáo huma parte destes males , servirá ao menos de criar ho- mens capazes de desempenhar as obrigações de que forem incumbidos, e de ensinar o modo de melhor aproveitar os terrenos , para que logo que os nossos Monarcas , c a Na- ção inteira estejão em circunstancias de dar á Lavoura hum impulso de que ella tanto necessita , não haja o estoivo da ignorância , que tantas vezes faz malograr as mais bem calculadas providencias. Com este fim , e pelo desejo de concorrer para o bem publico he que lancei as primeiras li- nhas deste Projecto, que outra mão mais hábil poderá pu- lir, e tornar digno de approvação. Tom. ir. K NO- 74 Memorias da Academia Real NOTA. S Endo hum Axiotiia fundamental de Agricultura o com que dd Columclla principio d sua Obra nestas sentenciosas palavras : » Qui studium ngricolationi dcderit, antiquíssima sciat haec j sibi advi cancia : prudcntiam rei ; facultarem impcndendi ; volun- » tatcm agendi. Nam is demum cultissimum rus habebit , ut ait > Trcmcllius , qui et colere sciet , et poterit , et volet. Neque eniin > scire, aut velle cuiquam satis fuerit sine sumptibus, quos exigunt > opera. Nec rursus faciendi , aut impendendi voluntas pr>. fuerit sine > arte : quia caput est in omni negotio nosse quid agendum sit ; > maximcque in Agricultura , in qua voluntas , facultasque cirra scien- » tiam saepe magnam dominis aíFerunt jacturam , cum imprudenter > facta opera fhistrantur impensas. Itaque diiigens paterfamilias , » ciii corai est ex agri cuitu certam sequi rationem rei familiaris au- > gL-ndae , maxime curabit, ut aetatis suae prudenássimos agrícolas » de quaque re consular , et commentarios antiquorum sedulo scru- > tetur » : Conto o Projecto precedente se dirige a promover huma melhor prd- tica de Lavoura; e as Reflexões, que se seguem, tem por objecto mostrar as vantagens das forças para arrostar as difficuldades , que empecem o ter-se toda a conveniente cultura , e mostrar a ne- cessidade de haver a constância precisa para remover as mesmas difficuldades : se publicao juntamente humas e outras Pondera- ções ; porque , sendo tão importantes em si , formão unidas hum. amplo e precioso Commentario do Axioma , ciue fica mencionado. I RE- SISTI DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 75 REFLEXÕES SOBRE A AGRICULTURA DE PORTUGAL, SOBRE O SRU ANTIGO E PRESENTE ESTADO, E SE POR MEIO DE ESCOL-VS RURAES PRATICAS, OU POR OUTROS, ELLA PODE MELHOR AR-SE , E TORNAR-SE FLORENTE. Por Félix de Avellar Brotero. O I. Projecto de Mestres e Discípulos em Agricultura e Economia Rural he antiquissimo ; Columella o inculcou aos antigos Romanos , estranhando-lhes o terem Mestres ainda mesmo das Artes as mais frívolas , e deixar de os ter em tão interessante profissão. Com tudo os Romanos continuarão depois disso muitos annos a agricultar , guia- dos só por tradições , e alguns escritos j e o mesmo fize- rão os antigos Egypcios , Asiáticos , e Carthaginezes : entre estes povos a Agricultura foi então mais ou menos florente á proporção que foi mais ou menos honrada , mais ou menos cncorporada nos seus systemas políticos c religiosos. Depois da ruína do Império do Occiden- te , e nos séculos bárbaros desse tempo , as tradições e os escritos Romanos de Agricultura e Economia Rural forão ( como pôde ser ) conservados na Europa e Africa Septen- trional pela imperiosa necessidade , que o homem tinha de se alimentar e aos animaes , que o auxilião : os Ecclesias- ticos então , e poucas outras pessoas instruídas , que em suas Livrarias preservarão as copias dos Escritos de Catão, Var- rão , Columella, Palladio, Vegecio , e outros Auctores Ro- manos antigos , forão os que sostiverão então a Agrícultu- K ií ra , 70 Memorias DA Academia Real ra , que não ficasse mcramciue cm vagas tradições de viva voz. Na Hcspanha e Lusitânia os Godos c Árabes assim a mantiverão , não obstantes as guerras c dissensões , que en- tre si não deixavão de ter de quando em quando ; não ti- nhão outras Escolas scpão o exemplo dos seus visinhos , erão guiados ou por cegas tradições , ou pelas idéas que lhes davão os que Hão os escritos Romanos ou suas traduc- çõcs : mas assim mesmo com estas idéas, a Agricultura fa- zia progresso entre clles; rompião-se os maninhos, crescia o numero das povoações, e estas todas tinhão gados, pão e gcneros necessários para se alimentarem independentemen- te dos estrangeiros. II. O Conde D. Henrique , e seu filho o Snr. D. Af- fonso I. assim acharão a Agricultura de Portugal , quando o arrancarão das mãos dos Árabes, EUes e os Reis seus Descendentes até ao Snr. D. Diniz seguirão o plano dos conquistados com a maior actividade possível. D. Affonso I. com as suas tropas e Árabes avassallados foi quem dêo o impulso ao systema de Agricultura , que no principio da Monarchia c depois se seguio ^ systema , em que não ha- vião outras noções agriologicas senão as que ficão mencio- nadas : com tudo foi até o Reinado de D. Diniz , em que cilas se pratica'rão com energia :, quando por todas as pro- vincias, principalmente do Norte, se romperão a enchada e arado mais charnecas e maninhos ; se fundarão mais vil- las , luiiars c casaes ; quando florccco mais a nossa Agri- cultura e Economia Rural; e quando houve pão, e os vi- veres nccc;;sarios para todos os habitantes das povoações, e mesmo trigo redundante para vender aos estrangeiros. Ar- rotear terras incultas , não deixar ociosas as que pela pri- meira vez se tinhão cultivado , dar colonos aos lugares deser- tos , e povoar este Reino era a moda daquclles tempos : os Soberanos a animavão , e fazião predominar ; viajando as pro- dasScienoiasdeLisboa. 77 províncias, repartindo os baldios e terras maninhas, que nclhs observavão ; obrigando os Corpos de mão-morta , Ca- bidos , Mosteiros, Morgados, Nobreza c Capitalistas a fa- zer grandes arroteas , c fundar novas povoações , dando-lhes elles o exemplo ; fundando muitas á sua custa , a's quaes faziiío os avanços necessários , davao privilégios c isenções : elles chegarão mesmo a povoar charnecas , estabelecendo nellas asylos de rcos. III. Depois disto as guerras , o espirito de conquistas , e o de povoar colónias fizerao enfraquecer summamente aquellc enérgico impulso agrónomo c económico, dado pe- los nossos primeiros Soberanos; e a oppressiva politica dos Reis Philippcs, que nos avassallárao , o paralisou de todo. As guerras da Restauração nos dias do Snr. Rei D.João IV". , e dos seus Augustos Descendentes , varias circunstancias de administração, e do estado civil c politico, que depois tem havido (como hc bem notório) nesta Monarchia ate hoje, não tem sido favoráveis para estabelecer o seu systema pri- mitivo de agricultar c fundar povoações; he por isso prin- cipalmente que nos vemos obrigados a tirar dos estrangei- ros os géneros de primeira necessidade , e a ficarmos nisto escravos dcllcs , e o que he mais, desses mesmos Árabes, que expul:sámos para Africa , e que tanto desprezamos pe- la sua ignorância nas Artes : elles não tem hoje mais luzes em Agricultura e Economia Rural , do que tinhão quando habitavão Portugal e Hespanha ; com tudo tem assaz tri- go c bois para si , e para nos vender. JV. Donde facilmente se deduz , que a falta de trigos , bois, e de outros géneros, que se conhece ha muitos an- nos em Portugal , lulo procede , como alguns pendão , pu- ra- 78 Memorias da Academia Ríeal rameute de ignorarmos as praticas de Agricultura e Econo- mia Rural aperfeiçoadas por algumas Nações modernas, mas sim de outras causas. Conscrva-sc ainda em Portugal hum grande numero daqucllas praticas ruracs do modo, que as achamos annunciadas nos Livros de ColumcUa ; e se nós compararmos este antigo Archivo de Agricultura c de Eco- nomia Rural dos Romanos e dos povos por elles conquis- tados , com o que hoje escrevem e praticao os Inglc7.es , Francezes , Suissos, Florentinos, e outras Nações tidas pe- las mais sabias em similhante matéria , acharemos que o seu progresso e melhoramentos tem sido bem poucos ; e que estes consistem principalmente em fazer mais arrotear, cul- tivar mais, e povoar quanto mais for possível. Os Chinas, Nação morosa em inventar , seguem hoje em Agricultura as praticas , que scguião os seus antepassados ha mais de dois mil annos ; não tem outras Escolas mais do que o exemplo , tradições , e alguns livros das antigas praticas ; com tudo todos os viajantes attestão ser a China o paiz do nosso Planeta , aonde florece mais a Agricultura , e aonde não faltão os géneros de primeira necessidade para a sub- sistência de todos os seus habitantes , posto que o seu nu^ mero seja de muitos milhões : isto não só procede do seu gystema politico honrar muiro os Agricultores, mas prin- cipalmente de premiar com as maiores distinções e empre- gos os que arroteão mais terras incult.is, e as cultivão mxh. Antigamente na Pérsia o arrotear hum baldio, c plantar hu- ma arvore de novo era huma grande obra meritória em Re- ligião ; isto influio de tal sorte na sua Agricultura , e por conseguinte na povoação , força e riqueza , que veio a ser hum dos mais vastos c formidáveis Impérios. Por tanto vê-se claramente « Que os grandes resul- tados em Agricultura dependem de agricultar muito, c que para agricultar muito não he preciso haver a mais comple- ta êtt.t 01 i DAS SciENCíAS DE L I S fi O A. 79 ta perfeição dos princípios estabelecidos pelos antigos Agró- nomos , mas b.ista a prática dos ditos principios, posto que pouco aperfeiçoada , com tauto que concorrHo as demais cir- cmstancias necessárias » . Coiumella e outros antigos Agróno- mos c Economistas Romanos tinhao por principal máxima em Economia Rural , que para nella haverem resultados pro- veitosamente grandes era necessário sabek , poder , c querer. Esta máxima he de si tão evidente, que ninguém até ago- ra delia tem tido a menor duvida , c nella são fundados todos aquelles esforços , que se tem feito em Agricultura e Economia Rural desde a restauração das Letras até hoje. VI. Quanto ao saber ^ ^- que trabalhos litterarios , desde aquella época até agora, não tem havido em toda a Euro- pa , e mesmo nas colónias dos Europeos ? Os antigos es- critos dos Gregos e Romanos, as tradições, e práticas lo- caes subministrárão matéria a hum sem numero de Trata- dos , cujos titulos somente formão grossos volumes. No sé- culo próximo passado as luzes da Critica e Filosofia Natural fizerão emendar alguns erros de theorica dos Authores an- tigos , e dos que os seguiao ; mas as suas práticas quasi todas continuarão no essencial , mais ou menos aperfeiçoa- das em diversas Nações, i proporção que nellas se cstnbe- lecêrão Sociedades Agrarias , e se seguio a experiência illu- minada pela Filosofia Natural. VIL A Suissa , e a Grã-Bretanha , aonde hum verdadeiro patriotismo tudo anima , são os paizes Europeos , aonde a Sciencia Agriologica parece ter feito mais progresso. Na Suissa este adiantamento scicntifico procede dos excellen- tes escritos, que as Sociedndcs de Berne , de Zurich , e ou- tras tem publicado em Agricultura , como também das cx- pe- 8o Memorias da Academia Real pciicncias a ella respectivas, que os Académicos Filósofos de Zurich annuahnentc tazem em hum extenso terreno des- tinado para esse fim ; e não menos procede também da obri- gação , que tem os Parochos de instruir a mocidade das suas Frcgueyias nos principios gcraes da Agricultura , e Eco- nomia Rural próprias do seu paiz, contidos em huma Carti- lha que hc seguida ao Cathccismo da Religião. Na Ingla- terra c seus Reinos Unidos , as diíFerentes Sociedades Sa- biiis , as Juntas de Agricultura , a Sociedade estabelecida com hum rico fundo para promover com grandes prémios o progresso das Artes , os numerosos escritos fundados em experiências de continuo publicados , vários terrenos estabe- lecidos para experiências , e a Cadeira de Agricultura fun- dada na Universidade de Edimburgo, tem illuminado mui- to a Nação Britannicà na Sciencia Agriologica e Economia Rural. Demais disso, os seus maiores Agrónomos não ces- são de lhe propor continuamente novos methodos de maior instrucção , como fizerão no fim do século passado os céle- bres Young , e Sinclair com os seus planos de Escolas Ru- raes Praticas : e este ultimo desejando que nas ditas Esco- las não se seguisse cegamente a experiência , ou Agricul- tura empirica , mas que esta fosse guiada pela razão e Fi- losofia Natural , pedio ao grande Darwin , que para esse fim fizesse hum Tratado de Agricultura Filosófica , o qual ellc publicou no anno de i8co, com o titulo àe Phyto/o- gia , ou a Filosofia da Agricultura , fundado na Botânica pura e physiologica , na Chymica Pneumática moderna , na Physica , e Mineralogia. VIII. Em França ha muitas Sociedades Agrarias , innume- ravcis escritos em Agricultura e Economia Rural, tanto ori- ginaes como traduzidos dos melhores Agrónomos estrangei- ros , e não ha ignorância das práticas ruraes Inglezas; mas se , não obstante isto , a Agricultura não florece em França tan- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 8í tanto como na Grã-Brctanha , a causa não procede da Ailra de instrucção , mas sim de ser muito frouxo o patriotis- mo, emuiro diversa a cspeculorpos de mão-morta de- ve praticar-se o mesmo que effeituou no século passado o grande Frederico Rei de Prússia em algumas vastas charne- cas dos seus Estados , e o que fez Luiz XVI. nas de Fran- ça, e os nossos visinhos na Serra Morena , que consiste cm escolher nos baldios e terrenos maninhos os sitios mais con- venientes para fundar povoações , e ahi estabeleceilas com hábeis colonos nacionaes e estrangeiros , dando-lhes os avan- ços necessários , os instrumentos , e gados , e em fim as isenções de tributos e dizimos durante alguns annos , em quanto as suas culturas não estiverem sufficienteniente adian- tadas , e as suas possibilidades em estado de os fazerem af- ferrar á gleba. Não faltarião hábeis colonos Suissos , e Ir- landezes , que convidados com avanços e prémios adequa- dos viessem estabelccer-se nas povoações novamente funda- das nas Serras das nossas três Provindas do Norte ; assim como também não faltarião Toscanos, c Milanezes hábeis, que viessem habitar em similhantes outras novas povoações do Akmtéjo e Algarve. (*) XVII. Estas novas colónias seriâo humas verdadeiras Esco- las Praticas de Agricultura e Economia Rural , sem preci- sarem de outros Directores mais do que os mesmos colo- nos; C*) Snhentendc-se , que depois de cotitcmplãdos os qne feia Invasão se (xpiítriárão das suas Províncias neste Reino , e a gente que sobeja em Lis- loa, e outras Cidades. (§. XX.') DAS SciENClAS DE L I S B O A. Sp nos; ellas augmcntarião ao mesmo tempo os productos ru- raes , e a população , porque esta hc sempre proporcionada á Agricultura , e xice versa. Com tudo ellas dcveriao ter por principal objecto a cultura dos grãos frumentaceos , e leguminosos , das raizcs alimentares , e dos vegetaes pró- prios para alimento dos gados. Deveria haver grande cui- dado em estabelecer muitas granjas , c casaes de grandes culturas de trigos cm terras fortes , e de centeios e ceva- das nas soltas; temos já de vinhas quanto basta, ellas tem Uiiurpado muito lugar ás Frumentaceas, hc a estas que de- vemos actualmente dar a preferencia de cultura. XVIII. Mas objectar-se-ha ^ quando se poderá executar hum tal plano ? ^ Quem poderá subministrar os meios da sua execução ? ^ Como se vencerão ainda outras difficuldades , que eíla deve necessariamente encontrar ? Nestes calamito- sos tempos de guerra, em que nâo ha braços, nem gados, nem sufficientes dinheiros , faremos muito , se não deixar- mos os terrenos cultivados tornar-se em incultos pousios; depois da paz geral , i que poderá a Nação , empobrecida com os estragos e despezas da guerra , effeituar ? A sua Agricultura talvez virá a ser pcior do que d'antes era , porque haverão menos meios para a manter , e os grandes proprietários continuarão a dar todo o seu cuidado ao lu- xo domestico , sem lhes importar o melhoramento das suas terras; augmcntará cada vez mais a Capital, e nella o nu- mero das comeagens , e por conseguinte augmentará cada vez mais a falta de pão , isto he , a precisão de o comprar- mos aos estrangeiros ; em fim as rendas do Estado mal chcgaráõ para amortizar o papelmoeda, e para outros gas- tos reputados de primeira preferencia ; e os Capitalistas , e todos os especuladores em geral persistirão no seu antigo systema de quererem antes empregar os seus dinheiros no trato mercantil, do que em comprar terras, e agricultallas , cu- po Memorias ua Academia Real cujo interesse calculao ser muito módico , c ordinariamen- te não chegar a cinco por cento. XIX. Com cífcito he certo haver muitos obstáculos , que se oppccm á devida execução de hum similhante plano; mas nenhum dcUes parece ser de tal natureza , que por fim se não possa vencer. Eu penso que depois da paz ge- ral nenhum objecto deveria mais interessar a Nação, do que pòr a sua Agricultura no melhor estado possivel , de sorte que disso resultasse ter mais pão , e outros viveres neces- sários, mais gados, e mais população, hoje tão diminuí- da; julgo por conseguinte, que as despezas necessárias pa- ra obter este fim entrao na classe das de primeira prefe- rencia : em fim creio , que todos os bons Portuguezes con- tinuarião a pagar com gosto mais alguns annos as duas de- cimas, se vissem o bom uso de alguns milhões applicados em restabelecer o Systema Georgico e Económico do gran- de Rei D. Diniz , e dos seus antecessores ; e applicados também a empregar com vantagem no campo de Ceres mui- tos daquelles mesmos, que tanto se tem distinguido no de Bcllona em serviço da sua Pátria, Este Systema dependco antigamente todo do impulso do Soberano, e hoje igual- mente todo do mesmo Régio impulso necessita. Ha nos dominios Reaes muitos baldios , e he nestes que merece principiar o exemplo de fundar novas povoações , e cultu- ras : o amável Principe , que nos rege , não ha de deixar de annuir a isto ; hum tal exemplo reunido a insinuações feitas de Ordem Regia aos Morgados , Corpos de mao-mor- ta , Capitalistas, e homens abastados, pouco a pouco iria restaurando o antigo Systema dos Dinizes , e este viria a ser moda, principalmente se o Soberano, e os Grandes do Reino visitarem os novos Estabelecimentos Ruraes de suas terras. Seria ent.ão menos difficil fundar-sc hiuna Companhia de Capitalistas para auxiliar este Systema Rural ; Compa- nhia , DAS SciENCIAS DE LiSBOA. pi nhia , que ha tantos aiiiios os bons patriotas descjão , e que i esperança do maior lucro mercantil tem frustrado. Para o mcsfno fim «axiliativo, ajunta de Agricultura, quer cila ficasse reunida com a do Commercio, quer separada, deve- ria compor-se também de seis Deputados Agrónomos , to- dos Bacharéis formados na Faculdade de Filosofia , e res- pectivos ás seis Provincias do Reino ; cllcs serião obrigados « vjsitallas , e a ter nellas Correspondentes , a fim de sa- berem , e noticiarem qual fosse o estado da sua Agricul- tura e Economia Rural , quaes as suas prática? locaes , boas ou más I que Posturas ou Leis Agrarias delias se cxecuiaviíy ou deixavão de executar, em fim tudo o mais que ft;sse útil para o progresso e melhoramentos ruracs das ditas Pro- víncias, fi XX. Esta Sociedade de Agronomoi , a Academia Real das Sciencias, as Cadeiras de Agricultura, e de Botânica, c as Escolas Ruraes Práticas , seriáo certamente muito bons au- xílios; mas estes meios ou só per si , ou todos juntos , se- rão sempre insufficientcs : elles tendem puramente ao saber, e em quanto se lhes não reunirem os de poder e querer do modo que tenho exposto, isto he, em quanto não for restaurado aquclle Systema de Agricultura , e de Economia Rural da maneira que se praticou nos primeiros Reinados desta Monarchia , principalmente no do grande Rei D. Di- niz , as nossas Provincias continuaráo a ser muito pouco cultivadas, e a termos muita falta de pão, e de gados. Es- te Systema na sua restauração deverá talvez ser ainda mcis animado , do que foi nos ditos primeiros Reinados ; per quanto Lisboa hc hoje huma cabeça muito maior , e enor- memente desproporcionada ao corpo ; o Porto , e algu- mas outras Cidades também tem crescido em povoação á custa do interior das Provincias ; o luxo tem augmentado consideravelmente o numero das carruagens , e os animaes do seu serviço consomem muito grão , que se cultiva em lu- pi Memorias da Academia R. das Sciencias. lugar do trigo , com o cjual se poderião manter muitos mil habiranccs ; a maior parte das Leis Agrarias tem cahido cm desuso , c desobscrvancia , sem exceptuar as mais mo- dernas feitas a bem das arroteas , casaes , e montados do Alcmtéjo. Omitto ainda algumas outras circunstancias do nosso estado civil e politico actual , que diíFcrem muito das dos antigos tempos da Monarchia : elias precisão na verdade esforços muito enérgicos , para se conciliarem com o systema proposto ; mas não são incompativeis com elle , quando hum Ministério illuminado , e hum Soberano , co- mo o nosso , zeloso do bem e Pai de seus vassallos insistir fortemente em restabclecello. Tal he e será sempre o meu parecer sobre este im- portantíssimo negocio nacional, bem persuadido (pelo dizer finalmente) que em quanto o mencionado Systema não for reinstituído , todas as demais Instituições serão sempre hu- mas tentativas fracas , muito limitadas , e incompletamen- te fructuosas. ME- MEMORIAS DOS CORRESPONDENTES. DA DEDALEIRA, E SUAS PROPRIEDADES MEDICAS. Por Francisco Elias Rodrigues da Silveira. Jnh est , ex miscellanea , óptima et usu comprobata stligere. Fred. Hoífman. Dissert. de stud. med. recca pertracr; D. 'EsDE que a Medicina á força da imperiosa lei dos succcssos sahio do cáhos , cm que jazia rcdu/ida unicamen- te a factos destacados sem ordem , nem discernimento , não conhecendo outro systcma que não fosse o do empi- rismo e superstição , era de necessidade que ella tomasse huma face mais racionavel , a fim de tornar-se digna de servir de remédio á Humanidade nos seus padecimentos. Mas para que chegasse a tal ponto de perfeição , séculos se passarão , pois que séculos são precisos paia desarraigar .prejuízos bebidos no berço , a pezar de sustentados sobrç princípios mal observados , e pouco reflectidos ; sendo este o motivo por que thccrias mais ou menos absuri-l^s , suc- ccdidas humas ás outras, tem tido maior ou menor dura- ção , c feito com que se caminhe com passos incertos no curativo das entcrmidadcs : por cuja causa muitas vezes o remédio, que não tem sido o resultado d' huma severa ob- seiTCição , mas tão somente o eflPeito da moda , e absoluto arbítrio, torna-se então fatal, se a sua natureza innocente por si mesma não evita os damnos, tocando a constituição sem a offender. Tal tem sido desgraçadamente a sorte da Dedaleira , que , desde remotos tempos até nós , introduzida na práti- ca da Medicina, tem pela maior parte sido funesta j pois A ii que 4 Memorias da Academia Real que máos inhabcis a tem muitas vezes applicado. Estes ter- rivcis damnos no nosso próprio Paiz não deixao já de ap- parcccr , c tanto mais , quando cila he hoje hum medica- mento muito vulgarizado. Por tanto julguei faria algum ser- viço á Humanid.ide , e preencheria as vistas desta sábia Aca- demia, se, proporcionalmente ás minhas forças, coadjuva- do pelas observações d' outros , conseguisse determinar as piropriedades medicas desta planta extraordinária , c talvez única nos seus effeitos, estabelecendo regras fundadas na prática , e bua observação. (*) Historia. Ha mais de três séculos que a Dedaleira tem mereci- do a attenção dos Práticos , principalmente nas moléstias de peito, e escrófulas; mas foi Fuchsio quem em 1542 primeiro fez particular menção delia , dando-lhe o nome que ainda hoje conserva. Girard , e Parkison a celebrarão como expectorante ; e este até a julgou muito útil na Epi- lepsia. Salmon , escritor á muito mais de hum século , já a cxaggcrava extraordinariamente na tisica pulmonar , fazen- do tomar aos seus doentes , como bebida ordinária , huma ligeira decocçao da sua raiz ; de sorte que chegou a dar-lhe o nome de específico. Admira com tudo que nenhum dos Authores antigos ou modernos antes do anno de 1775: ti- vesse mencionado a sua virtude diurética , e que fosse então reservado particularmente a Withcring o determinalla , con- duzido por hum dos felizes acasos , que costuma muitas vezes acompanhar as mais úteis descobertas. Os seus traba- lhos forão favorecidos pelos do Doutor Ash , e Mr. Russei ; e desde esse tempo se estabelecerão regras para a applica- ção d' huma planta , que não só elle como também Ray , Boerhaave-, Hallcr &c. julgavão deletéria. Cojti as observações de Witheiing que chegarão até o ãnno de i^Sf ,-apparccêrão as de Fowler ; e o Doutor Dar\\in , e Baker , conhecendo nella grande força de ab- sor- (•) Devo ao iiicti p.wiicubr Amigo e Collpg.i o Doutor Romão José Nunes o suicit.ir-nie esta lembc.inça , qunndo se me oucixava dos estra- gos que vin pela ignorante applicaçÁo desta planta. S4HVJ 01 dasSciekoiasdeLisboa. $ sorpção , e particular acção sobre o coração e as artérias , a applicarão nos ca^os de consumpção pulmonica , c igual- mcnre nas hyJrnpesias. Porém he particularmente a Withe- ring , Russel , Fcrriar, c Bcddocs que devemos as melho- res noções a respeito desta soberana planta, cujos succcs- sos tem correspondido aos do Doutor Hopc , Hamilton , e Duncan. A espécie de Dcdaleira, de que actualmente se trata y Espécie de e se faz uso cm Mcdicin.i he a DigitaUí purpúrea de Lin- 'i"* '* ""• rteo, a qual he muito geralmente conhecida no nosso Paiz , na Hcspanha, e em alguns districtos da Inglaterra. He da maior necessidade determinar se o tempo cm Tempo da que deve taztr-sc a colheita da planta ; e as observações'^''"'*"*' tem mostirado que he preciso , que ella se cítectue no da florescência, comprchcndido entre Maio ate Julho, ou quan- do as flores estão quasi a abrir. O pouco, caso que se tem feito desta circunstancia , aliás essencial , he huma das cau- sas principacs de não se tirarem sempre da sua applicação os mais felizes resultados ; erro imperdoável , e tanto mais rcprehcnsirel , quando se sabe ser do gráo da energia da planta que deve depender a exacta determirução das suas doses , e virtudes. Tem-se diflerentemcntc ensaiado as suas folhas, raizes , Qualidade* •e nté flores, para conhecer-se qual destas partes continha tj||>'j^'^*'^° mais virtudes j pois que cada parte da planta tem hum sa- te mais bor rv.ús ou menos amareoso e ingrato, acre, e capaz de "'^'*'"™'=" ■ ■ c ,. '^ r " 1 n tosa,esua irritar rortemcnte a língua e rauces , exulcerallas , e pro- exsiccaçáo. duzir a salivação : poréwi , depois de repetidas observações , forão preferidas as filhas; porque ahi em comparação com outras partes parecem residir mais as suas qualidades sensi- reis. Alguns tem feito uso das folhas verdes , e até do seu sueco , porem a applicação delias seccas hc mais segura e regular, havendo o maior cuidado na exsiccação, a qual faz-sc ao sol ; ou cxpondo-se a hum fogo brando , em vaso de barro não vidrado, de folha de flandres, ou ferro es- ta- ".T^.-T r\if 6 Memorias DA Academia Real tanhado : rejeitando primeiramente por inertes os seus ta- los. As folhas dever-se-háo julgar bem scccas, quando dêm hum pó d' hum bcllo verde , logo que se esfreguem entre os dedos , c que o seu pe/.o seja menos huma quinta par- te que d' antes de se scccarcm ; devendo sempre haver o maior cuidado para que elias não se tostem , ou ainda se queimem levemente: por isso não deverão ser mais seccas do que o preciso para que se rcduzao a pó. Analyse As analyscs chimicas nada tem adiantado sobre a na- chimica. dureza desta planta ; c tão somente se sabe que as prepa- rações aquosas são tão efEcaz.es, como as espirituosas; o que mostra residir nella hum principio gommoso e resinoso. (*) Modo de a Hc paia O USO intcmo que se dão as folhas, assim *ppicar- gcccas , em pó, Infusão, Decocção , e Tinctura espirituo- sa ; e externamente cm forma de cataplasma e unguento : sendo sempre preferidas as infusões ás decocções , quando estas não sejao feitas mui ligeiramente ; pois que he bem sabido o quanto huma longa decocção altera os principios dos vegetaes , além de tornar incerto o grão de saturação para o regulamento das doses. Não tem sido possivel ate ao presente dèterminar-se qual das preparações da Dedaleira, usada internamente, se- ja a mais proveitosa, c em que casos huma preparação de- ve ser referida á outra : por quanto huns tem prestado maior excellencia aos pós , outros á tinctura &c. , mesmo ainda em moléstias similhantcs : sendo por tanto prudente variar-se de preparação , quando huma , que he applicada , não produza eflPeito sensível ou o desejado. Withering usa- va (*) Mí. Destouches diz ter-lhc fornecido esta planta pela analyse i.° Hum pouco d' alkali c.irbonizado. 2.° Sulfato de potassa - . ... 5 3." Dito de cal .-•--... 4. 4.° Phosfato de cal .•-... 4 5.° Carbonato de cal - - - - - - 35 6." Oxido de ferro ------ lí 7.° Terra tjuattzosa - - r - - - lí ôAsSciENCiAS DE Lisboa. 7 va da Dedalcira cm pó , particularmente quando julgnva o peito , e o bote affcctados de hydropcsia. Se consultarmos com tudo Darwin , veremos que ellc x;logia grandemente a sua dccocção nas hvdropesias do peito , c a sua tinctura sa- turada nas hcmorrhagias. Pelo que deveremos concliúr, que depende de quem applica esta substancia o escolher a pre- paração : não deixando porém de servir de regra o tcr-se observado , que a preparação espirituosa hc a mais bem adoptada , quando se tenha em vista o tornar a acção da Dedalcira mais enérgica c diffusiva , em ra/ão da natureza c grão de debilidade do doente. He de necessidade , pela maior parte das vezes , ajuntar ópio á Dedalcira , principalmente sendo dada em substan- cia , c nas moléstias de peito , ou quando produza grandes evacuações de ventre. Ainda quando esta prática não tives- se outra utilidade, bastava a vaniajem que delia resulta em obstar á náusea, e flizer asrim com que o doente possa sup- portar mainr quantid.KÍe do medicamento. Porém estando o ventre muito constipado , e não bastando ella só para o desembaraçar, neste caso não se addicionará ópio, e, se for necessário , se ajuntará algum purgante idóneo á natu- feza da enfermidade , e do doente ; como também , se as indicações o pedirem, poder-se-ha combinar Scilla, Gomma ammoniaco , flores de Bcijoim , aromáticos &c. , e igualmen- te Calomclanos , fora da indicação de purgativo : o que me- lhor depois se conhecerá. A Dedalcira deverá applicar-se com intervallos suffi- cicntes , para que se pcrcebap os seus eíFcitos ; e não re- petllla s.-não com muita cautela , par.a que não os produza máos , devendo haver sempre toda a attenção em observar o pulso; de sorte que a Dedalcira deverá ser repetida, em quanto não se observar, que cila obra augmentando a diu- rese , ou sobre o estômago , systema circulatório , c ventre : porque então dever-sc-ha parar , até que se conheça bem , se ha ou não necessidade de ser ainda continuada. Nos in- tervallos cm que os doentes não usem delia , se adminis- tra' siau OT 8 Memorias DA Academia Real traráó os outros medicamentos , c a dieta appropriada á en- fermidade: sendo por isso preciso em alguns casos o usar- se só delia d noite , c , pelo dia , de excitantes diíFusivos e permanentes , e dieta. Doses. A dose dos pós por cada vez he de \ de gr. — 3 gr. com duas , quatro , seis , e oito horas de intervalo , segun- do a urgência dos casos, ou somente á noite ao recolher* havendo exemplos , bem que raros , de doentes terem to- mado dezoito gr. c mais em 24'' sem maior inconveniente. Eu me persuado ser isto devido antes á má preparação da planta , do que á nature/a dos doentes ; pois que estes to- mando quatro até seis gr. em 24'' geralmente se mostrao affectados. Com tudo se applicada a Dcdalcira não se se- guirem os cffeitos desejados, se augmentará a quantidade, ou o numero das ve/.es até produ/ir náusea ou vomito, ou reducção sensível no pulso ; o que se deverá igualmente en- tender cm toda e qualquer preparação. Cumpre porém sem- pre notar, que acontece com a Dedaleira o mesmo que suc- ccde com outros medicamentos , o haverem constituições particulares, que supportão delia grande porção sem appa« rccimento de cíFcito sensível, A Tinctura espirituosa , (*) sendo a saturada , dá-se de é - 10 - 30 , e mais gottas (**) por dose , em Agua simples, d' Ortelã , ou outra qualquer aromática com as mesmas cau- telas e regras, que para a administração dos pós: o que se observará igualmente para a da infusão, c decocção. (•) Tincr. espirit. de Darwin. R, Folhas de Dcdalcira seccas c reduzidas a pó - - duas onças. Espirito de vinho rectificado - - - 1 ^^- .^ ^ Agua commum ' ' ) M.' e digira a fogo brando por 24^ , mechcndo lepetidas vezes o v.iso ; feito o sedimento, fíltre-se o liquido por papel par- do. ('*) Para dcterminar-se e.' mulo no estômago o tornava torpido, e este estado conti- nuava por muitas horas , e até dias , em consequência da grande cxhaurição do seu poder sensorial de irritação , tor- nando-sc tVaca a acção do coração e das artérias pelo defi- ciente incitamento do poder sensorial de associação , vindo então a obrarem os absorbentes da membrana cellular mais violentamente cm consequência do cumulo do poder senso- rial de associação no coração e artérias ; de maneira que este medicamento estimulando inversamente os absorbentes do estômago , augmentava directamente a acção dos celki- Jares limtaticos. Esta explicação , que faz Darwin , seria inteiramente satisfatória , se a acção da Dedaleira no systema sanguíneo fosse sempre precedida de náusea e vomito ; porque então tinha lugar o estabelecerem-se acções directas e inversas : mas eu não posso persuadir-mc que o estado torpido do estômago tenha sempre lugar , cm consequência da Deda- leira, e que dê origem á diminuição do pulso e augmento de absorpção ; quando as observações mostrão ter-se redu- zido cm alguns casos o pulso a quarenta pulsações sem ap- parcccr náusea , durando este estado por semanas. Talvez se pertenderá dizer, que nesses casos ha sempre movimen-; B ii to f» Memorias DA Academia Real to invertido do estômago , pelo estimulo da DeJalcira , a pezar de não appareccr náusea : porém he bem difficil e mes- mo impossível conccbcr-se como isto possa verificar-se , quan- do estamos costumados a determinar causas só pelos seus cfFcitos. Além disto se o augmento da absorpçao ccllular fos- se sempre devido ao cumulo do poder sensorial de associa- ção pela deficiência de incitamento do coração c artérias , em consequência da directa sympathia com o estômago , jamais principiaria a estabclcccr-sc o augmento da diurese pela applicação da Dedaleira , sem que esta primeiro tives- se obrado sobre o systema sanguíneo ou estômago ; porém Withering e outros trazem casos de ter a diurese crescido ^ quando o systema sanguineo parecia não participar ainda da acção da Dedaleira ; e por isso de nenhuma maneira se poderá dizer, que he sempre unicamente pelo cumulo do ' poder sensorial de associação , que a acção dos absorbentes cellulares cresce , e que a diurese se augmenta : por tanto julgo aqui inadmissível a theoria de Darwin. Eu acho de ceito bastante diíficuldade em poder ex- plicar-sc vantajosamente o como obra a Dedaleira , pois quer seus effeitos lhe são bem particulares, e a analogia dos ou- tros medicamentos apenas nos presta hum débil soccorro * por tanto vejamos se , attendidos os effeitos , que resultao depois da sua applicação , pode conhecer-se melhor o seu modo de obrar. Êffcito? da Poucas horas depois que a Dedaleira he applicada, ten- Dedaleira Jq-sc rcpctido a dosc , a acçaó do coração , e das artérias tui^áo. lie diminuída , e o pulso gradualmente vai tornando-se mais fraco e tardo ; (*) de sorte que aproximando-se o numero das (•) He necessário para conhecer-se bem se o pulso do doente diniinue realmente de força e tteijuencia , depois da applicação da Dedaleira , áttendor-se ás circunstancias em tjue está o doente antes c depois da sua applicação: circunitancias estas, que podem, não sendo attcndidas , pro- duzir erro ; como t.-mbem distinguir , se n diminuição da força e frequên- cia das pulsações dimana da acção immcdiata da Dedaleira sobre o sys- tema sanguineo, ou da eliminação da cau&n i^ue as produzia ; coQio acon- fiT^^íT Oi DAS SciENCIAS DE L I S B O A< IJ das pulsações a cincocnta , geralmente intcrmitte , ou appa» reccm palpitações. Este estado do pulso muitas vezes he precedido de náusea e vomito , porem outras não ; appare- ccm vertigens , offuscaçâo de vista , dores de cabeça , e somnolencia ; a secreção das ourinas igualmente cresce , e as evacu;ições alvinas cm alguns casos não deixão de ap- pareccr ; e , se attcndcrmos a algumas das observações de Beddoc*, veremos ahi que antes de apparecer o pulso tar- do c fraco , cllc he mais frequente e forte , o que aconte- ce nas primeiras doses ; e então mesmo os signaes de inci- tamento geral não são equivocos. Determinados por tanto os effeitos da Dcdalcira , euOpiniío me persuado que a sua acção, ou modo de obrar se pode- '^"''''''" rá explicar mais racionavclmente , cstabclecendo-se como principio certo , que cada órgão tem huma vitalidade es- pecifica , modificada á proporção da sua organização intrin- scca, a qual se torna de igual força no mesmo systema or- gânico , e he sujeita a's mesmas leis ; sendo esta a razão por que hum medicamento , que obra poderosamente sobre hum órgão , deverá igualmente obrar sobre hum dado sys- tema ; assim vê-se que como ha específicos , que obrão mais particularmente sobre hum órgão , deverão também haver alguns que obrem sobre hum systema total ; pelo que não só o figado , o estômago , os rins , &c. tem seus específi- cos , mas também os deverão ter o systema da circulação , o nervoso , o dermoides , ccUular &c. : por tanto , isto pos- to, a Dedalcira , em consequência dos effeitos enumerados depois da sua applicação , tem huma acção particular mais estimulante e diffusiva sobre o systema sanguíneo , pois que a tem sobre os movimentos irritativos das artérias , e prin- cipalmente dos do coração , e menor sobre o systema ab- sorbcnte ; ao mesmo tempo que não deixa também de a ter sobre a viscera , cm que primitivamente obra , e sobre o tece, V. gr. na hydiopesia do peito: por isso que, tirada a congestão iorosa , o pulso SC tornará menos ticqucnte , e mais force. 14 Memorias da Academia Real o resto da constituição ; no que he conforme aos demais medicamentos da sua natureza: sendo esta ara/ao, por que á applicação da Dcdalcira , passadas algumas horas, isto he , depois que os syniptomas primitivos de incitamento mais ou menos desenvolvidos tem cessado, se segue quasi geral- mente hum pulso tardo e lento, cujo effeito he á propor- ção do augmento das suas doses , c das vezes que se to- ma , da susceptibilidade e diaihese individual ; de maneira que no estado de maior atonia o incitamento será passa- geiro ou menos sensível ; acontecendo o contrario nas con- stituições robustas , ou quando ainda a diathese seja cste- nica , não deixando ao mesmo tempo de augnicntar-sc a ab- sorpção : por quanto tendo a Dedaleira huma acção mais especifica e dilíusiva sobre o systema sanguíneo do que so- bre o absorbcnte , o poder sensorial alli deverá primeiro principiar a exhaurir-se , e estabelecer-sc huma debilidade indirecta , quando aqui ainda esteja em incitamento , o qual crescerá então pelo cumulo do poder sensorial em conse- quência da inactividade do coração e artérias. Ora quando aconteça que o estômago se affecte igualmente , estabele- cendo náusea ou vomito , este estado poderá influir não pou- co para augmentar-se mais a força do systema absorbente j por ser então maior o cumulo do poder sensorial de asso- ciação. Porem isto não se deverá contemplar senão como huma circunstancia accidcntal , e não como absolutamente precisa para o augmento da abs^rpção ; pois que só faz tornar mais enérgica a força incitante da Dcdalena sobre o systema absorbcnte. Qiiando porém o primeiro eíFeito da Dedaleira seja náusea ou vomito, e não a diminuição do pulso, direi en- tão que idiosyncrasias particulares , e mudanças occasionadas por causas morbosas , fizcrão variar a vitalidade natural dos órgãos ; não devendo com tudo servir isto para destruir a generalidade que aqui estabeleço (*) : por tanto. A O Quando já tinha quasi tcrminadg esta Memoria , chegou ao mcii I DAS SciENClAS DE LiSEOA. IjT A Dedaleira será nociva nas inflammações activas; por Appiica- isso que sendo hum toipcntc indirecto do systcma sangui-^^^'^'^'"" neo , deverá necessariamente, antes de produzir este esta-f>'cs acti- do , augmentar a acção do systema arterioso, como hum^^ effeito primário : pelo que se alguém , v. gr. no pleuris , em vez de sangrar o doente , lançar mão da Dedaleira , indu- zido pela sua virtude sedativa, augmcntará a enfermidade; c tanto mais , quando se limite a pequenas doses ; não dei- xando com tudo de ser possível , que dando-se doses maio- res nas simplices moléstias inflammatorias , se torne insen- sível o pcriodo do incitamento, c venha a conseguir-se o desejado effeito , principalmente nos casos em que o Práti- co tiver algum receio de applicar a sangria. O que digo do pleuris , se deverá também entender a respeito do croup , das inflammações das membranas do cérebro , da mania ver- da- conhecimento o tratado da Dedaleira por Sandcrs , traduzido porMurat; e tive então a satisfação dever,oue as suas idcas eráo em grande par- te conformes com as tjue cu já tinha delineado ; pois que elle igualmen- te estabelece ser a Dedaleira hum máximo incitante do systema sanguí- neo , principalmente do coração; no entretanto parece, que Sanders náo pcrtonde determinar regras praticas para a sua applicação , contentando- sc unicamente com generalizar as suas idéas , cuja generalidade levou a hum ponto inadmissível na verdadeira arte de curar, como acontece »juAsi sempre quando se dá á força das theotias toda a elasticidade , de que ella he capaz , sem attcnçáo a casos particulares , que devemi pertencer a exi-cpçôes indispensáveis , ou a systemas d'outra natureza. Com tudo náo posso de m.meira alguma accommodar-me , nem he da minlia opinião, que a Dedaleira, como quer Sanders , seja somente uf 1 em quanto he estimulante ; e por isso só proveitosa nas moléstias aiienicas, por cujo motivo quer elle, que seja necessário sempre intet- mittir-se o seu uso , para que a sua acção se conserve constantemente em vrgor , e previna a debilidade; vindo por tanto a ser a diminuição da força e da frequência do pulso hum indicio certo para a sua suspen- são , porque cniáo, longe de poder interessar, será sempre nociva á con- stiuiição. Esta asserção de Sanders , bem se deixa ver , ser muito arbi- traria c geral , como também a sua fchrc iiitl/imm/itoria sempre induzida pelo uso da DeJaJL-ira ; sendo muito diminuto o numero dos factos que leferc , para apoialla, a pezar das subtilezas de que usa para explicar a diminuição da frequência e força do pulso como hum effeito produzido rào [>cla debilidade indirecta , mas sim immediatamcnte pela força ni- mi,)i)>entc eiitimulance da planta , c da sua acção particular sobre o co- ração. •iVÍ-a OT i6 Memorias da Academia Real dadciramcntc cstcnica , das inflammaçócs das fauces , da he- patites aguda &c. , c talvez da Âugina pectoris. A pe/ar de que nas simplices ou ligeiras infiammações a Dedaleira , dada logo ao principio, algumas vezes tciilia aproveitado ; com tudo esta prática he inteiramente arris- cada , como acontece còm o ópio , c só deverá ter lugar , havendo precedido as evacuações sanguinárias, ou já remit- tido 3 maior parte do eretismo ; mas ainda assim mesmo será prudente -dá-la com cremor de Tártaro (Tartrito aci- dulo de potassa ) ou nitro ( Nitrato de potassa ) bem como lazia Sydenham , quando ajuntava nitro aos pós deDowcr, depois de ter sangrado , e diluido. (^*) Alguns cobtumâo empregar sangrias com a Dedalei- ra ; mas este methodo não hc racionavtl ; por quanto o be- neficio desta operação poderá mascarar ou disfarçar o damno do medicamento. Aconcelho potiím , que se deverá sempre ensaiar a Dedaleira , quando , passada a maior parte do ty- po inflammatorio nos pleurises ou pcripneuinonias , existir a exsudação inflammatoria ; o que muitas vezes acontece : por quanto a sua propriedade de diminuir os movimentos irritativos do systema sanguíneo , e de augmcntar a absor- pçáo , a fará interessante. Fcrriar já tinha alguma confiança neste modo de proceder; porem diz, que precisava ainda de provas para o aíErmar de positivo : o que para Fcrriar era ainda duvidoso , para outios he hoje de certeza. N.15 in- Sendo a Dedaleira nas infiammações activas não só ar- cúèsXo- "biscada, m.as até prejudicial, quando o incitamento augmen- iiitas. tado não tem sido diiviinuido por algumas das causas co- nhecidas •, nós a poderemos sempre applicar nas chroninas , principalmente naqucUas , que forem motivadas por falta ou diminuição da absorpção venosa , huma vez que razões de ex- C*) A grindc analogia cjue parece haver entre as propriedades do Ópio , e dl Dedaleira , faz com que huma grande parte dos eílcitos desta sc- jío regulndos pelos d.uiuelle ; de sorte ijiie náo posso deixar aié de ton- ccdcr-lhc huma virtude sopiente como a do Ópio : factos a contestáo igualmente, c cu os tenho observado. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 1/ excessiva debilidade do sujeito , c ourras igualmente attcn- diveis não a contraindiqucm. A idéa de que a Dedaleira ao mesmo tempo que en- ^'« hyHro- ' ■ 1 } pesias. torpccia o systema s;inguineo , excitava o absorbentc , tem "^ feito muito universal o seu uso nas hvdropesias tanto ge- raes como parciacs ; mas he particularmente a Withering que devemos as melhores observações sobre a virtude hy- dragoga desta planta , as quaes tornao-se tanto mais apre- ciáveis , quanto são feitas a maior parte delias sem mistu- ra de outros medicamentos , nem suggeridas por theorias estudadas: porém, a pezar dos excessivos elogios, que tan- to ellc como Beddoes , Stokes , Ferriar &c. lhe tem pres- tado , não deixão de confessar ter-Ihes falhado algumas ve- zes ; o que he muito natural nos medicamentos desta clas- se ; não sendo isto hum motivo bastante para a desprezar- mos, e tanto mais quando ella em algumas constituições produz decididamente o effeito diurético : e por isso só a abandonaremos , quando , pela sua applicaçao , não tendo apparecido o fluxo augmentado das ourinas , já tenha pro- duzido grande alteração no pulso ou estômago : pelo que a fim de tornar-se segura a sua applicaçao , he necessário attender-se ao seguinte. Qiiando adoptamos contra o parecer de muitos , que para augmciuar-se a diurese , pela applicaçao da Dedaleira , não era preciso que ella excitasse náusea ou vomito , af- fiançamos isto particularmente não só porque muitas vezes causando náusea e vomito, não augmcntava o fluxo das ou- rinas , mas porque cm algumas occasióes , tendo produzido augmento de diurese sem produzir antes náusea , aquelle efl'eito se moderava logo que esta apparecia , ou se exci- tava consideravelmente pelo abuso: por tanto a náusea (hu- ma vez que ella se verifique) será unicamente hum critério seguro para regular a sua applicaçao , deixando nós de a continuar , por algum tempo , logo que ella appareça : o que deverá sempre attcnder-se cm toda a occasião em que queira applicar-se a Dedaleira. Com tudo não deixo de ter Tom. IF. c no- i8 Memorias da Academia Real ncção de casos extraordinários de hydropcsias , terminidas íeliz-inente por vómitos espontâneos ou promovidos pela Ipecacuanha, por meio dos quaes se eliminou roda a ma- téria sorosa das cavidades ; porém estes casos não são me- nos raros do que os das hydropcsias curadas pelo suor uni- camente ; mas nem por isso mosrrao , como regra , que os vómitos favorecem sempre o augmento da absorpção limfa- tica , e da diurese. A Dedaleira será sempre hum medicamento proveito- so nas hydropcsias , huma vez que as visceras não cstejão organicamente enfermas , ou estando , possão ainda ser cu- radas pelos remédios próprios ; por isso que nenhum diuré- tico he proveitoso quando as visceras se achao obstruídas e volumosas , e ao mesmo tempo a sua organização muito affectada , acontecendo então com a Dedaleira o mesmo que com os demais diuréticos; sendo até inútil o methodo apon- tado por Ferriar para casos desesperados , principalmente pa- ra quando os pulmões estão opprimidos pelo cumulo de lí- quidos , em que manda dar com a Dedaleira a Camboja na quantidade de dous até quatro gr. por dose , dissolvida em duas oitavas de Acido nitrico alkoolizado. {a) Com tu- do a pezar da pouca esperança de se tirar então utilidade da Dedaleira em taes obstrucções , não deverá abandonar-se inteiramente o seu uso, á excepção dos casos de nimia de- bilidade do systema sanguineo , e estado cachetico do doen- te. He da maior necessidade ter-se sempre em vista o gráo da enfermidade , o estado geral das forças do doente , e a sua idade , de sorte que hum pulso mui pequeno ou tar- do, e muito mais sendo interniittente , conrraindicará a ap- plicação da Dedaleira nas hydropcsias, por denotar gran- díssima debilidade. Devo porém advertir ter muitas vezes acontecido, v. gr. na anasarca pulmonar, que aventurando ainda assim mesmo o seu uso , seguiremse felizes resulta- dos, vendo-se que o pulso se erguia, c se tornava regular á_ ( , se diminuirá a dose. DAS ScíENCIAS DE LiSBOAi Ip i proporção da agua que se despejava da membrana ccllular pela diurese: o c[ue mostra que os liquidas sorosos podem igualmente entreter debilidades gravativas do systema cir- culatório, e produzir até a intcrmittencia do pulso. Ferriar, e Beddoes tanto estavão disto persuadidos , que no princi-* pio da cura das hydropesias , principalmente na anasarca e ascites costumaváo fazer muitas vezes preceder o uso do cremor de tártaro , mesmo até obrar como evacuante , ao da Dedalcira ; principalmente quando com a hydropesia se com- plicava constipação de ventre. A Dedalcira he nociva, pelo menos inútil, nas hydro- pesias que apparecem .em consequência de tísicas , apezar de que Russel affirma ter ella obrado em alguns casos pro- digiosamente, como hum bom palliativo ; e Withering traz hum c;iso extraordinário , em que a Dedaleira sendo dada em huma hydropesia originada de tisica , promoveo-se a diurese , curou-se a hydropesia , e o resto dos symptomas vicrâo finalmente a desapparecer. O principio da moléstia da doente tinha sido huma peripncumonia , chegando a ex- pectorar pus. A pezar do respeito que consagro á authcri- dade de Withering , não posso deixar de ter bastante re- pugnância para acreditar similhantc facto ; só tendo-se ex- pcctorado huma vomica , e tornandose adherente o saco , ou destruido. Nas hydropesias consecutivas de escarlatinas , e na anasarca puerperal he sempre interessante a Dedaleira , prin- cipalmente ajuntando-se a ella algum diaforético, como os pós de James, e até o Ópio, quando se julgarem as eva- cuações desnecessárias. Nas crianças este methodo não he arriscado , e ellas supportâo proporcionalmente a Dedalei- ra ; havendo exemplos de tomarem impunemente até quin- ze gotas da tinctura , e mais de duas colheres das de chá da infusão: posso asseverar esta interessante observação por authoridade própria , e de alguns dos meus dignos Collcgas. No hydrothorax e outras espécies de hydropesias , ori- ginadas principalmente por excesso de bebidas espirituosas, c ii quan- 20 MEMOnlASDAAcADEMIAREAL quando falha a Dcdalcira , nenhum outro rcmcdio hc pro- veitoso , c só cila obra palliativamcntc ; o que não he me- nos ordinário nas que tem diflFcrentes causas; como bem o attesta o parecer até de Médicos do nosso Paiz , que me tem honrado com as suas observações a este respeito. Nas hydropesias enkystadas , na dos ovários , c forma- das por hydatidcs he ella igualmente infructuosa , como ou- tro qualquer medicamento diurético; pelo que vê-se falhar tanto nas Ascites das mulheres: apezar de que em Withe- ring vem casos de ter-se curado com a Dedaleira hydro- pesias d' ovários , sendo ainda recentes, e as doentes sadias, favorecendo-se ao mesmo tempo o seu uso com as ligadu- ras propostas pelo Dr. Monro ; niío entrando porém no tra- tamento nem cáustico , nem sedenho. Tem-se diíFerentemente pensado sobre a utilidade da Dedaleira no hydrocephalo , e alguns são de parecer com Ferriar, e Fowler, que ella será sempre útil em toda a es- pécie e gráo da enfermidade, pela propriedade que tem de augmentar a absorpção , e diminuir a irritação e a febre , e muito mais sendo combinada com calomelanos. Porém a natureza estimulante desta planta a contraindicará Jogo ao principio , quando ainda existir o periodo inflammatorio ; o que bem attestará a febre , o rubor d' olhos , a dor na re- gião frontal &c. Mas tendo passado , ou muito diminuido pelas sangrias geraes e locaes , e pelos evacuantes aquelle periodo , convirá então certamente ; por isso que a molés- tia he entretida particularmente pela exsudação inflammato- ria. Withcring refere hum caso, que confirma isto ; porque diz , que tendo applicado a hum hydrocephalo bem cara- cterizado a Dedaleira , depois do uso das sangrias de bra- ço , e artéria temporal , e feito emborcações d' agua fria á cabeça , cada quatro horas , e fricções mercuriaes ás pernas , no fim de sinco dias os symptomas da moléstia diminuião á proporção que a ourina se augmentava. Neste caso Wi- thering usou da infusão da Dedaleira. Bem que os eíFeitos diuréticos da Dedaleira não de- pen- fiJS» oi l DAS SciEwciAS DE Lisboa. it pendão inteiramente de excitar náusea c vomito, com tu- do pela maior parte das ve/es costuma acompanhallos ; e por isso logo que se observe que a Dedaleira (augmente- se ou não a diurese) excita grande náusea, e vomito, ou o pulso se toma muito tardo c pequeno, deverá suspender- se immediatamcntc o seu uso, ao menos temporariamente; no caso porem de se não ter augmcntado o fluxo das ouri- nas , tendo sido dada só , se deveráó ajuntar os sudoríficos , c outros diuréticos , principalmente a scilla , a fim de tor- nar-sc a sua acção mais enérgica. Ferriar attesta isto mes- mo, como também que a Dedaleira he incomparavelmente mais proveitosa , ajuntando-se a meio gr. hum gr. de calo- melanos, e oiro de pós deDower, formando duas pilulas, para tomar-se ao principio , á noite ao recolher , e repetir- se pelo dia , segundo as circunstancias. As minhas próprias observações tem comprovado este methodo , scndo-mc al- gumas vezes aliás necessário addicionar alguma porção de ópio , não só para que o doente possa tomar deila maior quantidade sem excitar náusea e vomito, mas também pa- ra embaraçar que appareção evacunçóes aivinas , que quasi sempre costumão obstar o effeito diurético , que então se deseja, debilitando infructuosamente mais o doente: por is- so que quando a Dedaleira purga, raras vezes he provei- tosa como diurética. Com tudo he somente por este moti- vo , que deverá ajuntar-se ópio; pois que este geralmente costuma obstar aos effcitos diuréticos dos medicamentos : eil mesmo o tenho experimentado. O que digo aqui a respeito da Dedaleira , não pertendo applicar para todos os casos ; por isso que muitas vezes tem acontecido curarem-se hydro- pesias com grandes evacuações de ventre espontâneas , ou promovidas por meio de medicamentos : são frequentes os casos referidos por Moublet, Moreau , Morgagni &c. Assim como he nocivo que grandes evacuações aivinas acompanhem o uso da Dedaleira , não o he menos quando o ventre se conserva constipado , e que , depois de algu- mas doses , não se solta : peio que neste caso será neces- sa- ^ i2 Memorias da Academia Real sario ajiintai-lhe Cristaes de tártaro , Jalapa com preferen- cia , Calomclanos &c. Sabe-se quanto esta prática he pro- veitosa ; a ra^o, e a experiência a abonao. Sendo a Dedaleira inútil c até nociva quando purga fortemente , ella hc muito prejudicial quando excita gran- des náuseas e vómitos ; por isso que a náusea occasionada por ella tem de particular, que muitas vezes dcsapparece por algumas horas , e depois torna a apparccer , e isto pelo decurso de dous e três dias , e casos ha de até semanas, já quando se tem deixado o remédio ; sendo então este in- commodo mais devido á falta de conhecimento de quem applica huma substancia tão activa como a Dedaleira , do que da disposição do doente : o que he tanto mais digno de considerar-Se , quando he preciso muitas vezes dalla nos casos de urgência em maiores doses , e em curtos intervallos. Se hc necessário que a Dedaleira não produza gran- des náuseas quando a applicarmos , nós a deveremos sus- pender logo que a diurese appareça augmentadu , ou o es- tômago resentido da sua acção ; como porém nem sempre aconteça que a diurese se estabeleça pelo tempo preciso para curar-se a hydropesia por eíFeito das primeiras doses , he de necessidade fazcr-se a repetição do medicamento , dando-se nos intervallos tónicos e alimento ao doente; e casos haverá , que pelo estado da emaciação e grande debi- lidade seja também preciso dar ferro e myrrha : o qu2 fará então augmentar mais e mais as ourinas , e curar a enfermi- dade. Pelo uso da Dedaleira a diurese faz-se quasi sempre branda e regularmente ; porém quando aconteça estabele- cer-s>e mui prompta e rapidamente , e em muita quantida- de , se deverá usar de ligaduras como na paracentese , e não menos de medicamentos incitantcs mais ou menos dif- fusivos , não esquecendo o ether , os cáusticos volantes , principalmente entre espáduas; isto na verdade tanto mais se observará, quanto os doentes estiverem mais abatidos, e a hydropesia tenha durado mais tempo. Quan- DAS SciEHCiAS DE Lisboa. t$ Caiando nas liydropcsias , principalmente anasaíquic-s, a inchação das pernas e coxas resistir consideravelmente á pressão, e não haja transparência, e a mudança de posição occasione pouca alteração no estado da distenção , será in- útil applicar a Dcdaleira : por quanto eniáo , neste caso , ou os liquidos extravasados pela ccllular tem tomado huma consistência muito espessa e incapaz para poderem ser ab- sorbidos pelos vasos , ou a enfermidade he meramente oc- casionada por hum estado morboso da organização dos só- lidos , que lhes augmcnta o seu volume. Porém se o ven- tre inchado estiver flaccido e fluctuante , e os membros ana- sarquicos comprimidos com os dedos deixarem depressão , SC poderá ainda esperar que appareça a diurese augmcnta^ da , bem que mui lentamente , mesmo quando o pulso este- ja fraco , e até intermittente , o rosto pallido , e a pellc fria. Existem hydropesias estcnicas, e quando existão , ^se- rá nociva a Dcdaleira ? Persuado-me que será proveitosa , quando o incitamento augmentado produzido pela plcthora , tenha sido diminuido pela sangria, e a moléstia seja unica- mente entretida por huma diathese opposta. Tenho fallado mais extensamente , do que desejava , da applicação da Dcdaleira nas hydropesias , não somente porque alguns tem chegado a desconfiar delia em taes en- fermidades , e até negar-lhe absolutamente a virtude diuré- tica de que cila he tão particularmente dotada , privando assim a humanidade enferma d' hum medicamento tão pro- veitoso e útil , como também porque era preciso determinar alguns dos regulamentos práticos , que deveráó ser igual- mente attendidos em outraf moléstias diíFcrentes. Se o uso da Dcdaleira tem sido quasi por todos ge- Tísica?, ralmente admittido , ou pelo menos ensaiado nas hydrope- sias , elle he muito mais antigo e extenso nas diffcrentes espécies de Tisica , apezar de ter sempre a experiência mostrado que similhante generalidade he tão alhca da boa razão , como o negar-se inteiramente a sua utilidade em al- guns casos de consumpção pulmonar. He SI2U or 24 Memorias da Academia Real He vcrda.lc que a Dcdaleira , applicada nas titicas , tcin muitas vc/.cs íalhado ; porém as suas propriedades são tKS , que ainda assim mesmo nós deveremos insistir em a applicar nos casos que forem marcados pela observação y visto ser o seu elíeito quasi unitormc em tornar a acção das artérias mais vagarosa do que o natural , ao mesmo tem- po que excita a dos absorbcntcs, conseguindo-se daqui di- minuir a irritação dos pulmões, e suspender a acção mór- bida que existe neilcs , no entretanto que pela sua virtude diurética poderá produzir igualmente alguma vantagem, se- gundo o preceito de Baglivio ; e quando deixe de a produ- zir, o motivo da sua fallencia será em grande parte não só a natureza fatal de similhantes enfermidades, como também o modo indeterminado com que tem sido dada , sem se at- tender qual dos systemas da organização pulmonar he par- ticularmente atacado , e em que periodo ella deva appli- car-se. O modo difFerente com que se tem adoptado theorias para explicar-se a maneira de obrar da Dedaleira , e a sua acção nas tisicas , tem feito variar as vistas com que ella tem sido applicada cm taes moléstias. Alguns, persuadidos que a sua virtude dependia da náusea que ella occasiona- va , fízerão dimanar daqui unicamente a sua utilidade, e a igualarão á dos eméticos , navegação , e baloiço. Outros porém guiados pela theoria de Hunter , em que a febre hetica procedia unicamente da matéria segregada de hunia ulcera aberta , que pela exposição ao ar se oxygenava , e formava hum acido particular , que depois era absorbido ; dcrão-lhe huma virtude de abyrpção maior do que ella realmente possue , ao mesmo tempo que lhe attribuião hu- ma acção debilitante directa sobre o systema sanguíneo , constituindo-se por isso o máximo remédio para destruir a febre hetica , e curar as tisicas ; de sorte que as regras que então deduzirão para a sua applicação , forão tão falliveis como o principio de que as fizerão dimanar. Bcddoes reconhecendo que taes idcas erão pouco con- cordes com a observação , quiz seguir differente vareda ; po- rém DAS SCIENCIAS DE L I S B O A. if rcm náo concluído melhor , quando cstabcleceo que a De dalcira era muito útil nas tibicas pulmonares, cm consequên- cia de produzir hum incitamcnt(í do systema tão modera- do ao ponto de resistir ao parocismo da febre hctica , e que isto bjstava para que as superfícies pulmonares rotas , c exulceradas descarregassem menos muco e matéria , os lim- phaticos absorbcssem mais , os nervos perdessem a sua ad-* quirida sensibilidade , e a tosse se abatesse. Os da lingua- gem das acrimonias e mudança dos fluidos não foruo final- mente mais felizes, quando attribuírao á Dedalcira qualida- des que cila não possuia , e que até he impossível conce- bcrem-sc. Por tanto levado cu tão somente pela observa- ção dos melhores Práticos , persuado-me que , segundo os princípios já estabelecidos, melhor se poderá dar liuma ex- plicação obvia da sua acção e utilidade nas consumpções pulmonares , e estabelecer regras proveitosas : pelo que. A Dcdaleira será útil nas tísicas, quando ainda não se tenha effeituado o estado inflammatorio dos pulmões, que em alguns casos costuma verificar-se , como também no pe- ríodo em que a sua membrana mucosa começa a aíFcctar-se em consequência de hum fluxo acre, ou exsudação inflam- matoria: mas existindo o est;ido inflammatorio, devcráõ pre- ceder as sangrias , quando só não baste o regimen antipho- logístico , até que a diathese geral ou local tenha dimi- nuído ; cuja circunstancia se deverá particularmente attender na tísica florida , onde os movimentos irritativos do syste- ma sanguíneo são excessivos: o pulso guiará o Pratico, não se prestando menor attenção ao estado geral das forças e constituição individual. Nas tísicas tuberculosas, quando já o pulso hc muito frequente , e apparece o calor pulmoníco, mas os tubérculos não estão ainda exulcerados, e os symptomas de inflamma- ção mui pouco desenvolvidos , a Dedaleira tem sido muito útil , e em algumas occasióes principalmente , sendo com- binada com Cicuta. Porém devo notar que , para se tirar hu- ma maior vantajem desta substancia em simílhantes mo- Tom. IF. D les- i6 JNIemorias da Academia Real Icstias , he necessário augmentar as doses, quanto o estô- mago possa suppoitar. No estado de cxulccração dos tubér- culos apenas poderá servir de remédio palliutivo , apezar de que ainda assim mesmo em constituições robustas não deixará algumas vezes de ser muito favorável : mas quan- do não fizesse outro efFeito do que a minoraçao dossympto- mas , tinha-sc encontrado nella hum medicamento sobera- no. Ora se ao estado de exulceraçao estiver ligada huma debilidade extraordinária, como acontece no ultimo pcriodo da tisica , a Dedaleira então , longe de ser útil , será tão imprópria c nociva , como se fosse applicada em hum typho ou angina maligna : por isso que a febre nestas circunstan- cias he de huma natureza muito deprimente e debilitante; o que eu tenho mais de huma vez observado. Com tudo alguns Médicos ha , e até do nosso Paiz , que affirmão que ainda mesmo então a Dedaleira , huma vez que seja com- binada com myrrha , ópio , e sulfato de ferro , longe de apressar o termo fatal da moléstia , he capaz de suspender os seus progressos rápidos. Se consultarmos Ferriar a este respeito , se verá que elle suppõe , que a Dedaleira he só capaz de embaraçr.r que os tubérculos se exulcerem pela sua virtude de diminuir os movimentos irritativos do bofe , e retardar a circuinção , porém jamais de curar a enfermidade radicalmente : mas Fer- riar ao mesmo tempo que falia geralmente assim, apresen- ta casos , que mostrao terem doentes sido pierfeitamente curados de risicas pelo uso da Dedaleira. Qiiando se conheça , que , não estando os tubérculos ainda exulcerados , a Dedaleira nenhum eíFeito sensível de melhora tenha produzido, se observará se o habito do doen- te he escrofuloso ; porque então as tisicas tuberculosas , quan- do atacão siniilhantes constituições, são de sua natureza in- curáveis e mortaes , e a Dedaleira terrível : e se , com a mesma intenção de resolver tubérculos, se addicionão calo- melanos, os symptomas heticos crescem, ainda quando haja mesmo affecção de fígado , que pareceria ser mais hum mc- ti- «12« oi DAS SciENCiAs DE Lisboa. 27 tivo para a sua indicação. Porém nao acontece o mesmo a respeito das preparações de ferro nos hábitos chloroticos ; pois que nestes he muito util , para favorecer a acção dos vasos sanguincos principalmente do útero , ajuntallas á De- dalclra , tornando assim a sua acção menos difFusiva. A pczar de se ter observado que quando se da' a tisi- ca tuberculosa cm hum habito escrofuloso , a Dedalcira lon- ge de aproveitar he então muito nociva ; com tudo não acontece tanto o mesmo , quando a tisica he perfeitamen- te escrofulosa ; (a) não obstante isto , não deixa ainda de ser arriscada, havendo só a differença que nesta, além do uso da Dcdaleira , o da quina , do sulfato de ferro e myr- rha tem sido mais extenso e proveitoso do que naquella , e as suas doses maiores. Porém se tanto em huma como em outra espécie com taes medicamentos não chegamos a con- seguir curar a moléstia radicalmente, mas tão fomente a re- missão dos symptomas , estes geralmente depois tornao-se mais terríveis e fataes. Nas tisicas chamadas mucosas , que pela maior parte costunião atacar as pessoas de maior idade, a Dedaleira tem sido applicada com vantajem em alguns casos, e noutros não tem sido nociva. Nesta espécie de tisica como o estado estenico de parte ou de todo o pulmão se pode julgar nul- lo , a força do estimulo da Dedaleira se tornará própria ao grão de debilidade , e tanto mais , porque em consequência de augmentar-se a absorpçao dos limfaticos, diminue-sc a mucosidade pulmonar. Com tudo tenho observado , ainda que nem sempre , que parando a tosse e expectoração , se torna o doente pcor, principalmente estando a moléstia já muito adiantada : por isso que sendo absorbida a parte mais ténue do liquido que deve ser cxpectorado , c restando a D ii mais (/i) A tisica simplcsmenie escrofulosa parece essencialmente discinguir- se d.i tuberculosa. Com efFeito a historia de huma não he inteiramente siniilhaiuc á da outra , ijumdo consultamos os Authores , que mais riva- lizáo cm dizer sómenic o que observarão, do que as suas theorias lhes fazem acreditar. 28 Memorias DA Academia Real mais crassa , por não poder ser acarretada pelos vasos , a matéria faz,-sc então incapaz. , pela sua maior cspcssurj , de poder ser çxpcctorada , vindo a ficar neste caso acumula- da , c causai* ansiedade , opprcssão &c. Nas tisicas nervosas se terá em vista o mesmo que a respeito de quando se applica nella o Ópio, não esquecen- do unir ao tratamento as infusões , c decocções de Quina com o Elixir acido de vitriolo. Quando as confumpçóes pulmonares são precedidas de hemorrhngias , ou estas as acompanhem, he muito interes- sante a Dedaleira , e muito mais se o pulso, não estando muito abatido , tiver frequência ; c quando aconteça ser du- ro , m..s que não se possa presumir hum estado infl.imma- torio exaltúdo, então será necessário principiar a applicall.i cm quanta dose o estômago possa suppcrtar , combinada com nitro ou cremor de tártaro; quando porém haja receio de applicalla pela moleza , c abatimento do pulso , huma vez que não seja muito grande , se ajuntarão flores de Bei- joim , gomma ammoniaco , ou myrrha com Ópio ; sendo aliás este dado cm dose refracta. Se a tisica tiver por causa hum virus , v. gr. psorico, syphilitico , ou este a complique , he absolutamente indis- pensável attender-se a elle ; aliás será de todo inútil a sua applicação. Como nos casos felizes de tisica , curados por esta substancia , nunca a cura tenha sido completa unicamente pelo uso delia ; será por tanto sempre preciso , que , para o fim do tratamento , se recorra aos balsâmicos , prepara- ções de feno, c amargos &c. , não esquecendo a plausível tinctiua deGriffith, (a) a pezar do que refere Fowler a este respeito. Qiiando nas tisicas seja indicado o uso da Dedaleira , mas ao mesmo tempo se receem diarrheas , ou ellas come- cem C/í) R. Myrrha, huma oitava; Sal de Losna , meia oitava; Sal de Mirtc , 12 çr.; agua esp ^ qualquer, huma onça; Agua aromática qual quer , meia onça ; Xarope commum , duas oitavas : misture S. A. síaa or DAS SciENCiAs DE Lisboa. 29 cem a apparcccr , e que a tosse seja importuna , ou que o estômago nao queira supportalla, se casará com Ópio, prin- cipalmente na dose dada á noite ao recolher ; pois que des- ta maneira augnicntasc a sua acção sorbentc , e o seu cf- feito t-)rna-se mais geral. Tendo a Dcdalcira sido applicada nas tisicas, não podia Nas tosses ser ignorada nas tosses inveteradas, principalmente naqucl- *'"'«'«"- fas que se suppunlião entretidas por excesso de irritabilida- taTríios *" de tópica do pulmão j huma vez que este excesso não te- dironicos. nha ainda produzido hum decidido estado de estcnia. Na verdade a natureza nimiamente excitante da Dadaleira con- sumindo a vitalidade demasiada do bofe , restabelecerá o equilibrio , sendo cila a mais capaz de aproveitar em taes casos ; por isso que ao mesmo tempo augmentará a absor- pção dos liquidos , quando existao acumulados. Porém se a cstenia já se tiver estabelecido no pulmão , e produzido ahi hum incitamento augmentado , então , longe de ser útil, será nociva , e tanto mais se a diathese geral do doente for igualmente estenica : este estado, bem que raras vezes, não deixa com tudo de apparecer na pratica , por cujo mo- tivo he necessário ter-se sempre em vista a possibilidade da sua existência. Nas tosses sympaticas ella he tão inútil como outro qualquer medicamento, que não seja próprio pa- ra destruir 3 causa que dco origem ao primeiro annel da cadêa da enfermidade , e só poderá aproveitar como palha- tivo. Ferriar attribuia a utilidade da Dedaleira nas tosses ao poder sedativo directo desta planta, capaz de destruir aquel- le habito de movimentos irritativos . pelo qual os pulmões se acostuma vão a segregar huma supérflua quantidade de muco : porém sendo estas tosses também devidas a hum es- tado torpido dos limfaticos pulmonares , que embaraça que os liquidos sejão absorbidos , apparecendo ao mesmo tem- po algumas vezes inchação de faces , seguidas de edema das extremidades inferiores , attribuiremos melhor a sua uti- lidade neste caso a huma força de absorpção capaz de au- gmen- 6^''l-°'_ 30 Memorias DA Academia Real gmcntar a acção dos absoibcntes pulmonares , ao mesmo tempo que empece a secreção dos lie]uidos ; tornaiido-se o seu effeito muito mais enérgico, quando se lhe ajunte Ópio, ou os pós de Dower. Nas tosses, Nas losscs , c catarrhos agudos não he menos provci- a"tidor''°* tosa a Dcdaleira , se tendo existido huma forte diatlicsc in- flammotoria , esta tenha sido diminuida ou pela natureza constitucional do individuo , ou pelo regimen próprio j sen- do aliás nociva no periodo cstenico. Esta falta de distincção tem motivado terríveis consequências no curativo de simi- Ihantes enfermidades. Nas as- Assim como a Dedalcira he útil nas tosses chronicas , não he menos proveitosa na asthma-, principalmente naquel- la espécie , cujo paroxismo , segundo Darwin , lie devido ao cuiriulo de liquido , que então se estabelece na cellular do pulmão: porém na verdadeira asthma espasmódica, pa- ra que a Dcdaleira produza maior vantajem, he necessário addicionar-lhc Ópio , que se dará na dose aã de ineio gr. cada quatro ou sinco horas , segundo as observações de Fer- riar , c Cra^ford , as quaes tem igualmente mostrado ser muito mais proveitosa, e o seu effeito tanto mais rápido c maior, quanto o estômago o soíFrc sem dilficuldade. O Dt)U- tor Percival confessa ter tirado em similhantes casos a mais decidida vantajem, ajuntando-lhc também flores de Bcijoim , porém que nunca a achou proveitosa naquella espécie , cm que a mudança de posição não affecta muito o doente, a qual -parece ser causada por hum enfarte dos bofes da mes- ma natureza da que costuma afíectar as extremidades , e vísceras abdominaes ; cuja asserção he conforme com o que tem sido observado por outros Médicos. Nas he- Sc a Dcdaleira convém em muitas enfermidades , cm morrha- ncnhuma tem sido tão constante e útil o seu eifeito , co- mo nas hcmorrhagias , onde he incontestável e prodigiosa a sua cfficacia cm as suspender. Milhares de observações sc tem acumulado para mostrar, que em Medicina não ha ou- tro medicamento que obre tão utilmente , como ella , em taes jjasScienciasdeIíIsboa. 31 taes molcstias : pelo que ainda quando não fosse outra a sua virtude , esta só bastaria para grangcar-lhe o maior apreço e elogio. O remarcavel efFcito de retardar o pulso foi o que ao principio suggerio o seu uso ; de sorte que chegou a es- tabclccer-sc que a Dcdaleira era o primeiro sistcnte do sys- tema sanguíneo: porém foi somente no anno de 1792 que, pelos trabalhos principalmente de P"erriar, a sua applicaçao se tornou regular e segura , querendo este que ella fosse dsda até cm todas as hemorrhagias activas. Com cffcito este medicamento , a que se attribuia a propriedade de entorpecer o systema sanguíneo, não podia ser de outra maneira considerado ; porém pequena reflexão bastará para se conhecer , que a Dcdaleira , pela grande actividade do seu estimulo , não poderá ser applicada sem risco, e indifferentemente em todos os gráos de hemorrha- gias activas, e muito menos logo no seu principio, quan- do ainda exista o orgasmo do systema da circulação , hu- ma vez que este não tenha sido diminuído por sangrias ge- raes ou locaes , ou pelas mesmas hemorrhagias ; como acon- tecia nos casos em que Ferriar a applicava : pois que cm razão do sangue que ellas tinhão feito perder aos doentes, obravão então como debilitantes directos do systema san- guíneo , e tornavão por isso mesmo apropriada a acção da Dcdaleira. Ferriar neste caso principiava geralmente o tra-. tamento por meio gr. de Ópio , e hum de Dcdaleira , de duas a duas horas , ou coni maior intervallo , segundo a ur- gência que havia ; e em muitos bastou dar huma única dose á noite ao recolher, para ver parar a hemorrhagia sem ap- parecimento de náusea ou vomito , tendo com tudo prece- dido sempre mudança no pulso. Devo porém notar que a observação tem mostrado , que ainda sendo a hemorrhagia activa , se o orgasmo não ]ic grande , nem a plethora considerável , a applicaçao da Dcdaleira tem sido muito útil , mesmo dada logo ao prin- cipio , quando ella produza igualmente evacuação de ven- tre ; íiav. Oí 52 Memorias DA Academia Real tre -y porque então isto concorrerá para diminuir mais cffi- cazmeiuc a plcthora. Com tudo se neste caso o pulso re- mitiir de força por cfFeito da Dcdalcira , e parar a hcmor- rhagia , sem que apparcça evacuação de ventre , se deverá então attribuir isto a hum estado indirecto; sendo aliás mui passageiro o incitamento , e por isso imperceptivcl. A falta de consideração que tem havido a respeito do gráo das hemorrhagias , e natureza da diathesc , para a exhi- bição de similhantc medicamento, tem dado origem a ter- ríveis consequências , que diariamente se ohscrvao , e de que eu mesmo tenho sido infructuosa testemunha; querendo in- discretamente estabelecer-se como hum axioma geral = A De- daleira siste todas as hemorrhagias activas, r: Se a Dcdalcira não he útil nas hemorrhagias activas , quando a estenia he grande , sem que precedão debilitantes directos , ella será muito proveitosa nas passivas : por quan- to reunindo á sua acção torpente indirecta do systcma ar- terioso a absorbente directa do systema venoso , produzirá o mais prompto eifeito na suspensão do fluxo hemorrhagi- co. He também por esta mesma razão , que ella he parti- cularmente indicada nas hemorrhagias que costumao repe- tir , e muito mais quando os methodos ordinários de as re- primir tem sido infructuosos. He nesta occasião , que não posso deixar de referir que a Dedaleira me tem sido muito proveitosa com particulari- dade nas hemorrhagias passivas, seja do pulmão, útero, na- riz &c. , onde algumas gotas da tinctura saturada de Darwin obrarão cfficazmente , como por encantamento; de maneira que em huma hemoptyse, que tinha resistido a tudo, e que pela nimia prostração de forças da doente , e grande aba- timento e intcrmittencia do pulso , que mal se fazia sentir ao tacto , e muito menos permittia marcar as pulsações , eu tinha o maior receio de applicar hum remédio tão acti- vo , julgando então o caso por desesperado ; logo que a aven- turei, com admiração vi, que tendo tomado doze gotas da tinctura saturada de Darwin cm huma colher d' agua fria por I dasScienciasdeLisboa. 3J por duas doses iguaes , c com o intervallo de quatro ho- ras , a hcmoirhagia parou para mais não tornar ; e repetin- do ainda outra dose similhanfc para segurança , sobreveio então náusea , e vomito , que só se vcnceo com grande dif- ficuldade. Esta doente , que quasi tocava aos 6o annos de idade, viveo alguns mezes debaixo de minha direcção, sem que repetisse a hemoptise. Como seja absolutamente preciso determinar a nature- za da diathese nas hemorrhagias para a applicação da De- daleira , convém ponderar que nem sempre o pulso duro servirá só por si de indicio certo para denotar a estenia ; e por tanto a concurrencia de outros mais symptomas de- terminativos decidirá do diagnostico. Acontecendo em alguns casos de hemorrhagias prin- cipalmente passivas , que não baste só a Dedaleira ainda addicionada ao Ópio para as sistir ; será por tanto necessá- rio ajuntar de mais o alúmen , a fim de augmentar a sua acção sorbente ; e applicar cáusticos , segundo o methodo de Trales : o que deverá ter-se sempre em vista , quando ellas forem renitentes cm ceder. Quando a hemorrhagia , depois de se porem em prá- tica os methodos geralmente conhecidos , não se suspen- der , e a Dedaleira sendo applicada for igualmente infructuo- sa , tendo-se variado de preparações ; se concluirá que a hemorrhagia he entretida por huma causa geral da consti- tuição, ou irradiada talvez por hum estado torpido de al- gum outro systema sobre o qual a Dedaleira não tenha ac- ção , ou por defeito orgânico ; vindo então nestes casos a ser a Dedaleira antes nociva do que proveitosa , e a mo- léstia sempre fatal ; como também quando as hemorrhagias forem da túnica vilosa do estômago , e intestinos , princi- palmente nas hydropesias , pois que então estas sempre são precursoras da morte. Nas es,crofulas são bem poucas as observações, feitas a Najescw- respeito da Dedaleira dada internamente, dignas de con- "*^ fiança , á excepção de alguns casos de Crianças atacadas de Tom. ir. E si- 34 Memorias da Academia Real similhante moIcsri;i , onde ella tem sido mais usada em for- ma de tinctura , chegando a conseguir-se a resolução dos tumores do collo e axilla , apparcccndo pela maior parte a salivação , quando ao mesmo tempo se usa delia exter- namente : o que he igualmente confirmado por Darwin. He porém externamente em ligeira decocção ou infu- são , cataplasma , ou unguento , e com o mesmo sueco ex- presso , que o seu uso se tem feito mais extenso , e pro- veitoso, não só nos tumores propriamente escrofulosos, mas até nos endurecidos de outra natureza , onde he indicado augmentar-se a absorpção , e promover-se a resolução , se- gundo o que he referido extensamente por Park , Haller, Murray &c. : mas existindo dor , e inflammaçao activa , a sangria local deverá preceder á sua applicaçao; excepto se a dor , e a irritação forem entretidas unicamente por hum estado de atonia ; o que acontece muitas vezes nos tumo- res scirrosos , cuja idéa tem servido para a applicar nas af- fecçõcs herpeticas dolorosas em forma de banho. Abcessos Se as observações particularmente de Mr. Simons me- lombares. j.gçgi^ O crcdito dc que as supponho dignas, a respeito da utilidade da Dedaleira nos abcessos lombares ,. não deverá ser menor a sua efficacia nas supurações internas , nas col- lecções de matéria nas bolsas mucosas , e na cavidade das articulações , como no rheumatismo , pelo que se tem vis- to em algumas occasiões desvanecerem-se as dores sciaticas, pela sua applicação ; por isso mesmo que a natureza desta planta mostra que deverá ser conveniente o seu uso. Diabetes. Ha ainda incerteza em applicar a Dedaleira na Dia- betes ; de maneira que alguns Authores a julgao até noci- va pela sua propriedade de augmentar a diurese , quando alias outros a reputão muito útil em consequência de in- verter a acção do estômago , produzindo então neste órgão hum estado torpido, capaz de diminuir o excesso de inci- tamento que ahi se julga existir em taes enfermidades. Por quanto todas as observações a este respeito são ainda tão incompletas , que cu não me atrevo a avançar nada de po- si- í«í.,vi\v;.'' ( dasScienciasdeLisboa. 35" sitlvo sobre tal objecto , e só desejo que se conheça , que as propriedades da Dedalcira não podcráó ser indiffercntcs cm similhantc enfermidade , ao menos em alguma das es- pécies ; o que só com repetição de experiências ulteriores se poderá bem saber , e tirar interessantes resultados para o curativo , tendo-se sempre em vista , que na diabetes sac- carina o uso da sangria tem sido muito proveitoso com particularidade nas pessoas robustas, c no principio da mo- léstia , tanto que neste caso o pulso do doente costuma denotar hum verdadeiro estado de incitamento augmenta- do , alem d' outros mais symptomas , que igualmente o com- provão. A respeito do uso desta planta nas dores nephriticas , Dores ne- tudo hc indeterminado, apc/ar de que alguns a tcnhao da- 1''"""^*'- do teimosamente debaixo do falso principio de ser ella hum torpente directo ; porém nós a deveremos excluir inteira- mente quando houver inflammaçao, ou forem procedidas de cálculos. A utilidade da Dedaleira nas palpitações do coração Paipita- tem sido muito exaltada por Ferriar , e as suas observações '•""• são de natureza a provarem a sua efficacia ; e tanto mais, quando o testemunho de outros a apoiao, bem que alguns a queirão excluir inteiramente , julgando similhante prática prejudicial, pela propriedade que elles lhe attribuem , de entorpecer o systema sanguíneo, sem pensarem ser isto hum cffeito indirecto ; porém como as palpitações do coração possão dimanar de causas diíFerentcs , e até oppostas , bem se deixa ver que em alguns casos ella deverá ser útil. He por este motivo que Ferriar a perscreveo com van- tajcm nas que são procedidas de terror, e intemperança, ou excesso de irritabilidade , e até nos casos dependentes de lesões orgânicas do coração , e grossos vasos , excluindo-a inteiramente nas sympathicas que acompanhão a dyspepsia, ou hum estado de debilidade geral nervosa , como nas af- fccções histéricas &c. , principalmente tpando o pulso deno- ta que o movimento circulatório he muito dimhuiido: por- E ii que jó Memorias da Academia Real que então a natureza nimiamente diffusiva da Dedaleira pro- duzirá indirectamente em similhantcs casos hum torpor con- siderável , que nada será capaz de remediar , cm consequên- cia da aptidão que já tinha o systema a hi.m estado tor- pido. Quando , existindo palpitações do coração , estas pa- recerem dimanar, attendidos outros symptomas , de aíFec- çóes hydropicas , v. gr. do pericárdio , a Dedaleira mere- cerá toda a attenção do Medico , principalmente se o es- tado do doente por outras circunstancias não a contraindi- car : pois que por experiência se tem visto diminuírem as palpitações á proporção que a Dedaleira augmenta , ou pro- move a diurese , quando alias os melhores diuréticos , e dif- fusivos tinhão sido infructuosos. Estes efFcitos são tanto mais vantajosos , quanto as palpitações tem sido precedi- das de symptomas de inflammação. He porém pela lição da Obra de Corvisart sobre as moléstias , e lesões orgânicas do coração e grossos vasos , e da de Burns sobre a palpitação do baixo ventre, que se poderáõ fazer diagnósticos seguros , para se determinar os casos qni que a Dedaleira pôde ser applicavel nas palpita- ções do coração ; porque então se verá quanto ella pôde ser útil nas inflammaçõcs chronicas de pericárdio compli- cadas de hydropesia de peito , onde hum dos symptomas constantes he a palpitação , alem de outros mais designa- dos por Morgagni , Lancisi &c. ; como também na que he originada de aneurismas activos, ou passivos, principalmen- te dos ventrículos do coração , devendo naqucUes preceder a sangria ao uso da Dedaleira , na certeza de serem mui raros os exemplos de aneurismas daquella natureza atacarem as auriculas ; o que não acontece a respeito dos dos gros- sos vasos &c , ficando nós sempre na certeza, que se de taes moléstias he muito difficil fazer-se hum diagnostico certo , he quasi impossível remediallas , restando-nos apenas a triste satisfação de as termos assignalado. Além disto i poderá por ventura haver huma estenia no sys- siaa ciZ DAS SciENClAS DE L X 3 B O A. 57 systema sanguíneo , que em razão do seu incitamento au- gmenrado venhão a apparecer palpitações do coração, sem que aíFecções irradiadas de visceras , ou causas orgânicas a perpetuem ? Quando existão , ^ terá lugar a applicação da Dedaleira , por isso que induzindo hum torpor indirecto , mas uniformemente, virá a diminuir o excesso de incitamen- to , e regular o movimento circulatório , sem que preceda o uso de debilitantes directos, principalmente das sangrias, ainda no caso de plethora arteriosa ? A resposta de taes quesitos , que não deixaria de ser obvia , applicada a ou- tras molestiiis , he aqui bastantemente embaraçada , c só com o tempo e ulteriores observações se poderá bem dar: por quanto sendo este incitamento augmentado só exclusivamen- te do systema da circulação ( segundo a hypothese ) pode- rão talvez por isso mesmo soffrer alguma modificação as idéas adoptadas , quando se tratou da applicação da Deda- leira nas moléstias inflammatorias. Resta-me finalmente fallar da applicação da Dedaleira Mani», na Mania ; visto que esta substancia por alguns tem sido julgada muito interessante em tal enfermidade : por tanto sem mais extensão do que a precisa para o conhecimento das circunstancias em que ella he applicavel, se deverá sa- ber, que toda a sua utilidade na Mania depende da sua ac- ção especial sobre o systema sanguíneo , ao mesmo tempo que a exerce sobre o absorbente : por quanto pela primei- ra propriedade , produzindo hum torpor indirecto , se di- minuirá alli o excesso de eretismo , que quasi nunca cos- tuma ser grande , e por tanto capaz de fazer temer-se o seu uso , como geralmente acontece no caso de phrettitis ; e pela segunda , porque liquidos accumulados em cérebro , serão obsorbidos : sendo esta a razão por que se tem vis- to , que á proporção que a evacuação das oarinas se fazia , os doentes se tornavão mais racionáveis. Com tudo não per- tcndo dizer com isto que nas manias propriamente astcni- cas a Dedaleira não possa ser proveitosa ; apezar de que tanto nestas como naqucllas Ferriar confessa ter-lhe falha- do j 03 38 Memorias DA Academia Real do ; porém os casos por elle apontados não são tantos , c de natureza tal, que sejão capazes de estabelecer huma re- gra segura para a sua exclusão. Circunstá-. Tcndo CU até aqui mostrado em que moléstias a De- cias,emq daieJra costuma ou pôde ser proveitosa, não posso deixar nao appro- I ' 1 • ' Ai ■ 1 veitaaDe-de rctcrir , alem do ja ponderado, que assim como ha daleira. constituiçõcs favoravcis ao uso delia , existem tamhem ou- tras desfavoráveis á sua applicação ; de sorte que geralmen- te se tem conhecido que raras vezes approveita nos homens de huma grande força natural , fibra tensa , pelle quente , compleição florida , a que Beddocs dava o nome de tempe- ramento sanguíneo athletico , ou naquelles em que o pul- so he tenso como huma corda ; sendo então preciso , para que ella approveite , usar-se precedentemente de sangrias, saes neutros , v. gr. Cremor de tártaro , sulfato de magne- sia &c. , e todo o regimen debilitante. Abuso. Como não baste só determinar-se o modo , e as cir- cunstancias em que hum medicamento , para ser útil , de- ve ser applicado , mas também seja necessário designar-se os cffeitos causados pelo seu abuso , e os meios de os re- mediar ; por isso convém saber-se , além do que está dito , que quando a Dedaleira he administrada em largas doses, ou muito repetidas , ella costuma occasionar languor , dôr de cabeça , vertigens , confusão , e até fiilta de vista ; os objectos apparecem obscuros , ás vezes verdes ou amarel- los , produz vómitos , e ás vezes até volvulo ; grande anxic- dade , cardialgia , soluço , extremidades frias , e suores da mesma natureza , convulsões , syncope , e a morte ; chegan- do o pulso no meio destes espantosos symptomas a redu- zi r-se a quarenta , e até trinta e quatro pulsações em mi- nuto primeiro ; cujos effeitos não deixão também de ser ob- servados , em consequência da sua applicação abusiva em forma de clisteres. A natureza particular de alguns doentes tem feito com que algumas vezes, ainda que raras, as mais pequenas do- ses produzão estes terríveis damnos, quando aliás em ou- tras dasScienciasdkLisboa. 3J> trás hc necessário que cilas scjao demasiadamente cresci- das , para que appareçao cíFeitos sensíveis } servindo isto de motivo para que na applicação de similhante medica- ijicnto haja sempre toda a possível cautella em o adminis- trar , sendo particularmente o pulso do doente , que deve- rá ser observado (quando seja possível) de quatro a qua- tro horas, além do estado do seu estômago, e o mais já ponderado , o que poderá acertadamente decidir da sua sus- pensão ou continuação; e muito maior será a cautella qu n- do for dado em curtos intervallos ; de sorte que á primei- ra tendência a se enfraquecer o pulso , ou ao mais ligeiro indício de vomito , se suspenderá a sua applicação até que se conheça ser segura e necessária nova repetição. Verificados porém que scjão os máos effeitos da De- daleíra , he preciso remcdiallos quanto antes ; e seria para estimar que houvesse então hum remédio capaz de os em- baraçar promptamente , mas por desgraça não se tem acha- do até agora algum , que mereça o nome de antídoto , co- nheccndo-sc apenas que os medicamentos voláteis são ge- ralmente rejeitados pelo vomito 5 o que não acontece tan- to com os excitantes aromáticos , e amargos fortes , pois que se conservão por mais tempo. Mr. Jones elogia forte- mente o chá de ortelã. Alguns tem ensaiado com preferen- cia a agua ardente , quando he branda , ou , sendo forte , diluída com agua ; e dizem ter aproveitado mais , que ou- tro qualquer remédio da sua ordem , no caso de náusea ou vomito , quando aliás muitos prestão então maior acceita- çáo ao Ópio dado em doses refractas , ainda que não mais que aos cáusticos applicados como rubefacientes entre es- páduas , e sobre o estômago, principalmente se tanto a náu- sea como os vómitos são os symptomas mais urgentes , ao mesmo tempo que não approveítáo menos como hum inci- tante geral. As fricções feitas com espirito de vinho cam- forado , e o Alkali volátil cáustico sobre o estômago, dan- do-se igualmente por bebida ordinária a emulsão commum, tem prestado em taes circunstancias maravilhosos efFeiíos. Taes STS^I,." OT 40 Memorias da Academia Real Taes são as idéas que julguei próprias para o tecido desta Memoria , que tenho a honra de sujeitar aos vossos sábios juízos , protestando-vos desde aqui , que não ha hu- ma só , que não seja authorizada por observações daquelles Authores , que mais tem trabalhado na applicaçáo desta plan- ta extraordinária ; pois que são só estes os que mais devem ser desejados e lidos pelo Aledico , que unicamente aspira a livrar a humanidade dos males que a opprime , e não des- vairar-se no labyrintho das oppiniões, a maior parte das ve- zes unicamente authorizadas pela força do capricho , e da imaginação. Com tudo não posso deixar de confessar, que existem ainda em toda ella grandes lacunas, que só depois de melhores e continuadas experiências se poderão digna- mente encher, principalmente por aquelles Génios que te- nhão tanto de grande e sublime, como o meu de peque- no e humilde. ME- DAS SciENClAS DE LiSBOA, ^t MEMORIA Sobre as Binomiais. POR Manoel Pedro de Mello. INTRODUCÇÀO. V. Andcrmonde tinha imaginado ( Memorias da Academia das Scicncias de Parts ijjz I. Parte) indicar pelo symbolo [/>]" o pioducto p(p — l)(p-2) (^/) _ (k _ i) ) de « factores. Multedo ( Memorias da Academia de Génova ) deu huma grande extensão a esta idéa. Kramp , na Analvse das Retracções, mudou a notação e denominação , que Vandcr- monde tinha dado áquclla expressão e designou pelo sym- bolo rt" ' ; o producto a (a -^ r ) (a -{- 2 r) . , . ia -\- (n — i)r^ a que chamou .primeiramente Faculdade numérica^ e depois Tactorial com Árbogast , na sua Arithmetica Universal Colo- gne 1808 :e deste novo Algorithmo fez extraordinário uso o célebre Wronski. O quociente de duas destas factoriais forma o cocfR-í' ciente dMium termo qualquer das muitas e importantes se- ries, que são similhantes ás do binómio Newtoniano : con- vém pois simplificá-las para as sujeitar ás combinações' ana- lyticas. Isto foi o que fi/emos , tendo notado que as duas factoriais tem a mesma differfença , o mesmo expoente , e que este hc também base d'huma delias. Resulta não somente, huma abbrcviatura , mas hum al- gorithmo com theorcmas próprios , e no qual a lei princi- pal que hc o desenvolvimento da binomial binomia jcncer- Tmn. IK f ra 41 Memorias da Academia Ríal ra a factorinl bint;mia demonstrada por Kramp , por meio dMnirna inducçáo povico satisfactoria. A nossa ihcoria pódc ser deduzida de duas conside- rações ; dos cocíticientes primitivos do binómio com quem estamos mais familiarizados, e das factoriais que tem a van- tagem de dar ás binomiais Índices quacsquer, assim como o podem ser os expoentes das factoriais. Por isso e em attcnç30 á novidade da matéria , pedi- mos que nos permittao demonstrações duplicadas , quando o julgar-mos conveniente. MEMORIA. I. k3 Ejáo « numero qualquer , i hum numero inteiro positi- vo; designaremos pela expressão (") o coefficiente da po- tencia »' no desenvolvimento do binómio (i ■+- .v)"; e por consequência será (n\^ «(»- i)(«--2) ... («-(/-lO. Chamaremos binomial á expressão ^"Jja tt base ; a / ín- dice da binominal. He pois í".j = LJr , na notação de Vandermondè que hc suficiente aqui. II. Da construcção da binominal se deduzem immcdiata- mentc ( »)=»;(;)= ij Q)- o ; (._^ .,) ~ o : isto he, se o m- BurvT 01 DAS SclENCIAS DE LiSBOA. 43 Índice da binominal he i , cila hc igual á base ; quando o Índice he igual á base, a binomial he i ; quando a base he zero, a binomial também o he; quando o indice hc maior que a base e ambos inteiros positivos , a binomial he zero, por entrar nella hum multiplicador zero. III. Por ser ('0 = »(»- ^VC»-^) -•••(«-(/- o) . se- rá (".^ = ^(". ^^ , e logo fazendo i — i , teremos ^''^ z=n("~'^\-^ de donde se tira ( " ~ ' ) = i • q^^r dizer que a binomial cujo indice he zero , he igual a i. O mes- mo se conclue de ser ( " ) =: ^-4 = — ^ i. V o / [o j" I IV. Seja / > " ;será \^'^ (" 4- ?)("->-;— i) l' " + / — 2) ( "-t- r ) _ '■ C'-i; (^-2) I ~ '* (" -t-l) (^^z)(.^^) ....;•(/ ■4-I-)(/H-2X? + 3)..-(/-t-0 _ : (..-ij^.-^).... ; = (..;: q^ier di- zer que a binomial , cuja base he somma de dous inteiros positivos e indice hum delles , he igual á binomial da mes- ma base e indice o outro inteiro. aí + * u i Mais geralmente he [■^+í] z=[-^-i-i] [í] = i F ii [ « 4- /■ ] «31 44 Memorias da AcademiaReal [u-j-í] [ «.] j principio conhecido das factoriais : logo {l±J±_ ^ ["-Hp . isto j,e / ^ -1-/-J ^ ^ " + /^ sendo . e i cjuaesquer números. Desta maneira he T"^ = (^ " .V assim sendo in- teiro positivo o expoente do binómio , os coefficientes de X e de .V são iguais. V. / — «\ _ — ;/. — (» -4- r) ■ — (» -I- 2) — (» 4 t — i) _ ^ i {- 1. 2. 3. ..... / - i T 2 . . . . T" "" ^ -^ V /■ ^^ ' quer dizer , que a binomial de base negativa se pode mudar n'outra de base positiva. VI. <")=T("i;)=T'í^aiD= » » — I M — 2 , , , (^ — "N Ti — 1 /— 2 \i — "/ » C» — I ) C» — 2). . . \» — ( " — I )^ j(/_i^(i_2)...U-(.-o; DAS SciENciAs DE Lisboa. 45' [i](jz:)i logo (;)(!) = (!)(n:)- VII. Para achar o maioi cocfficicnte da potencia do gra'o •I do binómio , temos \ ■ ) =z -■ (. / _ i j , e aug- mentando nesta í de i; teremos tambem(^ i )— TIZi\/-f-i/ • logo para que o coefficiente ("■) náo possa ser menor , nem que o coefficiente antecedente ( . " j , nem que o se- guinte Ç." j ; he precizo que seja «4-1 — í^í;í+i ^ -> — i: isto he ""*" ^ > i >_1zlL. Assim sendo »> par. i deve ser — ; e sendo " impar , deve ser / — — ^^- • VIII. Para mostrarmos a relação das binomiais com as dif- ferenças progressivas , denotaremos estas por í- j e deste mo- do he ■= Z ( ;« ).v''~".s('«V''(n.°2)= £ L ( , " ^'"^«''(n.'' 13) : logo tomando as differen- ç.is do ptimeiro e ultimo membro , relativamente a <-', vem (,«-H«;)_;^^Vj(«,)i,,o:hc UAsSciENCIASOKLlSBOAé 4p rí")=("ó)(:)-.(';')(A:)H-(n(^'-.)^ (p(.i3)----^(:')a). " XVII. Este theorenia também se pode demonstrar assim : Sabe-se que he /(« + ms^n)=fn^ (f ) ^/« + ( ^ ) J^Y« + (^ j^'/« + &g. Seja agora /« =: ( » ) e .r« =i, será (n-os ) r («)= (^ J^ ) : logo /(«+.) =(«:;-) =©(!,)-. (r)(« 1 .h (:)(._%)... ^ c)o = ^rxz.)(n.'9.) : XVIII. A binomial binomia demonstra a factorial binoitiia; porque escrevendo-a assim >,'-! l^±i?L- M + M . r»1 _h[^ ._M___ . &.C c tirando o denominador ao primeiro membro , resulta 4- Tom. IK o XIX. Jf6 Memorias DA Ac ADEMi A Reai. XIX. Seri também (» + »' + »') = ,_ (;)(»; + f ) („.- ,6) sim para huma base quadrinomia , &c. XX. Fazendo «=«/ = -' = / em {"'ti"') = ^X"'){ /L . ) teremos (^ ) = ^^Jí/- ^ = ^«0' ^ "" 4) = q^^»" ^i^er que a binomial máxima ( n." 7 ) he a somma dos quadra- dos das binomiais cuja base he metade da sua : de outro 2 1 modo , quer dizer, que o maior coefficiente de (i-t-^) he igual á somma dos quadrados de todos os coefficicntcs de ( I 4- ,v). XXI. Entre as binomiais de base fraccionaria aquellas , cu- ja base he da forma — - — , são sempre reductiveis a hu- ma serie de binomiais de base inteira. Temos com elFcito (n.°i6. ) trata-sc agora de transformar huma binomial da forma (~=)' Ora àiS-í o\ DAsScrENCIASDELlSaOA. 5I Ora he (-J) = (-OHftTTT^rr^^ = • I. 2. 3 ... o, . I. 2. 3 . . 1. 2 I. . 2 . 3. ... u ( — 4) tituindo esta ultima expressão em lugar de (~=) teremos ,,-_. (V) ,(,')( V-,') (/)('.----') . (-4) (-4) (-4) Este problema seria sempre possivel se nos não tivéssemos limitado , neste primeiro Ensaio , ás binomiais em que a dif- fercnça dos factores he — i , ou i. 2« §^ G U IN- I ii;;ii ^Ji S3 MEMORIAS, QUE SE CONTEM NA I. PARTE DESTE QUARTO TOMO. H I S T O R IA. D. 'ISCURSO recitado na Sessão Publica de z^ de Junho de 1814 , por Sebastião Francisco Mendo Trigozo. ----------- P^g. r. Programma da Acadeiuia Real das Sciencias de Lisboa auuuii ciado na mesma Sessão Publica ----- xxv. Conta dos trabalhos J^accinicos , lida na Sessão Publica , por Francisco Elias Rodrigues da Silveira. - - xxx. Elogios Históricos. Elogio Histórico de Fr. João de Sousa , por Sebastião Francisco Mendo Trigozo. ------- xtix." Elogio Histórico do Ex."'" e R."" D. Fr. Manoel do Ce- náculo , Arcebispo d'Evora , por Francisco Manoel Trigozo d' Aragão Morato , Kue -Secretario da Acade- mia, ----_---.----- LXIII. Memorias dos Sócios. Memoria sobre as Boubas , por Bernardino António Comes. ------------- I. Memoria sobre a Desinfecção da r Cartas , pelo mesmo. 3 6. Projecto de hum Estabelecimento de Escolas de Agri- cultura, por Sebastião Francisco Mendo Trigozo. 5-8. Reflexões sobre a Agricultura de Portugal \ sobre o seu antigo e presente estado \e se por meio de Escolas Ru- raes Praticas , oh por outros elle pode melhor ar-se , e G iii tor- S4 Índice. tornar-se florente , por Felis de Avelar Brotero. - Memorias dos Correspondentes. Da Deladeira , e suas Propriedades Medicas , por Fran- cisco Elias Rodrigues da Silveira. - - - - - Memoria sobre as Binomiaes , por Manoel Pedro de Mello. - 7$' 41. C A- CATALOGO Das Obras jd impressas , e mandadas cotnpSr pela Academia Real das Scieucias de Lisboa : com os preços , por que cada bima delias se vende brochada. I. 13 R K V ES Instrucções aos Correspondentes da Academia so- bre as remessas dos produccos naturaes para formar hum Museo Nacional , folheto 8.° - "O II. Memorias sobre o modo de aperfeiçoar a Manufactura do Azei- te cm l'orrugal remcttidai a Academia, por João António Dalla- Bella , Sócio da mesma , i vol. 4.°.--.------ 480 III. Memorias sobre a Cultura das Oliveiras em Portugal remet- tidas á Academia , pelo mesmo , 1 vol. 4.° ...---. 480 IV. Memorias de Agricultura premiadas pela Academia , 2 vol. 8.° XIV. Avisos interessantes sobre as mortes apparentes , mandados recopilar por ordem da Academia , folh. 8.° --.--. gr. XV. Tratado de Educação Fysica para uso da Nação Portugueza , publicado por ordem da Academia Real das Sciencias , por r rancifco de Mello Franco , Correspondente da mesma , 1 vol. 4." 560 XVI. Documentos Arábicos da Historia Portugueza , copi.-idos dos Originaes da Torre do Tombo com permissão de S. Magestnde , e vertidos em Portuguez , por ordem da Academia , pelo seu Cot- siaa; or Catalogo. Correspondente Fr. João de Sousa , i vol. 4-° - - - ". " ■ '^^''^ XVII. ObsLTV.Tçócs sobre .is prinupacs c.iulas d.i dec.idcnci.i dos Poriu^uezes na Ásia , escritas por Diogo de Couto cm forma de Dialogo , com o titulo de Soldado 1'raúco , publicadas por or- dem da Academia Kcal das Sciencias , por António Caetano do Amaral , Sócio Eftectivo da mesma , i tom. 8.° mni. - • - 4oO XVIII. Flora Cochinchincnsis ; (istcns Pl,-,nt.is in Rcgno CocMn- chinx nascentes. Quibus acccdunt alix observatx in Sincnsi Im- pério , Africa Oricntali , Indixipe locis variis , labore ac studio Joannis de Loureiro, Kegix Scientiarum Acadcmix Ulys.iponon- sls Socii : jussu Acad. R. Scicnt. in lucem edita , 2 vol. ^.° mni. - - - 2400 XIX. Synopsis Chronologica de Subsídios , ;iinda os mais raros, para a Hisiori.» , e Estudo critico da Legislação Portugucza , niand.ada publicar pela Academia Re.al das Sciencias , e orJcn.i- da por ]osé Anastasio de Figueiredo , Correspondente do Num.° da mesma Academia , i vol. 4.° .------_--- - l8oa XX. Tratr.do de Educação Fysica pua uso da Naçaó Portugue- za, publicado por ordem da Academia Real das Scitmias , por Francifcojosc de Almeida , Correspondente da mesma , i vol. 4." ?f»3 XXI. Obras Poéticas de Pedro de Andrade Caminha , publicadas de ordem da Academia , l vol. 8.° - - - íloo XXII. Advertências sobre os abusos , e legitimo uso das Agoas Mineraes das Caldas da Rainha , publicadas de ordem da Acade- mia Real das Sciencias , por Francisco Tavares , Sócio Livre da mesma Academia, folh. 4.° 'ío XXIII. Memorias de Litteratura Portuguesa, 8 vol. 4" - " " 7 ^40O XXIV. Fontes Pro.vimas do Código Filippino , por Joaquim José Ferreira Gordo , Correspondente da Academia , i vol. 4.° - - 400 XXV. Diccionario da Lingoa Portugiieza , I." vol. foi. mni. - - 480Ò XXVI. Compend'0 da Theorica dos Limites , ou Introducçáo ao Methodo das Fluxóes , por Francisco de Borja Garção Stockler , Sócio da Academia 8.° - ■ - ■ -^° XXVI I. Ensaio Económico sobre o Comercio de Portugal , e suas Colónias , ofterecido ao Príncipe do Bra7il N. S. , e publicado de ordem da Academia Real das Sciencias , pelo seu Sócio Jozé Joaquim da Cunha de Azeredo CoutinSo. 4*^0 XXVIII. Tratado de Agrimenfura , por Estevão Cabral , Sócio da Academia , em 8. "--------.------- 140 XXIX. Analyse Chymica da Agoa das Caldas , por Guilherme Wi- thering, em Portuguez e Inglez. /o//;. 4° - 240 XXX. Princípios de Táctica Naval , por Manoel do Espirito Santo Limpo, Correspondente do Numero da Academia, i vol. 8." - 480 XXXI. Memori.is da Academia Real das Sciencias, 3 vol. foi. - 6coo A Parte 1. do Tom. IV. tccc XXXII.. Memorias para a Historia da Capitania de S. \'iccnte, I vol. 4.° 483 XXXIII. Observações Hisroricas e Criticas para servirem de Me- morias ao systema da Diplomática Portugucza, por João Pedro Ri- C A T A t o C o. Ribeiro, Soiío da Academia, Fatr. i. 4.° -...-.. 480 XXXIV. ]. H. Lambert Suppíenicnta 'labularum Losarithmica- riim , et Trigonometricariim. i vol. 4. "--.•---- y-.ío XXXV. Obras Poéticas de I-rancisco Dias Ciomcs , 1 vol. 4.° - Í^-O XXX\'I. Compil.içáo de Reflc.tóes Academia Real das Scieacias , I.° y. 8.° 800 XLII. Collecção dos principaes Auctores da Historia Portugiieza, publicada com notas pelo Director da Classe de Liitcraiura da Academia R. das Sciencias. 8 Tom. em 8." ..-.--- 4800 XLIII. Dissertações Chronologicas , e Criticas , por João Pedro Ribeiro , j vol. 4.°--- ..--. 2400 XLIV. Collecção de Noticias para a Historia e Geografia das Nações Ultramarinas Tomo 1.° Números i.? , 2° , 3.° e 4° 600 O Tomo II. boo XLV. Hippolyto , Tragedia de Séneca; e Phedra , Tmgedia de Racine : traduzidas cm verso , pelo Sócio da Academia Sebas- tião Francisco Mendo Trigozo , com os textos. ------ 600 XLVI. Opúsculos sobre a \'accinj : Num. I. até XIII. - - - JCX) XL^'II. Elementos de Hygiene , por Francisco de Mello Fran- co , Sócio da Academia : Parte i.^ c :.' -....--- 6co XLVIII. Memoria sobre a necessidade e utilidade do Plantio de novos bosques em Portugal , por ]osc Bonifácio de Andrada e Silva , Secretario da Ac:ideniia Real das Sciencias , i. vol. 4.° 4CO XLIX. Taboas Auxiliares para uso da Navegação Portugueza com- piladas de ordem da Academia Real das Sciencias , 1. vol. 4.° 600 Estão no prelo as seguintes. Documentos para a Historia da Legislação Portugueza , pelos Sócios da Academia João Pedro Ribeiro , joatpim de Santo Agostinho de Brito Galvão e outros. Collecção dos principaes Historiadores Portuguezes. Collecção de Noticias para a Hiftoria e Geografia das Nações Ultramarinas. Ta- SI3Í1 01 A T A L o C o. Taboas Trigonométricas , por ]. M. D. P Obr.is de Francisco de Borja Garção Stockier , Tom. 2." Coiletçáo de Livros inéditos de Hidocia Portugueza , T. 4. Memorias da Academia , Tom. 4.° , Part. II. Fciidcin-fc em Lisboa vas lojas dos Mercadores de Livros na Rua dns Portas de Santa Catharina ; e em Coimbra e no Portg também pelos mes- mos preços. HISTOPvIA D A ACADEMIA. SíTS OT. HISTORIA E MEMORIAS D A ACADEMIA R. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. Nisi utile est quod facimus , stulta est gloria. TOMO IV. Pakte II. LISBOA NA TYPOGRAFIA DA MESMA ACADEMIA. I 8 I <^. Com licença de S. ALTEZA REAL. siau: or PRIVILEGIO. E, iU a RAINHA Faço saber aos que este Alvará virem 1 Que havcndo-me representado a Academia das Sciencias es- tabelecida com Permissão Minha na Cidade de Lisboa , que comprehcndendo entre os objectos , que formão o Plano da sua Instituição, o de trabalhar na composição de hum Dic- cionario da Lingoa Portugueza , o mais completo que se possa produzir ; o de compilar em boa ordem , e com de- purada escolha os Documentos , que podem illustrar a His- toria Nacional , para os dar á luz ; o de publicar em sepa- radas Collecções as Obras de Litteratura , que ainda não fo- rão publicadas ; o de instaurar por meio de novas Edições as Obras de Auctores de merecimento , e cujos Exempla- res forem muito antigos , ou se tiverem feito raros ; o de trabalhar exacta e assiduamente sobre a Historia Litteraria destes Reinos ; o de publicar as Memorias dos seus Sócios , das quaes as que contiverem novos descobrimentos, ou per-^ feições importantes ás Sciencias, e boas Artes serão publi- cadas com o titulo de Memorias da Academia , ficando as • ou- •^3 i B^ outras pan servirem de matéria a «eparadas e distinctas Col- lecções, nas quaes se dê ao Publico cm Extractos c Traduc- çocs periodicamente tudo , o que nas Obras das outras Aca- demias, e nas de Auctores particulares houver mais pró- prio , e digno da Instrucçao Nacional ; e finalmente o de fazer compor , c publicar hum Mappa Civil e Litterario , que contenha as noticias do nascimento , empregos , e ha- bitações das Pessoas principatís j dé que se compõem os Es- tados destes Reinos , Tribunaes , ou Juntas , de Administra- ção da Justiça , Arrecadação de Fazenda , e outras particu- lares noticias , na conformidade do que se pratica em ou- tras Corres da Europa : E porque havendo de ser summa- mcnte despendiosas , tantas , e tão numerosas as Edições das sobreditas Obras, seria facil que a Academia se arris- casse a baldar a importante despeza , que determina fazer nellas; se Eu não me dignasse de privilegiar as suas Edi- ções, para que se lhe não contrafizessem , nem se lhe reim- primissem contra sua vontade , ou mandassem vir de tora impressas , em detrimento irreparável da reputação da mes- ma Academia, e das consideráveis sommas que nellas de- verá gastar : Ao que tudo Tendo consideração , e ao mais que JV46 foi presente em Consulta da Real Meza Censória , á qual Commetti o exame desta louvável Empreza ; Que- rendo animar a sobredita Academia , para que reduza a et- feito os referidos úteis ob)ectos , que o estão sendo da sua applicação : Sou servida Ordenar aos ditos respeitos o se- guinte : Hei por bem, e Ordeno, que por tempo de dez an- nos , contados desde a publicação das Edições, sejao privi- ler- 1 •»f3 3 S**- legiadas todas as Obras, que a sobredita Academia das Scien» cias fizer imprimir e publicar; para que nenhuma Pessoa ou seja natural , ou existente , e moradora nestes Reinos as pos- sa mandar reimprimir , nem introduzir nelles sendo reim- pressas em Paizes Estrangeiros : debaixo das penas de per- dimento de todas as Edições que se fizerem , ou introduzi- rem em contravenção deste Privilegio , as quaes serão ap- prehcndidas a favor da Academia ; e de duzentos mil reis de condemnação , que se imporá irremissivelmcnte ao trans- gressor, e que será applicada em partes iguaes para o De- nunciante , e para o Hospital Real de S. José. Exceptuo porém da generalidade deste Privilegio aquel- les casos, em que as Matérias, que fizerem o objecto das Obras que publicar a Academia , appareçâo tratadas com va- diação substancial , e importante ; ou pelo melhor methodo , novos descobrimentos , e perfeições scientificas se achar , que differem das que imprimio a Academia : sendo o exame e confrontação de humas e outras Obras feito na Real Meza Censória , ao tempo de se conceder a Licença para a im- pressão das que fazem o objecto desta Excepção : Encarre- gando muito á mesma Meza o referido exame , e confron- tação ; para consequentemente conceder , ou negar a Licen- ça nos casos occorrentes e circunstancias acima referidas. Nesta Excepção Incluo as Oipras particulares de cada hum dos Sócios; porque estas só poderão ser privilegiadas, ou quando ft)rcm impressas á custa da Academia , ou quando os seus próprios Auctores Me supplicarem o Privilegio pa- ra eHas, Hei outro sim por bem , e Ordeno , que sejao igual- * ii men- mente privilegiadas pelo referido tempo todas as Edições, que a referida Academia fizer de Manuscriptos , que haja adquirido : com tanto porem que delias não resulte prejuizo ás Pessoas , que primeiro os houverem adquirido , ou lhes pertcnção pelos títulos de Herança, ou de Compra, e te- nhâo intenção de os imprimir por sua conta. E para que a este respeito haja alguma Regra ,^ que attenda á utilidade publica , e á particular : Determino , que a Academia pos- sa imprimir os referidos Manuscriptos ; ou logo que mos- trar que sçus Donos não querem imprimillos ; o>í' que ha- vendo ellcs declarada quererem dallos á luz , o não fize- rem, no prefixo termo de cinco annos , que neste caso lhes serão assignados para os imprimirem. Hei outro sitn por bem, e Ordeno, que na generali- dade do Privilegio, que a referida Academia Me supplíca^ e lhe Concedo na sobredita conformidade para a reimpres- são das Obras ou antigas, ou raras, ou de Auctorcs exis- tentes , fiquem salvas as Obras , que a Universidade de Coim- bra mandar imprimir; ou porque sejão concernentes aos Es- tudos das Faculdades , que se ensinío nella ; ou porque sen- do compostas por Professores delia , as mande imprimir a mesma Universidade, como hum testemunho publico dos progressos , e da reputação litteraria dos referidos Professo- res: E fiquem igualmente salvas as outras Obras , que actual- mente estão sendo ou impressas, ou vendidas por algumas Corporações , e por Familias particulares , e que nellas tem em certo modo constituído ha muitos annos huma boa par- te da sua subsistência , e património ; e a cujo beneficio Poderei privilegialias , ou prorogar-lhes os Privilégios que tiverem. Hei I ^ s 3^ Hei por bem finalmente , e Ordeno , que na concessão do Privilegio , que igualmente Concedo na sobredita con- formidade, para a reFerida Academia publicar o Mappa Ci- vil e Litterario na forma acima declarada , fiquem salvos os Privilégios seguintes , a saber : o Privilegio concedido aos •Officiaes da Minha Secretaria de Estado dos Negócios Esr trangeiros , e da .Guerra para a impressão áíi Gasieta de Lisr boa', o Privilegio perpetuo da Congregação do Oratório pa- ra a impressão do Diário Ecclesiastico , vulgarmente chama- do Folhinha : e o Privilegio que Fui servida conceder a Félix António Castrioto para o Jornal Encyclopedico '. Para que em vista dos referidos Privilégios , e das Edições que fa»- zem os objectos delles, se haja a Academia de regular por tal maneira na composição do referido Mappa Civil e Lit- terario , que de nenhum modo fiquem oflPendidos os mesmos Privilégios , que devem ficar illesos. E este Alvará se cumprirá sem duvida , ou embargo algum , e tão inteiramente , como nelle se contém. E pelo que : Mando á Meza do Desembargo do Paço , Real Meza Censória , Conselhos de Minha Real Fazenda , e Ultramar , Meza da Consciência e Ordens , Regedor da Casa da Supplicaçâo , Governador da Relação c Casa do Por- to , Reformador Reitor da Universidade de Coimbra , Se- nado da Camará da Cidade de Lisboa , e a todos os Cor- regedores , Provedores , Ouvidores , Juizes , Magistrados , c mais Justiças , ás quaes o conhecimento e cumprimento deste Alvará por qualquer modo pertença , ou haja de per- tencer; que o cumprão , guardem, facão cumprir, e guar- dar inviolavelmente , sem lhe ser posto embargo, impcdi- men- ^ 6 ^ mento, duvida, ou opposiçao alguma, qualquer que ella se- ja: para que a observância delle seja inteira, e tão littcral, como nelle se contem. E Mando outro sim ao Doutor An- tónio Freire de Andrade Enserrabodes , do Meu Conselho , Desembargador do Paço, e Chanceller Mór destes Reinos, que o faça publicar na Chancellaria , e que por ella passe : ordenando , que nella fique registado , e que se registe em todos os lugares , em que deva ficar registado , e convenien- te for á sobredita Academia , para a conservação e guarda dos Privilégios , que neste Alvará lhe Tenho concedido. Dado no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda aos vinte e dois de Março de mil setecentos oitenta e hum. RAINHA : Visconde de Villanova da Cerveira. Àharà pelo qual Vossa Magestade , pelos motivos nelle men- cionados , Ha por bem conceder d Academia das Sciencias , esta- belecida com a Sua Real Permissão na Cidade de Lisboa , o Pri' vilfgio por tempo de dez annos \ para poder imprimir privativa- viente todas as Obras , de que faz menção : com excepções e modifi- cações , que vno nelle expressas \ e com as penas contra os trans- gressores do referido Privilegio. Tudo na firma acima declarada. Para Vossa Magestade ver. ^ 7 Z^ Registado nesta Secretaria de Estado dos Nefocios do Reino em o Liv. VI. das Cartas, Ah aras, e Patciitts a fl. pj >. ísossa benhoia da Ajuda 7 de Maio de 17ÍS1. Joaquim Jtii Borralho. Aiitoitio Freire ã'Aniraáe EnserraboJes Gratil. Foi publicado este Al varri na Chancellaria Mor da Corte e Reino, pela qual passou. Lisboa de Maio de 1781. J3. Sebastião Maldonado. Publiqiie-se, e lefiste-se nos Lí^tos da Chan- cellaria Mor do Reino. Lisboa \% de Maio de 17S1. António Freire d' Andrade Enserrabodcs. Re»istado na Chancellaria Kor da Corte e Reino no Liv, das Leis a fl. j4 >'. Lisboa 19 de niaio d^ 1781. AnUinio Joíi de Maura. Joáo Chrysosiom» de Faria e SaMa de Vaicancelloi ic Sá o fez. Registado na Chancellaria Mor da Corte e Rei- no no Li\'. de Oflicios e i^ietccs a ti. 62. Lisboa 2t de Maio de 1 7 8 1 . Matheui Rodrigut) Vianna, k (*) DISCURSO, CONTENDO A HISTORIA D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS, ttíSDE aj DE JUNHO DE 1814 ATÉ 24 DE JUNHO DE 1815 : PO R JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA, SECRETARIO DA AlESHA ACADEMIA. A. .Inda esta vez , Senhores , deverei ser o órgão da Aca- demia , pondo ante vossos olhos sua carreira litteraria e patriótica no Estádio escabroso , mas nobre e grande , das Sciencias e das Artes, onde continua a merecer loiros des- de 24 do passado Junho até hoje. Confesso que este ór- gão hc bem fraco, e pouco digno dos homens illustres que a compõem : se a minha voz porem sahir rouca e grossei- ra , como he , forcejarei ao menos , quanto em mim for , que seja singela e imparcial. ^ Mas quem não temerá , des- pido de forças e talentos como eu , comparecer perante ^ Tribunal implacável, bem que justo, do Publico que -me ouve , e da Posteridade que me ha de julgar a final ? He certo , Senhores ; e sei que se não grangea perdão , diz o nosso Sousá^, se ha de que o pedir, como sempre ha. Ani- ma-me com tudo e consola-me a só idéa , que vou ser o Annalista fiel dos esforços e tarefas de huma Corporação ^e Sábios , que luta denodada ha largos annos , em pró das Sciencias e honra da Nnção , contra a ignorância timida , ou desleixada, e ousarei dizer, contra o obscurantismo de algumas toupeiras , que temem , ou não podem supportar a lu/. ; (a) de huma Corporação, que ha sido e será, gra- Tom. IV. Part. II. A ças (•) Lido na Assemblca Pública de 24 de Junho de 1815. {a) O entendimento , que he nosso , Nam no lo querem tieixar. Sá e Miranda Egl. 8. II Historia da Academia Real ças ao Ceo e ao patrocínio do Tlivono , o ame mural das Letras, o alforbe c criadeiro, para o dizer assim, das Ar- tes c Scicncias ; plantas mimosas c tenras, qnc dispostas depois c arreigadas nos campos do Estado c da Igreja , tem já crescido, e hão de crescer, certo mais e mais, em arvores robustas, cujos ramos verguem com mil fructos sa- zonados. Seria inútil querer dcmonsfrar-vos as grandes utilida- des, que a Europa tem tirado do Estabelecimento das Cor- porações Li iterarias de todo o género, e mui principalmen- te das Academias Scientificas. Mas permitti-me. Senhores, para enverdecer a aridez do meu assumpto , e comprovar de algum modo a minha these , que vos trace em mui pe- queno quadro a decadência rápida das Letras no Império de Roma , desde o brilhante século de Augusto , até o sea renascimento no século XVI. por diante. Confesso que a empreza he muito árdua e arriscada 5 pois alé.n de ser pre- ciso fazer grandjs empregos de estudos e trabalhos , a que se dcvião recusar meus fracos hombros, ^ quão difíicil não he pintar gigantes em pequena taboa ? Mas a importância da ma-« teria , e os fins que me proponho , desculparão o meu arrojo, O augmcnto ou decadência das Letras em qualquer Na- ção he o critério mais seguro para ajuizarmos da sua civi- lização e prosperidade ; porque as causas que promovem as Scicncias c as Artes , são as mesmas que fomentão e adian- tão a felicidade das Nações. ^ Que cousa ha mais importan- te e curiosa , que contemplar a alteza e prosperidade, a que tinhão chegado as Letras no século de Augusto ; onde as sementes e plantas , vigorosas e sans , dos tempos da Re- publica , brotarão e crescerão sobre maneira com o favor e carinho do Principe ; e com o socego da paz , depois das guerras civis, desabrocharão em flores e fructos preciosos, que não cediao muito aos da Grécia sua mestra ? O espaço de tempo porem que decorreo entre a usurpação de Sulla c as ul- timas guerras civis , foi o periodo em que florescerão os Ci- cc- Éia« 01 DAS SciEKCIAS DE L t S B O A. III ccroá c OS Lucrecios ; foi , rigorosamente fallando , a ida- de de ouro da Litteratura Roíiuna. Se Augusto começara a sua usurpação por huma serie inaudita de cru:ldadjs c de traições ; bem depressa se mudou por huma destas meta- morfoses inesperadas em Bemfcitor da nossa espécie, e em Delicias de Roma : e poderemos de algum modo explicar este milagre , parte pela sua constituição pusillanime , e enferma ; e parte pela ami/ade , e bons conselhos de hum Agrippa , e de hum Mecenas, de hum Poliáo , e de hum Messala. Parece que até a mesma Natureza se empenhava cm bemaventurar o seu reinado , dando-Ihe por contempo- râneos e por panegyristas Engenhos da primeira ordem , va- lidos e mimosos das Musas e do Ceo ; entre os quaes bas- tará nomear a hum Horácio , e a hum Virgilio. Devemos não obstante confessar , que os Escriptores deste tempu tra- balharão mais testbetica , que scientificamente ; não só por- <]ue a Philosophia não tinha ainda descoberto todas as leis da Critica e do Methodo ; mas também porque os Homens de Letras d' então não se davão exclusivamente a huma só Sciencia em particular , nem formavão no Império huma classe separada , e independente , como ora fazem na mór parte da Europa , depois de estabelecidas honras e Cadeiras que os sustentão e cxcitao. Se tal era o explendor a que tinhão chegado então as Letras ; j que pasmo nos não deve causar a rápida decadên- cia c abatimento , em que cahírão , logo depois dos Anto- ninos por diante ! Em muita parte das antigas e -modernas Nações seu explendor e prosperidade tem dependido de cau- sas de pouca monta na apparencia , ou de outras occultas aos olhos do observador attento ; mas não succcdeo assim para com o Império Romano : as cuusas da sua • grandeza , c sua decadência estão manifestas e patentes nas paginas da sua Historia para quem sabe ler e reflectir. Floresceo Roma porque seu povo amava a liberdade c a Pátria ; por- qie o animava a energia rude , mas forte e varonil de seus antigos costumes , c a gloria dos triunfos j que ajudadas A ii pe. IV HlSTORfADAAcADEMlAREAL pela politica do Senado, c pela ambição dos Patiicios fize- râo de hum pequeno bando de fugidios c foragidos liuma Nação immensa, e sem exemplo nos Fastos do Universo. Começou porém a decaliir , logo que afracou o amor da Pá- tria , c o enthusiasmo do beílo e do sublime. Nem podia ser de outro modo ; porque a mudança da condiç.lo politi- ca dos Cidadãos, o despotismo dos Imperadores, a anarchia e tumultos do exercito , a immoralidade necessária dos cos- tumes, e o luxo desenfreado, fructo de riquezas sem con- to , roubadas e amontuadas por continuas guerras , destrui- rão em brevíssimo tempo todas as sementes do bem , e desarreigárão do seu espirito e coração todas as qualida- des generosas, de que se honra a nossa espécie, Espalhou- se pelo corpo moral do Império hum torpor mental , que suffocou toda a vitalidade, que poderia combater contra os males da oppressao , e encontrar com denodo a cohorte im- mensa dos vicios e dos crimes. Em poucos séculos ficou reduzido o desgraçado Occidente , até então mui culto c nobre , á dcspresivcl condição de semi-barbaro , ignorante, falso , affeminado e vil ; sem possuir sequer a energia d' al- ma, e a máscula independência dos povos do Norte , por quem foi tão facilmente conquistado. A mudança da Capital do Império, a divisão deste, as contendas c combates renhidos do Paganismo , furioso con- tra a nova Religião exclusiva do Império , a:; heresias sem conto , as disputas Theologicas , que gcravão odins e der- ramavão sangue, absorviao os cuidados , e as faculdades in- tcllcctuacs da pouca gente , capaz ainda de ler e meditar. As irrupções successivas c aturadas dos Bárbaros do Norte vierão então accelerar mais e mais a ruina do Im- pério e das Sciencias. Condensárâo-se as trevas da ignorân- cia : e com as devastações de cidades c campos , com o continuo tinnir das espadas receberão as Letras o ultimo golpe ; e apagárão-se quasi de todo os vestigios da instruc- ção , que havião escapado ao diluvio do sem numero de ma- les, que abysmavão o Império de Roma. Não houve dcide eu- sia^ or DAS SciENCIAS D£ LlSBOA. V bntlío mais força contia a opprcssão, mais actividade men- tal; morrco tocia a curiosidade honesta: não se via por to- da a parte senão indolência c cobardia; e só levantavão ca- beça a |iypocrisia c a baixeza nos vencidos , a venalidade c o chamado direito da foiça nos vencedores ; a pobreza csqu.'lida de hum lado, e do outro o despejo de hum luxo grosseiro e desregrado. ^ Mas quem o creria então ? Do seio de tantos males brotarão novos germes de regeneração e de ventura. Ass in como muitas vezes hindo com tormenta desfeita o navio á costa contra rocha talhada , surge d' entre o negrume das borrascas o fogo santo que anima o navegante já perdido , muda o vento , c traz apoz si dias de bonança : assim suc- cedeo agora com as Sciencias e Artes no Occidente. Os po- vos da Scandinavia e da Germânia , ainda cht.ios de juven- tude e de energia , depois de pacíficos senhores das terras occupadas, formão novas Monarch ias na Itália, nasGallias, c na Hespanha. Cubiçosos de nova gloria, dão- se ao estu- do das Letras , e abrigao e cubivão os poucos restos , e sementes dispersas das boas Artes e Sciencias , que por acaso ainda existião occultas entre o Clero, e no fundo de alguns Claustros. Nos Mosteiros e Carhedraes mais ricas nas- cem já algumas Escolas ; onde , verdade he, só se ensinavão as doutrinas , que compunhao então o chamado Trivio , isto he , huma espécie de Grammatica , de Dialéctica , e Rhe* torica ; mas estabelecidas as Universidades, foi o Trivio aju- dado pelo Qtitiãrivio , em cujo recinto se abrigarão , além das doutrinas já apontadas, também a Musica, a Ariíhme- tica , a Geometria , e a Astrologia : a qual tanto cabimen- to tinha então nos paços dos Reis , e dos grandes Feuda- tarios, fazendo de seus pretendidos cultores, validos, e po- derosos. Com as Universidades augmentou-se o património das Letras , criando-se Cadeiras de Jurisprudência Canóni- ca e Romana , Theologia e Medicina ; a qual de mãos da- das com a Astrologia , Geometria , e Alchymia , que con- scrvavão e cultivavão os Árabes, derao depois nascimento á SIXtt. GT M VI HisTor. IA DA Academia Real d Astronomia , á Botânica , á Zoologia , á Fhyòica , c á verdadeira Cliymica moderna. Os espíritos generosos , que ardião por cultivar as novas Letras , acharão nos estabele- cimentos das E^-colas dcscanço, lionra, c subsistência. Apcr- feiçoou-se e general izou-sc o vidro, inventou-se a pólvora; que tanta influencia hão tido nas Sciencias , c no estado politico dos Povos : forao appareccndo novas c numerosas Artes , que hoje em dia tanto fel leitão as Nações. Os Trovadores das Gallias e das Hespanhas com seus Romances heróicos e guerreiros , com seus Contos e Tro- vas amorosas e satyricas , excitao o gosto de ler, começão a polir as linguas , e dão honra e estimação á Poesia vul- gar, e com ella a toda a Litteratura. Com a queda de Constantinopla , e já hum pouco an- tes {a) emigrarão para o Occidente alguns dos Sábios que ainda conservava ; c os Códices Gregos , que havião esca- pado á voracidade dos tempos , são conhecidos no Occi- dente ; traduzidos e ás vezes illustrados por Bessarion , Miguel Apostolio , Gcorgc Gcmisto ,João Argyropylo , Thco- doroGaza, George Trapczuncio , e muitos outros, que es- palharão pela Itália o estudo da Lingua e Litteratura dos Gregos. A publicação destas obras juntas com as Latinas, que já começavão a ser estudadas , fazem raiar os primei- jos assomos da Critica e do bom gosto. A pezar porém de todos estes progressos jazia ainda a Europa em densas trevas. Mas as faíscas do lume , que se hia augmentando com o novo estudo e leitura dos Gregos e Romanos , fazião já fermentar a matéria chaotica , que desenvolvcndo-se , e crystallizando , hia criando hum novo mundo de scicncia e de civilização. He verdade que à prin- cipio os olhos , opprimidos de longo somno , mal podião en- (ie he próprio e privativo á nossa lingua entre todas as oj Kuropa. Fará se mostrar em Hm quão vulgar era o uso da lingua Fran- ccza na Coite do Senhor U. João I. e seus Filhos, basta ver as Divisas ílc cada hum delles , que se acháo no Convento da Batalha: são todas rm Francez. A do Senhor Rei D. João hc : // me plait poitr bicn ; a de 1). Pedto : Desir ; a de D. Henrique : Taleiít de hieti Jiiire; a de D. João: 3^]ir-sc cada vez mais a linguagem Portugucza ; c o estudo das boas Artes vai cobrando novo alento e ufania. A Casa heróica de Aviz foi o berço da nossa gloria marítima e colonial : a seus Prín- cipes deverão as Leiras obras, prémios e estímulos («). Seguem-íc a tão bons começos os dias serenos do ven- turoso Manoel ; em que as sementes das Sciencias c bom gos- to , lançadas em terra já lavrada , brotão e crescem depois com maior força, frequentando os nossos Sábios as Univer- sidades da Itália , da França e Cnstella , onde alcançarão per- feição e renome. A trasladação da Universidade , que remo- çara com os grandes Letrados , que o Senhor D. João I!L chamou de quasi toda a Europa culta , abre mais vasto es- tádio ás Letras e ás Sciencias. E a pezar da desgraça la- mentável , e singular nos fastos da Historia , de que o mes- mo Soberano, que tanto amparara e fomentara as Letras , fosse logo depois , por illudido c mal aconselhado , quem de algum modo as acanhasse} todavia tinhao ellas deitada já tão profundas raizes entre nós , que ouso affirmar , ne- nhuma Nação do Mundo em tão estreitos limites enriquece- ra tanto as Letras, nem as honrara mais, que a nossa. Não cessarão de produzir os Engenhos Portuguezes obras-primas , ainda em tempo em que a Nação hia já desfallecendo sobre- maneira com os golpes, recebidos diariamente, dentro da Pátria, e fora delia nos campos infaustos à'Africa, que pa- ra nós fora sempre fonte perenne de gloria e de ruína. Mas com o longo captiveiro da Pátria fugirão de no- vo espavoridas as Artes c as Sciencias. Foi o miserável Por- tugal hum prazo de três vidas, que os Filippes desfrutarão arruinando-o , e minguando-o : porém graças ao valor e brio Lusitano , vagou este prazo de novo para o seu legitimo B ii ^ Se- (íi) O Senhor Rei D. Duarte, e os Inf.intes D. Pedro, e D. Hcn- nque não só cultivarão as Letras , e ampararão os .Sábios , ni.ii tório rambcm bons Escriptorcs. A D. Aftbnso V. devemos o primeiro CoJleo uc Leis, c hiinia grande Livraria que .TJiintou no seu Keal Piço. Dom ]oão II. correspondia-se com os Sábios da Itália , a quem d.iva pendões. XII Historia da Academia Real Senhorio , que muito teve que fazer para o ir outra vcr, cultivando c melhorando; pois achou o Reino sem gente, sem dinheiro, sem agricultura, sem commcrcio , sem mari- nha, sem exercito, sem artilharia, e sem petrechos para a guerra sagrada da nossa liberdade c independência (a). No Reinado grandioso do Senhor D. João V. começarão a lu- zir de novo em Portugal as Artes c as Scicncias , que só ganharão péi , e se firmarão de todo no solo Lusitano pe- la queda dos Jesuitas, e peia reformação dos Estudos que devia produzir aquelle acontecimento, no felicíssimo Rei- nado do Senhor D. José I. , de quem podemos dizer pro- priamente : Feteres revocavit artes. Começarão então a sen- tir os Doutos d' entre nós a necessidade de reunir suas for- ças em Corporações Litterarias , que a principio não podião deixar de ser fracas , e mal constituídas : todavia a Acade- mia Real da Historia , ainda que ephémera em duração , foi digna do nosso agradecimento pelos trabalhos corajosos de seus Sócios em explorar e cavar as ricas minas da nos- sa Historia , que até então estavão em grandíssima parte escondidas e desaproveitadas : mas ficou reservado aos dias ílloriosos de Maria I. ver nascer e firmar-se com o seu fa- vor e protecção huma Academia Real de Sciencias ; idéi que concebera e realizara o Duque de Lafões nosso egré- gio Fundador e Presidente, em cujas vcins circulava o Real Sangue de Bragança : ficou reservado ao nosso Augusto Prín- cipe Regente o consolidar a obra de sua Augusta Mãi. Tendes visto quanto concorrerão para o explendor das Sciencias , e para a felicidade das Nações as Academias e Sociedades Litterarias. Ha seis lustros que a nossa não tem deixado de marchar vigorosa na sua nobre carreira , como o ( rt ) Na Pr.iça maior de Sevilha ncI):iráo-se novecentas peças d.; ar- iilhcria com as Armas de Portugal. No curto espaço de Co nnnos tirou a HcspaiiKa deste pequeno Reino, em iributos e pedidos, paia cima de 2CO milhões de ctuzados. SIU.'! Çf DAS SciENCIAS DE LiSBOA. Xlll O mostrão ns diversas collecções de suas JNIemorias , e os Esciiptos publicados. Os trabalhos deste anno nao forão me- nores , nem menos importantes. Mas para não cançar a vos- sa attenção com a miúda historia de suas transacções , só esboçarei aqui cm grosso alguns de seus trabalhos , que hão de merecer a vossa approvação 5 pois delles vereis os fructos , que não cessa de colher no vasto campo do seu Instituto. Pelo Governo destes Reinos foi encarregada a nossa Academia de dar o seu voto sobre varias matérias de ser- viço público , que procurou desempenhar com o seu costu- mado zelo e patriotismo. Tivemos a consolação de que o Flano dos Pesos e Medidas , proposto pela maioridade da Com- niissão Académica, de que já vos dei noticia neste lugar, fosse approvado por S. Á. R. Dignando-sc não só ordenar, que se puzesse quanto antes em execução , mas estenden- do os benefícios de tão útil reforma ao Estado do Brasil, c a todos os seus vastos Dominios. Os trabalhos da nova Commissão nomeada pelo Governo , para a realização de tão benéficas providencias tem já , segundo me consta , adian- tado muito o seu trabalho. Em breve tempo gozará Por- tugal do incomparável beneficio de ter hum systema de Pesos e Medidas , fundado em base natural e firme ; e cujas divisões uniformes e fáceis se derivem de hum só principio fundamental. Se attentarmos ao numero prodigioso de me- didas desvairadas , que entre nós ha ; se reflectirmos na sua divisão arbitraria e incómmoda para o calculo ; e nas mui- tas c diárias difficuldades de as comparar e reduzir a hum só Padrão , ^ quem duvidará , que S. A. R. nos dco a maior prova do seu amor e sabedoria? j Qiic de embaraços, que de fraudes não rcsultavão da incerteza e multiplicidade dos nossos Pesos e Medidas , tanto para o trafico da vida com- nium , como para as transacções mercantis ! Cumpre também lembrar aqui , Senhores , que a Aca- demia sempre desvcllada cm facilitar á Mocidade os meios de sr3.« W XIV Historia da Academia Real de instrucçâo; sempre zelosa de conservar viva a nossa an- tiga gloria: determinou que se reimprimissem cm collccçíío seguida as Obras , e Opiisculos raros , i]ue tratão de nossas N.ivegaçôes e Conquistas ; acccitando a offerta generosa , que lhe fizera de desempenhar esse trabalho o Snr. Joa- quim José da Costa de Macedo ^ que já deo principio á cm- prcza. Animada do mesmo zelo , incumbio-sc a Commissío de Lingua Portuguesa, de reimprimir o Cancioneiro de Re- zende ; mas compilando-o cm melhor ordem , e inserindo nos lugares competentes as Poesias de outro mais antigo, que existe manuscrito na Livraria do Real Collcgio dos Nobres. Obteve para isso a Academia, do Governo destes Reinos , sempre amigo das Letras , e da gloria da Pátria , hum Aviso para que se pozesse á disposição da Commissão este precioso manuscrito. Destes nossos Cancioneiros , e dos Romanceiros de Hespanha se vê , que nenhum Povo na Eu- ropa cultivou tanto , e tão cedo , como o das Hespanhas , esta nova Poesia de Trovas e Romances. A Commissão de Historia e Antiguidades vai desem- penhando com todo o esmero a confiança bem fundada , que nella pozcra a Academia. A impressão da Chronica do Senhor Rei D. Pcilro I. está acabada ; e a do S.ínhor D. Fer- nando muito adiantada. Tem ella cuidado igualmente cm colligir vários documentos do nosso antigo Direito Con- suetudinário, por onde se governavão muitas terras e Co- marcas deste Reino. Este ramo , não obstante servir para illustrar a noss.". Historia e Jurisprudência , estava ainda mui- to atrazado entre nós. Igualmente nos faltava huma collcc- ção completa das antigas Cartas e Diplomas , que são a fonte da Historia, e por cuja falta muitas de nossas Chro- nicas são tão myrihfidas e incompletas. Chegou em fim o tempo em que a Academia ha de realizar seus antigos de- sejos, e aproveitar o thesouio de Documentos manuscritos, que hasScienciasdeLiseoa, XV que por vezes tinha mandado recolher dos Archivos e Car- tórios do Reino. Com cffcito , Senhores , cumpria emular os Estrangeiros nesta parte. A Itália e Allemanha são ri- quíssimas de taes cojlecções \ e a França , apezar da sua furiosa revolução, nuo se esqueceo de continuar a publica- ção das que tinha começado : assim a cf)llecção dos Histo- riadores antigo"? de França por D. Bouquet Benedictino , que no principio da revolução chegava a 13 volumes, já hoje conta 3 ou 4 maiSij^ das Ordenanças dos Reis de França da terceira raça ^r Mr. de Brequigny, que já es- tava no anno de 14Ó1 , continua igualmente. Também a collecção das Cartas , e Diplomas para a Historia de Fran- ça , que principiarão a publicar os Senhores de Brequigny, e Du Theil, he hoje continuada pelo ultimo. Os Inglezes cuidão igualmente cm reimprimir e publicar de novo as an- tigas Chronicas e Diplomas , que podem illustrar a sua His- toria. Sahírâo já traduzidas as de João Froissart , de Join- ville , c de Enguerrand de Monstreiet. O Srir. Roberto Lindsay publicou ha pouco as Chronicas de Escócia, a que ajuntou muitos Documentos inéditos. Era justo por tanto que mostrássemos também igual amor á nossa Historia. Já temos muito augmcntada a col- lecção dos Documentos cxtrahidos do Real Archivo, e dos Cartórios do Reino: c nestes dois últimos annos tem a Commissão recolhido mais de duzentos, somente até os fins tio Século XII. ; muitos dos quaes são assaz interessantes , por serem exemplares mais correctos dos que andavão im- pressos com muitas falhas e defeitos. Hum delles he rarís- simo, por ser hum Testamento da Era de 81 r, mais anti- go por tanto , que nenhum outro até agora entre nós co- nhecido. Grande louvor por certo merecerá a Academia, submi- lAÍstrando aos Doutos tnntos e tão novos soccorros e matc- riacs a bem da Historia Portugueza , que ainda precisa mui- to de noticias exactas e importantes. Com estas poderemos ter hum dia quem com Critica apurada, arte, e bom gos- to XVI HisTOF. IA DA Academia Real to nos de hum corpo de Historia pragmática e philosophi- ca ; que, hc preciso confessar, ainda nos falta. Cumpre es- perar que virá tempo , em que tenhamos os nossos Gibbons , e os nossos Humcs. Mas talvez que algum desses homens azedos , desses Philosophos cáusticos , ouse dizer que entre todos os conhe- cimentos humanos he a Historia o de menor valia ; porque só nos ensina o que todos sabem; isto he, que os homens sempre forao , e hâo de ser , mjis ou menos imbecis , ou viciosos , mais ou menos enganaaos , ou enganadores. Em- bora seja assim ; e concedamos-lhcs de barato tamanhos paradoxos ; ^ quem porém não quererá saber as causas por que o tem sido ? Alas convém saber também o que os ho- mens tem feito neste mundo de útil e de bom , pois he in- negavcl que o tem feito : convém saber os progressos do espirito humano; as vicissitudes por onde passarão as Scien- cias e as Artes que nos felicitão , ou deleirão ; e a sorte das Nações e dos Estados. Cumpre ver o crime detestado, e ás vezes punido ; a virtude estimada , e ás vezes premia- da : cumpre em fim ver os homens sem mascara , e sem hy- pocrisia , comparecerem em próprio vulto, com as faltas e fraquezas que cobria a sagacidade da ambição , perante o tri- bunal terrível da Verdade. O homem de Letras , que mu- nido de todos os subsídios , e alumiado pela critica , em- prehender colher palmas nesta carreira, ha de saber julgar, e avaliar os homens, taes quacs forão ; ha de mappejar, pa- ra dizer assim, seus vicios e virtudes, e entregar o quadro ao tribunal da Razão , para que o possa esta julgar sem ódio e sem lisonja. Sc nossos Historiadores antigos não escreverão com toda a critica e gosto , que já começavao a raiar em Ma- chiavelo , c Guicuardini ; podemos com tudo blasonar, que depois do renascimento das Letras , fomos os primeiros , que apresentámos ao Mundo hum corpo de Historia volu- moso, e rico de noticias, que pode talvez correr parclliiis com o de Tito Livio : taes são as Décadas do nosso im- mor- DAS SciE.MCIAS DE LlSISOA. XV1£ mortal Banos , cujo estilo he mais natural e castiço que o de Livio. He lastima , Senhores , que ao nosso Fr. Luiz de Sousa , cuja Historia de S. Domi?igos hc com mui poucas excepções hum thcsouro de excjlicncias de estilo , e de linguagem , pela pompa da expressão , elegância da frase , c energia dos pensamentos ; he lastima , digo , que lhe cou- besse em sorte hum assumpto acanhado , e pouco próprio da Musa da Historia. Todavia he tal a bclkza do seu es- tilo , e a pureza da sua dicção , que todos os defeitos do assumpto, e as faltas repetidas de Critica apurada, dcsap- parccem aos olhos do Leitor. Não foi só em promover as Sciencias e ^ Litteratura , que cuidou neste anno a Academia ; quiz também dar mais huma prova de virtude , e sensibilidade , desejando conser- var sempre vivas as feições e imagem de seu egrégio Fun- dador: lembrámo-nos, para mitigar nossas saudades, fazer, por meio de huma Subscripção voluntária , o Busto em már- more do Duque de Lafões , para ficar coUocado na salla das nossas Sessões. Foi encarregado de satisfazer a tão bcUos desejos o Síír. Joaquim Machado de Castro , Artista mui distincto e benemérito , a quem devemos a idéa e o modello do grandioso monumento da Estatua Equestre , que o amor dos Povos consagrara ao immortal Rei o Senhor D.José L Quacs fossem neste anno os bcncficios feitos á Pátria c á Humanidade pela Instituição Vaccinica da Academia , deixo a melhor pcnna. Vereis que a Vaccina , esse átomo milagroso de hum puz estranho á nossa espécie , esse acha- do maravilhoso do immortal Jenner , vai ganhando pés en- tre nós cada vez mais. Parece que a guardara a Providencia à nossos dias pa- ra compensar de algum modo os males , que a Humanida- de tem soíFrido com a guerra devastadora que ainda assola a Europa, j Qiiem sonharia , Senhores , que huma gota de matéria infecta havia de combater peito a peito com a mor- Tom. IV. Part. II. C te ! XVllI HiSTOKIA DA AcADEMlA ReAL tc ! i E havia cstrcitar-lhc e diminuir-lhc o impciio ! Sc a Academia , apezar de seus poucos meios , não tem cessado ha quatro annos de propagar pelo Reino o beneficio in- comparável da Vaccinação : ^ que scena consoladora se não abre agora ante seus olhos , quando o Governo destes Rei- nos , a quem devem tanto os Portuguczcs , acaba de sub- ministrur-nos os soccorros pecuniários , que nos faltavao ? jUmpre agora , Senhores , dar-vos também alguma no- ticia das Memorias apresentadas , e lidas neste anno. Co- meçando pelas da Classe das Scicncias Naturaes , lêo o Vice- Secretario o Snr. Sebastião Francisco Alendo Trigozo a conta das suas Experiências sobre a comparação dos Pesos e Medi' das de Vtlla Fcrdc e Torres Vedras , de que tinha sido en- carregado pelo Governo ; e para cujo desempenho a Aca- demia lhe havia subministrado todos os Instrumentos neces- sários. O Síir. Visconde de 'Balsemão lêo a segunda parte da sua Descripção Económica da Provinda do Minho ; com que dêo novos subsidies á Estatística Nacional. No ramo Mineralosico lêo o Secretario huma Metjioria. sobre a Minerographia da Serra que decorre do monte de Santa "Justa , no termo de Valíougo , e Provinda do Minho , ate Santa Comba: districto este muito rico em mineraes deantimonio, cobalto, zinco, terro , prata, e provavelmente de ouro ; on- de em tempos antigos tiverâo os Romanos huma vastíssi- ma e longa mineração. Lêo o mesmo Secretario outra Memoria Histórica e Mi- nerographjca sobre a nnva Mina de ouro , que fira no meio da enseada que vai da ponta da Trafaria até o Cabo de Espichel. Lêo finalmente hum Opúsculo intitulado : InstrucçÕes praticas e económicas para os Mestres , e Feitores das minas de ou- P ^<Íní / f/f//i 7y Fíq 4 Wg (r. J DAsSciENCiAS DE Lisboa. xtx ouro de desmonte e lavagem iw Brasil , precedidas de algu- ma': Reflexões Estatísticas e Mincrognipliicas : obra inípcr- fcit.1 , mas que talvez pelas regnis e mcthodos que ensi- na c descreve , possa ser de summa utilidade aos Mineiros do Brasil, poupando-lhcs tempo, brrços , e mil dcspezas inúteis , com que se perdem a si , e arruinão o Estado , sem saberem ao menos aproveitar todo o ouro que lavrSo. Em Technologia lêo o Sfír. Jvtonio de Araiip Travis- sos huma importante Memoria sobre os Alambiciues , e distil- laçtw das Agoas-ardcntes , descrevendo os seus apparelhiís , que reúnem as utilidades dos de Duarte Adão , e Isaac Be- rard. Tereis o gosto de a ouvir ler nesta Sessão. Em Medicina enviou o Sfír. José Francisco de Carvalho huma Memoria sobre a Elefantíase , útil pela matéria , e pe- las Observações que contém. O Snr. José Pinheiro de Frei- tas lêo-nos outra , em fórma de Regimento , sobre a Policia Medica. Nella trata miudamente de todas as providenias , e meios mais acertados para conservar a Saúde pública. O Snr. Ignacio Xavier da Silva enviou-nos huma Memoria interes- sante Sohc o uso do Café em pó para curar as Febres inttr- rtiittentei j com hum mappa circunstanciado dos Soldados cu- rados por este methodo no Hospital Real da Marinha Es- peramos delle a continuação da? suas Observações , applican- do o Café diversamente preparado á cura de outras Febres e achaques. Em Agricultura tivemos huma Memoria sobre os meios de a melhorar e estender em Portugal , pelo Snr. José de Ma- cedo Pereira Pinto ^ em que mostra o seu patriotismo (ri). C ii Pas- ( tlicorica , ao modo com cjue se tem procurado corrigir c mclhoiar seus costumeiros e práticas antigas , com a introducçáo de novos instrumcnros , de nova cul- tur! , e novos methodos de Lavoura. Estes são os pontos de vista , ijue devem meiecei a atcençáo dos tiossos Esctiptutes em tão int or DAS SciENClAS DE L I S B O A. XXt Na Classe de Littcratura c Historia, niio foi este aii- no pobre 5e prcducçõcs. Enviou-nos o Sílr. Fr. Francisco de Carvalho o piincipio de huma Cbra , qiic espero virá a ser na sua continuação niairo interessante , intitulada : Ensaio para huma Historia da Litteratiira Portugiwzja desde a sua mais re- mota origem até o presente tempo. O Srír. Bispo ssa Monírchi.n ; entre os quaes merece especial men- ção o imniort.il D. Diniz. , que cf)m a lavra e apuração de novas minas, cncheo seus cofres de ouro, e dêo novo im- pulso á nossa industria , povoação , e Agricultura. Se até aqui hei referido , Senhores , cousas que alegrão e consolão ; j porque serei obrigado a memorar agora as per- das , que soffremos ! Sim , roubou-nos a morte neste anno não poucos Sócios; muitos delles conhecidos por Escriptos de notório merecimento, todos pelos grandissimos serviços feitos á Pátria e á Humanidade. Taes forão os Snrs. João Guilherme Christiano Míiller, Jeronynio Allen, Carlos An- tónio Naplon , Alexandre Rodrigues Ferreira , José Pinto da Silva , e Luiz de Sequeira Oliva. Senão fora a estrei- teza do tempo , cumpriria espalhar algumas flores sobre suas sepulturas ; tecer-lhes hia o elogio , para cumprir coni as obrigações de Collega , para expollos , se podessc tan- to , á vossa veneração. Mas já que me não he permittido expressar agora tudo o que sentem nossos corações , pos- são ao menos seus Mai/es apreciar o meu silencio, mais elo- quente , que todos os meus elogios. Para encher os lugares vagos , para honrar o mereci- mento nomeou a x\cadcmia para seus Sócios Veteranos os Snrs. Domingos Vandclli , António Ribeiro dos Santos, Agostinho José da Costa de Macedo : E para Sócio Estrangeiro o Snr. Jacob Graoberg de Hemsio. Passarão pnra Sócios Effectivos: Na Classe das Sciencias Naturaes o Síír. Bernardino Antó- nio Gomes : Na nr DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXVII Na de Sciencias Exactas o Snr. Anastasio Joaquim Rodri- gues : E na de Litteratura e Hiftoria os Snrs. Francisco Manoel Trigoso , Joaquim José da Costa de Macedo Visconde da Lapa. Passarão para Sócios livres os Snrs. António de Araújo Travassos Francisco Simões Margiochi João Evangelista Torriani José Pinheiro de Freitas Soares Justiniano de Mello Franco Marino Miguel Franzini. Forão nomeados Correspondentes os Snrs. Fr. Bento de Santa Gertrudes Félix José Marques Francisco Nunes Franklin João António Monteiro Fr. José de Almeida Drake Ma"hoel Pedro de Mello Manoel José Maria da Costa e Sá. Está acabado o meu Discurso, Senhores. Se sahio sec- co c desalinhado; ao menos creio, que vos convencerá de que a Academia não cessa de buscar com seus escritos e tare- ias o bem das Sciencias e da Pátria. Muito temos feito os Portiiguezcs ; mas muito terreno nos resta ainda por abrir c cultivar nos campos das Sciencias e da Litteratura. A Phi- lologia Grega , a Archeologia , a Numismática , a Geogra- phia antiga, as Línguas Orientacs devem merecer-nos novo .nmor e maior zelo. A arte de escrever com pureza de lin- guagem , com gosto c Philosophia , em que já tínhamos no scculo de 500 dado grandes passos, recuou hum pouco; e D ii prc- xxvtir Historia da Academia Real precisa cobrar forç;;s. Bem sei que esta arte bella , mas diJíicil, não tem regras fixas , nem demonstrações, por onde SC governe; por ser hiima espécie de inspiração, e hum dom da naturc/a : mas sei também , c]iie este favor celeste só me- recem os qne cstudão e folheão bons modcllos ; os que ar- dem pela gloria do renome , que deve ser a nobre recom- pensa das tarefas Littcrarias. A Sciencia da Natureza , e suas vastas applieações á Agricultura, i Technologia , e á Economia, em cujo estu- do tanto se esmcrão as Nações cultas da Europa, inda estão pouco correntes entre n(5s. Eis-aqui pois aberta huma nova estrada , larga e real , por onde devem caminhar os engenhos Portugue/es , que quizerem colher novos loiros debaixo das bandeiras de Minerva. A Academia lhes está dando o exem- plo ; c mais esta vez os convida , para que entrem em seu grémio, e a ajudem com forças reunidas. O Homem de Letras , Senhores , que por singularidade, ou capricho pueril desdenha entrar em Sociedades Littera- rias , antolha-se-me ser huma espécie de Celibatário , des- pegado do Mundo : que não tendo para quem ajunte , ou a quem deva sustentar , não augmenta seus cabedaes ; ou os despende sem regra nem medida , endividando-se mui- tas vezes , e perdendo o seu credito. Se os Ciceros e Lucrecios, se os Sallustios , Virgilios, Horacios , e outros muitos Luminares da Litteratura Romana , por não fallar dos Gregos, tivessem sabido reunir-se em So- ciedades , como as nossas ; ^ que voos e progressos não terião feito as Sciencias e boas Artes com homens tão enérgicos, e cheios de talento ? Suas Obras Litterarias terião chegado ás nossas mãos sem algumas falhas e defeitos, que justamente lhe notamos, a pezar de certa espécie de idolatria com que as veneramos. Se na barbárie da Meia Idade , assim como hou- ve a inspiração de criar Universidades , tivesse havido tam- bém a de formar Academias ; esses poucos espíritos privile- giados, que apparecêr.1o então, quaes estrcllas errantes em noite escura , de certo não terião sido victimas inúteis da igno- rância. Eia DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXIX Eia pois , rcunão-se os Doutos Portuguezes ás nossas bandeiras. ^ Qiic mais nobre carreira podem desejar as almas generosas? ^ Que procura a Academia? ^-cm que sua de con- tínuo , senão em propagar as luzes , em promover o bem , e evitar os males que trazem apoz si a ignorância e o egoís- mo ? Indagar a verdade , espalhalla pelas classes que não podem consagrar-se inteiramente ao culto das Sciencias , sus- tentar os altares da razão , alumiada pela Santa Religião que professamos , fazella a arbitra da opinião pública , e a conselheira dos Thronos , hc o dever sagrado das Corpo- rações Scientificas. Eis-aqui , Senhores , porque a nossa Aca- demia , fiel á sua vocação , tem merecido , e ha de mere- cer , como espero , o patrocínio do nosso Bom e Augusto Soberano , c a estimação do Género Humano. CON- Ai^aa oi XXX Historia ua Academia Rk al CONTA ANNUAL D A INSTITUiqÃO VACCINICA D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA, PRONUNCIADA NA SESSXO PUBUCA DE iSij POR Bernardino António Gomes. Preambulo § I. *3Egunda vez tenho a honra de occupar este lu- em que si n-gr ç ]^q similhantemcnte para referir os progressos da Vac- Fortácia do cifiaçao cm rortugal durante o anno próximo passado, o assumpto, tercciro da Instituição Vaccinica. § 2. A' vista desta tarefa, reflectindo que, por não pos- suir os talentos dos Sábios , que se acabão de ouvir , não posso por meio dos atavios da eloquência tornar igualmen- te aprasivei a minha narração, cumpria-me começalla , im- plorando a benevolência deste respeitável Auditório. Adver- tindo porem que o que cm mim falece , he sobejamente supprido pela importância do assumpto , e pela qualidade dos que me escutão , julgo escusado soUicitar a indulgência com que devo contar. A vaccina- § 3. Julgo que a insufficiencia do Relator he supprida ui^mr mui- P^^^ importância do assumpto , e pela qualidade dos que me to para a escutao , porquc vou faiiar da Vaccinação cm Portugal, e SeXp"'^" ^''^•'" ^í"""' ^''"° pc''3"tc huma Assemblca de Portuguezcs, na gal. qual persuado-me que não ha algum , que não seja digno deste nome. ^ E qual hc o Portugucz , digno do nome , que ' não DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XXXI não deseje a prosperidade do seu Paiz? ^E quem a deseja assas , que não anhele saber, e não ouça por conseguinre com tanta avidez pelo assumpto , como indulgência para com o Relator, quanto temos avançado por hum dos caminhos, que conduzem mais directamente para a prosperidade da Nação ? § 4. Sim, não duvido dizer, porque he fácil mostrar , Por aii?mc- que a Vaccinação hc hum dos meios , que mais podem con- '^."!"°1''"'^" •1 • 1 1 j 1. 1 II I çso de que tnbuir para a prosperidade de rorrugal. ror quanto em hum provem nin- Paiz deserto não pôde haver prosperidade. ) Ibid. p. lOf. ( f ) Aíappa A'Arrouiby, (á) Patriota. xyjiiv Historia da Academia Real pouco prolifera , menos industriosa , c quasi roda de impor- tação , não só não he equivalente a hum igual numero de habitantes brancos ou mestiços , mas ha de vir a ser nul- ]a ; como aconteceo em Portugal , porque he notório que Sua Alteza quer abolir o Commercio da Escravatura ( « ) , o qual permitte ainda nos seus vastos Dominios Ultramari- nos , porque o estado da sua população e bem dos seus Vas- sallos assim o exigem. Pôde crescer § íi- He nccessario por conseguinte olhar o Brasil não muito apo-s(5 como mui pouco povoado, mas como tendo huma po- pulação de ^ j ■ ■ • 1 '' u ■ {•ortuoal. voaçao , em parte adventícia e precária , a qual nao he equi- valente a igual numero de fcrancos , e que convém muito e pôde mui bem ser supprida por hum augmento de po- pulação branca nos dominios Portuguczes ultra e cismarinos. Í*óde por conseguinte crescer muitíssimo a população de Portugal , Pátria mãi dos Colonos Brasilienses , porque tetn pira onde regurgite o seu excesso de população, e donde tire a subsistcncia dos restantes. Avaccini- §11- He nestè ponto de vista politico, e interessantis- ção poaiasimo, isto he , como mui capaz de fazer augmentar a popu- |J"^J,'"^o lação , que a Vaccina deve também ser olhada, e tem sido c 1 j4aii.i. por todos os Governos civilizados. Por meio delia , segundo p calculo do Snr. Marino Miguel Franzini , pódc Portugal augmentircada anno era população até 9(^)500 indivíduos {ò) , e, segundo os princípios de Mr. Dwilard (<"), pôde era 134 »nnos fazella chegar a ^.^i-^^^yj y que se aproxima ao duplo da actual. Apreço que § 13. Ao peso destâS pondcraçôes acrescentarei o apre- ccir^te!ír Ç"^ ) que os Governos civilizados tem feito da v«ccinaç«o. feito da vac- cinação. § 14. He notório que o Parlamento InglcE premiou pri- mei- (, iJ ^ Ueclaraçío no Congresso de Vienna ; Courier. (i>) Instr. StíUtst. p. 52. (f) Eáiub. Mui. lUtíi Sitrg. Jciirnal N. 37 p. 91. .:?'rn_ n, DAS SctENCIAS DE LiSBOA. XXXV meira vez o seu Inventor com ()o^ cruzados. Este acto po- Inglaterra rém de hum Governo, que prcmea sempre bem as invcn- pr!'jain« çóes úteis , não mostra tanto o grande apreço que ellc fez primeira Jogo da descoberta do Dr. Jcnner , como o que nessa oc- ^"' casião se passou no Parlamento, Querendo alguns Membros que se duplicasse o premio, o Clianceller do Thesouro dis- se: «A Camará pôde vtítar para o Dr, Jcnner a recompen- j> sa que bem lhe parecer j he porém hum facto , que elle " já tem recebido a maior recompensa, a que qualquer pó- j» de aspirar, que lic a approvação unanime da Gamara dos »» Communs ; approvação todavia bem justa , porque he o >j resultado da maior, ou de huma das mais importantes des- » cobertas, que a Sociedade tem feito desde a creação do » Mundo. Fai duvido que a Gamara tenha tido em occasiao >» alguma de votar sobre hum ponto mais importante, que » o que occupa actualmente o Comité {a) . . . . O mereci- í> mento da descoberta do Dr. Jcnner excede toda e qual- » quer recompensa >» ( í* ) . § 15'. Isto não foi hum cnthusiasmo momentâneo; ape-Premeão o zar da opposição dosMosclcys, Goldsons , e outros anti-vac-^''-,.-'^""^' .. rrs J 7 f. , ^ ■ seguda vez. cinistas , a que motivos pouco honestos dictarao escriptos desprczivcis , o Parlamento Britannico , ouvindo posterior- mente o parecer do Gollegio dos Médicos de Londres , fez tanto caso da descoberta de Jcnner , que novamente o pre- miou com duplicada somma , montando assim as duas remu- nerações a 270^ cruzados , premio extraordinário , que por isso nuo faz senão mais honra a's luzes e justiça do Augusto Tribunal , que lho conferio , por ser mui justo que huma descoberta , que ha de dar a vida a muitcs milhares de milhões de pessoas, de também ao seu Author com que possa bem commodamcnte passar a sua. § 16. A estes testemunhos de summo apreço da parte do Governo Britânico ajuntarei hum que mostra, que clle E ii não (fl) Em 2 de Junho de 1802. (i) Husson Jiccbctch. mr la vac. p. 551. XXXVI HlSTOT«IA DA AcADEMIA ReAL EstaWecc. nao tcm mudado de conceito. Creoii em Londres hum Es- ^^,^'"^^';'^j'^;; rabeiccimcnto vaccinico , com que despende annualmcnte 3<í) in!tiniic,5o lib. ster!., ou zj^ cru/ados , e isto só para a Vaccinação Vaccinica. Jg LondlCS (a). Ex|v.di<;5o § 17- O Governo de Hespanlia não dêo provas menos Vacdn. do pp^j-jy^jj ^^^ aprcço quc ftizia da Vaccina. Basta dizer que "^'' cm 1803 fez sahir da Coninha huma Expedição destinada nieramcntc a ievar a Vaccinação ás suas posscsôes Ultrama- rinas , c que esta memorável c não pouco despcndiosa ex- pedição durou três annos {b) . Socied. para § 18. A reputação da Vaccina em França, c particular- a extincção in(,„fj. y modo pelo qual cila ahi a adquirio , bastarião pa- das Bexigas i-i- ■„™ em França, f^ pcrsuadir da sua importância, a quem por experiência e lição ainda a não conhecesse. Não foi a prevenção que alli a introduzio e estabeleceo ; hum sábio scpticismo he que a acreditou. Sabendo-sc em França da descoberta de Jenner, formou-se (em 1800) em Paris hum Comité de Médicos, o qual se propoz examinar esta descoberta , e começou por dirigir contra cila as suas experiências , como pnr.T a refutar, tendo a intenção do a adoptar se ella se mostrasse incon- cussa. O resultado desta filosófica investigação foi tal , que em x8o4 tomou o Governo debaixo da sua immcdiata protec- ção a inoculação da Vaccina, não se limitando, como atd então, a franquear o Correio para a correspondência Vacci- nica , e a manter em Paris o Hospício em que se recebem , se ob-^ervão , c se mantcm os Vaccinados pobres , mas Con- vertendo o Coiiiitc em huina numerosa e esplendida Socie- dade , composta dos principaes Médicos de Paris , de vá- rios (d) The FJinb. Mcd. and Snr^. Jcurn. N. 37. p. 3p. (/>) D. Francisco Xavier Baln-.Í5 , Criiri;ião exrriortlinario de S. M. Catholica , e Cicfc dac]ue!U expedição , depois de lev.ir a Vaccina ás Américas Hesp.mliolas , ás Ilhas l^illpprnas , e a oiitr.is partes das Regiões Oricntacs , p.ir meio de criançr-s cj.ie Icv.iva a bordo , e t)iic hia vacci- nando succcssivameiuc na viagem, voltou á Europa em 1H06. 'w i DAS SciENCrAS DE LiSBOA, XXXVII rios outros Sábios , e de grandes Funccionarios públicos. Dcs- • ta Sociedade hc Presidente o mesmo Ministro dos Negócios do Reino, por cuja via os Prefeitos dos Departamentos , que estão incumbidos de promover a Vaccinaçao nos respecti- vos Departamentos , ou Províncias , se correspondem sobre 'este assumpro com a Sociedade , propondo o que lhes pare- ce , c executando o que ella approva ou lhes indica. Esta Sociedade tem annualmcntc huma Sessão Publica , em que se dá conta dos progressos da Vaccinação , e dos trabalhos da Sociedade naquellc anno , e em que se conferem os pré- mios aos m.iis distinctos Vaccinadores. Nenhum objecto^ escrevia o Ministro aos Prefeitos, quan- do se creou esta Sociedade , para lhes recomendar a Vacci- nação , chama mais foríenieiiíe pela zojsa attenção ; be buiu dos maiores interesses do Estado , hum meio certo 'de atigmentar a nossa população. Promctria lhes consequentemente auxiliallos com todo o poder do Governo ( « ) . Em 1810, ou depois de dez annos de experiências em França , declarando o Governo que nenhum facto em Mediei- Fundos da- va estava mais betn provado , ou era mais certo que o poder ^^^ p^^^^ anti-varioloso da Faccina ; pôz á disposição do Menistro do cezparapre- Interior huma somma annual para se despender no que fos- '""'« \''<^<^- « se necessário para gencrah/ar esta pratica por toda a INa-7as. ção ; estabcleceo Comités Vaccinicos nas vinte e quatro prin- cipaes Cidades da França , ficando Subalternos ao de Pa- ris; decretou prémios para os que vaccinasscm maior nume- ro de pessoas , para os que coUigissem íactos mais impor- tantes , para os que vencessem maiores obstáculos , c para os que atalhassem os progressos de epcdemias variolosas. Es- tes prémios são, hum de ^e £dinb. Med. and Surg, Journ. N. 40 p. 50?, ^c^S. {b) Tbe Edinb. Mtd, and Swg, 'jonrn. N 25 p. is8. oa^I O^ XL Historia DA Academia Real causas a vaccinação ( a ) ; e não se dirá que o fez gratui- tamente, quando se adverte que só em 1805- vaccinárão-se em França 400 (j) pessoas {h). Dimimiiçáo § 24. Outras piovas de facto, mas dolorosas, ofFerece doF^iai"^"*' nosso Paiz. Apczar da população tender naturalmente a faitadevac-augmcntar (f) , diminuio a do Faial em 18 12, em que mor- «naçao. j^^ão alU de Bcxigas 418 pessoas (d). ^-Quanto não dimi- nuiria a de Braga em 1814, havendo-lhe morrido de fiexi- gas nesse anno i ç^ pessoas ? Não nos demoremos porém Fim do ex- nestas lugubres provas da utilidade, direi melhor, da ne- ordio. cessidade da Vaccinação , porque se não pòdc fallar nellas sem se arguir tacitamente alguém , ou de muita ignorância , ou de muita negligencia. Hum dia de tanto jubilo- para a Academia , hum dia em que esta festeja o Nome de hum Príncipe , que outr'ora honrou as suas Sessões Publicas com a sua Augusta Presença , não permitte que se falle de fal- tas , cujo conhecimento magoaria muito a humanidade e pa- triotismo desta Assembléa. He mais próprio do dia, e a mim só agrada referir serviços feitos ao nosso Paiz , louvar , e re- commendar ao reconhecimento publico e do Governo os què os fizerão : não deixarei todavia de notar , pois o pede a na-^ tureza deste papel , quanto he escasso o fructo de não pe- quenas diligencias , e quanto precário o estado em que se acha a vaccinação em Portugal (e); isto mostrará a neces- sidade da medida que o Governo acaba de tomar , e de que logo fallarei. § 2^ ( d ) Papeis públicos. ( h) Bry:e 1'rncc. ohs. on ínocuL of cowpox Ap. N. 4, p. 20. ( c ) Malthtis A Es!í>y on the princip. of popuiation t. 2. p. 2. ( í/ ) Iiwcsr. Port. N. 12 p. 652. (f ) Este loajo exórdio dirigia-se a apoiar a Proposta , que alnstirui- çáo tinha feito ao Governo para lhe conceder huma Loceria , e de (^ue ainda nas antevésperas da Sessão fublica se ignorava a Resolução ; appli< <]nei-o depois para mostrar quanto he sabia a Resolução do (joverno , e j>ara inscrucçáo dos cjue são adversos á propagação da Vaccina, por igno- rarem o que a este respeito se tem passado nos Paizes Estrangairo». DAS SciENClAS DE LiSBOA. XLt § 2^. Os progressos da Vaccinaçao em Portugal , no ter- Progressos - - ' ■ tia vaccinaç. no j.°anno. ceiro anno da Instituição Vaccinica , poderáõ ver-se circun-^^^o^^^o stanciadamente expostos nas respectivas Contas dos Secretá- rios dos quatro trimestres d*aquelle anno , que fprão os Se- nhores Justiniano de Mello Franco , José Maria Soares , José Feliciano de Castilho , e eu. O seguinte Mappa porém pô- de dar huma idéa resumida dellcs. Tom. IV. Part. 11. F M i- xLii Historia da Academia Real MINHO. Povoafíes. Arcos c Sttbadim - Gerei. - - - - Guimarães - - íanheies - - . íoiircdo - - . Passa de Sousa - Pcna-Hcl - - - Ponte de Lima Porto - - - . Porto - . - - Santo Tirso - S. Vicente de Penso Travanca - - Vianna . > - Villa do Conde - Villa Meã - - Villar dePerdiíes Monte Alegrt - - Aveiro Guarda Guarda JLamego Mealhada - Ovar - - Pmhel - - Viitu • - Vaccinadorcs. Gabriel António da Cunha - - Cir. José dos Santos Diiis - - - - Med. Manoel Luiz Pereira - - - . . - NícoIao de Sonsa Galiáo - . - Cir. Sebastião José de Carvalho - - Med. José António Moreira da, Silva . . - António d'Alineida Med. António Jciquim de Carvalho - Med. Dona Maria Isabel Vanreller - - - . José Duarte Salustiano Arnaud - Med. José António tarbosa da Silva - - - Manoel José Malheiro da Costa e Lima José Pinto da Cunha - - . - Cir. José Luiz Pinto da Cunha - - Cir. Domingos António da Costa Flores, Cir. António Coelho de Magalhães Queirós , Cir. António Luiz- -..--..- TRÁS OS MONTES. José dos Sant03 Dias Med. BEIRA. João José da Fonseca e Sá - - - Barb. José Gomes Cabral ----- Cir. Manoel Vicente ------ Cir. João António Rodrigues e Oliveira, Cir. Manoel José Mourão - - - . Med. Pedro António Teixeira de Pinho , Cir. Francisco Manoel d'Albuquerque , iMed. Ignacio José dos Santos - - - Cir. Meies. Vacc. V„ce. verd. duv. } S7 '9 i S 2 1 9 — i lyS 20 1 15 55 í 27 II } Xi 28 12 5S85 5Í 2 2 124 2i 45 J 1 1? 6 2 64 j 27 I M I 8 215 .-- 2 20 6 I 7 — 1 S --- ÍOJI 68j 4 i4 9 4 S5 M 2 611 27 I 4 75 , - - 20 1 1 2 846 --- 4 104 «9 1646 195 ts- DAS S CIÊNCIAS DE LiSBOAé XLIII ESTREMADURA. PovoaçS) . Effeito das § 27. Estes progrcssos da Vaccinação em Portugal re- ^j^^^JJ^o "flectem huma pouca de gloria para o seu actual Governo, porque sao cm parte o eíFeito dis Ordens, e insinuações que, ha dois annos , mandou aos Corregedores e Prelados Dioce- sanos do Reino. Dellr.s provierao os 846 vaccinados de Pi- nhel, e os 611 da Guarda. Cooperação § 28. Se a gloria porém de hum facto interessante e dosEx. premeditado , pertence particularmente a quem o ordenou , GuardaePi- também não cabe huma pequena parte a quem da melhor iiliel. vontade, e com sabedoria contribuio muito para a sua exe- cução. Não merecem por isso pouco louvor os Ex.'""' e Rcv."">" Silrs. Bispos daquellas duas Cidades , os quacs , prestando a devida attenção ás insinuações do Governo, mo- verão os seus Diocesanos por meio de sabias Pastoraes a adoptar a Vaccinaçao. O da Guarda foi além disto tão bené- volo , ou esposou tão cordialmente a benéfica emprcza da Instituição, que não se dedignou , como pedia hum objecto do bem publico , de participar directa, c mui obrigantemen- ___^ te (4 ) Mcm. de Maih. e Phys. d'Acad. R. das Scicnc. T. III. P. II, p.ig. ixxxv c seg. (t) Ainda assim enganar-se-hia muiio o que daqui colligisse que não passa de iC^j/51 o numero total dos que tiverio Vaccina verdadeira no terceiro anno. Aquelle numero não he senão dos que tonst.i officialmente na Instituição ; ha pcrcm muitos de que esta náo tem conhecimento bas- t.inte : taes são os vaccinados por Facultativos , que não são seus Corres- pondentes; e daquellcs ha muitos partictilarmente em Lisboa, onde estes occasional e frequcntemtnte se servem id-,de se vaccinava , fez com que o Barbeiro do Hosjiital Miliur , João José da Fonseca c Sa' , praticasse aquclla facilima operação; e desta sorte fez com que pros- perasse em Aveiro a Vaccinação tão notavelmente , como se vê no Mappa. § 53. Devo igualmente aqui mencionar o Snr. Desem- DoDessm- bargador Filippe Ferreira, o qual em Santarém fez diligen- ,i^'^jP'jj^í^ cias por tornar participantes do bem da Vaccina os Expostos ra. daquella Comarca. ^ Mas o que não faria este philanchropo Magistrado a bem dos Expostos, depois de serem estes o objecto das suas meditações c especial Commisíão ? Não fa- na, si2>i or XLVi Historia da Academia Real ria , e creio que não fez , aquillo somente para que nao tinha authoridade ou meios. DoCorrege- § 34- O Corregedor de Pinhel , o Sfír. António Júlio de ''". '^^ '''"Faria Pimentel, mostrou também o seu zello e pontualidade na observância das Ordens de Sua Alteza , pela remessa que fez ao Governo , e que este mandou á Instituição, de hum Mappa de Vaccinados , e da excellente Pastoral do Bispo a respeito daVaccina, e recommcndando o Medico do Parti- do, Francisco Manoel de Albuquerque , pelos serviços, que a este respeito havia feito. DoCorrege- § 3$". O Desembargador Corregedor de Tavira , o Snr, iiur de la- jyjgj^Qgj Quistovao Mascarcnhas de Figueiredo, mostrou igual desempenho na execução das Ordens de Sua Alteza , fazendo ver (he justo que o diga) que o seu zello no Real Serviço não he de pura formalidade , porque depois de fa- zer quanto cabia na sua alçada , conhecendo que sem re- muneração não podem durar serviços de pessoas necessitadas , lembrou , e propoz hum meio de remunerar os serviços do Vaccinador daquella Cidade. De outros § 36. Os Corregedores de Lamego, de Villa Viçosa, Lhiiistros. ^ ^^ Ourique ; os Juizes de Fora de Borba , de Portel , e de Alcácer do Sal , o Juiz Vereador de Elvr.s , e o Juiz Or- dinário de Villa Nova de Mil-fontes merecem também huma mençãí) honrosa entre os bons servidores de Sua Alteza no que respeita d Vaccina. Cjoperado § 37- Devo nao omittir no numero dos fautores da Vac- rarticular cinação no terceiro anno os Membros desta Academia, que lulu-uns dos ^. . i/j 1/- • So^i,,ç d" A- por Circunstancias , em que se acharão, poderão mostrar mais cadcmu. o cmpcnho que toda ella tem nos progressos da Vaccina. Guarda Mór § 38. O Snr. Guarda Mór da Academia , Alexandre An- tónio das Neves , mostrou , quando se soube da epidemia variolosa de Braga, de que logo fallarei , e cm outras oc- casioes , o mesrr>o zello de que ha dois annos fiz aqui men- ção. j.3aquimjo- § 59. O nosso Socio , O Snr. JoaquiiTi José Costa de Macs- d- jVactlk)."' ^^ 5 querendo de todas as sortes concorrer para a gloria da Aca- dc- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XLVII demla , aproveitou a occasião , em que se achava na Gol- legã , para alli estabelecer a Vaccinaçao , e grangear para a Instituição hum Correspondente , cujos serviços são assas conspícuos no Mappa. § 40. Os Membros da Instituição , os Sfírs. José Felicia- ^°^<^J^^'<:'^- no de Castilho, e José Maria Soares, participarão, o pri- iiio, e josc mciro de Coimbra , e o segundo de Cascaes , que hiao j-es-'*'"'^ doares tabclecer a Vaccinação naquellas duas povoações. Hc-me aprasivel esta occasião de dar hum testemunho publico á verdade , accrescentando ao que acabo de dizer , que este serviço ainda que só começado , manifesta em hum e ou- tro hum zelo vivo , e mui louvável na empreza anti-vario- losa da Instituição. § 41. Seria mui loneo se referisse individualmente to- 9""^''^"" dos OS que coadjuvarão a Instituição no terceiro anno. Não distinsjuíno farei por isso mais que mencionar os Correspondentes , que"'^^""°' mais se distinguirão. § 42. A Snr.' Vanzeller tem o primeiro lugar, no qual '^^'■■' ^'^^"■ a constituem não só a respeitável qualidade de Senhora , a regularidade de sua correspodencia , e o numero de seus vaccinados , mas os meios , com que tem vencido a indoci- lidade do Povo Portuense , e que são todos os de benefi- cência conhecidos. § 43. A Snr.' Tamagnini deve também occupar hum "* ^'■•.'.'^*' lugar distincto pelos distinctos serviços, que ha annos tem ° feito a Thomar , e a esta Capital por meio da Vaccina , e particularmente pela Relação dos seus vaccinados em 1814, com que brindou este anno a Instituição. § 44. Entre os outros Correspondentes da Instituição ^° Minho- distinguírão-se , na Província do Minho , os de Penafiel , Vian- na , S. Vicente de Penso, Lanhczcs , Ponte de Lima, c o Snr. Tose Salustiano Arnaud no Porto. O primeiro he ex- Aiitomo de J-JJ • 1 J -j T--- Almeida. cedido de muitos pelo numero de vaccinados: a Instituiçuo porém sabe fazcr-íhc justiça , porque não se esquece que esta inferioridade he devida aos serviço;^ , que ja rinha fei- to nos precedentes annos ; por isso , pela regularidade , e per- Sousa Ca- liáo. XLViii Historia da Academia Rea^ permanência do seu serviço , por introduzir a Vaccinaçao em Santa liulalia , e por augmcntar a nossa Litteratura Me- dica , com os seus Annaes Vaccinicos de Portugal , a Institui- ção julgou-o digno de hum dos prcmios do terceiro anno. jos4S Luiz. § 4J. O segundo foi julgado tambcm digno de hum premio , porque ao grande numero de vaccinados , que se vê no Mappa , ajunta hum empenho na propagação da Vacci- na tão vivo , que por diversas vezes tem hido de Vianna aos Arcos , e á Barca , só a fim de estabelecer alli a Vacci-> nação. Manoel josi § 4^- A.O terceiro conferio a Instituição outro premio. Malheiro, porque ao serviço de ter estabelecido em S. Vicente de Pen- so a Vaccinação por meio de huma associação de diversas pessoas, ajunta a preserverancia em coadjuvar a Instituição , e os notáveis serviços, que se vêm no Mappa. Nieoláo de § 47. Igualmente julgou digno de premio o quarto, pelo grande numero de seus vaccinados ; e por igual razão haveria premiado o quinto , se lhe não faltasse hum requi- sito mui attendido pela Instituição , que he a preserverancia no seu patriótico serviço , e na correspondência directa , ou indirecta com ella. Quanto ao Snr. Arnaud , que , por ser di- minuto o numero de seus vaccinados, e por não ter sufficien- tes premin.s , nao pôde premiar , julgou dever publicar que he mui benemérito da Instituição pelas grandes , ainda que pouco fructiferas diligencias, que tem feito a favor da Vac- cinação, tanto em Valença do Minho, como no Porto , on- de actualmente se acha. § 48. Na Beira distinguírao-se os Correspondentes de Aveiro e Viseu ; são porém excedidos por outros , e como não ha prémios sufEcientes para todos os que merecerão algum , a Instituição pezarosa por deixar o merecimento sem immediato premio , protesta não se esquecer dos ser- viços já feitos , quando para o anno tiver de julgar novos. § 49. Os Vaccinadores da Guarda , e de Pinhel erão , pelo numero de seus vaccinados , assas merecedores de pre- mio j todavia não se lhes conferio por falta do requi) Conta do Snr. Mello. (f) Conta do Snr. Soares. (á) Conta do Snr. Mello. ( e ) Conta minha. (/) The Edinb. Aíed. and Surg. ^orirri. iV. 57 p. y2. (^) Conta do Snr. Mello. (ft) Conta minha. Lll Historia da Academia Real Circimstan- § 68. Cumprc-me ultimamente apresentar o quadro vac- ràvet^rquê ^'"'"^° do tcfcciro anno , por outro lado, que he desagrada- coiivL-m at- vel , mas que por isso merece ainda mais a nossa attençao. tender. Muitas e § 6^. No Mappa Vaccinico que venho de apresentar, grandes po- pjío apparcccm senão ^^ povoações, tendo Portugal de 3 a que não ha 4(3Ç). Isto indica que os progressos da Vaccinação tem sido Vaccinado j^gjj intcnsos quc extensos ; e bem se vê que a sua gene- ralidade he ainda tão pequena , que não apparecem no Map- pa muitas das nossas maiores povoações , como Coimbra , Brnga , Portalegre , Beja , Évora , Faro , &c. Faltad'assi- § 70. Vc-se tambcm que mui poucos dos Correspon- Ajidadeiws jentcs tem sido permanentes , ou regulares no serviço. dentes. Causa desta § V- Est3 observação nao deve servir senão para reco- Faita. nheccr o muito que se deve aos poucos que tem sido re- gulares , e permanentes ; porque para pessoas , occupadas na pratica da Medecina e da Cirurgia, perseverarem gratuita- mente na propagação da Vaccina , em que se consome tem- po , e que he opposta aos seus interesses clinicos , he ne- cessário que tenhão muito e mui puro patriotismo. Diminuta § 72. Faz-sc também reparavel , que apezar de se vacci- vacc.nat^o ^^^ rnuito cm Lisboa fora da Instituição, os vaccinados na na Institui- - . . ^ . . 57 çáo. Instituição sejão mui poucos , attenta a grande população de Lisboa ; observa-se todavia que nos últimos três mezes houve huma maior affluencia ; deve-se esta ás Bexigas , as quaes ceifando em huma familia da Rua de S. Francisco dois Meninos de tenra idade, e huma Menina de 18 an- nos , formosa , mui prendada , e de excellente indole , amc- drentárão de tal sorte o Publico com o severo castigo , que derão ao incrédulo e infeliz Pai daquclles nes irmãos , que despertarão muitos negligentes, e converterão alguns incré- dulos. Resultado § 7 3- Ordinariamente porém vaccinão-se tão poucos, de se vacci- q^g muitas vczcs não se pôde colher vaccina sufficiente pa- ra DAS SciENCIAS DE LiSBOA. LIII ra se mandar para as Provindas. Além disto por se não vc- nar poucn rem os vaccinados na Instituirão senão duas vezes, e f,^, r'^!"'»""'';' quentcmentc huma só, mui poucas, e mui imperfeitas ob- servações se podem fazer , c ignora-se o resultado da maior parte das Vaccinações (a), § 74. A' face melancólica do quadro vaccinico , que te- nho (a) Estes defeitos podiáo remcdiar-se bem facilmente, porque ha em Portug.ll estíibelecimentos com rendas , que quasi de ncnlnima utilidade são p.ira o Publico, e que se podiáo converter etn hospícios Vaccinicos, currio o de Paris de que fiz menção. Os estabelecimentos , de que fallo, são os Hospitaes de Lazrros , os quaes , instituídos por huma f.tlsa theoria , para evi- tar a propagação da Mortêa , nem satisfazem , nem podem satisfazer ao seu fim. Juljjava-se que esta hedionda enfermidade era contagiosa, por isso se procurava separar os lázaros dos sãos. A contusão, que d'antes h.-,via nas enfermidades de pclle , o horror , que esta inspira , c a autlioridade de vá- rios Escritores, que ou mal a obscrv-.ráo , ou nunca a virão, e copiarão o que seu? predecessores disseráo, perpetuarão a opinião de ella ser conta- giosa ; os modernos porém , sobre cuja observ.ição c anthoridade se pôde contar , como os Doutores Hebetdem e Adams , sno de opinião conirari.i (_Med. íransnct. oj tbe London Coll. Obs. on morhid poisons'), e cua he tamberrt a minha; porque tendo visto muitos lázaros , ou doentes de Morfea (^ Elephanti/isis de Batman) em Portugal, e no Brazll , onde iiáo he rara est.a enfermidade, nunca vi caso em que se podesse suspeitar ter havido contagio; e recordo-me de muitos, que provão não ser contagiosa, VI na Bairrada, em casa do Comendador de Malta, o Senhor Luis de Casrro, hum lazaro, cuja mãi era lazara, e cujo pai , que presente estava, nada ti- nha de Morfèa. Ha nesta Cidade em Arroios huma mulher sã e robusta , cujo marido morreo lazaro , e do qual teve dous filhos sãos antes de eile ler Morfèa , e dous depois , hum dos quaes morreo lazaro ( era hiinia menina) o outro vive , e he são. O Carreiro da Fundição, que he lazaro, vlveo, depois de ter Morfèa , cinco annos com sua mulher, da <;ual teve hum filho antes , e outro depois da moléstia ; este morreo de huma qt'í.- ros, e actividade dos Empregados : O Principe Regente Nosso Senhor Ha pnr bem conceder licença á Ac.idemia Real das Sc:tncias para liuina Lutciu 013'a 01 DAS SciENCIAS DE LiSBOA. LIX do no serviço da Armada Real , e no da Engenharia da Grã-Bretanha , e rivaliziío a gloria litreraria de seu Pai e Avô nas Obras que escreverão sobre algumas partes da Ala- thematica , e sobre a funesta Scicncia da guerra ; e o Sr. Joáo Guilherme Christiano Mííller, entregando-se a outros estudos mais variadqs e amenos , conseguio occupar hum lugar assas distincto entre os Litteratos modernos. Foi a Casa paternal a Escola , onde ainda cm tenra idade aprendeo com Mestres hábeis as Primeiras Lettras , os rudimentos do Latim , e as Linguas Franceza e Ingloza : e desde então não só mostrou hum gosto decidido para a leitura, mas adquirio o difficil habito de ler com sobrieda- de e de estudar o que lia : por isso sendo o Progresso da Romagem do Peregrino o primeiro livro que talvez cahio em suas mãos, foi tão profunda a impressão que esta leitura fez no seu espirito , que nos últimos annos da sua vida , quando escrevia alguns apontamentos assas curiosos sobre a vida e caracter de Bunyan , ainda se recordava com pra- zer dos passos mais notáveis da obra deste Author cele- bre , e do tempo em que , sendo criança , a recitava peran- te seus velhos Avós (a) . Eu não pertendo , como rigoroso Chronista , seguir passo a passo o mancebo Míiller na longa carreira dos seus Estudos; somente direi que no anno de 1760 começou a frequentar na Escola publica de Gottinga hum Curso de Humanidades; e que em 1766 foi continuar este Estudo, unido ao da Filosofia , e de algumas Linguas Orientaes , no Archigymnasio Susatense , que então era o mais affama- do da Westphalia ; onde quatro annos depois defendeo as pri- meiras Conclusões publicas De Studiis Veterum Gravimaticis , sob a presidência do Doutor Lehraanno (^). H ii O (a) Vej. a traducçáo do n Ensaio sobre a Litteraturi Portugueza » de que adiante se falia. ( * ) Obscrvationum didacticarum Specimen III. de studiis veterim Grnm- nadeis memoranda sistens , ejuod Prxside M. Jacobo Christiano Lfhiminno , Ardiigymnaiii Rectore , die VJ. April, in auditório maiori dtjindere tenta- Lx íiisTuKiA DA Academia Real O estudo das Linguas antigas e modernas não só faz a base da instrucçao publica na Allcmanha , ma? a de to- dos os estabelecimentos de educação , que formarão os ho- mens mais acreditados na Europa : e na verdade ellc rcunô a dobrada vantagem de pôr ao mesmo tempo em movimen- to as diversas faculdades da nossa alma, e de estender os nossos conhecimentos além do estreito recinto do pai/ que habitamos. Comtudo he certo que muitos moços , quasi deslumbrados entre o falso resplendor da nova Filosofia , e o das Traducções em vulgar das Obras dos antigos , sem- pre fracas, e muitas vezes infiéis, começa'rão desde o meio do século passado a olhar com affectado desprezo aquelle estudo. A combater este vicio he que se dirige o peque- no Opúsculo do Sr. Mliller: nelle mostra a necessidade que ha de se unir em estreito vinculo a cultura das Lin- guas e a das Sciencias , tratando-se nas Escolas de manei- ra , que se faça conhecer a dependência que tem humas das outras : e ao mesmo tempo insiste em que o estudo das Linguas tenha por fundamento o estudo da Grammatica , e por objecto a lição e meditação da doutrina da antiguida- de. Deste modo pertende reunir aquellas irmãs violentamen- te separadas ; e repondo o estudo da Grammatica na sua primitiva honra e esplendor, faz que ella transcenda os acanhados limites da parte Tcchnica , em que o commum de seus cultores supersticiosos a encerravão , e restitue ao seu dominio a Exegética , e a Critica. Defendidas estas Conclusões em Soest , voltou logo o Sr. Aluller ao seu paiz natal , para seguir hum Curso de Theologia na Universidade de Gottinga , o qual con- cluio no fim de dous annos : período que só poderá pare- cer demasiadamente hmitado , a quem não reflectir na .par- ticular constituição do ensino publico nas Universidades da Allemanha , c na maior facilidade com que hum moço ver- sa- bit Respondem Joh. Guil. Chiistianus Míiller Gceningeiísis, Susati , stamio Ebersh/Khii 7ypographi ciDiocttxx. 4.° de 28 pag. UAS SciENCIAS DE LiSBOA. l\t Sado por espaço de dez annos no Estudo das Linguas , da Historia , e dos outros ramos da Filologia , ha de vencer a carreira das Sciencias maiores , do que os outros , que apenas saudarão aquellcs necessários preliminares: pelo me- nos hc certo que seus Mestres , Thcologos de grande re- putação entre os Protestantes , quaes fmão Walch , Llss , Millcr , e sobre todos o eruditissimo Michaelis , não duvi- darão cada hum de per si , c todos juntos cm Corpo de Faculdade, attestar publicamente o muito que seu Discípu- lo se distinguira , c as grandes esperanças que de si dava , merecedoras da estima de seus Patronos c Mestres («). Apenas concluirá os Estudos Theologicos, entrou lo- go o Sr. Muller no serviço da Ordem Teutonica ( /> ) : mas foi este serviço de mui pouca duração , pois que es- tando a ponto de habilitar-se para occupar huma Cadeira Académica na Universidade , hum acontecimento que elle não previra , e que facilmente despertava e fortificava n'huni moço de vinte annos a natural inclinação de ver terras es- tranhas , o movco a abandonar a promoção esperada , tro- cando Hanover por Portugal , c Gottinga sua Pátria pela Cidade de Lisboa. O Enviado de Hollanda na nossa Corte tinha antiga- iTiente hum Pastor da Religião , que se denomina Refor- mada ; porém tendo-se aqui diminuido consideravelmente o nunero dos Negociantes desta Seita , esteve muito tempo vago aquelle lugar ; e o mesmo Enviado para receber a Cea , valia-se da chegada de Navios Hollandezcs , ou de outras Nações , que traziao Pastor da sua Confissão. Augmcntando-se porém o numero dos Negociantes ad- dictos á Igreja Lutherana , á proporção que se diminuião os (íj) Escas Accescaçóes foráo passadas em Gottinga a 21 e 22 de Ou- tubro de 1772. (_b~) Não sei que qualidade de serviço prestou o Sr. Muller s es- ta Ordem ; mas esta e outras noticias que vào espalhadas no corpo «lo Elogio , são tiradas da minuta original ú' huma cuta que elie escrevia pelos annos de 1803, a pessoa que o consultava sobre a sua Paitia , Pais , e Estudos. tXH Historia da Academia Real os da Reformada; pedirão os primeiros em 1768 ao En- viado d' Hollaiida , que lhes fosse licito manter á sua cus- ta dcllcs hum Pastor Lutherano , com a condição de pré- t>ar , e exercer outros Oíficios Religiosos na Capella da mes- ma Legação. Havido por tanto o consentimento do Ministro, e o dos Estados Gcracs , veio o Pastor Schieving a Lisboa pa- ra exercer aquellas funcções : mas sendo chamado para In- glaterra em 1772, cuidou a Congregação Luthcrana em al- cançar outro Pastor , cuja designação commetteo por meio de seus representantes ao Dr. Miller, nesse tempo Reitor da Universidade de Gottinga , e successor do celebre Moshci- mio. Julgou então aquelle Sábio que não havia pessoa mais capaz de acreditar a sua própria escolha , e de sustentar a reputação litteraiia daquella Universidade, do que o seu Dis- cipulo Miiller: e assim o persuadio a que aceitasse hum encargo, que elle não pedia, e que muitos outros de bal- de sollicitavão. Erão assas vantajosas ao moço Candidato as condições do contrato ; principalmente na parte em que não era obri- gado ao serviço daquella Congregação por mais de três annos ; findos os quaes , ficava em plena liberdade de con- tinuar a viagem , que intentara fazer pelas Províncias da Eu- ropa , restituindo-se depois á sua Pátria , na esperança de recolher hum honroso fruto de suas littcrarias fadigas. Apenas firmado o contrato , que lhe servia de titulo de vocação, em 25- de Outubro de 1772, partio o Sr. Miil- ler de Gottinga para Bremen ; e excitando nos Bremezes os testemunhos públicos de que vinha munido , huma pre- venção favorável de seus talentos para o púlpito , foi con- vidado para pregar na Cathedral daquella Cidade na Do- minga XX. depois da Trindade ; o que fez com tal graça e eloquência , que mereceo ao Ministério daquella Cathedral huma Attestação mui positiva da satisfação com que o ou- vira ; e em virtude desta Attestação foi dispensado do costu- mado Sermão de prova , que devia preceder a sua Ordenação. Foi DAS SciENClAS DE LiSBOA. LXtlI Foi esta Ordenação feita em Stade a j de Novembro, segundo o rito da Igreja Lurhcrana , depois d' hum Exame de Theologia perante o Consistório Real e Eleitoral desta Cidade. Concluido isto , partio o novo Pastor immediata- mente para Hamburgo ; e desafferrando daquelle porto , se dirigio ao de Lisboa {a). Creio que com justa razão nos podemos jactar, de que muitas cousas offcrecia então esta Capital , que podessem interessar hum Estrangeiro , que havia empregado a sua mo- cidade na cultura das Lettras ; e que era ávido de insriuc- ção c de gloria. Em contraposição ao severo clima do Nor- te da Allemanha , á gothica construcção dos seus Edifícios , e ao delgado vinculo da confederação , que unicamente unia as suas principacs Cidades , elie começava a habitar hum clima delicioso, via huma grande Capital resurgindo mais formosa d'entre as suas próprias ruinas , e hum governo uni- do e providentc , que em todos os ramos da publica admi- nistração sustentava gloriosamente a honra do nome Portu- guez. Ainda mesmo em matéria de estudos era esta a épo- ca em que se não podíamos hombrear com as Nações mais instruídas , figurávamos ao menos no meio delias com assas de dignidade ; pois que então se reformava a Universidade de Coimbra , e se publicavão os seus Estatutos ; então se estabeleciâo em todo o Portugal e seus Domínios as Ca- deiras Regias dos Estudos menores , que com admirável mu- nificência fazião chegar a primeira instrucção litteraria até ás Classes mais indigentes ; e as mesmas Congregações Re- ligiosas, seguindo em parte, e em parte prevenindo o im- pulso , que manava do Throno , ousavão passar além dos limites de seus acanhados e contenciosos estudos, applican- do-se incansavelmente ás Linguas Oricntaes , e a outros ra- mos de huma solida erudição. Assim não podia o Sr. Miiller deixar de se applau- dir (/J ) Póde-sc ver j reUçáo circunscanciaila de tudo o uue fica dito, a respeito da vinda do Sr, Miiller a Lisboa , no « Armazém de Hanno- vcr » Supplemento ao N. 9. Sexta feira 29 de Janeiro de_ 1773. sravr oi lXiv Histokia da Academia Rkai, dir da resolução que havia tomado, de fixar por algum tem* po a sua residência cm Lisboa. Despido de todo o género de orgulho, e de certas impressões menos Eivoravcis, que podessem ser effeito da sua educação littcraria ou religiosa , procurava conseguir a benevolência e a amizade dos Portu- guczcs ; frequentava a Sociedade dos homens sábios , e dos honestos cidadãos ; c empregava o tempo que podia rou- bar ao seu penoso ministério , no estudo da nossa Lingua , e dos importantes successos da nossa Historia. A maior prova da sua affeição ao paiz que o recebe- ra , he que no fim dos três annos pelos quaes se tinha obrigado a servir de Pastor em Lisboa , soffieo de boamen- te , que se lhe prolongasse a convenção por outros trcs an- nos ; os quaes decorridos , assentou em renunciar por então ao seu primeiro projecto : e preferindo a vida pacifica , pos- to que obscura, que vivia entre nós, aos empregos talvez brilhantes que acharia em muitos paizes da AUcmanha , ca- sou-se em Lisboa («), e aceitou a prorogaçao do anterior ajuste por tempo illimitado ; continuando a servir do anno de 1781 cm diante addicto á Lnviatura Dinamarqueza , por Patente d' ElRei Christiano VIL (^) a cuja protecção a Feitoria AUema sujeitara o Ministério de Pastor da Con- gregação Lutherana. Pouco depois desta época foi o Sr. MilUer nomeado Sócio supernumerario da Academia R. das Sciencias ( f ) ; e ( ) Deste trabalho foi incumbido por disposição da Asscmblca de Concelho de 6 de Outubro de 1792. (f) Em data de £2 de Outubro, c 17 de Novembro daquelle anno. ^/ír DAS SciENClAS DE LiSBOA. LXVIt nistro o Ex."'" Sr. Marquez Mordomo Mór, a ofFcrta de o admittir no Seu Serviço, sem que por isso se sujeitasse a qualquer condição , que elle podesse reputar equivoca ou desairosa. Com lagrimas de ternura , c de verdadeiro reco- nhecimento aceitou o illustrc Estrangeiro hum offcrecimcn- to tão generoso ; e cessando absohitamente a irresoluça ) do seu espirito, não hesitou hum momento em vincularse no serviço da Coroa de Portugal, aceitando a pensão vita- licia de oitocentos mil réis , que a Soberana lhe mandou assinar no Real Erário , por Decreto de 29 de Dezembro de 1790. Iluma só cousa lhe faltava para gozar plenamente dos direitos de Vassallo Portuguez , e era desemparar de todo aquclla Religião que bebera com o leite , que aprendera com Mestres de grande reputação , c que elle mesmo en- sinara pelo espaço de dezoito annos nas suas pregações e catequeses: mas ao espirito de duvida, que havia muito tem- po o dominava , e que fora huma das causas da agitação da sua alma , devia-se naturalmente seguir o espirito de exa- me, livre c imparcial. O resultado deste exame, que nin- guém prudentemente poderá taxar de dobre ou precipita- do , foi a sua solemne profissão da Fé Catholica Romana , feita nas mãos do Ex.""" Sr. Bispo Inquisidor Geral ^ 23 de Novembro' de 179 1- Desejando desempenhar a expectação da Soberana , e cor- responder ao seu tão gracioso chamamento, não se poupou o nosso Consócio a trabalho algum para exercitar digna- mente os honrosos Cargos , com que foi condecorado : c se pelo tempo adiante perdeo alguns delles , porque o inte- resse publico exigia a sua extincção , he certo que não po- dia isto influir no conceito, que justamente se formava á cer- ca do seu zelo e pericia , como de certo não influio ( gra- ças á Regia Liberalidade do nosso Soberano) para o per- dimento de seus interesses e ordenados : assim mesmo es- te , a que chamarei infortúnio , não deixou de amargurar muitas vezes as doçuras da sua vida. I ii A Lwm Historia da Academia Real A mercê de hum lugar ordinário , alem do numero , de Deputado da Real Mesa da Commissao Geral sobre o Exame e Censura dos Livros, foi a primeira que lhe coii- íerio Sua M.igcstade , pelo honroso Decreto de i6 de Maio de 1791 (a). Todos sabem que a este Tribunal estavao su- jeitos dous ramos muito importantes da Instrucçao publica, quacs erão a censura dos Livros , e a inspecção sobre os Estudos menores : o Sr. Miiller trabalhou incansavelmente sobre estes dous objectos ; e por sua morte achárao-se mui- tos apontamentos importantes, que naquella occasiao escre- via , sobre a reforma , que a relaxnçao dos tempos , e a pro- gressiva marcha das Sciencias, fazião já então necessária no estabelecimento dos nossos primeiros Estudos. Mas hum fado sinistro parecia que acompanhava aquelle Tribunal : ameaçado com a extincçao quasi desde que fora regenera- do, absorvido na censura de huma alluvião de escritos, pe^ ligos!) parto da recente revolução de França , e apenas es- pectador do precipício em que se hião despenhando os Es- tudos , tinha já este Corpo perdido huma certa energia , que em vão animava ainda a muitos dos seus membros ; as- sim por huma medida de justiça , mas que não deixou de ser dolorosa ás Lettras Portuguezas , foi Sua Magcstade Ser- vida abolir por Lei de ly de Dezembro de 1794 a Mesa que novamente restaurara , e que fora hum dos monumen- tos da sabedoria do Governo de seu Augusto Pai. A pezar desta extincçao, o Sr. Miiller ficou continuan- do a perceber o ordenado inteiro de Deputado , a titulo da nomeação de Censor Régio pela Mesa do Desembargo do Paço (i); e se desde então perdeo toda a influencia que ( íi ) Qiiereiíílo fazer úteis os conhecidos talentos e distincta Littcratura de "Joio Guilherme Cbristiano Miiller , que o fíirem merecedor de toda a honra e comideracão : Hei por bem jazer-lhe mercê de hum lugar ordiná- rio , além do nut\\ero e sem exemplo , de Deputado da Real Aícsa da Commis- s.ío Geral sobre o Exame e Censura dos Livros , para o exercitar segundo o Regimento , em quanto com o dito lugar não for Servida empregaiio em outra Comwissão 'b-c. ( i» ) Passou-sc-ihe Provisão em 10 de Setembro de lyp;. DAS SciENciAs DE Lisboa. lxix f]ue havia titio na direcção dos Estudos , scrvio sempre na repartição da Censura com grande trabaliio e desvelo. Já por Cnrca Patente de Sua Magcstadc , datada de 30 de Junho de 1795: , fora elle nomeado Traductor de Linguas na Secretaria do Concelho do Almirantado , conce- dendo-se-ihe depois a graduação de Official maior, e o uso do uniforme de Capitão de Fragata (a). As occurrencias da guerra maritima , e a actividade dos nossos Guarda-cos- tas e Esquadras , faziao necessária a nomeação de hum su- jeito versado no conhecimento das Linguas vivas da Euro- pa , que não só servisse de interprete dos Estrangeiros , que se dirigiao ao Almirantado, mas soubesse traduzir hum grande numero de documentos e processos volumosos, escri- tos naquclles differcntes idiomas. Trabalho árduo e inglo- rÍQso,que elle sopportou , até que a diminuição da Marinha de Portugal , occasionada pela mudança da Sede do Gover- no , e a sabia economia que demandava huma guerra asso- ladora , fizerão necessária a extincção daquelle emprego na ultima reforma do Concelho do Almirantado. No entretanto era encarregado por Ordem especial da Corte de outra Commissão mais agradável e honorifica , qual era a de assistir a Sua Alteza Serenissima o Principe Christiano de Waldeck, Marechal dos Exércitos Portugue- zes , durando a sua residência neste Paiz. Mas em pouco mais de hum anno veio a perder com a prematura morte deste Principe (b) as repetidas provas de confiança , que deJIe recebera ; sendo o ultimo e doloroso serviço que lhe prestou, o de apresentar verbalmente ao nosso Soberano as suas ultimas representações , e o de arranjar e inventariar por (/>) Na mesma Cirta Patente assinou-se-lhe o soldo de 45OJÍ rs. pot anno. Este emprego era cntáo novo e pessoal , e só entrou na organi- zação regular do Concelho pelo Alvará de Regimento de z6 de Outu- bro de ly(y6. A graduação, c o uso do uniforme foilhe concedido pelas Portarias do Concelho do Almirantado de 27 de Maio de 175/7 , e de 6 dtí Outubro de 17518. (/') Succedida em Setembro de 1798. .■,I3U OT Lxx Historia da Academia Real por Ordem Regia todos os papeis de importância que elle deixara. Acostumado aos vaivéns da fortuna , que ora se lhe mostrava severa, ora risonha, rcceheo ainda o Sr. Miiller cm 1801 a mercê de hum lugar de Director do Estabele- cimento da Impressão Regia , pelo mesmo Decreto , que havia crcado a Junta encarregada da sua direcção e admi- nistração ; até que abolida por Sua Alteza Real nove annos depois esta Junta ( a) , veio a perder aquelle emprego , sendo desde então hum dos encarregados de rever e man- dar correr as Obras , que se houvessem de imprimir na mes- ma Officina (b) . No anno de 1802 foi addicto por consentimento da nossa Corte ao serviço de S. A. R. o Principe Frederico Augusto , Duque de Sussex , que residindo então em Lis- boa , e tendo retirado do seu serviço a James Trail , dese- java ter junto a si outra pessoa, que presidisse ao gover- no da sua Casa , e em cujo conselho e experiência podes- se confiar. Os homens que fazem profissão do estudo das Sciencias , são commummente pouco cortezãos ; mas o Sr. Miiller teve occasióes de mostrar no espaço de dous annos, a sua habilidade nesta arte delicada ; e de tal maneira al- cançou a benevolência e estima daquelle Principe , que quan- do S. A. se retirou para Inglaterra , não pôde resistir ao desejo de o acompanhar , e de lhe dar esta ultima prova de seu animo agradecido (r). Comtudo a estada cm Londres , posto que podesse li- songear o seu amor de saber, e a sua mesma vaidade, não foi ( ■) Por Aviso dirigido ao Desembargo do Paço , em data de 20 de Agosto de 1810. (c) O Sr. Miiller entrou no serviço do Principe Augusto depois de if de Junho de 1802 , que foi quando se retirou para Inglaterra lamcs Trail , que viera na companhia de S. A. na qualidade de seu Mordo- mo e Conselheiro ; e acomp.mhou o mesmo Príncipe na sua sahida de Lisboa cm Agosto de 1804 , depois de ter obtido para este fim a licer>- ça da nossa Corte. DAS SciENCrAS DE LiSBOA. LXXt foi nada avantajosa nem á sua saúde , nem aos seus intcrcii- ses; assim cm breve se rccolheo a Lisboa (tí), bem resol- vido a não interromper mais o serviço que prestava ao nos- so Soberano, ao qual tinha unicamente vinculada a sua for- tuna , e toda a sua gloria. Nos deseseis annos que decorrerão desde que o nosso Consócio entrou no serviço da Coroa de Portugal , até que se recolheo da viagem de Inglaterra , pouco tenho que di- zer á cerca de seus trabalhos Académicos. Apenas acho nas nossas Actas, que em 1796 lhe fora remcttida a Relação da Viagem , que o Doutor Francisco Josd de Lacerda fi- zera de Mato grosso para a Capitania de Santos , a fim de a traduzir cm Latim ou em Francez , segundo elle mesmo propozera ; que no anno de 1800 fora hum dos quatro Só- cios escolhidos pela Academia, para conferirem na forma das Ordens de Sua Alteza Real, c darem o seu parecer so- bre o melhoramento da administração do Correio ; e que na Assembléa de 2 de Julho desse mesmo anno lera humas Re- flexões sobre o modo de contar o primeiro e ultimo anno de cada Século : assumpto bastantemente frívolo , mas que assim mesmo tem exercitado o ócio de alguns Escritores , e que não se pode chamar de todo inútil , segundo a indes- culpável negligencia de muitos que fallão ou escrevem. Mas posto que tantas e tão honradas CommissÓes pri- vassem por muito tempo a Academia da útil cooperação deste Sócio , muito tem ella que agradecer á piedade do Príncipe seu Protector , por se dignar de escolher no seu seio muitas pessoas hábeis para o manejo das administra- ções publicas ; e ella toma para si a porção de gloria que lhe compete, quando vê que os seus membros, não se li- mitando a's theorias Académicas , sabem felizmente applicnr os conhecimentos que adquirirão nos Livros , e no commcr- cio dos doutos , a objectos práticos tão importantes , como são os que fundamentâo a felicidade do Império. Ape- (w) Onde já estava no anno de 1806. Lxxit Historia nA Academia Real Apenas recolhido de Inglaterra , foi ainda o nosso Só- cio escolliido para ter Iiuma parte muito principal n' hum vasto projecto litterario , formado tora da Academia. Kra este projecto ideado e favorecido por hum Ministro d' Es- tado , verdadeiramente '/.eloso da gloria littcraria da Na- ção; e que sendo Soeio Honorário desta Academia , não tem contribuido menos com a autoridade , do que com o estudo , ao seu esplendor e prosperidade. Para este fim se tinha es- tabelecido no Palácio do Correio Gera! huma Imprensa man- dada vir de Inglaterra, cuja direcção foi dada ao Sr. Míil- ler : porém no principio destas pacificas e innoccntes tare- fas , hum horroroso catástrofe , que nos séculos futuros fa- rá a mais luctuosa época da nossa Historia , nao só baldou os úteis projectos que então mesmo se formavão , mas o fruto de muitos trabalhos já emprendidos ; deixando ape- nas aos verdadeiros Portuguezes o animo desempedido pa- ra cliorarem a ausência do seu Principe , e o abismo de des- graças em que vião a Pátria sepultada. Mas não profanemos a solcmnidade deste dia com a recordação de tempos tão sinistros para as Lertras , c para os seus cultores : assas soa ainda nos nossos ouvidos a ex- pressiva voz , com que o nosso Consócio os descrcveo neste mesmo lugar, ha hoje hum lustro (a): assim fixemos antes a nossa consideração naquclla feliz época , em que expulsa- da a tyiannia , recobrou o nosso Instituto a sua primeira actividade; e em que, querendo resarcir as antigas perdas , se empregou na sua organização domestica , e na escolha dos membros , que havião de dirigir a sua administração económica , e as suas relações litterarias. Foi na Assembléa de 30 de Novembro de 1809 que se elegeo o Sr. Míiller, já então Sócio Effectivo, para oc- cupar o importante lugar de Secretario da Academia. Or- nado de huma instrucção muito variada , livre de outras oc- cupaçõcs publicas , que não tivessem huma relação immc- dia- ( rt ) Vcj. o primeiro Discurso, impresso no Tom. III. P. II. Jas Memorias de Maihcmatica e Physica da Academia. DAS SciENClAS DE LlSBOA. LXXIII diata com a cultura das Letcras , c versado em todos os idiomas da Europa illustrada, com razão foi achado o mais próprio , não só para dirigir , se me he licito dizello as- sim , a nossa Littcratura domestica , mas para atar o que- brado fio da correspondência com os Sábios e Academias Estrangeiras , logo que aprouvesse á Providencia romper a furte barreira , que separava humas das outras todas as Na- ções Europcas. E com effcito a experiência mostrou o acerto desta eleição ; mus ha ainda outro aspecto , debaixo do qual he preciso consideralla. Privada esta Sociedade quasi repenti- namente , por diversas e bem conhecidas circunstancias , de hum grande numero dos seus antigos membros, e precisan- do substituir a estes outros novos, e ainda não íormados no antigo espirito que a animava ; era necessário que as suas conferencias fossem dirigidas por hum homem , que a todos fosse aceito , e que soubesse aproveitar-se desta útil disposição dos seus Consócios , para suíFocar não já os effei- tos , mas a mesma idéa de huma distincção tão perniciosa entre os membros de hum mesmo Corpo. Tal era o Sr. Miillcr : ellc conservou em toda a sua inteireza o primiti- vo espirito desta Sociedade , mostrando na discussão de to- dos os seus interesses hum animo imparcial, e ao mesmo Tcmpt) conciliador ; e sem afFectar superioridade em cousa alguma , sabia destruir com hum dito engraçado , ou com a sua mesma imperturbável pacacidade qualquer semente de discórdia , que podesse ainda levemente perturbar a nossa mutua harmonia. Assim quando se aggravárão consideravelmente as suas enfermidades, impossibilitando-o de assistir por algum tem- po ás nossas Assembléas , a nenhum de nós deixou de ser í.ensivel a sua falt.i ; de modo que cUe se vio obrigado a fa/cr hum generoso sacrifício ao amor que merecia á Socie- dade , apparccendo outra vez no meio delia , com o espi- rito ainda são, mas quebradas já as forças e o vigor do cor- po, para exercitar o seu Cargo por todo o resto do triennio. Tom. ir. Part. 11. K Duas Lxxiv Historia da Academia Real Duas vezes fallou o Sr. Miillcr cm nome da Acade- mia , como seu Secretario , a saber , nas Assembléas publi- cas de 24 de Junlio de i8io, e do outro semelhante dia de Io 12. Estes Discursos contém a historia da Sociedade desde o tempo da ultima Sessiío publica , que ainda fora presidida pelo seu saudosíssimo Fundador. Deste modo per- tcndia que para o futuro se tratasse aquella historia, divi- dida em épocas determinadas, c exposta ao publico d' hum modo solemne , e na presença de toda a Acsdemia : exem- plo por cllc aberto, seguido illustremente pelo seu Succes- sor ; e que nos deve servir de hum perpetuo incentivo , pa- ra não interrompermos os nossos trabalhos, e para fazermos cousas que nos conciliem a benevolência dos Sábios, e que pareçao dignas de serem historiadas. Além destes Discursos , que se achao impressos no Tom. III. das nossas iNIcmorias , Ico o Sr. Miiller em va- rias Assembléas Littcrarias outros dous Opúsculos ; o pri- meiro dos quaes foi a traducção de hum Ensaio sobre a Litteratura Portugucza , tirado do QriarterJey Review do mez de Maio de 18C9 ; á qual traducção ajuntara copiosas no- tas illustradoras do texto (a). Este Ensaio , que entre muitas reflexões assisadas so- bre o merecimento dos nossos Clássicos , tanto Poetas co- mo Prosadores, contém cousas muito pouco exactas, e al- gumas demasiadamente pueris, como he a preferencia que dá entre os Poemas Portuguezes ao do Vieira Lusitano, não merecia a honra de ser traduzido por hum sábio , que bem estava capacitado da imperfeição daquclla Obra ; mas clle considerou-a debaixo de outra relação , qual era ministrar aos Portuguezes a occasião de saberem o conceito, que en- tão se formava em outros paizes cultos da Litteratura da sua Nação ; e dar-lhes 37.0 de corrigirem os juizos de hum Escritor estranho , que achou todavia nossas producções lit- tcrarias dignas de estudo. Por isso o Traductor querendo dei- ( ^ ) Foi lida na Assemblca de 7 de ]ulho de 1810. DAS SciENClAS DE LiSBOA. LXXV ííeixar este campo livre para ncllc se excrcit.ircm os nossos Nacionacs , só cuidou cm combater ou em i!!ustr.ir nas no- tas aqucllas cousas , que acerca da mesma Lictcratura Es- trangeira se havião escrito no Ensaio com demasiada par- cialidade , ou precipitação: o que era hir desafiar o inimi- go nos seus mesmos entrincheiramcntos , e ulFerccer-lIie hum novo género de combate , que cUe estava bem longe de esperar. O segundo Opúsculo tem por titulo: Observações sobre o Glossário das palavras e frases da Língua Frauceza , que por ignorância ou descuido se tem introdu::,ido na Locução Portugue- za , oferecido d Academia pelo seu Sócio o Sr. Fr. Francisco de S. Luís {a). Nestas Observações ajuntou o Sr. MLllIer certas regras geracs , que determinão os casos , em que não viciosamente se pode usar na nossa Lingua dos vocábulos Francezes , e algumas notas particulares sobre tacs ou taes palavras , cujo uso não lhe parecia com justiça reprovado pelo sábio Author do Glossário. He neste Escrito que ver- dadeiramente se pode descobrir o fundo do incansável es- tudo , que sobre a Linguagem Portugueza , e os seus Es- critores Clássicos havia feito o nosso Consócio ; estudo por certo muito superior ao que commummente hc licito espe- rar de hum Estrangeiro , e que assas honra a sua memoria. Se a pureza do seu estilo nem sempre correspondia á da linguagem , se a's vezes tomava demasiada liberdade em dar a vocábulos peregrinos o foro Lusitano ; he preciso confes- sar , que a primeira cousa era hum effeito necessário da mui differente indole das duas Linguas Allemã , e Portugue- za, que nunca podem ser bem manejadas por hum mesmo Escritor; e que a segunda hc o resultado pratico quasi in- evitável de hum argumento de analogia , deduzido da gran- de semelhança que entre si tem os dialectos Germânicos , que sendo filhos de huma mai comnuim , cada dia se enri- quecem mutuamente ; o qual argumento não tem a mesma K ii 'ip- (íí) Foráo lidas na Assembléa de i8 de Marjo de 18 w. Lxxvi Historia da Academia Real applicação aos idiomas do meio dia da Europa ; pois ainda dado que tivessem semelhantemente huma só origem , e que esta fosse a Latina , he indubitável que receberão de- pois mui diversas modificações, c que hoje quasi que des- conhecem a sua pertendida filiação e fraternidade. Qi_iando em 23 de Novembro de 18 12 se renovarão as Eleições Académicas na forma dos nossos Estatutos , conhe- ceo-se com universal sentimento que o Sr. Miitler , que peio lastimoso estado da sua saúde era de muito tempo conduzido em braços para a Sala das nossas Sessões , não podia já sopportar o peso do emprego que occupava : po- rém então mesmo a Academia lhe deo a ultima prova de quão aceitos lhe havião sido os seus trabalhos, clcgcndo-o 6m Director da Classe de Litteratura Portusueza : officio que elle aceitou com reconhecimento , posto que nunca mais podcsse apparecer na Academia , nem ainda sahir de sua casa. E na verdade nos últimos dous annos de vida aggra- várão-se lastimosamente seus males com fenómenos mui ra- ros e atormentadores: acommettimcntos epilépticos amiuda- dos , ainda que de breve duração , ameaça vao-lhe cada dia a morte ; o estômago arruinou-se , pela inappctcncia de todos os alimentos, e pela imperfeita digestão do pouco que to- mava ; a mão direita primeiro , depois a esquerda , e pou- co a pouco as extremidades inferiores forão-se mirrando no- tavelmente , e perdendo muito da sua sensibilidade ; de tal maneira que se vio reduzido a precisar do auxilio alheio para todas as funcções da vida. Neste lamentável estado , que nunca perturbou a serenidade do seu animo , não só se entretinha na continuada lição, e na consoladora companhia dos seus poucos amigos , com quem simpatisava pelo ca- racter , e dedicação ás Lettras j mas também em dictar , ou mesmo cm escrever para a Academia ; pois que o amor a este género de trabalho lhe fizera engenhosamente inven- tar huma maquina , com que podesse segurar a pcnna entre os dedos. Então cuidava em reduzir a ordem , para offcre* ccr DAS S CIÊNCIAS DE LiSBOA. LXXVll cer a esta Sociedade, os curiosos apontamentos que fizera so- bre a vida do nosso celebre Portugucz o Papa Joáo XXI. Mas o dia ij de Outubro de 1814 veio pôr termo a seus trabaliios litterarios , e a seus longos sofFrimeiítos : depois de pedir e de receber os Sacramentos da Igreja , sem som- bra de inquietação ou de remorso, exhalou a alma, rodeado da sua familia e dos seu amigos («), que sempre dellc se lembrarão com saudosa magoa. Não hc pelas Obras do Sr. MiiP.er , que hoje se achão publicas , que a posteridade ha de fazer hum justo concei- to de seu saber e erudição ; estas são poucas , e escritas n' huma idade ou ainda pouco sasonada , ou já decadente : mas ella gostará provavelmente o fiuto de muitos outros trabalhos, cujo conhecimento foi roubado á maior parte dos seus contemporâneos: pois que além dos Escritos de que já fiz menção , achou-se por sua morte hum grande numero de Apontamentos , huns mais extensos que outros , sobre muitos assumptos ou Litterarios , ouPoliticos, ou Económicos, dos quacs a maior parte lhe sérvio de base á infinita quantida- de de Censuras , e ás multiplicadas indagações e pareceres , que lhe erão pedidos por quasi todas as Pvcpartições pu- blicas. Em quanto ás Obras escritas na Lingua Allcmã , dei- xou huma ruma de Sermões doutrinaes sobre diversos as- sumptos , que pregou durando o seu Pastorado , três dos quaes se imprimirão nesse tempo , sem intervir diligencia sua, fora de Portugal (^); hum Commentario dos Lusíadas do (<í) A algans destes devo as noticias que vão reíeridas ne«te Elogio: mas a nenhum devo mais neste particular , do que ao Sr. Thomé Bar- bosa de Figueiredo d*Almeida Cardoso, Oficial da Secreiana de Estado dos Nei;ocios Estrangeiros e da Gilerra ; o qual me communicou de hu- nia maneira muito oltíciosa as copias dos longos artigos , que já citei , tanto da Historia Litteraria de Putter , como do Jornal denominado yír- viazein ) Algumas pessoas de cjualidade de hum e outro sexo, cujos es- tudos for^o dirigidos pelo Sr. JVIíiller , e vários Sócios da AcademiJ a quem ellc ensinou a lingua Aliemá , testemunháo hoje isto mesmo de hum modo muito honroso á memoria de tão digno Mestre, N DAS SciENCIAS DE LiSBOA. LXXIX diivula estes seriao superiores ás suas necessidades, e ao pc- Cjueno fasto do subio , se não derramasse grande parte de seus bens, as vezes com huma caridade muito engenhosa, no seio de famílias infcliccs, algumas das quacs quasi que subsistião pelos seus piedosos soccorros. Tanta e tão dilatada era a sua beneficência ! Mas a qualidade , que juntamente com o seu vasto saber, mais o re- commcnda a esta Academia , he o amor que sempre lhe con- sagrou : assim se mostra ella agradecida á sua memoria , espalhando hoje estas flores sobre a sua sepultura, e trans- niittindo o seu nome honrosamente á posteridade : n' huma só cousa mal advertida, para não dizer injusta ; em soffier que o elogio deste benemérito Sócio perdesse muito do seu esplendor pelo estilo fraco e pouco exercitado do panegi- rista ; e em esperar que na falta delle , eu mesmo podcsse , supprindo as suas vezes , occupar dignamente o Lugar de Effectivo f que vagara por sua morte. MEMORIAS «íaa oír MEMORIAS DOS SÓCIOS. siay. or GLOSSÁRIO Das Palavras e Frases Aa Lingtia Franceza , que por descut' do , ignorância , ou necessidade se tem introduzido na Lo- cução Vortiigueza moderna ; com o jiiizo critico das que são adoptáveis nella. Por Fr. Francisco de S. Luiz, Monge de S. Bento, Do que se antigamente mais prezdram Todos os que escreveram , fuy honrar A própria lingua , e nisso trabalharam. Ferrei r. Cart. IIL PREFAÇÃO. Entamos desempenhar nesta Memoria , se nossas for- ças o permittirem , o primeiro Assumpto proposto pela Aca- demia Real das Scicncias no Prooramma de iSio, na Cias- se de Litrciatiira Portiigueza, o qual consiste em hum Glos- sário^ ou Catalogo de palavras e frases j em que se mostre com toda a individuação as que são próprias da Lingua Franceza. e que por descuido ou ignorância se tem introduzido na Locti- ção Portugueza moderna , c*ontra o antigo c bom uso , e prin- cipalmente as que forem contra o génio da nossa Lingua , e co- mo taes inadoptaveis nella. Para executarmos este propósito , lemos muitas Obras dos nossos modernos Escritores, assim traduzidas do Fran- Tom. ir, Part. IL A ccz , 2 Memobias da Academia Real cez , como originacs , que correm impressas ; e nos servi- mos das observações, que já tínhamos feito, ou de novo fi7emos sohre a sua linguagem, bem como sobre os vocá- bulos ou frases mais usadas na conversação familiar, nos escritos não impressos, e nos Sermões, e outros Discursos das pessoas litteratas, e dadas á lição dos livros France- '/es; comparando-as com a locução dos nossos Clissitos, e examinando-as á vista dos Uiccionarios da nossa lingua. Não presumimos assim mesmo de havermos cumprido pontualmente com o que a Academia deseja , por serem so- bremaneira numerosos os termos e expressões Francezas , com que se acha desfigurada a natural formosura da nossa lin- guagem : mas trabalhámos por ajuntar neste Catalogo tudo o que nos pareceo mais notável e digno de repjro , e por dar acerca de cada cousa o nosso particular juizo e opinião. Como não he do nosso intento censurar Escritor al- gum nomeadamente , julgamos escuzado citar as Obras, don- de forão extrahidos os vocábulos e frases , que vão neste Glossário : mas quem tiver tido a curiosidade e o trabalho de ler as Traducções , e ainda outros Escritos dos nossos Portuguezes modernos, facilmente conhecerá que lhes não impomos erros , ou descuidos , em que não tenhão cahido muitas vezes. O juizo que fazemos sobre cada palavra ou frase , a respeito de se poder, ou não, adoptar na nossa lingua, não o declaramos sem algum receio de errar ; por quão difficil nos parece conciliar neste ponto os diversos gostos dos lei- tores , e ainda as varias opiniões dos eruditos Em geral tivemos sempre diante dos olhos esta regra <« Que sendo o vocábulo ou expressão de boa origem , derivado conforme a analogia , e ao mesmo tempo expressivo , e harmónico , se podia adoptar e trazer á nossa lingua , ainda quando nes- ta houvesse algum synonymo , que exprimisse o mesmo con- ceito»»: porque estamos persuadidos, que convém a qualquer idioma ter não só vocábulos correspondentes a cada idéa , mas ainda variedade dellcs com o mesmo significado ; para que sra«r oi DAS SciENCrAS DE LiSBOA. ^ qoc o douto e avisado Escritor possa escolher a seu arbí- trio , segundo a natureza e qualidades da sua composição , evitando a fastiosa repetição dos mesmos termos , c a can- cada uniformidade da locução , e estilo. Qiiando a alguma palavra ou frase , que nos parece inadoptavel , substituímos duas ou mais de bom cunho , e de igual significação ; não queremos indicar que csus sejão sempre exactamente synonimas, ou que indifferentemente se possão empregar sem escolha c discrição , em todas as cir- cunstancias; mas sim e tão somente, que cada huma delias pode em' diversos casos traspassar com propriedade e ener- gia a palavra France/a , e supprir o gallicismo refugado. Em alguns artigos ajuntamos, quando nos parcceo cori- veniente, exemplos clássicos, que auctorisem o nosso juí- zo y ou verifiquem os modos de fallar menos usuaes , e pou- co conhecidos : o que não será desagradável aos leitores amantes da nossa lingua , nem parecerá supérfluo aos dou- tos , que a sabem com perfeição , e que não carecem des- te soccorro. Das palavras technicas das Sciencias e Artes , por aca- so mettemos alguma neste Catalogo ; porque seria obra mui longa fazer menção de todas as que se tem innovado , e cada dia estão innovando : e porque entendemos que em ri- gor nos não competia julgar do merecimento delias, e da sua boa ou má derivação ; mas sim aos Professores dessas Artes e Sciencias , visto que cada huma delias tem parti- culares preceitos , pelos quaes se deve dirigir na formação de seus próprios vocábulos , c linguagein. Como no Programma da Academia somente se requer o Catalogo das palavras , e frases Francezas , que se tem introduzido na nossa linguagem vioderna \ hesitamos em fi- xar a época , donde havia de começar o nosso exame : e at- tendendo a que nos princípios dp Século XVIII. , e com o Reinado do Senhor Rei D, João V. começou a restauração da nossa Litteratura , c consequentemente o estudo c írequen- te lição dos livros Francczes , que tem sido a principal cau- A ii sa 4 Memorias da Academia Real sa Jaquella introdiicçao ; resolvemos eontar desde r.quclle ponto a idade moderna da nossa liiigiia : c por isso mettc- mos também neste Catalogo alguns vocábulos, que yi no tempo de Bluteati se hiáo usando , c de que elle ícz men- ção ou no seu Fucnbulario , ou no Stipplemento a elJc No fim do Glossário pomos em artigos separados al- guns modos de fallar , que modernamente se tem tomado do Franccz, e que nao podião entrar na ordem alfabética; porque constando pela maior parte de palavras todas Por- tugilezas, somente se constituem gallicismos pela viciosa syntaxe com que são construídos , ou pela repetição inde- vida de certos vocábulos, c partículas, ou em fim pela sua errada disposição e collocação. Finalmente aproveitamos esta occasiao para advertirmos aos nossos Leitores, que além dos particulares gallicismos, que vão apontados neste Catalogo, se nota cm quasi to- das as nossas Traducçõcs , e ainda em muitas das Obras ori- ginaes modernamente escritas , hum certo pensar Francez , o qual ainda mais que os vocábulos ou frases individualmen- te consideradas , altera a forma original do idioma , e lhe dá hum colorido estrangeiro, e alheio da sua natureza. Este pensar Francez , que melhor se entende do que se explica , não resulta de hum ou outro gallicismo , ^ue indevidamente se haja introduzido , e que com facilidade se pôde corrigir e evitar ; mas consiste cm tomarmos do Francez hum modo particular de tecer o discurso, e hum certo ar, geito, ou estilo de íúhr e escrever , que hc pró- prio daquella lingua , e que nao conforma com a índole, génio , e caracter da lingua Portugueza. Duas são as pvincipacs causas deste grande e mui ge- ral defeito. A primeira: a frequente lição dos livros Fran- cezes , quando quem os Ic não está sufficientcmcnte pre- munido com o estudo e conhecimento da sua própria lin- gua, para evitar o perigo de contrahir na locução hábitos, que lhe são contrários. A segunda : a folta de hum bom Dic- cionario de ambas as línguas , aonde se veja com clareza e sivr.i oi DAS SciENCIAS DE LiSBOA. f e precisão a mutua correspondência de vocábulos e frases , c o differcnte caminho , que cada huma segue para expli- car os seus conceitos. Para se atalhar aos cíTeitos , já demasiadamente exten- sos, destas duas poderosas causas, hum só remédio pro- pomos e recommendamos aos nossos Leitores , o qual con- siste na assídua lição dos Clássicos , que melhor pussuírão a nossa língua , e nella escreverão. Nellcs acharáõ hum thcsouro de vocábulos c frases , com que possao exprimir não só exactamente , mas até com desenfastiada e elegan- te variedade , as suas idéas e conceitos , sem mendigarem dos estranhos o que tem de superabundância na sua própria pátria. Nelles aprenderão a maneira verdadeiramente Por- tuguc/a de tecer o discurso , de ordenar e arranjar todas as partes dcUe , e de ornamentalo com aquellas graças , e modos graves e desafFcctados , que são próprios do idioma, e que o fazem igual aos melhores da Europa, e superior a alguns dos mais copiosos e polidos. Por elles em fim che- garão a formar huma idéa adequada das relevantes qualida- das da nossa língua ; a dar-lhe a estima e preferencia , que cila nos merece ; e a restituir-lhe a sua natural belleza e formosura, desacompanhando-a dos ornamentos e modos es- trangeiros , que tanto a tem desfigurado. .. Com esta partícula exprimimos em Portuguez a con- nexáo , c correlações , que o entendimento concebe entre os objectos significados pelos nomes , a que ella se ajunta. Os seus multiplicados , e mui vários usos somente se po- dem conhecer pela assídua lição dos Clássicos , reflectindo nas diffcrcntes circunstancias , cm que elles a cmpregão. No- taremos com tudo aqui algumas frases , cm que ella nos pa- 6 Memorias DA Academia Re a'l parece usada á maneira dos Francczes , para que se faça re- flexão nellas , c se possão corrigir parecendo necessário. Eslc desprezo ás formalidades legaes &c. i. e. este des- prezo das formalidades &c. Ameaçado a toda a hora a perder a vida i. c. de perder. Este Ojjicial foi encarregado Oi fazer segunda tentativa i. e. encarregado de fazer &c. EquaçÕeí a dois termos — a duas incógnitas i. e. de dois termos — de duas &c. Obra conduzida de maneira a poder excitar sedições i. e. de maneira que podessc excitar ou qtie podia &c. TrahaJhava-se a formoscar a Cidade i. e. em aformosear , ou. por aformosear, ou de aformosear a Cidade &c. Nada mais resta a dizer-vos — Tinha queixas a formar — Nada tinha a temer — O tempo que tenho a viver — &c. i. e. nada mais resta que dizer-vos — tinha queixas que for- mar — nada tinha qtie temer — o tempo que tenho para viver &c. ABJNDONJDO: (ahandonné) tomado como substantivo por homem devasso , solto nos vicios , mulher perdida , de cos» tumes estragados &c. he gallicismo cscuzado. ABANDONO : ( ahandon ) Não tem auctoridade clássica a seu favor; mas o uso o vai adoptando, c já o achamos no Alvará de 12 de Fevereiro de 1795 , e na Cart. Reg. de 18 de Maio de 1801. ABBADE: {Abbé) Todos sabem ouso legitimo deste vo- cábulo em Portuguez. Os Francezes o appíicão como pre- nome a todos os Clérigos , e ainda aos que trajao como Clé- rigos , e dizem v. gr. l'Abbé Condillac , rAbbé Marie Scc, , que os nossos Escritores traduzem o Abbade Condillac ^ o Ab- hade Maria. Não ousamos reprovar este uso tão geralmen- te adoptado , maiormente attendendo a que os nossos Clás- sicos transportarão para o Portuguez , com semelhante ra- zão , os prenomes estrangeiros Monseor , Mossem , Misser &c. &c. Mas em Portuguez corrente dizemos o Padre Pereira ^ e Padre Vieira , o Padre Almeida , &c. , c só quando o su- jei- DAsSciENCIASDELrSBOA. 7 jeito tem realmente a dignidade de ^í^^/f hc que lhe da- mos em Portue[ucz esse como pretiome ^ ou titulo, diztndo V. gr. o Jbluule Barbosa Machado &c. ABERTURA: {ouverture) significa em Portuguez .x acção de abrir ^ e no fig. a acção de principiar algum acto, v. gr. a abertura da porta ; a abertura do Concilio , da Universida- de &c. Tambcm se usa com a significação de aberta , fen- da , greta &c. : mas dizer aberturas por primeiras proposi- fÕef y o\x propostas preliminares y que se fazem em qualquer negociação , parece gallicismo contrario ao uso da lingua, e desnecessário. ABORDO: {abord) Temos visto empregado este vocábulo pira significar o acolhimento , que huma pessoa faz a outra. Neste sentido se diz que alguém he de fácil y ou difpcil abor- do ^ i. c. accessivel , conversavel , communicavel ^ ou inaccessi' vel , intractavel , incommunicavel , de fácil ou difficil accesso &c. ABRUTECIDO : ( abrttti ) Parece innovação escuzada , vis- to termos o adjectivo embrutecido , que diz o mesmo. Com tudo ha em Portuguez alguns vocábulos , que sendo com- postos com as duas particulas a , c em , conscrvao signi- ficação idêntica , como por ex. apossar e empossar ; acostar c encostar ; aparamentar c emparamentar ; asenhorear-se e en- senhorear-se &c. ABSURDIDADE : (absurdité) He escuzado em Portuguez, aonde temos absurdo , despropósito , disparate , e talvez desva- rio , desatino &c. ABUSADO : ( abuse) por enganado , illudido , parece galli- cismo. Os nossos Diccionarius não tra/em este adjectivo; mas vulgarmente se diz homem abulado o que crê em abu- sões , ou em ridículas opiniões populares : e Madureira na si:a Orthografia diz algumas vezes : este vocábulo anda abusado ^ i. e. erradamente escrito , ou pronunciado. ACANTONAR : Acantonado : Acantonamento : (cantoner &c.) São vocábulos derivados modernamente do Francez cantoner , tarttotié &c. Tínhamos em Portuguez acantoar ^ e acantoado , eti' ôtV.TX 01 8 M E M o Til A S n A A C A U E M I A R K A L cucciltoar ^ e eticaiéftulo , compostos e derivados do simples canto y cem a significação de pór ao cauto \ c figuradamen- te liver em retiro , jóra da conversação An getite &c. Mas acautoiíar e acaiitoiuulo no sentido , que hoje se lhes dá, so- mente podem ser derivados do France/, catiton , i. e. bairro. Os nossos bons antigos dizião alojur , aquartelar , alojainm- to, aqtiartehtdo ^ a bellissima des- cripção do gigante Adamastor Cnnt. 5-. Est. 59. O rosto carregado , a barba esquálida , Os olhos encovados, e a postura Medonha e má » . E nas Rimas Od. 10. O gesto bem talhado, O airoso nieneo, e a postura. Mousinh. Ajfons. African, Cant. 8. Os olhos poz no campo , c divisava Hum Mouro na apostura e scgurançn. Souz, Vid. do Arceh. L. 6. Cap. 7, Mostrava a pintura huma companhia de gente a huma estante , que nos gestos e trajo se divisava serem ckri- gos , e no geito cantarem. E dasScienciasdeLisboa. If E no mesmo L. Cnp. 2, Os religiosos estavSo com os olhos nclle , com hir.it geito de gente que pasmava do qv.e via. Fr. Marc. de Lisb. Chron. P. i. L. i. C. 78. Segundo o afecto da orarão , aísitti tinha o gesto e continência cr por ai. Usemos pois embora de altitude ; mns nâo desprezemos os nossos bons, e igualmente expressivos vocábulos Portugue- zes. Aptidão p.)rém , em lugar de altitude , he hum erro gros- seiro , que achamos em certa Traducçao impressa, confun- dindo o Traductor, por ignorância, ou descuido, a palavra aptitnde com altitude^ que tem diversa orthografia , e mui diffcrente significação em Francez. ATURDIDO: {dtourdi) por estouvado, desattentado^xúv&z aloucado, he gallicismo desnecessário. AUCTORIDADES CONSTITUÍDAS: He expressão intei- ramente Franccza , e hoje todavia muito da moda entre nós. Os nossos Clássicos , quando querião abranger todas as pes- soas , que tem jurisdicçao , e auctoridade , chamavão-lhes Ministros públicos ; Officiacs da Republica \ Ministros e Offi- ciaes Civis , Militares , e Ecclesiasticos ; 011 Ministros , "Juizes , e Officiacs de Jii rtifa , Fazenda , e Guerra , e Ecclesiasticos &c. IIojc querem que se diga Atictoridades Civis , Militares , e Ecclesiasticas , que na verdade he expressão mais simples j mas a palavra constituídas he absolutamente supérflua , e de- ve rejeitar se ; porque entre nós quem diz auctoridade , ja' suppõe que he constituída , e não o sendo , he illegítíma , iintrpada , c abusiva. AUDACIOSO: (Audaciciix) Não temos achado este vocá- bulo nos nossos Auctores Clássicos , e comtudo não o re- provamos , visto ter bna origem , e analogia , e ser harmó- nico, e bem soante. Significa tanto como ourado, audaz j atrevido , denodado , desenvolto em comnietter qualquer empre- sa &c. AFANCfAR: (atancer) Tem suas significações próprias 110 nosso idioma : mas parccc-nos gallicismo dizer v. gr. não iii-a 01 i6 Memorias DA Academia Real não ha absurdo algum , que uno tenha sido avançado por algum Filosofo f i. e. ousadamente affirmado. _ Seju jimdamaito avan- çais que a terra &c. i. c. Sem fundamento vos tifaJauçais a ajfirnidr ; ou sem fundamento ousais afirmar &e, ylvan^uir di- nheiros por dalos adiantados , c soturnas avan fadas por adian- tadas &c. também sao expressões tomadas do France/ , mas já naturalisadas entre nós , c empregadas ate ncs Papeis Mi- nisteriaes. Avanço hc de Vieira , c|ue na híform. ao Conselh. Ultramar, sobre as coisas do Maraui:<1o pag, lop diz: Sobre a introducção da moeda , que também se propor na mesma Cur- ta com o avanço de cento por cento , não me atrevo a dar jui- ao &c. (Vcj. a respeito deste ultimo vocab. o Diccimi. da Academ. ) B. BAJXO POVO: Baixo Clero: (bas peuple: bas clcrgé) Es- tas expressões usadas com frequência pelos noí;sos Tradu- ctores modernos tem rcsabio de gallicismo; e a segunda lie tão alheia e imprópria da nossa lingiia , como indigna de ser adoptada em qualquer idioma polido. (Vcj. a respeito da expressão bas clergé a judiciosa reflexão de La Plarpe no Tratado Du Fanati me dans la langue Revohitionaire §. II. ) Rm lugar de baixo povo diremos mais a Portugueza plebe , gentalha , povo miado , gente baixa &c. V, pelo que respeita á expressão baixo Clero ^ hc de notar i."quc a palavra Cle- ro^ na sua accepção mais genérica, comprchcndc os Bispos , Pastores , Sacerdotes , e Ministros da Igreja Universal , oil de alguma Igreja particular, e neste sentido dizemos o Cle- ro da Igreja Catholica , o Clero da Igreja de Portugal , o Cla- ro da Igreja de França &c. 2° que tomando a mesnu pala- vra em huma acccpçao mais particular, distinguimos entre o Clero e o Bispo , e dizemos v. gr. o Arcebispo de Braga , e o seu Clero ; o Bispo do Porto , e o seu Clero Szc. Por on- de quando quizcrmos fallar separadamente dos Bispos e do Clero, nãi) diremos o alto Clero ^ e o baixo Clero ^ como in- troduzirão os trancczcs, acaso por orgulho, e soberba do seu DAS SciENCiAs DE Lisboa. 17 seu alto Clero: mas úm diremos com linguagem mais de- cer.tc , e mais Thcologica os Bispos e o Clero ^ ou a Ordem Episcopal §te a Clerezia , separando deste modo as Jcrar- chias. Faliando somente dos Bispos e Pastores subalter- nos , he também da linguagem Theologica dr/cr os Pasto- res de primeira ordem , os Pastores de segunda ordem , ou co- mo se explicava Gerson: os Prelados maiores ^ e os Prelados menores &c. BANCA ROTA: (banque-route) He vocábulo adoptado pa- ra Signi&câi f ai leiícia de bens ^ quebra de negociante^ que não tem com que pagar as suas dividas , ou letras. Fazer ban- ca rota., ou como diziao os nossos antigos banco roto j quer dizer /íi///> , quebrar de bens &c. Yej.Blut. noVocab. e Sap" piem. palavra Banco. He notável o uso que faz deste vocábulo em sentido figur. Fr. Heitor Pint, Dial. da Lembr. da morte Cap. 2. aonde diz; qualquer que se faz amigo domando, faz banco-roto com Deos , i. e. quebra com Deos , rompe com elle , ou faz-se seu inimigo. BANDIDO : ( banài , ou bandit ) por banido lie de Pai- va, Fieira, e outros. Hoje se usa também com a signifi- cação Franceza de salicador , assassino , ladrão , malfeitor &c. e como a primeira significação he auctorisada , não ha mo- tivo de reprovarmos a segunda , que tem analogia com el- la. Yeja-sc adiante a palavra Brigante. BARRICAR : tomado modernamente do Francez barrica- der diz tanto como entrincheirar , ou atalhar com tranquei- ra , e entrincheirameuto o passo de algum lugar. He galli- cismo desnecessário , e vocábulo pouco expressivo na nossa língua. O mesmo dizemos do substantivo barricada , por trincheira , entrincheiramento , tranqueira &c. BASTONADA : por pancada dada com bastão he vocábu- lo tom do do Francez bãtonnee ; mas não desdiz da analo- gia da nossa lincjua. BELLO ESPIRITO: {beWesprit) Entre os Francezes he expressão, com que se significa o homem de bom juizo y que tem engenho vivo, boa fantasia , que he discreto y avisa- Tom. ir. ^Part. 11. C do i8 ^Iemokias DA Academia Real do &c. Km Poi tugucz sôa a gallicismo , c indica aíFccta- ção. BELLO SEXO: {beait sexe) Não reprovamos absoluta- mente esta expressão , einpreg;ida para significar o sexo for- moso, o sexo jentiuino y ou íis mulheres: m:is somos de pare- cer , que se deve usar com moderação , a fim de evitar af- fectação , e rcsahio de gallicismo. BEM AMADO : ( bien-aimc ) Me» bem amado , meu filho bem amado , minha esposa bem amada &c. parece linguagem Franceza , e aíFectada. Em Portuguez mais corrente dize- mos : vieu querido , meu filho mui aviado , mui querido , minha esposa dilecta , meu dilectissimo , meu muito caro amigo &c. &c. Comtudo , alem de vir auctorisado em Moraes com o Docum. das Prov. da Hist.Getieal. Tom. f, fl. 441 , tem ana- logia nas palavras bem-aventurado , bem-aforttmado , bem-acon- diciofiado , bem-ditoso &c. ; e na modernissima Traducção de Horácio por Elpitio Duriense , cuja auctoridade he para nós de grande peso , achamos : E mais Latoiía , do stmimo Jove A bem querida. L, i. Od. ip. BEM MAIS: Bem menos (bien plusy bien moins) por mui- $0 mais ^ muito menos j sôa a gallicismo, e não se deve usar, ao menos com frequência. E comtudo não negnmos que o adv. bem se acha algumas vezes nos Clássicos junto a ou- tros advérbios, ou adjectivos, significando quantidade. V. gr. em Paiv. Casam. Perf. C. 6, tt bein mais quieto '» em Beniard. Rim. Sagr. << bem melhor dia '>: em Barreir. Trat. da Signif. das Plant. pag. 335" u bem d'' antes lhe tinha prognosticado >y. cm Fern. Alv. Lusit. Transf. L. 2. Prós. j». ti bem junto de hum penedo »» &. &c. Porém a aíFectada frequência pódc fazer rc- prehensivel huma expressão que aliás he boa , e clássica. BEM-SER : ( bien-être ) He gallicismo , e má traducção ; porque o verbo être ^ nesta expressão, referc-se ao estado., c não á essência ou existência; s quando se julgasse ncce;- sario traspassallo tão litteralmente , devera dizer-se bcm-ef- tar ( como dizem hoje os Castelhanos ) e nâo bem-scr. Em Por- DAS SciENCíAs DE Lisboa. rp Portugucz corrente podemos tradu/il!o ipor prosperidade , fc' licidade , loa jortuua , talvez cotinnodiãnde &c. &c. l'emos comtudo analogamente Z'É'/«-/rtcer, bein-qiierer ^ bem-viver &c. BIZARRO : Bizarramente : ( bizarre : bizdvrenient ) com a significação de extravagante , extrnvngaiitemente , i. e. ^ttf jf aparta do uso e termo loiiunum de proceder , são puros gal- licismos , de t]uc não temos necessidade. Bizarro .^ bizarria^ bizarramente y em bom Portugue/, significão louçao ^ lotiça- nia , galhardo y galhardia ^ ga/hardametite , e tanibcm brio. o y generoso , franco , liberal , primoroso &c. BOA-MANHÃ: (de) He má traducção do Francez áf /»£)« wrt/;« , oue diz tanto como o Portugucz corrente de madrugada , muito de madrugada , <íe manha cedo , Hd primei- ra luz , tío romper do dia &c. Com igual ra/.ao , ou sem- razão , se traduziria a outra expressão de graiid matin por ^c grande manhã ^ devendo dizer-se alia madrugada ^ ao romper da aurora &c. BOAS-GRAÇAS : Estar nas boas graças do Soberano : de~ cahir das boas graças &c. são outros tantos gallicismos in- admissíveis, em lugar dos quacs dizemos em Portugucz: estar na graça do Soberano , lograr a sua benevolência , decahir da graça , crescer na graça do Principe , arriscalla , merecella , subir a ella &c. &c. BOLETIM: (bulletin) Significa primeiramente Z"///??/? p,*;/ que se dd recado para o Exercito , donde tomamos a signi- ficação de bilhete militar para apozentadoria dos soldados , a que vulgarmente chamamos boleto. Hoje se diz também bo- letim por diário , em que se participao ao exercito , ou ao publi- co , diariamente , as operações dos diferentes corpos de Tropas : c finalmente se tem ampliado a mesma significação a qual- quer diário , em que se communicão ao publico quotidia- namente algumas noticias. He vocábulo propriamente Fran- cez , que se deve empregar com discrição. ( Vej. o Diccion. de Moraes. ) BOM DEOS: Temos achado muitas vezes esta expressão o bom Deos , traduzida palavra por palavra do Francez le C ii hm 20 Memorias da Academia Real lon Dteu ; c o mesmo Moraes na Traducçao das Recreações do homem sensível diz, não me lembra cm que lugar: Espe- remos 110 bom Dcos , que elle se conipadeccrd de nós Poiém a nossa lingua não admitte esta expressão com o artigo ^ c n^m. costuma commummentc, no estilo familiar, ajuntar cpithc- to algum á palavra Deos , que hc por si só a expressão de toda a bondade , e de todas as perfeições. BOM TOM: Chamão hoje os afrance/ados homem de bom tom o que traja d moda , que se attribiie o bom gosto das modas , e cujas maneiras c modos de pensar e obrar são da moda. Parece-nos expressão aíFectada , de que podemos ca- recer. BONOMIA: {botiomie) Usa-se também hoje muito nas conversações , e talvez em obras impressas. Os l-"mncezcs o derivarão modernamente , segundo parece , da expressão bou-bomme. Nós poderemos traduzillo por simplcza , sinceri- dade y ingemtidade , singeleza , bondade , simplicidade de animo &c. BRIGANTE : Os nossos Escritores modernos tem usado deste vocábulo, acaso por não acharem outro, com que ex- primir a idéa completa do Francez brigand. Nos Diccionn- rios Francezes-Portuguczes brigand significa ladríw , saltea- dor ^ assassino y conctissionario &c. Poderemos também algu- mas vezes traspassallo em hum sentido mais genérico por malfeitor, malvado , facinoroso , desalmado &c. , e com muita propriedade por bandido. BROCHADO : Brochura : ( broche : brochure ) São termas da Arte de Encadernador de Livros , que o uso geral , e a ne- cessidade parece terem adoptado. D'antes diziamos por ^ro- chado livro encadernado em papel , c por brochura , folheto , ou cader7to. BRUSCAMENTE: (brusquement) He giillicismo escusa- do. Em lugar de sahir bruscamente diremos precipitadamente ; respondeo bruscamente i. e. asperamente , secamente , sacudida- mente: tratar alguém bruscamente , i. e. dcsabridam.nte , com esquivança &c. Temos com tudo em Portuguez o adjectivo bnis- í, 1 7 'j nr DAS SciENCiAS DE Lisboa. 21 hrtisco i. c. escuro^ ammviíido ^ donde dizemos dia brusco^ tem- po brusco , athnwsfera brusca &c. D'aqui dcrivam<o , que não he desconhecido na nossa lingua neste mesmo sentido, e que vem do latim census i. e. des- cripfão e estado e>;acío dos nomes , bens , idade , e condi f ao dos cabeças de familia , feita perante os Magistrados &c. Tam- bém se poderia exprimir por Alistamento geral ^ ou Recen- seamento &c. Comtudo cadastro já vem usado nos Papeis do Governo. CALCULADO : Temos cm Porruguez calcular, c calcu- lado, com a sua primaria significoçao de cjntar , contado: mas no sentido figurado, quando se diz v. gr. este papel foi cãl- culado para produzir irritação , e t^ão inclinação : dêo huma resposta bem calculada para agradar &c. parece novo em Portuguez o uso deste vocábulo , que todavia he expressi- vo c enérgico , e se não pôde supprir por outro algum cfin igual 31 Memorias da Academia Real igual força de significar , maiurmciuc qujiido de propósito queremos dizer , que tal discurso ou acção foi de tal ma- neira concebido, ponderado^ c executado, que houvesse de produzir provavelmente o effcito que se pretendia. CAMPANHà '. {cavipagtie) Este vocábulo he usado em sentido militar pelos nossos Clássicos , que a cada passo di- zem : pelejar em can:panha aberta , correr a campanha , aca- bar a cainpíttiha , campanha da primavera ^ peça de campanha &c. Também dizem a campanha de Roma , entendendo Ter- ritório de Roma. ( Blut. ) Mas tomado genericamente por campo., campina, pareceria hoje afiectaçao de francezismo : comtudo acha-se em Fieir. Serm, Tom. 6. p. 390 : Alorto está o Brasil , e ainda mal , porque tão morto e sepultado : fu- nteando estão ainda , e ciibertas de suas cinz:-as essas campanhas. Em Jacint. Freir. Fld, de Castr. L, i. §, 62. k tiuhão ao nor- te hiima pequena serra , donde descião alguns rios sem nome , tpie aqui scrvião ao deleite , como d fertilidade da caqipanha. >» E modernamente no Feliz Indcpend. Liv. 19. « -^Quantas ve- zes se tem visto por esta só causa correrem tintos de sangue os rios , as campanhas inundadas de cadáveres , os incêndios da guerra ateados ? » &c. E em hum Poeta de mui distincto me- recimento, que não duvidou dizer: e outras hervas A' luz colhidas da nascente lua Nas campanlias do Ponto e da Thessalia. E em outro lugar : E d mal distincta luz da froxa lua Sobre a raza campanha Abracadabra Com btima curta vara quatro linhas De circulos pequenos logo traga. CARNAGEM : ( carnage ) Ha muito tempo se advertio , que o Portuguez carnagem não tem a mesma significação , que o Francez carnage. Fazer carnagem eagoada, dizem fre- quentemente Barj-os e Castanheda para significarem fazer pro- vimento de carnes e agoa. O Francez carnage deve rradu,.ir- se por mortandade , matança , carniceria &c. CUE- iiAsSciENciAs DE Lisboa. 23 CHEFE D' OBRA: {Chefe d'a:uvre) ^or obra prima ^ obra perftitH , primor , perfeição &c. he hoje mui usado , e Mo- raes no Diccim. cita cm abono dcllc hum Edital da Real Meza Censória. O mesmo Aloraes o usa algumas vezes lU Traducçáo das Recreações dohotn. seniv. Comtudo hum Phi- lologo moderno de conhecido merecimento não duvidou re- provur es.tc vocábulo , cxpressando-se da seguinte maneira a respeito delle : Sempre se disse no nosso idioma obra prima por coisa bem acabada , oti excellentemente bem executada , a que os ignorantes da lingiia chamao chetc d'obra ; clausula ab- solutamente Francesa , que em nossa linguagem de nenhum mO' do pôde ser admittida , por lhe não ser análoga , nem em sen- tença , nefu em soido ; por ser de rude e dissonante pronuncia^ ção ; e porque no meio tem desagradável cacafonia. Obr. Poet» de Franc. Dias Gomes, Not. 7. á Od. V. Nós acrescenta- mos, que da mesma palavra chefe tomada só por só, se faZ hoje hum uso immoderado, e digno de correcção. Pelo que em lugar de chefe de familia , chefe do Estado , chefe do exer- cito &c. &c. deveremos , ao menos algumas vezes , variar a expressão, dizendo com os nossos antigos tronco, cabeça de familia ; Cabeça do Estado , Cabo do exercito , da Armada , Cabeça da Provinda , da Comarca , Cabeças do povo &c. &c. CHICANA: {chicane) He palavra puramente Franceza , de que não temos necessidade alguma. Em Portuguez de bom cunho dizemos trapaça , cavillaçHo , enredo , tergiversação ^ dolo forense , rabuUce &c. Sousa na Vid. do Arceb. L. 4. C. 30 descreve os que usão da trapaça forense , dizendo : Aram- púes erão huns avogados , qtte com manhas e astúcias dilata- vão as demandas , e entretinhão a justiça. CHOCAR : Chocado : Choque : ( choquer &c. ) Dizemos em Portuguez chocar por dar htima bóia na outra no jogo da choca : d'aqui chocarem os navios por encontrarem-se , emba" terem huns nos outros , abalroarem :y e também choque na guer- ra , por encontro de corpos inimigos , briga entre elles &c. Porem no sentido figurado chocar as opiniões:, este procedimen- to choca os bons costumes j as paixões se chocão entre si ) o cho- que 24 Memorias DA Academia Real que (lof interesses; sofrer os choques da fortuna &c. parecem gallicismos escusados , c que se devem evitar , maiormcnte no estilo culto, attendendo á idca baixa e torpe, que tal- vez excita o verbo chocar. Diremos pois em melhor Por- tuquez: combater, contrastar as opiniões; este procedimcn- to ofende , ajfronta os bons costumes ; as paixões se combatem , se encontrão, contendem, piignfio entre si, o combate dos inte- resses ; a pugna , e opposiçao entre elles ; sofrer os encontros , os Ímpetos , os contrastes , os revezes , os vaivéns da fortu- na &c. &c. COÂLIÇÃO : Coalizado : ( coalition &c. ) São vocábulos tra- zidos modernamente do Franccz , c ao nosso parecer des- necessários. Em bom Portuguez dizemos liga , culligacão , confederação , colligar-se , confederar-se , e colligaAo , confede- rado &c. COCJR : ou Cocarda : Bluteau o traz no Srippl. , e diz que significa hitmas plumas levantadas no chapeo. Modernamen- te se tem usado para significar o tope , ou divisa , que tam- bém se traz no chapeo. He derivado do Francez cocard; e como temos com que o supprir em Portuguez, parecc-nos que não he para se adoptar. COMITÉ': Do Inglez committee , que significa Junta de Deputados para examinar qualquer negocio , tomarão os Fran- cezes o seu comité com a mesma significação. Os nossos Portuguezes modernos o tem igualmente usado, conserv;.n- do a própria pronunciaçao , e orthografia Franceza. Mas nós não o temos achado em proposição , ou discurso algum , em que se não podesse traduzir commodamente , c com pro- priedade , pela palavra Junta, ou Commissão , t por isso o julgamos escusado. COMMANDAR : Commandante : Commando : São termos mi- litares tomados do Francez commander &c. , e hoje adopta- dos no nosso idioma. Em lugar delles diziamos d'antes man- dar o exercito ; mandar huma armada ; capitanear a gente de guerra; ter mando delia; ter cargo de huma batalha ; pe- lejar debaixo do mando c Capitania de alguém &c. Cabo por Com- DAS SciENciAs DE Lisboa. if Conimauilaiite também hc vulgar nos nossos Clássicos. Com- mandamento por conimanclo parcce-nos não ser approvado pe- lo uso , c muito menos na significação genérica de precei' to , vrdem , mandado &:c. COMMISHIONâDO : ( commissioné ) Parece , que não diz precisamente o mesmo que Conimissario , e que estes dois vocábulos nem sempre se podem reciprocamente permutar. Por isso o julgamos conveniente, muito mais tendo boa de- rivação , e analogia. Significa o que tem commissao para fa- zer alguma cousa ; o que he encarregado de tratar algum nego- cio &c. COMPLACENTE : {complaisant) Temos lido em algumas Traducçóes caracter complacente , homem complacente , marido complacente &c. He gallicismo, em cujo lugar diriamos com melhor analogia comprazenteiro , e talvez com igual signifi- cação , condescendente , indulgente , coftez , benévolo &c. Com- tudo não ousamos reprovallo , visto ter origem Latina , ser de algum modo necessário , e ter analogia com a palavra clássica complacência. No Espelho de Perfeição impresso em 1^33 achamos já esta frase « conhecer e cumprir a placen- tissima vontade de Deos. j» COMPORTâR-SE : Comportamento : ( se compor ter '. compor- tement) São hoje mui usados na significação de proceder, procedimento &c. , mas não tem auctoridade clássica , nem os julgamos necessários no nosso idioma. Em lugar de ho' mem de bom ou mão comportamento , diremos de bom ou máo procedimento , de bons ou mdos costumes ; de boa ou md vida j bem ou mal morigerado &c. Comportar -se com inoderaçao e juí- zo , i. e. portar-sc , haver-se , proceder 8cc. Comportar-se segun- do as leis da honra , i. e. dirigir-se , governar-se , regularse por ellas &c. COMPRIMENTyiR: por fazer comprimentos, áizBlut. no Stippl. que he tomado do Francez complimentar ; e cita , pa- ra o auctorizar, huma Gazeta de Lisboa do anno de 1722. Hoje está adoptado , e he scro duvida muito melhor que o circumloquio. lom. IK Part. IL D COM- t& Meemokias da Academia Real C0MPR0ME7TER : Cotiipromettcr-sc {comprottiettre ^ se com- promettre) Tem estes vocábulos significando í^ortugiicza , com que são usados , c que pôde vci-se cm Moraes palavr. com- pronietter : mas quar.do se diz v. gr. comprcvictter a autbo- ridade , o credito , a dignidade , o nome , a palavra de alguém , ou comprotuetter-se em algum negocio &c. , commctte-se g>il- licismo desnecessário o alheio da nossa linyua. As frases Por- tuguczas que lhe correspondem são arriscar^ aventurar ^ pôr a risco , expor a algum desnr o credito , a honra , o nome &c. aventurar-se evi aigum vegocio &c. CO M PT ABI LI D Jl DE: {comptahilité) Tem significação mi is resrricta que responsabilidade , e diz tanto como obrigação de dar contas, Vai-se usando na linguagem mercantil, c já vem na Lei de 26 de Outubro de 1797 Tit. 5. Melhor se es- creverá Contabilidade. CONDUCTA: {condiiite) He hoje mui vulgarmente usa- do entre nós com a significação àa procedimento ^ á imitação dos Francezes, Inglezes , Italianos, e Castelhanos. Moraes já o metteo no Diccion. , aonde diz , que este vocábulo abrange ao procedimento moral e prtidencial , e que procedimen- to se refere mais ordinariamente ao moral. O P. Pereira tam- bém o usou no Compend. da Fid. Escrit. e Doutrina de Ger- son, impresso em 1769. E igualmente o achamos emprega- do nos Estatuí. Nov. da Universid. L. z. T. i. C. 4. , e no Feliz Independ. L. 23. &c. A pezar p:)rém destas auctorida- des , e uso frequente , a opinião mais geral dos homens doutos , c intelligentcs da língua Portugueza he c ntra es- te vocábulo , e por isso o reprovamos , e julgamos inado- ptavcl na referida significação. Os nossos Clássicos dizião em lugar delle procedimento , proceder , modo de proceder , gé- nero de proceder , vida e costumes , e em lugar de conduzir- se ; governarse , haver-se , proceder , portar-se , &c. &c. CONFINAR : Confinado : Confinar -se : {confiner , confine &c.) Em bom Portuguez dizemos confinar ., de hum lugar, cu povo, que estd nos confins de outro , que comarca , ou visivha com elle, v. gr. Gailiza confina com Leão &c. ; mas he gul- li- DAS SciENCIAS DE L I S B O A. Ij licismo reprovado dizer v. gr. confinou se no seu retiro^ foi confinado em hum convento , os habitantes confinados a hum ait' guio do Reino &c. em lugar de encantoou-se no seu retiro , foi recluso em hum convento , os habitantes estreitados n'hum canto do Reino &c. &c. CONJUNCTURà : He vocábulo trazido do Francez pa- ra a nossa língua, c significa o estado dos negócios, a boa ou má disposição dclles, à conjuncção , ensejo , sazão , talvez opportunidade &c. Vej. Blut. no Suppl. , e Moraes no Ducionar, Hoje está naturalisado entre nós ; e em Mousinh. JJfons. Âfric. C. V. já o achamos com a significação de oportunidade nes- tes versos : Para que abrindo o tempo conjunctura ^ Se entenda na conquista áspera e durai CONSCRIPÇÃO: {conscription) He palavra j com que nos prczente;)u a Revolução Franceza, e que julgamos não se dever usar , senão só e precisamente , quando se trata do objecto, que motivou a sua introducção. Nem he decente, que com ella í;e exprima, ( como já temos visto) princi- palmente em Papeis públicos , e authcnticos , o methodo de recrutamento praticado entre nós , e tão alheio do rigor e barbaridade da covscripção Franceza 4 CONSOLANTE : ( consolant ) Não temos achado este vo- cábulo nos nossos Clássicos : e posto que reconhecemos a sua natural derivação do verbo consolar , e a frequência com que o nosso idioma usa de semelhantes derivações ; com- tudo não o julgamos necessário , visto haver em Portuguez os adject. consolador , e consolatório , que dizem tanto como o Francez consolant. CONTAR: {compter) Abusase por vários modos deste verbo , tradu/.indo ao pé da letra ( como dizem ) algumas frases , em que os Francezes o emprcgão. Eis-aqui as mais usuaes , que agora nos occorrem , com as suas correspon- dentes em Portuguez. Ne compter pour rieu quclque chose '. — desprezar , não D li ter 78 Memorias daAcademia Real ter em conta , estimar em nada &c. ( Latin. aliqtud pro nihilo ducere. ) On ne petit compter sur Pamitié de ces gens-là : — nada SC pode confiar na amizade destes homens , ou desta gente , ou desta casta de gente : ( in homhiibus hujttsrnodi stabiJis he- nevoleutiae fidiicia niiUa esse potest. ) Compter pJtis stir le general , qite sur Varmée : — Con- fiar mais no general que no exercito, {pltis reponere in dn- ce , qiiam in exercita. ) Compter sur qiielqti'itn : — confiar de alguém , estar cer- to delle , ter toda a segurança a seu respeito &c. {ponere certtim in aliqtio. ) II ue conipte que sur votis ponr toiítes choses : — Em vc^s somente confia : — em vós põe toda a sua confiança : — de vós espera tudo &c. {ejus spes opesqtie simt in te uno oníncs sitae.) On ne petit encore compter sur rieii '. — Ainda o caso está mui duvidoso : — ainda o negocio não estd seguro : — ainda o negocio se não pode dar por feito : {res tota etiam num fiuctuat. ) &c. CONTINÊNCIA '. ( contenance ) por aspecto , parecer , pre- sença^ semblante ., gesto ^ &c. foi taxado de gallicismo por hum Critico moderno. Mas nós o achamos usado pelos nos- sos Clássicos a cada passo. V. gr. Pina Chron. de D. Duar- te C. IO. ii e porem com graciosa continência lhe disse '^ e C. 31. a como » Com hum airoso e grave continente Parece confundir todo outro brio. E no C. 5'. E. IJ-. Estava o claro Souza acompanhado Esperaudo-os com grave continência. CONTRàCTAR : por contrahir , he hum erro em que tem cahido alguns Traductorcs , acaso por não advertirem que o verbo Érancez contracter tem ambas as significações cm diiFerentcs circunstancias. Em Portuguez corrente dizemos contrahir dividas , c não contrai ta/Ias ; conrrahir amizades; con- trahir hum gosto; contrahir huma doença; contrahir defei- tos ; contrahir matrimonio &c. &c. E pelo contrario dize- mos contractar huma compra , huma venda , huma troca &c. , e não contrahir. Na linguagem Diplomática pode dizer-se in- •difFercntcmcnte contrahir , ou contractar alliança ; mas fallando das Pessoas que figurão no Tratado , dizemos partes con- tractantes ^ e não contrahentes. A observação ensinará estes dif- ferentes usos , que o bom Escritor não deve alterar a seu arbí- trio. COOUETTE: Coquctterie: São vocábulos puramente Fran- cezcs , que mui vulgarmente se emprcgão na conversação fa- miliar, e que algumas vezes temos lido em Traducçóes im- pressas , acaso por se julgar diíficil traspassallas com pro- priedade pnra o Portuguez. Nós entendemos que mulher cO' quette se expressará bem no nosso idioma por mulher gar^ rida , namorada ; algumas vezes lasciva , desenvolta ; outras ve- zes leviana., pre-umida ^ e adamada , dada á galanteria &c. Ao subst. coquctterie corresponde propriamente o-rtrr/^/Ví?,^^- íanice , talvez galanteio ^'e também damaria &c. CORTE: {cour) por Conselho^ Tribunal^ Relação, Cama- rá., he gallicismo, que se não deve admittir em Portuguez. Em lugar de Corte de Justiçr. diremos Tribuna/ de Jus ti f a , ou Conselho , ou Camará de Justiça : Por Córtc Marcial , Tri- bunal Marcial , ou de guerra , Conselho de guerra &c. &c. Se em algum caso porém não podermos explicar a força da expressão Franceza por outra Portugueza bem corresponden- te, ti-i-A o» 30 Memorias da Academia Real te , como succcdc algumas vc/cs , quando se rrara de al- gum particular Tribunal Fianccz ; em tal caso será melhor dcscrcvcllo exactamente , ou usar do próprio nome Francez, cxplicando-o em nota : porque as palavras aírancezadas v. gr. Corte de Cassação liao se entendem melhor do que o puro Fnmcez Coiir de Cassation. COSTUM E : {costiítne) L^m huma Traducçao impressa lemos costume eccksiastico , costume leigo , por habito , ou traje ec- clesia tico , habito ou traje laical , ou leigal , tomando-se o vocábulo Francez cotume pelo que materialmente sôa , e não o distinguindo de coutume , a que corresponde o Portugucz costume. COSTUMES : (mwtirs) Sempre dissemos em Portugucz homem de bons costumes ^ de máos costumes, de costumes de' pravados , de costumes honestos &c. &c. e também « os bons costumes são essenciaes ao estado ecclesiastico ; não ha ver- dadeira nobreza sem bons costumes >■> &c. Hoje porém he mui frequente , para significar bons costumes , tomar á maneira dos Francezcs o vocábulo costumes absolutamente , e desacom- panhado do adjectivo que o qualifica , dizendo v. gr. o ho- mem sem costumes he a peste da sociedade : sem costumes não pôde prosperar o Estado &c. Este uso tem ar de fran- cezia, e não he para se imitar em Portugucz sem reflexão, maiormcnte quando faz ambigua , e até absurda a frase, como succede por ex. nesta proposição que achamos im- pressa " deve o Pai conservar os costumes do filho » que no nosso idioma vale tanto como dizer , que os deve conser- var, quer sejao bons, quer mãos. CRACH/f : Dão hoje este nome ao habito, divisa, insí- gnia, ou venera de qualquer Ordem Militar , quando se traz pregada , ou bordada sobre o vestido. He vocábulo Francez escusado, e, ao que parece, de má origem. Na Lei de 19 de Junho de 1789, e no Alvará de 10 de Junho de 179a se lhe dá o nome de chapa , ou sobreposto bordado , e he só permittido aos Gran-Cruzes , e Commcndadorcs. D. DAS SciENClAS DE LiSBOA. JI D. DADOS: (doimdes) Entre os Francczes he termo Mõtl-.c- matico , c significa piopriamenrc as quantidades ou tcrmcis cjiie nos são conhecidos, ou dados y c de que nos servimos para achar as incógnitas , c resolver qualquer problema. Da- qui o tomarão em sentido mais amplo para significar os fundamentos , razoes , cinttvstancias , ou noções previamente conhecidas , ou supposr:is , sohre as quacs podemos fundar o nosso juizo a respeito de qualquer questão, ou facto: e neste sentido dizem: AVo ttnho dados para decidir \ não te- nho dados , sohre que possa fundar o meu juizo ; não posso ajui- zar desta acção por falta de dados &c. &c. Os Portuguezes tem adoptado a mesma palavra coin ambas as ditas signifi- cações: e se a primeira parece necessária na linguagem Ma- thematica , não ha razão de reprovar a segunda , huma vez que se empregue sem affectação , e sem demasia. DE : Tem esta partícula em Portuguez tantos e tão vá- rios usos, que só a lição assidua dos Clássicos os pôde bem ensinar. Segundo o nosso parecer , he gallicismo emprcgalla nas frases seguintes : A primeira coisa que fiz , foi de vir a Madrid ^ i. e. ,/òí vir &c. O Congresso consistirá dos deputados das Províncias : i. e. constará dos deputados , ou formar-se-ha dos deputados , ou con- sistirá nos &c. Rogon á sua Mestra de a deixar contar : i. e. que a dei- xasse contar , ou que lhe deixasse contar &c. Estou tentado de dizer &c. i. e. a dizer. Deve-se evitar com cuidado de inflammar a imaginação das mulheres '. i. e. deve-se cvitr;r infammar , ou, o irifiam- mar , ou deve-se de evitar infl.immar &c. Ver-se obrigado muitas vezes até de implorar a desgra- ça : i. e. aié a implorar. A barbaridade não lhes per mi t te de saber fazer melhor uso dos braços : i. e. não lhes permitte saber &c. 3» Memorias da Academia Real O tKencr abuso , qiic fazem da vida dos vencidos , ht de redu- zillos d esirazidão '. i. c. he reduzillos &c. Exercito forte de vinte mil homens : i. e. exercito de vin- te viil boineus. Muro alto de vinte palmos : i. c. muro de altura de vin- te palmos : ou muro de vinte palmos de alto : ou muro vinte palmos alto &c. Para que os nossos Leitores possao comparar os usos Francezes com os Portuguezes , apontaiemos aqui algumas frases dos nossos Clássicos , cm que se emprega a parti- cula de de hum modo não mui vulgar, e são as seguin- tes. Espero de te ser este meu desejo aceito. Ferreir. Hu- ma camilha , que não se iguala de outra alguma. Barr. Dec. 4. L. 9. C. 3. Quão grato era da mercê ^ que tinha recebido. Barros. Dec. I. L. 9. C. 5-. Depois que huma mulher deste sangue dos Naires he de idade de dez annos , em que se ha por apta de ter ma- ridos, id. 1. 9. 3. Que ElRei e seus successores fossem obrigados de am- parar e defender a elle Rei. Barr. 3. 2. 2. Cbamdrão-lhe de herege Luterano. Vid. do Arceb. L. 4, C. 6. O vulgo melhor conhecido do muito , que devia ao Ar- cebispo ib. L. 4. C. 13. o qual (Jesu Chr. ) só por obediência do Padre Eterno aceitou cm quanto homem o Pontificado, ib. L. i. C. 8. Levarão as santas reliquias para onde não havia espe- rança de as tornarem a ver dos olhos. Vid. do Arceb. L. 6. C. 20. Levão os olhos para a terra da promissão tão suspi- rada , e soluçada dclles. Heit. Pint. Dialog. da Trib. C. 2. Coge Çofar , que como monstro da terra , em que nas- cera , os pais e a pátria o ncgavao de filho. Vid. de Castr. L. 2 §. 151. Des- DAsSciENClASDELiSbOA. JJ Desconhcce-se de homem o que não sabe perdoar. Arraes. Dial. f. C. 1. Nem desconhece de parentes seus primos. Id. Dial. lo. C. 67. Cousa avtcdemtuciada de Isaias. Id. Dial. 10. C. 68. Achou os lugarinlios tão niiiidos , e tudo o mais tão pobre , e de ultima miséria , cjuc &c. Vid- do Arceb. L. y. C 17. Os nossos pelcjavão abrazados, soccorrendo-se , por úni- co remédio , das titias de agua para refrigcrar-sc. Vid. de Castr. L. 2. §. 148. Forâo nesta conserva alguns navios de particulares , que por benevolência do Governador ( i. e. benevolência para com o Goveruadur) servirão graciosamente o Estado. Ib. L. ^. §. 43. Porem D. Manoel de Lima , ou por complacência do Go- vernador , (i.e. /7o Governador , ou para com o Governador) ou por confiança de si mesmo , se offercceo para ficar na praça. ibid. L. 3. §. 34. Mulher já de trinta annos . . . . e muito inclinada de fazer bem aos pobres. Fern. Mend. Pint. Cap. 124. Não querendo ser ingratos d^aquelle beneficio. Palmeir. P. I. C^ 91. O pé direito , com que começava de entrar. Fern. Air. Lusit. Transf. L. 2. Prós. 2. A quem elle desejava de comprazer. Barr. Dec. i. L. 8. C. IO. Ordenou de fazer a fortaleza de madeira. Id. Dec. i. I7. 10. C. 2. Promettei a Christo de jamais o deixardes. Arraes Dial- 10. C. 83. Eu desejo ha muito de andar terras estranhas. Cam. Cant. h. E. 5-4. Ordena de se tornar ao Rei. ib. C. 8. E. 9*1. Determina de ter-lhe aparelhado lá no meio das agoas &c. ib. C. 9. E. 21. &c. &c. &c. Devemos porém advertir , que o uso actual da nos- Tom. ir. Part. II. E sa 34 Memorias da Academia Real sa lingua , c a regularidade de Syntaxe, que aconsclhão os princípios da Grammatica Filosófica , nos não permittiriao hoje empregar indiscretamente a inesma partícula cm írases semelhantes a algumas dns que deixamos referidas, só por- que assim foi empregada por algum , ou alguns dos nossos Auctorcs Clássicos ; visto que estes, por falta do estudo fi- losófico da lingua , cahiráo em muitos defeitos , no que res- peita á organisação da frase e discurso, que hoje serião er- ros graves , e talvez indesculpáveis. DEBOCHE : Debochado : ( dehauche : debauché ) He puro gallicismo , trazido para o Portuguez sem necessidade al- guma , e alem disso mal soante aos nossos ouvidos. Temos em lugar delles devassidão y soltura^ despejo , liceticiosidade , dissolíifão, e demusiafy estruganieiito de costumes &c. dczasso^ licencioso ) dissolutg , despejado , estragado , perdido , solto nos •vicias &c. DECREPIDEZ: Parece tomado do Francez decrepitude y que significa o estado de velhice extrema , mui avançada , ra» duca. Como não temos vocábulo algum com este significa- do , não reprovamos a sua introducção ; mas preferiríamos decrepitude , que nos parece de melhor soido , e teríamos por melhor que ambos caducidade do adj. caduco ^ que din o mesmo. DEFERÊNCIA : ( déférence ) Não temos achado este sub- stantivo em nenhum dos nossos Clássicos, e nos parece tra- zido immediatamente do Francez com a significação de res- peito , attenção para com algucm. Mas temos o verbo defe- rir no mesmo sentido, e derivado do Latim //í/í;tíj don- de analogamente siepòde formar deferência, que aliás hc já auctorizado por hum uso mui geral. DEGELAR : He tomado do Francez dégeler , que vai o mesmo , que desfazer-sc o gelo. Bluteau o traz no Suppl. , e cita a Gazeta de Lisboa. He necessário , expressivo , c con- forme com a analogia. DEGRADAR'. Dcgradar-se: Degradação BíC. {degrader&c) Temos em Portuguez degredo , e degradar , ou degredar por des- siia 01 ^. vê dasSciencfasdeLisboa. 55" desferrar, do Latim decretmn (do verbo decénio): e t.in- bcm degradar , (da parricula Latina de, e do subst. gradus) i. e. privar do grão, ou graduação civil, ou ecciesiastica , ou ir.ilitar ; e neste sentido di/.emos degradar da nobreza , das Ordens , da milicia &c. Mas quando no sentido figura- do dizemos v. gr. as paixões sewiiaes nos degradao , i. e. nos nviltão , nos oivilecem , nos dcshourão , nos desliístrão : — a m- dijj crença , e desprezo , qin- en: Portugal se mostra ás Letras , degrada o caracter da Nação, i. e, deprime, abate, envilece f derauctoriza , ou desdoura o caracter &c. , parece ser frase Franceza, que todavia não ousamos reprovar, por quão con- forme lie com a segunda significação do verbo degradar. En- tendemos porém que se deve empregar com moderação , c desaftcctadamentc , e sem nos esquecermos dos outros vo- cábulos do nosso idioma , que não são menos expressivos. Notcm-se os seguintes lugares dos Clássicos Portuguezes , e veja-se como elles cxprimião com energia, e variedade o mesmo conceito. Jrraes Dial. i. Cap if : Muitas casas ^ que forão nobres e illustres , agora estão descabidas, e mas- eabadas por causa da liga , e degeneração de seus descendentes. Ibid. C. 20 : Em nenhuma cousa se apouca mais a natureza himana , que em se inclinar aos costumes da bestial. Fid. do Ar^ ceb. L. j. C. 14 : Homens comparáveis aos antigos Curtos e Cincinnatos , que não se abatião a vilezas. — Lobo Cort. na Aid. ediç. de 1649 pag. 133 : «5'e o amor faz cego o aman- te, todavia não o faz vil. E logo ahi : O cobiçoso be cego pa- ra não ver raziío nem honra , e para se abaixar a todas as infâmias. Vieir. Carta yj do Tom. i. : Jmo muito a nossa pátria , e não tenho paciência para a ver desluzida , quando Deos , e os homens a tem illustrado tanto &c. &c. DEPARTAMENTO : do Franccz départemeni. No princi- pio da Revolução Franceza , deixada a antiga divisão por Provindas^ foi a França dividida em Departamentos , que erão porções de território , a que se extendião certas auctorida- ■des estabelecidas para governo da Republica , e que nós noderiamos sem erro chamar Comarcas, ou Dtstrictos. Daqui E ii fi- o 6 Memobias da Academia Real fi>.ámos adoptando este vocábulo , que somente se deve em- pregar, quando se trata da referida divisão, ou partes delia. Mas tomando-se cm geral por Repartição v. gr. Ministro do Departamento da Guerra — tevi a seu cargo o departamen- to das munições &c. — he gallicismo que se não sofre em bom Portuguez. DEPOIH: Por este vocábulo traduzem alguns erradamen- te o l'"rancez d'après nas seguintes frases:  itifieJ imagem ^ que formamos depois das nossas conjecturas , i. e. que forma- mos segundo , ou conforme as nossas conjecturas , ou que for- mamos levados de nossas &c. — hum retraio depois de Ra- fael , i. e. copiado de Rafael — Grande deve ser a emulação dos lavradores depois de exemplos desta natureza , i. e. <í vis- ta de exemplos taes — Mas eu posso assegurar depois da mi- nha experiência , i. e. segundo a minha experiência, ou pos- so assegurar pela minha própria experiência &c. &c. DESCOBERTA : por descobrimento v. gr. de novr.s terras , ou achado novo nas Sciencias e Artes &c. parece-nns vocá- bulo alheio da nossa lingua , e tomado do Franccz découver- te. Moraes no Diceion, o auctoriza com as Orden. do Rein. na Collecç. ao L. 4. 7". 43. «. 1. §. 4. , no que ha erro typo- grafico , devendo ser Collecç. i. ao L. 2. T. 34. «. 1. §. 4. Porém' este lugar não auctoriza de modo algum o substanti- vo descoberta no sentido que aqui reprovamos. As palavras úa Lei são estas : Hei por bem que o Provedor das Minas re- parta as descobertas , e que se descobrirem &c , aonde ciara- mente se vê que descobertas he hum adjectivo referido a ininas , c não o substantivo de que aqui tratamos > e pelo qual se disse sempre em bom Portugu.z de cobrimento. Não occultaremos porém , que na Lei de 26 de Outubro de 1796 Tit. 6. já vem com a mesma significação novas descobertas. Por occasião deste artigo advertimos que a expressão ad- verbial ao descobei-to ., que parece gallicismo, vem con tudo algumas vezes em Fr. Heit. Pint. v. gr. no Dial. da Tranq. da Vid. C. ij. esses vos tirão muitas vezes ao descoberto: e no Dial. dos Verd. e falsos Bens, C. 16, então lhes dá o ST3U Ol DAS SciENCIAS DELiISBOA. J7 c viiiiido de rosto, e lhe rira ao descoberto, i e. sem dissi- nntlaçíio ^ e sem disfarce. Igualmente he clássico o subst. en- coberta por asilo , valhacouto , escondrijo ^ lugar em que alguém piide estar sem ser descoberto pelo inimigo &c. DESCONFI/íR-SE : {se méfler ) Parcceo-nos ao principio gallicismo usar do verbo desconfiar com significação íccipro- ca , ou reflexn ; mas depois notámos este uso em D. Franc. Manoel Cart. de Guia foi. 94 vcrs. a mulher se desconfia , ven- do o pctico que fião delia. Em Fieira Cavt. 26 do Tom. i.: E certo que se não tivera tanta confiança nas promessas de Deos, não sei se me desconfiarão os nossos merecimentos. E nos Serm. Tom. 6. pag. 45" i : Os que se guardão para aquella ho- ra , só tratão da saúde do corpo , e quando esta se desconfia totalmente &c. Na 1'ld. do Arccb. L. i. C 2.: Da imbecilli- dade de sua natureza não desconfiava , porque conhecia suas forças .... desconfiava-o , e fazia-o temer huma prcfunda hu- mildade , em que avaliava tudo quanto fazia &c. DESCOZIDO : ( décousu ) no sent. fig. v. gr. estilo desço- aido , ditos descozidos por estilo desligado , solto , desatado , di- tos sem nexo , talvez sem concerto &c. parece-nos gallicis- mo escusado , ainda que a metáfora seja igual. A expres- são palavras derramadas , que achamos em alguns Clássicos , parecc-nos que diz propúamente palavras diffusas , não con- entar as auctoridades em o dia mais favorável d causa ^ appresentar em hum àíz favorável os feitos que devem ser dis- cutidos &c. São gallicismos , em lugar dos quaes devemos dizer : Expor os factos pela face mais favorável : appresen- tar as auctoridades na melhor luz , ou d melhor luz &c. DIFFERENCA: Com a significação de desavença entre duas ou mais pessoas , e dijferente por desaviudo, diz Bluteau no Supp. , que são tomados do Franccz \ c como somente cita a favor delles huma Gazeta de Lisboa de 1726 , parece que os te- ve por modernos. Mas o primeiro he frequentíssimo em Bar-» ros v. gr. na Dec. 2. L. i. C. 2 : Temendo esta visitação por par- te de ElRei de Melinde ,polas differenças , que entre elles havia. Dec. 3. L. 1 . C. 1 o : yÍJ quaes differenças , não somente lhe cus- taram honra , fazenda , e muito trabalho &c. ; c na mesma Dec. L. I . C. 6. : Porque entre mortos de fome , sede , doenças , naufrá- gios , diflfercnças de alguns mal avindos , e outros desastres &c. Dl- DAS SciENciAs DE Lisboa. 4t DILIGENCIA: Com o nome d:/igeiice nomeâo os France- zes certas curruagens em que se viaja com muita brevidade. He adoptado entre nós , c auctoiizado pcloy Papeis do Go- verno. disponível : Parece-nos que a significação do Franccz dispmible nem sempre se pode traspassar ao Poitugucz cem toda a sua propriedade sem circumloquio : nestes casos usa- remos de disponível ^ assim como Vieira já usou analogamen- te de sHpponiveL Em outros casos poderemos supprir este adjectivo por protnpto , prestes , cousa que está a ponto , &c. DOMESTICO : {domestique) Tomado como substantivo na significação rcstricta de criado , servidor , moço , parece não ser auctorisado pelo uso da nossa língua, nem termos delle necessidade. Não lie porem erro usalo com a signi- ficação mais genérica , para significar col lectivamente todas as pessoas, que compõe a familia , como filhos ^ moços., cria- dos , acostados , apaniguados &c. E. ECLUSA : Por dique , ou reparo , he vocábulo Francez , que hoje está em uso , e que já Bluteau metteo no Suppl. ao Vocab. Acha-sc repetido no Regulam, publicado com o Alv. de 20 de Fevereiro de izpj Art. 3J e seg. EDIFICANTE : ( édifiant ) He termo modernamente trazi- do do Franccz para significar o mesmo que edificativo , exem^ piar. Tem boa derivação , e já vem nas Prov. da Deducç. Chronol. foi. 298. EFFEITOS: (efiets) Com a significação de moveis j mer- cadorias., géneros ., fazendas &c. he tomado do Francez, mas está mui adoptado na linguagem mercantil , e já foi usado por Vieira na Cart. ij- do Tom. i. , aonde diz: Os empe' uhos das guerras presentes., a que os effeitos da Fazenda Real estão divertidos &c. Também se acha na Proposição do Bisp. Capellão-mór ás Cortes de 165-3 , aonde fatiando dos dois milhões c meio offcrecidos para a guerra diz: Consignastes Tom. IV. Part. IL F es- /f% M E E M o R I A S DA A C A O E M I A R E A L estes: na decima parte de rendimento qtie tivésseis , e em outros effcitos diferentes. Invcst. Porriig. cm Inglat. N. 12. EVrERFESCENCIA: A respeito deste vocábulo tí.mado no sentido tnoral figttr. diz francisco Dias Comes Ohr. Foet. Not. 16 á Eleg. 10.: Nunca vi exemplo deste vocábulo nos nossos clássicos ; mas sendo muito usado pelos Autores France- zes , cuja lingua he assaz conhecida na nossa terra , não deve causar eitranbeza fazer-se delle uso : alem de que esta palavra he de significado fácil , e he sonora ; e posto que não exista na lingua Latina , existem as suas origens , cujos significados são notórios ^ ainda aos que a não sabem. No sentido próprio e fisico já o traz, Madureira , e he adoptado na linguagem chymica. EFFUSÃO : (ef/ision) Temos este vocábulo na significa- ção formal por derramamento. Pelo que julgamos que sem inconveniente se pódc adoptar no sentido figurado para si- gnificar a ejfusão do coração^ a ejJ\i\ão da ternura &c. egoísmo : ( egoime ) Esta palavra , que hoje se acha adoptada pelo uso geral , parece accommodada , e até ne- cessária , para com cila exprimirmos aquella espccie de amor próprio vicioso , cora que o homem , attendendo somente a si , da huma absoluta , injusta , e mal entendida preferen- cia aos seus interesses , postergado o bem geral da Socie- dade , e os interesses legítimos dos seus concidadãos , ou ainda de todos os outros homens. He verdade , que a ex- pressão amor próprio se toma muito frequentemente pelo amor excessivo e vicioso de nós mesmos : mas nem esta he a natural significação dos termos , nem ainda nos parece , que esse amor próprio excessivo exprima tanto como o vocábulo egoismo , o qual se entende de hum amor próprio em tal ma- neira vicioso , desordenado , e exclusivo , que rompe todos os vínculos sociaes, e faz do egoista hum verdadeiro monstro tão abominável , como perigoso. ELANÇAR-SE: {s^elancer) He palavra puramente Fran- ceza , e trazida sem razão para a nossa lingua. Temos cm lugsLT ddh arremeçar-se j abalancar-se , arrojar-se , talvez ar- re- DAS SciKNciAs DE Lisboa. 43 remetter &c. Nesta frase v. gr. que achamos impressa : Ter,;-' pios , citjns torres sobem , e se clançao par a Df os : devemos di- zer cm bom Porttigucz : Qijaj torres sobem as tiuveiis , ou to- cSo o Cf o , ou Vúo áf tiiiveiis , e tocóo o Cco &c. ELECTRIZAR : \í os seus derivados são modernos, mas indispensáveis na linguagem scientifica, e adoptados pelo uso geral dos doutos. ELEFE '. ( éléve ) Por discípulo , a/tirmo , escolar he puro gallicismo, que erradamente tem alguns querido introduzir lia nossa tingua. EM : No'. Na : (ett) He notável o abuso que se faz des- tas partículas , passando ao Portuguez muitas frases Fran- cezas , em que cilas entrao , e empregando-as sem discrição contra o uso do idioma. Daremos alguns exemplos dos mui- tos que temos notado , para servirem de aviso aos menos doutos , ou menos advertidos. Fallar em Filosofo, em Historiador yí.e. como Filosofo, como Historiador. Ser mandado em parlamentaria , i. e. ser mandado ccmo parlamentar , ou ser mandado parlamentar &c. Em homem religioso , e mesmo em homem de letras e- tott persuadido &c. i. e. como homem religioso , e ainda co- tno homem de letras &c. O texto , e objecto em questão, 1. e. de que se trata ^ sobre que versa a questão &c. — Esta frase «t o objecto cm questão , o negocio em questão » &c. he mais concisa , e a ellypse fácil de cntenderse, e por isso a não reprovamos. Por em facto, i. c. como facto, suppôr , suppúr como certo , dar por certo &c. Eis-aqui pois, disse eu em mim mesmo Scc. i. e. disse eu comigo mesmo. Ser tnandado em qualidade de embaixador ; obrar cm qualidade de Pai &c. Estas frases , que não temos achado nos Clássicos Portuguezes , são hoje mui usadas , e tem a seu favor algumas auctoridadcs modernas , taes como a do F ii P. 44 Memorias da Academia R f a l P. Pereira na Prcf ao Livr. do Êxodo, acnde di7. , mais de huma vez , fallando do dhitio Legislador dos Hchreos <.<■ Em qualidade de Dcos , cm qualidade de Rei , etn qualidade de Prín- cipe »> &c. ; c a do Feliz hidcpend. L. i i! *< hum varão ma- duro e politico , que possa cm qualidade de l*ai , e Supremo Conselheiro assistir a seu lado >» &c A mesma expressão se acha tambcm algumas vezes nos Estar. Nov. da Universid. , por cx. no L. 3. P. 2. T. z. C. I. n. 9. nOs ouvintes obri" gados a alguma parte do Curso Mathematiio , poderão ouvir o resto em qualidade de voluntários '^ e logo no C IV. n. i. «( uetihum Estudante poderá ser adinittido à matricula de Mathe- matica em qualidade de ordinário » &c. Sem embargo porém destas auctoridades , e uso, Julgamos que a mesma expres- são se pódc supprir bem no nosso idioma peia particula co' mo , ficando a frase mais concisa , e mais análoga ao uso Litino. Obrar na qualidade de chefe defamilia, i. e. como ca- beça de familia. Esta frase parece-nos mais reprehcnsivel que a antecedente. O artigo não só lie escusado , mas altera , e talvez fa/ ambíguo o sentido do discurso , como se vê por cx. neste periodo : Deos permitte e tolera na qualidade de Príncipe e de Rei dos Hebreos aquillo mesmo , que elle condemna na qualidade de Deos e de Juiz &c. Este direito parece odioso nos actuaes costumes , i. e. se- gundo os actuaes costumes. Esta e outras semelhantes expres- sões não duvidamos que possao adoptar-se em alguns casos ; mas devem usar-se com discrição , e de maneira que não facão ambiguo o sentido de quem falia ou escreve Se por ex. cm lugar de direito substituirmos outro vocábulo, e dis- sermos este defeito , este crime parece o ioso nos actuaes cos- tumes, ficará o Leitor ignorando se este crime existe nos actuaes costtmies , e parece odioso , ou se existe em geral , e parece odioso., porque os actuaes costumes o repugnão. &c. O mes- mo se deve advertir respectivamente acerca das expressões seguintes : Parece que no espirito da Legislação de Moisés não de- vido as artes ser exercitadas , i. c. segundo o espirito. He o- nAsSciKN-ciASDELisr. OA. 4y lie neste projecto que elle nos prohibe , i. c. com este projecto, ou intuito he que el!e nos prohibe &c. Na mesma intenção obrigavão as Leis &c. i. e. com a mesma intenção , ou a mesma intenção tit.bão as Leis , quimão obrigavão &c. Ultimamente para que o Leitor possa fa/er mais se- guramente o seu juizo, e avaliar o merecimento das diffe- rentcs frases , cm que se cnipregao estas partículas , dar- Ihc-hemos aqui algumas das muitas e mui varias que a ca- da passo encontramos nos C>lassicos Portuguezes , e (jue se devem estudar, e entender com a limitação, que já apun- tdmos fallando da partícula DE. Todas as cjiisas de njxo , e na primeira vista contentõo mais. Lob. Cort. na Aid. Dial. 14. Os Ídolos são as cousas , a que em despeito de Deot nos afeiçoamos. Heit. Pint. Dial. da Verd. Amiz, C. i. Depois que sahimos em terra. Ib. C. 16. Passou em África '. cm Ásia '. em França &c. Lucen, Barros , e os mais a cada passo. O qual aportou na Cidade. — Sahir na Cidade. Barr. Dec 1. L. I. C. 9. , e L. 8. C. 9. &c. Enchia todolos lugares que estavão em vista da ribeira. Barr. D. 1, L. 6. C. 2. Eu que vim enj o mundo, vestido em saa pompa. Chr. dos Menor. C. 2. do L. 1. A passada de ElRei D. Sebastião em Africa. Mi cel" lan. de Leitão pag. 188. Mancebo bem posto , com as abas na cinta á gttiza de caminhante. Arrae/ Dial. 10. C. 36. Quem duvida nisso ? Heit. Pint. Dial. da Lembrança da morte C. 5-. , e em outros lugares. E. porque o dito Rei o não qniz fazer , nem conceder nisso. Duart Nun. Chr. de D. AfFonso V. C. 5-1. Os mais dos nossos erão cm parecer que não convinha pelejar com elles. Barr. Dec. 5. L. 7. C. 10. Homem u^ado na guerra. Ib. L. 8. C. 9. Se j{6 Memobias DA Academia Real Se resolverão em deixar o minido. Miscellan. de Lei- tão p. 123 , e nos Clássicos a cada pnsso. Jffirmaudo que em lazão de homem, e letrado^ e vir- ítrso y e de valor , tião achava quem uielhor merecesse o car- go. Vid. do Arccb. L. i. C. 6. Propâz dois pontos muito essettciaes se bem hum pouco azedos , e que ferião nos olhos a muitos. Ib. L. 2, G. i 3. Assi começou em chegando a Braga a alargar a mão. Ib. L. I. C. 13. E como trazia emprompto, e como contadas pelos de- dos ^ todas as despezas. Ib. L. i. C. 24. Neste lugar vierao os fundadores em tamanha desaven- ça. Ib. C. 26. Cuidando 110 modo que teria para se restituir na graça do Soldão. Barr. Dec. 3. L. i. C. 3. Acudindo ora n'tía parte , ora n'outra. Barr. Dec. r. L. I. C. 8. Huma serra tão alta e Íngreme, que sobe em altura de sete legoas. Id. Dec. 3. L. 2. C. i. Qtiando a mesma avareza se sobe em alto. Barreir. Si- gnif. das Plant. pag. 321. Mandar em presente, 1. e. de presente. Parallel. de Prin- cip. C. 63. Aquelle que quizer vir em pôz tuim. Espelh. de Perf. L. 3. C. 29. Aparelhado cm o negamcnto de si mesmo. Ib. L. i . C. 11. O amante transportado na imaginação do que ama &c. Cort. na Aid. Este he o meu filho muito amado , no qual muito me agradei. Vieir. Serm. P. 7. n. 221. E elle se ouve em forma que sempre sahio vencido &c. Parallel. de Princip. C. 70. Intento mais cm seus ganhos , que em inquirir verdades, Miscell. de Leitão p. 225". &c. &c. &c. EMBECIL. Vcj. Imbecil. EMBELEZANTE : ( eblouissant ) Não ousamos reprovar CS- DAS SciENciAs DE Lisboa. 47 esta innnvaçao , porque não desdiz da analogia , e porque os dois vocábulos con formão cm significação. Eb/õutfsatit , coisa que cega , que deslumbra cem o seu esplendor : Embel- lezaiite coisa que einleheda com a sua belleza e formosura &c. Assim poderemos dizer o embellezante disco do Sol, que em Portuguez mais usual se diria o rutilante, o refulgente j coru.caiiie &c. , ainda que não com a mesma força de ex- primir. Em hum Poeta moderno achamos deslumbrante no mesmo sentido : « coberta a altura Do soberbo Palácio Com deslumbrante ahissimo regelo yt EMBELLECER : Ewbellecido : . Etnbellecimento : Temoá achado muitas vezes estes vocábulos, assim como também o adj, cmbellezado , empregados nas Traducções modernas, como respondentes ao Francez embellir , embelli , embelissement. Porém o adj. embellezado de embel/ezar tem significação mui diversa na nossa lingua : e os outros vocábulos , bem que não encontrem a anagolia , parecem desnecessários , visto termos com a mesma significação os verbos ornar , adornar , ornamentar , eiifciíar , oformosear , aformo entar &c., os ad- jectivos ornado, enfeitado^ aformoseado &c. , e por embellis' sements , ornatos, adornos ^ enfeites &c. Temos também lem- brança de achar cm hum Poeta moderno o adj. alindado f e o verbo alindar derivados do subst. lindo. EM BOM PONTO : Esta expressão tomada palavra por palavra do Francez en bon point , foi usada pelo Auctor do Palmcir. C. 139 í< tomou a rédea ao c aval lo , que achou em bom ponto » c também se acha na Chron. do Condest. C. 5-7. : « atd que foi sao , e em bom ponto >» e no C. 6S. : t< eu sou em bom ponto de minha saúde. >f Hoje hc expressão an- tiquada. EMIGRAR : Emigrado '. Emigração : São vocábulos , que modernamente tomámos dos Francczes émigrer , emigration Síc , e significão sahir da pátria , ou , em geral , sahir de bum lugar para passar a outro , i. e. de hum Reino para oU' troy 48 Memorias da Academia R r a l iro, de huma Cidade j>ara outra &c. São de ori^M.m Latina, c conformão com a analogia do idioina Portugucz , ;ion- de temos trausviigraçiio , que significa propriamente o pas- sar a/eti! y c rcmigrafão , que hc de Fieira na C^art. 39. do Tom. I., c significa o voltar para a pátria; ou para o lu- gar donde se emigrou. Também se pode dizer migração ti- rado do Lntim inigratio. EMISSÁRIO: {émissairc) He gallicismo , de que não te- mos necessidade ; mas que o uso vai adoptando , e que não encontra a analogia , alem de ser de origem Latina. Diz tanto como mensageiro , e ás vezes espia. EJSinTIR : He tomado do Francez emettre , e usa-se na linguagem Fiícal , v. gr. emittir apólices do Erário ^ emittir bilhetes de banco , por crear apólices, bilhetes &c. Não o re- provamos nesta significação , porque he expressivo , tem boa origem , c hc derivado conforme a analogia. Mas emit- tir hum voto , i. e. dallo , expressallo &c. he frase escusada em Portuguez. EMOÇÃO: (émotion) He também trazido do Francez sem necessidade. Em lugar delle dizemos commoção , agitação , talvez turbação , ou perturbação do animo , e propriissimamen- te abalo. Sá de Menezes na Malac.Conq, L. 2. Est. 113 pa- rece usar de alterações no mesmo sentido, quando diz: A''quella parte inclina o rostro brando , Novas alterações na alma sentindo. EMPALLECER: {pâlir , ou devenir pdle) He innovaçao contraria á analogia do nosso idioma , e alem disso escusa- da. Em bom Portuguez dizemos com muita propriedade empallidecer , que he de João Franco Barreto , e também amarelecer , que he de Ferreir, Eglog. 151. íí A mão te tre- me : o rosto amarelece » ou emtnarelecer , que he de Arraez Dial. 8. C. 12. ií a face emmarelece , e todo o corpo se res- fria >f Também se pôde ás vezes traduzir por desmaiar , des- corar ^ enfiar y perder a cor do rosto, ou fugir -lhe a cor do rosto &c. DAS SciENCiAS DE Lisboa. 49 ENCORAJAR : Encorajado : ( encoiirager ) Não temos ne- cessidade alguma destes vocábulos , cuja significação se pode tras^ladar cm Portiigucz por muitos outros de boa nota , c igualmente expressivos. Taes são por ex. esforçar^ alentar, animar , incitar , ajjotttar , espertar , dar animo , dar ousadia , úccender o animo , mcttcr brios &c. &c. Todavia temos aucto- rizadas com exemplos dos nossos melhores Clássicos as pa- lavras coragem, e corajoso, donde fácil, e naturalmente se podem derivar encorajar , e encorajado, ENDOSSAR : Endossador : &c. São usados na linguagem mercantil, e auctori/ados pelas Leis modernas. Vej. o Alv. de 16 de Janeiro de 1793 , ^ ^ Decret. de 29 de Outu- bro de 1796 &c. ENGAJAR: (engager) Temos achado este vocábulo em alguns impressos modernos com a significação de assalariar j assoldadar &c. v. gr. n musico engajado />rtrrt o Regimento)' o que he gallicismo grosseiro, c intolerável. Mas ainda nos parece mais torpemente empregado em huma Traducção também impressa, onde lemos a seguinte frase: u Trouxe vinte homens escolhidos para pagar-lhes seu enganche » toman- do , como parece , a palavra enganche do Francez engage" nient. ENTAMADO : ( entamé ) Duvidamos da legitimidade e pureza deste vocábulo , porque o não temos encontrado em Auctor Clássico , nem em algum dos nossos Diccionarios. Mas muitas vezes o temos ouvido na Província do Minho da boca de pessoas indoutas , e até rústicas , que de ne- nhum modo o podião haver tomado do Francez : e queriao dizer v. gr. estd o negocio bem entamado , i. e. bem começa- do , bem entabolado , bem encetado , ou bem estreado 8cc. ENTESTylR-SE : Entestado: He mui Portuguez o verbo entestar , cujas significações se podem ver em Moraes. Mas quando se usa no sentido do Francez s^entêter , entété , he puro gallicismo, em lugar do qual dizemos obstinar-se ^ purjiur , preoccupar-se , ou prevenir-se fortemente ; obstinado , teimoso , porfioso , capitoso , opiniático , contumaz , e cm frase Tom. IV. Part. II. G pie- jro Memorias da Academia Real plcben cnbcctido. Bcrnardis usa tainbem do adj. ateimado na Nov. Flor. T<-m. 5-. p. 2 5"!, aonde diz: Qjieni ^ se luio es- tiver irqo dn paixão , ou ateimado 110 qtie huma vez tom. ti a peitos, pude negar &c. Vcj. cm Moraes a palavra ateimado. ENTRAVE : Por estorvo , obstáculo , embaraço , impedimen- to , hc gallicismo grosseiro , c escusado. ENTRECHOC/IR-SE : ( s'eutrechoquer ) Diz-sc de dois cor- pos , que embatem hum no outro , estando ambos em movi- mento ^ e reciprocando o sen encontro, ou choque. A sua signi- ficação não he idêntica com a do verbo chocar , e por isso nos parece necessário , além de não desdizer da analogia. ENTRlíCORTADO : {entre-coiipé) Também não julgamos alhca do nosso idioma a composição deste vocábulo , visto termos entrecosido , cntresachado , entretecido , entrevisto &.c. ENTERPREZJ: Enierprender &c. Vej. Interprender. EQUIPAGEM: Temos em Portuguez a palavra esquipar , derivada da raiz schijf\ ( navio ) que se conserva no Ale- mão , ( donde o Latim scapha , o Portuguez esquife , i. e. pequeno batel , o Belgico schipper , i. e. marinheiro &c. ) e com ella dizemos esquipar a galé , a tido &c. por metter-lhe a gente necessária para a mareaçãn , e também esquipar hti~ ma armada , por aprestala , aparelhala &c. Daqui derivamos o subst. esquipação para significarmos com clle a gente, e aprestos necessários para marear o navio. Hoje , em lugnr do vocábulo esquipação , usamos de equipage , ou equipagem , to- mado do Francez equipage, e não só o empregamos no mes- mo sentido de esquipação , se não também o ampliamos pa- ra significar , á maneira do Francez , todos os aprestos , e pre- paros de hum exercito de terra , e além disso , todo o appa- rato de criados, carruagens , alfaias 8cc. que compõem o trem e comitiva de alguma pessoa , ou família. Parece-nos ado- ptavel em todos estes sentidos, e hoje muito preferível a esquipação, visto se ter feito tão vulgar o uso desta pala- vra no sentida de extravagância , singularidade talvez ridi- cuia, modo de obrar, ou discorrer alheio do commum &c. ERIGIR-SE em juiz , em critico &c. he frase Franceza. Em or ■,^ dasScienciasoeLisboa. jr Em Pcrtuguez não temos achado o verbo erigir com signi- ficação relíexa , no sentido de arrogar hum homem a si hu- ma qualidade que lhe não compete. Diremos antes fazer-se juiz , constindr-se tal , arrogar essa auctoridade &c. ESCRAFIZADO: He vocábulo que vai sendo da moda, at(í nos Púlpitos, e que parece tomado do Francez também moderno esclavisé. Em Portuguez limpo dizemos v. gr. ho- mem subjugado , cativado , avassallado , tyrannizado das pai- xões , e não escravizado. ESPECTADOR : ( spectateur ) He conforme com a analo- gia , e adoptado pelo longo uso. O mesmo dizemos de es- pectavel por cousa digna de se ver , cousa muito para ver , illustre , notável &c. Ambos tem origem na lingua Latina. ESPIÃO : Espionagem : ( espion '. espionage ) Nos Auctores Portuguezcs de. boa nota somente achamos espia , explora- dor , espiar , explorar , que dizem tanto como o Francez es- pion , e espionner» E se he necessário também hum nome pa- ra a Arte ou Ofiicio do espia , por que não diremos espia- gemj seguindo a analogia da nossa lingua? ESPIRITOS-FORTES : ( esprits-forts ) Expressão irónica , adoptada na linguagem scicnrifica para significar os incré- dulos ^ os quaes em realidade blasonão de espiritos-fortes , i. e. tle serem superiores ao que elles chamão preoccupações vul- gares , e de desprezarem a prudente temperança de huma razão verdadeiramente illustrada , que conhece e respeita os seus limites. ESPIRITUOSO : He adoptado na linguagem Chymica : mas applicado para significar o homem vivo, esperto, enge- nhoso , agudo , perspicaz , que tem boa fantasia , que he dis- creto &c. parece trazido immediatamente do Francez , e tomado pelos Francezes do Inglez spirituous. Tem boa ori- gem , e derivação , c he mui expressivo. O mesmo dize- mos da palavra espirito por viveza, vivacidade, engenho, pe- netraçao &c. ESQUECER alguém , ou alguma cousa. Esta significação G ii acti- yi Memorias da Academia Real activa do rerbo esquecer he reprovada como galiicismo por hum Critico moderno , o qual suppõc que em bom Portu- gucz somente se pódc dizer csqucci-vie da lifão , oii esque- ceo-ttie a lição , e não esqueci a lição. Mas o uso constante e frequentissimo dos Clássicos mostra o contrario. Fcrreir. Castro Act. IV. Âquelles matas tu somente , ó morte , Cujo twme se esquece Camões i. P. das Rim. Sonet. 22. Antes os esqueçacs , que vos esqueção. E na Eglog. 3. Qtie jd de mim me esqueço co' a lembrança Desta mudança , que esquecer não sei. Fern. £Âlv. Lusit. Transf. L. 2. p. 8j. Ediç. de 1607. Os animaes nos montes^ Os pássaros nos ramos , que fiorecem , Os pexiiihos nas fontes Jd pelo sono esquecem O pasto , e repousados adormecem, Gabr. Per. Ulyss. C. 3. E, 99. <■-' Qug ainda ha de esquecer por Lusitânia Os abrazados muros de Dardania. Arraez Dial. i. C. 14. Outros lugares curiosos de Galeno , minha fraca nwnO' ria os tem esquecido. Vtd. do Arceb. L. 6. C. i. A gente de Vianna não podia esquecer as obrigações ^ em qtie estava ao Santo. Lobo Cort. na Aid. pag. loi Ediç de 1Ó49. Não tendes razão , quando vitupereis o seu Ofpcio , es- quecer a grandeza das partes delle .... &c. &c. Por occasião deste artigo , não será inútil advcrvir aos nossos Leitores , que muitos verbos ha na lingua Portugue- za, que sendo qua&i sempre neutros, apparecem todavia com significação activa , e até reciproca , ou reflexa , nos bons Escritores Nacionaes : c ao contraiio verbos , que sendo acti- vos , £ji.> <1 Ul dasScienciasdeLisboa. 5-3 vos, se encontrão tambcm com significação neutra , e in- transitiva. De huma e outra classe apontaremos aqui alguns exemplos. Conversar. Diz-se conversar com alguém ; c conversar alguém. Entrar em algum lugar. — Entrar huma Cidade. — A pene os tinha entrado. — Os Portuguczcs lhe entrarão o na- vio &c. Acabar y i. e. fazer fim, — Acabar alguma cousa ^ i. e. concluila , pâr-lhe termo ou remate. — Acabar alguma cousa com alguém , i. e. fazer que venha nisso , que a conceda &c. Forrar despezas, — Forrar-se alguém de palavras — Acer- tar o alvo. — Acertar o encontro. — Acertar no alvo. — Acertar com a verdade. — Acertar cotn a morada de alguém. — Acer- tar de se encontrar com alguém. — Acertar-se de pelejar duas vezes no dia , i. e. acontecer assim &c. Haver. Ha hum homem virtuoso. — Ha dias que succe- deo o caso, — Ha que merece tudo y u e. julga ^ tem para si, — Houverão grande victoria dos inimigos , i. e. alcança^ rão-na. -^ Houve-se bem no negocio , i. e. portott-se. — Há de havelo comigo. — Havia-o com homem executivo &c. Repugnar a alguma cousa. — Repugnar o officio. Assistir a buma função publica — Assistir o Estado , i e. auxiltalo , patrocinalo. Desobedecer a Deos _ e — desobedecelo. Desmaiar , i. e. desalentar — Perder o animo. — A Car- ta de V. S. me desmaiou , i. e. me fez perder o animo. Duvidar. Os homens confessão o poder de Deos, e duvidão-lhe da vontade . . . e não falta quem até o poder lhe duvide. Vicir. Resistir a alguém — ou — Resistilo &c. &c. &c. ESTAR AO FACTO: Pôr-se ao facto: {être au fait , ou se mettre au fait) São puros gallicismos , e querem dizer estar no caso , estar sciente , entender , inteirar-se , iiformar- se , instruir-se &c. ESTAR SOBRE AS SUAS GUARDAS, ou Andar sobre &.ç, Fra- áia-J O' 5*4 Memorias DA Academia Real Frase Franceza contraria ao uso do nosso idioma. Quer di- '/,er : estar , ou andar de fohre aviso ; com o olho sobre o hovt- bro ; d lerta ; andar sobre si ; attentar por si ; olhar por si , &c. &c. ESTUDADO: Por affectado ^ contrafeito^ v. gr. modos es- tudados , aceio estudado , estilo estudado , parecc-nos tiazido do Franccz para a nossa lingua Comtudo a metáfora he boa , e expressiva , c o termo tomado na sua significação natural hc mui Portugucz e Clássico. Temos de auctorida- de mui respeitável , que o adject. estudado se acha com a significação de afectado na Doutrina ao Infante D. Luiz por Lourenço de Cáceres , aonde se lê neste sentido , estudada di- ligencia , e que da mesma sorte se encontra em vários Clás- sicos. Nós não temos lição alguma daquclla Obra : e nos mais Clássicos somente temos achado estudado por cousa dita , ou feita com estudo , reflexão , com cuidado , e também discurso estudado , i. e. ornado &c. ETIQUETA : ( etiquete ) He vocábulo adoptado pelo uso geral. Vej. Blut. no Vocab.^ Moraes &c. EFAPORADO -. Tomado figuradamente para significar ho- mem evaporado, mancebo evaporado, i. e. homem leve, levia- no , vão \ mancebo inconsiderado , desattentado , de juizo leve , e volúvel , talvez inconstante &c. parece gallicismo escusado na nossa linguagem. EXACTIDÃO: (do Francez exactitude) Cantes dizíamos exaccão , que he mais clássico , e mais conforme com a ana- logia. Comtudo exactidão parece não desmerecer a prefe- rencia, que hoje tem alcançado no uso vulgar, se quizer- mos evitar o encontro das differentes idéas , que ofFerece o vocábulo, exaccão, com o qual exprimimos a cobrança, ou arrecadação de tributos , e talvez o rigor das cobranças fiscaes , assim como aos encarregados destas chamamos exacto- res. EXECUÇÃO : He usual entre os Francczes dizerem v. gr. ces ouvrages etoient d^or , et il y avoif des piéces ã'une exccu- tion nAsSciKNCIASDELlSEOA. ff tioii et trun traviti! fort recherchê , aonde a palavra exectiiiott se nã:) pódc tmduzir ao pé tia letra , sem gallicism'^. Mm Portugiicz corrciítc diztmos peças de hum lavor primoroso j delicado , exquisito ; de rico c primoroso artificio ; peças ei:cel' lentemente obradas ; ;:;///' bem obradas ; trabalhadas com admi- rável artificio ; fabricadas com grande e primorosa arte ; peças de raro lavor ; de polido lavor ; de obra rara e exqtiisita &c. No Jffons. Âfvic. de Mousinho C. 12. p. 194 achamos ex- primida assim a mesma idéa. Vio pendurada hiima lustrosa espada Feitura, e obra de mao perfeita, c prima, Segundo he rara aos olhos , e acabada. E na Malac. Conquist, C. 10. E. 142. Em fim nesse que vês fatal escudo , Obia de extrema mão , sábio Vulcano , Está pronosíicando o lavor mudo &c. Em estoutras frases Francezas v. gr. homtne de cottseií et d'execution ; homtne de peii cVexecution &c. , deve entender- SC homem de conselho e ejficacia ; de conselho e valor ; homem pouco ejficaz ; pouco activo &c. EXIGIR : ( exiger ) Por demandar , pedir como divida , pe-» dir com auctoridãde &c. ; diz Moraes no Diccion. que he ter- mo moderno adoptado. Tem origem Latina no verbo exi- gere. ^ EXPORTAR : Expm-taçao &c. : Sâo vocábulos adoptados na linguagem mercantil ; tem boa origem , e são expressi- vos. EXTRACÇÃO ; ( extraction ) Os que fallao á Franceza , dizem hoje mui frequentemente homem de baixa extracção , por homem de baixa origem^ de humilde nascimento &c. He puro gallicismo , que se não deve tolerar. Os nossos Clás- sicos disser.^o sempre homem de baixo sangue , de baixa sor- te , de humilde , de obscuro nascimento , de baixa condição , de humilde geração-, de escura linhagem &c. ; e pelo contrario homem bem nascido , de nobre sangue , de claro sangue , de clã" ra estirpe j d& hoa linhagem , de bom nascimento , de muito san- gtte e qualidade &c. EX- siHM 01 ^6 Mem orias da Academia Real EX'TRAF!AR -. Extraviado : Extravio : {extravier &c.) São vocábulos modernamente tomados doFranccz, mas tem boa origem , e analogia , e em alguns casos parecem necessários. F. FACCIONARIO : Faccioso : (factionaire : factieux ) Acha- mos muitas vezes em Jaciutho Freir. Hd. de João de Castr. a palavra facção no sentido de etiipreza militar , feito de ar- mas notável \ e huma única vez a palavra ^rtmofwr/o, signi- ficando o mesmo que parcial , que he de hum partido , de huma parcialidade , bandeado por algticm , no Liv. 2. §. 19, aonde diz : « Assi ficarão acordados , que dentro de três dias, virião os Castelhanos nietter-se dentro da nossa Fortalesma de Ter- nate , onde lhes dariao embarcação para a índia . . . , e que ElRei de Tidore seu faccionario Jfcrtr/rt em nossa graça. " Nes- te mesmo sentido traz Moraes a palavra faccionaria aucto- rizada com o Tácito Portiiguez. Porém não temos até agora, achado em Clássico algum o adjectivo faccionaria ^ nem o outro faccioso , no sentido que hoje commummente se lhes dá de turbulento, sedicioso, dado a facções civis, ou a parcia- lidades que perturbão o Estado : e com esta significação os julgamos modernamente derivados do Francez , ou Inglez. Com tudo são de boa origem , e bem derivados , e , ao nosso parecer , adoptáveis. FANATISMO: Fanático: Parecem tomados immediatamen- te do Francez , mas tem origem Grega : são adoptados nas línguas sábias , c são expressivos , e necessários. , FARPANTE: ou Frapante: (frappant) He gallicismo in- tolerável , e todavia mui usado nas Traducções modernas , c na pratica familiar. Hum facto ^ huma acção farpante , quer di/çr em bom Portuguez hum facto ^ huma acção notável , ad- mirável, insigne, illustre , conspícua, abalizada , estremada &c. Ç) adject. ycxhA farpante derivado não do F rance?, frapper ^ mas do Portuguez farpar , somente o temos achado na Art. de furtar, Cap. 17, aonde tem mui diversa significação do FianQczfrappant. FA- DAsSciENCIASDK Li S BOA. $y FjÍTIGANTE: (fatigatit) He muito menos rcprchcnsivcl , K^Mx: farpãiite , por Iiavcr em Portugucz o vcrho fíitigrir y don- de natur.;lmente se pôde derivar fatigante. Comtudo os nos- sos bons Auctores nunca usarão deste adject. verbal , em jugar do qual dizem uioleto^ h/commoclu , trabalhoso ^ aftmoso ^ ás vezes importíuio , fastidioso &c. He também frequente en- tre elles significarem o mesmo conceito pelo adjectivo can- sado y dizendo por ex. cuidados causados^ lagrimas cansadas j jorttada cansada , em lugar de cuidados fatigantes &c. , se- guindo ni::to a analogia , e uso elegante da nossa lingua , que frequentemente diz enfermidades perseveradas ^ queixar sentidas , prantos magoados , entrada triunfada , homem lido , re~ queriímutos longos , e trabalhados &c. &c. FAZER : Tem este verbo huma significação mui ampla , c genérica , que se determina e limita pelos nomes , que se lhe ajuntão : e d'aqui vem as muitas e diversas applica- çõcs que tem na nossa lingua , as quaes somente pela li- ção dos Auctores Clássicos, podem ser bem conhecidas. En- tre as que não são muito vulgares , temos notado as se- guintes Fazer amizades , i. e. adquirilas , grangedlas. Feo Trat. das Fest. , e Vid. dos Sant. i . P. pag. 2 j 4. Fazer amizades a algucm, i. e. mercês, e favores. Ar- raez Dial. 4. C. 29. Fazer abalo v. gr. hum edifício, i. e. ameaçar rtíina ^ estar para cahir. líeií. Ptnt. Dial. da Vid. Solit. C. 3. Fazer ausência de algum lugar , i. e. atisentar-sc delle, Malãc. Conq. L. 3. Est. 2^. Fazer caminho, i. e. andar. Bem. Prat. e Sernt. pag. 3?)- Fazer o caminho , i. e. conclui lo, acabar a jornada. Vid. dq Arceb. L, 1. CL 10. Fazer o caminho por alguma parte , i. e. dirigilo por ahi , passar por esse sitio. Vid. de Sus o C. 38. Fazer hum caminho a alguma part., i. e.. bir a essa parte y a esse sitio. Cort. na Aid. Dial. 16. Totn. IV. Part. II. H Fa- yS AIemorias da Academia Real Fnzer a causa de alguém , i. c. ad-cogala. Fid. do Âr- ceb. 1. 19. Fíit:ier cobardia^ i. e, obrar cobarãevioite. Ârraez^ Dial. 10. C. 72. Fazer desprezos a alguém^ i. c. vilipendialo f menosca- bar essa pessoa. Fieir. Carr. 84 do l\)m. i. Fazer erros ^ \. c, commettelos , cahtr iiclles. Arraez i. 13. Vid. de Castro L. 2. §. j. Fazer entenda , i. e, resarcir o damuo. Barros. . . . Fazer espectáculo de alguma cousa a alguém , i. e. dar- Ihe esse espectáculo. Arraez 6. 14. Fazer invejas a alguém com alguma cousa , i. c. exci- tar-lhas , causar-lhas. Vicir. Carr. r i . do Tom. 3. Cart. de Guia pag. iij. Fazer informações de alguém , ou de alguma cousa , i . e. tomalas , infonnar-se dessa cousa , ou pessoa. Fid, do Arceb. I. 1 1. Fazer justiça , i e. administrala. Vid. de Castr, L. : . Fazer razão e justiça a todos igual w ente ., i. e. gover- nar bem. Óptima divisa de hum bom Principe ! Trancozo. Fazer lembrança de alguma cousa , i. c. ass entala em memoria. Fid. do Jlrceb. 4. ai. Fazer lembranças a alguém de alguma cousa , i. e. ex- citar-lhas y recommeudar-lhe essa pessoa ou cousa. Fid. do Ar- ceb. I. 3., e 2. 23. Ftd. de Castr. L. 4. §. $6. Fazer jogo de alguma cousa , i. c. fazer dessa cousa mo- tivo de brinco., de zombaria. Fieir. Carr. 78. do Tom. 3. Fazer mantimentos , i. c. preparalos , têlos promptos. Fieir. Cart. II. do Tom. i. Fazer noite em alguma parte , i. e. pernoitar ahi. Fid. do Arceb. 2. 3. Fazer obediência a alguém , i. e. render-lha , signifcar- Iba. Barros. Dec. 3. L. 6. C. i. Fazer as partes de alguém ^ i. e. advogar por elle. Fieir. Serm. Tom. 15-. p. 211. Fa- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. ft; Fazer satirfação por alguma cousa , i. e. pagar a pe- va ^ que por cila se devia. Ârraez 8. 21. Fazer saudades por alguém , i. e, mostrdlas. Vid. do Are eh. 2 . j . Fazer obra , ou começar a fazer obra , i. e. começar a trabalhar, ^id. do Arceo. 2. 9. Fazer sentimento por alguém , i. e. mostralo. Cort. Real. 1. Cere. de Diu. Fazer serviço de alguma cousa a alguém j i. e. offere- cela de presente. Arraez 4. 14. Fazer significação de alguma cousa , i. e. dar mostras delia. Arraez i. 16. Fazer provas de alguma virtude ou vicio , i. e. mostrar que tem essa virtude ou vicio , dar provas disso. Uliss. C. 8. E. III. Fazer rosto ao inimigo , i. e. resistilo. Vtd. de Castr. L. 4. §. 18. Fazer toque de alguém , i. e. avaliar os quilates do seu merecimento. Oprima expressão de Fr. Heit. Pint. no Dial. da Relig. C. f . , aonde diz : Se os Príncipes fizessem toque dos homem , e quantos quilates cada hum tivesse de merecimen- tos , tantos lhe dessem de galardão . . , &c. Fazer vingança, i. e. tomala. Ferreir. Egl. 10. Fazer vitupérios , e torpezas contra alguém , ou contra alguma cousa , i. e. vituperala , tratala com vitupério. Arraez Usão também os nossos Clássicos do verbo fazer em hum sentido absoluto , e não pouco elegante , e expressi- vo , que talvez pareceria gallicismo aos menos advertidos. V. gr. Barros Dcc. 3. L. f. C. 9. aos quaes elle respondia y Íqiie o deixassem fazer, que elle o entendia mui bem. Fieir. Cart, 13. do Tom. 3. Torno a pedir a V. Exc. que deixe- mos fazer a Deos ; por que importa muito para a satisfação do animo conhecer a sua vontade pelas suas disposições. &c. O mesmo podemos dizer do uso duplicado do verbo fazer Besta frase de Fr. Heit, Piut. Dial. da Verdad. Aniiz. C. 19.: 6o Memorias da Academia Real fogos , que fez fii/cr ua Cidade &c. Não obstante porém ser o uso deste verbo tão vario , que se não pôde sem gran- de circunspecção ajuizar da pureza das frases , ou expressões , em que ellc entra , temos comtudo por gallicismos algumas delias, que com muita frequência se encontrão nos nossos Livros modernos , das quaes apontaremos para exemplo as que nos forem lembrando. Fazer o importante , i. e. fazer-se homem de importân- cia , de conta , de stipposifão ; ajfectar de homem de porte , de valia ; vender-se por homem de grande tomo &c. Fazer o impertinente. Obrar, portar-se como tal ^ ser im- por t tino &c. Este palácio fazia as minhas delicias , i. e. era as mi- nhas delicias j nelle punha todo o meu prazer , nel/e me deli- ciava. Fazeis-me bimi crime da minha prudência , i. e. at tri- bais a crime , ou culpais de criminosa , ou criminais a minha prudência &c. Mancebos libertinos , que se fazem huma honra de infrin~ gir as Leis , i. e. ;que se honrão de transgredilas , que se pre^ zão disso , que. põem nisso a sua honra &c. A Religião nos faz hum dever de amar a pátria , i. e. nos impõe o dever — ms obriga — &c. Os Vícios são os que fazem a Lei neste século desgra- çado, '\. e., os que dão a Lei, os que regem este século &c. Em verdade elle se tinha feito huma Lei de preferir &c. , i. e. se havia imposto a Lei &c. Tu te fazias hum dever , hum prazer de obedecer a to- dos as, teus capi'ichos , i. e. tu te impunhas o dever , te com- prazias , punhas o teu prazer em obedecer &c. o teu prazer era okcdecer &c. O toucador não fará a vossa principal obrigação, i. e. não será . . . não fareis consistir nisso a vossa .... não o olhareis como vossa principal obrigação &c. \ Esta verdadetfaz a base do meu systema , i. c, he a base , o fundatfiento , ou sobre esta verdade assenta o meu systema &c. - u* Ls- in-í-a. O; DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 6t E ta acção faz a vossa gloria , i. c. vos dá grande glo- ria , vos he gloriosa , delia depende a vossa gloria , nclla con- siste a vossa gloria. Isto farei o assumpto^ o objecto do meu discurso , i. e. es- te será o assumpto &c. Faze:no-nos htm dever de publicar , i. e. julgamos do nosso dever , havenw-nos por obrigados 8cc. Fazer o personagem de hum pai &c. , i. e. fazer o pa- pel de . . . representar de ... ou como pai &c. &c. F Aro RITO : (favori) Este vocábulo hc hoje mui mimoso dos que se tem por polidos, e discretos, e visto que tem por si a auctoridade de Jorge Ferreir. na Com. Ulisip. ( Mo- raes no Diccion. ) , não o notaremos de gallicismo innova- do : mas não he hem que nos esqueçamos absolutamente dos nossos bons vocábulos privado , valido , favorecido , mi- moso y aceito Scc. FELICITAR : Felicitação : O verbo felicitar com a signi- ficação de dar parabéns j diz Bltit. que he tomado do Fran- ccz feliciter , e que começava de ser usado no seu tempo em Portugal, e cita cm abono delle huma Gazeta de Lisboa de 1722. O. suhstant. felicitações começou a introduzir-se de- pois , em lugar de parabéns , emboras , congratulações &c. Es- te segundo não o julgamos necessário, nem melhor que as palavras Portuguezas correspondentes, ainda que tenha de- rivação regular. FEREZA : Por ferocidade , crueza , he muito usado dos nos- sos Clássicos; mas por alíiveza , e orgulho duvidamos que tenha igual auctoridade. FILANTROPO : Filantropia : Filantrópico : ou Philantropo &c. São vocábulos de origem Grega , que provavelmente nos vierão pela lição dos livros Francezes , e tem seu lugar na linguagem dos doutos. Significão filantropo , o amigo dos ho- mens y ou do género humano ; filantropia , o amor do género hu- mano , ou a qualidade que nos faz amigos do genera humano ; c filantrópico y o que pertence a esta qualidade, ou delia re- sulta ; V. gr. affectos filantrópicos , acções filantrópicas &c. &c. . FI- 01 6i Meemokias da Academia Real FILHA: {filie) Em lugar de moça ^ rapariga^ àoncella Scc. he erro de trailucção; porque a palavra jÇ/í?^ não tem cm Portugucz significação tão extensa como em Franccz. yiNjlN(^/lS: Diz se hoje mui vulgarmente por Fazeiída Retil , Remias publicas , Rendas do Estado , Erário , Tbesouro do Priíuipe , Fico &c. , c Sciencia das Finanças por Sciencia Fiscal , i. c. a que estabelece e ensina os princípios deste rumo do Governo do 1'lstado. Vcj. Blut. no Supplem. aoVo' cab.j arndc somente julga licito usar deste vocábulo, quan- do se falia da Fazenda Real de França. Nós não o temos por necessário. FORMALIZAR-SE : ( se formaliser ) Por offender-se , es- candalizar-se , picar-se , vwstrar-se picado de algum dito , ou facto , parece gallicismo desnecessário. Comtudo não du- vidamos que seja conveniente o seu uso, quando quizermos determinadamente expressar a demonstração externa da pes- soa ojfcnàida , que por escandalizada e picada , deixa as for- nias familiares ^ com que nos tratava, para tomar outras mais sérias, sisudas, e graves. Da mesma sorte será expressivo, e conveniente este vocábulo , quando fallarmos do homem publico^ que nos actos do seu officio toma as formas , e o ar serio da sua auctoridade, deixado o tom, e modos fami- liares, que em outras circunstancias lhe nao são estranhados. FORÃÍAIO : ( format ) Não sabemos a razão por que tão vulgarmente se tem adoptado este vocábulo para significar a forma ^ ou a grandeza do papel, em que está escrita, ou impressa qualquer Obra. Em Portuguez legitimo dizemos livro manuscripto, ou impresso emjolha, em quarto, em for- ma de quarto f de oitavo. &c. Vieir. Cart. 64 do Tom, i. : 7iem se pôde fazer o preço , sem se saber a qualidade da le- tra y e o numero dos volumes , e se hão de ter margem , ou não , e se hão de ser em quarto , ou n'outra forma. FORMIGAR : He tomado do Francez fourmiller , e nos parece desnecessário , maiormente por causa da homonymia , visto que formigar tem sua significação própria em Portu- gucz. Esta frase por ex. dormitaçÕes , que formigão em Ho- me- dasScienciasdeLisboa. Ó3 mero, pódc corrij»ir-sc dizendo que íibutidao , ou em que Ho- mero abutitla , ou melhor, denuidos frequentiísimos em Home- ro &c. FRÂPANTE: Yq\. Farpante. FiUrOLIDÂDE : {frivoUté ) Di/ o mesmo que o termo plebeo /"r/o/m'rt , e em linguagem mais }f^o\iáà futilidade ^ ni- nharia , ridicti!(i.ria , cousa vã c frívola &c. Alguns moder- nos ò'\7.Qm frivoleza , e por ventura com melhor derivação, c analogia : porque quando estes nomes abstractos não sao derivados de outros Latinos , que tcnhao o nominativo em itas , e o gcnitivo cm itatis , como castitas , humavitas &c. , parece que o Portuguez prefere tcrminalos antes cm eza , do que em ade ; e ainda muitos dos que tem aquella deri- vação Latina , tomão em Portuguez a terminação em cza. Assim v. gr. derivamos Do Latim austeritas austeridade , ou austereza. simplicitas simplicidade simpleza. rusticitas rusticidade rustiqueza. raritas raridade rareza, nobilitas nobreza, firmitas firtueza. levitai leveza. &c. &c. E nos abstractos, que não sao trazidos do Latim, preferi- mos commummente a terminação em eza ^ dizendo v. gr. De curto cnrteza. De rico riqueza, altivo altivcza. bruto bruteza. barato barateza, ligeiro ligeireza, estranho estranheza, escaco escaceza. &c. VUGITWO : Diz-se hoje i maneira dos Francezes Poesias fugitiva f , Obras fugitivas &c. Na Observação do Conde da Eri- ciira sobre o num. 64 da Biblioth. Souz. , que vem na Collecf. dcs Ducum. e Memur. da JÍcad. R. da Hist. Port. do ann. de 17 35' diz aquellc douto Fidalgo: Com o titulo de Bibliothe' ta OT 64 Memorias da Academia Real ia Voluvtc proctivíu htnua Colhe çao de Itália conserve»' as Obras miúdas , a que os Fraiicezes chawão fugitivas &c. l-UNCCIONylRK) • He vocábulo modernamente tomado do Franccz para significar cm geral qualquer pessoa que tem officio , emprego , ou ministério publico , a que os nossos cha- máo também em geral Ministros ^ Ojficiacs da Repnb/icn &c. Tem boa origem , e derivação , c não desdiz da analogia. 1-UNDO : lim sentido figur. tomamos esta palavra pelo mais dif/icil , obscuro , ou occulto de alguma questão , ou ne- gocio, c di/emos cm bom Portugue/ v. gr. sondar o fun- do ãa questão , achar o tundo n algiiDui uiateria , ver o fun • do ds vieutiras do tmmdo , entrar no fiiudo do negocio &c. Alas parcce-nos gallicismo dizer esta preposição no fundo he 'ver- Àaàeira , i. c. na substancia , no esscucial , no principal. Estes dois historiadores conccrdão no fundo da historia , i. c. no es- sencial., no substancial &:c. Estoutra frase Franceza , v. gr. son tnari dans le fond ne pouvoit ne persuadir qtt^Ue lui fui inji- dellc ^ quer dizer, seu marido não podia em realidade per- suadir-sc &c. FUZIL : Por espingarda , e fuzillar por espingardear são tomados do Francez sem necessidade alguma. li como fu- zil , c fuzillar çcm na nossa linguagem suas significações próprias, parece que se deve evitar a homiuyniiaj e o equi- voco que delia resulta. GALlMATIyiS: He palavra puramente Franceza, que sem razão querem alguns trazer á nossa lingua. Em Portuguc/ corresponde- lhe exactamente o \ocahu\o pai nvrorio ^ ou pa- lanfrorio , que em Latim se exprime por inanis verbarum so- nitíis ; canorae nitgae \ vocês inopes rerum &c. Tem differcnça d.) Francez j«r«í)« , que exprimimos por algaravia y inglcsia , GARANTIR: Garante: Garantido: Garantia : { garantir - garaut Scc. ) O verbo garantir vem auctoiizado no Diccion. de DAS SciENoiAs DE Lisboa. 6^ do Moraes com o Trutculo impresso em 1713, c tanto el- lo , como os seus dcrivad- s , parece esti-iem h'je adopta- dos na lint.nuigcm Dipl ^matica. Mas temos por abuso am- pliiir a siu applicaçao a outros quacsquer assumptos, e mui- to mais dizer, como adiamos impresso, que só esta Scien- cia (a M;;thcmatica ) he ciipíiz de garantir-nos de illusões y c escwid(i4cs. \c']. BIttt. 110 ò't!pp!e:i!. GENlO : Ha muito tempo que cm bom Portuguez dize- mos ter bom , ou mdo geuio , ter geuio manso , dccil , ardente , impetuoso Scc. , significando assi;m o Cítracter niaríil ác algucm. Dizemos também ter geuio para a Poesia , paru a Pintura , para a Eloquência &c. , i. e. ter aptidão ^ capacidade , talen- to ^ disposição uattiral y propensão para essas Artes &c. E di- zemos finalmente génio por espirito^ ou quasi deidade (segun- do a frase gentil ica ) que injlue vos hoviens ^ e lhes assiste ^ e neste sentido disse Ferreira na Castro Act. i. : Oh quando winha estrella , e cruel génio Te poder arrancar desta alma minha, He porém novo no nosso idioma , e derivado dos mo- dernos livros Francezes, tomar a palavra ^í?/;o n'um sentido absoluto, e indeterminado, como quando dizemos: he homem de génio ; as obras deste grande gcnio ; foi hum génio em Poesia ^ &c. O eruditissimo La Harpc diz que as palavras geuio ^ e gosto tomadas neste sentido absoluto são peculiares da lin- gua Franceza , e nclla mesma de uso moderno. Entre nós se aclião adoptadas na linguagem da Litteratura , e parecem de indispensável necessidade : mas cumpre que se lhes dê huma significação fixa , e determinada , e ta] que remova de huma vez todo o equivoco , e ponha termo ás questões que tem havido entre os doutos , por não conformarem na verdadeira noção deste vocábulo. Não julgamos da nossa competência prevenir a este respeito o juizo dos Sábios; mas seguindo as Judiciosas refiexões do mesmo La Harpc ^ {(Joiírs de Litterat. Introd.) entendemos que génio ^ na ac- cepção , de que aqui se trata , quer dizer huma grande sti- pcioridade de talento para qualquer Arte, ou Sc iene ia , ou Tom. IK Part. IL 1 bo- C6 Mekokias da Academia Real homem que gozou asa superioridade ; c neste ultimo senti Jo SC diz V. gr. Newíon foi hum génio em Mathemntica : Camões foi hum génio cm Poesia &c GENTES: Aclia-sc a cada passo nas Traducçõcs m-xier- nas : as gentes de bem , as gentes frivolas , as gentes honestas , as gentes sensatas , a gente de letras &c. São outros tantos gallicismos , qiic cm bom Portugucz valem o mesmo que CS homens honrados , os homens sensatos , os homens frivolos , os homens de letras &c. Hum folheto, ha pouco impresso, Ji- zin ainda mais ridicubmcntc : nove milhões de gentes lhe sahi- rião ao encontro : nem vinte e sinco milhões de gentes se ani- quildo &c. Parece que o Auctor tinha receio de chamar ho- mens aos homens ! Não devemos porém oeculrar aqui que al<-umas raras vezes se acha nos nossos bons Escritores a pa- lavra gente ^ e gentes^ cm sentido análogo ao de que aqui tr:.tam's: v. gr. na Fid. do Arceh. L. 2. C. i. u Os mais companheiros erão hum Capellao ^ e gente de serviço, secul<~ res sinco ou seis ■<■> c no L. 2. C 26. «< e ainda que se assom- brava com se ver huscado e estimado das gentes, que ja lhe parecia género de vaidade e tentação &c. >» Na Cart. de Guia de Casad. foi. 90 verso k arrehatao sem alguma prudência os ânimos singellos , e piedosos das Scnhorat , e gentes principaes GOLPE DE VISTJ : Golpe de olho : São as expressões , com que frequentemente achamos tradu/ido o Francez coup d^ceil ^ e com que os desdenhosos da liiigiiagem pátria en- feitão seus discursos c composições. Mas errão contra o gé- nio da nossa lingua , e contra o seu uso. Vejamos de que maneira te explicavao os nossos bons Portuguezes. Souz. fld. do Arceh. L. 4. C. 30. : As cousas do mundo não são dignas nem de hum empre- go de olhos , quanto mais da affciçao da alma. Bernard. Serm. c Prat. p. 178: Servira de espelho , que de huma só vista diga mudamen- te as faltai de todos. E a p.:g. 338 : diz jiau 01 D/sSciENCiAs DE Lisboa. 67 diz Deos , ijuc a alma aitita o revdeo com hiima vista de olhos . . . com hum só voltar de olhos. Míscell. de Leit. p. 358.: Fede como está minha vida no volver desses olhos. CdwSeí C. 3. H. 143 : Qtiem vio hum olhar seguro , hum gesto brando. li nas Rim. i. P. Son. 35' : Jhmi mover de olhos brando e piedoso. T. Eglog. 8. : Hiivm só volta de olhos descuidada. Mousiiih. Affvns. Âfric. C. 6. pag. 99 verso : Qtiem pode resistir a hum doce e brando Qi^iebrar de olhos, que as almas vai roubando} E entre os modernos Filint. Elys. Tom. 3. de seus Versos: Alas que he o ouro , e a vida , A quem perde bum mimoso olhar de Mareia ? Bocag. Cant. 1. á Immaciil. Conceiç. de N. S. ; Ah ! de teus olhos hum volver piedoso Desarme , ó Ftrgem hella , o justiçoso Ente immortal , que os Ímprobos fulmina. &c. Quando os Francc/.es dizem v. gr. este lugar offerece ao observador o mais bello ( coup-d'(£Íl ) golpe de vista \ de- ve traduzir-se a mais bella perspectiva , ou o mais bello pai- nel , como se explica Vieir. Relaç. da Missão de Ibiapaba §.8.; mas depois que se chega ao alto das serras ^ pagão bem o trabalho da subida , mostrando aos olhos hum dos mais for- mosos painéis , que por ventura juntou a natureza. E quan- do finalmente no titulo de algumas Obras dizem, por ex. , Coup-d^wil sur Cetat actuei de rEurope , devemos traduzir Vis- ta do estado actual Scc. , bem como traduzem os Inglezes : Jl view qf the stcte &c. , ou se quizermos mais á letra : Lan- ço de vista: ou também Revista sobre o estado &c. .&c. GOSTO : O turmo gosto (diz Dias Gomes , Obr. Poet. Not. 2:1 á F.leg. 10.) no mesmo significado ^ em que o tomao os Eraucezes , ja o vemos tão introduzido ha mais de trinta annos em Portugal^ que se de^-.c reputar próprio do idioma y no seti- I ii ti- é8 Memorias da Academia Real titio de bom goste. : de modo que quer se diga gosto , qupf bom gosto em Artes , tudo he o viesiiio ; vetn se duvida da identidtide dos significados , que neste sentido não requerem mo- dificação. Vej. o que dissemos na palavra Gemo. COVERNJNTE: {gouvernam) Por Âia, Ama., ou Mes- tra , he francc/ismo escusado. GRANDE CAMINHO: Assim traduzem alguns erradamen- te o Francez gratid rhemin^ ou grande rctite , que quer dizer estrada real , ou caminho real. GR/íNDE MUNDO : He hoje expressão da moda toma- da do Francez le grand moude , para significar a gente mais abalizada , a gente principal do Reino , a Corte , e também toda a sorte de gente , ou gente de todos os estados e caracte- res. V. gr. he hum homem que tem lonvcrsado o grande mun- do , i. e. que tem tratado com muita gente abalizada , com a gente principal , com getite de todas as classes , e condições &c. &c. GRIMAÇAS: He puro Francês, pelo qual dizemos tre- geitos , momos , gestos ridículos e aj]'ectados , e em frase da plebe gatimanhos. GRUPO: {groupe) He vocábulo das Artes de Pintura, e Esculptura , e significa numero de figuras juntas, e apinhoadas com arte. Parece necessário , e he auctorizado pelo uso dos Artisras. Em outros casos dizemos magote, e talvez turma. GUARDAR O LEITO: {gardcr k lit) He expressão Fran- eeza , que em bom Fortuguez cuer dizer estar de cama , ou em cama , por moléstia. H. Homenagem : A expressão render homenagem tem no idioma Portugucz seu próprio significado, e quer álzer : fazer prei- to , ou dar juramento de fidelidade ao Soberano , quando delle se recebe alguma Praça , Governo , Terras , ou Feudo. Os Francezes estenderão esta significação primaria, dizendo fi- guradamente rmdrc ses hommages à ruel qun, i. e. acatar í re- si:t'r , hum jw/sí» são, e huma cabeça bem organi- z,ada. Que em melhor Portuguez quer di/er : Pôde qualquer chegar a ser gri^nde homem , sem ser do- tado de hum espirito e génio superior, com tanto que tenha va- lor , juizo são , e loa cabeça &c. Tam.bem nos parece que se deve evitar, quanto pos- sível for, o ajuntamento do articular hum com as palavras muito , mais , maior , &c. v. gr. hum muito tudo coração , bum maior abuso, huma mais certa esperança &c , e isto por cau- sa do máo soido , que fazem senjflhantes expressões &c. Ultimamente advertimos que os nossos Clássicos usdrao não rar.is vezes do articular bum acompanhado do artigo sim- ples uasScienciasdeLisboa. 71 pies c definido : v. gr. fr. Heit. Pint. Dial. da Verti. Amiz. C. ip. claro está ouam mais titiles e excellcníes são os huns que os outros. Ditart. de Rezende Dial. Lélio ou Amicitia de M. T. Ciccron. cd, de i')3i Haverá o hum do outro vergo- nha &c. Alas esrc uso acha-se com mui justa razão antic|ua- do , porque a própria naturezaí dos dois vocábulos o repu- gna. / HUMILIANTE , ou HUMILHANTE: {humiliant) Tem boa derivação , e analogia , e parece necessário ao nosso idioma. HUMOR : Significa no sent. fig. boa ou tiiá disposição do animo causada dos humores , que constituem o temperamento , e influem nos costumes do homem , e no sen modo de obrar. ( Bltit. ) Entre nós lic indiíFerentc para significar bom ou Wo humor ^ e sempre se lhe ajunta algum adjectivo , que determine a sua significação, v. gr. bom., mão ^ alegre ^ festivo ., jovial ^ áspero., sombrio 8íc. Pelo que nos parece gallicismo reprehen- sivel empregalo em sentido absoluto, como nas seguintes ' frases : obrar por capricho, e por humor ; não são supposiçÕei dictadas pelo humor; Obra da singularidade ^ e do humor. Mui- to menos se pode tolerar no sentido de enfadamento , agas' lamento , como v. gr. nesta frase /'/ temosgnoit beaucoup cVhti- iueur de rabsence de son fils , que cm Portuguez corrente se deve rradu/ir : elle se mostrava muito enfadado, ou agastado, ou mostrava granie enfadamento pela ausência &c. I. JALUZIA : ( jalousie ) Achamos este vocábulo em huma Obra Portugiie/a original, aonde o Auctor , fallando dos afectos oratórios, diz : Os movimentos de amor ^ de ódio, de medo, de jaluzia , e de raiva &c. , tomando jaluzia por ciú- me , ou inveja , que são os vocábulos Portuguezes , que cor- respondem ao Franccz jalousie. Não ignoramos que Vieira usou mais de huma vez da palavra ^f/oz/a nas suas Cartas , entendendo-a no sentido do Italiano gelozia por soUicitude, cui- 71 M E M o P I /• " DA A C A 15 F. M 1 A R E A L cuidado emcioso Scc. ; m;is esta aLictoridade , bem que res- peitável em tal matéria , não a iulgamf)s só por si bastan- te a fa/.er adoptavcl i.quellc vocábulo ; já porque o uso an- terior c posterior a rieira recusou esta innovaçao , e já porque o estilo epistolar sofre algumas vezes semelhantes liberdades , sem que por isso nos auctorise para usarmo'^ delias em diíFerentes circunstancias. E por certo que nin- guém adoptará de Jlcirn a palavra nombrameiito usada por ellc na Carta 96 do Tom. i., nem a palavra raconto {re- hifíío) da Carta 59 do mesmo Tom;) , r.cm fin;ilmente a pa- lavra r.ejidsttir , que vem no mesmo Tomo Carta 118. "JâMâIS: (ja-niais) Este adver/tio (como advertio Diar Gomes Obr. Poet. Not. 4. á Eleg. 2. ) lulo se deve reputar por gullicismo , pois só a indiscreta frequência o constitue tal , sendo , como he , usado dos nossos Autores , cr.mo Gomes Eannes , Camões , Gabriel Pereira de Castro , c Ferreira. Nós , em gra- ça dos Leitores menos versados nos C!:\ssicos Portuguezes , poremos aqui alguns dos vários modos, com que elles usao deste vocábulo , ou exprimem a sua significação. Encid. Porí. L. 3. Est. 44: Porem a quem jamais pelos sentidos Passara , que algum tempo inda os Troyanos A Hcsperia haviao de ir } 3." Cere. de Diu. Cant. 2. : Qiiando perdida verás a Fortaleza E a esperança de cobra la jam..is ? Arraez Dial. 10. C. 83 : Prcmettei a Christo de jamais o deixardes. Mousinh. Afons. Afric. Cl: Lugar de penas e tormento esquivo Onde jamais se vio conteutamento. Eueid. Portug. T-. 2. E. 26 : Nao descancou jamais da fúria brava. Cam. Rim. : Jamais vos não ouvir áo Os tigres que se amansa vão. Fieir. DAS SciENciAS DE Lisboa. 7j Fteir. Carta 33 do Tom. 3.: O Turco fica fazendo em Constautinopla e Cândia os maio- res apparatos de guerra , que nunca jamais se virão. Fr. Greg. Bapt. i. P. das Dom. £.26 verso: Ja nunca inais este Senhor castigou sem piedade. Cam. Rim. : Lemhre-vos minha tristeza Qtie jamais nunca me deixa. Mousinh. Âffons. Afr. C. 6. : Esta ferawsa e linda praderia A quem jamais nenhuma se igualava, Ferreir. Cast. Act. 4. : Nem haverá ja nunca no mundo olhos Qíte não chorem de magoa. Mousinh. Affons. Afric. C. 3 . : Gemeram d" improviso c' hum estrondo Nunca ja visto as taboas abaladas. Camões Eclog. 2. : O' immatura morte , que a ninguém De quantos vida tem nunca perdoas. Paiv, 1. P. de Serm. foi. 147 verso : S. Gregório conta em Moisés pelo maior serviço que fez nunca a Deos .... &c. &c. A' vista do constante uso que fazem os nossos Clássicos deste adverbio com a significação de nunca .^ não podemos deixar de notar aqui como gallicismo o emprego que delle fez o doutissimo P. Pereira , traduzindo aqucllas palavras do Genes. IX. 12 Hoc signum foederis , quod do inter me et •vos , in generationes sempiternas , deste modo , eis-aqui o sinal do concerto que eu faço para sempre jamais entre mtm e vós , aonde parece haver tido presente o Franccz pour ja-mais , que a cada passo se acha nas Traducçóes Francczas da S. Bíblia , correspondendo ao Latim in sempiteriímn , in oimie aevtmi , in generationes sempiternas , e que nós traduziriamos melhor para todo o sempre. IMBECIL : IMBECILLE : EMBECIL : De todos estes Tom. IV. Part. II. K mo- 74 ^Iemorias da Academia Rt a l modos temos achado trasladado o Pranccz mhecille , cnten^ dido como suKstainivo , ao qual em Portiigucz corrente , e de bom cunho , correspondem as palavras Portuguczas fcitiw , néscio^ sandeu ., peco ^ insensato ^ parvo ^ tonto ^ desasicado &c. Devemos porém advertir, que achamos este adjectivo usa- do na sua natural significação derivado do Latim , em Ar- raez Dial. lo. C. z. : Por que »ie deixastes em minhas fra- cas forças humanas^ que são imbccilles, e fracas} E na Tra- ducçâo do Livro De Senectutc de Cícero por Damião de Coes ^ ms. foi. mihi 24: Cyro, segundo escreve Xenophonte .^ dixe mor- rendo jã iiiuim velho , que nunca sentira a velhice mais fraqna vem imbecil que a mocidade. IMBECILLIDADE : Temos em Portugue/. imbecillidade por falta de forças, fraqueza de corpo, ou animo; mas cm lugar de tolices , sandices , parvoices &c. parece-nos gallicismo desnecessário. IMMEDIAÇOES: He vocábulo novo em Portugucz , e derivado do Franccz também novo immediaíions» Significa o mesmo que visinhanças , arredores , ou arredores , contornos , circumvisinhanças de algum lugar. Não vemos razão por que seja necessário adoptar-se. IM MORAL , e IMMORALIDJDE : Ainda que nos ha- jão vindo inmicdiatamente do Franccz innnoral , e immora' lilé •) comtudo são necessários, não encontrão a analogia, e são derivados de moral, e moralidade , que sem duvida nos pertencem , e nos vierão do Latim. IMPOTENTE : He vocábulo Portuguez , com que signi- ficamos o que não pôde gerar, que he incapaz para a gera' ção. Paixões impotentes por desordenadas he gallicismo , ou talvez Inglezismo , de que não necessitamos , e que não condiz com a primaria significação de impotente. Esforços impotentes, meios impotentes para alcançar qualquer fim, he bom , e pôde adoptar-se , com tanto que se evite o peri- go de excitar huma idéa accessoria torpe, e indecente. IMPERISSIFEL: (imperis:ahle ) tJc gallicismo grossei- ro, e inadoptavel. Em Portuguez dizemos cousa não pere- cc- si3>t or DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 7^ cedeira f immortal , perpetua ^ perdurável .y itiíerviitiavel ^ scuipi' terna , tjtie sempre dura , indestrttcthel &c. IMPETUOSIDADE : He tomado do Franceí mpetuosité ^ e parece necessário para exprimir a qualidade de impetuoso ^ que se não exprime por ímpeto. IMPOR: (imposer) Est: vocábulo tem na lingua Portu- gueza suas significações bem sabidas : mas no sentido de enganar y t/ludir , seduzir com impostura, parece galiicismo, de que não carecemos. As frases Francezas , em que elle figura, podem traspassar-se de differcntes maneiras, confcr- nic o pedirem as circunstancias : V, gr. o aspecto deste ho- mem impõe, i. e. engana, illude. Os exteriores apparatosos im- põe d multidão , i. e. mettem respeito , infundem respeito á mul- tidão. Âs tropas jd não impunhão ao povo , i. e. jd o não con- tinha o , já lhe não mettião respeito , ou medo. Pretendeis com paralogismos impor d multidão^ i. e. seduzi/a., embaila. Sou- be impor ao povo com falsos milagres ., i. e. embair o povo &c. Parcce-nos que o termo mais próprio correspondente ao Francez imposer neste sentido , he o verbo embair , cuja si- gnificação he enganar com imposturas ^ embelecar ^ induzir em erro com boas apparencias &c. Arraez Dial. 3. C. 34. Os Ju- deos ousão dizer de Christo que foi blasfemo e embaidor : e no Dial. 7. C. 20: até chamarem ao Senhor Jesus embaidor. A palavra Grega planos não significa enganador de qualquer ma- neira ; se nãe de hum certo género , que professa enganar , e embair &c. IMPORTAÇÃO : IMPORTADO : São adoptados na lin- guagem mercantil , e tem bom fundamento na primaria si- gnificação do verbo importar , i. e. trazer para dentro. IMPRATICAFEL : Hum Critico moderno reprova como Franceza a expressão mar impraticável : mas Blut. traz no seu Focabul. caminhos impraticáveis , e Rui de Pina já disse na Chron. de D. João II. Cap. 82 : Não houve Provinda de Christãos e infiéis , amigos , e imigos de nós sabida e pratica- da , em que &c. Também dizemos viar intratável , caminhos intratáveis , mar innavegavel &c. K ii IN- •;6 Memorias da Academia Real INABÂLAFEL : Paiece-nos tomado pelos nossos modernos Escritores do Franccz inébranlable ^ c somos de parecer, que he innovação escusada no nosso idioma , aonde temos im- vwdel , firme , estável , talvez constante , imtriudavel , invariável &c. Camões usa de immoto no mesmo sentido nas Rim. : Âquelle gesto immoto , e repousado. E nos Líisiad. C. 2. Est. 28 : Mas por não darem no penedo immoto Onde per cão a vida doce e cara. No sentido figurado podemos variar a expressão, di- zendo com os Clássicos : animo inteiro e inflexivel ^ constân- cia e fortaleza invencivel ^ Leis immiidaveis , virtude ^rwe e inexpugnável , verdade inconcussa , constância incontrastavel &c. Confessamos todavia que Bluteau já traz o adjectivo inaba- lável no Siippl. , auctorizando-o com a Gazeta de Lisboa de 14 de Janeiro de 1726. INACÇÃO : Ee palavra ( diz Bhit. no Vocabul. ) tomada do Francez inaction. Tenho ouvido alguns Portuguezes cultos usar delia. Vai o mesmo que cessação de obrar., e ds vezes ócio , negligencia. Hoje he adoptada , e auctorizada. INCALCULÁVEL ■■ He tomado do Francez ; mas tem boa origem e derivação , e parece conveniente adoptar-se. Signi- fica cou-a que se não pode reduzir a calculo , que se não po- de contar , nem avaliar , inumneravel , sem conto &c. , e no fig. cousa imponderável ^ inestimável &c. INCESSANTEMENTE: Significa o mesmo que continua- damente , sem descotitinuar , sem cessar , sem se interromper &c. Mas quando se toma por logo .^ sem demora., daqui a pouco y deiiiro de pouco tempo &c. , he gallicismo , e seria erro dizer marcharei incessantemente a Lisboa ; verei o meu amigo inces- santemente &c. INCONCEBÍVEL: {inconccvable) Temos visto muitas ve- zes empregado este vocábulo em papeis impressos, e por pessoas alias doutas. Em melhor Portuguez diremos incom- prchensivel f inintelligivel ^ c ás vezes imponderável. Mas se se jul- dasScienciasdeLisboa. -^j julgar necessária a innovação deste vocábulo , deverá então dizer-se inconceptivel , e não inconcebível ; porque Ci^tc ulti- mo , além de ter ma' pronunciação , hc derivado contra a analogia da lingua Portugueza , que forma , á maneira da Latina , imperceptível , susceptível , admissível &c. , e não itn- percehivel ^ stiscepivel ^ ou snscehivel ^ adinittivel &c. INCONTESTÁVEL : INCONTESTAVELMENTE : He to- mado ( diz Bliit. no Stippl. ) do Erancez íncontestahle , que vai o mesmo que coisa indubitável , sobre a qual he inútil conten' der: e ahi mesmo auctorisa o ^íàvcxh. incontestavelmente com o Trat. de Paz de 17 13. Hum e outro tem boa origem e analogia. INDEMNIZAR : INDEMNIZAÇÃO : INDEMNIDA- DE : Parecem trazidos immediatamente do Francez , e de novo introduzidos na nossa lingua , aonde temos os corres- pondentes compensar , resarcír , reparar o damno &c. , mas tem origem no Latim , são adoptados pelo uso geral , e já forão usados nas Leis do Senhor D.' José L INDOLÊNCIA : Ateagora ( diz Blut. no Suppl. ) não achei esta palavra cm Autor Portuguez. Indolência porem , como de- rivada do Latim , parece necessária para evitar círcumloquío. Os Francezes também dizem indolence , e tanto elles como nós á sua imitação , o usamos não só para significar a in- sensibilidade d dor y (que he a força do termo Latino ) mas também a negligencia , incúria, deleixamento , descuido &c. INESGOTÁVEL : He innovação, imitada por ventura do Francez inépuisable. Em lugar delia temos inexhausto , peren- ne , perennal , manancial &c. Comtudo se parecer necessário, não he contra a analogia. Nós preferiremos sempre inexhau- rivel. INEXHAURIVEL : Os nossos Clássicos disserão sempre inexhausto ; mas inexhaurível conforma com a analogia , he adoptado pelo uso geral , e já vem nos Estat. nov. da Uni- vcrsid. de Coimbra T. 3. Cap. i, n. i. , aonde diz: ainda que as Scicncias Mathematicas são tantas , e cada huma delias de tão grande vastidão , e inexhaurivel fecundidade &c. JN- iiaa 01 78' jMemokias da Academia Real INFECTADO: Por inficionado., contaminado., infecto., toca- do do contagio , corrompido , viciado , parccc-nos gallicismo , não o temos até agora achado cm Aiictor Clássico , nem o julgamos necessário. INFORTUNADO : ( infortune ) Por desafortunado , desaven- turado y desgraçado j tnnibcm ao principio nos parcceo gal- licismo. Mas vem mais de huma vez cm Corte Real, Nati- frag. de Sepulv. v. gr. no C. 7. : e a formosa Irmãa de Phebo passa detrimento , Mostrando-se ali sempre infortunada. E no C. 8. : m . o discurso Da peregrinação mortal , e o triste Infortunado fim de tanta gente. &c. INFRACTOR: INFRACÇÃO: (infractetir &c. ) O pri- meiro já vem em Bhit. no Focab. no sentido de quebranta- dor ., violador., transgressor., &c. O segundo também se usa mui vulgarmente , e Madureira o traz na sua Orthografia. Hum c outro tem origem Latina , e tem por si a pratica auctorizada. INSCREVER : INSCRIPTO : Estes dois vocábulos , que achamos usados pelos nossos Escritores modernos , ainda que pareção tomados immcdiatamente do Francez inscrire ^ e inscript , tem comtudo boa origem no Latim inscribere , e ittscriptus , e por isso não ousamos reprovalos, muito me- nos quando são termos technicos da Geometria : mas a sua significação pôde algumas vezes exprimir-sc em Portuguez por dilFercnte modo , e com igual propriedade , e energia : v. gr. o seu nome está inseri pto na Lista, i. e. escrito, as- sentado , registado , matriculado , &c. Em lugar de inscrever em bronze , cm mármore , &c. diremos muito melhor escul- pir , ou insculpir , entalhar , abrir , talhar , cortar , e tam- bém gravar, que he clássico (Vej. Blut. na palavra Gra- var). Finalmente o adj. inscripto acha-se huma vez em^r- raez DAS SciENClAS DE LiSBOA. -ji) raez no Dialog 4. C. 10. aonde diz: iQiie se fez da Ige- dita Cidade Cathedral ^ que cbamavios lãanha} ^ Onde fica com seus mármores^ e letreiros inscriptos ? (Vej. Bitu. no Suj:pl. palavra Inscripto.) INSIGNIFICANTE : ( insignifiant ) He vocábulo tomado do Francc/; mas adoptado pelo uso geral. Qiicr dizer: ccu- sa qiie nada significa , de pouca monta , de nenhuma importân- cia , qne pouco ou nada vale &c. INSINUANTE : Também he novo na nossa lingua , e trazido paru ella do Franccz ; mas tem boa origem e de- rivação , e parece necessário. Já foi usado por Elpino Dti- riense na Noticia sobre Almeuo.^ e a sua Traducção da Meta- morfose de Ovid. , aonde diz : a stia voz insinuante e vigo- rosa , como a dos Oradores mais eloquentes de Grécia e Roma , &c. j e esta auctoridade , bem que moderna , he para nós de grande respeito em tal matéria. INSPECTAR : Do Francez inspecter , parece desnecessá- rio, principalmente adoptando-se o outro verbo inspeccionar ^ que temos por melhor , e mais conforme com a analogia. SigaAci fazer inspecção^ e talvez superintender^ &c. INSTALLAR : INSTALLADO : &c. ( installer &c. ) São vocábulos desnecessariamente tomados do Francez ou In- glez. Em boa linguagem Portugueza dizemos constituir al- guém n'um cargo, ou dignidade, instituir ^ investir, nietter de posse , talvez estabelecer , &c. INSULTANTE : ( insultam ) Tem a seu favor hum uso assas geral : e com tudo temos por melhores os adjectivos injurioso , afrontoso , vituperoso , &c. Jacintho Freire Fid. de Castr. L. 2. §. 7. usa de insultuoso, e hum Poeta moderno, que se não pode citar sem louvor, diz, fallando da pes- soa que insulta : Mil graças , c risadas entre a bulbo- Do vulgo insultador soar se escutao. E cm outro lugar : Tu me vale em meus males', tu castiga D' um génio insultador a petulância, IN- 8o Meemokiasua Academia Real lNSURMONTyiJ'EL : Por insuperável y inveuch-el ^ hc gal- licismo grosseiro , c escusado. INSURREIÇÃO: INSURGENTE -. São vocábulos trazidos modcrnanicnre do Franccz histirrection , instirgent , c dizem tanto como sublevação , levantamento , sublevado , levantado , &c. Tem hoa origem e nâo desdizem da an;ilogia. INTERDIC70 : ( inter dit ) Por atalhado , embargado , en- leiado , suspenso , tíirba.'.o , attonito , he gallicismo desneces- sário. INTERPRENDER: INTERPRENDWO : Usão alcruns jgnorantcmonre destas palavras no sentido de empretidcr , ou tonar por einpreza , dctcrviinar-se a fazer alguma acção diffi- cil e laboriosa , &c. , cnganando-se com o Francez enterpren- dre j que traduzem conforme o som material. Em b(jm Por- tugucz dizemos inter prender por accommetter de improviso^ V gr. Imiua praça , &c. , e interpreza por ataque improviso. Empreuder tem diffcrentc significação, e com elle he que dizemos empreuder huma conquista , hiima jornada , hiima guer- ra , huma obra, &c. Vej. o Diccion. de Moraes nestas pala- vras. INTRIGA: INTRIGANTE: 8cc. São tomados do Fran- cez , mas adoptados pelo uso cm geral. Dizem tanto como enredo , enredar , enredador , &c. As palavras mexerico , me- xericar, e mexeriqueiro, que algumas vezes se podem i;sa'- em lugar de intriga , &c. , parccc-nos que tem huma signi- ficação mais restricta , como espécie subordinada ao seu gé- nero. Mexericar significa propriamente descobrir , e referir cousas occultas , que outrem tem dito ou feito, c isto com o fim de metter dissensões , e semear zizanias. Enredar porem , c intrigar he mais genérico , e significa manejar com astúcia toda a casta de artificies, e maqtiinaçijes occultas , para conse- "uir algum intento , cm frase popular fazer maçadas , ou embrulhadas , &c., que em Latim se exprime bem por oc- culto artificio res miscere ; assim como intrigante por dolis et ariibus instructus ; ad negoiia implicanda et explicanda cal- li- DAS SciENCiAs DE Lisboa. 8i Jidiis ; e intriga por occultae artes ; occtikanim artitnv doli \ &c &c. Por onde , neste lugar v. gr. do Feliz ludcpetiden- te L. I 8 : mais que tudo temo as intrigas dos Principes Lati- nos , não poderíamos com toda a propriedade substituir tne- xericos a intrigas^ e muito menos no outro lugar do L. ip : e na presença de todos declarou toda a intriga do Conde j e de Neucasis. &c. &c. INUSITADO : ( inusité ) Pareceo-nos ao principio galli- cismo pouco digno de adoptar-sc , por não offcrecer melho- ria alguma a respeito do adj. desusado , que diz o mesmo. Todavia Camões o empregou , ainda que liuma só vez , nos husiad. C. 2. E. ic/. Ouvindo o instrumento inusitado, e pôde conscguintemcnte ter lugar cm algum caso para va- riar a linguagem Poética. 'JOGOS DE ESPIRITO : (Jeux d'esprit ) He gallicismo , a que em bom Poitugucz corresponde chistes^ ditos engenho- SOS, e conceituosos ■) agudezas , &c., Comtudo temos jogar de vocábulo , e jogo de vocábulo por equivoco discreto em Fieir. Serm. Tom. 6. pag. 473, aonde diz : aqui jogou de vocá- bulo o Evangelista , e usou o equivoco , que cu dizia , e logo na pag. 473 : aqui está o jogo do vocábulo, e o equivoco discretissimo , &c. Também dizemos fazer jogo por fazer zombaria. Vieir. Cart. 78 do Tom. 3. : Os que fazem jogo dos achaques alheios dizem que me veio este a f'om tempo para não ver o que se vê, nem ouvir o que se ouve. E D. Franc. Manoel na Cari. de Guia foi. iip diz: va mais por jago , que por conselho , usando de jogo por galanteria , brinco , &c. (Vej. em Moraes a palavra Jogo.) JORNAL: Por Diário He palavra Franceza , que nos não era necessária : e sem embargo de ser hoje mui usada, até de pessoas doutas, não a julgamos adoptavel , maiormentc attendendo á homonymia, que se deve evitar, quanto pos- sivel for , por ser hum sinal infallivel da pobreza da lin- [^.laqcm. JRREPROVâFEL : Na significação do Franccz irrepro- Tom. ir. Part. IL L chi- 2z Memorias da Academia Rale chable parecc-nos gallicismo, e má traducção. Em lugar del- le diremos irrcprehctisivel y inteiro y incorrupto^ de costiimes sãos , e puros , &c. ISOLADO : ( isole ) Qiic outros escrevem insulado , está hoje muito introduzido nos escritos e conversações: mas nem por isso o julgamos adoptavel. Os nossos bons Auctores por homem isolado dizem homem solitário ; sd ; sd de amigos e pa- rentes ; desacotiipiitihado ; só de toda a companhia ; só por só , &c. ; e por lugar isolado dizem lugar ermo y solitário ^ despo- voado ^ apartado y desamparado , &c. Ferreir. L. i. Od. 7.: Sampaio , tu Id só de mim estás. Cam. Rim. P. 1.: Derribai-os , fiquem sós De forças , fracos , imhelles. Rese?id. Chron. de D. João II. C. ult. : ElRey era só de parentes. Cort. na Aid. ed. 1649 pag. 127: me roubarão as jóias e dinheiro , cpue trazia , deixando- me nestes desvios desamparada. Leit. Miscelian. foi. 14 verso: Lugar muito ermo , só , e apartado. Vid. de Suso C. 40 : Foi-se esconder n^um lugar apartado , onde ninguém o po- dia ver , nem ouvir , &c. Em alguns casos se exprimirá bem por estreme v. gr. nes- ta proposição : O ópio dado ao enfermo isoladamente &c. , i. e. estreme sem mistura ; deve o Medico ser mui circunspecto em tipplicar o ópio isoladamente, i. e. estreme , só por sd y &.c. JUSTEZA : (justesse) Temos no nosso idioma o adjecti- vo Justo com a significação de observador da justiça , v. gr. homem justo , Rei justo , e d'aqui derivamos o abstracto jwj-- tíca. E temos também o mesmo adj. justo com a significa- ção de exacto , adequado , pontual , &c. , v. gr. preço justo , medida justa , porta justa , &c , donde podemos sem erro derivar justeza , como de limpo , limpeza ; de claro , clare- za \ de agudo j agudeza ^ &c. Julgamos pois, que este gal- II- ai3>i Of DAS SciENCIAS UE L I S B O A. 83 licismo não hc para rcprovar-se. No Exam. de /Irtilh. já vem ; a justeza da pontaria. (Vcj. Moraes no Diccicn.) Comtudo por escrever , f aliar , pensar com justeza , podemos bem di- zer escrever^ f aliar ^ pensar com ex.ictldão ^ com regiilariáa* de , com precisão , adequadamente , &c, L. LANGUIR: He hum verbo Francez , que ate agora não temos achado em algum dos nossos Clássicos. Significa cm Portugucz desfalecer , ou bir desfalecendo , estar lasso e que- brado de forças , hir-sc extenuando , bir cabindo em fraqueza , hir'se cuusttmindo , languir Scc. , c estas expressões , bem que parcção menos concisas que o Francez languir , não dcixao por isso de ser mui expressivas e enérgicas , por indicarem mais expressamente o progressivo desfalecimento , e descahi- mento de forças , que he a própria significação daquelle verbo. Comtudo na moderna Traducçao da Lyrica de Ho' rac. por Elpin. Dtiriens. L. 3. Od. 12 , achamos Nem langue Baccbo em Lestrigonia talha traspassando as palavras do Poeta Latino Nec I.estrygov.ia Baccbiis in amphora languescit mihi . . . E já semelhantemente parece que quiz D. Francisco Manoel derivar o verbo latir doLcrino latere , quando disse nuCart. de Guia foi. 106 : tomado d'aquellc adagio latino^ que entre as hervas tuimouis latia o aspid pvroubento ; bem como temos o verbo delir do Latino delere , e a voz dile de delet , qtTc foi usada por Ârraez no Dial. i. C. 15-. LJXO : LAXIDÃO : LAXAM ENTE : ( lache ) São vocá- bulos Portuguezos de bom cunho , cuj-x significação he bcna sabida : mas qujndo se diz v. gr. ceder laxamentc aos movi- mentos da inveja^ he gallicismo , e deve-se emendar a frase , dizendo ceder vilmente ^ indignamente j infamcvicnte &c. Ser (iccusado de laxidão para com a pátria , i. c. de cobardia ; o amor da pátria triunfará dos laxos conselhos de Fenus , i. c. L ii dos §4 Memorias da Academia Real dos torpes ., baixos^ indignos conselhos &c. O laxo , que perde a razão no perigo , hc hum ser degradado e corrompido , i. e. o cobarde , o poltrão , o infame , que perde o animo no meio dos perigos , he hum homem bnixo , e corrompido &c. LIBERTINO: LIBERTINAGEM: São vocábulos traiidos do Francez. O uso geral pordm os tem adoptado , e não sem causa , se com clles significarmos a idéa complexa de licencio < idade com irreligião: liomcm devasso em costumes, com erradas opiniões religiosas ; a qual idéa se não poderia expri- mir por outro modo cm Portuguez , sem circumloquio. limítrofe : Parece ter-nos vindo immediatamente do Francez limítrofe com a significação de commarcão , confinan- te , e diz-se dos povos , ou pai/.cs , que visiubao , commar- cão , ou coufinão entre si. A sua origem he o vocábulo La- tino limiírophus , que significa o que estd tias fronteiras. Pa- rece adoptado pelo uso. M. MAIS GRANDE : Temos lido em Traducçoes modernas estas clausulas : São coisas que determinão o mais grande nu- mero de hoinens — Scipião , hum dos mais grandes gcneraes da antiga Roma — Eis-aqui a mais grande iiiipolitica &c. — as quacs s3o mais Francezas , que Portuguezas, devendo di- zer-se : o maior numero , hum dos maiores generaes , a maior impolitica , &c. He verdade que lemos também em Arraez Didl. 5'. C. II : excellente filosofo hc o Rct , que os insultos e atrevimentos dos delinquentes castiga com o mais pouco sangue que pode : e em outros Clássicos pôde ser que se achem ou- tros alguns semelhantes modos de fallar : a sua frequência porém , na nossa actual linguagem , indicaria affectação de Francezismo, e daria ao discurso aquelle aspecto estrangei- ro que a desfigura , e que se deve evitar. MAL A PROPÓSITO: Expressão adverbial Franceza (»m/- à-propòs) impropriamente tomada para o Portuguez. Signi- fi- DAsSciENCiAS DE Lisboa. Sj ^ci fora de propósito, sevt propósito, desapropositadamente , in- tempestivamente &c. MANCADO : {manque) Em hum Compendio de Rhetorica Portttgueza , querendo o Auctor trat.ir ddqucllc vicio da Ora- ção , a que chauiao neologismo , ou ( como clle interpreta ) extravagância de crear palavras novas, diz assim: este vicio, que pode ser reprcbensivel pelo seu excesso , tem por fim enri- quecer a Hugna , e limitar o muito frequente uso das circum- locuções : bc racionavel iste fim ; mas tem muitas vezes manca- do. Nas quaes palavras, deixada a incohcrcncia de hum vi- cio , que tem por fim enriquecer a lingua , notamos somente a palavra mancado , que , segundo o nosso parecer , se não pode hoje usar no estilo culto sem censura. Com tudo Fer- não d'Jlv. do Orient. a empregou na Lusit. Transform. pag. <)8 ed.de 1607: por supprirnws com a diligencia da jornada a falta de tempo que nos mancava : e Moraes cita no Diccio- fiario outro lugar de Alar te , em abono da mesma palavra. MANOBRA : ( manoeuvre ) O vocábulo Francez parece significar primariamente todo o trabalho que se faz para dar movimento a hum navio , que em bom Portugucz dizemos ma- rcação. Daqui o empregarão para significar os diversos mo^ vimentos e operações de hum exercito, ou corpo de tropas; e ultimamente o ampliarão ao sentido moral e figurado, ex- primindo por clle todos os meios, recursos, e maneias, que se emprcgão para obter e concluir qualquer negocio ou cm- preza. Os Portuguczes modernos o tem usado , i imitação dos Francezcs , em todos estes sentidos , que não reprova- mos , tanto pela propriedade da expressão , como por ser já dé uso frequente , e auctoriz:.do. No primeiro significa- do de mareação , já vem nos Estat. nov. da Universidade L. 3. l*. 2. n. 5. Pelas Mathematicas se regulao as manobras e derrotas da Pilotagem , &c. MANUFACTUREIRO : Parece ser tomado por nós do Fran- cez manufacturier , e pelos Francezes do Inglez manufactu- rer , e significa fabricante , OJficial que trabalha em manu- facturas, talvez obreiro. Não o julgamos bem derivado, e se SI3« 05 86 Memorias dA Aoaoemia Real SC carecêssemos dcllc , deveríamos antes dizer mar.ufactu- rador. MASSACRO: MASSACRAR: MASSACRADO: {massacre &c. ) Andão estes vocábulos tanto em moda , c]ue até ji se ouvem com frequência da boca de pessoas indoutas, e igno- rantes do Francez : mns são puros gallicismos, que de ne- nhum modo podem ter lugar no nosso idioma. Em Portu- guez legitimo, c intclligivcl dizemos assassínio, matança y assassinado , assassinar , matar criiehiicute &c. , e no sentido fig. v. gr. este homem tem-me massacrado com as suas imper- tinências , quer dizer: tem-me mortificado , importunado, tem- me matado, c cm linguagem familiar, tem-me causticado com as suas impertinências &c. MESMO : Este vocábulo he , fallando propriamente , hum adjectivo que exprime a identidade das cousas ou pessoas , e he opposto em significação aos adj. outro, ou diverso. As- sim quando dizemos o mesmo homem , ao mesmo tempo , no mesmo /ugar , os mesmos factos , &c. , queremos significar que esse homem , tempo , lugar , e factos são idênticos a si mes- mos considerados em outras circunstancias, de que já te- mos fallado. Além desta primeira significação, e por virtu- de delia, usamos também o adject. mesmo junto ao nome, para expressarmos com ênfase o próprio sujeito c]ue o no- me designa, e para fazermos que o leitor, ou ouvinte fixe nelle a sua attcnção. Neste sentido dizemos : Os mesmos Reis não são felices , se não são virtuosos : a virtude he reconi- pen<:a de si mesma : O mesmo Deos se humilhou para nos ensinar a ser humildes, &c. j aonde o adj. mesmo, não po- dendo em rigor significai' a relação de identidade , que sem- pre suppõe comparação ; serve tão somente para exprimir com ênfase a pessoa ou cousa de que se falia , imitando a partícula Latina met , que também se emprega do mesmo modo, V. gr. ego met vidi: hisce met oculis zidi , &c. Estes são os significados, com que entre nós se usa o adjectivo mesmo , e quem ler com attenção os Clássicos , verá que re- gularmente o costumão antepor ao nome, salvo quando he ai- dasScienciasdeLisboa. 87 algum dos pronomes euy tu, el/e , nós, vós, elles , em qual- quer das suas difFcrentcs fóiiras. Achao-se comtudo exem- plos cm que o adj. mesmo vem posposto ao sujeito a auc se ajunta: v. gr. em Diiart. Ntin. Chron. de D. AfFons. HL, ed. de 1677 pag. 83 : O Mestre tio dia mesmo seguinte. João Franco Eneiã. Pertug. L. 6. E. 175 : E como seu pai mesmo a si o iguala. Leitão Miscell. pag. 500 : E no lugar mesmo , onde o encon- trou. Bernard. Serm. e Prat. P. i. pag. 306 : Maior prodi' gio parece que a luz mesma se não conheça a si. Mousinb. Af- fons. Afric. C. 8 : O monte mesmo teme o pezo forte , Fica o visiuho bosque estremecido. &c. &c. A lição porém dos livros Francezes parece haver introdu- zido outro uso deste adjectivo , que he pouco conhecido , ou pelo menos mui pouco frequente no idioma Portuguez, do qual daremos alguns exemplos nas seguintes frases : Elias são mesmo preciosas , i. e. ellas até são pre- ciosas. Poderia mesmo presumir-se , i. e. até poderia presu' mir-se. Dirios-hei mesmo &c. i. e. dirvos-hei também, ainda mais vos direi , ou até vos direi. Mas estes exemplos são raros mesmo em França, i. e. até em França , ou ainda em França. &c. &c. Nâo occultaremos porém aqui , que deste mesmo uso se achão exemplos , posto que raros , nos nossos Escrito- res, como V. gr. em CautÕes i. P. das Rim. Sonet. 93 : Qae se contra mim estaes alevantados , Eu vos ajudarei mesmo a matar-me. E em D. Franc. Manoel , Cart. de Guia foi. 1 5- 3 verso : Di- go eu , que o cazado por alegrar sua mulher , e família , mes- mo de seu movimento , mande fazer em sua caza duas e três comedias cada anno &c. METTER : Também deste verbo se usa muitas vezes , empregando-o em frases, em que o não sofre a nossa lin- gua- 4iaH oj 88 Memofias da Acadfmia Real Guagcm. Daremos alguns exemplos dos muitos , que temos observado : Sentimentos elevados , que vos mcttão em estado de co- nhecer o preço das coisas ^ i. c. que vos ponhtio cm estudo, &c. Hum Sermão em o qual se não mctrcsse em olMa nem a Escritura , nem a Tradição , i. c. cm o qual se não empre- gasse , se não a/legasse , se não fizesse uso , &c. Mctteo á contribuição osfrmtos das arvores , i. e. fez cotitribuir , &c. Terras tão dilatadas para cuja acquisição se tinha met- tido tanto interesse^ i. e. em cuja acquisição se havião em- pregado tantos cuidados , ou cuja acquisição se tinha procu- rado com tanta diligencia , &c. Tudo mctteo em obra para conseguir &c. , i. c. tudo tentou f tudo nioveo , tudo empregou para conseguir, &c. MINISTROS DO CULTO : He frase trazida do Franccz com reprehensivel affectação , c já pôde ser que com me- nos religioso intento. No nosso bom e antigo Portugucz dizemos Ministros do Altar , da Igreja , da Religião , Minis- tros Ecclesiasticos , Clero , Clerezia , &c. MOBLADO: MOBILADO: MOBILIADO: MOBILE ADO: MOBELADO : AMOBILAR : ÂMOBILACAO : ( mobillc &c. ) De qualquer modo que se escrevao , são gallicismos escu- sados. Vaw Portuguez dizemos adereçado y ornado ^ adornado ^ alfaiado , e adereçar , alfaiar , adornar , aparamentar , &c. MOÇÃO: (motion) Significa yirimaiiamQntc movimento , to- que , impul o no corpo , e figur. no animo. Os Francezcs o usánk) modernamente para significar, como em Inglez , hu- ma proposta , ou pvopoúção de algum assumpto , que ha de tr..t..r-se e discutir-se em ajuntamento publico ou particu- lar. Neste sentido he escusado em Portuguez. MONTAR EM CÓLERA: He gallicismo grosseiro, que achamos cm huma Traducção, impressa na seguinte frase: a dasScienciasdeLisboa. 89 a leitura deste papel o fez montar cm cokra, i. e. o paz em grande cólera^ o encolerizou muito ^ &c. MORDER A TERRA: {mordre la poussiere) Pareceo nos ao principio expressão Franccza , e imprópria da nossa lin- gua ; mas achamo-lo depois cm Auctorcs de boa idade , taes como Ârraez Dial. 4. C. 14: He natural generoso ^ t?mi pró- prio dos Ludtanos ^ pugnar pela liberdade, até morder a tcr- ra com sua boca , e a regar com seu sangue. Naufrag. de Se- pulv. Cant. 9. : Com bramido espantoso se debruça O gentio na terra , onde co' a raiva Mortal as ervas morde , ^«e do sangue Da ferida cruel ja estavao tintas. E no Mazagão Defend. Põem. ms. C. 6. : . . o furioso Pelouro dá n^um Turco , que estirado A terra com a dor mortal mordia. Imitação de Virgil. Acneid. L. XI. : Procubuit moriens , et humum semel ore momordit. N. NEGLIGE : He vocábulo puramente Francez , e mui usa- do das pessoas mimosas e adamadas , quando dizem , v, gr. que alguém está vestido ao negligé , i. e. ao desdém, a des- cuido , em ou com desalinho , desalinhadamente &c. Arraez Dial. 10. C. 47 diz no mesmo sentido : apertar os cabei- los .. . com desordem e descomposição. Sousa Fid. do Arceb. L. 6. C. 1 1 : o cabello ondado e louro pelos hombros sem ar- te estendido ; c logo : o cabello tomado em tranças sobre a ca- beça com mostras de pouco cuidado. Mousinho , Ajfons. Afric. Cant. 1 2 : As donzellas ao vento derramados Os cabellos sem ordem , sem concerto. &c. &c. NUANÇAS : He vocábulo puramente Francez , c hum daquelles que mais difficultosamente se pôde traspassar ao Tom. IF. Part. 11. M Por- 90 Memorias DA Academia Rkal Portuguez sem circiiniloquio. Parece que significa principal- mente os vários toques de htima mesma cár j as dijferetiças hr sensíveis^ qtie se viío dtmdo a huvia cSr , quando je quer pas- sar a outra suavemente, e com harmonia:, a mi' t ura e unia» de cores diversas com tão suave propor f do , que não ojfende , an- tes agrada d vista. Aos Artistas pertence achar, ou inven- tar o próprio vocábulo, que deve corresponder ao Francez nuances ; mas pôde ser que tenhao aqui algum lugar sombras, assombrar, &c. Também se usa em Francez para significar em geral as pequenas dijferenças , que tem entre si objectos do mesmo género , ou as modificações insensíveis , que os fa- zem na realidade diflPerentes , sendo aliás idênticos nas suas qualidades substanciaes , &c. NULLO : NULLIDJDE : Tem significação Portugueza , que todos sabem : mas nao costumamos dizer homem nu lio ^ por homem inepto , de pouca conta , que de nada vale , que para nada presta , &c. , nem também millidade por ineptidão , incapacidade , &c. O. OBRIGANTE : ( obligant ) Por obsequioso , oficioso , cortez , civil , urbano , &c. parece-nos innovação escusada. Em ou- tro sentido usamos do adj. obrigatório. Vej. Moraes no Dic- cionario. OSTENSIFEL: OSTENSIFELMENTE : Começao a usar- se em papeis impressos, á maneira dos Francezes , ostenu- ble , e ostcnsiblement. Nós dizemos em Portuguez , v. gr. Carta ostensiva , i. e. que se pode mostrar , que he para se mostrar , e podemos daqui derivar analogamente o adverbio ostetisivamente , quando quizermos di/er que huma cousa se faz por mostra , em apparencia , apparentemente , só para se vêr , &c. &c. como por exemplo na seguinte frase France- za : cet^hjmme faisait ostensiblemente les fonctions de Sécré- taire , &c. i. e. este homem fazia ostensivamente , na ap- parencia, quanto ao que se via y &c. , as funcçõcs de Secre- tario ^ &c. P. dasScienciasoeLiseoa. pi p. PJMPHLETO: Não comprchcndcmos a razão porque se pretende trazer á nossa lingua este vocábulo tomadi) do Francez pamftet ^ ou do Iiiglcz pamphlet. Em melhor lingua- gem diremos livrinho , folheto , papeleta , livrete , &c. PARA: Vcj. adiante Por. PARALYZAR : PARALYZADO : São vocábulos de ori- gem Grega , e tomados por nós immediatamentc , ao que parece, do Francez paralysér ^ e paralysé no sentido moral, e figurado, v. gr. puralyzar a atic t aridade ^ i. e. tirar-lhe d sita forca , e energia , suspender oii enfraquecer a sua acção. Os nossos Escritores havião prevenido a falta desta expres- são , usando de paraliticar , e paraliticado , ou aparaliticado , como lemos em Paiva Serm. P. i. foi. 259 verso, onde diz: a alma aparaliticada , que não sente esta repunhancia interior da fé : e pag. 262 verso a alma assi chega a se empederne- cer ^ e paraliticar, que &c. Comtudo não reprovamos o uso moderno, visto ser já mui commum, c não encontrar a ana- logia. PARQUE : ( do Francez pare , ou do Inglez Parck ) Por tapada , coutada , bosque cercado para caça , he de Barros , Lucena , e outros Clássicos. No sentido militar parque de artilharia parece ser moderno , e trazido do Francez , mas adoptado. Vej. Blut. Supplem. PATRIOTA ■ PATRIOTISMO : Significando amante da pá- tria , são vocábulos modernos em Portuguez , e derivados dos Francczes /)a/>7o/c , c patrioíisme, que também parecent trazidos do Inglez patriot , e patriotism. O uso geral os tem adoptado , e não se podem supprir por outro modo sent circumloquio. PECA DE ELOQUÊNCIA: PEÇA DE POESIA: 8zc. As- sim nomeão os Francezes piéces de eloquence , piéces de poesie , alguns Discursos Oratórios , Poemas não extensos , &c. Não reprovamos a expressão, visto que a palavra peça tambeiu !M ii SC 91 AIemobias DA Academia Real SC usa cm Portuguez , ainda qiio a diversos respeitos, flil- lando não de parte ou pedaço de alguma obra , mas de obras inteiras. V. gr. cm Barros Dcc. 2. L. 2. C. 2. pronietten- do de lhe dar livrcnicnte a Ilha Bahc.rem , e a Villa Califa a ella fronteira , por serem peças mui visinhas a Lasah. E em Sons. Vid. do Arceb. L 2. C. 3 1 : por ordem do Senado à^aquel- la Republica , lhe foi mostrado o prato , cm que Christo Senhor vosso comeo o Cordeiro Pascoal na ultima Cea. He peça de pre- ço inestimável , &c. PENIFEL : PENITELMENTE : São gallicismos desne- cessários , cm lugar dos quaes diremos penoso , molesto, in- commodo , trabalhoso , afanoso , qite causa pena &c. e penosa- viente , trabalhosamente , &c. &c. PENSAR : Por cuidar , julgar , entender , ser de parecer , ter para si, &c. , foi sempre usado cm Português: mas no sentido mais genérico , comprehendendo em sua significa- ção todas as operações do nosso entendimento , lie palavra mo- derna , tomada, segundo parece, do Francez /'fKrfr , e com justa razão adoptada : pelo que dizemos hoje em boa lin- guagem : homem que pensa bem , i. e. que tem idéas exactas ; que as combina com acerto ; que discorre com regularidade , &c. PENSJR AS FERIDAS : ( do Franccz panser ) Por cu- rar, tratar as feridas, parece expressão nova cm Portuguez: mas temos as frases pensar a criança, i. e. alimpala , enfai- siila , amamentala , e ter cuidado delia : pensar o c avalio , i. e. dar-lhe de comer, tratar delle, &c. , nas quaes o verbo pen- sar SC usa com a mesma significição. PEQUENO : Ainda que este vocábulo seja perfeitamen- te igual em significação ao Franccz petit; nem sempre nos ho permittido traduzir hum pelo outro ; mas cumpre que examinemos o uso de ambas as línguas para não cahirmos indiscretamente cm torpes g.illicismos. Os Francezes , por cx. , se servem com frequência do adject. petit para forma- rem os seus diminutivos, o que nos não convém imitar cm todos os casos , maiormente sendo o nosso idioma tão ri- co e variado nestas formas dos adjectivos. Asim , v. gr. em lu- nAS SciENCIAS UE LlSBOA. 93 lugar desta frase : Jdéla le diverte com bum lindo pequeno navio j diremos muito melhor: com hum lindo uavi:z-inho. Em lugar de abraçai por iuim a agradável pequena Âdéla ^ deve dizcr-se ai/rafai por mim a linda Âdeliiiha ; a minha amável pequena Comtança , i, e. a minha amável Consíaucinha , &c. Outras exprcsssôcs ha , em que convém traduzir o Franee'/; petit de diíFercntc maneira , v. gr. nesta frase : o papel de desdenhosa he o de hum pequeno génio j deve dizcr-se he de hum anime cativo , apoucado , acauhado , baixo , &c. a altivez he o defeito dos pequenos génios , i. c. das almas baixas , apou- cadas ^ VIS y &c. E se nestas, ou outras semelhantes tiases se julgar alguma vez expressivo o adj. pequeno , deverá em tal caso pospôr-.^c ao substantivo, v. gr. a altivez he o de- feito de huma alma pequena ; porque não he indiffcrcnte , cm muitas frases Portuga: /.as e Francezas , o lugar do ad- jectivo. Finalmente he erro mui grosseiro traduzir petit-Jils por pequeno filho , em lugar de neto , como temos encontra- do , não poucas vezes, em Traducçóes impressas. PERDER A CABEÇA: (perdre la tête) Vor enlouquecer , tresvariar , desatinar , ficar alienado , ou também perder os sentidos , desmaiar , dcsfilecer , &c. he gallicismo escusado. PERICIFEL : (périssable ) He erro grosseiro : deve di- zer-sc , v. gr. bens pereccdeiros , ou perecedouros , caducos, tran- sitórios, &e. Vej. Imperissliel. PERSONALIDADE : PERSONALIZAR : (personnalité &c. ) Tem já a seu favor hum uso mui geral , e auctori- zado , e são deriv>;dos com boa analogia. Também se po- dia dizer pessoalidade e pessoalizar , e este ultimo já o acha- mos empregado em huma Traducçao moderna, PETIT-METRE: ou PETIMETRE: He a palavra france- %z. petit maitre , que temos visto usada até cm Traducçõcs , e papeis impressos. Podemos exprimila ^or peralta , peral- vilho , casquilho , mancebo presumido , garrido , rapaz adamado , que affecta mil modos e geitos no fallar e trajar , talvez pedante, &c. O celebre Abbade de Jazente já o empregou en:> hum dos seus Sonetos que andão impressos , dizendo : Bas- p4 Memorias da Academia Real Basta-vie só que ds vezes nas visitas Js vcjão pctimetres namorados , As oufão sem desprezo as Senhoritas. E em outro : Se a moda o quer assim , calle a censura , Em quanto o pctimetre e a dama bella Dança com gala , e canta com doçura. PICJNTE : DÍ7xmos cm Portugucz palavras picantes, sa' bor picante , remorsos picantes , cuidados picantes , i. e. pungen- tes , penetrantes , &c. mas contraste picante por notável , es- tremado , assignaiado , ccc. , parece gallicismo escusado, bem como máximas escritas com huma precisão picante , i. e. fina , delicada , viva , aguda , estremada , &c. PICAR A CURIOSIDADE : Por movela , excitala , tam- bém parece gallicismo ; mas não o julgamos impróprio , visto que também dizemos estimulaâ.o da curiosidade , e es- timular a curiosidade , que he metáfora igual. PICAR-SE de honra , de nobreza , de sabedoria , &c. ( se piqtier , Síc.) He gallicismo, que havemos por inadoptavel no nosso idioma. : nem nos demove deste sentimento a au- ctoridade de Bhiteau , que traz estas expressões no seu Fo- cabul. , sem todavia as auctorizar. A nossa linguagem tem muitos modos de exprimir a mesma idéa , com não menos energia, v. gr. presumir de honrado, vangloriar-se de nobre ^ ostentar de sábio , jactar'Se de erudito , gahar-se , gloriar-se de bom engenho , blasonar de valente , caprichar de polido , in- culcar-se por fidalgo , vender-se por esperto , abonar-se de judi- cioso, &c. He digno de notar-se aqui o uso que faz Fieira deste verbo no Tom. 15. dos Serm. pag. 204, aonde diz: l^aes extremos , como todos estes , faz o Sevhor dos exércitos , quando se pica de ciúmes da sua gloria , &c, PLACARD: {placar d) Não sabemos com que fundamen- to merteo Moraes este vocábulo no Diccionario da Lingua Portiiguezã , sendo puro Francez , e tendo nós edital, e car- tel que dizem o mesmo. Hoje se usa tambcm placard para significar a insígnia) ou divisa das Oídcns Militares, prega- da. '? DAS SciENCIAS DE LlSBOA. py da, OU bordada sobre o vestido: mas ainda que o funda- mento do sentido figurado não seja aqui tão vil , e torpe , co- mo em crachá , comtiido não achamos bem clara e expres- siva a analogia que ha entre o edital , que se prega na pa- rede , e o habito ou divisa que se borda sobre o vestido. E todos sabem que esta analogia deve ser a base do sen- tido figurado, Vej. Crachá. PONTO DE VISTA: {point de vtie) He termo da Arte de Pintura , e significa o ponto que o Artista escolhe para pôr os objectos em perspectiva. Também se diz do lugar, donde se pôde bem ver o objecto, ou do lugar, onde o objecto se deve coUocar para melhor ser visto. He adopta- do na linguagem das Artes , e parece necessário. Bernard, Serm. e Prat. pag. iiy diz : htivia imagem primorosa, para ver se tem defeito por alguma parte , a viramos de muitos mo- dos , e a contemplamos a varias luzes , i. e. em vários potitot de vista. Em outro sentido dizemos ver hum objecto debai" xo de diversos aspectos , ou por mais de huma face , &c. POPULAÇA: (populace) He palavra Franceza innovada sem necessidade , e diz tanto como o Portuguez gentalha , injima plebe, ou ainda mais propriamente a escuma do povo j as fezes do povo , a escoria do povo y a gente da injima relê , o mais vil do povo , &c. POPULAÇÃO : (^population) Os nossos bons Escritores di* zião com melhor analogia povoação; comtudo não reprova- mos população , que tem a seu favor o uso frequente , e al- gumas boas auctoridadcs modernas. POR : PER : PELO : PARA : &c. São preposições Por- tuguczas , cujos vários usos e difierenças se devem apren- der pela assidua lição dos Clássicos. Parece-nos porém gal- licismo reprehensivel empregalas nas seguintes frases , que trazemos para exemplo de muitas outras que os nossos mo- dernos Escritores tem tomado indevidamente do Francez : Todo o ente subordinado a outro , e que não tem por elle o respeito que deve ter , &c., i. e, que lhe não tem o respeito. O ^6 Memorias da Academia Real O gosto que hum tem pelo outro : i. e. que hum tem do outro , que hum fa:^ do outro , &c. Inspirar ilesgosto pela leitura , i. e. da leitura , ou para a leitura. Iiispirava-lbe bum profundo desprezo por toda a pessoa que não tivesse valor ; i. c. de toda a pessoa , ou para toda a pess a. Juramento de fidelidade e amor pelo Priucipe , i. e. ao Príncipe. Eis~aqui os grandes fructos da vossa protecção para Ulys- ses , i. e. a favor de Ulysses , da protecção que dais a Ulysses. Tudo vos assusta por vosso filho , i. e. acerca delle , a respeito delle. Felizmente para nós , i. e. por felicidade nossa. A paixão de Zopiro para Zcnohia : dir-se-ha melhor por Zenohiã. Ter inclinação pelas letras .y i. e. ds letras , ou para as letras. Sous. Fid. do Arceb. L. i. C. 2. também diz : parecia que a natureza o criara izento da inclinação delles (Scil. dos passatempos pueris. ) Havia tudo que recear para elle e sua Mãi , i. e. acer- ca delle, a respeito delle e de sua Mãi. Mortaes , prezareis tão pouco a virtude para siippordes austero hum semelhante assumpto} i. e. prezareis tao pouco a virtude , que vos pareça austero — que tenhais por austero — que sHpponhais austero , &c. &c. PÔR ALGUÉM AO FACTO de alguma cousa: He gal- licismo que diz tanto como instruir a alguém dessa cousa ^ fazer lha saber., inteiralo delia., informalo , &c. PORTA-EòTADA : ( porte-épée ) He innovaçao escusada , visto termos talim, talabarte j boldrié, que dizem o mesmo. PORTA-MANTO : (porte-manteau ) He outro gallicismo desnecessário , em lugar do qual dizemos fnala , ou maleta. Mas SC SC quizer hum vocábulo próprio , c de significação mais DAS Sciencias de Lisboa. ^j mais restricta , por que não diremos antes porta-capa , ou porta-capote , asiim como os Italianos ilizcm porta-cappe y por~ ta mantello y e os Hcspanhocs porta-capa ^ e nós mesmos z»»;- ta-banãelra , c não porta-inslgnia do Franccz porte-ctiseigue ? PRATICADO: e PRATICAFEL. Vej. Impratuavei. PRÉ: ou PRET\ e no plural Préts: São palavras trazi- das do Franccz prêt ^ empregadas nas Couiiiçoes adjuntas ao Decreto de 27 de Junho de 1762, no Alvará de 9 de Ju- lho de 1763 , na Carta de Lei da mesma data §.6, 9, 13, e no Alv. de 14 de Abril de 1764, e hoje mui ge- ralmente usadas na linguagem , e Leis Militares. A origem e própria significação deste vocábulo militar acha-se na Obra intitulada E^tat actuei de la Législatiun sur i' Administration des Troitpes y impressa em 1808 nos seguintes termos : La solde se payait par tnois sur revues , cotne il se pratique encore anjotird^bui pour Ics Officiers , et se nonimait montre. Le maiivais usage , qtCen faisaient les soldats , qui dissipaieut en pen de jours toiít ce qui leur rcvenait pour le móis , forfa a Ictir fai- re une avance tous Ics dix jours par forme de prêt , tertne en usage , et dans le même sens , dès Charles VIL Scc. prejuízo : Sempre este vocábulo significou em Portu- guez damno y defraudaniento , detrimento y perda y &c. ; hoje he mui vulgar dizcr-se prejuízo em lugar de preoccupação , pre- venção y Opinião antecipada , &c. , do Francez préjiigé. Não o approvamos , por não ser necessário y e por causa da ho- monymia : e comtudo não ignoramos que o Latim praeju- diciíim também significa jitiz-o antecipado , e que daqui se poderia deduzir a segunda significação da palavra prejuizo. PREMATURO : Parece ser trazido á nossa lingua do T T * • Francez prématurê. He já muito geralmente usado , tem boa origem, e não desdiz da analogia. Significa maduro an- tes de tempo , e no sentido figurado corresponde a antecipa- do , feito antes de tempo &c. ; mas nem sempre estas duas palavras se podem empregar arbitrariamente huma pela ou- tra , por quanto v. gr. providencias antecipadas pódc dizcr- Tom. IV. Part. IL N se , . çS Memouias da Academia Real SC, e entcndcr-so em bom sentido, das que se dão ou tomíio muito a tempo a respeito de qualquer negocio: mas provi- dencias prciiiatiirus parece entcndcr-sc sdmente em viíio sen- tido das que forão imiteis , ou ainda nocivas por iinmaturas , tomadas /o r^z de tempo, c antes que o negocio tivesse c!ie- gadn ao ponto em que ellas podcriao ser proveitosas &c. PRESSANTE'. (préssant) He gallicismo escusado, e vo- cábulo impróprio da nossa lingua. Em bom Portugue/, di- zemos negocio urgente , forçoso \ circunstancias apertadas, razoes forçosas , apertadas , urgentes ; ordens apertadas ; mo- tivos urgentes, perigo immincntc , instante &c. PREFALECER-SE : de alguma cousa : He frase Franceza. Em Portuguez temos prevalecer , i. e. poder mais , levar ven- tagcm, levar a melhor &c. ; mas se prévaloir de que/que cb.se quer dizer vakr-se de alguma cousa, lançar mão delia, ser- vir-se , ajudar-se delia &c. PRIMEIRO NASCIDO : (premier-né) Por primogénito, filho maior, filho mais velho, he abuso intolerável, que mais de liuma vez temos notado em Traducçocs impressas. PRODIGAR: (prodiguer) Por prodigalizar , despender pro- digamente , desperdiçar , he francezismo escusado. PROGREDIR : He vocábulo trazido de novo á nossa lin- gua, á imitação dos Francezes , que também o tomarão do Latim progredi. Significa continuar , hir por diante , fazer pro- gressos, hir avante &c. Não o julgamos de absoluta neces- sidade. Comtudo na Carta Regia de 7 de Março de i8io já vem o termo progredindo. PROJECTO, e PROJECTAR: Do Francez /ro;>? , tpro- jetter são adoptados. Vej. Rlut. no Vocabuh, e seu Supplem. PROPRIEDADE : He erro grosseiro traduzir por este vocábulo a palavra Franceza propreté {limpeza: aceio), co- mo temos observado em algumas Traducções, eonfundindo-o com proprietê , propriedade. a siaa 01 l DAS SciENciAS DE Lisboa. 99 QUE '. He hum vocábulo , que se Usa de varias maneiranificuo não só competências amorosas , mas qiiacsquer outras , c além disso em alguma occasião scião de melhor efFeito na harmonia da locução. ROLAR : He entre nós verbo neutro , que não admitte sií};nificação activa, e (como di/.cm os Grammaticos ) tran- seunte. Pelo que os nossos modernos Traductorcs commet- tem solecismo, quando dizem, segundo o uso Francez , ^f- quenos grãos de ouro correm com a arêa , qite rola este rio em seu magestoso curso, devendo dizer: com a arêa ^ que es- te rio volve em seu magestoso curso &c. Assim Camões nos Luíidã. Cant. 7. list. 1 1 : Não vedes que Pactólo e Hermo rios Ambos volvem auríferas arcas ? E a moderna Traducção das Metamorph. de Ovid. por Alme- 110 Liv. 2. : . . donde corria murmurando Hum rio f que as arêas quebra e volve. ROMANCE : Sempre significou entre nós a Língua vul- gar j ou própria de cada Nação. Camões Cant. 10. E. 96: O Rapto rio nota , que o romance Da terra chama Obi Daqui vem romance, e romancear , i. e. traducção, e tradu- zir em vulgar : v. gr. em Bem. Prat. e Serm. P. i. p. 416 : este he o romance das seguintes palavras de Santo Agostinho : e em Fr. Greg. Bapt. 1. P. das Doming. n, 24 1 : não roman- ceio as palavras , por que são expressamente tudo o que tenho dito &c. ; e também Romances por certa composição poéti- ca , que semelha muito a prosa. (Vej. Madtir. Orthogr.) Mas Romance por Novella he novo e trazido do Francez : hoje porém está adoptado pelo uso geral. RUTINA , ou ROTINA: (routine) He gallicismo des- necessário , e porém mui vulgarmente usado. Significa tri- lha , usança , caminho trilhado , cousa usual , trivial , vulgar , sabida de todos &c. Assim em lugar de seguir a rutina , di- re- dasScienciasueLisboaí 107 remos seguir a trilha , ou o trilho , a usança &c. Politica ãe rutina , i. e. trivial, usual, vulgar &c. &c. s. SALTAR AOS OLHOS: He expressão Franccza , que não convcni ao nosso idioma. A frase cela saute aux yenx , deve traduzi r-se Í!to he mais claro qiie a luz , ou qm a luz do meio dia , ou isto he tão claro como o Sol ( Lat. boc patet me* ridiana litcc clarius : ou id ucnio iion videt. ) ou tambcm ista estd-se metendo pelos olhos — Ne voir pasce qui saute aux yeux , i, e. fechar os olhos d luz ( Lat. caligare in sole ) &c. &g. SABRE : He tomado do Francez , ou do Inglez sabre , e presentemente mui usado dos militares: mas parece des- necessário , visto exprimir o mesmo que o Portuguez ter* çado , alfduge , e civiitarra , ou semitarra. SAL.FA-GU áRDA : ( salve-garde ) He tambcm novo em Portuguez , e escusado. Diz o mesmo que salvo- conducto , se- guro , resalva , e algumas vezes sagrado , asilo , amparo , pro- tecção , patrocinio &c. SANCCIONAR : ( savctionner ) Por dar sancção , confirmar , ratificar &c. , tem origem Latina , he derivado conforme a analogia, c parece necessário para evitar circumloquio , vis- to ter significação mais rcstricta que os verbos confirmar , e ratificar. SAPADOR : (sapeur) Significa em geral o cavador de en- xada, e no sentido militar o que em Portuguez chamamos gastador , i. e. aquelle que no exercito , e nos assédios tra- balha com enxada em alhanar durinhos , abrir trincheiras , fa* zer fossos &c. ( Vej. Blut. Vocahitl. palavra Sapa ) Moraes no Diccion. palavr. Sapa , e Sapador diz que Sapador lie o soldado , que tnibalha com sapa , c que pertence á compa- nhia dos Mmeiros. Parece vocábulo de origem Italiana. SATELLITE : Tomado do Latim satelles , i. c. gtiard.i que acompanha sempre o Principe , he usado entre nós no sen- tido astronómico , por planeta menor , que gira cm torno ds O ii ou« io8 Memorias ua Acidcmia Rkal outro maior, como a Lua em roda da Terra. Hoje se diz também , como em Francez , por embirro , beleguim , official inferior de Justiça , c ainda por qualquer homem asalariado , que acompanha quasi sempre a outrem para feitos máos , e acções criminosas &c. He metáfora expressiva , e em mui- tos casos aceitável. SECUNDAR : SECUNDADO : He gallicismo desnecessá- rio , pelo qual dizemos em bom Portngucz coadjuvar^ au- xiliar , apoiar , ajudar , assistir , apadrinhar , patrocinar , &c. SENSATO: Em lugar de avisado ^ sisudo ^ prudente y cott" siderado , talvez judicioso , discreto &c. , parece innovaçâo , que nos não era necessária : mas tem boa origem no La- tim , acha-se auctorizado pelo uso geral , e não desdiz da analogia. SENSO : He vocábulo novo em Portuguez , e derivado immcdiatamente do Francez sens , ainda que de origem La- tina , e trazido com sufficiente razão á nossa lingua. Deve todavia usar-se sem affectada frequência , e sem nos esque- cermos das expressões propriamente nossas , com que de- claramos os seus diversos sentidos. Assim poderemos variar da maneira seguinte as frazes , em que elle pôde ter lugar : Homem de senso , i. e. homem de juizo , homem prudett' te , de razão , de capacidade , de tino &c. Homem de grande senso , i. e. de grande juizo , de bom juizo , de bom entendimento , de muita intelligencia , mui avi- sado ^ &c. Homem que não tem senso , i. e. mentecapto , insensato , lotico , desarrazoado , &c. Perder o senso , i. e. enlouquecer , perder o juizo , desati- nar. Obrar como homem de senso ^ i. e. como homem de juizo ^ de conselho , como homem prudente , obrar com cordura , com íisudeza y avisadamente , &c. Não âiaa oi DAS SciENCIAS UE LlSBOA. lop Ufío ter o setiso commutn , i. e. não ter discrição , não ter sizo , &c. SENTIMENTAL : He palavra innovada em Francez , e do Francez trazida para a nossa lingua j mas havcnios que hc conveniente adoptjr se , visto ter boa origem e deriva- ção , e não poder-se suprir em todos os casos por ourra de igual expressão e valor : porque a palavra sensitivo , que parece corresponder- lhe , nem hc de significação tão de- terminada , nem o pódc traspassar bem em todas as cir- cunstancias. SENTIMENTO : Significa em Portuguez a sensação de prazer , pena &c. ; a dór , pena , ou paixão que se toma por alguma cousa ; a opinião ou parecer , que se tem nesta ou naquella matcria &c. ( Vej. Blut. e Moraes) Hoje o usa- mos também á imitação dos Francezes, para significarmos com ell:i o mesmo que com a palavra Portugueza afecto no seu sentido genérico , c dizemos , v. gr. ter sentimentos de humanidade , de compaixão , de benevolência &c. para com alguém , i. e. ter afectos de humanidade &c. , ter bons^ OH mãos sentimentos para com alguém, i. e. ser-lhe af- fecto , afeiçoado , ou desafecto , desafeiçoado , ter bons ou mãos sentimentos , i. e. bom ou mão coração \ ter sentimentos nobres f baixos &c. , i. e. ter coração nobre , ter alma vil &c. j ho- mem que não tem sentimentos , i. e. impudente , desfaçado , desavergmíbado &c. He vocábulo justamente adoptado , e muito expressivo. SERPENTEAR , ou SERPENTJR : São tomados do Fran- cez serpenter , tem boa derivação do subst. serpente , e são formados conforme a analogia. Mas temos exemplo clássi- co de serpejar com a mesma significação no Viriat, Trag. , imitado na moderna Traducção das Metamorph. de Ovidio L. 4. : E em corpo unido , até entrar nar grtifas Serpejárão da próxima floresta. Também se pôde dizer serpear com boa analogia, bem co- mo dizemos gotejar e gotear y rastejar e rastear y carrejar e cax' lio Memorias da Academia Reai. carrear &c. , e desta forma o vemos empregado a miude nos Versos de Filinto Elysio ^ por exemplo no Tom. 2.: Q^íal serpeia a regato Em soccgada veia. E em outro lugar : Em seu fluido estilo vai Bernardes Serpeando manso e manso . . . &c. SEXO : No idioma Portuguez he vocábulo indifferente para significar o sexo masculino , ou feminino : pelo que pa- rece abuso empicgalo absolutamente , e sem modificação , co- mo fiizem os Francczes , para significar , quasi por cxccl- lencia , as mulheres , ou o sexo feminino. V. gr. nestas pro- posições : no que respeita particularmente ao sexo , deve di- zer -se ao sexo feminino , ou a's mulheres ; taes mulheres não de- vem ser contadas entre o sexo , i. e. taes mulheres não mere- cem este nome ; ou não devem ser contadas entre as pessoas do seu sexo ; os caprichos do sexo , i. e. dns mulheres &c. SIM : Esta partícula (diz Dias Gomes Obras Poet. not. 13 á Od. f.) he mui Portugueza \ mas o uso imtnoderado y que nes- te tempo tem feito delia Poetas e Oradores , quando servilmen- te imitão os Auctores Francezcs , e principalmente em clausulas tão próprias da língua Franceza , como estranhas da nossa , a constituirão gallicismo. Parece que este Critico Philologo al- lude particularmente a ceitas transições afFectadas, que se notão com frequência nos nossos modernos Oradores Sagra- dos, e algumas vezes nos Poetas, quando intempestivamen- te , c fora de propósito usao das clausulns sim '^ sim, Senho- res ; sim , meus Ouvintes , &c. ; as quaes cm melhor Portu- guez se traspassariáo por estas : na verdade ; em realidade j e por certo que &c. &c. SOBRE : He preposição Portugueza , cuja significação e usos devem ser conhecidos. A lição porem dos livros Fran- cezes tem introduzido vários modos de fallar, em que ella se emprega contra o bom uso Portuguez , e com huma fre- -qucncia tal , que f;iz o discura) .Tffcctado. Daremos alguns exemplos com as suas correcções. No- DAS SciENClAS DE LrSBOA. iri Nomes inscriptos sobre a lista, i. e. assentados na lis- ta. ( Vcj. Inscrever ) Concordamos sobre o fundo da questão , i. e. no substan- cial, no essencial. (Vej. Fundo.) Usurpação sobre o Clero, i. e. feita ao Clero. O throno , que hum peVfido usurpou sobre mim , i. e. que hum pérfido me usurpou. Ajuntou-se o Concilio sobre a petição do Clero, e po- vo , i. e. á pedido , a requerimento do Clero &c. Tribunal fundado sobre o modelo dos tribunaes do Egy- pto , i. e. estabelecido, ou fundado conforme o modelo., se- gundo a forma , ou d maneira dos do Egypto , ou amoldado aos do Egypto &c. Domou os paizes , que achou sobre a sua passagem, ii e. que encontrou em sua passagem &c. Ganhar terreno sobre o inimigo , i. e. ao inimigo. Conquistar a Palestina sobre os Árabes , e Turcos , i- e. aos Árabes &c. O objecto dessas disposições era fazer temer ao ini- migo sobre o centro da sua linha , i. e. inspirar-lhe temor d cerca , o\i a respeito do centro 8cc. Acreditar alguém sobre a sua palavra. Duvidamos que seja expressão clássica j mas já vem no Alvará de 14 de Abril de 1764. Dirigir as suas acções sobre o plano combinado da sua futura elevação , i. e. conforme , ou segundo o plano &c. Contar sobre alguém, ou sobre alguma cousa. Vej. Q»i- tar. SOBRE O CAMPO: {sur-le-champ) Expressão adverbial , que com summa ignorância tomarão do Franccz alguns Tra- ductores nossos. Em lugar delia diremos logo; em continen- te ; sem demora \ no mesmo ponto ; logo no mesmo ponto ; logo logo ; sem detença ; immediatamente ; promptamente ; de repen- te ; no mesmo instante &c. &c. SORTIDA : ( sortie ) Por invectiva , reprebensão áspera , vehe- niente &c. he puro gallicismo , e abuso intolerável. Tam- bém Ill Air.MORiAs DA Academia Real bem nos parece eiro tomalo por qualquer esctírataufa , cu. correria tmlitiir contra o inimigo: mas no sentido mnis res- tricto de tentativa que fazem os sitiados contra os sitiadores de bama prufa , he adoptado. Vcj. Moraes na palavra Sor- tida. SUBIR: {subir) Por sofrer*, soportar, v. gr. suhir a pe- va, subir o jugo &c. , sem embargo de ter fundamento no Latim , lic abuso contrario á significação que tem em Por- tugucz a palavra subir. SUBSISTÊNCIA : Significando o necessário para a vida ^ o alimento.^ ou os meios precisos para subsistir^ diz Bliiteau no Stipplem. , que he tomado do Francez subsistence. Hoje he adoptado. SUCCESSO : Significa em Portuguez qualquer acontecimen- to , o e.\-íío de qualquer empreza , ou negocio &c. , e he in- diffcrentc para exprimir o successo bom ou mdo , feliz ou infeliz , prospero ou adverso &c. , cm tal maneira que só o adjectivo o tira da sua indeterminação , rcstringindo-lhc a extensão do significado. Pelo que he gallicismo tomalo ab- solutamente ^ dizendo V. gr. pregou com successo, i. e. com bom successo ; para cultivar com successo he necessário conhecer o terreno , i. e. para cultivar com feliz successo &c. SUCCUMBJR : ( succomber ) Parece-nos derivado imme- diatamcnte do Francez para o Portuguez. Em lugar dcllc dizíamos v. gr. succumbir d dor , d corrupção , ao pezo , i. c. render-se d dor &c. Com tudo succumbir tem origem no La- tim , he conforme com a analogia , he expressivo , e tem significação jnais restricta, e por isso menos equivoca que o verbo render-se. SUPERCHERIÃ: Traz Blut. esta palavra no seu Voca- bulário, sem a auctorizar, e diz que significa engano , frau- de , dolo , e que alguns a querem derivar de super , e tri- chcrie , que em Francez vai o mesmo , que engano no jogo. Nós não a temos até o presente achado em Auctor algum nosso de boa nota, nem a julgamos necessária, nem digna de adoptar-se : e entendemos que a sua significação se ex- pri- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. IJJ primiii bem por ve/hacaria , trapaça , astúcia fratiduhuta &c. SVPPLâNTJR \ {Supplatiter) Significa propiiomente ar- tnar cambapé , ou dar traça , cum que alguém caia , e se ar- ruine , para lhe precedermos ; usar de sancadnhas , lançalas a alguém para derrib alo \ furtar- lhe o arrimo^ e fazelo cahir pa- ra passarmos adiante \ fazer perder a alguém o credito , favor , ou auctor idade ; arruiualo para nos pormos em seu lugar &c. Tom origem no Ij^úm supplantare\ não encontra a analogia ; hc mui expressivo c enérgico; e não pôde suppiir se em Portuguez se não por circumloquio. SUPPORTJR , ou SOPORTAR : Do Latim supportare , quer dizer , levar algum pezo sobre si , poder com elle , sus- tentalo estando debaixo Scc. ; e com esta mesma significação o usamos no sentido fig. , quando dizemos em bom Portu- guez : Soportou o primeiro choque , e a primeira fúria da pe- leja ; soportar a violência da artilharia ; soportar o iinpcto do inimigo^ &c. (Vej. Blitt. no Vocab. palavr. Sjportar) Daqui vem a outra significação também figurada de sofrer^ tolerar^ sobrelevar algum mal , ou dor , i. e. levala com paciência. Mas nunca em Portuguez se disse , como dizem os Fran- cezes modernos , soportar a artilharia com a infantaria ; so- portar o Governo com subsidias ; soportar a esqiterda com alguns batalhões &c. , em lugar de apoiar^ auxiliar^ sustentar^ as- sistir , ajudar &c. SURMONTAR: (surmonter) He gallicismo , que diz tan- to como o Portuguez, superar , vencer &c. , e se for neces- sário no seu primário c formal sentido, diremos com boa analogia sobremontar. SÚRPREZA: SURPRENDER: &c. Os nossos Clássicos I. dizião soprczar por tomar improvisamente , v. gr. soprezar hu- I tna praça , fortaleza , castello &c. , e soprezado por tomado ■ de improvi o y v. gr. navio soprezado &c. Hoje se diz tam- m^ bem surprender , e surpresa do Francez surprendre , e sur- ^^^P^ise , por tomar alguém desapercebido , de súbito , de impro- ^B.v/jtf, achalo ine peradamente no facto &c. \c]. Moraes no Dic- H Tom. ir. Part. II. P cion. 114 Aí ii M o B I A s DA Academia Real cion. ^àhvT. Surprciider ^ aoiule diz que he termo moderno ado- ptado. Nós somos de parecer , que se deve corrigir a ortho- grjfia , visto que não he regular compor hum verbo ou in)iiie com huma palavra Poituguc/a , e outra Obtrangciía. A analogia pediria , no nosso caso , scbre-prender , ao qual preferiremos sempre as boas expressões Portugue/as sobre- sei/tear , ou sobresiiltar , e sobresalto , i. e. accommeter , ou to- mar de improviso com alguma novidade , ou cousa inespera- da ; e accommctíimcnto imprevisto , ou o susto , e eulcio , que elle causa. Qiiando os Francczes dizem , v. gr. Stirprendeo a minha credulidade , a minha boa fé , entende-se enganou ^ iu- duzio em erro ^ abusou da minha credulidade &c. &c. TÂPECAR : TJPIZÂR : T APEGADO : TAPIZADO : e TAPESSAR '■ São tomados do Francez tapisé , ou tapissé , e tapisser ; mas não são modernos , como ao principio nos parecerão. Em Fieira, Serm. Tom. i. pag. 307 achamos: paredes ricamente entapizadas. Nos Estat. antigos da Universi- dade pag. 7 : entapifar a Capella. Mousinho AffoHs. Afric. Cant. IV. : Era de verde esmalte entapisada A bella margem &c. E no Cant. VI. : Logo saltamos dentro , e no regaço Da floresta de verde tapizada. E finalmente o mesmo Vieira., Serm. Tom. 15-. pag. 266: o aposento de Sua Alte:ia . . . pelo inverno tinha de mais os tapizes , &c. Conservemos pois os vocábulos , e sejamos con- formes na Orthografia. TARDIFO: c TARDIFA: São vocábulos que lemos em huma Traducção impressa , c que tomariamos por erros ty- pograficos , se os não vissemos repetidos mais de huma vez cm ambos os géneros , á maneira do Francez tardif, e tardive , v. gr. a experiência filha tardiva do tempo j o outo- no DAS SciENCIAS DE LiSBOA. I I J no tardivo da idade ; a marcha tardiva do bouuin &c. O l'or- tuguc/ tardio^ c tardia não hc nem menos expressivo , ncin menos harmónico , e por isso tal innovaçáo he dcstituida de todo o fundamento rasoavel. TARTUL-0 : He vocábulo novo , que parece ter sido in- troduzido na nossa linguagem pelo Capitão Manoel de Sou- za , na TraduLção do Tc.rtufe de Moliere. Significa o mes- mo que o Portugucz hypocrita , ou beato faho ; e seria pa- ra desejar , que nem huma só palavra nos fosse necessária para exprimir semelhante casta de maldade c depravação. TAXA : Este vocábulo tomado na significação de impos- to ^ tributo^ direito^ foi modernamente censurado de gnllicis- mo , ou Inglezismo , como derivado do Franccz taxe , oU do In^lez fax. Nós o achamos no Diccionario de Moraes auctorizado , no mesmo sentido , com Góes ^ Chron. de D. Mav. P. I. Cap. i8; mas não tivemos occasião de verificar este lugar. TEMiyEL : He palavra já hoje mui vulgarmente usada , c que tem a seu favor algumas boas auctoridades moder- nas , razão por que o não reprovamos , niaiormente não en- contrando elle a analogia do idioma. Os nossos bons Por- tuguezes dizião em lugar dellc cousa temerosa , temida , pa- ra temer, c também elegantemente cousa para temida. TIRADA : He vocábulo tomado do Francez tirade , ou do Itahano tirata , que significa passagem hum pouco extensa de alguma obra , ou lugares seguidos sem interpolação sobre o mes- mo assumpto. Nao o julgamos adoptavel , e em lugar dellc usariamos de rasgo, ou lanço, que respondem aos termos Latinos tractus , jactus , assim como estes ao Francez tira- de, e ao Italiano tirata.; e em Portuguez corrente dizemos rasgo de elo(iuencia , i e. passagem eloquente seguida , e não mui txtcnsa, e também lanço de casas, de cubículos &c. pa- ra significar huma serie delles seguidos huns a outros &c. TOCANTm : ( touchant ) Por ajfectuoso , terno , mavioso , pa- thetico , amoroso , aviaiioso , meigo , carinhoso &c. , parece ser gallicismo , diz Moraes no Diccionario. Comtudo o inesmo P ii M(^- 1x6 ^Iemorias da Academia Reai. Moraes o usou na Traducção das Recreações do homem sen- sível ^ e o P. Pereira na Dedicai, ao Priucipe N. S. impres- sa á frente da sua Traducção da Sagr. Bibl. €014.° diz que a Senhora D. Maria I. costumava recitar todos os dias as Ho- ras Canónicas , e nellas a parte mais devota , e tocante da Sa- grada Escritura , qtiaes são os Salmos , &c. A' vista destas auctoridadcs , não ousamos reprovar de todo o vocábulo to- cante ■, mas preferiremos sempre algum dos muitos, que em Portuguez lhe correspondem , até porque sendo elle deri- vado do verbo tocar , cuja significação he mui genérica , nos parece pouco expressivo. TODO : TUDO : São palavras bem conhecidas em Por- tuguez ; mas he erro emprcgalas em certas frases , em que os Francezes tomão o seu vocábulo toiít , com a significa- ção de inteiramente , absolutamente Scc. Assim nesta frase : es- ta descoberta 'vos pertence toda inteira , diremos em bom Por- tuguez : este descobrimento vos pertence inteiramente , ou he in- teiramente vosso. Usais de adornos de hum gosto todo novo , i. e. totalmente novo. Fazeis tudo o contrario do que se deve fazer ^ i. e. fáceis totalmente., ou absolutamente ., ou inteira- mente o contrario &c. &c. TOMAR A PALArRA : Assim dizem hoje alguns , tra- duzindo á letra o Fr^ncez prendre la parole j para significa- rem o que se adianta a faltar primeiro que os outros cm al- gum ajuntamento, e sobre algum negocio, que ahi se tra- ta. Em melhor Portuguez dizemos tomar a mão. V. gr. na Vid. do Are eh, L. i. C. 22 : aqui tomou a mão o Provincial .^ e foi proseguindo no mesmo argumento \ e no Liv. 2. C. 10: tomou o Arcebispo a mão , vendo consumida a tarde &c. Pe- lo contrario tomar a palavra he expressão que nos nossos Clássicos significa receber de alguém a promessa , fazelo pro- metter : como v. gr. em Fern. Alv. , Lusit. Transf. Liv. 2. Vros. 10: mas quero y primeiro que peça esta mercê y tomar- vos a palavra , que não haveis em nenhum caso de negar-ma &c. TRATAMENTO : ( traitenient ) Tem no Portuguez sua pró- pria dasScienciasdeLiSSoa. 117 pria significação : mas tomado por salário , ordenado , esti- pendio ^ V. gr. o trntaniefito dos Ministros^ dos OJficiaes &c. , he gallicismo escusado. « TRATJR DE RESTO : TRATAR DE RAG/TTELLA &c. São modos de fallar á Franceza. Em Portiiguez dizemos ter em pouco , tratar com desprezo , despregar , menoscabar , vilipendiar , ter em pouca conta , ter em menos cabo &c. &c. TRAJ^ZES : Lemos em Tradiicções impressas as seguin- tes frases : todos estes travezes uiio são naturaes ao sexo ; to- d^s os travezes, que reinão no mundo, não tem tanta força para corromper huma rapariga , como huma Alai dissipada \ oí homens se achao confundidos com as mulheres debaixo dos mes- mos travezes , &c. São outros tantos gallicismos. Travéz , e írazezes tem em Portuguez sua significação própria , e são termos de Fortificação : mas ao Francez travers correspon- de em Portuguez irregularidades , desregramentos , extravagan- cias , desconcertos , desmanchos , desordens , erros , avessos &c. TREM DE VIDA: Por modo de vida, género de vida , mo- do de proceder &c. hc frase Franceza , alheia do nosso idio- ma , c escusada. TRENÓ: (traineau) Significa, segundo Moraes no Dic- cion. , Carro de rojo , sem rodas , ejn que se viaja sobre as ne- ves do Norte. Bhiteau o trjz no Supplem. , e o auctoriza com huma Gazeta de Lisboa do anno de 1723. Poderia talvez exprimir-se por trilho, espécie de carro setn rodas, puxado por bois , e sobre clle huma pessoa em pc , ou assentada , o qual serve para debulhar o trigo. Também se traspassa- ria sem erro pela palavra zorra , isto he , carrinho com ro- cias , para levar e arrastar pedras grossas e outros pczos. Vej. o mesmo B/ut. nas palavras Trilho, e Zorra. O ele- gantíssimo Souza na Vid. do Arceb. L. 2. C. 4. descreve o traineau do seguinte modo: O jueio (diz elle) que achou o engenho humano para vadiar este passo ( falia da descida do3 mais altos picos dos Alpes para o Piemonte ) foi inventar huma maneira de andores , ou carretes sem rodas , que vão des»^ cen- *ia« ©í ii8 Memokias da Academia Real cendo , ou caindo feias serras abaixo , arrastado cada hum por dois homens , que vão sabeis se os cbíi»icis pilotos , se cochei- ros , se cavallos ; porque tudo he preciso que sejao nesta peri- gosa distancia , e tudo são &c. TURBA : ( tourbe ) Achamos este vocábulo nos Versos de Filinto Elysio , onde diz ; Mal haja a turba , e enxofre negro , e duro , Qi'.e os engenhos lhe tolda Parece derivado do Franccz , e significa ceita terra bitumi- nosa de que os Holhndezes usao cm lugar de lenha e car- vão , c que se acha em grande quantidade junto a Setúbal na Comporta. Vcj. as Memor. Econom. da Academia Real das Scicncias de Lisboa Tom. i. pag. 182 c 232 , aonde se lhe dá o nome de turba , ou turfa, U. ULTERIOR : Era entre nós termo geográfico , e significa- va o contrario de citerir^ v. gr. Hcspanha ulterior y Hespa- nha citerior &c. Hoje dizemos também , como os France- zes j consequências ulteriores , pretençocs tilteriore^ , successos ulteriores &c. ; mas esta significação não desdiz da primei- ra , tem fundamento no Latim , he expressiva , e em alguns casos parece necessária. ULTRAJANTE : (outrageant) Os vocábulos ultrage , e ul- trajar ainda não erao muito usados no tempo de Bliiteau , que todavia os mctteo no seu Vocabulário. Depois tem-se introduzido também o adj. verbal ultrajante ^ que não des- diz da analogia, e significa o mesmo que injurioso ^ afron- toso , contumelioso. Alguns Escritores modernos preferem «/- trajoso a ultrajante. UNIDO: {uni) Na significação de igual ^ lizo , plano &:Cf parece gallicismo. Em Portuguez dizemos mar igual, bonan- çoso , terreno plano , estilo igual , corrente , ligado , &c. e não mar unido , terreno unido , estilo unido &c. V. DAsSciKNClASDELiSbOA. llp V. nAJANTE : riJJEIRO : nAJOR : FIAJADOR. Com todas estas formas exprimem os Portuguczcs modernos a mesma idéa. Os antigos tinhao o termo viagem , q'.ie pare- ce significava mais commummenre navegação ^ ^m jorrada pir mar \ e expriniiao as jornadas por terra pelo vocábulo jor- nada^ ou caminho y c sendo longas, c cm paiz estrangeiro, pela palavra peregrinação. Hoje he geralmente adoptado o vocábulo viagem para significar humas e outras jornadas, c dclle derivamos com boa analogia o vcrho viajar ^ pelo qual diziamos d'anres peregrinar ^ ver mundo ^ andar por terras es- tranhas , ou fazer jornada , fazer caminho &c. De viajar se forma naturalmente o adj. viajante., que diz tanto como rs antigos viandante , e caminhante. Porém viajor do Francez voyageur , e viajador do Italiano viaggiatore são escusados , como também viagente , que Madureira pretende derivar do Latim Viam agens. Fiajeiro , que achamos usado pelo P, Pe- reira , e por outros Escritores , também não he necessário ; mas tem melhor analogia , e pôde bem dcrivar-se de via- jem , assim como de portagem jportageiro , de mensagem , meti- s age ir o &c. VIRULENTO: He termo Medico, ou Cirúrgico ^ e signi- fica cousa que tem vints. No sentido fig. parece ser novo no nosso idioma , e derivado do Francez virulent , cousa maligna , v. gr. satyra virulenta : mas não ha razão de o re- provar. VISTAS: He notável o abuso que se tem feito deste vo- cábulo, depois que nos familiarizamos com os livros Fran- cczes. Indicaremos aqui algumas das frases , em que os nos- sos modernos Escritores o emprcgao indevidamente , e lhes substituiremos as convenientes correcções. Tacs tem sido as vossas vistas , i. e. os vossos intentos. Obravão com diferentes vistas , i. e. com differcntes /«- tenções y ou intuitos. Os 120 i\I K M O n I A o ij A Academia R t a l Os desígnios c listas do Legislador , i. c. os ílejiguios e intuitos. Lancemos as uossas -jistas ^ i. e. os nossos olhos. As vis- tas da Europa estão fixadas sobre vós, i. e. a Europa tem os olhos postos em vós , ou fitos cm vós &c. Fa/er alguma cousa com vistas de alcançar recompen- sa , i. c. com intuito , com desenho de alcançar Scc, , ou com o fito , com a mira na recompensa. Lancei as minhas ultimas vistas sobre o Paraizo , i. e. laixei a ultima vez os olhos &c. Este he o assumpto que vou pôr nas vossas vistas , i. e. aos vossos olhos , que vou propor d vossa considerafdo , d vossa reflexão &c. A sabedoria das suas vistas politicas , i e. dds seus desenhos , ou desígnios , e ás vezes dos seus pensamentos po- líticos &;c. Obra admirável pela profundeza de vistas moraes e po- liticas , i. e. pela profundeza de conceitos y de idéas j de re- flexões &c. Conforme ds vistas de Deos , i. e. aos conselhos de Dcos , aos seus desígnios. Lançou sobre nós vistas de piedade , i. e. olhos de pie- dade , olhos compassivos &c. Os nossos Clássicos também usavao do vocábulo pre- supposto com a significação de desígnio., intuito., conselho., in- tento &c. V. gr. Fern. Alv. , Lnsit. Transf. L. i. pag. 58 verso ediç. de \6oy Prós. p. : tiramos do encerrado vale os nossos rebanhos , a pacer ao prado , encaminhando-os pela es- trada ao conhecido pasto , com prcsupposto de tornarmos logo ãquelle lugar sombrio &c. , e no L. 3. Prós, 4.: Com este ■ç\c- supposto se auzentou Lizarte &c. FOLTEJAR : ( voltiger ) He gallicismo desnecessário no nosso idioma , onde temos voltear , e ás vezes revoar , que dizem o mesmo. Em Relações de acontecimentos militares também se diz hoje voltejadores , devendo ser com melhor analogia volteadores. Sâo Soldados de certas Companhias dos Rc- : I DAS SciENClAS DE LiSBOA. 121 Regimentos Francezes de Infantaria ligeira , ou de Linha , os quaes se escolhem entre os homens mais vigorosos , ágeis , e lestos, mas de pequeno talhe, c são destinados a serem rapidamente levados de hum para outro lugar , pelas tro- pas a cavallo ; pelo que se exercitao particularmente em montar ligeiramente , e de hum salto d garupa do caval- leiro , em descer com promptidao , em se formar rapida- mente , e em seguir a pé hum cavallciro , que marcha a passo , ou de trote &c. VOLUPTUOSIDADE : Desejava Bluteau , que se adoptas- se em Portuguez o vocábulo voliiptade , como necessário pa- ra significar com toda a propriedade o que os Latinos ex- primem por voluptas. {Prós. Acad. P. i. pag. zy , c Siip- flem. ao Vocab.) O uso recusou aquellc novo vocábulo, e preferio voluptuosidade , do Francez vohipttiosité , o qual , se- gundo o nosso parecer, seria conveniente adoptar-sc, ainda que tivéssemos voluptade , por ser diversa a significação de hum e outro. ^o/a/)/rtmo já haviamos mentido &c. . . . antes que sahissemos do Para/zo ^ nos en- volvemos nas pelles * . . deitámo-nos na gruta &c. 3.° Exemplo. Para suffocar até os remorsos da consciência^ elles tem inventado mil absurdas. A palazra liberdade tem si- do aqucUa de que elles tem feito hum maior abuso ^ para im- por d multidão^ e enganar todos aquelles, dos quaes elles se querem servir para os seus fins. Parece , na verdade , incrivcl que hum ouvido Portuguez se aecommodc com este modo 1 . DAS SciENCiAS DE Lisboa. 113 de fallar ; mas tal hc o poder do habito, que á força de lermos, c imitarmos os livros estrangeiros, quasi nos fami- liarizamos com as suas maneiras , e talvez as reputamos me- lhores que as nossas! Este pcriodo, que he tirado de hu- nia Obra Portugueza original, está cheio de gallicismos : aqui pordm somente nos pertence notar a viciosa repetição dos pronomes elles , aqttelles , que fazem a oração por extremo embaraçada , e desagradável. Poderia dizer-se mais corren- temente : Para sujfocarem até os remorsos da consciência , /«- ventdrão mil absurdos. A palavra Uberdade foi a de que mais abusarão para embair o vulgo , e para enganar a todos aqitel- les j de quem se queriao servir para os seus fins. 4.° Exemplo. Elles pedirão a dilação de htima hora : ella lhes foi concedida. Nesta frase diremos melhor: Elles pedirão a dilação de hiima hora , qnc lhes foi concedida , ou a qual lhes foi concedida , ou : pedirão a dilação . . . que . . . &c. ou querendo conservar toda a concisão do original : pedirão a dilação de buma hora : foi- lhes concedida , ou pedirão &c. con- cedeo-se-lhes. Semelhantemente nesta frase : a sua Corte tinha- ibe preparado hum festejo : não se dignou elle de assistir a elle. Traduziremos muito melhor dizendo : a sua Corte lhe havia preparado hum festejo , a que elle se não dignou de assistir , ou : havia-lhe a sua Corte preparado hum festejo , a que elle se não dignou de assistir. Scc. j." Exemplo. A nossa maior perda não he aquella das ri- quezas terrestres — a nossa per tia foi grande ; mas aquella dos inimigos foi muito maior. — Nesta e outras semelhantes fra- ses parece que o pronome aquella he gallicismo, e redunda na oração Portugueza , devciído dizer-sc : a nossa maior per- da tião he a das riquezas terrestres — a nossa perda foi gran- de ; mas a dos inimigos foi muito maior &c. Não devemos dissimular com tudo , que nos nossos bons Escritores se achão algumas vezes frases semelhantes ás que aqui repro- vamos. V. gr. em Diogo do Couto Dec. 4. L. ^. C. 2. : Pa- rece que forão mortos pelos da terra, porque aquelles do Ser- tão são barbarissimos. Em Barros Dec. 3. L. 6. C. i.: Fi- Q^ ii nal- 114 Memorias da Academia Real naltnenle com a diferença destas antas , e más informações das segundas , foi assentado entre aqucllcs do Conselho de ElRei y qtie aquclla embaixada era falsa. Na Carta de Guia de Cas^ad. foi. 1 8 1 verso : Falta-me aqui por advertir alguma coiza a bu- »ias certas tiinys , e nao sei se a alguns pays , que dão seus geitos ds filhas , para que se cazem , particularmente áquellas de bom frontespicio &i;. Pordm , sem embargo destes exem- plos , julgamos que se deve evitar semelhante modo de fallar , todas as vezes que o pronome aquelle se não refe- re a algum objecto já commemorado no discurso , ou não tnvolvc alguma particular emfase , como parece em Vieira, Tom. I. de Serm. pag. 451 , aonde diz: O mais desventura- do homem , de que Christo nos quiz dar hum temeroso exem- plo , foi aquelle da parábola das Vodas &c. 6." Exemplo. Isto be blasfémia o dizer ^ que a natureza. accende em nós o mais ardente dos nossos desejos para nos en- ganar. A palavra isto redunda no discurso Portuguez , e he hum gallicismo nascido de se traduzir muito ao pé da le- tra o Francez c^est tin blasfeme ; c^est tm erreur &c. Em bom Portuguez dizemos he blasfémia, ou he htima blasfémia j he hum erro &c. 7.° Exemplo. En tejfho visto muitos meninos , que se diver- tem a comparar as cousas novas , que os admirao , com áquel- las, que elles jd conhecem. Ncf^te exemplo os pronomes e« , aquelles ., elles., podem suppr;m;r-se , fallando todavia Portu- guez corrente. V gr : Tenho visto muitos meninos , que se di- vertem a comparar as cousas novas , que os admirao^ com as que jd conhecem : ou com as outras que jd conhecem : ou tam- bém com áquellas que já conhecem &c. Ultimamente não será inútil advertir aqui , que quan- do reprovamos o abuso dos pronomes , não pretendemos cxcluilos totalmente do discurso : por quanto além de po- derem emprcgar-se muitas vezes sem erro , nem rcsabio de gallicismo , ha também occasiões , em que he absolutamen- te indispensável o seu uso claro c expresso , como , por exemplo, i,° quando ha opposição entre dois ou mais mem- bros 813« Ol dasScienciasdeLisboA. 125: bios do periodo, c dizemos, v. gr< eil como ^ e tu dorvies -^ ett estudo , e tu te divertes ; tids trabalhnttios , e elles passãão , &c. 2.° Quando o pede a emfasc , oU o ornato do discur- so , como V. gr. nesta frase : Deos he digno do vosso amor ; elle manda que o amemos , clle o pede ; clle até o sollicíta &c. 3/ Qiiando sem a expressa declaração do pronome, ficaria escura ou ambígua a frase , ou ainda suspensa por algum tempo a sua verdadeira intelligencia , como succede , por ex. , na traducção de huma cxceliente Obra , cujo primei- ro paragrafo diz assim : Ainda qtie tivesse toda a subtileza de espírito , que se pode desejar nas mais agradáveis socieda- des ; bem que tivesse composto Obras , em que brilhasse lodo o fogo da imaginação e do engenho \ quando tivesse inventado sis- temas capazes de emmudecer e admirar o Universo ; ainda que tivesse formado projectos dignos de sustentar , ou realçar os Im- périos . , . Se não tenho por objecto a religião , a minha al- ma perde os seus trabalhos &c. Aonde o verbo tivesse repe- tido quatro vezes nos quatro membros do periodo , devia ser determinado desde o principio pelo pronome eu , sem o que fica por muito tempo suspenso o verdadeiro senti- do do discurso , c o Leitor ignorando a que pessoa se re- fere aquelle verbo. &c. IL Abuso de alguns Relativos. I. O relativo Francez dont tem ^ regularmente fallando^ a significação dos relativos Portuguezes cujo , cuja , cujos y íujas , do qual , dos quaes , da qual , das quaes &c. Sao pois mal traduzidas as seguintes frases : Entre os contos das fadas não ha hum só , de que o obje- cto seja verdadeiramente moral ^ i. e. cujo objecto^ ou também ào qual o objecto &c. Outro meio , que vos parecerá talvez frívolo , mas de que o effeito he certo j i. e. mas cujo effeito &c. to-. siaíi 01 Ji6 Memorias da Academia Real Todos os objectos de quem as dimensões suo extraordinárias ^ j. c. cujas dtnieusoes ^ ou as dimensões dos quaes Scc. O Por- tuguez quem ) e de quem^ quasi sempre se refere às pessoas, c não ás cousas &c. Notaremos neste lugar que o vulgo faz muitas vezes errado uso dos relativos cujo , cuja &c. dizendo , v. gr. hum homem , o cujo he meu amigo \ huma casa , cuja eu edifiquei &c. devendo ser hum homem ^ o qual -^ huma casa ^ a qual &c. E deste erro não forão totalmente izentos os nossos melho- res Clássicos , entre os quaes o mesmo Barros no Prologo da Dec. I. dix (se não ha nestas suas palavras erro typo^ gráfico ) : a^prcsentain estes delineamentos de sua imaginação ao Senhor j de cujo ha de ser o edificio , i. e. ao Senhor, cujo ha de ser , ou de quem ha de ser &c. E Duarte Nunes na Des- cripf. de Portug. C. 75" : Sant-Jago Inter ciso de cuja nação fosse , não nos consta , i. e. de que nação fosse, 2.° Tem a lingua Franceza os relativos qui ^ e que, dos quaes o primeiro serve de agente ou sujeito do verbo se- guinte , e o segundo he regido delle , v. gr. nestas frases : "joi-là qui vous en dirá de uouvelles ; eis-aqui quem vos dirá novidades. — celui , que vous avez vu ; aquelle que vistes , ou a quem vistes ; o primeiro qui rege como agente o ver- bo dird ; e o segundo que he regido do verbo vistes , co- mo objecto, em que se emprega a sua acção. Por não ha- ver em Portuguc/ a mesma differença nas formas destes re- lativos, e explicarmos huma e outra relação pela única for- ma que, acontece não poucas vezes traduzir-se o Francez com ambiguidade, e ficar a frase pouco intelligivel, como nesta , por exemplo : Feliz o homem que visita as sepulchraes abobadas, que aht- tnia a tocha da mm-te ; aonde parece á primeira vista , que -ambos os que se referem a homem , quando em Francez o primeiro delles he qui , quQ por si mesmo mostra ser o agente do verbo visita , e o segundo he que , o qual logo também indica ser regido do verbo alumia. Convém por tanto , que estas e outras semelhantes frases se traduzão com DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 127 cum reflexão , a fim de se evitar , quanto possível for , a ambiguidade. Assim diremos, v. gr. feliz o homem , que vi- sita as sepíílchraes abobadas , alumiadas pela tOLha da morte , Ou as quaes alumia &c. III. Abuso dos verbos tomados impessoalmente. Abusa-se dos verbos tomados impessoalmente.; 1.° Quando se põe huns apôz outros no mesmo pcrio- do , fazendo a frase embaraçada , ás vezes escura , e qudsi sempre de máo soido. V. gr. neste exemplo : Dcixa-sc de ser homem de boas intenções , todas as vezes que se esconde; com expressões equivocas : não se he obrigado a dizer toda a verdade ; mas sempre se está obrigado a f aliar verdade : que em bom Portuguez poderia traduzir-se assim : Deixa hum homem de ter boas intenções , todas as vezes que occtilta os seus sentimentos debaixo de expressões equivocas. Ninguém he obriga- do a dizer a verdade toda j mas todos temos obrigação de fal- lar verdade &c. E também neste : Qtiando se he educado no seio da grandeza , tcm-sc to- da a dificuldade em pcrsuadir-sc que se he semelhante ao res' to dos homens , e que o esplendor , de que se está cercado , se dissipa como hum vapor ; quer dizer: Quando alguém , ou quan- do hum homem ^ ou quando huma pessoa he educada no seio da grandeza , tem toda a diíEculdade em persuadir-se , que he semelhante ao resto dos homens , e que o esplendor , de que estd cercada &c. 2.° Quando se ajunta o verbo tomado impessoalmente no numero singular com nomes do plural , como nas seguin-, tes expressões , e outras , que a cada passo encontramos nas Traducções Francezas : Nomeou -se novos Commissarios. Fez-se duas proposições, Fa- íiatt 01 J Z 8 M E M o B I A S DA i.\ C A D E M 1 A R E A L pabricoti-se falarios e jardins. Desejou-se , e abraçou-se religiões commodas. fla-se grupos nitmerosos. &c. &c. Nas quacs se conhece claramente o cunho do Francez : on nomma des nouveatix commissaires — on voyoit des groupes nom- hreux — on fit deux motions — on fabrica &c. &c. — de- vendo dizcr-sc segundo o génio da lingua Poitugueza : no- meárão-se novos Commissarios — viao-se magotes numerosos — fizerão-se diiar proposições — fabricárao-se palácios &c. Por onde parece defeituosa na Syntaxe esta frase de Barros Dec. 3. L. 2. C. i. : E como nas terras novamente descobertas primeiro se nota pelos marcantes , que as descobrem , os perigos do mar ^ devendo dizer: primeiro se notao os pe- rigos. O mesmo defeito achamos em João Franco ^ Eueid. Fort. L. 5. Est. 15- , aonde diz : Vcr-se-ha primeiro as na'os 7nais excellentes Correr nas salsas ondas d porfia. em lugar de > &c. 3.° Nesta e outras semelhantes frases: Deve-se confcssalo'. este facto não hc provável y aonde os nossos Traductores en- ganados pela expressão Franceza : on le doit confcsser , com- mettem gallicismo , que a nossa linguagem reprova. Em bom Portuguez diriamos : Deve-se confessar , que este facto não he provável , ou devemos confessar que este facto &c. Da mesma sorte no seguinte perioão : k Esta historia be allegori- ca: não se deve tomala ao pé da letra; mas vós affirmais que se deve entendela em todo o rigor litterahf pede a Syntaxe, e o modo de fallar Portuguez , que se diga : esta historia he allegorica , e não se deve tomar ao pé da letra , ( ou não devemos tomala , ou não convém tomala , ou não deve ser to- mada ) mas vós affirmais , que ella se deve entender ( ou deve ser entendida &c. ) em todo o rigor Utteral &c. Ultimamente para darmos huma idéa geral dos vários modos de traspassar estas frases impessoaes , a qual sirva de norma aos menos advertidos j convém notar , que a parti- cula Franceza on , que nellas commummente se emprega , he hu- DAS S C I E N (.- I Á S DE L I S B O A . 129 huma contracção, ou corrupçãcj do antigo hom {hoti:em) que serve de sujeito da proposição ; c cjue as fras!.s on dit — oh ■voyoit — 011 fit &c. equivalem, palavra por palavra, r.o Por- tuguez hornem diz — homem via — humem fez &:c. {a) Pelo que parece necessário que este sujeiro , ou ou- tro seu equivalente , appareça claro , ou sub.iitendido na traducção Portugucza de semelhantes frases , ou que estas se possão reduzir ao mesmo sentido por meio de sua ana- Jyse grammatical. liis-aqui os dilFerentes modos , com que cm bom Portugue/ podemos t-atisfazcr a este fundamental preceito. j.° Os nossos Clássicos imitaVão frequentemente á letra o uso Francez dizendo, v. gr. na Ord, do Sfir. D. Duarte: <4 cá sem razoni seria ao afjlicto accrescentar hom afjiicção " Na Traducção do Livro de Senccttite de Cicero por Damião tle Goez ms. foi. mihi 21 : também isto re^mto ser muim míse- ro na velhice , cuidar homem , que naquella idade he odioso , e fastiõso a toda pessoa. Nos Serm. de Paiva, P. i. foi. 254 verso : por que d verdade , de ninguém homem corre tanto ris- co, como de si. Em Souza, Vi d. do Arceb. L. 3. C. 3. : grão traba/ho , e custosa cousa he fazer homem o que deve &c. &c. 2.° Ainda hoje nos exprimimos a cada passo do mesmo modo, principalmente no estilo familiar, accrescentando a homem o adjectivo articular hum. V. gr. não pôde hum ho- jncm ser justo , sem se expor d perseguição dos mãos — nno sabe hum homem quando lhe vem as infelicidades pela porta — convém que o amigo seja muito experimentado para que hum ho- mem lhe confie seguramente os seus maiores segredos. E deste modo se podem traduzir algumas frases Prancezas^, v. gr. On peut être solitaire dans sa maison \ pódc hum homem viver solitário no meio da sua familia — Ce qu^on fait contre son gré , Tom. IV. Part. II. R ré- (rt) Vej. ConáiUac , Gramm. P. :. C. 7. , e Gr/iimniiire Génér. eb- r.ii- jr,». V. i. C. iij. , e se conheccr.i melhor, quão err.irlj idé.i tinha des- te vocábulo hum Diccionario nosso , aonde vem definido assim : He pois necessário que em Portuguez se dê a estas frases o con- veniente sentido, para se evitar o gallicismo , que notamos nas seguintes Sem o auxilio de Minerva , Vlysses perecia , i. e. se não fosse o auxilio de Minerva , pereceria Ulysses ; ou , Ulysses pereceria , menos que Minerva o não soccorresse : ou , jí Miner- va não soccorresse a Ulysses ; por certo que elle pereceria. &c. Sem vós eu andaria exposto d inconstância deste monstro y i. c. SC vós não fosseis , andaria eu exposto &c. 5*.° As expressões Francezas, em que entra o xerho fal- loir y V. gr. il faia ^ il fallait , il fallut , il faudra y il ne faut j il ne faut que , &c. , nem sempre se devem traspassar da mesma maneira, e a ignorância dos difFcrenres significados, que lhe correspondem em Portuguez , he origem de fre- quentes erros. Djiemos alguns exemplos do modo, com que cm diffcrentes circunstancias se devem traduzir , para ser- virem de advertência aos menos doutos. Daus tout état il faut tine religion : il en faut ime a tout bomme ; Em todo o estado be necessária huma religião ; cada homem deve também ter a sua. Ccst auJourd'hui qu'il faut signaler notre valeur ; hoje cumpre ostentarmos o nosso valor — hoje he que devemos distinguir-nos pelo nosso valor. Nous svi.'i 01 DAS SciENClAS UE L t S E O A. 139 Nous sacrifierons potir eiix tiotre repôs , noire liberte , no- íre síitig mêine et tiotre vie , s'il Ic faut ; por cllcs sacrifi- caremos o nosso repouso, a nossj liberdade, e até, se ne- cessário for , o nosso sangue e a nossa vicia. Les mysteres , s'il cti faut croire les anciens , etoient &o. Os mystcrios , se havemos de dar credito aos antigos , crão. &:c. Néaiimoiíis il n'en faut douter , ;/ y atira tonjours une intime union &c. Comtudo , não o duvidemos , haverá sempre liuma intima união. &c. Cetoit p/iis qu'il en falloit pottr flatter l*tjrg»eil du pe- re , et de la mere d^Emilie ; era mais que bastante para lison- gear &c. II ne íiivit JHger des hommes comme d'iin tal/leari ; não se deve julgar dos homens, como de hum painel; cumpre não ajuizar dos homens &c. II ne fiiUoit poiír cela qiCaider les progrès des connoissan- ces ; bastava para isto auxiliar o progresso &c. Para isto nada mais se requeria , ou nada mais era necessário , se nao auxiliar &c. II ne faut point supposer les hommes gratuitement crimi- neis-^ não se devem suppôr os homens gratuitamente crimi- nosos — Cnmpre , que nao supponhamos os homens. &c, 6.° Rcpetcm-sc na Oração Franceza alguns vocábulos, cuja repetição em Portuguez seria hum erro. Taes são , por ex : i. ° as terminações dos adverbias. V. gr. Obra cm t\i- ào prudentemente , e honradamente ^ que em melhor Portuguez dircmus : obra em tudo prudente ^ c honradamente'. 2° em al- guns casos os artigos , ou os adjectivos articulares : v. gr. o homem levado pelo interesse e a curiosidade , i. e. pelo interes- se e curiosidade — Por seus discur.os e suas acções , se con- cehião delle mui altas esperanças ., i. e. por seus discursos e ac- ções ; ou por seus discursos , e por suas acções. A este res- peito não será inútil advertir, qtie achamos nos Clássicos Portuguezes algumas frases , que nos parecem incorrectas , V. g. na Fid. do Ârceb. Liv. 4. C. i. : Esta alçada fui oc- casião de muito desgosto aoJrccbispo, e muita despczaj aoa- S ii de 140 Memorias dA Academia Real de parece que se deveria dizer : foi occasiao de muito desgos- to , e de>peza ao Arcebispo ; ou , foi occasiao de muito desgos- to j e de murta despeza. Em Jaciíith. Freir. Fida de Castro L. 2. §. 6. : Começou a gozar a melhor parte da graça de Ba- dur , oti já por sua fortuna , ou sua industria , i. e. ou por sua jortuva^ ou por sua industria^ &c. &c. l-^ o que depois de mais '. v. gr. nao tereis mais que hum semblante , e que hu- iua palavra ; i. e. mais que hum semblante , e huma palavra &c. 7.° Finalmente lia em Francez muitos outros modos de fallar , cm cuja traducção se commertcm frequentes erros por ignorância , ou inadvertência. Como nao escrevemos a Arte de traduzir o Francez , apontaremos somente alguns exemplos , que sirvao de pôr em cautella os menos doutos. jfc crois bien ; je crois assez — Creio de boa mente ; facil^ mente creio ; ou , como ás vezes diz Vieira , eu bem creio que &c. Fasse le Ciei que — Permitta o Ceo que j Deos permitta que &c. Otielle cst la disposition du moment des esprits — Qiial hc ao presente a disposição dos espíritos ; qual he a actual disposição ; qual he a disposição em que ao presente se achao os espíritos &:c. jfVííj- beau prendre à temoin celui-là même : . . . il fut stird &c. ; — Em vão o tomei por testemunha a clle mesmo : clle se fez surdo ; ou , por mais que o tomei a elle mesmo for testemunha , fez- se surdo ás minhas vozes &c. As frases Francczas em que cntrao os vocábulos traity e cotip , admittem diíFerentcs modos de traducção , que se devem ter presentes ; v. gr. Le sceau de sa reconciliation fut tm trait de liberalitê — O sello da sua reconciliação foi hum lanço de liberalidade j ou huma acção de liberalidade. Dcs volumes nombrettx su/firoient à peine pour narrer ce qui a trait a cctte partie de notre histoire — Apenas bastarião numerosos volumes para narrar o que diz respeito a esta par- te da nossa historia. Toutes les découvertcs , qu'elle fit % , , furenl des nou- veaux DAsSciENClAS DfLiSBOA. I4I vcaux rraits , qtii déciãerent son goút &c. — Todos os des- cobrimentos que ella fez . . . torao novos motivos , que de- terminarão o seu gosto &c. &c. Faire un trait íiV/w/ — fa/cr huma acção de amigo. Faire titi beau coup ; «« gr and coup ; tm coup (Ceclat — fa- zer huma acçdu insigne ; hum insigne feito ; huma acção estre- mada &c. Tcntr coup à fetude — perseverar no. estudo &c. &c. VI. Abuso na collocaçao dos vocábulos. Seria necessário hum longo discurso para mostrarmos todas as diíFcrenças , que ha entre as duas linguas Portu- gueza e Franceza , na collocação , e ordem dos vocábulos , e frases entre si : mas este assumpto , que aliás mereceria ser tratado com alguma extensão, não cabe nos limites de hum úm^Xcs Glossário. Bastará reflectirmos aqui emsumma, que sem embargo de seguirem ambas estas linguas a or- dem directa , e analytica das idéas ; tem comtudo a Por- tugucza muito maior liberdade para usar de transposições , sem fazer o discurso embaraçado , ou obscuro. Assim , v. gr. (como já notou hum Critico illustrado ) o que Jacintho Frei- re escreve com elegância : não sepultarão conisigo aqucUes va- lerosos Portugiiezes toda a gloria das anuas ; verte o Fran- tcz com muito menos graça : ces vaillants Portugais n'ont pas enseveli avec eux toute la gloire des armes. E o que os FVancezes exprimem por esta frase: ceux qui etoient couvain- cns d'avoir ewployé d'indigncs voies pour parvcnir nu commau^ ucineut , en etoient exclus pour toujours ; pòdc em muito bom Portuguez traduzir-se por difíerentcs modos , v. gr. : Os que trão convencidos de haverem empregado meios indignos para al- cançar o cummando , ficavao excluidos delle para sempre ; ou talvez melhor: ficavao para sempre excluidos do commando ; uu , ficavao para sempre reputados inhabeis para o commando os I4> Memorias da Academia Real os que erão convencidos de o haverem pretendido por meios indi- gnos. Semelhantemente este verso : Je chunte les combats , et cci^i^omme pieux , que he a traducção do primeiro hemistichio da Eneida de Virgílio , e que em Francez não admittc outra ordem de vocábulos , pôde traspassar-se ao Fortu<>uez dizendo : En canto as armas , e o Varão piedoso ; ou transpondo , como fez João Franco Barreto na Eneida l^ortugueza : As armas e o Varão canto piedoso. Por onde se vê que o Escritor Poituguez, tendo mais li- berdade , que o Francez , para inverter a ordem dos vocá- bulos , pode muitas vezes escolher a seu arbitrio o lugar , que cada hum dellcs deve occupar no discurso , a fim de que a expressão fique mais harmónica , e a imagem mais vi- va e animada. Segundo este principio , que he verdadeiro , e gené- rico , cumpre que os Traductorcs Portuguezes , adoptando a prudente liberdade que lhes offerece a sua lingua , pro- curem evitar a fastidiosa monotonia, que resultaria de hu- ma traducção demasiadamente litteral, c o ar e geito afran- cezado de que aliás se reveste o discurso. Estas expressões, por exemplo, que a cada passo en- contramos nas nossas modernas Traducçõ.es : eu me lembro ; eu vos certifico ; en lhe tenho pedido muitas vezes &c. ; podem , e muitas vezes devem inverter-se , dizendo, segundo o gé- nio da lingua Portugucza : Lembro-me ; certifico-vos ; muitas •vezes lhe lenho pedido ; ou , tenho-lbe pedido muitas vezes ; ou , tenho-lhe muitas vezes pedido ; ou , pedido lhe tenho muitas ve- zes &c. Ha outras frases , em que não só he permittida , mas atd ( segundo o nosso parecer ) muitas vezes necessária a inversão. V. gr. nesta : ;cação , quasi que se desgosta da leitura. Nem se nos atribua a temeridade , ou presumpção ta- charmos assim de defeituosos os nossos bons Auctores. A ignorância geral que então havia dos princípios filosóficos da linguagem, os fazia cahir em muitos erros contrários á hoa ligação das ideas , que he a base fundamental de todos os preceitos relativos ao arranjamento dos vocábulos , e á organização interna do discurso : concorrendo também para isto a demasiada, e ás vezes servil, imitação da construc- çao Latina, procedida da errada opinião, naquelle tempo. sia« ot T44 MemobiasdaAcadfmiaReal e ainda hoje mui vulgar , de que a nossa lingua he filha delia , e tem , c^mo tal , o mesmo gcnio e indole. Mas voltando ao nosso objecto : tem também as lín- guas seus particulares caprichos ( por assim nos explicar- mos) que o Escritor polido e exacto deve respeitar: e por isso , ainda que da diversa posição dos vocábulos não re- sulte ambiguidade, nem má intelligcncia da frase, convém todavia não alterar a forma , que constantemente se tem adoptado para a exprimir. Por exemplo nas seguintes fra- ses : He desta sorte que o sábio se vinga. He por isso que eu me resolvi. He neste projecto que dais d luz a vossa obra. Foi neste intuito, que o Legislador ordenou &c. não se encrntra ambiguidade ou escuridade alguma ; e com tudo o estilo Portuguez demanda diferente collocação de vocábulos , e exprime-se desta maneira : Desta sorte he que o sábio se vinga ; ou : assim he que se vin- ga o sábio '^ ou ainda mais simplesmente: desta sorte se vin- ga o sábio. Por iso he que we resolvi. Com este projecto he que dais d luz &c. &c. Ui mesma sorte nesta frase : « Os principaes artigos do seu conimercio são trigo , legumes &c. , e cem embarcações se carregão todos os awws deste porto para Marselha " ainda que não haja ambiguidade , seria comtudo muito melhor tradu- zir assim : Os principaes artigos do seu commercio são trigo y legumes &c. , e todos os annos se carregão cem embarcações &c. E em estoutra : ■> 8cc. ; ou « mais quiz vender j> ou típrefe- rio vtiuler j» Scc. Outras vc/.cs , ainda que a collocaçâo Franccza nao se- ja contraria ao estilo Portugue'/. , pud(.inos todavia variaLi na traducçáo aprovcitando-nos da liberdade da nossa Hngua para ta /ermos o discurso ou mais corrente , ou mais ele- gante. Este período , v. gr. : (i Todos aqtielles bens , que se «ao adquirem sciino por cami' nhos obliqítos , siío raramente de longa duração : o Ce o para punir , sem dúvida , os que os possuem , os fuz desappare- cer como hum fumo yy se traduziria muito melhor dizendo: « Raras vezes tem longa duração .... ou , raras vezes se logrão por muito tempo . . . . ou , he raro serem de longa duração ... ou , raramente são duráveis os bens , que se adquirem por tortuosos caminhos : o Ceo os faz desapparecer com'j fumo , sem duvida para punir os que o possuem »> ou : « Raras vezes tem longa duração os bens , que sãmente se ad- quirem por caminhos tortuosos : o Ceo » &c. &c. Com mais razão se deve variar a coUccação dos vo- cábulos , qu.indo do contrario se segue alguma ambiguida- de , obscuridade , ou embaraço na frase , como succedc por exemplo, n;) seguinte periodo , que achamos traduzido do Francez : <£ Se vós fosseis lavrador , qtie esperarieis da bondade do Príncipe ? — Ojie elle me segurasse o friicto do meu traba- lho , e que me deixasse gozalo , dando-lhe eu o seu tributo , com vicus filhos e minha mulher ■^í aonde a írasc pagando-lhe cu o sen tributo , com meus filhos e minha mulher , faz hum senti- do não só ambiguo , senão também falso e absurdo , o que se evitiiria , arranjando assim o periodo k Qiie elle me asse- gurasse o fructo do meu trabalho , e mo deixasse gozar com meus filhos e mulher^ pagando lhe eu o seu tributo ■>■> ou assim '< e que mo deixasse gozar a mim , a meus filhos , e a minha mu- lher , pagando-lbe eu >» &c. &c. Não adiantaremos mais as nossas reflexões a este res- peito ; porque seria impossivel estabelecer regras fixas e invariáveis snbre hum assumpto , que depende quasi inrci- Tom. IF. Part. II. T ra- 146 Memohias da. Academia Real ramcntc das particulares circunstancias do discurso; c por- que o pouco , que temos dito , basta para despertar a ad- vertência c reflexão dos Traductorcs , c para os mover a corrigir os multiplicados gallicismos, de que estão cheias as nossas Traducçóes modernas. Huma só cousa porem tor- namos a repetir , e não cessaremos de inculcar , e he que só a assidua lição dos Clássicos Nacionaes , e o aturado es- tudo das suas Obras, junto com o conhecimento dos prin- cipios filosóficos da Grammatica Universal , podem vir a li- bertar a lingua Portugucza das formas estrangeiras, que nclla se tem introduzido , e restituiía á sua nativa pureza e ele- gância. Seja pois este o principal cuidado dos eruditos Por- tuguezes , que amão a sua linguagem , c não se dirá mais por ella o que já com galanteria disse hum Escritor dou- to : «í Qite pelo pouco que lhe querem seus naturaes , a trazem mais remendada , que capa de pedinte, » Lobo Cort. na Aid. Dial. i.° ME- DAS ScríNciAs DE Lisboa. 147 MEMORIA Sobre hum Documento inédito do prituipio do Secii/o XII. em que se mostra , que — O Senhor Conde D. Henrique , achan- do-se auzcntc na Palestina , ainda não tinha volta- do a Portugal em Maio da Era 1141. ( ^w- tio I I o 3 . ) — Por Francisco Ribeiro DosguimarSes. O. 1. V-/S nossos Escritores discordão com pasmosa va- riedade acerca do facto histórico da jornada do Senhor Con- de D. Henrique á Palestina. Os mesmos , que sustentão a afErmativa , não se ajustão no anno , nem nas circunstan- cias ; isto he , se foi antes , se depois de casado com a Se- nhora Rainha Dona Terezaj se foi na qualidade de Guer- reiro , c capitaneando as Tropas , que dizem seu Sogro D. Affonso VI. mandara em auxilio daquclla primeira Cruza- da , e conquista de Jerusalém , em 1099 ; ou se na segun- da expedição em soccorro dos Christãos da Palestina na companhia dos Príncipes do Norte ; ou finalmente se na qualidade de particular , e como Romeiro , instigado por estímulos de piedade , e Religião a emprchcnder esta re- mota peregrinação , para que tanto propendia a devoção dos Fieis por aquelles tempos : e até o infatigável Author da Nova Malta Portuguesa Part. I. §. 7. e seguintes se lem- brou conjecturar, que elle fora depois do anno iiia , ou pela segunda vez , a Jerusalém , para assim commodamcnte lhe poder attribuir mais nove annos de vida ; porém me- lhor advertido chegou a retractar-se , posto que indirecta- mente , no índice da mesma Obra Part. III. pag. 382. 2. Todos estes Escritores , que viverão quatro , e mais Séculos depois do falecimento do Senhor Conde D. Henri- que , recontando aquelle acontecimento , apoiados na Tra- T ii di- 148 MeMofias da Academia Real dição, o revestirão de circunstancias arbitrarias, ou appa- rentes conjecturas , que julgarão tufficicntcs para conciliar a credulidade dos seus leitores , e realçar ainda mais o es- plendor , e gloria nacional ; mas que o não serão para des- truir totalmente os fundamentos da opinião contraria , em quanto se não produzirem testemunhos coevos , que abo- nem a verdade do facto. 3. Duarte Galvão na Chronica do Senhor D, Jjfonso Henriques Cap. 4. foi. 8 vcrs. col. i/' do Manuscr. do R. Archivo , e pag. ^ col, 2." da Ediç de 1727 , escreveo o seguinte : « E neste tempo andando a Era de Nosso Senhor js cm mil cento e trcs annos , foy este Conde Dom Han- j> rique a Ultramar aa Casa Sancta de Jherusallem , con- >» quistada havia quatro annos de Christaós. . . . E quan- » do de lá veo, trouxe muitas relliquias de Sanctos : antre » as quaes foy huum braço de Sani Lucas Evangelista. . . «>.... E a rogo de Sam Giraldo , que entom era Bis- " po de Braga , deu parte delle aa See da dieta Cidade. >» 4. Com este Chronista se conformou Manoel de Faria e Sousa no Epitome das Historias Porttiguezas Part. III. Cap. 1., vacilando com tudo quanto ao anno desta empre- za, e deixando a outros o conciliar mais de espaço o tem- po , e seguir o mais provável, (a) Porém já o Senador Duarte Nuno/, do Lião na sua Chronica do Senhor Conde D. Henrique^ a pag. 43 da Ediç. de 1784 se tinha pro- posto a confutar nesta parte ao Chronista Duarte Galvão, acumulando conjecturas de bastante pezo , com que pare- cia ficava desvanecida a verdade, e até a possibilidade da- quella empreza militar , ou devota peregrinação. 5. Fr. António Brandão , Escritor sisudo , e assas judi- cio- (» populando rcstaurare consensu Rcctorum patric , sive " Dominorum Henrricii Comitis , arque Monionis Consulis '» Castrum , vocábulo Sancta Columba , território Visense , " subtus Castello Balcstarios , discurrcnte rivulo Huone , " quod lírmitatis scripture testatum a Dei famulis nomina- »' tis inveni , Monio Cíunsalviz, et Ovcco Garciani. j» 9. Continua dizendo, que mandando aquellc Governa- dor occupar violentamente parte da mesma Terra , se mo- veo pleito perante Suciro Mendez , e a Senhora Dona Tc- reza na ausência de seu marido , o Senhor D. Henrique , a esse tempo na jornada de Jerusalém : e depois em segunda instancia na presença do Imperador D. AíFonso VI. , que então estava na Villa de Lili ^ aonde também se achou pre- sente ?ua filha a Senhora Dona Tereza , com outros Magna- tes. Sao notáveis as seguintes palavras deste Documento: t Contra hanc itaque populandi ceptioncm erectus qui- » dem miles adversans , nomine Mídus , Dux supranomi- > nati Castelli Balestarios , scicns jam loca per términos » testamentis inventos me esse signata , ante mittens ho- ' mines suos precepit virtute sue potestatis sibi prodendas , > quia hercditans labf,;rare : de quo facto pervenimus dis- > cordanter contrariantes coram Consuiibus terre Suario Me- » nendiz , atque ircorc Comitis Henrrici Tharasia , plolis Ade- 5 fonsi Impcratoris , ad quibus convenicnter consilium ac- > cepimus , ut qunnrum suos homines rumpcrant, habuisset > usque ad veu'ita;n Comitis de Jerusalém , tihi crat \ et quan- > do veriisset ^ quod ipse mandasser, fecissemus : et concor- ) dant in vita ipsi Midi sibi , et Monasterio supradicto Laur- j bano prodcndum ilijudicare usque presentiatn Heunici Co- > mitis , qiii et geiícr Imperatoriu Hoc acccptum judiciam , 5 et missis utrique fidejussoribus in ceniuin , centum .soli- » dos j penitencie ipse supradictus miles ductus , sprevit >» hoc j DAS SciENCIAS DE LlSROA. IJI » hoc ; et r.cccpto itcncre perrexit in Castclla ad quere- » Jaiulcun S'j Iir.pcrntori. Q^iod iit ego veraciccr agnuvi , j» cicius posL cum pcrgens , Scc. " 10. Depois da Noticia da decibâo final deste pleito se- guc-sc huma Convenção entre o Prior F-uscbio , e o Go- verníulor Al ido , celebrada na presença de 14 Testemunhas , inckiido o Notário, Meuendtts Prebiter , cuja data hc a se- guinte : > torc Adetonso Regnum Spanie Christianurum : Gcnere >» ejus Henrritio Portugalie , et Colimbria : sub quibus et » Munio Vcilaz Viseo , atque vicinias ; coram quo ego " Midus , qui Kartam facere construxi , et testibus robora- j> vi. &c. J» 11. A' vista do extracto deste Documento coevo, tao auctorizado, e sem suspeita alguma de falsidade, que aca- . bo de referir, perdem toda a sua força as conjecturas de Duarte Nunez do Lião. Não he esta a occasiao opportuna de entrar no exame individuado de cada huma delias ; po- rém não devo omittir, que de todas cilas parece ser o mais solido fundamento da opinião de Duarte Nunez o dizer elle , que desde o anno de 1051Ó , em que os Principes Christãos passarão á Terra Santa ate ao anno de 11 12 , em que o Senhor Conde D. Henrique falleceo, se achão Doa- ções firmadas por ellc por todos esses annos ; ou ao menos interpoladas de maneira que não era possível no tempo ter ido á Conquista , ou ainda somente á Romagem : pois para tudo necessariamente devia intervir demora mais ou menos prolongada. Ao que já respondco Brandão , que no referi- do anno de 1103, (ou Era de 1141) não ha Escrituras, que convenção a sua assistência em Portugal , ainda que se encontre em algumas o seu nome , mencionado como Se- nhor da terra : e poderia affoutamente acrescentar , que não só neste anno de 1103 , ou Era de 1141 , mas também na antecedente, e seguinte de 1140 , e 1 142 se verifica o mes- mo, como se mostra pela Serie Chronologica do Extracto de iji Memorias da Academia Real de Documentos , iMomimcntos , e Códices , que forma o Appendicc IX. da Dissertação VI. no Tom. III. Pait. I. das Dissert. Cbronol. e Critk. , laboraiido os dous Documentos dos N."' ii6 c I20 deste Appendicc nos defeitos, ou no- tas de suspeição , que ahi se ponderao. i;. Por tanto fica sendo muito possivel a jornada do Senhor Conde D. Henrique á Palestina no decurso duqucl- les três annos : e já agora não pode padecer a nitnor du- vida á face de prova tão positiva , qual o referido Docu- mento do Livro Preto , de que Brandão não chegou a ter noticia; aproveitando- se alias a cada passo de Iixtractos , e Integras de Escrituras deste Códice , que citou ou produ- zio em abono dos seus Escritos 13. Seja-mc ainda permittido reáectir, que este mesmo facto histórico , o qual ate ao presente se reputava ser tão duvidoso , como era debatido n'um interminável conflicto de conjecturas , no meado do Século pasmado foi julgado digno assumpto para hum Programma Académico , e distri- buído a dous bcp.emeritos Sócios. Sobre elle se dissertou eruditamente; {a) porém a questão proposta ficou inde- ci- (rt) Mo Tomo V. da Collecção da Academia Litúrgica a pag. 450 e seg. se ncha a T.ibell.-» dâ distribuição feita cm :5o de Junho de 1762 dos Pontos p.ira o anuo seguinte , enrre os qiues para o din 16 de Abril de 1765 nesta tórina : — í>e dissertará na Historia Écciesiasrica : Se o Conde D. Henrique da Lusitânia ft i á Palestina a guerra sagrada: Utiton HciiricHS Luútanix Comes cama helli sacri PaLcstinam icrit. Dissertarão neste Pon- to : O -Siir. Fr. António Caldeira , Monge de S. Brnardo : O Shr. D. António da Madre de Ueos , Concho Regular , em Latim. — Com ef- feito no Tom. V\. da mesma Collíci^ao Congresso Vil,, desde lug, 405 até 4)0 se imprimio a Dissertação Latina de D. António da ^^.•-,c!re de Deos. F, como todos os Sócios podiáo fazer Disserciçào em ijuaiquer dos pontos , ainda sem l.Ke ser distribuida , dissertou também em Latim so- bre o mesmo ponto Fr. Bernardino do Santa Roza , Dominico : c a sua Dissertação se imprirrio no cit. Tom. VI. desde pag. 451 até 445. Não vi ainda impressa , ou manuscrita a Dissertação do Chronista Fr. António Caldeira, em Portuguez : parece com ludo, que não setii desconhecida ao Tr.Tductor , e Annotador da Hiuor. de P(irt!:\;al pot Mr. de La Cie-íe, pelo que deixou escrito no Tom. Hl. paj;. ;6 c ^7 not. 21. — A joriLida para Jeruódlem se assentou a requerimento de Pedro no Concilio de Clermont em lOpj. Partio o e.Kercito em 1056 , e jeiusa- DAS SciENCIAS DE LlSEOA. 1 5^ J cisa , como J'antcs era , por falta dos competentes subsí- dios. Para desentranhar estes do pó dos Cartórios do Rei- no , aonde jazião , e ainda jazem sepultados, se tem afadi- gado com 7,ello , e actividade os nossos Litteratos ha qnasi hum Século. Muito se tem conseguido descuhrir ; mas o que acabo de expor ajuda a convencer-nos do muito , que ainda resta a fazer. 14. A Academia Real das Sciencias desde o seu glo- rioso estabelecimento , persuadida constantemente desta ver- dade , não tem cessado de promover por todos os meios , que estão ao seu alcance, os progressos neste ramo de Lir- tcratura Nacional ; nomeando ultimamente huma Conimissão de Historia , e Antiguidades ; a qual , além de alguns ou- tros trabalhos, que fazem parte desta sua tarefa litteraria , se propò/. •desde logo a arranjar , c dispor a publicação da vastíssima CoUecção de Documentos inéditos para a Histo- ria , e Legislação Portugucza, ha tanto tempo promcttida; mas até agora demorada por obstáculos insuperáveis. Icm foi tomada em icpj». Nesta occasiáo não foi o Conde D. Hentique a Jerusalém : e Fr. António Caldeira mostra que nunca lá foi pelas Escri- turas, que acbuu. — Tom. ir. Part. 11. U TA- jTKTI Oâ T A BOAS D O NONAGÉSIMO PARA A LATITUDE DE LISBOA, BBDUZIDA AO CENTRO DA TERRA 38» 27" 22", SUPPONDO A OBLIQUIDADE DA ECLIPTICA 23° 28' o", POR Francisco António Cies a. U ii T A B o A í^:^?iá=^:á^^=ir:í=i:í=^!^^^!a (,<[ Taboa das Longitudes , e Alturas do Nomgesimo pata a Latitu- (( de de Lisboa ^8" 4j'. Ascensão recta do McriJiíino. O HorAS. Lensitíijc, 12 27' I 12 14 32 12 2 2 II 49 33 II 37 4 II 24 36 Altu 5 II 12 9 j IO S9 4- 5" 10 47 16 S 10 34 50 f 10 22 25 5^ 10 10 o S 9 57 SS S 9 4) II 5" 9 3i 47 j 9 20 24 9~8 I 8 SS S" 43 K^ 8 3' 5- 8 18 4) 8~"6 24 7 54 4 7 41 45 7 29 26 7 17 8 5 7 4 50 5 ^ 52 33 5: 6 40 16 j 6 28 o 5 ^ 15 4? 5r 55 55 55 55 55 12' 18 24 30 3J 41 59" 4' ^3 4 44 24 íJ 75 56 5± 56 í6 56 56 56 56 56 56 56 57 47 52 4 9 4 43 22 o 37 15 20 ^6 3^ 14 51 28 4 39 Diffi, 48 )4 59 14 49 -3 57 57 57 57 57 n 6 22 27 33 34 6 37 57 57 57 57 58 38 44 49 55 o 36 5 33 XI HoMs. Ascensão recta do Meridiano. 5' 41" 5 42 5 41 5 40 5 40 5 40 5 39 5 39 5 5 38 37 5 37 37 37 3^' 35 35 35 34 34 "2 5 32 5 31 5 31 5 30 5 29 5 29 5 ^9 5 ^8 M. 60 59 (( 58 I 57 l 56 » "I 54 53 5i 5Í S) 46 S) 45 ^í I 41 1? 40 » 39 38 37 36 íl 34 33 3i 31 30 ^' !^^^=^^^Sf XVI T A B o A Tahoa /ias Longitudes , e /Htttras do Noragesimo par tudt de Lisboa j8° 45'. 15-8 XVI T A B o A Tahoa daí Longitudes. , e Alturas do Nonagésimo para a Lati- ^ tilde áe Lisboa 58" 45'. 5) « As cciisãõ recta tto Mfriíltano. ^^ I Hora. ^ M. Longitiiííc. comm. Ltf/ig^ifíií/f. Altura. oií/"-. "" 0 0' 29° 49' 18' \z' 5" 5 5 S' 0" 10' 4V' 60" 40' 27" 5' 11" 60 1 I I 0 I 23 T7. 4 29 5-8 ;8 Co 45 38 5 II ^9 g 2 I 0 13 28 I 2 4 29 46 33 í)0 50 49 5 9 5 9 >« í? 3 t 0 25 33 4 29 34 28 óo 55" 58 ^7|f 4 t 0 37 37 4 4 29 22 24 6i r 7 56 I)) S I 0 49 41 12 4 4 29 10 20 61 6 16 5 9 5 7 5 7 5 <5 5 5 54 1 5^ ?/ 52 f 6 t I I 45 12 4 4 4 4 28 58 16 61 II 23 7 I I 13 49 4 28 46 r: 1^1 16 50 8 I I 25- f3 4 28 34 8 61 21 36 9 I I 37 f6 12 3 4 :8 22 5 61 26 41 51 p> IC I I 49 J9 12 3 4 28 10 2 6t ;i 46 5 5 5 4 5 3 5 3 50 1>; II £222 11 3 3 4 27 í? S9 61 ?ó JO 49 \ 48 1 47 >? 12 I 2 14 J 12 4 27 4? ?6 61 41 5^ M I 2 26 8 .1 4 27 33 53 61 46 5-^» 14 t 2 38 IO 12 2 4 27 21 yi 61 yi 59 5 3 46 ) 15 r 2 5-0 12 12 2 4 27 9 49 6r 5-7 r 5 2 45 |) lí I 3 2 14 1 2 12 2 2 4 26 57 47 62 2 2 5 I 5 I 44 \ ir r 3 14 !Ó X 2 T 4 26 4J 45- <^2 7 3 5 0 43 (f li^ I 3 26 T7 4 2<> 33 44 62 12 3 42 f 19 I 3 38 19 12 2 4 26 21 41 62 17 2 4 59 458 4 58 4 57 4 5^ 41 3 20 i 3 jo 20 li 12 T 2 1 I 0 4 26 9 40 1^2 22 0 40 3) ^9 ^ 38,^ 37 >> 21 r 4 2 21 4 25- )7 38 í;2 26 5-8 22 1; I 4 14 21 I 4 26 22 12 I 4 2? 4> 38 4 25 33 ^7 62 31 55 62 36 51 24 I 4 38 22 12 U 4 25 21 37 02 41 46 4 55 36)5) 2y I 4 50 23 12 12 17. 1 0 n 4 25- 9 37 62 46 40 4 54 4 53 4 52 4 52 4 51 450 35 'J) 26 I 5 i ^3 4 24 57 37 62 51 33 34 |) 27 28 I j 14 23 I f 26 25 12 0 4 24 45 37 4 24 33 37 62 56 25 63 I 17 33 15) 32 S") 29 I ^ 38 23 12 0 4 24 21 37 63 6 8 31 ^ 3<^ I f ?o 22 11 í)9 4 24 9 38 63 10 58 30 ;,) X H Ascensão recta oras. íio Meridiano. -^:Í?=C:Í=:^^=^^Í?(» Pií^ri?^:^:^^^^^:^^ i XVI T A B o A XJ9 <5j Tij/íOrt das Longitudes , e ylhuras do Nonagésimo fará a Lati- J)) i 36 < 9 V 5-1 9 49 49 10 1 46 10 i^ 4í 10 25" 41 10 37 38 10 49 3? 11 I 32 II 13 2p II rf 26 II 37 22 II 49 19 D\ffa: comm. 11' 59" 59 59 59 59 59 59 59 58 í8 58 5-8 58 58 57 57 57 58 58 58 57 57 58 57 57 57 57 57 5(> 57 ' I II II n II II II II II II II II II II II ri II II II II II II n II II II > I II II hoití^Uude, 4* H" 9' 38 4 25 57 40 4 23 45 41 4 23 33 4^- 4 23 21 43 4 23 9 44 4 22 J7 4j 4 22 45" 46 4 22 33 47 4 22 21 49 4 22 95-1 4 21 4 21 4 21 4 21 4 21 57 52 45 54 33 5Ó 21 58 10 o 4 20 4 20 4 20 4 20 4 20 58 4Ó 34 22 10 5 7 9 II 58 14 46 17 34 19 22 22 10 25- 4 18 4 18 4 18 4 18 4 18 58 28 46 31 34 34 22 38 10 41 Altiífíi. 63° ib' 63 15 58 48 20 25 37 25 12 63 34 58 <^3 30 63 39 «^3 44 6^ 49 63 53 6i 58 44 30 15 59 43 64 3 64 8 64 12 64 17 64 22 26 50 I r 64 26 64 31 64 3^ 64 40 64 4) 49 28 5 41 17 64 49 <^4 54 6458 65 3 65 8 52 26 59 31 3 65 12 65 17 65 21 6^ 26 6y 30 34 Dif/cr. 450 4 49 48 47 46 4Ó 46 45 44 44 43 4^ 42 4c 41 38 38 37 36 ;6 35 ?4 33 32 32 31 30 29 20 28 M, » X Horas. Ascensão recta do Mcruilano. :8 -? 27 2) 26^; _25:^> 23 í> 22 )) 21 ií) IO rÍ> 18 íí> Ij'j) ^' 12 2) io:>) 7» (>» 5» 2» i6o XVI T A B O A ^ T/i/'Crt 49 19 12 I 15 12 13 12 11 2J 8 12 37 4 12 49 I í3 o >7 13 12 53 13 H 49 13 36 46 13 48 41 14 o 38 i4 li 3? 14 M 31 H 36 28 14 48 24 ly o 20 15- 12 17 I? :4 13 i? 36 y 15 48 s 1602 16 II j8 16 23 54 16 3, 51 16 47 47 í6 59 43 17 11 40 '7 23 3Ó 17 35" 3^ 17 47 28 Dijtcr. colune. r i' jó II 57 II y(> II jó II 57 II 56 1 1 j6 II 56 II f7 II 56 II 56 II 57 II » » í7 ,ro r> ^ X^^I T A B o A Taboa das Luii^iiudes , e Aliaras do Nonigesimo fura a La tilde de Li>boa ^8° 45'. l6t ti. l Longiliide. 1-17' 47' 28" 17 S9 ^5 18 II 2£ 18 23 17 18 3) 14 18 47 10 18 f9 s 19 1 1 2 19 22 58 19 34 S5 19 46 J2 19 5-8 49 20 10 45^ 20 22 42 20 34 39 20 46 3f 20 5'8 32 21 10 29 21 22 25- 21 34 22 21 46 19 21 58 16 22 10 13 22 22 II 22 34 8 22 46 5 22 58 2 -3 9 59 23 21 56 ^3 33 Í3 23 4f 51 AiccnsSo recta do Meridiano, 11 Horas. coinm. II 57 II 56 II fó II í6 II 56 II 55 II 57 1 1 56 II 57 II 57 II 57 II 56 II 57 II 57 II 56 II 57 II 57 II 56 II 57 II 57 II 57 ti 57 II 5S II 57 11 57 II 57 II 57 ■I 57 II 57 II 58 Longitude. 4' 12" 12' 32' 4 12 O S5 4 II 48 39 4 " 3<> 43 4 II 24 46 411 12 50 411 o 5-j 4 10 48 58 4 10 37 2 4 10 2J 5" 4_^o_i3_8 4 10 III 4 9 49 15 4 9 37 18 4 9 ^5 21 4 9 13 '-5 4 9 I 28 4 8 49 31 4 8 37 3J 4 8 2í 38 4 8 13 41 4 8 I 44 4 7 49 47 4 7 37 49 4 7-5 5^ 4 7 13 55 4 7 I 58 4 6 jo I 4 6 38 4 4 6 26 7 4 6 14 9 Ah tiro '^7" 37' -,-.■' '->7 41 34 i7 45 33 67 49 3' Ó7 53 28 67 57 ^5 68 I 20 Ó8 5 15 '>8 9 9 Ó'J í3 3 68 16 55 .'j8 20 46 Ó8 24 37 68 :8 27 58 32 15 68 36 3 68 39 49 68 43 35 68 47 20 68 51 3 68 f4 45- 68 58 z(y Ó9 2 -^ 69 5 46 69 9 24 69 13 2 69 j6 39 69 20 14 Ó9 23 49 69 27 22 69 30 55 Tom. IX Horas. Ascensão ncia do Meridiano, /r. Prtrí. n. X d;/)íV;-. ;ií. 3 59 3 58 3 57 3 57 3 55 3 55 3 54 3 54 3 5i 3 51 3 51 3 50 3 49 348 3 46 3 46 3 45 3 43 3 4^ 3 41 3 41 3 39 3 38 3 38 3 37 3 35 3 35 3 53 3 33 TÀ 28» 26 s) 24'^) 23 >^ 21» 20;>) 9:^p 8» 7» 6)> 4^) 3 >? °^) o» JL^ 4 3 ^^> 2) xGr XVI T A B O A (\ Tah'ja das Lc>\\^itudes , e Alturas do Non.ii^esimo para a Lati- ^ tilde de Lisboa 58° 43'. M. « I SS 4 « 7 «10 :6 |Í7 14 "^ 26 hon^ittide. •2í°45'5i' -3 57 4S 24 s> 46 24 li 43 24 Í3 41 24 45 -8 24 S7 36 ^5 9 34 25 21 32 '■5 33 ,° 25 45" 28 2) 57 26 21 i7 2 : 22 26 45 20 26 57 19 27 9 ;8 27 21 17 27 í3 16 27 45" 15" 17 57 15 28 p 14 28 21 ij i8 ;:; !• 28 45 i^ :^8 57 M 2? 9 12 29 21 12 -9 ^3 13 29 45 13 Atceníão recta do Meridiano, 111 Horas. Longitude. Altura. B.ffcr. comm. íi'57" ir 58 II S7 ir 58 it ^7 II 5^ II 58 11 58 II 58 .1 58 ri 50 II 58 II 58 II s^ 11 58 u 59 II 59 II 59 11 59 II 59 12 0 II S9 II 59 12 0 12 0 12 0 II S9 12 0 12 1 12 0 4 3 50 55 4 3 ^8 37 4 3 10 38 4 3 H 40 4 3 2 41 4 2 50 42 4 ^- 38 43 4 2 2Ó 44 4 1 14 45 4 2 2 45 4 I 50 46 4 I 38 47 4 I i<^ 47 4 ^ 14 47 4 I 2 47 4 o 50 48 4 o 38 48 4 o 26 47 4 o 14 47 69° 30' 55" 69 34 26 69 37 56 Ó9 41 25 (") 44 53 69 48 19 69 51 45 69 55 9 69 58 33 •'O 1 55 70 5 '7 70 8 37 70 11 56 70 15 i5 70 18 33 70 21 51 70 25 6 jo 28 21 70 31 35 70 34 4^^ 70 ;7 59 70 41 10 70 44 19 70 47 28 70 50 35 70 53 41 70 56 47 70 59 52 71 1 55 71 5 57 71 8 59 Dlffer. 3' 31" ■> .-i^ 26 M. E:^^>í^:?.ÍK5^^-?^:ís^í=5 VHI Horas. Àuenfiío iffíáí i/t> Meridiano, 1 XVI T A B o A Tíiboa das Longitudes , e Alturas do Nonagésimo para tude de Lisboa M. ^^]° < 33 «34 <<;36 «39 % 40 í % 42 «43 «44 48 13 57 9 9 9 21 9 33 10 45 " 57 12 9 12 21 13 33 13 45 13 2 I 2 2 2 2 2 2 2 2 57 13 9 13 21 14 33 17 4.- 20 57 21 9 22 21 23 33 -^5 45 i6 57 27 9 30 21 32 33 34 45 34 2 4 1 5 1 5 i 5 2 5 57 3í 9 37 21 42 33 44 45 47 D,fjcr. comni. Lonsitudc i'56" 2 o o I I I o o I o o o I 3 3 I I I 2 I I 3 2 2 o I 2 5 2 3 VIII Horas. Ascensão recta do Meiidiano. iÍf=Ça?^:í'^í=%í»=5:;=^í«!:F^Í-^ X ii 1 <Í4 XVI T A B o A Tal'0.1 das Loní(ituAe! , e ylhurns do Non.igesimo para a Lati- tiule de Lhbnn .'H° 4^'. I Ascensão recta do Meridiano. IV Horas. ■ M. Lon^iíude. Differ. coimn. Lon ptude. Altura. i?;/_/.,-. ;ií. 0 2' 5" 4?' 47" 12' 3' 3 3' 24" '4 13" 72" 30' y8" 2' 28- 60 I 2 )■ 57 50 T 1 3 24 2 10 7i 33 26 2 28 59 ^ 5 2 2 ^5 9 53 6 2 1 5,', 12 3 3 23 23 50 7 38 4 72 7i 3J 54 38 19 2 25 58 57 4 2 <^ 33 59 12 3 ^3 26 I 71 40 .^4 2 -5 56 5 2 6 46 2 I 2 i 3 -3 13 í8 72 43 7 2 2^ 55 6 "i 6 ,-8 s 12 5 3 4 3 1 ^3 I 5) 72 45 29 7, 7n 54 7 2 7 10 8 12 3 22 49 52 72 47 49 T 19 17 53 8 9 2, 7 22 12 7 34 I'- 12 .■> 3 22 22 37 48 ^5 45 72 72 50 8 52 25 2 52 51 10 ■> 7 -.6 19 t2 12 4 3 22 13 41 72 5-4 42 2 i/ 50 11 "t 7 58 22 3 4 4 3 22 I 38 72 56 56 7 14 14 15 49 12 2 8 10 26 [2 3 21 49 34 72 59 10 T 48 if5 2 8 22 30 3 21 37 30 73 I 2J 47 '4 2 8 34 34 12 4 3 21 25- 26 73 3 39 l 14 4Ó I? -> 8 46 38 12 4 3 21 13 ii 73 5 51 í 12 45 16 2 8 58 43 rz 5 4 4 3 21 r 17 73 8 2 7, I 1 9 9 6 6 44 17 18 2 2 9 10 47 9 i- 51 12 5 20 20 49 13 37 9 73 73 10 II 12 20 2 43 42 19 2 9 34 5Ó 5 3 20 25- 4 73 14 26 2 41 23 2 9 47 0 [2 4 3 20 13 0 73 16 32 2 40 21 22 2 2 9 Í9 5 10 II 10 12 5 5 3 3 20 19 0 ^^ 48 50 73 73 18 36 20 39 2 4 3 39 38 ^3 2 10 23 14 4 3 19 36 46 73 22 40 37 24 2 10 3j 19 5 3 19 24 41 73 24 40 56 55 36 ^-5 T 10 47 24 12 í) 3 19 12 36 73 26 36 35 , 5 ,26 2, 10 59 ^9 12 5 5 5 3 19 0 31 73 28 31 54 52 50 34 27 U9 2 2 2 II II 34 " 23 39 II 35 44 12 12 3 3 3 18 18 18 48 26 3Ó 21 24 16 73 73 73 30 ^5 32 17 34 7 33 3^ 31 30 '2 II 47 49 5 3 18 12 II 73 35 57 5^ 30 VII Horas. Ascensão recta do Meridii XVI T A B o A lÍT 'labo.t dai Longitudes , e Altu tilde de L <ís do N'onagesinio p,ira doa j8° 45'. a Lati- Sb ir 'i) >) 19^) i4:>> Ascensão rei: IV a da Aícnditmo. Horas. M. « I 31 53 34 11 3<5 37 38 39 40 41 42 43 44 ÍL 46 47 48 49 5'3 54 5T 56 57 J8 S9 60 ntiids. II* 47' 49 11 í9 5-6 12 12 I 12 24 6 12 36 II 12 48 16 13 o 21 13 12 27 13 M 13 36 8 13 48 44 14 o $0 14 12 56 14 25: 2 14 37 9 14 49 15- i> 22 29 15" 25 3*^ 15 37 43 15" 49 51 2 16 I 5:8 2 16 14 6 1 16 26 14 2 16 38 23 2 16 50 30 17 2 38 17 14 46 17 26 55 17 39 3 17 fi 12 d;//-..-. conim. 12 7 12 5 12 S I z 5 12 5 12 5 I z 6 12 5 T ^ 6 12 6 12 6 12 6 12 6 12 7 12 6 12 7 12 7 12 7 ? T 7 12 8 12 7 12 8 12 8 12 9 12 7 12 8 12 8 12 9 12 8 I; fj 8° 12' II' 804 7 47 59 7 35 54 7 23 49 7 II 44 59 39 47 33 35 38 23 22 II 16 5 S9 ío 5 47 4 5 34 58 j 22 51 5 10 45 58 38 46 31 34 24 22 17 10 9 3 58 2 3 45 54 3 33 46 3 21 3 9 37 30 S7 45 33 14 5 20 57 8 48 Aliii 35' 57" S7 43 39 29 41 15 71 4i 59 73 44 43 73 73 73 73 4Ó 25 73 48 9 73 49 52 73 51 34 73 53 15 73 54 55 73 5<^ 33 73 58 II 73 59 47 74 I 22 74 74 74 74 74 2 55 4 28 5 59 7 26 8 ^2 74 10 17 74 II 41 74 13 4 74 14 24 74 15 43 74 17 2 74 18 :o 74 19 36 74 20 sz 74 22 6 d:j/: M.l '46" 4Ó 46 44 44 42 44 43 42 41 40 38 38 3<^ 35 33 33 31 27 26 25 24 23 20 19 19 18 16 16 14 V) » 8 li VII HoMs. Alcensno recta do Míridiano. 313^ ?■■ .^.. i66 XVI T A B o A (^ Tahoa das Lon-^itiides , e Alturas do Nonagésimo para a Lati- ^ (i' ' tude de Lisboa 58° 45'- j) í M. Ascensão recta i/i> Meridiano. V Horís. htm^iiuHe. 18 3 19 18 15- if 18 27 33 'S 39 "39 18 çi 46 19 3 54 19 16 I 19 28 19 40 8 «5 19 52 24 4 3^ 16 40 20 20 20 28 48 20 40 ^6 20 53 4 ^i S 13 21 17 21 21 29 30 21 41 38 21 5'3 47 22 <) 56 22 18 5" 22 30 15- 22 42 24 22 54 32 Dj/jfV,-. comm. 23 6 42 23 18 52 ^3 31 2 23 43 10 23 í? 17 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 12 IO 12 9 12 8 12 IO 12 IO 12 10 12 8 12 7 Lon^ituJe. All.i 3' 12° 8' 48" 3 " 56 41 3 II II II II 44 35" 32 27 20 21 8 14 3 10 56 6 3 10 43 59 3 10 31 5^ 3 10 19 4? 7 3<^ 9 S5 18 9 43 20 9 31 12 9 19 9 6 4 5^ 6" -3 74 li 74 23 74 24 39 74 25" 54 74 27 74 -8 7 19 74 29 29 74 30 74 31 74 31 74 33 39 49 53 58 8 54 47 8 Al 39 8 30 30 8 ■ 8 lo 22 6 13 7 54 4 7 41 55 7 29 45 7 17 3<^ 7 5 28 3 ^ 53 18 3 6 41 8 3 á 28 58 3 6 16 50 3 6 4 43 74 35 74 3*^ 74 37 74 38 74^39 74 39 58 74 40 53 74 41 46 74 42 39 74 43 30 74 44 19 74 '^5 7 74 45 54 74 4*^ 40 74 47 2<> 74 48 74 48 74 49 74 50 IO 54 16 74 50 55 VI Horas. Ascensão recta cio Meridiano. 2?^=;= V:í=>=?^^^=5=^:í=^^ =^-!?^^?= ^Isí^í^ =^£?^:á? !^^?^í ^^^ J>(//lr. iVÍ. 39 37 'íi 35 > XVI T A B o A 1Í7 w^^-^i^:^^^'^-; ii-^iijli Tahoii das Longitudes , t Altuias do Nonagesino par.i a Ldii- tude de Liiboa jS" 45'. Ascensão recta do Mcrliliano. jj V Hor.is. ^ M. I.»Hg-íí/(l/f. íomm. Longitude. AUura. D,ffer.\ M. i 1 (i 30 i' 23" 5?' 17" 11' 7" y (>" 443' 7A'50 55' o'38'' 30 31 z 24 7 24 12 7 3 ^ ^i 36 74 ri 33 0 37 '? 3^ - 24 19 31 12 9 12 10 3 í 40 29 74 51 10 0 35 28 33 2 24 31 40 3 j 28 20 74 Ji 4? •'■' 27 (^ ° 34 ; ,J í ° 33 ' 2j ) 021 — ^ — ' 34 2 24 43 5-0 '3 < 16 10 í!!° 3 5 4 0 74 51 19 3^ 2 24 56 0 74 53 5- 36 i 25- 8 10 I2 lo ,3 4 yi 50 74 5-4 23 ^ 3' 1 0 30 24 í 37 2 25- 20 :o 12 9 '3 4 39 4^ 74 54 55 0 29 -D 1 38 2 25: 32 29 12 II 3 4 17 31 74 55 22 0 28 3'; - 25- 44 40 12 9 3 4 if 20 74 55 5" 0 27 O 2J 0 23 21 1 40 2 2^ 56 49 3 4 3" 74 f6 17 20 . 41 2 26 8 J9 12 10 3 3 5-11 74 56 4- 19 41 i 26 21 9 12 7 3 3 3^5 5^1 74 57 5 0 23 18 43 2 26 33 16 12 10 3 3 26 41 74 57 28 0 21 J7 16 44 2 26 45- 26 12 9 12 10 3 5 H 3^ 74 57 49 0 20 4'i- - 26 57 3J 3 3 2 23 74 58 9 0 18 15 46 2 27 9 4)' 12 9 3 i ro 14 74 58 27 D 15 14 4" 2 27 21 54 12 9 12 9 12 10 12 9 12 IO 3 ^ 38 J 74 58 42 D 18 13 48 1 i7 34 3 3 2 25- f6 74 59 0 0 15 0 14 0 13 o II 12 49 2 27 4^ 12 2 27 j8 22 3 2 13 47 3 2 I 37 74 59 15 74 59 29 II 10 Ji 2 :8 10 31 3 I 49 i7 74 59 42 9 5-2 1 28 22 41 12 10 3 I 37 18 74 59 51 0 IO 8 51 J4 2 28 34 JO 2 28 47 0 2 28 J9 12 12 9 ■2 12 12 :o 11 IO 3 I 2^ 8 3 I li Í9 3 I 0 49 75 0 3 75 0 12 75 0 19 0 9 3 8 3 6 3 4 -> 3 7 6 5 .6 z 29 II 22 3 0 48 39 7S 0 28 4 Ç8 2 29 23 32 2 29 :j 41 11 9 12 9 3 0 36 :9 3 0 24 19 75 0 32 75 0 35 3 2 T9 2 29 47 5-0 3 0 12 10 1 7? 0 37 I 60 3 0 0 0 12 70 13 0 0 0 17^ 0.8 0 I c VI Hor.í:. Asccnstí 0 recta do Mcná •IIW. fè^:í=^^=í:í=^í'^ÍS=^í=:^i?^ !S -^^í^sysíí^;^^ fif SI3V OT i62 XVI T A B O A ií??=á=í:=: Cs í Tahoa dai Longitudes , r j1hnras do Nonngcsinio para a Lati- tude de Lisboa 58" 45'. Ascensão recto Hd Meridiano. XI 1 Ilor.is. I I « « 1 I ím. Longitude. CQium, I2'29" toní^itaile. Alturn. Dijjer. 5'4á" M. 0 S'i^'i7' 1" 0' 17° 32' 59' S5''i2'S9'' 60 I S 12 39 30 12 31 0 17 20 30 55 7 i\ 5 46 5 46 59 2 5" 12 52 I 12 32 12 32 0 17 7 j9 55 1 27 58 i5 5" 13 4 33 0 16 ^^ 27 54 55 41 57 4 5" 13 17 5 0 16 42 5'5' 54 49 ?6 5 45 5 46 56 5 S 13 29 3« 12 3Í 12 34 12 35 0 16 30 22 54 44 10 55 6 5" 13 4- 12 0 16 17 48 54 38 ^5 5" 45 5 45 5 44 54 / 5^ 13 54 47 12 35 «236 0 16 57: 54 32 4c ?3 8 5 14 7 22 0 15 52 38 54 26 56 52 9 ? 14 19 58 0 15 40 2 54 21 ]2 5 44 51 IC 7 14 3^ 35- 12 37 12 37 12 38 0 15- 27 rj 54 15 28 5 44 50 II r 14 45 12 0 15 14 48 54 9 44 5 44 5 43 5 49 49 12 >' 14 57 51 12 38 0 15 2 9 54 4 I 48 i: r 15 10 29 li 39 0 14 49 31 53 5^ 12 47 M r 15 23 8 0 14 36 5-2 53 52 23 5 49 5 48 5 48 5 50 46 15 r'15 3f 48 12 40 12 40 12 42 12 42 0 14 24 12 53 46 35 45 lí 17 r 15 48 28 í 16 I 10 0 14 II 32 0 13 58 50 53 40 47 73 ?4 59 44 43 1^ ; 16 13 52 0 13 4Ó 8 53 29 12 5 45 5 48 42 19 r 16 26 35 12 43 0 13 33 25 53 23 H 4T 2C )- 16 39 18 12 43 12 44 12 46 0 13 2ú 42 53 17 37 5 47 40 21 )- 16 52 2 0 13 7 58 53 II 50 5 47 5 4Ó 5 4^ 5 4^ 39 22 24 ,- .'7 4 48 5 17 17 33 ,- 17 30 20 12 45 12 47 0 12 ^^ 12 0 12 42 27 0 12 29 40 5} ^ 4 53 0 18 52 54 32 38 ^5 ) 17 43 7 12 47 12 49 12 49 u 12 16 53 52 48 42 5 5^ 35 26 > I- 5? 56 0 12 4 4 52 42 52 5 50 5 50 34 27 ,- 18 8 45 0 II 51 15 52 37 2 33 28 ,- 18 21 5 12 50 0 II 38 25 52 31 II 5 51 32 29 5" 18 34 26 12 51 0 II 25 34 52 25 20 3 M 31 3c ç 18 47 17 12 51 0 II 12 43 52 19 29 5 >i ?o » 44. í' XXI Ascensão II Horas. via í/y iVIfrií lauo. XVI T A B o A léj» Taboa das Longitudes , e Jhtiras do Nonagésimo para a Lati- J>) tiidc de Liíboa 58° 4;'. jj) Asceniõo recta rio Míiidiíiiio, p' XII Horis. S> t « i 21 48 45" 22 I jo 22 14 57 22 28 4 22 41 12 22 5-4 20 23 7 3° 23 20 39 -3 31 51 -3 47 4 24 o 17 M n 3^ 24 26 47 24 40 4 24 51 22 25" 6 40 25' 20 O Differ. conini. 12 53' 12 57 12 49 12 55 12 55 12 56 12 57 12 f8 12 f8 '3 0 13 I '3 2 13 3 13 4 13 > 13 7 13 7 13 8 '3 8 13 10 13 9 13 12 13 13 13 13 13 15- 13 I? '3 17 3 18 '3 18 i; 20 Lo.igiluJí. O' II" O IO o IO o IO o IO o IO 12 43 59 50 46 53 34 4 21 9 8 14 Aliii O 9 O 9 O 9 O 9 O 9 55 4^ 29 18 21 2Í 16 25- 3 25 50 24 37 22 -4 19 II 15 5-8 10 f 2 19 29 52 13 3- 52 7 46 52 I 54 51 56 I 51 50 9 51 44 16 ^i 38 22 5^1 32 26 fi 26 31 5-1 20 37 51 14 r- Si 8 48 51 2 f3 ^o 5-6 59 50 51 5 31 56 18 48 5 40 52 30 21 9 í!9 26 12 jó 59 43 46 28 33 13 19 y6 6 38 53 20 40 o 50 45 1 1 50 39 18 5^ 33 24 50 27 27 fo 21 30 50 15 34 50 9 37 50 3 41 49 57 45 49 51 49 49 45 53 49 39 57 49 34 I 49 28 (> 49 22 10 Differ. XXIII Horas. Ii> Aíccnítio recta tív Meridiano. y\ ÍTow;. /^. Part. II. Y 170 « t í i XVI T A B o A Tabo. .1 das Longitudes , e Almas do Nonigesimo /7,ínj a La:itu- [!) df de Liihna ^8" 4;'. ik Ascensão rctta tio Mí-iiJumo. j) XI U. Horj?. 6 7 8 9 10 l Lonziiiide. 25° 20' o" 3Í 33 ^' 25 46 45" 26 o 8 2^ ^3 33 26 26 59 26 40 25 26 53 54 27 7 23 27 20 53 i7 34 25 27 47 57 28 I 30 28 17 y 28 28 41 28 42 19 comm. 28 5í 58 ^9 9 S8 29 23 2o 29 37 4 29 50 48 o 4 33 o 18 19 o 32 7 o 45 fó o S9 46 I 13 37 I 27 31 1 41 25 r 55 22 2 9 19 44 2 T9 6 9 5 30 14 44 n 20 54 30 43 30 49 I 60 6 9 20 I? 14 45 II 20 39 45 43 24 55 0 > XII Hor.is. AscciíSilo recta ilo Meridiano. 11 171 XVI T A B o A (^ T.tboa das Longitudes , e Alturas do Nonagésimo para a Lati- itide de Lisbca ^o" 45' I Asccnsão recta do Mcvuliano. XIV Hotis. Itiidí. II 20 39 4,- II 20 24 58 II 20 IO <) II 19 5j i{)' II 19 40 25: II 19 25^ 50 AllK II 19 IO 33 II 1% S5 34 II 18 40 33 II 18 25: 29 II i8 10 23 II 17 S5 16 II 17 40 6 II 17 24 5'6 II 17 9 43 ir 16 54 29 II 16 39 12 II 16 23 54 II 16 8 33 Tl 15 53 10 II 15 37 4^- 43 Hf3' 43 '9 3 43 í3 13 43 7 23 43 I 3^ 42 fs" 41 42 49 49 42 43 58 4^ 38 5 4- 3^ 13 42 26 20 42 20 ^^: 4- 14 33 4^ 8 43 4^ 2 53 41 ^^7 4 n ij 22 18 n 15" 6 49 II 14 51 18 " 14 3? 4 II 14 20 8 I I 14 4 29 II 13 48 47 II 13 33 4 II 13 17 18 II 13 131 41 51 lí 41 4? 37 41 3'; 50 41 34 3 41 28 !<.• 41 22 26 41 16 37 41 IO 47 41 4 57 4c J9 12 40 Í3 ^-' 40 47 44 40 42 c 40 :6 lí 40 30 33 XXI Hor.is. Ascensão recta tia ^Icrlíliafw. Difjcr. 50" ?o ÍI fl 51 JI ) )3 ? 5^ 53 53 54 5 50 50 49 5 49 5 48 í 47 5 47 5 48 5 49 5 49 5 5c 5 50 5 45 5 44 5 44 5 44 5 44 5 43 M. 60 59 58 57 56 J^ 54 53 5^ 51 50 49 48 47 4Ó 45 44 43 42 41 40 39 38 37 36 35 34 33 31 3^ -=^=^=^:?'^=i^'^'' sin-fl "* XVI T A B o A 175 ^ T/tboa íLis Longitudes, e /llturas do Non.igesimo para a Lãti- () tude de Lisboa ^8° 4?'. l J 23 li) 22 b!) 21» 20'^ Ascensão recta do Mendiajio. XIV Horas. 6 18 6 18 6 19 6 19 6 19 6 19 6 20 6 20 6 :o 6 20 Ir i 35 ^ 7:>) 9)5; 8^. 7>) ^» i:í) 4» 3^^ ^)) » SI3tf Oí» -.'^fííúr^ 174 XVI T A B o A Tahoa das Longitudes , e Alturas do Nonagésimo /v/r, tudí de Lisboa 58-" 45'. Ascensão recta ilo Meritítano, XV HoMs. i a Lati- J)) \ M. Longitude. 25 IO 29 2J 27 34 25 44 42 26 I yz 26 19 6 26 36 22 26 J3 40 27 H I 27 28 25- 27 45" S"! 28 3 20 28 20 ^2 28 38 26 28 56 3 29 13 42 29 31 25 29 49 II O 7 I O 24 5-3 0 42 49 1 o 46 I 18 49 I 36 J4 1 yy 2 i 13 13 2 31 27 49 43 8 4 26 27 44 53 3 ^^ Differ. coniíu. 8 12 14 16 18 21 7 24 26 29 32 34 37 39 43 46 50 7 J2 7 7 56 57 3 5" 8 II 14 8 16 8 21 8 23 8 26 8 29 Loniritti(Íe. 4" 49 4 3^ 15 58 40 ^3 26 i8 8 54 6 49 14 56 20 I 35 9 40 I 39 8 I 21 34 1 3 57 o 4Í 18 o 28 SS o io 49 29 5-2 59 29 35 7 29 17 II 28 59 14 28 41 II 28 23 6 28 45-8 27 46 47 27 28 33 27 10 17 2Í> ji j6 26 33 33 2Ó 15- 7 25 5<5 38 ////« 37^ 37 i7 37 37 37 43' 37 O" ^7 21 i5 22' 59 3Ó 14 53 33 37 37 37 3Ó 36 36 3*^ II 5 o SS 44 39 34 13 54 35 17 o 36 28 3<5 13 44 28 13 59 46 36 3<5 34 24 14 6 55 57 55 52 47 4^. 37 3- 5^ 47 43 40 37 35 35 35 35 ■•■5 27 22 17 12 7 35 34 34 -,6 39 DiOr.r. 5 23 5 ^3 5 22 5 21 5 20 5 20 5 19 5 19 5 18 5 17 5 16 5 16 5 15 5 14 5 13 5 12 5 10 5 10 5 8 5 8 5 6 5 6 y 4 5 3 5 1 0 5 2 5 I 5 0 4 58 4 57 XX Horas. Ascensão recta do Meridiano. 'O* XVI T A B o A 17^ Taboa dAS Longitudes , e Altwas do No;ugcsi(T.o fnr,i a L/iti- /) tilde de Lisboa 58"* 4}'. jj) Ascenião recta do Meridlii.iíi. XV Hor.;j. « í I. « is <<; « « M. 31 35 34 II 36 37 38 39 _40 41 4^- 43 44 4£ 46 4' 48 49 yo 51 52 ?3 f4 £[ J6 57 )8 ^9 60 ItíiJe. V 4" 3 " 7 42'?? 7 4 40 3^ 7 4 59 13 7 5" 17 íi 7 5 3^ 57 7 5 55 :i) 7 6 14 17 7 6 33 12 7 6 52 I X 7 7 1 1 1 2 7 30 17 7 49 25" 7 8 8 36 7 8 27 50 7 8 47 7 7 9 6 28 7 9 i? 52 7 9 4) '8 7 10 4 48 7 10 24 22 7 IO 43 59 7 II 3 4t 7 II 23 24 7 II 43 li 7 li 3 3 7 12 22 5'7 7 12 42 55 7 13 7 13 i^ 7 13 43 56 I 9 cttmm. %itnií. 8' j,''!io 25''^>6'38' 8 35 'O ^5 38 5 8 40 i'° ^í '9 3^ g^^ 102442 9 3^g,^4i3_^ 8 J2 8 59 9 I IO 24 4 35 10 23 45 43 10 23 26 48 49 Ahu ir 7 39 35 2 44 34 57 48 34 5i 54 34 48 I 34 43 9 !0 21 7 10 22 48 48 34 38 18 34 23 -9 34 28 41 34 23 53 34 19 7 10 22 29 43 10 22 TO 35 10 21 5'i 24 o 21 32 JO 10 21 12 5'3 10 20 5'3 32 10 20 34 8 10 20 14 42 10 19 yj 12 10 19 35 38 9 8 9 II 9 í4 9 '7 9 21 9 i4 9 26 9 30 9 :4 9 37 9 42 9 43 9 48 9 5' 9 54 9 c8 'O '7 37 á .0 T i'o '7 17 5 20 20 10 19 16 I 10 18 56 19 10 18 36 36 10 18 16 48 10 17 j6 5-7 34 14 ^3 34 9 59 34 4 57 34 o IS 35 55 35 53 50 55 33 46 17 33 41 40 3; 37 5 33 3i 34 33 28 3 35 23 35 33 í9 4 33 14 36 5^ 10 9 lio 16 57 4 > ;io 16 36 J9 ° 10 16 16 s'1 33 5 43 35 ' '9 32 56 56 32 52 31 32 48 12 Mf" XX Hora«. Asccnsõo recta do Mcvidiano. 15 ©■^ ^i?^ií=^í"=Ç:^^:?=^y ^ I7Í XVI T A B o A „ . ^^^^^^ w- ^- .._ ^^ -, ^_ ^_ „ .- 4:í=i:iR.:?5::ír~^Q (^ TíJÍ-ofl rfiis Longitudes, e Alturas do Non.igcsimo para a Lati- J|) ^(j fHí/c í/e Ltiboa 58" 45'. SS Aí. ' Longitude. 7'i;°43' 9" 14 3 20 14 n 36 14 43 ?4 i? 4 17 IJ 24 41 7 15 4J 10 7 16 J 42 7 16 26 18 7 ló 46 )7 7 17 7 48 7 17 7 17 7 'H 7 18 7 18 28 25 49 15 IO 8 .>i 4 19 19 19 20 20 13 8 34 '5 55 ^-5 16 38 37 55 7 20 7 2,1 7 21 7 22 7 22 5? 15 20 39 42 6 3 37 25" 12 7 22 7 23 7 23 7 23 7 24 46 8 30 5-2 4 '3 J? 32 16 Aíccitsão recta do Mcridiono. XVI Horas. Differ. coniin. 20 11" 20 ró 20 j8 20 23 20 24 20 29 20 32 20 36 20 39 io 43 20 45- 20 50 20 J3 20 5'6 21 I " 3 21 7 21 10 21 13 Lon'iitildc. Aliam. 10' 16" 16' Jl" 10 15 ^6 40 10 15- 36 24 10 if 16 6 10 14 55 43 10 14 35 19 32° 48' 12' "^2 43 54 3^ 39 41 3^- 35 27 10 14 14 jo 10 13 5^4 i8 'O 13 33 42 'O 13 13 3 10 12 52 20 10 12 31 35 10 12 10 45^ 10 11 49 52 10 II 28 fó 10 II 7 S5 21 21 21 17 20 24 10 10 46 52 10 10 25 45^ 10 10 4 35" 10 9 43 22 10 9 23 5 21 27 21 31 35 38 42 44 21 48 21 Ji 21 21 21 21 9 o 45 8 39 21 8 17 54 7 56 23 7 34 4S 10 7 13 10 10 6 51 28 10 6 29 44 10 6 7 ^6 10 5-46 5- XIX Horas. Ascensão recta do Mcndiú ^^ -:^^:5-F^^=^irí;i=^=?:^=^:^=^i:í?'e XVI T A B o A ^17 1^ Taboa das Longitudes, c Akur/is do Nonagésimo paia a Lati- JJ) J tude de Lisboa 58" 45'. J}) (jj Aiceiíi^o recta do MeriJiaiio. 19 XIV Horjs. >S -li. 33 39 40 I íi 41 . 43 i 44 45 ^^ 46 «47 8 34 14 57 44 21 17 44 51 8 28 32" 6 8 7 8 8 8 8 8 9 8 9 5S 47 19 30 43 15- 7 i 30 íi II 5-4 42 18 3í 43 34 6 35- ?4 43 18 50 43 o 7 n 55 4' 19 59 4J. 18 8 40 33 I cottim. 23' 30 -3 33 23 34 23 37 ^-3 38 -3 41 23 43 2.^> 45 13 47 i3 49 23 51 23 53 23 59 24 I 24 24 24 « y ?> 17 57 24 21 49 4<5 16 IO 45- 35- 16 24 10 24 II 24 14 24 16 24 18 24 19 24 22 24 21 24 23 24 2)- M 27 24 29 24 31 I-íiiigiiiide. 9*M°25-'4Ó 9 24 2 16 9 23 38 43 9 23 15 9 9 ^2 51 32 9 22 27 5-4 9 22 9 21 9 21 9 20 9 :o 4 í5 40 30 16 4> 52 58 29 9 9 20 9 19 9 19 9 i8 9 18 5 18 4t 25 17 26 53 25 29 22 9 18 9 17 9 17 9 16 9 16 5 17 41 10 17 CO 52 49 28 35- 16 15 15 í4 14 4 19 40 I 15 42 51 20 26 5-9 9 14 9 13 9 13 9 12 9 12 2 36 38 II 13 44 49 '5 24 44 Altura. 29 20' 40'' 29 18 13 29 15 47 29 13 2y 29 II 4 29 8 46 31 17 6 -9 4 29 2 28 59 58 28 ^7 51 28 ss 48 28 ^3 46 28 ji 47 28 49 <;o -" 4- 5) 28 4''^ 3 28 44 13 i8 42 26 28 40 40 2S 38 57 28 37 17 28 35 39 28 34 3 28 32 30 28 ^l CO 28 29 32 28 28 7 28 26 44 28 25 23 28 24 5 Di//. '27" 26 22 21 18 15 14 II 8 7 3 z 59 57 T5 52 50 47 46 43 40 38 36 -> -1 33 30 28 25 23 21 18 -I ^Ú 60 59 58 57 56 .. 52 > 51 ?> 50 !>> 49 l 48 3) 47 ^) 45:'> 39 |í^ 38 S> 37^ 3^>> 34'S) 33^) I »^í?^á^=5;?^^=%:7^ XV III Horas. í? Ascensão recta do Meridiano. V) XVI T A B o A i?P K Taboa das Longitudes , e Alturas do Nonagésimo para a Lati- '^ tude de Lisboa ?8° 4j'. i8o Memorias da Academia Real ^ ^ PLANO De Extracção de Loterlas. POR Francisco António Ciera. Kfta A ±l\3 combinações distinctas dos números desde i até $o inclusive, tomando-os três a três, são 19.600: tantos são os Bilhetes desta Loteria , e cada hum tem por divisa huma das ditas combinações. AVa B Mcttcm-se na Roda da Fortuna os ditos 5-0 números; e extrahcm-se somente cinco , que se vão escrevendo pe- la ordem da extracção. Tem premio os Bilhetes , cujos três , dous , ou somen- te hum numero acertar com algum dos cinco extrahidos : são brancos os Bilhetes , em que nenhum dos três números da divisa acertar com os cinco extrahidos. Sendo lo as combinações distinctas dos ditos $ números , tomados três ;i três, haverá Biilietes com premio por acertarem três números IO Sendo também lOas combinações distinctas dos ditos i números, toma- dos dous a dous,e sendo 45 os números nSo extrahidos, será ioX45 o numero de Bilhetes com premio por acertarem dous números 450 Sendo 990 as combinações distinctas dos 45 números, tomados dous a dous, será 990X5 o numero de Bilhetes cOm premio por acertarem hum só numero dos ; extrahidos --.-.-----. 4.950 5.410 pretoi Sendo 14.190 as combinações distinctas dos 45 números não extrahi- dos , tomados três a três , será o numero de Bilhetes , em que nenhum dos três números da divisa acerta com os cinco ditos; isto he Billie- tes sem premio, ou brancos ----.--..--- 14.190 branco» cuja somma -.----..---.----- 1 9.600 he precisamente a mesma, que se acha para as combinações distinctas dos jo números três a três, como deve ser. Sup- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. lEl Supponliamos com effcito huma Lotcria , cujo numero de Bilhetes seja 19.600 a iO(^ooo rs. cada hum ; teremos J96:ooo^A.^ , ^ ^ ^ Hum só numero: (oprimeito),ou(osegundo),ou (o terceiro) (") - - „ 2.970 lO^JJooo '' 59; (o quarto), ou (o quinto) „ 1.980 jOijjooo 59; Dous números : (01.°, e 2.°), ou Co i.", e j.°), ou (01.", e 4.°), ou Co '-S e s.") „ igo 4oá>ooo 7: C2-",e5-°),0"C2°,e4.°),ouC2.°,e5.''),ouCj.°,e4.<') „ igo joáJooo 9: (}.°,e.5.°),ouC4-°,e5.°) CO ^^ ço ,oo(í)ooo 9: Três números: Ci.°,2.°,e }.°),ouCJ.°,2.°,e4.°),ouCi.°,2.°,e 5.°), ou (1.°, J-S e 4.°) „ 4 i:oo0(í>ooo 4: Ci.°,3-°,e5.°),ouCl.»,4.°,es.°),ouC2.°, j.",e4.'^) „ j 4:000^000 1:!: (a.°, j.°,es.») CO „ I g:oooá)ooo 8: (2.°, 4-°, '5°) -----•------„ 1 12:000^)000 12; 0-°.4-°>eS°)- - *• „ 1 i6:oooáiooo i6: Somma Prémios 5.410 196: Brancos 14.190 Total 19.600 que a 1 0(Jjooo rj. dão ^ Supponhamos feita huma Loteria pela forma sobredi- ta-, e que no dia da extracção tenhão sabido os cinco nú- meros seguintes Primeiro n." Segundo n.° Terceiro n." Quano 11. " Quinto n." 15 4 33 IO ^ Qiier-se saber que premio terão os Bilhetes, cujas di- visas forem as seguintes , pela distribuição acima ; (8- todos A :400 , 7 , 8, 9, 10 , II , 12 , 13 , 14, 15 , 16 , 17 , 18, 19, 20, 21, 22, 23, 24, 25-, 26, 27, 28, 29, 30, 3-1 > 32 ) 33 ) 34) 35 ) 3*^) 37 j 3^ , 39? 4°, 41, 4^ > 43 , 44 , 45- , 46 , 47 , 48 , 49 , 50. O numero das com- binações distinctas de quaesquer quantidades dadas acha-se multiplicando o numero delias successivamente pelos dous núme- ros immediatamente menores ^ e tomando a sexta parte dopro- diicto\ assim yo, multiplicado por 49 , dá 2.45'0, que, mul- tiplicado por 48, dá 117.600, cuja sexta parte he 19.600, igual ao numero das combinações distinctas dos ditos 50 números, tomados três a três. Para achar as ditas combi- nações , que hão de servir para as divisas dos Bilhetes , pro- cede-se como segue : (1 » i , 3)> (i ? i ) 4), (i , 2 , í) &c. até chegar 3(1,2,50) (i , 3 ) 4), (i , 3 ) f )) (í ) 3 ) ó) &c. até chegar a (i , 3 , 50) (' ,4i y))(i) 4,0)(i )4,7) &c. até chegar a (1,4, jo) e continuando a proceder do mesmo modo , che- ga-se a (i, 49, 50) is- DAsSciENCiAS DE Lisboa. 183 jsto feito , passa-se ás Series que principiao por 1 , que são (i , 3 > 4), (1 , 3 1 S), (2 > 3 » ^) &c. até chegar a (2,3,50; (2 j 4 . 5), (i , 4 ) <>). (- j 4 j 7) &c. até chegar a (2,4,50) (i»5i 6), (2, 5: ,7), Cz , 5 , 8) &c. até chegar a (2,5-, yo) e assim se vão achando as Series seguintes , que principião por 3 , 4 , j , í) , 7 &c. até que liiiahnentc- se chega á ul- tima que não consta senão de huma combinação que he ( 48 , 49 , f o ). Nota (fí) A Roda da Fortuna deve ser feita de modo que se possa abrir , para o Publico ver que antes de prin- cipiar a extracção cila nada tem dentro : dcve ter na cir- cumferencia huma portinhola , por onde possa caber o bra- ço de quem ha de cxtrahir os números : c deve poder-se revolver a' roda de hum eixo, para se misturarem os núme- ros. Cada numero deve estar escripto n' hum pequeno pa- pel , e com letras sufficientemente grandes , para se verem c conhecerem pela maior parte dos espectadores. Quando se principia a Loteria , fecha-se a roda , deixando somente aberta a portinhola : por esta se vão deitando hum a hum os yo números , tendo o cuidado de os mostrar ao Publico antes de se lançarem nclla. Lançados na roda os 50 núme- ros , fecha-sc a portinhola , e revolvc-se a roda para se ba- ralharem bem as sortes. Na parede fronteira aos espectado- res deve haver huma raboa suíficientcmcntc larga , e com- prida , pintada de preto , para nella se pintarem brancos os números á maneira que se vão extrahindo : a grandeza e grosíiura deites será a que convier para poderem ser perce- bidos por todo o auditório : a figura seguinte he a da di- ta taboa. Lisboa )» anno » nicz >» uia » hora Números extrahidos. Primeiro Segundo Terceiro Qiiarto Quinto («) (^) (O {d) CO Ti- 184 Memorias pa Academia Real Tiraiío o primeiro numero, mostra-se ao Publico, pin- ta-se e:n(rt), c fexa-se a portinhola para de novo se revol- ver a roda: tirado o segundo numero pinta-se em {b) &c. : e assim dos mais , que se escreverão pela ordem dos ex- tractos em(í-),(á),(í). Observação. Na presente Loteria tudo he demostrado ao Publico , que vê i.° a roda sem nada ; 2.° que se lhe deitao dentro hum a hum os números i , 2, 3 , . . . . yo ; 3.° vê logo ao cxtrahir quaes são os cinco números que sahcm ; 4.° ex- trahidos estes , podem contar-se os que ficão extrahindo-os todos hum a hum , e (sem os abrir) contando i , 2,3,.... até 4f : e depois abrindo a roda , o que forma huma espé- cie de prova. He pois de crer que o Publico abrace an- tes esta Loteria ; e isto não só pelas fortes razões ditas , mas também pela brevidade com que em duas horas , quan- do muito , se sabe logo quaes são os Bilhetes que tem pre« mio. NOTA. As Taboas do Nonagésimo tinhão totneçaão a imprimir- se , em outra Collecçao Jícadeuiica , ainda em -iiida de seu Auctor , o qual faleceo em 7 de Abril de 1814: e como se desencaminhas- se o Origina/ das ultimas três Taboas , estas forSo suppridat pa- ra a presente edição pelo Correspondente da Academia , e Irmão do Auctor , Paulo José Maria ("iera. E este também communicou á Academia o manuscrito aulographo do Plano de Extracjão de Loterias. w ME. > ao a todas as Juíti^as^ 3cc. Lisboa aos 17 de Agollo de 179^ 8 Memoriasda Academia Real mas nos que são sufficicntcmeme húmidos , e nos em que he ajudado do calor até a sua devida madureza , dá huma colheita, que ás vezes excede toda a expcct;ição , como ha, poucos annos succedeo cm Silvares, Termo do Fundão, onde hum Lodeiro junto ao rio Zêzere, semeado com hum alqueire de milho , produzio duzentos alqueires, (i) As margens dos rios Ponsul , e Ouravil dcfta Comar- ca tem Lodeiros da mesma natureza , que poderião ser as terras mais productivas de Portugal , pelos muitos nateiros que nelles ficão , pelos eftrumes dos immensos gados que paftão nos montes,. das suas visinhanças , e até pelos des- troços dos vegetaes que descem dos mesmos montes , car- reados pelas chuvas. Neftes lugares , e em muitos valles condenados agora a huma perpetua efterilidade , produziria o milho abundantissimas colheitas ,, e não se verião os povos na precisão de hir buscallo aos Lugares das faldas da Ser- ra da Eftrella , onde os seus moradores , mais agrónomos , e menos indolentes , procurão no cultivo do milho , bata- tas , e outros artigos , com que satisfazer as suas necessida- des , e acudir ás dos seus deleixados visinhos. Ter- (i) Poderiammos citar outros exemplos da fertilidade de muitos terrenos deita Comar-ra ; enáo passaremos «m silencio , v]ue os Povos de Monforte da Beira, e Malpica , temendo expor as suas searas á deftruiçáo do inimi- go commuin , procurarão ha dous annos hum abrigo entre o Tejo c Ou- ravil , no monte da Cubeira e suas visinhanças , Termo do Rosmaninhal ; e alli fizeráo as suas roças, semearão trigo, centeio, e cevada , muita parte com o sacho e enxada , e foi tal a producçáo , que o menos ijue tiverão foi quinze por hum. No segundo anno totiiáião a semear as mes- mas terras c produzirão a vinte e a vinte e dous , e alguns mais curio- sos tiverão huma boa producção de batatas e de muitos outros legumes ; sendo tão fértil o terreno , que nascendo por acaso junto a huma das Ca- banas huma pevide de Melancia , criou o pé sem cultura alguma doze Me- lancias grandes e dezaseis mais pequenas. Hum exemplo domeftico me faz ver hum Cataprciro, que no mesmo anno em que foi enxertado pro- duzo cinco Majans, das quaes se colherão ucs bem sazonadas e pet- fcicas. dasScienciasoeLisboa. J> Terceira causa. O Pouzio dos campos he sem a menor duvida outra das principaes causas da decadência da Agricultura dcfta Província ; não sendo até agora licito a pessoa alguma sc- jnear a sua terra , sem ser na Folha determinada : assim ficão bons terrenos muitos annos de relva , e ha outros que nunca se cultivão ; por isso como ha de o Proprie- tário fa/er caso de hum terreno , que ou nunca se agricul- ta , ou quando muito produz de dez a dez annos , de vin- te a vinte annos ; nâo sendo então senhor de outra cousa senão de huma módica porção de centeio e trigo , que nel- ]e colhe ? Efte descanço que se dá as terras provêm talvez em pirte de hum principio geralmente adoptado , de que as terras já não são o que forão , e se achão quasi de todo exhauftas : mas já Golumella combatendo efte mesmo erro , dizia » que o Autor da Natureza communicou á terra hu- >» ma fecundidade perpetua; pois tendo delle recebido hu- >» ma mocidade divina e eterna, que a fez appellidar Mai j> commum de todos , porque ella nos tem nutrido do seu >» seio , e nutrirá sempre quanto subsifte ; não ha que te- » mer que caia em caducidade , nem na velhice própria » do homem. Não he pois á intempérie do ar , nem aos » annos que se deve attrihuir a efterilidade dos terrenos , » mas unicamente ao despreso e negligencia que se tem >» com elles. &c. Venha porém daqui ou de outro qualquer motivo efte abuso dos Pouzios , já desconhecidos na Inglaterra , porém praticados ainda na Hespanha e Portugal ; he notável que usando-se em algumas outras partes do nosso Reino por desleixo e incúria dos particulares, aqui seja por necessi- dade e obrigação. E não he ifto Iczar ao Proprietário nos s:us mais sagrados Direitos , impedindo-o não só de traba- lhar as suas terras segundo a sua vontade , e a seu modo , mas ainda de ser senhor de rodo o seu producto ? Tot/i. IV. Part. II. b Em IO Memokia da Academia Real Em quanto se permite a observância de humns prati- cas t.K) alhcas de toda a equidade e jiiftiça , o que se po- de esperar da cultura defteDiftrito? Não seria occasião de att.ndcr aos clamores de tantos Agrónomos que se tem reunido contra o mais funefto de todos os syftemas de cul- tura ? Porém parece que o nosso século he cego . c que hc o mesmo que o Profeta tinha em vifta quando cx- cKimava Dcpopiilatn est Régio, Iiixit húmus, quoniam devasía- tum eit tritiaim , confusum est mntiin , elanguit oleum. Quarta causa. Os muitos gados, principalmente "Vacum e Caprino, em que até agora os indolentes moradores deíla Comarca tem fundado a maior Parte das suas riquezas, e os quaes são criados somente nos Pálios communs , e nunca á man- gedoira , como recommcndao os mais hábeis Agrónomos y he também outra causa da decadência da Agricultura nefte Diftricto ; porque confiados no pingue redito do seu pro- ducto , abandonão por ella a cultura das terras; e como aonde se cria muito gado, diz hum grande Autor, sempre se cria pouca gente , daqui procede também a sua dcpo- pulação. Igualmente se enganao eftes povos quando per- tendem com os Paftos communs segurar a multiplicação dos gados, porque os mesmos Communs reduzidos a proprieda- des particulares , tapados e lavrados poderiao sem hesita- çlo suftentar maior numero dclle. Ainda porém que a asser- ção contraria fosse verdadeira , não he mais rica e podero- sa a Nação que abunda cm homens e fructos , do que em animaes ? Os F.gypcios , por efics ou semelhantes motivos, detes- tavão os Paftores de Ovelhas, e os fazião expatriar de algu- mas Províncias, (i) Huma providencia tão rigorosa nao de- ve servir de exemplo para se imitar : a Agricultura tem ne- cessidade de gados , mas a multidão deftes , pricipalmente scn- (i_) Deíeicaiitur j£gyptii omacs pastores oviíim. Genes. Cip. 46. 5I3-J OC sendo suftcnta.íi cx '^^ ot Lisboa. Quinta causa. Pontaneamente as suas terras irn^' ^"^^ P'oduxi„do es- --ho . asáo delias c,nZZ7"'Z V^°"^ '^'^ -í"-" e achem na. terras dos particu^Z ' ""'^^ "^'^^'"" ^ue se ton.a pnvativamente interesse „,', '""'^ ^^^^""^ "'""guen^ sue a,nda aqu.lias c].e esc^L^ ^ ^°"^^-^Ç-, «ofc d^ ^•^ as decotão todos os annos n "r ' " '^'^"^^ ^«Ç^^ou- ^ ostros gados, e dcftc modo^? ''? ' «-^"^^ ^os bo,s „r ''' ^-^f^lmente nullo sem h P'"'^"'^^^» torna-se por nhu.. para i.pedir cfta'dVsoXn t? ^^''^^^--- '- »'nJo eiias pJr Í ^ desfrur.rem em cómníul 'TV,^' P^^^valecendo - sue se cr,^o. '"''' ° '^'-- P"«nce. aoT^o"; -e^^rt/l: ^rr^^,' It Memorias DA Academia Real de Agricultura premiadas pela Academia Real à:.s Scicncias de Lisboa, tom.l. pag. 241. Mas independente deitas utilidades geraes , os sobros em particular tem outras em o seu mesmo fructo , que não são de pouca monta. Os mais hábeis Agricultores do Paiz convém em que he rnajs útil alimpar hum chaparro de so- bro , do que plantar huma oliveira ou limpar huma aíi' nheira. O sobro produz nos ramos exteriores a bolota tem' porá , e nos interiores outra mais serôdia , que por vir no tempo das geadas faz engordar o gado : além disso , hç arvore maior do que as azinhiras ; e algumas tem aqui pro- duzido hum moio de lande. Com efta lande ou crua , ou secando-a á maneira de cas-. tanha , se poderiao crear muitos Porcos, principalmente nos limites de Monforte , cujos campos , que tem dez legoas de circunferência , produzem quantidade de sovereiros. Qye uti- lidades resultariâo áquellc povo senão sóeftes, mas também QS carvalhos que alli abundão , se resalvassem e guardas- sem ? Que cumulo de riquezas lhes não darião não só o fru- to , mas as suas madeiras, (1) e cortiça, que hum dia po- dem vir pelo Tejo de Malpica a Abrantes , edahi para cita Cidade. Efte seria sem duvida hum dos melhores ramos da Agricultura ç Commercjo de huma porção defte Paiz tam-, bem pelas carnes de Porco , de que então poderia fazer abuadar a Capital, Meios de remediar estes males. Como não bafta indicar os abusos , pareceo-nos conve- niente propor os meios para elles se extinguirem , que a nosso ver são os seguintes. (i) A pezar dâs Leis que prohibetn cortar arvores , e chaparros de so« bro e azinho dez le|;uas em diftancia do Tejo , cada vez o Arvoredo vai senc-o mais raro. Nenhum Lavrador devia cortar Arvore sem plantar pri- nrtci'0 oito ou dez. As Arvores dão frescura e abrigo nos terrenos seccos , ajuJáo a esgntar a cerra nos terrenos húmidos , c tem muitas outras van- t.igens ; sen^o cerco que huma Povoação falta de madeira hc summa- mciice incómmoda. DAS SciENCIAS DE LtSBOA. ia I,» Determinar que nao haja impedimento algum para se tapar qualquer porção de terreno que se quizer; f.izendo que cita pryvideneia , que já se tem dado paia algumas pro- pricdadts em particular (i), se generalisc por todas. 2," Repartir oa Baldios, e promover tanto ncllcs como no5 outros terijtjnos toda a qualidade de cultura , de que logo moftrarei que a terra he susccptivel. 3." Fazer ço»n que os Lavradores tenhão mais inftrucção, p^)is a falta actual de produçções depende também muito de náu aerem a;^ terras bem lavradas , sendo os arados ruins , arranhando a r«lha mal i superfície da terra , e fazcndo-se todos os outros trabalhos imperfeita , e imcompctcntemen' te ; pois nem sabem adubar , nem fazer eilrumeiras , ape-. zar de terem tantos matos , c tão próximos ás suas Povoa- ções , deixando até perder a palha nas eiras , sem delia se servirem para cousa alguma. 4.° Introduzir novas espécies de trigo , como por ex- emplo, oTremez, que aqui não he conhecido. Introduzir também a cultura do milho e feijão, que como dissemos, seria em lugares tão vantajosa , principalmente sabendo aproveitar as agoas que lhes deo a natureza, e fazendo Lo- deiros junto dos rios e ribeiras, de que abunda o Paiz. j." Fazer vir de fora, ou mesmo de dentro do Reino, alguns Colonos , que ensinassem aquelles povos , que não tem outras idéas mais que as da sua pratica , dando-lhes Baldios para poderem cultivar , e obrigando mesmo os Proprietários ricos a aíForar-lhes algumas terras que não po- dessem agricultar : methodos que os Authores económicos tanto recommendão , e que reputamos hum dos mais po- derosos meios para adiantar nefta Comarca , e em outras do Reino , os progressos da Agricultura. 6." (i) Assim por exemplo obteve o Coronel Francisco de Albuquerque Fin- co Maldon-içlq e Cíftft) , huma Provisão para poder tapar hum.is terras np fitio da l^ebçuça , limite de C.iftello-branco ; e sendolhe embaraçado o cumprimento iç^n , decidio-se contudo a anal, que tivesse o seu de. vido efteito. ^' 14 Memorias da Academia Real 6," Prnhibir que as Arvores dos particulares re não des- frutem como propriedade publica , antes que eftcs as pos- suão cm dominio pleno ; pois efía liberdade faiá despertar os interesses dos mesmos proprietários , e reftabclecer a actividade que tem amortecido os referidos abusos , soíFren- do no seu Arvoredo a escravidão , que os sugeita ao arbí- trio alheio. 7.° Fazer que se enxertem os immensos 7.ambujos (1) e pereiras bravas , de que eftc Paiz he abundantíssimo , haven- do principalmente junto ao Rosmaninhal Icgoas de terre- nos , que não tem outro mato senão de Cataprciro , com que cftcPaiz, actualmente eílçril , podia vir a ser com pou- co cufto hum dos mais fructifcros da Beira , como tenho já principiado a moftrar praticamente. De outros géneros de cultura que se podiao estabelecer nesta Comarca, Além das providencias que acabamos de porpôr , seria muito conveniente introduzir diversos géneros de cultura além dos actuaes que eftão em uso. Nós já falíamos no mi- lho ; mas ha muitos outros que prosperarião do mesmo mo- do ; taes são os seguintes. i,° As Amoreiras , para cuja cultura o Paiz he muito próprio principalmente nos grandes e dilatados Diftrictos de Idanha a nova , e velha , Monsanto , e Monforte ; assim como também para a criação dos bichos de seda , que se ultima aqui cm muito menos tempo do que n'outras partes , como muitas vezes tenho experimentado; e sendo a seda que pro- duzem mais fina e melhor , he para laftimar que efta cul- tura se nao generalize mais , e que as mulheres muitas ve- zes (i) Ningucm hoje duvida que os 2ambu£>eiros enxertados dão as me- lhores oliveiras. Não sò por elles se utilizáo as próprias penh.is , pois entre ellas nascem e se criáo ; mas ate arrancando-se com as raizes po- dem ser transplantados. O grande olival que S. A. tem na granja de Cas- ttllo branco, quasi todo he de zambujos arrancados nas coitas do Tejo, Ouiavil e outros lugares do DiAcicto de Moníune. DAS SciENCtAS DE L I S B O A. I^ /es ociosas se nao facão entreter neftc important: ramo de induftria. 3.° Os Pinheiros , para o que ha as terras mais pró- prias c bellas , sendo os poucos que ha de tão boa quali- dade , que a sua madeira não sente a mesma corrupção que coftuma ter nos outros Paizcs do Reino , antes permanece tão durável c incorruptivel como a de Caftanho. 3.° A Vinha , e Pomares , de que podia ser abundan- te, pois segundo o Licenciado Jacintho Árias de Qiiintana- duenas , ( que cscreveo as Antiguidades de Alcântara , don- de era natural e onde viveo sempre , o que influe baftante cm a sua veracidade) as margem do Tejo até Portugal cfta- vâo já todas plantadas de Vinhas , Olivaes , e Pomares ; sen- do o vinho tal que hia para Flandes, e para o Imperador Carlos V, eftando em Jufte , c achando-se agora quasi de todo anniquilado , por causa , (dizelle) dosCommuns, que fizerão deftruir tudo. 4.° As Batatas , vegetal o mais interessante que conhe- cemos pela abundância da sua producção , por se dar na maior parte dos terrenos , e pelos multiplicados usos , em que podem empregar-se. Nefta Comarca produzem ellas ma- gnificamente , e no Lugar de Malpica , á força de persua- çôes do Parocho , se tem augmentado já a sua cultura. Efte anno recolhi eu de quinze alqueires de semeadura , quatro kioios , c espero para o seguinte , tendo semeado sessenta alqueires , ser igualmente bem succedido (i). 5° O Linho Gallego. O pouco Linho que até agora se tem cultivado he o chamado Mourisco , persuadidos os La- vradores de que por falta de agoa se não podia cultivar ou- tro. (1) Entre os usos das Baratas hum dos mais interessantes he fazer-se delias muito bom páo. Elle anno fiz cozer algumas , e cortandô-as depois cm petjucn.cs tilhad.ís as sequei ao Sol ; e eftando já seccas moi-as em hum moinho de centeio : posso segurar que juntando a cfta farinha ou- tri ipu^l porção detrito, deo hum páo excellentc. Na Obra de Mr. Ma- rshal , intitulada Agricultura praticii da Inglaterra tom. 2 ° da Ttaducçáo Franccza , pj^. ^6^. descrcve-se hum mcthoJo pata efte vegetal supptir o Sabão, que não me lembro ter lido em outro algum Autor. S13«„ OG _ /-.-"-^ - i6 Memokias da Academia Real tro. Eu fiz semear cm Monforte o Gallcgo , mais cedo do que SC coftuma nos lugares regadios, e prosperou tão bem, que já hoje cftá cfta cultura cm grande augmcnto. Causas que embaração indirectamente os progressos da Agricul- tura nesta Comarca. Tendo até aqui demonftrado as causas que directamen- te impedem os progressos da Agricultura na Comarca de Caftellobranco , só me rcfta mencionar os que lhe obftao in- directamente , ifto he , aquclles que embaração a livre cir- culação das suas producçóes. He tão evidente c reconhecida a importância das com- municações interiores, que segundo diz Bielfcid (i) não ha prova mais evidente do atrazamcnto ou decadência de hu- nia Nação , do que acharem-se os seus caminhos impraticá- veis e deftruidos. Entre nós ha muitos terrenos inúteis , por- que se não sabe delles ; são tão desconhecidos como as Terras Auftraes. Hum grande caminho que atravessa hum Paiz he hum raio de luz , que o esclarece em toda a sua extensão. O nosso Governo convencido defta verdade algumas providencias tem dado para a conftrucção de novas elbadas ; sem embargo do que na maior parte do Reino, principal- mente na Beira baxa , são ellas tão ruins , que nem ainda aca-. vallo se podem transitar. Seria pois da maior utilidade que se fizessem capazes , muito principalmente as de Abrantes a Villa velha, e para o Fundão , e Covilhã, e outras, pnr meio das quaes se communicassem os povos dalém da Ser- ra da Eftrella , e com muita especialidade a cftrada da Ser- ra do Assor e Manteigas ; sendo a primeira assim mes- mo como eftá (feita ha annos por alguns visinhos da mes- ma Serra ) a que fornece incessantemente viveres aos po- vos defta Comarca ; e ifto não só dos gcncros daqucUc Paiz , mas muito principaliiKnte daquellcs , que vem de Av ei- to Vid. Bielfeld. í>intos de ijue trato no ippcnjix náo hc ne.cs- sani) o tirar eftas tiboa$. Veja-se a //^. KIl. 5^ Mekohias da Academia Real ir.ais ou menos compridos os eftribos , ou ma.s ou menos altos conforme a elí:atura da parturiente. Com Iiuma cavilha de ferro se fixão em qualquer ponto que se queira , os es- tribos por meio deftes buracos que correspondem a outros que tem os eftribos. g. Hum fecho de correr, que serve para fixar as ra- boas dos eftribos nos pés anteriores da cadeira para que níio possa jogar (i). h. b. h. Fechos de correr com ponta aguda , que ser- vem quando he preciso para fazer a cadeira fixa cravando- os no sobrado. i. i. Eftribos côncavos do feitio quasi de hum çapato em que se firma a parturiente, o qual para mais cómmodo pôde ser eftofado pela banda de dentro. k. k. Farte -do cftribo que serve para efte se poder mover , e mudar para mais curto , ou mais comprido sem tocar no pé da parturiente , e sem a mover. /. /. Parte dos braços da cadeira , que devem ser es- tofados. 3». ni. Assento da cadeira. «. ». Abertura oblonga , em que encaixa a taboa re- presentada peia Figura II. 0.0. Corrediça do assento da cadeira, em que anda a dita taboa. Figura II. Iv Epresenta a taboa, que serve para tapar a abertura ob- longa do assento, e ao mesmo tempo atarraxando-lhe qua- tro pés serve de banco para o Parteiro. a. a. a. Relevo por meio do qual anda na corrediça do assento da cadeira. b.b.b.h. Os quatro pés que se atarraxão na dita ta- boa , e por meio dos quaes serve também de banco. Fi- ' (i) Como di^o no appcnui.>i he cite techo liesnecesiario. V eja-se a Tig. yii. UAS SciENCIAS DE LiSBOA. Jj Figura III, JvEprescnta a taboa dos cftribos pela parte de dentro. (Vc- ja-se tambcm a eftc respeito o appendix a efta Memoria. ) a. a. a. Corrediças em que andao os eftribos. b. b. b. Buracos onde se mettem as cavilhas para se- gurar os cftribos no ponto que se quizer. c. c. Lemes com que encaixa nos pés dianteiros da cadeira. Eftes lemes devem ter quadrada aquella parte , que emcaixa nos pés da cadeira. d. d. Risco , ou traço que pafla por cima dos bura- cos , o qual correspondendo áquelle , com que sao marca- dos os dos eftribos pela parte de dentro , facilita a arma- ção da cadeira. e. e. A face anterior de hum dos pés dianteiros da cadeira , em que se vê o modo por que encaixao os lemes quadrados das taboas dos eftribos. Figura IV. IvEpresenta hum dos eftribos pela parte de dentro. a. a, a. Buracos marcados com os riscos parallelos , de que tratámos. b. Concavidade do eftribo do feitio de hum çapato, cuja superfície deve ser bem liza , e mesmo eftofada , para não magoar os pés da parturiente. c. Parte do eftribo feita ao geito da mão , para se poder mover com mais facilidade. d. Feitio do relevo , que anda nas corrediças das ta- boas dos eftribos. EUe deve encaixar exactamente, sem po- rem andar muito apertado. Tom. W. Fart. 11. b Fi- 54 Memoriada Academia Rkal Figura V. JV Epresenta a parte pofterior da cadeira , que pelo que fica dito não carece de mais explicação. Figura VI. Iv Epresenta o travcceiro redondo , c cftofado de diiia , que serve para amparar as cadeiras da parturiente. A. A P P E N D I X. A! explicação àas Figuras. .O pôr em execução a conftrucção da cadeira obftetri- cia de que trato nefta memoria , occorrêrão varias mudan- ças , as quaes fazem não só mais simples a dita cadeira , mas tambcm diminuem muito o seu preço , huma condi- ção mui importante para a introducção delia. Figura VII. AV Epresenta aparte anterior da cadeira pela parte de den- tro, e hum dos cftribos na sua corrediça competente. a. a. a. a. Caixilho ou grade em que andão os cftri- bos, em vez das taboas descriptas acima na Fig. 1. e.e. Es- tas taboas tinhao o inconveniente de serem inteiriças , e por isso ser necessário hum grande pedaço de taboa , c de huma grossura não vulgar , o que augmenta muito o pre- ço da cadeira. Por meio dos caixilhos fica muito mais ba- rato , do mesmo modo seguro , e até mais elegante. b. h. b. Machas fêmeas por meio das quaes andao os caixilhos annexos aos pés anteriores da cadeira. Eftas ma- chas fêmeas , são mais convenientes do que os lemes qua- drados era que fallei na explicação da F/g'. J, e.e., primcira- 111 cii- iiiav oi; DAS SciENCiAS UE Lisboa. jf mente porque achando-se feitas , são muito mais baratas , do que os lemes , que he necessário mandar fazer expres- samente ; em segundo lugar fica a armação da cadeira mui- to mais simples , nâo sendo necessário se nao abrir , ou fe- char cftes caixilhos para usar delia, c.c.c. Corrediças pcb parte de dentro em que anda o eftribo , as quacs não neccs- sitão de mais explicação, d. d. Eftribo que anda nas corre- diças , e que se faz fixo segundo he necessário , pelo mo- do acima dito na explicação da Tig, I. As corrediças , e os eft:ribos por eftc modo poupão o fecho de correr para segurar as taboas dos cftribos {Fig. I. g-) j o que também augmenta o preço da cadeira. Parecêrão-me muito importantes eftas mudanças por tenderem a fazer o preço dcfta cadeira mais cómmodo , e por contequencia mais fácil a introducção delia. A madeira mais própria para a conftrucção defta ca- deira, he o páo de nogueira por ser forte , e ao mesmo tempo leve , condições tão necessárias para a facilidade dos transportes. Sem embargo defta ser a madeira mais própria , cora tudo he muito cara , e para as cadeiras vulgares das par- teiras seria o páo de pinho muito baftante , disiftindo mes- mo dos eftofados , que fazem a perfeição da cadeira , mas não são de extrema necessidade. ALGUMAS ADVERTÊNCIAS Sobre o modo de usar desta cadeira obstetrícia. A. .Cadeira deve-se pôr o mais perto possivel da cama em que ha de ficar a parturiente , de modo porem que fi- que de todas as partes livre para se poder andar á roda delia. Para com mais facilidade ser levada a parida para a sua cama, devem colocar-se ascoftas da cadeira para a par- E ii te ^6 Memorias da AcademiaRkal te dos pds da cama. Dcílc modo duas pessoas podem sem grande movimento leva-la para a cama dcftinada , pegando huma das pessoas pela parte da cabeça , e virando pela par- te de fora para a banda dos eftribos , que vem a ser a ca- beceira da cama , em quanto a outra que pega pelos pés vai virando entre a cadeira , e a cama , deíle modo com o movimento de meio circulo se acha a parida sem ter sido muito incommodada com a mudança no lugar deílinado pa^ ra descançar dos seus trabalhos. Deve-se ter cuidado em que a cadeira fique bem as- sente no chão. Em operações grandes , ou quando o sobra- do he desigual , deve-se fixar por meio dos fechos de cor- rer em que acima falíamos. Poita a cadeira defte modo en- cacaixão-se depois as taboas dos eftribos , corrcm-se os fe« chos , que as segurao (i) , e pocmse tudo prompto para logo que seja necessário se sentar nella a parturiente. Não he meu intento expor aqui nem os diflPerentes pe- riodos do parto em que segundo as circumftancias a partu- riente deve subir á cadeira , nem as diversas posições , que deve tomar nella : só direi , que nos partos inteiramente naturaes , e quando a parturiente he bem configurada , pô- de ella a seu arbitrio nos dous pjimeiros periodos andar , sentar-se , ou deitar-se para a parte esquerda ; c só quando a vesicula eftá perto de arrebentar deve sobir á cadeira; Neftes partos deve por via de regra ser o angulo , que fa- zem as coftas da cadeira com a linha orisontal do assento de 130 até 135' gráos. Tendo a parturiente tomado efta posição , e tendo-se- Ihe amparado as cadeiras com o travesseiro redondo em que falíamos , então se ajuftão os eftribos á eftatura da par- turiente , de modo que as coxas devem descançar ate á cur- va (i) Segundo as rmid.inçjis que fiz a efta cadeira , e que expuz no ap- pencfix , em lugar de se encaixarem as taboas dos eftribos , só se abrem para tora , pois andáo unnexas a cadeira por meio de humas machas-fe- meas ; em lugar de correr os fechos , mcttcm-sc logo os eftribos , e cl- les mesmos fazem com ^ue a cadeira fil Luiz Alvares de Car- valho, Manoel Vieira da Silva, Francisco José de Almei- da , Norberto António , António de Almeida , Fr. Custodio de Campos , e Thcodoro Fcrcira de Aguiar. He verdade que este modo de fallar não fixa exactamente a época fe- liz da introducção da Vaccina em Lisboa , porém a Carta do Medico Francisco José de Almeida aos Redactores do Investigador y datada de Lisboa aos 30 de Março de 18 11 referida no mesmo Numero, diz que elle vaccina ha doze annos com bom successo ; e por tanto aqui temos afiança- da a época de 1799 por hum Aledico sábio, e de caracter; e por consequência confirmado por mais este testemunho o que se refere na nota da EibUotbcca Universal, i Acaso as Vaccinaçoes feitas no Hospital da inoculação das bexigas de Lisboa scrião aqucllas encumbidas por S. A R. o Prín- cipe P^egente Nosso Senhor ao seu Cirurgião da Camará Thcodoro Ferreira de Aguiar , de que faz menção o Invés- tigador no vol. 3. a pag. 5^9 referindo- se á Gazeta do Rio de Janeiro N.° 80 ? Lu não pude obter mais clarezas so- bre este ponto histórico, nem nos lugares citados se indi- ca o anno do mandado de S. A. R. : mas nem por isso fi- ca menos manifesto , que Portugal principiou a adoptar a Vaccinação na mesma época em que ella começou a propa- gar-se no Continente da Europa, e que a Cidade de Lis- boa foi o primeiro lugar de Portugal onde ella se prati- cou por Facultativos Nacionaes. Tudo o que está expendido até aqui destruirá intei- ra- 1 iXHa 01 dasScienciasdeListjoa. 4J ramentc a errada opinião , que s'e possa ter formado de que só cm ib'oi hc que se introduizio a Vaccinação cm Portu- gal , originada da lição de hUma Memoria traduzida do Alemão cm Portuguez pelo Dr. Domcicr. Este Medico In- glcz parece estar persuadido, que antes do anno de 1801 , se não tinha introduzido a pratica da Vaccinação em Por- tugal ; por quanto refcrindo-se na sobredita Memoria , da qual farei menção no seu lugar, os Palzes a que tinha che- gado este benéfico descobrimentos até o anno de 1800, e concluindo o §. a pag. 10 com estas palavras : E/Rei de Hef- panha inter essa-re vivamente na sua viilgarisaçao , sem que fal- Je em Portugal , acrescenta o Dr. Domeier em huma nota *. Depois que chegámos a Lisboa no niez de Fevereiro deste anno , jd temos inoculado com o pttz da Vaccina cincoenta e três indiví- duos com tanta felicidade , que nenhum delles careceo do mais insignificante remédio da Botica &c. Estas expressões sem al- guma outra declaração , na occasião em que se tratava da introducção da Vaccina pelos diversos Paizcs da Europa , parece tendem a querer fazer acreditar que S(S depois da sua chegada a Lisboa cm Fevereiro de iSoi , he que se deve contar com a introducção da Vaccina em Portugal , e por con- sequência que foi elle Domeier o primeiro Vaccinador. Tan- to mais nos devemos persuadir que esta era a opinião do Auctor da nota, e Traductor da Memoria , 'porque : i.° no Additamento que elle compoz , e anda anexo á Memoria , principia assim a pag. 39: Podendo acontecer, que alguns Fy- iicos depois da leitura deste opúsculo se inclinem a praticar a inocula f ao das Vaccina^ ^ sem nujica^^s terem visto , julgamos &c. ; e 2.° porque a pag. 33 diz issim : Sua Ex. a Duque- za do Cadaval tem todo o direito ds mais ternas lagrimas de gratidão , por ser m primeira que como Mni illwtrada pizou aos fies as preocupações do vulgo centra a inoculação , j egur an- do a seus filhos a vida , a saúde , a formosura. Não he esta a primeira vez que os Estrangeiros se en- ganão a respeito das nossas cousas; e os Médicos , e Cirur- giões Portuguezes já não estranhão a falsa opinião que F ii dei- 44 MeMOKIAS da ÀCADEMtA ReAL delles fazem alguns destes Escriptoies. Sc o Dr. Domcicr conversasse em 1801 com os Facultativos Poituguezcs , sa- beria que já naquelle tempo lhes não cráo desconhecidos os seus Jenners , e Pearsons , c que grande parte delles manejão as línguas vivas para beberem na fonte os novos descobrimentos , que se fazem íws diversos Pai/es a favor da humanidade enferma , e se apressío a pôllos em pra- tica com o mainr zelo ;. e que isto tinha acontccicio particu- larmente com a Vaccina, sendo adoptada no anno de 179? pelos Facultativos Nacionaes, Graças aos Facultativos Portu- guezes , que tanto se interessão pela saúde dos seus compa- triotas , como pelo credito nacional da sua nobre , e hon- rada Profissão. §. 11. Interessa-se o Governo na^ verificação dos effeitos da Vaccina» Primeiras producçSes literárias em Portugitez sobre este objecto em 1801. Sendo a Vaceiua o preservativo das bexigas , e forman- do a população do Paiz hum dos objectos mais interessan- tes de qualquer Estado, não pôde hum Governo providen- te e paternal olhar com indifferença para hum descobrimen- to , que não só lhe augmenta o numero dos braços , mas também lhe poupa a maior parte dos Cidadãos , inválidos e inúteis pelas resultas frequentes das bexigas. Não era pois de esperar , que o nosso paternal Governo desprezasse hum objecto tal ; mas o génio Nacional, pouco amante da no- vidade , não tinha sido excitado assaz pelas primeiras ten- tativas , e o Reino todo deplorou a morte do Sereníssimo Príncipe da Beira pelas bexigas, aos 11 de Junho de 1801* Talvez este golpe despertasse mais a lembí"ança de fszer verificar por experiências Nacionaes os factos referidos pe- los Facultativos Estrangeiros , mesmo dentroj do ciosso Paiz , como os do Dr. Domeier acima referidos, e igualm^nre o^ já experimentados nas primeiras tentativas de alguns Facul- ta- DAsSciENCIASDfcLrSBO-A. 4? tivob Xacionacs. He certo que o Governo incumbio este impoiCaiue negocio a alguns, mas ignoro aquclles a quem se dirigio , á excepção de Manoel Joaquim Henriques de Paiva , e do Dr. João António Monteiro. Aquolic assim o declara na Dedicatória , c Prefação ao Publico , datsda aos 30 de Setembro de iJJoi da Obra intitulada Preservativo das bexigas &c. , de que logo fallarei , dizendo que elle es- tava encarregado por S. A. R. para verificar com observa- ções, e experiências os effeitos da Vaccina , mas que a pczar de poder já confirmallos com algumas observações em Por- tugal , com tudo em quanto não tinha huma enfiada de ob- servações exactas e verdadeiras , tomava a seu encargo dar ao Publico a noticia da origem, progressos, e operação da Vaccina. Do que se collige, que este sábio Medico, prati- cando a Vaccinaçâo , reunia factos , que inteirassem o Go- verno da bondade delia. O Dr. João António Monteiro , hoje Lente de Metallurgia na Universidade de Coimbra , trouxe laminas vaccinicas vindas de Cadix para esta Cida- de, para nella fazer as experiências por ordem do Ex."" D. Rodrigo de Sousa Coutinho. Associou este ao Dr. Angelo Ferreira Diniz , então Medico dos Expostos , para tão filan- trópico serviço ; porém as suas tentativas forão inúteis , e infriictuosas desta vez, não se propagiindo a Vaccina nem nos Expostos , nem nos outros a quem se fez a enxertia- Entre tanto já o prelo Portuguez trabalhava , e no se- ;:;undo Supplemenro á Gazeta de Lisboa N." 40, em lõ t!e Outubro foi annunciada a primeira producção litteraria sobre a Vaccina, escripta em Portuguez debaixo do titulo de « Memoria sobre a utilidade da inécula^So das bexigas vacci- nas , traduzida do Alemão , e off'ereáda a todos os Professores de Medicina e Cirurgia , Pais df fumilius , e Chefes de Corpora- fões , por bum amigo da humanidade ; com hum Jddiíajtiento ds varias noticias tii-adas dos papeis públicos de Paris ^ e huma ex- posição dos signacs da verdadeira 1'^atxifia. Lisboa 1801. " Ain- da que no titulo desta obra se não declara o traductor , com tudo não padece duvida ser o Dr. Domeier , porqae a siaa oc 4(? AIemoriashaAcapemiaReal a nota a pag. lo diz a Nota do Dr. Domeier ^f ; c o Addi- tamcnto expressamente assim o declara. A Memoria hc cx- trahida do Magiizm de Brotiswic N.*" 45- e 46: o Addita- íiiento hc do Dr. Domeier , e nelle dá huma breve noticia das bexigas Vaccinas verdadeiras , ou duvidosas , e declara o modo da operação j sem especificar a qualidade cjue deve ter o humor vaccino para estar apto para a Vaccinaçao, ou em que período se deve extrahir para produzir Vaccina le- gitima : a terceira parte hc hum ILxtracto do Monitor de França. Nao me propuz dar noticia particular das obras que não são nacionaes , e por isso me limito ao pouco que acabo de dizer. O Dr. Domeier merece o nosso agradeci- mento , por se interessar tanto na propagação da Vaccina- çao, escrevendo é praticando. Em quanto se espalhava no publico esta obra , grassa- va© em Lisboa as bexigas , que não tardarão a acometer huma filha do Ex.'"" Duque de Lafões. Foi só então que se instou com os Médicos para que vaccinassem ao Ex."'" .Duque de Miranda, o qual vivia na mesma casa em que sua Jrmâ estava bexigosa , e recebia da sua amável Mãi os ca- rinhos próprios , apezar de ser ella quem mais se disvelava com o tratamento da sua filha enferma. Os bem fundados discursos do Ex."^" Duque vencerão a renitência dos Facul- tativos , que vaccir.árão o Duquezinho duas vezes ; mas no quinto dia da segunda Vaccinaçao aos 14 de Novembro morreo em convulsô-js , apparecendo-lhe pelo rosto signaes de errupção variolosa. Hum tal acontecimento fez esnondo em Lisboa , e dêo occasião para os antagonistas da Vacci- na erguerem orgulhosos o colo, e intimidarem com as suas declamações o povo, sempre desconfiado das novidades. Po- rém louca enfatuação ! . . . A Vaccina para ser victoriosa não necessita das armas da impostura ; tem a seu favor milha- res de indivíduos salvos sem a menor moléstia, QLundo mes- mo o Duquezinho de Miranda fosse ■victima da Vaccina- çao , de balde lançaria ellc lamentos tristes , porque ruas vozes ficarião suffocadas pelos alegres vivas de milhares de ven- dasScienciasdkLisroa. 47 vencedores das bexigas. E porque alguns turao victimas da inoculação das bexigas ncruraes ^ deiiou cila de ser adopta- da pela maior p-rtc das Nações cultas da liuropa? O facto presente , olhado com imparcialidade e sem prevenção , não authori/.a as declamações anri-vaccinicas , pois a lembrança somente de existirem bexigas na mesma casa , e de má qua- lidade , era bastante para se dever su«;pender o juizo de attribuir á Vaccina hum acontecimento tão alheio da sua marcha, ainda a mais irregular. E não appareccndo no Du- quezinho outros symptomas senão aquelles , que costumão preceder a huma erupção variolosa tão violenta , que as for- ças da natureza succumbem antes de a effectuar ^ para que no concurso de duas causas, havemos de lançar mão daqucl- la , até agora reputada innoccnte , e esquecer a outra tan- tas vezes desgraçadamente observada ? Mas tal he a fraque- za, e prevenção humana!... A experiência sendo cousa tão difíicultosa, todos se presumem aptos para a fazer, e daqui dimanão erros tão funestos á humanidade. Deixemos ao tem- po o vingar esta afronta da Vaccinação , ainda que delia SC sirva algum espirito singular e turbulento j e admiremos a circunspecta , e sabia reflexão do Ex.""" Duque de Lafões aos Facultativos para os persuadir. uSemen filho não está ainda contagiado , a Vaccinação o pôde livrar de tão terrível violestia ; e se elle já o está , eu sou superior ao vulgo pai a Julgar effeiío da Vaccinação , o que só he devido ás bexigas. >» Não tardou a ser annunciada no primeiro Supplemen- to á Gazeta de Lisboa N.° 48 em 4 de Dezembro outra obra sobre a Vaccina com o titulo seguinte Preservati- vo das bexigas , e dos seus terríveis estragos , ou historia da Vaccina , doi seus ejf eitos ou symptomas , e do metlfodo de fa- íier a vaccinação í^c, publicado de Ordem e Mandado do Prín- cipe Regente Nosso Senhor por Manoel Joaquim Henriques de Paiva , Medico da Camera do mesmo Senhor , Censor Régio àfc. Lisboa 180 1 em hum volume de 8.° com estampas. Co- mo esta obra he producção Portugueza , darei delia mais ampla noticia. O fiI3U O) 48 Memorias da Academia Rbal O Author exprime a Sua Alteza Real a sua extrema satisfação , por ter sido escolhido para verificar cm Portu- gal as observações feitas com a Vaccina nos outros Paizes, e declara que, na impossibilidade de dar já observações pró- prias , publica a presente obra extrahida dos trabalhos da Junta Medica de Paris , e do Dialogo de D. Pedro Hcr- nandes na Hcspanha sobre a Vaccina. No 1° artigo expli- ca como se origina a Vaccina no ubcre das Vaccas , c a forma delia: no 2.° dá as propriedades do humor Vaccino , a saber : liquido , contagioso , e preservativo das bexigas : no 3.° refere como chegando estes factos á noticia do Dr. Jcnner , elle tentou por si as experiências da Vaccinação, c as publicou em 1798 , sendo logo imitadas c seguidas: no 4.° expõe a innoccncia da operação , por não carecer de pre- via preparação, não ser dolorosa, nem acompanhada de inci- dentes de consideração , e fácil de executar em qualquer ida- de do vaccinando : no 5.", 6.°, e 7.° descreve a marcha da Vaccina desde a enxertia até ao fim , e os symptomas que a acompanhão nas suas espécies de verdadeira e falsa ; no 8.° ensina o modo de fazer a Vaccinação , o lugar em que se deve praticar, e os instrumentos com que, fazendo tu- do mais palpável por meio de estampas : no 9." diz quaes são as qualidades do humor Vaccino apto para o contagio , os dias, e as circunstancias em que se deve tirar: no 10.° expende algumas das circunstancias mais adequadas para se fazer melhor a operação , e haver prospero fim delia : no ii.° e 12,° indica o modo de conservar o humor Vaccino, e como se deve usar delle : no 13." finalmente mostra a preferencia da Vaccinação sobre a innoculação. A clareza e boa deducção da presente obra a fez digna de ser publica- da debaixo dos auspícios de S. A. R. j e do titulo delia se manifesta, que o nosso Augusto Príncipe não só auxilia- va as experiências vaccinicas, mas também promovia a im- pressão de obras , que instruíssem os seus fieis Vnssallos sobre tão importante objecto: assim tivesse havido a lembrança de a mandar distribuir ^r^j/w pelos Magistrados, Parochos, Me- di- DAS SciENCiAS DE Lisboa* 49 dicos , Cirurgiões, e Boticários do Reino, pois talvez se conseguisse que a Vaccina nío fosse olhada ainda hoje por hiins com duvida , e por outros indiffercntemcnte. §. III. Não se perde de vista a Vaccinação em Portugal até ao atino de 1803, e ptihlicão-se outras obras sobre este assumpto. Ainda que eu não posso produzir provas especificas da Vaccinaçâo em Portugal , no periodo de tempo que de- correo desde i8oi até 1803 inclusivamente, com tudo as darei geraes , e que afianção não se ter posto de parte a c« ntinuação de tão efficaz beneficio. A Gazeta de Lisboa N.° 21 cm data de 3 i de Maio de 1803 , referindo o bom eíFeito da Inoculação das bexigas em Moçambique , promo- vida pelos paternaes cuidados do Principe Regente , con- cluc : He de esperar ^ que em breve se otivird da Fiiccina o que neste tempo escrevia o Fysico Mor sobre a Inoculação. A' vis- ta do que , palpavelmente se pode deduzir que ate este tempo se não tinha descontinuado a pratica da Vaccinaçâo , antes os seus felizes resultados se hião disseminando de sor- te , que se esperava do tempo a persuasão do seu bentfico eflPcito, do qual o Governo se não achava ainda cabalmen- te inteirado, pois que promovia nas Colónias a Inocula- ção. A Bibliotheca Universal no Artigo 4.° do N." 3.° a pag. 120 conclue a nota que já citámos a pag. 43 desta Mwino- ria por esta maneira ; e o mesmo succedeo a respeito dos vac- cinados nestes últimos annos'. e como a sobredita obra data a sua impressão de 1803, fica evidente saber o Author da continuação da Vaccinaçâo neste espaço de tempo. Em quanto huns Facultativos se occupavão em verifi- car e propagar a Vaccina pela sua pratica , outros traba- Ihavão em obras , que illumin.íssem a Nação sobre este tão desusado como importante objecto. Duas são as producçôes littcrarias , que se concluirão neste anno de 1803 ,e ainda Tom. IV. Part. II. q c/;e 5*0 Memorias DA Academia Real que forão annunciadas ao publico , huma a 24 de Abril , e a outra a 27 do mesmo mez e arino de 1804; com tudo a data das suas impressões he do anno de 1803 , e por tan- to julgo não alterar a essência da Historia , referindo a es- te anno a sua noticia. A primeira que sahio ao publico , foi o artigo 4.° do N.° 3." da Btbliotheca Universal pertencente ao mez de Mar- ço de 1803 pag. 103 , constante de 47 paginas, divididas nMiuma introdução , e dous capítulos. Naquclla se diz que o fim do Século passado se pôde honrar por nelle se ter descoberto a Vaccinação, quando no principio do mesmo se tinha introduzido a Inoculação , descobrimentos estes os mais úteis á Humanidade , e adquiridos ambos não pelas discus- sões scicntificas das escolas , mas pelo acaso e pratica rús- tica : cxpõe-sc huma abreviada historia da Inoculação em Inglaterra e mais Paizes , dos obstáculos que encontrou na França , e da adopção geral delia na Europa , ate que quan- do SC esperava ver chegado á sua ultima pcrkição este es- forço do espirito da observação humana , então flameja a Vaccina alcançada por hum similhante modo. No primeiro capitulo narra oAuthor, como pelo descobrimento da Vac- cina pelo Dr. Jenner se entrarão a reproduzir factos , que indicavão ser esta pratica , c seu conhecimento muito anti- gos , principalmente em Irlanda , aonde se pode buscar a ori- gem do mesmo nome desde os povos Celtas , bem como entre .os povos do Norte da Alemanha, e também da Itália; mas todas estas lembranças crao factos isolados , e de que nada se tinha deduzido naquclle tempo , produzindo-se somente depois que o sagaz Jenner pela sua observação tirou as duas novas conclusões ; de que a Vaccina he preservativo das be- xigas, e que só se communica por Vaccinação, e não por cffluvios : refere depois como Pcarson , Simmons , e Wood- ville seguirão em Inglaterra as pizadas de Jenner, e pela concordância geral dos factos se foi popul.'.rizando a Vac- cina por diffcrcntes partos da Europa , mormente na occa- sião de contagio das bexigas, instituindo-se Estabelecimen- tos DAS SciENCiAs DE Lisboa. yi tos públicos para a manutenção e propagação deste utiiis- siino remédio , nomeando os principacs Facultativos que ti- verão parte nesta gloriosa empresa. No capitulo segundo começa a descrever a marcha da Vaccina nos três pcriodos que denomina de inércia , de inflammação , e dcssicação , caractcrizando-os nos 27 dias da sua duração com os sym- ptomas regulares , que costumao occorrcr : nota de passa- gem algumas irregularidades que acontecem , bem como que a Vaccina não muda de caracter pela transmutação cm m- dividuos de difiercntes cores: descreve as duas espécies de Vaccina falsa , de que fallão os DD. Odier , e Decarro • e também os dois géneros de accidcntes que acompanlião al- gumas vezes a Vaccina , a saber a ulcera , e as erupções rozada e miliar : declara finalmente em que época se deve tirar a matéria vaecinica para se propagar , bem como o modo de fazer esta operação. Tudo he expendido com me- thodo e clareza , e pel,i lição desta obra se adiantão mais os conhecimentos , já adquiridos pelas duas obras de que fi- zemos menção no §. II. A segunda obra publicada neste anno de 1803 he a traducção das obras do Dr. Jenner com o titulo de Indaga f ao sobre as causas e effetCos das bexigas de Vaccas &c. por Eduar- do Jenner. M. D. F. R. I. Segunda edição publicada em Lon- dres em 1800, traduzida do original Inglez por Ordem de Sua Jlteza Real o Principe Regente Nosso Senhor por J. A. M. Lisboa 1803. O Traductor desta obra he João António Mon- teiro , de que já fallei no §. II. Comprehcnde cila o pri- meiro tratado que Jenner imprimio no mez de Junho de 1798 debaixo do titulo acima referido; o segundo tratado do mesmo Author impresso no principio do anno de 1799 com o titulo de Ulteriores observações sobre as bexigas de Vacca ou Faccina ; e o terceiro Tratado do mesmo Dr. inti- tulado Continuação de factos e observações relativas ás bexigas de Facca ouVaccinas. Este ultimo tratado he de 1800, e os dous antecedentes forão reimpressos, e reunidos nesta edi- ção com o terceiro. No fim destes três tratados de Jenner Q ii vem yz Memorias oa Acauemia Rkai, vem Igualmcnre traduiidas noticias conceincntes á Vaccina nos annos de 1801 , 1802, e 1803 tiradas áo Correio Aí er- catttil , c da Gazeta, ãe Madrid^ que nao só comprovão o proscguimento dos bons eíFeitos da Vaccina como preser- vativo das bexigas , mas também do tcrrivcl mal da pes- te, dando igualmente conhecimento da Mxpediçao vaccini- ca , que o Governo Hcspanhol mandou para as suas Coló- nias, Também ahi se encontra hun^a tabeliã com o Ojiadro comparativo das bexigas iiaturaei , das bexigas inoculadas , e da Faccina inoculada , nos seus eff eitos sobre os indivíduos , e a Sociedade \ obra de João Addington , e traducçao de Theo- doro Ferreira de Aguiar , de quem já fallei no §. I. Não entra no meu plano especificar a composição desta obra , por não ser Nacional j mas do titulo delia , c de seu Au- thor se deduz o interesse que os Facultativos podem tirar da sua lição, vendo na fonte as primeiras tentativas de tão importante descobrimento , podendo a mesma obra servir- Ihes de norma para conseguirem igual gloria, aproveitan- dn-sc de factos rústicos , que a bem deduzida experiência poderá levar a descobertas da primeira utilidade para o gé- nero humano. Na mesma obra temos mais hum testemunho de que o nosso Governo se nao descuidava de hum objecto que tanto interessa o Estado. §. IV. Estabelecimento Vaccinico da Universidade de Coimbra. Expedi- ção Faccinica para o Brazil. Propagação pela Beira , e Al- garve no anuo «^e 1804. O benemérito e bem conhecido Vice-Reitor da Uni- versidade de Coimbra Dr. José Monteiro da Rocha, co- mo sábio, e zeloso Patriota, não se descuidt)u cm ordenar no Hospital da Universidade estabelecimento próprio , em que se puzessc em pratica a Vaccinação, havendo de ante- mão illill Oi ■rs^ dasSciemciasdeLisboa. jj mau conseguido matcria vaccinica directamente de Londres, e de Lisboa, como mclh ;r coiiL-tará do tciiriJ da Ccngre- gaç.u) seguinte. Em Congrega çi: o de Medicina de \:a ate aos 7 de Fevereiro de 18 13 tinha vaccinado 442b pe"/. i)::.n.-i que agora se puhlica: recorreo-se de novo á mesma Senho- ra , 4 qtia! rectificando aquella primeira Conta , certificou u InstituK^ão Vac- cinica da ex{iítidã'j da presente, t.mto a respeito da época em que principia- ra a v^jcciíiíir , como do numero dos vaccinados. DAS ScienciaS de Lisboa. jy Vacciíia que lhe offertiva dos braços de minha filha. Nuo foi o povo duro inteiramente , c pela cooperação do Boti- cário Francisco José Ferreira se vaccinárão nesta occasiao acima de 300 pessoas. Continuei em diversos tempos a re- petir a operação até á invasão dos Francczes, na qual per- di os meus apontamentos, assim como algumas outras cou- sas litterarias , de que ainda me lembro magoado j e por isso ignoro o numero total dos vaccinados. Neste mesmo tempo começou a vaccinar Francisco Ma- noel de Barros, Medico do Partido de Filguciías, com sua mulher, progredindo neste interessante serviço até a desas- trosa época acima mencionada , segundo elle mesmo refere no Jornal de Coimbra N." 3. pag. 227. Ao passo que no Reino de Portugal se hia propagan- do a Vaccina , acontecia o mesmo na Bahia , Rio de Janei- ro , e Goa , como se pode ver nos Supplemcntos ás Gaze- tas de Lisboa N. 13 , N. 16 , N. 18 , N. 30, N. 39 , c na Gazeta N. 40 , cm cujas particularidades não entro por não serem do meu objecto. §. VI. Progressos da Vnccina nos annos de 1806 e 1807 pelas Pro- vindas da Beira , Minho , e Algarve. Extracto da Carta do Fysico mor da índia sobre o mesmo objecto. A Vaccin;ição quasi amortecida em Coimbra e suas visinhanças , tomou a ser excitada pelo Dr. Angelo Ferreira Diniz. Este benemérito Lente de Medicina, animado pelo seu philantropico génio, fez algumas viagens pelas visinhan- ças de Coimbra , conduzindo comsigo crianças vaccinadas , laminas , e agulhas vaccinicas para propagar a Vaccina , e c instruir aquelles que se destinassem para tão saudável emprego ; e n'uma digressão que fez á Cidade de Braga , foi exercendo em Santo António d'Arrifana , Porto, Barca da Trofa, S. Mamede de Villa Cháj e ultimamente na Ci- Tom. IV. Part. II. h da- jS MemoriasdaAcademiaReal dade de Braga a Vaccinaçao , de cujos resultados c opera- ções forão testemunhas oculares o Dr. João Corrêa Bote- lho , Lente de Tlieologia , e o Dr. Narciso Joaquim de Araújo Soares , Lente de Leis. Foi então pela primeira vez que se introduzio a Vaccinação em Braga , porém com pou- co fructo, como refere o Medico do Partido da mesma Ci- dade J. J. àf, Costa na sua conta de Fevereiro de 1803 , (Joftial de Coimbra N.° f. a pag. 19)56 por isso esta Ci- dade chora amargamente os funestos resultados do contagio varioloso , que nclla se desenvolveo , com a morte de mui- tas pessoas no fim do anno de 18 14. Em Ovar o Cirurgião Francisco Leonardo de Carvalho começou a vaccinar neste anno de 1806 {Jornal de Coimbra N.° 6. a pag. 83)56 em Alpedrinha o Dr. José Nunes Chaves j com matéria que ob- 'teve de Alcântara de Hespanha (Opúsculo 9. a pag. 112). No Algarve pôz o Dr. Abrantes em acitividade a Vaccina- ção já de todo abandonada , e a este hábil Medico se de- ve o louvável costume de fazer vaccinar os individuos do Exercito Portuguez. ( Investigador Portugiiez N.° 5". a pag. 4; ) Ainda que não posso prodxizir provas das mais partes do Reino em que a Vaccinação prosperou , com tudo ha toda a probabilidade do seu progresso , até ao tempo das perturbações politicas e militares do Reino. No Supplemcnro á Gazeta de Lisboa N. 5-1 de 21 de Março de 1806 acha-se inserta huma carta, que o Fysico mor do Estado da índia escreveo ao Governador e Capicâo General do mesmo Estado , sobre a inoculação da Vaccina naqu.-Uc Paiz , a qual vou extractar por conter p.irticularida- des dignas de nota. Nella se declara que a facilidade da operação , e os seus bons cíFeitos tem vencido a preoccu- pação do povo para se sujeitar a elia : indica-se a marcha regular da Vaccina nos quatorze dias , com as suas varieda- des , mesmo as provenientes da còr dos individuos , e sym- ptomas que algumas vezes occorrem , notando os dias em que mais ordinariamente acontecem : dizem-se os dias em que ha maior abundância de matéria vaccinica, e em esta- do í dasScienciasdeLisboa. 5'5> «.lo próprio para se poder extrahir : nota-se que a Vaccinaçiío nas crianças a cegueira c o desleixo, que mui pouca gente ha entre 5> nós , que esteja capacitada das grandes vantagens e pro- 3J vcitos cue comsino trará a lavra regular das nossas mi- j> nas, e hunia boa Administração nietaliurgica. » Esta fdta de laboração regular, c de huma Adminis- tração adequada, he sem duvida a que desde o descobrimen- to das minas foi causa dos males que actualmente se ex- pcrimentão. Verdade bem obvia , que ficou com tudo oc- culta a algumas Pessoas alias instruídas , que tratarão des- te objecto ; pois segundo ellas as causas desta decadência são a lalta do Ouro (sim na superficie, mas certamente não no interior , onde nunca se chegou , nem se sabe chegar ) , a pobreza dos mineiros, a falta de Negros, os abusos nas concessões dos Guardas mores , as Demandas sobre terras e agoas , c sobre os privilégios a que chamao Trintada, e a divisão das Fabricas , por morte de hum mineiro que seja Pai de Familias, cm fim o mão metliodo de mineniçao , ponto Cite em que tocáo levemente , c de que não estão bem SlJíl OT UAsSciENClASDELlSbOA. 6^ liem persuadidos , por não terem ainda visto praticar outro melhor. He certo que todos estes males influem sensivelmente na decadência das minas , mas todos elies procedem de duas únicas causas , c são teremse írunqueado ao Povo as minas de Ouro sem limitação, e sem inspecção sobre os seus tra- balhos; e na talta absoluta de Leis montaniícicas, adcv-jua- das a este Paiz. Quem conhece as sabias Leis montanisticas da Ale- manha ; quem vê por meio delias abrir e lavrar com van- tagem as minas mais pobres ; quem sabe que a Scicncia met^llurgi ca naquelle Estado tem chegado ao ponto de se cxtrahir com lucro huma pequeníssima porção de Ouro , por exemplo '- de grão de oito arrobas de terras metaliteias; fica bem pasmado das riquezas immcnsas deste Paiz , e da imperfeição dos seus trabalhos , em que somente se apro- veita o Ouro , que se mostra visivcl n'huma batéa de ter- ra , que não conterá mais que huma arroba , lançando-se fó- la toda a terra , em que se não acha alguma faisca visivel. Os mineiros do Paiz aproveitão só o que podem se- parar mecanicamente e de huma maneira a mais imperfei- ta. Assim , contando todas as perdas que soffrem , causadas pela sua ignorância , desde que tirão o Ouro do seu leito natural , até que sahe fundido da Casa da fundição , e da da Moeda , não será por certo exagerado quem avaliar es- tas perdas cm a metade do mesmo Ouro : convir-se-ha facil- mente nisto C(»nsidcrando-yc o seguinte. ( i.° No trabalho dos Vieiros e Camadas nunca chegão ao fundo ; o niinimo obstáculo que se encontra , ou a falta de Ouro visivel , far esmorecer o mineiro : não sabendo remediallo , e temendo perder mais serN^iços huma vez que continue , larga o trabalho , c principia n' outro lu- gar , arranhando só a superfície do terreno. ( 2." Para a apuração da terra cxtrahida não sabem outro me- thodo , senão o da lavagem ; e isto sem engenho ou má- quina alguma , aproveitando somente o Ouro mais grosso iua 70 Memorias DA Academia Real e pesado ; pois o mais fino o arrasta a agoa coinsioo pa- ra os Rios. Nao tallamos no Ouro que se acha chimi' canientc ligado com outras substancias , e que desappa- rece de todo nestes trabaliios; ncllc he que o mineiro soíFrc a maior perda. ( 3.° A perda nas Fundições. Desde o principio das Casas de Fiindiç.1a usou-sc sempre , e usa-se ainda com grande prcjui/.o da Fazenda Real , para a apiuaçao e fundição do Ouro , do Muriato de Mercúrio ( Soliiiuio ) o qual vem por hum preço subido dos Paizcs estrangeiros. He bem sabido que cUe se decompõe na fundição , passando o Acido nuinatico a oxidar o Ferro, Cobre, e outros me- taes com que ordinariamente o Ouro está misturado. O Mercúrio , que então se voiatili/a com grande velocida- de , arrasta comsigo mecanicamente em os seu.; vapores muitas partículas de Ouro ; e eis-aqui porque os trabalhos das Fundições quasi sempre differem , mostrando menos perda hum do que outr-j , em Ouro do mesmo toque. Cheguei a esta Capitania , e visitei muitas e muitas lavras delia , com o maior enthusiasmo de espalhar entre os mineiros algumas luzes para huma mineração regular, e apu- ração mais perfeita ; muitos me vicrão consultar , notavao o que eu dizia ; até me não poupei a despezas para man- dar íaztr modcllos de Engenhos , a fim de mostrar as suas vantagens. Principiei esta doutrina com os mineiros mais opulentos, que podião servir de exemplo aos outros, e nao descancei com estas diligencias, até me desenganar inteira- mente de que todo o meu trabalho era baldado. Huns riem-se de cousas de que nunca ouvirão fallar , cuidando que são chimeras ; outros tem a condescendia de fingirem estar per- suadjd(js do que digo; outros estão realmente convencidos, mas não tem animo de largar a pratica antiga ; outros fi- nalmente reconhecem as vantagens que lhe proponho, mas não tem resolução de despender o dinheiro que exige a construcção de alguma maquina , ou hum serviço regular , cm que nao se pckic tirar Ouro logo nos primeiros dias. Des- UAsSciENCIASDtLlEBOA. 7I Deste comp()it:uncnto dos mineiros o que devo concluir hc , que o que principalni^rnte llies falta são exemplob ; es- tou certo que ellcs logo os imitarião , se o Governo ou al- guma Sociedade patriótica lhes de.se , debaixo da inspec- ção de homens formados na Scicncia montanistica. No es- tado actual dos seus conhecimentos ( que se lemitao ao que aprenderão maiormcnte dos Escravos negros da Costa da Mi- na ) mais depressa compra o mineiro hum Escravo por 200 ou 300(í) rs. do que gasta 20(^ rs. em huma maquina que lhe pouparia os braços de seis JLscravos. Mas he já tempo de passarmos a outros assumptos. As immensas riquezas que esta Capitania offerece cm mineral de Ferro , espantão o conhecedor, não havendo par- te nenhuma do Mundo até agora examinada pelos Minera- logistas, que apresente maior abundância delle. Montes e Serranias inteiras estão cobertas de Ferro micaceo , tiiagve- tico , especular , e vermelho. Parece , segundo todas as no- ticias que pude alcançar , que os Escravos negros da Cos- ta da Mina derao as primeiras luzes aos mineiros do co- nhecimento deste mineral , e da extracção do Ferro. Muitos Ferreiros então se occupa'rão em o extrahir pa- ra o gasto das suas officinas : e o numero destes fabricantes tem crescido consideravelmente depois da chegada de Sua A. R. a estes Estados , por ter aquelle Senhor franqueado a factura do Ferro : mas estes fabricantes trabalhão ainda , para assim dizer , ás cegas ; sem ao menos terem engenho para puxar o Ferro em barra, senão os braços dos seus Es- cravos. A muitos destes fabricantes dei idéas para melhora- rem o seu trabalho; nenhum porem se aproveitou tanto des- tas instrucções c;)mo F. Xuncs , da Itaubira do Alato-tien- iro , que no mez de Abril do anno próximo passado puxou o primeiro Ferro com hum malho movido por huma roda d' agoa. He para lastimar a cscaccz de matos, e sobre tudo nos district05 férreos desta Capitania , produzida principalmen- te 72 Memorias daAcademi^a Real te pelo mcchodo bárbaro da cultura das terras , queiman- do-ic para este "fim as mais belLis florestas. Esta Capitania poderia supprir de Ferro todo o mundo, sem nunca cxhau- rir as suas riquezas ; mas esta cscaccz de lenhas he causa de nao se poder extcnder tanto Juun ramo de industria tão proveitoso. Nao podendo pois pelos motivos sobreditos extrahir-se este metal em tanta abundância e perfeição, nem por pre- ço tão commodo , como exigem as necessidades desta Ca- pitania, abraçou o III.'"" e Ex.'"" Conde de Palma a minha proposta de erigir á custa de alguma Sociedade huma Fa- brica maior j e não pedindo cu mais do que dez mil cruza- dos para a sua erecção , não se encontrou difficuldade algu- ma, ajuntando o mesmo Siir. dez accionistas: assim depois da approvação de S. A. R. pela Carta Regia de Agosto de 1811 metteo-se logo a mão á obra, e tive a satisfação de fundir e puxar o primeiro ferro no Faustissimo dia dos An- nos da Rainha N. Senhora em 17 de Dezembro de 18 12. Este dia será perpetuamente memorável para a Fabrica de Ferro de Congonhas do Campo , e a mesma Fabrica scUo-ha também sempre na historia das Fabricas de Ferro do Bra- zil , por ser a primeira c única nestes Estados , que até agora trabalhou em grande. Construi cinco fornalhas á maneira dos Suecos , quatro das quaes estarão em continuo trabalho. A imperfeição que £Índa se observa nos mestres ( todos Brasileiros c ensina- dos por hum fundidor Alemão ) desappareccrá pouco a pou- co , e espero chegar ao ponto de dar cento e cincocnta arrobas de Ferro em barra por semana. Entre tanto já as- iim mesmo remedea esta Fabrica as maiores necessidades de Ferro nas visinhanças de Villa Rica, e por metade do preço por que se costuma comprar o Ferro estrangeiro. Suppondo que ella não produ/.a mais de quatro mil arro-' bas annuacs , já lucra a Capitania vmte c quatro mil cruza- dos , que aliàs haviao de sahir para fora , não mettendo cm conta outros vinte e quatro mil cruzados, que os. compra- do- DAS SciENClAS DE L I S B O A. 73 dores poupão em Qiiintos c carretos , sendo o preço ordinário e inedio do Ferro de fora, posto emViilaRica, 4(^)800 rs. por arroba. O mineiro cm consequência disso , assim co- mo o lavrador , já pôde ter os seus instrumentos por me- tade do preço do que anteriormente tinha , o que hc hu- ma vantagem extraordinária. As exagerações, que fizcrao os primeiros descobridores, da riqueza de huma mina de Galena , que encontrarão nos ccrtões do Rio Abaete , andando a garimpar diamantes , ciiamárão a attcnçao do Governo, que me incumbio de fa- zer a este resjieito os exames necessarios% Está esta mina no meio de hum inculto ccrtao de matos ; e existia hum único velho , que depois do desco- brimento tinha chegado a cila por hum Ribeirão , chama- do da Galena , que desagôa no Rio Abaete. Para se man- darem amostras d'aquella mina a S. A. R. gastavão cinco dias pelo dito Ribeirão acima ; e como nunca se tomou o rumo delie , custou muito abrir huma picada por terra , que :dli se dirigisse. Consegui-o finalmente no mez do Julho do anno passado ; mas longe de achar , como dizião , huma serra inteira de Galena , achei hum Vieiro da posmça de hum palmo , que atravessa de Norte a Sul rochas calcarias secundarias. Esta Galena he acompanhada de Spatho cal- careo , Quartzo , Brunispatho , Verde de cobre , Pyrites de cobre , Fahlertz , e Blenda brunca. Depois de huma demora de três mezes n'aquclle cer- tão , estando convencido que se não devia abandonar aquel- la mina , e que ao contrario se deveria erigir hum estabe- lecimento regular , formei hum plano da futura administra- ção delia. Entre tanto deixei hum Mestre mineiro Alemão, e huns poucos de Escravos para continuarem os trabalhos. Além disso , como esta mina se acha desviada quasi vinte e cinco Icgons do povoado , foi-me preciso para manter a gente occupada , mandar derrubar os matos , e cultivar ter- ras nas visinhanças. No presente anno augmcntei o numero dos Escravos , Tom. IV. Part. II. k •* 74 Memorias da Academia Real e passei outra vez quatro mezes n'aquclle certão , cuidnn- do principalmente em fazer estradas , c augmcntar a cul- tura das terras ; convencido sempre de que se não deve abandonar este estabelecimento. Os trabalhos da lavra fu- xcm-se por Poços e Galerias. A Prata que contem esta Galena he outra tanta , co- mo costumão conter as Galenas das minas de Alemanha. Já me tinha provado isto hum cnsayo feito no Laboratório de Coimbra , e no da Real Fabrica das Sedas de Lisboa , em companhia do Siír. Dr. José Bonifácio d' And rada : rcpetindo-o na Casa da Fundição de Vi lia Rica, novamente se confir- ma'rão as minhas observações. Em algumas partes desta Capitania acha-se também Cobre , mas á excepção do Cobre nativo em pó , que se en- contra nos córregos , e n'huma camada de Argilla schistosa- bituminosa nas visinhanças do Arrayal do Inficionado, nãr> pude descobrir o seu leito natural; vi só amostras de Co* bre vermelho e Fahlertz em grandes pedaços , que me di- zião ter-sc achado na falda de huma terra , que tem lavras de Ouro , ao pé da Fazenda dos Caldeirões , pertencente á Familia dos Macicis cm Villa Rica. A respeito do Cobre nativo em pó, dei todas as pro- videncias para o seu exame : mas como não me foi possí- vel assistir com a minha presença , o dono da Lavra , que devia fazer estes exames , não fez caso das minhas direc- ções ; e em consequência não resultou nada de hum tra- balho em que se consumirão mais de quatro mezes. Cinabrc nativo acha-se no Cascalho {caillou roulê ^ Ges- cVteh ) d' alguns córregos de Tripui , meia legoa de Villa Rica. Todos estes córregos nascem nas faldas da Serra de Caxoeira , c não vem muito longe. Esta Serra ( formada prin- cipalmente de Gieda , sobreposta a hum Schisto argilloso-fer- ruginoso , que passa muitas vezes a Argilla schistosa ) con- tém certamente em si vieiros do dito mineral, que na flor da terra são lavados pelas torrentes da chuva , e suas par- tículas conduzidas aos córregos visinhos , onde apparecem mui- ipnT Oí DAsSciENClASDhLlSEOA. J <; milito roladas. O accaso deve aqui descobrir o que todas as minhas indagações até ao presente não produzirão. Achou-se , ainda ha pouco , Estanho nas arcas do Rio Paraupcba ; o seu estado hc o do Cornisch-Zmertz, cu Es- tanho lenhoso de Cornoailhes ; mas he cm tão pequena quantidade , que não faz conta aproveitallo. As margens deste Rio, e o terreno visinho são formados de Gueis , c hc de esperar que se encontrarão aqui vieiros do dito Metal. Em humas lavras de Ouro perto do Arrayal de Con- gonh;is do Campo , achei o Chumbo vermelho n'hum Vici- fo de Qiiart/.o e arca branca mui decomposta , e que atra- vessa rochas de pedra de Sabão. Este vieiro estava só tra- balhado á flor da terra , e largou-se o trabalho apenas se encontrou o Qiiartzo menos decomposto, e mais rijo. Dis- serão-mc , que na parte cm que o Chumbo vermelho era mais abundante , também alli era o Vieiro mais rico cm Ouro. Ainda até agora não pude persuadir o dono da lavra a continuar este serviço , aproveitando o mesmo Chumbo vermelho , que até então não conhecião e deitavão fora. Além destes Mctaes que examinei , tenho noticia que se achão os seguintes. ( i." Platina; ao pé do Arrayal da Conceição do Serro, de que possuo amostras; e no Rio Abaete e suas visinhanças. (2.° Chumbo; em difFerentes partes nas, margens do Rio de S. Francisco. (3.° Estanho; no Rio de António Dias. ( 4.° Bismutho ; no Rio Guarapiranga , em S. Anna dodeserto, ( j." Cobalto ; ao pé do Arrayal de Tejuco , no Serro do frio, ( 6° Cobre ; no sitio de S. Domingos Comarca do Serro. ( 7." Alanganez ; em toda a Capitania. (8.° Zinco; acha-se cm quantidade grande no sitio chama- do Tocaios , nas margens do Rio Jequctinhonha &c. &c. Pelo que acabamos de expor tão resumidamente , se vêm as riquezas que esta Capitania ofFerece em Mctaes ; e sendo tal a sua posição geográfica , que pouco ou nenhum proveito SC pôde nella tirar da Agricultura , dever-se-hião fazer to- K ii dos 76 Memorias da Academia Real dos os esforços para promover a exploração , c trai alho re- gular das Minas , e estabelecer as competentes Fabricas. ( Post-scriptum. ) Esta Memoria , escrita em Villa Rica no mez de No- vembro de 1815, não pôde por vários motivos ser remet- tida senão em Fevereiro de iSiy. Entre tanto o estado das Minas tem tido pequena alteração. A Fabrica de Ferro de Congonhas do Campo he ainda a única , que trabalha em grande nos Estados do Brazil com bastante proveito. Com tudo as Fabricas pequenas de Particulares tera-se augmentado muito , principalmente na Itaubira do Mato- dentro , onde o numero das fornalhas já chega a doze. A mina de Galena de Abaete continua ainda nos seus trabalhos ; mas como os fundos destinados para ella não passavão de cinco mil cruzados , e como faltão Mestres hábeis para a sua mineração , nunca poderá neste esta- do de cousas tirar-se delia hum grande proveito. No presen- te anno ( 1 8 1 y ) pretendo fazer a fundição de duas mil ar- robas de Galena pura , que foi tirada por quatro Escravos mineiros em tempo de dois annos e meio ; e como as dcs- pezas até agora não subirão a mais de três mil cruzados, espero podellos tirar do producto das Fundições. Rcstava-me ainda dar o plano da Administração regu- lar e económica das Minas e Fundições ; e eu otíereço i Academia as bases delle a fim de que , mandndas examinar por Pessoas sabias e zelosas dobem publico, possa finalmen- te aprcsentar-se hum plano completo e perfeito para se ad- ministrarem as Minas deste Paiz , principaln-cnte da Capi- tania de Minas : o que he necessarissimo , principalmente para as de Ouro , cuja decadência ainda continua , não ten- do chegado o Quinto no anno passado paia pagar as des- pezas da extracção diamantina , e das Casas de Fundição. F I M. ME- iíin.u 01 MEMORIAS, QUE SE CONTÉM NA II. PARTE deste quarto tomo. Historia. n ISCURSO contendo a Historia da Academia Reat das Sciencias , desde 2^ de Junho de 1814 até 24. de Junho de iSiy : por José Bonifácio de Andrada e Silva. - ----_--_-_- Pag. I Conta annual da Instituição Faccinica da Academia Real das Sciencias , pronunciada na Sessão Publica de 1 8 1 5 : por Bernardino,. António Gomes. ------ xxx Pragraniinr- para o anno de i^ij. - - - - - - lti Elogio Histórico de João Guilherme Christiano Mtiller , recitado na Assembléa Publica ia mesma Academia rfc 24 de Junho de 1815 : por Francisco Manoel Tri- gozo d'Aragáo Morato. -------- lvu Memorias dos Sócios. Glossário das Palavras e Frases da Lingita Franccza , que por descuido , ignorância , ou necessidade se tem intro- duzido na Locução Portugueza moderna ; com o juizo critico das que são adoptáveis nella : por Fr. Francis- co de S. Luiz. ----------- j Memoria sobre btim Documento inédito do principio do Século XII. , cm que se mostra , que — O Siír. Conde D- Henrique , achando-se ausente na Palestina , ainda tião tinha voltado a Portugal em Maio da era 1141 {Anno 1103) — : por Francisco Ribeiro Uosgui- marães. ---_--_.-.--- 147 Tdhoas do Nonagésimo para a Latitude de Lisboa^ redu- zida ao centro da Terra 38" 27' zz'\ suppondo a cbll- K. iii qui' > 78 Índice. qttidtide da EcUptica 23" 28' o'': por Francisco An- tónio Cicra. -----.-_-_._ ij-j- Fiam de Extracção de Lo ler ias : pelo mesmo. - - - 180 Memorias dos Correspondentes. Extracto de hunia Memoria sobre o estado da Agricul- tura da Comarca de Castello-branco : por João de Ma- cedo Pereira da Guerra Forjaz. ------ 5 Memoria sobre a descripçao , e vantagens de htima ca- deira obstetricia da invenção do Professor Stein , de- pois reformada , e emendada principalmente pelo Pro- fessor Osiander : escrita por Justiniano de Mello Franco. -----_____-__ 22 Annaes Vaccinicos de Portugal^ ou Memoria Cbronologi- ca da Vaccinação em Portugal , desde a sua introducção até o estabelecimento da Instituição Vaccinica da Aca- demia Real das Sciencias de Lisboa: por António de Almeida, -----i.------- ^(^ Extracto de huma Memoria sobre a decadência das mi- nas de Ouro da Capitania de Minas Geraes , e sobre vários outros objectos Montanisticos : por Guilherme B. de Eschwegc. ---------- 6$ CA- CATALOGO I>as Obras já impressas , e mandadas publicar pela Academia Real das Scieitcias de Lisboa ; com os preços , por que cada huma delias se vende brochada. I. T> Revés Inílrucçócs aos Correspondentes da Academia , jj sobre as remessas dos productos naturaes , para formar hum Musco Nacional , folheto 'è." -------. 120 II. Alemorias sobre o modo de aperfeiçoar a Manufactura do Azeite em Portugal, remcttidas á Academia , por João António Daila-Bella , Sócio da mesma , i vol. 4.° ------ 480 III. Memoria sobre a Cultura das Oliveiras em Portugal , remet- tida á Academia , pelo mesmo , i vol. 4.° ------ ^80 IV. Memorias de Agricultura premiadas pela Academia , 2 vol. 8.° <)6o V. Paschalisjosephi Mellii Freirii Hiftoriae Júris Civilis Lusitani Liber singularis , i vol. 4,'^------.---- 640 VI. Ejusdem Inftitutiones Júris Civilis , et Criminalis Lusitani , 5". vol. 4." -------.-.---.-- 2400 ■VII. Osmia , Tragedia coroada pela Academia , folh. 4.° - - 240 VIII. Vida do Infante D. Duarte , por André de Rezende ,folh. 4.° 160 IX. Veíligios da Lingua Arábica em Portugal , ou Lexicon Ety- ■ mologico das palavras 5 e nomes Portuguezes, que tem origem Arábica , comporto por ordem da Academia , por Fr. João de Sousa , I vol. 4.°-------------- 480 X. Dominici V^andelli , ViridariumGrysIey Lusitanicum Linnsea- nis nominibus illuftratum , i vol. 8.°-------- 200 XI. Eplicmeridcs Náuticas , ou Diário Aftronomico para o anno de 1789, calculado para o Meridiano de Lisboa, e publicado por ordem da Academia , i vol. 4.° -------- ^^o O mesmo para os annos seguintes até 1809 inclusivamente. XII. Memorias Económicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da Agricultura , das Artes, e da Induftria em Portugal , e suas Conquiftas , j vol. 4.° - - 40CX5 XIII. CoUccçao de Livros inéditos de Hiftoria Portugueza , desde o Reinado do Senhor Rei D. Dinis , até ao do Senhor Rei D. João II. 4. vol. foi. 7100 XIV. Avisos interessantes sobre as mortes apparentes, mandados recopilar por ordem da Academia , folh. %.° ------ gr. XV. XV. Tratado Jc Mdiic.i4;no Fysii..i para nso (ia Nação Portugue- sa , publicado por oídcm da Academia Real das Sciencias , por Francifco de jNlelIo Franco , i vol. 4." .---.. ^^q XVI. Dociimeiuos Arábicos da tíiltoria rortugueza, , copiados dos Originaes da Torre do Tombo com permissão de S. Ma- geftade , c vertidos cm Portiiguez , por orilem da Academia , por Fr. Joáo de Sousa , i vul. 4."--------- 480 XVil. Observações sobre as principacs causas da decadência dos ]\)ruguezcs na Ásia , escritas por Diogo de Couto cm forma de Dialogo , com o titulo de Soldddo rratico ; publicadas de ordem da Academia Real das Sciencias, por António Caetano do Amaral, Sócio Effectivo da mesma, i vol. 8.° mai. - - 480 XVIII. Flora Cocliiiicliinensis ; sistens Plantas in Rcgno Cochin- chince nascentes. (^libus accedunt alÍK obscrvatje in Sinensi Império, Africa Orientali , Indiíeque locis variis. Labore ac studiojonnnis de Loureiro, RegixScientiarum Academia: Ulys- siponcnsis Socii : jussu Acad. R. Scient. in lucem edita , 2 vol. 4.-" mai. ----------------- 2400 XIX. Synopsis Chronologica de Subsídios, ainda os mais raros, para a Hiltoria , e Eftudo critico da Legislação Portugueza ; mandada publicar pela Academia Real das Sciencias , e orde- nada por José Anaftasio de Figueiredo , Correspondente da mesma Academia , 2 vol. 4°- --------- 180O XX. Tratado de Educação Fysica para uso da Nação Portugue- za, publicado por ordem da Academia Real das Sciencias, por Francisco José de Almeida , i vol. 4." -------- ^6o XXI. Obras Poéticas de Pedro de Andrade Caminha, publicadas de ordem da Academia , i vol. 8.° -------- ^00 XXn. Advertências sobre os abusos, e legitimo uso das Aguas Mineraes das Caldas da, Rainha , publicadas de ordem da Academia Real das Sciencias , por Francisco Tavares, Sócio Livro da mesma Academia, /«//». 4.= ------- - r20 XXIII. Memorias do Liiteratura Portugueza , 8 vol. 4.° - - - 6400 XXIV. Fontes Próximas do Código Filippino , por Joaquim José Ferreira Gordo, i vol. 4.° ------------ 400 XXV. Diccionario -da Lingua Portugueza , I.° vol. foL mai. - - 4800 XXVI. ("ompendio da Theorica dos Limites , ou Introducção ao Mcthodo das Fluxocs , por Francisco de Borja Garção Stockler, Sócio da Acadcniia , 8." ------------ 240 XXVII. Ensaio Económico sobre o C'ommercio de Portugal , e suas Colónias , ofierccido ao St-renissimo Principe da Beira o L ihorD. Pedro, e publicado de ordem da Academia Real das Scien- Sciencias, pelo seu Sócio D. José Jop.qulm da Cunha deAiere- do Coutinho , segunda edição conegida , e accrescentada pe- . Io incsiflo Auctor, i vol. 4/ ,.--.---,. 480 XXVIII. Tratado de Agrimensura , por Efteváo Cabral , Sócio da Academia , cm 8." --..,.-.---. 240 XXIX. Analyse Chymica da Agua das Caldas, por Guilherme Witliering , em Pdi luguez e Inglcz , folh. 4." ... - - 140 XXX. Princípios de Táctica Naval, por Manoel do Espirito San- to Limpo , Correspondente do Num. da Academia , i vol. 8." 480 XXXI. Memorias da Academia Real das Sciencias, 4 vol. /«/. - 8000 XXXII. Memorias para a Hilloria da Capitania de S.Vicente, I vol. 4.° 480 XXXI II. Observações Hiftoricas e Criticas para servirem de Me- morias ao syftema da Diplomática Portugueza , porjoao Pedro Ribeiro , Sócio da Academia , Parte 1. 4.° ----- - 480 XXXIV. J. H. Lambert Supplementa Tabularum I.ogarithmica- rum , et Trigonometricarum , i vol. 4." ------- ç6o XXXV. Obras Poéticas de Francisco Dias Gomes , i vol. 4.° - Uoo XXXVI. Compilação de Reflexões de Sanches, Pringie, &c. so- bre as Causas e Prevenções das Doenças dos Exércitos , por Alexandre António das Neves , para diftribuir-?e ao Exercito, folh. 12.^ -.....-- gr. XXXVII. Advertência dos meios para preservar da Pefte. Segun- da edição , aecrescenttida com o Opúsculo de Tiiomaz Alvares sobre a Pefte de 1569. folh. iz.° --------- 120 XXXVIIL Hippolyto , Tragedia de Em ipides , vertida do Gre- go em Portuguez , peio Director de huma das Classes da Aca- demia ; com o texto, i voi. 4.-' ---------- 480 XXXIX. l^aboas' Logarithmicas , calculadas até á sétima casa decimal , publicadas de ordem da Real Academia das Scien- cias, porj M. D. P. I vol. 8.° - 4S0 XL. Índice Chronologico Remissivo da Legislação Portugueza, posterior á publicação do Código FilippinO; por João Pedro Ribeiro, Part. r." 2." 3." 64.»-----.---- 3600 XLI. Obras de Francisco de Borja Garção Stockler , Secretario da Academia Real das Sciencias , I.° vol. 8." ----- - 800 XLII. ' Collecção dos principaes Auctores da Hiftoria Portugueza , publicada com notas pelo Director da Classe de Litteratura da Academia Real das Sciencias , 8 vol. em 8.' ----- 4800 XLIII. Dissertações Clironologicas , e Criticas , por João Pedro Ribeiro, 3 vol. 4." --- 24CO XLIV. Collecção de Noticias para a Hiftoria e Geografia das Na- '■■i Nações Ultramarinas , Tom. I. Números r.° 2.° 3.° e 4." - - 600 O Tomo 11. -- - 800 XLV. Hippolyto , Trngedia de Séneca ; c Pliedra , Tragedia de Racine: traduzidas em verso , pelo Sócio daAcadirmi;i Sebas- tião Francisco Mendo Trigozo , com os textos, 1 vol. 4.° - 600 XLVl. Opúsculos sobre a Vaccina : Num. I, até Xlll. - - - 300 XLVII. Elementos deHvgiene, por Francisco de Mello Franco , Sócio da Academia : rarte I. e II, --------- 600 XLVIII. Memoria sobre a necessidade e utilidade do Plantio de novos bosques em Portugal, por José Bonifácio deAndrada e Silva, Secretario da Academia Real das Sciencias , i vol. 4." 400 XLIX. Taboas Auxiliares para uso da Navegação Portugueza , compiladas de ordem da Academia R. das Sciencias, i.vol. 4.° 600 L. Elementos de Geometria, por Francisco VilJcla Barbosa , Len- te de Mathematica na Acaaemia Real da Marinha, e Sócio da Academia Real das Sciencias, i. vol. 8.° ------ 800 EJão no prelo as seguintes. Documentos para a Hiftoria da Legislação Portugueza , pelos Sócios da Academia João Pedro Ribeiro, Joaquim de Santo Agoftinho de Bri- to Galvão , e outros. Collecção dos principaes Hiftoriadores Portuguezes. Collecção de Noticias para a Hiftoria e Geografia das Nações Ultra- marinas. Taboas Trigonométricas , por J. M. D. P. Obras de Francisco de Borja Garção Stockler, Tom. 2.° Obras escolhidas do Padre Vieira. Memoria sobre os Foraes. Vendem-se em l^ishoetpf^a^lojas dos Mercadores de Livros na Rua das Portas de Santa 0'%ijíà?^^/"' Coimbra e no Porto também pe- los mesmos pregos. ^i^OS^^^^ \ ú ?- >^ ÍV' ^ <^