HISTORIA e ." M E M O R IAS i D A ACADEMIA R. DAS SCIENCIAS ■ DELIS B O A. g. fcs-ij) [p. iiavc 0+ HISTORIA E MEMORIAS D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. Nisi utile est quod facimus , stulta est gloria. TOMO VIL LISBOA NA TYPOGRAFIA DA MESMA ACADEMIA i 8 a i. Com licença de SUA MJGESTADE. S r PRIVILEGIO. E /U a RAINHA Faço saber aos que este Alvará" virem : Que havendo-me representado a Academia das Sciencias estabelecida com Permissão Minha na Cidade de Lisboa , que comprehendendo entre os objectos , que formão o Pla- no da sua Instituição, o de trabalhar na composição de hum Diccionario da Lingoa Portugueza , o mais completo que se possa produzir ; o de compilar em boa ordem , e com depurada escolha os Documentos que podem illustrar a His- toria Nacional, para os dar á luz; o de publicar em sepa- radas Collccções as Obras de Licteratura , que ainda não forão publicadas ; o de instaurar por meio de novas Edições as Obras de Auctores de merecimento , e cujos Exemplares forem muito antigos , ou se tiverem feito raros ; o de tra- balhar exacta e assiduamente sobre a Historia Litteraria destes Reinos ; o de publicar as Memorias dos seus Sócios , das quaes as que contiverem novos descobrimentos , ou per- feições importantes a's Sciencias e boas Artes serão publi- cadas com o titulo de Memorias da Academia , ficando as * 3 ou" outras para servirem de matéria a separadas e distinctas Col- lecções , nas quaes se dê ao Publico erh Extractos e Traduc- çôes periodicamente tudo o que nas Obras das outras Aca- demias , e nas de Auctores particulares houver mais pró- prio , e digno da Instrucção Nacional ; e finalmente o de fazer compor, e publicar hum Mappa Civil e Litterario , que contenha as noticias do nascimento , empregos , e ha- bitações das Pessoas principaes , de que se compõem os Es- tados destes Reinos, Tribunacs , ou Juntas de Administra- ção da Justiça , Arrecadação de Eazenda , e outras particu- lares noticias , na conformidade do que se pratica em ou- tras Cortes da Europa : E porque havendo de ser summa- mente despendiosas , tantas , e tão numerosas as Edições das sobreditas Obras , seria fácil que a Academia se arris- casse a baldar a importante despeza , que determina tazer nellas ; se Eu não me dignasse de privilegiar as suas Edi- ções , para que se lhe não contrafizessem , nem se lhe reim- primissem contra sua vontade , ou mandassem vir de fora impressas , em detrimento irreparável da reputação da mes ma Academia , e das consideráveis sommas que nellas de- verá gastar : Ao que tudo Tendo consideração , e ao mais que Me foi presente em Consulta da Real Meza Censória , á qual Commetti o exame desta louvável Empreza ; Que- rendo animar a sobredita Academia , para que reduza a ef- feito os referidos úteis objectos, que o estão sendo da sua applicação : Sou servida Ordenar aos ditos respeitos o se- guinte : Hei por bem , e Ordeno , que por tempo de dez an- nos, contados desde a publicação das Edições, sejáo privi- le- o.U* 0, legiadas todas as Obras, que a sobredita Academia das Scien- cias fizer imprimir c publicar ; para que nenhuma Pessoa ou seja natural , ou existente , c moradora nestes Reinos as pos- sa mandar reimprimir , nem introduzir nelles sendo reim- pressas em Paizes Estrangeiros : debaixo das penas de per- dimento de todas as Edições que se fizerem , ou introdu- zirem em contravenção deste Privilegio , as quaes serão apprehendidas a favor da Academia; e de duzentos mil reis de condemnação , que se imporá irrcmissivelmente ao trans- gressor , e que será applicada em partes iguaes para o De- nunciante , e para o Hospital Real de S, José. Exceptuo porém da generalidade deste Privilegio aquel- les casos , em que as Matérias , que fizerem o objecto das Obras que publicar a Academia , appareção tratadas com va- riação substancial, e importante; ou pelo melhor methodo, novos descobrimentos , e perfeições scientificas se achar, que differem das que impiimio a Academia : sendo o exame e confrontação de hunus e outras Obras feito na Real Meza Censória , ao tempo de se conceder a Licença para a im- pressão das que fazem o objecto desta Excepção : Encau regando muito á mesma Meza o referido exame, e confron- tação ; para consequentemente conceder , ou negar a Licen- ça nos casos occorrentes c circunstancias acima referidas. Nesta Excepção Incluo as Obras particulares de cada hum dos Sócios; porque estas so poderáõ ser privilegiadas, ou quando forem impressas á custa da Academia , ou quando os seus próprios Auctores Me supplicarem o Privilegio pa- ra ellas. Hei outro sim por bem , e Ordeno , que sejao igual- men- te sl3_^ mente privilegiadas pelo referido tempo todas as Edições, que a referida Academia fizer de Manuscriptos , que haja adquirido : com tanto porém que delias não resulte prejuí- zo ás Pessoas, que primeiro os houverem adquirido, ou lhes pertenção pelos títulos de Herança , ou de Compra , e te- nháo intenção de os imprimir por sua conta. E para que a este respeito haja alguma Regra, que attenda á utilidade publica , e á particular : Determino , que a Academia pos- sa imprimir os referidos Manuscriptos-, ou logo que mos- trar que seus donos não querem imprimillos ; ou que ha- vendo elles declarado quererem dallos á luz , o não fizerem no prefixo termo de cinco annos , que neste caso lhes serão assignados para os imprimirem. Hei outro sim por bem , e Ordeno , que na generali- dade do Privilegio , que a referida Academia Me supplíca , e lhe Concedo na sobredita conformidade para a reimpres- são das Obras ou antigas , ou raras , ou de Auctores existen. tes , fiquem salvas as Obras que as Universidades de Coim- bra mandar imprimir; ou porque sejão concernentes aos Es- tudos das Faculdades , que se ensinao nella ; ou porque sen- do compostas por Professores delia , as mande imprimir a mesma Universidade , como hum testemunho publico dos pro- gressos, c da reputação litteraria dos referidos Professores: E fiquem igualmente salvas as outras Obras , que actualmen- te estão sendo ou impressas, ou vendidas por algumas Cor- porações, e por Famílias particulares, e que nellas tem em certo modo constituido ha muitos annos huma boa parte da sua subsistência , e património , e a cujo beneficio Poderei privilegiai las , ou prorogar-lhes os Privilegias que tiverem. Hei Hei por bem finalmente , e Ordeno , que na concessão do Privilegio , que igualmente Concedo na sobredita con- formidade , para a referida Academia publicar o Mappa Ci- vil e Litterario na forma acima declarada , fiquem salvos os Privilégios seguintes, a saber: "o Privilegio concedido aos Orficiaes da Minha Secretaria de Estado dos Negócios Es- trangeiros , e da Guerra para a impressão da Gazeta de Lis' boa: O Privilegio perpetuo da Congregação do Oratório pa- ra a impressão do Diário Ecclesiastico , vulgarmente cha- mado Folhinha : e o Privilegio que Fui servida conceder a Félix António Castrioto para o Jornal Encyclopedko : Para que em vista dos referidos Privilégios , e das Edições que fazem os objectos delles , se haja a Academia de regular por tal maneira na composição do referido Mappa Civil e Littterario , que de nenhum modo fiquem ofFendidos os mes- mos Privilégios , que devem ficar i Ilesos. E este Alvará se cumprirá sem duvida , ou embargo algum , e tão inteiramente , como nelle se contém. E pelo que : Mando á Meza do Desembargo do Paço , Real Meza Censória, Conselhos da Minha Real Fazenda , e Ultramar, Meza da Consciência e Ordens, Regedor da Casa da Supplicação , Governador da Relação e Casa do Porto , Reformador Reitor da Universidade de Coimbra , Senado da Camará da Cidade de Lisboa , e a todos os Cor- regedores , Provedores , Ouvidores , Juizes , Magistrados , e mais Justiças , ás quaes o conhecimento e cumprimenro des- te Alvará por qualquer modo pertença , ou haja de perten- cer ; que o cumprão , guardem , facão cumprir , e guardar inviolavelmente , sem lhe ser posto embargo , impedimen- to, • CT to , duvida , ou opposiçao alguma , qualquer que ella seja para que a observância delle seja inteira , e tão litteral ;, como nelle se contem. E Mando outro sim ao Doutor An- tónio Freire de Andrade Enserrabodes , do Meu Conselho, Desembargador do Paço, c Chanceller Mór destes Reinos, que o faça publicar na Chancellaria , e que por ella passe t ordenando que nella fique registado , e que se registe enl todos os lugares , em que deva ficar registado , e conve- niente for á sobredita Academia , para a conservação e guar- da dos Privilégios , que neste Alvará lhe Tenho concedido. Dado no Palácio de Nossa Senhora da Ajuda aos vinte e dois de >Março de mil setecentos oitenta e hum. RAINHA Visconàe de Villanova da Cerveira. Alvará pelo qual Vossa Magestade , pelos motivos nelle men- cionados , Ha por bem conceder d Academia das Scimcms , esta' belecida com a Sua Real Permissão na Cidade de Lisboa, o Pri- vilegio por tempo de dez annos ; para poder imprimir privativa- mente todas as Obras , de que faz, menção : com excepções e modifi- cações , que vão nelle expressas; e com as penas contra os trans- gressores do referido Privilegio. Tudo na forma acima declarada. Para Vossa Magestade ver. Registado nesta Secretaria de Estado dos Negócios do Reino erri ò Liv. VI. das Cartas, Alvarás, e Patentes a (1. 9} y. Nossa Senhora da Ajuda 7 de Maio de 1781. Joaquim José Borralha. António Freire d'Andrade Ênserrabodes Grátis, Foi publicado este Alvará na Cliancellaria Mor da Corte e ReinOj pela qual passou. Lisboa de Maio de 17811 D. Sebastião Maldonado. Publiqne-se , e registe-se nos Livros da Clian- cellaria Mor do Reino. Lisboa 18 de Maio de 1781. Antomo Freire d' Andrade Ênserrabodes. Registado na Cliancellaria Mor da Corte e Reino no Liv. das Leis a fl. 34 jfc Lisboa 19 de Maio de 1781. António José de Moura, João Chrysostomo de Faria e Sousa de Vaseoncellos de Sá o fez. Registado na Chancellaria Mor da Corte e Rei- no no Liv. de Officios e Mercês a fl. 68. Lisboa 21 de Maio de 1781. Matheus Rodrigues Vianna, *'i:r,f i?r 1 â; m ' 1 mm% ■^\U^ y HISTORIA DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA PARA O ANNO DE l8 20. Discurso Histórico recitado na Sessão publica de 24 de Junho de 1820 pelo secretario Sebastião Francisco de Mendo Trigozo. vJEnhores. A narração dos progressos , que fazem entre nós as Sciencias e a Lirteratura , não precisa de ornatos e atavios externos para se tornar interessante ás pessoas, que se deixão attrahir pelo amor da gloria Nacional, e pelo bem Tom. VIL Par 1. 1. * 1 do ii Historia da Academia Real do Estado. O conhecimento da applicação c dependência mais ou menos immediata, que ha entre estes progressos, e a civilisaçao e melhoramento dos Povos , o aperfeiçoamen- to da sua Agricultura , da sua Industria , das suas Artes , e do seu Commercio, são outros tantos motivos que affian- ção a a t tenção áquelle a quem coube em sorte redigir a historia destes trabalhos , e fa/ella patente ao Publico il- lustrado. He certo que nem sempre he possível aprezentar a ra- zão humana marchando a passos de gigante para a sua per- feição: mas ainda mesmo que ella progredisse lentamente, ou que retrocedesse , seria hum semelhante conhecimento bem precioso para o Filosofo que investiga as causas desta retrogradação , e para o homem de Estado que quer conhe- cer a raiz do mal a fim de dar-lhe remédio : e este remé- dio he necessário. Embora se pense que n' hum Paiz perfei- tamente isolado e ainda selvagem pode encontrar-se numa sufficiente porção de prosperidade sem a applicação ás Scien- cias ; mas em qualquer outro que esteja em circunstancias differentes , a cultura do espirito he e será sempre o baró- metro que melhor possa indicar nelle a sua exaltação ou decadência. E estava reservado á frivolidade dos paradoxis- tas dos nossos dias o caprixo de sustentar a opinião con- traria. Eu não me proporei hoje a fazer por mim mesmo a ap- plicação deste principio luminoso, tirando do estado scien- tifico do nosso Reino as inducçóes que elle me apresenta sobre o seu progresso ou atrazamento ; outro he o meu as- sumpto : mas narrando-vos singelamente os trabalhos da Aca- demia no decurso do anuo que finaliza , pôr-vos-hei de al- guma sorte em estado de o poderdes vós mesmos ajuizar. Far-vos-hci ver os esforços que tem feito a Sociedade nes- te limitado periodo , os felizes resultados com que tem si- do coroados em algumas das suas partes , e o pouco que ainda n'outr:s temos podido progredir. Posto que hum semelhante quadro merecesse ser tra- ta- a::i m das Sciencias d k Lisboa. iíi tado em ponto maior e com os últimos retoques da arte , já que me não he licito aspirar a mais do que a dar o es- boço d' huma parte delle , procurarei restringir-me ao meu principal abjecto; e se conseguir que os trabalhos dos meus Collegas não percao nada do seu interesse pela exposição que delles vou fazer-vos , estou certo que não me haveis de negar a vossa attenção. O Srír. Constantino Botelho de Lacerda , que continua a empregar-se desveladamente no estudo da Física experi- mental , remetteo-nos este anno varias Memorias , e entre ellas huma sobre a diversa temperatttra que o Calórico da Agoa fervendo comnntnica a este liquido , e a outros me t tidos em de- ferentes vasos. Esta matéria he sem duvida da maior im* portancia , não só em si , mas pelas numerosas applica- çòes de que he susceptível ; e como tal mereceo a attenção dos mais celebres Fisicos e Chimicos , sobre tudo no Sé- culo actual e no passado. As novas experiências que o Au- tor fez são numerosas , e confirmão com pequenas excepções muitos dos factos que a respeito da doutrina do Calórico se achão hoje geralmente recebidos ; assim não me demo- rarei em referi lios , contentando-me somente com indicar hum dos principaes resultados que se lhe offeieceo , e que clle julga muito aplicável aos nossos usos económicos. Sabido he que o Álcool ou Agoa-ardente existe já for- mado novinho, porém misturado nelle com outras substan- cias de que aquelle licor hc composto, e entre as quaes o Álcool he a mais volátil ; de sorte que todo o processo da distilação nao se reduz a outra cousa mais do que a fazer separar hum fluido muito volátil de outros que o não são, ou o são pouco ; e he o que se consegue por meio do ca- lor, quer seja a fogo nú e immediatamente applicado , quer seja por outras substancias quentes que lhe sirvao de en- tremedio. Posto este principio , entre diversos corpos a que * 1 11 o iv Historia da Academia Real ti Srír. Constantino applicou o Calórico do banho-maria, foi hum delias o vinho; e observando que a fervura do banho era bastante para também o fazer ferver, e evaporar, lem- brou-se de applicar o mesmo apparelho aos La m biques ordi- nários. As experiências varias vezes repetidas e variadas fo- rao sempre satisfatórias, e por isso se julgou autorisado pa- ra tirar delias os seguintes corollarios. i.°Que o vinho dis- tilado cm banho-maria produz maior porção de Álcool do que sendo exposto a fogo nú. 1° Que ainda mesmo que não houvesse este augniento de produeto , sempre aquclle methodo seria preferivel , pois que a Agoa-ardente assim distilada não adquire nunca cheiro nem sabor empi reumá- tico. 3.° Que além destas vantagens sendo o calor commu- DÍcado á cucurbita do Lambique pela ebulição da agna , que he sempre cm hum grão igual e constante , não pôde ha- ver o inconveniente que se observa na distilaçao ordinária, em que logo que haja descuido em regular o fogo, se dei- ta a perder a operação; e que por isso qualquer pessoa por mais ignorante que seja , poderá executalla. Se estas expe- riências não parecerem completamente decisivas, são os re- sultados que temos exposto tão interessantes , e estão ellas ao alcance de hum tão grande numero de pessoas, que tu- do deve incitar a repetirem-se nos nossos Lambiques ordi- nários, os quaes a pezar da sua imperfeição, serão ainda por muito tempo aquelles de que se fará maior uso nas Adegas dos particulares. Com tudo são estas imperfeições tão manifestas, e tão prejudiciaes n' hum Paiz como o nosso, em que os Vinhos constituem o principal ramo da Agricultura , e do Commer- cio assim externo como interno , que a Academia desejan- do quanto pode concorrer para a utilidade da Nação , tinha iá proposto (como vos foi notório) hum premio para quem desse a melhor descripção e modello de hum apparelho dis- ti la tório , construído segundo os princípios modernos , mas de tal sorte simplificado que podesse bem servir para as ope- rações em pequeno. Lembrar-vos-heis igualmente que o an- no StT!l 0 das Sgiencias de Lisboa. v no passado em hum semelhante dia se vos participou , que huma única Memoria que tinha vindo a concurso , parecia sa- tisfazer por hum modo não vulgar a dois fins muito impor- tantes na distilação , quaes são o de obter no mesmo pro- cesso agoas-ardentes de diversos grãos, e o de effeituar hu- ma distilação continua. Por esta mesma occasião se annun- ciou que a Academia prezando como devia o merecimento da Memoria, não podia logo adjudicar-lhe o premio, por- que desejava verificar por experiências os bons effeitos des- te apparelho ; e que por isso convidava o Inventor, a con- struir a expensas do seu cofre , hum modello mais comple- to , e capaz de nelle se fazerem alguns ensaios. Esta re- solução não teve o êxito que se esperava, c o Autor se re- cusou a satisfazer nesta parte os nossos desejos: pelo que tomando-se de novo em consideração este objecto, e conhe- cendo-se que se por hum lado o Programma proposto não s; podia reputar completamente resolvido na parte pratica, pelo outro a parte theoretica daquelle escrito merecia to- do o apreço; julgou-se que por este motivo se lhe devia conferir hum premio extraordinário de quantia igual aos or- dinários , reservando-se a publicação delie, e a abertura do bilhete para a presente Sessão. Tornando porém á continuação dos trabalhos do Srir. Constantino Botelho, que a analogia das matérias nos tinha feito interromper, outro artigo económico, a que também fez a applicação dos princípios da Fisica, foi o de conse- guir hum grande e prompto despejo por meio de hum si- fão , que distiibue ao mesmo tempo para diferentes vasos o liquido contido em hum reservatório commum. O model- lo que el!e descreve, e que pode considerar-se como o agre- gado de oito sifões simples , lhe tem servido com vanta- gem para fazer algumas experiências em ponto pequeno , e em vasilhas cujos lados sã > pi.nos : varias modificações, fá- ceis de executar, serião ainda necessárias para a mesma má- quina poder operar commodnnunte em ponto grande, e em vasilhas bojudas como são as nossas pipas e toneis j mas o Au- vi Historia iu Academia Real Autor contentou-se de a apresentar no estado em que actual- mente lhe serve no gabinete. Huma terceira Memoria do mesmo distincto Sócio ver- -sa sobre ;is Taboas de gravidade especifica dos differentes corpos , que determinadas pelo methodo que até agora se tem seguido , não merecem grande fé segundo elle pensa , pela ommissão de circunstancias que lhe parecem attendi- veis. Como este escrito he todo fundado sobre princípios privativos do Autor delle , princípios que já começou a desenvolver em huma serie de Memorias, mas que exigem ainda novas considerações e experiências para se oíferecerem •ao Publico, não me alargarei a mais do que a indicar o seu titulo , porque me faltaria o tempo para expender este ob- jecto devidamente. O Snr. Marino Miguel Franzini continua com incança- vel zelo as suas Observações meteorológicas, que cada dia tem tornado mais interessantes. Ultimamente elle ajunta aos fenómenos que se observão na Atmosfera , e que tanta in- fluencia tem nos Entes vivos , a noticia do estado das sea- ras e dos fruetos em cada mez , e a das enfermidades que principalmente dominarão nelle. He escusado ponderar quan- to semelhantes indagações , feitas sem espirito algum de systema , podem com o tempo ser úteis para os progres- sos da Agricultura , e da Medicina Nacional. O Snr. Roque Schuc , Bibliothecario de S. A. a Sere- nissima Senhora Princeza Real do Reino Unido de Portu- gal, Brazil eAlgarves, o qual appliea aquelles momentos de que pode dispor ao estudo da Mineralogia , mimoseou-nos com a Descripção e Analyse de huma rica mina de ferro novamente achada junto a Itaubira do Campo na Capitania de Minas Geraes. Este metal tão necessário nas artes , e tão indispensável até mesmo para a extracção dos outros , a quem a sua raridade grangeou o titulo de preciosos , não ha mui- ros tempos que se ignorava ainda se aca«o existia nos vas- tos territórios do Brazil , e passava todos os annos huma somma enorme para as mãos dos Estrangeiros , que delle hião DAS SdENCIAS DE L I S E O A. Vil hiao abastecer aquclles Paizes. Hoje em dia , giaças ao nos- so Soberano, que permictio penetrar naquelles incógnitos certões , e jus sábios exploradores que os tem pesquizado, são já conhecidas minas de furo abundantissimas ; e ainda que não existisse se não esta de Itaubira do Campo, seria bastante para fornecer este metal por muitos séculos ás ne- cessidades de huma população mais extensa , do que o não he ainda a da America Portugucza. Conhecido pois que pos- suímos o mineral em bruto , n' hum Paiz abundante d'agoas e de lenhas , pouco será bastante para animar a industria ao estabelecimento de ferrarias , que tanto interesse temos em augmenrar. Por mais úteis porém que possao parecer, e que sejão realmente , os trabalhos que se empregão na extracção das JVlinas , nunca elles poderáõ entre nós attingir o gráo de interesse geral, que tem os que se dirigem á Agricultura, fonte primaria e manancial perenne das riquezas do Estado, sobre tudo quando se applica ás plantas cereaes que formão a base do nosso sustento diário. E com tudo o LavraJor, ente o mais útil, he muitas vezes o mais desgraçado quan- do contra elle se ligão os homens , os elementos , os ani- maes , e até os mesmos insectos. Ha annos em que a es- perança da sementeira se lhe murcha ainda em agraço á vis- ta de huma cheia que aanniquila, e de huma chuva ou de hum nevoeiro, que não deixando engrecer o grão, lho re- duzem a gelhas ; ha annos em que não suecede assim , e em que as Estações preservão com benigna influencia huma abundante novidade ; recolhe-se ao celeiro , e quando mi- lhares de Familias agricolas pensão ter assegurado a sua subsistência, tem muitas vezes que lamentar a impossibili- dade de extrahir o grão que lhe sobeja , a barateallo com mui penosos sacrifícios , ou a guardallo na incerta esperan- ça de hum futuro mais vantajoso. Mas he então mesmo quando o Lavrador julga , com esta demora , ter achado o seu remédio , que encontra ordi- nariamente a sua perdição no gorgulho , inimigo terrível , que viu Memorias da Academia Real que ataca e dcstroe cm poucos dias grandes montes de tri- go , e que em hum clima quente como o nosso se propa- ga com huma velocidade e a hum ponto extraordinário, sem que até agora se tenha descoberto remédio efficaz e fácil para o extinguir. Muitos e differentes meios se tem por toda a parte tentado para conseguir este fim, e não esqueceo entre elles o da acção do calor. Experimentou-se que sendo este repen- tino e de 19 grãos, fazia morrer os referidos insectos, e por isso lembrou metter em estufas o "trigo contaminado ; mas neste caso como o gorgulho não fica a descoberto , he ne- cessário, segundo as experiências de Duhamel , não menos do que 60 a 70 grãos de calor para o matar; o que desse- ca , c arruina o grão. Não tem este inconveniente a bella maquina que apresentou á Academia o Snr. João Pedro de Abreo e Lima , pois a pezar de ser também nella o calor o principal agente, e de fazer perecer todos os insectos, fica o grão perfeito e em estado de poder conservar-se por mais de hum anno. He esta maquina composta de hum grande reservató- rio d'agoa , cujos vapores, quando ella ferve, sobem por quantidade de tubos; entre os quaes ha outros destinados a conter o trigo que se quer limpar: dividido assim o grão, e expondo á acção do calor huma muito maior superfície do que nas estufas , onde está amontoado , fica evidente que deverá requerer-se muito menor augmento de temperatura para destruir o insecto , e até o grão adquire hum certo lus- tro e rijeza de casca que o torna mais bello , e menos próprio para ser novamente atacado por estes malfazejos animaes. O appareliio que actualmente está em uso , e cuja simplicidade se pode perceber pelo que deixamos indicado, alimpa bem 16 moios em 24 horas: seria fácil augmentar as suas dimensões, querendo-se trabalhar em ponto rmior; assim como diminuir-lhas para os celleiros dos Lavradores que a quizerem adoptar. Depois das plantas frumentaceas , são sem duvida as ba- DAS SciENCIAS DE LlSlOA. tX batatas o dom mais precioso que nos dá a terra : pôde mes- mo dizer-se sem receio de exaggerar , que a muitos respei- tos hc este vegetal ainda mais interessante , pois offerece hum alimento sadio e copioso a quasi todos os animaes , e ao mesmo homem , e pôde servir em quantidade de artes e manufacturas. Eu não acabaria se quizesse repetir os dif- ferentes usos desta preciosa raiz já descobertos , e os que todos os dias se lhe descobrem de novo ; e sem embargo disso ainda ha poucos annos era quasi desconhecida nas nossas Províncias meridionaes ! Ao zelo da Academia se de- ve a sua propagação, que seria hoje mais extensa , se o ex- traordinário concurso de grão estrangeiro , com que nestes últimos annos temos sido flagelados, diminuindo a hum pon- to infimo o preço do nosso , não tivesse paralizado as for- ças moraes e fysicas dos Lavradores paia novas especula- ções e tentativas. Assim não tivemos hum único concorren- te aos prémios que a Academia tem estabelecido para ani- mar a cultura das batatas. Felizmente ficou esta falta de algum modo ressarsida por hum bello trabalho que tenho a annunciar-vos do Srír. José Villela de Barros ; o qual descrevendo primeiro a cul- tura da mandioca no Brazil , o modo de a ralar , a fabri- cação da farinha-de-páo , e de outros diversos productos que se extrahem daquella raiz ; faz depois a applicação destes mesmos methodos ás batatas ordinárias , conseguin- do na pratica vellos seguidos dos mais felices resultados. Esta idéa absolutamente nova pôde ser de grande utilida- de , pois nenhuma duvida ha em que aquelles ensaios se possão praticar em grande com igual vantagem , e substi- tuir assim aquellas preparações que nos vem da America. So- bre tudo a amostra da tapioca que vimos feita da farinha das batatas he de huma alvura , e de hum mimo superiores i tapioca verdadeira. Outro objecto, de que a Agricultura , a nossa Econo- mia rural e domestica , as Artes e o mesmo Commercio poderião tirar grande partido , despertou a attenção da Aca- Tom. VIL Part. I. * 2 de- x Historia da Academia Real demia , a qual rinha proposto por Programma para ser jul- gado este ànfio « Determinar, visto o estado da nossa Agri- ?> cultura, qual seria o melhor methodo para conseguir que j> as encostas e cumes dos nossos montes que estão incul- 5> tos , se plantassem de arvoredo. De que espécies se po- j> deria tirar maior partido? qual seria a sua melhor plan- 5» tacão e cultura ? e que interesses poderião resultar delia >» ao Estado ? » A' solução destas differentes questões con- correrão, ainda que com forças desiguaes , dois Escritores, o primeiro dos quaes tratou a matéria de huma maneira tão superficial , que facilmente se conheceo não se lhe dever conferir a palma a que aspirava. Em quanto ao segundo , cuja Memoria traz por divisa Ecquis honor Rttris , tiemo- rum si gratia desit , não se lhe pôde negar muito maior instrucção e talentos , ainda que o seu trabalho não fosse também julgado merecedor de premio. Não me he agora possivel analysallo circunstanciadamente, mas bastará dizer que tratando o Autor com suficiente extenção da necessi- dade e utilidade da cultura dos bosques , do que a nossa legislação determina a esse respeito , e dos motivos por que ella he defeituosa, e está em desuso ; he muito escasso nos meios que aponta de a remediar, pois commettendo aos Cor- regedores a plantação e fiscal isação das mattas , não adver- tio na falta absoluta de princípios da Sciencia Florestal, que tem de ordinário semelhantes Magistrados, impedidos até por mil oceupações de se aplicarem a ella , nem na breve duração de seus lugares , apenas susceptível de conhecerem o terreno, e de fazerem nelle algumas disposições. No ca- talogo das arvores que aponta , e que he muito diminuto mesmo nas Nacionaes , dá poucas nações na parte agromi- ca , ou estas se olhem em geral e attendendo á natureza e exposição dos terrenos , ou em particular segundo a cul- tura c usos de cada huma das espécies. Em fim desejava a Academia que este objecto fosse tratado por pessoa que aos conhecimentos Jurídicos e Fysicos, e á leitura dos Li- vros estrangeiros que o Autor mostra bem ter , ajuntasse no- • a i DAS SciENCIAS DE LlSBOA. XI noções mais extensas da Economia rural Poi tugueza , e aquellas idéas praticas que só se adquirem pela observação local e circunstanciada do Paiz , pelo estudo da nossa Agri- cultura nas diversas Províncias do Reino, e até pela expe- riência , que he nestas matérias o guia mais seguro e infa- lível. « j De que servem porém as differentes riquezas que >» nos ministra a Agricultura , sem a facilidade do Com- » mercio ? » He a reflexão que fazia o Srír. Joaquim Baptis- ta , Medico em Vouzella , quando escrevia para nos-- remet- ter huma Memoria sobre o encanamento do Rio Vouga e suas utilidades , que sem duvida serião as maiores para a Província da Beira , a qual fez todos os seus transportes ás costas de bestas por serranias impraticáveis aos mesmos car- ros. Este escrito do Snr. Joaquim Baptista faz pane de hu- ma obra de muito maior monta , qual he a Estatistica do Concelho de Lafões, em que está trabalhando ha tempos. Será para desejar que as suas outras oceupações o não pri- vem de completar este trabalho , e de fazer conhecer hum território considerável e ainda pouco sabido. ; Mas que digo eu ? e qual he aquelle que já entre nós se pesquizou devi- damente ? nenhum até agora ; e a Estatistica , Sciencia fun- damental , e que se pôde olhar como a primeira base de todas as operações económicas, tem prosperado pouco no nos- so terreno, a pezar de varias tentativas que se tem feito; mas he de esperar que com o tempo , e sobre tudo gene- ralizando-se mais as luzes no corpo da Nação , esres peque- nos prelúdios sejão seguidos de mais felices resultados. A Medicina , que forma hum dos ramos mais .interes- santes das Sciencias Naturaes., não deixou este anno de ter quem a cultivasse com esmero: assim o Snr. João Francis- co Ignacio Pereira Rubião mandou nos hum escrito, era que comprehende a historia geral da Vaccina , a descripção dos fenómenos regulares , e anómalos que tila apresenta , assim como os signaes que distinguem a que he verdadeira da es- púria j determina as circunstancias em que deve praticar-se * 2 11 x t r Historia da Academia Real a Vaccinação , o modo de a fazer , e de conservar o pus vac- cinico, e trata finalmente do seu descobrimento, proprieda- des, e vantagens. Estes objectos são de tão grande impor- tância, que por mais que sejão trilhados, sempre ganhão em serem discutidos ; e eu me alargaria com complacência a c«te respeito , se não tivessem logo de vos ser aprezen- tados pelo actual Secretario da Instituição os progressos que ella tem feito em Portugal no anno que acaba de correr. Hum facto notável, e ha poucos tempos suecedido er Lisboa , foi communicado á Academia pelo Srír. José Antó- nio Gomos de Almeida , Cirurgião nesta Capital. Hum ho- itocffl de idade de mais de 6o annos , de cor pálida, pade- cia habitualmente ataques de bexiga , e de todo o baixo ventre •, os quaes se manifestaváo por dores, e ás vezes gran- des apertos, e resistiao á efficacia de quantos remédios se lhe havião applicado. Em huma noite , em que mais se acha- va afflicto , sentindo hum grande estimulo na uretra, obser- vou com pasmo que por ella lhe sahia hum fio , pelo qual puchou , julgando pela cor ser sangue coagulado. Quebrou o dito fio, e lot>o o doente foi accommettido d' huma dor violentíssima , que depois veio a passar, mas não assim as pichas na bexiga, que flzeráo sentir-sc, até que no dia se- guinte tornou a expulsar segundo fio , ou antes segunda lombriga ( pois realmente não erão outra cousa ) do com- primento de hum palmo. Lançou ainda outra no mesmo dia, se bem que menor; e então todos os symptomas mor- bificos se dissiparão rapidamente. O segundo destes vermes he o que foi ofFerecido á Accdemia pelo Srír. José António Gomes , e alli se conserva no Espirito de Vinho , que lhe alterou ^a côr de vermelho para cinzento. Ainda que este fenómeno não seja absolutamente no- vo , e que Brera no seu Tratado sobre as doenças verminosas , aponte mais de hum caso semelha. ue ao que deixamos re- ferido , faz-se este com tudo notável não só pela sua rari- dade , e pelo bom êxito da moléstia, mas pela quantidade de lombrigas que o doente expelio pela uretra, sem que pro- por- **%J? DAS SciENClAS DE LlSBOA. XII [ porcionalmente sofíresse tantos incommodus , como outros tem tido para a expulsão de huma só. O Siír. João Rodrigues Coelho , Cirurgião em Ver- muim , remetteo-nos a descripção e modello de hum Pessa- rio de cortiça , barrado de cera , que elle julga superior a quantos se tem are agora construido de uifFerentes matérias; e que com cffeito além de outras vantagens , tem a da mo- dicidade do preço. Esta descripção he acompanhada por va- rias observações , que elle fez , e que servirão a demonstrar- lhe a bondade do seu instrumento. Por diversas vezes temos sido prezenteados pelo Síír. José Pinto Rebello de Carvalho com algumas das suas com- posições; o que excita tanto mais o reconhecimento da Aca- demia , que elle ainda não pertence ao nosso grémio. A que este anno nos enviou tem por titulo Considerações Phi* siologicas sobre a Ethiologia das moléstias , e nella demostra evidentemente a grande importância da Phisiologia no dia- gnostico e tratamento dos males que alfligcm o homem. Esta doutrina, cujos fundamentos dimanão da anatomia pa- thologica foi amplamente illustrada em os nossos dias pe- las observações de hum Portal , de hum Prost , e pelas do Professor Broussais; e encostado a este ultimo, e seguindo as mesmas pizadas , hc que o Autor considera as moléstias como cífeitos das lesões dos tecidos orgânicos; quer a lesão de cada tecido que tem particular organisação , se olhe em 6Í própria , quer em relação aos outros tecidos ou systemas que simpaticamente pode afíeatapj de ;tal sorte que seguin- do estas idéas , as mesmas doenças chamadas geraes come- çarão originariamente em loenes , isto he , na lesão de hum órgão ou tecido, que depois veio s influir sobre toda a or- ganisação. Este systema , hoje muito seguido nas Escolas de Paris , conta também não poucos adversários , como Jie bem fácil de crer n' huma Scicncia em que pouco ou nada se conhece à priori, e aonde os clL-itos são de tal sorte complicados, que difheilm eiw« por cMbs só se pócle ajuizar com certeza da causa primaria que os praduz.k>. A pezar dis- xiv Historia da Academia Real disto não pode duvidar-sc que destes mesmos systemas tem resultado algumas vantagens á Medicina , e que o Autor da Memoria he muito digno de louvor cm quanto vulgari- za idéas, que entre nós ainda são pouco conhecidas, as or- dena methodicamente , e delias faz algumas úteis applicaçóes. Para não ter outra vez que voltar sobre os mesmos objectos, e terminar tudo o que tenho a dizer-vos sobre as Sciencias da Natureza , acerescentarei que ha muito deseja a Academia arranjar o seu pequeno Museo de maneira , que se os Productos que elle contém não podem , mesmo por falta de local , formar ricas e amplas collecções , ofFereção ao menos o interesse de apresentar hum Museo nacional , em que se vejão reunidas as riquezas que a Natureza libe- ralisou aos Domínios Portuguezes. Muitos e contínuos obstá- culos se tem opposto a este louvável projecto, mas a pezar disso ainda não desanimámos ; e obtivemos no decurso des- te anno alguns peixes, conchas, zooíítos , e uivas marinhas, que se colheião a expensas da Academia desde o Cabo da Roca até Setúbal. Quando porém entre nós se tratava de fazer revirer este projecto , que circunstancias imperiosas tinhão de al- guma sorte amortecido , soubemos que na Corte do Rio de Janeiro havia as mesmas vistas, e que S Magestade o Srír. Rei D. João VI. estabelecia e dotava liberalmente o Real Museo e Jardim Baranico daquella Capital. Monsenhor Mi- randa , que S.' Magestade pôs á testa destes Estabelecimen- tos , escreveo á Academia , narrando-lhe este fausto sueces- so , mandando lhe as Instrucçóes que a este respeito se ha- vião publicado, e promettendo huma correspondência e tro- ca de productos , que não pôde deixar de nos ser muito vantajosa , e que nos apressámos de acceitar com o maior prazer. Se estas disposições foião tão agradáveis á Academia, ,: como não ficaria ella penhorada pela prova de estimação e interesse, que se dignou manifestar-lhe a Sereníssima Se- nhora D. Maria Josefa Leopoldina, mandando-lhe remetter da DAS SciEHClAS DE LlSliOA. >.V da Corte 3o Rio de Janeiro alguns productos mineralógicos que o Snr. Roque Schuc , de quem já tivemos occasião de filiar, ajuntara nas suas viagens para o Museo de S. Alteza? Na carta que elle escreve á Academia, acompanhando esta remessa, promettc a continuação de outras, segundo as Or- dens que já tinha recebido da mesma Senhora , a qual cul- tivando ella mesma o ameno estudo da Historia Natural , não pôde deixar de interessar-se pelos seus progressos no Paiz que tem a ventura de a possuir. Os Senhores José Bonifácio de Andrada, e Pedro An- tónio Lopes também concorrerão da sua parte para enrique- cer o nosso Museo , o primeiro com huma lamina de pe- dra elástica provinda do Brazil de i3 - pollegadas de com- primento e mais de 20 de largura ; o segundo mandando- nos de Paris hum bello exemplar de Bismutho cristalizado. Alguns trabalhos emprehendeo este anno a classe de Sciencias Mathematicas, que por não serem tão numerosos, não deixarão de merecer a attenção do Publico. O Snr. António Diniz do Couto Valente , continuan- do a calcular as Ephemerides Náuticas, as adiantou de mo- do, que no principio de Maio passado se poderão já pu- blicar as que pertencem ao anno de 182 1. Por este motivo se dignou S. Magestade de o mandar louvar em seu Real Nome , no Aviso da Secretaria d' Estado que baixou á Aca- demia com data de 9 de Maio do corrente anno (a) . O Snr. Francisco Simões Margiochi lêo huma cxcel- len- (ii) Ill.m° e Ex.mo Snr. — Tendo sido prezente ao Governo as Ephe- merides Náuticas para o anno de 182 1 , cjue a Academia Real das Scien- cias lhe oftereceo por mão de V. Ex.a determina S. Magestade cjue a mesma Academia louve no seu Real Nome ao Segundo Tenente da Ar- mada Real António Diniz do Couto Valente , pela applicaçáo cjue mos- tra ao desempenho deste útil trabalho. O que communico a V. Ex.a de Ordem de S. Magestade. Deos guarde a V. Ex.'1 Palácio do Governo em o de Maio de 1820. — D. Miguel Pereira Forjaz. — Sr.. Marquez de Borba. Biaa vt xvi Historia da Academia Real lente Memoria , em que prova que as Equações Litteraes e completas de gráos superiores ao quarto, não nem forma de raizes , isto he , que se não podem resolver exactamente. Com esta demonstração faz o Autor hum importante ser- viço aos Mathematicos , poupando-lhe as fadigas que ainda poderião ter para resolver este Problema, em que por quasi três séculos se empenharão de balde grandes Geómetras. Go- mo a introducção desta Memoria tem de ser lida na presen- te Sessão , ella dará da Obra huma idéa mais clara do que eu agora poderia conseguir. O Snr. Francisco António Marques Giraldes , que o an- no passado vimos oceupado em dar hum novo methodo pa- ra a extracção das Loterias , remetteo-nos neste , do Rio de Janeiro , a applicação do mesmo methodo a três diferentes planos , acommodados á grandeza dos fundos-, e numero dos bilhetes das Loterias usadas nesta Capital. Estes Planos são sem duvida engenhosos , muito mais expeditos , e de menor despendio do que o actualmente usado entre nós ; sendo porém os princípios em que se fundão algum tanto meta- físicos para o vulgo, cuja massa forma o maior numero de jogadores , he de recear que encontrem talvez nva pratica alguns obstáculos , pela desconfiança de fraude , ainda mes- mo depois de demonstrada a outros jogadores menos igno- rantes a impossibilidade de a haver. O Snr. Rodrigo Ferreira da Costa , progredindo na mes- ma tarefa que huma vez tomou , lêo nas nossas Assembleas ordinárias a segunda Secção do seu Tratado da Harmonia ou União dos Sons , na qual trata da Harmonia suecessiva : matéria quasi nova , cujos princípios serião talvez ainda ar- bitrários , e fundados em huma cega rutina , se hum D1 Alem- bert , que esta Academia teve a satisfação de contar no nu- mero dos seus Sócios , os não tivesse indicado , tornando comprehensivel o systema do celebre Rameau; e se com es- te passo não tivesse aberto o caminho para novos descobri- mentos e novas theorias , que parecem em fim dever por hu- ma vez fixar as idéas a respeito da Sciencia harmónica. Em das Sciencias de Lisboa. xvii Em fim o Srír. Manoel Rodrigues Lucas de Senna of- fereceo hum opúsculo intitulado o Condestaoel do mar , no qual depois de descrever os perigos a. que estão expostas as embarcações mercantes armadas em guerra , pela ignorância dos Chefes encarregados do serviço da Ai telharia a bordo j e até pela dos mesmos Artelheiros do Exercito, que ás ve- zes fazem este serviço , sem saber as alterações essenciaes que exige o manejo daquella arma collocada sobre platasfor- mas fluetuantes; trata em oito Capítulos dos deveres de hum Condestavel , e conhecimentos que deve possuir; do modo porque hão de ser guarnecidas as peças; dos differentes me- thodos que estão em pratica para as atracar ao costado ; do exercicio e manejo da Artelharia a bordo ; das pontarias e cargas com attençao ao balanço do Navio ; das carretas ; do que diz respeito ás diversas espécies de cartuchos ; e cm fim do combate e defeza em caso de serem atacados pelo inimigo. Servem a tudo de remate três Mappas , que demos- trão o numero e dimensões dos petrechos pertencentes ao armamento de diversos Navios mercantes que possão mon- tar desde 12 até 36 peças. Esta Obra meramente elemen- tar e despida de theorias , he sobre tudo interessante nas circunstancias actuaes, em que o Commercio se vê por to- da a parte ameaçado pela terrivcl guerra de piratagem , que lhe faz sofrer as maiores avarias. O terceiro e ultimo ramo dos estudos Académicos, que comprehende o vastissimo campo da Litteratura , continua a ser tratado em algumas das suas partes , com não menos disvelo do que o tem sido até aqora. Huma delias , que era ha pouco quasi desconhecida entre nós , e que se pôde dizer tem devido a sua existência aos trabalhos do nosso incançavel collega o Srír. João Pedro Ribeiro, isto he , a Sciencia da Diplomática Porrugueza , recebeo não pequeno lustre com a publicação de seis Memorias suas , nas quaes depois de alguns Prolegommenos indispensáveis, trata exten- samente da matéria dos Documentos antigos , e da forma Tom.FII.Part.I. * 3 me- xvm Historia da Academia Real mecânica delles; das formalidades Cjiie em geral se pratica- rão n.quclles casos , e especialmente dos Notários e Ta- belliaes; das Testemunhas que figurava;); e em fim da Pa- leografia Portugueza : servindo de provas ás doutrinas que alli se expendem huns vinte Documentos até agora inéditos , que aclarao ao mesmo tempo algumas das nossas antiguida- des. Todas estas Memorias forão já impressas, e formão a Parte I. do Tom. IV. das Dissertações chronologicas e cri- ticas do Auror. O mesmo Sócio, continuando a redigir chronologica- mente o intrincado índice da nossa Legislação , o levou até ao prezente anno , desde o principio de 1 8 1 8 em que o havia deixado; e como era impossivel esgotar d' huma vez tao vasta matéria , novas indagações , tanto suas como de outros Escritores que investigavãu o mesmo objecto, o obri- garão a formar extensos additamentos aos annos anteceden- tes , completando assim a primeira parte do tom. 6. do men- cionado índice, que também já se acha impressa. O Síír. Francisco Nunes Franklim lêo huma Memoria sobre o celebre D. Jorge da Costa , mais conhecido entre nós com o nome de Cardeal Alpedrinha ; na qual comprova pelos Documentos existentes no Real Arehivo a immensa e incomprehensivel fortuna de que gozou aquelle grande Po- tentado Ecclesiastico , e alguns dos serviços que fez ao Es- tado. Remata este escrito com a copia do único autografo que hoje existe do Cardeal, que he huma Carta dirigida de Roma ao Sílr. Rei D. Manoel quando tomou as rédeas do Governo ; peça curiosa , em que se desinvolvem as máxi- mas ultramontanas mais refinadas. O Snr. Fr. Fortunato de S. Boaventura , Monge Cistcr- cience , illustrou a vida c escritos de Fr. Bernardo de Brito com alguns factos que erão até agora ignorados, e com a rectificação de alguns enganos em que tinhão cahido os nos- sos Biógrafos; os exames em que se empregou para acla- rar esta matéria fizerão-lhe descobrir noticias curiosas , e até agora inéditas , principalmente a respeito do espolio litte- ra- jia«„ «l DAS SciENCIAS DK LlSBOA. XFX rario daquelle Escritor, e hama Canção que lhe dirigio o nosso Poeta Francisco Rodrigues Lobo , em louvor da pri- meira parte da Monarcbia Lusitana. Quando em hum dia semelhante ao d' hoje li a Noti- cia histórica acerca do nosso defunto Consócio o Snr. An- tónio Caetano do Amaral , por occasião de referir os ma- nuscritos que tinhão ficado por sua morte , lamentei a per- da de hum Capitulo da sua Historia dos Costumes e Legis- lação de Portugal , em que tratava particularmente das Cor- res na primeira época da Monarchia. Como tudo indicava que aquella perda seria irreparável , imprimírão-se as Memo- rias sem o dito Capitulo , e hoje sabem á luz na segunda parte do tomo 6. da nossa Collecção. Hum feliz acaso fez porém descobrir ha pouco tempo aquella peça interessante dentro de hum dos seus livros , e sendo-nos restituída , sup- prir-se-ha a lacuna que existia , c nada perderá o Publico , senão em ver transposta a ordem natural dos Capitulos, achando este no fim da Memoria , cuja impressão deve ter- minar no presente volume. As diligencias que se fizerão por descobrir aquelle Ma- nuscrito derão azo a se acharem outros dois do Snr. Fr. João de Sousa , o qual empregou tão grande parte da sua vida em servir a Academia , e o Estado. No primeiro dá elle huma breve noticia das series dos Soberanos que governa- rão em Africa , com o titulo de Reis e Imperadores dos Moslemanos , desde o anno de 145- de Hégira, que corres- ponde aos 761 de Christo , até' os nossos dias; ao que ac- crescenta o resumo histórico de cada huma das Dynastias , sua origem , e os factos niais memoráveis do tempo do seu governo. O segundo opúsculo contém huma breve e interes- sante recopilação de alguns apontamentos sobre a primeira entrada dos Mouros na Hespanha , e conquista daquelle Rei- no; os quaes são tirados dos Autores Árabes, e principal- mente da Historia escrita por Âbba Abbas Ahmed , a que dêo o titulo de Nafbeltib , ou o Suave cheiro ; Historia que os eruditos sempre presáráo muito, por se acharem alli os * 3 ii fa- xx Historia da Academia Real factos autorizados com o que referem as testemunhas mais acreditadas daquelles tempos, hoje tão escuros e desconhe- cidos. ^ Que muito he porém que se saiba pouco de épocas tão remotas, quando ha outras mais chegadas a nós, ás quacs falta ainda muito para serem devidamente avaliadas ? A Academia tomando desde o seu principio o nobre empe- nho de dissipar as trevas que ascobrião, incumbio este an- no alguns dos seus Sócios de redigir o V. volume dos Li- vros inediros de Historia Portugueza , que já está debaixo do prelo. Comprehenderá elle o summario das antigas Chro- nicas dos Reis de Portugal, escrito em 15 35 pelo Bacharel Christovão Rodrigues do Azinheiro, e o resto dos antigos Foros c Costumes de alguns dos nossos Concelhos , Collec- ção curiosa e importante , que já se tinha principiado em o volume anterior (a). E quanto , Senhores , ( permitti-me que o diga com ufa- nia ) não se tem aformoseado os vastos e ainda incultos cam- pos da Historia Portugueza com as diligencias e fadigas da Academia Real das Sciencias, que de toda a parte ajunta os materiaes necessários para elevar o edifício augusto , que devara' hum dia patentear ao mundo os nossos limitados princípios e glorioso engrandecimento , os nossos usos e legislação nos diíFcrentes periodos da Monarchia , a nossa Industria e Commercio , e as verdadeiras causas da nossa de- cadência e prosperidade? He certo que objectos desta pon- deração nunca poderão ser devidamente tratados senão quan- do entre nós apparecer hum Raynal ou hum Hume , cuja penna seja aparada pela Critica e pela sã Filosofia ; mas £ quanto valor não dará elle então a estes nossos trabalhos, alguns dos quaes parecem talvez agora insulsos e despeça- dos? Qyan- * ' (a) Os Sócios incumbidos deste rubnlho são os Senhores Francisco Ribeiro Dosguiroaráes , Francisco Nunes Frinklim, Joaquim José da Cos- ta de Macedo , e Sebastião Francisco de Mendo Trigozo. OT daíSciencias de Lisboa. xxi Quando o meu antecessor vos dêo conta da bella edi- ção dos Lusíadas que em Paris publicou o nosso consócio o Srir. Morgado de Matheus , ellc agourou que este traba- lho devia dispertar o gosto pelo maior Poeta que até ago- ra produzirão asHespanhas, e que de alguma sone se acha- va esmorecido , não sem huma espécie de desdouro para Portugal. Este pronostico veio a venficar-sc ; e no principio deste anno remetteo-nos o Srír. Francisco Alexandre Lobo , hoje Bispo eleito de Viseu , huma erudita Memoria , na qual examinando com o melhor critério as obras do Poeta , es- palha grandes e novas luzes sobre a sua vida, sobre as épo- cas em que forão escritos muitos dos seus versos , e forma sobre o merecimento delles hum juizo , que nos pareceo sempre tão prudente como delicado. Levado por igual estimulo , e tomando por assumpto o mesmo objecto, nos oíFereceo o Snr. João Adamson hu- ma obra que imprimira em Londres cm dois volumes de 8.°, e que chegou muito tarde para podermos formar con- ceito do seu merecimento. Outro Sócio o Snr. Manoel José Pires , desejoso de passar para a nossa lingua as bellezas e sublimidade do maior Orador do antigo Lacio , verteo a segunda Catilinaria de Cicero com a mesma elegância , e exactidão com que tinha já traduzido a primeira. Dois trabalhos se apresentarão este anno sobre dois interessantes pontos da lingua Portugueza : o primeiro que apenas agora está encetado he do Snr. Rodrigo Ferreira da Costa, que lêo o primeito artigo das suas Reflexões so- bre a nossa Orthografia. Como este artigo tem de ser segui- do de outros , abster-me-hei por ora de fallar n' huma ma- téria tão complicada , e somente ponderarei com quão pou- ca razão se tem increpado a Academia por não ter ainda fixado 3 Orthcgrafia Portugueza; como se esta Sociedade se tivesse compromettido pelo seu Estatuto a trabalhar sobre este ou aquelie objecto determinadamente ; e como se hum Particular, ou mesmo huma corporação de Litteratos, tives- se ■ 01 xxu Historia da Academia Real se algum direito para fazer adoptar á totalidade de huma Nação o seu systema orthografieo , por mais filosófico que elle lhe parecesse. Outro trabalho, já muito mais adiantado do que o pre- cedente, he do Srír. Fr. Francisco de S. Luiz, e versa so- bre os Synonymos da língua Portuguesa ; obra nova entre nós , e com tudo da maior importância para fixar as idéas , e fat- iar com exactidão. E na verdade não he necessário reflectir muito para se conhecer que os nomes vulgarmente chama- dos Synonymos , o não são em todo o rigor da palavra , isto he , ainda que exprimao huma idéa principal e com- mum a todos , cada hum delles apresenta idéas accessorias differentes , que modificáo aquclla por diversas maneiras, fa- zendo assim que na língua mais rica náo haja dois termos que exprimao exactamente huma e a mesma cousa. O igno- rante quando escreve ou falia, usará indistinctamente , por exemplo , das palavras tristeza , melancolia, ou agast amento , e com efFeito todas ellas indicão hum soffrimento da nossa al- ma por hum mal presente ; mas o Filosofo que quizer ana- lysar as idéas que correspondem a estas expressões , conhe- cerá que cada huma delias explica differentes attributos da- queile soffrimento ; que a tristeza he o abatimento pas-.igei- ro da alma por algum suecesso que nos enfada ou desgos- ta ; que a melancolia he o mesmo sentimento mais inquieto, e permanente , procedido em grande parte do nosso tempe- ramento ; que o agast amento em fim sendo passageiro como a tristeza, e inquieto como a melancolia, traz com sigo a idéa de ira ou de enfado contra alguém. Huma semelhan- te analyse pode applicar-se a muitos dos nossos vocábulos, e o primeiro ensayo do Srír. Fr. Francisco de S. Luiz com- prehende 120; dá-nos porém a esperança que brevemente será seguido de outros ; o que vindo a vei ificar-se , não te- remos nada que invejar nesta matéria ás Nações mais cultas da Europa. Oxalá podessemos dizer o mesmo em outros ramos de Litteratura , e sobre tudo na Poesia Dramática 5 mas aqui não DAS ScietJCIAS DE LlSBOA. XXlIÍ não basta o estudo , nem mesmo a sciencia , he necessário hum génio particular , que não se adquire , mas nasce com o mesmo homem ; e ainda quando hum feliz acaso conce- de este estro divino, não he com ta! generalidade que se- ja próprio para toda a qualidade de Poemas. Por falta pois de se attender ao preceito de Horácio de escolherem os Poetas matéria adequada ás suas forças, e de examinarem por muito tempo o pezo com que podem , e o que lhe faz vergar os hombros , ainda este anno tivemos que recusar o premio a Tragedia O Baptista , que novamente concorria a ellc , depois de refundida por seu Autor; o qual não adver- tio na escolha do assumpto , que o Precursor do Messias , pela sua mesma Santidade , era Personagem pouco própria para servir de Protagonista n' huma Tragedia. Pertence a este lugar mostrarmos o nosso reconhecimen- to ao Srír. António Feliciano de Albergaria Betencourt , Ou- vidor do Rio Negro, que por via do Snr. Alexandre Antó- nio das Neves enviava á Academia hum bello prezente, que muito ornaria as nossas Collecçõcs, se o Navio que o trans- portava não tivesse sido preza dos piratas. Consistia elle em varias armas e ornatos dos povos selvagens dos contor- nos d > mesmo Rio Negro , e em huma cabeça do Gentio Yaur.iité, familia errante e antropófaga, que se faz recom- mendavel pela sua particular configuração (a). Os ■ i — - 1 — — ÇJQ Este prezente era acompanhado da seguinte nota , em que se des- creviáo as peças de que elle se compunha. Huma cabeça de Genro Yiun;rc Tpnio , familia errante antropó- faga , e huma das mais batbaras que se conhece , o que bem de-ist,na o seu nome, que quer dizer onça na lingua geral. Caminha de raptos , maior- mente quando desconfia de inimigos , e ne^e caso applica o ouvido ao chão muito a miúdo, a fim de melhor conhecer a direcção em que vem por entre o mato. Não tem sign.il algum impresso na cara ou no cor- po , como costumáo ter outros Gentios , e somente arranca o cabcllo da cabeça , e com certo visgo ou suco de arvore a conserva calva .... Pin- fáo porém a cara e o corpo de vermelho com a tinta da arvore chama- da urueti , e de hum cipó por nome caru]ttrii , de que remetto amostras. Os seus chefes trazem nas orelhas grandes maçanetas de algodão em que prendem plumagens , como le vè da cabeça que envio. - ; j >r o i xxiv Historia da Academia Real Os Senhores João Pedro Ribeiro , e Alexandre Antó- nio Vandelli derao para o nosso Medalheiro algumas me- da- Huma esgravatana de Pachinca ; arma rerrivel pela certeza com que arroja a grande distancia humas pequenas frechas hervadas , a que cha- mão urarúas , as quaes quebrão no corpo ferido , por cerra incisão que lhe fazem, de mineira que enterrado o veneno, he a morte certa e re- pentina : sendo por isso óptima para caça grossa e miúda , visto que não espanta por não fazer estrondo , a cuja carne depois de morta não pre- judica o veneno.... Algumas destas frechas vão preparadas. Dois rojões de Principal, adornados de pennas , a que dão o nome de mwnciis , e seis ditos mais ordinários de arremeçar á mão sem arco , também hervados , e fabricados com dentes de cutta , e de hum peixe chamado piranha , muito duros de fio como navalhas. Seis frechas de Principaes Ararás, a que chamão tacoaras. Esta Na- ção mostra ser industriosa , e he pena que se não promova o seu desci- nicmo , pelo modo e condição que elles querem e tem proposto, istohe, deix.illos estabelecer nos sitios que elles elegerem ; não se entender com ás suas famílias , costumes , e propriedades , em quanto se não amoldáo e familiarizão com os brancos .... Que se lhe dêm ferramentas ruraes , e farinhas para poderem subsistir os primeiros que descerem, &c. Estas di- tas tacoaras são arrojadas por arcos de duas varas e mais de comprido , nos quaes entezáo huns cordéis feitos de huma espécie de pita mui rija chamada cwavá , que dá á frecha hum grande impulso. Vão mais seis inferiores. Nove frechas ditas , hervadas , de índios de menos conta , e huma al- java , a que chamão panannari , com os seus petrechos correspondentes. Hum maço de comas feitas de cocos mui pequenos , e mui raros , ou ao menos desconhecidos nas margens tratáveis do Amazonas, imitan- do a miçanga ; de que usão tio pescoço , pés , braços , e nas partes pu- dendas. Hum colar de pequenos coquilhos , limados em pedras , e preparados com dentes de cotia; e assim mais duas madeixas de linhas de algodão, que forão achadas na mão de huma Gentia brava , a qual quando prin- cipiou a fallar a lingua geral , disse : Que depois de cardado e moido nas mãos o algodão, o introduziáo em hum coco de castanha muito polido, e com vários buraqumhos mais ou menos estreitos, por onde sahia o fio , trazendo o preciso algodão ao tempo que se hia torcendo : e o modo de o torcer era com huma varinha delgada, a travéz da qu.il dava volta hum cordel atado em hum arco , á maneira dos arcos dos Torneiros : e que desta maneira f.r/.ião também as linh.is para as suas frechas e plumagens. Disse mais , que suppoito havia tradição nas suas malocas de haver Bran- cos no Rio Uassú (Rio grande) jamais tinháo appirjcido nos seus esta- belecimentos, pelas muitas catadupas e dilHeuldades que embaraçavão a passagem; nnio que para poderem vir fazer as suas pescas mais abaixo, lhes era necessário transportar is coitas as suas cascas , e em distancias muito grandes. E em fim declarou que as contas de vidro (a que cha- DAS SciENCIAS DE LlSBOAé XXV dalhas e dinheiros antigos , achadas aqucllas na Província do Minho , e estes na do Alemtcjo. Outros Sócios fizerão hum dom análogo para augmentar a Bibliotheca da Aca- demia (a) . Fez-se também muito e muito acredor do nosso reco- nhecimento hum homem raro , benemérito das Artes e mes- mo das Sciencias , o qual se bem que alheio á Academia, a venerava sem a menor pretenção , e fazia os mais arden- tes votos pelos seus progressos. Tal foi o Snr. Joaquim Car- neiro da Silva , Professor Régio de Architectura e Desenho no Real Collegio de Nobres ; o qual vindo a fallecer de huma dilatada moléstia , deixou em legado a esta Sociedade a sua collecção de Estampas, que se compõe de 1689 pe- ças, entre as quaes se contao não poucas dos melhores Mes- tres antigos e modernos. Tcnho-vos referido, Senhores, todos os escritos que se apresentarão na Academia, e as principaes transacções que tiveião lugar no decurso deste anno ; alguns outros trabalhos poderia numerar ainda , mas como estão apenas em princi- pio , julguei melhor differillo para quando vos poder dar Tom. VIL Part. I. * 4 hu- mão ni lingua geral puranga puocra) que se encontrão no m iço e colar ditos, andaváo em herança de pais a falhos, e que ouvira d>zer tinháo sido tiradas .1 índios desconhecidos, que fugindo aos brancos se retirarão áquelles certóes , aonde fotão apanhados. Dois pregos feitos de certa maça desconhecida , diáfana , e côr de ouro, que estes Gentios, e outros chamados Parintinteni e furnas costu- mão trazer em buracos que fazem em pequenos no beiço de baixo, e no nariz , do mesmo modo que os Araras ; sendo os principaes os que apparecem com estei pregos, rico? entre elles ; porque os outros os tra- zem de páo , sipò , ou canas delgadas, a que chamáo taboca , c lhe ser- ve de adorno. Varias plumagens , que tanro homens como mulheres costumão tra- zer , e prender em differentes partes do corpo , nas suas funcçóes festi- vaes e de alegria (Pitiaús). (rt) Foráo estes os Senhores Pougens , Joaquim Navarro de Andrade , Fnncisco Villela Barbosa , Bispo Inquisidor Geral , José Feliciano de Castilho, José Pinheiro de Freitas, e cambem o Snr. Francisco José Maria de Brito. xxvi Historia da Academia Real huma conta mais circunstanciada do seu resultado; resta-me tão somente cumprir com o triste c penoso dever de no- mear os cooperadores , e companheiros que temos perdido durando o mesmo período, já que não me he possivel te- cer a coroa , que a cada hum delles tinha sobejamente ga- nhado o seu merecimento. Pozerão pois fim com a morte a suas fadigas littera- , rias os Senhores Manoel de Sousa Ferreira , João Bell , José Theresio Michelotti , Monsenhor Sequeira , Fr. Lourenço do Desterro Coutinho , e Joaquim de Amorim e Castro. Fal- lecco também hum Sócio eíFectivo da Academia , que o fo- ra desde o seu principio, e que muito concorreo para o estabelecimento c progressos desta Sociedade , quero dizer o Snr. José Monteiro da Rocha, sábio cuja perda as Scicn- cias Mathematicas terão longo tempo que lamentar, a quem principalmente foi devido o esplendor delias na Universida- de de Coimbra, e cujo nome era pronunciado com respei- to, não só no nosso Paiz, mas mesmo nos Estrangeiros. Para supprir tantos Membros , cujos lugares se acha- vão vagos , forão nomeados Correspondentes os Senhores íoaquim Navarro de Andrada , Monsenhor Miranda, Roque Schuc , Joaquim Baptista, Fr. Fortunato de S. Boaventura, e José Villela de Barros. Passarão também de Sócios livres para cffectivos os Senhores João Evangelista Tornam na Classe de Scicncias Mathematicas , e Fr. Francisco de São Luiz na de Litteratuw Portugueza. O acontecimento porém que neste anno penalizou mais vivamente a Academia foi a perda do seu Secretario o Srír. José Bonifácio de Andrada, que ausentando-se para os Do • minios do Brazil , privou a Academia do seu mais seguro esteio , e deixou os seus Consócios em hum estado que po- de de certo modo assemelhai-se ao de huma arvore ainda nova a quem cortassem a sua guia principal: nos primeiros annos ella definha e enfraquece, e ainda quando ao depois algum dos seus ramos se endireita, para lazer as vezes do que se lhe havia troncado, he bem raro que não se conhe- ça fiiau ui DAS SctENClAS DE L 1 S K O A. XXVII ça logo á primeira vista , que elle não nascera para hum se- melhante destine E não penseis , Senhores , que estas expressões são nascidas da illusão que repetidas vezes produz a amizade; apello para todos os que o conhecerão e ouvirão neste mes- mo lugar ; apello sobre tudo para os meus Collegas , que nunca o consultarão em vão , qualquer que fosse a matéria de que tratassem , que sentião passar a suas almas o divi- no fogo da Sciencia que o animava , e que se vião impel- lidos pelo seu exemplo a não afrouxarem na carreira que ti- nhão escolhido , a pezar dos abrolhos de que a achassem semeada. A estas criticas circunstancias devi eu a honra de ser nomeado para preencher o lugar de Secretario, durando o resto deste triénio ; e ainda que as obrigações que hum tal cargo me impõe sejão muito superiores ás minhas forças , eu me resolvi a acceitallo , confiado em que me não havia de faltar a efficaz cooperação dos meus Collegas. E com ef- feito o estudo das Sciencias tem por si mesmo taes attracti- vos , os prazeres que ellas fazem gozar são tão suaves e tão puros , que ainda mesmo prescindindo de qualquer ou- tro estimulo , basta tellos huma vez experimentado , para desejar conseguillos sempre. Taes forão as esperanças que então me animarão ; e os sentimentos de que vejo possuída esta Sociedade , são o fiador mais seguro de que me não hão de ficar frustrados. Disse. DIS- 4 » ixvni Historia da Academia Real DISCURSO HISTÓRICO Sobre os trabalhos da Instituição Vaccinica , lido na Sessão publica de 24 de 'Junho de 1820 Por José Maria Soares. E. ntre os preciosos dons, que a Natureza com bemfeito- ra mão tem offenocido a Espécie humana para lhe prevenir ou remediar os males fysicos , nenhum, apenas conhecido, ganhou logo mais larga fama , e foi mais geralmente acei- to , do que a Vaccina como preservativo das bexigas na- turaes : e na verdade devendo o valor do remédio ser jul- gado pela sua cfficacia , e pela grandeza do mal ; se na Vaccina não podia aquella estar logo assas comprovada pe- la experiência, bastavão os horrorosos estragos, que desde o século VI. r.s bexigas todos os annos fazião na Espécie humana, para que não só as Nações civilisadas, mas tam- bém as incultas, suspirassem por achar, e achado adoptas- sem prompra mente este meio de atalhar os effeitos e pro- gressos de tão cruel flagello. Não costuma a Natureza faltar com o remédio , ainda quando ella mesma fulmina os males : mas nem sempre o apresenta logo a nossos olhos; exige que empreguemos pa- ra o descobrir as faculdades, de que nos dotou; e porque a posse d'estas , cultivadas pela civilisação, nos inspira cer- to oriuilho e vaidade, nuis de huma vez tem esta sido cas- tigada pela Natureza , revelando primeiro seus segredos aos povos agrestes e incultos, dos quaes então apprendemos , o que nossas presumidas luzes não poderão descobrir. Assim aconteceo a respeito da Vaccina. Em quanto os Sábios debalde procuravão pôr termo aos estragos e as- so- 613-S Oí DAS SciENCIAS DE LlSBOA. XXIX solaçao , com que as epidemias variolosas vexavão o mundo todo , os pastores do Condado de Glauc éster gozavão ha muito do beneficio da Vaccina ; e descobrindo depois a Jenner este segredo da Natureza , fizerão á Humanidade hum serviço superior ás forças da Sciencia. Nem forao sd aquel- les camponezes os mimosos da fortuna ; outros talvez ain- da mais rudes conheciao ha longo tempo este preservativo das bexigas: taes erão , como hoje consta, as tribus erran- tes dos Eliaatf na Pérsia (a) , e os pastores da Cordilheira dos Andes ( b ) na America Meridional; e muitos outros talvez haverá , de que ainda não temos noticia. D'e^te mo- do supposto que não fosse JenUSt , quem primeiro conheceo a importante virtude da Vaccina , he a ellc que o mundo civilisado deve hoje o frueto d\iquclle descobrimento : fru- cto que logo pareceo tão apreciável , que em breve tempo se espalhou por toda a Europa , e dêo matéria ás investi- gações c concelhos dos Filósofos. Cumpre á Filosofia não só apurar as verdades , mas também convcrtelas cm vantagem da Sociedade ; sem este segundo objecto pouco ou nada interessaria aos Estados manter Corporações litterarias. Cuidao por tanto os Sábios no progresso das Sciencias , mas seus trabalhos devem ter sempre em vista aperfeiçoar por meio d'estas a practica da Medicina, da Navegação, das Artes, e de tudo o que im- mediatamente pôde interessar á felicidade dos Povos. A nos- sa Academia, seguindo este caminho, muitas vezes tem co- operado com suas luzes para o bem da Nação , e nas oc- casiões em que esta mais as precisava. Mas de quantos serviços a Academia tem feito a bem do () Humboldt ; Essui politique sur U Róyaume Je la Nouvelk Hespagne Vol. I. pag. 6'j. wx Historia da Academia Real do Publico , nenhum , ouso dizelo, deve attrahir-llie tanto a benevolência e gratidão nacional , como o estabelecimen- to da Instituição Vaccinica. <; Que outra providencia discu- tiu e deliberou cm suas Sessões , imis vasta pela extensão do projecto, mais generosa pela franqueza dos meios, mais prompta pela actividade na execução , mais efficaz pela cer- teza do efíeito, e finalmente mais importante e indicada no momento, em que era necessário curar o recente, mas pro- fundo , golpe , que a povoação do Reino acabava de sof- frer ? He brasão para o Povo Portuguez a docilidade, com que se prestou a desamparar seus lares , e perder toda a fortuna só paia salvar a Pátria : porem faz horror passar os olhos pelo terrivel quadro, que apresenta hum Povo erran- te , perplexo sobre o seu destino , inerme no meio das cohor- tes inimigas , privado dos soccorros mais indispensáveis á vida , luetando em vão com o frio , fome , miséria e doen- ças , e finalmente suecumbido e abafado com o pêzo de tão cruéis males fysicos e moraes. A vigilância do nosso Go- verno, o patriotismo do resto da Nação, e também as di- ligencias d'estâ Academia , occorrêrão então do modo possí- vel a diminuir tão funestos males : mas não poderão evitar milhares de mortes. Passada pois a borrasca , só restava re- sarcir as perdas , que ella causara ; e sendo huma das mais attendiveis o desfalque da povoação, esta Academia tem di- reito ao verdadeiro reconhecimento do Publico, por appli- car logo hum dos remédios mais cfficazes , generalisando a Vaccina , e estabelecendo a Instituição para melhor regular e conseguir tão importante objecto. Foi com cffeito criada a Instituição Vaccinica no anno de 1812; e desde então sempre no dia de hoje tem feito saber ao Publico por hum de seus Membros o progresso e estado dos trabalhos vaccinicos , e procurado convencer a Nação da importância d'este preservativo , e das vantagens, que d'elle pôde esperar. Sendo porém eu hoje o encarrega- do de exercer semelhante ministério , mal poderei imitar a perfeição , com que meus Collegas o tem desempenhado : mas DAS SciENClAS DF. LlSBOA. XXXI mas a pouca energia de minhas expressões será supprida pe* lo desejo, com que estimareis saber, e eu vou mostrar-vos, Senhores , qual foi o estado da vaccinação no presente an- no ; porque não fez mais rápidos progressos; e que meios se empregarão para os conseguir. Depois que a Instituição Vaccinica começou a trabalhar em 1812, tem a Vaccina corrido diversa fortuna em quasi todos os annos : era porem nos primeiros esta diversidade mui lisonjeira para a Instituição, porque o progressivo au- gmento em numero de vaccinados mostrava , que cada vez se ia generalisando mais o grande preservativo ar.tivarioloso ; mas desde o anno de 18 17, no qual aquelie numero subio a 19:999, a vaccinaç'o tem progressivamente diminuído, a ponto de que no presente anno não constou a Instituição terem recebido este beneficio mais do que ^:d 30 individuas, nos qunes fosse reconhecida Vaccina verdadeira. Por este simples facto, e mais ainda se o compararmos cortr. ô apro- ximado calculo do numero de nascimentos, que haveria nò estado actual da povoação do Reino , será fácil conhecer o muito que resta para vaccinar. Estas noções bastarião para se fazer huma idéa em ge- ral do estado da vaccinação no Reino : passarei com tudo a algumas particularidades , para que se possa conhecer , on- de ella fez mais progressos , e quem para isso cooperou. D'este modo cumprirei também o dever, em que a Insti- tuição se tem constituído , de .reeommendar ao justo reco- nhecimento d3 Nação os Correspondentes , que mais se dis- tinguirão. Nem he por certo indirferente para os ptògressoâ da Vaccina declarar as pessoas que mais a tem promovido ; e as terras , onde tem sido mais extensa esta prnerica'. a jus- tiça exige o premio do louvor, a quem generosamente tra- balhou pelo bem da Pátria; a esperança de semelhante pre- mio convidará novos cooperadores para tão útil empreza ; e finalmente o conhecimenro das terras , onde mais se tem vaecinado, não só confirmará o credito d'este preservativo, ob- xxxn Historia da Academia Real obscrvando-se para o futuro as vantagens recebidas por es- ses povos, mas também subministrard mais hum soccorro á Estatística , pelo qual, junto aos outros dados , se possa or- çar a povoação de qualquer Comarca , e do Reino todo. Satisfarei a todas estas vistas referindo os nomes dos Fa- cultativos , que este anno coadjuvarão a Instituição; prefe- rindo os que tiverão maioria em numero de vaccinados ; e ao mesmo tempo declarando as terras, a que estes perten- cem. Forão os Facultativos , de quem recebemos Relações de Vaccinados , os Senhores António de Almeida , Medico na Comarca de Penafiel ; Joaquim Baptista, Medico no Con- celho de Lafões ; Martinho Pereira da Silva , Cirurgião em Rio Maior ; António José Teixeira , Cirurgião em Alijó ; Joa- quim de Santa Anna Jorge, Cirurgião em Estombar ; Jero- nymo José de Mello , Medico em Castello de Vide ; José Joa- quim Mixotc , Cirurgião no Redondo; José Pinto Rebello de Carvalho, Estudante em Medicina, na Filia da Barca ; José dos Santos Dias , Medico em Montalegre ; Camiilo José Duar- te da Fonseca , Medico , e José Maria Miguens , Cirurgião cm Aldeã Galega; Domingos Joaquim de Oliveira, Cirur- gião em Filia Franca de Xira ; João Gervásio de Carvalho , Medico no Cartaxo ; José Ignacio Pereira Derramado , Me- dico em Portel; João António da Silva , Cirurgião no So- bral de Mente Agraco ; Emigdio Manoel Victorio da Costa , Medico em Soure ; António José de Almeida , Medico cm Mafra; Joaquim António de Novaes, Medico na Certa; Frincisco Ignacio Pereira Rubião , Medico em Villa Real; Francisco Xavier d^lmeida Pimenta, Medico no Sardoal; Manoel Coelho do Nascimento, Cirurgião em Collares ; An- tónio Juíé da Costa , Medico em Alcoxete ; António Luiz Penedo , Cirurgião em Filiar de Perdizes ; Carlos António Lopes Pereira, Cirurgião no Pêzo da Regoa ; Joaquim Antó- nio de Oliveira , Cirurgião na Golegã; Tose Nunes Chaves, Medico em Villa Nova de Portimão; Miguel Rodrigues de Sousa Piedade, Medico em Albufeira; António Pereira Xa- Das Sciencias de Lisboa. xxxiií vier, Medico no Crato; João Pedro Alexandrino Caminha ^ Medico cm Benavente; Manoel Rodrigues Pereira, Cirurgião em Requirens ; Francisco Ignacio dos Santos Cruz , Medi- co em Punhete; Luiz Mendes Furtio , Cirurgião em Aviz ; José Ignacio da Silva, Cirurgião em Estremoz; Francisco Maria Roldão , Cirurgião na Filia do Cano ; José Maria Lo- bo Pessanha , Cirurgião na Lagoa ; e António Ignacio da Silva, Cirurgião em Coimbra, Além dos referidos Faculrativos , remettêrão também Mappas de vaccinados as Senhoras D. Maria Izabel Wan- zeller, do Porto; D. Angela Tamaçnini de Abreu, de Tho- mar ; D. Luiza Adelaide de Magalhães Coutinho , de Villa Renl; c D. Anna Rafael Cid Madureira, de Filia Flor ; as quaes , tendo mostrado ardente zelo n'esta empreza , são credoras de elogios, e de reconhecimento publico. Hum dos meios , de que a Instituição se tem servido para premiar os seus cooperadores , he conferir-lhes Diplo- mas de Correspondentes como titulo honorifico , e que ao mesmo tempo comprova o seu merecimento : e por se acha- rem nas devidas circunstancias os Senhores António José Teixeira, Cirurgião em Alijó , e António Coelho de Maga- lhães , Boticário em Villameam; a Instituição lhes mandou passar e remetter este anno as suas Cartas. Merecem particular menção, e tem direito a públicos elogios as Auctoridades , que em observância das Ordens Regias, e interessadas no bem da Pátria , auxiliarão a Insti- tuição , e com acerto e vantagem empregarão n'este ser- viço o respeito, que lhes tributa o Povo. Taes forão na Clas- se da Magistratura os Senhores João Collares de Andrade, Juiz de Fora de Alijó ; João Elias da Costa Teixeira da Sil- va , de Villa Franca de Xira ; Rodrigo de Sousa Castello- Branco, de Aldêa Galega ; Joaquim Francisco Maria Coelho, de Portel; e José Silvestre de Macedo , de Albufeira: e na Classe Militar os Senhores Capitães Mores Joaquim Leite Pereira Alvim, de Penafiel; Bento Corrêa de Vasconcellos Tom. VIL Pari. I. * s e xxxiv Historia da Academia Real e Sousa j do Concelho de Sancta Cruz; António de Serpa Pinto, de Thuias j Soalbâes , e Canavczes ; e os Commandan- tes de Companhias das referidas Capitanias Mores. Aqui tem igualmente lugar o agradecimento, que merece o Srir. Jeronymo de Sousa Monteiro, Cirurgião Mor do Regimen- to d: Milícias de Penafiel, pelos generosos serviços, que tem feiro, e ofFercceo para o futuro. Pertencem também á Historia Vaccinica do presente an- no dois factos , cuja lembrança magoará sempre a Institui- ção, recordando-lhe a perda de dois Correspondentes, que tantO contribuirão para o progresso da vaccinação e gloria d'esta empresta.. A perseverança , com que ambos se empre- garão n'este ramo de beneficência , além de outros muitos serviços , que a bem da humanidade afflicta assiduamente libcralis.ivão por caracter e virtude, de tal modo os fez co- nhecidos de grande parte da Nação , que apenas eu pro- nunciar seus nomes , qudquer de vós , Senhores , (não o du- vido ) lamentará também a sua falta. Falo da Senhora D. Maria Izabcl Wanzeller , a quem a Providencia fez deposi- taria de avultado património, só para amparar e soccorrer a pobreza da Cidade do Porto : falo do Srir. José Fradesso Bello , hábil Cirurgião Militar da Cidade d' Elvas , exemplo da probidade, e modelo dos Fmpregados públicos. Estes dois Correspondentes , que foião dos primeiros convidados pela Instituição para os seus trabalhos , mostrarão desde o prin- cipio o maior empenho em estabelecer e propagar a vacci- nação nos districtos da sua residência ; e tomando como ri- goroso dever o que era mero impulso de sua benevolên- cia , e de seu animo obsequioso ás nossas rogativas , per- s veiarão até ao termo da vida , exactos em nos participar todos os mezes o resultado de seus trabalhos, e constantes em rebater com firmeza e paciência a opposição e indocili- dadejdos inimigos da Vaccina. Nem foião só os habitantes do Porto e Elvas, quem colheo frueto da beneficência des- tes dois IcneiiK ritos Correspondentes : como erão assíduos em vaccinar , a Instituição contando com dois depósitos con- DAS SciENCrAS DK L IS BOA» XXX Y constantes de lynfa vaccinica n'aquellas Cidades, d'ali mui* tas vezes se provêo a fim de satisfazer as remessas para to- do o Reino ; e lá mesmo fez conduzir crianças para leva- rem Vaccina fresca aos seus visinhos. O Snr. Fradesso foi Cambem encarregado de estabelecer a vaccinação em diversas Villas do Alemtéjo , escolhendo elle mesmo os Vaecinado- res , c regulando este objecto, que em tudo ficava sujeito á sua direcção : e tal era a escolha de pessoas , tal a ma- neira de as instruir, que a exactidão e regularidade obser- vadas nos Mappas dos seus cooperadores , além de confir- mar o acerto da escolha, era mais hum motivo para a Insti- tuição reconhecer o zelo e actividade do Snr. Fradesso em negócios do serviço publico. Finalmente seria alongar-me além do que a occasião permitte , se passo a passo seguisse a marcha d'estes dois Correspondentes pelo espinhoso cami- nho , que a Instituição lhes indicou : basta dizer que seu merecimento e serviços forão tão constantes e conhecidos , que desde o principio d'este estabelecimento sempre no dia de hoje tem seus nomes sido repetidos com admiração e louvor. Tendes visto , Senhores , qual foi o numero dos vac- cinados , e quaes os cooperadores da Instituição n'este an- no : mas não está de certo satisfeita a curiosidade particu- larmente dos Facultativos , que desejarão saber , se n'estes vaccinados se observou alguma circunstancia notável , e in- teressante á Sciencia. Devo porém asseverar com o teste- munho da correspondência de todo o anno , que a practi- ca continua a mostrar, o quanto he simples e quasi unifor- me o andamento da afFecção vaccinica : porque exceptuan- do pequenas anomalias assas especificadas pelos meus Col- legas nos Discursos antecedentes , nada occorreo digno de particularisar-se. Apenas notarei que o nosso Consócio o Snr. Francisco Xavier de Almeida Pimenta observara , que huma criança vaccinada aos iç dias de idade, e débil por constituição, depois de ter Vaccina regular, sofFrêra nos me- zcs seguintes fluxos de ventre , vómitos e outros incommo- * j- ii dos , xxxvi Historia da Academia Real dos , que lhe forão fataes : c que em outros dois vaccina- dos aos /8 e 30 dias deidade, não pegara a Vaccina. Estes r.vs factos, além de confirmarem a opinião já seguida, de que filo convém practicar a vaccin.ç.-o em idade tão tenra 7 também poden? ministrar alguma luz á Fysiologia : pois mosnão não só o auxilio, que os sysrhemas e órgãos animaes mutuamente se presrão no estado de saúde e na resolução das moléstias, e a perfeita harmonia em que precisão estar para satisfazer a estes ofícios ; mas também a falta d'esta n>s dois extremos da vida, na infância por não terem ain- da os órgãos a energia capaz de chamar os outros a con- ceiíso, c na velhice porque a morte de huns faz inúteis as suas relações e antiga influencia para com os outros. Resta me examinar que motivos tem diminuído o nu- mero de vaecinados n'estes últimos annos. Não posso attri- buir este acontecimento a falta de convicção, ou a nimia re- pugnância da parte do Povo : porque esta devia ser maior 110 principio, e porque segundo affirmão alguns Correspon- dentes he elle mesmo quem ás vezes pede a Vaccina. ,; Ha- verá porém suspeitas de factos, que, pondo em duvida ou directamente contestando a infallibilidade da Vaccina como preservativo, tenhão esfriado o enthusiasmo, com que esta antes era procurada e inculcada? Também não achei na cor- respondência o mais pequeno indicio de semelhantes factos; ao contrario pelo silencio de huns Correspondentes, e pela participação de outros , sou obrigado a aifirmar que não consta terem as bexigas afFectado a nenhum, dos que foráo vaecinados pelos cooperadores da Instituição (a). Tem (.?) O único facto d'este ^cnero he o que foi publicado no Tom. V. Parte (1. pag 1, das Memoriai da Academia impressas em 1818: porém esst mesmo oftereceo algumas ouvidas em quanto á legitimidade da Vac- cina. Este anno tive occasiáo de tratar em Lisboa de huma menina de 10 annos au.ada de bexigas, e que, segundo me asseverarão , fora vac- cinada quatro annus antes , e tivera verdadeira Vaccina : não foi porem vaccinada na Instituição , e acredito o facto somente pela fé do Vacci- nador. íi.Tff Ol . : DAS SciENCIAS DE LlSBOA. XXXV U Tem com tudo apparecido recentemente impressas em Portuguez (a) algumas noticias, que lidas por quem não for da Faculdade, poderão fazer suspeitar, que se vacilla sobre a virtude preservativa da Vaccina : convém pois ex^i:,i- nálas. Alguns Facultativos Inglezes tem modenumente pro- curado meios de com mais certeza evitar o ataque das be- xigas depois da vaccinaçao: para o que Mr. Bryce lembrou se e propôz o vaccinar segunda vez poucos ditas depois da primeira (b) . ,; Porem que devemos concluir d'esra noticia? £ Collige-se por ventura que a Vaccina não seja preserva- tivo ? Ao contrario tão reconhecida está a sua virtude , que a revaccinaçao he o remédio proposto para a confir- mar : não he por tanto questão verificar , se a Vaccina pre- serva das bexigas ; mas sim determinar , qual seja o mais seguro methodo de applicar este preservativo; Suppon.lo porém que fossem exactamente observados por Mr. Bryce os factos de appariçao de bexigas depois da Vaccina \ jul- go terem sido tão raros que não exigem difEcultar mais a propagação d'este preservativo , obrigando os vaccinaildoa ao incommodo de repetir a operação. Estou por tanto con- vencido das reflexões e conselhos, que a este respeite, se po- deai ( ou 40 horas ames do momento da 3ppariçáo presumí- vel di areola pertencente ao enxerto da primeira vaccinaçao. Se o se- gundo botão segue em miniatura o mesmo progresso do primeiro , dá-se 3 vaccinaçao por segura : se ao contrario o segundo adquiie a grandeza do primeiro , e segue lentamente iodos os seus períodos , he signal de Cjue falhou a Vaccina , e deve rep ecir-se a operação. Se i segunda vac- cinaçao não se puder practicar n.i época acima indicada , devera em todo O caso fazer-se u'ali a pouco tempo; e se não pegar, pôde consider.ir- se o individuo preservado das bexigas. Confesso que , apezar do respei- to devido a Mr. Bryce , não acho fundamento para acreditar aq.ielles preceitos relativamente á necessidade de apparecer o segundo botão em miniatura : porque nem acho theoria assas convincente ; nem me prrsua- do , de que observações tão recenres possão |a fazer prova. Que em ge- ral seja mais seguro repetir a vaccinaçao até que esta não pegue , isso parece bem natural , mas he quasi impractlcavel obrigar todos a estas re- vaccinaçóes. xxxvm Historia da Academia Real dem ler no eirado Escripto ; e mais ainda quando noto, que o receio dos Médicos Inglezcs nasce de estarem persuadidos de que bexigas não possão repetir : apontão-se porém tan- tos d'estes factos em Portugal, e acho tão pouca dificulda- de em acreditálos, que d'ellcs mesmos deduzo, que, se as bexigas sendo o máximo preservativo alguma vez não tive- rao força bastante para evitar nova affecção variolosa , não lie para admirar, que a virtude da Vaccina também não se- ja sempre e absolutamente infalhvel. Esperar o contrario, e julgar que nem huma só vez a Vaccina verdadeira deixa- rá na constituição humana susceptibilidade para ser affecta- da de bexigas, seria querer limitar o poder e caprixo , com que a Natureza varia e altera ás vezes fenómenos os mais constantes , apresentando inesperadas anomalias. ^ Que re- médio ha infailivel e invariável na ordem e gráo dos seus efteitos , ainda quando nos parece haver homogeneidade de moléstia c de circunstancias? Devemos por tanto concluir, que em Medicina apenas se podem chamar infalliveis os le nómenos quasi constantes ou mui ordinários, e que n'esta ordem entra a virtude preservativa da Vaccina , c em gráo tão superior , que nenhum outro lhe excede em certeza e uniformidade. Voltando porem ao nosso objecto ; outras são as cau- sas , que tem atracado a vaccinação. Parecem ser proprieda- des da natureza humana : i.a o descuido em procurar o re- médio, quando o mal não está imminente : 2.a a tendência para afrouxar cm qualquer empreza depois de certo gráo de energia e actividade. Cestas origens deduzo os dois principaes obstáculos ao progresso constante da Vaccina : o i.° existe da parte dos vaccinandos ; o 2.° dos vaccinadores. Nada mais frequente do que procurar-se anciosamente remédio , e até sem maior fundamento abraçar-se qualquer concelho no momento de afflicção , ou quando o perigo aponta: mas por fatalidade inherente á nossa condição pou- cas vezes reflectimos seriamrnre sobre os males futuros; e prececupando-nos com hum certo fatalismo até despreza- mos DAS SdENCIAS DE LlSBOA. XXXIX mos oâ mais prudentes e bem fundados conselhos. He por este motivo , que convém lembrar mui repetidas vezes aos Pais de Famílias, que vaccinem teus filhos, cm quinta hc tempo; pintar-lhes o perigo a que os expõe seu culpável descuido; e despci talos do Iethargo, não com o poder da força , que produzindo hum estado violento naturalmente excita ódio e desejo de a illudir; porem com o doce, mas enérgico, poder da persuasão, e com o exemplo e respeito das Classes superiores do Estado. Bem convencido estava Sua Magestaoe d'estes princí- pios , quando desejoso de apresentar hum exemplo o mais persuasivo , se Dignou fazer constar a toda a Nação , por Aviso de iz de Fevereiro de 1820, que Sua Neta a Se- reníssima Senhora D. Maria da Gloria , Frineeza da Beira , fora vaccinada no dia 13 de Setembro de 1C19, e que ti- vera verdadeira Vaccina. Este exemplo observado em tão Augusta Pessoa, actualmente única Herdeira do Throno , cuja vida alem de merecer o particular cuidado do Amor Paterno , tem relações tão estreitas com a prosperidade do Reino todo , deve ser hum poderoso incentivo para todos os Vassallos , a quem o Soberano d'este modo indirectamen- te convida a cumprirem hum dever tão conforme a seus Pa- ternaes Desejos, como importante a' Felicidade Publica. Imi- tando pois tão illustre exemplo devem as Classes superio- res do Estado , e as prineipaes pessoas das terras , ser as primeiras em vaccinar seus filhos ; porque o Povo obedecen- do á influencia da imitação , pela qual se decide grande parte dos nossos movimentos, de bom grado e em breve segui ia seus passos. Reflectindo agora sobre o segundo obstáculo , pa- rece que a lei de continua alternativa entre movimento e quietação rege , não só o mundo fysico , mas também o moral ; onde novos estímulos são necessários , como rTaquelle , quando se pertende sustentar por mais tempo qualquer acção. O conhecimento individual dos homens he quem melhor decide da escolha dos estímulos , que lhes \l Historia da Academia Real lhes são apropriados. D'cstcs principios partio a Institui- ção quando persuadida da honra , brio , c patriotismo dos Facultativos Portugueses dâo principio á sua empreza. O estimulo do convite foi bastante para que se prestassem ás nossas rogativas. Para sustentar este primeiro impulso servio-se a Instituição dos meios , que a Regia Munificên- cia se dignou confiar-lhe ; e procurou excitar nos seus cooperadores briosa emulação, conferindo-lhes prémios em medalhas e livros , e fazendo-lhes outras distineções , que naturalmente lisonjeão o amor próprio. Assim fez a vacci- nação rápidos progressos por todo o Reino , crescendo visi- velmente de hum para outro anno o numero dos vaccina- dos. Assim pois convém proceder para o futuro, convidan- do ao trabalho com prémios dignos da generosa prompti- dão , com que os Correspondentes se tem prestado ; cha* mando o respeito das Auctoridadcs cm soccorro , e para incentivo d'este serviço; e finalmente gratificando do modo possível aquelles Vaccinadores , cujas circunstancias menos felizes lhes não permittem ceder em favor da Vaccina qual- quer pequeno interesse da Clinica , e põem em collisao a ge- nerosidade de seus desejos com o rigoroso dever da susten- tação de suas Famílias. Todas estas providencias são de huma vantagem de- cidida , e assas confirmada já pela experiência : Sua Ma- gestade , e os seus dignos Representantes n'este Reino, a conhecem tão perfeitamente , como se observa em todas as Reaes Ordens a este respeito : e se urgentes circunstan- cias, que por alheas do meu objecto não devo ponderar, tem ultimamente escaceado hum pouco os meios de conser- var cm toda a energia tão providentes Determinações, a ou- tras acaba de dar novo impulso a Vigilância e Protecção de Sua Magestadl- a favor da Vaccina. Em Aviso datado da Corte do Rio de Janeiro a 2 de Agosto de 1819 foi o Mesmo Senhor Servido Ordenar que as Auctoridades Ec- clesiasricas , Ci í< , e Militares promovessem a vaccinação, e dessem conta dos seus progressos todos os três mezes. Apc- das Sciencias de Lisboa» xi,r Apenas foi recebida esta Real Ordem , o Governo d'estes Reinos dêo logo as necessárias providencias para a sua execução, expedindo os Avisos de 8 de Janeiro, e de 6 de Maio de 1820. N'estcs Avisos se determina, que os Provedores sejão os ■encarregados de promover a vaccinação nas suas Comar- cas , de receber dos Vaccinadores as relações de vaccina- dos , c de as remetter á Instituição no fim de Cada trimes- tre: e o mesmo deve practicar o Chefe da Repartição de Saúde do Exercito a repeito da vaccinação nos Regimen- tos e Depósitos de Recrutas. Para cumprimento d'e?tas Or- dens tem já sido pedtrja á Instituição matéria vaccinicâ , da qual forão providos todo9 os Regimentos e algumas Co- marcas ; e parece-nos que este serviço vai a tomar grande actividade , e produzirá abundante frueto. He igualmente determinado nos referidos Avisos, que a Instituição no fim de cada trimestre dê conta a Sua MageStade dos progres- sos da vaccinação ,-e das pessoas, qué a tem promovido $ ou lhe tem obstado. A Instituição cumprirá exacta e fiel- mente a honrosa commissão, que Sua Magesta.de se dignou confiar-lhe : espera porem do zelo e intelligencia das Aucto- ridades , do patriotismo c honra dos Facultativos , e do ca- racter e docilidade Portugueza , que terá sempre de elogiar e nunca de arguir. Não he só Portugal , que tem merecido cfficazes pro- videncias do Soberano para obstar ao flagello das bexigas; deixando porem a outra penna a Historia da vaccinação no Brasil , deve todavia referir , como objecto pertencente á este Discurso, que Sua Magestade por Aviso datado da Corte do Rio de Janeiro em 30 de Dezembro de 1819, e dirigido ao Srir. Marquez de Borba , nosso Vice-Prcsidente , Determinou que a Instituição abrisse correspondência com o Srír. Conde de Villa Flor , Capitão General e Governa- dor da Provincia do Pará : em cumprimento do que a Insti- tuição remetteo logo Vaccina , e as necessárias instrucçóes ao referido Governador. Tom.VII.Part.L * 6 Tal xlii Historia da Academia Real Tal he , Senhores , a Historia da Instituição relativa- mente ao anno , que hoje finda : por ella tereis conhecido o estado da vaccinaçao n'este Reino; as pessoas, que a tem auxiliado; e as providencias, que forão dadas, e de que se esperao vantajosos resultados para o futuro. A utilidade da Vaccina he verdade hoje assas demonstrada : d'ella não du- vida senão o ignorante por essência , ou o pyrrhoilio por systhema : qualquer d'elles não merece que o escutemos ; porque, sendo ambos antagonistas da razão , parecem não pertencer ao mundo racional. Não desprezemos pois este precioso don : sejamos gratos á Providencia , que no-lo of- ferece : e aproveitemos hum bem , que os séculos passados anciosamente desejavão, e que a Natureza só em nosso tem- po quiz descobrir.. Ninguém se julgue inaccessivel ao mal, que aVaccina evita: tenhamos sempre ante os olhos os hor- rorosos estragos , deformidades e mortes , com que as epi- demias variolosas todos' os annos vexão a Humanidade , e castigão a indolência, sem respeitar jerarquia ou condição: e porque a causa he commum , rcunamo-nos todos para cor- tar os passos a tão cruel inimigo. Cumpramos exactamente as Ordens do Soberano : empregue cada hum a influencia , que segundo a ordem social pode prestar : e em premio de tão importante serviço não somente sentiremos o doce prazer de cooperar para a felicidade dos nossos Contempo- râneos ; mas também, exterminado o flagello das bexigas, aspiraremos a que as gerações futuras, não conhecendo este mal senão pela Historia , bemdigão nossos trabalhos , e nos tributem elogios, que a justiça dicte, e a gratidão repita. Disse. PRO- ãa* o> DAS SciENCIAS DE L I S B O A. XLIlt PROGRAMMA D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA, ANNUNCIADO NA SESSÃO PUBLICA DE 24 JUNHO DE l820* NAS SCIENCIAS NATURAES. Para o anno de 1822; E M CB.IM.lC A. A discripçao de hum Processo o mais prom~ ptu , e menos despendioso pelo qual abundantemente se possa haver do Sal marinho a Soda , que se faz necessária para uso das nossas fabricas ; com tanto , que ella venha a custar menos , que a extrahida da Barrilha do Commercio ; avaluan- do-se por bum alkalimetro. EM ECONOMIA RURAL , E DOMESTICA. Sendo reconhe- cida , nas nossas fabricas de tinturaria , a necessidade e uti- lidade da planta chamada Granza, ou Ruiva dos tinturei- ros ( Rttbia tinctoritm Linn.) Em que terrenos prospera mais a sua cultura ? Que outras espécies se lhe podem substituir , e se alguma delias merece a preferencia na tinturaria ? Por que modo , e em que tempo , devemos promover a cultura desta planta ? Quando estará nas circumstancias de se recolher pa- * 6 ii ra xuv Historia da A-cademia. Real ra uso das fabricas ? Ojie parte da planta serve , e como se deve preparar para este fim} Ojie outro r usos podemos fazer da mesma planta , alem dos que repcitão d tinturaria ? Que vantajens ttrkirá} o Lavrad.r da sua cultura , comparada com as dijfer entes sementeiras que podem ter lugar nos terrenos , aonde deve ser cultivado ? Qtte consumo fazem boje delia as nossas fabricas ; e quanto amua/mente pouparíamos , se a ti- vessei;:os de cultura própria , e não a comprássemos aos Es- trangeiros ? EM MEDICINA. Hum Catalogo por ordem alphabetica , que comprebeuda as Composições ofjicinacs Pluiimaceutico-Cliimi- cas , designadas pela nomenclatura mais conhecida ; e por aqtiella que a cada hnma deve corresponder segundo- os prin- cípios da Chimica moderna : descrevendo-se também as pro- priedades Pbysicas , e Chimicas , que nos assegurem a sua pu- reza , e boa manipulação. Neste Catalogo se devem referir todas as Composições da Pharmacopéa geral do Reino com as observações , que parecerem necessárias ; e aquellas de outras Pharmacopéas , que são de uso geral em Medicina. Assumpto para o anno de 1822 com Premio dobrado. EM MEDICINA. Ottaes são as causas, que, ba anitos , tem concorrido para tão grande numero de Apoplexias nesta Ca- pital} Serão ellas ediopatlicas , symptomaticas , ou sympatbi- cas } A resolução deste Pr cgr anima deve ser fundado nas dis- secções dos cadáveres. Prémios extraordinários para 1822. Hum Epitome dar Leis agrarias Portnguezas , publicadas desde o principio da Monarchia até ao prezente , e os Aphoris- mos Politico-EcoiiOinuos , que das mesmas se podem deduzir a be- *V±1 U" dasSciencias dk Lisboa. xlv beneficio da Agricultura , Povoação , e Commercio dos Reinos dé Portugal, e aos Algarve*. A dita Obra deve ser composta segundo o methodo seguido por Mr. Fournel na que imprimio cm Pau- no ati- no de 1 8 1 9 com o titulo Les Loix rttrales de la France , rangeés dans leur ordre naturel. A Memoria que r.jr appro- vada , ou que pelo menos merecer o AccesAt , obterá o pre- mio de huma Medalha de ouro do valor de 50^)000 réis. Oiiai be o metboáo de curar ralicalm^nte as Dyseuterias chronicas , de qualquer causa que procedão ; fundado em princí- pios , e confirmado por observações praticas. Este Programma , que foi prurogado até Abril de 1822 ^ tem o premio de 400^000 réis. Assumptos fixos para todos os annos» I. A Descripção Fysica de alguma Comarca , ou Território considerável do Reino , ou Domínios Ultramarinos , que compreben- da a Historia da Natureza do Paiz descripto. II. A Descripção Económica de alguma Comarca, ou Ter' ritorio considerável do Reino , feita conforme o Plano adoptado pela Academia para a visita da Comarca de Setúbal, e que se publicou no Tom. 111, das suas Memorias Económicas. III. A Topografia Medica de bumá grande Povoação (Ci- dade, ou Villa notável) de Portugal', segundo o Plano indicado na Histoire et Mémoires de la Societé Ixoyale de Médeei- ne , Prefac. p. XIV, Tom. L NAS xlvi Historia da Academia Real NAS SCIENCIAS EXACTAS. Para o anno de 1822. EM ASTRONOMIA. Mostrar tanto pelo calculo, como por observação , a influencia do erro , que pôde resultar nos ân- gulos horários do Sol e da Lua , de se não attender á figu- ra da Terra. EM MECHANICA. Princípios fundamentaes de Mecbanka, estabelecidos (quanto poder ser) geometricamente. NA LITTERATURA PORTUGUEZA. Para o anno de 1822. EM LITTERATURA PORTUGUEZA. A Historia da nossa Poesia até ao fim do decimo quinto século , indicando os Au~ ctores , que os nossos Poetas tomarão por modelos. O Exame critico dos nossos Oradores Sagrados , que flo- recêrão desde 1500, tanto pelo que respeita d Doutrina, como à Eloquência ; fazendo ver o proveito que da sua lição podem colher os Pregadores. EM HISTORIA PORTUGUEZA. A Historia dos nossos des- cobrimentos em Australasia , e Polinésia , com a synonimia dos descobrimentos feitos posteriormente pelas outras Nações Eu- ropéas nas mesmas Regiões Qjtaes erão as attribuiçoes do Direito Feudal tanto se- cular como ecclesiastico em Portugal , e as alterações que suecessivamente foi tendo até a sua total extineção. As- DAS SciENCIAS DE LlSBOU. XLVlt Assumptos fixos para todos os annos. EM POESIA, E THE ATRO NACIONAL. Huma Tragedie Povtugueza. H»m a Comedia de caracter cm verso , ou em prosa. Assumpto de premio dobrado sem limitação de tempo. Huma Grammatica Filosófica da Lingoa Portugueza. Os Prémios ordinários consistem em huma medalha de ouro do peso de 5-0^00 ■> réis: e todas ns Pessoas podem concorrer a elles, á excepção dos Sócios Honorários, e Ef- fectivos da Academia. Abaixo destes prémios principaes , propõe a Academia também a honra do Accessit , que con- siste em huma Medalha de prata : e ainda abaixo desra a menção honorifica da Memoria , que só disso se fizer digna • a qual menção será feira nas suas Actas e Historia* As condições geraes para todos os assumptos propos- tos são : Que as Memorias , que vierem a concurso , sejão escritas em Portugucz , sendo os seus Auctores naturaes destes Reinos; e em Latim, ou em qualquer das Linçoas da Europa mais geralmente conhecidas , sendo os Auctores Estrangeiros : Que sejão entregues na Secretaria da Academia por todo o mez de Abril do anno em que houverem de ser julgados : Que os nomes dos Auctores venhão em carta fechada, a qual traga a mesma Divisa que a Memoria, pa- ra se abrir somente no caso era que a Memoria seja pre- miada : E finalmente que as Memorias premiadas nãopossao Ber impressas senão por ordem , ou com licença expressa da Academia; condição que igualmente se extende a todas as Memorias , que não obtendo premio , merecerem comrudo a honra do Accessit. Porém nem esta distracção , nem a ad- ju- sian oz xlvhi Historia da Academia Real judicição dó Premio, nem mesmo a publicação determina- da, ou permittida pela Academia , deverão jamais reputar-se como argumento decisivo , de que esta Sociedade approva absolutamente tudo quanto se contiver nas Memorias , a que conceder qualquer destes signaes de approvação ; porém somente como huma prova , de que no seu conceito desem- penharão, senão inteiramente, ao menos a parte mais im- portante dos Assumptos propostos. ME- MEMORIAS DOS SÓCIOS. S;3tt. OT -T XXXXX>!)00a0000000<)0000; > ^i .iíxxxxjooowxxxxxxxxxxxxxxjooaxíoooocxioaxxxxxx Jí MEMORIAS D A ACADEMIA R. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. MEMORIA Em que se pretende mostrar , que até ao tempo d'ElRei D. Diniz não exi Etd. das Scikncias de Lisboa. j radores Romanos seus suecessores lonoc de diminuirem esta liberdade , antes a confirmarão. A lei de Valentiniano I. que se costuma citar para prova do contrario («), ívío teve por fim tirar aquelle direito ás Igrejas , mas antes re- primir a avareza de certos Ecclcsiasticos , o que já obser- vou Jacob Gothofredo no commentario á mesma lei ; c qua- si o mesmo se pode dizer d'outra de Theodosio M. (b) que dois me/es depois foi cm parte revogada pelo mesmo Im- perador (c) , c posteriormente extincta de todo por Mar- ciano (d) , e Justiniano (e). Por isso Binghamo , diligente indagador das origens c antiguidades Ecclesiasticas , de- pois de expor e analizar estas diversas leis , conclue com razão que a de Constantino M. tivera sempre pleno vigor, c que este privilegio por elle concedido á Igreja nunca fora derogado pelos seus suecessores (f). Todos sabem que o Código Theodosiano , em que se continhao quasi todas as leis dos Imperadores Romanos acima citadas , logo que foi publicado no Oriente por Theodosio o moço no anno de 438. foi também introdu- zido no Occidcnte por mandado de Valentiniano III. seu Collega no Império , e lançou aqui mais profundas raizes. Por quanto posto que desde o anno de 409. em que come- çou a invasão dos Bárbaros , isto he , dos Wandalos , Sue- vos , e Alanos , estivesse já mui quebrantado o poder dos Romanos nas Hespanhas ; e posto que por esse mesmo tempo, ou pelos annos, de 438. vencidos já os Alanos, e afugentados os Wandalos, se achasse a Lusitânia propria- mente dita , e a Galliza oceupada pelos Reis Godos , e Suevos , muitas vezes vencedores dos Romanos ; o certo he que estes Bárbaros deixavão aos povos vencidos a li- A ii ber- (a) L. 20 Cod. Tbeod. eod. (J>) L. 27 Cod. Tb. eod. \c\ L. 28 Cod. Tb. eod. (d) Nov. 5 de Testam. Cleric. (e) L. 15 Cod. de Sacr. Eccles. (/) 0r'S- Libr. j. cap. 4. 4 MeMOUUS DA AcADEMIÍ R.EAL bcrdade de se governarem pelas suas leis , isto he , pe- las Romanas ; e que huns e outros viviáo entre si separa- dos , não menos no direito , do que na religião , nos vesti- dos e na lingoagem. Tanta era a veneração que os Godos tinhao ás leis Romanas , que Alarico cuidando em as ac- commodar ao estado de seu novo Reino, mandou fazer no anno de 506. hum resumo das que se continhão principal- mente no Código Theodosiano , e o publicou nas Provín- cias que lhe estavão sujeitas : de maneira que desde este tempo toi tido em tanta estima o Breviário de Alarico , que depois de substituído no Oriente em 529. o Código de Jus- tiniano ao de Theodosio , nem por isso veio aquelle a ter autoridade publica no Occidente , e principalmente nas Hespanhas (a). He verdade que a pezar de permittirem as leis Roma- nas que as Igrejas adquirissem bens immoveis , poucos erão os prédios , que ellas effectivamente possuião ; porque a isso obstavão as continuas guerras que no decurso de muitos annos assolarão a Hespanha , e que renascerão com muita força depois da morte de Alarico ; o que causou hu- ma total perturbação no estado publico da Nação Goda. Em taes circunstancias quem poderá persuadir-se de que a Igreja tivesse adquirido riquezas ? Accresce que os Godos e Suevos ou erão pagãos ou hereges , e commummente por qualquer destes motivos inimigos implacáveis dos Catholi- cos ; de maneira que não era de esperar que facilitassem ás Igrejas o uso do direito que as leis Romanas lhes conce- dia©. E com effeito não fallando agora da perseguição dos Suevos , basta só dizer que Leuvigildo Rei dos Godos (se- gundo o testemunho de Santo Isidoro (b) ) perseguio tão fortemente os Catholicos, que desterrou muitos Bispos, e tirou ás Igrejas as suas rendas e os seus privilégios. Com- (d) Vej. Giannon. Hist. Civ. do Reino de Nápoles. Tom. 1. livr. 2. tap. 7. L. 3. tap. 1. e 3. (£) Histor. de Reg. Goth. em Flores , no Tom. 6. da Espan. Sagr. App. 12. alJtf OJ das Sciencias de Lisboa. 5 Com tudo como nem todos os Reis Godos e Suevos , posto que imbuidos nos princípios da heresia Ariana , fo- rão igualmente perseguidores dos Gatholicos , antes alguns como Alarico (a) , e Theudis (b) honrarão muito as Igre- jas e os Prelados dos seus Reinos ; e como os Suevos ab- jurarão mais depressa aquella heresia; eu não duvidarei af- irmar que cm todo o tempo que precedeo ao estabeleci- mento da Monarchia Gothica em quasi toda a Hespanha , adquirirão as nossas Igrejas não só bens moveis , e obla- ções , mas ainda bens de raiz. Com effeito o Concilio I. de Braga , convocado por Theudemiro Rei dos Suevos no anno de 56 1. manda no cânon 7. que se faça na Província de Galliza a divisão tripartita destes bens , a qual já ha- via muito tempo que se fazia nas outras Províncias de Hes- panha , como se prova do cânon 8. do Concilio deTarrago- na de j 16 (c) : e que os Padres Bracarenses fallem n'aquel- le cânon de bens immoveis ou de raiz , conhece-se clara- mente do cânon 21. do mesmo Concilio, o qual declara que as oblações não estavão sujeitas áquella divisão tripartita. Além disto os cânones 14. 15". e 16. da Collecção de S. Martinho Bracarense , feita pelos annos de 5-72 , quando tratao da administração dos bens Ecclesiasticos , fallão ex- pressamente de fruetos dos prédios , e de outros rendimen- tos que a Igreja adquiria ( de fruetibus agrorum , et de iis qiiá ex reditu , vel ex quolibet actti Ecclesia veniunt ). Final- mente Santo Isidoro attesta que EIRei Reccaredo fora tão liberal para com a Igreja , que lhe restituirá os bens que haviao sido confiscados no tempo do seu antecessor (d) : o que tudo dá bem a entender , que antes do reinado de Leu- (*0 Vej. Masdeu , Hist. Crit. de Espan. Tom. to. pag. 87. (t) Ve). Santo Isidoro , na obra cie. (f) Qttia tertia ex omnibns per antiquam traditionem , ut accipiatur ab Episcopis , novimns statutum. (<í) Adeo liberalem jitisse , ut opes privatorum , et Ecclesiarum presidia , quce paterna labes fisco associaverat , júri próprio restaurarei. Isidor. Hist. de Reg. Gotb. -■ 6 Memorias ha Academia Real Leuvigildo não só as Igrejas de Galliza , mas as das outras Províncias circunvisinhas á Lusitânia, possuião bens de raiz ; sem que seja preciso para o provar, recorrer á terminante autoridade do Concilio Provincial de Toledo , celebrado cm J27 no tempo do Rei Amalarico {a). Mas passemos já ao Direito dos Godos. PARTE II. Do Direito Portuguez d cerca da amortização no tempo dos Godos. Mui pouco durou além do anno de 5:72. o império dos Suevos na Galli/a ; pois que pelos annos de y 8 5-, veio a ser transferido para os Godos, sendo Rei destes Leuvigil- do ; o qual apoderando-se de todo o nosso Portugal e da maior parte da Hcspanha , fixou a sede do império em To- ledo , e deo grande vigor e consistência á Monarchia Go- thica , que seu filho Reccarcdo illustrou muito mais , abjuran- do solemnemente a heresia Ariana no Concilio III. de Tole- do de j8) Si famulorum meritis juste compellimur debiu cômpensare lucra mer- cedis , quanto jam copiosius pro remediis animarum divims cultibus , et ter- rena debemus impendere , et impensa legmn soliditate servare ? Quapropter atucumque res sanais Dei basihcis , aut per Principum , aut per quommli- bet fidelium cognationes collatx reperiuntur , votive ac pottntialiter pro cer- to censemus , ut in tarum jure , inrevocabili modo , legum <£ternitate fir- mentur. (f) Vej. o c. 3. do Concilio III. de Toledo, o c. 33. do Concilio IV. e o c. 1. e seg. do Concilio IX. Ol 8 Memorias da Academia Real jas, e por ellcs mesmos ou por seus antecessores já usur- pados e possuídos (a). Até me parece supérfluo advertir , que os bens de que fallão as Leis e Cânones acima apontados , não consistião só nas oblações dos fieis , mas também e muito principal- mente nas propriedades immoveis ; porque as palavras com que ellcs se explicão , não podem admittir outra interpre- tação. E se algum escrupuloso ainda duvidar disto , leia o cânon 33. do Concilio IV. de Toledo, que distingue cla- ramente as oblações dos tributos e dos fruetos (b) ; e ouça a Santo Isidoro , que descrevendo os officios dos Econo- mos , diz expressamente que a estes pertence a arrecada- ção dos tributos , e a cultura das terras e das vinhas das Igrejas (c). Alem disto todos sabem que os Escravos for- mavão nestes tempos a melhor parte das possessões das mesmas Igrejas (d) ; c que elles não só tinhão muitos e in- signes privilégios , mas até não podião facilmente ser ma- numittidos , para não causarem com a sua liberdade huma sensivcl diminuição no património Ecclesiastico (e). Quem poderia esperar á vista de tão terminantes pro- vas da faculdade illimitada que tinhão as nossas Igrejas para adquirirem bens de raiz , que Campomanez se persuadisse que as Leis de amortização erão já perfeitamente conheci- das nas Hespanhas no tempo dos Godos (/)? Illudio se sem duvida este erudito Escritor com o cânon 15-. do Con- cilio III. de Toledo , o qual determinou que quando al- gum (à) L. 6. Tit. 5. Livr. 4.0 do Código dos Visigodos. (/>) Ut Episcopi tam de oblationibus , quam de tributis ac jrugibus ter- tiam consequantur. (c) Reparationem basilicarum , atque constrtutionem , actiones Ecclcsu in judiciis , vel in proferendo , vel in respondendo ; tributi quoque acceptio- ttem , et rationes eorum , qtt) L. 18. cit. e L. 20. do Liv. 4. Tit. t. gia« 01 das Sciencias de Lisboa. tt os collateracs ate •'O sétimo gráo , depois os cônjuges hum ao outro (a). A Igreja também suecedia aos Clérigos que morrião ah infestados , e não deixavão herdeiros ate ao sétimo gráo (b). Tão excessiva era a piedade dos Reis Godos p^ira com as Igrejas ; e tuo alheios cstavão de julgarem preciso o seu consentimento para valerem as doações que a ellas se faziao ! E o que tenho dito até aqui , não só se deve enten- der relativamente ás Igrejas Cathedraes, e Parochiaes , mas tnmbem aos Mosteiros, porque estes devião igualmente ser sujeitos ás leis de Amortização, se com effeito existissem as mesmas leis. Nega-o Campomanez , que novamente il- ludido com a disposição do cânon 10. do Concilio de Barcelona de J40. do cânon 4. do III. de Toledo, e do cânon. j. do IX. julga que não era necessário estender aos Mosteiros a lei da Amortização , por isso que elles erSo pequenos em numero , parcamente dotados de rendas Ec- clesiasticas ; e os Monges também poucos , e esses mesmos inviolavelmente sujeitos á observância da disciplina regu- lar; de maneira que dos bens que elles adquirião não se podia seguir prejuízo algum ao Estado. Não posso deixar de mostrar a falsidade desta opinião. O Concilio de Barce- lona não fez mais do que renovar d cerca dos Monges a determinação do Concilio de Chalcedonia , que só diz res- peito á estabilidade da vida Monástica , á observância da regra, e á sujeição que os Monges devem ter aos Bispos. Nem eu sei a que propósito se pôde trazer a disposição d'hum Concilio como o de Barcelona, celebrado no tem- po em que a Ordem Monástica apenas se havia introduzi- do nas Hespanhas , e em que sendo ainda Arianos os Reis Godos , não era possivel que os Mosteiros , ou as Igrejas adquirissem grandes riquezas. Em quanto aos cânones dos Concilios Toletanos muito posteriores ao de Barcelona , B ii de- (a) L. 1. 5. 5. 7. 11. do Liv. 4. Tu. 2. (J>) L. 12. do mesmo Tu. 12 Memorias da Academia Real devia reflectir Campomanes em que a disposição delles não he geral para todos os Mosteiros , mas só restricta aos que fossem fundados pelos Bispos , e por estes dotados com os bens da sua Igtcja : de taes Mosteiros fallão expressamen- te aquelles cânones, quando limitão o seu numero a hum por cada Diocese , e quando limitão o dote á quinquage- sima parte dos bens da Igreja , intervindo em ambas as cousas a autoridade do Concilio respectivo. Nem se pode dizer que este direito fosse estabelecido em injuria dos Mosteiros , antes pelo contrario o foi para utilidade das Igrejas ; para qúe não parecesse que com o pretexto ap- parente de piedade , se queria tornar licita a aliemcão dos bens Ecclesiasticos, ja' prohibida por tantos cânones em todas as Igrejas Catholicas. O certo he , que desde o tempo cm que os Reis Go- dos abraçarão a verdadeira Religião , erão frequentes as fundações dos Mosteiros nas Hespanhas , innumeraveis os Monges que os habitavão ; e que longe de haver prohibi- ção alguma para elles adquirirem bens de raiz , erão pelo contrario livre e riquissimamente dotados pelos Reis e pe- los particulares. Isto he o que se prova pelos monumentos d'aquelle tempo : pois sem fallar de Donato e de S. Mar- tinho Dumiense , illustres fundadores de Mosteiros , d'ElRei Reccaredo attesta João Biclarense (a) que elle edificara mui- tos Mosteiros e Igrejas ; e do Bispo Massona , que regeo a Igreja de Merida desde o anno 5-73 , até ao de 606 , attesta Paulo Diácono (b) que logo no principio do seu Pontificado fundara muitos Mosteiros e os enriquecera com grandes prédios. Nem só os Reis , ou os Bispos , mas também os nobres , e até os aulicos , retirando-se para os lugares solitários , fazião semelhantes fundações ; o que re- fere á cerca de Teudisilo o antigo Autor da Vida de S. Fru- (rf) No Chron. em Flores , Tom. 6. da Éíf. S*vr. App. 9. (£) Fita P. P. Ementem, çap. p, 4. 1 or 14 Memorias da Academia Real de Amortização não podem ter fundamento algum na ju- risprudência dos Godos. PARTE III. Do Direito Portttguez d cerca da Amortização no tempo dos Reis das Astttrias , de Leão , e de Galliza. O que até aqui fica dito á cerca da faculdade conce- dida ás Igrejas, sob o império dos Godos , para adquirirem bens de raiz , deve-se também entender que tivera lugar por todo o espaço de tempo , em que os nossos maiores obedecerão aos Reis das Astúrias, Leão, e Galliza. Por quanto ainda que no principio do Século VIII. governando EIRei Rodrigo , se extinguisse o Reino dos Godos , em breve tempo foi este restaurado por Pelagio , e pelos Reis que se lhe seguirão : e nesta nova Monarchia permanece- rão tanto em seu vigor as leis , costumes , e outras insti- tuições Gothicas , que se exceptuarmos certas cousas que pouco a pouco se forão mudando , porque as diversas cir- cunstancias do tempos assim o exigião , bem se pode di- zer que o império Godo longe de ser extincto, antes fo- ra conservado e illustrado pelos novos Reis das Astúrias, e de Leão. Daqui vem que os antigos Escritores de Hes- panha chamão Godos aos Reis das Astúrias (a) ; e nomea- damente de Affonso III. attesta a Chronica Albeldense , que elle restabelecera em Oviedo o mesmo que os Go- dos havião d'antes estabelecido em Toledo , tanto sobre as cousas Ecclesiasticas , como sobre as civis (b). Sen- (a~) Na Chronica Albeldense (em Flores, no Tom. 13. da Esp. Sa- gr, App. 6. ) lè-se : Item ordo Gotborum Ovetensium Regum. E a inscrição da Chronica de Sebastião , Bispo de Salamanca ( em Flores , ib. App. 7.) he esta: Incipit Cbionica Visegotborum , a tempore Vambani Regis , usque nunc in tempore gloriou Garsettni , Regis Adefonú filii colkcta. (b) Omnem Gotborum ordinem , sicuti ToUto Juent , tam in Ecclesia , quam Palatio in Oveto cttncta statnit. DAS SciENCIAS DE LlSBOA. I J Sendo isto assim , não se pôde duvidar que as leis dos Visigodos , e os cânones dos Concilios de Hespanha , que já então estavão juntos em eollecção , fossem o pri- meiro e principal fundamento do direito que regia o Rei- no de Leão. E com effeito o que a respeito de Veremun- do II. escreve o Monge de Silos (a) , isto he , que elle con- firmara as leis do Rei Vamba , e mandara abrir os cânones , somente se pode entender do Código legal dos Visigo- dos , e do outro Código dos Cânones da Igreja de Hes- panha , cujo índice publicou Aguirre (b) ; pois que d'hum c outro se fazia continuo uso nos Concilios então celebra- dos , nos instrumentos públicos , e no foro ; o que já tem sido demostrado , á vista de clarissimos documentos daquel- le tempo , por alguns dos nossos sábios e dos estrangei- ros (c) , e o que eu ainda poderei illustrar mais, apon- tando novos documentos existentes nos Cartórios de Por- tugal (d). Portanto errarão Mariana, e outros Escritores Hespunhoes , quando enganados por alguns lugares da His- toria de Campostella , e da Chronica Burgense , affirmárão que a lei dos Godos fora substituida na Hespanha pela lei Romana decahindo já o Século XI: pois naquelles lugares entende-se por lei dos Godos e dos Romanos , não o di- reito civil d'huns e outros , mas a liturgia sagrada dos Mu- earabes , ou da Igreja de Roma , como já observou o eru- dito Masdeu (e). Admittido o principio de que os nossos maiores , cm quanto estiverão sujeitos aos Reis das Astúrias e de Leão , erão regidos pelas leis Godas , e pelos cânones dos (rf) Na Chronica , em Flores , Tom. 17. no App. (b) Tom. 3 da Colherão dos Concilios de Hespanha. (c) O Snr. Amónio Caetano do Amaral, na Memoria 4.a para a his- toria da Legislarão e costumes de Portugal , not. 1 3 1 , 182 , 287. Fran- cisco Martins Marina , Ensayo historico-critico sobre la anágua legislacion y principales cuerpos legales de los Reynos de Lcon , y Castilla, num. 32. e seg. (ri) Veja-se o Append. N.° I. (0 Hist. Crit. Tom. 13. pag. 75. num. 58. s 1 6 Memorias da Academia Real dos Concílios d'Hcspanha , facilmente se conclue que as Igrejas permanecerão durando esse tempo, na liberdade de adquirirem bens immoveis. Comtudo para que não pareça que affirmo isto por simples conjectura , produzirei argu- mentos com que prove que á cerca da acquisição e con- servação d'aquella espécie de bens se observavão entre nós as leis e cânones que ficão mencionados. Com effeito o Concilio de Oviedo celebrado em 811. no Reinado de Affonso II. (a) , e o de Coyança ( hoje Valência de D. Juan) em 1050. sob Fernando I. (b) referem-se expressa- mente a alguns lugares das Leis dos Godos e dos Cânones Hespanhoes: e semelhantes remissões se achão também fei- tas em muitas Escrituras de doação feitas naqucllcs tem- pos , de algumas das quaes apresentarei breves extractos no fim da presente Memoria (c). Outra consequência deduzida do mesmo principio aci- ma estabelecido he , que os Reis das Astúrias e de Leão , por isso mesmo que tinhão organizado a sua Monarchia á semelhança da dos Godos , não podião seguir diver- so sistema á cerca da publicação das leis , que a necessi- dade dos tempos e dos negócios muitas vezes exigia. Da- qui vem que estas leis erão feitas e publicadas nos Con- cílios Nacionaes, que bem se podião chamar Cortes ge- raes , pois que nelles estava presente o Rei , davão voto os Bispos e os Grandes , e se tratavão os negócios da Igreja , os do estado publico da Monarchia , e finalmen- te » (a) Este can. manda aos Arcediagos , ut juKta sententinm canonicam et lihrum Gothorum , quidquid de facultatibus Ecclesu illiche distraxissent , pro quatuitate cnlp.c persolvercnt. Vejáo-se as Actas deste Concilio em Risco , no Tom. yj. da Esp. Sagr. (b~) Ut Eccíesiasticas híredi tares tricennhtm non includat ; sed unaqua- que Ecclesia , sicut cânones pr<£cipiunt , et sicut lex Gothica mandat (, he a /. 6. Tit. 5. Livr. 4. do Cod. Viúgodo ) omni tempore suas h tes Concílios vierão a ser outras tantas fontes do Direito Ecclesiastico e Civil dos Lconezes , como o haviao sido os dos Concílios Toletanos relativamente aos Godos. No- te-se porém que nas actas dos Concílios desse tempo que chegarão até nós, não se achão vestígios alguns de se ter coarctado a liberdade que as Igrejas antecedentemente ti- nhão de adquirir bens de raiz , ou fosse por doação , ou por quaesquer outros títulos; para prova do que basta apon- tar o cap. 9. já acima transcrito do Concilio de Coyan- ça, e o cap. a. e 7. do Concilio de Leão celebrado no an- no de 1020 , na presença d'ElRei Affonso V. e da Rai- nha Geloira, cujas palavras hirão referidas no Appendice (a). Eu bem sei , que além do Código Visigodo e dos Cânones dos Concílios de Hespanha , se introduzio nos Reinos de Leão e Galliza depois dos primeiros annos do Século XI. huma nova espécie de Leis, muito dessemelhan- tes das antigas leis dos Godos, a que se dava o nome de Foros. Entendo aqui por foros , segundo a descripção que dellcs faz Marina (Z>) , as Cartas expedidas pelos Reis , ou pelos Senhores em virtude de privilegio dimanado da So- berania , em que se contém constituições , ordenanças , e leis civis e criminaes , dirigidas a estabelecer com solidez os communs das Villas e Cidades , a erigi-las em municí- pios , ou concelhos , e a assegurar nellas hum governo tem- perado e justo , e accommodado á constituição publica do Reino , e ás circunstancias dos povos. Comtudo não me parece que desta nova espécie de Leis se possa tirar argu- mento algum a favor da existência da amortização. Primei- ro porque os foros não fazião direito geral , mas particu- lar, e restricto aos communs a que havião sido concedidos > ou a que depois por graça dos Príncipes erão expressamen- Tom. Vil. Part. I. C te (O Vej. App. III. (b} A palavra Foro contem sentidos diversos, que explica Marina, n* obra cit. desde o num. yy. até ao num, Kj, 18 Memorias pa Academia Real te communicados. Além disto, ainda que já desde o anno de ioío. em que Affonso V. publicou o Foro de Leão , no Concilio celebrado na mesma Cidade (a) , se começas- sem a publicar outros foros em vários lugares de Leão c Castella, e também de Portugal (b) ; o certo he que só no tempo de Affonso VII. e no que se lhe seguio, adqui- rirão elles maior celebridade , porque então forão concedi- dos a maior numero de terras , c escritos com mais exten- são do que haviao sido antecedentemente. Quanto mais , que se alguém quizer examinar todos os Foros concedidos aos communs de Portugal , e ainda aos de Leão e Castella , até á morte de Affonso VI. cu fico por fiador de que não encontre nelles vestigios alguns de Lei de amortização (c). Fica pois bastan temente provado , que em todo o tempo em que os Portuguezes forão sujeitos aos Reis das Astúrias e de Leão, não havia obstáculo algum legal para as Igrejas adquirirem bens de raiz: assim quasi que seria escusado mostrar com exemplos , que ellas exercitarão re- petidas vezes o seu direito , adquirindo muitos immoveis. E com effeito se considerarmos a grande multidão de do- cumentos que desde aquelle tempo chegarão até ao nos- so , parte dos quaes forão já publicados pelos Chronis- tas , e parte se conservão inéditos em vários Cartórios públicos e particulares , nada acharemos nem mais anti- go (á), nem mais frequente em todos esses documentos, do que illustres exemplos da piedade e liberalidade dos Reis, dos poderosos, e dos particulares, para com a Igre- ja : concluindo-se á vista delles , que tanto as Cathedraes , como as Parochias , e os Mosteiros adquirião livremente quaesquer bens moveis , e immoveis , e direitos por titulo de compra , de doação entre vivos , e de testamento ; de ma- () Vej. App. XXXIII. (/) Ve|. App. XXXIV. (/O Vej. App. XXXV. (/) Vej. App. XXXVI. (m) Vej. App. XXXVII. («) Vej. App. XXXVIII. (0) Vej. App. XXXIX. (/>) Vej. App. XL. (?) Vej. App. XLI. i6 Memorias da Academia Real Reinos de Castella e Leão, circunvisinhos a Portugal. Mas este argumento por si só tem mui pouca força ; porque além de serem os nossos Príncipes sobreranos independen- tes já desde o tempo do Conde D. Henrique, e pelo menos desde a morte d'ElRei D. Affonso VI ; muitas cau- sas tinhão elles, tanto nattiraes como politicas, para não ad- mittirem no seu Reino o direito peregrino dos Leonezes, e Castelhanos : e estas causas erão as continuas e atrozes guerras que então houve entre estas Monarchias , e a ori- gem e pretexto das mesmas guerras , que segundo o sen- tir de muitos dos nossos historiadores , consistião precisa- mente na pertinácia com que os Reis de Leão querião su- jeitar ao seu império o nosso primeiro Soberano. Em taes circunstancias que influencia podião ter entre nós aquellas Coi tes estrangeiras ? O segundo argumento he deduzido d'alguns diplomas dos Pveis D. Affonso Henriques , e D. Sancho I. que pa- rece concederem como privilegio a algumas Igrejas e Cos- teiros a aquisição de bens de raiz. Porém para haver dis- pensa d'huma lei , he primeiro necessário que essa 'ei exis- ta ; c como se podião dispensar as leis da Amortização, s; não se prova que ellas existissem , e menos que se obser- vassem ? Além disto os diplomas d'E!Rei D. Affonso Hen- riques que se produzem como prova da necessidade da li- cença Regia para a aquisição de bens de raiz , se provão alguma cousa, provão de mais; porque seguir-se-hia del- les que as leis da Amortização erão então mais rigorosas, do que o são agora , por comprehcndercm também as es- molas que se davão aos Mosteiros, e o lucro dos trabalhos que fazião os Monges (a). Mas vejamos de mais perto os diplomas Affonsinos , e vamos notando as suas diversas clausulas , e o modo por que estas se devem entender. Note-se primeiramente que os Reis concedião de novo, ou antes confirmavão , ás Igre- jas (a) Vej. App. XL1I. Siai? «i, das ScieVícias de Lisboa. 17 jas os bens já dantes por ellas adquiridos (a). Ora esra nova concessão , quando se referia ás doações Regias an- tecedentemente feitas, era huma verdadeira confirmação , e do género d'aqucllas que chamamos de Rei a Rei, as quaes já erão usadas desde o tempo dos Reis de Leão , como acima notei ; e a ellas estavão sujeitas não só as doações concedidas ás Igrejas , mas quaesquer outras , e até os fo- raes , e privilégios dos communs (b) : se porem a nova con- cessão se referia ás doações já feitas pelos particulares, en- tão servia só ou para mostrar a religião e piedade dos nossos Principes (c) , e também o direito de tutella e pro- tecção das Igrejas e dos seus bens , que era commum aos Reis c aos Papas (d), ou para confirmar e tornar validas as doações dos bens da Coroa já d'antes feitas pelos Reis, e então de novo transferidas pelos donatários , para as Igre- jas , ou para os leigos (e). Note-se em segundo lugar que muitas vezes não só se costumavão confirmar 03 bens já ad- quiridos pela Igreja , mas também os que ella para o futu- ro houvesse de adquirir , ou por doação Regia , ou por li- beralidade dos particulares : deste modo mostravão os nos- sos Principes ( o mesmo já notei á cerca dos Reis de Leão) o summo desejo que tinhão de que as Igrejas do seu Reino se enriquecessem e prosperassem (f). Note-se ultimamente que huma cousa era a doação ou confirmação de bens de raiz , e outra a concessão de couto , e de di- reitos Reaes , a qual dependia inteiramente dos Reis : don- de vem que muitas vezes os nossos Soberanos confirmavão as possessões Ecclesiasticas , só para o fim de as coutarem , D ii e (rt) Nos antigos Documentos as palavras dare , donare , concedere , si- gnificáo muitas vezes o mesmo que est'outras cmfirmare , reddere , resti- tttrc ; o que já observou Dom de Vaines , Dictionnaire de Diplumaci- aue , palavra Donaúon. (/■) Vej. App. XLIII. (0 Vej. App. XLIV. (d) Sem passarmos do Mosteiro d Alcobaça , acharemos nelle muitos exemplos do exercicio deste direito de protecção Pontifícia. Vej. Index Codicum Bihliotb. yílcobac. pag. 81. e seg. (0 Vej. App. XLV. C/) Vej. AFP. XLVI. 28 Memorias da Academia Real c privilegiarem (a). Examincm-sc pois segundo estes princí- pios os diplomas d'ElRei D. Affonso Henriques , e ver-se- ha que he inútil pretender interpreta-los pela lei da Amor- tização. Passemos agora ao diploma d'ElRei D. Sancho , que huns attribucm ao primeiro, c outros ao segundo deste nome, e pelo qual foi permirtido nos Monges d'A!cobaça suecederem nos bens da legitima paterna ; sem que depois os podessem vender, senão de mandado c beneplácito do seu Abbadc , e só aos parentes d'aquelles de quem havião procedido os mesmos bens (b). Este diploma julgo eu que se deve interpretar não segundo a lei da Amor ização , mas segundo a lei da Avocnga ; porque em virtude desta ultima lei os irmãos, e os parentes erão de tal maneira preferidos aos estranhos na compra dos bens que procedes- sem da parte da sua avoenga , que até lhes era licito de- mandar a cousa já vendida a outros , oíferecendo o preço da venda. Ora este direito de Avocnga , ou de Retracto , ou de tanto por tanto ( porque por todos estes nomes era conheci- do) ainda que primeiro fosse reduzido a escrito por ElRei D. Affonso II. nas Cortes de Coimbra (c) , he certo que se observava muito tempo antes , pelos Costumes dos Poitu- guezes , e dos outros Povos, deduzidos talvez da antiga legislação dos Romanos (d): e sem razão screvèrão os Compiladores da Ordenação d'FIRei D. Affonso V. que a lei d'ElRci D. Affonso II. nunca fora executada em Por- tugal ; porque o contrario se mostra por documentos di- gnos de toda a fé (e). Mas apezar do que fica dito , o certo he que muitas cousas occorrerão no reinado do D. Sancho I. as quaes co- mo que pronosticavão que a lei de Amortização já recebi- da e observada pelas outras Nações , havia de ser em bre- ve tempo transplantada para Portugal. Primeiramente a mes- O) Vej. App. XLVIL (/>) Vej. App. XLVIII. (cj Vej. App. XLIX. 00 Vej. App. L. 00 Vej. App. LI. SiS* cc DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 2) Na Carta Regia á Abbadessa e Mosteiro de Arouca ; e na ou- tra aos Religiosos de S. Domingos e S. Francisco do Reino de Por- tugal. CO Vej. APp. LXII. (d) Vej. App. LXIII. 3+ m.-o»,.. m Ao;;;ai,AosR;:LinK«arcm escrever a historia das íeis uc * ,Q mera0 , mim tas.,me ter demon do que estas ^ aqui cons.sreneu , nem exeeuça ^ f()1 APPEN- s;a>T Otr DAS OCIENCIAS DE LlSBOAt 3J APPENDICE A' MEMORIA. JT ara não interromper a cada passo o fio do discurso com a allegação de autoridades c exemplos , pareceo-me melhor ajuntar no fim da presente Memoria hum Appendice de Documentos , que muito conlirmáo e illus- tráo o que fica dito na terceira e quarta parre delia ; e por attender á brevidade, não ajuntei a integra dos ditos documentos, mas só breves ex- tractos. Estes foráo feitos pela maior parte á vista da amplissima Col- Iccção mandada copiar pela Academia Real das Sciencias , outros a vis- ta dos Originaes do Real Archivo da Torre do Tombo , e outros final- mente sobre varias copias que conserva em seu poder o Sm. João Pe- dro Ribeiro. Appendice I. Doação de Muza e de Zamora ao Mosteiro de Cette , da Era 020. (anno 88z,) reinando Affonso III. a qual se conserva no Cartório do Collcgio da Graça de Coimbra : Sicut lex , et canónica sentencia docet. Inventario de bens do Mosteiro de Vacariça e de Leça , da era 1078 (anno 1040. ) reinando Fernando I. que está no Livro Preto da Sé de Coimbra, a jol. 71 Verso. Expectavit discussinnem judicii , sicut et lex Codorum doect , ubi dicet scriptura , voluntas dejuncti infra VI. mentes puplicetur , et omne quod jactam impkatur. Allude á /. 14. Tu. 5. Livr. 2. do Código Visigodo. Instrumento de desistência da demanda que se tratava no Concelho de Penafidel de Canas , na presença de Garcia Monioni , e do seu saião Abdala Anseriquiz , e de outros juizes , quos lex gotorum solent compro- bare. Foi feito na era 1085. C anno ,0470 no tempo do mesmo Rei; e existe no Cartório do Mosteiro de Pcndorada. Doação de Condísalbo Pelagio , da era 1098. ( anno 1060. ) no tem- po do mesmo Rei , que existe no Cartório da Junta da Fazenda da Uni- versidade de Coimbra : Bum atitem vidit se ipso Condísalbo , quod non avebat qui corpus sum curare , misit verbos per omines sapetores , et docto- res legis , dicentes judices et magistratus , ut non valeat testum , dum testa- tor vixerit. Allude á /. 6. vers. nan si. Tu. 2. Livr. 5. do Cod. Visigo- do. Doação de Egas Mendes ao Mosteiro de Paço de Sousa , na era 1109. (ann. 1071. ) no tempo de Garcia Rei de Galliza , a qual se con- serva no Cartório do mesmo Mosteiro: Qui votum meum inpingere ten- ptaverit , pariet qnadruplatum , seçundum lex concessa doçet, E ii Sen- 3 6 Memorias da Academia Real Sentenç;i sobre a Igreja de S. Estevão de Rilnlo de Mollides , da era iiíp. ( anno 1091.) no tempo de Affonso VI. que existe no Car- tório do Mosteiro de Arouca : Tunc jwsit Alvazir per imitiu it suo Vigá- rio , Cidi Fredariz , que dedissent ipsos jratres sacmm jwamcntum , sicut lex Gothorum ducet. Insttumento de venda feita por Flâmula Eroz ao Mosteiro de Sáo Joáo , na era 1159. (anno 1101.); e outro Instrumento de venda feita ao mesmo Mosteiro por Pelagio Didaci na era 1144. (anno nc6. ) no tempo do mesmo Rei ; os quaes se conserváo no Cartório Jo Mosteiro de Pendorada : Sicnt dicit in lege gotorum in libro V.° ti. II. siitia VI.* de rebns crediti; , vcl per scriptiiram donatis , seu vennndatis. AppenJice II. Carf\ de Inderquina Palia , da era 995. ( anno 957. ) no Livro Pre- to da Sé de Ccir.-.bra , foi. 5}. Sicnt cuim legimus instituta sauentia , qnomodo PrítKtptS nostrl cõnstituerunt , quomodo accesserunt una ciim wtbo- doxis viris illnstris presago spiritu pleni calle rectis proculdubio declarartint , de bereditate propinquis , sen neptis , vel extraneis , aut cujuslibet persone , et unusquisque de rebns snis in omni rebore perpetua Jitmitate babere tradt- re liect. Semelhantes palavras se encontrão na Doação feita por Tructino ao Mosteiro de Vacariça e de Leç3 , na era 10^3. ( anno 1055. ) que vem no mesmo Livro Preto , a foi. 54. Na Doação feita por Unisco e seu filho Oseredo ao Mosteiro de Leça, na era 1051. (anno 1013. ) c em outra feita pelo Presbítero Joio e seus irmãos ao Mosteiro de Vacariça na era ic8i. (anno 1043.) que se achão no mesmo Livro Preto a foi. 74 verso, e 41 verso , vem transcritas (ainda que erradamente) a inscripção , e as palavras da /. 20. Tit. 1. Livr. 4. do Cod. Fisig. Doação de todos os bens moveis e inimoveis feita pelo Presbítero David á Ii;reja de Coimbra, na era 1 176. (anno njo) a foi. 157. do Livro Preto : Quoniam antiquitus ratum est anctoritate sanctorum c/tnotium , jus cuilibet mortali vita comité , de prcdiis suis hereditalibus , atque posses- sionibtis Ecclesiasticas Dei per testamentum ditare ú"C. Appendice III. Can. 2. Prxcipimus etiam , ut quidquid teslamentis concessum et rofah ratum aliquo in tempore Ecclesia ttnuerit , frmiter possideat : si vero nlt- quis inquietare volucrit illud quod concessum est testamentis ( quidquid juc- rit ) testamentum in Conciliam addncatur , et a veridicis bominibus ntrnm verum sit , exquiratur ; et si verum inventam fuerit testamentum , ntdlttm •uper eiim agatur judiciam ; sed quod in eo continetnr scriptnm , quiete pos- sideat Ecclesia in perpetuam. Si vero Ecclesia aliquid jure tenncrit , et inde testamentum non babuerit , frment ipsnm jus cultores Ecclesia juramento , ac DAS SciBNCIAS DE LlSBOA. 37 ik deinde posside.it percnni £vo ; ncc parem tnxccninm jnri habito sen ta.a- mento. Deo etenim fraudem facit qm per trecennium rem Ecclesia rescinda. E no can. 7. Decrcvimtis , nt nullus em/it hxreditatem servi Ecclesu ; qm auttm emerit , perdat eam et prccir.m. As Actas desce Concilio de Leio acháo-se cm Risco, no Tom. jy. da E. S. pag. 540. Appendice IV. Tacs são , por exemplo , o Foro de Naxer» concedido pelos Reis de Navarra Sancho e Garcia, c confirmado por Airbn-o VI. no anno de 1076 ; o de Septempublica ( Sepúlveda ) do mesmo anno de 1076 ; o de Sancto Facundo ( Sahagum ) do anno de 1085 ; o de Lucronio ( Los»ro- fio) do anno de 1005. Vej. Maiina, na obra cit. num. 10$. e-seg. E em Portugal o de S. João da Pesqueira, concedido por Fernando M. e por elle mesmo communicado aos lugares de Knela , e Paredes , e Linha- res , e Anciáo ; o qual Foro resumio e confirmou ElRei D. Affonso Henriques, e depois ElRei D. Affonso II. por hum Diploma que exis- te no R. Archivo, Ma^o 12. de Foraes antigos, n. 3. foi. 14. col. 2 : também o Foro de Santarém , concedido por Affonso VI. no anno de lO.oy. que se acha em Brandão , Mon. Lus. part. 3. Escr. 4. e no Li- vro Preto da Sé de Coimbra , foi. 10; no qual Foro são de notar as se- guintes palavras : Ut babeatis vestras cortes , et omnes vestras bereditates , pire hereditário , vos et omnis posteritas vestra. Et si aliquam gentem de quacumqtte parte non habticritis , bereditetis de ea aliqucm hominem qucmcumqite volueritis, vcl offeratis ca alicui Monasterio : finalmente o Foto de Cons- tancim de Panoias , dado pelo Conde D. Henrique no anno de 1096. re- gnante Jllfonso in Legione; que se pôde ver em Sousa , no Tom. 1. das Provas da Historia Genealógica da Casa Real. Appendice V. Náo ha vestigios alguns da lei de Amortização nos Foros dos lu« gares de Portugal, que ficáo mencioiudos , nem ainda no Foro de Leão, o qual náo só se devia observar nesta Cidade e no seu território , mas rambem na Galliza , nas Astúrias , e em Portugal , segundo a disposição do cap. 8. do Concilio de Coyança. De maneira que todos os Foros al- legados por Campomanez para prova da existência da lei da Amortiza- ção são postetiores a Affonso VI. exceptuando somente o de Sepúlve- da , de que acima fallei , em cujo cap. 23. se prohibe absoluramente que os bens immoveis sejão tranferidos para os Mosteiros por doação , ou por venda. Mas Campomanez quando allegou este Foro , náo reflectio em que tinha havido dois Foros de Sepúlveda , hum antigo e original , escrito em latim bárbaro , e mui breve , o qual foi concedido por Af- fonso VI. no anno de 1076; outto posterior, addicionado com muitos artigos, e escrito em vulgar (Vej. Marina, desde o num. 106. até ao tttttn, 112.); ota a prohibiçáo referida no cap. 25. citado acha-se no se- gundo, e náo no primeiro foro, e por íséo náo pertence já ao tempo cm que Portugal estava sujeito aos Reis de Leão. Hum exemplar do antigo foro de Sepúlveda conseryava-se no Cartório do Mosteiro de Lor- vão 3 S Memorias da Academia Real vão nos tempos de Fr. Bernardo de Brito , e de Fr. António Brandão. Mon. Lus. Livr. 7. cap. 50. Livr. 3 cap. 15. Appendice VI. De todas as Escrituras que chegarão á noticia do erudito Flores, a mais antiga lie o Diploma do Rei Silo concedido ao Mosteiro Sperau- tano na era de 813. ( anno 775. ) , o qual toi publicado , segundo o au- tografo da Igreja de Leão , no Tom. 18. da E. S. no App. Hum pou- co mais modernas são as que até aqui se tem descoberto nos Cartórios do nosso Reino, porque entre as originaes a mais antiga he a doação de Cartemiro c de Astrilli feita á Igreja de Sonosello na era de 908. (anno 870.) reinando Aftbnso III. que existe no Cartório do Mosteiro de Pendorada , e foi impressa pelo Sr. João Pedro Ribeiro , no rim do Tom. 1. das Dissertações Cbronologicas e Criticas. Disse entre as originaes, porque no Livro Preto da Sé de Coimbra, a foi. 180. se enconrra co- pia d'outra Escritura da era de 811. (anno 773. ) no tempo do Rei Si- lo , pela qual os Presbíteros Cagido e Recacis com seus Irmãos e So- brinhos instuirão e dotarão o Mosteiro de S. João de Valeri ( hoje Fre- guezia de S. João de Ver. ) em terra de Santa Maria da Feira. Tanto he certo que os mais antigos documentos que hoje se conservão nos Car- tórios de Hespanha , pertencentes ao tempo de que vou fallando , t ratio de fundações e liberalissimas dotações de Igrejas e de Mosteitos. Appendice VII. Diploma de Ordonho I.° do anno de 816. em Risco , Tom. 34. JE: S. Donamus atque concedimus loca , qv.od est ex nostra proprietate. Diploma de Ordonho II. do anno de 916. em Risco, no mesmo Tom. Offero etiam ex meo Rengalengo . . . omnes has Falésias desnpcr no- minatas concedo ad ipsum sanetnm locam . . . sitie alio herede , et sinc ulla calumnia Regum , vel sajonis . . . sicut ego obtinui , parentes et avios meos olim genuerunt. Appendice VIII. Diploma de Affonso II. concedido á Igteja de Valleposita no anno de 804. ( Esp. Sagr. Tom. 26. ) Si quis infra bos términos pro aliquo homicídio , vel culpa confugerit , nullus etim inde atideat abstrabere , sed salvetur ibi omnino ; et Ecclesia Clertci nullo modo pro inde respondeant. Si vero intra bos términos aliquis juerit interfectus , nec clerici Ecclesix , nec laici , qui ibi fuerint populati , respondeant pro ipso homicídio . . . Pnccipio ut habeatis plenariam libertatem ad incidenda ligna in montibits meis . . . absque ullo montatico , et portatico . . . Monasteria , vel qiix acquirere potucritis , non habcant Kastellaria , aut anubda , vel fossadaria , cí non patiantur injuriam sajonis , neque pro Jossato , neque pro furto , ncqtie pro homicídio , neque pro fornido , nec pro calumnia aliqua. Et nullus sit att- sus inqnietare eos pro fossato , anntibta , sive labore castclli , vel jiscale , vel regale servido. Ou- das Sciencias de Lisboa. 39 Outro Diplomn do mesmo Rei, do anno de 841. (no Tom. 40 da Esp. Sagr. ) Sine omni calumnia RegU voeis , et sine omni servitio , et censu Fiici Regis , vobis eos condonanms , et nullam nobis reddant censu- ram , seu strvitiiim ab hodierno die , sed sint liberi et nbsoluti a parte Re- gis homines in eodem commorantes <ò-c. D'.iqui se vc que ás Igrejas se pagaváo as calumnias ou multas , e os tributos fiscaes ; e que ellas tinhão Saiões e homens próprios , para ditferença dos Saiões e homens do Rei ; o que tudo he muito frequen- te nos antigos documentos. Appendice IX. As palavras concedimus jure perpetuo, ou jure bxreditaiio , et more Ec- elesiastico , e outras semelhantes , occorrem muitas vezes nas Cartas de doação. No Diploma de Ordonho II. do anno de 9 16. cit. noApp. VII. lè-se: Hac omni a supra taxata Aula Sancte Maria decernimus permanere eonfir- mata per omni tempore . . . Obsecrantes in finem , et pwipientes cunctis pvftcris nostris vel comptio verax , ut minime audeat quispiam de bane nos- tram confirmationem injringere , vel dimutare pertemptet , sed perbeniter ma- neai confirm.itum. Outro Diploma do mesmo Rei Ordonho , feito á Sé de Mondo- nedo , no anno de 922. (no Tom. 18 da Esp. Sagr.~) Nec donandi , nec vendendi , nec mutandi licentiam do , intus sit integram , et inconvul sibilem per omnia maneat s.ecula jure prxdicti loci. Appendice X. Afronto II. no anno de 812. confirma á Igreja de Oviedo o que elle mesmo já lhe tinha dado , e o que seu Pai Fruela lhe deixara por testamento , com este fim , ut illi et antecessoribus ejus prosit ad ve- niam , mibi veio et suecessoribus méis ad delictorum indulgentiam. ( Esp. Sagr. Tom. 37. ) Para não amontoar muitos exemplos das confirmações que se dizem de Rei a Rei , só notarei que a Igreja de Oviedo ostenta huma longa serie delias , concedidas por quasi todos os Reis de Leão desde ArFonso II. até Affonso VI. as quaes se podem ler nos Tom. 37. e 38. da Esp. Sagr. Appendice XI. Et mandamus , ut omnes concessiones , quas a qualicumque persona in- génua eoneesu fuerint usque in finem mundi Ovetensi Ecclesij: talem robo- rem et cotum babeant , qtiales habent et nostri concessiones ; et qniaimqne servorum nostrorum voluerit , licentiam babeat dandi Ecclcsix quintam partem sux b^reditatis. Estas palavras encontráo-se em todos os Diplomas de confirmação, concedidos á Igreja de Oviedo ; nos quaes também se de- cla- ST^nr ri 1, 40 Memorias da Academia Real clara fundada esta faculdade na seguinte razão : Omnis homo ex qua'i- cumque Juerit progénie , ijni concessit , vcl concesserit aliqnid huic Sanct£ Ecclesiic , dignam remimerationem a Domino Deo anu sanais et elcctis evo perpetuo recipiat. Appendice XII. Doação feita por Garcia Pelagio ao Mosteiro de Pedroso, na era de 1125. ( anno 1087.) que existe no Cartório da Junta da Fazenda da Universidade de Coimbra : Facio scribturam testamenti de omnibus bonis , qu£ michi dedit Deus , tam in bereditatibus , quam in jamiliis servoram et ancillarum , tn auro , atque argento , in omnique mctallo , in indununto , et in straminibus , in jumentis , et omnium generum pececribus. Doação de Flâmula Honorigiz ao Mosteiro de Pedroso , na era de 1128. (anno 109O. ) no Cartório da junta da Fazenda da Universid?de : Facio scribturam testamenti , . . de omnibus bonis , que michi dedit Deus , tum de hereditate , tum de eclesia , in villa quas vocitant Alquomvim nua ratione , quantum me puta inter Jratres et heredes de tertia de ipsa villa. Doação feita na era de 1141. (anno 1105. ) pela qual Sisnando et soror Elduara , hxredes et possessores de ecclcsia vocábulo sanai Felagii Mar~ tiris . . . dant atque concedunt omnem porcionem suam de ipsa ecclesia , Monasterio de Pendorada. Existe no Cartório deste Mosteiro. Testamentum Domni Suarii Aíenendizi , quod fecit ad sanctuni Tir- sum de ipso canto vcl conmissorio , quod illi fecerat Domnus Hemicus Co- mes cum cônjuge sua nomine Tarasia , et confirmaverat , roboraveratque Re% yídefonsus Catholicus , cum suis omnibus bereditatibus , servis et ancillis , tributis, cunctisque veaigalibus , calumniis omnibus, et servitiis regalibus , vegotiis totis , sicut imperabant ibi Domnis ipsis Regibus nostns tam super suis , quam et super bereditatibus nostris vel alienis , que intus sunt rccln- sis , cum totas fossadeiras , et caracteres , per terminis prediais. Era 11 36, (anno 10^8.) Cartono do Mosteiro de Santo Thirso. Appendice XIII. Doação da era de 0*^1 já citada no appendice I. Nec vimdendi , tiec donandi , neque a Rex , nerue ad Comnide , neque ad Episcopo , neque ad numlo omine inmitendi ; sed sid ea svmper injenua usque m sempiternum , et post parte propinquis nostris. Outra doação de Egeas Trttctesindizi a favor do Mosteiro de Mo- reira, da era 1128. (anno topo. ) no Cartotio do mesmo Mosteiro: Et non do licentia , nec vindendi , nec donandi , nisi ad ipsius luci serviendi. Appendice XIV. Darei poucos exemplos destas imprecações. Doa- DAS SciENOAS DF. LlSBOA. 41 Doação da era 92c. já citada no App. I." Et qtti une facto nostro Itlfritlgere , vel conare tentaberit , rcus út ad sancto comunione separatas , et cum Juda traditore acapi.it participio in eterna daijatione , sint dimersi in bar adro injerni , ubi jiitus et ttlulatus , et auatkema marenata accipiat , et in consptctu domini , et iwn abtant cum dominno in prima reswrectwne resuscitandi , nisi ptreusus ad Ecdcsia , et ab omiti cctwn Christianomm sit alienus. Diploma pelo qual o Conde Raimundo e sua mulher Urraca conce- dem o Mosteiro de Vacariça á Cathedral de Coimbra: era de 1152. ( anno ioj/4. ) Livro Preto da Sé de Coimbra , foi. 40. Si atitem quili- bet Rex aut Ccnus , seu cujuscumquc dignitatts et pountu homo illttd irrum- pere temptaverit , non sit ei licitum . . . Si vero in bac pertinácia perseve- rare veluerit , sit alienus a sancta Ecdcsia Catbolica , et a communione cor- poris et sanguinis Cbristi , et separatus a societate Jidelium Cbriítianomm ; et in bac prtsenti vita det ilii Deus ultionem pio bac sanciona» injuria. Si autitn in bac mala voluiwe tilo presistente mors eum rapuerit , sit diabo- tus duetor illius anime ad mansionem Jude aaditoris domini , ubi perpetuas parcstju: cum eo sustmeat penas. Semelhantes imprecações são frequentíssimas nas Actas dos Concilios deste tempo , como he o de Coyança de 1050 , e o de Oviedo de 1115; nem também eráo desconhecidas dos Godos, como se pôde ver em Caetano Cenni , De Antiquitatibus Ecdcsu Hispana: , tom. 2. cap. 1. ti. 2ç. Além disso encontráo-se a cada passo nas Escrituras de funda- ção e dotação ainda fora da Hespanha , como se vc das Formulas de Marculfo , e de Mabillon , no livr. 1. de re Diplomática. Appendice XV. Diploma do Rei Ranimiro do anno 926. (Esp. Sagr. Tom. 37. ) Pro animx mex , et parem tun mcorrtm , et ipsortim antecessorum meorum re- médio. Doação de Marcos e de Aldosinda a favor do Mosteiro de Olivei- ra, da era 1071. (anno 102,5. ) no Cartório do Real Mosteiro de S. Vi- cente de tora de Lisboa. Concedimtts pro remédio animas nostras , et ideo quia peccatorum mole depresses in spe , fiduciiiqtie , sanctorttm meritis respi- )\n:us , non usquequaque desperatio dejicimus , que sit teste consecicncie , rea- ttti nostro expavescimus , fidemes namque tue pictatis , qtiod te petentibus se- pe promittis , quia úcut de mann tua cepimus , ita licet exigua que dedinms tibi , et ita de tua nimia abundante clemência expectamus , suffragio tribtf lationis , ut pro bec mínima collata pro tuorum sanctorum nobis copiosa eve- niat indulgentia <ò'C. Doação da era 1125. já eirada no App. XII. Fado scribturam testa- menti in bonorem Dei , et pro remissione delictorum meorum. Tom. VIL Part. I. F Ap- 42 Memorias da Academia Real Appendice XVI. Doação de Exemcno e sua mulher Susanna ao Abb.ide e Igreja de S. Martinho, da era 1117. ( anno 1079.) no Livro Preto da Sé de Coimbra, foi. 50 jr. Dum vivinws , facinms aliquid cx facultatula nostra , juiente Domino tribuere , ut ah in Evangelio : facite vobis amicos de ma- mona iniquitatis , ut cum defaeritís , recipiant vos in eterna tabernacula. Et iterum David : vovete et reddite Domino Deo vestro. Et iterum : tua stint etiim omnia , Domine , que de mantt tua acccpimus , damus tibi. Doações da era 1119. 1124. 1125. uç;. no Cartório do Mosteiro de Pendorada. Nano potest Deo placere , qui sponstts ejus est , nisi ipsnm sponsam Dei , videlicet Ecclesiam , digna reverentia honorificet : hergo dum salus hominum pei saneiam Ecclesiam operetur , dignum est , ut eam omnes sttmoptre bonorificemus , muncrilns ditanus , tetrarum donatwnc amplifice- mus , omni gentis dignitatibus ornemus , ut per hujus servitii exhibitiontm in ília celesti possideamus cum sanctis bereditatem. Outra Doação da era 1127. no mesmo Cartório. Audianms Prcpbe- ta , quod dicit , quis ego aut quis populus meus , ut possimus tibi hec uni- versa promittere , adtestantc ipsa propheta , tua sunt cnim omnia , et que de manu tua acccpimus , dedimus tibi. Et alibi dicens : peregríni cnim sumns coram te et advene , dies nostri quasi timbra super terram , et nnlla est mo- ra. Et in Evangelio . . . date et dabitur vobis , querite et invenietis , p:d- sate et aperictur vobis , date eleemosinam , et hec omnia munda erunt vo- bis. Et alibi dicens : ite , vendite omnia que possidetis , et habebitis tesau- Ttim <&c. Appendice XVII. Doação da era noo". (anno ic68 ) no Cartório do Mosteiro de S. Bento di Ave Maria do Porto. Nos Elduaria Sandia , una cum filio meo Sandino prolis Aíobeibiz , nos indigno et pecatoribus cognovimu* in nos peccatis multis et infirmitatibus graves , et timendo ora extrema , et ditm judicio , et morte secunda , et inferno , ff damus et concedimus ad ipso hco ( Sancti Petri de Cesari ) de omnia nostra bereditate , quanta a nobis iene complacuit , pro remédio animas Mostras <&c. Doação da era 1125. citada no App. XII. Aícctim assidue medita tus sum magni judicii terribilem adventum secundam prophete vaticinium : ignis [inquid) in conspectu ejus ardevit , et in cimtitu ejus tempestas valida , advocavtt celos sursum , et ut discemat populum suum. Item per Sofontam de eodem dicititr : Dies ve dies illa, dies tenebrárum et calltginis. His et similibus conturbatus comminationibus , recordor peccasse me super numeram astrorum olimphi , erbarum ut telluris «b-c. Doação de Loderigo da era 11 16. (anno 1078. 1 no Cartório do Mosteiro de Paço de Sousa. Per tnetum mortis , et diem judicii , et pe- nas injeini. Ou- iiaw ^» DAS SciENClAS DE LlSIlOA. 43 Outra Doação da era 1098. citada no App. I. Ut in cunctis dietas omnibns permnnentis notam sit , co quoâ advenit injirmitaí in corpus Coti- disalbtis , ptoiix Pelagio , et Tuta prolix aUo Condisalbo , et ipsa infit- mitas per spirittt innmndc vexatus , a vidit se in opresione gravisime , vo- Imt testare omnia sua rem , vel creditas ad Dco , iro remédio anime sue , et ad Absisterio , quos vocitant Sancto Tirso , ad fratres v.i sorores ad con- tinendo corpus , ad tolorando in vita sua , sic et testavit per scriptum , ut sit eum reliquissent ipsis donúnis de ipsis munestei io , t.im in vita , aut ad mors , ut ipsum testum non valmsset : et in post nwdicttm temptis versevera- vit infirmitas super ipsum Condisalbo Pelagiz , et orrítum Juit ail ipsis do- minis de ipso monesterio , et dimisserunt eum pru ad mors : dum autem vi- dit se ipso Condisalbo , quod non avebat , qui corpus sum curare Zb-c. Doação de Maior Menendizi da era 11 16. ( anno 1078. ) no Car- tório do Mosteiro de Pendorada. Facio plazum ad Monasterio Sancti Jo- hannis de corpus meum , et de omnia mea hereditate . . . et de meo aver . . . taíi pacto , tu me contincaus in vita mea de victum et vestitum , et ego fa- dam vestram operam , qtiam michi jusseritis. Et accepi de vobis in beneficio una moura , que serviat me in vita mea , et post obitum meum veniat ista moura et mea hereditate et meo aver qiiantnm babuerim ad monasterio San; cti Jobannis. Appcndice XVIII. Doação da era ioz.2. (anno 994) no Cartório do Mosteiro de Pa- ço de Sousa. Damus ad ipsum locam . . . ipsas meãs hereditates . . . qwintamque babemus de aviornm vel parentorum nostrorum , etiam et de comparatela , sive de ganantia. Doação da era 1105. (anno ic6y. ) no Cartório do Mcreiro de Pendorada. Ut faceremus testum scripture de omnen nostras hereditates . . . tam de abolenga vel ganantia . . . ad ipsum locum ( Igreja fundada in Filia Joanis ; talvez Santo Estevão de Gião). Outra Doação da era 1119. (anno 1081. ) no Cartório da Junta da Fazenda da Universidade de Coimbra. Facimus Kartam testamenti de 0- mnibus hereditatibus , et de cunctis rebut nostris , de cnnetisque divitiis quas h ibemus , ut st in die mortis nustre post nos aliquod ex nobis non remanse- rit sémen legitimam , deserviant cunae . . . ad locum monasterii ( de Pe- noso ) , si vero ex nobis sémen legitimam remanserit, qui nostra bona ac- cipiat , deserviat integra pars quinta- omnium bereditatum nostrarum , et me- dietas cunctarum Jâcultatum ad snpranominaiam monasierium. Doação da era 1125. citada no App. XII. Ita sane ut ego in vita mea abeam et possideam ea , . . . et post ovitum meum , si ex me fil tis legitime uxnris non remanserit , relinqnam tilam ad integram. Si nntem fi- lius legitime abuertt , abea duas panes, et alia tertia pro anime mce in supradicta monasterio deservia. Outra Doação da mesma cr.i , no Cartório do Mosteiro de Morei- ra. Do atque constestuni ad ipsum locum quinta de omnes meãs heredira- F ii tes 44 Memorias da Academia Real tes . . . sive de parentela , quum etiam et de comptíratela . . . tt de meo argento , et de omnta mea rem t>í. AppenJice XIX. Doação ile Unisco Eriz a Favor do Mosteiro de Paço de Sousa , da era 1150. ( anno 1112.) no Cartono do mesmo Mosteiro. Et int*- pei conpon.it sentencia libri tanonis al> Epneopo , vil jirchtepiscopi , a Co- mitt , vcl a Hcge «£rr. Diploma do Conde D. Henrique com sua n ulher a .Rainha D. Te» resa , da era 1159. (anno 1121. ") em So»iso , tom. I. das Provas da Hismr. Gencai. A^agnus eu titulas donattenis , 111 tjtto nemo potest duetum largitatis irmmpere , nemo extra iegmm jura peripstre ; et in Gotkortim le- gihrts continetnr , tjttatcnus valeat donatio , sicut tt lenditio. No Rego Ar- cliivo existe huma copia deste Diploma , que he de fé duvidosa , ao meoos em quanto a eu : comtudo expressões inteiramenre semelhantes se cnconrráo nhuma Carta de venda da era 1189. (anno llçl.) no Cartório do Mosteiro de Pendorada ; c n'runia Carta de Doação da era 1104. (anno 1 i6tí. ) nhum pergaminho do Mosteiro cie S. Bento da Ave Maria do Porto. Escambo da era 1162. (anno 1124.) em outro pergaminho do mes- mo Mosteiro. Hcctontrawut/itio jÁgáa w.aneat fiimas et deconvulsas , sicut in libro jrtdttiaie eu dccrttmn , ut 8«W« comramuMtio mdio modo repetatur ad contram/ttatoix. Semelhantes p., lavras se encontrão em cintas duas Escrituras de escambo da era 1176. no Cartono do Mosteiro de Pen- dorada , e da era 1 2 1 ;. no Cartório do Mosteiro de Moreira. Doação Aftmicuih , filho fgc|66. (anno iiíB. ) no Cartório da Junta da Fazenda da Univer- sidade de Coimbra. Et ipmn Ustamemum ctan Eciesia coirpotat , sicut cânon de talibtts pionuntiat. Carta de doação e de couto concedida por ElRei D. Aftònso Hen- riques ao Mosteiro de S. Salvador da Torre , da era 1167. (anno H29-) no Cartório do Convento de Santa Ctuz de Vi una. Et si aliquis . . . hoc factitm . . . inrrttmpcre voiuerit > . . . illi motiasterio , vcl (]tú vocem suam pulsavcrit , os sólidos pariat , et Jiegte potestati tjuod líber judicum precipit. Semelhantes palavras se encontrão em outro Diploma do mesmo Rei concedido ao Mosteiro de Tibáes , da era 117}. no Cartório deste Mosteiro. Doação de Pelagio Alvitiz ao M»sreiro de S. Christováo , da era ii7y. (anno H4t.) no Cartório de S. Bento da Ave Mari* do Porto. Sicut in decretis Pontifcum continetnr. Escritura d» era 11 04. (anno 1 156. ) no Cartório do Mosteiro de Vai- *ia«0 idas Sciencias t)iE Lisboa. 45- V.iirío ÍDeniqtK lexcanvt gotõitmt , til rem donatam si presetf-ibus tradita pie- ■rit , tmlh 'nu/iiv rvpMUt$fr a donaiore , s;d -per teuei et per scripmram con- vmcit. ■.SwiBc.ró.-inres e.vpr-essóeo se «ndontráo n'huma Escritura do Abba- «áe -ào Mosrci-ro "íle Porobeíro 'e de outros , da era 12CO. no Cartório «teste M«s(*ii»o. Carta de liberdade, da era 1225. ( anno 1187.) no Cartório do Mos- reiro de Vairáo. Et insicper- 'Miifjiro vos jnltices vel seniores, CHJUS potestas fuit judicandi , ut per iscam Kartidam ingenuitatis affirmetis , ff ejus você mstpatis *, •« do Convite de Thortiar. Ha- òitntores fpwts c-astvi jure a vwrduts de Sanctarem numtur. J«í»ime»w» dado pelo Conde de Bolonha D. Affònso, depois Rei de Portugal tercei»© do nome, em Pariz nó anno ée 1245 cni Perer- ra , no Tratado De Manu Regia, part í. p.ig. 318. e na Aíonomachia , pag. 70. Observabo , et fadam eWrvrt»! boms constietudines , seu foros scri- ptos , et non scriptos , quos babuemnt cttm avo , et proavo meu. Carta do mesmo D. Aífbnso III. Rei de Portugal concilio et alcai- dihts de Freyxeno , dl era 1286. (anno 1248,) no LiVr. 2. das Doações do dito Rei , no Real Atchivo , jol. it. Sei ali s , qnod ego concede , et do vobis veftros foros , et vestros costumes , et vestias cartas , sieut mditts ha- bnisih in tempore #vi mei Regis dcmmi S. Semelhantes palavras se en- comrão n 'outra Carta do mesmo Rei concilio de Gardia , da era 1202. ( anno 1254. ) no Livr. 1. das Doações cit. Jol. 7. Appendice XXÍ. Diploma d'ElRei D. Affonso Henriques da era néP. (anno 1130.) concedido ao Mosteiro de Tarouca por elle fundado e dotado ; no Car- tório do mesmo Mosteiro. Aios quipe est omnibus servientibiis Domino , aliqnid sue factiltalis tribuere propter Den»t , nnde clementer cum sanctis , tt electis ponionem accipiant. Diploma do mesmo Rei da era 1180. (anno 1142.) pelo qual con- cede todo o Ecclcsiastico de Leiria ao Mosteiro de Santa Cruz de Coim- bra ; no Real Archi*o , Maço 12 de Fordes antigos n. 3. Proprimn est ntJHique viri ingeiwitatis titulo decor,iti , de propriis posscsiionibtis propriam expiar voluntatem Denique R'ges et presidem nc magistrattis twn só\::m ad- jaetntia lota Deo et sancte F.cclesie absque necessitatê nibneriint , sed ciiam ipsi propria hirgiti snnt per tmiversa Regna terrainm , nnde akrentrir agen- tes , qtà in mundi nibtl pàssidebant , Ècclesieque fabricarem tir , atqne res- tam arentttr . De quibtts vir reltgwsissimNs Constantintis primtis , fidem veri- tii- óiid tu 46 Memorias da Academia Real tatis patcntir .uicpttts , licentiam ãeáit per univcrsnm mundum in suo decen- tes impa io , fabticandi Ecclesias , et predia et subsidia tribttenda constituiu His excwplii pienwnitus <ôc A primeira sentença deste exórdio , expri- mida pelas mesmas pal.ivras , acha-se confirmada com as Leis dos Godos em oiuio Diploma d\ujuelle Monarcha , da era 1184. ( anno 1146. ) no Keal Archivo , Maço 11 de Foraes antigos n. 3. Appendice XXII. Do Concilio de Leão de 11 14. faz menção Risco no Tom. 35- da Esp. Sagr. a pag. 352. As suas Actas perderão se , mas existem os summarios dos capítulos entre as Actas do Concilio de Compostella ( Vej. a Historia Compostcllaiia , Livr. 1. cap. 101. ), no qual Concilio se man- da observar por quasi toda a Hespanha , e nomeadamente em Portugal e Galliza , o que se havia determinado no de Leão. Também existem as Actas do Concilio de Compostella na Carta que o mesmo Concilio escreveo ao Bispo de Coimbra , a qual se acha no Livro Freto desta Cathcdral , a foi. 242. Ora o resumo do can. 1. do Concilio de Leão he o seguinte: Ut Eccíesiis Dei, tarttm rebus , et Miniitris nttllns iãicns vhlentiam ali.juam fac.re premmat , et bereditates et testanwnta eisdem Ec- cíesiis integre restittiamur que injuste ab eis ablata sunt. Appendice XXIII. O argumento deduzido dos antigos Costumes do Reino , nunc2 seria bastante para provar a existência da Amortização nos primeiros três Rei- nados ; por que não foi nesse tempo que se reduzirão a escrito os que hoje existem , mis posteriormente ; e quando pelo tempo adiante se col- ligirão e reduzirão a Caderno* , não se guardou a ordem Chronologica , e até se lhes fizerão acerescentamentos e emendas ; de maneira que não se pôde hoj.' liquidar quaes são os primitivos, quaes os posteriores : a pe- zar disto não duvidei artirmar que os Costumes antigos não prováo a existência da Lei da Amortização ; o que digo espacialmente a cerca dos de Santatem , S. Martinho de Mouros , e Torres Novas , que eu exa- minei com muita reflexão, quando cuidava na edição do Vol. 4.° dos Livros Inéditos de Historia Portti^ueza : existem estes e vários outros cadernos de costumes no Real Archivo , nos Maços dos Foraes antigos. Outro tanto direi dos Costumes geraes do Reino , que vem transcritos no Livro das Leis antigas (no Real Archivo), e começão pelas pala- vras : Estabeleoudo be , ou Costume he , Costume be geral , Costume he en casa dei Rei é-c. Appendice XXIV. Doação da era 1180. (anno 1151.) no Livro Preto da Sé de Coim- bra , a foi. 1 3 f. Teítamentum Sedi Colimbriensi Sanete Marie facio de tercia omni parte mee domns . . . et tercia similiter parte illius vinee . . . et de tercia parte tocius mee bereditatis . . . et de alia nua tercia parte meorum casaliunt . . . preter uniim casalc quod meo nepoti dedi . . . et de tercia parte duorttm casalium . . . et ex omni torcia parte mobilium rerttm post obitttm tneuiu inventarum miebi pertinentium. Doa- DAS SciENCIAS D E L I S B O A. 47 Doação de Durão com sua mulher Mayor Peiri ao Mosteiro de S. Jorce , da era 12 15. ( anno 1177.) no Cartono do mesmo Mosteiro. D/l- mus et eoncettamus ad Monasterio Sancti Georgii temam partem de quan- uim habenms , et quantum poiuerimus babere , tam mobiles quam imntwiles , post mortem nostram -ú-c. Doação ao mesmo Mosteiro da era 1217. (anno 1179. ) no Cartó- rio da Junta da Fazenda da Universidade de Coimbra. Sed si forte Ínte- rim tio nubsero legitime , et filins legítimos habuero , teniam partem de ipsa mea bereditate mecttm ad Monastermm veniat. Appendice XXV. Foral de Soure da era 1149. no R- Archivo Clerici Sauri habeant honorem militam in vineis , et terris , et domibus. Foral de Santarém da era 12 17. no R. Archivo Et Clericus babeat fórum militis per totum. Com estes concordáo outros Foraes deste tempo , que existem em outros Cartórios ; como hc o de Coimbra da era 1 149. no Livro Preto desta Cathedral , a foi. 9 f. Clerici Colimbne habeant morem et honorem militam in vineis, et terris, et domibtis. E o de Viseo da era 1161. no Archivo desra Sé. Clerici atitem , qtii in civitate moraverint , codem modo habeant suas bereditates per suum Clericatum , sicut et milites per suam mi' lutam. Appendice XXVI. Diploma da Rainha D. Teresa concedido ao Mosteiro de Vilella , da era 1 \66. (anno 1128.) no Cartório deste Mosteiro. Do et dono quan- twn ego babeo intus istos términos totó ab integro, pro nmedio anime mee , et pro amure Dei ommpotentis et Sancti Stephani ; si creditates , cómodo homines , cómodo et você regalia , nt de odie die si nullus orno per vim ali- quid tullerit , aut intus istius terminis dirruptam fecerit , quisqtiis ille fue- rit , qui talia comiscrit , in primis sede.it excomunicatus , et a corpore et sanguine Christi separatas , et cum Jada Domini traditore abeat penas in eterno báratro , et lepra a vértice capitis usque ad planta pedis ix. Diploma d'RlRei D. ArTonso Henriques ao Mosteiro de Ceiça , da era 1213. (anno 1175.) no Cartório deste Mosteiro. Do igitur atqtte concedo quicquid infra cauti términos ad regale jus pertinet : hereditatem sci- licet , et vocem , et calumpniam , et omne quod ad utilitatem prefate eccle- sie , et jratrum ibidem commorantitim invemri potest. Diploma d'ElRei D. Sancho I. da era 12;?. (anno 1195.) no Car- tório do Mosteiro de Ceiça. Facio cartam donationis vobis D. Mcnendo slbb.tti Jlcubatic et conventui vestro , de illa bereditate que vocatur Barra. Hanc hereditatem damas Alonastcrio de Scicia jure hereditário in perpe- tuam habendam . . . ita tamen quod rnstici qui modo ibi morantur , ha- beant 48 Memorias da Academia Real bcant suas bereditates cultas , quas mnic ibi babent , et Monasterio jura tila persolvant , que nobis persolvere solcbant. Nos Extractos seguintes se aclarará ainda mais este assumpto. Appendice XXVII. Diploma d'ElRei D. Aflbnso Henriques, que concede o Mosteiro de Santo Thirso de Meinedo a Ugo Bispo do Porto: era 1160. ( anno 1131. ) no Censual desta Igreja. Facto testamentttm . . . de hercditate mea própria , quam hako in terra de Sarna , per successionem parcntum meo- rum e avorum , id est , Monasterium de S,n:cto Tbirsso de Mejncdo , vobis D. Ugoni Episcopo Portugal, et Ecclesi: só com a differença de consistir a pensão annua não na ametade , mas na quarta parte dos fruetos. Até aqui pelo que diz respeito á Emphiteusis perpetua : em quan- to á temporária , a que sé concedia só durando a vida do Eniphiteuta ( e a esta chamaváo os antigos mais propriamente Plaznm ) era huma es- pécie de contracto não muito dessemelhante aos chamados Prestamos, ou Prestarias ; o que mosttáo os exemplos seguintes. Plazo de Egas, Abbade do Mosteiro de Pedroso, com os seus Fra- des, leito a Maria Garcia, mulher de Pedro Oliver , de hereditate nos- ira própria , qua bab/tit pater vester per presumo de boc monasterio . . . Jta tamen damtis vobis ipsam bereditatem , ut babeatis illa in vita vestra , ff pottea a semine vestro liber remaneat in boc Monasterio. Vernmptamtn bec est beneficia illa , que vos in boc monasterio pro boc promittitts face- re , que in bis commttms litteris nostris ac vestris debes sonare. Promiui- lis ex bine beres et coadiutor httius mon.tsterii fieti , et corpus vestrum in eo sepeliri. Facta Carta firmituinis era 1 1^4. (anno 1156. ) No Cartório da da R. Fazenda da Universidade de Coimbra. Ego Alfonsm Tructesindiz , Priori Aforarie , una Canonicis méis , fa- cimtts vobis Pelagio Garcia , et nxor vestra Maria Algimiriz , plazo de ipso kflsal . . . pro tali pacto , ut babeatis vos ambos in vita vestra us- qut ad hobitum ; quidquid remamserit , bnbeat illtim et reddat ettm ad mo- nasterium , et vos jaciatis in monasterium ad bobitum vestrwn , et qui re- manserít de illis , si pottterit se continere in suo casal , sin amem dimittat eum ad monasteritim , et nos contineanms ettm vel eam de victu et vestutt íd-c. Facto plazo in era 1108. (anno 1170.) No Cartório do Mosteiro de Moreira. Ap- alia Ol DAS OCIENCIAS DK LISBOA* 5:3 Appendice XLI. As Precárias , e Prestarias , cujos formulários se acháo em MarcuI- fo , e em outro» Autores amigos , eráo de diversos géneros. No Appen- dice precedente ja dei exemplos das cjue eráo concedidas por liberalidade da Igreja : havia porém outras i]uc crouxeráo grande copia de bens ás Igrejas e Mosteiros, ás quaes os nossos antigos não chamaváo precárias, mas testamentiim , ou contramutatio ; vindo assim a ser desusado por el- les , não o conttacto , mas a denominação que este tinha em outras par- tes. Vejamos dois exemplos. Cbarta testamenti Susaimc , facta sedi Cotittbritnsi de omni hereditatê in Avelanal ; t.ili pacto , ut semper poTsifkUm iilam in nica vita , et ti- lam i]ittim emistis de meo marito : ita tam.n ut in unoquoque anno dem inde vobis Canonich ibidem tbmmoraniibus unam fogazam , et unúm ape- rtem , et de hereditatê que fuit mei mariti sextam partem fructtmm per sol- vam : et post mortem meam , mea hereditas , et Ília quãm emistis a vira iihu , absqtie ulla contradictione sedi Saneie Afarie nmãneat. Era 122O. (anno 118:.) no Livro Preto da Sé de Coimbra , foi. 25}. Da mesma era existe outr.i Carta contramutationis no Cartório do Mosteiro de Pendorada , cm que se lc esta clausula: tali pacto, ut tenea- tis ambos illos casalcs nóítrum et vestrum in vita vestra ; et post obitum vestrum veniant simul cum co'pore vestro et cum beneficiis vestris ad monas- terium sancti 'Jobannis stne ulla contradictione. Veja-se no Decreto de Graciano o can. 4. Caus. 10. Qtteit. 2. e a nota de Boehmero ao mes- mo can. Appendice XLII. Diploma d'E!Rei D. Aftbnso Henriques concedido a Joáo Abbade de Castro ; em Brandão , no rim do Tom. 5. da Afonarch. Lusit; Man- do ei etiam , et concedo ad Monasterium jupradictum , ut babeat et pus- lideat in pr.ee omites hereditaus , et possesstones , libertates , domos , ter- ras , vineas , ortos , et tnolendinos , pascuis ac aldeolis , popttlatas vel nott populatas , donationes , eleemosynas , quas fecerint ad monasterium supra- atetnm , vel qtiecumquc comparaverint , aut laboraverint , aut plantaverint , a;U hereditaverint , aut alio quocumque modo habuerint , totum isti* ei do et concedo propter amoran Det , et remédio anime mee ; et parentum vieo- rttm. Et cauto illud monasterii supradicti <ò'C. Diploma do mesmo Rei , concedido Procuratori , sen Priori et fratri- bus Hospitalis saneie Civitatis fbtrúsaltm \ transcrito por Figueiredo, No- va Hist. de Malta , Ed. 2/ Part. I. §§. 46. 47. 56. Fatiam canam tes- tamenti , seu firmissimi catai . . . de omnibus illis , que usqúe ad diem is- tum vel ab oitis adquesita pcswdistis , ff de hiis que ab hodierno die de meo consensum vel conulio bnnorumve viiorum adqutsiveritis tã de ecclesiis , quam de viltts , de herediia:ibus , de redi:ibus , de setvis , de ancillis , de iunioribiis, et de quibuscunque personis régio domínio subjugatis , in vestris cautis, vel hereditatibtts , vel ecclesiis motamibus . ) no Cartório do Convento de Santa Cruz de Vianna. Cautum facio ad ipsum Monasterium de Sancto Salvntore de Turre , pro remédio anime mee , tt pro pretto qtiod accepi de Pelagio Pelais , ttt serviret inibi per spatium tritim annoium citm suis múnilus sine soldada ; et pro duobus equis qiws de- tlit inibi Suarius Goterres , pretiatos in duos et Ixxx. modios , et pro alio tquo , quem dedit inibi Pelais Guterres <&c. Outro Diploma do mesmo Rei da era 1179. (anno 1141.) no Car- tório do Mosreiro de Paderne. Facio cartam ad bonorem sancti Salvaté- ris et sancte Marie Virgims de monasterio Paterni . . . pro remédio anime mee , et matre mea , et parentum meorum , et pro servitio quod mihi Jecit dona Ilvira Sarrazeni , abbatissa ipsi monasterii , servitio scilicet decem equas tum shos filios , et triginta modios de vino , et unum equum apretiatum in quingentos soldos , et centum áureos : istum pretium et servitium fuit datum , quando tomavit dominus rex castelltim de Laboraria. Appendice LIII. Innocencio III. n'huma Carta a EIRei D. Sancho I. que »e pôde ler em Baluze , I.ibr. 14. Reges!. Ep. 8. entre outras cousas que lança em rosto a este Soberano , refere as seguintes, fpsos (Clericos) in exer- citum tecum trahis , cisdem injurias , et opprobria multa inferens , et gra- vamina . . . Tu qu a Ac a d e a : a herdades que hum \ c que sccry.i nosso serviço de mandarmos que se títm fi- ztsK ; mayomtmti que as Egicjas tcem tantas herdades, que as nom podem aproveitar , t desprccm , e fazem se matos ; e que sceria nosso servido de setrem dadas pelos nossos sesimiros a alguús que as aprofeitassem : ji^spon- demos que scena contra dereito e contra tazom de poermos defesa que nem hum nom podi>^' leixur herdade d Egreja. E quanto he em razom das herdades que dizem que nom som aproveitadas , mandamos aas justiças hu essas herdades forem , que jrontem e requeiram esses clérigos , que as apro~ jciíem , e que Ibcs asúgnem tempo a que comecem ; c que se o nom qtiizerem fazer , que nolo enviem dizer pela guisa que he contheudo no primeiro irri- go, que falia em razom das casas dos bispos, meestres , priores, e abbades. Appendi.e LX1II. Diploma da era de 1315. ( anno 1287.) pelo qual EIRei D, Diniz concede a Pedro Durão , Abbade de S. Joáo de Pendorada , que pos^a desfrutar durando a sua vida as possessões que tivesse comprado ( com tanto que a compra fosse feita antes da publicação da lei); ficando obri- gado a traspassa-las por testamento ou por outro qualquer titulo a pes- soas leigas , e não a Clérigos , nem a Monges. Está no Cartot.o do Mosteiro de Pendorada. Outro Diploma da era 1526. (anno 1288.) em que o mesmo Mo- narcha probibe aos Tabelliães fazerem escrituras publicas de doações ao Mosteiro d'Alcobaça , não sendo para anniversarios , ou para esmola; e de maneira que não contraviessem á lei que prohibia aos Clérigos e Monges a compra de quaesquer bens de raiz. Está no Cartório do Mos- teiro d'Alcobaça. Outro Diploma semelhante a este da era 11 30. existe também no mesmo Mosteiro. Escritura de venda feita ao Mosteito de Lorvão na era 1325. (anno 1201. ) que faz menção d'exptessa licença Regia concedida ao Mosteiro para fazer a compra. Existe no Cartono da Junta da Fazenda da Uni- versidade de Coimbra. Escritura da era 1349. (anno 1311.) pela qual a Abbadessa de Vai- ráo se obriga , em execução da Lei , a vender dentro de anno e dia a herança que pertencia ao Mosteiro por morte d'huma sua Monja. Está no Cartório do Mosteiro de Vairáo. Diploma da era 1349. (anno 131 1. ) pelo qual EIRei D. Diniz permitte á Abbadessa de Tarouquella , que possa deixar ao Mosteiro hum prédio que ella havia comprado : para capadura das donas , pêra hyrem aas matynhas , ca he o logar muy frio. E declara que aquella compra fora feita com licença Regia , e com a clausula de ser transferido o prédio para pessoa leiga depois da morte da compradora. Está no Car- tório do Mosteiro de S. Bento de Ave Maria do Porto. OB- SUMT OT DAS SciENClAS DE LlSBOA. 6l OBSERVAÇÕES METEOROLÓGICAS Feitas na Cidade de Lisboa no anno de 1817 , acompanhadas da relação dos mais notáveis succcssos acontecidos em di- versas Regiões , oferecidas d Real Academia das Sciencias. Por Marino Miguel Franzini. N( o anno passado , pela primeira vez , tive a honra de offerecer a esta illustre Academia , o Diário das observações Meteorológicas de 18 16, no qual referi o systema que ti- nha adoptado na sua redacção , reunindo aos Mappas men- saes hum resumo histórico dos mais notáveis fenómenos acontecidos naquelle anno , nas principaes regiões do Glo- bo. Esic trabalho , que a Academia honrou com a sua ap- provaçuo , não offereceria úteis resultados , se não fosse con- tinuado annualmcntc ; e por isso hoje proseguirei com a leitura da serie das observações relativas ao anno de 1817, mui fecundo pelos seus variados acontecimentos. DEZEMBRO DE 181Í. A constituição começada a 24 de Novembro durou até ao dia 4 deste mez , em que aconteceo a lua chêa , dominando os ventos do quadrante NE. com a atmosphera mui clara , ar seco , e o Barómetro elevado. Dia f. — O ponto lunar, que hontem se verificou, mudou a constituição , passando a dominar os ventos do quadrante SO. com a atmosphera densa e chuvosa , ven- tando mui rijo deste mesmo rumo, nos dias 12 e 13, sem que 6z Memorias da Academia Real que esta circunstancia fizesse descer o Barómetro , que se conservou na altura media de 29,p 70 Memorias da Acade M;* a R e a l tcira de Navarra, onde acontecerão ox maiores estragos, sendo neste distrieto a pequena Cidade de Arnedo a que mais soffreo. O dia 18 tinha alli amanhecido claro e sere- no ; mas ás 10 horas c i da manha se levantou de repen- te hum vento frio e impetuoso do NO. ; o qual encheo o horisonte de nuvens grossas e escuras , diffundindo huma medonha escuridade. Assim permaneceo a atmosphera du- rante hum quarto de hora , passado o qual se ouvio o tro- vão subterrâneo , precursor do horroroso fenómeno , que abalou ao mesmo tempo todos os edifícios , muitos dos quaes soíFrèrão grandes estragos. Na villa de Prejano , dis- tante 2 legoas de Arnedo , foi tal a ruina , que de 200 casas, de que constava, apenas ficarão 16 cm estado de se poderem habitar ; e em Arnedilho , que dista outras 2 le- goas , ficarão arruinadas varias casas , cheias de penedos vá- rios dos seus formosos campos , e quasi destruídos os seus excellentes banhos mineraes. Em Calahorra sentio-se o tremor á mesma hora , re- petindo-sc com fenómenos similhantes , que causarão pre- juízos mui notáveis aos edifícios. Ao momento que come- çarão as oscillações , passou o vento do NO. para Leste , e o Ceo se encheo de espessas nuvens , que só se dissi- parão ás 2 horas da tarde. Em Logronho foi igualmente mui violento o abalo. Nos outros sitios da Rioja , Castella , Navarra , Pro- víncias Vascongadas , Aragão e Catalunha , aonde o terre- moto se sentio , foi este pouco sensível; podendo-se dizer, que fora diminuindo a sua intensidade á proporção que o terreno se affastava de Rioja. Em Santander, Palencia , Madrid , e Saragoça pouco se sentio , e muito menos em Cuenca e Barcelona , ao mesmo tempo que foi mui sensí- vel em Arguedas , Masquina , Haro , Ordunha , Pamplo- na, e outras povoações. Em Albarracios , Cidade do Reino de Aragão , situada na cordilheira de montanhas , que pelo occidente sepárão este Reino do de Castella , e distante mais de 60 legoas de Arnedo , foi bastante sensível , e cau- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. Jt causou alguns danos em vários edifícios; tendo occorrido a particularidade de que em huma fonte de aguas cristalinas t immediata á povoação, se notou huma espécie de fervu- ra extraordinária , lançando a fonte durante hum quarto de hora a. agua summamente turva , e de máo cheiro. Logo que cessou o tremor , cobrio-se o Cco de nuvens , e houve huma forte chuva de pedra que abrangeo mais de huma le- goa do terreno circumvisinho á Cidade. Também he para notar que em todos os sitios da Rioja e suas visinhanças, se repetio o abalo depois de hum quarto de hora , o que não suecedeo nos mais distantes; que em muitos daquelles, como em Iran , se sentio logo que cessarão as oscillaçóes , e durante alguns minutos , hum grande calor , procedido de hum Yapor subterrâneo ; e que em algumas partes , co- mo em Ordunha e outras, granizou depois, e em outras finalmente , como em Pamplona , nevou copiosamente. No dia 22 pelas n horas da noite houve repetição do tremor em quasi todas as mesmas paragens; porém foi geralmente muito menos sensível. No mesmo dia 18 pelas 3 horas e i da tarde ouvio- se em Agen , e nas terras circumvizinhas hum grande ruí- do , que parecia vir da parte meridional da atmosphera , e que fez huma explosão similhante á que houve a 5 de Setembro de 1814, seguida da queda de alguns Aerolithos nos districtos Castclmoron e Mondar, daquelle Departamen- to. Depois da explosão acalmou o vento que soprava bran- damente do N. , e ouvio-se por mais de dois minutos huma continuação de detonações mais ou menos estrondosas , cujo foco se dirigia para Leste , estando serena e limpa a at- mosphera quando se ouvio , sem se ver este meteoro. He bem notável , que neste mesmo dia 1 8 ao anoi- tecer se sentio hum forte tremor nos arredores de Frascati e de Gensano , nos Estados Pontificios , sendo fraco o pri- meiro abalo ; porém muito violento o segundo acontecido ás 10 horas da noite. A secca , que continuava a reinar em todo Portugal , Hes- yi Memorias da Academia Real HespanliLi , c Costa d' Africa , abrangia igualmente os Depar- tamentos meridionaes da França , ao mesmo tempo que as grandes chuvas , que cahião nos Departamentos septentrio- naes , e o derretimento das neves da Suissa fazião trasbor+ dar os rios, alagando-se os campos de Paris, Lyão , Stras- burgo , e de outras muitas Cidades. Em Marselha por mo- tivo da secca , antecipou-se de 6 semanas a rega dos cam- pos, que tem direito as aguas do rioHuveaume, tomando* se medidas para obviar o perigo de se verem seccar os cha- farizes daquella Cidade providos pelo sobredito rio. No Tyrol Occidental , durante este mez , cahírão das serras situadas nos contornos de Sinstermuntz , grandíssimas massas de gdo , que causarão muitos estragos ; chegando até a fazer suspender o curso do Inn , do que se seguirão muitas innundaçóes. Em Lafair.sch toda a estrada ficou co- berta de gelos despenhados , acontecendo o mesmo nas es- tradas do Tyrol , Voralbcrg , e paiz dos Grisões. A cahida das neves continuou a causar terríveis estra- gos nas terras altas dos Grisões. Em Meyen , no Cantão de Uri , ficarão sepultados dois homens debaixo de huma destas enormes massas , e outra chegou a ameaçar toda a aldeã de Realp. A passagem do S. Gothardo fechou-se. Em Nanders no Tyrol encheo a neve a hum valle na altura de algumas braças,, e em Ischgel , no Piazgan , forão destruí- das 21 casas, e mortas 10 pessoas. As aguas do Sena só começarão a baixar no dia 16 deste mez ; e em S. Maló forão tão crescidas as marés , que os seus moradores dizem não ter visto outras iguaes. As aguas entrarão tanto pelos campos do districto de Dol , que os lavradores se virão obrigados a refugiar-se nas arvores e nos telhados das casas. Pelo que acabamos de ver se conclue , que foi este o mez mais critico para huma grande parte da Europa , sof- frendo-se em diversos climas duas oppostas constituições ; a parte meridional experimentou huma terrível secea, acom- panhada de muitos tremores , ao mesmo tempo que na se- das Sciencias de Lisboa. 73 scptcntrional havia copiosas chuvas , c fortíssimas marés. O calor antecipado da estação, na Suissa , e Itália derreteo as neves qtae vierão engrossar os rios, e augmentar os tras- bordamentos. ABRIL. A 8 apparccêrao os ventos de SE. com alguma chu- va , que neste dia , e nos dois suecessivos subio a 0,04 de palmo; seguindo-se-lhe nos dias 11 e 12 ventos mui ri- jos de E. e NE., que danificarão as arvores de fruta, e as vinhas mais expostas áqucllc quadrante, não só por sa- cudirem as flores , mas também porque esfriarão sensivelmen- te a quente temperatura que antecipadamente apparcceo : valeo porém ser de curta duração. Nos últimos nove dias do mez dominarão ventos mui variáveis com o Ceo toldado , e algumas brandas chuvas alternadas. Ainda que em todo o mez cahírão somente 0,09 polle- gadas de agua , quantidade mui diminuta para n.sarcir ;\ grande secca, que começou a 21 de Janeiro, todavia a cons- tituição da atmospherà não deixou de ser favorável á vegeta- ção , encubrindo-se o Ceo, e apparecendo alternadamente! as brandas chuvas , de que fizemos menção. A frescura que espalharão avivou a vegetação já mui desfalecida pela fal- ta de humidade. As arvores continuarão a prometter grande abundância de frutas, inclusive as oliveiras, que poucas ve- zes se tem visto tão enfeitadas de flores. A temperatura média deste mez foi 70 mais quente que a do anno passado , igualando a temperatura do mez de Outubro deste anno. A 1 1 de^tc mez pelo meio dia sobreveio de repente em Ath nos Paizes Baixos, huma horrivel borrasca acom- p.mhada de raios, que incendiarão o campanário da Cathe- dral. A 19 ao meio dia levantou-se hum vento violento em Munich , o qual pelas 4 horas da tarde veio a ser hum ver- Tom. VIL Pari. I. K da- 74 Memorias da academia Real dadciro furacão. Obscureceo-se o Ceo , e com alternativas de chuva e saraiva , trovejou com muita força , continuando a borrasca pela noite dentro , com a particularidade de que pelas 6 horas cahírão muitos raios, os quaes ameaçár.lu quei- mar diversos edificios. MAIO. No principio deste mez começarão as chuvas, que con- tinuarão alternadamente até ao fim , produzindo na sua to- talidade a avultada quantia de 0,52 palmos, pelo que foi este o mez mais chuvoso do anno. A 17, 18, e 19 sopra- rão com muita violência os ventos de SO. , acompanhados de muita agua e trovões ; porém as chuvas já não poderão utilizar ás sementeiras que estavão na terra ; mas tendo hu- medecido os campos, facilitarão a sementeira dos milhos, fazendo renascer nos lavradores a esperança de que esta pro- ducção os indemnisaria das perdas experimentadas nas ou- tras, que parece não terem excedido na nossa Comarca a hum terço da colheita mediana. A temperatura média do mez foi mais fria que a do antecedente de hum grão , pelo que só excedeo em dois gráos á de Novembro. JUNHO. Em geral decorreo este mez com huma temperatura fresca e húmida , ainda que falta de chuvas , pois apenas cahírão 0,027 de palmo de agua em alternados chuviscos. Alguns calores se fizerão sentir nas horas visinhas ao meio dia, sendo o mais sensivel o do dia 22 em que o Termó- metro subio a 8j°; porém a atmosphera esfriava de tarde e á noite , as quaes forão sempre 40 '- mais frescas do que as manhãs , em razão dos ventos mareiros que costumão appa- recer. Os ventos do N. e NO. soprarão 2 1 dias. No principio deste mez começou-se a ceifa do trigo : as Biaà o& DAS SciEHCIAS DE LlSBOA. 75 as névoas e chuviscos, que apparecêrão no meado do mez por diante , fizerão prejuízo aos que não estavão colhidos , diminuindo a grossura do grão , sendo também mui preju- diciaes ás vinhas. A vegetação dos milhos progredia van- tajosamente. No dia 13 apparcceo o vento de SO. brando com al- guma chuva, passando no dia 14 para NO. e N. fresco. A tempatura média do mez foi de 67o ^ , e somente dois gráos mais quente que a do correspondente mez do anno passado , sendo inferior de hum gráo á temperatura de Setembro. No dia 1 2 huma violenta tempestade devastou os con- tornos de Casan ; seus estragos se estenderão particularmen- te á aldêa de Oura , habitada por Tártaros que vivem abas- tados , e conhecidos pelas suas fabricas de algodões tintos de encarnado. A ribeira que por alli passa encheo de tal modo, que arrebatou homens, gados, e habitações a mais de 4 legoas de distancia. Na Suissa os calores, e principalmente o vento S. , que soprou na noite de 13 para 14, e que também aqui appa- rcceo , como já acima mencionamos, derreteo as neves da- quellas montanhas em tanta quantidade , que os rios e 09 lagos crescerão avultadamente , ficando alagados com incal- culável prejuizo todo o valle do Rheno , e territórios cir- cumvisinhos. JULHO. Decorreo o mez mui secco , e ventoso nas tardes , cahin- do apenas alguns borrifos no dia 3 , em que ventou SO. ri- jo. A temperatura média foi de 70o 5 , apparecendo os maio- res calores nomeado do mez por diante. Os dias mais quen- tes forão a 24 e 29 , em que o Termómetro subio a 88 °J porém nas tardes respectivas esfriou a atmosphera de 20o, sendo estas geralmente 6° mais frescas do que as manhãs. Os ventos seccos dos quadrantes septentrionaes dominarão 28 dias. K ií A 76 Memorias da Academia Real A falta de chuvas amortcceo a vegetação dos milhos, que quasi nada produzirão; porém continuou a grande abun- dância de frutas. No dia 4 deste mez pelas 4 horas da tarde sobreveio huma terrível tempestade em Perpinhão , que foi precedida no dia antecedente por hum intensíssimo calor. Hum raio , que cahio junto ao armazém da pólvora , pôz aquella Praça no mais eminente perigo. Annunciárão de Munich a 7 do sobredito mez , que no espaço de y dias tinha cahido tanto granizo, especialmen- te depois de hum grande furacão que houve a 4 , que não havia nos armazéns vidros que bastassem para reparar o es- trago causado pela pedra. O Rheno quebrou as comportas em Rheinsheim, e em Filipsburgo , causando as suas inun- dações grandes prejuizos ás colheitas naquellas visinhanças. As chuvas que cahírao no principio deste mez por quasi toda a Suissa , tem produzido grandes inundações, cujos es- tragos forão augmentados pela chuva de pedra. O Rhcno subio tanto a 4 deste mez em Kuisertoal , que levou a an- tiga ponte ; e nesse mesmo dia cahio hum raio no Castello de Bade , que matou o Professor Keller. O rio Ar estava a j mais caudaloso do que jamais se vira. Em Zurich de- pois das chuvas do dia 4, ficarão as ruas e as lojas das ca- sas , ao longo do rio Limmath , inteiramente cheias ue agua. Este funesto dia prolongou os desastres da Suissa Oriental. Em toda a parte os lagos , os rios , e as torrentes trasbor- darão, causando perdas incalculáveis. O rio Thar subio aci- ma do ponto a que chegou em 1769. Vastas campinas co- bertas de searas, que em breve se esperavão ceifar, ficarão cobertas de agua , e navegava-se em barcos pelas estradas inundadas. As noticias de Schaffusa de 7 , forão igualmente tristes. O Rheno havia 8 dias que subira a huma altura medonha, excedendo de ia pollegadas a altura a que su- bio em 1770. Nas ruas baixas da Cidade havia 4 pés de agua. As perdas causadas por estas inundações forão immen- sas, abrangendo a maior parte da Suissa, e mui particular- men- siau Ov DAS SciENCIAS DE LlSEOA. 77 mente os Cantões de Turgovia , Schaffusa , S. Gall , Ury, Argovia , e Valais. Em Kehl , na Alsacia , crescia igualmente a elevação do Rheno desde os princípios de Julho ; porem a 8 prin- cipiarão as aguas a baixar. No dia 16 sahírão do seu alveo o Schulter , e o Kintzig , com cujas aguas tornou a subir o Rheno á sua maior altura , inundando muitos campos , e fazendo perder a maior parte da abundante colheita que se esperava. Ao mesmo tempo que isto se passava naSuissa, e nas margens dos rios que alli nascem , a maior parte do meio dia da França continuava a padecer por effeito da prolon- gada secca , o que também acontecia em Portugal. Em todo este mez foião tão intensos no Oceano At- lântico os ventos meridionaes , que o Almirante Malcolm , que deo á vela da Ilha da Ascençao a 9 , aportou a Ingla- terra nos fins deste mesmo mez , não gastando na viagem desde as Açores ate Portsmouth mais de 4 dias , percorren- do em cada hum delles 80 a 90 legoas. AGOSTO. Foi a temperatura deste mez algum tanto variável , mas em geral temperada e secca , com as tardes ventosas. Apparecêrão algumas névoas de manhã , e alguns chuvis- cos , que na totalidade não excederão a 0,027 de palmo. A temperatura média foi de 7o°,6 , e quasi igual á do mez antecedente. No dia 4 subio o Termómetro a 98o, pelo que foi este o dia mais quente do anno , não se sustentando po- rém o calor na tarde , que esfriou segundo o costume. Tivemos neste mez 14 tardes ventosas, soprando os ventos desde o NO. até E. No dia 19 pelas 5 horas da tarde sentio-se em Ins- pruck hum tremor de terra assas forte, sendo o abalo ain- da mais sensível nas margens do Inn. No dia 22 , depois de se ter soffrido em Roma exces- si- : cí> 78 Memorias da Academia Real sivo calor , e dois mezcs de secca , levantou-se repentina- mente naquella Cidade huma tempestade, que felizmente durou pouco tempo. A agua que cahio formou huma tor- rente , que com o seu Ímpeto arrancou pela raiz só na quin- ta de Barsani mais de 30 arvores corpulentas , e arrebatou todas as cepas das vinhas. Alguns raios offendêrão vários edi- fícios , especialmente o que cahio na torre de Santa Maria , e no Hospital. No dia 23 pelas 8 horas da manhã se ouvio em Patrás, na Morêa , do lado de Vostissa , hum estrondo similhante ao de artilheria , ao qual se seguio hum tremor de terra , que durou perto de minuto e meio. Ao mesmo tempo retirou-se o mar a grande distancia , deixando em secco as embarcações que havia na enseada ; porém logo retrocedeo com tal vio- lência , que subio 1$ pés acima do nivel ordinário, e inun- dou huma extensão de terreno de mais de 80 toesas , tor- nando immediatamente ao seu antigo leito. O Cabo imme- diato á enseada de Vostissa , situado na foz de hum rio, de- pois de ter lançado fumo muito espesso, submergio-se no mar, que naquclle sitio hc muito profundo. A Cidade que constava de 800 casas , ficou mui danificada , perecendo nas ruinas 6j pessoas. Mais 4 aldeãs immediatas a Vostissa também se arruinarão continuando frequentes oscilações pe- lo espaço de 8 dias , ainda que menos fortes. Passados ij dias ainda se via a meia legoa de Vostissa hum grande es- paço de terreno cuberto de huma agua amarellada. No dia 31 deste mez soffreo a villa de Agreda , situa- da nos confins do Aragão e Navarra , a irreparável perda da sua melhor campina , e de huma veiga de hortas de rega- dio da extensão de huma legoa , que aformoseava e cons- tituia huma grande parte da sua riqueza territorial. Neste dia , na parte occidental do Monte Moncayo , se vio le- vantar huma tcrrivel tempestade , que desfeita em agua e granizo , produzio huma torrente formidável , a qual pela veiga de Moranas se dirigio ao rio Cailes , que passa por hum arco de pedra, sobre o qual está fundada a praçi prin- ci- DA! SciENCIAS DE LlSBOA. JJ cipal , sem que haja memoria de jamais se ter enchido por grandes que fossem as cheias , pois tem 2$ pés de altura sobre o nivel do rio. No dia seguinte i.° de Setembro ás 7 horas da tarde sobreveio outra cheia maior sem comparação , e seguindo a mesma corrente , veio a encher-se de todo o arco , excedendo-o ainda de 2 pés. Introduzio-se por tanto a agua pelas ruas, e com geral assombro inundou cm hum momento todas as casas. Se antes de chegar á villa tinha feito estragos nos canhamos , linhos , e feijoaes da veiga de Moranas , na extensão de huma legoa , muito maiores os fez quando os edifícios lhe ofFerecêrão resistência. Seguio pelas hortas , que cm huma estreita mas deliciosa veiga es- tavão cheias de frutos , e por espaço de outra legoa e mais , a que se estendem , arrazou paredes , arrancou arvo- res, levou a terra, e na maior parte delia ficarão barrancos em que só se descobrem pedras e entulhos. As perdas são incalculáveis para os moradores, e necessitão-se alguns an- nos para se remediarem. O vento Sul , que no meado deste mez reinou por três dias no Tyrol , foi seguido de huma chuva quente, que der- reteo de tal modo os gelos das montanhas , que as aguas do Sill e do Inn subirão a considerável altura. O Sill, que desagua no Inn perto da Cidade de Inspruck , trasbordou , arrebatou a grande ponte ao pé de Wiltau , e causou gran- de estrago. Similhantes desgraças se repetirão no Tyrol me- ridional , abatendo-se varias pontes. As Cidades de Brixen e Trento estiverão inteiramente alagadas por alguns dias. Ao mesmo tempo que chovia no Tyrol , continuava a Provença a sofFrer os effeitos da terrível secca que alli se padecia ha mezes; por cujo motivo se esgotarão os manan- ciaes e os poços na maior parte dos campos. O calor dos raios do Sol continuava tão intenso , que no dia 17 per- manecco o Termómetro exposto aos seus raios desde o meio dia até ás 2 horas da tarde, em 131o. SE- 8o Memorias da academia Real SETEMBRO. Dccorrco este mez ate" 13, com a temperatura algum tanto variável c húmida , com a atmosphera empoeirada , que annunciava trovoadas remotas ; porém naquelle dia , em que também se verificou o Perigco lunar , appareccrão ven- tos rijos de SO. , acompanhados de chuvas copiosas , que durarão até 22 , verificando-sc no dia 21 hum temporal de SE. O resto do mez continuou a decorrer húmido e fresco , com nevoeiros pela manha , soprando em geral os ventos húmidos, que apparecêfão 22 dias. A quantidade de chuva que cahio foi de 0,47 de pal- mo, sendo por consequência o segundo na ordem dos me- zes mais chuvosos do anno : estas chuvas danificarão a qua- lidade da uva , pelo que os vinhos sahírão em geral de huma qualidade inferior, não obstante que a quantidade su- bio acima da mediana. O prejuízo foi maior para os milhos que ainda se não tinhão colhido, apodrecendo-os na ma sa- roca ; podendo-se dizer que este fruto quasi de todo ste perdeo em razão da secca que reinou depois dà sement ira. No dia 5" , e na noite de 7 deste mez houve du s for- tes tempestades no território de Orense ; perecendo duas pessoas feridas pelos raios. Em Ribadavia cahio tanta abun- dância de pedra , que sepultou as vinhas. No dia 10 , pouco antes das 7 horas da tarde , desfe- chou sobre a Cidade de Antuérpia huma terrível tempesta- de impellida do NO. Veio acompanhada de immensa chu- va, trovões, e relâmpagos, que durarão huma hora. No dia 19 pelas 7 horas da tarde observou-se em Glas gow, ao N. , dois arcos luminosos no Ceo , que distavão hum do outro 10o, sendo menos luminoso o espaço que os dividia. O arco inferior distava 20o do horisonte , e hia o todo vagarosamente aproximando-se ao zenith , em huma di- recção sempre perpendicular ao meridiano magnético. Ás 8 horas 45' estava o mais alto no zenith ; e então ficou esta- do- das Sciencias de Lisboa. 8i cionario , formando-se ao mesmo tempo huma brilhantíssi- ma Aurora Boreal. A base em geral parecia ser hum arco , cuja maior elevação sobre o horisonte seria de 20o, alcan- çando as scintilaçóes ate ao zenith. A parte inferior asse- melhava-se a huma nuvem escura , que não obstante deixa- va divisar as mais pequenas estrellas. Principiou a retirar-sc o fenómeno na direcção do N. , diminuindo grandemente o seu brilho. A's 9 horas e ; estavao os dois arcos quasi no mesmo sitio em que apparcccrão ás 8 horas ; e pelas 9 ho- ras 35' chegou o mais scptcntrional ao horisonte. A's 10 ho- ras a maior altura do arco restante, ainda muito luminoso, era de 90. Continuou a oceultar-se debaixo do horisonte , sendo ainda perceptivcl a sua luz a's 2 horas da manhã. He este o quinto destes fenómenos que se tejn visto nestes três últimos annos. No fim deste mez houve em Baltimore huma funesta inundação , cujos estragos se avaliao em mais de dois mi- lhões de cruzados. Huma chuva copiosa, que cahio duran- te a noite c parte do dia , fez crescer tanto o ribeiro que passa por aquella povoação , que em menos de 4 horas sub- mergio huma quarta parte da cidade , cujos habitantes se vi- rão obrigados a refugiar-se nos telhados para se não afoga- rem ; muitos perecerão, algumas pontes forão levadas pela violência das correntes , e as casas e lojas situadas ao pé do ribeiro, que he o bairro do maior commercio da cida- de, ficarão cheias de agua. OUTUBRO. Nos primeiros oito dias deste mez .continuou a chuver abundantemente , soprando ventos rijos dos quadrantes me- ridionaes. O resto do mez foi tépido, variável, e húmido, apparecendo alternadamente nevoeiros matutinos, e chuvei- ros. Os ventos forão variáveis, mas sempre brandos, á ex~ cepção dos dias 13 e 14, em que ventou rijo de NE. A temperatura média deste mez foi de 63o, exceden- Tom. VIL Part. I. L do 82 Memorias da Academia Real do por consequência de i"j o calor do mez de Maio: a maior divergência das temperaturas dominantes não passou de 8o. No principio deste mez começarão a arrebentar muitas arvores de fruta, seguindo-se o desenvolvimento da vegeta- ção até ao ponto de florecerem. Este fenómeno he talvez o effeito das copiosas chuvas que começarão o mez passa- do , ajudadas por huma temperatura quente, e pelo estado sequioso em que se achavão as arvores. Foi também mui rápida a vegetação das hortaliças e pastagens. A azeitona cahio totalmente , frustrando as esperanças dos lavradores , que em razão da formosa floreação da pri- mavera esperavão ter huma abundantíssima colheita ; sendo tão notável a escacez do azeite , que o seu preço nesta Ci- dade chegou a ioqDooo reis o almude , do que não havia exemplo. Attribuio-se este fenómeno á grande secca da pri- mavera, a qual porém não influio na producção das outras arvores de fruta , de que houve grande abundância. A pro- ducção dos sobreiros compensou a grande esterilidade das oliveiras , e na verdade foi maravilhoso o contraste. A abun- dância do boleto foi excessiva , do que se originou tão gran- de quantidade de carnes de porco , nos fins deste anno e princípios de 1818 , que este género chegou a vender-se em Lisboa ao baixo preço de 2 $400 réis por arroba. O dia 21 foi memorável nas Ilhas Antilhas pelos es- tragos causados por hum dos mais terríveis furacões de que havia memoria naquellas regiões. Dirigio-se principal- mente sobre a Ilha de Santa Luzia , que devastou horroro- samente , fazendo sossobrar a maior parte dos navios que estavão nos portos. Desabou a casa do Governador o Ge- neral Seymour , que ficou sepultado debaixo das ruínas com todos os seus Officiaes ; acontecendo igual ruina aos quar- téis, onde perecerão 40 soldados. Na Dominica inundou? se toda a Cidade , mas felizmente perecerão poucos indiví- duos. Na Martinica lançou do porto para o alto mar mais de ° , a 4 de Agosto. A altura media do Barómetro , reduzida co- mo as antecedentes, foi de 30,065- pollegadas, diferindo os extremos de 0,54 pollegadas. Forão dominantes os ventos do quadrante NE., que soprarão 71 dias, sendo só 37 em que ventárão os dos outros três quadrantes. Chuveo em 27 dias , ainda que pela maior parte forão leves chuviscos. Só cm 8 dias experimentámos hum calor intenso, e em hum só dia ventou rijo. OUTONO. Succedérão-se nesta estação 1 2 series diversas de consti- tuições , sendo por consequência a mais inconstante de to- das ellas. Destas só 4 coincidirão com os principaes pontos lunares j aturando 1 1 dias a mais predominante. A tempera- tu- dasScienciasdeLisboa. 87 tura média mais fria foi de jj", e a mais quente de 68°rf. O maior frio observado foi de 46", c o maior calor de 75o, differindo os dois extremos de 29o. As chuvas calarão al- ternadamente em 4 diversas constituições com uniforme dis- tribuição , dando 110 total 0,6 1 de palmo , igualando as chuvas da primavera. A altura média do Barómetro foi de 30,089 pollegadas , differindo os extremos 0,64 pollegadas. Os ven- tos forão mui variáveis, prevalecendo os dos quadrantes me- riuionaes, que soprarão 34 dÍ3s. Experimentámos 6 dias de frio sensível, e 8 de tempestades, ou ventos rijos. Resultado geral do anuo. Pelo que fica referido concluiremos que cm todo o an- no se verificarão neste nosso clima 43 alternadas series de mudanças bem distinctas nas constituições dominantes da ntmosphera , das quaes só 18 coincidirão com os quatro principaes pontos lunares da theoria de Toaldo , quero di- zer , com as Luas novas , e cheias , ou com os Perigeos , e Apogeos. Também desta experiência resulta, á similhança do an- no passado , que a probabilidade da influencia destes pon- tos foi maior no inverno e estio, em que chegou a j, sen- do somente de £ nas outras du3s estações, ou quasi y. A temperatura média do anno foi de 61o ^, mais quen- te que a do anno passado de 1°^. Os extremos de calor. e frio differírão de 56o. A altura média do Barómetro foi de 30,114 pollegadas, sendo a maior difíèrença nos seus ex- tremos de 1,5-1 pollegadas. Os ventos dominantes forão o N. , que soprou 105" dias , o de NE. 76 , e o de SO. 75 , prevalecendo na to- talidade os do quadrante de NE., que dura'rão 190 dias, e os dos outros 3 quadrantes 166 dias. Os dias claros, som- mados por fracções , forão 235- , nublados 78 , de chuva 38 , e de névoa 14 , ainda que os dias em que realmente chu- vco subirão a 105". Foi 88 Memorias da Academia Real Foi notável este anno pela grande secca que começou a 21 de Janeiro, e só terminou a 10 de Maio, sendo mui diminutas as chuvas que cahírão desde o i.° de Abril até ao sobredito dia. A quantidade total da agua que cahio em todo o anno, dividida em 4 porções quasi iguaes repetidas nas quatro estações, foi de 2,38 palmos, tocando a cada palmo quadrado de superfície 18 '- canadas de agua, ou os Y da chuva do anno precedente. Forão somente 8 dias "em que experimentámos calor elevado, decorrendo o estio mui fresco, e 19 aquelles em que experimentámos frio intenso , o qual ainda que de cur- ta duração , foi mui vivo , chegando a congelar a agua em 3 noites de Dezembro. Os dias de tempestades e ventos vio- lentos não passarão de ijr. Foi este hum dos annos mais calamitosos para Por- tugal pela ruina quasi total das suas searas , motivada pela secca já descripta , sendo summamente notáveis as singulari- dades de temperatura , e outros fenómenos acontecidos no inverno e primavera em quasi todas as latitudes , dominan- do ao mesmo tempo em diversos climas as mais oppostas constituições. No Egypto onde raríssimas vezes chove , se experimentava, depois de copiosas chuvas, todos os flagel- los de huma inundação , acontecendo o mesmo aos Depar» tamentos septentrionaes da França , e a todos os paizes si- tuados nas margens dos numerosos rios que nascem nas gran- des serras da Suissa^ Pelo contrario os paizes meridionaes da Europa, a Costa da Africa, e mui particularmente Portu- gal , soffrêrao huma secca prolongada , e quasi hum verão antecipado , por cujo motivo se derreterão as neves da Suis- sa e Tyrol , que augmentárão as inundações , causando gra- ves prejuízos as cahidas das neves. O centro da Hespanha até aos Pyrineos , as províncias meridionaes da França , a Suissa , e grande parte da Itália até á Secilia forão ator- mentadas por terremotos violentos , acontecendo os maiores estragos na Ilha de Java, procedidos pelas terríveis irrupções vulcânicas. Ao mesmo tempo a Alemanha , a Rússia , e até a DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 89 a Sibéria gozavão de huma das mais suaves temperaturas , decorrendo huma bella primavera , que lhes preparou hum anno fertilissimo. Foi mui notável o derretimento que continuou este anno nos gelos do Polo septcntrional. Grandes massas se virão fluetuar no Oceano Atlântico , tendo chegado algu- mas , cm razão da sua grandeza e solidez , ate 40" de lati- tude sem se terem derretido. Alguns navios sofFiêrao con- sideráveis avarias com o encontro destas Ilhas fluetuantes junto á Terra Nova , topando-se com algumas que tinhão 50 pés de profundidade , e mais de 8 acima do nivel do mar. Influencia do anno sobre as colheitas. Pelo que fica referido no Diário dos fenómenos men- saes, se conclue que a grande secca que experimentou este Reino na primavera, causou total ruina ás sementeiras dos farináceos , cuja producção foi das mais escacas , não che- gando talvez a hum terço da colheita mediana. Os gados sofrerão consideravelmente pela falta quasi total das pasta- gens , que só apparecêrão em Outubro , cuja privação se tornou mais funesta pelo descuido da maior parte dos nos- sos lavradores , que poucas vezes costumão prover os seus armazéns com géneros que tão economicamente se poderião empregar para o sustento dos gados no inverno, e prima- vera , á imitação do que praticão os agrónomos Inglezcs. Acolheita das favas, feijão, e milhos, foi quasi nulla , em razão das insignificantes chuvas que se seguirão ás sémen-, teiras , pelo que na totalidade foi muito escaca a produc- ção de todos estes géneros. Foi este porém hum dos annos mais abundantes em frutas de toda a espécie , á excepção da azeitona , que apesar de ter dado as mais bellas esperanças no principio do estio , desappareceo toda antes de amadurecer. Os sobreiros compensarão de alguma maneira tão grande escacez, pro« Tom. VIL Pari. I. M du- 90 Memorias da Academia Real duzindo extraordinária abundância de bolota. A producçao do vinho foi mais que mediana , e em geral de boa quali- dade, não obstante as antecipadas chuvas de Setembro. O ou- tono foi notável pela extrema abundância de hortaliças , e pastagens. Ainda que a longa secca da primavera abrangesse quasi toda a Hcspanha meridional , foi todavia mui abundante a colheita do trigo nas provindas septentrionaes , pelo que lhes foi permitlida a exportação da avultada quantia de 69 63 62 65 66 «s 59 59 52,6 55 61 «5 «5 61 6j 64 65 67 66 6} 64 64 07 6í 66 I 69 i 64,} 6S,4'S8,9 CJ 84 62 «i I 62 65 6a 69 55 75 46 61,7 67 67 68 «4,i 69,i «9 71 7°,i 70,8 68,7 68 «9.7 70 «7,! 68,j 71, 69,5 «,S 64,6 t8,j 60,4 6j,4 6j,7 57,8 62,8 «1,1 5 9.9 57,' 5 2,9 61,0 29,97 50,01 29,77 ,88 ,9° ,99 ,9« ,99 ,9o ,93 ,92 ,9« ,95 ,96 ,81 ,99 ,75 JO,OI 19,80 >*7 50.06 i°,o5 ,08 29,84 50,10 29,77 50,15 ,20 29.77 50,15 50,19 29- ,7 5 ,72 ,66 73 ,79 .77 ,84 ,7 8 ,77 ,6í ,6"7 ,70 ,47 ,7« ,6! 29,47 ,57 ,55 ,(« ,66 ,81 ,66 ,86 ,58 ,91 ,«7 ,60 .91 29, SS 29,91 ,9> ,76 ,81 ,75 ,86 ,83 ,83 ,3 6 ,82 ,77 ,8. ,62 ,88 ,7! 29,8-1 ,66 ,7i ,7 7 ,3? ,96 ,74 ,98 ,66 50,04 ,10 29,70 50,04 29,84 0:2 1 1.— 1:1 í-í 5:2 52:2 1:1 ?:■ 4=- 2:1 í:í 6:2 2:5 4:1 0:1 94:1 6:0 4:2 2:2 o:j 0:2 4o 29,5 2 3 1:1 0:2 4:5 1:2 0:2 0:1 o: j 0:1 2:0 4:) 0:2 0:3 i3:2 2:2 1:2 0:2 1:1 1:— 0:5 1:— 14:1 Ventos Dominantes 0:2 0:1 0:3 0:1 2:2 0:2 0:1 •:5 6. 5:1 5:1 0:2 0:2 i:í 1:5 0:2 2:5 0:1 0:2 0:5 0:2 0:1 98 O. N. SO. N. O. NO. SO. NO. SO. N. SO. NO. N. NE. SO. N. SO. N. SO. Variáveis SE. SO. SO. NE. Variáveis SE. SO. Estado da Atmosphera no Verão e Outono de 1817. Temperatura fresca e íiumida. Temperatura seca e quente de dia. — Tardes e noites frescas. Temperatura bumida e fresca. Temperatura quente de dia, e fresca nas tardes e noites. Temperatura húmida e fresca. Temperatura fresca e seca. Temp. húmida e quente de dia , mas fresca de tarde.-Trovoad.is remotas.-Nevoas de m. Temperatura seca, e tardes mui ventosas e frescas. -Por duas vezes cahiráo leves borrifes. Temperatura morna, 2 hum ida.-Chuv iscos brandos, e Atmosphera abafadiça. Temperatura fresca, e algum tanto húmida. -Névoas de manha, e ventoso de tarde Temperatura fresca e mui ventosa. Temperatura variável e húmida.— Variável entres Névoas e choviscos. Temp. fresca , seca , e mui ventosa. -Calor sensível ao m. d., que desvanece de tarde pelo vente. Temperatura variável e húmida.— Atmosphera empoeirada e variável.— Trovoadas remotas. Temp. fresca e muito húmida com Chuvas de aguaceiros abundantes.— Temporal de SE. 321. Temperatura fresca e húmida, com Névoas densas pela manhã. Temperatura quente e húmida. — Chuva branda. 116 N. SO. NE. ij:í 5:3 26 40 5 5 9 14 5 ií '5! SO. S. Variáveis NE. N. Variáveis do N. ao SO. NE. S. Variável S. SO. Variável NE. SE. NE. NF. SO. S. Temperatura quente, mui chuvosa, e ventosa. Temperatura tépida e húmida. -Atmosph. muito variável, dominando as Névoas matutinas. Temperatura fria, seca, e ventosa. -Atmosphera clara. Temp. tep. e hum.— Atm. variável, dominando as Névoas , e chuviscos alternados com dias claros. Temperatura quente e seca. Tépido e muito húmido.— Névoas alternadas com chuvas.-Temporal do S. , a 7. Frio, húmido, e Névoas densas de manha. Tépido, chuvas abundantes, e temporaes do quadrante SO. Tépido e humido.-Nevoeiros de manhã. Temperado e seco.— Ceo mui claro. Tépido, e chuvas abundantes. -Temporaes do SE Frio, seco, e ventoso.-Ceo mui claro. " (Mem. Acad. T. VIL P- '• Mem- s°<- pag- 9i) Estado da Atmosphera no Inverno e Primavera de 1817. ca , seca , e ventosa. >ida com chuvas brandas, e Névoas. — Atmosphera densa , e húmida. np. muito fria, seca, e ventosa. — Houve gelo consistente nas noitej de 22, aj, e 24. nperatura variável. — Chuvas brandas alternadas com Névoas. nperatura variável — Atmosphera empoeirada, e húmida, alternada com nebrinas. npeiatura fria, e seca. — Mui ventoso a 11, e 12. ip. fresca.— Chuv. violent. rje aguac. com ped. , e Nev.— Forte tempor. de SO a 1 7, 1 S,e 19. ip. fria de manhã, e quente no meio do dia. — Ar muito seco, e algumas geadas. iperada , e seca. — Dois dias ventosos. iperatura fresca , e húmida. — Hum dia de temporal de SE. iperatura fria, e seca. — Ventos fortes do quadrante NE. iperada, e algum tanto húmida. — Trovoadas remotas. iperada. -At. variável com muita chuva de aguaceiros procedidos' de trovoadas remotas. iperatura fresca , e seca , com ventos rijos. ip. fria , e muito hum. com abund. chuv. de aguac. , e trovoad.— Dois dias de tempor. de SO. iperada. — At. variável, e húmida, com alguns pequenos aguaceiros. , e extremamente seco. iperada, e seca no i.° Mez ; e muito chuvosa no segundo. o , e seco. iperado , c húmido. perado, e muito seco. y-NO.49-S.18 — 0. 13 — SE. 11— E. 9. * (MEU. Acad. T. VII. P. I. JAtm. Soe. pag. 91 ) Dias em 6 (8,6 Í9 67,í 60 67 7« 65 67 S',4 iV> 76 76 r_> 56,0 4),8 S1,J 47,0 S2,0 56,4 S4,° 64,7 S«,i S4,° 6j,> 60,5 60, i 6l ,2 6l,8 Í4,° 61,8 «9,! 6 1,0 61,5 Altura do Barómetro segundo a observação rt Cf < < pi g 5 '^ c "J « J0,I2 29,77 ,I< ,77 ,12 ,76 ,°9 ,86 ,22 ,92 ,OI .79 ,06 28,79 ,j° 29,74 29,9i ,98 ,90 ,9$ ,08 ,9= ,S° S°,Oj )°,i° jo,04 29,67 ,79 ,9i ,86 ,87 ,98 ,91 jO,o4 ,04 ,01 ,19 i°,J° 28,79 I 29,97 29,60 ,59 ,6} ,69 ,41 ,66 ,4® ,64 29,40 28,79 29,40 .47 ,SS 28,79 29,88 M ,81 ,6; ,77 ,72 29.74 29,97 ,74 ,«4 ,84 29,57 Estado da Atmosphera. O 3 7:' 1:1 4:2 1:1 S7 = i 8b: j 1:2 7:2 6:; 2:; 1:1 jo:2 80: j 30:2 94:1 29:5 2 ! 5:1 0:2 í:i r-i 0:2 0:2 a: 5 22: j 1:1 0:2 1:0 9^i j:i 4:2 2:1 22:3 22:2 18:2 14:1 78:- s;i 2:5 o:) 0:1 o:j ?:: í:i 0:2 6:- ij:2 J7:2 7:2 27 14 29 7° 6 142 Ventos Dominantes NE. SO. NO. NE. N.2 S. SE. NE. N.E NE. SO.< N. NE. Estado da Atmosphera no Inverno e Primavera de 181 7. NE. N. NO. Fresca , seca , e ventosa. Tépida com chuvas brandas , e Névoas. — Atmosphera densa , e húmida. Temp. muito fria, seca, e ventosa. — Houve gelo consistente nas noites de 22 , 2 j , e 2+ Temperatura variável. — Chuvas brandas alternadas com Névoas. Temperatura variável — Atmosphera empoeirada , e húmida , alternada com nebrinas. Tempeiatura fria, e seca. — Mui ventoso a 11, e 12. Temp. fresca.-Chuv. violent. de aguac. com ped. , e Nev.-Forte tempor. de SO a 1 7, 1 8, e 1 9. Temp. fria de manhã , e quente no meio do dia. — Ar muito seco, e algumas geadas. Í4 64 i NE. SE. E.' NE SO. N. SO." O. SO. NO. 2Í I4:i I j2 SO. NE. NO. Temperada , e seca. — Dois dias ventosos. Temperatura fresca , e húmida. — Hum dia de temporal de SE, Temperatura fria, e seca. — Ventos fortes do quadrante NE. Temperada, e algum tanto húmida. — Trovoadas remotas. Temperada. — At. variável com muita chuva de aguaceiros procedidos' de trovoadas remotas Temperatura fresca , e seca , com ventos rijos. Temp. fria , e muito hum. com abund. chuv. de aguac. , e trovoad.— Dois dias de rempor. de SÕ. Temperada. — At. variável , e húmida, com alguns pequenos aguaceiros. 14! 1 J2 116 1 !! 526 N.E N. NO. SO. NE. NO. N. SO. NO. NE. SO. S. N. NE. SO. Frio, e extremamente seco. Temperada, e seca no i.° Mez; e muito chuvosa no segundo. Fresco , e seco. Temperado , e húmido. Temperado, e muito seco. N.B. A ordem em que dominarão os ventos, na totalidade do anno, foi a seguinte: N. 105- dias — NE. 76 SO. 75" -49 -1 -!3 (Mem. Acad. T. VII. P. I. Mtm. Soe. pag. 9 j ) dasScienciasdeLiseoa. 93 porem em todos os estios que tem decorrido desde 1 75» 3 , logo que o tem excedido, a febre começa os seus estragos, notando-se ser tanto mais perniciosa quanto mais elevado tem sido o grão de calor, e o recente suecesso da Marti- nica, onde aquella enfermidade desappareceo com o furacão, parece confirmar esta observação ; mostrando estes factos a considerável utilidade que poderia resultar de huma bem ordenada serie de observações meteorológicas , comparada com o estado das moléstias predominantes, sendo muito pa- ra desejar que a este Diário se podesse juntar hum exacto Mappa Nosografico da Cidade de Lisboa , que pelas cir- cunstancias já ponderadas na minha antecedente Memoria , ainda se não pôde conseguir. ME- JIl* Ofr DISCURSO PRELIMINAR. wjEndo o assumpto proposto hum daquelles que a Arte de curar julga da maior importância no estado presente dos nossos conhecimentos médicos, não só pela frequência desta moléstia nos Paizes Equatoriaes , e outros donde ella he endémica, mas também entre nós, mui particularmente nos nossos Exércitos , Esquadras , &c. ; he indubitável que o tratamento curativo radical da dysenteria chronka (principal objecto do Programma ) merece toda a extensão que he possivel na sua desenvolução. Debalde porém se consegui- ria , se antes disso não tratássemos de fazer a distineção ca- racterística da dysenteria chronka , c da diarrhéa , que frequen- tes vezes se tem confundido na prática ; e que talvez seja tam- bém huma das razões por que se tem confusamente appli- cado na sua cura meios inteiramente oppostos e empiricos. Depois de termos assim fixado o conhecimento da dysente- ria chronka propriamente dita no seu estado de simplicida- de, BAS bciENCIAS DELiSBOA. p5" de, a seguiremos nas suas complicações mais ordinárias. Pas- saremos depois por hum methodo de exclusão a estabele- cer a pathologia desta affecção, depois de termos examina- do cm breve algumas das differentes opiniões mais notáveis sobre este objecto. Ultimamente estabeleceremos a thera- peutica desta moléstia , já considerada como dysenteria ebro- nica simples, já complicada; com observações praticas, já próprias , já communicatlas , c outras , &c. Eis-aqui a ordem que seguiremos nesta Memoria , a qual será dividida cm quatro Capitulos. No primeiro expo- remos as causas geraes da dysenteria chronica ; no segundo as differentes opiniões mais recommendaveis sobre a patho- logia desta moléstia , e a nossa própria ; no terceiro o me- thodo therapeutico desta affecção, já simples, já complica- da ; no quarto finalmente as observações que apoião este methodo therapeutico , e a conclusão definitiva desta Me- moria. A Introducção presente versará sobre os princípios que servem a fixar o caracter distinctivo da dysenteria chronica» §. I. As dysenterias ebronicas não são moléstias raras fora dos Exércitos em acampamento , Esquadras , ckc. , e encontrão-se frequentes vezes, tomando-se ordinariamente por diarrheas, quando na realidade são dysenterias ebronicas. A maior parte dos Authores caracterisão a dysenteria aguda por dejeções frequentes mais ou menos variadas em côr , de natureza mais ou menos differente , assim como em quantidade , acompanhada de dores , puxos , ou tenesmo mais ou menos considerável , com certa impulsão de todo o canal intestinal para o anus , com febre que não he sem- pre da mesma natureza. Além disto ha appetite , e certa energia muscular, em virtude da qual o doente dysenterico apesar de marasmado, e muitas vezes próximo á morte, ainda se move e levanta , o que não podem fazer outros ata- na o-fr 96 Memorias ha Academia Real atacados de diversas moléstias , que parecem ter mais forças. Quando alguns destes symptomas faltáo , ou são mais ou menos moderados , c que tem durado muito tempo, he cha* nada então dysenteria chronica. Estas definições geralmente são exactas ; porque nós veremos que de qualquer causa que seja procedida a dysenteria chronica , he sempre acompanha- da dos symptomas já mencionados mais ou menos variados em gráo. A duração de huma dysenteria não pôde por si só constituir huma dysenteria chronica ; pois que o tempo he impróprio para marcar o estado chronico das moléstias. As moléstias chronicas , a meu ver , tem hum estado menos chronico , c que he verdadeiramente de irritação , e outro periodo mais intenso \ c a palavra chronica he hum termo vago , que he impróprio para marear hum dos úl- timos períodos de huma moléstia ; e aquillo que he chro- nico para huma moléstia , he ainda hum estado agudo para outra , debaixo de hum tempo dado ; dependendo também da sede differente da moléstia neste ou naquelle systema d'or- gaos , neste ou naquelle tecido , &c. &c. Ordinariamente se diz que huma dysenteria he chronica quando está além de quatro semanas uo trinta dias. Este tempo determinado se- rá exacto , se huma dysenteria aguda tiver sido tratada pe- los meios apropriados desde o seu principio. A febre humas vezes acompanha a dysenteria chronica , outras não ; isto que depende sem duvida da natureza da constituição dos indivíduos , c da maior ou menor violên- cia da moléstia. A febre tem lugar ordinariamente quando recahe a dysenteria chronica sobre hum individuo robusto , ainda não esgotado de forças , c temperamento irritável ; deixando de ter lugar no individuo de huma constituição inteiramente opposta. As dejeções sanguíneas não são próprias das diarrhéas, senão quando estas se complicão com a dysenteria. Assim quando se reunirem a maior parte dos symptomas já ditos, não pôde haver duvida sobre o conhecimento de huma dysen- teria chronica j mas para se conhecerem melhor os symptomas da DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 97 da dysenteria cbronica , comparallos-hemos com os de huma diarrhéa também chronica. §. II. A diarrhéa he sempre huma molcstia sporadica , e nun- ca contagiosa. A dysenteria cbronica he algumas vezes con- tagiosa nos paizes , onde he endémica a dysenteria aguda. A diarrhéa he huma moléstia de todas as estações , e de todos os paizes , ainda que mais frequentemente se ma- nifeste no Inverno , e nos paizes frios. A dysenteria appa- rece mais commummente no fim do Verão , e ainda que se observe em quasi todos os climas , com tudo he mais cons- tante nos clirnas situados debaixo da Equinoccial. A diarrhéa he huma moléstia de todas as idades , cons- tituições , e diversas condições. A dysenteria he mais fre- quente entre as mulheres, e meninos, do que nos homens, sendo também mais mortal entre estes , e nos velhos : os indigentes, os soldados, c os marinheiros, &c. , são os que ella ataca com mais frequência. A diarrhéa considerada nos seus symptomas , he ainda muito difFcrcnte da dysenteria cbronica. Aquella não he senão symptoma , e nunca conversão de outra moléstia ; esta suc- cede algumas vezes a huma angina, a huma affecção catar- ral , peripneumonia , &c. Aquella he muitas vezes conse- quência de hum tratamento excessivamente refrigerante ; ao contrario esta nunca suecede a similhante tratamento. A diarrhéa he caracterisada por náuseas em alguns ca- sos , he rarissimas vezes porém acompanhada de dejeções sanguíneas, as quaes são sempre liquidas, e muito abun- dantes. A dysenteria he seguida raras vezes de vómitos, mas quando existem são muito violentos e pouco duráveis ; as dejeções são sempre mais ou menos sanguineas , (a) ou mis- Tom. VII. Part. 1. N tu- (/j) F.stas dejeções nunca trazem alivio na dysenteria chronica , quan- do ás vezes servem de ciise na diarrhéa. 98 M e m o i i a s da Academia Real duradfls com meterias mucosas , puri formes , e excrementos mais ou menos variados, que humas vezes são líquidos, e outras vezes são amoldados. Aqudla he frequentes vezes critica d'alguma moléstia, com particularidade na termina- ç..<> fatal das moléstias orgânicas : esta nunca hc critica. A dianhéa jamais vem acompanhada de convulsões, se exceptuarmos as crianças , cm que úi vezes apparcccm no tempo da dentição. A dysenteria ebronica tem ás vezes con- vulsões , c só no caso de complicação com as febres ataxi- cas , e nunca no estado de simplicidade. Naquella não ha a impulsão que os doentes sentem quando querem fazer as dejeções em que se lhe figurão os intestinos sahirem pelo anus , tendo então lugar algumas vezes a queda do intesti- no recto, a qual impulsão se observa constantemente na di- senteria ebrovica ; c esta vontade prompta que os doentes sentem, logo que tomão bebidas ou comidas, de ir ao vaso , persuadindo-sc por esta occasião , que aquellas sahem pelas dejeções , parecendo-lhes que tem corrido toda a extensão do tubo intestinal , he só própria da dysenteria chronica. A diarrhéa pôde durar hum só dia , assim como pode durar mezes e annos ; porém a dysenteria chronica- dura sem- pre mais tempo , geralmente fallando. Nunca vi tumores hemorroidacs nesta , porém são muito frequentes naquel- la. {a) §• HL Taes são as differenças que estabelecem a diversidade das duas moléstias , e que por muitos Authores tem sido confundidas. Estas mesmas differenças estabelecem os ca- racteres próprios das duas moléstias consideradas no seu estado agudo ; porque , como ainda diremos, a dysenteria chro- nt (fl) Passo em silencio as differenças que ha entre a dysenteria chroni- ca , e o fluxo hemorroidal de Cólera Morbus , e L1intena , porque não só são fáceis a quem tem algnitta prática destas moléstias o evitar a contusão , mas porque são raras. m. r\ i. das Scienciasue Lisboa. 99 nica simples não he mais que a dysenteria aguda geralmen- te considerada com a diminuição ou moderação de rodos os symptomas da primeira , ainda que alguns faltão lambem em certas circumstancias individuaes , como dissemos a res- peito da febre, a qual tem lugar cm hum a constituição robusta , vigorosa , ainda não falta de forças , e que a mo- léstia hc ainda violenta , deixando esta de ter lugar quan- do recahir a dysenteria chronica sobre huma constituição muito debilitada, seja pelo progresso da moléstia, idade, e constituição própria. Isto que se diz a respeito da febre pode applicar-se a alguns de outros symptomas da dysente- ria chronica. I E como será possivcl na pratica da Medicina, quan- do chegássemos ao leito do doente , o podermos capitular huma dysenteria chronica , ou huma diarrhéa , se não tiver- mos presentes os symptomas característicos que acabamos de estabelecer? Eis-aqui porque o seu tratamento tem sido applicado indistinctamente a huma ou outra destas molés- tias. A diversidade de theorias sobre a pathologia da dysen- teria chronica tem sido causa também dos methodos de cu- ra contraditórios, e mesmo empíricos, que se tem applica- do na ignorância de ser huma diarrhéa, ou huma dysenteria chronica. §• IV. Se passamos ás suas complicações, ainda nos achamos mais embaraçados no diagnostico das duas moléstias, se não temos fixado d'antemão os caracteres próprios dos dois fluxos intestinaes considerados como simplices. Porque em huns casos são tomados como complicações, e em outros como huma dysenteria chronica symptomafica , cm que a aftecção complicante he a moléstia principal e essencial , erro de ouc se não tem isentado alguns bons Práticos. Como verc- mos , as complicações devem ser de duas ordens, humas re- putadas como discinctas espécies de dysenteria chronica, e N ii ou- ioo Memorias da Academia Real outras como moras complicações accidentaes. As primeiras sá> dí algum modo tão encadeadas, e tão frequentes, que não podemos deixar de fazer delias espécies distinctas ; e as outras com ctfcito podem todas ser reduzidas a dysenteria chronhd L\sta analyse ou decomposição da dysenteria chronh a he essencialmente necessária para as indicações therapeuticas da mesma moléstia. Se nos fosse possivel entrarmos em to- da a miudeza pathologica variada, que tem sido adoptada por grande numero de Médicos, veriamos até que ponto a falta de huma verdadeira observação da natureza das mo- léstias , devida a theorias antecipadas , e não retificadas na pratica , tem retardado os progressos do tratamento da dy- senteria chronica , o que infelizmente tem sido geral para muitas outras moléstias. Quando estabelecer a pathologia da dysenteria chronica , examinarei muito cm breve as opi- niões dos diffcrenies Práticos , passando agora a tratar das causas da dysenteria chronica , que faz objecto do primeiro Capitulo da presente Memoria. CAPITULO I. Das causas da dysenteria chronica. §. V. A, .S causas da dysenteria chronica são mui diversas. Podem geralmente reduzir-se ás seguintes , como são todas aquel- las que podem vir da atmosphera , como o calor e frio , prin- cipalmente quando hum suecede rapidamente ao outro , o contagio , certas circumstancias locaes de clima , de terre- no , &c. Outras ha que podem desafiar hum estado parti- cular dos intestinos ; como os alimentos e bebidas de diffi- cil digestão , especiarias , e as refeições muito frequentes ; em geral tudo aquillo que sendo ingerido no estômago po- de excitar consideravelmente as membranas mucosas do ca- nal DAS SdENCIAS DE LlSBOA. I O I nal intestinal. As secreções vidadas de algumas vísceras do baixo ventre, como o tígado, o baço, e pâncreas, as quacs tendo ganhado certa ncrimonia , podem entreter huina irri- tação no canal intestinal estimulando-o consideravelmente ; accrcsce além disto que as suppurações das mesmas vísce- ras podem ser causa , assim como os vicios cutâneos , o rheumatismo , a arthntes remont ida sobre os intestinos, co- mo adiante se dirá. He claro pois , que as causas que dão lugar a huma dysenteria ebronica, são em parte as mesmas de huma éfsttU teria aguda , quando aquella suecede a esta. Mas quando a dysenteria chronica não hc huma consequência da dysenteria aguda, então as causas diversifica» muito; porque a àysente- ria ebronie a suecede a outras moléstias, como gastrites, en- terites, peripneumonia , hepatites, catarros chronicos , rheu- matismo, arthrites , e a algumas lebres essenciacs , &c. quan- do existe no individuo predisposição particular. Quando ella suecede ás phlegmasias referidas , depende de que a resolução desta se não tem feito completamente , e que a phlegma- sia se tem propagado de huma para outra parte do canal digestivo. Quando suecede á dvsenteria aguda , ordinariamen- te he filha esta conversão ( permitu-se-mc a expressa;)) de hum mão regimen dietético em todos os periodos da mo- léstia aguda, com especialidade na convalescença ; assim co- mo também de hum tratamento irritante c perturbador: he muito ordinário na recahida de huina dysenteria aguda ver sueceder a dysenteria chronica. Além das causas apontadas da parte da atmosphera , principalmente da sua alternativa , que dá lugar á suppressão de transpiração , ha ainda o clima em que parecem endémicas as dysenteria* ebronie as , como se ob- serva no Egypto , na America Septentrional , e n'algumas Ilhas, como S. Domingos , e nas costas do Continente Afri- cano. Em Portugal não consta exemplo algum de epidemia cm que ella se tenha observado contagiosa no estado chro- nico ; e só o parece ser naquelles paizes em que hc en- démica a dysenteria aguda. Sen- ioí Memorias da Academia Real Sendo do presente assumpto o fallar da àysenteria chro- nica, será deslocado fallar do contagio, como causa da dy- senteria aguda , assim como se este he feito pelo contacto immediaro , ou pela respiração dos miasmas pútridos das matérias das dejeções que se desenvolvem dos indivíduos doentes da dysenteria aguda ; ou se he por outro qualquer meio que a dysenteria se communica, que tem sido objecto de controvérsias c opiniões particulares dos Au thores , prin- cipalmente Cullcn , Zimcruuin , Desgcticttes , Mr. Cayol , Coste , c outros muitos. Igualmente passo em silencio outras questões sobre se os alimentos , c as aguas concorrem para formar a epide- mia da dysenteria juntamente com as alternativas da at- mosphera , c ultimamente até que ponto as paixões depri- mentes podem concorrer para desenvolverem , ou augmen- tarem a epidemia das dysenterias , (a) pois que aquelles objectos excederião muito ao assumpto que nos propomos. Entretanto diremos ainda alguma cousa mais relativamente a outras causas da dysenteria chrouiai. Se consideramos esta no seu estado de complicação , parece-nos crer que certos vicios humoraes, sejão herpeticos , ou outros da pelle reper- cutidos, se tenhão fixado sobre a membrana mucosa dos in- testinos , e dém lugar á phlegmasia chronica , que nós di- remos ser em que consiste a dysenteria chronica simples ; e neste easo também o virus syphilitico pode atacar a mem- brana mucosa dos últimos intestinos , e dar lugar a huma secreção viciada com inflammação própria , e que constitua o fluxo dysentetico com os symptomas característicos; e dú- vida nenhuma feriamos cm poder chamar a estas dysenterias especificas , sendo entretidas evidentemente por esta causa hu- moral , ou seja cutânea, ou syphilitica , ou d'outra qualquer natureza. Al- (ji) As paixões deprimentes tem huma influencia táo grande na dy sen- tiria chronica , que muitas vezes apparece recidiva só por esta causa, além de que não pôde haver duvida que quando estas são excessivas possáo ter huma grande parte na sua desenvoluçâo e rebeldia. DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 10 3 Algumas vezes parecem as dysenterias chronicas entre- tidas por lium abcesso de fígado , como no caso de lnima hepatites ejue tenha terminado por suppuraçao, o qual tt* nha communicaçao com os intestinos , como acontece algu- mas vezes , e neste caso o pus desafia a phlogoze mucosa dos grossos intestinos , c em alguns casos também dos de! lios. Isto que se diz dos abcesso, do fígado, se pôde appli- ear ao baço, ao pâncreas, ainda que estes últimos sejas ex- tremamente raros. Se nós olhamos igualmente para os fluí* dos que estas vísceras segregão , podem estes ganhar certa qualidade irritante , que passando pelos seus canaes excre- torios , produzão o mesmo cffeito que a matéria dos abces- sos , quero dizer, a phlogo/.e da membraha mucosa dos in- testinos. CAPITULO II. Pathologia da dysenteria chronica. A Endo sido tão extravagante a pathologia que tem si- do admittida para a dysenteria cbrmitia , como os Authored que delia tem tratado, não será inútil que examinemos' ge- ralmente as opiniões mais seguidas dos mais celebres l:'s- criptores, e vermos até que ponto podem ser admissíveis na presente época. Dividirei em três artigos este Capitula , 6endo o primeiro consagrado a este fim ; o segundo ;í pa- thologia conforme a minha opinião ; o terceiro ás difteren- tes terminações da dysenteria chronica. Artigo I. Huns tem confundido a pathologia da dysenteria com a diarrhéa. §• VI. Todos os Práticos que tem tomado huma moléstia poi (I!! 104 Memorias da Academia Real outra, quero dizer, a diarrhéa por huma dyscnteria , tem seguido a mesma opinião sobre a sua pathologia ; e neste caso pouco ou nada tenho a dizer sobre isto , pois que temos estabelecido cm o preliminar desta Memoria quanto era possível dizer sobre os caracteres distinctivos destas duas moléstias consideradas no seu estado de simplicidade e complicação ; agora para complemento do que alli temos dito , descreverei o caracter dos doentes atacados de huma dyscnteria chronica. §. VIL Os individuos dysenterico-chronicos são ordinariamente taciturnos , c tristes ; gostão muito de estarem deitados (or- dinariamente) em a posição seguinte: a cabeça está metti- da debaixo da roupa da cama, com huma actitude de con- tração c flexão das extremidades ; c esta he huma das maio- res características desta moléstia : a race he pallida e ama- rellenta ; a pclle he secca e áspera ao tacto , e da face muitas vezes oedematosa , apresentando algumas vezes huma crusta terrosa , que se estende ás mãos , e antebraços : os lá- bios são pallidos e desmaiados , e a lingua avermelhada e lisa : o individuo propende para o marasmo. Estes doentes lanção hum cheiro particular muito mais activo do que aquelles que são atacados de dysenteria aguda : o ventre he duro sem ser doloroso : as ourinas são ardentes sahindo com difficuldade : o pulso he débil , lento , e intermittente com exacerbação algumas vezes para a noite : o appetite ra* ras vezes he diminuído , ao contrario a maior parte das ve- zes he excessivo : a digestão he mui lenta , e ás vezes nul- la ; neste caso acontece aos dysenterico-chronicos que os alimentos não comutados sahem pelas dejeções similhan- temente ao que acontece no fluxo coeliaco, formando aquil- lo que se chama lien teria : as faculdades intellectuaes con- servão-se em perfeita integridade , e ás vezes com hum es- pirito mais animado , como acontece aos tísicos. Estes ca- ra- das Sciencias df. Lisboa. iojr ractercs raras vezes se encontrão nos indivíduos atacados de diarrhéa , e muito menos nos de huma dysentcria aguda. Accresce além disto que os dysentericos chronicos tem huma avidês excessiva para ópio com os tísicos , sem que nem huns , nem outros cáhião em narcotismo. §. VIII. Outros fazem consistir a dysenteria chronica em bum estada ulceroso dos intestinos. A maior parte dos antigos fazião consistir a dysente- ria chronica e aguda em ulcerações estabelecidas nas mem- branas internas dos intestinos. Hyppocrates era desta opinião; verdade he que em algumas partes das suas obras , como no apborismo 65. Livr. 5. diz, que « ha dysenterias que não são » acompanhadas de ulcerações nos intestinos»; mas clle se persuadia firmemente que a dyrenteria chronica , passado mui- to tempo, determinava sempre ulceras naquellas partes ; mas isto mais confirma que estas ulceras , se ellas existem cm doentes tão chronicos , são antes effeitos do que causas. Galeno, e Celio Aureliano erão também daquella opinião. As observações cadavéricas porém de Morgagni tirão roda a dú- vida a este respeito , quero dizer , que nos cadáveres de dysenterios chronicos , que clle dissecou , nunca se lhe apre- sentarão lesões ulcerosas das membranas dos intestinos pro- priamente] ditas ; e se algumas corrosões se manifestavão , não erão mais que pequenas escoriações das cryptas muco- sas dos intestinos , e estes mui raras vezes ; de sorte que ageneralidade dos casos observados nos conduz a crer que não existem ulceras nos intestinos dos indivíduos atacados da dysentcria chronica , como causas desta moléstia, mas sim como effeitos. Todos os mais Authores , que tom feito dissecções de- pois de Morgagni , tem rectificado a mesma observação , a qua! tem sido confirmada pelos Práticos do no dás Sciencias de Lisboa* i i j" §. XXII. A ictcricia ataca os indivíduos que tinháo antes sido dispostos a moléstias de fígado com particularidade ás he- patites chronicas ; assim como os de hum temperamento bi- lioso , e nervoso , por occasiao de paixões excitantes. Esta moléstia reconhece-se pelo amarello da conjunctiva, da pel- le ; pelas ourinas que são biliosas ; pela còr das dejeções da dysenteria chronica^ que neste caso tomão huma cór mais es- branquiçada, e nunca amarclla ; pela maior sensibilidade na região epigastrica , particularmente sobre o fígado , &c. &c. A phlegmasia das membranas mucosas dos intestinos pode estender-se aos intestinos delgados , c impedir a sabi- da da bilis pelo dueto choledeco , e dar lugar á absorção da bilis para a circulação geral , estabelecendo a icterícia ; he certo que huma causa qualquer, que comprima ou aper- te os duetos excretores biliares , produz, os mesmos erfei- tos ; mas por via de regra quando existe a dysenteria ebro* nica assim complicada , he provável que a causa seja sem- pre alguma phlogose nos órgãos secretorios biliosos; por- que a mesma causa que produz a phlegmasia intestinal , po- de produzir também a phlegmasia hepática, &c. ; sendo de observação que existe esta complicação mais frequentemen- te naquellcs que tem já sofrido lesões hepáticas , c naquel- lcs que são de hum temperamento imminentemente bilioso com grande susceptilidade nervosa. §. XXIII. O scorbuto he outra moléstia , que vem complicar a dysenteria chronica nos individuos sobre tudo que tem íofri- do privações , e que por condição ou género de vida se achão summamente debilitados. Os marinheiros abordo das embarcações ; os soldados nos campos , quando ha carestia de alimentos frescos e vegetaes ; sobre tudo em huma esta- P ii ção 1 1 6 Memoiias da Academia Real Çao húmida e fria ; eis-aqui os indivíduos que são objecto desta àysenteria ebronica complicada. Esta moléstia manifesta-se pelo estado esponjoso das gengives , as chymoses cutâneas, oedemas , ou infiltrações das extremidades interiores , cansaço ao menor excreicio , laxidão muscular , o mão hálito , hemorragias passivas , c outros symptom.is próprios e característicos desta affecção. Os indivíduos afectados de huma àysenteria ebronica assim complicada, são ordinariamente os mais incuráveis, porque he mais difficil apropriar a justa combinação de remédios, quando o SCOfbufO tem passado o seu primeiro grão. Quaesquer que sejão as caus.is privativas do scorbuto, he evidente que cilas podem dar lugar tanto a esta molés- tia , como á àysenteria ebronica , quando as circumstancias individuaes são favoráveis para a formação de huma ou outra moléstia ; fallo aqui do scorbuto accidental , e não daqucl- le que se desenvolve epidemico , como acontece nos indi- víduos acima referidos , em que a falta de huma notiirura vegetal fresca parece ser a causa mais produetora do scor- buto. Muito mais poderia dizer sobre o scorbuto , se aquil- lo que temos dito não fosse sníficiente para o nosso objecto, e sendo estranha toda a outra discussão a este respeito. §. XXIV. A moléstia syphilitica pôde complicar de huma manei- ra especial a àysenteria ebronica. Os tecidos que a moléstia venérea ataca com preferencia são a pelle , as membranas mucosas , os ossos , &c. independentemente de aíFecção lo- cal venérea que possa existir nos intestinos, como he pos- sível ; a infecção geral pôde nimiamente complicar o trata- mento da àysenteria ebronica. Quando na presença de huma àysenteria ebronica as do- res osteocopas , e mesmo intestinaes tiverem lugar, que se augmentem durante a noite , quando houverem gommas , exostoses, e outros symptomas communs de huma syphillis ge" àlu..l Utr das Scienciasde Lisboa. 117 geral , e que a dysentcria chronica tendo sido tratada pelos meios appropriados , de que {aliaremos , não tenha podido curar-sc ; não ha duvida que este vicio especifico seja ca- paz de entreter a rebeldia da èftmtteriã chronica , e que es- ta complicação mereça hum tratamento particular, e espe- cifico. Ás phlegmasias syphi líticas que são especificas, pois que não cedem ao tratamento geral das phlegmasias , de- vem constituir huma espécie particular, e no caso de que tratamos devem fazer huma espécie de disenteria chronica. distincta na pratica destas moléstias. §. XXV. Outras complicações podem offerecer-se com a disen- teria chronica \ mas alem de não serem communs , c de não complicarem muito a therapeutica desta moléstia , são fá- ceis de remediar, usando cm geral de hum tratamento apropriado a essas moléstias. As febres malignas (ataxio ) e intermittentes são aquellas que complica* também a dy- senteria chronica , ainda que raras vezes ; mas neste caso o tratamento hc dirigido a combater a febre sern contempla- ção a' disenteria chronica, visto que esra complicação pódc sacrificar o. doente independentemente da moléstia dyscn- tenca ; eis-aqui porque nós não quizemos Ij.zer espécies distinctas destas complicações , como não sendo susceptí- veis de complicar muito a therapeutica da djsenteria chroni- ca, objecto primordial a que dirigimos este trabalho. Não deve esquecer que o rheunutismo , a gota , c a disruria que complicão igualmente a dysenteria chronica. (a) Af- (rt) O rneumatisroo , c .1 gota podendo complicar a dyicr.tui,: 1 et , poderiáo formar duas espécies d's:incras; mas prescindimos desta di- visão para as fazer entrar nas accidenraes, evitando assim multiplicar as espécies , visto que o tiatatamcnto não diversifica muito. _ ~ÍV1 — 1 1 8 Memorias da Academia Real Artigo III. Das terminações ordinárias da dysenteria chronica- §. XXVI. A dysenteria chronica termina favoravelmente pela reso- lução quando ella hc simples , e que tem sido tratada me- thodicamente desde o seu principio pela forma que estabe- lecerei na therapeutica desta moléstia ; porém nem sempre tem esta feliz terminação em todos os casos , e as suas ter- minações são muito variadas. Humas terminão pela morte, o que he raro, quando cilas tem sido tratadas segundo as melhores regras praticas , e que os doentes tem seguido .hum regimen dietético, conforme esta longa moléstia. Ou- tras terminão por outras moléstias em que se convertem , e esta conversão muitas vezes alterna em certas circumstan- cias individuacs. §. XXVII. A dysenteria chronica passa algumas vezes ao estado de huma verdadeira íienteria, quero dizer, ao estado em que os alimentos não soffrendo aquella commutação digestiva pró- pria , passão pelas dejeções sem quasi alteração alguma ; ou- tras vezes tendo sido bem digeridos , e convertidos em chy- lo , este passa visivelmente nas matérias das dejeções dysen- tericas , por causa da obstrucção e inércia dos vasos lácteos, os quaes não podem exercer a sua funeção absorbente ; e neste caso o marasmo he huma consequência infallivel da falta de chylo reparador da nossa constituição. Esta terminação he sempre filha de hum máo tratamen- to , e da falta de regimen do doente ; porque as irritações continuadas sobre a sede da phlegmasia intestinal perpetuão este mesmo excesso de exaltação de sensibilidade da mu- co- das Sciencias de Lisboa. 119 cosa, a qual por fim se faz espessa, coriacea (dcixc-me assim explicar) insensível , ficando os vasos absorbentes inhá- beis para executar as suas funeções , &c. &c. §. XXVIII. Tenho visto huma dysentcria chronica terminar-sc por hunn asthma , para a qual o doente tinha alguma prxdis- posiçao ; c o mais he que em huma recahida da dysente- ria ibronica, a nfFjcçao asthnutica dcsapparcceo totalmente. A mesma dysenteria pode terminar por huma outra affecção dos pulmões, como hum catharro , huma tisica (c esta ter- minação não he muito rara) e por hum hydrotorax. Ordi- narumente estas são humas vezes mais complicações do que terminações da disenteria chronica , pois que esta continua a existir com aquellas cm muitos casos , e então não se po- dem chamar terminações ; mas outras vezes devem ser re- putadas terminações quando a dysenteria chronica dcsappare- ceo , qualquer que seja a moléstia que sobrevenha áquella. Eis-aqui o motivo por que fizemos hum Artigo separado das terminações , ou conversões da dysenteria chronica simples in- dependentemente das complicações que temos estabelecido. CAPITULO III. Therapaitica da dysenteria chronica. E iSte Capitulo sendo o mais interessante, será dividido em dois Artigos, na forma do plano que temos adoptado para a pathologia da dysenteria chronica; no primeiro expo- rei a therapeutica da dysenteria chronica simples, e no segun- do a da complicada. ,. o* zao Memorias da Academia Real Artigo I. Methodo curativo para a dysenteria cbroriíca simples. §. XXIX. A dysenteria chronica , como dissemos , suecede á dysen- teria aguda geralmente fallando , ainda que ella possa ser a conversão de outra moléstia como indicamos. A dysenteria chronica he também o resultado de huma diarrhéa , quando por inépcia do Professor lhe he applicado hum tratamento perturbador, que está longe de diminuir o estado de irrita- ção augmentada dos vasos capilares rubros, ou brancos , que se distribuem na membrana mucosa , cuja phlegmasia cons- titue essencialmente a dysenteria chronica. A insubordinação dos doentes he pela maior parte das vezes a causa desta conversão de moléstia, com particularidade naquellcs indi- viduos que peta sua educação não são susceptíveis á forçi de huma melhor Lógica , o serem obrigados a seguir os dictames justos , que huma sã pratica , e experiência lhes tem mostrado ser útil. §. XXX. A primeira indicação therapeutica que se offerece em toda a moléstia em geral he a remoção de todas as causas que podem concorrer , ou concorrem eíFectivamente para producção , e perpetuação de moléstia que se trata de cu- rar. Ora a dysenteria chronica de que tratamos , sendo já hu- ma affecção secundaria, quando esta suecede á dysenteria aguda , fica evidente que esta indicação só deve ter lugar na moléstia em o seu maior auge (dysenteria aguda) que não he do nosso immediato objecto. Todavia poderão reu- nir-se algumas vezes circumstancias em que as mesmas cau- sas novamente sejao presentes , e perpetuem assim a phlo- go- DAS SciENCIAS DE LlSIOA. 121 gose própria das membranas mucosas dos intestinos j neste caso convém remcdiallas. §. XXXI. Nós dissemos que havia huma predisposição indivi- dual para contrahir esta moléstia , sem que as outras cau- sas parecessem ser produetivas (remotamente) da dysenteria chroniai ; neste mesmo caso convém , se he possível , tam- bém emendar esta predisposição individual , ou seja por hum regimen conveniente , ou seja por hum tratamento apro- priado. A segunda indicação he destruir a phlogose mucosa intestinal. lista indicação primordial, c fundamental para a cura radical da dysenteria ebronica , he aquclla que deve oc- cupar toda a nossa attcnçao. He conforme a pathologia que temos estabelecido di- minuir o estado de exaltação da sensibilidade dos capilares sanguineos , e outros que se distribuem na membrana mu- cosa dos intestinos, fazendo com que aquella seja levada ao seu typo natural de que estava desviada , formando a phlegmasia das ditas membranas , cujo estado pathologico constitue essencialmente a dysenteria ebronica. Os capilares rubros , e brancos assim irritados ( pelas causas proegressas) chamão líquidos das differentes partes da machina animal , os quacs segregados alli pela acção pró- pria, constituem a base das dejeções alvínas tão abundan- tes, mais ou menos variadas, conforme a violência da phle- gmasia , que tem lugar na dysenteria ebronica. A membrana muscular dos intestinos participa deste or- gasmo e irritação, que constitue a phlegmasia da membra- na mucosa , e dá lugar a contracções convulsas dos intesti- nos manifestadas pelo tenesmo , puxos, e por esta espécie de movimento particular que sentem os doentes em o ca- nal intestinal na expulsão das fezes. A natureza destas dejeções , como dissemos , que he Tom. VIL Paru I. Q^ va- 122 Mfmorias da Academia Real vaiiavc! , depende talvez da qualidade dos humores segre- dados nas vísceras do baixo ventre em eertas constituições individuaes; pois que não lie fácil explicar quando esta af- fecção se manifesta sem ter precedido a dysentcria aguda, ou outra qualquer moléstia , a razão por que se desenvol- ve em alguns indivíduos a não ser huma idiosincrasia par- ticular destes mesmos indivíduos. ^ Não será porventura de- vida neste caso á qualidade do humor pancreatico, que di- rigindo-sc aos intestinos produza huma phlegmasia particu- lar na sua membrana mucosa ? Ainda que no estado p-.escntc dos nossos conhecimen- tos nada saibamos sobre a pathologia do pâncreas, com tu- do não hc temeridade medica o arriscar huma similhante conjectura. O mesmo que a este respeito se diz do pân- creas , hc do fígado , e talvez mesmo do sueco gástrico , que pela sua natureza particular, c sua alteração pódc desa- fiar huma irritação nos intestinos, &"c. &c. Estou bem cer- to que nestes casos a rebeldia de cura da dysetiteria chronica não pódc attribuir-sc a outras causas , huma vez que tenháo sido postos em pratica todos os meios adequados tanto me- dicinaes , como dietéticos. Afora estes casos , a suppressão de transpiração he a principal causa, particularmente nos paizes quentes, onde a pclle achaiido-se exposta a continuas excitações pela in- tensidade do calor, cahe em hum entorpecimento tal, que hc mui difficil tornar-lhe a dar aquella energia vital própria a recuperar as suas funcçócs , com especialidade a da trans- piração. O frio nos paizes septentrionaes produz o mesmo resultado , ainda que por hum meio inverso. §. XXXII. Huma das vistas principaes na indicação fundamental da áyaenteria chronica he afastar dos intestinos todas as cau- sas de irritação , e esta direcção viciosa dos líquidos pró- prios do órgão cutâneo ( estabclcndo pontos de excitação nes- nt (ii DAS SciENCIAS D E L I S 3 O A. I 2 3 neste ultimo órgão) para desviar do tubo digestivo esta con- centração , e foco ile maior vitalidade que alli tende a li- xarsc. Eis-aqui porque nas moléstias cutâneas nós pratica- mos huma indicação inversa, fazendo irritações intestinaes para desviar da pellc irritações maiores produzidas pelos humores especificos que constituem as differentes moléstias de pelle, o que he fundado nesta grande associação sympa- tiea de movimentos vitaes que existem entre estes órgãos tão análogos pela sua estruetura e funeções , &c. &c. §. XXXIII. Esta mesma indicação se pode satisfazer com applica- ções feitas ao canal digestivo ; as quacs devem humas vezes obrar distinctamente sobre a sede da phlegmasia mucosa in- testinal, que hc a parte irritada, e sobre cuja irritação a acção daquelles meios deve ser torpente , e calmante da sen- sibilidade dos capillarcs rubros, e brancos , que se distribuem nesta membrana , cujos indicados nos serão logo conhecidos ; outras vezes devem obrar indirectamente sobre o estômago , sendo a sua acção sobre a parte inflammada muito fraca , ou quasi nulla ; indicados que nunca podem ter lugar ( fal- ]o dos tónicos ) senão quando os primeiros tem calmado a parte irritada , e a tem felizmente reduzido a huma debi- lidade local simples, sem phlegmasia sensível; e que por Outra parte a organisação esteja em estado de não poder reagir violentamente , e de reproduzir a mesma phlegma- sia , cuja recahida hc sempre de mais difficil cura : sueces- sos que tem sido frequentes para aquelles Práticos , que não vêm na dysenteria ebronica mais que hum relaxamento local , huma asthenia local , hum estado ulceroso , &c. , ignorando os verdadeiros princípios pathologicos cm que se funda a moléstia de que tratamos. §. XXXIV. A dieta faz a parte mais essencial da therapeutica da Q, ii dy- 124 Memorias da Academia Real àysenteria chronica. Os Brownianos que não tem visto c olha- do esta moléstia senão como huma perfeita asthenia , tem por esta razão prescripto huma dieta estimulante , absolu- tamente nociva, c aggravadora da àysenteria chronica. A ex- periência de todos os dias dos melhores Práticos , assim co- mo a minha própria , tem positivamente mostrado que a dieta apropriada deve ser a mais rigorosamente seguida na cura desta moléstia ; e que toda a indulgência , durante c depois do tratamento dos doentes , he sempre perigosa na cura radical desta affecção chronica. A dieta não deve ser senão de alimentos que além de serem nutrientes, e de huma fácil digestão, sejão os que deixem o menor residuo excrementicio possível depois da digestão ; porque he este residuo que pela sua acção irri- tante sobre a phlegmasia mucosa dos intestinos a ag grava consideravelmente, e costuma ser a causa da rebeldia da cu- ra da àysenteria chrotiica. Em quanto a mim , tenho sempre observado , e constantemente notado ( como Broussais ) que he inútil todo o tratamento methodico apropriado , se aos doentes se concede a menor indulgência a respeito não só dos alimentos irritantes , mas também daquellcs que temos apontado, quando são dados em grande quantidade. §. XXXV. Os alimentos que reúnem as propriedades ditas , c con- venientes aos dysentericos chronicos , são os alimentos fari- nosos , gommosos , assucarados , e os mucilaginosos , &c, dos quacs faremos a seu tempo particular enumeração. As bebidas mais apropriadas são agua , e vinho ; a agua deve ser raras vezes simples , mas sim assucarada , panada , assim como o vinho , que nem sempre deve ter lugar , como especificaremos. §. XXXVI. Dissemos que os alimentos assucarados, e todos aquel- les - ^. DAS SciENCIAS DE LlSBOA. I 2 J les dc huma fácil digestão nada fibrosos, crão os que con- vinhão , porque estes fornecendo menor residuo cxcrcmcn- ticio depois da digestão , não augmentao n phlegmasia mu- cosa dos intestinos. O arroz , o pão de trigo em sopa , ou em forma dc papas , ou outras panadas desta natureza , o chocolate bem diluído , e bem feito com algumas gemas d'ovos, formão substancias nutritivas, e dc fácil digestão pa- ra o estômago, c muito pouco ou nada irritantes da phlogosc intestinal. Os fruetos mucoso-assucarados , maduros cosidos são muito úteis. Os caldos dc vitclla , gallinha , frango, os mesmos com arroz bem cosidos convém igualmente. A quan- tidade deve ser graduada segundo as forças c precisão dos indivíduos, evitando toda a indulgência para com os doen- tes que pedem com instancia que os alimentem. , tendo sem- pre o appetitc muito bom ; por consequência hc precisa grande vigilância para que os doentes não possão obter ou- tros alimentos senão os prescriptos ; e ainda assim he pre- ciso dallos em pequena quantidade. Quando acontece po- rém que a digestão hc muito fraca , c que o appetitc he diminuído , então convém aromatizar , estes alimentos com xaropes aromáticos , como de casca de laranja , noz mosca- da, macís , c outras substancias desta natureza, a fim dc ele- var as forças digestivas abatidas. Finalmente a quantidade não só deve ser regulada segundo estas circumstancias, mas também pela maior ou menor violência dos symptomas da phlcgmasia mucosa. §. XXXVII. As bebidas devem ser mucilaginosas , acidulas , gom- mosas , aquosas , c vinhosas , conforme a graduação das for- ças do doente, reguladas pela natureza da sua constituição, e violência da phlegmasia mucosa. As bebidas mucilagino- sas, aciduladas, devem ser preferidas sobre tudo quando a dyscnteria for febril , c que a violência dos seus symptomas a aproximem da dyscnteria aguda; mas fora destes casos as bc- ■ nó Memorias da Academia Real bebidas aquosas tem lugar , as quacs devem ser panadas ; as bebidas vinliosas devem ser assucaradas e mesmo opia- das ; mas o vinho he applicado quando as forças geraes , c digestivas do doente forem muito abatidas ; neste caso o vinho deve ser bom , generoso , porém pouco alcoholico ; sendo necessário além disto que as desordens symptomati- cas de dysenteria chronica estejao moderadas, c muito miti- gadas. De resto pela maior parte das vezes hc nocivo, con- vém nestes casos abster-se da sua applicação. Em regra ge- ral as bebidas vinhosas são úteis na convalescença da dysen- teria chronica. Passamos agora aos meios therapeuticos , que sejão próprios a encher as indicações, e vistas indicativas que temos estabelecido para o tratamento da dysenteria chro- nica. §. XXXVIII. Medicamentos próprios a satisfazer as indicações expostas. A primeira indicação, isto he , a destruição das causas remotas da dysenteria chronica deixa de ter lugar , pois que raras vezes , como dissemos , são presentes nesta moléstia. Entretanto como o frio he huma causa que continua a pro- duzir a suppressão da transpiração , em consequência do en- torpecimento que na pellc tem produzido , hc justo que os doentes desta ordem se afastem da acção do frio , e se con- servem agazalhados, e em huma temperatura maior do que no estado de saúde -y de resto esta mesma indicação entra propriamente nas outras que vamos satisfazer com os indi- cados seguintes , que nós dividiremos em externos , e inter- nos. §. XXXIX. Meios externos. Entretanto devem ter primeiro lugar os banhos quentes. A sua applicação hc útil nos primeiros tempos da dysenteria ebro- ni- DAS S. CIÊNCIA? DE L I S li O A . I 2 7 nica ; porque então as torças geracs dos doentes de ordiná- rio não estão, d ira iiv aidas consideravelmente , t em qualquer tempo, por mais por t rali ida que seja a moléstia, 1.0111 tan- to que estas se conservem , (a) os banhos tem o seu lugar. A sua duração deve ser modificada segundo c^tas iiicmims circumstancias; ordinariamente nunea devem e.\eedcr a hum quarto d' hora. A sua temperatura deve, ser hum pouco su- perior ao calor do corpo. O estado da maior , ou menor violência da phlegmasia l\as membranas mucosas dos intes-> tinos grossos decidirá do numero delles , e da forma do seu uso, se devem ser diários, ou alternados, como a experiên- cia deve dirigir. Eu tenho usado delles nestas d iffc rentes formas : vejão- se as observações que me são próprias , e çommunicadas. Os banhos quentes salgados devem ter preferencia çn\ algumas circumstancias aos banhos simplices , como quando o doente se achar em hum estado de caquexia , ou debilw dade extraordinária do órgão cutâneo , &c. A maneira como os banhos produzem este feliz effei- to he pela distribuição geral da sensibilidade por todo o órgão cutâneo , repartindd-sé assam por elle o excesso da força vital , que a phlogose linha accumulado na membra- na mucosa intestinal. §. XL. Os sinapismos, os vesicatórios!) c os fonticulos são 09 remédios externos que mais aproveitão depois dos banhos. Aquelles devem ser applicados como rubeiacientcs sobre o baixo ventre e extremidades , depois da phlegmasia ctar mitigada pelos meios internos , de que fadaremos logo ; por- (- §. XLIV. Quando a dysenteria chronica he acompanhada de febre, o que indica maior violência na phlegmasia mucosa , os de» mulcentes, c os mucilaginosos são muito úteis como susce- pti- SI2H or DAS SciENCIAS DE L 1 S E O A. I 3 I ptivcis de calmar a irritação intestinal ; quando as forças porem se achão diminuídas, e que a digestão he má, de- vem ser associados aos amargos, porém daquelles que obrão particularmente sobre o estômago , como os cstomachaes ; porque estes juntos aos opiados são os remédios preferiveis para a cura desta moléstia. Todos os remédios demulcentes adoçantes, como também os gommosos mais ou menos com- binados, e modificada a sua applicação, conforme a violên- cia da phlogose mucosa intestinal , são de grande utilida- de. §. XLV. Os adstringentes devem ser proscriptos da dysenteria ebronica simples , porque cllcs aggravão decisivamente a phlo- gose mucosa , porque estes não podem deixar de obrar im- mediatamente sobre a parte affectada dos intestinos que constitue a dysenteria ebronica. Todas as vezes que os tenho ensaiado me tem sido nocivos ; c em hum caso tendo sido administrados em grande quantidade , e dos mais fortes , ag- gravárão de tal solte a dysenteria ebronica , que esta passou a hum estado agudo violento , de sorte que foi necessário combatclla pelos meios antiphlogisticos e demulcentes, an- tes de empregar os brandos cstomachaes e gommosos , &c. Se alguns Authores tem achado vantagens , suspeito que te- nhão confundido a dysenteria ebronica com a diarrhéa. §. XLVI. Os tónicos brandos são muito convenientes na dysen- teria ebronica , porque estes não transmittem huma excitação que possa ser nociva á phlogose intestinal ; e desta nature- za são os brandos cstomachaes , como a genciana , a quas- sia , a quina cm infusão aquosa, junto aos gommosos, co- mo são emulsões de gomma Arábia , junto aos opiados so- bre tudo, e algumas vezes aos mucilaginosos. A experiên- cia tem mostrado aos que tem tido occasiáo de fazer obscr- R ii va- 132 Memorias da Academia Reai, vaçóes sobre o tratamento desta moléstia , que estes suo os únicos remédios que aproveitão quando a phlcgmasia chro- nica intestinal se acha moderada pelos medicamentos muci- laginosos , c outros que temos recommendado. Quando po- rém as forças do doente se conservarem sem diminuição sen- sível , neste caso he preciso abstermo-nos de os applicar a grandes doses , e só combinados da forma exposta. Deven- do-se todavia em circumstancias oppostas emprcgallos com mão mais larga ; c todas as vezes que as forças se resta- belecerem , devemos supprimillos inteiramente , ou em par- te , com o receio de não suscitarmos huma reacção febril , e por consequência a exaltação da sensibilidade da mucosa dos intestinos , onde tem a sede a âysenteria chronka. Em hum caso (veja-se a observação i.a ) em que os adstringentes forão nocivos , tendo-os ensaiado na forma da pratica vulgar dos Médicos, só os brandos tónicos combi- nados com as substancias gommosas copiadas, forão úteis ; e neste caso mesmo me achei em circumstancias de os sup- primir quasi inteiramente , porque vi as forças voltarem mais promptamente do que era de esperar, receando augmentar ou renovar a phlogose mucosa , que acabava de ser comba- tida ; a cura por este meio foi completa. Veja-se a observação já citada. §. XLVII. Os estimulantes raras vezes tem applicação na âysen- teria chronka simples, e só devem ser applicados no caso cm que as forças estejão extremamente abatidas , porque en- tão são úteis para elevar as forças ; mas o seu uso nunca tem lugar no principio da âysenteria chronka , e somente quando ella se tem prolongado consideravelmente , e que se tem complicado com alguma outra affecção em que estes devao ser applicados. Os aromáticos simplices são aquelles que a maior par- te das vezes se usão para aromatizar não só os outros me- dicamentos estomachaes , gommosos , e calmantes , mas tam- bém si a a d, rasSciencias de Lisboa. 133 bem as bebidas , e os alimentos , quando a digestão se acha prevertida , e a acção do estômago muito enfraquecida. O óleo sacharo de macís , e a noz moscada devem ter preferencia quando se trata de satisfazer a esta ultima in- dicação. As infusões de canella , e de flores de laranja, jun- tas ao assucar, e outras substancias gommosas, e assucara- das devem também ter seu uso nestas circumstancias , de- vendo ser rejeitados todos os estimulantes nimiamente dif- fusivos no tratamento da dysenteria chronica simples. §. XLVIII. Os opiados de que agora vamos a tratar são os remé- dios internos junto aos estomachaes , e gommosos , &c. ; aqucl- les que podem chamar-se heróicos na cura da dysenteria chro- nica. Estas substancias ( fallo do ópio) parecem obrar sobre o systema nervoso de huma maneira sui generis , de sorte que em rigor se não pôde avançar que sejão estimulando primeiro , c depois sedando ; esta opinião que he de Mr. Orfila , não deixa de me ser plausível , e isto pelas razões que elle aponta no seu Tractado de venenos. Tom. III. pag. ■ ;i; A difficuldade na cura da dysenteria está quando elle deve ter lugar , por isso que he nocivo em algumas dio- syncrasias. Por via de regra o ópio na dysenteria chronica he só útil quando he dado a pequenas doses , mas repeti- das vezes e á noite , ou só ou combinado com os tónicos brandos que lhe são indicados , e algumas vezes os esti- mulantes , conforme o estado de abatimento e deterioração das forças do doente. Elle conduz á diminuição das deje- çóes dysentericas , mitigando as dores, cm huma palavra, como hum calmante heróico no caso de puxos e tenesmos dolorosos. Os casos de idiosyncrasia particular dos indiví- duos , em que o ópio he evidentemente nocivo , não po- dem ser conhecidos senão pela pratica ; he prudente então neste caso o não ensaiar o ópio senão com mão tímida pa- ra esclarecer a marcha do Pratico. Quando elle for indica- do, FTTJ OT 134 Memorias «a Academia Real do , a melhor preparação de que se pôde lançar mão he o extracto aquoso d'opio , porque he menor incitante sem ser cm forma resinosa; ainda que outros prefirão a tintura opia- da de Londres, e o laudano liquido de Sydnham , e o mes- mo vinho o piado. A experiência porém tem mostrado a todos (excepto a Brotissais ) que o extracto aquoso he preferível a outra qualquer preparação , não se podendo pela maior parte das vezes contar com a exactidão da quantidade d'opio que en- tra naquellas preparações. He preciso todavia confessar que quando os estimulantes são indicados, (o que he raro) e que a composição opiada he bem conhecida, devem então aqucllas formulas serem preferidas ao ópio em estado de ex- tracto aquoso , porque se achão então reunidas todas as in- dicações precisas. O diascordio (preparação opiada estimu- lante) pôde então ter a sua vez, ainda que elle quasi cons- tantemente seja nocivo. §. XLIX. De tudo o que acima deixamos exposto relativamente ás preparações opiadas estimulantes , conclue-se que sendo estas pela maior parte infiéis , he melhor juntar o extracto aquoso de ópio ás substancias tónicas estimulantes que tive- rem de ser applicadas ; porque neste caso obramos com mais facilidade e segurança , estando certos da natureza e dose dos medicamentos empregados. Na convalescença da dysen- teria chroiiica convém muito o uso das aguas ferruginosas , sulphorosas, e gazosas , afim de reanimar o tubo digestivo, oppondo-se á recediva. Entre estas ultimas devem ter parti- cularmente lugar as do Gerêz como mais próprias a resta- belecer o tom , e energia dos órgãos gástricos , corrigindo o vicio das secreções e excreções, como ultimamente a ex- periência me tem mostrado. Ar- DAS SciENCIAS DE L I S B O A. I 3 JT Artigo II. Methodo curativo para a dysenteria cbronica complicada. §. L. As complicações mais ordinárias da dysenteria cbronica são, como dissemos, a hydropesia, a icterícia, o scorbuto , a moléstia syphillitica , e algumas outras, as quaes devem ser consideradas como espécies distinctas. As indicações nes- tas espécies de dysenterias ebronicas são duplas da indica- ção fundamental da dysenteria cbronica considerada como simples. A primeira he sempre a mesma , ainda que os in- dicados sejao modificados conforme a natureza da moléstia, coincidente. A segunda he diversa por isso mesmo que são differentes as moléstias complicantes. Estas duas indicações scrião mui fáceis de preencher , se os meios indicados para este fim ruo fossem em muitos casos contrários á moléstia principal, isto he , á dysenteria cbronica simples. He eviden- te que os remédios geraes indicados na anasarca , icterícia, scorbuto , &c. não podem em muitas circumstancias ter a sua applicaçao , sem exasperar a dysenteria cbronica simples ; cis-aqui a razão por que estas espécies tem sido muitas ve- zes o escolho da Medicina. Vejamos se os meios que vamos indicar satisfazem de alguma sorte a qualquer das indicações therapeuticas , que temos estabelecido nas espécies de dysenteria cbronica com- plicada. §• LI. Para a dysenteria cbronica bydropica. A hydropesia (anasarca e ascytes) he huma das maio- res complicações que pôde ter a dysenteria cbronica ; e in- fe- sta ox 136 Memorias da Academia Real felizmente não he rara. Nesta espécie de dyscnteria chronica ha sempre a dificuldade de se poderem reunir os medica- mentos apropriados a combater ambas as moléstias, sem que se aggfave huma delias , com particularidade a dyscnteria chronica simples. A regra geral no tratamento desta espécie complic^uía he combater aquella que hc mais ingente. Ora pela maior parte, das yczes hc a hydropcsia aquella que deve merecer a primeira attençao, não tendo contemplação alguma na plu- ralidade dos casos a dysenteria chronica simples : porque a vitalidade geral estando muito diminuída, os meios que se empregarem devem ser decisivos , e promptos em hum mor- bo de tal forma complicado. Os meios externos mais apropriados devem ser os vesi- catórios nas extremidades ; as fricções excitantes dos vasos ab- sorbentes, que se achão summamente entorpecidos: as mes- mas fricções seccas , e quentes devem ter preferencia a to- dos os outros meios externos , as flanellas quentes cm que sejão envolvidas as extremidades, e o baixo ventre: os sy- napismos, e outros rubefacientes de maneira a entreter pon- tos de excitação no órgão cutâneo, são vantajosos conforme a pratica dos melhores Authores, como Fournier , e outros de igual nota. As mesmas fricções húmidas espirituosas quen- tes, como de espirito de vinho canforado, de tintura de cnn- tharidas , e de digitalis , &c. devem ter lugar nas extremida- des e ventre. Os fonticulos devem ser de igual utilidade , tendo attençao ao que fica advertido no §. 40. §. LM. Os meios internos devem ser de natureza tal , que en- chão as indicações de combater a phlogose da membrana mucosa dos intestinos , e promovão absorção dos fluidos se- rosos das differentes cavidades. Como ordinariamente os que tem esta espécie de dy- senteria chronica complicada são summamente debilitados , he cia- DAS SciENCIAS UE LlSBOA. I37 claro que não só os diuréticos antiphlogisticos são recom- mendados , mas também os amargos , e mesmo os ligeiros estimulantes mais ou menos variados conforme as circumstan- cias individuae . Os opiados que são úteis na âyscnteria chronica , sim- ples , são algumas vezes nocivos nesta espécie , os quaes produzem a diminuição das ourinas , cuja evacuação deve ser promovida. O ópio porém combinado com os diuréticos, en- tre estes a scilla, c da forma que temos recommendado pa- ra o tratamento da dysev.teria chronica simples , he muito útil , porque satisfaz a todos os requisitos cm hum trata- mento complicado. Donde se vê que he preciso conservar hum meio ter- mo na natureza do tratamento tónico, e estimulante , quan- do os doentes se achão nimiamente enfraquecidos , pelo mo- tivo de não aggravarmos a phlegmasia mucosa intestinal, e ao mesmo tempo conservar e elevar gradualmente as for- ças : já se entende que falíamos da hydropesia que não he entretida por obstrucções inveteradas , e affecções organica3 do systema sanguineo , e vísceras do baixo ventre , e do thorax , porque neste caso seria preciso empregar os meios capazes de destruir estas causas , que no estado actual da pratica medica he impossível. As obstruções só quando e!!as são moderadas , e recen- tes são susceptiveis de resolução , mas quando cilas são in- veteradas passão ao estado de scirro , são incuráveis. Os meios que temos recommendado na dysenteria chro- nica simples, e que estão ao alcance de conselho medico, não devem ser omittidos ; taes são por exemplo a equita- ção , e mudança para hum ar mais puro , a emigração de hum paiz para outro , ou a volta para o paiz natal ; em hu- ma palavra , todos os meios conducentes a restabelecer as forças. Tom. VIL Pari. I. S §. 138 Memorias da Academia Rkal $. LIII. Para a dysenteria chroniea ictérica. Como a ictericia pódc ser filha de aflecçócs variadas do orgao biliar , he evidente que sendo aquella então hu- ma affecção symptomatica , será preciso combater todas es- sas affecções hepáticas , afim de reduzir esta espécie com- plicada ao seu estado de simplicidade. A inflammação chro- niea do fígado que constitue a hepatites chroniea , he hu- ma das causas mais frequentes da ictericia , ou seja preexis- tente á dysenteria , ou se desenvolva com ella ao mesmo tempo. As mesmas causas que produzem a phlegmasia mu- cosa dos intestinos podem também produzir a phlegmasia tanto das membranas do fígado , como do seu parenchyma j do que temos dito he fácil deduzir esta consequência. A indicação pois nesta espécie complicada he comba- ter a moléstia compiicante, a ictericia. No caso que huma hepatites chroniea seja causa da ictericia, he preciso resol- ver esta affecção. Se algum estado spasmodico dos duetos biliares entretém esta ictericia , he preciso combatello pelos meios que lhe são apropriados. Hum tratamento antiphlo- gistico , demulcente será indicado, se huma hepatites chro- niea , ou hum spasmo dos duetos biliares produzir a icteri- cia. Externamente tudo quanto peide calmar ainda localmen- te a sensibilidade maior do fígado , seja no caso de obstru- ção , seja no seu estado de phlegmasia aguda e chroniea , cm huma palavra , o mesmo tratamento que exige a icterí- cia segundo as suas diíFerentes causas e espécies. Os pur- gantes sendo os remédios que convém na ictericia , serão nocivos no caso de dysenteria chroniea, huma vez que os brandos laxantes (muito particularmente quando recahe so- bre hum temperamento biiioso) não sejão combinados aos opiados, e alguns demulcentes, &c. Os banhos externos são applicaveis neste caso complicado , como tenho visto em hum siau 01 DAS SciENClAS DE LíSBOA. I39 hum exemplo feliz. Ultimnmentc todos os meios therapeu- ticos que remos aconselhado na disenteria chronica simples devem acjui ter lugar , somente com as pequenas modifica- ções, de que são susceptíveis os, indivíduos em quem rceahe esta complicação ictérica. Reduzindo todo o tratamento a descomplicar esta moléstia por meios que não sejão pertur- badores da dysenteria chronica , considerada como simples , então temos resolvido a maior dificuldade. §. LIV. Para a dysenteria chronica scorbutica. Tanto esta complicação , como a hydropcsia , tem por caracter buma asthenia radical , ainda que a sua sede seja differente : na hydropcsia o systema limphatico (absorben- te) se acha no maior torpor, e debilidade; e no scorbuto a sédc tem lugar no systema vascular , e muscular com hunu grande alteração dos fluidos. Tanto as causas que produzem o scorbuto, como os symptomas que o caracterizão , são indicadores de huma de- bilidade extraordinária da organização. O tratamento diver- sifica svgundo he considerado no seu primeiro, ou segundo grão, no caso de complicação com a dysenteria chronica. Os principaes rcmedjos em ambos os casos he o uso de huma nutritura vegetal fresca combinada com substancias nutriti- vas de outra classe , que sejão capazes de dar foiças á má- quina animal que se acha cm extrema debilidade. O trata- mento no segundo grão do scorbuto deve ser tónico, e ex- citante , accommodado ao estado das forças do doente , e á violência , ou diminuição da phlegmasia mucosa intestinal. As plantas da classe tetradymania , vulgarmente chamadas an- ti-scorbuticas, devem formar a base dos remédios que se de- vem empregar no tratamento desta espécie de dysenteria complicada : e os opiados combinados com as substancias mais ou menos estimulantes , ou tónicas , devem fazer hu- S ii ma 140 Memorias da Academia Real ma outra parte da indicação do tratamento desta moléstia. De resto tudo o mais que se pôde dizer seria supérfluo sabendo-se qual he o tratamento que hc conveniente no scor- buto cm seus differentes gráos. §. LV. Para a dysenteria chronka syphi/Iitka. O vicio venéreo pôde, como dissemos, tornar rebelde o tratamento da dysenteria chronka , quando com este se acha complicada. Nesta moléstia pôde combinar-sc o tratamento mercurial externo sem contraindicação sensível, sobre tudo quando este se ajunta aos antivenereos vegetaes. Estes são preferíveis ao mercúrio , porque promovendo elles a transpi- ração sensivel , como o guaiaco, a salsa parrilha , &c. satis- fazem aos fins de huma das indicações da dysenteria chroni-> ca simples, excitando a pelle, e promovendo a transpiração supprimida. Huma vez que os symptomas de infecção venérea este- jao dissipados , he fácil então tratar-sc a dysenteria chronica que se acha reduzida ao seu estado de simplicidade. Ha ca- sos em que o mercúrio, quando he dado internamente, ata- ca os intestinos, e pôde produzir ou augmentar neste caso a phlegmasia da membrana mucosa dos intestinos , sendo muito nocivo nestas circumstancias ; porém o mercúrio dado externamente em fricções , de ordinário não produz estes cffeitos nocivos ; quanto mais que os vegetaes antisyphilli- ticos convenientemente applicados são algumas vezes suffi- cientes para a cura da moléstia venérea. Nesta ordem deve ter a preferencia o arrobe antisyphillitico de Laffecteur. Nes- te ou naquclle caso se devem empregar simultaneamente os opiados , os tónicos , segundo as circumstancias do indivi- duo exigirem, sem que haja contraindicação alguma no seu emprego ; c depois de assim simplificada a moléstia , appli- ca-se o tratamento da dysenteria chronka simples. cim Cj D AS SciENClAS DE L I S B O A. 141 §. LXVI. Para outras complicações diversas. Todas as moléstias podem complicar a disenteria chro- nica, por isso mesmo que aos indivíduos dysentencos pôde sobrevir qualquer moléstia ; se exceptuarmos o tempo das epidemias , ou de algumas endemias , são raros os casos em que temos a combater estas complicações. As febres intermittentes são certamente aquellas das or- dens das febres que mui frequentemente a compiicao , de- pois vem as febres ataxicas Da classe das phlegmasias são frequentes as peripneu- monias , os catarrhos agudos e chronicos , e todas as phle- gmasias das vísceras do baixo ventre. O rheumatismo , e a gota compiicao também a dysen- teria , e se ]he deve applicar o tratamento apropriado a ca- da huma destas affecções. Seria extenso e fastidioso , se quizessemos enumerar os tratamentos apropriados para cada huma destas moléstias que podem complicar a dysenteria chronica '. além de ser inú- til este trabalho , seria muito fora do nosso assumpto ; e nós só estabeleceremos as regras seguintes para o tratamento em geral das complicações da dysenteria chronica. Em primeiro lugar devemos ver qual he a moléstia mais urgente , porque essa he que devemos combater , por ser aquella que pódc sacrificar o individuo. Em segundo lugar em toda a complicação he preciso reduzir a moléstia ao seu estado de simplicidade , para as- sim podermos estabelecer o tratamento que fôr mais conve- niente. Em terceiro lugar he preciso satisfazer ás indicações que cada moléstia de persi exige, e em primeiro lugar a que for mais essencial. Em quarto lugar escolher os indicados para cada huma das si3« 01 I4i Memorias n a Academia Real das indicações , tanto na moléstia complicante , como na principal , que não opponhão cffeitos nocivos á complicação da moléstia que pertendemos combater. Em quinto lugar que a constituição individual seja bem conhecida , e outras circumstancias das forças do doen- te , &c. &c. , o que só a pratica e experiência pode indi- car com segurança , seguindo em tudo os preceitos médicos prudentemente considerados para cada huma destas compli- cações , em cada individuo em particular. N. B. Os alimentos que se devem prescrever em as dif- ferentes espécies de dyscntcria complicada são os mesmos que temos exposto para a dysetiteria chronica simples , haven- do respeito ás differenças , e modificações próprias da mo- léstia complicante. Artigo III. Dos meios profilácticos , e do prognostico da dysenteria chronica. §. LVII. Supposto que nós pelo decurso desta Memoria tenha- mos já fallado dos meios mais conducentes para evitar a re- cahida das dysenterias chronicas , com tudo a importância da matéria exige que nós digamos alguma cousa mais acerca do que se deve seguir na convalescença das dysenterias chro- nicas , e da maneira de pôr a abrigo das recahidas. Todos os recursos da hygiene devem ser postos aqui com muita escolha , por quanto destes depende toda a segurança de cu- ra. Os doentes dysentericos chronicos devem evitar ainda por mais de dous mezes , depois de curada a moléstia , to- das as alternativas da atmosphera , com particularidade nas estações húmidas e frias cobrirem-se com flanellas immedia- tamente postas sobre a pclle , e com especialidade nas ex- tremidades inferiores e ventre. O uso dos alimentos já pres- criptos no lugar competente deve ainda ser continuado por igual DAS SdENCIAS DE LlSBOA. I4J igual tempo , supposto que em menos rigor que durante o tratamento. Estes preceitos que dizem respeito á dysenteria ebronica simples devem sobre tudo ser observados com mais exactidão na disenteria ebronica complicada ; além disto nes- ta como por exemplo na hydropica , scorbutica , será conve- niente fazer uso do ar livre e puro , usando então de algu- mas das agras mineraes ferruginosas e gazosas para os doua casos; e quando algum vicio rlieumatico ou gotoso com- plicasse, teriao lugar as aguas sulpruirosas em bebida por tempo preciso a destruir ou a minorar estes vicios na cons- tituição, que cm muitos casos são causas complicantes de muito rebelde cura. Escusado será dizer que he preciso fugir dos lugares donde reinão contagiosamente as epidemias das dysentcr : agudas , a fim de contrahir de novo huma moléstia , que não deixaria de ser fatal , visto o estado precedente da cons- tituição. Em summa he preciso evitar não só as causas phy sicas, mas também as moraes deprimentes, asquacs são por si só capazes de fazer as recahidas de similhantes molés- tias , circumstancias muito mais attendiveis na sua convales- cença, §. LVIII. Pelo que temos dito nesta Memoria , he evidente que o prognostico em huns casos he favorável , e em outros he fatal. Para se fazer verdadeiramente hum exacto prognostico nesta moléstia , he necessário que os doentes ponhão em pratica todas as regras dietéticas c therapeuticas que temos estabelecido; e quando assim usadas, podemos deduzir os casos em que as disenterias ebrenicas são curáveis ou incu- ráveis ; por quanto a curabilidade ou ínçurabilidade he re- lativa a boa ou má observância dos preceitos de hygiene , e de therapeutica ; debaixo destes dados teremos que As disenterias ebronicas são curáveis todas as que se derem em doentes, cujas forças não estiverem inteiramen- te abatidas , e que por hum máo tratamento e regimen se não sn;i oi 144 Memorias da Academia Real não tcnhão estabelecido affccções orgânicas nos intestinos, como o scirro e ulcerações , as quaes nós admittimos somen- te como cffeito, e nao como causa, especialmente em doen- tes dyscntericos inveterados. §. LIX. São igualmente curáveis as dysenterias chronicas compli- cadas com a hydropesia , sem ser produzida por obstrucções antigas, como a icteria sem afFecçócs orgânicas, e de pou- co tempo ; a syphilitica accidental , isto he , quando a mo- léstia venérea venha complicar a dysenteria, e de nenhuma forma quando a dysenteria chrouica hc symptomatica , e con- secutiva de huma syphilis inveterada. Hc igualmente cura- vcl a scorbutica em primeiro gráo quando rccahe em cons- tituição robusta e moça. São incuráveis todas as dysenterias chronicas simplices cm doentes caqueticos , nas complicadas com scorbuto em segundo gráo, em a syphilitica consecutiva inveterada, na icterícia nas circumstancias já apontadas, segundo os conhe- cimentos médicos actuaes. CAPITULO IV. Observações praticas que confirmao a therapetttica esta- belecida. E5 /Ste Capitulo será dividido em três Artigos, nos quaes, para melhor arranjamento , faremos a exposição das obser- vações próprias , communicadas , e de differentes Authores , as quaes todas se dirigem a mostrar a confirmação da pa- thologia , da therapeutica , e de tudo o mais que temos di- to nesta Memoria. Ar- DAS SciENCTAS DE LlSBOA. 14? Artigo I. Observações próprias. §. LX. 1.» A * * Mulher de idade de 43 annos, ainda menstruada, de huma constituição sanguinea e robusta , soffreo varias af- fecçóes syphilliticas , de que foi bem tratada. Desde a ida- de de 15- annos entrou a sofFrer faltas de respiração durante alguns dias, as quaes se dissiparão promptamente. Na idade de 25- annos sobrevierão as mesmas faltas de respiração com huma forma asthmatica ? as quaes se dissiparão pela appli- cação dos eméticos , e Outros remédios apropriados. Aos 40 annos principiou a desenvolver-se a mesma affecção asthma- tica, a qual se dissipou; porém neste mesmo tempo sobre- veio huma dysenteria chronica sem movimento febril , caracte- rizada por dejeções mucosas e puriformes , tendo sido an- tes biliosas , e por outros symptomas que acompanhão hu- ma dysenteria chronica. Eu fui chamado para dar os soccor- ros i doente , tendo já dois annos de duração a dysenteria chronica. Imbuído nos mesmos princípios de pathologia , de que era hum relaxamento , ou debilidade local da membrana mu- cosa dos intestinos a causa da dysenteria chronica que tinha a combater , appliquei hum tratamento adstringente : porém tive de me arrepender , porque a moléstia foi aggravada em todos os seus symptomas , particularmente o tenesmo , as dores , e o augmento das dejeções com algum movimento febril. Então prescrevi a ipecacuanha como nauseante , afim de fazer huma derivação para a pelle , e evacuar alguma saburra do estômago , a qual me era indicada pelo amargo da boca , pela lingua mucosa , &c. O resultado mais prompto Tom. Vil. Paru I. T foi 146 Memokias da Acadbmia Real foi a suspensão da dysenteria por 20 horas. Neste tempo continuei logo o uso da mesma ipecacuanha combinada com o extracto aquoso de ópio junto ao extracto de alcaçuz. A dieta foi de caldos d'arroz , e alguma sopa de pão aroma- tizada levemente com canella cm pó. Este tratamento assim prescripto foi coroado de suecesso no fim de 4 dias, c du- rante os ij dias que a sujeitei ao mesmo tratamento. Passado este tempo tendo condescendido com a doen- te sobre a dieta de carne , e huma pequena porção de vi- nho, a recahida da dysenteria clnonica sobreveio aos 18 dias de suspensão. A volta da dysenteria ebronica que até alli ti- nha sido com bom appetite , desta vez foi com perda delle.' Nestas circumstancias mudei para o tratamento seguinte. Os tónicos estomachaes, como foi a infusão de casca de laran- ja e genciana , e huma oitava de quina para huma libra de medicamento, a que juntei duas onças de emulsão Arábica, e o xarope de Battmé em dose de dois grãos por libra, sen- do dadas duas onças deste medicamento por cada vez , e de 3 em 3 horas. A dieta que prescrevi foi mais rigorosa , pois foi de caldos de gallinha com alguns de arroz , e pa- ra bebida agua panada. Com este tratamento durante huma semana a dysenteria ebronica estava suspensa. Então no fim deste tempo cessei com a bebida amarga estomachal , e vol- tei ao uso das pilulas de ipecacuanha , ópio , e alcaçuz , e á mesma dieta , porque principiava a haver apetite. A trans- piração se restabeleceo estando até alli supprimida. A cura foi radical continuando na mesma prescripção de tratamento e dieta , no fim do qual o frango , e caldos mais nutritivos , e alguma fruta (maçans assadas) forao o alimento da doen- te por quasi o espaço de três mezes ; findos os quaes he que pôde voltar ao uso dos outros alimentos , recommen- dando-Ihe muito que evitasse as indigestões. No fim de hum anno voltou a affecção asthmatica (ten- do precedido causas moraes deprimentes) a qual foi mui- to forte. Os eméticos erão o remédio que produzião ainda hum prorapto alivio , cujos ataques voltarão a cada phase de 8ISY OT DAS SciENCIAS DE LlSEOA. I 47 de Lua, e crão também dissipados pelos mesmos meios. Por esta occasião quiz chamar de novo a dysenteria chronica pa- ra substituir a affecçao asthmatica , a qual a doente dese- java dissipada, ainda que outra se renovasse. Por consequên- cia empreguei os purgantes brandos , e outros meios con- tinuados por muito tempo ; mas não me foi possível , du- rante hum mez deste tratamento , o poder chamar a dita dysenteria chronica ; entretanto que pelos remédios apropria- dos que se applicárao, a affecçao asthmatica dissipou-se, não tendo havido alguns mezes depois recahida nem de huma, nem de outra moléstia. §. LXI. A observação precedente prova t.° que o tratamento que indicamos he o mais apropriado para a cura da dysen» teria chronica : 2.0 que a dysenteria chronica terminou por exacerbar a affecçao asthmatica : 3.0 que esta se dissipou , apesar de que se pozerão em pratica todos os meios para chamar aquella : 4.0 que á dieta rigorosa , e constantemente observada pela doente e por muito tempo se deveo a cura ra- dical da dysenteria chronica : 5".° que a affecçao pulmonar asthma- tica sendo de nascença , se curou de certo modo pela conver- são que houve de huma para outra: 6." finalmente que esta dysenteria chronica foi produzida por huma asthma , tendo con- corrido as desordens , e irregularidade que a doente princi- piava a sentir na sua menstruação , quando se desenvolveo a dysenteria , a qual acabou também pela cura da dysente- ria chronica, e talvez mesmo da asthma sem esperanças de recidiva. §. LXII. 2.1 F. * * Homem de 30 annos de idade, de huma cons- tituição lymphatica, sujeito a catharros que terminarão sem- T ii pre 148 Memorias da Academia Real pre pela resolução. Tendo hum dia sofrido hum frio hú- mido nas extremidades inferiores durante o Outono , foi ata- cado de huma dyscnteria aguda com grande febre , a qual não tendo cedido aos remédios antiphlogisticos, demulcen- tes , e opiados, se tornou chronica no fim de mez e meio. Passado este tempo , sendo entregue á minha confiança , sou- be que o catharro não tinha mais voltado. A suppressão de transpiração era constante, as dejeções mucosas mais ou me- nos variadas tinhão lugar com muita frequência , puxos do- lorosos, &c. Na persuasão de que realmente tinha a tratar huma dyscnteria chronica , prescrevi as bebidas demuleentes, os opiados, os banhos quentes em dias alternados, na tem- peratura sensivel , ou pouco superior á do corpo , de cinco até dez minutos cada hum. Quando o doente tinha tomado seis banhos , a transpiração foi restabelecida , as dejeções forão diminuídas, assim como o tenesmo; tendo durado o trata- mento quinze dias mais a dysenteria chronica foi perfeitamen- te curada. A dieta que prescrevi foi a mesma que seguio o doen- te da primeira observação. Aconselhei ao doente que desse seus passeios , bem vestido com flanella , sendo então o tem- po frio e seceo , e que todas as noites fizesse fricções aro- máticas e seccas , durante o espaço ainda de hum mez. O doente se conserva bom sem recahida , tendo-se já passa- do oito mezes. Eis-aqui o caso de huma dysenteria chronica procedida de huma dysenteria aguda, sendo a causa huma grande facilidade que tinha o doente para a suppressão de transpiração , pelo que se formou a phlogose nos intestinos em lugar de se formar nos bronchios, como d'antes acon- tecia dando lugar a catharros. Donde se vê que a cura desta dysenteria foi devida com particularidade aos banhos quentes , e aos opiados com a dieta apropriada. §• DAS SciENCIAS DE LlSBOA. I ,*£ §. LXIII. J. H. Menina de idade de 7 annos foi atacada de hum sarampo, o qual foi curado pelo methodo antiphlogistico conveniente; appareceo porem nos últimos dias da descama- ção hum fluxo seroso com dores e puxos mais ou menos do- lorosos, e com movimento febril. Nesre estado appliquei os brandos adstringentes , os quaes desafiarão huma irritação extraordinária da membrana mucosa dos intestinos , na per- suasão que tinha a combater huma diarrhéa , cuja duração de 16 dias eu hia receando que compromettesse a vida da doente. Appliquei huma tisana demulcente tal como a de althéa , e á noite as pílulas de ópio, ipecacuanha, e ex- tracto molle de alcaçuz. Dois dias depois prescrevi huma tisana estomachal tal como a da primeira observação , c ve- sicatórios nas extremidades inferiores. A suspensão das de- jeções alvinas teve lugar no fim de 3 dias, e continuou sem rec-ihida ; attendendo porém à debilidade cm que se achava a doente em consequência da prolongaçao da moléstia , pres- crevi-lhe o uso das aguas ferreas , as quaes sendo dadas no principio a pequenas doses , forao combinadas com a tintu- ra de ópio de Londres. A doente se restabeleceo perfeita- mente , tendo seguido huma dieta feculenta , gommosa, &c. cm huma palavra, tal como temos prescripto na therapeu- tica desta moléstia. Esta observação prova que a dysenteria ebronica pôde também sueceder ás moléstias eruptivas , ainda que de or- dinário terminem aqucllas por diarrhéa : que as aguas mar- ciacs são uteis no tratamento desta moléstia quando ella se tem protrahido muito, e que a phlegmasia mucosa se tem mitigado primeiro convenientemente pelos meios que temos proposto. Ar- si:i3 01 ijo Memorias da Academia Real Artigo II. Observações communicadas. §. LXIV. Hum homem de idade de 36 annos , de huma fibra ri- ja , dotado de hum temperamento nervoso , foi sujeito a huma febre intermittente , que tomou differentes typos , sen- do primeiro terça , depois quarta com frequentes recahidas. Esta cedia facilmente á quina c aos outros tónicos ; na oc- casião porém de huma recahida tomou huma grande quan- tidade de quina em infusão alcoholica , com a qual appare- ceo huma hepatites aguda , a qual tendo diminuído de in- tensidade , dêo lugar depois a huma icteiicia acompanhada de huma dysenteria chronica. Quando o Facultativo se incumbio do doente , a dysen- teria chronica era também caracterisada como a ictericia. Neste caso complicado he evidente que a febre intermitten- te se fez contínua em consequência do abuso da quina c alcohol , a qual produzio a phlogose do ligado, e da mem- brana mucosa dos intestinos grossos que constitue a dysen- teria chronica. Hum tratamento dernulcente acidulado e an- tiphlogistico lhe foi applicado , e no espaço de iy dias os symptomas da ictericia se dissiparão , assim como a phlegma- sia hepática , excepto porém a dysenteria chronica que ten- do minorado muito, continuou a presistir em o seu estado chronico , com dejeções mucoso-biliosas , tenesmo conside- rável , porém sem febre alguma. O ópio em forma de pós de Dowcr foi prescripto a doses frequentes. Quando as forças do doente se achavao enfraquecidas , foi posto cm hum tratamento tónico , porém tirado dos es- tomachaes combinados com os opiados. Os DAS SciINCIAS DF. LlSBOA. 1 J I Os meios externos forão hum vesicatório sobre a re- gião do figado : banhos quentes quando a phegmasia hepá- tica e a icterícia se tinhao dissipado inteiramente. A cura foi constante , tendo-se o tratamento prolongado a mais de dois mezes. A dieta foi de caldos , em quanto a violência das phlegmasias visceraes foi considerável , e que as forças do doente se não debilitarão muito ; neste ultimo caso a dieta foi então maior , porém não excedendo aos caldos de frango , e de vitclla com arroz bem cozido , com alguma porção de gallinha, e pequenas quantidades de vinho, pa- ra o fim da moléstia , quando se tinha mitigado considera- velmente. Eis-aqui pois temos nós huma clysenteria chronica bastan- te complicada suecedendo a huma febre intermittente. Pelo abuso da quina e dos mais tónicos , junto á predisposição das visceras do baixo ventre, se formou huma hepatites, a qual se tornou chronica com icterícia , junto a huma disen- teria chronica , a qual foi suecessi vãmente combatida cm to- das as suas differentes formas , até ser reduzida ao seu esta- do de maior simplicidade, pelo tratamento applicado a ca- da huma destas complicações, a qual foi curada radicalmen- te. (Observação communicada pelo Snr. Dr. José Lourenço da Fonseca e Sonsa) Ç. LXV. 5-' O Sflr. Dr. A. A. Caldes teve a bondade de cooirnuni- car-me (verbalmente) hum caso de huma disenteria ebrmica curada perfeitamente pelos banhos quentes, em hum homem de huma constituição robusta , ainda que debilitado pelo pro- gresso da moléstia , a qual de nenhuma forma tinha podido curar-se pelos adstringentes , tónicos , c estimulantes mais ou menos variados ; e só o uso dos banhos quentes graduados segundo as forças do doente , forão capazes de o restabele- cer perfeitamente. A dieta que tinha seguido o doente era con- 01 1 5" 2 Memorias da academia Real conforme aquclla que temos indicado como mais apropriada na therapeutica da àysenteria chronica. Esta observação , de que tenho sentimento não poder referir circumstanciadamente , por não ser perfeitamente re- digida pelo referido Medico , mostra a grande vantagem que tem os banhos quentes no tratamento da àysenteria chronica , seguidos de hum regimen apropriado ás circumstancias da moléstia , e do individuo aflectado. Artigo III. Observações de vários Autbores. §. LXVI. 6.' Hum individuo de idade de 26 annos , trigueiro , mus- culoso, offerecendo os caracteres de hum temperamento bi- lioso , foi atacado de huma febre intermittente quotidiana. Tendo esta sido combatida pela quina , sobreveio huma dor no epigastro com tendência ao vomito ( a qual tendo sido dada depois junta aos gommosos) se aggravou e dêo lugar a huma disenteria chronica no fim de hum mez 5 e no fim de outro mez de tratamento gommoso e demulcente junto ao lau- dano , e por meio de huma dieta feculenta , vegetal , che- gou-se a curar a àysenteria chronica , tendo-se reduzido á in- termittente com accessos quotidianos muito ligeiros. Hu- ma extravagância do doente em beber de huma vez só hu- ma excessiva quantidade de tisana peitoral , foi bastante pa- ra aggravar a gastrites , e a febre intermittente com náuseas continuas vomitando tudo que se ingeria no estômago. Foi posto no uso exclusivo de bebidas gommosas , aciduladas , como d'agua de linhaça acidulada , e de fomentaçóes emol- lientes; mitigárão-se então todos estes symptomas, os quaes tinhão de novo sido aggravados pela administração impró- pria da ipecacuanha. DAS SciENCIAS DE LlSBOA. IJJ A intermittente foi reduzida a accessos fracos pelos remédios expostos, a que se tinha junto o laudano, tornan- do as bebidas igualmente anodinas e aromáticas , assim co- mo os alimentos que não forão mais que sopa e arroz, pa- pas , ameixas , e outros alimentos ligeiros. Com effeito fo- rão sufficientes estes últimos para entreter hum movimento febril , e algumas vezes accesso completo mais ou menos repetido , o qual não pôde ser dissipado sem que o doente tivesse sido limitado ao uso dos alimentos os mais ligei- ros, taes como os mencionados , e a huma quantidade mui- to pequena de cada vez, junto aos medicamentos acidula- dos , gommosos , &c. Esta observação que he tirada de Broussais nas suas Phlegmasias chrotiicas , prova i.° que huma febre intermit- tente pôde produzir huma dysenteria chronica, pelo menos a complica consideravelmente , sendo huma gastrites a cau- sa da rebeldia da intermittente em questão : 2.0 que o doen- te não pôde ser curado pelo tratamento gommoso, acidula- do, e feculento, sem que fosse muito moderada a sua dieta. Ultimamente que ao regimen dietético se deve mais a cura desta moléstia , do que ao mesmo tratamento gommoso , acidulado , e anodino que se applicou. Daqui se deduz quanto he importante hum regimen rigoroso aos doentes atacados de dysenteria chrotiica, quer ella seja simples, quer complicada. Para prova do que asseveramos , exporei ainda a observação seguinte tirada do mesmo Author. §. LXVII. 7.» Hum homem de idade de 24 annos (Mayer) regular- mente bem conformado , de huma estatura medíocre , foi admittido no Hospital de Udine quinze dias para ser tra- tado de huma sarna ; neste tempo foi atacado de huma fe- bre ataxica , a qual foi tratada segundo o rnethodo geral- Tom. VIL Part. I. V men- 1^4 Memouas pa Academia Real mente adoptado para estas moléstias , cuja febre terminou no fim de quatorze dias, c foi então olhado cm convales- cença. Os tónicos como a quina e o vinho , e os alimen- tos parte animaes, parte vegetaes, fnrão ainda prescriptos por algum tempo; porém no meio disto o doente se quei- xava de tenesmo , e de dejeções sanguinolentas. O doente achando-se na Primavera, foi sujeito, durante hum mez , ás bebidas confortativas e adstringentes, a huma solução de gomma Arábia aromatisada , á agua d'anoz com vinho , á theriaga , e diascordio; e por alimento ao arroz, ovos, so- pa de pão com algumas onças de vinho doce e espirituoso do paiz. Fatigado porém destes meios inutilmente, o doente foi posto simplesmente no uso da agua d'arroz , da solução gem- tnosa , e das bebidas gomroosas tornadas ligeiramente ano- dinas por meio da tintura d'opio de Sydnham. As dejeções de oito a nove que erão , forào reduzidas a duas em oito dias, e cessarão de ser sanguinolentas. Estas porém logo augmentavão por pouco que se alargasse a dieta ao doente : por tanto era indispensável voltar ao uso de sopa afim de suspender os progressos destas recahidas. Finalmente só pas- sados quinze dias depois que as dejeções estavão suspen- sas he que se pôde dobrar a quantidade dos alimentos , e depois passar ao uso de carne, e de vinho, progredindo gra- dualmente nesta administração. (Broussais, Pblegmasies ebro- nlques T. II. ) §. LXVIII. 'Pinei pôz em uso os banhos quentes, e quasi todos os meios externos de que temos fallado , para curar individuos atacados de dysenteria chronica , que se achavão nas circum- stancias de algumas das observações precedentes. Igualmen- te fez muito uso dos demulcentes , mucilaginosos opiados, ainda que elle não deixasse de empregar os tónicos e bran- dos adstringentes , mas estes casos forão muito raros , e li* mitou-se em quasi todos elJes á prescripção dos brandos to- ni- (•rur 05 DAS SciENCIAS DE L I S B O A. If^ nicos quando elles erão indicados pelo estado das forças do doente. §. LXIX. Duquesnel em huma Memoria intitulada Recherches sttr la dysenterie suivies de l' histoire dyune epidemie dysenteriqne sur Varmee Française en Portugal , in 4., Paris 181 1 , nos diz que nos indivíduos atacados de dysenteria chronica os adstrin- gentes, e os estimulantes forão nocivos; o tratamento que mais lhes conveio foi aquellc que temos annunciado como mais próprio, tanto externo como interno na cura da dita moléstia. §. LXX. Stoll refere casos de dysenteria chronica complicada com hydropesia , que tem sido curados pelos tónicos brandos , os amargos , e pelas fricções aromáticas , sobre as extremida- des, juntos aos diuréticos mais ou menos activos propria- mente ditos , os quaes depois de terem assim combatido a hydropesia , reduzirão a dysenteria chronica ao seu estado de simplicidade , a qual era então tratada pelos meios conve- nientes ; yerdade he que em outros casos a hydropesia era huma terminação da dysenteria chronica, e nestas circumstan- cias havia simplesmente a combater a hydropesia , e não a dysenteria. §. LXXI. Poilreux na sua Memoria sobre as moléstias chronicas , pre- miada pela Sociedade de Medicina Pratica de Montplier , re- commenda que o tratamento tanto medicinal , como dieté- tico das phlegmasias chronicas do canal alimentar em ge- ral , e dos intestinos em particular , deve ser sempre da mes- ma natureza daquelle que temos exposto e recommendado na therapeutica da dysenteria chronica. Outros muitos Autho- res poderia citar , se acaso estes não fossem suficientes pa- ra justificar a pratica estabelecida. V ii §• i$6 M emorias da Academia Kkal §. LXXII. Conclusão. Do que temos exposto nesta Memoria , concluiremos que i.° he indispensável o fixar primeiro que tudo a cara- cterística da dysenteria cbronica , afim de a distinguir dos ou- tros fluxos com que se tem confundido tanto na thcoria , como na pratica'. 2.0 que a dysenteria chronica consiste cm huma phlegmasia da membrana mucosa dos intestinos gros- sos , e algumas vezes delgados produzida pelas differentes causas que temos referido: 3.° que em quanto ao tratamen- to da dysenteria chronica, esta se não pode curar pelos me- dicamentos adstringentes , estimulantes fortes, como até aqui tem sido applicados pela maior parte dos Authores , com excepção de hum ou outro que tem olhado a dysenteria chro- nica no seu verdadeiro estado pathologico , e mais confor- me á physiologia hoje adoptada , a qual tem sido confirma- da por observações praticas de toda a ordem : 4.0 que o tra- tamento radical da dysenteria cbronica consiste não só nos re- médios demulcentes , gommosos , opiados , estomachaes bran- dos , combinados segundo as formas que temos prescripto; mas também na escolha dos alimentos que devem fazer a dieta do doente : 5-.° que esta dieta que deve ser a mais rigorosa possivel , tendo constantemente mostrado a expe- riência que não basta a escolha dos alimentos feculentos , gommosos, assucarados , de mui fácil digestão, não susce- ptíveis de deixar grande resíduo depois da digestão , e por isso incapazes de desafiar maior irritação na parte inflam- mada da membrana mucosa dos intestinos , no que consiste a dysenteria cbronica ; mas que he preciso continualla tam- bém tanto durante o curativo da moléstia , como muito de- pois da sua convalescença : 6." finalmente que as observa- ções que temos exposto provão não só o que temos dito relativo i pathologia da dysenteria cbronica simples e com- pli- - DAS SciENCIAS DE L I S B O A. |*f plicada ; mas também quanto temos expendido a respeito do methodo therapeutico nos differentes casos tanto simpli- ecs , como complicados da mesma àysenteria chronica , e ul- timamente que os meios profiláticos são necessários para evitar as recahidas , o que tudo he confirmado por provas indubitáveis expostas em toda esta Memoria. ME- .- 01 15S Memorias da Academia Real MEMORIA HISTÓRICA E CRITICA Acerca de Luiz de Camões , e das suas Obras. Por Francisco Alexandre Lobo. D. "esde os meus primeiros annos li as Obras de Luiz de Camões , e particularmente as suas Rimas , que agora me recordo de preferir nesse tempo aos Lusiadas. Não podia ainda então entender este Poema ; e o seu tom grandiloquo e grave não era próprio para me agradar em idade tão ver- de. Tanto que adquiri mais algumas luzes, li por varias ve- zes com o maior prazer , e até com enthusiasmo , os Lu- siadas ; e quando se offereceo occasião , li a vida do Autor escrita por Diogo Barbosa na Bibliotbeca Lusitana. Com esta noticia , e com as que vi nas ordinárias edições lançadas , se- gundo o costume , antes das Poesias , me contentei até que chegou ás minhas mãos a bella e rica Edição do Poema Épico, que o Srír. Morgado de Marteus , com tanta generosidade como subido e honrado patriotismo , fez imprimir em Paris no anno de 1817. (a) Este Cavalheiro, por meio daquella sua grandiosa empreza , não só dêo gloria em certo modo ao Poeta, e acodio pela honra do nosso Reino, mostrando á Europa, contra o que ella talvez cuidava, que sabemos ad- mirar Camões , e tomar a peito erguer-lhe hum monumento tão () Não obstante o respeito que tenho ás opiniões do Snr. Morgado de Matteus , não pude deixar de advertir desde logo, que a sua gran- de paixão a favor de Luiz de Camões (paixão tão bem fundada, e táo louvável ! ) o allucinou n' hum ou n'outro caso , e o levou a passar as raias , que separáo admiração de idolatria. (c) Em muitos lugares do seu Commento nos informa elle mesmo do trato, e ate amizade estreita, que teve com Luiz de Camóe9. Veja-se o Prologo, o Com. ao Cant. v. est. 18, Cant. vi. esr. 40 , Canc vu. csr. 81 , Canr. ix. est. 21 , e particularmente Cant. 1*. est. iiy. (<0 Mariz mostra , na vida do Poeta , pouca noticia , e ainda menos critica e intelligencia. Veja-se a Edição do Com. de Manoel Corrêa de °.~ i6o Memorias da Academia Real diligencia e penetração de Faria e Soiza , (a) não illustrao de todo, nem soltão inteiramente as dificuldades. Não ha comtudo outras fontes a que recorrer , porque todas as pos- teriores noticias são derivadas das antecedentes. Só restáo demais as Obras do Poeta : campo na verdade vasto , mas neste género menos rico , segundo me mostrou a experiên- cia , doque fora de esperar. Poucos são os acontecimentos da sua vida que toca Luiz de Camões ; e esses poucos , to- ca quasi todos por modo tão vago , por termos tão pouco claros , com mistério tão affectado , e com tantas contradic- ções apparentes , que até o arrojo de Faria e Soiza se não atreve a inferir decididamente em muitos casos. (Z>) Assim mesmo, julguei que as devia consultar muito de espaço; co- mo fiz , confrontando com ellas , no que convinha , a narra- ção dos Biógrafos , e tendo sempre diante dos olhos a his- toria do nosso Reino. Com toda a minha diligencia , não posso porém lisongear-mc , nem me lisongeo , de ofFerecer aqui huma relação completa , clara em todos os pontos , e desembaraçada de qualquer duvida. <; Onde guardão silencio os documentos , ou se involvem em sombra impenetrável , que pôde referir a Historia , se não quer degenerar em Ro- mance ? Parece-me comtudo , que não repito tão servilmen- te o que tem escrito os outros , que quem os lêo gaste de todo em vão o tempo e trabalho de ler este discurso. Cui- do 1613 , ou as Rimas de Camões, Segunda Parte, Lisboa 1616 na Offic." de Pedro Crasbeek. (*) A todos os que tem algum conhecimento do Chantre Manoel Se- verim de Faria, he notória a sua grande diligencia. Ajuntava com dili- gencia bom juizo ; e a nossa litteratura deve muita obrigação aos sens trabalhos , pela maior parte bem dirigidos. (a~) Manoel de Faria e Soiza não foi inferior em diligencia a Manoel Severim ; e entendo que lhe foi superior na sagacidade de conjecturar. Mas antes queria cortar diíKculdades que desatailas ; e mais vezes o go- vernava o caprixo que a razão. (2>) No tocante aos amores do Poeta , se mostra particularmente irre- soluto em vários encontros Faria e Soiza. Quer aífirmar levado da con- sideração de certas passagens , mas he detido pela consideração de ou- irai que lhes repugnáo. DAíSciENCIAS DeLiSBOA. I6"l do que pude communicar , e communiquci , nova luz a vá- rios successos ; que mostro melhor do que o fizerão os mais Biógrafos de Camões , a qualidade dos fundamentos , em que assenta a narração; e que n'hum, ou n'outro caso me afastei com bom motivo dos mais respeitáveis entre elles (que aliás, confesso, me servirão de guias principaes) Se- verim , e Faria e Soiza. (a) Como a Historia tira da ver- dade dos acontecimentos que refere , a sua maior valia , e o leitor para se certificar desta verdade , nas relações que não são compostas por testemunhas oculares , e pelo menos con- temporâneas, não tem outro meio apto que não seja o con- ceito da fonte ou da razão critica das noticias , pareceo-me da minha obrigação declarar d'onde as tirei , e porque me inclino a dálias por verdadeiras , ou por muito próximas á verdade. E para escusar o embaraço e interrupções desagra- dáveis , que causaria n'alguns casos esta declaração sendo introduzida no texto , tomei o partido de a lançar pela maior parte em notas no fundo da pagina ; onde também lancei huns poucos factos , que a Critica põe duvida em admittir , mas que assim mesmo acho em certo modo curiosos, por di- zerem respeito a hum homem como foi Luiz de Camões. Das pessoas que até agora tem publicado juizo sobre as Obras do nosso Poeta , humas , seja-me licito dizello com o respeito que lhes hc devido , me parecem muito apaixo- nadas a favor ou contra elle ; e outras me parecem pouco competentes por ignorância, maior ou menor, da nossa lin- gua. (b) O Juiz apaixonado ou tudo desculpa , ou condemna tudo , sem outro fundamento que o de sua preocupação : o Tom. Vil. Part. I. X que (íj) Manoel Severim, e F.iria e Soiza devem ter-se por Biógrafos ori- ginaes de Camões. O que o primeiro tirou do Com. de Man. Corrêa, toi pouco , e o que tomou de Pedro de Mariz , não foi muito mais. Faria e Soiza , principalmente na segunda Vida do Poeta , accrcscenta particularidades devidas somente á sua curiosa investigação. (J>) He claro que esta reflexão diz respeito somente aos criticos Es- trangeiros. Voltaire o confessa de si por modo indirecto, no lugar em que ajuíza dos Lusíadas. i6z Memorias da Academia Real que não conhece a lingua original de hum poema ou de qualquer outra obra similhante , que se atreve todavia a jul- gar , está no caso de quem ousasse sentencear sem enten- der os autos do processo. Nascco daqui que Gamões até agora , se me não engano , não foi exactamente avaliado. Importa porém á honra da Nação c do Poeta que o seja : á da Nação , para que os Estrangeiros reconlieção que ain- da nas suas coizas sabe ser moderada; c que assim mesmo moderada e imparcial , lhes offerece documento altamente estimável do seu préstimo nas matérias de litteratura : (a) á do Poeta , para que a sua gloria isenta e desafrontada de toda a nódoa ou sombra de lisonja , se torne mais pura e clara , e por consequência mais digna da nobre inveja dos ânimos excellentes ; cuja emulação he o obsequio quasi úni- co, de que se pôde contentar hum engenho verdadeiramen- te grande. <; Não he porém temeridade muito para censurar, a de me metter em perigos , que a força e habilidade de tantos outros não tem podido vencer? ,; Não he arrogância muito soberba o suppor que sahirei delles com victoria ? Faz-me a verdade muita força para declarar, que sinto ein mim neste caso , aquelle socego e por ventura frieza de animo , que se diz imparcialidade , e que he hum dos re- quisitos para formar juizo acertado. Admiro o engenho de Camões , deleitão-me sobre maneira as suas Poesias , amo-o como Portuguez de rara distineção em vários sentidos ; (b) mas nem por isso cerro os olhos a alguns defeitos , ou me inclino a desculpallo no que julgo que não admitte descul- pa. Bem pode ao mesmo tempo admirar se a imaginação rica e vivíssima de Ovidio , e censurar-se a pouca prudên- cia (a) Talvez que não seja de menos interesse para a Pátria , que • nossa mocidade, ráo propensa por natural disposição ao trato das Musas , conheça bem , desde o principio , o que neste grande exemplar merece , ou desmerece a sua imitação. (í>) Gentilezas nas armas, Poesias immortaes , o mais fino e exalta- do Patriotismo : são diversos e grandes títulos de distineçáo ; e a sua união he bem rara, por não dizer singular. DAS SciENCiAS DE L I S E O A. 1 6 $ cia com que a soltou sem governo , e quasi sem termo. Deixemos aos interpretes ou commentadores vulgares o mal entendido ardor , com que admirão até os defeitos do seu texto. Os louvores da ingenuidade , que concede todavia excepções , honrão mais do que os gabos que mostrão por exagerados, ou o cego enthusiasmo, ou a pouca intelligen- cia de quem os dá. Atrevo-me por outra parte a esperar que guardarei no juizo das Obras de Camões maior exac- ção do que os avaliadores que me precederão, por isso mes- mo que me advertem , para seguir mais direito caminho , os seus desvios. Qualquer entendimento mediano sabe tirar cau- tellas do ruim suecesso dos outros ; e pouca razão de ja- ctância tem o piloto, por fugir dos penedos que da perdi- ção alhea aprendeo a evitar. Acertarei , no caso em que com effeito acerte , não por mais destro ou mais aparelhado , mas porque os que forão diante me derão ensino , ainda mesmo quando erravão. Longe está por tanto de mim a te- meridade e arrogância , que á primeira vista pôde appare- ecr no meu intento ; e a Academia e o Publico , se a elle chegar este Opúsculo , decidirão se tenho bom fundamen- to para suppor que consegui o que me propuz. Huma das Nações mais pequenas em território e nu- mero de cidadãos , que no Século XV. tiverão assento na Europa , Nação porém largamente dotada de altos espíritos e nobre ousadia , emprehendeo , e executou por conselho e valor , a acção mais árdua , e de maiores e mais estendi- das consequências , de que a Historia nos dá noticia. Esta mesma Nação produzio , vinte e cinco ou vinte e seis an- nos depois , hum engenho raro , hum competidor não in- digno de Homero , e Virgilio , capaz de resuscitar a grave Poesia Heróica ; e que com effeito em hum Poema , que durará em quanto durar o conhecimento da lingua em que está escrito, celebrou a gloria sublime dos seus Compatrio- tas. Este raro engenho foi Luiz de Camões , terceiro neto por varonia de Vasco Pires de Camões , hum Fidalgo de Galiza , que passou para Portugal com grandes mercês e X ii hon- 164 Memorias da Academia Real honras do nosso Rei D. Fernando. ( a ) Vasco Pires casou neste Reino com huma filha de Gonçalo Tenreiro , Capi- tão mór das armadas , c teve em primeiro .lugar Gonçalo. Vaz, por quem roi progenitor de boa parte das mais no- bres famílias Portuguezas ; (b) e em segundo lugar João Vaz, por quem feri progenitor de Luiz de Camões: deixan- do assim, pelo menos muito duvidoso, por qual destes dois ramos lhe coube mais illustre descendência. De João Vaz de Camões nasceo Antão Vaz; e de Antão Vaz , e Guimar Vaz da Gama nasceo o pai do Poeta , Simão Vaz de Ca- mões , que sérvio na guerra de Africa , e na Marinha , e te- ve por mulher Anna de Sá e Macedo , natural ou procedi- da de Santarém; e também pertencente a familias conheci- das e distinctas daquella Villa notável, (r) De Simão Vaz de Camões , e Anna de Sá e Macedo nasceo pois o Poeta na Cidade de Lisboa. Alguém tem pre- tendido attribuir esta gloria antes a Coimbra ou a Santa- rém : (d) mas o mesmo Poeta parece declarar a sua natu- ra- is) Seguindo porém depois o partido da Rainha D. Leonor contra o Mestre de Aviz , perdeo em grande parte o que recebera d.i liberalida- de de EIRei D. Fernando. Veja-se Duarte Nunes de Leão na Chronica de EIRei D. Fernando. (/>) A respeito da descendência de Gonçalo Vaz de Camões , sigo o testemunho de Manoel Severim , certamente muito instruído nas nossas antiguidades , e nas nossas antiguidades genealógicas. O apellido Camões ainda se conserva em huma das familias mais nobres do Reino ; e quero crer que os que o conserváo , mais o estimáo por dar mostras do seu parentesco com o Poeta , do que por lhes vir de Gonçalo Vaz , e de Vasco Pires. (c) O que se refere de Simão Vaz de Camões pai do Poeta , he muito pouco ; e esse pouco muito confuso. Daquellas relações perém , e do modo de vida que as pessoas da sua qualidade usarão seguir enire nós naquelle tempo , tiro que o que digo acima he muito provável. — Huns chamáo á mái do Poeta Anna de Macedo , outros Anna de Sá , e he de presumir que huns e outros tem razão. Se era natural , se oriun- da de Santarém , não he certo ; mas he certo que de hum destes mo- dos procedia daquella Villa. (<í) Manoel de Faria e Sousa, na primeira Vida do Poeta, di con- ta destas opiniões , e declara-se por Santarém ; mas na segunda Vida mu- da de parecer , e d.i o Poeta por natural de Lisboa. Domingos Fernan* si a a or. DAS S CIÊNCIAS DE LlSKO A. I fj> ralidade na Elegia III. , em que de certo modo se diz des- terrado da Pátria, ao mesmo tempo que he constante que a escreveo andando desterrado de Lisboa. Alli se comporá com o terno Ovídio , que •£ De sua pátria os olhos apar- tando , zz hia dizendo nos montes c rios as suas queixas ; e alli fallando em maviosos versos com as aguas do Tejo, lhes diz que espera aquelle alegre dia zr Que eu vá onde vós hides livre e ledo. = Nem sei na verdade que haja me- lhor fundamento para dizer que Camões era natural de San- tarém ou de Coimbra , do que conjectura asíentada na no- ticia de elle residir algum tempo cm Coimbra , e ser alli morador e sepultado seu bisavô ; (a) e de ser Anna de Sá e Alacedo de honradas famílias de Santarém : fundamento evidentemente tão frágil , que só pudera receber alguma consistência da grande escuridade da historia do Poeta. O an- no do seu nascimento não foi , como alguns disserão , o de IJ17 no Reinado d' EIRci D.Manoel; mas o de 1524 em princípios do Reinado d' EIRci D. João III. (/->) E he mui- to para notar , que o Chantre Severim o diga nascido em 15-17, por seguir, como elle mesmo adverte, o testemu- nho de Manoel Corrêa , e declare com tudo, que tinha cin- coenta e cinco annos de idade quando falleceo em 1575 : sen- des na Dedicatória das Rimas á Universidade de Coimbra (anno de 1607) lhe diz ti o vosso Luiz de Camões, pois nascendo elle nessa vossa Ci- 11 dade de Coimbra , &c. » Manoel Correi á est. I. do I. Cant. o diz n nascido c criado na Cidade de Lisboa. » (4) Pedro de Mariz , na Vida do Poeta , falia da sepultura de João Vaz de Camões em C.ippella própria na claustra da Sé de Coimbra ^ com letreiro arrogante ao modo antigo das coizas que fez em serviço de EIRei D. AfFonso V. = (£) Decide a data do nascimento do Poeta o assento da Casa da ín- dia produzido por Faria e Soiza na segunda Vida ; o cjual assento em 1550 lhe da 25 annos. Não era impossível engano na declaração, a que se conformou o assento: mas náo apparece motivo que o torne prová- vel. A contradicçáo em que cahíráo Corrêa , e Severim , como digo abai- xo , acerescenta a fé do assento. Elle fez com eífeito força a Manoel de Faria para mudar a primeira opinião , e se desdizer. Ignacio Garcez te- ve menos docilidade. 1 66 Memorias da Academia Real sendo certo que só podia ter em 1579 cincoenta e cinco annos , se nascesse no de 1514. : de sorte que Conca, e Scverim , por modo que não sei explicar a respeito do ul- timo , vem a seguir ambas estas tão diversas (a) opiniões. Ignacio Garcez Ferreira, que tomou por guia Severim, quer salvar esta incoherencia , attrihuindo ao Poeta sessenta e dois annos de idade no de seu fallccimento ; e para despre- zar as valentes razões em contrario , acha motivo em cor- rerem mais ao natural , na sua supposição , os suecessos da vida de Camões; mas parece-me que Garcez se engana in- teiramente nesta sua estimativa, (b) Camões viveo cm Coimbra por espaço considerável de tempo. Paliando das ribeiras do Mondego , diz ellc na Can- ção IV. Nesta florida terra Ledo e contente para mim vivia ; De hum dia em outro dia O esperar me enganava. Longo tempo passei : (c) O (rt) Severim depois de ter dito no principio do Discurso, que nasceo pelos annos de 1517, segundo testifica Manoel Corrêa, diz na continua- ção : « parece que não passou dos 55. n Corrêa á est. 9. do Cant. X. dá a entender que o Poeta seria em idade de 46 annos , e á est. 119 diz que o Cant. X. foi composto em 1570 ; mas se em 1570 tinha 46 annos, em 1579 devia ter 55. (b) a Mas quem reflectir (diz Ignacio Garcez) nos differentes acci- x dentes da sua vida até ao mencionado anno de 1550, encontrará a ne- » cessidade dos 7 em que consiste a differença dos dois pareceres, s Não a encontro eu por certo, pois que o sahir de Coimbra aos 20 ou 21 an- nos de idade era 1544 ou 154$, como suppomos , e gastar os 5 ou 6 seguintes no romance amoroso e no desterro , não he estranho , antes provável e narural : e muito mais estranho parece o entrar no exercício das armas em idade táo crescida como a de ;i annos , que tantos devia ter o Poeta em 1550 , se nascesse segundo pretende Garcez em 1517. (c) O Soneto CXI. parece composto hindo de jornada para Coimbra , e quasi á vista desta Cidade , porém entra de alguma sorte em duvida se pertence a Luiz de Camões , por ser hum dos que dizem usurpados por Diogo Bernardes. DAS SciE>fCIAS DE L I S B O A. 167 O motivo de passar de Lisboa para Coimbra , não parece ser outro que o proseguir nos estudos , a que se principiou a dar na pátria. A copiosa erudição que ostenta nas suas Obras , bem mostra que fez estudos muito formaes desde o principio da vida , c que os fez em algumi escola insi- gne, e muito provida de meios de aprender. Daqucllcs tem- pos, no tocante aos modos de estudar, não se ha de fazer juizo pelos presentes. A multiplicação dos livros, as inven- ções de methodos , os trabalhos com que os doutos tem ultimamente facilitado o adquirir sciencia , faltavao, ou crão muito diminutos, ainda no meado do Século XVI. por to- da a Europa, (a) E se agora não he inteiramente impossí- vel, que hum homem dirigido com alguma prudência lit- teraria grangée muita doutrina sem sahir da terra em que naseco , guiando-sc somente pelos muitos e bons livros , que a todos os cantos do Mundo leva, ou pode levar, o Com- mercio , não era então certamente assim; e he de presumir que fosse esta a principal razão , que levou Principcs gene- rosos e entendidos a fundarem por aquella época , ou a re- formarem tamanho numero de Universidades. Só nestes de- pósitos públicos podião os conselhos dos doutos, os livros de vários particulares , e a nobre emulação entre os mance- bos gerar, ou alimentar, o ardor de hum vivo engenho e enriquccello e adornallo de bons princípios de sciencia , e de seguro discernimento nas boas Artes. Quando o Poeta , de mais disso , diz de EIRei D. Diniz na estancia XCVIL doCant. III. E de Helicona as Muzas fez passar-se , A pizar do Mondego a fértil herva. Quanto pôde de Athenas dezejar-se , Tudo o soberbo Apollo aqui rezerva : Aqui (a) D.i nosso Reino, e especialmente d.i Cidade de Lisboa, diz Fr. Luiz de Soiza na fida do Arcebispo Jiv. 1. cap. 2 , « que naquelle tem- » po (devia ser por 1527 ou 1528) tinháo as letras mui poucos profe* » sores. D 1 68 Memorias da Academia Real Aqui as capellas dá tecidas de ouro , Do Bacharo , e do sempre verde louro. bem parece fallar com a paixão e fogo de hum alumno , que se recorda saudosamente agradecido , da escola em que tomou lições e formou seu espirito na mocidade, (a) Se porém Luiz de Camões estudou cm Coimbra , co- mo acho muito provável , c por causa de estudos residio naquella Cidade ; o espaço de tempo da sua residência de- ve assinar-se entre 1539 e 15'44 ou 1S4S- A grande viveza de que muito cedo dêo provas , persuade que os que o tinhão a seu cargo , o mandarião logo estudar na Universidade. A Universidade foi transferida para Coimbra em 1 y 37 , quan- do o Poeta contava de idade somente 13 annos ; o primeiro anno dos Estudos Académicos procedeo desde Outubro de IJ38 para 1539; (b) e he muito de suppor que se espera- ria por huma parte que este novo estabelecimento tomasse alguma consistência , e por outra que se adiantasse hum pou- co mais a idade do Poeta : e destas arrazoadas considerações posso inferir , sem estranheza , que chegou a Coimbra por fins de 1J39 ou por 1540, aos ij ou pouco mais da sua idade , e no segundo ou terceiro das Lições Académicas de- pois da nova trasladação. E dado que não haja erro , como parece , acerca do tempo da sua entrada em Coimbra , a dilação ordinária do currículo de estudos , o longo tem- po que elle diz na Canção IV. que alli passou , fazem crer que a residência duraria cinco ou seis annos , e que por tan- to findou por i5"44 ou 1545", aos 20 ou 21 da idade de Luiz (a) Se destes argumentos não resulta inteira certeza , a critica mais difficultosa em se dar por satisfeita , não pôde ao menos negar, que re- sulta muito alto gráo de probabilidade. (/') No Catalogo dos Reitores da Universidade , cjue vem na frenre dos Estatutos impressos por ordem de Manoel de Saldanha em 1654 , se diz o seguinte acerca de D. Agostinho Ribeiro : « em seu tempo se co- r meçou a ler nas escolas nesta nova transmigração a Coimbra em o pri- 1 meiro de Outubro de 1538. s DAS SciENCIAS DE L I S B O A. Iíj litteraria , que em hum século feliz para as sciencias , e a nenhum outro inferior no que toca ás boas Artes , pc dia competir sem receio , com qualquer das mais acreditadas Academias contemporâneas. De tal sorte , que assim como he certo que a Universidade, no caso de Camões não receber delia educação , careceria de hum dos maiores brazões , de que ainda agora se pôde gloriar ; assim he de presumir que os Lusiadas , pelo mesmo caso , ou não serião compostos , ou scrião hum Poema de muito menos merecimento. Acabados em Coimbra os estudos, voltou Luiz de Ca- mões para Lisboa ; e alli e n'outro lugar , ou lugares , da margem do Tejo, gastou cinco ou seis annos até içço. Hum mancebo de nascimento e grandes prendas , com que indu- bitavelmente dizião a elevação de pensamentos e nobreza de resoluções , devia tratar e frequentar muitas pessoas de qua- Tom. VII. Pari. I. Y li- (a) Sabemos comtudo , que alguns dos Estrangeiros doutos em Artes c lingu.is , não começarão a ler em Coimbra senão em 1548. Veja-se na (rente dos citados Estatutos a Fundação da Univeisidadc , e na Bibliotb. Ltisit. o artigo de André de Gouvea. 170 Memorias da Academia Real lidade : maiormcnte cm hum tempo em que , como diz Sí e Miranda , entearão as letras a ter paz , e viver de acordo com os Magnates. O rumor allegado pelos Biógrafos o di- zia namorado de huma Senhora que servia no Faço , (a) e ajudao este rumor os seus altos espiritos cm similhantc ma- téria , que clle nos dá a entender , confessando-sc no Sone- to V. envergonhado de ser prezo por algum tempo cm mais rasteiros laços : Em prizócs baxas fui hum tempo atado , Vergonhozo castigo de meus erros. Os amores porém no Paço, inculcáo de algum modo entra- da na Corte , e trato com as pessoas que a compunhão : e ha cora eifeito entre a6 suas Poesias que tocão áquella idade , varias composições dirigidas a tae« pessoas de hum e do outro sexo. (b) O favor que lhe déo na índia D. Cons- tantino de Bragança , não foi grangeado na Ásia , onde ellc viveo muito pouco tempo com D. Constantino ; procedeo pois de trato anterior no Reino , que se deve referir a estes annos. E como consta tambem , que teve entrada e foi aceci- to ao Duque de Bragança, (r) não he temeridade conjecturar que conheceria e trataria o Duque no mesmo tempo , em que tratou D. Constantino seu irmão. Parece igualmente an- tiga a coinmuni cação do Poeta com D.Manoel de Portugal, fi- ( lp) Dona Francisca de Aragão, Dona Guimar de Blasfé , D. Manoel de Portugal , o Duque de Bragança , e D. António de Noronha. (c) D. Theodosio primeiro do nome e quinto Duque de Bragança ; qne aprrndeo as humanidades com hum Mestre nellas tão eminente , co- roo foi Diogo Sigeo natural de Toledo , pai das duas mulheres celebres Luiza , e Angela Sigea. Este Duque foi amigo das letras , e táo aman- te dos livros , que coiligio Livraria , e a deixou vinculada aos seus suc- cessores. DAS ScrENClAS DE LlSBOA. 17! filho do Conde do Vimioso; aqucllc mesmo que foi assumpto da Ode VII. , que principia = A quem darão do Pindo as moradoras, gs Dá a ver o theor desta Ode que foi com- posta no Reino ; e se foi composta no Reino , hc quasi necessário referir a sua composição ao tempo em que an- dou por Lisboa antes de se embarcar para a índia. Depois de voltar da índia, chama clle á sua Musa, na est. ultima do Canto X. dos Lusíadas , ja estimada e leda ; quando na est. sexta da dita Ode a diz athequi de baxa estima: ter- mos claramente contrapostos , que levão á opinião de que a Ode VII. foi obra da sua mocidade , depois de concluidos os estudos de Coimbra , e antes da resolução decidida de sahir do Reino. Em D. Manoel achou tronco robusto e be- nigno para se encostar a bera florecente do seu peregrino en- genho , já envejado da fortuna c oprimido da vil necessidade , se- gundo o que elle declara na Ode. E a D. Manoel cabe me- nos gloria pelo bom gosto e trabalho , com que aífeiçoou e melhorou a versificação Portugueza, (a) do que pelo fa- vor com que alentou o nosso Poeta, e defendeo o Canto, em que elle resuscitava já então As honras sepultadas Dos bellicozos nossos Luzitanos. Mas entre as pessoas de grande nobreza , com que Luiz de Camões teve então trato e amizade, distingue-se mui particularmente D. António de Noronha , filho do segundo Conde de Linhares D. Francisco de Noronha , e da Con- dessa D. Violante de Andrade, (b) Este Fidalgo , que Camões Y ii im- (biinho aquclle fim tão im- tempestivo e lastimoso. tScu pai quiz distrahillo de certa in- clinação amorosa que Ibe senti o em Lisboa , c mandou-o militar em Ceuta. Seu tio empenhou-se com menos prudên- cia em huma ciLda de Mouros; o brio de D. António e ou- tros Cavalheiros , não lhes permittio que voltassem costas ao numero grandemente superior, c perderão quasi todos a vida no desigual combate de 18 de Abril de ij^. (&) L). An- tónio foi sepultado na Sé de Ceuta , d'ondc em 1622 tras- ladou as cinzas para S. Bento de Xabregas sua irmã D.Joan- na de Noronha, mandando-lhe abrir letreiro, bem próprio a mover no leitor grande lastima c -respeito áquella illustre família, (V) Ajuntava aquclle mancebo gentileza , valor , e ou- * — _ lho secundo do primeiro Marquez de Villa Real. A Condessa D. Vio- l.inte era Filha de Fernão Alvares de Andrade, e tia do Chronista Fran- cisco de Andrade , de Diogo de Paiva de Andrade , e de Fr. Thomé de Jesus. (/») D. Pedro de Menezes , também filho do primeiro Conde de Li- nhares, ficou governando Ceuta quando partio para a Indra por Vice- Kei seu primo D. Áítbnso de Noronha , quarto rilho do segundo Marquez de Villa Real. O) O Author da Historia Genealógica da Casa Real , fallando de D. Peiro de Menezes, conta este suecesso por modo que não dá motivo pira se taxar D. Pedro de imprudência ; porém dou preferencia á rela- ção il ' Faria e Soiza , mais circumstanciada , e de escritor mais próximo e mui: o diligente. Nelle se pôde ver por esta occasi.ío a resposta tão eh a de razáo e brio , com que o Adalid tornou a D. Pedro de Mene- z.s , quando este , já fora de tempo , lhe pedio conselho. Vcja-se Fa- Tia e Soiza Com. ao Son. XII. Cent. I. (c) Pó 'e ver-se este letreiro no tom. V. psg. 259 da Historia Genea- lógica «e não dèo (diz o letreiro) sepultura aos mais irmãos seus, por- a que dois ii'elleí morrerão em Africa com Llliei D. Sebastião , e ou- » tros dois nas partes da índia , e dois são religiozos de Santo Agosti- > uho. d Dona )o) Sirva de exemplo logo a primeira Canção , e logo na primeira estancia : . . . . ali me inflamo Nas lagrimas que choro ; E de mi que vos amo Em ver que soube amarvos me namoro , &c. • 1 íj6 Memorias da Academia Real nado o Hcllcsponto. ^ Mas qual foi o objecto que elle pre- ferio ? Mariz , e Severim falliío pouco , e com pouca cer- teza dos amores de Camões. Mais ao largo falia Faria e Soi- za , mas a certeza com que falia não he maior. A Duma preferida , parece ser aquella que Camões em alguns luga- res e determinadamente no Soneto LXX. chama Natércia ; nome que bem pôde ser , c he de suppor que seja o ana- grama de Catharina. Daqui concluia , como o dito Faria e Soiza refere , o Licenciado João Pinto Ribeiro que fora D. Catharina de Almada (a) prima do Poeta. Porém Faria e Soiza , deixando o parecer de João Pinto Ribeiro , con- clue que foi certa Dama do Paço , chamada D. Catharina de Attaidc, filha de D. António de Lima, e de D. Maria Bocanegra , também Dama da Rainha ; a qual D. Cathari- na de Attaide morreo muito moça, havendo sido, na pre- sumpção mera de Faria , a pessoa com que o Poeta já des- de Coimbra principiara a ter amores, (b) Mas ainda que esta opinião tenha , o que não recuso de todo , alguma proba- bilidade , he claro que não tem mais do que probabilidade ; pois que o mesmo Author lhe reconhece e confessa vários e grandes embaraços , e que os seus argumentos não passão de conjecturas fundadas no anagrama de Catharina , na no- ticia de que por aquelle tempo era Dama do Paço na flor bem viçosa dos annos , huma D. Catharina de Attaide , e n'alguns ditos do Poeta, sempre vagos, e de difficultosa in- telligencia. He por tanto forçoso inferir destas incertezas , ou affirmativas pouco abonadas, por huma parte, que sofre grande duvida a supposição de que o valido de ElRei D. João (rf) Veja-se Faria e Soiza na Vida do Poeta , que se imprimio no principio do Commentario dos Lusíadas §. X. João Pinto Ribeiro com- poz hum Commentario ás Rimas , em que Faria e Soiza falia na segun- da Vida de Camões , §. 45 ; porém dá a entender que o não vio. (í>) Veja-se Faria e Soiza no Commentario ao Son. LXX da Cenr. I. , onde se refere, pelo que respeita á familia de D. Catharina de Attaide, ao livro das linhagens de Portugal por D. António de Lima ; e veja-se também o Commentario ao Son. LXXVII. da mesma Centúria. DAS SciENCIAS DE LlSBOA. I77 João III., D. António de Atcaidc (a) negociasse por simi- Ihantc causa o desterro do Poeta ; e por outra parte , que não foi sem boa razão que os Biógrafos de Camões (no que se deve exceptuar com tudo Faria e Soiza) pas árao com al- guma indifferença por este suecesso da sua vida , de que tiverão muito fraco e confuso conhecimento : quanto mais que o historiador, antes mera testemunha, e a conceder lhe muito juiz imparcial, do que observador apaixonado, deve por seu orficio referir com frieza , e ajuizar cm todo o caso com isenção. Fosse porém quem fosse a preferida Natércia de Ca- mões } pirece certo que se passou negocio amoroso entre elle e huma Senhora de consideração, pelo qual foi dester- rado da Corte. Se esta Senhora era huma Dama do Paço , como pode colher-se do rumor allegado pelos Biógrafos , provado fica que era pessoa de distineção ; e ainda a não ser Dama do Paço , o desterro do Poeta como que autho- risa a suppor poder notável nos seus parentes , e este po* der não seria de todo dcspresivel argumento de boa repre- sentação da família. O desterro consta , quasi com eviden- cia , da. citada Elegia III. Comparando-se Camões com Ovi- dio , e sendo este desterrado por ordem do Príncipe, da' a entender que também foi desterrado por ordem do Príncipe, c que a sua ausência não foi somente hum arbítrio a que o levasse a discrição. Além do fundamento da comparação com Ovidio, bem mostra aliás o Poeta que não era em seu po- der hir ao lugar para onde as aguas do Tejo caminhavão, e que por tanto era alli como cativo por força superior; a qual parece que não podia ser outra senão a determinação do Governo. O lugar foi indubitavelmente algum das ribei- ras do Tejo acima de Lisboa. Inclina-se Faria e Soiza a San- Tom. Vil. Part 1. Z ta- (a) Primeiro Conde d.i Castanheira por Carra d' F.lRei D. Joáo III. de 1$ de Maio de ij^í, Vedor da Fazenda do mesmo Rei, e do seu Concelho ; muito recommenjado pelo seu talento , prudência , e desin- teresse. Falleceo em Outubro de 15(53. 178 Memorias da Academia Real tarem ; mas hc cerro que nem a Elegia III. , nem a histo- ria o assinao precisamente. Nilo repugna , hc verdade , o theor da Elegia a Santarém; mas também poderia applicar-se sem repugnância a outros lugares do Riba-Tejo. Se nos consta por modo vago o lugar, também o tempo nos não consta com maior determinação. Pelo alistamento de Camões para a índia em 1J50, parece que a valente resolução de passar a tão remotas partes , seria effeito de vários desgos- tos , e principalmente do desterro e suas circumsuncias ; donde se pôde tirar por illação que o desterro foi no es- paço de tempo que correo entre 15:45' e 15"$ o, e mais vi- sinho deste ultimo que do primeiro. Mas escusado he ad- vertir que destas ponderações não resulta mais do que boa conjectura. Não veio ainda a effeito cm 15*5*0 a resolução de par- tir para a índia ; porque primeiro foi militar quasi dois an- nns contra os Mouros , que a nossa politica e brio de con- tinuo guerreava , e enfreava desde as muralhas de Ceuta. A assistência do Poeta em Ceuta , e por tanto o seu ser- viço militar naquella Praça , não sofre duvida , pois he tão claramente inculcada na Elegia II. ( a ) Não foi depois de 1 5*5- 3 em que de certo embarcou para a índia; e também parece que não foi antes de t^o, porque todos os annos anteriores forão com grande probabilidade , oceupados na residência em Lisboa, no romance amoroso, e no desterro. Obrigado , como he de crer , dos perigos e desgostos por que passara ultimamente , resolveo mudar de terra sahindo do Reino ; e sendo a sua primeira tenção o sahir para a ín- dia em 15* 5*0 com o Vice-Rei D. Affonso de Noronha , mo. ti- {à) Subo-me ao monte que Hercules Thebano Do alrissimo Calpe dividio , Dando caminho ao mar Mediterrano. Mas nem com isto , em fim , que estou dizendo , Nem com as armas tão continuadas , De amorosas lembranças me defendo. áíS-tf 01 DAS SciEKCIAS DE LlSROA. I79 tivos agora desconhecidos o levarão a passar-se antes a Afri- ca. Passou pois a Africa em 1550, c naquella memorável escola da nossa mocidade guerreira teve os primeiros exer- cidos da vida militar. Camões era valeroso : da tempera do seu génio , e dos suecessos da sua historia se deixa ver. O valor era qualidade quasi inherente a todos os mo- ços P0rtugue7.es , e particularmente aos nobres do seu tem- po ; e elle se jacta de o possuir , e mostrar nas occasióes , com humu franqueza tão segura e singela , que por si só nos obrigaria a dar-Ihc credito, (a) Honradas feridas, de mais a mais , attestárao no seu rosto , que naquclle tempo soube encarar os perigos da guerra , e provou , como elle diz na Canção XI. , os acerbos frutos de Marte. Perdeo o olho direito em hum combate contra os Mouros; (&) mas grangeou hum documento manifesto e irrefragavel de sua virtude , com o qual , e com os Lusiadas na mão , bem po- dia depois apresentar-se ao Príncipe , e dizer-lhe confiada- mente : Para servi r-vos , braço ás armas feito; Para cantar-vos mente ás Muzas dada. Cant. X. est. CLK Elle unio na verdade animo militar, e grande engenho Poe- Z ii ti- (rt) a Então ajuntou-se a isto acharem-me sempre na pelle a virtude I de Achilles , que não podia ser cortido senão pchs solas dos pes ; as n v]iucs de m'as não verem nunca me fez ver as de muitos. » Gim. Cart. I. v Foi homem de .spirito (diz Corrêa á est. CLV. do Cant. X.) e que em d tod.is as occazióes de guerra em que se achou , dèo de si muito boa » cont.i. a (/>) Querem alguns que este combate fosse no mar, mas não achei disso prova. Também querem que fosse ao lado de seu pai , e que pa- ra o acompanhar se passasse a Ceuta ; porém a historia de Simão Vaz de Camões he , como se disse , muito confusa. Faria e Soiza pretende que o Focta passasse a Ceuta por acompanhar D. António de Noronha ; e comtudo a D. António de Noronha he dirigida a Elegia II. de Afri- ca para o Reino. Inclino-mc a cuidar que passou a Ceuta esperando, em razão da amizade com D. António , favor de seu tio D. Pedro de Me- nezes. 1 8o Memorias da Academia Real tico ; união bem poucas vezes vista , e argumento de gran- de capacidade de alma , em que cabião ao mesmo tempo o tumulto e agitações Marciaes , e o repouso que pedem as meditações da Poesia. Por mais que blasone Horácio , não pode oceultar que aqui o favorceco menos a natureza; (rt) e raras vezes tem sido collocados no templo das Musas bus- tos vestidos de armas , e coroados de loiros de Apollo, co- mo nelle se vê agora , e verá em mui alongado futuro , o do nosso Luiz de Camões. Por 15 j 2 , segundo entendo, voltou de Africa ao Rei no e a Lisboa , onde a fortuna se lhe não mostrou ainda mais propicia. Os seus serviços e talentos não forão premia- dos , e pôde ser que nem fossem advertidos, como suece- de em tantos casos. Qs emulos continuarão a mortificallo , ou a mctello em novos riscos. O amor ou se enterrou com a sua querida Natércia , ou cessou de o enganar com pro- messas lisongeiras. Os meios de viver não avultarão mais , ou avultarão ainda menos, {b) Tudo em fim confirmando, ou acerescentando, o desgosto com que d'antes vivera no Rei- no , o determinou a deixallo segunda vez. Rcalisou então o que. já intentara cm iyjo; e em Março de 15-5-3 embar- cou para a índia na náo S. Bento , cm que hia Fernão Al- vares Cabral , Capitão mõr de hunia armada de quatro va- sos, (c) Ao desferir das velas para sahir do porto de Lis- boa , (4) Com os gabo» da Od. XX. do Livr. II. comparem-se aquelles ver- sos da Od. VII. do mesmo Livro a Pompeio Varo : Tecum Philipos & celerem jugam Scnsi , relida non bene parmula : Sed me per hostes Mercurius celer Denso paventem sustulic aere : (r>) As mortificações dos emulos e os riscos constáo da Carta I. : as esperanças de melhor fortuna constáo da est. IX. da Canç. XI. Agora peregrino , vago , errante Só pôr seguir com passos diligentes A ti , fortuna injusta , que consumes , &c. (e) Sabe-se com certeza pela Elegia I. que o Poeta foi á expedição DAS SciENCIAS DE LlSBOA. I 8 I boa , o Poeta exhalou o seu desgosto , e prometteo í Pá- tria, como Scipiao , que o não tornaria a ver. (a) Porém esta promessa , que á primeira vista p.irece indicio de desa- mor, não era senão prova do amor mais cntranhavcl e mais fino. Os amantes , por isso mesmo que o são muito , são mais mimosos c fáceis de irritar, e mais promptos a romper em ameaços , que nunca chegão a pôr por obra. O mes • mo vento que impellia as velas , levou logo os feros e ameaços do Poeta , e clle continuou a dar c.ida vez maio- res provas de patriotismo , que respira em cada estancia dos Lusiadas , que o trouxe novamente á Pátria, e que ao vêlla cabida em ruinas nos campos de Alcácer, ás mãos de pro- funda magoa , lbe tirou finalmente a vida : e bem certo es- tou que poucas horas depois de sahir da foz do Tejo , alon- gando os olhos nos pátrios montes e na fresca serra de Cintra , poderia dizer com os mais companheiros de viagem , e com ioual verdade : Ficava-nos também na amada terra O coração , que as magoas lá deixavão. Cant. V. est. III. A armada seguio sua derrota ; mas sobreveio tempo , que pôz todas as náos em grande perigo , e retardou três delias por tal modo , que no mesmo anno só a náo S. Bento che- gou á índia, (b) Porém a ventura com que flaquella occasião se aventajou ás outras , teve em desconto no anno seguin- te maior desgraça ; porque voltando ao Reino se perdeo na Cos- eontra o Chcmbé por fins do anno de 1553 '■> e c<>mo neste anno só a náo S. Hento chegou á índia , (Coito Dcc. VI. Liv. X. Cap. 14.) he cla- ro que toi nella embarcado com Fernão Alvares Cabral. (a) « As derradeiras palavras que na náo disse , foráo as de Scipiáo » Africano : Ingrata pátria , non possidebis ossa mea. n Cart. I. (/>) a e a ourra era a náo S. Bento, cm que vinha Fernão d'Alvare* » Cabral , que o Março atras passado tinha partido do Reino par Ca* x pitão niór de quatro náos , e delias só esta chegou a Goa. » ( Coic. Uec. VI. Liv. X. Cap. 14.) 182 Memoiias da Academia Real Costa da Cafraria , antes de chegar a aguada de S. Braz , acabando cm miserável naufrágio o mesmo Fernão Alvares Cabral , que á hida e volta a commandava. (a). O Rei de Chembé ou da pimenta na Costa do Mala- bar para a banda do Cabo Comorim , inquietava na posse de seus territórios os de Cochim c Porca seus visinhos e nossos alliados e amigos. Ao credito do nosso nome , e á segurança de nossas conquistas e commercios importava mui- to que fosse castigado este Rei inquieto , e desafrontados os que molestava. Movido pois desta consideração , resol- vera hir contra elle o Vice-Rei D. AfTonso de Noronha com alguma força, que se achava prompta e quasi para partir, quando a não S. Bento chegou a Goa por princípios de Se- tembro de 15-53. (b) A chegada da na'o S. Bento, e ou- tros motivos demorarão a jornada , que veio por fim a ter eíFeiro em Novembro seguinte. Dêo o Vice-Rei á vela com huma boa armada , em que hia grande numero de Capitães e Fidalgos, e com elles Luiz de Camões, a quem o dese- jo de fazer serviço , e grangear gloria , não consentio que descançasse por muito tempo das fadigas de tão longa c pe- nosa viagem. A empreza não era de grande difficuldade , comparando a resolução e poder dos Portuguczes com os pequenos meios , e mais pequeno animo dos inimigos. Não era porém ião fácil , que os Portuguezcs se não vissem obri- gados a empregar esforço e cautellas , e que não custasse Igam sangue dos nossos guerreiros, (c) D. Aftbnso de No- ro- (a) n Salvando-se a gente d'ella em algumas jangadas, que foráo ter s a terra : ma3 a em que hia Fernão dAlvares Cabral e D. Álvaro de No- » ronha (filho do Vice-Rei D. Garcia de Noronha) se virou e elle e n toda a gente de sua obrigação se affogaráo. » ( Ibid. Cap. 17.) (i) a Entrando O verão (de 1555) sendo poucos dias de Setembro, % chegarão á barta de Goa duas náos do Reino , huma de que eia Ca- 1 pitão D. Jorge de Menezes o Baroche , da companhia de Fernão Soa- * res de Albergaria , que ficou o anno passado invernando cm Moçam- j) bique : e a outra era a não S. Bento , Scc. i> ( Ibid. Cap. 14.) (c) Veja-se Coit. Decad. VI. Liv. X. cap. 15 , Camões diz na Eleg. I. : N'ella nos detivemos sós dous dias , dasSciencias de Lisboa. íJ?3 ronha desembarcou em Chembé , e destruindo e assolando as ilhas alagadiças, punio o Rei com grande damno da Mia fazenda e gente , e vingou e compensou os alliados. Não concluio comtudo a guerra ; mas como alcançara o princi- pal , e instava o despacho das náos , que naquelle anno de- viiío navegar pira o Reino , voltou a Cochim , ede Cochim a Goa , deixando nas paragens de Chembé Gomes da Silva com doze ou quinze navios ligeiros, para continuar na ex- pedição. Camões veio para Goa com o Vice-Rci , (á) e en- tão compôz a primeira Elegia , onde refere a sua viagem para a índia , e esta sua primeira prova na milícia Asiáti- ca. Não falia de si em particular no que respeita i jorna- da e combates do Chembé ; mas não pode haver duvida em que clle mostraria éflS tal occasião o valor de que se presi- va , e poria grande empenho em igualar os animosos Fidal- gos que hia acompanhando , e fazer ver a todos que por sua parte não esmoreceria a fama de nossas gentilezas; das quaes clle andava tão cheo c namorado, como quasi a ca- da pagina certificão as suas Poesias. Recolhido a Goa o Poeta por princípios, (Z>) muito provavelmente, do anno de 15-54, n^° consta que dalli se afastasse em todo elle. A 23 de Setembro chegou á índia o Vice-Rei D. Pedro Mascarenhas , e acabou com a sua che- gada o governo de D. Affonso de Noronha. Huma das pri- meiras providencias que dêo D. Pedro Mascarenhas, foi á de preparar huma armada de três navios de alto bordo , e cinco fustas, para hir em busca do Cossario Safar , de quem o Que toráo para alguns os derradeiros , Pois passarão da Èstyge as ondas frias. (íi) Daquellas palavras da Eleg. I. « Nella nos derivemos sós dou? » dias 11 se deve inferir ijue o Poeta não ficou com Gomes da .Silva, c que voltou com D. Aftbnso de Noronha. (/') D. Affonso de Noronha, do Chembé veio para Cochim , e de Co- chim para Goa; d'onde ou haviáo já partido, ou partirão logo as náos para o Reino, as quaes partirão, segundo Coito, até 15 de Janeiro de 1554. Veja-se Coit. Dec. VI. Liv. X. Cap. 17, c 18. 184 Memorias da Academia Real o nosso Commercio recebera grandes damnos, e os receava ainda maiores. Desta armada dêo a Capitania mór a Ma- noel de Vasconcellos , hum Fidalgo maduro em annos , e de bom entendimento, que fez na índia muito e mui distincto serviço , e que o Vicc-Rei D. Affonso de Noronha já man- dara ao Mar Roxo com seu filho D. Fernando de Menezes, para lhe dar em tudo aviso e conselho. Luiz. de Camões embarcou com Manoel de Vasconcellos , e sahírâb de Goa em Fevereiro de lyff. Scguio a armada sua viagem até que houve vista da Costa da Arábia , e se foi lançar , co- mo levava cm regimento , diante do monte Félix ao norte do Cabo de Guardafu , esperando as nãos que devião vir do Achem. E como se detivesse alli até se gastar a mon- ção, se foi invernar cm Mascate, na entrada do Golfo Pér- sico, para trazer as náos de Ormuz, c llies dar guarda ca- minho de Goa , pelo que se temia das astúcias e atrevimen- to de Safar. Em toda esta jornada não houve encontro de inimigos , c não houve por tanto occasião de peleja. Os sol- dados escolhidos para a expedição não devião ser dos in- feriores , nem devião hir pouco preparados de resolução e brio para guerrearem hum inimigo tão valente e ardilosa como Safar; (a) mas Safar astuto e previsto soube esqui- var-se ao conflito, e os navegantes Portuguezes não tiverão mais incommodos , que os de hum cruzeiro tedioso em cli- ma de ruins ares, junto de pnias ermas e despidas, sem se lhes offerecer lanço opportuno de fazer proveitos, e sobre tudo de adquirir credito e fama de proezas militares. A es- tes incommodos ajuntou Camóes os de seus pensamentos na- morados e saudosos, de que dá conta nos versos bellissimos d..s (íl) Safar ou Çafar, grande Cossario , esforçado, e de bom conselho, foi o que no anno de 1550 tomou o navio de Luiz Figueira, que foi morto no combare do Mar Roxo; e agora em 1551 despachado pJo Turco, e sahindo do Estreito, fizera alguns roubos e insultos, cujas no- vas determinarão o Vice-Rei D Pedro Mascarenhas 3 mmdar a armada, que foi governando Manoel de Vasconcellos. Veja-se Coit. Decad. VI. Liv. IX. cap. 3. ; e Decad. VII. Liv. I. Gap. 5. , 7. , e 8. das Sciencias de Lisboa. i8j" das estancias III., IV., c V. da Canção X. ; composta tal- vez, cm Mascate, onde forão invernar, ou em Goa concluí- da a viagem, e dentro do mesmo anuo (a) de 1555 , em que o Poeta estava , como se vê da Canção , em todo o vi- gor do seu engenho , e no de sua paixão, conforme elle diz, e esperanças amorosas. O Vicc-Rei D. Pedro Mascarenhas , quebrantado de idade c trabalhos, (b) falleceo a 16 de Junho de i^J, e abrindo-se as vias achou-se nomeado Francisco Barreto, que lhe suecedeo com o titulo de Governador. Havia perto de quatro mez.es que Francisco Barreto governava , quando a armada de Manoel de Vasconcellos voltou a Goa , e nella Luiz de Camões , 110 mez de Outubro daquelle anno. Fran- cisco Barreto , (c) homem de grande qualidade , liberal , bom soldado , bom Governador no tocante aos negócios de guer- ra , c muito benemérito na índia e Africa do Rei e da Pá- tria, era hum pouco vão, e prompto a se resolver por me- xericos, (d) Posto em terra depois da jornada ao Mar Roxo Tom. Vil. Part. 1. Aa o (rt) Pela viveza das cores da descripção , se conhece que o Poeta ti- nha .unia muito frescas as impressões que recebera em quanto cruzava diante do monte Félix : o que faz suppor curto espaço de tempo entre o cruzeiro e a composição. (/>) Vej.i-se Diogo do Coito Decad. VII. Liv. I. Cap. 12, onde apon- ta mui curiosas particularidades da historia e caracter de D. Pedro Mas* carenhas. Este Fidalgo fora por Embaixador a Roma , e de lá trouxe os Padres da Companhia para o Reino. (c) Pilho de Ruy Barreto , Alcaide mor de Faro , a quem Diogo do Coiío chama o grande Ruy Barreto, e de D. Branca de Vilhena , filha de Manoel de Mello , Alcaide mór de Olivença. Casou duns vezes , a primeira com D. Francisca de Castro, filha de D. Luiz de Menezes, da casa de Tarouca ; a segunda com D. Brites de Attaide , irmã do Conde d'Atouguia. Sérvio muito na índia, que governou tanto á satisfação dos súbditos , como se pude ver na Dec. Vil. de Coito , e patticularmente no Liv. VIII. Cap. 15. Tornando ao Reino, foi Capitão mór das Ga- lés , com que se ;ichou em favor d'ElRei de Castella na tomada do Pi- nhão de Vellez. Ultimamente foi por Governador e Conquistador do Mo- nopotapa , onde falleceo. Veja-se Coito Dec. VII. Liv. V. Cap. 8., e Hist. Sebast. Liv. II. (d) Esta representação do caracter de Francisco Barreto he formada 1 86 Memorias da Academia Rfal o nosso Poeta , ou de indignado dos vicios e solturas que observava entre os Portuguezcs da Ásia , ou por desenfado , compôz a Sátira, que traz por titulo: Disparates da Índia, cm que se não pôde negar que censura vários com acrimo- nia , e dêo bastante azo aos que o quizessem culpar de de- tractor pouco comedido do Governo, (a) Não podião dei- xar, os que elle reprehendia tão asperamente, de docr-se tanto mais, quanto mais era delles merecida a reprchensão. E he bem de suppor que desejando muito vingar-se do Poe- ta , que os castigara com severidade , abusarão do genio fá- cil do Governador , e o determinarão , mostrando-íhe tam- bém offendida a sua reputação , a proceder contra Luiz de Camões com mais rigor, do que aquelle com que hum Ca- valheiro primoroso devia tratar as facécias de hum mance- bo nobre , tão conhecido por seu engenho , e outras pren- das. Não se houve comtudo Francisco Barreto neste caso, segundo me parece , com a crueza denodada , e impolitica , que alguns imaginão , a respeito de Luiz de Camões. Man- dou-o , não ha duvida para a China , onde esteve parte do tempo do seu Governo , c ainda huma parte do tempo do Governo de D. Constantino de Bragança. ( b ) Mas o de- gredo foi palliado com o encargo que lhe dêo de hir exer- citar em Macau o officio de Provedor mor dos Defuntos ; em que o Poeta podia achar , como achou , meios de se melhorar em teres , e de emendar assim hum pouco os ca- prixos da fortuna , e os ruins effeitos da sua mais descul- pa- fielmente dos vários traços que vem espalhados pela historia de Diogo do Coito, e na Relação da sua viagem ao Monopotapa , que se lè na Hist. Sebast. Liv. II. (a) Vejáo-se as est. IX. e XVI. da dita Sátira. Os golpes parecem agora menos penetrantes ; mas he de crer que então o parecessem mais. O maior idólatra de Camões, Manoel de Faria e Soiza, não se atreve a dallo aqui por innocente. Veja-se a segunda Vida do Poeta n. 18. (&) Camões partio em 1556 , e voltou a Goa por princípios de ij> dos naturacs c dos estranhos ; c o Governador da índia , quan- do cumpria com as ordens do seu Rei em suviço de Por- tugal, foi morrer sem gloria nos medonhos sertões da Afri- ca, nas inhospitas c pestilenciaes ribeiras do rio Cuama ; e em tamanho aperto , que até teve escasso lugar para ser sepultado em huma pobre e solitária ermida das visinhan- ças. (a) Empena pois, mais pezada certamente do que reque- ria huma imprudência juvenil , mandou Francisco Barreto para Macau a Luiz de Camões, com hum dos Capitães que no anno de 1556 despachou para o Sul. (b) E foi este o mando injusto , a cuja execução allude na est. CXXV11I. do Cant. X. dos Lusíadas. Não he incrivel que nesta jor- nada , passando o estreito da Sunda , fosse ás Molucas , e tocasse em Terna te : tem ao contrario probabilidade, que razões de politica ou de commercio levassem alli o Capi- tão que o conduzia , ou que do navio em que sahio de Goa, fosse passar-se naquella Ilha para outro, que motivos de mercancia trouxessem também a Ternate desde Macau , ou desde as paragens de Macau. Mas este he ainda hum dos pontos da historia de Luiz de Camões , em que a commum opi- ( poder hum cruzado para suas exéquias... ao outro dia pela manhã o 11 enterramos na ermida de S. Marçal ; aonde por o corpo da Igreja es- » tar cheo de corpos mortos e frescos, não havia lugar para elle, e foi 1 necessário ao longo do Altar fazer a cova atravessada , que athe isto » lhe faltou na morte , homem tão prospero e que com tantos gastos x viveu na índia. > Não foi por certo mais pobre e lastimoso o transito e scpulchro de Luiz de Camões ! (&) Camões devia partir de Macau caminho de Goa ou muito cm princípios de 1561 , ou por fins de 1560. Para grangear em Macau cer- to cabedal , como todos affumáo , era preciso ter-se alli demorado três annos ou quasi ; devia pois ter chegado por 1557, e ter sahido de Goa por içç6. Severim refere com etfeico a este anno a sahida para o Sul, com hum dos Capitães despachados por Francisco Barreto, de que Coito faz menção na Dec. VII. Liv. IV. Cap. 3. o>p 190 Memorias da Academia Real opinião me não parece fundada em decisivo argumento. A est. CXXXII. do Cant. X., em que falia de Ternate, não dá sinal , c muito menos seguro , de ter estado naquel- la Ilha ; e a Canção VI. , a que se encosta principalmente a dita opinião , não he a meu ver basrantemente clara. Se na Canção VI. falia de huma Ilha que o fogo eterno aquen- ta com dezuzada força , e de que a Gente Litzitana tem o se- nhorio por armas sanguinozas ; circumstancias que dizem em parte com as que nota de Ternate na dita est. CXXXII. do Canto X. : (a) também diz , que nessa Ilha quiz sua ven- tura que passasse huma grande parte da vida , e dá a en- tender que sua ventura o quiz assim , para que alli fosse acabar nas mãos do fero Marte ; (b) o que parece repugnar com Ternate , onde , segundo a razão dos tempos , se lhe não pôde suppor mais do que huma curta residência de pas- sagem , e se não pôde por tanto crer que fosse empenhar- se nos jogos ou conflictos do Deos da guerra, (c) Se me he licito arriscar aqui huma conjectura , que offereço na verdade só como conjectura, eu direi que me inclino antes a cuidar que a Ilha da Canção VI. he a Ilha de Goa. Jaz a Ilha de Goa na Zona Tórrida , a pouco mais de quinze gráos da Equinocial para a banda do Norte j he cercada de (/j) Vê Tidore e Ternate , co' o fervente Cume, que lança as flamas ondeadas: As arvores verás do cravo ardente , com sangue Portuguez inda compradas. Cant. X. est. CXXXII. (/») Aqui minha ventura Quiz que húa grande parte Da vida, que eu não tinha, se passase; Para que a sepultura Nas mãos do fero Marte De sangue e de lembranças matizasse. Canç. VI. est. II. (/) Se foi mandado para a China por Francisco Barreto , como pare. ce e como quasi todos , ou todos , os Biógrafos dizem , náo se pôde sup- por qne tocasse nas Molucas senão de passagem. uasScif. ncias de Lisboa. i a i de hum rio de marítimas aguas; foi ganhada por armas san- guinosas da Gente Portugueza j desde cila foi o Poeta va- rias vezes exercitar a guerra ; nella residio em fim muito perto de dez annos , descontando somente as expedições ao Chembé , ao Mar Roxo , e outras de igual ou ainda mais curta duração : (a) por maneira que não será temerário , ou cu me engano muito, quem affirmar que todos os indícios da Canção dizem com a residência de Goa , e completamen- te só com a de Goa. (b) Como quer que seja da residência ou passagem pelas Molucas , e determinadamente por Ternate , a demora do Poeta em Macau não pode pôr-se em duvida sem contra- riar , e com pouco ou nenhum fundamento , a tradição que dura ainda hoje , (c) a relação dos Biógrafos desde Pedro de Mariz , e o argumento que dão de si algumas convenien* cias da historia, (d) Ainda ao Levante do Golfo de Tonkin e (a) Segundo a conta mais provável , Camões chegou a Goa , hinco do Heino, em 1555, sahio para o Sul em 1556, volrou a Goa em 1560 ou 1561 , e alli persiitio aié 1567, em que acompanhou Pedro Barreto para Sofala. (£) Com força dezuzada Aquenta o fogo eterno íluma Ilha nas partes do Oriente De estranhos habitada A Luzitana gente Por armas sanguinozas Tem delia o senhorio. Cercada está de hum rio De maritimas aguas saudozas. CWnf. VI. est. 111. Os outros dois indícios estão nos versos da est. II. allegados na no- ra (bj da pag. anteced. (c) Ninguém ignora o que se refere da gruta de Macau , a que se dá O nome do Poeta; e onde se diz que elle se retirava para compor as suas Poesias. (W) j Onde poderia Camões mais naturalmente ajuntar o cabedal per- dido no naufrágio , do que no exercício do cargo de Provedor em Ma- cau ? i Se elle não esteve em Macau, como lembrou atribuir a sua pri- záo , em tempo do Conde do Redondo, ás aceusações do modo porque ; 192 Memorias da Academia Real e Ilha de Hainan , quasi na boca de huma entrada que o nwr \.\i pelas terras da China na Provincia de Cantão, e em cujo ápice mais setentrional he a Cidade que assim se no- mea , esta hum pequeno espaço de território que os Portu- gueses oceupárão por consentimento dos Chinas , de cujo Impcrio era dependente. Pouco antes do tempo de que va- mos tratando , tinhao os Portugueses , com os olhos fi- tos nos grandes proveitos do commercio da China , e das outras Provindas visinhas no Oriente , principiado a fundar ali i • e a sede e engodo de lucro tinhao chamado morado- res da mesma Nação , e vários Asiáticos ; os quaes todos compunhao huma Cidade , que já não era de desprezível trato. A esta Cidade de Macau hc que foi servir no offi- cio de Provedor mór dos Defuntos o nosso Poeta. Não di- zia muito o oíficio com a nobreza de Luiz de Camões , e ainda menos com as suas inclinações Marciaes e exaltado amor da gloria. Era comtudo meio , como já inculcámos , para se desembaraçar da penúria com que luetava ; e os Bió- grafos dão por certo, que nelle ajuntou cabedal de alguma importância , de que o tornou pouco depois a privar a con- traria fortuna. Não foi ella porém tão poderosa , que o che- gasse a privar de outro thesouro também aparelhado , ou acerescentado, em Macau , (a) e mais rico e valioso incom- paravelmente para hum coração sublime, que todos os me- taes de preço e jóias inextimaveis , de que abundão as mi- nas e mercados da Ásia. As Musas da Grécia e Itália, que namoradas de seu engenho havião acudido a inspirallo nas margens do Mondego e Tejo , agora o seguirão aos mais re- alli se houve naquelle officio ? O naufrágio emfim na foz tio Mecon , de que não pôde haver duvida , dá bem a entender que vinha das par- tes da China. {a) A opinião do Sfir. Morgado de Matteus funda-se aqui , segundo julgo , na tradição ; que he na verdade muiro verosímil. O Poeta prin- cipiara a compor os Lusíadas de muito antes, porém devia adianrallos no socego de Macau ; e comsigo os trazia quando naufragou na Costa de Camboja. das Scíencias de Lisboa, 193 remotos climas; e pela primeira vez, e pôde ser que pela ultima , fizerão retumbar assombrosa Poesia nos ecos do mais antigo c celebrado Império do ultimo Oriente, em- penhada cm eternizar , como eternizou , a honra de hum pe- queno Reino do ultimo Occidcnte. j Tamanho hc o poder de huma soberana indole Poética ! j E tanto merecia hum Povo , que com tal magnanimidade se abalançou sem mo- delo desde a jazida do Sol aos berços da Aurora ! Magna- nimidade insinuada com alta energia naquellcs versos da est. L. do Gant I. , onde a judiciosa simplicidade das pala- vras diz tão bem com a grandeza ou magnificência do pen- samento : Os Porhiguezes somos do Occidente , Himos buscando as terras do Oriente. Concluídos três annos do officio de Provedor mór dos Defuntos em Macau , dèo-se pressa o Poeta em deixar a terra para que fora degradado , e voltar á liberdade e es- peranças de Goa. Governava D. Constantino de Bragança com o titulo de Vice-Rei desde 3 de Setembro de 15-5- 8; e á vista do favor antigo que desde Lisboa dera a Luiz de Camões , tinha elle fundamento para esperar do Vice-Rei ajuda e mercê, não só protecção e amparo. Nesta confian- ça se embarcou em Macau com o que possuia , e ainda , se dermos credito a Pedro de Maria, (a) com algum cabedal de companheiros de negociação. He de presumir que de to- das as suas viagens , esta foi a que emprehendeo , e princi- piou com maior contentamento e alvoroço. Voltava do de- gredo , sempre áspero c aborrecido ; voltava para os seus amigo-: e camaradas de armas; voltava esperançado no favor do Governo Portuguez do Oriente ; e voltava , segundo se Tom. VIL Part. 1. Bb sup- (/i) « Mas nem a enchente de bens que lá grangeou (diz Pedro de ti Mariz) o pôde livrar, que em terra náo gastasse o seu liberalmente. » E no mar náo perdesse o das partes em hum naufrágio que padeceu 1 tctrivel. b 194 Memorias da Academia Real suppõc , com o mais crescido cabedal de que se vio senhor no decurso de toda a vida. Mas a estrella inimiga tomou por empreza frustrar as mais bem concertadas esperanças de Luiz de Camões, e tornar em pc/.ares as suas mais vivas alegrias; e não quiz que ellc fosse, no tocante a teres e proveitos, mais venturoso do que em amores. Navegava no Mar das índias, quando passada a Costa da Cochinchina e inclinando para o golfo de Sião , padeceo triste naufrágio , de que escapou a nado na foz do Rio Mecon. (a) Este lon- go Rio, que nasce nos confins da China ainda para lá do Trópico de Câncer , e atravessa de Norte a Sul o Reino de Camboja , sahe , por dés grãos de latitude do Norte , muito caudal de aguas ao Oceano. Aqui , onde vem mistu- rar-se com o Oceano , foi que naquella occasião, como apie- dando-se da desventura do Poeta, o recebeo manso e amo- roso , e no chão firme de suas praias lhe segurou a vida , e a posse dos Lusiadas , que elle não prezava menos do que a vida ; se não he que os prezava mais. Na citada estan- cia CXXVI1I. do Cant. X. confessa Camões , e como qu2 agradece , esta cortezia do Rio Mecon : (&) e não lhe de- ve (a) Deste naufr.igio ninguém duvida , c o Poeta falia deile na estan- cia CXXIIl. do Cant. X. Mas Ignacio Garcez Ferreira he singularmente de opinião que suecedeo na hida para a China , e não de volta , como alririnio todos os mais. Os seus fundamentos comtudo patecem-me muito fracos. Devia perder-se , diz elle , o escravo que trazia de Java , se o naufrágio fosse na volta; e em segundo lugar o mesmo Poeta diz na ci- tada est. «quando foi o injusto mando executado.» Porém j quem lhe diz que o escravo foi trazido de Java , e não tomado depois em Goa i ou que o escravo não se salvou também do naufrágio ? O « quando » da ci- tada estancia não nos obriga a entender que fosse na hida, ou na vol- ta, mas sim em huma delias, por occasião do suecesso do degredo. Na mesma prosa não apertão com tal rigor as leis da interpretação , c que fará no estilo mais irregular e mais livre da Poesia ? Não escapou esta objecção a Faria e Soizi , ( segunja Vida §. 10 ) porém justamente a desprezou: bem que o fundamento, com que a desprezou, me não pa- reça melhor. (í>) Este receberá plácido e brando , No seu regaço os Cantos , que molhados , Vem do naufrágio triste , e miserando , Dos procellozos baixos escapados. Cant. X. est. CXXFIH. SIHU O 'Ir DAS SciENClAS DE LlSBOA. lyf ve toda a Nação Portugucza menos agradecimento. Senão salvasse Cxsar esses Commcntarios, que hum Juiz,, tão en- tendido como pouco affeiçoado , qualifica de despidos e to- davia formosos , (a) pequeno detrimento sentiria o credito das Musas Latinas. Sc pordm o Oceano das índias sepul- tasse em seus abismos os Lusíadas , ,; quem pôde duvidar de que com elles seria sepultada a parte principal do credito das Portuguezas ? Vários escritores, entre os que tem referido a historia de Luiz de Camões , são de parecer que depois deste suc- cesso , e nas margens do Rio Mccon , he que elle compôz as Redondilhas, em que de certo modo parafrasea os ver- sos melancólicos e saudosos do Psalmo 136 ; e que o des- terro de que faz menção na est. XIX. das Redondilhas , he o desterro para a China, (b) Applicando poiém muito repa- ro aos fundamentos deste parecer , e lendo com outro tan- to as Redondilhas , não acho que elle assente em mais do que fracas congruências ; e entendo que o desterro he mui- to outro que o de Macau. Por huma parte , como o Poeta refere a si o que passou com os Hebreos sobre os rios de Babylonia, tirão daqui que ao tempo de compor a paráfrase se achava também nas margens de algum rio notável, e em circumstancias , quaes erao aquellas dos Hebreos , muito apertadas ; e visto não lhes occorrer outro rio com circum- Bb ii stan- (/j) Ntuli enirn sunt , recti , & venusti ... sed dum voluit , altos ha- bere parata , titule sumerent , qui vellent scribere historiam . . . sanos quidem homines a scribendo deterruit. ( Cicer. in Brut. n. 75 Ed. Ernesc. ) Não te- nho noticia de gabo litterario que , ponderadas todas as circumstancias , honre mais o grande homem a que foi dado , e o juizo e inteireza de quem o dèo. (b) Severim adverte que segue aqui o dito de outrem ; porém Faria e Soiza (na segunda Vida §. 21) atfirma resolutamente; e os seguin- tes tem , na maior parte e com pouca consideração , abraçado o parecer de Faria e Soiza , especioso até certo ponto , e muito mais para quem se quer furtar ao trabalho de discutir criticamente os suecessos , e opi- niões. Por esta occasiáo se pôde conhecer bem a differença dos génios, e camélia critica entre Faria e Soiza , e o Chantre Severim. 1 9 6 Memor ias da Academia Real stancias de tamanho apuro no Poeta , senão o Mecon depois do naufrágio lastimoso, tem as suas ribeiras pelo lugar em que as Redondilhas forão compostas. Por outra parte , co- mo o Poeta falia em desterro presente , e na idade madu- ra de Camões , a que a belleza de estilo , e sisudeza de pensamentos nos mandão attribuir a obra , não houve outro desterro , entendida no seu rigor a palavra , senão o da Chi- na ; concluem promptamente que delle ralla } e delle volta- va ao tempo da composição. Mas a taes fundamentos he que cu chamo fracas congruências; nem elles merecem, se me não engano, mais grave qualificação. Do theor da obra inteira se colhe claramente , que o Poeta não allude a hum ou outro lance apurado da sua vida , mas ao largo espaço delia que passou nas partes Orientaes , muito mais cançado por certo e trabalhoso, que o que lhe correo antes de em- barcar para a índia cm 155-3. Quando diz que se achou so- bolos rios que vão por Babylonia , falia figurada e não litterab- mente , não só no que diz respeito a Babylonia , mas tam- bém no que diz respeito aos rios ; e bem se vê que o fim para que aponta esta circumstancia , foi só o de mostrar que parafraseava aquelle Psalmo , e que tinha igual motivo com os Hebreos para suspender a lira , e para não entoar as mesmas canções suaves que usava cantar na Pátria. Pare- ce daquelles versos da citada estancia XIX. A pena deste desterro Essa nunca seja ouvida Em castigo do meu erro : que tinha o desterro das Redondilhas por effeito de erro próprio , circumstancia , que bastaria por si só a destruir a opinião que he pelo desterro de Macau , porque o ultimo tinha por effeito do injusto caprixo do Governador da ín- dia , segundo declara naquelle verso, « Quando for o injusto mando executado. >> ^ Como he possível , fora de tudo isto , que não haja nas Redondilhas hum verso, ou huma frase, que se refira com determinação ao triste naufrágio de que aea- ilíT-VT DAS S CIÊNCIAS DE LlSQO.X. l')7 acabava de escapar, e de que era quasi forçoso que fizesse lembrança , no caso que se yuppõe ? Dou-ine por tanto a crer , que compòz sim na Ásia aquellas Redondilhas muito estimáveis , bem que não pouco inferiores na bellcza e pa thetico ao Psalmo que intentou parafrasear, (a) mas que não ha sufficiente ra^ão para que se afirme ijue as compôz na embocadura do Mccon ; antes a temos de Nuppor que o des- terro em que falia he a jornada para a índia , que elle olhava como desterro , a que o levarão na maior parte os seus erros amorosos* Da embocadura do brando e plácido Mccon partio o Poeta paia Goa, onde se achava já no armo de 156 1. {b) Encontrou no animo bizarro e realengo do Vice Rei D. Cons- tantino o favor e agazalho que se promettia ; e o agrade- cimento o determinou a dirigir-lhe as conhecidas estancias, que principião com huma clara imitação da Epistola , que a Augusto encaminhou Horácio. Nesta composição dá o Poeta a ver o seu triste e escuro estado , e ao mesmo tempo a a nobreza de seus pensamentos. Tudo podia na índia , e muito poderia no Reino D. Constantino ; não puderão to- davia interessadas esperanças arrancar adulações serviz e tor- pemente encarecidas a Camões. Tinlia-se por aggravado , e tyranicamentc perseguido por Francisco Barreto ; mas ain- da que nos ouvidos de hum suecessor quasi nunca he mal so- (rt) Basta dizer que as Redondilhas tem quatro vezes tantas estancias , quantos são oj versos do Psalmo. Os aftectos vcrhementes são de dura- ção curta , e o escritor sisudo sempre se conforma na sua declaração a este dictame da natureza. A declaração aliás se torna desproporcionada e fraca , como suecede nas Redondilhas. Evapora-se a paixão , ainda cjue Camões conserve a substancia, e reproduza as imagens. Applicando, de mais a mais , allesoricamente o que he próprio no texto , vem a per- der-se quasi toda a ternura e naturalidade do Psalmo. Assim mesmo , as Redondilhas tem ainda muita valia. (i) As estancias a D. Constantino fotáo evidentemente compostas em Goa, quando ainda durava o seu Governo , que acabou em Setembro de 156 1 , e depois da empreza de Jafanapatáo , tocada nas est. XV. a XVII. , e suecedida nos últimos mezes de 1560. Veja-se Coit. Dec. VII- Liv. IX. Cap. 1. a 4. SI 3 'ST 1 9 8 Memorias da Academia Real soante o vitupério daquelles a quem succcde , ainda que to- ca a notória c censurada largueza do governo de Barreto , teve a generosidade delicada de não inettcr nas estancias o nome do seu contrario, (a) A nossa prosperidade tinha afrou- xado no Oriente , como costuma , aquclla virtude austera com que os maiores a grangearao. Degenerara o zelo da Religião para tibeza ou frieza acerca das suas regras e mistérios , o amor da gloria para sede baixa de lucro , o valor para mo- leza deliciosa. O Vice-Rci D. Constantino , como pio e en- tendido, quiz atalhar a corrupção, e erguer barreiras contra o mal. Estranhou , conteve , reformou. Mas perdem paciência paixões humanas com qualquer impedimento e contradicção , quanto mais com o ferro e cautério de cirurgia resoluta. Murmurou o vicio , e levantou em fim brado , que não dei- xou de desconsolar o Vice-Rei. Por mais que saiba a vir- tude que costuma ser mal galardoada no Mundo , e nem por isso deixe de proseguir em seus intentos ; magoa-se comtudo e lastima-se do desatino que a pretende infamar e atropelar , contra o geral interesse e conveniência. Acode Camões nas estancias a consolar a virtude , se tanto fosse necessário , com razões e exemplos ; e apenas lembra ao Vice-Rei , movido do amor imperioso da verdade , o hon- rado sacrifício que fez ao seu Príncipe , em commetter a vi- da a hum fraco lenho em tão larga e perigosa navegação , e lhe recorda a gloria innegavel da sua Familia, e particu- larmente a do grande D. Nuno Alvares ; o heroe valido do nosso Poeta , (Z») que o deve ser de todo o Portuguez , e de (rt) Faz com razão esta advertência o Snr. Morgado de Matreus. Não he nomeado com effeito Barreto, posto que alludem ao seu governo aquel- las palavras da est. X. ..... do povo indómito que estava Costumado á largueza e á soltura Do pezado governo que acabava. (b) He impossível ler as Obras de Camões , e sobre tudo os Lusiadas , DAS Í5 C r F. H C I A S DE L I S B O A. I99 de todo o homem em cujo peito se conserva a menos viva faisca de patriotismo. Pouco durou a Luiz de Camões em Goa o favor de D. Constantino de Bragança. A 7 de Setembro de iyór o foi render o Conde do Redondo D. Francisco Coitinho ; c posto que o Conde náo fosse desafeiçoado ao Poeta , e estimasse o seu engenho e Poesias , (a) a inimizade sempre tntendeo que poderia livremente perseguillo no tempo do seu governo, e vingar-sc de pretendidos aggravos , ou talvez da conhecida vantagem que a todos levava nas prendas do coração , e do entendimento. Tinha Camões grandes e ver- dadeiros amigos na índia. Vários Fidalgos de muita nobre- za o tratavao com familiaridade, e lhe forao constantes. Da familiaridade he boa prova o gracioso banquete para que for o convidados Vasco de Ataide, D. Francisco de Almei- da, Heitor da Silveira por alcunha o Drago, Francisco de Mello , c João Lopes Leitão : e particular constância lhe mostrarão Heitor da Silveira e outros na bizarria com que depois lhe acodírão aos desamparos e pobrezas de Moçam- bique ; mas tinha também vários e muito activos inimigos, A sua superioridade lhe devia criar emulos , que facilmente se sem advertir no fervor de enthusiasmo com que refere, ou representa , os discursos e acções do Condcsrnvel. De iodos os valerosos Portugue- zes , que celebra com tanto ardor , nenhum lhe accende tanto e tão verdadeiramente o estro. ; EUe tinha bem razão na verdade ! Quanto mais <]ue a perfeita similhança nos pensamentos nobres de puriqtismo e lealdade , o devia inclinar cora muito ímpeto ao grande homem, de quem diz com tamanha emphase : Mas nunca foi que este erro se sentisse No fotte Dom Nun'Alvares : Cant. IV. est. XIV. (a} Pudera inferir-se d.i confiança com que o Poeta lhe dirigio a Ode VIII., pedindo-lhe o amparo do Livro de Garcia d' Horta , e o Me- morial conrra os embargos de Miguel Rodrigues Fios-secos ; mas tira-se mais claramente dos versos que começáo a Conde cujo illustte peito » e rom que lhe envia as voltas de hum Mote que, para as fazer, lhe man- dara o Vicc-Rei. íoo Memorias da Academia Real se tornão cm contrários ; o seu horror dos vícios baixos c grosseiros , que nos hiao deshonrando na Ásia , o devia le- var a termos ásperos de estranheza ; a sua propensão a mo- tejar com graça c acrimonia , era forçoso que indispuzesse todos aquelles em quem as facécias podião cahir ao justo; a segura consciência cm fim de talentos e inclinações hon- radas devia trazer comsigo aquclle ar firme c erecto , que obriga de ordinário ao respeito, mas que por si só nunca pode attrahir o amor. Deviao ainda viver , além disso , e ser presentes em Goa algumas das pessoas que se derão por of- fendidas do papel intitulado Disparates da bulia , em que já falíamos ; e se o respeito a D. Constantino as tinhi redu- zido á inacção e silencio, o fogo lavrava oceulto pari er- guer chamma com maior violência. Ergueo com effeito 6ham- ma violenta cm tempo do Conde do Redondo , e a expe- riência mostrou que a aíFeição do Vice-Rei ao Poeta nío era tão forte , que suspendesse ou tornasse vão o empenho dos seus inimigos. Foi mettido em prisão Luiz de Camõjs , c talvez compôz em huma cadea publica de Goa parte dos versos immortacs que agora admiramos , sem que D. Fran- cisco Coitinho se determinasse a servir de escudo contra este novo infortúnio de hum homem extraordinário ; tão celebre nos tempos seguintes ( poder notável das qualidades e pren- das de hum grande engenho) que o Conde he hoje menos conhecido por ser Vice-Rei da índia , (a) do que por an- dar enlaçada com a de Luiz de Camões a historia do seu governo. O pretexto de que a vingança , ou a inveja , se apro- veitou para metter em ferros nesta occasião a Luiz de Ca- mões , (/j) E muito avizado e discreto cortezito, e por qualidade de sangue hum dos grandes Fidalgos de Portuga! : filho de D. João Coitinho primeiro Conde do Redondo, e neto, por sua mãi , de D. 1'ernáo Martins Mas- carenhas , senhor de Lavre , e Capitão dos Ginetes. Seu filho D. Luiz Coitinho casou com hum?, filha do grande D. Aleixo de Menezes. Ve- ja-se Coit. Dec. VII. Liv. X. Cap. 17. DAS SciENCIAS DE LlSBOA, ÍOI mões, não nos consta com inteira certeza. Faria e Suiza (a) diz que foi prezo segundo huns em razão de certas traves- suras, c segundo outros por calumnias dos inimigos acerca do ofício de Provedor cm Macau. Não são muito criveis travessuras que provocassem , ou pretextassem , tão áspero castigo , cm hum homem que já excedia , e pelo menos to- cava, o meio da carreira ordinária da vida, cortado de tra- balhos e desastres, tão perseguido e affrontado da fortuna, e com juizo tão maduro como provão exuberantemente os Lusiadas , compostos já então cm grande parte. Por isso o bom senso do Chantre Severim nem sequer faz menção , neste passo , de travessuras do Poeta ; e só arrisca por con- jectura , que a prizão teve por motivo culpa , ou culpas , de que o aceusárão na administração do oflício da China. Sem receber absolutamente esta conjectura do Chantre Se- verim , cu a tenho por mais provável, e não duvido de que a malicia dos inimigos fosse capaz de resuscitar , ou antes de imaginar , defeitos e erros de seu officio , e de satisfa» zer assim, com mascara de zelo pela causa publica, aos caprixos particulares. O que he certo he que o Poeta ain- da sahio vencedor deste conflicto , e que em breve veio a obter ordem de soltura. Mas hum homem , de cujo valor e serviços fazem lembrança mui frequentes vezes as nossas historias da índia, (b) chamado Miguel Rodrigues Coiti- Tom. VII. Pari. I. Ce nho () Em vários lugares das Décadas de Coito vem nomeado Miguel Rodrigues Coitinho Fios-secos , como hum Officiat de guerra maricima de bastante importância e préstimo. Occorrem-me agora os Cap. I. e J. do Liv. III. da Dec. VIL, onde refere como Miguel Rodrigues, no- meado pelo Governador Francisco Barreto Capitão mór de dez navios , discorreo com elles , fazendo muito damno ao inimigo , pela Costa do Idalcan desde Goa até Dabul : e o Cap. 9. do Liv. X. da Dec. VII. , em que elle vem nomeado entre muitos Senhores e Capitães, que nes- ta mesma occasião do juramento das pazes com oÇamorim, forão acom- panhar o Conde Vice-Rei. O Chantre Severim seguindo também , se- gundo me parece , a autoridade de Coito , o trata de homem nobre e se- nhor de cabedal. 202 Memorias da Ac a dk mia Real nho por alcunha Fios-secos , com ser pessoa de nobreza e teres , rcsolveo-sc , faltando quanto parece aos primores da nobreza , a embargallo per dividas de dinheiro na prizão. Era ver-sc soçobrar de novo a' vista do porto! Conservou porém o Poeta socego de animo, c até boa feição e bom humor , como se vê do Memorial , (a) com que recorreo naquelle segundo aperto ao Vicc-Rci. O Vice-Rei dispunha* se a hir assentar pazes com o Çamorim , e era chegado o prazo da viagem, {b) para a qual ha quem diga que esta- va assinado o Poeta , e não sei se de algum modo parece que o inculca o theor do Memorial. Mas ainda que seja cer- to , ou muito de suppor , á vista da razão do embargo e jovialidade do Memorial , que teve bom e prompto despa- cho , e pareça que o Poeta devia neste caso , se para isso estava assinado , acompanhar D. Francisco Coitinho , não se me offerece para resoluta affirmação sufficiente fundamen- to. He geral opinião que os annos que viveo cm Goa des- embaraçado das aceusações de inimigos, e dos embargos de Miguel Rodrigues Coitinho , empregou em servir nas ex- pedições marítimas , quando era tempo de vestir e menear as armas, e em tratar as Musas e cultivar sciencia , nos me- zcs em que he mais difficultoso e perigoso cursar aquelles mares. E he forçado ter esta opinião por verdadeira , visto que nem o interesse , nem o brio do Poeta lhe soffrerião que descançasse cobardemente nas occasiões de trabalho e risco , nem o seu amor da Poesia e hábitos de meditação e (tf) Que diabo ba tão danado , Que não tema a cutilada Dos fios secos da espada Do fero Miguel armado? &c. Este faceto Memorial perpetuou e vulgarizou bum pequeno erro de Miguel Rodrigues Coitinho ; e a noticia dos seus trabalhos e serviços militares jaz no sepulcro de huma historia pouco conhecida ao presente , e ainda menos lida ! (i) O Conde do Redondo foi assinar as pazes com o Çamorim por fins do anno de 1562. Veja-se Coito Dec. VII. Liv. X. Cap. 9. swa, o^ DAS SciENCIAS DE L I S B O A. 203 estudo o deixariao ocioso nos intervalos da vida militar. Roa parte dos Lusíadas foi provavelmente trabalhada em Goa ; e de boa parte das Rimas se pôde talvez affirmar o mes- mo : c como a sua residência em Goa não foi muito dila- tada nos annos que correrão entre iff$cis6i,(a)3i com- posição e emenda das mais das Poesias feita na índia, de- ve attribuir-se aos que correrão desde aquclle ultimo. Do seu serviço activo nas armadas e expedições não temos tão claros e concludentes argumentos. Diogo do Coito confessa de si que foi camarada e matalote de Luiz de Camões ; (b) e só o podia ser nas viagens e facções da miiicia marítima que aeguião ambos. Mas lendo com bastante reflexão as Dé- cadas de Coito , na parte que se refere aos Vice-Reis D. Francisco Coitinho , e D. Antão de Noronha , notei com alguma admiração, que entre os guerreiros que a cada pa- gina e com muito cuidado usa nomear, nunca se acha no- meado o nosso Poeta. Diogo do Coito era seu amigo. Não me lembro , quando tratei as Obras certamente estimáveis deste historiador soldado , de alcançar a mais pequena pro- pensão de animo do seu Autor, para negar a qualquer dos seus camaradas ou a noticia , ou o louvor , que suas acções merecerão. ^ Como he por tanto possivel , que hum solda- do tão prompto e valente como Camões , não tivesse di- reito a ser nomeado por Diogo do Coito? e que hum his- toriador tão inteiro e fiel como he Diogo do Coito, se es- quecesse de tão notável Cavalheiro e amigo , ou quizesse faltar com a justiça ás suas honradas fadigas? Não preten- Cc ii do (a) Camões entrou pela primeira vez em Goa em Setembro de 155}, logo em Novembro foi á expedição do Chembé , d'onde voltou por prin- cípios de ijí4. Em Fevereiro de 1555 roi para o Mar Roxo, e voltou em Ouiubro. Em 1556 sábio p..ra a China desterrado, e não tornou a Goa >.enão por fins de 1560 ou principios do seguinte : por maneira tjue desde Setembro de 1555 até Dezembro de 156c poderia, por bom or- çamento , residir em Goa pouco mais de anno e meio. (/•) « Aquelle Príncipe dos Poetas de seu tempo, meu matalote e ami- 1 go Luiz de Camões, n Dec. VIII. Liv. I. Cap. 28. 204 M em ou ias da Academia Real do tirar deste silencio illações contrarias á inteireza c fide- lidade do historiador , que tenho em grande conta ; nem illações contrarias ao valor e serviços do Poeta , que não admittem duvida : pretendo só indicar de caminho , hum daquellcs mistérios , que deixão perplexa tantas vezes a cri- tica mais aguda , e em cuja explicação me parece supérfluo consumir tempo e diligencia. Militando e poetando, continuou pois na índia o nosso Poeta ; até que perdida a esperança de melhorar fortuna , se entrou a lembrar da vinda para a Pátria , de que se re- cordava vivamente saudoso, c onde intentava dar á luz pe- la impressão o seu Poema dos Lusíadas. Nestes pensamen- tos o achou oceupado Pedro Barreto Rolim , parente do Go- vernador Francisco Barreto , quando por morte de Fernão Martins Freire , Capitão de Moçambique , teve de entrar na posse daquella Capitania cm que estava provido : (a) e como amava muito , segundo parece , a companhia de Ca- mões, rogou, instou, e rez-lhe força com razoes, e pro- messas, até que por fim o moveo a vir com elle para So- fala , na idéa , como tenho por muito provável > de se em- barcar dalli com mais fácil id.ide para o Reino. O Conde do Redondo falleceo a 19 de Fevereiro de 15-64 , e D. Antão de Noronha , que d'antes se tinha embarcado para Portu- gal , foi mandado a Goa , e chegou para lhe sueceder na monção ordinária do mesmo anno. No fim do terceiro an. no do governo de D. Antão , ou o que he o mesmo por fins de 1567, he que Camões fez viagem para Sofala com Pedro Barreto, (b) Chegados ambos a Sof ila , não consta o (a) Vejase Dec. VIII. Liv. I. Cap. 18, onde refere como Pedro Bar- reto Rolim , para hir tomar posse daquella Capitania , desisrio do gover- no da armada do Malavar. (b) Coit. ibid. Tendo contado no Cap. 17 como D. Antão de Noro- nha despachou para Malaca D. Leoniz Pereira , e outros pira Ceilão e Maluco em Setembro de 1567, continua no Cap. 18 : a Depois do Visorei * d-ípixar esta» coizas , entendeu na armada ijue h.ivia de mandar ao * M -lavar > e segue logo a desistência de Pedro Barreto. sia-a ox das Sciencias de Lisboa. 2:5" o que passou entre clles de desavença. Talvez que a incons- tância de Fedro Barreto o levasse a desamparar o mesmo homem , a quem com tanto empenho havia persuadido que o acompanhasse. Talvez que ao ver-se instalado na Capita- nia Pedro Barreto , como as almas fracas se mudáo tanto com os mandos e governos , entrasse a requerer do Poeta termos baixos de humiliação, a que não podia sugeitar-se hum animo tão levantado ; ou a tratallo com taes altivezas c sobrançarias , que não as pudesse tolerar o grande brio de Luiz de Camões. O certo he que houve entre ambos gran- de quebra ; a qual não pode imputar-se com verosimilhan- ça ao Poeta , já muito ensinado de larga e varia experiên- cia. Separou-se este de Pedro Barreto ; e sobre si ficou em Moçambique reduzido a tamanha miséria , que Diogo do Coi- to , como elle conta por modo tão expressivo , o veio alli achar comendo de amigos. \ E nisto vierão a parar as vivas e repetidas instancias, as bizarras promessas de Pedro Barre- to , que tinha com tudo , e mostrou depois , mui resoluto e denodado pundonor! (a) jTão inconsequente, tão estra- nho , ou tão avesso de si mesmo he o homem nos sueces- sos differentes da vida , quando desprezado o norte de bom discurso, se entrega sem tento á discrição, e melhor disse- ra ludibrio , dos seus aífectos e humores ! I). Antão de Noronha teve por suecessor a 10 de Se- tembro de r 568 o celebre D. Luiz de Attaide , e em Fe- vereiro seguinte embarcou-se (em dia de N. Senhora das Candeas) para o Reino. Na sua companhia vierão alguns Fidalgos , e o nosso historiador Diogo do Coito. Ainda pa- ra lá de Moçambique morreo de doença D. Antão , e os mais , fora da náo Santa Catharina que pôde dobrar o Ca- bo , (a) Náo obstante ser Francisco Barreto seu parente, Pedro Barreto, quando soube que elle por occasiáo da jornada ao Monomotapa levava jurisdicçáo em toda a Costa que vai do Cabo das Correntes ao de Guar- dalu , onde entrava a sua Capitania, houve-se tanto por atfrontado, que se arrojou a largar o governo, e embarcar para o Reino, posto que lhe faltasse ainda hum anuo. Veja-se Coit. Dec. VIII. Liv. I. Cap. 28. 206 Memorias da Academia Real bo , e passou ao Reino, aportarão a esta Ilha, e ahi acha- rão Luiz de Camões no deplorável estado que dissemos. Parecco abrandar neste passo a má ventura do Poeta. Che- garão amigos verdadeiros, c de animo nobre, para o arran- carem do poder de hum falso ou ruim amigo. Trouxerao- Ihc meios de remediar a necessidade presente ; trouxcrão-lhe não em que embarcasse para o Reino , c meios de prover nos preparos e despezas da viagem. Merecia este lance tão honrado, que os nomes de todos ellcs Tossem ouvidos com veneração da posteridade. Mas a historia nomea somente Heitor da Silveira , António Cabral , Luiz da Veiga , Duar- te de Abreu , António Ferrão ; e esconde os mais no vago sentido da palavra outros. Diogo do Coito , que em parte nos dá noticia deste suecesso , também deve ser nomeado ; e singelamente declara que concorreo com os mais amigos para lhe ajuntarem a roupa que houve mister para se embar- car para o Reino, (a) Na sua relação mostra grande lasti- ma da fortuna presente e seguinte de Camões , com muito afFecto e respeito á pessoa e eminentes qualidades deste ho- mem raro ; e offerece-nos , talvez sem determinada ten- ção de o fazer, a maior prova da firme tempera de seu es- pirito. Os máos tratamentos e dureza quasi aleivosa , que com elle usou Pedro Barreto , (b) os apertos por que pas- sou (fl) Veja-se Decad. VIII. Liv. I. Cap. 28, que contém toda a re- lação de Coito no tocante a esta sua arribada a Moçambique. (£) Os Biógrafos , desde Pedro de Matiz até ac Shr. Morgado de Matteus , contão que Pedto Barreto quiz impedir a vinda de Camões p.i- ra o Reino , requerendo delle que lhe pagasse 200 cruzados despendi- dos na viagem de Goa para Moçambique ; e que os generosos passagei- ros se fintarão para os pagarem : tenho porém este facto por muito in- certo , por não dizer cousa mais forte ainda. Julgo, em primeiro Iu;;,ir. que a fonte , d'onde os mais tirarão a noticia , foi a relação de Manz ; fonte que merece grande desconfiança , em razão do pouco tino e nenhu- ma critica de Mariz. Em segundo lugar, Coito refere (ibld. ) que Pe- dro Barreto se embarcou também nesta occasião para o Reino ; o que em certo modo se concilia mal com o suecesso. Faz grande força , em terceiro e u'timo lugar , o silencio , nesta parte , de Diogo do Coito ; testemunha ptesencial, cuja autoridade, alem disso, não pôde , sem ag- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 20J sou cm huma Costa pouco menos que barbara da Ethiopid Oriental, c a fraca esperança de sahir deste género Je ca- tiveiro ou para os braços da Pátria , ou para os dos seus amigos da índia , não bastarão a descompor a quietação c segurança de animo de Camões ; e Coito refere que no meio de tudo isto ti acabou de aperfeiçoar as suas Luziadas para » as imprimir , e foi escrevendo muito em hum livro que » hia fazendo, livro de muita erudição, doutrina, e filoso- >» fia. >> Por bem pouco deixou Francisco Barreto nesta oc- casiáo de se hir encontrar cm Moçambique com Luiz de CamÓes , e de se lhe mostrar (frequente e comtudo estra- nha variedade das coizas humanas) decahido daquelle esplen- dor e prospera fortuna, de que abusara quando o desterrou para Macau. O antigo Governador da índia também obri- gado, segundo dizem, da pobreza, acceitou , e talvez so- licitou , o cominando de huma expedição ao Monomotapa ; ficando com isto muito pouco airoso na opinião dos homens, que tiverão por mostra de animo cativo e rasteiro , o aba- ter se a hum cargo tão inferior ao que havia exercitado em Goa. E quando a armada , que capitaneava Francisco Bar- reto , hia demandando as praias de Africa que ficão a Le- vante do Cabo da Boa Esperança , o rigor dos tempos e verdura dos mares a espalharão de tal sorte, que elle foi de arribada á Costa do Brazil , em quanto os de sua con- serva forão tomar o porto de Moçambique, onde estava sur- ta a náo em que se devia embarcar Camões, c em que de facto se embarcou , no mez de Novembro , para o Reino, ( tos, (Soiza, Vida do Are. Liv. III. Cap. 27 e 28) e portanto neces- sidade de cautellas, em 1570. Coito diz que em Abril 11 por os Físicos a assentarem , estaria a Cidade tora do mal grande que teve , mandou 1 EIRei que entrassem as náos dentro 1 o que não podia ser em 1560, pois que no Abril deste crescia ainda a fúria da peste. Porém sobre tu- do D. Luiz de Attaide chegou á índia em Setembro de 1568, O. An- tão de Noronha partio em Fevereiro seguinte de 1569, Coito chegou em Abril a Cascaes depois de ter arribado a Moçambique e ter ahi demo- ra : he claro que não podia ser o Abril de 1569, e que por tanto não foi senão o de 1570. Assim , ou a entrada do Poeta em Lisboa se ha de referir a este ultimo, ou se não ha de fazer caso da relação de Coito, o que seria muito teparavel absurdo. 2 io Memorias pa Academia Real com elle a paz e quietação interior , e aquella unidade e segurança de governo , cm que estriba toda a boa ventura dos Fstados. Scguio-se huma Regência trabalhosa e muito agitada de varias e oppostas pretençóes. A pequena , mas importante, Corte do Rei menor, as propensões e caracter de seu tio , atalluvão ou retardaváo os desenhos e disposi- ções da Rainha D. Catharina ; e e«ta illustre Princeza vio- se mettida cm tacs ondas de contradicções e desgostos, que por fim largou das mãos, com dor de todos os bons, (íi) a autoridade e poder que lhe comettêra ElRei D. João , em quanto durasse a idade menor de seu neto. Começou a rei- nar em 1568 , por si ou por seus privados, hum Príncipe de quatorze annos; Príncipe magnânimo na verdade, (b) e ornado de muitas prendas e virtudes , mas dirigidas todas ou encaminhadas de tal arte , que delias nasceo por ultimo a sua perdição , e a nossa ruina. E como se para humiliação e castigo do triste Portugal não bastasse tão grave tormen- ta de males políticos, permittio a Divina Piovidencia , que nos açoitasse ainda o fiagello horrendo da peste ; que tirou a vida a tamanho numero de cidadãos , que pôz em fuga e miserável desterro tantos outros , e que encheo de assom- bro e de pavor a todos. Eis-aqui a condição de Lisboa e do Reino , quando a elle tornou tão cortado de desconso- lações e trabalhos, tão afflicto de pobreza, tão perdido de vigor e saúde , aos 46 annos de idade , o nosso Poeta. Aquel- le brilho e graças , que aformoseavão a Corte prospera de El- (a~) He muito sabida a repugnância e demora, com que as Cortes de 1562 se resolverão a acceitar a desistência da Rainha. Com as mostras que deo , no tocante ao cerco de Mazagáo , de actividade e prudência, náo havia certamente motivo de esfriar a affeição , que n'outro encon- tro lhe tinháo já mostrado o Povo e a parte mais sã dos Grandes do Reino. (b~) Náo se podem negar a este Principe pouco afortunado distinctas qualidades e prendas da natureza. De tudo o que elle obrou se colhe que era animoso, emprendedor , e emprendedor de grandes coizas ; e he evidente que o seu mal e o do Reino proceJeo da docilidade com que acceitou ruins conselhos , e da constância com que os seguio. cia a, 01 DAS SciEN CIAS DE L I S K O A. 211 ElRei D. João III., as urbanidades c amenos estudos, que distinguião a Pessoa e Casa do Infante D. Luiz, (a) os Saraus Reacs , as representações dramáticas , que n/outros tempos animavao e alegravão o Paço , sem detrimento por ventura da Religião e costumes ( que bem se podem ajun- tar Religião e costumes com honesta e temperada alegria ) havião desapparecido da morada dos Reis ; e assim mesmo havia desapparecido todo o contentamento dos ânimos , vi- da e trato dos Cidadãos. E se Camões esperava achar na Pátria , como he de crer , o descanço e commodos que lhe falta'rão na larga peregrinação do Oriente , devia alcançar em breve que esta esperança era , como todas as suas , mui- to enganosa , e que a Pátria e desterro pouco se difFcren- ça > , para quem não he acompanhado e favorecido da ven- tura. Como porém o Poeta se desvelava sobre tudo pela honra que lhe havia de render a publicação do seu Poema pelo meio da estampa (que tudo he pouco para as gran- des almas cm comparação da honra e nobre gloria), natu- ralmente o alentou este pensamento lisongeiro , quando vio desfeitas e esvaídas todas as outras agradáveis imaginações. Sc não falha a nossa conjectura sobre o tempo em que foi composta a Ode a D. Manoel de Portugal, o ousado e grande espirito de Camões traçou e principiou a compor o Poema dos Lusíadas, antes de se embarcar para a índia, e de tocar os 28 ou 29 anros de sua idade. Sentia-se in- clinado ao género grave da Poesia. Fazião-lhe força , além da muita fecundidade do seu engenho, ajusta admiração dos nossos descobrimentos , e o amor mais ardente da Pátria , Dd ii e (/«) Disseráo todos os contemporâneos c referem uniformemente os historiadores os maiores encarecimentos do amável caracter , galhardia , e polida doutrina do Infante D. Luiz , e da excellente disciplina com que a sua Casa era governada , e em que se criarão muitos homens , que em suas profissões e empregos sahíráo distincros. Príncipe, diz delle hum grande juiz nesta matéria ( Soiz. Vida do Are. Liv. I. Cap. 5.) iV que se não pode f aliar, por suas grandes partes, sem prólogos de muito louvor. Veja-st também ibid. Liv. V. Cap. 28. 212 Memorias da Academia Real e da própria gloria. Rompeo cm huma resolução, cujo de- nodo c ao mesmo tempo sabedoria , honra ranto mais a al- teza de seus pensamentos, e o seu cxcellentc juizo , quan- to menos lhe ( fferecia exemplar a polida Itália que era , des- de Petrarca e desde o Dante , a mestra e guia de todos os bons engenhos da Europa, (a) Os Poetas Italianos que d'an- tes embocárão a trombeta heróica , celebrarão Rodmwmte e o vão Rugeiro , ou as façanhas mentirosas âc Orlando. E o lei- tor entendido pasma com magoa, de ver que o estro divino de Luiz Ariosto se empregou cm fabrica , primorosa sim e admirável, mas oca de verdade, c sempre imperfeita por não ajuntar a utilidade do homem com os agrados e doçuras da bclla Poesia. (V) Verdade hc que lhes não feria os olhos na própria historia huma acção verdadeira e com tudo estupen- da , como a que celebrou Camões ; mas a causa principal foi a indole do século , c a influencia dos usos e gostos contemporâneos , porque quando diminuiu esta influencia , logo achou o Tasso huma acção nobre e grande , a qual posto que tivesse interesse menos restricto , nem por isso deixava de dizer muito respeito a Itália. Não se inclinou Camões ao jugo daquclla influencia ; antes postos os olhos só em Homero, e Virgilio , e deixados aqui os exemplares de Itália , que aliás admirava e seguia muito , accommetteo a composição dos Lusiadas ; e este Poema , traçado , como dizíamos, e principiado antes de 155-3 •> proseguido cm Goa, e Macau entre 1553 e 1567, limado já em Moçambique desde 1569, recebeo agora, em 1570 e 1571 , a ultima per- (4) As Poesias Provençães não eráo senão embriões informes, que em Itália cornarão feição e lisura , e se tornarão exemplares para as ou- tras Províncias do Setenuiáo e Poente da Europa. Se estas Províncias forão n'outro tempo procur.ir na Itália as letras alli trazidas de Athenas ; na segunda aurora das Artes e Scienciat, as forão também procurar cm Itália , onde em parte as conformou o excellente engenho dos n.uuraes, em parte assentarão por effeito da perseguição em Constantinopla. (/') Com bastante razão e propriedade tratava o Cardeal de Este as invenções do Orlando Furioso de Cogliontrie. das Scienciasdh Lisboa. 113 perfeição. No fim do Poema , e n.i Invocação d' EIRei , o Poeta fez então algumas mudanças , que bem se conhe- cem, (a) c de que attcsu nu seu Commento , particular- mente no que toca ás ultimas estancias do Cant. X., Ma- noel Corrêa. O pessoal conhecimento das inclinações e de- senho de EIRei , e do que passava na Corte e Reino, lhe devia suscitar algumas iddas novas, c o devia levar á emen- di de vários lugares, que tinha trabalhado com diversa, e pôde ser que contraria, opinião. A estancia CL. do Canto ultimo parece ser huma ua- quellas que o Poeti acerescentou , depois de reconhecer por si mesmo a grande valia e privança de alguns Eccle- siasticos que andavao na Corte, e que por sua destreza, usando mal da graça do Principe , a dirirjiáo. E como os Jesuítas , entre todos os que vivião com ElRci , crão havi- dos pelos de maior representação c autoridade , e forão des- de o seu nascimento neste Reino , e não sem algum mo- tivo , (b) pouco acceitos a boa parte dos nossos Portuguc • zes , não tem faltado quem alfirmc que delles falia em es- pecial a dita estancia. Não direi que deixou de o enten-Ier assim o ciúme, em demasia presentido e suspeitoso, da So- ciedade. Mas além de o negar indirectamente Manoel Cor- rêa , (c) que viveo em amizade intima com o Poeta ; não pó- (rt) M.iiormonte nas doze esrancias tinaes do ultimo Canto ; onde al- ludc sem duvida á influencia de mãos conselheiros , e pouco caso que se fazia dos bons , á preponderância que unhão , contra o que era ra- zão , no politico os Ecclesiasticos , e aos projectos de ElRci contra o Monte Atlante e os campos de Ampeluza. Tudo isto i-Ile devia conhe- cer pela própria observação c fama que vagava no Reino. (/>) Não duvido de que as opposições c invecr vas que a Sociedade Jesuitica soflVeo desde o principio , nascessem da inveja que causou ao« erxiulos o seu rápido progresso em autoridade e cabedaes ; mas este pro- gresso rápido he certo que não dizia muito cem a humildade Christá , e abnegação própria, que ella professava, e cm certo modo ostentava. (c) Manoel Corrêa a esr. XXVIII. do Cant. IX. defende Camões ria imputação de ser pouco affeiçoado aos religiosos , e á estancia CXIX. do Como X. , com mais largueza e força , se empenha em mostrar que Ca- mões não mordeu e satirizou , sobre outro assumpto , os Padres da Com- ' 214 Memorias da Academia Real pode oceultar-se que tal opinião não tem por si mais do que boas apparencias. O certo hc que o Poema estava com- pleto em 157 1, c que a Corte mandou lavrar a 4 de Se- tembro daquelle anuo o privilegio da sua impressão Neste privilegio assinado por hum Official do apcllido de Seixas , achei huma clausula , de que não posso atinar bem com a explicação. Toma cautcllas a dita clausula acerca de novos Cantos que o Poeta acerescentasse aos Lusíadas de futuro : e como este género de mercês e privilégios quasi sempre se concedem nos mesmos termos cm que a súpplica hc of- ferecida , he muito de presumir , que a súpplica fizesse men- ção daquelle accrescentamcnto. ^ Quem pôde poidm com- prehender , como em hum Poema regular e completo espe- rava Luiz de Camões fazer acerescentamento de outros Can- tos , sem desprezo das proporções , e ruina de toda a regu- laridade e graça da sua architectura ? O Poema foi em fim impresso em 1^72 pela primeira vez; e segunda vez o foi no mesmo armo , porque arrebatadamente eonsumio a cu- riosidade os exemplares da primeira edição. Esta circumsnn- cia muito notável , de que já não podemos ter duvida , bem raras vezes terá tido lugar em composições de género si- milhante , e he valentíssimo argumento (a) do aplauso e paixão ardente , com que foi recebido entre nós , lido e admirado de todos os Portuguezes , em hum tempo em que entrava a declinar de algum modo o bom gosto que suppõe a estimação de taes Poesias , e em que os ânimos andarão fal- panhia. Em huma e outra cousa me parece que Corrêa indirectamente tefuta a presente afrtrmr.çáo. He verdade com tudo , que bem podu Ca- mões respeitar a Companhia , c notar os Jesuiras que então viviio com EIRei. (rt) Não he de suppor que fosse muito apoquentado o numero dos exemplares da primeira edição ; e ainda que o fosse , o fazer-se logo segund.i provava a impaciência dos curiosos. Do numero e 'qualidade dos erros da primeira edição emendados na segunda , se tira que esta não foi feita só para emendar os vicios da primeira. Veja-se o Relatório da Commissáo da Academia Real das Sciencias de Lisboa , impresso no Tom. V. Part. II. das Memorias da mesma Academia. das Scienoias de Lisboa, aij faltos do desafogo que hão de mister para se entregarem 3 s.iborc.irem avidamente as delicias das Boas Artes. Nem se pode dizer depois disto que os seus naturaes fizerão peque- na honra ao engenho do nosso Poeta; pois esta he sem con- tradicção a maior c menos equivoca que pode fazer hum Povo , e quo hum grande Poeta pôde ambicionar. E he for- çoso que confessemos que a fortuna de Camões foi nesta parte muito aventajada á de outro insigne Épico , cujo Poe- ma , certamente de alto preço, oceupou longos annos , des- presado e quasi ignorado, os armazéns do seu livreiro; em quanto o illustre Adisson , como alguém diz com forte ener- gia , não provou aos seus compatriotas , que posb.uião tam- bém huma nobilíssima Epopéa. (a) A diversa fortuna porém , que neste ponto experimen- tarão os Poemas de Luiz de Camões , e do celebre João Milton, procedeo das diversas circumstancias das duas Epo- péas. Não tem o Paraizo perdido a clareza, o numero, a belleza da rima, que distinguem tão particularmente os Lu- síadas. O conhecimento de grande parte dos traços subli- mes que nelle se admirão , requer hum tacto fino e delica- do, de que carecem as pessoas vulgares. E sobre tudo, fal- ta ao Poema de Milton aquelle manifesto e vivo interesse nacional, de que os Lusíadas abundão, e que os torna, co- mo o Srír. Morgado de Matteus pondera com tanto acer- to , o Poema da Nação Portugueza. Nisto levão os Lusíadas grande dianteira á Uliada de Homero, e á Eneida, não só ao Paraizo perdido. Muito tocava aos Gregos o assumpto da Illiada : mas como a Grécia , sendo tão estreito território , era retalhada em varias sociedades politicas divididas, e ás vezes contrarias , nas formas , Leis , e propósitos , o inte- res- ( , 4.0 u a 1 8 Memorias ba Academia Real pos na sua quinta de Vaqueiros, (n) c deliu recebeo favor e honra, cm razão da conta em que o tinha (segundo o que D. Gonçalo declarou depois cm notável occasião ) de Principc dos Poetas contemporâneos. Temos argumentos de que tinha muita entrada na casa do Vimioso ; c de que pos- SUM a estimação de toda aquellu familia, a do insigne Vice- Rci da índia D. Luiz de Atraidc , c a do Capitão assom- broso de Malaca D. Leoniz Pereira, (b) Nem nos falta de todo motivo para presumir , que já em sua vida lhe fazia o conhecido Escrivão da Puridade, Martim Gonçalves da Ca- mera , a mesma honra de que dêo sinaes depois da morte do Poeta ( c ) Se pois o triunfo de Torquato Tasso teria mais de apparatoso c de estudado , não fora por certo mais honroso, nem mais próprio para satisfazer e lisongear hum animo nobre, do que estas mostras espontâneas e singellas, a que obrigou huma Nação inteira o extraordinário mere- cimento de Camões, e do seu Poema: e julgo que os ama- dores mais ardentes c entendidos de cxcellente gloria , se lhes fosse dada escolha , acceiratião antes os louvores tão puros c enérgicos , que Portugal dêo por tal modo ao seu compatriota, do que as augustas e bem cuidadas ceremonias de (d) Só na Bibliot. Lusit. (Vej. D. Gonçalo Coiíinho) achei esta no- ticia, e só a respeito delia segui o mero testemunho de Barbosa. Este homem, aliás estimável, trabalhava com muita precipitação, e por isso mesmo com pouca segurança. (t) D. Leoniz Pereira , filho illegitimo de D. Manoel Pereira , ter- ceiro Conde da Feira, foi Capitão de Malaca , que deftndeo de hum fa- moso cerco que lhe pôz o Achem em 1568. Não se pôde ler sem pas- mo o que deste cerco refere Coito na Dec. VIII. Liv. I. Cap. 21 e 2.1. D. Leoniz Pereira obrou milagres de valor , de astúcia , e de generosi- dade em todo o tempo do cerco , e depois delle. Se cm hum Roman- ce quizesse alguém representar hum heroe acabado , bastaria que tiras- se o retrato deste insigne Cavalheiro. Amou , e cultivou , demais disso , as letra». Desta sua inclinação, e das prendas militares falia Camões nos versos com que lhe foi offerecida a historia de Pedro de Magalhães Gan- davo , por modo bem engenhoso. Vejáo-se as notas de Faria e Soiza á Eleg. IV. , e ao Son. XXVIII. da III. Centur. (c) Veja-se neste Opúsculo a nota ) pag. 254, e todo o §. do texto que a ella se reme t te. ftrair o& DAS SciEKClAS DE I- I S li O A. 2 I <) de huma coroação de loiros no Capitólio. Tem tido, na co- roação , Torquato Tasso alguns companheiros bem pouco dignos do Tasso c da coroa Poética ; hum triunfo similhantc ao de Camões , nunca foi concedido senão aos seus iguaes \ quero dizer aos subidos e maravilhosos engenhos, que a natureza cria muito raras vezes , c que honrão a idade , e o Povo em que nascerão. Só costumno notar , que no aplauso de Camões não romárão parte os Poetas Portuguezes do mesmo tempo; e não ha duvida que apenas nos chegou hum Soneto cm seu louvor , que com ser digno do assumpto , ou pouco menos , parece arrancado ao Cantor suavissimo do Lima: o silencio porém dos rivaes, que ou devia nascer de inveja, ou talvez proceder de assombro, bem se pode ter ainda por mais eloquente, do que os vivas e acclamaçócs de todos os outros. Mas andava Camões , depois da publicação dos Lusia- das pela imprensa , tão falto de meios de viver com fartu- ra e commodo , como saciado de gloria. Hum Jáo , chama- do António, que tinha por escravo, requeria dclle a menos avultada quantia para remédio das mais urgentes necessida- des da vida , c nem com isso podia acudir o Poeta ; con- forme a resposta que elle dêo a Ruy Dias da Camera. O generoso Ja'o, cuja fama não deve chegar menos esplen- dida aos séculos vindouros que a de Camões, porque os di- reitos de alta virtude não são nesta parte interiores aos de raro engenho, pedia esmolas de noite para ajudar á subsis- tência de seu senhor. E este grande homem , conta Manoel de Faria c Soiza , (a) via-se necessitado a acceitar as dá- divas de huma mulata , que andava vendendo pelas ruas de Lisboa. Manoel Corrêa, Pedro de Mariz, e Manoel Seve- rim são também unanimes em affirmar a estreiteza e mise- Ee ii ria, (d) «Una mulata d'este trato (llamava-se Barbara) sabiendo sus mi- a zerias lc daba ivmchas vezes urt plato de lo que iva vendiendo , y a » vezes algun dinero de lo vendido ; y açetavalo el. d Com. á Canç. X. est. X. 210 Memorias da Academia Real ria , cm que vivia então , e cm que acalx.u ; e sobejava para o termos por certo, o testemunho quj deo no seu lípita- phio , quem o conheceo e tratou tanto como D. Gonçalo Coitinho. [Sorte bem digna de ser amargamente lamentada! ou antes , bem indigna de hum dos primeiros , ou do pri- meiro engenho de toda a Hespanha ! Porém sorte, em que tem tido , e terá , por parceiros muitos homens illustrissi- mos ; e determinadamente outros três aramados Poetas Épi- cos, Homero, Tasso, e João Milton; aos quaes a fortuna tratou tão mal , ou pouco melhor do que tratou Camões. Não concerta , segundo parece , tamanha pobreza c tão tris- te desamparo do Poeta com as admirações e estimações de que temos fallado. Porém advirta-se , que as pessoas de me- nos vulto e sustancia , não podião fazer mais do que ad- mirar ; e que o coração altivo de Camões devia recusar-se. á dependente clientela nas casas dos Grandes c dos pode- rosos. Pode hum destes Grandes ter bastante largueza de animo para repartir liberalmente com o claro engenho , que vê desprezado da ventura; mas he cousa muito rara a de- licadeza de conferir beneficio , de maneira que não suba côr ao rosto de quem o recebe ; maiormente do homem confia- do no seu merecimento, que mal sofre ter do primor alheo , 0 que julga , não sem motivo , recompensa devida á valia própria. Mariz refere á ingratidão do Poeta o pouco favor dos Grandes neste género : () Camões carecia de patri- mónio ; tinha mui nobres espiritos e pensamentos para se oc- (rt) «Ingratidão. Doença de que me dizem elle foi tocado: e assim ficáo com menos culpa os nossos Príncipes. » Mariz lug. cit. CO R Quem pudera dizer tal senão hum fallador ignorante, qual era 1 Pedro de Mariz? Se, o Poeta não recebeu benefícios, como havia de » ser ingrato? » Faria e Soiza na Vida do Poeta antes das Rimas §, 30. DAS SciENCIAS DE LlJBOAt 221 occnpax grandemente nos cuidados de mercancia e grangeo ; despendia , segundo consta c tora de presumir ainda que não constasse , com muita prodigalidade o pouco que grangea- va ; iudignava-se de servir á generosidade superciliosa d» outros tantos açoites nos ministros por quem corria o pa- » gamento. » (b) Porém a verdade he, que a largueza Real para com Luiz de Camões não passou daqui , e que a este pouco, ou a este nada, se reduzio da parte do Governo to- do o galardão dos seus serviços militares e poéticos. Ha quem suspeite que tamanho acanhamento de hum Príncipe, alias brioso, para com vassallo tão benemérito, se deve at- tribuir ás sugestões sinistras dos seus contrários, (c) Não o pos- (/i) Mariz , que escrevendo no principio do Século XVII. podia ter bastante conhecimento do pouco ou muito vulto desta tença , a julça de pequeno valor. Fatia e Soiza o teprehende também aqui , tratando-o do mais Bacharel que Licenciado: não sei porém com que razão; se o mes- mo Faria e Soiza confessa que a mercê náo foi grande , antes da sua pouquidade desculpa EIKci , allegando os seus poucos annos , c culpa os que o ditigiáo. Veja-sc lug. cit. §. $0. (£>) Veja se Faria e Soiza lug. cit. §. 29. (<■) Por esta suspeita ou opinião, que he a de Manoel de Faria c Soiza , se declara o Snr. Morgado de Marteus ; com a differença de que este Cavalheiro nomea os dois Camcr.is (Luiz Gonçalves , e Martim Gon- çalves) e Faria e Soiza filia geralmenre dos que rodeaváo EIRei , qm eran enemigos dei Poeta. 2i2 Memorias da Academia Real posso ter, nem o tenho, por impossível : mas por isso mes- mo que lie cousa ordinária recorrer em taes casos a simi- Ihantes motivos , me sinto pouco inclinado a ter em gran- de conta esta suspeita, j São tantos os exemplos de bons en- genhos admirados , e todavia pouco soccorridos dos seus contemporâneos ! Se por huma parte se pode admittir este crime, como desafogo próprio da cólera Jesuítica; não diz por outra parte com a sua indisputável c notória prudência, o coarctar os brios da Corte a favor de hum homem geral- mente admirado , com pouco credito do Governo , e com o perigo de serem aqui tidos como seus cúmplices , e insti- gadores. Se os Cameras erão tão ardentes inimigos de hum Poeta pobre e enfermo , que chegarão a encurtar a seu res- peito o favor Real ; ^ porque não atalharão essa mesma ten- ça , que lhe concedeo ElRei ? Huma pequena dadiva hon- rava sempre o Poeta, e arguia o Governo de injusto , c de menos primoroso. <; Não seria fácil a Ministros, e a Priva- dos suprimir antes , ou tornar vão o requerimento de Ca- mões ? As grandes recompensas dadas aos méritos littcra- rios , suppoem regularmente tempos bonançosos , e Gover- nos a isso muito propensos , ou por própria estimação , ou por deliberada razão de Estado. He de presumir de Augus- to e de Luiz XIV. que por deliberada razão de Estado ac- ceitárão , c pagarão grandiosamente as dedicatórias e lison- geiras producções de Virgílio e Horácio , de Boileau c de Corneille : pela razão de Estado c estimação própria foi Leão X. o Protector magnifico dos bons engenhos do seu tempo; e pelas suas pizadas marchou, até certo ponto, cm menos afastada idade Friderico. Mas ainda que me não cons- ta, que ElRei D.Sebastião desprezasse de todo as letras, e os que entre os seus vassallos as cultivarão, (a) parecc-mc que (<í) Sem desprezar inteiramente as letras, pôde hum Príncipe talrar- lhet com grande protecção e favor. Neste caso me parece que est.va ElRei D. Sebastião. A Hist. Sebast. ( Liv. I. Cap. IV.) falia do seu aproveitamento na lição dos Autores Latinos, c do seu estudo das Ma- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 2 2 3 que posso affirmar sem injuria da verdade , que não fazia del- ias o grande Bfléo , que se louva em Leão , e por ventura em Friderico. (a) Agitado de hum génio sobejamente belicoso , desvelado somente com projectos da dtLução da Fé , c Im- pério , embahido com esperanças temerárias de conquistas ; nestes cuidados se oceupava e absorvia todo o seu altivo es- pirito : c assim como não recebeo da natureza o heroísmo governado de prudência , que recebeo Alexandre , assim lhe negarão as circumstancias hum Mestre que o encaminhasse como foi o heroe de Macedónia encaminhado por Aristó- teles. Nenhum Monarcha da Furopa , pondo agora de par- te o raro instincto militar, com que o descendente de Gus- tavo se houve tão habilmente em algumas entreprezas de guerra , admitte como este nosso Principe tão ajustada com- paração com o famoso Rei de Suécia Carlos XII. ; do qual assim como disse a discreta cortezania que não soube sacri- ficar a Vénus, c a Baccho , (£) pudera também dizer anua e seca verdade que não soube sacrifiar a Minerva , e Apollo. E se o caracter e pensamentos d' EIRei não ajudavão muito o seu primor para com os vassallos dados ás Musas , ainda o ajudava menos a condição muito apertada dos tem- pos. Pode ser que se não achem na historia do nosso Rei- no sete ou oito annos mais desgraçados (excluindo os ses- senta em que estivemos privados da liberdade , e os que principiarão no memorável Novembro de 1807) do que os que 1 them.uicjs : porem inclinações muito violentas o arrastaváo para outro lado. () Camões não podia , por este tempo, tratar com Azambu';a falle- eido em 1562 , nem com Fr. Thomás da Costa fallccido cm 2 de Jú< Biatf^Ofr das Sciencias de Lisboa. 2:7 então o Poeta, e ao mesmo tempo que se dispunha e alen- tava , como quem não tinha esperanças de vida muito dila- tada , com os remédios c confortos da Religião , desfruta- va , na conversação de pessoas entendidas e cultas , as úni- cas delicias que a sua condição lhe permittia. j Serião muito para ouvir, na verdade, as praticas entre hum homem do- tado da mais bella c copiosa imaginação c grande facúndia , altamente erudito nas letras humanas , doutrinado por lon- gas viagens a regiões mui varias e remotas , e amigos que o saberião incitar, que o podião entender, e em cuja pro- bidade tinha a sua franqueza razão de confiar com perfeita segurança ! Tal era com effeito a sua confiança na candura e luzes de tão bons Amigos, que clle lhes fez, como re- fere Manoel Corrêa no Com mento á estancia LXXI. do Canto IX. , o mais custoso sacrifício que pòdc fazer hum Poeta , e que podia fazer particularmente Luiz de Camões. A dita estancia do Canto IX. tem , no seu género , rara formosura. Finura , verdade , macio nos pensamentos • vive- za e elegância nas imagens; propriedade, brandura , melodia nas palavras; tudo concorre para a tornar muito notável en- tre tantos lugares bcllissimos do Poema. He preciso porém que confessemos, que em a collocar nos Lusíadas, seguio o Poeta antes as suas inclinações que o seu juizo. Hum Poema tão grave, e mais propriamente tão heróico, recusa descripções voluptuosas , e maiormente tão nuas como es- ta ; menos própria a encaminhar bem a imaginativa de hum mancebo generoso, do que a renovar os embotados desejos de hum Sybarita. Como homens de bom senso e gosto no- tarão os Dominicos tamanha falta de harmonia ; e como ze- losos da compostura e modéstia próprias da nossa Religião, já que não era possivel supprimir de todo a estancia , ou mudalla substancialmente sem desfazer huma parte conside- Ff ii ra- lho de 1570 ; mas podia tratar, e devia, comForeiro, que falleceo em 1580, e com Granada , que falleceo em idade muito provecta era 1588. Veja-se Fr. Pedro Monteiro no Claustro Dominicano Lanço Terceiro. 128 Memorias da Academia Real ravel do Poema , (a) tratarão de o persuadir a que ao me- nos , pela mudança de algumas palavras, amortecesse as co- res, quanto mais vivas e brilhantes, tanto menos honestas: e hum Poeta, e Poeta, o que he ainda mais, que fora tão namorado como Luiz de Camões , teve a condescendenia de desfigurar a sua obra , para se conformar com o parecei severo de quem castigava , em certo modo , a irregularida- de muito viçosa de sua fantazia. (b) Acerescêrao á pobreza e moléstias, para atormentar o triste Luiz de Camões , as desgraças da Pátria. Muito na- tural he ao homem , como sabem rodos por experiência , o amor da gente e da terra em que nasceo ; e o peito que se não commove ao ouvir o nome suave de Pátria , deve ser insensível por corrupção. Mas quando a Pátria he tal , que delia , por seu poder ou por sua gloria , tirão honra e pre- ço os seus alumnos , forçado he que dobre huma e muitas vezes a intensidade do affecto patriótico. Tal era para os seus cidadãos a antiga Roma , em quanto a degeneração de costumes e cobardia de ânimos não tornou desprezível hum titulo , que até chegarão a ambicionar os Reis. E tal era Portugal para os seus naturaes desde o meio Reinado , pelo menos, d' ElRei D. João III. (r) Muito tínhamos de que blasonar , naquella época , da honra das armas , da gloria das (4) Parece que este devia ser o discurso , que no caso presente S- zeráo os Dominicos , e que de outro não podia proceder o modo por que se houveráo na emenda. Mas considerando assentadamente , acho que a estancia se podia alterar por diversa forma , e ainda suprimir. (£) O castigo foi justo ; os Dominicos tiveráo razão de reprovar a es- tancia, como indigna de hum Poeta grave, e muito miis de hum Poeta Christio, com tudo as duas seguintes não o são menos, e toda esta parte do Episodio merece a mesma nota ; e assim o bom senso e coherencia pediáo que ou toda esta parte do Episodio se alterasse , ou se não to- casse na estancia LXXI. (c) O exaltado apreço da Pátria he effèito necessário da sua gloria e poder , que então tinháo chegado para Portugal ao maior auçe : os nos- sos antigos Historiadores o attestão a cada passo : nem se pôde dar ou- tra explicação das cousas extraordinárias , que o» Portuguezes obrarão nas partes orientaes. ) Garção, que foi hum dos Poetas modernos que mais aproveitarão com a lição de Horácio , e melhor o seguirão no género lyrico , diz na I." Satyra : Não sabes que das Musas Portuguezas Foi sempre hum Hospital o Capitólio ? DAS SciENCIAS DE LlStOA- 2 3 I te; c faltando absolutamente, esta considençao deveria im- pedir a negativa de hum critico arrazoado e cauteloso. Mas ,; como pode huma advertência manuscrita e de pessoa pou- co, ou nada, conhecida, fazer frente ao que inculca, não digo já o mandar-se pedir a mortalha á Ca^a do Vimioso, e ser Camões sepultado na Igreja de S;mt'Anna , (a) po- íém o silencio do seu Amigo c familiar Amigo, Manoel Cor- rêa ; ou para melhor dizer, a confissão que fez Manoel Cor- rêa de não morrer no Hospital o nosso Poeta ? Manoel Cor- rêa commentando a estancia XXIII do Cant. X , em que allude Camões á pouca ventura do famoso Duarte Pacheco, diz assim: ti o qual dizem que veio a dar cm tanta pobre- j> za depois da sua prizão , que adoecendo , ioi necessário » lcvallo ao hospital onde morreu mizeravclmentc , o que í» tem suecedido a outros muitos excellentcs vaióes de cuc » os lidos nas historias sabem. » ^ E seria possível , pode- mos perguntar ao ler esta ponderação , que fallcccndo no Hospital Luiz de Camões , o ignorasse Manoel Corrêa , que vivera intimamente com clle na mesma Cidade de Lisboa ? ou que sabendo-o , o não comparasse com Duarte Pacheco nesta circumstancia , principalmente dada huma occasião tão opportuna e quasi forçosa, c comparando com Pacheco ou- tros varões excellentcs apontados nas historias ? Não me pa- rece na verdade possivcl : c não acho por tanto fora de ra- zão affirmar , que o silencio de Manoel Corea vale bem , neste caso , huma expressa confissão cm contrario. Na Igreja do Convento de Sant'Anna , que então ser- via de Parochia , foi dado á terra o corpo do Poeta , em sepultura raza , sem letreiro, sem campa, e sem sinal al- gum que a distinguisse. Outros cuidados , e muito graves , desvelavão então os seus concidadãos , e não he de admirar que (<») Estas são as razões , com que Faria e Soiza (segunda Vid. §. 37.) se determina a recusar a noticia de Camões morrer no Hospital ; mas não me parecem decisivas, maiormente quando não sabemos bem, qual era naquelic tempo o uso e economia dos Hospitaes entre nós. - 231 Memorias da Academia Real que naquellc caso o seu silencio e frieza dissesse pouco com o antigo cnthusiasmo e admirações. O mesmo D. Gon- çalo Coitinho , que d'antes o tinha em tamanha conta , e se lhe mostrava tão affeiçoado, c que mostrou depois que nem mudira o conceito , nem trocara os pensamentos , se houve, ao fallecer o Poeta, com tanta frieza como os mais. Porém passados dezescis annos , quando os males da Pátria , não porque fossem minguando, mas porque o habito de se . t- fri mento os tornava mais toleráveis , forão causando menos estranheza , déo a vêr a Portugal e ao Mundo a perseverança da sua estimação , e a firmeza da sua amizade. Fez procurar com diligencia o lugar em que jazia Q Poeta ; e como se achasse , depois de vencidas algumas diíficuldades por não haver indicio que o fizesse logo advertir , mandou trasladar as cinzas , assentar sobre ellas huma pedra, e na pedra lavrar aquelle conhecido Epitaphio, (a) que costumão trazer apon- tado os Biógrafos de Camões. Quando não tivéssemos do bom gosto do Século XVI. no nosso Reino , e da cultura e siso de D. Gonçalo Coitinho outro argumento que este Epitaphio , dar-nos-hia elle ainda bastante razão para for- marmos conceito honroso. O máo gosto e falta de discri- ção dos tempos e dos homens inculca-se particularmente nas inscripçóes dos monumentos; de sorte que as túmidas e pro- lixas podem attribuir-se , quasi sem receio de engano , a idade estragada , ou autores pouco sensatos. A que na pedra de Luiz de Camões mandou abrir D. Gonçalo Coitinho , está bem longe de prolixa e arrogante. He ao contrario , muito para notar , e para louvar , na simplicidade com que encarece sem ambição, e na brevidade com que encerra com (, e a imaginar-lhes falsos motivos. Por todas estas conside- rações não entro na pretensão de soltar a implicância; c me limito a dizer, qie hum dos Camcras aceusados de má von- tale ou despreso a Luiz de Camões , o obsequiou com hum pomposo Bpitáph >> : o qual tanto man deve honrar o Poe- ta , quanto men >s inclinado lhe fosse em sua vida o animo de que procedeo. E com isto tenha termo aqui a noticia tocante á pes- soa de Luiz de Camões ; visto que não ajuda > a mais os documentos , de que podemos nesta matéria derivar instruc- ção , c qu* queremos referir historia, e não fingir ou con- certar fabulas sonhadas- : e passemos a examinar as suas Obras com o empenhado zelo de compatriotas, e ao mesmo tem- po (se cabem , como cuido que cabem , n' hum sugeito so mesmo tempo disposições de animo, ao parecer tão encon- tradas) a avaliallas com o desembaraço de preoceupações e affecros, ou com a franca isenção, com que o poderia fazer hum estranho, (b) Gg ii Fô- resentimento para não faltar com a justiça ao Poeta. O que eu tenho por mais simples e por mais provável , he que nem Camões invectivou determinadamente contra os Camcras, nem estes se reputarão em tempo algum offendidos por elle. (fc) Desta união de zelo de compatriota e isenta justiça , rios dá o nosso mesmo Poeta hum exemplo assinalado a respeito de AfFonso de Albuquerque; e não sei se com menos razão. Em seis estancias XXXIX. i$6 Memorias da Academia Real Fora total cegueira no leitor das Obras de Luiz, de Camões , não reconhecer os vários e grandes dotes , com que o enriqueceo a natureza , e a muita arte e diligencia , com que elle os affeiçoou e aproveitou. Teve sem duvida no entendimento capacidade para comprehendcr muito diver- sos e largos objectos, promptidao, e todavia segurança , para os avaliar com acerto , actividade vigorosa para formar e produzir novas creações. A valentia e audácia do seu animo não roi , em vários encontros , inferior á grande elevação dos pensamentos ; o coração procurava com raro ardor , e abraçava com extasi , o que era recto , nobre , e até subli- me ; {a) tomava-se de pressa de profundos c honrados af- feccos , e com elles acodia rapidamente a tornar os concei- tos mais fortes ou mais amáveis. A sua imaginação era igual- mente rica de vivas cores para illuminar e animar, ou o qua- dro terrivel de huma batalha e de huma tempestade, ou o quadro delicioso dos prazeres campestres e dos laços de hi- mineo: em todos apropriada com justeza , copiosa sem pro- fusão , brilhante sem deslumbrar pela força sobeja do es- plendor, (b) O entendido em fim , e delicado sentimento de nu- a XLIV. do Cant. X. tem a Ninfa apregoado altos elogios daquelle grande Capitão, quando prosegue o Poeta dizendo na est. XLV- : Maia estancas cantara esta Sirena, Em louvor do illustrissimo Albuquerque , Mas lembr.ou-lhe húa ira que o condena , &c. (a) Arguem por certo grande nobreza de inclinações e pensamentos aquelles versos evidentemente sahidos do coração e alma do Poeta : Contra huma dama , ò peitos carniceiros , Feros vos amostraes , e cavalleiros ? Cant. III. est. CXXX. O enthusiasmo , que o transportava no tocante ás cousas e acções su- blimes , he bem para observar nas exclamações sobre a lealdade de Egas Moniz (Cant. III. est. XLI.) , nas ponderações sobre o sacrifício do In- fante D. Fernando ( Cant. IV. est. LIII.), e em tudo o que no mes- mo Canto se refere ao patriotismo e valor do Condestavel. (b) Não me recordo de achar em todas as Obras de Camões hum ar- gumento de fantasia brilhante com excesso ou profusa. Nas Éclogas pô- de ser que huma vez ou outra pareça menos apropriada. ar. DAS SciKMClAS UE LlSBOA. 3 3 7 números e de cadencias , hc mais que provado por tantos versos imitativo-, e a correnteza sonorosa de quasi todos, e pelas innumeraveis rimas , achadas 20 parecer com facili- dade , e empregadas quisi sempre com discrição. Eu con- fesso que no que fica dito, mais parece que tenho feito a pintura ideal domai >r valido de Apollo, c do mais mimoso alumno das Musas , do que o parecido retrato de hum l'oe- ta verdadeiro. ^ Mas quem pôde , digo outra vez , ler com reparo os escritos que possuímos de Luiz de Camões , e negar que este he o retrato prcpriissimo do Autor ? Não digo já que desprezaria temerariamente os aplausos c a.imi- raçóes tão universaes , e tão pouco estudadas dos Portugue- ses contemporâneos ; que se afastaria com impudência , do conceito de cincoenta lustros ; que mostraria tão odiosa co- mo descomedida repugnância ao voto, até de todos os es- tranhos que o podem dar nesta matéria : digo sim que se recusaria, com discredito do coração e do entendimento, á maior torça da evidencia. Correspondeo perfeitamente, como diziamos, á sua fe- licissima indolc poética , o empenho c estudo que empre- gou para a dirigir e conformar com discreto artificio , e para pôr á sua disposição a mais avultada e varia copia de doutrina , e o mais abundante tese uro de formosa e enér- gica linguagem. He bem de crer que Camões leria com gramie attenção as regras dos antigos Mestres , que já naquelle tempo erão muito conhecidos e consultados, até do vulgo dos litteratos. (a) Mas se isto não passa de sup- posição , bem que tão natural e ainda forçosa, que sem es- crúpulo se pudera inculcar como facto ; facto he que não admittc disputa , e nem sequer a mais leve duvida , que clle se (n) Este facto he incontestável pelo que respeita »os annos entre 1558 c 1550 , em que se deve suppor a maior força dos estudos pre- paratórios de Camões. Até os> três livros da Arte Poética de jerorv. Vi- da corrijo estampados desde 1534. Veja-se o Onomast. Litterar. de Saxio no dito anno. ;ia-a 238 Memorias da Academia Real se dco com a maior assiduidade c advertcncia ao estudo das Obras immortaes dos Poetas antigos, e ao trato intimo das melhores composições em verso , de que então se prcsavão Itália e Hespanha. Não afirmarei que lêo Homero na sua lingua nativa ; sem encobrir com tudo , que me não teria por muito temerário cm o afirmar, (a) Mas he certo que , de qualquer modo , teve grande conhecimento dos escritos daquelle pai venerando da Poesia , e particularmente da Poe- sia Épica. Na Elegia , que escreveo desterrado no Riba- Téjo , não oceulta que tentou competir com Ovidio no tom magoado e lastimoso de suas queixas. A composição das es- tancias a D.Constantino de Bragança, mostra evidentemen- te que trazia muito na memoria , o que usava dizer a Au- gusto o engenhoso c entendido Horácio. Não ha que fal- lar em Virgilio: que sem duvida foi o seu modello princi- pal nos Lusiadas, e ainda nas Éclogas; e que imita nas maiores e menores cousas tão frequentes vezes , que bem se lhe pôde suppor sempre á cabeceira , como elle diz que se sabe sempre Homero d de Alexandre. A erudição copiosíssi- ma de Faria e Soiza, nos Commentarios ás Rimas do nos- so Poeta, pôde convencer o incrédulo mais repugnante, da lição vasta e profunda , que Camões tinha dos Italianos e Hespanhoes de melhor nome naqudle tempo, (b) A mar- cha , (rt) Camões teve muito conhecimento de Homero ; .1 noticia do Grego tinha vindo a Portugal , pelo menos com Ayres Barbosa , de quem 0 aprendeo André de Rezende; Ayres Barbosa falleceo em tç^O. A pon- deração destas circumstancias , tira á suspeira de Camões ler Homero no original , toda a razão de temeridade. (fc) Ainda que Faria e Soiza nem sempre diga que Camões copiou ou imitou os Italianos e Hespanhoes , cujos lugares lhe conrronra ; e ain- da que n'alguns casos o possa ter injustamente por copiador ou imita- dor , pois que he muito natural e ordinário o encontro de engenhos pa- relhos , maiormenre tratando os mesmos ou similhanres assumptos ; sem- pre faz ver claramente que Camões tinha grande trato com as Poesias daquelles Italianos , e com as de João Boscan , e ClarciUasso de la Vega , que forão propriamente os creadores da Poesia Hesp.mhola no Reinido de Carlos V. , e que fallecêráo ambos pouco antes do meado do Se- DAS SciENCUS DE LlSBO<. 2 ; 9 cha , os pensam euros c rasgos de Petrarca , Bembo , San- nazzaro , Bernardo Tasso , e tantos outros, são a cada mo- mento imitados, parafraseados, reproduzidos; c arguem sem replica , a conversação diurna c nocturna , que o Poeta ti- nha com os seus autores. F.m tal familiaridade , hc que o feliz estro natural se accende e inflamma , c o agudo e fir- me juizo , que nomeamos agora bom gosto, observa e tj < na em documentos as sagazes observações : como os n. i cebos Romanos se pegavão do amor da virtude , e se for rmvão na prudência militar e politica, tratando e ouvindo de continuo , os Capitães illustres , e sábios Senadores , de que erãa contubernáes inseparáveis. Virgilio, e Horácio cer- tamente não aprenderão tanto com Aristóteles, como o pri- m.-iro estudando a Illiada e a Odyssea , e o segundo obser- vando Pindaro , Sapho , Stesicoro , e Alcseo. Ninguém .ie atreverá, cuido eu, a negar que a Epo péa he , entre todas as espécies de Poesia , a que requer maior,, mais diversa e profunda doutrina naquelle que ae prebende; e também me parece que não haverá critico táo pouco considerado , que ouse disputar a Camões a posso deste cabedal indispensável ao Poeta heróico. Se não mostra vasto c exacto conhecimento da Filosofia natural , a culpa não foi do Poeta, mas das poucas e escassas luzes do seu tempo; e nem por isso deixa de dar a ver, que não era de todo hospede nesta parte da erudição humana. \ Mas que abundância, que rectidão, que inteireza nos princípios da Moral ! j Que politica tão avisada e tão opportuna ! Não concederei facilmente, que aqui o vencem os dois famosos Épicos da Grécia c de Roma. Ao contrario, elle os vence na larga noticia da Geografia ,da Chronologia , e da Historia ; (a) qua- - i ■ "■ culo XVI. a Fazeime mercê , que lhes falíeis alguns amores de Petrar- Ti ca , e de Bojcáo i> diz o Poera na sua primeira Carta. (d) A Geografia, Chronologia, e Historia de Homero e Virgilio são muito resrrict.is aos seus tempos c regiões : as do nosso Poeta náo tem outros limites que os de todo o tempo histórico, e os do globo. Sia-J C-fr 240 Memorias da Academia Real quasi igualando-os na da antiga Thcologia , c na da Fabu- la. A lingua Portugueza , quando Camões entrou a poe- tar, não era ainda bem formada; poucas e pouco importaiv tes tentativas se tinhão feiro com ella na Poesia , e parti- cularmente na Poesia mais sublime , qual he a lyrica e a heróica : não se resentem com tudo as suas Obras , ou de pobreza , ou de imperfeição do nosso idioma. Nunca lhe falta o termo e a frase para declarar , com propriedade e graça , ou a idéa , ou o affecto : e quem não conhecer por ou- tro modo qual era então o verdadeiro estado da lingua, mal o pôde suspeitar pelas Obras de Luiz de Camões ; onde a observa tão abundante, e tão completa em todo o sentido, como o foi nos seus melhores dias. Formou-a porém o Poe- ta com pasmosa diligencia , e com acerto e discrição ain- da mais pasmosa. Tão bem a soube procurar nas verdadei- ras fontes, derivou-a com tão exquisita prudência, proce- deo nisto tão arrimado aos princípios de analogia sisuda , que são passados dois séculos e meio , sem que as tintas tenhão perdido o mais pequeno gráo da sua frescura , e lhe possa de presente notar o leitor irregularidade ou archaismo , que não seja bem excusado pelo impeto do estro e sabia licen- ça da Poesia. Parecem logo de séculos diversos os escritos de Barros , e de Vieira : (a) Camões , e Diniz parecem , com leve differença , contemporâneos. He nesta parte o mereci- mento do nosso Poeta muito superior ao de Virgílio, e ao de Torquato Tasso. O Poeta Latino pòz somente a coroa no edifício da linguagem Poética, que tinhão levantado ou- tros , e entre elles o celebre Lucrécio ; os trabalhos de Ariosto não deixarão que fazer ao Tasso ; Camões fez tudo ou (/») João de Barros falleceo em 1570, O Padre António Vieira nas- ceo em 1608: Luiz de Camões falleceo em 1579, António Diniz da Cruz nasceo em 1751. He logo o espaço , que mediou entre os primei- ros, de 38 annos ; c o cjue mediou entre os segundos, de 150 annos e mais. DAS SciENCIAS DE L 1 S B O A. 20,1 ou quasi tudo ; c com tão perfeito atino , que não tem acha- do que mudar e corrigir a entendida experiência das ida- des seguintes. A nossa língua poética póde-se dizer , sem livperbole , creada c quasi irrevogavelmente decretada pela sabedoria e soberana autoridade deste Príncipe (que o he ainda agora ) dos Poetas de toda a Hespanha. (a) i Mas qual hc o Príncipe tão perfeito, que não deixe a quem o julga com maduro exame , alguma occasião da fazer uso de benigna indulgência ? <; Qual he o Marco Au- rélio, que não precise que lhe desculpem tão crescida bar- ba de Filosofo , e tamanha fraqueza por hum filho pouco digno, ou indigno totalmente , da sua ternura? Está no mes- mo caso o nosso Principc da Poesia Hespanhola. Também precisa que usemos com cllc benigna indulgência , ou que o não sentenecemos com todo o rigor e severidade da jus- tiça. Verdade he muito rebatida , que até os Homeros dor- mitão de quando cm quando ; c que a nenhum dos mortaes cabe , cm qualquer género que seja , absoluta perfeição : mas a verdade , á força de ser trivial , não se torna menos verdade. Aqucllc engenho , que na creaçáo de Adamastor ostenta tanto poder , como que não acabou de conhecer to- das as suas forças. Procede mais acanhado e receoso , do que era de esperar depois de tamanho argumento de vigor insigne : e não ha em todo o Poema dos Lusiadas outra in- venção notável , que o Gigante do Cabo Tormentório , e a Ilha deleitosa aparelhada no meio do Oceano. Quem lê, naturalmente pergunta , á vista daquelles dois Episódios , ^ que razão obrigaria a ser tão historiador , quem possuia tamanha virtude de estro para ser Poeta? O seu juízo, bem Tom. VIL P. I. Hh que (rt) A Nação Hespanhola he muito entendida , c muito primorosa para se querer arrogar a gloria que lhe não pertence ; e certamente nos na de conceder a primazia nos Lusiadas , como nós lha devemos con- ceder no D. Quichote. Mas se entre os seus cidadãos houvesse algum tão tenaz da honra poética, que aqui nos quizesse disputar o passo, nulhallo-hiamos, sem duvida, só com lhe pedirmos a exhibiçáo do ti- tulo. 24* Memorias da Academia Real que seguro no avaliar era muitos ca^os com acerto , pade- ceo noutros grande engano. He manifesto este engano, na temeridade com que se atreveo a quasi todas as castas de Poesia ; c mesmo áquellas , a que mais se recusava o seu talento naturalmente grave e elevado: (a) e não o he me- nos , nas varias impropriedades , no esquecimento das con- veniências , ou nos desvios do decoro , de que daremos con- ta , quando descermos a particularizar o que agora substan- ciamos a Tulto. Admiravelmente imitou em grande parte os seus modellos , contendendo menos pela igualdade, que pe- la victoria ; mas algumas vezes imitou o que não merecia a soa imitação ; (b) c outras seguio com passos tímidos de bisonho , quem podia emparelhar na marcha com a resolu- ção e desembaraço de competidor. Não faço já caso de pe- quenas incoherencias , de cerras prolixidades , de alguns ver- sos prosaicos , ou duros e mal aflfeiçoados , de numa ou ou- tra rima , que acode com violência , e que he chamada pe- la i ■ I ' I ' — — — — — T^- — ^^— — — — — — — - (rt) A gravidade , c elevação do talento de Camões não precisa de prova, portjue he evidente a quem lê as suas Obras. Tendo Virgílio também no engenho gravidade , não a tinha em tão subido grão : e daqui procedeo accommodar-se bem á singeleza Bucólica , e á brandura da Elegia, de que dêo mostras em certos lugares das Éclogas. Pela ra- zão opposta ficou Camões muito atraz na Poesia Pastoril , e até o não emparelhou na brandura Elegiaca. Não quero oceultar porém , que ain- da que possa notar em Camões o desconhecimento do seu próprio gé- nio , e a temeridade com que se abalançou a compor contra o que eíle admittia , não lhe faltão , nesta culpa, muitos e muito illustres compa- nheiros , antes poucos talentos eminentes escapáo á tentação de se sup- porem para tudo. (t) Tal foi o gosto Italiano, que imitou nas Canções; bem que neste mesmo ponto nos deixou argumento de bom juizo , como vere- mos quando faltarmos nos Lusíadas. O acanhamento servil em imitar n al- guns casos , pôde observar-se em certas comparações que tomou dos an- tigos palavra por palavra, ou pouco menos, quando talvez o sofri a mal a delicadeza da língua , e a das idéas modernas. Seja exemplo a com» Saraçio das formigas na est. XXIII. do Cant. II. , imitada do IV. da Ineida. A linda Dioiíe, e as suas Ninfas não eráo objectos comparáveis com formigai. Virgílio mais advertido faz a comparação com o vulgo do Carthago , e ainda assim mesmo , não parece á imaginação moderna similhança muito nobre. O?/ DAS SciENClAS DE LlSBOA» 243 la mera razão de ser consoante. Estes defeitos , são aquel- les escuros pouco attendiveis , de que ha de prescindir, co- mo diz Horácio, o avaliador de hum Poeta; e que na ver- dade desapparecem entre muitos lugares luminosos. E de- ve-se algum desconto ao grande numero e extensão das Obras, e á vida muito inquieta e não pouco mofina de Ca- mões ; principalmente na idade cm que elle pudera aperfei- çoar com madureza , o que havia composto nos annos de mais ardor e menos ponderação. Entremos porém a consi- derar com maior particularidade as suas diversas Poesias , principiando pelas Rimas, e seguindo a ordem das Edições. Trcs centúrias de Sonetos , com pouca differença , nos offerecem as ultimas edições em frente das Rimas. Atten- dendo aos interesses da lingua poética Portugueza , ao res- peito devido a todas as producções de tamanho engenho , e ao muito que importa para nossa instrucção e cautella, o conhecer o forte e o fraco dos grandes homens , andou bem a zelosa curiosidade em os colligir e publicar todos ; mas pudera deixar boa parte delles sepultada no esquecimento de que os tirou , sem diminuição da gloria do Poeta. Esta espécie de Poesia , tão livre na escolha do assumpto , tão vária e até caprixosa na forma, he com tudo tão irrevoga- velmente regulada pelas leis mais severas , que quasi que hia dizendo que custa tanto a levar á perfeição , e he sem- pre menos gloriosa do que os largos Poemas. É justamen- te disse Boileau, que o Soneto foi invenção , com que Apol- lo quiz provar, ou apurar, a paciência dos Poetas, (a) O ar- gumento ha de ser tal , que por si só esperte , e possa pren. der vivamente a attenção do leitor. Os pensamentos hão de dizer com elle e entre si , e ajudar-se reciprocamente de tal modo , que hum só se não possa reputar , não digo Hh ii já (d) On dit a ce propôs , qu'un jour ce Dieu bizacre Voulanc pousser a bouc tons les rimeurs François , Inventa du Sonnet les rigoureuses Loix , An. Pott. Cant. II. W. 8j ~ 85. 244 Memorias da Academia Real já ocioso , mas nem ainda de pouco serviço. Todo o su- pérfluo he rigorosamente excluido , estranhado todo o de- feito j sem lhe ser jamais licito apertar ou dilatar os limi- tes, que lhe 9âo prescriptos. A disposição deve contentar a critica menos inclinada I dar desculpas, sem prejudicar, pou- co ou muito , á naturalidade da marcha ; e preparar em to- do o progresso j com arte insensível, hum final que passe, e pelo menos encha , a expectação , e mereça conservar-se cm lembrança. A expressão ha de guardar perfeitamente to- das as conveniências. Hum verso menos limado , huma pa- lavra imprópria ou por outro principio mal escolhida , hu- ma rima trazida com força , prevertem a sua belleza ; como o mais brando fôlego mancha o lustre do espelho , ou o mais leve movimento das arcas turva as aguas cristalinas de hum arroio. A sua mesma brevidade faz apparccer logo qualquer vicio , dá maior lugar ao reparo , e diminue os motivos de indulgência. Com tudo , essa brevidade arriscada , tem sem» pre tentado os bons e máos [engenhos , de tal sorte , que as Obras de Petrarca, e de Camões estão bem longe de serem as únicas , em que se contão por centúrias os Sonetos, (a) Mas estéril abundância na verdade ! em que reina a mediania que Horácio tem , com razão , por intolerável nas artes de- leitosas ; em que até o menos imperfeito he raro ; c em que o perfeito ideal talvez não foi ainda reduzido á pratica ; nem o será , em razão do obstáculo poderoso , que oppõe ao mesmo tempo a difficuldade da Obra , e a pequena glo- ria , que se pôde prometter quem a emprehende. (b) Fal- ta- da) Já este nosso século vio estampado hum grosso volume todo dô Sonetos , compostos por insigne Poeta Portuguez ; que o pareceria bem pouco , se delle náo tivéssemos mais do que os Sonetos. (b") A gloria , na verdade , nunca pôde ser grande ; e a obra lie sem cTTsputFHê muita difficuldade. Entre os milhares de Sonetos que tenho lido , não me recordo de ver hotn só , que me parecesse de todo isen- to de falta. O mesmo Soneto famoso de Filícâia , q«e principia : Itália ! Itália \ d tu cui feo la sorte: òfTerece no ultimo verso do primeiro quar- teto htm fensamenté j ^pie tèio menos pata servir, do que pata encher. Sjqw OEí das Séiencias de Lisboa. 24^ taria porém muito á justiça, quem quizesse confundir esta parte das Obras do nosso Poeta , com as collccçõcs despre- zadas dos Sonetos vulgares. Bem que não cheguem a trin- ta os que entre todos se avizinhão da perfeição ; (a) e que ainda nesses , ache em que topar o reparo de hum juiz es- crupuloso ; he certo que nenhum dos mais merece inteiro desprezo : mas antes cm quasi todos , seja no pensamento , seja nos affectos , seja na expressão e na melodia , se encon- tra com motivo de louvor , c apparcce o grande talento de Camões. E o mancebo bemquisto das Musas , com tanto que hum Mestre judicioso o queira advertir e governar na escolha , pôde tirar grande proveito de os ler com frequên- cia , e meditar com ãttenção. Outra casta de Poesia que o nosso Poeta imitou da es- cola Italiana , forão as Canções ; das quaes possuímos dt-ze* seis ou dezesete. Este nome conservou-se na renovação da litteratura, melhorando-se a substancia, e alterando-se a for- ma do Poema. Como aquelle , de que conservou o no- me , suppõe-se feito para ser cantado ; c nisto tem a razão essencial de lyrico. Admitte, em quanto lyrico , ou requer fallando mais propriamente , aquelle fervor de estro , cjue procede do affecto impetuoso ou suave , de que o Cantor se reputa sempre inspirado ; e que causa , ou deve causar , copia, grandeza ou brandura, novidade e insólito de idéas, eminente viveza de imagens, ousadia enérgica de palavras $ irregularidade agradável de marcha. Em tudo o referido diz com as Odes da antiguidade : porém os Italianos distin- guirão a Canção da Ode mudahdo-lhe o tom , e restringin- do-a , pela maior parte , aos suspiros c gemidos do amor pou- co — — . -.---.....— -, (.1) Quinze do género erótico, que vem a ser 14, 14, 30 , $4, 5$, 4 } , 41 , 5} > /O > 78 , 81 , 84 , 147 > «85 , 186 ; e doze de outro gerte- 1 1 , que vem a ser 6 , 59 , 88 , 96 , 100 , 108 , fj , 228 , 237 , 238 , 2^9, 254. Porém note-se que tenho alguma duvida sobre a authvririci- dade dos Sonetos 237, 238, e 239. O Epitaphio do Soldado de Arem- <, icr , que cerra a primeira centúria , tem trei versos ou quatro , que jamais posso ler sem vrolertta comrhoójro de sawdaxlev ■ 2^6 Memorias da Academia Real co satisfeito. Árdua empreza he, c por isso bem. raras ve- zes acabada , o tomar-sc perfeitamente desta embriaguez ly- rica , ficando sempre com acordo para a governar com dis- crição j de tal sorte , que se dêm as mãos ordem com ir- regularidade , moderação com licença , delirio com sabedo- ria. Este árduo da empreza , com aquelle acanhado e mes» quinho do campo, em que apertarão ou prenderão os esfor- ços e voos da Canção, teve, na Itália mais antiga {a) que o nosso Poeta , muito ruins cfFeitos. Occupada a Poesia quasi sempre com o mesmo assumpto , teve de reproduzir mil e mil vezes os mesmos pensamentos e imagens; e pa- ra fugir do cansaço e tédio das repetições , foi levada a valer-se do estilo hyperbolico , refinado, e extravagante. A insufficiencia de talentos , por outra parte , presumio que era possivel , e achou certamente que era mais fácil , sup- prir com aquelles vicios a verdadeira grandeza , a novida- de , a sabia ousadia ; e coube-lhe a má ventura de se ver confirmada na sua presumpção pelos aplausos do gosto pu- blico depravado. Taes forão os modellos , que Camões se- guio neste caso , com grande e muito reparavel allucinação do seu juizo : (b) e não se pôde negar que copiou com so- beja fidelidade os defeitos dos seus originaes. Daqui proce- dem agudezas tão subtis , affectos impossíveis , pensamentos vãos, paradoxos, brincos pueris entre as lastimas dador en- carecida , frieza , escuridade, (c) A primeira e segunda ; a ter- (ii) Na Itália menos antiga dominou ainda o estilo refinado , como prováo a mesma Gerusaleme do Tasso , o Adónis de Marim , &c. Mas foi menos : e o Guido , Chiabrera , Filicaia compozeiáo obras Lyri- cas de grande preço , náo obstante algum resabio de gosto impuro. (/■) Allucinou-se Camões certamente tomando por ouro o que náo era mais que falso luzente. Com tudo , estou capacitado de que as composi- ções , em que mais se deixou levar deste engano , sáo as da sua pri- meira mocidade , e determinadamente as Canções. Náo conhecia outros exemplares , a opinião geral inclinava para aquelles , a idade favoreceo o erro. (0 Casualmente me lembráo : Porem se he grande a dor Com a grandeza do mal a restitue : V A S SciENCIAS DE L IS BOA. 247 terceira na ultima parte; a sexta quasi toda; a sétima, no- na , undécima , decima-quarra , e decima-quinta ; são mere- cedoras de se apontarem á mocidade, como producções cor- ruptas , de que lhe convém tugir com muito cuidado. Quan- do porém Camões ou por dominado de verdadeira paixão , como nas Canções quarta , e decima ; ou por afastar este género de Poesia do rebatido assumpto , como no principio da dccima-terccira , e em toda a decima-sexta, (a) deixou de por os olhos nos exemplares viciosos, e quiz antes ser elle mesmo do que outrem ; he de ver como surge logo o ra- ro engenho e exccllentc Poeta , c como exprime o affecto puro com verdade bem ornada , e descreve com formosa propriedade c brilho de cores os objectos vários, ou suaves c graciosos , ou desabridos c terriveis , da natureza. Bella hc com cffeito a pintura do infeliz Cabo Aromata ; do mar que se agita apressurado por entrar pela garganta do Eri- thrxo ; dos ares fervidos e feios daquella triste região , na Canção decima. Tem graça admirável as comparações , e particularmente nas estancias segunda , quarta, e sétima, da duodécima. Os desvarios e irresoluções do amor são repre- sentados com exacção , que maravilha e deleita , na estan- cia quinta da Canção do mesmo numero, (b) O leitor está ven- £ as armas com que maca são de sorte Que ainda lhe ficaes devendo a morte. (Canç. /.) Estou posto sem medo A tudo <]ue o fatal destino ordene : Pode ser que cansado , Ou seja tarde , ou cedo , Cora pena de penarme me despene. (Gwiç. IX.") (<«) Quero crer que a Canção XVL he de Camões verdadeiíameme. Nem sei que haja razão forte em contrario. Ser a única de tal metro-, não he razão. (/>) O fallar , e esquecer-me do que digo : Hum peleijar comigo , E logo desculpar-me : Hum recear ouzando , Andar meu bem baseando , £ de o poder achar acoTardar-me, fcc 2 48 Memorias da Academia Real vendo , na dccima-tcrceira , o monte ledo com o pezo do po- mar ; e o Zêzere estranhando o desdém , com que ellc olha pa- ra o cristal puro da sua corrente, j Que amenidade , que sau- dade , que affectuoso na ribeira e prados da decima-sexta ! j Quem se não commove com a pouca ventura da coitada Que enganada De huns esparzidos grãos de loiro trigo Nas mãos vai a cahir do seu imigo ! Quem não sente retinir a sela traz a perdiz ligeiral ; Quem não ouve as jucundas ondas crepitando por a praia alva com ruido brando ! Além destes quadros tanto de enlevar , e tão de Mestre : Eu não a escrevo , da alma a trasladei — d don- zela , de sua Mai cuidado e gloria pura — onde cà a nature- za , a subtil arte tem demanda incerta — myrtos animados ve- mos , são pensamentos c expressões felicíssimas , e ao mes- mo tempo tão naturaes , que o leitor fica persuadido , de que nem poderião ser melhores , nem de outro modo. Como os seus Italianos , a quem quasi unicamente sc- guio no lyrico , desatinarão menos na Ode ; porque ainda que lhe não derão , nem fracas sombras da graça , da ma- gestade , do furor amável dos antigos ; ao menos não lhe trocarão tão estranhamente o tom : parece que Camões , me- nos arrastado de preversos exemplos , e mais senhor de si , devia satisfazer melhor ao que tinhamos razão de esperar dos seus talentos e acertado gosto natural. Mas he foiça que confessemos que não foi assim. Antes cuido que se nas Odes , ao todo , tem menos desses vicios e defeitos , que o desdoirão nas Canções , também tem menos traços primo- rosos, e toques magistraes , da qualidade daquelles, que aca- bamos de offerecer , não tanto ao voto , como á admiração dos leitores. Neste género he a mediania insulsa mais de regeitar do que em qualquer outro. 4 Quem pôde , com ef- feito, sofrer frieza, vulgaridade, rasteiro, d'onde espera o ardor de vivo enthusiasmo , a novidade , a elevação do estro Divino? Cinco porém das doze Odes do nosso Poeta são, no DAS S C ! E N C I A S DE L I S B C A. 249 no meu conceito, ainda inferiores á mediania; (a) c quatro, apenas n'alguma comparação, n' hum ou n'outro rasgo, cm huma ou duas estrofes, excedem aqucllas primeiras. Só me agrada, com poucas excepções, a decima ; [b) evidentemen- te nascida de paixão real do Poeta, c que a faz sentir ou communicar a quem lê, por hum modo tão mavioso como agradável. Sc na marcha não fosse com tanta demazia regu- lar ; se fosse tão apanhada , como podia c devia ser , em pensamentos c expressão , não teria eu muita duvida em a emparelhar com algumas boas do insigne Horácio. Ousou Camões quasi traduzir na Ode IX. , e imitar até certo pon- to na XII. , o claríssimo lyrico Romano. A contenda era dificultosa ; mas o contendor , á vista do cabedal de enge- nho c juizo que possuia , não se pôde notar de temerário. Foi na verdade vencido : mas cm razão da vietoria de Achil- les , não fica o esforço de Heitor menos conceituado. Co- mo a Ode IX. he quasi , segundo diziamos , huma versão da VII. do IV. livro , c de alguns traços da IV. do livro í. de Horácio , o pensamento hc o mesmo , e são os mesmos quasi todos os que o acompanhão ou para serviço , ou pa- ra ornamento. Copiou grande parte das imagens, e pintu- ras , (c) traduzio algumas palavras, (d) seguio na andadu- Tom. VIL Part. 1. li ra (fr DAS SciENCIAS DE LlSBOÍ. S J I ruins exemplos de Itália, c puzesse em seguir o Poeta Ro- mano o mesmq empenho e applicação , que esta pôz , co- mo confessa, cm seguir os melhores Gregos, poderia tal- vez, disputar-lhe a palma , no mesmo gencro cm que Ho- rácio mais se pavonea. (a) Iluma Ninfa de ar elegante e figura airosa ; vestida cm largas c estendidas roupas de cor menos alegre ; toma- dos os cabcllos com grinalda de violas aqui c alli matiza- das de alvas boninas; o aspecto representando saudoso, mas composto sentimento; banhadas as faces cm lagrimas, que ou podem nascer do amor mal correspondido , ou das de- moras sempre dilatadas de huma ausência , mas nunca de desesperação ; hc , ou pudera ser, o symbolo da Elegia. Deleita e enlea com a declaração apaixonada, que nos com- move sem nos perturbar. Excluindo todo o estremo de dor, todo o affecto impetuoso; o seu tom he triste e sentido, mas não desesperado e trágico. E ainda quando trocado o argumento (que tem por huma notável singularidade con- trariado varias vezes a primeira instituição) nos dá conta do seu prazer , sempre he prazer suave , exprimido em es- tilo moderado. He pois fiel ao gráo de intensidade , nos mesmos casos, em que se aparta do primitivo e mais na- tural assumpto : alongada cm igual distancia , de dôr amar- ga e insofrível , e de prazer exultante c tumultuoso. Nem nos pudera agradar e enlevar de outra maneira ; porque nós queremos , e precisamos , ser movidos com brandura , po- rém sofremos poucas vezes ser cortados , ou muito rudemen- te magoados. No seu propósito de nos mover brandamen- te, e na qualidade do sugeito , de que ella declara os af- fectos, tem principio todos osdictames, por que se gover- li ii na (fl) Ó , testudinis áureas Dulcem <\ux strepitum , Pieri , temperas ! Totum muneris hoc tui esc , Quod monstror digito prxtcrentium Romana; fidicen lyrs. ( Liv. IV. Oi. III. ) 1J2 Memorias da Academia Real na a sua composição. Sc pretende , na verdade , mover-nos exprimindo paixão, he necessário que esta, com ser bran- da , não o seja tanto que careça de todo o estimulo ; por- que hum movimento depende de proporcionado impulso : he necessário que a declare com a maior naturalidade ; por- que a paixão para nos mover ha de parecer-nos verdadeira, c não hc possível suppôr verdade no sentimento ou prazer inculcado com affectação : hc necessário em fim , que seja breve ; porque o nosso coração não he capaz de commoções muito dilatadas: c por esse motivo, se casualmente se alar- ga hum pouco mais, he por se empenhar cm digressões a que muito a convidão as circumstancias , e em que com tu- do lhe não permitte ainda ser prolixa , o respeito sempre devido ao principal. Como nella nos falia o Poeta , ou qual- quer outra pessoa que se suppõe avisada e culta , não só admittimos , mas até esperamos e requeremos , na linguagem pureza, propriedade, e elegância; nos pensamentos vivaci- dade , nobreza , finura que não degenere cm pueril osten- tação de engenho , e sobre tudo delicadeza graciosa quer nas idéas , quer nos affectos exprimidos. Indicão bem , tan- tos e taes requisitos , a dificuldade de chegar á summa al- teza neste género: e com effeito na mesma antiguidade apu- rada da Grécia , não podia apontar Quintiliano mais que as Elegias de Calimacho , e de Phi heras ; («) e nos três (b) ou quatro Elegíacos Romanos do tempo de Augusto, o mes- mo judicioso critico , e os seus parceiros das idades moder- nas, tem reparado na dureza deGallo, na viçosa sobegidão de Ovídio, (c) na secura c frieza das Mithologias de Pro- per- (jí) u Tunc & elegiam vacabk in manus sumere , cujus princeps ha- s betur Callimachus. Secundas confessione pturimorum Philxtas oceupa- » vir. n (Quintil. Instit. Liv. X. Cap. I.) (/>) Digo três ou quatro , porque de Com. Gallo , o amigo de Vir- gílio e assumpto da Écloga X. , náo chegarão á posteridade senão es- cassos fragmentos. (c) « F.legià Graecos quoque provocamus . . . Ovidius utroque (Tibullo » 8c Propeitio) lascivior : sicut durior Oiallus. Quintil. ibid. t síiaac Ofc dasScienciasdeLmboa. ^y 3 pcrcio , c no brilho engenhoso, que por paixão intenta ven- der, ás vezes, 'fibullo. Mas se naquclles Mestres egrégios , em quem concorrerão largamente a natureza c arte discreta , achou faltas que castigar n incorrupta severidade de juizes insignes ; não será grande desdoiro para Camões , que nós ou- semos também notar os defeitos das suas Elegias. Deixando de parte as que , em certas edições , procedem desde 9 dé- cima terceira, (a) não devo oceultar que nas doze, que Ma- noel de Faria e Soiza commentou , e se publicarão assim commentadas pela imprensa , tem a critica bastante motivo para estranhar e reprehender. Em quasi todas cilas falta bre- vidade e Bobresahe affec tacão : e se satisfazem pela pure- za , propriedade e ainda , posto que menos , pela elegância dos termos ; nunca , ou quasi nunca , oifeieccm hum traço verdadeiramente delicado , c em muitas occasiões offendem por finuras c pontos que , como diz engraçadamente hum illustrc Escritor Portuguez , costumao despontar de agudos. To- davia as regras da brandura e ao mesmo tempo energia da paixão exprimida, em nenhuma se achão violadas; e rara- mente carece a expressão ou de vivacidade , ou de nobreza. A primeira, se quizermos dissimular a sua muita extensão, a segunda que foi comporta cm Ceuta, c dirigida a D. An- tónio de Noronha, a decima que foi composta á morte de D. Miguel de Menezes , e mais que todas a terceira que foi obra do desterro em Santarém , ou nas suas visinhanças, apresentão a'gnns quadros bem formosos ; respirao agradá- vel melancolia ; e confirmão de quando em quando o que diz o Poeta naquelle verso da segunda : A saudade escreve , e eu traslado, (b) Não (rf) Se são de Camões , as que vão da decima terceira inclusivamen- te por diante , lie muito duvidoso : e no caso de duvida , Acho mais aier- tado encarregar-me somente das obras , ou com cetteza ou com muita probabil idade , authenticas. (b) Os primeiros dois tercetos da Elegia III. , que representáo Ovi- dio no desterro , tem viveza , naturalidade , affecros. Estão no mesmo caso todos os que declaráo seus melancólicos pensamentos , quando su- *»*.°* 2^4 Memorias da Academia Real Não hc possível darjuizo sobre as Éclogas de Camões , sem tocar primeiro a questão, que acerca do seu numero tem feito mover a critica zelosa , ou o capricho , de Manoel de Faria c Soiza. Este erudito attribuc ao nosso Poeta , além das oito em que concordão todos , outras sete', onde entrão cinco que andão impressas no Lima de Diogo Bernardes , como obras deste ultimo. Sc Diogo Bernardes teve o pou- co primor de se arrogar os bens que pertencião a outrem , razão he que lhe sejao tirados , c restituídos ao seu legiti- mo Autor. Mas por isso mesmo que o crime he muito gra- ve, pede a justiça que diga com a sua gravidade o pezo e clareza das provas ; para se não correr o risco de referir a hum , com erro torpe , o que de bom direito toca ao ou- tro que o possuc. ,; E quacs são as provas allegadas por Fa- ria e Soiza, nesta causa importante de dar ou tirar a seu dono o que na verdade lhe pertence ? O Padre Thomás de Aquino , na edição que das Obras do nosso Poeta fez em Lisboa em 1779 e 1780, nos offerece, como extrahidos de hum Manuscrito que se conserva na Livraria da Graça da dita Cidade , os argumentos de Faria e Soiza ; e pelas suas mesmas palavras , segundo o que elle muito de siso attes- ta , e eu não tenho duvida de acreditar. Huma e outra vez, e com bastante attenção , como convinha, li estes argumen- tos , e considerei a força verdadeira de cada hum e de to- dos juntos. O mais forçoso delles seria, sem duvida, o da identidade de estilo entre as Éclogas de que se controver- te, c as oito de Camões. Este argumento bem sei que não he ainda de força absoluta irresistível ; porque alguns Es- critores imitão muito felizmente o estilo alheo, como cer- tos bido ao monte visinho, estende os o!hos pata o Tejo; e principalmen- te aquelle em que diz ás aguas deste Rio : O fugitivas ondas , esperai ; Que pois me não levaes em companhia , Ao menos estas lagrimas levai. DAS SciENCIAS DE LlãfiOA. 2$f tos pintores arrcmcdao com grande similhançi as obras dos illustrcs Mestres. He com tudo o mais valente entre os pro- postos por Faria c Soiza neste caso : c se a identidade pu- desse affirmar-sc com arrazoado fundamento, ficaria até cer- to ponto vacilante o direito de Bernardes. Mas ou cu me engano muito, ou o estilo das Éclogas, de que se move questão , hc todo parecido com o de Bernardes , e basran- temente diverso da usual maneira de Camões, (a) Na substan- cia tem huma ternura profunda e doce , huma propriedade pastoril ou piscatória , certa singeleza accommodada ao gé- nero , que diz muito , c tudo , com as outras producções de Bernardes , c que de balde se hirâo procurar nas Éclogas que são indubitavelmente de Camões : c no verso tem , pela maior parte, hum cortado de hemistichio , (b) huma cadencia singularmente numerosa e branda , que Camões pelo commum não emprega na sua versificação , e que hc prominente distinc- tivo da de Bernardes; d'onde lhe procedeo cm todo o tempo o geral conceito, c ate o apellido de suave. Não digo que Ca- mões não he nos seus versos bem numeroso e cadenciado ; quero somente dizer que o he ao seu modo , e não ao de Ber- nardes ; e que o numero e cadencia das cinco Éclogas proce- dem mais de acordo com os do ultimo , do que com os de Camões. Não achando pois neste argumento a pretendida eiíicacia , e tendo cada hum dos outros ainda menos ; nem cada hum por si , nem agregados me parecem capazes de mover hum bom entendimento a favor da opinião de Faria c Soiza : c daqui concluo que a justiça não pôde , em vir- tude dos seus allegados , desapossar o immemorial possui- dor. (<;) A minii.i opinião nesta matéria , he .10 justo contradictoriâ da de Faria c Soiza. Este diz que ) A sexta syllaba do vetso Ponuguez de onze, tem prominencia, e com ella o reparte muito agradavelmente. Esta repartição , a que cha- mo cortado de hcmistickio , não falta em Camões ; mas he ordinariamen- te muito mais sensível nos versos de Bernardes. rique Tio dei Rey , que como era inclinado a ingenios triviales , nun- a ca favoreció a Luiz de Camões, aviendo favorecido mucho a Francis-. j co de Sá y Miranda, mui semejante ai Bernardes. 1 Faria e Soiza, segunda \'ida §. 27. DAS SciENCIAS DE LlSEOA. i^J Attribuindo assim a Qamócs somente as oito Éclogas) cm que não ha disputa ; não cabe ao seu talento bucólico grande louvor. Nas pessoas, nas acções, e nos afléetos dos seus pastores , c ainda na dascripção das suas sceuas cam- pestres , falta geralmente aquclle macio, aqucíla simplicida- dc amnvel e singeleza graciosa , cm que consiste o princi- pal deleite desta espécie de Poesia. Recusa o leitor a na- tureza bruta e selvática, mas também recusa o que be mais do que natureza aptamente aperfeiçoada. Natureza bruta nao he regular assumpto da Poesia ; a natureza que , para o di- zer assim , deixa de ser rural , nao be para a Poesia Bucó- lica. As personagens porém das Éclogas de Camõ ?s , e os seus cuidados e praticas são em demasia urbanos. Não dizem tantas agudezas e discrições , he verdade , como as de ou- tros Poetas Bucólicos ainda de pior gosto ; (a) mas oceu- pão-se e talião mais como homens de cidade , do que como pastores. Ponba qualquer os olhos na primeira Écloga ; leia semente a primeira estancia cm que falia Umbrano , e a pri- meira em que lhe responde Frondelio ; e achará logo que alli se não contém outra cousa que quadre com o suppos- to , mais que o nome de ambos elles. Dois Filósofos dis^ cursando sobre a inconstância das cousas do mundo , não empregarião mais solemnes pensamentos , nem usarião de tom mais ponderado e grave. Sim tem a dita Écloga por assumpto a morte de D. António de Noronha, e a do Prín- cipe D. Toao ; c requeria por isso huma certa tristeza ou Tom. VIL Part. I. Kk se- (a) Digo tantas agudezas e discrições, porque lhe não faltáo de todo: por exemplo Como quem para penas só vivia , Sorrindo , lhe tomava : Se não vivesse triste morreria. (£c/. /. ) Saiba o mundo meu dano , Porque se desengane em meu engano. Pois somente nasci Para viver na morte , e ella em mi. ( Eçl. II. ) 2j8 Memorias da Academia Rial seriedade", mas de Umbrano c Frondclio no monte c na es pessura , c não de dois sábios no Lycxo. A Écloga V. de Virgílio tem assumpto similhante ; e com tudo os intcrlo* cutores , assim na entrada como no corpo da obra , ainda tratando de objectos tão relevantes , como he a apothcósc de Daphnis , só discorrem e fallão , segundo o que se deve esperar de Mopso , c de Mcnalcas. Eu não faço das Éclo- gas de Virgilio o grande conceito, que se faz vulgarmen* te ; é até rebato muito do preço cm que as tem algumas pessoas doutas. Convindo certos doutos em que , na ordem da perfeição , á Eneida he devido o segundo lugar , e ás Éclogas o terceiro , fazem de algum modo justiça ; mas dão á ver por esta mesma comparação , que as tem cm maior conta do que cilas merecem. O trabalho infatigável dos uU timos Filólogos tem mostrado ao mundo litrerato, que Vir< gilio , muito especialmente nas Éclogas , não dá hum pas* so sem hir arrimado aos Gregos , e que talvez em ne* nhum caso se pôde dizer , nestes seus primeiros Poemas , original. Caminha sempre tremulo e incerto atraz daquclles exemplares, e não se atreve a mover-se , que não seja pon- do o pé nos vestígios , maiormente de Theocrito. Sei que isto se explica com os poucos annos do Poeta , e que se lhe pôde referir a louvor tamanha desconfiança de si ao abrir da sua carreira. Se esta consideração porém , he desculpa pára o Poeta , não acerescenta a valia das suas Éclogas, que se devem reputar em todo o caso , pouco mais que servis imitações ou traducções. Todavia , como Virgilio , além de ter nesta mãtêriá gosto ffiãis seguro, tinha no engenho ffiãis facilidade para descer ao singelo e simples do que Camdes , as suas Éclogas assim mesmo vencem muito as do nosso Poeta: e he cousa digna de algum reparo, (como prova de quanto pôde em taes matérias â força da propensão ) que ao mesmo tempo não excedem , antes em alguns lugares são por ventura excedidas pelas de Diogo Bernardes ; (a) hum ___^ -.- » () Voltemos a nttenção finalmente aos Lusíadas , que forão o único Poema que elle publicamente reconheceo como obra sua, e de que esperou (e não foi baldada esperança) o pre- mio alto e quasi eterno de glorioso nome e sublime fama nas Kk ii fu- mente pastoril , não deixão de ter defeitos , e são no apurado de gos- to e extensão, inferiores ás de Virgílio. Mas parece-me que tem luga- res, em que o Portuguez vence o Poeta Latino. Tal he na Écloga de Bernardes «Cantava Àlcido hum dia ao som das aguas» a imitação dos versos 40 a 44 da II. de Virgilio : imitação mais engenhosa, mais cheia de affectos , mais delicada do cjue o original , assim cila fosse hum pou- co mais concisa. (/») Fora dos Sonetos , Canções e Odes , Elegias e Éclogas , a Col- lecção das Rimas he composta de algumas estancias e sextinas , de al- gumas Redondilhas e Esparsas , que podemos deixar de parte. Das Co- medias tenho , e geralmente tem todos , a mesma opinião. (/>) Bem me parece que Camões era muito modesto em fazer das suas Poesias , fora dos Lusíadas , tão pouco caso ; mas he certo que o fazia. Pondo tanto empenho em fazer imprimir o Poema Épico , nenhum, pôz , antes e depois disso, cm que as Rimas, no todo ou em parte, fossem impressas. Antes da edição da Surrupita em 1 595 só me consta ijue se publicassem estampadas a Ode VIII. e a Elegia IV. nos livros de Garcia d' Horta e Pedro de Magalhães , servindo-lhes de Dedicatórias ao Conde do Redondo , e a D. Leoniz Pereira. 2 6o Memorias da Academia Real futuras idades. Contrahirei quanto puder este discurso jj muito l.irgo ; mas porei grande diligencia cm expor com- pletamente, nessa mesma brevidade, a idéa que formo des- ta famosa composição. Huma acção grande e digna , como tal, do alto apreço c nobre emulação de hum peito herói co,c de duração nem muito curta , nem com excesso dilatada ; disposta com 'sabedoria , adornada por Episódios , que lhe accrescentcm a importância c o prazer; ainda engrandecida, se he possível , pela magestade que procede da mistura de hum maravilhoso discreto ; referida cm verso e por estilo igualmente accommodado ao quadro inteiro e suas partes ; seria , no commum sentir , perfeitíssima Epopca. Talvez a critica menos dócil ás regras de largo tempo assentadas , pos» sa fazer, c faça , justos reparos a este commum sentimen- to: (a) mas deixarei por ora de attender a estes reparos; e tratarei só de dizer, como me parece que os Lusiadas , no sustancial da acção , na disposição das partes , nos Episó- dios e maravilhoso , e ultimamente nas qualidades do esti- lo , convém ou desconvem daquclle archetypo tão remon- tado. Eu li já que a acção dos Lusiadas não tem a eminên- cia Épica, que os Portuguczes lhe suppomos. Mas como o Estrangeiro, que arrisca esta opinião, não declara cm que se tunda , de mim confesso que o não chego a alcançar bem. ,; Faltará por ventura ao descobrimento da índia no Reinado d' ElRei D. Manoel a grandeza cie importância , de difficuldades , de consequências? ^-Não será grande, no- bre, admirável e digna da emulação dos ânimos generosos, huma acção que cmprehendida , parceco aos estranhos pro- dígio de temeridade; (b) posta cm cffeito , os encheo de as- (em , ou soltarem , da sugeiçáo cm que os deixo» a autoridade doi Maio* »es ; e delia he cffeito a liberdade de pensar inttoduzida até nas Boas-Ancs. Alas se nem tudo o cjue assentátáo os antigos foi acertado , requer todavia o bom senso e honesto comedimento que se não impugnem com levian- dade os dictames , que tem de algum modo consagrado o tempo. [_. (f) !< Navegação táo temerosa , tão chea de perigos , de monstros , d< . DAS SciENCIAS DE LlSSOA. 2 6 I assombro c os acccndco cm competências de primor e glo- ria? Sc por acaso o reparo topa no propósito mercantil que lhe dão por cansa , hc neccessario advertir , que este pro- pósito foi subordinado aos de espalhar luzes da verdadeira Religião, e de conhecer e trazer á communicação reciptv- ca as differentes partes do globo c as varias familias do gé- nero humano. Os nossos navegantes levavão por instrucção enlaçar correspondências politicas , propor alli.inças , offere- cer tratos , mas era forçoso que a levassem , nem cila re- pugnava com outros fins principaes e mais subidos. E se- no nosso descobrimento da índia não ha a eminência épi- ca, diga este critico em qual das acções das outras cinco ou seis afamadas Epopéas a descobre. ,; Será na tomada de Tróia ou de Paris ? na volta de hum Rei ausente para a sua casa e familia ? na peregrinação de hum Príncipe obrigado a fu- gir da pátria , e a procurar hum retiro seguro ? na expulsão dos nossos primeiros pais do Paiaiso ? Dir-me-ha que a acha na acção que escolheo o Tas-.o : e eu convenho que a tem sobre as outras cinco ; mas não sobre a dos Lusíadas. A hy- potetica importância das consequências podia ser igual ; mas o propósito não era mais sublime , as difficuldades da em- preza dos Cruzados não erão tamanhas. Não cede em su- blimidade o fim de propagar as luzes da Religião , ao de libertar o território em que ella nasceo : e se fins secundá- rios que ajuntou a fraqueza humana tirão a valia ao princi- pal no descobrimento das regiões Orientaes ; tiralla-hão me- nos os secundários que se unirão , como he constante , («) ao » mortes , que de átsatittãda e leuca lhe foi posto o nome pelos Estran- % geiros , porque ou não achaváo palavras, que igualassem o louvor que » tila merecia , ou não se atreverão a encobrir a inveja que lhes fa- li zia , &c. d Fr. Luiz de Soiz. (referjndo-se a Paulo Jovio) Yid. do At- ceb. Liv. IV. Cap. $. (ti) Ninguém ignora que torpes e baixas tenções, não só fanáticas, se tem ultimamente attnbuido .to rodo ou parte dos que seguirão as ban- deiras Chnsrás , no tempo das Cruzadas , para a Palestina. He verdade porém que nem a critica , nem a calumnia se tem atrevido com o ies- peitavel caracter de Gofredo de Bouillon. 262 Memorias da Academia Real ao de recobrar Jerusalém ? As difficuklaúes das duas empre- zas hão de medir-se pela opinião dos contemporâneos ; c por certo que os contemporâneos de Gçfredp não tinhãu a conquista dos lugares Santos por temerária e impossível , como tinhão o descobrimento da índia os de Vasco da Gama. E na verdade , era cousa nunca vista atravessar com exérci- tos vastas regiões? Assustava-se a imaginação com a idéa de commetterem os soldados da Cruz, cm chegando á Pa- lestina, hum inimigo valente, e de tomarem huma Cidade ou huma Província ? JMas assustava a imaginação , enleava entendimentos , esmorecia corações, salvo os dos Portugueses , a idéa de commetter hum Oceano immenso e nunca dan- tes navegado , entre perigos tanto maiores , quanto menos distinctamente conhecidos , por hum caminho tão longo e tão mal seguro, com hum exito tão incerco !. .. Em tão longo caminho , c duvidozo , Por perdidos as gentes nos julgavão ; Cant. IV. est. LXXXIX. He por tanto necessário ou descer do conceito de Épi- cas todas as acções dos outros Poemas , ter por impossível huma acção verdadeiramente Épica, embrulhar em fim e con- tundir nesta matéria tudas as noções, ou ter a dos Lusíadas por Épica com eminência. Camões conheceo a sua valia ; e nisto não mostrou certamente agudeza , que nos possa ma- ravilhar : porque bem se offerecião aos olhos menos perspi- cazes as altas qualidades que a tornavão própria para a Poesia heróica; e até a moderada extensão, que nem esfria por mui- to, longa , nem por muito curta se representa insignificante , ou ao menos pouco momentosa, (a) Mostrou porém eleva- ção de animo muito acima do vulgar em se resolvei a con* sagralla em hum Poema , c se atrever a entrar cm conten- da (4) Os descobridores da índia saluráo do Tejo a 8 de Julho de 1407, chegarão a Calecut a 18 de Maio de Míí8 : a acção durou pois, ou devia durar , dez mezes ou onze. DAS SciENClAS DE LlSBOA. 20 -, da com os primeiros Poetas da melhor antiguidade; e mos trou torça extraordinária de entendimento em fazer pouco caso , neste lance , daquclles seus validos exemplares do Par- nasso moderno, voando a huma superior região, a que elles , pelo commum , nem ousavão encaminhar a vista , senão co- mo a esfera vedada , e impossível de alcançar. Havia qua- torze séculos que se não ouvião os sons da tuba canora e belicosa de Caliope ; havião sido mal suecedidas algumas tentativas temerárias para renovar , empregando as línguas modernas, a senda que no sagrado monte abrira Homero, e que se achava impedida , ou antes cega c quasi ignora- da : (a) com tudo determinou-sc Camões em a procurar , romper e seguir, com hum brio airoso e honrado , que diz, até certo ponto , com o gentil arrojo c assombroso descui- do de perigos , que ostentarão os seus heroes em se entre* garem , na immensidade do incógnito Oceano, á incerteza das ondas e horrenda fúria das tempestades. Neste passo deixa o nosso Poeta atrás de si , na bizarria de atrevimen- tos e madureza de discurso , todos os Épicos que o segui- rão , e vai hombrear com Virgílio e Homero ; mais che- gado talvez a este ultimo do que ao primeiro. (£) Porém esta acção dos Lusíadas tão primorosa , avaliada com tanto acerto, emprehendida , como assumpto Épico , com tanta gentileza ; he magoa que fosse , para me servir de hum termo pouco usado mas necessário , amesquinhada e quasi des- (r») Ou contemos de Lucano , ou de P.ipinio Stacio , correrão desde a ultima Epopéa dos antigos até á empreza de Camões , mais de 1450 annos. A vá tentativa de Joio George Trissino produzio a Itália Libt- rata , que se publicou , segundo infiro do cjue diz Saxio no Onomast. , em 15:50. (/') O Tasso devia conhecer o projecto e traça de Camões , e inci- tar-se com o seu exemplo , quando emprehendeo a Cerusaleme. Milton seguio Camões e o Tasso. O mesmo Virgílio tinha diante òos olhos Homero , e foi movido pelo impulso que geralmente levava os Romanos s*o tempo 1 imitarem todas as emprezag luteranas dos Gregos. Só Homero e Camões nio tinháo a quem seguir , porque hum não teve exemplo, outro tinha exemplos como «e n*o os tiveste. S.I3* OG 264 MiUOtus da Academia Real desfigurada pela inadvertência do mesmo homem , que a não podia considerar sem extasis c admirações, c que tan- to empenho pôz em a representar como sobre humana. ,; Que importava aos que houvessem de ler os Lusiadas que viesse a fazenda a terra, e que com ella ficassem Aharo c Diogo? : De que serve instiuir-nos de que a tiveriío longamente na cidade sem vender-se os dois feitores ? <; Para que era insistir na pimenta ardente e secca flor de Banda que trouxe o Ga ma , e A noz , e o negro cravo , que fas clara A nova Ilha Maluco , co' a canclla Com que Ceilão hc rica, illustre e bclla ? ^ Estes objectos tão miúdos e tão pouco subidos não de- vi ao , e podião , deixar-se em esquecimento? <; Não ajustão muito mal com os feitos da famoza gente e as façanhas Que excedem Rhodamonte, e o vão Rogeiro; E Orlando , inda que fora verdadeiro ? Custa a comprehender como tão bom entendimento não fez este reparo, e como hum animo tão despegado de ga- nâncias se abateo a mostrar que fazia tamanho apreço de mercancias. A dois terços , ou pouco adiante, da viagem, (a) en- tre a Costa da Ethiopia e a Ilha de S. Lourenço , começa o Poeta a referir a acção; que leva até que os navegantes, tendo castigado as falsas mostras de Moçambique , e evita- do os enganos e ciladas de Mombaça , aportão em Melin- de. O Gama refere a parte da acção , que procede desde o seu principio até ao ponto em que a entrara a relatar o Poe- (rt) A mais de dois terços ou se considere o espaço do lugar , ou o do rempo. Os Portuguezes , que gastarão dez mezes e tanro de Lisboa a Calecut , descobrirão Moçambique sete mezes e vinte dias depois de largarem de Lisboa ; porque largarão a 8 de Julho , e descobrirão Mo- çambique a ij de Fevereiro seguinte. DasSciencias de Lisboa. 26y Poeta. Outra vez continua o Poeta a relação desde Meliit- de até que a armada chega a Calecut , e desde a chegada a Calecut até que entrão de novo os Poituguezes na foz do Tejo , c dão fundo no Porto de Lisboa. A relação , por este modo, não começa com o principio da acção, mas sim pelo meio, ou ainda mais: (a) porém o que foi omittido, supre depois a exposição do mesmo heroe principal ; que, com cila divide em duas partes a narração que o Poeta se determinou em tomar a seu cargo. Esta ordem que Home- ro seguio tão distinctamente na Odysséa , c Virgílio , á sua imitação, guardou na Eneida, he a mais poética , traz com? sigo mais variedade , dá mais occasião ao Poeta para pôc em tnda a luz o heroe principal , e o seu caracter e pensa- mentos : e como tal a recommendou, ou insinuou na sua sin- gular brevidade, o grande Mestre da Poesia entre os Roma- nos. (/;) A ordem da natureza que prefere , e deve prefe- rir , a Historia , concilia-se mal com aquelle ardor e arreba- tamento , que se suppõe no Poeta ; e não causa o deleite , que se espera da sua composição discretamente arteficiosa. A narração alternada entre o Poeta e o Heroe , ambos con- formes ainda que diversos , produz necessariamente a varie- dade sem dissonância , que se reputa hum dos princípios da formosura , e he huma das causas fundamentaes do prazer humano. O Heroe em fim , referindo por si mesmo , torna aquclla parte da narração muito verosimil , e por tanto mui- to crivei ; e pôde dar bem a ver as insignes prendas de seu sugeito, e a qualidade e grandeza dos seus propósitos. Nes- tas observações se fundou certamente a pratica dos dois pri- meiros Épicos , e o preceito , ou insinuação , da Poética de Horácio : e he preciso louvar a penetração com que Camões N Tom. VIL Part. I. LI al- (à) Attendendo ao tempo , certamente mais do meio : mas segundo a importância dos acontecimentos o meio pôde reputar-se , pouco mais. ou menos , o ponto em ijue começa a referir o Poeta. (/') 8c in medias res íson secus ac notas , auditorem rapit : . ; . r Horat, An. P. 148, 149. i66 Memorias da Academia Real alcançou aquelles motivos, e a prudência com que se con- formou , nesta parte , ao seu exemplo. Mas não foi com igual prudência que desprezou o seu exemplo cm huma par- ticularidade muito repararei. Ainda depois de deixar a ac- ção concluida , proseguio Camões na sua relação : e confes- so que não posso atinar com a razão deste extravio. Para dizermos que não advertio , que além do termo não pódc haver cousa alguma; fora de fazermos ao seu entendimento huma injuria que cllc não parece merecer, ainda obsta o indicio que o Poeta dá de advertir bem nesta verdade , to- cando tão ligeira c brevemente a volta dos navegantes de Calecut para Lisboa , em seis estancias não completas do Canto IX. , e duas também não completas do ultimo Can- to. Para dizermos , ao contrario , que advertio e ponderou quanto era bastante , ,j como poderemos explicar, porque sen- do a acção ao justo terminada na estancia duodécima do Canto IX. , continua com tudo Camões a referir , e oceu- pa ainda oitenta e três estancias deste Canto , e as cento e cincoenta e seis do Canto ultimo ? Na morte de Turno completou-se a victoria de Eneas , e com esta victoria as- sentou elle o Reino em Itália , que por decreto dos Fados e i instigação dos Deoses se propunha : a acção da Eneida he pois acabada com o ultimo alento do General dos Ru- tulos ; e por isso , o mais judicioso dos Poetas , em o es- pirito de Turno se desprendendo dos membros , e se pas- sando indignado para o paiz das sombras , não accrcscenta hum verso , nem ajunta sequer huma palavra, (a) Camões , que o tinha sempre diante dos olhos , que o havia estuda- do profundamente , que o segue em tantos encontros passo a (o) Hoc dicens , ferrum adverso sub pectore condit Fervidus : âst illi solvuntur frigore membra , Vita que cum gemitu fugit indignat» sub umbras. São os últimos versos que podem respeitar á narrativa da Eneida , e são os últimos do Poema. DAS SciENCIAS DK LlSBOA. l6j a passo , ^ como se desviou aqui , onde o Cisne do Mincio se mostra mais ponderado e mais discreto? Os Episódios , que eu tenho por tacs , ou ao menos por importantes , no Poema dos Lusiadas , são o Concilio dos Deoses no Canto I. , o prodígio com que se evitão as tramas de Mombaça no II. , o Gigante Adamastor no V. , a tempestade movida pelas diligencias em que rompe o ódio de Bacho , e a historia dos doze de Inglaterra no VI. , a explicação das bandeiras ao Catual no VIII. , e por fim a Ilha de Vénus e os vaticínios da Sirena nos Cantos IX. e X. O sonho d' EIRei D. Manoel no Canto IV. he eviden- temente huma parte da acção , posto que parte maravilhosa : a pequena e engraçada historia de Vellozo na Costa de Afri- ca , não se pode apellidar de Episodio, lnnegavel cousa he que a acção deveria receber , suppondo agora bem apropria- do o maravilhoso, muita importância dos debates, a respei- to delia c dos seus agentes, entre Deoses da primeira ordem que a contrarião ou favorecem com grande empenho , em disputa a que põe termo o Rei supremo de todos, inclinan- do-se aos que são em defeza e ajuda dos Portuguezes ; (a) e que não receberia menos das diligencias , apezar disso , con- tinuadas de Baccho , do prodígio que salva os nossos Argo- nautas de Mombaça , e dos gabos arrancados quasi por for- ça ao Gigante ou Semi-Deos do Cabo das Tormentas. A su- blime representação de Júpiter, a pintura tão apropriada e tão soberba de Marte, a descripção tão viva e formosa das lidas e fadigas das Ninfas em Mombaça , a fea grandeza de gesto, e os espantos e ameaços de Adamastor, a rela- ção dos Paços magníficos de Neptuno , as graças de Amphi- trite , e da esposa c filho de Athamante , e as das outras LI ii Nin- (rt) Não se entenda que com isio contrario o que digo adiante , :>o- bre a pouca importância , que á acção dos Lusiadas resulta do maravi- lhoso que escolneo o Poeta. Aqui só trato de justificar a prudência com que se valeo de maravilhoso para realçar a acção ; adiante censuro a imprudência com que escolheo hum maravilhoso que a não realça no conceito do leitor. i68 Memorias da Academia Real Ninfas que nmansão com requebros e palavras mimosas o furor de Noto , e de Boreas indignados causão, fora disso, ao leitor hum prazer misturado de maravilha, que não fica somenos ao que podem causar as descripções e representa- ções perfeitas dos mais soberanos engenhos da Poesia. Mas eu quizera que não fosse Vénus a Divindade eminentemen- te protectora dos crnprensivos e esforçados Portuguezes ; (a) que as tramas de Mombaça fossem antes eludidas pela cau- telosa prudência do Heroe principal , do que desfeitas por hum milagre ; que Bacho , para tornar com seus empenhos a acção mais importante, não parecesse hum Deos tão pou- co senhor de si. Quizera mais , que ás Ninfas de Momba- ça se imaginasse comparação mais nobre que a das providas formigas ; que a formosa Dione se apresentasse a Júpiter me- nos despida ; e que se maravilhassem menos as Divindades das aguas De ver que comettendo tal caminho Entre no Reino da agua o Rei do vinho, (b) O Episodio dos doze de Inglaterra , com ser , se o conside- ramos cm separado, tão interessante e composto com tama- nha perfeição, hc hum ornamento postiço, que nem nasce , nem se mistura com a acção, e que só he conveniente pa- ra encher momentos de ócio, que o bom gosto não pode &à- (jf) Poderáô dizer-me , que também Virgílio faz Vénus a Deosa pro- tectora dos Romanos, não menos emprensivos e esforçados que os Por- tuguezes. Ma? a differença he clara , porque Virgílio não podia fazer Eneaç senão filho de Vénus; e era obrigado a encomendar á protecção d\ mái do seu heroe o povo , que procedia delle. Camões , a querer sefvir-se da Mithologia, tinha todo o vasto campo da Fabula í sua dis- posição. (,rt) Não se podem imaginar, com effeiro , Divindades mars ridículas que estas das nguss , admiradas de verem entrar nellas a do vinho ! Não se espera tão tutil êxito em huma estancia que principia representando Lyeo acceso cm ira : Paucí tardança faz Lyeo irado Na vista destas coizas {Caiu. VI. est. XIV.) SI3U 03 DAS Sei FN Cl AS DE I- IS BOA. lóo admittir na Epopéa. Talvez se possáo mostrar outros taes em Homero e Virgílio; mas eu não me resolvo, ainda sen- do destes Autores , a recebellos ; porque a justiça que me dirige em censurar Camões, não me obriga a usar com Ho- mero e Virgilio de menos severidade. A Ilha de Vénus , deixada agora a ponderação de acerescer ao Poema depois da acção concluída , hc muito de reprovar na idéa de huma das suas partes , e não sei se mais ainda nas cores. Falía- mos das cores , quando tocámos a emenda que os Domini- cos de Lisboa , com mais zelo do que coherencia , determi- narão Camões a fazer na estancia LXX1. do Canto IX. Tão vivas são,, com effeito , corno indecentes; ou antes co- mo indecorosas a hum Poema de tal natureza. A idéa de recompensar o zelo da Religião e da Pátria , o valor estre- mado , a mais atrevida e arrojada , porém virtuosa , deter- minação , com delicias da meza e do Amor, não podia ser menos discreta, nem mais ruinosa da valia e preço dos Lu- síadas. A desculpa de Camões com suas allegorias confirma o reparo , sem com tudo justificar o Poeta, (a) Não quiz clle desculpar-se com tanto cuidado, senão porque reconhe- ceo o grande fundamento que havia dado á censura : e não o justifica , porque lhe podemos perguntar ainda ; qual foi a razão de oceultar honra e fama sublimada com o véo de Symbolos tão pouco próprios , e tão enganosos ? Na outra parte porém deste mesmo Episodio da Ilha , havemos confessar, que dissimulando algum refinamento de arteficio, o leitor topa a cada passo com eminentes idéas e pensamentos de que se pudera honrar qualquer dos Poetas mais conceituados. O amor da Pátria , que devorava o co- ração deste nosso , levou-o a querer celebrar todos os Por- tu- (tf) Que as Nymphas do Oceano tão formosas, Tethys , e a [lha angélica pintada, Outra coiza não he , que as deleitosas Honras, cjue a vida fazem sublimada, &c. Cant. IX. est. L XXX IX. ciTa 05 270 Memorias da Academia Real tuguezes , desde Luso ou Viriato até ao sublime Castro. Tinha d ifâcu Idades a em preza , no que dizia respeito aos que viverão antes c depois da viagem do Gama. Eneas en- controu nos Elysios , por huma união das opiniões vulga- res com a Filosofia de Pythagoras , as sombras dos passa- dos, e os espiriros que devião animar a seu tempo os vin- douros, (a) Mas nem a religião , nem a filosofia de Camões lhe permittírão conduzir ao Tártaro e aos Elysios o seu Heioe. Não se acobardou todavia pela falta daquclle recur- so: antes lhe sérvio de estimulo para mostrar os seus po- deres na creação desta Ilha , e no lavor fingido das bandei- ras. A creação da Ilha , como hiamos dizendo , ainda que merece reparos, também offerece grandes bellezas: e apezar de certos indicios de fadiga , ou cançado esforço , na sua composição , assombra e reerca por muitos lados , e princi- palmente por huma certa novidade e modo original , de que não sei se poderemos achar parelha em Virgílio. O lavor das bandeiras das nãos poderia , ao contrario , occoner-lhe por occasião das pinturas que achou Eneas no templo da recente Carthago. (/;) Com tudo se o Poeta Portuguez se incitou com este pensamento do Romano , também o ex- tendeo e aperfeiçoou formando hum quadro de rara excel- lencia , ou huma enfiada de quadros, que não sofre outra nota, senão a de ser muito vasta: e se nasceo daquella idéa deVirgilio, he massa extraordinária de formosa luz proce- dida de pequena faisca Venceo assim Camões nestes dois Episódios, com muito primor, dificuldades , que a outro en- (a) Animsc tjuibus altera fato Corpora debentur , Lethaei ad rluminis undam Securos latices & longa oblivia porant. jEncid. Liv. VI. 713 a 715. (£) videt Iliacis ex ordine pugnas , Bellacjue jam fama totum vulgata per orbem ; Atridtn , Pr/amum<]ue , & slvum ambobus Achillem. Alneíd Liv. I. 460 a 462. DAS SciENCIAS D K LlSíOA, 1J l engenho menos atrevido , e menos poderoso serião insupe- ráveis; e triunfou, com gloria, de fortes obstáculos aqucl- le seu intento patriótico ou paixão ardentíssima de publicar c divulgar em versos numerosos as emprezas c façanhas de to- dos os honrados Poituguezes. Nada he invenrivel do amor , di- zia hum Poeta ; e eu direi á vista deste triunfo de Camões: Nada he invencivel ao amor da Pátria. Vem a propósito , já que tocámos no amor da honra Lusitana que inspirou a Camões os Episódios da Ilha e das bandeiras, castigar, com a nossa ordinária franqueza, hum dos seus notáveis extravios nascido da mesma causa. Como, para celebrar as cousas da Pátria, se náo contentasse ainda Camões da Ilha, das bandeiras, e da aventura dos doze de Inglaterra; recorreo a diverso meio pouco venturoso , e com* metteo no tocante ao começo da acção outro erro igual ao que commettêra no tocante ao seu fim , e que nós deixa- mos já censurado. Se depois de concluída a acção não ha cousa alguma, pouco deve haver também antes delia. A ruí- na de Tróia não deve proceder até que Ulysses se recolhe outra vez em Ithaca , nem deve principiar com o ovo de Leda. (a) Huma e outra cousa he vedada pelo mesmo mo- tivo. Mas Camões não advertio neste motivo ; e assim co- mo por hum notável descuido continuou a acção depois de acabada , assim a começou muito antes do seu principio. He o que observamos na relação de Vasco da Gama ao seu hos- pede o Rei de Melinde ; onde Luso , e pelo menos Affon- so o sogro do Conde D. Henrique , vem a servir de primei- ro termo ao que relata. O erro foi feliz em certo modo , porque resultou delle o possuirmos agora consagrada cm ver- sos Divinos a parte maior da nossa Historia ; mas foi hum erro , e não pequeno , nem desculpável , no desenho da Epo- péa. - — ■ ■ •" .... — (a) Nec reditom Diomcdis ab interitu Meieagri, Nec gemino bellum Trojanum orditur ab ovo. Scmper ad eveonim f estimi ; Hor. Art. P, 146 a I4P. 272 M EM O í IAS DA ACADEMIA ReAL péa. Conheço que procede da má proposição , tão vaga e ambigua, ( Vasco da Gama (he o reparo de Voltaire) diz ao Rei de s> Melinde : Crês tu , que tanto Eneas , e o facundo Ulysses , pelo Mundo se estendessem ? j> como se hum Africano bárbaro da Costa do Zanguebar j> soubesse das Fabulas de Homero , e de Virgilio. j> Res- pondem a Voltaire que este Africano , que se presume bár- baro , he na realidade hum Árabe , a quem se pode attri- buir , sem incongruência, conhecimento da historia e litte- ratura Gregas e Romanas. Mas primeiramente, não he essa a (a) As armas e os Barões assinalados , Que da Occidental praia Luzitana , Por mares nunca d'antes navegados ; Passarão ainda alem da Taprobana : E também as memorias gloriozas , &c. Acho muita graça ao Padre Thomas de Aquino , quando no Discurso Preliminar intenta desafrontar Camões da nota que lhe faz Voltaire , por não cantar só hum heroe. a E nós dizemos (responde o Padre Thomas) * que cantou o peito illustrc Lusitano A quem Neptuno e Marte obedecerão. » DAS SciENCIAS DE LlSBOA* 273 a idéa que de hum Rei Africano do Zanguebar tem em geA ral os leitores dos Lusíadas, e o Poeta ha de conformar- se á opinião dos seus leitores; e por isso prefere, em tan* tos casos , o mero verosimil ao verdadeiro que carece de verosimilhança. Em segundo lugar, e se tal era o Rei de deMelindc, <; para que se oceupou o Gama em o instruir, nada menos que em quinze estancias , na posição Geográ- fica da Hespanha , da Europa , e do Globo ? Para hum Rei sabido e culto esta instrucção era injuriosa , não só desne- cessária : para hum bárbaro Africano fora ainda na maior parte supérflua. Repito que por nossa ventura se desman- dou Camões para este rasgo de pedantesca erudição ; por- que não tivéramos de outra sorte a mais perfeita descripção Geográfica em verso , de que eu tenho noticia ; mas admi- rando a descripção, não duvidemos confessar que foi hum desmando do nosso Poeta. Muito debatida tem sido a questão sobre o merecimen- to do maravilhoso , que Camões empregou no seu Poema. A parte menos prevenida dos críticos sempre o reprovou , c eu não posso inclinar-me a outro parecer. Concedo que os leitores menos rudes, costumados á lição das Obras Clás- sicas dos Antigos , o não devião estranhar muito. Concedo que os Christãos estavão de acordo em ajuntar aos nomes de Júpiter e de Alarte as idéas de mentira , ou de nada. Alas nem aqucllc costume contrahido na lição dos antigos Clássicos , tira a impropriedade de Deoses Gentílicos em hum Poema delineado e composto por Autor Christao , pa- ra ser lido por Christãos; nem a idéa de mentira ou de na- da , que os Christãos ajuntão de acordo aos seus nomes, autoriza o uso , antes o torna mais estranho e mais digno de condemnação , na Epopéa. Se o maravilhoso se empre- ga para dar á acção Épica maior realce , he claro que ella o não pode receber desse maravilhoso , que todos tem por vão e absurdo , e que por isso mesmo fica sendo hum ma- chinismo sem serviço, e hum jogo inteiramente supérfluo. ^ Quem pode seriamente suppor mais justificada , ou mais Tom. VIL?. Is Mm re~ a 74 Memorias da Academia Real r levante a acção dos Lusíadas porque Vénus e Marte a sustemao , e porque Júpiter se declara por clles ? ^ Quem pôde capacitar-se de que as opposiçÕcs e malquerenças mo- vidas por Bacho augmentao as dificuldades da empreza do Gama ? Todo o leitor hum pouco considerado pergunta a si m-smo, ^ porque causa usou Camões de hum maravilhoso tão universalmente havido por futii? e a resposta não pode ser outra , senão que elle entendeo que devia alli empregar maravilhoso, e que o não achou melhor. Mas por duas vias faz esta resposta , a única que se pode dar , muito pouca honra ao Poeta. Primeiramente, lembra logo ao leitor o ma- ravilhoso que nesse mesmo tempo empregava o Tasso , e adverte na inferioridade de hum engenho , sequer nesta ma- téria , ao outro engenho; e fica, depois disso, ainda duvi- dando, se huma fantasia potente e creadora não poderia ti- rar do fundo desta acção e das suas tão extraordinárias cir- cumstancias , hum partido, com que se escusasse o maravi- lhoso da Fabula, e até o do Tasso. (a) Não digo que es- ta duvida se não resolverá em favor da opinião de Camões j mas he certo que se excita com algum detrimento do con- ceito do Poeta , e a occasião de se excitar he o uso daqucl- \e tão extravagante machinismo. Quando porém não bastas- sem estas considerações a destruir de todo a valia do ma- ravilhoso empregado pelo nosso Poeta , a mistura do que he sobrenatural no Christianismo , com os religiosos sonhos , ou delírios , dos Ethnicos , argue huma falta de pondera- ção , que se não pôde dissimular , c ainda menos descul- par. Eu. confesso que não posso ler as três estancias décima e seguintes do Canto II., sem me causar grande magoa o completo desatino de hum Poeta , de que faço tanto apreço , (a) F.u sou de opinião que Camões tirou menos partido , para dar novidade e interesse ao seu Poema , do que podia trrar de fenón cnos tão. novos, de táo virias scenas maritimas e terrestres, de tão diversa9 Usançag e coMumes. Fora melhor aproveitar mais este recurso natural a próprio , e valtt menos daquelle* engenhos , ja muito gastos , da IJotsia Gcntiiic*. err.Y m t>AS SciENCIÁS DE LlSEOÀ. iff e que em mil outros lugares me obriga a fazer a idéa maia agigantada do seu talento, e ainda do seu juizo. Maiormetv te me confundo , quando o vejo concluir , em tom de pife-* na satisfação e contentamento de si , com aquellas palavras da estancia duodécima , e assi por derradeiro O falso dcos adora o verdadeiro : e promptamente recorro, para me consolar, ás Harpias he- diondas de Virgílio, e ás suas náos mudadas em Ninfas ; ou ás balas de artelharia , que partem pelo meio os Diabos , nos combates (temerosos ou ridículos?) de Milton. Mais acertado será porém, lançar hum véo respeitoso sobre os defeitos destes grandes homens , e voltar os olhos á formosura e agrados de estilo , que nos offerece o Poema dos Lusíadas. O Autor teve á sua inteira disposição , e na maior abundância , todas as cores ; misturou-as com grande habilidade; distribuio-as com superior intelligencia. Ao to- do , corre o seu estilo sempre nobre , elegante e numeroso. Nas partes varia , segundo o que ellas requerem , com flexi- bilidade admirável : já grave ou apaixonado; já fero ou gra- cioso ; já sentido ou alegre e risonho; já mais animado é vivo, ou mais socegado e composto; Salvo o decoro, (a) in- violável em todos os géneros e muito mais no daEpopéa, não ha matizado ou variedade de tom , de que os Lusiadas nos não dêm a ver hum acabado exemplo , ou muitos exenv* pios. Não nego que o Poeta descahe algumas vezes , c que n'outras he mais secco ou mais duro. <; Mas qual será a águia tão forte , que não precise de se repousar depois de hUm voo muito remontado ? O tom sempre brando e affectuoso nem he possivel , nem fora approvado pelo bom gosto. Cer- Mm ii ta (a) Quando digo que náo ha variedade de tom , que não offereçáo os Lusiadas , bem se alcança que entendo os tons que admitte o gene^ ro. Setia loucura pretender achar aqui exemplos de Cómico ou de Bur< lesco. i.j6 Memorias da Academia Real ta dureza empregada com prudência , tem o cfreito das poin- bras , quando servem a sobrelevar a claridade e esplendor da luz. Admiro-me sobre tudo de que Camões, ainda pin- tando os mais communs objectos , nunca mostre baixeza , e só huma vez me pareça vulgar; (a) e de que não sendo isento de agudezas e jogos nas outras Obras , reconheces- se tão perfeitamente que os devia regeltar nos Lusíadas, e seguisse com tamanha constância este sisudo conselho. Se não falha a minha memoria, que na verdade he já menos firme do que o foi n'outros tempos, só mostrou dcsprczallo nas estancias desde LXXV. até LXXXI. do Canto IX. ; (Z>) como alucinado ou tirado do seu sentido pelas queixas amo- rosas que Leonardo Ribeiro vai dizendo, em quanto cor- re Apoz Ephyre exemplo de belleza. (c) Taes são os encantos por que os Lusiadas tem feito ha sé- culos , com se ter mudado huma vez c outra o gosto pu- blico neste largo espaço de tempo, as delicias de toda hu- ma Nação. Não ha mancebo ingénuo que os não leia com transporte, que não tome de cór boa parte das suas estan- cias ; não ha varão entendido que não faça delias applica- çao nas occasióes , e que não as recorde com vivo prazer. Voltaire , que quando não era governado , ou arrastado , de seus O») Nos primeiros quatro versos da est. I. do Cant. IX. (£) Espera hum corpo de quem levas a alma. Náo canses , que me cansas ........ O' nSo me fujas , assi nunca o breve Tempo fuja de tua formozura ; Levas-me hum coração que livre tinha ? Solta-mo e correrás mais levemente. (ç) i Este soldado se chamava Leonardo Ribeiro , segundo me disse » Luiz de Camões, perguntando-lhe por elfe , mancebo dezenvolto , di» a zidor , e grande namorado. » ( Man. Corr. Commenc. á est. XL. do Cant. VI., e he o mesmo da est. LXXVI. do Cant. IX.) tuas oi DAS SciENClAS DE L I S B O A. *7? seus affectos c preoceupaçóes , ajuizava com muita seguran- ça , tira daqui com razão hum forte argumento cm favor da valia dos Lusíadas. E tenho por certo que se cllc po^ desse ler este Poema na lingua original, só mudaria de con- ceito mais em abono de Camões. Da historia de Dona Ignez de Castro diz este Critico que se lhe aventajão poucos lu- gares de Virgilio. Mas a verdade hc que de muitos luga* res pudera dizer outro tanto , e da historia de Dona Ignez pudera dizer muito mais. Tenho Virgilio por mais igual e mais perfeito do que hc Luiz de Camões. Quadro por qua- dro mal pódc soffrer este nosso Poeta a comparação com aquelle illustre antagonista; mas traço por traço, muitas ve- ves se pode medir com elle, e o Autor da Eneida não he, em muitos casos , mais vivo, nem mais bello, nem tão ori- ginal. Concluamos com isto o nosso discurso muito compri- do ; mas que talvez , para dizer bem com o seu presupos^ to , o não pudera ser menos. O muito trato que tenho das Obras de Luiz de Camões , c a grande propensão á nua • singclla verdade , de que me parece que dei boas provas \ cuido que me autorisão a fazer por ultimo , com certa con* fiança, huma observação não muito dilatada aos nossos Com* patriotas , e huma reflexão ainda mais breve aos Estrafigei'- ros. Não he ôca e abjecta vaidade se nos prezamos , e até se nos jactamos , do esforço e sabedoria , com que nossos avós obrarão a maior cousa de que se conserva memoria 5 isto he , com que apezar dos mais graves perigos , por tra- balhos verdadeiramente Hercúleos , abrirão ao Mundo a com* municação , á curiosidade humana o theatrò mais vasto, ao Commercio novas vias e novos Empórios ; e com que dé- rão ao homem novas idéas , ás Sciencias mais copiosa man- teria, e nova face aos governos e negócios das Sociedades politicas: e se nos prezamos de ser irmãos > na Patfiâ è nã sangue , de hum engenho abalisadô , que soube tão bem en- comendar á immortalidade a nossa gloria , em Cantos de Di- vina Poesia. Mas coavam advertir , Pois que huma Nação entendida , de quem os defeitos » dos Lusíadas não podem ser ignorados, faz deste Poema » ha duzentos annos as suas delicias , forçado he que nelle » se contenhão bellezas muito aVentajadas. » DO 91 r Or >Sd Memorias da Ac a d km ia Real DO EMPIRISMO NA MEDICINA. Por Francisco Elias Rodrigues da Silveira. // íi'«í pas ausi faeile de bien constdter Pexperience , et de recueillir des faits avec discerniment. (Huvres completes de Condillac. Traité de Systemes Tom. III. , N, asce o homem , e mal tem principiado a res- pirar , começa a dar logo signaes de soffri mento , porque sensações dolorosas fazendo-o sentir impressões differentes das que gostava , lhe despertão a linguagem única com que pôde manifestar a sua dor. O instincto he quem lhe inspi- ra o desejo do que pôde servir-lhe de remédio ; mas dei- xando ás vezes de remediar o mal , serve ao menos de mo- tivo para manifestallo : assim se attendermos para a organi- zação do homem , concluiremos , que houvcrSo moléstias , logo que os homens começarão a existir , e que já havia huma medicina , ainda não havendo médicos. 2. Porém quando o instincto nos outros animaes parece bastaria só para lhes procurar o remédio , no homem he quasi inútil , seja qual for a época da sua idade , principal- mente vivendo no centro da civilisação. Na infância as mo- léstias bem que sejão simplices, o infante dotado de huma organização fraca e dependente , tanto pela duração da in- fância , como pelas necessidades desproporcionaes com as suas forças , não poderá remediar unicamente por elle os seus males ; e na adolescência e suecessivos periodos da vi- da, quando he affectada por causas moraes, que sobejamen- te DAS SciEN CIAS DE Li SBC A. 28 I tc modifieão o seu fysico , já muito alterado por hum re- gimen diverso do estado naturjl , o instincto não llic será mais prestadio ; porque as moléstias serio então em muito maior numero , c mais complicadas. Assim o homem enfer- mo debalde chamaria por ellc em seu soccorro , quando só apenas cm mui poucos e simplices casos lhe mostraria al- gum meio de destruir as suas sensações dolorosas , ou fa- zellas menos incommodas , ficando sempre sujeito á alterna- tiva da saúde e da moléstia, em quanto a morte, inevitável a tudo que nasce , não fecha a scena da vida j por isso que as mesmas leis , que nos fazem viver , e nos conservao sãos , são as que nos conduzem á sepultura. 3. Porém existindo em nós além da força vital , em que reside talvez o nosso instincto, hum desejo de fugir á dor c prolongar a vida ; á proporção que mais nos acharmos sepa- rados do estado selvagem e primitivo, elle será tanto mais repetido e necessário , quanto mais sujeitos estivermos a maior numero de causas malfazejas e destruidoras. Pelo que o homem, quando vê alterar-sc o seu fysico, procura sem- pre cortar a cadêa dos seus males , para evitar a necessá- ria consequência da sua condição ; porém se bem que no instincto tivesse algumas vezes achado o remédio, quando não sentia mais do que ligeiras dores ou leves enfermida- des, huma voz interior lhe dirá, que crescendo ellas ou fa- zendo-se mais prolongadas , só o poderá encontrar nos soc- corros afora de si ; não ficando a natureza ainda desse mo- do ociosa , dirigindo todas as suas forças e movimentos pa- ra destruillos : Eis-aqui por tanto o instincto sem força suf- iciente para curar o homem , e este necessitado da medici- na. Tal he ainda a sorte de outros animaes, que apesar de reduzidos a hum circulo mui pequeno de impressões , se al- guma vez achão no instincto o meio de dissipar os seus padecimentos , escolhendo até a planta , cuja virtude conhe- cem ; em outra occasião , se o homem lhes não acode , con- tinuão a padecer ou morrem. 4. Com tudo o instincto tem sido sempre o motivo das Tom. VIL Part. I, Nn pri- a 8 1 Memouias da Academia Reai. primeiras observações da medicina. He por clle que o asthma- tico abre as jancllas , c procura hum ar puro , firmando-se sobre os braços para melhor respirar ; que em huma doença inflammatoria o enfermo pede com instancia bebidas diluen- tes , ar fresco , c pouca cobertura , e que nas febres gástri- cas recêa comer , bastando muitas vezes só o cheiro da co> mida a mais appctitosa , para lhe excitar náusea c vomito; finalmente he o instincto quem faz com que o homem doente procure constantemente a situação horisontal , a obscu- ridade e o silencio; de maneira que diriamos , que nas mo- léstias manifestão-se de huma parte apetites diversos, rela- tivos aos objectos das nossas necessidades physicas , e da outra desgostos , repugnância c aversão particular ao que lhe pôde augmentar o mal. ,; Porém semelhante instincto ou desejo hc sempre aceitado nas nossas enfermidades ? O ho- mem , quando está doente , <; sempre appetece e insta pelo que mais lhe convém ? Responda a pratica da medicina , que nos tem mostrado , que tal desejo he mais prejudicial , do que útil na maior parte dos casos. Todavia esses dese- jos ou aversões , que a natureza inspira ao homem cm cer- tas enfermidades , forão os primeiros preceitos da arte de curar , ou daquella sciencia , cujo primeiro objecto he pre- venir e destruir os males, que affligem a humanidade, a qual gradualmente se foi aperfeiçoando á proporção que as ob- servações se multiplicarão , e os factos forão reduzidos a hum corpo regular de doutrina ; d'onde nascerão diversas theorias , segundo as idéas do tempo da sua creação , vindo a ser muitas delias desmentidas pelo progresso das luzes em outros ramos das sciencias naturaes , a ponto que podemos hoje affirmar, que a medicina, ainda que não tenha tocado aquelle gráo de certeza , semelhante a do calculo , tem con- seguido alcançar o das probabilidades , compatível com a na- tureza do seu objecto. y. Na verdade a medicina , bem que não esteja , nem pos- sa estar sujeita a hum rigoroso calculo , pois que este só pertence aos objectos de pura especulação, tem com tudo seus al-V.l 01 DAs Sciencias DE Lisboa. iS? seus fundamentos e aproximações mais ou menos exactas , a que se dá o nome de certeza pratica , como tem toda a sciencia deduzida da observação c das leis conhecidas dos movimentos da maquina animal: pelo que a certeza da me- dicina , estando ligada a huma reunião mais ou menos com- pleta de idéas adquiridas ao leito dos doentes , nunca po- derá ser objecto de hum mero empirismo ; por quanto o em- pírico nem mal conhece aquclla reunião de idéas , que for- mão a razão do medico , antes de pôr em execução o seu plano de cura. 6. Desta sorte era natural que nos primeiros tempos , quando o homem se vio necessitado da medicina , não en- contrasse senão o empirismo , pois era a única medicina , que então havia, até porque os empíricos, sabendo melhor1 ganhar a credulidade dos povos com manejo e dexteridade , de modo que produzisse enthusiasmo e consideração, erão os mais consultados no curativo das enfermidades. O que nada admira , quando o erro nos he mais familiar do que a verdade , não obstante ser o nosso estado natural o de pen- sar bem e com rectidão : por quanto he muito fácil a il- lusão , principalmente não havendo hum methodo, que nos sirva de modelo, e nos ponha no habito de não errarmos, já que vivemos cercados de causas capazes de nos illudir. Assim pensou Bacon , Locke , Condillac , e Cabanis , quando nos derão as regras e os instrumentos precisos para sermos dirigidos na indagação da verdade : a medicina por tanto necessitando mais deste methodo , do que outra qualquer sciencia , por serem os seus factos mais difficeis de conhe- cer e analysar , longe de poder ser objecto do empirismo , só deverá deduzir-se de huma analyse racionavel sobre as leis da economia animal. 7. A analyse, que em todos os objectos de indagação tem sempre servido de meio, para o descobrimento da ver- dade , 1 porque não ha de também servir para a medicina ? Porque este methodo de deducção , pelo qual o espirito hu- mano, depois do conhecimento das cousas mais simplices, Nn ii tem i$4 Memorias da Academia Real tem chegado ao das mais compostas, ha de deixar de servir igualmente ao medico, para a intelligcncia das funeções da maquina anima] no estado de saúde , e de enfermidade, e pa- ra o arranjamento c classificações dos phenomenos m< rbo sos? He verdade que os corpos organisados com dificulda- de podem ser observados debaixo de hum rigor and y tico ; donde nasce nunca podermos verificar as suas analyscs pela synthese , como suecede com os corpos do reino mineral 5 porém sendo cada hum dos seus factos observados perfeitn- mente , podem todos juntos vir a formar hum systcma re- gular de doutrina , cujos princípios , dimanados da boa ex- periência e observação , dêm resultados semelhantes aos de huma analyse bem deduzida. Tal he a força das verdades naturaes e physicas, reduzidas a methodo. ^ Pode nunca ser isto obra do empirismo? 8. Nós naturalmente analysamos, mas he unicamente so- bre objectos simplices ou factos , cujas mutuas relações ou identidade são fáceis de reconhecer. Na medicina os objectos das nossas indagações são sempre moveis e variáveis ; e por isso não podemos combinar, comparar e julgar de cada hu- ma das suas partes , como acontece a respeito dos que são dotados de propriedades simplices e fixas , ou que se podem dividir e compor : porém nem por este motivo as classifi- cações dos factos serão menos ajustadas e completas , quan- do as idéas geraes , que as formarem , forem bem deduzi- das e apanhadas por génios , cujo tacto fino e delicado T ainda não sabendo exprimir-se, chegue a formar juízos, que se confundão com as impressões directas. 9. Por tanto será sempre digno de todo aquelle , que aspira minorar os males dos seus semelhantes , reduzir a me- dicina a aquelle ponto de certeza, de que he susceptivel r conforme a natureza dos seus princípios j mostrando ao mes- mo tempo os males e os inconvenientes occasionados pelo empirismo , ou por aquella pratica cega e rutineira de cu- rar as moléstias, sem attenção alguma a índole particuhir da enfermidade e do doente j e não menos os que são di- ma- sia« 00 DAsSciENCIASDE LrSBOA. 1%^ manados dos abusos introduzidos nos systemas médicos , quando levados a hum excesso incompatível com a verda- deira arte de curar, dão resultados não menos prejudiciaes ; porque he igualmente empírico semelhante proceder no tra- tamento das doenças. São pois estes os dous objectos, que vão a ser elucidados na presente Memoria. io. Quando se olha para o extenso quadro das revolu- ções, que tem havido em todas as opiniões medicas, des- de a origem dos primeiros séculos até hoje, parece que a medicina , longe de querer aspirar a aquclle grão de perfei- ção , de que são susceptíveis as sciencias physicas , ficaria sempre reduzida a methodos informes e empíricos, que, em vez de servir de apoio , para prevenir e curar os nossos males , nos arrastarião a hum labyrinto de hypotheses absur- das e arbitrarias. ii. A medicina na sua origem foi na verdade empírica, pois só era cultivada pelos doentes , pelas pessoas que os cercavão , e por meio de algumas tradições praticas, que existião nas famílias, e de que o povo se aproveitava; de sorte que na Babylonia se vião os doentes expostos nos lu« gares públicos , para das pessoas , que passavão , receberem o remédio das suas enfermidades. Êrão então os Poetas e os Sacerdotes , os que mais se acreditavão ; aquelles , pela elegância das suas expressões e torneio de palavras , persua- dião haver nos remédios virtudes , que não existião ; estes muito mais poderosos ainda pelo império que tinhão sobre os espíritos, fazião da religião e da medicina hum systéma de crença , capaz de adquirir d'entre o povo a esperança e o temor ; tanto que os Sacerdotes , para fazer acreditar os seus Deoses , prégavão a sua doutrina religiosa , misturando com cila o maravilhoso das curas feitas cm seu nome: pot cujo motivo estavão nas columnas e paredes dos templos , como nos de Jerusalém e de Esculápio, inscripções de pre- ceitos médicos , muitos dos quaes erao attribuidos a Sah> mão ; e por isso as pessoas , que adoecião , erão logo para ahi conduzidas a fim de serem curadas. Os Levitas entre os Ju- ou i$6 Memorias da Academia Real Judeos desta sorte se acreditarão; e, pela finura e sagaci- dade do seu espirito , se fizerao superiores , nesta arte de cu- rar , aos Sacerdotes das outras nações , os quaes vendo que os seus templos erao menos frequentados pela gente enfer- ma , se resentírão disto com grande ciúme ; não só por se lhes diminuir a crença dos povos , mas principalmente por serem privados de maiores interesses. 12. Por muito tempo existio no Egypto e na Grécia desta arte a medicina ; e quando foi trazida para a Europa , os Sacerdotes de todas as dignidades se assenhorearão nova- mente delia em muitos estados , sendo exercitada até pelos Bispos, como foi Fulbert , Bispo de Chartes , em quanto não appareceo a Bulia obtida pelo Cardeal de Estouteville, que a separou absolutamente do Sacerdócio. 13. Na verdade o effeito maravilhoso, que muitas ve- zes por acaso resulta da applicação de algum remédio , he certamente o que mais tem illudido ao empirico , para acre- ditar na sua especial virtude , attribuindo-lhe todo o bom êxito da cura. Esta foi sempre a Bussula , que elle achou segura e invariável , para a demarcação do ponto fixo do seu plano curativo , e a mais lisongeira á sua credulidade e amor próprio. Porém pouco era preciso para conheccr-sc , que taes maravilhas dimanarão antes de outras causas ; co- mo da natureza e marcha da enfermidade , da situação di- versa do doente physica ou moral, da mudança para huma estação mais favorável , e dos remédios anteriormente usa- dos ; pois assim he a marcha muitas vezes oceulta e vaga- rosa dos movimentos vitaes, quando caminhão para o exer- cício fácil e regular das funcçóes da maquina animal. Por tanto o que em alguns casos tem sido acreditado como cu- ra feita por empiricos , não vem a ser mais do que obra d'algumas das mencionadas causas , apesar de que elles , apro- veitando-se então de circumstancias favorecedoras , perten- dão delicadamente persuadir não ser mais do que o resulta- do de seu apurado saber, e bem ajustadas combinações» O medico julgará dVjutra maneira, porque percebendo me- lhor das SciEwcrAs de Lisboa. 287 lhor as diversas circunstancias , que podem influir no phy- sico e moral do homem , e o quanto a sua influencia seja capaz de alterar as modificações promovidas pelo remédio, cllc nunca se apropriará de huma gloria , que lhe não per- tence , e nem julgara o seu remédio, como universal para todos os casos , que parecerem semelhantes, 14. Sc repetidas vezes os males physicos tem sido su-> jettos ao empirismo, as moléstias morues , bem que estejão muito mais tora do alcance doa charlatães, não tem deixa- do igualmente de lhes servir de pasto, fazendo-as dimanar de causas misteriosas, para debaixo deste véo respeitoso po- derem manejar a linguagem da mentira e seducção , e at- trahirem a credulidade do povo ignorante. Então as pala- vras religiosas , acompanhadas de remédios secretos , e até as invocações de nomes sagrados crão a maior parte dos meios empregados para o tratamento de taes enfermidades , não esquecendo ao mesmo tempo as exprobações contra os espíritos máos e malfazejos, de que as figuravão dimanadas, por meio de sortikgios e oráculos. iy. Além disto a variedade e complicação immensa, que sempre se observou nas moléstias , tem feito com que al- guns assentando não ser possivel estabelecer claramente leis íixas , e capazes , para reconhecer a natureza e caracter pró- prio de cada huma das moléstias, ou se contentassem com a pratica de remédios empíricos , entregando o resto ao cui- dado da natureza , ou então , por muito propensos ao pir- jhonismo , disto mesmo se abstivessem. Talvez seja este hum dos argumentos, que não pouco tenha concorrido pa- ra a crença do empirismo da medicina : por quanto sendo a semiótica , e a symptomatologia sujeitas a mil difficuldades, o medico , ainda que firme nas suas regias , achando-se ao leito dos doentes , e encontrando embaraços , que não po- dia prevenir , mas que lhe obstão a formação de hum juizo exacto, hc por isso levado a julgar como inútil toda a sua theoria , e mesmo a decidir-se só por aquillo , que huma cega rutina ou algum persentiraento mais aperfeiçoado lhe par- 288 Memorias da Academia R e a i, particularisa. Porém neste caso hc evidente, que esta incer- teza c perplexidade não depende da medicina , mas sim do medico , que ainda não sabendo bem observar , c reunir os elementos do seu juizo , e suppondo ser verdadeira a sua theoria , se julgava já senhor de hum systcma cie medici- na , quando apenas só conhecia algumas das suas relações- , e estas tão isoladas , que não podião servir para o guiar. 16. Se o medico aspira a reduzir as suas idéas a pon- tos fixos e amoldados a hum systcma , que interesse ao cu- rativo dos seus doentes , e que bem o conduza , deverá ob- servar muito e reflectir , comparando os factos entre si , c mais que tudo, saber gcneralizallos. Então saberá decidir- se , em vez de estar perplexo ; c longe de hir apoiar-se no empirismo , as regras da medicina pratica , estabelecidas so- bre princípios certos, o convenceráõ da sua superioridade'. por isso que firmado nellcs , quando observe qualquer mo- léstia , deverá julgalla como hum ente individual e distincto de algum outro, reconhecendo as suas relações particulares; e se, depois deste prévio conhecimento, e pela applicação do remédio, vê que o seu juizo foi errado, procurará pen- sar melhor; e sendo obrigado a repetir as suas observações, attenderá a todas as differentes circumstancias da enfermi- dade nos diversos pontos de vista, porque só assim poderá bem conhecer a moléstia, e distinguilla de outra; visto que as doenças raras vezes se assemelhão exactamente , como acontece nas physionomias. Leibnitz , querendo mostrar a dif- ficuldade de se julgar da semelhança de duas cousas, dizia que não havião duas folhas , que se assemelhassem inteira- mente em todos os seus pontos. 17. Por tanto se as enfermidades são infinitamente mui- to mais variadas do que não se imagina ; e aquellas , que mais se assemelhão , ofFerecem ainda symptomas particula- res , que as distinguem , ,; quanto varia não deverá ser a maneira de as tratar ? Se o medico não variar o seu remé- dio, segundo a diversa natureza da moléstia e do doente, fará mais mal do que bem , muito mais sendo tão variável a DAS SciENCIAS DS LlSBOA. 289 a acção dos medicamentos, c oceulto o seu modo de obr.ir. Eis-aqui o que sempre acontece ao empirico , que longe de ver as moléstias por todos os lados , só as contempla de huma face ; c por isso julgando-as em tudo semelhantes a's que imagina ter curado, appliea-lhcs o mesmo remédio; mas quando contava com o mais feliz resultado , somente apparecem as tristes consequências do seu empirismo. 18. O Fclcuris, que se apresente com dor de lado, tos- se, expectoração sanguinolenta, e febre aguda, pódc ser hu- ma vez curado com sangrias ; mas em outra occasião só aproveitarão eméticos c catharticos , c os demais remédios, que augmentão o movimento peristaltico dos intestinos. Pe- lo que ve-se, que huma mesma moléstia com os mesmos symptomas precisa de ser tratada differentemente, e que he só o medico quem sabe avaliar e distinguir, por signaes e circumstancias accessorias , a diversidade de caracter de duas moléstias , que aliás pareciao semelhantes a muitos respeitos. Entretanto cumpre notar , que nada he mais difficil do que classificar huma enfermidade, e reduzilla ao estado de especi- ficação , de maneira que sirva para se lhe apropriar a the- rapeutica correspondente : mas não obstante toda esta difi- culdade, que o empirico desconhece, quando elle encontra hum peleuris , e que do uso da sangria e dos diluentes ti- nha em outra occasião tirado bom eíFeito , não hesita hum momento em sangrar e diluir ; porém vendo malogrado tal meio curativo , por ser o caso só apparentemente o mesmo , cm lugar de attribuir o máo suecesso á sua temerária igno- rância , pertende achar o motivo em princípios inventados c evasivos , que elle mesmo nem se quer entende , mas que lhe servem para mascarar o seu erro , apesar de ser á cus- ta da saúde publica. 19. Huma enfermidade pode parecer semelhante a ou- tra , e no entretanto ser bem differente a sua natureza , tan- to pelas circumstancias individuacs como accidentaes , do que nasceo a classificação das moléstias , ou a formação das Nosologias , além da vantagem , que em si encerrão , de Tom. Vil. Part. I, Oo au- 290 Memorias da Academia R. b a l auxiliarem a memoria pelo methodo e arranjamento , que se faz das idéas parciaes de cada hum dos factos isolados ; porque aliás tudo seria confuso, e o conhecimento dos phc- nomenos morbosos escaparia com a mesma facilidade , com que tivesse sido adquirido. Porém as mesmas Nosologias , que tem facilitado o conhecimento das moléstias , não tem deixado de dar muitas vezes azo a erros de cura , não só pela multiplicidade de divisões, levadas a hum numero in- finito , como foi a de Sauvages , e a de Sagar , mas até pe- lo defeito na especificação dos caracteres essenciaes e posi- tivos , que as distinguem ; por isso que não marcando bem a natureza das enfermidades, apresentão sentidos incomple- tos ou palavras vagas; e então a nomenclatura de nada vem a servir, para a escolha do medicamento. 20. Além disto conhecendo nós , que as mesmas causas podem produzir difteicntes moléstias , ,; que diversidade de remédios não deverá haver para o seu curativo ? Não basta só observar os symptomas e os signaes , que se apresentão em hum doente, para por elles hirmos buscar o nome da enfermidade na Nosologia , e sem mais outra consideração tirarmos a indicação , e escolhermos os indicados , he ne- cessário demais attendermos até a pequenas circumstancias, que não ponderadas desnaturalisão inteiramente os resulta- dos : porque o grão de intensidade ou a demora , por mais tempo , de alguma das causas he muitas vezes sufficiente mo- tivo para a differença ; e tanto mais nos convenceremos des- ta verdade, se nos lembrarmos que , não sendo as nossas mo. lestias em ultima analyse mais do que sensações , para estas diversificarem basta só , que seja variado o grão de força , que as impressões nos communicão. Pelo que huma doença parecendo ser semelhante a outra , nem sempre lhe eonviri o mesmo remédio; e quando o empirico oapplica, por pen- sar ser inteiramente igual á aquella , em que já tinha visto pro- duzir o melhor effeito , apenas encontre o menor obstáculo na sua cega rutina , ou pára e fica indeciso , ou se teima em o applicar , a não seguir-se prematura morte , vem por fim 6t3LH 01 das Sciencias de Lisboa. 291 fim a abandonar o misero doente , para não mostrar-se cúm- plice de algum desastroso suecesso; bem semelhante ao ce- go , que habituado a trilhar o mesmo caminho, chega sem- pre ao lugar do seu destino, sem que veja o que se passa cm torno de si ; porém se o mais ligeiro embaraço o to- lhe , perde o tino e pára , ou se porfia cm caminhar , não procurando quem o guie , cahe e tem depois de sofrer os effeitos da sua queda. zi. Quando os factos fizerão conhecer os primeiros re- sultados dos medicamentos, estava tanto ao alcance do em- pírico como do medico o observallos ; mas se este então só tratava de os classificar e arranjar, c rcduzillos a methodos, que servissem de illustrar os casos particulares , que a the- rapeutica indicasse , aqucllc ajuntando os seus específicos , julgava-sc tanto mais perito , quanto maior era o numero delles ; pois denominava especifico de huma moléstia tudo que a curasse , sendo então os específicos tomados em mui diíFcrcnte accepção , e fora de toda a consideração raciona- vcl. 22. Não hc tão fácil , como geralmente se acredita , mar- car qual seja o effeito de hum remédio immediatamente i sua applicação ; porque nem sempre a suecessao dos signaes ou symptomas he feita de maneira , que o espirito observa- dor possa comprehendella, mediante os differentes movimen- tos , que observa , muito menos quando as moléstias cami- nhão para o estado chronico , ou já o são eíFectivamente ; por isso que então tudo he vagaroso , e pouco perceptível cm hum curto espaço de tempo , e ainda mais , havendo padecimentos simultâneos de diversos systemas , e até em diatheses oppostas. Porém se taes indagações são diíficeis , não he menos dificultoso fixar o periodo em que a molés- tia tem terminado , e deve ser suecedida pela convalescen- ça , periodo este intermediário entre a moléstia e a saúde. O primeiro caso , não sendo bem conhecido , hc origem fe- cunda do empirismo , pelos erros de observação e experiên- cias, a respeito da virtude dos medicamentos, e muito mais; Oo ii ern 292 Memorias da Academia Real em casos particulares ; e o segundo , pelo abuso dos reme- dios , desafiará novas enfermidades , e , pela maior parte , de natureza opposta das que se intentava curar, i Quantas ve- zes não vemos nós o tratamento debilitante cm huma mo- léstia inflummatoria produzir febres adinamicas, hydropesias, principalmente se toi o systema sanguíneo o que mais se debilitou? ^Quantas inflammaçõcs locaes sobretudo em sys- tema mucoso e soroso , c irritações geraes não se desenvol- vem só porque em huma asthenia os estímulos passarão além daquellc ponto de incitamento correspondente a debilidade, que constituia a moléstia, e que tão somente devia ser re- movida ? 23. Não basta só applicar-se o remédio, he preciso também saber marcar a graduação das forças vivas, conhe- cer as relações de huns systemas com outros , e o jogo das irradiações vitaes e orgânicas, poder determinar se o phe- nomeno , que sobreveio, he ou não devido a novas causas, ou ás já preexistentes, e que derao origem ao estado mor- bifico , em fim fazer hum juízo completo do que pôde ser effeito da moléstia, dos symptomas, e ainda dos remédios. Isto só poderá fazer o verdadeiro medico : porque se o em- pírico conhece a enfermidade, ignora o remédio e a quan- tidade própria para o caso particular , cujas doses deveráó ser achadas entre os dous lemites da força do medicamen- to , determinada pelo caracter e indole da moléstia ; por isso que , dando-se de menos , o remédio he inútil , e de mais, pôde ser nocivo. Mas suppondo que o empírico per acaso percebeo o remédio, ,i saberá seguillo , modificallo, ou suspendello? Por tanto vê-sc quanto será sempre perca- ria e damnosa a pratica de hum empirismo cego , e a que immensidade de males não arrastará o crédulo doente , que julgando achar nelle o remédio dos seus males , só encon- trará novos motivos para os fazer mais crescidos e prolon- gados. 24. Pelo que conhecendo o homem que precisava , pa- ta o curativo dos seus males , de hum methodo , que me- lhor l\Wj£ oi DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 293 lhor o dirigisse e illtistrasse , visto que até os mesmos Sa- cerdotes não erão menos empíricos , procurou separar a me- dicina do Sacerdócio ; porém esta nova separação não a tor- nou para mais racionavel ; por quanto foi precipitar-sc no dogmatismo , onde hypotheses absurdas e falsas , ou ridí- culas , inteiramente extranhas ao estudo do corpo vivo , for- mavão todo o methodo de cura. Com tudo os tempos , que tinhão sabido tirar a medicina do fundo dos templos, de- viao também dissipar as trevas, que a envolvião. 25-. Appareceo então Hypocrates , c era Hypocrates a quem estava reservado combater o empirismo , e aquelles imperfeitos systcmas , que dominarão em todas as escolas , com aquella valentia de argumentos e força de persuasão , de que só he capaz a verdade e a evidencia de princípios ; pois não menos favorecido pelas circumstancias que pela na- tureza , sendo dotado do que he necessário para gerar gran- des génios, e distinguir os homens privilegiados, bom sen- so c espirito de invenção e penetração , devia ser o refor- mador da medicina, que houve até o seu tempo, e fazella methodica e racionavel ; e de facto foi Hypocrates quem reduzio a medicina a systema , e lhe estabcleceo princípios certos e filosóficos, bem que já antes delle houvesse algu- ma filosofia medica, tal a de Pytbagoras e d'outros; porém toda chea de erros e contradicções. Mas se Hypocrates foi grande , nasceo isto de não ser elle empírico , mas de ter praticado huma medicina , que a experiência e a razão lhe subministrárão , e que o seu génio transcendente soube discernir e arranjar. Pelo que os seus aphorismos sobre as moléstias agudas e chronicas , os seus axiomas dietéticos , os seus preceitos e regras, a respeito da influencia das esta- ções no corpo humano, os seus livros das Epidemias, em fim tudo quanto foi obra de Hypocrates tem merecido e merecerá sempre a veneração do medico filosofo: e se no seu tempo os demais ramos das seiencias physicas estives- sem no gráo de perfeição , em que hoje se achão , pouco deixaria a desejar j e tanto forão os seus escritos reconheci- dos 294 Memorias da Academia Real dos como modelo da medicina, da litteratura , c da moral, c hum dos mais preciosos monumentos da sciencia , que não só lhe grangeárão a gloria de ser coroado em Athenas , mas até que se lhe erigissem templos , como a Esculápio. 26. No entretanto cumpre notar, que se Hypocrates sou- be organisar huma medicina própria , para acudir ao homem nos seus padecimentos ; apesar disto cila teria sido aban- donada , em consequência da superioridade dos Empiricos , dessa Seita , que por muitos annos vogou nas escolas , debai- xo de huma forma hum pouco methodica e systcmatica , se Galeno não viesse resuscitalla , e lhe desse novo esplendor, bem que a subcarregasse de regras inúteis e conlusas : por quanto rolava em hum continuado circulo de opiniões , e envolvida em hum cahos , quasi impenetrável á razão ; o qual foi muito maior , quando , em consequência das sangui- nosas guerras suscitadas por César na Alexandria , quatro mil volumes da Bibliotheca publica forao reduzidos a cinzas. 27. Então a doutrina dos números vigorisada pelas an- tigas idéas de Pttbagoras , Aretio , e outros, que depois veio a ser commentada c aperfeiçoada por Duret , Prospero Mar- ciano, Staal , Hoffmaan , e Boerhaave , não sendo inteiramen- te methodica nem absolutamente empirica, foi quem fez com que a medicina conservasse ainda aquelle caracter de filosofia e verdade , que lhe fora communicado por Hypo- crates , apesar da grande opposição das opiniões e do em- pirismo. 28. Na verdade , por meio desta grande doutrina , se con- seguio determinar a periodicidade dos movimentos vitaes na formação e desenvolvimento dos órgãos , na marcha das suas funcçóes geraes e respectivas , nas crises das moléstias , suas épocas e conversões. Basta ler esta doutrina , com- prehendella , e reflectir bem na regularidade e encadeamen- to dos seus factos , sempre de hum modo constante , para conhecer-se de que aluvião de males não terá sido causa o empirismo , principalmente o que foi estabelecido pelos Al- quimistas no seu remédio universal, e que Paracelso , o mais fa- das S ciências o.s Lisboa. 2^j famigerado dos empíricos e charques , intentou até descre- ver , não pensando que a mesma contrariedade c oppusição dos seus princípios ou elementos bastava para o detruir. Com tudo he preciso confessar, em abono da verdade , que foi ParaceUo e os seus Sectários os que lançarão as primei- ras linhas , para a demarcação e differença entre a matéria morta e a matéria viva, sabendo distinguir a massa inerte, que dorme no seio da terra , do ente que vive , e he sus- ceptível de affecções e pensamentos. 29. Se nos fosse perrr.ittido levar mais adiante a expo- sição das épocas , por onde tem passado a medicina , ve- riamos que em todos os séculos houve sempre variedade nas opiniões medicas, e que a par delias o empirismo nun- ca deixou de insinuar-sc , no curativo das enfermidades , e tanto que até se estabclecco , que a verdadeira medicina não era mais do que hum empirismo pratico. Porém Staal , sus- tentado na força dos seus princípios , c exactidão das suas observações , combateo vivamente esta casta de empirismo , fazendo triunfar a verdade ; por isso que as suas theorias crão mais congruentes aos casos particulares , principalmen- te a respeito das affecções chronicas abdominaes , e fluxos hemorrhagicos. 30. Fanhelmont oppoz-se igualmente contra o cego em- pirismo pratico , e tendo destruído muitos dos systemas do seu tempo , reconheceo primeiro que ninguém , o systema das forças epigastricas , a acção poderosa do estômago so- bre os outros órgãos , e a influencia da digestão sobre as funeções particulares; e muito embora chamasse elle arqueo, ao que outros chamarão principio vital , incitabilidade , po- der sensorial , &c. , huma vez que declarou , que cada órgão tinha hum aiqueo ou sensibilidade própria , e que a diffe- rença dos órgãos consistia na sua qualidade de funeção par- ticular ; não sendo a medicina outra cousa mais do que n sciencia das leis, pelas quaes se exercitava e modificava o seu arqueo em todo o systeraa das forças , ou sobre algum órgão determinado , a fim de restabelecer ou conservar o seu equi- 29 6 .Memorias da Academia Real equilíbrio: c se Vanbelmont não acertou com a sede do cen- tro epigastrico , que deveria servir como de throno ao seu principal arqueo , para d'alii dirigir todos os phenemenos dos demais órgãos, bem que a supozesse DO orifício superior do estômago , também muitos depois delle vacilarão , se se- ria no pyloro, diaphragma , ou r,o plexo solar do grande ner- vo sympatico , ate que se julgou , que não havia para as- paixões hum ccr.iro fixo e constante, como para as sensa- ções-; mas que o figado , o diaphragma , o pulmão, o ba- ço, o estômago, o coração , &e. alternativamente affectados , formavão suecessivamente este centro ; e que assim como as sensações pertencião ao cérebro , centro da vida animal ou de relação, as paixões devião pertencer ao centro epigastri- co , centro da vida interna e orgânica ; porém que as pai- xões não só affectavão essencialmente as funeções orgânicas, interessando as vísceras de hum modo particular , mas que ainda mesmo o seu differente estado de força e de lesões con corrião , de hum modo singular, para a producção das mes- mas paixões, sendo o ponto em que terminavão, e o cen- tro donde parlião ; de sorte que as modificações de huma vida influião nas de outra: o que fez dizer a Cabanis, que nem todas as nossas sensações provinhão dos sentidos : por quanto muitas erão geradas dentro em nós mesmos , por inovimentos internos , que ahi se executavão. 31. Com as idéas de Vanhelmont , e com as que depois delle se seguirão, parecia ter-se dado hum grande passo pa- ra a extineção do empirismo ; porém como os homens tinh.^o a mesma disposição para abraçar erros , e os empiricos não peidião a linguagem cavilosa de os persuadir , suecedeo o contrario. Sustentou-sc o empirismo , e á proporção que es- te encontrava maior resistência na força das opiniões filosó- ficas , maiores tramas e ardis se inventavão para o acredi- tar. 32. Quando Harveu fez a demonstração da circulação do sangue, de que Bellini depois se aproveitou, para sobre ci- la estabelecer a pratica das diversas sangrias , pensou-se ter- DAS SciENCíÀS DE LlSBOA. 7f)J ter-se também aberto a estrada para as maiores verdades da medicina : porém esta tão interessante descoberta , bem lon- ge de illustrar a arte de curar, déo origem a systemas ab- surdos de viscosidades e lentores ; e os principios chymi- cos , geométricos, e hydraulicos forão os que fizerao a ex- plicação dos pbenomenos do corpo vivo; imaginando-se até que o movimento do sangue no aparelho circulatório estava unicamente sujeito ás leis physicas. 35. Boerhaave aproveitando as idéas mecânicas dos seus antecessores , encheo de mais a mais o seu systema de me- dicina de pertendidas acrimonias e neutralisações ; e ainda que grande nas suas descripções e alguns methodos de cu- ra , muitas vezes a sua pratica apparece chea dos erros dos seus principios. Hojfmaan e Baglivio rejeitando ou limitando a opinião dos humoristas, abusarão excessivamente do soli- dismo , e attribuírão todas as mudanças dos fluidos unica- mente a differentes alterações dos sólidos, j Que immensa diversidade de systemas não tem depois apparecido, ao mes- mo tempo que, em quasi todos elles, os methodos estabele- cidos são em grande parte regulados pela força de huma imaginação exaltada , ou de princípios seguidos , mas que se desvanecem á vista dos factos ! 34. Na verdade grande tem sido o numero das theorias medicas, que tem havido; porém se se tem abusado em as multiplicar , não tem sido menor o abuso da sua pratica. Aquelles que acreditavão na espessura, tenacidade, e disso- lução dos líquidos, como causas das moléstias, levarão os atenuantes, diluentes e inspis^antes a hum excesío tal, que a nada mais attendião , senão ao que o seu svstema lhes fazia crer. Os apoiadores das acrimonias não tratavão mais do que de as embotar, cnvolvellas e neutraiisaiias. Os da me- dicina evacuante , preoceupados com idéas de congestões e derivações, nunca acharão suficientes as evacuações, ainda quando os doentes já se vião marasmudos , e em extrema debilidade; e muito principalmente se o tacto tinha desco- berto algum enfarte abdominal , ou as dejeções conservavão Tom. VIL P. 1. Fp o 2 o 8 Memokias ba Academia Real o caracter bilioso c fétido, ou affccçõcs cutâneas tmhão pre» cedido ás moléstias. 35-. Mas se o predomínio de humores, mais ou menos «Iterados em algum sysffiHía orgânico , e o seu maior cu- mulo derão origem á medicina evacannte., as idéas de plc- thora sanguínea geral ou parcial, de equilíbrio de forças dos sólidos com a massa dos líquidos, e de incitamentos augmen- tados em todo o aparelho c ircu la tório , ou em alguma par- te dclle , vokárao a attenção dos médicos para o systema sanguíneo, e sugciírão a pratica de sangrar g^ral ou local- mente. Porém t.-ics princípios, que são e devem justamen- te ser a base do curativo das moléstias estenicas ou de vi- gor augmentado, o forão do tratamento de todas as demais enfermidades ; cuja admissão vai de novo sendo hoje não menos abraçada pelos médicos modernos , ate nas de acção diminuída ou debilidade, ainda quando não achão outro mo- tivo mais do que o de accumular vida nos systcmas entor- pecidos , que julgão necessário excitar, e de equilibrar a for- ça dos sólidos com a massa dos líquidos ; se hc que não tem apparecido alguma sensação dolorosa , bem que ligeira em qualquer ponto : porque neste caso já se não cogita de outra causa capaz de a produzir , pois tudo he attribuido tão somente a inflanimaçõcs , pelo menos chronicas , ou a irritações , que só deverão ceder a evacuações sanguíneas. O abuso de tal pratica he de todo reprehensivel e digno da maior attenção , para não cahirmos naquella casta de em- pirismo , de que he consequência o demasiado amor da opi- nião e da theoria. 36. D^sti sorte as mesmas dores derivadas de causas meramente nervosas, como as hvstcricas, e as que se des- envolvem na hypocondriase , as de simples distensão, pelo encerramento de gazes , c ate as de associação são muitas vezes reputadas de natureza inflammatoria ; c quando o ópio, e o"= incitantes diffusivos e locaes , e os evacuantes do tu- bo intestinal scrião o único remédio para as fazer desappa- recer , como por encantamento , são então abandonados , e he «r-m 01 DAS SciENCIAS DE LlSBOA. IçÇ he só da sangria de que se lança mão ; por ser o remédio da ultima c moderna opinião , cuja pratica de sangrar acre- dita-se muito mais apoiada , se se imagina existir na consti- tuição algum principio particular, não bastando para a con- trariar nem o conhecimento da causa da enfermidade , da idade, habito dos doentes, nem a serie immensa de obser- vações cm contrario. 37. Este abuso na applicação das sangrias tem sido le- vado ainda ao tratamento de outras enfermidades, bem que não se supponhão de natureza inflammatoria. Pelo que em todas as apoplexias presume-se ser indispensável a sangria , ao menos pela duvida de poderem ser sanguíneas: assim as que são simplesmente nervosas , e as de associação , como as gástricas , são tratadas do mesmo modo ; muito embora Scbroeder tenha mostrado , que nestas apoplexias somente aproveitão os medicamentos , que excitão a acção peristal- tica dos intestinos, promovendo evacuações alvinas : mas tal he a força da opinião , que para nunca se dispensar a san- gria , se tem avançado , que toda a apoplexia depende de compressão de cérebro. Porem perguntara eu , ^ todos os ata- ques apopleticos são verdadeiras apoplexias, ou cm alguns casos meramente symptomas de affeeções de coração e gros- sos vasos, como repetidas vezes são a Lipothymia , a Syn- cope , e a Asphyxia ? ^ Ou unicamente ataques dessas febres de caracter pernicioso, que, segundo Fordyce , fazem suc- cumbir o doente em menos de huma hora ? Eis o q\ie seria preciso bem marcar-se , antes de se estabelecer o diagnos- tico da apoplexia; o que não he tão fácil, como geralmen- te se acredita : e para isto muito concorreria a dissecção dos cadáveres , mormente quando esta enfermidade se mos- trasse como epidemiea. 38. Se Galeno e Sydenham sangrarão mais vezes do que devião , tiverão de retractar-^c da sua malograda pratica , confessando que o excesso das sangrias tinha exhaurido a força dos seus doentes a ponto de suecumbirem ; e muitos dos casos, referidos por Portal a semelhante respeito nas apo- Pp ii pie- joo MtMoRiAS da Academia pkxias e tísicas , não forão coroados com melhor successo. j Tanto pòdc a força da opinião ainda em espiritos gigan tescos e abalisados , que não olhando os factos senão pela face das theorias, cahem igualmente no empirismo, pelo abu- so dos seus princípios ! Sc nós censuramos o quanto anti- gamente se tinha em bem pouco esse liquido animal , que sustenta as forças da vida , e he a mesma vida ; <; porque se- remos arrastados para o mesmo erro , que reprovamos ? ^ Igno- ra-se por ventura que a existência fina lisa, a penas o aparelho circulatório deixa de ser excitado pelo seu estimulo natural naqueile grão de força, que só lhe pôde communicar a cor- respondente distenção? Com tudo nem por isso se entenda, que pertendo proscrevei' da medicina as sangrias, ainda em casos de debilidade , mas só dc:,cjo que sejamos mais cir- cumspcctos cm as ordenar , principalmente quando a diathese do enfermo for contraria á sua applicação; pois aliás pare- cerá querermos muito de propósito tornar outra vez para aquella época , em que não se procurava assisado conselho para sangrar-sc , bastando só o voto de qualquer para trila se effcetuar. j Tão arreigadas estavão entre o povo as idéas da medicina hvdrauliea c mecânica! 39. He incrível o abuso que antigamente havia de se tirar sangue; nunca se julgava sufficiente abrir-se só a veia ou a artéria , e applicarem-se sanguixugas , tazião-sc alem disto multiplicadas scarificações : a tanto chegou o empirismo nesta parte , que pertenderão alguns Sectários persuadir , que huma sangria , principalmente local , quando não fosse profícua, nunca cm caso algum poderia ser nociva; por ser indijfercnte a qualquer enfermo , ainda o mais debilitado , perder , por meio de sanguixugas , duas ou três onças de sangue. ,; Poderemos deixar de chamar empírico semelhan- te proceder ? Se hoje intentássemos adoptar huma tal pra- tica, tão desvairadas idéas , apenas fossem concebidas, de- verião merecer logo o nosso abandono , ou serem mais bem pesadas á vista das que forma a verdadeira medicina; por isso que o seu resultado não seria menos funesto que o do DAS SciENCIAS DE L I S fi O A. 3OI do empirismo , e os médicos passarião a proceder tão ce- gamente , como os empíricos : porque se estes errão, appli- cando remédios sem princípios, aquclles fazendo máo uso dellcs , não obrarião com melhor acerto , e nem serião mais felizes. 40. Porém se tem havido grande empirismo na pratica de sangrar , não tem sido menor no uso dos vesicantes , quando não se escolhe occasiao , nem lugar para serem pos- tos. Nós os vemos applicai cm todas as lebres , c cm to- dos os seus períodos, assim como também em todas as do- res, e muitas vezes até pela simples vontade dos doentes; devendo aliás tão poderoso remédio ser sempre objecto do maior escrúpulo e consideração medica. Ardeu foi quem pri- meiro usou dos vesicantes com maior confiança , apesar de que a sua applicação , só depois àcRtverio, foi mais conhe- cida c generalisada nas febres pestilenciaes c malignas; de maneira que muitas vezes chegarão a fazer depender só del- les toda a base do curativo. 41. Os vesicantes pela sua acção excessivamente exci- tante , tem sido sempre olhados com particularidade , e me- recido a maior attençao de todos os Práticos nas moléstias de langor; porém nem por is^o os vemos menos appl içados nos casos de natureza opposta Nos doentes apopleticos re- corre-se immediatameiuc a clles , julgando-se ser próprio todo o lugar para a sua applicação. £ Porém que tristes ef- feitos não deverão resultar , se a apoplexia for devida á compressão do cérebro , ou de natureza infLimmatoria ; quan- do em taes casos só costumão aproveitar largas sangrias e os debilitantes ? A morre será sem duvida o resultado de tão inconsiderado proceder. 41. O mesmo acontecerá aos peleuriticos , se largas san- grias, e o regimen antiphologistico não tiverem destrui-lo o orgasmo da circulação ; ou então pelo menos seguir-se-hão indurações chronicas , ou tísicas de supuração. ,; Quantas ve- zes não vemos applicar cáusticos sobre huma dor peleuri- tica , quando a agudeza da febre e a sua intensidade deno- ta- 501 Memorias da Academia Real tavão ainda o seu caracter inftammatorio ; e crescer por is- so a moléstia e o perigo, logo depois da sua applicaçao ? Semelhante pratica tem causado males incalculáveis ; pois não basta para os evitar sangrar-se largamente, huma vez que os vesicantes sejão logo immediatamente postos, como fazia Mead , e Pringlio , não mostrando ainda o pulso que o orgasmo do systema sanguíneo tinha diminuído, e que a dor e a congestão somente se conservavão por mera debili- dade; visto que só neste caso serão proveitosos os vesican- tes , restando com tudo ainda a demarcação do lugar , em que devão ser applieados. 43. He na verdade errada e empírica a pratica de ap- plicar cáusticos sobre dores peleuriticas , logo desde o prin- cipio do peleuris; e será tanto mais arriscada, quanto mais agudo for o peleuris , ainda sendo postos nos braços e bar- rigas de pernas. Huxham , Hoffman , c Tralles curarão mui- tos peleurises sem vesicantes ; o que prova que não he da essência do seu curativo tal applicação, mas sim, pelo con- trario, a sangria, os diluentes, e antiphologisticos. 44. Os vesicantes geralmente só convém nas moléstias de debilidade , em que seja necessário despertar a acção ner- vosa ; e nas de incitamento augmentado , quando o orgas- mo he abatido pelo methodo debilitante. Aproveitão naquel- ias enfermidades , que Bocrhaave , e W 'answieten chamavao frias; e nas constituições dispostas a hydropesias, havendo a indicação de excitar calor , rubor , e dor em alguma par- te , a fim de se fazerem revoluções , como na gota anó- mala ; quando ainda então não contrarie a plethora , e hum temperamento sensitivo-irritativo, ou muita sensibilidade e mobilidade , cuja circumstancia não menos os faz até excluir nas moléstias nervosas. Pelo que he sempre nocivo applicar cáusticos na nuca em ophtalmias agudas, bem como muito útil nas dores tópicas , não sendo de inflammação aguda , e nas paralysias propriamente ditas. Tralles pertendeo marcar o pe- ríodo , em que convinhão nas febres agudas , asseverando que nunca serião proveitosos, quando houvesse orgasmo augmen- ta- das Sciencias de Lisboa. 303 tado no systcma da circulação , c abundancij de s.inguc. N^s delírios, comas, e convulsões devera ser sempre muito cir- cumspecto o seu uso, segundo a natureza da causa ; porque sendo inflammatoria , os seus effeitos serio fataes. Finalmen- te este poderoso remédio, que Tralles chamou amora sagra- da, , pois tantas vezes tinha salvado a vida a milhares de enfermos , virá a ser fatal ainda nas mãos dos mesmos mé- dicos , quando desconhecendo os preceitos , que a boa pra- tica tem mostrado , abusarem delle , ou indiscretamente o receitarem , como fazem os empíricos , e com quem se con- fundiriáo então. 4f. Cumpre-mc também tocar nos que pertendêrão es- tabelecer e fazer acreditar o empirismo , asseverando que de nada serviao os systemas de medicina, visto que não só erfio defeituosos , mas até porque muitas moléstias era.) cu- radas sem medico; por quanto a natureza só por si podia restabelecer o movimento fácil e regular das FuncçÓes, logo que este fosse desarranjado , de modo que assim como em nós existião leis positivas e constantes, que nos conservavao no estado de saúde ; mal nos achássemos enfermos , a natu- reza pelas mesmas forças precisas , que em si contém , nos livraria da moléstia ; vindo o medico por tanto a não ser mais do que seu simples e pacifico expectado?. 46. Ha na verdade moléstias, que se curão sem medi- co , mas nem por isso eilas se curão sem medicina. O en- fermo quando evita o que lhe he nocivo, elevado por hum persentimento particular ou tradição, procura o que imagi- na proveitoso , longe de se entregar unicamente ás forças precisas da natureza, segue preceitos dietéticos, e therapeu- ticos : pelo que se se cura , deve i medicina o seu restabe- lecimento. Porém isto só acontecerá, quando o ma! for le- ve ; pois apenas crescer , não bastaráó pequenos soccorros para o salvar : porque as causas que podem gerar grandes enfermidades , serão também capazes de entorpecer os mo- vimentos vitaes. Além disto ; que obstáculos não se encon- trão no estado dos órgãos , que he necessário emendar ou des- 304 Memorias da Academia Real destruir , liumas vc/.cs suspendendo excessivas evacuações , c «ninas promovendo-as , quando são escassas, ou não appa- recem ? Acjuelle que padece por excesso de vigor, , scorbuto , rebres intermittentes perniciosas , &c. entretanto devemos acreditar, que ainda assim mesmo são grandes as forças da natureza ; porque são capazes de curar não só as moléstias naturaes, mas até as occasionadas pelos remédios empíricos , e abuso dos systemas. Huma semelhante opinião seria na verdade o caminho mais trilhado para o empiris- mo , e a que mais facilitaria a passagem da medicina para a charlaranaria. 48. Para apoiar-se muito mais ainda este errado princi- pio , tem alguns querido confundillo com a medicina ex- pectante, que tanto tem vogado em algumas escolas; mas nos persuadiremos do contrario , se attendermos a que a ver- dadeira medicina expectante não he a que vê as moléstias , piara as entregar aos únicos cuidados da natureza , mas sim a que sabe observar e contemplar os seus esforços sem os desarranjar; escolher o remédio, e determinar o tempo da sua applicaçao ; combinar as circumstancias ; tirar partido das analogias; classificar as que por caracteres constantes e precisos são semelhantes; reduzir e conservar em fim a mar- cha das funeções naquelle ponto de regularidade , de que depende o passar-se do estado da moléstia para o da saúde. Por DAS SciENCIAS DE L I S B O A. • 305* Por tanto deveremos concluir, que tal casta de empirismo jamais poderá confundir-se com a verdadeira medicina ex^ pectante , bem que os Brovmistas a intitulassem empirismo medico ; querendo levar a arte de curar a hum estado de simplicidade e de reducção mathematica tal, que sendo in- compatível com o jogo dos movimentos vitaes , fosse uni- camente o resultado positivo das permissas do seu calculo, sem attenção ao andamento periódico , tão natural nas mo- léstias , principalmente agudas ; cuja opinião de certo foi mais sustentada pelo capricho e amor da novidade, do que pelo interesse que delia resultasse á humanidade. 49. Mas quando pela força dos partidos se debatião , huns para sustentar a medicina mecânica e humoral, outros a expectante, e diversos a browniana, sendo ate então mui pouco marcadas as leis da vida animal , relativamente aos djversos órgãos , e ás differentes irradiações de cada hum delles , porque desta sorte não se amontoarião tantas idéas vagas e confusas, appareceo Bichai; c este homem verdadei- ramente grande, cuja prematura morte roubou do seio das sciencias , quando ainda mal contava trinta annos de idade, veio a pôr termo a milhares de questões inúteis e arbitra- rias , demonstrando que a vida não era huma só e única , mas que havião duas vidas, huma chamada animal ou de re- lação , outra orgânica ou vegetativa ; e que cada huma ti- nha leis e regras particulares, que as distinguião ; porquan- to havião limites que as separavão : tendo os órgãos da vi^ da orgânica huma forma exterior irregular , cujas acções erão disconcordantes e isoladas , o contrario dos da vida animal; pois estes erão svmetricos, e guardavão sempre ar- monia nas suas funeções ; que na vida orgânica havia con- tinuação de acção, e na animal não só remissão, mas até suspensão; que o habito embotando o sentimento, bem que aperfeiçoasse o juizo , na vida orgânica não modificava as suas funeções ; e mesmo que a vida orgânica se actuava no feto , logo immediatamente á concepção ; e que a animal não começava a exercitar-se , senão passado o periodo do nasci- Tom. Vil. Pnrt. I. Qq men- 306 «Memorias ha Academia Real menti) ; c que sendo esta a segunda a desenvolver-se , era a primeira que acabava : o homem que morre de velhice he o exemplo desta verdade. yo. Nos estamos habituados a ver, que quando os de- crépitos vão chagando a aquelle termo de vida , além do qual são raros os privilegiados, que conseguem passar, os seus sentidos vão morrendo suecessivamente , as suas facul- dades intellectuaes embotando-se ; c quando alguns já estão extinctos , elles ainda conservão o do gosto , pois comem com apetite, e ate fazem boas digestões: porquanto o sen- tido do gosto he o ultimo que morre, em con equencia da sua ligação tanto com a vida animal, como com a vida or- gânica : cis-aqui a razão por que os velhos, privados de to- dos os prazeres pela obliteração dos sentidos, que lhos po- dião transmittir , encontrão apenas nas comidas a única fe- licidade da sua existência : de modo que deveremos con. cluir , que , se no primeiro período da vida , havendo sen- tidos, não havião ainda sensações, no ultimo termo da exis- tência deixão de haver sensações , porque já não ha senti- dos. Feliz o que termina a sua carreira , depois de ter to cado aquelle periodo de duração , em que a vida animal ou cominunicativa está quasi extincta pela moléstia ou pela idade ; porque já não tem de sentir a separação dos obje- ctos com que estava ligado. fi. Sendo por tanto o homem naturalmente dotado de duas vidas , huma animal e outra orgânica , era necessário que as moléstias de espirito fossem da mesma sorte classi- fie.idas e reduzidas a systcmas , como se tem praticado com as do corpo ; e apesar de que em muitos casos não possa- mos julgar separadamente , quaes pertenção a cada huma das vidas , pelo motivo da reciproca influencia , que entre si conservão ; com tudo algumas castas de alienações ficão isoladas, porque são só as funeções intellectuaes as que pa- decem. Porém se he difficil esrabelecer regras geraes para cas is análogos nas moléstia"; physicas , ^ que embaraços nas do espirito ? Não obstante haver tanta dificuldade em as de- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 30? demarcar, o empírico ignorando tudo, a tudo se abalança j exagerando até a virtude de alguns pertendidos específicos, não se esquecendo do mesmo cleboro , de que os antigos mui- to se aproveitavão , para curar a mania e as demais molés- tias intcllcctuaes. Hypocrates já conheceo a importância des- te objecto, bem que Celso soubesse melhor (Ilustra 1 lo ; e os médicos filósofos, que lhes succedèrão, aproveitando se das sins observações , levarão mais adiante os seus conhecimen- tos ; ao mesmo tempo que os empiricos prescrevião indis- tinctamente sangrias repetidas, sem conhecimento das cau- sas phvsicus , das funcçóes do entendimento , e das paixões , cuja applieação rutincira se estendia até a banhos frios, e a emborcações fortes. Então via-se a cada passo crescer o mal , quando circumstancias accidentaes não punhão o doente em hum circulo de sensações diversas e bemfazejas. Ferriar quando tratava dos seus alienados, seguia huma certa casta de empirismo, sem attenção á espécie de mania; mas ven- do malograda a sua pratica , foi obrigado a adoptar outro •meio ; e logo então hum methodo mais racionavi 1 lhe pro- duzio o desejado effeito. Não levemos mais adiante as nos- sas idéas a respeito das moléstias moraes ; porque bosta olhar-se para o mysterioso da sua sede, e o incomprehen- sivel dos seus movimentos , para não acreditarmos nos em- piricos , quando promettem curados. 5-2. Tem acontecido com a medicina o mesmo que com todas as sciencias naturaes, a quem só os factos são capa- zes de aperfeiçoar , quando a razão os arranja e illustra. Tal he a sorte das cousas humanas , que antes de serem rectas e ajustadas, fluetuão por muito tempo no erro e na ignorância. Porém se o appareci mento das moléstias, e a ne- cessidade de as curar foi o que dêo origem a medicina , multiplicadas observações adquiridas com o tempo, e for- talecidas com 2 reflexão , a fizerão seientifica e útil. Ç3. A medicina , bem como as outras sciencias physi- cas , que se apoião n.i observação delicada da natureza, pa- rece que tenderia directamente a dissipar todos os fantas- Qçj ii mas, 3oS Mk.muhias d* A c * d b m i a R ê a l mas , que fascínio c atormctnão a imaginação , huma vcí que luHivcs.se sempre uniformidade e certeza nos seus prin- cípios , e exactidão nas consequências; porque então o es- piíitv) acostumado a não ver nos factos senão os mesmos factos , e as suas evidentes relações , faria por suifocar , lo- go no seu germe as ideas erradas , e falsas hypotUescs : mas não tendo acontecido com a medicina , pela «aturc/a dos seus princípios , o mesmo que com a physica , e a chy- mica ; por isso a arte de curar tem sido sempre mais ou menos sujeita a crenças supersticiosas e empíricas. 74. Com cffeito a variabilidade das leis vitaes , e a ins- tabilidade das suas forças he seguramente o que tem dado origem a tamanha multidão de systemas médicos , e feito com que até os erros dos cmpiíieos tenhão sido seguidos como verdades demonstradas', porque se os phenomenos vi- taes tem hum caracter de irregularidade , que os distingue dos phenomcno6 physicos , do que depende dar-se a expli- cação de hum mesmo tacto por diversa forma , qualquer. achará sempre motivo poderoso no seu modo de ver, pa- ra applicar hum remédio , e encadear os factos de manei- ra tal , que ainda não sendo bem analysados , possão apre- sentar lnmia theoria apparentemente razoável : por tanto he muito fácil lev:mtar-se hoje huma opinião, preconisar-$e cer» to plano de cura , ou qualquer medicamento , e ser tudo no dia seguinte desmentido; o que admirará menos, quando se considera que na physica , cujos factos são invariáveis , e cujas forças , pela sua estabilidade podem estar sujeitas a hum verdadeiro calculo , tem havido erros e opiniões não menos absurdas, que algumas de medicina. Portanto deve- mos concluir , que se nos he mais difficil estabelecer hum preceito i>*edico do que huma lei physica , ^ como podará estar ao alcance dos empíricos a escolha do remédio , e a sua applicação em casos tão variáveis e inoveis ? $<;. Muitos tem pretendido persuadir nos que , se na chymica e na physica ha verdades estabelecidas sem contra- dicção , na medicina será sempre o empirismo a divisa dos seus enw ot DAS SciENClAS DE LlSBOA. 3O9 seus princípios: porque nem conhecemos a natureza das cau- 6as primeiras, que movem os corpos vi\os e animados, nem o que elhs em si sejao , e como obiao e influem nas differentes modificações dos diversos órgãos. Mas este argu- mento hc tão dc-spresivel em si , quanto mostra a futilida- de dos s.us fundamentos. 56. O homem não conhece, nem poderá jamais conhe- cer a natureza das causas prurias, ainda daqueilas , que são mais immediaías e continuadas aos seus sentidos \ pois que 6Ó conhece circumstancias e relações de objectos entre si , ou destes comsigo mesmo. He para a medicina o mesmo que para todas as sciencias physicas: nestas ha verdades es- tabelecidas , que dão origem a principins cerros , mas que a sua natureza e essência intrinseca sm absolutamente des- conhecidas; sem que por isso sejão menos verdades. Se o homem ignora como se faz a digestão, ochilo, e a sangui- ficação ; como os sucos do estômago obráo sobre os alimen- tos , para dellcs extrahirem os elementos da vida , por meio de processos digestivos, visto não poder ser por huma sim- ples acção chymica , pois a força animal os modifica ; se nao sabe marcar a natureza da successíío dos movimentos vitaes para a conservação da saúde , e deste estado para o da moléstia, c vice verta, elle não conhece melhor em que consiste o grande principio de Newton e dos chymico- , o da força magnética , e dos tubos capillares , nem qual seja a natureza do calórico, da mataria eléctrica, &c. Por isso a^sim como estão regulados preceitos ceitos e fixos para a Astronomia, para a Physica , e para a Chvmica , existem igualmente marcados princípios de Physiologia , Pathologia , c Thcrapcutica , os quaes pelas suas naturaes combinações dão resultados verdadeiros no curativo das enfermidades. 57. Além disto, não he necessário que o medico conhe- ça a natureza e essência das cousas , para caminhar seguro na applicição dos remédios , pois basta que elle proceda estribado nestes dous princípios, experiência e raciocínio, para ser bem dirigido e illuminado. Nó-; para conhecermos os 310 Memorias da Academia Real os phenomcnos, que constituem o homem são, não precisa- mos de conhecer a essência da vida , da mesma maneira que, para seguirmos a marcha c desenvolvimento de tal ou tal enfermidade , não necessitamos entrar na indagação da es- sência da causa morbifica ; pois só pertence ao Autor do Universo penetrar no conhecimento da essência das cousus : por quanto sendo clle quem lhes deo o ser e o nascimen- to, só a elle pertence conhecer os seus elementos ; impor- tando-nos unicamente estudar os factos , entender as suas relações, e determinar os pontos, em que se assemelhão e diversifieão ; visto que conhecidos os resultados geraes das primeiras causas , comprehcndcremos a deducção de innume- raveis resultados secundários. O medico está neste segundo caso , quando observa a moléstia , c intenta curalla ; ainda que semelhante ao empírico , ignora a essência das cousas. j8. Temos tocado nos males geraes, que podem sobre- vir no curativo das moléstias , seja pelo empirismo propria- mente tal, ou pelo abuso dos systemas médicos. ^ Mas to- das as enfermidades, que affligem o homem devem ser cu- radas ? Eis-aqui hum ponto de doutrina , que diz respeito ao nosso objecto , e que , não sendo de pouca monta , o empírico julgaria decidido pela afErmativa , ignorando que da cura de algumas moléstias podem resultar maiores ma- les , que delias mesmas , e até a própria morte. 59. A gota em todos os tempos tem sido a moléstia , que mais se tem pretendido curar , não só pela sua natu- reza afflictiva e atormentadora , mas por ser muito familiar na classe das pessoas ricas e poderosas. DiíFerentes metho- dos tem apparecido preconisados ; e remédios particulares , applicados com sagacidade e industria , tem conseguido gran- gear hum tal credito, que, para os descobrir ao conheci- mento do publico, grandes sommas se expenderão : taes fo- rão com preferencia os pós do Duque de Portland , bem se- melhantes aos de que usava Celio Aureliano; o Elixir de Ga- chet , e a final o remédio de Pradier , que custou ao gover- no francez vinte e quatro mil francos. <; Mas de que tem ser- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. JM servido tão porfiada teima cm destruir huma moléstia, que, sendo essencial e desenvolvida na constituirão, deve só aca- bar com quem a padece ? Vejamos os factos , e ellcs r.os dirão , que os próprios médicos não tem sido mais felizes, que os empíricos em a tratar; e se em alguns casos conse- guirão amortecer o mal , foi para o fazer mais terrível , c hir atacar órgãos, que nunca podem ser interessados impu- nemente; qu.mdo aliás, fixada no lugar em que costuma ap- parecer , adoça os tormentos de quem a soffre , pela lison- geira esperança de que ha de terminar , ou com a idéa de huma maior longevidade. Por tanto afhançar a cura da go- ta he hum empirismo , contrariado pela historia dos tem- pos, e prejudicial a quem a aceredita : por isso á aquclle., a quem coube por sorte padecella , resta-lhe apenas o me* thodo puiiativo , para não sentir os perniciosos cfFeitos de huma gota anómala, c deslocada. 6o. Demais, ; quantas vezes não vemos nós seguirem-se consequências não menos fataes da cura de affecções catar- rosas chronicas , de diarrheas periódicas e espontâneas , de suores excessivos habituaes , de ulceras anngfs , principal- mente nas extremidades inferiores, de afFecçóes cutâneas in- veteradas, e de acostumadas hemorragias.' Os empíricos são pela maior parte os culpados de taes acontecimentos; por- que apreciando mais o lucro , que possao haver , tem em bem pouco a vida daquelles , que indiscretamente se lhes entregão , pensando livrallos d' hum mal, sem o qual ji não podem deixar de existir , e com que a sua natureza está co- mo amalgamada. Em semelhantes casos todo o curativo de- verá reduzir-se unicamente a aliviar os padecimentos, e tor- nar menos atormentados os dias dos enfermos , diminuindo males , que não convém curar , mas que he preciso adoçar ; mas nem por isso deveremos assustallos com huma ir.cura- bilidade certa, antes sustentar-lhes a esperança, para que não ruja do seu leito , inspirando-sc-lhes aquclla confiança capaz de os alentar, a fim de nío sentirem hum desengano infruetuoso , que só serviria de desanimar o seu espirito , e des- 312 Memorias da Academia Real desprender-lhes a vida , apenas sustentada pela persuasão da melhora. Feio que conhecendo o medico, que o doente está tuia do poder da medicina , deverá ser qual outro empiri- co , que nunca deixa de prometter o melhor resultado do seu remédio ; porém ainda assim mesmo ha huma diffcren- ça que os separa , e vem a ser , que aquellc afiança-lhe a cura para o animar, e este só porque ignora, o que persua- de. 61. Se a charlaranaria só se incumbisse dos males, que a medicina não podesse curar , alguém se lembraria ser hum beneficio para a espécie humana offerecer ainda esperança á aquelles, que já a não rinhão ; por ser verdadeiramente hu- mano o que ofterece a illusão de hum remédio enganador ao infeliz abandonado, quando a medicina tem mostrado a sua insuficiência. ^ Alas quantas vezes não vemos os empí- ricos applicar remédios ainda aos males , mais ordinários , ou transtornar o plano de cura estabelecido pelo medico ; exci- tando desconfiança no enfermo, e em toda a familia , a fim de introduzir hum remédio , que nem a razão , nem a ex- periência abonão , e que nada mais he do que o manejo da impostura, c do embuste? Acrcdira-se entretanto no empí- rico, abraça-se o remédio; mas se da sua applicação suece- de resultar algum dano , nunca este lhe he attribuido , an- tes aos remédios antecedentemente prescritos pelo medico ; visto .que tal motivo he mais facilmente acreditado, pen- dendo toda a confiança a favor do empírico. Com tudo se a moléstia vai caminhando á sua fatalidada , e faz recear a morte , recorre-sc de novo á medicina : porém tendo-se per- dido o tempo e a occasião , tudo he desesperado e imme- thodico; porque então nada mais ha do que sentir os tris- tes cffeitos de se ter substituido o empirismo a hum plano intelligente de cura , que dirigido por mão hábil e experi- mentada , faria a duração de huma vida , alias sacrificada á ignorância : por quanto o remédio já não pode , por assim dizer, sujeitar a natureza aos seus lemites, e restituir o equi- líbrio daquellas funcçóes, de que depende a saúde e ávida. 62. DAS SciENCIAS DE L I S B O A. JIJ 62. Por este motivo a medicina tem merecido e mere- cerá sempre a attenção de todo o governo amigo dos «ho- mens ; c bem que as suas opiniões e theorias renhão sido em alguns tempos mal estabelecidas, e os seus princípios mal deduzidos e até falsos , tem isto provindo de se ter ra- ciocinado mal ; mas logo que se raciocinou melhor, e que os factos forão mais bem conhecidos e observados , os sys- temas médicos vieráo a ser racionáveis e phylosofícos , e dignos de serem olhados como objecto de publica utilida- de directa : por quanto por elles vemos firmar-se a conser- vação de hum pai , que , servindo de esteio a sua numerosa família , estava preste a ser precipitado no tumulo pela mo- léstia ; sustentar-sc a existência de hum amigo , cujas qua- lidades identificadas com os nossos pensamentos fazião gos- tosa a nossa existência ; animar-se a duração de hum Sobe- rano , que pelas suas sabias leis fomentava a industria e a felicidade dos seus vassallos ; cm fim assegurar-e a vida de milhares de individuos pertencentes ao grande corpo social. Pelo que o Legislador providente conhecendo os males , de que podem ser causa o empirismo e a charlatanaria , procura- rá evitallos, tornando os seus autores cúmplices de hum cri- me contra a saúde publica. 63. Na verdade devendo o homem naturalmente adoe- cer, he-lhe indispensável procurar quem o cure; mas então o máo estado do seu physico transtornando muitas vezes a sua razão , o conduziria ás mãos de hum empirico em vez das de hum medico ; pois que he fácil abraçar o empiris- mo , quando as forças debilitadas não lhe permittem esco- lha : o que não só acontece ao povo rústico e ignorante , mas ainda ao civilisado e de talento; e tanto mais, quando a necessidade dispõe geralmente os ânimos para acreditar o astucioso, que não poupa a menor circumstancia para insi- nuar-se : por quanto os doentes com o espirito perturbado pelo soffiimento , facilmente acreditão o remédio de que se diz ter feito maravilhas em casos idênticos ; muito embora seja lembrado pelos amigos, parentes, c até visinhus: elles Tom.VU.P.I. Rr com 514 Memorias da Academia Real com avidês alegres logo o abraçâo , afiançados no que se lhe? promette ; e , sem indagar a qualidade , julgao beber com ellc a saúde e a vida. ^ Quantas vezes não vem até a ser iluidida a credulidade do medico, c o seu juizo therapeu- tico , julgando que o seu doente observa á risca o metho- d> , que lhe prescreveo, contando com ellc para a conti- nuação do curativo ? Neste caso o doente he sempre des- graçadamente a vietiina do empirismo, ainda que o medico tenha sido o alvo do engano. 64. A' vista de taes acontecimentos, <; deixará o Gover- no o cidadão enfermo sem o salva-guarda , para que não se- ja vic tinia da sua iraqueza , da credulidade dos seus ami- gos , e astúcia dos empi ricos? O doente procurará necessa- riamente a casa do medico para o tratar, quando os charla- tães sejão prohibidos, de modo que não haja hum só, que se aventure a soffrer o rigor da lei , c que a venda de re- médios secretos deixe também de servir de apoio ao seu trafico pernicioso. Os autores de descobertas úteis tem na verdade todo o direito a recompensas nacionaes ; porém a permissão de preparados pharmaceuticos , cujas formulas se- jão ignoradas , tendo mais de huma vez originado immen- sidade de abusos, deverá ser sempre hum objecto da maior circumspccçao e exame. 6ç. Finalmente tendo exposto os inconvenientes do em- pirismo , e os males originados pelo abuso de alguns dos systeinas de medicina, e a maneira incerta e perniciosa com que o empírico costuma proceder no objecto mais sagrado para o homem ; resta com tudo confessar , que ha para o medico, ainda o mais i Ilustrado no curativo das moléstias, dificuldades, que elle não sabe vencer, vasios , que toda a sua razão não he capaz de oceupar; porque muitas são as enfermidades, e algumas absolutamente incuráveis; e demais faltão-lhe muitas vezes os meios c os instrumentos neces- sários para o conseguir. Entretanto duvidas isoladas , algu- mas doenças de natureza incurável serão bastante motivo para íenunciar se a pratica de huma medicina illuminada , e abra- DAS SciENClAS DE LlSBOA. 31^ abraçar-sc o empirismo ? O medico não deve jamais ser con- tundido com o empírico, apesar de que a variabilidade das leis vitaes , e instabilidade das suas turcas , seja o que de certo tenha dado motivo para se abraçarem erros, como ver- dades demonstradas, e applicarem-se remédios só pela se- melhança das moléstias, c por huma explicação arbitraria e arranjada livremente. 66. Porém quando de huma parte apparecem males em consequência do empirismo , e da outra danos seguidos dos mãos systemas médicos ou do abuso destes , talvez alguém se lembraria, que desta sorte a medicina não era huma an- cora mais segura para a salvação do doente , do que o em- pirismo , pois d'ambas podiao resultar iguaes inconvenien- tes , no curativo das moléstias ; vindo por tanto a originar- se certa perplexidade e incerteza no animo daquclles, que, para diminuir os seus padecimentos , fossem obrigados a procurar o remédio : e na persuasão de que tanta varieda- de e abuso de systemas de medicina era huma prova mais que bastante da sua insurficiencia , por isso não caminharião com mais confiança para a casa do medico , do que para a do empirico. 6~. Assim pensaria o que julgasse, que a medicina era destituída de todo o gráo de certeza, e de princípios pro- vados , sobre que se firmassem os seus juizos ; mas não o que conhecesse a maneira por que cila tem caminhado , pa- ra entrar no circulo das verdades physicas ; e que se em to- dos os systemas médicos tem havido abusos e ainda erros , nunca deixou de haver nellcs pontos, em que as idéas es- scneiacs se ajustassem perfeitamente; e porque os seus au- tores quizerão muito generalisar , foi então que chegarão mesmo a lançar proposições até contrarias á crdem dos fa- ctos, a ponto de se extraviarem, e ^erem diametralmente oppostos os elementos dos seus systemas. 68. Se não receasse ser demasiadamente difFuso , e me fosse permittido alongar mais o curto espaço desta Memo- ria , mostraria que, desde que a medicina deixou de ser in- Rr ii tei- 3 i 6 Memorias da Academia Real reiramente empírica, c começou a reduzir-se a corpo de dou- trina , todos os diversos systemas coincidirão sempre em cer- to numero de pontos , que nunca deixarão de ser reconhe- cidso como verdades demonstradas , e de ter servido de re- gras praticas ; e que por isso o defeito e a variedade dos svstcmas de medicina nunca poderão servir de argumento pa- ra os pôr cm parallelo com a pratica empírica dos charla- tães ; pois que todos os systemas cucarão mais ou menos princípios concordes , que servem para a illustração do cu- rativo das moléstias , os quacs tem sido apoiados na obser- vação dos séculos , e lámais desmentidos pelos argumentos minuciosos , que qualquer imaginação exaltada seja capaz de sugerir; o contrario do que acontece no ct-go empirismo; pois a sua máxima única e essencial he «» huma Obra com o titulo, Tbeoria de Pequaziõni) em que j> usando d' huma profunda analysc , demonstr.tva a impôs* » sibilidade da resolução geral , com o mil fim de poupar >» tempo, e evitar fadigas aos Geómetras. >> Não pudemos alcançar esta Obra , nem vimos delia outra menção , deven- do ser feita quando por occasião do citado Opúsculo de Wrons- ;i8 Memorias da Academia Real Wronski , impresso ta m bem em Paris cm 1 8 1 1 ; Gcrgonne emprchendeo a sua impugnação nos Annaes de Mathemati- ca , o que devia evitar se tivesse visto o dito Ruffini , c a sua prova fosse suficiente. Assim por f.ilta de conhecimen- to próprio , e de testemunho alheio , nenhum juizo pode- mos formar da composição de Ruffini , nem avaliar a Dis- sertação que temos a honra de submetter á Censura da Aca- demia. SECÇÃO I. Preliminares. .. R Aizes do polynomio *"■+■ A xm"+ A »*■+ &c. 4- A . . . : 0) são os números ou expressões — wj , — xx , — # , — &c. , — xm (b) qualquer das quaes posta no lugar de .v, reduz o polyno- mio a zero. 2. Assim, representando n qualquer dos Índices das raí- zes , he (- «„)"'+ Ai (- *„)'"--.- ^ (- ;$-+ Ac. + Am = o e logo mas X —{—X„) he divisível sem resto por *-(-*„) V) e também o he 4(* -(-*„) ) DAS SciENClAS DE LlSBOA. 319 e assim os outros termos do segundo membro da equação (f) , porque em geral he />■• p-2 ?•; ' P'1 — a -+-/i b 4- a b &c. -t- b (e) a>-bP a-b tem por tanto o polynomio (a) todas 03 factores que re- sultão de pôr na expressão (d) todos os índices desde 1 aré m , em lugar de «, he logo 5C'"-h-41^"",4-^:x"'-'+&c.+-4;;-Cx+*I)(.xKr,)C« + .T!)...^+x/;,)..(/) 3. Em vez de dizermos os termos não com m uns dos fa- ctores binómios da expressão (/) diremos as antiraizes ; por- que com efFeito esses termos são as raízes (b) tomadas com signal contrario. 4. Por fxt , ouíx3y &c. entendemos a somma dos ter- mos, que tem a mesma notação ainda que diversos os Ín- dices , assim he fx — x -t- x 4- x -+- &c. + x J 1 ia 5 m Por íxi x^ entendemos a somma de todos os produetos des- ses termos dous a dous ou he fx X — X X -\-X X -H&C.-hX' X +X X 4-&C-f-.Y X + &C.4-.V X 4- &c. J 1 2 121} 1 m 1 ; ' t m j m Por fxix7x a somma de todos os produetos de três des- ses termos , ou he /XXX=XXX-\- &C. -h X X X ■+- &c. -+- X X X -+- &c. &c. As sommas antecedentes são funcçõ.s symmctricas ou inva- riáveis das antiraizes , ou funeções que ficão as mesmas , quando se permuta qualquer das antiraizes ou bases x ,x , x , I&c. , x por outra: a primeira Jxi , he da primeira dimen- são, a segunda, ou fx x2 he da segunda dimensão, &c. gio Memorias da Academia Real j. Reduzindo a serie o produeto indicado (/) e igua- lando os coefíicicntes de iguacs potencias de x dos dous membros da mesma equação ; o que se pôde fazer , por ser x qualquer , resulta A - fx x x > (i ) &C. A — x x x » k « • porque (jí-kv ) (#+#2) . . . (x+x ) hé huma funeção symme- trica das antiraizes , o seu desenvolvimento também o hade ser : mas qurmdo se multiplicão dous dos seus binómios fa- ctores entre si , e depois por outro binómio , e depois por outro, &c. , para formar o produeto; em cada multiplica- ção introduz-se sempre huma diversa arttiraiz , e assim rio produeto não deve apparecer nenhuma potencia d'antiraizj nem termo que não seja differente; pelo que não terá a sua somma coefKcientes numéricos ; e juntando em hum termo todos os que tem iguaes potencias de x , segue-se que xm não terá coefficiente litteral por ser já da dimensão do pro- dueto ; xm' terá hum coefficiente da primeira dimensão ; *"*' da segunda ; &c. ; e o termo, em que não entra x, será da dimensão m : e como estes coefKcientes são de dif- ferente dimensão não poderá haver symmetria no produeto, sem a haver em cada hum delles , e como por outra parte não ha potencias d,antiraizes , nem factores numéricos, cla- ro he, que estes coefKcientes são os que escrevemos (g). 6. Assim proposta a equação geral e completa do gráo tn ••+j/,+ ^Jr4í+4c. + 4;iío (h) Já DAS ScíENCIAS DE L I S B O A . 3 2 I já x não hc huma variável qualquer, mas admiitira somen- te os valores que reduzirem também a zero o segundo membro da equação (/) ou que facão (* y *) (a- + * ) (.v +- * ) . . . (x + xj = o (/) os quaes valores são as raizes (b). 7. Assim também posta huma equação na ordem e tór- ma (b) ; o coefficiente do segundo termo he (n.° y) a som* ma das anti-raizes ; o coefficiente rio terceiro termo he a somma de todos os productos , que se podem formar de duas anti-raizes; &c. ; c o ultimo termo he o pfOdueto de todas as anti-raizes. 8. A equação completa (/;) pôde transformar se n'cutra rio mesmo grão sem segundo termo z",+ S:s"-1+JÍ|d'"-|+&c. + £)i = o (j) substituindo em lugar do numero principal ou incógnita x, outra z diminuída do coeficiente do segundo termo dividi- do pelo expoente do primeiro ; isto he , fazendo A x — s m porque pondo z -+- u em lugar de x na equação (/*), que hc equivalente á equação (h) , resulta (z-^-u-hx ) (z-t-u-hx ) (z+ u-k-x ) ... (z+u-hx ) — o (k) e considerando nesta z como numero principal , serão u+x , u+x^ , x-Kv , &c. , »-*-«? as suas anti raizes , e he preciso que a sua somma seja zero para que esta equação não tenha se- gundo termo, ou se converta m equação (j): ora esta som- ma he mu-y-x ->rx -*-x +&c.-f-.v ou imi-\-A : e logo mu+A = o 1 2 3 m 1 ' o | ■ A A e« = , e x — z 9. Achadas alguma vez as raizes da equação (;') se de A todas ellas tirarmos — I , teremos as raizes da equação (b). Tom.VlI.P.l. Ss 10. 3*i Memorias da Academia Real 10. Por ser f =i+s + i' + f +ií- + &c (/) em que r he a base dos logarithmos Neperinos , e logo /ff = i. Será ff = ff . ff . ff ' . &c. = i + (u +u -\-u +&C.) * c», +-«,+« +&c.);x5 o .+«,+« .+&c.y"* m + - : +&c + 2. { ... "1 ' 3 ? P. P,\ I 11 PP " I x « x ' \ f ox 3-J ••/>,/ \ 2 2 1-Í--PJ I 11 I " x X i + » » +— 1- &c. » 2 3-'--'}/ >.w; m (u + „ +„ +&C.) X e logo qualquer termo — í 2 L_ _ será igual ao ag« gregado ou somma dos produetos dos termos das series do ultimo membro em cujos produetos o expoente de x for igual a m , isto he , será ( k + u A- u + C-X. ) X /« 'li '« I &C. X ' r 3 ! v I ' , / ! 1 t 2 • i • • • ■ ■ "" 2- i ••/•,- 2- i ■■!>?■ 2 • J ••/',•• • e vê-se que este aggregado terá tantos termos , quantos forem os modos que houver de satisfazer á equação p ■+- p -+■ p -+- &c. =: m ( m ) •*i r i ' , com p •> p i P i &c- números inteiros positivos ou cifras. He logo /'tf 4- » 4- » ■+■ &C. \*= / 2 . 2 . . . »2 — -1 * ' ■ — 1,7 I Com esta c com a equação indeterminada (w) pódc redu- zir se a serie a potencia indicada de qualquer polynomio. li- 323 , (.0) DAS SciENCIAS Dh LlSBOA. ii. Por ser e por ser (/*) Ai A J(x4-x\-hl (x+x\ +■ / (*+* ) 4-&c.-t- / /»+>* JS = mlx+I (1 -1- -ç ■+- -£■ resulta desta ultima equação , pondo primeiro para desen- volver o primeiro membro , na equação (o) a~x e depois sucessivamente « = xt , » = #, , « = *, , &c. , u = .rm j depois para desenvolver o segundo membro a = i , +.&c.-»--r c c « — h- — r Á* A* tx 2 x 3 &c. , resulta digo X 2X JX' 4x» xS x,6 55c» 6i' -»-/aM jx' 4x* jxi 6xs ->■, •»■, X • X ' X * X x íx- jx< 4x» j«) óx* . * fll m nt ' ;í: j« m , o x ax* jx' 4»< 5xi 6x° E= t7llx -f- ',4 2 x' I* x' x» a/f ,4„ I 2 a \ ai x' /A ' ^ 2^ e< ~*~ x« + xS x> 2,4 .4' X» 3^4 c * t » M.^, 3-V< 6^ -4 ^ A •* f 4^ »y4 6-4 ^12 I I 1 : xí 4^ M Ss ii 324 Memorias da Academia Reajl /A ( SA *A \ &c. este ultimo membro resulta Ja somma das columnas do primeiro pondo x"-h x "h- k %• &c. .+. a? "— /# " , que quer dizer como se vê, somma das potencias do gráo « das an- ti-raizes. Igualando agora os coefficientes de — , de — , de £j , &c. dos termos dos dous membros últimos, resultao as se- guintes. fX=Jt ~ hf*^Ac~\(AyzÀ*^iÃÀ^ ^(jA^A+éAAA + A? - \ (6a;a;^-aaiu)+ f • S <*ír M' das DAS SciENClAS D li JLlSBOA. das quacs c sendo ^ = 0, se deriváo estoutra': 3*5 (/>) fx ~— — zA fx r, = -6A+zA '+6 A A -zA ' &C. equações que dão as sommas das potencias das anti-raizeg expressas cm coefficientes da equação proposta quando esta não tem segundo termo. 12. Porque se collige do numero antecedente que he /(I+^+^4-J+&c.)rl/'í-^f/+^/i, + &c. v * x- x< / xj 1 2.-C-./ I jX / I Será (/) e significando f"x a potencia do gráo » de jx ; ±7,,- _?./;,=+-■ rv + &, A A A XJ 2XJ '"•' 1 + ^+^H-l4+.&c. = e = 3E X* X • ■+:A-b/-1'^/".'^--r(^r:-7/»,^,1-^)H(,V'--«->«- e logo, igualando como no numero antecedente os coeffi- cientes de iguaes potencias de — do primeiro e terceiro membros , M^-v/V+í/3*, &c. equações que servem para compor os coefficientes d' numa equa- 326 Memorias da Academia Real equação quando se conhecerem as sommas das potencias das anti-r lizcs. 13. Já vimos que os cocfficientes dos termos d' huma equação são funcçóes symmetricas das anti-raizes , ou das r i/es ; c igiulmcntc o são as sommas das potencias do mesmo gráo das mesmas anti-raizes, c já vimos como estas sommas de potencias se podem exprimir em cocffici-jntes da cqu ;ção e reciprocamente; mas precisamos ainda redu- zir a essas as sommas symmetricas dos produetos de poten- cias das anti-raizes. I. Porque he x p= x p + x v + x p -+- &c. 112; x9=x f -i- x 9 -\- x ^ + &c. &c. segue-se que fx p . fx 9 não consta senão de duas espécies de termos: huns da forma xí"h?, e outros da forma x p x \ ou que he he logo a somma binaria f<<=f< ein_ quanto p e q são diversos. II. Porém se for p = q , será ou f*:*:=\r*:-hj*? t*> III. Por ser constar i íxp .fx9 yfx^ de cinco espécies de termos, huns da forma «i'"H+r, outros da forma xp . tf/"1"", outros da for- ma DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 327 ma x r . x ? r, outros da forma*'.*''*"', outros finalmente í 2 ' t 2 * da forma xr x * ' , ou será 1 a | ' ~A'+,+r+A'*A" (?) he logo a somma ternária A'^^;=A^/^'•/*,-/^'•^r-/•>'•^.'*:*/*;r•/«^, +»/«,'♦*'. (/) IV. Porém se for q — >' , será /*/ ./■* /= (*;+*/^*)" -h &c) (*'+*faJ+s&y^jx} '"W*/*.' + ,/*^ * >,/*; »; XfXí^+fx: a w*ra?+ a^A -z/,;^+2/v;*;*; (?) e logo fm'*'m'=i/M'.Pm9-ifm'Jtm't-fB'«fmUf*»* (r) V. Será fx^px^x^xf+x^+^Çx^+x^oy^x^^fx^xJ1 Wx^x '+3/* "* *y* '+6f*'+*x çx <+áfx "x *" «J .v^-h&c.= (*( » *,+* x2x+ &C.)* _2( */* ' x.x+x* * d v a »+& *7 ç sen. .V = X ■— -1- — -, — t- <*c« W" W1 7|l 1 1 ' x- x« x« COS. W = I H : —T7- ■+• &c. 2ll 41 6I' mas também he x: 2,1 J/l 4/> " 5/1 " 6/1 ~ 7/1 fxV 1=H-a;V-i- r-r+TTTH Tl', 177 wT + &c- he logo o:V~l e ■=. cos. x ■+- V-i • sen« x (s) 16. Será logo, sendo «• a circumferencia cujo raio he 1 1 =z * = * = * =&c. V DAS SciENCUS DE LlSBOA. 3 : < . e logo 1 ivn m 1 = e m m I = í ra m 1 = e &c. logo denotando por tu qualquer das raízes da unidade do grão m , serão estas as que dá a equação m = cos. hV-i. sen. — ( ab ) pondo successivamente 1,2, %i,,m em lugar de p. Assim as raízes quadradas da unidade, são 2 =cos. 180o -t-V- 1 .sen. 180o = _ 1 ) . , _ > • • • • (ac) i2 = cos. 360o -hV- 1 . sen. 360o = 1 \ As raízes cubicas de 1 , são 3( =cos. izo°-t- V- r . sen. 120° = a&— -• — 1 3j = cos. 240o +-V-*YÍ sen. 240o = 31^1» >• • • («0 3 _ — cos. 3 60o +■ V - x . sen. 3 60o = 1 As raízes quadrato-quadradas de 1 , são 4, = V~:«> f.= — .'; 4, = — Vr*> 4^-* • • (*0 17. He também I e sendo A numero inteiro tn —m^ (af) *m *, =1 («£> Tom. VIL Part. 1. Tt 330 Memorias da Academia Real e WV = "« (ah) sendo 6 inteiro positivo <>;. porque aliás envolvia-se em A«z: Assimporex.Viy = \/Í^4=31a=3a> ^/Ta=>/Jf = Ít («0 18. As raizes do gráo m de i, são também as raizes da equação binomia y"- * = ° • (;i-2 in-í &C x = ka -t- qa ■+- ka ■+• &c. -+- ka *■ = tftf -b &/ -b Lz + &c. -+- J&* m •* l 2 j m-i o motivo que tivemos para escrever já este Schcma he pa- ra melhor se entenderem as proposições seguintes á vista d'huma tal figura. 23. As partes at, ^ , # } &c. , a tJ chamão-se partes constituintes das anti-raizes. Tt ii 24, (am) 33» Memorias da Academia Real 24. Os indiccs que tem as anti-raizes, somente servem para as distinguir , e não querem dizer , que se possão achar por huma certa ordem ; porque nenhuma tem nos cocfficicntcs da Proposta em que estão dispostas symmetri- camente, que justamente quer dizer, que nenhuma he pri- meira, nem segunda, &c. ; e estes coeficientes são os úni- cos dados para a resolução da equação , ou determinação de xy x2, W§>,?*m. O mesmo fica logo necessariamente entendido das partes constituintes a , a , a x I ' 2 ' / ' m-I 2j. As anti-raizes da Proposta por lhe faltar o segun- do termo , estão sujeitas á condição de que a sua somma hc zero , ou he #-*-#-»-.¥+ &c. -+- x ■= o (rf2rrtt , &c. , t*m***>Ji e 7=*'» J-=*'j e scrá A.=a-t-a.+a-f- &c. + a 112} »!•! x =zk'AS SciBNCIAS DB LlSBOA. 3 3J m-i partes constituintes a , a t:n a expressas somente em m-\ das anti-raizes x , x \ , &c. , .v ; porém ellas de- vem ser expressas em todas as anti-raizes (n.°33); logo são precisas as quantidades q, k para satisfazer a esta ne- cessidade. F.is-aqui como ; c se evitão outros coefficientea das anti-raizes , que se opporião á svmmetria das funeções futuras. 36. Imitemos o processo da eliminação: iMiiltiplique-se a primeira das equações (am) por k, e a ul- tima por — c sommando-as com as outras , vem ' 1 mka = kx •+- x ■+■ x ■+- &c. H x„, (ap) ou vem ) 1 1 j mi das potencias das partes coustituintes , funeção symmetrica das DAS bcihNCUS D£ LlSBOA. jw ilas a.ui-ruzes , porque só assim se poderá exprimir c;.i coeificienres da Proposta, e ficar conhecida esta somma (av) , e própria para formar os coeficientes da reduzida. lixeusado he indagar outra funeção das partes consti- tuintes , que sii Tra para compor a reduzida , isto hc , que seja symmetrica racional e inteira , se aquella somma (av) se não puder conhecer ; porque também essoutra não se de ■ terminará , visto que toda a funeção symmetrica se póãe fazer composta somente de sommas , c produetos de som- mas de potencias de suas bases (n.° 13). 43. Se a somma (av) for conhecida, isto he , se for funeção symmetrica de xt , » , x , &c. , te . também serão funcçócs symmetricas das mesmas bases , e logo conhecida:, as seguintes. a r ar ir ir a -h a ■+- a + Síc. ■+- a l 1 } m-t i r ) ,• jr , r a -ha -ha 4- &c. + a &c. (m-\)r (m-r)r [m-l)r (>"•<) a -\-a -ha ' -h &c. -t- a I a ) »»•! (ax) Com as sommas (av , ax) podem formar-se os cocfficicntcs da reduzida , considerando a\ a\ a , Scc. , a ' como suas anti-raizes (n.° 12). 44. A reduzida assim formada he realmente de grão não <.»», como deve ser, a respeito das partes constituin- tes a , a^ , a , &c. , a ; porque he sempre r > 1 , por quanto sendo r — 1 , a somma (av) não hc conhecida por ser então igual a tf. . Porém esta reduzida admittc huma primeira resolução como equação do gráo m-i , que dá a conhecer a " , â ' , a r, &c. , a \ ; e estas potencias sendo conhecidas são o mesmo que m-i equações binomias . que resolvidas (n,°ii) Tom. Vil. P. I. Vv dão 338 Memorias da Academia Real dão (mi)r quantidades entre as quacs estarão as partes constituintes, que os critérios (ap , ar , as , &c.) ensinarão a escolher. 4c. Para formar a somma (av) multipliquem-sc as equa- ções (ap) (ar) (as) (&c ) todos por k, c ponha-se k1 em lugar de q (au) e teremos 7>ik*a — k^x -t- kx -+• kx -+- &c. +x fia; m tiik-a —k7x + kx -t- &c. -\- x -\-kx a 1 2 m-i m mk*a ~k2x 4- &c. -*- x -t- kx +Lr I 1 m-i mi m ÒCC. wftf =feax 4-x 4- Jh: -t- &c. -t-fcx "'•I 15} I» as quacs sendo elevadas todas a r , e sommadas dão (>tá-\íat'-\ra2'^-a.'+-&:c.+ ailri^\~(ji-x -+-kx + kx 4-&C.-+-* Y .-t-(fc\v +Â:.v -+ &C.+ A: -t-ibf Y+fev+&c,H-.v -t-lbí -f-Âitf Y \ ' a »i-i mj \ i «1-1 m-i «1 / 4- &C. -+- lfft5X -H.V +jt.V -+- &C. H-fcc V (/Z_y) 46. Agora olhando só para os termos de desenvolvi- mento do segundo membro da equação (ay) em que entrão as potencias do grão r das anti-raizes x , x , &c. , #m, termos cuja í-yinmetria não depende dos outros termos, c cuja somma he k 5r x r-\-kr x ' -\-k' x r-t- &.c.-i-x r +k" x ' +k' x '+ &C.4- x r 4- kr X 1 2 j m ia ffl- 1 1» 4-fear* '+&C.-+-.Y ' -}-ferx ' -t~jfcr.v ' '4- &C4- fe5r x r+x r-*i-kr x r+- &c.+ kr x ' (az) 1 »i-a fli-i m 13 5 11» já se vê que .vrnão se pode permutar com x sem ser kv—i—k , e logo he preciso para que esse segundo membro seja syin- metrieo, e por tanto para que se possa achar a somma ( e log° («*0 hc q = Js, ou ? = 3, («/, ai). A forma das anti-raizes (am) he por tanto agora x —a + a ^\ 1 1 1 j xt = 3,a + haS • • • • • • • • • • (*4> * =3 a 4-3 a \ j ■'22 Jt 1 _/ Vv i* e 34° Memorias da Academia Real c a equação (ay) pondo r — 3 , e depois r — 6 dá as duas v 3X^5+^0=O=^^3:^-l-^):+(3a.^^-^+3I^)-w(^>^^) — Ijy* x *-+- 6ofx *x x -\-aoCx 'a; 3— 6ofx , x *x -H i8otf 2x *.v *=: J 1 1 J 1 2 j ' 7 1 2 ' i a j i2j 2fx:'+6fx;-lsfx;jx;+h-fx;-3ofx;jx;+6ofx;+2of\xy2ofx; -H6oy x-\-6ofx\fx^ — 120/* '-I-180.V 2* 'tf 3= — 5" 7 A ~*rie>fXi'Jx* -+- 8o/3 a;:'-h 1 80 *" xj x *= — 57 (37* - 2/.') -1 5: . 4/+ 80 . 9-7 V 180 j*= 7*99* +54? pelas formulas dos n.OÍ 13 e 11, e por ser fx^o. Pondo agora a^=z zi , aj= sa ; será fz[ = # , e /ss, =r£a j_ — »' , e os coefficientes da reduzida , que hade dar c , 2 serão (n.° 12) A^q, c A3 = — —p'\c esta reduzida será Z -+■ qz, — _ p1— o 27 cujas raizes são (n.° 47) e logo a , e do mesmo modo a podem ter seis radicaes cúbicos por valores ; qual he então o critério com que ha- vemos de escrevellos nas anti-raizes (J/d) da proposta (bc) ? he de maneira que satisfação quando p faltar : são logo as raizes da proposta ;.iu 01 ■ das Sciencias d k Lisboa. 341 49. Seja proposta a equação do quarto gráo sem se- gundo termo x*+-px + qx + r = o (be) Por ser « z= 4 , a equagão (ai) será neste caso P + 2Í + I=0 e logo k — — 1 t q~ 1 (au). A íórma das anti-raizes (am) he por tanto agora x = a 4- a -\-a \ 113] a: = — a — a +a / 2 ' : . . (tf) x — — a -$-a — a ( > ' 2 i \ x -=z a — a — a 4 12)/ e a cqu.içâo (ay) pondo r— 2 , e depois = 4, e depois = 6 1 dá as três I." 45( *>*>* «') = ^x* -*- */* x=-6p-ip=- %p u.' 4"(í7i4+^4^j4)^3y^4_4y.v;^+i8/:v;.v;-ia/:v/.r2 x+72x x x x — 14/^/-+- i5fx*+72Xj • # a^= 56 r - 2 8 //-t- 60 /-f- 72 r = 128 r+ 32/ Dl' 4<(tf/+^í+*|6)= ifm'-4fxf *a+4ffxt\'-. lofX[4x2xr 2ofx,xii — àcjx^xjx +^6oJ~xix3x x -t-ijofx' xjx *—~i9ofx*x 'x X = 3f*:+6fx;+4Sfx;.fx;l^ •*■ 6ofxi,+ 6ofx*.fx*—i2ofx^->r 360 *_ X X # /*/-*- VJO^X XX — 540 6IH\I OI 34* Memorias da Academia Real £40 x x x x fx v — i8oa? x xx fx x = — ijftfx + 110J x 4.J x + )o/a' i 4-?6o.v xxx Ar*-*- 270/ x * x — 720 x x x x f, x x = 3 1 2 j 4/ 1 V i 2 j t 2 ; 4./ i g — I7óf3<7?-h 6/>r— 2/>')4-i2o(— 4»- -h 2/) f — 2/) -t-?o.9£* + 3<>or(— 2/>) •+- -+- 270/— 720/^=192^'— i^ópr— 128/»'. Pondo agora 0 9= a , <í a= a , « a— a : serão e os coeficientes da equação que hade dar a , a2 , a , serão 4= ^(?-T/"--^'-|(-i/)(ir+L/) + i(_i/,)' isto hc a reduzida , será *í-zP**+(xf-^J*4-h'4*-à (te) Achadas depois a , a , a com esta reduzida, e tiran- do-lhcs as raizes quadradas , teremos seis quantidades , três das quaes são ai , a , a : com que critério as havemos escolher ? eis-aqui como : Se na Proposta forem p = o , r = o , ou s'ella for X ->r qx ~o as suas raizes, serão (n.° 20) — x =0 1 -X2 = 3,V~1 (») he preciso pois que usando da reduzida se ache o mesmo Ora das Scuncus d k Lisboa. Ora esta he nestas hypotheses 34J «'■+-nV=: 4, a resolução da equação (ar) dando k — j ( 2 — m + y/m'—^m ) mostra que estJS valores de k são irracionaes c reaes, pe- lo que não podem ser raizes da unidade como o mostra a equa- 344 Memorias da Academia Real equação (al>) ; e por isso a equação (ay) não pôde ser sym- metrica (n°4Ó), e por tanto não se pode achar resolução geral , ou typo de raízes para equações geraes do grão su- perior ao quarto, que precisão de reduzida. Observações. ê jl. As resoluções das equações do terceiro e quarto gráos feitas nos n." 48 , 49 não são as mais simplices , fi- zerão-sc primeiro assim para melhor s'cntcnder a força da nova Demonstração. Porém determinada a forma das raizes pela consideração indispensável de que as partes constituin- tes sejão funeções de todas as anti-raizes , não hc preciso separallas , c podem obter-se assim as suas potencias de grão r, e de seus multíplices conjunctas : Por serem no terceiro gráo x — a + a i 1 2 x = 3 a + 3 a 1 Ji 1 Ji 2 ot = 3 a ■+■ 3 a será , elevando estas equações ao quadrado , e sommando-as , yx = 6a a 1 11 e depois elevando-as ao cubo e quadrato-cubo , e somman- do-as. ou 3 7= s/V 1 1 f 6 20 I ou DAS SciKNCIAS DB L ! S B O A. 345* OU c logo pondo a ' — s , c a 5 = c, ; será 7ci — fai ■=. q ^ e /^ z=fz7=q2+-fjp* : e os coeficientes da reduzida serão 4=4' 4^^i(ía-H#A)-Hí?aa»— ^jf»'i e a reduzi- da será 1 f 5 Z +qz—j-, p = o 52. No quarto gráo, temos .v =r a -+- a -+- a 1 1 1 j # = — z4/V*, '= 4A4+ 1 S <*;- »/-,*= ioT */- 8/*; a ou T««. r/J. Ptfr/. 7. Xx /*/ 34-6 Memorias da Academia Real ou -^í\-hp"-H q+npr J e logo fa 6 = -7p' , «_£ 2' /"• _. ^£_ -±- Hl .'IH J I 224 44S 56 J2 64 8 pondo agora a* — Zf , a* = Ba , «f9= s? ; será /a> = /, a* J z*=Ja \Jzi=_fa6J c logo os coeficientes da reduzi- da , são yj. Os critérios do n.° 36 para a escolha das partes constituintes das anti-raizes , também podem ter uso. No terceiro gráo as raizes devem ser as que escrevemos no fim j * — ■ zz^nzmrzzz do n._° 48, ou devem ser a_ == V — ±q + Ví^2+ }■ JP — » > e a z= \/—{q — \/^q'2-*-íTpi =»' 5 porque substituindo estes va- lores de a , e a , na equação («/>) multiplicada por &, ou por 3 e as suppostas anti-raizes, resulta 3- 32» = 32(''-*-«')-t-3IO.H-<-32;0 + Ví",~3I;;' que lie com eíFeito idêntica , por ser 3 -4-3 •+- 3 =0. Similhantemente se fará no quarto gráo. Esta matéria de critérios não está certa em alguns Au- thores. Bezout diz, que as suas constituintes a, h devem satisfazer á equação ab — m por ser .— t J (li) e suppondo o ultimo membro hum quadrado perfeito, vem s/zzx7 . \Zz*-z — jj'—r — — ~qx c fazendo esta racional 2ís'-»-2/isí+{/»43 — irz — ?-' = o (bk) e logo r = z +pz+$p -J- c por huma primeira resolução da equação (bí) , vem x +|/i + s = + .vv' 2J 9 "7 2V2* e resolvendo de novo , vem * = ±^±'v'±-4=-^-*a («) 2V21 pondo agora 22 = 4^ na reduzida (bk), e nas raizes (bí) , temos 64/*' -t-32/£4 + (4/r— 16 0^3 — ^5=o — ,r 1 =**VA- i/>- -** — X 1 ■•;/>- -** — X -t/-- -^ -x4 = -^-v-^-^-^ reduzida e raizes de Bezout. Vê-se pois , que as raizes que se tem achado para o quarto gráo tomáo a forma das de Bezout, e as deste Au- thor a nossa, CON- aiau o\ 3jo Memorias da Academia Real CONTINUAÇÃO DA MEMORIA V. Para a Historia da Legislação, e costumes de Portugal. Por António Caetano do Amaral. CAPITULO V. Qual foi a Legislação , por que Portugal se regeo nesta Época. D. 'Epois de termos mostrado a índole , e forma do Go- verno do novo Império Portuguez , e o influxo , que no mes- mo Governo tinha cada huma das três ordens do Estado ; segue-se naturalmente o dar a conhecer a Legislação , por que se regia. Bem se sabe, que nos tres Séculos, que esta Época comprchende , não houve compilação, ou Código de Leis : nem era de esperar em tal tempo , e situação da Mo- narchia. Devemos sempre lembrar-nos que ao fundar-se esta não permittião as circunstancias que houvesse logo huma mudança de Legislação , e costumes , sendo huma desmem- bra çãb da Monarchia dos Reis de Leão e Castella ; e que empregando-se os primeiros Príncipes deste novo Estado in- dependente no exercício da guerra , e achando huma cjrta norma , por que se região , e em que se mantinhão os Po- vos, necessariamente a havião por enrão seguir, e conservar. Imaginemos hum quadro , que represente o Paiz possuido pelos Reis de Castella no ultimo Século da Época antece- dente, com tal arte desenhado, que nos ponha diante dos olhos , como hum retrato fiel , seu estado Politico , Mili- tar , Civil, e Económico. Imaginemos junto deste outro quadro, ou outro retrato do mesmo Território no primei- ro DAS ScíENCIAS DE L I S B O A. 3 Ç" T ro Scculo da Monarchia Portu crueza : não acharemos entre hum, e outro mais difFercnça , que a de se ver no primeiro hum só thronoj e neste hum só Imperante; c no segundo distinguindo-se huma divisão de Terreno , se distinguem também dou.; thronos , c dous Soberanos: o Paia por hora parece todo hum: he pre;iso que as alterações, físicas, c moraes , que a porção que constitue o novo Império, vai com o andar do tempo exprimentando, chame novas Insti- tuições em cada hum daquelles ramos do Governo. E restrin- gindo-nos neste Capitulo á parte Legislativa : se tivermos presente a Índole da Legislação, e costumes observados pc- los fins da Época descripta na Memoria IV. em todo o Ter- reno Castelhr.no facilmente devisaremos como cila vai conti- nuando no Território Portugucz na infância da Monarchia. Vimos como cm hum Paiz oceupado em conquista era in- dispensável haver muitos vassallos , que senhoreassem cada hum certo districto , e que este senhorio , c regência exi- gia particulares foros, c usos. Vimos já nesta Memoria, como aos nossos primeiros Reis convinha não diminuir a autoridade destes poderosos vassallos, cujo serviço tão pre- ciso lhes era : conscrvar-lh.es pois entre outras regalias , de que já falíamos , a de formalisarem Foraes , que servissem de Leis (a) ás Povoações , de cujo senhoria erao Donatá- rios : (rt) Apontaremos aqui por ordem chronologica os Foraes dados por particulares nesta Época. Em Outubro do anno t IC2 , derão o Prior de Lorvão e seus Frades Foral ás Viuvas de Trcixedo , e Santa Comba- Dam , naquelle tempo se povoaváo ( Livro dos Testamentos de Lorvão N. pO. Monarch. Lus. Part. II. Liv. 7. Cap. 30.) Em Abril do anno 1 1 1 2 , o deo Sancho Fernandez , Prior da Ordem do Hospital a Freixkl (Real Archivo Gav. ly. Maio 6. N. ti. Corp. Chron. Pãrt. 3. Maço I. Docum. 16) Em 14 de Julho de 1123, o deo ao Porto D. Hugo Bispo da mesma Cidade ( Cattor. da Cam. do Porto Liv. grande foi. 1. col. 2. foi. 1. f. col. 2. No Real Arch. Corp. Chron. Part. 2. Maço 88. Docum. 9.) Em 26 de Outubro de n 24 he dat. o Foral de Cernancclbe dado por Egas Gosendes a João Viegas (Maçou, de For. velhos N. 3. fo!. 23 -jr. : e no Liv. dclles de leitura nova foi. 44 -fr. : Mon. Lus. Part. III. Liv. 9. Cap. 12.) Em 7 de Julho de 11 30 deo Foral a Nmnão , e a Montão, • OT 3 ç 2 Memorias ha Academia Real rios : alêrn dos Foraes , que os mesmos Soberanos daVáo , que são innumeraveis os que se achão no Real Archivo, e ain- d a Fernão Mendes com seus filhes ( Maço l'2. de For. antig, N. 3. foi. 44 ■fr. : Liv. de For. ant. de leitura nova foi. 24.) No mesmo reinado deo F0r.1l .1 Lourinhã D. Jordão , primeiro Senhor , e Povoador da dita Villa , como exprime a esci ptura de confirmação dada por EIRci D. AíFonso II. em 1218; no qual Foral admitte os Francezes a mora res ( Liv. de For. anr. de leitura nova rol. \6 : Liv. I. dos í>ens dos próprios dos Reis e Rainhas foi. 45 f. : Gav. iç. Maço 9. N. 21 : Mor.. Lus. L'art. III. Liv. 10. Cap. 29.) Fm ]unho deuçb, foi dado Foral a mira por D. Gualdino Mestre da Ordem do Templo (Maço 1. de For. ant, N. 15: Liv. de For. ant. de leitura nova foi. 155, col. 1.) O mes- mo deo I-'oral á Redinha em Jun'io de 115;;. (Mac. 2,. de For. anr. N. t.) Na Doação, que EIRei D. Alíonso I. fez de 'filia l'adc em nío a 1). Alardo Fidalgo FrancCZ, lhe concede, que possa dar Foral, por que se governem os Francezes moradores da dita Villa (Liv. de For. ant. de leitura nova foi. 6.) Mais antigo que este he o Foral dado a Lou- rido imito a Pena Cova , que se tratava de povoar , pelo Mosteiro de Lorvão , pois que tem a data de 1 de Abril de 1 154 ( Cartor. do dito Mos- teiro Gav. 3. Maço 12. N. 16.) Em 3 de Março de 1162, deráo Foral ao Lugar de Covas o Abbade do Mosteiro de Pombeiro, e outros. ( Cartor. do mesmo Mosteiro Gav. 30. N. 22.) Fm junho de 1174, deo D. Gil- dino Mestre «.'.o Templo, Foral á Villa do Pombal (Maço 2. de For. ant. N O Em Dezembro de 1176 o deo a Abitú João Abbade de Lorvão (Gav. J4. Maço 6. N. 33 , oaie se acha não só o original em Latim ; mas tradução com data de 1206.) No Liv. de For. ant. de leitura nova foi. 109. se acha o Foral dado aos moradores de Espino , em 1182, que começa: Ego Rex Portugale una cum Mcnendo Moniz, et cum vxore ejus Xpia- na Gondisalvi a Vobis homines despino tacimus Cartam Sec. zz No Fo- ral , que EIRei D. AfFonso Henriques deo em 1183 aos moradores das Caldas â'Aregos, de que tinha o seníiorio Nuno Sanchez, diz: Ego Rex Alfonsus . . . placuit mihi . . . una cum Nuno Sanches , qui tenet de me A regos , ut faceremus Cartam. &c. ~ Em Janeiro de 1189 deo Foral a Muimenta Payo Villar. (Liv. 1. de Doações d'ElRei D. Diniz foi. 210. f. : Gav. 15. Maço 16. N. 10.) Em Fevereiro d* 1 191 o deo aos moradores de Pincel o Prior e Rcligiozos do Mosteiro de Santa Maria = Em Feverei- ro de n>3 o derão a Fonte-arcada Sancha Vermuiz e seus Filhos (Liv. de For. ant. de leitura nova foi. 89. col. 2.) Em 15 de Fevereiro de 119-?, deo D. Rodrigo Rodrigues Foral a Chileiros , e no mesmo mez o aom- municou ao Reguengo de Polvorães com os Homens-bons de Cinrra , e Chileiros Domingos Lousã, Garcia Alfaqueque , Martinho Dias, e D. Pe- dro Clérigo de Chileiros: o que foi confirmado depois por EIRei D. Di- niz em 4 de Maio de 1305. (Liv. d; Doações de D. Diniz foi. 43- f- Gav. 18. Maço 1. N. 9: Liv. 2. dos bens dos próprios dos Reis, c Rai- nhas foi. 57.) Em o mesmo anno de 1195 ° deo a Covilhã Rodrigo Men- dasSciencias de Lisboa. 3 r 3 dei. Entre este anno , e o de 1200 o dco a Oleiros o Prior do Hospi- tal Mtm Gonçalves ( Nw. Hist. de Malta farr. I. pag. 165), o «.jual Foral se não conforma com ;.lgum dos cunho! dos Foraes mais princi- pies, como nor.i o Autor da dita Mstoria no lugar citado pag. 184. A 2i de Março do anno 1200 confirmou El Rei D. Sancho I. o Foral, que I). Payo Elborensis Mugiste? dera á Villa de Bcnavuire segundo fórum Cullucbi ( Liv. dos For. ant. de lcit. nova foi. 81 Jr. col. 2. Maço 12. de For. ant. num. 5 foi. iç jí.) . Km Maio de 1202 he datado o Foral , que Pedro Guterres dèo a Alpedrinha (Maço 4. de Por. antig. num. 7). Em Abril de 12C5 o dèo a Alhandra D. imeiro segundo Biipo de Lu- boa (Liv. de Foraes antig. de leit. nova foi. 4 -jr. col. 2.). \'o anno de 1208 o dèo aos 10 povoadores de Carvalhal de Cera D. João Domin- gues , Commendator Templi totins Portugalis ( Docum. de Thomar , cita- do pelo Autor do Elucidar. Tom. II. pag. 257 col. 1. onde nota, que o Foral de Cistello Branco, cuja copia o data no anno 1215 se conven- ce de faha , á vista da Kcal Doação desta terra no de 1214). Er Fe- vereiro de 121} deráo Foral a Campo, Termo de Jãles , D. Rodrigo Roiz e outros ( Liv. 2. de Doações d' ElRei D. Affonso III. foi. 66: Liv. . de For. antig. de leit. nova foi. 150^. col. 1.). Em Abril de 1214 o doo a Alv^nde D. Martinho, Bispo de Egitania , Idanha a Velha , (Liv. 1. de Doações d'ElRei D. Diniz foi. 155 jr. col. 2.). Em Agosto de 1225 o dèo a Folques o Prior d*Arganil (Gav. 14. Maço 2. num. 11). E em Novembro de 1212 o havia diJo a Villa Franca de Xira D. Froyla F.r- ies (Maço 5. de For. antig. num. 12 e 15: Gav. 7. Maço 1 1. num. 7 : Liv. dos Mestrados foi. 70 f. col. 1.). E em 10 de Maio de 1217 a Seda Fr. Simão Sueiro, Mestre d'Aviz (Maçou, de For. antig. num. 5). E em Abril de 1218 a Proença D. Pedro Alvites , Mestre da Ordem do Tem- plo (Gav. it. Maço 8. num. 47). E em Novembro de 1220 a Monte de Sontinbo de Villa 1 >. Roirigo Mendes, e Lourenço Martins (Liv. 2. de Doações d' ElRei D. Aítbnso III. fo1. 20 jr. in mcJ. : Mac09.de For. amig. num. 8. foi. 1 5 jí. : Liv. de For. antig. de leit. nova foi. 107^. col. 1.). E em 1221 a Avelai Martim Annes (Gav. 15. Maço 12. num. 27). E em Setembro de 1222 a Villa de Ferreira, Herdade, Pedro Ferreira e sua mulher (Liv. de For. antig. de leit. nova foi. 152 col. 1.). E em 120 d'Agosto de 122} a Aviz Martim Fernandes , Mestre da Ordem (Ma- ço 10 de For. antig. num. 6. Corp. Chronol. Part. 2. Maço 1. Doe. 34). Em Março de 1226 dèo Foral a Saturninho D. Poncio Affonso (Liv. z. de Doações d' ElRei D. Affonso III. foi. 23 , in pr. : Liv. de For. an- tig. de leit. nova foi. 143 col. 1.). Em Julho de 1228 o dèo a Meisu- de , Reguengo , D. PeJto Fernandes ( Liv. 2. de Doações d' ElRei D. Affonso III. foi. 22 -jr. in pr.} : E em «232 a Paredes, Termo de Pe- naguião , em Dezembro D. Poncio Aftbnso ( Liv. dit. foi. 36 in fin. : Liv. de For. antig. de leit. nova foi. 114 col. 2.). Pelo mesmo foi da- do Foral em Julho de 1233 a Sequeiros, casal no dito Termo (Liv. dir. foi. 33 jr. in médio). E cm 1. de Setembro de 1231 o havia dado a Ega Estevão de Belmonte, Mestre da Ordem do Templo (Maçoi. de For. antig. num. 13 ). E em 8 de Dezembro de 1232 ao Crato Metn Gonçalves , Prior da Ordem de S. João de Jerusalém (Maço 10. de For. Tom. VIL Part. I. Yy 35* 4 Memorias ha Academia Real aniig. num. p: Gav. 6. Maço i. num. 30). Em Setembro de 1237 o dco a Cedofeita Nuno Sueiro , Prelado da Igreja de S.Martinho de Ce- dofeita (Gav. 15. Maço '<• num. 14). Em 1240 o dèo a SttttoullS o Bispo de Coimbra D. Pedro (Gav. ly. Maço 14. num. o). Em Agosto de 1144 a Alnxidc , Reguengo, I). Abril Peres ( Liv. de For. antig. de Icit. nova iol. 142 f. coi. 1. in pr.). km Novembro de 124o a Herda- de junto ao Rio CÔA D. Pedro, Abbadc do Convento de Santa Maria da Estrella (Liv. I. de Do.iç. d1 ElRei D. Diniz lo\.l6f. col. 1. in (in.) . Em Março de 1252 a Aíatto , Cazal no Termo de Bemviver , D. joáo Garcia (Liv. 2. de Doações d'EIRei D. Affonso III. rol. 22 ^. ! Liv. de Por. antig. de lcit. nova foi. 142 f.). Em 24 de Setembro de 1258 a Aguim o Deão , e Cabbido da Sé de Coimbra ( Liv. das Kalendas no Cartório da dita Sé rol. ultima). Em huma Carta de Foral dada pelo Bispo de Évora em 1259, c confmnada por EIRci D. Diniz civ. 25 de Abril de 1270, em ijue se vèm estas palavras: Nos Aí. Hei miseratio- m Episcopus , Dccamis , &• Capitnlnm Elborense Damus bonúmbus tam />rj> senlibus , qtMin luturis de Sancta Aíaria das Alcáçovas teriam nostram <;./ populandrtm , aí Fórum , Fev. de 1:62 o deráo á Herdade de S,m- ta Maria de Tereua D. Gil Martins e sua n-.ulhcr D. Maria Johannis , e seus rilho* e filhas : E no 1. de Dezembro seguinte o dèo a Portel Joáo Peres d'Aboim , e sua mulher D. Marinha Affonso (Maço II. de For. antig. num. 7: Liv. de For. antig. de leit. nova foi. 146 ~fr.). Em Fevereiro de 1267 a Garvão Payo Peres, Mestre da Ordem de S.Tia- go (Maço 11. de For. ant. num. 11). Em 17 de M.i o de 1272 á Azam- buja Ruy Fernandes, Alcaide-mór da mesma Villa (Liv. de For. antig. de leit. nova foi. 10 f. : Liv. 1. dos Bens dos próprios dos Reis , e Rainhas foi. 48 ,*•.) • Em ' «^'Agosto de 12ÍÍ0 a Alvito o Ministro, e Frades Trinos ( Maço 10. de Fir. antig. num. 5 Liv. 8. de Guadi..na foi. 29 col. 1.). E em 18 do dito mez e anno foi dado a filia Nova d Alvito pelo Provincial da dita Ordem (Maçou, de For. antig. num. 2 e 5 pelo Foral de Santarém). Em 22 de Julho de 1285 o dêo á Vil- la de falvcrde Affonso Rodrigues, Procurador d'LIRei, c seu Procura- dor em Bragança (Maço 9. d? For. antig. num. i?)* Em 6 de l-eve- reiro de 1209 o dêo a Vai de Nogueira o mesmo A ffbnso Rodrigues (Liv. 4. de Doações d' ElRei D. Diniz foi. 47 f.). Em 7 de Maio de 1301 a Villar de Refoyos o mesmo Affonso Rodrigues ( Liv. 4. de Doaçõe* d' ElRei D. Diniz foi. 21 col. 2.). Em 15 de Março de 1302 o ièé o mesmo a Sczulfe (Gav. 15. Maço 24. num. 7: Liv. 4. de Doaçn 1 d' ElRei D. Diniz foi. 23 col. I.). Em 1 dAbril de 1316 o dêo %-AU ju!>arrota o Abbade e Convento de Alcobaça ( Maço I. de For. antigos num 5). Em 6 de Fevereiro de 1347 foi dado a Lourosa pelo Bi>po de Coimbra (Maço 6. de For. antig. num. 9). Não concluimos nesta nota os Foraes dados pelos filhos dos Reis , assim legítimos, como illegitimos: n-m também apontamos as datas das Confirmações , «jue os Reis déráo a estes Foraes dos Particulares. g'3>r n*. DAS ScrEKClAS DK LlSBOA. 3 < 5" - da em outros Cartórios (a). Além destes Fones escritos tinha cada Povoação , ou Território seus usos , e costumes próprios (b) . Donde vem , que nas Cartas , em que os So- Yy ii be- ( a ) Podem ver-se apontados com toda a exacção na Memoria pari servir de índice dos Foraes das Terras do Reino de Portugal , e seus Do- minios pelo mcançavel Académico Francisco Nunes Franklin ; em a quil não só cita os Foraea primordiaes dados tanto pelos Reis, como pelos Particulares , mas todas as confirmações de huns , e outros com declara- ção das suas precisas datas , e de todos os lugares , em que se conser- váo. Nem se limita v^áo os Soberanos a prescrever Foraes aos seus suuJi- tot naciorues ; extendiáo a sua providencia aos Mouros forro* , que exigiáo Foros acconvnoJados aoa s*us costumes. Assim vemos que o Snr. Rei D. Artbn;o I. o dào aos cie Lisboa em Março de n~o: e que foi confirma- da pelo Sfir. Rei D. Atfonso II. em Dezembro de 1217 (Maço 12. do For. antig. num. 3 foi. 12 col. I. in fin. : Liv. dos Bens dos propnu, dos Reis , e Rainhas foi. yo -fr. : Liv. de For. antig. de Icit. nova to!. 25 jt, col. !.)• Do mesmo anno 1170 sio os que o nosso primeiro Rei dêo aos Mouros jorros de Coimbra , igualmente confirmado em Dezem- bro de 1 2 17 (Liv. t. dos Bens dos próprios dos Reis, e Rainhas foi. 50 jr. '. Liv. de For. antig. de leit. nova foi. 2Ç *f. col. 1.). Aos à'Al- mtlda foi dado, e confiuru.io nas mesmas datas (Maço 15. de For. antig. num. 3 foi. !2 ccl. 1. in fin.). Aos de Évora foi Jado pelo Snr. Rei D. AíTonso III. em 16 d'Agosto de 1273 (Liv. 4. de Inquinç d'ElRei D. Affbnso III. foi. o). O dos Mouros forros de Lisboa foi communi- cado aos de Mour.i pelo Snr. Rei D. Diniz em 17 de Fevereiro de 1296 (Liv. 4. de Inquiriç. de D. Affonso III. foi. o f.) . O que o Snr. D. Affonso I. dèo aos de Palmela tem a mesma data de Março de 1170 (Ibid. foi. 8); como também o que dêo aos de Alcácer do Sal, e que igualmente foi confirmado cm 12 17 (Liv. I. dos Bens dos próprios dos Reis , e Rainhas foi. 50 ft. : Liv. de For. antig. de leit. nova rol. 25 jr. col. 1.). (/') Assim como na Memoria IV. §. 43 dissemos , que o que se cha- mava uso ria terra formava huma parte da Legislação, que se podia di- zer própria , e particular daquella época ; assim nesta primeira da Mo- narchia se continua o mesmo, guardando-se acida Povoação os seus usos , e costumes , além dos Foraes escritos , com tanto que não fossem contra razão, e direito, como se explica ElRci D. Diniz nas chamadas Con- cordatas com o Clero , na dos 40 artigos. No ultimo destes adegando 09 Ecclesiasticos , que havia costumes introduzidos contra a liberdade da Igre- ja, se responde por parte d' ElRci , que ti se tolhão os maaos custumes , » e se guardem os boós .... e se algúa cousa foi hordenada .... per t custume afortallezado , consemirom os Prelados que se guarde, a tan- » to, que seja custume com razom , c com direito , e que nom seja con- 8 tta a livridooem da Igreja. 11 Ena Concordata dos II artigos do mesmo Rei , no artigo 10. , em que se queixava o Clero de certos direito» 35"6 Memorias da Academia Real bcrnnos lhe dão confirmação , usavão da expressão , que con- fiimão os seus Foros (que assim chamavão aos Foracs) e os seus usos , e costumes (a) . Esta he a Legislação própria , c primitiva da nossa Monarchia na sua infância , como a que 6C adaptava ás circunstancias daquclles primeiros tem- pos. A' proporção, que os Reis forap respirando da lida da guerra , c que alguns intervalos desta lhes derão tempo pa- ra considerar nas necessidades , que os seus Povos tinlião de providencias , e Leis geraes , que abrangessem a todo o Rei- no , sem ofender as Leis municipaes de cada Povoação , as co- exigidos por parte d'EIRei, responde este: «que usa do seu direito, 3 í tanto que taaes porraagees sejáo postas com razom , assim como que- » rem direitos, e custumes louvados. » De huma Herdade, que a Ordem de Malta tinha em Filmir, Freguezia de S. Fedro do Sul , se diz que não faziáo toro algum a El Rei, u nisi tatuum de calúpnia per^orr/m, <& i w.um de terra» (Vej. Nov. Hist. de Malt. Tom. II. §. <;} pag. 153). No Foral de Tolosa dado em Maio de 1262 pelo Frior , e Cabbido da Or- dem do Hospital , depois de se ttanscrever o do Crato escrito em Latim , se segue huma Apostila em Portnguez , que acaba por estas palavras : í E façam e aiam custumes do Crato» ( Ibid. pag. 180). No Foral, que o Bispo de Viseu com o seu C.ibbido derão aos moradores do Couto da Sé em 1251 , depois de varias declarações do que devem pagar, dizem: Secundum consuetudinem terrx (Tombo antigo da Sé rol. 32). No Fo- ral, que Joio Firas de Avoim com sua mulher Dona Marinha Affonso , e seu filho Fedro Hanes derão a Portel , se diz : o Outorgamos a to- » dos os Povoadotes do nosso Castello de Portel . . . foros , e custumts x da Cidade de Évora.» He datada em 1 de Dezembro de 1262. ( uerom. » DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 55"7 começarão a promulgar, sendo as mais antigas^ que conhe* cemos , do nosso quarto Soberano o Snr. D Affbnso II. (a) , e que os seus succcssorcs forão multiplicando. Outra fonte assas abundante da Legislação forão os Ar- tigos das Coites , que não só formavão outras tantas Leis geraes (como em outro lugar (b) dissemos) mas entrarão depois , não menos que as outras Leis nos Códigos , que na Época seguinte se compilarão (c) . A matéria de humas , e outras entrará nesta Memoria nos lugares competentes , segundo o exigir a ordem svstematica , a que reduzimos o Direito Portuguez desta primeira Época da Monirchia. Estas são as primitivas fontes da nossa Legislação , a que chamão internas. Outras ca houve , as quaes , por não se- rem nascidas no nosso Território , se denominão externas : das quaes comtudo nellc se ajudarão, e aproveitarão nestt Época. Tal era o Código Visigótico , cuja frequente allcga- ção nas Escripturas ou seja de Sentenças , ou de Testamen- tos, e Contractos (d), assas mostra não ser só huma espe- cie (d) Ja no Cap. III. desta Memoria fizemos menção destas primeira* Leis. II.» muitas outras dos Senhores Reis D. Affbnso II!., D. Diniz, D. Affbnso IV. , D. Fedro I. , e D. Fernando , cuja matéria apontare- mos pelo discurso da Memoria. (/>) Vej, o Cap. 11. desta mesma Memoria. (c) Vcj. no Tom. II. das Memorias de Litteratura a do Lente de Di- plomática sobre as Fontes Ao Código Pbilippino. (r/} Os nossos Antiquários, e que mais revolverão os Cartórios do Reino, reconhecem o cargo, que ainda nos primeiros séculos da Mo- narchia se ramo nas Lscripturas das Leis do Código Visigótico. O Au- tor da Nova Historia Ae Malta na Part. I. not. 6 , por occasião de al- legar huma Carta de Doação do Conde D. Henrique assas conhecida ,- em que se cita o Código Visigótico, diz; «A este respeito, ou sobre » o uso, e auihoridade , que certamente unha entre nós aquelle dito Co- « digo ainda desde o rempo da sugeiçâo aos Reis de Leão , sem em- n bargo das Leis de D. Affbnso V. , e da determinação do Concelho » Coyacense . . . n Não devo omittir neste lugar alguma parte do que cxrrabi do celebre , e importantíssimo Livro regularmente chamado de Dtitté Afviii/t-DÕna , &c. Mas do que o Autor cita do dito Livro, não nos aproveitaremos aqui , por sei anterior i fundação da Monarchia , do qu 1 tempo assas exemplos citamos na i-.ossa Memoria IV. ; só aqui trans- crcveitmos o ultimo exemplo, que vem na dita nota3 por canir já iw 3$8 Memorias da Academia Real cie de erudição, c hum luxo de estilo, mas huma auetori- dade , com que corroboiavão a matéria , c formalidade das Escripturas. Não nossa presente Época, isto hc , em 1} de Fevetciro de 1C99 (e que se acha no tefetido Liv. foi. 17 ir.") e hc Catta de venda de huma Her- dade na Villa de Cáldellas', em que se diz: A4agnum est enim titnlum tíuiianoiiis , - habendum , sicut fui t or- dinatum . . . m Lex Códice in Libro V, <ò- tittdo VIII. , &c. Dons annos antes foi passada a Doação , que o Conde D. Henrique fez a Sueiro Mendes da Maia o Bom , cm a qual se diz : Rlx Canit Gottorum , itt valeat donatio , sicut zb- venditio , íi pr^sentibus tradita jucrit , nnllo modo repetatur ab eo , sed per testas , <&• per scripturam convincatur (Cartor. do Mosieito de Santo Thyrso , Oav. 12. n. 1.) Semelhantemente cm Car- ta de 27 de Fevereiro de 1101 (cujo original se conserva no Cartório de Moreira) Et sicut dicit lex Gottorum, ut valeat donatio, sicut ed per testes , &• per scripttiran cenvincit. 360 Memorias da Academia Real Alguma cousa começarão também por este tempo a in- fluir nas disposições do nosso Reino as Leis Romanas , que com tanto ardor se estudavão , e abraçavão em diversos Es- tados da Europa depois que se abrirão Escolas, em que se lia o Direito Justiano ; não porque este tosse ainda então adoptado por nós como Legislação subsidiaria ; ao que re- sistia nesta Época o systcma feudal ; mas aproveitando hu- ma ou outra Lei Romana, á medida que aquellc systema foi declinando, e que os nossos Soberanos promovião o es- tudo do Direito de Justiniano, convidando a Jurisconsultos de reputação, a quem cônsul ta vão. Outro meio houve de se introduzirem como indirecta- mente neste Reino os princípios, e máximas Romanas, qual foi o publicar-se em Castella pelo meio desta Época o Có- digo conhecido pelo nome de Partidas , que era quasi hu- ma Traducção do Direito Romano , amoldado em algumas cousas aos Eoraes , Ordenações , e costumes de Castella , e como esses erao também mais análogos aos nossos costu- mes, se insinuou mais facilmente na nossa Monarchía aqucl- la compilação, da qual se achuo desde o tempo da sua pu- blicação, periodos inteiros das disposições nella contendas trasladados em Leis nossas ; e até foi mandada traduzir cm Portuguez pelo Srir. Rei D. Diniz , e tanto começámos a adoptar delia , que no reinado de seu neto o Snr. Rei D. Pedro , queixando-se o Clero no artigo 24 das Cortes d' El- vas das Justiças não guardarem a certo respeito o Direito Canónico , acerescentão : « E he mais razoai de o guarda- j> rem cm todo o nosso Senhorio... que as Sete Partidas, j> feitas per EIRey de Castella , ao qual o Regno de Por- 5» tugal nom he sobgeito ; mas bem livre, e izento de to* » do. » Isto , que o Clero dizia ; o podia dizer todo o Povo Portuguez não só a respeito das Partidas; mas de todo o outro Direito Subsidiário , de que ás vezes se aproveitavão os nossos Legisladores bem differentemente do que era Di- reito próprio, e nascido no nosso Terreno, o qual por isso per- DAS SciE. NCIAS D h LlSROA. 3 6" I persistia c sobresahia entre o que era de adopção; pois co- meçando a desapparecer pelo meio do tempo desta Época as allegações do mesmo Código Visigótico até ahi tao cita- do, continuarão por toda elia as Leis niunicipacs constituí- das pelos Foraes , e costumes , c algumas Leis Gcracs ; de que se formou o Código Nacional , que ha de apparecer nos princípios da Época seguinte (a). Tom. VIL Part. L Zz CA- (rt) A morte impedio o Autor de continuar esta Obra , para a qual apenas deixou alguns apontamentos. 362 Memorias da Academia Real CAPITULO II. Constituição , ou forma do Governo. Monarchia pura , e here- ditária. Natureza das Cortes. ■ (N.B. O lugar próprio deste Cap. he a pag. 32 do Tom. VI. P. II.) kjATiSFEtTA já a delicadeza do espirito Portuguez com a de- monstração de haver nascido o seu Império livre, e inde- pendente , he tempo de entrar no conhecimento da Consti- tuição , e forma do seu governo. Na antecedente Memoria se vio qual era a forma do governo dos Reis de Leão : a mesma devia conservar a parte , que delle se desmembrou , erigindo hum listado separado, e independente. Assim co- mo o resto da raça Gótica , que se refugiou ás Astúrias no meio do diluvio Arábigo , foi sempre Monarchia pura , as- sim o foi a porção desmembrada. Com a leitura daquella Época estavao já os olhos costumados a ver neste terreno o mando de hum só Chefe , que passa constantemente de pai a filho (a). Sim se vem contempladas nos casos graves as diversas Ordens do Estado; mas só para assegurar o acer- to das Ordenações , e não para influir nestas com voto de- cisivo (b). Toma posse do novo Império Henrique de Bor- gonha : continua o teor, a que os Povos estavão afeitos. Rege elle como puro Soberano : rege sua mulher a Rainha D. Thcresa : segue-se-lhe seu filho D. AíFonso ; não se re- querendo mais solemnidade para a posse de cada suecessor, que o expirar o governo do antecessor (c) . Ha o primei- ro (d) No §. 54 e not. íçi Ja Memoria IV. fica isto demonstrado. (/>) Veja-se na mesma Memoria o §. |; e not. 152 ate 156. (f) Veja-se o Cap. primeiro desta Memoria. das Sciencias de Lisboa. 363 ro Congresso dos Estados da Monarehia , depois de accla- mado com o titulo de Rei o que já era o terceiro Sobera- no delia. Confiima-se com Lei escrita a suecessão hereditá- ria do Throno (a). He impróprio, c inútil a todo o Portu- guez (b) entrar na averiguação da veracidade de hum mo- numento, cujo conteúdo está autenticamente recebido como a nossa Lei Fundamental (c). A qualquer estranho , que per- tenda dar valor aos argumentos de supposição deste Docu- mento , bastará responder, que não depende dellc a prova da suecessão hereditária do nosso Throno; havendo outras tão irrefragaveis , que bem poderiao servir de norma a quem for- jasse tal monumento , a ser forjado. Não existem disposi- ções testamentárias dos primeiros tres Soberanos ; mas exis- Xz ii te (d) Vivat Jiex Dominas Alfonsus , <ò- habeat Regnam. Si babuent fi- lios varones , \iv,mt , £>• babeant Regnam , iw. ut nun sit necesse factre illos de novo Reges. Hum de isto modo. Pater si babuerit Regnam , cum juerit mortuus , filias babeat , postea nepos , postea filius nepotis , <&>■ postea fiíios filiorum in sacula ssculorum per semper. Si juerit mortuus primus fi~ lius vivente Rege patre , secundas erit Rex ; si secundas , terttus ; si tertius t quartas ; deindt omnes per iscam modum. Não transcrevemos aqui o resto , por se achar este Documento im- presso , como se sabe , em livros que náo sáo raros, e os aponta a Sy- nopsis Cbronol. Tom. I. pag. 1. (/>) Já se tem respondido aos que contestáo a veracidade deste Do- cumento. Vej. Histoi . Jur. Ctv. Lusit. Cap. V. §. 40 not. — Prelecções de Dinito Patr. por Francisco Coelho de Sousa c .Sampaio , Pari. 2. tit. 3. Cap. 1. — D. António Caeiano de Sousa , Tom. IV. do A giol. Lusit. Comment. ao dia 8 de Julho , letra A. (c) He bem sabido como a requerimento dos Tres Estados do Reino no anno de 1679 se dispensou nestas Leis, para ser jurada Princeza her- deira do Reino a Senhora Infanta D. Isabel ; e que hum dos principaes motivos , por que o Snr. Rei D. Pedro II. convocou Cortes no anno de 1697 foi pira declarar, ou, sendo nc^essatio, derogar a disposição do C.ip. III. das de Lamego, reconhecendo-as Lei Fundamental; a fim de que succeden.io a hum Rei seu irmão , os filhos deste suecedáo sem dependência de Cortes , do mesmo modo , que os filhos de Rei , que nao foi colateral , e que em consequência do Assento das Coites se pro- mulgou a Lei de 12 de Abril de 1698, que se pôde ver no Tom. V. das l'rov. da Histor. Geneal. pag. 06 e seguintes. Da mesma Lei Funda* mental das Cortes de Lamego se fez cargo a Carta de Lei da Senhor* D. Maria I. de 24 de Junho de 1780, e de 31 de Janeiro de 1790. 364 Memorias da Academia Real te a certeza dos factos de entrar (como dissemos) no go- verno cada hum delles sem mais intervalo, nem ceremonia , que haver expirado o do Antecessor. O mais antigo Testa- mento , que se conserva he o do Síir. D. Sancho I. : a pri- meira manda delle he : «< que seu Filho primogénito tenha » o Reino (a) . » O mesmo faz no seu Testamento o Srír. D. Affonso II. , declarando com mais especificação as Pessoas , que por sua ordem são herdeiros legítimos do Throno , e ate provendo-se de Tutoria em caso de menoridade (b) . Não esqueceo semelhante declaração , e providencia ao Srír. D. Sancho II. (c) Com a mesma certeza fallão no natural suc- ecs- («) Inprimii mando, ut filius meus Rck Donnus Alfonsus babcat Regnum tnctim , &c. Cotiserva-se no Re.il Archivo. (b) Inprimis mando quod filius mera Infans D. Sancius , quem habeo de Regina D. Urraca, babeat Regram integtc , <£<• in pace. Et st iste mortuus fuerit sitie seinine legitimo , maior filhts quemcttmque habnero de Regina D. Urraca , babeat Regnum meum integre , & in pace. Et si filium masculurtt non habuero de Regina D. Urraca , filta mea Infans D. Lianor , quam de ipsa Regina habeo, babeat Regnum. Et si in tempore mortis mec filius meus, ir filia , qtti , vel qtuc debuerit habere Regnum , non babtterit roboram , :ic ipse , vel tpsa , éf Regnum in potestate Vassalaram meorum quousque bab at roboram. Et si in die mortis Rtf', filius meus, vel filia , qui vel q:u loco vieo regnaverit , roboram habucrit , mando ad meos Ricos- bomines , qui de me tenent , vel tenuerint meos Castcllos , quod dent ipsos Cattellos filio meo , vç£, filix me£ , qui vel qtu loco meo regnaverit , quando roboram habuerint , si- cut darent illos mihi. Existe no Real Archivo. (c) Inprimis mando , quod si ego babuero filios de muliere legitima , maior eorum babeat meum Regnum integre , eb- in pace. Et si filios másculos non babuero de muliere legitima , &• habuero tnde filias , maior eantm babeat meum Regnum integre , &• in pace. Et si filiam legitimum , vel filiam legi- timam non habuero , mando quod Frater m:us D. Alfonsus babeat meum Regnum integre , &- in pace : &■ se ipse mortuus fuerit sine filio legitime , vel sine filia legitima , mando quod Frater meus Infans D. Fernandus babeat meum Regnum integre ) , tratavao , e resolvião os negócios mais graves. Não tinhão estas Cortes natureza differente da de qualquer Junta menos solemne , ou Consulta Secreta, em que os Reis muitas vezes ouviáo os Bispos , e Grandes (c) da Cor- de seu filho D. Pedro para a legitimação dos filhos , que tinha de Dona Ignez de Castro , o trata de Filho primogénito herdeiro. (íí) Vej. a Memoria IV. §. 35. (/>) Memoria III. §. 12. (c) A cada passo vemos desde o principio da Monarchia nas Derer- minaçóes , e Resoluções dos Reis as expressões do ccustnsG , e conselho dos Grandes. Na Escriptura de Privilégios dados á Villa da Corneihà pelo Conde D. Henrique em Dezembro de 1O97 (e 1ue se conserva no Real Archivo em hum Livro intitulado Dextrcs foi. 200) diz o Conde : Consensientibus nostri Palacii Maioribus, Na Carta de Privilégios conce- didos aos Templários por D. Affònso Henriques com data das Non. Je Abril da era iip6 ( an. 1158) que se conserva no mesmo Real Archi- vo Gav. 7. Maço 3. num. 36 , e lançado no Liv. dos Mesrrados foi. 16 -jí. , e se póJe ver na Nova Malta Part. 1. §. $6 pag. 111 , diz o Rei : &■ de his , que ab hodierno die meo comeiwt , vcl consilio bonornm viroruiu adíjuisiveritis , Scc. Na Doação, que EIRei D. Sancho II. fez da Villa de Mertola ao Commendador d'Alcacer D. Paio Peres , diz : De consen- su, <&■ auetoritate ineorum Procerum (conservase no Liv. dos Foraes , e Doações de D. AfFonso III. foi. 147). Lm Carta do mesmo Rei dada em Coimbra em janeiro da era 1267 (an. 1229) citada na Nova MaUa Part. 1. pag. 144 se diz: De consensu , &• auetoritate Episeoporum , > seu reinado , diz : Barones nostros , <&• alios de Consilio nostro , <ò- quamplives altos Sapientes bic • auditis à nobis plenitis in- tcllectis de predkinrnn: Consilio en sobresto ouvi Conselho com D. Gons.ilo Garcia, e com d Dom Joham de Avoim meu moordomo, e com Dom Steve Annes meu » Chanceler , e com aqueles da minha Corte , e do meu Conselho , que j> hi eráo , &c. Mando , e defendo , &c. i) Em outra do mesmo Rei (e que se acha na mesma Collecçáo) ditada em 27 de Janeiro da era de 1302 (an. 1264) diz ElRei: «Eu houve conselho com meu moordomo-mayor , » e com meu Chanceler, e com meu Mcyrinho moor , e com os outros » do meu Conselho.» ElRei D. Diniz em Lei dada na Guarda ein 31 M.irtim Dade Alcaide de Santarém , e com D. Mem Roiz meu Por- n reiro rr-vor, e com Esrcvam de Rates, e com Aftbrtso Soare« , c com d Ruy Gomes, e Sueiro Peres meus sobrejuizes, e com outros do meu ji Conselho, Scc. 1 Vejáo-se as Leis de D. Aífbnso III. de 18 de Março da era 1312 (an. 1274) que se acha no Liv. das Leis Antig. foi. 59, no Foral antigo de Santarém foi. 33 ^. , e na Ordenaç. AíFons. Liv. 4. tit. 49 ; e a dada em Março a par ) , veremos que são 13 io (an. 1272) que se acha no Liv. das Leis Antig. foi. y col. 1. ate col. 2. do -fr. , no F0r.1l antig. de Sanearem foi. 31 -fr. , e na Oram. jljfons. Liv. 3. tit. 48 e 70 §. 1. , e Liv. 4. tit. 10 §. 3. E dahi por diante se acha a cada passo nas Leis de D. Diniz , e nas de D. Affon- so IV. , e D. Pedro I., e D. Fernando a expressão de Conselho de minha Cone. Era a Corte o único Tribunal Supremo , como veremos adiante. Vej. também a not. 17. (rf) Se das expressões dos Soberanos de haverem o consenso dos Prela- dos , e Nobres , que se vêm na nor. antecedente , se não tira que estes tivessem pane no poder legislativo , muito menos se pôde tirar das suas sobscripções , 011 firma3 , as quaes apparecem cm qualquer escriptura de Doação , ou outro Contracto , em que mal necessitaria do consenso de outrem hum Soberano , não o necessitando qualquer Vassallo propriera- rio. E bem claramente se vê que taes firmas etáo como hum formulá- rio. l.° Porque nem sempre os sobrescriptores (ainda quando os seus no- mes se seguião as foimulas t]ni presentes fuerunt , ou coram idoneis testi- ins) cstaváo presentes: donde vem a:harem-se a cada passo entre Bis- pos existentes os de Igrejas vagas, escrevendo-se : Ecclesia N. vacac. A Jgreja N. vaga. 2." Porque os mesmos Notários , por quem ordinariamen- te erão escritas as firmas , põem os nomes de Infantes apenas nascidos. 3-c Porque nas mesmas escripturas origmaes , muitos annos depois da sua cata se hiáo acerescertando as firmas , como v. gr. depois da do Bispo , que vivia ao tempo da factura delias varias dos seus suecessores ; do que se podem ver exemplos no Elucidário verbo Firma III. 4.° Porque nas copias se trasladaváo as firmas ; e de ordinário não faziáo mais que co- piar a escriptura primordial , e nuuljr-lhe a era da primeira data para a corrente. (/>) Por exemplo no preambulo das Cortes de D. Affbnso II. do an- no de 121 1 , do modo que se acháo em o Livro que tem por titulo . Leis, e Posturas antigas se diz: a No anno pri-neiro, que reinou o muy ji nobre Rey de Portugal D. Affbnso II em Coimbra fez Corres, ji em as quaes com conselho de D. Pedro Eleito de Braga , e de todos d os Bispos do Reino, e dos Homen? de Religiom, e dos Ricos-homcs , )) e dos seus Vassalos, estabeleceu , 8cc. » Nas que houve em Coimbra 1 D. Sancho II. no principio do anno de 1229, e que consrão de hum» Carra , que se acha no Real Archivo Gav. I. Maço 2. num. 7 em Ins- trumento da era de 1345, lançado de leitura nova no Liv. 2. da Beira das Sciencias de Lisboa. 3 (Sr) são inteiramente as mesmas: cm humas, c outras só vemos aplicadas aos convocados , ou consultados as palavras come* Tom. VII. Part. I. Ana lho , foi. 530 f. , dizendo no Preambulo: Constituais apud Colimbriam in Cu- iíj me.i , presente Sanctusimo Pdtre Dito Cardinali J. (João Fróes ) Dei grada Sabinch. Episcopi Apostolice Scdis Lcguto , rogatti , & auetoritate ejfíídcm Leg.iti , de consenso , Sc auetoritate Episcopormn , <ò- Procerum meo- riim .... Staruo &• concedo, Sc mandato, &c. (Tr.ua da reedificação , e povoação de Idanha a Velha) Conclue : Actttm apud Colimbriam er. 1267 mense Januarii in Palácio Colimbricnsi , &• presente Sanctissimo Patre me- tnorato Legato Ecclesie Komane , Episcopormn , &■ Procerum , • Populus Kegni mei + sentientes inde se gravari , &' dicentes quod ego me de jwe , nec de con- suetndine boc facere poteram , «ff debelam; p?rierunt liurmlirer snp.r boc cw riam convocar! , <&■ qtiid inde fieii , -ó- servari debeat , in ipsa Ctina defi- nir!. Et ego ad eorum instanciam feci Arthitpixopum , iremnes Episcopos , &■ Baroms, Religiosos, ponderunt . . ... quibus vists , ó- auditis , d nobis pleiúus intcl- lectis , de preátctoriun consilio , Sc mandato . . . prununeiamtis , &c Nas Cor- tes de Santarém publicadas cm 30 de Maio da era 1369 (an. 1331) de- pois de se dizer que « forom hi juntados todos Prelados , e todolos Ki- » cos-homens , Priores, c Abbades , c Cavaleiros , e mu;tos homees boós 1 do conselho de todo o seu Senhorio (d' El Hei D. AfTonso IV.)» co< 57° Memorias da Academia Real lho, consulta, consenso , &c. ; ao Soberano porém as de orde- nação , determinação , vontade. E se nas Cortes se nota al- guma differença de expressão , he toda a favor da Sobera- nia do Rei ; porque dando ordinariamente motivo á convo- cação delias necessidades , ou interesses públicos , c sendo admittida a voz dos Povos, ha alli sempre Representações , e rtipplicas , quando nas privadas Consultas ou Juntas só havia pareceres. Ainda prescindindo das expressões , que nem sempre são exactas (a) , basta reflectir na causa , e modo da con- vocação das Cortes , no efleito dos votos dos convocados; e nos meça .1 Rcprcscnuç.io : u Estes som , Senhor , os agravamentos , que i os vossos Concelhos recebem, e pedlsmos-vos por mercê, que lhos quei- í raes correger. » E conclue o Instrumento: « Das quaes graças, e mer- » ces o dito Snr Kl Rei mandou dar o treslado , 8cc. n E a mesma frase de pedir por mercê repetem em muitos dos Capítulos destas Cortes. Na Lei do mesmo Rei passada cm consequência das Cortes de Lisboa da eri I$pO (anno 155^) vemos: «Porque nos foi dito, que os nossos Pouoo? » recebiáo alguns aggravos dos nossos Olficiaes , mandamos dizer aos Con ■ » celhos de todalas cidades de nossos Senhorios , e de algumas vi as s assinadas, que entendíamos que melhor, e mais compridamente no? s podiáo dizer , e enjormar , per qual guisa as ditas Vilas e Cidades , e » lugares podião seer tornadas a seu estado , e agravos corregidos . . . « que nos enviassem dois homees de cada hú desses Concelhos para veer- 1 mos o que nos dissessem , e ordinbarmos sobre el!o o que entendesse- i. mos que era mais serviço de Deos , e nosso, e prol da nossa Terra: d os quaes .... veerom a nós , e mandámos-lhes que acordassem todos u sobre as ditas cousas ; e eiles .... acordarem algúas cousas , que to- » dos nos deráo em escrito.... E pedirão-nvs por mercê, que o quizes- ji semos veer , e correger . . . e que puzesse determinaçom em cada hum j artigo , qual nossa mercê fosse , &c. i> (a) O mesmo , que advertimos na not. 9 do Cap. I. desta Memoria acerca da pouca exacçáo das expressões nas escripturas , que do umen- táo os suecessos da notsa Historia , se pôde dizer em particular das ex- pressões , que vemos nos preâmbulos das Cortes , ou nas relações del- ias ; onde ás vezes ajumaváo as que significáo conselho com as que ex- primem mando , como se vè em alguns dos exemplos apontados na no- ra antecedente. Portanto assimeomo as expressões nestes monumentos não dão por si só hurra demonstração da Índole das Cortes , assim também alt»uma incoherencia , que nellas haja , nada pôde diminuir a prova , que resulta da combinação do que dava causa ás mesmas Cortes , das pattes , q'ir nellas manifestamente competi âo ao Rei, e aos Vassallos , e dos ef- fetos , e tonsequ:ncias do que a! li fora decidido, e determinado. OG nAsSciENCTAS DF Li SR O A. %" t nos estabelecimentos, que se lhes substituirão, para se conhe* cer com evidencia a sua natureza nada modificativa do Gover- no puramente Monarchico. He do ofiíeio do Monarca manter os direitos, e interesses de cuia hum dos seus Vas^allos , c o bem commum do Reino com a promulgação de com- petentes Leis, c providencias; mas sendo sempre sua a de- terminação , podem comtudo os meios para chegar á forma- ção delias ser differentes , segundo o estado das cousas. Na infância da Monnrchia não tendo ainda os nossos Reis es- tabelecido Tribunaes para a inspecção, c conhecimento dos diversos ramos da administração publica , nem Ministros ter- riroriaes , por cujo meio podessem chegar á sua Real pre- sença ou os males , que exigião remédio e emenda , ou as necessidades, c conveniências, a que cumpria prover (a) ; era de necessidade convocar os Congressos ; que represen- tassem a nação (Z>) , a que chamarão Cortei (c) , aproprian- Aaa ii do- (rf) Já notarão isto os nossos Publicistas, \eja-se o que se diz na Deduc. Cbronol. P.irr. I. Divis. 12. §. 669 aré 674. Francisco Coelho de Sousa e Sampaio PreUcÇ* de Direito Patr. Public. Patr. 2. nt. *. Cap. 1. Faschoal Jo.ic de Mello ftlStit, Jnr. /'/;;'/. Lmit. v.'. 1. §, 4. d* IH UOt. Veja-sc também a Nova Histor. de Malt.i Part. ;. nor. 106. (/') Já 0 sábio Lente de Diplomática rm huma Memoria sobre as Fon- tes ilo Código Filippino (que sc acha no Tom. 2. das Memor. de Luu- r.lt. da Academia Real das Sciencias de Lisboa) e«crevco na Secção 1. sobre as fonres internas, e que trata das Cortes, htima Dissertação P-e- Jiminar sobre as Corres em geral, onde declara náo tratar de a definir n .'. verdadeira natureza «las Cortes em bum Ktino Monarchico , e ab- >i soluto como o nosso (qua! se acha doutamente já exposta na Deduc- 1 ílo Cbronoiogica) ajuntarei anres (continua elle) nesta Dissertação al- ) gumas idéas geraes sobre a Hisroria das mesmas Corres, &c. i> Como porem essas mesmas idéas são pela inaior parte tiradas de Cortes poste- xiores á nossa época , em cjue se tinhão acerescentado dners^s formali- dades ; aqui só tratamos da natureza das nossas Cortes , segundo se pra- ticarão nos tempos primitivos , e que cahem na presente época. (c) Na Dissertação citada na nota ant 'ced nt.- adverte o seu Auror que as Cortei rambem cráo conhecidas pelos nomes de Concelhos , ou Ajun- t amentos , citando as Corres de Lisboa da era 1442. Nós restringindo- nos ao tempo da nossa época , notaremos , que nos primeiro^ tempos se lhes dava também i> vezes o memo nome , que aos Congresos dos grandes e pessoas do Conselho dos Reis , com quem estes conferiáo as -, - 1 Memorias ha Academia Real do-lhcs o nome, que davão ao seu privado Concelho. F.rão estas convocadas pelo S-.berrno, quando lhe aprazia (tf); e ord:nar:amcntc em consequência de queixas , que os Povos lhe Iiivuío feito, pedindo-llw por mercê , que ncllas proves- se, como sua mercê fosse (b) ; frase, que tanto mais prova a cousas iio interesse do Estado, pois chamando a estes Congressos ni lin- guagem Latina, de que então Uslvno , Curtam Suam , assim appeilidavso tampem as Cortes. Fazendo EIRei D. Sancho 11. menção de Cottcs , c|tic tivera em Coimbra, como vimos n.i not. ( /' ) p.i^. ]0H , diz: in Cúria ?iií.. , e no Foral que deo a Idanh.. .1 Velha , fallando nas mesmas , d:z : in Concilio gener.íli. No Preambulo das Cortes de Leiria do Snr. D. Af- tonso III. cm Mirço da era 1202 (an. i2>.i) ( c,ne ?e achão no Foral antigo de Santarém rol. 27 e seguintes ; no de Beja foi. 14 e seguin- tes , c no Liv. d<- Leis antigas lol. 4 e segu, mes) se diz : Domnu* Al- fi 'íucs . . . r.7fí'i.ivit suam Cutiani .... cmn Episcopis , ) Já na nota (b~) pai». 568 vimos estas expressões nas Cortes do Snr. Rei D. Altonso IV. ; e ficarão sendo como de formulário dahi em dian- te , como se pôde ver nas Corres d' Elvas do Snr. Rei D Pedro I. de l?, de M-iio da era 1300 ( an 15^1) Síc Yeja-se também o prí.:mbu!o tias Cortes do Snr. [). bernardo em Leiria na era de 141O (an. 1572). Não podemos deixar de transcrever aqui o preambulo das que o mes- mo Snr Rei teve no Porto no mesmo anno : a Fazemos saber , que D conssyrando nós como o estado rreal , que teemos per Deus nos he » dado pira reger os ditos rregnos , e mnitecr os nossos poboos em 11 dereito , e em justiça ; e boons costumes , o que a cada huum my 1 rabe de fazer ; porem com a ajuda de Deus pelo encarrego do rregy* x m nto desses rregnos, e poboo seja melhorado, e aer , e acresetnta- » do , e cada hum viua seguro, como deve com direito , e justiça, fe- » zeros noss s Cortes na cidade do Porro, aas quaes mandamo. vyr 1 dous homees bons de cada huumas cidades e villas dos nossos rregnos, Oõ das Scifncias de Lisboa, g 7 j .1 convicção , que tinhiío da sua subordinação , quanto i Pomiguezes forao sempre os mais zelosos da conservação de rodos os seus foros, e privilégios, li ta prova se err - bora com a maneira, porque alli mesmo procedião os Reis, deferindo a huns artigos, ou inteiramente, por acharem ser do seu serviço, e prol da terra, ou com limitações, e ex- cepções (a) ; escusando, e rejeitando outros; e em todas as r pen merinos conselho , e acordo com çllcs . . . dai cousaa , que era d seruiço de Deus, e nono , e prol dos nos os poboos, que p.ira vce- 1 rem , e consyrarem como, e cm que maneira sse podia correger , e i) melhorar o rrepmento dos diros rregnos , e poer rrefreamenro » se nom » tazerrm em ellrs males, nem outros d mos; e outro sim para nos de- » zerem alguuns agravamentos, se os de nós, ou de nossos offictaea , » ou cioutroi pujciooos rrecebiom , pata os mandarmos cofregei tom de- r> reyto , e iguisado , e Ih y s fazermos merece , como a nó? cabia. 1 Se- melhantemenre se havia exprimido no preambulo das Cortes de Lisboa do anno antecedente, li a Frase de /v./ir per mercê a repetem muitas ve- ves os Povos nos artigos , que propõem. ( 1) Apontaremos aqui as re^post is a alguns artigos das Cortes. N'o ar- t;go \6. das que teve em Santarém o Snr. D. Aftbnso IV. na er. i$6o (jrt. K$i) em que dizem os Povos: o liem. Cada huma villa houve sseu D teermo assinado , que lhes foi dado em sseu foro , c depois a algouas » villas foi filhado dos rermos co""a vontade d"s Concelhos , h7er.'.o x cm alguns lugares villas dessas aldeãs, e este agravamento dizem que » receberam também per vós, como pelos Rc)>, que ante torom. R. r diz !".IRey, que el , e os Revs , qt;e ar.re el forom íízerom e=ro ern x algaras lugares para se pobrarem melhor as Terras.. . e diz que cada x hum Rey pode esto na sua rerra per tal rasom fazer , &c. n No ar- tigo 17. d.zem , que muitas vilUs tem p'jr foro, e por pr.viiegio n que » nom sejáo dadas em prc«rimo , nem em doação a Rico-homem, nem x a Cavalleiro , nem a hordeem , nem a Igreta . . . mas que seta sem» x pre ifelRcy . . . . c dizem que depois lhe roi britado este foro pelos x Reys , e forom dadas a Igrejas , e a hordeés , e a Kicoshomeès , Scc. » e que cm esto forom, e som muito agravados. R. D 2 F.lK v , que » lhe mostrem o que esto ouverom por foro , ou por privilegio , e que x fará hv aquello , que for dtreito. » Ao arngo 46. sobre o virem as ap- pellições a Corte, diz: « que cl fará hi o que deve, de guisa , que ^e x poesa hi comprir direito e justiça x Ao an. 47 diz: «que não da , nem x dará as Cartas, de que se queixáo , sano quando nir que lie seu ser- x viço , e bem e prol da rerra. x No arr. <6 : u Item, Senhor (dizem) x som os poboos muro agravado! pelas Cartas d'espaços , que dades a x muitos que som obrigados a mercadores , e a outros , que ham mesret x o seu , e per esto o nom poJ.ni -uer. l< . M.z EIRey , que Cattas x dcspaços que as deu ata aqui porque reencetáo algúa3 cousas na Má 374 Memorias da Academia Real as respostas fullanJo como Soberanos nada dependentes do con- y> tcn.i , em qu. lhe compria serviço dos lilhos d.ilgò, e des outros , a t i]uf ti ouve r.izcm de fazer estas gr.iças ; c diz cjnc as noni dará daquy ,)> adeante , salvo quando vir que compre por seu serviço, e prol da ter- i) ra. )i Nas Ctrtes , que o mesrro ÍMir. teve em Lisboa er. 139c ^1352) deferindo EIRei ao arr. 7. por adiar racionavel a proposta, diz: ateemos ) por bem de lhes lazer em eiío graça, e meercè. » Ao art. b\ defere tom huma excepção. Respondendo FIRey ao arr. 15.; ti Item ao que % dizem , que stua nosso serviço e prol da terra , que as medidas do » pam , e do vinho , e do azeite tossem todas húas por todo o nosso ji Senhorio , c os pesos outro si. Respondemos que porque esto tan. e a ii nuiros outros contei hos , que a esto nom foroni chamados, nem pre- >. zentes , que poderiam dizei algúas razoens se pttzentcs lossem , pi r- )i que se cito nom deuia de F.;zer, e alguns dos que aqui eram contra- )i disseram . que por esso o queremos veer , e consyrar o que mais for )i nono nrvi^o e prol da nossa rena , e assi o mandemos fazer. » Ao ar- tigo 21 : a Item ao que nos dizem, que ha pouco tempo todalas herda- )i des do nos-o Senhorio sseriam das Eigrejas ; porque a moor parte dos » que passarom , e passam deste mundo , lhes leixarom , e leixom gram » p rte u.i» herdades que ham ; e que seria nosso seruiço de mandarmos d que se nem fezesse ; moormenre que as Eigrejas teem tantas herda- ji des, que as nom podem aprofeitar e disperceo, e fazem-se mattos ; e j que seeria nosso seruiço de serem dadas pelos nossos sesmeiros a al- » guus que as proleitassem ; Respondemos que seria contra dereito , e n contra razom de puermos deftza que nenhuú nom podesse deixar her- d d. de a Eigreja , Scc. n Finalmente no 24. art. tendo rematado respos- ta : ti faremos sobte ello o que for mais aguisado » conclue : a Forque vos » m.ind.imoa que .omprades , e façades as ditas cousas , e cada huúa del- v las per a guisa , que per nós he mandado. Unde ai nom façades. » Nas Cortes , que o Sftr. Rei t). Fedro I. revê em Elvas na era de 1309 (1361) em resposta ao 6. artigo diz EIRei: a que se guarde pela guisa » que foi mandado per nosso padre em esta tazom , e posto que o fei- » to d'almotaçaria seja tal, que tanga a pena corporal, qiicrendoJbes nós ji sobre esto lazer graça , e mercê, mandamos, &c. » Ao art. 13. defe- re-! he : ti nom tmbargan.io (diz o Rei) o conttadizimento dos morado- » res de Santarém , e do Porto ; ca esto avemos pot nosso setviço , e )> prol geral do nosso regno. » Ao art. 15. a respeito do trage das mu- lheres publicas não defere, e diz: u mandamos que rragam seus vestetis , d como os poderem auer ; porque perderiam muito em nos panos , que d teem feitos , e em nos adubos que em clles tragem. Ao art. 25. Res- j> pondemos (diz EIRei) que nos mostrem tal ordinhaçom se ahy ha, ii e ve-ia-htmos , e taremos aquello , que entendermos que he nosso ser- » viço , e prol de nossos naturaes , de guisa , que se faça rodo com de- i) reito , e com aguisado. » Ao art. ,2. : tt Respondemos que nós enten- 11 demos sobre esto fazer ordenhaçom qual entendetmos que seerá mais d nosso seunço, e prol da nossa terta, de guisa, que nom recebam agrà- > uamento os do r.osso povo. 11 DAS SctENCIAS DE LlSBOA. 3?? concurso dos súbditos para as suas Resoluções, as quaes fi- ca- Nas Cortes , que El Rei D. Fernando tive em Leiria na era de 1410 (an. 1572) em o Cap. 3. requerendo os Estados que elle revogas- se as amplas doações ate ahi feitas , responde : a A esto to. 'o dizemos , » que elles dizem bem ; pêro consynnHo o caiamcnto , em que está o 1 rre]no em este tempo dora , entendemos que sem grande escândalo 1 não poderíamos ora esto mudar , mas prazendo a Deus de se correge- 1 rem os feitos , como nós teemos em talanre de se fazer por honra nos- » sa , e da nossa terra, nos entendemos esto de correger, e da manei- I ra que comprir. n No art. 5. : « A este artigo dizemos, que nós bem í sabemos , que alguús danos receberam cm tempo que durou a guer- II ra , e nós fizemos o que pndrmos fazer por se corregerem ; mis esro , » que eles dizem nom se poderia fizer a tal tempo, n No art. 6. : 1 Item » ao que dizem que para nós liavermos nosso rre|no , como bom Rey , » que víssemos todos os do nosso Senhorio , a que crescerão, e crescem ji as grandes riquezas des pouco tempo a cá no nosso Senhorio , e man- 11 dassemos » elles que dessem ao rre|no do que houuerem aquello que I entendêssemos que era nosso seruiço; pois que do nosso, e do seu ou- j veram que elles tinhão baixellas, e rhesouro de prata, e ouro; o que II nunca teucram outros senhores, nem cavaleiros; e que por esto se re^ n gia nosso reino, segundo nos dito aviam. A este artigo dizemos, que b se acontecer tempo alguú de mester , que esses que as si são ricos ave- n ram de sofrer muitos encarregos , e maiores cusros de guerra , e que n nom he sem r.izom de teerem para o til tempo algmn cousa , com que 1 possam servir. 1 No art. 18. : « Item a este artigo dizemos , que nós * nom podemos mandar vender nossos gados , que os avemos mester pa- 1 ra mantimento da nossa casa ; e escusaremos per hi de nom tomarmos 71 os gados dos lavradores , e os outros , que sobe|arem mandaremos le- I var ao dito campo d' Ourique; e se alguú damno fezerem , mandamos tj ás Jmtiças que o façam cotreger áqueiles a que for feito, pelos bcês II daquelles , que os guardarem, n No arr. 22.: 11 e quanto he na parte t das rendas , nom deue aver por sem rasom haverem de seer rendeiros 1 aquelles , que por cilas mais derem, que esto faz cada huum, e he 1 rasom de fazerem nos seus beens e cousa que reem. » No arr. 24. : 1 dizemos que nós nom avemos esro por nosso serviço , nem por bem * da terra ; de mais que esta he húa das mais princ pães cousas , que o i Rey ha na nossa rerra , c que a nenhiiú nom pôde, nem deue vir por » dereito , e que de presumir he verdade que mais comprida mente será 1 olhado, e guardado o dereito das partes por os da nossa merece, que 1 som letrados , e entendudos , que o» escolhemos para esto, qie pélas di* * tas vilas c lugares que nom hão rant.i rasom de saber, d Nas Cortes do IJorto di mesma era diz o dito Siir. Rei : « Respondemos , e manda- 1 mosque querendo fazer graça e meceoe a nosso pouoo , que seja alça- 1 da a aliiiotaçaria , que per nós loi feita, a No art. 15. : o querendo nós 1 fazer graça e mercee ao nosso povoo em esto, J Memorias da Academia Real cavao rendo força de Leis (a) ; c como taes se publicavao por rodo o Reino (*) . Se » ^oruitmos que nos querendo fazer graça , e mercee ao nosso povoo , )i que lho outorgamos pela guisa , que per el he pedido, » Nas Cortes , que o Sor. Rei D. Fernando teve cm Lisboa em Se- tembro da era 14011 ( an. 1371) Art. 10: «A este artigo dizemos, que j esto tínhamos mandado, e ordinhado ante que nos fosse pedido, e olhan- » do per nosso seruiço , e prol dos moradores d* nossa terra , querendo a fazer graça e mercê ao nosso poboo , mandamos que assim se guarde , e d mandamos aos Juizes , que assim o façam guardar; e se alguús tezerem D o contrario , mandamos que se estranhe como he mandado no art. antes ]i deste , e mandamos aos Juizes de cada huú lugar que façam poer auon- s damento das viandas em guisa, que per mingua delias nom se »ja de j fazer outra soltura : e se os Juizes esto nom fezerem mandamos aos ji Corregedores que lho estranhem grauemente , e lhes façam correger pe- « los seus beês toda a perda , e d;imno , que per mingua , e negrigencia ji deites alguús receberem; e essas viandas, que assi teucrem , mandamos D que as nom tomem senom aa vontade de seus donos ; como per nós he d mandado. » Art. 9. 1 Ao que dizem ao 20. art. que som agrauados , co- ji mo seja outorgado pelos Reys, que ante nos forom em Cortes; que os I Concelhos ajam Juizes, e Vereadores segundo seu foro; e que nos em d alguús lugares poemos Juizes, e regedores, per nos, a que mandamos d dar mui grandes mantimentos das rendas dos Concelhos , que lhes a el- II les seria mui melhor para outros muitos encargos, que am , e pediam-nos s por mercee, que os quiséssemos dello desagnuar ; e mandássemos, mie I ouuessem Juizes, e Vereadores do seu foro. A este artigo respondemos, )i e dizemos , que se esto fezemos hc por seerem as cidades e villas me- II lhor vereadas , e se fazer dereito mais compridamente ; e porque esto he ji prol de todos os mor.idores das villas e lugares, por tanto entendemos » bem que he nosso serviço de os hu aver em tal tempo, como esie. » No artigo $1. : «A es;e artigo mandamos , que se guarde o que per nós n he mandado em esta razom , cá ouvemos informaçom , que muitos eram 11 pousados , que nom aviam idade , nem outra razom avondoza pêra o y ser ; e perdiamos os nossos dereitos , que aviamos daver delles , &c. » Art. 36 : u A este artigo dizemos , que em quanto fezermos moeda , nom 71 podemos escusar , que nom ajamos de comprar ouro , ou prata pelas d necessidade do nosso reino , que podem recrescer, &c. » Art. 61. u À es- )i te artigo dizemos , que elles nom devem aver por sem razom de nos ji leu, rem viandas quando alguús dias guiriraos andar a nosso monte , e n elles noiíi podem receber perda , &c. » (d) Assim como quinto as Respostas a Representações especiaes de alguma cidade ou \ ília ficaváo servindo estas de Regimento invioLvel; assim quando se referiáo a Repr sentaçóes geraes dos Três Estados , em matéria , que i iteressava a todo o Reino , ficava em Lei geral para rodo elle. Isto he incontestável. Comtudo apontaremos alguns lugares dasSciencias d k Lisboa. 377 Sc os nossos Reis dependessem daquellc concurso , Tom. VIL Part. 1. Bbb ,; quan- de Cortes, da nossa época , que expressamente o rrostráo. No art. 2}. das Cortes de Lisboa de 1352 diz o Síu. Rei D. AfTonso IV. gadoa : a este airigo respondemos, que nos mostrem os privilégios, que » im , outro sy liberdades, foros, costumes, e confiimarlhos.mos como j couber em razom , e aguisaJo , e ja dello maneámos dar nossas Carr s » .1 alguús Concelhos. » Nas Cones de Lisboa de 1371 ao art. 101. d z 0 Snr. Rei D. Fernando : « Pulião-nos par tnercee que mandássemos que t> lhes seja aguardado todo aquello, que pelos ditos nossos Avoos , cl- 1 Jre lhes foi outorgado em suas Cortes, e que nom valha Carta, que ti passe pela nossa Chancellaria cm contrario dello ; e desto que agora » aqui foi outorgado per nós , que as Justiças o aguardem , e nom con- ti sentam que vaa .mitra ello. A este arrigo respondemos, e dizemos, » que a nossa tençom hc de vos guardarmos todalas graças , e mercees ri que vos forem feiras per nós , c per os Reys , que ante nós forom , » e acrescenrarmos em elles ; porque sondes nossos naturaes , e per o » muiro serviço , que nos , e os Rcys que ante nos forom , receberom n de vós j e nom entendemos de mandar dar Cartas em contrario dello , 1 salvo quando chegar razom tal, que com dereito , e aguisado as deve- 1 mos de outorgar. » (*) Das Resoluções dadas pelos Senhores Reis sobre os Capitulos ou Artigos das Corres , mandaváo elles dar copias aos Procuradores das Cidades e Villas, sendo este o me;o , por que naquelles tempos se pu- blicaváo as Liis, ou Ordenações Regias poi todo o Reino. No fim das Cortes de Santarém da era 1369 diz o Snr. Rei D. AfTonso IV. : « D..s » quacs graçrs e mercês mandei dar o traslado ao Concelho da Cidade » de Silves , seelado com seu seclo de chumbo, n Nas de Elvas da era 1305; diz o Snr. Rei O. Pedro: a E cm testemunho desto mandei ao 378 Memorias da Academia Real ^ quando seria ellc mais indispensável, que nos negócios da maior ponderação do Reino, quaes são declaração de guer- ri ; ajustes , c contractos de paz ; imposição de tributos ? Comtudo para estes actos os mais capitães ilos Direitos ma- jestáticos não vemos se congregassem Cortes (a) nesta épo- ca. » Concelho, e Homces boons da Cidade de Coimbra dar esta minha Carta I escripta em quatotze folhas , e lauda deste livro , dada em Elva3 $0 » dias de Maio. EIRey o mandou per Lourenço Esteves seu vassalo. II Martim Vaasque d' Oliveira a fez. Er. 1599. » ( devem sser guardados, o No art. 3. : « Item em al«uús logates levam x maiotes portagens, e de mais cousas, que soyam de levar. A este ar- 11 tigo diz EIRey, que lhe digáo aqueles logates, hu levam maiotes por- ji tagens que sohyam , e daquelas cousas, de que nom sohiam de levar, » e fará que as nom levem dellcs senom segundo seu foro, e seu cos- » tume. d No an. 5. : a Item. Alguús Concelhos ham seu foro que nom j paguem jugada se teverem cavalo , e dizem que usarom sempre que ji se tevesse qualquer, a seerem escusados delia, e ora constrangenos que » tenháo cavalos de certa quantia. A este attigo diz elRey, que aquele s que se quer escusar de nom pagar jugada por teer cavalo, que razom j he de teer tal cavalo , con que possa servir , e a hu os Reys por tal » razom quitarom a jugada , que he tributo real , nom parece , nem he * semelhança de verdade que a quirassem por teer cavalo, con que nom » podessem servir , nem defender a terra , mais em nos teerem taes seer a |a estragada a terra , e mingoa , e vergonça : e assi parece que nom » som agravados de lhes mandarem reer cavalos , con que possam ser- s vir.» No art. 24.: < Item agravante da dizima, que levades tanto que » a Sentença he dada ainda que se nom faça execusom , esto se faz tam- a bem na vossa Casa , corno em muitas terras , e o que he maior agrava- DAS SfilENCIAS DE LlSBOA. 379 ca. A prorogação, ou dissolução das Cortes igualmente de- depèndia do arbítrio, c vontade do Príncipe. Do que tudo se faz evidente quanto a natureza de taes Congressos era difterente da daquellcs, que por suas Leis funda mentaes são obrigados a convocar os listados, em que a forma do go- verno não he puramente monarchica. O principal motivo, que dissemos ter dado origem á pratica da convocação das Cortes , isto he , a falta de Tri- bunaes Régios , e de Magistrados locaes , o veremos con- firmado pelo discurso da Historia , no qual notaremos , que Bbb ii fo- x mento, cm algúas Vilas, c logares us levades pelo seo chamamento, » ainda que hi nom aja condenaçom , porem vos pedem por merece que ho x queirades correger. A este artigo diz elRey que se guarde esto nas ter- ii r is , em que se costumou , e se tiovuo em cilas des grande tempo a ca , x quanto he na sa Corte manda que nom levem dizima, nem vintena da- » qny adiante ata que tirem a Carta de execusom, ainda que a Sentença x seja dada , e des que aCnrta de execuçom for terada , leve elRey to- x d.ivia a dizima do Caho ; e quanto he das penas , e das custas, nom le- s vem dizima senom de quanto se fezer a execuçom, e se a parte quiser » Carta tcstemunhavyl da Sentença, e nom da execuçom, denlha, e noiii x aja hi por enJe dizima nenhuma.» No art. >.i.: ti Item recebem grande n agravamento de que levades a dizima de demmdador , se a nom podem x haucr do demandado. A este artigo diz ehvey , que ja mandou que x a nom levassem do demandador per tal guisa , porque en tempo 3e x sei Padre a levavam por esta maneira; e se ainda hi ha alguúis di- x zimas pêra rirar daqucl tempo, manda que as nom rirem do demanda- x dor daquel tempo , nem daqui adeante. » Nas Cortes d' Elvas art. 4. : 11 Item ao que dizem no 4. artigo , que foi mandado per elRey nosso d padre que nom levassem os moordomos mais portagem que aquelas que * sohiam de levar , e que nom lcixam porem de fazer , pêro se quere- * lom desto as nossas justiças a que acham os porteiros em culpa dello x maivJ ilhes tomar esto que mais levam , sem outro escarmento , per tal x guisa, que a nom fezc.sem: a e»te artigo respondemos , e mandamos x que lhe seja estranhado , como no feito conver ; e para esto seja ch.:- x mado o almoxarife, e escripvam da Comarca hu se esto fezer , por se x fazer como deve , &c. » Nas Cortes de Lisboa da era 1409 (an. ipi) art. 7y. : u E na parte da portagem mandamos que a nom levem maior x que o que sempre se costumou de levar , e for dereito , e mandamos x aos nossos otficiaes que arrecadam , que assi o façam, x E no art. 91 : » A este artigo respondemos , e mandamos , querendo fazer graça e mer- x cee ao nosso poboo , que aquelles que forem pousados pela guisa que x devem sem outro engano, que nom sejam consrranjudos par» pagar es- x «as )ugadas. x 380 Memorias da Academia Real forão desapparecendo as Corres á proporção que forão tão vantajosamente supridas com o estabelecimento daquelles Ma- gistrados encarregados de diversas repartições , c constituí- dos em respectivos districtos, de cujos conhecimentos, ex- periência , e combinações devião sahir mais ponderadas , e acertadas consultas , ou pareceres do que dos particulares in- teressados , e muitas vezes cegamente apaixonados : conti- nuando alem disto os benignos Soberanos a ouvir para as resoluções do bem com mu m d<> Estado assim os do seu Con- selho , como outros Ministros de letras , e virtudes , e a ex- primillo nas suas Leis («) . E para que nem faltasse ao seu povo a satisfação, que podia achar nas Cortes, de recorrer immediatamente ao seu Soberano, conservarão a pratica das audiências, cm que qualquer dos vassallos tem accesso á sua Real presença , não em occasióes raras , como no tempo da pratica das Cortes, mas quasi diariamente, e não só em es- crito , mas de viva voz. Sendo de sobejo o que fica dito acerca da indole das nossas Cortes , só acerescentaremos em nota o catalogo das que consta se celebrassem nesta épo- ca (b). E estando já bem convencidos de que as diversas or- (rt) Veja-se Deducç. Cbronolog. Part. T. §. 671. (£) Não fallando nas Cortes duvidosas, que se dizem todas em Gui- marães pelo Conde D. Henrique n.i era de n 34 ( iOpf ) , a que Gas- par Estaco , Far.antig. de Portugal Cap. 12. num. 3 , e Cap. 25. num. 3, arfirma haver assistido S. Giraldo Arcebispo de Braga, authorizando esta asserção com a lenda do mesmo Santo no Breviário Bracharense ; acerca destas apenas se atreve a dizer Brandão no Liv. 8. da Monarchta Lusi- tana Cap. ij. : t Tomando o Conde D.Henrique o governo de seus Es- » tado , tenho por provável convocou logo Cortes a Guimataens ; de que » ha memoria em alguns Autores ; e nellas aconteceo o milagre que se * reftre na vida de S. Giraldo , &c. 1 Vej. também [-'ária Europ. Port. Tom. 2. Part. 1. Cap. 3. Apontaremos por ordem Chronologica, e com a declaração dos reinados, as que consta terem-se celebrado nesta época, citando os lugares , em que se acháo. D. Affonso I. cr. 1181 ( an. 1143). As cebres Cortes de Lamego. Monarcb. Lusit. Tom. 3. Liv. 10. Cap. 1 3. , Prov. da Histor. Gcneal. da Casa Real Tom. 1. pag. o n. 5 , Fana Europ. Poitug. Tom. 2. Part. 1. Cap. 5. n. 2. D. Affonso II. era 1249 C™- i*«0 em Coimbra. No Real Archtvo DAS SciENClAS DE LlSBOA. 381 ordens do Estado, que as conipunháo, não tinháo voz mais que - — » — * — ■ Liv. das Leis antig. foi. II, Ord- de D. Duarte foi. I, Fotal antigo de Santarém foi. 24 ate tol. z6 ~ff. atthbuidas ahi poi engano a outros rei- nado: algumas das determinações pertencentes a estas Cortes. D. Sancho II. era 1267 (an. 1229) cm Coimbra. Consta delias por duas Cartas deste Rei , huma dada em janeiro nas mesmas Cortes (a qual se acha no Real Archivo Gav. i. Maço í. num. 7), no principio da qual diz EIRei: a Constituiu; apud Colimbriam in Curtanuai e no fim: u in n Palácio Colimbriens. . . . Episcoporum & Procerum , Sc aliorum Nobi- d lium multiiudini afrluenti. 11 A outra (que se acha no mesmo Real Ar- chivo Liv. 1. de Doações de D. Diniz rol. 47, e repetida no Liv. 3. do mesmo Rei foi. 55 , e de que transcreve algumas palavras Brandão Mo- nateb. Lusit. Liv. 12. Cap. :6.~) pela qual dêo Foral a Idanha a Velha, dada e sellada apud Guardiam , e referindo ao disposto nas ditas Cortes , diz : a qui h.mc Civitatem Egttan, a longis temporibus propter inimuos » fidei desertam de novo populare mandavi apud Colimbriam in Concilio Generalis, Scc.v Ve)a-se Nova Historia de Malta Part. 1. §. 75. D. Affbnso III. eta 1292 ( an. 1254) Em Leiria no mez de Março. No Real Archivo resta memoria delias no Liv. 1. da Chancellaria do Snr. D. Affbnso III. foi. 6. -f. Varias leis feitas nellas se acháo no Foral antigo de Santarém foi. 27 e seguintes; no de Beja foi. 14 e seguintes; no Liv. das Leis antig. foi. 4 e seguintes; e na Ordenação de D. Duar- te foi. 18 f. e seguintes , misturadas com outras feitas em Coimbra a Lisboa. Vcja-se Monartb Lusit Part. 4. Liv. 15. Cap. 19.; Faria Europ. Tom. 2. Part. 1. Ca|>. I. num. 17. Er. 1209 (an. 1261) cm Abril em Coimbra. Delias faz menção o dito Rei em huma Carta de Lei (de que se pôde ver o extracto na No- va Malta Part. 2. pag. 182 §. 128) a respeito do levannrrenro do vãj lor da rr.ocda , dizendo: Sc Barones, Religiosos, Sc Communirates Regni mei apud Colimbriam 1 convenire , &c. » Delias faz n.enção D. Rodrigo da Cunha , Histor. Ecclesiast. de Lisboa Parr. í. Cap. 50. foi. 171 f. e foi. 172. Er. 1311 (an. 1275) em Santarém, segundo a Carta do mesmo Rei de 18 de Dezembro da .;;ta era (que se acha no Liv. I. da Chancella- ria do Snr. D. Affbnso III. foi. 1:7). Veja-se Monarch. Lusit. Part. 4. Liv. 15. Cap. 4. ; Faria Europ. Tom. 1. Part. 1. Cap. i. num. 22. E que ainda se extendessem ao anno seguinte, se vê de certa Escriptuta do Ar- chivo da Sé de Lisboa : Datum apud Santarém 24. dia Jatmar. quando Dns Rextectt ibi suam Curtam super mandatam Dni Pap£ , quod recepte. D. Diniz cr. 1520 (an. 1282) na Guarda alia* Évora. Pomos estas Cortes nos principios do dito anno , pois que a Carta que EIRei D. Di- niz escreveo ao Papa Martinho IV. , em consequência do concordado alli com os Prelados (e que se conserva no Real Archivo Liv. 1. de D. Di- niz foi. 51), tem a data de 24 d'Abril do referido anno. A Bulia, em 382 Memorias da Academia Real que suppticante, ou quando muito consultiva; segue -se d'' cla- que o Papa Nicohio IV. refere todo este negocio, datada cin 6 de Mar- ço Je 1280, diz, segundo a traducção ( Liv. das Leis aniig. foi. y6 ) : » jumou-se o Arcebispo , e alguns dos dauanditos Prelados em logar que » chamão Aguarda .... Enrom o« dauanditos artigos rorom mostrado* a ji esse Rey D. Diniz em sá Corte geeral junctados hy sobre esto mui- » tos Religiozos , muitos ricos-homees , caualciros , e algúas das Co- 1 monidadcd desse Reino, &c. » a qual (segundo refete a AíonarcHa Luitana Part. 5. Liv. 16. Cap. 56.) se congregou em Évora ; porque achan- do-se EIRci a 4 do dito mez em Silves, e constando-lhe , que o hiáo buscar os Prelados em consequência do que haviáo contendo , c ajustado entre si , c com alguns ricoshomens da parte d' ElRei , se adimtou es- te a Évora , onde se enconttou com a junta , e novamente se concor- dou com o acordado nclla. Er. 1521 (an. 1283) Em Coimbra. Con.ta , que D. Diniz neste an- no passou o verão em Lisboa até o fim de Setembro, e depois foi pas- sar o inverno em Coimbra , {Aionarcb. Luút. iJart. 5. Liv. 16. Cap. 54.) onde teve Cortes , como eile declara na Carta de Lei de 26 de Dezem- bto do dito anno (que se pôde ver na Ntva Malta Part. 2. pag. 265} se se não houverem de ter antes por huma Junta de Conselheiros, que por Cortes : porquanto diz a dita Carta , que anulla as Doações fei- tas desde o principio daquelle reinado até á data delia : Verum cwn proci..:c tcmporttm apud Calimbríe venisemus , Infanta» donum Alfonsum fratrem 110- stttm , <&• Barones nostros , altos que de Consilio nostto , r>- quant aliòs ta* p tentes bic , <ò- alibi super premesis duximm ConsuUndos , qui plena dela e- rdiiuiie premiisa, habito que tractatu inter eos diligenu , <£r cognita verita* te , onuics unanimiter , &• concorditer responderunt , 8cc. Er. 1523 (an. 1285) em Lisboa, em que os Concelhos e Donatá- rios requererão se procedesse a Inquirições sobre as Honras , &c. Cons- tão de huma Catta d' ElRei de 15 de Julho da era 1526, Liv. 1. da Chancellaria de D. Diniz foi. 356. Er. 132o (an. 1288) em Guimarães. Na Carta, ou Ordenação geral de 19 de Maio da era de 1330 (an. 1301) sobre as Inquirições commet- tidas a João César, diz ElRei : «como quando eu fiz minha Corte em x Guimaraens ; como eu por outorgamento do Arcebispo D. Fr. Tello , e » dos Bispos , e Ricos homeês bóús , que y forom , mandei inquerir polo x Prior da Costa , que y foi poios Moesteiros , e polas Eygreias, e per d Gonçalo ro iriguiz da Moreyra , que y foi poios filhos dalgo , &c. » E como estas Inquirições se foráo tirando pelo decurso do anno de 1288, e por todo o seguinte , por isso collocamos as taes Corres no dito anno. O Arcebispo D. Fr. Tello, de que se faz menção na Carta, teve a Sé desde 1280 até 1292. Veja-sc Nova Historia de Malta Part. 2. pag. z) em Lisboa: nas qnaes o .Snr. Rei D. Diniz prometteo guardar os quarenta anitos, segundo o Instrumento, que da di- ta promessa se inclue na Bulia de Nicolao IV. de 17 de Março do dito anno. Conseiva-se a Bulia no Cartório do Cabbido de Coimbra Gav. 11. K. 1. Maço 1.; e no R. z. Maço 2. num. 23 se acha o dito Instrumen- to do Snr. D. Dini2 , e a versão da Bulia em Portuguez. Er. 1328 (an. izoo) no Porto. Em Carta dada em Coimbra a 20 de Outubro da era 1546 (an. 1 308) impressa no Liv. 2. das Ordena^. Affons. cit. 65 §. 4. até 22. diz, que u vindo-lhe queixas muitas vezes em Gui- n maraens , e em Coimbra, e fazendo suas Cortes aa cima .... Depois 1 porem como lhe pedissem, e lhes tinha feito a lembrada Mercê (nas t Cortes do Porto) que entom andava a era em mil e trezentos e vinte » e oyto annos , &c. » Veja-se Nova Historia de Malta P. 2. pag. 361. Kr. 1339 (an. 1301) em Lisboa. A Carta , ou Ordenação geral d' ElRei D. Diniz de 19 de Maio deste anno, de que acima se fez men- ção, foi passada em Lisboa estando em Cortes. Veja-se Nova Historia de Malta Part. 2. pag. 343. Er. 1346 (an. 1308). Tem-se collocado em catalogo de Cortes, hu- mas , que se dizem havidas neste anno em Guimarães u no mez de Agos- » to , cm que se limitarão novamente as Comcdorias dos Fidalgos nas 1 Igrejas, e Mosteiros, de que eráo Padroeiros, excluidos os illegiti- » mos, &c. mandando-se devassar por João Ccsar das Fidalguias, e Hon- » ras , que alguns usurpaváo na Comarca d' Entre Douro e Minho: offe- x recendo se talvez nellas o Donativo para o casamento do Ptincipe. d E se citão para autorizar esta asserção Àfonarch. Lusit. Part. 6. Liv. 18. Cap. 29. , e Part. 7. Liv. 3. Cap. 2. num. 3 c 4; Leão Chron. do Snr. D.Diniz pag. 62 da ediç. de 8.° ; Estaco Antiguidades de Portug. Cap. 40. n. 1. Porém além de que isto não concorda com factos constantes da Historia , as mesmas Auctoridades citadas , longe de o abonarem , real- mente o desmentem. O mais antigo dos Autores citados he Duarte Nu- nes de Leão, o qual referindo muito em compendio as acções d' El Rei D. Diniz , usim como dos outros, de que escreveo a Chronica, e sem seguir ordem chronologica , nem apontar o tempo, em que cada cousa exactamente passou, só diz a respeito das ditas Cortes no lugar eirado: > Por assento , que tomou em hnmas Cortes , que fez em Guimaraens , » mandou tirar Inquirisóens devassas sobre as Fidalguias , e Honras, que » alguns usurpaváo entre Douro e Minho ; para o que mandou com po- li deres João César seu Fidalgo , e Vassallo , &c. 1 Gaspar Estaco no lugir timbem cit.ido não faz mais que copiar Duarte Nunes, a cuja fé un camente se reporta. Veio depois o Autor da Part. 7. da Monarchia Lusitana Fr. Rafael de Jesus , e referindo o mesmo facto também na fé dos dous Autores precedentes, o collocou a seu arbítrio no an. de 1308 dizendo: «No dia, em que entrou o anno de 1308 sahirão de Coimbra 384 Memorias da Academia Real idade tia Monarehia iorâo concedidos a cada huma das di- tas d EIRey D. Diniz, e o Príncipe seu rilho.... Visitarão algumas po- li voaçóes da Beira., e da Estremadura,.... para entrarem na d' Entre j> Duuro e Minho em tempo da Canicula . . . . convocou EIRey Cortes 1 pari a Villa de Guimarães. Que celebrou estas Cortes na Villa de Clui- » marães nos diz Duarte Nunes de leão em parte , e em pane o insinua. i> Que se congregarão a este hm , nos persuade Gaspar Esraço com mui- » ta lição , c noticia das Antiguidades daqutlla Villa ( Inculca as noti- » ci.i foi a descarada soltura, com que os plebeos se taziáo Cavalheiros , e » os Cavaleiros Fidalgos.... Ordenou por assento feito nestas Cortes, s que com toda a exacçáo se devassasse dos que usurpaváo a Nobrtza , » c os bens , que não tinháo .... Tenho pari mim com bastantes fun- il damentos , que nestas Cortes assentarão os Procuradores da Nobreza , » e Povo o donativo, com que havião de servir para as bodas do Prin- i) cipe D. Aftbnso . . . . que ja neste Agosto andava nos 18 annos de sua ji idade. 11 Comtudo esta prova, que Fr. Rafael perttnde tirar da matéria tra- tada nas ditas Cortes para as collocar neste anno , he contra froducentti*. Fr. Francisco Brandão, que tinha outra casta de (.reacção, e segue a or- dem dos annos pelas datas dos documentos, no Cap. 29. do Liv. 18. ci- tado , tratando das cousas passadas não no anno de 1 ;c8 , mas no ante- cedente , diz : « Por este mesmo tempo começarão os Nobres a alterar as » cxicções , que na reformação d' EIRey D. Aftonso 111. fora feira em ji Guimarães a cerca das comedorias , c pensões , qt:e perceberiáo os Pa- it droeiros das Igrejas e Mosteiros. .. a que foi necessário acudir EIRty ji com nova Prematica .... Ordenou pois EIRey D. Diniz a 4 de Agos- s to estando em Lisboa , que as Leys de seu Pay se guardassem nesta 31 parte.... mandou a Pêro Esteves de Beja seu Meirinbo-mor d' Entre ji Douro e Minho, que para o jantar d' hú Rico-homem dariáo I2paen^ X de 2 dinheiros, &c. 11 No Cap. seguinte diz: Aqui vemos como Brandão allegado pa- ra a asserção de haver Cortes em Guimarães em Agosto 134c, 1352. Resposta a hum Aggtavo do Bispo do Porto de 29 de Junho. Er. 1392 (an. 1554). D. Pedro I. Cortes d' Elvas', ari. 1361. Capítulos d' Évora ( Liv. 1. de D. Pedro foi. 61 col. li). Capítulos de Lisboa ( Ibid. foi. 62 col. 2.). Capitnlos de Monte-mor o Velho ( Liv. 1. de D. Pedro I. foi. 58 f. col. 1. in fin.). Em 27 de Maio, Capítulos do Porto (Ibid. foi. 59 col. 2."). Em 30 de Maio, Cipitulos de Silves (Ibid. foi. 60 col 2.). Era 13 de Abril de 1366 cm Torres Vedras, Capítulos de Azeitão (Liv. I. de D- Pedro I. foi. 119 f. col. i.) Capítulos de Coimbra (Ibid.). Tom. VLL Part. I. Ccc ME- 3S6 Memorias da Academia Real MEMORIA Da Comtnissão encarregada de visitar o Estabelecimento da Casa Pia. E, (m 31 de Outubro de 1820 dirigio o Desembargador Filippe Ferreira d'Araujo e Castro , Intendente Geral da Policia , ao Secretario da Academia Real das Sciencias o Officio (Docum. N. 1 ) ; c desejando a Academia promo- ver , quanto cabe em suas forças , tudo o que he d'utilidade publica, nomeou para ir visitar a Casa Pia huma Commis- sao composta dos Sócios Joaquim José da Costa de Mace- do , Joaquim Xavier da Silva , e Sebastião Francisco de Mendo Trigozo. As indagações da Com missão devendo abranger o co- nhecimento do estado actual da Casa Pia , e o projecto do melhoramento de que he susceptível , indicáo a divisão , que exige o resultado dos seus trabalhos ; e por isso a Commissão , dando conta da sua incumbência á Academia , distribue esta Memoria em duas Sessões. Na primeira examinará o estado actual do Estabeleci- mento da Casa Pia, tocando de passagem o modo de emen- dar alguns defeitos que se offerecem logo a simples ins- pecção dos objectos de que for tratando ; e que tem com clles mais intima connexão. Na segunda oceupar-se-ha mais particularmente das re- formas que necessita ; e dos melhoramentos que pôde ter. SEC- 01 das Sciencias ue Lisboa. 387 SECÇÃO I. Capitulo I. Historia do Estabelecimento da Casa Pia. endo de dar conta do Estabelecimento da Casa Pia sito no Convento do Desterro, não parecerá estranho que antes disso se de huma noção , se bem que resumida , de outro Estabelecimento análogo , que muito anteriormente se tinha fundado no Castello , que se extinguio de todo pela invasão das Tropas Francezas , e que foi para assim dizer o prototypo do Estabelecimento actual. Em 1780 servindo de Intendente Geral da Policia o Desembargador Diogo Ignacio de Pina Manique , e achan- do-se a Intendência amplamente dotada pelo Decreto de 19 de Maio do mesmo anno, que lhe attribuia a Contri- buição dos Rcaes e Realetes , até então administrada pelo Senado de Lisboa , resolveo aquelle Magistrado formar no sitio do Castello huma Casa de Recolhimento para os po- bres mendigos, de que a Capital se achava inundada. A execução desta empreza não correspondeo aos lou- váveis intentos de quem a havia formado ; por isso poucos tempos depois , isto he em 3 de Julho do dito anno , se ajuntarão aos poucos mendigos que havia huma quantidade de órfãos, que igualmente andavão vagando pelas ruas, e nesse dia forão vestidos, e recolhidos cm huma Casa, que se lhe havia prcp.irado no sitio do Castello. Omserva-se ainda hum bello quadro , que representa esta primeira re- cepção. Posto i]ue esta primeira Casa fosse pouco sufficiente para hum semelhante fim , trabalhava-sc entretanto com a maior actividade , e d custa da Intendência , na construcção Ccc ii de 388 Memorias da Academia Real de novo edifício, que já em 29 de Outubro tinha algu mas Salas em estado de para ellas serem transferidos os re- feridos Órfãos : fez-se pois esta trasladação com a maior pompa , e também existe outro quadro a que cila serve de assumpto. Não seguiremos passo a passo os progressos deste Es- tabelecimento visto não ser o objecto principal do nosso trabalho, bastar-nos-ha dizer, que fundado pelo Intenden- te Geral da Policia , que nelle empregava mui avultadas sommas ; c protegido pela Rainha a Senhora D. Maria I. , que por duas vezes se dignou visitallo, (a) subio a hum ponto de esplendor de que hc justo conservar aos nossos vindouros a memoria , que vamos deixar-lhes. 1.° Havia nesta Casa Pia Mestres, que ensinavão a fa- bricar lonas , brins , cabos de laborar , tecidos de algodão , seda, meias, panos de linho, e fiações para estas differen- tes manufacturas. 2.° Casas de Correcção para hum e outro sexo. 3.0 Casas para onde passavão aqucllcs que estavão cor- regidos , indo alli aprender as obrigações Catholicas e ci- vis. 4.0 Duas Casas onde estavão os Órfãos de hum e ou- tro sexo, que tendo sido postos a servir pelo seu respecti- vo Juizo , se dcsacommodavao , conservando se alli até tor- narem pelo mesmo Juizo a seguir o seu destino, (b) 5° Huma Casa , com o titulo de Santa Isabel , onde estavão as Órfãs de tenra idade, e as filhas ainda innocen- tes de mulheres desgraçadas. 6° Huma Casa , com a invocação de Santo António , 011- (ij) A primeira a $ de Abril de 1782: a segunda em 8 de Se- tembro de 1786. Existem dous quadros feitos por occasiáo destas duas visitas. (/>) Antes deste Estabelecimento , e depois que elle acabou , eráo estas miseráveis Orfás recolhidas ao Limoeiro em quanto não apparecia Casa onde podessem servir ! ! ! ' 01 DAS SdENCIAS OE LlSBOA. 389 onde se recolhião Orfáos de menor idade para aprenderem as primeiras letras. y.° O Collcgio de S.José para Órfãos, que pela sua idade não podifio entrar para a Casa de educação , e que por isso erao ainda servidos por mulheres. 8.° O Collcgio onde se ensinava a lingoa Alemã, e principios da esci ipturação mercantil. 9.0 O Collcgio denominado de S. Lucas cujos alumnos frequentavão as Aulas de Pharmacia , Dc-enho , Grammati- ca Latina , Anatomia especulativa ( paro a pratica ião ao Hospital de S.José) e as Línguas Ingleza, c Franceza , e principios de Mathemarica. Alguns destes alumnos seguião a Academia da Marinha , e outros a Aula do Commcrcio , outros a prendi ao Filosofia e Grego com os Professores Régios. io.° Huma Aula de Arte obstetrícia para homens, e mulheres , em horas desencontradas. Além destes d iffe rentes Estabelecimentos , dentro do recinto do Castello , havia outros fora delle pagos pela mesma Cjsa Pia , e principalmente destinados para os seus alumnos taes erão. i.° A Academia do Nu a que, além dos alumnos d.i Casa , concorriao muitos Professores da Corte : para com- modidade destes últimos transferio-se para as Casas conti- nuas a S. Camillo. 2.0 Hum Collegio em Coimbra para as Sciencias na- turaes. Chegou a ter 62 Estudantes muitos dos quaes se tormárlo , e alguns doutorarão. j." Hum Coilegio estabelecido em Dinamarca para a Arte obstetrícia de que sahírão não poucos Professores, al- guns dos quaes ainda se conservão. 4.° Outro Collcgio da mesma Arte, e de Medicina, e Cirurgia cm Edimburg. 5\° O Collegio das Bcllas Artes, que permaneceo em Roma até ao dia cm que os Francczes nclla entrarão , ( donde sahírao os melhores Professores de Pintura c Escul- tura , que hoje possuímos. To- 01 3po Memorias da Academia Real Todo este pomposo e útil Estabelecimento tão vasto, e cm que se despenderão tão enormes sommas , desappare- ceo em hum instante no dia 29 de Novembro de 1807 cm que por occasião da entrada das Tropas Francezas foi mandado dissolver pelo Intendente Geral da Policia Lucas de Seabra da Silva. Os únicos restos daquelle destroço, que passarão para a nova Casa Pia forão alguns quadros , que se coníservavão na antiga. Quando pelos annos de 18 10 o Exercito Francez com- mandado por Massena se espalhou por toda a Provinda da Estremadura , ficarão os seus habitantes reduzidos á mais espantosa miséria , sem casas , e sem meios de adquirirem a sua subsistência ; a mortandade procedida da guerra , da tome, e das doenças tinha sido grande, e viãose vagar pelos campos sem abrigo quantidade de crianças, cujos Pais tinhão perecido , próximas a morrer á pura mingoa. Os dois districtos , em que esta miséria se fazia sentir com mais força, crão os de Leiria, e Ourem; mas cm ambos clles deparou a Providencia Corregedores benéficos , que busca- rão todos os meios para conservar á Pátria estas victimus desgraçadas. Nas circunstancias porém em que então se acha vão as terras invadidas, mui escassos erão os meios de que os em- pregados públicos podião lançar mão ; por isso tornando-se elles mesmos responsáveis pelas despezas mais urgentes , derão conta á Intendência da Policia pedindo-lhe soccor- ros , que com effeito chegarão a dar-se por ordem do Go- verno ( Doe. N. 2 ). Em quanto isto suecedia, nas terras mais do certão o espectáculo que offerecia a Cidade de Lisboa não era me- nos lastimoso ; tendo recolhido em si , e nos seus subúrbios mais de metade da população do Reino , que se achava pela emigração reduzida á mais extrema indigência ; vião- se as casas , e as ruas cheias de miseráveis ; que no meio da sua desgraça tiverão ao menos a dita de achar quanti- dade de pessoas caritativas , que os soccorrêrão. Es- DAS SciENCIAS D K LlSBOA. JQI Estes auxilios particulares, ainda que protegidos e aju- dados pelo Governo , não podião chegar a tudo, c os mi- seráveis Órfãos, cujo numera hia todos os dias cm au- gmento , exigião da Pátria o amparo e educação conve- nientes. Não foi o Governo surdo a estes clamores , e aos aj de Junho de 1 8 1 1 deião-se as providencias, cjue crão possíveis no critico estado ein que nos adiávamos (Doe. N. 3). O Principal Sousa , que então era hum dos Governa- dores do Reino , e que infatigavelmente tinha trabalhado em minorar os males dos emigrados , foi o primeiro motor de se erigir a Casa Pia , que tantos annos tinha estado de assento no O.stcllo : mas como os edifícios que ella oceu- pava se achavão desmantelados pela Tropa , julgando-se ex- cessiva a despeza dos reparos, pareceo mais conveniente fa- zer hum novo Estabelecimento no Mosteiro do Desterro , pertencente á Ordem de Cister; casa grande, ainda que in- completa , huma parte do qual se achava como abandonada pelos seus p.issuidores. Assentirão estes aos desejos do Governo , e retendo para si a porção do Edifício, que lhes pareceo sufficiente , derao o restante para alli se estabelecer a Casa Pia , qir. se abrio no faustissimo dia 13 de Maio de 18 12. (Doe. N. 4). Tendo-se despendido nas obras necessárias para ac- commodar os Órfãos, desde 14 de Dezembro de 181 1 até 11 de Março de 18 ij" , 1 8:874$ 397 rs. (Doe. N. j ). Capitulo II. Estado actual do estabelecimento pelo que respeita aos Órfãos , qne nelle existem , e sua accouimodação. O, '9 Órfãos da ambos os sexos , que suecessivamente se forão recolhendo na nova Casa Pia , forão-se distribuindo em Collegios á imtação do que na antiga «e praticava ; e pelo que fica dito he fácil perceber, que huma Casa des- tinada desde o seu principio para habitação de huma Com- mu- r>T 391 Memorias da Academia Real munidade religiosa , não podia adaptar- se a hum differente fim senão depois de muitas alterações , que são absoluta- mente necessárias. Algumas estão já feitas , outras reclamão ainda novas e indispensáveis obras. E para o fazer melhor conhecer hiremos correndo a mesma Casa Pia , e vendo em cada hum dosCollegios de que se compõe, o estado actual, e os defeitos que nelle se encontrão. Órfãos. Collcgio N. i tem 72 Órfãos de idade de 12 até 20 annos. Este Collegio estabelecido no primeiro andar do Edifício , que faz frente para a Rua dos Anjos he espa- lhado por hum grande corredor , e quatro quartos lateraes cada hum com quatro camas muito bem espaçadas , e are- jadas- Não suecede assim nas do Dormitório onde o ar não circula livremente, por ter apenas huma janella no to- po do Norte ; e onde as camas , estando ao comprido em duas ordens de hum e outro lado , não tem espaço algum que medeie entre ellas. Ambos estes inconvenientes cessa- iião logo que os Religiosos largassem o resto do Edifício , pois que estando agora este Dormitório cortado pelo meio com hum tapume , tirado elle não só se dobraria o espa- ço , mas estabelecer-se-hia a circulação do ar pela janella do outro topo, que por causa do mesmo tapume está inu tilizada para o Collegio. Outra obra seria ainda precisa neste Dormitório , a conservar-se para o futuro com o mesmo destino que ago- ra tem , e vem a ser deitar abaixo as portas dos quartos collateraes , e reduzi lias a arcos mais elevados e abertos , como já se fez no Collegio N. 3. As vantagens que d'a- qui se tiravão erão maior communicação de ar de que tan- to se precisa ; muito mais luz communicada pelas janellas destes quartos , e a facilidade da inspecção para aquelles que o vigiarem. DAS SciENClAS DE LlSBOA. 393 O Collcgio N. 2 tem 43 Órfãos das mesmas idades que os do N. 1. Fica no mesmo andar que o precedente, pelo qual tem a serventia. De todos os Collegios dos Órfãos hc o que está mais mal accommodado ; não só tem muito maior numero de camas do que lhe cumpria ter ( devendo-se-lhe tirar 20 ) , mas he muito húmido por ficar ao nivel do chão de hum quintal da parte do Norte para onde tem ja- nellas , sem que haja outras nenhumas por onde circule o ar. Seria muito a propósito , que a Casa deste Collcgio se destinasse para outro fim; ou que ao menos, em quanto a estreiteza do local o não permirte , fosse somente destinado para os Órfãos , que se empregão nos offícios , pois são es- tes os que podem estar fora delle. O Collegio N. 3 tem 62 Órfãos de 8 a 12 annos. Este Collegio he estabelecido no segundo andar do Edifí- cio cm hum Dormitório por cima do do n. 1 , e tem, co- mo este, quatro casas lateraes , he bem arejado, c bastaria tirarem-se-lhes 8 camas para ficarem bem espaçadas: Como os Religiosos não oceupao este andar tem maior vão. Este Collegio ài serventia para o Refeitório , e para os Reco- lhimentos de Santa Isabel , e de Nossa Senhora do Am- paro. O Collcgio N. 4 tem 70 Órfãos de 4 a 10 annos. Este Collegio he dos melhores pela claridade e livre cir- culação do ar de que goza , necessitava com tudo de se lhe tirarem 1? ou 16 camas. Fica nas costas do Collegio N. 3; e as janellas deitão para hum pateo cujo terreno he supe- rior ao pavimento da casa. O Collegio N. j tem 44 Orfaõs de ro a 14 annos. He contiguo ao precedente voltando para o Norte, e ten- do janellas para o pateo acima dito. Ficaria bem se se lhe tirassem 10 camas das que tem actualmente. O Collegio N. 6 tem 24 Órfãos de 14 a 19 annos. He muito bom este Collcgio. O Collegio N. 7 tem 18 Órfãos. He estabelecido em Tom. VIL Paru I. ' Ddd hu- 394 Memorias da Academia R e a i. hunia casa tora do edifício, c por isso pouco sugeita aos regulamentos dos outros Collegios. Todos estes Collegics tem luim Refeitório commum muito capaz , e Iiuma cosinlu ; tem também huma enfer- maria bem arejada com janellus de hum e outro lado. Con- tétn 34 camas, 13 para os doentes de Medicina, e 21 pa- ra os de Cirurgia. Em quanto á sua Policia Medica adian- te iallarcmos das reformas que precisa. Órfãs. O Recolhimento de Santa Isabel tem actualmente 235 Órfãs de 4 a 18 annos. Está dividido em 7 Colle- gios : os N.os 1 e 2 estão no segundo andar : este ultimo tem muito pouca circulação de ar, devendo-se por isso ras- gar a janella conventual do topo do Dormitório ; e ambos elles tem maior numero de camas do que permitre a capa- cidade da casa. Devião rirar-se-lhes 10. Os Collegios N. 3, 4, 5-, 6, 7, estão estabelecidos no grande Dormitório do 3.° andar, que deita para a Rua dos Anjos , e no outro que corre da extremidade deste para a banda do Norte: o primeiro, que he de mui gran- de extensão , além de escuro , tem pouca ventilação , por não ter outras janelhs mais que as dos dous topos , am- bas de peitos ; seria por isso conveniente fazellas sacadas , e abrir duas lanternetas na extensão do Dormitório. Os quartos lateraes , que tem pelo mesmo modo que vimos nos andares inferiores , são muito bons , e estão nelles as camas bem espaçadas ; em quanto porém ás que existem no Dormitório deverião tirar-se-lhe 13 ou 14. O outro Dormitório deste Recolhimento he o melhor da casa. O numero das camas he proporcionado, e tem li- vre circulação de ar. Re- DAS ÒCIENCIAS DE LiISBOA. $pf Recolhimento de Nossa Senhora do Amparo. Este Recolhimento he destinado ás Orfás , que sa- hindo do Recolhimento de Santa Isabel para servir em ca- sas particulares voltúo depois para aqui , em quanto não tthão outras casa> cm cjuc se accommodem. Tem actual- mente 26 Orlas. O motivo de estarem actualmente tantas he por se acharem juntas com estas as chamadas Ortas do Promotor , isto he, aquellas raparigas de Lisboa e seu termo, que fi- cando Órfãs são postas a servir pelo Juizo dos Órfãos , e que se recolhem a esta casa quando estão desacommodadas. Também estis são sustentadas pela Casa Pia ; mas tudo o mais corre por conta do Promotor dos Órfãos. A casa cm que assistem estas infelices ainda que hú- mida , escura , e má , he melhor do que a que tinhão an- tes deste estabelecimento na Cadeia do Limoeiro de Lis- boa ; c assim mesma sérvio n'outro tempo de enfermaria aos Oriãos. Foi alli que principiou o contagio das OphtJ- mias que tanto grassou , visto que á humidade da atmos- fera favorecia muito aquella moléstia : actualmente tem ci- la quasi desaparecido de todos os Coiiegios excepto d\i- quclle. Sò pois em extrema necessidade pode semelhante casa servir para o fim a que está destinada, tanto mais por- que tendo por cima o Collegio de Santa Isabel, e ficando ao nivel do terreno de hum quintal que está sempre húmi- do não pôde melhorar-se por modo algum. No topo do Dormitório fica a cosinha sem luz alguma , e quasi soterra- da. Todos estes defeitos tornão esta casa inhabil para o em- prego que delia se faz. A enfermaria das Órfãs contém 31 camas, i3 para doentes de Medicina , e ij para as de Cirurgia ; porém he mUita defeitu >sa , não só pelo pouco pé direito, mas por- que tendo jancllas só para hum lado, isto he para hum pateo interior onde o vento faz remoinho , entra por Ddd ii cl- 5^6 Memorias da Academia Real cilas todo o fumo da cosinha do Recolhimento de Santa Isabel que, em muitas occasiões, torna o ar pouco respi- rável, e prejudica consideravelmente os doentes. Órfãos pertencentes d Casa Pia , mas que não existem nella. Recapitulando os Órfãos de hum e outro sexo , que se achavão na Casa Pia no tempo em que a visitámos , vê-se que sustentava e vestia a ^94 indivíduos ; não são porém so estes os que recebem soccorros desta Casa. No Real Palácio da Ajuda estão debaixo da inspecção de hum Guarda onze Órfãos aprendendo os officios de Carpinteiro e Canteiro, os quacs são sustentados, e vestidos pela Ca- sa, sem que porém lhe sejão em tudo onerosos, pois que he cila quem cobra a importância das ferias , que alli ven- cem. Ha mais 84 Órfãos : 60 oceupados no Arsenal Real do Exercito , 20 na Cordoaria , e 4 no Arsenal da Mari- nha ; mas a única despesa que se faz com elles he a do vestuário , quando vão para aquelles Estabelecimentos. Ha mais huns 120 Órfãos aprendendo officios com differentes Mestres , os quaes se ajustarão com a Casa a ensinallos , sustcntallos , e vestillos durante o tempo de aprendizes : de sorte que , acrescentando este numero ao que acima fica mencionado , he o total dos Órfãos actualmente amparados por esta Casa 805". N, Capitulo III. Educação fysica e moral. a admissão dos Órfãos não houve ao principio regra alguma senão a necessidade , e os empenhos : depois deter-' minou-se que os rapazes não podessem entrar senão desde os 10 até aos 14 annos ; e alli se conservão até terem aca- bado de aprender os officios a que se destinão, ou terem ou- das Scienciasdb Lisboa. 397 outra sahida. As raparigas cntrão desde 7 annos até 10 no Recolhimento de Santa Isabel , c também alli sj conservão até terem destino lixo : muitas delias ficao empregadas na mesma Casa Pia. O vestuário de que usão os rapazes he composto de hum jaleco de pano alvadio , ou azul , e de calças de pa- no no Inverno, e de brim no Verão. A roupa branca he ordinariamente de algodão , poucos usão de meias , mas quasi todos de botins. As raparigas não tem uniforme fixo : usão de chitas no Verão , e de baeta no Inverno. Os cha- péos dos rapazes são da Fabrica de Braga. Todos tem rou- pa lavada de 8 cm 8 dias, e para as camas de 15 em if, segundo se nos disse. De Setembro até Abril levdntão-se todos os Órfãos, de ambos os sexos ás 6 horas da manhã , e no resto do an- no ás cinco. Logo que estão levantados lavão-se , fazem as suas orações, concertão as camas, e vão almoçar. Este al- moço não he sempre o mesmo ; nos mezes de Inverno consta de papas de milho, ou de asso rd a ; e he comido nc» Refeitório, nos de Verão he o almoço frio, e destribue-se nos mesmos Collegios. A's 8 horas principião as Aulas de primeiras letras , que durão até ás 10, e a que vão quasi todos os Colle- giaes , e como os que aprendem nas officinas já tem mais •instrucção , e não as devem deixar desertas , dividem-se em duas turmas que se revesão, hindo huns pela manhã, e ou- tros de tarde. A's 10 horas voltão para as officinas os rapazes que se empregão nellas ; e aquelles que ainda não aprendem officios voltão para os Collegios, onde se oceupão , ten- do que fazer , ou brincão até serem horas de 'jantar. lie este ao meio dia , c consta , segundo fomos in- formados , de huma sopa , hum quarta de carne , meia on- ça de toucinho , « hum quarto de pão ( os das officinas tem meio arrátel ). Nos dias magros tem cada Collegial huma quarta de bacalháo , e hum prato de feijões. A ca- 398 Memorias da Academia Real Acabado o jantar, os das officinas tem as suas sestas, no tempo competente ; os outros descanção , ou brincao , até ás i horas , que vão para as Aulas com os das offici- nas que não tinlião hido pela manha: acabão estas a's 4: dahi até ás 8 continuão huns nas mesmas officinas, c os outros brincando até que áquella hora toca ao Refeitório para a cêa. Compõc-se esta de arroz, ôu hervas , ou sardinhas, &c. &c. , c hum quarto de pão ( para os das officinas meio arrátel): acabada a cca rezão, e deitão-se , passado algum intervallo , de modo que ás 10 horas está tudo recolhido. A mesma distribuição de horas , e os meamos alimen- tos que ficão mencionados para os rapazes tem lugar para as capangas ; os almoços destas tem com tudo alguma dif- ferença , porque se ilies dá pão com manteiga , e chá três vezes na semana. Em quanro ás recreações , tão necessárias naquella ida- de e tão proveitosas, quando são bem dirigidas, não ha systema nenhum que as regule, e assim brincão conforme podem, ou querem, quer nos patcos , quer nos quintaes da Casa. Por occasiões de festas sahem fora os rapazes acompanhados do dpellão , e outros Guardas, e isto ern corporação. Também ás vezes nos Domingos de verão fâ /cm o mesmo , divididos em magotes, cada hum com seu Guarda. Fora disto só pode n sahir separadamente em com- panhia dos parentes, quando tem licença do Administra- dor. As raparigas não sahem nunca , e só podem fallar aos parentes quatro vezes no anno. Os rapazes dedicao-se a aprender officios , e ao estu- do. Os officios , que se aprendem nesta Casa são os se- guintes: i.° o que estão fora. O valor do enxoval das que vão casar he o duplo do prece- dente, lia fora disto oito dotes de 60^)000 rs. cada hum, estabelecidos pela Testamentária de D. Fernando Martins Mascarenhas , e alguns tem havido de ioo<$)oco rs. proce- didos do Donativo Britânico, de que não podemos exami- nar o estado actual. São 400 Memorias da Academia Rkal São estas as informações que nos dco o Administrador da Casa Fia. O Capitulo IV. Rendimentos da Casa Pia , e sua applicaçao. 's Rendimentos da Casa Pia são de duas classes. Ren- dimentos que se recebem em virtude de algum titulo, que os adjudicou a este estabelecimento ; e Rendimentos ca- suaes , como são o preço da obra que se faz nas officinas , e os legados, esmolas, donativos, &c. Trataremos dos pri- meiros pela ordem d'antiguidade. O Rendimento das oliveiras plantadas nas bordas das estradas do Termo cuja relação he o Doe. N. 6. Dito das licenças para casas de jogos públicos. Esta contribuição foi mandada pôr em vigor por hum Oflício circular da Intendência Geral da Policia de \i de Julho de 1813, referindo-se a hum Aviso de 24 de Abril de 1807 (Doe, N. 7). A importância das licenças para ter loge aberta hu- ma hora depois de correr o sino da Cidade. Esta contri- buição lie declarada em Portaria da Intendência Geral da Policia dirigida ao Administrador da Casa Pia em 7 de Janeiro de 18 13, dizendo que devia ser a mesma que an- tigamente se achava estabelecida ( Doe. N. 8 ). Dita das multas impostas pela Policia com applicaçao para a Casa Pia. Rendimento da terça parte do produeto da vendagem das farinhas no Terreiro Publico (Doe. N. 9). Rendimento da supressão de hum homem de trabalho em cada huma das Capatazias de Lisboa , e do lugar de Capataz extraordinário nas Capatazias que o tiverem , e da quantia correspondente á avaliação do annual rendimen- to dos Capatazes nas Companhias que estão debaixo da Inspecção do Senado , tudo estabelecido por Portarias de 8 DAS SciENCIASDE LlSBOA. 40 I 8 de Maio de 1812 , e 11 de Agosto do mesmo anno ( Doe. N. 10 e 11 ). O Mappa , Doe. N. 12, mostra as Companhias da Alfandega que tem pago esta contribuição, e desde quan- do ; é designa igualmente as que não contribuem , pelos motivos indicados nos Documentos N. 13 a 18. Nas Companhias do Terreiro ainda não principiou a observar-se a Portaria de 8 de Maio de 181 2, segundo consta do Documento N. 19. Algumas Companhias estão avençadas em cômputo certo que pagão mensalmente á Casa Fia , e outras não. A Relação Docum. N. 20 montra as que estão avençadas. Os juros de 4:000^)000 de rs. de Apólices legadas á Casa Pia por D. Joanna Maria Braamcamp da Cruz So- bral , e recebidas em 18 13. As tomadias das cabras de leite, que andarem por Lisboa sem terem obtido licença. Estabelecido por Edital do Intendente Geral da Policia de 7 de Maio de 1814 (Doe. N. 21). Huma Loteria annual de 10:000 bilhetes, concedida por Aviso da Corte do Rio de Janeiro de iy de Junho ('e 1 8 1 6 , participado ao Intendente Geral da Policia em Aviso de 28.de Setembro de 18 16 (Doe. N. 22). Toda a lenha necessária para o consummo da Casa Pia , mandando-se cortar e conduzir do Pinhal de Leiria á custa da mesma Casa, segundo determina o Aviso expedido pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha ao Administrador da Casa Pia em 20 de Julho de 18 16 (Doe. N.23). O juro de 200^000 rs. em Apólices recebidas do Cofre da Intendência no anno de 18 16. O Rendimento dos prédios adquiridos pela Casa Pia , e que arrenda da sua mão. Além destes Rendimentos , tem a Casa Pia a expecta- tiva do Rendimento do Thentro de S. Carlos , cuja pro- priedade lhe pertence, na conformidade do Decreto de 28 Tom. VII. Pttrt. I. Eee de 402 Memorias da Academia Real de Abril de 1793 (Doe. N. 24), e que actualmente se esta applicando para pagamento dos credores ao mesmo Theatro. Rendimentos casuaes. O preço da obra que se faz para fora nas officinas da Casa Pia , em que entra toda a obra de Latoeiro de folha branca , e Ferreiro para a illuminação da Cidade ( Doe. N. ii)\ Esmolas e donativos em dinheiro, ou gc-ncros. Legados. Benefícios dos Theatros e Praças , onde se fazem di- vertimentos públicos. Todos os artigos que constituem o rendimento da Casa Pia importa'rao em cada hum dos 4 annos de 18 17 a 1820, ( unicos que podem entrar em comparação, por- que a Loteria principiou em 18 17) o seguinte: 1817 46: i^Òbo 10 1S18 43:77i<2>673 1819 45-:"59<í)i3 3 1820 36:959^)621 Cujo termo médio he por anno . . 43:013^384 Da importância dos Rendimentos da- Casa Pia pagao- se os empregados no estabelecimento cuja folha monta an- nualmente a 5:380(^)700 rs. (Doe. N. 26) e o resto gas- ta-se com os Órfãos. Os Documentos N. 27, e 28 mostrao o estado acti- vo e passivo da Casa Pia no fim de 1820, vendo-se pe- lo ultimo que deve 29:338^879 rs. Os provimentos de todo o género, que vem para a Casa Pia , fazem-se por differentes modos : humas vezes pondo-se a lanços , outras obrigando-se a Jallos pessoa de- ter- ' DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 403 terminada com quem se ajustão, sem ter precedido aquel- la formalidade : mas em nada disto ha regra fixa. A manipulação do alimento mais necessário, e de maior consummo , isto he do pão , também a não tem. Quando a Casa tem esmolas de trigo , ou de farinha , fa- brica-se o pão em casa, quando estas se acabão ajustão-se com Padeiros para o darem diarimente , o que sempre de- ve trazer comsigo tristes consequências. S E C Ç A O II. Capitulo I. Melhoramentos no edificio. odos os melhoramentos de que he susceptivel a Casa Pia dependem essencialmente da maior capacidade no edi- ficio. Não bastaria mesmo que os Religiosos sahissem da parte , que ainda oceupão , seria tambem preciso , que no terreno do lado superior á Igreja se fizessem novas accom- modaçóes para as Órfãs , ficando para os rapazes tudo o que actualmente está habitado. A natureza deste estabele- cimento pede que seja oceupado por indivíduos d'amlx>s "s sexos; e as leis da decência requerem que estejão per- feitameute separados. No estado actual apenas se pôde is- to conseguir por meio de gelosias , que tornão escuros , e pouco arejados os quartos das raparigas , cujos dormitórios são quasi todos no andar de cima d'aquelles que oceupão os rapazes. A Congregação de S. Bernardo deve pela Junta dos Juros mais de 1 30:000 <$) oco. Poderia accitar-se-lhe o Con- vento do Desterro em pagamento de parte da divida , por Eee ii aquel- 404 Memorias da Academia Real aquclla somma cm que fosse avaliado , e lucrarião igual- mente a Congregação c o Estado. Então poderião também mclhorar-se muito as oficinas, algumas das quaes são más, e todas térreas, e escuras; e fazerem-se outras obras , que seria minucioso apontar agora. Huma das más accommodações que tem este estabe- lecimento he a enfermaria das Órfãs , como já se disse. Mas tendo feito ver a necessidade que ha de as mudar pa- ra o outro lado da Igreja he evidente que a enfermaria , que faz huma parte delle , deve também ser transferida , por isso escusadas são mais ponderações a este respeito. Além das obras que se devem fazer para augmento , e melhor distribuição da Casa, ha huma já n'outro tempo principiada , que sendo principalmente vantajosa para o pu- blico , não deixaria de interessar muito a Casa Pia; quero dizer o Chafariz das Agoas livres , que se projectou fa- zer no largo da Rua dos Anjos, e paia o qual não somen- te estão feitos quasi todos os canos , mas também as bel- las estatuas, que o devião ornar, e que estão a cstruir-sc no pateo da mesma Casa Pia. Escusado he ponderar quan- to este estabelecimento lucraria cm ter dentro de si toda a agoa necessária , sem o trabalho de a mandar buscar ao fim do Campo de Santa Anna. • Capitulo II. Melhoramentos na educação fysica, e moral. Quanto d educação fysica no estado de saúde. V^íonvem regular de huma forma systematica a qualidade e tempo dos exercícios e recreios em que devem entreter- se os Órfãos , e melhorar suas disposições fysicas , sendo muito para recommendar , que na ordem dos exercícios se guarde alguma semelhança Com os da forma militar; não só porque utilizão ao vigor da constituição ; mas até por- que iVã-í O-fr DAS SciENClAS DE LlSBOA. 40? que dão mais airosidade ao corpo; aldm das vantagens que resultão da formação de huma especie de Escola Militar , sempre uiil a qualquer Nação, ainda nos empregos civis. Na forma do vestuário dos alumnos deverá attender-se não só ás proporções mais adequadas ao bom desenvolvi- mento fysico , mas também á commod idade do preço , e bom tecido dos panos , c á essencial circunstancia de ser manufactura nacional , c por todas estas razões he para re- commendar hum uniforme semelhante ao dos nossos Caça- dores , o qual atò tem a vantagem de dar mais elegância ao corpo. Qiianio às enfermarias. Nas enfermarias deve haver hum livro de registo , ris- cado em columnas , com os seguintes dizeres =: Dia de en- trada = Nome = Collegio N. =r Observações = no qual , de- pois de rubricado pelo Facultativo encarregado da direcção de saiHe , o enfermeiro deverá escrever as mencionadas de- clarações ; porém na columna das observações só o Facultati- vo , encarregado do tratamento do doente , lançará o dia da sahida , ou do óbito , e cm ambos os casos o Capitulo da moléstia. Todos os mezes o respectivo enfermeiro deverá ex- trahir deste livro hum Mappa geral , aonde declare o nu- mero dos doentes, que entrarão, os que se curarão, os que falecerão , e de que moléstia , e os que ficarão existindo na enfermaria , o qual , depois de assignado pelo Facultativo competente , deve remetter-se á Intendência Geral da Poli- cia. Em cada huma das enfermarias deve haver a necessá- ria roupa para uso, tanto das camas como dos doentes, a qual deverá ser inteiramente separada , e só destinada a este serviço , tendo marcas differcntes , que designem a enfer- maria a que pertence : o calculo desta roupa se determinará pela maior existência dos doentes. Todas as semanas deve fazer-se lavar o pavimento com agoa - - s cu 4o6 Memorias da Academia Real agoa de cal , como mais própria para absorver o gaz acido carbónico que sempre alli existe. A desinfecção das enfermarias deve praticar-se infali- velmente todos os dias de manha, no tempo em que não houver contagio ; se for pequeno o numero dos doentes , bastará que se usem as fumigações nitricas ; porém no caso contrario , devem cstabelccer-se as fumigações pelo gaz oxi- muriatico conforme o processo de Morvcau , guardada a proporção da capacidade da casa, e do numero das camas. Deverá haver huma casa privativamente destinada pa- ra a desinfecção de roupas , as quaes passarão sempre por este processo , antes de servirem a novo doente. Todos os mezes deverão lavar-se com agoa de cal as taboas das barras, que tiverem servido a doentes; e de seis em seis mezes , deverá renovar-se a palha dos enxergões ; porém no caso que tenha servido a doentes que soffressem moléstia contagiosa , cumprirá renovalla antes de servir a outro. Deverá haver hum formulário separado para cada hu- ma das enfermarias o qual , sendo simples , abranja com tudo as formulas essenciaes e adequadas ao caracter das moléstias , que grassarem alli com mais frequência , e fo- rem próprias das idades. Dclle deverão scrvir-se os Facul- tativos , e só em caso extraordinário lhes deve ser per- mittido escreverem formula nova. As dietas devem ser reguladas com mais exacçao , guardando proporção com as idades dos doentes, caracter, c períodos das moléstias, e pela designação com que forem indicadas se deverá formar a contabilidade das enfermarias. Quanto d educação moral. Hum estabelecimento que tem por fim sustentar e educar as crianças desamparadas de hum e outro sexo , e tornallas cidadãos úteis ao Estado , he sem duvida o mais importante, e necessário, que pôde imaginar-se , principal- men- DAS SciENCIAS DK Li. S ROA. 407 mente n'hunu Cidade tão populosa como Lisboa ; e tanto da antiga Casa estabelecida no Castcllo , como da actual do Desterro tem resultado grandes benefícios ao Publico, e muito maiores resultarião ainda se não fosse a arbitrarie- dade com que ambas tem sido governadas. Assentámos pois que o primeiro objecto que se deve tom .r cm consideração lie determinar irrevogavelmente a qualidade de pessoas que hão de admittir-ss na Casa Pia, e que destino se deve dar áquellcs , que nclla são educa- dos : em ambos estes artigos tem havido muita vui.içlo. Em quanto a nós, partiremos de dois princípios; o primei- ro que a 1 li entrarão somente os Órfãos desamparados , e o segundo que, no nosso estado actual, o principal destino de semelhantes desgraçados deve ser o ensino dos offieios me- cânicos : dizemos o principal porque alguns poderá haver tão broncos, ou altanados que não querendo, ou não po- dendo , aprender cousa alguma , deverão passar para o servi- ço dá Tropa, ou para a Marinha; mas só deveria julgar-sc a incapacidade para aprender offieios depois de repetidas tentativas com diversos Mestres. Determinado que isto seja assim , deve trabalhar-se por- que os offieios que se ensinão na Casa se aprendão com a maior perfeição possivel para que elli seja como. hum vi- veiro de officiaes hábeis, e que facão honra á Nição, que os educou; c por isso deve haver nvi >r cuidado na esco* lha dos Mestres, e nas casas das officinas. Todo o official deveria saber ler, e escrever, e alguns princípios de Desenho ; felizmente estas aulas já se achao estabelecidas ; mas ha outro estudo Indispensável para mui- tos oihciaes, que he o dos principios de Geometria prati- ca , que o mesmo Professor de Desenho poderia explicar áquellcs de seus discípulos» que os devessem aprender. Os nossos Carpinteiros , Tanoeiros , Canteiros , e so- bre tudo aquelles Carpinteiros, chamados vulgarmente En- genheiros, fazem obras imperfeitíssimas por falta de conhe- cimentos de Geometria : quanto não seria para desejar que da 408 Memorias da Academia Real da Casa l'ia sahissem homens capazes de executar huma maquina ainda que simples , sem estruir madeira e andar ás apalpadelas, como agora acontece! Hum dos systemas com razão introduzido na Casa Pia he o de terem três repartições de Órfãos huma na Real Cordoaria, outra na obra do Palácio da Ajuda, c outra no Arsenal Real do Exercito. Os officios de Canteiro c Car- pinteiro em parte alguma se poderão aprender melhor do que na ebra da Ajuda, assim como o officio de Cordociro na Cordoaria. E o Arsenal Real do Exercito ofFerece os melhores Mestres em muitas profissões ; e por isso julga- mos que o numero dos rapazes , que se empregão no pri- meiro e ultimo destes estabelecimentos, deveria ser au- gmentado , c reputamos escusado que dentro da Casa haja semelhantes officinas; porque melhor pode aprender-se fora. Em lugar delias poderia haver outras de Profissões que , ou não temos absolutamente , ou estão summamente atrazadas : já falíamos nos Carpinteiros de engenhos ; mas discorrendo pelas outras artes e officios mecânicos, conhe- cer-se-ha facilmente o que nos falta , e quanto seria útil , por exemplo , huma fabrica de relojoaria , huma de cutela- ria, &c. &c. O mesmo pôde applicar-se ás, occupaçõss das mulhe- res : quão útil seria que se estabelecessem fabricas de fitas , de meias , &c. que formarião pessoas hábeis para traba- lhar depois em grande , evitando-se assim huma enorme sa- hida de dinheiro do Paiz ? As Aulas de primeiras letras e desenho carecem me- lhor direcção. Nas primeiras deveria seguir-se o methodo do ensino mutuo , hoje geralmente adoptado na Europa , e que poupa tanto tempo e despesa. Hum extracto da obra de Hamel (a) sobre este objecto poderia servir d'instruc- ção por onde se guiassem os Mestres das Escolas. A Çji) L'emeigncment mutuei ou Hisioirt de l'introduction et de la propaga- dasSciencias e Lisboa. 409 A segunda , como se trata principalmente de criar artis- tas, c não pintores, e architetos , bastaria limitasse aos principios de desenho sufficientes para cada hum saber ma- nejar o lápis para exprimir os objectos da sua profissão. a p 1 t v l o III. Melhoramentos respectivos aos Rendimentos , e sua appli- cafão. A, .lguns dos Rendimentos appl içados á Casa Pia care- cerião de titulos mais Iegaes para os tornar permanentes. As Oliveiras plantadas na borda das estradas deverião vender-se ; porque o seu Rendimento he nullo. Já em 1814 o representou o Administrador actual , porém a sua propos- ta não foi attendida , e a decisão que se lhe deo he inex- equível (Docum. N. 29.) O producro da venda ajudaria a fazer as despezas de que necessita o edifício. O estabelecimento da Casa Pia não he susceptível de empenhos , pela sua natureza ; porque só deve admittir o numero d'Orfãos para que poder bastar o seu Rendimento. Partindo deste principio , c calculando em 200 réis diários a despesa de cada Órfão para ser bem mantido, e vestido com limpeza , mas sem luxo , c para toda a mais parte que lhe toca na despesa geral, virá a ser a despesa de cada hum 73^000 réis por anno ; e como o rendimento médio he 43:000^000 , abatendo desta quantia j^Goò^oo réis, importância da folha dos Empregados ficão 37:619(2)300, que só poderão sustentar, dentro do recinto do estabeleci- mento, pouco mais de 500 Órfãos, ou quando muito até 600 , havendo a mais apurada economia ; sendo convenien- te, que se fixe este numero como o maxioQ da admissão dos Tom. Vil. Part. I. FfF Or- nou de cette mcrhode . ... et sim sipptictition dans les ecoles tlantntairtt d'Anglttttrt et de France. Par Joieph H.imd. Pariz 1818. 4io Memorias da Academia Real Órfãos d'ambos os sexos, não se consentindo , que se acei- te nenhum , em quanto elle estiver preenchido ; ou aliás augmentar o rendimento. O Capitulo IV. Melhoramento na Administração. principal defeito que se observou no estabelecimento da Casa Pia , defeito que igualmente tinha tido lugar no seu primeiro assento no Castello , he a arbitrariedade porque tudo ai li se governa , sem que haja regimento algum senãc» a vontade do Administrador de quem todos dependem , e que he o legislador e ao mesmo tempo o executor da lei. He certo que pouco tempo depois de se estabelecer a Casa actual tratou-se de se lhe dar hum regimento, mas não chegou a ter força de lei , e por isso foi reputado nullo. A experiência tem feito conhecer os graves inconve- nientes que resultão em qualquer ramo de administração publica de que hum só homem exerça authoridades por sun natureza oppostas , bem como a de Executor e a de Fiscal j sendo não só difficil de se alcançar a probidade que se de- manda para o exacto e imparcial cumprimento de obriga- ções tão contrarias , mas até impróprio o bom desempenho de deveres relativos a empregos cuja reunião he perfeitamen- te incompatível ; estes principias geraes , que em tal ma- téria se podem reputar como axiomas, adquirem, se he pos- sivel , maior força applicados ao estabelecimento da Real Casa Pia , pois que ainda não tem hum Regulamento , que fixe a authoridade , que compete aos Chefes , e as obriga- ções que devem cumprir os subalternos em suas diversas classes; eisaqui porque parece de huma indispensável ex- igência. i.° Que este estabelecimento tenha humi lei pela qual se regule a sua administração económica, desviando sempre a reunião de authoridades inteiramente contrarias. 2.° Que se estabeleção de huma forma determinada e clara as DAS Sei tSCIAS DE LíSBOA. 4IT as funcções que são inherenres a cada hum dos empregos ^ que pertencem á administração geral do estabelecimento. A Commissão posto que vivamente deseja dar o maior impulso a hum estabelecimento , que por seu instituto se recommenda aos verdadeiros philantropicos ; que deve pro- duzir grandes vantagens á Nação, desafiando o progresso de alguns arrazados ramos de industria ; não pode com tudo organisar hum Regulamento , que reúna com singular es- pecificação todas as regras que devem constituir o governo económico de cada huma das repartições ; não só porque este trabalho não pôde ser preenchido em tão limitado tem- po , mas também porque são indispensáveis mui reflectidas observações para formar de huma maneira mais constante esse systema administrativo ; propõe tão somente as essen- ciaes bases em que julga deve assentar o indicado Regula- mento , e mesmo estabelece alguns dos artigos por onde interinamente se poderá dirigir o novo methodo de admi- nistração ; e considerando a particular direcção do estabele- cimento na sua generalidade a divide em três diversos ra- mos. i.° Educação phisica e moral. 2.° Administração e vi- gilância económica. 3.° Systema de escripturação e conta- bilidade. Esta idéa geral já faz conhecer que no estabelecimen- to existem três grandes e diversos objectos, e cada hum de tal natureza, que de certo exige conhecimentos e attenções muito particulares para ser convenientemente dirigido, fican- do ainda assim largo campo para digno louvor a quem util- mente o saiba desempenhar; hc logo evidente, que devem haver tres Chefes com obrigações e luzes assaz differentes, e que do exacto cumprimento dos deveres de cada hum , e da boa concordância das tres repartições rcsulrarião as uti- lidades que deve offerecer á Nação hum tal estabelecimen- to. Cada hum destes Chefes se designará com o titulo que inculca a repartição que lhe incumbe , sendo primeiro o Director da educação fysica e moral , segundo o Adminis- trador da repartição económica , terceiro o Escrivão da re- Fff ii cei- 4 1 z Memorias da Academia Reai, ceita e despesa. He essencial que a csres mesmos emprega- dos se estabeleça:) de huma forma positiva e clara os limi- tes de sua respectiva authoridade, e as obrigações, que são inherentes a seus empregos. E depois de se haverem regulado separadamente os de- veres dos fres indicados Chefes convém instituir no interior do estabelecimento huma outra authoridade, que tendo igual- mente responsabilidades positivas fiscal isc com tudo o exa* cto cumprimento das obrigações declaradas na lei do esta* belecimento , e conheça de todos os seus diversos ramos, e do credito e ventagens , que relativamente a seus traba- lhos tenháo resultado á Nação: Esta authoridade pois, sen- do organisada pela reunião dos ditos três Chefes, terá en- tão o titulo de Junta de Administração Geral cujas funeções devem também ser expressamente reguladas. Todas estas authoridades devem ser subordinadas ao Intendente Geral da Policia , em cujo nome serão cumpri- das todas as ordens, e a quem toca resolver as differentes propostas até onde forem da sua competência , e solicitar as decisões que dependerem do Governo, conhecendo ao mes- mo tempo em geral , tanto da Administração interna como de seus resultados. Estabelecida por esta maneira a natural e necessária di- visão das três diversas repartições, havendo em cada hnma seu distincto Chefe ; a authoridade interna que fiscalisa so- bre todo o governo económico ; e outra , sim externa , porém a maior de quem emanão todas as ordens e aquém toca at- tender aos meios da prosperidade do estabelecimento, pre- ciso he declarar em geral os limites de poder e responsabi- lidade de cada hum. Do Director da educação fyssca e moral. E^re emprego deverá ser oceupado por quem possuir os conhecimentos filosóficos relativos tanto ao melhoramen- to da constituição humana no estado morboso , como ao seu per- : i -T -r Cih das Sciencias de Lisboa. 41} perfeito desenvolvimento no estado de saúde , regulanJo os exercidos , recreações e vestuário dos Órfãos, tendo igual* mente aptidão para dirigir a parte da educação moral tanto civil, como christã : hum hábil Medico de probidade e acreditados estudos seria o mais próprio para o desempe- nhar. O Director da educação fysica e moral deve estabele- cer de huma forma regular os indispensáveis preceitos de Policia sanitária, tanto nos dormitórios , como nas enferma- rias, fazendo executar os que já estão lembrados, c poden* do addicionar os mais que julgar convenientes , dando de tudo conta na Junta para str presente ao Inspector Geral. Deverá igualmente exercer as obrigações de Medico , tratando os Órfãos em suas diiFerentas moléstias, e forman- do Diários das que forem mais extraordinárias a fim de que annualmcnre se imprimão e utilisem ao publico pelas ob- servações ; porém como o numero dos doentes se pôde au- gnuntar consideravelmente, não podendo em tal caso satis- fazer com exacçao ás demais obrigações do seu emprego poderá nesse caso convocar outro Medico para o ajudar nas enfermarias somente. Deve também pertencer-lhe regular a qualidade e quantidade de roupas necessárias para o serviço das enfer- marias, determinando as precisas separações, guarda, e aceio , e encarregando estas obrigações aos subalternos, que julgar mais aptos , com rigorosa responsabilidade. Os objectos que forem relativos ao serviço desta par- ticular repartição deverão ser entregues em acto de Junta por huma relação assignada por todos , e depr-is do Dire- ctor a conferir (jul»ando-o necessário) assignará termo de recebimento, constituindo-se por esta maneira responsável. Deverá por tanto não só regular a economia da repar- tição de que está encarregado, mas também propor os su- balternos , que julgar mais capazes, pois que estes lhe são responsáveis da parte de que forem encarregados, bem co- mo elle o he do total. To- awa ov 414 Memorias da Academia Real Todos os subalternos devem ser-lhe sugeitos; suas om- missões , ou faltas , sendo de pouca entidade deverão ser advertidas , ou punidas com multas cm seus ordenados ; po- rém quando estas faltas forem criminosas deverão ser puni- das pela authoridade do Inspector Geral , depois das neces- sárias averiguações. A nenhum dos outros Chefes deve ser permittido in- trometter se no particular regulamento desta repartição ; e só em acto de Junta poderão produzir suas reflexões para serem attendidas, quando tendão a utilidade do serviço , ou mesmo serem propostas ao Inspector Geral. A parte da educação moral, que se julga indispensá- vel ao desenvolvimento intcllcctual para mais perfeição ou ensino dos diversos ofHcios , que se attendem como provei- tosos aos fins do estabelecimento , deverá igualmente ser en- carregada aos cuidados c conhecimentos do mesmo Dire- ctor , regulando as horas mais próprias a cada huma das Aulas ; as obrigações civis e christãs a que são responsáveis os Mestres , para melhor aproveitamento dos aluirmos ; e a forma porque se devem verificar os exames, bem como a ordem qne hão de seguir os estudos , expendendo tudo por escripto , para ser sancionado pelo Inspector Geral. Todos os Mestres das Cadeiras , que forão lembradas como essenciaes aos fins do estabelecimento , deverão res- ponder perante o mesmo Director pela execução de seus deveres , e este os representará ao Inspector Geral. As Mestras do Recolhimento das Órfãs , no que for relativo a esta parte de educação , deverão igualmente ser sugeitas ao mesmo Director recebendo delle as instrucções necessárias para mais aproveitamento e perfeição de metho- do. Para conhecimento dos progressos desta parte de edu- cação deverá visitar repetidas vezes as Aulas , e assistir ás lições; e cada hum dos Mestres mensalmente lhe dará con- ta dos alumnos que mais se distinguirão ; e o Director de seis em seis mezes deverá informar o Inspector Geral dos pro- DAS SciENCIAS DE I 15 BOA. 415 progressos dos diffeientes ramos de ensino, do zelo e apti- dão dos Mestres, e dos alumnos que tem adquirido maior adiantamento. Em todos os artigos que forem relativos á parte de educação moral , o Director deverá fazer sujs propostas ou representações immediatamente ao Inspector Gera! , de quem também receberá directamente as ordens , sem que ajunta se possa intrometter neste ramo ; porque só se oceupará na Administração Geral pela parte económica. Do Administrador da repartição económica. O Chefe desta repartição deverá ser de mui conheci- da probidade, zelo, e efficacia , tendo igualmenre alguma inteiligencia de escripturação e contabilidade , e vivo de- sejo de acreditar o estabelecimento pela perfeição dos tra- balhos dos diversos officios que alli se ensinarem , circuns- tancias todas indispensáveis para o digno desempenho das obrigações deste emprego. Deve peitencer-lhe a inspecção dos trabalhos de todas as officinas , visitando-as todos os dias, examinando a ma- neira porque se conduzem os Mestres no ensino dos respe- ctivos officios, e a forma porque os aprendizes se dedicão ás suas tar fas : notando não só o aproveitamento do tem- po ; mas ainda mais o perfeito acabamento da obra como ponto essencial para os fins e credito do estabelecimento. Deverá ter hum livro aonde com a precisa separação assente os nomes dos alumnos , que trabalhão nas officinas , sua idade , e o dia em que começarão a aprender qualquer d'>s officios, e á margem de cada hum dos nomes deverão lançar-se as notas com que os Mestres annualmente infor- marem seu aproveitamento , ou inaptidão. Todos os mezes o Administrador deverá exigir de ca- da hum dos Mestres dos officios huma nota , que declare os alumnos , que mostrão aproveitamento , e aquelles era que reconhece ir.habilidade , ou criminosa ommissão , c de tu- 416 Memorias da Academia Real tudo informará a Junta no acto das conferencias mensies , a fim de se determinarem as providencias congruentes ao objecto. A proposta dos Mestres dos officios deve ser da sua competência , precedendo exacta averiguação de seus costu- mes , e a apresentação da obra que por sua mão seja intei- ramente acabada : reunidas estas circunstancias á perfeição da obra, deverá ser admittido o Mestre por ordem da Jun- ta , e como o salário , que se regular para os Mestres de cada hum dos officios não bastará para attrahir os que fo« rem mais acreditados , parece conveniente determinar se que havendo qualquer dos Mestres dos officios servido por dez annos ao estabelecimento, e morrendo no mesmo ser- viço, sendo casado, a viuva perceberá em sua vida somente metade dos seus salários que perderá logo que torne a ca- sar. Debaixo da sua particular responsabilidade deverão ser arrecadadas as diversas matérias que forem necessárias para os trabalhos dos officios , bem como as respectivas obras , para cujo fim deverá haver hum armazém privativamente destinado com hum Fiel da sua nomeação. Cada hum dos Mestres , quando receberem do armazém as matérias necessárias para os seus trabalhos , deverão deixar hum recibo na mão do Fiel ; porém quando entregarem, qualquer obra o mesmo Fiel lhe passará huma cautela em que declare o que entregou especificadamente. O Administrador deverá por tanto ter dois livros d'* escripturação , hum onde lance as entradas dos diferentes objectos para o armazém , e a sua destribuição para os of- ficios, e outro das obras que recebe e das que vende, ha- vendo para cada officio huma conta separada. Estes livros deverão ser todos os mezes apresentados á Junta para del- les se conhecer o estado da escripturação , os trabalhos das officinas , a obra que se vendeo , e a que deve exis- tir. De seis em seis mezes deverá extrahir-se hum mippa « geral para se remetter ao Inspector, e no fim do anno de- ve das Sciencias de Lisboa. 417 ve a Junta mandar proceder a hum balanço geral no ar- mazém. Deverá também pertencer-lhe a arrecadação de todos os géneros que servem para o sustento, bem como a sua distribuição para a dispensa, cosinha , e amassada; tendo do mesmo modo escripturação clara onde bem se conheção não só as entradas , mas igualmente as distribuições ; estabele- cendo-se com tudo como regra impreterível, que os em- pregados das mencionadas officinas deverão pasmar recibos dos géneros que recebem , os quaes farão o abono desta conta do Administrador , que apresentará todos os mezes em Junta para lhe ser aprovada , sendo exacta. De todos os géneros acima mencionados deverá haver também hum balanço mensal, assignado pelo Administrador em Junta , que deve guardar-se no cofre, visto constituir sua responsabilidade. Não deve permittir-se ao Administrador realisar com- pra alguma dos géneros , que hão de servir para o susten- to ; mas só apresentar as amostras em acto de Junta a fim de que, appi ovando o Director da educação a qualidade co- mo capaz de alimento , a mesma Junta trate depois dos ajustes da compra. Do Escrivão da receita e despeza. Este empregado além de possuir os indispensáveis co- nhecimentos relativos á escripturação, e contabilidade, de- verá ser da mais conhecida probidade , e zelo pelo bem publico, e por isso preferir-se-ha aquellc que em outra re- partição de Fazenda tiver dignamente comprovado a reunião das referidas circunstancias. A seu cargo deve pertencer o systema da escriptura- ção e contabilidade do estabelecimento a fim de que sobre hum objecto tão essencial para a fiscalisação da Fazenda, se execute sempre hum methodo uniforme e inalterável. Deverá propor o methodo de escripturação que julgar Tom. PU. Part. I. (Igg con- 4 1 S Memorias da Academia Real conveniente , segundo as diversas repartições do estabeleci- mento, para se mandar executar e constituir parte do Re- gnlarhertto , tendo precedido approvação do Inspector Geral. Deverá estabelecer hum livro de contas correntes pa- ra as ofrkinas , abrindo conta separada a cada huma delias em cujo debito se lance o custo das matérias primas em que trabalhão, e que se lhes destribuirao ; a importância dos sallarios dos Mestres, jornaes dos õfficiaes , e a despeza com os aprendizes, que alli se empregao, lançando-se no cre- dito o pr.ço porque se vendem as obras , para assim se co- nhecer o lucro ou perda que deixa cada officina. Deverá ser de sua particular obrigação escripturar o livro do cofre geral , no qual ninguém mais poderá valio- samente escrever. Todos os outros livros de escripturaçao deverão ser por clle rubricados, devendo igualmente ser obrigado a exami- nar o estado da escripturaçao das diversas repartições do estabelecimento. No principio de todos os mezes , deverá apresentar o mappa geral do balanço, extraindo das três repartições do estabelecimento, e offerecerá dois exemplares, hum pa- ra ficar no Cartório do estabelecimento , outro para se re- metter ao Inspector Geral. Os empregados , que são responsáveis por alguma par- te da Fazenda, deverão legalisar as diversas parcellas de suas respectivas contas, com documentos authenticos, e o Escrivão da receita e despeza , obrigado ao exame destas contas, deverá ser também responsável quando abone algu- ma parcella indevidamente. Além dos mappas mensaes acima referidos deverá for- raalisar, no fim do anno , o balanço geral de todas as con- tas de receita e despeza relativas ao estabelecimento , o qual deverá ser conferido, approvado, e assignado por to- dos os membros da Junta , pois que todos deverão ser res- ponsáveis pelas parcellas illegalmente approvadas. Este map- pa, depois de assignado pelo Inspector Geral , deverá ser im- pres- das Sciencias de Lisboa. í i • prcsso, e distribuído pelas maiores Authoridades da Corte e Províncias do Reino. Da Junta da Administração Geral. Fsta Junta deverá ser composta dos Chefes das três re- partições do estabelecimento , e presidida pelo Inspector Geral quando quizer assistir a cila. Para as suas conferencias deverá ter dias determinados na semana , regulados pelo Inspector. Nestas conferencias o Escrivão da Fazenda deverá fazer o officio de Secretario, e na sua falta o Admistrador da re- partição económica. Cada hum dos respectivos membros da Junta deverá ter hum igual voto , c o Inspector Geral voto de qualidade. Quando o Inspector não assistir á conferencia , se al- gum dos membros da Junta não se conformar com os ou- tros, e julgar que o seu voto tem fundamentos attendiveis , deve pcrmittir-se-!he pedir proposta aonde cm separado ex' penda suas razões, para o Inspector decidir o negocio, ou fazello subir ao Governo. O cofre geral do estabelecimento deve estar debaixo da immediata authoridade da Junta; por isso cada hum dos membros deve ter huma chave , não se abrindo sem que todos estejão presentes ; e quando aconteça que algum dos clavicularios esteja legitimamente impossibilitado de as- sistir ás conferencias , deverá remetter officialmcnte a sua chave ao Inspector Geral , a fim de que este authorise quem melhor julgar para o substituir. Além do indicado cofre geral poderá haver outro pe- queno cofre debaixo da responsabilidade do Administrador, a fim de verificar com mais promptidão os pequenos paga- mentos que forem indispensáveis , dando de tudo conta á Junta , que deverá regular este objecto como melhor en- tender. Os provimentos que forem necessários para consumo Gsc ii ^° 4lo Memorias da Academia Real do estabelecimento deverão ser regulados pela Junta, ouvi- dos por escripto os Chefes das três repartições , designando cila o tempo e forma dos pagamentos. Quando porém estes provimentos forem mais avulta- dos , a Junta o deverá publicar por Editaes , a fim de que os vendedores concorrão , e á vista de amostras ejue in- diquem a qualidade, se arremate em hasta publica a quem por menos os der , estabelecidas as condições do contrato lavrando-se termo assignado pelo vendedor. He essencial que a esta arrematação assistao todos os membros da Junta , declarando no livro das conferencias o dia e forma do contrato , que todos devem assignar. O livro das conferencias cm que se hão de lançar to- das as propostas e decisões da Junta , deverá existir fecha- do no cofre geral. Os trabalhos dos diversos officios , que se ensinarem no estabelecimento devem ser regulados por ordem expressa da Junta ; e quando houverem algumas encommendas avul- tadas de particulares , o Administrador deverá informar das condições do ajuste para se mandarem apromptar. Todos os recebimentos de dinheiro que pertencerem ás rendas do estabelecimento deverão ser feitos em acto de Junta , ou por pessoa que a mesma Junta authorisar. As deliberações da Junta deverão ser formalisadas ou por despacho rubricado pelos vogaes, ou per ordens assi- gnadas por todos os membros. Não largaremos esta matéria sem fazer huma reflexão bem importante. Se hum estabelecimento destes he tão pro- veitoso em Lisboa , porque não se hade fazer gozar ao res- to do Reino deste mesmo beneficio estabelecendo ao me- nos outra Casa Pia no Alemtejo, e outra no Minho? Es- ta idéa não he nova , e quando S. Magestade concedeo á Casa Pia de Lisboa o produeto de huma Loteria foi ten- do em vista esta ampliação do estabelecimento , que nunca chegou a ter lugar. Huma idéa porém que nos foi suggerida pelo exame de si era" o> DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 42 I de alguns d is Órfãos , em quem achamos huma comprehen- são fora do commum , foi a de resuscitar huma Casa Fia cm Coimbra, para que aquelles rapazes que nos outros estabelecimentos se distinguissem de huma maneira extraor- dinária , principalmente na Aula de Geometria , que podia servir de pedra de toque, podessem alli passar a estudar a Grammatica Latina , e os mais estudos até se formarem nas sciencias naturaes. He certo que d'aqui poderião tirar- se muitas vantagens , mas como depende de hum maior acréscimo de rendas , assentamos que só no caso de as ha- ver taes que excedão as que devem empregar-se no pri- meiro destino, he que pode ter lugar este que he somente secundário. Joaquim José da Costa de Macedo. Joaquim Xavier da Silva. Sebastião Francisco de Mendo Trigozo. N.° bIIU c v das Sciencias de Lisboa. 423 N.° 1. E .ístando a meu cargo a Inspecção da Casa Pia, c cum- prindo fazer conhecer ao Governo c á Nação , de hum mo- do exacto e authentico , a origem , progresso , c estado actual deste ramo de administração , e bem assim o me- lhoramento de que he susceptível , ainda mesmo provisio- nalmcntc ; podendo tirar-sc grande partido deste estabeleci- mento para o ensaio de huma escola nacional do ensino mutuo , e outros de educação fysica , e moral , a que o mesmo Governo , c as próximas Cortes acudirão com as providencias, que são de esperar das suas luzes em obje- cto de tão grande monta, mniormente quando se trata da Regeneração Nacional: querendo pois, desempenhar o meu dever, c preparar huma medida tão útil, e desejando por huma parte o auxilio , c cooperação das pessoas doutas , e por outra parte offerecer á Academia Real das Sciencias de Lisboa huma nova occasião de exercitar o seu patriotismo, sentimento inseparável dos verdadeiros sábios, assim como á Nação mais hum motivo de veneração , e reconhecimen- to por huma Corporação já tão illustre , e benemérita da Pátria : espero que a mesma Academia por bem do Servi- ço Nacional , e Real se digne nomear huma Commissao , que passando a visitar o estabelecimento da Casa Pia (aon- de se lhe franqueará a entrada cm virtude das ordens ne- cessárias que farei para esse fim expedir) ordene huma Me- moria , que seja não só huma exposição, e projecto litre- rario , mas huma conta official , e authentica d'aquella Ad- ministração, fazendo eu legalizar, c verificar pela interven- ção da minha Authoridadc quanto cumprir ao perfeito co- nhecimento deste importante objecto. Quei- Sira ct> 424 Memorias da Academia Real Queira V. S. levar ao conhecimento da Academia Real das Sciencias o que tenho a honra de lhe propor ; e digne-se aceitar os protestos da consideração com que sou De V. S. o mais attento venerador 111.™ Snr. Sebastião Fran- cisco de Mendo Trigozo , Se- cretario da Academia R. das Sciencias de Lisboa. Filippe Ferreira de Araújo e Castro. Lisboa 31 de Outubro de i8zo. N.°a. dasScienciasdeLisboa. 425 Copia dos primeiros §§. da Conta que pela Intendência Geral da Policia subio á Real Presença em 19 de Ju- nho de 1 8 1 1 . or Officio do Corregedor de Leiria de 12 do corrente fiei que se acháo alojados em casa para isso destinada yá Órfãos os quacs são ahi alimentados de hum caldeirão ou sopa económica que mandei estabelecer, afim de atalhar a sua total extineção , até responsabilizando-me para esse fim. Em consequência desta providencia se comprarão dez ar- robas de arroz , e se gasta a carne necessária , que dá a credito hum marchante. O effeito desta providencia foi não morrer hum só depois disto , c aparecerem dois e três to- dos os dias , que vem dos montes morrendo de fome. A' proporção que crescer este numero hade crescer a despesa , e a ser do agrado de V. A. R. que eu lhes faça Bubministrar viveres, em quanto a creação e emprego destes Órfãos se não puzer cm hum systema regular , rogo a V. A. R. se digne aurhorisar-me para isso , ou dar qualquer outra providencia que mais seja do seu Real agrado. O Corregedor de Ourem me participa , que n'aquella Villa no dia \6 (em cuja data me escreve) chegara o nu- mero dos Órfãos que se sustentarão de outro igual caldei- rão a xoo 5 assegura-me também, que a farinha de pa'o , que para alli mandei já estava finda. Digne-se V. A. R. attender a tantos infelizes , que não um outro amparo mais que a Beneficência de V. A. R. Secretaria da Policia cm 20 de Março de 1821. Na ausência do Official Maior João Cândido Baptista de Gottvéa. Tom. VIL Part. I. Hhh N.a <. das Scienoias de Lisboa. 427 N.° 3- Copia do Aviso expedido á Intendência Geral da Policia em data de 25- de Junho de 181 1, pela Secretaria de Estado dos Negócios do Reino. w3endo presente ao Príncipe Regente Nosso Senhor a con- ta de V. m. sobre os rapazes e órfãos desamparados nesta Capital, Leiria, e Ourem, S. A. R. Ha por bem autho- risar a V. m. para os soccorrer pela administração das ren- das da Policia com o mantimento indispensável para não perecerem á fome , até se poderem accommodar de outro modo , destinar-lhe local conveniente nesta Capital , e dar as mais providencias que forem possíveis , cessando as des- pesas da Casa de Correcção da Cordoaria logo que a mes- ma se puder desembaraçar das mulheres que nella se achão reclusas. Deos guarde a V. m. Palácio do Governo em 25 de Junho de 1811.— João António Salter de Mendonça. — Se- nhor Jeronymo Francisco Lobo. Secretaria da Policia em 20 de Março de 182 1. Na ausência do Official Maior João Cândido Baptista de Gouvêa. Hhh ii N. DAS SciENClAS DF. LlSBOA. N.° 4- 42J> Copia da Portaria do Governo da data de 8 de Maio de 1812. endo o Príncipe Regente Nosso Senhor ordenado , que se restabeleça a Casa Pia , suprimida pela invasão dos Fran- cezes , logo que as circunstancias o permittão , e sendo in- dispensável acudir sem demora á necessidade , e desamparo de muitos menores emigrados pela maior parte , que sem abrigo algum vagão por esta Capital expostos a todos os vicios e misérias: Manda Sua Alteza Real que a dita Casa Pia se restabeleça interinamente no Mosteiro do Desterro , onde já se achão alguns rapazes , e que recolhidos nelta todos os trastes, e utensílios da antiga, que ainda existi- rem dispersos por fora , se restabeleça o cofre , e escriptu- raçao separada na forma antecedentemente praticada , para ser presente ao Mesmo Augusto Senhor no fim de cada hum anno , o estado da sua renda , e despesa , e se abra a nova Casa Pia no faustissimo dia treze do corrente, em que de- vem entrar todas as menores desamparadas , que por ora se poderem manter. O Intendente Geral da Policia o te- nha assim entendido, e haja de executar. Palácio do Governo em 8 de Maio de 1812. = Com quatro rubricas dos Excellentissimos Senhores Governadores do Reino. — Cumpra-se , e registe-se. Lisboa 9 de Maio de 1812. Mattos. Secretaria da Policia em 20 de Março de 1821. Na ausência do Official Maior João Cândido Baptista de Gouvéa. N.° 5. DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 43 I N.° 5- R, .ELAqXo das despesas feitas, pela Repartição das Obras Públicas, com os arranjos necessários na Casa Pia, estabe- lecida no Edifício do Convento do Desterro , os quaes prin- cipiarão na semana finda a 14 de Dezembro de 181 1, e findarão na de 11 de Março de 18 15- inclusive: a saber Importarão os jornaes y.jifçfroco Dito os materiaes . • 9'*49çb39~ 18:874a 397 Intendência das Obras Públicas 4 de Janeiro de 1821. Ricardo José Manhti. N.° 6. das Sciencias ue Lisboa. 433 Relação das Oliveiras , que se achao nas estradas do Ter- mo pertencentes i Intendência Geral da Policia. Lisboa 1 de Janeiro de 1821. J ulgaDo de S. Gião do Tojal , na estrada do Tran- cao que vai para Bucellas , desde a Quinta do Oi- teiro até á Alpendurada, achão-se ----- 123 Mais pertencente ao mesmo Julgado, _na estrada de Vialonga, desde a Ponte do Tojal até á Quintani- lha - - - - I77 Julgada de Bucellas, na mesma estrada do Trancão, até á Gereigeira na entrada de Bucellas ... 129 Segue-se do mesmo Julgado de Bucellas para cima até á baixa da volta de Seiras ,--._. 26$ Seguc-se o Julgado d'Arranhol , da mesma baixa da volta dt Seira6 até á Murzinneira - - - - - 272 Segue-se o Julgado de Santo Quintino No Serrado do Leandro -----..- x^ Na Terra de José Roberto -----.- y Na Terra de António Morto ------- 2 "Na Frente de Manoel Moiro ------- j- Na Cimeira na tomada do Pé do Francisco - - y E as mais do Baldio do dito Julgado - - .- - 87 Scgue-se o Julgado da Sapataria até o Vai de Leitão 64 Segue-se. o Julgado do Milharado , estrada da Povoa da Galega até ao Vai de S. João Na Terra de Luiz Cortador ------- 7 Na Fazenda de António Ferreira ------ 6 E as mais do Baldio do dito Julgado - - - - 43 r Segue - - 1:59* 434 Memorias da Academia Rbal Vem da lauda retro -- i:59í Na estrada do Pinheiro até á Cabeça de Montachi- que, pertencente ao mesmo Julgado do Milliarado j8j Segue-se o Julgado de Fanhões , até á Cruz da Ca- beça _--.-----...---. I2j Segue-sc o Julgado de Loures até ás sete Casas - 380 Mais que pertence ao mesmo Julgado, da estrada que vai para Santo António do Tojal até á Quinta no- va --------------- 40 Segue-se o Julgado de Santo Antão que principia do alto das Carrafonchas , e da Quinta da Moreira até abaixo da Igreja do dito Santo, e até o Cha- fariz de Pinteos -----------316 Segue-se o Julgado de Vialonga , desde a Quintanilha até á Farroubeira ------------------- 107 Segue- se o Julgado da Povoa de D. Martinho, desde os marcos da Verdelha até o Lagar novo - - 114 Scgue-se o Julgado de Santa Iria , desde o Lagar novo até á Massaroca --------- 112 Segue-se o Julgado de S. João da Talha , desde a Massaroca até á Barca de Sacavém - - - - - 33^1 Somma 3'. 5 o r O Contramestre das calçadas da Repartição da Inten- dência Geral 4a Policia Bento Manoel Rodrigues. N.°7. DAS SciENClAS DE LtSBOA. 435- N.° 7. Copia do Aviso circular , que da Intendência Geral da Policia se expedio aos Ministros Criminaes dos Bairros, em data de 12 de Julho de 18 13. F azendo-se indispensável attender a que não sofrão di- minuição os rendimentos applicados á subsistência dos indi- víduos de hum e outro sexo, que se achão recolhidos no estabelecimento da Real Casa Pia desta Capital, hum dos quaes são as contribuições que para aquellc fim forão im- postas sobre todas as casas de jogo publicas , existentes na mesma Capital ; e constando nesta Intendência que muitas delias se achão em actual exercicio, sem estarem munidas com as competentes licenças desta Intendência , e por con- sequência sem haverem satisfeito as devidas contribuições: Cumpic-.ne ordenar a V. m., excitando o disposto no Aviso expedido a esse Bairro em data de 24 de Abril de 1807, que encarregando áquelle dos seus Officiaés, cm que mais confiar , de passarem a todas as referidas casas , que hou- verem no destricco de seu Bairro, seja qual fôr a sua qua- lidade , lhes determine , que sem hesitação alguma pren- dão , e recolhão ás Cadeias do Limoeiro a minha ordem os Donos , ou Propostos daqnellas , que encontrarem sem a respectiva licença desta Intendência, ou com ella finnlisada , a qual deve entender-se pelo Alvará impresso por mim as- signado , c não por algum despacho interlocutorio relativo a este objecto. Igualmente advirtirá V. m. todos os Officiaés desse Bairro, de que sendo presente nesta Intendência, que elles apadrinhão algumas das sobreditas casas, e até mesmo que se incumbem de promover-lhes as competentes licenças pa- ra ficarem com as quantias, que recebem dos seus Donos, ou Propostos para satisfazerem as respectivas contribuiçõ Iii ii 6C 4 ? 6 Memomas da Academia Real se haverão contra ellcs os mais sérios procedimentos , quan- do de novo conste , que reincidem nestes escandalosos , e puníveis factos, ou que se houverão com ommissáo na ex- ecução do que neste ordeno, a cujo respeito mando por di- ferente meio praticar as convenientes averiguações. De to- dos os indivíduos , que assim forem presos , me dará V. m. parte no mappa diário; fazendo outro sim fechar as casas que lhes respeitarem , até nova oídem minha. E porque Ire assaz curto o espaço que tem mediado desde o fim do precedente semestre até hoje, V. m. pre- vinirá os Oíficiacs a quem incumbir esta diligencia , de que , em quanto ás casas, cujas licenças tenhão finalisado no ul- timo do dito semestre , somente devem intimar aos seus competentes Donos , ou Propostos , para se munirem das res- pectivas licenças no premptorio termo de oito dias, com a cominação de se proceder contra elles semelhantemente ao que fica ordenado a respeito dos primeiros; formalisando os mesmos Officiaes huma lista das comprehendidas nesta mo- dificação, a qual V. m. remetterá a esta Intendência, a Sm de que por ella se possa conhecer se aquellas dão, ou não cumprimento á referida intimação. Deos guarde a V. m. Lisboa em n de Julho de 1813.=: João de Mattos e Vas- concellos Barbosa de Magalhães = Snr. D.or VL Ta- DAS SciENCIAS DE L I S B O A. 4)7 Tarifa da Contribuição que paga cada hum dos jogos , por atino , a beneficio da Casa Pia, Bilhar 38(^400 Gamão 1^^200 Cartas íyfaioo Bolla 4$ 800 Laranjinha 4^)800 Chinquilho • 4^800 Boxa regulou-se pelo jogo da bolla. Secretaria da Policia em ao de Março de i8ar. Na ausência do Official Maior. João Cândido Baptista de Gouvéa. N/ 8. DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 439 Copia da Portaria que pela Intendência Geral da Policia se dirigio ao Administrador da Real Casa Pia , em data de 8 de Janeiro de 1813. O Administrador da Real Casa Pia, em resposta á sua representação da data de hoje , fique na intelligcncia de que a tarifa estabelecida para as difíerentes quantias do donativo que devem pagar as pessoas que pretendem rer as suas lojas abertas mais huma hora depois de correr o sino da Cidade , deve ser a mesma que antigamente se achava estabelecida , a qual vem a ser : casas de pasto , dez mil réis ; lojas de bebidas , seis mil e quatrocentos réis ; e tabernas , quatro mil réis ; tudo cada anno. Lisboa 1 de Janeiro de 181 3. ~ Mattos. = Registada a folhas 46 f do Livro Oitavo. Secretaria da Policia em ao de Março de 18 21. Na ausência do OfHcial Maior João Cândido Baptista de Gonvêa. Resumo. Casa de pasto - ioooo N.»9. . ■■' i • i - . I80< ■ . . iqa l i i ■■ : ' ■ i J .: ■ • ■ - - ■ dasSciencias Dt Lisboa. 44 1 N.° 9. Copia do Aviso que pela Secretaria de Estado dos Negó- cios do Reino veio dirigido i Intendência Geral da Po- licia, cm data de 30 de Abril de 18 12. o Príncipe Regente Nosso Senhor tem determinado in- terinamente , em quanto não manda o contraria , que a ter- ça parte do produeto da vendagem das farinhas no Terrei- ro Publico , que se entrega mensalmente á disposição do Conselheiro D. Francisco d'Almeida de Mello e Castro , Enfermciro-mor , seja separada, e applicada para manuten- ção da Casa Pia ; e assim o Manda participar a V. m. para que nesta conformidade, até o dia 3 de cada mez , re- ceba do referido Conselheiro Enfermei ro-mor a dita terça parte , para ser empregada no dito objecto. Deos guarde a V. m. Palácio do Governo em 30 de Abril de i8i2.=João António Salter de Mendonça. =s Síír. João de Mattos e Vasconcelloa Barbosa de Magalhães. Secretaria da Policia em 20 de Março de 1821. Na ausência do Official Maior João Cândido Baptista de Gouvéa. Tom. Vil. Part. 1. Kkk N.° 10. •*. oe DAS SciENCIAS Dl LlSBOAi 443 empo o Príncipe Regente Nosso Senhor mandado res-> tabclecer interinamente no Mosteiro do Desterro a Casa Pia do Castello para acudir ao desamparo, c miséria de muitos menores que andão vagando por esta Capital sem abrigo algum ; e sendo necessário prover á subsistência com os meios possíveis cm tempos de tantas calamidades: Manda Sua Al- teza Real , que a favor de tão útil estabelecimento se su- primâo interinamente não só o primeiro lugar de homem de trabalho, que vagar em cada liuma das Capatazias des- ta Cidade mas também o lugar de Capataz extraordinário naquellas que o tiverem , no caso também de vacatura por qualquer modo que seja ; remettendo o Capataz respectivo ao corre da mesma Casa Pia a parte correspondente a cada hum dos ditos lugares , como se efectivamente existissem providos. O Conselho di Fazenda o tenha assim entendi- do , e faça executar pela parre que lhe toca com os des- pachos, e ordens necessárias. Palácio do Governo em 8 de Maio de 1812. = Com as Rubricas dos Governadores do Reino. Na mesma conformidade, e data se expedirão Porta- rias ao Senado da Camará , á Real Junta do Commercio , e ao Terreiro Publico. Secretaria da Policia em 20 de Março de 1821. Na ausência do Official Maior João Caticlido Baptista de Gouvêa, Kkk ii N.an. DAS SciKNCIAS DE LlSBOA. 445 N- 11. Copia da Portaria do Governo em data de 1 1 de Agosto de 18 12. lyjLAMDA o Príncipe Regente Nosso Senhor , que o Se- nado da Camará ordene a cada huma das Companhias que estão debaixo da sua Inspecção, que desde logo faça men- salmente remessa ao cofre da Casa Pia da quantia que corresponde d avaliação do annual rendimento do seu Ca- pataz ; ficando-lhe o direito salvo para poder amortizar o primeiro lugar que vagar na dita Companhia. Palácio do Governo em n de Agosto de 1812. = Com as Rubricas dos Governadores do Reino. Secretaria da Policia em 20 de Março de 1821. Na ausência do Official Maior João Cândido Baptista de Gouvéa. N.9i2. . - ' das Sciencias de Lisboa. N.° 12. 447 Mappa das Companhias empregadas na Alfandega Grande de Lisboa , e dos Capatazes de que se compõem , e dos que pagão á Real Casa Pia , na conformidade da Regia Portaria de 8 de Maio de 1812, e dos que não tem pago. Homem das Companhias Capatazes Desde quando pagão Companhia da Porta . . . 3 Disde Setembro de 1812. Dita da Solla de fora . 1 Desde 3 d> Julho de 1813. Diu da Casa dos Cinco 1 D,:sdc Fevereiro cie 1817. Dita dos Assucares . . 4 Desde Ag-osto de 1817. Dita da Solla de dentro 1 Desde 14 de Julho de 1817. Dita dos Colleitores . . 1 Desde 15 de Outubro de 1817. Dita da Abertura . . . 1 Desde Dezembro de 1813. Dita da Arrumarão . . 1 Desde Janeiro de 1818. Companhias que nunca pagarão. Companhia do Ferro Dita do Guindaste . . Dita das Pranchas . . Dita dos Cascavéis . Nunca pagou Dito Dito Dito Secretaria da Policia em 20 de Março de 182 1. Na ausência do Official Maior João Cândido Baptista de Gouvéa. N.° 13. .-,Ldlí oc DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 449 Cláudio José Martins de Carvalho , Capataz da Compa- nhia do ferro da Alfandega Grande, por S. Magestade Fidelíssima , que Dcos guarde. A, ttesto em como a minha Companhia nunca contri- buio cousa alguma para a Real Casa Pia, por dous moti- vos , primeiro por não ter vagado lugar algum , desde o tempo que vierão as Reacs Ordens , segundo porque nun- ca pedirão cousa alguma : o que o juro aos Santos Evange- lhos. Lisboa 4 de Janeiro de 1821. Cláudio José Martins de Carvalho. Tom. Vil. Part. 1. Lll N.° 14. ias Scikncias de Lisboa. 45- 1 N-° 14- 111.™ Snr. enbo a honra de levar ao conhecimento de V. S. , em resposta á requisição que se fez. a esta Companhia do Guindaste da Alfandega, para se declarar se tinha imposta alguma pensão para a Casa Pia. Que esta Companhia não tem alguma pensão , nem a pôde ter , pois que se compõe de homens muito pobres , e desvalidos , e tendo muito trabalho são muito pequenos os seus interesses , como V. S. não ignora , os quaes não chegão para huma subsistência parca e moderada dos em- pregados nella , apezar do que tem entre si a pensão de huma parte para a Irmandade de S. Bcnedicto , a fim de os ajudar nas suas enfermidades, e cuidar do seu funeral quan- do morrem, e de certo naj podem com pensões novas, sal- vo se ficarem privados até do necessário. Isto mesmo já se respondeo em outra igual requisição. E confião todos os homens da Companhia em que V. S. , por effeitos da sua conhecida rectidão c bondade se digne informar superiormente , protegendo a mesma Companhia, e tomando-a debaixo dos seus auspícios, man- tendo aos trabalhadores delia esses mesquinhos interesses que com tanto custo adquirem. Alfandega Grande do Assucar 5- de Janeiro de 1811. Do Capataz Dionísio -f António da Rocha da Companhia dos homens pretos. De José Fernandes , que por mim serve interinamente. "José Fernandes. * L1I ii N.° iy. áI3'J Oí> DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 45-3 N.° 15- Ill.mo Srir. Administrador Geral desta Alfandega. onho na respeitável presença de V. S. , que a Compa- nhia das Pranchas do embarque do assucar, de que cu sou Capataz contém somente quatro lugares , que se achão pro- vidos todos ha mais de dez annos , sem haver vacância al- guma depois da data da Regia Portaria de 8 de Maio de i'ái2 ; sendo mesmo pouco susceptivcl de applicação a es- ta Companhia a sabia providencia da mesma R. P. porque he patente a sua pequenhez , e a simplicidade dos seus red- ditos , que apenas se reportâo da exportação do assucar que muito raras vezes se verifica. He quanto posso informar a V. S. sobre o estado e circunstancias actuacs desta Companhia , que attesto, e ju- ro se necessário for. Lisboa y de Janeiro de 1II21. O Capataz Ignacio Xavier Romelin. N.° 16. SI3H O-V DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 45^ N.° 16. 111.™° Snr. emos a honra de levar ao conhecimento de V. S. a nos» sa resposta sobre a intimação que foi feita para declarar- mos se nas Companhias reunidas de que somos Capatazes se acha algum lugar, que pertença d Casa Pia. He verdade que seu Administrador , António Joaquim dos Santos , prerendeo a propriedade de hum lugar ; porém oppondo-sc o Capataz e homens da Companhia , sua per- tenção lhe foi indeferida ; e do mesmo modo o requerimen- to á Regência do Reino , como verifica o primeiro docu- mento. Pelo segundo documento , que também ofFerecemos , se mostra que , por expressa Resolução de Consulta de Sua Magestade , foi determinado, que senão provessem lugares nesta Companhia, cm quanto não estivesse reduzida ao nu- mero da sua primitiva instituição. He quanto temos de responder a V. S. por cuja bem conhecida rectidão esperamos ser protegidos. Alfandega Grande de Lisboa 8 de Janeiro de 1821. Os Capatazes António José de Mello Barreto. João Anastácio da Silva. N.° 17. oasScienciasdeLisboa. 45-7 N-° 17- Oenhor = Dizem o Capataz , e Artifices da Companhia dos Cascáveis d'Alfandega maior desra Cidade , que elles per- tendem Certidão com o theor de hum Requerimento de An- tónio Joaquim dos Santos, Administrador da Real Casa Pia, do Documento com elle junto , e da decisão que sobre elle se proferio. = Pedem a Vossa Magestade a Graça de lha mandar passar = E receberão Mercê = Como Procurador, e Parte , António Gomes de Barros. Despacho, Passe do que constar , não havendo inconveniente. Pa- lácio do Governo em vinte c tres de Dezembro de mil oito- centos e dezesete = Com huma Rubrica. Certidão. Nesta Secretaria de Estado dos Negócios do Reino se acha o Requerimento, de que os Supplicantcs fazem men- ção , o qual he do theor seguinte : Senhor = Diz António Joaquim dos Santos, Adminis- trador da Real Casa Pia , que tendo sido provida a dita Real Casa em hum lugar de Cascavel da Companhia da Alfandega Grande desta Cidade , em dois de Maio de mil oitocentos e dezeseis , na conformidade das Reaes Ordens , como consta da copia da Provisão inclusa , a qual foi ap- presentada ao Capataz da dita Companhia em oito de Maio do dito anno ; e como este até o presente não tem feito a entrega do seu rendimento no cofre da dita Real Casa, como he obrigado, he por isso que o supplicante perten- de que Vossa Magestade lhe Faça a Graça de mandar que o dito Capataz , sem perda de tempo , faça entrega da quan- lom. VII. Part. I. Mmm tia 4f3 Memorias da Academia Real ria que cm seu poder tem ; c sendo responsável pelo pre- juízo que tem causado na demora da sobredita entrega, vis- to que esta he applicada para alimento dos recolhidos na mesma Real Casa = Pede a Vossa Magestadc seja servido deferir-lhe na forma que supplica = E receberá Mercê — An- tónio Joaquim dos Santos. O qual Requeiimento , tendo precedido informação do Desembargador João Manoel Guerreiro de Amorim, servin- do de Administrador Geral da Alfandega Grande do Assu- car , teve o despacho seguinte = Não tem lugar. E não se continha mais no referido Requerimento e despacho , de que se passou a presente Certidão , para cons- tar onde convenha. Secretaria de Estado dos Negócios do Reino em vinte e nove de Dezembro de mil oitocentos e dezesete = Joaquim Guilherme da Costa Posser. E trasladada a concertei com a própria a que me re- porto , e a tornei a entregar a quem ma apresentou. Lis- boa quatro de Janeiro de mil oitocentos vinte e hum. E eu o Tabellião Manoel Eugénio Coelho, o sobscrevi e as- signei em publico e raso. O Tabellião Em testemunho de verdade. Manoel Eugénio Coelho. N.° ip. S13ÍT 03 DAS SciENCIAS OE LlSBOA. 4f666 Manteiga 11Ò500 Madeira --- _ ^916 Palha da Ribeira Velha - - - - - - - - 3<2>333 Segue - noçfri^ó Tom. VII. Part. I. Nnn Trans- 466 Memorias da Academia Real Transporte da lauda retro - - - - 110^130 Talha das Rcacs Cavalharices $)<|) 3 3 3 Tojo da Bica do Çapato 2<í>o8o Trigo, e Cevada das Reaes Cavalharices - - 5&000 Vinhos '3J>33? Cada Mcz - 183^)483 Mezes - - 12 He a quantia por anno - - - Réis i:zoi$7<)6 Secretaria da Policia em 20 de Março de 1821. 1 ■ Na ausência do Official Maior João Cândido Baptista de Gouvêa. N.# iii Co DAS SciENClAS DE L I S B O A. 467 N.° th EDITAL. João de Mattos c Vasconcellos Barbosa de Magalhães, do Conselho de Sua Alteza Real o Principe Regente Nos- so Senhor , Commcndador da Ordem de Christo , Inten- dente Geral da Policia, &c. &c. &e. endo sido constantes nesta Intendência as representa- ções dos Proprietários de Prédios rústicos nos Subúrbios desta Capital , queixando-se dos Cabreiros Conductorcs de Cabras de leite , pelos damnos que lhes fazem , inrrodu- zindo-as de noite a devorar as Searas, chegando ao excesso de acompanharem-se de armas offensivas com que tem mal- tratado as pessoas que se lhes oppõem , defendendo as suas Propriedades , do que tem resultado contendas , as quaes algumas vezes tem terminado em homicidios , de que os Réos dificultosamente se conhecem por se encobrirem com as sombras da noite , em que costumão praticar os referi- dos factos; o que provêm principalmente de que hum gran- de número dos ditos Cabreiros, entretendo grandes Reba- nhos de Cabras , não tem pastos alguns seus , ou arrenda- dos de que possão sustcntallas , senão invadindo os alheios , como se tem verificado ; e convindo muito á tranquilidade pública, deste modo sensivelmente perturbada, prover de re- médio , que removendo a origem principal dos menciona- dos delictos , os previna regulando os meios de descobrir quem os praticar, e fixando as obrigações, e responsabili- dade das pessoas , que se propozerem entreter o sobredi- to Commercio de Cabras de leite: Determino o seguinte, com approvaçao do Principe Regente Xosso Senhor. Nnn ii I. 4Ó8 Memorias da Academia Real I. Ninguém poderá ter nesta Cidade , e seu Termo , Cabras de leite , sem que tenha para isso obtido Licença da Intendência Geral da Policia. II. A Licença deverá declarar especificamente o número de Cabras , que o Impetrante se propõe empregar no forneci- mento de leite aos Moradores da Cidade, e Termo. III. Para se expedir a Licença deverá preceder informação do Ministro do Bairro , em que residir o Impetrante , pe- la qual, mediante averiguações fidedignas, se qualifiquem não somente a boa reputação, vida, e costumes do mesmo Impetrante, mas também que elle tem pastos seus, ou ar- rendados , nos quaes possa racionavelmente apascentar o número de Cabras , que pertende ter. IV. Prestará além disto o dito Impetrante huma fiança idó- nea, que segure a sua responsabilidade por quaesquer dam- nos que as suas Cabras possão fazer , de cuja fiança se lavrará Termo , que acompanhará a Informação do Ministro Criminal do Bairro. V. Ao dito Ministro do Bairro apresentará logo o Impe- trante a Licença , que lhe houver sido expedida pela In- tendência Geral da Policia , para que seja cumprida , e re- gistada : Ella não poderá conceder-se por mais espaço de tempo, que o de hum anno. VI. Toda a pessoa que , passado o prazo de sessenta dias da - DAS SciENCIAS DE L I S B CM . 46? da data do presente Edital , for encontrada conduzindo Ca- bras de leite, sem que para as ter haja obtido licença na fornia referida, ou com maior número daquelle para que se lhe concedeu Licença, será preza por espaço de trinta dias, e perderá as Cabras a beneficio da Real Casa Píj , e do Apprehensor : Aos Ministros Criminacs dos Bairros , e ás Patrulhas da Guarda Real da Policia fica pertencendo fa- zer , em caso. tal , apprehcnder as Cabras , que serão logo conduzidas á dita Real Casa Pia. Vil. Se o Conductor se escapar de ser prezo , nem por isso deixará de applicar -se a pena do perdimento das Ca- bras, que elle abandonar, além do resarcimento do prejui- 7.0, que tiverem causado na Fazenda em que forem appre- hendidas, ao que será obrigado quem ao depois se provar, que era Dono delias : o prejuízo será estimado por dois Louvados Fazendeiros, pertencendo a nomeação de hum ao Dono da Fazenda prejudicada , de outro ao Dono das Ca- bras ; e de terceiro, em caso de dúvida, ao Ministro do respectivo Bairro, qne decidirá do refeiido verbal, e sum- mariamente , dando parre á Intendência Geral da Policia. VIII. Toda a Pessoa , que huma vez for comprehendida em conduzir , e apascentar Cabras sem Licença , ou tendo-a for condemnado pelo abuso delia, na forma dos Artigos pre- cedentes , ficará inhabilitado para tornar a conceder-se-lhe a mesma Licença. IX. Fica prohibido a todos os Cabreiros apascentar as suas Cabras de noite , mas antes deverão ao anoitecer re- colhellas para as Casas, que a esse fim tenhão destinado, e nos casos de contravenção ao referido , terão lugar a ap- prehcnsão, e penas de que tratão os artigos precedentes. 47° Memorias da Academia Real X. Rcnovão-se muito positivamente as Ordens já publica- das por esta Intendência , prohibindo que as Vaccas de lei- te andem vagando pelas Ruas desta Capital, e que os Re- banhos das mesmas Vaccas , e de Cabras se demorem na venda do leite pelas ditas Ruas além das dez horas do dia: nos casos de contravenção ao referido, as Cabras, ou Vaccas serão apprehendidas, levadas ao Matadouro do Cam- po de Santa Anna , e somente entregues a seus Donos , quando estes tenhão satisfeito a multa de mil e seiscentos réis por cada Vacca , e de quatrocentos réis por cada Ca- bra , metade para a Real Casa Pia , e metade para o Offi- cial de Justiça, ou Patrulha da Policia que fizer a diligencia. XI. Aos Ministros Criminaes dos Bairros desta Capital , e á Guarda Real da Policia incumbe a execução de todo o re- ferido , no que lhes he respectivo. E para que chegue á noticia de todos , e assim se observe , mandei lavrar o presente Edital , que será affixado nesta Cidade , e seu Termo , em todos os lugares públicos do estilo. Lisboa em sete de Maio de mil oitocentos e qua- torze. João de Mattos e Vasconcellos Barbosa de Magalhães* N.° 22. DAsSciENCIAS DE LlSBOA. 471 N-° ia, Copia do Aviso que pela Secrct.iria de Estado dos Negó- cios do Reino foi dirigido á Intendência Geral da Po- licia, cm data de 28 de Setembro de 18 16. wJenuio presente a Sua Magestadc a Representação deV. S. , em que , expondo os escassos e precários meios que tem o estabelecimento da Casa Pia , instaurada no Mosteiro de Nos- sa Senhora do Desterro desta Cidade , para poder sopor- tar as despesas , que exige a sua regular manutenção ; c lembramdo o quanto se podia ampliar mais o auxilio que presta ás crianças desamparadas, de hum e outro sexo, com a creaçío de maior numero de oflLinas , para ensino dos menores destinados ás artes fabris ; com a designação de do- tes para Órfãs alli educadas ; e com a fundação de seme- lhantes Casas na Provinda do Alcm-Tejo ; pedia huma lo- teria annual de dezeseis mil bilhetes, de dez mil reis cada hum, para do seu lucro formar hum maior, c mais seguro rendimento daquella Casa : E tomando o Mesmo Senhor cm consideração, por huma parte os grandes, c- inapreciá- veis resultados, que á felicidade individual, e publica pro- mette este estabelecimento, c a economia e boa ordem, com que he administrado ; c por outra parte querendo também attender ao que lhes representarão as Regentes dos Reco- lhimentos do Santissimo Sacramento , c Assumpção de Al- cântara , e da Rua da Rosa; houve por bem deferindo á representação de V. S. e ás supplicas das ditas Regentes , conceder, na forma do parecer do Governo destes Reinos, e por immediato Aviso de 19 de Junho passado, huma lo- teria annual de vinte mil bilhetes , cada hum da referida quantia, que deverão ser assignados pelo Administrador, e Escrivão da Fazenda da Casa Pia , c rubricados por V. S. , de 472 Memorias da Academia Real de cujo lucro se tirará huma parte correspondente ao de seis mil bilhetes, para se repartir igualmente pelos dois mencio- nados Recolhimentos ; ficando encarregada da sua extracção a Santa Casa da Misericórdia , da mesma maneira que se praticou com as do Resgate dos Gaptivos cm Argel , pa- gando-lhe a Casa Pia as despesas feitas para esse fim , c cessando por virtude deste novo auxilio a addição de qua- tro mil bilhetes concedida á Casa Pia, nas loterias da mes- ma Santa Casa. O que participo a V. S. para sua intelli- gencia , e para que assim se execute , pela parte que lhe toca. Deos guarde a V. S. Palácio do Governo em 28 de Setembro de 1816 = Alexandre José Ferreira Castello = Srír. João de Mattos e Vasconcellos Barbosa de Magalhães. Secretaria da Policia em 20 de Março de 1821. Na ausência do Official Maior João Cândido Baptista de Gouvéa. N.° aj. DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 47 3 N.° *3- E, (lrei Nosso Senhor, pelo GíHcio número mil e dezoi- to do Conselheiro de ' Estado e Ministro assistente ao Despacho , Marquez de Aguiar , datado de vinte e nove de Fevereiro do presente anno ; Foi servido ordenar , que do Pinhal de Leiria se forneça á Casa Pia a lenha precisa para o consummo delia , sendo porém á sua custa o cor- te, e a conducçao : O que, de ordem dos Governadores do Reino, participo a V. m. para seu conhecimento, pre- venindo-o de que pela Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha , se tem expedido , em data de hontem , á Jun- ta da Fazenda da Marinha, as ordens necessárias para sua devida intclligcncia c execução , na referida conformidade. = Dcos guarde a V. m. :- Palácio do Governo , em vinte de Julho de mil oitocentos e dezeseis. = D. Miguel Perei- ra Forjaz. = Senhor António Joaquim dos Santos. António Joaquim dos Santos. Tom. VIL Part. I. Ooo N.° 24. y oz DAS SciENCIAS DE L I S B O A. 47f N.° 14. Copia do Decreto de 28 de Abril de 1793. H. Er por bem que a Casa do novoTheatro, edificada no Bairro Alto ao Thcsouro , com Permissão Minha, debaixo das ordens do Intendente Geral da Policia , se incorpore á Casa Pia , e que fique fazendo parte do seu fundo para a sua subsistência , debaixo da direcção da Intendência da Policia , ou d'aquclles que pelo tempo For Servida encar- regar da Inspecção da dita Casa Pia. F Hei outro sim por bem authorisar o Intendente Geral da Policia para, em con- sequência do que tem acordado com os credores que lhe tem adiantado os dinheiros e materiaes necessários pira a construcção do dito Theatro , proceda a celebrar as escri- pturas para lhes servirem de Titulo e segurança ; estabele- cendo-lhes para o pagamento as consignações próprias, e competentes, por quaesquer rendimentos da sua Inspecção, e pelos applicados para a Casa Pia. Palácio de Nossa Se- nhora da Ajuda em 28 de Abril de 1793. = Com huma Rubrica do Príncipe Regente. Secretaria da Policia cm 20 de Março de 1821. Na ausência do OfEcial Maior João Cândido Baptista de Gouvêa. Ooo ii N.° 24 A. sia« os DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 477 N.° 24 A- «795 478 Memorias da Academia Real A Ca?a Pia do Castcllo de S. Jorge , Donatária do Theatro de S, do Conselheiro Anselmo José da Cruz Sobral , e com Antonic Covo de Bandeira , e de João Rodrigues Caldas , António Jost Theatro. __^____ DEVE Pelo custo do Terreno , e despesas da construcção do referido Theatro , tudo constante da conta ger.il , assignada em 20 de Fevereiro de i8co por Joaquim José da Silva Santos, que foi pagador da referida obra, e anihonzada com a firma de Filippe Carlos da Cunha Souto e Mattos Fundos applicados para esta despesa. Supprimenros feiros pelo falecido Conselheiro Anselmo José da Cruz Sobral , desde Dezembro de 175,2 até Janeiro de 1797 2?:i99<&994 Idem pelo Barão do Sobral 15:600^000 Idem pelo Barão de Quintella , comprehendido o custo do Terreno que pos^ia, e cedeo 24:641(^402 Idem por António Francisco Machado 18:400^000 Idem por João Rodrigues Caldas 18:400,^000 Idem pelo Barão de Porto Covo de Bandeira 18:400^000 Idem por João Pereira Caldas 18:400^000 Idem por António José Ferreira i8:;o6(fo2oo Réis i5}:457<í>776 Cobranças que fez Joaquim José da Silva Santos dos seguin- tes Rendeiros 12:4071^420 De João Senezan 1:400^000 De Francisco Antão Mendes 5:940^000 De Joaquim José i'erc;ra ........ 5OC&OCO De Francisco António Lodi , e André Lensi . 4:122^495 E, pelo que recebeo pela venda de 5 juntas de Bois, que haviao seivido na obra .... 444^500 Supprirnento de que appareceo Credor o dito Santos • <&62? Réis 12:407^420 Pelo que pagou Francisco António Lodi , como Procurador da Adminis- tração das Rendas do Theatio, ao Musico Franchi , mandado vir de Madrid pelo Meritissimo Intendente Geral da Policia , Diogo Ignacio de Pina Manique, para cantar no Theatro, na occasião em que S. A. o honiou com a sua Presença , cu|o pagamento foi insinuado em Pot- taria de 1 de Outubro do presente anno Segue Réis «rSsícUs&ioí 1 1480^00 167:525^15, DAS SciENCIAS DE Li S BOA. 479 Carlos, em Conta Corrente com o Barão do Sobral , por si, e como herdeiro Francisco Machado, herdeiros dos falecidos Barões , de Quintclla, e Porto ferreira , e João Pereira Caldas , todos Credores hipotecários ao mesmo 28 5< Pela renda de hum anno do Theatro , de que forío locatários Impre- sarios Francisco António Lodi , e André Lensi Pelo que pagou o Thesoureiro da Casa Pia em virtude de Portaria do Mentissimo Intendente Geral da Policia Diogo Ignacio de Pina Manique H. HAVER Idem pelo que mais se recebeo do mesmo Thesoureiro, em tudo corrjo acima Pela renda do Theatro , desde a Páscoa de 17^4 até ao Entrudo do pre sente anno , rendeiros Lodi , e Lensi Pelo que se recebeo do Thesoureiro da Casa Pia, por Portaria do Meri- tissimo Intendente Geral da Policia Idem pelo que mais se recebeo , em tudo como acima Pela renda do Theatro, que pagarão os sobreditos Lodi, e Lensi, ven- cida, desde a Páscoa de 171)6 até ao Entrudo do presente anno • . Idem dos sobreditos Lodi, e Lensi, pela renda do Theatro vencida, des' de a Páscoa de 17^7 ate ao Entrudo do presente anno Idem de Francisco Antão Mendes, pela renda do Bilhar, vencida em os annos de 1796 e 1797, a razão de 320^000; e do mesmo Bilhar, e Salla grande em todo o anno de 1798, por 500^000 IJem de João Senezan pela renda do Botequim, vencida desde o i.° de Janeiro de 1796 , até Dezembro de iToy, a razão de 35O&000 . . . Idem de Lodi, e Lensi, pela renda do Theatro, desde a Páscoa de 1798 até ao Entrudo do premente anno Idem de Joaquim José Pereira, pela renda do Bilhar, e Salla, vencida em hum anno Idem de Crescentini , Caporalini , e Ncri, pela renda do Theatro, ven cid.i , desde a Páscoa de 1799 até ao Entrudo do presente anno . . Pela renda do Theatro, desde a Páscoa de 1800 até ao Entrudo do pre- sente anno, sendo rendeiro o Conde da Ribeira . , . 2:400^000 Abate-se o que ficou devendo o dito rendeiro , não obstan- te diligencias practicadas i:oí5<*wç>o Idem de Joaquim José Pereira, pela renda da Salla grande, vencida no sobredito tempo 2:ooo$>ooo B:oooájcoo S:cco&coo 3 .•600^000 s:coo$:oo 8:000^) -CO 2 rocc&cco 2:400^5000 i:i40,*coo 1:400^000 2:400^000 500^000 2:400^000 1:344^610 300^000 Segue Réis 48:484^610 si a a o" 480 Memorias da Academia Real «795 1805 1808 18.3 1815 18:6 1817 1818 18:0 Transporte do Debito Réis 167: 3 25^10(1 Pelo que pagou Francisco António Lodi , pela importância de Ruões, Fran- jas , e Galões que , por ordem do Meretissimo Intendente Geral da Policia, entregou ao Alfaiate Domingos de Almeida, tudo destinado para as festas de Cavalhadas, e Touros, que se fizeráo na Praça do Commercio Pela importância de despesas que fez o mesmo Lodi, descriptas em con- ta que assignou em 15 de Agosto do presente atino Idem por mais despesas feitas pelo dito , constantes da Conta que as- signou em 28 de Maio do presente anno Idem por ditas , como da Conta do sobredito de 21 de Junho do pre- sente anno Idem por ditas , como da dita do dito de 2,0 de Abril do presente an- no Idem, ditas, dita, dito de 28 de Agosto do presente anno .... Idem, pela importância de diversos concertos, c da Pintura do Theatro , como da Conta de Luiz Chiari encarregado da direcção dos meneio nados reparos , e Pintura . . . . • - • Idem por diversos gastos, como da Conta de Francisco António Lodi,, as.&8o 379&450 177&54? noCOO Idem peta renda da Salla grande, no sobredito tempo . . 152^085 Abate-se o que ficou devendo o sobredito rendeiro . 632&08? 316^625 De Crescenrini , Caporalini , e Neri , pela renda do mesmo Theatro, e Salla grande, de 7 mezes que decorrerão, desde 7 de Julho de 1801 até ao Entrudo do presente anno De Francisco António Lodi , pela renda do Theatro , e Salla , desde a Páscoa de 1802 ate ao Entrudo do presente anno Idem de Joio Senesan , peh renda do Botequim, vencida nos 4 annos que decorrerão, desde o de 1800 até o presente Idem de Francisco António Lod« , pela renda do Theatro, e Salla, des de a Páscoa de 1803 até ao Entrudo do presente anno .... Idem do dito, pela dita renda vencida no Entrudo do presente anno . . Idem de João Senesan , pela renda Botequim , vencida como acima Idem de Francisco Antão Mendes, pela renda do Bilhar, desde 1800, até ao presente anno Pela renda do sobrediro Botequim, vencida, desde a Páscoa de 1805 até ao Entrudo do presente anno ilOçC^oco Abate-se o que ficou devendo o sobredito rendeiro . . . 83^800 Di Sebastião José Filgueiras , pela renda do Bilhtr , vencida nos dois annos d; 1807, e presente a ooo&oon réis . Pela renda do Theatro e Salla , vencida desde a Páscoa de 1805 até 1808, sendo Director nomeado pelo Governo João Pereira de Sousa Caldas, a razão de 2:700^0. o réis 1 . 8:ico,£>goc Aaate-se o que ficou devendo o sobredito Director . . . • "ccfoHiç Idem de Sebastião José Filgueiras, pela renda do Bilhar, de bum anno vencido no presenre Idem de Francisco Antão Mendes , pela renda do sobredito Biíiiar ven- cida , desde a Páscoa de 1809 até ao Entrndo do presente anno, a ra- zão de 450^000 réis Idem pelo rendimento do Botequim, desde Março de 1808, até Feve reiro do presente anno, tempo em que não foi arrendado, mas con- tractado por diverso» preços em cada huma das récitas que houve no Theatro, durante aquelle mesmo intervallo Réis Tom. VIL Part. t Ppp Segue 48:484^610 315&460 1:827^915 2:700^000 1 :4CO<&coo 2:7cO(&coo 2 :-]oq$>cqo 35C&COO 4:8ocá>coo 1 :8co,j!)oco 6:399^171 pCO^OOO 1:350^000 189,^200 76:882^556 4 H 2 Memorias da Academia Real Transporte do Debito . Réis 183:676^85 Segue DAS SciENCIAS DE LlSliOA. 433 Transporte do Credito ate De José Carlos, pela renda do Botequim, desde a Páscoa de 181 ao Entrudo do presente anno Idem de Manoel Baptista de Paula, pela renda do Thcatro , e Salla , de hum anno , vencido no presente IiVm de Francisco Peres, peia renda do Bilhar, vencida desde a Pas coa de 1812 até ao Entrudo do presente anno Idem de Manoel Baptista de Paula, pela renda do Theatro , vencida no presente anno, com o abatimento de 86$666 réis, quantia que na razão de 1:200*000 réis preço da locação, corresponde a 8 dias em que o Theatro esteve fechado por Ordem Superior Idem de Francisco Peres, pela renda do Bilhar, vencida desde a Páscoa de 181? até ao Entrudo do presente anno Idem de Josc Catlos , pela renda do Botequim, vencida no sobredito ten> P° • Idem de Manoel Baptista de Paula, pela renda do Theatro, vencida no Entrudo do presente anno Idem do dito, pela renda da Salla, vencida, desde o i.° de Julho de 1814 até á Páscoa do presente anno, a razão de 200*000 réis . . Idem de José Carlos , pela renda do Botequim , em 54 noites de réci- tas a razão de 2*400 réis cada recita Idem de Francisco Peres, pela renda do Bilhar, vencida no Entrudo do presente anno Idem de Manoel Baptista de Paula, pela renda do Theatro, e Salla, vencida no Enrrudo do presente anno Idem de José Carlos , pela renda do Botequim , vencida como aci- ma Idem de Francisco Peres , pela renda do Bilhar , vencida como aci- ma Idem de Manoel Baptista de Paula, pela renda do Theatro, e Salla, desde 14 de Abril até hoje , que foi fechado o Theatro por Ordem 76:882*556 mezes, e 27 dias, que a razão de 2:200*000, Superior, sendo 2 são Idem de José Carlos , pela renda do Botequim vencida no sobredito tem- Po Idem de Francisco Petes , pela renda do Bilhar, vencida, desde a Pás- coa de 1816 até ao Entrudo do presente anno Reis Ppp ii Segue 350*000 1:200*000 350*003 '••'75*554 350*000 350*000 1:200*000 75*000 1 29*600 350*000 1 :40o*cco 350*000 800*000 531*666 56*400 800*000 86:348*556 484 Memorias da Academia Real Transporte do Debito Réis 183:^^894 Segue sia* 01 DAS SciENCI/S D li LlSBOA. rfs Transporte c!o Credito De Manoel Baptista de Paula, pela renda do Theatro, e Salla , desde 15 de Junho de 1817 até hoje; sendo n mezes , e 15 dias, e, em razão de 183^533 reis por mez , são Idem de Domingos Daddi , pela renda do Botequim , vencida no sobre- dito tempo Idem de Francisco Peres, pela renda de hum anno do Bilhar . . . Idem de João António Franco , pela renda do Bilhar , de hum anno , vencido no presente- Idem dv.- Domingos Daddi , pela renda do Botequim vencida , desde 7 de Dezembro de 1818, ate 30 de Setembro do presente anno . . . . Idem de João António Franco, pela renda do Bilhar de anno e meio, ven- cido em Setembro do presente Idem de Domingos Daddi , pela renda do Botequim, de 6 mezes, ven- cidos cm Março deste anno, com o abatimento de 75 dias a respeito da Quaresma , e da suspenção de recitas a requerimento da sociedade de Mari , e Luiz Chiari . . . 86:348^556 Pela renda do Theatro, e Salla que devem os sobreditos Ma- ri , e Luiz Chiari , vencida em dois annos , três mezes , e cinco dias , que tiveráo principio no i.° de Outubro de 1818, e findarão em 5 de Janeiro do presente anno . • 4:080,^135 Pelo produeto da venda de 5 juntas de Bois Feio ganho na compra de 674^000 íeis em papel moeda com o ágio de 22 por cento 148^280 Abate-se a perda de diversas porções, descontadas anteceden- temente , sendo a saber. Réis 189&050 a 28 j por cento 31&840 306^840 a 17 1 dito : . . 25&050 i7<£)ooo a 15 j dito .'.......: 1^590 62^480 Réis Segue 2:io8&53> 334^420 8cc$coo 1:250^000 284^820 1 :875,fccco 102&250 444&3CO 85&800 93:633^481 áia-j 01 48 6 Memorias da Academia Real Transporte do Debiro Réis 185:676^894 Deve a Casa Pia aos Credores hypothecarios nos rendimentos do Thcatro de jj réis. Lisboa 8 de ]{ Barão do Sobral. l82! Março DAS Sc [EN Cl AS DE LlSEOA- 487 Transporte do Credito Saldo i]ue deve a Casa Pia no dia de hoje , e de que sáo Credores , os seguintes O Barão do Sobral 22:511^445 António Francisco Machado Herança do Barão de Quintella Herança do Barão de Porto Covo de Bandeira . . . Herança de João Rodrigues Caldas Herança de João Pereira Caldas Herança de António José Ferreira 11:255*7*7 11:2550727 11:255^-727 «1:255*727 11:255^727 11:253*535 Réis 50:043^413 Ré 93:633*481 90:043*413 i83:<$76*894 . Carlos , por Saldo , noventa contos quarenta e três mil quatrocentos e treze rlarço de 1821. S13* Oí DAsSciENCIAS DELlSBOA. 489 Copia da Portaria expedida pela Intendência Geral da Po- licia ao Administrador Geral da Illuminação da Cidade , cm data de 23 de Dezembro de 18 13. O Admínistrador da Illuminação, renovando o que lhe foi determinado por Portaria de 8 de Junho deste anno , tenha entendido que, do primeiro de Janeiro seguinte em diante , toda a obra que para o serviço da mesma Illumina- ção se precisar, assim pertencente ao officio de Latoeiro de folha branca , como ao de Ferreiro , deverá ser suprida das respectivas olficinas existentes na Real Casa Pia ; e que as encomendas que para tacs obras elle Administrador Geral fizer nesta conformidade á Administração da dita Real Ca- sa, deverão ser acompanhadas de huma relação por elle assi- gnada na qual designe em huma columna a obra que pre- cisa fazer-sc , e na outra em frente d'aquella os preços por que cada huma peça , comprehendida nas ditas encomen- das , se esteja actualmente fornecendo á referida Illumina- ção , a fim de que na mesma Real Casa Pia se procure fa- zer as ditas obras com a maior commodidade da Real Fa- zenda , como he de esperar , e como tenho recommendado ao respectivo Administrador Geral. Lisboa em 23 de De- zembro de 1813. = Com huma Rubrica. Secretaria da Policia em 20 de Março de 1821. Na ausência do Oíficial Maior 'João Cândido Baptista de Couvêa. Tom. VII. Part. I. Qqq N.° 26. s;atf 01 DAS S CIÊNCIAS UE LlSBOA. 49 1 Relação das Pessoas empregadas na Real Casa Pia no an- no de 1820. O Administrador Geral, vence de ordenado 400^000 E de ajuda de custo - - 200^000 O Escrivão da Fazenda , vence de ordenado - 400^)000 E de ajuda de custo -------- 120^000 Tcin a seu cargo toda a escripturação , e ar- ranjo de contas : assiste ás vezes ás medi- ções dos géneros , e pertence-lhe em geral a fiscalisação da Fazenda. Primeiro Escripturario , vence ... - - 240^)000 Estão a seu cargo os Livros da Casa da Fa- zenda , tanto de entrada como de sahida ( isto he , as manufacturas de lã , linho e al- godão para o consummo da Casa). Faz tam- bém as matricuias dos órfãos, mappas , &c. Segundo Escripturario , vence ----- 240^000 Tem á sua conta a matricula dos alumnos , quando entrão para os Collegios , a folha da Illuminação da Cidade , entradas de gé- neros na despensa. Terceiro Escripturario, vence ----- 120^000 Está no armazém das officinas para registar as requisições dos géneros necessários para as mesmas officinas, e para os differentes Re- colhimentos. O Administrador Subalterno, vence - - - 26o<í)Ooo Tem a se» cargo vigiar todas as officinas , e principalmente o que diz respeito á Illumi- 1:980^)000 Q^q ii na- 49 * AIemorias da Academia Real Transporte Réis 1:980 $000 nação da Cidade, assiste também ao paga- mento dos operários. O Capellão , vence com ração ----- ioo<2)ooo Administra os Sacramentos, e faz a Cathequé- si ; tem obrigação de três Missas cada mez , duas pelos defuntos da Casa , e huma pelos bemfeitores; come a' mesa com os Órfãos. O Thesoureiío da Igreja , vence com ração - 3<><$)ooo O Fiel do cofre , que he ao mesmo tempo Por- teiro da Administração, vence - - - - ij2<á)ooo O Fiel da Casa da Fazenda , vence - - - 2 20<£)ooo Tem toda a responsabilidade daquelle Casa, e preside ás entradas e sahidas dos géneros. O Fiel do armazém das officinas , vence - - 220<£)ooo Tem a responsabilidade da sua repartição , re- gula juntamente com os Mestres o preço das obras ; faz a folha do ponto , e dá os géneros para as officinas por bilhetes assi- gnados pelo Administrador; e depois de ma- nufacturadas as obras passa recibo a cada hum dos Mestres até que se ajustem contas no fim do mez. O Fiel da despensa , vence com ração - - ioo^ooo He também despenseiro , e tem á sua conta todos os mantimentos , que se consomem na Casa; guarda-os , distribue-os, dá parte dos que faltão , vigia sobre as cosinhas , &c O Fiel d'amassaria , vence com ração - - - i^2<2)ooo Guarda os trigos e farinha , dá o pão para a despensa , e cuida em tudo o mais que per- tence a este ramo. Segue Sc is 2:960 #)ooo das Sc:encias de Lisboa. 493 Transporte Réis i:96c<$>ooo Seis Guardas , distribuídos pelos seis Collcgios , com 57:600 cada hum e ração - - - - 345,<£)6oo Vigião os rapazes nos Collegios , e cuidão no seu arranjo , e asseio , acompanhão-os ao pas- seio , &e. Hum Guarda do Refeitório, vence com ração 38(^)400 Dois Contínuos com ioo<£)ooo réis cada hum 2000)000 fervem para cobranças , e recados , &c. Outro Continuo, vence com ração - - - 72(^)000 Amassador , vence com ração ----- 48(^)000 O Forneiro com ração, vence ----- 6o8oo 97<$)700 N B. que alguns Empregados e Emprega- das já não existem nesta Real Casa ; e por is- so deve haver differença na quantia acima de ordsnados no presente anno. António Joaquim dos Santos. Administrador Geral. N.° 27. sia* os 5 Pc D A S S C I EN CIAS DE LlSBOA. 4JJ N.° 17- Estado da Real Casa Pia no fim de 1820. or balanço do anno de 1820 se mostra ter ficado exis- tindo no Cofre, entrando 4:200(^)000 réis em apólices, . a quantia de------------ Réis 4:272^)868 Do valor dos géneros em ser de mantimen- tos ------_..- Réis i^9(í>45'5' Idem em Farinha, e Trigo ------ 54^)400 Idem em Sêmeas --------- izèhooo vn lysWfs Idem de Lenha de Cepa e Pinhas - - - 85*<í)27° Idem em ruma de Pinho ------ 48(^000 Idem em Palha - - - 2^920 1$9^l?0 Do valor de géneros em ser , e obra manufa- cturada, pertencente ás Fabricas _ - - 1:179(^)690 Do valor de diversas Fazendas , existentes na Casa da Fazenda - 2:^43^)941 3723^631 Dividas activas. Do Real Frario --------- 2:5-86^)900 Do Thesoureiro Geral das Tropas - - - i-39f $93° Da Basilica de Santa Maria . - - - - 483^^20 Do Carcereiro da Cadeia da Corte - - - i'.o%i$)soo Dos Capatazes das Companhias dadas pelo Senado da Camará yiS^^Ó 6:062^176 Dividas activas pertencentes ás Fabricas. De diversos Devedores ------- 130(^071 Da Abegoaria da limpeza ------ 104^967 Das Obras Publicas, e Militares - - - - tzçb^oo ____è- mumM^ Segue - 2570)439 »4W*7*° Do SI2>I OT 4p 6 Memorias da Academia Real Transporte -------.- 257(^439 14:45-9 <|)72C> Do Senado da Camará ------- 5-7(^)660 Da Illuminação da Cidade ------ 1:6^2(^)491 De causas pendentes , sobre Legados , e ou- tras que estão em diíFerentes Juizes do Civel 17:202(2)090 wo . 1 J ' ^ 7 i9:209<|)68i Da relação junta se mostra ser devedora a Real Casa Pia a diversos credores, que faz a Réis 33:66y<£>4°i somma de réis - - - *?>ll%à>%19 He este o estado actual da Real Casa Pia , sendo cobráveis as causas pendentes - - - Réis 4:33°*)5'2'2, Observações. Do valor de tomadias e donativos relativos a Fazenda --------- Réis 182^636 Idem pertencentes a officinas ----- 77^)040 Idem de despensa --------- 5'85'<í>3(53 ^4^à^39 Do valor de obra que se consumio na Casa • — da Officina de Cordoeiro ------ 14^109 Idem de Esparteiro -------- 7 $2 20 Idem de Surrador - - - - 240)870 Idem de Tecelão 1^600 Idem de Torneiro ---- 7<í>4?5' Idem de Alfaiate - - 2:5-83^500 Idem de Carpinteiro - - i55$no Idem de Latoeiro - - - 15-60430 Idem de Ferreiro e Serralheiro - - - - 3 88 $200 Idem de Çapateiro 1:687^)030 Idem de obra de costura do Recolhimento da Rainha Santa Isabel - - 9 14$ 600 Idem da do Amparo - 347^192 6:387^)416 António Joaquim dos Santos José António Nogueira Administrador Geral. Escrivão da Fazenda. N.° 28. 7'-*r-è4S5 das Sciencias de Lisboa. 497 N.° 28. Relação das Pessoas , que são Credoras á Real Casa Pia , por géneros que venderão para a mesma Real Casa , em os annos abaixo declarados. ,1818 JLaomingos José Coutinho filho, c Com- panhia ---------- H/cbySjr O dito ---------- 5^)460 Francisco José Nunes ------ 1:697^990 O dito ---------- 840ç£)02i Feliciano Ramires da Matha - - - - 3 17 d> 160 Francisco Vidal -------- 20^280 Henrique José Lobo ------ 232^)800 3:241^496 1810 José Elias dos Santos Miranda - - - Zfájojo O dito -_-___--_- 279^)440 O dito 3d>8o5r O dito ---------- 789<£)S'77 O dito ----_._--- 28o<2)8oo Francisco José Nunes ------ 1:019,3)080 O dito ---------- i95<$)<[85 Domingos Tose Coutinho filho , e Com- panhia ---------- 48(^000 O dito _--__-.--- 125^)910 O dito -- i!'>'> O dito ----------- 34^900 Rodrigo Gonsalves Freire ----- 80^5-60 O dito ----------- 306(^201 Pedro Marinho -------- n^ooo O dito ----------- 70(|)i20 José de Mattos - 15: 1^860 O dito - 5:0^)225- António José de Sousa Pinto - - - - 845- $ 180 O dito -- 119^750 Custodio Francisco de Freitas - - - 24^730 O dito __--- i6$46$ Henrique José Lobo ------ lO^fom-, Desidcrio Pedro -------- 4^05-0 Joaquim Coelho -------- sfozoo Carlos José de Carvalho ----- 5-04(^)000 José António Gomes Ribeiro - - - - 90^000 José Fumegas -------- 1:920^000 Manoel José Gomes ------ 696(^000 Segue Réis 12'343<Í)9^5't ii'.yi%$)o$ & Rrr ii A' joo Memorias da Academia Real Transporte ----- Réis 12:343(^965^ 13:928(^)05:^ 1820 A' Administração dos órfãos e reclusos da Real Cordoaria ------ 2 ^oçb 000 Estanisláo da Cruz e Sousa - - - - 66(b<)6o António José Machado ------ 24<£)8oo Maria Ignacia -------- içifoóoo Vicencia Maria -------- 29^910 Maria Rosa ------- r - 17^760 ir410(j>8a^ Réis 29:338(^)8797 Re- SI3* 07 DAS SciENCIAS DE LlSBOA. JO I Resumo da Importância correspondente ds Repartições abaixo indicadas. Correspondente á Casa das Fazendas - - - 9'-57i68 3 Dito ao dito d'Amassaria ------- 6:619(^)200 Dito ás Enfermarias -------- 2:462(2)840 Dito a Obras - - - - - - - - - -1:191^)389^ Sommíío estas cento e quatorze addições a quantia de vinte e nove contos trezentos trinta e oito mil e oitocen- tos e setenta e nove réis e hum terço , como consta dos Documentos existentes na Administração Geral , e que se achao lançados em os Livros competentes, ao que me re- porto. Lisboa 31 de Dezembro de 1820. António Joaquim dos Santos José António Nogueira N.° 29. siavr os DAS SciENCIAS DE LlSEOA. 503 N-° »?• Copia da Representação que i Intendência Geral da Poli- cia dirigio o Administrador Geral da Real G«sa Pia, em data de 1 1 de Janeiro de 1814. JLll."10 Snr. r= O Guarda das Oliveiras plantadas nas Es- tradas pertencentes a esta Real Casa, me representou vo- calmente , que era tempo próprio destas se alimparem , e como neste trabalho indispcnsavelmcnte se hão de gastar gran- des quantias ; e por isso julgo conveniente serem est s vendidas aos Donos das Testadas, annunciando-s: primeiro por Editaes, e o seu produeto ser recebido no C>rre des- ta Real Casa para se applicar em bens , que melhor se possao administrar, porque nestes indispensavelmentc hade haver descaminhos , que se não podem remediar ; porém V. S. com luzes mais superiores determinará o que lhe pa- recer mais acertado , cm beneficio das Órfãos desta Real Casa. Lisboa 1 r de Janeiro de 18 14. = O administrador Geral , António Joaquim dos Santos. Copia da Portaria que sérvio de resposta á Representação supra. N.° 1279 Tendo visto a Representação, que em data de 1 1 do corrente me dirigio o Adminittrador Geral da Real Casa Pia , a respeito das Oliveiras pertencentes á mesma Real Casa , que se achão plantadas nas Estradas do Termo des- ta Cidade; e igualmente a informação do Inspector da Con- tadoria , a quem mandei ouvir sobre o deduzido na dita Representação; e conhecendo-se da Queila quanto he conve- niente a conservação das mesmas Oliveiras, não só pelo pu- blico beneficio que da sua so-nSra resulta aos viandantes , que transitão pelas referidas Estradas, mas pela utilidade qne 5*04 Memorias da Academia Real que do seu frueto pôde extrahir a sobredita Real Casa Pia para o futuro , objectos estes que derão causa á plantação deste género de arvoredo , e que tem merecido o consum- mo de consideráveis sommas , e os cuidados , e disvelos que a Policia' tem empregado, promovendo todos os meios para a mencionada conservação , e augmento ; determinei , que os Juizes dos Julgados do mesmo Termo mandassem proceder d limpeza das referidas Oliveiras , encarregando em cada hum dellcs , hum Lavrador de conhecida probidade , perito , c residente no seu competente destricro , de diri- gir, e fiscalizar a dita limpeza, em companhia do respecti- vo Guarda ; e que fazendo elles Juizes vender a lenha pro- veniente delia , appliquem o seu produeto á satisfação da despeza , que nisso se fizer. O que participo ao Adminis- trador Geral da Real Casa Pia para ficar nesta intelligcn- cia , e ordenar ao mencionado Guarda , que se apresente aos referidos Juizes dos Julgados , a fim de que esta dili- gencia se execute quanto antes, e sem interrupção; prinei- piando-sc por aquelles Lugares , cujas Oliveiras exigirem maior brevidade na indicada limpeza , c que taça saber a elle Administrador Geral o resultado delia para me ser pre- sente. Lisboa em 16 de Fevereiro de 18 14. — Com huma Rubrica. Secretaria da Policia em 20 de Março de 18 21. Na ausência do OrHaal Maior João Cândido Baptista de Gouvêa. ME- DAS SdENCIAS DE LlSBOA. JOJ (a) MEMORIA SOBRE A DISTILLAÇÃO CONTINUA. Por António de Araújo Travassos. Facile est inventif addere. INTRODUCÇÃO. Em que se mostra a grande conveniência de ser contínua a dis- tillação y sahindo pereunemente do grão que se quer a aguar- dente ou álcool ; ainda que para obter estas e outras vanta- gens não be possível que a construcçao dos aparelhos seja tão simples como a dos vulgares* §. i. J. Xe fácil aperfeiçoar quaesquer inventos quan- do são simples fructo do acaso , e no seu principio em que geralmente sao defeituosos ; mas he mui difficil fazer aper- feiçoamentos nas artes antigas , sobre que o interesse tem obrigado a meditar : e poucas teráo merecido tanto como a do distillador os trabalhos dos sábios , e os prémios das academias e dos governos. Tendo crescido nos últimos tem- Tom. VIL Part. I. Sss pos (/?) Esta Memoria foi coroada na Sessão Publica de 24 de Junho de 1820 com hum premio extraordinário do valor do ordinário ; que lhe não foi conferido logo na Sessão Publica de 24 de Junho de 1810, em que concorreo ao programma sobre alambiques , por falta de experiên- cias , que não se poderão fazer no modelo que a acompanhou.. 5 o 6 Memorias da Academia Real pos o consumo dos liquores fermenrados, e das bebidas cs- piíituosas, talvez em huma razão não inferior á dos gran- des progressos da química e da fysica , seria extraordiná- rio se destas scicacias não se tivessem feito felizes applica- çóes áquella arte. Sem duvida por esta causa se tem visto apparecer quasi ao mesmo tempo grande numero de diver sos aparelhos distillatorios, muito menos imperfeitos, c mu difFcrcntes dos que cstaváo em pratica : c tanto se tem es- cripto sobre distillação , que não só he difficil dizer algu- ma cousa de novo acerca deste objecto, mas até affirmar qual das formas dos ala.mbiques conhecidos seja a melhor, e que autor mais convenha seguir, porque ainda entre alguns mui acreditados ha discrepâncias que intrincao a matéria. §. 2. A' vista destas dificuldades mal me posso eu jul- gar com força para desempenhar cabalmente o programma, que a Academia Real das Scienchs de Lisboa prorogou em 1817 para este anno de 18 19 ,— A descripçãu de bum aparelho distillatorio praticável em pequeno com as vantagens do de Duar- te Adam, c bem se devia entender náo inferior aos já co- nhecidos. Mas tão i Ilustre corporação, ainda quando hou- vesse de julgar de pouco momento este meu trabalho, o que não espero , não deixaria de approvar a minha diligen- cia em concorrer para o seu mesmo nobre fim, a utilidade publica , com os desenhos de aparelhos distillatorios , em que se observão os principios seientificos hoje adoptados , dos quaes devem resultar grandes vantagens. Nem posso temer da parte de huma sociedade de sábios certa opposi- ção , que já em diversos paizes, e cm diversos tempos tem frustrado , ou pelo menos retardado a execução de maqui- nas novas, tachando-as de impróprias para o uso geral por parecerem complicadas , antes dos exames e experiências devidas. §. 3. He certo que quanto mais simples tanto melhor he qualquer maquina , mas para abranger ao mesmo tempo serventias e vantagens diversas , he quasi impossivel deixar de ser complicada, e deve então considerar-se como hum ajun- sia:r or DAS SciENCIAS DF. LlSBOA. 5*07 ajuntamento de differentes maquinas. ; Quem pretenderá que hum relojoeiro faça hum relógio , que mostre segun- dos, dias do mez , e da semana, tenha repetição c desper- tador , toque valsas , ou desempenhe outros fins ; sendo com tudo sua construeçuo tão simples, e tão pouco dispen- diosa como a de hum relógio ordinário, que só mostra h inutilmente a porção do liquido exposto á evaporação na mesma caldeira , todavia sendo este liquido muito menos alcoólico que o vapor que dellc emana , hc evidente que na referida caldeira , e n.js vasos ovács que se lhe seguem no mencionado aparelho de Adam , o liquido exposto á eva- poração vai sendo cada vez mais limfatico e menos espiri- tiuso, e por consequência cresce uesde o principio aié ao fim a difficuldide da separação do álcool. §. 6. Também mui claramente se percebe que este in- conveniente deve ser tanto maior quanto maior for a por- ção do liquido no alambique, ou nos outros vasos distilla- torios , relativamente á porção evaporada cm cada momen- to ; i:to hc , quinto maior for a porção que de cida vez se distillar , e quanto mais tempo for preciso para se finalizar a operação. Por esta causa , alem de outra não pouco attendivel , (a menor cohesão das particulas dos lí- quidos , quando estão cm pequenas massas , e com grande superfície,) deve effectuar-se a separação ou distillação do álcool com maior rapidez , facilidade , e aproveitamento , quando se faz em vasos muito chatos, e cm camadas mui- to delgadas. §. 7. Isto deveria ter encaminhado a concluir-se , que somente se poderia chegar ao ultimo aperfeiçoamento da distillação, quando se conseguisse que fosse contínua; isto hc, apresentando-sc á evaporação o liquor vinhoso, não cm grande massa , mas sim em fio , ou em espraiada corrente sempre constante , da qual se separasse immediatamente o álcool ou aguardente do gráo desejado, e sahindo para fora do aparelho o residuo e limfa sem levar nem huma mínima partícula alcoólica. E he para admirar que, sendo tão obvia c exacta esta idéa , não se tenha até agora visto a sua pratica por modo fácil e útil ; porque as formas de apare- lhos para distillação contínua de Jordana , Sizaire , Bagnio- li , Argand , Gilbert, e outros, são mui defeituosas, se- gundo a opinião do respeitável tcchnr)logieo Mr. Le Nor- mand, ou estão ainda envoltas no misterioso véo do segre- do: si3>t or jio Memorias da Academia Real do : outro tanto se pôde dizer de hum aparelho que este sábio promette , e a que faz a apologia na sua excellentc obra, a arte do distillador; pois que ainda não fez publica a construcçao dellc. E o que a respeito da mesma distillaçao contínua se acha cm a memoria já citada na nota ao §. $•. , posto que seja conforme com aquelles princípios , e que aré possa parecer o germe e a base de quasi tudo quanto veremos nesta actual memoria, hc todavia tão suecinto , que somente pelo que na primeira se declara seria mui difficil a quem não tiver conhecimentos de fysica e de química cons- truir hum aparelho para a dita distillaçao contínua , em o qual se podessem obter resultados tão felizes como os que se devem esperar dos que vou descrever ; sem com tudo me lisongear de que elles sejão isentos dos defeitos ordina- riamente inseparáveis do primeiro esboço de quaesquer in- ventos , os quaes antes de prolongadíssima pratica raras ve- zes chegão a adquirir a perfeição de que são susceptiveis. Procedamos pois á descripção delles , e muito estimarei ter a fortuna de me fazer entender sem causar mui grande en- fado, nem cançar tanto como he ordinário, e quasi inevi- tável na leitura de semelhantes matérias , a attençao dos ouvintes ou do leitor, que por esta razão imploro. CAPITULO I. Do alambique , com os diversos diafragmas ou bandejas cm que se faz a evaporação do vinho , e com os tubos que dão sa- bida ds fezes e limfa ou resíduo. — Do Capitel. — E de al- gumas formas de dejleumantes. Ç- 8. /l figura i. representa o alambique ou ci- lindro , em que principalmente se faz a evaporação ; dentro delle colloca-se horizontalmente huma serie de bandejas , humas sobre as outras, cuja construcçao se vê na fig. 2., e he a seguinte. O fundo delias he roto ou aberto por va- das Sciencias de Lisboa. 511 varias frestas , pelas quacs passão e sobem os vapores das bandejas inferiores , e do fundo do alambique j as ditas frestas são guarnecidas de huma pequena borda de altura igual á que cerca a bandeja , e estão dispostas de manei- ra , que entre ellas fica formado hum canal , por onde o vi- nho , recebido de huma espécie de bebedouro prominente formado pela parte de fora nas paredes do mesmo alambi- que , logo abaixo da sua boca , vai correndo e voltando da direita para a esquerda , c da esquerda para a direita , até chegar a hum orifício que lhe dá passagem para a bandeja immediata inferior , e pelo mesmo modo de bandeja em bandeja até ao fundo do alambique , ao qual chegão as fe- zes c residuo destituídas inteiramente de álcool; pois o de- vem ter demittido apresentando ao calor cm tão dilatada carreira a grande quantidade de superfície que fica referida. E se em cada bandeja estiverem formados dous canaes co- mo se vê na fig. j. , hum para o vinho, e o outro para a limfa , que se recebe de outra bandeja diversamente cons- truída collocada na boca do alambique ; com este artificio pode-se conseguir , que o vinho ou o seu residuo não che- gue a ter contacto immediato com o fundo do dito alambi- que exposto ao fogo , sendo recebido em huma espécie de funil banhado cm roda pela limfa ou liquor aquoso ; a qual tendo corrido pelo outro canal se ajunta no fundo até cer- ta altura , e finalmente tem sahida estes líquidos pela ma- neira que se vê na mesma fig. i«, cada hum por seu com- petente tubo, que desce até á profundidade de alguns pés, e depois volta , e torna a subir até áquelle nivel em que se acha conveniente que os ditos liquidos se conservem no mencionado funil e fundo do alambique , e nesse nivel tem constante sahida para fora do aparelho , ou para outra pe- ça de que depois tratarei , para o fim de nella se tirar pro- veito do calor, que ainda conservão. A construcção destes dous sifões inversos tem por objecto deixar accumular den- tro do aparelho os ditos liquidos só até áquella altura que se acha acertado , dando-lhes constante sahida , e embara- çan- siaa ot 5" i z Memorias da Academia Real çando a dos vapores ou gazes , e a entrada do ar atmosfé- rico. Se o vinho porem for mui espirituoso, c de quali- dade tal que as suas fezes scjão em pequena quantidade ou muito crassas, de sorte que tenhíío difficuldadc cm cor- rer separadamente pelo canal e sifão inverso que lhes são destinados , e haja risco de ncllcs se pegarem , ou fazerem sedimento, será melhor fazer uso das bandejas em que ha só hum canal , para que a limfa , correndo juntamente pe- lo mesmo , as conserve liquidas ; mas será então necessá- rio , que no fundo do alambique esteja constantemen- te alguma porção de agua, que alli seja conduzida na pe- quena quantidade adequada por algum dos meios que hão de ser descriptos nos §§. 24 e 2j. §. 9. A bandeja de differente construcção posta na bo- ca do alambique serve de receber do capitel , e de outra peça , a que darei o nome de defleumante , a limfa ou aguardente fraca que nelles se condensa , deixando-a correr para o canal da serie de bandejas do primeiro género já descriptas, collocadas .dentro do mesmo alambique, e per- mittindo que delle tenhão sahida os vapores e gazes que se formão , sem que facilmente alli possa entrar o ar atmos- férico. A construcção desta bandeja , da qual Bcrard fez uso, vê se nas fig. 4. e j. , e he a seguinte. A B fig. ?. he 0 corte vertical da dita bandeja ou diafragma. C hc hum dos canudos , ( de que se representa hum só para mais clareza,) aberto em ambas as extremidades, e soldado na inferior junto a hum buraco do diafragma por onde os va- pores tem passagem. D he outro canudo mais largo que o primeiro , ao qual serve de cobertura , sendo tapado na extremidade superior , e posto concêntrico ao dito canudo C , com o qual não tem contacto , pois só está fixo ao diafragma por dous ou três pequenos arames, que lhe ser- vem de pés. Os vapores , que se elévão do alambique , en- trão pelo buraco que encontrão no diafragma , sobem pe- lo canudo C, que alli está soldado, e batem verticalmen- te no tampo do canudo D j condensa-se então e reduz-se a das Sciencias de Lisboa. 5" t 3 a liquido hu ru porção , e a que não se condensa , e se conserva no mesmo estado elástico, he obrigada a descer pelo espaço entre os ddtfs canudos concêntricos até perto do diafragma ; sobre o qual estando accumulada limfa suf- ficiente para cobrir a extremidade inferior do canudo D, passaO por este liquido i que faz as vezes de huma válvula ; nesta passagem se condensa outra porção ; e 0 resto dos vapores torna a subir procurando a sua sabida para o capi- tel , e dellc para o defleumante. Nestes canudos , a que Be- rard cbamou condensadores, os quaes devem ser no maior numero que permittir a área do diafragma , na realidade se condensa grande parte dos vapores , c especialmente dos aqu >os , não só pela razão de que os alcoólicos conservão o seu estado elástico em huma temperatura inferior á que há precisa para aquelles se conservarem no mesmo estado; mas até, segundo me parece, por outra causa, (que no §. 20 terei melhor occasiao de mencionar ;)' pela qual des« de já acons.lho que os tubos condensadores, aos quaes me- lhor será chamar de communicação do vapor, sejão pro- longados até perto da supjrSeie do liquido accumulado s >bre o di '.fragma ou bandeja inferior , quando cila he deste mesmo segundo género , ou até perto da superfície do liquido accumulado no fundo do alambique , passan- do por entre as frestas de todas as outras bandejas , que estão dentro dellc, quando são das do primeiro género: e que também sejão prolongados para a parte de cima quanto o espaço ou vão do capitel o permittir não só os ditos t ib >s de communicação do vapor, mas também os que lhes são cencentricos , e servem de cobertura ; segundo se vê nas fig. 6 e 1. E, he outro canudo que atravessa o diafra- gma , e basta que seja hum só, porque serve unicamente de ir evacuando para dentro do alambique, isto he para a bandeja inferior, a limfa que se ajunta sobre o mesmo dia- Iragma , quando chega a duas ordens de buraquinhos, fei- t s junto á abertura superior do dito canudo em hum nivel acima da extremidade inferior do canudo D. F he ou- Tom. VIL Pari. I. Ttt tio 5* 14 M e »i o p i a s da Academia Real tro canudo mais largo que o canudo E, tapaJo na extremi- dade inferior j B posto relativamente a este pela parte de- baixo do diafragma , do mesmo modo que o canudo D está posto pela parte de cima relativamente ao canudo C. O di- to canudo F serve como huma espécie de pequeno balde cheio de limfa, qiu recebe do diafragma, e em que mer- gulha a extremidade inferior do tubo li, de maneira que fica embaraçada a passagem do vapor nesta mesma parte em que a limfa desce com toda a facilidade p>ra dentro do alambique. E se este canudo E , a que Bcrard chama de segunnça , ao qual mais próprio me parece chamar de eva- cuação, se faz. revirado na extremidade inferior como o tu- bo de hum barómetro, escusa-se o canudo F. §. 10. Em vez de huma pode ser útil fazer uso de va- rias bandejas desta espécie , as quaes julgando-se acertado augmentar a compressão dentro do alambique , devem ser construídas com muito maior profundidade, c tendo os ca- nudos já descriptos o comprimento para isso adequado pe- la forma, e segundo os principio», que ficão mencionados. Como he evidente , que neste caso as referidas bandejas ainda sem ser contínua a distillaçáo, e mesmo na ordinária e intcrmirtente , enchendo-se logo algumas com o vinho, que se deve submerrer á distillaçáo, fariao o mesmo offi- cio dos enormes vasos ováes do mencionado aparelho de Adam, e muito mais utilmente, pois que ficaria diminuí- da a excessiva compressão , que o vapor experimenta na- quellc dito aparelho, aproveirar-se-hia muito mais o calor, e poupar-cc-hia a grande differença , que ha na despeza da construcção de huma bandeja ou diafragma a respeito da de hum grande vaso oval ; claramente fica provado , que bastão estas particularidades, isto he, a applicação das re- feridas bandejas, para dever-se considerar resolvido o pro- gramma proposto , e que vem a ser accessoria , e por ne- nhum modo essencial para a resolução do dito programma , a construcção das mais peças , e das outras maquinas que se descrevem nesta memoria , cujo comple:,o não deixará de £ÍHU_ OÕ DAS SciENCIAS DE LlSROA. J I 5- de fazer parecer o todo mui complicado. E posto que só depois de mui repetidas experiências se poderá fixar defini- tivamente em que circunstancias se deva usar de maior ou menor numero destes diafragmas ou bandejas do segundo género, e se será melhor, que substitúao algumas ou todas as primeiramente descriptas , e que até se appliquem a fa- zer inteiramente as vezes de defieumante ; não receio com tudo affirmar , que da multiplicid ide de humas e outras des- tas bandejas se devem esperar resultados muito superiores acs dos outros meios de distillação até agora praticados. §. 11. Aquelle inventor destes diafragmas fez uso só de dous , soldados hum na parte superior do alambique , e o outro no capitel ; mas para evitar o trabalho de os dissol- dar , e tornar a soldar cada vez que he preciso estanhar, limpar , c examinar o interior do alambique , ou fazer uso já de muitos, já de poucos, já de nenhum delles , ou das outras bandejas primeiramente descriptas , occorrêo-me a construcçao seguinte , que se vê na fig. 7. e 8. Cada dia- fragma ou nova bandeja deste segunao género he cercada por huma tira de metal vertical A. A., fig. 7. , que forma duas bordas , huma para a parte de cima para reter o li- quido , deixando-o sahir somente por vários buraquinhos junto á sua orla, e a outra para a parte de baixo para en- trar , ( podendo pôr-se , e tirar-se a dita bandeja cada vez que se queira,) em huma espécie de encaixe largo, ou ca- nal formado internamente no alambique pelas paredes delle, e por outra tira , que para esse objecto alli está soldada 13. B. fig. 8. Nesta figura se representa o corte do alambi- que ou cilindro, em cuja boca está posta a dita bandeja. Os canudos de communienção nestas novas bandejas devem ser , como já se disse , no maior numero possível , e ter também o additamento , que já indiquei , de serem prolon- gados até perto da superfície do liquido conservado na ban- deja inferior, ou no fundo do alambique ; mas o canudo de evacuação he escusado , porque fazem o mesmo officio as suas bordas e o canal em que entra a inferior ; advirta-se Ttt ii to- $ 16 Memofias da Academia Real todavia, que hc necessário que esta dita borda inferior en- tre muito a' larga , e que ben sení não chegue a tocar no fundo do dito canal , para o que pôde ter menor altura rJbte a tira que o forma , a fí-n de que sobre o gume desta fique suspenso o diafragma, ou fundo da bandeja, e des- te modo passe o liquido livremente por baixo da mencio- nada borda , e corra por huma ou mais bicas para a ban- deja inferior. Para se adoptar porém esta construcção , e fazer upo de algumas destas bandejas dentro do alambique, he necessário que as destinadas para a parte inferior tenhão menor diâmetro, que as destinadas para a parte superior, pois a não ser assim , os canaes cm que se põem as supe- riores embaraçarião a collocação das inferiores ; nem será desacertado para este fim, que o dito alambique vá estrei- rando para o fundo , e tenha a forma de tronco de pirâmi- de cónica inversa. §. 12. A figura 9. representa hum capitel, que ajusta no alambique : nelle começa a separar-se dos vapores al- coólicos , e a condensar-se huma porção dos aquosos , sa- hindo todos os que não se condensão pela abertura feita na sua parte inferior junto á boca do mesmo alambique , e pelo tubo achatado G , que dalli os conduz ao defleu- mante : dos tubos B , e C em outro lugar teremos melhor occasião de tratar. Não he de rigorosa necessidade , que o capitel seja tão espaçoso como representa a dita figura , e até se pôde omittir inteiramente , pondo no lugrr dclle o defleumante ; o qual he huma das peças miis importmtcs destes aparelhos, e por este motivo merece que se descre- va com maior extensãd. §.13. A propriedade que tem o vapor aquoso de se condensar , isto lie , de se reduzir ao estado liquido cm huma temperatura alguns gráos acima daquella em que se condensa o vapor alcoólico , nos ensina que a construcção do defleumante, cujo objecto o mesmo nome indica, deve ser tal , que os vapores que se levantão do vip.ho , tenhãrt contacto com huma sufficiente quantidade d.- rrpeificic erri tem- ei it< DAsSciKNClAS DkLíSBOA. 5-17 temperatura própria para se condensar a maior parte , ou somente huma parte determinada do vapor aquoso, sem que juntamente >e condense o alcoólico; o qual com a retaida maior ou menor porção do primeiro deve passar a conden- sar-se em outro vaso ou peça , a que mui propriamente se dá o nome de condensador. Be n se vil pois , que sem per- der de vista a i.] it c 1 1 c principio fundame.iral para a boa cons- rrucçao do dcfleumante , podem ser innumeravcis as suas formas. §.14. A primeira de que me lembrei , e de que de- pois vi que também Mr. Bame tinha feito uso , foi a de hum grande numero de tubos delgados H fig. 10. , paral- lclos , próximos huns aos outros , e soldados nas extremi- dades a dous cilindros ou tambores I e K, mettido tudo em outro grande cilindro L , que lhe serve como de esto- jo , ao qual chamaremos banho do dcfleumante , cheio de agua , ou do próprio vinho , que suecessivamente se hade ir distillando, e conservado, pelo artificio que logo vere- mos, na temperatura apropriada , para que dos vapores que entrão no dito defíeumante I. H. X. somente se condense aquella porção dos aquosos de que he necessário separar o resto , que se deve condensar e reduzir a liquido no conden- sador, de que também havemos de ver a descripção. §. 15-. Outra menos dispendiosa , e que não preenche- ria peor o seu fim , seria , e:n vez de fazer estreitos os re- feridos tubos, dar-lhes muito maior diâmetro, c achatallos ao modo de largas bainhas de espada , postas também mui- to próximas humas das outras; e tudo o mais como na fi- gura precedente. §. 16. Outra forma finalmente muito boa e engenhosa, e que talvez pareça ser preferível , he a do dcfl:un:ante ou alco^jna do Doutor Solimani , veja-se a fig. 11. Duas fo- lhas ou chapas de metal formando cada huma os mesmos ângulos intrantes e salientes í maneira das dobras do ence- rado de huma lanterna de algibeira , ou do pape! de que se quer fazer huma bandeirola , estão postas verticalmente , pa- 518 Memorias da Academia Real parallelas , e na distancia de 2 a 3 linhas huma da outra; e as outras duas chapas que as conservão na referida distan- cia , e a cilas estão soldadas , apresentão a figura de Zig- zag. Mas , como no nosso aparelho as superfícies evapo- notes são em muito maior quantidade, que no de Solima- ni , he preciso que as superfícies , em que se condensáo os vapores aquosos , sejão também proporcionalmente em maior quantidade , e por consequência deve ter o referido defleumante grandeza e altura adequada para o seu fim ; e mais acertado seria fazer uso de diversos, parallelos huns aos outros , e postos todos dentro do mesmo banho. §• l7- Qualquer que seja a forma do defleumante , a limra ou aguardente fraca, que nelle se produz, deve cor- rer pela parte inferior do tubo G para a bandeja do segun- do género já descripta, posta na boca do alambique; e se acaso se quizer poder conhecer a qualidade dessa limfa ou aguardente fraca, ou para algum fim recebella separadamen- te , deve ter-sc providenciado refrigerante para onde se lhe dê sahida por competente tubo , abrindo-se huma torneira para esse fim soldada na parte inferior do mesmo defleu- mante. §. 18. Inútil e enfadonho seria apresentar maior nume- ro de formas de defleumantes construidos debaixo destes principios; por esta razão antes de tratar de outros de gé- nero differeote, cuja descripção se reserva para os §§. 33 e seguintes , bastará por agora observar que pode ha- ver grande variedade até no modo de collocar cada hum dos já desu"iptos, dando-lhe huma posição vertical, horizon- tal , ou mais ou menos obliqua , e fazendo que os vapores subão , ou desção , ou tenhão primeiramente hum , e depois o outro destes movimentos antes de entrarem no conden- sador. Apesar de parecerem insignificantes estas circunstan- cias , talvez sejão dignas de huma longa serie de experiên- cias ; das quaes não seria cousa mui estranha que resul- tasse a confirmarão , ou alguma nova applicação de princi- pios scientificos , ainda duvidosos ou pouco divulgados , e de- DAsSciEfíCTAS t) K L I S fe O A. £ t £ desattendidos. E parecc-me que ao menos não seria desa- certo dividir cm duas metades o cilindro inferior I do de- fleumante fig. 10. , por hum diafragma vertical , c dar sa- hida aos vapores pela segunda destas divisões , cm vez de os deixar sahir pela abertura do cilindro superior K : por este modo serião obrigados a subir pelos tubos correspon- dentes a' primeira metade, e a descer pelos corresponden- tes á segunda, antes de passarem para o condensador: e a limfa que se accumulasse no fundo da segunda metade do cilindro teria sahida para o da primeira , por hum pequeno tubo arqueado ou sifão inverso cheio deste liquido, o qual bem como se fosse huma válvula não permittiria a com- municação dos vapores, nem do ar atmosférico entre as di- tas duas metades , excepto quando accidetmlmcnte estes fluidos elásticos nellas experimentassem hum gráo de com- pressão assas diferente ; o mesmo fim se consegue ainda mais facilmente do que com o dito sifão , não soldando ao fundo do cilindro o referido diafragma, antes sim deixan- do-o levantado cousa de huma ou duas linhas, para que por baixo delle passe a limfa sjm que os ditos gazes possão passar senão no caso indicado. CA- SIÍ0T OZ j"20 AI em or ias da Academia Real CAPITULO II. Da differeuça entre o peso especifico do vapor aquoso , e o do alcoólico ou espirituoso ; no que se fundão varias mudanças e melhoramentos na construcção destes aparelhos a respeito dos que geralmente estão em pratica , e ainda a respeito de todos até agora os mais famigerados. — Da maneira de regular a temperatura do dejleumanle , fazendo que a agua do seu ba- nho se conserve constantemente vo grão próprio para que a aguardente ou álcool seja da qualidade requerida. — E dos modos de conseguir que a entrada do vinho e da agua para o alambique , ou para o banho do defleumante , ou para o de outras quaesquer peças , seja sempre uniforme , e na mesma quantidade que se queira. Á §. 19. XJLs pessoas pouco versadas em fysica , e em quimica poderá parecer extravagante a figura , e minuciosa a descripção destes aparelhos ; mas os sábios membros de tão- respeitável sociedade , ainda antes de maiores explica- ções , certamenre hão de já ter reconhecido , que ella se funda em bons principios , e que alguns dos expedientes propostos são huma tentativa para tirar proveito do célebre descobrimento — Otte o vapor aquoso he muito mais leve que o alcoólico; pois que segundo as experiências do illustreGay- Lussac , o peso especifico daquelle está para o deste na razão de 1:000 para 2:^87 ; ao que não me consta que se tenha attendido na construcção dos aparelhos distillatorios publi- cados até agora. Nem deixa de parecer extraordinário que não se conjecturasse que os vapores alcoólicos e aquosos, retidos em qualquer esp.iço, havião deter natural tendência a separarem-se , e a oceuparem os últimos por serem mais leves a parte superior , e os primeiros por serem mais pe- sados a inferior ; donde ha probabilidade que saião com preferencia apesar do movimento contínuo, principalmente se das Scienciasoe Lisboa. 521 se a temperatura do espaço oceupado por ambas as espé- cies de vapor fòr menor que a indispensável para a forma- ção do puramente aquoso, e para a sua conservação nesse mesmo estado elástico. E concorrendo ao mesmo tempo es- tas duas causas , sem duvida hade ser muito mais fácil e expedita a separação dos ditos vapores, porque huma por- ção dos aquosos , em quanto não se acabão de condensar e reduzir ao estado liquido, deve ir ficando em forma de ne- voeiro na parte superior, se nella não houver abertura por onde saião immediatamente ; e isto facilitará muito a sepa- ração dos alcoólicos , e a sabida destes pela abertura feita na parte inferior do espaço em que se acharem. §. 20. Posto que Berard , quando fez construir os seus diafragmas e os tubos condensadores ou de communicação do vapor, de que já tratámos, não tivesse idéa da referida differença do peso especifico das duas qualidades de vapor, julgo todavia que se pôde attribuir a esta causa parte dos bons effeitos daquella construcção , e he esta mesma causa a que 110 §. 9 foi reservada para delia se fazer menção nes- te lugar. Huma prova de que Berard não teve cm vista es- te principio , he não ter tirado delle todo o proveito que era fácil , e que se deve conseguir em muito maior gráo , pondo em pratica o expediente que já aconselhei de pro- longar os ditos tubos para a parte de baixo de cada diafra- gma em que estão soldados , fazendo chegar a sua extre- midade inferior até perto da superfície do liquido existente no diafragma immediato ou no alambique , e disto teria conseguido juntamente outra vantagem: como o ar atmos- férico que no principio da distillação está dentro do apa- relho, ou que nelle se continua a introduzir com a corren- te do vinho , e o gaz acido carbónico , e outros mais que se formão , tem também hum peso especifico muito maior que os vapores aquosos; conservão-se em maior quantidade no espaço mais baixo , formando as camadas inferiores , e por consequência também muito mais depressa devem sahir do dito espaço , e facilitar com a sua ausência a formação Tom. VIL Part. 1. Vvv dos 5"22 Memorias da Academia Real dos vapores do vinho ou outro liquido que se trata de ana- lyzar. §. 21. Mas prosigámos a descripção de todos estes apa- relhos , e vejamos como se pode regular a temperatura do banho do defleumante com o artificio de que fez uso Soli- mani , o qual está representado na fig. n., e se acha ex- plicado na já citada obra de Mr. Le Normand pela manei- ra seguinte. >» A. A. A. A. corte vertical do banho do defleu- mante. » B. cavidade ou pequeno espaço que tem communica- ção pela abertura cónica C. com o mesmo banho , e pela abertura Z com o canal D. D. D. , pelo qual corre a agua fria de hum deposito posto em altura competente. E. su- perfície superior da agua no banho. F. abertura ao lado pe- la qual sahc a agua do mesmo banho. » G. H. espécie de areometro, com hum pratinho G. na astea superior , para alli se porem pequenos pesos , c com hum annel H. na extremidade da astea inferior. » M. N. resisto horizontal que acaba externamente no botão ou aza N. , e internamente em huma pequena chapa circular furada no meio M. , na qual está mettida a astea superior I. K. do areometro. >■> O. P. apoio fixo sobre que escorrega o resisto M. N. » S. T. astea vertical fixa inferiormente em S. e aca- bada na extremidade superior no annel T. » X. Y. astea horizontal que está fixa na extremidade Y, e acaba na outra extremidade superior no annel X. » Q^ R. astea horizontal que passa pelos anneis H. e T. , e cujas extremidades acabão , huma em o botão Qj e a outra no gancho R. » U. V. astea vertical que acaba pela parte de cima em hum annel em que está mettido o gancho R. e pela parte inferior no corpo cónico V. , que faz as vezes de vál- vula ou batoque, c fecha exactamente a abertura C. » A válvula V. deve ter hum peso que ao menos seja ca- siaw Oõ das Sciencias de Lisboa. 5-23 capaz de vencer o esforço que faz a agua fria para entrar no banho do defleumante pela abertura G. « O areometro deve ser equilibrado, c carregado do peso competente no pratinho G , de sorte que no gráo de temperatura , cm que se quer que a agua esteja constante- mente no banho , a abertura C. se ache fechada exactamen- te pela válvula V. " Se a temperatura augmenta , desce o arcometro , e carrega em H. sobre a astea horizontal Q^ R. , a qual fazen- do sobre o apoio T o serviço de liuma alavanca do pri- meiro género , obriga a válvula V a levantar-se , e a dar passagem á agua fria. » Quando tem entrado no banho quantidade de agua fria que basta para restabelecer a temperatura primitiva, so- be o areometro, e deixa cahir a válvula, a qual fecha nova- mente a abertura C. , e a conserva tapada até áquelle ins- tante cm que* a temperatura da agua no banho torna a ex- ceder o limite cm que se deve conservar. »> Se acaso se faz necessária huma temperatura incom- patível com a primeira posição c movimento da maquina , basta para remediar este inconveniente metter o resisto M. N. hum pouco para dentro do banho. Esta operação dá ao areometro a posição própria para que o seu annel H. se aproxime mais ao botão Q;_, ficando então maior o bra- ço da alavanca, e consequentemente mais efficaz a sua ac- ção. §. 22. Sem duvida esta maquina he huma engenhosa, e feliz applicação do mui conhecido principio de fysica , — que todos os corpos , e os líquidos mais do que os sóli- dos se dilatao com o calor , e mudão por consequência do peso especifico por hum modo sujeito constantemente ás mesmas leis , quando muda a sua temperatura. Parece-me com tudo que será melhor que á excepção do areometro , estejao fora da agua todas as outras peças, o que facilmen- te se consegue pelo modo seguinte. — i.° Supprima-se a astea ou arame L. H. na extremidade inferior do areome- Vvv ii tro 524 Memorias da Academia Rial tro. — 2.0 Mudc-se a alavanca ou braço da balança Q^T. R. com a astea U. V. a que esta pendente a válvula V. , e com o apoio T. S. , da parte inferior do banho para cima do deposito de agua fria , o quul neste caso deve ser exa- ctamente fechado , nem tem abertura alguma por onde pos- sa entrar o ar; á excepção de hum pequeno buraco A. no tampo em que ajusta não a mesma válvula , mas outra muito mais pequena e menos pesada ; c de hum canudo B. com sua torneira , que somente se abre quando se enche o deposito , tendo-se para isto fechado outra , posta no tu- bo D. D. D. , a qual depois se deixa aberta. — 3.0 Ao an- nel H enfiado na mesma alavanca se suspenda hum fio ou linha presa ao centro do pratinho G. Veja-se a fig. 13. He sabido que estando tapado o buraco A, e fechada a tornei- ra 13 , não pôde entrar ar no deposito , nem por conse- quência sabe a agua pelo tubo D. para o fundo do banho, mas logo que neste cresce o calor , o areometro desce e pucha o fio , abaixa o braço da alavanca Q^ T« , e levan- ta por consequência o outro braço mais curto T. R. e com este a válvula ; entra então o ar no deposito , e sahe del- le a agua fria para o banho. Posto que este fenómeno não precisa ser explicado , todavia logo no §. 24 me ficará a geito fazer sobre elle huma observação, que náo será intei- ramente inútil para as pessoas que não tem conhecimento algum em fysica. §. 23. Não me tinha vindo á mente huma idéa tão ga- lante como a do referido regulador de Solimani , he certo porem que não me fazia falta para o aparelho de distilla- ção contínua ; porque nesta entra constantemente no defleu- mante a mesma quantidade de vapores , e sempre da mes- ma qualidade , com tanto que o fio ou corrente do vinho exposto á evaporação seja também constantemente igual , e que no modo de dirigir o fogo , e applicar o calor não ha- ja alguma grande irregularidade , circunstancia sempre im- portantíssima em toda e qualquer sorte de aparelhos distil- latorios : de maneira que para obter constância na tempe- ra- fiin das Sciehcias de Lisboa. $• 2 j ratura do banho do dcileumante , para cujo conhecimento deve nclle estar mettido hum thermometro com a astea fo- ra , somente se requer que tambem seja invariável a corren- te do liquido , e que o gráo da sua frialdade no acto de alli entrar não faça differença considerável; c a falta desta ultima condição pouco ou nada he de temer, porque só por algum caso muito extraordinário semelhante differença se poderá experimentar. Consequentemente para regular , isto he , para augmentar ou diminuir a temperatura do ba- nho , e conseguir que se conserve no gráo conveniente , basta poder augmentar ou diminuir a quantidade de agua fria que nelle entra , e que a sua corrente se conserve cons- tantemente a mesma que se deseja sem ir affrouxando. §. 24. Dous diversos meios me occorrêrao para este fim de ser certa c invariável a corrente , ambos derivados do mesmo principio , — Otte o liquido seja impellido sempre pe- la mesma pressão. O primeiro he o já praticado , antigo , e mui conhecido de receber a corrente , de hum vaso in- termédio , em que o liquido se conserva sempre na mesma altura , fluetuando nelle hum globo oco ou arcometro , o qual principia a descer ou a subir á medida que diminúe ou cresce a dita altura do liquido ; e com este movimento obriga a abrir-se ou fechar-se mais ou menos a torneira de outro deposito maior, donde para o intermédio corre o li- quido. O segundo meio ainda me parece preferível ao pri- meiro ; posto que puramente derivado da fysica , he mui simples e pouco mais de huma deducçao do que ha pouco vimos , quando para outro fim aconselhei o emprego de hum deposito fechado exactamente. Na verdade não era necessá- rio ter idéa do barómetro nem do peso da atmosfera , nem saber que a quantidade de agua ou outro liquido , que em hum tempo determinado sahe por diversos orifícios de igual diâmetro feitos nas paredes de qualquer reservatório , está na razão das raizes quadradas da altura que vai do centro dos ditos orifícios até á superfície do liquido no reservató- rio, para a qualquer pes6oa muito Yulgar poder occorrer a mes- SlS-ít 0 5" j 2 6 Memorias da Academia Real mesma lembrança : bastava para isso ter observado. — i.° Que huma garra ta ou outro vaso qualquer cheio de agua , estando virado para baixo , com o gargalo ou a boca met- tida no mesmo liquido , não deixa sahir nem huma gota , mas se tem algum buraco ou rotura por onde lhe entre o ar , immediatamente se despeja , e tão depressa quanto o permittc a largura do gargalo ou boca , e a entrada do ar. E cbta he a observação, a que me referi no fim do §. 22, c que para agora ioi reservada. — x*c Que o liquido de quilquer pipa ou vasilha , quando se despeja , corre no principio , em quanto está quasi cheia , com muita força e em grande quantidade ; e gradualmente vai afrouxando a corrente á medida que dentro da mesma vasilha diminúe a altura ou columna do liquido , que existe desde a sua su- perfície superior em que tem contacto o ar atmosférico , até á abertura por onde sahe , em que torna a ter contacto o dito ar atmosférico ; de maneira que a corrente seria igual desde o principio até ao fim, se a dita columna fosse tam- bém constantemente a mesma. E desta segunda observação se dedu/.io a primeira construcção , ou o primeiro meio já referido no principio deste próprio §. §. 2J. Depois destas duas observações , seguc-se que se hum deposito cheio de qualquer liquido tiver no fundo hum buraco em que ajuste hum canudo vertical, cuja aber- tura ou extremidade inferior mergulhe cm hum copo ou ou- tro pequeno vaso também cheio de liquido , ou se ejte ca- nudo se fizer revirado na dita extremidade inferior, de ma- neira que por elle não possa entrar o ar; e se ao mesmo deposito se ajustar outro tubo aberto nas duas extremida- des , prolongado interna ou externamente até perto do ní- vel do orifício em que ajusta o outro canudo primeiramen- te referido, pelo qual o liquido tem sahida , sem que por outra nenhuma parte possa entrar o ar , conservar se-ha cheio deste fluido elástico o dito tubo , c o liquido se despejará pelo canudo inferior com huma pressão igual , pois que tam- bém sempre he igual a columna ou altura do liquido exis- ten- das Sciencias de Lisboa. 5-27 tente entre os dous niveis em que o ar tem contacto , isto he , desde a extremidade inferior do tubo que entra no deposito até á superfície do liquido na extremidade do ca- nudo inferior quando he revirado, ou no copo em que sup- pozémos mergulhida a dita extremidade. Logo para conse- guir huma corrente constante e igual pôde servir o mesmo ou outro semelhante deposito fechado como o já referido no §. 22 fig. 13, com o pequeno additamento , na mesma fi- gura pontuado , de que , cm vez de nelle entrar o ar pelo orifício feito no tampo, entre perto do fundo por hum tu- bo de que a abertura superior seja no mesmo nivel , ou ainda acima do referido tampo, e fazendo que o outro tu- bo, que dá sahida ao liquido, seja revirado como os dos barómetros , ou mergulhe a sua extremidade em outro va- so de maneira que fique coberto pelo mesmo liquido. §. 16. E este deposito addicionindo-sc-lhe o dito pri- me ro tubo , até he mais próprio para o fim de que tratámos no mesmo §-22; isto he , para fornecer a agua fria ne- cessária para regular a temperatura do banho do defleuman- te , quando o mecanismo competente está posto fora da agua , segundo aconselhei : pois he claro que , em vez de ajustar a válvula (conforme se vê na referida fig. 13 ) no bu- raquinho feito no tampo, por onde o ar entra immediata- mente para a parte superior do deposito , pelo qual modo quando se levanta tem que vencer da parte da atmosfera huma resistência muito grande, em quanto está cheio o de- posito , e sempre variável , porque he dependente do esta- do de rarefacção do ar que se acha dentro do dito deposi- to , e porque esta rarefacção he tanto maior quanto mais alta he a columna de agua, que se acha desde a sua super- ficie dentro do mesmo deposito até á sua superfície no ba- nho do d(.fleumante ; estando collocada a dita válvula de ma- neira que ajuste na abertura do tubo addieionado , cada vez que se levanta , apenas tem que vencer huma resistência muito pequena , e sempre a mesma , da parte da atmosfe- ra ; porque segundo o que fica observado também he mui- to gitvr es 5*28 Memorias da Academia Real to pequena , c sempre a mesma a columna de agua que se acha desde o nivcl cm que o ar entra no deposito até o da dita superfície da agua no banho. §. 27. Perdoai Senhores estas explicações , grosseiras para quem estudou fysica , mas que não serão supérfluas para muitas pessoas , a quem esta memoria pode interes- sar, e que não tiverem luzes daquella seiencia : a minha prolixidade pois não será inútil , até porque he própria pa- ra as fazer entrar no particular conhecimento dos princí- pios fundamentaes da construcção destes aparelhos ; e con- vencidas das suas grandes vantagens mais agradavelmente , e com mais confiança se animarão a fazellos executar , e mais hábeis ficarão para dclles fazer uso, e tirar proveito. §. 28. Também não he inútil observar que as torneiras de metal ordinárias são sujeitas a hum grave inconvenien- te. Por pouco que seja impuro o vinho, e ainda que venha coado por crivos muito miúdos, deposita algumas particular ou pequenos corpos estranhos , que se ajuntío , e de que alguns sahem , deixando principiar a accumularem-se outros nos ângulos e nas superfícies internas das ditas torneiras; de sorte que estando alternativamente mais ou menos entu- pidas, he impraticável obter huma corrente perfeitamente igual , ainda que a pressão ou altura do liquido no depo- sito donde corre seja uniforme, e sempre a mesma. Por es- ta causa he prcferivel hum tubo de couro ou de outra ma- téria flexível e elástica , entalado entre duas pequen.is tra- vessas , que se podem chegar ou desviar mais ou menos huma da outra por meio de parafusos ; e este artificio já conhecido, posto que apparentemente grosseiro, he muito mais exacto , e próprio para o nosso fim , porque , sendo o dito tubo comprimido entre as ditas travessas , muda pouco a pouco e progressivamente da figura cilíndrica até formar a de huma fresta , e não apresentando superfície al- guma em direcção perpendicular, nem que forme angulo assas sensivel com a corrente , bem pelo contrario do que acontece nas torneiras, facilita muito mais do que ellas a pas- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. Ç2l) passagem do liquido c de quaesquer pequenos corpos es- tranhos , sem perigo de as obstruir. § 29. Temos visto que pelo engenhoso meio de que se sérvio Solimani para regular a temperatura do banho do defleumante na distillaçao ordinária e intermittente , ou pe- los outros modos de que me lembrei , se pódc conseguir também na distillaçao contínua huma perfeita constância da temperatura que for conveniente no dito banho ; e por consequência em ambas as duas espécies de distillaçao se pode obter álcool ou aguardente do gráo que se deseja , mesmo sem fazer uso de outros meios , e formas de apare- lhos que nesta memoria irei descrevendo ; os quacs por causa de certas particularidades talvez ainda sejao preferi- veis aos referidos. CAPITULO III. Do modo de economizar a agua fria no lanho ou estojo do de fiemnante , aproveitendo-se o calor , que demittem os vapores do vinho quando se condensao , em aquentar e fazer evaporar huma porção do mesmo vinho , antes de entrar no alambique. — De outro genero de defieumantes , com que também se obtém o produeto do grão que se requer \ com os estojos que lhes ser- vem de banho. — E dos casos em que este banho se pôde es- cusar. §• 30. V^/ liquido de que geralmente se servem to- dos os distilladores para banho de seus condensadores , e de que também Solimani faz uso para o do seu alcogena ou defleumante , he agua fria : sem duvida , como para acu- dir ás mudanças de temperatura , que algumas vezes por certos descuidos acontecem na distillaçao ordinária e ainda na contínua , difficilmente neste clima a porção do mesmo vinho que se continua a distillar pódc ser quantidade bas- tante para condensar os vapores , e refrescallos no gráo Tem. VIL Pari. I. Xxx con- 5 30 Memorias da Academia Real conveniente depois de condensados, principalmente não se fazendo uso de outros defleumantes, e de outros meios até agora não descri ptos , sempre vem ser indispensável , se- gundo me parece, o emprego de alguma porção de agua fria ; nus certamente bastará cm muito menor quantidade do que geralmente he necessária. Divida-se para este fim o Hanho dos defleumantes já descriptos em duas metades, (ve- ja se a fig. io,) das quaes a superior, aberta por cima , se- rá para a agua , e para nella estar mettido o regulador de Solimani ; e a inferior se conservará cheia , até pouco mais ou menos três quartas partes da sua altura , com o vinho , que por hum orifício junto ao fundo receberá do banho do condensador, já algum tanto quente, e o deixará sahir qua- si fervendo por hum tubo P, que da superfície do dito vi- nho o coi.duza á espécie de bebedouro, de que já se tratou no §. 8 , no qual bebedouro mergulha a extremidade do re- lendo tubo do mesmo modo que o de segurança ou evacua- ção de Bèrard* Os vapores que se formão do vinho nesta divisão inferior , e que segundo fica dito oceupão pouco mais ou menos a quarta parte da capacidade delia , são obrigados a descer por outro tubo vertical Q^, o qual tem a abertura ou extremidade superior pouco acima da superfície do vinho , c os conduz ao cilindro 1 , mergulhando a outra abertura ou extremidade inferior na limfa que alli se acha accumulada. §. 31. Duas grandes vantagens se colhem desta divisão. — 1.* Basta menor porção de agua fria , e por consequên- cia poupa-se o calor que nella fica perdido. — i.3 Os vapo- res que se elévão do alambique vão encontrando mais gra- dualmente a diminuição de temperatura , e por consequjn- cia menor porção dos alcoólicos, e menos vezes he inutil- mente condensada de mistura com os aquosos novamente reduzidos a vapor, e tornados a condensar antes de terem sahida para fora do aparelho ; o que certamente acontece quando nos alambiques ordinários, e ainda mesmo nos de- fleumantes referidos , e em quaesquer aparelhos achao subt- ta- ST-r-lT O^ DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 5" ] I tamente superfícies mais frias, ou menos quentes do que he necessário , para que meramente huma porção dos aquosos comece a condensar-se , c progressivamente á medida de en- contrarem outras superfícies mais e mais frias se condense maior e maior porção segundo se requer; mas sem que ja- mais cheguem a ser tão frias as ditas superfícies, que n 1- las se possa condensar porção alguma dos vapores alcoóli- cos , em quanto não sanem do defleumante. § 32. Seja pela referida razão de os vapores alcoólicos não experimentarem tantas inúteis mudanças do estado elás- tico a liquido e deste ãquclle , em contacto com superfícies metálicas, que podem não só communicar-lhes sabor estra- nho, mas até produzir hum principio de decomposição, se- ja porque huma tal ou qual prolongação de calor não sen- do excessivo , talvez convém para melhor combinação dos princípios constituintes do álcool ou aguardente ; deve sem duvida concorrer aquclla circunstancia para o sabor mais ameno e suave, que se distingue nos liquofes d i st i liados cm aparelhos, cuja construcção discorda pouco destes prin- cipies : nem he cousa inesperavcl , que a mesma quantida- de de vinho analyzado por este modo produza maior quan- tidade absoluta de álcool , do que fazendo uso de apare- lhos menos perfeitos, isto he , em que não tenha lugar a referida condição. §. 33. Estas considerações nos guião naturalmente ao outro género de defleumantes , de que já começámos a for- mar alguma idéa no fim do 5. 10, e no principio do §. 18 reservámos a descri pção para este lugar. Vários dos antigos distiladores já, ha alguns séculos, havião adoptado capi- teis que tinhão grande analogia com os defleumantes des- criptos, e ainda maior com os que vou descrever. Aquel- les capiteis tinhão grande elevação , e em diversas alturas varias torneiras , que segundo estavão abertas ou fechadas deixavão sahir produetos mais ou menos espirituosos; e ape- sar de terem sido tratados com desprezo , e ridiculizados por outros distilladores mui acreditados , e quasi nossos Xxx ii com- 5" 3 * Memouias da Academia Real comtemporaneos , não estavão com rudo muito longe de satisfazer aos mesmos fins das mais perfeitas maquinas mo- dernas , e dos próprios defleumantes de que vou tratar. §. 34. A primeira forma destes defleumantes poderia ser huma continuação ou serie das mesmas bandejas do pri- meiro género igualmente metridas , mas por hum modo fi- xo , dentro de hum cilindro ; com a differença de em cada huma estar soldado ao orifício , por onde corre o liquido para a inferior, hum pequeno canudo ou bocal mais baixo do que as bordas da mesma bandeja , para que o dito li- quido alli se ajuntasse até á altura do mesmo canudinho , quando estivesse fechada huma torneira ; a qual estando aborta serviria de dar passagem para o condensador ao mes- mo liquido da referida bandeja , por hum canudo horizon- tal atravessando as paredes do dito cilindro. Deste modo os vapores que não se condensassem nas bandejas inferio- res irião condensar-sc nas superiores , ou passarião da ulti- ma ao condensador , quando estivessem fechadas todas as torneiras, correndo o liquido que se ajuntasse nas ditas ban- dejas, de humas para as outras, até entrar na do segundo género collocada na boca do alambique , para o fundo do qual passaria finalmente como já se descreveo ; isto he , correndo pelo canal destinado para a limfa nas outras se- melhantes bandejas do primeiro género mettidas dentro do mesmo alambique. E estando abertas as torneiras daquellas bandejas que a experiência logo ensinaria , cm vez de cor- rer para o dito alambique, correria para o condensador a porção de limfa ou aguardente fraca , necessária para se obter hum produeto do gráo pretendido: a esta forma po- rém são preferiveis as seguintes. §. 35-. A segunda forma deste género de defleumantes abrange melhor a vantagem que deve resultar da grande differença entre o peso especifico dos vapores aquosos, e o dos alcoólicos. He huma serie de diafragmas , cada hum também com sua torneira , e dando dos inferiores aos supe- riores passagem aos vapores por meio de vários canudos que 13* o» DAS SciENCIAS DE LlSROA. f 3 3 que atravcssao os ditos diafragmas , e chegão com huma extremidade peito do diafragma superior , e com a outra extremidade perto da superfície do liquido que se acha no diafragma inferior. O canudo de evacuação de cada diafra- gma prolonga-se também até quasi tocar no diafragma infe- rior , e a sua extremidade fica mergulhada no liquido que semelhantemente nellc se acha, a fim de que estando fecha* ád a torneira respectiva, se ajunte o mesmo liquido em ca- da hum , suba até á abertura superior do dito canudo de evacuação, e corra para o diafragma inferior; sem que por estes tubos de evacuação possão ter passagem os vapores , ou quaesquer outros fluidos elásticos , os quaes sobem , e tem fácil sahida pelos outros tubos de communicação. Em SU nina estes diafragmas differem dos de Berard nas três se- guintes particularidades. — i.a Em os canudos de commu» nicação do vapor serem prolongados para a parte de baixo de cada diafragma até perto da superfície do liquido exis- tente no inferior. — ^.i Em não estarem cobertos por ou- tros mais largos tapados em cima , concêntricos a elles , c que mergulhem a extremidade inferior no liquido de cada diafragma. — 3 a Em os tubos de evacuação chegarem quasi ao fundo do diafragma inferior. Na fig. 14 se vc o corte vertical desta espécie de defleumantes. §. 36. A terceira forma deste género de defleumantes só differe da precedente em os tubos de communicação es- tarem cobertos pelos outros tubos mais largos, e concêntri- cos ha pouco mencionados. Ou pôde ser exactamente huma serie de bandejas construídas com os additamentos que se virão nas figuras 7 e 8 , estando soldada em cada encaixe ou canal huma torneira, do mesmo modo, e para o mesmo fim ultimamente exposto : ainda que esta forma me parece mais útil , não mb atrevo com tudo a affirmar quanto , e que effectivamente seja muito preferível á precedente; o que so- mente será permittido quando muitas c escrupulosas expe- riências decididamente o tiverem comprovado. §. 37. Em cada hum dos defleumantes referidos, ou de ou- 5"34 Memorias da Academia Real outros quaesqucr deste segundo género pode fazer-se hu- ma alteração , que talvez não deixe de ser opportuna so- bre o systema ou base das formas descriptas , e he mais conforme com o que se observa em quasi todos os apare- lhos modernos de que se acha a descripção na já muitas vezes citada arte do distillador ; por esta razão , e para não duplicar superfluamente as figuras de cada huma das ditas formas que tenho descriptu , julgo que bastará a se- guinte succinta e genérica explicação. Vem ser em vez de , como até agora temos visto , entrarem os vapores imprete- rivelmente na primeira divisão , caixa , ou bandeja do de- fleumante próxima ao capitel , sendo obrigados a passar por todas até á ultima superior , e desta para o condensador , e em vez de se dar sahida ao liquido accumulado em ca- da huma , deixando o correr para a inferior quando está fe- chada a competente torneira , ou para o condensador esr tando aberta; servirem as torneiras para dar ou vedar a en- trada aos vapores de hum tubo que os conduz do capitel para aquclla ou para aquellas bandejas ou divisões mais aci* ma ou mais abaixo, segundo convier, para que da ultima superior passem para o condensador, combinados de manei- ra , que produzão álcool ou aguardente do gráo que se queira, e sem que para o referido condensador possão pas- sar directamente das bandejas inferiores nem no estado elástico nem reduzidos a liquido ; o qual impreterivelmen- te deve correr de humas para as outras até entrar no alam- bique. §. 38. Como na distillaçao contínua a quantidade de vinho exposto á evaporação he sempre a mesma , e a ope- ração prosegue constantemente do mesmo modo , he claro que em cada bandeja se accumulará aguardente ou álcool também constantemente da mesma qualidade ; ou feita a ultima proposta alteração , em cada huma entrarão vapores sempre da mesma qualidade quando estiverem abertas ou fe- chadas as mesmas torneiras. E adoptada a construcção des- te segundo género de defleumantes, não se faz necessário que das Sciencias de Lisboa. 5* 3 5- quc a temperatura do banho, seja idêntica de alto abaixo; antes pelo contrario , e segundo os princípios que temos inculcado, convém que o calor mui gradual mente vá dimi- muindo desde a parte inferior do mesmo defleumante , on- de os vapores são ainda muito aquosos , até á superior on- de só devem chegar os alcoólicos. Todavia , posto que do expressado pareça supérfluo o regulador de Solimani quando o defleumante he deste segundo género ; se a experiência o aconselhar , facilmente se lhe addicionará na parte superior hum pequeno banho de agua, cuja temperatura se regulará com a dita maquina, do mesmo modo que vimos nos §§. 11, 22, e 30. Veja se a estampa 3/ §. 39. Por aquella causa pôde o banho desta sorte de defleumantes ser dividido em difierentes repartimentos por diafragmas hori/.ontaes , para que o vinho antes de entrar no alambique vá descendo mui àuavemente de humas para as outras divisões ; mas neste caso he indispensável que da parte superior de cada huma igualmente se dê passagem pa- ra a immediata inferior aos vapores e fluidos elásticos que alli se achao , pela maneira já indicada , e sobre que ainda heide repisar. Talvez porém não se faça necessário banho algum a esta sorte de defleumantes, com tanto que se lhes de grande elevação, e se multiplique muito o numero das bandejas de oue he formado, ou pôde quando muito ser su- prido o dito banho por hum canal em espira formado nas próprias paredes do defleumante , pelo qual canal corra em roda o vinho que vem do banho do condensador até entrar no bebedouro de que já tratámos. Veja-se a dita estampa 3/ §. 40. 'E poderá ainda a algumas pessoas parecer prefe- rivel a construcção seguinte qne se vê nas fig. 15- e 16. He huma serie de caixas cilíndricas postas em pequena distancia humas sobre as outras ; os fundos delias satisfazem exacta- mente a mesma serventia das bandejas do segundo género, sendo munidas dos mesmos tubos , os quaes dão communi- cação para as caixas immediatas , atravessando os tampos respectivos de cada huma j e sobre estes tampos vai espraia- da- SI"TT - 5" 3 ^ Memorias da Acatem ia Real damcnte passando c descendo de hum para os outros o vi- nho que se recebe do banho do condensador, sem ter com- tHuni cação com o interior das mesmas caixas , c podendo apenas entrar na inferior o vapor deste vinho pela manei- ra seguinte. Este defleumante ou esta serie de caixas deve estar dentro de hum cilindro, de cujo fundo o vinho ouc alli tem chegado passa para dentro do alambique pelo mo- do já declarado: e os vapores, ar, e outros gizes quando chegao a ter dentro do cilindro huma compressão maior que dentro da ultima caixa ( para esta tem sahida a travez de muitos buraquinhos feitos na parte inferior das suas pa- redes até á altura cm que sobre o fundo da mesma caixa se conserva a limfa ; a qual pelos mesmos buraquinhos se difiunde para hum canal circular que alli está formado, em que serve como de válvula aos ditos fluidos elásticos. §. 41. Do mesmo modo que no §. 18 disse que era su- pérfluo apresentar mais formas de defleumantes construi-los em conformidade dos princípios do Doutor Solimani , por- que sem tugir da mesma theoria se lhes podia dar mui va- riados feitios , pode-se agora fazer a mesma observação a respeito dos do segundo género, e de seus respectivos ba- nhos. Não he justo porem que dêmos por finda esta maté- ria sem observarmos que não deixa de ser conforme com os mesmos princípios, e muito simples o expediente de hu- ma serpentina na qual , ( segundo o praticou o distincto tcchnologico Mr. Curaudau,) os vapores entrão do capitel pela abertura interior , sobem , e sahem pela superior ; re- trocedendo para dentro do alambique os que se condenslo na sua ascensão. Mas para tirar maior proveito desta lem- brança convém que a dita serpentina, em vez de estar ba- nhada dentro de hum vasto vaso cheio de vinho como pio- poz o mesmo sábio, e como hoje praticão alguns distilla- dores modernos , esteja mettida dentro de outra serpenti- na muito mais larga , para que pelo intervallo delias corra o que passa a ser distillado. E mais simples seria formar pela parte de cima das espiras da primeira serpentina hum ca- dasSciencias de Lisboa. ^37 canal aberto , para por elle descer o vinho , devendo neste caso, igualmente como se vio no precedente, estar metti- da esta peça em hum cilindro , a travcz de cujas paredes passem tantos canudos quantas forem as voltas ou espiras da serpentina , para dar sahida para o condensador ao liqui- do que em cada huma se forma dos vapores que nella se condensao , quando estão abertas as respectivas torneiras. E rambem será mais conveniente que a primeira volta ou espira inferior em que entrao os vapores seja muito espaçosa , e gradualmente vão diminuindo as superiores; que todas po- rem sejão mais ou menos achatadas e próximas humas ás outras , o que permitte serem em numero maior em huma djda altura , e que tenhão tanta largura , que oceupem qua- si toda a área do circulo ou corte horizontal do cilindro em que se suppóem formadas. Esta construcção apresenta huma grande superfície gradualmente mais fria aos vapores que internamente sobem , e gradualmente mais quente ao vinho que externamente desce : e isto he mui conforme com os principios e observações expostas. CAPITULO IV. De algumas advertências e circunstancias mui attendiveis para o bom êxito da construcção e collocação destes aparelhos, — Dos condensadores e seus estojos. — E dos refrigerantes , e modos os mais ejficazes para se conservar fria a agua nos seus banhos. §. 42. lyXuiTo , e a alguns leitores demasiado , ex- tensa terá parecido a precedente descripção dos defleuman- tes e seus banhos , não será apesar disto fora de propósi- to fazer ainda mais algumas advertências a este respeito , ainda que sejão obvias e em parte já repetidas, porque não deixa de acontecer algumas vezes , até a pessoas versadas nos principios de que se deve fazer a applicação a qualquer Tom. VIL Part. I. Yyy ar- 538 Memorias da Academia Real arte, que escape alguma pequena consideração, de cuja fal- ta resulta êxito máo e inesperado ; e muito mais provável he que isto aconteça a quem não tiver os ditos princípios nem talvez talento para os applicar ainda quando os possuís- se , nem pratica na mesma arte , ou se a que tiver for defei- tuosa como a que até agora entre nós tem havido sobre dis- tillação. Com tão justo fundamento espero que se me des- culpe o insistir em algumas cousas já indicadas, sabidas e mui claras para algumas pessoas , mas que para outras são escuras e estranhas , e sobre tudo lhes parecerão minucio- sas e supérfluas. §. 43. Seja qual for o feitio do defleumante e do seu banho; quando o liquido que neste se emprega he o mes- mo vinho que se continua a distillar , os vapores que se formão e se ajuntão no capitel , espaço , ou cavidade para elles destinada no dito banho, assim como em outros quaes- quer vasos para dentro dos quaes não convenha dar entra- da aos mais vapores que se formão no alambique ou em outra qualquer peça deste aparelho, nem ao ar atmosféri- co , devem ter sabida por tubos que acabem em esferóide ou em outra figura apropriada cheia de buraquinhos , e mer- gulhando em alguma porção de liquido que lhes sirva co- mo de válvula. §. 44. Por esta mesma razão sempre que haja de se in- troduzir qualquer liquido em algum espaço oceupado por gazes ou vapores , a que não se deve dar sabida pelo mes- mo tubo , por onde aquellc entra , he indispensável que es- te seja revirado a modo de barómetro , ou que mergulhe em huma porção do mesmo liquido , com profundidade tal que a columna que os ditos fluidos elásticos serião obriga- dos a atravessar para sahirem pelo referido tubo, seja maior que a columna ou somma das differentes columnas de liqui- do a travez das quaes se pertende que efectivamente pas- sem , antes de se reduzirem a este estado os que delle são susceptíveis , ou antes de chegarem á atmosfera os que o náo são. •usa o\ das Sciencias de Lisboa. 5-39 §. 45". Nem esqueça ou se despreze a advertência que já fiz de que a sabida dos vapores, do ar, ou dos outros gizes , que se desenvolvem do vinho quando aquece em qualquer espaço ou peça destes aparelhos, se execute, quan- to for compativcl com as mais circunstancias, pela porte in- terior próxima á superfície dos líquidos, pela razão já ex- posta nos §. 19 e 20 , de que tendo aqu.llcs fluidos elásti- cos hum peso especifico maior que o vapor aquoso, oceupão ou tendem a oceupar com preferencia a parte inferior, don- de mais dificilmente podem sahir , quando isto só lhes he permittido por tubos soldados no cume dos capiteis ou de outros quaesquer espaços, segundo geralmente se pratica em todos os alambiques , inclusos até os que passão por mais perfeitos. §. 46. Se por motivo de commodidade que apresente o local , ou por deliberada vontade do executor , ou por outras circunstancias não se seguir o feitio de algumas pe- ças descriptas nesta memoria, nem ainda a mesma distribui- ção , proporção e dimensões , que mui longe estou de in- culcar como perfeito modelo , pois apenas aconselho co- mo seguiveis os princípios fundamentaes que tenho expos- to ; advirta-se que sempre será prudente que o vinho antes de entrar nas peças essenciacs deste aparelho, se acaso des- cer de maior altura que a precisa , não se precipite desne- cessariamente por tubos vertieaes, por onde juntamente te- nha passagem o ar atmosférico ; pois além da perda real que isto causaria , evaporando-se inutilmente muito álcool , in- troduzir-se-hia no vinho muita quantidade de ar , o qual não pôde separar-se todo instantaneamente , ainda que se ponhão em pratica todos os outros meios e artifícios indica- dos , e vai desenvolver-se dentro do aparelho , causando gran» de estorvo e desordem na distillação. Por consequência se- rá mais próprio que os tubos que conduzem o vinho sejão postos quasi horizontalmente , desde alguma distancia antes de o introduzirem no mencionado aparelho, a fim de ser muito mansa e vagarosa a sua corrente. Yyy ii §. 5" .p Memo» ias da Academia Real §. 47. Tcndo-se visto a construcção do alambique com as suas diversas bandejas e capitel , e varias sortes de defleu- mantes c respectivos banhos , como também o modo de fa- zer correr o vinho , a limfa e a agua para estas diversas pe-: ças , e o regulamento da temperatura; segue-se tratar do condensador e refrigerante , e dos banhos que também lhes sao respectivos. §. 48. O condensador serve de nelle se condensarem os vapores alcoólicos puros, ou misturados com a porção dos aquosos necessária para a formação da aguardente do gráo que se requer, conforme a temperatura que de propósito se dá á agua no banho do defleumante , quando este he do primeiro género; ou conforme se deixão abertas ou fecha- das as torneiras superiores ou inferiores , quando he do se- gundo género de construcção. A forma do condensador pô- de ser a mesma dos defleumantes do primeiro género; com a única differença que no defleumante, como o seu objecto he separar os vapores alcoólicos por meio da condensação dos aquosos, entrão todos pela abertura inferior, e sahem pela superior os que nelle não se condensão ; e no conden- sador acontece o contrario, isto he , entrão pela parte su- perior , e são obrigados a descer até se condensarem e te- rem sahida pela inferior reduzidos a liquido. §. 49. Fosto que para forma de defleumantes do pri- meiro género a expressa de Mr. Solimani nos pareceo e he muito boa, quando o banho que se lhe destina he grande, e cheio de agua ; não a julgo útil todavia quando o dito defleumante deve estar mettido em huma espécie de estojo estreito e cheio de vinho que neste deva subir , como no caso presente; porque o ar e gazes, que se desenvolvem do mesmo vinho quando aquece , tem muita tendência a alo- jar-se nos ângulos que no dito defleumante são muito agu- dos , e farião grande estorvo á passagem e subida do mes- mo liquido. Por esta ra/.ão será melhor fazer uso de alguma das outras duas formas propostas, a do feixe de tubos, ou a das largas bainhas, ou ainda de outra muito ar.aloga á di- ta t 1 DAsSoiENCIASDK LfSBOA. fj(.t ta de S dimani , com tanto que os seus ângulos sejão muito obtusos , ou inteiramente os não tenha , e este he o feitio que se Vií na fig. 17, e também na estampa 3." Não es- queçáo porem duas advertências. — t.a Que o seu compri* mento deve ser muito maior a fim de que não apresente menor quantidade de superfície aos vapores que descem in- ternamente , nem ao vinho que sobe externamente no seU banho ou estojo. — a.â Que o grande comprimento e altura da columna de vinho dentro do estojo faz experimentar hu- ma forte compressão is chapas planas de que he formado o condensador, e immediatamente se uniria huma á outra na maior parte da sua superfície , senão estivessem muito soli- damente sostidas na distancia competente por muitos peque* nos esteios. §. ?o. Advirta-se também que seja qual for a forma dos condensadores, convém que sejão mais espaçosos na parte superior do que na inferior, e por isto nesta ultima cons- trucção não estão parallclas as duas chapas que o formão , e guardáo certa pequena obliquidade entre si ; circunstancia que também se observa no condensador do Barão de Gedda, que se acha descripro na mesma excellente mencionada arte do distillador de Mr. Le Normand ; o qual não differe dos que proponho nos principio? fundamentaes da sua construc- çao , e até eu lhe daria a preferencia sê o destinasse co- mo o seu autor a estar dentro de hum banho de agua fria; mas sendo circular não he tão próprio para ficar mettido em a espécie de estojo, em que deve ficar rodeado e banhado pelo vinho sobre que prosegue a distillação ; o que melhor se verá no paragrafo seguinte, §.51. O banho do condensador enchendo-se com o ri- nho , que hade continuar a di^ci!K;r-se , não deve ser hum grande vaso em que seria necessário reter huma vasta por- ção , pelo contrario ; e até preenche melhor o seu fim , se* gundo principiámos a ver no precedente paragrafo, o esto- jo que encerra o dito condensador em pouca distartGia 4 por- que este pequeno incervallo enche-sc com huma ténue quan- t d • 5"4i Memorias da Academia Rbal qu-intidade de vinho , que incessantemente por algum dos modos referidos nos §§. 14 c 25 nelle deve entrar pela parte inferior , e sahir pela superior , a que está soldada huma espécie de bacia coberta por capitel competente pa- ra nella começar a evaporação, desenvolvendo-sc mais facil- mente os vapores ou gazes do dito liquido ; c túmbem porque estando assim espraiado, a sua corrente he mais re- gular , e menos sujeita a grandes ondulações. Esta corrente se cffeetua saliindo o vinho da dita bacia , cm hum nivel pouco acima do fundo , por hum tubo virado para baixo , o qual o conduz ao cano formado em espiral que rodêa o defleumante , segundo se vê na estampa 3." ; ou acabando o dito tubo em esferóide ou cilindro muito achatado cheio de buraquinhos , lança o dito liquido sobre o tampo da ulti ma caixa superior do delfeumante encerrado no cilindro , que se vê na fig. 1 j , ou dentro de qualquer outro banho cuja forma se tenha preferido , ou directamente no bebedouro formado nas próprias paredes do alambique , já varias vezes mencionado : e os vapores ou gazes que se formão na mes- ma bacia tem sabida , ou por hum tubo separado que os conduz para dentro do capitel , mergulhando levemente na l.mfa que se ajunta na bandeja do segundo género collo- cada na boca do alambique, como também se vê na fig. 9, (de que no §. 12 reservámos para agora tornar a tratar;) ou passão juntamente com o vinho pelo mesmo tubo aca- bado em regador para o cilindro já referido ou para outra qualquer peça , que for mais adequada ás circunstancias , e gosto do executor. Para quem está informado da grande facilidade com que nos liquidos sóbc o calor, e do quan- to pela mesma ruão he nelles difficil a dita communicação de cima para baixo, he supérfluo observar, que da grande altura do condensador e do seu banho ou estojo se deve seguir muita promptidão em se condensarem os vapores al- coólicos, que descem no dito condensador, e grande apro- veitamento do calor que elles demittem nesta condensação; pois que se çommunica ao vinho que sobe no respectivo es- DAS SciESCIAS DE LlSBOA. 54J estojo , c de que huma parte se evapora na mencion.idâ bacia. §. Ç2. (a) O refrigerante não he mais do que hum se- gundo condensador ou huma prolongação delle, e, como ca- da huma das mais peças desres aparelhos, pode ser de fei- tios innumeravcis que todos hão de desempenhar perfeita- mente o seu fim , se forem conformes com os principios adequados. A mesma forma do defleumante e condens.idor de Solimani não deixa de ser própria para o refrigerante ; as suas dobras porem , pelo contrario do que fica aconselha- do a respeito dos condensadores, podem ser muito maiores, e os ângulos que formão muito mais pequenos , a fim de apresentarem hum caminho muito mais comprido , e maior superfície internamente ao liquor que distiila , e externa- mente á agua fria do banho ; pois que sendo este mui es- paçoso não pôde ser do mesmo momento Q inconveniente mencionado no §. 49. Vej i-sc a estampa j.a §. 5-3. Para se conseguir grande frialdade na agua do banho do refrigerante , o que hc de gravíssima importân- cia em todos e quaesquer aparelhos distillatorios , s.lo mui adequados os meios seguintes. — i.° Que huma perenne cor- rente de agua fria de huma fonte , quando a ha e o local o permitte , ou tirada de hum poço , entre pelo fundo e saia pela parte de cima do banho. — 2° Que este banho seja hum grande vaso , atravessado verticalmente por mui- tos tubos de metal , por onde o ar tem rápida passagem , e leva o calor da agua , conservando-a fria por hum modo tão efficaz que dificilmente o poderá conjecturar quem n.1o tiver feito a experiência , ou carecer dos conhecimentos scien- (rt) Este nome dá-se geralmente ao banho do condensador ; mas pare- ce mais concorde com a boa razão, e hc mais narural distinguir os diver- sos banhos pelos nomes das peças que nelles e>xío banhadas ; por esra causa preferi dizer banho do derleumante , do condensador , do refrige- rante , &c. , e reservei a esta ultima palavra a accepcáo que me parece mait própria. Oi J44 Memorias da Academia Real scientificos necessários. — 3.0 Que o mesmo banho se es- praie na parte superior apresentando grande superfície á at- mosfera ; o que produz, grande evaporação , e concorre tam- bém em grão de que geralmente não se faz idéa , para que a agua se conserve fria, principalmente nas camadas infe- riores. — 40 Que ao dito banho se dê grande altura acima do refrigerante ; ou ao menos que delle seja a agua obriga- da a subir por hum ou mais tubos verticaes a hum gran- de taboleiro , collocado em hum nivel elevado quanto for compatível com o local e com a commodidade do serviço. E se dentro do dito ou ditos tubos se pozerem outro ou outros por onde o ar tenha passagem , entrando a travez do fundo do banho do refrigerante, e sahindo pela extremida- de superior, a qual se pôde prolongar até fora do tecto do edifício ; ficará estabelecido hum ventilador , que não so- mente concorrerá muito para esfriar a agua do dito banho, mas até para conservar frescura no local. Advirta-se porém que a compressão da grande altura ou columna de agua he muito considerável, e as chapas de que são formadas as dobras do refrigerante necessitão de ser muito solidas, e sostidas internamente na distancia devida , ou por muitos competentes esteios , ou por pequenos tubos que as atraves- sem ; e melhor será este segundo modo , porque passan- do por elles a agua , contribúe mais ao seu fim de re- frescar o refrigerante, e tem maior facilidade de subir. Ve- ja-se a estampa 3.' — j.° Finalmente seria útil fazer uso de outros meios quimicofysicos para refrescar o refrigerante, conservando-o mesmo nas estações do anno , e nos climas de maior calor, na frialdade da neve, ou que ainda exce- desse este gráo ; e a vantagem que disto se seguiria, pos- to que em parte muito obvia , he tamanha que apenas po- de ser bem avaliada pelas pessoas que tem feito estudo , e chegado a adquirir idéas exactas sobre a verdadeira theo- ria da distillação. Mas estes meios apesar de serem muito mais fáceis do que certamente imagina a maior parte dos leitores , parecer-lhes-hiao supérfluos , ainda quando se per- sua- DAS SciENOIAS DE L I S B O A. 54J suadisscm da sua grande facilidade; e são dignos de se tra- tar com maior extensão do que seria próprio nesta memo- ria. CAPITULO V. De hama nova economia de calor , empregando o que se costu- ma perder nas fezes ou resíduo do vinho , em aquentar e fa- zer evaporar outra porção do mesmo vinho ; e da construcçao da nova peça com que se consegue este fim , d qual se dd o nome de aquentador. — Dos fogões mais económicos e próprios para a distillaçao continua. — Da conveniência de que o calor se applique ao alambique por meio de hum banho de agua fer- vendo , ou do vapor desta , ou de outras matérias. — E dos modos de augmentar ou diminuir o grão de calor e compres- são dentro do alambique. §• ?4- JL emos agora a tratar de huma nova economia de calor. A mesma construcçao do condensador e seu esto- jo pouco mais ou menos como ultimamente se descreveo nos §§. 49 e fi , he applicavel a aproveitar o calor que se costuma perder no resíduo e fezes do vinho, quando sa- nem muito quentes de qualquer aparelho , ou que nelle ficão esfriando inutilmente depois de acabada a disrillação : esta economia ainda que não tenha sido posta em pratica , se geralmente não c::;ede , pouco pode ser inferior á que se consegue por meio das mencionadas formas de defleumantes c condensadores , e respectivos estojos ou banhos cheios do mesmo vinho que se continua a distillar. He certo que a quantidade de calor que se desenvolve dos vapores na re- ducção ou mudança do estado fluido elástico a liquido, ain- da quando neste se conserve o mesmo grão thermometri- co , he muito considerável , porque se faz sensível o caló- rico que estava latente no primeiro estado , e a quantidade deste he muito maior que a que da mesma porção de li- quido pôde ser demittida na passagem do gráo da fervura Tom. VIL Part. I. Zzz pa- 546 Memorias da Academia Real para o da temperatura atmosférica ; mas como a quantida- de de liquido distillado he muito diminuta a respeito da quantidade do resíduo da distillação, vem ser muito atten- divcl a porção de calor que neste costuma ficar perdido : de maneira que na distillação de álcool puro ou de aguarden- te de grão subido , principalmente se he fraco o vinho donde se extrahe , não he improvável que esta nova econo- mia exceda a outra de que primeiramente tratámos. §. 55. Ainda que podia referir-me á dita construcção do condensador e seu banho ou estojo , que se vio nos di- tos §§. 49 e yi, e acrescentar somente algumas pequenas advertências ; mais commodo he , e até para o leitor será mais claro , e ajudará a fixar c classificar melhor tantas di- versas idéas que talvez se lhe apresentão pela primeira vez e com demasiado laconismo , descrever nova c inteiramen- te a peça destinada a aproveitar o calor da limfa e fezes do vinho , á qual , para evitar circumloquios e confusão , podemos chamar aquentudor, visto que o seu fim he aquen- tar huma porção de vinho com o calor que se costuma perder naquellcs líquidos. §. 5-6. Ponlião-se parallelas c na distancia de hum quin- to ou hum quarto de polegada , humas em cima das ou- tras , quatro tiras ou chapas de metal , cada huma da largu- ra de 1 a 4 ou maior numero de palmos, segundo a gran- deza do aparelho a que esta peça deve ser subsidiaria , e do maior comprimento que o local do laboratório commoda- mente peimittir , atravessando- as por muitos pequenos va- rões de grossura sufficiente para as conservar muito fixas na mesma distancia primitiva , por maior que seja a com- pressão que hajão de experimentar, mormente perto da sua extremidade inferior , depois de postas a prumo , e cheios de liquido os espaços formados entre ellas. Estes espaços fi- carão fechados por outras quatro tiras ou chapas muito es- treitas e de dimensões competentes , cravejadas e soldadas com a indispensável solidez para resistirem á dita grande compressão da alta columna do liquido. Os DAS SciENCIAS DE LlSBOA. ^47 Os dous vãos externos recebem , cada hum por seu fu- nil , os dous referidos liquidos linifa e fezes do vinho , que sahem do alambique pelos dous tubos ou sifões inver- sos mencionados no §. 8 ; e só tem sahida os mesmos li- quidos do fundo destes vãos por dous competentes tubos que a ellcs estão soldados, e que arqueando se elévão ver- ticalmente até quasi á altura do tampo do dito aquentador, e os lançao em hum vaso ou pia donde finalmente correm para fora do edifício. O terceiro vão ou espaço , que fica entre os já referi- dos , está cheio do vinho que recebe frio por hum tubo que alli o conduz em corrente certa , por algum dos mo- dos já indicados nos §§. 24 e 2j, de hum reservatório col- locado em altura própria , para que da parte superior do mesmo vão possa subir já muito quente, por outro tubo ver- tical , até outra bacia com respectivo capitel , bem como a já descripta do banho ou estojo do condensador; da qual cone por hum canudo mergulhado no mesmo ou em outro bebedouro , de que já se tratou ; tendo sahida da mesma bacia os vapores e gazes , que nella se desenvolvem , pa- ra dentro do alambique, ou para o seu capitel por hum tu- bo que se vê na fig. 9 , e de que na §. 12 se reservou para agora tornar a tratar , ou para o defleumante , ou pa- ra o refrigerante; tudo pelos modos já indicados, segundo se achar conveniente , e se praticar com os outros vapores dos banhos de vinho do defleumante e condensador. Veja-se a estampa 3.a §. 57. Com estes aparelhos póde-se usar de qualquer forma de fogões que melhor parecer ; he necessário porém observar que em razão do alambique estar quasi vazio , con- servando apenas no fundo huma pequena porção de liqui- do , não pôde receber directamente o calor do fogo senão pelo mesmo fundo , pois de outro modo se destruiria mui depressa ; por esta causa será melhor que esteja mettido em hum banho de agua, de vapor, ou de outra matéria , em que receba o gráo que se julgar conveniente, segundo se Zzz ii acha ?48 Memorias da Academia Real acha expresso na memoria sobre distillação, já citada na no- ta ao §. 5. E neste caso vem ser desnecessário que nas ban- dejas do primeiro género se construão os dous canaes dif- ferentes para as fezes do vinho e limfa , nem que no fun- do do alambique esteja a espécie de funil de que já se tra- tou , nem que sejão dous os tubos ou sifões inversos por onde este liquido tem sahida separadamente ; pois he bem claro que usando de banho, não pôde acontecer que as fe- zes do vinho se peguem e queimem no fundo do aparelho, único motivo porque aconselhei os referidos expedientes. §. j8. Entre os fogões mais económicos que se conhe- cem tem lugar muito distincto os do Conde de Rumford ; mas creio que ainda são excedidos pelos últimos de Mr. Curauilau descriptos na já muitas vezes mencionada arte do distillador de Mr. Le Normand; e sem duvida ainda a es- tes são preferíveis os que se aconselhao na sobredita me- moria. Estes últimos alem de serem mais económicos são também os mais próprios para a distillação contínua ; por- que sendo a sua construcção hum simples tubo vertical mettido dentro de outro tubo mais largo , que he htima prnlongação do alambique , a limfa e fezes do vinho , em vez de descerem e tornarem a subir como se vê na fig. 1. fora do mesmo alambique , fazem este caminho dentro da dita prolongação, como se vê na estampa 3/ A limfa ou a agua oceupa o espaço entre o tubo que serve de fogão e as paredes da dita prolongação do alambique, e sobe do fundo deste mesmo espaço por hum tubo estreito que lhe dá sahida no mesmo nivel cm que se conserva em roda do funil em que estão as fezes do vinho ; e estas descem e tor- não a subir nas duas pernas do seu respectivo sifão inver- so que semelhantemente lhes dá sahida , e a que serve de banho a referida limfa ou agua fervendo. He evidente que por effeito desta construcção não pôde sahir do aparelho , de mistura com as ditas limfa e fezes, nem a mais insigni- ficante partícula de álcool ; pois que cm caminho tão pro- longado, em direcção descendente e novamente ascendente, no . . - ot DAS SciINClAS DE LtSSOA. ?4? no grá*o da fervura , e com a compressão de tão grande co- lumna de liquido , não pôde deixar de se fazer huma per- feita analyse , sem necessidade de segundo fogão , como se tem proposto para a distillaçao contínua , e como parece in- dispensável nas construcçóes de que até agora me consta que se tenha feito uso. § 5-9. Posto que usando desta forma de fogões faz se desnecessário o banho externo de agua fervendo ou de va- por ou de outra competente matéria , segundo fica dito no §57,0 que aliás hc quasi indispensável quando se faz uso de outros quaesquer ; todavia ainda usando desta melhor forma de fogões sempre aqucllc banho concorre para maior perfeição , segundo se aconselha na mesma mencionada me- moria , e pelas mesmas duas seguintes razoes nella ponde- radas. — i.J A maior constância no gráo de calor no interior do alambique , por causa da grande massa de agua ou ou- tra matéria fervendo que o cerca ; pois que tendo em ge- ral todos os liquidos grande capacidade de calor não per- mittem que dentro do mesmo alambique se possa experi- mentar considerável e repentina mudança no gráo delle , ain- da que haja alguma irregularidade na combustão quando se atiça o fogo ou se introduz lenha no fogão , ou acontece algum descuido. — 2/ A maior facilidade com que se pode ter o gráo de calor que se deseja , quer seja inferior ao da fervura da agua , quer muito superior , conforme a qua- lidade do liquido de que se enche o dito banho, e ainda que simplesmente seja agua pura ; pois que esta se p&ie também levar a hum gráo maior que o da sua dita fervu- ra por meio de huma válvula posta em huma abertura na parte superior do banho , carregada de peso proporcionado para somente dar sahida para a atmosfera ao vapor , quan- do a sua compressão estiver perto do limite que não deve ser excedido: e para que não haja perda continuada do va- por que se forma , isto he , do calor que elle leva , deve o dito vapor ter constante sahida por outro orifício que se possa abrir mais ou menos mesmo da parle de fora , por meio 55o Memorias da Academia Real meio de huma torneira ou resisto ; e subindo por hum tu- bo até certa altura desce depois , e mergulha na limfa ou fezes do vinho accumuladas no fundo do alambique. §. 6o. Nenhuma destas cousas necessita de grande ex- plicação, porque são todas mui simples, achão-se descriptas em muitos livros, e podem pôr-se em execução por vários modos differentes ; bom he com tudo advertir que quem quizer ver huma válvula própria para augmentar a compres- são quanto se queira , sem que o vapor se escape para a atmosfera , e sem necessidade de outra torneira ou resisto t achará a sua descripção e desenho no volume 96 dos An- nacs de quimica , em huma memoria lida por Mr. Chevreul no Instituto de França cm 10 de Agosto de 1814 acerca da analyse das substancias vegetaes , por meio de hum pe- queno alambique a que chama àigesteur ; e a leitura da mesma memoria não deixa de dar algumas noções applica- veis á própria distillação do vinho ou de outros liquores fermentados. E quando não se queira hum gráo de calor e compressão muito superior ao da fervura da agua e peso or- dinário da atmosfera , podem supprimir-se estas válvulas , substituindo-se-lhes o meio muito simples e commodo , des- cripto pelo Conde de Rumford no Cap. if da 3.' parte do seu Ensaio 10., dando-se ao sifão inverso de que he com- posto a altura que for apropriada. §. 61. Mas se para algum fim ou por simples experiên- cia se quizer não somente dentro do banho , mas dentro do próprio alambique huma compressão muito maior que a da atmosfera , será necessário não só que o calor da agua no dito banho , e o seu vapor seja do gráo e da força re- querida, o que facilmente se obtém pelo meio ja mencio- nado , mas também , segundo os principios expostos no §. 44, que o dito vapor e o do vinho dentro do mesmo alam- bique , c o ar ou outros gazes que delle se desenvolvem , encontrem huma proporcionada resistência antes de se con- densarem os primeiros, e antes de sahirem para a atmosfe- ra os segundos fluidos elásticos. E esta resistência pode ob- ter- DAS S CIÊNCIAS DE LlSBOA. yjl ter-se por diversos modos. — i.° Usando das bandejas do se- gundo género , cm numero competente e com muito maior profundidade conforme lembrei no §. ío, para cada huma reter muito maior quantidade de vinho em que mergulhem , até perto do lundo das mesmas, os canudos que servem de cobertura e são concêntricos aos de communicaçao do va- por. — 2.0 Ad.iptando-se ao orifício por onde distilla o ál- cool ou aguardente, e por onde sahcm os gazes referidos, a muito simples e útil maquina de Mr. Edelcrantz recom- mendada e desenhada na referida obra de Mr. Le Normand , podendo porém ter mais alguns pés de altura o sifão in- verso em que principalmente consiste a sua construcção. — 3.0 Não permittindo que os ditos fluidos elásticos , isto he , vapores e gazes , saião do alambique para o capitel senão por huma abertura que se possa fechar mais ou me- nos , mesmo pela parte de fora , e do mesmo modo que fi- ca dito a respeito do banho respectivo. §. 62. Também se deve ter presente que para prose - guir a distillação , querendo que no interior do alambique se conserve a supposta maior compressão, sem que no fun- do delle desção do nivel devido as fezes e a limfa , e sem que das bacias do aquentador e do banho ou estojo do condensador deixe de correr continuamente a mesma porção de vinho, são indispensáveis duas cousas. — i." Que o tubo e segunda perna do sifão inverso por onde sobem as ditas fezes e limfa, quando sahem para o aquentador, sejão mui- to mais prolongados para cima do dito nivel do fundo do alambique , e com torneiras em diferentes alturas para lhes dar sabida na que for correspondente á dita compressão. — 2.a Que semelhantemente se prolonguem quanto for neces- sário os tubos , por onde do deposito competente entra o vinho para a parte inferior dos ditos aquentador e banho ou estojo do condensador , pois he necessário que o dito vinho seja impcllido por huma força igual ou ainda alguma cousa superior á da compressão dos fluidos elásticos existen- tes no alambique ou em quaesquer espaços para onde deve COr- sIaH OJ eei Memorias da Academia Real correr. E de outros mecanismos se pode usar , cuja descri- pção estenderia demasiadamente esta memoria. CAPITULO VI. Dúvidas sobre o greio de calor e compressão conveniente para obter produetos da melhor qualidade , e na maior quantida- de. — farias conjecturas com que se pertende conciliar algu- mas apparentes contradicçoes nas formas dos aparelhos pro- postos por diversos sábios. — E necessidade de innumeraveis experiências para se chegar ao ultimo grão de perfeição de que he susceptível esta importante matéria. §. 6$. 1^\ Xo se entenda do expressado nestes últimos parágrafos , que recommendo ou aconselho grande compres- são dentro do alambique , nem que me abalanço a decidir esta questão, á qual alludi quando no i.° §. falei das dis- crepâncias do parecer de alguns sábios ; mas por isto mes- mo que a não decido achei próprio indicar os meios de obter a dita compressão no grão que se queira , a fim de se fazerem as experiências conducentes á referida resolução. E a minha incerteza a este respeito he tanto mais funda- da, quanto são de grande peso e respeitáveis as razões e autoridades que ha de ambos os lados. No aparelho de Adam a compressão he extraordinária-, Curaudau recommen- da alambiques profundos, e affirma ter obtido delles os me- lhores resultados, confessando ingenuamente que os obtive- ra máos de huma construcção contraria ; e todos os nossos distilladores que tem tentado grandes distillações em banho maria , e em muito vastas superfícies, tem sido desafortuna- dos nas suas emprezas e até não poderão obter produetos de sabor e qualidade commerciavel. Pelo contrario temos a fa- vor das grandes superfícies evaporantes e do moderado gráo de calor as autoridades do Conde de Chaptal , de Mr. Ca» raudau até certo tempo, e de Mr. Le Normand, o qual, lou- DAS S CIÊNCIAS DF. L[S 3 O A. •) $ $ louvando a candura com que o dito Mr. Curaudau depois- se havia retractado , segue com tudo a tua primeira opi- nião, diz ter obtido com alambiques de larga superfície, e em moderado gráo de calor, hum produeto saborosissimo e o mais aromático , e attribue os outros máos resultados , não á grande superfície , nem ao moderado gráo de calor , mas ao pequeno espaço dos capiteis, e estreiteza dos tubos por onde os vapores erão obrigados a passar. Mr. Le Nor- mand porém, com justo titulo reputado como oráculo na ar- te de distillar , talvez porque se dispõe a ser mais extenso a este respeito em outra obra, quando tiver publicado os novos aparelhos que promette , não tira por agora todas as dúvidas nesta matéria , e parece convidar os curiosos a que adevinhem a sua construcção ainda não descoberta. E he ainda mais difficil atinar com as suas verdadeiras idéas a es- te respeito ; porque em todos os principaes aparelhos que louva e recommenda , não se pode dizer que os tubos que dão passagem aos vapores sejão largos , antes são sensivel- mente estreitos ; e bem pelo contrario os alambiques de que fiz menção erão espaçosos , os tubos nada apertados , e moderado o calor com que se distillava , nem o máo sabor do produeto era o de logo ou empircumatico , antes sim insípido e desenxabiuo. Além disto Mr. Le Normand não nos diz se o dito produeto de gosto delicioso e aromático, obtido com a applicação de moderada temperatura , havia correspondido em quantidade á que poderia obter applican- do mais alguns grãos de calor. §. 64. Posto que não decido esta nem outras questões sobre estas matérias, por falta de experiências na realida- de muito necessárias, mas que, para se fazerem com rigor c cm toda a variedade de circunstancias indispensável , são de grande despeza para as minhas faculdades, e ainda pa- ra as de outros particulares mais abastados, não devo dei- xar de enunciar a minha opinião ; porque talvez cila con- tribua para que já huns já outros especuladores esperando ti- rar lucro de seus trabalhos, vão tentando algumas das di- Tom. VIL Part. II. Aaaa tas 5'5'4 Memorias da Academia Real tas experiências debaixo de pontos de vista acertados : e co- mo o meu desejo e o fim desta memoria hc o aperfeiçoa- mento da arte de distillar, pouco menor será o meu pra- zer vendo as minhas idéas solidamente contraditas do que vendo-as confirmadas. Nem darei o meu tempo por perdido se vir que alguém colhe não só o lucro , mas até a gloria das minhas lembranças; o que eu estimarei hc que ellas se- jão úteis , c ter-me-hia por ditoso , se a meu favor se po- desse applicar a seguinte parábola , de que já com todo o direito se sérvio o insigne químico de Segóvia o Senhor Proust , dizendo pouco mais ou menos , segundo me recor- do de ter visto em alguma de suas obras — « Que também j> nas sciencias e artes ha zanganos inertes , que aproprian- j> dose da industria alheia, náo só se nutrem do mel que ■>■> não sabem recolher , mas até a olhos pouco perspicazes >» não se deixão differençar , e chegao a parecer abelhas obrei- » ras, (e poderia ter acerescentado, ) as quaes muitas ve- 5» zes são enxotadas e perseguidas. » Desculpem-se-me es- tas curtas digressÓes próprias não só para dar algum repou- so á attenção dos ouvintes ou do leitor que deve estar mui fatigada , mas também pnra lhes mostrar que desejo mere- cer a siu benevolência e a da Academia. He tempo porem de tornar á matéria e ao ponto de que se trata , e de so- bre elle dizer o que me parece nos três seguintes parágra- fos. §. 6$: He indubitável que para a evaporação, he hum obstáculo a compressão ; e sendo esta certa e determinada , a maior ou menor quantidade de liquido evaporado depen- de absolutamente do maior ou menor gráo de calor, segun- do sabiamente o observou o grande Lavoisier. Logo se uni- camente se trata da evaporação de huma matéria simples , ou ainda composta , mas de que as partículas ou principios componentes ou integrantes difficilmente se sepárão , nem delles se pretende fazer desunião nem outra nova combina- ção , e na qual matéria hum calor extraordinário não produz effeito algum nem bom nem mio , he evidente que o ac- c res- ■ das SciEvor.' s de Lisboa. 7 c 5" créscimo de compressão nenhuma conveniência pôde produ- zir , e só obriga a gastar-se inutilmente maior porção de combustível. Isto pois lie applicavcl á distillação da agua , mas não o pôde ser á da aguardente ou álcool que se ex- trahe do vinho ou de outros líquidos fermentados : e para firmarmos clara idéa do que nesta acontece ou pôde acon- tecer, he necessário distinguir os effeicos do calor dos da compressão. ,; Qual he pois o gráo de calor mais conve- niente para a distillação dos espíritos ? Será' próprio o da ordinária fervura da agua , maior , ou menor ? A resolução geral desta questão se não he absolutamente impossível hc mui difficil e indeterminada , e só poderão colher-se algumas luzes para este fim quando se tiverem feito com muita or- dem e com muito merhodo muitas e quasi innumeraveis ex- periências em circunstancias variadíssimas , segundo a qua- lidade , natureza , e composição dos líquidos fermentados que se devem submetter á distillação , segundo o estado e época da sua fermentação , e segundo as novas combina- ções que seria útil e talvez não mui difficil fa/.er dos seus princípios , para conseguir maior porção de álcool , ou para que este seja de melhor sabor. Bem se vê do expressado que subentendo outra questão não pouco importante , sobre que também ha opiniões respeitáveis pro e contra , e que talvez seria indispensável resolver primeiro. — ^ Se o ál- cool se acha ou não inteiramente acabado de formar no vinho antes da distillação} resolução que tão pouco emprendo : e a respeito da que estamos tratando só me alargo a dizer , que não considero de tamanha importância , como talvez poderá parecer, huma rigorosa determinação do gráo de ca- lor que impreterivelmente se deva applicar , e só sim que cllc não seja tão moderado que deixe de concorrer para a extracção de todo o álcool existente, ou que no mesmo aoro da distillação se possa formar no vinho; nem tão for- te que possa produzir decomposição dos princípios consti- tuintes do mesmo álcool , ou lhe communique máo sabor , ou faça perder o aroma , que nelle se quizer conservar , Aaaa ii pro- f;6 Memorias da Academia Real próprio e natural do mesmo vinho : se porem os seus va- pores nece«sitão de certo gáo de calor , que para assim dizer os coza , também só as experiências o podem deci- dir: parece com tudo que neste ponto não deve haver gran- de dúvida ; pois que em vários dos melhores aparelhos mo- dernos se vê que os vapores que se elévão do vinho que está no banho do condensador não entrão no alambique , nem por consequência cxperinvntão maior calrr, passando a condensar-se dentro do próprio condensador ou em outro refrigerante separado ; e segundo se diz , produzem excel- lente aguardente. § 66. Pelo que toca á compressão , penso que só pô- de ser nociva na distillição dos liôuores espirituosos , se der occasião a que suba o calor a maior gráo do que o conveniente , c se ella for tão forte que embarace a eva- poração não só dos vapores aquosos , mas até dos alcoóli- cos. Fm conformidade do exposto , se o vinho não entra no alambique , nem deste sobem as fezes c residuo senão pelo modo que já vimos, descendo até grande profundida- de, c tornando a subir em conveniente gráo de calor, he claro que soíFrem hum grande acerescimo de compressão com o peso da columna do próprio liquido que lhes fica superior, sem que por isto se eleve o dito gráo, pois opera por hum modo mecânico , e podemos dizer em linguagem vulgar, espreme e faz. subir para o interior do mesmo alam- bique as mais insignificantes particulas dos vapores alcoóli- cos, susceptíveis de se formar na temperatura que alli exis- te , ainda que seja muito inferior á da fervura da agua , is- to he , a 8o grãos de Reaumur , debaixo da pressão ordiná- ria da atmosfera. E tão importante julgo esta condição da grande profundidade a que se faz descer o vinho antes de entrar no alambique , e as suas fezes antes de sahirem del- le , que não receio de a augmentar quanto o local o per- mittir. <§. 67. Estas considerações segundo me parece concilião as apparentes contradições referidas no §. 63 , e mostrão por BT3TS 01 DAS SciEVCTAS DE LlSBoA. 75-7 por hum lado, que não he incompatível antes rr.ui próprio para obter aguardente deliciosa e abundantíssima o systema das grandes superfícies recommendado pelo Conde de Chap* tal ; até cerro tempo por Mr. Curaudnu ; e depois por AÍr. Lc Normand ; c finalmente levado por mim ao ultimo pon- to com a invenção das diversas bandejas , que se podem multiplicar quinto se queira: e por outro lado, que o ou- tro systema adoptado depois pelo mesmo Curaudau , dan- do maior altura , e menor superfície ao vinho nos alambi- ques ; por Adam na construcção dos seus profundos vasog ovaes ; c por mim no alto aquentador , no estojo do con- densador donde o vinho entra para o alambique , na pro- longaçao deste , e no sifão inverso por onde tem sahida as suas fezes c resíduo , com o que soffrem todas as partícu- las destes líquidos huma grande e conveniente compressão; tende a facilitar e promove a separação das duas qualida- des de vapores , sem ser necessário para a conseguir que o gráo de calor seja muito grande. Alem disto pride não haver contiadicçúo em Mr. Lc Normand attribuir os mãos effeitos dos primeiros alambioues de Mr. Curaudau não á grande superfície evaporanre , mas ao pequeno espaço dos capiteis e estreiteza dos tubos ; co mesmo passo , que se- gundo já observei também nos melhores aparelhos modernos se vêem tubos mui estreitos : e semelhantemente pôde dei- xar de haver contradicção em terem produzido má aguar- dente , e grande perda a alguns de nossos distilladorcs os alambiques aquentados por banho maria , e cujos tubos por onde sahia o vapor erão mui espaçosos ; pois me parece que se o vinho não chega a adquirir o gráo da fervura or- dinária , e não experimenta ao mesmo tempo huma com- pressão conveniente e livre do accesso do ar atmosférico deve haver huma evaporação ou vaporização cujos produetos são como já disse, insípidos e muito aquosos; e se chega a adquirir aquelle gráo de calor ou maior , sendo as sur?9 superfícies evaporantes cm muito maior quantidade do que compete á pequena capacidade do capitel e estreiteza dos tu- T OI - j-^8 Memofias da Academia Real tubos por onde sahc o vapor, principalmente se esta sahida lie feita como geralmente se pratica pela parte mais eleva- da , deve acontecer , segundo os princípios expostos no §. 19, que saião com preferencia e mais facilmente os va- pores aquosos do que os alcoólicos, pois que estes últimos por aquclla causa se demorarão mais e irão ficando como atulhados dentro do alambique : e hc cousa mui consequente que a aguardente ou álcool produzido em taes circunstan- cias seja em menor quantidade e tenha pcor sabor. CAPITULO VIL Do modo de dispor o aparelho e reger a distillaçao. — Da ne- cessidade e maneira de serem bem estanhados os vasos ou peças de cobre de que se faz uso. — Das qualidades do vi- nho , estado em que se deve achar , c meios para de lie se obter hum produeto abundante e saboroso. — E do quanto he próprio e digno dos trabalhos Académicos mostrar ao Publico os melhorei modelos, instruindo-o de tudo que sobre esta im- portante matéria se tem publicado , e pôde praticar-se neste Reino e fora delle. §. 68. JL enho sido tão extenso em expor as minhas principaes idéas sobre distillação , que certamente o terei parecido demasiado ; com tudo muito e muito mais exten- so eu havia de ser, se não fosse impróprio dos já excedidos limites desta memoria o inserir nella hum grande numero de outras particularidades e miúdas reflexões , que alias não deixarião de ser úteis, sobre a maior parte dos principios fundamentaes da construcção dos aparelhos propostos , e de cada huma das suas differentes peças. Mas sendo forçoso dar por concluida esta descripção , não posso todavia exi- mir-me de acrescentar algumas palavras sobre o regime , vi- gia , e andadura da operação. §. 69. Depois de cheios de vinho os diversos banhos ou DAS SciKNCIAS DE LlSBOA. 5"5"9 ou estojos donde este liquido corre para o alambique, e os competentes depósitos que o fornecem ; e semelhantemente cheios de agua os banhos que deliu se devem encher , e a prolongação do próprio alambique em que está mettido o fogão , no caso de não se ter adoptado banho externo ; acende-se o fogo , augmentando-o gradualmente por meio dos resistos que se distinguem na estampa 3.J , hum na porta do cinzeiro , e o outro no tubo que faz as vezes de chaminé ou que a ella conduz o fumo. E quando dentro do alambique domina calor sufficiente- para huma decidida evaporação , começa-se a abrir a torneira que do competen- te deposito do vinho lhe dá sahida para o estojo do con- densador, a fim de passar da bacia deste para o canal em espiral que rodeia o defleumante , ou para outra qualquer forma de banho ou estojo que se tenha adoptado , ou di- rectamente para o alambique; mas de tal sorte deve ser pe- quena a abertura que no principio se der á torneira , que a corrente ou fio do vinho seja primeiramente diminutíssi- ma, c vá augmentando mais e mais, abrindo-se a dita tor- ne i de quando cm quando também mais e mais até áquel- le termo em que deve ficar, quando o calor estiver regula- do e estacionário nas diversas peças do aparelho ; o mesmo se praticará com a outra corrente de vinho que entra no aquentador , e que da bacia deste corre para o referido alam- bique, e semelhantemente com a corrente de agua. Desne- cessárias são mais explicações a este respeito, porque muito pouca pratica e algum raciocínio basta para fazer uso des- te aparelho com a maior facilidade, sem perigo algum, e obtendo-se o produeto do melhor sabor, na maior quanti- dade , e da força ou gráo que se queira. §. 70. Não haja negligencia em barrar todas as juntas das diversas peças , depois de estarem muito bem parafusa- das : e hum luto fácil e próprio hc , segundo o recommen- da Mr. Le Normand , a composição seguinte — Três partes de cré , ( carbonato de cal , ) huma de farinha de trigo ou goma extrahida de bolotas, outra de sal, (muriato de so- da,) aia* °2 ■ $6o Memorias da Academia Real da,) e menos de huma parte de agiu , tudo por medida, e sem comprimir as matérias ; por este modo se evitará a con- siderável perda de álcool que ordinariamente acontece por pouca attenção a esta importantíssima circunstancia. E paca que do calor não haja também grande perda , e supérfluo consumo de combustivel , de que geralmente se faz ainda menos caso; devem todas as superfícies externas deste apa- relho, (ú excepção dos banhos do refrigerante , e do de- fleumante , quando o deste he cheio com agua,) estar bem cobertas , ou mettidas dentro de caixas de madeira com pó de carvão , serradura , 13 , pcnnas , ou outras matérias más conduetoras de calor; mas sem que haja embaraço nem dif- iculdade em se abrirem e fecharem quaesquer torneiras que for conveniente; nem será impróprio que todas as ditas su- perfícies externas sejão pintadas de branco. Finalmente em todos os fundos das diíferentes peças, tubos e sifões inver- sos , em que no fim da distillação poderia ficar empoçada alguma porção de liquido , devem estar soldadas pequenas torneiras para lhe dar sabida , e á agua com que immedia- tamente se devem lavar, e que perfeitamente convém enxu- gar ; deixando-se abertas as ditas torneiras não só a fim de poderem escorrer as ultimas gotas , mas para que a passa- gem do ar mais p/omptamente seque todas as superfícies internas do aparelho. §. 71. Devo também prevenir que não basta, para que o produeto seja perfeito , que a construcção do aparelho seja óptima, e que no acto da distillação haja todo o pos- sível cuidado , sabedoria , e arte ; porque na qualidade c bom sabor do liquor distillado influe , muito mais do que ge- ralmente se pensa , a qualidade e sabor do vinho de que hc extrahido, e o estado em que este se acha. Deve pois o vinho que se submettc á distillação ter bom sabor , e estar bem clarificado, tendo acabado a fermentação vinhosa , sem ter começado a acetosa : se tem máo sabor geralmente pas- sa este á aguardente e álcool distillado , se não está clari- ficado he sinal de que foi incompleta e mal conduzida a fer- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. f6t fermentação vinhosa , e formar-sc-ha deposito no fundo ou nas superfícies do aparelho, c daqui se seguirá empyreuma; c , segundo o observa Mr. Lc Nurmand , se está azedo ou afilie domina algum acido, he inevitável que por meio das partículas deste, e de outras do álcool se forme ether, e que da sua união a outras particulas oleosas, resinosas, ou balsâmicas , e a algumas de cobre de cujo oxido se incrus- tai as superfícies do aparelho, geralmente mal estanhadas, o produeto tome hum sabor austero, acre e nauseante, com todas as qualidades de verdadeiro veneno ; que em maior ou menor gráo desgraçadamente se encontra em quasi toda a aguardente do commercio , com que arruinão a saúde e caváo a sepultura tantos milhares de habitantes destes rei- nos , fazendo uso diário de tão perniciosa bebida. §. 72. Para obstar a estas funestas consequências, he essência] que todos os utensílios e vasos de cobre, em cu- jas superfícies interna ou externamente tem contacto o vi- nho ou os seus produetos , sejão perfeitamente cobertos com grossa côdea de estanho fino unido por meio de sal ammoniaco, e não com delicada tez de chumbo misturado com estanho e mal applicada por meio de breu , como or- dinariamente se pratica; a qual depressa se gasta ou se des- pega , e cm quanto dura esconde o cobre só á nossa vista pouco aguda , mas não ás penetrantes matérias corrosivas dos liquores contidos em vasos por este máo modo estanha- dos. Se com o microscópio se observa huma tal estanhadu- ra , claramente nella se distingue grande numero .de bura- quinhos que deixão o cobre descoberto ; e desta sorte he duplicadamcnu- traidora, porque aparta as suspeitas pondo- nos em socego contra as consequências d'aquelle veneno , i to he , do cobre de que effectivamente não preserva ; e lhe ajunta outro menos violento , mas não menos funesto por seus effeitos, ainda que tão vagarosos que de ordiná- rio só vem a ser conhecidos quando já he tarde para lhes dar remédio, isto he , o da grande porção de chumbo de que he sobrecarregada a dita estanhadura : e não menos, lom.VlLPart.L Bbbb an- *;6i MsMOtiAS da Academia Real antes muito mais falsificada costuma ser a composição metáli- ca, de que são feitas, com supérflua solidez e custo, as ser- pentinas de que geralmente fazem uso todos os disrilladores. §. 73. Sempre que o liquor vinhoso que se hade sub- metter á distillação principia a estar azedo, ou naturalmen- te he muito acido , deve primeiramente est.ir em contacto por mais ou menos dias, segundo o caso o requeira, com alguma porção de cascalho ou pequenos pedaços de pedra calcarca , de qualidade tal que , lançando-lhe algumas gotas de vinagre, faça effervescencia : qmlquer carbonato de cal fará tanto melhor effeito quanto for mais puro, porque es- ta matéria não se dissolve no vinho, só lhe larga o acido carbónico, o qual pelas leis das attracçõcs químicas he obri- gado a ceder a outros ácidos mais fortes a base que o prendia: nem haja receio de que a presença daquelle acido seja nociva á saúde , pois he bem pelo contrario ; e até con- corre para hum sabor mais fino e agradável. E bom seria que se usasse deste expediente mesmo no acto da fermenta- ção , sempre que a uva he de qualidade tal que delia haja de esperar-se vinho acido , ou verde , segundo geralmente se lhe chama. Se alem do carbonato de cal se empregar tam- bém huma pequena porção da própria cal depois de cozi- da, isto he , de cal virgem , conseguir se-!i:i extrahir do vi- nho não só a quantidade de qualquer acido que nelle hou- ver em demasia, mas também algum óleo, e especialmente o que procede dos bagulhos , cuja união com o ether e com algumas partículas de cobre, (segundo já se observou no §. 71) concorre para ficar reduzido a huma espécie de veneno o produeto da distillação. Tal poder porem tem o habito principalmente entre os ignorantes , que eu prevejo que maior veneno lhes parecerá este antídoto dellc. Deitar cal no vinho que se hade distillar ! Isto será julgado gran- de maldade . . . hum crime : mas he tempo de as preoceu- paçóes e a ignorância serem vencidas pelas luzes da razão ; e que das sciencias se facão ás artes aquellas applicaçócs que a experiência confirma e approva. Bix* oer oasSciinciasdk Lisboa. $6$ § 74. Quando o vinho estiver turvo, será bom fazello passar subindo debaixo para cima por huma camada de arêa pura perfeitamente lavada, posta cm algum vaso profundo ; c melhor será que entre a camada de arêa esteja outra cama- da de carvão de lenha novo ou ha pouco apagado , e redu- zido em pó grosseiro : deste modo se extinguirá , ou pelo menos será mui diminuído, algum sabor ou cheiro estranho e máo que o vinho possa ter. Por esta causa ainda estes expedientes são mais importantes para se applicarem a ou- tros líquidos fermentados , como o de melaço , o de alfarro- bas , ou outros de que se quer obter aguardente que não mostre a origem , e que de ordinário são mais mucosos , e susceptiveis de empyreuma ; mas que a pesar desta circuns- tancia, segundo me parece, tem necessidade de hum gráo de calor mais forte que o vinho de uvas ; no qual talvez se deve conservar o cheiro da fruta que naquelles he me- lhor destruir ou disfarçar. §. 7j. Depois da extensa exposição das diversas peças, variadas formas , e principios fundamentaes da construcção dos aparelhos desciiptos, sei ainda mais extenso em men- cionar todas as extraordinárias vantagens, que delles se de- vem seguir , seria cousa muito imprópria nesta memoria , ofterecida á Academia Real das Sciencias , que em justa balança as pode e saberá pesar; e até nisso pareceria pôr- se em duvida a penetração e raciocínio ainda de outros quaes- quer leitores. Talvez também alguém estranhe não achar aqui hum relatório de experiências feitas com os ditos apa- relhos , e de seus resultados ; mas a mesma sabia Corpora- ção não deixará de reconhecer que para autorizar a cons- trucção delles , seria supérfluo repetir novamente experiên- cias já comprovadas por diíferentes sábios em tantos alam- biques modernos , que passão pelos melhores , e de que os aqui referidos em grande parte são copia : e pelo que res- peita a outras cousas novas que lhes additei , sendo deri- vadas de principios scientificos indubitáveis , não carecem de confirmação. Experiências para genericamente se compro- Bbbb ii var 564 Memorias da Academia Real var a superioridade dos aparelhos que proponho , relativamen- te aos ordinários , não são necessárias ; experiências porem e muita pratica são indispensáveis para se decidir se nelles ha ainda alguma muito grande imperfeição : mas posto que mui- tos erros se encontrem nesta descripção , quando mesmo fos- se feita por pessoa mais instruída e versada em huma arte que não faz a minha oceupação, seria isto mais huma entre as infinitas provas de quanto he lallivcl o entendimento huma- no ; sem que se podesse dizer que este trabalho era inútil, e que não merecia a estima da Academia, j Que immensi- dade de experiências seria necessário fazer para comparar os resultados do emprego àu cada huma das difFerentes pe- ças de que se compõem estes aparelhos , das variadas formas e dimensões que se podem dar a cada huma , e nas varia- díssimas circunstancias, em que delles se deva fazer uso! E até segundo a extensão, que se quizer dar aos estabeleci- mentos que se em prenderem ! Nem se entenda que geral- mente he possível, por hum só modelo ou escala única, di- rigir a construcção de quaesquer maquinas , quando se ne- cessitão de diversa grandeza ; em algumas he isto imprati- cável , pelo menos nas de que agora nos oceupamos. He com tudo huma verdade que só depois de quasi infinitas c bem dirigidas experiências , geralmente pouco accommoda- das aos meios de hum particular e de hum curioso, se po- derá chegar ao ponto de perfeição desejável em tão impor- tante objecto: e por esta razão mui dignas me parecem de se fazer debaixo das vistas da própria Academia , não só com os aparelhos distillatorios de que se dá idéa nesta me- moria, mas com todos os que modernamente em outros pai- zes tem sido ou houverem de ser construídos ; os quacs muito útil seria que neste se introduzissem , e fosse geral e franca a sua entrada. E ainda quando esse illustrc Corpo Académico não fizesse mais do que diligentemente espalhar a noticia , e colligir em huma sala patente ao publico os modelos de quaesquer úteis inventos nacionaes e estrangei- ros sobre huma arte , em que tão directamente interessa o com- ' OT DAS ScíENCIAS D8 LlSBOA. f£f commercio do Reino Unido; já nisto, bem como em ou- tras importantíssimas matérias, faria á Nação Portugucza hum assinalado serviço eternamente digno de respeito e de RE- S66 RESUMO DA EXPLICAÇÃO DAS ESTAMPAS. Estampa I. A figura i. representa o alambique ou cilindro, e den- tro delle varias bandejas como a da fig. 2. em que está formado hum canal, ou como a da fig. 3. em que estão for- mados dous , hum em cada huma de suas duas metades , pelos quaes corre o vinho, e a aguardente fraca ou limfa. No §. 8 se acha a explicação destas figuras. Os dous funis A, não são de absoluta necessidade, mas são úteis para in- troduzir agua ou outros liquidos dentro ou fora do vaso , ou grande funil B , que se vê no fundo do alambique , sem para esse fim ser preciso tirar o capitel. As figuras 4. e 5-. representão o diafragma de Berard , o qual he construido de maneira que os vapores do vinho passão de baixo para cima por entre a limfa que nelle es- tá accumulada até certa altura , donde corre continuamente para as outras bandejas já mencionadas fig. 2. ou 3., e pa- ra o fundo do alambique , sem com tudo poderem passar os referidos vapores de cima para baixo. No §. 9 se* acha a respectiva explicação. A figura 6. representa outro diafragma como o pre- cedente , com a differença de que o tubo de communica- ção do vapor e o que lhe serve de cobertura são tão com- pridos para a parte de cima , quanto o permitte a altura do capitel , e o primeiro também he prolongado para a parte inferior até perto da superfície do liquido que se acha no fundo do alambique e no grande funil. No mesmo §. 9 se acha a explicação. Para maior clareza está representado o dito diafragma, nesta e nas duas precedentes figuras, com hum só dos referidos tubos , e não com todos os que ]he competem , como o que se vê na boca do alambique fig. 1. A S^7 A figura 7. representa outro diafragma ou bandeja do mesmo género, c£ 5^8 mesmo Doutor Solimani,"a qual regula a entrada da agua fria no banho do defleumante , para se conservar na tempe- ratura que se requer. No §.21 se acha a explicação. A figura 13. representa certa mudança na maquina pre- cedente, por cujo meio pode collocar-se fora da agua o seu mecanismo, e he mais fácil o seu movimento. O deposto A,B, C, D, annexo a esta figura he huma das cousas mais importantes do aparelho para a distillaçao contínua, porque deixa sahir huma corrente de liquido sempre igual. Nos §§. 22, 24, e 25 se acha a explicação. A figura 14. representa outro defleumante de construc- çao differente. No §.35: se acha a explicação. A esferóide A , cheia de buraquinhos recebe na ultima divisão do di- to defleumante o vapor alcoólico , ao qual dá passagem pa- ra o condensador pelo tubo B. A figura iy. representa outra construcção de defleu- mante , e seu estojo; e na fig. 16. se vê parte do seu in- terior. No §. 40 se acha a explicação. A , he huma esfe- róide a qual tem o mesmo uso que a da figura precedente ; e G , outra esferóide que espalha no cilindro ou estojo E , E, o vinho e os seus vapores que o tubo D , conduz da bacia em que acaba o estojo do condensador. A figura 17. representa o dito condensador, mettido no seu estojo, com a bacia deste, e o competente capitel, em que se vê também huma esferóide cheia de buraqui- nhos , por onde os vapores que se rórmão do vinho espraia- do na mesma bacia entrão e passão pelo tubo A ao tubo que na fig. 9. está designado pela letra B ; C , he o tubo por onde sahe o vinho da dita bacia ; D , o largo tubo por onde entrão no condensador os vapores que vem do defleumante. E , he a parte que une e está soldada ao re- frigerante, e F, F, F, o tubo por onde desce o vinho do tonel e se introduz na parte inferior do estojo do dito condensador. Nos §§.48, 49, jo , e ji se trata da cons- trucção desta peça. Ej- Estampa III. A , tonel que , pelo mesmo artificio do deposito anne- xo á fig. i 3 , fornece huma invariável corrente de vinho ao funil e tubo B , B , B , o qual pela parte inferior o intro- duz no estojo do condensador C , C , C , onde sobe até chegar á bacia que está soldada na parte superior do dito estojo. D , fundo da dita bacia com seu capitel , que a per- spectiva não deixa ver. O vinho espráia-se nesta bacia , e corre por hum tubo, (que também não se vê nesta estampa mas sim em C, na fig. 17.,) para a serpentina ou cano for- mado em espiral E, È, E , que rodêa o defleumante , e entra no bebedouro F, do qual passa para as bandejas que se virão na figura r. e estão dentro do alambique G ; e da ultima inferior corre o resíduo para o grande funil H , donde pe- lo sifão inverso I , I , I , dentro da prolongação do mesmo alambique desce, e torna a subir, e tem sahida em K pa- ra huma das divisões do aquentador ; e sahindo desta di- visão pela parte inferior sobe por hum dos dous tubos L, L, L; e he lançado na pia M, e dalli para fora do edi- ficio. No §. 56 se acha a descripção do dito aquentador. N , pipa ou barril que fornece outra corrente de vinho mais diminuta , mas também invariável , ao funil e tubo 0,0, O, que pela parte inferior o introduz na divisão do meio do aquentador , na qual aquece o dito vinho , e delia sobe pelo tubo P , para a bacia Q^, donde sahe para outro bebedouro R , e deste para as mesmas bandejas , e para o mesmo canal , por onde vai descendo a outra maior corrente de vinho de que já se tratou. Os vapores que se formão dentro do alambique G, só podem passar para o seu capitel S , entrando pelas abertu- ras inferiores dos tubos do diafragma collocado entre os di- tos alambique e capitel, (o qual diafragma não se vê nes- Tom. VIL Part. 1. Cccc ta 57o ta estampa mas sim na fig. i.,) sobem até ás extremida- des superiores dos mesmos tubos , e até aos tampos dos que lhes são concêntricos e servem de cobertura , descem en- tão pelos espaços entre huns e outros tubos , e são obriga- dos a mergulhar na limfa accuniulada no mesmo diafragma. Nesta mesma limfa também mergulhão os vapores , que alli são conduzidos pelo tubo V , o qual ajusta no tubo T , do outro capitel menos elevado pertencente á mencionada bacia D, c igualmente os que são conduzidos pelo tubo Y, que ajusta no tubo X , de outro mais pequeno capitel per- tencente á outra bacia Q.,, também já mencionada. Os tu- bos V, e Y, são os mesmos que na fig. 9. estão designa- dos pelas letras B, e C. Pela parte inferior do grande capitel S , saneai todos os ditos vapores passando pelo tubo Z, (designado pela le- tra G, na fig. 9,) para o defleumante , em cujas diversas bandejas ou divisões se condensão os mais aquosos ; e os espirituosos sahem da ultima superior pelo tubo a , o qual ajusta no tubo b , que os introduz no condensador que está dentro do estojo C , C , Ç , onde se condensão ; e descendo dentro deste , passão em grande parte reduzidos a liquido para o refrigerante c , c , c , &c. ; donde pelo tubo d , sahe inteiramente frio o produeto da distillação , isto he, a aguar- dente ou álcool, e he recebido no barril e. No §. 52 se acha descripto o refrigerante. A aguardente ou álcool he do gráo que se pertende , segundo a temperatura da agua no pequeno banho /, do de- fleumante, a qual se regula pelo modo indicado na fig. 12. ou 13., ou conforme se deixa passar para o condensador a aguardente mais ou menos fraca das differentes divisões do dito defleumante , abrindo-se para isso as competentes tor- neiras g,gigi &c. Estando estas fechadas, desce dentro do mesmo defleumante a dita aguardente fraca até entrar no capitel pelo mesmo tubo Z , por onde sahem os vapores , e he recebida no diafragma collocado na boca do alambi- que, correndo dalli pelo canal competente, formado nas ban- sia* °* 57i bandejas mettidas no mesmo alambique até á sua prolonga- rão, em que serve de banho ao tubo do fogão b, i, £, ht 'e ao sifão inverso já mencion.ido I, 1,1, que dá sahida em K, ao resíduo do vinho. E finalmente a limfa pura ou liquor aquoso sobe pelo tubo /, r, /', e he lançada na terceira di- visão do aqueutador , donde sahe para a pia M , do mesmo modo que fica exposto a respeito do residuo do vinho. A agua fria vem de hum deposito, colloca.lo fora do laboratório, pela torneira &, desce pelo tubo /,/,/, e en- tra no banho m , »;, m : quando aquece, sobe no interior do tubo muito largo »,«,», e também ( posto que em menor quantidade) pelo centro do outro tubo r, r, para o taboleiro 0,0, 0, onde arrefece por causa da evaporação na grande superfície que apresenta á atmosfera. Em quanto es- tá aberta a dita torneira k, sahe constantemente a agua do referido taboleiro pelo tubo p, para a pia q, e desta para fora do edifício ; mas se a agua corrente não he abundan- te , basta que no banho entre porção equivalente á que se evapora , porque sendo a agua fria mais pesada que a quen- te , quando está fechada a dita torneira , desce do mesmo taboleiro pelo tubo r, r , e também pelo outro tubo muito largo », », m, junto ás suas paredes, isto he , pelo espa- ço próximo á superfície interna dos ditos tubos , torna a entrar no banho , e continua neste giro com tanto maior celeridade quanto maior he a differença da temperatura en- tre a agua dentro do banho e no taboleiro. Os tubos s , s , t , s , &c. atravessão verticalmente o banho, e dando passagem ao ar concorrem muito para que a agua tarde a aquecer ; o mesmo fim e com maior activi- dade desempenha o tubo t, t, í, t, que se vê pontuado dentro no tubo »,»,«, e se acaso se prolonga até fora do tecto, do mesmo modo que o tubo v, v, v, por onde sa- he o fumo do fogão, serve de ventilador, e conserva fres- co o ar dentro do laboratório. O fogo regula-se abrindo , ou fechando mais ou menos já o resisto x , do tubo por onde sahe o fumo , já o outro re- stas or 572 resisto y , posto na porta do cinzeiro e fogão ; a qual se vê aberta na estampa , mas deve estar constantemente fe- chada , e abrir-se somente quando se introduz o combus- tível , ou se atiça o fogo. ME- MEMORIAS DOS CORRESPONDENTES. SI3ÍI OC '(■./rt)n.*Wi'. EXTRACTO Da Descripção da filia de Longr,iva e suas Aguas mineraes , remettida d Academia Por José' Pinto Rebello de Carvalho e Souto. rfOngroiva, pequena Villa da Provincia da Beira, perten- ce á Comarca de Trancozo , e ao Bispado e Provedoria de Lamego: iica três legoas ao Sul do Rio Douro, quatro pa- ra o Norte de Trancozo , huma ao Nascente da Villa de Me- da , c outra ao Sul de Marialva. Carvalho e Bluteau , seguindo provavelmente Brandão no Liv. XVI da Monarcb. Ltisit. , dizem que Fernão Men- des de Bragança a povoara , e lhe dera Foral (a) ; e fun- dara o seu Castello, o qual doou aos Templários em 10 de Junho de 114J (b). Isto poderá bem ser em quanto a hu- ma parte do Castello ; mas a Torre dtlle , que ainda subsis- te , he obra dos mesmos Templários, e mandada construir no anno de 1176 por D. Galdim Paes, como se colhe da seguinte Inseri pção gravada em huma das esquinas que fi- ca fronteira á porra do dito Castello. IN AERA MCCXIIII . . . CÃES GALDÍ CONDUCTOR PORTUGALENSIUM MILITUM TEMPLI REGNANTE AFONSO PORTUGALENSIUM REGE CUM MILITIBUS SUIS AEDIFICAVIT HANC TURRIM. Longroiva está situada no fundo d* huma ladeira sobre Tom Vil. Pari. I. a hum (rt) Veja-sc o Appcndke I. no fim desta Memoria. (J)~) Veja-se o Appendice II. i Memorias da Academia Real hum pequeno cerro , e em posição baixa , mas assas eleva- da em relação ao Rio Pisco , que lhe passa ao Oriente em alguma distancia: proximamente hc cercada por quatro ou- teiros , que limitao o seu horisonte , e fazem no Estio os calores insoportaveis. A sua população no tempo de Carvalho, que assim o affirma na sua Corographia , chegava de 140 a 150 morado- res, actualmente não chega a jo , e comprehende no seu Termo os lugares de Santa Comba de 100 vizinhos (no- meado nestas partes pelas panellas de barro que alli se fa- zem) e Fonte Longa de 70. N'outro tempo a Villa de Meda e Muxagata pertencerão também ao seu Concelho. He governada por hum Juiz Ordinário , e por hum Ca- pitão mor , que hc actualmente da Meda : tem huma Igre- ja Parochial da invocação de N. Senhora da Natividade , com hum Vigário e Coadjutor collados, a qual he Com- menda da Ordem de Christo. Este paiz he mui pouco cultivado : á excepção de al- gumas pequenas hortas nas margens de hum Ribeiro , de três pequenas vinhas , de insignificantes porções de terreno cultivado de trigo e centeio , e de alguns olivaes que não são nada para o que deverião ser, todo o resto esta inculto e coberto de mato : ha huma pequena planice junto ao Rio Pisco , que produz algum feno , n' hum terreno composto d' huma argilla branca. Ha alli também dois ou três reba- nhos de ovelhas , e algumas cabras. E com tudo não se pôde duvidar de que as vinhas , e oliveiras darião aqui grandes vantagens ; dizem mesmo que as primeiras forão já muito abundantes, mas isto deveria ser em época mui remota , e de que já hoje não restão vestí- gios. Se estas culturas tivessem a devida extensão seria a terra mais rica e mais saudável , pois a atmosfera renovada pela vegetação concorreria para a salubridade , e os seus vi- nhos consumidos em Cima-Coa , e em outros lugares das vizinhanças tirarião aquelle Povo da miséria em que vive. Este lamentável estado da Agricultura , e o intenso ca- lor DAS SciENClAS DE LlSlioA. 3 lor da atmosfera influc muito sobre o fisico , e o moral dos habitantes. São ellcs sujeitos a padecerem muitas febres in- termittentes e outras análogas , obstrucçóes do baixo ven- tre &c. &c. não conhecem os commodos da vida , nem mes- mo alguns daquelles que a Natureza oíFcrcce tão liberalmen- te em outras partes , e tem huma mui grande falta de fru- tas , são preguiçosos e extremamente desmazelados , não sa- bendo tirar partido algum das circunstancias. As Pessoas que vão a Longroiva a fazer uso das Agoas mincraes de que logo fallaremos , precisão mandar comprar tuio fora ; e o mesmo pão hc fornecido por Marialva e Meda. Mas que ? antes dos banhos estarem na ordem em que forão postos ha cinco annos pelo Corregedor de Tranco/o Manoel José Lobão , do Lugar de Santa Comba , erão muitas vezes des- truídos pelo Povo para impecerem aos que hião usar del- les : assim conhecem os seus interesses ! e tal he o seu ca- racter agreste e quasi selvagem ! O assento de Longroiva he sobre huma rocha de Schisto micaceo : algumas casas porém no fundo da Povoa- ção da parte do Est já catão sobre o Granito, de que consta o outeiro daquelle lado , que alli começa a elevar-se. He nes- te que está fundado o Castello, cujas ruinas convidão pe- la sua posição a passar alli huma parte das calmosas noutes do Estio , e entre este e a Povoação he que fica a Igreja Parochial. Fronteiro ao Castello , e da banda do Sul ha ou- tro outeiro também granítico, e entre ambos corre hum pro- fundo Ribeiro. As duas colinas de Oeste e Norte são de Schisto micaceo: algumas rochas delias de puro Talco, (Takel-Scbieffer deWerner) e apparecem muitas Granatites de Delameth , e varias espécies de mincraes de ferro , que me não foi possivel examinar competentemente. Pela breve descripção que até aqui temos feito de Lon- groiva , já se deixa ver quanto esta Villa he insignificante, e que mesmo seria totalmente nulla se não fossem as suas Agoas Medicinaes tanto sulfúreas , como férreas, as quaes sem duvida a fazem credora das contemplações dos Naturalistas. a ii As 4 Memorias da Academia Real As agoas thermacs ficão para o fundo da Povoação , e na distancia de hum tiro de baila da parte do Nordeste , na falda do outeiro do Castello. Rebentão da rocha graní- tica em que elle está fundado , e aqui junto se edificou huma pequena casa com dois banhos, cada hum delles so- bre si : afora estes dois quartos he o resto da casa insigni- ficante , e nem se quer telhada , de sorte que os banhistas não tem o menor abrigo ; cada banho consta de hum tan- que onde podem caber seis pessoas. Elcva-sc a agoa a cer- ta altura por alcatruzes , e distribuc-sc em duas bicas para os dois tanques, e isto em tanta abundância que seria suf- ficiente ainda para outros dois ; sem contar com mais duas fontes da mesma agoa, que nascem a menos de vinte pas- sos , e que se perdem totalmente. Como o meu fim quando passei porLongroiva não era analvsar as suas agoas , achei-me sem nenhum dos meios chimicos necessários para conhecer ao menos os seus prin- cipaes contentos. Assim só poderei asseverar que pertencem é classe das sulfúreas quentes , e que são mineralizadas pe- lo gaz hydrogenio sulfurado , o que se deixa ver pela cor negra que tomão as peças de prata que nellas se mergulhão, pelo enxofre deposto nos lugares por onde passão , pelo seu sabor nauseoso , e pelo seu cheiro similhante ao de ovos podres. Se porém em matérias chimicas he licito tirar induc- ções que não sejão precedidas por experiências decisivas , poderei acerescentar algumas, que me parece indicarem quaes sejão parte dos seus contentos; assim o gaz hydrogenio sul- furado parece-me existir livre e em grande quantidade , pe- las continuas bolhas que vem rebentar á superfície da agoa no cimo dos alcatruzes*, e constando (como já disse) pela maior parte o terreno destes arredores de Schistos micaceos e talcosos , pedras muito abundantes em terra magnesiana fácil he de crer que contenhão em dissolução quantidade considerável de Sulfate de magnesia. Esta ultima conjectura tornou-se cm certeza quando das grau oi - - DAS ScíENCIAS DE LlSEOA. J das pedrns graníticas de que hc formada hum cano , por onde sahem as agoas das casas dos banhos , tirei huma gran- de porção deste sal ; c quando lixiviando alguns Schistos por onde as agoas correm , e que estão cm principio de dissolução, obtive depois, evaporando a lixívia , huma por- ção do mesmo perfeitamente puro. Razoes análogas me fizerão suspeitar a existência do Sulfato de alumina nesta agoa , assim como também a do Carbonato de magnesia , e do ferro carbonatado ou sulfa- tado ; mas estas asserções , principalmente a primeira , reque- rem outras provas do que as que agora posso dar, para me- recerem alguma confiança. Sc o que tenho dito adianta bem pouco os conheci- mentos que o Dr. Tavares deu das Caldas de Longroiva , não posso ser mais exacto no que diz respeito ás suas vir- tudes medicinaes : hum homem que ai li dirige os banhos me assegurava que ell is erão sempre vantajosas em molés- tias de pelle e Rheumatismos , o que he muito vago. Mas alli não ha Medico algum que estude os seus effeitos nos diversos estados morbosos , e até mesmo os doentes que vão usar delias pela maioc parte o fazem sem conselho de nenhum Facultativo. Alem destas Agoas thermaes ha em Longroiva huma fonte de Agoas férreas, para a parte do Sul da Villa , na margem do Ribeiro, cm situação profunda c estreita ; a sua quantidade he muito diminuta ; rebentão na falda de huma colina de Schisto micaceo , cujo cume fica ao nivel da Po- voação. Foi nesta Colina , acima do caminho que vai para a fonte , aonde encontrei alguns Schistos cheios de Grcna- tites. Esta nascente férrea sahc de huma rocha de Argilite tenra (Tbon Schiejfer de Wem.) sobrepostas á qual estão al- gumas camadas argilosas endurecidas. Entre estas c a rocha acima dita donde sahe a agoa , ha huma camada de ferro ph'->sph.itado ou hydratado, ou talvez em ambos os estados j muito delle he em grandes massas térreas, e tem hum bel- lo azul , mas a sua côr varia muito segundo os gráos de oxi- 6ITU o» C3& 6 Memorias da Academia Real oxidação em que se acha. Estas camadas são visiveis por que o Ribeiro as escavou perpendicularmente. Abaixo da nascente existe entre a rocha hum veio de Schisto anegra- do ferruginoso, mas de má qualidade, para servir ao deze- nho. As camadas medias do Schisto tenro entre as quacs brota a agoa , estão cobertas em grande espaço por ferro sulfatado averdongado efflorescentc , o qual mineraliza aquel- las agoas , como se conhece pelo seu gosto grandemente stiptico. Quando se tirão da fonte são claras , límpidas , e frias , parece terem alguma cousa de unctuoso , o que se percebe no tato e nos lados dos copos em que se tomão alli mes- mo ; longe da fonte não observei este fenómeno , nem tão pouco me parece que contenhão alguma espécie de Gaz li- vre ; depositão na sua passagem bastante ocra amarella. Estas agoas usão-se como as sulfuricas as mais das ve- zes sem discernimento algum , e as suas virtudes ainda não forão bem determinadas. O uso delias produz ordinariamen- te no principio evacuações alvinas , effeito natural do Sulfa- to de Magnesia ; são bastante tónicas. O Snr. Diogo Maria de Gouvea Pinto , que alli esteve comigo outo dias , sendo de huma constituição nervosa , tinha padecido sezões , de que se achava ainda muito abatido , e estas agoas usadns naquelle curto espaço de tempo lhe forão summamente van- tajosas : recuperou a cor do rosto , e a vontade de comer que tinha quasi de todo perdido. A falta que nesta parte da Provincia ha de Agoas Sul- fúreas exigiria que as de Longroiva fossem mais bem co- nhecidas, e estivessem em melhor estado; a existência pró- xima das férreas he outro beneficio ; a posição do Castello offerecia o mais bello sitio , e materiaes para hum Hospi- tal , que habilmente administrado viria a ser o mais precioso estabelecimento da Beira alta ; e aquella terra augmentan- do-se em povoação e cultura , tornar-se-hia por este meio hum centro de saúde e vida , em lugar de ser como hoje hum foco de moléstias, e de morte. AP- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. APPENDICE I. A' MEMORIA PRECEDENTE. C5era' talvez difficil achar Documenco authentico , com que se prove o tjue o Autor da Memoria, fundado em Carvalho, assevera a respeito de o primeiro Foral de Longroiva lhe ter sido dado por Fernão Mendes ; quando he certo que este Foral ( se o houve ) ha já séculos que não existe, como se deixa ver dos Documentos abaixo, extrahidos da Torre do Tombo, que se publicáo para elucidar esta matéria. Foral de Cernancelhe communicado a Longroiva. Sabham quantos este Trelado virem , que presente mim Joham mouro , Tabelliom delRei em Celorico da Beira , e testemunhas a deante setiptas Joham Rodriguis , e. Joham Dominguiz, moradores em Longrovha , presen- te Thome Perez , procurador do Concelho da Muxagata , mosrrarom e leer fezerom per mim sobredicto tabelliom , perante Getvas Martinz , Juiz ordinhairo da dieta Villa de Cellorico , huú treslado de foro scripto em pergaminho , fecto e asignaado per Nichol.io Dominguiz , tabelliom que foi de Cernancclhi , segundo em el parecia , do qual o theor tal he : In nome de Deos Amem. Sabham todos que eu Nicholão Dominguiz, Tabelliom de nosso senhor F.lRei em Cemancelhi , vy e ly ; e lielmen- te sguardei húa carta de nosso senhor F.lRei , nem rota, nem rasa , nem é nenfiúa maneira sospeita , e sellada do seu verdadeiro seello penden- te , do qual o theor de verbo a verbo tal he : Dom Denys , pclla graça de Dcos Rei de Portugal e do Algarve. A vós Juizes, e Concelho de Cemancelhi saúde. Sabede que o Concelho de Longrovha me enviou dizer que elles ham de vós foro, e que perderom ende a carta , pot que vos Eu mando que dêdes o tresllado de vosso foro de vervo a vervo ao dicto Concelho de Longrovha, unde ai nom façades senom a vós me tomaria eu porem , e peitarmiades quinhentos soldos , e de como em esto fazedes meu mandado , mando ao tabelliom dessa Vila que dê ende testemunho aos de Longrovha ; e o dicto Concelho de Lon- grovha ou seu procurador tenha esta carta. Dante em Santarém sete dias cie fevereiro. F.lRei a mandou per o mestre do Tenplo. Martim Lourenço a ffez. Era de mill e trezentos e quarcenta e dous annos. A dieta car- ta p.;rleuda perdante o Concelho , e os Juizes de Cemancelhi Dominguos migueez procurador do Concelho de Longrovha pediu ao dicto Conce- lho de Cemancelhi que lhi desse o tresllado do dicto foro, assi como Ihis elRei mandava pela dieta sa catta , e o dicto Concelho avudo consselho sobnsto , mandarom a mim sobredicto tabelliom , e 3 Francisco Gonçal- ves , e a Martim Fernandes tabelliáes e meus companhões, que lhis dés- semos o tresllado do dicto foro de ponto a ponto , e de vervo a vervo assi em como em el era contheuJo , e nós demos-lho como sse segue. In nomine patris , et filii, et spiritus sancti amem. Ego Egas Gondi- sendiz una cum filiis méis et fillias. Et ego supranominatê Johané Ve« ne- glSS or 8 Memorias da Academia Real negas pl.uuit nobis pro bona pacis , et volnntas facimus a vobis homines de Gernancclhi Karu qui hedificare , et habirare voluerint , et illa qua- liter faciaot unusquisque de illis. Et hoc est toro : homo qui unius bovis quam multis det uno quarrario sedeat inde una taliga de teitico , et ttes de secunda per medida de concilio, et quando abuerit de sua vinea quin- que cjii.n.illci, de vino der uno puçal et non plus. De lino et de legumi- n.i nichil. fc. de monte de sancto michacl usque intróito des quatuor dies det uno conelio. De s^ogeira nichil det. Intto inttoito usque a Sanai mi- cliacllis nichil. Do peia duas costas , de porco et alio vcn.uo uro lonbo. De intróito usque in pascha nichil. De lancea et de fossa nichil. Qui fe- ceiit homicidium quinquaginta modios mediaiate a seniorc et alia mediata- te accipiat concillio et dent ad suos parentes de illo morto ; Cl ille ho- mo qui homicidium fecit et fugierit , stet sua mulier cum sua media te solva ci illa parte de suo marito apprendant illam , et apreciant ti lo ha- bere ipsos quinquaginta modios. Et quale ora quckierit venue et peitare voluetit reccip.ai tilo habere quod in ptimis tollenc illi et compleanc suum homicidium : et da rauso similiter , de futto pio uno novem a se- n.oro de furro quatuor partes a seniore de villa duas partes , de concillio duas panes , ad Judiceui una. Qui contra Vicinam suum lacere volutric ptova et vincerii illum illo qui caderi pectet uno bragal. Si iam in cam- po venerit , et eam non fecerit pectet médio bragal : de menbrum de ho- mine sive de mulier de aurícula quindecim modios, de nares quinquagin- ta modios , de uno óculo quinquaginta modios vel de duos ocullos cen- tum modios , sive de una nanu quinqu.-.ginra modios sive de duas ma nus centum modios , de uno dente quinque modios de digito polegar i ecem modios, et aliis digitis quinque modios, per unum similiter de pedibus , mediatate a palácio et mediatate ad illum vulneratum vel ad suos paren- tes. Qui apprenderit arma aliqua cum ferto intus in villa contra suo vi- cinum peniat illa arma. Si amem percusserit eam quinquaginta modios media partes a seniore et mediam ad vulneratum. De ffora parte de ga- nância de mouro de cavallo sive de latrone de illas tegas contra nós media pane a sénior et media ad quem sio afiar. De fugidio de mouro bravo in totó loco a sénior sua quinta et alia rouba nichil liadoria de alia parte me.iias partes a sénior et media partes a Concillio , si autem defenderir iudice et si non nichil. Si autem vicinum contra Vicinum suum cum Apellido venerit a sua casa dem com testemunhas et intus intra- verit per nulamente sexaginta modios media partes a sénior , et media partes ad illum hominé qui fuerit , de ecclesia rota centum quinquaginta modios , et quando fuerit dedicata trecentos modios media pars ad eccle- siam et media a sénior. Qui posuerit luteo aut ceciderit super faciem hominem aut supra os aut mulier peite sexaginta modios media pars a sénior et media ad illos iniunstados. Mulier qui viro abuerit cum bene- dictionis et fu°ierit cum alio stet suo mariido cum totó suo habere sano et p.irte de illa media ad suo matido et media a sénior. Si autem be- nedict:onis non habuerit et fugierit cum alia similiter. Et cavaleiro def- fendit suo portadigo cum quem mercar milles idem cavalario qui rorn- paraverit hereditate ou de pedom abeat illa salva. Et pedones qui de cabalaria comparaverinc mi^cenntur cnni sua et dent inde sua Jugada Ca- valeira , ad quam suum cavallú mottuum fuerit aut perdiderit excusaretur il- DAsSciENCIAS DE LlSBOA. ? illum usque ad três annos. Cavaleiro qui migrarus fuerir stet sua mulier ornara a foro de Cavaleiro usque prendar marirúrrl si non fucrit illam mal vegada : homo qui habuent cquú cum suas armas de cab.Il.irio n.«t cómodo caballario ; et si unus ex vobis miseril ajius homo in sua casa et dedefit illi de sua hereditate ad labornnJum detendat illam. Qui au- rem abuerit jumentum aut equum aut asinum nó apprendant illi sine suo grado pro ad nullam partem. Qui migratus fuerit et semem non ha- buent det totum suum habere pro sua anima et ad suos parentes. Qui habucrit filiam doner illam aut nuptus cum quo volucrit cr nichil det ad palacium Cavalaria qui migratus tuerir et rillios habuem surgar inde uno et detendat allios. Qui percusserit intus in Villa vel ante Júdice suo vicino pro una ferida doze Hagellas , medias ad palácio et nu dias a quem as merecer ; e de tora de Villa pro una duas in camisia. Kt contra vestros inimicos ibimus vobiscum er non ad alliam partem. Qui miseric litem vel trabalio inrer nos vel cum seniorem et potuimus inmcn- dare eiciamus illum tora cum totó suo habere. Et si fuent traduor de Concilio aut senioré perdat suo habere et eiciamua illum fora media putes a sénior et media a quem tuent traditor. Er homo qui ibi fuerit iam uno anno et inde exire volucrit vendat aut donet ad sua heredi- tare ad quem voluerit ad vicino. Et unum seniorem habeamus iudiccm aut sagione !e nostta villa qualle posuerir Concilio et alcaide quem vos volueritis. Et Júdice habeat decima de ganância et qualle ora voluerit exeat sine pecto. Si vicinum contra suum vicinom rixa nabuerit c: ami- cicia tecent nichil dent ad palacium et tota fiadoria de uno sit de uno bragale. Et nullns homo intrer in domo vestto sine nostro grado. Et ille Alcaide quem v03 amardes et que quesieritis ponite ilíam. Et si unus de vobis de sua hereditate dederit in testamentú pro remedium anime sue sedeat dettensa. Et nullus homo non vadat pignorarc alium hominem a sua casa sed demandant pro illo er venial a Concillio et faciat dl- rectum si autem uon voluerit facere directum pignorenr illam et si non fuerit cum sagione pectet uno bragal. Et illos besteros qui nobiscum fucrint habeant foro de cavalario. Et homo qui de foris venir et suo bove ad laborandum dederit det sua Jugada et vadat pagado. Qui ap- pr -nderit equam alienam aut bovem iu,;iter si fuerit bónus honio auc acipiir nonaginta flageilas medias ad palacium et medias a seniorem; de jumentum si fuetit mancipo decem fla;ellas sirr.liter. Qui bovem non habuent non det Jugada. Et ibimus in vestro apellido cr in venero aiu- tório três dies inter hire er venire er non plus : Ferreyro cue tor mora- dor desfaça cinque mallios pro illo anno ; Oleiro de três cozeduras det duas oll is una grande et alia parva ; Conqueito pro illo anno inter cun- cas et Va^o; duodecim , lllos Piliteiros int^jr duos uno manro de foro et de illis vita et non plus ; Piscatore qui se gubernat in ipso roget illum Júdice et det illi pane et vino que mancat illo duas noctes acl illos ri- vulo et non plus. Çapatario qui se guvernat in ipso det ar palácio pro uno anno médio bragal , er non plus. Hominem de fora parte qui espo- sir mulier de cavalaria in Villa , et levaverit eam ad sui rerrjm , ,■!} ad palácio uno maravidi ; et si in villam moraverit nkhil. Hominem de fora parte qui spoliaverit milier de pedone herd.idor in Villa et levaverit eam ad suam terram det ad palácio med;o maravedi ; et si monverit in Tom. VII. Part. II. b vi- lo Memorias da Academia Real vila nichil , et si non fuerit herdator nicliil. Clerici herdadores tam de ecclesiastico quam de leicale habeant illas tirmiter omnibus diebus vite illorum et omnis pauaritM corum cunctis rcmponbus seculorum defenssa* in salvo. Ir si homo fuerit a paleario alieno aut muiier aut manci- pum aut atmeyaa aut vinea aut pálios derrotos pectet pro uno no- vem et uno bragalle , médio a paliado et mcdio ad illum qui fuerit homo qui levavent aliam jumentú aut equam aut alium ganatum , et si homo de dorr.um aut muiier aut .mancipuni exicrit et ad tollendum ve- retit pectet uno bragalle, médio f-.d pai ano et mcdio ad ille quem fuerit ruís terminis per if la aqua de teia et per illa aqua darodos , et per ilU aqua de aç..cores usque in fontem de p.iules. Et nullo sénior que ipuos toioí quesicrit vobis sacare sedeat excuniunicaro et ad fidem Chrisri se- parato et non habeat porcionem nisi cum Judas traditore. Facta Carta de toios notum quod est septimo Kalendas novembris Era millessima Centésima sexagessima et dous. Ego Egas Gondisendis una cum filiis méis et fiiias , er 1 go iam predicius Johanes Veegas in hanc karram nunihus nostris ro^or^mus Regnante in lJortugal Infantem Tharasia qua- lienjicribsis ei Stephano Ciiin«alvo alcaide qui pobto filio et neto sen- per teneat honor GunJissalvo testis. rr Petrus testis palagio. rr Ego AlfFonseus igregin-; dei gratia Porrngalle Rex , et una cum uxore mca Regina Dona Urraca et filiis nostiis Iníantibus domno Saneio et domno Alttònsso et dcrnnu Fernandum et dona Leonor roboro et confirmo vo- bis híibitatoribus de Ocmancelfw kr.rr.im iliam quam F,gas Gondiscndiz cum filiis et hliabus suis vobis fecit cuius karta thenor in hanc pagina verbo ad verbum cótinêtur et concedo vobis fórum quod ipse vobis de- derit. t.t ut concessio et conftrmaeio mea maius robur obtineat , et ut vós per ve^rani Karram , et per vestram fórum senper sitis judicatis. Fr quod ntmini sit licitum vós de vestra karta et de vestro foro dey- tare precepti fieri istam kartam et meo sigillo plumbio cómuniri , que luit tacra apud Pinhel iv.ense . Febro^rio. Era millessima ducentessima quin- ouagessima octav*. Ego Rex dorr.nus Alffbnssus et Regina Uxor mea et filiis r> eis snpr. nominatis qui hanc kartam confirmationis fieri prece- pimus quorum ••uh scr.oris eam roboravimus et in ea hec signa apponi tecimus qui alíucrunr. — Dominicus Martinus Johancs signifer domint Re^is confirmo, ss Domncs Petrus Johanis maiordomus Curie confirmo. rr Domnus Gunssalvus Mcnendis confirnio. rr Domnus Laurentius Suarii confirmo. B Domnus Egidius Valasquiz confirmo. rr Domnus Petrus Gar- ; e confirmo. rr Doiv.nus Petrus Alftbnssi confirmo. rr Petrus Petri. rr Petrns Gareie rs Pctru- Petrus testes. =£ Dominicus Petri scripsit. rr Domnus Stephanus Bra< harensis Archiepiscopus confirmo. rr Domnus Mar- tinus Purtu^ilensis episcopus confirmo, rr Donrinus Petrus Colimbriensis ipi cepus confirmo. rr Domnus Suarius Ulixbonensis episcopus confirmo, ir: Domnu< Pellagii.i Lamecensis episcopus confirmo, rr Domnus Bar- tiolimeus \ isensis episcopus confirmo, rr Domnus Martinus Egiraniensic tpiícopu.i confirmo, rr Magister Pelagius Cantor Portuensis testis. rr Vinconriui Menfnd Joh anuis testis. Este foro moi "ado perdanre mim Nicholáo Dominguiz , Tabelliom sobredicto , e ptrame os suso dicros Francisco Gonçalviz , e Martm Ste- ves meus compatifices , presentes M.irtim Dominguiz, e Montesinho Ioha- 813* Ofr DAS SdENCIAS DE LlSBOÁ. II nis , Juizes do dicto logar , Domingos Migees , Procurador do Concelho de Longrovha , pediu a nós suso dictos Nicholáo Dominguiz , e Fran- cisco Gonçalviz, e Martim Stevez , Tabellioês , que lho treslladassemos , e Ihi déssemos o theor dei assi como en el era coutheudo , e como nos- so Senhor EIRei mandava per a dicia si carra. li nós per mandado do Concelho de Cernancelhi rresladamos-lo de verbo a verbo , presentes os sobredictos Montesinho johanis , e Martim Dominguiz , juizes testemu- nhas, zr Miguel Thomé Alcayde ; e Frei Affonso Abbade de Sam Joham de Cernancelhi , e Domingos Anes , e Pêro Steves Vogados , e Ot.:bro Peres , e outros muitos. E eu Nicholáo Dominguiz Tabelliom de suso dicto este theor fiz presentes os suso dictos meus companhoés , e em el fiz este meu sinal em testemunho de verdade que ta! he. O <|ual tres- lado era soscripro e assinado per Francisco Conçalves , e Martim Steves Tabelioés delRei na dieta Vilia de Cernacelhi , segundo per el parecia em esta guisa. E eu Francisco Gonçalviz Tabelliom dei Rei em Cernan- celhi , a estas cousas todas fui presente , e aqui este meu sinal fiz en testemunho de verdade cjue tal he. E eu Martim Stcvez Tabelliom dei Rei em Cernancelhi, a estas presente fuy , e em el pugi meu sinal que tal he : leito foy este tresllado en Cernancelhi oito dias de Dezembro. Era de mil e trezentos e cinquoenra e quatro annos. O qual tresllado de foro assi mostrado o dicto Thomé Perez em nome do dicto Conee- lho de Muxagata pediu ao dicto Juiz que lhi mandasse dar o tresllado da dieta scriptura en publica forma so meu sinal , c desse hi sua aueto- ridade , porque dizia que en toro da dieta Vila de Muxagata que lhe fora daJo de pobraçó que era en el contheudo, que ouvessem tal foro como o de Longrovha. E que o nom aviam , nem poderom aver ata aqui. E o dicto Juiz visto o tresllado , e como nom era sospeito , nem raso , nem intrelinhado , deu hi sua autoridade ord;nhaira. E manjou a mim que lhi desse dei o tresllado so meu sinal em publica forma. Fei- to foi emj Celorico na praça de Saneia Maria prestumeiro dia de Abril Era de mil e trezentos e noventa e oito annos : testemunhas Gonçalo Lopez Juiz de Pinhel , e Lourenço Anes Scripvam delRei , e Marhias Dominguiz de Celorico , e Arlonso Dominguiz de Freixeo de Nomão , C Stevam Gonçalves Clérigo de Nomão , e Polinhairo Steves da dieta vila d; Muxagata , e outros. E eu ;das as mais, a quem todavia os sempre claros e fa- mosos nomes cios Arraes , dos Pintos , e dos Coelhos fazião merecedoras de; te alumno. Começarei pois a desviar-me não só deste Autor, po- rém de todos os mais, que o seguirão ; e direi alguma cou- sa de novo sobre o nascimento de Fr. Bernardo de Britto , que rectificará facilmente o que passou até agora por certo, e fora de toda a duvida (l>). Assento que a declaração do pro- írt) O Venerável Fr. Gnillhrme da PtiixUo , que foi Geral da Ordem , e Visitador da Terceira Ordem de S. Francisco , assim o aífirma em hum T.]oz o M. S. de Fr. Bernardo de Britto. (£) Allu.ío nesrv lugar somente aos que escreverão a Vida de Fr. Ber- nardo de Britto, e já depois de concluída esta Memoria achei o princi- DAS SctENClAS DF LlSBOA 15" próprio Chronista mói Fr. Bernardo de Britto faz maior au- toridade neste ponto , que a dos mais Autores , ainda que fossem coevos. On em a terceira parte da Monarcbia Lusi- tana, de que abaixo tratarei mais largamente, e que foi es- crita em 15:93 , declarou elle por duas vezes e mui exacta- mente a sua idade. No fim do a.° Livro traz por letra de seu próprio pu- nho esta nota : » Acabei este segundo liuro dia da inucnçâo de Santo Es- » teuao aos tres de Aguosto de 1 503 yndo p.mi idade de j» uinte cinco annos. » E no fim do 4.° Livro : » Acabei este quarto liuro aos 22 dias do mes de Setem- » bro do próprio anno de mil c quinhentos e 93 annos, » auendo 9 dias que acabara uinte e cinco de mjnha yda- j» de# >> Daqui se vê claramente , que cumprindo elle 25" an- nos a 1 j de Setembro de 15:93 , devia nascer em igual dia de 1 768 , e n2o a 20 de Agosto de 1^69 , como se escre- veo e publicou até hoje. (a). Dispenso-me de escrever muitas noticias da sua entra- da pura a Ordem de Cister , e dos seus primeiros estu- dos, e actos litterarios ; porque além de serem conformes ás que examinei assim impressas como manuscritas, hão de ter lugar mais próprio nas Memorias dos quatro insignes Chronistas móres Fr, Bernardo de Britto , Fr, António , Fr. Francino Brandão, e Fr. Manoel do< Santos; para que tenho jun- pal testemunho que dclle cito em hum a nota a pag. 353 do Tom. V. das Memorias de Litter atura Portugueza. (rt) Não se deve fazer conta d.i objecção que se pôde tirar do Hro- loço .ii primeira parte da Aiuiiarcbia Lusitana, onde se estriba a opi- nião dos que o suppoein nascido cn, (560, poi< esta asserção de Fr. Ber- nardo di- Èritto combinada com o tempo que lhe kvatão os seus estu- dos Thcologicos , he mais hum argumento a itwu ravor. x6 Memorias da Academia Real juntado muitas c preciosas noticias espalhadas por muitos e differentes Códices da Livraria manuscrita de Alcobaça. Não sabem ainda bem os Portuguczcs quanto devem a Fr. Bernardo de Britto\ c hc lastima, que os seus mesmos contemporâneos se contentassem de noticias vagas , ou das que elle mesmo contava de si, que, vista a sua natural mo- déstia , dcviâo ser muito acanhadas , e não se esmerassem por descubrir o que mais podia acreditallo. He opinião cor- rente que Fr. Bernardo de Brittu compozera a primeira par- te da Monarchia Lusitana em 15-96, e a gloria de escrever semelhante obra aos vinte e sete annos de idade , he tida cm grande conta até pelos seus maiores antagonistas ; mas ,; porque cegueira ou illusão se deixou de ver até hoje o que mais contribue para a gloria , e reputação de Bruto ? Nenhuma outra sahida tem afora esta. Erão homens os que examinarão os Manuscritos de Alcobaça , e sou tentado a acerescentar que alguns destes levavao diante de si a preoc- cupaçáo de que Fr. Bernardo de Britto fora hum faKario , e hum impostor. Eu que revolvi os seus Manuscritos sem prevenção, ou azedume contra a sua memoria, achei que clle compoz duas obras disrinctas , que passarão até hoje por huma só. Aos 22 annos de sua idade principiou huma obra histórica, que dividio cm três partes. A' primeira que tratava dos suecessos da Lusitânia desde a criação do mun- do até a vinda de Christo , chamou com propriedade Mo- narchia Gentílica; á segunda que contava os suecessos da Lu- sitânia desde aquella vinda até ao Conde D.Henrique, pôz o nome de Monarchia Gótica , ou Sarracetiica , tirados estes das duas principaes Nações , que nos governarão naquelle in- tervallo; e a terceira e ultima por conter os suecessos des- de a fundação ó.\ Soberania ou Monarchia Portugueza até ao reinado de riíippe II. , era intitulada Monarchia Catholi- ca Tinha quasi acabado esta obra aos 25- annos de idade, e •Je;!ic(>u a primeira parte a EIRei Filippe II.; a segunda ao Príncipe seu filho ; e a terceira á Infanta D. Isabel Cla- ra Eugenia. Destas guarda-se a primeira e a terceira nos ma- DAS ScitNlUAS OE LlSBOAi If manuscritos de Alcobaça ; e ninguém poderá negar a existên- cia da segunda só porque já não apparecc , quando vemos que o próprio Autor na Dedicatória da terceira faz menção de a ter escrito. Existem pois duas primeiras partes da Monarquia Lu- sitana, ambas manuscritas; c parece-me conveniente dar hu- Dia noticia mais larga da chamada Gentílica , que errada- mente se confundio com outra primeira parte, que hc mais conforme á impressa. Começa pelo titulo seguinte : " Monarchia Lusitana composta por Fr. Bernardo de Britto »> monge Cysterciense professo no Real Mosteiro de Alco- >» baça, dirigida ao Catholico Rey Dom Phylipe Snor nos- >> so. »> Traz pintado de penna , mas com arte , o escudo das armas Portuguesas , c á roda o verso Rept caíi stipremi Atfonso vulnera dedit. c continua : »j Na qual se contão as historias de Portugual da criação »> l!o mundo té nosso tempo , c na primeira parte as que >> acontecerão té a uinda de nosso Senhor Iesu Christo , » prosseguindo as outras sucessivamente té el Rey Dom Phy- »» lipc i.° do nome em Portugual , e i.° cm Espanha. >> Segue-se huma Dedicatória ao Reino de Portugal , que não vem na primeira parte da outra Monarchia , e diz as- sim : » Se conforme a meus desejos (afamada Lusitânia) ouues- » se de ser tua grandeza , pouca fora a uentura do famoso » Alexandre Rei de Macedónia , e abreviada a potencia do » Romano Império comparada com ella>> &c. Tem mais outra Dedicatória a ElRei de Hespanha , Tom. VIL Pavt. II. c que 18 Memorias da Academia Real que Fr. Bernardo de "Bruto imprimio depois com varias mu- danças na primeira parte da Monarchia. Segue-se o Prologo aos Leitores cheio de vastissima erudição, e hc notável o paragrafo onde toca as exccllen- cias da lingua Portugue/a , que transcreverei não só pela di- gnidade do assumpto , mas também porque se vá notando a differença do Prologo impresso. » E sendo híia nação de mais subtis engenhos e mais claros 5> entendimentos de toda Europa , a quem todas reconhe- » çem neste caso sinalada ucntaijem : foi e hé tão descui- j> dada no que toca á escriptura , que daqui lhe ucm ser )) tida em menos do que uai , e ualer menos do que tem , » reputando-os por grosseiros em tudo e . . . . (a) na com- 5> mum oppinião seu credito: Fazendo iulguem a lingoa n Portuguesa por tosca cm historiar c inhabil pêra escre- 11 uer , sendo ella entre as de Europa toda a que em menos 11 palauras demostra mais que outra nenhua , parte que so ii ella bastaua pêra a fazer mais estimada. Quanto mais que >> se algum tempo foi reputada por grosseira e mal limar » da nenhua uimos que em seu principio carecesse desta ii falta , nem achamos que ao presente se possão iulguar ii as outras por mais apuradas que ella : pois está tão tersáá ii de erros , e tam enrriquecida de uocabulos , que á mui a poucas que lhe cheguem , e nenhtía que lhe laça ucn- ii taijem: E se com impressões (de que está mui falta) se 5» fizera tão uulguar como as outras , de poucos fora ca- ii lumniada , e de muitos engrandecida. » No fim do Prologo traz a ordem da Historia , ou divisão em três partes , de que já fiz menção. Seguem-se ti Advertências necessárias para entendimento des- (rt) O tempo gastou o verbo que falta para se completar esta cta- çâo. He fácil supprillo assim : padecendo , perigando , &c. das Sciencias de Lisboa. 151 desta monarchiu gentílica» das quacs se vê que era profun- damente versado na lição dos Clássicos Gregos e Latinos j e para que a sua pcnna mostrasse cm tudo que era aparada e elegante , debuxou a figura da Lusitânia , pondo-lhe esta letra : Fiel con el supremo Rey dei Gelo, Y fuerte sobre quantas ay en el sttelo» Nao posso ter-mc que não transcreva neste lugar hum Soneto , que o Licenciado Francisco Cardozo de Andrade , Vi- sitador do Arcebispado de Évora , compôz alludindo a esta nova prenda de Fr. Bernardo de Britto seu sobrinho. Mostras com subtil mão nesta figura De teu celebre reino a natureza Nas armas fulminantes , que a grandeza Sustentarão da fé sagrada e pura : Mas no graue discurso da leitura Declaras , quanto excede a subtileza De entender a pintar com agudeza ; Pois pintas mais na voz , que na pintura í De modo que sé Apeles imitaste No mudo natural que aqui fingiste , A Liuio no que contas superaste. No entoado stilo que seguiste Tua nativa lingoa acreditaste , E a todas as demais a prefiriste. Divide-se a Monarcbia Gentílica em cinco Livros. Tem o I. 1 6 Capitulos desde a creação do mundo até ao reinado de Sicttlo , e do que em seu tempo fizerão nossos Lusitanos. Tem o Livro II. 20 Capitulos; trata o Cap. 1. do que suc- cedeo em Lusitânia depois da morte d'EIRei Siculo ; e o c ii io. 2o Memorias da Academia Real 20. do soccorro, que ourra vez derão os nossos aos de Car- thago 385 annos antes de Christo. Igual numero de Capí- tulos tem o Livro 111.; trata o 1. de como alguns Lusita- nos Celtas entrarão a povoar terras pelo Sertão dentro ; e o 20. domais que succcdco até ao principio da guerra do fa- moso Capitão Viriato. Tem o Livro IV. 20 Capítulos; tra- ta o 1. do valoroso Capitão Viriato , da condição de sua pessoa , c das suspeitas que ha acerca de sua natureza ; e o 20. de algumas victorias que Sertório alcançou do Cônsul Mete/Io , cm que o reduzio a estreito termo. Tem o Livro V. 20 Capítulos; trata o 1. da vinda de Pompeio a Hespanha , e das victorias que o famoso Capitão Sertório alcançou da gente Romana ; e o 20. do nascimento de nosso Redcmptor Jesu Christo. Seguc-se a taboada dos Capítulos que se fe- cha com estas palavras : j^ Puz fim a esta Monarchia Gcntilica aos 10 dias de Aguos- » to de 1592. » Logo no primeiro Capitulo se notao grandes differen- ças entre a primeira parte da Monarchia Lusitana , c esta Ge» - ti/ica, cujas primeiras palavras se assemelhao ás impressas; mas a pouca distancia da primeira linha seguem outro ru- mo. Darei o exórdio da Monarchia Gentílica. » Estando esta machina natural , e compassada archite- » tura do Uniuerso mettida naqudla intrincada confusão do >■> chãos primeiro , sem auer esta conforme volução de tem- » pos pola falta que auia das causas que aguora os mo- » ucm " &c. He quanto basta para se conhecer a differença do im- presso , de que darei huma prova mais convincente no tras- lado de huma parte do Capitulo 20. e ultimo desta Monar' chia Gentílica , cujo titulo he como se segue : » Do nacimento de nosso redemptor Iesu Christo ao mun- j> do , segundo a carne , e do estado em que estaua nossa » Lusitânia neste tempo. » )> Es- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. 21 >» Estando nesta grande tranquilidade não só o Reino >> de Portugal c os mais de Espanha , mas o mundo todo >•> cm geral, c sendo em Rema cerradas as portas de íano " que nunca o eráo em quanto auia algíia guerra: mandou » Augusto Ccsar , que se esercuesse o mundo todo, o que » auia de fuzer-se dando cada pessoa certo direito de tri- »» buto svnalado em reconhecimento de subijeiçao ao im- >> perto Romano, e ao Emperador Augusto: &c. Não fal- >» tão oppiniões ynda que erradas caio parecer he se pro- >» mulgou esta Lej de Augusto estando ellc cm Espanha , » o que he falso por o mujto tempo que se p.issou desde »» sua partida té quando começou a executarse : e também >» se cm Espanha se promulguara , claro hé que alj primei- » ro que em parte nenhua se executara , o que contradiz o >> sagrado euangelho , aííirmando se começou cm Syria por » o presidente Querino ou Ccrino como outros dizem : o ■>■> que não se deue atribujr a erro no que fez a ucrssão do ■>•> Euangelho , porque antiguamente a mesma pronunciação j> tinha o Ç\ sem ter çedilha que o Que; diguo isto por- » que me nao notem pôr nome diferente do euangelho : » promulguada esta Lej cm Iudca ujnhão todos os naturaes » da terra a cabeça da comarqua com suas mulheres e ú- » lhos a esercuerse na lista , e dar o tributo que o empe- >> rador mandaua : entre a outra gente que ueio a cidade » de Betlem , que comprchendia cm sua Iurdiçao a cidade ■>■> de Nazaret , ucio hum Varão iustissimo do tribu Real de » Dauid com sua esposa , pêra cumprir como os mais o que » a lej lhe mandaua. Era esta esposa sua do mesmo tribu n Real de luda , a quem por sua grande santidade escolhe' >» o eterno Deus pêra em seu uentre tomar carne humana, »> e obrar por seu meio a redempção do género humano »» ficando sua uirgindade sempre perseruada de corrupção »> algíia ; asy na concepção feita por meio do Spiritu San- " to, como cm seu admirauel parto, que foi neste tempo » cm que com seu sposo Joscph uco cscrcuersse a Betlcm , » e paguar seu tributo , como depois delle e sua gloriosa " mor- JT-3-.T 01 iz Memorias da Academia Real j> morte , depois qual foj lcuada em corpo e alma a guo- » sar da gloria que com tais obras merecera » &c. Deste fragmento se pode ver quanto diíFere a Monar- cbia Gentílica da primeira parte da Monarcbia Lusitana. A foi. 412 (a) segue Fr. Bernardo de Britto a opinião contraria so- bre o primeiro lugar cm que se promulgou e dêo á execu- ção o Edicto de Augusto , e concilia a asserção do Evan- gelho com o parecer do Gerundense , e a foi. 413 f. e 414 descreve o nascimento de Christo mais atilada e ele- gantemente do que o fizera na Monarchia Gentilica ; e sen- do fácil aos meus Leitores a confrontação destes lugares que transcrevi , com os parai lelos da Monarchia já três ve- zes impressa , não curei de os trcsladar pelo justo receio de fazer esta Memoria mais larga do que convém. Sendo pois a Monarchia Gentilica , Sarracenica , e a Ca- tholica de Fr. Bernardo de Britto a sua primeira obra , he justo dar-se huma idéa da terceira parte, que muitos críti- cos derão como a terceira das duas impressas, atormentan- do-sc para saberem o motivo , porque Fr. Bernardo escre- vera a terceira primeiro que a segunda. Trabalho este de que se livrarião com o breve exame a que eu procedi ; e não era necessário que viciassem a escrita do anno de 1593 substituindo-lhe 1605- por tinta diversa, que í primeira vis- ta declara o espirito fraudulento de huma substituição fei- ta ha largos annos ou por inimigos da Ordem de S. Ber- nardo, ou por quem assentou que seria este o melhor meio de salvar todas as contradicçóes sobre a data dos es:ritos de Fr. Bernardo de Britto. Sei quantos clamores se tem le- vantado contra a terceira parte , aos quaes dêo azo huma advertência do Chronista mór Fr. António Brandão , que se lê no frontispício da Obra ; e ainda mais satisfez os críti- cos outra advertência do Monge de Alcobaça chamado Chro- nista da Ordem Fr. Diogo de Castellobranco , também escrita no (> so no Real Mosteiro de Alcobaça. » Tem as armas de Portugal , c tudo o mais semelhante ao frontispicio da Monarcbia Gentílica ; c prosegue : >> Na qual se contão as cotizas suecedidas cm nosso Reino '> de Portugual desde o conde dom Henrrique a quem pri- » meiro foj dado em dote por elRcy dom Afonso de Cas- 5» tella chamado Emperador , té ao famoso Rey Dom João >■> de boa memoria decimo em ordem dos Monarchas de 5» Lusitânia, anno ' y 9 3« »> Seguc-se a Dedicatória d Ex.'"a Sr.a D. Isabel Eugenia Cla- ra de Áustria , Princeza de Hespanha , Duqueza de Breta- nha c Lombardia. Nesta Dedicatória faz menção de *>eu pai o Capitão Pedro Cardoso de Andrade , que morrera na batalha de An- vers , passado de cinco lançadas e nove peifôvrrbs de escope- ta ; c que a sobredita Princeza em remuneração destes ser- viços fizera a clle Fr. Bernardo, sendo ainda secular, mercê do houroso cargo de Sargento, para que o servisse tanto que os annos e idade condissessem com o duro exercício das armas , e que penhorado desta graça lhe offerecia a ter- ceira parte , assim como oíFerecêra a primeira ao Catholico Rei D. Filippe seu pai, e a segunda ao felicíssimo Prínci- pe seu irmão. Já deixei transcritas no lugar onde convinha, duas ad- vertências com que Fr. Bernardo de Britto fechou o segundo e quarto livro desta Monarcbia , c só me falta acere scentar que 24 Memorias da Academia Real que por ventura desgostoso deste primeiro ensaio, não che- gou a concluir o Livro V., que levou até 11 Capítulos, e anno de 1336. Não devo agora passar em silencio a ob- jecção que se tira daquclla Dedicatória contra o que se es- creveo na Bibiiotbeca Lusitana , c cm Autores mais antigos , e de boa nota , sobre a licença Pontifícia , que alcançara o pai de Fr. Bernardo paia que seu filho deixasse a Ordem monástica de Cister pela militar de S. João de Jerusalém. Consta-nos da historia daquelles tempos que a batalha de Anvers suecedêra a 17 de Agosto de 1585- , c como Bal- thasar de Britto começou a ser noviço da Ordem de S. Ber- nardo em Janeiro do mesmo anno ; ou havemos de suppor que elle professara aos seis mezes de Noviciado, para ter lugar a necessidade de Indulto Apostólico, ou assentarmos o que parece mais natural, que seu pai impedido pela mor- te não chegou a impetrar semelhante graça Pontifícia, ain- da no caso de julgarmos que elle tivera esse intento. Pon- do agora de parte essa questão de terem ou não terem existido aquelles projectos de mudança de habito, continue- mos o que mais se endereça ao fim destas Memorias. Do que acima fica exposto se vê que Fr. Bernardo de Britto já era se não hum bom historiador, ao menos hum escritor insigne , ao mesmo tempo que se dispunha a ou- vir como discípulo as lições de Theologia em o Collegio do Espirito Santo de Coimbra , onde entrou correndo o mez de Janeiro de 1593- P°uco antes havia feito huma via- gem a Madrid (a) para negócios de importância ; c com- binado o anno desta viagem, que foi o de 15:91 com as suas immediatas applicações, devemos presumir que foi pes- soalmente dedicar a EIRei Catholico a Monarchia Gentílica , e pedir-lhe auxilio para adiantar huma obra cm que hia tan- to o credito de ambas as Monarchias. Não deixou acabar o tempo destinado na Ordem de S. (4) Monarch. Luúu Part. I. Liv. IV. Cap. 7. DAS SciiiNCIAS DE i-ISEOA. 2 J- S. Bernardo para o Curso Theologico , sem dar provas de que não interrompera os seus primeiros estudos , pois a 9 de Março de 15-96 tinha acabado a primeira parte da Mo- u ir chia Lusitana, que anda impressa Apenas começara as Lmcções do Magistério, quando assim de fora como de den- tro da Congregação se lhe çoncediao honras mais levanta- dis. Huma de tanto credito para elle como para o Rei que o soube conhecer e premiar, foi ate hoje desconheci da, c hc justo q.ie :;e publique. Já cm 1597 tinha huma Provisão de Filippe II., que o nomeava Chronista Geral; e como o próprio Britto na Historia da fundação de Arou- ca, q-ic escieveo em ij>)7 , se assigna Cbronista Geral de Sua Magestade , e cu sabia por outra parre que só em 16 14 fora nomeado Cbronista mór do Pveino , ficava-me hum grande embaraço para conciliar esta apparante contradicção de que facilmente se livraria a critica moderna , censurando a Fr. Bernardo de Britto de pôr huma antedata nos seus titulos norifieos para se fa/.er mais recommendado aos futuros. Nas Actas pois do Capitulo Geral da Ordem de S. Bernar- do, a que presidio o im mortal Bispo de Coimbra D. Affon-* so de Casteilo-b ranço, se lè o seguinte: ■>■> Ordenousc mais, que visto a Provisão que o P. Fr. Ber- >> nardo de Britto tem de S. Magestade em que o faz Chro- " nista Geral, ficasse também desde agora incorporado, e » admittido por Chronista de toda a Congregação. »> Notarei de passagem que nenhum dos Pancgyristas de Fr. Bernardo , e nem ainda os seus domésticos se lembra- rão deste como preliminar do cfficio de Chronista mór do Reino, c talvez se deva considerar por mais honrosa para elle a nomeação especial de ser Chronista do Rei , que a outra conseguida por morte de Francicco de Andrade. Mal respirava Fr. Bernardo de Britto de escrever e publicar a primeira parte da Monarchia Lusitana, seguida de hum cxccl lente tratado sobre a Geografia antiga da Lusitâ- nia , quando por obediência aos seus Prelados 'se vio met- Tom. Vil. Part. II. o ti- 1 6 Memorias da Academia Real tido na laboriosa tarefa de recolher em hum só volume to- dos os Privilégios que a Sé Apostólica havia concedido aos Cistcrcienscs , obra esta de grande empenho, e da qual ainda existem no Cartório de Alcobaça muitos cadernos, e alguns da sua própria letra , hum pouco mais apurada que no resto das suas obras manuscritas. Preenchendo igualmen* te as obrigações do Magistério dictava asPostilns, que che- garão a estar promptas de licenças para se imprimirem , e destas só vi c examinei as De visione Beata escritas cm 1599, que mostrando quanto lhe era familiar a lingoa Latina, le- vantâo mais hum padrão á sua gloria. No mesmo anno de 1603 em que os seus Prelados fa- ziao com elle que tomasse o gráo de Doutor na Universi- dade de Coimbra, ao que elle resistia, quanto he de crer, tendo-se cm conta o máo juizo que formava de si próprio, c a humildade com que enjeitou sempre outras maiores dis- tineções , compunha , e dava á luz como por distracção , huma das suas obras (a~) mais completas , e que no sentir de Manoel Severim de Faria he das que mais o honrão e acreditão. Chegou finalmente o anno de 1606 cm que a Uni- versidade o admittio ao grémio dos seus Doutores ; e a 12 de Abril o Vicc-Caneellario D. António das Chagas lhe con- ferio o gráo, sendo o Lente Christovão Gil , Substituto da Cadeira de Prima por ausência do seu proprietário o Dou- tor Eximio Francisco Soares Granatcnsc , quem lhe dêo as insígnias Doutoraes. AsTheses, que lhe foi necessário de- fender e as mais provas de sciencia que precedem aquelle formoso distinctivo , não o impedirão de trabalhar na se- gunda parte da Monarcbia Lusitana , que elle mesmo diz ter acabado em o primeiro de Novembro de 1607 ; e huma das pequenas diíFerenças que achei entre a impressa e ma- nuscrita , que he autographa , dá bem a conhecer a sua mo- des- (a) Os Elogios dos Reis de Portugal. axa o* DAS SciENCíAS DE L I S B O A. 27 dcstia , pois muito de propósito não quiz imprimir algumas obras Poéticas, que os melhores engenhos de Portugal fizc- rão em seu louvor , das quaes lançarei huma no fim destas Memorias por veneração ao nome de seu Autor Francisco Rodrigues Lobo. No Prologo desta segunda parte se vê quanto forão acceitas do Rei Catholico as fadigas do seu Chronista ; e não tardou muito que pozesse por obra o que annunciára em palavras. Filippe III. por Alvará de if de Agosto de 161 1 e Postilla de 6 de Dezembro de 1613 , lhe mandou dar a quantia de mil cruzados de ajuda de custo para os gastos que se fizerão com a impressão da primeira e segun- da parte da Monarchia Lusitana , e coroou estas mercês com a final , a que elle aspirava desde longo tempo , e que ha- via de causar-lhe innumeravcis desgostos , qual foi a de Chronista mór do Reino por Carta de 12 de Julho de 1614, e não 16 16, como escreveo Diogo Barbosa Machado; ena mesma se lhe taxou o ordenado do seu antecessor que era de joo<£) , réis a que o mesmo Rei ajuntou huma pen>ao annual de cento e desasete cruzados, imposta nas rendas do Bispado de Leiria , e que o Santo Padre Paulo V. confirmou por Breve de 19 de Janeiro de 16 if. A este anno de 16 15- pertence huma nova empreza lit- teraria do Chronista mór Fr. Bernardo de Britto , que se ofie- recco a ElRei de Hcspanha , quj então dominava em Por- tugal, para editor das Chronicas dos Reis de Portugal , cu- jos manuscritos se guardavão na Torre do Tombo , e que elle se propunha enriquecer de varias annotaçócs. Alcançou para este fim os Privilégios do costume, e os Governado- res do Reino o apoiara > nesta pertenção , segundo consta do Livro do Registo do Desembargo do Paço daquclle an- no a fo!. c8 , onde se lê o artigo seguinte de huma Carta Regia escrita em data de 3 1 de Março aos ditos Gover- nadores (a) . «Vi o que me escrevestes sobre os privile- d ii " gios (rf) Parece-me acercado iranscrevello por inteiro, náo só porque he a 8 Memorias da Academia Real » gios que pede Fr. Bernardo de Britto , meu Chronisu »> mór para faier imprimir as Chionicas dos Senliores Reys »» meus Predecessores ; e hei por bem de lhos conceder por i> dez annos , com declaração, que fará imprimir as Chro- » nicas com os nomes dos Autores que as escreverão , sem n mudar ncllas a lingor.gcm e estillo, servindose dos ori- >» ginaes da Torre do Tombo, vendose primeiro, que não » estejão viciados ; poderá porem pôrlhc as annotações que »» aponta. Nesta conformidade ordenareis se passe Alvará , » e Me venha a assinar. » Não adiantou os seus trabalhos para a continuação da Mtmarchia Lusitana, porque os Reis da Hespanha lhe incum- birão outras obras, não alheas do seu officio e instituto, mas que forçosamente havião de interromper os seus estu- dos mais queridos, e sempre fitos na Historia geral da Mo- narquia. Teve ordem para escrever a Historia ou Chronica d' ElRei D. Sebastião, que levou até a embaixada de D. João de B-:rja, e consta que hum particular de Lisboa tem o seu autografo, e que delíe se servira muito o Padre José Pereira Baião para o seu Portugal lastimado. O Chronista Fr. Manoel de Figueiredo attesta, que vira cm Lisboa aquel- la Chronica ; mas enganou-sc cm pensar que huma preciosa collccção de Documentos pata a Historia d' E!Rei D. Se- bastião era redigida por Fr. Bernardo de Britto , pois exami- nando-a não achei a letra deste Chronista mór , e só conhe- ci a do Chronista mór Fr. Francisco Brandão. Não só para dar conta destes seus trabalhos ao Sobe- rano , que lhos encomendara , mas também para lhe agra- decer de viva voz a nomeação de Chronista mór, fez outra via- m.iis huma prova de que Fr Bernardo de Britto buscava com singular dlsvello as íontes mais puras da nossa historia ; mas também porque me foi benign«mente corr.rr.unicado pelo mui laborioso e etudiío Sócio , e actml Secrutuo <át Academia o Snr. Sebastião Francisco de Mendo Tri« gozo, O Que bem mostra o apreço que faz aquella tão sabia como luzida Corporação de tocas as noticias que se endereçáo ao devido applauso dos no.vcs Escritores. \. snw 0']/ DAS SciíNCIAS DE LlSBOÁ. 2Ç viagem d Corte de Madrid , onde o acolhOrão , e tratarão de hum modo , que deixava em problema *• Qual era mais » para invejar se o Rei , que atrendêra só o merecimento >» sem fazer caso de tantos homens aliás beneméritos , que n forcejavão por obter o ChronistaJo , se o recem-eleito , « que em huma Corte estrangeira , e abundante de homens »» de talento e estudos não vulgares , merecia o respeito e » veneração de todos?»» Não me atrevo a desmentir 0 Chan- tre de Évora , quando nos assegura positivamente que forão offerecidos alguns Bispados Ultramarinos a Fr. Bernardo de Britto , ficava-me porém muita duvida de que os Reis Ca- tholicos , depois de o animarem á porfia para concluir a Historia de Portugal , quizessem desviallo para tão longe dos subsidios que lhe erão necessários a fim de encher pon- tualmente os árduos deveres do seu cargo. Só conjecturan- do , e não affirmando eu pensaria que he mais certo o que encontrei em huma Memoria manuscrita do Século XVII. onde se lê que Filippe III. na audiência de despedida lhe dissera estas rormaes palavras: No os hngo Ob< po por no os bãctr pereçofo; que mui bem se ajustão ao empenho de ver concluída a Historia deste Reino , que o sobredito Rei ma- nifestara em muitas occasiócs. Entre tanto eu dou mais pe- lo que deix m escrito Fr. Manoel dos Santos em a segunda parte manuscrita de Alcobaça i/lustrada , onde affirma , que os Governadores do Reino o propo/erão ao dito Rei por Bispo de Angra , mas que o Soberano pelas razoes já pon- deradas nao confirmara a proposta. Voltava para o Reino , cada vez mais empenhado em servir e engrandecer a sua pátria, quando na Villa d? Al- meida que lhe dera o berço, o assaltou huma doença mor- tal , de que fallcceo entre as mais sinceras demonstrações de Catholico e Religioso a 27 de Fevereiro de 1617. Pas- sados annos e correndo o de 16^9, o Doutor Pt. Luiz de Sousa , Governador do Arcebispado de Évora , e Bispo elei- to do Porto, que então era Geral da Ordem de S. Bernar- do nestes Reinos , fez trasladar os ossos deste famoso Chro- BI3H Ofr 50 Memorias da Academia Real nista desde o Mosteiro de Aguiar onde jazião , para a Casa Capitular do Mosteiro de Alcobaça , que justamente ufano de sei o jazigo de muitos c esclarecidos Príncipes , não se deve ter por menos glorioso e enobrecido quando possue as cinzas do grande João de Barros, e dos Chronistas mo- res Fr. Bernardo de Britto, e Fr. António Brandão. TABOA CHRONOLOGICA Das Obras do Chronista mór Fr. Bernardo de Britto , assim das impressas e manuscritas , como das começadas , in- tentadas , e duvidosas. I M pressas: icoi Jtíil 15-91 JjjLogio de Felipe II. de Castella , em outava Caste- lhana. Em huma carta escrita a hum grande seu amigo, e que (o próprio Fr. Bernardo de Britto) lançou no fim da Monarchia Gentílica , que foi acabada , como já vimos, em 15-92 , elle se lastima de ver que entre nós se cuide tão pouco de favorecer os sábios , e im- primir suas obras , que sahindo á luz em outro paiz e linguagem, tinháo geral acceitaçâo. Pondo o exem- plo cm si, com a rara modéstia de que foi dotado, faz menção de quanto fora applaudida em Castella hu- ma obra que fizera ao Rei em outava Castelhana , e que certamente foi impressa; e não obstante ignorar- se o anno , posso affirmar sem visos de temeridade , que elle na jornada feita a Madrid em 15-91 teria commodidade de a ofícrecer ao Soberano , e fazella imprimir. Já se vê que era obra differente do Disfar- ze DAS SciENCIAS D! LlSBOA. JI ze de amor, que se diz ficara manuscrita na Livrari.i do Escurai; 15" 91 Elogio a D. Cbristovao de Moura, I. Marquez de Cas- tello Rodrigo , era prusa Purtugueza. As mesmas razões que militao no caso anteceden- te , me fazem crer que esta obra sahio á luz no so- bredito anno. 15" 9 7 Monarchia Lusitana, composta por Fr. Bernardo de Britto , Ghronista Geral , e Religioso da Ordem de S. 1 Bernardo , professo no Real Mosteiro de Alcobaça. Par- te primeira que contem as historias de Portugal desde a cri içiío do mundo , te o nacimento de nosso Snr. Iestt Christo. Dirigida ao Caibolico Rei Do Philipe II. do no- me , Rei de Efpanba , Emperador do novo mundo. Im- pressa no insigne Mosteiro de Alcobaça por mandado do Rev.,no Padre Geral Frey Francisco de S. Clara. Com licença e privilegio Kcal. Anno de 1597. foi. Na ultima pag. do Liv. IV. e também ultimo se lê que fo! impressa por Alexandre de Siqueira , e António Alvares, e acabada aos dez de Janeiro do re- ferido anno. Foi reimpressa cm Lisboa por Pedro Crasbeeck , e ofFerecida a EIRei D Pedro II. em 1690 , foi. 2 vol. Foi terceira vez impressa em Lisboa de ordem da Academia Real das Sciencias , e começou a sahir o que pertence da Monarchia a Fr. Bernardo de Britto cm i8g(5 em volumes de 8.°, que fazem parte da Collccção dos principaes Autores da Historia Portu- gueza. IJ97 Geografia antiga da Lusitânia. Alcobaça: por António Alvares , 1597 , foi. 1601 íívj l • 32 Memorias da Academia Real 1602 Primeira parte da Chronica de Cister , onde se contão as cousas principaes desta Ordem , c muitas antiguidades do Reino de Portugal. Lisbua , por Pedro Crasbceck. foi. Sahio reimpressa em foi. ibi por Pascoal da Silva em 1720. 1602 Elogios dos Reis de Portugal com os mais verdadeiros re- tratos que se poderão aebar. Lisboa , por Pedro Cras- beeck , cm 4.'' Sahírão reimpressos c addicionados por D. José" Bar- bosa cm Lisboa na OJíicina Ferreiriana 1726 cm 4.0; e de então para cá tem havido mais três edições. 1609 Segunda parte da AlonarcJ.ua Lusitana em que se conti- nttdo as historias de Portugal desde o nacimento de Nosso Salteador Iesu Cbristo , ate ser dado em dote ao Conde D. Henrique. Dirigida ao Catboiico Rey Dom Phelipe II. do nome , ò°c. E composta por seu mandado pello Doutor Fr. Bernardo de Britto , Cbronista Geral , &c. Impres- sa em Lisboa no Mosteiro no Mosteiro de S. Ber- nardo , com Licença e Privilepio Real , por Pedro Crasbeeck , em foi. 161 3 Ojficium Feriale Rosarii Beatissim<£ Vir ghús Maria , com- positum a P. Fr. Bernardo de Britto , Oppido de Almei- da oriundo , Ordiuis Sane ti Bernardi. Folheto em 1 2. O dp meu uso tem rasgada a primeira folha no lugar em que se põe o nome do Impressor , e do lu- gar onde se fez a impressão. 1723 Carta a D. Fr. Agostinho de Castro , datada em Alco- baça a 29 de Outubro de 1606. Sahio impressa a pag. 207 e 208 da Collecção dos Do- dasSccenciasdeLiseoa. 33 Documentos e Memorias da Academia Real da His- toria Portuguc/a , que pertencem ao anno de 1713, e vem incorporada na Dissertação do Beneficiado Fran- cisca Leitão Ferreira sobre o primeiro Concilio Bra- charense : em foi. 1814 Historia da Fundação de Arouca, em 12. Sahio no fim das minhas Memorias para a Vida da Beata Mafalda, impressa em Coimbra naquclle anno (a). M ANUSCRITAS: 13:91 Historia de Sertório c sua mulher Rorea , fundação da Cidade de Évora , e derivação do seu nome. Escrita cm quatro cantos, e acabada neste anno. 15-92 Motiarchi.i Gentílica, de que tenho dado larga noticia: em foi. Só me falta acerescentar que nesta primeira parte vem encorporadas as obras seguintes : Algumas advertências necessárias pêra entendimento desta Moiiarchid\ Opúsculo este cheio de erudição, e que trata em grande parte o mesmo objecto da Geogra- fia antiga da Lusitânia. Relação dos Offjcios e Magistrados de Roma , cm special dos que importão pera se entender esta Monarcbia Gen- tílica. Este opúsculo tem 9 pag. em foi. Tom. VIL Part. II. e Car- ( a Academia Real C^rta curiosa cscripta do autbor a hum grande seu ami- guo , respondendo a outra em que lhe pi dia se não can- sasse tanto no escreuer , pois no tempo de agtiora tão mal se agradecia , e lhe perguntava porque tão pouco estimão os grandes as letras ; e pidia lhe desse relação das le- tras , e sua antiguidade , e de quem forão mais estima- das : cm foi. Consta de 28 pag. , c ahi dá noticia de huma Traducção Italiana dos Lusíadas do grande Ca- mões , que he mui anterior á que vem citada na Bi- bliotheca Lusitana Tom. III. pag. 75-. 15-92 Monarcbia Gottica ou Sarracenica: em foi. Principiou a escrever-se neste anno , pois sabemos que a primei- ra parte se concluio aos 19 de Agosto de 15" 9 2 , e o 2. Livro da terceira foi acabado a 3 de Agosto de 15-93, c ne necessário assinar o restante de 15:92 c talvez parte do anno seguinte para se erer-ver a se- gunda parte , cuja existência já ficou provada. 15-93 Monarquia Catbolica, que Fr. Bernardo de Britto inter- rompeo neste anno como já vimos: cm fc!. 15-96 Republica antiga da Lusitânia em que se trata dos ri- tos , e costumes dos antigos Portuguezes. Fstava escrita em dez Capitulos, e acabada em 21 de Março daqucl- le anno. 1598 Carta que parece dirigida a Gaspar Alves de Louza- da , e foi escrita a 12 de Novembro. Vem nos ma- nuscritos ou colleções de apontamentos do Ghronista mor Fr. António Brandão : em 4.° 15 9 8 Apologia a certas duvidas enviadas pelo Arcebispo de Bra- ga D. Fr. Agostinho de Castro em pontos pertencentes d primeira parte da Monarcbia Lusitana, 8cc. Esta obra nao existe na Livraria manuscrita de Alcobaça ; e sc- guin- • Ofy das Scienrias de Lisboa. 3? guindo nesta parte o Autor da Bibliotheca Lusitana , apenas tenho como verosímil que se escrevesse no anno seguinte á publicação da Monarcbia. 1599 Pr Memorias da Academia Real ouro e prata: a terceira (de que alguns faziao mui- to paço ) era a historia das egoas conceberem do vento : a quarta crão as guerras que conta entre o Porto e Braga : a quinta c ultima , que o nome de monarchia foi impróprio nesta obra. Respondco á primeira e segunda , e não acabou de responder á terceira; e assim faltâo neste opúsculo as respostas á quarta e quinta , se bem que a esta se podem dar cabaes respostas pelo que escreveo no seu Prologo á segunda parte da Monarchia Lusitana , que corre im- pressa. Geração antiga dos Silvas ; tirando sua origem de Eneas. Vem no mesmo lugar, c consta de oito paginas e meia em foi. 1 6 1 1 Historia de N. Senhora de Naaareth , em que se trata da invenção desta Santa Imagem , privilégios e graças que lhe concederão os Rcys , e milagres que a Senhora tem obrado ; e no fim a família e descendência daquelle em quem fora obrado o milagre. Ch tónica delRcy D. Sebastião. Já dei noticia desta obra , e que sendo trabalhada depois de se publicar a segunda parte da Monarchia Lusitana pertence aos últimos annos da vida do A. Não se podem reduzir a ordem chronologica nem o Livro de Famílias , que o Padre D. António Caeta- no de Sou/.a vio em poder de Luis Vieira daSylva, nem a Titulo da família dos Manoeis que por letra de Fr. Bernardo de Britto se conserva no Cartório de Al- cobaça. Obras IAS ScitNCIAS DG LlSEOA. tf Obras começadas e intentadas: Geografia particular da Lusitânia. Consta o projecto desta obra , pelo que escreveo o Autor no Prologo da Geografia antiga da Lusitânia. Historia Ecclesiastica do Reino da Lusitânia. No Cap. 3. doLiv. III. da Monarchia Catholica fal- lando do Mosteiro de Arouca dia que tratará delle na Historia Ecclesiastica que tem começada. Serguas Lusitanas. No Liv. II. Cap. 14. da obra citada diz que tra- tará nas Serguas dos Principes e Infantes que não fo- rão Reis. Collecção das Cbronicas dos Reis de Portugal intentada em 1615 , de que atraz demos noticia. Relação An Terra Santa , conforme a vio o P. Fr. António Soa- res , Monge da Ordem de S. Bernardo , &c. Vem no fim do Codex 369 da Livraria manuscrita de Alcobaça, que he o Itinerário de Fr. António Soa- res, consta de 3 Capitulas e 21 pag. em foi. He da própria letra de Britto , que se propunha compil.ir o que tivesse appareciuo de melhor sobre viagens i Ter- ra Santa. O BB AS - 38 Memorias da Academia Real Obras duvidosas: Segunda parte da Chronica de Cister. Não faz tanto pezo a autoridade de Fr. Jacinto de Deus no Escudo das Ordens Militares pag. 175- in fine , que eu possa attribuir esta obra a Fr. Bernardo de Brit- to ; e não apparecendo , cm muitas Memorias manuscri- tas de Alcobaça sobre a sua vida e escritos, a mais li- geira menção desta obra , ao menos debaixo de outra antoridade cenho para mim, que fiz muito em lhe cha- mar duvidosa. Disfraze dei amor. Vej. Bibliot. Lusit. Tom. I. pag. J28. Seria bem para desejar , que apparecesse algum exemplar do FJogio de Filippe II. em outava Castelha- na , pois talvez o Di fraze dei amor seja o autografo que Fr. Bernardo de Britto deixasse no Escurial quan- do fez imprimir em Madrid aquclla obra ; e quando seja huma obra dislincta não me basta o nome e au- toridade de Franckenau para que eu tenha a Fr. Bernar- do de Britto por Autor delia; mormente não apparecen- do ella no a c curado exame que de ordem da Academia Real das Sciencias de Lisboa se fez na Bibliolheca do lscurial para se apurar tudo o que pertencesse á histo- ria de Portugal , e escritos de Autores Portuguezes. O Autor da Vida do Chronista mór Fr. Bernardo de Britto, que se imprimio no 1. Tomo da já citada Col- lecção dos Hist dadores Portuguezes , affirma que o Magistrado Espanhol D. João Lucas Cortes he o ver- dadeiro Autor da Bibliotheca Heráldica , que sahio de- bjixo do nome do Cavalheiro Franckenau, o que sen- do assim, corroboraria mais a existência do tal manus- crito na Lnraria do Escurial, visto que a asserção de hum das Scikncias de Lisboa. $f hum Estrangeiro , quando nenhum Autor Castelhano désse Fr. B rtiardo de Britto por Autor do Disfraze , nunca d. veria parecer de tanto pezo , que só por cila arguíssemos a Ir. Brm.irdo de traidor á Sereníssima Casa de Bragança. Bu rodaria , que na Bibiiothcca no- va de D. Nicoláo Antónia da ultima edição não acho tal obra entre as que compoz 0 Magistrado D. J> Lucas Cortes, e que no Tomo IV. do Diccion^iio de Moreri da Edição de Paris de 1753 , verbo Franckenau , leio que George Ernesto de Erauckeiiiu era filho do celebre Medico Jorge Franck , c que seguindo a car- reira Diplomática , ròra empregado cm Madrid como Secretario do Sfír. de Ehrcncrona , Embaixador da Di- namarca naquclla Corte , onde adquirira tal copia de i:>ticias, e conhecimentos doestado politico e littera- rio da Hcspanha , que o habilitarão para escrever duas obras, qnaes sao Sacra Themidis Hispana arcana, Ha- ndrer 1-03; c Biblintheca Hispânica , Histórica, Gentú logua Heráldica, LipHã , 1724; e que a final consul- tando as Actas dos eruditos desta ultima Cidade, en- contro no volume que responde ao anno de 1724 não ié a tlotieib da publicação desta obra, mas também hum grande elogio ao S9U Autor , que já pila pri- Rfeini das suas obras conciliara o respeito e admiração óo!> Castelhanos ; fiquei desejoso de saber cm que His- toria Litteraria , < da primeira edição. As pa- lavras de Damião Ac Góes são estas: Çticitttts Jiidjens lusitnnus magnas Aitrologut\ e podem ler-ss nos Opúsculos do dito Góes da edição de Lovaina em 1 544 pag. 28. 6ISTT Ofr DAS SciENCIAS DE LlSCOA. 4J affiança de tal modo a existência de Zacuto , que parecera Imin re- finado scepteismo querer ainda pôr duvidas á existência cielle. Já o eruditíssimo Srir. António Ribeiro dos Santos combateo a favor de Fr. Bernardo de Britto por tal maneira , que seria ocioso deliberar novamente sobre numa questão já de sobejo discutida , se por ventura não fosse do meu intepto alienar tudo que possa favorecer o Chronista mor Fr* Bernarda ãt Britto ; e a meu ver cumpria que o louvado Académico seu ultimo defensor lhe não tirasse a gloria de ter sido o primeiro que recorreo á autoridade de Damião de Coes. He certo que Ir. Bernarda não arhrmn que o Tratado dos c/imas fosse dedicado a ElRei D. AHonso V., e muiio embora se pôde seguir a opinião de Manoel de Varia e Snuza , (a] que attribue a Dedicatória , e o Tratado a hum contemporâneo do Snr, D. Affon- so III., pois attendendo ao que nos resta daquella Dedicatória, he fácil de conhecer que esta opinião he a mais bem fundamentada ; e quanto mais antigo for o Astrónomo Çacuto Lusitano, menos ra- zão haverá para se notar que Woijio , e 'D.José Rodrigues de Cas- tro não o contem no numero dos escritores Rabinos Hespanhoes. Considerando pois esta questão já resolvida nas addiçoes feitas á primeira Memoria sobre os escritores Judeos Portuguezes , [b) al- legarei hum exemplo a meu ver , mais que suficiente para quebrar a força do decantado argumento negativo , que se tira do silencio de Woijio, Batholocio , (lastro, e outros que tratarão especialmente da Litteratura Hebraica. Dons varões dignos de eterna memoria , e cujos nomes por ventura ainda serão mais aplaudidos na posterida- de, a pezar do muito que já o forão em nossos dias, quero dizer, os Senhores D. Yr.blanoel do Cenáculo Villasboas , (c) e António Ribeiro dos Santos (d) affirmão posirivamente que no Século XVI. deixarão de ter uso em Portugal os prelos Hebraicos , que tanto ha- yião libido no antecedente; e o segundo destes Autores acerescenta que a pezar da existência de caracteres Hebraicos nos prelos de Coim- bra , não ha monumento que prove o seu uso naquella idade. Sup- ponhamos agora que eu por estudioso da Litteratura Hebraica , an- nunciava ao publico, que na Livraria de Alcobaça existe huma Grammatica Hebraica dada á luz em Coimbra no anno de ij66 , e que o seu Autor he hum Judeo convertido , por nome Francisco de (a) Europa Portugueia Tom. j. pag. 581 da edição de Lisboa em 1680. (4~) Primeira parte do Tom. 8. das Memorias de Litteratura Portugueia pa». 2a:' e seguintes. (O Cuidados litterarios do Prelado de Beja pai;. 69; Memorias Historira' . e Ap- pendfM 2. á Disposição 4., &c. , Tom. 2. pnj. 7;. 00 Tom. 2. das Memorias de Litteratura pag. j<8. ■ 46 Memorias da Academia Real de Távora , e que por injuria dos tempos ou qualquer outro inci- dente, desapparecia daquella Bibliotheca o sobredito livro, e que passados duzentos ou trezentos annos se produzia a autoridade de hum Monge de Alcobaça para verificar a existência daquelle monu- mento litterario, ; quem duvida que eu teria de passar pelo mesmo fado que o Clironista Fr. Bernardo de Britto , e que se attribuiria a cquivocação ou falta de exame, o que não saberia conciliar-se com o grande numero de exemplares, que ordinariamente sabem do pre- lo, e multiplicáo as mais insignificantes producções? ,;Qi!em duvida que os respeitáveis nomes de Cenáculo, Ribeiro dos Santos, e Ro- drigues de Castro me deixariao convencido , quando não fosse de impostor , ao menos de ligeiro e distrahido no exame dos livros de Alcobaça ? Não hc pois fora do meu intento applicar esta , que me pare- ce descuberta , ao que se passa com Fr. Bernardo de Britto. Sendo tão fácil como he de acontecer , que os livros manuscritos (cujo nu- mero por mais importante que fosse a obra , era sempre mui infe- rior ao de qualquer obra que se publique depois da invenção da Arte Typografica) cheguem a deteriorar-se , e pereção de todo , não he para admirar, que só a Livraria de Alcobaça possuísse o Tra- tado dos climas , que não apparecia nas outras; e se he licito usar de hum argumento a posteriori, j em que Livraria deste Reino se guardarão manuscritos como na Livraria de Alcobaça ? ^ Em que Livraria deste Reino existem copias de Santos Padres, de Commen- tarios á Sagrada Escritura, de obras Crammaticaes e Filosóficas, e de varia litteratura como na Livraria de Alcoboça ? Seria necessá- rio achar outras igualmente recheadas de manuscritos para ter lugar a objecção tirada do silencio dos Autores Portuguezeí. E se de tan- tos exemplares que de certo se imprimirão da Arte de Francisco de Távora, talvez só exista o de Alcobaça (a) { que muito he que só em Alcobaça apparecesse o Tratado de Zacuto Lusitano ? Já he terri- na) Francisco HeTavora erajudeo, que, segundo elle escreve na Dedicatória ao Con- de da Feira D. Diogo Pereira, foi mandado para Tbessalonica aos dez annos de idade, a fim de aprender a língua Syriaca, e passou pouco depois á Grécia, onde aprendeo as lín- guas Chaldea, e Arménia. Foi chamado a Constantinopla onde tinha muitos parentes , que o fizerão tomar o gráo de Mestre , que eNercitou em Veneza ensinando as línguas Orientaes. Nesse tempo sentio-se abalado com as provas da Religijo Christa, e nom-i- damente com o verso do Génesis i\ ou auferctur tceptrum dejiida, &c. ; e concluindo desta Profecia que já viera o Messias promettido, sahio para Roma o.ide foi baptizado Cai rei Laurentius Pirei a Távora prxfmt. Em obsequio a este Fidalgo, Embaixador do Snr. D. Sebastião na Cúria Romana , tomou o appellido de Távora; e logo se vio obrigado a fugir com medo de que seu pai , e seus parentes o matassem. Depois de, muitos perigos e trabalhos , veio dar a Salamanca , onde ensinou Hebraico por espaço de das Sciencias de Lisboa. 47 tempo de examinarmos a genuinidade da Historia do Mestre Me- negaldo. O Aut(T da Bibitotheca Lusitana para defender o Chronisra ■Pr. Bernardo de Britto do labéo de fabricador de Códices, allega o testemunho do sábio Muratori, no que certamente abrio caminho ás investigações que fiz sobre este assumpto : mas enganou-se em accrcscentar que no volume 4. dos Anerdoins pag. 163 do referido Autor se encontrava huma copia da Historia de Memegatilo citada por Fr. Bernardo de Entro. Muratori com efleito publicou hum Opúsculo de Mestre Mcnegaldo , que extrahio do manuscrito 305" letra S. da Bibliotbeca Ambrosiana , e que bem longe de tratar as- sumptos históricos, desde o primeiro ate ao viçessimo quarto e ul- timo Capitulo se emprega todo em combater a Wolfelmo de Coló- nia , que seguia a voz do Imperador Henrique IV. nas suas bem sa- bidas controvérsias com o Romano Pontífice. Muratori deixou advertido em hirma Prefação, que vem ri fren- te daquelle opúsculo, que só conhece este Mene^aldo pelo titulo de Mestre, e que em tudo o mais lhe he desconhecido, visto que os melhores escritores de Historias Litterarias não fazem memoria de tal Autor. Lembra-se comtudo de que nos Misce!!.t;;ros de Baluzio Tom. IV. se faz menção de hum certo Manegaudo , que florecia e escrevia pelos annos de nc/o. Nos meus apontamento?! ( prosegue Muratori) acho hum breve cathalogo de inéditos offlrecido ao eru- dito Lucas Hu/stenio, onde se lé o seguinte: « Menetraldus vel Me- »» n.ngr.ldus Latinus Historiais. Qui plurima e Tropo Pompcjo et >» lustino quoad profana transcripsisse videu.r. lnitium operis hoc » est. Assyriomm Regum potenti^simus olim fuit Ninus , qui bel- »» lum finitimis inferens regibus, &c. >> Segtie-se o juizo de Jucás Holstenio: « Io credo che sia uri Manigoldo. Auctor nullins judicii , >» nec pretii , quorum centúria; reperiumur passim in Bibliothecis Mo- »» nasreriorum , qualis Petrus Comestor, Vincentius Belluacensis , alii >» que ejus farina; consarcinatores , qui quum nullum suis Historiis >> initium repeiire possent , ab exórdio mundi repereb2nr , ut mali » Poetx Trojar.um bcllum gemino ordiuntur ab ovo.'» Ora as pri- meiras palavras da Historia de Meocglldo existente nos manuscritos crão estas: Assiriorum igitur Rex, (e) e ainda que não sejão as rro- oito mezes , e com pequeno salário. Não podendo habituíx-se «os trios de Salamanca, veio para Co cnbra, onde achou bom £a:alludo, e toda n sort- de benefícios na pessoa de D. Rfdii^a filho do Colida da leita, aue sesjuij os eaudos de Coimou, e a instan- cia dos mancebos Cjiiu desejaváo aprender a linrua Santa, cempoz a sua Ijrammatica He- braica, que jaliio impressa ntquello Cidade por Jtãt Btrrtlrn em 156S. (/) Prologo da primeira Parte tia Ntn. L« :f. foi. ; y .-•T Gr 48 MniOUAS DA AcADEMH Rat próprias do Codex censurado por Ho/stenio , lie ral a coincidência do exórdio a outro respeito , que será necessário hum desmesurado empenho de censurar Ir. Bernardo de Hrittn para que , sendo con- forme o objecto de cjue trata o exórdio de ambos os manuscritos, se argumente contra a identidade da obra pela differença de huma ou outra palavra. Pareceo-mc justo indagar que pesseas daquelle nome fizerão al- gum vulto na Republica das Letras ao menos desde o Século X. nté ao XII. , para ver se descobria quem foi o Autor do Opúsculo contra Wolfelmo , e se a este pôde quadrar a composição da Histo- ria Geral ai legada por Fr. Bernardo de Brilto. Sem me fazer car- go das pessoas desse nome ou anteriores ao Século X., ou ainda que posteriores j daquellas a quem não pôde convir a denominação de escritor , direi que só pude achar quatro Menegaldos , ou Ma- negaldos. O primeiro he o Filosofo Mencgr.ido de quem se lembra não só Ptoíomeo Lucense , mas também Ricardo Pictaviense (a) na sua Chronica , fazendo-lhe ainda maiores elogios, que os produ- zidos por Muratort. O segundo he o Mestre Manegaldo de Lut- ítnbach, que principiou a instituir o Mosteiro de Marparch , e es- te mesmo sendo Cónego de Luttcnbach , foi prezo por ordem do Imperador Henrique IV. , e detido no cárcere por muitos annos. (/') O terceiro he Mestre Manegaldo que florecia pelos annos de 1150, e dirigio huma carta a Wibaldo , Abbade Stabulense , de cuja res- posta se infere somente que o tal Mestre era mui dado aos estudos Filosóficos, (f) O quarto que se pode acerescentar pelo motivo, oue logo se apontará, he Mancgoldo , Abbade de S. Gallo , que por espaço de treze ánnos regeo e>ta Abbadia , em que suecedêra por morte de Vodarico, Patriarca de Aquillea e Abbade de S. Gallo, suecedida em 11 12. (d) Do exposto se vè claramente , que a obra contra Wolfelmo se deve attribuir antes ao segundo, que ao primeiro Menegaldo , visto que o Cónego de Luttenbach he perseguido pelo Imperador Henri- que IV. a quem a obra contra Wolfelmo devia ser muito desagra- dável , e nenhum motivo ha para a attribuirmos ao Filosofo louva- do por Ptoíomeo de Luca , e que florecia depois daquellas contesta- ções, vis:o que, a pezar da sua erudição sagrada , não lhe ficava tão ai- (íi) Martenne , Vtíerum Seriptoritm et momimeníortim V amplíssima collectio , Pa- risiis 1724. Tom. j. Col. 1169. (i) Na mesma Collecção Tom. 4. Co!. 558 na lista PrjeposUorum et Coniitam , oui diverso tempore in Monattcrie OberkloeStcr habitanmt , debaixo do anno de 1094. (1) Na mesma Coll ão Tom. 2. Col, ísi e seguintes. (rf) Múbilhn , Ai naes Benedietimn da edição de Luca, 1740, Tom. 5. pag. 547. das Sciencias de Lisboa. 49 airoso metter-se em dispuras sobre as regalias , e direitos do Cleroi Resta-me pois escolher nu v terceiro, ou o quaito para Autor da Historia allegada por Fr.- Bernardo de Britto , e aqui lie forçoso deixar o caso indeciso em quanto me não apparccerem melhores fundamentos, que determinem o verdadeiro Autor daquella Historia; e sendo todavia muito provável , que fosse parto da penna do tercei- ro Manegaldo , impedio-me de o a (firmar com toda a certeza , o que li no Catalogo dos Livros impressos e manuscritos da Livraria publica de Leydc. (a) Entre os Livres Latinos que pertencem á His- toria e Litteratura , e que tinhão sido da Bibliotlieca Vossiana , apon- ta-se (i>) l.iber contineus varia excerpta scriptura veteri , et sape Longobardica ; e depois de indicadas varias lendas de Santos, e vi- das de homens illustres , continuúa : Alivd Manegoldi D cani Mo- nasterii A'. Gal i. Houve por tanto hum Decano do Mosteiro de S. Gálio , que escreveo alguma cousa de Hi toria ; e só esta noticia que apparecesse bastaria para livrar o Chronista mor da imputação de fabricador de Códices, e Documenros. Se fiquei em duvida sobre o verdadeiro Autor da Historia que corre debaixo do nome de Menegtddo , nenhuma posso ter de con- cordar com o juizo do sábio Holslenio sobre o merecimento do Au- tor dessa Compilação ; mas observarei de passagem , que Fr. Bernar- do de Biitto o citou raras vezes, (c-) e que bem mostrou não tinha nelle a maior confiança ; e já na edição da Monarcbia Lusitana , que foi publicada de ordem da Academia Real, vem correcto pelo Director da Classe hum erro palpável , em que Menegaldo fizera cahir o desprevenido Chronista. i d ) Não será tão fácil encontrar nas Livrarias estrangeiras os Lai- mundos e os Alladios , que tratando especialmente das nossas cou- sas, não tentarião os amanuenses Francezes , Allemães , e Italianos para transcreverem o que nem Ihrt tocava , nem de algum modo lhes dava interesse; e por isso a falta de noticia de taes escritores não pode formar nem ainda huma simples presumção contra a boa fé e probidade do Chronista Fr, Bernardo de Britto. Entre tanto se o doutíssimo D. Fr. Amador Arrais citasse a Laimundo na primei- ra edição dos seus nunca a sás louvados , e mui instruetivos Diálo- gos , assim como o fez na segunda já posterior á impressão da pri- Tum. I II. Part. II. g mei- (a) Foi. impresso na mesma Cidade em 1716. CA) A pag. J82. Qc') AcKei só quatro citações, e sobre cousas m mythologícas , ou de nenhuma enti- dade: na primeira Harte da Ãlon. Liisit., e na segunda s: ve que Fr. Bernardo de Britto o abandonou inteiramente. (- 5"4 Memorias da Academia Real O modo de colher he , ou arrancando á mão pelo tronco , ou á enxada conforme a dureza da terra. Cada plan- ta traz de ordinário 3 , 4 , 011 5 raizes ; c então as sepá- rao delia , e em cestos as conduzem para a casa do fabri- co. Os troncos fazem-se cm molhos , c arrecadão-se para a nova plantação (a) . Fabrico da farinha. O fabrico da farinha da mandioca consta de cinco ope- rações essenciaes , a saber : Raspar , Rallar , Espremer , Pe- neirar , c Cozer. Raspar. Põe-se em montão a mandioca no meio da casa , e de roda se sentão os escravos , e com facas (b) a raspão , e cortão a parte lenhosa que adhere ao tronco. Depois de haver quantidade raspada , he conduzida cm cestos a lavar em huma grande canoa , ou gamella destinada para esse fim : outros que tem ribeiros próximos a casa , a lavão ahi ; depois de bem lavada , a reconduzem para o lugar aonde está a roda para ser rallada. Da der menos ; com tudo parece-me , visto ser a agoa da mandioca muito venenosa , que não pôde ser saudável , a farinha que delia se tira neste estado , não obstante ter passado pelo cozimento. Resta observar , se a moléstia a que chamão opilação , que muitos daquelles escravos, e lavradores padecem, seja o resultado do uso des- ta farinha , sendo comida , principalmente seca , como he lá ordinário sem alguma outra preparação. (a) He de notar a prompta vegetação desta planta. Se por acaso dei- xáo alguns destes troncos , e mesmo os molhos , duas , ou três noutes sobre a terra , e ao ar livre , toda aquella parte que fica encostada á terra , grela , e lança raizes. (b) Preferem as facas velhas , e até sem cabo , como mais geitosas para este fim. Para divertirem este trabalho fazem apostas, isto he, raspa hum metade da mandioca , e dá a outro para raspar a outra metade , de sorte que o primeiro náo deve deixar esperar o segundo. D'AS SciENCUS l)t ElSBOA. J-j Da Roda. A roda de rallar , como se vc na Estampa, ( Fig. i.) he a mais simples ; ordinariamente tem quatro palmos de diâmetro Quando hc maior, e por isso mais pesada, ne- cessita de maior força para se pôr em movimento : então tem duas manivellas nas extremidades do eixo para ser to- cada por duas pessoas. Muitos põem duas taramelas por cima do eixo , para impedir que a roda salte , o qrtít muitas vezes succcdc pelo pouco geito , e desigual mo- vimento de quem lho communica O eixo por baixo da ta- ramela tem hum relevo em redondo cncdx.nlo na chuma- ceira para que a roda não ruja , e encoste no banco. O biAr* da-pó, ou coberta da roda serve de amparar as partículas ralladas que vão apegadas ao rallo ; e com o movimento rápido da roda, saltão, e se apegão ã coberta, donde cabem por si mesmas , ou se deitão abaixo de tempo a tempo. Esta coberta he feita de forma que se possa desarmar; não só para mais commodidade de se lavar, como ò: Se tirar a roda quando for preciso picar-se de novo o rallo, OU pôr outro. Estes são ou de cobre , ou da composição métrica chamada arame. O caixão por si mesmo indica o seu préstimo , que he para receber a massa, isto he , a mandioca rallada : pode ser mais largo , e mais comprido : os pés do b aneo *a:» fir- mes , c enterrados , e em forma de forquilhas aonde atra* vessão os páos que sustentão o banco (Fig. t.). Os Lavradores porém que fsz-em a força da sua lavou- ra em mandioca , usão de engenhos mais ou menos simpli- ecs movidos por agoa , ou cavados. Alguns ha cujas rodas de ralbr são horisontaes , c neste caso trabalhão duas pes- soas defronte huma da outra , applicando a mandioca á ro- da. Os tocados por agoa, são alguns como azenhas. Não dou a descripção destes engenhos porque varião , alem de que as pessoas que. tem idéas destes mechanismos , facilmen- te «ia» o$ $6 Memorias da Academia Real te os concebem , bastando dizer que quasi todos não tem mais que duas , ou três rodas , roda de rallar , c almanjar- ra. Rallar. (a) Sendo esta operação tão simples, como parece, não o he com tudo na pratica , não só porque he necessário sa- ber applicar a mandioca á roda, para não tirar pedaços, como saber emendar os pedaços pequenos que a mão não pódc segurar.} sem risco de rallar os dedos; e eis-aqui o que se faz. Senta se a pessoa incumbida deste trabalho , em cima do banco , e da parte aonde está a abertura na coberta : to- ma cm cada mão huma mandioca, (b) e apoiando huma das extremidades delia sobre o bordo , ou corte do banco que fica na abertura da coberta , as applica á roda ; e vol- vendo as mãos já para a esquerda, já para a direita, offe- rece a mandioca , de modo que a roda a coite obliquamen- te. Logo que huma delias fica pequena , levantando-se a mão, inclinasse, mais a mandioca, e se faz nella huiu cor- re todo transversal ; advertindo que no caso que esta seja a da mão esquerda, trocão-sc as mandiocas, ficando a maior nesta mão, então faz-se o mesmo corte na maior, e pondo- se-lhe o pedaço pequeno por cima , ajustão-se pelos cortes formando a emenda , a qual se acompanha com o dedo pol- legar da mão direita até se largar, e ser rallada com o pe- daço maior: e assim se continua, tomando outra mandio- ca , &c. No Brasil ha tão grande habito , e desembaraço nesta operação, que durante cila , estão muitas vezes quasi a dormir sem se ferirem, (c) De- (rt) No Brasil se diz — sevar a mandioca. (/>~) A mandioca está em hum cesto , e posto este em cima de hum grande pilão de páo , chegado á pessoa cjue opera para lhe ficar a gei- 10 de as tomar , &c. (c) O frbrico da farinha da mandioca se faz também de nonte. DAS SciENClAS l)E LlSBOA. J 7 Depois de haver porção bastante de massa , vão ou- tros cuidar em espreme-la , em quanto a roua continua a trabalhar. Espremer. Dous são os modos que ha de espremer a mandioca rallada ; a saber : na prensa , ou sem cila , nus sempre no que chamao Tipití. Ha duas formas de Tipití. O que serve na prensa he pouco mais ou menos da figura de hum cabanejo de dous palmos de altura , e palmo e meio de diâmetro ; o fundo , ou assento hc quadrado , e no alto feixa formando huma bocca que tem hum palmo de diâmetro : são de hum teci- do tal que ficâo elásticos , construídos de huma espécie de cana que chamão Ubá, similhantes ás que vem da ín- dia Oriental com o nome de rotas ; porém mais flexíveis , e com os gomos mais curtos. O outro, que tem o mesmo tecido, e da mesma matéria, he comprido, e terá cinco ou seis palmos de comprimento , e menos de hum palmo de diâmetro: a bocca, que he obliqua, remata formando huma alça guarnecida com huma espécie de verga muito forte chairuda Cipo embê , ou d'outra Cipó caboiôlo : na parte de baixo tem outra igual alça. Este Tipití he o mais vulgar , e o modo de usar delle he o seguinte. Primeiro o põem perpendicularmente em huma peque- na gamclla ; e comprimindo-o para baixo afim de encolher, e apresentar maior capacidade , o enchem pouco a pouco j depois com hum páo grosso soca-se , e aperta-se a massa , a qual começa a deitar huma agoa còr de leite devida á grande quantidade de fécula que traz comsigo ; e assim se continua até se encher: tapa-se a bocca com tolhas verdes de bananeira a modo de rolha ; e levando-o ao logar aon- de está huma forquilha , ou arvore em que ha hum ramo cortado cm forma de cscapola , ahi o pendurao pela alça da bocca, ficando levantado do chão três, ou quatro palmos; mettem-sc então na alça interior as extremidades de duas Tom. Vil. Part. II. h va- j 8 Memorias r> a Academia Real varas grossas, dcscançandu mo ch.1o as outras duas extremi- dades cm fóima de tesoura: cm cima destas roras poem-sc junto ao lipiti algumas pedras, que com o seu peso puxem por elle ; augmentando-se porém de tempo a tempo o dito peso á proporção que a massa vae largando a agoa. Desta só se recebe ■ primeira que sahe , por vir carregada de fécula, e despresase a outra que he de cor loira: c logo que a massa não deita mais alguma agoa , tira se o Tipitl , e leva-se a despejar em hum caixão , para ahi ser peneira- da. Este he o modo de espremer dos Lavradores menos opulentos. O outro modo he , empregando o primeiro Tipití, e a prensa ; cujo processo he mais simples , e vem a ser. Enche-se o Tipiti: cobre-sc a boca com folhas verdes de bananeira , e espreme-sc na prensa , como se mostra na estampa ( Fig. 2. ) . Alguns tem usado de hum caixão com muitos furos , e huma taboa grossa que entra justo no dito caixão; e as« sim o mettem á prensa j porem este uso tem sido abando- nado por levar mais tempo em espremer. Peneirar , e forma dos Peneira. Os peneiros , a que chamão Gurupembas , são feitos da mesma espécie de canas Ubá, e quadrados: os lados são ata- dos, e rematados em duas varas, as quaes nos ângulos do peneiro sahem fora. quasi hum palmo , cruzando-se as de hum lado com as do outro; e servem de sustentar o penei- ro nos bordos do caixão, que recebe amassa peneirada, (a) Ellcs são côncavos, como o assento de huma cadeira de pa- lhinha , quando pelo uso está mettida para baixo: tem ca- da (.1) Em Portuç;.-;! podemse construir iguaes peneiros com os juncos com que se cmp.lhão as c.ideiías , que serão de muita duração para muitos usos , e melhores do que as joeiras vulgares. dAs Sciencias de Lisboa. yej da lado dous palmos c meio , pouco mais ou menos , e o seu tecido, ou crivo forma pequenos quadrados. O trabalho de peneirar he quasi sempre feitio pelas crianças , que tomão divertimento nisto , e estão as vezes duas ao mesmo peneiro. Toma-se a massa que está como em bolos , ou peda- ços da figura do Tipiti ; e com as mãos a apertão sobre o peneiro para os desmanchar , e então começão a esfregala no dito peneiro , e para todos os lados até não haver mais que passar, ficando tão somente os fragmentos da mandio- ca que não foi bem rallada , assim corno parte da casca grossa , ao que tudo chamão Crueiras. (a) Logo que se principia a peneirar, cuida-se em pôr fogo ao forno. Do coser , e forma do forno. Chamão forno a hum tacho , ou bacia de cobre , cu- ja bocca tem dez palmos pouco mais ou menos de circum- ferencia , e quasi hum palmo de altura ; sendo o fundo hum pouco concavo , e menor do que a bocca. Está collocado em cima de huma grande fornalha , que tem a figura de ver- dadeiro forno , tanto na parte interna , como externa ; sen- do a sua altura de trez pe's pouco mais oU menos ; são quasi todos construidos em hum canto da casa , e tem a bocca da parte de fora , para se evitar não só a fumaça , como o demasiado calor ; de sorte que a pessoa que está a mexer a farinha , avisa a outra para lhe augmentar , ou diminuir o fogo quando julga conveniente j não podendo largar o trabalho de mexer , sem risco de se lhe perder a farinha , ou seja tornando-se em pasta , ou em grumos a que chamão Carolos , ou finalmente queimando-se. h ii Tem (a) As Crueiras servem pari suçrenr.içáo dos porcos , e ainHa dos es- cravos , os ijuaes a arrecada» , seccáo ao Sol , pizáo are reduzir a po , e separáo o mais fino que chamão F-.bã , com o qual (azem huma es» pecic de pão , a que dão o nome de Angu. 6o Memorias da Academia Real Tem alem disto todos os fornos huma espécie de ter- rado la irilhado , que abrange o angulo da casa , ficando mata levantada do que a bacia , e serve para nelle se depositar a farinha meia cozida , como se vai a dizer. Logo que a bacia tem tomado calor conveniente , (a) deita se huma p; rção de massa peneirada, que então está solta , c com huma ou duas pás de páo que tem hum pal- mo de comprido, e meio na -sua maior largura, ( Fig. 3.) vai-se mexendo, ora com huma, ora com outra mão, para hum e outro lado, cspJhando-a sempre por toda a bacia; e apenas e!la tem enxugado alguma cousa, ajunta-se-lhe ou- tra tanta , mexendo-se sempre ; e isto se repete em quan- to a bacia pôde conter sem dificuldade de se mexer bem. Feito este primeiro cozimento , lança-se a farinha para cima do terrado, e começa-se de novo a mesma operação, até haver porção suficiente que de ordinário he de duas , ou três fornadas: ajuntão-sc então, isto he , puxa-sc pou- co a pouco a que está no terrado , e mistura-se com a que está na bacia, e continua-se a mexer, atirando com a fari- nha para o ar: assim recebe esta o ultimo cozimento, a que dizem torrar, e que se conhece não só pela cor, c cheiro agradável , como pelo signal ordinário , que he o som que ella faz quando se esfrega entre os dedos. Neste estado tira-se promptamente do forno , porque se se demora , toma a cor loura por principio da combus- tão , que se segue rapidamente: porém se a tirão antes de estar bem cozida , isto he , bem seca , sahe huma farinha molle , c de pouca acceitação. Além (/j) He de notai c|ue se se principia a cozer a farinha com pouco fo- go , resulta huma raiinha poenra , e que não he boa ; se com muito fo- go , resulta huma farinha grossa , e reputada má. fiia-.t 0$ DAS SdEHCIAS DE LlSBOA. 6 t Além da farinha que se faz da mandioca , tirão-se delia outras preparações , como são os Polvilhos , Tipioca , c Carimd. Polvilhos. Os Polvilhos não são mais do que a fécula da mandio- ca, que se obtem ordinariamente da que depõe a agua que sahe dos Tipitts pela espressao, e se preparáo desta sorte. Apara-se a agoa que sahe em quanto he alvacenta: òA- xa-se em repouso , no outro dia decr.nta-se , e deita-se-lhe agoa limpa: mexc-se , coa-se , c torna-se a deixar assentar: repete-se esta lavagem ate que a agoa saia clara ; e tendo-se decantado a ultima , a fécula que fica , põe-se a secar ao Sol , e em tabolciros , e eis-aqui os Polvilhos. Quando se pertende grande quantidade procede-se do modo seguinte. Toma-se a mandioca rallada ; deita-se cm grandes ga- mellas , ou canoas; lança-sc muita agoa, mexc-se; e espre- mendo com as mãos a massa, esta se vai pondo de parte para ser de novo lavada em outra agoa ; e assim se con- tinua até não deitar fécula alguma, o que se conhece pela cor da agoa ; coão-se então rodas estas agoas por panno de tecido grosso, c se prosegue nas lavagens como fica dito. {a) Tipioca. A Tipioca he feita da mesma fécula ; ou para melhor dizer he o Polvilho cozido. De- (/j) Alguns Lavradores de ma consciência aproveitáo esta massa es- premida , ijue não he mais do a/o* palha ; misturáo com o.:ia boa , e fazem de tudo farinha conhccut.i , secundo a» proporções Ja mistura, com o nome de Jarmba espremida. r 0'V 6i Memorias da Academia Real Depois de assente a fécula , tira-se a agoa por incli- nação , cobre-se com hum panno de algudão, ou de linho, de sorte que este fique bem encostado d fécula ; deitáo-se cinzas em cima deste panno, na espessura de duas, ou tres poilegadas a fim de absorver a maior quantidade d'agoa que a fécula contém ; e quando está mais enxuta , passa-se pelo peneiro, e procedesse logo ao cozimento, como se fez com a farinha, (a) Alguns pcneiíão a fceula assim húmida em cima do forno, tanto quanto baste para dar-ihe a grossura de tres linhas, ou menos; c logo que romã algum calor, e as suas partículas se adhcrem , dobra-se em forma de cartuxo, ou de guardanapo, e deixa-se cozer de todo até ficar seca, ao que d ao o nome de Beije de tipioca. {b) Ca- Ça") Em Portugal póde-sc obter muito boa Tipioca, huma vez que haja Polvilhos , procedendo-sc da maneira seguinte. '1 nmc-se huma porção de bons polvilhos ; lance-selhc em cima bas- tante agoa; destaçáo-se bem os polvilhos; coe-se para outro alguidar, para separar alguma impunidade 1 Jeixem-se assentai os polvilhos; decan- te-se , e tome-se a lavar as vezes que se julgar conveniente, até os pol- vilhos ficarem bem claros : decante-se então esta ultima agoa , e enxu- guem-se por meio da cinza, de sorte que fique huma massa susceptível de se peneirar, o que se far;i em huma peneira de cabello, que tenha o crivo bem largo , esfregando a massa , e levemente com a mão. Tome-se depois huiiia bacia grande de confeiteiro ; ponha-se a ca- lor brando; deite-se pouco a pouco a massa peneirada, e com huma co- lher de páo se mexa bem até que os grãos que forma se tornem algum tanto transparentes , e secos : ella sahirá mais ou menos granulosa con- forme a presteza de mexer , e o gráo de calor ; e eis-aqui huma Tipioca melhor do que a que se vende vulgarmente , que he cuja , e malfeita. (7>) Estes Bcijús migados no leite, não sò são excellcntcs no gosto, como muito applicados aos que padecem do peito. Fazem-se também fieijíii da mesma massa peneirada da mandioca , e lhe dão difterentes nomes , e formas. Se tomada huma porção de massa , a que ajuntão sal põe a cozer em lórma Je pasta, entte folhas vetdes de bananeiras , chamão Manam- pança : este beija não fica duro. Se pondo porém a cozer em formas redondas feitas de canas, e com pouca grossura , resulta o chamado simplesmente beiju , ou beija fino ; que he seco , e dura por muito tempo sem se cortomper. Também os fazem com assucar. DAS Sei ENCIAS OE LlSBOA. fj J Ca; imá. Mettcm-sc cm hum cesto algnin.is mandiocas, c mer- gulha-sc csrc cesto no rio ; ou põe se a mandioca de mo- lho cm hum pote grande: depois de alguns dias tira-se a mandioca que tem passado por huma maceraçío tal , quo se acha inchada, separada da casca, e mollc ; c neste esta- do chamao mandioca piiba. (a) Apartada então da casca , passa-se por agoa huma, ou duas vezes , paia lhe tirar hum cheiro pútrido que traz ; pi'/,a-sc cm pilão de pão , ou de pedra , c formao-se com esta massa pequenos bolos , ou pastilhas , que depois de bem secos ao Sol tonuo o nome de Carimá. Variedades de mandioca , e usos que delia se faz. Entre as diversas qualidades de mandioca que ha , as mais usuacs são a Matidi, Mmâipáia , c Aipi. A Mandi he hum tanto doce. Os pretos a comem crua j cozida, e assada. Também a raspão, cortao em talhadas delgadas , seção ao Sol , pisão , e se par ao o pó fino , ou fubá , do que fazem o angu. Serve igualmente de sustento dos porcos, e cavallos , assim como a própria rama. (b) A Mandipdia he amargosa , c tem a segunda casca ti- rando A côr roxa , mas dá muito boa farinha , e rendosa ; evita-se que os animaes a comao , porque os mata. (r) A ( Servi-me desta bacia sem ser estanhada, por ter julgado que o attrito da colher, a humidade, e calor tivessem feito soltai partículas de estanho oxigenado , o erva cão. As batatas assim de molho hiao pouco a pouco des* manchando-sc cm polme. A agoa tomava progressivamente huma côr alambreada apresentando na superfície alguma es- puma , e com hum cheiro desagradável ; e ultimamente achei pegado ás paredes do vaso huma s -.instancia mucosa de côr parda escura : c tendo observado alguns filamentos envolvi- dos no polme , levantei-os com hum garfo de prata , e ti- rei huma rede delicada , que servia de conter a fécula, &c. Conta dos produetos relativos em peso, 24 onças de batata descascada , depois de secas ao Sol derão de farinha . . . onças 9 20 onças de batata rallada , produzirão de fa- rinha . . . . , onças 7 Fécula que sahio pela expressão .... ouravas a '- 8 onças de batata descascada e po3ta de mo- lho derão de fécula onças 2 Attendendo ás particulas que se não rallárão, e ás que ficavão apegadas ao rallo , &c. , julgo que por qualquer dos processos de se obter a farinha , sempre o produeto será na razão de 2 - : 1. Es- siair ot, ~ o Memorias da Academia Real Estes ensaios forão feitos no mez de Março , tempo em que as b.itatas sofrem alteração pelo desenvolvimento dos seus grelos. Pode muito bem ser que a differença da- qucllas cores , e produetos seja o resultado desta alteração. Em todo o caso paia se alcançar boa farinha das ba- tatas, deve-se cuidar na sua cultura; escolher das .varieda- des as melhores, e mais rendosas; observar o tempo da sua perfeita maturação para se colherem ; e reduzillas logo a fa- rinha , separando-se as mais pequenas para a nova planta- Comparando pois os dous methodos que segui nos pe- quenos ensaios de que acabo de dar conta , he claro que o methodo do }.° ensaio he o mais natural, o mais simples, c menos dispendioso , e está ao alcance de todos ; prati- cando-o no tempo de recolher as batatas; pois sendo, co- mo he , em tempo em que ainda ha força de Sol , com fa- cilidade se secarão. Elias se reduzem a pó mui promptamente , ou seja em pilão , ou mesmo cm algum moinho que para esse fim se construa, (b) No (rt) Tem-se observado (e he natural) que huma batata pequena e in- teira , he melhor para plantar do que hum pedaço por grande que seja. (/>) Parmtntier ptopóe , para conservar por muito tempo as batatas , de lhes dar alguma» fervuras cm agoa e sal , cortallas cm talhadas ; ex- pollas ao forno de cozer pão aré que eilas se sequem adquirindo huma nansparentia córnea ; as quaes cozidas ao depois cm algum liquido a to- go bundo produzem hum alimento similhanre ao da batata fresca. Diz mais , que reduzindoas a pó dán hum polme , ou caldo muito salutifero .... Que cortadas em talhadas cruas , secas ao Sol , ou ao fogo , nunca pojeiaó dar mais do que huma substancia desagradável á vista , e ao gos- to , e que este meio Jeve set rejeiudo. {Novo Dicc. de Hht. Nat., &c.) Convenho em que as batatas cruas , cortadas em talhadas , e secas ao Sol pto luzem, como diz P/irmentier , huma substancia desagradável, como observei, ainda mesmo depois de muitas fervuras; porém náo lhe acho razão para rejeitar este methodo , por quanto , sendo reduzidas a pó , dão exccllcntc caldo , ou papas , bem como o sagu , e salepo , e símil ante ao que se corisegnc cozendo as batatas, secando-as ao forno , e depois reduzindo as a pó , como elle propõe. DAS SciBNClAS DE LlSBOA. 71 No caso porém tle que se julgue melhor o methodo de rallar, (a) e se pertenda praticar em grande, acho mui- to applicavel a roda , a prensa, e o forno de que se servem no Brasil para a §tetttM da farinha da mandioca ; suprindo- se a falta do Tipiti com pannos de estopa, ou de brim pe- lo modo seguinte. Tome-se huroa caixa de pio bem como hum alqueire sem fundo , e colloque-se no lugar da prensa por baixo do parafuso; e com hum panno que melhor será de estopa, (b) foire-se esta caixa por dentro, deixando mais de hum pal- mo do dito panno, de fora, c de todos os lados: enchu-s* depois da batata rallada , e dobre-se o excesso do panno para cima da batata : levante-se a caixa , e ponha-se em ci- ma das dobras do panno a taboa grossa , sobre a qual tra- balha o parafuso; então se vá apeitando pouco a pouco até não deitar agoa alguma , (c) havendo o cuidado de apa- rar esta para se aproveitar a fécula. Qyan- () Du Tcnr diz que na America (talvez na Guiana Franceza ) se servem de saccos de panno para espremer a mandioca. (c) Tendo observado que as batatas ao rallarem-se apresentaváo hum aspecto mucilaginoso , que desapparecia á proporção que mudava a côr ; julguei que a côr escura que a farinha conservava era devida á agoa , por estar tiivez unida a algum principio muco resinoso , que se oxigena- va ao ar , e tomava a côr escura. Pelo que a fiz espremer o mais que foi po Mvel , e esta farinha sahio então muito mais clara , donde con- clui que se pôde obter farinha das batatas , muito branca , se se espre- mer bem depois de rallada. yi Memorias da Academia Real Quanto aos penciros de que se servem no Brasil para peneirar a massa da mandioca depois de espremida , não os julgo necessários para a batata, assim porque esta depois de espremida apresenta partículas filamentosas que adherem entre si , e não tem segunda casca , que seja preciso sepa- rar por meio do peneiro , como a mandioca , mas também porque tem de se reduzir a pó para se obter huma farinha fina em termos de se fazer pão. Os fornos serão então muito próprios , e de pouca despeza no combustível , porque bastará conservar hum mui- to brando calor. 73 MEMORIAS, QUE SE CONTÉM NESTE SÉTIMO TOMO. Historia. D, Is curso Histórico recitado na Sessão publica de 24 de Junho de 1820, pelo Secretario Sebastião Fran- cisco de Mendo Trigozo. -.--.. pag. t Discurso Histórico sobre os trabalhos da Instituição Vac- cínica , lido na Sessão publica de 24 de Junho de 1820, por José Maria Soares. ------ xxvm Progamma da academia Real das Sciencias de Lisboa , annunciado na Sessão publica de 24 de Junho de 1820. -------..----- XLlIt Memorias de Sócios. Memoria em que se pretende mostrar , que até ao tem- po d' EIRei D- Diniz, não existio Lei alguma em Pottugalj que prohibisse geralmente d s Igrejas e Mor- teiros a aquisição de bens de raiz. Por Francisco Manoel Trigozo d' Aragão Mora to. - - - - j Observações Meteorológicas feitas na Cidade de Lisboa no anno de 18 17 acompanhadas da relação dos mais notáveis suecessos acontecidos em diversas Regiões , of- ferecidas d Academia Real das Sciencias. Por Ma- rino Miguel Franzini. --------- £x Memoria que obteve o Accessit na Sessão publica de 24 de Junho de 1819. Por Ignacio António da Fonseca Benevides. --------- ^4 Memoria Histórica e Critica dcerca de Luiz de Ca- Tom. VIL Part. I. k. mões . 74 moes , e das suas Obras. Por Francisco Alexandre Lobo. -------------- ij8 Do Empirismo na Medicina. Por Francisco Elias Ro- drigues da Silveira. ---------- 280 Memoria com o fim de provar que não podem ter for- mas de raízes , as equações litterats e cempletas dos grdor superiores ao quarto. Por Francisco Simões Margiochi. _--._----._- 317 Continuação da Memoria V. para a Historia da Legis- lação , e costumes de Portugal. Por António Caeta- no do Amaral. ----------- 3^0 Memoria da Commissão encarregada de visitar o Esta- belecimento da Casa Pia. -------- 380 Memoria sobre a distillaçao contínua. Por António de Araújo Travassos. ---------- 505- Memorias de Correspondentes. Extracto da DescripçSo da Filia de Longroiva , e suai Aguas mineraes , remettida 4 Academia. Por José Pin- to Rebcllo de Carvalho e Souto. ----- 1 Memoria de algumas particularidades com que se pôde acerescentar , e corrigir o que até ao presente se tem publicado sobre a Vida e Escritos do Chronista mor Fr. Bernarda de Britto. Por Fr. Fortunato de S. Boa- ventura. _-__-»-_._--- 13 Memoria ott Exposição do methodo de plantar , e colher no Brasil a Mandioca , e fabricar a sua farinha ; e dos mais produetos , e usos desta raiz com a applica- ção do mesmo methodo ao fabrico da farinha das ba- tatas. Por José Vil leia de Barros. ----- 5-2 CA- sjs* OI m B: 10 i;: CATALOGO Das Obras jd impressas , e mandadas publicar pela Academia Real das Sciencias de Lisboa : com os preços , por que cada buma delias se vende brochada» i. Bi > Revés Instrucçóes aos Correspondentes da Academia, sobre as remessas dos produetos naturaes, para formar hum Museu Nacional, folheto em 8.° 120 II. Memoria sobre o modo de aperfeiçoar a Manufactura do Azeite em Portugal : remettidas i Academia por João An- tónio Dalla Bella , Sócio da mesma , i vol. em 4.0 . . . 480 III. Memoria sobre a Cultura das Oliveiras em Portugal, pelo mesmo. Segunda Edição acerescentada pelo Sócio da Academia Sebastião Francisco de Mendo Trigozo , 1 vol. em 4.0 48a IV. Mvniorias de Agricultura premiadas pela Academia, 2 vol. em 8." 060 V. Paschalis Joscphi Mellii Freirii Historiae Júris Civilis Lu- sitani Liber singularis , 1 vol. em 4.° 64O VI. Ejusdem Institutiones Júris Civilis etCriminalis Lusitani, f vol. em 4.0 2400 VII. Osmia , Tragedia coroada pela Academia , folheto em 4.0 240 VIII. Vida do Infante D. Duarte, por André de Rezende, folheto em 4." , 160 IX. Vestígios da Lingoa Arábica em Portugal , ou Lexicon Etymologico das palavras, e nomes Portuguezes , que tem origem Arábica , composto por ordem da Academia , por Fr. João de Sousa , 1 vol. em 4.0 . . , 480 X. Dominici Vandelli Viridarium Grysley Lusitanicum Lin- naeanis nominibus illustratum, 1 vol. em 8.° 200 XI. Ephemeridcs Náuticas , ou Diário Astronómico para os annos de 1780 até 1708 inclusivamente, calculado para o Meridiano de Lisboa , e publicado por ordem da Acade- mia : para cada anno 1 vol. em 4.° 36b O mesmo para o anno de 1822 360 XII. Memorias Económicas da Academia Real das Sciencias k ii de Catalogo de Lisboa , para o adiantamento da Agricultura , das Ar- tes, e da Industria em Portugal, e suas Conquistas, ^ vol. em 4.0 4000 XIII. Collecção de Livros inéditos de Historia Portugueza , desde o Reinado do Senhor Rei D. Diniz , até o do Se- nhor Rei D. João II., 4 vol. cmfol'0 72CO XIV. Avisos interessantes sobre as mortes apparentes, man- dados recopilar por ordem da Academia , folhem em 8." . gr. XV. Tratado de Educação Fysica para uso da Nação Por- tugueza , publicado por ordem da Academia Real das Scien- cias, por Francisco de Mello Franco, 1 vol. cm 4." . . 360 XVI. Documentos Arábicos da Historia Portugueza , copia- dos dos Originaes da Torre do Tombo com permissão de S. Magestade , e vertidos em Portuguez , de ordem da Aca- demia , por Fr. João de Sousa , 1 vol. em 4.0 .... 480 XVII. Observações sobre as principaes causas da decadência dos Pormguezes na Ásia , escritas por Diogo de Couto em forma de Dialogo, com o titulo de Soldado Pratico , publi- cadas por ordem da Academia Real das Sciencias, por An- tónio Caetano do Amaral , Sócio EfFectivo da mesma , 1 tom. em 8.° 480 XVIII. Flora Cochinchinensis , sistens Plantas in Regno Co- chinchinae nascentes. Qiiibus accedunt aliae observatae in Sinensi Império, Africa Oncntali , Indiaeque locis variis ; labore ac studio Joannis de Loureiro , Regiae Scicntiarum Academiae Ulyssiponensis Socii : Jussu Academiae in lucem edita , 2 vol. em 4.0 mai 2400 XIX. Synopsis Chronologica de Subsídios, ainda os mais ra- ros, para a Historia, e Estudo critico da Legislação Por- tugueza; mandada publicar pela Academia Real das Scien- cias , e ordenada por José Anastácio de Figueiredo , Corres- pondente do Numero da mesma Academia , 2 vol. em 4." i8co XX. Tratado de Educação Fysica para uso da Nação Por- tugueza , publicado por ordem da Academia Real das Scien- cias , por Francisco José de Almeida, 1 vol. em 4.0 . . 360 XXI. Obras Poéticas de Pedro de Andrade Caminha , publi- cadas de ordem da Academia , 1 vol. em 8.° .... 600 XXII. Advertências sobre os abusos , e legitimo uso das Agoas mineraes das Caldas da Rainha , publicadas de or- dem da Academia Real das Sciencias, por Francisco Ta- vares, Sócio Livre da mesma Academia , folheto em 4.0 . 120 XXIII. Memorias de Litteratura Portugueza , 8 vol. em 4.° 6400 XXIV. ST3\f m Catalogo XXIV. Fontes Próximas do Código Filippino, por Joa- quim José Ferreira Gordo, i vol. em 4.0 400 XXV. Diccionario da Lingua Portugue2a , 1 vol. folio mui. 4800 XXVI. Compendio da Tlieorica dos Limites, ou Introduc- ção ao Metliodo das Fluxóes , por Francisco de Borja Garção Stockler , Sócio da Academia, em 8.° . . . . 240 XXVII. Ensaio Económico sobre o Commercio de Portu- gal , e suas Colónias , offerecido ao Sereníssimo Príncipe da Beira o Senhor D. Pedro , e publicado de ordem da Academia Real das Sciencias , pelo seu Sócio D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho. Segunda Edição corrigida , e acerescentada pelo mesmo Auctor, 1 vol. em 4.0 480 XXVIII. Tratado de Agrimensura, por Estevão Cabral, Sócio da Academia , em 8." 240 XXIX. Analyse Chymica da Agoa das Caldas, por Gui- lherme Witíiering , em Portuguez e Inglez, folhei o em 4.0 240 XXX. Princípios de Táctica Naval , por Manoel do Espi- rito Santo Limpo, Correspondente do Numero da Acade- mia , 1 vol. em 8.° 480 XXXI. Memorias da Academia Real das Sciencias, 6 vol. em folio 12000 XXXII. Memorias para a Historia da Capitania de S. Vi- cente , 1 vol. em 4.0 480 XXXIII. Observações Históricas e Criticas para servirem de Memorias ao systema da Diplomática Portugueza , por João Pedro Ribeiro, Sócio da Academia, Parr. 1. em 4.0 480 XXXIV. J. H. Lambert Supolementa Tabularum Logarith- micarum , et Trigonometricarum , 1 vol. em 4.0 ... 960 XaXV. Obras Poéticas de Francisco Dias Gomes, 1 vol. em 4.0 800 XXXVI. Compilação de Reflexões de Sanches, Pringle &c. sobre as Causas e Prevenções dng Doenças dos Exércitos, por Alexandre António das Neves : para distribuir-se ao Exercito Portuguez , folheto em u.° gr. XXXVII. Advertências dos meios para preservar da Peste. Segunda Edição accresctiitada com o Opúsculo de Thu- maz Alvares sobre a Peste de 1569 , folheto em 12.0 . 120 XXXVIII. Hippolyto, Tragedia de Euripides , vertida do Grego em Portuguez , p< lo Director de huma das- Classes da Academia ; com o texto , 1 vol. em 4 ° 480 XXXIX. Taboas Logarithmicas , calculadas até á sétima ca- Catalogo. casa decimal , publicadas de ordem da Real Academia das Sciencias por J. M. D. P. , i vol. em 8.° 480 XL. índice Chronologico Remissivo da Legislação Portugue- za posterior á publicação do Código Fihppino , por Joáo Pedro Ribeiro , 5: vol. em 4.0 45'00 XLI. Obras de Francisco de Borja Garção Stockler, Secreta- rio da Academia Real das Sciencias, i.° vol. em 8.° . . 800 XLII. Collecçao dos principaes Auctores da Historia Portu- gueza , publicada com notas pelo Director da Classe de Litteratura da Academia Real das Sciencias , 8 Tom. em 8.° . 4800 XL1II. Dissertações Chronologicas , e Criticas, por João Pe- dro Ribeiro, 3 vol. em 4," 2400 O Tomo IV. Parte 1 400 XLIV. Collecçao de Noticias para a Historia e Geografia das Nações Ultramarinas , Tom. I.° Números i.°, 2.°, 3.0, e 4.0 600 O Tomo II 800 XLV. Hippolyto, Tragedia de Séneca ; e Phedra , Tragedia de Racine : traduzidas em verso , pelo Sócio da Academia Sebastião Francisco de Mendo Trigozo , com os textos , em 4.0 600 XLVI. Opúsculos sobre a Vaccina : Números I. até XIII. em 4.0 300 XLVIl. Elementos de Hygiene , por Francisco de Mello Franco, Sócio da Academia. Segunda Edição corrigida, e augmentada pelo mesmo Auctor , 1 vol. em 4.0 . . . . 600 XLV1I1. Memoria sobre a necessidade e utilidades do Plan- tio de novos bosques em Portugal , por José Bonifácio de Andrada e Silva , Secretario da Academia Real das Scien- cias, 1 vol. em 4.0 400 XLIX. Taboas Perpetuas Astronómicas para uso da Nave- gação Portugueza , 1 vol. em 4.0 600 L. Elementos de Geometria , por Francisco Villela Barbosa , Sócio da Academia Real das Sciencias. Segunda Edição, I vol. em 8.° . 560 LI. Memoria para servir de índice dos Foraes das Terras do Reino de Portugal , e seus domínios , por Francisco Nu- nes Francklin , 1 vol. em 4 480 LII. Tratado de Policia Medica , no qual se comprehendem todas as matérias : que podem servir para organizar hum Regimento de Policia de Saúde para o interior do Reino de Catalogo. de Portugal , por José Pinheiro de Freitas Soares , i vol. em 4.0 800 1111. Tratado de Hygiene Militar e Naval , pelo Sociojoa- quim Xavier da Silva, 1 vol. em 4.0 400 L1V. Principios de Musica , ou Exposição Methodica das doutrinas da sua Composição e ezecução, pelo Sócio Rodri- go Ferreira da Costa , i.° vol. cru 4.° ...... . 1200 LV. Tratado de Trigonometria Rectilínea e Spherica , por Mattheus Valente do Couto, 1 vol. em 4.° 300 LVI. Ensaio Dermosographico , ou Succinta e Systematica Descripção das Doenças Cutâneas, &c. por Bernardino An- tónio Gomes, j vol. em 4.0 1200 LVII. Memorias para a Historia da Medicina Lusitana, por José Maria Soares, 1 vol. em 4.0 360 LVI II. Ensaio sobre alguns Synonymos da Lingui Portugue- za , por Fr. Francisco de S. Luiz, Monge de S. Bento, 1 vol. em 4.0 600 Estão no prelo as seguintes. Documentos para a Historia da Legislação Portugueza , pelos Só- cios da Academia , João Pedro Ribeiro , Joaquim de Santo Agos- tinho de Brito Galvão , e outros. Collecção dos principaes Historiadores Portuguezes. Collecção de Noticias para a Historia e Geografia das NaçÓes Ul- tramarinas. Taboas Trigonométricas , por T. M. D. P. Obras de Francisco de Borja Garção Stockler , Tom. 2° Obras escolhidas do Padre Vieira. Grammatica Philosophica da Língua Portugueza , ou principios da Grammatica geral applicados á nossa Linguagem, por Jeronymo Soares Barboza. índice Chronologico R.emissivo da Legislação Portugueza posterior á publicação do Código Filippino, por João Pedro Ribeiro, Part. VI. Collecção de Livros inéditos de Historia Portugueza , 5.° vol. cm folio. Memorias da Academia , Tom. VIU. Part. I. Principios de Musica , ou Exposição ALthodica das doutrinas da sua composição e execução, pelo Sócio Rodrigo Ferreira da Cos- ta , 2.0 vol. Fendem-se em Lisboa nas lojas dos Mercadores de Livros na Rua das Porras de Santa Catharina , e em Coimbra , e no Porto também pelos mesmos preços. hll* 0 ' /*•*' i •' '. i% ■ » y v . ifl ^ ^A :-%a^