iíA\ -•V- ^•.^ »Hi.^*.:-.>«v 1^ t • ^- \ HISTORIA MEMORIAS D A ACADEMIA R. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. S-f06-/.J). Cf. HISTORIA E MEMORIAS DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. Nisi utile est qtwd facimus , sttdta est glofia. TOMO IX. LISBOA NA TYPOGRAFIA DA MESMA ACADEMIA^ 1825. Com licença às S. MAGESTÂDE. (ã.l^ HISTORIA D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA PARA O ANNO DE 187.3. Discurso do Sereítissimo Senhor Infante D. Miguel^ Presidente da jícadetnia , por occasião da Sessão publica da mesma Academia em z-j de Junho de 1823. OR singular beneficio da Providencia Divina , sábios Aca- démicos , se abre este anno a Sessão publica da nossa Aca- demia debaixo dos mais felizes e lisonjeiros auspícios. Nos- so adorado Monarca , Meu Augusto Senhor e Pai , nos hon- ra com a Sua Presença , cercado de todo o explendor da Magestade , e firmado no Régio Throno , que herdara de Seus Maiores , pela Mão do Omnipotente , e pelo amor e lealdade de todas as Classes de seus vassallos : e a distincta T. IX. P. I. pro- li Historiada AcademíaRe AL protecção com que este Grande Rei sempre auxiliou e pro .• niovco hum cstabelccimciuo , que tem por divisa a titilidã' '| àel nos dá as mais bem fundadas esperanças dos progres- so^ da associação littcraria a que pertencemos. ' A relação dos trabalhos , em que seus Membros se oc- cupárão desde a ultima Sessão publica , vos mostrará que ' o amor dos bons estudos não pôde nellas ser suffocado pe- los esforços 'da tyrannia , que perseguindo de todas as ma- reiras, c subtrahindo os meios de subsistência ás corpora- ções scientificas mais respeitáveis, e dignas de auxilio pe» j los fins de seus institutos, procurou fazer retrogradar ai Nação a hum estado de ignorância e barbaridade , que nos :. riscaria da classe dos povos civilisados , e nos faria appa- recer no meio da Europa culta como Vândalos e Africanos. Lancemos porém hum vco sobre esses dias de luto c amargura , e voUando os olhos para a agradável perspecti- va que nos oíFerece a nossa actual situação , formemos as mais lisongeiras esperanças da prosperidade que as cir- cumstancias promettem á Academia, assim como a todos os estabelecimentos destinados á instrucção publica e á cultura das Artes e Sciencias. A paz profunda em que nos achamos, e a Real Protecção de Sua Magestade, ani- iriaráó os nossos iitteratos a progredir em seus trabalhos com maior fervor e energia , e a escrever obras , que le- vem seus nomes á riiais remota posteridade. O Deos Todo poderoso , de cujo aceno pende o des- tino dos Impérios, abençoará (como dclic confio) nossos desejos e esperanças ; e acolherá benignamente os votos que lhe oflFerecemos pela constante felicidade do Nosso Alto e Poderoso Rei , meu Senhor c Pai ; pela prolongaçao de sua preciosa Vida , e pela gloria e prosperidade dos povos , que em sua Sagrada Pessoa adorão como filhos o Pai amoroso, e respeitão o Soberano, cujas Reaes Virtu- des illustrão o Throno, e derramão contínuos benefícios sobre toda a Nação. Disse. DIS- I>AS SCIENCIAS DE L I S B O A. IIT DISCURSO HISTÓRICO Recitado na Sessão puUica de 27 de Junho de 182' PELO SECRETARIO JOSÉ MARIA DANTAS PEREIRA. wJendo innegavcl que os Estados intcressao ent ter so- ciedades especialmente encarregadas de cuidarem no aper- feiçoamento da rasâo humana , as quaes trabalhando no pio- grcsso^das scjencias e das artes se communiquem as suas invenções provocando e premiando ao mesmo tempo as alhêas, divulgando todas, e servindo ao seu paiz como signal ou apoio da opinião dos homens sábios , que dispen- se os outros de se estremarem nos conhecimentos indiíFe- rentes ás suas profissões, cumpre concluir que o Estado Portuguez interessa muito em conservar, e em animar a Academia Real das Sciencias. Esta proposição he confirmada pelo consenso das maio- res Cortes Europcas, e pela consideração assim como pe- Ias outras vantagens, que nas mesmas Cortes andão inheren- tes aos logares académicos, por se entender que os fins devem corresponder aos meios, assim como os eíFeitos ás causas que os produzem. Todavia acabamos de ver reduzido a metade o dote académico liberalisado por S, Magestade; e esta reducção foi ordenada por aquelles que se denominavão nossos re- generadores , contando então mesmo no seu seio mais de hum individuo que percebia (sem duvida como precisos para a sua manutenção) vencimentos superiores ao votado para toda esta Academia ! * I ii O IT. ! H I S.TO.Í í A. [D A- A C A r EM IÁ;: R E A L O facto hc publico , c devo infelizmenre relatallo ; porémí-a causa principal de o recordar consiste era p«-tea- dcr que nada perciío do seu realce aquelles de que foi ori- gem; pois sinto o maior prazer cm principiar qst^: relató- rio pelo tributo de gratidão devido aos meus illustrissimos Consócios. Sim , Senhores , apenas sôa o rumor pregoeiro desta economia apparcnte e mesquinha, a Academia he convoca- da , e os meus Consócios não só illustres senão também illustradores, privao-se de continuarem a percçpçao do pp- quenissimo emolumento dos jetócs, alem de que se offere- ccm para saldarem á sua custa as dcspczas académicas; dis»; tinguindo-se com especialidade o Silr. Gypriano Ribeiro.; Freire , que pcrtcnde e obtém ser elle só quem preencha no anno corrente o deficit do dote académico , por conta do qual ja forncceo oitocentos mil réis, e mais forneceria se mais lhe fosse pedido; seguindo«se daqui podermos cha- mar feliz a mesquinhez, que produzio tanta generosidade e tonto patriotismo ! WilEste patriotismo , que deve aliás precisar-nos á maior circunspecção no concernente ás despezas da Academia, he também comprovado, assim por outras despezas de alguns Sócios como pela exposição dos trabalhos executados no decurso do anno próximo , em despeito de tão desanimador tratamento, assaz opposto ao das nações cultas, e repugnan- te á civilisação da Europa : tratamento que demais a mais se accbmulou a dcsviação de nossas idéas para outros objectos ; a huma agitação violenta incompativel com a fructificação da oliveira ; e a não haver Sócio que deva considerar como seu único emprego publico a satisfação ,das suas obrigações académicas; isto he , a mais assídua e preciosa cultura da- quella arvore assaz própria do nosso clima, e cujos íructos intercsão tanto. Com effeito jquem não esperaria que taes e tão mul- tiplicados obstáculos anniquilasscm hum anno que , tendo sido infausto nós registos littcrarios, e sendo bem apete- O :. • ci- DAsSciENCIASDÇLrSBOA. V eivei que pelo menos o não fosse çm outro alginn respei- to, veio por ventura a finaiisar em vernaos restituído ao seu antigo esplendor o grande dia do nomí do nosso Au- gusto Soberano? dia para cujo festejo a Academia concor- re rta Sessão presente , díndo-vos conta do emprego do tempo e dos meios disponivçjis desde a próxima Sessão anterior ? He certo, mas não estranhavel , que nos foi impos- sível adiantar-nos tanto quantc» nos adiantaríamos em ter- reno franco , sem outra obrigação mais do que a de mar- char. acstade firma aqucUa bandeira ; e Portugal resurge immediatamente prostrando, e soterrando a negra facção anár- quica. São fructos immediatos de tão grande, rápido, e bem concebido movimento , a extincção da guerra civil em am- bos os hemisférios , e a do receio da guerra estrangeira : alem de que resurge o socego das familias, do Throno , e do Altar; o commercio se reanima; e em huma palavra a Monarquia se restaura , fazendo-se provável que o Brasil se reúna a Portugal como bom irmão , e conseguindo-se van- tagens taes e tantas, dentro de brevíssimos dias, sem o custo de huma só desgraça , ou do mais leve damno. Testemunha pois de tão altas venturas a Academia das Sciencias, que jamais deixou de cognominar-se Real, e de ser sensível á publica prosperidade , trasborda no maior ju- bilo por tão felices acontecimentos : e envia respeitosamen- te esta depuração á muito Augusta Presença de V. Ma« gestade para ter a honra de congratular a V. Magestade por tão admirável restauração ; expressando ao mesmo tem- po os mais vivos desejos de que a sua duração iguale a do mundi) ; e beijando com o maior acatamento a Mão Real do melhor Soberano. DIS- DAS SCIÇNÇIAS DE LiSBOA, XIII DISCURSO Recitado pelo Secretario Jasd Maria Dmtat Pereira nç Pap da Bemposta , perante o Sereuissiuw Senhor Infante J}. Miguel , Presidente da Academia , por occflsião dfl fç~ licissima .roftauraç^no do Throm Lusitano. SENHOR A Academia Real das Sciencias, que se honrava respei- tando em V. A. R. o seu Presidente , se felicita , e se gloria , muito extraordinária e grandemente , contemplando que V. A. R. acaba de unir áqucUe titulo de seu Presi- dente os immortaes, e muito distinctos, de restaurador da Mo- narquia Portugueza , e destruidor das guerras civis , que no fim de trinta annos de gravíssimos padecimentos , augmen- tando-os sobremaneira , deveriao produzir terríveis convul- sões politicas, que terminarião (provavelmente fallando ) na aniquilação da independência nacional , se huma força estrangeira , e se a politica europea , não precisassem a Hes- panha a deixar de avaaçar pelo caminho da destruição alhêa , e própria , por onde a França havia marchado tão tristemente. Ah! e com que suavidade, com que rapidez, hum só movimento patriótico de V. A. R. , evidenceando aliás quan- to por ventura ainda influe em Portugal o exemplo das Reacs Pessoas , nos levantou ao cume da fortuna quando híamos precipitando-nos pelo despenhadeiro da desgraça ! Desconfianças, violências, e todos os perigos que, ou ja nos dilaceravão, ou ameaçavão arremessar-nos proniptamen- tc XIV Historia da Academia Real te ás voragens da desordem, c da miséria, desappareccrão dentro de oito dias , podendo V. A. R. dizer verdadeira- mente : (i Dentro de liuma semana sahi de Lisboa , e venci j> os maiores inimigos da minha Pátria. »» A Academia pois scnsivel e reconhecida a tantos e taes benefícios, exulta de prazer, e tanto mais exulta por isso que somente a verdadeira sciencia pôde conhecer o justo valor de tudo, e antever os prováveis futuros que devem brotar do presente c do passado: por tanto anima- da pelo mais puro e fervoroso reconhecimento , envia esta deputação para ter a honra de beijar em seu nome, e por hum tal motivo, a Regia Mão de V. A. R. DIS- DAS SCIENCIAS DE L I S B O A. XV DISCURSO Recitado pelo Secretario José Maria Dantas Pereira uo Paço da Bemposta , perante ElRey Nosso Senhor , por occasiao do acontecimento de Cadiz , e do venturoso anniversario do Sere- níssimo Senhor Infante D. Miguel^ Presidente da Academia. SENHOR N- A longa serie das Inconsequencias , ou das contradic- ções do espirito humano, sobresahirá infeliz e grandemen- te a pertenção dos actiiaes demagogos. No mundo moral , e no físico , procede tudo gradual- mente , e nenhum excesso dura : todavia elles tem estado sempre em manifesta contradicçao com estas leis tão ge- laes, e salutiferas. Em vão , desde a mais remota antiguidade os verda- deiros sábios confirmão aquella verdade tSo importante : em vão o maior Corifeo dos mesmos demagogos lhes deixou escrito , que a necessidade elevou os thronos , e a sabe- doria os firma. Simplices iniciados (e quantos delles bem simplices!) adorão o Corifeo, porém nutridos pelo mais atroz espirito de seita, ou pela mais negra malevolencia , ou pela des- truidora ignorância , tem ou^iado conluiar-se para derribarem o que , tendo sido elevado pela necessidade , está firmado pela sabedoria ! Tão vãos como orgulhosos (pois a soberba he inhe- rente á mesquinhez elevada ) contrapõem mesmo as suas obras, e os seus discursos- ao axioma politico de ser prc- fc- XVI Historia da Academia Real fcrivcl para qualquer ruçao aquclle governo a que e!la existe habituada. Dcvião pois seguir-se a taes inconsequencias , ou a tacs coinradicçõcs , os terríveis males, cm cujo hediondo pélago hianios naufragando. Com cffeiro, querer fundar a igualdade geral sobre a desigualdade física, moral, e civil, tão profundamente ar- raigada , e tão incessantemente promovida pelas diíFercnças de educação , instrucçáo , haveres , profissões , caracteres , c talentos ; querer cm summa fundar a democracia sobre à geral desejo de sobresahir e dominar, ou sobre a geral re- pugnância ao nivelamento politico, pois ninguém quer ser igual ao seu inferior , he querer realisar a quimera. ^ Que conceito pois deve corresponder á pertenção ainda mais absurda , ou monstruosa , de transformar anti- gas monarquias em democracias; quando taes movimentos marchão cm geral na direcção opposta? O próprio terror exhauriria os seus recursos mais hor- ríveis, antes de conseguir taes realisações , ou transforma- ções , como vimos acontecer aos Francezes ; e por tanto assaz se patentea a miseranda sorte preparada pura a gran- de Hespanha pelos seus allucinados ou perversos demago- gos. Mas a este tão horrivel como voraginoso rodomoinho seria Portugal arrastado por aquella visinha poderosa c úni- ca, SC tão desgraçado systema prevalecesse a! 11 por algum tempo, infelicitando a península, e ameaçando a Europa estremecida pela França, que em certo modo lhe inoculou o contagio, sem deixar livie delle , ainda mesmo a isola- da e constitucional Inglaterra, Em tão criticas circunstancias a queda do empório da seita liespanhola, certificando-nos , que tão grande como próximo perigo se affastou dos nossos larjs , e dos presen- tes dias , deve encher-nos do maior regosijo , sem que to- davia nos lance nos braços de huma confiança perigosa. Os Poituguezcs, Senhor, tem mais hum motivo sin» gu- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. XVH guiar para se congratularem por tão decidido acontecimen- to ; pois ellc os livrou de cuidados gravíssimos acerca de hum neto de V. Magestadc , de huma Infanta Porrugueza , e de huma Princcza tão exemplar no cumprimento dos al- tos deveres da maternidade, que chegou a sacrificar-lhes a sua pr('pria vida. Nestes termos, a Academia Real das Scíências, cheia do maior prazer , tem a honra summamente preciosa de congratular com todo o respeito a V. Magestade por tão plaubivel successo ; e com esta congratulação reverente , e affcctuosa , combina em certo modo a que respeita o gran- de anniversario festejado com tanta razão no dia de hoje: dia que tão intimamente lhe toca ; dia cuja solemnidade a mesma Academia espera ver cada vez mais abrilhantada pelas heroicidades do seu Presidente, e pelas subsequen- tes effusões da gratidão Portugueza. Por ambos os motivos pois esta Academia Real tem a honra de beijar com o maior acatamento a Mão Sobera- na, que protege as sciencias em Portugal, assim como os maiores Ptolomeus as protegerão no Egipto , os Medicis em Florença , Luiz XIV em França , o grande Frederico cm Berlin , e o grande Czar na Rússia. ^ToM. IX. P. I, • 3 DIS- sViir Historia da Academia Real DISCURSO Recitado pelo Secretario José Maria Dantas Pereira no Faço da Bemposta , perante o Sereníssimo Senhor Infante D. Mi- ■ guel , Presidente da academia , por occasiiío do feliz anni- versario de S. uí. R. , e do acontecimento de Cadiz. SENHOR i^E a queda feliz de Cadiz deve concorrer para se firmar a restauração do Throno Portuguez , esta felicíssima restau- ração concorrêo indubitável e grandemente para se effeituar, e apressar aquella queda. Porém a V. A. R. coube em tão prodigiosa restaura- ção a primazia , que todos presenciámos ; devemos pois considerar cm V. A. R. hum dos principaes fautores daquel- le acontecimento , cujas consequências cumpre que sejâo tão grandes como felicitadoras. Por este motivo a Academia Real das Sciencias , in- teressada verdadeiramente na estabilidade e na exaltação do Régio Throno Lusitano, tem a honra de expressar peran- te V, A. R. que serão eternos o seu reconhecimento , a sua gratidão , e o seu especial respeito para com a Real Pessoa de V. A. R. Demais a mais a sublime parte que de tão importan- te queda parece caber a V. A. R. , concorre para serem sa- tisfeitos os votos fervorosíssimos da mesma Academia, im- m^irtalisando este faustissimo dia, em que todos os leaes Portuguczes , possuídos do prazer mais bem merecido , ce- lebrão o nascimento de huraa Real Pessoa, que tão suave DAS SCIENCIAS DE L I S B O A. XIX e promptamcntc os livrou dos horrores da mais abominável demagogia. No brilhantíssimo foco deste pomposo cortejo , a Aca- demia Real das iJcicncias procura em fim distinguir-se fe- licitando a V. A. R. ainda mais com o coração , do que com as vozes, ou com apparatosas apparencias : e por tan- to beija tão reverente como affcctuosamente a Regia Mao. de V. A. R. , a quem DEOS conserve numerosíssimos an- nos , como convém a todos os Portuguezcs verdadeiramen- te amantes do seu Rei , e da sua Pátria. • 3 ii PRO- PROGRAMMA D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA, ANNUNCIADO NA SESSÃO PUBLICA DE 27 DE JUNHO DE 1823. NAS SCIENCIAS NATURAES. Para o anno de 1824. Jbji I M CHYMICA com premio dobrado. Determinar por expe- riências chymicas , que analogia e diferença ha entre o la- ctucarium e o ópio ^ e se o lactiicario , que se extrahe dos thallos das alfaces espigadas , também existe , e em que pro- porção , nas folhas da mesma planta antes de espigar. EM MEDICINA. Determinar por observações clinicas , em que dijferem os e ff eitos, do lactiicario dos do opto, EM MEDICINA. Mostrando a experiência , que o ttso da qui- na , e de outros amargos chamados anti-febris he nocivo em muitas febres intermitt entes ^ designar ^ em quaes destas suo indicados aquelles medicamentos ; e qual seja o tract amento conveniente nas outras : estabelecendo principias theoricos , e referindo factos , para provar a opinião que se adoptar em qualquer dos dois ca'^os. EU ECONOMIA RURAL. Visto o estado da nossa agricul- tura , determinar , qual seria o melhor methodo para conse- guir., que as encostas e cumes dos nossos montes^ que estão incultos j se plantassem de arvores. De que espécie se poderia ti- ni^s SciENCiAS DE Lisboa. xxt tirar maior partido ? ^al seria a sua melhor plantação e cultura ? E que interesses poderião resultar delia ao Estado ? Para o anno de 1825". EM ECONOMIA RURAL , E DOMESTICA. Sendo recouhe- cidu nas nossas fabricas de tincturaria a necessidade , e uti' lidade da planta chamada Gianza , otí Ruiva dos tinctu- reiros ,{Riibia tinctorum Linn.) : Em que terrenos prospera mais a sua cultura ? Qtie outras espécies se lhe podem sub- stituir ; e se alguma delias merece a preferencia na tincttt' raria ? Por que modo , e em que tempo , devemos promover a cultura desta planta ? Oitando estará nas circumstancias de se recolher para uso das fabricas ? Qtie parte da planta serve , e como se deve preparar para este fim ? Qtie outros usos podemos fazer da ma ma planta , alem dos que respei- tão d tincturaria ? Qtie vantajent tirard o lavrador da sua cultura., comparada com as diff crentes sementeiras ., que po- dem ter logar nos terrenos , onde deve ser cultivada ? Òut consumo fazem hoje delia as nossas fabricas ; e quanto an- nualmmtc pouparíamos , se a tivéssemos de cultura própria , e não a comprássemos aos estrangeiros. EM MEDICINA. Ottaes sejão as cansas existentes ou occa- sionaes da frequência das ptysicas em Portugal , especial' mente em Lisboa ; e qual a natureza eu espécie da que he mais geral , estabelecendo se os meios de a prevenir , e o me- tbodo de a curar d vista de observações practicas} Prémios extraordinários sem limitação de tempo. Um epitome das leis agrarias Porttiguezas , piiblicadat desde o principio da Monarchia até ao presente , e os aphoris • mos polittce-economicos , que das mesmas se podem dedttzir a beneficio da agricultura., povoação , e commercio dos Reinos de Portugal, e dos Algarves. xxit Historia da Academia Real A dieta Obra deve ser eomposta segundo o methodo seguido por Mr. Fourncl na que imprimiu em Paris no anno de 1819 com o tirulo Les Loix rurales de la Frciuce y rangées dans letir ordre naturel. A Memoria que for appro- vada , ou que pelo menos merecer o Accessit , obterá o premio de uma medalha de ouro do valor de joiooo réis. Qtial be o methodo de curar radicalmente uí dysenterias chrmicas , de qualquer causa que procedao , fundado em prin- cipios , e confirmado por observares prncticas. Este Programma tem o premio de 400:000 ,réis. Assumptos fixos para todos os annos. I.  Descripção Physica de alguma comarca , ou territó- rio considerável do Reino , ou Domintos ultramarinos , que com- prchenda a Historia da Natureza do paiz descripto. II. A Descripfão Económica de alguma comarca , ou ter- ritório considerável do Reino , feita cotforme o plano adoptado pela Academia para a visita da comarca de Setúbal, e que se publicou tio Tomo III das suas Memorias Económicas. III. A Topographia Medica de uma grande povoação ( ci' da de , ou vil la notável ) de Portugal : segundo o plano indica- do na Histoire et Mémoires de la Societé Royale de Mé- decinc , Prefac. p. XIV Tom. 1 : ou Descripção de alguma moléstia epidemica , ou endémica em algum logar de Portugal , indicando-se o tractamento mais conveniente. NAS SCIENCIAS EXACTAS. Para o anno de 1824. EM ASTRONOMIA. Mostrar, que grão de confiança pode merecer a longitude do Navio dedttzida da Estima em uma viagem pelo menos de ^o dias. E se convêm ou não fazer as emendas relativas d longitude f qtie são indicadas pela dif- DAS SCIENCIAS DE L l S B O A. XXUt ferenqa que se acha entre a latitude estimada e a obser- vada : fundado isto no Calculo , t Observações. EM ANJLYSE. Mostrar em duas series de grandezas , que se correspondão termo por termo , qual deve ser o numero e o interval/o delias para poder estabelecer algumas formulas convenientes , que dêni com sufjiciente approximaçÕo as inter- médias entre as grandezas dadas. EM MECHANICA. Principias ftmdamentaes de Mechanica , estabelecidos {quanto poder ser) geometricamente. Sem limitação de tempo. EM ASTRONOMIA. Algumas observações de eclipses do Sol, ou cccultações de estrellas pela lua , feitas por navegantes portuguezes em portos do Brazil ou da Ásia : especificando os meios e instrumentos , de que se servirão «estas observa» coes. ^ EM NAFEGAÇAO. Uma derrota de navegação alta por tem- po de um mez ou mais , feita em navio portu^uez , ajjoprin-: cipal motor seja o fogo : ou uma memoria , na qual se evi- dencêe a possibilidade e maneira de effeituar a mesma na- vegação vantajosamente nos navios mercantes.^ e em todas as circumstanciat. Será preferível a memoria , que alem de des- empenhar este assumpto , considerar o motor empregado ao mesmo tempo na cozinha do navio., em distillar agoa do mar para os usos ordinários delia , em renovar o ar do porão e das cobertas , em esgottar o navio , e em defende lo median- te a conveniente projecção de agua fervente , d similhançeí da executada pelos Americanos Ingkzes a bordo da fraga- ta. Fulton. (*) NA (*) A navegação por meio do fogo combinado com o vento pôde reduzir as guaruiyões dos navios , e as durações medias das viagens a metade d;is actuaes : donde resulta , que a despega por este lado deve descer * «m <^uarto ; e bcDi assim o espaço preciso para serem collo- cadas as munições de bocca, o qual aindíise tornará menor, applr- xxrv Historia da Academia Real NA LITTERATURA PORTUGUEZA. Para o anno de 1825'. EM HISTORU PORTUGUEZA. A Historia dos nossos des- cobrimentos em Aist>\i/dsia , e Polinésia^ cem a syuuiywia dos descobrimentos feitos posteriormente pelas outras va^Ses Europêas nas mesmas regiões. Para o anno de 1824. EM língua PORTUGUEZA. A Historia da lingtia porttt- giie^a nos quatro primeiros séculos da Monarchia. EM HISTORIA PORTUGUEZA. Determinar o aiigmento , e diminui f ao de população nos Reinos de Portugal ^ e Algar' ves cando-se também o fogo a distillar agoa do mar para ser empregada nos usos ordinários. Esta distillação poderá ser executada á maneira da que está descripta na Enciclopédia melhodica. A navegação refe- rida terá também as vantagens de fazer niúito menos perigosas as tra- vessias nas vizinhanças da terra ; de tornar prcfixavel com niúita apro- ximação a duração das viagens ; e de augmentar os lucros do cora- mercio , accelerando a marcha do seu gjro. Alem disso porá era cer- to modo as províncias do ultramar a meia distancia da metrópole , promovendo ou apertando assim a união daquellas com esta, e acce- lerando a rapidez da acção do Governo, bem como a de todas as cor- relações de ambos os paizes. O uso de taes navegações deve pois ser singularmente vautajoso ás aações pequenas c marítimas, que possuem grandes colónias. Abstrahíndo a consideração das vantagens desta na- vegação nas guerras navaes , ve-se aliás , que para alcançarmos tão importantes fins nos basta ampliar o que está feito, e unir o que exis- te disperso ; e pois fomos quem outr''hora se avantajou ás mais nações no tocante á Marinha, parece, que pelo menos devemos não descahir muito áquem das mesmas nações era objecto tão ponderoso e conse- quente. Portanto, attendidos os referidos motivos, um Sócio da Academia dobra o premio académico relativo a este prugramnia, dando luaU cio- coeuta mil reis em metal. DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. XXV • ves nas diversas epochas da Monarchia , indicando as ver- dadeiras causas , q^ue se devem assignar d sua respectiva al- teração. Assumptos fixos para todos os annos. EM POESIA^ E THE ATRO NACIONAL. Uma Tragedia portugiieza. Uma Comedia de caracter em verso , ou em prosa. Os prcmlos ordinários consistem em huma medalha de ouro do pc7,o de 50:000 reis: e todas as pessoas podem concorrer a elles , á excepção dos sócios honorários , e eíFe- ctivos da Academia. Abaixo destes prémios principaes , pro- põe a Academia também a honra do Accessit , que consiste em uma medalha de prata : e ainda abaixo desta a menção honorifica da memoria , que só disso se fizer digna ; a qual menção será feita nas suas Actas e Historia. As condições geraes para todos os assumptos propos- tos são: Que as memorias, que vierem a concurso, sejão escriptas em portuguez, sendo os seus auctores naturaes destes Reinos ; e em latim , ou em qualquer das linguas da Europa mais geralmente conhecidas, sendo os auctores estrangeiros : Que sejão entregues na secretaria da Acade- mia por todo o mez de Abril do anno, em que houverem de ser julgadas: Que os nomes dos auctores venhâo em car- ta fechada, a qual traga a mesma divisa que a memoria, para se abrir somente no caso , em que a memoria seja premiada : E finalmente que as memorias premiadas não pos- são ser impressas senão por ordem , ou com licença expres- sa da Academia, condição que igualmente se extende a to- das as memorias , que, não obtendo premio , merecerem com- tudo a honra do Accessit. Porem nem esta distincçao, nem a adjudicação do premio, nem mesmo a publicação deter- r. IX. P. L » 4 mi- scxvt Historia da A-capímía Rí al minada, ou permittida pela Acadcinla , deverão jainais re- putar-se como argumento decisivo, dç qiiç i;,sj;a S^eicdade approva absolutamente tudo quanto se contiver naj meroo- rias , a que conceder qualquer destes signaes de approva- ção ; porem sotrjente como uma prova , de que no seu con- ceito desempenharão, senão inteiramente, ao menos a par- te mais iijiportante dos assumptos propostos. .i;u - • . * * wH DI5. DAS SciENCi AS DE Lisboa, xxvn DISCURSO Recitado na Sessão publica de i de Julho de 1824 PELO SECRETARIO JOSÉ MARIA DANTAS PEREIRA. ^ER grande huma nação pode diffeiir muito de ser naçaò grande , e de haverem existido nella homens verdadeira- mente grandes : que tem sido grande a nação Portugueza , he verdade assaz evidenciada pela coexistência da peque- nez do seu território, e da diuturna conservação da sua in- dependência ; quando porém a estes factos ajunto o das duas restaurações desta independência effeituadas nos tem- pos, em que a Hespanha inteira obedecia ao gabinete de Madrid, e em que as hostes do Corso agrilhoavâo o mun* do , cresce , por assim dizer , a evidencia da minha propo- sição ; que sobe ao maior gráo de clareza , quando se con- templa , que tão pequeno território se dilatou por toda a face da terra tanto , quanto não consta de outra nação comparada com a portugueza : conseguintemente não foi a imaginação, mas sim a razão, quem fez dizer ao nosso Poeta : E vereis qual he mais eícéllente, Se ser do mundo Rei , se de tal gente. Porém como pode hum poro menos numeroso sobre- sahir a outros muito maiores , chegando mesmo a fazer mudar a marcha geral do commercio do mundo, e a fazer retroceder invasões taes como a dos Agarenos, senão ad- '• . * 4 ii Si"'^^ xxviir Historia ©a Academia Real quiiiiido em força moral excesso superior á falta de força íysica , ou sendo exairado pela superioridade das suas in- stituições mais doque abatido pela inferioridade numérica? Eis-aqui pois o que nos elevou ao preeminente alca- çar da gloria mais bnltiante; e para níío descermos dclle convém toda a vigilância, e toda a efficacia, em conser- var, ç em acrysolar os meios, que produzirão a nossa ele- vação verdadeiramente magestosa. He certo , que o desejo de obter , e o de desfrutar o que se tem obtido, são estimulos, cuja actividade mui- to differcnte deve produzir muito diversos resultados ; mas por isso mesmo cumpre dcsvelar-nos a fim de conseguir- jnos , que o gozo dos bens adquiridos não nos entorpeça de mjncira que nos precipitemos, cntrcgando-nos d negli- gencia na conservação e no augmcnto daqucUes meios, en- tre os quaes occupa lugar muito distincto o progresso dos conhecimentos úteis ; progresso que felizmente depende piuito menos do numero doque dos costumes de cada po- vo, conforme nós mesmos manifestámos em o nosso bom tempo, no qual os Nunes, os Osorios , os Camões, e os Barros, forão coevos dos Albuqucrques, e dos Castros. Quanto pois deve importar que floreça hum estabe- lecimento ' encarregado de adiantar os ditos conhecimen- tos , e dç 08 derramar por todo o território portuguez , he assaz evidente apenas se demonstrar , que tão preciso çstabclçcimento tem pago a sua divida, isto he, tem pro- curado obter os seus grandes fins, fazendo o uso mais van- tajoso dos meios postos á sua disposição. Eis-aqui pois o objecto do presente relatório : assim eu possa desempenha- lo , assim eu possa levar a minha convicção ao intimo de todos os corações verdadeiramente portuguezes. Com esta louvável intenção repartirei o meu discurso em qur^tro part€s. Na primeira tratarei do que he devido á classe das sciencias naturaes ; na segunda e terceira da que similhantemenre se deve ás classes de litteratura e de Ojathematic^ i na quarta do augcacoto desta divida corres^ pon- DAS ScrENCIAS DE LiSBOA. XXIÍC pondente ao anno proximamente findo ; c logo depois nao só lerei o programma para o anno seguinte , mas também terei a honra de fazer distribuir junto com este programma o catalogo das obras impressas pela Academia , catalogo que hc precisamente hum documento comprovador deste meu relatório. Primeira Parte. Hc indubitável, que hum pequeno povo, ou ilhado, ou situado na beira-mar de sorte que esteja impossibilitado de augmcntar o seu território, só pode crescer constituin- do-se agricultor e navegador : daqui proveio que as so- branceiras vistas dos nossos maiores Soberanos se applicá- rao a favorecer os verdadeiros agricultores , e a promover a navegação portugueza ; bastando para se provarem estes factos a saudosissiina recordação dos nomes dos Senhores Reis D. Diniz, e D.João II. Vejamos pois se esta Academia Real das Sciencias tem procurado seguir, no que lhe diz respeito, a marcha prefixada em certo modo por aquelles grandes Monarchas j e seguila avançanlo tanto quanto lho tem permittido as tuas circumstanciask A Academia deve não empregar todos os seus meios só nos dois mencionados objectos, pois o seu Estatuto lhe incumbe contemplar outros simultaneamente, porem cura- prelhc repartir, ou antes ratear, aquelles meios por todos os objectos conforme á importância delles , e sempre de sorte que nenhuma desproporção nas diversas partes do to- do ou paralyse algumas, ou destrua o mesmo todo, como acontece quando tal desproporção existe. Este portanto foi o dever desempenhado pela Aca* demia : por isso considerando a nossa agricultura como hum dos principacs agentes da publica prosperidade , concluio que devia ser hum dos primeiros objectos dos seus desve- los , e jamais ommittio diligencia , que estivesse ao seu al- iance, a qual não empregasse pelo modo mais efficaz afin) XXX Historia da Academia Real de promover este ramo de industria , do qual dependeni to- dos os outros , pois depende a geral subsistência , e de- pende a producção de muitas matérias primeiras. Bastará passar rapidamente os olhos pelas obras im- pressas, e pelos programmas académicos, pondo mesmo de parte os assentos dos conselhos c das sessões particulares , p.iraquc esta verdade se manifeste evidentemente , ainda mesmo ás vistas menos atiladas ou perspicazes: as quaes distinguirão entre os programmas respectivos aquelie , que he relativo ás leis agrarias portuguezas publicadas desde o principio da monarchia. Kntrc as ditas obras mencionarei primeiro as que tem por objecto a manufactura do azeite, e do vinho, ou a cultura da oliveira , e da videira ; plantas que logo depois das cereaes nos são assaz interessantes ; e a cujo respeito se esmerou também a Academia ( postoque sem o maior resultado ) no descobrimento de remédio ao mal terrivel , que qu.isi esterilisa as arvores productoras do óleo mais im- portante ; as quaes ao mesmo tempo gostão de terreno , que , fecundado pela agricultura , nos enriqueça com ou- tras producçóes que nos alimentem. A base principal deste alimento nunca tem deixado de ser assumpto especialmente considerado por esta Acade- mia, como provão as distribuições de trigo sarraceno, e de batatas, as de prémios relativos à sua cultura , e as de fo- lhetos, mediante cuja publicação procurou divulgar os co- nhecimentos respectivos ; praticando-se outro tanto a res- peito da cultura dos nabos, e procedendo-se similhante- mente emquanto á das favas na provincia da Beira : alem de que se tratou da excicação das batatas, e da sua redac- ção a farinha e a pão. A agricultura mesmo contemplada em geral , e con- templada emquanto ao particular de diversas partes de Portugal, tem sido objecto incessante, assim dos program- mas da Academia , como dos trabalhos de seus distinctos sócios: e já com a mira em que, descrevendo se o seu actual DAS SciENCIAfi DE LlSBOA. XXXI actual estado , se possa proceder com todo o conhecimen- to de causa aos melhoramentos correspondentes ; já pura indicar estes melhoramentos, ou prescrever a melhor ma- neira de efifeitualos , com atcenção a que sempre a indo- lência , ou a ignorância , he mais convencida ou estimula- da pelo exemplo doque pelo raciocinio. O dever de não cangar as vossas attenções , e de con- formar-me ás circumstancias em que leio este relatório, pre- cisa-me a ser talvez exccsNÍvamente conciso ; deixando pois de referir outros trabalhos importantes , mencionarei ape- nas , que a cultura dos baldios, a plantação de arvores syl- vestres e fructiferas, em que tanto interessamos, a reproduc- çâo e augmcnto das fontes, o ensecamento dos paues , o aproveitamento dos nossos dilatados areaes , e o encana- mento dos rios, tem sido objectos das meditações, dos escritos, e dos programmas desta Academia. A creação daquelles preciosos vermes , mediante cuja interN-^ençao as folhas de amoreira se transfórmão em gran- des peças de seda ; as abelhas e as colmeias ; a granza ou ruiva dos tintureiros, que em Portugal apparece esponta- neamente ; a influencia dos meteoros na vegetação ; os gados sem exclusão das suas lãs e da arte veterinária ; os prados artificiaes , os pastos , os carros , as seves , o linho , o algodão, o esparto, os aparelhos distillatorios, os for- nos e fogões , as gadanhas , os estrumes , as queimadas , a publicação de noções breves e claras para instrucção dos nossos lavradores ; o estabelecimento de escolas de agri- cultura theorica e pratica ; o de companhias agrarias ; a descripção e remoção dos obstáculos ao progresso da agri- cultura , do qual dependem tanto o da povoação , e o da civilisação , donde deve resultar o da geral prosperidade , e até a firmeza ou duração da nossa independência , tem sido objecto continuo das mais serias attençóes desta Aca- demia. Em summa, esta Real Academia publicou em i8off> como assumpto principai do seu programma em aj;ricul- * tu- XXXII Historia da Academia Real tura , K Indicar as plantas que podem servir de alimento aos homens , e supprir em annos estéreis as que servem á sua ordinária sustentação ; quaes são as que melhor se dão em o nosso clima , e quaes as que poderão nclle cultivar-se com vantagem , segundo a natureza dos diversos terrenos de Portugal ; e os usos a que as mesmas plantas poderáô ser destinadas , quando uáo sejão necessárias para o men- cionado fim. '» A benemérita classe das sciencias naturaes , principal credora dos louvores devidos, ao que se tem praticado a bem da agricultura, também o lie dos que lhe competem, por se ter empregado tanto nos outros objectos que lhe correspondem, quanto evidentemente se colhe de haver pu- blicado o primeiro Firidarium Ltisitanicum '^ a distincta Flo- ra da Cochinchina ; a analyse das agoas das Caldas e de Cabeço de vide ; tomando alias em consideração o trans- porte das primeiras , e imprimindo muito notáveis memo- rias sobre as nossas marinhas , o nosso sal comparado com o de Cadiz, o algodão cuja cultura procurou aclimatisar em Portugal, a cochonilha, o ricino, a urzella , o anil, o chenopodio marítimo , e as plantas indígenas , donde se extrahc a soda. Recorrendo ás referidas fontes veremos o muito , que esta mesma classe se tem occupado com a parte mineraló- gica do nosso Reino , e com o concernente á ictiologia , á preparação do peixe salgado e seco , e ás pescarias ; ramo este de industria , que deve alias concorrer grandemente pa- ra haver quem possa guarnecer a propósito os nossos na- vios de guerra , sem os quaes , nem o commercio pode ser protegido ou animado , nem as colónias ligadas entre si , e á sua metrópole. Sobre tudo reconhecereis , Senhores , quanto deve a esta classe a propagação daquella invenção Ingleza , bastan- te para immortalTzar o século decimo oitavo, tão notável nos annaes da destruição dos homens; fallo, Senhores, da invenção tendente 4 conservar nada menos do que hum se- ti- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. XXXIlr timo da nossa espécie, em despeito das flagelladoras be- xigas , que nao só procuravão deturpala quabi toda , mas também coiisegiiião devoíar-lhe a sétima parte, A cducaçíío fysica desta mesma espécie, que tão in- felizmente vai declinando ( e talvez não menos a moral , brotando de taes fontes as causas principaes de muiro con- sideráveis padecimentos) não podia deixar de attrahir as mais graves meditações de tão distincta classe ; que depois de haver-se empregado zclosissimamente na nossa restaura- ção fysica , e na preservação das doenças que nos mortifi- cão, publicando tratados sobre a dita educação, e sobre a Hygiene considerada em geral , e considerada emquanto aos corpos militares, assim terrestres como maritimos, se desvelou em obstar á propagação dos contágios , mediante a publicação de folhetos destinados a vulgarisar os conhe- cimentos relativos á preservação da peste , e das doenças dos exércitos : alem de que fez imprimir huma memoria sobre a desinfecção das cartas , e hum tratado de policia medica escrito por hum dos mais beneméritos Professores de medicina , sócio desta Academia. Daqui passando a classe a tratar de destruir os males fysicos , procurou desempenhar-se , como se colhe das suas memorias, sobre os hospitaes do Reino, sobre a sympathia do estômago com a cabeça , ou do laboratório da nossa nutrição corporal com o da intellectual , se com effeito he admissível esta expressão; sobre a Fysica tuberculosa; so- bre algumas observações Botanico^medicas ; sobre as bou- bas ; sobre a dedaleira e suas propriedades medicinaes ; so- bre as dysenterias chronicas, sobre o empyrismo na medi- cina , e sobre a identidade no systema muscular : escritos a cuja menção unirei a dos avisos sobre as mortes apparen- tes, a das advertências sobre o uso da agoa das Caldas, a das memorias para a historia da medicina ; e a do en- saio dermosografico do nosso falecido consócio o Snr. Ber- nardino António Gomes , a quem de mais a mais he devida a invenção do chinchonino. ' r. IX. p.L • g Os XXXIV Historia da Academia Real Os programmas da Academia também mostrao , que a sua classe de sciencias natuincs procurou unir aos seus trabalhos os de todos os litteratos da mesma classe, con- vidando-os a escrever sobre o temperamento medico actual desta cidade , talvez a mais desproporcional de rodas as capitães comparadas com o total das suas n:içÕcs ; o que não pode deixar de influir sensivelmente sobre a sua vida fysica e politica. Proscguindo porém na enumeração dos objectos, a que se rcpoi tão os programmas desta classe , relatarei com.o principacs , as doenças nervosas , as tisicas , a morféa ; as doenças agudas e chronicas , que mais frequentemente ac- comcttcm os pretos recem-tirados da Africa; a lepra, a gota, a febre amarella , as queixas biliosas , as que mais atacão a nossa tropa, e as apoplexJas. A mesma classe considerou também nos seus program- iras as composições farmaceutico-clinicas ; a differença en- tre os effeitos do lactucario e os do ópio , determinada por cbs.rvações clinicas; a influencia dos meteoros assim na ve- getação como na saúde dos homens e dos animaes ; e a analysc das agoas das Aleaçarias , do Estoril, do Gerez, e do Vimeiro. Accresce haver tratado , como foi notório , de concor- rer, assim para serem convenientemente soccorridos os asfi- xiados e os rcccm-afogados , como paraque se remediassem prompt:imente as doenças que flagellavão Lisboa em 1 8 ii ; não impedindo tantos e taes desvelos , que procurasse obter noções sobre a porcelana , o tabaco , o xarão , o chá , e a tinturaria chineza ; e que também contemplasse distincta- ipente a meteorologia, assimcomo alguns outros ramos as- 5^z importantes da Fysica e da Chimica. ti :>j: ■; Sjgue^se pois , em conclusão , que esta classe teat preenchido os seus deveres ,. cora o esmero próprio do mais fibivab sd Si«m u auxn ^b rr DAS SciENCiAS DE Lisboa. "~ xxxv EGUNDA Parte A classe de litteratura merece menção nada menos honrosa , como passo a evi>.1cnciar. Sendo manifesto, que devemos ás nossas antigas in- stituições a dilatação prodigiosa do nosso império, que che- gou a exceder cm grandeza territorial todos os antigos, divulgar pela imprensa o conhecimento destas instituições, depois de havelas desarreigado do abysmo do esquecimen- to , devia ser , e tem sido com effcito , hum dos princi- pacs trabalhos desta classe cada vez mais benemérita. As- sim lhe fosse dado reproduzir nossos antigos costumes ! Todavia cumprio, e cumpre o maior talvez dos seus deveres na publicação mencionada ; pois sem duvida nos convém a restauração daquellas instituições mais adequada ao estado presente da civiiisaçao; ou não he verdade axio- mática , que a força dos hábitos nacionaes , á maneira da dos inJividuaes donde procede, muito difficilmente he sub- rogada , ou vencida , pel ) impulso de innovações contrarias áquelies hábitos, ou áquellas instituições. Com grande razão pois a classe de litteratura, alem da preciosa colh<;ita depositada em seu distincto celeiro , para ir sendo divulgada pela typografia académica (a) , já fios fez gozar o prazer da agradável recordação do que nossos maiores praticarão heroicamente, e regularão sabia- mente , conforme consta dos cinco primeiros volumes dos inéditos , dos qaaes tenho a honra de apresentar o quinto recem-sahido da imprensa. Nelles se encontrão estampadas consecutivamente as Chronicas do Snr. D. Duarte, do Snr. D. Affonso V, do Snr. D. João II , e de D. Duarte de Menezes escritas pe- lo nosso Ruy de Pina ; a de D. Pedro de Menezes por Gomes Eannes de Zurara ; as dos Senhores Reis D. Pe- dro I, e D. Fernando por Fernão Lopes, e as de todos os nossos Soberanos até o Snr. D. João III pelo Bacharel * j ii Chris- / sxxvr HisVoria"da Ae\D'EM:iA'RKat. Christovão Rodrigues Azinheiro ; alem do que publicou a mesma Classe nos referidos volumes a guerra de Ceuta por mestre Mattheus de Pisano , o livro vermelho do Siir. 1). AlFonso V, os íbros antigos de Santarém, S. Martinho de ^louros, Torrcs-novas , Gravao , Guarda, e Beja , mais aV4 guns fragmentos de legislação portugiieza extiahidos do li- vro das posses da Cas* da Supplicaçâo : devendo- se espes cialmcnte a publicação dos dois ulti^mos volumes ás fadi-- gas du distincta Comiliissdo do historia, estabelecida pela Academia, C formada por muito respeitáveis ?aiios da elas* se de littcratura. ' • -i ^ r ' ' ' - A esta mesma classe he devida' a^ itiferessantè coUec- ção de noticias para a historia c geografia das iiiações ul* tramarinas, a cujo respeito não se poderá dizer o mesmo, que táo desgraçadamente nos exprobráo á cerca do roteiro do mar vermelho escrito pelo insigne D. João de Castro; e conhecida} agora , rtão porque portiiguczes amantes da gloria nacioilal o publicassem , mas sim porque o venderão a estrangeiros, que prezando-o como deviao o extractárao, e o imprimirão cm lingua estranha, como consta das re* spectivas impressões , e da noticia delias publicada no to- mo V dos Annaes das sciencias , das artes , e das letras. Na mencionada , e preciosa coUecção de noticias ul- tramarinas encontraremos , alem das que referem os costu- íncs e as escrituras dos gentios orientaes , as que nos forao deixadas pelo venerável José de Anchieta sobre as pro* ducções naturaes da capitania de S. Paulo; noticias segui- das pelas navegações de Cadamosto , de Pedro de Cintra , de Pedro Alvares Cabral , de Thomé Lopes , e de João de Empoli ; ás quaes publicações se unio a do livro de Duar- te Barbosa, e as cartas de Américo Vespucio a Pedro So* derini : havendo promptos para entrarem na imprensa mui- to notáveis manuscritos , dos quaes mencionarei agora hu- ma dcscripção do Brasil escrita no tempo dos Filippes J e havendo também no cartório da Academia importantes mappas relativos áquelle vastíssimo paiz j assimcomo de* se- t>A*SCIENCIAS DE LiSBOA. XXXYir senhos de variai das suas arvores, e descripçoes de alguns dos seus territórios. *; Em volumes avulsos dco á luz esta mesma classe vá- rios documentos arábicos da liistoria portugucza ; hum en- sftiô económico sobre o commercio de Portugal e suas co- lónias ; algumas memorias para a historia da capitania de S. Vicente ; as observações sobre as principaes causas da decadência dos portuguezes na Ásia ; o primeiro volume dás obfJs do Snr. Francisco de tíorja Garção Stockier ; e outras mais directamente concernentes á lingoa c poesia portugucza; a saber: o primeiro volume do nosso diccio- nario , hum lexicon «tymoiogico das palavras e-nomes por- tuguezes que tem origem arábica , hum ensaio dos syno- nymos da lingoa portugucza, huma grammatica philosophi- ca desta mesma lingoa , as obras poéticas de Francisco Dias G >mcs ; varias tragedias , entre as quaes huma nacional , e Bs outras traduzidas do grego e do latim , com a notável attenção de expor em verso portuguez hum assumpto que foi tratkio por Euripides , Séneca, e Racine; alem de que se tem começado a reimprimir os nossos principaes histo- t-iograíos : e existe no cartório da Academia grande nume- ro de obras poéticas escritas em portuguez, em larim , e cm italiano ; existindo também hum diccionario alemão- portuguez , mandado compor á maneira do alemao-latino de Scherer;e a traducçao de Virgilio por Cândido Lusi- tano , authografa. Sendo clarissimo, que esta classe não podia satisfazcr- 8e com a divulgiçâo dos mencionados fragmentos da legis- lação , que tanto concorreo pafa nos elevarmos ao gráo de gloria , que deixo referido com tanto respeito e prazer , mostrou a mesma classe quanto prezava este grande assum- pto , fazendo imprimir as obras do nosso famoso jurisperi- to , e clarissimo consócio Pascoal José de Mello Freire ; alem dâs quaes mencionarei o Índice dos foraes das terras do Reino de Portugal e seus domínios ; a synopsis chro- nologica de subsídios para o estudo da nossa legislação i as xxxviii Historia da Academia Real as fontes próximas do código Filippino ; e o índice chro- nologrco remissivo escrito pelo mesmo benemérito sócio, a quem devemos as observações históricas e criticas sobre a diplom;icia portugucza. i Náo se reduzem ao muito que deixo relatado os tra- balhos da classe concernentes á nossa legislação ; pois en- tre as memorias publicadas se encontrão as que tem por objecto: j> O nosso governo e os nossos costumes desde os »> primeiros tempos conhecidos até o estabelecimento da >» monnrchia portugucza inclusivamente; » A «rigem dos nossos juizes de fora ; » O que erão as behetrias , e em que differião dos >í coutos e honras ; » A época certa , e o modo da introducção do direi- » to chamado de Justiniano ; » O direito de correição usado nos tempos antigos e » nos modernos ; 3> A origem , progressos , e variações da jurispruden- » cia dos morgados ; >» A época fixa da introducção do direito romano cm » Portugal , c o gráo de aurhoridade que elle teve nos di- íj versos tempos , » memoria esta que concorreo a program- ma , e assim também a anterior ; havendo sido ambas es- critas por hum sócio, que depois temos visto elevado aos eminentes cargos de Ministro e Conselheiro de Estado. Semelhantemente foi escrita por outro distincto sócio, em concurso a outro programma , huma memoria sobre a introducção do direito das Decretaes em Portugal ; e a influencia que elle teve na nossa legislação. A todas estas memorias accrescem ainda as que tra- tão da forma dos juizos nos primeiros séculos da monar- chia ; da influencia dos conhecimentos das nossas leis an- tigas em os estudos do jurista portuguez ; dos inconve- nientes e das vantagens dos prazos com relação a agricul* tura y da origem e jurisdicçao dos corregedores das co- rnar- DAS SCIENCIAS t)È LiSBOA. XXXI3Í marcas; da lei das sesmarias; de que até o tempo do Snr. D. Diniz nenhuma lei prohibio ás igrejas e mosteiros a acquisição dos bens de raiz ; e em fim a memoria escrita sobre a authoridade que teve entre nós o código Wisigo- do : memoria esta , que também se apresentou a concurso , c he devida a hum nosso distincto correspondente , que no anno próximo offereceo outra, na qual trata dos chama- dos decretos de Fr. Soeiro Gomes. Para completar este meu relatório correspondente á parte juridica da classe, cujos trabalhos vou descrevendo, separarei dos prngrammas desta classe os que reputo prin- cipaes entre os pertencentes áquella parte , a saber : »» Quaes foráo os diversos géneros e classes de pes^ » soas , que existirão na nação portugueza até o reinado » do Senhor D. AflFonso V; e quaes os seus diversos foros, » privilégios, e obrigações: » Qiie parte das ideas feudaes se introduzio na legís^ »» lação portugueza, em que tempos, e que alterações re- >» cebeo : i ■- ^ 5í Qual foi a proporção entre os crimes e as penas >» em as diflFereiite<; épocas da nossa jurisprudência : >í Q^iaes forão a natureza , qualidades , e eflPeitos po- » líticos da jurisprudência dos nossos antigos forâes : »« Qual seja a natureza das doações dos bens da Co- j» roa , e a necessidade e diversidade das suas confirma- ♦> ç6eS í -- -:;•■';!. "■'3'-'-' í^'iJ ■:•'• j> Qual foi entre nós a árigeni,- ptíógíèssofs j fe efiFei- >} tos dos direitos senhoreaes : « Huma historia das confirftiações geraes ordenadas por «algum dos nossos Soberanos.» •' Passando aos' mais objectos desta classe de litteraturà occuparia com a relação delles b tempo exigido pela de outros talvez não mais consideráveis : limitar-me-hei pois a dl2er, que lhe devemos os escritos ou memorias, cujos assumptos são =: algumas Décadas iheditas do bem conhe- cido Diogo O elogio de algum portuguez illustre : j> O estado actual da nossa litteratura : >> A historia da typografia portugueza: »» A descripção histórica de alguma parte notável do j> Reino , desde a sua origem até o presente : » O índice chronologico remissivo dos documentos >» impressos, pertencentes á nossa historia, desde a restau- 5» ração das Hespanhas até 1603 exclusivamente: » A historia do nosso commercio exterior, até o des- »» cobrimento da índia : " A dos nossos descobrimentos em Australasia e Po» í> linesia : j» A forma do exercito portuguez até a invasão de >» Fiiippe II : " A povoação de Portugal nos reinados dos Senho- »» res Reis D.João II, e D. Manoel , até a época dos des- *» cobrimentos, averiguando as causas do seu augmento ou »» da sua diminuição : » O estado da marinha e da navegação portugiiez» f* até o Sfír. D. João II : . T. IX. P.I, • é ff Quaes XUT Historia da Academia Real »> Quaes forão os motivos que occasionárão e promb-r w vcião o descobrimento do Oriente; e quaes os subsidios " que concorrerão para a sua feliz execução : e em fim ^ >» O augmento ou diminuição da nossa povoação eu- " ropêa , nas diversas épocas da monarchia , indicando as >» suas causas. » (h) Tendo assim relatado summariamente os principacs trabalhos desta classe , rematarei mencionando os seus pror grammas , ciíi que , propondo os elogios dos nossos mais dis- tinctos Soberanos, procura desta sorte concorrer, paraque sejao, se he possivel , cada vez mais animados pelo espiri- to da verdadeira gloria: alem de que notarei, que não te- nho ainda visto as historias dos Soberanos referidas com atr tenção aos meios, que seus antecessores lhes deixarão , e quç os mesmois Soberanos deixão aos seus successorcs : donde resulta, que muitos ainda hoje gozao de reputação ou su« pcrior, ou inferior, áquella que verdadeiramente lhes com- pete. Te rceira Parte. Chegado ao recenseamento do que he devido a minha classe, procurarei que o espirito de corporação me não des' lumbre , como acontece não poucas vezes com assaz perjui- zo publico. Principiarei observando em geral , que devemos á ma- thematica o conhecimento de .todas as grandezas , e cor- relações assim algarithmicas como geométricas ; bastando para se manifestar a sua transcendente e geral utilidade, a ponderação, de que sem a mathematica, nem conhece- riamos as leis , que regem os astros , nem saberíamos em- pregar este conhecimento a bem da segurança e do pro- gresso da navegação;. sem a qual nem o commercio, nem a civilisação poderia subir ao gráo de elevação , que tanto nos honra j sem a qual , em huma palavra , os portugue- zes nunca scrião o que tem sido , graças principalmente : : ^'j '9 ao DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. XLIII ao mathcmatico, valoroso, resoluto, e immortal Infante D, Henrique. Os trabalhos da minha classe comparados, ou com os das outras classes dc.vta Real Academia , ou com es de igual classe nas Academias estrangeiras, mostrão que esta classe não desmerece consideração disrincta. Com effeito , alem do que referirei relativo ao pro- gresso importantíssimo da nossa navegação , alem dos tra- tados de agrimensura, de musica, e dos limites (que me parece dos melhores entre os elementares mathcmaticosj ; alem da publicação de humas taboas logarithmicas ; de ou- tras supplemcntares ás logarithmicas e trigonométricas; das do nonagésimo para a latitude de Lisboa; e dos elemen- tos assim de geometria como das duas trigonometrias, que já contio terceira edição ; consultando as memorias da Aca- demia yer-se-ha , que pertencem a esta classe aquellas que tratão : >> Da solução geral do problema de Kepler sobre a » medição das pipas e dos toneis. 5> Dos princípios do calculo superior. » De additamentos consideráveis á regra de Fontaine j> para resolver approxímadamente os problemas reductiveis 5> ás quadraturas. jj De muito interessantes observações meteorológicas »» e astronómicas, sendo algumas praticadas em obscrvato- » rio especial construido sobre muralha do castello , á custa >» da Academia ; tendo servido huma parte delias para a »» determinação da latitude e longitude desta capital ; e >» accrescendo a estas mesmas observações astronómicas, e >» meteorológicas, muitas outras praticadas em Mafra, em >» S. Paulo, e no Rio de Janeiro. j» Huma demonstração do theorema de Newton so- »» bre a relação dos coefficientes das equações algébricas >» com as sommas das potencias das suas raizes he também » devida a esta classe ; assimcomo a applicação do mes- í» mo theorema ao desenvolvimento em serie dos produ* * 6 ii »» CtQS xuv Historia da Academia Real >» ctos compostos de infinitos factores ; ilevendo-se-!he ao » mesmo tempo memorias interessantes : jj Sobre as equações de condição. » Sobre as orbitas dos cometas. j> Sobre as propriedades dos coefHcientes dos termos j> do Binómio Newtoniano. » Sobre as Bríichystochronas. " Sobre as. variações seculares dos elementos cUipti- » cos de Palias e Ceres. j> Sobre o cometa de 1807. j> Sobre o calculo das notações. » Sobre a dcducção filosófica das operações algébricas. j> Sobre os theoremas de Newton á cerca das poten- j> cias das rai/es das equações. » Sobre a theorica da composição das forças., j> Sobre a comparação das formulas tanto finitas co- j> mo de variações finitas e infinitcsimas dos triângulos es- » fericos e rectilíneos. » Sobre as binomiaes. j> Sobre as lorerias. 5) Sobre as formulas propostas por Wronski para a re- »> solução geral das equações. >> Sobre não poderem ter formas de raizes as equa- j> ções litteraes e completas dos gráos superiores ao quarto. )> E sobre a influencia do erro, que pode resultar nos jj ângulos horários do sol e da lua, de se não attender á » figura da terra. >» Abstendo-me de reflexões acerca de tão relevantes fa- digas , pois me cumpre inscrever muitas e grandes noticias dentro do mais resumido quadro , concluirei o relatório d^ minha classe , expondo o mais importante do que respeita aos seus programmas , e á nossa navegação. Entre os programmas que pude rever, e que não ap- parecem resolvidos nas mencionadas memorias , julgo so- bresahirem aquelles que tiverão por objecto : >» O methoio de tirar das observações as equações >» dos DAS SciENCIAS DE LlSBOA. XLV i> dos planetas, accommodando-o principalmente JÍ detcr- »i minação das desigualdades da lua. » Hans elciTieiitos de aiithmeticâ politica para uso da j» nação portuguc/a. >» O mcthodo geral para determinar independentcmen- j> te da integração de equações diíFcrenciacs , a diffcrenças j> parciaes , qualquer dos Rsctores que podem Fazer int(> » gravei liuma funcçao diíFercncial , que, não sendo exa- j> cta , SC possa reduzir a que o seja , multiplicando-a por »» hum factor conveniente. j> Hum tratado de series , em que se comprehendes- i> sem as verdades mais importantes até então descobertas »5 na sua thcoria , deduzido pelo modo mais fácil e natu- íj ral do menor numero de princípios , e estes os mais ge- j> raes que fosse possível. 5> Expor e comparar os methodos até então conheci- >» dos para sommar approximadamente as series infinitas , »> que não admiitem somma algébrica. " Hum tratado completo do methodo dos incremcn- »i tos directo, e inverso, com as suas principaes applica- >» ções á doutrina das series , e ao calculo das probabili- » dades. » Comparar os diversos géneros de moinhos empre- s» gados entre nós na trituração dos grãos frumentaceos , » apontando os seus defeitos, e os meios mais fáceis de j> os remediar. " Determinar os principies em que deve fundar-se a >> applicação do calculo das probabilidades á critica dos »> factos históricos. /: : » Dar hum methodo suflícientemente exacto de medir >» a velocidade das agoas correntes em qualquer profun- »» didade. j? Huma analyse e comparação circumstanciada dos me- »» thodos de calcular a resistência dos fluidos. >» Huma applicação do calculo litteral a qualquer dos *» ramos d« economia politica. : vi-p í; sl »» De- XLVi Historia da Academia Real I» Determinar a forma dos carros mais próprios para »> os terrenos desiguaes e montanhosos; dando o mcthodo >» mais simples de avaliar o estorço do motor em *|ualqucr >» posiçSo dos mesmos carros. 5> Entre os mechodos conhecidos de aproveitar a for- » ça das marés, determinar qual stja o mais vantajoso nas j» diversas paragens do nosso Reino. j» Simplificar a bomba de fogo de maneira que o seu » uso se torne mais fácil ; indicando se com especialidade » as vantagens da sua applicação ao ensecamcnto dos paues. Ultimamente , com premio fixo para todos os annos » hum pl;)no de canal para aproveitar as agoas de algum 3> rio de Portugal na irrigação dos campos , com todas as >» nivclaçócs e todos os cálculos necessários, paraque a j> Academia possa conccitualo. " Senhores desculpai-me , se o louvável desejo de apre- sentar-vos o quadro systeraatico , e synoptico , dos servi* ços mais notáveis feitos por esta Real Academia , me con- duzio a ser pezado ás vossas attenções : prestai-mas ainda por poucos instantes , paraque possais conceituar a pro- pósito o distincto zelo com que esta Academia se tem ap- pl içado a promover hum dos vossos maiores interesses , pois tal deve ser considerado o progrssso da navegação portugueza. Agora mesmo tenho a honra de aprescntar-vos entre as obras impressas neste anno Académico as Ephemerides náuticas para o de i8iy, havendo 27 annos que princi- piou a publicação deste diário indispensável para a nave- gação alta : o qual he tão apropriado ao seu destino , que vencco por este lado o parallelo com a distincta Epheme- ride Conjnbricence. A Academia imprimio também as taboas perpetuas astronómicas para uso da navegação ; e entre as suas me- morias, abstrahindo as que respeitão a historia das nossas navegações antigas, (sendo por isso bem próprias para nos excitarem a que restauremos este agente da nossa antiga for- DAS SCIENCIAS de: LlSBOA.7 T''' SLVir fortuna e gloria), ommittindo mesmo as que tratão do max gnctismo , mencionarei aqucllas que tem por objecto, =5 os instrumentos de reflexão zz as instrucções e regras praticas relativas á construcção , carregação , e manobra dos navios c3 a architecrura naval = a practica da alagaçao dos na- vios n: o calculo da longitude simplificando considerável' mente a formula de Ic Gcndre r: e notarei finalmente aqucl'» la que , tratando da reforma da quinta ordem de marcha j quando o vento alarga , nos mostra ao mesmo tempo o er- ro de hum táctico distincto , e que as vistas da Academia tem abrangido todos os ramos da marinha. Esta verdade he também demonstrada pelos program- maí? correspondentes, e assaz importantes, entre os quaes SC encontrão os seguintes , a saber : >> Assignar os meios mais expeditos, e mais seguros, >> para conhecer no mar a distancia e rumo a que se tem >» navegado. » Dada a secção horisontal de hum navio , feita á í» flor da agoa , e a sua secção vertical pelo plano da ca- >» sa mestra, determinar entre todas as superficies curvas, »> continuas e descontinuas, que podem passar pelas linhas j> que terminâo as sobreditas secções , aquella que , posto »» o navio em movimento pela acção do vento sobre as ve- »» las , fará que elle experimente nas agoas a minima re- »» sistencia : e reciprocamente dada a figura e as dimensões » de hum navio, determinar o angulo que o plano da sec- « ção feita á flor da agoa deve fazer com o plano da casa »> mestra , paraque o navio se mova com a máxima velo- »> cidade. » Huma comparação analytica dos differentes metho- « dos de determinar as longitudes no mar , em que se ex- j> ponhão as circumstancias mais e menos favoráveis a cada »> hum dos mesmos methodos , e o maior erro que pru- » dentemente se pode recear delles , sendo practicados com »» a maior exacção possível. »» Achar pela observação dos astros a hora de bordo, »» quan- scLvin Historia da Academia Real »» quando nSo se vê o horisonte : mostrando juntamente o » gráo de confiança merecida pela solução que se der a es- >» te problema. » Mostrar o gráo de confiança devido á longitude do >» navio deduzida da estima , em huma viagem de 30 dias » pelo menos: e se convém, ou não, fazer na longitude » estimada âs emendas indicadas pela diíFerença entre as j> latitudes observada c estimada: fundado isto no calculo » e nas observações. >» Resumo das regras praticas (que se usão) para tra- >» çar a figura de hum navio sobre os três planos ortho- í> gonaes de projecção, mostradas com toda a clareza pos- j» sivcl pelos desenhos correspondentes ; e juntamente o »> calculo pratico do porte e da capacidade do navio. j» Algumas observações de eclipses do sol , ou de oc- »» cultações de estrellas pela lua , feitas por navegadores »» portuguezes em portos do Brasil ou da Ásia ; espccifi- >» cando-se todos os meios e instrumentos empregados nes- »> tas observações. j> Huma derrota de navegação alta por tempo de hum 9> mez , ou mais, feita em navio portuguez, cujo princi- » pai motor seja o fogo : ou huma memoria , na qual se j> evidencêe a possibilidade e maneira de effcituar a mes- « ma navegação vantajosamente nos navios mercantes , e j> em todas as circumstancias. Será preferível a memoria , j> que, alem de desempenhar este assumpto, considerar o >» motor empregado ao mesmo tempo na cosinha do na- »> vio, em distillar agoa do mar para os usos ordinários >» delia , em renovar o ar do porão e das cobertas , em es- í» gotar o navio , e em defendêlo mediante a projecção j» de agoa fervente , á semelhança da executada pelos Ame-! >» ricanos Inglezes a bordo da fragata Fulton. » Programmas estes aos quaes cumpre accrescentar os propostos tantas vezes com premio fixo , sem limitação de tempo , a saber : jí Huma derrota , em que o uso das observações as- )f tro- DAS ScrEKCrAS DE LlSBOA,*T XLIX í» troríomicas seja assaz frequente , principalmente o das »j distancias da lua a,o.sol, ou ás estrellas : sendo estas dis- **'tancia» calculadas 'segundo os methudos , que a Acade- »» mia tem indicado, c continuar a indicar em as Efeme- »». rides náuticas, que para uso dos nossos pilotos^ tem man-f >j dado calcular para todos os annos. qr '; roS >» Huma comparação circumstanciada , e reflectida, dns » boas ou más qualidades de qualquer navio , observadas j> nas diversas circumstancias , em que se tenha achado nas » suas viagens, com aquellas que devera ter segundo os í> principios theoreticos derivados da figura do seu casco , >» e das posições do seu centro de gravidade, do centro »» de gravidade da sua parte mergulhada, do metacentro, » e do centro velico: sendo estas determinações feitas pe- »> los mcthodos mais exactos. »» A tantos e taes trabalhos , executados nas circumstan* cias, que ponderei no relatório da sessão anterior, e nas patenteadas pelo Snr. MuUer em 24 de Junho de 18 10, muitos outros accresccm ordenados pela superioridade , e os relativos a hum gabinete de fysica , a outro de histo- ria natural, á typografia académica, e a huma livraria mais notável pela qualidade , doque pela não pequena quanti- tJade dos seus volumes.: entrego porém todos ao silencio, assimcomo os que respeitão ás artes e officios , ou á me- chanica, ás censuras académicas, c ao exame quer dos car- tórios, e de algumas livrarias do Reino, quer do archivo da Torre do tombo, e da livraria do Escurial. Desta sorte vou passar mais brevemente á part'e quarta e ultima deste xelatorio , no qual tenho já comprehendido os principaes serviços prestados por esta Academia no longo espaço de quasi quarenta e quatro annos. Q^u ARTA Parte. Proseguirei mencionando primeiro os individuaes tra- balhos académicos executados no anno agora findo ; relata- rei depois os trabalhos que devemos a mais de hum socio^ r. IX. F.I. • 2 « Z ■ Historia ca A^adeiMIã Real e finalizarei referindo as obras offcrecidas a esta Academia j já por individuos portugufzefi , e.já (.por 'estrangeiros. , O Siír. D. Fr. Francisco de S» Luiz abrio a carreira littcraria deste anno , tazendo apresentar a continuação do seu tratado dos synonymos da lingua portugucza, que ve- des reimpresso com este additamcnto. • ' •.;„.■ u ■ 2 b O Siír. Luiz da Silva Muzinho de Albuquepcjue , de- pois de havcr-nos brinti^ado com a traducção dos seus doze bem desenhados quadros- de ,chimica inorgânica, apresen- tou a primeira parte do seu curso fysico-chimico , que a Academia julgou merecer a luz publica, seguindo-se man- dar imprimi la , e- ficar rassim preenchido hum grande vá- cuo , que havia nas producções littcnarias portúguezas. Demais a mais procurou a Academia corresponder ao distinto auctor, nomeando-o Correspondente, e elevando-o logo depois ao gráo de Sócio livre: alem de que, ponde- rando quanto convém que taes conhecimentos se adiantem y e se dilFundâ^j estabcleceo hum premio a favor daquelk discipulo tdas novas aulas de f)'sica e de chimica , que apresentar alguma memoria , na qual se adiante sensivel- mente qualquer das ditas sciencias. O mesmo Sfír. Mozinho não só noticiou as ultimas descobertas de MM. Dbreirer, Thenard , e Dulmas , acer- ca da influencia dos metaes sobre os fluidos aeriformes , naas também executou perante a Academia huma experiên- cia relativa á prompta determinação dos principios com- ponentes da agoa na presença do platina-esponjoso. O Snr. António Diniz do Couto Valente ofíereceo a Efeméride náutica para o anno 1825, devendo notar-se, jquc a sua composição se tornou mais trabalhosa , por se não poder fundamentar na do Almanak Inglez tanto quanr to atégora se praticava. O Siír. Joaquim Pedro Fragoso da Mota de Siqueira 4êo-nos o principio de huma memória sobre as minas de Saxonia ; e outra sobre a fabricação do pez e do alcatrão na marinha grande. O DAS SciENCiÀs CE Lisboa. li O Sfir. Luiz Gomes de Carvalho offcreceo-nos huma interessante memoria sobre a restauração das barras dos portos, considcrando-os primeiro em geral, e contemplan- do especialmente os de Portugal , entre os quaes trata mais especialmente do Douro. Tereis, Senhores, a satisfação de ouvir ler hum ex* tracto desta memoria de hum portuguez , antes de cuja existência ninguém levou a concha de S. Martinho , e as barras de Aveiro , e do Porto , ao gráo de melhoramento em que hoje as vemos, e desfructamos , com evidente van- tagem publica em mais de hum sentido ; sendo por tanto muito distincto o merecimento que fez entrar no numero dos correspondentes desta Academia o auctor de tão notá- vel escrito; no qual se evidencca o muito que a possível restauração das barras , dependente alias da distancia das margens, da dureza relativa destas margens, e do fundo, também depende da igualdade ou quasi igualdade das mes- mas margens de sua foz ; e da quasi perpendicularidade delias a respeito das costas immediatas. O Snr. Fr. Fortunato de S. Boaventura dobrando a satisfação dos seus deveres académicos , não obstante a de muitos outros que tem tido a seu cargo, enviou nos duas memorias , em huma das qiiaes trata do portuguez Diogo Lobo Rebello , escritor theologico e politico de nossos an- tigos tempos; a quem Barbosa na sua bibliotheca denomi- na Diogo Lopes Rebello : e na outra memoria pertende fazer mais illustre a do Chronista mór Fr. Bernardo de Brito- O Srir. Manoel José Pires lêo huma traducção da ora- ção pro Ligario. O Snr. Barão de Eschwege apresentou hum curioso mappa das alturas de diversos lugares de Portugal sobre o nível do mar, e das qualidades dos terrenos adjacentes. O Síir. Ignacio António da Fonseca Benevides recitou a continuação de huma memoria medico-botanica sobre as plantas venenosas poriuguezas. 'onui/i ♦ 7 ii O Lii Historia da Academia Real i-!!;j..lO Sfir. Joaquim Baptista oíFcreceo huma memoria so- bre as caldas que chama de Lafões , e que também são denominadas de S, Pedro do Sul. O Snr. Manoel José Maria da Costa e Sá vai ler-vos o elogio do nosso distincto e fallccido sócio o Snr. Ale- xandre António das Neves , que também foi Guarda mór da Academia, e hum dos maiores zeladores do progresso académico: este elogio contemplando-o como homem, co- mo litterato, e como membro da Academia, patentear-vos- ha o bom aparo da penna do seu escritor, e por isso me abstenho de todo o toque de qualificação á cerca delle. : O Snr. Jcronymo Joaquim de Figueiredo aprcsentou- nos a sua Flora alimentar e farmacêutica portugucza , es- crita em o nosso idioma : com esta Flora , depois de se lhe ajuntar hum indice lusitano , poderá qualquer portu- guês adestrar SC nos conhecimentos botânicos ; pois adqui^ rindo os elementos da lingoagem , e da scicncia , mediante o estudo do compendio escrito em portugucz pelo Snr. Fe- lis de Avellar Brotero , pode applicar esta lingoagem ás plantas de vulgar conhecimento, servindo-se da nova Flo- ra; e habilitar-se desta sorte, quer para elevar-se a maio- res conhecimentos botânicos , quer para fazer mais util a mesma Flora , addicionando-lhe descripçócs da cultura , das propriedades , e dos usos das plantas alli mencionadas , cujo numero anda por quinhentos, e parece que pode ser augmentido (r). . . '. O Snr. Visconde de Santarém oíTereceo consideráveis additamenios ás suas assaz conhecidas memorias sobre os manuscritos, que, existindo nas bibliothecas Parisienses, per- tencem ao Direito publico externo e diplomático de Por- tugal : a.distiactQ conceito, que corresponde a este manu- scrito , alem. :dèí assaz prefixado pelas ditas memorias im- pressas, Vai agora, mesmo ser manifestado pela leitura de alguns dos. jidditamentos offcrecidos.. ..'£ . iFiBalracnt^> o Secretario fez puesente huma succinta memoria sobre a navegação e comraercio do Rio de Janeiro, Trcs DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. Lllt Tres forão as commissôes que tiverâo cffoctivo exer- cício no decurso de todo o anno agora concluído j a saber: a commissáo de historia , a ccmmissao das Cortes , e a Instituição vaccinica. Proseguio a primeira na distincta satisfação dos seus deveres publicando o quinto volume de inéditos, que tive a honra de apresentar , e que que já descrevi quando tra- tei de todos ; alem de que preparou materiacs para o sexto volume, que vai ser impresso: em casa do Sfir. Francisco Nunes Franklin forão tiradas e confrontadas as copias dos documentos, ou manuscritos impressos naquelle volume , cu- ja revisão principiando em cada folha a cargo do mesmo sócio, tem sido concluida pelo Siir, Francisco Manoel Tri- goso ; estes Sócios juntos com os Senhores João Pedro Ri- beiro , Francisco Ribeiro Dosguimarães , e Joaquim José da Costa de Macedo formão presentemente a referida com- tnissão de historia. A commissão das Cortes publicou as de Lamego ; as de Coimbra celebradas no anno 121 1, e extrahidas de dois diversos documentos, que na impressão marchão con- frontados entre si ; seguindo-se a estas Cortes as de Coim- bra , celebradas no anno 1229; e a estas o principio das que forão convocadas no anno iijj- Em quanto á Instituição vaccinica , tomando a Acade- mia em consideração o que lhe representou depois da sua mudança para a Estrella , obteve de S. Magestade (cujo coração verdadeiramente paternal se regozija annuindo a tu- do quanto pode melhorar a sorte de seus fieis portugue- ses) que em vez de hum estabelecimento nesta capital, houvesse dois alem do existente nas casas da Academia , a saber : hum no thesouro velho , e outro no hospital da marinha, cujos locaes , segundo me foi participado, estão promptos para principiarem a servir. Se o resultado corresponder á expectativa da benemé- rita Instituição, crescerá o numero dos vaccinados na ca- pital , e estes encontrando menos incommodo em voltarem aos LTV Historia DA Academia Real aos lugares da vaccinação satisfarão hum dever , concor- rendo paraquc possa proscguir o beneficio por elles re- cebido : sendo sem duvida muito estranhavel a falta do cumprimento de tão essencial obrigação , pois desta falta verdadeiramente dcshumana he consequência immediata , e precisa , o augmento do numero das pessoas mortas pelo terrível mal das bexigas naturacs. Tratando agora dos offerecimentos feitos á Academia , devo , Senhores , communicar-vos , que o Siir. Barão de Esch-vvege apresentou hum mappa geográfico da capitania de Minas geracs, e prometteo huma copia dcUe : accrcs- cendo prescntear-nos com quatro volumes escritos cm ale- mão , dois dos qujcs intitulou "Jornal do BrazH , aonde re- lata parte das suas viagens naquelle paiz , dando ao mes- mo tempo varias noticias mineralógicas , geognosticas , e cscadisticas respectivas : hum dos outros volumes tem por titulo, Prospecto geognostico do Brasil^ e sobre a matriz dos diamantes : o quarto volume he intitulado , Noticias minera- iogicas e geognosticas de Portugal e das suas colónias. O Síir. Manoel José Maria da Costa e Sá ofFereceo huma collccçâo de noticias manuscritas , concernentes á Cochinchina. Recebco-se também hum exemplar do carmen endeca- syllahum de Rezende, impresso em Lisboa no anno 1547, e offerecido á Academia por Joaquim António de Medina. Mr. Deveze, medico em Pariz , e membro de varias Academias , offereceo alguns impressos relativos á febre amarella , sendo de parecer que não he contagiosa. Mr. de Chateaunoeuf remetteó-nos hum exemplar do seu folheto relativo á mortalidade das mulheres na idade considerada critica de 40 a fo annos. O Srir. Ampere enviou-nos hum exemplar da sua obra sobre os fenómenos electro-magneticos. O Snr. Fr. Mattheus da Assumpção , agora nosso cor- respondente, oíFereceo-nos hnm exemplar da sua traducção da historia das revoluções, esccit4..pof.yertotj. outro da sua V DAS SciENCIAS CE LiSBOAiT TtV sua' carta apologética á favor do P. Vieira, e outro do seu sermão em acção de graças pela feliz acciamação de S. Ma- gcstade. O Sfír António Joaquim de Castro Peixoto, havendo offcrecido vários desenhos da sua machina de debulhar tri- go , incumbio-se de dirigir a construcção de hum modelo próprio para se fazerem decisivas experiências; modelo que a Academia, sempre propensa para animar tudo o que po- de promover o bem dos agricultores, mandou fazer á sua custa : seguindo-se encarregar a clasvse respectiva de proce^ der aos mencionados exames práticos , assimcomo ao da mcm )ria , que sobre a dita machina foi apresentada pelo seu auctor. Pelos Sócios da Academia forâo distribuídos os exem- plares de hum folheto intitulado. Resposta do Bispo de An- gra , cnvi.idos pelo mesmo Síír. Bispo para se proceder á sua distribuição. r-.-.tiS) è-.í;' ' O Sfír. Varnaghen participou haver encontrado nas cin- co villas pedra conveniente á lithografia; e forao apresen- tadas varias estampas lithografiadas nesta cidade por Mr. le Coq, O Snr. Alberto Carlos de Menezes oflFereceo exem- plares impressos do balanço do Terreiro publico em 1821, os quaes forao distribuidos na forma do costume. O Sfír. Stuart remetteo hum exemplar dos fragmentos de hum Cancioneiro inédito , que mandara imprimir em Pariz , com attenção a estampar imitações das letras do ori- (ginal. Mr. de Saint-Hilaire mandou exemplares dos seus im- ■presos intitulados, Rapport sur le voyage dans le Bresil^ et les misslons du Paraguay — Memoires sur les cucurbitacées !=: Memoires sur /ir plantes aux quelles on attribue u» placenta central libre : oíFerecimento este que foi seguido pelo de vários outros folhetos relativos á Botânica. Houvemos também hum exemplar da oração académi- ca recitada por occasião do nascimento da Sereníssima Se- nho- tvi Historia da Academia Real nhora Princeza da Beira pelo Sfír. José Joaquim da Cruz ; e hum exemplar do i." volume das obras do Snr, José Ma- noel Ribeiro Vieira de Castro. Monsenhor Ferreira Gordo remetteo a esta Academia hum exemplar da obra intitulada, Lamedecine satis medecin ^ e acompanhada, assim por vários folhetos, como por pe» qucnos volumes de remédios, que furão submettidos ao exa- me da classe de sciencias naturacs. Recebemos Mmbcm huma nova edição da Hygiene mi- litar do Síir. KirckoíF, accresccntada com duas sessões in- tcrcss.-.ntes sobre o recrutamento, e sobre o serviço da saú- de dos exércitos : offerecimento que foi augmentado ulti- mamente com o de huma dissertação sobre o ar athmo- sferico , e a sua influencia na economia animal. O Snr. Luiz Pinto Varella enviou-nos varias obras suas impressas e manuscritas. A Senhora D. Maria José Corrêa da Serra , pertenden- do cumprir a vontade de seu fallecido irmão, o Snr. José Corrêa da Serra nosso distincto sócio , remetteo nos huma copia do Leal Conselheiro , escrito pelo Snr. Rei D. Duar- te , e copiado do códice existente em Pariz , do qual tí- nhamos as noticias publicadas nds interessantes Annaes das sciencias e artes. O actual Secretario , depois de haver offerecido hum manuscrito , que trata dos governadores de Angola até o fallecido Barão de Mossamedes , oflFereceo também alguns exemplares dos impressos intitulados : Bosquejo do hnm quadro sytioptico designador dos homens ^ e das nações'. Memorias para a historia da chamada regeneração porttt- gueza em 1820 : Táctica naval, e signaes maritimos. Obra esta na qual, não somente se vê pela primeira vez reduzida aquella tá- ctica aos movimentos mais simplices , e com balizas , co- mo acontece no exercito \ mas também se executa o que ^r. R.amatuelle não pôde executar;, e se propõe huma na? va .: DAS Sgieíícias de LrsEoA.''-r Lvn Vã oticin única , preferível á de Mr. Grenicr : íncluindc-se alem disso entre os nossos signaes (também peia vez pri* moira) aquelles que os Inglezes chamão de distancia , e hum diccionario siippridor das faltas do regimento. , . Alem destes aperfeiçoamentos imitados da maior na- ção marítima dos nossos dias , bem como o sysrcma nume- ral do regimento, encontrao-se neste mesmo regimento, o de se levar os signaes de cores á maior independência possível das mesmas cores ; o de incluir signaes de fi- gura mais adequados á telegrafia em todos os tempos e lugares ; o de se poder expressar de noite quanto se po- de dizer no dia mais claro ; o de se poder supprir a bordo a falta de bandeiras ou de quaesquer elementos componen- tes dos signaes do regimento ; e o de se haver completa- do o systcma de sjrte que pôde servir em qualquer tem- po e lugar , para communicaçoes de navios entre si , de navios com a terra , c dos telégrafos terrestres , em todas as circumstanclas. A concurso veio huma memoria com a epigrafe : si àcsiiit vires , tamen est laudanda loluntas : he concernente âO ■programma que tem por assumpto — a topografia medica de huina grande povoação de Portugal ~ porém não ha- vendo parecido merecedora de premio, em vez de procla- mar com grande prazer o nome do seu auctor , passarei a fazer cumprir o estatuto académico, apresentando e fazen- do queimar a carta devlsada pela dita epigrafe. Julgo em fim haver evidenciado que a Academia terti desempenhado os seus deveres , pondo na mais bem regu- lada actividade todos os seus meios, que felizmente volta- rão ao seu antigo estado, como vos foi notório na sessão anterior; graças á Soberana Munificência de S. Magestade, que tão promptamente nos reinstallou na posse daquella mesma dotação , com que nos havia habilitado , para nos empregarmos como nos temos empregado no Real Serviço. Accrescentnrei pois tão somente , que a total execu- ção dos estatutos desta Academia não só a tem conduzido y. IX. P.L » 8 a i-Tiir Historia da Academia Real a sobresahir em quanto á nossa antiga Academia de histo- ria , mas também a pódc conduzir a comprchender todas as sociedades, cuja instituição tenha por objecto o progresso das scicncias e artes em Portugal : sendo conseguintemenie da maior evidencia o muito que se interessa em conservar, e em promover este importantissimo estabelecimento. Nestes termos concluirei o presente relatório, mencio- nando a offerta do poema latino do Cavalheiro Camberiyn , composto por occasiao dos immortaes acontecimentos do anno próximo, e dirigido í S. Magestade : com aquelle Cavalheiro direi finalmente , coHstatis tua vivet imago Cordibus in cunctis , hac vobis templa vovennis. NOTAS. (a) Entre os manuscritos mais modernos parece-me que inerece especial menção a := Descripção do estado da pro- víncia de Trás os montes em 1796 por Columbano Pinta Ribeiro de Castro c: em hum Volume folio ; e a í: His- toria das guerras de Angola em três volumes folio tr pa- recendo-me também que devo mencionar a grande collec- çâo de bilhetes relativos aos documentos para a historia e legislação portugueza , cujo primeiro maço acaba no fim do século decimo-terceiro , e os outros proseguem chrono* logicamente até incluírem o século decimo-nono. {h) A este respeito mencionarei haver no cartório da Academia hum manuscrito com o titulo seguinte tr Re- sultado de huma resenha geral dos povos de Portugal feita em o anno 1417. (c) Parece bem notável que o maior luxo de imprensa praticado na publicação de objectos relativos á nossa flo- ra, e á nossa architectura , não seja obra de portuguezes , mas sim dos estrangeiros Link , Hoffmansegg , e Murphy. PROGRAMMA D A ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA, ANNUNCIADO NA SESSÃO PUBLICA DE I DE JULHO DE 1824. NAS SCIENCIAS NATURAES. Para o anno de 1825'. E M ECONOMIA RURAL , E DOMESTICA Sendo rc conhecida , nas nossas fabricas de tincttiraria a necessidade , e utilidade da planta chamada Granza , ou Ruiva dos tin- ctureiros ( Rubia tinctorum Linn. ) : Em que terrenos pro- spera mais a sua cultura ? Oite outras espécies se lhe podem substituir , e se alguma delias merece a preferencia na tin- cttiria ? Por que modo , e em que tempo , devemos promover a cultura desta planta ? Qitando estará nas circumstancias , de se recolher para uso das fabricas ? Que parte da planta serve , e como se deve preparar para este fim ? Qtte outros usos podemos fazer da mesma planta , alem dos que respet' tão à tincttiraria ? Que vantajens tirará o lavrador da sua cultura , comparada com as differentes sementeiras , que po- dem ter litgar nos terrenos , onde deve ser cultivada ? Que consumo fazem hoje delia as nossas fabricas ; e quanto an- nualmente pouparíamos , se a tivéssemos de cultura própria , e não a comprássemos aos estrangeiros? EM MEDICINA. Quaes sejão as causas existentes ou occa' * g ii JíO- Lx Historia da Academia Real" sionaes da frequência das prysicas em Porítigai., especialmen- te cm Lisboa ; e qual a natureza ou espécie âa que he mais geral, estabelecendu-se os meios de a prevenir, e o methodo de a curar d vista de observações praticas ? ■ , '-A Para o anno de 1826. V O a 3 i . EM ECONOMIA RURAL , CHYMICA, E MECHANICA APFLICADA A'S ARTES. A melhor memoria sobre as ma- ias de arvores resinosas , que satisfaça ds condições seguin- tes : 1 . uma enumeração exacta e comparativa das diversas variedades de pmheiros conhecidos , com a comparação das vantagens oferecidas por cada uma delias ; os meios de as transportar ao nosso paiz , e o logar donde poderão impor- tar se suas sementes , assimcomo a maneira de semear e crear as plantas, 2. Uma enimieração das variedades exi- stentes nas notsas principaes matas publicas e particulares. 3. O modo de aproveitar as refinas dos pinheiros, e de pre- parar com a maior perfeição , e a melhor economia , as the- rebentinas , o alcatrão , e o pez, 4. O modo mais económi- co e expedito de cortar as madeiras de pinho , tanto em barrotes como em taboado ; com a descripção e os desenhos das machinas , que para o referido fim hajão de empregar- se. 5 . Quaes são os principaes estorvos ao augmento das ma- tas resinosas , os meios de os remover , e de fazer prospe- rar estas matas , assim as publicas como as particulares. EM MEDICINA. Marcar quaes sejão os symptomas , que es- tabelecem o diagnortico das inflammaçoes chronicas ; e se a dar e a febre devem reputar^se sempre essencialmente neces- sárias para caracterisar taes inflammaçÕes ; e qual o trata- mento mais seguro para as debellar , logoque sejão capitu- ladas : devendo este tratamento ser comprovado por meio de observações. ■ A':.. Deter minar por observações clinicas em que differem os effeitos do lactucario dos do ópio, Pre- -" tta s Sciencias de Lisboa. lxb Prémios extraordinários ^em limitação de tempo. Um epitome das leis migrarias portuguesas, publicadas des- de o principio da tmuarchia até ao presente , e os aphorismos politicoeconomicos f que das mesmat se podem dediizir a benefi- cio da agricultura , povoação , e commercio dos Reinos de Por- tugal ^ c dos yilgarves. A dieta obra deve ser composta segundo o methodo seguido por Mr. Fournel na que imprimio em Paris no anno de 1819 com o titulo Les loix rttrales de la France ^ ratigées dans letir ordre naturel. A memoria que for appro- vada , ou que pelo menos merecer o Accesstt , obterá o premio de uma medalha de ouro do valor de 5-0:000 réis. O/w/ he o methodo de curar radicalmente as dysenterias chronicas , de qualquer causa que frocedão ; fundado em priti' cipios , e confirmado por observações practicas. Este Programma tem o premio de 400:000 réis. Assumptos fixos para todos os annos. •oqrr.,- I. A dcscripção physica de alguma comarca, ou território considerável do Reino , ou Domínios- ultramarinos \ que compre- henda a Historia da natureza do paiz descripto. II. A descripção económica de alguma comarca , ou terri- tório connderavel do Reino , feita cotforme o plano adoptado pela Academia para a visita da comarca de Setúbal, e que se ■publicou no Tomo III das suas Memorias económicas. III. A topograpbia medica de uma grande povoação {cida- de ou villa notável) de Portugal: segundo o plano indicado na -Histoire et Mémoires de la Societc Royale de Médecine , Prcfac. p. XIV Tomo I: ou Descripção de alguma moléstia êpidemica , ou endémica em algum logar de Portugal , indican- do-se o tractamento mais convenknte- NAS Lxn Historia da Academia Real NAS SCIENCIAS EXACTAS. Para o anno de iSaj'. EM CALCULO. Um tratado elementar do calculo das froba- hiliàades escrito em portuguez, para quem souber aquella fane do curso de Bezout , que trata das mathematicas pu- ras : devendo porém o tratado corresponder aos actuaes cohhe- cimeutos respectivos , e conter algumas applicaçÕes aos factos históricos antigos .1 preferindo entre estes factos os da historia portuguesa até o reinado do Senhor D. João 1 exclusiva' 7nente. EM MECHANICA. Um breve tratado dos principios de me- chauica , estabelecidos {quanto puder ser) geometricamente. Uma memoria sobre as vantagens relativas , que deve- mos encontrar empregando como principal motor a bordo dos navios , e nas machinas mais essenciaes ao progresso da ci' vilisação , o fogo ou o vapor da agoa fervendo ; aquelle que os higlezes denominao agora compressão athmosferica ; e o me- chanismo inventado por Mr. Crivelli. Sem limitação de tempo. EM M^fTHEMATlCA. Um curso elementar completo de ma- thematica pura e applicada ; escrita em portuguez , e de sor- te que cada uma das suas partes corresponda ao estado actual da sciencia ; versando as applicafÕes especialmente sobre a maritiha. EM ASTRONOMIA. Algumas observações de eclipses do Sol, ou occultaçôes de estrellas pela lua , feitas por navegantes portugttezes em portos do Brazil ou da Ásia : especificando os meios e instrumentos , de que se servirão nestas observa- ções. EM NAVEGAÇÃO. Uma derrota de navegação alta por tem- fo de um mez ou mais , feita em navio portuguez , cujo prin- ci- DAS SciKNCIAS DE LiSBOA. LXIII cipal motor seja o fugo : ou uma memorta , na qual se evi- dencêe a possibilidade e maneira de effeituar a mesma na- vegação vantajosamente nos navios mercantes , e em todas as circumstancias. Será preferivel a memoria , que alem de des- empenhar este assumpto , considerar o motor empregado ao mesmo tempo na cozinha do navio, em distillar agua do mar para os usos ordinários delia , em renovar o ar do porão e das cobertas , em esgotar o navio , e em defendelo mediante a conveniente projecção de agua fervente , d similhança da executada pelos americanos inglezes a bordo da fragata Ftil- ton (*). NA (*) A navegação por meio do fogo combinado cora o vento pôde Tedu7Ír as guarnições dos navios, e as durações medias das viagens a metade das actuaes : doude resulta, que a despeza por este lado deve descer a um quarto; e bem assim o espaço preciso para serem collo- cndas as munições de bocca, o qual ainda se tomará menor, appli- cando-se tatu bem o fogo a distillar agua do mar para ser empregada nos usos ordinários. Ksta distiilação poderá ser executada á maneira da que está descripta na Enciclopédia nielhodica. A navegação refe- rida ter,\ também as vantagens de fazer muito menos perigosas as tra- vessias nas vizinhanças da terra; de tornar prefixavel com muita apro- ximação a duração das viagens ; e de augnientar os lucros do com- mercio , accelerando a marcha do seu giro. Alem disso porá em cer- to modo as províncias do ultramar a meia distancia da metrópole, promovendo ou apertando assim a união daquellas cora esta, e acce- lerando a rapidez da acção do Governo, bem coruo a de todas as cor- relações de ambos os paizes. O uso de taes navegações deve pois ser singularmente vantajoso ás nações pequenas e marítimas, que possuem grandes colónias. Abstrahindo a con.toria de um ne- cessária ao melhor conhecimento do outro. — Este senti- mento, propiio da curiosidade que nos é natural, torna-se mui recommendado quando semelhante monumento é o fru- cto das vigílias de um sábio. — Então, conhecer quem fos- se o author , é adquirir meios para que melhor se aprovei- te a lição que nos oíFereccm seus escritos. O author nas suas concepções, une, ao que é meramente scientifico , as disposições que lhe são naturaes, conforme o desenvolvi- mento que lhes vai procurando o seu estado civil. Nesta acção reciproca accende-se-lhe o génio , de que são fructo os seus escritos. — Convém saber pois o modo porque o impulso dos progressos dos conhecimentos humanos nelle obrou , já para o attrahir ao estudo e applicação das letras , já para lhe despertar as faculdades intellectuaes fazendo-o contribuir para o augmento e prosperidade das mesmas le- * p ii tias. txviu Historia da Academia Re-al trás. Devemos saber o caminho que fez na pratica das scicn- cias, o que ahi lhe serviu de incentivo ou de estorvo: que influencia nelie exercitou a ordem politica do Estado a que pertencia, quaes fossem as suas disposições naturacs, c como o determinarão ou regerão. Topando com uma com- posição literario-scientifica folgamos encontrar semelhantes noções , de que logo conhecemos a vantagem. — Por tan- to , recolher as noticias de um Escritor desvelado em todo o género d'applicaçâo e estudo , é accrescentar o proveito de seus trabalhos , fazendo com qúe a sua lição seja mais desembaraçada e proficua. Tal o fim dos elogios históricos dos homens de letras: Tal o objecto, do que, em teste- munho do empenho que tomo pelos progressos desta Aca- demia , dedico á memoria de um dos seus mais beneméritos sócios. no 3t.'p fiií M I!' T -• O Sr. Sebastião Francisco de Mendo Trigoso Homem de Magalhães , FidaJgo da Caza de S. Magestade , Forma- do em Filosofia pela Universidade de Coimbra , Tenente Coronel dos Voluntários Reaes de Milícias a cavallo de Lisboa , Censor Régio , Sócio e Secretario desta Academia , foi filho de Francisco Mendo Trigoso Pereira Homem de Magalhães , ede D. Antónia Joaquina Teresa de Sousa Mo- rato. Nasceu em Lisboa aos i8 de Maio de 1773 , sendo a sua mãi apenas gravida de sete mezes , o que parece ter sido pronostico , de que em flor , o perderião a Pátria e as Scicncias. O estado de fraqueza em que continuou por mui- to tempo , bastante deu que recear pela conservação da sua existência. Procedia o Sr. Sebastião Trigoso de illusfre asceden- cia. Seu Pai com os morgados de que lhe deixava a admi- nistração , transmittia-lhe o appellido de Trigoso , que com tanta frequência se encontra nas series dos Ministros dos Tri- DAS ScienciaS de Lisboa. lxdc Tribunaes , e Dignidades das Dioceses do Reino , sendo também muito conhecido na ordem dos Lentes das Univer- sidades de Évora e de Coimbra ; e na ultima o nome do Vice-Reitor Manoel Paes de Aragão Trigoso , seu tio pa- terno , será sempre lembrado , tanto pelo seu saber e pru- dência , como por ter sido quem dirigiu os esforços da Universidade e Cidade de Coimbra tendentes a sacudir o jugo dos Francezes: No que tudo bem mostrava esta famí- lia a grande vocação que sempre teve ao estudo das scicn- cias , mormente das que servem d'habilitação para aquelles lugares que entre nós por isso se chumao de letras. — Sua Alai , filha única e herdeira , descendia igualmente de fa- mília nobre e muito accrcditada. Da piedade de seus Pais e Avós , e da sua teliz engenho desde a puericia dá teste- munho a moderna Historia da fundação do òeminario de Fe- ratojo. De que serve , dirão esses génios impertinentes , que sem exame só repetem o que ouvirão, de que serve esta lembrança, na historia de hum littcruto ? — Assim é que a este basta a gloria do seu merecimento ; mas para que privallo da que lhe compete no bom uso que fez do exem- plo de seus maiores , herança a que accrcscentou preço , e dco maior valia ? Para que esbulhar a sua familia do novo realce que lhe procura um digno successor ? — Em fim pa- ra que negar á humanidade a consolação que recebe {>er- suadindo-se que os filhos continuarão as boas acções dos Pais? Alem disto, semelhantes noticias não serão absoluta- mente inúteis para entreterem as meditações a que o filo- sofo se entrega , á cerca da melhoria , e do adiantamento da própria espécie. Cuidadosos andarão os Pais do Sr. Sebastião Trigo- so , em que ás disposições herdadas correspondesse a neces- sária cultura ; pois contando apenas seis annos o metterâo no Collegio que então esiabelecião as Senhoras Cauvins no sitio das Necessidades , do qual veio a ser o primeiro alumno. Ahi com os rudimentos das primeiras letras apren- deu Lxx Historia da Academia Real deu a lingua franceza, passando a estudar grammatica lati- na com o Padre José Pegado , que depois toi Bispo de An- gra , c Rhetorica c lingua grega com o Padre José Valé- rio hoje Bispo de Portalegre, então Professores Públicos da melhor nomeada. Estes estudos porem erao preliminares aos do Collegio dos Nobres onde completou o curso das suas aulas. De tudo quanto o Marquez de Pombal Sebastião Jo- sé de Carvalho havia promovido a fundação do Collegio de Nobres e a reformação dos estudos era o que lhe de- vera mais desvelo e attenção. Mudada a forma d'adminis- tração publica, substituido ao antigo quasi um novo syste- ma de legislação , pelas novas leis que se havião promulga- do , c achando-se todas as ordens do Estado n'uma posição bem diíFerente da anterior, o Marquez de Pombal, politi- co hábil , procurou que a educação estivesse em perfeita analogia com as sobreditas mudanças e novo regimen , a fim de que as podesse devidamente arreigar e manter. Não queria que os Portuguezes se limitassem a huma simples observância daquellas leis , pertendia convencer os ânimos y c illustrar os entendimentos, para assim formar como ou- tras tantas guardas manteudas ao seu pontual effeito e exe- cução. — Desta sorte o systema do ensino publico não só ' devia ter huma relação immediafa com todas as providen- cias que então alterarão forma da administração do Esta- do , nos seus diversos ramos , mas ainda endereçar-se a ou- tras, igualmente interessantes e decisivas, que para todo o Reino de Portugal , concebera , e de longo tempo me- ditara este homem na verdade extraordinário , de quem pa- rece chegada a época , de se poder fallar, sem ódio nem li- sonja. O Collegio dos Nobres, que como acabamos dever, era o estabelecimento mimoso do Marquez de Pombal , es- tava no auge do seu explcndor quando para elle entrou o Sr. Sebastião Trigoso : sentia todo o vigor da sua recente e tão favorecida fundação. Professores de abalizado mereci- nicn* t DAS SciENCIAS DE LiSBOA. LXXI jTiento occupavão as suas cadeiras , taes como os Srs. Pe- dro José da Fonseca , Bartholomeu Ignacio Gorge , Custo- dio José d'01iveira, Joaquim Cariitiro da Silva, de quem o Sr. Trigoso, com a melhor doutrina, bebeu o amor que todos tinhão ás letras que professavao. Dos dois primeiros lembra-sc, como era opportuno o Sr. Trigoso, no Discur- so que recitou na Sessão Publica desta Academia em 24 de Junho de 1817, expressando vivamente a sua sensibili- dade pelos que o encaminharão ao sanctuario da sabedoria. Uma circumstancia porem , talvez mais poderosa do que todas as outras , servia de animar o zelo dos Professo- res, excitando nobre emulação nos discipulos : fallo do es- pirito publico que exclusivamente parecia então dedi- cado a favorecer todo o género de estudos. — Certa ur- banidade e decência no trato familiar e publico entre todos os indivíduos da nnçao communicavao aos literatos a mais circunispecta gravidade no que escreviao e publicarão. As- sim é, que estes contribuião para a illustração do publico , mas era deste mesmo publico, juiz integerrimo e sisudo que recebião como a norma a que deviao amoldar os seus escritos: Este mutuo commercio de um publico então bem dirigido com os Escritores que se tomavão da diiEcil tare- fa de lhe dedicar o fructo dos seus estudos ( como alia's então parecia exigir-se de todo aquelle que professava as letras ) apurou o gosto , que distingue os Poetas e Prosa- dores desta época que vai passando , quando aliás tanto convinha ao credito e bom nome da Nação restauralla , apro- veitando-se o pouco que ainda delia nos resta ; e dando-se de mão , aos argumentos imsulsos e até vergonhosos , que servem de these aos nossos Escritores d'hoje, cujas compo- sições sem sabor , mingoadas no estilo , escritas n'um vas- conço enjoativo sem graça nem energia , tão alheias são da gravidade dos objectos com que a Nação se vê abraços : Aproveitcm-se pois aquellas abertas que nos deixão as se- rias considerações que nos merece a causa da Pátria , em cultivar a boa e amena literatura, cora que as Nações tam- bém Lxxii Historia da Academia Real bem se regcnerao , e com que sem a menor hesitação po- demos affirmar que perpetuamente vivem na memoria das gentes. Este modo de pensar inteiramente se confirmava com a propensão que o Sr. Sebastião Trigoso desde logo ma- nisfestou para o exercício das letras j por isso debaixo da disciplina de tão sábios Professores se distinguio na carrei- ra literária ; pois não a considerou simplesmente como pri- liminar de maiores estudos, mas também como dii^po- sição para o melhor proveito que podia tirar dos mesmos estudos. Ao passo que as faculdades intcllectuaes do Sr. Sebas- tião Trigoso se descnvolvião , e que por meio do estudo ia descobrindo os dilatados horizontes da esfera dos conhe- cimentos humanos accendia-se-lhe o mais vivo desejo de os comprehender e alcançar. — As sciencias mathematicas e na- turiíes erão as que mais promettião : as ultimas encerravâo mil segredos de cujo descobrimento a contemplação do uni- verso deixava a sua alma cobiçosa , e por assim dizer no- bremente insofrida. As outras erão pioprias a contentar a sua razão , pela rigorosa exacção dos seus princípios. A in- dependência de fortuna em que se achava o Sr. Sebastião Trigoso pelos rendimentos que tinha de sua casa, e que o desobrigavão de buscar estabelecimento nos empregos Pú- blicos, facilitavão-lhc poder corresponder ás inspirações que o levavão a seguir os* estudos de huma faculdade , sem premio ou recompensa que promovesse a frequência de suas aulas convidando alumnos com a promessa de galardão e empregos futuros. Matriculou-se pois o Sr. Trigoso na Fa- culdade das Sciencias Mathematicas-Filozoficas da Univer- sidade de Coimbra , segundo a ordem que nessa época ti- nhão as suas Cadeiras. — Os progressos do alumno igua- larão aos desejos que o animavão , e ao ardor com que en- tão se cultivavão as sciencias em Coimbra , mormente as Naturaes , que alem do attrativo que lhe he próprio , re- cebião a influencia do espirito publico que parecia exclu- si- í DAS ScienciaS de Lisboa. Lxxrir sivamcnte quere-las só attcnder. E como se a sua applica- ção augmcntassc de força á proporção que se prolongava , coroou o anno da sua formatura feita cm p de Julho de 1792 com o primeiro destinado a servir de laurel aos mais distinctos na faculdade. Rccolhendo-se o Sr. Sebastião Trigoso á caza pater- na teve de entrar no serviço publico assentando praça de cadete em 6 de Maio de 1797 no segundo Regimento d'ar- mada , que depois passou a denominar-se de Lisboa , con- forme a Lei entáo novíssima , que chamava ao serviço das armas todos os primogénitos senhores de caza : Dahi pas- sou cm ij de Fevereiro de 1798 a Capitão mór do Ter- mo de Torres Vedras , onde era o solar da sua caza pa- terna ; e occupou este posto até 1809, em que por occa- sião de se organizar o Regimento de Voluntários Reaes de Milícias a Cavallo de Lisboa foi nomeado Tenente Co- ronel a;i,grcgado a este Regimento: Em 1806 também ti- nha mudado de estado cazando-se com a Senhora D. Ma- ria José de Oliveira Sande c Vasconcellos, de quem lhe fi- carão três filhas. Este espaço, que vai da sua formatura ao anno de 181 1, em que a Academia o recebeu no numero de seus sócios offerecc como um vácuo e pausa á vida literária do Sr. Se- bastião Trigoso, pois alem das Poesias, de que logo da- rei conta , e dos estudos de Chymica , a que então se en- tregava , e de que depois tanto medrarão os fructos , na- da mais terei que notar ; occupatido-se desde o fallecimen- to de seu pai nos fins de 1798 , na administração e melho- ramento dos bens da sua caza , espalhados pordifferentes distri- ctos e províncias , e na inspecção tanto da fabrica do novo edi- ficio , que a piedade da Sereníssima Princeza do Brasil D. Maria Francisca Benedicta começara a fundar em Runa pa- ra os soldados inválidos , como das quintas e fazendas , que lhe erao annexas, apenas se distrahia em silencio e fi- losófico retiro com o estudo das sciencias e literatura ; go- zando assim da doçura d'uma vida privada. Tomo IX. * 10 Não ixxiv Historia da Academia Real Não admirará porem semelhante pausa a quem refle- ctir : que o Sr. Sebastião Trigoso já se havia remontado CO conhecimento de muitas verdades , que o chamavão a descortinar outras infinitas , ainda recônditas e não previs- tas, — Nesta situação a alma indicisa e absorta , parece perder parte daquelle vigor, com que proscguira na aquisi- ção dessas mesmas verdades: este he , por assim dizer, o estado de abatimento que succede ao de orgasmo ou excita- mento produzido pelo enthusiasmo dos primeiros estudos. — A accommodação dos principies rheorcticos com os da pratica do mundo, em que então se he forçado de entrar, pede também momentos de reflexão , que muitas vezes aba- tem e esmorecem o pensador , quando combina as idcas, que formara do homem, com o mesmo homem. — Então parece querer elle desistir de promover a causa da humanidade ; e forçar-se por ganhar a negada tendência para um exclu- sivo egoismo ; pois a sua frieza criminoza jamais compe- te ás almas bem nascidas. — Lá está porem o termo das dcsgmças publicas , das grandes catastrophes da Pátria : A seus gritos elles acodem mais solícitos doque nenhum outro de seus filhos ; e aquelle , que só parecia entregue aos cálculos do seu commodo e bem pessoal , he o mais denodado athleta , que combate a favor dessa Sociedade , que parecia desconhecer , c a qual , por isso mesmo , talvez mui- to pouco lhe merecia. Este termo chega. . ! Portugal , a ponto de desappare- cer da lista das nações livres , chama todos os seus filhos aos últimos extremos , com que desbaratado o inimigo orgulho- so , que o invadira, canta o triunfo da sua independência. — Os habitantes de duas províncias inteiras com o sacrifício de seus haveres e pessoas tinhão cooperado para as victo- rias do exercito, mas amontoados no recinto de Lisboa, o desamparo, as privações, e toda a espécie de tribulações fisicas e moraes fermentara entre elles um violento conta- gio, que, devorando estas victimas da salvação da Pátria, ameaçava estender os seus estragos ao mesmo seio da Ca- pi- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. LXXV pitai , que lhes dera abrigo. — A Academia das Scienciag solicita no empenho de promover a causa da Pátria , e da humanidade acudio cm socccrro delia, bradando pela coadju- vação de todos os homens sensíveis , e subministrando aos enfermos de tão terrível mal, quantos soccorros permittiao suas faculdades de si mesmo limitadas, ejá quasi cxhaus- ras (a). O Sr. Sebastião Trigoso a ouviu , não esperou mais, larga a espécie de retiro, em que se achava, c correspon- de ás solicitudes Académicas , offerecendo um escrito , onde , depois do exame das causas accidentaes de tal epide- mia , indica os meios de a atalhar, evitando-se os seus ef- feitos e ulterior progresso (!/). — A Academia via nelle um digno cooperador dos seus trabalhos , e o chamou a si : O Sr. Trigoso encetando a carreira de Escritor publico, nun- ca mais desviou delia os seus passos ; e os úteis e novos progressos , que nella fez , deixou exuberantemente preen- chidos os votos, com que fora admittido ao grémio da Aca- demia. — Os interesses desta passarão a ser os seus próprios in- teresses: O explendor , e a gloria literária, o alvo dos seus cuidados ; em uma palavra , tudo quanto fazia parte das tarefas desta sociedade , exclusivamente veio cativar toda a attenção do Sr. Trigoso: por isso, incançavel nós o ve- remos sempre occupar-se em todos os diversos ramos d'ap- plicação , que a Academia abrange no seu vasto recinto : Tam- bém é certo, que esta se mostrou sempre agradecida aos seus disvclos , nomeandoo successivamente e com mui breves intervallos. Sócio livre e eíFectivo , e Director da classe de Sciencias naturaes encarregando-o das mais importantes com- missõcs ; elegendo-o duas vezes Vice-Secretario : e por ul- timo fazendo recahir nelle a honrosa nomeação de Secre- tario , quando oSr.Jozé Bonifácio d'Andrada deixou deoc- * IO u cu- («) Vej. Discurso repetido a 24 de Juuho de 1812, no Tora. 3.". parte 2.' das Mem. da Acad. {b) Não se chegou a imprimir. Lxxvi Historia da Academia Real cupar este lugar, passando para o Rio de Janeiro cmi8i8. De todos os serviços , que se podem fazer d Iiunani- dade, nenhum mais utií do que desabusa-la, mostrando-lhe a ordem natural dos phenomenos que a maravilháo; prin- cipalmente quando as nações tendo sido violentamente .igi- tadas , o povo , que não sabe descobrir a c;iusa dos succes- SOS extraordinários , que o commoverão , cuida achar naquel- les phenomenos da natureza argumentos para comíirmar co- mo prodigiosos os mesmos successos. Assim , que serviço mais proveitoso doque tirar o homem do erro , fazcndo- Ihe dom de algumas verdades, cm o que se promove o seu ulterior aperfeiçoamento ? A nação Portugue/a , que ti- nha experimcntaido as mais fortes concussões , via também cm seu território alguns eíFeitos raros no andamento ordi- nário da natureza : Uma pretendida chuva d'algodão , que foi um delies , logo no Sr. Sebastião Trigozo encontrou scicntifica e apropriada explicação , com a qual desvaneci- do o extraordinário, de que começava já a ser revestida , mostrou , que aquella chuva nada mais fora do que o produ- cto de uma immensidade de ovários d'aranhas , que os fu- racões, que rijamente tinhão soprado , levarão a maior altura , donde a amenidade dos subsequentes dias os fez cahir em terra («). As experiências Chymicas sobre a quina do Rio de Janeiro , comparada com outras , que fez na qualidade de membro daCommissão, que a Academia para esse fim tinha escolhido, em cumprimento da ordem , que recebera do Go- verno, sérvio de um claro testemunho de seus grandes co- nhecimentos Chymicos, tão importantes á saúde e commodo ara correr com gloria a vas- ta e nobre carreira das Sciencias ; a sua morbosa constituição foi sa- crificada nos esforços do seu génio sublime , e assim forão crescendo os insultos da sua cruel moléstia no meio de assíduos e variados traba- lhos litterarios , até que no raez de Janeiro de 1821, cahio na cama com um novo ataque gotoso , que se remontou violentamente aos ór- gãos da respiração e circulação , nos quaes foi constante , em maior ou menor gráo , até á sua morte , que se verificou no dia 18 do mez de IMaio do mesmo anno , quando contava 48 annos de idade. A rebeldia deste ultimo insulto da sua moléstia , a inefficacia dos differentes re- médios, que se lhe administrarão, e que costumão ser proveitosos em tacs circu instancias , fizerão suspeitar nos dous facultativos, quelha assistirão, inllammações chronicas, e suas consequências, nos órgãos da cavidade superior; que naturalmente se havião desenvolvido mui- to antes deste ultimo ataque; poisque já mezes antes o Sr. Sebastião Trigoso, fallando ou lendo , mostrava uma respiração cançada. A dis- secção do cadáver , que foi feita por um cirurgião hábil perante ura dos facultativos assistentes, converteo a suspeita em certeza; e não me demoro mais sobre a descripção pathologica das entranhas do cadáver, para não augmentar a nossa dor. Assim acabou seus gloriosos dias este illustre varão : as Sciencias chorarão sempre a sua falta; a saudade será eterna nos corações de Seus parentes c amigos; e a dòr, que excita a sua perda ^ só pôde ser Lxxxvin Historia da Academia Real Sebastião Trigoso , no meio das maiores dores , mostrava a serenidade própria da sua filosofia , e resignação nos ma- les , que ao homem não é dado remediar. Nós o vimos , com os symptomas d'afílicção produzida pela vchemencia das dores que sofria, recitar, na sessão de 34 de Junho de 1820 a historia dos nossos trabalhos no anno então de- corrido ; c não obstante isso , nós o vimos na sua natural firmeza conservar a gravidade, e tom de voz, com que ou- tras vezes fora o Orador d'Acadcmia : Esta porem não ti- nha de o possuir por muito mais tempo. — O resto do anno , com pequenos intervallos de saúde passou o Senhor Sebastião Trigoso , occupando-se inteiramente com os tra- balhos Académicos, tendo sido um dos sócios nomeados para a Commissão , que em 1820 foi visitar o estabeleci- mento da Casa pia, segundo os desejos , que então manifes- tou o Intendente geral da policia {a) ; cumprindo-lhe ao mesmo tempo desempenhar a trabalhosa tarefa de Membro da Commissão da Censura, creada logo nos fins de Setem- bro , ao que depois se lhe ajuntou a dos livros estran- geiros por Provisão de 13 d'Outubro do mesmo anno. O Sr. Sebastião Trigoso cm 8 de Fevereiro deste anno já ti- nha sido nomeado Censor Régio do Desembargo do Paço , c em 18 de Maio Censor privativo dos annaes das Scien- cias e Artes , que se publicavão em Paris. — De todas as ta- refas literárias no tempo passado, a mais diffieil e enfado- nha era a de Censor. Faltos de norma no seu magistério , linhão como arbitrariamente de sentenciar , o que os outros cscrevião e pensavão ; ignorando se sempre o que se que- ria , que a censura vedasse ou permittisse : a isto accrescia uma iiioderada pela iciéa das iminulaveis leis da natureza , que sujeita á lucsina sorte todos os eutes , que respirão. Hcpousa em paz , varão sábio e virtuoso ; a morte não sepultou a tua memoria ; pois as acçSes , que praticaste , e os escritos , que nos deixaste, e que guardão teus pensamentos, são immortaes. (a) Impressa a Memoria sobre este objecto a pag. 386 do Tom. 7, das Álemor. d^Academ. das Sciencias. DAS SciENCIAS DE LiSROA. LXXXIX uma infinidade de papeis insonsos e inúteis , que o Censor era obrigadnr a ler , e examinar ; o que até constituia este em- prego aborrecido c por extremo desagravavel. \ín:i sua incumbência, que segundo acabamos de ver , por si mesmo era penosa , pode ser que influisse tambetn no estado da sua saúde, que de dia adia passava por novos c violentos insultos. — A Pátria, que sem a menor recom- pensa até então o.vio solicito só em concorrer á ^ua pros- peridade e grandeza , ainda invocou o seu préstimo; mas ao Sr. Trigoso não era dado corresponder mais aos votos de seus compatriotas : A Pátria , as Sciencias , esta Academia tinhão de o perder brevemente , pois em Maio do anno findo com a firmeza de um filosofo (e porque não diremos de filosofo chrisião?) passou desta a melhor vida («)• Nas agonias de tão dolorosa moléstia deu provas au- thcnticas do seu afFecto pelo bem da Pátria e d'Academia. Qiiando cedendo á violência das agudas dores, que o ator- mentavão, esmorecida a razão, a voz seguia os impulsos do deiirio : Portugal, Academia, objectos literários era o que se lhe ouvia articular. Pela sua não vulgar literatura , c avantajado saber sem- pre será o Senhor Sebastião Trigoso tão respeitado de to- dos os que lerem os seus escritos , como as suas amáveis qualidades o fazião estimar de quantos oconheciao: aqucl- Ic ar imperturbável c socegado , próprio da convicção de um merecimento real: o sangue frio nas di-putas : o nenhum accesso que dava a intriga , que muito aborrecia : a doçu- ra do seu trato domestico e familiar : a franqueza em coadju- var toda a emprcza literária : o ardor com que procurou o adi-intiimento da Pátria fazião , com que fosse tão bom Tomo IX. * 1 2 pai («) Morreu a 18 de Maio dia do seu nascimento, em que comple- tava quarenta e oito aunos de idade , depois de ter recebido todos os saeraineiitos da Igreja, e de ter soífrido , principalmente desde o mfi de Janeiro , em que uão toruou a saliir de casa , violentos e repetidos ata» qucs da mais afflictiTa enfermidade. xc HistoriadaAcadkmiaReal pai de famílias , tão bom amigo , c tão bom cidadão , co- mo as suas obras depõem que fora desvelado escritor. Sem solicitar nem receber outra recompensa mais do- que a consciência do seu merecimento desceu á sepultura , sobre a qual depositarei a mal tecida coroa deste Elogio , tributo. na verdade pequeno, para o que merece a memoria de seu nome. Disse. LIS- OAS SciEKCtAS DE LiSBOA. XCÍ LISTA DOS SÓCIOS Da Academia Real das Sciencias ^ em Junho de iSzy. PROTECTOR ELREI NOSSO SENHOR. PRESIDENTE O Sereníssimo Senhor Infante D. Miguel. Fice- Presidente. Fernando Maria José de Sousa Coutinho Castello-Branco e Menezes, Marquez de Borba. Sócios Honorários, S. M. ElRei da Gra-Bretanha. S. A. R. o Duque de ^ussex. Arthur Wclleslcy , Marquez de Wellington , Duque da Victoria, - fera do Reino, Ayres de Saldanha e Albuquerque, Conde da Ega , ---..-...... ef;i Lisboa. António de Saldanha da Gama, Conde de Por- • to Santo, Conselheiro, Ministro, e Secre- tario de Estado dos Negócios Estrangeiros , em Lisboa. D. Caetano de Noronha , Conde de Peniche , em Lisboa. D. Carlos da Cunha, Cardeal Patfiarcha , - em Lisboa. Carlos Stuard ,--_-..__- fdra do Reino. * li ii D. y ^cu Historia DA Academia. Real D, Domingos de Sousa Coutinho, Conde do Funchal , - - - ^,„ Lotulres. D. Duarte Manoel , Marquez de Tancos , - em Lisboa. Fernando Luiz Pereira de Sousa Barradas , Con- selheiro, Ministro, e Secretario de Estado dos Negócios Rcclesiasticos , e da Justiça , eni Lisboa. Fernando Maria José de Sousa Coutinho Cas- tello-Branco e Menezes , Marquez de Borba , Vice-Presidente , - - - - - -.1 - em Lisboa. Filippe Ferreira de Araújo e Castro, - - - em Francisco Furtado de Castro do Rio de Men- doça , Conde de Barbacena , Conselheiro , Ministro , c Secretario de Estado dos Ne- gócios da Guerra , - em Lisboa. Henrique Teixeira de Sampaio, Conde da Po- voa , --...-...--^cj-ff Lisboa. Ignacio da Costa Qiiintella , Ministro, e Se- cretario de Estado Honorário .,---- em Lisboa, Joaquim José Monteiro Torres , Conselheiro , Ministro ,, e Secretario de Estado dos Ne- * gocios da Marinha , em Lisboa. José António de Oliveira Leite de Barros , Con- selheiro de Estado , em Lisboa, José Joaquim de Almeida e Araújo Corrêa de Lacerda ,. Conselheiro, Ministro, e Secreta- rio de Estado dos Negócios do Reino, - em Lisboa» Luiz António Furtado de Castro do Rio de Mcndoça , Conde de Barbacena , . - ^ em Lisboa. Manoel Ignacio Martins Pamplona Corte Real, Conde de Subserra ,-------- fw Madrid. Alanocl Marinho Falcão de Castro , - - fora de Lisboa. D. Marcos de Noronha , Conde dos Arcos , - em Lisboa, D. Miguel António de Mello , Conselheiro , Ministro , e Secretario de Estado dos Ne- gocios da Fazenda , .------ em Lisboa, D. Miguel Pereira Forjaz, Conde da Feira, - em Lisboa. D. DAS SciENCIAS DE LlSBOA. XCtlI D, Fr. Patrício da Silva, Cardeal Arcebispo de Évora , Regedor das Justiças ^ - - - em Lisboa. D. Pedro de Sousa Holstcin , Marquez de Pal- inclla ^..--. ------- em Londres. Scb..stião José de Carvalho , ----- cw; Lisboa. D. Scgi'ímundo Caetano Alvares Pereira de Mel- lo , Duque de Alafões , .-..-- em Lisboa. Silvestre Pinheiro Ferreira, ------ e;« Thomaz António de Villanova Portugal , Con- selheiro de Estado , ~ ----- ' em Lisboa. Sócios Estrangeiros. António Lourenço de Jussieu ,----- em Parh. Christiano Martinho Fraehn , - - - em S. Petersbourgo. Frederico Bouterwek , ------- fw Gottivga. J.iime Edward Smith ,-------- f/« Londres. José Francisco de Jacquim (Barão de Jacquim) , em Vieuna ã" Áustria. D. Manoel Abella , -------- ^m Madrid. Moria Carlos José Pougens, ------ em Paris, Ricardo António de Saiisbury ^ ----- em Londres, Sócios Veteranos. Joaquim Pedro Fragoso, - ~ - » em Lisboa, SO^ xciv Historia da Academia Real Sócios effectivos. Na Classe de Sciencias Naturaes. Alexandre António Vandelli , Guarda mór dos Estabelecimentos da Academia > - - - - f'« Lisboa. Félix de Avellar Brotero , ------ «^ Ajuda. Francisco Elias Rodrigues da Silveira , Vicc- Secretario, ---------- em Lisboa. Ignacio António da Fonseca Benevides, Dire- ctor da classe ,--------- e»< Lisboa. Joaquim Xavier da Silva , ------ em Lisboa. José Bonifácio de Andrada e Silva , - - fora do Reino, José Pinheiro de Freitas Soares , - - - - em Li boa. Thomé Rodrigues Sobral , ------ em Coimbra. Na Classe de Sciencias Exactas. Francisco de Borja Garção Stockler, Barão da Villa da Praia ,---------«« Lisboa. Francisco de Paula Travassos ^ ----- em Lisboa. Francisco Villela Barbosa , ------ «o Brasil. José Maria Dantas Pereira , Secretario , - - em Lisboa. Marino Miguel Fran/.ini , ------ ew; Lisboa. Mattheus Valente do Couto, Director daclasse, e Thcsourciro da Academia ^ ----- em Lisboa. Rodrigo Ferreira da Costa, ------ em Lisboa. Na Classe de Litteratura Portugueza. D. Fr. Francisco de S. Luiz, - - - - fora de Lisboa. Francisco Manoel Trigoso de Aragão Morato , Director da classe ,-------- í;;; Loures. Fran- 1 nAS SciKNci AS DE Lisboa. scv Francisco Ribeiro Dosguimarâes , - > - - - eM Lisboa* João Pedro Ribeiro ,--------*/« Lisboa, Joaquim de Santo Agostinho de Brito França Galvão , ---.-_----. e«i Lustosa. Joaquim José da Costa de Macedo , - - - em Joaquim José Ferreira Gordo (Monsenhor Fer- n ira) , -em Lisboa. Manoel de Almeida e Vasconcellos, Conde da Lapa j-------»----ew Lisboa. Sócios Livres. António de Almeida, ---.»_-- em Penafiel. António de Araújo Travassos ^ - ~ ~ - - em França. António Diniz do Couto Valente, ~ - - em Lisboa, D. Fernando de Lima , ------- ew Lisboa, Fr. Fortunato de S. Boaventura , - - - - em Coimbra. D. Francisco Alexandre Lobo , Bispo de Vi- seu , -----.---.-- em Viseu. Francisco José de Almeida ,-■---,- fw Lisboa» Francisco Nunes Franklin , ------- ew Lisboa, Francisco Xavier de Almeida Pimenta, - * no Sardoal. Guilherme, Barão de Eschwege, - - - - em Lisboa. João António Salter de Mcndoça , Visconde de Azurara ,.------. ---ew Lisboa. João da Cunha Neves e Carvalho , - - - no Porto, D. João de Magalhães e Avellar , Bispo do Porto ,----.-----. no Porto. Joaquim Pedro Gomes de Oliveira , m - - em Lisboa. Fr. José de Santo António Moura, - ' - em Lisboa, José Feliciano de Castilho ,------ í»í Coimbra. D. José Maria de Sousa Botelho > - - * - ^"^ PoCK>ooo<50o»oocx;x;-oooo<>rxxxxxx^::x.>o 9 . >> Julho 8 I I » 6 » Agosto 6 I I I 2 j> Setembro >> >» 6 4 4 >> Outubro 9 6 16 12 9 » Novembrc 14 5 14 6 II 6 Dezembrc 10 10 2t 15 18 8 Somma 84 39 ,6 69 1^4 61 Anno c le fome Anno c '.e fome Anno tl'abundácia as- simcomo 0 de 1S21 — __. i O clima naturalmente influe sobre a vegetação ; e pa- ra se poder fazer alguma comparação , apresento aqui di- versas observações feitas em Villa rica. Ag 6 MemoriasdaAcademiaReal As larangeiras floiccem , assimcomo as mais arvores cl'cspinho, nos mczcs de Setembro, Outubro, e Novem- bro, c principiao a amadurecer no mcz de Maio, Os cafczeiros florccem cm Janeiro, c Fevereiro, c por segunda vez em os mezcs de Miio , c Junho, e ama- durecem desde o mez de Setembro até o mez de Janeiro. As macieiras florccem em os mczes de Outubro , e No- vembro , e amadurecem nos mezes de Fevereiro , c Março. Os pessegueiros florccem nos mezcs de Setembro , e Outubro, e amadurecem cm Fevereiro, e Março. As amcxociras florccem no mez de Setembro , c ama- durecem no mez de Dezembro. As hortaliças só produzem no tempo das agoas , mas a alface, para ser viçosa, precisa do tempo trio. A batata produz melhor no tempo da seca que no tem- po da chuva. O linho no espaço de três mezes chega a amadure- cer ; no tempo frio precisa de quatro mezes , mas em to- do o anno produz. O milho se planta no mez de Setembro e Outubro , florecc no mez de Dezembro e Janeiro , e amadurece em o mez de Abril. O feijão se planta no mez de Fevereiro , e amadure- ce cm o mez de Maio. Assimcomo do clima depende a vegetação , de certo também muito influe elle sobre a fecundidade, e mortanda- de dos animaes , principalmente do género humano: ajun- to portanto aqui hum resultado interessante, que tirei dos mappas dos parochos do Bispado deMarianna, para se co- nhecer esta verdade. C/asses de pessoas livres. Dos brancos nascem de 98... 4 De mulatos .... de 109,.. 4 De índios de 99 ... 4 Dos pretos de 83 ... 4 e morrem de io6 ... 3 de 109 . • . 3 de 108 ... 4 de p3 . . . f Es. DAS SciENciAS DE Lisboa. *f Escravos. Dos mulatos nascem de io5'...4: e morrem de loo... 6 Dos pretos de 103 ... 3 : de 102 ... 7 A maior fecundidade , e a maior mortandade se acha por consequência entre os pretos livres. A maior fecundidade, e a menor mortandade entre os brancos, A menor fecundidade , e menor mortandade entre os mulatos. A menor fecundidade, e a maior mortandade entre os escravos pretos. A respeito dos índios, os mappas certamente são in- exactos, e a razão he esta: Os índios aldeados tomão sem- pre os Portuguczes por padrinhos por causa d'alguns pre- '/cntes que dcllcs recebem , c por esta razão dão parte aos parochos a respeito das crianças nascidas : como não lhes resulta a mesma vantagem , quando alguém da familia mor- re , por isso ordinariamente o enterrão na matta , sem o participar ; sendo hum facto que as nações dos índios di- minuem cada vez mais, cm lugar decrescer, na proporção dos mortos para os nascidos. Toda a província está dividida em sinco comarcas: a do Oiro preto , do Sabard ^ do Rio das mortes ^ do «ferro do frio , c do Paracatu. A comarca do Oiro preto , onde está a sede do Go- verno, e do Bispado, comprehende hum terreno de 2268 legoas quadradas, e huma população de 75:5-73 almas, não entrando neste numero as muitas tribus de índios como Bo- tecudos, Puris , Coroatos, eCoropos, que habitão o gran- de sertão entre o Rio Doce, e o Rio Pomba, cujo numero não se sabe , de modo que por cada legoa quadrada não se pôde contar mais que 33,2 pessoas civilizadas. A comarca de Sabard a menor de todas , mas a mais povoada, tem 1700 legoas quadradas, e huma população de ii(?y2o almas, fora os índios salvagens que ha na con-; fluen. Ç MemoriasdaAcademiaReal fluência do Rio de Santo António , com o Rio Doce ; con- tem por consequência por cada Icgoa quadrada 70, 3 pes- soas. A do Rio das mortes , á excepção de hum pequeno numero de índios , que habitão as margens do Rio Paraí- ba , tcni cspaliiado sobre hum terreno de 3240 Icgoas qua- dradas huma popuhiçáo de 2 136 17 pessoas, que vem a ser por cada legoa quadrada 65", 9 pessoas. A commarca do Serro frio he a mais extensa, contem éij6 Icgoas quadradas, e huma população de 83626 al- mas, que vem a ser 13, f pessoas por cada Icgoa. A ter- ça parte certamente he povoada por índios bravos princi- palmente Botccudos. A de Paracattí tem 3888 legoas quadradas, não en- trando o grande sertão desde a estrada principal que con» duz de Goyazes para S. Paulo , até a confluência do Rio Paranahiba com o Rio grande , tendo só huma populnção de 21772 almas; portanto he tão despovoada que por ca- da legQa quadrada não se pôde contar mais que f, 6 ha- bitantes. Não tem índios bravos, á excepção dosCayapós, que vagão pelo sertão à cima mencionado. Os índios Bo- rorós, e Xigriabás, aldeados ao longo da estrada de Goya- zes , c S.Paulo, fazem só huma população de 871 almas, espalhadas em 19 aldeãs. Resulta portanto daqui que toda a província de Mi- nas gcraes tem huma população de5'i4io8 pessoas, espa- lhadas sobre hum terreno de i725'2 legoas quadradas, de sorte que para cada legoa quadrada se contão 29, 7 pessoas. O mappa seguinte tirado no presente anno, e fundado sobre os mappas particulares de diíFerentes datas e annos , dá huma idéa das diíferentes classes da população, (a) MAP- (a) Mão obstiinte as muitas, e repetidas onleus, e insinuações dos Governadores para se formarem todos os annos , e com toda a exacti- dão , os mappas da população , não tem sido possível asna realização, e nunca o será em quanto não se empregarem certas pessoas para este effeito , tiraudoas listas da população , dos livros dos assentos dos pa- rochos. CO < Cá w u CO < 5í Q U "A > O <í Q O ^< cr <: P p- O < o o CO o Z A ^ ^ Cí '^ ■• 3 - « I^ r^ Ov O « O Ov »^ «-» r^ a\ ■^ « •>»v '^ C4 « C\ OO v^ 0\ »** oo « -« -• •^ ^ O \« 'l- « *" r^ l^: c s -S "5 fS T3 CS O «: Cb Vi J o Cs o rt a- •• o ^ s -> o u -o CO a> o u« 1r3 o C>" t> k. c O O-n:! &• O '► í:. u« G C3 (U Ci3 CJ J3 ns »- ri kl &, CJ r-. __ !-k« C3 ;? o o« B IO Memorias pa AcademiaReal As principaes producçocs, que constituem os géneros de commcrcio em cada hum;i das comarcas, tanto para o commcrcio interior como exterior , são: Na-comarca de Oiro preto oiro, ferro, topázios, man- timentos, c algum toucinho. Comarca do Salurd oiro, ferro, mantimentos, touci- nho , gado vaccum , c fazendas d'algodao. Comarca do Rio das mortes oiro, mantimentos, tou- cinho, queijos, fumo, gado vaccum , e cavallar. Comarca de Serro do frio oiro , diamantes , e outras pedras preciosas , ferro , gado vaccum, c principalmente al- godão cm rama , do districto de minas novas. Comarca de Paracatii pouco oiro, toucinho, pouco algodão (sendo o do Abacié de tão boa qualidade como o de minas novas) (d) ^ gado vaccum , e cavallar. Havendo tantas proporções , e capacidade nesta pro- víncia para estabelecimentos, fabricas, e manufacturas, he para admirar como atégora a industria tenha feito tão poucos progressos , de modo que hoje em dia só existem alguns estabelecimentos Régios de pouca utilidade , algu- mas fabricas , mas nenhuma manufactura. Aos estabelecimentos pertencem em primeiro lugar as quatro casas de fundição d'oiro, erigidas no anno de i75'i em beneficio dos mineiros , e da Real Fazenda , tempo em que SC podia então usar de toda a generosidade para com os mineiros pelo grande rendimento que dahi resultava ; cie modo que se crearão as quatro casas de fundição de Villa rica, Sabará , S. João d' ElRei , e Villa do Principe, com muitos empregados, e grandes ordenados, como mostra a relação seguinte. Re- (a) Sciia f!a maior ucccssidade que se introduzisse geralmeíite hu- ma boa policia para vigiar sobre os falsificadores do algodão , não sendo raro cncontrareni-sc uo meio dos fardos algodão com caroços , ou pedras para augmeutar o peso, de modo que os compradores estão sempre de má fé, em graudc prejuízo deste importante ramo de com- mcrcio. DAS SctENCIAS DE LiSEOA. ÍI Relação dos empregados , e seus ordenados em cada huma das casas de fundição. Hum Inspector («)---- a 400^ rs, i:6oc^ rs. Thcsourciro ---.-. 8oo(3Í) y.20oq[) Escrivão da receita e despesa SoO(f) 3:200^ Escrivão de fundição - - - 70O(f) 2'2oo^ Ensaiador ------- 8oo(í) 3:200(|) Ajudante d' Ensaiador - - - ^ootj) 1:600^ I." Fundidor ------ 80c ^ 3:2001^) 2° Fundidor ------ 400;^) 1:600^ Meirinho ------- 300^) i:200(|> F^scrivSo do dito - - _ . 300(;^ i:200(^ Fora destes empregados tem a Intendência de Villa rica Hum Fiscal --------- 600^ 3.° Fundidor --------- 400(J Abridor de cunhos ------- 8oo(^ Em despesas de jornaleiros, carvão, &c, 2:20o<^ Somma total das despesas annuaes - - 3o:ooo(^ Accrescc ainda a esta despesa a de sulimao , e agua forte , que são remettidos pelo Real Erário do Rio de Ja- neiro , e de que se ignorão os preços. Nestas casas he gratuitamente fundido em barras o oiro , que os mineiros para ahi levão , marcando-as com o 8eu valor intrínseco, tirando-se antes de fundido o quinto, Estabelecêrão-se estas casas quando a mineração esta- va no seu maior auge, e o Real quinto rendia então 11 8 arrobas. He para lastimar que naquelle tempo não houves- B ii se — — - ■ (a) São ^^ Juizes de fora os Inspectores, 12 Mem ORi AS DA Academia Real se no Ministério de Sua Magcstadc pessoas formadas nas scicncias moiitanlsticns , para dar ao governo das Minas hum regimento solido que affiançasse e assegurasse á pos- teridade estas fontes de riqueza nacional. Era para prever que os grandes thesouros que os mi- neiros acharão quasi na superfície da terra , e com pouco trabalho, deveriao diminuir com o tempo, ajudando sobre tudo a ignorância para destruir mais depressa o que por huma regular administração montanistica seria objecto de industria para muitos séculos. A diminuição do Real quinto , e por consequência a decadência das lavras de oiro , também principiou logo de- pois da criação das casas da fundição: no anno de 1764 já estava reduzido a pp arrobas, em 1774 3 7? arrobas, em 1777 a 70 arrobas, e assim continuou progressivamen- te a diminuição de modo que em 181 1 já estava reduzi- do a 24" arrobas, em 1813 a 20 arrobas, em 1816 a 18 arrobas, em 18 18 desceo até 12 arrobas, em 18 19 a 7 ar- robas; e em 1820 anno do estabelecimento do Banco fi- lial para a compra d'oiro em pó rendeo só duas arrobas. Nos annos da riqueza se occupavão oitenta mil pes- soas com a mineração , porém no actual tempo da miséria apenas seis mil ; por consequência não hc só o extravio o quo erradamente se dá por principal causa da diminuição do Real quinto, sendo aliás a principal, mas a diminuição do numero de braços , braços que o mineiro empobrecido , e ignorante retirou destes trabalhos, por já cançado de não ter a fortuna dos seus antepassados. Resultou destas idéas erradas , principalmente nos tem- pos modernos , que o Ministério , que quasi nunca cuidou em remediar os verdadeiros males, pensava que tudo esta- ria remediado, acautelando o extravio, pois por desgraça teve as mais das vezes lembranças tão infelizes, que de or- dinário só produzião resultados contrários, *" ~ As leis montanisticas existentes , segundo a ordem chronologica, são: I. DAS SciENCIAS DE LiSBOA, IJ i.° Alvará de regimento em 62 capitules , de ij dé Agosto de 1605 , que lílRei D, Filippe 11 dco aos seus vas- sallos , e mineiros do Brasil. Nota. Como este Alvará estivesse por muito tempo em CastcUa, só em 9 d' Outubro de i6j2 hc que ellc toi re- gistado em S. Paulo, e a requerimento de partes, no Li- vro do registo da Gamara de S. João d'ElRei em 27 d'Ou- tubro de 1729; mas não obstante as muito excellentes de- terminações que elle contém , nunca esteve em plena execu- ção. 2.° Regimento dos Guardas mores, que para as minas trouxe o Doutor José Vás Finto sobre as terras mineraes, e aguas, de 19 d' Abril de 1702, contendo 33 capítulos. 3.° Reformas da maior parte dos capítulos do Regimen- to anterior de 7 de Maio de 1703. Nota. Por causa da imperfeição do regimento foi ne- cessário fazer as reformas de huma grande parte dos capí- tulos, mas com tudo isso contém este regimento tantas de- terminações contrarias a huma boa administração montanis- tica , que a elle em grande parte se pôde attríbuir a rui- na da mineração ; pois foi feito inteiramente sem conheci-r mentos da causa. 4,° Três cartas de Sua Magestade para o Doutor José Vás Pinto, de 7 de Maio de 1703: a primeira trata d'al- gumas providencias a respeito da repartição das datas ; a segunda determina lavrar as datas da Real Fazenda de meias ; e pela terceira são creados os lugares de Guardas mores substitutos. - j." Bando de D. Braz Balthazar da Silveira, Governa- dor e Capitão General de S. Paulo, e Minas, de 2a de Fevereiro de 1714, determinando as penas em que cahem as pessoas , que não dão parte dos descobrimentos , conce- dendo também mais huma data aos descobridores. 6." Lei de 22 de Junho de 1720, que determina fa- zer as repartições das aguas , conforme as possibilidades dos que minerão. 7* 14 M E M o R I A S D A A C A n E M I A R E A L 7.° Bando de D. Lourenço d'Almeida , Governador e C.ipitão General de S. Paulo, c Minas, para o morro de mara cavallos, e passagem, de 26 de Setembro da 1721. Noia. Não contem nada que seja geralmente applica- vel. 8." Bando de D. Lourenço d'AImeida, de 3 de Março de 1726 , contendo licença para ir livremente minerar a Iraberava , e de lá a Casa da casca. 9.° Bando de D. Lourenço d'Almcida , de 22 de Mar- ço de 1728 para o Rio das pedras, contendo algumas pro- videncias locaes. io.° Bando de D. Lourenço d'Almeida , de 24 de No- vembro de 1728 para o morro de S. João d' ElRei , do modo e como se ha de repartir o dito morro , determinan- do também que se dêm datas não lavradas a outras pes- soas. ii,° Bando do General Gomes Freire d'Andrade , de 1736 sobre os salários que devem levar os Ministros das vestorias , e sobre as provisões dos Guarda mores , substitu- tos , e seus Escrivães. Nota. Como o original estava mui damnificado não se poude conhecer a data em que foi passado. EUe allega hu- ma ordem de Sua Magestade de 27 de Junho de 1735 a respeito dos salários, que não pude descobrir em nenhum dos cartórios. 12.° Bando de Gomes Freire d'Andrade , de 8 d'Agosto de 1738, sobre a lei de 13 d'Abril do mesmo anno a res- peito das sesmarias. 13.° Provimento de Guarda mor geral por ordem de Sua Magestade , sobre as aguas mineraes , o qual foi achado no Livro da Guarda moria a foi. 108 e 109. 14.° Bando de Gomes Freire d'Andrade, de 14 de Maio de i''36 , contendo varias providencias sobre as funcçóes dos Guardas mores, sobre demandas, e principalmente so- Jbre a conservação dos matos. Nota. Não duvido que haja ainda mais algumas leií , e dasScienciasdeLisboa. TJ"- e banjos espalhados nos nntigos livros de registo, ou nas Gamaras, ou Secretarias do Governo, ou da Junta da Real Fazenda, ou cartórios d'Ouvidorias , mas não chegarão ao meu conhecimento , e ninguém hoje os conhece. iç-." Nos tempos modernos appareceo o Alvará de 13 de Maio de 1803, abolindo o giro do oiro em pó, e es- tabelecendo casas de moeda na capitania de Minas ge- racs. Nota. Este Alvará está fundado sobre verdadeiros prin- cípios montanisticos , mas o plano he tão gigantesco, e cm muitos artigos impraticável no Brasil , de modo que co- nheccndo-sc as difficuldades de pôllo em pratica, ficou sem effeito; entretanto sobre elle se deve formar huma lei mais económica, e mais adquada para os estados do Brasil. 16. "Alvará de 10 de Setembro de 1808 para circula- rem em todas as capitanias do interior moedas d'oiro , pra- ta, e cobre j prohibindo a circulação do oiro em pó como moeda. Nora. Este Alvará pela maior parte não foi posto em pratica, principalmente pela falta de fundos metallicos , e por este motivo sahio o Alvará seguinte: 17.° Alvará de 12 d'Outubro de 1808 para circularem na capitania de Minas gcraes os pesos hespanhoes , depois de serem marcados com o cunho das Armas Reaes ; fazen- do-se também bilhetes impressos para o troco de oiro em pó nas casas de permuta. Acompanha este Alvará hum re- gulamento provisional para o tfoco de oiro eili pó. Nota. Foi este Alvará que muito prejuizo tem causado á Real Fazenda , não somente por ter aberto maior cami- nho ao extravio, mas também pela perda que sofria nas trocas , e nos immcnsos bilhetes falsos , que logo forão in- troduzidos. A perda nos trocos importou desde 1809 até 18 > 4 em quatorze contos de réis, que desde então até ho- je será dobrada. 18.° Alvará de 17 de Novembro de 1813 privilegian- do os mineiros que se empregão effecxivamente na excava, ção 1^ MemoriasdaAcademiaReal ção do oiro, não obstante não terem trinta escravos; am- pliando o Decreto de 19 de Fevereiro de I7yz. Nota. Todos os privilégios que prcjiidicão a terceiro são nocivos, e principalmente este, que faz perder todo o credito dos mineiros. rri ;!'.: 19.° Carta Regia de 4 de Dezembro de 1816, ordenan- do a abertura das estradas da cipitania de Almas para a do Espirito Santo. Nota. Trata-se nella também da distribuição dns terras de mineração, que se encontrarem naqueile sertão. 2C.° Carta Regia com os estatutos para a companhia de mineração de Cuiabá de 16 de Janeiro de 18 17. . Nota. He esta Carta Regia feita só para aquelle local, e não tem applicaçao para outras partes. 21.° Carta Regia de 12 d' Agosto de 18 17 com os seus estatutos , ordenando o estabelecimento das sociedades de mineração. Nota. He a execução destes estabelecimentos o único meio da resurreição da mineração , e de acabar com o ex- travio ; mas seria necessário ampliar mais os estatutos , e animar a creação das sociedades. : 22.° Creação do Bjnco filial para a compra do oiro em pó, c das barras, de 1819. Nota. Esta creação de Banco filial feita pelo Banco do Rio de Janeiro anniquilou quasi o Real quinto , augmen- tou as despesas, e abrio mais portas para o extravio; e co- mo a maior parte dos fundos erão remettidos em bilhetes, desappareceo todo o metallico, de sorte que em muitas par- tes do interior não qucrião acceitar os bilhetes, e em ou- tras pedião hum rebate de seis por cento. O peior de tu- do he que , não obstante a creação do Banco filial tornar supérfluas todas as despesas das casas de fundição , estão estas ainda no mesmo pé, como se o Real quinto rendesse cem arrobas de oiro. Em segunddo lugar o estabelecimento Régio, e gran- -de, de que não se pôde bem calcular as perdas para a Re- DAS SciENCiAS DE Lisboa. 17 Real Fazenda , he o da Real extracção diamantina. Este estabelecimento tem hum Intendente geral com huma Jun- ta administrativa, cujos membros, que estão atesta delle , tem avultados ordenados, sendo a despesa annual , e que ainda actualmente se faz com pouca diffcrcnça, a seguinte : Despesa annual da Real extracção dos diamantes. De assitencia annual ------- 1 20:0001^000 Ordenados ao Intendente , Fiscal , Escri- ") , -. ., • ■ 1 ' ' > 6:o20(j)ooo vao, e Meirinho ------ j ^-w. Aos Officiaes , e soldados da companhia, ") ^ o *. j D j . A \\ f • u r 4:6o8(?)ooo de redrestes , de soldo e rannha - i t y ^ Suprimento a assistência da Regia ex- -j tracção dos diamantes pelo prejuizo > 4:000(35)000 do oiro do auinto fundido - - - j Somma i3j:6 18(^000 Nota. A esta despesa acresce ainda a do destacamento do regimento da cavalleria de linha, composto de hum Ca- pitão , hum Alferes , e quarenta soldados , assimcomo o pa- gamento da divida de mais de hum milhão , que resultou do papel moeda , que a dita administração tinha faculdade de fazer , visto não chegar o dinheiro da assistência. Estes bilhetes da extracção não tinhão valor algum fora do dis- tricto diamantino, e também a Fazenda Real só á dous annos para cá os tem recebido em pagamentos , mas só da comarca do Serrofrio. Esta comarca rende mais ou menos trinta contos annualmente , mas sendo tal quantia destina- da para a amortização da divida, fica portanto augmenta- da a despesa. Tem tido esta administração , desde a descoberta dos diamantes no anno de 1727, varias alternativas; e as leis que a este respeito sahírão são as seguintes : i.° Portaria de D. Lourenço d' Almeida , Governador e Capitão general de S. Paulo e Minas, de a de Dezem- T.IX.P.L C bro i8 Memorias da Academia Real bro de 1729, aiinullando todas as concessões de datas pe- los Guardas mores nos rios diamantinos. 2." Carta Regia de 8 de Fevereiro de 1730, ordenando ao Governador c Capitão general de usar de rodos os meios que achasse conveniente para tirar utilidade desta descoberta. 3.° Portaria de D. Lourenço d'Almeida , de 24 de Ju- nho de 1730, determinando o methodo do trabalho, e o pagamento de ^ (j)ooo rs. por cada escravo. Esta providen- cia foi desapprovada pelo Ministério, e mandou que paras- sem os trabalhos j mas por instancias do povo ainda con- tinuarão pagando-se 20(í)ooo rs. por cada escravo. Como a concorrência de trabalhadores fosse extraordinária de mo- do que os diamantes perderão o seu valor na Europa , sahio então ú luz o 4.° Bando de D. Lourenço d'Almcida , de 9 de Janeiro de 1731, mandando despejar da comarca do Serrofrio to- dos os negros , negras , e mulatos forros. J." Bando do Conde das Galveas , de 16 d' Abril de 1733 , regulando o pagamento de cada escravo em 2^^600 rs. , e yarias outras providencias. 6.° Bando do Conde das Galveas, de 2 de Dezembro de 1733, regulando o pagamento de cada escravo em 40(i)ooo rs. , c tratando de mais outras determinações. 7.° BanJo do Conde das Galveas, de 19 de Julho de 1734, mandando cessar inteiramente o tributo que se pa- gava dos escravos, e ordenando que todos os diamantes de maipr de vinte quilates de peso pertenceriao á Coroa. 8.° Portaria do Conde das Galveas, de 8 de Novembro de 17^4, impondo taxas ás lojas de fazendas, e tabernas em Tijuco, e outras providencias a respeito da justiça. 9.° Bando de Gomes Freire d' Andrade , de 26 d'Agos- to de 1739 1 pondo a taxa sobre os escravos a 240<|)ooo rs, ; e como ninguém quizesse trabalhar, arrematou hum certo João Fernandes d'01iveira o contracto por tempo de qua- tro annos , e até o anno de 1771. Nota. Ficou esta administração na mão de diíFerentcs contractadores , com muito prejuízo da Real Fazenda j m^s DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. Í9 depois tomou a Coroa sobre si a administração, e mandou o regimento seguinte : 10.° Regimento para a Real extracção dos diamantes do Arrayal do Tejuco do Scrrofrio, de 2 d'Agos:o de 177 1. Nota. Contêm este regimento 5-4 artigos, e todos tra- táo do modo mais dispotico do governo do districto, pa- ra evitar o extravio : hc hum regimento mais digno de brilhar nos estados do Grão Senhor, que u' hum paiz ci- vilizado. ii.° Leis, e regimento para o fiscal da administração dos diamantes, de 23 de Maio de 1772. Nota. Neste estado se tem conservado esta administra- ção até hoje; e he finalmente tempo que o Ministério olhe para este importante ramo da administração , fazendo as- mudanças que as circumstancias exigirem. O terceiro estabelecimento Régio he a Real fabrica de ferro do morro do Pilar, com que se tem gasto cento e tantos contos de réis, a custa da assistência da Real ex- tracção diamantina. Por hum termo médio dos últimos seis annos tem a dita fabrica annualmente produzido 1 144 ar- robas, que custarão a produzir (não entrando as despesas extraordinárias) 7:^^0(^)000 rs. ; e como cada arroba de fer- ro seja vendida na fabrica pelo preço de 2(2)ooo rs. , tem dalii resultado annualmente huma perda de 5':i72(^ooo rs. , ou huma perda em cada arroba de ferro de 4(35)608 rs. O quarto estabelecimento Régio he a Real mina de ga- lena do Abaete, com que a Fazenda Real despendeo desde 181 1 inclusive da compra de 26 escravos 5::462(j[)ooo rs. Por ora nenhumas vantagens tem resultado deste estabelecimen- to, por ter o Ministério faltado com as providencias ne- cessárias. Entretanto já hoje não faz com elle despesa al- guma a Real Fazenda , por sustentar-se a si mesmo da ven- da dos algodões que produz , e da melhor qualidade. O quinto estabelecimento , em que a Real Fazenda tem parte , he a sociedade de mineração de oiro , que tem as suas lavras no arraial da passagem da cidade de Marianna; Os poucos fundos , que este estabelecimento tem , e que quasj C ii fO' iO Memorias DA Academia Real todos se applicarao na compra de escravos, lavras, e erec- ção de engenhos , e as poucas providencias da parte do Ministério , são a causa de não ter elle feito os progres- sos que deveria fazer; entretanto os seus trabalhos conti- nuão com grandes esperanças de hum feliz resultado , hu- ma vez que haja de cooperar daqui em diante , como se deve esperar, o sábio Ministério. O sexto estabelecimento he a fabrica de ferro de Con- gonhas do campo, estabelecida por Carta Regia de i8ii á custa de huma sociedade. A sua creaçâo custou treze mil cruzados ; o resultado da producçâo , por hum termo médio, nos últimos seis annos tem sido annualmente 1300 arrobas, que custáião a produzir a quantia de a:200(3l)ooo rs. ; e como cada arroba de ferro seja vendida na fabrica por 2(^400 rs. , tem dahi resultado hum lucro annual de 5)zo<^ooo rs. , ou hum lucro de 708 rs. em cada arroba de ferro. Fora destas fabricas de ferro ha ainda outras de par- ticulares , que merecem ser nomeadas. Duas fabricas no termo da villa do Principe , que prin- cipalmente tem suprido com ferro a Real extracção dia- mantina. A fabrica do francez Monlewade ao pé de Caeté , que tem hum forno alto. A fabrica de huma sociedade de Itabira de matto den- tro , com outras mais pequenas , no mesmo arraial , entre as quaes huma tem huma pequena fabrica de armas. A fabrica de Capanema , onde se vende o ferro em obras; e muitas outras pequenas, espalhadas em mais par- tes da Capitania , e que somente produzem ferro para uso da casa , e lavoura. Não se encontrão fabricas de outra natureza , nem ma- nufacturas em toda a província. Depois de ter brevemente tratado do estado physico tia provincia , e de como são aproveitados os seus thesou- ros , passarei a tratar da influencia , que ella immediatamen- te tem sobre as rendas da Real Fazenda , e da applicação to c faço certo , que por insinuação do Tenente Coro- 5> nel do Real Corpo de Engenheiros , Guilherme Barão >» d' Eschwege , fiz construir hum engenho para reduzir a 3> pó , e ao mesmo tempo lavar a formação de pedra da " minha lavra , seguindo-se em tudo a sua direcção , com » que principiei logo a perceber a grande vantagem de >» tirar vinte e seis oitavas de huma mina abandonada pe- >» la sua pobreza , no curto espaço de pouco mais de dois »» dias de trabalho , em que foráo occupados apenas dous >» escravos ; vantagem esta que antes não percebia com T. IX. P. I. D »» trin- «■6 Memorias DA Academia Real »> trinta praças occupadas na mesma mina cm huma sema- » na, E por esta me ser pedida a passei para constar. »» Morro de Santo António 13 de Maio de 181). r:; Ro- » mualdo José Monteiro de Barros. " Nota. A copia authcntica desta attestnçao foi por or- dem do Ministério inserida na Gazeta do Rio de Janeiro no mesmo anno de 18 ij. Das fabricas de ferro. De certo , metal nenhum contribua tanto para a ri- queza , e industria nacional que o ferro , aiiulaque pouco lucro tirão os fabricantes que o produzem , com tudo he huma fonte de que milhares de pessoas tirão o seu susten- to , he o movei que vivifica a agricultura, e todas as fa- bricas , e que mais influe sobre o augmento da população de hum paiz. O interior do Brasil , principalmente a província de Alinas geraes, he o mais abençoado paiz a este respeito, c hum sábio Governo deve procurar todos os meios para ti- rar as grandes vantagens destes bens da natureza. Animar a fabricação por meio de prémios , augmentar as fabricas pequenas espalhadas em toda a província, será o verdadei- ro methodo que mais influirá sobre a felicidade dos povos. Fabricas grandes por modo algum podem subsistir , principalmente no interior. A população ainda he mui di- ininiita , por consequência o consumo está nesta mesma proporção. A exportação para os portos do mar sem estra- das , e rios navegáveis , e aonde o ferro de fora está por hum preço tão baixo , preço a que apenas poderá chegar o do Brasil , a nenhum homem de senso lembrara' ; entre- tanto hc necessário que o Brisil tenha algumas fabricas -grandes, como a de S João de Ininema, e a do Morro do ^ilsr, para as necessidades do Estado cm casos extraordi- 1)1 ci A fabrica de S.Joao de Ipanemi offjrece maiores van- ^niij «t <^i .\ .'^ .^V . lia- DAS SciENCiAS DE Lisboa. 17 tagcns pela sua localidade , porque cstabclccendo-sc ahi hu- ma fjbrica d'armas c ferrarias , onde se fabrique em obra grande parte do ferro para os Reacs Arsenaes, &c. , ella por si mesma se sustentará : porém a fabrica do Morro do Pilar só com prejuízo poderá trabalhar, huma vez que se não introduza huma administração económica , que propor- cione a producção ao consumo, principalmente porque se- gundo hum perfeito conhecimento , depois da pratica de muitos annos , não deverá exceder o producto a duas mil arrobas. D u ME- T- DAS SciENCiAS DE Lisboa. i^ MEMORIA Sobre o começo , progresws , e decadência da litteratura JF/í- hraica entre os Portiiguezes Catholicos Romanos desóe a jun» dação deste Reino até ao reinado d' E/Rei D. ^osé I. Por Fr. Fortunato de S. Boaventura. ^^uando eu tratava de colligir espécies que fizessem ao intento de escrever a Memoria sobre a litteratura Gregd nestes Reino r ^ succcdia-me encontrar muitas, que respcita- vão á litteratura Hebraica ; e desde então se me excitou a idéa que trato agora de executar. Principalmente a execu- to por saber a estima que fazem os estrangeiros deste ra« ino de litteratura , e por ter observado , não sem gronde reparo e dissabor , que tal filólogo protestante do sécu- lo XVIII. depois de recensear os serviços feitos á littera- tura Hebraica pelas difix;rentes nações da Europa , ousa es- ' bulhar os Portuguezes de toda a consideração nestes estu- dos, (a) Accresceo mais que o erudito Colomesio , {b) a pesar de mui defeituoso em a resenha dos Portuguezes es- tudiosos da lingua Hebraica, assim mesmo se fez cargo de hum ou outro até agora ommittido pelos nossos escrito- res (í) ; e para se mostrar ainda mais a nccessidabe de hum trabalho sobre esta matéria , o próprio Wolfio addiciona- dor e corrector de Colomesio, teceo hum novo catalogo, onde entrâo mais Portuguezes do que devia ser, contando- se alli entre os Hebraizantes alguns Escritores que não ti- on- (a) Vai Em. Lotscken de causu linguce HebiaxE Libri três. — Frait- cofurti et Lipsuc 170G pag. 122. (6) P. Coloiii. Itália et Hispwtia Orientalis Ed. Wolfio Hamburgi 17.J0. ■^ ' (c) Mais adiaatc se fará menção destes. jo Memorias da Academia Real nhâo a mais ligeira noticia da iingua Hebraica , e abiisan- do-sc a cada passo do que devia ser hum titulo irrcfraga- vel de erudições Hjbraicas em outra nação, que fosse mais dada a similhantos estudos. Desgraçadamente porém o sa- ber Hebraico entre nós , e íazcr longos tratados contra o Judaismo , são tarefas mui diversas , e que as mais das ve- zes andáo separadas , quando a boa razão exigia que fos- sem constantemente unidas , e até inseparáveis. Haveria muito de que encher esta Memoria, seosju- dcos Portuguezes devessem entrar nella ; mas parecco me ociosa huma empreza já cabalmente desempenhada pelo cruditissimo e saudosissimo Sfír. António Ribeiro dos San- tos , que se por ventura não chegou a exhaurir a matéria , aproveitou com tudo o melhor que corria impresso em Wol- fio , Bartolocci , Imbonati , e Rossi ; e bem se vê que es- tando já quasi seccas estas fontes de erudição , mal se po- deria addicionar cousa inteiramente nova , que só estas são dignas de apparecerem entre as Memorias sobre taes assum- ptos. Cingindo-me pois ao titulo desta, repartirei pelos sé- culos o que for próprio de cada hum delles, guardada em tudo a concisão , e imparcialidade , que já me propunha se- guir em a Memoria sobre litteratura Grega , e das quaes espero dar nesta , provas ainda mais claras , e decisivas. Não hc para admirar que fossem pouco avantajados os passos da nossa litteratura , em quanto os nossos maiores se cmpenhavão em conservar huma independência , que até ao meado do século XIV teve sempre mais ou menos que te- mer da parte dos Mouros , que bem a seu pezar hião lar- gando a melhor das suas conquistas; entre tanto ^'que na- ções da Europa tem a gloria de verem enfeitado o berço da sua independência, com o estudo das letras Divinas, e humanas commo ha succedido entre nós? Reparo, e com toda a justiça , que certos ensaios da nossa litteratura pas- sem por alto os séculos XII , XIII , e XIV, e que satisfei- t .s de reduzirem a poucas palavras toda a Historia littera- ria daquelles tempos , saltem ao scculo XV, que se julga pro- DAsSciEKCIASnELlSBOA. ^í propriamente aqucllc onde se lançarão os fundamentos da nossa reputação litt-raria, N.ío obstante a cscaccz de mo« niiment.)s daquelles primeiros séculos da nossa Monarquia , era conveniente que os exploradores da nossa antiga litte- ratura não se contentassem de ler Fr. Bi.rnurdo de Britto , c Manoel de Faria e Sousa , mas que adiantando-se hum pouco mais, examinassem os códices daqueila idade, onde por ventura achariáo linguagem mais corrente que a de Fer- nam Lopes , Gomes Eannes de Az.urara , e Fr. Bernardo de Alcobaça, j Assim fosse possível descubrir monumentos de litteratura Hebraica nesses primeiros tempos da nossa in- dependência, como he fácil achar escritos originacs, e tra- ducçõcs feitas naquelles séculos , que ao vermos a indiffe- rença com que são tratados pelos nossos Escritores , fa- cilmente se pensará que forão escuros , e bárbaros ! Haven- do como de feito havia muitos Judeos nas Hcspanhas , he obvio que pelo menos hum ou outro dos Theologos Hes- panhoes se desse ao estudo de huma lingua por certo in- dispensável para serem combatidos , e destruídos os erros de Synagoga. A data de 1279 bem próxima dos tempos cm que forão mais encarniçadas as guerras dos Soberanos da Penín- sula com os Régulos que a dominavão em grande parte , he indicada até pelos sábios estrangeiros como aquella em que os estudos da lingua Hebraica se fizerão vulgares nas Hespanhas , sendo Raymundo Martins o seu principal ins- tigador. Existindo já d'antes as causas que fomcntavão es- te género de estudos, he de presumir, que também já d'an- tes houvesse alguns estudiosos da lingua Hebraica ; nem era natural que sendo as Hespanhas como a fonte onde os sá- bios estrangeiros vinhao naquelle tempo beber o conheci- mento das línguas orientaes , ficassem os sábios destes rei» nos huns tranquillos espectadores da gloria litteraria ad- quirida pelos estranhos {a). Gastão de Fox , que se díí n- ■ ■ — — — ■ —\ ('/) llau:i(^ue iMiUdeidorpf uo sea Lom;ueaiariu D posito, passados do Hcbreo , e Vulgata á nossa lingua , " («) « se as graves suspeitas indicadas pelo mesmo sábio era respeito á versão do Testamento novo pelo nosso Portu- guez João Ferreira de Almeida (b) , passarem algum dia ao gráo de certeza , que se demanda em taes matérias , não faltaria que addicionar á Historia da litteratura Grega , pois vinha a possuir no século XIII o que não teve no século XVl, e bem lastimosamente lhe faltou no século XVIII (f). ; Era de esperar , , que se encarrega de pôr eia lingoagem o Novo TesUmeuto, deve sab,ec a liagua origiual em que foi cschí^. •' DAS SeiENCIAS DE LtSBOA. 3^ ral Vienncnsc produzisse em todas as Universidades da Eu- ropa os cffeitos desejados , não sabemos porém que a de Coimbra tivesse naquclle tempo cadeira de linguas orien-. taes , o que he bem para sentir , e me obrigou a passar poF muitas fadigas para descubrir neste século ao menos hum sabedor da lingua Hebraica. Se a mera confutação dos erros da Synagoga tosse ao menos hum indicio pro- vável da erudição Hebraica, eu citaria como própria da- quelles antigos dias a obra do Monge de Alcobaça Fr. João, que se intitula Speculum Hebr^orum ., e foi acabada em i?35', ,; mas que erudito deixará de saber, que os co- nhecimentos da lingua , e a confutação dos erros podem facilmente separar-se , e existir huma cousa sem a outra , do que poderião citar-se muitos exemplos antigos e mo- dernos ? Até nos escritores estrangeiros (a) apparecem tes- tcmuniios de cultura do Hebreo , cm alguns dos Reinos das Hespanhas, no que toca porem ao nosso Reino, ob- serva-se hum alto silencio, e por mais que se examinem» e revolvão as Bibliografias não se colhe nada que faça ao intento de vingar para o século XIV alguma prova de nos darmos ao estudo da lingua Hebraica. Tive de satisfazer- me com o exame da famigerada obra do nosso D. Fr. Ál- varo Paez de planctu Ecclesia ^ onde achei alguns rastos de conhecimento da sobredita lingua. O Author parece mos- tralo a foi. 86 onde começa huma explanação dos Threnos ^e Jeremias^ e declara a significação de todas as letras do alfabeto Hebreo; e assim como de observar que a foi. ij$ elle se aproveita do sentido que Santo Agostinho deo á palavra Grega m£chia , eu infiro que o nosso Bispo não ti- nha conhecimentos da lingua Grega, assim também de tet examinado que elle proceda com mais confiança nas pala- vras Hebraicas , eu devo concluir , que elle não foi hos- pede nesta Utteratura , a pezar de que já nesse tempo as E ii glos- (a) P. Lambitiet Origities de Plmprimiere, Faris 1810. T. 2. pag. 26R^ ^6 M EM o B I JtS DfA- Ac A:I>Í![M ÇA R^f: AÉ. glossas de Nicoláo de Lira deviãp ser. vulgares em tod^ a Hespanha , ainda sem fallar nas obras exegeticas de S. Jeronymo , que o referido Bispo consultou, e examinou^ como SC pôde ver pelas citações da obra (a). -jcj Chegava o século XV , c as próprias adversidades, j que denegrirão o meado deste século hum dos mais in- faustos pura a christandfide , e para a Europa :devião con? correr para se apressar o restabelecimento dos, bons estu- dos. He bem sabido , que a Itália foi o berço da suspÍ7 rada restauração das letras, que por ventura não consegui- rão nunca hum gazalhado tão distincto , cçmo esse, que lhes prestou 3 familia de Medicis , apcllido certamente me- morável , )C capaz de avivar o recçnhccimcnto dos sábios , a pe/.ar de que muitos destes hão querido trasladar para o século seguinte os brazões deste , que tanto podem os juízos anticipados , e a mania de sujeitar os acontecimen- tos a huina opinião ou systema , o que nunca, terá forças nem para os mudar, nem para lhes tirar a existência (è). Já deixei advertida rio meu trabalho sobre litteratura Gre- ga , a parte que vários Italianos tiverão nessas primeiras faiscas de erudição , que felizmente luzirão era o nosso Reino, e ao mesmo passo que he fácil produzir o teste- .munho de Angelo Policiano a favor dos seus discípulos, que ao diante seria confirmado pelo immortal André de Re- zen- ('i) Consta de dous livros, e foi impressa em Leão de França 1517. Tem no fim : Autorh subscriptio. Manii própria una vice corrcxi et apo- stiltavi atino Dni 1335 in Algarhia Tortugallice ubi sum preesul in viíla Ramra. Secuiulo correxi et aposúllam in Sancto Jacobo de CompoHella an- lio^Domini 1540. He sabido, que as Glossas de Kicoláo de Lira forão acabadas em 1330, e logo espalhadas por toda a Europa. (*) Nunca se julgará suspeito nesta matéria o erudito Inglez W. Roscoe, que nas snas historias verdadeiramente magistraes, e primoro- samente escritas, de Lourenço de Medicis, e Leão X elucida a meu ver melhor que niugucm a questão do restabelecimento dos bons ti» tudos. Notarei de passagem, que nas provas da 2.' destas obras se en- gfiDtrãn muitos £ «legaattssioigs ver«o8 latiuo» «íh louvor do nosso Kei P, Manoçl. .7 DAS S'CIENCrA's DT LrSKOA. "' f^ ícndc, terei de passar pelo disgosto de não encontrar hurrí SC Portuguez, que naqucHc tempo se desse aos estudos da língua Santa. Nem o estimulo assas forte dos Judcos Por* tugue/.cs , que pelas suas edições Hebraicas dos últimos annus deste século , acreditavão os seus cstu-ios , c enobre» cião a arte Typografica , era bastante para des.per^^ar os nossos do Icrhargo, cm que jazião ; e pôde ser que a aver- são aos Judcos fizesse retardar a época do luzi mento às huns estudos , em que tanto se interessa a verdade do Chris- tianismo. Dedicavão-se naquclle tempo os mancebos nobres á lição dos Authores Gregos , como se vê pelo exemplo de D.Diogo de Almeida, Cavalleiro da Ordem de S.João de Jerusalém (a) , e por motivos da exploração de novas terras, e para se animar o commercio com os povos re- cem-dcscubcrtos , florecia o estudo das linguas Arábiga, e Ethiopica , a que se dava entre nós o próprio {b) , que vie» ra de longe para nos ensinar alguns ramos de litteratura , c nomeadamente a lingua Latina , da qual todavia já era •fácil apontar exccllentes cultores, que só tinhão frequenta- do as escolas e mestres nacionaes (c). He de presumir , que os Oradores Sagrados daquclle tempo, não fossem destituídos de conhecimentos indispen- sáveis para o bom êxito dos combates , que era necessário ter, e sustentar com a Synagoga então admittida e tole- rada nestes Reinos ; como porém nenhum Sermonario da- quella época vio a luz publica, e alguns monumentos theo- lo- (a) Na Carta ao Pontífice Innocencio VlII, que vem entre as obras de Cataldo Siculo. • (b) E3te ultimo, que na sua Carta a D. Pedro de Menezes escrita fios fius deste século, de que vamos tratando, falia nos seus estudos do Árabe, assimcomo em outra escrita a ElRei D. João II, que lhe ea« commeiulava a instruci^ão latina dos filhos de D. Rodrigo de Sousa, se fu cargo das suas applicações á lingua Ethiopica. . Ce) Sirva de exemplo D. Garcia de Menezes, Bispo de Évora, de cuja oraçSo ao Papa, e da impressão que elle íez em a própria Ro« Çia , UUio a cada paaso o« nosso» escritores. "38 Memorias DA ACAT5EMI RtATS lógicos desse tempo são raríssimos (a) , ficarei duvidando sç por ventura cxistio no século XV hum só Portuguex Catholico Romano , que soubesse a lingua Hebraica , du- vida esta , que me seria penosíssima se o formoso secu- Jo XVI não viesse já consolar-me , e indemnizar-me da pe- núria , que tenho arguido em os séculos precedentes. O século XVI com effeito para ser em tudo o mais brilhante da nossa Historia littcraria, ofFerece-me tal copia de argumentos da erudição Hebraica daquellcs tão faustos, c saudosos dias , que terei grande embaraço em classificar os beneméritos daqucUa até então ou desconhecida , ou des- prezada litteratura. Não obstante o possuirmos em Lisboa huma Universidade , que os Reis e os Infantes augmcnta- vão todos os dias em rendimentos e cadeiras , era princi- pio assentado entre nós, que ainda nos era necessário re- correr ás Universidades estrangeiras, que mais próximas da Itália havião aproveitado mais cedo que nós o influxo bemfazcjo de protecção concedida ás sciencias e artes pela generosidade dos Medicis. ElRei D.João III, já meditan- do pôr a nossa Universidade ao nivel das estrangeiras mais florescentes, fazia sustentar em Pariz 72 mancebos escolhi- dos , que passado tempo nos viessem trazer as erudições já vulgares naquella academia , e as ensinassem e propagassem nas escolas deste Reino. Feita a devida menção de Pedro Henriques , e Gonsalo Alvares , primeiros mestres de He- braico nos estabelecimentos litterarios de Coimbra , c que tinhão aprendido a lingua Santa de mestres Francezes , e contado entre os grandes incitamentos para taes estudos , não só o magistério do erudito Diogo Sigêo, que acom- panhava a nossa Corte , e ensinava os Principes e Infan- tes, mas também a viagem que o insigne Humanista Ni- coláo Clenardo fez a este Reino, onde plantou de mão*s dadas com João Vaseu , até em Braga , o estudo das lín- guas, (a) Allude aos Cathecismos de D. Diogo Ortiz de VilJjegas, DAS SciEMCIAS DE LiSBOA. JpL guas , que pouco antes nem a própria Universidade de Lis- boa sabia conhecer e apreciar ; pedem agora a brevidade e razão de ordem , que pelo texto da língua Santa , a qual nem ao longe nos ofFerecc a vastidão e copia dos exempla- res das linguas Grega, e Latina, graduemos imparcialmen- te os serviços , que lhe fi/erão os nossos Portuguczes. Aqucl- Ic texto, como todos sabem, he a Sagrada Escritura do Testamento velho ; sobre a qual temos abalizados interpre- tes , e commentadores que devem ter lugar acima dos que compilarão de differentes Rabbinos as artes de Grammati- ca , de que abaixo fallaremos. Das espécies históricas, que trato agora de explanar, se verá que a gloria nacional ga- nhada pelas nossas applicações ao Hebreu se avantaja mui- to , á que já mostrámos , fora adquirido nos mesmos dias pela cultura do Grego. O Dominicano Fr. Francisco Foreiro , que já teve hum lugar distincto na Memoria sobre litteratura Grega , deve agora occupar outro mil vezes mais distincto , que as» sim o pede a natureza dos seus trabalhos , e a acceitação qive elles tem merecido aos próprios inimigos da Santa Igreja Catholica , indicio este o mais seguro de huma vas- -ta erudição , e de hum saber mais que ordinário , quando ■taes louvores não tem sido comprados pelo exorbitante pre^ ço de vergonhosas condescendências , a que certamente não desceo este igualmente sábio , e virtuoso interprete. Âlera dos 5CUS incansáveis estudos ^ que presenciou, e admirou ,a França^ e a Itália, e que derao tamanho brado na au- Çysta e veneranda asse mbléá de\TfentQ, elle formou para sèu uso' particuTar hum diccionarTó da língua Hebraica, e he pena ter ficado manuscrito, teijdo bem natural, que já tenha perecido, vista a decididaV^âyersJo a similhantes es- ,tudos, que çoip^çando nps fiqs dç secyío^VI^ subio ao maior auge no para ii lingua He&jpaíça, afs^, tenebroso se- culp XVIL Deixou-nos porém a seguinte obra , e com el- la o argumento £abal da sua-£Xudição Hebraica. 4» Memorias da Academia Real Jsaius vidute et haredum Joannis Stelsii 1568 foi. et Lugdmi tç^ó foi. 'j . l\ -Hebraismi et Cânones pro intellectu Sacra Scripíitra. Lugdu~ .30 ,. ui 1566 j e 1588 foi. .. „ ... *** JSt Isaiafn Prophetam Cotfnmentarii f^o^/posthmum. Lutetite "f ""Parisiorum lóiz foi. (a). ' ' '^ " ' '' " 1 :' f-l I T f ■_■'• > ■ I - fN ■ ' , . (a) O Editor desU obra foi o Domiaicano Fr. Fedro Calvo , qUQ I DAS SciENciAs DE Lisboa. 41 He escusado mostrar, que Fr. Jeronymo da Azambuja empregou muito cabedal da sua erudição nestas obras im- pressas , nem este coriFco de litteratura sagrada admittiria facilmente, que eu citasse todos os lugares, cm que elle recorre ao texto original sob pena de sahir mui diffusa , c até fastidiosa esta memoria. Apenas lembrarei duas espécies de alguma utilidade, para quem houver de corrigir e addicionar a Bibliotbeca Lu- sitana ^ e vem a ser: i. Qi^ie o doutíssimo Rossi facil- mente o principe de litteratura Hebraica nestes últimos tempos (jo) , qualifica o Padre Azambuja de claríssimo in- terprete , e recorre á sua auctoridade para recommendar os estudos da língua Hebraica. 2. A primeira edição dn Com» nientario ao Pentateuco he de Lisboa em ifçó, se devemos acreditar o Index expurgai or to de D. Fernão Martins Mas- carenhas , que também cita a edição de Leão de França em iy88 , da qual aponta igualmente as paginas; o que dá a entender, que ou ha quatro edições distinctas do so- bredito Commentario , ou que vem erradas as datas na 5/- bliotheca , onde taes descuidos são mui ordinários , e mal se podem estranhar severamente em huma obra de tal na- tureza , e de quatro volumes em folio. Adverte o auctor da Bibliotbeca , que não tem a se- gunda obra impressa , como distincta da primeira. » obra (diz elle) a que Imhonati Bibl. Latiu. Rab. pag 72, >> n. 280 , e Lipen. Bibl. Real. tbeol. tomo 2. pag. 74^ »> dão este titulo , parece ser o Commentario sobre o Penta- >» teuco. '» Este Commentario pela confissão do author da Bibliotbeca sahio em Anvers lyóp, e Leão de França ijSó, T. IX. P.L F e nlo obstaute escrever 110 titulo que o Padre Azambuja fazia exactis- simim litterce expositionem , lual preencheo os fins próprios de huiu titulo , vistoquc o Padre Azambuja fez huma nova interpretação de Isaías, que elle compara com a Vulgata. (a) De prascipuis caitsis et motneiitis neglectte a nonullis Hebraicarum Litter. discipliiKe. Disquisitio ElenclUica, Aug: Taurvi. 17tí9 — pag. 167, 4« Memorias DA AcademiaReal e bem se vc , que nenhuma destas datas se ajusta com aqucllas , em que diz terem sahido os Hebraísmos e Câno- nes, que são todavia huma obra separada do Commentario iio Pentixteuco ^ aindaque venhão cm o principio, ao menos da edição, que eu consultei, e he de Anvers (15-68) on- de enchem nove paginas debaixo destes títulos: Cânones ad iVacrartim literarum lectionem ac htcidiorem co- gnit tonem peru tiles. São ao todo desascis Cânones onde reluz, a vasta eru- dição do author. Hehraismi ordine literarum digesti. Neste opúsculo serve-se continuamente da erudiçSo Hebraica, e só he para lastimar, que as palavras Hebrai- cas estejão lançadas em caracteres Romanos , o que mos- trando 3 penúria daquella typografia não poderá nunca ser- vir de desdouro a huma cidade tão famosa nesses tempos não só pela typografia Plantiniana, mas também pela edi-» . ção da Polyglotra de Árias Montano , serviço relevante á íitterarura sagrada , com que os hespanhoes fechavão ái-r gnamente hum século, que tão magestosamente começará pela edição da Polyglotta do Cardeal Ximenes. Fr, Heitor Pinto, monge de S. Jeronymo , e mui ce- lebrado em os fastos da littcratura, e lealdade portugue- za , vai apparecer igualmente luzido nos fastos da littcra- tura Hebraica. Aprendeo as duas linguas , subsídios princi- paes da Thcologia exegética , no seu collegio de S. Je- ronymo da cidade de Coimbra , e das suas palavras em hu- ma dedicatória ao Cardeal Rei se vê , que huma boa par- te dos outo annos , cm que elle estudou a Filosofia , e a i Thcologia , se applicou ao indispensável escudo das- lin- I guas. Sahio consummado principaln}fiRf,e^ Qa Hebraica..,.,. ç[ I das DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 4^ dâs suas obras Escriturarias (a) , assim avulsas coiho reu- nidas ciTi hum só corpo, se vê j quanto elle sobrcsahia na verdadeira intcliigencia do sentido litteral. Se me pergun- tarem , qual foi o motivo, por que dei o terceiro lugar a Fr. Heitor 1'into , parecendo rouba-lo a outros, que por ventura gj/.árao de melhor conceito nesta litteratura , res* pondo com Horácio : Tanttim series , juncturaqtte pollet \ Fr. Heitor Pinto seguindo as pizadas dos Padres Fo- reiro , e Azambuja, teve para si, quef o texto Hebraico merecia hum especial cuidado, e que se o uso desta oú daquella palavra Hjbraica bastasse para merecer as honras de Commentador perito na sobredita lingua, não haveria cousa mais fácil, existindo já nesse tempo diccionarios He- braicos, interpretações litteraes , versões interlincares , e ou- tros auxilios desta natureza , e por estes motivos elle aspi- rou a huina gloria mais solida, juntando a cada hum dos capítulos do author sagrado o que intitulou Annotationes ex Hel/fao y e quando era necessário, como foi em Daniel Annotationes exChaldeo; e ahi deixou multiplicadas e convin- centes provas , de que era , náo só versado , mas eminente nas linguas. Já antes de Fr. Heitor Pinto florecia D. Pedro de Fi- gueiró, a quem o Bispo Conde D. Fr. João Soares, como já escrevi cm outra memoria , chamava o S. Jeronymo do seu tempo. He certo, que este Cónego regrante foi dis- F ii ci- (a) Fr. Hactoris Piíiti in Diviíiiim vatem Danielem commeiítarii. — Co« , nimbriccc ex Officina Antoidi a Mariz 1569. He de notar nesta edição a formosura dos caracteres Hebraicos de António de Mariz. Ill Esccitielem Propk. Commentarii. Antuerpim m cedibus vidutB et lueredum Joamiis Stelsii 1570. — foi. miit. — ■ Opera onmia latina. — Lugduni 1534 /o/. Tem os Commenta» rios aos profetas maiores, e ao menor Mahum. '44 Meuo-íias DA Academia Real cjpulo dos mestres portuguczcs vimios de ParÍ7, , e que em 1528 abrífão huma escola de Hcbreo por instancia e i cus- ta do mosteiro de Santa Cruz, e que já homem feiro nos bons estudos vcstio a murça Augustiniana em 1543. Os scusCommcntJrios aos primeiros vmte e cinco psalmos, ás lamentações de Jeremias, e aos doze profetas irenores, que forão impressos cm Leão ce Frcnça ccptis da sua morte, são eruditos c recheados de palavras, e textos He- braicos; não vejo porem estas erudições alli trazidas com a ordem e clareza, em que se abalizava o precedente, nem o exame avulso deste , ou daquelle texto pode horr.hrcar çom huma interprataçiio seguida , do que hia apparecendo mais notável cm cada hum dcs capítulos. Entretanto cabe a D, Pedro de Finiieiró huma gloria talvez única em t(,das as corpnraçõcs religiosas deste Reino , e vem a ser a de ter fe:to medrar c arraigar tanto a erudição Hebraica nos veneráveis claustros do mosteiro de Santa Cruz de Coim- bra, que talvez não custasse muito a provar, que nunca alli morrerão de todo os estudos Hebraicos , e que o sa- grado fogo desta erudição alli escondido, nunca se apagou inteiramente, pois neste caso seria como impossivel , que elle despedisse as lavaredas, de que foi testemunha, e ad- mirador, como logo veremos, o século dezoito. Não sahirei já agora dos Commentadores , entre os quâes se distinguem o sábio D. Jcronymo Osório , e seu sobrinho do mesmo nome, cujas obras Escriturarias se im- primirão em Roma nos fins do século XVI , e onde se conhece palpavelmente a mais selecta erudição nas duag linguas Grega c Hebraica. He o primeiro talvez ainda mais digno de louvor pelos cuidados, com que obstou, quanta nelle era , ao definhamento de taes estudos (a) , do que pelas mostras de saber profundo , que o collocárão na pri- mci- (a) Não somente animava, porém estabelecia dentro do seu Paço aulas de Grego, e de Hebraico, e excitava os Thcologos já adiautados em annos , paraque entrassem ucsta carreira. Oh têmpora ! .t • DAS ScfEWCIAS DE LiSBOJU M J^J" meira linha dos homens grandes de hum século , que tio abundante foi de trotcos licterarios, justa compensação dos que lhe faltarão pelo exercício das armas. Os Jtsuitas reunindo cm hum sujeito as cadeiras de Grego, c H-braico , e não se dignando publicar em a sua typografia do collegio das artes de Coimbra hum só in- dicio, de que promovião taes estudos (pois assimcomo alli se imprimio por ve/.es a Arte Grega de Nicoláo Cienar- do, também se poderia imprimir a Arte Hebraica do mes- mo author, ou qualquer outra idónea para ensinjr a mo- cidade Portugueza) , são gravemente culpados no esmore- cimcnto da litteratura Hebraica pelos fins do próprio se- cul ) , em que mais luzente e conspicua se mostrara ; mas pede a justiça que não seja) ommittidos os ncmes dos Padres Cisme de Magalhães, Sebastião Barradas, Bento Fernandes , e Manoel dj Sá , egrégios cultores das Hnguas Grega e H-braica, e visto o ser educado neste século o Paire Francisco de Mendonça , não lhe tirarei o seu lu- gar cure os Jesuítas estudiosos daquellas duas linguas (a). O Padre Cosme de Magalhães merece nesta littera- tura ainla maiores elogios, que na Grega, pois tendo os seus Gon.nintarios por objecto algumas partes do antigo Testa ncnto ahi cabia melhor a erudição Hebraica , de que eu pod.ndo citar muitos exemplos, só enviarei os meus lei- tores para o Commcntario ;'» Canticum primum Mosis da edi- ção (a) Níío ciio as edições das obiaa destes Commentadores , que se pode n ver n\ BtbliotU:ca Lusitana , mas cuinpre-rae fazer algumas ad- Tertenci.is. O 1'adrc Barradas em os seus Cominentarios iii Conconl. Hist. IF Eiit-r. iaipressos em L?ão de França (1611) usa frequentemente do texto ilebraioo , expresso em caracteres nítidos, como se pode vei a pig. 02, 67, (j8, 99, 115, e 129 do primeiro tomo daquella edição, cujo imprcssir l.iiiçou fambcm em caracteres Romanos as palavras He- braicas, o qae mostra desejjs de acudir aos que não soubessem o ai* fabeto .iljbr.iico. Nos volumes impressos em Lisboa por Pedro Craes- becck vem caracteres Hebraicos menos máos, a pezar de muitos erros e tróc7is~de letras, e Ha ausência dos pontos vogaes, que já tiulião morrido naquelle prélo. 7^6 Mkmohias DA Academia Real çao Lugduriensc de 1609 , e ahi desde pag. 19 até pag. 11 pôde ler-.se huma breve porém atilada discussão sobre a poesia dos Hcbreos tanto mais digna de applauso , quanto lhe foi posterior a obra clássica deste género (a). O Padre Bento Fernandes logo na cxplicrçao do ca- pitulo I. do Génesis mostra o que era de sabedor na lín- gua Hebraica , juizo este que nunca será desmentido pelo decurso das sues obras. O Padre Francisco de Mendonça a pezar de fallecido em o século XVll , não deixa de pertencer ao século, em que estudou as letras humanas. Fm os seus Commcntarios aos quatro livros dos Reis faz muito uso do texto origi- nal , como se pôde ver nos dous volumes estampados , o primeiro em Coimbra por Diogo Gomes do Loureiro (1621), e o segundo em Évora por Pedro Craesbeeck (1624). Aindaque os Padres Oleastro , e Foreiro acreditarão de tal modo a ordem dos Pregadores , que por certo não carece de mais gloria nesta porção dos estudos subsidiários para a Theologia , nestes séculos de que vou tratando , convém fazer ainda especial memoria do Padre Fr. Luis de Sottomaior , que não só pelas chronicas e escritores da sua ordem , mas pelo testemunho dos seus contempo- râneos de todas as classes , mereceo os créditos de varão consumado em os differentes ramos de Theologia, que en- sinou por largos annos, e com grande applauso em a Uni- versidade de Coimbra. Examinei o seu Commentario ao Cân- tico dos Cauticos impresso em Lisboa por Pedro Craesbeeck (1J99)) s 30 mesmo passo que eu notava a boa applica- ção da lingua Hebraica a pag. 30, 31, 80, 129, 163, ^^Sí s J49 succedeo-me lastimar o confuso e mal figura- do das letras pela maior parte inintelligiveis , prova fatal, mas verdadeira, de que o Hebreo começava a despedir-se de nós. Nâo (a) De Rob. Lovth. DAS SciEKciAs DE Lisboa. 4^ Náo disputando ás mais ordens Religiosas, o terem contado nesta época vários alumnos sabedores da lingua Hebraica, só tratarei de esbulhar alguns da gloria, que por certo lhes náo pertence, c de restituir a outros o lugar, que ainda lhe náo foi assinado, quanto eu saiba, pelos nos- sos escritores. Wolfio addicionando a Hispânia Orienta/is de Paulo Colomesio , noinê.i alguns Fortuguczes deste século, c pede a boa critica, que se depure este catalogo das con- fusões, e erros de que está clieio. Alli vem três Francis- cos dcb.iixo dos appellidos Alcobacensis , Machadus , Seat- ris , que devo redu/,ir somente a dous , vistoque o Cister- ciense Fr. Francisco Machado , Doutor pela Universidade de Pariz , na obra que escreveo adverstts Habraos , de que faz menção a Bibliotbeca Lusitana , se chamou Franchcus JV- curif , e o chamado Alcobacense pela Bibliotheca não pode ser outro senão o Doutor Fr. Francisco Carreiro , que em i5'97 era lente de Durando em a Universidade de Coim- bra , o que se confirma pelas noticias porventura trans- mittiias de Portugal para o author da Bibl. Cisterciense. Hum e outro fora ) monges da minha ordem , e sobresa- hírão nos estudos Theologicos, mas devem ser expungidos da lista dos sabedores da lingua Hebraica. O primeiro na sua obra impressa em Coimbra (1J67) apenas huma até duas vezes usa de palavras Hebraicas em caracteres Lati- nos, que de certo não convencem o leitor, de que clle sou- besse a lingua. Do segundo tenho visto alguns trabalhos filosóficos manuscritos sobre Aristóteles , onde não se divi- sa a erudição Grega, que vinha tanto a propósito; e co- mo ainda não vi os seus trabalhos theologicos , nem será fácil dcscubrilos, visto não apparecerem na livraria manu- scripta de Alcobaça , (deposito ordinário das producçóes dos monges daquella casa) tenho por mais provável , que elle não tivesse grandes conhecimentos da lingua Hebraica. Só de passagem citarei novamente a Epistola trilin. gue de Joanna Vaz, aindaque principio a ter alguma du.. vida , se competem maia á Castelhana Luiza Sigêa doque i 4^. Memorias D A Academia Real i nossa Portugueza os louvores, que por ventura correrão até hoje confundidos. Authorcs Purtuguczcs de nota (a), sem disputarem a Joanna Vaz o conhecimento da lingua Hebraica , attribuem a Luiza Sigêa a Epistola trilingue ao Papa, c muito fácil era que o author da Bibliothcca Lusitana se enganasse, ou fosse illudido, o que só entra- nharão os que não sabem , que a cmpreza de tecer huma Bibliothcca nacional, exacta e acabada, exige hombros de gigante. Entrarão de novo para a lista dos sabedores da lingua Hebraica hum nacii nal , c hum estrangeiro. O nacional hc o Franciscano Fr. Roque de Almeida, que a pczar de não ter figurado na Bibliotheca Lusitana^ e nos mais escritores portuguczes, que fizcrao especial memoria dos estudiosos da lingua Hebraica (//) , deve ter aqui o lugar, que hum seu illustre contemporâneo lhe assinou cm as palavrjs se- guintes : Prater cateros Lutetiie mihi cogiiitos, monachus etiatn qtiídam I^tiritanus ex instituto Franciscanorum Rochus ^lineiday mire mihi deditus erat , adeoque me docente captas erat amore líterartivi Hebraicarum , ut hac sola gratia paucis postea dis- pus se contiilerit Lovanium à^c. (c). O estrangeiro hc ojudeo convertido Francisco de Tá- vora , de cujos trabalhos, e vicissitudes da fortuna já dei alguma noticia em a Memoria sobre Fr. Bernardo de Brito ^ e (a) Sousa de Macedo, Flores de Portugal. VascoDcellos , Historia de Santarém edificada. . (b) Fr. Luiz dr S. Francisco na sua prefacção ao Globua Canorium. D. Fr. Manoel do Cenáculo cm diíTcrcntes obras, f^as disposições para os estudos da 3.' ordem, traz os nomes de Religiosos Terceiros, que 66 derão nos séculos XVI e XVII aos estudos da lingua Santa. (c) As palavras de Clciiardo forão transcriptas porColomesio a pag. 221 da obra citada, e como afíirina que o Religioso Franciscano Fr. Eoque de .■Vlineida florecêra cm 1525, lie de prel-uiiiir que fosse dos mancebos que D. João 111 mandou estudar a Pariz. As cartas de Cle- Tiardo fazem muila honra á nossa litteratura, forão impressas ao menos quatro vezes em o século XVI, e creio que neubuina das livrarias de Coimbra pD:ssue huuu rxeiupLu: xlcsta- obia I DAS SciENCiAs DE Lisboa. 49 c neste lugar só darei conta da sua Arte ou Grammatica Hebraica impressa em Coimbra por João Alvares ( 1566 ) o que he tanto mais necessário , quanto este Livro he ra- rissimo , que se o nao fosse mal poderia escapar aos eru- ditissimos D. Fr. Manoel do Cenáculo, e António Ribei- ro dos Santos, e como os sábios estrangeiros aprccião em muito qualquer noticia de Literatura Hebraica , e o sá- bio A. da Èíblíotheca Hebraica , não teve noticia nem deste judeo , nem da sua Grammatica, lançarei cm nota a dedi- catória ao Conde da Feira , de que ainda algum sábio es- trangeiro poderá fazer uso, quando se trjte de fazer cor- recções e addiçóes á citada Bibliotbeca de Wolfio. (a) T. IX. P.I. G O (a) Illustrisámo D. Jacobo Pereira Comiti Fereiísi , Fraiwiscus a Tá- vora. S. P. D.: Cutn deccm anos natus , Comes illustrissime , me Thessalonicam disceiuli causa coiitulissem , ibique aimos ires Liiig-uavi Syricam aliasque dedicissem , eodem discoidi stiidio 3Ionestenum iirbKtn totius Grceciw ■praclaiissnmam sum projectus , in qua urbe cum Ckaldwam , Armenicam , Gelbanam , Tttrcarumque liiiguam didicissem , tandem a Josepho Gaone et Mediíia sa- jnentibiis ut ea appellunt , Constantitiopolvn , ubi multi mihi sanguiiic con- Juncti ei-ant , sum revocatus , ut magistri gradum susceperim : quo suscepto Vcnetias me docendarum linguanan causa contuli , ibique cum frequcnter Sacram Scripturam legerem clarissime ex viultis Sacrarum literarutn lo- cis cognoui Cliiislianam Jidem et religionem eam esse , sinc qua nemo ad bcatam , faslicemque vitam posset pervcuire , Christurnque. optimum maxi- mum , seriiatorem iiostrttm esse eum , quem Jacob morieiís futurum prcedi- ■tit , Non auferetur sceptrum Juda , et dux de fcemore ejus , donec veniat , qui mittendus est. Qua de causa Romam sum pofectus , ut sacro baptismafis fonte ló- tus, lis aqua mundarer de quibus Ezcchiel. Cap. 36. Efiundam super vos aquam muiidam , et muudabimiin ab omnibus inquinamentis vestris , cui rei haurmtius Pirez a Távora iirasfuit. Inde mortis metu quam et pnter , et sanguinei mihi miiiabaniur , quod Judaici erroris desertor- me ad Christia- nam religionem convertissem , iti Hispatiiam profectus Plúlippi regis jussu , eruditionis mete facto pericxdo , menses octo mcdiocri stipeudio Hebrceam liii- gxiam SalmanticcE publice docui , quam urbem cum uimiis fiigoribus mihi maxime infestam invenissem , Conimbricam me converti. In qua urbe rum imíli cognati , aut amici essent , qui me hospitio susciperent , Domnus Rodericus tuusflius nobilissimus fuit , qui hominem lotiginquum , et alieni- genam nom soluni suis tectis exciperet , sed rcs etiam necessárias suppedita- ret. Quam ob rem cum nulla alia raíione animum in te nosti-um ostendere 5© Memorias da Academi a Real O titulo da Grammatica he assim. Grammatica Hehraa , novissime edita, Authore Francvco a Távora. Covimbrica apud Joanuem JlVanim Anno Do- mini MD. LXVI. Afora o prologo ou dedicatória consM de n8 pagi- nas ; começa pela declaração do alfabeto Hebraico , onde SC demora talvez mais doqae pedia a brevidade que cUe fc propunha , e que de feito seguia em outras partes de maior importância, mas que expõe todavia com assas cla- reza , e mcthodo. Por fim da ccllecçao dos preceitos acres- centa hum ensaio de versão literal do começo da Profe- cia de Abdias, que também lançarei em nata a beneficio dos estudiosos de nossa linguagem , (a) e remata o livro com putwsscmwi , jmupetes agrícolas yutnus imitati , qui cum cjuondam dm mino- ra srcrificia prwsture non posstnt , Cereri spicas , Bacho raccmwn , F/illa- di olÍBam , .ma dcmum aáqua Deo mimera offercbant , ut quamvis exisuo , ffrato tamen niunere cos colerent. Cum tgitur , ut aliquid utilitatis afferre- miv! iis qui Hasuaw Hebiwmn scire vcllevt ; liaiic nostram artcm typis ex- cussam in litcem edere voltãssemíis , intelllgereniusque te maxime omnhim lilerarum generc delectwi , tibi , comes illustrissime , eam dedicare instiiid- }nus , ut mwiere aliquo , et si te non digno , tamen lÁribus nostris pari , a- nimi in t-e nostri cum gratitiidinem et bencvolentiam , tiim etiam pictatêm sigm- ficare jjosscmus. Accipe igitur lioc nostrum , qualccumque sit múnus , ncc qumitum sit, sed quo animo dctur expende. Vale. Kalcndas Janunrii 1ÍJ66. (a) 11 Profecia de abdias: asi dixi o Senhor Deos : por ísdom ou- ?) vida ouuimus do Senlior , e embaixador a gentes foy mandado, a- » leuantaiuos, e aleuantarnos-emos contra ella a peleja. 1- Eis-aqui pequeno te ei dado uas gentes , menos prezado tu inuy- •>i to =: Soberba de teu coraçaõii t£ enganou, o que mora em minas 7! de penedal, alta sua habitação, o que diz em seu coração, quem w me fará decer á terra. ■>i Se te aleuantorcs como Águia, e se em meo das estrellas puge- ■>i res teu ninho, dahi te farei decer, dito de Deos Se Ladroeus vie- ;■> ram a ti , se roubadores de noite como te calaste certamente furta- 71 riam seu necessário , se vindimadorcs vieram pêra ti , certamente fi- ">■> cariam rabuscos. " (x)mo foram esquadrinhados Ezau , foram buscados seus escon- Tt didiços. ' ' '•» Até o termo te maadaram todos os homens do teu firmamento, v, DAS SciEKCiAS DE Lisboa. fr com a approvação de Fr. Martinho de Ledesma , que a exa- minou de ordcin do Inquisidor geral Infante D. Henrique, e lhe chama valde iittlem , tit qui voltierint , cito linguam e- díscant Hehraam. Destes principies he fácil concluir — i.° Que ainda em iy66 não erão desprezados neste reino os estudos de lingua Hebraica , pois hum estrangeiro foi bem recebido em Coimbra, e teve discipuios , que o obrigarão a com- por huma Arte. 2.° Que faziao os estrangeiros , o que de- vião ter feito os naturaes , pois he lastima , que nem se quer saibamos por que arte ensinavão os Jesuitas do colle- gio de Coimbra. Esta compilação porém de regras , e pre- ceitos grammaticaes sahio já mui tarde para fazer resusci- tar os estudos de Hebreu então quasi mortos neste reino j e como não será fora de propósito referir as perseguições , e contrariedades oppostas aos amadores de taes estudos, e descubrir as varias causas , que influirão neste desastroso cor- te dos bons estudos , findarei com esta odiosa pintura o que eu tinha para escrever sobre o século 16. {a) A má intclligencia do Canon Tridentino que declarou a autenticidade da nossa Vulgata , foi huma das primeiras causas, que gerarão o despreso da lingoa Hebraica, e in- fluirão muito para o seu extermínio das nossas aulas preli- minares da Thcologia. Creio também que o horror aos es- tudos de huma lingoa mui avessa das outras nos seus di- versos elementos , e até na configuração das letras , e mo- do de as escrever , sustentado pela preguiça , alheou mui- ta gente do que á primeira vista se lhe antolhava como G ii dif- (a) A persuação da necessidade da lingua Hebraica para os esta- dos Theologicos , estava tão profundamente gravada nos Portnguezea até ao meio deste século , que os próprios Infantes destinados para o Estado Ecclfsiastico , não erão dispensados do seu estudo , como suc- ccdeo ao Infante depois Rei D. Henrique , discípulo nestas erudiyõe» do famoso e já citado Nicoláo Clenardo , o que nos attesta alem da Chronista dos Cónegos Regrantes D. INicoláo de Santa Maria, oerudit» Foppeus cm a sua Bibliotheca Bélgica. yi MemoriasdaAcademiaRbai, d líicil e laboriubO. N/o hc este o lugar pai.> ucsfaz i tacs prevenções, e quari'. a não estivesse SDÍiu.iTKntc d^ii.C/iis- tiado, que o Concilio de Trento nem tiu.u nem podia ti- rar aos textos origiiiacs a sua Divina insjMi. çáo c auihcnti- cidade , bastaria ver o grande uso , que os nossos Tlieolo- gos, Fadies Oleastro e Foreiro costumaváo fazer do Hebreu, a pe/ar de terem assistido ao dito Concilio. Até nos púl- pitos se tazia commcmoraçao do Texto Hebraico, c se deixo muitos exemplos do fim do século i6 para citar hum só, he por ser do esclarecido Varão o Dr. Diogo t!c Pai- va c Andrade, assas r conimcndavcl pelas suas obras Thco- logicas , que cm os Sermões impressos depois de sua mor- te , e ainda pregados no século i6 , inculca repetidas ve- zes com o seu exemplo a devida applicação do Texto He- breu , onde elle pinte mais ao vivo que as traducçõcs , ou a energia , ou a prodigiosa fecundidade de palavra de Dcos (a). Não se contentando os impugnadores de taes estudos com huma simples desapprovação, ou menoscabo, princi- piarão de os attacar , e perseguir com tal encarniçamento , que obrigarão o Padre Azambuja tão modesto como douto a romper nesta invectiva. Imputent hoc (o amor dos estu- dos Hebraicos ) imbecillitati , qiii velint , et tngenii niei , quam et ipse fateor , tentiitati , et quanto libeat siipercilio , ac fas- tu imputent , modo ut de ntultis , vel unum hoc adducam ex írigesximi Geneseos capitis posteriore parte in qua de Jacob cum Laban conventione , et Patriarcha astu agitur , sitie Liii' g"^- (a) Veja-se o T. 1. dos seus elegantes Sermões por certo os que hei visto mais parecidos com as Homilias dos antigos Padres a foi. 78 , 79 , 96 , 97, 236 f. , 273 , 289 f., &c. e parece-me justo lançar a- qui íluas palavras de Fr. Manoel da Conceição editor dos Sernjõts, e Si)brinho do A. ii Passado o tempo necessário ao estudo daThcologia Es- ■>■> colastica, se deu de todo á liçiío dos Santos e estudo da Sagrada Es- v> critiira , pêra o que aprendeo muy de propósito a liiigoa Hebraica, 5) que he meio principalissimo pêra se alcançar o sentido literal do ve- » lho testamento. E neste sentido procurava trazer sempre os lugarca ■>} da Diviua Escritura como se veri nas pregações, f) DAS SciENCIAS T)E LiSBOA. ^ guartim pr^esicUo si posiunt , se expediant. Deste motlo ec ex- plica em a sua Epistola dedicatória dos seus con-.mentarius sobre o Lcvitico , c sendo cila endereçada ao Cardeal In- fante D. Henrique antes de ijío , b(.m se conhece, que principiou do meio do século 16 por diante a guerra aos estudos Hebraicos , c o mais he , que o sobredito Padre também era vexado, pelos seus Religiosos, que Iheimpu- tavão a crime o desvio da auctoridade de S. Thomaz so- bre a intelligencia de vários textos da Escritura como por exemplo os do Génesis : Crescite et mitltipUcatriini éí'c. Do- tninamini piscibtis maris cb^c. Este Padre até depois de mor- to devia sofFrer novas perseguições , pois em o Index cx- purgatorio deD. Fernam Martins Mascarenhas («) he man- dada riscar huma parte da sua Prefacçao aos livros do Pcn- tatcuto , onde entre outras cousas defendia , que a Vulgata ainda se podia corrigir pelo texto Hebreu. (_/*) Emquanto a nossa mocidade estudiosa se valia dos trabalhos de hum estrangeiro , succedeo que hum nosso Por- tuguez se esmerasse cm revolver todas as artes de Hebrai- co , e os melhores escritos dos Rabbinos para escrever hu- ma Arte , que se imprimio em Roma , e que pode servir de consolação aos que advertirem como nesse tempo se fi- nava entre nós o estudo de lingoa Hebraica. Fallo da o- bra do Franciscano Fr. Luiz de S. Francisco intitulada: Globíis Canontim et arcnuorum Inigua Sanctte ac Divina Scri- ptiira ad Ferdinandwn Medicem Cardinalem é^c. Romte 1586. 4.° ;: - ' ., - Es-- (fl) Pag. 0'8tí. (4) Da obra posthnma do Padre Azambuja sobre Isaías se vé que õ seu continuado uso da língua Santa em o coramentario ao Pentateuco azedara muitos dos seus leitores, causa esta que o resolveo a ser mais parco destas erudições no segundo commcntario. Se me fosse dado a- leni passar as balizas do assumpto desta memoria, eu tivera muito que dizer cm defensa do Padre Azambuja, e basta .id vertir , que as próprias correcções feiUis 4 Vulgata de mandado dos Pontífices , e já posteriores ao Concilio de Trento adTOgSo a caasa do iios«o compatriota. _ .i^ ^4 MemobiasdaAcademiaReal Esta obra hc não só Grammatical , mas também exe- gética segundo se vc do Elenchus rerum ontnium qua in boc globo coníirietitur ,c os artigos 9.° e 10.° tratão especialmen- te de antiga poesia dos Hebreos. A' primeira vista se co- nhece, que esta obra cahe em hum extremo de diíFusáo o mais importuno e fastidioso para os principiantes, que dcsa- nimão todas as vezes que se lhes appresentáo montanhas tão Íngremes como elevadas , onde só quererião achar ca- minhos andamosos , e planos. He tirada pela maior parte dos escritos de Elias Levita, e outros Rabbinos , visto po- rém começar elle o estudo da lingoa aos cincocnta annos do idade bem mostra que fez hum excellente uso do con- selho , que para esse fim lhe dera o grande Bispo c sábio D. Jeronymo Osório. Principiou desgraçadamente o século desasete para a lingoa Hebraica sob os mesmos auspicios , que já deplorei pelo que toca á lingoa Grega , que nesta parte muito mais feliz que a outra teve ao menos hum distincto cultor , e alguém mais que a fomentasse neste século , venturas es- tas que faltarão á lingoa Hebraica, destinada para sofFrer neste século hum inteiro esquecimento da parte dos mes- mos Portuguezes , a quem ella pouco antes fizera tão cele- bres em o mundo literário. Entretanto , como se houves- sem de ser quasl em tudo semilhantes os fados das duas lingoas , se hum Portuguez estabelecido em paiz estran- geiro foi dos nossos o que mais honrou a Literatura Gre- ga no século 17, (d) outro Portuguez também naturaliza- do (a) Tliomaz Piuneiro traductor de Stephaiio ; como porém ueste século iiosoíferece a Bibl. Lusitana mais dous traductores Portuguezes, a saber Fernando deMena, e Manasses Ben Israel, cumpre-nie dar açora succintaraente as causas porque não os metti na classe dos tra- ductores , emquanto me não vejo obrigado a fazer maiores addições á niiiiha memoria sobre Literatura Grega. Emquaufo ao primeiro, as- sentei que era melhor ommitti-lo do que renovar a questão se foi Por- tuguez ou Castelhano. Emquanto ao segundo , eu não ignoro que o eruditíssimo António Ribeiro dos Santos ( Memorias de Liter. T. 3." pag. 3i7 ) seguiudo a Bibligtlieca chama traductor de Foc^lides ao DAS ScienciaS de Lisboa. 55, do cm Reino estrangeiro foi o que dco mais provas de sa- ber , c do apreço que fazia de lingoa Sanca. Não me cansarei em mostrar que a erudição dos commentadores deste século Fr. Balthasar Paes , Fr. Gre- gório Baptista , P, Paulo Kodrigues , e de outros fica- . ya muito a quem, da que justamente louvei no scculo antecedente, nem he meu animo roubar ao Theologo Co- nimbricense João de Paiva o lugar hum pouco mais dis- tincto (sim muito abaixo dos Foreiros , e Azambujas) que todavia lhe compete , e para me aflFastar quanto an- tes desta como solidão espantosa , que me oíFcrece o sé- culo 17 , respirarei hum pouco tendo em vista os conheci- mentos Hebraicos do Monge Benedictino do Mosteiro de Monserrate, porem natural de Lisboa Fr. Francisco San- ches , que deo á luz a obra seguinte : In nosso Menasses Ben Israel , examinadas porém as formaes palavras des- te Jiideo PorUigueE , que se podem ler em o Prologo da 2." parte da sua obra iutitulada o Conciliador da conveniência dos lugares da Sa- grada ticritura impresso em Amsterdão (1650) u Escrcui depues no- i> tas eii Phocyli em Madrid ( 1635), se reimprimiria em Amsterdão ou Bru- xellos, como era ordinário uaquelles tenvpos , ç q\ie Manasses Beu ls« racl llie lizcsàe notas. jó Memorias DA Academia Real /» Ecclesiasten Conitnentatium cum concórdia vulgata editio- tiis et Hebraici textus j Barcinotie 1619 4.° (a). Na prefação recommcnda o esrudo da lingoa Hebraica e para mostrar o que ella vai, manda consultar os com- mcnt.nios Pererii in Genes, 3. v. 15" , e acrescenta Si igno- rubat Helrtca cur hebraizare sapitis gaiidct ? -vcnivi hac sca- bie pasíim laboram concionatores , qtii tiisi aliqiiid Hehraiciim fromant , truditionis sua jacturnni jecisse arbitrciiittir. Nestas expressões do sábio Bcnedictino , eu achei fun- damento para me segurar no conceito que fiz, depois de hum sollicito mas cançado exame dos Prògadores daqucllc tempo. Fr. Thomaz da Veiga, {b) Fr. António Fêo, (f) Fr. Pedro Calvo , {d) Fr. João de Ceita , Fr. Christovão de Almeida c outros recorrião ao texto Hebraico , mas qualquer leve tintura de lingoa ou as versões interlineares os habilitavão para este uso da lingoa Santa , que não ob- stante achar-se quasi proscrita deste reino , apparecem to- da- ' (a) E^te commentador bem a seu pezar teve de sugeitar-se á pe- núria dos prelos, e por isso todas as palavras Hebraicas a miúdo c\- tadas nesta obra , que consta de 286 folhas , vem escritas em caracte- res Romanos. (J) Fr. Thomaz da Veiga nas considerações Literaes, Moraes, e Allegoricas sobre os Threnos, cujo 1. Tomo sábio em Lisboa 1633 a pag. 314 serve-se da versão interliuear do Hebraico. (c) Fr. António Feo nos seus Tratados Quadragesimaes e da Páscoa Usa de palavras Hebraicas sem dar mostras de outra erudição alem do que facilmente se adquiria pelos meios já indicados. (rf) Fr. Pedro Calvo nas Homilias Latinas para todo o anno T. 1. Lisboa 1615 , a pag. 344 remette-se á auctoridade de Vatablo , e de Fo- rriro, c a pag. 524 á de S. Jeronymo , e na Homilia ad Hcbrceos iit fide Lapsos , produz a pag. 583 , e 604 textos vertidos literalmente de 'Hebrco, que bem fácil era tira-los de Árias Montauo. O mesmo jui- 20 se pode fazer dos Sermões de Fr. João de Ceita, e de Fr. Christo- vão de Almeida e para resumir tudo cm duas palavias. Eu creio , que a obra de Pedro Galatino de Arcanis Catholica; veiitatis era o arsenal donde os Pregadores dos Autos da Fé, tiravão as armas para comba- terem os Judeos. 1 DAS SciKNCiAS DE Lisboa. ^7 davia os seus caracteres menos máos em os prelos de Pe- dro Craesbeeck em Lisboa , de Didgo Gomes do Loureiro em Coimbra , e de Manoel Cardoso no Porto. Creio , que Pedro Craesbeeck foi o impressor, que os conservou por mais, tempo conforme sevo do já citado Index cxpurgato- rio, onde se encontrão muitas palavras Hebraicas em bons caracteres; e se o Padre Balthasar Alvares, como presiden- te dos censores para o exame e redacção daquelle index, teve o maior trabalho, como he de suppôr, não deverei exclui-lo do numero dos sabedores da lingoa Hebraica. A certeza de que nem o cximio Padre Vieira se applicou a estudos , que parecião necessários para as suas pregações , e nomeadamenre para a sua Clavis Prophetariim , e Historia do Futuro , obra tão engenhosa a cercos respeitos , quan- to a outros frívola e nugatoria , depara-me outro argumen- to, de que a lingoa Hebraica era totalmente ignorada neste reino, e ao menos o Padre Vieira talvez mais sincero, que muitos prògjdores , e commcntadores desse tempo não dei- xava de citar o interprete, commentador ou diccionaiio, que lhe fornecia as palavras Hebraicas. Que immenso vácuo me ofFerece o espaço de mais de hum século fielmente contado desde 1640 até i75'ol Neste grande intervallo já funestíssimo para a lingoa Gre- ga , apparecião de quando cm quando nomes portuguezes , que não dcixavão quebrar a cadêa principiada nas escolas de Itália em o Século XV; mas pelo que toca aoHebreo, não apparcce hum só commentador , hum só Theologo , que rastejasse a brilhantíssima carreira dos nossos maiores. O Padre D. Luiz Caetano de Lima , a quem se attribuem Epigrammas Gregos , também deixou huma obra manuscrita, que se intitula Exercitai tone í Hebraic£ in Genesin. Também nos consta do elogio deste benemérito Padre , que o decl- ino Conde de Vimioso costumava dizer do Padre Lima , que elle tivera o dom de lingoas. Entretanto nada he mais fácil, que parecer sábio, c luzir, quando he geral a igno- rância ; e não he seguro concluir da simples inscripcão da- T.IX.P.I. H quel- 5^ Memorias DA Academia Real quclla obra , que o Padre Lima tivesse grandes conhecí- nientu da lingoa Hebraica. Só á vjsta daquellas exercitações se poderia ver, se o fundo principal delias era a linyoa Santa ou as ciudições Rabbiiiicas. Ora os estatutos da Universidade feitos cm 1654 íallão da cadeira de Hebraico, e do seu ordenado, mas parece , que a cadeira se tornou em simplesmente ho- norária; e se acreditarmos o erudito cavalheiro de Monte mór o velho Francisco de Fina e Mello , que escrevia em 1752 sobre as lingoas oricntaes o seguinte « Não he ne- j» cessario provar a muita ignorância que ha destas lingoas »» no nosso Reino. Do Hebraico ainda ha maior dcsccnhe- >» cimento , porque nem se ensina , nem se aprende »> (a) , quem não lastimará o estudo infelicíssimo da Literatura Hebraica no intervallo , que á pouco assinei? Graças pois sejão dadas ao mui erudito A. do Verda- deiro Methodo de estudar , o qual não só pintou ao vivo a nossa decadência neste ramo de Literatura, mas também inculcou por mil modos , e argumentos a necessidade de recomeçarmos hum estudo geralmente airortecido , e talvez reputado inútil pelos chamados sábios portuguezes 1 Hum destes respondendo ao A. do Methodo , ousou mandar im- primir estes miseráveis períodos. « Por despedida ordena , íj que os humanistas saibão a lingoa Grega e Hebraica para j> entenderem os livros, como senão estivesse tudo muito V bem explicado nos commentos Latinos. Não sei, porque »> não lhe aconselha, que saibão Francez , Italiano, Tudes- w CO, Inglez, e por curiosidade a lingoa de Angola e » dos Tapuyas do Brazil. " (b) He ocioso perguntar a hum destes , paraque estudou Racine o Grego , quando tinha ver- sões Latinas de Euripides e Sophocles, e para que fim o ce- ia) Balança intcllectual çm que se pezava o merecimento do ver- daticiro methodo de estudar. LisDoa 1752 , p.ig. 31. (i) Reflexões Apologéticas í obra intitulada Verdadeiro Methodo de estudar &c. Valensai 1748 4." DAS SciENCiAs DE Lisboa. 5-9 celebre Conde de Alficri começou aos 45 annos de idade o estudo da mesma lingoa ? O maior cabtigo, que se pô- de dar a estes scmidoutos he fazer reimprimir os seus di- tos, paraque cheguem á noticia de todos, e principalmen- te dos estrangeiros, sempre bons avaliadores das erudi^cs Grega e Hebraica. As providencias tomadas pelo grande Rei D.José I. cm 175-9 "^o podiao deixar de incluir a lingoa Santa, que mui judiciosamente encomendou ás corporações Religiosas dcs- ta Monarchia , e felizmente não sahio errado o seu concei- to. A esse tempo já o tantas vezes, e nunca assa's por mim louvado Fr. Manoel do Cenáculo havia estudado a lingoa Hebraica de sociedade com outros doutores conim- bricenses , com a louvável tenção de porem em lingoagem o Testamento velho; e se o Rei á instancia do seu minis- tro de Estado Marquez de Pombal o não chamasse para outras funcções , por certo , que elle nos deixaria mais cla- ros testemunhos da sua erudição Hebraica , afora os que podem colher-se das suas differentes , e immortaes obras. Forcejou todavia , paraque a Terceira Ordem preenchesse nes- ta parte os votos d'ElRei , e o Convento de Jesus em Lis- boa converteo-se na mais famosa escola de lingoas Orien- taes , que se tem visto em Portugal. Ahi se estabeleceo por algum tempo o Maronita D. Paulo Hodar, sábio nas lingoas Orientaes , que depois lêo em a Universidade de Coimbra , e com elle se aperfeiçoou o Mestre Fr. Francis- co da Paz , que tinha de dar em suas obras Grammaticaes e Exegeticas hum grande impulso a estes conhecimentos. Principiarão logo estes laboriosos Padres de dar continuas provas , do que se tinhao adiantado nos estudos da lingoa Santa. O Mestre Paz endereçava huma falia Hebraica ao Príncipe D.José de saudosa memoria, que se dignou vi- sitar os estabelecimentos Litterarios de seu grande Mes- tre. Fr. Gregório José Viegas ( hoje Excellentissimo Bis- po de Pernambuco ) dava passos de gigante nos estudos tia lingoa Hebraica , e fazia composições , que andão imprcs- H ii sas 6o Memouias DA Academia Real sas entre os obséquios da Terceira Ordem á inauguração da es- tatua equestre do sobredito Rei, e abonarão entre os vin- douros o progresso , que fez o seu A. nas línguas Orientaes. Alli veio apert"eiçoar-se na lingoa Hebraica o Aiigustiniano Fr. Joaquim de Azevedo, que brevemente luvirá cntie os peritos da lingoa Hebraica no século 18. Alli chegou hu- ma colónia de Cistercicnses , que o seu Geral Fr. Manoel de Mendoça quiz habilitar para o ensino das lingoas cm o collegio de Alcobaça. Nestes novos discipulos se avanta- jou muito o Padre Fr. José Sanches natural de Alcains , não só pela sua distincta figura nas conclusões defendidas cm Lisboa , cm que forao arguentes os sábios H()d;ir , e Berminghan , mas também pela composição Hebraica im- pressa nos applausos do Mosteiro de Alcobaça á inaugura- ção da estatua equestre, (a) Oxalá que a espantosa queda do primeiro Alinistro e das suas creaturas não tivesse feito mirrar os estudos He- braicos , que apenas sabidos do berço Já promettião gran- des créditos ao nosso Reino! Oxalá que as boas institui- ções separadas sempre de quem as fe?. , tn<:^em constantemen- te superiores ao conflicto dos partidos ! Fallemos sem rebu- ço, as letras Hebraicas ou perecerão, ou cahírão em for- mal desprezo na maior parte das Congregações , que as buscavão , e applaudião , e não obstante as ameudadas re- commendações de taes estudos , he necessário confessar , que ellas tem outra vez desapparecido dos próprios lugares , em que se lhes havia feito o mais cordeal , c benigno acolhi'^ mento. Não acrescentarei mais paraque não se julgue que o espirito de maledicência guia a minha penna , e conclui- rei esta Memoria com os sempre respeitáveis nomes dos já citados Fr. Joaquim de Azevedo , Fr. Francisco da Paz , e de D. João da Encarnação , sem duvida os coriíêos da Li- te- (a) Sigo nesta oarcação as Memoiias de Fr. Vicente Salgado. ^ DAS SciEMCIÁS HE LiSBOA. 6l teratura Hebraica entre nós, como attestao as obras impres- sas , bem conhecidas deste reino , e dos estrangeiros, {a) yd depois de conchiida esta Metnoria succedendo me exa- minar a Collecção dos Retratos dos varões illustrcs c Donas ^c, achei que o sábio Luiz António Vernei cowposéra btinm arte Hebraica que ficou entre os seus manuscritos , enão he pe- quena honra para os sabedores da lingoa Santa , que também o fosse este por ventura o maior sábio Portuguez do secttlo^ 18. (a) Fr. Joaquim de Azevedo refutou completamente a Sixtino A- maina , era obra impressa , e tratou de responder ás objeções dos in» crédulos que abusão do Texto Sagrado , era outra obra também im- pressa , onde e.<:palhou ás mãos cheias a erudição Grega e Hebraica. Fr. Francisco da Paz escreveo hunia Arte de Hebraico, e a ex- plicação das vozes anómalas do antigo Testamento , que ambas sahirão Jmpreí^sas. D.João da Encarnação Cónego Regrante de Santo Agostinho, meu doutíssimo e saudoso Mestre , deixou-me lembranças indeléveis do me- thodo e clareza com que explicava a lingoa Santa, de que fez imprimir a Grammatica em 1790. Teve a paciência de entregar á memoria o Diccionario Hebraico , e assento que neste ramo se lhe deve applicar o dito de Plinio Imiíati sunt multi , aquavit iiemo. Sei que os uoiiies de D. Paulo , e D. Joaquim da Encarnação figurão na Bibl. Lusita- na, mas careço ainda de provas, para os collocar nestas Memorias. 6z MUMORrAS DA ACACEMIA RkaE, uidãitamento a esta memoria. ^^uando eu tocava nos monumentos de littcratiiia l)c- braica , que poderiáo existir na livraria manuscrita do mosteiro de Alcobaça , guici-me pelas noticias dadas no //;- AiW Codicíim Bibliothece Alcobatiensis y que síío dn maneira se- guinte. CoDEx CCXXXIX. Memhríuic.ceus iii foi. luagno exaratus Gothlcis caractcri» hus , muJtís liueis cxpunctisfol. 133. continct tractationem dogma- ticant de Tyiuitatc , Incarnatioiíe , libero arbítrio , intelligcU' tia Prophetia , de novo testamento , et dispntatione ordinanàa , et judicibus eligaidis ; disptitatiouem item inter Hcbr^ctim et christianttm trimcatam , et confnse compaginatam , qtc£ credi- tttr esse fragmentum diwriim egregiorum voltimijiuvi , f]ita Fr. Franciscus Machado Mouachtis Âlcobacensis et Doct. Parisien- sis Hairico Cardinali minciipavit Sactil, \6 quorum meminit Kicolaus AntontHs in sua Biblioth. et extabaut oliin Ms. in, Jlcob. Bibl. CoDEx CCXL. Memhrauaceus in foi. exaratus Gothicis cnracteribus foi. rjf>. lacerus tamen plnribus foliis , et ahrasus plitribus li>ieis j et Hl ter is , scriptus et complettts anno 1335- per Fr. Joannctii , ut legitur in fine Prologi. Compkctitur Uhelltim adversns He- Iraos , cui auctor titulitm fccit Spcculum Hcbríeorum : Initium op. Vcrns et unus Deus. Caret fine. Só por estes indicios mal podia eu concluir, que os mon- DAS SciENCiAS DE Lisboa. (5j DISSERTAÇÃO I. Os Fenícios em Espanha , mil e quatrocentos e mais aunos antes da era de Christo. Por António Pereira de Figueiredo. N, Xo ha cousa mais constante entre os nossos escrito- res , doque terem sido os Fenicios huma das primeiras nações estrangeiras, que vierao a Espanha, e nella esta- belecerão varias colónias. Tão attestada hc esta vinda pe- los Gregos já des do tempo d' Homero, e pelos Romanos já des do tempo de Varrão : que era impossivel a igno- rassem hum Fiorião de Campo , hum Morales , hum Ma- rianna , hum Barreiros, hum Resende, hum Brito, e hum Arrais. Entretanto nenhum destes , que a mim nie lembre , acertou atògora com o verdadeiro tempo , em que os Fe- nícios vierão pela primeira vez a Espanha. Porque Brito põe esta vinda novecentos e tantos annos antes de Chri- sto: Marianna a rebaixa até o tempo de Sicheo marido de Dido , e consequentemente pouco anterior á fundação de Carthago. Como este he hum ponto importante para a nossa historia , será elle o assumpto da primeira de todas as dissertações , com que tenho determinado illustral-la. E seja o primeiro passo declarar, quem forão os Fenícios, e qual a sua primeira origem. Os Fenicios , está assentado entre todos os eruditos , que forão os mesmos que os Cananeos , descendentes de Canaan, filho de Cam , e neto de Noé; e que estes Ca- naneos erão aquelles povos , que habitarão a terra chama- da da Promissão , donde por mandado de Deos os expul* sá- ^4 Memorias da Academia Real sárão os Hebrcos, parte em tempo de Moysés, parte cm tempo de Josué. Dcmostra-se esta identidade. Primo: Porque pelos ca- pitulos IX , Xlll , e XIX do livro de Josué, e pelo ca- pitulo III do livro dos Juizes consta, que o Líbano, Ty- ro , c Sidónia ficarão dentro dos limites da terra de Ca- naan, que Dcos mandou aos Israelitas que conquistassem. E ninguém ignora, que o Libano, Tyro , e Sidónia, per- tencião á chamada depois Fenicia. Demostra-se Secundo: Porque a versão grega dos setenta , como observarão cotn outros Bochart e Calmet, substitue ordinariamente Fenicia^ onde o Hcbrco , e com elle a nossa Vulgata latina trazem Catiaat!. Como quando no Êxodo cap. XVI, verso 35' dizen- do o Hcbreo , que Saul era filho ãhtima Canatiea, os seten- ta vertem , que era fi/ho d^huma Fenícia. E no capitulo V de Josué, verso 12, dizendo o Hebreo , fructos da terra de Cduaan , os setenta vertem fructos da terra dos Fenicios, Demostra-se Tertio : Porque aquella mulher, que recorreo a Christo para lhe curar sua filha , a qual S. Mattheus no cm. XV, verso 12 chama Cananéa ^ S. Marcos no cap. VII, verso ^6 a chama Syrofenicia. A' vista de tão convincentes provas parecerá escusado ajuntar, o que Santo Agostinho na sua Exposição incoada da Epistola aos Romanos assevera da persuasão em que es- tavão os camponezes d'Africa ; os quaes ainda em tempo do Santo , quando lhe perguntavao , quem erao , respon- dião que Cananos , isto he , Cananeos. E isto sem duvida , porque sabiao por tradição, que Carthago, e outras terras suas erão fundações dos Fenicios , vindos antigamente de Cjnaan. Interrogati rustici nostri , qui sint ^ respondente Ca- nani. Nas Questões sobre o livro dos Juizes acrescenta Sinto Agostinho, que a antiga lingua púnica ou cartha- gineza , era a mesma que a cananéa. Mas seria imprudência , ou improvidcncia , se quan- do se tratava das colónias dos Fenicios em Espanha , omittissemos estes testemunhos de Santo Agostinho. Por- que DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 6z a monges antigos daquelle mosteiro se tivessem dado aos estudos de lingoa Santa , c de mais a certeza , que me de- ra nesta parte o exame áo Repertorittm veritatis de Fr. Fran- cisco Machado me parecco extensiva ao outro monge, que SC diz escrevera o códice CCXL, Passados alguns mezcs , succedco-me examinar ambos os códices , e dahi me proveio a dcscubcrta de novas es- pécies sobre litteratura hebraica, que alem de enobrecerem o mosteiro onde cila se cultivou , tem o grande merecimen- to de patentearem pela primeira vez , que os decretos do Concilio geral de Vienna forão não só recebidos , mas exe- cutados á letra neste reino ; e tempo virá em que cheguem a descubrir-se mais argumentos desta verdade. Reparem os meus leitores, que eu me satisfaço e muito deter achado dentro das paredes, onde fiz o tyro- cinio monástico, provas irrefragaveis da cultura do He- breo , pois aindaque os trabalhos , de que estou para fazer menção, se reduzissem a meras copias, nem por isso fica- ria destituída de fundamentos a minha principal asserção. F^ntretanto a pezar deque não rezolvi ainda todas as producções da meia idade contra os judeos, e sei por outra parte, com que temor, ecircumspecçâo se deve pro- ceder no exame de tacs códices , paraque não se chamem originaes , os que simplesmente forao copias , eu que tive o cuidado de esquadrinhar os Volfios e Bartolocios , e que confrontei os códices de Alcobaça , com o Punhal de fé obra clássica desses tempos , julgo e não sem graves fun- damentos , que o sobredito Specultim Hebraorum foi compo- sição original de hum portuguez monge de Alcobaça no século XIV. Debaixo destas ideas farei separadamente o cx3- mc de cada hum dos sobreditos códices, e depois hei de cotcjalos entre si , paraque se veja ou a sua identidade , ou a sua differença. Comecemos pelo códice CCXXXIX. He necessário ou estar cego , ou apenas classificar de hum volver de olhos este códice , para o attribuir a hum escritor do século XVI. A veneranda antiguidade, que ellc Tomo IX, H mos- 62 h MemoriasdaAcademiaReal mostra, e a própria letra, em que he escrito, annuncião logo, e mui claramente o excesso de duzentos annos, que elle tem sobre a data dos escritos do Doutor Fr, Francis- co Machado. Justamente se queixa o A. do Index por ter achado este códice confitse compaginatum ; mas por isso mesmo o deveria correr todo , e facilmente acharia nclle huma boa parte do seu principio, onde bera clara, e methodicamente se desenvolve a traça de seu A. , c por ventura não tem a livraria manuscrita de Alcobaça hum livro , que mais acredite a erudição dos seus monges em os tempos chama- dos escuros da nossa littcratura , c que seja mais accomo- dado para mostrar, o quanto tiorecia em Portugal no sécu- lo XIV. o estudo das letras Divinas. A que devia ser primeira parte do códice passou por negligencia do encadernador a ser a ultima. Três colunas do prologo forão raspadas ou por malícia , ou por certa economia vulgar naquelles tempos. Ficou ainda o que bas- ta para conhecermos o fim que o autor se propunha , e que a meu ver desempenhou com huma clareza e ordem , de que não se pejariáo os mais doutos hebraisantes e con- troversistas dos tempos modernos. Deixadas certas preparações do A. quasi illegiveis nes- te códice , extractarei o que pertence á divisão das matérias. Liher iste iti VIII titules ex integro dividetur. Primus dabit artcin brevissitnam positivam scripttire hebraice vel calãee in nostris litteris cogmscende. Secimdus erit de Trinitate. Iste docebit titulas quomodo apttd deum íit cognoscenda imitas ia essência , ve/ natura. . et tri- iiitas in personis. Tertiiis erit de divina encarnatione. . . Iste probabit multis ar- gumeutis quomodo idem Deus in persona filii '. patre et spi- ritu sfíucto cooperante ; veram humunitatem accipere debuit ex virgine illibata , verusque homo corporaliter apparere Christus Deus, Quar- DAS SciENCiAs DE Lisboa. 62 c Quartus erit de domintca passione. hte probabit quoniodo iii redemptione butuani generis deperditi , fuerit idem Christus Deiií secttndum homiuem occidendtis et sepeliendus. Qttomodo viauente corpore in sepulcro , infernttm esset spoliaturus , ter tia die a morttiis in corpore sttrrectiirus , in celum ascen- stints , et ad patris dcxtravi permnnsurus. \ Qttintíis erit de adventu. Iste probabit prius qito tntmdi tempore et Christus debttit adveuire. probabit deinde quia ve- nit. probabit et quia judfX veniet in futuro. Sextus erit de repromissione inultiplici noviC legis tam figurali- ter , qiiam aperte , ut per eam non corpora in hac vita sed anima salvarentur. Scptimus erit de prophetia , et necessitate spiritualis inteUigen- tie scripturarimi. Iste probabit vetus testameníum fuisse per novum ad spiritum necessário deducendum , ut sicut ad intel- lectum carnalem historia vera fuit sub veteri , ita sub novo fuerit in mistério ad spiritum cognoscenda. Octavus erit de imperitia hebreorum in cognitione sacre scriptu- re. Iste disputabit de Leviatan quod bebrei male att- tumant in christi sui -centuri fortitudine de tnaris pélago ex- trahendum , omnemque popultun Judeorum ex eo Largijiue saturandum. Proposta a divisão da matéria conclue o prologo assim. Obsecro autem vos ó Christi professores , ut grafia comodioris disputationis vestrum mi adhibeatis favorem , ut si quando bebreos textus invenero , qui a nostro textu secundum litte- ram videantur quamvis non multum in setentia discrepare^ ex bis quidem ijalcam arguere contra itlos atque in suis tex- tibus increpare. Ex hoc enim copiosior veritas nosíra erit, ut dum eos duximtts in suis textibus convincendos , inàe nos- tra probatio contra illos firmior babeatur. Completur est autem liber iste cum auxilio magni dei in ve- nerabili monasterio alcobacie portugalia regionis sub era crea- tionii mimdi sex mille CCCC tionaginta FIL secundum erro- H ii rem 6a d Memorias DA Academia Real rem autem hehreorum qttitique tnille nonaginta sub era in- caniationis àoniinice mille CCC XXXIII. Sub era terrestris Iberusnkm perpetue vastitatis mille CC. LFII. Explicit prologns , hicipit primus tituhis. De disputatione ordhiauãa et judicibus eligendis. Prefacio artis. jírs brevíssima scripture Hebraice et Caldee latinis litteris cognos- cende ; et primo in quibiis proiiunciationibiis latinurnm , lin- gua hebraica deficiat , seu iii quibiis hebreorum deficit et latina. Prima regula habeudi pronunciai ioiieni hebraice littere = hhayn = qiw XIX est in hebraico alphabelo. Secunda regula habeudi pronunciationem hebraice littere = heç = que yill ést in hebraico alphabeto. Ter tia regula habeudi prommciationem ká>raice littere =■ Kaf ^=^ que XI est in hebraico alphabeto. Quarta regula hahendi prommciationem hebraice littere = gy- mal '-^^ que tertia est in hebraico alphabeto. Qjiinta regula babendi prommciationem hehraice littere = taf^=^ qiie ultima est iu bebr. alpb. Sexta reg. babendi pronunciai, hcbr. litt. = » rá conveniente expor , donde tinha sua origem esta gen- »> te , que veio fazer assento na Africa. Ao tempo que »> os Hebreos , depois de terem sahido do Egypto , esta- 3» vão já a tocar na Palestina, morreo Moysés, aquelle sa- M bio homem , que os tinha conduzido atélli. Succeden- »» do-lhe no governo Josué , filho de Nave , este intro- >» duzio na Palestina os seus nacionaes ; e armado d' huma »» força mais do que humana , se apoderou da terra ; des- » truio os habitantes , e reduzio ao seu domínio as cidades » delia ; com o que alcançou para si o nome de invicto. >» A região marítima , que se estendia desde Sidónia até »» o Egypto , chamava-se Fenícia. Havia neste território j» vários povos ; os Gergeseos , os Gebuseos , e outros que }» a historia hebraica nomea. Estes homens, vendo que não >» podiâo resistir ao general estrangeiro, retirarão-se prí- >j mciramente para o Egypto, mas não achando nelle ca- j» pacidade para recolher tanta gente de novo , por ser o j> Egypto de tempos antigos mui povoado dos naturaes , >» passarão á Africa , e a conquistarão toda até as colum- >» nas d' Hercules. Fundarão nella muitas cidades, e nella » habitão até á minha idade , falando a língua Fenícia. » Edificarão tãobem na província de Numídia hum castel- » lo no lugar, onde hoje he a cidade que chamão Tingi. »» Aqui junto a huma fonte existem levantadas duas co- »» lumnas de pedra branca , que tem gravada em letras Fe- T. JX, P.I. l » ni- 66 MemouiaS DA Academia Real 3» nicins esta inscripçiio : Nds somos aqnelles , que fugimos »» do ladrão Josué filho de Nave. » Atcqui a narração de Procopio , que a escrevia pelos annos Jc Christo 540, isto he, quasi no meio do sexto século da Igreja, Procopio he hum Author de conhecida reputação : re- fere hum achado do seu tempo: não ha motivo, por que lhe neguemos o credito. Principalmente que o que elle aqui conta da vinda dos Fenieios até Tingi , quando fu- gião de Josué , he mui conforme com o que liuscbio de Cosaréa tinha escrito na sua chronica ; que aqucllcs mes- mos Cannncos , que os Israelitas tinhao expulsado das suas terras, vierao fundar na Africa Tripolitana varias colónias. E o affirmar Procopio , que até o seu tempo falavão os Mouros a lingua Penicia, hc o que á pouco ouvimos di- zer a Santo Agostinho natural da terra. Tingi he a que em tempo dos Romanos deo nome á Mauritânia Tingitana, chamada assim para difFercnça das outras duas na mesma Africa Cesariense , e Setifense. E íiindiaue todas estavao da banda d'a]ém do estreito de Gibraltar, e a Tingitana ficava onde hoje são os reinos de Fé/. , e de Marrocos ; todavia Constantino na divisão das províncias do Império fez da Mauritânia Tingitana, chamada também Transfretana , a sexta provinda d' Espa- nha, a quem ficava fronteira, e como adjacente. -i A sua metrópole Tingi , concordâo todos os Geógra- fos , que he Tangere , cidade que , como todos sabem , pertenceo á coroa de Portugal des do anno i4<'3, em que o nosso invicto Rei D, Affonso V a tomou aos Mouros, até o anno 1662, em que a Serenissima Rainha D. Cathe- rina a levou em dote para Inglaterra , quando cazou com o Rei Carlos II. Temos logo os Fenieios habitando no extremo d'Afri- ca fronteiro d' Espanha , des do tempo de Josué. Ora Jo- sué, conforme os cálculos do insigne chronologista Usser, começou a guerra contra os Cananeos no anno mil e qua- tro- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 67 trocentos e cincoenta e hum antes da era de Chri- sto. Isto bastava , para nós sem hesitação alguma pormos os Fcnicios em Espanha por estes mesmos tempos. Porque não mediando entre a Mauritânia Tingitana , e a Espanha Betica maior distancia doque a do estreito de Gibraltar, que duvida pode haver , de que por estes tempos passa- rião os Fenicios d'huma i outra banda ? Mas nós temos do- cumentos positivos , que assim mesmo o persuadem. O primeiro he, ser constante entre todos os antiquá- rios , que , antesque os Gregos se dessem a conhecer por algumas colónias, que fundassem fora do seu continente, tinhão já os Fenicios nobilitado o seu nome por meio de muitas , que estabelecerão na Africa , e na Europa. Isso quiz significar TibuUo , quando chamou primeiros mestres da navegação os Fenicios, liv. I. Eleg. 7. Prima ratem ventis tradet docta Tyrus. Ora du/entos annos antes da guerra de Troya já os Gregos de Zacintho tinhao vindo a Espanha , e fundado nella Sagunto , e Denia , como por authoridade de Bócio attesta Flinio no livro XVI cap. 40. Ixya , segundo os mármores d'Oxford , foi destruida no anno lioj? antes da era de Christo : segundo a opinião commumente recebida entre os modernos depois de Petavio , e Usser, no anno ii8i antes da mesma era. Logo mais de duzentos annos antes daquellas duas contas, se deve ter por certo, que ti- nhao os Fenicios vindo a Espanha. E em ambas as hypo- thcses se roça esta época pelos tempos de Josué. O segundo tira-se do que affirma Estrabão no livro III pag: lí^ da edição d'Almeloveen : que dos Fenicios he que o"; Gregos tiverão as primeiras noticias do sitio, e clima d' Espanha : e que por isso Homero poz na boca a Protheo aquellas palavras, em que Protheo dizia a Mene- I ii láo, 6R Memorias DA Academia Real láo , que vindo a Espanha veria os campos Elysios , e o £m do mundo. Sed te , qua terra postremus terminus extat , Elyshim in campum cmlestia, minúna àucent, O terceiro forma-se , do que Plinio escreve d' huma antiga iilia , que ficava entre Cádis, e o continente d'Es- panha , que tinha três mil passos de comprido, e mil de largo. Esta ilha, di/ Plinio livro IV, cap. 22, he chama- da por Efor , e por Philistides Erythia , por Timeo , c Si- Icno AFrodisias , e pelos naturaes iiha de Juno. Foi cha- mada Erythia , por causa de que os seus primeiros habi- tantes forão os Tyrios , vindos do mar Erythreo. Vocatur ab Ephoro et Philistide Erythia , a limão et Sileno Âphroài- di£ , ab indigenis Junmis. Erythia dieta est , quoniam Tyrii aborigines eorttm orti ab Erythrej mari fcrebaiitur. No qual texto aquellc aborigines eorutn he huma emenda de Tal- iTielio adoptada justamente por Bochart , que assim querem que se leia em lugar de que trazem as edições vulgares de Plinio , ah origine eorttm. Porque pela mesma razão de primeiros habitadores, se chamarão Morigines y os que pri- meiro povoarão Itália, como expõe Dionysio d'Halicarnas- so. Temos logo por testemunho de Plinio , que os Tyrios forão os primeiros que habitarão na Bctica a ilha Erythia , e que a denominarão assim , por terem vindo a ella do mar Erythreo , que he o mar vermelho. Ora nesta ilha Erythia pozerão os poetas Gregos os bois de Geryão , que por mui gordos e mui anafados mettêrão cubica a Hercu- les para os ir furtar. O que além de ser notório pelos ver- sos de Hesiodo , mais antigo ainda doque Homero , he expresso em Estrabão no livro III, pag. ijf. E posto- que hum antiquíssimo historiador por nome Hecateo , ci- tado por Arrijno escrevesse , que Geryão não reinara em Espanha , mas em Embracia província do Epiro , sempre daqui se comprova , que no conceito dos Gregos , já mui-; to TJAS SCTENCIAS DE LfSBOA. 69 to antes do tempo d' Hercules Thebano tinhao os Fenícios cultivado de tal sorte em Espanha a ilha Erythia , que nel- la SC criavão os mais formosos bois do mundo ; c fundado nclla a primeira Cádis , que depois se mudou paraondc hoje está. Na mesma ilha com o nome à'Erythia , e o so- brenome á'' jífrodisiaí , faz mcnçSo Estevão de Byzancio no seu livro De Urbihus, O quarto forma-se , do que escreve Plinio no livro III, cap. 9, que Marco Agrippa, genro d'Augusto dava toda a Betica por originaria dos Carthaginczcs. Oram eam universam originis Poerorum existimavit Âgrippa. Náo queria dizer com isto Agrippa, que os Carthaginezes , co- mo taes , tinhão sido os fundadores da Betica : porque clle náo podia ignorar, que o império dos Carthaginezes cm Espanha não precedia muito o tempo da primeira guer- ra púnica. Queria pois dizer, que toda a Betica se reco- nhecia originaria dos Carthaginezes , emquanto referia a sua origem aos Fenícios , de quem os Carthaginezes des- cendião, e a quem succedêrão cm Espanha. E neste senti- do reputava Agrippa os Fenicios pelos mais antigos habi- tadores da Betica , depois da primeira povoação d' Espa- nha pelos netos de Noé. Bem como parece que os tinha também reputado muito antes d'Agrippa , o author do livro Das Maravilhas attribuido commummente a Aristóteles, quando referia, que os Fenicios forâo os primeiros, que vindo por mar a Tartesso , hoje Tariffa , acharão tanta co- pia de prata, que delia fizcrão ancoras para os seus navios. Primor Phignices ferunt , cum Tartessum navigassent , &c. Confirma-se tudo o sobredito de que como mostrou Bochart no seu Faleg ^ e no seu Catiaan , tanto os nomes desta região d' Espanha , como os das suas províncias , rios, e cidades prlncipaes , estão soando terem dos Fenicios a sui primeira origem. Taes são os nomes Ibéria, Hispânia, Betica, Turdetania, Lusitânia, Tagtis , Jna, Batis , Iberus , Gades, Malacha, Olisippo , Hispalis. O quinto desume-se de remotíssima antiguidade , que to- 70 Memorias DA Academia Real todos os escritores tlão á cidade de Cádis. Ha pouco que nós ouvimos, que Plinio a faz íundação dos Fenícios Abo- rigines da ilha Erythia : os quaes Fenícios , como aili acres- centa o mesmo Plinio , posérao á nova cidade o nome de Gjdir, (mudado depois no singular Gadis , e no plural Ga- des) que na sua lingua queria dizer cerco. No tri Tartes- son appellant , Fosni Gadir , ita Púnica lingua sepem signifi- cante. No qual texto de Plinio , creio que ninguém repara que cu por lingua púnica entenda a Fènicia , depois que advertir, que assim mesmo o entcndeo Sallusrio , quando nos fragmentos do livro segundo de sua historia esereveo assim : Tartessum Hispânia civitatem , qitam nttnc Tyrii mtita- to tiomitie Gadir habent. E Santo Isidoro nas Origens : Qiiam Tyrii a rubro mari profecti occupantes, Lingua sua Gndes^ id tst ^ Septam nominaverunt. Também não faz ao nosso tazo , que os Romanos confundissem Cádis com Tartesso , como também o confundirão alguns Gregos. Porque ou fosse Cá- dis , ou fosse Tartesso aquella cidade , que os Fenícios fundarão na ilha Erythia ; sempre daqui temos em Espa- nha huma cidade fundada pelos Fenícios , que tinhão vin- do a ella do mar vermelho : o que faz logo lembrar os tempos de Josué. Aos mesmos tempos faz que remontemos a fundação de Cádis , o que da antiguidade do templo d' Hercules , que nella havia , deixou escrito Pomponio Mela no livro III , cap. 6. Aqui affirma Pomponio Mela , que a antigui- dade deste templo se roçava pela época da destruição de Troya: Annorum ab Illiaca tempestate principia sunt. Ora he natural , que a cidade fosse fundada primeiro que o tem- plo ; e também que o templo não fosse fundado, senão passadas muitas idades, depoisque florecêra Hercules. Por- que muitas idades era necessário que se passassem , para a fama das proezas d' hum heroe se propagar de sorte , que lhe conseguisse as honras da apotheose , ou da cano- nisação. Muitas idades logo antes da guerra de Troya se deve suppor , que foi fundada Cádis , e que floreceo o Hcr- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 7I Hercules, a que se consagrou o templo. Troya porem, segundo os mármores il'Oxford , foi destruída no anno 1209 antes da era de Christo : segundo Eusébio , a quem se- guem Petau , e Usser , no anno 1182 antes da dita era. Logo muitas idades antes de qualquer destas duas epccas , (que só diflFercm huma da outra em vinte e sete annos) se deve crer que foi fundada Cádis , e fundado o seu tem- plo. E daqui mesmo se confirma , que o Hercules adora- do em Cádis não era o Thcbano , mas o Tyrio alguns séculos mais antigo. Porque do Hercules Thebano he con- stante , que florecêra poucos tempos antes da guerra de Troya , como expressamente o adverte Diodoro de Sicília, no livro I, cap. 24. tomo I, pag. 28, e como se pro- va de que este Hercules matou a Laomedonte pai de Pria- mo , e concorrco na expedição dos Argonautas a Colcos com Castor e PoUux, irmãos da formosa Helena. Ao sobredito acresce , que Cláudio Joláo , escritor das antiguidades Fenícias , citado por hum antigo etymo- logista Grego, que Bochart descreve, pag. 358, e pag. 609 affirma , que Arcaleo , filho de Fenis , e irmão de Cadmo , funda'ra em Espanha a cidade de Cádis , pondo- Ihe este nome Fcnicio. Pelo qual Fenis entendo eu Age- nor Rei de Fenícia , a quem também Apollodoro e Eusé- bio chamarão Fenis. Por sexto e ultimo documento allego eu a famosa de- nominação das Colítmnas à^Hercules , attribuida por todos os antigos e modernos aos dous extremos do estreito de Gibraltar, hum da parte d' Espanha, outro da parte d'A- frlca. Porque ou estas columnas fossem verdadeiras , ou fossem metafóricas , ou fossem imaginarias , he certo que por ellas significarão os antigos geógrafos e historiadores hum facto real , isto he , a vinda d'Hercules a estes dous extremos , como os fins das suas heróicas expedições. Ora este Hercules, a quem se attribue a posição das duas co- lumnas , e de quem ellas tomarão o nome , deve-se crer , ÍJUC 71 MemortasdaAcadbmiaReal que foi aquellc mesmo , que se venerava com summa reli- gião no antiquíssimo e famosissimo templo de Cádis. O que se prova, tanto porque as columnas e o templo cs- tavao no mesmo contorno ; como porque Estrabao na li- vro III, pag. 25-9 attesta, que em Cádis lie que os Hs- panhoes e Africanos punhão as columnas d' Hercules. Hi- spãíit et Jfri eas Gadibns vinJicant. Não he menos certo , que este Hercules que se ve- nerava em Cádis não era o Hercules Grego, filho d'Am- fitruão e Alcmcna ; mas sim o Hercules Tyrio, alguns sé- culos mais antigo, doquc o Grego. Assim o aífiimao Ar« riano no livro II das expedições d'Alexandre , pag. 89 da edição de Gronovio : e Appinno na sua historia Ibéri- ca, pag. 25Ó da edição d' Henrique Estevão, Aos quacs se deve ajuntar outro escritor muito mais antigo , qual he Diodoro de Sicilia , que no livro V, cap. 20. pag. 345- da edição de Wessekng escreve, que Hercules era celebra- do no templo de Cádis com rito Fenicio. Temos logo hum Hercules Fenicio, atravessando o estreito de Gibral- tar , e passando da Africa Tingitana á Espanha Betica. Nos quaes dous termos , como considerados então os fins do mundo, ou fins dos heróicos trabalhos d' Hercules, poz a antiguidade as duas famosas columnas , de que tratamos. Nenhum outro porém com mais probabilidade se pode crer, que fora este Hercules Tyrio , doque aquelle heroe , que segundo a relação de Procopio , conduzio a armada dos Fenícios , quando fugindo das armas de Josué vierão ao Egypto, e de lá passarão á Africa Tingitana. Confirma-se não pouco esta hypothese , do que attes- ta Pomponio Mela, escritor Espanhol e Andaluz, no li- vro III , cap. 6. , que a causa de ser tão venerando o tem- plo d' Hercules em Cádis , era porque naquclle templo se conservavão os ossos daquelle Deos. Cur sanctum sit , ossa ejus ibi sita efficiunt. O que he huma prova irrefraga- vel , de que na existimação da antiguidade, tinha este Her- cules falecido na Espanha. Era logo este Hercules o Ty- DAS SCIENCIAS DE LlSBOA. 73 rio , e não o Thebano : porque este todos os antigos re- conhecem , que da Espanha passara á França , e da França i Itália , e que da Itália se recolhera para a Grécia. Nem obsta chamar Pomponio Mela o Hercules de Cá- dis Hercules E^ypcio. Forque desta difficuldadc se expedem facilmente, os que seguem que o Hercules Tyrio fora Ca- dmo, do qual escreve Diodoro de Sicilia no livro I, cap. 3^. pag. 27 , e com elle Eusébio na sua chronica , que do Egypto viera d Grécia. Mas eu , que por huma parte tenho por certo, que Cadmo não do Egypto, mas da Fc- nicia trouxera o uso das letras á Grécia ; e pela outra não considero interesse, em que Cadmo fosse o Hercules Ty- rio; digo que para se verificar o titulo de Egypcio , que Pomponio Mela attribue ao Hercules de Cádis, basta re- flectir, que pela Relação de Procopio foi o Egypto o pri- meiro assento, a que se acolherão os sobreditos Fenicios , e que do Egypto vierão eiles ao estreito de Gibraltar , donde suppomos que passarão a Cádis. Nem he novo que hum mesmo Hercules tivesse dous sobrenomes. Porque do mesmo Hercules Tyrio consta por Heródoto , que outrosi se chamnva Thasio , por ter outro templo em Thaso , fundado também pelos Fenicios. He- ródoto livro 11, cap. 45-. pag. 125- da edição de Wesse- ling. Contra esta nossa hypothese , de ter sido o Hercules Tyrio o conductor dos Fenicios fugitivos de Josué, se po- dem fazer dous argumentos , hum tirado d' Heródoto , ou- tro d'Arriano , que Bochart não prévio, nem previnio ; e que á primeira vista parecem arruinar pelos alicerces tudo o que acabamos de dizer nesta matéria. Heródoto no mesmo lugar ha pouco citado do livro II, cap. 45". pag. uj attesta , que visitando elle o tem- plo d' Hercules em Tyro , e perguntando aos seus sacer- dotes, que antiguidade tinha aquelle templo; os sacer- dotes lhe responderão , que o templo tinha sido fundado juntamente com a cidade, e havia dous mil e trezentos T.IX.F.L K an- 74 Memorias da Academia Real annos. Arriano no livro II , pag. 88 affiinia, que Hercu- les Tyiio era muitos séculos mais antigo , do que Cadmo. Destes dous testemunhos se segue , que Hercules Tyiio precedeo em tempo muitos séculos ao hcroc, que nós sup- pomos íòra o conductor dos Fenícios em tempo de Josué. Porque começando pelo testemunho d' Heródoto , es- te escrevia a sua historia pouco mais de quatrocentos an- nos antes da era de Chrisío : pois que tendo a guerra do Peloponneso começado no anno 431 antes da dita era , Heródoto na sua historia faz mençíío d'alguns successos desta guerra já adiantada. Ajuntemos pois estes quatrocen- tos annos , que Heródoto antecede á era de Christo , aos dous mil e trezentos annos, que então diziSo os sacerdo- tes d' Hercules , que o templo de Tyro tinha d'antigui- dade ; resulta o anno 2700 antes da era de Christo. Lo-* go já no anno 2700 antes da era de Christo , tinha ha- vido Hercules Tyrio. Logo Hercules Tyrio nâo podia ser o conductor dos Fenícios fugitivos de Josué , o qual Jo- sué não entrou na terra de Canaan , a que pertencia a Fenícia, senão no anno i45'i antes da dita era. Passando ao testemunho d'ArrIano , o dizer elle , que o Hercules de Tyro precedera muitos séculos a Cadmo , prova que o Hercules de Tyro fora tambcm muitos sécu- los mais antigo do que Josué, cujos tempos crncordao to- dos os críticos depois d' Eusébio , q^ie coincidirão com os de Cadmo. (vijij.' "í .loh -i.-rjiifyfi Mas toda esta'máquina vem abaixo, logo' que se ad- verte, que a antiguidade que os sacerdotes de Tyro de- râo ao remplo d' Hercules em presença d' Hcodoto , he manifestamente falsa : e que Arriano no que escreveo do Her- cules de Tyro, seguio sem maisepçame a Heródoto. Não pode pois admittir-se a antiguidade , que ao templo de Tyro attribuírão os sacerdotes d'Herculcs fallando com He- ródoto : porque se _ o templp^ d' Hercules Tyrio existissç des do anno de 2703 antes. , da era de Christo, ser guia-se.;que .o..íal Xcraplo .ejwsti#_jíi mijito antes do dilu- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 75" vio de Noé , o qual todos os que seguem a chronolugia Hebraica , collocão no anno de 2348 antes da nossa era. Admittido porém , que muito antes do diluvio havia já em Tyro hum templo dedicado a Hercules, scguia-se , que muito antes do diluvio se tinha introduzido no mundo a idolatria. Nenhum homem porém versado na antiguidade , reconhece idolatria , senão depois de Nemrod , e depois da torre de Babel. Logo o dito daquelles sacerdotes foi hu- ma ignorância , ou huma impostura manifesta, Podese também discorrer, que no eirado texto d'He- rodoto andâo errados os números por culpa ou descuido dos primeiros copiadores , que cm lugar de mil e trinta , poserão dous mil e trezentos. O que para não parecer livre- mente dito, he de saber, que a cada passo estão emen- dando os criticos modernos os cálculos d' Heródoto , pelos acharem contrários ao que pelo testemunho d'outros escri- tores se dá por certo. Baste por exemplo outro celebre tex- to do livro II, cap. 146. pag. 174 onde Heródoto diz, que desde Baccho filho de Semeie , e neto de Cadmo , ate o tempo delle Heródoto , tinhao corrido mil e seiscentos an- nos. O que por se não poder ajustar á chronologia rece» bida , emenda Lydiat nas notas aos mármores d'Oxford , pag. II) mandando ler mil e sessenta y em lugar de mil t seiscentos, E no mesmo texto d' Heródoto , de que se ti- rou o argumento contra a nossa época d' Hercules Tyrio ; «m lugar das sinco idades ou gerações, que elle mette en- tre Cadmo e Hercules Thebano, quer Bouher que se leiâo oito , Berthel que se leiao dez. Alligada assim ao tempo de Josué, tanto a primeira vinda dos Fenícios a Espanha , como a época d' Hercules Tyrio seu conductor , he fácil reduzir a fundação do mes- mo Hercules a huma cidade da Betica , que Estrabão no Livro III, pag. 205^ chama Calpe, e que Gasaubon , e Bo- chart querem que se leia Cartea ^ hoje Gibraltar. No dito lugar pois escreve Estrabão por authoridade d' Eratosthe- ncs , que a quarenta estádios de distaacia do monte Cal- K ii pe, 76 Memorias da Academia Real pe, fundara Hercules huma íamosa cidade do mesmo no- me, que dtpoi.s se chamoa Heraclea , na torma que os des- cendentes d' Hercules vierão a ser chamados Herac /idas. Co- mo nenhum outro geógrafo íaz menção de cidade chama- da Calpe na Betica ; e todos os mais, a snbcr, Mela, Plí- nio, e 1'tolcmco , pocm junto do monte Calpe a Cartea : cor ecturou agudamente Casaubon , que no texto d' Es- trabão cm lugar de Calpe polis ^ se devia ler Cartea polis, E até pelo nome de Cartea mostra Bochart p^ig. 6i6, que cila se deve referir ao Hercules Tyrio , que na lingua dos Fenícios se chamava Melcarthus , que quer dizer , Rei da cidade, isto he, de Tyro. No Livro V, cap. 20. tom. I , pag. 34 nentissimo , tanto pela sua virtude , como pelo esplen- j» dor da sua geração : porque era descendente daquella fa- j> milia, de que sahírão os Africanos, e os Asiáticos, e >f os Hispálos : dos quaes o primeiro sujeitou a Africa, o >» segundo a Ásia, ô terceiro a Espanha. >> Aqui temos, que contra as regras da derivação, mas não sem exemplo, chama'rã() os Romanos Cornelio Hispdlo com a segunda lon- ga aquelle heroe , que por ter sujeitado a Espanha parece que SC devia appellidar antes Hispano. Mas neste caso for- ma- DAS SciENci AS DE Lisboa. 8i márao os Romanos àc Hispânia Hispà/o , da mesma scrte que de Messaita formarão o outro appcllido de Messala. Tudo advcrtio primeiro do que eu Henrique de Valois , na Nota ao referido lugar de Diodoro. Logo se contia as regras da ctymologia poderão os Romanos de Hispânia, formar Hi^pdlo ; porque não poderião ellcs de Hispdlo for- mar Hispânia ? Ainda assim Marcos Varrão citado por Plinio seguio outro rumo , quando escreveo que os Iberos Povos da Ásia , onde hoje chamão a Geórgia , forão es que derão a Espanha o nome de Ibéria: que Luso ouLysa companhei- ros de Bacco , forão os que derão o nome á Lusitânia : e que Pan, outro capitão que cá deixou Bacco, fora o que a toda a Região dera o nome de Pania , donde depois acrescentada huma letra se formou Spauia , e por ultimo junta huma syllaba com aspiração Hispânia. Pjinio Livro IH. cap. \. In universam Hispaniam M. Varro pervenisse Iberos , et Persas , et Phoevicas , Celtasque et Pcenos Irodit '. Lujum enim Liberi Patris , ac Lysam cum eo bacchantem , no- men dedisse Lusitânia , et Pana prafectum ejus iiniversa. Se estas etymologias fossem tão certas , pelos seus fundamentos , como ellas são bem recebidas entre os Escritores ; era fácil fixar a Época , em que a Espanha e Lusitânia obtiverão estes nomes, pelo tempo em que vi- verão os Heroes , que lhos derão. Porque Heródoto no Li- vro IL cap. 146. testifica, que Bacco floreceu antes delle mil e sccenta annos , que estes são os números , que por consenso de grandes Criticos se devem repor no Texto de Heródoto , em lugar dos mil e seis centos , que se lem nas suas Edições. Vejão-se as Notas , que aqui traz a Edição de Wesseling. Heródoto , como eu já demostrei na Dissertação so- bre a Época dos Fenicios em Espanha florecia pouco mais de quatrocentos annos antes da era de Christo. Ajuntcm- sc estes quatrocentos annos aos mil e secenta , que Heró- doto atte&ta que lhe precedera Bacco: temos o anno 1460 T. IX. P. L L an- Sx MemouiasdaAcademiaReal antes da dita era. Tantos ha logo , segundo o testemunho de Varrão , que a Espanha se chama assim de Pan capitão de Bacco, e a Lusitânia assim de Luso ou Lysa seu com- panheiro. Confirma-se esta Época de Bacco e seus companhei- ros , pelo que os M.irmores d'Oxford assignao a Gadmo avô de Bacco por sua filha Semeie. Porque segundo os di- tos Mármores, na Época VIL Cadmo veio á Grécia no anno iji? antes da era de Christo : que vem a ser 59 annos , antes do anno 1460 cm que por Heródoto vimos, que florccêra Bacco neto de Cadmo. Antes que deixemos de todo o referido Texto de Plí- nio Livro in. cap. I. deve-se advertir, que ainda que nel- le trazem todas as Edições Lustim ou Lysam copulativamen- tc, o sentido parece pedir, que se leia disjunctivamente Lustim aut Lysam , como já notou Resende ; porque fuljan- do-se de quem tomou a Lusitânia o nome , como Luso e Lysd são nomes diversos, não se podia dizer, que a Lu- sitânia o tomara de ambos, mas d'hum ou d'c)utro Também sobre o referido Texto de Heródoto he ne- cessário notar, que elle depois de fixar a Época de Bacco a mil e secenta annos antes do seu tempo, prosegue fixan- do também as Épocas d'Hercules filho d'Alcmena , e de Pan filho de Penélope. Mas este Pan he diverso. Diz que des- de Hercules filho d'Alcmena até o tempo delle Heródoto, tinhão decorrido novecentos annos : ( são mil e trezentos an- tes de Christo ) e que desde Pan filho de Penélope tinhão decorrido oitocentos : ( são mil e duzentos antes de Christo. ) Daqui se segue , que o Pan de que falia Varrão , he muito di- verso e muito mais antigo, do que o Pan de que falia Heródoto. Mas prescindindo das Épocas destes Heroes , Samuel Bochart versadissimo nas Linguas Orientaes , e em toda a Historia antiga ; dá por quiméricas todas estas etymologias de Varrão apontadas por Plínio ; e quer que em lugar dos Gregos, fossem os Fenícios os que denominarão a nossa Região , e. as suas Províncias. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 8^ O sentimento pois de Bochart he , que o nome d'/- beria vem do termo Fenicio Ebrin , ou Ibrin , que significa o fim , ou o que he ultimo : visto que dos Fenícios passou aos Gregos e aos Romanos o conceito , de que a Espa- nha era o fim do Mundo , como entre outros chamou Clau- diano : In extremos aciem mittebat Iberos. Que o nome A'' Hispânia vem do outro termo Sayhan , que em Lingua Fenicia quer dizer coelho : de sorte que á Espanha se desse este nome por cauza da grande co- pia de coelhos , que nella se produzem. O que alem de ser huma qualidade, que todos os antigos Historiadores attribuem a Espanha, e ás Ilhas Baleares suas adjacentes j deo também motivo ao Poeta Catullo , para que no Epi- grama a seus companheiros desse á Espanha como por an- tonomásia , o cpitheto de cunicutosa , isso he , de creadora de coelhos. Tu pr£ter omnes une de capillatis Cuniculosa Celtiberite filits. Confirma Bochart esta etymologia , observando que a orthografia primitiva deste nome he Spania por SP, e três syllabas , como trazem o Grego de S.Paulo Rom. XV. 24, 38, o de Eusébio, o de S. Epifânio: e como o trazem €m Latim as Subscripções do primeiro Concilio de Cons- tantinopla , e muitos Manuscritos de Curcio , de Justino, de S. Isidoro de Sevilha , e de S. Eulogio de Córdova. Com o que pode muito bem estar , e com effeito está ^ que a outra orthografia de Hispânia por H. e quatro sylla- bas , se não deve ter por barbara , ou errada : pois que el- Ja se acha frequentemente nas Pedras e medalhas do tem- po dos Romanos. Qjc Lusitânia vem de outro termo Z,az, que entre os Fcnicios queria dizer amendoeira. Porque sendo costume L ii dos 84 Memorias pa Academia Real dos Fenícios dar ás suas Povoações o nome dos fructos , porque ellas se distinguião humas das outras ; como quan» do chamarão a Jerko cidade das palmeiras , a Tapphua ci- dade das m.içaas , a Rimirwn cidade das romaas , a Bathna. cidade das nozes : dá Bochart por mais do que provável , que da mesma sorte chamarão os P^cnicios Lnsitauia este nosso paiz , por cauza das muitas amendoeiras que nclle acharão, e que na mesma Lusitânia ainda hoje dáo o no- me ás villas da Amêndoa , . Òl Almendra , e de Castelmendo : do mesmo modo que os mesmos Fenícios até por confis- são de S. Jerónimo , chamarão Litza a cidade de Bethcl , querendo dizer cid?.de das amendoeiras. Comprobatnr Bethel Luzam id est amigdalum , ante vocitatam ; diz o Doutor Má- ximo no Livro das questões Hebraicas. Assim Bochart no Livro De Coloniis Phieniaim, cap. ^^. Lsto he pelo que toca ás origens destes três nomes Ibéria , Hispânia , e Lusitânia , as quaes eu náo faço mais do que referir, deixando ao juizo de meus ouvintes ou lei- tores , escolher a que lhes pareça mais vcrosimel. Qiianto ao nome de Celtiheria , os antigos ora o con- trahião a huma parte da Espanha , ora o applicavão a toda ella. No primeiro sentido se chamavão propriamente Celti- beros aquelles Povos d'Espanha , que habitavão d'huma e ou- tra banda do Ebro : os quaes Estrabão no Livro III a ca- da passo está contradistinguindo dos Turdetanos , dos Lu- sitanos, e dos Gallcgds. No segundo escreve Floro Livro II. cap. 17. 7 Ota certaminum moles cum Lusitanis et Ntimati- tinis ftiit. , . . Fuisset et cum omnibus Celtiberis , nisi , &c. E no mesmo sentido ouvimos já dizer a CatuUo no Epigra- ma XXXVIII. Cuniculosie Celtiberis filiis, He porém cons- tante entre antigos e modernos , que o nome de Celtibe- ria se formou do concurso das duas Nações , Céltica e Ibé- rica , do modo que refere Diodoro de Sicilia no Livro V. c.ip. 3^. por estas palavras: Depois determos assas fallado dos Celtas , passemos a tratar dos Celtiberos seus commar- cãos. Porque estes dois Povos, os Iberos e os Celtas, co- mo DAsSciENciAs DE Lisboa. 85^ mo antes tivessem tido guerras sobre os limites de seus campos, por ultimo feita paz habitarão pormiscuamente hii- ma mesma Região: e misturados huns com outros pelos cazamciitos , tomarão ambos hum mesmo nome , que de- notasse essa mesma mistura. Atòqui Diodoro. Chamárão-sc pois Celtiberos os habitantes sobre o Ebro , depois que com elles se vierão misturar os Celtas Povos da Gallia , que se scguião immediatamente aos Pyrincos. E chamou-se Celtiberia aquella Região , em que vivião huns e outros Povos já misturados n'hum. Mas não cuide alguém, que os Celtas pararão de to- do nas ribeiras do Ebro. Porque dos antigos Geógrafos consta , que elles também se propagaVão pela Lusitânia , e pela Betica , e que da Betica passarão á Galliza : o que tudo mostra Resende pelos testemunhos d'Estrabâo e Plinio. Não ha cousa mais decantada entre os antigos Poetas Espanhoes , do que ter provindo o nome de Celtiberia des- ta mistura e ajuntamento dos deus Povos confinantes. Lu- cano Livro IV. verso 9. Proftigique d gente vetusta Gallorum , Celta miscentes numen Iberis. Silio , Livro in. verso 340. Venere et Celta sociatum nomen Iberis. DIS- t6 Memorias da Academia Reau DISSERTAÇÃO III. Os Gregos em Espanha , jd des dos Tempos Heróicos , isto he , antes da guerra de Troya , e immediatamente depois delia. D. EPOis dos Fenícios , a Nação mais amiga de que eu tenho noticia que viesse a Espanha, são os Gregos, e isto já des dos Tempos Heróicos. Por Tempos Heróicos da Grécia entendo eu aquelles, em que florecêrão os seus Deoses e Semideoses; os qujcs tendo sido na realidade huns puros homens , (ainda que alguns delles ao mesmo tempo bem impuros ) a grandeza de suas acções , e aventuras os elevou a huma classe infi- nitamente superior á de todos os outros , segundo a gen- tilidade era propensa e fácil em dar honras divinas aos seus heróes. § I. Dentro de que espaço de tempo se comprehendem os Tempos Heróicos da Grécia segundo Farrao. Censorino no seu curiosíssimo e elegantíssimo Trata- do De Die Natali ^ cap. ii diz que Varrão dividia todos os tempos em três classes. A primeira des da creação do mundo até o diluvio d'Ogyges, A segunda , des do dilu- vio d'Ogyges até o principio das Olympiadas. A terceira des do principio das Olympiadas até o tempo, em que elle Varrão escrevia. O primeiro intervallo dava Varrão por adelon , isto he , por absolutamente incógnito aos homens : o segundo por mythicon , isto he, por fabuloso: o terceiro por histo- ricotij isto he, por verdadeiro. Em I DAS SciENciAS DE Lisboa. 87 Em dar o primeiro intcrvallo por absolutamente in- cógnito, queria dizer Varrao , que do que dentro dcllc ti- nha succcdido no mundo , não se sabia nada. Em dar o segundo intcrvallo por fabuloso , queria dizer , que nelle andava a verdade misturada com a ficção. Em dar o ter» ceiro intervallo por histórico, queria dizer, que nelle ap- parecia a verdade clara. Resultados deste Principio Chronologico de Fmrão. Primeiro Resultado. Que a única cousa , que Gregos e Romanos sabiâo do primeiro intervallo do mundo , era que tinha havido na Attica hum diluvio , reinando nella Ogyges. Segundo Resultado. Deste diluvio d'Ogyges até o tempo em que Varrão escrevia , diz elle no Pxoemio do Livro Terceiro De Re Rústica , que erão passados quasi dous mil e cem annos. Thcba , qua ante cataclysnium Ogy- gís condita dicuntur , ea tamen circiler duo millia aunorum et centtim sunt. Varrão escrevia no anno setecentos da funda- ção de Roma , sincoenta antes do nascimento de Christo : porque no mesmo Proemio nota elle , que então he que se podia dizer com verdade , o que cento e tantos annos ' antes tinha escrito menos exactamente o Poeta Ennio : Septingenti sunt paullo plus atit minus anni, augusto augúrio postquam ínclita condita Roma est. Logo todos os conhecimentos históricos de Gregos e Romanos , segundo o testemunho do mais douto d'entrel- Ics , não remontavão acima do nascimento de Christo , mais do que a dous mil cento e sincoenta annos. Donde se mostra bem , quanto a Historia dos Hebreos excede em antiguidade de factos , tudo quanto refere a Historia Pro- fina. Porque collijindo-se pela Historia do Testamento ve- lho quatro mil anaoç des da creação dp mundo até Chris- to j 88 MemoriasdaAcademiaReal to ; Varrão nos assegura , que a Historia Profana apenas passava de dous mil. Terceiro Resultado. Daquelles dous mil e cem annos, que Varriío affirmu terem passado dcs do diluvio d'Ogyges até o seu tempo, tirem-se os setecentos, que hião dcs do tempo de Varrão até a fundação de Roma: ficao mil e qua- trocentos annos. Logo este era com pouca differcnça o es- paço , que Varrão chamava mythkon , ou fabuloso. Porque segundo o systcma de Varrão, do principio das Olympia- das até a fundação de Roma , não decorrerão senão vinte e dous annos. E como o intcrvallo dos tempos fabulo- sos, todos convém que he o mesmo, que o dos tempos heróicos; temos que segundo Varrão , por tempos herói- cos se devem reputar todos os mil e quatrocentos an- nos, que decorrerão des do diluvio d'Ogyges até a época das Olympiadas , que -todos põem no anno setecentos e se- tenta e seis antes da era de Christo , e segundo o sy^tema de Varrão , vinte e dous annos antes da fundação de Roma. § II. Qtiando começão os Tempos Heróicos da Grécia segundo os Mármores d'' Oxford , e segundo Eusébio. Os Mármores d'Oxford , que como eu já disse noutra Dissertação, forão escritos duzentos e secenta e quatro an- nos antes da era de Christo ; dão principio aos tempos heróicos da Grécia em Cecrópe primeiro Rei d'Athenas , mil e quinhentos e oitenta e dous annos antes da nossa era. Com elles concorda admiravelmente o Principe da chronologia antiga , Eusébio de Cesárea. Porque no Livro IX da sua grande obra Da Preparação Evangélica , cap. 3 : segundo a antiga edição Veneziana de que uso de is'^9 y ou cap. 9. segundo a de que usavão Usser c Musansi : depois de notar, que Cecrópe e Moysés forão contempo* ra- dasScienciasdeLisboa. 8^ ranços, prosegue Eusébio dizendo, que d'então por dir.nte he que acontecerão todas aqucUas maravilhas, que a my- thologia Grega nos conta : a saber , o diluvio de Deuca- liáo , o incêndio de Faetonte , a vinda de Cadmo a The- bas , os dous raptos de Prosérpina e Europa , os nasci- mentos d'Apollo e Errcthonio, a agricultura de Triptole- mo , os mysterios Eleusinos de Ceres ; e depois destes as aventuras de Minos , Preseo , Theseo , Bacco , Hercules. Numa só cousa discrepa Eusébio dos Mármores d'Ox- ford , como notou Selden : e he que os cálculos d' Eusé- bio ordinariamente vão atrazados aos dos Mármores d'Ox- ford vinte e seis annos. Mas em succcssos , que a nosso respeito são passados ha mais de três mil annos; ninguém deixará de conceder , que a dilFerença de vinte e seis an- nos não he diíFerença , de que se faça caso , quando se trata de fixar esta ou aquclla época. Diodoro de Sicilia, que florcceo em tempo d'Augusto Ccsar , promettendo no Proemio do Livro IV da sua Bi- bliothcca , tratar dos semideoses e heroes da Grécia, co- meça por Bacco, filho de Semeies, e neto de Cadmo: de- pois passa a Hercules , filho d'Alcmena : depois a Jason , capitão dos Argonautas: depois a Dardano e Priamo: de- pois a Minos e Dédalo. E isto he desumir também Dio- doro os tempos heróicos da Grécia, dos que se seguirão ao reinado de Cecrópe, como com os Mármores d'Oxford fez Eusébio. Porque Cadmo concorreo com Amfyctião ter- ceiro Rei d'Athenas depois de Cecrópe. Quanto ao termo dos tempos heróicos , seguio Eusé- bio o systcma de Varrao. Porque chegando na sua Chro- nica ao principio das Olympiadas, diz assim Eusébio: jíqui acabão os tempos fabulosos , e começao os históricos. Resultados desta combinação da Chronologia ^Eusébio com os Mármores d'Oxford. Primeiro Resultado. Tendo Cecrópe concorrido em T. IX. P. h M tem- ^ Memorias DA Academia Real tempo com Moysés , fica evidente, que os tempos herói- cos da Grécia correspondem áquelles dos Hcbreos , que se seguirão depois de Moysés. Segundo Resultado. Qiie os tempos heróicos da Gré- cia des de Cecrópe até a ruína de Troya , coincidem com os tempos dos Juizes do Povo Hebrco des de Josué até Jephte. Terceiro Resultado. Que os tempos heróicos da Gré- cia des da ruina de Troya até o principio das Olympia- das coincidem com os tempos de Jcpte , Sansão , Heli , Samuel , e com os dos Reis de Judá desde Saul até Ozias. §. III. ^ue Gregos vierão a Espanha nos Tempos Heróicos , antes da destruição de Troya. Os Zacynthios f ou naturaes da Ilha Zante. Duzentos annos antes da destruição de Troya, huma armada de Gregos vindos da ilha de Zacyntho no mar lo- nio , desembarcarão em Espanha onde hoje he a cidade de Valença , e fundarão a três milhas delia a cidade de Sa- gunto , que agora se chama Monviedro ; e pouco depois a setecentos estádios de Carthagena , edificarão hum tem- plo á dcosa Diana , e coUocárão nelle hum simulacro da mesma deosa , que tinhão trazido de Zacyntho. Do qual templo de Diana se chamou depois Dianio o Promontório c villa, onde elle estava, que era onde hoje vemos a villa de Denia. Qlic Sagunto fosse fundação dos Zacynthios, temo-lq expresso em Estrabão Livro III, pag. 239'. e em Tito Li- vio Livro XXI , cap. 7. C^ie fosse fundada duzentos annos antes da destruição de Troya , colhe-se da igual antiguidade , que Plinio dl ao templo de Diana , quando no Livro XVI , cap. 40 al- ie- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. gi legando com Bocco escreve assim : Et iti Hispânia Sagr.nti aiunt Templtim Diana a Zazyntho advecta cum coriditortbus , anuis diicentis ante exciclium Tróia , ut auctor est Boccbus j /»- fraque oppidutn ipsum id baberi. Do mesmo templo de Diana faz menção Estrabão no lugar acima indicado , como também do promontório e po- voação , que dcllc tomarão o nome de Dianio : mas ad- verte, que a povoação era obra muito mais moderna, pois tinha por authores os de Marselha , colónia dos Focenscs. Accrescenta , que em Dianio havia huma atalaya perpetua; e que em tempo dos Romanos tivera Sertório aqui a sua praça d'armas : o que também se colhe de Cicero no LiW: vro V contra Verres, cap. 56. j Sabemos também pelo mesmo Estrabão , que o tem-; pio de Diana estava entre o rio Sucro, e a cidade que de» pois se chamou Carthagena. Para fixarmos pela antiguidade do templo a época des-^ ta vinda dos Zacynthios a Espanha , e da fundação de Sa- gunto por elles ; basta saber pela referida informação de Plinio, que ao tempo da ruina de Troya , contava já d templo duzentos annos. Troya porém , segundo os mármo- res d'Oxford na época XXV foi tomada no apno mil e duzentos e nove antes da era de Christo. Accrescentemos a esta conta os duzentos annos , que o templo já tinha , quando foi tomada Troya : acharemos que cidade e tem- plo forão fundados mil e quatrocentos e nove annos antes da mesma era. S IV. Que Gregos vier Ho d Espanha nos Tempos Heróicos ^ depois da destruição de Troya. No paragrafo antecedente de propósito omitti tratar de Bacco e de Hercules , que todos os nossos antiquários suppóem vindos a Espanha muito antes da guerra de Troya. M ii E 91 MeMOUIAS DA ACADEM IA ReaU E a razão que tive para este silencio foi : porque sendo muitos os Bjccos , e muitos os Hercules que a antiguidade celebrou ; e achando-se as aventuras d' hum e outro mistu- radas de muitas fabulas, sem que pelos testemunhos dos authores Gregos seja fácil deslindar u verdade dos succes- sos e dos tempos; não pareceo justo, que onde só se tra- tava de descobrir o certa e averiguado , gastasse eu o tem- po era expor c estofar especiosas mentiras , quaes siío vá- rios contos ide que andâo cheias as Historias de Mariana ç de Brito. , ,...i; . A guerra de Troya, e a subsequente destruição desta famosa capital da Frygia depois de dez annos, he a épo- ca , que nos escritos do gravissimo e exactíssimo Historia- dor Est rabão , nos offerece mais certos documentos, por donde melhor possamos conhecer , quaes forao os heróes , que depois daquelle successo o mais memorável da Histo- ria'Grega , ;vierâo por força da adversidade illustrar com as-^iuas íurjdaçâes esta nossa Península. ab i Observa país Estrabâo mais d'lwma vez, a saber no Livro 'I,;pag. ^3 , e no Livro III, pag. 123 , que na tor- nada para as suas terras , depois de destruída Troya , achá- íãò os capitães Gregos tão contrários os fados , que em breve tempo sè virão oá vencedores igualados nas desgra- ças cont ; os Vencidos : e que assim desapossados dos seus Estadas , e pobres de bens , sei virão huns e outros cons- trangidos a buscar por meio de longas peregrinações em paizcs estranhos melhor fortuna. Logo bem como Enéas, e Antenor víerão a Itália ; assim também Menestheo , Mene- la'o , Ulysses , Teucro , e Diontedes passarão a Espanha , e no extremo delia deixarão illustre memoria de si em va- rias fuuJaçõcs, que o mesmo Estrabâo aponta em diversos lugares do Livro III, pag. 206, e 223, e 236. Menestheo. Menestheo tinha esbulhado da posse do Reino d'Athe- I nas DAS SciENciAS DE Lisboa. 95 nas a Theseo , ajudado para isso dos filhos de Tyndaro. Ao voltar da guerra de Troya , achou o Reino occupado por Demofonte, filho de Theseo, a quem clle pertencia pelo direito da succcssâo. Vendo-se assim despojado de seus Estados , veio a Cadiz , e defronte desta ilha , na foz do rio Belon , que hoje se chama Guadalethe , edificou huma cidade , que do nome do fundador se chamou Porto de Me- nestheo , que se julga ser ao presente o Porto de Santa Maria. E entre os dous braços, que então fazia o Guadal- quivir, levantou hum templo, que também de seu nome se chamou Oráculo de Menesthco. Meneldo. Meneláo ao tempo da guerra de Troya era Rei de Mcsscnia no Peloponeso. Em vingança e despique da af- frofita , que Paris, filho de Priamo tinha feito a Aleneláo, vindo-lhe roubar a casa çua própria mulher, a fermosa He- lena ; he que toda a Grécia se conjurou contra Troya , pa- ra cuja destruição veio huma armada de mil e duzentas na'os. A vinda de Meneláo a Espanha , depois da ruina de Troya , prova-a Estrabão daquella passagem da Odyssea de Homero , onde este Poeta introduz a Protheo fallando as-; sim com Meneláo : Sed te , qtia terra postremus terminas extat , Elysium in campum calestia numina ducent : Qtiem Rhadanianthus habet ; qua vita facillima multo Ducitiir : baitd operit campos vive Júpiter istos : Hyheruo tempus neque viultum prorogat anuo. Ntilli imbres : spirat semper grata aura favoni , Missaque ab Oceano nimios deniitigat astus. Nos quaes versos querendo Protheo significar a Meneláo , que viria a Espanha, diz-lhe que viria ao ultimo extremo lio mundo , onde estavão os campos Elysios. Tão antiga cia 94 MemoriasdaAcademiaRkal era entre os Gregos a fama da amenidade e riqueza do nosso terreno , que nelle punhão o Paraiso , onde eterna- mente hião morar as almas bemaventuradas dos seus he- roes. E ainda que alguns authorcs portuguezes querem , que os campos Elysios dos antigos fossem na província d'entre Douro e Minho ; os que d'cntre os estrangeiros são mais versados na historia e mythologia grega , põem aquelles campos na provinda da Betica, onde era Tartcs- so , e onde hoje está Cádis. E este he o sentir d' Estra- bão , que a isto diz que alludiao as duas fabulosas expe- dições dos herócs gregos , huma dirigida a furtar as boia- das de Geryáo , que pastavão na ilha Erythia entre Cádis e a terra firme d' Espanha ; outra a colher os pomos de ouro do jardim das Hesperidas , que era da outra banda da Mauritânia , c fronteira de Cádis. Accrescenta Estrabão, que donde Homero, e Hesio- do , e os outros poetas gregos souberão da amenidade , fer- tilidade , e opulência d' Espanha , fora dos Fenícios , que muito antes tinhão vindo a ella. Vlysseí» Damião de Góes numa descripção que fez de Lisboa em muito bom latim , affirma que o fundamento que os nossos tirão do nome Ulyssipo para fazerem Lisboa funda- ção d'Ulysses, he hum fundamento ruinoso. Porque a ver- dadeira orthografia deste nome nos antigos monumentos Romanos , não he Ulyssypo , por U e Y , com dous SS , e PP: mas sim Olisipo j por O e I latino, sem nenhuma le- tra dobrada. Samuel Bochart no Livro I De Coloniis PhanicwUj cap. 3f quer que Olissypo venha dos dous vocábulos Fenícios ^lis Ubbo y que significão enseada amena. Porque no livro III, cap. I colloca Pomponio Mella Lisboa numa enseada do Tejo. E a amenidade desta enseada nós a vemos e go- samos. . • D. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 9f D. Fr. Amador Arrais no dialogo IV, cap. 7 seguin- do que a verdadeira orthografia he Olisipo, insiste todavia em que Lisboa fora funda'da por Uiysses. E cita por esra opinião a Solino , c a Estrabao. Com effeito Solino as5Ím o di7. no cap. 36 do seu Polyhistor : Ibi oppidnm Ulissippo ah Ulysse condltuvt. Estrabao no livro 111, pag. 223 c 236 citando a Possidonio, e a Artemidoro , menciona cm Espa- nha hiima cidade fundada por Uiysses , onde havia hum templo de Alinerva : mas não a chama Vlyssibpo , nem Olys~ sippo, como todos os outros gregos, e latinos, senão UUys~ sea. E Casaubon diz que não sabe se esta será Lisboa. Eu comtudo , prescindindo por hora da questão ortho- grafica ; tenho por sem duvida , que a Ulyssea d' Estrabao lie Lisboa. E o meu fundamento he , que se Estrabao não entendeo Lisboa debaixo do nome d'Ulyssea, seguir-se-hia o grande inconveniente de confessarmos, que Estrabao não tivera noticia d'huma cidade, de que todos os outros se lembrarão , e que pela sua celebridade merecia não esque- cer a nenhum , e muito menos a'quelle , que passa por principe de todos. Nem o achar-se o dito nome escrito por O e I latino , prova que a Lisboa não foi fundada por Uiysses : pois que todos sabem as grandes alterações , que o tempo faz nos vocábulos, e principalmente nos pró- prios. Teticro. No livro III, pag. 236 nos dá Estrabao noticia de hum Asclepiades Myrliano , de quem diz que ensinara gram- matica grega na Tudertania , isto he , naquclla parte d'Es- panha , que hoje chamamos Andaluzia e Algarve ; e que composera huma descripção dos diversos povos , que a ha- bitavão. Na fé deste Asclepiades conta Estrabao , que vários gregos que tinhão acompanhado a Teucro na guerra de Troya , vierão com elle fazer assento em Galliza , e alli fundarão duas cidades, huma chamada Hellenes, outra Am- fi- 9^ MEMOniASDAAcADEMIAREAL filoquia; a primeira das quaes julga Marianna que he Pon- tcvedra , a segunda Orcnse. O mesmo nome d' Hellenes' está mostrando a origem grega desta cidade. Porque segundo os mármores d'Oxford nos informão na época VI de Hellen , filho de Deucaliao, que reinou na Fitiotida . começarão a chamar se Hellenes, os que antes se diziao Grecos , ou Gregos, nome que lhes tinha dado Greco, filho de Théssalo : o que também consta de Plinio no livro IV, cap. 7. Onde he muito para se advertir, que assim como de Hellen, filho de Deucalião se denominou o Hellenismo, que era o dialecto Attico c commum a todos os Gregos; assim de Doro e Eolo , filhos de Hellen, c de lon seu neto, vierao depois a denomi- nar-se os outros três dialectos particulares , Dórico , Eóli- co , e lonio. A causa da outra cidade de Galliza se chamar Am- filoquia , nota o mesmo Estrabao , que fôra porque nella morrera Amfiloco, que devia ser algum dos capitães, que tinha acompanhado a Teucro nesta denota. Com o testemunho d'Estrabão sobre a vinda de Teu- cro a Galliza, concorda o de Justino, compilador da his- toria de Trjgo Pompeo , o qual no livro XLIV, cap. 3 diz assim : Os Gallegos referem a sua origem aos Gregos. Porque dizem , que Teucro acabada a guerra de Troya , vendo que seu pai Telamon o não queria admittir no Rei- no , por causa da morte de seu irmão Aiax , que elle Teu- cro não soubera vingar ; fôra para Chipre , e lá fundara huma cidade do nome de sua pátria , que era Salamina. Que passados tempos , ouvindo que seu pai era falecido , tjrnára para a pátria : mas que sendo delia repellido por Euryfaccs , filho de Aiax , se embarcara via d' Espanha ; e tendo abicado ás suas praias , se apoderara primeiramente daquelle districto , onde agora está Carthagena ; depois passara a Galliza , e nella dera nome a varias cidades , que fundara. Gallaci autem Gracam sibi originem adsertmt. Siquidem post finem Troiani helli , Teucrum morte Jiacis fra- tris DAS SciENCiAS DE Lisboa. 97 tris invisum patri Telamoni , quum non reciperetur in regtmm , Cyprum concessisse , atque ihi urbem tionitiem aniiqua putriíS Salamina condidisse. Lide accepta opiniotie paterna mor tis , pa- triam repetitse, Sed quum ab Euryface Âiacis filto accessu pro- biberetttr , Hispânia littoribtii appuhttm , loca ubi nuuc est Car- tbago nova , occttpasse : mde Gallaciam transisse , positisque se- díbus getiti nomen dedisse. Atéqui Justino. De cuja relação se conhece, que este Teucro que veio a Galliza, não he aquellc , que de Creta veio para a Frygia , e de quem os Troyanos se denominarão Teucros : mas outro algum tJnto mais moderno , filho de Telamon Rei de Salamina , ilha situada entre o Peloponeso e a Attica , que se achou na guerra de Troya com seu irmão Aiax , e que depois vin- do a Chipre fundou nella huma Cidade do mesmo nome da sua pátria, isto he, a Cidade de Salamina, que hoje se diz Famagusta. Como a Salamina da Grécia pelo decurso dos tempos veio a pertencer aos Athenienses , e a Salamina de Chi- pre era C^olonia sua ; faz o Chronista de Paror expressa memoria desta fundação de Teucro, dizendo assim na Épo- ca XXVII. dos Mármores d'Oxford , segundo a reducção dos annos que costumamos fazer , por ordem ao tempo an- terior ao nascimento de Christo :— Desde que Teucro fun- dou Salamina em Chipre , são passados mil e duzentos e dous annos , reinando em Athenas Demofonte. = Foi logo fundada Salamina por Teucro ,, sete annos depois da ruina de Troya: pois que esta como já vimos, os mesmos Már- mores na Época XXV. a põem succedia no anno mil e du- zentos e nove antes da nossa era. Silio Itálico no Livro III, verso 378. faz a Cartha- gcna fundaçãa de Teucro. Dat Cartbago viros , Teucn ftmdata vetusto. O que deo muito que fazer ao nosso Resende. Por- que por huma parte Polybio , Estrabão , Pomponio Mela , T. IX, P.I. N e 9? Memorias DA Academia Real e outros, aíEimao que Carthagcna fora obra d'Hasclrubal. Vor outra parte, Carthagcna foi chamada Carthago Nova por comparação e respeito da Carthago Afiicana , que na opinião geralmente recebida contra a hypothese de Virgi- lio , toi iundada algumas centenas d'annos depois da des- truição de Troya. Como podia logo Teucro dar a Cartha- gcna o nome de Carthago Nova , se ainda não existia a primeira Carthago. Mas para conciliar a Silio com os ditos Geógrafos e Historiadores , pode-sc responder : Que Teucro no lugar' em que hoje está Carthagcna , fundara huma Cidade , e lhe poséra hum nome , que hoje se ignora : c que dahi a mu tos séculos, vindo Hasdrubal a Espanha, reedificara essa Cidade fundada por Teucro, ou a augmentára tanto d'edificios , que parecia huma nova Cidade , e por compa- ração á Carthago Africana sua pátria a chamara Carthago Nova. Justino no lugar que ha pouco ouvimos, suggere es- ta mesma solução ; em quanto diz , que Teucro occupára aquelle Território d'Espanha , onde agora está Carthage- na. Loca ubi nnnc est Carthago nova occupasse. E he claro , que Teucro não havia d'occupar aquelle Território , sem estabelecer nelle alguma Povoação. Esta Povoação podia es- tar arruinada em tempo d'Hasdrubal , e este convidado da aptidão do porto restaurai-la , pondo-lhe o nome da sua pátria. Não ha cousa mais frequente nas Historias , do que mudarem as Cidades os nomes , a arbítrio daquelles , que ou as reedificarão , ou as engrandecerão. Assim reedificada Je- rusalém , Adriano a appellidou Elia : restaurada Bizâncio , Constantino a appellidou Constantinopla. Diomédes. A respeito d'Espanha , não individua Estrabâo nada deste Heroc , contentando-se somente de o metter na clas- se dos outros Capitães Gregos, que cá vierão. Porem Silio 1' dasScienciasdeLisboaí 99 Itálico, quando no Livro III. verso 380. deo a Tiiy oepi- theto de Etòla , dizendo : Et qtios nmc Gravios violato twmitie Grniúm Oenca misére domus , JEtolaqtie Tide : claramente quiz significar , que Tuy era fundação de Dio- médes , e que este lhe poscra o nome de Tyde , em me- moria do seu pay Tydeo Rei da Etolia , e neto d'Eneo. Onde he também de notar , que aos Gallegos se dava o nome de Gravios , que Silio adverte era corrompido de Gratos , que quer dizer Gregos ; como se com este appelli* do quizessem os antigos dar a conhecer os Gallegos por originários da Grécia. Mas desta origem Grega dos nossos maiores , erão em Espanha bons indicies não só o nome de Graios , que se dava aos habitantes do Minho , mas também os costu- mes que Estrabão geralmente attribue aos Lusitanos, que vivião junto ao Douro , e ao Tejo. Porque no Livro III. pag. 132. affirma , que ao modo dos Laconios se ungião duas vezes no dia ; que se aquentavão ao lume feito de pe- dras em braza ; e que uzavão com muita frugalidade d'hum mesmo alimento: Que erão grandes sacrificadores, e mui dados a augurar dos futuros pelo exame das entranhas das rezes , e pela pulsação das artérias. Que com rito Grego costumavão todos os annos fazer aos Deoses o sacrifício de cem victimas, que naquella Lingua se chama Hecatom- ba. Que á maneira dos Gregos se exercitavão em vários jo- gos de força , carreira , e destreza. Finalmente que cele- bravão os seus matrimónios segundo o ceremonial Grego. Estas são , Senhores , as memorias que por hora pude descobrir da mais remota antiguidade da Grécia , respecti- vas á nossa Espanha : pelas quaes fica manifesto , que mui-' to antes da guerra de Troya , fundarão os Zacynthios na Espanha Tarraconense a cidade de Sagunto e o Templo de Denia consagrado a Diana ; que pouco depois da mes- N ii ma 100 Memorias da Academia Real ma guerra vierão a Espanha Mencsthco , Mcncláo , Ulfs- ses , Teucro , c Diomédcs ; dos quaes huns fundarão na Bc- tica o Porto de Santa Maria; outros na Lusitânia Lisboa j outros cm Galliza Ponte Vedra , e Orense. DISSERTAÇÃO IV. Das Egoas da Luaitania , de que se creo que concehiao do Ze- fyro , e onde era nos Campos de Lisboa , que ellas pastavao. hjs /STE espece he trevial entre os nossos antiquários. Eu não Farei mais , do que dar-lhe alguma novidade , pelo mo- do de a tratar. E ninguém espere de mim alguma Disser- tação fysica , sobre a possibilidade ou impossibilidade do facto. Isso pertenceria a outra classe mais alta , a que eu não sou aggregado. E assim cingir-me-hei precizamente a expor, o que nesta matéria noa transmittio a crença dos antigos Romanos ; o que por este meu Papel se verá , que foi muito mais, do que, o que nos descobrirão Resende, Brito , e Arraiz. Não ha fabula mais authorizada , nem mais acredita- da , do que a de conceberem e parirem algumas vezes do vento as egoas da Lusitânia nos campos de Lisboa. Varrão foi o primeiro entre os Romanos , que a pu- blicou e deo por certa , quando no Livro II. De Re Rús- tica , cap. 1. escreveo assim: Na matéria de fecundidade succede em Espanha huma cousa incrivel , mas que passa assim na realidade : e he que na Lusitânia junto ao Ocea- no , naquelle Território onde está Lisboa , no monte Ta- gro , concebem algumas egoas do vento em certa estação. Mas os potros que delias nascem , não vivem mais que três annos. = In fmtura res incredibilis est in Hispânia , sed est vera : quod in Lusitânia ad Oceanum in ea regicne , ubi est oppidum Olyssippo , mmte Tagro ^ quadam e vento certo tem- po- DAS SciEWCIAS DE Li S BOA. lOf pre cottcipiunt equa. Sed ex bis equis qui nati pitlJi , mniUis trieuuiunt vivunt. A VarrSo scguio se Columclla, que no Livro VI. tam- bém De Re Rtutica , cap. 27. escrevco deste modo : He huma cousa, que todos sabem, que em Espanha no mon- te sacro , que corre para o occidcnte junto ao Oceano , tem acontecido varias vezes , apparecerem as egoas prenhes , sem o cavallo as ter antes cuberto, e criarem o feto que parirão; o qual todavia he inútil, porque antes d'encorpar, morre aos três annos. Notissimum est in sacro monte Hispa- ni£ , qiii procurrit in occident^mjuxta oceamim , frequenter equas sitie coittt ventrem pertulisse , feettimqiie educasse ; qui tamcn inutilis est , quod triennio priusquam adolescat , morte absumi^ tur. A Columella seguio-se Plinio , que duas vezes tocou e asseverou esta maravilha. Huma no Livro IV. da Histo- ria Natural, cap. 12. onde chama a Lisboa cidade nobre, pelas egoas que nos seus campos concebem do vento fa- vonio. In Lusitânia Tagi ora , oppidum O/yssippo , equarum e favonio vento conceptu vobile. Outra no Livro VIII. cap. 42. onde diz que he huma cousa constante , que na Lu- sitânia em torno de Lisboa junto ao Tejo , voltadas pa- ra onde corre a viração do favonio , attrahem as egoas o espirito animal , e delle parem huns potros de summa li- geireza , mas que não vivem mais que trez annos. Constat in Lusitânia circa Olyssipoiiem et Tagum amnem , equas favo- nio flante obversas animalem concipere spiriíum , idque partum fieri , et gigni pernicissimum ita , ut triennitwt vit6 Mem ORr AS DA Academia Real do a hum douto Portuguez , que não nomeia , e que cu cui- do ser Damião de Góes, diz que o monte Tagro àc Var- rão , onde pascião as nossas egoas, he a Serra de Sintra, distante de Lisboa cmco ou seis legoas. Não me desagra- da esta opinião , visto que dos campos de Sintra se podem verificar ainda melhor do que dos de Monte Junto , as circunstancias do sitio, em que todos os Antigos põem es- tas egoas. Mas então inclino-me , a que em Varrão em lu- gar de monte Tagro se deve ler tnoHte Artabro , como com elFcito emendou Salmasio. Movo-me , porque no Livro IV. da sua Historia Natural, cap. 21. chama W\n\o promontó- rio Artabro , ao Cabo que junto a Lisboa lança huma gran- de ponta para o Oceano. Excurrit deinde in altum vasto cor- mi pronmitorlum , quod alii Artahrum appellavére , alii magnum , multi Olyssiponense ab oppido , terras , viária , ccelum distermi- naus. O que todos os nossos entendem da Serra de Sintra , chamada pelos navegantes o Cabo da Roca, Movo-me mais : porque Snlino no lugar acima citado , põe Lisboa nas vizi- nhanças do promontório Artabro ; e pÕe as egoas que con- çebiáo do vento , nas vizinhanças de Lisboa. In próximo olyssipnnis equdo dous os promontórios , Hercules os alarga- ra de modo com huns pegões de pedra que d'huma e ou- tra parte lhes ajuntou, que sendo atélli muito largo ornar que por entr'ellcs corria , agora ficava elle tão estreito , que não podião passar por elle as baleas. Mas a primeira for- ma de narração he a que eu acho authorizada por Mela, e por Plinio. Dos quaes o primeiro no Livro \. cap. 5". diz assim : Addh fama nominis fabulam. Herculem ipsum jimctos olim perpetuo jugo dirimisse colles , atqite ita exclustim antea mole montiiim oceanum , ad qute nttnc itmndat admissum. O se- gundo no Livro III. cap. i. diz assim : Qttam ob causam indigente columnas ejus Dei vocant , traduntque perfossas exclu- sa aiitea admississe marta , et rerum natura mutasse faciem. Supposta esta fabula do mgnte dividido por Hercules em dous , crerão e advertirão os Antigos , que as Colum- nas d'Hercules não erão outra cousa , senão os dous montes Calpe, e Abyla, que postos d'huma c outra parte do Estrei- to DAS SCISHCIV? Pfi lyíS^BP/. izj to dividem a Africa da Espanha. Mela no lugar citado : Deiíide est mcns praahits ei , quem cx adverso Fiisfania ajtol- lit , objcctus. Hiinc Ahyhm , Hhm Cfilpen xocani : Cohív.íias Herculis titriimque. Plinio também no lugar citado: Proxivni mitem fancibus titrinque impesiti montet ceercatit clujisira , Aby- Ja Jfrica , Europa Calpe , laborum Hercules meta. Oitam oh causam indigente Columnas ejus Dei vocant. Antes de Alela , e PJinio se tinha inclinado ao mesmo parecer Estrabao no Livro III. pag. 258, depqisEustathio nos Escólios a Dionysio Pcricgéta. A esta razão d'authoridadc se podem ajuntar duas de congtucncia. A primeira hc , que, como observou Facciola- ti , os dous montes Calpe e Abyla , aos que os vem de longe, parecem duas Columnas. A segunda he , que, como notou Bochart , Abyla em lingua- Fenícia quer dizer Co- lumna. E dando-se este nome a hum dos dous montes , era fa- cil trnnsferillo também para o cutro. E com isto se pôde confirmar o que ji dissemos na Dissertação I. , que o Her- cules de que se denominavao estas Columnas „ não era o Thebano , mas o Tyrio , cujo Templo de Cádiz faz Me- la coevo da guerra de Troya. DIS- íaS Memorias da Acaôemia Real DISSERTAÇÃO VII. Império dos Cartbaginezes em Espanha , quando come f ou , e quanto durmu ARA proceder com a devida ordem e clareza, dividirei esta Dissertação em três partes. Na primeira, tratar-seha da fundação , antiguidade , e grandeza de Carthago. Na segunda , das forças terrestres e navaes desta republica , e das suas conquistas dentro , c fcSra d'Africa. Na terceira darei huma exacta synopse chronologica, formada dos es- critos de Polybio, das três famosas guerras dos Cartbagi- nezes com os Ropianos , chamadas vulgarmente as guerras Púnicas, em que os nossos Espanhoes tiverao tanta parte, quanta se verá pelo decurso da mesma Dissertação. § I. Da fundação , antiguidade , e grandeza de Carthago. Os Carthaginezes procedião dos Tyros. Por isso Jus- tino os chama parentes. A questão he , por que via. E bate a questão , sobre quaes forão os fundadores de Car- tha ro. Filisto Nomcratita , citado e seguido por Eusébio na sua Chronica , diz que Carthago fora edificada por dous Tyrios , Zoro , e Carquédon , trinta annos antes da destrui- ção de Troya. Appiano diz que sincoenta. Poidm quanto ao nome dos fundadores , Bochart no livro De Coloniis Phwni- cum , cap. 24. tem que isto he huma equivocação : porque Zoro , c Carquédon não são nomes de homens , mas de cida- des : a saber, de Tyro , que em lingua Hebraica se diz Zor j e de Carthago , que , como observa Solino no cap. 40. , SC DÁS SCIENCIÀS DE LtSBOA. tl^ se dizia no principio Carthdda^ que em lingua Fenícia si-- gnifica , Cidade Nova» A opinião commum dos Iiistoriadotes he j tjué Car- thago ao menos na parte principal c mais nobre , foi obra da Rainha Elissa natural de Tyroj Chamada por outro no- me Dido , quatrocentos e mais anrios depois da ruina de Troya. E assim o fazer Virgilio a Dido contemporânea e amante de Enéas , já observou seu antigo commentador Sérvio Honorato , que fora hum anachronismo , que o prín- cipe dos poetas seguío muito de propósito , com o fim de dar lugar ao mais bello e interessante episodio , que se acha na Eneida. Mas sobre a época de Dido , e fundação de Cartha- go por cila , he muito para admirar , quanto os authoreá discordão entre si. José no livro I contra Appião , traz hum catalogo dos antigos Reis de Tyro, com os annos que ca- da hum viveo e governou, tirado de MeHandro de Efeso: no qual diz, que no sétimo anno de Pygmalião, duodéci- mo na ordem dos Reis depois de Abibalo , fugira Elissa sua irmã de Tyro com muitos fidalgos , e vindo a Africa fundara Carthago. Esta viagem , e longa peregrinação de Elissa , foi se- gundo hum antigo etymologista Grego , a que entre os Fe- nicios lhe deo o nome de Dido , que naquella língua quer dizer errante, ou vagabunda. Petau no livro XIII , pag. 295: da edição d'Antuerpía de I7f2 allíga o anno sétimo de Pygmalião ao de 886 antes da era de Chrísto, cento e trinta e três antes da fun- . dação de Roma. Desta conta não discrepa Solíno , senão três annos menos Porque no cap. 40 põe destruída Carthago por Sci- piâo, setecentos e trinta e sete annos depois que fora edi- ficada. Ora Carthigo foi destruída por Scipião , sendo Côn- sules Cn. Cornelio Lentulo, e Lúcio Mummio Acaico : is- to he, segundo os cálculos de Petau, no anno 146 antes da era de Chrísto. Ajuntemos estes 146 áquelles 737 sa* T. IX. P. I. R hir- «;• Mç-MORIílS DA AcADí:.MfA RtAL hir-nos-ha. o annp 883 antes da mesma era, que são cento e trinta antes da fund;ição de Roma. . Porém os outros cscritdres Romanos decem muitos ân- uos mais para baixo a fundação de Carthago. Porque Jus> tino no livro XVIII a põe fundada antes de Roma só se* tenta c dous annos. Sérvio commcntando aquellc hemisti*- quio de Virgilio, Urbs antiqua ftiU ^ só setenta» Paterculó no Livro I só secenta e sinco. .wÁ ab Jinrr . Compunha-se a cidade de Carthago de três "grandes Bairros. O primeiro chamado Cotbon , era hum porto não natural , mas aberto á força da arte e da industria (donde na opinião de Bochart lhe veio este nome) com vários es» talleiros á roda. O segundo chamado Bjirsa, era huma For- taleza , ou Cidadclla , cujos muros consta pelos Excerptos de Diodoro Siculo , que tinhão de altura quarenta covados , e de largura trinta e dous. O terceiro chamado Magalia, era a Povoação que se estendia por fora. Tudo consta d'Es- trabão , Appiano , e Sérvio. Estava Carthago situada numa Península de trezentos e secenta estádios de ambJto, que era o mesmo que tinha Babylonia. DeiTtro da }iyrsa havia muitas .Torres de três an- dares: no primeiro dos quaes se alojavão trezentos elefan- tes : no segundo quatro mil cavallos : no terceiro huma guarnição de vinte e quatro mil homens. No mais alto es- tava hum Templo d' Esculápio de tanta capacidade , que quando Scipiâo Emiliano tomou Carthago , nelle se refu- giarão e esconderão por sete dias sincoenta mil pessoas. Depois a mulher d'Hasdrubal lhe poz fogo, e pereceo no incêndio. Contão , que quando Dido pedio ao Rei Hiarbas es- paço de terra para fundar a cidade , limitando-lho o Rei ao espaço que occupasse hum couro de boi , usara ella da industria de mandar partir o couro em muitas e mui del- gadas tiras , e tomar para sitio da cidade todo aquellc âm- bito , que as mesmas tiras estendidas em redondo descre- vessem. E que daqui viera á nova fundação o nome de Byri ^"1 DAS SclENClAS OE LiSBOA. Ijf ta , que cm Grego quer dizer Costado. E ainda que isto parece huma íiibula dos Foctas , Trogo Fompeo , ou seu Abbreviador Justino , e com elles Appiano , mostrarão que a acreditavao. Hoje hc sentimento de grandes Críticos, que o Byrsa dos Gregt)s he o Bysra dos Hcbreos, que vai o mesmo que Fortificação ; e que cm lugar de Byn-a dis- serão os Gregos Byrsa., por não soffrcr o génio da sua Lín- gua , que ao S se siga R. O nome de Maga/ia , que era a terceira parte de Carthago, diz Sérvio, que vem de Mngar., que cm Lin- gua Funica significa Killa , ou como acrescenta o nosso S. Isidoro , Filia Nova. Forem Appiano em lugar de Maga- lia , constant^.mente escreve sempre Megdra. Como Carthago se formou das três Fovoações , que dissemos , e foi fundada por partes , e pouco a pouco í daqui tem alguns por verisimel , que segundo a diversida- de dos Bairr.js, seriao taobcm diversos os Fundadores, e diversos os tempos da fundação : c que por isso mesmo são tão diversos os annos , cm que os Authores põem fun- dada Carthago. Com cfF.-iro Appiano dá por certo , que quando Dido viera fundar a Byrsa , já havia alguma cousa de Carthago feita pelos Fenícios. O mesmo parece suppor Virgílio naquelle verso : Miratítr molem Jeiíeat j magalia qmudam. E esta he a opinião, que Com Isaac Vossio segue Bochart. Dizem mais , que quando se abrião os alicesses de Carthago, fora achada na terra huma cabeça de cavallo, que ficou servindo de Insig lia á nova Cidade. Com cffei- to o' grande Bispo de Lerida , e Arcebispo de Tarragona António Agostinho , no Sexto dos seus raríssimos Diálo- gos testifica, que tinha em seu poder huma medalha Cic- thagineza de prata , com huma cabeça de cavallo elegan- temente gravada, e no fim do pescosso escrito este nome CACCABE, que naqucUa língua significa cabuça de cas-allo. R ii A iji Mkmorias DA Ac AT5EMIA Real A religião dos Carthaginczcs erl a mesma que a dos Tyrios seus fundadores. Polybio no Excerpto CXIV. das Embaixadas , fãx menção dMnuna na'o , que todos os annos hia de Cartliago a Tyro , levar as Primicins aos Dcoses pátrios. E Diodóro Siculo escfeve no Livro XIII. cap. io8. que na conquista e esbulho de Gela cidade de Sicília', achan- do os Carthacrinezcs huma Estatua colossal de bronze do Deos Apollo , a mandarão logo de presente a Tvro. As- sim como em Tyro era celebre pelos Escritos d'Hcrodoto o 'rcinplo d'Hcrculcs , com huma columna de ouro , outra d'csmcrjlda : assim em Cartliago tinha Hercules outro Tem- plo, onde todos os annos se sacrificava huma victima hu- mana , como refere Plinio no Livro XXXVI. cap. 6. Cos- tume, que segundo testifica Tertullinno no Apologético, durou cm Carthago até o tempo de Tibério. § II. Das forcas terrestres e tiavaes da Republica de Carthago , t das suas conquistas dentro , e fora d' Africa. Depois da morte da Rainha Dido , passou o Gover- no de Carthago de Monárquico a ser Republicano. Os que occupavão osummo Magistrado, chamavao-se J'«/>/<'í , no- me que dos Carttiaginezes adoptarão os Latinos : ( o que se. faz manifesto de viirios lugares de Livio, como no Li- vro XXVIIL cap. 37. e no^Livro XXX. cap. 7. ) e noi me que parece que os Carthaginezes tomarão dos Hebrcos , em cuja Língua se chamavão Sophetim aquellcs Juizes , que depois da morte de |osuc governdrâo com hum império absoluto o Povo de Deos : de sorte que nté o Livro que trata destes Juizes, se intitula em Hebrco Sophetim. O Pre- zidente porem ou Doge destes SulFctes de Carthago , cons- ta de Polybio no Livro III. cap. ■:^^. que se intitulava Rei. E este mesmo nome dá Solino a Hannon. Qual fosse a potencia de Carthago , florente esta Re- pu- DAS SCIENCIAS DE LlSBOA. IJJ publica , de nenhuma cousa se pode avaliai melhor, diz Hstrabiío no Livro XVII. pag. 1189. que doestado cm que ella se achava , ao tempo da terceira e ultima guerra com os Romanos. Havia então em Carthago setecentos mil liomens : e estav-ío-lhe sujeitas por toda a Africa tre- zentas cidades. Sitiados que torão por Scipião , entrega- rão de armas maiores duzentas mil, de maquinas beilicas três mil , a fin de o moverem a não continuar a guerra. Como depois se resolverão a dctender-se a todo o risco, comcçaVão a fabricar novas armas: e cada dia se faziao cen- to e quarenta escudos batidos, trezentas espadas , quinhen- tas lanças, e mil dardos d'arremeço, para cordas dos quaes instrumentos davão as escravas os seus próprios cabellos. Conserv.ívão ainda doze na'os das que tinhão servido havia sincoenta annos. Agora porem , não obstante ter se refugia- do o grosso da cidade na Fortaleza , dentro de dous mc- zes fizcrão cento e vinte náos. E tendo-lhes o inimigo oc- cupado o porto com huma guarnição , abrirão logo outro ^ donde de repente sahio aqu.Ua armada. Porque tinhão ain- da de tempos antigos muita madeira prompta, e promptos muitos officiaes sustentados do publico. Atéqui Estrabão* Este poder naval dos Carthaginezes vinha já de mui- tos séculos a traz : e pode-se dizer, que começou, com a Republica. Porque já do tempo de Cyro , celebrao Heró- doto e Thucydides huma armada Carthagineza de secenta náos , que no mar de Córsega pelejou com outra dos Fo- censcs de igual numero, pelos annos de 5-44 antes da era de Christo. Pelos annos de 484 antes da mesma era , consta de Diodóro Sicuio no Livro XL cap. 2. que querendo Xerxes invadir a Grécia , pedira auxilio aos Carthaginezes ; os quaes dentro de três annos ajunta'rão hum exercito de trezentos mil homens , e huma armada de duzentas náos. Pelos annos de 408 antes da mesma era, refere o mes- mo Diodóro no Livro XIIL cap. 5-4. que para a conquis- ta dj Sicilii, prepararão os Carthaginezes huma armada de se- 134 Memorias da Academia Real secenta náos de guerra, c de mil e quinhentas de carga. Por estes tempos se julga , que foi aqucUa famo- za expedição de Hannon Ciutliaginez , que n'huma arma- da de secenta náos, cm que hião trinta mil homens, cor- reo por ordem do Senado roda a costa d'Africa , ao mes- mo tempo que outro (>arrh;igincz por nome Himilco , cor- ria a da Europa. Digo, que esta l"amoza expedição foi por estes tempos, ou talvez ainda mais antiga. Porque de mui- tas cidjdes fundadas por Hannon, e mencionadas por elle no seu Périplo , faz memoria Scyláce de Caryando Gcogra- fro Grego, ao qual Isaac Vossio na Prefação ao mesmo Scyláce faz contemporâneo de Dário Norho succcssor de ArtíLxcixcs Longimano; e João Alberto Fabrício no Livro IV da sua Bibliolheca Grega, cap. ri. §6. o reduz com inclli;'res fundamentos ao tempo de Dário Hystaspis , an- tecessor do referido Artaxerxes. Tendo sido pois tão grandes e tão conhecidas as for- ças maritimas da Republica de Carthago , antes das suas guerras com os Romanos; he muito para admirar, que Eusébio, que na sua Chronica teve cuidado de hir notan- do nos respectivos lugares o« Povos , que em diversos tem- pos tiverão o império do mar, como os Lydios , os Pe- lasgos , os Thracios , os Rhodios , os Fenícios , os Focen- ses , os Eginetas : nenhuma menção fizesse dos Carthagine- zes , de cujas conquistas por mar e por terra , estão cheios CS Livros de Polybio , Diodóro , Estiabão , Livio , e Justino. Por cíFeito desta potencia naval , testifica Polybio no Livro I. cap. IO. e Livro IIL cap. 59. que ao tempo da primeira Guerra Púnica , isto he , pelos annos de 490 da fundação de Roma, e 264. antes da era de Christo; es- tavão sujeitas ao dominio dos Carthaginczes todas as Pro- víncias d'Africa, des das Aras dos Filenos até as Colum- nas d'Hercules : espaço de dezaseis mil estádios, em que já ouvimos dizer a Estrabao , que jaziao trezentas cidades: e fora d'Africa , mas fronteiras a ella , todas as ilhas do mar DAS SciENCTAS DE LiSBOA." l^f inar Sardico e Etrusco. Que por isso no principio da se« gunda guerra se queixou Annibai por boca de Tito Livio , Livro XXI. cap. 43. de que os Romanos tivessem tirado á Republica de Carthago as duas ilhas de Sicília e Sarde- nha. Parum est , qtiod veterrimas Províncias meãs Siciliam est Siirdiniam adimis : etiam Hispanias. Note-se bem a energia daquellas palavras , veterrimas Provindas meãs : com as quaes declara Annibai, que em lhe tirarem os Romanos a Sicilia e a Sardenha , não só lhe tirarão o que era seu , mas o que era seu de tempos antiquissimos. E com cffeito nós ji vimos de Diodóro , que ao menos des do tempo de Dá- rio Notho, cstavão os Carthaginezes de posse do melhor da Sicilia. E pouco depois em tempo de Dionyzio o Ty- r^nno diz o mesmo Diodóro no Livro XIV. cap. 76 que toda a Sicilia, excepto Saragossa , era dos Carthaginezes. Mas que digo eu , do tempo de Dário Notho ? A His- toria de Polybio nos informa no Livro III. cap. 12. que iogo no primeiro anno depois de expulsos os Reys de Ro- ma , e primeiro dos Cônsules que em seu lugar se insti- tuirão; isto he , no anno 209 da fundação de Roma e 5*09 antes da era de Christo , celebrarão os Romanos com os Carthaginezes hum Tratado de Limites e de Commer- cio , em cujo Artigo quinto se suppoe , que de muitos ânnos atraz estavão os Carthaginezes de posse da Sarde- nha , e d'huma grande parte da Sicilia. Ora isto foi , co- mo no mesmo lugar nota Polybio , vinte e oito annos an- tes que Xerxes passasse á Grécia , e consequentemente em tempo de Dário Hystaspes ; que são perto de duzentos e sincocnta annos antes da primeira guerra Púnica. Porém onde os Carthjginezes dilatarão mais o seu po- der , foi na Espanha : para o que lhes abria a porta o es- tarem já senhores das suas ilhas adjacentes , e o terem al- liançi d'amizade c parentesco com os de Cadiz , por cau- za de communidade d'origem , que huns e outros vinhao de Tyro. Diodóro no Livro V. cap. 16. diz que cento e se- cen- T3fi Memorias da Academia Rhai. cenra annos depois de fundada Carthago , estabelecerão os Carrliaginezcs luima Colónia na ilha de Piíyiisa, que ho- je SC nomeia Juiça , e jiz opposta ao Cabo de Denia , dis- tante só hum dia de viagem do continente d'Espanha. Cha- márão-lhc os Gregos Pttyusa y pelos muitos pinhaes de que está cubcrta. Estrabão no Livro III, pag. 25-4, põe duas PhyusasX huma . chamada £/<«/ tor necessário para reparo dasnáos, ou exercício das cou- » sas de religião ; e passados sinco dias retirem-se. Qiic pos- » são negociar em Africa e na Sardenha, e naquella par- » te da Sicília , que está sujeita ao império dos Carthagi- » nczcs. Que os Carthaginezes não facão mal algum aos » Povos do Lacio , que estão debaixo do dominio dos Ro- j> manos. Que se abstenhão de tomar alguma destas cida- >j des. Qlic se a tomarem , a entreguem logo sem algum » gravame. Que não edifiquem Fortaleza alguma no cam- » po Latino. Que se com mão armada poserem o pé nel- j> le , não pernoitem assim. " Daqui temos , que quando começava a Republica dos Romanos, já os Carthaginezes contavao por Terras suas íóra d'Africa, toda a Sardenha , e parte da Sicilia. A cauza porque os Carthaginezes não querião, que os Romanos passassem com embarcações grandes alem do Pulcro Promontório , julga e nota Polybio que era , porque não querião que os Romanos soubessem o que havia cm Byzacio , e na pequena Syrte , lugares que pela fertilidade do terreno se chamavão Empórios. O segundo Tratado dos Romanos com os Carthagine* zes, comprchcndia também os Tyrios , e os Uricenses. Foi celebrado no anno de 402 da fundação de Roma, (se- gundo se colhe do nosso Orosio , Livro III. cap. 7. por- que Polybio não designa o tempo) isto he , no anno de 3J2 antes da era de Christo. E dizia assim. t< Haja ami- » zade entre os Romanos , Carthaginezes , Tyrios , e Uti- 5> ccnses , debaixo destas Leys. Que os Romanos não fa- » ção prezas, alem do Pulcro Promontório, de Mastia, 3> edcTharseio. Que não vão lá mercadejar. Que não edi- j> fiquem lá nenhuma Cidade. Que se os Carthaginezes to- -j» marem no Lacio alguma Cidade , das que não estão de- >j bai- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. I43 >í baixo do domínio dos Romanos, fiquem embora crm a j> preza, c com os cativos, mas entreguem a cidade. Qiic » na Africa e na Sardenha nenhum Romano negocie , nem » edifique cidade. Que na Sicilia sujeita aos Carthagine- )» zes , c cm Carthago , facão os Romanos tudo , vcndao j» o que quizercm , e a quem quizerem. O mesmo seja li- » cito aos Carthaginezcs fazerem em Roma. j> Aqui se pcrmitte aos Romanos a viagem até Mastia c Tharscio ; mas prohibe-se o commercio na Africa cspe- ciahncnte dita , excepto Carthago , e na Sardenha. O terceiro Tratado celebrou-se no tempo , que o Rei Pyrrho veio a Itália , anno 474 da fundação de Roma , c 280 antes da era de Christo, Nelle se renovarão todas as condições , em que de parte a parte se tinha convindo nos primeiros, e só se acrescentou de novo o seguinte: «< Que se ou o Povo Romano , ou o Povo Carthagincz fi- j> zer sociedade com Pyrrho, seja debaixo da condição, " que no cazo d'algum inimigo invadir as Terras de qual- j» quer dos dous , hum c outro se auxiliem mutuamente. j> Ê que sendo necessário , dem os Carthaginezcs náos aos í> Romanos, não só para o transporte, mas também para j> a batalha. >> Esta segunda clausula creio eu que foi posta, porcau- za de que até aquelle tempo, e até muitos annos depois, não tinhão os Romanos ainda armada própria. Primeira Guerra Púnica. Desta guerra foi hum o pretexto , outra a causa. O pretexto foi , quererem mostrar os Romanos que se com- padecião dos Mamortinos, que era hum Povo do Reino de Nápoles ou Terra do Lavor , que se tinha estabeleci- do em Messina , e agora se queixava das oppressóes , que na Sicilia lhe faziao os Carthaginezcs, unidos com Hierão Rei de Saragossa. A cauza foi , não poderem os Romanos soffrcr, que os Carthaginezcs desfrutassem sós huma ilha tão 144 Memorias da Academia Real tão fcrtil , c tivessem nclla huma como ponte , por onde facilmente podiao passar á Itália. O principal thcatro logo da primeira guerra Púnica foi a Sicília. Polybio Livro í. cap. 8. e cap. lo. Primeiro Âmio da Guerra , 490 da fundação de Roma , e 164 antes da era de Chrisío, Então foi a primeira vez , que os Romanos sahirão fora da Itália com exercito. O Cônsul Appio attacou tão rijamente aos Carthaginezes e ao Rei Hierão , que huns e outros se virão obrigados a fugir de Messina , aquelles pa- ra Pcloro , este para Saragossa. Por ter entregado a For- taleza fizeráo os Carthaginezes crucificar o seu Governa- dor. Polybio, Livro I. cap. 11. e 12. Pela Historia de Diodóro se sabe , que o nome deste Governador Carthaginez era Hannon , nome entrelles céle- bre, e commum a outros capitães. E pelas Historias de Ti- to Livio c Valério Máximo he também constante, que o crucificar aos capitães, quando ou erão vencidos, ou ainda que vencedores tinhão obrado imprudentemente , era hum supplicio usual entre os Carthaginezes. Segundo Anno , 49 1 ^rt fundação de Roma , e 2 ó 3 antes da era de Christo. Fazem os Romanos paz com o Rei Hierão, e sendo este. o que lha pedio, movido de duas razões: primeira, de medo dos Sicilianos : segunda , admirado de ver a va- Jentia dos Romanos. Polybio, Livro I. cap. 16. Pausanias acrescenta terceira , que foi assentar comsi- go Hierão, que na amizade e fé se devia fiar mais dos Romanos, que dos Carthaginezes. As condições da paz forão estas. « Que Hierão res- í» tituiria os cativos Romanos , sem levar nada por elles : e »» que DAS St:iF.NCIAS DE LiSBOA. 14^ »» que de mais a mais daria cem talentos de prata, >» Po* lybio ihid. Lutropio e Orosio dobrão o numero de talentos: por- que põem duzentos. Daqui SC pódc emendar , e com cffcito quer Casau- bono que se emende, hum lugar de Diodóro na Écloga VIII. do Livro XXII. Tomo II. pag. 5-02, onde segundo as Edições vulgares diz Diodoro , que Ilierão fora obriga- do 3 dar cento e sincoenta mil dracmas: o que he muito abaixo da somma que Polybio aponta : porque cento e sin- coenta mil dracmas só fa/em vinte c sinco talentos: que he huma quantia, que não condiz com a cubica dos Ro- manos, nem com as riquezas d'Hierão. Onde pois cm Dio- doro sele cento e sincoenta mil dracmas, quer o dito gran- de critico , que se reponha , quinhentas ou seiscentas mil dracmas. Não declara Polybio as condições da porte dos Ro- manos: mas dcclara-as Diodóro no lugar citado , dizendo que forão estas. Qtie Hierao ficasse com o douiinio de Sara' gossa , e das mais cidades da sua jurisdicção , ([ue erão por todas seis. Quarto Amo ^ 453 da fundação de Roma y e í6i antes da era de Christo. Neste anno foi , que os Romanos se applicárão a ter armada própria , depois de conquistado no antecedente Agri- gento, Polybio, Livro L cap. i{J, Quinto Amw y 494 da fundação de Roma j e 260 antes^^ era de Christo* O Cônsul Cornelio se entrega aos Carthaginezcs. Dull- lio hc o primeiro dos Romanos, que vence os Carthagi- nczes em batalha naval , na qual os Carthaginezes perdem setenta náns. Polybio Livro L cap. 22. e 23. T. IX. P.I. T Por 14^ Memorias da Academia Real Por esta victoria se levantou em Roma humn Coliimna á honra de Duillio , com huma Inscripçao , que ainda ho- je existe , de Latim muito tosco, qual ainda então era o dos Romanos. Notio Âiino^ 498 da fundação de Roma j e 2^6 antes da era de Christo. Com huma armada de trezentas e trinta náos , pre- tendem os Romanos passar a Africa ; com outra de trezen- tas c sincocnta lho disputãb os Carrhaginczes. Dada bata- lha , fica a victoria pelos Romanos , perdidas vinte e qua- tro na'os Romanas, e mais de trinta Carthaginezas. Pelo mesmo tempo passa o Cônsul Attilio a Africa com outra arm.ida de trinta náos, em que hião quinze mil infantes, e quinhentos cavallos , com que tomou aos Carthaginezes a cidade de Clapea e muitas Villas , e cativou vinte mil escravos. Polybio Livro I. cap. 28. e 29, Eutvopio acrescenta , que voltado a Roma o outro Cônsul Manlio, e ficando em Africa Attilio, vencera este os dous Hasdrubaes , e aAmilcar, e matara a tiro junto ao rio Bragada huma serpente , que Estrabão diz que tinha setenta pés de comprido. Decimo Anno ^ 499 da fundação de Roma, e 2^^ antes da era de Christo. Persuadidos os Carthaginezes , de que por imperícia , ou máo conselho dos seus capitães , he que lhe succediáo mal as cousas, mandão vir da Grécia para seu General a Xantippo Laccdemonio. Este junto hum exercito de doze mil de pé, quatro mil cavallos, e cem elefantes, dá bara- lha aos Romanos, e os vence, ficando cativo o Cônsul Attilio, Polybio Livro \. cap. 34. Se damos credito a Eutropio , o -numero dos Roma- nos mortos forão trinta mil, o dos cativos quinze mil. Man- I DAS SciENCIAS DE LiSBOA. t^^ Mandado pelos Carthaginczcs a Roma o mesmo Atti- lio , debaixo da palavra c juramento , de que ainda no ca- 20 de que o Senado não conviesse n'huma de duas , ou de fazer paz, ou de trocar os cativos, voltaria ellc Attilio para o seu cativeiro: Attilio aconselhou ao Senado, que continuasse a guerra, e tornou para Carthago, como pro- mcttêra. Vingárão-se nellc os Carthaginczes , fazendo-o mor- rer cruJelissimamente. Porque o mettêrao n'huma gayola cercada por dentro d'agudas pontas, e tão ajustada ao cor- po , que se não podia mover o miserável ainda levemen- te , sem se esperar c ferir com inexplicáveis dores, até que neste tormento acabou. Assim he que Appiano refere o desgraçado fim do Cônsul Attilio, digno pelo seu valor e fidelidade de me- lhor fortuna. E quanto ao facto , de terem os Carthagine- 7es mandado matar a Attilio, concordão com Appiano Gre- go muitos Escritores Romanos; cntrelles Valcrio Mj^íimo no Livro I. cap. i. e o Author do Epitome do LivroXVIII. de Tito Livio, que alguns querem que fosse Lúcio Floro. Todavia Jacques Palmicr, de cujo parecer mostra Wcs- selinge que não dissente , p6e alguma duvida a esta cruel morre de Attilio. Fundão se hum e outro no silencio de Polybio , que tendo escrito tão miudamente da primeira guerra Púnica, e do cativeiro de Attilio, não disse toda- via huma só palavra daquelle atroz supplicio. Fundâo-se mais em que Diodóro de Sicilia nos Excerptos do Livro XXIV. Tomo II. pag. <;66. parece suppôr , que Attilio morrera em Carthago só de doença natural , e não de mor- te violenta. Mas quanto ao silencio de Polybio devião advertir ambos aquelles Críticos, que Polybio não se propoz escre- ver todas as circunstancias dos successos , que refere : pois do mesmo Attilio calou Polybio muitas cousas , que de- pois mencionou Livio. E pelo que toca ao lugar de Dio- dóro, eu acho que delle mais se confirma a narração de Appiano, do que se impugna. Porque o aconselhar a mu- T ii Iher 148 Memorias da Academia Real Hier d'Attilio a seus filhos, que cm vingança da morte do pay cm Carthago atormentassem cruelmente em R.oma oá dous cativos Cartliaginczes Bostar e Amílcar; mais pare- ce pena de talião , do que simples desaíFogo da magoa. Tornando a Xantippo General dos Carthaginezes , o mesmo Appiano escreve , que os Carthaginezes reccozos de que a ellc se attribuisse toda a gloria das suas victorias, o remetterão premiado de grandes dons para Lacedemonia ; encommendando com tudo ao mestre da náo , que em cer- ta paragem desse geito , a que clle morresse afFogado. Po- rem o nosso Polybio dá a entender , Xantippo tôra o mes- mo que disposéra a sua retirada , por se subtrahir aos malignos cfFcitos da emulação e da inveja. Sabido em Roma o máo successo da armada d'Attilio, partirão logo para Africa os dous novos Cônsules Emilio e Fulvio com outra armada de trezentas -c sincocnta náos. Sahiráo os Carthaginezes a recebcllos com a sua de duzen- tas. Dada batalha , são desbaratados os Carthaginezes , com perda de cento e quatorze náos, ficando cativos todos os que nellas vinhão. Recolhendo-se para Roma a armada vi- ctorioza , huma tempestade a faz naufragar , de sorte , que de trezentas e secenta náos só escaparão oitenta. Polybio Livro I. cap. 36. e 37. Undécimo Ânuo j 5*00 da fundação de Roma^ e 2 j/^ antes da era de Christo, Preparada nova armada de trezentas náos , em que en- travão as relíquias das que tinhão naufragado , navegão os Cônsules Cornelio Scipião Asina , e Lúcio Attilio Calati- no para a Sicilia , onde depois d'hum apertado sitio tomao Palermo. Polybio Livro I. cap. 39. Duo- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. Z4^ Di4odecmo Anuo y yoi da fundação de Roma ^ e a 5* 3 antet da era de Cbristo. Sitlão os Romanos cm Sicilia a cidade de Lilybeo, posta no Promontório ou Cabo do mesmo nome , írontci- ro a Carthago. Dcfciidcm-scos Carthaginezes valerozaihen- tc, com gravíssimo damno dos Romanos. Desesperados es- tes de poderem tomar Lilybeo , passáo a sitiar Drép.ino. Impedcm-lhe os Carthaginezes o accesso. Dá-se batalha. Foge o Cônsul Publio: o que em Roma se lhe deo em culpa , porque foi castigado. Tomão os Carthaginezes aos Romanos noventa e três náos , e cativao quasi todos os da armada. Renovão os Romanos o sitio de Lilybeo. Repellcm os Carthaginezes a armada Romana. P.ideee esta segundo naufrágio, em que perecerão cento e sincocnta náos. Poly- bio Livro I. des do capitulo 43. até 55-. Os referidos successos não forão todos no mesmo an- no; mas em diversos. Eu os ajuntei desta vez n'hum só, pela cognaçâo e connexao dos objectos. Por este tempo cedem os Romanos o império do mar •os Carthaginezes. o" Decimo oitavo Anm , 507 da fnndação de Roma, ^ 247 ati- tes da era de Cbristo. Neste anno nasceo o grande Annibal , aquelle que depois fez a segunda guerra Púnica. Porque antes delle tinha havido outros do mesmo nome. Vigésimo terceiro Anno ^ 5" 12 da fundação de Roma., e i^z antes da era de Cbristo, Reparada nova armada , encarregao os Romanos a guer- ra coiura os Carthaginezes ao Cônsul Lutacio. Vence este os i^ò Memorias da Academia RSai, i)S Carthaginczcs na batallia d'Egate , ilha fronteira a Lilybco , que por outro nome se chama Egusa, mettidas a pii]uc sincoenta náos, e cativadas setenta. Polybio Livro I, ca]i. 6i. Vigésimo quarto e ultimo Jnno , y 1 3 da fundação de Roma j e 241 antes da era de Christo. Por conselho e direcção d'Amilcar Barca , pay do grande Annibal , pedem os Carth;iginezes paz aos Roma- nos , e estes lha concedem debaixo destas Leys. <« Qlic os >» Carthaginezes saião de toda a Sicilia. Qi^ic não façao » guerra ao Rcy Hierao. Qiie não acommcttão Saragossa. >» Que entreguem os cativos Romanos gratuitamente. Que »» paguem por vinte annos aos Romanos dous mil e duzen- >» tos talentos cada anno. » Polybio Livro L cap. 62 , e Livro in. cap. 27. se bem (]ue no segundo lugar pos cl- le por prazo da paga não vinte annos , mas dez ; acrescen- tando , que dem logo mil talentos. Trcs annos depois , como se tornasse a renovar a guer- ra sobre a possessão de Sardenha , ajuntãrão-se de mais ao referido Tratado estas condições. = Que os Garthagine- zes sahissem da Sardenha , e dessem outros mil e duzen- tos talentos aos Romanos. = Por ultimo estando Hasdru- bal em Espanha proseguindo a conquista começada por Amilcar , ajustou-sc entre as duas Nações : Qtie os Cartba- giiiezes não passarião com mão armada alem do rio Ebro. Po- lybio Livro in. cap. 27. e 29. Observa este judiciosissimo e doutíssimo Escritor, que não será fácil achar nas Historias outra guerra, que durasse tanto , como a primeira Púnica , a qual se fez por vinte e quatro annos completos, sem intermissão alguma: quando a do Peloponeso entre Lacedemonios e Athcnien- ses , sim durou vinte e oito annos c meio , como aífirma Xenofonte ; mas passado o primeiro dccennio , houve hii- ma tregoa dilatadíssima. Ob- DAS SctENciAS t)E Lisboa. tçt Otserva mais o nosso Escritor , que depois de con* cluida a primeira guerra Púnica, hc que os Romanos con- ceberão o grande projecto , de se fazerem senhores de to- do o Mundo , por meio do império do mar, que os Car- thaginczes lhe cederão. Expulsus da Sicilia c da Sardenha os Carthaginezes , voltárão-se as suas esperanças para a Espanha. No anno fi7 da fundação de Roma, e 237 antes da era de Christo , foi Amílcar Barca mandado pelo Sena- do de Carthago a Espanha , para onde trouxe comsigo a seu filho Annibal , que então não passava de nove annos. Polybio Livro IL cap. i. N'outro lugar acrescenta o nosso Escritor, e delle o tomou Livio , que ao passar Amilcar para Espanha, rogan- do-ihe o menino que o levasse comsigo, o pay lhe fi/era pôr a mão sobre o altar, em que tinha feito sacrifício aos Dcoses pelo bom successo da expedição, e o obrigara a promctter-lhe com juramento , que em podendo , seria hum inimigo perpetuo dos Romanos. Polybio Livro III. cap. II. e Livio Liv. XXL cap. 1. Governou Amilcar em Espanha nove annos , no fim dos quaes , tendo sujeitado parfe a' força d*armas , parte com o seu modo persuasivo muitas cidades nossas ao im- pério dos Carthaginezes , morreo pelejando valerozamente n'huma batalha, junto a Castello Alto. Polybio Livro IL cap. I. O lugar da batalha consta de Tito Livio Livro XXIV. cap. 41. Pelos Excerptos do Livro XXV. de Diodóro Sicu- lo , Tomo II. pag. 510 sabemos, que nesta guerra com os Espanhoes vencera Amilcar a dous Régulos dos Celtas, hum por nome Istolacio , outro Indortes , cativando do exer- cito do primeiro três mil, e do exercito do segundo dez mil. Dos mesmos Excerptos de Diodóro consta , que Amil- car fundara em Espanha huma grande Cidade, a que pela nntureza do sitio poz o nome de Jcra Leuca^ e que eu não pude descobrir onde era. Cons- iji Memoeias PA Academia. Real Consta outro si dos mesmos Excerptos , que Hasdru- bal succcssor d' Amílcar, tivera c governara cm lispaiiha liimi exercito de sincocnta mil infiintes , seis mil cavallos, e duzentos elefantes: cgm o qual vencera ao Rei Orisso , e lhe tomara doze cidades , afora outras muitas d'Espanha. Mas acrescentando iminediatamcntc Diodfíro , que Hasdru- bal cazára em segundas núpcias com hunia fillia do Rei dos Espanhoes , não declara, se era o mesmo Orisso , ou outro. No anno 5^26 da fundação de Roma, e 228 antes da era de Christo , morto Amilcar cm Espanha , veio sr.c- ceder-lhc seu genro Hasdrubal , que a governou oito annos. Polybio ibid. D'ambos os nomes d'Amilcar c Hasdrubal , houve en- tre os Carthaginezcs outros homens insignes : mas nenhum igualou na fama de prudência e de valor estes dous. Dilatou Hasdrubal sobremaneira em Espanha o domi- nio dos Carthaginczcs. Fundou Carthagcna , que veio a ser como o Qi.iartel general , e a Praça d'Armas da sua Republica nçstas partes. Era seu tempo , receozos os Ro- manos da grande potencia que Hasdrubal hia adquirindo , e não se atrevendo por então a romper abertamente contra os Carthaginezes , pelo medo da guerra dos Gallos que os ameaçava ; celebrarão com ellc o Tratado que já acima mencionámos , pelo qual se dava o rio Ebro por limite ás conquistas dos Carthaginezes em Espanha , considerada da parte da Bctica, por onde os Carthaginezes as tinhao co- meçado. Acrescentava-se , que Sagunto ficaria sempre inta- cta. Polybio, Livro II. cap. 13. e 36. Livio Livro XXI. cap. 2. No fim d'oito annos completos de governo , foi Has- drubal morto á falsa fé por hum escravo Francez , que quiz assim vingar a morte, que Hasdrubal dera a seu senhor. Polybio Livro II. cap. 36, Livio acrescenta, que apanhado logo o escravo, c cruelmente atormentado , levou a morte com hum socego de DAS SciENCIAS DE LiSBOA. IfJ de animo tal , que até no semblante se enxergava huma €specie de rizo. Livio Livro XXI. cap. 2. Pelos versos de Silio Itálico se sabe , que o Regulo que Hasdrubal matara , se chamava Tago. Antiqua de Stir- pe Tagum. Silio Livro I. verso 15-2. Neste mesmo anno veio Annibal succeder no Governo d'Espanlia a Hasdrubal seu cunhado. E a primeira cousa que fez , foi acommettcr os Olcades , e tomar-lhcs á tor- ça d'armas a sua principal, e mais rica cidade, chamada Althéa, que se crê era onde hoje está Ocanha : rendida a qual ; todas as mais daquella Comarca se lhe entregarão. Polybio Livro III. cap. 13. No anno seguinte, yjjr da fundação de Roma, e 219 antes da era de Christo , attacou Annibal os Vacceos , e lhes tomou primeiramente Salamanca , depois outra cida- de por nome Arbucala , ainda mais populoza e mais forti- ficada. Como sobrcvicssem os Carpetanos , que erao os da Comarca de Toledo , a soccorrcr por parte de vizinhança os Vacceos , e a propulsar o commum inimigo ; Hannibal lhes deo batalha junto do Tejo , onde forão innumcraveis os que morrerão dos nossos, parte affogados no Tejo, par- te esmagados de quarenta elefantes, que Annibal tinha pos- to na ribanceira do rio ; e mais de cem mil , os que por elle forão postos em fugida. Desta sorte , nenhum Povo dos que habitavão para lá do Ebro , excepto o de Sagunto , se atreveo dalli em diante a levantar olhos contra o poder Carthaginez. Polybio Livro III. Sabcndo-se em Roma por avizo dos Saguntinos , os rápidos progressos das armas d'Annibal em Espanha; vie- rão de Roma Embaixadores , que da parte do Senado lem- brassem a Annibal o Tratado , que poucos annos havia se tinha celebrado com Hasdrubal seu antecessor , sobre não deverem os Carthaginezes passar com mão armada alem do Ebro , nem entenderem hostilmente com Sagunto , cidade confederada com os Romanos. Não esteve Annibal pela proposta. Antes allegando frívolos pretextos , despedidos T.IX.P.I. V que i5'4 Memorias d\ Academia R=EA L que foriío os Embaixadores , poz sitio a Sagunto , e den- tro d'oito niezcs a rcndeo i sua obediência. Reservando para as despe-zas da guerra os grandes thesouros de dinhei- ro, que achou no esbulho de S.fgunto , remctteo Annibal para Carthago , todo o preciozo movei das alfayas. Polybio Livro IIL' cap. 17. Ouvida em Roma a tomada de Sagunto , mandou o Senado Embaixadores a Carthiigo , com instrucção , de que ou lhe mandassem entregar Annibal , ou dessem por decla- rada a guerra. Prevalecendo no Senado de Carthago o par- tido d'Annibjl , aceitarão os Garthaginezes a guerra ; que era o fim que o mesmo Annibal se rinha proposto , quan» áo 5Í1Í0U e destruio Sagunto , pelo implacável ódio cm que ardia contra os Romanos , herdado já de seu pay Amíl- car. Polybio Livro III. cap. 20, e 33. Oito annos depois, recuperarão os Romanos Sagunto, Livio Livro XXIV. cap. 42. Achava- se então Annibal invernando em Carthagena , cazado já com huma senhora Espanhola natural de Casta- Ião, como nos inForma Livio Livro XXIV. cap. 41. No principio cuidavão os Romanos, que a guerra se- lia em Espanha. Mas Annibal tinha determinado fazella na mesma Itália. Para isso , providas todas as cousas que pertencião a deixar seguras a Espanha e a Africa, partio por terra para a Itália com hum exercito de noventa mil infantes, e doze mil cavallos. Nesta passagem sugeitou na Navarra os llorgetes, os Bargusios , os Erenosios, e os Ausetanos. E deixado aqui Hannon por Governador , com dez mil infantes, e mil cavallos de guarnição, despedi» para suas cazas outros tantos : a fim de ter estes a todo o tempo promptos para alguma necessidade; e de ficarem os outros que marchavâo com elle , esperançados de que al- gum dia voltarião á pátria. Assim tirado do exercito o re- ferido numero , chegou Annibal pelos Pyrineos ao Róda- no , com sincoenta mil infantes , e pouco mais de quatro mil cavallos. Polybio Livro III. cap. jy. ..-. Pe- DAS SciENClAS DE LiSBOA. l^f Pelos Livros III. e V. e X de Silio Itálico , he Initn facto constante que parte deste grande exercito crão Lusi- tanos. Segunda guerra Púnica. Primeiro Amo , ^^6 da fundação de Roma , ff 2 1 8 antes da era de Christo. Annibal passados os Alpes , vence ao Consui Pubjio Scipião na batalha de Pavia. Polybio Livro III, cap. 66, Vence ao outro Cônsul Tito Sempronio na batalha junto ao rio Trebia. Polybio Livro III , cap. 75-. Segundo Anno , ^^7 da fundação de Roma , í 2 1 7 antes da era de Chrisío. Annibal em terceira batalha junto ao lago Trasyme- no na Toscana , vence os Romanos, ficando morto o Côn- sul Flaminio. Polybio Livro 111. cap. 85-. Pelo contrario Gneo Scipião irmão de Publio, pos- tos em terra os soldados d'huma armada de secenta náos , com que viera a Espanha , sujeitou primeiramente muitos Povos marítimos desta Região des das Empurias até o Ebro : depois passando aos mediterrâneos , deo batalha aos Car- thaginezes : junto á Villa de Cissa , onde tomou vivo ao seu General Hannon. Polybio Livro III, cap. 76. Terceiro Auno , j 3 8 da fundação de Roma , e 116 antes da era de Christo. Quarta vez desbarata Annibal os Romanos na sobre todas famoza batalha de Cannas , na qual da parte dos Romanos cahirão mortos setenta mil , entrelles os dous Côn- sules do anno passado ; e da parte dos Carthaginezes só seis mil. Polybio Livro III. des do cap. 114 até 118 on- V ii de I5'6 Memori AS DA Academia Real de nota , que no exercito Carthaginez tinhao os Espanhoes e Francezcs a dianteira. Com esta victoria ficou Annibal senhor de quasi toda a Itália , concorrendo á porfia os Povos delia , a qual se havia d'entregar primeiro a Annibal. Ao mesmo tempo em Espanha , continuando a fortu- na a ser adversa aos Carthaginezcs , desbarata Gneo Sci- piâo a Hasdrubal na batalha de Tarragona. Polybio Livro 111. cap. p7. Sétimo Anno ^ 5-42 da fundação de Roma j e 211 antes da era de Cbristo. Toma Annibal Otranto , excepto a Fortaleza. Polybio Livro VIII. cap. 19. Em Espanha são vencidos e mortos pelo exercito d' Hasdrubal os dous Scipioes , primeiro Publio atravessado com huma lançi , e dahi a desanove dias Gneo queimado vivo dentro d'huma Torre , a que se acolhera. Lívio Li- vro XXV. cap. :?4. e cap. 36. Lúcio Mareio Cavalleiro Romano , vendo mortos os dous Generaes , toma a si o governo do derrotado exerci- to , e dando com elle sobre os nossos , mata-nos trinta c sete mil. Livio LivroTXXV. cap. 37. Oitavo Amo ^ ^j^^ da fundação de Roma, e 211 antes da era de Cbristo. Annibal , tendo tentado em vão livrar Capua do cer- co , que lhe tinhao posto os Romanos , passa com exerci- to a Roma , e aloja-se sinco milhas á vista delia. Achan- do que na cidade não faltavão Legiões que lhe resistissem , levanta o campo, e vem pela Pulha até Régio. Entretan- to hc tomada Capua pelos Romanos: mas os principacs da cidade , que estavão pelos Carthaginezes , de ódio e raiva se matáo a si mesmos todos com veneno , por não ca- DAS SCIENCIAS DE L I S B O A. 1^-J cahircm nas mãos do inimigo. Poiybio nos Excerptoí; do Livro IX , cap. 4 e segg. Ncno Jutio , J44 da fundação de Roma ^ e 210 antes da era de Chrisío. ^ Scipião Africano , que no anno antecedente tinha sido mandado a Espanha, feito Procônsul tm idade de vinte e quatro annos , dentro d' hum dia toma por assalto a cidade de Carthagena , c manda repartir o esbulho pelos solda- dos. Poiybio Livro X, cap. 15 , e segg. Undécimo Ânuo j 5*46 da fundnçao de Roma ^ e zcZ antes da era de Christo. O Cônsul Marccilo he morto numa emboscada , que Annibal lhe armou ; e o outro collega Crispino obrigado a fugir ferido, Poiybio Livro X, cap. 29. Três poderosos Régulos a'Esponha, Mandonio, In- dibil , c Edecáo , deixado o pnrtido Carthagincz , se passão ao dos Romanos, estando Scipião em Tarragona. Foi esta huma consequência , parte da tomada de Carthagena , par- te da dureza e extorsões com que Hasdrubal irmão d'Han- nibal tratava os nossos. Por vezes acclamao os Espanhoes Rei a Scipião, o qual constantemente recusa este titulo, como odiosíssimo e perigosíssimo entre os Romanos. Dá Scipião batalha a Hasdrubal, e o vence junto á cidade de Bécula. Poiybio Livro X des do cap. 21 até o cap. 27, e Livro XI , cap. 20. Livio Livro XXVII , cap. 18 , e cap. 19. Duodécimo Anno j 547 da fundação de Roma, e 207 antes da era de Cbristo. Hasdrubal irmão d' Hannibal afugentado d' Espanha por Scipião , junto hum grande exercito d' Espanhoes e Fiancezes , passa á Itália , com intento de se ir unir cora An- líS Memorias da Academia Real Annibal. Interceptadas as cartas que mandava para seu ir- mão , he Hasdrubal derrotado em batalha pelo Cônsul Cláu- dio Nerão j e não só derrotado , mas morto. Polybio nos Excerptos do Livro XI, cnp. 2 , e Livio no Livro XXVII, cap. 49 onde nota , que nesta b;Uallia tinha Hasdrubal pos- to toda a sua confiança nas tropas veteranas dos Espa- nhocs. Sabida por Annibal a derrota e morte do irmão , cheio de dor se recolhe ao Abru/o. Se Hasdrubal tivesse conseguido unir-se a Hannibal , confessou depois Scipiáo Africano, que então acabaria de todo o nome Romano. Livio Livro XXVI, cap. 41. Decimo terceiro Ânuo, 5" 4 8 da fundação de Roma, e 206 antes da era de Christo. Lança Scipiâo fora de toda a Espanha os Carthagine- zcs , rotos em batalha os seus dous Gcneraes , Hasdrubal filho de Gisgon , e Magon filho d'Amilcar. Scipiâo cheo de despojos e de gloria , depois de ter passado a Africa , se recolhe a Roma , onde em pleno Se- nado se jacta , de que tendo sido mandado a Espanha con- tra quatro Gencraes , e contra quatro exércitos vencedores, não deixava agora em Espanha Carthaginez algum. De Ro- ma torna Scipiâo a ser mandado a Africa contra Annibal. Livio Livro XXVIII, cap. 16 e 38. Do que o mesmo Livio deixava escrito no capitulo 20 do Livro XXVII consta que Hasdrubal filho de Gis- con , antes desta batalha, estivera acampado com os seus na Lusitânia. Decimo sexto Anno , ^^i da fundação de Roma, e 203 antes da era de Christo. Derrota Scipiâo em Africa o exercito d'outro Hasdru- bal filho de Gisgon , c o de seu alliado Syface Rey dos Massylos j o qual de amigo dos Romanos passara a ser ini- mi- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. T^f} migo, casando com huma filha d'Hasdrubal, por nome So- fonisba. De trinta mil homens, de que constava o exerci^ to Catthagincz , dez mil ciáo Espanhoes : os quaes ainda que a maior parte ficarão mortos: pelo muito tempo , e grande valor com que resistirão aos Romanos , dcrao lugar a que os dous Gcneraes se podessem retirar com o resto dos que fugirão; a saber, Syface para o seu Reino, e Hasdrubal para Carthago. Folybio nos Excerptos do Livro XIV, cap. 769. Animados os Carthaginczes com a presença d'Anni- bal , a quem tinhão chamado, e feito vir da Itália, atre- vem-se a maltratar aos Embaixadores de Scipião na volta de Carthago: com o que se accendco de novo o ódio das duas nações , e se ateou mais vivamente a guerra entrei- las. Polybio nos Excerptos do Livro XV, cap. 3. Decimo sétimo atino ^ 5*^2 da fundação de Roma, e 202 antes da era de Christo. CoUoquio d'Annibal com Scipião , á vista dos dous exércitos , sobre se far.cr a paz. Foi magestosissimo o dis- curso de ambos. Porem Annibal , ^ue era o que pedia a paz , fallou em taes termos , que ao mesmo tempo que exaltava o valor de Scipião , mostrado em quatro batalhas que vencera em Espanha, e noutras quatro em Africa ; com a memoria e recapitulaçao que faz das victorias, que elle Annibal alcançara em Itália , e do terror em que poséra por tantos annos os Romanos ; dava a entender , que o de que Scipião se devia mais jactar , era ser agora Annibal o que se lhe humilhava. Com que em lugar de mitigar o animo de Scipião , o tornou Annibal mais duro e inflexi- vcl. Assim sem se concluir nada sobre o negocio da paz, de>» quacsqucr outros bens. Que entreguem todos os cativos » e desertores Romanos. Que entreguem todas as náos » d'alto bordo , e fiquem só com dez fragatas. Que fora » d'Africa não facão guerra a ninguém : e dentro delia » não a facão , sem permissão do povo Romano. Que não j> inquietem o Rey Masanissa , antes lhe entreguem tudo j» o que lhe tinhão tirado. Que por sincoenta annos pa- >» guem aos Romanos cada anno dez mil talentos de pra- j> ta.» Polybio nos Excerptos do Livro XV, cap. 18, e Todas estas condições forão necessárias , para os Ro- manos se segurarem no projecto, que tinhão formado, de senhorear o mundo todo j e também para resarcirem parte dos gravíssimos damnos , que Annibal lhes causara em Itá- lia; onde, como escreve Appiano, forão mais de quatro- centas as cidades que elle destruio , e mais de trezentos mil homens , os que elle fez perecer em diversas batalhas. Em todas ellas forão os nossos Espanhoes companhei- ros fieis dos Carthaginezes , assim na prospera , como na adversa fortuna ; em todas terrível aos Romanos o seu va- lor , terrível a sua braveza. Tendo sido Annibal o maior capitão do seu século , e hum dos maiores do mundo ; não duvida escrever Floro no Livro II , cap. 6, , que a nossa Espanha fora a mestra d'Annibal. Depois de vencido por Scipiâo em Africa , não fez Annibal no mundo outra figura, que a de fugitivo. Scipião foi o primeiro, que en- tre I DAS SciENCiAS DE Lisboa. i6r tre os Romanos tomou o sobrenome da nação que dcbel- lárj , chamaudo-sc Africano. Livio o observa no fira do Livro trigésimo. Terceira guerra Púnica. Sincoenta annos depois de concluída a segunda guerra Púnica , isto he , no anno éoj da fundação de Roma , e 149 antes da era de Christo, começou a terceira, a que os Carthaginezes derão occasião , infestando as terras do velho Rei Masanissa , e pondo náos de guerra no mar , conrra o que se continha no ultimo tratado de paz com os Romanos. He constante , (e assim o notou com outros Ammíâ- no Mcircellino no Livro XXIV) que Poiybio acompanha- ra e ajudara nesta guerra a Scipião Emiliano. Porém da sua descripção não se conserva hoje de Pi.lybio , senão o Excerpto CXIII , que contém somente a noticia d' huma embaixada , que os Carthaginezes mandarão a Roma , quan- do ainda havia alguma esperança , de que se poderia evi- tar a guerra. A Historia de Floro , e de Appiano he que nos in- forma , que irritados no ultimo extremo os Romanos con- tra os Carthaginezes, deo o Senado ordem aos dous Côn- sules Censorino e Manilio , que partidos a Africa com oi- tenta mil infantes, e quatro mil cavallos , não sahissem de Carthago, sem a deixarem arrazada. Mas esta gloria esta- va reservada para Scipião Emiliano , a quem depois d'huni apertado cerco de quatro annos se renderão quarenta mil homens , com o seu mesmo Governador Hasdrubal , anno 608 da fundação de Roma, e 146 antes da era de Christo. Era este Scipião filho natural de Paulo Emilio, e fi- lho adoptivo de Scipião filho do Africano. Valério Máxi- mo Livro V, cap. 10. Dcsasete dias ardeo Carthago , posto o fogo a's ca- sas , e aos templos pelos seus mesmos habitantes : e sendo T. IX. P,L X a rCz Memorias da Academia Real a mulher d'Hasdrubal huma das heroinas, que voluntaria-> mente se precipitarão nas cliammas. Floro Livro II, cap. ly. Notou-sc , que no mesmo anno que Scipiao destruio Carthago , destruio Mummio Corintho. Mas dahi a cento e dous annos mandou Augusto César reedificar e povoar ambas estas duas capitães, huma da Africa, outra da Acaia. Appiano bem no fim da sua Historia Lybica. Carthago distava de Tunes cento e vinte estádios. Polybio Livro XIV, cap. lo. Isto he , Senhores , cm summa , o que do império dos Carthaginezes em Espanha , e das suas três famosas guerras com os Romanos, ^oude descobrir a minha curio- sidade, que parecesse digno da vossa attenção, e podesse iJlustrar a nossa antiga Historia neste seu importante ramo. DISSERTAÇÃO VIIL Império dos Romanos em Espanha , expulsos delia os Cartha- ginezes. O Preambulo. MEU intento nesta Dissertação , não he tecer nem ain- da em compendio , huma historia seguida das nossas guer- ras com os Romanos. Pelo que toca á historia geral , Ma- riana o fez com bastante exacção. Pelo que toca á histo- ria particular da Lusitânia , Resende pouco deixou que dizer de novo. O meu designio pois só he , dar huns breves Excer- ptos do que na nossa historia antiga ha de mais selecto , e de menos tocado pelo nossos modernos : e sobre tudo o verificar esses mesmos Excerptos com a fiel citação dos Authores clássicos , donde cada hum delles se tirou : e fi- nalmente fixar as épocas dos successos por ordem aos Con- sulados , c aos annos da fundação de Roma , segundo a chro- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. líj chronología mais bem recebida , qual he a de Petau : a qual todavia nao dilFcre da que com Sigonio adoptou Re- sende , scnáo em andar hum antio mais atrazada. Como huma notável parte da historia destes tempos, sao os Régulos d' Espanha os que a formão j começarei os meus Excerptos pelo catalogo destes Régulos : e será este catalogo não somente huma cousa nova entre nós ; mas servirá também de supprir a grande falta que temos de memorias d'outros Soberanos mais antigos d' Espanha. Porque os de que Florião de Campo nos dco noticia pelo suppositicio Beroso de João Annio : quero dizer, os Brigor y os TagOT j os Betos , os Sicoros ^ e outros muitos forjados na mesma officina ; logo os nossos dous grandes criticos Barreiros , e Resende , descuberta a impostura , os deráí> por quiméricos. Os que Mariana porém admittio por suc- cessores destes, fundado na authoridade de Diodoro de Si- cilia , de Justino , e d'outros Escritores antigos : a saber , Geryão y Hispalo, Atlante j Sicalo , Gargoris y Abidis \ a his- toria destes Reis se acha tão mesclada de tantas fabulas , e ainda d'anachronismos , que eu dos tempos heróicos me não atrevo a designar Rei algum certo na Espanha. E dos tempos que depois mediarão entre o principio das Olym- piadas , e entrada dos Carthaginezes em Espanha , só re- conheço por indubitável o Rei Arganthonio de Tartésso y celebrado por Heródoto , Cicero , Estrabão , e Plinio. Assim he muito para estranhar, que Fr, Bernardo de Brito, não fazendo caso da justa censura, que ao Beroso de João Annio tinháo feito em Portugal Barreiros , e Re- sende , em Castella João Luiz Vives , e o Bispo Cano ; enchesse pelo contrario huma grande parte do primeiro tomo da Alouarqnia Lusitana , com a relação circunstancia- da de tantos Reis fabulosos ; a qual hoje só pôde servir de tornar ridicula aos sábios estrangeiros toda a nossa his- toria antiga , e de fazer perder o credito entre os nacio* nacs sisudos, a tudo o mais que Brito publicou. X ii s xâf Memorias da Academia Rial § I. Doí Rfis e Regidos d^ Espanha em tempo dos Cartkagiuezes j e dos Romanos. Do tempo dos Caithaginezes descobri© a minha lição C]uatio insignes Régulos d' Espanha ; a saber, Oriisao, Ta' go , Firiatho prlinciro deste nome, c Atmtsitu, D'Orisjão nos dá noticia Diodóro de Sicília nos Ex* cerptos do Livro XXV, Tomo II, pag. jii onde diz, que sitiando Amilcar Barca a cidade de Hclice , viera o Rei Orissáo cm socorro dos sitiados; c que ao passar hum cau- daloso rio, d' hum sacão que o cavallo deo , cahira na cor- rente , c morrera afogado. Tago chama Silio Itálico aquelle Regulo, a quem Ha^drubal matou, e cujo escravo matou depois a Hasdru- bal , para assim vingar a morte de seu senhor. Silio Li- vro I , verso 5: a , e segg. /Intiqua de stirpe Tagum. Firiatho primeiro deste nome, he muito celebrado pe- lo mesmo Silio Itálico : como quando no Livro III , ver- so 35'4 , e segg. diz, que elle era o que capitaneava o terço dos Lusitanos , que com os outros povos d' Espanha scguião a Annibal para a guerra d' Itália. E quando no Livro X descrevendo a famosa batalha de Canas , diz no Terso 220 , e segg. que nclla matara Viriatho a Quinto Scrvilio , e que depois fora morto Viriatho pelo Cônsul Emilio Paulo. Reg^iator Ibera magnanimus terra. Amustto Regulo dos Ausetanos no Reino de Navarra , depois de se ter alistado em serviço de Gneo Scipiao j passou para o d' Hasdrubal. Livio Livro XXI, cap. 61. Do tempo dos Romanos he maior o numero que se acha dos Régulos Espanhocs. Eisaqui os seus nomes. Allucio Regulo de Carthagena , foi o que estava ajus- tado para casar com aqucUa dama mui termosa , que entre outras cativas trouxerão a Scipiao Africano : e o que por ver DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. l6f ver a honfa e contincncia , com que Scipiâo a tinha trata- do, mandando-lha por ultimo entregar intacta; aceitou gos- toso ser seu vassallo, e lhe offerecco para o ajudarem na guerra mil c quatrocentos cavalleiros. Livio Livro XXVI, cap. j-Q. Mandonio , c Indibil , aquellc Regulo dos Lacetanos , este Regulo dos Ilcrgetes , tanto que tomada Carthagcna virão os rápidos progressos das armas de Scipiáo Afii^ano, unirão se a clle por algum tempo : depois torndrão-se a re- bcliar. Livio XXVII , cap. 17 ^ e Livro XXVIII, cap, 34. Eàech ^ ou Edescdo^ era outro Regulo nosso do mes- mo tempo , que também veio cíFcrecer-se ao serviço de S>:ipião Africano. Polybio nos Excerptos do Livro X , cap. Corbis , e Orsua crão dous irmãos , que andavao em demanda, sobre qual havia de ficar com o senhorio d' hu- m.i cidade chamada Ibis , que alguns conjecturão ser a La* tibis de Ptolomeo , hoje iorre de la Cevada na Betica. A tempo que Scipião celebrava em Tarragona as exéquias dô seu pai e tio , mortos pouco antes pelos nossos na bata- lha de Becula ; os dous irmãos se lhe oíFerecêrão para em desafio dirimirem a contenda , que entrambos traziao. Sa- hindo ambos a campo, foi Orsua morto por Corbis, qu8 era o mais velho. Livio Livro XXVIII , cap. 20. Coitas Regulo de vinte t oiro cidades, em tempo do mesmo Scipiiro. Livio Livro XXVIII, cap. 13. A este cha- ma Polybio Colicante. Polybio nos Excefptos do Livro X, cap. t8. Mas pelo que toca ao numero das cidades , em que leinava Colcas , he primeiramente notável o descuido qua teve Livio, em não declarar sequer a principal delias, ou qual fosse a comarca. Em segundo lugar noto , que nou- tra parte, isto he , no Livro' XXXIII , cap. 21, diminue Livio muito o dito numero, porque assigna a Colcas só desascte cidades. t66 Memorias da Academia Real JNanes , Regulo dos Tudertanos, hoje os Andaluzes,' pelo iiKsmo tempo. Livio Livro XXVIII, cap. 15-. Bclistages y Regulo dos Ilergetes cm tempo, que o CoiTíul Marco Porcio Catão se achava em Espanha. Livio Livro XXXIII, cap. II. Luscino y Regulo de Cardona c Bardona , que junta- mente com o sobredito Colcas tomou pelo mesmo as armas contra os Romanos. Lívio Livro XXXIII , cap, 21. Foi grande inadvertência de Dujat , dizer que esta Cardona , e esta Bardona crão as cidades de Cardona e BeV' ga y que ainda hoje existem em Catalunha. Porque a Ca- talunha todos sabem, que pertencia á Espanha citerior : e a guerra que os dous Régulos Luscino , e Colcas move- rão aos Romanos, he expresso aqui em Tito Livio, que fora na Espanha ulterior. Corribílão , Regulo da cidade de Litahro , a quemi Caio Flaminio tomou vivo. Livio Livro XXXV, cap. 22. Turro , Regulo da cidade d'Alce , entregou-se ao Pre- tor Tito Sempronio Gracco. Livio Livro XL, cap. 49. Viriatho segundo do nome , a quem pela gloria e fa- ma de seus illustres feitos , e para diíFerença do primeiro podemos chamar o grande Viriatho. Senhoreou-se da Lusi- tânia , donde era natural , logo depois da terceira guerra Púnica , e poz aos Romanos em não menos cuidado e ter- ror, do que antes o fizera Annibal. Floro Livro II, cap, 17. Epitome de Livio Livro LII. Sexto Aurélio Victor no Livro dos Varões Illustres ., cap. 71. Morto por traição Viriatho , succedeo-lhe no governo dos nossos Tautano. Diodoro Livro XXXII, Écloga V, To- mo II, pag. s^i' Estes são os Régulos d' Espanha mais insignes , de que a Historia Romana faz menção. Além destes porém houve outros , que ainda que se não nomeão Régulos , as suas acções com tudo os dão a conhecer por grandes personagens entre nós. Desta classs apon- t)AS SciENCIAS DE LiSBOA. l6y apontarei aqui só quatro, que forão Merico , Rhetogcnes , Cónnolas^ e Salottdico. Mcrico achava-sc em Sicília no serviço dos Carthagi- nezes, quando Annibal devastara toda a Itália. Advertido porém do deplorável estado , a que as cousas dos Cartha- ginezes estavao reduzidas em Espanha , depois da derrota dos dous Hasdrubaes ; passou-se ao serviço do Cônsul Mar- cello , que então estava de sitio sobre Saragossa , e lhe entregou a importante praça de Naso com toda a sua guar- nição. Procedimento feio e detestável : mas que lhe conse- gui© entre os Romanos huma honra , que eu não sei que fosse nunca concedida a outro .£spanhol. Porque depois da tomada de Saragossa, triumfando Marcello em Roma, So- sis Syracuzano, e o nosso Merico forão na dianteira com coroas d'ouro nas cabeças : aquelle por ter dado entrada aos Romanos para dentro de Saragossa ; este por lhes ter entregado Naso. Além disto a cada hum foi dada sua ci- dade com quinhentas geiras de terra. Nem ficou também sem o seu premio o outro Espanhol , por nome Bellige- no , que aconselhara a Merico a deserção. Derão-se-!he quatrocentas geiras. Livio Livro XXV, cap, 30, e Livro XXVI, cap. 21. Rhetogenes y tendo se passado para as partes de Me- fello , deo occasião , a que por não matar a dous filhos seus que pelejavâo pelos Espanhoes seus naturaes , levan- tasse o mesmo Metello o sitio que tinha posto á cidade de Nercobriga , ou como outros lhe chamão Centrobrica. Valério Máximo Livro V, cap. 1. Cónnobas era capitão d' huma quadrilha de salteadores , a tempo que Quinto Fábio Serviliano trazia guerra com' Viriíitho. E o mesmo Serviliano , depois de expugnar a cidade de Baccia , apanhou a Cónnobas , e perdoando a este, mandou cortar as mãos a todos os seus companhei- ros. Supplemento de Livio, Livro LIV, cap. 10. Salottdico , homem de tão grande astúcia , como reso- lução , foi o que batendo na terra conx huma lança, que el- i68l Memorias da Academia Real elle dizia lhe tinha vindo do ceo , deo principio i guerra de Numancia : e faria Icvaiuar-sc contra os Romanos a Es- panha toda , se a tempo que elle estava naquella acgao , não fosse atravessado com hum pique. Floro Livro II , cap. 17. Durando as guerras civis entre César e Pompeo, são celebres do Terço dos Lusitnnos hum Catão , c hum f;7o, que se passarão do partido de Pompeo para o de César. Dclles faz menção Hircio ou Oppio, Author do Livro De Bello Hispaniensi. § IL Qjiando começou , e quanto durou a guerra àos Romanos com os Espauhoes. Espanto e terror em que as nossas armas tiverão sempre os Romatws, Até o principio da segunda guerra Púnica, nunca os Romanos tinhão entrado em Espanha com mão armada : antes nella tinhão boa amizade com os de Sagunto. De- pois que Annibal com a tomada de Sagunto deo occasião a se romper a guerra entre Romanos c Carthaginezes ; (o que foi no anno yjó da fundação de Roma, e 218 antes da era de Christo : ) então he que a Republica Ro- mana , partido Annibal para a Itália , mandou pela pri- meira vez exercito e armada a Espanha , onde ficavão por parte dos Carthaginezes os dous generaes Hannon e Has- drubal. Governava este exercito e armada Gneo Scipião , ao qual se ajuntou pouco depois com outro exercito e outra armada, seu irmão Publio. Livio Livro XXI, cap. ai. Este Gneo Scipião, depois de ter vencido primeira- mente a Hannon na batalha de Cissa , depois a Hasdrubal na batalha de Tarragona ; ajudado também da boa manha que tinha para attrahir os povos ; no breve espaço de sete annos tirou ao Império Carthaginez , e ajuntou ao Roma- no DAS Ser EN CIAS DE LlSBOA^ l6^ no huma grande parte d' Espanha. Polybio Livro III, cap* 76 e 97 j Livio Livro XXI, cap. 60, e Livro XXII, cap. 20. Achando-se os dous Scipiões ambos juntos, cada hum com seu exercito na batalha d'Anitorgis , a que da parte contraria tinhao concorrido com outros tantos exércitos três Generaes Carthaginezes, Magon , Hasdrubal filho de Gis-' gon , e Hasdrubal Barcino irmão d'Annibal : succedeo mor- rerem desgraçadamente nesta batalha os dous Scipiões ; pri- meiro Publio atravessado com huma lança ; depois Gneo queimado vivo dentro d' huma torre vizinha, a que se ti- nha acolhido. Livio Livro XXV, cap. 32, e scgg. Ciccro (não me lembra onde) cOm elegante metáfora chama a estes dous Scipiões dous Raios do Império Roma- no. Sdpioties duo fulmina nostri' imperii in Hispânia occidcnint, A qual metáfora imitou depois Virgílio, quando no Sex- to da Eneida, verso 842 disse: Duo fulmina lelli Scipiadas. Estava Espanha por estes tempos dividida em varias Dynastias , ou pequenos Governos Soberanos , como mais antigjmcnte estivera também a Grécia: o que como obser- va Estrabão no Livro III, pag. 238 foi a causa da ruina de ambas. Porque hum corpo ainda que grande, se tem as forças divididas , facilmente vem a ceder , a quem o aco* mette por partes. Estes nossos Régulos , e os Povos a elles sujeitos , parte aborrecidos da dominação estranha , parte incitados da sua natural braveza , a cada passo se estava rebel- londo contra os Romanos. Hoje constrangidos da maior força , depunhão as armas : ámanhaã impacientes do jugo as tomavão a tomar. Gens nata instaurandis reparandisque bel- lif , diz Livio no Livro XXIV, cap. 42. Esta Índole feroz e bellicoza dos Espanhoes , fazia que os Romanos os não temessem menos quando vencidos , do T.IX. P.I, Y que 170 Memouias da Academia Real que quando vencedores. E cazos houve , em que o medo chegou a ser nos Romanos consternação. Disto nos refere dous illustrcs exemplos , hum a Historia de Livio , outro a de Polybio. Corria o anno oitavo da segunda guerra Púnica , que era o anno 543 da fundação de Roma, e 2op antes da era de Christo , quando sabida em Roma a desastrada mor- te dos dons Scipioes em Espanha , aconteceo o que Livio refere no Livro XXVL cap, 18. por estas palavras. = Em Roma, depois que se recuperou Capua , já ao Senado c ao Povo não dava maior cuidado Itália do que Espanha. To- dos concordavão , que se devia recrutar de novo o exerci- to, e que se devia mandar hum General novo. Mas não sabiao , quem elle havia de ser : só sim , que onde tinhao sido mortos dous Generaes summos , devia aquelle que lhes succedcssc , ser escolhido com huma circunspecção extraor- dinária. Nomeavão huns este, outros aquelle : mas nenhum enchia as medidas. Por fim chegou a cousa a termos , que o Povo pedio se ajuntassem Cortes , onde se votasse no Procônsul, que devia ser mandado a Espanha: e os Cônsu- les assinarão dia para o Congresso. Entrementes estava-se esperando (creio que ninguém notará este adverbio, em sabendo que elle tem por si a respeitável authoridade d'hum tão grande Escritor dajingua Portugueza , como he o gran- de Bispo de Portalegre D. Fr. Amador Arraiz:) Entremen- tes , torno a dizer , estava-se esperando , que alguns dessem os seus nomes , para se ver , se erao dignos d'hum tão im- portante Governo, E como se visse baldada esta expecta- ção , renovou-se em todos a dôr d'hunia tão grande per- da , c cora a dôr a saudade dos dous Generaes defuntos. Cheia pois de tristeza a Cidade , e quasi falta de conse- lho , desceo todavia ao campo no dia das Cortes. Então postos os olhos nos Magistrados , e vendo que os que en- trelles erão os Príncipes, olhavão também huns para os ou- tros , como tomados todos da mesma perplexidade : alli foi bramir do Povo, que se lamentava, de que a Republica es- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 1^1 estivesse reduzida a hum tão deplorável estado , que não apparecia ninguém , que se atrevesse a ir governar Espa- nha. Eis que de repente se levanta Publio Curnelio Scipião j moço que teria vinte e quatro annos, filho do outro Pu- blio do mesmo sobrenome, que tinha sido morto tm Es- panha ; e diz que elle está prompto para aceitar aquelle cargo. Nisto vokâo todos os olhos para elle , cheios não menos de gosto, que d'admiraçáo; e depois de lhe terem significado com huma alegre grita , quanío applaudiáo o seu ofFerecimento , e quanto o tinhão em bom agouro : todos a huma, não só centúrios, mas homens, mandarão que se desse a Public Cornelio Scipião o império d'E&panha. = Atéqui Livio. Antes que passemos ao segundo exemplo , pede a boa ordem das cousas , que deixemos primeiro notado em sum- ma , o que entre nós fez este Scipião o moço. Chegado em breve a Espanha , a primeira obra com que Scipião nobilitou o seu nome, e abrio caminho a maio- res conquistas , foi a tomada de Carthagena executada n'hum dia. Polybio Livro X. cap. 15- , e segg. Livio Livro XXVL des do capitulo 42 até o capitulo 46. Dahi a dous annos, venceo Scipião aHasdrubal irmão d'Annibal na batalha de Bécula , donde Hasdrubal fugio para os Pyrineos. Polybio Livro X. cap. 31,6 segg. Li- vio Livro XXVII. cap. 18 , e cap. i^. Dahi a outros dous annos venceo Scipião ao outro Hasdrubal filho de Gisgon , e a seu Ajudante Magon filho d'Amilcar em segunda batalha junto á mesma , ou a outra Bécula. Com a qual victoria , que foi no anno decimo ter- ceiro da segunda guerra Púnica , expulsou Scipião para sempre de toda a Espanha os Carthaginezes. Polybio Li- vro XI. cap. 18. e segg. Livio Livro XXVIII. cap, 16. O decimo terceiro anno da segunda guerra Púnica , coincide com o anno 5'48 da fundação de Roma, e 206 antes da era de Christo. Por este lugar de Livio pois, onde a expulsão dos Y ii Car- 17a Memorias DA AcademiaReal Carthaginezcs d'Espanha se põe no anno decimo terceiro da guerra , se deve emendar o outro do Epitomador de Livio, que a põe no anuo decimo quinto. Depois destes felices successos em Espanha , passou Publio Cornelio Scipião a Africa , onde derrotando em batalha a Annibal , conseguio o sobrenome d'Afric3no, Li- vio Livro XXVL cap. 18 , c Livro XXX. cap. ultimo. O primeiro exemplo acima referido pelas palavras de Livio , he do tempo , cm que a segunda guerra Púnica ainda nao estava no meio. O segundo acontecco dous an- nos antes de se começar a terceira guerra , isto he , no an- no 602 da fundação de Roma, e if 2 antes da era de Chris- to ; quando cm Espanha se achava o Cônsul Cláudio Mur- cello , ameaçado da guerra dos Arevácós , Povos bellico- ■/issimos de Castella velha sobre o Douro, os quaes Poly- bio contra o costume de todos os outros Escritores Roma- nos chama Jranãcos \ bem como chama também lingos ou- tros Povos comarcãos , que os outros Escritores nomeão Ti- thos. Descreve-o o mesmo Polybio na Écloga CXLL por estes termos. = Quanto maior era o cuidado , com que o Senado se applicava aos aprestos desta guerra ; tanto maior admiração cauzou , o que então se vio. Achavão-se nesta occasiâo em Roma Quinto Ponteio , que os annos passa- dos tinha sido Governador das Armas em Espanha , e com ellcs muitos OfHciaes , que lá tinhão militado. Estes porém não cessavão d'exaggerar , quão grande fosse o valor dos Espanhoes ; quão frequentes as vezes , que os Romanos se virão precizados a pelejar com elles em batalha formada ; como nestes conflictos forão innumeraveis os Romanos , que perecerão. Ajuntava-se a isto , que Marcello por bo- ca dos mensageiros que enviara , confessava abertamente , quanto aquella guerra o assustava. Nestes termos foi tal o pavor, que occupou os ânimos dos moços, que. os velhos affirmavão , não o terem nunca visto semelhante. Tanto se deixarão os homens penetrar do medo da ferocidade Espa- nho- DAS SciENClAS DE LiSBOA. Í7Í nhola , que quando outras occasiões se costum as nossas. Qiie a guerra se fizesse enl ambas as Espanhas , cons- ta do que di/, Livio no mesmo Livro XXXIIL primeira- mente no cap. 20. que na Espanha Ulterior tomarão as ar- mas dous poderotos Régulos delia , Colcas e Lucinio : aquel- ]c senhor de desa>ete cidades, (ou como o mesmo Author tinha escrito no Livro XXVIIL cap. 13. de vintoito ) ; este senhor de Cardona, e de Bardona. Depois no capitulo ij, qu« Caio Sempronio Tuditano na Espanha Cirerior fora venci* do em batalha , roto e posto em fugida o seu exercito ^ mortos muitos officiaes de conta , eelle também mortalmen- te ferido , de sorte , que pouco depois espirara. Esta infausta noticia obrigou o Senado , a que no anno 5^9 da fundação de Roma, e ipj' antes da era de Ghris- to, mandasse que alem dos dous Pretores ordinários, par- tisse também para Espanha com exercito separado hum dos dous Cônsules. Fora) nomeados por Pretores para a Espanha Citerior Publio Manlio , e para a Ulterior Appio Cláudio Nero : e mandados os dous Cônsules Lúcio Valério Flacco , e Mar- co Porcio Catão sortear entre si as Províncias, coube Es- j)anba a Catão. Livio Liyro XXXIIL cap. 43. No- I<>0 MeMOKIAÍ da ACADEMI aRsaL Nobilitou Marco Porcio Catão o seu Governo d'Esj)a« nha , não só pelas victorias c conquistas , que liie conse- guirão a honra do Triunfo , como attestao os Fastos Ca- pitolinos attribuidos commumentc a Vcrrio Flacco , cscritoi do tempo d'Augusto ; mas também por hum estratagema , de que uzou para deixar os nossos sem defensa , do qual nos dao noticia Júlio Frontino , c Sexto Aurélio Victor. O estratagema foi , que para evitar que os Povos da Espanha Citerior se tornassem a levantar Confiados nos fortes mu- ros , de que as suas cidades estavão cercadas ; cscreveo Ca- tão a todas as cidades rendidas , mandando-ihcs que demo- lissem os muros , sob pena de lhes tornar a fa/er guerra. E os Povos não sabendo , que o que se mandava a hum se mandava também ao outro, todos assim o fizcrao. Frontino no Livro I. Dos Estratagemas ^ cap. i. e Sexto Aurélio Vi- ctor no Livro Dos Varões Illustres ^ cap. 47, Isto que no principio da guerra praticou Catão com as cidades da Espanha Citerior, foi o mesmo, que no fim da guerra praticarão muito depois os Romanos com as ci- dades daquclla parte da Ulterior, que formava a nossa Lu- sitânia. Assim o attesta Estrabâo no Livro III, pag. 231. E julga Casaubon , que quem imitou nisto o exemplo de Catão, foi Júlio César, que como escreve Plutarco, de- bellou por ultimo os Gallegos e os Lusitanos. Exccllcnte prova do valor dos nossos , temerem-nos os Romanos, ain- da depois de vencidos ; e não darem por seguro o seu do- mínio na Lusitânia , em quanto as nossas cidades não fos- sem reduzidas a aldêas. Tito Livio no Livro XXXIV. cap. 17. diz que a pri- meira cousa que Catão fizera para conter os Espanhoes na sua obediência , fora tirar a todos as armas : mas que de- pois , sabendo que muitos dos nossos levarão tanto a mal esta violência , que a si mesmos se matavâo de puro des- gosto ; dera em fim ordem , que n'hum mesmo dia fossem demolidos os muros de todas as cidades da Espanha Cite- rior. Gente feroz, ajunta o mesmo Historiador, que tinha ■ ijfi pfl- DAS SciENCÍAS DE LiSBOA. 19! para si que o viver sem armas nao era viver. Ferox geriu/ f tiullam vitam rati sine arfí:is esse. Este costume de se matarem pelas suas próprias mãos, quando se vião obrigados ou a largar as armas, ou a ren- dcr-se aos inimigos; era hum costume, que Estrabão no Livro III, pag. 249 faz geral em todos os Povos da Es- panha, e principalmente nos setentrionaes. No principio da segunda guerra Púnica , quando An- nibal sitiou Sigunto, os moradores desesperados de remé- dio, c apertados da fome, fizerão na Praça huma grande fogueira , e se lançarão nclla com tudo o que tinhão de mais estimável e preciozo. Valério Máximo Livro VI. cap. 6. O mesmo durante a mesma guerra fizerão os morado- res da outra nossa cidade d'Astapa , achando-se estreitados a hum duro cerco por Scipião Africano. Livio Livro XXVIIL cap. 23. Depois da terceira guerra Púnica os de Numancia, vendo que Scipiao Emiliano nem queria levantar o sitio, nem dar-lhes batalha, mas obriga-los a rendor-se, como humas victimas; huns a outros se matárâf) , parte com fer- ro, parte com veneno, parte com as chamas cm que se precipitarão. Floro Livro II. cap. 1 8. Na guerra Cantabrica em tempo d' Augusto , houve mãys , que matarão a seus próprios filhos , por não virem a cahir em poder dos Romanos: c hum rapaz de pouca ida- de , acolhendo á mão huma espada , por ordem de seu pay matou a seus irmãos. O mesmo fez huma mulher a muitos homens, que com ella se achavão cativos ; mortos os quaes , cila se matou também a si mesma. Estrabão Livro III. pag, 249- e 250. Para estes cazos , costumavao os nossos trazer comsi» go , ou ter prompto emcaza hum veneno, que matava sem dôr , feito d'huma erva que Estrabão diz se parecia com o aipo , ou das bagas de teixo , como diz Floro. Estrabão Livro III. pag.-2yx. e Floro no Livro IV. cap. 12. Des- te 191 Memofias t)A Academia Real te veneno (í'Espanha faz tambcm menção Plinio no Livro XVI. cap. IO. Depois de Marco Porcio Catão , o Governador qac: mais dilatou o império dos Romanos na Espanha Citenor , foi Tito Scmpronio Gracco , sendo Cônsules Lúcio Mani- lio Acidino , e Quinto Fuivio Flacco , anno 575: da funda- ção de Roma, e 179 antes da era de Christo. Polybio n'lium fragmento que nos conservou Estrabão, refere que este Gracco tomara trezentas cidades nossas. Po- rém Possidonio, outro Author Grego, que depois de Po- Jybio , e antes d'Estnibão esteve muito tempo cm Espanha, diz, que esta asserção de Polybio fora huma exaggcração , de quem quiz exaltar as façanhas de Gracco, nicttcndo no numero e conta de cidades até as aldeãs e castellos ; como succcdia nos triunfos de Roma , onde entre os si- mulacros das cidades, conquistadas, se costumavão metter para maior pompa , muitas , que não merecião tal nome. E este mesmo he o sentimento do referido Estrabão no Li- vro in. pag. 247, que depois seguio Frinshemio no Sup« plemento da Historia de Livio , Livro XLL cap. 3. O fundamento d'Estrabão para assentir ao juizo , que Possidonio fizera das conquistas de Gracco na Espanha Ci- tcrior , he pnreccr-lhc excessivo o numero de trezentas ci- dades , consideradas como resto das muitas outras, que Ca- tão pouco antes deixara subjugadas. Pelo que assenta Estra- bão , que os que derão a toda a Região d'Espanha mil ci- dades,* foi porque contarão neste numero também as al- deãs. E com eífeito Floro no Livro IL cap. 17. não pôe conquistadas por Gracco na Celtiberia senão cento e sin- coenta , isto he , ametade das que Polybio contara. No presente assumpto he digno de se notar t.° que dons tão grandes críticos, como Casaubon na Syfiopse ciro- vologica da Historia Polybiana , e como Pctau no Livro XIIL. da sua Doutrina dos Tempos y cahissem no descuido, (por não dizermos infidelidade) de que referindo o que na fé de Polybio escreve Estrabão., que Gracco tomara na Espx-* aha. DAS ScifiNci AS DE Lisboa. 193 nha citerior trezentas cidades, omittisscm ambos o juizo , que deste numero fizerao Possidonio e o mesmo Estrabáo. He digno de se notar i.° o que muito depois se atre- veo a escrever João Dujat , commentando in ustun Delphini hum lugar de Tito Livio , que trata das conquistas de Gracco na Espanha citerior. Diz Livio no Livro XL, cap. 49 , que Gracco dentro de poucos dias rendco á sua obe- diência cento e trcs cidades ou villas acastelladas : c]ue hu- ma e outra cousa significa em bom latim o nome oppidum , como he corrente nos Grammaticos. Centum tria opptda in- tra paucos dies in deditionem accepit. Que havia de escrever aqui o commentador Francez ? Mirum fuerit , si tot viços in Celtiberia ftiisse dicamus. Seria huma cousa maravilhosa , se se dissesse , que na Celtiberia havia outros tantos lugarejos. Entre tanto Plinio manifestamente convence a ignorância deste critico, quando no Livro III, cap. i dá na Espanha ulterior só a Betica cento e setenta e sinco cidades : e no capitulo 3 a toda a Espanha citerior, duzentas e noventa e quatro. Na qual conta creio cu que ninguém dirá , que Plinio mette aldeãs no numero de cidades. Em memoria do seu nome e do seu governo , deixou . Tito Sempronio Gracco em Espanha a cidade de Cracctir- rif. Epitome de Livio no Livro XLL Como Festo Pompeo testifica , que a cidade que do nome de Gracco se chamou Graccurris ^ se chamava antes Ilurcis ; infere-se daqui , que Gracco não a edificou de no- vo, mas a ampliou, ou ornou de novos edificios. De Graccítrris existem amda hoje varias medalhas de- dicadas ao Imperador Tibério , de que faz menção Flores na sua collecção das Medalhas d^ Espanha^ pag. 448. Delias tlcra muito antes noticia o Padre Mariana. Julga-se que Graccurris era onde hoje está Agreda no Reino d'Aragão. Sobre as capitulações que Gracco deixara feitas na Es- panha citerior, se levantou dahi a vinte e seis annos en- tre os Espanhoes e o Senado Romano huma controvérsia, que se não dirimio, senão pelo arbitrio das armas. O caso y. IX, p. I. Bb foi 194 Memorias DA Ac ADEMiA Retal foi assim. Sendo Cônsules Quinto Fulvio Nobilior, e Tito Annio Lusco , anno 6oi da fundação de Roma, e 15-3 antes da era de Christo , rebcUados os Bcllos e os Tingos Povos commarcãos e visinhos do Douro , occupdrao lums e outros Segeda , cidade mui populosa e rica, c huma das que Gracco tinha feito confederada dos Romanos, e co- meçarão a cercalla d' hum muro de quarenta estádios. Qiie- rendo o Senado obrigallos a desistir da obra , e a contri- buir com os impostos e levas do costume ; responderão os nossos , que pelos Tratados de Gracco sim estavão cllcs prohibidos d'edificar cidades novas, mas não de restaurar e fortificar as velhas : e que no tocante a contribuir com os impostos e recrutas auxiliares d' huma e outra cousa os ti- nha eximido o Senado depois da paz de Gracco. Não es- teve por estas escusas o Cônsul Nobilior. Com hum exer- cito de trinta mil homens veio sobre Segeda. Sabendo isto os Bellos e Tingos, como a cidade não estava ainda bem murada , fugirão com suas mulheres e filhos para os Are- Vuccos. Mãocommunados na própria defensa os três Povos , elegem por General de todos hum Segedam por nome Ca- ro. Dá-se batalha entre Romanos e Espanhoes, e morrem de parte a parte seis mil homens , cntrclles o General dos nossos. Acolhendo-se estes aquclla noite a Numancia, ele- gem por successores de Caro dous novos Generaes , Am» bão e Leucão. Daqui teve principio a guerra de Numan- cia , que durou vinte annos , com igual estrago que igno- minia do Povo Romano. Supplemento de Livio , Livro XLVII, cap. 36, e segg. DAS SciENClAS DE LiSBOA. t<;y § V. Guerra dot nossos em tempo de Vtriatho. Conquistas de Bruto na Calliza e na Lusitânia. Renovação da guerra , sendo Sertório General dos nossos. Fim da guerra d^ Espanha debel' lados os Cantabros ou Biscainhos. Era de César instituida em honra de Augusto. Fundação de Merida , que veio a ser a Metrópole da Lusitânia até a vinda dos Godos. Depois do grande Annibal Carthaginez , não houve no mundo capitão , que mais terror causasse aos Romanos , e que deixasse de si maior fama nas Historias , do que o nosso Viriatho, segundo do nome. Delle fazem honorifica menção Cicero nos Officios , Diodoro de SiciHa noí seus Excerptos , Vclleio Paterculo, Valério Máximo, Frontino na sui Obra Dos Estratagemas ^ Silio Itálico no Livro V das guerras Púnicas, Floro, o Epitomador de Livio , Ap- piano na Historia Ibérica, Sexto Aurélio Victor no Livro Dos FarSes Illiístres^ Justino , Eutropio , e Orosio. Tudo o que se podia compilar de tantos authores , reduzo eu a illustrar dous lugares de Diodoro de Sicilia, que escaparão á diligencia de Resende ; os quaes quando não existissem outras memorias de Viriatho , bastarião por si sós , para no-lo darem a conhecer por hum capitão de singular merecimento entre todos os nossos ; ou como se explica Justino no Livro XLIV, cap. z pelo único que Es- panha produzio no decurso de tantos séculos. Todos os antigos convém , que Viriatho fora Lusita- no de nação, e que de pastor passara a ser salteador, de salteador a general d' hum justo exercito: isto he confor- me Appiano, d' hum exercito de dez mil homens. Cícero he o primeiro , que eu acho ter dado a Viria- tho o nome de ladrão , quando no Livro II Dos Officios , cap. 1 1 escreve assim : = Também dos ladrões se diz que Bb ii tem 196 Memorias da Academia Real tem suas leys. Por tanto pela igualdade que observava na repartição das prezas , teve Bargulo Ulyrico , como se lè em Tiíeopompo , grandes riquezas, e Viriatino Lusitano outras ainda maiores. = Qtiin etiam Jcgcs latromtm esse di' cuiiíur, Itaqtie propter aquabilem pradíe partitionem Bargulus lllyricus , àe qtto est apud Tbeopompiim , magnas opes habuit , et multo maiores Viriathtis Lusitanus. No qual texto de Ci- cero , ( para também advertirmos isto de passagem ) quer Henrique de Vertois , que em lugar de Bargtilus se leia Bardylís : por ser este o nome , que áquclle Regulo dos Illyricos deráo Helladio Bcsontino citado por Focio, Dio- doro de Sicilia no Livro XVI , cap. 4 , e Plutarco na vi- da de Pyrrho. O nosso Resende persuadio-se , que o tratarem os Romanos de ladrão a Viriatho , fora effeito de seu ódio e da sua inveja contra elle, para com este ignominioso titu- lo infamarem a memoria d' hum heroe, que tanto os ator- mentara e abatera. Eu de boamente conviera neste juizo d' hum tão gran- de homem , se mo não tolhesse a respeitável authoridade de dous escritores tão graves , e tão imparciacs , como Diodoro c Estrabão : os quaes ambos dão por huma cou- sa constante e averiguada , terem sido os nossos serranos geralmente avezados a viver de saltos e de roubos: porque faltando-lhes o sustento , por causa de não poderem ou não quererem cultivar as terras , hiao os moços em grandes quadrilhas a prear tudo , o que encontravão nos lugares commarcãos. Assim Diodoro no Livro V, cap, 34, Tomo I da edição de Wesseling, pag. 35'7 , e Estrabão no Livra III, pag. 231 da edição do mesmo Wesseling. Convém igualmente todos os antigos , que o que deo occasião a' guerra de Viriatho , foi a perfídia e crueldade , com que Sérgio Galba fez passar á espada muitos milha- res de Lusitanos, na forma que atraz fica referida. Pela attenta combinação porém dos Pretores e dos fa- ctos, que intervieráo nesta guerra está assentado entre to- dos DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. I97 dos OS modernos críticos , que entre a carnificina de Gal- ha e a eleição de Viriatho em General dos nossos , me- diarão sinco annos. Assim o advcrtio entre outros Justo Lipsio nas notas a Velleio Patcrculo. A diffcrcnça está , que Resende seguindo os Fastos de Sigonio , põe o caso de Galba no anno 602 da fundação de Roma, c 152 an- tes da era de Christo : e alliga o principio do Gcnerala- to de Viriatho ao anno 607 da fundação de Roma , e 147 antes da era de Christo , que he também a chronologia que Frinshemio adoptou nos seus Supplemcntos da Histo- ria de Tito Livio. Mas Petau , a quem costumo seguir, póe o caso de Galba no anno 603 da fundação de Roma , e lyi antes da era de Christo: e alliga o principio do Gencralato de Viriatho ao anno 6c8 da fundação de Ro- ma, e 146 antes da era de Christo. Huns e outros porém suppoem , que o governo de Galba coincidio com o Con- sulado de Lúcio Licínio Lucullo, e Aulo Postumio Albi- no : c que Viriatho fora eleito General , sendo Cônsules Lúcio Cornelio Lentulo , e Lúcio Mummio Acaico. Logo por ordem ás épocas daquelles dous acontecimentos , não ha entre os Chronologos maior differença , do que a d'hum anno. Ouçamos agora dous illustres Excerptos , em que Diodoro de Sicilia resumio tudo o que ha de mais glo- rioso na vida e morte de Viriatho. O primeiro he na Écloga V do Livro XXXII, To- mo II, pag. fij, e diz assim: = Os Lusitanos no princi- pio , como não tinhao hum hábil General , que os reges- se , facilmente na guerra com os Romanos cedião á sua força : mas depois que elegerão a Viriatho , causárão-lhes grandes perdas. Era este hum Lusitano , que costumado des de moço á vida de pastor e de serrano , e dotado de huma natureza robusta, veio a exceder na valentia e agi- lidade dos membros iodos os outros Espanhoes. Comia pouco : e de sono não dava ao corpo , senão o que abso- lutamente lhe não podia negar. A sua vida era exercitar- se continuamente no trabalho , trazendo sempre armas de fer- 198 Memorias DA. Academia Real ferro , pelejando com as feras e com os ladroes. Assim veio Viriatho a fazer-se celebre no povo , e por fim crca- do General , ajuntou a si hum esquadrão de salteadores. Fazendo cada dia maiores progressos na guerra , não so- mente se fez admirar pelas outras virtudes , mas também mereceo ser julgado excellcnte em todas as artes Impcra- torias. Além disto guardava muita justiça na repartição dos despojos \ e á medida do valor que os soldados tinhão mostrado nas occasióes , erão as dadivas e mercês , com que engrandecia a cada hum. E crescendo cada vez mais em espíritos, dava Viriatho a conhecer, que já não era hum ladrão, mas hum príncipe. Fez guerra aos Romanos, e ficou vencedor delles em muitas batalhas: de sorte que debellou a Vetilio General dos Romanos com todo o seu exercito ; e depois de o fazer prisioneiro , lhe tirou a vi- da. E por este modo concluio felizmente outras muitas guerras , até que foi eleito General contra ellc Fábio. D'en- tão por diante começou Viriatho a descahir. Mas tornan- do a recobrar as forças , depois de ter pelejado illustre- mente contra F;'.bio , o obrigou a condições indigms do nome Romano. Porém Cepiao , a quem depois se entre- gou o supremo mando do exercito , não quiz estar por estes pactos , antes os deo por nullos. E tendo vencido por vezes a Viriatho , por ultimo quando este constrangi- do da triste situação das suas cousas, estava resoluto a ca- pitular paz ; Cepião subornando alguns dos seus domésti- cos , o fez matar á traição. Succedendo Teutano em lugar de Viriatho , Cepião de tal sorte aterrou as suas tropas , que o obrigou a convir nas condições que elle muito quiz ; e por grande favor lhes concedeo cidades e campos , em que vivessem. = Atéqui Diodoro: cujo lugar, sobre o que contém das virtudes e acções de Viriatho , se nos faz também muito estimável , em quanto nos descobre o nome do outro Re- gulo que o succedeo no governo da nossa Lusitânia, que foi Tautano. Pa- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. igí> Para eterna execração c infâmia das su;is pcfsoas, ii(;s deixou Appiano notados os nomes dos trcs aleivosos assas- sinos de Viriatlio. Chamavão-se Audaz, Ditalcão , e Mi- nuro , os que comprados por Cepião matarão a Viriatho , estando ellc dormindo sobre a terra nua. Eutropio acrescenta , que depois de executado este cruel parricidio, vindo os matadores requerer a Cepião al- guma nova recompensa, Cepião lhe respondera: Oiie o Se- nado Romano nunca approvdra , qtte bum General josse morto pelos seus soldados. O segundo Excerpto de Diodoro hc do Livro XXXII, Tomo II , pag. 5^97 , e diz assim : = O cadáver de Vi- riatho foi celebrado pelos Lusitanos com humas magnifi- cas exéquias : porque junto ao seu tumulo forão mandados pelejar duzentos pares de gladiadores , hcnra justamente tributada ao eximio valor de tal heróe. Porque he constan- te entre todos, que Viriatho foi belicosissimo nos perigos, c em prover no que mais convinha, sagacíssimo; e o que he o principal , em todo o tempo que governou as tro- pas , tão amado dos soldados , como ninguém o tinha an- tes sido. Por quanto ao repartir das prezas nunca tomava para si o mais precioso ; e das cousas que a elle lhe ca- biao , premiava com dadivas os valentes , e sublevava a po- breza dos outros. Guardava outrosi huma sobriedade e vi- gilância incrível, sem nunca recusar trabalho ou perigo al- gum , e sempre inflexível para não buscar deleites. E na verdade os argumentos do seu esforço estão bem á vista. Porque tendo sido General dos Lusitanos onze annos , sem- pre as suas tropas se conservarão não somente concordes sem nenhuma sedição, mas também quasi invencíveis. Mor- to porém Viriatho, privados de tal capitão brevemente fo- rão dissipados os Lusitanos. = Atéqui Diodoro. Para que ninguém se espante , de que em honra de Viriatho fossem mandados brigar junto ao seu tumulo du- zentos pares de gladiadores ; Estrabao no Livro III , pag. 25" I nos adverte , ter este sido hum costume muito ordi- na- 200 Memorias da Academia Real nario dos Espanhocs , matar-se a si mesmos em obsequio dos amigos defuntos. O que depois d'listrabão, testifica também Valério Máximo no Livro II , cap. 6. E não he muito , que esta barbaridade se praticasse entre os povos d' Espanha , ferozes por natureza e por criação ; quando cila toi também adoptada pelos mesmos Romanos , c du- rou entrelles até os tempos mais polidos e civilisados do Império. Morreo Viriatho no ânno 614 da fundação de Roma, e 140 antes da era de Christo , sendo Cônsules Quinto Scrvilio Cepião , e Caio Lélio. Segundo a qual chronolo- gia, que he a de Petau , juntos os sinco annos dos prelú- dios desta guerra , aos seis em que Viriatho a continuou , saiem ao justo os onze annos, que ha pouco ouvimos apon- tados por Diodoro , de cujas contas pouco discrepa Justi- no , quando escreve , que Viriatho fatigara por dez annos os Romanos com varias victorias , que delles alcansou. Na verdade só mettendo numa mesma conta os an- nos, que Viriatho militou como particular, e os que mi- litou como General em chefe dos nossos ; he que se po- derão admittir quatorze annos, que Floro, Eutropio , e Orosio assignão á guerra de Viriatho. Ainda hoje se conserva junto a Viseu a chamada Ca- va de Viriatho , que he hum cabeço de terra artificial com barbaçaã e fosso , que terá de circumferencia (pois he re- dondo) huma legoa. Aqui he tradição dos moradores, que Viriatho se costumava intrincheirar contra os Romanos. Eu a vi e passeei mais d* huma vez no anno de i/f?. E pes- soas sisudas da mesma cidade me asseverarão , que na Ca- mará se guardavão Provisões do Snr. ElRei D. Duarte , en- commendando muito a conservação desta Cava. Porém ella hoje se vê toda csbarrondada e cheia de barro, por causa dos gados que nella se deixâo pastar. O que Diodoro affirma no segundo Excerpto , que tan- to que Viriatho faltou aos Lusitanos, logo estes forão des- feitos i allude ás guerras e conquistas de Decimo Junio Bru- DAS SCIENCIAS DE LlSBOA< 20I Bruto, de quem o Epitomador de Livio no Livro LV es- creve, que vindo a Espanha sendo Cônsul, assignou cam- pos aos soldados , que tinhão militado sob Viriatho , c lhes deo licença para fundarem a cidade de Valença, que se crê ser a villa que ainda hoje conserva este nome na Província d' Entre Douro e Minho : e que nos tomou na Lusitânia trinta cidades. Veio Bruto a Espanha no anno 6i6 da fundação de Roma, e 138 antes da era de Christo , sendo Cônsules o mesmo Decimo Junio Bruto, e Public Cornclio Nasica Se- rá pi ao. A tempo que Bruto fazia guerra aos Lusitanos , vle- rão em socorro destes os Gallegos de Braga. Que debaixo do nome de Galliza se comprehendia então, e se continuou ainda a comprehendcr em tempo dos Godos todo o Entre D )uro e Minho. A este exercito de Gallegos e Lusitanos deo Bruto batalha junto á cidade de Morão visinha do Te- jo : e era tão numeroso o nosso exercito , que posta a vi- ctori;i da parte dos Romanos , morrt3rão sincoenta mil en- tre Lusitanos e Gallegos , afora seis mil que ficarão pri- sioneiros. Orosio Livro V, cap. j. Não bastou a fama desta mortandade , e o estar já quasi toda a Lusitânia subjugada pelos Romanos, para os naturacs d'outra cidade nossa por nome Cinninia , perde- rem os grandes espiritos, que sempre animarão a nossa gente. Mandando-lhes Bruto pedir certa contribuição , ti- verão os Cinninicnses valor para responderem aos seus Le- gados : que clles tinhão ferro para defender a sua liberda- de , mas que seus maiores lhes não tinhão deixado ouro para a comprar, Ferrum sibi ad tueudam libertatem sumi , non aurum ad emendam relktum a maioribus esse. Valério Má- ximo Livro VI , cap. 4. Depois de sujeitar a Lusitânia, marchou Bruto contra a Galli/a. Nesta expedição he que lhe succedeo , o que tanto exaggerão para gloria de Bruto os Escritores Roma- nos ; sendo que o que clle fez , foi mais efieito d' hum T. IX. P. I. Ce es. 202 Memorias da Academia Real espirito illuminado , do que prova d' hum General extraor- dinariamente intrépido. O caso foi assim. Chegando o exer- cito Romano ao rio Lima , não se atreviíío os soldados a passallo, detidos d'huma opinião que corria no vulgo, de que os que passavão aquelle rio , perdião a memoria de tudo o que tinháo no mundo. Esta fabula tinha dado 20 mesmo rio o nome de Lethes ^ que quer di/cr, Rio do es- quecimento. Então Bruto tirando a bandeira da mão ao seu Alferes, com cila na sua passou á outra banda, e fez com o seu exemplo , que conhecida a futilidade do agouro , o seguissem todos sem medo algum. Assim o mesmo Epito- mador do Livro IV da Historia de Livio : ao que allude Eloro no Livro II, cap. 17. Q^ie este rio, que Appinno e Silio Itálico chamão Lctbes , fosse o rio Lima ^ he expresso não só em Pompo- nio Mela, Livro III, cap. i , e cm Plinio, Livro IV, cap. 22, mas também cm Estrabão , Livro III, pag. 229. O principio de se ter introduzido no povo a ridícula pcrsuação , de que os que passavão o Lima ficavao esque- cidos de tudo , conta o mesmo Estrubão que fora este. Que tendo os Celtas e osTurdulos, (povos alliados que vi- vião em diversas comarcas da Espanha ulterior) feito hu- nia irrupção contra os Gallegos , succedeo passado o rio Lima, levantar-se entre huns e outros huma sedição, e morrcr-lhcs ppuco depois o General. Qiic daqui precedera , que espalhados por diversas partes , todos lá ficarão sem tornarem mais ás suas terras : e que por esta causa come- çara aquelle rio a chamar-se o Rio do esquecimento. Neste mesmo lugar em que vamos d' Estrabão , Li- vro III, pag. 230, escreve este gravíssimo geógrafo, que o Lima fora o termo da expedição de Bruto. E isto mes- mo confirma Appiano , quando diz , que depois da passa- gem do Lima se recolhera Bruto a Pioma. Donde se se- gue , que Bruto não debellou toda a Galliza , mas somen- te aquella parte , que hoje forma o território de Braga. Não he para esquecer, que tanto nos Fastos Gapito- li- DAS SCIENCIAS DE LlSP. OA. 203- linos de Verrio Flacco, em que se dá noticia de ter Bruto triumfado em Roma dos Lusitanos e dos Galkgos , como nas medalhas que ainda hoje existem do mesmo Bruto , se intitula clle não Gatlaicus por G , mas Callaicus por C ; que he também como Hstrabão o escreve. DISSERTAÇÃO IX. X)rt.r diversas divisões , que os Romanos fizer ao da Espanha. Da civilidade e policia , a qiie reduzirão os seus Povos. REs divisões da Espanha são igualmente celebres na Historia antiga , que constantes entre os criticos modernos. De todas três tratarei com a costumada precisão , e não sei se diga também diligencia. § I. Da primeira Divisão d'Espanha em duas Provindas* Depois da segunda guerra Púnica , expulsos da Espa- nha os Carthaginezes , dividirão os Romanos toda esta grande região em duas , cada huma com seu Governador separado. Chamarão a huma Espanha Citerior , a outra Es- panha Ulterior, Prova-se esta primeira Divisão , do que escreve Tito Livio no Livro XXXII, cap. 27, é 28, que sendo Côn- sules Caio Cornelio Cethégo , e Quinto Minucio Rufo , isto he, no anno yjy da fundação de Roma, e 197 antes da era de Christo , forão creados pela primeira vez seis Pretores , quando atélli se costumavão crear só quatro : por- que crescendo já o numero das Provincias , e dilatando-se cada vez mais o império , ficou em regra ordinária manda- Cc ii rem- 204 Memobias da Academia Real rcm-se dous a Espanha ; hum que governasse a citcrior, outro que governasse a ulterior. Que cm quanto durou a Republica, não se conhcceo entre os Romanos outra divisão da Espanha , he claro pe- los Historiadores que florecêrâo no fim da mesma Republi- ca , Sallustio , Júlio César , c Hircio , em cujos escritos não se acha outra. A duvida he , donde tomarão as duas Espanhns a de- nominação de Citerior e Ulterior. Porque sendo estes nomes formados das duas preposições latinas Citra , que quer di- zer dáqucm ou da banda de cá, e Ultra, que quer dizer, dálem , ou da banda de la'. Não he comtudo fácil designar o termo ou limite, que sérvio de fundamento a estas re- lações locaes. Henrique Flores mais suppoz , do que mos- trou, que a respeito do que ficava para cá, ou para lá do rio Ebro , he que os Romanos dividirão a Espanha cm Ci~ terior e Ulterior: de sorte que se denominasse citerior, a que respectivamente a Roma estava para cá do Ebro ; e se denominasse ulterior , a que estava para lá do mesmo jio. Mas o mesmo Flores reconhece, que debaixo do nome d' Espanha citerior, se comprehendia tudo o que pela se- gunda divisão veio a chamar-se Espanha Tarracmiense '. por- que assim o diz expressamente Plinio no Livro 111, cap. r. Citerior eaãemqtie Tarraconensis, E he certo que a Tarra- conense continha em si tudo o que não era Betica , nem Lusitânia: c consequentemente muito, do que a respeito dos Romanos ficava para cá do Ebro. Acresce , que Santo Isidoro de Sevilha no Livro XIV das Origens, cap. 4 deduz as denominações de citerior e u'tcrior, não como relativas ao mediar do Ebro, mas co- mo relativas á situação, que cada hunia tinha. Porque se- gue, que a citerior se chamou assim, tomada a preposição Citra na significação de Circa: e que a ulterior se chamou assim , tomada a palavra ulterior na significação de ultima : visto que depois desta parte d' Espanha não havia outra alguma terra. Citerior atitem et ulterior dieta ^ quasi citra et ul- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. lOf ultra : ci/ra autem , quasi circa terras : ultra zero qiiasi n/ri» ma ; vel quod nua sit pott bane ulla , boc est , alia terra. Segundo eu cnrcndo esta etymologia de Santo Isido- ro , cUc tomava por Espanha citcrior, a que era mediter- rânea, ou do sertão; c tomava por Espanha ulterior, a que pelo mar se separava de todo o mais resto do mundo. E esta idea coincide com a d'Estrabão, que á Espanha ci- tcrior chama interior, e d ulterior exterior. Fosse porém qual fosse o termo desta primeira divi- são, he certo que durante ella no seu rigor primitivo, se chamava Espanlia citerior, tudo o que não era Gjlliza , Betica , c Lusitânia : e que estas três Províncias erao as que formavão a Espanha ulterior. Porque pertencer Galliza no principio á ulterior , hc expresso no Epitomador do Li- vro LVl. da historia de Tito Livio. Assim como também se não pode negar, que dividida depois a Espanha em três Provincias , veio a mesma Galliza a pertencer á citerior, em quanto parte da Tarraconense , o que brevemente ve- remos de Plinio. § II. Da segunda Divisão da Espanha em três Provindas. Dião Cassio no Livro LIIL da sua Historia Romana , pag. 309 da Edição Basilccnse de João Oporino , conta que Augusto César, depois que o Senado lhe confirmou o Império, dividira com huma fiiia politica entrcsi e o Se- nado as Provincias, que então o compunhão : dando ao Se- nado e Povo Romano a administração das Provincias , que por pacatas e tranquillas não pediao tantos cuidados , nem tantas precauçÓes ; e reservando para si as outras , de que ainda se podiío temer novos tumultos. Com isto se armou Augusto a si , e desarmou o Senado : porque toda a for- ça das tropas e do exercito ficava á ordem do Imperador. Dando pois em Espanha aoSenado a Betica , escolheo Au- gusto para a sua disposição a Tarraconense , e a Lusitânia. E 2o6 MemoriasdaAcademiaReal E esta foi a segunda Divisão , que Espanha experimentou e a qual consistio, em que toda a chamada então Espanha citerior se reduziu a huma Provincia, que da insigne ci- dade de Tarragona se denominou Tarraconensc ; e toda a Espanha ulterior se rcduzio a duas, que crão a Betica e a- Lusitânia. Sobre em qual dos seus Consulados fez Augusto esta Divisão, não concorda Cassiodoro com Diao Cassio , da- do que Flores os cita a ambos, como perfeitamente acor- des neste ponto. Porque Cassiodoro a põe no sexto Con- sulado d'Augusto : Dião Cassio no sétimo , isto he, noan- no 727 da fundação de Roma , 627 antes da era deChris- to. E esta he com eíFcito a verdadeira Chronologia. O primeiro Escritor, que eu acho ter feito menção desta segunda partilha d'Espanha , he Estrabao, que com- punha a sua Geografia em tempo de Tibério , jmmediato successor d'Augusto , e que no Livro III. pag. 2J3 625-4 diz assim : Os Romanos chamando promistuamente a to- da a Região Ibéria e Espanha , a dividem em Interior ou Citerior, c em Exterior ou Ulterior. Mas elles mesmos, attcndendo á diversa administração de Governos , que os tempos vierâo a fazer necessária , a dividem ainda d'outra maneira. Em nossa idade, como as Províncias humas se as- smárão ao Senado e Povo Romano , outras ao Príncipe ; coube a Betica ao Povo, e a ella se manda hum Pretor com hum Questor e hum Legado. O seu limite oriental lie junto -J Castulaã , (hoje Cazlona : ) Toda a mais Es- panha he do César : e a ella se mandão dous Legados , hum na qualidade de Pretor , outro na qualidade de Côn- sul. O primeiro como seu Legado administra Justiça na Lusitânia , a qual confina com a Betica , c chega até o rio Douro, e á sua foz. O resto d'Espanha , que he a sua maior parte, está sujeito ao segundo Legado, que o go- verna com authoridade consular, tendo á sua ordem hum exercito de trcs cohortes , e três Legados. O primeiro dos quaes com duas cohortes guarda todo aqucUc território, que I DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 20^ que para a banda do Setcntriao fica para lá do rio Douro : o qual território antigamente se chamava Lusitânia, c ago- ra .SC chama Galliza. O segundo com huma cohortc gover- na os contornos dos Pyrincos. O terceiro sem tropa algu- ma governa os Povos mediterrâneos, que habitao d'huma e outra parte as ribeiras dô Ebro , e que propriamente se chamão Celtiberos: Povos já pacatos e civilizados , que com a Toga uzão também da lingua Itálica. O Prefeito porém, ou Legado Augustal , que manda sobre todos , pelo inver- no costuma residir em Carthngena ou em Tarragona : e pe- lo estio vizitar toda a Província em Correição. Atéqui o Príncipe dos Geógrafos. O qual já muito antes tinha obser- vado na pag. 237 e 238, que a instituição demandar três cohortes para a Tarraconense , fora obra d'Augusto , a exe- cução obra de Tibério. A mesma Divisão da Espanha nas referidas três Pro- vincias , reconhece Pomponio Mela , que florecia em tem- po de Cláudio. Livro IL cap. 6. Tribtis autem est distinta ProrincUs , psrsqiie ejvs Tarraconcnsis , pars Batka , pars Luiitíwia vocatur. Piinio que dedicou a sua Obra a Vespasiano , também não dá a Espanha senão as mesmas três Províncias , iden- tificando a citerior com a Tarraconense. Livro III. cap. 1. (e não como cita Flores, Livro I. cap. 3.) Prima His- pânia terrarttm est, Ulterior appellata. Eadem Batica. Mosa a fine Urgitano Citerior , eadeniqjie Tarrocensis . . . Ulterior in duas per longitudinem Provindas dividittir. Siquidem Batica hteri septentrionali ; pr^ftenditur Lttsitafiia , ^na amne discreta. O testemunho de Ptolomeo, que ainda alcançou os tempos d'Antonino Pio, e que no Livro II. cap. 4. Ta- boa 2. também não divide a Espanha , senão em Betica , Lusitânia, e Tarraconense. Este testemunho, digo, de Ptolomeo , serve de mais a mais de mostrar com toda a evidencia , que desde Augusto até Hadriano , não se fez em Espanha outra Divisão. Com o que fica convencida de falsa a opinião de Panvinio , a quem incautamente seguio Pe- 2o8 Memorias da Academia Real Pedro de Marca no seu Tratado De Priniatihis , que pu- nha introduzida por Hadriano a Divisão em seis Províncias , que nós adiante havc-mos de provar , que teve por Author a Constantino. Para melhor e mais commoda administração da Justi- ça, instituhio o mesmo Augusto, que as três Provincias , cm que clle dividio toda a Espanha , tivesse cada huma certo numero de Conventos Juridtces , a que os Povos re- corressem , para nelles receberem as Decisões dos seus li- tígios c demandas. Estes Conventos Jurídicos explica Flores com D. Rodrigo da Cunha pelo nome de Chancellarias : eu cuido com Gaspar Barreiros , que elles se exprimem melhor pelo nome de Relações. Quantos e quaes ellcs fos- sem , o mesmo Plinio o declara pontualmente nos seus res- pectivos lugares. A Betica tinha quatro : Cddiz , Córdova , Ecija , e Sevilha. Plinio Livro III. cap. i. A Lusitânia três: Méridã j Beja f e Santarém. Plinio Livro IV. cap. 22. A Tarraconense , como era muito mais dilatada , tinha sete : Carthagena , Tarragona , Saragoça , Clunia , Astorga , Ltigo , e Brirga. Plinio Livro III. cap. 3. O mesmo Plinio nos assegura , que ao Convento ou Relação de Braga pertencião vinte e quatro cidades , e con- corrião a elb duzentas e setenta e sinco mil pessoas. Clu- nia ficava ao occidente d'Osma , entre Corunha dei Con- de e Penhalba. § m. Da Terceira Divisão da Espanha em seis ou sete Provincias, Com a restauração de Byzancio , e mudança da Cor- te Imperial para Constantinopla , introduzio Constantino no Império Romano huma nova forma de Governo e de Magistrados. Dividio todo o Império em quatro grandes Dioceses, duas no Oriente, e duas no Occidente, cada huma das quaes tinha por Chefe hum Prefeito do Pretó- rio. Subdividiu estas quatro Dioceses maiores em varias Dio- ■• DAS SciENCiAS DE Lisboa. 209 Dioceses menores, tendo cada huma seu Vigário, como Subalterno do seu respectivo Prefeito do Pretório. E tor- nou a subdividir cada Diocese menor cm certo numero de Províncias , cada huma das quaes tinha seu Presidente , como Subalterno do dito Vigário. Os dous Prefeitos do Pretório , entre os quaes se di- vidio o Oriente , não fazem por ora ao nosso cazo. Os outros dous do Occidcnte , hum governava a Itália com as suas Ilhas adjacentes, c a Africa. Outro tinha por Diocese as Espanhas, as Gallias, e a Graa Bretanha. O Vigário das Espanhas tinha debaixo da sua jurisdicçao seis Provín- cias , sinco dentro do Continente e huma fora delle. As sin- co do continente erão : a Betica , a Lusitânia , a Calliza , a Tarraconetise , e a Carthaginense , ou de Carthagena. A que ficava fora do Continente era z Tingitana , chamada também Transfretana porque era da banda d'álem do Estreito de Gi- braltar , onde hoje está Tangere , chamado cm Latim 3"»;- gi , que era a sua Metrópole. Consta esta Divisão da Espanha em seis Províncias, d'hum notável lugar de Sexto Rufo , que no seu Breviário da Historia Romana dedicado ao Imperador Valentiniano I. não muito depois do principio escreve assim : Per ottines Hispanias sex sunt nmc Provinda : Tarraconensis , Carthagineii' sis y Lusitânia , Gallacia , Batica : Transfretum etiam in solo terra Africa , Provinda Hispaniarum est , qita Tingitanica Mauritânia coguominatur, Ex his Batica et Lttsitania Consula- res ; cetere Prasidiales sunt. Assim o leio no corpo dos an- tigos Escritores Latinos, que tenho impresso em Ebrodu- no por Pedro de la Roviere , anno 1Ó21, pag. 638. O qual Texto , ainda que na substancia diga o mesmo , que o que transcreveo Flores ; nas palavras com tudo varia nota- velmente delle , talvez por culpa do Typografo Espanhol. Porque onde o nosso Texto diz in solo , poz Flores í«j«- la : onde o nosso Texto diz Tingitanica Mauritânia , poz Flores someate Tingitania. Mais digno de ponderação he, que quando eu e Flo- T. IX. P.I. Dd res 2IO Memouias vk Academia. Real rcs nao achamos nos nossos exemplares de Rufo , senão seis Prí)vincias d'Espanha , Pedro de Marca parece que no seu achava sete. Porque na Dissertação De Prtmatibus , nu- mero CXXV. descrevendo o Texto de Rufo, mette nellc em sexto lugar as Ilhas Baleares , c em sétimo a Tingita- na , ou Transfretana. Se esta addição das Baleares niío foi descuido de Marca , mas com eflFcito se achava no Exem- plar de Rufo, donde elie transcrevia o presente Texto : pó- de-se ju^^tamente duyidar , do que Flores dá por cousa as- sentada , que Honório he que ajuntou ás seis Provincias de Constantino a sétima formada das Baleares. Com cffci- to a Noticia do Império, que em tempo d'Honorio se pu- blicou , e que hoje corre illustrada por Pancirollo , dá á Espanha por sétima Provincia as Baleares. Porque eis-aqui o que cila diz na parte que toca á Espanha. Ficariíis His- paniarum , cujtis Provincia FII. Consulares três , Baetica , Lu- sitânia , Gall,ecia. Frwsidum quatuor , Tarraconensis , Ctirthagi- tieiisis , Tingitana , Insulte Baleares, Daqui infere Henrique Flores , que do tempo d'Honorio he que á Divisão em seis Provincias feita por Constantino , accedeo a sétima , que se formou das Baleares , que hoje dizemos Malhorca e Minorca. Porém as referidas palavras da Noticia do Int' perio , ninguém deixa de ver, que mais presuppõem a Di- visão, do que a fazem. Não se pôde logo porella bem de- cidir , se a addição da sétima Provincia começou em tem- po dTIonorio , ou se vinha já de mais atraz. Mas examinando eu de novo por outras Edições o Texto d^; Rufo , acho que da mesma sorte que acima o dei, o trazem também a antiga Edição de Sylburgio feita em Francford no anno de ijiS, e a moderna de Haurisio feita em Heildeberga no anno de 1743. ^ daqui concluo que no Texto allegado por Marca houve equivocação e descuido. Fosse porém quem quer que fosse o Author desta ad- dição , sempre pelo Texto de Rufo ; e pela Noticia do Im- pério ficamos sabendo , que a Betica , a Lusitânia , e a Gal- li- DAS S CIÊNCIAS DE LiSBOA. 211- liza , crão Províncias Consulares, isto hc , Províncias ciijojr Governadores tinhão Alçada e Insígnias de Cônsules: t que as outras erão Presidiaes , ou governadas por simples Pre- sidentes: o que denota, que as primeiras sercputavão mais dignas do que as segundas. Ora o tcrem-se annexado ás sinco Províncias do Con-» tinente d'Espanha , duas fora delle , que erão a Tingitana dlcm do Estreito, e as Baleares no Mediterrâneo; deve-se entender que foi somente por ordem ao Governo Civil ; e não quanto ao Ecclcsíastico. Porque he hum íacto averigua- do , que os Bispos da Africa Tingitana nunca concorrerão aos Synodos d'Espanha ; e que os Bispos das Baleares erão SuflFraganeos do Arcebispo de Calher , Metropolitano da Sardenha. Esta he a razão , porque todos os Monumentos antigos d'Espanha , em que se trata das suas Províncias Ecclesiastícas , só costumâo nomear as sinco , que dentro do Continente formavão o Estado Civil: a saber, a Tar- raconcnsc , a Carthagíncnse ou de Carthagena , a Galliza , a Botica , a Lusitânia. Isto se vê da Decretai de Siricio a Himcrio de Tarragona, e da Re!»ra da Fé que anda no fiai das Actas do primeiro Concilio Toletano , e que se reno- -vou no primeiro Bracarense. Destas sinco Províncias, que erão no Continente, a ■Galliza comprehendia não só o que hoje se chama propria- mente Galliza , mas também as Astúrias , e a Cantábria , ou Biscaia. Assim o aiErma em termos Orosio no Livro •VI. cap. 2 1. Cantahri et Astures Gallteciíe Provinciíe portio stint. O mesmo se confirma de Idacio, que na sua Chro- niça a cada passo está reduzindo Lugo eAstorga á Galliza. Estendia-se outro si a Galliza a todo aquelle terre- no , que nós hoje chamamos Entre Douro e Minho. Pro- va-se de que o mesmo Idacio na Olympiada CCCIX. póe Braga por cidade da Galliza, e pela sua ultima cidade. Ad Bracaram extremam civitatem GalUci<£. E mais abaixo póe parte da Galliza sobre o Douro. Regionem Gallacia adh^' rentem fiumini Durio de^radantur. Dd ii A ai2 Memorias DA Academia Real A Divisão da Gailiza em duas , feita porTheodomiro Rei dos Suevos , no anno de Christo 569 dizia respeito somente ao Estado Ecciesiastico , cm que Braga era a pri- meira Metrópole, Lugo a segunda. Assim consta das Actas do segundo Concilio Bracarense. E esta mesma Divisão da Gailiza em duas Províncias Ecclesiasticas , só subsistio , em quanto o Reino dos Suevos não foi absorvido no Im- pério dos Godos. Ainda no século XII, isto he, pelos annos de Christo II 17 SC intitulivão os Arcebispos de Braga Metropolitanos da Gailiza. Prova-se da Lenda da Trasladação das Relíquias de Santiago Intcrcizo , que andava n'hum Breviário de quar- to grande, escrito de mão no século XIV, que muitos an- nos tive cm meu poder por concessão do Sereníssimo Sr. D. Gaspar Arcebispo Primaz das Espanhas. Nesta Lenda diz assim o Arcebispo D. Mauricio seu Compositor : Mau' ritius Ego Provinda Galleciíj^ No anno de 369 sendo Imperador Valente , diz San- to Isidoro que fora Athanarico crcado primeiro Rei dos Go- i2i Memoriaí da Academia Real Godos. Creio que lhe chama primeiro no conhecimento c trato mais intimo com os Romanos. Porque aliás antes de Athanarico , reconhece e nomea Jornandes outros Reis dos Godos muito mais antigos: como Corillo , Berig, e Ge- bcrig. E quatrocentos annos mais antigo de que Jornan- des, celebra Estrahão no Livro VII outros dous Reis Go- dos, Byribistas, e Dromiquetas. Ainda assim em Espanha, como Santo Isidoro foi sempre tido por texto das cousas Gothicas , todos os catálogos antigos dos Reis Godos co» meção por Athanarico. Como passados alguns annos se dividissem os Godos em dous partidos , reconhecendo huns por seu Rei a Atha- narico , outros a Fridigerno : auxiliou o Imperador Vidente a Athanarico , para que este vencendo em batalha a Fridi- gerno , ficasse único senhor do Reino. Então mandou pe- dir Athanarico a Valente , que lhe enviasse sacerdotes , que instruissem os Godos na Religião Christaã. Valente como Ariano que era, mandou-lhe sacerdotes Arianos, cuja he- resia professa'rão e conservarão os Godos até o tempo de Reccaredo. Por este tempo da missão enviada por Valente , tiverão os Godos hum Bispo da sua nação chamado Galfilas ou Ulfilas , que inventou os caracteres Gotliicos , e tradu- zlo na sua Lingua a Sagrada Escritura do Velho e Novo Testamento. Não obstante porém, que deste tempo em diante fi- cou o coramum da nação Goda inficionado com a heresia Ariana ; comtudo de varias cartas de S. João Chrysostomo se faz certo , que em tempo deste Santo Patriarca e no Império de Arcádio, havia em Constantinopla muitos Go- dos Catholicos com sua Igreja própria , onde os clérigos Godos ordenados por S. João Chrysostomo celebravão com edificação os officios Divinos. E o mesmo Santo Patriarca deo para a Gothia hum Bispo por nome Unilas, homem d'admiravcl virtude , que eu creio era da mesma nação. Veja-se Tillemont na vida de S. João Chrysostomo, Arti- go LII e LIV. O qual Tilieraont todavia julga , que es- tes CAS S^ciENCiAS Df Lisboa. zij tcs Goc?ds eráo diversos daquelles , que expulsos do seu paiz pelos Hiinnos, se tinhao valido da protecção de Va- lente, como já vamos a cxpòr. No anuo de 376 (prefiro os cálculos d' Idacio aos que: vai seguindo Santo Isidoro) lançados tora da sua terra os Godos pelos Hiinnos, se valerão aquelles da commiscração de Valente , o qual lhes concedco para habitarem a Thra- cia. Alas aqui vendo os Godos que os Romanos os oppri- miáo , logo no seguinte anno de 377 se rcbcjlárão contra o Império, Passando Valente a dar-lhes batalha dentro da mesma Thracia , foi o exercito Romjno dei;feito pelos Go- dos ; e Valente que ferido d' huma lançada se tinha aco- lhido a huma cabana do campo, morrco queimado dentro delia, correndo o anno de 37S. Santo Isidoro na sua Chro- nica combinado com Idacio nos Fastos. He not.ivcl o modo , com que o referido Idacio con- ta nos seus Fastos a desventura de Valente. Porque diz assim : Sendo Cottmles Valente a sexta vez , e Falentiniano a segunda^ (hc justamente o dito anno de Christo 378) par- tia Valente Aigti^to de Con~tantinopla no dia três dos Idus de Junho , e deo-se huma gran.ie batalha entre Romanos e Godos a dez milhas d' Hadrianopole ^ dia sinco dos Idus £ Agosto. E desde aqnelle dia nunca mais appareceo Valente Augusto. E por ttdo o anno habitarão os Godos juntos na Diocese das Thra- cias , e da Scythia , e da Mesta , e as devastarão : e depois chegarão até ás portas de Constantinopla. No anno de 381 imperando já Theodosio o Grande, morto em Constantinopla Athanarico Rei dos Godos, se renderão estes ao Império , e servirão nclle vinte e oito annos. Fastos d* Idacio, e Chronica de Santo Isidoro. O mesmo ou outro Idacio na sua Chronica nos ad- verte , que este entregarcm-se os Godos aos Romanos , fo- ra como huma paz simulada. Gothi infida Romanis pace se tradunt. Por este tempo he que se lamentava Santo Ambró- sio , de que a Guarda do Coroo dos Imperadores fosse for- 144 Memorias da Academia Real formada d'Archciros Godos : isto he , formada d' huns in- veterados inimigos do Império. Santo Ambrósio nos Livros De Fide a Graciano. Então mesmo era hum dos Condes do Império aqucl- le Alarico , que depois cm tempo d' Honório feito Rei dos Godos, acommetteo c tomou Roma. He reflexão do nosso Paulo Orosio , donde a tirou o grande Bossuet , pa- ra illustrar com ella hum dos mais escuros lugares do Apo- calypse. Poucos annos antes que Alarico tomasse Roma, tinha outro Rei Godo por nome Radngasio , posto em consterna- ção toda a Itália , com hum exercito de duzentos mil homens. Mas fechado por Stilicao entre os montes da Toscana , pe- receo Radagasio com todo o seu exercito , mais á torça da fome , do que á da espada. Chronica de Santo Isidoro. Passando já dos Godos aos Suevos, de que já debai- xo deste mesmo nome faz menção Júlio César : Estrab.io no Livro VII, pag. 445- c segg. os colloca na Germânia entre o Rhin e o Albis , dando-lhe por habitação princi- pal o bosque Hcrcynio , c incluindo nelles os Marcomma- nos , povos que João Christovão de Jordan nas suas Ori- gens Slavkas quer que sejão os Bobemos. O dito bosque Hercynio affirma Júlio César no Livro VI Be Bello Callico ., cap. 24 , que tinha de largura nove dias de jornada. Pom- ponio Mela no Livro 111 , cap. 3 lhe dá por todo o âm- bito o caminho de secenta dias. Ainda hoje forma a Sue- via hum dos dez Círculos , em que se divide o Império Germânico : e daqui sahírão nos séculos XII e XIII os dous primeiros Imperadores Fridericos. Quanto aos Alanos, Plínio no Livro IV, cap. 12 os p6e na Scythia Europea, visínhos dos Roxolanos, os quaes alguns modernos julgão , que crão os que por outro nome se chamâo hoje Moscovitas. Ammiano Marcellíno no Li- vro XXXI , cap. 2 e 3 faz os Alanos vindos da Ásia para a Scythia Europea, e coUoca-os habitando sobre ^)Tanais, que lhes deo o outro nome de Tanaitas. Fi- DAS SciENCIAS DE LiSBO/V. aif FinaJmente os Vândalos , sabe-se pelo testemunho de Procopio na sua Historia De Bel/o Wandalico , que erao ori- ginariamente da raça dos Godos. E sabe-se outro si pela Historia Gctica dejornandes , que desunidos por guerras dos Godos seus Aborigines , e expulsos por elles da Dacia , fo- rão os Vândalos habitar na Pannonia hoje Hungria , sendo Imperador Constantino : e que na Pannonia se achavão a tempo , que imperando Honório os incitou Stilicão a vi- rem assolar as Gallias , e depois as Espanhas , para onde marcharão juntamente com os Alanos e Suevos. § II. Em que tempo entrarão as Nações setetitrtonaes em Espanha. Os Suevos, Alanos, e Vândalos, entraVão primeiro em Espanha, e entrarão todos juntos. Depois delles esta- rem de posse d'Espanha, he que entrarão nella os Godos. Tudo ficará claro , dos Documentos que vou a propor. Os Suevos pois , os Alanos , e os Vândalos , entrarão d'alkivião em Espanha no anno de Christo 409. Prova-se da Chronica d'Idacio Bispo de Chaves, que sobre ser escritor nacional , foi também coetâneo , e no se- gundo anno da Olympiada CCXCVII. diz assim : jllani , et Wandali , et Suevi Hispatiias ingressi. Aera CCCCXLVII. Honório VIU. et Tbeodosio Arcadii filio 111. Consulibus. Quer dizer : Na era de 447 entrarão os Alanos , e Vândalos , e Suevos em Espanha, sendo Cônsules Honório a oitava vez, e Theodosio filho d'Arcadio a terceira. Abatão-se da sobredita era de César 447 os 38 an- nos , que ella leva de dianteira ao nascimento de nosso Sal- vador: e ella nos dará pontualmente o anno de Christo 409. Do mesmo anno 409 são Índices infalliveis as outras duas notas, com que Idacio marcou esta entrada dos Bár- baros em Espanha : isto he , a nota do Consulado VIII. Tomo IX. Ff d'Ho- aié Memorias da Academia Real d'Honorio , c terceiro de Theodosio : e a nuta do segua- do anno da Olympiada CCXCVIl. Porque ainda que Sir- mendo c Petau disserão , que o anno da entrada dos Bár- baros cm Espanha fora o primeiro da dita Olympiada CCXCVIl. foi porque (como advertio Flores) não repa- rarão que asOlympiadas d'ldacio erao Euscbianas , que vão hum anno adiantadas das vulgares. No mesmo anno de Christo 409 correspondente ao Consulado oitavo d'Honorio c terceiro de Theodosio , po- scrão com Idacio a entrada dos Suevos , Alanos , e Vânda- los cm Espanha, os outros dous igualmente famosos Chro- nisras Prospero e Cassiodoro. De propósito deixo d'allegar pela Época da entrada dos Bárbaros em Espanha o Author dos Fastos chamados Idacianos , qiic tambcm a poe no Consulado oitavo d'Hp- noiio c terceiro de Theodosio : porque depois do indubitável Idacio na sua Chronica ter estabelecido a Época da dita entrada tio clara e distinctamente , como vimos; parece escuzndo allcgar o testemunho d'huns Fastos , que se não eabe de cerro , se são do mesmo Idacio. Mas não he para se omittir a averiguação, sobre que Chronologia scguio no presente assumpto Santo Isidoro que «m pontos da historia d'Espanha , he depois d'Idacio o se- gundo Texto. Tendo pois Idacio designado com tantos e tão distin- ctos caracteres , o anno da entrada dos Suevos , Alanos , e Vândalos em Espanha ; parece incrível , que Santo Isidoro , que como observou Pagi , costuma transcrever a Idacio por palavras formacs , apontasse outra Época daquclla entrada. . O caso porém he , que não só na Edição Real de Ma- drid de 1Í99. mas ainda na novissima de Madrid de 1778. traz o Texto de S. Isidoro a sobredita entrada das três Nações em Espanha , posta hum anno antes : isto he na era de 446 que dá o anno de Christo 408. Porque no fim do Parrafo I. da historia dos Vândalos , se lê em am- bas as duas Edições apontadas o seguinte : Aera CDXLFL me' DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 22/ tuemorata gentes Hispaniarum Provindas irriiwftint. Quer di- zer: Na era de 446 ( he o dito anno de Chrisro 4CÍ!) eii- trão as ditas Nações por força nas Provincias a'Espariha. O que cau/.a maior admiração neste particular hc , que tendo Santo Isidoro posto no fim do dito Parrafo 1. a entrada dos Suevos , Alanos , e Vândalos em Espanha no anno de 408 pelas palavras que acabamos de referir : quan- do logo no principio do Parrafo 11. torna a fallar do an- no , em que as três Nações entrarão em Espanha , ambas as mesmas duas Edições Alatritenses com hum erro palpá- vel de números, põem a entrada daquellas nações dez an- nos adiante, dizendo assim: Jera CDLVI Vandali ^ J/aiii y et Snevi Hispauias occttpantes , neces v as tat tones que cruentis in- cíirsíonibíis faciunt. Quer dizer : Na era de 456 (he o an- no de Ghristo 418) occupando os Vândalos, Alanos, e Suevos a Espanha, commcttcm neila com as suas sangui- nolentas correrias muitas mortes e estragos. De sorte que dentro de poucas regras põem as duas Edições Matriten- ses a Santo Isidoro não só discorde de Idacio , quando faz en- trados em Espanha os Suevos , Alanos , e Vândalos no anno de 408, mas também discorde de si mesmo ; quando logo os faz entrados no anno de 41 8. Erro que Flores já tinha notado na primeira Edição de 1 5- 99 , e que supposta a advertência de Flo- res , fica indisculpavel na de 1778. Mas passemos adiante. Depois de Idacio pôr a entrada dos Suevos, Alanos, e Vândalos em Espanha no dito anno de Christo 409 pas- sa logo o mesmo Idacio a pôr no seguinte anno de 410 a tomada de Roma por Alarico Rei dos Godos , e morto este logo depois da tomada de Roma, asuccessao d'Ataul- fo no Reino. E be de notar , que em pôr a tomada de Roma e a morte d'Alarico no anno de 410 seguem cons- tantemente a Idacio os outros três famosos Chronistas Prospero , Marcellino , e Cassiodoro. Ora esta Época da to- mada de Roma e da morte immediata d'Alarico em 410 he a que nos abre caminho para estabelecermos a Época da entrada dos Godos em Espanha. Ff ii Tan- 228 Memorias da Academia Real Tnnto Idacio pois, como Santo Isidoro, ambos suppdem , que os Godos não vicrao a Espanha , senão quando a cila veio o seu Rey Ataulfo , immediato succcssor d'Alarico. Ora Auulto , segundo Santo Isidoro , começou a reinar na era de CCCCXLIX. que dá o anno de Christo 411 e ao quin- to anno dos seis que ao todo governou, he que deixada a Itália veio para França. Veio logo Ataulfo d'Italia para Fran- ça no anno de 415". Aqui celebrou as suas vodas com a infeliz cativa Placidia irmã d'Honorio : até que ou por pcr- suaçáo , ou por força que lhe fe/. o Patrício Constâncio , passou de Narbona a Barcelona, onde n'huma conversação familiar foi morto aleivosamente por hum dos seus Godos , no anno de 416 ultimo dos seis que remou, como se co- lhe não só de Idacio , mas também de Marccllino , ede Santo Isidoro. Logo os Godos entrarão em Espanha com Ataul- fo entre o anno de 415' e o de 416. líeterminar agora , se os Godos entrarão em Espanha ainda no anno de 415' depende de se saber, que tempo se demorou Ataulfo em França : o que não he expresso nos sobreditos Authores. Mas prudentemente podemos discor* rer, que o anno de 415' todo se gastou parte na jornada d'Italia para França ; parte na celebração das vodas com Placidia ; parte nas negociações do Patrício Constâncio; e parte na passagem de França para Espanha : c que as- sim não entrou Ataulfo com os seus Godos em Espanha , senão correndo já o anno de 416. O doutíssimo Henrique Flores na Nota VI. ao seu Idacio Illustrado , que vem no Tomo IV. da Espanha Sa- grada y deo por hum erro dos Copiadores em Santo Isidoro , pôr-sc o primeiro anno d'Ataulfo , na era de CCCCXLIX. que he o anno de Christo 41 1. E assim na nova Edição que nos deo da Chronica dos Godos de Santo Isidoro no To- mo VI. da mesma obra , em lugar da era CCCCXLIX. emendou CCGCXLVIII. que he o anno de Christo 410 como já antes trazião as Edições de Grocio e de Labbé. Mas ainda admittida esta emenda, digo que se pódc pfo- DAS Sci ENCi AS u E Lisboa. 229 provar ck Santo Isidoro , que o anno cm que os Godos cntrá» rão em Espanha foi o de 415' para 416. A nizão hc : Por- que dado que o primeiro anno d'Ataulfo começasse ainda no anno de Christo 410 nao pode com tudo negar Flores^ que a maior parte deste primeiro anno d'Ataulio, pcrtcn- eco ao anno de 411 , visto que a ttjmada de Roma cm 410 foi a 24 d*Agosto ; e que tendo acontecido pouco depois a morte d'Alarico , não podia Ataulfo entrar a succedcr-lhe no Reino , se não quando muito no Setembra seguinte já adiantado. O que se faz evidente pelo que refere Zozimo: que Alarico sahira de Roma três dias depois que a con- quistara: e que partindo para Rhegio , com tenção de pas- sar aSicilia, e depois aAfrica, sobrevindo-lhe huma tem- pestade que lhe destroçou a armada , morrera de doença , e tivera por sepultura o rio Bascnto. Fixada assim a Época da entrada dos Godos em Espa- nha no anno de Christo 416 passo a observar com Jornan- des e com Paulo Di icono , que os Godos que tinhão vin- do das partes occidcntaes da sua Região, se ficarão cha- mando Fesegodos y nome depois corrompido em Visigodos: e estes são os que se estabelecerão em Espanha. Os que tinhão vindo das partes orientacs , se ficarão chamando Os- trogodos : e estes são os que depois se estabelecerão em Itá- lia. A razão dos nomes dcscubrio-no-la Resende , notando que na lingua Germânica ou Alemã , Vest significa occiden- te , Ouer oriente. Donde elle infere , que os nomes que os marinheiros Portuguezes dão aos ventos, tem a sua ori- gem aos Godos. Mariana crê , que também nos ficarão dos Godos os seguintes vocábulos : Albergar , Bandeira , Caça , Camisa , Cangirão , Elmo , Esgritnidor , Harpa , Moça , Tripas. Este juizo , por ser d'hum homem tão intelligente, merece toda a attenção aos nossos Diccionaristas. § ajo Memorias da Academia Real § III. Diversa fortuna , que em Espanha correrão estas quatro Na- fÕes, Ao terceiro anno da sua entrada, isto he, no anno de Christo 411 saciada já a fúria e cubica dos Suevos, Alanos, c Vândalos com as crudelissirhas hostilidades, que executarão na miserável Espanha, sortearão os Bárbaros en- tre si as Províncias, para cada hum saber, qual havia de habitar. Coube aos Suevos a Galliza : aos Alanos a Lusitâ- nia e a Província de Carthagcna : os Vândalos ficarão com a Betica. Assim Idacio e Santo Isidoro. He de saber , que a Galliza tinha então limites mui- to mais extensos, do que hoje: porque alem do Entre Dou- ro e Minho , e Trás dos Montes , comprehendia como no- ta Mariana , toda a Castella Velha. Supposta porém a repartição sobredita , pouco ficava aos Godos, onde podesscm pôr o pé seguro. Foi-lhes lo- go necessário ganhar á força de braço o terreno , que oc- cupasscm. Vallía immediato successor d'Ataulfo fez dura guerra aos Alanos e Vândalos : a qual continuada com igual vigor por seus successores , resultou daqui , serem os Ala- nos inteiramente desfeitos na Lusitânia , e serem obrigados os Vândalos a largar a Betica, sendo seu primeiro Rey Gunderico. Idacio e Santo Isidoro. Expulsos d'Espanha os Vândalos passa'rão a Africa com todas as suas famílias , governando-os já Genserico , irmão e successor de Gunderico, anno de Christo 429. Idacio, e Santo Isidoro. Cassiodoro adverte , que para esta passagem tirerão os Vindalos por conselheiro e instigador o Conde Bonifá- cio rebelde do Império, Personagem muito célebre na his- toria pelas suas aventuras , e muito mais pela intima ami- zade que teve com Santo Agostinho. Pa- DAS SciENCiAS Dl Lisboa. 231- Para difFundir por toda a Africa o terror das íuas ar- mas, espalhou Gcnserico voz, que tcita resenha das suas tropas, SC achaváo no seu exercito oitenta mil homens. Mas o que SC passava na realidade era, que aquelle numero só procedia verdadeiro , mettendo ncUe também mulheres e meninos. Victor Vitense na historia da Perseguição Vanda- lica. No decimo anno da sua entrada em Africa , isto he, no anno de Christo 439 e no consulado decimo sétimo de Thcodosio , tomarão os Vândalos Carthago capital da mes- ma Africa. Idacio , Prospero , e Marcellino. Sobre o tempo que durou a Monarquia dos Vândalos cm Africa, Santo Isidoro seguindo a Victor de Tunes, diz que forão 97 contados des do tempo que os Vândalos en- trarão cm Africa, até o em que forão totalmente destruí- dos por Bclisario general de Justiniano. Esta conta dos 5)7 annos de duração, hc a que sahe das parcellas dos annos, que Santo Isidoro assina a cada Rei desde Gcnserico ate' Gli- mer: e a que segundo a reducçao da era , a que Santo Isido- ro alliga a destruição da mesma Monarquia , parte direita des do anno de 429 até o anno de 5-26. Mas já daqui se vc , que a reducçao que faz Santo Isidoro do ultimo anno da Monarquia dos Vândalos acra de DLXIV e ao anno CXIII da entrada de Gunderico em Espanha , he inconciliável com a verdadeira Chronologia , e inconciavel comsigo mesma. Hc inconciliável com a verdadeira chronologia , Pri- mo: porque a era de 564 dá o anno de Christo 526 an- no em que Justiniano ainda não era Imperador : pois como attesta Victor de Tunes , o primeiro anno de Justiniano cahio no Consulado de Mavórcio : o consulado de Mavórcio porém cahio no anno seguinte de 5-27. Secundo : Porque a des- truição da Monarquia Vandalica por Belisario , como attesta não só Victor de Tunes , mas também Procopio , foi no anno sétimo de Justiniano: o anno sétimo de Justiniano porém ca- hio no anno de 533. He inconciliável comsigo mesma: porque a era de j 64 do 23* Memorias da Academia Real de nenhuma sorte pode coincidir com o anno 113 da en- trada dcGundcrico em Espanha. Para o que basta reflectir , que a era de 564 dá o anno deChristo 526. O anno 115 porém da entrada de Gunderico em Espanha, necessaria- mente ou foi o anno de 5:21 ou o anno de J22. Dcmos- tra-se : porque o anno da entrada dos Vândalos cm Espa- nha , segundo Santo Isidoro , foi o de 408. Ajuntemos a estes 408 aquelles 113. sahir-nos-ha o anno de j2i. Segundo Idacio , o anno em que os Vândalos entráião em Espanha , foi o seguinte de 409. Ajuntemos a estes 409 aquelles mes- mos 113. sahir-nos-ha o anno de 522. Logo a era de 5-64 de nenhuma sorte pôde coincidir com o anno 113 da en- trada de Gunderico em Espanha. He muito para sentir, que des do anno de I5'99 em que foi feita a Edição Real de Madrid de todas as Obras de Sjnto Isidoro, não tenha até agora apparecido algum anti- go Códice de boa nota , por cujo meio se podessem ajus- tar em Santo Isidoro os números de certas Eras e de certas Épocas : e isto para não termos ainda hoje o dissabor de vermos reproduzidos na Edição novíssima também de Ma- drid de 1778 anachronismos e incoherencias , que parece incrível viessem do Original do Santo Chronista. Os Suevos experimentarão entre nós melhor fortuna. A sua Monarquia de Galli/a conservou-se em respeito cen- to e setenta e tantos annos , desde Hermerico, que foi o primeiro Rei , até Heborico que foi o ultimo. Mas em fim foi absorvida por guerra na dos Godos, sendo Rei destes Leovigildo , e no anno decimo sétimo do seu Reinado , que foi odcChristo ^Z^. João Biclarense , e Santo Isidoro. Reinando o seu antepenúltimo Rei Theodomiro, ti- nhão os Suevos abjurado a heresia Ariana , e abraçado a Religião Catholica , por diligencias de S. Martinho Bispo do Mosteiro de Dume , e depois também Arcebispo de Bra- ga. Assim o mesmo Santo Isidoro tanto na Chronica dos Sue- vos, como no Livro Dos Varões Illustres ^ cap. 35'. Depois da incorporação dos Suevos , ficarão os Godos uni- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 233 únicos senhores de toda a Espanha. Nella comtudo se con- servarão sempre alguns Romanos até o tempo de Sisibuto , que delles triumfou. Santo Isidoro na Chronica dos Godos. Antes pela Chronica Albeldensc consta , que ainda cm tempo de Suintila successor de Sisibuto, aflPectavão os Ro- manos ter suas pretençõcs em Espanha. Fora d' Espanha possuião também os Godos a Gallia Narboncnse , e a Aquitanica : a Narbonense des do tempo d'Ataulfo , como se colhe da Chronica d' Idacio : a Aqui- tanica des do tempo de Wallia successor d'Ataulfo , como se colhe da Chronica de Santo Isidoro. Daqui se verá a razão , porque o Concilio Narbonen- se do anno de Christo 589 se diz nas Actas, que fora ce- lebrado no quarto anno do gloriosíssimo Rei Reccaredo nosso Senhor, E nos Concilios Tuletanos III e IV juntamente com os Bispos d' Espanha assinao os MetropoHtanos de Narbona. Assim em Narbona tinháo os mais antigos Reis Go- dos a sua Corte , que depois se mudou para Toledo. Ainda hoje se conservão em vários gabinetes meda- lhas de Leovigildo e d'Ervigio, com a letra no reverso, NARBONA PIUS. Pcira que este continuado dominio dos Reis Godos na Gallia Narbonense , fique por ultimo authorizado cora o testemunho positivo d'algum escritor clássico ; produzo o que na sua Chronica nos deixou o nosso João Biclaren- se por estas palavras : Bis diebus Linva Rex vivendi finem accepit , et Hispânia omnis , Galliaque Narbonensis , in regno et potestate Leovigildi concurrit. Esta Gallia Narbonense he a que os eruditos costu- mão chamar Gallia Gothica, Pelo que escreve o Monge de Silos, Author d'huma Chronica do século XII , possuião também os Reis Godos fora do Continente d' Espanha , e alem do Estreito de Gi- baltar, aquella parte da Africa que formava a Província Tingitana : porque diz que desta Província era Governador Tomo IX. Gg aquel- 234 Memorias da Academia Real aquellc Conde Julião , que em ódio e vingança do Rei Rodrigo , introduzio os Mouros em Espanha. No quarto anno do Rei Reccaredo , que foi o anno de Christo jSj dentro do Concilio Tolctano III abjurada a heresia Ariana, professarão os Godos a Fé nrthodoxa da Trindade Beatíssima , e a dos mais mysterios da nossa Re- ligião Catholica Romana : conversão , cuja gloria constan- temente attribuera todos a S. Leandro Arcebispo de Sevi- lha. Florccia por este mesmo tempo em fama de virtudes c de doutrina, o nosso illustre Portuguez Scalabitano João Abbadc do Mosteiro de Biclara , e depois Bispo de Gi- rona, que nos deixou huma breve Chronica do que succe- dco no Império Romano e em Espanha , dcs do primeiro anno de Justino o moço até o oitavo de Maurício, e quar- to de Reccaredo. Nesta Chronica deo o Cardeal Aguirre por certo , que estavao viciados por algum Ariano certos lugares , onde se diz , que o Príncipe Hermenegildo ir- mão m.iis velho de Reccaredo , se rebcllou contra seu pay e seu Rei Leovigildo , e se fizera tyranno do Reino. Her- menegilãiis tyrannidem assumens iti Hispali civitate rehellione facta , &c. E outra vez : Leovigildus Rex exercitum ad ex- ptignandum tyranmim filium colligit. E logo : Leovigildus re- hellein filium gravi ohsidione conchidit. Porém o juizo d'A- guirre contra a sinceridade da Chronica do Biclarense he insustentável e inadmissível. Porque pelos mesmos termos fallou d' Hermenegildo pouco depois Santo Isidoro , quan- do na sua Chronica geral do mundo escrcvco assim : Go- thi per Hermenegildiim Leovigildi Regis filiam bifarie divisi mutua CíBde vastantur. E na Chronica particular dos Godos: Hermenegildiím ãeinde filium imperiis stiis tyranuizantem , ob- sessum exsuperavit. Sobre o que imitando depois a Santo Isidoro escreveo da mesma sorte o Arcebispo de Toledo D. Rodrigo Ximenes , Livro II, cap. 14. Hermenegildum deinde filium couíra imperium tyrannizatitem , ohsessum Hispa- li dolo cepit. Concluamos logo, que a rcbelliao do Prínci- pe DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 2^5* pc Hermenegildo he hum facto constante em todas as Historias d' Espanha : c que quem poz a Hermenegildo nos altares, não forão as acções da vida, mas sim a mor- te soffiida valerosamente em defensa da verdadeira Fé, de que seu pay o quiz apartar. § IV. Ceremottias da Inauguração. ê A Inauguração dos Reis Godos constava de Sagraçâo da Pessoa , e de Juramento das Leys. Da Sagraçâo da Pessoa , como ainda hoje praticão os Reis de França , dão illustres testemunhos o Concilio To- letano XII, cap. i. onde se refere a sagraçâo do Rey Er- vigio : e S. Julião Arcebispo de Toledo na Historia de Wamba , onde descreve a sagraçâo do mesmo Wamba. A antiga Chronica dos Reis Visigodos , que se cos- tuma attribuir a Vulsa escritor do oitavo século , faz ex- pressa menção de terem sido ungidos os Reis Ervigio , Egica , e Witiza. Pelos dous primeiros testemunhos do Concilio Tole- tano XII , e de S. Julião , também sabemos , que ao Ar- cebispo de Toledo he que competia ungir o novo Rei : pelos testemunhos da Chronica dos Reis Visigodos , que esta funcção se costumava fazer em Domingo. Esta Chronica muito celebre já nos escritos de Am- brósio de Morales e de João Baptista Peres, (os dous maiores antiquários que teve Espanha em tempo de Filip- pe II) foi o Cardeal de Aguirre o primeiro que a deo á estampa, mas imperfeita entre os Concilios d' Espanha nos fins do século passado ; e foi D. Gregório Majans e Sis- car , o que em nossos dias a publicou inteira , na Prefa- ção ás Obras Chronologicas do famoso Marquez de Mon- dexar e Agiopoli. O juramento em que o novo Rei promettia guardar Gg ii as 136 Memorias da Academia Real as Leis Fundamcntacs do Reino Gothico , consta do Con- cilio Toletano VI, cap. 3 , c do Concilio Toictano VIII, cap. 10. Huma destas Leys juradas era , que elle Rei não con- sentiria em Espanha aos Judeos o exercicio da sua Reli- gião Mosaica. Concilio Toictano VI , cap. 3. Outra, que cUc Rei não alienaria os bens da Coroa. Concilio Toicta- no VIII no Decreto final. Esquecia-me notar , que esta ceremonia de se fazerem sagrar ou ungir os Reis Go4os , passou dellcs aos antigos Reis de Leão seus successorcs. Prova-se isto da Chronica do Monge de Silos, escritor do século XII, que faz sagra- do cm idade de treze annos ao Rei D. Affonso IV, c dii também , que Ordonho II fora sagrado por doze Bispos. Em século mais chegado a nós , quiz também ser sa- grado , e o foi com eíFeito em Portugal ElRei D. Duarte. Ungido e coroado o novo Rei , era do estilo virem todos os Bispos á Corte dar-lhe o parabém da sua exalta- ção ao Throno. Consta das subscripções do Concilio To- letano em tempo de Gundemaro , anno de Christo 610, onde Santo Isidoro Arcebispo de Sevilha , e Innocencio Arcebispo de Merida , declarão que elles se achavão aquel- la occasião em Toledo, por terem vindo cumprimentar El- Rey. Dum in nrbctn Toletanam pro occursti Regls advenissem» Os Padres do Concilio Toletano VII em tempo de Reccesvintho , esmaltarão o seu obsequio para com o Rei , estabelecendo no cap. 7, que dahi por diante em sinal de reverencia ao Príncipe , e para honra da sua Corte , resi- dissem sempre nella com o Arcebispo de Toledo alguns Bispos dos mais vizinhos, que se dcvião revezar todos os mezes , excepto nos tempos da seifa e das vindimas. Pro rever entia Principis , et Regia sedis iouore. PAR- DAS SciElíClAS DE LiSBOA. ^37 PARTE II. Da Legislação Gotbica. Antes que entremos na individuação das Leys Gothi- cas hc necessário advertir, que por via de regra não pro- niulgavao os Reis Godos Ley alguma de maior pondera- ção , que não fosse em publica Assemblea dos Bispos do Reino e dos Senhores da Corte , e de commum con- sentimento d' huns e outros. Isto se convence das Actas de muitos Concilios Toictanos do sétimo século , onde ve- mos , que depois de dtfiniJos pelos Bispos os pontos de Religião e Disciplina tcciesia&tica , se entrava logo a tra- trar entre o Rei, Prelados, e Cortesãos, do que perten- cia ao Governo Politico ou aos negócios do Estado. De sorte que estes Concilios erão como humas Cortes , onde a unanimidade do Principe com os Grandes Ecclesiasticos e Seculares , era a que dava a ultima força ás Leys , que alli se cstabclecião , como hoje succede nas Dietas do Im- pério Germânico, e nas do Reino de Polónia. § I. Logo o Governo Gotbico era hum Governo Monárquico tempe- rado do Aristocrático. Para demonstração desta verdade basta ouvir, como o Rei Reccesvintho se explica , fallando com os Padres e Fi- dalgos , que se achavao no Concilio VIII de Toledo , an- no de Christo 65- 3. In commune iam vobis cimctis , et ex divino cultu Minis- irii idoneis^ et ex Aula Regia Rectoribus decenter electis , di- Tini nominis adjuratione obstrictis ^ adjicio consensionis me£ ve- rum purumque promissum ; ut quodcmque jiistitia , aut pieta- ti , salutarique discretioni vicinum decernere seu adimplere cum nos- 23? Memorias da Academia Real tiostro consensH elegeritis , omnia f avente Dco perfiàam , et ad~ versus omnimodam controversiarum querelam , Principali aucto- ritate muniam ac defendam. Quer dizer: A huns e outros de vós, tanto Ministros do culto divino, como Officiaes da Casa Real , juntos nes- ta Assemblea para tratardes em commum dos Negócios que vos tenho apontido , e conjurados por mim com a invo- cação do nome de Deos: eu vos promctto da minha par- te hum verdadeiro e sincero consentimento a tudo o que vós determinardes que se cumpra , sendo conforme a' jus- tiça , á piedade , e á saudável discrição : e que todos os vossos Decretos munirei e defenderei com a authoridadc de Principc, contra todas e quaesquer queixas que se lhes opponhão. Atcqui Reccesvintho. E para que se não diga, que estes votos dos Prela- dos e Officiaes da Casa Real , erão puramente Consulti- vos , e não Decisivos , temos no fim das Actas do mesmo Concilio oitavo de Toledo hum Decreto acordado pelos Estados do Reino , no qual os Bispos com os Officiaes da Casa Real ordenão, que os bens da Coroa se reputem não como Património , mas como Morgado , para se não po- derem alienar arbitrariamente pelos Principes , nem ainda a favor de seus filhos ; mas que só possão dispor livre- mente dos bens adquiridos ou herdados por qualquer via. O qual Decreto o mesmo Reccesvintho confirma logo com huma Ley sua. Quando se haviao de celebrar estas Assembleas , era só o Príncipe o que as convocava; e ou elle assistisse pes- soalmente ou não assistisse , só elle era o que designava e propunha os Negócios Públicos, sobre que se devia tra- tar e legislar nas taes Cortes. O que elle fazia não de vi- va voz, mas por escrito, que chamavão Tomo^ e que cor- respondia ás Sacras Divaes , que os Imperadores Romanos mandavão aos Concílios Geraes do Oriente, No Concilio Toletano VIII foi lido o Tomo de Reccesvintho : nos Toletanos XII e XIII os Tomos de Er- DAS SciENCIAS DE L I S B O A. 239 Eivlgio : nos Toletanos XVI e XVII os Tomos d' E- gica. § II. O Reino Gothico não era Hereditário , mas Electivo. E o Di- reito de eleger Rei estava nos Grandes , tanto Eccle- sias ticos y como Seculares. Huma e outra cousa se acha expressa no Concilio Tolctano IV, cap. 75" , no Toletano V, cap. 3 , no Tole- tano VJII, cap. 10. O mesmo se confirma da Historia de Wamba, escri- ta por S. Julião Arcebispo de Toledo. Pelos mesmos Documentos se sabe , que o eleito de- via ser Godo de nação , e Fidalgo por nascimento. §. III. Vivendo o Rei , e contra sua vontade , não podiao os Grandes designar-lhe Successor, Consta do Concilio Toletano VI, cap. ij. § IV. Muitos Reis , ( convindo nisso os Grandes do Reino , ) fizer ao em sua vida consortes do império a seus filhos , para es- tes lhes succederem depois da stia morte. Leovigildo associou comsigo ao império a seu filho Santo Hermenegildo. Consta d' huma Inscripçao Gothica coetânea , que se conserva na Cartuxa de Sevilha , que di/. nssim : ANNO FELICITRR SECUNDO REGNI DO- MINI NOSTRI ERMENEGILDI REGIS, &c. Siiinthila associou a seu filho Rccimiro. Santo Isido- ro na Chronica dos Godos. Qi_iin- 340 Memokias da Academia Real Quindasvintho associou a seu filho Reccesvintho. Chro- nica de Vulsa. Chronica de Isidoro Pacense. Chronica Al- beldense. Caiando se calassem os Historiadores, tínhamos ainda melhor prova nas Medalhas de Toledo e de Sevilha. Quin- dasvintho e Reccesvintho, pay e filho, ambos apparecem intitulados Reys com esta inscripçao : Cindasvintbus Rx y e no reverso Rcccesvintbus Rx. Egica associou o seu filho Witiza. Chronica de Se- bastião de Salamanca. O qual acrescenta outra particulari- dade, que hc, que Egica assinou por Corte a Witiza a Ci- dade de Tuy , como quem queria renovar assim em Espa- nha o Reino dos Suevos. § V. Wamha por motivo de Religião abdicou o Reino em favor à'Ervigio, Consta do Concilio Toletano XII , cap. i. O modo como Ervigio subio ao Throno por eleição de Wamba , refere-o assim Sebastião de Salamanca, escri- tor do século nono. Ervigio parente de Reccesvintho, ardendo em desejos de ser Rei dos Godos, deo a Wamba huma bebida, que o privou da memoria e dos sentidos. O Arcebispo de To- ledo S. Julião , e os Officiaes do Paço , que não sabiao da tramóia d' Ervigio, vendo ao seu Rei Wamba neste es- tado , e temendo não morresse clle sem a absolvição sa- cerdotal , fizerão que se lhe desse a Penitencia canónica. Pouco depois convalescendo Wamba do seu lethargo , e sabendo que o tinhao sujeitado á Penitencia canónica, re- nunciou o Reino, e tendo declarado por escrito que a sua vontade era , que lhe succedesse Ervigio (sem duvida igno- rante da sua alcivosia) se recolheo num Mosteiro, vestido d' habito religioso e tonsurado. . To- Das SciENciAS DE Lisboa. 241 Todo este procedimento de Wamba attestão também os Padres do Concilio duodccirrlo de Toledo, cap. 1. on- de tudo foi proposto, examinado, e approvado. E o gran- de Investigador dá Disciplitia Ecclesiastica João Morin no Livro II De Pxuitencia ^ cap. 7. prova de.->te tacto, que até por pcccados occultos se impunha antigamente penitencia publica. O que he mais digno porem da nossa consideração^ consiste em que os Padres do referido Concilio duodécimo de Toledo qualificiío esta acção de Wambn por huma ac- ção inevitável, isto he, por huma acção que Wamba níoi podia deixnr de fazer. Idem eniin Rex IVamba , dum inevita- bílis necessittidittis tenetur eventu , suscepto rcligionis delito cul- tn,, et vencruhUi sacra tonsura stguacu/o , &c. Pois que? Hu- ma vez que Wamba tinha recebido a Penitencia Canónica, não podia Wamba continuar (to governo do Reino? Não. li a razão segundo eu entendo , (porqne os nossos Autho- res não fallã.) nisso) era qu^ pelo capitulo XII do Tercei- ro Concilio de Toledo, os que reccbiao a enitencia pu- blica , mudavão de habito , e tonsuravão-se. E pela Ley Fundamental estabelecida no Concilio Toletano VI , cap. 17 não podia ser Rei dos Godos quem por motivo de Religião tivesse mudado o habito, e sido tonsurado. Confirma-se e illustra-se nobremente esta mtnha intel- ligcncia , com o que a Chronica de Wulsa escreve , que fizera Ervigio , achando-se no ultimo da sua vida : que fçi declarar hum dia por seu succcssor a Egica seu filho , c no outro receber a Penitencia , e declarar logo aos Gran- des do Reino, como eleito Egica ficavao já absoltos todos do juramento de Fidelidade, que a elle Ervigio tinhao da- do no principio. Tom IX. Hh 34- Memorias DA Academia Real § VI. Penas contra os Reos de Lesa Magestade. Os Godos por sua natural fereza e barbaridade , erao tão avezados a assassinar ou dcpôr os seus Reis , que co- mo observou Bochart no seu Tratado De 'Jure Regnm , e Majans na sua Defensa Del Rei JFííiza , não será fácil achar outra Nação , que os igualasse nos exemplos de perfídia. Para isto basta ler a Clironica dos Godos de Santo Isidoro, onde desde Ataulfo que foi o primeiro Rei , até Siscbuto que foi o vigésimo primeiro , se achao notados onze as- sassinatos de Reis. Isto obrigou os Padres do Concilio IV de Toledo no anno de 633 a que no cap. 75" fulminassem contra os aggressores das Reacs Pessoas , ou inimigos do seu Esta- do , a mais tremenda sentença de escommunhão, que se Ic nos antigos Monumentos da Igreja : porque a repetem três vezes com summa vehemencia de palavras, e em no- me de toda a Nação , cujo Corpo representavão naquella Assemblea juntos os Bispos com os Grandes Seculares , e presente á testa de todos o Rei Sisenando, Mas descobrindo a experiência novas traições e alei- vosias contra Reccesvintho , Wamba , e Egica , tornarão og nossos Padres a excitar a antiga comminação no Concilio TolctanoXVI, anno de 693 , fulminando e repetindo ou- tras trcs vezes no cap. 10 a mesma sentença de excom- inunhão , contra os que de qualquer modo ousassem aiteii- tar contra a vida ou Estado do seu Rei legitimo. Afora a pena d'escommunhão fulminada contra todos e quaesqucr Reos de Leza Magestade , declarão os Padres deste Concilio Toletano XVI, que os Grandes Seculares se- jão castigados com a pena de perdimento de todos os car- gos e OíEcios honorificos , e de confiscação de todos os Bens : os Bispos com a pena de deposição e desterro : o que DAS SciÊNCtAS bÊ LíSBÕA. Í4J que logo SC executou na pessoa de Sisbcrto Arcebispo de Toledo, por SC ter conjurado contra o Rei Egica. E por hum Decreto já antes estabelecido no Gonci* lio Tolctano VII se o Rei ofFcndido vinha a congraçar»- se com o vassallo olFcnsor, não podia restituir-lhe doS bens confiscados , senão a vigésima parte. No Concilio Tolctano XIII a rogos do Rei Ervigiò se levantou a pena de infâmia c de confiscação , aos que em tempo de Wamba se tinhão associado ao rebelde Duque PjuIo. No antecedente Concilio Tolctano XII , cap. 5 de- clarâo os Padres delle , que tendo sido declarado cscom- mungado algum Godo por crinle de Lesa Magestade , da- do caso que o Rei offcndido admittindo o á sua graça o honre com a sua Meza , fique por este mesmo facto tirada a cscommunhão , sem ser necessária outra alguma sentença* O que he hum excellente documento , de quanto ainda eiti matérias do Foro Ecciesiastico devem 0$ Bispos contem- plar a vontade e gosto dos seus Soberanos. Isto he pelo que toca aos Cartones da nossa Igreja. Quanto ás Leys Gothicas sobre o crime de Lesa Ma- gestade , he indubitável , que nestes casos prescrevião el- las contra os reos a pena capital : que foi a que os Juizes de Wamba pronunciarão contra o Duque Paulo , que se ti- nha sublevado com a Província de Narbona , como consta da Historia do mesmo Wamba escrita por S.Julião de To- ledo : c a que depois executou D. Ordonho II contra oS Condes de Burgos Nuno Fernandes , e Fernando Ansures , por lhe serem rebeldes, como lemos na Chronica de Sam-» piro Bispo de Astorga. Mas he igualmente certo, que muitas vezes commu- tavão os Reis Godos a pena de morte em outras talvez mais sensíveis pela duração , e pela ignominia. Rcccaredo a dous Bispos Sunna e Uldila , que tinha» conspirado contra elle , contentou-se com os desterrar. A hum Fidalgo por nome Scgga , pelo mesmo crime ; mari- Hh ii dou- 344 MeMOBIAS DA ACAPEMIA ReaL dou-lhe cortar ambas as mãos, e ir desterrado para Galli- za. Noutra conjuração de que era cabeça o Duque Argi- mundo, mandou nutar os compliccs : e quanto a Argimun- do, que rapada a cabeça, e cortada a mão direita, entras- se em Toledo montado num jumento, para ser o alvo das apupadas e dos ludíbrios da plebe. Tudo consta da Chro- nica de João de Biclara. Os que em tempo de Wamba sentenciarão o Duque Paulo, forão de voto , que elle e seus sócios, rapadas as cabeças e as barbas , vestidos de pelles de camelo , pés descalços , e o dito Paulo de mais a mais coroado d' huma carocha de couro mascarrada de pez , fossem todos levados cm paviolas pelas ruas da Corte, e por ultimo morressem d' huma morte affrontosa e infame. E quando o Rei por sua clemência fosse servido conscrvar-lhcs a vida , ao me* nos a todos fossem arrancados os olhos. Tudo consta da Historia de Wamba escrita por S. Julião de Toledo. Este castigo de se mandarem vasar os olhos aos reos de Lesa Magestadc da primeira cabeça , foi o que ficou sen» do ordinário entre os antigos Reis de Leão successores dos Godos. Assim o executou D. Ramiro I contra o Con- de Aldosoito , como lemos na Chronica de Sebastião de Salamanca. Assim D. AíFonço o Magno contra seu irmão D. Froila, como lemos na Chronica de Sampiro d'Astorga, Assim D. Ramiro II contra os sobrinhos do Rei D. Or- denho II , e contra seu mesmo irmão D. Affonço , que ti- nha reinado antes delle, como lemos na mesma Chronica de Sampiro. § VIL Qíie Bens podiao os Reis deixar a seus Filhos. No Concilio Toletano V, cap. i , e no Toletano VI, cap. 16 se proveo sobre a subsistência dos filhos do Rei Quiutila, depois que o pay lhes faltasse. No DAS SCIJSNCIAS DS LiSBOA- 2^^ No ConcilÍQ Tolctano VIII publicarão os Padres hum Decicto , que Rccccsvinrho confirmou cutn huma Luy , cm que se declara , de que Bens poderia dispor o Rei a favor de seus filhos. § VIII. Das Rainhas Viuvas. No Concilio Tolctano XIII , cap. 3. e no ToletanQ Í^VII, cap. 7. se deo providencia, para que ns Rainhas Liubiga mulher d'Ervigio, e Gixila mulher d'Egica, de» pois da morte dos Reis seus maridos , nuo fossem inquie- tadas nem nas suas Pessoas, nem nos seus Bens. A natureza d' hum Reino Electivo, qual era o Go- thico , fazia necessárias estas e outras precauções a favor das Rainhas viuvas ; principalmente ficando ellas sujeitas 4 tão apertadas Leys d*Estjd() , como as que já vou a expor. A primeira destas Leys d' Estado era , que as Rainhas viuvas não podião tornar a casar , nem ainda com outro Rei da mesma Nação. Assim se decretou ao Concilio To- lctano XIII, cap. 5-. anno de 683. A segunda ainda coartou mais a liberdade ás Rainhas viuvas, porque por hum Decreto do Concilio III de Sara- goça , cap. j. anno de 691 , ordenão os nossos Bispos, que as ditas Rainhas não só não tornem a casar , mas que logo que enviuvarem , tomando o habito religioso se xt" colhão num Mosteiro de Freiras. Os indecentes matrimónios , que em segundas núpcias tcriuo talvez contrahido algumas Rainhas, ou o abuso quç de semelhantes matrimónios podião fazer os Grandes, pa- ra por esta via aspirarem ao Throno , e maquinarem ty- rannicas deposições : forao sem duvida a causa de se for- marem estes Decretos , que sobre parecerem nimiamente ri- gorosos , alguém os reputará de mais a mais alheos de competência Episcopal. Mas cajá preveni, que ncátas As- sem- 246 Memorias da Academia Real sembleas fazião os nossos Bispos duas figuras : huma de Prelados Ecclcsiasticos para definirem os Dogmas da Reli- gião, e regularem os Pontos da Disciplina: outra de Gran- des do Reino, para juntos com os outros Grandes secula- res, e authorisados do consentimento do Rei, decretarem de commum acordo , o que parecesse conveniente ao Es- tado. Por mais fortes c extraordinários que parcção estes Decretos contra as Rainhas viuvas , eu ainda acho mais exorbitante , o que em virtude do Tratado da Paz do an- no 1479 entre o nosso Rei D. AfTonço V e D. Fernando Catholico , experimentou a Princcza D, Joanna de Castcl- la , conhecida e appellidada vulgarmente a Excellente Se- nhora : que foi ver-se precisada a professar a Regra de Santa Clara no Mosteiro de Santarém , sendo solteira , e tendo sido jurada Princeza herdeira de seu pay D. Henri- que IV. § IX. Do Código das Leys Gothicas, O primeiro Rei Godo que publicou Código de Leys Pátrias , foi Eurico sétimo depois d'Ataulfo. Santo Isido- ro na Chronica dos Godos. Este Código foi depois reformado e aumentado por Leovigildo. Santo Isidoro na mesma Chronica. Ervigio abrogou muitas Leys de Wamba , e substitu- hio em seu lugar outras. Chronica de Sebastião de Sala- manca, No fim da Historia de Wamba allega S, Julião Arce- bispo de Toledo o Livro II, Titulo I das Leis Gothicas. A opinião dos que crerão, que o Corpo das Leys do Fuero Itisgo fora ordenado no Concilio IV de Toledo rei- nando Sisenando , não tem fundamento algum nas Actas do dito Concilio. De- DAS SlrflEHCIAS DE LiSBOA. 247 Depois do meio do século XI , isto he no anno de 1064 como quer Bnronio, ou de 1068 como quer Baluzc , forão abolidas em Catalunha as Lcys Gothicas. Consta d;is Actas d' humas Cortes de Barcelona daquelle tempo , que traz Aguirrc na sua Gollccçao dos Concílios d' Espanha, DISSERTAÇÃO XI. Do Ceremoninl e Legislação dos Reis Godos , extrahido hum e outro assumpto immcdi atam ente da antiga Historia , e antigos Monumentos da tnvsma Nação. P A R T E I. Do Ceremoiiial Gothico. O. "s Reis Gidos succcssores dos Romanos no impcrio das Espanhas , ao mesmo tempo que cuidarão pouco citx OS imitar na cultura das Artes , esmcrárão-sc muito em adoptar delles os titulos de grandeza para as suas Pessoas, e de lustre para a sua Corte. § I. Esplendor dos Nomeí. Da Imperial Família de Vespasiano adoptarão os Reis Godos para si o nome de Flavios , que ao menos des do tempo de Reccaredo ficou sendo commum aos nossos Reis, como entre os Imperadores Romanos o tinha sido o ap- pcUido de Césares. Huma Pedra de caracteres Gothicos desciibería em To- ledo no anno de i5'9i , que dá noticia do anno da sagra- ção da Igreja Metropolitana da mesma Cidade em tempo dos Godos. IN 248 Memorias da Academia Real IN NOMINE DNI CONSECRA- TA ECCLESIA SCTE MARIE IN CATHOLIGO DIE PRIMO IDUS APRILIS ANNO FELI- CITER PRIMO REGNI DNI NOSTRI GLORIOSISSIMI FL RECCAREDI REGIS ERA DCXXV (He o anno de Christo fS/.) Aqui temos o Rei Reccarcdo denominado Flávio. Mos- tremos o mesmo d'outros seus successorcs. Huma Ley no fim do Concilio Toletano V Flavius Chintila Rex. Outra l/ey no fim do Concilio Toletano VIII Flavius Reccesviuthiis Rex. Outra Ley no fim do Concilio Toletano XIII Flavius Ervigitís Rex. Duas Allocuções do Rei Egica nos princípios dos Con- cílios Toletanos XVI e XVII Flavius Egica Rex Santissimis Patribus in hac sancta Synoão Resiàentihus. Era tão constarLte nos Reis Godos o nome de Flávio y que até o tyranno Paulo , quando em tempo de Wamba se levantou com a Província de Narbona , tomou para si o nome de Flávio Paulo. Assim se convence da carta que o mesmo Paulo escreveo a Wamba , publicada por Duches- ne na Historia de Wamba escrita por S. Julião Arcebispo de Toledo. Os mesmos Reis Godos á imitação dos Romanos, quando fallavão d'algum de seus predecessores defuntos , costuniavão honrallo com o titulo de Divus ou Diva Memo- ria. Reccesvintho na Allocução aos Padres do Concilio To- le- ■ DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 249 Ictano VIII Et si summut Amtor rerum me Div£ Memoria Domini et Cenitoris temponbuí in Regia sede subvexit , &c. Ervigio na Allocuçao aos Padres do Concilio Tolctano XIII Retroacíis Divie Memoria IVamhie Regis tewporibns, &c. Egica na Allocuçjo aos Padres do Concilio Tnletano XV" Divi Píitris nosiri et soceri sortientes fíistíginm , &c. E mais abaixo: Egit enim idem Diviis Pricdecessor noster Ervi' giiif Princeps , &c. Os nossos mesmos Bispos Godos no Concilio Tolc- tano VIII nenhum escrúpulo fi/erSo de chamar a Qiiind.is- vinrho , Priticeps Diva Mcmorite. E isro porque adverti ão por huma parte , que estes mesmos títulos de DiVns e Di- va Memoria , costumavão dar a seus predecessores os mes- mos Imperadores Christíos, como he notório pelo Código das Leys Romanas : e por outra parte , que estes títulos não dcnotavao mais, do que a eminente excellencia das Reacs Pessoas. No qual sentido nenhum Theologo duvida dizer hoje de S, Paulo, Divimis Paulns ^ como o chama* rão S. João Chrysostomo e Theodoreto : nenhum Filosofo dizer de Platão, Divinus Plato ^ como o chamou toda a antiguidade. Pelo mesrtio estilo , e á imitação dos mesmos Impera- dores Romanos , chamavão os Reis Godos Divaes ou Divinas as suas Constituições. Recccsvintho no fim do Concilio To- letanO VIII Tam nobis, qtiam cunctis nostra gloria successo- ribus adfutnri Legem ponimus , Decretmt^iie divalis observan- tia promiilgamus ^ &c. Os Officios da Casa Augusta , que Constantino intro- duzira em sua Corte de Constantinopla esses mesmos adop-» tárão os Reis Godos no seu Palácio de Toledo. Consta isto manifestamente das Actas dos Concilies Toletanos VIIÍ. c XIII e XVI, onde depois dos Bispos subscrevem os Of- ficines da Casa Real , huns com o titulo de Comes Citbicu' Jariorum, outros de Comes Notariorum^ outros de Comes Spa- tbarioriim , outros de Comes Patrimonii , e todos com o tra- tamento de Kiri Ulustres Officii Palatini. Tomo IX. li Eu H^O Memoí^ias T)A Academia Reai- Eu }i mostrei noutro papel , que imprimi ha quatro annos sobre a Origem do Titulo e da Dignidade dos Condes ^ que o Comes Cuhiculariurum era o que nós hcjc cliamamos Camareiro Mor , o Comes Notarioriim , o Secretario d' Es- tado ; o Comes Patrinwnii o Vedor da Fazenda ; o Comes Spatbariorum y o Capitão da Guarda. O titulo de Catholico , que hoje he característico do Rei d' Espanha des do tempo de D. P^crnanJo V os Bis- pos do Concilio Toletano III o derão novecentos annos antes a Reccarcdo : e as Medalhas de Tarragona c Sara- goça oitocentos annos antes a Egica e a Witiza. § II Magestade das InscripçSes nas Moedas ou Medalhas. A mesma magestade das Inscripçoes ou Letreiros , que se observa nas Moedas ou Medalhas dos Imperadores Romanos, he a que se acha nas dos Reis Godos. Para o que basta representar entre as muitas , que de todos os Reis ajuntou Flores , algumas de Leovigildo pay de Rec- caredo , e o primeiro que formalizou em Espanha o Ce- remonial da Corte. Huma que se não sabe onde foi cunhada diz assim : Ltuvigildiis Rex Inclytus. E por baixo da figura da victo- ria traz estas três letras , O N O : que os Antiquários tem por abreviaturas desta oração : Omnes Nohis Ohediant. Outra de Córdova assim : Liuvigildus Rex Bis Cordo- ham ohtinuit. Outra de Merida assim : D N Leovigildus Rex Piai Emérita victor. Outra de Évora assim: Leovigildus Rex Elvora Jurtusé Outra de Braga assim: Leovigildus Rex Bracara Victor, Destas c d'outras Medalhas Góticas se faz também evidente , que em todas as Cidades principaes da Espa- nha havia casas e oíHcinas de cunhar moeda.. DAS SciénciaS í)ê Lisboa. jj-f E para que se veja , que na classe destas grandes Cidades cntravão outras d.i nossa Lusitânia , que hoje es- tão reduzidas a mui pequenas Povoações, temos huma Me- dalha de Rcccaredo , cuja inscripçao he esta. Reccarediis Rcx Jtixttis JEininiô. Onde a Cidade de Eminio, conhecida por esto mesmo nome na Historia de Plinio, e no Itinerário d'Antonino, e authorizada com Cadeira Episcopal em tem- po do Terceiro Concilio de Toledo; concordão hoje to- dos os nossos Antiquirios, que era onde hoje está o Lu- gar de Águeda entre Coimbra e Aveiro. Temos mais outra Medalha do ultimo Rei do? Godos D. Rodrigo , cuja InscripçJo diz assim : IN DNE Rnde- ricUs RX Egitania Pius. Onde a Cidade de Egitania nin- guém ignora , que era onde hoje está a pequena villa de Idanha velha. De caminho ficamos sabendo, que a piedosa Formula, Em nome de Deos ^ com que hoje costumamos dar principio aos Instrumentos públicos, nos veio transmittida dos Godos* Mas entre as Inscripçoes das Medalhas Góticas ne- nhuma ha tão rara , como a de huma moeda de Sisebuto , que Resende testifica fora achada em Évora no anno de içáo. Dizia assim: DN Sisebiitus Rex Civitas Ebora. Deus Jldjutor Metis. A qual Inscripçao he notável, não só por trazer o nome Ebora escrito ao modo Romano , quando noutras Medalhas Gothicas se acha eile alterado em Eiva- ra; mas também porque no hemistiquio tirado dos Salmos, Deuí Âdjíitor Metis , mostra que Sisebuto com esta devota empreza publicava a Dcos por seu Auxiliador nas grandes victorias, que tinha alcançado dos Romanos. § ÍII. Insígnias Reaes dos Príncipes Godos. Santo Isidoro na Chronica dos Godos attesta , que Leovigildo fora entrelles o primeiro , que se vestio de li ii Man- íiTi Memórias da Acaoemia R,e.al Manto Real , e se assentou cm Throno. Primas intef' suos regali veste opcrtus inter sólio resedit. \-l.h^'i3 Da Coroa Real são irrefragavcis provis as Medalhas do mesmo Leovigildo , onde a cabeça do Rei se ve cingida com huma atadura bordada de pcrolas , e atada atraz com huma fita : que isto era o que propriamente chamavão os Antigos Diadema, nome Grego que significa atadura, co- mo observou Codino Curopulata na sua Obra Dos Ofjtcios da Corte de Bysancio. Por isso lemos da Rainlia Monyma mnlher de Mithridátes , que tirou da cabeça o Diadema, para se enforcar com cUe. Plinio no Livro VII, cap. y6 diz que o inventor do Diadema , como distinctivo da Real Dignidade , fora o Dcos Libero. Liber Pater Diadema , Regam insigne , et tritim- pb:iin invenit. Assim entre os Romanos , depois que na pes- soa de Tarquinio soberbo foi desterrado o titulo de Rei, era em extremo odioso o Diadema. De sorte que como refere Suetonio na vida de Júlio Gesar, cnp. y6 e ^7 pon- do alguns plebeos na estatua de Júlio César coroa 4e lou- ro cingida com huma faixa branca ; os deus Tribunos do Povo Epidio Marullo , c Cesecio Flávio a mandarão logo tirar, e meter na cadea os authores da novidade. E o mes- mo Júlio César lançou de si o Diadema , que o ConsuJ António lhe punha na cabeça, e o mandou, . ao. Capitólio para se coUocar na cabeça de Júpiter. rr.irr'' Aureliano foi o primeiro que usou de Diadema entra os Romanos. Iste primas apiid Romanos diadema capiti inne- Kuit , escreve delle Sexto Aurélio Victor no Epitome da Historia Augusta. / Não sei se reduza ao presente assumpto huma obser- vação de António Agostinho sobre as Medalhas Gothicas. Mas como ella versa sobre o que d'alguma sorte he indi- cio de authoridade , eu a proponho já sem nenhum receio. Vem a ser , que nas Medalhas d' Ervigio apparece este Rei com barbas : donde podemos colher , que do mesmo modo SC effigiavão outros dos nossos Príncipes. i He DAS SciENCiAS DE Lisboa. 2^$ He incontestável , que as barbas em todos os séculos e entre todas as Nações, forão tidas por demonstrativo de autoridade , de prudência , de vigor : de sorte quo para fazer injuria a algum personagem , bastava íazcr-lhe cor- tar a barba , como fez o Rei Hanon aos Embaixadores de David : e este nao soíFrendo ver por seus olhos tamanha ignominia , mandou que os Embaixadores se detivessem cm Jericó , em quanto a barba lhes crescia. Assim o le- mos no Primeiro Livro dos Faralipómcnos, cap. XIX. Quatrocentos e sincoenta c quatro annos esteve Ro- ma sem fazer a barba, como he expresso cm Plinio no Livro VII, cap. 5-9 allcgando com Vanao. E se bem Au- gusto, como acrescenta Plinio , sempre fez a barba; Adria» no a tornou a deixar crescer , como affirma Dião Cassio. E dos Imperadores. Gregos Focas e Hcraclio mostrao bar- bas nas suas moedas. Fm Cm das barbas crescidas tomou o nome huma Nação inteira, que íoi a áos Longobarhos ^ cha- mados depois Longobardos. DISSERTAÇÃO XIL Destruição do Reino Godo em Espanha pela entradfl dos Motí' ros. Princípio da Restauração d'Espanha por D. Pelagio, Suminario dos sticcessos mais notáveis do tempo dos Mouros. Em que tempo se perdeo Espanha^ X-/eixadas outras Épocas , que se achao em varies Au- thorcs antigos, mas não coetâneos; pede a boa critica, que a Época da destruição do Reino Godo se não estabe- leça, senão pelo testemunho d' Isidoro Pacense, que he o único Escritor que temos daquelle mesmo século , e que as cou- 25'4 MemoIiias PA AcADE MIA Real cousas que refere neste particular , as podia ter ouvido e sabido daquellcs mesmos que as presenciarão. Na sua Chronica pois escreve Isidoro Pr.censc , que Rodrigo ultimo Rei dos Godos, succcdêra no Reino a Wi- tiza na Era de DGCXLIX , que dá o anno de Christo 7 1 1 , c que reinara só hum anno. Que correndo a mesma Era de DGCXLIX , e o mesmo anno de Christo 711 no anno quinto d'Ulit Califa dos Árabes , entrara por Espa- nha hum exercito de Mouros capitaneados pelo General Muza ; com os qiiaes sahindo a cncontrar^se o Rcy Ro- drigo , c dando-lhcs baralha , fora por ellcs derrotado com todo seu exercito na Era de DCCL, que dá o anno de Christo 711, sexto do Califado d'Ulit. Segundo esta narração d' Isidoro Pncense , fica claro e evidente, que a destruição do Reino Godo com a derrota do Rei Rodrigo, se deve fixar no anno de Christo 712, que hc o que corresponde a' Era de DCCL notada expres- samente por Isidoro , como Época da dita destruição. Confirma-se isto pela outra Chronica d' ElRei D. Af- fonço III chamado o Magno, que vulgarmente se costu- ma attribuir a Sebastião Bispo de Salamanca , c que he o Monumento que nos ficou mais antigo depois da Chroni- ca d' Isidoro Pacensc , por ser escrito na declinação do sé- culo nono. Na qual Chronica se põe a morte de Witiza, e a eleição immediatamente seguida de Rodrigo na mes- ma Era de DCCXLIX , que Isidoro assinara por principio do Reinado de Rodrigo, anno de Christo 711. Confirma-se mais pela outra Chronica do século XII, que os nossos com Brandão costumão chamar Gothica , sendo que pelo principal assumpto que trata , que são as acções do nosso primeiro Rey D. AfFonço Henriques, me- lhor se devia intitular Lusitana , como bem advertio Flo- res. Nesta Chronica pois logo quasi no principio se diz assim : -^ra 749 a/ias yEra /yo Sarraccni Hispaniam adepti síint regnante Roderico. Isto he , na Era 749 , alias na Era 7'jo se fiíerão os Sarracenos senhores d' Espanha. Aquelle ajuu- DAS ScTENCIAS Dí LlSBOA. " b.^Ç QJuntiir as duas Eras , e como emendar huma pela outra , foi sem duvida querer o Author desta Ciironica distinguir o principio da guerra do fim delia; e significar, que Jin- da que a tomada d' Espanha começou na Era de 74i>, anno de Chrisro 711 , nao se concluio todavia perfeitamente, se- não na Era de 750, anno de Chvisro 712, entre as quaes duas Eras se passou o único anno de governo , que Isi- doro Facense tinha dado a Rodrigo. A Chronica de Burgos, que parece ser do mesmo ser culo XII, diz assim: Era DCCXLIX re^narc cwpit Rude- riciis. Regnavit annis trihiis , dttobm ctim IVitiza , tmo per se, E logo outra vez : Era DCCXLIX iiitravcrunt Spauia Sar- rafeui ttmpore Rnderici Regit Toletani. Q|.icr dizer '.Na Era de 749 (he o anno de Christo 711) começou a reinar Ro- drigo, Ellc reinou três annos : a saber, dous com Witiza, c hum elle só. N.i Era de 749 etirrárao os Sarracenos e/á Espanha efm tempo de Rodrigo Rei de Toledo. . 1 A noticia de ter reinado Rodrigo dous annos com Wi- ÚZi não he singular nesta Chronica de Burgos-: porque também a de Albelda suppõe o mesmo , como logo vere- inos. Mas dizer que na Era de 749, anno de Christo 711, começou a reinar Rodrigo, e que nessa- mesma Era entrarão os Sarracenos' em Espanha; bem riiostra que na dita Era de 749, anno de' Christo 71 ij he que começou Rodrigo a reinar só: visto que codas as outras Chroniças tonvcm, que no dito ailiiô de Chrtóto 711 falecera Witiza. Neste sentido concorda a outrà Chronica ;d'AIbelda admiravelmente com a de Burgos, «m quanto 'diz ^ que <) Reino dos Godos pcrececí pela entrada que nelle fez 9 General Muza , no terceiro aniva-^de Rodrigo: terceiro, depois de reinar dous com Witi5ía', e esse mesmo terceiro o único , que reinou só , como tyilia escrito Isidoro Fa- cense. . tíob 0]§olcif.v-) ««>^ijnB òlaq t Não se deve comttído dís^imijar," qúe^esíe fércéiio anno de Rodrigo, único que reinou- só , o retarda a sobre; dita Chronica d'AlbeIda atd o anrtô' de Ghrista.714^ pon- do i^S Memorias DA Acaof. MIA Real do assim a perda d' Espanha dous annos mais tarde , do que 3 poscra Isidoro Paccnsc. E esta hc a Época que se- guio Mariana. Deste Muza General dos Mouros e Conquistador de Espanha , querem alguns com Pedro de Marca , que os Es- canhoes daquelle tempo se começassem a chamar Miizara» bes , como se disséramos Árabes de Muza. Porém a opinião mais bem recebida dos modernos da Nação tem , que os Espanhocs se disserão Mitzarahes por corrupção ou altera- ção de Mixtarahes : isto he , que se disserão Muzarabcs , para se denotar que vivião misturados com os Árabes. O Rei Rodrigo era filho de Thcudofredo Duque de Córdova. Chronica do Monge de Silos escrita no século XII. Este Theudofredo porém pai de Rodrigo era filho de Recesvintho. Chronica do Arcebispo de Toledo D. Ro- drigo Ximenes , que he do século XIII. Livro III, cap. i6: Os motores da ruina d' Espanha em ódio de Rodrigo forâo os filhos de Witiza, dos quaes hum se chamava Opas, Arcebispo de Toledo , unidos com o Conde Julião Gover- nador da Africa Tingitana. Chronica do Monge de Silos. O qual todavia se engana em chamar a Opas filho de Wi- tiza , e Arcebispo de Toledo. Porque Opas era filho de 'Eoica , c conseguintemente irmãp de Witiza : e não era Arcebispo de Toledo , mas de Sevilha. Que Opas fosse filho de Egica , e não de Witiza, hes expresso cm Isidoro Pacfense , que o havia de saber muito bem. E ainda assim o erro de fazer a Opas filho de Wi- tiza não he só do Monge de Silos , mas também de D, Lucas de Tui , e o que mais hc , da Chronica de Sebas- tião de Salamanca tnntu mais antiga. Que fosse Arcebispo de Sevilha, e não de Toledo, consta pelo antigo Catalogo dos Arcebispos de Sevilha da. Abbadia de S. Milhan , publicado por D. Gregório Mayans na Vida de D. Nicoláo António, § iy6. Não se pode comtudo negar, .que de Sevilha passou Opas i DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 25-7 Opas a ser Arcebispo intruso de Toledo por nomeação de seu irmão Witiza , vivendo ainda o legitimo Arcebispo Sin- deredo : porque assim o affirma D. Rodrigo na sua Chro- nica , Livro 111, cap. 16. Os motivos para se conjurarem contra o Rei Rodri- go, forão da parte dos filhos d'Egica irmãos de Witiza , vcrem-se excluidos de reinar pela eleição de Rodrigo ; e sobre excluidos de reinar , perseguidos também cruamente pelo mesmo Rodrigo. Da parte do Conde Julião ter Ro- drigo abusado d' huma filha sua donzella , que era Dama do Paço. A mesma Chronica do Monge de Silos. Ainda não pude descobrir em que Monumento antigo se fundão João Vazeu , Estevão de Garibai , João Mariana , Bernardo de Brito, e os outros nossos modernos, quando escrevem , que o nome desta Dama era Cava : nome que em lingua Arábiga significa md mulher , segundo escreve Fr. Pedro d'Alcalá no seu Vocahulssta Arahigo. Alguns que depois passarão por mais sisudos, e avi- sados, como D.José Pellicer, o Marquez de Mondexar, e D. Gregório Mayans , derão por huma novella fabulosa este conto dos amores do Rei Rodrigo com a filha do Conde Julião. Mas o seu fundamento principal não tem nada de solido. Dizem que taes amores em tempo tão tur- bulento não são verisimeis : como se a Historia e a ex- periência nos não mostrasse outros innegaveis exemplos do contrario. Sobre que fim teve o infelice Rei Rodrigo, a Chro- nica Albeldensc diz que ninguém até aquelle tempo o sa- bia. De Rege quoque eodem Ruderico ntilli causa interitus ejus cognita manei tisque in prasentem diem. Quasi pelos mesmos termos se explica na sua Chronica Sebastião de Salaman- ca. Mas como este acrescenta , que mandando-se em seu tempo povoar a Cidade de Viseu, se achou numa Basílica da mesma Cidade hum sepulcro com este epitáfio : Hic re- qttiescit Rudericus Rex Gothorum : prudentemente se pôde da- qui inferir, que Rodrigo depois da batalha em que ficou Tomo IX. Kk ven- aj8 Memorias DA Ac ADEMi A Real vencido, teve modo de se recolher da Andaluzia a Portu- gal , onde tendo por ultimo acabado sua triste vida , toi sepultado em Viseu. O nosso Conde D. Pedro não devia ter lido esta Chro- nica , quando logo no principio do seu Nobiliário , Titu- lo I cscreveo , que o tal epitáfio fôra achado numas hor- tas junto a Viseu. Este epitáfio até a nossa idade se lia em Viseu na Igreja de S. Miguel. Haverá porém sincoenta ou seccnta annos , que o Cabido Sede Vacantc mandando reedificar a dita Igreja , supprimio a pedra cm que elle estava , e poz em seu lugar outra com o seguinte distico : Hic jacet , aut jacuit postremns in ordine Regum Gotborum , itt tiobis nuuiia fama referi. Assim mo certificou ha poucos mezes daquella cidade o Reverendo P. M. António Machado da Congregação da Oratório de S. Filippe Neri. A Rainha com quem foi casado o Rei Rodrigo , cha- mava-se Egilona. Chronica de Isidoro Pacense. § II. Principio da Restauração d^Espanha por ElRei D. Pelagio. Sinco annos havia que os Mouros dominavão Espa- nha , quando D. Pelagio aggregando a si vários Povos das Astúrias se levantou Rei dos mesmos Povos. Nesta Época do Reinado de D. Pelagio concordáo to- das as antigas Chronicas. Basta citar a d'Alcalá , e a do Livro de Noa de Santa Cruz de Coimbra , que ambas se cxplicão por estas mesmas palavras : Era DCCL Sarraceni Hispaniam obúniicrmt. Antequam Domnus Pelagius regnaret , Sarraceni regnarunt in Hispânia annis V* Sup- I DAS SciENCIAS DE LlSBOi^. jj'^ Supposto este consenso das Chronicas antigas hc f-i- cillimo de fixar o anno , em que D. Pclagio começou a reinar. Porque se Espanha foi tomitía pelos Sarracenos no anno de Christo 712, ( que he o que corresponde á era de César 750 ) scgue-se que o primeiro anno da domina- ção dos Sarracenos foi o seguinte anno de 713. Ora as Chronicas attestao que passados sinco annos desta domi- nação, he que D. Pclagio começou a reinar. Logo o prin- cipio do Reinado de D. Pelagio foi no anno de Christo 718. Era D. Pelagio Príncipe do sangue Real dos Godos , e filho do Duque D. Fafila. Chronica de Sebastião de Sa- lamanca. Tinha sido capitão da Guarda do Rei Rodrigo. Chro- nica do Monge de Silos. A restauração d' Espanha começou pela famosa victo- ria , que D. Pelagio alcansou dos Mouros na batalha de Cangas nas Astúrias , onde morrerão cento e vinte e qua- tro mil infiéis, e ficarão prisioneiros Alcaman seu General, e o pérfido Opas Arcebispo de Sevilha. Chronica de Se- bastião de Salamanca, e Chronica do Monge de Silos. Reinou D. Pelagio dcsanove annos completos, c fa- Jeceo na era de 775 , anno de Christo 737. Chronica de Sebastião de Salamanca. Daqui se confirma o que acima estabeleci , que o pri- meiro anno do Reinado de D. Pelagio foi o anno de Chris- to 718, Porque de 718 para 737 vão justamente desano- ve annos. O jazigo dos primeiros Reis , que succedêrâo a D. Pelagio , foi primeiro em Cangas , depois em Pravia. D. AÔonso II o Casto , foi o primeiro , que assentou a Corte em Oviedo , e fez nella jazigo para si e seus successores. Depois transferio D. Ordonho II a Corte para Leão , e então começarão os Reis a enterrar-se em Leão. Tudo cons- ta da Chronica de Sebastião de Salamanca , e da de seu Continuador Sampiro d'Astorga, Kk ii Até a6o Memorias DÀ Ac At)EMiy\ Real Até o tempo deste D. Ordonho II intitulavão-se es- tes Reis não Reis de Leão , mas d'Oviedo. Assim os ap- pclida a Chronica d^i^ftbelda. Estes Reis costumavão sagrar-se ou ungir-se , bem co- mo o tinhão praticado os Godos. Consta da Chronica do Monge de Silos , fallando do Rei D. AíFonço III o Ma- guo i anno de 866, e da outra Chronica de Cardenha , fallando do mesmo Rei. Pela Historia Compostcllana , Livro II, cnp. 87, cons- ta , que ainda no século XII sagrara o Arcebispo de San- tiago D. Diogo Gelmires a ElRei D. AíFonço VII de Leão. Dava-se-llics também depois de mortos , como aos Godos , o titulo honorifico de Divte Memoria. Consta do epitáfio de D. Ramiro I em Oviedo , que diz assim : Obiit íliVíC memorize Ranimirtis Rex die Kal. Februarii , Era DCCCLXXXFIII. Aponta-o Morales na sua Chronologia dos Reis tirada das Obras de Santo Eulogio Marryr. Ainda depois da perda d' Espanha , trataváo os estran- geiros os Espanhoes por Godos. Consta da Carta d'Alcui- no aos Abbades e Monges da Gothia na causa de Felis d' Urgel. § IIL Tocão-se os principaes successos íT Espanha f durante a domina' ção dos Mouros. D. Fafila , filho e immediato successor de D. Pela' gio , por ter a imprudência de se pôr a luctar com hum urso, foi morto por elle, no segundo anno do seu Rei- nado, que era o anno de Christo 739. Chronica de Se- bastião de Salamanca, e Chronica Albcldcnse. D. Affonço I o Magno , genro de D. Pelagio , e fi- lho de D. Pedro Duque de Biscaia , da antiga raça dos Reis Godos da linha de Rcccaredo , libertou do poder dos Mouros a Lugo , Tuy , Braga, Porto, Viseu, Chaves, Le- DAS SciENci AS DE Lisboa. 261 Lcdcsma , Salamanca, Zamora, e outras muitas terras. Na sua morte forao ouvidos os Anjos cantar aquellas palavras da Escritura : Ecce quomoiio nioritur justus , et innio ccmidc- rat , &c. Faleceo no anno de 717 tendo reinado desoito annos. Chronica de Sebastião de Salamanca , e Chronica do Monge de Silos. No anno de Christo 77^ veio Carlos Magno de Fran- ça a Espanha , passando de Pamplona até Saragoça. An- naes Bcrtininnos publicados por Duchcsne. Sc damos credito á Chronica do Alosteiro de S. Gál- io, que Baluzc inscrio nas suas Miscellaneas , neste mes- mo anno teve Carlos Magno huma grande perda em Espa- nha. DCCLXXFIII. Hoc anno Domuus Rcx Carolus perrextt in Spania , et ibi dispendium habuit grande. Esta grande perda creio eu , que consistio na perda da celebre batalha de Ronces-Valhes , onde os Francezes fo- rao derrotados pelos Navarros unidos com os Mouros. Fun- do-me em que a Chronica do Monge Cerratense póe nes- te tempo a sobredita batalha , dizendo : Era DCCCXF fnit pra;'inm de Rozas Valles ^ ubi fueruiit morttii XII Pares. Quer di/er : Na Era de 8if (he o anno de Christo 774) foi a batalha de Roncesvalhes , onde forâo mortos os doze Pa- res. Fundo-me outrosi , em que a mesma derrota dos Pa- res a põe a Chronica Silense na volta de Carlos de Sara- goça para Pamplona , e de Pamplona para França ; no- meando entre os mortos a Egibardo Veador de Carlos Ma- gno , a Anselmo seu Conde de Palácio , e a Rolão ou Roldão Conde de Bretanha. Sc assim foi , pôde-se disputar o Padre Mariana , e a outros Modernos , que a batalha de Roncesvalhes fosse nos últimos annos de Carlos Magno , e em tempo de D. Affonço o Casto. Porque Carlos morreo indubitavelmente em 814, e em yyy ou 778 ainda não reinava D. AfFonço. No anno de 798 por dous Embaixadores seus D. Froi- la e U. Basilisco , mandou o Rei D. Affonço o Casto a Car- i 202 Memorias da Academia Reai, Carlos Magno de presente hum fermoso Pavilhão cont muitas armas c bestas, e com muitos Mouros cativos, que tomara na conquista de Lisboa. Annaes Bcrtinianos. Esta cspece não me lembro tel-la achado em Escritor algum nosso. E quando eu a puz no meu Compendio dns Épocas por authoridade de Lcnglct, ainda não sabia donde elle a poderia ter tomado. Em tempo do Rei D. Affonço o Casto ^ e de Carlos Magno , se levantou cm Espanha a heresia de Felis Bis- po d' Urgel , e d' Elipando Arcebispo de Toledo, que en- sinavão , que Christo não era filho natural de Deos Padre, mas adoptivo. Contra ella fez Carlos Magno celebrar cm 794 o Concilio de Francford , composto dos Bispos da Itália, da França, e da Germânia, que contra a mesma heresia escreverão aos Prelados d' Espanha huma Epistola Synodica extensíssima , que se pôde ver nas Actas do dito Concilio. Pela carta do Papa Adriano I ao Bispo Egila cons- ta , que por este mesmo tempo grassavão por Espanha ou- tros erros sobre a celebração da Páscoa, Livre Arbítrio, Predestinação , DiíFerença dos manjares , e Celibato dos Clérigos. O modo com que D. Affonço o Casto subio ao thro- no , he digno de se saber, e de se notar. Morto o Rei D. Silo no anno de 783 quando a Rai- nha viuva D. Adosinda com todos os Officlaes do Paço , queria que lhe succedesse seu sobrinho D. Affonço , filho do Rei D. Froila I seu irmão : succedeo que outro Prín- cipe por nome D. Mauregato , filho bastardo do Rei D. Affonço I o CathoUco , tido numa escrava , pacteou secre- tamente com os Mouros , que se o ajudassem para elle al- cançar o Reino, excluído D. Affonço, elle D. Mauregato lhes daria todos os annos cm parias cem donzellas chris- taãs. Com cffeito ajudado dos Mouros sahio D. Maurega- to com a sua , e reinou sinco annos , e alguns mczes. Por todo o qual tempo esteve seu competidor D. Affonço re- ti- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 263 tirado da Corte , vivendo cm casa de huns parentes de sua mãy, que tiniia cm Alava. Morto o Rei D. Mauregato em 789 , succedeo-lhc D. Bcrmudo I sobrinho do mesmo D. AiFonço o Catholico ^ de quem D. Mauregato era filho bastardo. Tinha D. Bcr- mudo recebido ordem de Diácono, e ainda assim reinou trcs annos. Mas no terceiro renunciou o Reino , não a fa- vor d'algum de dous filhos que tinha , chamados D. Ra- miro , e D. Garcia ; mas a favor de seu sobrinho D. Af- fonso , que he o de quem tratamos , e que por não ter querido nunca casar, foi chamado o Casto. Tudo isto consta da Chronica de Sebastião de Sala- manca : 3 qual como dá a D. AíFonço o Casto sincoenta e dous annos de reinado , c o póe morto no anno de 842 , scgue-se que D. AíFonço o Custo começou a reinar no an- no de 791. Na batalha de Lutos nas Astúrias, matou o Rei D, AfFmço o Casto setenta mil Mouros. A mesma Chronica de Sebastião de Salamanca, e a outra do Monge de Silos. Em seu tempo forâo descubertas por celestiaes indí- cios as rcliquias do Apostolo Santiago Maior em Iria, ci- dade então Episcopal , hoje villa do Padrão em Galliza , c trasladadas dalli para Cómpostella , sendo Bispo de Iria Thcodomiro. Historia Compostellana do século XII. Livro I, cap. 2. A D. Affonço II o Casto , succedeo D. Ramiro I , aquellc que venceo aos Mouros a famosa batalha de Cla- vijo , onde foi visto o Apostolo Santiago montado num ca- vallo branco , com huma bandeira branca na mão , pelejar pelos Christãos. O que tudo attestou depois o mesmo Rei no Privilegio chamado dos Fotos ^ que Morales publicou, e icproduzio Flores, Tomo XIX, pag. 329. Daqui diz Mariana que veio o costume , de quando os nossos estavão para dar batalha aos Mouros , appellidar Santiago Barros o está mencionando a cada passo nas suas Décadas. A 264 Memorias da Academia. Real A este mesmo D. Ramiro I attribue Mariana a glo- ria de ter cllc sido o que levantou aos Mouros o infame tributo das cem donzellas christaãs, que o Rei Maurcgato tinha pactcado com tanto discrediro da Nação Espanhola. A Chronica do Cerratense comtudo attribue aquella gloria a D. Ramiro II pelos annos de Christo 934, dizendo que ate aqucllc tempo se pagava sempre o tributo das cera donzellas. Poderá ser , que a paga deste tributo tivesse suas in- terrupções , conforme erao os tempos que corriao : e que por isso fossem diversos os Reys, que o levantassem. Reinando D. Affonço III o Magno ^ foi sagrada a Igreja de Santiago de Galliza : (erecta em Metropolitana a Igreja d'Ovicdo;) e celebrado nella hum Concilio, cm que se decretou , que visto acharem-se destruídas pelos Mouros muitas Cathedraes , e terem-se refugiado nas Astúrias os seus Bispos , ficassem estes vivendo em Oviedo , e dalli governasse cada hum como podesse os seus dispersos reba- nhos. Actas do Concilio d'Oviedo extrahidas da Chronica de Sampiro d'Astorga. Acháráo-se neste Concilio desasete Bispos : entrelles Argimiro de Braga, Nausto de Coimbra, Argimiro de La. mego , Theodorico de Viseu , Guimado do Porto. Achárão-se outrosi com ElRey onze Condes : entrel- les Hcrmcgildo Conde de Tuy e do Porto, e Ayres seu filho Conde d'Eminio, que se suppõe era Águeda. Por causa da habitação simultânea de tantos Bispos numa mesma cidade , foi Oviedo antigamente chamada a Cidade dos Bispos. Historia de D. Rodrigo Ximenes do sé- culo XIII. Livro IV, cap. 18. D. Ramiro II fez celebre o seu nome pela grande vi- ctoria que alcançou dos Mouros na batalha de Simancas , onde morrerão oitenta mil. Chronica de Sampiro d'Astor- ga , e Chronica do Monge de Silos. Em tempo do Rey D. Ordonho III foi martyrisado em Córdova o santo menino Pelagio, ou como nós dize- mos DAS SciENCIAS DE LlSSOA. 155" mos S. Payo , correndo a era de 964, que da' o anno do Christo 926. Assim rodos os manuscriros de Sampiro d'As-' torga , e assim todas as Chronicas antigas , como a do Monge de Silos, a d'Alcalá, a Ambrosi.inj. Náo obstante este consenso dos Códices de Sampiro, c das Chronicas apontadas , Aloralcs se persu;idio , que ha-» via erro na Era , e que em lugar da Era de 964 , anno de Christo 926, se devia rcpôr cm todos a Era de 963 j anno de Christo 925. E com esta emenda reimprimio Flo- res a Chronica de Sampiro, pela razão de que das Actas consta , que S. Pelagio rccebco o martyrio num Domin- go 26 de Junho: e só no anno de 92J he que o dia 26 de Junho cahio em Domingo. Depois de D. Bcrmudo II reinou em Leão seu filho D. AfF)nço V, que achando-se sobre Viseu , foi morto d'huma sétada , que lhe atirou hum Mouro, anno de 1027. Consta da Chronica de Pelagio d'Ovicdo , e do seu epi- táfio em Leão dcscripto por Mnralcs. Deo Leys e Ordenações a Leão , que andavão escritas no fim da Historia dos Reys Godos. A mesma Chronica de Pelagio d'Oviedo. Morto D. Bermudo III sem deixar posteridade algu- ma , recahio pela primeira vez o Reino de Leão no de Castella , na pessoa de D. Fernando o Magno. Era este D. Fernando filho de D. Sancho II Rey de Navarra , e d'Aragão. D. Sancho por ter casado com D. Nuna , filha de D. Sancho Conde de Castella , tinha feito seu este Condado, e na repartição que fez dos seus gran- des Estados entre seus filhos , deo Castella a D. Fernan- do, que foi o primeiro, que se intitulou Rey de Castel- la ; e por ter casado com D. Sancha irmaa de D. Bermu- do III adquirio também o Reino de Leão , e começou a intitular-sc Rey d' hum e outro Reyno. Chronica de Pela- gio d*Oviedo, c Chronica do Monge de Silos. Três cousas illustrárão muito o reinado de D. Fernan- do o Magno : a População de Portugal , a Legislação pa- Tomo IX. LI IA i65 Memorias da Academia Reat. ra todos os seus Reinos , a Trasladação de Santo Isidoro ^ e a dos Santos Martyrcs d' Évora. A População de Portugal foi huma feliz consequência de ter o Rey D. Fernando expulsado da Província da Rci- ra os Mouros d'cntrc Douro e Mondego , tomando-lhcs primeiro Viseu, depois Lamego, por ultimo Coimbra. Estando sobre Viseu, achou D. Fernando ainda nesta cidade aquelle Mouro , que trinta annos antes tinha alli mesmo morto com huma sétada a D. Affanço V seu sogro : e em castigo lhe mandou cortar ambas as mãos. A tomada de Coimbra foi revelada antes por Santia- go a hum santo peregrino , que se achava em Compostella , e a quem arrebatado em extosi tinha apparecido o mesmo Apostolo montado a cavallo com humas chaves na mão : indicio de que hia abrir aos Christãos as portas de Coim- bra, como pontualmente mostrou o successo. . Depois da expugnaçâo de Coimbra , na volta para Leão deixou o Rey D. Fernando por Governador na Beira a hum D" Sisnando, homem de grande conselho, a quem os Mou- ros d' Andaluzia tinhao antes trazido cativo da Cidade do Porto Tudo o referido hc tirado da Chronica do Monge de Silos. Da Legislação de D. Fernando o Magno dá a Chro- nica de Pelagio d'Oviedo hum bom testemunho , quando diz , que D. Fernando confirmou as Leys , que D. Affon- ço seu sogro promulgara em Leão , e que lhes acrescen- tou outras. Mais expresso he ainda , e mais notável o testemu- nho , que da Legislação do mesmo D. Fernando o Magno nos oflFerecem as Actas do Concilio de Coyaca , Diocese d'Oviedo, celebrado no anno de Christo 1050 com assis- tência do mesmo Rey , e dos seus Grandes , o qual divs assim : Octavo Título mandaniíís , ut in Legione , et in suis ter^ minis f in GalUcia , et in Âsíwiis, et Portucak , tale sit judi-^ cium DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. iff^ Ciiitn setnper y qttalc est connitutttm in Decretis Adefonsi Regit pro homicidio , pro rauso , pro sayo7ie , aut pro onwibiis calum* niis suis. lale vero judicitim sit in Castella , quale fuit in die^ bus avi nostri Sancii Dticis. Quer dizer: Que cm Leão, Gal- ]i/a, Ascurias, c Portugal, ye faça justiça segundo as Leys do Rey U. AíFonço V seu sogro : c em Castella , segun- do as Leys do Duque D. Sancho seu avô. Que Leys fossem aqucllas de D. AfF^nço V de Leão, Aguirre as dco nas Actas do Concilio Lcgionense do an* no de IOI2. A Trasladação do corpo de Santo Isidoro de Sevilha a Leão, foi feita pelos dous Bispos Alvito de Leão, e Ordonho d*Astorga , acompanhados do Conde Munho. O anno anda errado na Chronica do Monge de Silos, que a pÔe no anno da Encarnação lojz. Anda também errado na vida de Santo Isidoro escrita pelo Monge Ccrratense , que a põe no anno do Senhor 1062. Porque o verdadeiro an- no desta Trasladação foi o de Christo 1063 , como he ex- presso nas Actas da mesma Trasladação , impressas pelos Padres Bullandistas , e reimpressas por Flores : e na Ins- cripção coetânea posta na mesma Igreja de Santo Isidoro de Leão ^ a qual Sandoval deixou estampada na vida do Rcy D. Fernando. Sobre as reliquias dos Santos Marryres d' Évora, a Chronica de Pelagio d'Oviedo nos certifica , que D. Fer- nando fizera trasladar de Ávila onde estavâo , as de S. Vi- cente para Leão , as de Santa Sabina para Falência , as de Santa Christeta para S. Pedro d'Arlanza. Morreo este Rey D. Fernando o Magno no anno de z<36y. Consta do unanime consenso de todas as Chroni- cas: da Chronica de Pelagio d'Oviedo , da do Monge de Silos , da Gothica de Brandão , da de Burgos , da d'Alca- li. Pelos quaes monumentos se deve emendar a Chronica do Livro da Noa de Santa Cruz de Coimbra, que a põe hum anno antes, isto he , na Era de MCII, que dá o an- 00 de Cbriâto 10Ó4. LI ii An- i6o Memorias da Academia Real Antes de morrer, dlvidio D. Fernando o Macno os seus Reinos por seus filhos. A D. Sancho que era Primo- génito, deo Castella : a D. Affonço , Leão: a D. Garcia, Galliza c Portugal. Chronica do Monge de Silos, Chro- nica de Pelagio d'Oviedo , e Chronica Compostellana. Depois da morte do pay, começarão logo os três fi- lhos a guerrear entre si , sobre qual havia de ter maiores doniinios. Morto em guerra D. Sancho no sitio de Zamo- ra , occupou D. AfFonty-o o Reino de Castella. Morto era prizão D. Garcia, occupou D. Affonço o Reino de Galli- za e Portugal : e deste modo absorveo em si os três Rei- nos de seu pay. Chronica de Pelagio d'Oviedo, c Chro- nica Compostellana. Somos cm fim chegados ao Reinado do grande D. Affonso VI, Tronco da Casa Real Portugueza por sua fi- lha a Rainha D. Tareja , mulher do Conde D. Henrique de Borgonha. ' Em tempo deste D. Affonço VI, anno de 107Ó, foi abolido em todos os seus Reinos o Rito Gothico do Of- ficio Divino , e introduzido em seu lugar o Romano. Chro- nica de Burgos , e Chronica de Cardenha. He digno de se notar , que em lugar de Rito Go- thico , ou Rito Romano , se dizia então Ley Gothica , ou Ley Romana. Historia Compostellana , Livro I , cap. z qua- si no fim. No anno de 1085- expugnou D. Affonço VI Toledo, lançando fora os Mouros. Chronica de Burgos, Chronica Gothica, Chronica ào Cerratense, e Livro de Noa. Este Rey D. Affonço VI teve Carta de Confraterni- dade com os Monges da Abbadia de Cluni cm Borgonha, passada pelo Santo Abbade Hugo. O Instrumento publi- cou-o Dacheri no Tomo VI do seu Spkilegio. O mesmo Rei por sua devoção se fez tributário de certa quantia de dinheiro ao dito Mosteiro de Cluni. Cons- ta da Doação que traz, Yepes no Tomo IV. A raiz desta affeição á Ordem dç Cluni , depois da gran- DAS SCIENCIAS CE LiSBOA. z6^ grande fama que por roda a christandade corria da santa e exemplar vida daquellcs Monges, creio eu que era, es- tar ElRci D. AíFvJnço VI casado cm segundas núpcias com a Rainha D. Constança , filha do Dut]uc de Borgonha , cm cujo território, como já notei, estava Cliini. E daqui também vinha , que naqucllc tempo se achavâo as primei- ras Cathedracs d' lispanha occupadas por Monges daquella filiação. Porque D. Bcnnudo era Arcebispo de Toledo, S, Giraldo Arcebispo de Braga, D. Mauricio Bispo de Coim- bra, D. Dalmacio Bispo de Compostella. Da estada deste grande Rei em Portugal dá a Chro- nlca hum excellente testemunho, quando diz, que na Era de iiji, anno de Christo 1093, dentro de poucos dias tomou ElRei aos Mouros Santarém , Lisboa , e Sintra ; e que entregando o governo destas três Praças ao Conde D. Ramon seu genro , marido de sua filha D. Urraca , e pondo por Alcaide Mór delias a D. Sueiro Mendes, par* tira para Toledo. Faleceo ElRei D. AfFonço VI no anno de 1105» ten- do reinado 43 annis e seis mczes. No que a dita Chronica Gofhica concorda bellamente com a de D. Pelagio d'Ovie- do , que então vivia , e assistio ás exéquias d' ElRei. E daqui se convence, que elle começara a reinar no anno de «065-, que he o em que morrera seu pai D. Fernando o Magno, DIS- 17C» Memorias DA AcADE MIA Real DISSERTAÇÃO XIII. Princípios do Reino de Portugal no casamento do Conde D. Hen- rique com a Rainha D. Tare j a. Soberania deste Estado trans- mittida a ElRci D. AJfonso Henriques seu filho , e na Pes- soa delle a todos seus successores. § I. De que Casa Soberana da Europa procedia o Conde D. Heuri' que , ou qual era a sua Baronia, D. 'EixAnAs duas opiniões, que antes do tempo de Duar- te Nunes de Leão andarão muito em voga entre os nos- sos : das quaes huma fazia o Conde D. Henrique proce- dente d' hum Rei d' Hungria , sem designar que Rei fos- se , como seguirão Duarte Galvão na Chronica d' ElRei D. Affonço Henriques , e André de Resende no Livro Quar- to das suas Antiguidades de Portugal : outra procedente da Casa dos Duques de Lorena, como seguindo os dous Bis- pos D. Rodrigo Sanches de Falência , e D. Affonço de Carthagena de Burgos affirmou Damião de Góes na Chro- nica d' ElRei D. Manoel. Deixadas , digo estas duas opi- niões, como já antiquadas, e de nenhum valor por falta de Documentos sohdos : a sentença geralmente recebida hoje entre os eruditos tem , que o Conde D. Henrique era de Borgonha. A duvida que unicamente resta he , de qual das duas Borgonhas procedia elle : se da Borgonha Ducado , se da Borgonha Condado : porque em ambos es» tes dous Estados Soberanos se dividia aquella Provinda , em quanto não foi incorporada na Coroa de França. Os Genealógicos Francezes , tendo á testa a André Duchesne, querem que o Conde D. Henrique procedesse de DAS SCIENCIAS DE LlSUOA. lyt dc Borgonha Ducado , como filho d'hum dos filhos do Du* que Roberto , o qual Duque Roberto era filho d'outro Ro- berto Rei de França o segundo do nome, e por clle ne- to immcdiato do Rei Hugo Gapcto , tronco da terceira raça actual dos Reis Cliristianissimos. Segundo a qual ge- nenlogin tem a Casa Real Portugueza o mesmo tronco , que a Casa Real de França. O fundamento desta opinião he hum manuscrito da Abbadia Floriacense ou de Fleuri da Ordem de Cluni cm Borgonha, o qual juntamente com as Historias de Cylabro e de Suger se imprimio pela pri- meira vez em Francford no anno de IÇ96, e depois o in- scrio André Duchcsne na sua Historia dos Duques de Bor- gonha , c Francisco Duchesne seu filho no Tomo Quarto da rarissima Collecção, que tem por titulo, Historia frau' cortim Scriptores Coaetanei. Este manuscrito entre muitas cousas pertencentes ao Reino de França des dos fins do século IX até os princí- pios do século XII traz algumas pertencentes a Espanha do tempo d' El Rei D. Affonço VI sogro do nosso Conde D. Henrique. O Author que se não sabe quem foi, clara- mente se faz coetâneo do mesmo Rei D. AfFonço VI quan- do diz, que elle no anno de 1108 estando sobre o rio Gatona vira que no Ceo apparecião trcs soes , isto he , três dos que os Filósofos e Mathematicos chamão Parelios. Tra- tando porém das duas filhas do dito Rei de Leão e Castella D. AflFonço VI depois de dizer, que a primeira que era le- gitima , a casou elle com D. Ramon , Conde que era alem do Saoua : ( qui Conútatum ultra Ararim tenehat : ) acrescenta logo, que a outra que era bastarda, a dera elle a D. Hen- rique, que era hum dos filhos do filho do Duque Roberto de Borgonha. Alteram filiam , sed non ex conjtigali thoro ua' tam , Atnrico uni filiorum filii ejusdem Diicis Roberti dedit. Fundados neste Documento da Abbadia de Fleuri , e seguindo a André Duchesne, dão hoje por indubitável os Genealógicos de França , ter procedido o Conde D. Hen- rique da Casa de Borgonha Ducado. E na verdade depois d'as- 1^1 Mkmorias da Academia Real d'assim o deixar escrito hum Author Fiaiiccz coetâneo do mesmo Conde , c natural de Borgonha , parece que não falta nada, para o facto se dar por certo. Assim o Chro- rista JNIói- Fr. António Brandão na Terceira Parte da Mo- narquia Lusitana , Livro VIU , cap. 2 se acostou a esta opinião , como a mais provável. E o celebre Agostinho Descalço o Padre Anselmo no Tomo I da sua Historia Ge- nealógica dos Reis de França, cap. 1^ diz que o manus- prito de Plcuri viera a eclipsar todas as outras opiniões que antecedentemente corriao , sobre a origem c extracção do Conde D. Henrique. E em virtude dcllc assenta com os dous Santas Marthas , que o Conde D. Henrique de Portugal era quarto filho d' Henrique , filho primogénito de Roberto Duque de Borgonha. Todavia D. Luiz Salazar de Castro, o mais diligen^ te e exacto Genealógico que atégora vio Espanha , na sua t)bra Glorias da Casa Farnest ^ pag. 6Ó9 e segg. depois de mostrar que f;iz pouca fé na authoridade do manuscrito de Fleuri , muito de propósito e com todo o esforço com- bate a pretensa origem do Conde D. Henrique deduzida de Roberto Duque de Borgonha : e dá por unicamente verdadeira a opinião , que muito antes que Brandão e Du- chesne escrevessem , tinhão proposto Duarte Nunes e Fr. Bernardo de Brito , que he , que o Conde D. Henrique de Portugal era filho de Guido Conde de Vernueil na Normandia , hum dos filhos de Reinaldo Conde de Bor- gonha. Esta opinião tem grande apoyo no que deixou escri- to na sua Historia d' Espanha , Livro VI, cap. 21, o Ar- cebispo de Toledo D. Rodrigo Ximenes , Author do sé- culo seguinte ao em que morreo o Conde D. Henrique, e que ainda alcançou o reinado de D. Affonço Henriques. Porque no citado lugar affirma D. Rodrigo, que o Conde D. Henrique era das partes de Besançon , e primo co-ir- mão do Conde D. Ramon , pai d' ElRei D. Affonço VII chamado o Imperador. De ^artihus Bisontinis y congermams Ra^- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. lyt Raytfiundi Comitis patris Imperatoris. Ora Besançon aindaqvre era Metrópole commum das duas Borgonlias , estava no território de Borgonha Condado , de cuja Corte que era Doía, só distava oito Jcgoas, quando de Dijon Corte do Ducado distava quatorze. E o Conde D. Ramon , de quem o nosso D. Henrique se diz primo co-irmao, indubitavel- mente consta que era da Casa de Borgonha Condado, co- mo lic expresso numa pequena Chronica do século XIII , que Flores imprimio duas vezes , huma no fim do Tomo XX, outra no fim do Tomo XXIII tirada d' hum Códice da Historia Compostellana do Coliegio chamado do Arce- híspo da Universidade de Salamanca : no fim da qual pe- quena Chronica se diz , que o sobredito Rei D. Affonço VII era filho da Rainha D. Urraca , e de D. Ramon Con- de Palatino de Borgonha. Filius autem ejus Jdefonstis tiomi' lie,, a Raymundo Burgundia Comité Palatino legitime geueratuSj &c. De mais que de vários lugares da Historia Compos- tellana , como do Livro I, cap. 46 , e do Livro I, cap. 108 , hc notório", que este Conde D. Ramon era irmão de Guido Arcebispo de Vienna , que depois foi Papa Ca- listo II , e do qual todos concordão, que era da Casa de Borgonha Condado , e não Ducado. Do que tudo deduz Salazar de Castro ser hum mesmo o tronco da Casa Real de Portugal , e o da Casa Real de Castella , considerada esta antes d'entrar nella a Casa de Borbon na pessoa de Filippe V. Expendidos assim os fundamentos d'huma e outra sen- tença , resta declararmos , a qual das duas dá o nosso juí- zo a preferencia para ser crida. Digo pois , que se deve estar antes pela primeira , que faz o Conde D. Henrique procedente da Casa de Borgonha Ducado ; do que peia segunda , que o faz procedente da Casa de Borgonha Con- dado. A razão de decidir he i.° Porque a primeira senten- ça allega por si hum Documento positivo c expresso , e esse d'Author coetâneo , e da mesma Provincia , qual he o Manuscrito do Monge de Fleuri. A segunda porém só Tomo IX. Mm apon- 274 Memorias pa Academia Real aponta por si o testemunho d'hum Escritor cem annos mais moderno , e que sobre mais moderno , se explica por huns termos muito geraes c confusos , qual he o testemu- nho do Arcebispo de Toledo D. Rodrigo Ximcnes. 2.° Por- que estando em pé o Manuscrito de Fleuri , que Salazar quer dar por supposto , mas sem prova concludente , intei- ramente se arruina pelos aliceces a segunda opinião , que faz o Conde D. Henrique procedente de Borgonha Con- dado. Pelo contrario a outra opinião , que fundada no Ma- nuscrito de Fleuri faz o Conde D. Henrique procedente de Borgonha Ducado , pode muito bem conciliar-se , e de facto- SC concilia com o testemunho do Arcebispo D. Ro- drigo. Porque ser o Conde D. Henrique das partes de Be- zatifon , ií»ualmcntc se verifica, ou elle viesse de Borgo- nha Condado , ou de Borgonha Ducado , visto que Bezan- çon era Metrópole commum d'ambos os Estados. E o ser primo co-irmão do Conde D. Ramon , podia ser por par- te da mãi , e não do pai , visto que o nome congermanus he indilFerente para hum e outro sentido: o que não seria, se o Arcebispo em lugar de cmigermamts tivesse escrito /)<»- triielís. § II. Se a Rainha D. Tareja era legitima , ou bastarda. A opinião commummente recebida entre os nossos Es- critores he , que a Rainha D. Tareja fora filha bastarda d' ElRei D. Affonço VI havida em D. Ximena Munhoz sua amiga. Assim a Chronica antiga citada por Brandão, assim Damião de Góes, assim Bernardo de Brito, assim António de Vasconcellos , assim João Baptista Lavanha , as- sim Leão de S. Thomaz, assim outros depois dclle. André de Resende foi o primeiro ou dos primeiros , que deo a D. Ximena Munhoz por mulher legitima d'El- Rci D. AfFonço VI fundado n'huma antiga Chronica em lingua Espanhola , que elle diz que fora escrita setenta an- nos I DAS SciENClAs DE LiSROA. 375" nos antes , que o Arcebispo de Toledo D. Rodrigo Xime- nes publicasse a sua Historia Latina d'Espanha. A André de Resende seguio nisto Fr. António Bran- dão na Terceira Parte da Monarquia Lusitana : a Fr. Antó- nio Brandão seguio D. José Barbosa no seu Catalogo das Rainhas de Portugal, Arrojo parece intentar eu impugnar três criticos tao grandes. Mas por huma parte a obrigação que des do prin- cipio me impuz , de elucidar nestas Dissertações Académi- cas os pontos mais importantes da nossa Historia antiga , não permitte que passe em silencio a qualidade de nasci- mento da nossa primeira Soberana. Por outra parte a cons- ciência da verdade, que he a primeira Ley da Historia, manda que a mesma verdade seja preferida a todos e quaes- quer respeitos. He pois a minha those a que se segue : A Rainha D. Tareja foi filha d^ElRei D. Jffonço VI ha- vida cm D. Ximena Munhoz , que ainda que era Senhora d' al- ta qualidade , nao foi sua mulher legitima. Primeira Prova. D. Pelagio que começou a ser Bispo d'Oviedo no anno de 1098, eque conseguintemente foi contemporâneo do dito Rei D. AfFonço VI falecido no anno de 1109 na Chronica que escreveo dos Reis de Leão , tratando no fim delia das mulheres e descendência , que o dito Rei teve , escreve assim : Hic hahuit quihqtie uxores legitimas '. primam Jgnetem , secundam Constantiam Refinam , ex qua genuit Ur- racam Reginam conjugem Comitis Raymundi , de qua ipse ge- nuit Maneiam et Adefonsum Regem : tertiam Bertam Tuscia orinn- dam : quartam Elisabeth , ex qua genuit Saneiam conjugem Co- mitis Roderici , et Geloiram quam duxit Rogerius Dux Sicilia : quintam Beatricem , qua mortuo eo repedavit in patriam suam. Habiút etiam duas concubinas , tamen nobilíssimas : priorem Xi- meuam Munionis , ex qua genuit Geloiram uxorevi Comitis Ray- mundi Tolosani , patris ex ea Adefonsi Jordauis ; et Tarasiam Mm ii tixo- 2j6 Memorias DA Academia Real iixorem Henrici Comitis , patrh ex ea Vrracie , Geloir^ , et Alefonsí : posteriorem mmitie Zaydam , filiam Âbenhabet Regis Hispalensis , quíC baptizata Elisabeth ftiit vocata : ex hac ge- miit Siiucium ^ qui obiit in lite de Ucks. Qiier ihzcr ; Este Rei D. AfFonço VI teve sinco mu- lheres legitimas : primeira D. Incz : segunda a Rainha l>. Constança , da qual gerou a Rainha D. Urraca mulher do Conde U. Ramon , que delle teve a D. Sancha , e a EU Rei D. Affonço : terceira D. Bcrtha , oriunda da Toscana : quarta D. Isabel , da qual gerou a D. Sancha mulher do Conde D. Rodrigo , e a D. Elvira , com quem casou Ro- gério Duque de Sicilia : quinta D. Brites , que morto elie tornou para a sua pátria. Teve também duas concubinas , mas nobilissimas : primeira D. Ximena Munhoz , da qual gerou a D, Elvira , mulher do Conde D. Ramon de To- losa , dos quaes nasceo D. AfFonço Jordão ; e a D. Tarc- ja mulher do Conde D. Henrique, dos quaes nascerão D. Urraca, D. Elvira, e D. Affonço : outra por nome Zayda, filha d'Abcnabeth Rei de Sevilha, a qual sendo baptizada, se chamou D. Isabel : e delia teve ElRei a D. Sancho, que morreo na batalha d'Uclés. Aqui temos hum Bispo, que tratou muitos annos a ElRei D. AfFonço' VI , e que por conseguinte havia de sa- ber muito bem de todos os seus casanientos , affirmando que este Rei tivera sinco mulheres legitimas , que nomea pelos seus nomes ; e duas concubinas de nascimento illus- trissimo , huaia das quaes diz que era D. Ximena Munhoz mãi que foi da nossa Rainha D. Tareja. Logo pelo teste- munho do Bispo D. Pelagio , não foi D. Ximena Munhoz mulher legitima d'ElRei D. Affonço VI. Segunda Prova. O Arcebispo de Toledo D. Rodrigo Ximenes , que floreceo no século immediato ao em que morreo ElRei D. Affonço VI , c que pelo seu caracter e cxacção he o Escri- tor DAs< SeiENci AS DE Lisboa. 277 tor mais clássico que temos da Historia (^'Eípfinha : cstí Arcebispo, digo, tratando das mulheres do mesmo Rei l). AfFonço VI SC explica quasi pelos mesmos termos, de que tinha usado D. Pelagio Bispo d'Oviedo, dizendo assim no I.ivro VI, c;ip. 21. Hic habuit quhique uxores sticccssive legi- timo niatrinwtíio sibi junctas. Prima ftiií Âgnes : secmula Com- tantia , ex qua geituit filiam iiomiiie Vrracam , qtia ftiit uxor Comitis Raimimdi , de qua ipse Raimundiis gftiuit Saneiam et ylldefousum , qtti ftiit postea hnperator. Tertia Berta ex Tuscia oriunda : Qtiarta Elisabet , ex qua getitiit Saneiam , qiite fuit líxor Comitis Roderiei ; et Geloiram , qtiam dtixit Rogerius Rex Sicilia, . . . Qiãnta Beatrix depaftibtis Callicanis. Habuit etium aliam uxorem , qu^ Ceida , postea Maria fuit dieta, Habuit etiam duas nobiles concubinas : una dicebatur Semena Munionis , ex qua genuit Geloiram , qute fuit uxor Raimundi Comitis To- losani , et ex illo Comité genuit Jldefonsum Jordanis , qui sic dictus , eo quod in Jordanis fiumine baptizatus Et eadem Semena Munionis genuit aliam filiam , qiite Tharasia dieta fuit ^ quam duxit Comes Enricus de partibus Bisontinis , congerma.- nus Raimundi Comitis patris Imperatoris , ex qua suscepit idem Enricus Aldefonstim , qui fuit postea Rex Portugallia. Quer dizer: Este Rei D. Affonço VI teve successi- vánvente sinco mulheres em legitimo matrimonio. A primei- ra foi D. Inez : a segunda D, Constança , da qual teve hu- ma filha por nome D. Urraca , que foi mulher do Conde D. Ramon , da qual o mesmo D. Ramon ouve a D. San- cha , e a D. AfFonço , que depois foi Imperador. A tercei- ra D, Berta oriunda de Toscana. A quarta D. Isabel , da qual gerou a D. Sancha , que foi mulher do Conde D. Rodrigo , e a D. Elvira , com quem casou Rogério Rei de Sicilia. A quinta D. Brites, que era das partes de Fran- ça.. . Teve também outra mulher legitima, que no princi- pio se chamava Ceide, depois Maria. Teve também duas concubinas mulheres nobres : huma das quaes se chamava D. Ximcna Munhoz, da qual gerou a D. Elvira, que foi mulher do Conde D. Ramon de Tolosa , e que do dito Con- 278 Memorias DA Academia Real Conde gerou a D. Affonço Jordão , assim chamado, por ter sido baptizado neste rio. E a mesma D. Ximena Mu- nhoz gerou outra filha por nome D, Tareja , com a qual casou o Conde D. Henrique das partes de Besançon , pri- mo do Conde D. Ramon pai do Imperador ; da qual o mesmo D. Henrique teve a D. Affonço , que depois foi Rei de Portutral. Aqui temos o Arcebispo de Toledo D. Rodrigo Xi- mcnes , contradistinguindo e contrapondo seis mullieres , legitimas d'ElRei D, AfFonço VI as que só foráo suas con- cubinas ; e contando entre as concubinas a D. Ximena Mu- nhoz , mãi da nossa Rainha D. Tareja. Logo tambcm se- gundo o Arcebispo D. Rodrigo Ximenes não foi D. Xime- na Munhoz mulher legitima d'ElRei D. Aflfonço VI. N'huma só cousa notável discrepa a narração do Ar- cebispo D. Rodrigo , da narração do Bispo D. Pelagio , que elle manifestamente tinha diante dos olhos : e he em dar por sexta mulher legitima d'ElRei D. Affbnç ) VI a moura Zayda , que D. Pelagio apontara por huma das duas concubinas. Mas por huma parte esta discrepância não faz nada contra o nosso intento , que todo versa sobre D. Xi- mena , e não sobre a Zayda moura. Por outra parte não fal- ta entre os modernos criticos quem discorra , que no arti- go da Zayda foi viciado o Texto de D, Rodrigo por ou- tra mão. E o contexto assim o persuade. Porque se D, Ro- drigo começa como D. Pelagio, dando a ElRei D. Affon- ço VI sinco mulheres legitimas, e depois duas concubinas: como acrescenta elle a essas sinco mulheres legitimas ou- tra legitima , que vem a fazer seis ? E se elle com o mes- mo D. Pelagio reconhece duas concubinas , como nomea só huma ? Parece logo palpável , que a clausula da Zayda junta ás mulheres legitimas, não sahio da mão de D. Ro- drigo, o qual a proceder com coherencia devia contar a Zayda por segunda concubina. Este he o discurso do Pa- dre Flores , que ninguém duvidará , que he hum discurso digno d' hum homem grande. DAS ScieScias de Lisboa. 279 § III. Rentove-se bum subterfúgio , a que D. José Barbosa se aco- Iheo, para não ter contra si os dous Escritores sobreditos. André de Resende e Fr. António Brandão , ambos re- conhcccião c confessarão , que D. Pelagio d'Oviedo e D. Rodrigo Ximcncs em darem a D. Ximena Munhoz por con- albina d' ElRci D. AfFonço VI negavão que cila fosse sua mulher legitima. Por isso para mostrarem , que a Rainha D. Tareja não fora bastarda , mas legitima , recorrerão a outros Documentos , que opposerao aos dos referidos Bis- po e Arcebispo. O Padre D.José Barbosa, Clérigo Re- gular da Divina Providencia , nome entre nós não só de respeito, mas de saudade, quando no seu bem trabalhado Catalogo das Rainhas de Portugal tratou de provar com Re- sende e Brandão a legitimidade da Rainha D. Tareja , to- mou o novo expediente de dizer, que o nome de concubina nos Textos do Bispo d'Ovicdo D. Pelagio, e do Arcebis- po de Toledo D. Rodrigo , não se devia tomar por ami- ga ou manceba , mas por huma mulher , que por ser d*in- ferior condição , se recebia sem soleranidade externa. Por esta accepção do nome de concubina allega D. Jo- sé Barbosa o cap. Christiano , que anda no Decreto ; e o exemplo de Cethura e Agar, que sendo legitimas mulhe- res d*Abrahão, a Escritura no Livro do Génesis as chama concubinas. ' Mas ninguém deixa de ver , que para o nome concubina se tomar nos Textos de D. Pelagio e de D. Rodrigo , por huma mulher legitima , a quem para se equiparar ás outras só faltou ser recebida com solcmnidade ; não basta que o tal nome se ache nesta accepção em tal cânon, ou em tal lugar da Escritura : mas que de mais a mais he ne- cessário mostrar , que nesta mesma accepção he que com efFeito o vsurpárão D. Pelagio , e D. Rodrigo. Isto he po- aSo Memorias da Academia Real rém o que não mostrou , nem podia mostrar o Padre D. José Barbosa, Primo : porque tanto D. Pelagio como D. Rodrigo , ambos claramente contrapõem a n}t«lher concubina á mulher legitima , e a mulher legitima á concubina : dizendo hum : Habuit qtiinque tixores legitimas : outro , Habtiit qiiinque lixa- res legítimo matrimonio sibi jitnctas. E dizendo ambos , Ha- buit etiam ditas concubinas. Secundo : porque concordando ambos , que D. Xime- na Munhóx era illustrissima por nascimento ; assim como da parte do Rei não havia razão para a receber sem so- kmnidade , também da parte dos dous Escritores não ha- via razão para a metterem na classe das concubinas : por- que tal qual era D. Ximena , não era inferior a muitas , que sendo filhas de vassallos , nenhum reparo tinhâo feito outros Reis de Leão de as receberem como Rainhas. Tertiò : porque da arvore do cpstado , que traz Flo- res , consta que D. Ximena era parenta d' ElRei em ter- ceiro gráo. E as parentas em grão prohibido não podião ser n-jm concubinas legaes no sentido de Barbosa. Quarto : porque feito parallelo de lugares com luga- res , acha-se que noutros Textos querendo os mesmos dous Escritores D. Pelagio e D. Rodrigo significar bastardia nos filhos , chamão como aqui concubinas as mais. De D. Pela- gio se convence isto, pelo que elle escreve dos bastardos d' El Rei D. Bermudo II dizendo : Alitid nefas nefandissimus jlle Princeps egit. Habuit duas nobiles sorores concubinas: ex una genttit Infantem Domintim Ordonium , ex alia genuit In- fantissam Dominam Geloiram. Quer dizer : Outra infame mal- dade fez ainda este nefando Principe. Teve duas irmaãs no« brcs por concubinas : d' huma das quaes gerou o Infante D. Ordonho , da outra a Infanta D. Elvira. No qual Tex- to por isso mesmo que as duas concubinas erão irmaãs , fi- ca evidente, que D. Pelagio tomou o nome de concubina na significação d'amiga ou manceba. Porque nem duas ir- maãs ainda successivamente podião ser mulheres, legitimas sem DAS SCIEKCIÀS DE LlSBOAi sSí sem dispensa; nem D. Pclagio qualificaria de grande mal-» dadc d' ElRci D. Bcnnudo II ter por concubinas duas ir- inaãs , se por este nome entendesse duas mulheres legiii* mas. Quanto a D. Rodrigo lie terminantissimo o seguinte lugar do Livro V, cap. i. onde fallando dos filhos d' El- Rci D. Fioila II diz assim : Duxit uxorem nomine Múmia Domna , ex qua sitscepit ires filioT : Aldefonstim , Ordoiihnn , et Raiiimiriim : et qtiafttini de concubina itomine Âzenarem. Isto hc : Casou EIRei D. Froila II com D. Múmia Domna, da qual houve três filhos: D. AíFonço ^ D. Ordonho , D. Ra- miro; c teve quarta d'huma concubina cham.idi Azcnar. Para se ver com roda a clareza , que D. Rodrigo toma aqui concubina por amiga ou manceba, hc de saber, que eíle neste lugar não fez mais que transcrever, o que dos filhos d' EIRei D. Froila II tinha antes deixado em memoria d outro Bispo Sampiro d'Astorga , quanJo na íua Chronicá escreve assim : Duxit uxorem nomiue Muniam Domnam , ex qua três filios genuit '. Adefonsum , Ordonium , sive et Ranmt' rum : et genuit Azenarevi , sed non ex legitimo conjugio. Qlicí dizer: Casou ElRci D. Froila II com D. Munia Donna ^ da qual teve três filhos: D. Affonço, D. Ordonho, D. Ra- miro : gerou mais outro filho chamado Azenar , mas não de legitimo matrimonio. Bem ouvirão todos , que o que Sampiro d'Astorga dissera , que EIRei D. Froila II gerara râo de legitimo matrimonio o Príncipe Azenar ; disse D« Rodrigo , que o gerara d' huma concubina. Tenho logo demostrado contra o que pretendia o Pa- dre D. José Barbosa , que o nome concubina na Historia de D. Pelagio d'Oviedo e de D. Rodrigo de Toledo, não se toma por mulher d'algum modo legitima , mas por ami- ga ou manceba. O Monge de Silos coetâneo do Bispo D. Pelagio, e o Author da Chronicá Latina d' ElRei D. AíFonço VII , que floreceo no mesmo século , nos confirmão , que esta era então a accepçao commum daquelle termo nos nossos Tomo IX, Nn Es- aSl MeMOKI A.S DA ACADEM IA ReA n Escritores. Porque o primeiro tratando da repartição, que D. Sancho Rei de Navarra fez dos seus Ebtados entre seus filhos, dÍ7, assim: Garciam primogenitum Panipilonensibus pra- fecít '. Feruaiidum vero hcllatrix Castclla passioue patvis pro gu- bernatore suscepit. Dedit Ramiro , quem cx concubina hahnerat , quandam semotim regni sui partictilam , scilicet ne fratrihus eo qtiod materno gcnere impar erat , quasi hcreditariíis regni vidcretur. A D. Garcia seu primogénito deo o Reino de Pamplona : a D. Fernando coube a bellicosa Castella : a D. Ramiro havido numa concubina dco separadamente lui- ma pequena porção do seu Reino , visto que sendo desigual aos irmãos por parte da mãi , era razão que não parecesse entrar com eiles igualmente na herança dos Estados pa- ternos. O segundo depois de referir no Numero 36, que El- Rci D. Affonço VII dera por mulher a D. Garcia Rei de Navarra sua filha D. Urraca havida numa concubina chama- da Domna Gontroda : «í daret Regi Garsia filiam suam In- faMem Domnam Urracam, quam genuerat ex Gontroda concu- bina', prosegue no Num. 39 dizendo, que a concubina D. Gontroda , depois que vio feita Rainha a sua filha D. Ur- raca , como quem não tinha mais que desejar deste mun- do , se recolhera Freira no Mosteiro d'Oviedo : isto em vida do dito Rei D. Affonço VII. Que testemunhos mais claros e mais concludentes se podem desejar, para todos entenderem, que o significado em que os nossos Escritores do século XII e XIII toma- vão o nome concubina ^ era o de amiga ou manceba, e de nenhum modo mulher legitima. DAS SciENCIAS DE Ll3EOA* iSj § IV. Refoi'ção-ic mais os fundamentos , donde se prova , que D. Xi» mena Alunhóz mãi da Rainha D. Tareja , não fora mu~ Iher legitima d'£/Rei D. Àjfouço yi. Mas dado, c não concedido, que os testemunhos do Bispo D. Pclagio, c do Arcebispo D. Rodrigo, se possáo eludir com a interpretação, que o Padre D.José Barbosa deu ao nome de concubina : que podem repor os que pre- tendem com elle , que a Rainha D. Tareja fôra filha de legitimo matrimonio; que podem repor, digo, aos teste- munhos do Monge de Fleuri , e da Chronica Latina d'El- Rei D. Affonço VII , que por termos expressos dizem , que a Rainha D. Tareja não era filha legitima , mas bas- tarda ? Pelo que toca ao Monge de Fleuri , he cousa no- tável, que o Chronista Mor Fr. António Brandão, que o tomara por garante da opinião que segue , de descender o Conde D. Henrique da Casa dos Duques de Borgonha ; quando depois tratou da qualidade de nascimento da Rai- nha D. Tareja, o passou em claro, e nenhum caso fez del- le. Pelo que toca á Chronica Latina d' ElRei D. Affonço VII o Padre D. José Barbosa , que a podéra ter visto im- pressa pelo Padre Fr. Francisco de Berganza em Madrid an- no de 1721 , ou a não vio, ou se a vio, fez que a não conhecia , pela achar contraria á sua pretensão. He certo , que D. José Barb )sa folheou as Antiguida- des d'Espanha do Padre Bergan/a : pois elle as cita varias vezes , e delias produzio a seu favor a Chronica de Car- denha. E nestas Antiguidades d^ Espanha imprimio o Padre Berganza a Chronica Latina d' ElRei D. Affonço VII. Lo* go o passal-Ia em silencio, não foi porque a não visse, mas porque lhe não fez conta. Aqui pois , onde só se trata de averiguar imparcial» íncnte a vordade dos factgs importantes, e de lançar fun-. Nn ii ' da- 2^4 Memórias da Academia Reat, damentos seguros á nossa Historia ; hc da minha obrio-a- çáo produzir os dous citados Documentos , como provas as mais decisivas da thcse , que deixo proposta. O Monge de Fleuri , segundo o publicou Duchesne no Tomo IV dos seus Coetâneos^ pag. 89 depois de dizer, que ElRei D. Affonço VI casara sua filha D. Urraca havi- da na Rainha D. Constança, com o Conde D. Ramon, que tinha o seu Condado alem do Saona ; prosegue logo dizendo, que outra fillia , que nao era nascida de legitimo matrimonio, a dera ElRci por mulher ao Conde D.Hen- rique, hum dos filhos do filho de Roberto Duque de Bor- gonha. Alteram filiam , sed nnn ex coujtigali thoro natam , Uinrico uni filiorum filii ejusdem Dticis Roberti dedit. A Chronica Latina d' ElRei D. Aftonço VII confor- me depois de Bcrganza a publicou Flores no Tomo XXI, pag. 347 entrando no Numero 29 a fallar da guerra, que ElRei D. AíFonço de Portugal filho do Conde D. Henri- que e da Rainha D. Tareja , moveo contra seu primo o dito Rei D. AíFonço VII de Leão e Castella , escreve o seguinte : Ipsa antem Tarasia erat filia Regis Domiui Ade- fonsi , sed de non legitima , valde tamen a Rege dilecta , nO' mine Ximena Munionis , qtiam Rex dilectionis et honoris causa dedit tnaritatam Enrico Comiti , et dotavit eam ruagnifice , dans Portiigalensem ferram jure hereditário. Quer dizer: Esta Rai- flha D. Tareja era filha d' ElRei D. AíFonço , mas havida de mulher nao legitima , ainda que muito querida d'ElRei , que SC chamava Ximena Munhoz. E ElRei em sinal do amor que tinha a esta filha , e querendo-a honrar, a casou com o Conde D, Henrique , e a dotou magnificamente , dando-lhe a terra de Portugal de juro e herdade. A* vista destes dous testemunhos , hum do Monge de Fleuri , contemporâneo e patrício do Conde D. Henrique j outro do Chronista d' ElRei D. Affonço VII contemporâ- neo c patricio da Rainha D. Tareja : deve dar-se por hum facto indubitável e absolutamente certo , que D. Ximena Munhoz não foi mulher legitima, mas amiga ou manceba d'El- HÁS SciE!>rciAí< de Lisboa. 285" d' ElRci D, AíFonço VI , e por conseguinte que a Rainha D. Tareja filha d'entrambos era bastarda , e não legitima. § V. Desfiiaem-fe os fundamentos da sentença contraria , allegadot por Fr. António Brandão , e por D. José Barbosa. Trcs são os fundamentos , sobre que Fr. António Bran- dão e D. José Barbosa , derão por firmemente assentada a legitimidade do casamento de D. Ximena Munhoz com El- Rei D. Affonço VI , e a legitimidade do nascimento da Rainha D. Tareja havida d'entrambos : dous d'authorida- de , e hum d'etiqucta. O primeiro fundamento d'authoridade he tirado d*hu- ma antiga Chronica em Língua Espanhola , citada por An« drd de Resende no Livro IV De Antiquitatibus Lusitânia , Artigo De Orichiensi Agro , foi. 209 , e transcrita depois por Fr. António Brandão na Terceira Parte da Monarquia Lusitana, Livro VIII, cap. ii. Na qual Chronica se acha o seguinte testemuni\o : ElRey D. Alfonso toma muger mo^ ra , que se dizia la Zaida j y avo en ella un fijo , ai que di' xeron Don Sancho , y por sobrenombre dixcron-lo Sancho Alfon' so : y despues lo mataron moros en la batalla de Uclés. Des- pties uvo este Rey otra muger , que uvo nombre Ximena Mn- nSz ; y uvo en ella dos fijos , la Infanta Dona Elvira y y Ia Infanta Dona Teresa. Assim o descreve Brandão no lugar acima indicado : porque Resende sim tinha citado a Chronica Espanhola , mas contentando-se com expor o que delia se concluia , não poz as palavras formaes , por não misturar o Castelha* no com o Latim. Com este testemunho porém deu Resende por tão terta e indubitável a legitimidade do casamento de D. Xi- mena com ElRei D. Affjnço VI , que attribuio a desaíFe- cto nacional, o tel-la o Arcebispo D. Rodrigo qualificada de i86 Memorias da Academia Real de concubina : {Rodericits Toletaniis parum Lusitanis aqiiiis :) e sobre esta descuberta escreveo (como cUc mesmo acres- centa) hum largo Discurso a João de Barros. Oiia de re aâ Joantiem Barrum scripsi ., et quidem proHxe. Para quebrar pois toda a força á authoridade do Ar- cebispo D. Rodrigo , que tinha dado por concubina d' El- Rei D. Affonço VI a D. Ximena Munhoz; oppoz Resen- de o testemunho desta Chronica Espanhola , que clie diz fora composta setenta annos antes do dito D. Rodrigo , {totós septuagiuta annos ante Rodericuní) e onde D. Ximena Munhoz apparecc mulher legitima d' ElRei D, AíFonço VI depois da Zaida moura. Arrastados da authoridade de Resende , e movidos da grande antiguidade que elle dava áqucUa Chronica Espa- nhola, produzio Fr. António Brandão, e produzio D.José Barbosa o mencionado testemunho, como hum documento, que punha fora de toda a duvida , ter sido D. Ximena Mu- nhoz legitima mulher d' ElRei D. Affonço VI , e legiti- ma sua filha a Rainha D. Tareja. Sinto na verdade , que hum homem como Resende , o Principe dos Antiquários d'Espanha deixasse cahir da sua tão attentada , como atilada penna , que o ter o Arcebispo- de Toledo feito concubina a D. Ximena , fora por ser pou- co favorável aos Portuguezes : porque com isto nos certi- ficou Resende , que não tinha lido ao Bispo d'Oviedo D. Pelagio , que escreveo a sua Chronica quando Portugal ainda não era Reino. Muito mais sinto , que Resende qua- lificasse a Chronica Espanhola por huma Chronica setenta annos mais antiga , do que a Historia do Arcebispo D. Ro- drigo ; porque nisso mostrou , que a não correra pelos olhos com a devida attenção. E sobre tudo sinto , que D. José Barbosa , devendo-lhe Resende tanto conceito no cjue diz da antiguidade da Chronica Espanhola , nenhum lhe devesse na intelligencia que deu ao Texto do mesmo D. Rodrigo sobre o significado do nome concubina. O caso he , que a dita Chronica Espanhola , que Ré- sen- DAS ScienCiasde Lisboa. 287 sendc e Brandão só virão manuscrita , c da qual como ma- nuscrita só transcrevera o mesmo Brandão alguns pequenos pedaços : foi o Padre Flores o primeiro , que cm nossos dias a publicou c imprimio toda inteira , no fim do pri- meiro Tomo das suas Rcyuns Ciubo/icas, tirada d' hum Có- dice do Convento de S. Martinho de Madrid , da letra de João Vasques dei Marmol , Corrector Régio por Filippe II. He peça tão curta , que na Edição de Flores só occupa des da pagina 492 até a pagina joy. Nem contém outra cousa mais do que humas breves genealogias dos Reis de Leão, Castella, Navarra, Aragão, e França. Quem quer porém que fosse o Author desta pequena Chronica Espanhola, elle mesmo declara o tempo em que a escrcveo por huns termos tão claros , que não dá lugar á mais leve duvida. Porque no fim do primeiro Artigo , qne he dos Reis de Leão e de Castella, depois da morte d'ElRei D. Henrique I de Castella, conclue assim: Rejnó ia Infanta Dofm Bcringuela , y dió lo regno a sn fije D. Fer- nando , c reynà D. Fernando. Da aqui adelaiite será lo que Diot quisiere. E logo no principio do segundo Artigo, que he dos Reys de Navarra, começa deste modo: Hasta aqui hablnmus dei linage de los Reyes de Castella , como viene dei iinage de Nuno Rasucra hasta el Eniperador , y hasta d Rey D. Fernando y que agora rey na em Castela. Destes dous lugares da Chronica Espanhola £cou mais claro do que a luz do meio dia , que o Author que a escrcveo, a escreveo no reinado d' ElRei D. Fernando o Santo. O qual Rei D. Fernando o Santo reinou des do anno de 12 17 ate o anno de i25'2 em que faleceo. Ora neste mesmo reinado do Rei S. Fernando he que lloreceo D. Rodrigo Ximenes , que entrou a ser Arcebis- po de Toledo no anno de 1208 , e morreo no anno de 1245'. Logo o Author da Chronica Espanhola longe de ter precedido setenta annos ao Arcebispo de Toledo D. Ro- drigo Ximenes, foi juntamente seu contemporâneo, e con- temporâneo num mesmo reinado. Logo cnganou-se com Ré- a88 Memorias da Academia Real Resende o Padre D.José Barbosa, em suppôr escrita aqucl- ]a Chronica Espanhola screnta annos antes da Historia La- tina do Arcebispo D. Rodrigo Ximencs. Nestes termos correm estes dous Escritores parelhas no tempo , mas não na authoridade. Porque D. Rodrigo em dar por concubina d' ElRei D. Afíonço VI a Domna Ximena Munhoz tem por si ao Bispo d'Oviedo D. Pela- gio , ao Monge de Fieuri , e ao Chronista d' ElRei D. AfFonço VII todos muito mais antigos ; os dous primeiros coetâneos do mesmo Rei D. AfFonço VI , o terceiro coe- tâneo de sua filha a Rainha D. Tareja : quando para dar a D. Ximena por mulher legitima , nao se acha Authof algum antes da Chronica Espanhola , que tal affirme. D. Rodrigo he hum Author de nome e de reputação conhe- cida : quando o Author da Chronica Espanhola he hum Anonymo sem credito estabelecido, D. Rodrigo nas cousas do seu tempo , ou visinhas a elle , he hum Escritor dili- gente e exacto : quando o Author da Chronica Espanhola em cousas notórias e visinhas ao tempo em que escrevia , se mostrou tão ignorante , que ao Conde D. Ramon de Borgonha marido da Rainha D. Urraca , irmaâ da nossa D. Tareja, o fez filho d'Affonço Jordão. De tudo o sobredito se deve concluir, que contra a authoridade do Bispo d'Oviedo D. Pelagio, do Anonymo de Fieuri , do Chronista d' ElRei D. Affonço VII , e ácf Arcebispo de Toledo D. Rodrigo Ximenes, nada pôde va- ler o testemunho da Chronica Espanhola citado por An- dré de Resende , reproduzido por Fr. António Brandão , exaggerado por D. José Barbosa. Menos pôde valer ainda o segundo testemunho , que pela legitimidade do casamento da mãi e do nascimento da filha , allega o mesmo D. José Barbosa , tirado da ou- tra Chronica Espanhola de S. Pedro de Cardenha, que de- pois de Berganza publicou Flores no fim do Tomo XXIII da Espanha Sagrada., pag. 376 e segg. Porque alem de ser hum testemunho visivelmente copiado da Chronica de Ré- DAS SCIENCIAS DE L I S fe O A. z2(f Resende, segundo as palavras d'Iiuma sáo idênticas com os da outra ; seu Autlior (que também se nao sabe quem íosse) a escrevia pelos annos de Christo 1312 em que aca- ba : isto hc , mais de du/.cntos annos depois que D. Pc- lagio começou a ser Bispo d'Oviedo ; mais de cento e sin- cocnta depois de composta a Chronica d' El Rei D. Afii)n- ço VII , e quasi cem depois que D. Rodrigo entrou a ser Arcebispo de Toledo. Passemos pois já ao terceiro fundamento , que hé co- mo o Aquilles, com que Fr. António Brandão c D. José Barbosa derao por incluctavelmente decidido , que D. Xi- niena Munhoz lôra mulher legitima d'ElRei D. AflFonço VI , e por necessária consequência filha legitima d'entram- bos a Rainha D. Tareja. He este o titulo de Infanta e de Rainha , que as antigas Memorias constantemente dao a D. Tareja : titulo que ambos aquelles dous Críticos sup- poém ser tão privativo das filhas legitimas dos Reis, que nunca se attribuisse ás bastardas. Nesra supposiçâo qualifi- cão ambos d'huma grosseira ignorância em Fr. Luiz de Sousa, chamar elle Inftmta a D. Constança Sanches, filha bastarda do nosso Rei D. Sancho I. Mas primeiramente quanto ao titulo d' Infanta , he fal- so que elle nunca se desse ás filhas bastardas dos Reis. Eu mostro o contrario com três exemplos bem clássicos. O primeiro he da Chronica do Bispo D. Pelagio de Oviedo , que tratando dos filhos que ElRei D, Bermudo H tivera de duas concubinas irmaâs huma da outra , chama Infante a D. Ordonho filho d' huma , e chama Infanta a D. Elvira filha da outra. Habuit duas nobiles sorores concu- linas : ex una genuit Infantem Dominum Ordonitwi , ex alia gentiit Infantissam Dominam Geloiram. O segundo he da Chronica d'ElRei D. AíFonço VII , que logo no Numero 1. chama Infanta a D. Elvira, irmaâ da nossa D. Tareja , e mai do Conde D. AfFonço Jordão. To/osanus Contes Adefonsus Jordanis , Regis consangimeus , et Jnfíintis Celoira filia Regis Jdefotisi Jilius, &c. Ora a mã* Tmo IX. Oo des- 2^o Memokias da Academia Real' destas duas irmaas era D. Ximcna Munhoz, da qual o Au-; thor da mesma Chroiiica no Numero 29 affirma, que íôr* mulher nao legirima , como já ouvimos no § III. O terceiro hc da mesma Chronica d'ElRei D. AfFon- ço VII, que no Numero 56 chama Infanta a D. Urraca, da qual di/, que era filha d' huma concubina do mesmo Rei por nome Gontroda. Qitod postqtiam factutn est , Comes Tolo-y sauus et Príncipes Regni rogavenmt Impcratorem , ut darei Re- gi Garsi^e filiam suam luf untem Domnam Urraca/n , quam ge- ntierat ex Gontroda concubina. R logo fallando da mesma : Intravit Serciissima Infiitts Domna Sanctia per Legionem , et cum ea consobrina sua Infans Domna Urraca. E para que nin- guém recorra ao subterfúgio de dizer , que concubina neste e noutros lugares semelhantes não se toma por amiga ou manceba, mas por huma mulher recebida sem golemnida-. de, ou como nós hoje dizemos, recebida de consciência: o mesmo Author (como já atraz advertimos) acrescenta no» Numero ^9, que D. Gontroda, depois que vic?; feita Rai- nha de Navarra a dita sua filha D. Urraca , se foi metteç Freira no Convento d'Oviedo. Postquam vidit filia su depende o cre- dito, que se deve dar ou não deve dar, a huma boa par- te dos dous primeiros Reinados de Portugal. He de saber , que até o tempo de João de Barros corrco de plano entre os nossos Ghronistas o segundo ca- samento da Rainha D. Tareja com o Conde de Trasta- mara D. Fernão Peres , que era naquclle tempo o maior homem que havia em Espanha , que Rei não fosse , co- mo se explica o Conde D. Pedro no seu Nobiliário. João de Barros foi o primeiro, que eu saiba, que na Terceira Década, Livro I, cap. 4, deo este casamento por huma fabula com todas as suas resultas. A João de Barros seguio Duarte Nunes : a Duarte Nunes Fr. António Bran- dão : a Fr. António Brandão o Padre D. José Barbosa. Entretanto Luiz de Camões, por huma parte funda- do no que lia tanto nas antigas Chronicas d'ElRei D. Af- fonço Henriques , como no Nobiliário do Conde D. Pe- dro ; por outra não ignorante do que escreverá Barros y fallou do caso assim no Canto III, Estancia zp. Mas o velho rumor não sei se errado , Q]^ic em tanta antiguidade não ha certe7,a , Conta que a mai tomando todo o Estado , De segundo hymeneo não se despreza. En-' i<)6 Memorias da Academia Real Entretanto tambcm Fr. Bernardo de Brito , que na Chronica de Cister tinha posto em duvida este casamento, depois nos Elogios dos Reis de Portugal , tratando d'El- Rci D. AflFonço Henriques , disse que o tal casamento era huma cousa certa e quast tnfallivel. Nesta divisão dos nossos Escritores , toda a razão de decidir para os que hoje escrevem, deve ser, se o segun- do casamento da Rainha D. Tareja consta de documentos irrcfragaveis; e de nenhuma sorte, se ellc se celebrou se- gundo as leis do licito e honesto. Porque hum Historia- dor não SC deve mettcr com o licito e honesto das ac- ções , mas somente com o certo delias. Toda a nossa Historia está chea de casamentos inde- centes, illicitos, c nullos dos nossos Príncipes, sem que por isso possa alguém duvidar delles t porque assim mes- mo indecentes, illicitos , e nullos, conscão de Memorias authenticas : assim mesmo indecentes, illicitos, e nullos, forão reputados verdadeiros casamentos, segundo a frase e accepção vulgar. Taes forão os casamentos das Infantas D. Teresa e D. Mafalda , filhas d' EIRci D. Sancho 1 , celebrados com dous Reis parentes em gráo prohibido sem preceder dispensa do Papa , e por isso annullados ambos pelo Papa , depois d' haver filhos de parte a parte. Tal o casamento d'ElRei D. AíFonço III com a Rainha D. Bri- tes , estando ainda viva sua primeira mulher a Condeça de Bolonha D. Mathildes. Tal o casamento d' ElRei D. Pedro I com D. Inez de Castro sua parenta em gráo pro- hibido , e sem preceder dispensa Pontificia , como nas Cor- tes de Coimbra de 1385' mostrou o Doutor João das Re- gras. Tal o casamento d'ElRei D. Fernando com D. Leo- nor Telles , estando ainda vivo o primeiro marido desta João Lourenço da Cunha, Ora o segundo consorcio da Rainha D. Tareja com o Conde de Trastamara D. Fernando Peres, he innegavel pela Historia Compostellana , Livro III, cap. 24, Histo- ria que nenhum dos Críticos acima referidos virão , nem po- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 7^y poderão ver , porque em nossos dias he que Fr. Hcnriqud Flores a publicou d' hum antigo Manuscrito do Collegio chamado do Arcebispo da Universidade de Salamanca : c Historia que teVc por Authores três Cónegos da Igreja de Santiago de Galliza , D. Mumio , D. Hugo , e D. Girar-' do , todos três cc-ntemporaneos da mesma Rainha D. Ta- reja. He inncgavel pela Chronica d' ElRei D. Affonço VII o Imperador , Livro I , Num. 2. Chronica que o Padre D. Josc Barbosa podéra ver, pois corria já em seu tempo publicada por Fr. Francisco Berganza : e Chronica , cujo Author adverte na sua Prefação , que a escrevera pelas no- ticias que lhe derão testemunhas de vista. Sicut ab tis, qui vidertmt , didici et audivi. He innegavel por outro Documento coetâneo , que do Livro dos Testamentos de Santa Cruz de Coimbra pro- duz Brandão no Livro IX, cap. ij. He innegavel pelo que traz a Chronica Gothica na Era de i\C6 do empenha da Rainha D. Tareja cm ex- cluir da successão do Reino ao Príncipe D. Affonço ^eu filho , para o dar a estrangeiros indignos. Chronica que Resende no seu Livro das Antiguidades d' Évora , cap. 1 3 também qualifica por Obra do século XII. Attendendo á brevidade , deixo de transcrever aqui as palavras formaes de cada hum dos quatro Documentos apon- tados : porque todos he fácil examinar nos seus Authores. Tomo IX, Pp DIS- if>S Memorias da A.gademijv. Rbal DISSERTAÇÃO XVI. Verdadeira Época da morte de S. Giraldo Jrccbispo de Braga em tempo da Rainha D. Tareja , contra Fr. António Bran- dão e D. Rodrigo da Cunha. • xV-NTEs de nos despedirmos da Rainha D. Tareja, nãq será alheio do assumpto destas Dissertações , fixar a Época da morte de S. Giraldo Arcebispo da Santa Igreja Prima- cial de Braga, hum dos mais illustres luminares , que com a fama das suas virtudes e milagres ennobreccrâo o Rei~ nado daquella Princcza. Hum antigo Breviário de mão da Santa Igreja Prima-, ciai de Braga, que por muitos annos tive em meu poder;, e que por indicios certos foi escrito no meio do século XIV no Calendário que traz no principio , no dia 5- d$ Dezembro diz assim : Nonis Geraldi archicpi. Bracaren. E, M. a XLVI. Esta Era de César 1146 dá o anno de Christo iro8, E he evidente , que esta noticia se inseritj naqucllc Breviá- rio, para indicar o anno, crp que S. Giraldo morreo. Por este Breviário pois se deve emendar a chronologia , que seguio D. Rodrigo. da Cunha na Segunda Parte da His- toria de Braga , cap. 8 , onde deo por primeiro anno do Arcebispo D. Maurício successor de S. Giraldo, o de mo, suppondo morto S. Giraldo no Dezembro de 1109, como também primeiro que clle supposera Fr. António Brandão na Terceira Parte da Monarquia Lusitana , Livro VIII , cap. 2j. O dito Calendário porém nos obriga a anticipar hum anno a morte de S. Giraldo e a eleição de D. Maurício, de sorte, que aquella fosse a 5 de Dezembro do anno de 1108, e esta logo nos primeiros mczes do de 1110. Mas DAS SCIENCIAS DE LlSBOA. ^(^(y Mas porque alguém pr')dc replicar, que hum Breviá- rio escrito no meio do século XIV nao hc de todo suffi* ciente para decidir em juizo contradictorio Inim facto do principio do século XII , produzirei cm coiifirmaçu) do tes- temunho do Breviário Bracarense hum Documento maior do que toda a excepção. Esta hc a Historia Gompostclla- na , cujo Author Hugo então Arcediago de Compi)Stella , depois Bispo do Porto, e contemporâneo de S. Giraldo, refere no Livro I, cap. 8i o Instrumento d'huma Infeu- daçiío de certas Terras, e Igrejas, que o novo Arcebispo de Braga D. Mauricio recebera de D. Diogo Gelmires en- tão Bispo, e depois primeiro Arcebispo de Compostella^ na Era de 1147, que hc o anno de Christo 1109. Uoc scriptiim fecit Mauritius Bracareusis Archiepiscoput pradicto S. Jacobi Episcopo in civitate Tudensi , quando accepit ah eo prestimonítim qtiod iuferius scriptum er , Era M. C. XLVU. E consta pelo que immediatamcnte continua a referir o mesmo Hugo , que esta Infcudação se celebrara antes da Dominga da Paixão. Daqui se conclue com toda a evidencia , que já na Qiiaresma do anno de 1109 era Arcebispo de Braga D. Mauricio: e que assim o Dezembro, em cujo dia 5- falc- ceo S. Gijaldo , foi o Dezembro do anno de 1 108. DISSERTAÇÃO XVII. Incerteza do anno em que nasceo ElRei D. Âffonço Henriques^ e certeza do annoj em que elle começou a reinar. 'EnTo cousa notável he, que d' hum Rei tão famoso, £ d' hum Rei Fundador como foi D. Affonço Henriques , se nao saiba o anno em que nasceo. Mas eu ainda tenho por mais notável, que achando-se neste ponto os antigos Do- cumentos coetâneos em opposição huns com outros , sg Pp ii can- 500 Memorias da Academia Real cansem muito os nossos modernos em querer dcscubrlr e fixar no certo a Época daqucllc nascimento. A opinia;> commum pois, que até o tempo de João de Barros corria nas nousas Clironicas, c que ainda depois do tempo de Barros foi seguida por Brito, Mariana, e ou- tros ; assinava por anno do nascimento d' ElRci D. AíFon- ço Henriques, o anno de Cliristo 1094. Donde se seguia, que como o anno da sua morte foi certamente o de iiSj vivera o dito Rei noventa e hum annos. Oppoz-se a esta Época, do nascimento d'ElRei , João de Barros na Terceira Dccada , Livro I , cap. 4 , onde dá por certo, que ElRei nascera no anno de iio6. E ainda que alli não aponta fundamento algum da sua opinião, sa- bc-se com tudo que podia ailegar por cila dous Authores coetâneos do mesmo Rei: a saber, o, da vida de S. Thco- tonio, que se conserva manuscrito em Santa Cruz de Coim- bra , e o da Historia da Trasladação das Rcliquias do Mar- tyr S. Vicente , que existe também manuscrito num Santo- ral d'Alcobaça. Não satisfeito da fé destes dous manuscritos , assina Fr. António Brandão na Terceira Parte da Monarquia Lu- sitana, Livro VIII, cap. 26, por anno do nascimento de ElRei D. AíFonço Henriques, o anno de Christo 1110, fundado no testemunho d'outro manuscrito d'Alcobaça, que anda entre as Obras de S. Fulgencio. D. José Barbosa no seu Catalogo das Rainhas de Por- tugal ^ achando que no Livro da Noa de Santa Cruz de Coimbra se diz, que ElRei D. Affonço Henriques nascera no anno de Christo 1 109,. deu com isto por decidida a controvérsia. No que eu não entendo, por que regras de critica se governava D. José Barbosa. Porque clle nunca poderia mostrar, que o Livro da Noa fosse Documento de tnaior authoridade ^ (como elle o chama) do que os outros Documentos , que se allegão pelas outras opiniões. Ultimamente a Chronica chamada dos Godos, (que entre Brandão e Barbosa passa por huma das mais antigas c l DAS SciENciAs DE Lisboa. 301 e das mais fidedignas deste Reino) p6e nascido ElRei D. AlFonço Henriques no anno de 1113, c morto seu pai no aiino de 1 1 14. Nesta tão arande discórdia das antigas Memorias , quem poderá estabelecer ao cerro o verdadeiro anno do nascimento do nosso primeiro Rei ? O Conde D. Pedro no seu Nobiliário, Titulo dos Reis de Portugal , traz huma pratica que o Conde D. Henrique estando para morrer ícv, ao Príncipe seu filho , exbortando-o a que quando entrasse a governar os Estados que clle lhe deixava, o fizesse tendo diante dos olhos o serviço de Deos , e o bem dos seus vassallos. Esta pratica suppõc no Príncipe annos de plena discrição, O que de nenhuma sorte se pckie verificar em alguma das Épocas re- feridas , salvo na primeira, que he a das Chronicas anti- gas : visto que tendo falecido o Conde D. Henrique (se- gundo commumentc se crê) no anno de 11 n, se o Prin- cipe D. Aff:)nço nasceO em 11 10, tinha então três annos: se nasceo em 1109, tinha quatro: se nasceo em 1106, ti- nha sete: e só suppondo-o nado em 1094, tinha elle des- oito. Mas os nossos modernos tem dado num bello expe- diente , para se desabafarem do peso da authoridade do Conde D. Pedro , cm tudo o que incommoda as suas opi- niões : que he dizerem , que o Texto do Conde está vi- ciado, ou interpollado em tal e tal parte. Quanto he porém incerto , em que anno nasceo ElRei D. AfFonço Henriques; tanto he cçrto , que elle começou a reinar no anno de 1128, como he expresso na Chronic^ Gothica, com a qual concordáo todas as outras Memorias antigas, cm que se fundou Brandão para as>im mesmo o estabelecer. E como a Rainha D. Tareja, segundo a mes- ma Chronica , e todas as outras Memorias , faleceo no an- no de 1130, claro fica, que o Principe começou a reinar vivendo ainda sua niãi , e que reinou em vida delia dous para trcs annos. Porque pela dita Chronica , o Principe co- meçou a reinar cm dia de S. João Baptista , 24 de Junho de 30i Memokias da Academia Real de 1128 , e a Rainha morico no primeiro de Novembro de II 30. DISSERTAÇÃO XVIII. Sobre de qtie Casa era a Rainha D. Mafalda , mulher d' El- Rei D. Alfunço Henriques. K o Livro da Noa de Santa Cruz de Coimbra anda in- serta huma Memoria, que diz, que a Rainha D. Mafalda mulher do nosso primeiro Rei , era filha do Conde D, Man- riqite de Lara , Senhor de Molina. O mesmo se aclia no No- biliário do Conde D. Pedro , Titulo dos Reis de Portu- gal. O mesmo se transfundio para a Chronica antiga do mesmo Rei D. AfFonço Henriques. Mas hoje está averi- guado e assentado ser isto falso. Porque na Chronica de ElRei D. Manoel mostrou Damião de Góes de três Escri- turas authenficas da Torre do Tombo , que a Rainha D. Mafalda era filha d'Amadeu Conde de Moriana. O que Brandão no Livro X, cap. 19 confirma d'outras Escrituras d'igual fé : ás quaes se devem ajuntar o testemunho da Chronica Gothica , e o do Arcebispo de Toledo D. Ro- drigo Ximenes na sua Historia d' Espanha , Livro VII , cap. 5". Advirto por ultimo , que a sobredita Chronica Go- thica chama Matilde j a que todas as outras Memorias no- nieáo Mafalda. DIS- DAS ScienCiAs de Lisboa. 301 DISSERTAÇÃO XIX. Épocas da Batalha d' Ourique^ e da^ mais que se lhe seguirão fia Estramadura e Âlemicjo , segundo a fé da antiga Chro- vica chamada dos Godos , de que usou Resende , e da outra do Livro da Noa de Santa Cruz de Coimbra. § I. ÂntiguLlade e authoridade destas duas Chronicas. OR primeiro Appendix da Terceira Parte da Monarquia Lusitana , publicou Fr. António BranJão huma intitulada Cbronica Gothorum y que ellc diz fora cxtrahida d' hum ma- nuscrito d'Andrrú«;VOT; Lu- sitanum. Esta Chronica depois de dar huma succinta noti- cia dos primeiros Reis de Leão desde D. Pelagio até D, Affonço VI, passa logo a referir com muita miudeza e ex- acção os illustrcs feitos do nosso primeiro Rei D. AflPonço Henriques , como se este fora o seu principal assumpto : de sorte que acaba no anno de Christo 1184, que foi o penúltimo do Reinado daquelle invicto Principe. Não se pôde fixar ao certo o tempo preciso, em que foi escrita est.i Clironica. Mus o allegar seu Author , quan- do falia da tomada de Coimbra por Almansor , com o que ouvira a muitos velhos: (sieut a mtiltis seuibus audiviímis :) o apontar o tempo dos successos com tal individuação , que d'ordinario não só nota o dia , mez , e anno , mas tam- bém que dia era da semana , e que hora do dia ou da noi- te : e finalmente não passar do Reinado d' EIRei D. Af- fon- ■504 Memorias da Academía Reai. fonço Henrique, cujo valor e acções amplifica, e aiiula exaggcia com lium afFecto tão particular, que o faz pare^ ccr apaixonado. Estas c outras circunstancias nos detcrmi- não a ter esta Chronica por obra d'Author, que alcansou os tempos do dito Rei , ou pelo menos foi mui visinho dcUcs. Neste mesmo conceito a tiverão òs nossos dous famo- sos Antiquários do século XVI André de Resende , e Gas- par Barreiros. Dos quaes o primeiro no Livro IV De An- tiquitatihus Lmitamiie ^ pag. 216 cita esta Chronica com o nome à,'' antigos Annaes que tinha em seu poder: {Ut mei reteres annales habent :) e delia tirou varias circunstancias da batalha do Campo d'Ouriquc : como o ter sido morto nella hum sobrinho do Rei Ismar, por nome Homar Ata- dor , que era neto do Rei Hali. O segundo logo no prin- cipio da sua Corografia , allega com a mesma Chronica , como citada já pelo mesmo Resende na outra sua Obra das Antiguidades d' Évora , para mostrar, que em tempos antigos se chamava Pacca a cidade de Beja. Isto basta , pa- ra esta Chronica se dever reputar obra d' huma veneranda e mui estirada ancianidade : como depois de Resende e de Barreiros a reputou também Brandão. Pelo que toca á outra Chronica do Livro da Noa de Santa Cruz de Coimbra , o Padre D. José Barbosa no Gi- talogo das Rainhas de Portugal diz , que por lembrança e pe- tição sua he que no anno de 1724 fora remetida á Real Academia da Historia Portugueza a Copia authentica des- ta Chronica, que D. António Caetano de Sousa depois im- primio no primeiro Tomo das Provai da Historia Genealó- gica da Casa Real ^ pag. 375 e segg. O dito D. José Barbosa teve esta Chronica por ori- ginal em todas as suas partes: isto he , por huma obra que tudo o que traz foi escrito por Authores coetâneos dos successos , que referem. Por isso dá por decidido . que hu- ma vez que a Chronica do Livro da Noa aponta por anno do nascimento d'ElRei D. Affonço Henriques o de 1109, es- DAS Ser F.Vc IAS DE Lisboa. t^j^ este he o que se deve ter por verdadeiro c indubit'vel anno deste nascimento. Eu govcrnaiido-inc pela outra Copia desta Clironica, que depois da que veio para a Academia Real da Historia Portugucza , imprimio Fr. Henrique Flores da Ordem dos Eremitas de Santo Agostinho, no Appendix VIT do To- mo XXIII da Espanha i'íigrada : ju\go que de nenhum prin- cipio SC pôde demostrar, que esta Chronica cm todas as suas partes seja escrita por Authorcs coetâneos dos respe- ctivos Reinados , de que nclla se trata : e que assim não teve razão D. José Barbosa , para antepor o testemunho desta Chronica, na parte que faz nado a ElRei D. Affon- ço Henriques no anno de 1109 aos dous Documentos in- dubitavelmente coetâneos, que Brandão produzira, segundo os quaes nasceo o dito Rei no anno de 1106. O primeiro fundamento deste meu juizo hc huma Me- moria , ou por melhor dizer Interpollaçao , que nesta Chro- nica se acha enxerida entre a tomada de Coimbra por Al- mansor , e a sua resíauraçao por ElRei D. Fernando o Ma- gno, a qual diz assim: « ElRey Dom Alfonço o primei- j> ro Filho do Conde Dom Anrique , e da Raynha Dona í» Tareija , porque em Espanha non podia achar cazamea- 5J to , que non fossem tanto sas parentas chegadas , que í» non podia cazar com ellas sem dispensazon do Papa : >» ove a cazar com Doíia Mafalda , filha do Conde Dom j> Manrique de Lara , e Senhor de Molina , Irmano do » Conde Dom Nuno, o que livrou os filhosdalgo do pei- »» to em Burgos. j> Se o Author desta Memoria fora contemporâneo do successo, de que trata, não diria que D. Mafalda mulher d'F.lRci D. Affonço Henriques, era filha do Conde Dom Manrique de Lara Senhor de Molina : porque por sinco Escrituras que traz Damião de Góes na Chronica d'ElRei D. Manoel ; pela Chronica Gothica ; e pela Historia do Arcebispo D. Rodrigo Ximenes, he notório, que ejta D. Mafalda era filha d'Amadco Conde de Mauriana e de Saboya. Tomo IX. Qa ^ joí Memorias da Academia Real » O segundo fundamento he ver, que nc&ta Chronica a cada passo se está invertendo a o/dem chionologica das Eras c dos successos , pondo-se o que he mais antigo de- pois do nuis moderno. Como quando depois de referido o óbito do Bispo de Coimbra D. Bcrniudo na Era de MCCXX , que hc o anno de Cliristo 1182, proscgue im- m.ediatamente dizendo , que ElRci D. AíFvinço Henriques nascera na Era de MCXVII , que hc o anno de Chrjsto II 09. Onde he evidente, que quem attcstava as cousas do anno de 1109 não era contemporâneo delias, pois as escrevia depois do anno de 1182. O mesmo se deve di- zer , de que mais adiante póc esta Chronica a fundação do Castello de Leiria pelo mesmo Rei D. AíFonço Hen- riques , na Era de MCLXXIV, que he o anno de C^hristo II 36, depois de referir a morte d' hum João AíFonço em tempo d' ElRei D. Affjnço IV na Era de mil e CCC e LXIIII , que hc o anno de Christo 1326. Onde he outra ve/ evidente , que quem apontava a fundação do Castello de Leiria feita no anno de 11 36, a apontava cento e no- venta annos depois do tal successo ; porque a apontava de- pois do anno de 1326. Logo nem tudo o que esta Chro- nica traz, foi nclla apontado por Authores do mesmo tem- po , em que a cousa succedia ; mas muitas cousas forão nella escritas, por quem vivia muitos annos depois. Logo ' dado que esta Chronica seja original a respeito d'alguns successos , não o he a respeito de todos. Sobre o que he de saber, que a primeira Parte des- ta Chronica hc composta em Latim , e chega até o anno de Christo 1326. A segunda he composta em Portuguez , e chega até o anno de Christo 1406. E daqui temos que esta Chronica he obra pelo menos de dous Authores. Por- que não he crivei , que hum mesmo Author num mesmo pergaminho escrevesse primeiro em Latim , depois em Por- tugucz. Mas ou o Author fosse hum só , ou fossem dous , ou fossem muitos mais: (o que era fácil de conhecer, se os que tirarão as duas Copias que correm impressas, tives- sem DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 307 sem tido o cuidado de notar a identidade ou differcnça dos caracteres:) como todo o Livro foi escrito em tempo, que os annos se contavao pelas Eras ; daqui se convence com toda a certeza , que todo elle foi escrito antes do anno de 1420. Porque neste anno he que por huma Lei sua mandou ElRei D. João I , que abolido o uso da Era de César , se contassem os annos pelo nascimento de Christo. Outro sinal não menos certo nos offerece a mesma Chronica , por donde se pode e deve concluir , que cila foi acabada d'escrcver no anno de Christo 1406. Porque alem de não conter cousa alguma posterior ao dito anno , nelle depois de referido hum milagre dos Santos Martyres de Marrocos , feito num moço quebrado , prosegue assim o Aiithor : E eu dou de my termo , que foi esto aqui escrever Fernão Gmizalves Cónego de Santa Cruz. Palavras que mani- íjístamentc denotao, que o milagre foi escrito no mesmo anno, em que succedeo , que foi o sobredito de 1406. Destes antecedentes se segue , que a Chronica do Li- vro da Noa na sua segunda Parte , que hc a Portugueza , merece maior fé a respeito dos successos, que lemos nella , do que merece a primeira Latina a respeito dos successos, que nella se contém. A razão he : porque da segunda par- te consta ao certo , que foi acabada d'escrever no anno de 1406. E quem escrevia no anno de 1406 podia ser coe- tâneo dos successos que alli se referem , não só do tempo d' ElRei D. João I , mas também do tempo d' ElRci D. Fernando , e ainda do d' ElRei D, Pedro I. Os successos porém da primeira Parte , que são os do tempo d' ElRei D. Affonço Henriques até princípios d' ElRei D. Affonço IV, como delles se não pode alErmar tempo certo em que fossem escritos , senão quando muito , que forão escritos depois do anno de 1326, em que a primeira Parte acaba: de nenhum delles in individuo se pôde dizer, que forão es- critos por Author contemporâneo. Assim tenho por mui prudente o juizo, que desta Chronica formou o Padre FIo- Qg ii res , 3o8 Memorias DA Ac A DEMiA Real res , quando disse , que era Copia de varias Copias ^ e de varias Cbrmicas. Mas como se sabe de certo, que os successos da pri- meira Parte forão escritos antes dos da segunda : tendo os últimos da segunda sido escritos no anno de 1406 , hc evidente , que os da primeira forao escritos ou no mesmo anno , ou noutro anterior j mas todos depois do anno de 1326. Estabelecida assim a antiguidade e authoridade destas duas Chronicas, da Gothica e da do Livro da Noa 5 pas- semos já a expor as principaes acções e conquistas , que huma e outra referem do nosso primeiro Rei. § II. Época da Batalha do Campo d'Ourique. Ambas estas Chronicas concordao, que a batalha do Campo d'Ourique fòra dada e ganhada ao Rei Mouro Is- mar por ElRei D. Affonço Henriques , no dia 25 de Ju- lho, dia de Santiago, do anno 1139. I» loco qui vocatur Atilic , diz a Gothica. In loco qui dicitur Ouric , diz a do Livro da Noa. Sobre o que he de notar, como notou Re- sende , que esta batalha tomou o nome d'Ourique , como da Villa mais notável daquella Comarca ou Território : ain- da que o sitio preciso da batalha foi abaixo da Villa de Castro Verde , num valle que fica entre os dous riachos Crobes e Terges , que a pouca distancia confundido já hum no outro , se mettem e sepultão no Guadiana. A circunstancia de vir Ismar acompanhado d'outros quatro Reis Mouros , nenhuma das duas Chronicas a de- cLira. Mas declara-a huma antiga Memoria de mão de San- ta Cruz de Coimbra , que Brandão descreve ; e declara-a o Auto do Juramento attribuido a ElRei D. Affonço Hen- riques. E destes ou outros Documentos a tomarão sem du- vida as antigas Chronicas do mesmo Rei. DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 3O9 § III. Época da tomada de. Santarém, e de Lisboa. Ambas as mesmas Chronicas concordão , que Santarcm foi tomada aos Mouros no anno de 1147. Mas só a Go- thica nota o dia , e o mez : dizendo que fora no quinto dos Idos de Maio ao cantar do gallo, amanhecendo para o dia de sabbado. Qtmto idtis Maii ad galli cantum , illiís- cescente die sabbati. Que Lisboa foi tomada no mesmo anno de 1147 dizendo ambas que no mez d'Outubro, e acres- centando a Gothica , que no dia nono das Calendas de Novembro, á sexta hora do dia, que era sexta feira. No- no Calendas Novembris feria 6, sexta diei hora. Segundo a qual relação foi tomada Lisboa no dia 24 d'Outubro , vés- pera dos Santos Mártires Crespim e Crespiniano. O que se deve entender da ultima e total escala da cidade , para assim se conciliar esta Chronica Gothica com outras Me- morias do mesmo tempo , que fazem tomada Lisboa no dia das onze mil virgens, 21 do mesmo mez. § IV. Épocas da tomada de Sintra f Almada , e Palmella. Immediatamente depois de referida a tomada de Lis- boa, pocm ambas as Chronicas â tomada de Sintra, Alma- da, e Palmella. Mas a Gothica diz , que isto fora por di- versos tempos e annos. Per diversa têmpora et annos accepit Sintriam et Jlmadavam et Palmellam. A do Livro da Noa diz, que ElRei as tomara no mesmo mez d'Outubro. Et Sintriam , et Almadana et Palmeiam in eodem mense. E como esta Chronica p6e a tomada destas três villas debaixo do mesmo anno de 1147 em que põe a tomada de Lisboa; parece que a sua mente he dizer , que o Outubro cm que fo- 3IO Memorias da Academia Real forão tomadas as villas , foi o mesmo em que foi tomada a cidade. Alas nao he crivei , que tomada Lisboa a vinte e quatro d'Outubro de 1147 podessc ElRei dentro do mes- mo Outubro tomar Sintra , Almada , e Palmella , Praças tão fortes por sitio e por guarnição ? Assim o que diz a Chronica Gothica , que isto fora em diversos tempos e annos, parece que he o que se deve preferir. § V. Épocas da tomada à^ Alcácer do Sal, e de Beja. As mesmas duas Chronicas concordao , que Alcácer do Sal foi conquistada no anno de 1158. E acrescenta a Gothica, que no sétimo dia das Calendas de Julho, se- gunda feira , dia de S. João Baptista. Septimo Calendas Ju- /ti feria 2. in die S.Joannis Baptista. Acsesccnta mais, que já antes por duas vezes tinha ElRei posto cerco a esta vil- la , ajudado d' huma Armada das partes do Norte : mas que só desta terceira vez fora Deos servido , que elle a rendesse. Goncordâo outrosi as mesmas duas Chronicas , que Beja foi conquistada no anno de 1162. E acrescenta a Go- thica, que em 30 de Novembro, na noite do dia do Apos- tolo Santo André. Pridie Calendas Decembris in mete Sancti Andre£ Âpostoli, Acrescenta mais , que quem a tomou , por parte d' ElRei D. Aífonço , fora hum Fernão Gonsalves , ajudado d'alguns soldados paisanos. Sinal que ElRei se não achou em pessoa ,na acção. Este he o lugar da Chronica Gothica , que eu atraz notei que fora allegado primeiramente por André de Re- sende , depois por Gaspar Barreiros , em prova de que Be- ja era a cidade , que antigamente se chamava Paz. Porque diz 3 Chronica, Civitas Pace , id est Begia , como impri- mio Brandão: ou Civitas Pacca, id est Begia, como o al- lega Barreiros. DAS SciENCiAs DE Lisboa. 311 Época da tomada à^Evora , ^oura , e Serpa, Ambas as ditas duas Chronicas concordão, que num mesmo anno , que foi o de 1166 tomou ElRci aos Mou- ros primeiro Évora , e pouco depois Moura e Serpa. E acrescenta a Gothica , que a gloria de ser entrada e es- bulhada Évora, se deve ao famoso Giraldo sem pavor, c aos salteadores seus companheiros, jíera 1204. Civitas Eh lora capta et depredaía , et noctu ingressa a Giraldo sine pa- 'vore , et latronibits sociis ejus» § VII. Emenda- se a Chrmiica Gothica pela do Livro de Noa, solre o anno do infortúnio d^ElRei D. Jjfonço Henriques , e do seu exercito em Badajoz. Infortúnio d'ElRei D. Affonço Henriques, e do seu exercito chamão ambas as ditas Chronicas, o desastre que lhe succedeo , quando pretendendo tomar Badajoz foi o seu exercito roto pelo d' ElRci D. Fernando de Leão, c cllc por ter cahido do cavallo em que hia , ficou prisio- neiro daquelle Príncipe , que era seu genro. Sobre o anno deste acontecimento, he este hum dos casos , em que a Chronica Gothica sendo alias Documen- to mais authorizado , deve ser emendada pela do Livro da Noa, que segundo mostrei acima, não he no seu total de tanta fé. A Chronica Gothica pois alliga este successo á era de César 1206, que he o anno de Christo 1168. yEra 1206 fnctum est infortunium Regis D. Alfonsi et stii exercitus in Bndalioz anno 41 Regni ejus. A do Livro da Noa porém o põj na Era de César 1207, que he o anno de Christo 11 69. Era 312 Memorias DA Academia Real Era MCCVIl facttim est infurtunhim Regis Âlfoiísi centra ex- ercííHS ejus in civitate Badalioz. M este hc o que se deve ter pelo verdadeiro anno daquellc infortúnio. Flores no Tomo XXII , pag. çj e yó , o demostra contra Brandão, primo por sinco Escrituras que allega coe- tâneas de sinco cidades de Galliza , Astorga , Mondonhe- do, Orcnse , Pontevedra , c Tuy. Secundo pela circunstan- cia que aponta a mesma Chronica Gothica , quando diz , que o infortúnio d' ElRei D. Affonço fora no anno quaren- ta e hum do seu Reinado, jlnuo 41 Regni ejus. Forque sC' gundo a mesma Chronica, ElRei começou a reinar na Era de 1166, que he o anno de Christo 1128. Acrescentemos a estes 1128 aquelles 41 sahc ao justo o anno de Christo 1169. Logo por Era do infortúnio d' ElRei se deve ler na Chronica Gothica, não a Era de 1206, que he o anno de Christo ii68j mas a Era de 1207, que he o anno de Christo 1169. M E M o Pv I A Sobre uma Provisão ou Carta do Siir. D. Affonso II. acerca de mis Decretos chamados Leis de Fr. Siieiro Gomes. Por Jo5o da Cunha Neves e Carvalho, Soão Correspondente da Academia Real dai Sciencias de Lisboa. O OBJECTO da presente Memoria he iim ponto impor- tante da Historia geral deste Reino , importante princi- palmente para a Historia da Jurisprudência Portugueza. Entre vários Escriptores que o referem , preferi Fr. Antó- nio Brandão na Parte IV. da Monarchia Lusitana Liv. XII. Cap. XXII. Em o anno de 1220 (diz o mesmo Chronis- ta ) houve em Portugal grandes. contendas entre ElRei D. Affonso c D. Fr. Soeiro Gomes , Prior dos Padres Prega- dores : foi a causa delias o ajuntar-se este Prelado com al- guns de seus companheiros , e ordenarem certas leis sobre pontos de justiça , declarando os casos em que se liavião de cóndcmnar os homens á morte , ou em pena pecuniária. Aceitou ElRei muito mal estas ordenações, e tratou logo de obviar a introducçâo delias particularmente em Santa- rém, por ficar ; is visinho do auctor delias. Uiz pois em sumrna a Carta u IRei D. Affonso escripta á Camará de Santarém sobre esta .nateria : <í Affonso pela graça de Deos j> Rei de Portugal , ao Alcaide de Santarém, Auguasis, e j> todos os mais homens, que nella julgao de minhas cou- >» sas, e aos Tabaliães e Conselho saúde, Mando-vos fir- j> mcmcnre a todos que não haja pessoa alguma em essa >í vossa Villa que ouse trazer a publico aquellcs decretos » seculares sobre a matéria de penas pecuniárias, os quacs r. 7A'. P. /. A »» Suei- 3 MemoriaspaAcpemiaReal '5 Sueiro Gomes , Prior da Ordem dos Pregadores , ordenou « com os frades da mesma OrJcm : porque não sou contente j' que se proceda nos cnsos sobreditos por sua lista, e assi »> o acordei com meus privados. Movo-me a isto á uma » por sahirem os tacs decretos cm quebra grande dos io- » ros de minha Corte , e dos Reis meus successores , e 3> dos meus fidalgos, e em summa de todas as pessoas do j» meu Reino, Fidalgos, Vilhiõs, Seculares, e Ecclesiasti- 5» cos. E taõbcm por encontrarem aquelle livro aonde se 5> diz expressamente , que se não admittao novas leis ein 5> nosso Reino , o qual livro contém os foros , por onde >j devem ser julgados os fidaldos de Portugal. Maiormen- j> te que os decretos não andarão nunca em pratica em )» tempo do Conde D. Henrique , nem no tempo de meu j5 Avô ElRei D, Affonso , a quem o Papa Alexandre III j> por seu privilegio confirmou em Rei , e a sua terra >j em Reino. Nem em tempo d' ElRei D. Sancho meu )» Pai que teve uma carta de protecção do Papa Clemen- s> te III. Nem tão bem em meu tempo tendo duas, uma sj de Innocencio III , e outra de Honório III. E assi por « todas estas rasoes todo aquelle que quizer sahir a pu- jj blico com estes decretos me pagará mil maravidís de >j condemnação alem de fazer em sua pessoa , e fazenda " a justiça conveniente. E tenha por sem duvida o meu j> Rico homem em cuja terra sahirem os decretos sobrcdi- >> tos , que alem de ficar cm desgraça minha, hade perder 5» a terra que de mim tiver. O Alcaide perderá a minha j> Alcaidaria, e o meu amor, e será castigado cm fazenda, " em pessoa como for direito e justiça. E dos Aguasis , " Tabeliães, e mais justiças tomarei justa vingança cm cor- »> pos e fazendas. Mando com tudo que se alguém vender » o furto, e escondidamente cousa alguma por ser contra j> os decretos presentes, que neste ponto adniitto, me pa- >» gará de pena quinhentos maravidís e será castigado em j> sua pessoa , e fazenda alem de perder a cousa vendida : » e do mesmo modo se procederá com os que fizerem com- »> pras DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 3 »> pras em contrario destes decretos , que alem das penas » sobreditas perderá o que comprou, e o dinheiro que por >» ella deu. Dada em Santarém a 19 de Junho por man- >» dado d' ElRei. >» =: «Não pude alcançar (diz o mesnio » Acutor) m.iis noticia destas Leis que ElRei tanto encon- " trava. Nem he de crer como forao tão contrariadas fi- » casse delias memoria no Archivo Real. » ^ Um Religioso posto que prelado d'ourros Religiosos , fazendo leis ou decretos seculares, impondo penas tempo- raes á face d'um Rei Portuguez Legislador: um Soberano de Portugal cassando e anullando com toda a energia da auctoridade offendida os ditos decretos , são factos muito curiosos para não despertarem a attenção dos doutos , e muito transcendentes para deixarem de ser prescrutados. JVl.is não existem os taes decretos ; ou pelo motivo pouco plausível de Fr. António Brandão, ou pela incúria, e ru- deza dos tempos : a Provisão Real , que os proscrevera , não nos diz quacs elles erão ; nenhum Escriptor que eu saiba se deu ainda a pena de dcscubrir pelos subsídios da critica a sua natureza ; e o resultado he admirar-se a audá- cia e temerária ingerência de Fr. Sueiro Gomes , aplaudir- se o lance de auctoridade Real do Snr. D. AíFonso II , las- timar-se a ignorância dos artigos que o merecerão , e ac» commodar com esta como forçada obediência a um dos niysterios históricos dos fastos da Monarchia. Este mysterio he o que fez o objecto das minhas me- ditações, e exames interrompidos, e pouco acabados com outros cuidados das minhas obrigações publicas , mysterio porém que eu renho tentado explicar, acrescentando com um facto importante a serie de factos da historia Portugue- Z.1 , e rectificados os erros e absurdos que os nossos Escri- ptorcs alias illustrcs pela belleza do estilo, e pureza de intenções, espalharão em suas obras, perdidos no vago de incertas conjecturas. He curioso ver como homens d'engenho e saber, mas destituídos das regras de boa critica, tentarão a explanação A ii d'u- 4 Me MORiASDA Academia Real d'uma cousa desconhecida na sua substancia , mas certa e real na sua existência; cnibrenhar-se n'uin mundo conjectu- ral, e despenhar-se cm fim em arbitrins atirados ao acaso, e sempre desmentidos pela contrariedade , e antilogía dos acontecimentos coevos. Seria f;istidioso enumerar todos ; para exemplos poucos bastão : Fr. António Brandão no lu- í^ar citado refere ::=; que os tacs decretos erao leis que Fr. Soeiro e seus companheiros ordcvárao sobre pontos de justiça , declarando os casos em que se haviiío de condcmnar os homens d morte , ou em pena pecuniária. í= Nestes termos , segundo o Autor, erâo os Decretos seculares, como lhe chama a Provisão Real , uma espécie de Código Penal \ c se assim fora seria esta na verdade uma pena , e perda grande ao menos para o conhecimento dos costumes e idifas do tem- po. Faria e Sousa vai pelo mesmo rumo , mas foi buscar motivo plausível que preparasse o acontecimento ; achou-o nas Leis geraes feitas pelo Snr. D. AfFonso II em Coim- bra no primeiro anno de seu reinado , e suppondo Fr. Soei- ro e seus companheiros irritados e escandalizados daquella nova legislação civil na parte em que coarctava as liber- dades e isenções do clero, apresenta-os legislando no sen- tido contrario , como para contrabalançar o peso e effeitos das disposições Reaes. «Sobre estas leis» (diz o mesmo Faria fallando das do Snr. D. AfFonso II) << ousou fazer ou- » trás Fr. Sueiro Gomes, Prior dos Dominicos , que pouco 5> antes com humildade religiosa havia pedido lugar para » a sua fundação neste Reino. Tão antiga hc a anciã de 5> intrometter-sc cada um no mais alheio de seu instituto. j> Nellas ordenava castigos de fazenda e morte paia os j> criminosos seculares. Vedou-lho EIRei, »> La Clede na Historia de Portugal Liv. V. ao anno de 1220 diz: ti Sueiro Gomes, Prior da Ordem de S. Domin- '> gos, novamente estabelecida em Portugal, foi tão inso- » .lente ( j e que não fará um Monge , que se esquece do >» que he!) que athe ousou publicar varias leis, em vir- >» tu- DAS SCIENCIAS DE LlSBOA, ^ >» tude das quacs queria que fosse punido de morte todo »> aqucUc que lhe faltasse ao respeito. Offendido ElRei , » tomou conta mais que nunca do género de vida do cle- j» ro, cuja defesa tomara o Arcebispo de Braga.» ^lais extravagante que os outros, ou de menos boa fé Fr. Pedro Monteiro na sua Historia da Inquisição P. i. L. 2. C;ip. 3. não duvidou asseverar =: que ElRci o Siir. D. AíFonso 11, a quem chama o Legislador ^ tinha commct- tido a Fr. Suciro fazer umas leis geraes para o bom go- verno do Reino: ~ «Estas leis (continua o Autor) revo- 5> gou ElRei , como refere Brandão , sendo pelas cousas an- " darem nesse tempo revoltas entre o estado Secular e Ec- j» clcsiastico. Atfirma-se (he ainda o mesmo Autor) que nas 5» ditas leis pusera o venerável Fr. Suciro uma em que con- j» dcmnava a pena de morte aos ladrões e aos homicidas. j> O mesmo Fr. Pedro querendo compor as cousas, altera ainda outro facto histórico , porque acrescenta : « Conhe- » ccndo ElRei depois o seu erro ellegeo'ao mesmo Fr. >» Suciro, e seu companheiro Fr. Fernam Pires para Juiz j> árbitro nas duvidas que trazia com o Arcebispo de Bra- » ga. » Ora isto he um anacronismo , e talvez que uma malicia: quem escolhco Fr. Sueiro para árbitro da tal con- tenda foi o Srir. D. Sancho II depois da morte de seu Pai cm 1223 , e he bem conhecido na historia de Portugal que FlRei o Sfír. D. AíFonso II falleccra ainda no desagrado da (juria Romana, não menos que do Arcebispo de Braga D. Estevão Soares da Silva. Mas deixemos os Escriptores e seus desvios, e apresen- temos o nosso próprio cabedal. Diz Montesquieu, que he necessário esclarecer a Historia pelas leis , e as leis pela Historia', a Historia dos acontecimentos do tempo na ma- téria sugeita será o grande guia, que como o fio da fabula nos hade tirar do intrincado labyrinto : a mesma Historia demonstrará que os decretos ou leis de Fr. Sueiro Gomes, e dos seus companheiros não erão outra cousa senão uma tentativa da introducção do Direito Canónico em geral ; e em 6 MemoriasdaAcademiaReai, em particular a publiciçao e execução do Canon III do Concilio Laterancnse IV em 1215 , do I." do Concilio de Tolosa do anno de 1220, das Bulias do Papa Honório 111 da mesma data, e daqiicllas circulares expedidas nesse tem- po pelo mesmo Summo Pontífice aos Bispos da Itália , Ale- manha , França , e Hespanha em confirmação e ampliação do mesmo Concilio ; crão n'uma palavra os princípios da Inquisição nascente plantada no Langucdoc por occasião da guerra chamada àos Jlbigenses em 1205», (cjue continuou com mais ou menos fcrA^or até os tempos de S. Luiz Rei de França ) , c cxtendida na Htspanha dos hereges Albigen- ses aos Mouros , c Judeos conversos , mas suspeitos, ou ac- cusados de apostasia. A única combinação dos tempos , antes de descer a provas mais particulares , está persuadindo a abraçar esta opinião , e uma só vista rápida pelos successos desta épo- cha produzidos pelos costumes , e idéas recebidas bastaria a tornar mui vcrosimil uma assersão , que outros factos mais connexos converterão logo em quasi certeza, e demon- stração. ^- Qual era então o quadro da Europa semibarbara? Guerras , e dissensões intestinas produzidas pela anarchia regular do systema feudal dominante : a preponderância do clero , e desmesurado poder da Cúria Romana adquirido pe- la sciencia quasi exclusiva, sustentado pela ignorância ou antes confusão dos princípios do Decreto publico univer- sal e Ecclesiassico , que devia marcar os razoáveis limites do Sacerdócio, e do Império; acarinhado e protegido o mesmo poder pelos Príncipes seculares como a única e po« dcrosa barreira contra a desobediência e rebelião dos po- tentados feudaes ; e acatado , e obedecido por todos como a voz de Deos pelo ministério do seu Vigário naquelles tempos de mais rudeza sim , mas de muito maior devoção, Juntou-se á piedade o espirito de cavallaria introduzi- do universalmente na Nobreza. As invasões dos Tártaros , e Serracenos nos Lugares Santos da Palestina acarretarão essas famosas guerras das Cruzadas, de que tanto se tem mo- DAS SciEMCiAs DE Lisboa. 7 mofado por espirito de contradicção e llbertinngem , mas as quacs he devedora a Europa culta de grande parte dos seus conhecimentos c civiiisação, e até -da liberdade dos povos, e da queda do direito feudal por força de combi- nações admiráveis nos seus effcitos, mas muito nacuraes' pe- las causas que as produzirão. No meio de todo este aparato de devoção exaltada , e de pondonor e brio militar pelas cousas santas e reli- giosas , rebentou a celebre heresia dos Albigenses na Ci- dade c Condado de Tolosa , fcudatario da Coroa de Fran- ça: a illustnição e créditos dos Condes Soberanos daquel- Je Paiz , a visinhança da Iralia , a catholicidade das Mo- narchias iemítrofes , e a tenacidade e poderio d'um povo inteiro, que proclamara a heresia, devia assustar o Orbe Catholico , e despertar o fervor e energia da Cúria Ro- mana : movem-se exércitos para subjugar os rebeldes, pu- blica-se a Cruzada , apparecem os Delegados do Summo Pontifico, c com elles um gcnio raro e distincto naquellcs tempos pelos seus talentos, zelo, e santidade, S. Domin- gos de Gusmão, visinho e testemunha daquella calamidade. A este enthusiasmo religioso veio naturalmente juntar- se o que provinha das victorias sobre os Mouros de Afron- so IX de Castella. O celebre Arcebispo de Toledo D. P^o- drigo alcança então do mesmo Papa Honório o privilegio da Cruzada contra os que combatessem os Serracenos das Hespanhas , e daqui veio a famosa tomada d'Alcacer do Sal pelos Cavalleiros que se dirigião por mar á Terra San- ta , e cuja armada aportando a Setúbal , cedeo a's persua- sões , e diligencias do Arcebispo de Lisboa D. Sueiro , em- penhado naquella conquista. Neste tempo, em que todo o meio dia da Europa fer- via em guerras contra os Musulmanos, e Albigenses, confirma o Papa Honório III a ordem de S. Domingos justamente reputado então a escora do Vaticano, e o açoute dos he- reges: o instituto desta Religião sendo de pregar, e ca- thequizar, naturalmente atrahia os projectos e vistas da Cu- 8 Memorias DA Academia Real Cúria Romana toda occupada na extirpação das heresias ; e cffectivamcnte foi S. Domingos c seus primeiros compa- nheiros destinados para dirigir a empresa, munidos a esse fim com aquelles poderes exuberantes , que a necessidade e a devoção daqueile tempo reputava legítimos, e os quaes ninguém contrariava. Repartiu então S. Domingos pelos seus mais zelosos e illustrados companheiros esta missão sagrada; a França, a Itália, e a Alemanha forao o theatro destes novos Apóstolos; o mesmo Santo desenvdlveo o seu '/elo por ventura demasiado na capital da Hespanha, apoiado fortemente pela piedade de Fernando III , o Santo, e nesta partilha apostólica coube Portugal a Fr. Suciro Gumes , Por- tuguez. Esta missão, esta empresa religiosa foi então annun- ciada, e proclamada nos Decretos seculares de matéria até hoje desconhecida , que fazem o objecto da presente Me- moria , e sobre os quaes recahio a Provisão d' ElRei o Snr. D. Affonso II , a quem o seu génio e as desavenças com a Corte de Roma tornava menos dócil as pertenções da Cúria, e mais vigilante na conservação dos direitos da sua Coroa. Factos positivos , provas mais próximas , que agora he tempo de produzir, vão pôr em quasi evidencia o que até aqui era uma opinião, mas opinião muito plausível, e muito connexa com o espirito da Historia, e acontecimen- tos desta épocha. A guerra, e Cruzada publicada contra os Albigenses na pessoa de Raymundo , Conde de Tolosa, começou no anno de 1205»; a sua desfeita ou fingida resi- gnação parcceo acalmar ao principio esta tormenta ; porém a mesma perseguição talvez excessiva , a energia do Conde Raymundo, e os soccorros de Pedro II, Rei de Aragão, demonstrarão que a heresia propagava, e se extendia , che- gando a haver symptonias do contagio na própria capital de França. O zelo e constância do Papa Innoccncio III sugerio-Ihe a idéa de interessar toda a Christandade na extincçáo deste in- DAS SciENciAs DE Lisboa. 9 Incêndio abrazador, e pnra esrc cffeito convocou o Concilio Latcranense IV, celebrado cm iiij' (a). O terceiro Ca- non deste Concilio fulmina com anathcma todas as heresias em geral contrarias d profissão da Fé antecedentemente es- tabelecida qualquer que seja a sua denominação , o que denota que esta exposição hc relativa .aos erros daquelle tempo ; que os hereges condemnados serião relaxados ao braço secular para receberem o competente castigo, e sen- do Clérigos serião primeiramente dcgrad;idos das Ordens ; que os bens dos leigos serião confiscados, e os dos Clé- rigos applicados á Igreja , da qual receberiao a sustenta- ção; que os suspeitos de heresia serião compellidos a justi- ficar-se pena de excommunhão ; que as pessoas constituí- das em poder secular serião obrigadas por meio de cen- suras a dar juramento de expulsar de seus respectivos ter- ritórios todos os hereges notados pela Igreja; que todo o senhor temporal que recusasse purgar as suas terras dos hereges seria excommungado pelo Bispo metropolitano, e pelos outros Bispos sufraganeos ; e não satisfazendo ainda dentro d'um anno se daria aviso ao Papa a fim de absol- ver os vassallos do juramento de fidelidade, e de expor suas terras á conquista dos Catholicos a fim de as mante- rem em paz e livre de heresias, salvo o direito do senhor principal do território: termina o Decreto do Concilio de- pois de muitas outras providencias com uma ameaça de de- posição contra os Bispos que consentirem hereges em suas Dioceses {h). Fulco, Bispo de Tolosa , havia levado comsigo ao di- to Concilio a S. Domingos, com o qual estava ligado por um ardente zelo da salvação das almas (c). Aproveitou S. Domingos a occasião, e propoz ao Papa Innocencio III sua tenção de instituir uma Ordem Religiosa , ao que o r. IX. P. 7. B San- (n) Fleiíry Hist. Eccl. Liv. 77 § 40. (6) Fleiíry lugar citado até § 48. (c) O mesmo Kleury § 54. IO Memorias pa Academia Real Santo Padre racilnieiite accedeo ; entretanto a morte do Summo Pontífice atalhou então este projecto, que pouco depois foi concluído, e confirmada a ordem dos Frades Pregadores pelo Papa Honório III em 1216, e no mesmo anno se estabeleceo a primeira casa regular da dita Ordem na Cidade de Tolosa. > Neste mesmo anno (continua o Abbade Fleury) manj dou o Santo a Hespanha quatro dos seus companheiros pregar o Evangelho , e forão Gomes , (que he o nosso Fr. Suciro) Pedro , Miguel , e Domingos , tempo em que o Papa Honório escrevco a S. Domingos encarregando-o de proscguir na fadiga apostólica da conversão dos hereges no Langucdoc , carta de 26 de Janeiro de 1117. Neste m«snio anno de 12 J7 suppóe o Auctor da Chronica de S. Domingos , que entrara Fr. Suciro Gomes em Portugal , e tecendo como o Diário do seu estabelecimento neste Rci-i no, conta que por fugir ao desagrado d' habitar nas ter- ras, em que se havia publicado o interdicto, se dirigira o mesnio Religioso a Alemquer, senhorio da Infanta irmã d' ElRei , então em desavença e guerra aberta com seu ir- pião : — Qiie no anno de 121 8 já o dito Fr, Sueiro e seus confrades excrcitavao a vida monástica na Serra de Monte Junto, e que finalmente a referida Infanta o mandara a Ro- ma advogar sua causa , e que effectivamente trouxera os Breves do Papa em seu favor. Esta serie chronologica de Fr, Luiz de Sousa , com o qual se conforma Fr. Pedro Monteiro na já citada Historia àa Inquisição ^ não me pa- rece provada, nem se combina bem com os successos. — He porém demonstrado, que S. Domingos viera a Hespa- nha segunda vez em 1219, e visitara as duas casas do seu instituto, que já entãj existião em Segóvia e Madrid, c naturalrnente entraria acompanhado da famosa carta do Pa» pa Honório para Fernando III, Rei de Castela , recommen- dando-lhc acolhimento c protecção para os Frades Prega- dores empregados na perseguição dos hereges. He do mes- mo anno outra carta do mesmo Summo Pontifice, circular DAS SciEMciAS DE Lisboa. ii a todos os Bispos da christandadc para receberem os ditos Frades, e auxiliarem sua pregação, datada a dita carta em Roma a 8 de Dezembro deste dito anno (a). Esta missão tão rccommcndada, e intimada aos Prín- cipes seculares , e Ecclcsiasticos determinadamente para a conversão e perseguição dos hereges de qualquer denomina- ção que fossem , era a execução das disposições já referidas do Concilio Latcranense IV, que sendo particularmente di- rigidas contra os Albigenses , comprehendia os Mouros , e ^ Judeos, debaixo das expressões geraes = qualquer que fosse o nome que os hereges se dessem , = empreza em que o Papa Honório empenhou todas as forças então formidáveis da Santa Sé , como fica apontado- Supponho eu pois, á vista desta congruência e coin- cidência de factos paralellos , que neste anno de 12 19 he que Fr, Sueiro Gomes emprehcndeo sua pregação em exe- cução das ordens da Cúria, de que terião sido prevenidos antecedentemente os Bispos de Portugal , quando o não fos- se também ElRei por causa do interdicto e ruptura com a Santa Sé. E com cíFcito he deste anno o Breve que trans- crcveo por inteiro Fr. Pedro Monteiro na Historia da In- tjuisição em Portugal, pag. michi 35- , no qual o Bispo de Coimbra D. Pedro Sueiro (e he notável a identidade do nome) anctorisa ao dito Padre Pr. Sueiro Gomei e seus com- panheiros para pregarem na sua Diocese , e para exercitarem o poder de castigar e corrigir todos os excessos (b). João Baptista Llorente na sua Historia critica da In- quisição de Hespanha conforma-se inteiramente nestes factos com a chronologia do Auctor da Historia da Inquisição em Portugal \ mas previnidos ambos pelo seu propósito de exa- gerarem a auctoridade dos primeiros Inquisidores, posto que por fins oppostos, e querendo dar celebridade e apparato B ii as (rt) Fleury Hiit. Eccl. Liv. 70 , 6 30. (4) Et poustatcm compelendi et Cfínis;eiidi omites excessus. ( Dito Bre» ve. ) II Memorias DA Academia Real ás funcções inquisitoriaes, attribuem-lhe um resultado total- mente alheio da verdade histórica. Conta o dito Fr. Pe- dro Monteiro : Otiatulo o Patriarcha S, Domingos mandou o Padre Fr, Sueiro Gomes pregar a estes Reinos, e tios mais d^Hespanba tãohcm como Inquisidor Geral que era , lhe deo jun- tamente jurisdição para elle inquirir do crime de heresia pela noticia que o próprio Honório III lhe dco de que os Jndcos e Mouros baptizados apostatavao .... destes aos que se mos- travão arrependidos impunha penitencias segundo os Sagrados Câ- nones, e aos que se mostravao obstinados e impenitentes relaxa- va d "Justiça secular que iie/les executava com o fogo o tilti' mo suplicio (a). Sendo verdadeiro, como he, o objecto da pregação, não o he o cxcrcicio e resultado delia , que apomão estes Auctores ; antes foi tanto pelo contrario, que apenas ElRei D. AíFonso II soube dos capítulos em que se proclamara a doutrina e missão de Fr. Sueiro, logo acudio com a famo- sa Provisão Real , que apontei , cassando e annullando tal ingerência como oíFcnsiva de sua auctoridade , e indepen- dência no poder temporal , bem como das liberdades e fo- ros dos fidalgos e mais vassallos do seu Reino. Confrontemos agora a usurpação com o protesto , as disposições Pontifícias com a politica do Monarcha Portu- guez, e veremos e admirarcnros a sabedoria e dignidade com que este soube sustentar os direitos da Coroa , e a independência do império Lusitano n'um tempo cm que outros, por não dizer todos, os mais Potentados da Euro- pa Christá se curvavão diante dos excessos da Cúria, Já vimos os pontos decretorios do Concilio Latera- nense IV sobre a heresia em geral , e a imposição das pe- nas tcmporaes do confisco, e expulsão, além das outras canónicas ; noramos os esforços do Papa Honório escreven- do aos Príncipes e Bispos do orbe catholico para entregar a' (a) Cap. 5. pag. 43. DAsScjENCiASDK Lisboa. 13 a sua exccuqão aos Fndcs Pregadores , resta apontar as ou- tras medidas ao mesmo respeito tomadas no Concilio de Tolosa , celebrado neste anno de 1220. No primeiro Ca- non deste Concilio , segundo o transcreve Mansi na sui collecção , se le : Defendemos que os Prelados ^ Barões , Cava- leiros , e outros quaesquer Senhores de Território consintao que os Hereges ou seus sequazes tomem as Rendas , e Administrações de suas terras ; uem tão pouco os admitíio ou tolerem na sua Família ou Conselho quanda apenas os acharem suspeitos , oit infamados de heresia. Devendo reputar e haver como taes aqtiel- les contra os quaes estiver o clamor e fama publica , ou cuja suspeita estiver provada com boas testemunhas perante o Bipo do Território {a). A mesmíssima doutrina do Concilio de Tolosa com as ampliações, que veremos sobre as liberdades da Igreja, re- putadas legitimas naquelle tempo, se confirmou no chama- do Concilio Romano , celebrado neste anno por occasiâo da coroação do Imperador Federico I d'Alcmanha : òabei que tios ba pouco na Basílica de S. Pedro , Príncipe dos Apos' tolos , estando presente nosso Filho caríssimo em Christo , Fe- derico , Imperador dos Romanos , illustre e sempre Augusto , depois que em sua cabeça puzemos o Diadema Imperial^ es- commungamos da parte de Deos todos os hereges de um e ou- tro sexo debaixo de qualqu:r denominação que sejão ^ e os fau- tores e rcceptadores dos mesmos ; assim como escommutigamof rodes aquellcs que de futuro observarem , oii fizerem observar e guardar teus estatutos , costumes ou antes abu^ Ôes contra a? liberdades da Igreja : sendo a mesma pena igualmente extendi- da {a ) luhibimus ne prccluti , baroties , mi/iícs seu (juiainiqtn; domiiii terra- rwn hteretecis , vel credeiitibus ecn-um òalivens , seu adiniiuslratiOíics terra- riwi suariim commitaiit ; scd nec eos aut ctiain alúpios diffamatos de haire- H , vel tjiios credunt de hoc esses siispectos hi sua familúi vcl suo Concilio hnbrre vcl rutincre prtesumaiit. Itlos (lutcm debent pro diffamatis hnbere con- tra quos publica fnmu clamai , vcl de quorum deflamatioiíe apud boiios et graves coram Episcopo loci legume coiistilerit coiistàisse. 14 Memorias DA Academia Real da aos que escreverem , dirigirem , ou coordenarem os taes esta- tutos, &c. (a) Reduzamos a artigos toda esta doutrina dos trcs Con- cílios , e das Bulias c Cartas Pontifícias para a sua execu- •çáo ; primeiro: o poder attribuido á Igreja não só de pro- cessar e julgar o crime de heresia , c impor penas canóni- cas, o que justissimamcnte lhe pertencia, mas o de con- demnar a confisco de bens , exíerminio , e outras penas tein- poraes; segundo: conhecer e julgar, os fautores, recepta- dores e defensores dos mesmos hereges de qualquer sei- ta , ou de qualquer nome de que usem ; terceiro : inhibir os Príncipes, Barões, e outros senhores feudaes de con- servar dentro de suas terras e jurisdicçõcs aos hereges ou infamados de heresia , obrigando-os a expulsa-los e extcr- mina-los ; quarto : prohibir que alguém os tivesse no nu- jncro dos seus familiares, cazeiros , oíEciaes, e administra- dores ; quinto : finalmente a competência de cxcommungar todos os que fizessem ou executassem estatutos ou dispo- sições contrarias ás liberdades em geral da Igreja ; e ( por eumulo de preoccupação) ameaçar os Soberanos e Senhores, que contraviessem estes decretos , d'absolvcr seus vassallos do juramento de fidelidade, e entregar seus Reinos á con- quista dos catholicos. Erao estes em todo ou em parte os pontos da missão do nosso Fr. Sueiro , e seus companhei- ros encarregada pela Cúria, e promulgada nas intimações aos Reis, e Bispos da christandade , como temos visto, approvada c auctorisada neste Reino pelo Bispo D. Pedro de (a) íioveriiis quod nos nuper in basilica principú apcstolorum pi-ccsenl£ Áiaivaimo in Christo , Jilio nostro Fedarico illusiri , Romanorum Tmpcraíore , et semj.fT nugiisto poslquam capiti suo imposuimus iniperii Dúulcma de con- cilio Jtutriim iiostiorum excommutncarimiís ev pnrte TJei .... omites hare- ticos utriusque scxvs quoqumqne nomiite ceiísmntur , et fautmes red pintores et defaisorts cot um , tieu non d qui. de acta o sercaii Jccerwit eslatuta edi- ta, coufuetudines, rei poíiiis abuxiuiies euiitra Eccieúoc libertateiii. Nec umi excoinmwávimus slaluurios et escriptores , redores, íl\c. 12 Calendas Mai ia. DAS SciENCIAS DE LiSPOA. 15" de Coimbra, e matéria sem duvida dos Decretos seculares, que a l^rovisão d'ElRei D. AíToitso proscrevia, e anmiU lava. Vejamos como as razoes e fundamenros da Provisão yictoriosamcnte os desfazia •, c no adequado dos argumen- tos acharemos mais uma prova da natureza dos mesmos De- cretos , e do nosso descubrimento acerca do seu objecto. Diz a Provisão ou Qirta P.egia d' ElKci D. AfFonso , primeiro : Ninguém cuse tra%er a publico nqmlks decretos se- tularef sobre matéria de penas peetiuiarias e castigos tempo- raes. O que caracterisa muito justamente a incompetência em tal caso do poder Ecclesiastico , a que não pertence o regimen secular e politico dos outros Estados , e fundamen- ta a improvação do Monarchi temporal , e alludc ás penas de confisco de bens, extermínio, e coacção aos Príncipes seculares para expulsarem vassailos seus, posto que de di- versa crença, &c. ; o que tudo era doutrina dos dois Con* cílios , e objecto das Bulias Pontifícias , que haviao de ser o modelo de taes Decretos. Segundo: (continua a Provisão) Não sou centente que se proceda nos casos sobre ditos por sua íista, por sair cm os taes decretos em quebra dos Foros da minha Corte , e dos meus Fi* dalgos , e em suma de todas tts pessoas do meu Reine. E com cffcito attenta a politica do império Portuguez naquelle tempo, c o estado de dcspovoTçao das terras, acrescenta- da ainda pelas guerras e conquistas, nada seria tão absurdo e prejudicial do que a expulsão dos indi-cidms posto qne de di- versa crença^ estabelecida nas disposições dos Concílios, e nas da Cúria ; sendo aliás bem constante que tanto pelo con- trario se procedeo nos primeiros tempos da Monarchia , que o Snr. D. Affonso Henriques conservou e legislou para os Mouros de Lisboa , e seus dois successores para os do Alemtcjo, que quizerão permanecer neste Paíz. E por iguics princípios dizia ElReí , que era contra os Foros dos Fidal- gos ^ os quaes sendo pela Jurisprudência daqu^lles tempos Si-nhorcs não só das terras, mas dos braços e serviços dos po- l6 Memorias DA Academia Real povoadores , vinhao pela sahitla dos Mouros , c Jiidcos a ficar privados daquclla pirte do seu património. Também contra os Forox da Corte , ou administração publica , que fi- caria esbulhada e diminuída com a perda dos tributos c contribuições grandes, que pagavão os Mouros, c Judeos, e da ganância e mercancia destes últimos, que até forâo muitas vezes pelos créditos de sua habilidade escolhidos pelos Soberanos Portuguczcs para Védurcs , c Thesoureiros da fazenda publica. Terceiro: E tão bem (continua a Provisão) por encon- trarem aqtielle livro onde se diz expressamente que se niio admittão novas leis em nosso Reino , o qual livro contêm os foros por onde devem ser julgados os fidalgos de Portugal, lista coarctada denotava ainda a illegalidade e incompetência dos decretos de Fr. Sueiro Gomes , pois que não só erão illegitimos por falta d'auctoridade, mas ainda pela opposi- ção que resultava das Leis até alli existentes , e praticadas no Reino, que regulaváo os direitos e prerogativas da No- breza ; ou as ditas Leis fossem ( pois a Provisão não o de- clara ) o Código Wisigotico , ou as Leis geraes do mes- mo Rei o Snr. D. Affonso nas Coites de Coimbra, ou, como eu julgo , as Cortes de Lamego. Qiiarto : Maioi^mente que os taes decretos ( he ainda da Provisão ) nunca andarão em pratica em tempo do Conde D» Henrique , nem tio tempo de meu Avô ElRei D. Âjfonso , a quem o Papa Alexandre III por seu privilegio confirmou em Rei , e a sua Terra em Reino. Nem em tempo d'ElRei D. San- cbo meu Pai , que teve uma carta de protecção do Papa Cle- mente III. Nem tão bem em meo tempo tendo dtias, uma de In- vocencio III ^ e outra d* Honório III. He notável este argu- mento. Reprova a Carta Regia os taes Decretos , maior- mente por serem cousa nova nunca praticada até alli neste Reino desde que fora independente na pessoa do Conde D. Henrique , c seus succcssorci ; e scrvindo-sc das pró- prias armas do inimigo, para assim me explicar , parece notar a contradicção em que cahia a Cúria Romana, que icn- DAS SCIENCIAS DE L I S B O A. ' I7 tendo confirmado e reconhecido a independência deste Rei- no, se ingeria na suprema Soberania, mandando pregar, e estabelecer suas máximas decretorias sem o consentimen- to d' ElRei , c da sua Corte. Esta circumstancia está indi- cando mui claramente que os artigos de legislação temporal ordenados por Fr. Suciro , não erao reputados obra mera- mente sua , mas uma derivação originariamente da Cúria , alias seria occioso , e sem objecto allegar aqui com as con- firmações e reconhecimento dos Summos Pontifices a res- peito da independência deste Reino ; e por isso dissemos no principio desta ultima parte , que no adequado dos ar- gumentos da Provisão acharíamos novas provas da natureza daquellcs Decretos , e do nosso descobrimento. Termina em fim ElRei o Snr. D. AÍFonso II sua Car- ta Regia , ameaçando com o rigor das penas civis o que contravier a esta revogação, estabelecendo com tudo duas limitações, em quanto approva e ratifica dois pontos dos taes Decretos; he o primeiro, sobre os que venderem cousa furtada , ou escondidamente , c o segundo impondo semelhantemente penas aos compradores de semelhantes cousas. O que bem longe de fazer contrariedade com a nossa supposiçâo , se conforma , e corrobora o que temos diro ; por quanto sendo a pena de confisco de bens im- posta pelos Cânones referidos aos hereges e mais refractá- rios , era uma consequência acautellar as vendas clandesti- nas, que os léos condemnados em perda de bens procura- rião fazer para illudir o julgado ; e como este principio agra- dou em theoria para ser aplicado a outros respeitos, con- servou-o ElRei o Srir. D. Affonso , convertendo-o em le- gislação propriamente sua , e ficando a regra gerai m( s rios se extinguirá mais depressa , e mais ainda sendo o vento opposto á mesma corrente dos rios , ou sendo ventos do mar ; logo todos os rios entrando no mar , perdem total- mente as suas correntes em distancias das suas fozes, que varião em todos os rios , e a todo o momento no mesmo rio , segundo o estado delle , e a hora da maré ; e conse- quentemente as arêas que os rios arrastão até ao mar, vão também por esse motivo ficar depositadas perto da sua em- bocadura, onde a corrente antes de se extinguir deixa de as poder levar mais adiante, e alii se formaiá hum depo- sito das mesmas arcas, ou banco, visto que nem os rios dalli as podem levar mais adiante, pela hypothese, nem o mar as pode fazer recuar nesse ponto do presupposto equi- líbrio entre as duas forças oppostas do rio, e do mar. Lo- go todos os ri(>s tem hum banco de arêa dentro no mar, o qual banco circunda as suas fozes , e estorva a navega- ção , mais, ou menos distante delias segundo for maior, ou menor a força de cada rio ; sendo certo , e evidente , que os mais valentes poderão resistir até mais longe á op- posição do mar , que gradual , e successiva mente aniquila as suas correntes. Desta proposição se deduzem os seguin- tes corolários. Corolário i.° Logo os bancos^ ou barras de todos os rios do mundo são moveis , visto que são variáveis ao in- finito a força dos mesmos rios nas differcntes estações , as- sim como a do mar nos seus differentes estados de agita- ção, e de maré para lhe resistir no periódico fluxo, e re- fluxo das mesmas marés. Corol. 2." Logo quanto maior for hum rio, e mais velocidade tiver a sua corrente ao entrar no mar, ou quan- to mais cheio andar o mesmo rio, e mais rijo também as- soprar o vento terral , ou do lA e a.° quadrantes nos de Por- ^^-vj ■31 Memorias da Academia Reaií Portugal , e mais manso estiver o mar j mais longe o rio poderá arrojar o banco. Corol. 3.° Logo em circumstancias iguaes quanto mais bravo estiver o mar; mais forte for o vento mareiro, que soprar de lá (ou do 3.° e 4.° quadrantes nas fozes dos nos- sos rios) para se oppor á força dos mesmos rios , e mais secos então andarem , mais perto das suas fozes se forma- rá o banco, ou barra de qualquer rio. Corol. 4.° Logo quanto mais perpendicular for o lei- to do rio sobre a costa , e quanto menor for a secção da boca do rio na foz a respeito da largura do leito alli mes- mo , ou mais igualmente avançadas para o mar estiverem as suas duas margens , e por esse modo ficar perpendicular ao leito , e offerccer o menor numero de pontos de con- tacto entre o rio , e o mar ao entrar neste ; mais longe da foz irá formar-se o banco. § 7- Quanto maior for hum rio , mais fundo haverá sobre o hatt' CO ^ e mais bem navegável será em iguaes circumstancias. Pois que o mar destroe igualmente a força , e anulla a acção de todos os rios mais , ou menos longe das fozes , onde parão as arcas , e se formão os bancos , parece que nenhum rio seria navegável sobre o banco , onde acaba a força de todos , e se accumulão , e parão os entulhos , qualquer que fosse a ordem , a abundância d'aguas , e a força de hum rio na sua foz, do mesmo modo que o não são as barras dos pequenos rios. E certamente assim acon- teceria se não. existissem as periódicas, e nunca interrom- pidas alternativas dos verões e dos invernos , sendo estes mais ou menos abundantes de chuvas, e de neves diversa- mente distribuídas, e aquelles mais ou menos secos, e nun- ca na mesma ordem ; a alternativa da baixamar á preamar, e estados intermediários repetidos duas vezes em cada 34 horas j a alternativa de marés vivas da lua , ás marés mor- tas DAS SCIEKCIAS t)E LiSBOA. 3^ tas dos quartos ; das grandes marés de equinoccio em Mar-' ço, e Setembro, ás pequenas dos solsticios em Junho, e Dezembro; a posição relativa, e as distancias á terra dos astros do nosso systcma solar , c finalmente o balanço ou oscillaçáo das aguas, e as ondas^ maiores ou menores; as- sim como as differençns dos ventos moderados aos tempes- tuosos, cm direcções, e com forças sempre variadas , sem- pre desiguaes , etc. : eis-aqui a variedade admissível , que a todo o momento muda em hum rio, que entra no mar, o lugar do equilibrio entre as forças oppostas , onde se formão os bancos , e as barras no estado presente d i rui- na, e decadência dos rios; e as barras lhe devem o haver ainda huma passagem praticável para a navegação pnr ci- ma, e a través desses bancos nas fozes dos rios , que por serem maiores entrão com mais força , e abundância d'agua9 no mar, como se vai provar. Com cíFcito , se a força de qualquer rio fosse con- stante, e invariável, e se o mar, e os ventos etc. se op- posessem sempre do mesmo modo com huma força tam- bém constante, e invariável, o lugar do equilibrio entre o rio , e o mar seria invariável para cada rio, e haveria hum banco fixo , ou dormente , que o rio iria successiva- mente estendendo para o mar, ainda que a diíFerentes dis- tancias da foz nos difFercntcs rios (6 , corol. 3) ; e também seria mui largo , e extenso o banco ; porque o mar arras- taria arêa até alli , e o rio a levaria também até lá pela hypothcse de ser alli o lugar do equilibrio , ou de ne- nhum estorvo reciproco; e como nem o mar, nem o rio poderião levantar o dito banco sem que este estorvasse o rio de correr como até alli; faria isso represar, e subir as aguas , e augmentar a sua força , e romper o equilibrio preexistente da hypothese ; por isso o banco só se exten- deria formando grande baixio no mar, e sobre essa gran- de superfície, onde não ha corrente para cavar fundo, nem o rio consentiria entupir de todo ; nenhuma navegação da- ria alli, e huma barreira eterna vedaria para sempre a com- T. IX, P. I. F. mu- 34 Memorias da Acíademia Real municação dos navios do alto mar para dentro dos rios; mesmo em quanto ellcs tran^^portão arca, e em quanto iiáo chega essa época fatal de arrastarem grossas pedras (5) : mas a effcctiva variedade de cada hiima destas duas forças, a do rio , e a do mar , oper;mdo na foz ; procedida das causas acima ponderadas , faz com que estas forças scjao desiguaes a cada instante, que o lugar do equilíbrio delias a cada instante mude , consequentemente que o bnnco mu- de também de local , e ande para dentro , e para fora che- gando-se mais para a terra , quando o mar se embravece , ou o rio affrouxa , e afastando-se mais para o mar , quan- do o rio propondcra sobre elle a respeito do momento precedente ; e como áquem do banco ha canal tanto mais extenso , profundo , e largo , quanto maior he o rio , que o cava antes de lá chegar ; e além do mesmo banco onde o rio nao vai entupir, nem estorvar, também as ondas ca- vâo o mar mais profundamente , e tanto mais quanto fica mais ao largo, o que acontece nos maiores rios, nos quaes os bancos se formão mais longe das tozcs {6 corol. i.) se- mie se , que quando o banco muda de lugar, as arêas que o formão cabem em leito mais espaçoso , e fundo nos grandes rios , de que nos pequenos ; e por isso o cortão sem entupir de modo que estorve a navegação; não tendo tempo de formar banco no lugar, onde o começa momen- taneamente , e se verifica o equilíbrio ; porque pela mes- ma razão muda logo, e não deposita mais nada no lugar onde o começava, e onde ou o mar, ou o rio começaráô outra vez a profundar , segundo andar para dentro , ou pa- ra fora ; e são além disso tanto maiores as alternativas , e a capacidatlc do espaço, por onde o banco começa a formar- sc sem se chegar a formar , quanto o seu leito he mais exten- so, e mais depende das circumstancias variadas de hum paia mais vasto , e extenso , que o alimenta ; e por isso nunca se altêa muito o dito banco nos grandes rios, e menos quando se dcsencontrão a propósito grandes marés , grandes choques do mar, e grandes correntes de cheias dos rios com mar mansoi DAS SclEVCtAS t»E LiSBOAí '' ^f Logo OS grandes rios terão esses bancos tanto menos supcrficiaes quanto forem maiores, emais valentes, e con- sequentemente mais navegáveis; e os pequenos não permit- tiraõ navegação sobre os ditos bancos. Tal he o proce>s(> admirável que a natureza emprega para conservar abertos ainda para a navegação muitos rios apesar dos estragos ^ que os mesmos tem sofrido , e os portos em geral , ac- crcsccndo", que pela artenuação das matérias chocadas en- tre si nos leitos, e depois envolvidas nas ondas, o mesmo admirável processo as arroja dos lados do banco para as praias lateraes á barra , donde as marés , e ondas as arras- tão mais para fora , e depois os ventos as tornão a resti- tuir ao Continente ; e nós vemos que muitos terrenos á beiramar são o resultado dessa operação reparadora de par- te dessas perdas , que fazem as chuvas , e os rios sobre o Continente. Desta proposição se deduzem os seguintes co- rolários. i.° Logo quanto mais rico d'aguas for hum rio, mais fundo, e navegável será sobre o banco, ou barra, e mais affastado estará este habitualmente da sua foz, e vicc-versa. 2.° Logo os rios devem entrar do leito para mar nas suas fozes com adequada secção de boca, e a me- nor a respeito da largura do leito, ou còm margens iguacs, e pela direcção perpendicular á costa para formarem o banco mais ■ longe delia; e até para que as ondas vindas nessa direcção atacar as praias não fiquem obliquas ao ca- nal sobre o banco, e o não entuplo de lado, ou na tota- lidade, mas andem só com o banco para dentro, e para fora na direcção do fundo canal , que o rio abre até ao mesmo banco segundo à direcção do seu cumprimento; as- sim nunca as ondas atravessarão o canal transversalmente para o entupir , e só accidentalmente nas tormentas de hum vento decidido , e transversal , como o do Sul , etc. alterarão hum pouco a direcção geral das ondas pela per- pendicular ás praias. 3.° Logo os pequenos rios não po- derão ter barras navegáveis senão no caso de terem leitos salgados mui amplos , onde possão entrar grandes volumes í. JE ii d'a- 5^ Me l^xy^ rt aj ji?* A os de 'huma: par» tç d4 capacidade ^o seU leito salgado , onde recebem as marés do mar; e empobrecidos seus mananciacs , concorrem igUí|lm'-'níe-. pata destruir a navegação sobre as suas barras^ ajém jde qonduzireníi para cilas mais e mais grossos entu^ lhos. Logo também .finalmente as barras de todos os rios 1^0 p.çqrqndA atéquc fiiialmente acabarão as dos grandes tipSi,,,CQmo, já acabarão as dos pequenos , que, tiverâo fun- dos, quando. nada transportavão, ou quando só transporta- YÃo mui- pquças , e ligeiras matérias , as quaes não. entu* pião 9 quC' elles cavavão nos ia^^efuos. ; ou quando não :ti4 nhão com qUe formar essas mesmas barras, ou bancos, nem obstruir, o? leitos; devendo durar mais as barras pertencen-r tes aos fiop mais ricos d'aguas pluvlaes, e mais bem pror vidos ao mesrOo tempo de Içitos salgados , para auxilia* rem majs a força pluvial dos rios: mas todos finalmente acabarão, como jã disse, (y) e com dor o repito neste lugar, porqpe^ as ondas não removerão o banco quando elle não f'Jr de arcas , ou quando o leito já pelo seu alteamen-! t(í.,4esdí^a. sa», prigçnx.aDf ao inai:.poder.ari[a3tar.:pedras.: .; -r.n n^fj »rj(í í:nr\onD'irt Jto nt)...! ".t .;-;i:iq ?^ TP-IudÍLí; rr a •. D A s, S ftiEHCJ As íjrf. :L X tXfíísí M fji § 8. £?« todos os rios da Costa Occidental de Portugal deve tio estado actual dos mestnos rios ^ iaver bum. banco alto de aréa superior ds marés chamado Cabedelo , o qual atravessa nas suas foz£s bvina parte do antigo leito dos rios ^ começando da testa da margem esquerda para a directa , ou do Sul para o Narte ; ou mais geralmente começando ■ da testa da margem mais cttrta para a mais avançada na. .mar, y ou. d», Equador. para o Polo nos rios de todo o mundo, ;rO'v') "o:: ■./ ii; . I Ziesdc que os rios se empobrecerão d'aguas pelas cau- sas-.exposras (3), e começarão a entupir os seus leitos, c a arrojai' para dentro do mar montões de arêas , e entu- lhos (6) , os Titesmos rios não poderão mais conservar aber- ta , e menos de verão , toda a sua antiga foz limpa , e funda; porque desde então o mar^ arrojando quanto pode para encostar as fozes dos rios parte desses bancos que os mesmos rios formão dentro no mar perto das suas fozes (6 coro!, t. i)i conseguirão arrojallos mais para dentro dos leitos por aquella parte dos mesmos leitos por onde a corrente lhe oppunha menor resistência, a saber, por on- de erão menos fundos , ou corria menos volume d'asuas ; logo seria a parte do leito do lado esquerdo, donde os nossos rios s€ retirao para se encostarem á direita (3), e lá se formaVão bancos , que se engrossao com as ondas «em opposição dos rios , tapando huma porção , e a mais fraca dos leitos , tanto maior quanto os mesmos rios tem perdido mais a força para os repcllir , e arrastar para o mar ; c quanto a corrente actual dos rios nas fozes lho consente, e não he capaz de desfazer no mesmo tempa em que o mar as accuraula, e por isso atravessão , nos di- tos nossos rios da costa Occidental , os leitos da esquerda para a direita, ou do Sul para o Norte: estes bancos, ou cabadeJos formão , no estado actual e decadente dos rios^ »s margons esquerdas dos meamos j margens elásticas , quç SC 3? MeMORiA^s DA AcademFa RlAt, se avisinhão á direita, quanto nas diftcrentes estações, e estado dos rios , a corrente alli apertada e constrangida , lho pôde pcrmittir sem as defazer ou alargar : cstts cabe- delos assim formados nas fozes àe perpetuâo,' engrossão , c levantáo , recebendo da banda do mar as arêas que as ondas, e os ventos lhe accumulão , e lá ficão parte delias; porque cada porção ultima das ondas , que montão esse banco de arêa , sobe levando arêas envolvidas nellas, e não descem todas, porque a agua filtra-se, e some-se no dito banco esponjoso deixando a arêa coada sobre o dito ban- co , e os ventos depois de maior seca, qu sendo mais ri- jos , as vão accumulando mais para cima , onde as ondas não chegão , nem lá as podcrião levar ; chegando por esse modo os cabedelos a ser como são altos, lurgos , e mui robustos tapumes , que todos os rios tem atravessados nas suas fozes do Sul para o Norte na nossa costa occidentd. Estes cabedelos se engrossarião continuamente pelos ventos do mar á custa dos leitos , se os rios quando vão cheios lhe não cortassem huma grande talhada longituc^inilmcnte pelo Norte, e Nascente; corte que o mar supre logo que o rio adelgaça muito o cabedelo , ou o faz mui estreitos , pois então nas grandes marés as ondas o salvão de parte a parte por não ter grossura para absorver as ondas , e por esse modo logo o alargão sobre o rio até o tornarem a pôr ajudadas do vento, na grossura que tinha , e mais o não salvarem , nem alargarem , e só lhe metterem arêas , com que o engrossão, e prolongão passadas as cheias, e maio- res correntes; conservando com este movimento continuo, pelo decurso de séculos, e com proporções quasi inalterá- veis , huns bancos , que tantas causas poderosas tendem a formar, a engrandecer, e a destruir; os quaes mesmo no curto periodo de hum anno , fazem tantas mudanças , mas debaixo de periodos quasi regulares , e que não excedem certos limites. Logo também visto que os rios se encos^ tão junto das fozes desde mui remota época, ao lado da maior margem (4) , os cabedelos serão sempre do lado da me- CAS SCIENCIAS DE LrSB^A. §9 menor nos rios de todo o mundo , situados como se disse (4 corol. 4) , isto he , na esquerda dos que no nosso he- misfério olhão para o Pocnrc , e da direita dos que olhao para Nascente , e tudo pelo contrario no hemisfério Aus- tral; e mais geral do lado do Equador, ou donde soprão os ventos com que mais chove no paiz. § 9- No estado actual da decadência dos rios, iodos os da cos' ta Occidental do Reino tem a sua esquerda sobre hum cabede- lo , e não na sua antiga margem ; e essa margem esquerda no cabedelo he sempre a menos avançada , e em todos os rios do mundo a margem sobre o cabedelo , he sempre a mais curta. Porque mesmo em iguaes circumstancias de tenacida- de seria mais curta; e sendo ella hum areal solto e incon- sistente, mais lugar tem a lei geral (4), que até demostra por excepção , que no caso de extraordinária differença en- tre huma margem durissima , e outra de arêa solta , será então a mais curta do lado do areal, ou da inconsistente margem , ainda que fique á direita nos nossos rios (4 corol. 3). Logo Cgrande consequência) na época actual da decadência dos rios , todos os da costa occidental do Reino , e o Dou- ro, que he hum dclles , tem, e terão por leis necessárias, e universaes , ás suas margens esquerdas não sobre a anti- ga margem , mas sobre os seus respectivos cabedelos , e mais recolhidas , ou mais curtas ; e as suas margens direi- tas roais avançadas para o mar , ou mais compridas , e en- costadas sempre a antiga margem direita , acontecendo o mesmo nos rios que olhão para o Poente no nosso hemis- fério-, e viceversa nos que olhão para Nascente , ou estão noutro hemisfério. Nós vamos ver o que se passa nas fozes dos rios de margens desiguaes, que geralmente todos tem tomado. 40 Memorias da Academia Real IO. Todos os rios que tem margens desiguaes , ou desigualmen- te avançadas m mar, mtidão a direcção^ que traztm no lei- to até alli , e se lanção no mar para o lado da margem mais curta ; isto he , para a esquerda , ou para algum ponto entre o Sul, e o Oeste, ou para dentro do ^.° Qtiadrante em todos os nossos rios que tem fozes naturaes na costa occidental do Rei- no , ou que em todo o nosso hemisfério estão virados para o Poente , e -viceversa : ou mais geral ao sair na foz inclinão a corrente procurando o Equador. Por que nos rios de margens desiguaes o fluido entre cilas contido , e em nivcl superior ao mar para onde cor- re, na vasante se ha de derramar sobre elle logo que as ditas margens lhe não obstem , isto he , logo que vencer a testa da menos avançada ; e como o fluido, ou cada hu- ma das suas particulas , e camadas fluidas decidem o seu riovimento pela direcção da maior queda, ou da mais cur- ta distancia do lugar em que se achao áquelle para onde vão passar , o farão na foz pelas perpendiculares á linha de contacto, ou commum secção entre o rio, e o mar, ou á linha que une as duas testas, e he propriamente a boca do rio entrando no mar ; porém o mesmo fluido , ou cada huma das suss moléculas, devendo obedecer á força, que as move por essas direcções perpendiculares á secção com- mum , ou á linha que une as testas das duas margens na boca do rio , trazem já o outro movimento adquirido no leito com que se moviâo até alli , conclue-se , que essas moléculas seguiráõ huma direcção media comprchendida cnrrc a que traziao as aguas no leito perto da foz , e a perpendicular á linha que une as duas testas das margens , c mede a boca do rio ; seja qual for a direcção das aguas no leito , e seja qual for o angulo que essa linha faça com as suas margens ; e mesmo no caso do rio ser mettido en- trv margens parallclas , e rectas ^ e (^ue a corrente fosse pa- DAS SCIENCIAS DE LlSBOA. 4I parallela a ellas. Para mais clareza repito a demonstração sobre figura era nota (*) , e mais claros ficaráó os corolá- rios seguintes. \ I •«- :^ éT ,V «t--,_ p r y^nmimniimililJinillllMIIIITmill I i mirmmiTmiipililninimmijiiiM a mnmii.jiTnmmmTmlnilllIiilllliiiilniiiiiiiiinHiiiilj llilijiiimBili.inil D i." corol. Logo quanto mais desiguaes forem as mar- gens de hum rio , mais também a direcção que o mesmo rio tomará, lançando-se na foz para o mar, fugirá da di- recção, que trazia no leito, pois que a perpendicular á li- nha que une as testas se faz mais perpendicular ao leito , e maior angulo faz com a que trazia no mesmo leito , lan- çando-se para o lado da menor margem , ou para a esquer- da nos rios da nossa costa occidentul , e por consequên- cia no Douro. 2.° corol. Logo quando se conseguisse metter hum rio junto da sua foz entre margens solidas de paredões , parallelos , e que a corrente nelle fosse parallela ás ditas margens, ou paredões, e o rio alli ficasse perfeitamente di- rigido , e encanado ; assim mesmo , se as mesmas margens ficarem desigualmente avançadas , o rio ao entrar no mar deveria mudar a direcção que tivesse nesse leito parallelo , e se lançaria para o lado da menor margem , ou para a es- querda nos nossos rios da costa Occidental , ou para 03.** quadrante entre o Sul , e Oeste } e o mesmo acontecerá no Douro, que he hum delles. 3.° corol. Logo também se as margens forem igual- mente avançadas, a perpendicular á secção entre o rio e o mar, ou á linha que une as testas, que he a boca do rio, seguirá a direcção da linha que passa pelo meio longitu- dinal do leito, e as paralisias a ella, e não fará desviar Z. IX. F. L * neiu 42> Memorias da Academia Real nem para hum, nem para outro lado a direcção que ò rio traz, e com que chega á toz para se lançar no mar; an- tes tende a cncaminhalla para o meio do leito, c scgudlo se nelle vieísc algum tanto obliqua 5 e se as margens fo- rem rectas, e parallclas a essa coricnte, além de iguacs, o rio sahirá para o mar com a sua máxima força por ser a somma das correntes parallclas , e entrará na direcção , que trazia no leito sem fazer obliquidade para a direita , ou esquerda a respeito do mesmo leito, e pela perpendi- cular á boca do rio, que he a menor secção, que pods ter o leito do mesmo rio entrando no raarj e melhor bar- ra dará sobre o banco (7 corol. 2). A.° corol. Lo2;o se as margens forem igualmente avan- çadas a corrente procurando o meio longitudinal do lei- to , e suas parallclas , não deixará formar o cubedelo a hum lado dentro no leito ; apenas consentirá , trazendo o rio menos aguas, e sobejando leito, a formação de fachas de arêa , ou praias , que o estreitem parallelamente á linha , que passa pelo dito meio longitudinal desse leito, encos- tadas essas fichas, ou praias ás margens; mas não cabede- lo ano-ular: e ficará o leito recto, e de margens parallclas no verão , ou havendo poucas aguas , mas não cabedelo pontawudo para o leito ; e assim acontecerá no Douro quan- do tiver margens igualmente avançadas para o mar. j-,° corol. Logo para que hum rio não mude a direc- ção que traz no leito junto da foz quando se lança no mir , he preciso absolutamente que as margens do mesmo fio sejão igualmente avançadas para o mar. 6.° corol. Logo querendo-se mudar a direcção de hum riò ao entrar no mar para a direita, ou para a esquerda, bastará avançar convenientemente mais para o mar a mar- gem opposta áquella para onde se pertender inclinar a di- recção do rio , ou a barra. As fozes do Vouga , e do Liz offerecem huma prova desta verdade ; lá se fizerao fozes artificiaes , adiantando para o mar as margens esquerdas com fortes paredões , ficando as suas direitas sobre o arêal, i .\ . \ '. que DAS SciENCIAS DE Li S BOA. 43 que logo se encurtarão pela sua tragilidade (4 corol. 3.) ; e estes rios se lanção no mar para a direita , ou para den- tro do 4.° Quadrante , quazi pelos rumos de Nor-Oeste , e ON-O; justamente o contrario das fozes naturaes , que tem naturalmente solida , e mais avançada a sua margem direita , e a esquerda sobre a arca solta do cabedelo. II. Nos rios de margens desigualmente avançadas no mar , as correntes nas etichentes das marés virdo entrar fbliqitanien- te no leito , do lado da mais curta margem , dirigidas trans' versalmente contra o lado da maior j eu nos nossos rios entra- rdõ transversalmente da esquerda para a direita \ e do lado do E- quador para o do Polo nos nos de todo o mundo. Porque como as aguas do mar entrão para o leito do rio na enchente pelas mesmas leis , com que sahem , is- to he , em razão i." da superioridade , que então tem as aguas do mar sobre as do rio, para o qual se lançarão pe- ias perpendiculares á secção da sua boca, ou da linha, que une as testas ; 2 " de hum movimento geral adquirido lá no largo, quando marchão para a foz do rio; segue-se que estas aguas entrando no leito fluvial , tomaráô huma direcção media entre aquella , que as aguas trazem da bar- ra para a foz , e aquella , com que ao chegar á mesma foz pertendem lançar-se no rio pela perpendicular á sec- ção entre o rio , e o mar , ou i boca do rio , ou á linha , que une as duas testas das suas margens ; entrarão pois trans- versalmente no leito, e tanto mais, quanto mais desigual- mente avançadas forem as duas margens, ou mais obliqua for com o leito a secção, ou boca do rio na foz. Desta proposiçâ), e da antecedente (lo) se deduz a grande consequência : Que em todos os rios , que tiverem as suas margens desigualmente avançadas no mar , as correntes en- trarão nas enchentes das marés obliquamente no leito pe- lo lado da menor margem 3 e na vasante sahiráô do mesmo F ii OíO" 44 Memorias DA Academia Real raodo obliquamente para ornar por esse mesmo lado', que he o do Sul cm todas as fozes naturaes dos nossos ri( s da costa Occidental do Reino ; bem ccmo acontece no Dou- ro que hc hum dtlles , e de todos os que olhao para O. no nosso hemisfério. Isto posto continuemos a examinar o que se passa nas fozes , e barras dos rios , que tem as suas duas margens desigualmente avançadas para o mar. § Í2. Se em hum rio contido entre tnnrgens , entrar btima cor- rente obliqua , fdzendo angu/o come/las, e ta corrente atraves- sando o ria ira chocar a margem para onde se dirige , e en- (ostar-se a ella , perdendo allt hiinia parte da força , e corroeU' do a mesma margem ; encostará para ella a corrente , e as a- guas do rio ; e fornurd no leito hum seco , ou estreitamente na parte opposta , o qual será tanto maior , quanto essa direc- ção de corrente , que entrar obliquamente no leito , se aproxi- mar mais da perpendicular á margem , que vai ferir. Porque as particulas , ou moléculas atravessando o rio vão bater na margem opposta, ela perdem tanta mais for- ça , quanto menos a direcção da corrente se desvia da per- pendi^ul.ir á mesma margem ; e com a restante força hc que se movem dalli em diante parallelamente á mesma margem ; estas primeiras particulas depois de haverem ba- tido na margem suo successivamente chocadas pelas que se Jhe seguem , e obrigadas de novo a encostar mais á mes- ma margem essas direcções parallelas, donde alguma elas- ticidade tenderia a desvia-las hum pouco ; e por esse mo- do as aguas alli se encostarão todas , e com bastante esfor- ço trabalharão em corroer a margem naquelle lugar; e se- rá curva a escavação que alli fizerem , porque as forças , que alli opérao , e a formão, ou pertendem forma-la, são a cada instante novamente chocadas , de sorte que a sua direcção varíi successivamente , e nisso consiste o movimen- to curvilíneo. Ora pela mesma razão que o rio se vai en- cos- . DAsSciENCIASDÇLlSBOA. 45" costar a esta margem chocada, as suas aguas, e correntes se ausentarão proporcionalmente da margem opposta que por isso se deixará entupir, e estreitar; c mais ainda se a margem atacada pela corrente se deixar corroer , c para lá se possa mais encostar o mesmo riodcsviando-se da mar- gem opposta ; e assim crescerá mais o seco que hc o re- sultado da maior ausência d'aguas , e correntes : para maior clareza , e rigor vai em nota demonstrada com figura esta proposição (a): o rio encostado com violência contra a margem para onde as correntes obliquas o empurrão , con- tido , c apertado entre ella , e a força da mesma corrente engrossa o seu volume , o estreita e o eleva hum pouco ; donde se segue que mais abaixo , quando se escapa i for- -ça que o encostava á margem , se dirige ao lado opposto, .para onde terá declive por terem abaixado alli as aguas pro- porcionalmente á accumuliição , que tem no lugar da mar- gem chocada , e de alguma elasticidade ; de novo pois « p atravessarão o alveo , ainda que mais fracamente , e menos .obliquamente pela força perdida no primeiro choque ; mas se íiver feita corrosão curvilínea sahirá sim mais fraca , po- rém mais obliquamente do que se for incorroivel , e ficar recta a margem chocada , o que deverá proseguir até de todo se extinguir da força obliqua a parte que for perpen- dicular ás margens, quando se decompõem no choque, e £car só a parallela ás margens que he a que não soffrc di- jTiiouiçáo , ou soffre muito pouca nos choques contra as di- .ta$ margens. Corol. i.° — Logo as correntes obliquas fascm os lei- tos 46 Memorias da Academia Real tos tortuosos, atacando as margens, cavandoas, juntando as aguas a esse lado , entupindo os alveos no lado oppos- to que ficão alli mais estreitos , e obrigando as aguas a subir no leito acima desse estreitamente para ganharem a necessária corrente , c com ella o rio se desonerar como antes de formado o estreitamento; e como da força obli» qua se destroe cuntra as margens em cada choque a parte perpendicular , se estas margens forem incorroiveis , e pa- rallelas chegarão a fazer as correntes parallelas ao leito , e ás margens. — Corol. 2.'' — Logo hum rio de margens rectas susceptíveis de corrosão não pódc existir sem que a corrente seja parallcla a cada huma delias, e serem portan- to parallelas entre si as mesmas margens. — Corol. 3.° — Logo as correntes rectas , e parallelas no alveo dão mar- gens rectas parallelas ás ditas correntes , sendo as margens corroiveis, c os rios as farão espontânea, e naturalmente; os mesmos rios se alargarão no lugar das voltas, as cor- rentes alli diminuirão, e as aguas rio acima a respeito das voltas abaixarão naturalmente não sendo estorvadas porcau- zas externas. — Corol. 4." — Logo se huma corrente se fizer parallela a huma margem fixa , invariável , e incorroi- vcl , o leito se cortará parallelamente a essa margem ; e a opposta , ainda que seja angular, se poder ser corroída pela corrente , se fará de si mesma parallela ; e se for mais frágil como v. g. arêa se cortará em pouco tempo , e fi- cará parallcla á primeira corrente ; isto he o que acontece nas cheias violentas do Douro. Corol. y.° Logo se hum rio por qualquer cauza fizer angulo no seu leito, ou se en- tortar , estreitará o mesmo leito antes parallelo na parte convexa da volta , e tanto mais quanto maior for o angu- lo da volta ; o rio se encostará ao lado concavo ; e para se desonerar alli por leito menor, ou de menor secção, subi- rão as aguas acima da volta que o rio fizer, e se formará nella gruide corrente. Logo também se por qualquer mo- do se tirar a volta de hum rio , ou se fizer parallelo á cor- rente no mesmo lugar , em que até alli era obliqua , acon- tc- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 47 tecera o contrario, isto he, o mesmo rio se alargará espon- taneamente, as aguas abaixaráõ acima da volta , e a cor- rente que ncUe havia diminuirá , e se fará regular no lei- to, iguilando á que tinha abaixo, e acima do estreitamen- to. Tudo iato tem- lugar ainda mesmo suppondo o rio de margens rectas, e parallelas , o que as correntes tendem a fazer quando ha huma certa homogenidade de matérias no leito , e nas margens ; mas não a havendo os rios es- cavarão com desigualdade os leitos, e fará isso as vezes de voltas que ainda que rasteiras sempre influirão para dcs' viar as correntes , e fazer variar também suas direcções as- sim como para perderem o parallelismo supposto. Corol. 6." Logo se diminuir a corrente, ou volume das aguas de hum rio, cm cujo leito hajão correntes parallelas ao leito, ou alinha que o devide longitudinalmente pelo meio, o rio se estreitará parallclamente a essa linha , que divide assim o leito longitudinalmente pelo meio , ou ás duas margens sendo ellas parallelas entre si ; porque seguirá sempre o seu parallelismo ao meio do leito , não lhe permittindo a direcção de tal corrente atacar nenhum dos lados , nem consequentemente fazer estreitamento junto , ou encostado a algum delles , nem formar os secos angulares na parte opposta j e por isso igualadas as margens para tirar a obli- quidade das correntes dos rios, nenhum cabedelo na foz será angular, nem poderá tomar essa forma; os rios de verão , não podendo occupar todo o leito do inverno , se estreiraráo formando fachas de arêa , ou praias parallelas encostadas ás margens dos mesmos rios nas suas fozes , e sempre os leitos ficaráó rectos alem de mais largos. Co- rol. 1° §. 13. Se bum rio ao contrario conservar correntes parallelas ds margens , ou d linha , que divide o leito longitudinalmente , tn^t for o leito quem faça angulo , é mude de direcção , a mesma corrente ir d ferir a margem na volta y que fica para dentro >. ^ da 48 Memorias da Academia Real àa direcção , que a corrente , e o leito trazião , isto he , o con- cavo da volta , e tudo alli se passará corno se as margens , e o leito se tivessem conservado rectos , e fosse a corrente quettt tivesie tomado essa ohltquidade. Porque as torças das aguas sendo as mesmas , e ferin- do , ou chocando com os mesmos ângulos a margem , sof- frcm iguacs perdas no choque , e dão a mesma força re- sultante paralleb ; pois tudo seria idêntico; logo a corren- te parallela chocando a margem que faz angulo para den- tro da direcção , que o rio trazia , e que a corrente vai ferir, ajuntará sobre cila a corrente, e as aguas do rio a- tacardõ, e corroerão essa margem abaixo, e ao pé da vol- ta no concavo delia , e alli fará corrosão curvilínea j o rio se estreitará da parte opposta ou convexa da volta , a cor- rente se augmentará nesse estreitamento , e tudo o mais que acontece entrando obliquamente huma corrente em hum rio , acontecerá fazendo o rio essa mesma volta , ou angulo com o leito até alli , e no qual a corrente viesse parallela ás margens. Logo se hum rio que tiver leito angular , ou fi- zer volta , se endireitar , elle se alargará espontaneamente no lugar da volta , á custa da parte saliente , ou conve- xa, que estreita o rio, sendo corroivel ; ausentar-se-ha da concavidade, que havia feito sobre a margem da parte con- cava da volta, e essa concavidade se entulhará, diminuin- do as correntes no lugar da volta, e fazendo-se uniformes ou regulares no leito mais espaçoso. § 14. Nos rios de margens desigtiaes , ou de correntes olliquas na foz , que tnotivão estreitamentos no leito , formando cabe' de/os na mesma foz , as cheias terão grande difficuldade em alargar alli promptamente o leito para se desonerarem , e serão por isso respectivamente muito maiores do que seriao sem aqueh ia causa , que entorta , e estreita o leito. Pois que as correntes se encostão ao lado concavo quan^» do DAS SCIENCIÁS DE LlSBOA. 4«> do OS rios fazem voltas (13), ou áquella margem para onde dirigem as suas correntes obliquas , quando os mes- mos leitos são rectos (12) deixando fazer estreitamentos de entulho no lado opposto , donde as correntes se ausen- tão , e onde não cavâo ; obrigando taes estreitamentos a fazer subir as aguas rio acima a respeito dos ditos estrei- tamentos para este se desonerar por menor leito, que ne- cessariamente alli tem , segue-se que nas fozes dos rios, on- de os cabedelos se estendem , e formão por essas causas os estreitamentos , e fazem tortuosos , e angulares os lei- tos , as cheias de inverno terão ao principio muita diffi- culdade em cortar a ponta do mesmo cabedelo ou estrei- tamento, apesar de ser área solta , donde as correntes fo- gem atacando inutilmente a outra margem, que he soli- da ; com isso a cheia subirá muito , a fim de ganhar maior queda ; e só assim , e com demora poderá cortar a primeira por- ção mais saliente do cabedelo , e começar a fazer o leito menos tortuoso , seguindo-se que as correntes atacarão me- lhor o mesmo cabedelo , por irem ficando menos obliquas ( 12 ); e as cheias principiarão então a accelerar o corte do mesmo , e a ampliar o leito cada vez com mais facili- dade, e rapidez; mas tudo isso depois deter passado pe- la crise da maior cheia : logo o leito tortuoso de hum rio , obra da obliquidade das correntes na foz , procedida da desigualdade das margens , augmenta a elevação das cheias pluviaes , não as deixando cortar com facilidade as arêas dos cabedelos , que quasi tapão as suas fozes ; e eis- aqui o que vemos no Douro aonde este fenómeno natural he mui notável. § ly. Ora as ditas arêas dos cabedelos nas fozes , segundo a sua diversa gravidade especifica, e o seu diverso granu- lado conforme o que eu mesmo tenho observado muitas vezes , e todo o mundo pôde observar , movem-se onde a agua tem 2 até 3 palmos de velocidade por segundo de T. IX. P. /. o 'em« ço Memorias da Academia Real tempo: mas no Douro cm as vasantes das màiés vivas no verão, c no principio das cheias de inverno, ha lo, ii, e 15- palmos de velocidade d'agua por segundo ao longo da margem direita ; quando defronte no cabedelo apenas se observa 1 até 2 palmos ; conseguintemente o rio não cortando cousa alguma no cabedelo por ser alli fraco, tam- bém não corta na direita , onde todo se dirige furiosamen- te , por ser a margem mui solida; e assim o mesmo rio, íendo aliás tanta força , fica sem acção para alargar o seu leito naqucUe lugar ? Mas se esta corrente estivesse distri- buída igualmente, e fosse parallcla ao leito, teria por to* do cUc o termo médio da cjue se observa nas duas margens nessa occasião , isto he 6 , 7 , e 8 palmos por segundo no cazo referido, e esta força obraria então contra o ca- bedelo, a cuja corrente não resistem as arêas , pois seria preciso alli a largura do rio fosse a mais do seu dobro pa- ra ficar a corrente menor de 3 palmos , e em equilibrio com a resistência que as arêas oppoem ao movimento, vis- to que cilas se movem com a velocidade de 2 até 3 pal- mos fvo'- segundo da parte das aguas , que as atacão : lo- go sendo a corrente de hum rio , quasi nuUa no convexo Áa sua parte angular, ou na ponta do cabedelo, quando nelle não faz corte, segue-se que hum mesmo rio com cor- jentes rectas , e parallelas conservando elle a mesma força , fi o mesmo volume d'aguas , será tantas vezes mais largo , iquanias vezes se contiver a velocidade de 3 palmos (que já corta bem a arêa) no meio termo das velocidades, que se observar haver junto das duas margens concava, e con- vexa no estado do leito angular, ou quando ha correntes obliquas no leito recto ; .e portanto o Douro deverá ter habitualmente mais de dobrada largura quando as correntes -das majés , e íheias pequenas , bu aguas ordinárias de in- -verno , forem regularmente distribuídas no leito por meio de correntes parallelas no alveo , as quaes se obtém pela i- .gualdade das margens , e nessa disposição as grandes cheiafi! :nunca. acharáo.JdLto- Câtreita^ aem cor^osa j mas largo , e DAS SciENGIAS DE LíSBOA. ft recto , para lhes dar a mais prompta sahida , sem as de- morar nem fazer subir as aguas ; e serão para sempre mi- noradas , e muito minoradas as cheias deste rio. § i6. Nos rios de margens desigtiaes , oii de correntes obliquas , que fazem estreitamentos dos leitos nas fozes , entrará , e sa- hirá menos agua de maré salgada em proporção do estreita' mento , que houver derivado dessa maior desigualdade das mar- gens , da qual resulta a maior obliquidade da correyite. Estreitado o leito na foz por os motivos que fazem crescer os cabedelos ( da esquerda para a direita v. g. nos rios da nossa costa occidental ) ; a enchente da maré não fará entrar o volume d'aguas necessário para formar a prea- mar nos mesmos rios, como acontecia durante a mesma maré quando o leito era mais largo , pois não pôde reali- sar-sc o contrario sem que o mar tome maior superiorida- de de nivel sobre os rios , e augmente proporcionalmente a corrente ; seguindo-se que as aguas do mar na sua prea- mar est.irião mui superiores ás do rio; mas aquellas não so- bem mais da sua conta , e logo começâo a vasar na costa passado esse momento de preamar , deixão pois ficar o rio com a mencionada falta , e este não se nivela com a prea- mar do mar alto; mas sim com o mar, quando já desce consideravelmente na costa , deixando então de correr pa- ra dentro do rio a agua na foz , isto he , algum tempo depois de vasar a maré no mar. O mesmo acontece na va- sante ; porque para o rio despejar as aguas do leito por mais estreito canal, preciza formar maior corrente durante todo o tempo da rasante, e mesmo quando o mar está na 5ua baixa-mar correrá muito de dentro dos rios para ornar, o-, que indicará a superioridade de nivel do rio sobre o mar nesse momepto da baixa-mar;. Jogo não descerá tanto a a- gua no rio como no mar, porque logo começa de novo a encher ; e tanto menos descerá , quanto maior for o es- G ii trei- 5*2 Memorias DA Ac ADEMi A Re At, treitamcnto na foz , e mais incorroivel o leito para não poder augmentar a sua capacidade profundando-o. Logo a maré dos rios na preamar ficará menos alta , e na baixa- mar menos descarnada ou menos baixa , e consequentemen- te menor volume d'aguas entrará , e sahirá pelas barras cm cat^a n aré , e menos auxilio receberão diariamente no ve- rão os mesmos rios pelas marés do seu leito salgado, e tan- to menos, quanto maior for o estreitamento, ou a desi- gualdade das margens, que o motiváo ( ii , e 12). Ora como as mares sobem apenas 14 palmos nas aguas vivas junto ao mar, e no fim do leito salgado, até onde che- ga a maré nada sobe, ou sobe zero, o meio termo da al- tura de maré do leito são apenas 7 palmos por todo elle entre a baixa-mar , e a preamar ; e basta que hum estrei- tamento do leito na foz prive a maré de subir meio pal- mo na preamar , e de descer meio palmo na baixa-mar pa- ra se diminuir hum palmo de altura d'agua por todo o lei- to em cada maré, isto he , para diminuir huma sétima par- te o volume das aguas , que entrão e sahem em cada ma- ré , ou a principal força dos rios durante o verão. Logo a obliquidade da corrente na foz, ou a desigualdade das mar- gens dos rios, donde procede essa obliquidade fio), e aquelles estreitamentos de alveos , na dita foz farão dimi- nuir proporcionalmente as marés, que poderião admittir os leitos salgados dos rios , e tirar-lhe-hão portanto huma grande parte da melhor , e mais constante força que 09 conserva, e ás barras durante o verão, quando os mesmos rios são huns regatos, e muito os auxilião nas outras es- tações : se ajuntarmos ainda a esta perda de forças , que causâo as margens desiguaes na foz , a que se perde , e inutiliza por essa disposição obliqua contra a margem di- reita na entrada , e sabida das aguas , se verá que a dita desigualdade das margens destroe, e inutiliza a maior par- te da força de hum rio na sua foz, e na barra. -:j.; ii o S DAS SciENCIAS DE LiSBOA. ^^ § 17. Conclusão geral dos princípios estabelecidos, Demonstrou-se, que todos os rios tem na época actual da sua progressiva decadência hum banco no mar (6) , hum cabedelo na foz , e o seu leito cada vez mais entupido , e mesquinho (ç) , estes males universaes , resultado de cau- sas poderosas , são especialmente derivados dos progressos da população , e civilisaçao da espécie humana , e não se podem remover, pois seria preciso quasi destruir o homem, ou fazcllo recuar para o primitivo estado da natureza. He portanto necessário supportar esses males , e embaraços communs á navegação de todos os rios do globo povoado , c civilisado; o meu plano descreve, mas não pôde atalhar (nem algum poder humano) es períodos fataes desse mal universal proveniente de causas tão sabidas , porém cujo remédio , humanamente fallando , he inexequível : os se- guintes , a que vou resumidamente passar revista , são re- mediáveis, e o meu plano os remediará todos facilmente, e com eíFeito. Demonstrou-se também, que na mesma épo- ca actual da decadência dos rios, todos os da costa occi- dental do Reino, por exemplo, ou de fozes virados para o Poente no nosso hemisfério, tem as suas margens esquer- das sobre hum cabedelo menos avançadas para o mar, do que as suas margens direitas (9) : que dessa disposição de margens desigualmente avançadas resulta , que as correntes dos mesmos rios sahindo do leito na foz , se lanção no mar obliquamente , deixando a direcção , que trazião até alli , e tomão outra media entre ella e a perpendicular á linha , que mede a boca dos rios, ou que une as duas testas das suas margens, dirigindo-se desta sorte as mesmas correntes para algum ponto entre o Sul e Oeste , ou pa- ra dentro do 3.° quadrante (10), ou mais geralmente para o lado do Equador , o que motiva barraa aieaos fundas (7 54 Memorias da AcademiX R.eíial ( 7 corol. 2 ) , além de ficarem muito mal collocadas pio- longando-se de perto com os cabedelos , ficando nessa di- recção os navios atravessados ás ondas que vem para as praias qucbrar-se por duccçôes perpendiculares a ellas, ou a esses cabedelos, e accrcscendo não lhes serem favoráveis os ventos do mar , que os encostariao aos mesmos cabe- delos -y nem os Nortes , ou do Sul , que para as entradas e sabidas ficariao muito ponteiros, e são os que reinão no bom tempo, em que mais se frequentão as barras respecti- vas do nosso , e do outro hemisfério ; defeitos estes , que se remedeião igualando as margens dos rios , pois da sua desigualdade procedem os mesmos defeitos (lo corol. y) , e dirigindo-as nos nossos rios quanto poder ser para o Oes- te , ou antes pela perpendicular d praia proximamente (7 corol. 2) ; o mesmo raciocinio se applica ás fozes vira- das para Nascente , e ás do hemisfério Austral (4 corol. 4). 1.. Pela mesma desigualdade das margens nos ditos nossos rios (11 e 12) as correntes das marés nas enchentes de- vem vir obliquamente entrar no leito do lado esquerdo pa- ra o direito, ou do lado do Equador para o Polo vizivel nos rios de todo o mundo, e formar: i.° Huma enseada contra essa margem direita , ou em geral do lado do Polo visível cada vez maior, e encostar para ella o rio desvian» do-o do verdadeiro leito: 2.° Estreitar o mesmo rio no la- do opposto , fronteiro á enseada , obrigando por esse modo a avançar-se o cabedelo sobre o bom leito, e occupar to- do, ou grande parte delle : 3.° Formar na foz estreitamen- tos entre a dita enseada curva, e o cabedelo, que se es- tende defronte para ella , estreitando o leito , e fazendo-o tortuoso , ou angular , com correntes mui fortes encostadas á mesma enseada, inconvenientes estes que crescem á me- dida que a margem menor estiver mais curta , e a outra mais carcomida na enseada , o que faz também cada vez mais; obliqira a coirrénte no Jeito» Estes capitães defeitos das barras, e fozes são augmentados na vasante da maré, OU- na. evacuação das cheias-^ pprque -dirigindo os rios aa ^ ; cor- I PAS SciENCIAS DE LiSBOA. 5"^ Correntes que trazem de cima por leitos tortuosos, que as enchentes de marés tormão na toz quando entrão obliqua- mente no dito leito, vem as vasantes , e cheias a fa/.er nos ditos leitos tortuosos o mesmo que fazem essas correntes obliquas das mares na enchente, e com todo o peso, e furor de huma cheia (13): i^to he , augmentaráÓ a ensea- da da direita, farão mais tortuoso o leito para depois cres- cer mais o cabedelo, e mais se estreitar o leito, concor- rendo assim para se augmentarem esses mesmos capitães defeitos das fozes, e barras, os quaes se manifestão logo que os niesmos rios estão no estado ordinário , ou de ve- rão , ainda que as cheias as tenhâo rasgado , e melhorado temporariamente. Igualmente se demonstrou (14), que os estreitamentos na foz derivados da desigualdade das mar- gens fazem levantar mais as cheias nos rios , e fazem mais difficil o alargamento da sua foz para se desonerarem , es- pecialmente no começo das cheias , cujo esforço se dirige contra a margem curva da banda do polo, e só levemente ataca o cabedelo, que os rios sem taes estreitamentos an- gulares curvilineos na foz serião alli habitualmente muito mais largos, e as correntes muito mftis moderadas ; e que o Douro pode por esse meio mais que duplicar a largura do seu leito na foz, e conservallo assim habitualmente, e iriui recto (ij). Demonstrou-se (16), que os estreitamentos dos rios nas suas fozes, derivadas sempre da desigualdade das suas margens, diminuem o volume das aguas, que cm ca- da maré devem circular no leito , na foz , e na barra , e que são a principal força dos mesmos rios durante as es- tações mais secas para conservar a navegação quando jils» tamehte ella mais se frequenta. Todos estes inconvenien- tes , que provêm da desigualdade natural em que se achão ôs 'margens de todos os rios nas suas fozes pelo império das causas expostas são remediáveis , e todos se evitaráq iguaIando-a$ artificialmente por meio .de fortes paredões bem construídos, e bem collocados em todos os ditos rios do lado do.Equadorj ciitcs paredões, que a respeito articula(raeate applicado át^uelles que as tem na cosra tSíi oc- dasScienciasdeLisboa. ^7 Occidental de Portugal , por isso que sendo nossos maia nos interessão , e porque desse modo fazia huma rigorosa applicaçiio ao Douro, que hc hum dellcs, c faz o digno objecto da segunda parte desta Memoria. Porem como a- qucllas leis gcraes , que estabeleci , e formão huma boa parte das que a natureza exercita nas fozes dos rios , são modificadas pelas circumstancias locacs próprias de cada rio, taes como a dureza , e tenacidade relativa das duas mar- gens, e do leito nos diíFerentcs pontos da sua extensão, c largura ( 4 corol. 2 , e 3 ) , e ( i 2 corol. y ) , assim co- mo pela collocaçâo geographica , e topographica dos mes- mos portos , mais ou menos abrigados deste , ou daquelle vento, e da costa mais, ou menos sugeita ás tempestades ; alem de que os rios tem mesmo as suas cheias mais , ou menos simultâneas com os ventos , e tormentas dos inver- nos &c. Os rios digo apesar de estarem sobordinados ás mesmas leis geraes , não formão figuras cm tudo perfei- tamente semelhantes nas suas fozes , e barras , e aprescn- tão ainda huma grande variedade de circumstancias , que seexplicão pelas leis prescriptas, e invariáveis, pelas quaes igualmente se explicão as anomalias motivadas por essas circumstancias locaes , que hum observador menos exercita- do ou menos attento , poderia olhar como provindas de outras causas que não saberia , nem poderia explicar : ve- jamos até que ponto o Douro he o resultado dessas leis universaes, e o que neste rio ha que lhe seja particular a respeito do seu leito , e da sua foz , e barra. Pela lei geral ( 2 ) o Douro perto da sua foz deve ser mais largo , e fundo á medida que se avisinha da bar- ra , e assim acontece das Loheiras do Ouro para a foz ape- sar da excessiva largura do leito nesse intervallo a respei- to do mesmo leito dalli para cima , que o Douro ainda não pôde alargar mais pela excessiva dureza das suas mar- gens desde a foz até ao Ouro ; e menos do Ouro ate GuiU' daes ; c menos ainda dos Guindaes subindo até OtiebrantÕes^ até onde he enfragado de ambas as margens j a impossibi- r. IX. p. I. H li- jS Memorias DA Academia Real lidade de se alargar mais, o obrigou a cavar mais fundo leito , onde mais estreito ficou ; assim mesmo cavou mais largo, e fundo perto da foz, onde chamiío asDesoito bra- ças do que nos Guindacs acima da cidade do Porto , a- pesar de ser apedra das margens nasDesoito braças incom- paravelmente mais dura do que nos Guindacs. Pela lei geral ( 3 ) o Douro deve nas vizinhanças da foz correr , c ter mais fundo leito encostado pela di- reita , ou pelo lado do Norte, e ser mais baixo, mais en- tupido , e mais seco pela esquerda : assim se verifica. Este rio encosta-se ao Ouro, meia legoa acima da barra, ásLo- bciras de iobreiras , á Craz de Ferro , á Bateria do uíiijo , á Oliiidã , Toiro , Catatulas , Caltota , e lilgtteiras , com hu- ma largura de leito fundo de quasi 140 braças, termo mé- dio , c quasi parallelo , que segue pelo Sul as rochas de- nominadas Caranguejeiras , Pcrlongas , Filhas de Perlo7igas , com a sua restinga , que diverge para Fogamanadas ; e se- gue também para o nascente de Caranguejeiras pelo rio a- cima quasi na mesma largura ; o resto do antigo leito até á Pedra do Cão , e montes , que terminao a antiga margem pelo Sul tem muita largura , he seco , e até semeado de rochedos, que o rio nunca poralli cortou inteiramente, e dos quacs , huns são mui superficiacs c viziveis , outros pou- ca profundidade tem abaixo d'agua e das arêas que os cer- cão , ou os cobrem ; e o mesmo cabedelo assenta desde a Pedra do Cão até i borda do leito fundo, ou até a res- tinga , que liga Caranguejeiras com as Perlongas , sobre penedia inavegavel , o que se tem visto quando alguma ex- traordinária cheia do Douro tem levado a arêa do leito , e do cabedelo, que cobre a penedia, e baixios dessa parte esquerda , ou pouca funda do leito. Pela lei geral ( 4 ) o Douro deve ter a sua margem direita , ou a do Norte mais avançada , e saliente para o mar do que a sua esquerda , e assim o vemos ; os rochedos de Filgueiras para Bezerras , Gilreu &c. restos mais visí- veis da extremidade da margem direita, e da costa adja- cen- DAS SCIENCIAÍ DE LlSBOA. f^, ccntc, estão mais avançados para o mar do que a Pedra do cão, testa da sua antiga margem esquerda, que por ser duríssima , tem resistido muito ; c o Douro não tem por isso tanta desigualdade nas antigas margens , como ha no Tejo , no Mondego , no Lima &c. ; e assim devia a- contccer segundo a mesma lei geral ( 4 corol. 2 ). Pela lei geral ( 5- ) o Douro deve ter huma parte do seu leito antigo não só menos fundo por todo , mas esse mesmo achar-se mais entupido sobre a rocha ate onde n'outro tempo o pôde cavar; e assim está; nós o vemos seco pela banda do Sul desde a foz até ao Ouro meia le- goa acima da barra ; de Q^iebrantôes para a Pedra salgada , e Ribeira do Abbade \ e geralmente o está onde as suas mar- gens lhe consentirão cavar leito mais espaçoso , e tortuo- so ; e onde a dureza das margens lho não permittio , se vai entupindo de arêa , e diminuindo o seu fundo por to- do o alveo que conserva , obedecendo , apesar da ferocida- de da sua corrente nas cheias , á lei , e causa geral que os entupe successivamente a todos. Pela lei geral (6) o Douro deve terna nossa épo- ca da decadência dos rios hum banco, ou barra dentro no mar , pouco distante , e em torno da sua foz , que deve ser navegável , por pertencer esse banco a hum grande rio ( 7 ) , o qual deve ter huma posição variável , ou incon- stante ; e deve ficar mais longe da foz , quando o rio por andar cheio pôde arrastallo para mais longe ; e mais ain- da quando o vento for da terra , e rijo, isto he , do i." e 2.° Quadrantes; ou quando o mar estiver mais manso, e por mais tempo : deve ao contrario este banco aproxi- inar-se á foz do rio quando este traz pouca agua , quando o vento he rijo , e do mar , ou do 3.° e 4.° Qiiadrantes , c quando o mar estando mais bravo , e por mais tempo , poder arrastar esse banco com mais força: finalmente o rio deve ser mais bem navegável depois das cheias do in- verno , e primavera , do que durante o verão , e nos princi- H ii pios 6o Memorias DA AcADEitt lA Real pios do outono: o Douro tem com effcito aquelle banco, e com estas variações, ou alternativas. Pela lei geral ( 7. corol. 163)0 Douro deve ter huma barra muito boa como rio da primeira ordem entre os nos- sos rios , ainda que menor do que pede a sua mesma or- dem (pois hc quasi igual ao Tejo), por ter o seu leito salgado, mui limitado ( 7. corol. 3.° ); e se o Douro não satisfaz a esta lei na qualidade da sua barra actual, he pelos estragos , má disposição , e defeitos da sua foz no estado actual procedido das suas margens desigualmen- te avançadas (ro, 11, 12, 13, 14, ij, 16, e conclu- são geral 17) ; c nisso mesmo se conforma com os princí- pios demonstrados , os quaes também mostrão que ella ad- mitte grande melhoramento. Pela lei geral (8)0 Douro deve ter hum cabedelo atravessando a maior parte do seu leito antigo na foz co- meçando no Sul , ou testa da margem esquerda , donde vem para o Norte, estreitando o leito na foz, encostando-o pa- ra a direita; e servindo-lhe a testa do mesmo cabedelo, como estremidade da margem esquerda, que será a mais curta sempre (9), e assim está; nós vemos esse cabede- lo inalteravelmente assim formado e disposto ; as cheias lhe cortáo a testa pelo Norte , e também o cortão longitu- dinalmente do Sul para o Norte da banda do rio, ou de Leste , corte que o mar supre salvando-o com as on- dds , logo que elle está mui delgado , e o mar anda bra- vo , ou são marés vivas, que salvando o cabedelo, lanção á- Icm delle as arêas em quanto o não engrossão ; e entretan- to que continuão a salvallo , e depois quando só montão par- te délle deixão Coadas as arêas na sua grossura esponjoza onde parte das ondas se somem , ou são absorvidas e fil- tradas deixando depositadas as arêas que levão involvidas e assim o levaíitão ; movimento este continuo , que conscr* vâ o cabedelo em huma grossura , e altura quasi inaltera* vel ; tendo tambcm alternativas na sua testa , que huma ho' ra DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 6t ra as cheias cortão , e outr'hora o mar , ou as correntes obliquas estendem quando o rio se não oppoem ; mas tu- do SC faz dentro de períodos, que quasi se repetem com regularidade ; e o todo do cabedelo se conserva , ou faz pouca differença de século para século no meio de tantjs, c tão poderozas causas , que tendem a destruillo , e a for- mallo alternativamente. Pela lei geral ( lo ) o Douro tendo as suas margens dcsiguacs, c a esquerda mais curta (9), deve ao entrar no Occeano inclinar a direcção da sua corrente para o la- do do Equador a onde fica o cabedelo , ou para a esquer- da , fazendo hum angulo com o leito na foz , e com a mar- gem direita mais avançada qualquer que seja a figura e di- recção, que tem tido essa margem; e assim acontece. O Douro ao sahir do seu leito na foz encaminha-se para en- tre o Sul, e Oeste, ou para algum ponto do 3.° Quadran- te; c se ás veses o vemos depois de huma grande cheia ficar mais derigido para Oeste , ou N. O. , he porque o corte do cabedelo , sendo então mui grande no Douro for- ma accjdentalmente huma restinga d'arêa pela esquerda até a diante das Perlongas , que lhe fazem as vezes de mar- gem esquerda , quasi igual , e ate a's vezes mais avançada no mar que a direita ; e em quanto toma essa disposição -endireita a barra , que fica mais funda , e mesmo a muda para N. O. no 3.° Quadrante, como deve acontecer ( 10 coroi. 5"); mas pouco deve durar essa margem arenosa, frágil, c da parte esquerda, pois que pela lei geral (4. oorol. 2.) deve logo encurtar-se: e tudo isto assim acon» tece , comprovando as doutrinas estabelecidas , e fazendo antever as vantagens , que o Douro na sua foz , e barra , receberá quando se IheJfizer ajnargem esquerda mais avan- •^da, e permanente. :■ u . . no DAS SctÊMtílAS OE LrSfiOA. 7f no alinhamento dalli ao saliente da mesma margem defron- te das Lobciras de Sobreiras , quasi parnllclo á parte LG. do dique da esquerda LGCF , e distante delie i8o bra- ças proximamente : esta obra tem dous fins mui utcis : o II." he metter o Douro logo acima da foz entre margens rectas, e parallelas no lugar onde alguma corrente vindo K entrar hum pouco obliqua por efFeiro de alguma tempes- tade de ventos transversaes ao leito na foz poderia ( 12. corol. 6.) ir fazer alguma obliquidade no leito; porque tacs margens incorroiveis, rectas e parallelas nos rios ten- dem a endireitar correntes obliquas que por qualquer cau- sa possão entrar no leito , assim do lado do mar , como do lado das cheias (12. corol. i ) , que das Desoito braças ^ c de outros pontos sahem tomando direcções modificadas, segundo a grandeza das mesmas cheias, o 2.° fim he a- brigar o espaço entre esse dique AB, e a praia e cães de S. João acima do Anjo , que he o único abrigo para o grande numero de barcos de pescadores, e catraios do serviço da barra , e da povoação de S. João da foz ; esta enseada preciosa será com efteito abrigada , e conservada com a dita obra , que pôde ser interrompida em dous , ou trez pontos z. para melhor serviço , e conservação , porque o rio se communica pelas extremidades A, B, e as aguas circulâo alli para conserva-la desentupida, como está d'a- rêa , ou lodo; actualmente ainda hê mui desabrigada do S, O, Sul, S. E, e Este, o que precisa muitos barcos, e muitas catraias a encalhar em terra sobre o cães com gran- de incommodo de seus donos , estorvo do publico e sem ficarem promptas para qualquer serviço , ou para acudirem a qualquer naufrágio, ou a qualquer necessidade repentina. NB, Na restinga de Eiras por aquella direcção AB , c pelos mesmos motivos , ou no mesmo tempo , em que se formou o deposito de Caranguejeiras, lançando pedra pelo alinhamento LGC. se começou também a formar o deposito das Eiras no alinhamento AB, na margem direi- ta do Douro «m 1819. § 7* Memoriasda Academia Real § 3. Concluirei esta segunda parte, dizendo ainda, que 0 meu plano de igualar as margens , cuja desigualdade mo- tiva as correntes obliquas na toz , e barra , ou toda a desor- dem da barra do Porto , alem de fundado em sólidos prin- cípios, confirmados pelo que se observa nas fozes, e bar- ras de todos os nossos rios sem exclusão do Douro ( c;ip- 1 e 2) pode mostrar a sua efficacia , e infallibilidade com- provadas pelos factos acontecidos em Aveiro , e no mes* mo Douro: 1.° facto — Quando abri a barra d'Avciro cm 1808 , a margem esquerda ficou encostada ate ao mar cm hum paredão, ou dique de 1210 braças de comprimento; e a direita sobre o areal, ou praia igualmente avançada» no momento d'abertura da dita barra : em quanto esta mar- gem direita se conservou igual , ou quasi igual á esquerda firme , e solida , o leito do Vouga junto á foz por mais de 600 braças era recto , as margens , e a corrente paral- lelas , e não havia cabedelo ponteagudo para o leito , a barra demorava Este Oeste na direcção do leito , e mais funda como devia acontecer ( 10. corol. 5-. e 16); mas pela outra lei encurtando-se successivamente a margem frágil, e arenosa, ou arêa solta da direita (4. corol. 2. e 3 ) , as correntes do rio para dentro , e para fora , se fize- râo obliquas no leito do Vouga principiando a atravessai- lo da parte do lado mais curto, ou d'arêa contra o dique, ou margem solida , que se conservou im movei , e mais a- vançada para o mar , a qual foi vigorosamente atacada , pela corrente obliqua para formar enseada , e como o pa- redão resistio , ao longo delle afundou o leito até Sj pal- mos , o mesmo leito se estreitou no lado opposto , forman- do cabedelo angular , e leito tortuoso ; as correntes se fi- zcrão furiosas , a barra declinou para a direita por ser es- sa a mais curta margem, dirigio-se para o N. O., ou pa- ra dentro do 4.° Quadrante ( 10 ) e todos os máos effei- tos, DA S SciENCIAS DE LiSB OA. 75< tos, que deve produzir a desigualdade das margens sema- nifcsturão na nova barra de Aveiro, onde a natureza exer- citando as suas leis já descriptas Jhe deu a forma t]ue lhe convinha, c lhe competia em virtude delias. Em 1818 principiei hum paredão do lado do cabedelo para o mar , a fim de avançar a margem mais curta , e fiz 60 braças de extensão com que diminuio outro tanto a desigualdade das duas margens , que ainda estão mui longe da igualdade ; o rezultado foi fazer-se a barra d'Aveiro mais para Este Oeste , alargou muito o leito na foz , a onde chegou qua- si a dobrar; fez-se mais recto, e parallelo, a corrente fi- cou menos obliqua , o cabedelo alem de mais afastado per- dco na sua testa a figura pontcaguda , e angular , forman- do boleado largo , que se aproxima á parallela da margem recta do dique da esquerda ; e a corrente se moderou á testa do cabedelo, onde era furioza. Tal he a influencia da desigualdade das margens para o transtorno das barras , e fozes dos rios ; influencia que pude praticamente demons- trar no Vouga assim pelo que succedeu em quanto teve margens iguaes , e quando se forao fazendo cada vez mais desiguaes , como pelo que succede agora quando lhe pro- movo arteficialmente a igualdade destruída pelas leis na- turaes em exercido nas fozes dos rios : e tal he o poder de suspender o exercício delias segundo convier, ou desu- geitar á arte a magestosa força dos rios, do mar, e das tormentas , derivado dos princípios estabelecidos ; poder que torna infallivel o conseguimento do immeriso benefi- cio , que se deve esperar de igualar as margens por mão da arte , como eu projecto para restaurar a barra do Por- to. 2° facto : O Douro sendo hum rio da primeira or- dem tem grandes cheias no inverno , e preciza de leito amplo na sua foz para se desonerar ; alem de que como tem proporcionalmente pequeno , ou estreito leito salgado , e esse mesmo ainda se inutiliza em parte pelo estreitamen- to na foz, que diminue as suas marés ( 15 , e i<$), he pobre d'aguas no verão ; e mais ainda por esta causa se 7. IX. P. L K es- 74 Memorias da Academia Re-al estreita na foz o seu leito ; consequentemente as cherass cortão huma grande porção do cabedelo ; c se cJlas são graiin des, ou aturadouras Icváo huma porção desse cabeuclo , com que formão hum extenso banco estendido pelo rumo de Sudoeste , pouco mais, ou menos, con-.cçando do mesmo cabedelo , para onde o Douro se lança , levando as arêas para esse lado, e muito para dentro do mar; os ban- cos dos annos 1792, 1818, c muitos outros ficarão mais avançados na esquerda, do que está Fiiguciras na dirciça ( Fig. ) : estes bancos fazem então as vezes de margem ou de dique natural , que serve de margem csquerdn , que iguala , e ás vezes excede a direita ; e em quanto dura es- ta disposição a barra , e a foz do Douro he mais larga , mais funda, mais bem dirigida pelo rumo de Oeste ; acor- rente no leito mais parallela ás margens sem se dirigir con- tra ellas , e sem grandes variações , ou divergências , pois todas as correntes se tornão mais parallelas ao meio do lei- to ; as mesmas correntes afrouxão nesse leito mais amplo, e sem voltas; o cabedelo perde atesta ponteaguda , e for- ma huma margem mais recta , ou mais na direcção da li- nha do meio longitudinal do leito , que he a da corrente nessa occasião ; e em quanto dura a restinga avançada pa- ra o mar , o cabedelo não se faz ponteagudo , nem atraves- sa o leito , mas se vai engrossando na sua totalidade pou- co a pouco , estereitando parallelamente o leito , como deve ser quando ha menos agua , e tem passado a cheia , porém sem o fazer angular , e sem correntes obliquas nel- íe : passada a cheia , as ondas , e as correntes pela lei ge- ral 4 , e 9 encurtão essa restinga successivamente para a terra , recuando para o cabedelo ; logo que esta restinga SC aproxima das Perlongas, c fica essa margem considera- velmente mais curta do que a direita , as correntes se fa- zem outra vez obliquas , o cabedelo cresce com passos agigantados por eflfeito delias, atravessando o bom leito na foz , fazcndo-o tortuoso , estereitando-o , e encostando-o pa- ra a direita , donde se segue voltar tudo ao estado lamen- ta- DA S SCIENCIAS DE LlSBOA. "J^ tavcl , em que esta baira existe, e muito mais lamentável logo que os invernos não dão grandes cheias , que façúo aquclla restinga, ou margem artificial ; ou que o seu effei- to não dure até ao verão seguinte ; e por i^so as cheias no fim da primavera lhe são as mais proficuas para chegar o beneficio ao verão, que se segue; porque em quanto se encolhe, ou recua sobre o cabedelo a restinga que lhe ser- ve temporariamente de margem esquerda , se passa a esta- ção mais critica do verão, e comcçao de novo as chuvas seguidas pelas cheias do outono, e do inverno immcdia- to. Tudo isto demonstra praticamente a necessidade do di- que LGCF do meu plano , e prova praticamente a infa- libilidade dos bons resultados, que elle hade produzir. Es- te banco que nas cheias grandes, e duradouras se estende pela esquerda até alem de Filgueiras, que estão na direi- ta, he que faz voltar para e.^tc lado a corrente do Dou- ro, e abrir a barra doNor-Oeste, ficando inteiramente es- ta margem arenoza mais avançada do que a direita ; como esta barra se não entupe tanto porque se forma quando já o cabedelo está cortado , e tem formado da arêa resultan- te a restinga tão extensa para o mar , que excede Filguei- ras , assim se conserva no verão ainda que com alguma di- minuição : depois começa a recuar a restinga para a terra , ou para o cabedelo , e a barra a caminhar também para a sua habitual posição do Sul-Oeste ; entre tanto cava pelo Oeste, em quanto as margens são iguaes na ida, e na vol- ta , c nessa direcção fica algum tempo o leito largo ali- nhado com cilas, em quanto não he muito sensivel a des- igualdade das margens : esta singularidade do Douro de formar duas barras motivada pela grande restinga , ou mar- gem temporária, c mui extensa na esquerda com as gran- des cheias que esse rio tem , fica explicada pelos mesmos principios , e o meu plano que reduz as duas barras a hu- nia só pela permanência da margem esquerda iguallada , ou antes bem proporcionada á direita , deve ter alem de todas as vantagens que expuz ( 17) j a de tirar huma tão K. ii no* 76 Memorias DA Ac ADEMiA Real notável alternativa do corte do cabedelo ; e a de reduzir as duas barras a huma só mais ampla , mais iunda , c mais bem dirigida; logo o dique LGÇF do meu plano eleva- rá a mui subido gráo a ordem , ou as vantagens da barra do Dt)uro , e a vai restaurar perfeitamente. Com este dique LGCF posso cu levar a barra do Porto pelo Sul das Lages que he hum dos perigos , c o maior da barra depois do seco do banco , onde ainda ha poucos mczes se pcrdeo o bello navio Oceano na volta da sua primeira viagem ; e para isso bastaria adianta-lo hum pouco mais do que está de Filgueiras na direita: neste ca- zo a barra ficaria perto do rumo de O. j N. O. por cffei- to daquciia pequena desigualdade (10. corol. 6), a cor- rente viria no mesmo rumo ferir hum pouco a margem es- querda , alimparia alli o leito de arêa , e o faria navegá- vel por alli mesmo encostado ao dique LGCF, entre o oua! , e as Lages passariao os navios na maior segurança ; pí)rcm não se preciza , nem dessa perfeição para fe passar alli com segurança, nem perder a vantagem do rumo Es- te-Oestc , que mais convém á barra, náo só para a boa navegação, e maior profundidade sobre o banco (7. co- rol. 2 ) , mas também para que as arêas do leito levadas pela corrente para o mar possao passar para o Sul sem entrarem no canal da barra ; porque ficando pelo meu plano as Lages já na foz do Douro , c longe do banco , haverá alli socego de ondas, e haverão margens lateraes; os navios passarão sem perigo entre ellas , onde ha fundo, e largura sufficiente , havendo socego para as aproveitar ; c mesmo grande parte do anno passarão ao Sul delias ; por- que o rio com margens iguaes feitas pelo dique LGCF conservará leito recto, largo, e navegável pelo meio do grande leito entre a margem direita, e o dique LGCF. Se não temesse ser excessivamente extenso , faria ver que o meu plano não reconhece limites para dar á barra do Porto as disposições , ou vantagens , que se precizão ; ç que o Douro fica absolutamente subordinado a este pla- no, DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 77 no, asslmcomo áquella obra do dique da esquerda LGCF, que deve dar á sua foz, c barra a forma, o fundo dez.cja- do , e a direcção que mais lhe convier na actual , e geral decadência dos rios para delie se tirar o máximo partido , e para prolongar também por muitos séculos a sua duração como porto de mar. § 4' Havendo cu demonstrado que a cauza dos males , e defeitos que se fazem sentir na barra do Porto deriva , na época actual da decadência dos rios , de ter a sua margem esquerda no cabedelo necessariamente menos avançada no mar do que a direita ; eque hum Paredão , ou dique LGCF, convenientemente avançado a respeito da direita considera- da em Filgueiras , deve tirar-lhe todos os capitães defeitos, c restaurar a mesma barra: segue-se que o paredão ROIiD feito conforme o plano anterior ao meu , ainda que na par- te ROE era de alguma utilidade , posto que mui secun- daria ( e só em quanto diminuia a enseada de S. João da foz , máo leito para onde o rio se encostava , concorrendo a obliquar a corrente no alveo ) ; de modo algum ataca o principio, donde derivão os defeitos da barra, e foz do Douro , que está na desigualdade das duas margens , e do qual essa mesma enseada he hum effeito necessário (11 e •12) : cm tudo o mais o dito plano que se seguio desde ■1790 ate fim de i8i6, e que eu não segui, nem devia ecguir até para cumprir ás instrucções Regias, (d) visto que com elle me não conformava j reduzia-se a adiantar mais a margem direita , que já era mais comprida e mais avançada para o mar , a qual propriamente chegava só até á Galiota E , sendo visivel unicamente o resto delia mais alto , e avançado em Filgueiras D , cm cujo intervallo ED havia era 1790 fundo até 24 palmos no mais fundo dessa restinga , por onde logo se fez alicerce nos annos seguintes levantado até baixa-már de marés vivas : por felicidade não su- 78 Memorias da Academia Real subio mais o paredão , e ficou em alicerces , para náo fa- xer grande mal. No mesmo plano se reprova como inútil , desnecessário , e até prejudicial qualquer obra na margem esquerda do Douro, (e) promovendo desta sorte a maior desigualdade das suas duas margens, c por consequência o progresso dos defeitos da barra ; donde se segue que o plano hc certamente errado , e não preciza de outra analy- se, pois sendo deametralmente opposto ao que se demons- trou ser bom, será necessariamente máo : entrei porém nes- ta analyse quando em Abril de 1820 conclui huma me- moria , ou plano , que aprezentei na Illustrissima Junta da Companhia geral do Alto Douro, Inspectora, e Adminis- tradora das obras da mesma barra , o qual deve existir no seu archivo , e a elle me refiro ; nesta analyse destrui hum nor hum os débeis fundamentos , e errados principies em que se fundou ; querendo , e devendo quanto poí-sivel fos- se deixar me entender de todos, e por todos os modos es- clarecer de huma vez para sempre o cahos , em que tem jazido , e o laberinto de erros , em que por tanto tempo tem sido involvida a questão importantissima do melhora- mento tão urgente, e tão dczejado da barra do Porto, de que aprezento em fim a solução , deixando-a também eluci- dada em geral , e de huma vez para sempre a quem quer que se tinha occupado , ou para futuro se quizer occupar delia, e mesmo quando eu já não existir; pois no meu entender será sempre de interesse transcendente para a mi- nha pátria : e foi o dezejo invencível de nada omittir que podesse utilizar, quem me obrigou a seguir o trilho ele- mentar , e a ser diíFuso. § ^ Finalmente tendo decorrido quasi 4 annos desde 2$ de Abril de 1820, data em que conclui e aprezentei a dita memoria, até hoje em que pelo seu geral, e parti- cular objecto de utilidades transcendentes procuro a honra '•:i de DAS SCIENCIAS DE LlSIíOA. 79 de oflfcreccr este meu escripto á Academia Reaj das Scicn- cias ; e havendo Sua Magcstade approvado cm 30 de Julho de 1821 o referido plano, cuja execução comecei logo no Agosto seguinte do mesmo anno ; tenho a satisfação de po- der accrescentar hoje que as leis geraes estabelecidas na primeira parte desta Memoria , e a sua rjgoroza applicação na segunda para restaurar a foz e barra do Diiuro , se achao felizmente comprovadas pela experiência , quero dizer , pelos resultados da eífectiva , e successiva execução da par- te que está feita desde o referido anno de 1821 atéago- ra , pois achando-se apenas adiantado hum bocado de tos- co paredão «« pela extensão de humas 280 braças para ali- cerce, e massiço da correspondetirc parte do dique LGCF, e estando apenas levantado metade desse pedaço un até al- tura de meia maré viva , assimcomo a outra metade para o lado do mar, ou de ?i, só pela baixa-mar das ditas ma- rés vivas termo médio, já os seus eíFeitos, ou rezultados bem fazejos são mui grandes ; visto que elFecti vãmente cxis- tio em todo o anno de 1823, e existe agora mesmo a lar- gura da foz do Douro em frente da testa do cabedelo , on- de se formavão tcrriveis estreitamentos, constantemente humas poucas de vezes maior do que era ordinariamente em estações correspondentes : a mesma foz se acha muito rnais recta do rio para o mar , e a barra constantemente muito mais funda, e a navegação pela barra muito mais facilitada, a ponto de com frequência em todo o dito anno passado de 1823 entrarem, e sahirem navios menores tam- bém na baixa-mar, e com vazante; accrcscendo estarem ao mesmo tempo entrando e sahindo á vella os navios mer- cantes bordejando na foz , e na barra , sem o conflicto das excessivas tortuosas , e turbulentas correntes da mesma foz , que também deo já navegação pelo Sul das Lages mui aturada em todo o referido anno próximo passado. O que tudo se mostra pelos officios authenticos do Piloto-mor da bar- ra do Porto , de que adiante transcrevo hum , que mais se explica sobre o estado do melhoramento da barra j e pela com- 8o Memorias da Academia Real comparação das sondas da dita barra extrahidas dos officios e partes do dito Piloto , e lançadas na Tabeliã que adian- te segue das três épocas mais notáveis , e mais importan- tes : a primeira desde que principiarão as primeiras obras cm 175)0 até 1792, donde se colhe o estado da barra nostrez annos decorridos desde o principio das obras : a segunda desde j8i7, em que fui tomar conta das obras até 1820, em que também se não fez nada de obra na mesma barra , ex- ceptuando 1819, pois então lançou-sc alguma pedra em alguns pontos do alinhamento do dique LGCF da esquer- da ; c em AB na direita da foz, como depozitos , e com permissão de Sua Magcstade para adiantar a obra nova , e não se perder tempo em quanto o novo plano se não con- cluia ; e mostrão estas sondas o estado em que estava a barra , quando tomei conta delia. Terceira finalmente as sondas desde 1821 em que comecei a plena execução das obras do meu plano, até fim de 1823, todas extrahidas, como disse das partes officiaes dos respectivos Pilotos , ou Pilo- tos mores da mesma barra ; cujos rezultados tão constan- tes , e tamanhos se tem mostrado gradualmente nascircum- stancias correspondentes á medida que se adianta a obra do dique da esquerda LGCF , que os motiva , única em que desde então se tem trabalhado na barra , como justamente devia acontecer segundo os princípios geraes estabelecidos , e demonstrados nesta memoria , os quaes forão applicados rigorozamente á foz, e barra do Porto: sendo não menos admirável que a despeza média dos trez últimos annos dos trabalhos propriamente do novo plano , he apenas os dous quintos da despeza média annual dos trinta annos preceden- -^ tes de 1790 até 1820; e nisso mesmo se confirma o que eu disse (§ 2.° — 3. Operação). Concluo transcrevendo os documentos do officio e Ta- beliã acima mencionados « lUustrissimo Sfír. Luiz Gomes j» de Carvalho = Cumprindo com a determinação de V. S. , » tenho a honra de communicar-lhe que sondando esta »> barra do Porto no dia xo de Setembro prezente, achei í» pc- DAS SciEífClAS DE LiSBOA. 8r j» pelo N. o. 31 palmos de agua; e pelo N. N. O. 2^ » palmos ; c pelo O. S. O. 20 palmos em três cjuortos j> de maré (f). Também repeti a mesma sonda em 21 do » dito mez , achei ter pelo N. N. O. 33 palmos d'agua , >» e pelo N. O. 28 palmos; c pelo O. S. O. 25^ palmos, j> sendo feita esta sonda na preamar : A ponta dò cabede- >» lo desde o mez de Fevereiro de 1823 até ao prezente » mex de Setembro do dito anno n3o tem crescido para o » norte , o que sempre costumava fazer logo que vinhãõ )> as aguas de infestos , c agora he pelo contrario que to- j» do este tempo a mudança que a dita ponta do cabe- j» dclo tem feito , he o ter crescido para o leste pelo sul » do cães que está principiado ; a barra também se tem >» conservado com a mesma altura d'iigua todo este dito >» tempo, e por isso que a foz, e barra seachão tão lar- 5» gas, e fundas, e as aguas estão correndo em direcções » mui rectas do rio para o mar com correntes mais iguaes » c sem voltas , havendo rasgado também leito fundo »' até pelo Sul das Lages , o que dá a esta barra grande » vantagem ; os navios menores estão entrando , e sahin- 5> do todo este anno até na baixa-mar, e em toda amare, » acontecendo que ás vezes ao mesmo tempo huns navios " estejão sahindo , e outros entrando á vella , e de todo »í o modo : mas he este o primeiro verão que a barra do »» Porto se aprezenta neste grande estado de melhoramen- » to larga , funda , e recta ; sendo a sua actual largura 3> na foz ; em todo este anno humas poucas de vezes maior a> do que era atégora em tal estação ; porque raras ve- í» zes huma grande cheia do Douro chegava a pô-la tão " larga , como ella agora está constante neste verão ; e >» acontecia que passada qualquer cheia a foz se começava " a estreitar até difficultar muito a passagem dos navios ; >» cujo mal desapareceo totalmente neste anno , conservan- >' do a toz toda a largura do leito desde Caranguejeiras » pelo Sul do rio , onde se está fazendo o novo paredão >j á dous annos , e a margem do norte. = Dcos guarde Tonto IX, jL, • y a 8a Memorias da Academia Real >» a V. S. muitos annos. = S. João da foz 29 de Sctcm- j> bro de 1823. = De V. S. muito attento venerador e j> creado = João Pinto de Souza. = Reconheço a letra , >» e assignatura supra ser do próprio. = Foz do Douro 30 >» de Setembro de 1823. = Signal do reconhecimento. = j> Joze Joaquim de Araújo. » NOTAS. (a) As chuvas então também serião mais abundantes , e mais bem repartidas nas diversas estações pelo poderozo influxo da vegetação , que estaria no maior auge e activi- dade nesses mesmos tempos •, e mais regulares , e suaves serião as mesmas estações , como mui elegantemente o des- creve Mr. Rauch nas suas Harmonias Hydro-vegetaes , pro- pondo as plantações dos arvoredos para evitar os males, que elle sentia , e que eu receio , os quaes amcação con- duzir á extincçâo dos rios. {h) As praias são as paredes , que contém o grande va- zo fluido do mar ; e toda a pressão de qualquer fluido se exercita perpendicularmente contra as paredes do vazo , que o contém , como se prova nas sciencias fysico mathemati- cas. Logo &c. As direcções perpendiculares ás praias são também as de mais curta distancia ; por ellas a queda he mais rápida , por ellas pois conseguintemente as aguas le- vantadas em ondas, formadas lá no largo, buscão as praias mais baixas , paraonde tem queda e decidem o seu movi- mento. (*) Seja AD a margem mais avançada para ornar, EG a mais recolhida de hum rio AECD perto da sua foz ; CD será a secção commum do rio com o mar ; seja ia a direcção da corrente , ou a de huma partícula da agua den- DAS SCIENCIAS DE LlSBOA. " 8^ dentro no leito; esta partícula ou molécula, e todas as mais chegando perto da boca CD, ou secção commum do mar e do rio , forcejarão para se lançarem no mar por di- recções am perpendiculares a ellas , ou pela mais curta dis- tancia entre o leito mais elevado , e o mar ; porém como se movião já no leito com as direcções ia , e velocidades suppostas íi/», seguiráõ a direcção fl», que será sempre en- tre a direcção da agua no leito, e a perpendicular am a CD, sofrendo esta direcção variações dentro destes limites , segundo a relação , que entre si tiverem as forças compo- nentes am c apy e quanto mais desiguaes forem as mar- -gens, ou mais recolhida estiver a testa C a respeito da testa D, mais am se faz perpendicular ao leito, e mais a direcção resultante an foge da direcção ia que trazia no leito, ou da do mesmo leito; e com maior angulo sahe pa- ra o mar, ou declina para o lado da menor margem, ou para a esquerda nos nossos rios; donde se segue tudo quan* to se diz no texto , e seus corolários. {a) Em hum rio BCEF de margens parallelas , ou não parallelas , sejão bg rs as direcções da corrente obliqua no leito, fazendo ângulos com as margens BC e EF ; nm. re- prezente a velocidade da partícula , ou molécula do flui- do ^ ; mp a força destruída contra a margem a que he perpendicular ; mo a força parallela com que continuão a mover-se as particulas fluidas parallelamente aEF, as quacs ainda são novamente encostadas a esta margem pelas ou- tras particulas rs , que chegão alli posteriormente : logo a escavação, que a corrente fizer na margem será curvelma , pois as forças , que as formão mudão de direcção a cada instante , por serem chocadas novamente a cada instante pelas particulas , que vem chegando : mp depende do an- gulo miip ^toE. Logo perde a força tanto mais, e tanto mais se encosta o rio á margem , quanto mais se aproxima o angulo Z>wE do recto , ou im da perpendicular á mar- gem. Logo &c. &c. e segue-se quanto vai dito no texto. (f) Talvez o movimento do Oceano do norte para o L ii sul 54 Memorias da Academia Real sul na noísa costa seja cauzado , ou muito ajudado ao me- nos pelas correntes de todos os rios , que nelle tem suas fozes , e que se dirigem para OS. O , oQ mais rigorosa- mente fallando para o 3.° QLiadrante, c muito concorrão pa- ra formar, ou formem esse perpetuo movimento, cuja cau- sa he de outro modo inexplicável, por ser constante todo o anno : mais ao largo e quasi insensivelmente essa corren- te terá revessa cm sentido contrario, sem o que o Oceano fugiria todo do norte para o sul , o que não acontece. (d) No 2.° §. das ditas Instrucções Regias dadas em 1790 para governo do Director das obras da barra, cujo original se acha no archivo da Illustrissima Junta da Com- panhia geral do Alto Douro, Sua Magestade depois de ter mandado que se execute inalteravelmente o plano que en- tão se adoptou , se exprime deste modo : « se com tudo j> no progresso das obras parecer necessário , ou útil fazer- j» lhe ou em qualquer artigo alguma, ou algumas altera- j> çocs , ou inovações , V. mercê dará conta na Junta da » Companhia que deve ouvir o Fiscal , para ser tudo pre- » sente a Sua Magestade e resolver o que for justo. j> (e) Eis-aqui copiadas algumas passagens do § z." do plano original que se seguia , e eu possuo «« Para o fim » de melhorar a navegação , e facilitar a entrada , e sahi- v da da barra, creio que será bastante este cães '» (fa- >» lando de ROED da direita , única obra do seu plano » de barra ) e julgo inútil , e desnecessário fazer outro j» fronteiro na outra margem do Douro da parte do cabe- j> delo &c. >» Concluo este mesmo paragrafo dizendo : « Lo- >» go seria nocivo hum cães da banda do Sul >» affirmativa ainda mais notável por isso que seguindo os bons conheci- dos princípios de Fabre , somente hum paredão tal como LQ^ poderia precizar o rio a cavar mais funda barra, be- neficio este que todavia deixaria de ser duradouro , logo que as margens ficassem desiguaes , pois aconteceria pre- ci/amente o que a este respeito mencionei no artigo de- nominado 2." facto. (f) DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 85* (f) A diffcrença de baixa-mar á preamar he de 12 a 14 palmos , c por tanto ás ditas sondas tomadas nos ~ de ma- ré se deve acrescentar bons 3 palmos , donde se segue que ficão de 34, 29, 25- palmos de altura na preamar corres- pondente aos differcntcs canaes , ou rumos, cm cuja direc- ção ha fundo na barra : mas a verdadeira barra he por on- de ha o maior fundo, por tanto nesta sonda do dia 10 de Setembro a barra he pelo O. N. O., e tem 34 palmos de fundo , e assim das outras : a tabeliã que apresento foi construida debaixo deste principio. ME- MEMORIA TOPOGRÁFICA E ECONÓMICA D A COMMARCA DOSILHEOS Por Balthazar da Silva Lisboa. CAPITULO I. Da Capitania de S. Jorge dos Ilhéos , sua doação , e impos- sibilidade , que encontrarão os primeiros colonos em a po- voar j e engrandece-la. A § I- Villa de S. Jorge dos Ilhéos, cabeça da commar- ca daqijclle nome, he situada na altura de 14.° 645', no polo do sul; a sua poziçao lie entre dois oiteiros vizinhos, ficando hum da parte do sul , e outro de oeste , separados por 1063 braças, que váo do pontal chamado ^»;m»; , até a ponta da terra conhecida com oappellido de Pernambuco y encostado á qual se entra na barra, onde se achâo osves- tjgios de huma pequena fortificação pelos Hollandezes eri- gida, no tempo, que tomarão a Bahia. Do pontal do Amo- rim corre o rio , que o banha em linha obliqua , a huma pedra , que do Pimenta tomou o nome , com largura de iri braças ao rumo de noroeste; e de cuja pedra cm li- nha recta se busca a entrada de outro rio , por Furado co- nhecido, que divide a ilhota, que alli ha, a qual dos Pa- dres 88 Memorias da Academia Real àreí tomou o nome , para o rio conhecido da Esperança. Tem a barra 40 braças de largo , com fundo de 20 pal- mos na baxamar , sem ter em seu canal banco algum de pedra , ou de arèa , e hc por isso immutavel. 2. Quando os habitantes intentao a navegação para a Ba- hia , dirigem as suas embarcações para o norte , com res- peito unicamente aos baixos, que tem avista, bem conhe- cidos pelo nome de Ilhéos , os quaes são (a) compostos de hum cordão de pedras altas saxoaas , que os navegan- tes descobrem quatro legoas ao mar , chamadas Sororvcas humas , Itapitntigas outras, no idioma natural do paiz, to- das arranjadas ao correr do ilhéo , do norte da barra, hu- ma Icgoa , encaminhando-se ao sul , pouco mais na mes- ma distancia , fronteiras á barra. Entre estas mencionadas pedras , e o ilhéo , assim á terra delias , como da parte do mar , podem navegar , e fundear á roda ainda os mais grandes vazos ; para accomctterem com tudo a barra , ca- recem os navegantes de ventos favoráveis , taes são os de nordeste , até les-sueste , e para a sahida , dos terraes do sul sudoeste. §• 3- Ao norte da barra huma legoa desemboca o rio de Tihipe, que tem nascimento nas caxoeiras da aldêa dos índios da povoação de Almada , o qual com os riaxos das serras , que circulão a formoza lagoa , que ahi existe , augmenta por tal forma suas aguas, que rompendo as mar- gens do seu leito , allaga todas as férteis vargens , que a bordeão. A sua barra apenas dá entrada a canoas j e a pe- que- (a) Veja-se a Nota 1.* no fim desta memoria. DAS SciENCiAS DE Lisboa. 2y quenas lanchas , dcsviando-sc estas dos bancos de arêa pro- ximos aos pontacs. § 4' He fundada a villa em huma baixa de engrnçada var- jaria á borda do mar, rodeada de coqueiraes , que íórma huma vista summamcnre agradável. Não pude descobrir o tempo, em que foi fundada, sendo aliás certo, por antigos documentos extrahidos da Torre do Tombo, que em 1SS9 era já povoada com quatro engenhos de assucar. {a) He innegavel , que depois da descoberta do novo mundo por Christovão Colombo , e pela demarcação que o Pontific.e Alexandre 6° de commum accordo com os Soberanos de Portugal eHcspanha havia feito (b) limitando as possessões de cada hum , pelas balizas das ilhas de Cabo Verde , e a barlavento mais occidental , que julgou ser de Santo Antão 22.° ao' equinocial, de 17 legoas e meia por cada hum, de- termina-se a linha meridional de norte a sul , assentando que as terras e ilhas por descobrir da p„~rtc do oriente fossem pertencentes á coroa de Portugal ; ( por cuja demar- cação Ihepcrtenceo oBrazil, descoberto por Pedro Alvares Cabral, senhor de Azurara) desde aponta do rio das Ama- zonas da parte de oeste , pela terra dos Caribás , e pelo cer- tão dentro correndo ao sul , alem da barra de S. Mathias , por 45:.° distantes da equinocial; forão os Soberrnos portu- guezes , senhores do Brazil , assim pelo direito da con- quista , como por aquelle que então se julgava unicamen- te poderozo (c) , por cuja razão concebendo os Soberanos portuguezes altas idéas assim da riqueza das colónias , como principalmente de trazerem ao grémio da religião verdadeira tantos povos , tomarão as mais serias medidas para se povoar províncias tão vastas edezertas; e o meio, Tomo IX. M que («) Vpja-se a Nota II. (i) Vfja-se a Nota IIÍ. (c) Vtja-se a JNota IV. ço MemoriasdaAcademiaReal que pareceo então conveniente , foi ciividir o Brazil em ca- pitanias, destribuindo-as o Scnhot Dom João 3." poraqucl- les fidalgos , que tinhao merecido a sua confiança pelos bons serviços, que lhe tinhao feito. § 5. Foi por taes motivos dada a capitania dos Ilhdos a Jcrge de Figueiredo , fidalgo da Caza Real , e Escrivão da fazenda , de juro , e herdade para elle e seus filhos , ne- tos e successores , assim descendentes, como transvcrsaes, c colateracs; cuja doação constava de 50 Icgoas de terra, começando na ponta do sul da Bahia, onde hoje hc a for- taleza do morro de S. Paulo , ao longo da costa , com igual largura pelo certão dentro , e ilhas adjacentes , alem de 10 kgoas na fronteira, e demarcação das 50; sendo outrosi nomeado governador e capitão delias , com ex- pressa faculdade de poder nomear, e pôr ouvidores com alçada até morte natural nos peões , e nas pessoas graves em degredo por dez anno5 ; consignando se-lhe rendas as- sim na metade do pescado, como nos direitos que tocas- sem á coroa , e á ordem de Christo , a ventcna do páa Brazil , que se remeteria para o reino da dita sua capi- tania , e24 escravos, que anniialmentc concedia poder en- viar ao porto de Lisboa , e em seus navios , e por mari- nheiros e grumetes, todos quantos escravos bem quizesse; e finalmente as rendas das alcaidarias , e das moendas pa- ra engenhos de assucar, os quaes sem sua licença se não podião levantar; as salinas, e aforamentos nas dez legoas, ficando porem assim elle , como os moradores izentos de pagarem quaesquer outros tributos , fintas, saboarias , sizas, ou outros direitos á excepção , dos que no foral fossem estabelecidos. § 6, Foi naquelles tempos Francisco Romeiro encarregado de DAS SciENciAS DE Lisboa. pr de navios de transporte , e gente da mizeravel classe co Reino, para a povoação da colónia. Já então os Hespanhoes por huma cspantoza barbaridade , horrivcl carnagcoí , celc- bravão a gloria dos seus herocs Pissaro , Corrcz , e outros horríveis tragadorcs da humanidade , que derramarão o sus- to, o terror, a mortandade entre as innocentes victimas da sua rapacidade, assignalados pelo mais grande orgulho, ambição, despotismo, furor e desprezo da moral christa, sustentavão sem commettcr a mais leve culpa , que era li- cito matar os insulanos, naturaes do paiz, que entregando o que possuiâo , perderão com a liberdade, a pátria, os thezouros , suas familias , e seus principes, restando ape- nas mui poucos, que escapando de tantas desgraças, rcfe- rião a quantos encontravão, os grandes estragos, as trai- ções , a cruenta carnagem exercidas sobre os seus , por ho- mens que dizião amar e conhecer o verdadeiro Deos , econ- sumavão os mais execrandos projectos da total destruição de seus companheiros. § 7. A pratica de taes máximas , era por todos sabida : os -princípios da mais sã moral , que fazia a felicidade dos índios , e dos Europeos , e que seguraria os mais sólidos interesses dos conquistadores , naquelles tempos, erão olha- dos até como traidores ao throno , e que na crua guerra com os índios , nos descobertos dos veios do ouro , e dro- gas do paiz , no despojo da liberdade dos desgraçados ha- bitantes , nos continues horrores da guerra , espantozas mor- tes , se devião assignalar os sanguinolentos fructos da ava- reza , ambição , c cegueira dos conquistadores : daqui veio a desconfiança sempiterna dos índios com os Europeos , e a perda desgraçada de tantos, a quem se pretendia fazer conhecer a luz da verdadeira felicidade. AI ii § 91 Memorias da Academia Real § 8. Náo lançarão os novos povoadores da capitania dos Ilhdos òs tundamentos da colónia , pelos sólidos princí- pios , que firmarião a sua felicidade , dispondo , e promo- vendo o trabalho, regulando a industria, estabelecendo a sobriedade , fortificando pela paciência a confiança mútua entre os índios, arreigando-a pela perfeição dos costumes , boa fé, e lealdade, com o que a ordem publica se resta- beleceria ; pelo contrario qui/erão somente haver sem tra- balho o ouro , captivando os índios , e maltratando-os por todas as maneiras ; ate por força , tomando-lhes suas mu- lheres, e suas escassas provizõcs , ^" que se devia então es- perar? O que naturalmente acconteceo, e foi" excitar-se a lembrança de antigos ódios contra os Europcanos , e arma- reni-se os valentes Tupinanquins , para expulsarem hospe- des tão incómodos , que projectavão sobre elles erigir o as- sento da tirania c escravidão 5 e daqui na-cêrao tantas guer- ras , e desconfianças , e o ódio , que dos oppressores ainda hoje çonservão çs naturaçs, pela fpemoria de factos, que traspa3sa'rão os quç escapando dos seus furores se embrenha- rão nas mattas. § 9- Aindaqiie Mem de Sá , antes da sua partida á conquis- ta de villa Galhon no Rio de Jajieiro , tivesse reduzido aqucllcs índios a pacificação , depois de huma crua guer- ra ; com tudo jamais a capitania pode prosperar ; assim pe- la desconfiança e vingança dos índios , como pela má cou- ducra dos colonos , que de continuo os excitava aos mais desesperados exce^^sos de furor e vingança , contra os seus oppressores ; ra/ão por que nomeandp Jorg;e de Figueiredo successor á capitania o filho mais moço Jeronymo Lavão de Figueiredo, em 12 de Dezembro de i^fj , sendo-lhe pelo Soberano confirmada a nomeação por G^rta de Alva- rá casScienciAsdeLisboa. 95 rá de 14 de Maio de if 60 , se vio impossibilitado de sus- tentar e manter a mesma capitania , por estar quazi asso- lada pelos índios , que tinhâo passado ao furor de queima- rem os engenhos , c cazas dos povoadores ; e foi obrigado a pedir á Rainha Dona Catharina , que visto ter chegado a sua capitania a extremidade tal, que lhe não podia dar mais firmeza, c estabilidade, e nem era possível esperar algum soccorro dos novos colonos, receava nlo sem justa cauza, perde-la de todo j e por este motivo, rogava lhe concedesse faculdade de a vender a Lucas Giraldes por preço de 4:835' cruzados; valor pelo qual outra igual havia vendido Leonor de Campos ao Duque d'Aveiro, para com aqucUe dinheiro comprar tença, ou renda, com que se pu- desse sustentar no Reino. § 10. A Rainha, que governava na menoridade do Senhor Rey Dom Sebastião, por Alvará do primeiro de Outubro de lyóo approvou a venda, debaixo da condição de se pòr o dinheiro produzido delia em mão segura , para ser empregada em tença , ou renda de juro , a favor do mesmo Je- ronymo Lavão de Figueiredo , e seus filhos ,, herdeiros , e succcssores, Lucas Giraldes não. teve duvida na compra, pagando pela capitania a quantia convencionada , receben- do o vendedor em pagamentos três mil cruzados , que El- Rei por hum conhecimento em forma , passado por Pedro Rodrigues, Escrivão da Gaza da índia de Lisboa em 18 de Fevereiro de iJyS , com Alvará datado em 18 de Fe- vereiro do mesmo anno mandava , que da factura daquella a trcs annos , pagasse na Gaza da índia os ditos trcs mil cruzados , de qualquer dinheiro , que houvesse por venda de especiaria , ou por qualquer outra via ; e que no cazo de que o sobredito Giraldes quizesse mais antes efFeituado o pagamento em juro de 12:500 o milhar com a condição de retro , apenas se completasse o tempo do pagamento , se fizesse este etn forma de juro , a razãa de 12:500 o mi- 94 MemoriasdaAcademiaReal milhar , com todas as claux.ulas e condições , praticadas nos padrões de juro, em qualquer das cazas de Lisboa, ou alfandegas, e almoxarifados dos seus Rcim.s , onde eile quisesse, assim em dinheiro, como no juro retcrido , com o pacto de retro^ § II. Lucas Giraldes , ainda cedendo aquelles três mii cru- zados, com o juro de 12:^00 o milhar, não preenchia o pagamento estipulado ; porem como alem daqucUe padrão, tinha outro de 72:377 réis detença igualmente de juro com o mesmo pacto de retro , assentado na alfandega de Lis- boa em o I." dejaneiro de içói , delle desmembrou 58:400 do dito preço de I 2:500 o milhar , em que montaváo os r.825' cruzados, para inteira suisfaçao com a clauzula , que que- rendo elle remir o padrão pelo pacto de retro ^ o dinhei- ro seria depozitado por authoridade judicial, cm mãos de pessoas fieis , e abonadas , para se empregar em outro ju- ro de renda perpetua , renunciando a lei do 1.° 4.° §, 30, e quaesquer outras ordenações, cnmo a do 1.° 2/ §. 49 , para o que celebrarão cscriptura pública em 20 de Ja- neiro dei5'6i, confirmada, eapprovada pela Rainha , man- dando passar carta da capitania a Lucas Giraldes, por Alvará de 19 de Agosto de 1566., declarando que nella entraria seu filho Francisco Giraldes por seu falecimento. Em virtude daquella carta tomou posse da capitania o di- to Giraldes por seu procurador Balthazar Ferreira Garvo- to. § 12. A mesma impossibilidade , que teve Jeronymo Lavão de sustentar a capitania, fortifica-la, e augmenta-la, en- controu Lucas Giraldes e seu filho , poisque naquelle tem- po sofrerão os colonos os maiores estragos de mizeria. Os índios com implacável ódio, c insaciáveis na vingança, olhavão para os Portuguezes , como duros oppressores , e os DAS SciENCIAS DE LiSBOA. ()^ OS Portuguezcs desvairados do verdadeiro caminho das ri. quczas , que o trabalho produz , só prctendiáo do suor e fadiga dos índios deduzir suave , e commoda subsisiencia : naqucllc estado levados os índios , como besta vil ao ser- viço particular, ou público , a prizáo , aos açoutes, força- dos a sofrer todo o género de insulto, sem dcsaggravo , re- médio , ou indemnização ; a desesperação e vingança natu- ral os revestirão de todo o seu turor ; e a villa , e povoa- ções forão reduzidas a dezertos , e em theatrcs de niize' ria , carnagem , e salvageria. § 13* A tanta lastima chegou a capitania , que o seu do- natário impossibilitado de a conservar , foi obrigado a so- frer, que cila fosse até penhorada por divida civil, e pos- ta em leilão, a requerimento de D. João de Gastro, em nome , e como legitimo administrador de Dona Helena de Souza sua filha, para pagamento de três contos e quaren- ta e oito mil seiscentos e setenta ç dois réis ; c corridos os pregoes legaes , foi arrematada pelo Arcediago André Dias Prestes , em nome , e como procurador de D. João de Castro em 10 de Julho de lóij'. E acodindo iquelle donatário com embargos á arrematação , lhe forão por equi- dade concedidos nove mezes , para remir, ou dar a ella lan- çador; e como o não desse, nem remisse a divida, foi ar- rematada pelo dito Prestes com todos os foros, rendas, engenhos, ilhas, pescarias, dezertos, jurisdições, datas de officios, assim , e da maneira que possuirá Jorge de Fi- gueiredo em 19 de Maio de 1620 : assignou-se ao dona- tário oito dias para remir a capitania com a satisfação ou execução, não tendo elle podido conseguir, foi lançado da remissão , c nomeou então D. João de Castro a Manoel d' Aranha seu criado, para arremata-la novamente na rua dos Ferros cm Lisboa a 4 de Junho de 1620 pelos referidos dezesetc mil cruzados, e á Exccllcntissima Dona Helena de Cas- tro , i)G Memorias DA Academia Real tro , Condessa de Castro se passou carta de confirmação , e succcssão delia, com todas as jurisdições, e direitos por Alvará assignado em 17 de Outubro de 162$ ; e depois a sua successora a Exccllentissima Dona Anna Alaria de Atahi- de por Alvará de 13 de Julho de 1646, com todos os di- reitos , c previiegios , de que estava de posse a Exccllen- tissima Dona Helena de Castro , com a declaração porem , c]ue não ficava confirmado o capitulo da doação , que con- cedia o poderem os donatários mandar cada anno ao Rei- no 24 escravos, para delles fazerem o que bem lhes vies- se ; por ter sido prohibida já anteriormente a passagem dos escravos ao Reino , por Provizão do Senhor D. Sebas- tião, de 20 de Março de ijóo; e que da mesma sorte se não confirmava a alçada concedida até morte incluzive ; pois que devia haver appellação no cazo de morte para maior alçada ; e que nos cazos rezervados na doação , houvesse também para a mesma appellação 5 e que finalmente não era confirmada na parte que impedia hirem alçadas á capitania ; porque poderiao entrar as justiças Reaes, como se enten- desse ser conveniente ao Real serviço , e boa governança da terra. § 14- Por diversas successões governarão a capitania de Ilhéos os Excellentissimos Condes de Rezende , atéque a mesma capitania se encorporou na Real coroa, em virtude da subrogação feita com o Excellentissimo , e ultimo donatá- rio D. António Jozé de Castro , a quem se havia passado carta de doação em 22 de Junho de i75'2 , sendo parti- cipada a subrogação ao Ouvidor da commarca da Bahia , por Provizão do Conselho Ultramarino de 4 de Março de 17Ó1 , paraque da capitania tomasse posse para a coroa, e delia tomou o Desembargador Luiz Freire De Veras em, 19 de Julho daquelle anno de 1761 ; em cujo tempo foi também servido o Senhor Rey D. Jozé i.° de saudoza me- moria , fazer da capitania huma commarca separada da Ba- DAS SciEKClXs DE LiSBOA. 97 Bailia , nomeando por Ouvidor delia ao Desembargador Miguel de Ares Lobo. § if' Não foi somente a dissenção com os índios , o que impossibilitou, e retardou os progressos da industria, c da lavoura de tão vasta, e rica capitania; muitas outras cau- zas concorrerão, e derão-se as mãos, para completarem a sua fatal ruina ; muito principalmente concorreo a ignorân- cia dos principios da verdadeira fonte das riquezas , autho- rizada pela ambição dehiima corporação podcroza , que mo- nopolizava o dominio de quazi todas as terras delia, absor- vendo toda a subsistência do povo; cuja corporação ainda- que por hum lado fizesse grandes serviços ao estado na edu- cação dos índios , por outro inoculava a gangrena nas mais cssenciaes entranhas, donde só dependia a vida espiritual, e civil dos mesmos índios. § r6. Formou os alicerces das vastas pozições daquella cor- poração a doação de Mem de Sá , que havendo consegui- do do donatário Jorge de Figueiredo huma sesmaria de doze Icgoas quadradas , que começava ao norte do rio de Contas para Camumú , levado do amor para com os Jesuí- tas, em seu favor cedeu a mesma sesmaria, de que cele- brarão escripturas , que tiverão a Real approvação ; era virtude da qual forão appossados em 3 de Dezembro de 156:5; querendo então os Jesuítas segurar tão poderozo do- minio , mandarão medir as terras , offerecendo-se-lhe pros- pera occazião a chegada do Ouvidor do donatário o Licen- ciado Martim Leitão, ao Serenhaem, no anno de 1583, pedindo-lhe , que não mandasse citar {a) ao donatário , e Tomo IX. \r: y. - n obti- (a) CousU dos auttos , que se acbão 110 arcbivo da caza da Fa- zciula. 98 Memorias da Academia Real obtivcráo felizmente , que aquella medição principiasse da boca do rio de Contas para o norte. § í7' Logoque se retirou aquelle ministro , os medidores se prestarão tão favoravelmente á medição , que chegarão a Boipeba, preenchendo 10 legoas de 18, que vadea- rão , e forão buscar duas ao sul do rio de Contas , para completarem as 12 legoas, no lugar por Tacaré , conhe- cido, jo braças ao sul do boqueirão de hum riaxo , cha- mado Urizícutiba ^ distante 4 legoas do rio de Contas. Medidas, e demarcadas assim as terras da sesmaria, admitti- rão para a sua cultura vários forciros , aos quacs impoze- rão o ónus de não cortarem pãos Reaes , nem sipó ver- dadeiro , sem sua licença. § i8. Pertendendo posteriormente Balthazar Ferreira Garvo- to , governador posto pelo donatário Lucas Giraldes , levantar huma villa no destricto de Camamú , comprchen- dida na doação de 12 legoas, comettendo as suas vezes a João de Andrada , o qual fez cazas de feitoria , creou es- crivães, e justiças, e levantou a villa com o titulo de Andrada , e repartio as terras circumvizinhas. Immcdiata- mente se oppnzcrão os Jesuítas, e conseguirão por senten- ça dada na Bahia depois de muitos annos cm 16 de Agos- to de 1 644 , que se reduzisse a villa ao estado de al- deã , que d'antcs era , e que os capitães do donatário não inquietassem , ou perturbassem mais o collcgio , e pagas- sem as custas. § 19. Não erâo os Jesuítas somente senhores das terras de Jequié , pela terra firme , e de Boipeba pela costa até ao Tacaré , ao sul de rio de Contas j mas também o forão das DAS SciENCiAs DE Lisboa. ^9 das mattas , que seguem pela costa procclloza , para Ma- moan, aonde possuirão huma data, mais adiante huma ilho- ta junto á villa dos Ilhcos , e dentro delia , alem de 4 braças, com 12 palmos de frente para caza de sua rezi- dencia , tinhâo mais outros pedaços contiguos ácjuelles , c junto 3 igreja outros , alem de huma sorte de terras , que servia de cerca e cazas , que lhe pagavão renda ; aceres- cia-lhes outra porção de terras no oiteiro da villa Velha ■; e o engenho de Santa Anna com 4 legoas da parte do sul até á pequena ilha dos Coqueiros ; e pelo norte até ao rio Sauipe , e huma legoa alem daquclla possessão , contestando com o rio , aonde chamao Coroa graníie. No rio do Fundão tinhão também duas legoas de terra , con- testando huma com o rio peia parte de este, e outra , que principiava no lugar chamado o Pimenta , ou Jacaraiba , pela parte de oeste. No rio Ataipe , onde chamão Getima- va , tinhão mais trcs sortes de terras , contestando com o rio, huma parte pelo oeste, e as duas pelo este. Dos Ilhéos para o sul possuião mais huma sorte de terras no rio de Messó , e outra no rio de Bambepé, alem da legoa dada aos índios de Olivença j sendo quazi todas aquellas immen- sas possessões adquiridas por doaçÓes , e gratificações dos habitantes, que lhas conferirão, principalmente nas occa* ziões de testar. § 20. Não restava mais algum terreno , ou mattas , que as do confim da capitania para o sul, povoada então de gen- tios pataxos ; e pequenas porções para o norte , cobertas de Amores , Tupinanquins , e Pataxos , que por muitos e dilatados annos infestarão aos moradores, que povoavão a villa, e destrictos do Cairú, e Jequiriçá. Erão seguramen- te os Jezuitas não só senhores dos terrenos referidos ; mas «obre tudo das pessoas dos índios , que lhe forão entregues para a sua direcção espiritual, e temporal, reduzidos não só a escravidão , mas condemnados á infeliz situação de N ii cx- loo Memokias da Academia Real extinguirem pela mistura dos cazamentos com os negros e negras (a que forão propensos) o gérmen da sua natural fecundidade: elles não conhecião o direito da propriedade , que he a angular pedra do cdifficio da civiliznçao ; pois» que os seus bens erao dirigidos , segundo a arbitraria dis- poziçao de seus padres , que se atribuiao o excluzivo di- reito da habitação das suas terras , e contra os quaes tal- vez, se poderia applicar a exclamação do Profeta =r JVir^«- qiiid soli habítahitis terram\ = Até erao privados da proprie- dade do pobre , que consiste no producto , e devida remu- neração dos seus serviços, e braços, em tanta forma, que sendo concedido a hum índio, por nome ^o/ío Taveira ^ o habito de Christo com tença , pelo relevante serviço por elle feito , de mettcr a pique huma náo Hollandcza na bar- ra grande de Camamú , conseguindo valorozamente tratar a mesma náo , sem ser percebido dos inimigos ; pois quan- do acodirão ao inexperado successo , o não poderão evitar, e pagarão com a perda das vidas , è da náo sua ouzada temeridade \ ornava-se aquelle mizeravel índio com a insí- gnia de honra , que lhe foi dada em testemunho perpetuo da sua fidelidade e valor summo , arrecadando porem os padres para si a tença ; e ainda hoje se conserva aquelle habito na familia dos Taveiras, e ordinariamente nas ta- vernas de Barcellos empenhado por agoardente. § 21. Para se entrar em huma dilucidação mais clara sobre a importância da capitania , seria talvez a propozito divi- dir em diversos capitulos, quantas são as villas, que ella comprehende, discorrendo sobre o estado de cada huma, sua agricultura e commercio , povoação , costumes , e na- vegação ; indicando o que pôde melhorar a condição de seus habitantes; alem dos cortes de madeiras, que consti» tuem o mais importante objecto a bem dos povos , e da marinha Real , e mercantil. CA- DAS SciENCi AS DE Lisboa. íoi CAPITULOU. Da villày e âestrictos de S. Jorge dos llhéos. § I. Tem a villa de S, Jorge , cabeça da commarca dos llhéos , a8o fogos com 2000 almas : os seus habitantes não tendo braços sufficientcs para a lavoura , carecem das riquezas, que introduz o commercio , não cxportão para a Bahia senão algum jacarandá , arroz , peixe salgado , co- cos, e insignificantes porções de farinhas de mandioca; os homens s3o ágeis , e tem capacidade de se applicarcm com proveito em todo o género de artes , e industria ; se ha quem íhcs excite o enthusiasmo patriótico , são zelozos da cauza pública , e bons servidores dos seus Soberanos. Os princi- paes do paiz , fazem-se sem algum motivo , descendentes , não só da principal nobreza do Reino ; mas ainda de san- gue Rcgio, ao mesmo tempo que elles nem ainda tocdrão o primeiro estado da civilização; as suas faculdades, os seus sentimentos , e os seus dezejos são inteiramente apro- priados á sua situação ; a idéa , que elles tem da sua per- feição , e felicidade , consiste na figurada grandeza de seu nascimento , sem alguma educação civil ; e por isso não encontrão alguns objectos de prazer , senão naquelles , a que estão acostumados ; a caça , a pesca , a lavoura da man- dioca , he o seu mais nobre emprego , que realça na ser- Tentia dos cargos da Camará , que preferem a toda outra consideração. As suas necessidades são com muito pouco custo satisfeitas ; porque elles privadamente andao quazi nus , em fraldas de camiza , e se cobrem de huma túnica de bam- ba , ou de chita , a que chamao limão ; quando recebem algum hospede de cumprimento , as suas cazas são despi- das de todo o ornato ; tendo o peixe , ou o marisco , e a carne do certáo, não ambicionão as iguarias ^ que conten- tão I02 * Memorias DA Academia Real tão a guUa : as suas mulheres quazi nuas se dcixao ver no público , poisque com ricas capas de seda sobre a cabe- ça , ou nos hombros descobrem debaixo do véo de huma camiza de cassa transparente todo o seio, andão descalças, ainda quando sahem á rua , nas suas cazas apparccem setn capa , lenço , ou outra decente cobertura ; as ricas se des- tinguem pelos cordões de oiro , e outras peças do mesmo metal , de que se adornâo ; a satisf;ição dos prazeres do sentido he dominante paixão do paiz , e a fonte da imaginação públi- ca ; as mulheres cazadas são cruelmente atormentadas pelo desprezo dos maridos , que se enlação logo no amor impu- ro com suas escravas , e quanto mais ricas , mais infelizes se reputão ; poisque seus maridos se arrogao então o di- reito de ter tantas concubinas, quantas sáo as escravas, que corrompem ; o que he transcendente a todos os povos da capitania. As terras são fortíssimas , e a maior parte cobertas do húmus, ou massapé. As margens do Tahipe , que os banha , allaga e fecunda as suas vargens, admittindo a navegação de hum dia inteiro por todo elle até huma lagoa em a qual desemboca ; a qual fica duas legoas e meia ao sul da JNIamoan , distante da costa do mar. Tem aquella lagoa huma Icgoa de comprimento , e de largura em partes mais de hum quarto de legoa , e em partes menos , e no fim despede sobre ellas formozas caxoeiras , suas cristalinas agoas , estando huma fronteira á outra cm caminho de nordeste , onde lhe disputa a sua beleza , a outra das Caldeiras assim chamada, pela forma que lhe tem dado as escavações, feitas pelas agoas, que sobre ellas precipita , espalhando-as com agradável suavidade , entre pequenos assaltos , pelos quaes sobem os saborozos piaos : fronteira aquella , outra se encaminha , rodeando para o sul , chamada Pepico por huma rocha de pedra aggregada de seixo , e arêa com es- patto , de dez braças de comprimento. § l PAS SCIENCIAS DE LiSBOA. IO3 § 3- Copioza abundância de saborozo pescado nutre a la- goa no seu seio , a qual tem de fundo cm parte 8o braças, o que faz persuadir ser produzido de algum braço de mar, que privarão os pontacs de arca da sua communicação , para dar áquellcs colonos tão commoda e prospera sustentação. Nella se encontra huma quantidade de vários pescados , co- mo são as gostoza*; paraíbas , que ás tainhas se assemelhao ; os roballos , carapebas, camoropins , da grandeza dos me- ros , os camoreassús , que dos roballos tomarão a forma , mas não o corpo ; os piaos , trairás , bicudos , xaréos pequenos , e guaribeiras. § 4. As mattas , que bordeao são soberbamente vestidas as- sim dos páos de construcção , como dos que servem para obras de cazas ; e abundantemente se topão as socupiras , sapucaias, jatahis, óleos, jacarandás &c. As suas margens são guarnecidas de hum sem numero de trepadeiras , de que a baunilha entre outras, com o agradável do seu chei- ro , toma a primazia , formando sobre as arvores mil en- graçadas formas de pirâmides, columnas, &ç. , esmaltadas nas estnç6cs próprias de lindas cores das suas brilhantes e I delicadas, e aromáticas flores: acompanhao esta plauzivel vista as fluctuantes aningas , figurando muitas ilhas , que á vontade dos ventos são conduzidas ora para este , ora para aquelle lugar. § ?. Mas de que servem tão preciozos terrenos , cortados de vários rios , se nao ha algum industriozo estabelecimen- to , que facilite e promova com o trabalho , a agricultu- ra, e commcrcio , perennes bazes da grandeza dos estados, e raiz mestra da civilização dos povos? A Camará não tem rcn- 104 Memorias da Academia Real rendas para supprir ainda ás dcspczas ordinárias ; hum pcíjue- no canal de 130 braças fazia conimunicavcl o rio Tahi- pc, ou Atahipe com o da Esperança, ou Fundão, que vem até á villa ; sem este canal os lavradores dcsacorat^oa- dos apenas plantão , quanto baste , a mante-los na escassa sustentação , poisque chegando á barra daquclle Tahipe , são forçidos a encalharem as canoas , para caminharem hu- ma legoa pela costa até á villa , c dalli despedirem ca- noas pelo rio Fundão por mais de duas legoas a recebe- rem os seus cfFeitos, que os negros conduzem daquelle a este porto ; entre tanto quaes são os inconvenientes , se pe- la inconstância do tempo, a chuva não deu lugar a pôr os géneros a bom recato nas canoas enviados áquclle rio? § 6. He evidentemente manifesto , quanto convinha á agri- cultura e commeicio daquelle povo a impozição de hu- ina finta naquella mesma passagem , para tão indispensável canal ; poisque huma tal despeza se compensava com o augmcnto do annual producto dos géneros, população, e rique/as daquelle paiz ; e aindaque para cila o povo todo concorresse ; esse gravame , e despeza desapparecia , pela inestimável vantagem da extensão da cultura , e facilidade d.iscommunicações interiores. O estado tiraria também não menos interesse na extracção das suas madeiras de con- strucção , poupando a despeza do arrasto por terra da barra do Tahipe ao F^undão. § 7. Fica na vizinhança da lagoa a caxoeira , que de Al- mada tomou o nome , onde foi ao sudoeste situada a al- deia dos índios mansos da geração dos Grens , para servir de h-irreira ás incursões do gentio bárbaro , que em outro tempo a abordarão , cuja aldeia foi reduzida a frcguezia de nossa Senhora da Conceição pelo Senhor Rei Dom Jo- sé DAS SciENCIAS DE LlSBOA. ICf zé I."*, e pela pobreza dos habitantes; a Igreja he redu- zida a huina pequena caza de taipa , coberta de palha. Vivem os poucos índios , a que a aldeia está reduzida , da pesca, e caça, errantes ora em huns, ora cm outros bos- ques. As aguas daquella caxoeira se derigem á lagoa com o ribeirão de Inohupe , que nasce na serra superior ; as terras são férteis, e abundao de madeiras de construcçao; o bosque porem he povoado de animaes, para a sustentação dos habitantes , aindaque não no inverno pelo ar , lindas cores de pássaros, e aves attrahem os olhos domais frio viandan- te, o qual ao mesmo tempo he forçado acautcliar os seus passos, por hum sem numero de peçonhentas cobras, que nos caminhos enroscadas, nas arvores penduradas, e debai- xo do capim escondidas , mandão a morte ao incauto , que as piza, e se não desvia de seus botes; abundão as mattas de sorocucús de amarello e preto lavrados , das ca- ninánas , jararacas, caissacas, cobras de serro verde, co- ral , sipó do chão , brucuá , que tem a forma de jararaca , porem com barriga amarella ; e os feridos desses terríveis reptis curão os naturaes com feliz successo nas morde- duras dos sorucucús com o sumo da Jussara , palmeira bem conhecida pela resistência do seu grosseiro linho para os arrastos dos páos de construcção , e para as outras co- bras (a) se servem do entrecasco do angelim ousocupiza, Tomo IX. o do (a) Jle tal a superstição dos povos, que tem para si, que curando- se por curadores antes de mordidos das cobras , não faz mal o veneno , quando sejão mordidos j ehc acura do moéo seguinte zz: Torrão ao fo- ^o qualquer cobra venenoza morta, e feita em pó preto o guardão; e quando curão a pessoa , tomão hum dente de cobra, ou ferro cor- tante, e com elle fazem na pessoa cm cada pé bum pequeno golpe, ou arranhadura; e alli então com o pó da cobra qiicimada, e nos pul- sos , e com o pó de algumas raizes contra o veneno , e depois dão a beber ao mesmo que se cura do mesmo pó dacobra , e raizes em agua ;norna, ou aguardente; e a isto chamão curar, para quando for mor- dido da cobra não lhe fazer o veneno mal. Outros curadores o fazem com rezas, e certas cruzes feitas com huma faca sobre o rosto, ou pe- gada do j)é da pessoa, que se cura. Outros curão aos que são mordi- dos com rezas cutre as quaes uzão da seguinte =: Jesus, Maria, «lozé, io6 Memorias da Academia Real do azeite , e sumo da mucuba , e banhas do amamcto branco. § 8. Com pouco mais de dois dias de viagem desse lugar, se pizuo as catingas do certão , que se dirigem ás mi- nas do rio Pardo , e rio de Contas , estrada que sendo aberta , produziria hunia vantagem incalculável pela rápida e activa circulação do commcrcio , pelos cfícitos exporta- dos das províncias centraes , remotíssimas dos portos de mar, alem do gado, que he conduzido por estradas intratáveis longuíssimas e tortuozas, ese exportaria o salitre dos mon- tes altos ao mercado; porque o custo do transporte, pe- las estradas , que existem , absorvem todo , ou quazi todo o valor dos géneros, com geral desmaio doproductor, con- ductor , e mesmo do consumidor ; por aquella nova estra- da adquiiiriao asproducçõcs do ccrtáo hum valor, que dan- tes não tinhão , pela facilidade com que chegariao ao por- to de mar os seus cffeitos , o que lhe daria interesse em cultivar melhor as suas terras; fazia crescer a emulação dos proprietários vizinhos , para suprirem com quantidade pro- porcional o consumo , e a exportação , por huma maneira a mais perfeitamente económica , que desafiasse a preferen- cia aos compradores ; cxaltava-se sem duvida muito mais a industria , e o público com uzura recmbolçava o soccorro que para ella mandasse prestar; e toda a imposição que se julgasse conveniente para a sua sustentação , não seria sen- tida pelos viandantes, que a pagassem; poisque por tão justa applicação ganhavuo mais doque perdião no descm- bolço do imposto , sendo proporcional ao seu ganho ; pois que somente era obrigado a ceder huma parte delle pela bon- S. Qeuto: Padre nosso, Ave Maria oíTerecido a S. Bento, fazendo hu- jjia cruz sobre a feridfi : Graucie o uouie de JeâUS tff S. Beuto >{i e de sua uiai Saati^sima ^ §, iieatQa DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. I07 bondade da estrada, diminuição do caminho e dcspczas, (.]uc deixava de fazer para lucrar tudo o mais. § 9- São atacados assim os habitantes da lagoa, e rio como os das povoações circumvizinhas , e os da villa, de sezões; avista moribunda, que em algumas occaziões aquel- les infelizes mostrão , imprimindo no animo , dos que de no- vo entrão a vizita-los , todo o horror da sua situação , he a mais persuaziva , e eloquente , para despcrsuadir-lhes to- do o projecto de se conservar em lugares tão doentios. Tem origem aquellas sezões, e febres intermitentes da estagna- ção das aguas ; poisque os rios nas enchentes delias , tras- bordando suas margens , allagão as varjarias , onde apodre- cendo , enchem o ar de hum gaz mefítico , capaz de pro- duzir espantozissimos effeitos. O remédio geralmente appli- cado áqucllas febres, são sangrias e frangos que os levão á hydropezia , em que mormente acabão , emquanto ou- tros mais sábios , seguindo a natureza , se approveitão dos saudáveis amargos, extrahidos da casca de varias arvores, sobre tudo das bem conhecidas por cavaco de grem , e qui- na de camamú , com os quaes felizmente se curão , alem da ipecacuanha , com que vomitao , e da batatinha de pur- ga , e jalapa , que tomão desfeita era agua , ou aguarden- te para descarregar as primeiras vias do humor da bí- lis degenerada. § 10. Não tendo para as outras enfermidades , que são como geraes na commarca , meios de consultarem os Médicos da cidade: elles chamão as experiências, e a superstição em seu soccorro ; nos pleuriíes , que são frequentes no inverno , sangrão logo os enfermos, e depois de lhe darem o vomi- tório de ipecacuanha , de que os mattos abundâo , dão a beber ao enfermo o cozimento de parreira brava com sumo o ii de io8 Memorias da Academia Real de limão , c esfregão a parte da pontada com sal e vina- gre. Para camarás de sangue , que no verão dcspovoão mui- tas cazas , uzão de vomitório , e ajuda de ipecacuanha , e introdu/xm no anus hum limão esbrugado : dão a beber ao doente canja de arroz, cozimento do talio da banana de S. Thomé , e alfavaca , e crista de galo , ícdegozo , tudo cozido , c coado , e dado morno a beber , e sobrevindo vómito, rcputão sjgnal jnfallivel de morte ; também outros ajuntáo o cozimento do urucú , e o entrecasco da raiz de mangabcira , e outros dão ao doente hum ovo assado bran- damente , ajuntando-se-lhe três pingas de bálsamo, emet. tendo o doente no rio por espaço de algum tempo , e por vezes repetidas, Uzão outros de tomar duas gemas de ovo com vinagre misturado, deitado no ctildo de galinha , tem- perado , e posto em fogo brando , que coalhe brandamen-r te , e ajuntão huma gema de ovo desfeita em agua de tan- chagcm com assucar , feito papas, c da-io a beber ao doen- te. Outros tem gçhado-se bem, com tomarem 8 até i» cravos amarellos pizados , e o sumo misturado com agua ou vinho , e dado a beber por três vezes no dia , c tam- bém as raízes do algodão, e os seus olhos cozidos, e da- do a beber atéque parem os cursos , uzando ao mesmo tempo da ajuda de cevada com assucar, e para adoçar as fendas , que fazem , lavando com agua cozida do capim pé de galinha ; e ha quem uze de tomar por trcs vezes do pó de canclU de defunto , em porção de duas oitavas. Nas camarás brancas uzão da caapericoba , que he a nossa ver» bena applicada com cebo de boi em forma de emprasto, com duas outras folhas de ortelaã, bebendo-a com sumo de romãs azedas , e rezina de almecega , ou também cas- tanhas de bicuibas , ou uzão do xarope de mattapasto, e bebendo o sumo do sipó purgativo chamado de camarás ; çsta he a maneira de se curarem taes enfermidades , que tinha sido praticada pelos Jesuítas, quando existirão nas gr.mdiozas fazendas que possuião na çommarca. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. IO9 II. Para os que padeciao gota nos pds , felizmente u/.a- vão do sumo da serralha , com leite de peito posto no lu- gar enfermo ; as pessoas tolhidas de ar untavão as solas dos pés, palmas, mãos, e nariz de mostarda verde piza- da coin raiz, folha, e flor, c p(jndo sobre a dor a pellc de guariba , e defumando a parte leza com bosta de anta. Aos c)ue padccião tinha, observei, que lhe untavão a ca- beça com mel de enxame novo , c lixo de ratos, rapando a cabeça quatro vezes. Vi cheio de espanto , evitarem o ferro do cirurgião em postemas , saindo estas peia cútis com as folhas da hcrva chamada cazadinha , ajuntando-lhe a outra chamada Maria preta ^ e juntamente as conhecidas por fedegozo, maimiqueres, enxerto de passarinhos, vas- soura moida , artemija , mastruço, tudo bem pizado com luim bolo de carimá secco , c posto em cima da postcma, amparada por cima com huma tolha de capeba , e cobrin- do tudo isto hum pano de linho. E paraque as mesmas postemas se rezolvão com discripção uzão dos óleos roza- dos de marcella, endro, ruda , com enxúndia de galinha, de pato , banha de porco , cebo de carneiro , tutanos de vaca, malvas cozidas, açafrão, gemas de ovo, farinha de cevada , herva baboza assada , e pizada , caroço de algodão , alfavaca pizada com mel de abelhas feito emplasto ; man- dioc* puba pizada com açafrão , folhas de pariroba , piza- das e quentes , postas nas postenus. § 12. Curao o mal venéreo com ajudas de sipó, chamado de axougue , tomando duas oitavas , com huma pollegada de sabugo de milho , e irez olhos de capim , chamado pé de galinha posto a ferver em huma panella com quartilho e nacio de agua, que fique na metade, tomado morno de- pois lio Memorias da Academia Real pois do almoço , e os jactos sendo excessivos suspendem o seu cffeito , tomando hum banho de cozimento do mes- mo capim pé de galinha : tomao também o cozimento da salça panilha , que de sete variedades são bem conhecidas no paiz , e com grande proveito da humanidade são appli- cadas aqucllas ajudas, e cu tenho visto muitas pcsscas to- lhidas de dores , e cobertas de chagas venéreas se desem- baraçarem com o uzo de taes ajudas , e bebendo o ^uma de salsa fresca , com huma colher de assucar , e as chiigas antigas que pareciao incuráveis , lavadas no cozimento da mesma salsa , e pondo sobre as mesmas o bagasso , ou em- plasto da rczina de huma arvore conhecida por luudiraua , nao só tornarem a bom estado, mas fecharem-se de todo, ficando os doentes inteiramente restabelecidos. Ha alem des- te , outro si pó chamado cainana , com que se purgão os doen- tes da intermidade céltica, aindaq^e os seus eíFeitos são menos seguros, e algumas vezes tem sido o seu uzo fatal aos que forão applicados, talvez pela inexperencia da ap- plicaçáo da doze , que muitas vezes tem produzido dissolu- ção de sangue. § 13' As pessoas , que deitão sangue pela boca , vi , que lhes mandavão tomar hum cozimento de urucú pizado, ferven- do-se de quatro onças , e que de três canadas de agua se reduzisse a huma, e coado o cozimento lhe ajuntavão a sua calda de assucar de lambedor, com huma onça de urucú em pó subtil , bebendo deste lambedor o doente duas co- lheres de manhã , e á noute , uzando de dieta , e evitan- do os golpes do sol , ou a humidade do sereno , e todo o contacto feminino , e comer e mastigar os olhos de oricuiba. N»3 erisipelas (hoje quazi hum mal geral no Brazil) di- minuem a força das febres inflamatórias com o uzo do co- zimento de fedegozo bravo , arbusto bem conhecido no paiz , que promovendo a transpiração , diminue os seus terríveis cffeitos , c passada a febre , untâo a parte leza com agua de l DAS SciENciAs DE Lisboa. iii de bananeira , e purgão o cnfernno com a batatinha cu jj- lapa espontaneamente ahi produzida , e encontrada : outros, untão o lugar doente com azeite de bicuiba , e abaíáo a parte para desinchar com mciws dores ; superstiozos rezao sobre o doente , uzando das seguintes palavras Pedro e Pau- lo caminhou para Roma , e Jestu Pedro encontrou , /ego lhe perguntou ^ Pedro , que vai lã no tuonte ? Senhor ; ei-isipéia. Alai ^ torna para lá, Pedro dizellio, que jc cure com o óleo da minha oliveira , erisipela nunca mal terd em nome do Pa- dre , de Filho , do Espirito Santo. § 14- Os que padecem hérnias se dão bem com o uzo de banhos de agua quente , em que se faz ferver nove olhos de guaiabeira e pedrahume , em nove canadas de agua pa- ra ficar em huma , e abafando a parte pelo tempo dos ditos banhos, e sendo aquozas, uzao do cozimento , ou folhas, e raiz de jarro. Nas esquincncias uziíc de gargarejos da her- va chamada piissarinbo , cozida com pedrahume , rozas , e assucar refinado , ou xarope de xá de vassourinha , com vi- nagre e assucar ; nas opibções mui uzuaes no paiz, pela humidade das mattas , tomão os doentes purgantes do leite da arvore chamada gameleira , e uzao de tomar pela ma- nha cm nove dias o sumo da fruta anands , e outros , cal- do de agriões sem sal , adoçado com mel de abelhas , cha- mada" Je/âi/; e também fazem emplastos de agriões afo- gados em azeite, e postos sobre o bofe , quando elle he obstruído , ou naquella entranha que padece o mal. § i^. Nas quebraduras , cm que sahem as tripas , pegão em dois peilaços de banha de porco cozidos em dois pedaços do pano de linho cada hum , e postos em agoa bem quen- te , com elles untão as tripas , e apertando-as paraquc en- trem 111 Memorias da Academia Real trem para dentro ; fazem também esfregações com olco re- zado , ou manteiga de cacáo quente , e untando a parte , levantando as pernas do enfermo para cima , applicando-lhe algumas ajudas; deitão no buraco pós de incenso mistu- rado com mel de abelhas e bosta de vaca frita em azeite e vinho , posto sobre as tripas , que as faz tornar ao seu lugar , e se com aquelles remédios não consegue o doente o bom effeito que espera ; então lhe dão a beber azougue vivo. Para soldar as quebraduras , vi , que muitas pessoas ficarão perfeitamente sãs com o emplasto do Jeitc da ga- meleira extrahido na lua nova, com almecega , incenso, e rezina , de S. Thomé , própria do paiz , e cingindo o en- fermo com a sua funda, posto oito dias em socego , dei- tado na cama, repetindo-se o mesmo emplasto por mais oito dias , se nos primeiros se não conseguio a perfeita consolidação. § i6. Nas quedas dão a beber ao enfermo o sumo da cai- pcba , ou de mastruço amornado, ou olhos de imbauba com carimá desfeita em agua: aos que padecem debilidade de estômago que não coze o comer , dão a beber cm jejum hum copo de vinho branco fervido com mostarda , losna y equina docamamú. Para a asma costumão tomar huma quan- tidade de flores , e folhas do alecrim seco ao ar, que cor- responde a hum arrátel , depois de reduzido a pó fino , e misturado em huma canada de mel bem cozido, e posto a serenar , tomando huma colher d noite , e outra de ma- nhã pelo tempo de oito dias; se o doente aos nove, ou quinze dias tiver maior toce , tomão por bom signal , e se hc elle cálido , em lugar do mel ajuntão assucar fino. Para matar os vermes das tripas, mandão beber em jejum o su- mo de gravata , ou cozimento de feto macho , e losna , ou pós da fruta do angelim verdadeiro , purgando o doen- te com jalapa. UAS SCIENCIAS DE LiSBOA. IIJ Os que padecem dores de dentes mandão mastigar a herva barreguda , ou tomar bochechas do cozimento da mes- ma : também uzão do cozimento da ortclaã , tomando-sc suadoiro na face, em que corresponde o mal ; outros re- conhecem o allivio , pondo o sumo com bagaço de páo chamado topanbtitno na parte doente : o mesmo proveito acha- rão outros no entrecasco da espirituoza jerema , ou no cozimento da raiz do espinheiro amarello ; porem outros ti- verão allivio com o óleo da bicuiba , ou com o cozimen- to cm vinho de pepinos de S. Gregório. Na dor de cabe- ça observei que algumas pessoas referião achar alivio com o uzo das folhas de jarro pequeno , postas na cabeça , e se ella procedia de apanhar o sol , depois de emborcarem hum copo de agoa na cabeça , os expunhao ao sol. Para dor de tripas, nenhum outro remédio vi applicar, que folhas de alfavaca fritas com olco rozado , ou de amêndoas doces , ou nnro de porco postas na barriga. Na dor de olhos, vi tomar o sumo dos olhos de urucú , e botar nos olhos, la- var os mesmos com agua de cozimento de limões, e un- tar a capella com unguento feito com azeite , alvaiade , e leite de peito. Para as pessoas atacadas de vigilias , lhes dão a beber a samambaia de infuzão em TÍnho. § 18. Na horrível enfermidade das bexigas , em que os pais desampárão os temos filhos , o marido a chara espoza , e esta a seu marido e filhos, os doentes são expostos ao maior desamparo, vi apenas applicar para sahircm as bexigas o esterco de ovelhas desfeito em agua com mingáo de eari- má com assucar para ser bebido, e nenhum outro remédio applicão; se as bexigas são absolutamente malignas, todos perecem, e as yillas se convertem emdezertos espantozos. Tomo IX. 9 Nos 114 Memorias D A Academia Real Nos corrimentos com dores , elles apanhão os olhos das canas bravas , quando nascem , e pizados põem sobre hu- ma pedra, quente , tomando aquelle bafo ; e sendo corrimen- tos frios , untão a parte com unto de cão quente ao fogo. Para os cravos do pé, mandão tomar suadoiros de capim , e ouvi dizer, se sentião bem. Na hydropezia era receitua- do pelos Jesuítas o seguinte = Infusão de duas onças de salsa parrilha por 14 horas em duas canadas de agua quen- te , huma mão cheia de cevada , duas onças de aço prepa- rado, duas de escoria de ferro, de tudo isto se fazia hum cozimento , que ficasse em meia canada , e coado se lhe ajuntava huma onça de sumo da raiz de lirio , outra de sumo de folhas de rabãos , duas de senne , e ao fogo se lhe dava huma fervura , com hum quartilho de aguardente do reino , quatro onças de manteiga de vacca , quatro de azeite de ruda , quatro de amêndoas doces , e outras qua- tro de óleo de louro , fervendo tudo até se consumir a agua, e no fim lhe deitavao hum pouco de sumo de lirio , tor- nando a ferver hum pouco , e com isto untava-se a barri- ga de manhã , ao jantar , e á noute. § 19. Para tirar as setas , ou espinhos do corpo , tomão as folhas de pepinos de S. Gregório com figos passados bem pizodos, e postos na ferida : raiz de endro com mel de abe- lhas , pós de minhocas queimadas com o mesmo mel , fel misturado com almecega , e posto na ferida : para as beli- das dos olhos expremem no olho o quilho branco do olho do ananás. Querendo extrahir os vermes, que entrão nos corpos, nenhum outro meio vi felizmente empregar se não do emplasto de almecega sobre o lugar , e expremida a par- te sahir o verme morto. Sendo tão frequente e incommo- da a entrada dos bichos nos pés que produzem muitas vezes inflammaçõcs erizipelozas , untão os pés com rczina de lan- di rana , o que he bastante para evitar-lhcs a entrada j ou- tros DAsScIENCIASDeLiSJOA. II f tros uzao da bosta de boi queimada , desfeita na polvorj , ajuntando o sumo de litnão. Nas impigcns untão o lugar com o pó de arariba com azeite, c cilas immediatanuntc desapparccem. Finalmente nas febres' malignas , u/ão beber o sumo de limão , e o caldo da herva de sangue bem co- zido com fedegozo , e ajuntão o cozimento do sumo de maracujá, e limonadas do fructo do maracujamcrim , e aju- das de matapasto , e fumo bravo , c maracujá com assucar : nas febres intermitentes depois de vomitados , e purgados os enfermos lhe applicao o sumo dos limões com o cozi- mento da herva de sangue , que os xiriris chamão uukri , e o cozimento do fedegozo, pedra de S. Paulo, a raiz de parreira brava, ou butua desfeita em agua , e a carimá pos- ta a serenar, ajuntando a quina do paiz. Nos fluxos de sangue , nas feridas uzao do pó da arvore capororoca , e al- mecega , sangue de drago , sumo de tanchagem com clara de ovo , e urtiga pizada. Este o curativo prático das mo- léstias do paiz. § 20. Tornando a observar o local dos ilhéos, encontrámos ainda outro famozo rio, que o banha intitulado Espera» fa^ e por outros o Fundão , não menos importante , que aquel- le já descrito, o qual se une ao rio da caxoeira da villa, murado da mais singular matta , abundante de todo o gé- nero de madeiras de construcção , e páo Brazil , assim da parte do norte como do sul ; alli se encontrão os úteis vi- nhatiqos , e putumujus tão buscados para a marinha , e pe- los particulares empregados nas obras de macenaria. Que- rendo o governador da Bahia tomar conhecimento do útil serviço , que a marinha podia conseguir neste lugar na aber- tura de hum corte de madeiras , ordenou por modo de ex- periência , que aquelle se estabelecesse em tão ricas posses- sões , c o successo correspondeu á sua expectação , rece- bendo-se nos departamentos da marinha em Junho de 1800, 37 braços, ly cavernas para huma náo de 74, e 2p falcas í li de ii6 Memokias da Academia Rbai^ de vinhatlco por preços os mais proporcionados , capazes de desafi.ir a ambição mercantil , e para pôr em movimen- to o trabalho e a industria do povo , com manifesta utili- dade da Real fazenda ; porem ordenando o mesmo gover- nador a suspenção do corte das madeiras tão vantajozo pe- la bondade delias , e favoráveis custos cm que sahião , man- dou ao mesmo tempo expedir ordem para se fazerem re- crutas e soldados a tal extremo, que muitas madeiras já nas praias promptas para se embarcarem forao destruídas do gu/.ano , por terem desamparado as povoações, todas as pessoas que podião pegar em armas. § 21. Hum paiz pobre , que não tem braços para a lavou- ra , industria , e commercio colonial , não pode fornecer braços , que não tem , ás tropas de linha , que sendo em toda a parte de pezo ás authoridades das grandes nações , são de hum sibrccarrego immenso em paizes despovoados, aonde a experiência tem mostrado quaes são os seus funes- tíssimos eíFeitos. Muitos sábios tem julgado mais utilosys- tema de tropas milicianas , onde o ministério de soldado não he profissão destincta , nem a cargo do público , nem a sua disciplina tão rigoroza ; parecendo talvez mais con- forme ao interesse dos coloniaes , cntreter-se somente hum pequeno numero de tropas pago pelo estado , e constituin- do estes as suas forças em puras milícias, que se exerci- tassem nas evoluções militares, sem se apartarem jamais dos ministérios das suas respectivas profissões. O excellcn- tissimo Marquez do Lavradio , nas instrucções , que deixou, quando sahio do Rio de Janeiro ao seu tão digno succes' sor o exccllentissimo Luiz de Vasconcellos e Souza , mui- to sabiamente propõe tão útil systema de defeza , louvan- do assaz o estado , em que ficarão as tropas milicianas , por elle mesmo disciplinadas ; o estado tem , alem disso a vantagem de não divertir , e arrancar tantos braços da agri- cul- DAS SciENCiAS DE Lisboa. 117 cultura, manufacturas, e industria, que tirados daqucllcs importantes empregos, necessariamente se hão de diminuir as riquc/.as do pai/.; não era forçado então o Soberano a es- tabelecer , e augmcnrar tributos para sustentar tropas de linha, deduzidos de fundos já desfalcados, mantendo hu- ma classe de cidadãos, que consomem, e nada produzem; alem de que se estragaria muito menos a população c a mo- ralidade. Ninguém pódc duvidar de que os milicianos com bra- ços e corações de verdadeiros patriotas são os mais inte- ressados em defenderem o paiz para se segurarem do go- zo, c v?ntagcns , que nelle desfrutao ; o que não acconte- ce nas tropas de linha, que muitas vezes tem sido traido- ras a seus próprios Soberanos; e por isso apenas se deve conservar hum pequeno corpo , para servir de reunião ao indcfinito recrutamento das tropas milicianas no tempo da guerra ; para acudir na paz a qualquer tumulto, ainda nos confins do reino; e para fazer respeitar a authoridade do Soberano; de mais a mais as colónias não tem que temer lioje irrupção de bárbaros, nem pode ser de algum pezo o pânico terror de invazão extena , pelos obstáculos que com sigo arrasta tão temerária empreza; pois alem dosna- turaes do paiz terem todo o interesse de fazer abortivos os projectos de estabelecimento de qualquer nação invasô-r ra , não era, nem tão povoado, nem tão civilizado oBra- zil , quando com poucos milicianos , e com total falta de soccorro do reino , que em tão críticos tempos os não po- dia dar, sacudio em todos os pontos o jugo dos hollarv- dczcs guerreiros , e estabelecidos já no continente : não ha cinco annos , que poucos milicianos .em Porto seguro im- pedirão o desembarque das tropas francezas , afiançando por isso continuas victorias a Portugal contra os desespe- rados que o pertcndessem surprender. § Ii8 Memorias DA Academia Real § i3- A forma , com que sempre tenho visto proceder em taes dilligencias de recrutas , ainda mais attcrra os povos , que conscguintcmente procurao por todos os meios fugir de tão grande mal , embrenhando-se pelas mattas e certões ; as leis que rcgulão a forma c maneira destes recrutamen- tos, jamais tenho visto observar, antes os encarregados re- cebem ( c muitas vezes quem os manda ) grandes utilida- des , prendendo, e soltando conforme o favor, e o ódio sugere ; sendo conimumente os pobres e os desvallidos os que sao mandados assentar praça nos corpos de linha, on- de em poucos dias, ou morrem de bexigas , ou dezcrtão para os certões e províncias mais distantes ; sendo imprati- cável conseguirem os governadores encher o numero das praças vagas , e todos sabem que taes deligencias são objecto de altas negociações dos agentes, que vendem a bom pre- ç) a soltura daquelles , que podem com mais razão servir a pv;trÍ3, e domarem o seu natural desenvolto com a sobor- dinação a seus chefes , no serviço a que são destinados • por cuja ra/So apenas se concebe , que ha ordens para recrutas , as brenhas immediatamente se povoao, e no centro delias entre os horrores da fome , e mizcria acabão muitos , que para alli se refugiao , e outros se retirão para os certões distantes, onde se entregâo ás lavouras de algodão, milho, c feijão , ou em negociações de gado vacum , e sua crea- ção , e são assim approveitados , se tiverão a ventura de cscapirem dos furores dos encarregados de fazer recrutar os povos da marinha. § 24. Nem os governadores da capitania, nem os ministros, que tem servido na commarca , jamais tem dado algumas providenciaes para a educação do povo , e sem que haja hum systema de educação religioza , civil , e literária , ^ co-. é mo DAS SciENci AS DE 'Lisboa. 119 mo será possível obtcr-se moralidade nos cidadãos ?, e sem esta moralidade he evidente serem impotentes as leis. On- de a nação civilizada, que nlo se gloria de extender a ge- neralidade de instrucção i cerca dos esscnciaes objectos da felicidade do homem ; assim na vida temporal , como na eterna, paraque sejao attentos aos dictamcs da consciên- cia , e observadores escrupulozos dos deveres para com hum Dcos de bondade, providente , remunerador, que ordena o trabalho, e reciproca amizade entre os homens, ajudan- do a todos , para encherem dignamente o seu fim ; ensinan- do-lhes na contemplação para gozo do summo bem a ver- dade, e todas as virtudes : Este oefFeito da educação chris- tã; Hum povo assim educado, he dócil, e humano , hu- milha-se, e obedece á voz do superior; poucas leis bastão para a sua direcção : a despeza tendente a esta instrucção , he não só útil , mas necessária ; poisque a instrucção he o contraveneno da impiedade , hypocrezia , superstição , e barbaridade , preguiça , pobreza , e rebeldia. § ^S' Aquelle desgraçado povo , não tem tido ategora hum mestre para ensinar a seus filhos , nem ainda as primeiras letras ; por esta cauza a maior parte dos cidadãos não sabe ler , e escrever ; apenas tiverão hum parocho , chamado Jozé do Amaral, digno das suas justas lagrimas, perten- deo-o até para termo das suas desventuras. Elles tem hum niagcstozo templo para sua matriz arruinado , e desprovi- do das alfaias sagradas , para se celebrar com decência , e respeito as sagradas funções do altar: assisti a huma festa, em que as alfaias rotas, e sujas, indicavâo bem a mizeria e desprezo da freguezia ; a muzica era composta de huma viola e arpa desafinadas ; os muzicos erão o juiz de órfãos da vilia , e o filho sachristão, e hum velho; e isto impri- me não sei que descrédito á sublime religião , que pro- fessamos , tendo-se alem disso esquecido inteiramente os fa- bri- no Memorias DA Academia Real briqueiros da Sé metropolitana , a quem a Real fazenda paga seis mil reis de todas as igrejas , paraque postas em massa , se remedccm as necessidades de cada liuma , de re- meter para esta os ornamentos indispensáveis. Alem da ma- triz se vem dois outros antigos templos , dedicados , hum a S. Sebastião , e outro a Nossa Senhora daVictoria, aquel- Ic na borda de agua , c este no cume do monte , que o mar lav?, e são redu/idos a cazas de morcegos, sem te- rem as sagradas e veneráveis imagens , de que se honravão , o adorno competente : ainda , finalmente , se encontra ou- tro templo, que foi dos- Jesuítas com o frontespicio no chão , e o restante sem alguma veneração pública, ou par- ticular. § i6. ^ Os necessitados e mizeraveis expostos , longe dos hospitaes , porque mizerias não passão ? He verdade que a lei tem estabelecido a impoziçãj das fintas, para creação dos expostos; aporem aquelle meio, quanto na pratica se mostra insuficiente ? Hum povo i-em cultura , consultando sua própria vontade , e não o interesse público , julga por oppressão taes impoziçôes, como gravozas aos seus débeis patrimónios , ficando por tanto aquelles mizeraveis sem o soccorro do pai da pátria : os poucos que escapão da mor- te i porque géneros de mizerias não são sacrificados ? $ 27. Não contribuio pouco para a incivilização e pobreza do povo , o não serem frequentemente vizitados por minis- tros sábios e prudentes: tinhão decorrido vinte annos , sem que os ouvidores fossem áquella villa , sendo eu o primei- ro que nella entrei depois de tantos annos ; se não para remediar os males , ao menos para apontar o remédio , e consolalos ; ficando muito distante das outras villas aqueU la , por caminhos de terra incoromodos e dezertos , não achao» do- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. IJt do meio de recompensar as fadigas, c incommodos de hu- ma tal vingcm , fyltando alli ocommercio, a navegação, c riquc/.as , niío se podem encontrar cauzas , cujas assigna- turas igualem as despezas feitas , o que faz que os ouvi- dores deixem de hir alli de correição , não tendo outro or» denado , que trezentos mil réis, insufficicnte para sua de- cente mantcnça , c de suas famílias; por tanto será absur- do esperar, que elles facão prodígios de integridade , e re- zistão a corrupção, e venalidade; cheios de necessidades renascentes , e não suprimidas de huma maneira adquada á sua graduação civil ; se não tem rendimentos próprios de hum fundo permanente , hão de buscar a subí-istencia por outro género de occupação ou trafico, senão chcgao mes- mo a devorar a infâmia , com escandalozo dcscan.mcnto de receber peitas de interessados no êxito das couzas, e mi- nistérios da policia, e economia do paiz; sendo impossível em tacs cazos exercer dignamente ministério de tanta de- licadeza, e confiança, distrahindo-se em minuciozas merce- nárias, e sórdidas occupaçoes lucrativas; poisque em tal cazo a administração da justiça cm lugar de ser o azilo da innocencia , e do direito, se converte em receptáculo da mais facínoroza im moralidade , e corrupção. § 28. Ho o desinteresse no serviço público , o mais grande ornamento do magistrado ; mas nem por isso o governo de- ve deixa-lo sem a decente sustentação ; pois olhando-se para a natureza humana , se não pode acreditar que o homem de talento, virtude, e espirito independente, queira antes morrer de fome , como se expressa o sábio Edmundo Burke , na sua falia ao parlamento de Inglaterra , passando por in- dcccncias , importunidades , e tortura dos seus amigos do- que procurar a sua côngrua subsistência á custa do públi- co , para quem assidua , e ardentemente trabalha : he mui- to honesto c gloriozo , a quem possue património solido, Tomo IX, q ser- 122 Memorias da Academia Rkal servir ao seu Príncipe, e a pátria sem salários, ou recom- pensa; mas também não hc menos da dignidade Real, não receber gratuitos taes serviços , que pode pagar: e se ou- tro patriota animado dos mais puros motivos se oflfcicce a servir assim , renunciando a paga do estado , muitos se afoi- tarão com hypocrito zelo a blazonar de desinteressados com o sinistro designio de completar projectos de ambição, e malignidade ; e todo o mundo está bem persuadido , que ellcs se indemnizarão por meios clandestinos, c infinitiimcn- tc injuriozos , e prejudiciaes ao público : não ha muitos tem- pos , que os cortes de madeiras , tendo sido encarregados a administradores pobres, sem ordenados, ellcs sahirao ricos da administração , que poucos annos exercerão , deixando hum delles á sua família huma propriedade de duzentos mil cruzados. § 29. Ora tendo o ouvidor dos Ilhéos tão pequeno ordena- do, he consequência, que cm lugar de se entregar todo ao público, para promover os seus interesses, eo dos po- vos , se prepare a fazer as correições rendozas , promoven- do os pleitos , armando a intriga , as chicanas forenses de todos os seus embustes, para desunir os povos , consumir, e dissipar a sua substancia, transmettindo de família em fa- milia implacáveis ódios, que as frias cinzas das sepulturas não tem força para extinguir; e por este motivo o escri- vão mais velhaco , sem honra e moralidade , he o mais digno ; poisquc eem o seu ministério se não pode colher os sazo- nados fructos da malicia, nem conseguir-se com insaciável sede de dinheiro a rendoza correição, acompanhando a rá- bolas sem vergonha , e immorigerados , que ajuntão lenha á fogueira da discórdia, para terem parte em tão infame partilha. § 30- He sem duvida muito conveniente ao bem público a es- DAS Scien(MAs'd"e Lisboa;' .tij escolha dos ministros sábios, que ponhaofa^^sua gloria cm sacrificar as suas pessoas, e;tempo ao'^'st'ÍViça\do' fcsradò na certeza , de que cstepwVfetá na slia côngrua sustcíitiição em maneira, que* possa viver, e apparecer c( m decência', attrahindo pela sua irreprehensLvél conducta e decente faus- to o respeito, e veneração do povo , que commbmcritc SC rege por exterioridades. Alguns ministros, repres'entando ao throno o augmcnto -«.los ordenados ,. foráo estes acrescen- tados por consulta do conselho ultramarino , aos ouvidores de Pernambuco, S. Paulo, capitania do Espiriio ' Sjnto , Angola, &c. , e não sendo creada iiàquelle tempo a co- marca dos Ilhéos , ella ficou tendo o ordenado da sua crea- ção, igual áquelle, que percebe o ouvidor da Bahia, d'on- de esta commarca foi separada , com o que não he possi' vcl nianter-sc hum magistrado com á decência , e frugali- dade, que convém. § 3i« Continuemos a observar a natureza dos terrenos , que ficão ajsul dos Ilhéos, onde terminao os districtos de sua juri^di';ão. ,; Quem não pasmará vendo vestidos todos os seus immensos bosques de madeira' de construcção , alem do páo Brazil , do Jacarandá , e' tantos outros cortados por navegáveis rios , como mais a baixo se verá ? Entrando na costa cm busca de Olivença por três legoas de praia , se to- pa no meio o rio Cururupe , que veda a passagem aos vian- dantes de maré cheia , deixando sem embaraço porem o ca- minho os dois ribeirões do Tapoan e Maranhão appellida- dos , que no-mar buscão esconder-se com os outros riachos Sirihlba e Panuna , hum quarto de Icgoa antes de se avis- tar a povoação , sahindo do campo do Tapoan por entre as pedras aggregadas , cobertas de ferro e vetriolo. § 3^* Reinando o Senhor Rei D. Jozé i.°, por provizão Q ii de IJ4 Memorias DA A c ADEMiA. Real de 21 tlc Dezembro de I7j8, foi levantada cm villa n povoação de indios , que na e mesmo as filhas , por aguarden- 7omo IX. R te , ijo Memorias DA Ac ADE MIA R EAL te, a que são nimia, e desgraçadamente propensos, e pela qual tudo sacrificáu. § 41. D'onde vierão os índios , e a maneira , por que se passarão ao novo mundo, he questão difficil de resolver; porque a obscuridade dos passados séculos nenhuma me- moria transmittio aos presentes : se alguma violenta con- cussão de tremores de terra violentos separou ou não o Krasil das três partes do mundo , ninguém pôde segurar. He certo, que no Brasil senão vio exi>tencia, ou vcstigios de animaes da Europa, Ásia, ou Africa, que he bem na- tural se topassem , se este paiz fosse algum dia communi- cado com aquelle antigo mundo. Somente as observações dos filósofos modernos parecem decidir, que a comnumi- CJção proveio de alguma colónia de Tártaros pelo nordes- te da Ásia ; havendo muito bons razões para suppôr-se , que os antepassados das nações da America, desde o cabo de Horn até ás extremidades meridionaes do Lavrador, vic- rão antes da Ásia que da Europa , poisque entre aqucUes asiáticos , e os americanos ha muito grande semelhança , a-^sim na sua constituição fysica, como nas qualidades mo- raes , que dão fundamentos de concluir , que os asiáticos estabelecidos nas partes da America , onde os Russos des- cobrirão a visinhança dos dois continentes , se espalhariao por gráos a diversas regiões da America , idéas que pare- cem muito conformes com a tradição dos mexicanos, po- vos os mais polidos da America, que pretendião, que os seus antepassados viessem de hum paiz situado ao nordes- te do seu império , sendo os lugares , que clles indicarão , pre- cisamente aquclles, em que se suppõem vierão da Ásia os Selvagens tártaros. No governo do Exc."'" D. Rodrigo José de Menezes forlo achados nos certóes da Rassaca perten- centes a esta comarca , em lugares desertos , pelo capi- tão mór João_Gonsalres da Costa, vários pedaços de loiça da DAS SCIENCI AS DE LiSBO A. i^i da Ásia com jcroglificos orientaes ; os qtiaes forao remet- tidos para se verem na Academia Re.il das Scicncias de Lis* boa; c atégora não pude s..ber o que elles indicaváo, nem quacs scriáo as opiniões dos sábios a este respeito. § 42- Continuando a ver a costa para o sul de Olivença até o rio Aqui, di-stancia de 3 Icgoas e ^, encostado ao mar, se encontrão matas prodigiosas : mas não admitte o lo- cal desembarque favorável pela braveza da costa O rio Aqui, que desemboca no mar, nasce de huma ribeira raza , que fica ao norte da serra chamada das Baitarafas : pelo in- terior das matas admitte navegação de canoas por alguns diiis, e engrossa a sua corrente as aguas de hum ribeirão, que nelle desagua , deitando hum braço para o sul , pelo qual he navegável dois dias de canoas em tal tórmu , que se não toma váo em algumas paragens , e elle tem a Fua origem da serra grande , apanhando o rio Maruhi , que ao mar vem terminar a sua correnteza: os bosques, que vadea e banha, são cobertos de infinidade de sipipiras , jacaran- dás, e de outras muitas preciosas madeiras. § 43' r Segue a costa com pontaes de arêa d'aquelle ao rio Messo por espaço de duas Icgoas, o qual desagua no mar, vindo de hum braço do rio Maruhi , que se une ao rio que de Una se appellida, e se topão entre este e aquelle rio duas pequenas lagoas , situadas , huma para o norte de hum quarto de legoa de comprimento , e desemboca as suas aguas no rio Maruhi,' quiàndo pelas trovoadas tras- borda das suas margens, e fora des-ta occasiao parece hu- ma agua morta, aindaque se embravece com os nordestes, c no seu seio cria peixes de agua doce. A lagoa do sul desagua no rio Arassari mostrando suas alegres vatjarias R ii pa- 131 Memorias da Academia Ríal para a crcaçiío do gado vaccum , e para todo gcnero de lavouras, de que atcgora se vê privado. § 44. Continua a costa em pontaes até o rio Arassari , dis- tante daquelle huma legoa , o qual nasce no rio Maruhi, e este na serra das Baitaraças, c velozmente corre para o rio Una, revestindo assim as suas margens, como todo o interior dos bosques , de todo o gcnero de madeiras de construcção , e hum quarto adiante ficao os pontaes da bar- ra do rio de Una , que nasce do Sincori do rio de Con- tas das Minas , navegável muitos dias de viagem , e unin- do a sua corrente com a do rio Maruhi , faz barra ao mar com 7 palmos de agua no baixamar , cuja barra , sen- do de arca , se fecha com os estes , e se abre no tempo que rcináo os ventos sul , sudoeste , &c. Encaminha-se es- te rio duas legoas para o sul ao lugar chamado Captai , e dahi procura ao poente hum quarto de legoa , e de lá vira ao sudoeste meia legoa a t)par o braço do sul, onde volta para o nordeste com algumas pequenas voltas , bus- cando porém ao poente até á primeira pancada , que he ra- ra, e depois de ^ de legoa ao Poção assim chamado por ter hum fundo de 14 braças ; e então se encaminha direi- to ao braço grande, acompanhado de terras montanhosas, vestidas de angelins , óleos , sucupiras , jacarandás , e vi- nhaticos. AUi se topa hum banco de 1 3 palmos de alto , e dalli por diante, ora para huma, ora para outra parte se achão cachoeiras raras , pelas quaes os índios acommettem em suas canoas a navegação em huma legoa de distancia. § 4S' O braço do norte dirigindo-se a nordeste, procura a cachoeira do sul, navegável de canoas, aindaque com al- gum trabalho ppr. 3. a 4 dias de viagem. Como deita hum _,^ ■ ^ bra- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. I3J braço ao sul , este se dirige para o interior da serra. Na beira do rio na visinhança da costa moráo alguns índios de Olivença, e só o capitão mór dcllcs , faz aIJi as suas lavouras de arroz , e mandioca , e tece cabos de cmbira , e os poucos que se detcm naquelle lugar se entretém nas pescarias para sua sustentação. O governador que foi da Bahia, D. Fernando José de Portugal, mandou abrir n'a- quclle lugar hum pequeno córtc de madeira de construcçao por experiência , e se fizcrao vinte peças , que alli ainda existem. § 46. Faz naquelle lugar a costa três grandes enseadas para a barra de Comandatuba em distancia de 4 legoas. Nasce o rio de Comandatuba acima da serra das Bjitaraças, e a sudoeste forma sua barra ao mar com f palmos de agua, fazendo hum pontal de 300 braças, e o rio com tortuosas voltas se dirige a barra do rio Puxim, que trazendo sua origem do rio Patipe , ou rio Pardo, forma naquelle lugar a sudoeste formosa embocadura ao mar , com 20 pal- mos de agua , bordadas as suas margens , e o interior dos bosques de todas as preciosas madeiras para construcção e macenaria. Em outros tempos foi povoada de alguns co- lonos , que estabelecerão a sua subsistência pela lavoura da mandioca , e se levantou huma igreja de freguezia a'qucl- les habitantes, da invocação de S. Boaventura; mas des- graçadamente se poderão conservar pelas frequentes incur- sões do gentio Pataxó , que 40 annos infestarão, e perse- guirão a povoação, pondo aos moradores era tanto aperto e desesperação, que desampararão o lugar, e se refugiarão para Patipe. Acaba aquelle rio no Porto do Mato , e he a sua navegação de barcos desde a Comandatuba de 6 a 8 horas de viagem ; nas margens do rio , e á flor da ter- ra, se encontra prodigiosa quantidade de pingos de agua, e alguns topázios, e ouro. § 134 Memorias da Academia Real § 47* O Porto do Mato he huma pequena povonçao com onze casas , as quacs vivem da caça , c pesca , e ca insi- gnificante lavoura, que fazem de mandioca e feijão; ella he huraa ilhota cercada de hum lado dos rios já mencio- nados , e do outro do mar salgado , em tanta forma , que do porto da povoação, em dit,tjncia de '- àc legoa , >sc to- pa o rio salgado, onde desagua ao mar o rio Patipe, que forma huma restinga de mar , indo a costa por fora , e o rio por dentro , até sahir aquelle pela barra íóra , ficando no meio a ilha ch-imada Patipe , cuja barra he de 9 pal- mos de agua na baixamar com 30 braças de largo, e o seu canal se dirige a este, voltando para sueste a caminho do sul. Aquelle famoso rio tem seu nascimento no rio Pardo , e com aguas do rio da salsa , e hum braço de Bel- monte , ou Jatinhonha , forma duas barras visinhas huma da outra , com fundo , huma de 7 , outra de 9 palmos de agua na baixamar muito mais larga , que a do Patipe, e os terracs soprando livre do embaraço dos mangues , presta aos navegantes a mais prospera sahida , e segurança : são conhecidas, huma debaixo do nome da barra das Canaviei- ras, c a outra da Embuça, distantes 3 legoas da de Pati- pe : c como o mar , e correntezas do rio vão cavando o seu leito, he de esperar, que rompendo os rios para o sal- gado, para onde já a natureza os encaminha, com bem pou- co trab.ilho , conseguida a abertura , formará hum canal mais fundo para navegarem por elle embarcações de maior porte das sumacas : corre actualmente o canal das barras a este. § 48. Tem o rio de fundo 16 a 20 braças, aindaque em algumas partes menos: he navegável por 30 legoas, an- tes de mostrar a primeira cachoeira j .as suas margens , c in- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 135' interior dos montes descobre, aos que ncllas entrão, toda a. qualidade de madeiras de construcção, e maccnaria , o páo brasil das duas espécies conhecidas , os atartcrugados jaca- randás, e todos quantos úteis arvoredos se podem desejar. As ribanceiras e veios do rio contém pingos de agua , cris- taes , ouro , e diamantes ; e o sábio mctallurgib^ta nelle acharia vastas campinas para estender a esfera dos seus co- nhecimentos, com grande utilidade da historia natural, e proveito incalculável do património Real. § 49- ^ Que seguros interesses não perceberia a marinha no estabelecimento de cortes regulares de madeiras naquelle lugar , que por estarem á borda da agua evitava a grande despeza dos transportes de terra, e muito principalmente por se acharem alli como juntas em viveiro todas quantas espécies a marinha emprega ? Quasi todas as arvores dão nestes férteis bosques os precicsos liames , as grandes ca- vernas , curvas , braços , &c. Paraque a utilidade do corte se fizesse mais palpável , foi , a minhas instancias , aberto hum corte de experiência, e o arsenal de marinha já vio, e verá o de Lisboa por se remetterem na nova náo os páos alli cortados para cavernas, aposturas , e braços; ten- do sido já entregues no departamento da Bahia 90 dos ditos páos, além de 5- mastros, 1 verga, e 4 falcas de vinhatico , os quaes forâo conduzidos em hum barco, que a meus olhos fiz construir de 93 palmos de quilha, com 32^ de boca, que sem algum risco entrou e sahio pelas barras, ora de Patipc , ora de Canavieiras. § fo. Aquelle corte de madeiras forneceria a huma e outra marinha todos os liames para os maiores navios pelos mais favoráveis preços: as rodas de proa de 3a pés de compri- do. 136 Memorias da Academia Real do, cora IS pollegadas de largo, e 20 de grosso alli cortadas , ficarão no porto de embarque por Ucoo reis : hum dos mastros, que chegou a maior despeza de 6o DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 15-3 gui , que corre ao nordeste : dali em diante , cm pouco r. m- po se consegue a navegação para Marahú , topando-se a oeste três ilhas chamadas da cruz , demorando a òsre outra, que do lurmiga se chamou, entrando delia hum rio, que por Taipú hc conhecido , e ficao pouco mais adiante ou- tras trcs ilhas , de que huma de Santa Anna he nomeada , Tatus a segunda, c Moconan a terceira, correndo defron- te de Santa Anna o rio Paratigimerim no rumo de oeste. § 3. Logoque se avista a villa , que he situada á margem do rio sobre hum pequeno oiteiro , se descobre ao norte huma grande pedra de lo ou 12 braças levantada acima das aguas , que Sapanhutw lhe chamarão os naturaes , fican- do fronteiras recomendáveis barreiras de argila , de branco, amarello , e roxo matizadas ; ficando pouco adiante no meio do canal as pedras chamadas de São Roque , que faz a na- vegação só praticável de canoas e pequenas lanthas dali até o Caubi. Tem o rio da barra grande até ás ilhas de San- ta Anna quatrocentas braças de largo, e em partes mais, e desde então se vai estreitando até cem braças , e ainda menos. § 4- Os habitantes são grosseiros , e ignorantes , sem edu- cação , com os costumes , e vicios de povos bárbaros. São poucos os brancos, que alli rezidem : a maior parte da po- voação se compõe de mulatos : elles tem hoje hum pa- rocho virtuozo , que lhes inspira o horror do vicio , e o amor da virtude , e da gloria , a que são insensíveis , por serem acostumados á vida feroz e brutal , em que seus pas- sados os deixarão, e por isso não podem ver os seus vi- cios combatidos por hum pastor irreprehensivel , assiduo ao pé do altar da matriz da invocação de S. Sebastião*, única igreja da freguezia , e que tem attrahido a milagro- Tomo IX. V ^a r5'4 MEMOni AS DA Academia Real za imagem do Santo padroeiro a A^encraçao dos povos , que vem de mui longe tributar aos seus pés os votos de reconhecimento aos muitos benefícios dellc recebidos; e talvcx por esta cauza lie ornado o templo das mais ricas altaias , que se não topao nos outros da commarca. § ^ A lavoura da cana , para se destilar em aguardente , faz a principal parte da occupaçao dos habitantes: elles também se empregão na lavoura da mandioca , e a sua ex- portação consiste, alem daquellas, em alguns fructos e em remos de voga , sendo a da farinha até 4' laborar com mais extensão , acaba de confirmar-me na s> prcciza diligencia de procurar pela Regia authoridade o » remcdio competente ao estrago, com que as admiráveis j» matas da mesma capitania se vão arruinando e mostran- j' do já a perda mais scnsivcl para Vossa Magcstadc, pa- « ra o commcrcio , e para os moradores , que se ajudavão " desta riquissima extracção , pela prodigioza abundância j» das madeiras, que pareciáo inexhauriveis nos primitivos » tempos desta colónia, ou talvez pelo menor calibre dos >» navios , e menor numero dcllcs , sendo o fornecimento >» das matas da Europa muito superabundante , se não esta- j> beleceu methodo , ou legislação competente, para regu- 3> lar a extracção, e conservação das deste contmente ; e j> apenas a primeira cautela, que se encontra a este respei- jí to , he a simples recomendação feita ao governador da j> Relação, que nos últimos annos do intruso Filippe IV. »> se lhe fez no regimento da sua creação na cidade da j> Bahia , sustentada depois no segundo regimento , que lhe »> deu em i (5 5-3 o Senhor Rey D.João IV, tendo concor- » rido depois alguma provizão do Conselho ultramarino, j» em que se excita a mesma recommcndação ; mas todas es- >} tas providencias destituídas de sanção , que pela quali- » dade da pena fizesse conhecer o valor das matas , e abo- » minação dos incendiários , e destruidores das mesmas. í> A população e cultura principalmente do assucar , não >» tinhão fertilizado de sorte , que exigisse huma exacta >» combinação dos interesses desta cultura , commoda con- » servação das matas ; e por isso se derão de sesmaria ; e í» se assignárão mesmo por mercês Regias , domínios par- >» ticulares, na extenção da costa, que a invenção e des- *» cobrimento fizerão de Vossa Magcstadc j pois bemque o X ii » ne- J> 172 Memokias da Academia Real >» nexo do império assim o persuadisse , ainda mesmo a >» authoridadc e direito público das nações, confere o do- j> minio dos lugares inaccessiveis ao imperante, de forma >» que pela sua natureza nenhum particular pode subtcntar- « se nelle, sem assignaçáo, e ajudicação dos mesmos do- »í minios. Hugo Grocio no seu tratado da guerra , c da paz 1.'' 2° cap. 2.° §. 3.° do n.° 2.° até 6." com seus >» adnotadorcs mostrão admirável , e concizamente. Nasceu »> desta abundância , por huma parte a dcmaziada fncilida- >» de nas sesmarias , por outra parte , a introdução dos di- » versos proprietários sem este titulo, e ultimamente a » omissão do direito Forestal , cujo uzo he distinctamcnte >> conhecido em toda a Europa , na França , reduzido a cor- » po ; na Alemanha , a systema , do que se lembra Bohc- j> mero no seu bom tratado do direito público , parte es- 5> pecial 1.°, 2.° cap. 10 §. 17. Nem deixarão os augustos » predecessores de Vossa Magestade intacta esta jurispru- » dencia , os diversos regimentos sobre o pinhal de Lei- » ria , e a ultima creação de hum magistrado , para vigiar » sobre elle , as amplas providencias incorporadas no re- » gimento do Monteiro mor, e ainda a recommendação que « a lei do reino faz aos corregedores das commarcas , no » respectivo regimento , dão huma adequada e perfeita >> idéa , de que a menos circumspecção a respeito do Bra- j> zil teve por baze a sua original, e famoza abundância. j> Mas agora que a falta já he sensivel , e que o abuzo, j> o ferro , o fogo , a ignorância , e a ambição tem estra- » gado rapidamente a fértil , e riquissima mata de Jiquiri- >» çd ; e pouco menos todas as que decorrem para o sul j> até o rio de Contas , e que este flagelo continua com j» tal abuzo, que até se tem estabelecido a máxima, que >» as matas são livres, e de hum direito público, e com- j> mum , he necessário a revindicação e uzo dos direitos j' Régios , para vedar e impedir tão ruinozo progresso : a >» authoridade provizional , que me he licita , e que me »> faz cargo , como corregedor da commarca , estabelecida >» por DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 1/3 j) por hum capitulo de correição, não podendo exceder a » impozição de multa, ou coima, mais, ou menos severa, j> he írcia débil para conter tantos airuinadorcs , como o » summario mostra ; pretizamente se deve recorrer ao meio » cHicaz e pozitivo , que pela sanção contenha esses ini» )» migos doestado. O mesmo summario, e a própria inspec- » ção e exame , provão qual seja a incomprehensivel bre- » vidade, com que incendiadas já muitas Icgoas se aproxi- >j mão sem remédio as maiores despezas dos trans-purtes ; » e até a extinção das matas , o que he bem crivei , lo- » go que foi reflectido , que estes quazi bárbaros , não j> costumão no mesmo terreno repetir a cultura , e pas- >» são adiante com incrivel rapidez, fazendo novos roçados, >» por supporem nestes mais fertilidade , e nutrindo assim » a iguaria, com que adubados, e surribados por cultura j> hábil , os deixados terrenos , podcrião sem duvida algu- » ma dar a vantajoza producção , relativa ao consummo dos j> habitantes ; os estragos que tem cauzado os intitulados >» roceiros de Nazareth tem sido tão graves , que extenden- » do-sc a menos de seis annos, pelo espaço de mais de j> doze legu-is , se achão actualmente occupando as cabe- « ceiras do rio de Jiquiriça' , onde desprezando continuas » advertências, e até as notificações judiciaes, tem reduzido » a cinzas , maras preciozas , e tão antigas como o mun- >» do, fazendo huma perda, qual não ha calculo que pos- » sa computar. Esta mata de Jiquiriça, a mais próxima » da Bahia , foi hum rico depozito de onde se extrahirão » as melhores peças, seja para o reparo, e concerto das »> náos de guerra , seja para a construcção dos navios par- >» ticulares, que se tem construido nos estaleiros desta ci- »> dade , nestes últimos annos , ella he a única mata de on- >i de se extrahem os importantes pranchões , e taboados » de vinhatico , os melhores pela sua qualidade , e os mais » commodos pela conveniência da descida do rio , todas j> estas riquezas desprezadas por estes homens rústicos e » ambiciozos , estão próximas a extinguir-se , se de todo não 174 Memorias da Academia Real >» nao forem detidos estes incendiários , e se por outras » conveniências não forem as matas dcfczas vcdadns, e » guardadas com o mesmo , ou maior cuidado , com que » pelo regimento do Monteiro mor se mandarão acautc- » lar até as matas dos particulares, que pela proximida- » de dos rios se fazião as suas madeiras convenientes para >» as armadas Rcaes. Este o único ponto de vista o mais » importante da reprezcntaçao , que tenho a honra de pôr >' na prezença de Vossa Mngesrade, consiste em se guarda- j> reni , estenderem, e demarcarem as matas virgens, que »» ainda resta ) livres do ferro e fogo dos roceiros, ficando >' estes homens obrigados a fazerem as suas plantações nas j> immensas matas já approveitadas , ou nas vulgarmente » chamadas capoeiras ; fazcndo-se das matas Reacs , tom- " bo , com as mesmas clare/as , confrontações , e divizões, j> que se observao no referido regimento do Monteiro j> mor do Reino , e dando-se todas as mais providencias , « que Vossa Magestade for servida. »> § i8. Por oflicio de lo de Julho de 1784 rogou aquelle tão hábil magistrado ao excellentissimo D. Rodrigo Jozé de Menezes , governador , que se dignasse levar á Real prezença tão justa reprezcntaçao, e que entre tanto desse aquellas providencias , que julgasse necessárias para a con- servação das matas, e para serem despejados os roceiros, que por authoridade própria se situarão no centro delias , sem o titulo de sesmarias, e sem o reconhecimento do supe- rior dominio, e que as ordens que fosse servido expedir se participassem ao corregedor da Bahia , paraque de sua parte £s fizesse observar na camará de Jaguaripe ; a cujo districto percencião as matas das vertentes do Jiquiriçá devastadas pelos roceiros da povoação de Nazareth. DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 175- § i9- Prcstando-se o governador favoralmente a'qucllas rcpre- zentações , cxpedio a seguinte portaria que está copiada no livro chamado i.° da inspecção dos cortes de madeira a f". 76. >> Porquanto não sendo bastantes as providencias, >» que Sua Magcstadc tem dado para evitar os estragos que 5> os roceiros ta/.em nas matas desta Ci^pitania , me c< nsta " que os de Na/areth , e Jiquiriçá do termo da villa de j' Jaguaripe , continuão a destruir estas matas tão preciozas » pelas madeiras que em si tem , e utillissimas ámeitra Se- >» nhora , na cxtraçáo delias para fabrico, e apresto prcmpto » das na'os e fraguas da Real armada, por cauza da pro- >» ximidadc cm que ficão ao poito do mar; e attcndtndo a »» este prcjuizo , e a falta que com semelhantes ubtrturas de tf roçados experimentarão ainda os povos desta cidade , >» com as madeiras, e taboados , para edificarem, e concer- >' tarem as suas propriedades : ordeno ao Desembargador » Francisco Nunes da Costa , Ouvidor da commarca dos >» Ilhéos , que se acha encarregado por ordem de Sua Ma- » gestadc , e instruções minhas, da inspeção dos Reaes >» cortes de madeiras , que passe aos districros menciona- >» dos de Nazareth , e Jiquiriçá , e mandando passar huma j> linha imaginaria nas duas matas pela latitude delias ao j> porto do mar, em que se facilite a extracção e conducção >» das madeiras, prohiba aos roceiros, ou outras quaesquer » pessoas , o corte , e abertura de roçados , com pena de " serem autuados , immediatamente , que me constar passão >» dos limites prohibidos, castigados rigorozamente a meu j' arbítrio, c paraque me conste da notificação, que se H- >» zcr aos mencionados roceiros , e das distancias que se »» linitára , e se pohibíta, me remetard o mesmo Desembar- >» gndor Francisco Nunes da Costa huma certidão authen- " tica , deixando as próprias em sua mão para proceder »» o jy6 M EMoniAS DA Academia Real j> o auto , e a prizao nas pessoas que transgredirem es*^ » minha ordem , por que lhe confiro a comissão de assi'Ti » o praticar , postoque seja fora da sua commarca , pc- >» la inspecção de que se acha encarregado, remettendo-me » logo os prezos , para contra ellcs mandar proceder, co- »> mo inimigos da utilidade pública : esta mesma providcn- t( cia dará o dito Desembargador Francisco Nunes da Cos- « ta na sua própria commarca, de que igualmente manda- }> rá certidão a esta Secretaria de Estado , pela qual man- » do se expessão as ordens necessárias para ficar scientc »» do determinado ao Desembargador ouvidor desta commar- >» ca , á commarca daquclia villa de Jaguaripe , capitão j> mor das ordenanças delia, e mais officijcs , commandan- >» tes dos districtos de Nazarcth , e Jiquiriçá , para pela » parte, que lhes toca , darem inteiro cumprimento a es- j> ta minha ordem, auxiliarem, c promptamente executarem 5> as que a respeito deste particular lhes enviar o sobredi- »> to Desembargador Francisco Nunes da Costa , e mando , >» que esta se registe nos livros da Secretaria de Estado , >j e nos da camará de Jaguaripe , e mais partes onde con- >» vier, paraque a todo o tempo conste. = Bahia 28 de >» Setembro de 1784. = Rubrica do Govei^nador. = Dom »> Rodrigo Jozé de Menezes, »» 20. Não era possível executarem-se com formalidade le- gal aquellas ordens , scmque se conciliasse a lavoura da mandioca com a conservação das matas , por se não prati- car aquellas sem as derrubadas , assolamcnto , e destruição dos bosques : adubar as terras , e preparalas como em Por- tugal , e cm todas as partes civilizadas he costume , era impos- sível então praticar-se nesta capitania , que não tinha ga- dos para os estrumes , nem animaes que a prestasem ; de- homens grosseiros , cuja sustentação do rico he o peixe , e marisco , e na falta a carne do sertão , se não podia es- pe- DAS SciENCiAS DE Lisboa. 177 perar que tivessem industria, que só as artes e civilização subminiátra para preparar estéreis terrenos, de modo que ficassem .iprospara asdiffcrentes culturas, que os prcductos levados á terra exigem : as terras de capoeiras não submi- nistrão a raiz de mandioca com satisfiição dos pcnozos tra- balhas do lavrador, alem de serem enxames {a) de for- migas, que elles jamais tiráo , e que no discurso dos tempos ficão pela immensa propagação delias incapazes de cultura, vistoque a preguiça, c indolência lhes tira as forças para atacar as formigas , e destrui-las. § 21. Por principios oppostos ao augmento da lavoira de mnndióca, era encaminhada outra rcprczent. çao ao mesmo Excellcntissimo D, Rodrjgo Jozé de Menezes cm 15 de Setembro de 178c , expondo-se a necessidade de hum re- gimento para guardar as mat-s , e conserva-las ; poisque da nul entendida liberdade, que tinhão os habitantes de entrar ncllas , a seu arbitrio, sem escolha, nem cbserv. çao, nascia a scnsivel falta das madeiras , que cada dia se ex- perimentava ; poisque cada hum cortava poronde que- ria, desperdiç3ndo-se infinitos páos em navios mercantis, que devião ser rczervados para se empregarem em peças da primeira ordem e grandtza , e que entre tanto que Sua Magestade não rezolvia a conta , que sobre este objecto tinha subido á Real prezença , julgava conveniente , que se nomeasse a Manoel Gonsulves Tarrozo por mestre e guarda das matas Reaes desde Mapendipé , até as matas de Tomo IX. z San- ca) iNáo III' tanto peJo maior rendimento, que conimuniniente en- contrão os lavradores na plantação da mandioca na inata virgem , que laz aquella preferencia á plantação das capoeiras, como por evitar o trabalho da capinação, que nas capoeiras he três vezes mais doque succedc nas matas virgens, onde apenas hunia he sufficiente , e na re- planta desta se topa os mesmos eiuames de formigas, Esta uota he do author. 178 Memorias DA Academia Real Santarém, e Igrapiuma , com a providencia de se não po- derem extrahir madeiras para navios particulares , scmquc precedesse despacho , e licença de sua Excellencia , e cum- prida na inspecção das madeiras , c por ella se assignasse o destricto, e mata, em que se deviao abrir os cortes; e que as peças principaes , como talões de quilha , couce , rodas , mastreações , e semelhantes , se não podessem cortar , semque precedesse exame, e escolha do referido mestre c guarda das matas ; vivamente reprez.entando áquelle Ex '"" governador, que só por tal meio se poderia evitar o fdtal e ruinozi) estrago , que se experimentava , e que acrescentasse a estas providencias as outras já dirigidas pa- ra impedir os roçados. 22. Conveio o Ex.""" governador na sua portaria {d) de 3 de Outubro de lySy em tudo que lhe propo/, aqucUe ministro, c mandou expedir as competentes ordens , para ter cm a mais littcral observância. Vio-se porém , que na pratica se não podião observar as ordens tendentes á prohibiçao dos roçados, pelo grande clamor dos povos, que viviao da lavoira, e pela sensível falta , que entrou a sentir-se do pão da mandioca no celleiro público. Não se podia lançar a linha imaginaria prescripta pelo governador pela confuzao dos domínios, e posse, em que estavao os povos, em vir- tude dos titulos do dominio de direito natural , provenien- te da occupação e cultura , que carecia desenvolver-se, e nssiirnalar-se prudentemente , e com conhecimento de cau- '/a. Entretanto o governador em carta de 17 de Setembro de 1785' cscreveo ao mesmo ouvidor, paraque facilitasse a cultura da mandioca pela falta daquclle mantimento da primeira necessidade , que se experimentava , recommendan- do- (1) Acha-se a copia desta portaria uo dito livro 1.° da inspecção dus cortes de maJeiías f.7U. I DAS SciENCiAs DE Lisboa. i-t/^ dolhc , que nas ordens, que desse para a cocservrçuo díir; matas, declarasse , que a prohlbição dos roçados semente se entendia nas matas próximas ao mar, e rios, cm que se podcsse conduzir as madeiras, e que lora daqucllas cm todas as mais se praticasse a cultura da mandioca. § 23. Em virtude daquella ordem , foi forçado o ouvidor da commarca contradictoriamente aos princípios da conser- vação das matas permittir as derrubadas para a plantação da mandioca fora dos lugares á borda d'agua , dirigindo em 23 de Setembro de 1785- suas ordens aos officiacs da camará , em que lhes declarou , que cmquanto se não pratica- va huma demarcação, que acabasse de regular, e demons- trar quacs cráo as matas, que deviao ficar reservadas para os Rcaes cortes, se podesse continuar na cultura da man- dioca , comtantoque se desviem os lavradores das vizinhan- ças do mar , e dos rios , ficando livres todas as mais dis- tantes dos portos, para roçarem e plantarem. § 24- Faleceu pouco depois aquelle ministro ; não se pro- cedeu até ao prczente na demarcação do domínio dos par- ticulares, ou do público; destruirão-se , e assolla'rão-se to- das as matas aborda d' agua, com irreparável perda; pois- que as matas que se propagão , e crescem nas capoeiras não produzem arvores suflícientes para o serviço dos navios de guerra. A experiência diurna confirma serem para sempre perdidos todos os bosques , onde entrou o assolador ferro dos mandioqueiros , e o fogo, aindaque tenha passado hum século d'annos sobre aquelles horriveis incêndios. Verda- de incontestável á vista das capoeiras grossas desampara- das da agricultura dos indios , na descoberta da colónia, (.ndc hum só páo se não encontra que tenha grossura, e z ii com- i8o Memorias DA Academia Real comprimento, que a marinha possa utilizar; porquanto as uionstruozas arvores não tomão corpo e bellc/a nos luga- res descobertos , e somente nas sombrias matas procuião disputar , qual primeira se apprezentará ao grande astro , que as aviventa , e lhes dá tão soberana grandeza. O Excellcntissinio D. Fernando Jozé de Portugal , proscguio com a mesma contradição do seu Excellcntissi- mo antecessor, persuadido da destruição das matas, que crescia na razão do maior augmcnto da cultura da mandio- ca , mandou fazer as maiores indagações , que hum t d objecto exigia , e indignado da destruição daqucUas adja- centes aos rios de Jiquiriçá , ao de Donas, e suas cabe- ceiras , mandou que fossem despejados os roceiros , c que só approveitassem as plantações feitas , e se consignasse^ para o despejo , termo racionavel , e os que não obcdctesseni fossem prczos, e summariados ; ficiíndo porem conscrva-\ dos todos quantos estivessem situados em lugares distantes dos sobreditos rios para fazerem as recommendadas plantações da mandioca. § 26. Aquellas ordens forão somente dirigidas , mas não executadas ; e não era possivel a execução , não se assi- gnalando o limite certo , que devia ser intacto ao ferro , e fogo. Os fabricantes de madeiras , que nellas plau/ivel- mente se internavão , reprezentavão , que não podiao fa- zer os cortes, semque lhes pcrmittisse as derrubadas, pa- ra terem do que se sustentar coma plantação da mandioca: aquellas razões apparentemente convencião aquelle Excel- lentissimo governador , elles ganhavão e proseguirão nas su.is derrubadas , com irreparável perda do património Real , assim na destruição, dos preciozos putunuijús, vinhatico , páo dasSgienciasdeLisboa. 1.8 r fáo brazil , que se qucimavao , como por quç faziao ccíi- tcs , que a sua desmarcada , e mal calculada smbiçã.o não podia approvcitar ; poisque sendo aqucllas mauis realen- gas , cada hum entrava e derrubava cem , duzentos , c mais páos, conforme podiâo, paraque outrog se não ap- proveitasscm delles , e não os podendo falquejar , c abrir , a maior parte ficáriío podres, e perdidos nas matas. Já ho- je são raras aquellas arvores, e ficão em distancia tão con- siderável , que em poucos annos custará á Real fazenda por huma só falca , ou prancha de vinhatico , ou putumu- jú, aquelle mesmo preço, pelo qual ainda hoje se obtém por huma dúzia. §1 27. Estando-sc na incerteza dos meios de conservar as matas, quercndo-se ao mesmo tempo, que nellas se fizes- sem derrubadas , e queimadas para a plantação da mandio- ca , chegou ao governador o Excellentissimo D. Fernando Jozé de Portugal a rezolução das suas contas, tendentes á conservação das matas , e que fez o objecto da carta regia de 13 de Março de 1797, para se organizar hum plano cm sessões , que se devião celebrar , e de que o Excellen- tissimo governador seria oprezidente, e adjuntos dclle o intendente da marinha Jozé Francisco de Perné , o ouvidor, que foi das Alagoas Jozé de Mendoça de Matos Morei- ra, e o ouvidor , que se havia de nomear para a comniar- ca dos Ilhéos , dizendo-se na dita carta regia, que o di- to Excellentissimo governador não poderia pretender algu- ma mercê ainda em remuneração de serviços , sem mostrar a execução, que tiolia dado aos objectos importantes da dita carta regia. § 28. Nomeou interinamente o governador para administra- do- iSx Memorias da Academia Real dores dos cortes de Cairú ao capitão mor João BnptlstJ Tei- xeira, ao sargento mor Luiz Bernardo de Souza , eaocapi- pitáo Gabriel Pinto de Pinho , a quem deo as mais apertadas ordens , para se não consentirem os roçados nas maias gros- sas , onde erão os cortes de madeiras , nem cstabeleccr-se algum lavrador nas cabeceiras daquellas matas. As camarás fizcrão reprezentaçóes , que não podião conservar-sc as povoa- ções , sem os roçado para as suas plantações , e do contrario scriáo forçados a dezcrtarem as viUas para não morrerem de fome , e não se dando algum remédio a tão grave mal ; e fi- zeráo tanto pezo as razões offerecidas pelas camarás , que o Excellentissimo governador por portaria de 23 de Setembro de 1797 ampliou as ordens, que tinha dirigido para a con- servação das matas, declarando, que aquellas , que mandara executar tendentes áquelle fim , em datas de 3 e 7 de Junho do mesmo anno , prohibindo que os lavradores cor- tassem, roçissem , ou queimassem as matas, só compre- hendia os terrenos, em que havia madeiras de construc- ção , ou páos Rcaes próprios para nãos , fragatas , e mais embarcações do Soberano , e não aquellas que erao assignaladas para as lavouras ; poisque nestas devião pra- ticar aquellas derrubadas , não só em beneficio commum dos lavradores, e mais habitantes; mas também dos tra- balhadores , occupados nos mesmos cortes ; por cujo mo- tivo mandou , que os referidos administradores , destinas- sem aos lavradores limites certos , em que podessem con- tinuar as suas plantações , emquanto não dava outra pro- videncia, precedendo huma vestoría pelos mestres, e ad- ministradores dos referidos cortes, a fim de conhecer, se os lugares, que se pretendia abrir para a lavoura , tinhão ou não madeiras Reaes; não se consentindo jamais que na altura dos cortes , ou nas cabeceiras se estabelecessem lavradores , ainda com o titulo de sesmarias , pelo estrago ouc podião cauzar nas matas, e finalmente , scriao responsá- veis os referidos administradores pelo excesso que houves- se na execução das ordens mencionadas. § dasScienciasdeLisboa, i8;> § 29. Como o dominio dos bosques se achava por cccupa- çáo geral , nos diíF^rcntes particulares , promiscuamciite se permitdrão as lavouras nos mesmos lugares dos cortes , so- ccgando os administradores ao Exccllcntissimo governador, (]uc as plantações e derrubadas se fazião onde já não ha- via madeiras , por ter passado o corte , ou mais para ci- ma , ou para algum dos lados. Era incontestavelmente cer- to, que desde Jiquiriçá até Pinaré , abundao as matas de todo o género de madeiras de construcção , e marchetaria , c edificação dos prédios urbanos , existentes não amontua- damente neste , ou aquclle lugar , mas sim entre huma infinidade de arvores, cujo uzo ainda se desconhece no comercio, as quacs crescem até o seu máximo ponto, e adoecem e morrem, e nascem ao mesmo tempo muitas outrjs , para substituir a natureza a falta daquellas , que perecerão, ou que se cortarão j portanto não significa na- da passar o corte por alguma parte da mata , para se jul- gar despida das arvores, cujo corte he proveitoso á ma- rinha ; poisque durante o serviço do desembargador Fran- cisco Nunes da Costa, não se encontrando na rica mata de Mapendipe arvores , de cujos troncos se podesse tirar as peças , que exigião os constructores para a fragata Carlota , depois de doze annos forão encontradas naquelle mesmo lugar , que servirão para a náo de 74 Príncipe do Brazil j confirmando a experiência , que toda a mata intacta do ferro e fogo se conserva em toda a sua espontânea repro- dução das arvores próprias do seu local , e que na ma- dureza dos fructos a natureza se occupa de perpetuar a sua geração , emquanto outras sobem ao seu máximo cresci- mento , para pruduzir hum corte vantajozo ; assimcomo largando-lhe o fogo ficou perdida , e incapaz de produzir arvores , cujo c(Srte possa nos futuros tempos ser profícuo ás Rcaes construcções. 184 Memorias da Academia Re Ar. § 30. Formalizou-se com a minha chegada á Bahia hum plano , que teve provizional approvaçao , e do qual se da- rá a historia , e inutilidade quando tratnr dos cortes de madeiras do Caiiú. Os povos de Camamú ficarão cm toda a sua liberdade para as plantações da mandioca, e os principaes do paiz constituirão os seus estabelecimentos para o Serenhacm nas terras dos indios de Santarém , e para o braço do Acaraiii , e Caxoeira da villa , exportando para a cidade a farinha de mandioca , e também para Pernam- buco, durante a fome, a que se reduzirão pela falta da- quelle essencial género de sustentação dos povos : aquel- le novo plano, ftito para a conservação djs matas, os dei- xou na posse de fazer as suas derrubadas pira as planta- ções da mandioca , por não serem aquelles terrenos com- prehen lidos na demarcação dos cortes, á excepção de hu- nia legoa de terras, entre o Serenhaem , eo Pinaré. § 31- A famoza barra do Camamií , abre o caminho da in- dustria áquelle povo; e, se elle tivesse chegado a maior gráo de civilização, tiraria sem duvida grande vantagem de huma barra susceptível de receber em si os maiores va- zos, e para maior inteligência, descreverei primeiro a ou- tra pequena barra do Serenhaem, com a costa, e rios, que seguem, e tomão diversas direcções, a formar o mais bello, e útil recôncavo. Quando os ventos não pcrmit- t.m t'imjr a barra grande, as embarcações entrando então ro presidio do Morro , buscão o interior dos rios , que desaguão na barra dos Carvalhos, que fica em 13° 45' com fundo de 13 braças, para buscarem, ou a barra grande, ou o Serenhaem , e poderem ancorar na villa : o canal da barra dos Carvalhos he estreito 3 e por isso carece de se en- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. [í!^ entrar com pratico delia, por ser acompnnIuHÍi t^c pc- o.ras , que se dcixao bem perceber ao norte , pela rrjnJo rebentação, que faz, e acompanha esse recife toda a en- seada da costa até á ponta chamada dns Ciuvalhos , c ptla parte do sul hum baixo de arêa , formado da ponta da bar- ra , o qual continua até o Cordão , onde se forma a barra ; c desde então se navega por liuma enseada larga sem risco dando-se apenas resguardo ás pedras , que estão no meio da enseada , defronte da embocadura do rio , que de Pi.ra- tegi tem o nome , e desagua na costa ao sul da mesma bar- ra. § 3^' Aqucllas pedras, que do rio tomarão o nome , são for- madas por vermes, que lhes dão diíFerentes figuras de ar- voredos, formando nas suas ramificações grandes cabeços , que se unem ao tronco principal , c vem de hum grande fundo , e sáo tão brandas que se quebrão.com toda a faci- lidade pelas embarcações , quando por descuido nellas to- cão de maré vazia, das quacs queimadas se extrahe muito boa cal. Quando o mnr está embravecido , de longe se deixão ver pela sua rebentação : entre aquellns pedras , c a costa do Parategí ha porém hum canal , pelo qual borde- jão livremente as embarcações. Passadas aquellas pedras, ou pelo canal de terra , ao largo se demanda a barra do Sercnhaen que na lingoa geral dos indios, significa couza que está no prato , e sem perigo se navega até encontrar os baixos chamados do Gordão, que principião da costa da parte de oeste, para este até a' ilha do Guiepe , que na lingoa geral exprime enseada que faz a ponta de terra. § 33- Ao pé do Guiepe se topa huma pedra , onde termi- nando o Cordão, faz hum pequeno canal, pelo qual passâo Toma IX. Aa as i86 Memorias da Academia Real as embarcações na maré cheia. Seguem logo pela ponta de este os baixos encostados á ilha , que são de pedra , e se navega para dentro, pelo canal do rio Scvtnhacn , cheio de baixos pela parte de oeste , onde fieão os medonhos bai- xos , que de Apaga fogo se intitulão , e peia parte do sul os escaracéos , e ondas dos baixos conhecidos por Saltão e Coroei grande com canal pelo meio ^ que não dá passagem ás embarcações maiores , senão nas marés grandes e es- tando cheia. Fieão então ao norte da Coroa grande o rio de Serenhacn bastantemente fundo na sua embocadura , e dá o nome a esta barra , tendo de fundo esta doze palmos no prcimar. Na costeira que dos Tubarões se appcllida , se encontra hum baixo de pedra chamado Sororocussú que na lingoa dos indios significa maré que bate na praia e ronca ^ e a costa proscgue até á ponta que de S. Miguel he invo- cada, da qual hum banco de arêa procura a ilha do Guiepe: pasmados aquelles bancos , dando-se resgujrdo á pedra do Sororocussú , e a outra Pedra furada que fica ao sul, toda a mais costa he limpa e funda até dobrar a ponta da ilha , onde vem desembocar o rio Igrapiuna com bom fun- du y ficando fronteira a ilha de Camamú, § 34. Estando-se éste-oestc com Taipumerim ao mar das Pontas, distancia de -^ de Icgoa se topa o Guiepe a nor- Tiorocste, ea costa corre para a barra grande a noroeste: cstando-se no mar largo , e abra aberta com a barra se na- vega ao longo da parte do sul da costa , desviando-se uni- camente do que apparece á vista ; e logoquc se for do- brando a ponta do Muta , se deve dar resguardo a pedra Sioba que fica encostada á ponta , junto de terra. A barra grande e-^^tá a 14° ao sul, com fundo de 18. braças, ten- do capacidade de ancorarem nclla as embarcações de alto bordo; he abrigada dos ventos este, e sul desde a ponta da barra até o Campinho , e na distancia de huma legoa po- DAS SCIENCIAS DE LiSBOA, 1S7 podem estar fundeadas, muitas e grandes embarcações por ser a costa limpa até o rolo da praia , tendo apenas tm meia enseada ao pé de terra hum pequeno recife na boca do rio Carapiranguí , que tem o nome de Taipaba , o qual não embaraça a amarração dos navios , por estar qua» zi no seco , c rolo da praia. § 3f- Tem aquella enseada cu bahia da barra pela parte do norte , em distancia de j de legoa , a ilha de Guicpe , que forma os baixos do Saltão , ou ponta do sul , e a ilha de Camamú a oeste : cria-se naquella ilha do Guiepe bcl- las plantas, c algumas arvores, de cujos préstimos a medicina , e as artes tirarião muitas utilidades , em pro- veito não menos da humanidade , se fossem cxtrahidas pe- la hábil mão do botanista ; o milhomens , o alcaçuz , o salsafraz , o sipó de chumbo, a tarrinha , a butua , batata, quina, ea ipecacoanha são alli encontradas sem trabalho, e muitas outras. Tornando á descripçao da costa , vencida a entrada da barra , logo se vai buscar a villa de Camamú por muito bom fundo , navegando até á ponta da pedrei- ra , e ao sul da Pedra furada , que he huma ilha , cuja entrada a natureza embellezou com hum arco de pedia e dentro contêm varias grutas, onde os pescadores achâo refugio nas tempestades. § 3^- Navegando-se ao sul , se encontra outra pedra , que de Cavallo tem o nome pela sua figura , dobrando-se esta pedra se costêa a ilha, em que podem fundear sumacas, dcsviando-se da ponta , que por Tupú he conhecida , con- tendo huma pedra do mesmo nome, que forma canal para pequenas embarcações, entre aquella ponta ea pedra; e os ique com mais segurança nayegão , seguem por fora Aa ii da i88 Memorias DA A CADEMiA Real da pedra, encostados ao baixo da pedra do rio Jgroptmay e então se vem buscar a villa por algumas das seis bocas que íem entrada no rio delia, as quaes sáo conhecidas pelo canal de Pinaré , canal do Vinho , canal da Estaca , canal das Bana- nas , canal dos Braços , canal do Condurú. § 37- Entrando-sc por qualquer das bocas referidas , logo em pequena distancia se encontra o riacho Mavemo sem sa- bida, e pouco depois o canal, ou riacho Jerni, e mais distante outro chamado laguaripe , e logo se chega á pon- ta e ilha do Gato, eo rio seguindo até á villa, prosegue logo para cima , com voltas tortuozas , muda ahi o nome para Acarahi em caminho de ocstesudoeste , ficando para o sul em pouca distancia huma ilha , que da Cruz se appel- lida , que segye para o rio chamado da Caxocira da villa. Daquelle porto do Acarahi se topa o córrego do Gravata em distancia de hum quarto de iegoa , d'i nde principia huma groza de mato grosso, que segue pelo caminho do Braço até o oiteiro do Morro por huma Iegoa circulada de capoeiras , nao se achando matas virgens senão de- pois de se vadear duas , e mais legoas. ' "'■^'- § 38. Também se faz a navegação de outra n^aneira , dei- xando o rio de Marahú , c as ilhas de Camímú se busca o rio Araguahi ao norte pela costeira chamada da Cújahiha a buscar a boca do rio Matapéza que corre ao sul , ficando para o norte a ilha de Mangue conhecida por Marangu- assíi , por entre 3 qual fica o canal do rio Matapéza , fi- cando defronte aquclla outra , que tem o nome de Ma- Tttnguamjrim , com hum baixo de aréa e pedra a oeste, a que lhe chunlo J^nce grande .^ desde então, navegando- Se pelo mesmo canal , se topa a ponta do Camarão em camiiihq do &\^ <, com suas voltas , fincando na boca do rio ; u pa- TAS SciENCiAs DE Lisboa. 189- para oeste a ilha de Garças com cnseatia para oeste, tendo no meio do rio duas ilhas appçllidadas Ilha grande para a parte de éi.te ; a navegação he então com niiiitjs voltas até a Caxoeira com fundo até o poço : aquclle lugr he povoado com muitos lavradores, e as matas virgens fi- cão três legoas arredadas do pprto , fazendo-se naquclks terrenos as lavoiras de mandioca , caffé , e canas. § 39- Se a navegação he encaminhada á ponta do Chiqueiro para o norte , se topa huma ilha de mangues entre sete barras ; cujas bocas entrão por Finaré , Camocin , e Igra- puina , c seguindo a costa fica para o norte o rio C^iba com huma ilhota de mangues na boca , e nesta direcção se vai á villa pelo caminho do Pmaré , ou dos bosques. A villa foi situada sobre huma colina (como ja disse) nas vizinhanças da Caxoeira, que a faz gozar das percnnes virações do mar, que a refrescão ; tem huma só rua prin- cipal com ca/as por hum e outro lado, quazi todas ter- reaes , despidas de ornato e decência ; porem próprias ao ca- racter, e possibilidades do povo 5 não vivem ahi pessoas de nobreza conhecida ; poisquc a maior parte se com- põem da classe da mulataria, e daquelles mizeraveis , que vicrão do reino por marinheiros nos navios melhorar sua triste condição, e alli cazárão. O templo da matriz era accomodado , e proporcionado ao estado do povo , de bai- xo da protecção de N. S, da Assumpção , que he o orácu- lo ; mas a desenvoltura de hum clérigo fez , que se arra- iasse por terra : alem daquelle , existe outro no fim da villa, da invocação da Senhora do desterro, e outro cléri- go administrador da igreja , tendo consumido os rendimen- tos a deixou em termos de vir ao chão. Os povos igno- rantes c teimozos são inclinados a chicanas do foro, e por este motivo os ouvidores fazem allí a maior assistência por lhes render a vara mais dinheiro j que em alguma ou- tra IÇO Memorias da Academia Real tra villa : a corrupção dos costumes he alli cm seu auge. Tem havido parodio, coadjuctor, e mais sacerdotes da villa, que não dão ao povo a competente instrucçao , nem exem- plos capazes de o tirar da sua ignorância , e immoregirada conducta. § 40- O' proprietário do engenho do Acarahi Jczé de Sá BitJncourt, e seus irmãos fazem com razão a primeira fi- gura no paiz pelos seus talentos , cducnçao , e rcprezcnta- ç3o em que se achão : elle foi encarregado pelo governo de ordem da corte , de examinar o salitre natural dos mon- tes altos, allí espontaneamente produzido: diligencia que lhe deo sem dúvida direito a pedir huma justa remunera- ção. Ha muitos annos se não ignora a existência, e abun- cia daquelle tão preciozo sal , nos montes altos, e outros lugares ; poisque no reinado do Senhor Rei D. João IV, iá Garcia Rodrigues senhor da Torre, rico, e potentado, possuindo mais de noventa fazendas naquelle tempo , pe- los certões , revestido de grandes poderes sobre os indios , oíFereceo hum certo número de quintaes de salitre, se con- seguisse a mercê de Cavallciro na ordem de Christo, mais o foro de fiJilgo, e o senhorio de huma villa; porém en- contrando difficuldade na condução, rogou ao mesmo Sobe- r.ino , se dignasse mandar receber sessenta mil cruzados por aquella obrigação , e entregou o dinheiro , e não o salitre. A Real fazenJa , depois de despender mais de trezentos mil cruzados em explorações, e estabelecimento da fabrica pira a extracção dclle, mandou o Senhor Rei D. Jozé I. ao Conde D. Marcos, que fosse examinar pessoalmente, e com cUe o chanccller'Thomaz Robim aquellas minas; eo ultimo rczultado depois de pessoacs exames, foi man- dar-sc suspender a fabrica; julgando assim o governador, como o ministro informante, não convir á.Real fazenda a extracção, e cc7nducção por sua conta , e que antes se en- tregasse ao commercio aquelle novo género da colónia. Con- dasScienciasiieLisboa. ]9>% Constamlo no nainisterio tocJos estes, factos ; ooçituiio a» circumstancias de huma guerra; tão assi.cn^broiiaí, : dtrãQ o justo valor áí amostras que levou Jo/.é de Sá» c stí csspc- dírão ao governador c capitâio general da. Bahi»» ordens, para mandar abrir á custa da Real fazenda a cstxada. paro* a conducção dcllc, pelos lugares que expunha o mesmo Sá ser conveniente , e com promessas de grandes acrescenta- mentos chegou á Bahia para dar principio á estrada , que se abrio já para os montes altos ; mas que as cireuiíistan- cias do tempo tem impedido o tomarem-se a esse respeito medidas serias, e decizivas. § 4i« Seria talvez conveniente , que o salitre fosse conduzido pelas estradas já estabelecidas com taz(,nd^s, e povoações para Nazareth ou Caxocira , livres de pasí>agem d^s barras , e hoje bem dirigidas com tanta gloria do crpitão nu r da conquista João Gotisalves , nos cones que ft/ em Santa Igne/- evitando seis dias de viagem por caminho impossível de povoar-se sem intervallo de longos annos. A estrada do rio de Contas, antigamente aberta para os funjs e dalli para Camamú , podia ser aproveitada , evitando a Real fazenda a despeza da nova abertura , que podia ser appli- cada para o estabelecimento da fabrica , e despezas da ex- portação do salitre: e quando ainda assim aquellas frequen- tadas communicaçóes não produzissem o dezejado cffeito de ficar o salitre na marinha por custos proporcionados , que antes de tudo se deve exactamente calcular, ainda restava outro meio de o fazer conduzir pelo rio de S. Francisco até á pancada ou Caxoeira de Paulo Affonso, aonde os cazaes , que forão remcttidos do Reino para po- voar a nova estrada se podião estabelecer , porquanto passado aquelle grande salto do rio , já navegao as suma- cas , e bircos na exportação do sal, e na retirada podião conduzir o salitre para Pernambuco, ou para aquelle porto, c^ue I9a Memorias da Academia Real que o governo julgasse pela experiência e calculo das des- pegas da exportação ser mais conveniente , vistique as montanhas dos montes altos estão cobertos de salitre , c he a sua abundância muito superior áqucUa , que no ministe» rio se tem feito sconstar. § 42. Tem a communicação , que se fez de Camamií pnra os certôos, o grande inconveniente de se vadear mais de 20 legoas de matas virgens, onde se faz custoza a aber- tura de fazendas , e de pastagens para subsistência dos passageiros, e conservação dos gados , que por cila houves- sem de transitar; vistoque os indolentes paizanos, ha mais de dois séculos, apenas tem feito lavoiras na distancia de j de legoa , tirando dos mangues o marisco , c do rio o peixe para a sua subsistência , motivos que lhes impe- dem o penetrarem o centro das matas ; são alem disso aquelles terrenos montuozos de incómmoda passagem em alguns lugares , e quando os ventos do mar se cncontrã9 com os terraes contribuem para a precipitação de grandes chuveiros , que fazem nao só vicioza a vegetação ; mas também concorrem para se formar huma atmosfera húmida , e mefítica , onde desapiedadamente ficarão victi- mas alguns desgraçados ilheos , que forão constrangidos a subsistir em taes lugares, morrendo de hidropezia huns, e outros de pura mizeria ; alguns mais afortunados desampa- rarão tão funestas habitações ; e a Real fazenda veio a perder não só a despeza feira com a conducçao daquelles cazacs , como também a compra dos escravos, que lhes foi promcttida , alem de sessenta mil cruzados despendidos com a abertura da nova estrada ; poisque os viandantes dos certocs acharão , pela falta dos pastos e fazendas , muis conveniente exportarem os seus géneros por aqueilas já frequentadas , as povoações de Nazareth e Caxoeira , que de virem buscar a de Gamamú, temendo a perda de seus DAS SCIENCIAS DE L I S B O A. IÇJ seus animacs, e receando a pouca extracção dos seus cffci- tos. § 43- Continuemos a observar as communicaçoes interiores , que a barra grande subministra para o recôncavo daquella viUa , e acharemos, que dobrando-se a lingoa de terra da barra para este, se chega a huma ponta, poronde entra o rio do Campo, c do Ananáz navegável de canoas; por cuja boca se segue para ambos , ficando o rio do Campo a éstc , e a entrada a nornordeste , findando depois de va- rias voltas a sueste : a oeste se acha então huma ponta de mangue, e mato, a que lhe chamão acosta, que entran- do por entre ella, e a boca do rio do Campo, vai até o lio de Mutum com embocadura ao norte deste : navcgando- se por de traz daquella ponta , em caminho do norte , e voltando depois ao nornordeste se entra para a tromba deixando huma ponta de mangue para a parte de este , poronde entra o rio de Mutum com hum furado para a mesma tromba , e pela mesma boca entra também o rio da Mata em rumo de nornordeste com voltas. § 44- Para oeste se avista a ilha , que do Ganna se hon- rou , circulada do mar, e dá entrada a canoas por dctraz delia , ficando fronteiro ao rio da Mata outro , que para a povoação de Taboroê se encaminha : diante se topa outra ilha , que do papagaio se chamou , e per entre a qual fica a ilha da alta finca , junto a outra ilha chamada Romão com hum rio , que em caminho do sul vai ao porto da villa dos Índios de Santarém , com outro braço do rio , que voltejando no mesmo rumo finda na Caxoeira grande, ficando atraz as ilhas da pescaria do Sipó , e Aracaripe com os riachos Semeáo , S. António : defronte de Santarém fica a ilha chamada Pericoara , e o rio ^ que vai para o Tomo IX. sb por- 194 Memorias da Academia Real porto da villa. Vem-se vestidas as matas da terra firme de todo o género de madeiras de construcção , ainda na vizinhança dos portos; pijacipalmente no rio do Campo , caminho de nordeste, onde ficiío as ilhas da Estiva, da Palha , das Canoas , e todas as cabeceiras do rio do Campo. § 4J- A villa de Santarém aprezenta a mais brincada vista das suas ilhas , que a fazem alegre , e formoza , sobre o alto monte coUocada ; mostra aos habitantes de hum lado as ricas matas , aindaque hunia legoa dcstruidas á borda de agua , ç de outro os diversos portos , e barras , que a providencia lhes liberalizou, para exercerem a mais acti- va circulação do commercio : meia Icgoa adiante lhes aponta a vista das matas da Caxueira grande , que o seu proprietário o padre Joaquim Francisco Malta conserva in- tactas i e legoa e meia regada do rio que faz hum bcllo porto de desembarque com dois braços, que dirigem para o norte , e sul e diante a nova freguezia de Nossa Senhora das Dores de Igrapiuna com portos accomodados á con- ducção de todo o género de madeiras. As matas de Igra- piuna forão destruídas cm distancia de duas Icgoas , sendo tão abundantes de madeiras de construcção , que em hum pequeno rossado mais de quinhentos páos forao por mim vis.^>s abrazidos. As matas do Finaré em capoeiras até legoa e meia são cobertas de sipipir.is , e naqucUes terre- nos nãcOí achão os lavradores da mandioca conveniência em as plmtar, por ser aterra muito árida, em a qual as sipi- piras se nutretn, e crescem direitas sem esgalharem. § 4^« Foi erigida aq'.vella villa, assimcomo as mais dos inJios, pelo ouvidor Luiz Freire de Veras no anno de i7j!i: compõe-se de 70 cazaes;, os quaes se occupao nus DAS SCIENCIAS DE LlSBOA. Ipj" nos cortes de madeiras , e de as descer pela caxocira do rio de Jcquió , com extremo valor c destreza assentados , ou em pé sobre as falcas de vinhatico , ou piiiumupi, desviando-as com liuma vara na mão das pedras , accumet- tcndo pcrigozas passngens e correntezas das caxociras , por duas patacas, que se lhe paga pela descida de cada liuma : vivem como os de mais Índios viciozos , entregues a aguardente , dissipando cm huma hora o que ganharão nas mnt.is, para as quaes não tornão a subir, semque os por- tuguczes , com quem se ajustão, lhes dem novos suppri- mentos de dinheiro, e fazenda para si, c suas Famílias; por cujo motivo estão sempre devedores aos f^ibiicnnies das madeiras, e alguns para se desonerarem de lhes pagar forão trabalhar para a nova estrada do Camamú, de onde dczcrtárão para as villas do sul. Plantão mandioca , quunto baste para a sua sustentação, o que he serviço das mulhe- res ; a pesca entretém a alguns , porém no tempo de chu- va nao sahem de ca^a deitados na rede com o f"go ao pc , e o pote de cauim , que he huma bebida espirituoza , c produzida da fermentação da mandioca , ou aipim pizado levado a ferver ao fogo , e deixado a fermentar. Sfio as mulheres as que vão buscar a mandioca para ralar, e fazer a farinha, e as que diligenceião o marisco dos mangues, eo peixe, entre tanto que os maridos se sévão na preguiça, e se entregão aos vicios da sensualidade. Os pais dormem juntamente com os filhos e filhas cazadas e solteiras , e todos prezenceão a sua corrompida brutalidade; e muitas vezes são elles mesmos, que abrem a's suas filhas o cami- nho, das prostituições; o que he geral nas povoações dos Índios , e ainda nas dos portuguezes. § 47. Na legoa de terra , que lhes foi consignada para as suas lavoiras , morão de arrendamento alguns portuguezes , que fazem muito boa plantação de mandioca e caffé , com Bb ii que iptf Memorias DA Academia Real que adquirirão huma subsistência honrosa , e continuao nel- la , por ser o terreno próprio para aquella plantação ; po- rem os Índios não seguem o exemplo dos foreiros, nem as continuas rccommeiídações , que durante o tempo do meu serviço em ouvidor da commarca lhes fiz, chegando a sua indolência , e ignorância a tal extremidade , que depois de terem plantado nos seus quintaes muitos pds de cacáo, ás minhas solicitações , promettendo-Ihes para os animar j de lhes pagar a arroba de cacáo por hum preço superior que os contentasse , meterão ncllcs os machados , depois que chegou o novo ouvidor da commarca , dizendo , que de nada lhes servião aquellas arvores j nem porora existe alguma esperança de melhoramento. CAPITULO VIL Da vi/la de Boipeba. § 1. XjL vii.la de Boipeba , que os naturacs pronuncião Unboi- peba^ exprime o mesmo que cobra chata ^ he huma das mais antigas da commarca , situada em huma ilha , que lhe dá três barras ; a snber , a do presidio de S. Paulo do Morro, onde principia a ilha, a barra da villa , e a dos Carva!hos. Tem por termo o mesmo presidio situado na altura de 13° 30', a sua figura lhe dá o nome, princi- piando a maior eminência quasi a perpendiculo , sem base piramidal, em que se sustente no lugar e ponta, que olha para o norte, e pelos lados corre ao mar, tendo a costa pelo este , que vai correndo por fora da ilha para fls villas do sul , pelo oeste o mar navegável , entre o mesmo Morro , e terra firme de Giquiriçá , com largura de meia legoa, que vai continuando por dentro do mesmo . . . pre- DAS SciENCIAS DE LlSBOA. I97 presidio , cm hum mar bonançoso para as mesmas ilhas do iul , ou terra firme. § 2. Occupava a guarniçlo , e os moradores delle meia Icgoa de cerra , sem foro algum , por ser a terra da coroa , em que fizeráo casas de vivenda, e seus quartclanjcntos: pela parte da costa do mar largo , corre o caminho para u sul, dividindo o rio chamado Ziniho , c terra de João Liques , e pela parte da Gamboa lazendo caminho de susu- este , parte com outro rio , e terras de Manoel Fernandes , e dalli por diante continuão as propriedades dos morado- res da ilha cm terras próprias ou arrendadas. Ha seis an- nos porem torão desapossados os miseros soldados , e pai- zanos desta sua posse , confirmada no tombamento , que fez para a Real Coroa , o chanceler que foi da Bahia Áliguel Serrão Diniz cm 14 de Outubro de 1772, pelo governador daqueilc presidio, fraudulentamente comprando a dois sol- dados humas porções, que diziao ter, e em nome de ou- tros herdeiros o restante , e semque elles percebessem o valor da arrematação feita em Cairú , se chamou ao senho- rio, quando tacs herdeiros nada tinhao pelos seus titulos na terra dada pelos antepassados, para a fortaleza , que se erigio no tempo do governador o Excellentissimo D. Vasco Fernandes Conde de Sabugoza , como consta da inscripção, que se acha na porta da fortaleza com armas Reaes , nem se oppozerâo ao tombamento , tendo aquelle ministro fei- to citar por edital, que se fixou cm 8 de Maio de 1772, c com aquclles titulos illudido o Excellentissimo governa- dor D. Fernando José de Portugal , o mandou conservar na posse delles , contra a da Real fazenda , e de se acha- rem aquellas terras no tombamento nos dos próprios Reaes / na caza da arrecadação da fazenda da capitania da Bahia , e tombando as mesmas terras para si , exigio o aforamento injusto, que está percebendo SciENCIÁS DE LiSBOA» ZOÇ formou , e que tem huma capei la da invocação de S. João Baptista. Na boca daqucllc se topa huTna ilha de man- gues , que por todos hc chamada o Cabeço , a qual divide o mar com a costeira da povoação do Galeão : fica na mesma direcção outro rio, que Tapccisicn lhe chamarão, o qual cm rumo de oeste busca a povoação, que ilellc tomou o nome: logo mais adiante está outro rio, que Aíaricoabo , ou Bartraqitdvaa , segundo o idioma indico , hc appellida- do , e de seu nome se conhece a povoação existente com sua capella , da invocação de S. José de Desterra : depois o rio de Caiaiva , que também deo o seu nome a outra povoação ; antes daquelles rios se topuo as ilhas chamadas de Sauna y do Meio ^ e do Cascalho^ ou Sabacií y com hum canil , que vai para a povoação de Taperogua , e hum furado para o rio de Una , c na mesma navegação se des- cobrem os rips do Campo , o da Galé , o do Pitanga o de Sarapuhi , Engenho , Camorogi , que igualmente dei- chárão seus nomes as povoações hoje tão recommendaveis pelas lavoiras da mandioca, arroz, café, e cortes de ma- deiras , que constituem a riqueza dos habitantes. A povoa- ção de Camorogi terri huma capella de N. Senhora d'Aju<- da, de que he administrador o padre João Muniz Barreto, huma das mais ricas pessoas da commarca. Fica logo adian- te a grande povoação de Taperoaá com bello porto de desembarque, com huma capella de S. Braz , de que he administrador o capitão mor Luiz Bernardo de Souza : pro- segue orlo grande a embocadura do Jequié, avista-se então o rio Jordão , que por este lado termma o termo da villa do Cairú, e busca então para o sul differentes ilhas, e rios , que vão até Cabossú , e S. Tiago , que pela cos- teira do norte se dirige á ponta grossa , e rio Aritiba , que sahe no lugar que Sambauna se chamou , com o qual divide , e forma a ilha do Cairú , ou caza do sol , na Jin- goa geral ; povoada a terra firme , e ilhas com cinco eqíI habitantes. -'. lomo IX, od. § •aro Memorias da Academia Real Tem aquclla villa liuma só rua , que vai do porto i matriz da invocação de N. Senhora do Rozario : e para o outro lado fica o convento dos religiosos capuchinhos, da provincia de S. António da Bahia. O templo da matriz hc proporcionado , com quatro altares , alem da capclhi mór , ornado decentemente, c he huma das freguezias, que tem as alfaias necessárias , para se celebrarem as funções da rc- lit^ião: celcbrão-sc as festividades no mez de Outubro, para as quaes todos concorrem , e vão assistir talvez mais por divertimento público, que por motivo de hum culto espiritual. Concorre de todas as partes o povo ; e he en- tretido nas tardes das festividades com cavalhadas , e d noi- te com comedias, reprczentadas pelos seus mesmos concida- dãos , que não tem intelligencia e gosto das peças , que produ7em em público, depois das dez horas da noite, ar- mando-se hum theatro portátil no mesmo dia do diverti- mento, defronte do convento dos franciscanos, ou da frc- guezia. O convento tem toda a proporção e grandeza ; ha vinte artnos occupava vinte e mais religiosos , que se cm- pregavão no ensino da mocidade , alem das funções do seu ministério : hoje apenas se contão nelle quatro velhos , que edificando os povos com o exercício da virtude , não podem pela idade e moléstias servir ao público , nem a si mesmos , faltando-Ihes as esmolas para se manterem , e conservarem o mesmo convento. § 3- O local da villa , e os estreitos limites delia , faz que tiâo possa subsistir o povo, se os habitantes da terra firme lhes não fornecem a carne , farinha , e mais géneros, Deo motivo áquella tão imprópria situação o temor dos selva^ gens y que de continuo insurgião sobre as povoações , fre- chan- DAS SclENCIAS DE LfSBOA. ílt chando , e matando quantos encontraváo , ou quê desacau- tcladamente cahiao cm suas mãos; e por isso se refugia- rão na pequena ilhota , ' para melhor se defenderem , e se livrarem dos horríveis damnos , que o gentio lhes fazia, entrando em grandes corpos nas pequenas fazendas , em que cstavão estabelecidos alguns colonos , e até arrombaVao as portas das capellas , erigidas cm Una, c M.ípcndipe , es- palhando por terra, e pi/.ando as sagradas alfaias; taes erão os Tupinambãs , c Amores destemidos , que parecia se dispunhão a acabar e destruir todas as povoações da terra firme. § 4» Os diuturnos gemidos, c consternação fatal do povo, os lastimosos accidentcs , que todos os dias assignalavao por continuas e dcsastrozas mortes, aafflição, e a dor de muitas famílias, que erão forçadas a abandonar as suas ha- bitações, chegarão a ter fim, logoque o Vicerei o Con- de das Galveas , condoido por extremo das lagrimas do povo afflicto , se dignou attender á reprezentação , que lhe dirigio a camará em 24 de Fevereiro de 173 1, onde se expunha vivamente o grande destroço , e mortandade , que os bárbaros acabavâo de fazer naquelle mesmo tempo, nas rossas de Francisco AíFonso da Silva. Mandou o Vice- rei aos Coronéis da conquista , que com as tropas do pre- sidio do Morro , e indios mansos atacassem aquelles , que vagavão nas cabeceiras das matas , e a João Ferreira Riba encarregou a entrada , paraque se estabelecesse nas cabe- ceiras daquelles destrictos , formando arraiacs com planta- ções sufficientes para a sustentação das pessoas , que o acompanhavão , é seguisse ao gentio, todas as vezes, que tivesse noticia dclle , trazendo sempre huma bandeira , cor- rendo todas as matas para embaraçar , pelo menos , aos bár- baros novos assaltos. E paraque o projecto na execução ^ não encontrasse algum embaraço, ordenou aos juizes, eoíFu od ii ciaes ai% MeMOBI^S.DA ACA.DEMIA RçAL ciaçs da camará , ^ 4<ísí«pfíj áquclle eoronel todaa ajudsie fa-» vor para aqucUe estabelecimento ;; e o mesmo fizesse a iQr 4os. os officiaeS' de milícias, lembrando áqucille Jaão Fer- reira Riba a expectação em que ficava, de que desempe- nharia tão importantfiçommissão, segurando ser Ihç proce- desse nella como devia , e elle esperava , o havia de atten- der pos seus requerimentos , e recommi:adar na Rçal prc;» sença Q^íSeu préstimo, e merecimento ^ e dss mais pesr soas que o acompanhassem, c se distinguissem neste servi- ço ; advertindo-lhe porcMii , que por nenhuma maneira fizes- se algum exame por descobrir ouro naquellas vjsinhanças , em distancia menos de 8o Icgoas da bciramar , por ser contra as ordens de S. Magestade. Com estas instrucções dcspedio edito coronel em 22 de Fevereiro de 1736. § S- Erão instruídos 05 Índios selvagens do estado da ter- ra por aquelles , que se intitulavão mansos , acornpanhan- do-os : taes erao pas suas incursões hostis os indios de huma aldêa estabelecida' sobre a grande propriedade edifi- cada então na cachoeira do rio de Una , que possuia o potentado Sebastião de Pontes, derrotada e perdida com a sua prisão. Aquclla propriedade se ennobrecia pela sua grande fabrica de assucar , e outras officinas , alem de es- cravos, tinha no seu serviço, humá aldêa de indios. Na- quelles tempos vinháo as charruas ao presidio do Morro , c na paragem chaniada o Curral y fundeavão para receber a seu bordo as Reaes madeiras , qqe se cortavão nas ma- tas de Una e Mapendipe , com vigia e cautclla , por cau- za do gentio ; e como succedesse que hum dos olficiaes da charrua olhasse amorosamente para huma das mamelu- cas daquelle Pontes , este surprehendendo-o mandou que se lhe marcasse as costas com huma enchada abrazada de fo- go. Aquelle insulto r prezentado ao Senhor Rei D. João V, O commandante teve ordem para, o prender, e o conse- guio dasScienciasdeLisboa. " ei5 puio atifliçoadoaicnte apanhando em seu bordo ao ditQ Pontes, a quym rinlia convidado para jantar, c logo levan» tando a ancora , c soltando as velas , navegou pela barra do. presidio do Alorro. Foi então que aquelic desgfíçado conheceu o engario , e a sua perda ; a cólera se manifestou no !>cu scniblantc , a indignação se revcstio inutilmente do seu furor ; mas o infeliz det-arxnado se abraidonou á dor, c á melancolia, e cm poucos dias terminou, comi a morte a sua infausta carreira ; daquelle successo se originou a per- da da propriedade, o dispcrsamcnto dos índios, que se unirão aos bárbaros habitadores, das brenhas, para atacarem e destruírem aos visinhos , que abordavio a marinha. § 6. Pcrsuadio-se o Viccrci , que povoando as cabecei- ras, afugentaria o gentio bárbaro, ou pelo menos emba- raçaria suas hostis incursões : para conseguir aquelle fim , nomeou a João Vieira de A/.cvcdo por administrador , e governador das aldêas dos indios , que pertendia levantar: mandou ao capitão mor das cinco villas então existentes , ao ouvidor da commarca , e officiacs de milícias dessem aquel- le administrador todo o favor e ajuda, debaixo da pena de serem rigorozamente castigados , se deixassem de con- correr para a execução do que para aquelle estabelecimento lhes pedisse o dito administrador. Daqui nascerão for- marcm-se bandos de aventureiros, que debaixo de seus chefes particulares se cncorporárâo para atacar os indios , e destruilos , e de cujo expediente se valeu Manoel Fran- cisco dos Santos Soledade para alcançar , como conseguio por doação regia , que se acha no caderno que sérvio na villa do Cairú no anno de 1741 a f, 134, 40 legoas de matas, por provisão datada em Lisboa a 19 de Abril de 17:59, a qual foi posteriormente invalidada pela Real reso- lução tomada no Conselho ultramarino em 37 de Março de i???, tendo precedido a informação do Conde de Ar- cos , Vicerei do Brazil , e respostas dos procuradores ré- gios, 114 Memorias ha Academia Reai, gios, tomando-se por fundamento daquella Real resolução que nao podião ser profícuas as mercês mencionadas na provisão e decreto de 17 de Abril de 1739, por serem aquellas de contracto onorozo , que obrigava igualmente a ambas as partes estipulantes, que cada hum devia á^r satisfação do que se sujeitava ; e como aquclle Manoel Fran- cisco não tinha satisfeito da sua parte com o descobrimen- to das minas, a que se obrigara, e re/ultasse damno con- siderável aos moradores contíguos , e á Coroa , a quem per- tenciâo as terras, não devia proceder áquclla doação, e mais antes se devia pôr cota nella , para não produzir mais algum effeitj sensivej. Segurou a camará, e principaes do paiz ao Viccrei, o prestarem-se á sustentação dos indios por hum anno , logoque elles se aldeassem nas cabeceiras das matas , e lhes consignaria também huma legoa de terras para a cul- tura de mandioca. Não podendo o Vicerei fundar as po- voações, que dezejava , sem afugentar os indios, se em- penhou na sua destruição ; engrossou os corpos armados , que partirão com os indios Cariris a explorar as matas : unio a estas forças a aldêa dos indios do rio de Contas , conduzida pelo missionário Fr. Bernardino de Milão , ca- puchinho italiano, e seu capitão, por nome Adâò , os quaes encontrando os Amores, e Tupinambás , atacou, ma- tou, e afugentou. Appareceo morto entre elles, hum paren- te daquelle indio Adão , o qual chorando , e dando gran- des urros pela morte do seu parente , prometteo , logoque alliviasse a sua dor, de hir buscar os indios, que até então se tinhão mostrado inimigos, paraque vivessem pa- cificados com os portuguezes , segurando que , se dentro em 4 luas não viesse, temessem o despique, que os indios cos- tumão tomar da injuria na guerra recebida : pouco depois se embrenhou nas matas cora os seus dois filhos Bernabé Dias , nAs SciEWciAS n e Lisboa. 2ij Dias, e Pedro Dias, e seus dois sobrinhos Leonardo , ç Domingos Geraldo a demandar o gentio. § 8. Com a partida daquellcs índios, impacientes fica'râo os moradores pelo êxito do bom succe^^so , que csperavão ter, se Adão c seus companheiros podessem reduzir e ca- pacitar tão poderosos inimigos, a receberem a paz e ami- zade dos portuyuezcs : espalhao-se assustadoras vozes , ora da nova insurreição hostil dos itidios bravos , ora da desgraçada morte de Adão e seus companheiros , que ti- nhão sido devorados pelos ferozes , c dcshumanos Amores , quando punhao só nelle a sua esperança , e confijnça Cor- reo velozmente o tempo , o prazo da promessa se encheo , quando hum novo sobrcsalto cobre todos os ânimos da pa- lidez da morte, pelo constante ecco dos urros, e algazar- ras dos Índios, que de' todas as partes retumbava nas ma- tas; porém de repente se converteo a dor em gritos de alegria ; poisque erão já vindos os mensageiros de Adão , seguidos de hum grande numero de selvagens , que pc- dião a paz , e vinhão deliberados a habitarem pacificos o paiz ; então os povos tumultuosamente largao as cazas j e correm ao lugar do rio de Una , que de Repartimeuto se intitula , a esperar c receber os hospedes , que hiâo chér gando , e conduzirão grande copia de mantimentos para sa» ciar a voraz h)me dos bárbaros, de bugigangas , que elle* aprccião , como fosse , facas , espelhos , machados , &c. Se- guirão os portuguezes os capuchinhos italianos , recomen- dáveis pelas suas virtudes , o Padre Fr, Francisco de Jesus Maria, e Fr. André no dia 2 de Novembro de lyjó, três legoas marcharão acima -tdò lugar , onde depois a aldéa , entre vivas de alegria foi kvãntada ; e alli o Padre Fr. Fian* cisco disse três missas , e de então até hoje se ficou cor», servando a lembrança do succesfio, chamando-se aquelie lú* gar as três missas. Ahi , pcl* vez primeira , a cru? do SaU va- Ii6 Memorias da Academia Real vador foi levantada , c os olficios divinos se celebrarão com grande devoção dos portuguezes , c corti admiração , e es- panto dos bárbaros , que tiverão sempre cm graiidc vene- ração aquelles barbadinhos. § 9' Foi escolhido para o lugar da estabilidade da aldêa aquelle , que de S. Fidelis tomou o nome , e patrocínio , onde se conservarão pouco tempo os novos habitantes ; por que estranhando os alimentos salgados , e sobrcvindo-lhes as bexigas , pereceo huma grande parte , fugirão muitos outros para os certócs , o restante se foi acostumando aos alimentos, e trato com os índios mansos c portuguezes; de sorte , que ainda prezentemente existem alguns. Adão se contentou com a pequena remuneração que pcdio , de que se passasse a seu filho Bcrnabé .a patente de capitão mór daquella povoação, que lhe foi permittido ; e succe- deu por falecimento daquelle , no posto vago , João Ri- beiro, e depois José Ribeiro, o qual ainda vive : este indo cazuaimente com os seus camaradas ver as suas rossas, sentindo o rasto da passagem , dos pataxos , os seguio , vendo-os os atacou , matou-lhes dez pessoas , e aprizionou sete , que forão remettidos ao governador , que então era da Bahia , o Excellentissimo Manoel da Cunha e Menezes , o qual os fez logo repartir pelas melhores cazas da cida- de para os educar. § IO. Esta he a origem do estabelecimento da interessante aldêa de S. Fidelis , situada huma legoa acima da povoa- ção da villa do rio de Una : a ella se deve a prosperida- de dos habitantes da terra firme , e o prodigioso augmen- to da lavoura , e a actividade do commercio dos cortes de madeiras. Os capuchinhos italianos dirigirão por muitos annos aquella aldêa , e muito trabalharão na sua civilização in- J)AS SclENCIAS DE LiSBDA. ÍI7 intioduzindo-Ihes o amor do rraBalho da lavoira , co pia, zcr da crcação dos gados* Forão substituídos em seu lu- gar clérigos scciílaics: nao se vê hoje na aldca, que a pintura da sua primeira barbaridade. Elles são óptimos ca- rapinas de machado (carpinteiros), e os unieos que valo- rosamente descem os importantes vinhaticos , e putumujús t loiros , de que as matas copiosamente se vestem , c da- quelles páos tira a Real construcçao muito proveito, e ri- queza os povos , que com os mesmos traficão. Tiverão hum parocho , por nome António Nogueira, que em to- das aquellas matas deixou seu nome recommcndavel pelas suas virtudes ; mas a frcguezia se abolio , com a cre;içáo da do Coração de Jesus, da villa nova de Valença; e ellcs forão reduzidos á desesperação , não se lhes conce- dendo ao menos hum coadjuctor; e por esta cauza vão de- zertando para Jequiriçá; c o cabido da Sé metropolitana insensivcl ás suas lagrimas, e representações, depois da morte do seu santo prelado , os deixou persuadidos de que não tcrião jamais os soccorros espirituaes , que, co- mo filhos da igreja , buscavao com o maior afinco , e o Real serviço sente já por isso huma grande falta de bra- ços , por tão frequentes dezerções para outros lugares. 1 1. Firmada a paz e amizade dos indios com os mora- dores , que habitavão os paizes próximos á marji.ha , a agricultura tomou logo novos alentos , e os cortes de ma- deiras se fizerão amplamente , sem se poupar algum género de esforço. Tinha naquelles primeiros tempos o governo jnandado estabelecer huma feitoria nas margens do rio de Una, e em Mapendipe, paraonde forão assistir os mes- tres , e falquejadores , os quaes erao eficazmente protegi- dos no governo do Excellentissimo Manoel da Cunha e ]Menezes ; os cortes forão então abertos desde Jequiriçá até Jcquié : aquelle ramo de industria deo grandes soccor- Totno IX EC ros. 41? Memorias da Academia Real ros , que empregavão nâo*só os seus escravos naquelles ser- viços do mato , mas aiigmentárao , c propagarão a crcaç.lo dos gados para os arrastos dos pa'os ; c cííCc era o seu mais nobre emprego 5 poisque nenhuma das authorizadas no paiz , deixaváo de lavrar os páos com os seus maciíados , e de se armarem das aguilliadas , para conduzirem os bois para os arrastos dos mesmos páos , c até seiravao com os seus escravos os diíFerentes páos cm taboados , para a ven- da pública delles. As sommas , que se rcmcttiao da Bahia , para a satisfação dos serviços feitos, vigorizarão por tal maneira as faculdades dos moradores , que cilcs se applieá- rão á lavoira com todo o afinco , c esta a primeira época do seu nascimento neste paiz, e a principal fonte da sua riqueza. § ia. Os dizimes se augmentárão extraordinariamente , c os administradores obtiverâo imprevista liqueza : os artigos da lavoira consistião na mandioca , e na plantação do ar- roz de Veneza , cuja colheita chegou a produzir mil alquei- res de dizimo , e a exportação somente deste género , chegou ao valor metallico de vinte contos de reis, e ainda mais ; a da farinha da mandioca , não foi tão considerável. A nova cultura do café tem periodicamente crescido com a emulação dos vizinhos, e com a sabida nos mercados na Bahia, e a sua colheita, anda hoje de S a 10 mil arrobas, c se vende no principio delia a 1280 , e a 1600, e depois chega a ifóo, e 3200 na porta do lavrador. As plantações da pimenta da índia, caneleiras por mim intro- duzidas , vão-se felizmente propagando ; e em poucos an- nos emulará i exportação aziatica, com grande proveito das nossas colónias. As madeiras constituem o maior trafi- co dos povos ; a exportação para a Bahia no anno de 1800 se contava, entre mastros grandes, e pequenos, e raastareos e vergas z5'3 páos ; entre frexaes e vigas azjjo; ripas de camassares 1427 dúzias j taboados de loiro , vi- nha- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 219 nhatico , e oiti doze mil e oitenta e quatro dúzias; car- radas de caixaria 19^, duas mil arrobas de estopa da ter- ra cxtrahida da casca do páo , chamado biriba ; 440 feixes de piassaba , e 12 barcadas de casca de mangue. Não cn- trão nesta exportação aquellas das madeiras de construcçao dos navios de S. Mngestade , c somente as do commercio , que o seu valor mctallico monta mais de trinta contos déreis. § 13- Suppos^oque os cortes das madeiras tenlião , ha qua- zi hum século, aberto no paiz incxgotaveis fontes da sua riqueza ; comtudo ainda aquelles, hoje se praticao sem alguma arte: indistinctamente se mette o machado no tronco das monstruozas arvores , que cahindo , levâo com- sigo muitas outras , c ordinariamente adquirem grandes fendas no violento choque da sua estrondoza queda , fican- do algumas vezes inteiramente perdidas , mormente na occa2Íão do seu cio: não procurão decepar os galhos , que prcstão excellentes peças para braços e cavernas , e a maior parte se partem na queda das arvores. A incompre- hensivel força dos cabos frescos da palmeira jussára , tal- vez facilitasse os meios de abater a força da arvore corta- da , fazendo a sua queda mais doce. O tronco , que ainda resta sobre a raiz , reduzido a huma superficie plana , cura- da a grande chaga com o çumo de tanxagem , e bosta de boi , pode ainda ser aproveitada nos futuros tempos , con- servados os renovos , quantos forem necessários á conser- vação da nova arvore. § 14- Assimcomo a natureza de sua própria mão, plantou sobre as montanhas do Hartz , na baixa Alemanha , nos Alpes, Perineos, nos montes Jura , nos Vorges , Borgo- nha, Forez , e Auvergne, as bellas arvores, cuja situação he favorável á sua espontânea reproducçãoj também na EC ii Arae- 220 Memorias da Academia Real America , tanro ao norte , como ao meio dia , nas caxleias das montanhas , que por cordilheiras são conhecidas , situou eternos bosques, que se renovão sem cessar de si mesmos, sobre terrenos montanhosos, indicando-nos que a natureza e clima dellcs contêm hum principio favorável á sua exis- tência. Os homens porém do Brazil acostumados a rece- ber tudo çem trabalho do seu delicioso clima , julgao-se dispensados de unir os seus esforços áquclles de huma na- tureza tão liberal. Assimcomo- aquclla sabiamente promo- ve 3 existência de novas gerações para substituir, as que acabão e morrem ; porque seremos insensiveis ao seu mo- do de obrar, deixando de cultivar em viveiro, todaá quantas espécies de arvores são úteis , examinando pelos seus passos a infância, adolescência, e velhice, bemco- mo as suas enfermidades , e cauzas que as produz , o que pode prevenir o mal , e curalo. Nesta escola as recompen- sas , que o governo julgasse próprias, attrahiria entendi- dos agricultores , cuja prática formaria discipulos , que perpetuassem na sua feliz posteridade a sabedoria , e in- dustria. Seria muito conveniente ordenar não se fazer al- gum corte das arvores , sem substituirem aquellas por ou- tras plantadas ; e até , que os proprietários fossem constran- gidos a cercarem as margens das estradas , onde estão si- tuadas as suas fazendas , com arvores de construcçao : pro- videncias , que nas futuras épocas se conheceria a impor- tância , e emendaria os males provenientes da mal calcu- lada avareza dos colonos , e da sua ignorância. § if. Convém todos os agrónomos, em que os meios favo- ráveis á reproducçâo dos bosques consistem na plantação das arvores em caminhos públicos, nas bordas das fazendas dos particulares , e nas terras vagas , e devolutas. Vê-se por isso na França , e nos Paizes baixos as estradas povoa- das de arvores , sobre hum plano regular e seguido : achâo- DAS ScIENCIAS DE LiSBOA. 121 nchão-se por todos os caminhos arvores raras , plantadas , níío ao acazo , mas por luima bcmfeitora mão. A Inglaterra tem tambcm ordenado e feito plantar as suas estradas de úteis arvoredos , e todo o mundo admira aqucUcs estabele- cimentos , que dão honra c riqueza ao paiz , oíFerecendo aos viajantes a mais piauzivel vista, que. subministrão as arvcres , alem de os cobrir dos ardores do sol , e impetuozi- dade do ar. As propriedades cercadas de arvores de con- strucção adquiririão hum inestimável valor , poisque fornc- ccriiío páos duros , debaixo de diffcrcntcs formas para o serviço da marinha. Todos sabem , que Flandres e Brabante por aquclle meio subministrão á Europa os melhores páos , que fírmão a sua riqueza , e que os seus proprietários re- zervão para os momentos das suas necessidades , ou para o estabelecimento de seus filhos. Adoptando-se aquelle me- thodo de cultura dos bosques , se faria desnecessária a plantação das terras devolutas , pelo grande trabalho da extinção das formigas, e más hervas , que nellas espanto- zamentc se propagão. § 16. Crescendo a destruição das matas com o progressivo augmento da lavoira , assolando-se bosques immensos a ferro , c a fogo , entrarão os governadores e capitães ge- ncracs a dirigirem reprezentaçõcs ao throno , exigindo-se providencias as mais efficazes , para conter os lavradores j e appareceo huma provizão do Real Erário de 28 de Ju- lho de i/Sf, que entre outros objectos, recommendava á junta da fazenda da Bahia , que recorresse ao governador , para impedir aos lavradores de Nazareth a destruição das matjs: cxpedio-se depois huma carta regia de 13 de Mar- ço de 1797 , de que já se fez menção, que ordenava, se formalizasse hum plano, que emendasse os passados damnos, e acautelasse para o futuro se não commetessem novos. i2i Memorias da Academia Reai. § 17- Estava-se na suppoxiçao de haver ainda inatas não doadas em sesmaria nos dcstrictos dos cortes , e outras doadas , c queria o governo , que jamais se desse em sesmaria aquellas , e que as outras revertessem para a Co- roa , informando o governador da indemnização, que se fazia praticável. As pessoas nomeadas na dita carta regia pársí 3 organização do plano, julgarão comprehensiveis na sua' dispozição as matas , que dccorrião de Mapcndipe ate Pinaré, c as do rio Aqui até Belmonte do sul da Ba- ilia"; e as propu/erão para serem coutadas para as Reaes construcçóes. Surgirão immediítamente algumas reprezenta- ções de proprietários, sem outros titulos, que os de possuí- rem por diíFerentes transacções , que tiverão principio na posse natural, que tomarão os primeiros possuidores , der» rubando as arvores , e fazendo plantações , ou por terem entrado nas matas em' procura do gentio Amoré, Tupi- nambás , e ainda dos Pataxós ; e conseguirão por deter- minação Real o serem novamente ouvidos , e de se não impor nas suas propriedades algum ónus , sem ter havido huma pozitiva. e Real ordem. Mandou o ExccUentissimo governador D. Fernando Jozé de Portugal , a quem tão im- portante negocio foi commcttido , que fossem elles con- servados nos seus titulos , e permittio-lhes o uzo das ma- deiras achadas nas matas coutadas , e finalmente toda a faculdade. , que d'antes plenamente gozavao de entrarem nas matas, e de praticarem todo o género de assolamento; e dando conta das novas dispozições, que alteravão as do nlano já provizoriamente approvado na carta Regia de 1 1 do Julho de 179^. Ainda pende a sua approvação da Real vontade. § 18. Dcsdcque por carta Regia de a de Janeiro de 1666 se DAS SciFNClAS DE LiSBOA- 225 se mandou estabelecer por Sebastião Lambert huma fa- brica de fragatas , se uzou impôr-sc nas propriedades , o ónus de conservarem os seus proprietários (js páos chama- dos ãe lei. A conservação das matas he hum objecto de tanta importância , quanta he a do estado , tjue não pode fundar a sua prosperidade , ícm manter a marinha Real , e mercantil : a irreparável perda dos monstruozos páos queimados, e perdidos para a marinha e serviço público", seria mais que justificado motivo, para se tomarem medidas seguras de embaraçar o progresso das derrubadas ; quanto mais, que da conservação das matas depende a fertilida- de do paiz , pelos methcoros e cffluvios terrestres , que el- las produzem , e que dão nascimento ás periódicas chuvas, que deixando de cahir , e de regar a terra , tornarão os bellos terrenos áridos , e infecundos ; matará a seca os ani- maes , com grandissima perda dos lavradores , e da subsis- tência dos povos , tornando-se as povoações em espantozos dczcrtos. § 19. Vemos na França , desde o Rei Filippe em 1318 im- portantes regulamentos para a conservação das matas , que servirão de baze ás legislações de 1388, 1402, e 1515". Fizerão-sc outros em 1669 no titulo 21 , a respeito dos páos Reaes, e nos titulos 24 e 26 sobre aquelles dos particulares, e corpos de mão morta, e determinou a sen- tença do conselho de 7 de Setembro de 1692 não se transpor- tassem os páos por mar , ou terra , sem pagar os devidos direitos ; e estabeleceu outra sentença do dito conselho em 27 de Setembro de 1700 -as formalidades , que se de- vião praticar com os páos da marinha , prohibindo-se por outra de 23 de Julho de 1748 ás corporações ecclesiasti- cas , seculares , regulares , e leigos ; e ainda aos parti- culares proprietários cortarem as arvores dos bosques , que tivessem a marca do martello da marinha. Creárão-se em 27 de Setembro de 1776 engenheiros constructores , es» 2*4 Memorias da Academia Real palhados pelo reino , que tinhão debaixo das suas ordens os mestres c contramestres , para indagar os pa'os nos departamentos , que se lhes assignalava ; c aqucllcs , que devião fazer objecto dos seus exames, forao dcclaiados no artigo 5-.° da sentença do conselho de 28 de Setembro, pela qual os proprietários dos bosques , situados seis Ic- goas das ribeiras navegáveis , e quinze do mar , não abri- riio nellas cortes , se seis mezes antes não fizessem as suas declarações no respectivo tribunal dos bosques , onde os páos existiao, mencionando a quantidade, qualidade, es- sência , situação , distancia do mar , ou ribeiras navegá- veis, debaixo da pena de três mil libras (48o(^ rs.) de condemnação , e confiscação dos paos cortados. J 20. Assim legislou tão grande nação no zenith da sua gloria , e na situação a mais perigoza da republica ; quan- do por motivo das calamidades públicas, se propoz a ven- da do bosque de Brest, com pena de morre, se prohibio fazer-se huma tal propoziçao , e apenas o primeiro côn- sul recebeo o poder , que o povo , e o senado lhe confe- rio , creou conservadores das matas. He da sua conserva- ção que o Papa , e tantos outros príncipes tirão immen- sas rendas , e florecem em seus Estados. 21- Creárão-se por cartas regias de n de Julho de 1799 as conservatórias dos Ilheos , e das Alagoas ; não se fixou a competente jurisdição daquelles novos magistrados , que devem ser formados pelos estudos agrónomos , connexos com os da botânica , geometria , fizica das arvores , e ar- chitectura naval , para adiantarem os conhecimentos de huma tão nobre sciencia , e forão reduzidos aquelles em- pregos , ou a mandarem cortar os páos , que se lhes encom- men- DAS SciENCIAS DE LiSBOÁ. llj* tnenilava, ou a comprarem os já falqucjados , segundo as cncomincndas c]uc lhes são dirigidas. E estes jamais podem ser os fins daquella creação ; porque então qualquer car- pinteiro as desempenhará. A palavra conservador está incul- cando o seu destino de conservar as matas , de melhorar o estabelecimento dos cortes, por luminozos princípios j que faça , que os páos cortados sejao não somente da boa qualidade, e em perfeita sezão derrubados, quando já se não espera que cresção mais , e que tendem a adoecer ; como aproveitar todas as peças, que as bellas arvores pos- são produzir, conservando a flexibilidade das suas fibras ^ sua compatibilidade c dureza , conservar os gados para os arrastos dos páos , conhecer as suas enfermidades , tra- tar das mesmas. O carbúnculo dcstroe nos destrictos dos cortes boiadas inteiras, e ordinariamente quando sobrevem aos ardentes calores copiozas chuvas das trovoadas ; a ou- tras boiadas sobrevem horríveis diarréas, pelas quaes cahem em mortal desfalecimento, que a morte termina: crião outras grandes papeiras , e emagrecem por tal maneira ^ que se não podem levantar , atéque os Urubus festejão a sua morte, devorando seus definhados cadáveres: alguns bois estando gordos tremendo , cahem e morrem repenti- namente. As hervas venenozas , os silvestres fructos produ- zidos nas costas , que de Gairus tem o nome , os mata também subitamente. § 2 2. He inteiramente, no paiz , desconhecida a arte vete- rinária. ^Qi.ianto não serião úteis os seus conhecimentos? As veterinárias escolas de Leão, c de Charenton , que vas- tas instrucções não derão aos habitantes da França sobre tão importante ramo da agricultura económica ^ Mas se «ntre nós muitos sábios ignorão até a existência de tacs artes, ^- como saberão os lavradores ignorantes, c mizera* veis ? Deve sem dúvida olhar-se com grande attcnção o Tomo IX. Ff tra- iiô Memorias da Academia Real- tratamento dos animaes , e promover-se n cultura das gra- mas não só naturaes , mas também daquellas , que se tem climatado , como seja o capim de Guiné , que tão avida- mente com preferencia ás mais gramas , buscao assim os animaes vacuns, como os cavallarcs, para se saciarem, e com que cngordão extraordinariamente. § 23- A preguiça, e indolência tom-se dado as mãos neste paiz para não serem soccorridos , nem tratados os animucs; e algumas vezes os acompanha também a superstiçíío , pa- ra obstar aos variados objectos da sua industria. Todo o gado dos diversos particulares he largado em pastos, que não cultivão , nem cercão os próprios donos, ou com li- moeiros , ou cajueiros , que fariao cercas defensáveis , e uceis á sustentação dos animaes , que saboreão-se daqucllcs fru- ctos: os animaes soltos sem pastor, que os vigie, e guar- de , não encontrando sufficiente grama espontaneamente re- produzida nos pastos , ou cazualmente encontradas nos pe- quenos capões , que capoeiras se intitulão , correm as cos- tas do mar para buscarem os fructos silvestres : não dor- mem recolhidos , nem se lhes dá alguma ração : quando são vistos com bixeiras , que as varejas depõem sobre qual- quer ferida , ou ranhadura , ou que os bizouros , e os ver- mes , e os morcegos lhe cauzárão , são então felizmente curados com o sumo da herva conhecida vulgarmente , por tinheirão , a qual expremida com o sumo da laranja da terra mata immediatamente osbixos: unta-se depois a fe- rida com a manteiga da bicuiba , ou azeite delia , ou com alcatrão. § 34« Empregão também para aquelle fim meios supcrsti- ciozos , e de que se persuadem conseguir bons eíFeitos pe- la formula seguinte : tendo , por exemplo , hum tal boi hu- ma DAS SCIENCIAS DE LiSBOÀ, «2^ ma bixcira na parte direita j cu esquerda, ou em outro qualquer Jugar «♦ Bixos mãos, que comeis, c a Deos não » louvais, amaldiçoados sejais de Deos, e da Virgem >j M?.ria , de S. Pedro c S. Paulo, e todos os santos da » corte do ceo , que em três horas caião todos , e não »> produzão mais » Com esta reza , que repetem por rres vezes, e outras tantas benzendo, e rezando três Padre nossos, três Ave Marias, e três Gloria Patri , á morte e paixão de Jcsu Christo, crêm , que os bixos cahcm , e ficão os animacs sãos. Outros formão , quando ha sol ma- nifesto , huma cruz no rosto do animal , com duas folhi- nhas verdes da parte dianteira , ou trazeira. Tal he o eftei- to da ignorância, e superstição ! § 25". Se os bois são encontrados proximamente mordidos de cobra surucucú , elles os salvão da morte , espremendo na boca do ferido o sumo de jussára , e pondo o bagasso na ferida. Se a que mordco foi jararacossú , se servem do sumo da jarrinha com a jussára, e enxotar, ou fumo de tabaco , ou da raiz do espinheiro amarello , e do sumo da butua. Se foi jararaca, que raordeo, he curado immediatamen- te o animal , com o sumo bebido do entrecasco do ange- lim , ou sicupira ; remédios , que tem aproveitado igual- mente aos homens feridos daquclles terríveis , e medonhos reptis. Esta he toda a sciencia veterinária dos proprietá- rios, que tem bois. § 26. Foi levantada em villa a povoação da margem do rio de Una , debaixo do titulo de villa nova de Valença do Coração de Jesus em virtude da carta Regia de 1 1 de Julho de 1799. Den-se-lhe por limite as povoações, que decorrem dç Mapendipc até o rio de Gale, e constitue pf ii hu- íi? Memorias da Academia RSal huma povoação de três mil habitantes. A carta Regia j naquclla nova creação , teve cm vista , segundo cila expies* áa , o segurar a boa ordem dos cortes de Cairá. Obtiveráo os povos igualmente a crcaçao de huma nova frcguczia com parocho próprio , e coUado , que lhes abre o caminho da virtude pela pratica delia , instruindo-os nos principios da solida c verdadeira felicidade , que lhes adquire a pra- tica dos preceitos da Religião, dos quaes havia a mais crassa ignorância. Formárão-se corpos de ordenança para a execução das ordens militares, e civilização dos habitantes pela obediência, que devem ter aos seus superiores, e dentro de quatro annos esta villa tomou a face mais floreccnte , que cauza emulação ás vizinhas pela sua agricultura , gramicza dos seus edifícios, e pelo luxo ,- e seu commcr- cio. He a única villa abastecida de carnes frescas pelas frequentes boiadas, que descem dos certõcs , e vem ahi a vendcr-se em mercado público. A estrada, que abri de com- municação com as Lagens e Cortamâo , lhes subministra a facilidade das communicaçôes interiores, e descem todos os sabbados immcnsas cargas de mantimento , com que toda a villa se farta , e vende o sobejo para fora. As novas plantações, e cultura da canella, pimenteira tia índia, árvore do papel, ou morus paperifera , café, è cacáo, vão tendo hum prodigiozo augmento , para dar á estes povos huma riqueza immensuravel. As matas da vizi- nhança da costa são cobertas de baunilha , atégora des- prezada ; e cuja cultura lhes subministrará novos ramos de cnmmercio , bemcomo as pescadas tartarugas , que pas- sciãò as costas ha depoziçao dos .seus ovos , que enterrão na arêà para os chocar, e reprodifeirem- se aquelles immert- sos anfibios , cujos lindos cascos constituem hum tão grâirde ramo Úc commercio. Aquelles animaes , de huma só vez , põem doze , e mais dúzias de ovos. Os naturaes do J CAS SciE ^f CIAS DE Lisboa. ' 12^ do paíz os comem , a carne porém a desprezao ; pois logo* que apanhão as tartarugas , depois de mortas as enterrao na arca, c passados cito dias cavão o lugar marcado, onde forão enterradas , e achão os cascos separados da car- ne , os alimpão , e vendem a quem os procura : commu- mente reputáu a mil reis o valor de huma libra de casco pcrtcito. A carne preparada he de hum cxccUente gosto ; os seus figados , c entranhas dao azeite , que pode ser aproveitado. § 28. A grande falta de azeite de peixe , e o extraordinário preço a que subio pela desmarcada ambição dos proprietá- rios das armações , que pnra attrahir ás suas fabricas , os melhores arpoadorcs , e taraonciros , lhe cfferecêrão pré- mios desproporcionados , que jamais tiverão no tempo da administração do contracto das ballêas, e por outras cau- las provenientes da falta de economia, e de principios tendentes a conseguir pela menor degpeza o maior lucro , que não são capay.es conceber aquellcs proprietários pela crassa ignorância , em que vivem , não considerando , que alem de depender a pesca de dcspezas enormes , erão in- certos os successos da morte dos peixes , para saldar as despezas , levantarão o preço do azeite , que sendo no tempo do contracto a 320 reis a canada , elles o elevarão a 1820, eo preço infimo , a- que chegou, foi de 800 reis; porem a necessidade descobrio aos povos novos, e indus- triozos meios de serem soccorridos , fazendo , para se re- mediarem com muito maior ventagcm , ô azeite do coco de piassaba, e de outras palmeiras, de que âs matas da cos- ta abundão : outros acharão nos seus quintaes e capoeiras o remédio ás suas necessidades, extrahindo o azeite dos caroços de algodão , e da mamoneira , com que illudirão as esperanças mal calculadas dos lucros , que os povos aproveitavao para supprirem a urgente fiilta , que scntiao , e ainda tivcrao pa- ra vender aos seus vizinhos. § 29. Dão muitas balêas mortas na costa , e por isso succede encontrarem -se algumas vezes o âmbar gris, que alguns celebres naturalistas, que viajarão o mundo, atribuem ao escremento , ou alguma outra substancia de huma espécie de balêa : o cheiro nauseozo do âmbar gris faz , que não seja recolhido para ser preparado pelos meios chimicos, que a arte ensina, e se vender no commercio, ainda quan- do he hum género de tão grande valor , por isso ainda encontrado frequentemente nas costas , no tempo da pes- ca das balêas , não he recolhido nem se faz delle alguma estimação, atéque a maré sepulta no abismo das aguas aquelle dcpozito , que trouxe de tanta utilidade , por não ser o uzo e préstimo daquelle bálsamo conhecido dos ha- bitantes. § 30- Esta a coramarca dos Ilheos , sua costa , rios , incli- nações , e commercio de seus habitantes. Vêm-se os cos- tumes serem ainda de povos , que não tem cultura , e de onde vem a ociozidade , e apathía , em que a maior par- te vive ; quazi todos , vendo o prezente , se ligão aos seus inveterados costumes , e nada do futuro pertendem, Supersticiozos accreditão os enredos dos velhacos ignoran- tes , que feiticeiros se appellidão : o seu maior empenho he de brilharem entre os seus cidadãos nos postos de or- denança , e nos cargos da camará. Cobrem-se de galões de curo , que parecem todos generaes , com grandes chapas daquelle metal nos pés, e he nisso que fazem consistir a sua mór nobreza , riqueza , e ostentação , mostrando p»> rêm I t)AS SCIENCIAS DE LiSBOA. IJ» rcm o exterior c interior das> suas cazas , a sua pouca cul- tura. O clima, cm (^ue nas*;cráo , he doce e saudável: o continente he todo aberto por vnstus braços do Oceano : as costas por bahias e barras, matizadas de grandes e fér- teis ilhas, regadas de hum sem numero de navegáveis rios , muitas Icgoas pelo interior ; o que dá sem duvida a estes povos as mais bem fundadas esperanças da sua prosperida- de , e lhes augura aquella ao mesmo tempo as auri terás minas , que a natureza cm seu ceio descobre , restando que o trabalho , e a industria accelere o progresso da civi- lização , dando-sC'lhcs por guia bcmfazcjas mãos ; poisque em tão puros votos de Icacs peitos gravarão ao nome dos seus soberanos padrões eternos de gloria: ver-se-hão, pelas luzes reverberadas do thrcno , neste hemisfério es- clarecidos os verdadeiros principies da felicidade dos po- vos ; o trabalho consolidado , a instrucçao pública , a ele- gância das artes , a agricultura , c o commcrcio derrama- rão immediatamente nestes ricos e férteis continentes suas benignas influencias , e constituirão as sólidas bazes da sua eterna prosperidade. NO- tjí Memorias da Academia Real NOTAS. N OTA Conhece-se pela descripção da barra dos Ilhcos o engano , com que cscrcvco Rocha Pitta na sua historia da America Portugueza , liv. 2. f. 1 1 1 § 75- , quando diz : «4 Em » 15-° escassos tem assento a província dos Ilheos , assim f* chamada, pelos que a natureza lhe poz na foz do rio.» Nota II. Da Torre do tombo me foi dada por copia a carta cscripta pelo Padre Manoel da Nóbrega em o primeiro de Junho de ij6o, pela qual faz saber a ElRei D. João III. , entre outras matérias, a conquista dos gentios dos Ilheos, pela forma seguinte : «t A paz de Christo sija sempre em j> continuo favor e ajuda de V. Alteza , em que me manda que jj lhe escreva , e avize das couzas desta terra , que elle »» deve saber. E pois assim mo manda, lhe darei conta j» do que V. Alteza mais folgará de saber, que he da >» convtrsão do gentio , a qual depois da vinda deste go- »> vernador Mem de Sá cresceo tanto, que por falta de » operários muitos deixamos de fazer muito fructo , e »> todavia com esses poucos , que somos , se fizerão quatro »> igrejas, em povoações grandes , onde se ajuntou muito >» número de gentios , pela boa ordem , que a isso deu Mem jj de Sá , cora os quaes se faz muito fructo pela sugeição »i e obediência, que tem ao governador, e em mentes du- I D AS SciENClAS DE Lr SBOAi 2^3 j> Jurar o zclK) delle se hirião ganhando muitos ; mas >» cessando em breve, se acabará tudo, ao menos entre » tanto , que não tem ainda lançadas boas raizcs na fé , " e bons costumes. A cauza por que no tempo deste go- j' vcrnador se faz isto, e não antes não por agora haver j' m;iis gente na Bahia ; mas por que pode vencer Mcn " de Sá a contradicçáo de todos os xpãos desta terra , que " era querer que os indios se comessem ; por que nisso " punhúo a segurança da terra, c quererem que os indios >» se furtassem huns aos outros para ellcs terem escravos, " e quererem tomar as terras aos indios contra razão , " e justiça , e liranizarem-nos por todas as vias , e não >» querem que se ajuntem para serem doutrinados, por '> os terem mais a seu propozito , e de seus serviços , e " outros inconvenientes desta maneira , os quaes todos el- » le vence , a qual eu não tenho por menor victoria , que " as outras , que Nosso Senhor lhe deu , e defendeu a í» carne humana aos indios tão longe , quanto seu poder " se extcndia , a qual antes se comia ao redor da cidade » c ás vezes dentro nella , prendendo aos culpados , e " tcndo-os prezos , até que clles bem conhecessem seu " erro , sem nunca mandar matar ninguém , e isto só bas- » tou para subjugar a muitos , e obrigalos a viver segun- " do a lei da natureza, como agora se obrigão a viver j >' mas isto custou-lhe descontentar a muitos , e por isso " ganhar inimigos , e certifico a V. Alteza que nesta ter- " ra , mais que cm nenhuma outra não poderá hum go- »> vernador , e hum bispo , c outras pessoas públicas con- " tentar a Deos Nosso Senhor , e aos homens , e o mais " certo signal de não contentar a Nosso Senhor he não >» contentar a todos , por estar o mal mui introduzido na " terra por costume. Depois succedeu a gerra dos ilheos , j' a qual começou por matarem hum indio no caminho de " Porto seguro, e creio, que foi por desastre, ou por » melhor dizer, querer Nosso Senhor castigar aquellés " ilheos, e fcrillos para os curar e sarar j e foi assim ^ Tomo IX. Gg >» que 254 Memorias da Academia Real » que estando os engenhos todos quatro queimados , c »» roubados, e a gente recolhida na villa em muito apcr- » to, foi lá o governador a soccorrer com lho contradizc- » rem os mais, ou todos da Bahia, por temerem que hin- „ do elle se poderião levantar os da Bahia ; mas com elle >» levar muitos indios da Bahia comsigo cessava todo este )> inconveniente ; e o que he muito para louvar a Nosso j, Senhor , he que sendo i no tempo do inverno em » monções contrarias para hir aos iiheos , na ora que foi )) embarcado lhe concertou o tempo , e lhe veio o vento )i prospero, tanto, quiinto lhe era necessário, e não mais, n nem menos; e lá dco-se tão boa mão , que em menos de it dois niezes , que lá esteve, deixou os indios sugeitos e „ tributários , e restituirão o mal todo que tinhão feito , >} assim aquellc presente , como todo o passado , e obrigaf- j» dos a refazerem os engenhos, e não comerem carne hu- tt mana , c receberem a doutrina , quando houvessem Padre?; »> para lha dar. De maneira , que já agora a geração dos j» Tupinanquins , que he muito grande poderá entrar ram- j» bem no reino do Ceo. Neste tempo, que o govcrna- j> dor era hido ao soccorro dos iiheos , succedeo que huns » pescadores da Bahia se desmandarão, e forão pescar na >» terra dos indios do Paraguassú , os quaes sempre forão » inimigos dos xpãos , posto que a este tempo alguns ti- j» nhão feito pazes com o governador ; e lá forão toma- »» das , e mortas quatro pessoas. Depois tornando o gover- >» nador lhes mandou pedir os matadores , e por não lhos >» quererem dar lhes apregoou guerra , e foi a elles com >» toda a gente da Bahia, que era para pelejar, e com mui- j» tos indios, entrou pelo Paraguassú, matando muitos, quei- M mando muitas aldéas , entrando muitas cercas, destruin- j» do-lhes seus mantimentos , couza nunca imaginada que >» podia ser , porque geralmente quando se nisso fallava , »» dizião , que nem todo o poder de Portugal bastaria por »» ser terra mui fragosa , e cheia de muita gente , e foi a 3> vexação que lhes derão, que elles ganharão entendimen- '» to. TAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 23^ » to, para pedir pazes , c derão-lhas com cllcs darem dous »' matadores que tinháo, c com restituírem aos xpaus quan- >' tos escravos lhes tinhão comido, e com ficarem tribuca- >» rios e Miçcitos , e obrigados a receberem a palavra de » Nosso Senhor , quando Jha pregassem. Esta gente está »> agora mui disposta para neiles se fruciificar muito. Dis- » to poderá V. Alteza entender quantos operários da nus- »> sa Companhia ha mister tão grande messe como esta , » que cada dia se hirá fazendo maior, tanto, quanto a su- » gciçâo dos gentios se continuar. Depois stndo o go- »» vcrnador de muitos requerido , que fosse vingar a mor- » te do Bispo , e dos que cc m elle hião , por ser hum » grande opróbrio dos xpáos , ser causa dos índios ganha- » rem muita soberba, porque morrerão alli muita gente, >» e muito principal, elle se fazia prestes aparelhando mui- >' tos Índios da Bahia ^ mas isto estorvou a vinda da arma- j» da que veio, com a vinda da qual se determinou de hir » livrar o Rio de Janeiro do poder dos francezes todos »> luteranos. E partio vizitando algumas capitanias da cos- >» ta , até chegar ao Espirito Santo , capitania de Vasco » Fernandes Coutinho , onde achou huma pouca de gen- j' te , em grande perigo de serem comidos dos índios , e >' tomados dos francezes , os quaes todos pedirão , que , >' ou tomasse a terra por ElRey , ou os levasse dalli , por í' não poder jamais sustentar-se , e o mesmo requeria Vas- 5> co Fernandes Coutinho por suas cartas ao governador: » depois de tomado sobre isto conselho , a acceitou , dan- >' do esperanças, que da tomada a fortaleceria, e favore- »> ceria no que podesse , por não ter tempo para mais , e 9' por não se estorvar do negocio a que vinhão do Rio j> de Janeiro. Esta capitania se tem por a melhor couia í> do Brazil depois do Rio de Janeiro : nella temos huma %» caza onde se faz fructo com xpãos , e com escravos , e íí com huriia geração de indios, que allí está, que se cha- » mão do Gato, que ahi mandou vir Vasco Fernandes Co u- »» tinho do Rio de Janeiro , entendendo-se também com Gg ii í> ai- ijô Memorias da Academia Real f» alguns Tupinaiiquins , e se Nosso Senhor der tão boa í» mão ao governador á tornada, como lhe deo cm todas " as outras partes, que os ponha a todos em sugeiçao, e >' obediência, poder-se-ha fazer muito fructo, porque este j» he o melhor meio que pode haver para a sua convcr- >> são. Dalli nos partimos ao Rio de Janeiro, e asscnrcu- » se no conselho , que darião de supito no Rio , de noite >> para tomarem os íiancezes dasaperccbidos, e mandou o »» governador a hum que sabia bem aquelle rio , que tosse » adiante, guiando a armada, e que ancorasse perto de j» onde pudessem os bateis deitar gente em terra , a qual >» havia de hir por certo lugar ; mas isto acconteceu de >» outra maneira , do que se ordenara , porque este guia , j» ou por não saber , ou por não querer fez ancorar a ar- )) mada tão longe do porto , que não poderão os bateis j> chegar se não de dia , com andarem muita parte da noi- »> te, e foi loffo vista e sentida a armada. No mesmo dia >j que chegámos , se tomou huma nao , que estava no jj Rio, para carregar do Brazil : a gente delia fugio para » terra , e recolheo-se na fortaleza. Tomou-se conselho s> no que se faria , e vendo todos a fortaleza do sitio em j> que estavão os francezes , o que tinhão comsigo os in- 3» dios da terra , temerão de a combaterem , e mandarão j> pedir ajuda de gente a S. Vicente ; mas os de S. Vicen- »i te sabendo primeiro da vinda do governador ao rio , » já vinhão por caminho , e como chegarão , determinou- »j se o governador de os combater ; mas toda a sua gen- sj te lho contradizia, porque tinhão já bem expiado tudo, i> e parecia-lhes couza impossível entrar-se couza tão íoi- « te , e sobre isso lhe fizerão muitos desacatamentos , e j» desobediências ; mas eu sobre isto tudo a maior dificul- >» dade , que lhe achava , era ver aos capitães da armada JJ tão pouco unidos com o governador , e ver tão pouca JJ obediência em muitos, toda aquella viagem em que me » achei prezente , e isto nasceo de se dizer publicamente , » e saberem que o governador estava mal acreditado no >» rei- bAS SciBNCrAS DE LiSBOA. i-lT reino com V. Alteza, e que se liavião lá dado capítu- los dellc por pessoas, que com paixão informarão lá mal a V. Alteza , e parece que com pouca razão ; porque as mais das couzas me passavão pela mão, como tercei- ro que era nellas para as remediar ; e por isso quem quer se lhe atrevia, e por dizerem que tinha lá inimigos no reino, e poucos que favorecessem suas cauzas , o que lhe tirou muito a liberdade de governar bem; mas ago- ra veja V. Alteza as grandezas de Nosso Senhor. A pri- meira me parece foi dar Nosso Senhor graça ao gover- nador , para saber sofrer tudo , c dar-lhc prudência para em tal tempo saber trazer as vontades de todos tão con- trarias ás suas , a condescenderem com aquillo , que elle entendia , e Nosso Senhor lhe inspirava , e foi assim , que a huns por vergonha, e a outros por vontade lhes parecco bem de commetterem a fortaleza. A segunda maravilha de Nosso Senhor , foi que , depois de comba- tida dois dias , e não se podendo entrar , c não tendo já os nossos pólvora mais que as que tinhão nas cama- rás para atirar , e tratando-se já , como se poderiâo re- colher aos navios sem os matarem todos , e como pode- riâo recolher a artilharia , que havia posto em terra , sabendo que na fortaleza estavãp çiais de 6o francezes de peleja, e mais de 800 indios, e que erão já mortos dos nossos dez ou doze homens eom bombardas , e es- pingardas , mostrou então Nosso Senhor sua mizericor- dia , e deo tão grande medo aos francezes e aos in- dios, que com elles estavão , que se acolherão da for- taleza , e fugirão todos , deixando o que tinhão sem o puderem levar. Estes francezes seguião as hcrezias de Alemanha , principalmente 3 de Calvino , que está em Genebra, segundo soube delles mesmos, e pelos livros que lhe acharão muitos , e vinhâo a estít terra semear estas hcrezias pelo gentio , e segundo soube tinhão man- dado muitos meninos do gentio a aprendelas do mesmo Calvino, e em outras partes, para depois serem mestres, 438 Memorias da Academia Real j, e destes levou alguns o Villagalhão , que era o que fi- j, zeia aquella fortaleza , e se intitulava Rcy do Brazil. „ Deste se conta, que dizia, que quando llll^cy de Fian- j, ça o nâo queira favorecer para poder ganhar esta terra , j, que se havia de hir confederar com o Turco , promet- „ tendo-Ihe de lhe dar por esta parte a conquista da In- „ dia , e as náos dos portuguezes , que de lá viessem , pa- 5, ra que poderia aqui fazer o Turco suas armadas com ,, muita madeira da terra ; mas o Senhor olhou do alto „ tanta maldade , c houve mizerieordia da terra , e de tan» j, ta perdição d'almas, ementita est iniquitas sibi , e dcsfez- „ lhe o ninho , c deu sua fortaleza em mão dos portu- guezes, a qual se destruio , c o que delia se podia dcr- , rubar , por não ter o governador gente para logo po- voar e fortificar como convinha. Esta gente ficou com „ os Índios , e esperão gente e soccorro de França , maior- „ mente que dizem que por ElRey de França os mandar, estavão alli , para descobrir os metaes que houvessem. Assim ha muitos francezes espalhados por diversas par- , tes, para melhor buscarem. Parece muito necessário po- ,, voar-se o Rio de Janeiro , e fazer-se nelle outra cidade , ,, como a da Bahia 5 porque com ella ficará tudo guarda- ,, do ; assim esta capitania de S. Vicente , como a do Es- „ pirito Santo, que agora estão bem frescas, e os fran- 3, cezes lançados de todo fora , e os indios se poderem „ melhor sugeitar, e para isso mandar mais moradores que „ soldados , porque de outra maneira podesse temer com ,, razão : neredeat immttndtis spús ctim aliis septem neqitiori- „ bus se et sint novissima peiora priorihtts ; porque a forta- ,, leza , que se desmanchou , como era de pedras e ro- , chás , que cavarão a picão , facilmente se pode tornar a j, reedificar , e fortalecer muito melhor. Depois de tomada „ a fortaleza , deo o governador em huma aldêa de in- j, dios , e matou muitos , e não poude fazer mais , porque „ tinha necessidade de concertar os navios , que das bom- 5, bardas ficarão mal aviados, e fazelos prestes para se tor- ?> na- UAS SciENCIAS DE LiSBOA. 237 „ ivarcm j o que veio fazer a esta capitania de S. Vicen- „ te , ontle cu fico , por assim o ordenar a obediência : o „ c^ue houver mais para escrever, o Provincial, que ago- „ ra hc ^ o Padre Luiz de Granho, o fará da Bahia. Nos- jy so Senhor Jesu Christo de a V. Alteza sempre a sua „ graça. Amert. De S. Vicente o i.° de Junho de lyóo/ j, z: Manoel de Nóbrega. >> Nota III. O Sereníssimo Infante D, Henrique foi o primeitó ,• que pelos vastos conhecimentos do seu espirito , venceo a difficuldade da navegação do Cabo Bojador, qUe descobrio* com a costa de Gume. O Papa r^icoláo V por Bulia dada no anno de t45'4 , concedeo a Portugal a conquista, e descobrimento de todos os mares, terras.j ítrinas j e' sUas ilhas do oriente e meio dia. Calisto III no anno de 14^6 não só confirmou aquella Bulia ; mas concedeo ao mesmo Infante , que era Grão mestre da ordem de Christo , a provimento dos benefícios ecciesiasticos nas terras desco- bertas. Xisto IV em 1481 confirmou todas aquellas gra- ças, exceptuando as ilhas Canárias a favor d'ElR.ey d'Hes- panha , concedendo toda a mais navegação, conquista, e descobrimento ao Senhor Rei D. Afionso V, e seus suc- cessores. Estando as cousas neste estado , appareceo o fa- moso descobrimento das Antilhas por Christovão Colom- ba , reinando em Portugal o Senhor D.João II. Com aquel- le descobrimento oíferecêrão-se duvidas sobre a divisão dos limites , as quaes se ajustarão entre Portugal e Hespánha no tratado de Tordesilhas, que foi celebre ainda mais pe- la Bulia da Alexandre VI datada em 1493, que terminou os dominios dos dois príncipes, mandando formar huma li- nha imaginaria , lançada mathematicamcnte do norte a sul. Pelos poios, dividio o orbe em duas partes iguacs, dando a de este á monarchia portugueza , e a de oeste á de Hcspanha. Aquelle parallelo , que devia ter ponto certo, 140 Memorias da Academia Real e principio determinado , se dispoa na mesma Bulia , que fosse huma das ilhas dos Açores , e Cabo verde , e que lançando-se a linha cem Icgoas a éstc do mesmo ponto , tudo o que ficasse para o occidcnte pertenceria a Gastclla, e a Portugal o que ficasse para o oriente. No mesmo an- no de 1493 se oppoz o Senhor D,Jo3o II ao cun^primento da Bulia, quanto ao curso que devia fazer a linha, e no- mcárão-se embaixadores por ambas as potencias, os quaes SC ajuntarão na villa de Tordesilhas com poderes de ajus- tar o negocio , e convieráo de commum consentimento , que a hnha da demarcação fosse lançada de polo a polo 370 legoas ao poente das ilhas de Cabo verde, ficando o descobrimento , e conquista da parte oriental pertencente a Portugal , e toda a conquista da parte occidental ao reino d' Hespanha , e que dentro em dous mezes se man- darião duas , ou quatro embarcações por huma e outra coroa com pilotos e pessoas intelligentes , que podessem fazer a demarcação, e se ajuntarião na ilha Grão Canária , aonde aU ternativamente se embarcassem castelhanos, e portuguezes nas embarcações de ambos os reinos , os quaes hirião con- junctamente demandar as ilhas de Cabo verde , seguindo dahi para o oecidente a fixar o marco , onde fizessem ter- mo as 370 legoas, que serviriao de baliza naquella parte, aonde cortasse a linha de demarcação de norte sul , com outras mais clausulas pertencentes á firmeza do contracto. Tudo isto foi ratificado , e firmado por ambos os Sobera- nos no anno de 1494. Por 30 annos esteve em silencio €Ste negocio , atéque as contendas das Molucas o fizerao lembrado; e então se acordou elegerem doze juizes, seis castelhanos, e seis portuguezes, os quaes se ajuntarião em Badajoz para concordarem a questão das Molucas , de que cada hum dos príncipes pertcndia o domínio. Formou- se a junta cm Badjjoz , fizerão-se conferencias, e despedírao- se os juizes sem conclusão alguma. Passados cinco annos , se ajustou o Imperador Car- los V com o Senhor Rei D. João 111 ? por escritura feita em DAS SciENCIAS DE LlSBOA. I49 Santo Emigílio , e participarão o successo ao governador de Buenosiiyrcs, e ao Vicerei de Lima, que mandou or- dem a D. Bruno Maurício Escavalla , que marchasse com a genre de Buenosayres , Santa fé, Córdova, e de las Sictc correntes, a destruir os de Parnguay. Aqucllas for- ças SC ajuntarão no rioTibicori, atacarão aos de Paraguay sem proveito, e capituLirSo, dizendo os paraguayanos , que estaváo cm terras d' ElRei de Portugal , c náo conscnti- riáo , que se tirassem os seus marcos alli mettidos ha tan- tos annos. Tal era a veneração, que aquelles Índios tinhão aos portuguezcs , pelo trato amigável , e carinhoso , que recebêi.ío de Martim AfFonso. Charlevois no tomo I, anno 1^16 ^ foi. 43 refere, que aquelle Marrim AíFonso explorara huma e outra mar- gem do rio, aindaque falsamente refere, que Sebastião Ca- boto nas visinhanças do rio trinta legoas acima de Buenos- ayres, vira chegar ao seu campo hum capitão portuguez, por nome Diogo Garcia , que ao reconhecer o paiz se en- caminhara por ordem do capitão gerai do Brazil, e toma- ra posse em nome de EIRei de Portugal , e que Gaboto não tendo forças para impedir, que os portuguezes se as- senhoreassem daquellas partes , se resolvera corromper ao dito Garcia, hospedando no forte do Espírito Santo. Aquel- la asserção do escriptor francez se convence de falsa ; pois ^ como era possível encontrar Martim Affonso , ou seus of- íiciaes , a Giboto nas visinhanças do rio da Prata no anno <íe 1526, se nesse tempo Martim Affonso estava em Lis- boa ? No anno de ifoo descobrlo o Brazil Pedro Alves Ca- bral no reinado do Senhor Rei D. Manoel. No anno de 1501 continuou o descobrimento Américo Vespucio , man- dado pelo mesmo Rei investigar, e demarcar exactaments as províncias do novo mundo , e este entrou até ao rio da Prata , con^^^ consta das suas relações e cartas, que es- creveo a Mcsser Petro Sodrino , contando os successos da sua primeira viagem, e as povoações portuguezas se pro- Tomo IX. li lon- 7^o Memorias da Academia Rsal longáfãò , desde logo por toda aquella costa , até á lagôa dos Patos cm altura de 32°. Affirma isto mesmo Horácio Tiircelino no Epitome das historias do mundo ^ \\v. lo , foi. 379, o Padre João Marianna , liv. aí, foi. 149, n, ifoo, e o Padre Simão de Vasconcellos no liv. i. n. 18, foi. ij, Sjlorzano , liv. i. cap. 4, n. 12, o Padre MafFcii , liv. 2. da Historia Indica ^ Cláudio Bartholomcu na sua historia Or- l/is maritimtts , e muitos outros. '.> '/vi ' No anno de ifif João Dias de Solis , indo no des- cobrimento do caminho das Molucas , chegou a S. Gabriel , onde dizem desembarcara , fazendo todos es actos posses- sórios para Castella , quando já Américo Vespucio o tinha antecedentemente feito quinze annos antes ; e por isso a co- roa de Castella mandando Sebastião Gaboto , piloto mór no anno de 15" 15" ao rio da Prata, lhe deo por ordem fizesse a viagem pelos limites da demarcação de Hcspanha , e não nos que pertencessem a Portugal , e aquelle piloto , reco- nhecendo as terras de Portugal, levantou fortaleza na mar- gem Occidental do rio da Prata. Seguio-se áquelle no an- no de I5'26 o Conde D. Fernando de Andrada , e reccbeo daquclla coroa as mesmas instrucçoes dadas a Gaboto. Co^ nhecia-se , que o melhor fundo do rio da Prata , era junto á sua margem occidental ; e comtudo D. Pedro de Men- doça edificou a cidade de Buenosayrcs na opposta mar? gem Occidental , por pertencer a margem occidental , e ilha de 8. Gabriel á demarcação de Portugal. No archivo real da corte se achão aquelles actos de posse , e jurisdição exercidos pelos soberanos de Portugal com reconhecimento de Hespanha relativamente aquelles dominios ; poisque he innegavel , como se vio ter entrado em ijBi no rio da Prata Martim Affonso; e tanto reconhe- cião os Reis catholicos , que na união das duas coroas con- firmarão as mercês das doações , que naquellas tinhão os successores dos donatários , pelos secretários e ministros por- tuguezes , e mostra a que fez Filippe IV ao mestre de campo Luiz Barbatho Bezerra na enseada de Fucuay, e DO DAS Sciencia"s de Lisboa. ij"! no governo do sercnissimo principe o Senhor D. Pedro as doações do Visconde de Asseca , e a seu irmão D. João Corrêa de Sá no continente de S. Gabriel. Nota IV. Doação da capitania dos Ilheos. Dom João por graça de Dcos , Rei de Portugal , e dos Algarves d'aquem , e d'alem mar, em Africa senhor de Guiné, e da conquista, navegação^ commcrcio da iithio- pia ^ Arábia j Pérsia da índia, &c. Faço saber a quantos esta minha Carta virem , que , considerando eu pelo servi- ço de Deos , e meu, proveito bem de meus reinos e se^ nhorios , e dos naturacs , e súbditos dclles , o ser minha costa c terras do Brazil mais povoada doque até agora foi; assim para nellas se haver de celebrar o culto, e of- ficios divinos^ e se exaltar a nossa santa. fé catholica , con-' tratasse provocar a ella os naturaes das ditas terras , in- fiéis, e idolatras, como pelo muito proveito, que se se- guião a meus reinos c senhorios , e aos naturaes e súb- ditos delles, de se povoar as ditas terras, houve por bem de mandar repartir e ordenar em capitanias de certas , e em certas legoas , para delias prover aquellas pessoas , que bem me parecer ; pelo qual guardando eu os muitos servi- ços i que lorge de Figueiredo Corrêa , fidalgo da minha casa, e escrivão da minha fazenda, a mim tem feito, e pelo que espero, que ao diante me fará: por todos esses respeitos , e por alguns outros , que a isto me movem , por folgar de lhe fazer mercê , de meu próprio motuo , certa sciencia, poder real, e absoluto, sem cllc mo pedir, nem outrem por elle. Hei por bem , e me praz de lhe fa- zer, como de effeito por esta presente Carta faço mer- cê , sem mover doiçao em serviços valedorcs , deste dia para todo o sempre, de juro, e herdade para elle, c pa- ra todos os seus filhos, netos, herdeiros, e successores j li ii que ^$2. MemokiaS da Academia R-eal que depois dellc vierem , assim descendentes , como trans- versaes, e collateracs, segundo ao diante he declarado, de cincocnta legoas de terra na dita costa do Brazil, que co- meçaráõ na ponta da Baiiia do todos os Santos da banda do sul, quanto couber nas ditas cincoenta legoas, as quaes se entenderão , e serão de largo ao longo da costa entre si da mesma largura peio certao , terra firme dentro , quan- to poderem entrar, e for da minha conquista: com todas as ilhas que houver até dez legoas ao mar na fronteira, e demarcação das ditas cincoenta legoas, da qual terra e sobredita demarcação lhe faço doação, e mercê de juro e herdade para todo o sempre como dito he , e quero e me praz, que o dito Jorge de Figueiredo Corrêa, e todos os áeus herdeiros , que ao diante tiver , herdarem , e succe- derem , se possão chamar , e se chamem capitães , e go- vernadores delias ; e outrosim lhe faço doação e mercê de juro , e herdade para todo o sempre para elle , seus 'descendentes, e successores no modo sobredito da jurisdic- ção civil e crime da dita terra, da qual clle dito Jorge de Figueiredo Corrêa , e seus herdeiros , usaráõ na maneira , e forma seguinte. Poderá por si , e seu ouvidor estar á elei- ção dos juizes e officiaes , apurar, e alimpar as pautas, e passar carta de confirmação aos ditos juizes , e olficiaes , os quaes se chamarão pelo dito capitão e governador , e elle para o ouvidor, que poderá conhecer das acções no- vas a dez legoas, onde estiver, e de appellação, e aggra- vos conhecerá de toda a capitania , e governança , e os di- tos juizes darão appellação para o dito seu ouvidor nas quantias que mandão minhas ordenações , e do que seu ou- vidor julgar assim por acção nova, como por appellação, e aggravo, e sendo em cousas eiveis não haverá appella- ção até á quantia de cem mil reis, e dahi para cima dará appellação á parte que quizer appellar. Em casos crimes hei por bem , que o dito capitão e governador e seu ouvi- dor tenha jurisdição, e alçada de morte natural inclusive, em escravos , e gentios , e o mesmo em peões christâos , ho- PAS SciKNCIAS DE LiSBOA. IfJ homem livre em todos os casos, assim para absolver, co- mo condemnar sem haver appcUação , e aggravo , e nas pessoas de maior qualidade terá alçada de dez annos de de- gredo, até cem cruzados de pena, sem appellação nem aggravo ; porém nos quatro casos seguintes , convém a sa- ber , heresia , quando o herético lhe íor entregue pelo ec- clcsiastico, traição, sodomia, e moeda falsa, terão alçada em toda a pessoa de qualquer qualidade que seja , para condemnar aos culpados á morte , c dar suas sentenças á execução sem appellação nem aggravo ; porém nos ditos quatro casos para absolver de morte , postoque outra pena lhe queirão dar menos de morte, darão appellação e aggra- vo por parte da justiça ; e outrosim me praz, que o dito seu ouvidor possa conhecer das appellações , e aggravos , que a elle houverem de hir ou lugar da dita capitania em que estiver posto , precisamente apartado deste lugar , on- de assim estiver; comtantoque seja na própria capitania, e o dito capitão e governador poderá pôr meirinho danre seu ouvidor e escrivães, e outros quaesquer officiaes neces- sários , e costumados nestes Reinos ; assim na correição da ouvidoria , como em todas as villas e lugares da dita capitania , e governança , e será o dito capitão governa- dor , e seus successores obrigados , quando a dita terra for povoada , em tanto augmento , que seja necessário outro ouvidor de o pôr , onde por mim , e meus successores for ordenado « outrosim me praz , que o dito capitão o go- vernador , e todos os seus successores possão por si fazer villas a quaesquer povoações , que nas tiitas terras se fize- rem , e a elles lhes parecer, que o devem ser, as quaes lhe chamarão villas , e terão termo , e jurisdição , segundo for costume de meus Reinos , liberdades , e insignias de villas. E isto porém se entenderá, que poderáõ fazer todas as villas , que quizerem das povoações , que estiverem ao longo da costa da dita terra dos rios, que se navegarem; porque dentro da terra firme pelo certão as não poderáõ fa- zer , menos espaço de seis legoas de terra , c termo , c ca- 2j"4 Memorias da Academia Real cada huma das ditas villas , e ao tempo que assim fizerem as ditas villas, ou cada huma delias, limitarão, e assigna- ráõ logo termo para cilas , c depois não poderão da terra , que assim tiverem dado por termo, fazerem outra villa sem minha licença. E outrosim lhe faço doação, e mercê de juro, e herdade para sempre das alcaidarias mores de to- das as villas , e povoações da dita terra , com todas a'i rendas, direitos, foros, tributos j que a elles pertencerem ^ segundo são escriptas c declaradas no foral , os quaes o dito capitão e governador, seus successores haveriío , e ar- recadarão para si , e no modo , e maneira no dito foral conteúdo , c segundo a forma delle , e ás pessoas , que as ditas alcaidarias mores forem entregues da mão do dito ca- pitão e governador, lhes tomará homenagem delias, segun- do a forma das minhas ordenações. Outrosim me praz , por fazer mercê ao dito Jorge de Figueiredo Corrêa , e a to- dos os seus successores, a que esta capitania, e governan- ça de juro e herdade para sempre , que elles tenhão , e hajão moendas ^de agua , e marinhas de sal , e quaesquer outros engenhos de qualquer qualidade que sejâo, que na dita capitania e governança se poderem fazer , e hei por bem, que pessoa alguma possa fazer as ditas moendas, ma- rinhas , nem engenhos senão o dito capitão e governador aquellas a que para isso elle der licença , de que lhe paga- rão aquelle foro , ou tributo , que com elle se concertar. Outrosim lhe faço doação , e mercê de juro je herdade para sempre de dez legoas de terra ao longo da costa da dita capitania e governança , e entraráõ pelo certão , tan- to , quanto poderem entrar , e for da minha conquista , aquella terra será sua, livre, izenta , e sem dcUa pagar fo- ro, tributo, nem direito algum, somente o dizimo á Or- dem do Mestrado de Nosso Senhor Jesu Christo , e dentro de vinte dias, que o dito governador tomar posse da dita terra, poderá escolher e tomar as ditas dez legoas de ter- ra, em qualquer parte , que: mui quizcr , não tomando po- rém juntas senão repartidas em quatro, ou cinco partes, sen- dAs Scienoias de Lisroa. iS$- sendo de liuma a outra menos de duas legoas , -9S quacs tcrrns o dito capitão c governador, e seus successorws po- derão arrendar, e aforar em fatucsim , ou cm pessoas, ovi c<»mo quiserem, e lhes bem vier, e pelos foros e tribu- tos , que qiiizerem ; c as dit;is terras não serão aforadas , ou a renda delias , qiinndo forem , viráõ sempre a quem succcder a dita capitania, c governança, pelo rnado nesta doação conteúdo, e das novidades, que as ditas terras de- rem, não será o dito capitão governador, nem as pessoas, que de sua mao estiverem obrigulos a me pagar tôm , nem direito algum. Só o dizimo a Deos, que gcralmeptç sví.h^ de pagcir cm todas as outras terras da dita eapitjnia , co,- mo abaixo irá declarado. Item , o dito capitão e governa- dor , c nem os que depois dclle vierem podcráõ tomar terra alguma de sesmaria na dita capitania para si , nenj para sua mulher, nem para o filho herdeiro delia, e antes darão , e podcráõ dar , e repartir todas as ditas terras dç sesmarias, e quacsquer pessoas de qualquer qualidade, e condição que sejao , e lhes bem parecer livremente seiu foro nem direito algum, e somente o dizimo a Deos, que serão obrigados a passar á Ordem de Chrjsto de tudo que nas ditas terras houver , segundo he declarado no foral , c pela mesma maneira poderão dar e repartir por seus filhos íóra do morgado , e assim por seus parentes ; porém aos ditos filhos , e parentes não poderão dar mais terra da que derão , ou tiverem dado , a qual por outra pessoa estranha , e todas as ditas terras , que assim derem de sesmaria asr sim a humas , como aos outros será conforme ás ordena.- çóes das sesmarias com as obrigações delias , pelas quaes estará o dito capitão e governador, e os seus succes^ores, € não poderio em tempo algum t )maf para si , nem par^ sua mulher, nem .filho, como dito he , nem polias em ou- trem para elles possuírem por modo aJgum que seja : so- mente as podcráõ haver por titulo de compra verdadeira das pessoas , que lhes quizcrcm vender passados oito pn- nos depois das terras serem aproveitadas de outra maneira. Ou- 15^6 Memorias t)A Academia R EAL Outrosim lhe faço doação , e mercê de juro e herdade para sempre de metade da dizima do pescado da dita ca- pitania , que a mim pertencer ; porque a outra metade se ha de arrecadar para mim segundo he no foral declarado j a qual metade da dita dizima se entenderá do pescado, que se matar cm toda a capitania fora das dez legoas do dito capitão e governador ; porquanto as ditas dez legoas são livres, e izentas, segundo atraz hc declarado. R outrosim lhe faço doação, e mercê de juro e herdade para sempre da redizima de todas as rendas, e direitos, que á dita Or- dem , e a mim de direito na dita capitania pertencer ; con- A^em a saber, que todo o rendimento, que á dita Ordem, e a mim couber , assim dos dízimos , como de quaesquer outras rendas, ou direitos de qualquer qualidade que s?ja , haja o dito capitão , e governador , e seus successores , huma dizima , que he de dez partes huma. Outrosim me praz , por respeito do cuidado , que o dito capitão e gover- nador , e seus successores hão de ter e guardar, e conser- var o Brazil , que na dita terra houver, de lhe fazer doa- ção , e mercê de juro e herdade para sempre da vintena parte , do que liquidamente render para mim , forro de to- dos os custos , o Brazil , que se trouxer da dita capitania a estes Reinos , e a conta do tal rendimento se fará na casa da Mina da cidade de Lisboa , onde o dito Brazil for vendido, e arrecadado o dinheiro delle , lhe será logo pa- go , e entregue em dinheiro de contado pelos feitores , e bfficiaes delia áquelle , que por boa conta na dita vintena montar , e isto porque todo o Brazil , que na dita terra houver, hade ser sempre meu , e de meus successores sem o dito capitão e governador , nem outra alguma pessoa po- der desfructar nelle, nem vende-lo para fora, somente po- derá o dito capitão, e assim os moradores da dita capita- nia , aproveitar-sc do dito Brazil na terra , no que lhe for necessário , segundo he declarado no foral , e tratado nel- ie, e vendendo-o para fora incorrerá nas penas conteudas flQ mesmo foral. Outrosim me praz; fazer mercê, e doação ao I I DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 24I em Saragoça no anno de 1^2^ em lhe vender por preço de 35'o mil ducados de ouro, pagos em moeda corrente, a acção do domínio , propriedade , posse , ou quasi pos- sessão , e todo o direito de navegar , contractar , e com- merciar por qualquer modo que fosse ; declarando outro- sim , que as capitulações feitas entre os Senhores Reis Ca- tholicos D.Fernando, e Dona Isabel, e o Senhor D. João de Portugal , sobre a demarcação do mar Oceano , ficarião firmes, e valiosas em tudo, e por tudo, como nclles era conteúdo , exceptuando as cousas que neste contracto fos- sem concordadas , e assentadas. Com isto cessou a ques- tão da demarcação por aquella parte , atéque por fataes desgraças se unirão por muitos annos os dominios das duas coroas , com a sugcição de Portugal a Hespanha no rei- nado dos Filippes. He pois certo , que se ajustarão as 3Ó0 legoas no tratado de Tordesilhas ; e que a Bulia assignalou não só as ilhas de Caboverde , mas copulativamente as dos Aço- res. Era preciso achar pois esse ponto para principiar a demarcação, e a direcção para proseguir. Se se applicas- sem aquellas nas ilhas de Caboverde proseguindo pelo seu parallelo , ficavao excluídas as ilhas então dos Açores. Se se punha o ponto, começando no seu meridiano, e continuando pelo seu parallelo, então ficavâo fora da de- marcação as ilhas de Caboverde. Começar no meridiano de ambas não era possível , pela diíFerença que hia entre cilas de 4 a 5" gráos de longitude : proseguir por ambos os seus parallelos também não podia ser, pela grande dif- ferença de suas alturas } poisque se devia principiar pelo meridiano dos Açores , como dispunha a Bulia , e proseguir- se pelo parallelo de Caboverde , como declarava o con- tracto, de que se fez menção, paraque a reciproca divi- são dos meridianos dos Açores , como parallelo das ilhas de Caboverde fosse o verdadeiro ponto da linha , de ou- tra sorte não se podia verificar o principio e direcção para concordar a Bulia com O contracto celebrado entre os dois Temo IX. ah SO' 24^ Memorias da Academia Real soberanos em Tordesilhas , que dispi!Z2r3o , que a raia , ou linha, que se devia lançar do pólo artico ao antartico havia distar 370 legoas das ilhas de Caboveruc para a parte do poente, por gráos , ou por outra maneira, que mais brevemente se podesse computar. Havia ainda outia duvi- da em qual das ilhas se hivia começar a contar as legoas. Os authores de grande nota assentarão , que se devia prin- cipiar do meridiano , que passa pela margem occidental da ilha de Santo Antão, por ser a que fica mais ao occidente de todas as de Caboverde, que estia em 18° de altura, cm cujo parallelo estendidas as 370 legoas para o occiden- te , fazião 22° gráos 20' de longitude, e tantos se havia de contar entre o meridiano , que passa pela margem Occi- dental da ilha de Santo Antão , e o meridiano da demar- cação , que deve dividir o que pertence a cada huma das coroas. Não se ajuntarão as embarcações hespanholas e portu- guesas para o exame do parallelo e determinação do ponto, em que se contarião as 370 legoas, nem era então prati- cável aquclla operação , por não estar ao tempo do con- tracto de Tordesilhas descoberto promontório algum, ou terra d'Ameri ca meridional, até a controvérsia das Molu- câs , que deo occasião ás duvidas recontadas , e opiniões sobre os pontos , em que cortaria o meridiano da demarca- ção de huma , e de outra costa distante do porto de San- to Antão 370 legoas, numeradas no parallelo 18°, altura scptentrional da mesrtia ilha, que na equinocial fazião 22° 20'. Variárâo-se aquelles pontos n'America com poli- tica , c industria , a fim de que ficassem as Molucas perten- centes á Hespanha. António Ferreira na historia geral das^ Índias, dec. i." livro 2. cap. 10, exprime-se assim sobre as convenções dos soberanos de Hespanha , e Portugal. » la linca de la demarcacion se echasse 270 legoas, mas 3» adelante hazía el ponicnte de la linea , contenida en Ia n Bulia dei Papa dés de Ias islãs de Caboverde hazia » el J DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 243 » cl ponicnte , y que dcs de este meridiano todo lo rcs- » tante ai ponicnte fucssc de los rcys de Castilla yLcon, jj y dés de alli ai oriente , fuesse de la navigation , con- »» quista , y descobrimiento de los reys de Portugal. j> Contradizcndo-se miseravelmente aquellc author assim nos pontos geográficos , como nos que assignalou o referido meridiano nas terras do Brazil, como se. lê na sua Dcc. 3. liv. 6. , cap. 7. j> Pues este meridiano viene a cortar la costa dei >' nucrte dei Brazil por la boca dei rio Maraíion , dci- »» xando toda la boca ai occidcnte, y la costa dei Brazil, >» que mira ai oriente , la costa por el rio de San Antoti » y Organos ; y este meridiano corta por la parte dei orien- »» te en la índia por la ciudad de Malaca , deixando to~ j» da la China, islã de los Malucos, y Philippinas en la j' demarcacion de Castilla , scgun lo qual nó solamente el " rio de la Plata ; pêro toda la costa , que hay de la ba- » hia de S. Vicente ai rio de la Plata, cahê en la demar- » cacion de Castilla ; porque queda de la linea de la de- » marcacion ai occidente. » Enganou-se aquelle escriptor, quando affirmou que os terrenos do Brazil se estendião pela boca do Maranhão ao norte , e Órgãos ao sul , e que aquelles dois terrenos ao meridiano do Brazil cortava no oriente a cidade de Malaca. Suppondo o meridiano dividido em duas partes iguaes precisamente se teria o circulo máximo lançado sobre a supcrficie do mesmo globo, e sobre o seu centro, que o corta igualmente. Pertende aquelle author, que o meridiano venha do ponto, onde se contao os 22" 20' em procura do rio Maranhão , e montes Órgãos , e então não cinge cUe o mundo pelos seus pólos , mas o desvia do seu cen- tro ; pois não he possível, que seja parallelo o meridiano de Santo Antão, vindo a acabar nos Órgãos em menor dis- tancia do dito parallelo; porque se o tal meridiano cahis- se pela boca do rio Maranhão , necessariamente havia de cortar muito adiante da bahia de S. Vicente j porque en- Hh ii trc 244 Memorias da Academia Real trc o cabo de Santo Agostinho , c o rio Maranhão vão 14° 40' de longitude , c entre o cabo de Santo Agosti- nho , e a Bahia de S. Vicente não ha mais longitude que de 10°; e por conseguinte a linha de demarcação não pôde dirigir-se por aquelles dois lugares; porque, sendo o meridiano huma linha de norte a sul , tanta distancia deve haver do cabo de Santo Agostinho ao rio de Maranhão, como daquelle á bahia de S. Vicente. Continuou se a torcer o meridiano pela boca do rio Maranhão , porque passa muitos gráos além do rio das Amazonas. Não ha da ilha de Santo Antão ao cabo de Santo Agostinho , senão 3 gráos de longitude ; e ainda menos , c do cabo de Santo Agostinho ao rio Maranhão 14° 40', que juntas fazem 17° 40', e por esta demarcação he manifesto se não completão os 22° 20' concedidos a Portugal , por lhe faltar 4.° 40'. Convencido desta verdade , diz elle em outro lugar: ít Despues á cá se ha hallado esta linea de demarca- » cion , y la descrive un meridiano, que passa por 22 j> gráos , y un tercio , mas ai occidente de la islã de Saa 3> Anton. >> João Botero Benesse assignala o verdadeiro meridiano do Brazil os 22° 20' a distancia formada ao poente de San- to Antão, e doutíssima e exactamente mostrarão Jorge Rey- nal , Fernão Rodrigues de Castellobranco , Bartholomeii Velho, e o celebre Pedro Nunes nas cartas de cálculos, que fizerão das terras do Brazil , pelas quaes se vê , que comcção aquellas ao norte do rio do Amazonas pela boca do rio Fresco , e cabo dos Hunos ao sul 84 legoas além do rio da Prata. Pedro de Magalhães de Gandavo na his- toria da província de Santa Cruz , descreve assim o Brazil. « Esta província de Santa Cruz está situada naquella » grande America , huma das quatro partes do mundo , dis- » ta o seu principio 2" da equinocial para o sul , e dahi »» se vai estendendo para o mesmo 45''', que vem a ser até >» á bahia de S. Mathias. >» Ge- 1 \ DAS SCIENCIAS DE LiSBOA. 245" Gerardo Mercador na sua geografia universal fui. 365, assim dcscrcvco os limites : „ Resta descrevermos a terra do Brazil mais occiden- jj tal da America , que tomou o nome do páo vermelho , j, que ahi nasce .... Está situada entre os dois rios Ma- „ ranhão, e o da Prata. „ O Lexicon geográfico de Filippe Ferrario foi. 64 no artigo Argenteiis fluvííis ^ diz o seguinte: '< O rio da Prata , como alguns querem , nasce da „ região do Paraguay , além do lago chamado Xarays ^ da- j, qui por longo intervallo divide por duas partes a pro- „ vincia Paraguay , corre ao sul , regando outras provin- „ cias, assimcomo os lugares de Buenosayres , Visita- ,, çuo , Conceição , Santa fé , Assumpção , e Sete corren- „ tes , c augmentando com os rios Picolmayo , Paraná , „ Negro, Carcona , e outros muitos sahem no mar brazi- „ lico por huma boca de 40 Icgoas. „ Salorzano seguindo a Gerardo Mercador no tomo i.° cap. 6. n. $<) de Jure Indiarttm y diz : " Aquella região, que se chama Brazil, que se de- ,, vide dos confins do reino de Peru, e se exime da júris- „ dição do seu Vicerey , se fecha com os dois grandes „ rios Maranhão pela parte do norte , e o da Prata pelo „ sul. „ Filippe Cluverio nas suas introducções geográficas , c descripçõcs do Brazil, liv. 6, foi. 367, diz o seguin- te : " O mais celebre porto do Brazil, he o da Bahia de „ todos os Santos; no certão as cidades de Paraguay, e ,, Assumpção são as mais populozas. „ O Padre Simão de Vasconcellos , Noticias das couzat âo Brazil^ liv. i. n. 13, usa do seguinte discurso: " Para este intento mandou naquella Bulia , que se „ lançasse huma linha de norte a sul cem legoas das ilhas „ dos Açores , e Caboverde a mais occidental para o „ poente. „ £ 246 Memorias da Academia Real E continuando a mesma historia diz no n. 1 4 : *' ElRcy D.Joáo o II, que neste tempo reinava cm For- „ tugal, reclamou esta Bulia, pedindo ao summo Pontífice „ outras 300 legoas ao poente sobre as cento, que tinha ,, destinado. E como estaváo os Reys de Cnstella tiío apa- ,, rcntados com os de Portugal , c o csperavao estar mais , „ vicrão facilmente no que pedia ElRey D, João , e de „ boa conformidade e parecer do summo Pontífice, se con- „ cederão mais 270 legoas, além do concedido na Bulia „ a 7 de Junho de 1494 : o que supposto aquella linha „ imaginaria lançada de norte a sul na conlormidadc so- „ brcdira, que vem a ser do ultimo ponto das 370 legoas „ de huma das ilhas dos Açores, e Caboverde mais occi- ,, dental (que dizem foi a ilha de Santo Antão) ao poen- „ te, he o fundamento da divisão, e demarcação do Bra- „ zil. „ O livro intitulado Theatnim orhis na taboada do Bra- zil , e Gothofrcdo Archontologia Cósmica foi. 3 18, cor- roborão o parecer daquelles authores com a posse continua- da de muitos annos , em actos e povoações successivas. Luiz Coelho de Barbuda nas Emprezas militares de Lusitanos , iiv. 14 foi. 2^5:, convém nas 370 legoas da demarcação ge- ral, e attendendo as operações geográficas, diz , que o me- ridiano passa pelo Grão Pará , e que assim fica incluída a boca do rio da Prata dentro dos limites de Portugal. Bar- tholomcu Leonardo y Argensola na sua historia da Con- quista das Molucas , diz , que a linha corta mais adiante do rio da Prata ; e a sua authoridade he de grande pezo , por ser hcspanhol , e ter dedicado a sua obra a Filippe III. Pedro Ordonho de Sabalhos historiador hespanhol no livro Biajen dei Mundo, Iiv. 3. foi. 272, fazendo menção das ilhas e terra firme, que na America occupão os hes- panhócs , firma por termo do grande império a província de Buenosayres , dizendo , que tudo mais he Brazil. Se- guio aquelle Garibay estando no interior de Guipussuca , t. 2. Iiv. 15», cap. 4, e t. 4. Iiv. 25-, cap. 25- j assimco- mo DAS SciENCIAS DE L I S B O A. 247 mo tambf!in o Padre Marianna no liv. 26 ^ foi. 408. Fr. António de S. Romão , que escrcvco em 1603 a historia dii índia oriental, liv. i. cap. 6, não só convcm nas 370 Icgoas da situação do meridiano , que dividio o mundo ; mas affirma com Garibay, e Marianna, que o dito meridia- no SC lançou 470 legoas da ilha de Santo Antão para o poente. Barleo , diz : " O Brazil para a parte occidental vê j, de mui largo os dezcrtos dos Caribes, o Perií das pro- „ víncias do novo mundo a mais nobre, e ultimamente os ,, cumes de huns altos montes para o sul, desconhecidas „ regiões , ilhas , mares , estreitos , as costas occiden- ,, taes : o Occeano atlântico , e os boreas combatem a parte j, scptentrional , os portuguezes o terminão pelo rio da „ Prata , e pelo rio Maranhão. „ O Atlas universal do mundo, foi o juiz imparcial da questão , na carta geral da America , onde asNÍgnala entre a margem occidental da ilha de Santo Antão , e a boca do rio da Prata 21° de longitude, faltando para o complemen- to dos 22° 30' do meridiano estabelecido da ilha de San- to Antão 1° 20', ficando evidente, que o meridiano da de- marcação corre além da boca do rio da Prata para a par- te do occidente mais de 1° que falta para a satisfação de 22° 20' de que se compÔe este parallelo ; e até a na- tureza parece se empenhou cm tirar esta duvida , dividindo os limites com o notável Lago doirado ou Xaray , que si- tuou no coração da America , e quasi no centro delia , cin- gindo-a com dois braços , que são como o império das aguas , e dão origem aos dois famosos rios , dos quaes hum corre para o norte com o titulo do Amazonas , ou Maranhão com mais de 80 legoas de embocadura , e ou- tro para o sul cora o nome de rio da Prata com 40 le- goas de largo. Daquelle rio da Prata tomou posse no principio do descobrimento do Brazil Américo Vespucio , e depois Mar- tim Affonso de Sousa, e se convence de hama carta do Snr. Rei 248 Memorias da Academia Real Rei D. João III de 28 de Setembro de 1532, dizendo- Ihe , que pelas cartas , que lhe enviara por João de Sou- sa , soubera da sua chegada ao Brazil , e que hia correndo o rio da Prata , e que já lhe havia respondido no anno antecedente , louvando-lhe as prezas , que fez dos navios francezes , e encomendou as noticias, do que houvesse encontrado , a respeito dos descobertos , como do rio da Prata. Martim AíFonso desempenhou dignamente a commis- são: descobrio o Rio de Janeiro, e todas as terras do sul, onde entrou , e fez povoação na Bertioga , levantou pa- drões nos lugares convenientes para segurar a posse de Portugal , que depois de dois séculos ainda forão achados pelo coronel António Botelho de Sampaio em 16 de Janei- ro de 1767. Na altura de 30" descobrio, o que junto da barra , se appellida da Prata ; na ilha do Maldonado assen- tou hum marco com as quinas de Portugal , reconheceo as duas margens do rio , e de ambas tomou posse , pondo padrões , e forâo achados taes padrões na cidade de As- sumpção de Paraguay, os quaes pertcndendo arrancar o go- vernador D. Diogo de los Reys se amotinarão os indios, e lho impedirão : retirou-se o governador para as missões dos Padres da Companhia , para vir arrancalos com aquel- les indios , e não o pôde conseguir pela opposição dos de Paraguay, do que resultou, que participando esta no- ticia o dito governador para Buenosayres , onde estava o Tenentc-rci D. Balthasar Garcia , e o Bispo , que tinha vindo de Cusco , se pozérão em marcha pelo rio Iraruaya , que vai desaguar ao rumo do sul , e dalli entrarão pelas missões do rio Capigú , e de lá para o povo de Santa Maria , chamado Policarpo , e marcharão para o rio Tabe- queri , onde armarão campo : sahírao ao encontro os indios de Paraguay com o seu governador , que elegerão D. José de Antiqucra e Castro , e o ouvidor da Real audiência de Suquicaca , que dando batalha ao meio dia , obrarão por tal maneira os paraguayanos , que em duas horas po- zérão era, fuga os cabos e soldados para a povoação de San- 1 DAS ScrENCiAs DE Lisboa. i^j ao dito capitão e goycrnador , e a seus successores de ju- ro e herdade para sempre , que dos escravos, que elles res- gatarem , e houverem na dita terra do Brasil , possão man- dar a estes reinos vinte e quatro peças cada anno para fa- zer dcllcs o que lhes bem vier , os quaes escravos viráó ao porto e cidade de Lisboa , c não algum outro porto , e mandarão com elles certidão dos ofíiciaes da dita terra , de como são seus , pela qual certidão lhe serão cá despa- chados os ditos escravos forros sem delles pagar direito algum, nem cinco por cento, e além destas vinte e qua- tro peças, que assim cada anno poderá mandar forros: Hei por bem , que possa trazer por marinheiros e gurometes era seus navios todos os escravos que quizerem , e lhes forem necessários. Outrosim me praz , por fazer mercê ao dito capitão c governador , e seus successores , e assim aos mo- radores, e visinhob da dita capitania, que nella não pos- sa em tempo algum haver direito de sizas , nem imposi- ções, saboarias , tributos de sal, nem outros alguns tribu- tos, nem direitos de qualquer qualidade que sejão , salvo aquellq* , que por bem desta doação , e do foral ao pre- zente são ordenados que haja. Item hei por bem , e me praz , que só se dê e succeda de juro e herdade para todo sempre pelo dito capitão e governador, e seus descen- dentes filhos e filhas legitimas com tal declaração , que emquanto houver filho legitimo varão no mesmo gráo , não succeda filha , postoque seja em maior idade doque o fi- lho ; e não havendo macho , ou havendo-o , e não tendo então propinquo gráo ao ultimo possuidor como a fêmea , que então succeda a fêmea , e emquanto houver descen- dentes legitimos machos, ou fêmeas, que não succeda na dita capitania bastardo algum, e não havendo descendentes machos , nem fêmeas legitimos , então supcederâo os bas- tardos, não sendo porém de danado coito, e succederáo pela mesma ordem de legitimos, primeiro machos, e de- pois as fêmeas em igual gráo, e com tal condição, que os possuidores da dita capitania a quizerem antes deirar a algum Tomo IX, Kk seu 9f8 MfMORIAS DA ACADEMIA KeAL seu parente transversal , que aos descendentes bastardos , quandi) não tiyer legitiroos , o possa fazer, e não havendo descendentes rtuchos , nem fcmeas Jegitimos , nem bastar* dos da maneira , que dito he , em tal c^so succederáõ os ascendentes machos, e fêmeas, primeiro os machos, e cm falta delles as fêmeas, e não havendo descendentes, nera ascendentes , succederáõ os transversaes pelo modo sobre- dito, sendo primeiro os machos, que forem em igual gráo , e depois as fcmeas , e no caso do^s bastardos , ou possui- dor, poderá se quizer deixar a dita capiunia a hum trans- versal legitimo , e tira-la aos bastardos , postoque sejão descendentes cm muito mais próximo gráo ; e isto hei as- sim por bem , sem embargo da lei mental , que diz , que não succcda fêmea , nem bastardos , nem transversaes , nem as- cendc:ites ; porque sem embargo de tudo me praz , que nesta capitania succedao fêmeas , e bastardos , não sendo de coito danado , e transversaes e ascendentes do modo que já hc declarado. Outrosim quero , e me praz , que em tempo algum serão por elles a dita capitania e gover- nança , e todas as cousas , que por esta doação dou ao di- to Jorge de Figueiredo Corrêa não possa partir , nem es- cambar , cspedaçar , nem em casamento a filho ou filha , nem a outra pessoa dar , nem para tirar pai , ou filho , ou alguma pessoa do captiveiro , nem para* outra cousa, ain- daque seja mais piedoso , porque minha tenção e vontade hc que a dita capitania e governança , e cousas ao dito capitão e governador nesta doação dadas , andem sempre juntas , e se não partão , nem alienem em tempo algum aquelle que a partir, ou alienar, espedaçar, ou der em ca- samento, ou para outra cousa, poronde haja de ser parti- da , aindaquc seja mais piedosa por esse mesmo effeito , perca a dita capitania e governança, e passe direitamente aquelle , que houver de hir pela ordem de succeder sobre- dita , se o tal que isto assim não cumprir fosse morto. E outrosim me praz, que para caso algum de qualquer qua- lidade que seja ; c o dito capitão governador commetta , por- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. SJ-p porque segundo o direito , e leis deste Reino , mereça per- der a dita capitania c governança, jurisdição, e renda del- ia , a nâo perca , salvo se o succcssor for traidor á coroa destes reinos, e em outros casos, que commctter, será punido, quanto o crime o obrigar; porém o seu successor não perderá por isso a dita capitania e governança, juris- dição , rendas, e bens delia, como dito he. Item me praz , e hei por bem , que o dito Jorge de Figueiredo Corrêa , e todos os seus successorcs , a que esta capitania e gover- nança vier, use inteiramente de todo o poder, jurisdição, e alçada nesta doação, com a renda assim, e da maneira, que nella hc declarado , e pela confiança , que delles te- nho , que guardarão nisso tudo o que cumpre a serviço de Deos , e meu, a bem do povo, c direito das partes. Hei outrosim por bem, e me praz, que nas terras da dita ca- pitania não entre , nem possa entrar em tempo algum cor- regedor , nem alçada , nem outras algumas justiças , para nella usar de jurisdição alguma, por nenhuma via, ou mo- do que seja , nem menos será o dito capitão suspenso da dita capitania , governança , e jurisdição delia : porém se o dito capitão cahir em algum erro , c fizer alguma cou- sa , por que mereça , c deva ser castigado , Eu , ou os meus successorcs o mandaremos vir para ser ouvido com sua jus- tiça , e lhe ser dada aquella pena ou castigo , que de di- reito o tal caso merecer. Outrosim me praz , por fazer mer- cê ao dito Jorge de Figueiredo Corrêa , que elle possa no- mear em sua vida, ou por seu falecimento a successão a qualquer dos seus filhos, ou filhas, que elle quizer, pos- toque nesta doação seja declarado , que a successão da dita capitania a qualquer de seus filhos depois do seu faleci- mento seja primeiro ao mais velho , não tendo filho al- gum , a sua filha ; porem por falecimento de filho , ou fi- lha , que elle assim na dita capitania , e governança no- mear, virá a successão delia i pessoa, que de direito a de- va de haver , c herdar , assim , e no modo , que no capi- tulo da successão da dita capitania he declarado , e não xk ii no- 200 Memorias da Academia Real nomeando, em tal caso virá a.,succes^ãiQ da tal capitania 4 pessoa , a que por bem do dito capitulo da succcssao deve vir, ., Item porquanto o ditp Jorge de Figueiredo Corrêa fee. o primeiro capitão € governador desta capitania : hei por bem , e me praz de lhe faz,çr mcrce , e ficar memoria delle , que t« seus successores , e pessoas, que á di- ta capitania vierem , se chamem Figueiredo ; sob pena de que, o quç não se chamar dç Figueiredo perderá 3 dita ca- pitania , e governança , e não poderá em maneira alguma suçccder iae)la , a qual capitania , e governança por elle tnesmo passará logo a QUtro successor , a que de direito pertenceria, se o tal que isto asi-im não cumprir fosse mor- to, e serão assim mesmo. obrigados todos os seus sucees- sores a tra'*er as armas dos Figueredos. Esta mercê lhe far ço , como í^ei e Senhor destes Reinos , e assim como go- vernador , e prepetw administrador , que sou da ordem e cavai laria do mestrado de nosso Senhor Jesu Christo , e por.e^ta prezente carta, dou poder, e authoridade ao dito Jorge de Figueiredo Corrêa , que elle por si , e por quem lhe parecer , possa tomar , e tome posse real , corporal , c actual das terras d^ dita capitania e governança , e das rendas , e bens delia , e todas as mais cousas conteudas nesta doação , e use de tudo inteiramente , como ntlla se contêm; a qual doação hei por bem, quero, e mando, que se cumpra e guarde em tudo , e por tudo com todas as clausulas , condições , e declarações nellas conteudas , e declaradas, sem mingoa nem desfalecimento algum: e pa- ra tudo o que dito he , derogo a Icí mental , c quaesr quer outras leis , ordenações , direitos , glozas , e costu- mes, que em direito disto haja, e possa haver, por qual- quer modo, e via que seja, postoque sejao taes , que fos- se necessário serem aqui expressas e declaradas , de verho ad vcrhnn , sem embargo da ordenação do livro 2. tit. 49 , que dii que quando as taes leis e direitos se derogarem , se faça expressa menção delias ; e por esta prometto ao dito Jorge de Figueiredo Corrêa, e a todos os seus successo- res, DAS SCIENCIAS OE LiSBOA. z6í res , que nunca em tempo algum hirci , nem consentirei iiir contra esta minha ordem , c doação em parte , nem cm todo. E rogo , e encommendo a todos os meus succcsso- res , que lhe cumprao e guardem , mandem cumprir c guar- dar. Assim mando a todos os meus Corregedores , Desem- bargadores , Ouvidores , Juizes , c Justiças , OfEciaes, e pes- soas dos mesmos reinos , e senhorios , cumprao , e guar- dem , e f;içiIo cumprir, c guardar esta minha carta de doa- ção, c todas as cousas nella contendas, sem nisso lhes ser posta duvida , nem embargo , nem contradição alguma , porque ansim hc a minha mercê ; e por firmeza delia lhe mandei dar esta carta por mim assignada , e sellada do scUo pendente de cera da minha Chancellaria , a qual vai escripta em cinco folhas , e com esta do meu signal , e com a primeira, em que esta doação começou da parte de dentro , as quaes todas são assignadas ao pé de cada huma por D. Miguel da Silva , Bispo de Viseu , do meu Con- selho , c meu Escrivão da puridade. Vicente Fernandes a fez em Évora aos vinte e sete dias do mez de Julho do anno de i5'24. E eu Fernão Alvares Thesoureiro mor d'El- Rei nosso Senhor, Escrivão da sua Fazenda a fiz escre- ver. :=, Rei. Nota V. Carta do Governador sohre os índios, A S do corrente se me apresentou o indio Manoel Filippc Monteiro de Aguiar com cinco índios, e huma Ín- dia , acompanhados de huma carta do capitão mor das Or- denanças de Jiquiriçá Francisco António da Silva preten- dendo estabeleccr-se no lugar chamado das Salinas^ e pe- dindo-me parocho , que os instruísse na Religião Catholi- ca ; requerendo-me ao mesmo tempo , que os não pozesse debaixo da subordinação , e direcção do capitão mor da Rassaca João Gonsalvcs j e estranhando a vinda destes ho- mens. 202 Memorias da Academia Real inens , por não ser acompanhada de carta de v. in, , cjue se aclia encarregado por este Governo do negocio impor- tante da conquista do gentio daquellc continente , os rc- metto na presente occasião, depois de serem assistidos com o vestuário e comida necessária, paraque v. m. á vista do que elles lhe ponderarem , e do que julgar mais convenien- te ao serviço de Deos , e de S. Magestade , os fuça habi- tar aquclle lugar, que lhe parecer mais próprio, lembran- do-se de que pela informação , que se me dá , são sete aldêas , que se pretendem unir, o que será fácil de conse- guir , por fallarem todos o mesmo idioma , procurando fa- zer esta diligencia de sorte, que fiquem contentes, e sa- tisfeitos os mesmos indios. Ao dito capitão mor de Jequiriçá escrevo , reprehen- dendo-o de os remetter , sem ter primeiro participado a V. m. semelhante remessa , que pretendeo embaraçar u sar- gento mor Luiz Gonsalves da Silva , como v. m. me com- munica na sua carta de 8 do corrente. O portador desta pretende ser capitão mór dos indios da aldêa de Jequiriçá j sobre o que v. m. me informará , e quando se offerecer occasião , me dará parte das provi- dencias , que der a respeito dos mesmos indios. Deos guar- de a v. m. Bahia 28 de Abril de 1790. =; D. Fernando José de Portugal, z: Senhor Desembargador Francisco Nu- nes da Costa , Ouvidor da commarca dos Ilheos. N o T A VI. Fico entregue da carta, que v. m. me dirigio com da- ta de 10 de Maio passado em resposta , da que lhe es- crevi em 28 de Abril do corrente anno, quando foi a re- messa dos indios do certao da Rassaca , pelo conductor Manoel Filippe Monteiro de Aguiar, e approvando as pro- videncias , que v. m. deu a este respeito , só me resta Icmbrar-lhe , que me communique a chegada dos ditos in- dios a essa sua commarca , para se darem aquellas provi- den- DAS SciENCIAS DE LiSBOA. 263 dencias, que se julgarem necessárias. Deos guarde a v. m. Bahia 25 de Junho de 1790. =; D. Fernando José de Por- tugal. =; Senhor Desembargador Ouvidor da commarca dos Ilhcos, Francisca Nunes da Costa. Nota VII. Os Índios , que vicrao do certão da Rassaca , c que com esta serão apresentados a v. m. , os repartirá pelas povoações , que julgar conveniente , recommendando aos parochos, que os cathequizem para se baptizarem, e aos di- rectores , que lhes dcm bom tratamento , paraque se possa conseguir não só a conservação dos mesmos indios na- quellas povoações , mas paraque se facilite o transporte dos outros muitos , que se achao pelas matas, Deos guarde a V. m. Bahia 23 de Agosto de 1790. 7Z D. Fernando José de Portugal, z: Senhor Desembargador Ouvidor da com-» marca dos ilheos Francisco Nunes da Costa. Nota VIII. Provisão (/») em que forao alliviados os povos da contriluiçao da farinha para o presidio do Morro. D. João por graça de Deos , Rei de Portugal, e dos Algarves, d'aquem , e d'alem mar, em Africa Senhor de Guiné , &c. Faço saber a vós Conde das Galveas , Vicerei e Capitão general de mar e terra do Estado do Brazil , que vendo o que me escrevestes em cartas de nove de Ju- lho de mil setecentos e trinta c seis , e de doze de Agosto do anno passado sobre a guarnição do Morro de S, P;juIo ser paga pela Provedoria dessa cidade de fardas e soccor- ros , mas não de ração de farinha , de que era muito mal satistcita ; porque á tal ração se havião obrigado os mora- dores das villas de Boipeba , Cairú , e Camamú , a qual obri- (a) Ac)ia-se esta Provisão no Livro 6." de Registos de Cartas e Or- deus na Provedoria da Fazenda Real da EaLia a f. 8. a64 Memorias da Academia Real obrigação , por estar ha muitos annos cxtincta , duvidavao os ditos moradores continuar com a dita distribuição , e principalmente por haver crescido a muito maior numero os soldados e artilheiros, que" assistem naquelle prezidio, por cuja causa havia huma continua vexação na cobrança da dita farinha , c os soldados c artilheiros padecião a fal- ta de não serem nunca inteirados das suas rações , nem se- ria possível o fossem , não só pelo augmento das praças , senão também pela pobreza, com que vivião os referidos mo- radores; e attendendo ás razões, que me expuzestes nesta matéria, Sou servido, por Resolução de vinte e sete de Fevereiro deste presente anno , cm consulta do Meu Con- selho ultramarino, alliviar os moradores das referidas villas da dita obrigação, ordenando, que da mesma sorte, que são soccorridos de farinha os militares dessa praça, o sejão também os do dito prezidio do Morro de S. Paulo , dan- do-se-lhe huma quarta de dez em dez dias a cada hum , ajuntando-sc para este effeito com as Camarás mais visi- nhas , ou alguma de maior possibilidade , que mandem to- dos os mezes aquella porção de farinha sufficiente , que baa- tar ao numero daquella guarnição, e, entregue que seja ao Almoxarife do dito prezidio, com conhecimento de sua re- ceita, irão os barqueiros, que a conduzirem, cobrar o seu producto á Provedoria mor dessa, sendo distribuída a dita farinha por mappas , para a despeza do dito Almoxarife, a quem se ha-de carregar logo em receita no mesmo in- stante que a receber , o que assim fareis executar. ElRei Nosso Senhor o mandou pelos Doutores Manoel Fernandes Vargas , e Alexandre Metello de Sousa e Menezes , Conse- lheiros do seu Conselho ultramarino, e se passou por duas vias. Bernardo Félix da Silva a fez em Lisboa occidental a dez de Março de mil setecentos trinta e oito. Z5 O Se- cretario Manoel Caetano Lopes da Lavra a fez escrever , e assignou. O Conselheiro Thomé Gomes Moreira. =: Ale- xandre Mct;f;llo de Sousa e Menezes, s Thomé Gomes Mo- reira. OB- OBSERVAÇÃO. N.1 pag. XL linha ip , depois zn da villa de Cêa — deverá lêr-se í= de monte mor o novo t= de Torres vcdras :=; de longroiva tr de Azeitão í= da Torre de moncorvo = do lugar da marinha grande nz de parte do território da comarca de Thomar tr de Coimbra e seus arredores c: do território denominado Alto Douro ti da província do Alcm- tejo. Tomo IX. i\ ME- r RESUMO DA RECEITA DOS RENDIMENTOS DA CAPITANIA DE MINAS GERAES , Qiie entrarão na Thesouraria geral cm todo o anno de 1818, pertencente ao rendimento do mesmo anno, e dos antece- dentes. A saber : Do rendimento de Direitos deiitradas ---------- 767:i97çÍJ074 Dizimos ------------- 114:955(^111 Passagens -..--.--.---- 2:788(^96} Obra pia 5S4á)8i5 Propinas de munições de guerra ------ 1:845(2!) j6t Donativos de officios de justiça ------ 2:169^^812 Ter<,as partes de ditos --------- 1:2)1^)04 Novos direitos de ditos, e cartas de seguro - - 2:484(3^)12 Correio .-..--....--- 2:9(9(^1)9 Extraordinário ...---...-. 5:879(^5060 Pólvora ..--r-.- j:6jo,^S5S jo6:o7j(2Í)i;79 Taxas dos sellos 5:927,^202 Decima dos prédios urbanos -......- 2:652(^)95 Dita testamentária ----------- 6:5))(2)857 Sizas - 27:472^640 Carne verde y.iiT(^6o^ 4J:903<Í)S9* Producto do oiro, do quinto fundido para assistência da extracção diamantina .----.-. 52:700(^)844 Importância com que se llie suprio do rendimento do subsidio voluntário ..-------- 21:221 ,5Í)47 5 73:922(^)19 Dinheiro que se recunhnu , e permuta a trocar por moeda - . - - 1:4)2(^4)6 Depósitos geraes , e das casas administradas .---.---- j2:i82(^oi4 Contribuição voluntária, e outras arrecadações para se remetterem ao Real Erário -------- 92 5(á)96S Pcns dauscnres - - - idem ------- 2j:j69(J)ij8 Impostos para o Eanco do Brasil -.----- 6:675(^1141 50:970(^)244 488:484,^59° Saldo existente em cofte no fim de 1817 , e passou para 1818 a.^ 79:127,^220 Reis 507:61 i(á)8 10 DESPESA DA THESOURARIA GERAL NO ANNO DE l8l8. A snher : Ao Thesoureiro Pagador da Tropa , ordenados , e mais despesas da Real Fazenda, para os pagamentos de sua estação ----- 247:5661^052 Ao da Intendência de Villa-rica -...-.---.- j y.o66^yoo Ao da villa do Sabará •-.--.•_..-..- lorooo^Jooo Ao da villa de S. João d"EIRei ....---...- ^-.400^000 Ao da villa do Príncipe ----..--....- 9:700(5)000 Ao dos diamantes para soldos dos pedrestes da mesma - - - * 4:6582854* Ao Administrador do Correio desta villa para soldos dos emprega- dos no giro das mallas -..-.-....-.- i:o84<;^050 Ao Hospital militar desta villa para despesas do mesmo . - - - jiooOí^ooo Diversas despesas pagas pela Tliesouraria geral -..-... I59(jj626 Assistência á Real extracção dos diamantes do arraial do Tyúco - 90:000^000 Pagamento dos depósitos, e passagem para abono de diversos - - 48:1675^5654 Permutas .-------.--.----.. t^z^-joo Imposto para o Eanco , temettido ao Real Erário - 6:142(^706 Bens d'auscntes , e outras arrecadações - - - - 22:65012)675 ■ 28:77j(^j8l Saldo existente em cofre, t|ue passou para o anno de 1819 - 103:28 i;J)i05 {Em bilhetes da Real extracção dos diamantes 5j:440^9i2-j V 567:6111^)810 Em dinheiro -----.---- 49:842^^)1 9 j -^ (Entre pag. 20 e 2 1 dat Mtm. de Sucias , T. IX. P, I.) 2()7 MEMORIAS, QUE SE CONTÉM NESTE TOMO NONO. Historia. XJjSCURSO do Sereníssimo Senhor Infante D. Mi- guel , Presidente da Academia , por occasião da Ses- são publica da mesma Academia em ^J de Junho de 1823. Pag. I Discurso Histórico recitado na Sessão publica de 27 de Junho de 1823 , pelo Sccrerario José Maria Dan- tas Pereira. m Discurso recitado pelo Secretario José Maria Dantas Pe- reira no Paço da Bemposta , perante ElRey Nos to Se- nhor^ por occasião da felicíssima restauração do Thro- no Lusitano. xi Discurso recitado pelo Secretario José Maria Dantas Pe- reira no Paço da Bemposta , perante o Sereníssimo Se- nhor Infante D. Miguel , Presidente da Academia , por occasião da felicíssima restauração do Throno Lusitano. xiii Discurso recitado pelo Secretario José Maria Dantas Pe- reira no Paço da Bemposta y perante ElRey Nosso Se- nhor , por occasião do acontecimento de Cadiz , e do venturoso anniversario do Sereníssimo Senhor Infante D, Miguel y Presidente da Academia. xv Discurso recitado pelo Secretario José Maria Dantas Pe- reira 710 Paço da Bemposta , perante o Sereníssimo Se- nhor Infante D. Miguel , Presidente da Academia , por occasião do feliz anniversario de S. A. R. , e do acon- tecimento de Cadiz. xviii Programma da Academia Real das Sciencias de Lisboa, annunciado na Sessão publica de z-j de Junho de i^^i- xx l1 ii Dis- 268 Disíurso recitado na Sessão publica de i de Jtilho de 1824 pelo Secretario José Maria Dantas Pereira, xxvii Programma da Academia Real das Sciencias de Lisboa , annmciado na Sessão publica de i de Julho de 1^2 j^. ux Elogio Histórico de Sebastião Francisco de Mendo Tri- goso Homem de Magalhães, Lido na Sessão publica de 2^ de "Junho de 1822 por Manoel José Maria da Costa e Sá. , txvii Lista dos Sócios da Academia Real das Sciejtcias. xci Relação dos Membros , e Correspondentes da Instituição Faccinica da Academia Real das Sciencias. xcix Memorias de Sócios. Noticias , e reflexões estadisticasy a respeito da Provinda de Minas Geraes, por Guilherme , Barão d'Eschwege. i Memoria sobre o começo , progressos , e decadência da lit- teratura Hebraica entre os Portugueses Catholicos Ro- manos j desde a fundação deste Reino até ao reinado d'ElRei D. José 1 , por Fr. Fortunato de S. Boa- ventura. 29 Addit amento ã dita Memoria. 6z Dissertações do Padre António Pereira de Figueiredo. Dissertação I. Os Fenícios em Espanha mil e quatro cetf' tos e mais ânuos antes da era de Christo. 6^ Diss. II. Etymologia dos nomes Ibéria ^ Celtiberia ^ His- pânia , Lusitânia. 80 Diss. III. Os Gregos em Espanha des dos tempos Herói- cos. 8 6 Diss. IV. Das Egoas da Lusitânia. 100 Diss. V. Sobre dotis notáveis lugares de Heródoto. 107 Diss. VI. Etymologia do nome de Pyreneos. 120 Diss. VII. Império dos Carthaginezes em Espanha. 128 Diss VIII. Império dos Romanos em Espanha. 162 Diss. IX, Das diversas divisões , que os Romanos Jize- rão em Espanha. Diss, Diss. X. Entrada dos Godos , Suevos , Alanos e Vânda- los em Espanha. 217 Diss. XI. Do Ceremonial e Legislação dos Reis Godos. 247 Diss, XII. Destruição do Reino Godo em Espanha pela entrada dos Mouros. 25 j Diss. XIII. Principios do Reino de Portugal, 270 Diss. AlV. D'hum notável lugar do Arcebispo de To- ledo. 2p3 Diss. XV. Segundo Casamento da Rainha D. Tareja. 295' Diss XVI. Verdadeira Época da morte de S. Giraldo. 2p8 Diss. XVII. Incerteza do anuo em que nasceo ElRei D. Affonso Henriques. 299 Diss. XVIII. Sobre de que Casa era a Rainha D Ma- falda. 302 Diss. XIX. Épocas da Batalha de Ourique. 303 Memorias de Correspondentes. Memoria sobre uma Provisão ou Carta do Siir. D. Af- fonso II acerca de uns Decretos chamados Leis de Fr. Suciro Gomes , por João da Cunha Neves e Carvalho. 2 Memoria sobre a restauração das barras dos portos for- madas nas fozes dos rios em geral , e sobre a appli- cação dos principaes fundamentos destas impor tantissi- mas restaurações ao melhoramento , e conservação da barra do Porto ^ por Luiz Gomes de Carvalho. - 19 Memoria topográfica e económica da Commarca dos Ilheos , por Balthazar da Silva Lisboa. S7 CA- %^: r 'a Jú Cai ■^rk c^:r x^ ^j^^-X :..:..n. *^' ■tl_^._t. n "•!br I t , ri,A.\Ti HA KOZ HO IIOIKO ATK (Jl KIIKAMOK.VS; /W/r/ m/Z/Z/f/f/ifí^ f/p /fafín //fí ffi//Anni/ftr/i/fí f/a /ta/m í/fí ffJfíTY/. ■■^ /•" /»t «»# ^ ^.^«A- /■«-■' v^ r,™/. • /j.^ .1. ' \ Das sondas da barra do Porto nas três épocas notavc o principio de 1817, em que tomei conta das ot lançou sobre alguns pontos da direcção do dique meu plano, até fim de 1823, de cuja compara^: feitas da parte do dique LGC. Sondas na Datas Rumos FREAMAK DA Datas I.' Época Lua. Anno de 1790 Palmos Anno de 1817 Junho . . . Sul . ... 21 }i de Março . Julho . . . Agosto . . . Sul . Sul . . . . 21 • . . 2 j I 7 de Abril . 25 Setembro . Sul . . . . 24 2i dito . . Outubro . . Sul . ... 20 8 de Maio . Dezembro . . Sul . . . . 20 7 de Julho . 20 dito . . Anno de 1791 Janeiro ; , . Sul . ... 20 Anno de 1818 Fevereiro . . Sul . ... 25 ■ . . 2} Março . . Sul . 8 de Outubro Maio . . . Sul . 22 18 dito . . Setembro . . Sul . • . . 22 28 dito . . Novembro . . Sul . ... 24 7 de Novemb. 1 5 dito . . 1 2 de Dezemb. 18 dito . Anno de 1792 Fevereiro . não diz 0 rumo . 26 Dezembro . Sud. 0. ... 27 Anno de 1819 flieio termo das sondas nes ta I. época 2) 22 de Janeiro 24 de Fevereiro 2.» Época Anno de 1817 I Janeiro . 5 Fevereiro 22 Março . . NOr.O SO . SO . ... 24 32 m. mou 2 j • . . 2J 14 de Março . 27 dito . . Abril 7 5 de Julho " conseSo JlÍTj^.^rlÍ":^.'' Tof ' "7 '"=»^"'° '. "" fins de Setembro, e Om^b°o d' ,1?.'^ Í'"^- '"""" ** "'^'"" zt- "^^ ?="S? =.- Ki";-°,t te T A B E L L A Das sondas da barra do Porto nas três épocas notáveis, a saber: i.' desde 1790, em que começou a primeira obra da barra, até 1792 inclusive: a.' desde o principio de 1817, em que tomei conta das obras até 1810, em que quasi se não trabaiiiou na barra á excepção de 1819, em que alguma pedra se lançou sobre alguns pontos da direcção do dique LGC da esquerda, e alguma AB na direita: 3.' desde o anno de 1821 , em que comecei a executar o meu plano, até fim de 1823, de cuja comparação se conliece o melhoramento progressivo, que a barra tem recebido nesse pouco tempo pelas obras feitas da parte do dique LGC. I Janeiro . 5 Fevereiro 22 Marrjo . NOr.O SO . SO . ... 24 22 m. mou 2 j . . . 2i Anno de i S 1 9 22 de Janeiro SO . 24 de Fevereiro VS} 14 de Março . NO . 27 dito . . NO . Abril 7 . . NO . 5 de Julho . 0 . 25 em l^íJemaré 27em| detn. ou o i^ j.' Época Anno de i?2i 20 de Janeiro NNO 1 1 de Fever. NO . j de Abril . NO . 8 de Julho . i\0 . jo de Julho . NO . Anno de 1222 I de i^Iarço . NO . í j em 1 ou i« Desde Janeiro até 29 de Juiilio . 29 de Julho 20 de Agosto . 21 de Setembro . 26 de Outubro 2í de Novembro . 10 de Dezembro , NO . NO . NNO . NNO. NNO . NO . NNO . NNO , 2+ em J de maré j ( 2í meia maré (Jil 29 26 meia mjrc ou J2 Meio termo das sondas na J." época NB Além do melhoramento das sondas, que mostráo a maior profundidade da barra en virtude das obras do novo plano, que se estS executando desde 1S21 , a^^ ^^ ^^^^^ ^ ^^^ reduzido lios conservado mais funda, larga, e recta, pois a sua largura se reduzia de (o até 40 braças, logo;ue as cheas passavão, e o rio andava pouco ''^""'^^"'' .'^ ''"''' '^:.„ ^„„,tou a praça do Horto; agora fins de Setembro, e Outubro de 1817 extraordinariamente a bumas 10 braças, que tanto havia la testa do Cabedelo a pedra João Boi da margem direita, ° ''"J , r.beJelo demorava ao Sul do dique : desde o principio de Janeiro até fiin de Setembro do anno passado de 1821 , a sua largura esteve sempre maior de 200 braças, pois testa ^^ ^ ^^^ ^^^ ^^^^^^ c a falta dagua tao notável na influxo do que já está feito da que nunca se vio na bana do CWem. VA AcíB. T. JX. í, 1. M,m, d, Ç«rfr. pag. h) f DA EXPORTAÇÃO DA CAPITANIA DE Valoi 128^000 4(JSoo 2à)4'^o 4^000 JfflOOO (fc7iO èíi^o 1^600 4áicoo 6^J)C0o i/d Arroba Arroba Arroba Arjoba Arroba Arroba Arroba Arroba Anoba Registos nci limiits da cofitama Amethisti'! Cera d.i terra Sabão Puniada Tabaco , ou tomo Hipecaconlia Salitre Warmelada Farinha de trigo 2^000 I Arroba | Toicinlio e carne sal;rada 4^00 N." N.- Parrís K- B.' Kir A1+' AW Aiq.' Cantinho ttO' 'jo j ou Ma- tbiaí harboia Rio freto T residi o do no preto )5 12J2 10 + 71 Gado 1 accu:n Queijos I o em arrr^ba ftljiitaí óalsod.lo Aiuardente de canna Azeite de mamona Perdizes Carne de porco Estribos Arrcz Feijão Milho Alq.' Farinha de milho ç^óoo Alq.' Farinha de mandioca 6944S 1624 10)70) 457Í' 260 i6 JO962 ' (999 )45i57 55' 16 192 1 24 40 1 2015 7 V j 27541" 7S78} ■2)7 60 Porto (/<"■ Cu. !,a a 5'2 14CO . 00 O o c to pijooo ^6^0 Toalhas com guardanapos Vara Aljodjo tecido 97)Í45 Para o Rio de Janeiro \C , 120 iiiS;6 50702 Para o Rio Para o Rio Al Janeiro de Janeiro 350 '. E Para o I _= de Janei « DA EXPORTAq MAP.PA • ^O DA CAPITANIA DE MINAS GERAES, QO MEZ DE JULHO DE 1818, ATÉ O FIM DE JULHO DE 1819. yjor l/ú Regiiloí nos limita da Cantinho no- vo , en Alj- Rid firtto Prrujio de "• V"" Eurrú da Maitiriieira J,,^™,. Canipailio dt Itajuba. Sflpiiíohimi- MJk„l, Ria yardo S.,.-,to Anna no r,a dm vclhu> Sflmma Valor total 0 128^000 Atroba A me t Insta.' )» " 1 'H " 1» ., 1 ., » .. „ >> „ 18L IJ 4.5S00 Atrr^ba C-ta ri.i ttrra «7i .. 1 .6i " " •' 1 „ .. .. 1 „ „ „ 104 4'>9iÍi=^o -a 2(íi403 Atroba iíabáo " ' 1 •■ „ 1 „ „ „ 1 „ ,, „ , 2 1^400 Ti cr i^aSo AnoU Puniada „ 1 „ „ „ ,, „ 1 „ „ „ , lájS40 0 li£t200 Arroba Tabaco, ou fumo M 4W' '!" i )í 9» 41 j t 'j 61Ó 29( 11, 2Í 2^8 „ wo «» 186S7I. 70;íÍ()^qoo 0 I9lá>200 Atroba Hii^ecacoiilia ;JS i 1 " )) i8s 5» .. " » >> >j M »l »» )981 7'-6í iá)2Co 4ÔC&0 Artoba Salitie 12)2 1 24 „ „ „ ... 1 ,. .. „ „ „ „ I21« S:oi4àJoo g. 1^)000 Arroba Marmelada 10 + 71 1 ló-í 1 40 - »» 22» .. 1. '» " " 1)7 íí »» ni.í. 1 i:t(6^(oo jál^^co Arioba Fanilia de trigo j i* „ „ ." 780 ' i7l .. 1110 „ „ „ ii'19 10:107 jicoo c 2ÃC30 1 Artobs Toicinliot: cartií salrada 09445 1 50962 Júis; i. il2 .. '. " >' 1 í4l .. 1)2[ 168Ó íf I4Í478Í 6n2J^ooo â- ici^oo Arroba Caie 9256 1 4> ai» 151 „ „ ., ., 1 = .1 ,. 97 19 29:21 7áiooo .!2 sà)>^oo Artoba A«ucar 12686 1 117 997 72 .. 20 „ ,. ., 8842 1 10 22844 45:688ál°'^o S 0640 Anobfl AliidJão em rama Ó74H ÍO439 1)88 120 ,. 2J10 „ » „ „ 3426 7819 69 91994 í8:Í7Óí.ióo 1 i^ooo Duz. Chicotes .. 7 = „ .. „ „ ,. ., ., 72 7^^000 a íçitoco Ull7. Taboado „ .. „ ,, „ „ 67 „ .. . „ „ „ ), ., 20 12^000 * (fii^:> N.° t^acJS „ 1 ., io „ .. c " " .. n " » iO Í^Ôcoo s 2(èiOOO N.= Chajvoj de lã ,. 1 4= 36 ,, „ „ 1 .. „ „ " " 61 1 16^000 .2 N.» belbs ., . 1 .^7 J4 >, .. „ " >. .. „ .. „ 1 161 1 ÓÚ^^COO 1 N." Couios dtf veado .. 1 M4 .1'' 400 „ " „ » „ ,. „ 1 „ 1 i»o 1 '74èooo N.° Giurcs á^ l""'' „ 5 94 Si „ „ „ „ ,. .. 1 .'" 90 1 ,. 1 «77 i 16^200 0 ,il6oo [Sj-t. Sou iaoi7 4li J4 ,. iS „ 1 "4 " \ \Ui6 ii:i7i,á>6oo 0 0. N.° Fatos „ „ 190 .. ., » " 1 " „ \ I9J 1 2ÍJ)iOD vT Am'^ N.* Galinbaí ,iHi aSlSj 10277 27S9 90 Í4S0 i4i 17900 7aao '• „ 114054 í7:i9M''^o 90: (07^000 .§ c J ^coo 2}<ÈOOO 1 o^oco 4á>c.oo 1^74° N." N.° n;- N.- 1'atf.s PobTOS Itsia! Cav.llns Carneiros G^du rj;a;:n Queijos 10 cm arrr-l-j Wantaí dj|'^odfio Aguardente de taiina Aieitt de mamona 4 14+ ao *• 1614 10176) 1712 64 a47" Í41IÍ7 ^i4l 2,jíl 787»! 2i7 60 9 I4LO 2991 loico 26!0 104 J76100 )u4!0 íio f7ío toioo 206 !o! 21000 48 i «jO ilU 242 í62( , 2Djl 7707 ní7 94 4Í» 1100 ,i429 foí7 9M) 6310,. 1:0)9607 11651 i02 2Í) 90:72 iál^oo J":S7OúJ0°o 9:iífáloco 248:4141^1 owg 6:996^(600 i8i(j>ioo !liá)200 22CÍ)000 CO T e 0 1 2 4(£)C0D ^600 B.' B.' Par AIl],' 1 ^l^l'" ! Alq/ 1 Alq.' 1 Alq.' Ptftdiíes Carne du porco c Estribos Artcz I.c,jio Milho farinha de millio Farinha de mandioca Toalhas com guardanapos 9 1 .. 16, 120 .. " 40 •■ 120 70 276 4)) 4207 >t ■• 9 fí 70 jyú 4ÍÍ 40 4207 1 ó , 1 20 jídcco 7.-.d)cco 2!7è6°=' 139^1900 i.àí.-o i44é>í«« -T3 5 0 *640 Vara Algodão tecido 97JÍ4Í Ill!s6 5070. iS=^ a;oo j joooo ,, „ „ „ 2426 78)9 61 91994 '<;. r.-a 0 Rio Fará 0 R JO de Jaiíeiio de Janeiro hdia 0 Rio de Jín^ito Pjra 0 Rio de Jn.icito Para 0 Rio de Janeiro l'ii» 0 Rio de J.,„i,o Para S.Paulo Hjra :;. l*julo Para S. Paulo Pjri S. halo K'aKalii3, e fetr.inibuío Para a tíahia eRiodeJan." 1 (^kM. D/ Ac^i>. T. IX. P. i- Mcin. òt Sue. i>a; DA IMPORTAÇÃO DA CAPITANIA DE Arroba Reghtoj no; limlus da cflpittiiita Cuniinlio 110' vo , 011 Ma- iJiiiis Btirboia Arroba Arroba Arroba Arroba A!iude7a5 Assiicar em raiudiira Passas , e figos l'áo trazil Cera Arroba Arroba Arroba Arroba N." N." N.^' N.° N." N.=> N.° Alq/ e'" p5o,e velas | 649, ,S Reinedios de botica ' harinl.a ds trii:o 20?) , 24 1462 Leiria , e niat as 297 Presuntos, e paios ierxc salj'ado 2S 4161 Agoardente do Reino 95 Areite doce 40 Escravos novos Í)I Cavallos novos Bestas Vinho e)T> barris ou caixas Vinap.re em barris ou caixas A2eitonas em barris Armas de fojo Fspadas em caixões «5774 2061 6í S'a! em bruacas S-194 Rij preta Prcildio do rto priitií Porto do Cu/ilia '4 ií S2S ,S 42S 74 529 19 4J3 2j6;4 i 09 7,;, 6 J09 64 7480 >i5 ~Zj Artohd Aiirjl» Arnilu Anui'! Ali),' M À P P A HA I^^OKTACXO OA CAP.TAX.A OH M.XAS CEa.VES.OO MEZ OS J.XHO OE .3.S. ATÉ O MEZ DE JULHO OE .S.. (fif>ilanta Miudeiit Aiiucir em ia]U(fii[a PaH« , c fi;;oi Fáo if j2i] ' Caminha «*- v«, 0u Ma' tt.im Barbata Ria preta Cera cm p5o, t itlii | (j^^ ^ jj Rcmviiiot de botica (■irínltA de lh;'n ao;(. a* Lctriii, c nurai WciUIltO), C I J97 31 Praídh d» rtc preta P»ua é, CuaU Vkws tal^adu iiltxorar Qtiimbo i tutiliri cm obrai Litdi.tifi ciit barid Cobre cm obrai Cnbrc om chj|l . «6 Iriro lultio Irtto ticno cm barra, c cliajia LRUi,d, e viJnH CaÚLÍci de dupcoí riicnda ircâ em miiai Fnicnili trc* cm fjíffot Itonii Ar 4 ripj<*aa em caW.Vt Sal rm bniara» 4aS .69 p«'iíii Maati^utlrm ]'-iur. Ii-,-Í4, Í90> "7 I 19. M I 6;, il «61 'r-: :.- » „ .. .. ti »i — ,'; — »» » f*rdt 11 >i ., M t» M ., „ ,. .. a 1 t •• .. •41» St-ta Anta SumiTu açl iúffi, 17 f6( Itireldv de Entrada ft^t 7 1 o ■HHÍÍtM ":(o • l^tc^i niiièiTi ll6ÍH'c» nilojjííat I -g la^tfil loíiiri •r:in^«71 iiaiocrjoo I l^õJi I Vi). JJoffO i >4M yt, 4'-lÚ9«jt^.>-' 11777*10 i:0|4fíiCiai lilliilCit at.';voi^iJt 1:1114^71:»^ 7iJttA(u B ,s «1 l a 6:siSi£a)< i:«io^tc<' 7lèi>> ò í64^7(0 iH:0<'írf»'-<'-' S |lj:1ii(f'J' I 2 CMi* UA Atíi». T, HL **. I. ^í""- '* *«• P^X- ^7/ CATALOGO Das Ohras impressas , e mandadas publicar pela Academia Real das Sciencias de Lisboa ; com os preços , por que cada uma delias se vende brochada. I. OReves Instrucç6es aos Correspondentes da Academia sobre as remessas dos productos naturaes, para formar um Museu nacional y folbero em 8.° -------- 120 II. Memorias sobre o modo de aperfeiçoar a manufactura do azeite em Portugal, remettidas á Academia por João António Dalla Bella, Sócio da mesma, i vol. em 4.°- - 480 III. Memorias sobre a cultura das oliveiras em Portugal , pelo mesmo. Segunda edição accrescentada pelo Sócio Se- bastião Francisco de Mendo Trigoso, i vol. em 4.° - - 480 IV. Memorias de agricultura premiadas pela Academia, 2 yol. em 8.°--------------- 960 V. Paschalis Josephi Melli Freirii , Historiae Júris Civilis Lusitani liber singularis , r vol. em 4. ° ------ 640 VI. Ejusdem Institutiones júris civilis et criminalis Lusita- ni , 5" vol. em4. ° .._.-. 2400 VII. Osmia, Tragedia coroada pela Academia, folheto em 4.' 240 VIII. Vida do Infante D. Duarte, por André de Rezende, folheto em 4.° -------------- 160 IX. Vestígios da lingoa arábica em Portugal , ou Lexicon etymologico das palavras, e nomes portuguezes , que tem origem arábica , composto por ordem da Academia , por Fr. João de Souza , i vol. em4. ° .-_.--- 480 X. Dominici Vandelli Viridarium Grysley Lusitanicum Lin- naeanis nominibus illustratum , r vol. em 8." - . - - aoo XI. Ephemerides náuticas , ou Diário astronómico para os annos de 1789 até 1798 inclusivamente , calculado para o meridiano de Lisboa , e publicado por ordem da Academia : - para cada anno i vol. em 4.°--------- 363 O mesmo para o anno de 1826. .-.----- 480 XII. Memorias económicas da Academia Real das Sciencias de Lisboa, para o adiantamento da agricultura, das artes, e da industria cm Portugal , e suas conquistas , ç vol. em 4.° 4000 XIIL ijt Catalogo. XIII. CollecçSo de Livros inéditos de Historia portugueza , desde o Reinado do Senhor Rei D. Diniz, até o do Se- nhor Rei D. João II. , j vol. eni folio .-..*-. 5000 XIV. Avisos interessantes sobre as mortes apparentes , man- dados recopilar por ordem da Academia , /o/too em 8.° gf. XV. Tratado de educação fysica para uso da na^ao por- tugueza, publicado por ordem da Academia Real da| Scien- cias, por Francisco de Mello Franco, i vol. em 4.° - - 360 XVI. Documentos arábicos da Historia portugueza, copia- dos dos originaes da Torre do Tombo com permissão de S. Magestade, e vertidos em portuguez, de ordem da Aca- demia , por Fr. João de Sousa , i vol. em 4. ° - - - - 48c XVII. Observações sobre as principaes causas da decadên- cia dos portuguezes na Ásia , escritas por Diogo de Couto em forma de dialogo , com o titulo de Soldado Pratico , publicadas por ordem da Academia Real das Sciencias, por António Caetano do Amaral , Sócio eíFectivo da mesma, i tom. em 8,° ._-.__- 480 XVIII. Flora Cochinchinensis, sistens plantas in Regno Co- ciiinchinae nascentes. Quibus accedunt aliae observatae in Sinensi Império , Africa orientali , Indiaeque locis variis ; labore ac studio Joannis de Loureiro , Regiae Scientiarum Academiae Ulyssiponensis Socii : Jussu Academiae in lucem edita , 2 vol. em 4. ° viai. __._- 2400 XIX. Synopsis Chronologica de subsídios , ainda os mais ra- ros , para a Historia , e estudo criticf^ da Legislação por- tugueza ; mandada publicar pela Academia Real das Scien- cias, e ordenada por José Anastasio de Figueiredo, Cor- respondente do numero da mesma Academia, 2, vol. de4.° 180© XX. Tratado de educação fysica para uso da nação por- tugueza, publicado por ordem da Academia Real das Scien- cias , por Francisco José de Almeida , i vol. em 4.* - - 3Ó0 XXI. Obras poéticas de Pedro de Andrade Caminha, pu- blicadas de ordem da Academia, i vol. cm 8.° _ - - 5oo XXII. Advertências sobre os abusos , e legitimo uso das agoas mineraes das Caldas da Rainha, publicadas de ordem da Academia Real das Sciencias, por Francisco Tavares, Só- cio livre da mesma Academia , /o/èfío em 4.° - - - - 120 XXIII. Memorias de Litteratura portugueza , 8 vol. em 4. ° 6400 XXIV. Fontes próximas do código Filippino, por Joaquim José Ferreira Gordo, l vol. em 4.° - - 400 XXV. Diccionario da lingoa portugueza , i vol. zm folio mai. Áqo XXVL I Catalogo. 173 XXVI. Compendio da theorica dos limites , 6u IiUroducção ao methodo das fluxôes , por Francisco de Borja Garção Stockler, Sócio da Academia, em 8.° - - 240 XXVII. Ensaio económico sobre o commercio de Portugal, e suas Colónias, oíferecido ao Serenissimo Principe da Bei- ra o Senhor D. Pedro, e publicado de ordem da Academia Real das Sciencias, pelo seu Sócio D. José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho. Segunda edição corrigida , e accrescentada pelo mesmo amtor , i vol. em 4,° - - 480 XXVIII. Tratado de agrimensura, por Estevão Cabral, Só- cio da Academia , 1 vol. em 8. ° .-,----- 2^0 XXIX. Analyse chymica da agoa das Caldas , por Guilher- me Withering, em portuguez e \ng\e7. , folheto em 4.^ 240 XXX. Principios de táctica naval , por Manoel do Espirito Santo Limpo , Correspondente do numero da Academia , I vol. em 8.° ----------.-._ 480 XXXI. Memorias da Academia Real das Sciencias , 9 vol. tm folio --.-.------ 18000 XXXIf. Memorias para a Historia da capitania de S. Vi- • cente, i vol. em 4.° ._... ^go XXXIII. Observações históricas e criticas para servirem de Memorias ao systema da diplomática portugueza, por João Pedro Ribeiro, Sócio da Academia, Parte i. em 4. * - - 480 XXXIV. J. H. Lambert Supplementa tabularam logarithmi- carum, et trigonometricarum , i vol. em 4.° - . - . pfo XXXV. Obras poéticas de Francisco Dias Gomes, 1 vol. em4. °-. -_..._. 800 XXXVI. Compilação de reflexões de Sanches, Pringle, etc. sobre as causas e prevenções das doenças dos exércitos, por Alexandre António das Neves : para distribuir-se ao exercito ^oxiugMez , folheto em 12. ------- - gr. XXXVII. Advertências dos meios para preservar da peste. Segunda edição accrescentada com o Opúsculo de Tliomaz Alvares sobre a peste de i^<)^ , folheto em 12. - - - 120 XXXVIII. Hippolyto , Tragedia de Euripides, vertida do grego em portuguez , pelo Director de uma das classes da Academia ; com o texto , l vol. em 4. ° - - - - - 480 XXXIX. Taboas logarithmicas , calculadas até á sétima casa decimal, publicadas de ordem da Real Academia das Scien- cias por J. M. D. P., em 8.° - - - - - - . - - 480 XL. índice Chronologlco Remissivo da Legislação Portu- gueza posterior á publicação do código Filippino, por João Tom. IX. iMQi Pe- 274 Catalogo. Pedro Ribeiro, C vol. 61114.° j^^^o XLI. Obras de Francisco de Borja Garção Stockler, Secre- tario da Academia Real das Sciencias , i.° vol. em 8. ° - 800 XLIi. Collecçâo dos principaes auctores da Historia portu- gueza , publicada com notas pelo Director da classe de Litteratura da Academia Real das Sciencias , 8 Tom. em 8.° 4800 XLIII. Dissertações chronologicas , e criticas, por João Pe- dro Ribeiro , 3 vol. em 4. °-. -------- 2400 O tom. IV. parte I. -.----....-. ^qq XLIV. Collecçâo de noticias para a Historia e Geografia das nações ultramarinas , Tom. I. Números i.°, 3.", 3.°, e 4,' doo 0 Tomo II. -----.-----.-._ goo XLV. Hippolyto, Tragedia de Senec?. ; e Piíedra, Tragedia de Racine; traduzidas em verso, pelo Sócio da Academia Sebastião Francisco de Mendo Trigoso , com os textos. 600 XLVI. Opúsculos sobre a vaccina : Números I. até XIII. 300 XLVII. Elementos de Hygiene , por Francisco de Mello Franco , Sócio da Academia. Terceira edição correcta , e augiiientada pelo mesmo auctor , i vol. em 4.° - - 960 XLV 111. Memoria sobre a necessidade e utilidades do plan- tio de novos bosques em Portugal , por José Boniracio de Andrada e Silva , Secretario da Academia Real das Scien- cias , I vol. em4. ° ._--_.._.__. .q^ XLIX. Taboadas perpetuas astronómicas para uso da na- vegação portugueza, i vol. em 4.° ---.... ^qo L. Elementos de Geometria , por Francisco Villela Barbosa , Sócio da Academia Real das Sciencias. Segunda edição, 1 vol. em 8.° ----------.-._ ^£q LI. Memoria para servir de índice dos foraes das terras do reino de Portugal , e seus domínios : por Francisco Nu- nes Franklin, i vol. em 4.°---------- 480 LII. Tratado de policia medica , no qual se comprehendem todas as matérias , que podem servir para organizar hum regimento de policia de saúde para o interior do reino de Portugal, por José Pinheiro de Freitas Soares, em 4.° 800 L,III. Tratado de Hygiene militar e naval, pelo Sócio Joa- qiiim Xavier da Silva , i voL em4. ° ..--._ ^qq LIV. Princípios de Musica , ou Exposição methodica das doutrinas da sua composição e execução ,. pelo Sócio Ro- drigo Ferreira da Costa: a vol. em 4..° ..'! .-í; ■.7^-.'- - 2400 LV. Tratado de Trigonometria rectilínea e esférica, por Mattheus Valente de Couto, Terceira edição , i vol. em 4.° 360 LVL Catalogo. 275- LVI. Ensaio dermosographico , ou succinta e fystcmatica descripçlo das doenças cutâneas, etc. por Bernardino An- tónio Gomes, 1 vol. em 4.° --.-..-_. 1200 LVII. Memorias par.i a Historia da Medicina lusitana , por José Maria Soares , i vol. em 4. ° ------ joo LVIII. Ensaio sobre alguns synonymos da lingoa portu- gueza , por Fr. Francisco de S. Luiz , Segunda edição , I vol. em 4.° -------------- 720 LIX. Grammatica philosophica da lingoa portugueza , ou principios da Grammatica geral applicados á nossa lingua- gem, por Jeronymo Soares Barbosa, r vol. em 4.° - ♦ póo LX. Collecção de Cortes. Congresso do Braço da Nobreza nas de 1697 e 1698, i vol. bom papel --._-- 600 Nova Carta do Brazil e da America Portugueza - - - 1200 Vendem-se em Lisboa nas lojas dos mercadores de livros na rua das portas de Santa Catharina j e em Coimbra , e no Porto tam- bém pelos mesmos preços. ^?^f^ I i 1*1" ■*"•■-" U.Í' :v--X-.V>- ■fyy\.-;V* ?9%K- .-f , *„ •<»♦. *»■■ Si^.