9i- MEMORIAS DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. PBníEinA CIiASSE SCIENCIAS MATHEMATICAS, PnYSICAS E NATUR.\ES. Cf p./05-/.p^Q. MEMORIAS DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE Lidemia, que havia transposto os Alpes para invadir o Pie- monlc, a Tosivina, o reino Lombardo-Vencziano, os estados {^ntificios, o reino de .\apolcs e Sicilia — que havia atravessado sobre as azas dos ventos não só o 3Iedilerraneo para se abater sobre a Algéria, a Asia- Mcnor, a Syria e a Grécia; mas também o oceano para se lançar tre- menda sobre a Jíadeira e Porto Santo; transpôz do mesmo modo os Pyrencos para se derramar sobre a nossa peninsula, acommcttendo quasi simultaneamente, mas com menor intensidade, tanto o meio dia e o norte de l[cs[)anlia, como o centro de Portugal, onde começou a nianifestar-sc nos submbios de Lisboa em a primavera de 1852, in- vadindo no anno seguinte com mais ou menos força, e cm maior ou menor cxtcnsào, alguns dos nossos districtos vinhateiros, e principal- mente os que mais se avisinhavam dos nossos três primeiros rios, o Tejo, o Douro e o Mondego. Á imitação do que havia acontecido na Inglaterra, na Bélgica, e na França, o (lagcllo visitou primeiramente os parreiraes e latadas dos jardins e cpiintas da capital, para ir depois lavrando sobre alguns con- celhos mais ou menos próximos do de Lisboa, e para cahir finalmente sobre muitos dos vinhedos de vários districtos administrativos que mais predispostos se achavam para receber os propagulos germinadores da. infecção. As cercanias de Belém, Pedroiços, Paço d" Arcos, Lumiar, Olivaes, Loires, Buccilas, Lavradio e Sacavém foram dos primeiros pontos cm que se manifestou a airecção. Aldoa (]allega, uma parte da peninsula de Setúbal, Torres Vedras, Óbidos, Caldas da Rainha, Almeirim, Al- piaça. Chamusca, Pinheiro, Carregueira e alguns outros concelhos dos districtos de Lisboa c Santarém não tardaram cm ser acommetlidos. Cliào de Lamas, Figueira, a Bairrada e o Douro experimentaram também os cífcilos do mal. ílas estes dois últimos districtos vinícolas foram pela maior parte respeitados, não devendo talvez cslimar-se a perda media (jue soIVrcram em mais de um cpiinto da novidade. As provincias menos maltratadas foram segundo as informações que podemos recolher, o Alemtejo, o Minho, quasi todo o Algarve; nma parte da Beira e de Traz-os-montes. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. I.' CLASSE. 5 Sc exceptuarmos porém o districto da ilha da Madeira dnramcnle desolado p(;lo llag-ello; se exceptuarmos este lico c viroso distiiclo, que viu dcsappareccr quasi repentinamente o ramo mais valioso da sua producçào e coniiiiercio, é justo confessar que os nossos dislrictos vini- colas não t«m sido por ora tão intensa e tão gerahnenle maltratados, como os da maior parte da Europa, onde a moléstia epipliita se tem desenvolvido em grande cscali. Esta nossa asserção não pode comtudo considerar-se tào absoluta, que não apresente um certo numero de bem tristes excepções. E na verdade algumas vinhas, c mesmo alguns concelhos observámos nós, cujas novidades foram inteira ou quasi intciramuiite comprometlidas; e a mesma sorte tiveram muitos parreiracs das visinhanças de Lisboa; que bem pouca ou nenhuma uva forneceram, quer aos mercados es- trangeiros, quer ao consummo interior. Flagcllado por Ião dura calamidade, e vendo mais ou menos com- promeltido o mais fecundo ran:o da sua exportação, o i)aiz tinha di- reito a esperar das suas corporaçijes scientificas, e dos homens espe* eiaes (|ue se dedicam ao estudo das sciencias agronómicas um inte- resse aílccluoso c uma coo[)cração cflicaz e conscienciosa. A sua expe- ctativa não ficou pois frustrada portpie a mesma sollicitnde que se liavia manifestado nos paizes onde o fiagcllo se desenvolvera, se ma- nifestou também entre nós. A nossa Academia Real das Sciencias, que apenas a moléstia ap-- parecèra cm Portugal, logo se entregara ao seu estudo, enviou poste- riormente á Madeira um dos seus sócios com a missão de a estudar naquclK; iiitcnsissimo foco de devastação. O Instituto Agricola logo depois da sua installação nomeou uma commissão d entre os membros do corpo cathedratico para proceder no continente do reino aos mesmos estudos. — Vários naturalistas dis- tiuctos, depois de longos e mmuciosos exames publicaram os resultados de suas doutas investigações. Imitando tão dignos exemplos nós inten- demos que na posição especial, em ([ue nos achamos, deviamos pagar ao paiz, e ácpiclhis duas e()r|)oraçòcs a (|uc nos gloriamos de pertencer, o humilde tributo das nossas observações. — E dar-nos-hemos por fe-- lizes se os nossos viticultores encontrarem neste nosso trabalho alguma indicação vantajosa, que jiossa minoraj-, pelo menos, a situação precária e afllictiva em que se encontram. Nos estudos a que nos dedicámos desde os íins de julho até aos principio-! de outubro do anno passado diligenciámos por es(|uecer quanto haviamos lido, puzemos de parte todas as opiniões que liaviamos co— 6 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL lliido nos traballios estrangeiros publicados sobre este particular as- sumpto, porque (lucriamos ver pelos nossos olhos c julgar pela nossa iiitcllifíoiicia — (pierinmos sacudir o jugo dos sysleuias para seguir com liberdade a indicação dos factos — (picriamos basear os nossos jiiizos pm observações próprias, e buscar na auctoridade dos homens compe- tentes, não o motivo, mas a confirmação das nossas conclusões. Estudámos atlciitamcntc a enfermidade — procurámos segui-la nas suas diversas piíases; espreitámo-la na sua invasão, na sua marcha, na sua terminação. Fizemos durante muitos dias repetidas e diuturnas ob- servações microscópicas; e durante todo este tempo tivemos oecasião de observar a jilanta parasita nos seus filamentos estéreis ou vegeta- tivos, nos seus filamentos fecundos ou reproductores, nos seus propa- giilos, e em as diversas épocas do seu desenvolvimento. Vimos como o seu mi/rrlio se implantava, se desenvolvia, c enredava nos sarmentos, nos pcciolos, nas folhas, nos pedúnculos nos pcdicellos e nas bagas do fructo. Observámos as suas diversas morphoscs, estudámos os sym- ptomas mórbidos e as alterações patológicas da planta aficctada, expe- rimentámos a acção de alguns meios curativos, e empregámos em todos estes exames a maior attencão e cuidado. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 .* CLASSE. COUSIDERACOES CiER.tElS. A fim de conhecermos mais facilmente a moléstia que nos pro- pomos descrever importa qiie demos aqui uma ideia geral da natu- reza e dos hábitos physiologicos tanto da planta enferma como daquella a que gcraln)ente se attribue a enfermidade. A civilisação augmentando a susceptibilidade orgânica da espécie humana, exagerando algumas das nossas faculdades á custa de outras, desenvolvendo especialmente os órgãos do sentimento d custa dos do movimento, os centros nervosos da vida animal á custa dos da vida orgânica, não podia deixar de modificar o nosso organismo, de romper o equilíbrio natural das fimcçõcs, e de nos predispor consequentemente para um grande numero de enfermidades. E assim vemos que o quadro nosologico das doenças do homem civilisiido é muito mais extenso que o das moléstias que acommcttem geralmente o mesmo homem no estado quasi selvático das sociedades nascentes; c que o homem dos campos soflre um menor numero de aflccçõcs mórbidas do que o homem das cidades. O que se dá na espécie humana da-se também nos animaes do- mésticos sempre mais delicados c doentios que os selvagens. A donies- ticidade actua sobre elles do mesmo modo que a civilisação actua sobre o homem: modifica as formas, as dimensões, e ate a structura dos órgãos; desequilibra as funcçõcs; activa enerva ou dcsnaturalisa os ins- tinctos, adoça as propensões, e amciga-lhes o caracter. É uma meta- morphosc produzida pelos hábitos quasi tão completa como as produ- zidas pela natureza! As plantas, seres também organisados e vítos, experimentam pela acção da cultura cguaes ou antes superiores transformações. A stni- S MEMORIAS DA ACADEMIA REAL ctiira dos seus aparollíos, a evolução dos sons órgãos, os actos pbysi- co-organicos do sua vida sofliciii dese(iiiilibrios c allerações (jue se re- velam aos observadores menos atlcnlos. A cultura actua pois sobre as l>lanlas, como a domesticidade sobre os animacs, como a civilisação sobre o homem. As plantas cultivadas são muito mais susceptíveis ás' influencias climatéricas, e rcsislcin muito menos á intempérie das estações do que as plantas silvestres. Kllas são mais sugeitas a alterações palhologicas. O parasitismo, este grande inimigo da vegetação, ataca-as com des- íisada forca c com uma funesta voracidade. Os parasitas não sào com relação ás diversas espécies atacadas inimigos estranhos, nem hos- pedes exóticos e desconhecidos. São pelo contrario os satelliles próprios de cada espécie que a acompanham mesmo no seu estado natural. São os mcsnios coí^umcllos. as mesmas hotrijtes, os mesmos urcdos, os mesmos kernus. Não e por tanto a sua natureza especifica que varia, é o vseu numero que augmcnla espantosamente nas enfermidades epiphitas. São myriadas e myriadas de plantulas ou animalculos quasi sempre microscópicos que se estabelecem sobre os tecidos tenros e parcnchi- niatosos da planta cultivada, que a extenuam, (]ue a devoram, que lhe confiam os seus propagulos, e que a consideram como a sua preza, como o seu domicilio, como o berço da sua prole. As plantas cultivadas vivem além disto mais ou menos contra- riadas nos seus hábitos. O agricultor educa-as e prodiga-lhes os seus cuidados com d lim de lhes aproveitar alguns dos seus órgãos, o fructo, as sementes, as folhas, as raizes os tubérculos; e então toda a sua in- dustria se encaminha a promover o desenvolvimento d'csses órgãos á custa dos restantes, que ficam sempre mais ou menos acanhados. Or- dinariamente são os órgãos nutritivos que são sacrificados aos repro- ductores — é aos fruclos que se immolam as outras partes da planta. Este modo de existir contraria directamente o plano geral da natu- reza; força c violenta as acções vitaes do organismo, predispondo-o para um grande numero de alterações mórbidas. Estes estados anómalos tão próximos dos estados pathologicos; devem tornar-sc ainda muito mais graves nas plantas exóticas do que nas indigcnas, sempre mais rústicas e vigorosas. As contrariedades que a videira soíTre nas culturas das vinhas, e particularmente nas vinhas baixas são mais fortes ainda do que as da maior parte das plantas cultivadas. As severas e frequentes muti- lações a que são submeltidos os seus sarmentos não só lhe roubam uma parte do seu nulrimento acreo, sublraliindo-lhe uma grande porção dos DAS SCIENCIAS DE LISBOA. I ." CLASSE. 9 seus alimentos respiratórios; mas obrigam-a tanibcm a viver acanhada e rasteira, ((uando as suas naturacs tendcncias a impellem a clcvar-sc e a estender-se nos ares, apoiando-se, como todas as plantas sanncn- tosas, nas arvores e suslcntaculos ([iie a avisinliani. Em presença destas considerações nâo nos devemos admirar das frequentes c geraes moléstias que acommetlem a videira. Esta planta conhecida pelo nome systemalico de vilis viniftra é indigena da Ásia media c de alguns pontos da America horcal aonde cresce espontaneamente. Pertence á família das nmpelidcas e á tiiLu das vitcas qtic tem por caracteres — fclalas e estantes livres; ovário Li- locular; luculos Inovulados ; c óvulos geminados, e collaUraes. Cultivada desde os tempos patriarchacs, contando mais de qua- renta séculos de cultivarão esla riquissima planta caractcrisa uma das mais ricas regiões agricolas da Europa, a região das vi/ilias, que abraça uma grande parte de Portugal e da Hespanha, e quasi toda a beiía-mar d'cstcs dois paizes, o littoral do Mediterrâneo, uma grande ijorçào da Itália, da Tui((uia, e da Grécia, o meio dia e o centro da França, tendo na Eur'opa por limite scplcnlrional uma linha, (jue, partindo da em- bocadura do Loire, vai passar ao noite de Pariz, para se diiigir depois por Berlin e comprehendcr a Baixa Áustria, a Hungria, e \'ala(|uia, e para se terminar finalmente na Crimea e em alguns pontos da llussia meridional. As vinhas não podem cultivar-se em grande escala e com reco- nhecido proveito nas regiões, em que a temperatura media estival desce abaixo de 19 graus cciiligrados — e abaixo de 17 ou 18 graus, segundo a maior ou menor precocidade das espécies, as vinhas deixam de flo- rccer em condições de cultura naturacs. O que mais particularmente caracterisa a região das vinhas e' a possibilidade de obter aproximailauienle desde o começo da (loraçào até á maturação completa, 2G80 graus centígrados para as espécies têm- poras de cachos corados; e 2(500 para as espécies brancas. A diversidade dos climas, das situações, das ex|)osições c dos sólos fazem variar consideravelmente os.productos da vide, que encontra no nosso paiz as mais felizes condições de desenvolvimento quer agiolo- gicas, quer meteóricas. São muitas as circunstancias que tornam altamente recommen- davel esta planta sarmentosa, cuja enfermidade é um transcendente acontecimento para os paizes vinícolas. — Ella florcce nos lerienos menos próprios para a cultura da maior parle das plantas alimentares — sub- miuistra nas diversas estações do anno um Uabalho quasi eouliníio ás 1.' CL^VSSE. T. I. P. II. 2 10 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL classes laboriosas — dispensa irrigações artificiaps — não clcmanda grande emprego de adubos — alimenta diversas artes agricolas todas de re- conhecida vantagem — e dá mn considerável producto, sempre que se cultiva com economia e inleiligcncia. E e tal. entre nós, a importância da cultura vinicola, que mais de uma ([uarta parte da nassa popnlaçào agricoia é nutrida e alimen- tada com o valor dos seus productos que saldam a n)aior parte das nossas importações. E apezar do llsco ter sido constantemente um ini- migo inexorável das vinhas, esta exploração tão privilegiada pela na- tureza não pôde ainda ser esmagada pelo pezo dos impostos que a ■vexam. O grande numero de vidonhos actualmente conhecidos demonstra a facilidade com que a rifis vhnfcra modifica por meio da cultura o seu lypo especifico para o transformar nessas individualidades mais ou menos fugazes a que damos o nome de raças ou variedades, segundo a maior ou menor estabilidade dos seus caracteres. Está hoje provado que estas variedades podem produzir-se á von- tade por meio da sementeira e da hybridaçào. Estes processos de re- prodiicção vào-sc progressivamente gencralisando na Fiança, na Bélgica, na Alemanha, e mesmo na Crimea. E se algumas variedades conhe- cidas dos antigos tem perecido, um crescido numero de variedades novas, muitas das (|uaes tem sabido primorosas, tem sido procreadas por meio da germinação das sementes. As observações e experiências de Knight, de Grea, de Loiseleur Deslongchamp, do Odart, do Conde de Góes, presidente da Sociedade Imperial de Agricultura em Vienna e de Jlartwiss Director do estabelecimento vitícola da Crimea põem fora de duviíJa esta verdade. As variedades antigas estão deterioradas, e por isso mais ou menos valetudinárias — as variedades recentes fillias da sementeira apresen- tam-se robustas c sadias, como creações embrionárias c novas, ([ue se forlificam percorrendo todos os pcriodos da vida vegetativa. Estas va- riedades devem por tanto ir-se substituindo pouco a pouco ás primei- ras n"um syslema aperfeiçoado de exploração viticola. Ha séculos que as vinhas se propagam quasi exclusivamente por meio de estacas de mergulhões e de enxertias; esta propagação artifi- cial sendo apenas o prolongamento do ramo originário perpetua os vi- Pios do individuo paternal e reproduz os defeitos da sua organisaçào, c algumas vezes o seu cachctismo e as suas enfermidades. Ora este mal so pode evitar-sc substituindo quanto possivel aos processos da propa- gação geramaria os da gerniinaçào da semente. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 .' CLASSE. i 1 Estas considerações rcvelam-iios os motivos por (|iic a \icleira se vai toiManclo cada vez mais delicada, c mais acccssivel ás molcslias c[iidcinicas. As variedades dcsla planta quando abandonadas a si mesmas tendem a aproximar-sc do seu tvpo especifico. A vide apresenta-se com este typo em muitos logares fiagosos do mcio-dia da França, ení varias serranias incultas de Portugal, da Hcspaidia c da Ilalia, onde ucslc estado muito próximo do natural lecebe o nome de lainbrusco. Segundo refere D. Simào Roxas Clemente, no seu Ensaio sobre as variedades da vir/ha, enconlra-se cm Algaida junto de San-Lucar de Baramcda na Andaluzia um bosijue de duas Icgoas de comprido sobre meia de largo povoado de vides selvagens, que se abandonau) a todos os hábitos e caprichos da sua vegetação. Na sua natuial lusticidade estas plantas formam numas partes llorestas impenetráveis, gabinetes magnificos, pavilhões graciosos — n 'outras caminhos coLeitcs, veredas tortuosas, labyrintos, grutas, praças, muralhas de vcrduia, aicaiias, coluujnas, e mil outras phanlasias originaes c impossíveis de descrever. A facilidade com (pic ar|uclla transformarão se efectua, c a per- severança com que esta planta passa do estado cultural para o sil- vestre manifestam a constante contrai icdade cm que os processos agrí- colas a collocam, e a consequente predisposição para passar com fre- quência do estado physiologico jiara o palhologico. A energia vegetativa da videira é muito pronunciada. O seu sys- tcma radicular jienetra e ramifica promptamcntc pelo solo; o seu sys- tenia caulinar atlinge o cume das maioies arvores, apoia-sc nos seus ramos, cntrelaça-se com elles, revestc-se de copiosos tecidos verdes, que lhe fornecem uma boa parte da sua alimentação, e que augmentam consideravelmente as suas supcilicics absorventes e exlialautes. A força com (pie a seiva sobe pelas ramificações do axophito ascendente desta planta sarmentosa é verdadeiramente prodigiosa. Se- gundo as experiências de Hales repetidas c verificadas por Mirbel esta força é ainda maior que a da piessão atmosphcrica, c cquihbra com uma columna de mcicurio de 32 '- pollegadas. Vè-se por tanto que a ahsoiçào radicular, o movimento ascen- dente e diflusivo da seiva, assim como todas as demais funcções nutri- tivas, dependentes, ou complementares d'aquellas, devem api escutar um caracter de grande intensidade. Apenas a planta sahe do seu estado de hibernação, e logo que co- meçam a dcsabiochar as suas gennnas. o liquido scivoso ascende e con- gestiona-se eur tal abundância no apparelho caulinar que se extravasa 12 JIEMORIAS DA ACADEMIA REAL em g;rande copia de qualquer ferida ou amputação praticada nas suas ramilicaçõcs. Esta exuberância de seiva ainda mais se exag;era com o corte- dos sarmentos sacrilicados cni virtude do processo da poda. Este processo rompendo o equilíbrio entre o apparclho subterrâneo e o aéreo deve sobrcexcitar este ultimo, a fim de suprir com a energia da acção a considerável rcducçào das superfícies verdes que presidem á máxima parte dos actos nutritivos. Uma das funrçõcs que luais deve exagcrar-se é a da exbalaçào das folhas e dos fructos. As substancias exbaladas depõem-se eflcctiva- mente sobre a epiderme daquellas superfícies debaixo da forma de uma exsudaçào sacharo-aquosa. Scg-undo as observações de JIoll esta cxsu- daçào augmenla e toma um caracter viciado nas videiras atacadas pelo OiiiiuDi. Esta circunstancia explica-nos até certo ponto a predilecção que a planta parasita tem pelos tecidos verdes, pelas folhas c fructos da vide — prodilccçào, (jue é além d'isto explicada pela natureza sa- charo-feculenta da seiva, e das substancias exbaladas, bem como pela facilidade com que estas substancias fermentam e se decompõem quando expostas á acção da atmospbcra. Estas considerações, c as que vamos apresentar com respeito á planta parasita que se desenvolve nas vinhas enfermas são próprias a esclarecer o assumpto que faz objecto d'este nosso trabalho. O g-cncro Oidiíim a que pertence a esiwcie vegetal, que ataca a videira fiz parte da familia Aos/u/igos, seres quasi sempre ephemeros e cujas phascs de desenvolvimento são de ordinário extremamente fu- gazes. Composta de vcgctaes muito rudimentares esta familia encon- tra-se logo no começo da serie phitologica; sendo apenas precedida pela numerosa familia das algas a mais simples e elementar de todas. E nesta familia das algas que encontramos as primeiras evoluções do organismo vegetal, que se podem e devem considerar como o pri- mordial esforço dinâmico da matéria organisada, e como a primeira manifestação da vida. E na sua primeira tribu na das zoospoiras que se nos apresenta o género protococcus caracterisado por ulriculos iso- lados, e cheios de uma. matéria amorpha. Cada um d'estcs utriculos rc[irescnta um individuo completo que é a primeira expressão, e o ponto de partida da organisação vegetal. Vem em seguida, ainda na familia das algas, o género nostocli representante da phase inimcdiata que apenas se dilfcrcnça da primeira pelo caracter de se apresentarem os ulriculos não isolados, mas reunidos pelos seus poios, em ordem a formar uma fieira parecida a um rosário. Segue-se depois na serie das DAS SCIENCIAS DE LISBOA. !.• CLASSE. 13 formações orgânicas o hijilroihjctmi (jiic se nos apresenta debaixo da apparcncia de nina rede cujas inallias suo forcnadas por utriculos lu- bulosos em forma de pequenos bastões: notam-sc depois as eonfcrvai debaixo da forma geral de íilamentos, as tilras de membranas etc. A esta família pois cuja vida é tão rinlimentar como a sua orga- nisação, cujas funcções são tão simples como as suas formas, scgue-se logo a família dos fungos ijuc é geralmente reputada a segunda da serie \egetal. Nada lia mais variável na pliysionomia, nas dimensões, na con- sistência, na forma c no habito externo do que as espécies que se com- prchendein nesta família. Suo umas vezes filamentos, ccspites, tubér- culos, outras vezes taças, parasocs, cúpulas, arborisaçõcs. — A" primeira vista não parece haver entre a(iucllas cs[)ccics o menor parentesco; mas se examinarmos a sua organisação interior, as suas funcções nutritivas, os seus meios de propagaçuo, encontram-se então muitos pontos de analogia e contacto. Oi fungos ou cogumcllos compõcm-sc ein geral de dois apparelhosr distinctos um vegetativo e outro repioductor. O primeiro tem o nomo de niijcilio e é formado por um certo numero de filamentos, sólidos, ou tubulosos, sim[)lcs ou ramificados, contínuos ou sci)lados; estes fila- mentos acham-sc umas vezes cra\ados, e outras implantados nas su- perfícies sobre (\\x& os fungos vivem como parasitas; em alguns casos entrelaçam-sc formando ccspites, c noutros convergem para mn mesmo ponto, reunem-se, condensam-se, e assumem a forma membranosa. O segundo aparelho ou o rcproductor compõe-se umas vezes de sporos simples c nus, outras vezes de sporos agregados, (juer em tubos articulados c moniliformcs, quer em invólucros continentes, que se- gundo a sua diversa forma recebem o nome de sporidios, sporafigios , capsulas, ou tlacas. A posição destes órgãos e variada, mas ordinaria- mente, oii se acham espalhados sobre os filamentos do mycelio, ou terminam os filamentos reproductores. Em alguns /'í/zí^^oj a[)parccem também avlhcritlios, isto é utri- culos translúcidos cheios de um liquido corado por corpúsculos orgâ- nicos, que suo considerados como C(iuivalcntcs dos órgãos reproductores masculinos — analogia cjue reputamos exacta e que nos leva a admittir em alguns cogumcllos um apparelho sexual completo posto que rudi- mentar ou sus[>cndido nas primeiras phascs da sua evolução. Esta familia dos /í/z/í'^^ e composta de seis tribus; c e numa d'ellas na tribu denominada hi/pliomicctts, e ua sub-tribu muctdineat que foi collocado o género oidium. 11 i\IKMOI\IAS DA ACADKMIA REAL Os caracteres desta trilju sào os seguintes: invcelio filamentoso composto de lilameutDs liibiilosos ou sólidos, leelinados ou erectos, or- diiiariainciile entrelaçados c <]uasi sernpre estéreis. Os sporos e os spo- ridios sào sustentados ou no apiec de filamentos ercetos que se rompem jwra os deixar a nu; ou na base desses mesmos filamentos. Entram «esta triltu entre outros os g-eneros — tnonilia, — botnjlis, — foikil- lium, — tumor, — oielium. A" suL-tribu das nuicedineas dá Fries os seguintes caraeteres. Spo- ros ou s|)oridios coiualeiíados ou livres, nascendo dos filamentos tubu- losos, pellucidos, ordinariamente divididos por septos, e dispersos sobre os mesmos filamentos. Ao género oiilium atlribue Eudlicber os caracteres que se se- guem: filamentos biíbrmes, septados, (ugazcs, e moniliformcs, erectos ou decumbentes, subramosos com articules, subglobulosos pellucidos, que se rompem derramando a matéria sporacea. Tanto as es[)ceies do género okliiun, uma das quaes scrú parti- cularmente descripta no seu logar, como todos os demais gcneios com- prehendidos nas mueedincas cnconlram-se sobre os corpos organisados vivos ou mortos, langucscentes ou pútridos; sobre as excreções animaes ou vcgelacs; sobre os corpos fermentáveis e azotados; e nos logarcs hú- midos pouco arejados e sombrios. Todas estas plantas sào dotadas de lima grande actividade germinativa e reproduclora. Estas noções podem aplanar algumas das diíficukladcs que cercam o estudo que faz objecto d esta memoria. Exarando-as aqui nós nào tivemos em vista scnào esclarecer as doutrinas que vamos apresentar; de modo que as pessoas para quem sào menos familiares os princí- pios da seiencia pbitologica, mas que cultivam com interesse a mais importante das suas applicaçòes, a agricultura, possam sem exforço, lendo esta nossa memoria, comprehcndcr todas as considerações sobre que deve assentar este nosso humilde e desambicioso trabalho. CAUiltAM PREDISE>0KE:N'TE!I. Repetidas observações nos levam a crer que uma das principaes causas predisponentes da moléstia é um engorgitamento, e talvez uma alteração do liquido seivoso nos tecidos verdes da videira. É sobre DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 15 estes tecidos que a muccdinea germina; é da sua trans[)iração que ella principalmente se alimenta; é da sua vida que vive; é sobre a cuti- cula dos órgãos paryiieliimatosos (|ue ella se estabelece se estende e fructifica — e esta fiuctiíicaçào, prodigiosa como a de quasi todas as plantas cryptogamieas, deve ser tanto mais abundante quanto maior fôr a extensão das supcríicics que servem de domicilio e de pasto ao parasita. A mucedinea não crava as suas extremidades inferiores, como a maior parte das plantas parasitas nos tecidos da videira. O seu micelio implanla-se apenas naquelles tecidos contrahindo com clles uma fraca adliercncia — e tão fraca é ella que se passarmos muito levemente qual- quer corpo sobre as follias ou sobre os bagos da videira a [ilauta pa- rasita destaca-se logo com a niaior facilidade, c as superfícies que lhe serviam de assento apresentam-sc algumas vezes integras e lusentes como no estado normal. A opinião contraria que alguns micographos inglezcs tem 'aventurado [)arece-nos dcsliluida de fundamento como Lem observam certos observadores distinctos tanto deste como dou- tros paizes. A conclusão que se deriva d'esta observação e que a muccdinea exerce a sua acção absorvente menos sobre as substancias nutritivas da videira do que sobre as substancias exgregadas pelas suas supcrficies verdes; e (pie (|uanto mais enérgica fôr esta acção excretoria tanto maior será o desenvolvimento, a fructificação, e a dissiminação- do ve- getal parasita. Este desenvolvimento por tanto deve estar na razão di- recta e composta da energia da exhalação cutânea, e da extensão das superfícies exhalantes. Nós veremos adiante que para este desenvolvi- mento é muito provável que também concorra a natureza viciosa e anormal du exhalação. Segue-sc do que fica exposto rpie os terrenos profundos, humosos, e substanciaes assim como os de alluviào, os plásticos, e os húmidos favorecendo em demasia o desenvolvimento do apparclho nutritivo da videira devem favorecer também a invasão e o desenvolvimento do mal. E é isto o que tem sido geralmente observado em Portugal, na Itália, e na França. O cônsul geral deste ultimo paiz em Toscana diz no seu rela- tório o seguinte: «Tem-se observado em toda a Toscana que as vinhas • situadas nos solos baixos e húmidos foram muito mais maltratadas • do que as existentes nos sitios elevados. Os vinhedos das collinas não «tem sido, é verdade, inteiramente poupados, mas a invasão foi sempre «nellas mais parcial e menos forte.» 16 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Mr. Le CIrrc no seu cxcclloiite relatório sobre a moléstia das vinhas ]niblica(lo em 18f)3, e dirigido ao Conde de Persignj', então mi- nistro do interior em Krancn, asseveia egualmente liavcr feito idêntica observação eni nniilas localidades diveisas. No sen tractado sobre a en- fermidade das vinhas Mr. Victor llciidu Inspector Geral da Agricultura em aquellc [laiz oxpressa-se sobre este objecto do seguinte modo: «Toda «a casta de s(')los e de cepas, todas as exposições, (|ual([uer que seja o ainethodo de cultura, tem sido indistinctamcnte atacadas. Os vinhedos «porem situados nos terrenos baixos profundos e de alluvião tem sof- afrido mais do que os das encostas. Todavia em alguns pontos as vi- • nhas situadas sobre as alliiias tem soIVrido tanto como as dos valies.» As nossas observações conformam-se com as d'estes e de outros muitos observadores. E quasi sempre pela parte mais baixa de uma vinha que o mal começa. O ([ue o Sr. Dr. Beirão observou em di- versas vinhas de Paço d'Arcos e Olivaes, observámos nós também nas da Outra-Banda e nas de Loires. As vinhas sitas nos terrenos margi- naes do Tejo e seus afiluentes, foram de ordinário mais aflectadas que as das encostas e collinas, sempre e cm tudo predilectas á vegetação d'esta planta, quer ella esteja no estado são, quer no doente. Daccus seniper aniat colks. E o que aconteceu também na Itália, nos nu- merosos valies afiluentes do Arno, dos quacs os mais visinhos do rio foram constantemente os que primeiramente appareceram atacados. Convém porem indicar que, com quanto seja bastante geral o fa- cto que deixamos consignado, aprcscnta-se todavia um grande numero de excepções que nos demonstram claramente quanta reserva deve haver na emissão de proposições absolutas e syslemalicas numa enfermi- dade cm ([ue ha ainda muito que observar c descobrir. Uma certa elevação de temperatura, o augmento da humidade almospherica, e a pouca ventilação são condições meteorológicas que concorrem simultaneamente para o mais rápido desenvolvimento e pro- pagação da moléstia. Estas condições produzidas artificialmente nas es- tufas e nas culturas forçadas tem poderosamente promovido a invasão c auxiliado a dillusào do flagello cm muitos paizes da Europa. E quasi sempre pelas estufas, pelos hybernaculos, pelas espaldeiras c pelas cul- turas mais ou menos anormaes, que a enfermidade tem começado. A fructificação e a dcssiniijiação do parasita ganha uma incriv(,'l activi- dade (piando taes condições se vcrilicam. E' então fpic nuvens e nuvens de propagulos se suspendem na almosphera até se lixarem sobre as su- perfícies hospitalarias da videira e de varias outras plantas. E' então que cslcs propagulos se destacam com a maior facilidade debaixo da DAS SCIKNCIAS DE LISBOA. 1.* CLASSE. 17 forma de arli(;iilo,s elipsóides procedentes dos filamentos reproductores c ás vezes moiiiliformes da planta; enchendo por cenlenares o campo do microscópio, quando sobre elle se sacode uma follia ou um bago de uva, como se vè na estampa 3.' Um faelo que põe em evidencia a acção excitadora destas in- fluencias meteóricas, é o incremento que a moléstia sempre assumira entre nós no decurso da primavera e principies do verào do presente anno, depois das temporadas quentes e húmidas que por varias vezes apparcceram durante acjuellas estações; sendo certo que eguacs obser- vações lorain feitas cm França e na Itália desde (jue a moléstia in- vadira atjuellcs paizes. Estas observações são ainda confirmadas por alguns ensaios feitos por Mr. Lecierc dos quaes se deprehcndc que abaixo de 15 graus ccnligrados o parasita nunca germina. No seu rdalorio sobre as iiiirsliiratycs Jcilas a rcspiito da mo- léstia (las uvas assevera o professor Cuppari que o coguincUo da vi/ilui tem como os seus congéneres ?iccessida(lc para o seu desenvolvimento, de um calor moderado acompanhado de alguma hunwhuh e de uma at- viosphera pouco renovada. Esta opinião é rcfoiçada pela do Mar(|uez de Rudolli. No seu discurso sobre a moléstia da vinha pronunciado na Academia de Georgofdos de Florença, affirma este distineto agri- cultor que todas as suas observações e experiências Uie deram a cer- teza de que um ar húmido e cpiente com ausência da acção directa dos raios do sol favorece constantemente o desenvolvimento do oidium. Em conclusão, nós sabemos <|ue para o desenvolvimento da maior parte das nuicedineas é sempre indispensável um calor húmido, e uma atmospliera pouco renovada. Com quanto nós desconheçamos a natureza peculiar das modifi- cações que a almos[iheia experimenta na sua constituição ])hysica e chimica, e (|ue determinam muito provavelmente certas endemias e epidemias especiaes, nem por isso deixa de ser nuiilo admissivel a in- fluencia nociva dessas mesmas modificações perturbadoras ou dcstru- ctivas do organismo dos seres vivos quer animacsqucr vegetaes. E na veidade nós não conhecemos a natureza dos miasmas pa- ludosos que produzem as intermittentes c outras moléstias dacesso; mas nem por isso deixamos de admilli-Ios como a causa mais geral e endémica destas mesmas moléstias. As exhaiações deletercas liihas da aceumulação, a que se allribuem os tipiíus dos hospitacs das prisões e dos exércitos, também nos não são conhecidas: e nmito menos as alterações cosn)icas quer atmosphericas quer telúricas de que muitos nosologislas filiam as grandes epidemias, que tem flagcllado a huma- 1.' CLASSE. T. I. P. II. 3 18 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL nidado; e todavia somos induzidos a admitti-las como causas d'estas mesmas epidemias. A diminiiiçàó ou talvez a ausência completa do iodo nas aguas c qiiiçiS no ar prodiizcm cm ocitos j)aizes o boeio. Uma almos[)iiera saturada quasi constantemente de humidade e de acido carbónico desafia certos estados scrophulosos endémicos em vários paizcs. Todas estas considerações auetorisam a supposicào de que nas grandes epidemias vegetaes, a que damos o nome de cpidriadas ou antes de epipliitias, apparece também como causa coeficiente a constituição viciada da atmospliera. A jircsença do acido azotieo nas aguas da chuva, c principal- mente nas procedentes das trovoadas e um facto hoje incontestável; e ultimamente o Sr. Barrai encontrou uma quantidade notável d'esta substancia nas chuvas cabidas sobre Paris. As proporções variáveis em <|iie a ammonia e o iodo se encontram já nas aguas pluviaes já nos vapores aquosos suspensos na atmospbera podem e devem influir nas perturbações cpie aíTectam a composição d'cste vasto reservatório, onde se contecm os principies aeriformes, os alimentos respiratórios das plantas c dos animaes. A estas considerações acerescem outras nào menos importantes posto que menos apreciáveis e são os diversos estados electro-ma- gncticos da almosphera, que exercem na meteorologia e provavel- mente cm todos os organismos uma inlluencia da mais elevada im- portância. Se a existência pois de uma profunda, posto que inapreciável, aberração na constituição atmospherica parece muito provável em vista dos factos e considerações expendidas, ella fica quasi demonstrada pelo grande numero de moléstias epidemicas que tem simultaneamente acom- mcttido nVsles últimos tempos algumas espécies animaes e vegetaes, A coexistência de tantas desordens funceionacs e orgânicas nào se pode na verdade explicar sem admiltir uma causa geral, espalhada no am- biente atmospherico. As batatas {sofnnum tuhcrosum) o espinafre (spinacin okracra) a alface (latuca saliva) a couve (braska olcracca) tem sido invadidas por diversas espécies de cogumellos do género botrytis. O oidium não tem só acommcttido a vinha, mas também muitas outras plantas como se dcprehende de alguns documentos colligidos pela sociedade Linncana para servirem ao estudo da enfermidade da videira, e de outros exa- rados no Gardener Chronicle de Junho de 1852. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 19 Varias espécies d'a(]iieUe género ou lalvei variedades de alguma das suas espécies acominelterani segundo as nossas observações o nabo, o pcpineiro. o nieloeiro, o tabaeo, as caiotas, as roseiras c algumas ou- tras [dantas; e segundo as observações do Sr. Dr. Beirão lambem foram aconimettidas pelo n>csmo ])arasila a abóbora porqucira (variedade da cucurbiia pcpoj verdeselba {couvolvus a;-ir«.f^ a semprenoiva (poligolum avkularr) ete. As videiras soíTrcrain além da moléstia indicada, a do arejamento. Os choupos soflreram de uma exsudação negra e viscosa — as beta- rabas de engorgitainentos vasrulares — o feijoeiro de uma undinca. Outras epiphilias aeommelteram as laranjeiras, as cerejeiras, os castanbeiros, os loureiros, e as oliveiras. A simultaneidade d'cstes flagellos faz crer que a meteorologia é uma das causas predisponentes ou remotas destes terriveis estados pa- Ihologicos, e que os estudos meteorológicos, a que ultimamente se está dando tanta attenção, devem ser cuidadosamente cultivados; para po- derem ainda esclarecer um grande numeio de factos de obscura ou des- coniiecida ideologia. Nós consideramos também como circunstancias que favorecem o desenvolvimento da enfermidade 1.° a acummulação de um grande nu- mero de ce]ias num estreito espaço — acummulação que não pode deixar de ser nociva, jíí porque difliculta a circulação do ar tão necessária tanto á saudp das plantas como á dos animaes, já porque favorece a desseminação' do parasita qtie passa neste caso fácil e rapidamente de uns para outros individues; 2." a liomogcneidade das culturas; porque empobrece o terreno dos saes térreos próprios á vegetação da videií-a: circunstancia que deve induzir os nossos viticultores a adoptarem em muitas localidades o systcma das culturas intercalares, cujo proveito económico é aliás incontestável em um grande numero de vinhas; 3. finalmente a alteração das substancias exahaladas pelos tecidos verdes, alteração demonstrada pelas investigações e experiências de Moll; e que deve proAavelmente concorrer para o desenvolvimento do fungo jiarasita que encontra no produclo viciado daquella funcçào e nas suas excreções fermentáveis e putrcscenles condições mui lo próprias para a sua propagação. As vinhas altas e as baixas; as novas e as velhas, as bem e mal amanhadas, as de terrenos calcareos ou siliciosos, cretáceos ou argil- losos, nada escapa ao ílagello — e coisa verdadeiramente surprehendente mas que a minha observação, e a de indivíduos mais competentes que eu tem assignalado — as vinhas melhor cultivadas de algumas vinha- 20 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL terias, as cepas mais vig;orosas o luxuriantes de varias vinhas sào as primeiras e as mais violcnlaincnte acommcttidas! r.otu-luircmos linalinente por mencionar a prcdisposiçiio consti- tucion^il da videira rcsullantc do melliodo de ])ropaga('ão individual geralmente adoptado durante grande numero de séculos — methodo que abastarda e deteriora, como já foi ponderado, todos os vegelaes, que só podem regonerar-se ou conservar o seu typo especifico e a sua ro- bustez e longevidade primitiva, propagando-se de quando em quando pela sementeira, que é o modo de reproducçào mais natural das plantas. Tractando das causas predisponentes da moléstia da videira nós niio mencionaremos a(|ui nem a exposição nem a altitude, porque e' muito problemático que estas influencias agrologieas tenham uma acção esi)ecial no desenvolvimento d'csta moléstia a mais anómala e capri- cliosa de quantas lecm acommeltido os vegetaes. DESCBIPÇAO DA UOIiESTIA. BBEVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A KOSOLOGIA VEGETAL. A historia das enfermidades das plantas alimentares e industriaes está ainda por escrever. Apesar da sua immensa importância esta his- toria apenas tem sido incidentemente esboçada em alguns dos seus ca- pitules. Por ora não se encontram senão doutrinas dispersas e trun- cadas, cheias de incertezas e de obscuridades. Poucos são os factos bem averiguados, raras as observações seguras, rarissimas as theorias rigo- rosas. Este trabalho nosologico seria comtudo do maior interesse tanto debaixo das suas relações agricolas como das hygienicas. Liga-se natu- ralmente com clle a questão máxima das subsistências, e a da saúde publica. E na verdade varias enfermidades epiphitas tem frequentemente compromettido a saúde c a alimentação de numerosas populações. O trigo, o centeio, o milho, e as batatas que formam na Europa a principal base das subsistências, soflrem muitas vezes gravissimas endemias, que aíTcctam desastrosamente a producçào. DAS SCIE^CIAS DE LISBOA. I." CLASSE. 21 A Irlanda luctou em long;a agonia com os liorrorcs da fome em consequência da moléstia (|iie acommcUcra aciuclla planta tuberculosa. A agricultura allenià e íianceza, bem como a de outros paizes, tem sortiido enormes perdas em virtude das numerosas enfermidade* que atacam os ccreacs. Muitas epizoolias tem a sua origem nas afiecções das plantas for- raginosas. As doenças das plantas alimentares são causa de jirofundas mo- dificações em a nossa constiluiçilo, porque quando cilas se tornam a base da nossa alimentação, apodcram-se do nosso organismo, submcl- tem-o á sua iiilluencia, e tiansformam-o radicalmente por meio de uma continua assimilação dos seus elementos constitutivos. Algumas daquellas doenças de indole mais perniciosa produzem afTecções mórbidas na nossa espécie que assumem o caracter de en- démicas. O centeio atacado do esporão desenvolve o ergotismo — moléstia que tem flagellado endemicamenle povoações inteiras. Sabe-se hoje de- jdois das investigações de Jtissicu, de Paulet e de Saillan, que essas te- merosas moléstias da media edade cordiccidas ])clos nomes de vml ar- dente, fogo de Santo António ctc. não eram outra coisa mais que o er- gotismo. Sabe-se também, em consequência das indagações io Dr. Rollin, que um cogumello do género scirrolinm análogo ao schioliiim clavus do centeio ou á spliacclia segetutn dos cereaes se desenvolve sobre o milho grosso. Esta planta parasita ainda não manifestada na Europa observa-se frc(iuentes vezes na Colômbia onde o Dr. Rollin acaba de a estudar: cila produz neste paiz uma moléstia, que ali chamam pa- latina, muito análoga ao ergotismo gangrenoso da Europa. Esta mo- léstia é caractcrisada pela queda dos cabcUos, das unhas, dos dentes etc. E' provável, diz o Sr. Rousscl, que estudando melhor as epide- mias de Allemanha conhecidas pelos nomes de moléstia convulsiva, con- vulsão cereal, camòrias , ele venha a reconheccr-se que ellas proce- deram de moléstias (|ue tinham acommcltido os cereaes, ou outras substancias alimentares do uso commum. Tendem todas estas considerações a demonstrar que o estudo da nosologia vegetal importantissimo debaixo de todas as suas relações quer phvsiologicas e hygienicas, quer económicas e industriaes deve merecer a niaior attençào aos homens da scicncia. InJclizmcnte a maneira de viver dos vegetaes, as succcssivas trans- formações morphologicas dos seus órgãos, a obscuridade de muitas das 22 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL SUDS funcçõcs, a sitiiaçiio subterrânea de um dos seus apparelhos, a descentralisarrio de suas priíicipacs accõos orgânicas, as dimensões nii- iTosenpicas dos seus teeidos elemenlaies, e a piivaeào cm (|ue se acham dos ap(iai'eliios de relação tornam este estudo nimiamente difíicil, e ]iào-de necessariamente retardar a niarclia do seu aperfeiçoamento. E se as cnfcrnudades, a ([ue esta siig-eita a csj)ccic humana são cm geral mal conhecidas tanto na sua patliologia, como na sua the- rapeutica; se as que acommetlem os auimaes domésticos sào ainda na máxima jiartc ohjecto de contestações e de duvidas, que deverá acon- tecer ás das plantas, seres insensiveis, de vida obscura e metamorphica, <]uc não podem revelar-nos as suas atlecções senào pelas perturbações ás vezes pouco apreciáveis dos seus actos funecionacs! Eis aqui pois a razào fundamental por qi-e nas numerosas mo- nographias da moléstia (jue estudamos se encontram em geral dou- trinas vagas e pouco positivas; grande abundância de asserções conje- cturaes, e notável escaecz de factos bem averiguados, e do verdades de- monstradas. O que acontece com essa epidemia (|ue pe.correndo o mundo tem sidj no nosso século o açoite da humanidade em que tudo e obscuro e problemático, cm (|ue tudo são duvidas c hesitações, acontece do mesmo modo com a cpiphilia que tem cgualmente percorrido as regiões vi- tícolas do globo sempre envolvida no seu manto espesso e mjsterioso! DATA DA E^rEUniDADE. Talvez pareça jjouco importante a indagação a que tem proce- dido alguns homons da sciencia para determinar se a enfermidade das \irihas e de antiga ou de moderna data. Esta determinação não e porem ílcstituida de interesse. Se chegar a conhecer-se (jue a enfermidade não e |)ela primeira vez que ataca a videira, as esperanças de ver dis- sipado o llagcllo poderiam robuslecer-se, fundando-se na razão plausível de que as coisas se passarão no nosso tempo, como já se passaram em remotas épocas. Sem pretendermos apresentar uma opinião deíinitiva sobre este objecto inclinamo-nos todavia a crer que a moléstia oídiea nào é um fdclo nosologico de moderna data, posto que provavelmente nunca as- sumira o gi-ííu de extensão e de gravidade com que se apresenta em nossos dias. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 23 Alguns naturalistas italianos asseveram que csla enfermidade nào é nova — segundo os Doutores Ronca e Beccari ella apparcceu em 1^43 em Montfcrrat. — Segundo íM. Piolati appareceu em INovara em 1780. O Dr. Bertola sem aClianear a veracidade destas asserções julga todavia verosimil (|ue a moléstia lenha realmente apparecitto em outras /'pacas; mas parcial e inof/ensiva , ou p/lo menos sem consequências craves. i\a opmião do celebre viticultor Casalis-Allut a adccçào teria ap- parecido no meio dia da França haverá iOO annos; esta asserção porem nào iKircce fundar-sc em documentos históricos, mas apenas em vagas tradições. Nas obras de Plinio e de Thcophrasto encontram-se citações, ([ue .se referem a moléstias de oliveiras e videiras, que parecem ter alguma analogia com a ([ue nos occupa. Nós ouvimos asseverar a um antigo lavrador de vinhas da Els- tremadura, qne ha bastantes annos vira alguns vinhedos cobertos de mn pó a que se deu enlào o nome de cinzeiro — pó inteiramente si- luilhanle na apparencia e nos efli;itos ao da mangra. Sem querermos affiaiiçar este facto julgámos todavia que deviamos referi-lo. Entre todas estas asserções as que parecem mais positivas são as <|ue aj)rcsenla Jiovaui Targioni-Tozzcli n'uma obra que foi impressa em 17G(), da (piai transcreveremos acjui textualmente alguns frag- mentos «Tra le molte piante parasitiche (diz este autor) da me sco- «perte in csso anno (1760) col microscópio, ve ne sono certe le quali «sono cutanee, é vero, ma non incarnite nella sustanza delle piante «maggiori, quanto lé fin qui deseritle; nate pêro che sono sulla su- «pcrlicie di esse piante, si diramano poi e si distendono sopra di essa, «rattaccandovi i siioi ramolti per mczzo di fibri radicali como fa Tel- «lera, c come certi licheni ed ancbe comme la cuscuta. Lalimeuto loro «per altro io credo che lo tirano delia sola humidita dellaria succiata «per n>czzo dei loro vasi assorbenti cutanei Ció mi «ha dctcrminato a registrarle (jui tute insieme sotto duna medcsima «categoria, o sezione, o famiglia sulla foglia delle «piante maggiori, dove sono solile di nascere rapresentano ai occhio «nudo una specie dincipriatura o tli Icggera aspersione di farina; cre- o (lerei che se adatasse loro il nome de Ros farináceas, che vari scrit- «lori oltramontani hanno datto ad una sorta di malatia delle piante, «come piu a basso notertS. La prima specie la trovai distesa larga- o mente sopra alcune foglie c sopra vari rami di cicerbita o sia sou- «■chus lavis laciniatus liiti/oliiis, Instilutiones R. IL a foggia di finis- «siraa ccnere che vi fosse caduta sopra. Qacsta cenere che avcva odore 24 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL «do fim^lii ossrrvnta rol mioroscopi dei sig. dottor Giiadagni coinparre «come ima dclicala e Iragile tela di ragno attacata qiia e la a la cu- «ticiila dália eiirihila; ed i siioi (ilolini tnlti traiisparciili parte erano «nodosi a loggia de coioiieiíii c parle erano tereli c lisci come «capelli.» Outros fungos siniilliantes encontrou o autor sobre as folhas do ylarita-^o a»'j;ustifulia, c do mrlilotus icirlira, dei)ichcndendo-sc dos caracteres que llies assigna (]ue eram senão o oidium-Tuchcri , pelo menos outras espécies do género. Em vista de todos estes testimunlios nós inelinamos-nos a crer com M. Siivi (|i'e a enfermidade das vinhas não é a primeira vez que apparece na Europa; mas como cpiphitia o somente no nosso tempo que se manilestára produzindo estragos (pie hào-de ser tristemente com- niemorados nas chronicas agrarias da maior parte dos povos. Nós sabemos (|ue quasi todas as plantas alimentares tem os seus parasitas na companhia dos quaes vivem domiciliariamente e sem grave inconveniente, em cpianto o seu ninnero se não torna muito conside- rável— mas que (piando estes hospedes, por causas supervenientes, umas vezes inhcrenles ;ís plantas, outras vezes filhas de alterações me- teóricas, se aecuinulam nos seus domieilios, então a planta depaupe- ra-se e muitas vezes perece ou extenuada ou entoxicada. Um concurso de circunstancias, a maior parte das quaes são pouco apreciáveis, predispoz a videira para os ataques do eogiimello que in- festa vinhaterias inteiras, e que se progaga com uma prodigiosa fe- cundidade. Cessando porem aípiellas circunstancias, desapparecendo as influencias meteóricas e climatéricas que provavelmente as promovem; tornando-se as 'culturas menos forçadas, c aproximando-se um pouco mais a vida cultural da vinha da sua vida botânica, as coisas tornarão muito jirovavelmentc a entiar no seu caminho ordinário, e o ílagello desapparecerá com o favor de Deus. CltS.t EFPICIE^TE DA MOL.F.KTIA. O estudo a que vamos proceder já difficil de si tem-se compli- cado ainda mais jior se haverem confundido as causas predisponentes com a causa próxima da enfermidade. Foi para evitar os inconve- nientes que procedem desla confusão que nós tractamos separadamente d estes dois importantes assumptos. I>AS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 25 As influencias perturbadoras do organismo não produzem muitas vezes senão ligeiras adecrões, (|ue iiào podem caracterisar-se como mo- léstias. Estes estados pouco apreciáveis e quasi indefinidos não devem considcrar-se senão como estados de transição, que cncaminliam e ))re- dispõem a organisação a sortrer maiores desarranjos quer anatómicos quer dinâmicos, que pela sua persistência e gravidade são já incluidos no quadro nosologico das enfermidades. Antes que a videira fosse atacada pela mangra causas remotas a prcdispozeram para sollrer esta enfermidade. Estas causas, como alraz liça indicado, reduzcm-se principalmente nào só á grande susceptibili- dade da planta proveniente tanto das culturas mais ou menos forçadas, como da propagação gemmaria a que anda de ha longo tempo sub- mettida; mas também a uma certa alteração das funcções dos tecidos verdes, procedente, talvez, de condições meteóricas que nos são desco- nliecidas na sua essência, mas que são o apanágio quasi constante de maior parle das epidemias e epipbitias. Não eslão de acordo os naturalistas sobre a determinação da causa cfliciente da moléstia. Jluitas opiniões tem sido cmiltidas para ex- plicar este temeroso flagello. Algumas d'estas opiniões sendo porém inteiramente gratuitas, c talvez ineptas, nós somente submetteremos ao nosso exame as ([ue nos parecem mais plausiveis. Estas são — um vicio orgânico e geral da planta, a presença niorbifica dos acaridios. a alteração e os estragos causados pelo oit/itan. O vicio orgânico e constitutivo da planta como causa efficiente da moléstia parece-nos inadmissível. * Em primeiro logar a invasão periódica da enfermidade que ap- parecc scnipre nos fins da primavera e nos principios do verão, para desapparecer durante o outono e inverno torna aquciia bvpolliese muito improvável. Os piíenomenos mórbidos nas doenças conslilucionaes apre- sentam quasi sem])re uma certa permanência tpie está cm relação com a da sua causa productora. j\ós observámos muitas vezes que o des- apparccimento da mucedinea fazia cessar rapidamente os symptomas da moléstia. Vimos (pie das videiras (|ue paicciam profundamente af- fcctadas emanavam ficqucntementc durante o outono renovos vigo- rosos que se cobriam de folhas e de elos; e que por certo se cobri- riam de uma florescência ainmdanle se a temperatura outonal se nào oppozcsse á sua progressiva evolução. Além disto as vides afltíctadas apresentam na primavera, logo depois da ascensão da seiva uma vegetação luxuriante que frequen- 1." CLASSE. 1. I. P. 11. 4 26 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL temente tem inspirailo aos viticiillores lisong^eiras mas mentidas es- |icraiiras. ICsta vegetação é tão enérgica que Icm feito persuadir a al- guns naturalistas (|ue o desenvolvimento do oidiíiin linha por causa imniediata uma |)letora ou turgescência seivosa. Estes phcnomenos tornam [lois inadmissivcl a opinião que com- batemos. As nossas observações mostraram-nos constantemente (jue na suc- cessão genealógica dos phenomcnos mórbidos appareciam sempre as le- sões orgânicas depois do desenvolvimento da producção cryptogamica — c que a graviíiailc daquclliis lesões era constantemente subordinada á extensão das supeilicics verdes infectadas peio fungo parasita. Se a moléstia fosse produzida por um vicio geral nos tecidos ou na seiva da planta nào obscrvariamos fre((uentemcnte na mesma cepa uns sarmentos atacados e outros sãos; uns cachos infectados pelo fungo e outros em perfeita maturação; e no mesmo cacho uns esgalhos atro- pliiados, c outros completamente sasonados. Estes factos não revelam um vicio geral e orgânico mas sim uma cansa accidental e extrinscca á planta. Os sectários da opinião que combatemos tem procurado apoiar-sc nas observações do Sr. Cascbet. Este observador assevera ter encon- trado as radiculas da videira num certo estado de putrefacção e co- bertas de bolor — c que os sarmentos que haviam sido submcltidos á mergulhia se lhe apresentaram lambem lesados e putresccnles. Nós podemos porem asseverar (pie lendo examinado um grande ninnero do stirpes e de raízes de plantas alTccladas de oitUiim nunca pudemos en- contrar nenhuma daquellas lesões — e que cilas não existem na grande generalidade dos casos prova-o a energia vegetativa da planta, desde que o parasita desapparece; e prova-o também o facto geralmente ob- servado de nào succumbir a videira á moléstia oidica. E todavia nós não duvidamos que em alguns casos se nào tenha achado profunda- mente lesado o systema radicular e o caudex descendente da planta; mas nem por isso admittimos cpie estes phenomcnos devam ser altri- buidos a enfermidade de que tractamos; mas sim a outras que tem atacado simultaneamente a videira como são o arroxado, o arejamento ou a ■prr/irira, que como se sabe, são muitas vezes Ictaes, c atacam os tecidos constitutivos da planta. As manchas que apparecem nas folhas, nos sarmentos e nos cachos, c que alguns observadores julgam preexistentes á muccdinca, lambem tem servido de argumento aos que sup[)õem o p;irasitismo como con- sequência do mal. Mas nós nunca pudemos observar estas manchas antes DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 .' CLASSE. 27 do apparpcinicnto do fung;o, e o mesmo aconteceu a um grande nu- mero de observadores esclarecidos. Nós não ignoramos que esta ojjinião tem cm .seu favor o pres- tigio de eminentes auctoridades. Mas nào é sem hesitação que cila tem sido sustentada jiela maior parle dos seus defensores. A opinião do Sr. Adolpho Targionl não passa de conjectural. Este illustre natu- ralista que com tanta exactidão descreve os estragos da mucedinea, e cujas observações microscópicas tem inspirado geral conGança, con- fessa haver sempre encontrado a membrana supcrculicular do frueto num perfeito estado pliysiologico, apresentando toda a sua natural in- tegridade, e os caracteres que lhe são próprios; c como as relações entre o parasita e as camadas ccllulosas da epiderme ou do parenchyma do frueto não podem estabclecer-se senão atravez daciuella membrana, liça muito improvável uma alteração preexistente e profunda, quer na polpa daquelle órgão, quer nas camadas epidérmicas, á qual possa attribuir-se a origem pioductora da moléstia. O Professor Amici, sustentando a opinião do naturalista de Flo- rença, basêa-sc principalmente sobre o facto de nunca ter observado filamento algum do tiii/alio sem ter antes percebido alterações nas cel- Julas epidérmicas dos bagos, reveladas pela mudança de còr da chlo- rophylla, cujos suecos se tornam espessos e menos transparentes, for- mando-se indurações e graiuilações de diversas grandezas, que assumem uma còr primeiramente baça, e depois escura. A celuUosa liypertro- pbia-se, a desorganisação orgânica progride, e assim se formam se- gundo este auctor essas manchas ancgradas ([ue se manifestam na epi- derme do bago. Mas o Professor Amici convém com o Dr. Targioni (|ue é só atravez da menjbrana culicular, que se conserva integra mesmo sobre as ccUulas enfermas, que se podiam estabelecer as rela- ções entre estas cclullas c o mijccUo do parasita; c então a sua opinião fica egualmcnie infirmada por este importante facto. Alem de que quasi todos os observadores estão acordes em nào admillir a preexis- tência das manchas que consideram como uma consequência da nui- ccdinca. E todavia nós não negamos a preexistência de uma tal ou (piai al- teração nas funcçòes nutritivas e principalmente na exhalação dos tecidos verdes, e que d'esta alteração proveidia um certo vicio nas sub- stancias cxgregadas, que favoreça o desenvolvimento da mucedinea, mas esta causa não podemos considera-la como próxima e cflicicnle, mas sim como remota e predis[)onente da moléstia. E as razões cm que nos fundamos depressa serão apresentadas com mais desenvolvimento. 28 3ÍEM0RIAS DA ACADEMIA REAL Alg^iins naturulistas attiiluicm a moléstia aos damnos cansados por acarit/ios (|iu> se doseiivolvcni sol)i'C os órgãos novadios da videira. Esta opinião ]ioièm e insustentável. O Sr. Robineaii-Desvoidy cm uma memoria apresentada á Aca- demia das Scicncias de Pariz em ISTiâ sustenta ser um ararus a causa próxima da enicrmitkide. O Sr. Latellier comijateu poicm victoriosa- mente esta asserção. O (icnnis quer seja o observado cm Oileans quer seja o dcscripto pelo Sr. Fleehet debaixo do nome de acarus telarius nào é mais do que um aecidente da moléstia. Nós vimos estes acaridios nas uvas da Madeira, e nas parras do jardim botânico da Ajuda — nas primeiras vimos o atarus de còr aver- melhada e nas outras o acarus de côr amarella; mas estes animalculos nunca os pudemos ver durante mczes de diárias observações senão nas ulliiiias pliases da moléstia; Ibi então que (;iles nos apparcccram; e em grande quantidade nas uvas quasi putrefactas da Madeira e do Al- garve que suijnieltcinos a detido exame. Nós considerámo-los sempre como exploradores do campo da doença, que obedecendo á sua niissào providencial de se nutrirem com os detritos putresccntes dos seres or- ganisados, procuram na nuicedinea próxima a decompor-se o seu pasto favorito — e na videira que a sustenta o berço da sua progenitura; confiando d este modo os destinos da sua prole, e os germens da vida aos focos da putrefacçuo e da doença. Estes acaridios estabelecem-se pois na videira como se estabe- lecem os scolitus, os hiiprcstis, os dalcr, os •plaljipus, os criplop/iagus, c immensos outros parasitas animaes e vcgetacs na casca, no liber, e na mcdulla de muitas arvores. Tão lógico seria pois suppôr que os vermes que se encontram nas carnes putresccntes são a causa e não o efleito deste estado de de- composição, como julgar cpic os acaridios são o principio e não a con- sc(juencia do mal da videira. A nossa opiniuo está neste ponto de acordo com a dos mais acre- ditados entomologistas. — O aciints nào é pois senão um epi[>lieiiomeno da moléstia — raras são as vezes que se encontra, e sempre na sua der- radeira phase. Esta é a opinião dos commissarios da Sociedade Lin- ncana, e dos Srs. Bcrtola, Lecicrc, Rendu, Leon Dufour etc. O oi(/ium-Tuc/icri é no nosso intender a causa erficientc da mo- léstia, e o seu symj)toma caracteristico c universal. Este parasita ata- cando outras plantas próximas ás videiras alTecladas produz nellas sym- ptomas análogos áqucUcs, que apresenta esta ]ilanta sarmcntosa. Nós observamo-lo constantemcnlo em todos os vinhedos atacados DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.* CLASSE. 29- de mangra, c as nossas observaoòcs rccaliirani sobre sarmenlos, parraS' c uvas infectadas, q\ie nos foram remeltidas da Madeira, do Algarve, do Riba-Tejo, do Douro e de outros poutos. As virilias das visiiibanças de Lisboa, apresentarani-iios scuipre o parasita desde a primeira até á ultima phase da moléstia — e esta (podemos assegura-lo) ia successi- vamente engraveccndo á proporção que a muccdinea ia alastrando e infectando a planta. Os commissarios encarregados de examinar a moléstia das uvas pela sociedade Linneana de Bordeos enrontraram do mesmo modo, a criploganuca em todos os vinhedos boidelezes, assim como nas vides af- fectadas (pie liies foram remettidas do Pariz e de Orleans. Os da Aca- demia Real das Sciencias de Lisboa havendo procedido ao mesmo exame em 18í)2 obtiveram os mesmos resultados. O Sr. Victor Renda en- carregado pelo governo francez de estudar este olijeclo viu por toda a parte o parasita nas suas excursões pelo meio dia da França, pela Sardenha, pelo Piemonte e pela Toscana; os Srs. Leclerc, Cuppari, Ru- dol()l)i e outros m\iitos experimentadores observaiam constantemente que a gravidade e extensão da moléstia caminhava sempre a par do desenvolvimento da mucedinea. Depois da morte da plantula vêcm-se as vinhas, como já dissemos, produzir lançanicntos novos, com um vigor desusado. Estes lança- uientos ol)sorvam-se nos íins de outubro e por todo o mez de novem- bro ])rin<'ipalmcnte se os frios c as geadas vem serôdias. Este facto manifesta que a enfermidade depende principalmente do obstáculo que ex[)crimentam os órgãos de assimilação verdes nas suas funcções res- piratórias, inhalantcs, e absorventes. O fungo cobrindo cm grande ex- tensão estas superfícies oflerece a estas funcções um obstáculo quasi mechanico, removido o- qual, os actos vitaes se restabelecem quasi nor- malmente. Todas estas razões tem levado a maior parte dos observadores a adoiittir a producção criptogamica como a causa efficiente da moléstia. E esta a 0|iiniuo de (juasi todos os naturalistas italianos. É a dos Srs. Savi de Florença, Gasparini de Nápoles, Bertola, (íaddi de Slodena ctc. Esta opinião adfpiirc ainda grande probabilidade na presença do siçnilicantissimo fado de ser o parasitismo a causa efficiente da maior parto das enfermidades phitologicas, e de serem oriundas d'esta causa quasi todas as que ultimamente teem acommettido as plantas cultu- raes debaixo da forma de cpipbitias. E eílectivamcnte o parasitismo c com razão considerado como a causa eflicicntc da maior parte das moléstias epiphitas. O celebre na- 30 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL tiiralista italiano J. do Noiaris observa que o carpi/ius Ix titia e ata- cado jiola svliirriít liiiilinula que appairce cm prulusào na pajjiria in- ferior das lollias lanjjueseentes — <|iie os ramos pendentes do snli.i: ba- bilónica são adectados frequentcmeiítfi pela sphnria transluans — (|ne nas ramos doentes e scccos das robinias a|)parece constantemente a ai^ltiospora profusa; assim como a a<'-/aospoja orillaln nos ramos dos ulmeiros prostrados na terra — c que nas pastagens dos apriscos se encontra profusamente a sporoiiiia Jlinetaria. Segundo Fries encontra-se nos troncos do cupressiis sempcrviretts a ostropa ci/irrca c nos ramos estiolados e mortos da ribcs rubra a t/o- tliritha i-if/isia. O solanum tubtrosum é foitcmcnle atacado e muitas vezes sacrificado sem remédio pela botn/tis infcstatis; a moléstia desta planta conhecida pelo nome de ferrugem é altribuída também a uma niuecdinea; os feijoaes aprcsenlam-se muitas vc7.es crivados de tiridontts nos seus caules, e de uma mucedinea de um cliciro o de um sabor desagradável, que cobre de manchas o interior da vagem e as sementes. As groselheiras {ribcs) tem sollrido muito da planta parasita denomi- nada cri/siphe f/iiarirala. Segundo observa o Sr. Dcsmoriercs as ervilhas c as abóboras sào fortemente atacadas pelo oiiliuin rri/siphoidcs. Nós observamos no liidi- sarum roro/iurium o mesmo parasita; e outro oiilium que nos pareceu o oifíiuiH leucoiiiuin na niroliaiia lalmcnm. O ccliium cdub; foi também atacado no jardim botânico da Ajuda por uma mucedinea, e como os seus caules sào quasi herbáceos o parasita estabelcccu-se profunda- mente sobre elles e fez succunibir a planta menos feliz neste ponto do que a videira. A alforra dos trigos é altribuida a uma lu-idinea, o rtrcdo rubi<^o vera. A caria ao iircdo carbo. O esporão do centeio, cjue tão graves moléstias produz, e (]ue ainda em 1813 por occasiào do cerco de Cus- trin dizimou pela gangrena sccca a guarnição d"csta praça coseu bravo general Eornier d'Albe, c lambem devido a uma chrv[)togamica i>.ira- sita, o schrotiitiii clavas. A caria do maiz que ataca luiias vezes o caule c a axila das fo- lhas, outras vezes as (lòres masculinas, o os próprios grãos do milho é devido ao urcdo nun/dis. jNós vimos atacados por varias espécies de oidium o nabo fbra- sica napus) o pepineiro (cucumis sativa) o pecegueiro (amijgdalus pér- sica).— A couve (brasica olcracca) a alface (lactuca saliva ' o espinafre (spinacea olcracea) são frequentes vezes acommcllidos por parasitas do género botnjtis. DAS SCIENCIAS DE LISDOA. 1.' CLASSE. 31 Poderíamos citar ainda rcntoiíarcs de enfermidades occasionadas jiclo parasitismo c i>riiici|)ali))cnlo pelas plantas da tiilju das mucedi- neas a que pcrienec o género ouliniu, mas o que deixamos indieado é bastante para fazer ver (|uc a enfermidade da videira tem por causa elliciente o parasita oulium-Tuchiri. E para cpie liaviamos de recorrer a outra causa quando esta nos explica todos os phcnomenos mórbidos da vinha? E na verdade as manelias (|uc serviram de assento ao parasita; a colorarão e demorfarào (jue clle imprime aos tecidos verdes, o modo de dilVusào da moléstia, correspondendo sempre a direcção e dcssemina- ção dos sporos, as suas intermitencias durante o inverno, a época da sua reappariçào nos fins da primavera e prineipios do estio, as cir- cunstancias meteóricas c|uc dosaíiam (pior a sua invasão, quer a sua propagação — circunstancias constantemente promotoras do desenvol- vimento Aos/tin^us — a natureza das lesões do aparelho respiratório c das superfícies aéreas tanto absorventes como exhalantcs das plantas; c (inalmente o desenvolvimento ulterior eanachronico dos tecidos verdes logo (jue o parasita desaiiparecera ])ela acção dos frios oulonaes; tudo isto são outras tantas piovas mais ou menos vehementes de etiologia^ que temos assignalado á moléstia.. «íV3II>TOUAS. Se nada ha mais risonho c bucólico do que o aspecto de uma' vinhaleria vigorosa e luxuriante, nada é pelo contrario mais tristonho e melancólico do cjue a physionomia e o porte dos vinhedos infectados I)cla mangra. E uma perspectiva lúgubre! E um quadro de desolação íjue nunca esquece!; Os caracteres da moléstia são tacs e tão pronunciados que não deixam a menor duvida sobre o seu diagnostico. E na verdade o vi- ticultor que a observou uma vez rcconhecc-a sempre que se lhe apre- senta. As folhas são quasi sempre os primeiros órgãos ([ue soiVrem. Os symptomas tpie apresenlam divcrsilicam porém segundo a c[)0ca da in- vasão do ttagello. Quando atacadas n'uma época avançada do seu des- envolvimento começam por apresentar uma ligeira crispatura nos bor- 35 ÍIEMORIAS DA ACADEMIA REAL dos, que SP manifestam então convergentes para o centro do limbo — niaiiclias esbraníiiiieadiis surgem quasi simultaneamente em vários pon- tos da face das loliias; (cslampa :?.") estas manchas (a, a.) adcpiirem nllc- riormeiíte uma wr livida que com os progressos da enlerniidade passa a ser latcricia para se tiansloiniar linalmente em violácea anegrada. Neste estado os bordos da folha reviram-se coni|iIetamente para a face supe- rior e apresentam-so algumas vezes fendidos nos seus lóbulos. Um pó acinzentado cobre então, se não cobriu antes, estes órgãos, como se sobre elles se tivesse peneirado uma pouca de farinha ou antes de cinza. Dahi \em o nome expressivo do cinidro dado em algumas localidades á mo- léstia; e o nome ]iopular de l(^va que lhe foi dado em França. Aquelle pó accumula-se c eondensa-sc em certos pontos transformando-se num induclo levemente eolanilhoso, formado por filamentos que se observam perfeitamenlc com o auxilio de uma sim[)les lente. Estes fdamentos constituem o mictlio da criptogamica, formam um entrelaçado mais ou menos análogo ao que apresenta a mueedinca botrt/tis hassiana que ataca o bicho de seda e que é conhecida em França jielo nome de muscar- diiia. Observados com o microscópio manifestam a disposição e a forma apresentadas pela estampa 5." Os peciolos das folhas lambem se apre- sentam mais ou menos empoeirados e felpudos. Estes órgãos respira- tórios na ultima phase do seu padecimento, dcformam-se, ennegrecem, seccam e cabem pela maior parte, durante os mezcs de julho e agosto. Sc as folhas são porem atacadas logo no começo da sua desen- voluçào tornam-sc então muito esbranquiçadas e villosas, e não po- dendo luctar com o jjarasita definham, abortam, e morrem. Algumas vezes continuam ainda a vegetar, mas e uma vegetação enfesada (pie as torna impróprias para o exercício do papel que lhes foi distribuido no organismo vegetal. E nem era possível que tão gravemente atacados podessem os órgãos foliaceos desempenhar as importantes funeções nutritivas que lhes estão eommettidas. A res])iraÇão, a absorpçào e a cxhalação de que estes órgãos são a principal sede não podia deixar de sollicr grandes perturbações com grave damno da vida geral da planta. As varas apresentam lambem pequenas maculas ([uc seguindo as mesmas gradações da coloração das folhas acabam por apresentar a còr violácea e anegrada ^estampa 1."). 1'^stas manchas não interessam ordinariamente mais do que os tecidos cortieacs, sendo muito raro que os do lenho sejam atacados. É por ellas que começa segundo as ob- servações de .Moll a vegetação cri[)logamiea (|ue se reduz nesta época a lilamcnlos mui ténues e apenas observáveis por uma boa lente. As DAS SCIENCIAvS DE LISBOA. 1." CLASSE. .l."} iiianilíts, tniilo as das varas como as das folhas, alastram, e tornam-se cnnllticiUcs nos estados mais adiantados da inolcstia (estampa 2.° [a, a]). As vezes, nas vinhas mais atacadas, apresenlani-sc placas ncjras que j)arcce haverem sido fcilas com um ferro em brasa. A estampa cilada j)ódc dar e8:nalmcntc uma idca dcsla degenerarão superficial do sys- tcma cortical dos sarmentos da planta. As varas afiectadas dei\am ge- ralmente de prolongar-.sc, hifurcam-se, c secCam nas suas extremidades. Qne a lesão não comprehcnde porém, na generalidade dos casos, os te- cidos lenhosos nem rncsmo os corticaes em toda a sua extensão e es- pessura prova-o o desenvolvimento de novos lançamentos sempre vi- gorosos e sadios, que appareccni frequentemente nas varas atacadas, lUTías vezes no meado do outono, e outras na primavera do anno im- niediato, (juando a producção cryptogamica tcni já desapparecido. Algumas vezes apparecem as folhas e os renovos humcctados por \\m humor viscoso, que segundo as observações do Sr, Leclerc apre- senta um sabor ligeiramente acido e assucarado. Os cachos, que são ordinariamente os primeiros órgãos atacados, revestem-se do mesmo pó que cobre as folhas, e apresentam também maculas com as cores já indicadas. A muccdinea que se desenvolve sobre a cuticula dos bagos não chega a penetrar dentro d't'lles, pois que se destaca com a maior fa- cilidade— c na verdade basta (jue passemos levemente um lenço ou (jualquer outro corpo pela sua superfície para desapparecerem todos os íilamciilos da parasita, ficando a cuticula dos bagos sem perfurações ou lesões algumas de continuidade apreciáveis. As maculas adquirem com o tempo a forma de pc(|uen3S excre- cencias punctuadas e persistentes (estampa 1 .' c 2."). Quando a sua cõr é anegrada é ([uando se observam mais distinctamentc; não sendo para isso necessário senão limpar o bago do pó que o reveste. As observa- ções de M. Leclerc c as nossas levaram-nos á convicção de que as ex- creccncias não precedem o desenvolvimento da muccdinea, nem mesmo coexistem com a sua primeira evolução; mas somente apparecem n'uma época adiantada da vegetação cryptogamica. Elias devem por tanto ser consideradas como punctuaçõcs que serviram de assento ao parasita, e não como degenerações previas da epiderme ou do parenchyma, (|uc des- afiaram o seu ajiparecimento. E como tacs punctuaçõcs são indeléveis, o a muccdinea e decidua vcem-se muitas vezes depois da sua queda, mas nunca antes do seu desenvolvimento. Este facto que poderá á pri- meira vista parecer indinbrente é de grande importância na determi- naçào da natureza da moléstia. 1.° CLASSE. — I. I, p. u. 5 34 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Quando as uvas sno atacadas logo no romoço da fruclificaçào, OS bagos (|iio nào leni então adcpiii ido maior volume do ([iie o de um giflo de elinmbn, dclinliain e ntiophinm-sc dentro de pouco tempo: a nuicedinea (pie os enlaça nos s(nis cespiles afleeta por tal modo as suas su[«'i licies alisoivenles e exlialanles, (jue ellcs seccam e morrem em poucos d'as. Quando poièm a moléstia se desenvolve n"nm período mais adiatilado passam-se as coisas de outro modo. O (Vncto resiste então por mais alginn tempo, e continuando no seu crescimento rom- pe-se a culicida ciiidcrmica dos bagos; estes fcndcm-se e arregoam, ob- servando-sc no fundo das ícndas as sementes ou as grainlias liiperlro- pliiadas, e desenvolvidas á custa da pôl|)a parencbyniatosa do próprio fruclo. As fendas aprcscnl.im-sn mnas vezes longiludin:;cs, c outras transvcisacs (estampas citadas [b, b.]); e cm alguns casos, posto que mais raros, cruciacs. Dentro das fendas obser\'a-sc um mucor de na- tureza especial, e uma ou outra vez, (piando a decomposição pútrida co- meça, dcscnvolvcm-se nraridio.'! (pie ntis tivemos occasião de observar tanto nas uvas pioced(-ntcs da Madeira, c do Algarve; conio cm ou- tras do termo de Lisboa. Os ncnrns por(}m nunca os pudemos desco- brir senão nas pliascs mais adiantadas da moléstia, (juando a decom- posição come(;ava a estabclecer-sc. Se a afTecç-ào ataca as uvas n'um periodo muito próximo ao da maturação, acontece neste caso que muitos cacbos podem ainda attingir o seu com[)lcto desenvolvimento. i\a slirpc e nas raizf-s nunca eneontiámos signacs alguns de doença. Examinámos cuidadosamente estes órgãos, c jamais pudemos acbar o menor indicio de lesão. A opinião contraria admiltida por alguns ob- servadores italianos procede provavelmente de se baver confinidido a enfermidade oidica com a(iuella que se conhece pelo nome de arro- xado, rougct dos franeezcs. Esta confusão e tanto mais natural quanto c certo (pic muitas vezes a videira é simidtaneamcnte atacada por estas duas moléstias. Esta coincidência tem dado também origem á per- suasão de que a primeira destas enfermidades compromcite a exis- tência da videira, opinião que nos parece infundada pelas razões que apresentaremos cm seu logar. \'m cheiro levemente nauseabundo que não sabemos bem cara- ctcrisar. mas que nos pareceu similhante ao dos cogumellos em co- meço de decomposição ou ao dos bolores que atacam muitas substan- cias vcgetacs putrescentcs, se nos apresentou muitas vezes nos últimos |>criodos da enfermidade, ou na época da dessiminação dos pro|)agulos tia nincedinca. Os symptomas geraes que temos dcseripto estão sugeitos a muitas DAS SCIEKCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 3.S inodificarõcs. As anomalias c as cxfT[)rões são nuinerosas nesta mo- léstia. Umas vezes apparcecm simullaiicamcnle atacadas todas as cepas de uma vinha, e outras vezes somente alg^imas sem que se possa en- contrar a razão desta diílbença. Casos lia em <|ue a mesma cepa tem alguns sarmentos alVcclados c outros j)erscrvados da aficceào. Oljscr- va-se rrcquenlcmeiílc a doença nuns lançamentos e a saúde n'outros, ])osto (|ue oriundos todos da mesma vaia. Nós vimos muitos vezes na mesma videira alguns cachos gravissimamente allcctados c outios no .seu estado pci feito; e o que ainda é mais notável vimos no n)esmo cacho esgalhos na mais completa fiuctificaçào e esgalhos infectados pela miiccdinea. Estes factos merecem grande allençào porque C(piivalem a uma demonstração completa (juc carartcrisa de inadmissivcl a opinião dos naturalistas (|uc consideiam a moléstia conio proveniente de um vicio geral da ])lanta, c o desenvolvimento do oidium como consequência dacjuellc vicio. São estes os caracteres da enfermidade quando a examinamos de tun modo geral, mas se deste exame passarmos a investigações mais especiacs e piofundas, e se para chegarmos a eslc íim nos armarmos do microscópio, eis a(|ui o cpie se apresenta á nossa ohservação. O parasita que reveste snperficiahnente as folhas, os sarmentos, os renovos e os hagos, e (|ue forma sohre estes oigãos um tecido fel- pudo e piihcsceiile, (piando se examina com o auxilio do microscópio apresenta-se-nos do seguinte modo. Vè-se em primeiío logar um grande numero de fdamentos tu- bulosos, horisontaes, cpic entrelaçados uns com os outros forniam uma espécie de lêde de malhas oblongas mais ou menus bastas e distinctas. Estes filamentos umas vezes revestem completamente as supcríicies hos- pitalarias e outras vezes deixam entre si pc(|uenos intervallos, pelos quaes se ])odem observar, posto cpio muito parcialmente, essas mesmas superíicies. Os filamentos assentam sohre um slracto membranoso pro- veniente, talvez, dos radiculoides, (pie cm vez de penetraiem nos órgãos verdes da |)lanta se empastaram sobre a epiderme desses mesmos oigãos. A planiula pode ser examinada por dois modos, ou observando-a de peifil, ou de frente. As estampas i.' e 5.° apresentam os resultados destes dois modos de obsoi vação (■). (•) Tanlo rstos como os dcm.nis drscnho» rcprcscntartri nas cstampr-s que S"rvcni de il'i!Slrnriio a csti memoria foram l'cil< s diU.ivo (!e m ss s »is;.s c dirtcçio pil . Sr, Costa Vicg. St batil o ii;>cr?i'r. si aluinnu do listittitu Ag>ici'a e Ischcil . Itegion I de List>oa, e tupiaUct do o,ktural cuui a maiur cxuclidão e cuidado. C« UJI du.3 ioJiCjdaS 36 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Na estampa 4.° ol)scrvam-sc distinclamcnle os filamoiitos esté- reis ou vogelalivos (a, a.) c os ferieis ou reproiluclores (b. Jj). Os pri- meiros iniplantnm-sc e estendem-se sobre os tecidos verdes da videira niedianle o strai-tô membranoso qne indicíímos; o sem aprcsrnlarem divisões ou seplos, Ibrmam cespilcs ou feixes decumbeiiles, a que se dá coUectivanient^ o nome de nii/cdio. Os segundos erectos c septados apre- sentam quasi sempre nas suas extremidades as seminulas ou propagulos a (pie damos o nome de sporos c a ipic alguns auolorcs tem dado o nome de sporidios (c, c). Estes propagulos sao dcciduos e dcstacam-se dos tubos (pie os sustentam com uma grande faeilidadc. Ellcs adcpiireni nas proximidades da sua maturação uma eôr ligeiramente amarellada. Durante a t-poca da disseminação succcdem-sc ])rogrossi vãmente uns aos outros, sendo sempre os terminaes acpielles que se vào successiva- mente destacando. Os (ilamentos tubulosos (pie estamos descrevendo manifestam-se algumas vezes articulados e nioniliformcs, ou em lórma de rosário, c então os articulos transformam-se em sporos que se apresentam neste caso concatenados, conservando uma ou outra vez esta disposição, mesmo depois da sua (pieda. Posto (|ue mais raramente vêem-se comtudo algumas vezes os sporos geminados nascendo por pares nas extremidades dos tubos. Todas estas disposições se observam perfeitamente na estampa acima indi- cada. A translucidez das paredes dos filamentos tubulosos deixa ob- servar distinctamente os diafragmas de divisão que os caracterisam. Os compartimentos formados por estes diafragmas conslilucm articulos , análogos ás meritliallas ou aos entren(')S das plantas superiores. Nós tivemos occasião de observar algumas vezes a transformação destes ar- ticulos terminaes cm sporos. Os articulos iam progressivamente engros- sando e perdendo a sua forma tubulosu para adcpiirir a ellipsoide; e á proporção que a mctamorpbose se ia verificando a sua transparência, ia-se também pronunciando cada vez mais, podendo então observar-sc i^lanifas. c os dn lo:l,^s as ni.iis qne roprrsrnlam os orRãns «la cryiilnK.iniica furam cn. piados (lo campo da oliscrvarã» microscópica com Rramlc habilidade arlistica. Kós acom- paiihámts sempre o Sr. Cosia Viegas n' s seus trabalhos e verilica\amos a cada mo- mento a e\.iclidão dos seus desenhos. Indicavamos-lhe a natureza aiiatumica rega-sc .is vczis u nicsaia dcnomii aç.io para dcsifínar órgãos di- tcrsos; c >ari !as ci('iiori;in..rõrs para • anlheridi s tom sido prom iscuamcntc C' nriiiulidc s. Kós chimanius >p rns ais utiiciilns suscipliveis de rcproi.uzir a | l.iiila c que si' apn sentam cheios de uiii.i matéria liquiiia com a apparencia da fo\.lla— sporidii s ais conccplaciilos pol spores que cimlcem e 1 iiiç im de si propanulos a que daii» s o nume de sp-irulos — 4porani^V« ar s c mrepl culusslmilh iUleSaosíp ndf.v m. s que aprisi'iilain uma forma vcs- culir de deMiitoitiinfulo m.i» a\aneado — ai.tUmd ( t a orgòi s capsulares, que repre- «cnlam o ap»rclh > s!miinos> da pi nla ; de maneira que ís>e^el, reproluctor que pode jul,{ar-»» «UuocialmcLlc cuiD|.ljtu, pji ser siuiuluucjfflcate lUuSCúlioo e fcuiinino. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 3!? garSo aproscnlatlo pelos filamentos do mi/a/io. Estos filamentos, que assentam sobic iim slialo iiicinbi anoso elieio de aspei czas e irregu- larmente contornado, destinado ninilo piovaviiliiiciitc a aljsorvcr os fluidos alinienticios, (|uc deveu) servir á nnlriçàw do parasita, são sus- ceptiveis de eontinuarcni a sua vida individual, unia vez (pie sejam acompanhados de algum fragmento ila meujbrana rpie llies serve de sugadoiío e d(í apoio. INós observámos nuiitas lezes estes fiagmentosno campo do microscópio; c eiies são lào Cieipientos (pie nào podem deixar de haver sido notados por todos os observadores (|ue se tem oecupado desta casta de exames. O Sr. Li'(leic desci eve-os no seu relatório, e altribue-liics a piopiicdade lepioducloia a (pie acabámos de alludir. A' vista pois destes diversos modos de repioducçào e da abun- dosa (juani idade de seininulas emanadas do paiasla não deve causar- nos a menor adiniiacào a giaiido capacidade lepiodiictiva desta planta. E na verdade ajienas chegada a c-poea da dessem i na (jiio nuvens de pro- pagulos sus[)eiisas na atniospliera a acoMipanham nos seus vaiiados mo- vimentos at(? se lixarem nos coipos com (]iie se encontiam. Destes uns não lhes ministram princípios miliitivos e são por isso im()roprios para o seu dcseiivolvimenlo, e outros (brneccm-lhcs estes piiiicipios ealém d'clles outras condii;(Vs necessaiias para a sua germina(;ão, e então é sobre elles (pie a pioduc{;ào civptogamica se estende e uuiltipliea. O inducto viscoso que reveste a(]ueiles propagulos facilita a sua ad- lierencia ás supeificies orgânicas destinadas a sustenta-los. Quando estas siiperficies forem pubescentes, villosas, molles, glaucas, glandulosas e glulinosas, como acontece com um grande numero de (olhas, de fiuctos c de renovos a adheieneia será então mais faeil e completa. Aconte- cerá porc^m o contrario, e a adhercncia será talvez impossivel, se as superlicies forem lisas, polidas, glabras c coicaccas, como nos órgãos foliaceos de muitas arvores, e arbustos. A observação confirma esta asserção. As magnoliaceas, as auranciaceas, e outras familias de folhas giabras e polidas não tem sido atacadas [lelo okliuin mesmo (juando se encontram no meio dos vinhedos infestados, ou nos grandes focos da infecção. Os pellos que revestem as folhas servem muitas vezes de assento ao parasita. A estampa 6.' mostra um specimen desta adherencia. Elia apresenta o pcllo de uma cucurbilacea truncado (a) no seu teiço su- perior, sobre o qual vieram pousar alguns sforos (b, b). Os corpús- culos spheroidaes que são emittidos ])clos spoiiilios fixam-se também com a mesma facilidade sobre as mcmbiaiias oiganis;idas; e concate- nain-se em ccitos casos com uma giandc regularidade, como tudo sit & 10 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL deixa vrr na cstami)a 7." Nós não ousamos iioièm deciílir com toda a segurança se as iiciras dos corpúsculos apresentados iiesla estampa Icem a proccinrtanlissimo Jacto deve merecer a mais profunda altençào da parle dos agricultores es- clarecidos, e particularmente dos viticultores que desejarem ensaiar todos os meios racionacs para dcbellar a enfermidade oidica. Sabe-se que se tem recorrido com vantagem á sementeira das ba- tateiras para debcUar a moléstia epiphita que atacaVa em alguns paizes os tubérculos desta planta alimenticia. E cntào por que se não ha de ensaiar este mesmo meio com resjjcito á videira? Movidos por estas considerações nós recommendamos este recurso, posto que nào tenhamos observações próprias que autborisem praticamente a recommendação. Tem-se jjreconisado algumas culturas intercalares como meios preservativos c mesmo como meios therapeuticos da moléstia das vi- johas. Um certo numero de experiências parece ter abonado a efíi- cacia destes meios. Os tremoceiros, as batatas doces, as ervilheiras, os feijoeiros, os dolichos, e mesmo os milhos são as plantas que mais contrariam, na opinião de certos experimentadores, o desenvolvimento do oiditim. E' pela sombra que projectam sobre a videira, c talvez pelo obstáculo material que oppõem á dessiminaçào dos propagulos da mucediuca, que estas e outras plantas de espessa folhagem devem produzir os ellcitos salulai-es (|uc acabamos de indicar; ellcitos que desgraçadamente tem deixado de apresentar-se por vezes cm diversas localidades. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 53 Nós siippomos liaver salvado da doença duas vides pertencentes a uma i>c«[uena vinha infectada, protcgcndo-as e cobrindo-as com al- guns pes de feijoeiros de trepar. E acreditamos que foram estas le- guminosas as que salvaram o fructo das vides, ponjuc um dos sar- mentos que ficara a descoberto cobriu-se todo de mamara. No Al- garve obtivcram-se bons resultados com os tremoceiros, (pie por sua espessa folhagem podem resguardar perfeitamente as viidius baixas. Este meio porem das culturas intercalares, em que depositamos uma certa confiança, poderia tornar-se muito mais económico e vantajoso nas vinhas plantadas em linhas paralellas e equidistantes, hoje muito adoptadas em vários paizes vinhateiros, e desgraçadamente pouco fre- quentes ou antes muito raras entre nós. Esta disposição linear das vinhas merece ser adoptada principalmente nas asssentadas e nos valles de terrenos argillosos e pingues, qne podem alem da novidade do vi- nho dar uma outra quasi tão lucrativa como aquella. Os lavores ne- cessários para obter estas duas novidades podendo neste caso praticar-se com a charrua vinhateira ou com a americana, colher-se-hia então alem do resultado de uma maior e mais barata producçào a vantagem d'uma certa economia na mais fácil applicaçiio do preservativo indicado. Também tem sido aconselhado como medicarão preventiva o em- prego dos adubos provenientes dos /d/tMj e algas marinhas antes da sua fermentação. Mr. Rivet altribue a estes adubos uma acção effi- cacissima por causa do iodo que contem. Ellcs tem sido eflectivamente empregados em alguns vinhedos do littoral de Hcspanba desde 183.">; e segundo affirmam alguns lavradores deste paiz as vinhas que foram adubadas com aciucUas plantas marinhas não tem sido até hoje ata- cadas da moléstia. Nós não temos observações algnmas nem a favor deste methodo de tratamento nem contra elle. O Dr. La Sourdettc propòz á Academia das Sciencias de Paris o uso do alcatrão como un» agente efficaz para impedir ou suspender o desenvolvimento do oulium. As cepas e os sarmentos da vide devem ser cobertas segundo a recoinmendação do Sr. La Sourdette com uma camada de alcatrão puro poucos dias depois da poda. O Dr. Bertola na sua Instrucrão popular sobre a violestia das uvas propõe egual- mcnte as aspersões com agua de alcatrão de dois em dois dias até á conq)leta dcsapjwrição do ])arasita. Os result.idos não teem porém cor- resjwndido as indicações destes naturalistas. (•) (•) Depois (Ic cscripta esta mcinorin , mas antes da sua impressão, nós ti\enios logar de ensaiar nos Hns do inverno de 185 S- n cal c o alcatr.ío nas vinhas da Cruz du Xaboado c da Bcuiposla, pcrtcnctntos ao lusliluto Agrícola. Cobrimos os caules c aW 54 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Depois (Ic havermos exposto os meios preventivos que mais voga alcancantin em vários pontos tia Juiropa, faremos nieneão agora dos meios tliorapciíticos mais geralmente acrcdilaifos. São inniiineravcis as tentativas praticadas com o fim c na es- perança de descobrir alguma medicina appropriada para debellar o llagello que tem assolado um grande numero de districtos vinha- teiros. A maior parle dos remédios propostos, apresentando resultados ne- Sfativos, nuo mereceriam certamente ser mencionados, se desta mençào iiào proviesse a vantagem de precautellar os viticultores contra ten- tativas inúteis c contra despezas prejudicialissimas. Os ensaios que se fizcrain com ditíerentes adubos não produziram l-esultados salisfaclorios. Foram adubadas as cepas com estercos de gado cavallar, vacciím, € lanigero sem o menor proveito. Empregou-se a columbina, os ex- crementos de outras aves domesticas, os estrumes compostos, os pro- cedentes dos detritos vegetaes, c tudo foi mais ou menos infructuoso. Fulverizaram-se, mas sem proveito, algumas videiras acommet- tidas da moléstia com as cinzas dos fornos de cal, com as procedentes prii.i(l.i9 ilns videiras com um espesso indiit-lo daqucUas substanci.is; mas tivemos o dcsgoslo dl! reconhecer a incílicacia destes agentes, porque a moléstia atacou forte- mente as vinhas submeltidas áquelle tratamento. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 55 mais ou menos o axophito da planta das influencias atmosi)lierii'as. Mas como a niolcslia não se desenvolve no axopliito mas sim sobre os Iccidos verdes, os agentes meteorológicos conlinuani a actuar livre- mente sobre estes tecidos, (jue chegada a época do desenvolvimento do parasita, sào aílectados, como se o remédio não tivesse sido applicado. O outro [)rocesso é o seguinte: preparado o leite de cal, lançando vinte partes de agua cominum cm mna [)arte da(piella substancia recente- mente extincta, emprega-sc o liquido resultante da mistura em aspergir a planta. Estas aspersões devem fazcr-se antes c depois do a[i])are- cimcnto da moléstia, que ou aborta ou fica destruida pelo curativo, na opinião dos experimentadores que o aconselham. Estes dois pror cessos de tratamento, posto que sejam de uma fácil c económica aj)- |)licação, tem apesar disto cabido em abandono. Um grande numero de experiências infelizes tem demonstrado a sua ineflicacia; e os re- sultados tem sido negativos, quasi por toda a parte. O hydro-sulphato de cal tem sido também recommendado como um meio curativo de indubitável energia. O nietliodo de tratamento feito com esta substancia, sendo principalmente aconselhado pelo Sr. Grison, horticultor de Yersailles, é conhecido pelo nome deste pratico esclarecido. O Sr. Bertola, o Dr. Turrei, e vários naturalistas de grande nomeada considcram-no de grande eflicacia. O hydro-sulphato de cal é preparado do seguinte modo. Toma-se uma parte de cal hy- dratada recentemente extincta, uma egual parte de (lòr de enxofre e vinte partes dagua; lança-sc tudo em uma panella de barro ou de ferro, deixa-se ferver por espaço de oito a doze minutos, e côa-se fi- nalmente atravez de um panno de linho ou de algodão. E' com este liquido diluído cm cem partes de agua conmuuu que se fazem as aspersões sobre as vides enformas, que adipiirem, me- diante este tratamento, segundo alTuinam os experimentadores citados, o vigor c a saúde perdida. A pesar dos louvores dados a este agente me- dicinal, c suppondo mesmo que a experiência tenha em toda a parte manifestado a sua eiricaeia, o ([ue certamente não está em harmonia com os factos, é com tudo indubitável a didiculdade inunensa que se apre- senta na sua applicação a extensos vinhedos — difliculdadc que resulta j)rincipahncnte da circunstancia de dever pralicar-se a operação duas vezes durante o periodo fugaz da florescência, e uma terceira vez du- rante a fructificação. Esta dilliciddade foi desde logo reconhecida mesmo pelo Sr. Grison, o qual guiado pela lealdade cpie o distingue só recommenda o seu processo na doença das latadas e parrciraes. A flor de enxofre é de todos os meios thcrapeulicos até hoje em- 56 MEMORIAS DA ACADEJíIA REAL pregados aqucllo (|ne conta luais partidistas e maior numero de re- sultados lolizes. Em 1 8 Ifi, um anno depois do apparccimenlo da manf;ra cm Mar- sate nas visinlianeas de Cantoròcrij, foi emprejjada a llòr de enxofre já simples, já misturada com a agua de cal por imi inglez chamado Kile. Quatro annos depois, em 1850, procurou o Sr. Gonlier, illustrado viticultor cm Montrouge, descobrir algum processo, que facilitasse o emprego d'aquella substancia. E eílceli vãmente servindo-sc de nma pcípieiía bomba de forma lubulosa dilatada superiormente cm uma i'avidade semispheroidal crivada de boracos, conseguiu lançar sobre os pâmpanos das videiras enfermas uma chuva artificial miúda e co- piosa; c empregando em seguida um folie lambem da sua inveneào obteve com o auxilio deste instrumento espalhar a flor do enxofre sobre as plantas previamente humedecidas, ás quaes aquella substancia adheria com a necessária permanência. Este processo apresentou desde logo auspiciosos resultados, c foi jKtr sua intervenção (jue o Sr. Gontier salvou todos os annos a novi- dade das videiras têmporas cultivadas ao ar livre e em abrigos nas suas vinhas de Montroinír. Estes ensaios altrahiram a altenção de muitos viticultores dis- tinctos que sanccionaram pouco depois com o feliz resultado de suas experiências, e com o testimunho da sua authoridade, a eflicacia do jvoccsxo-Gonticr. Fácil c económico na sua execução, quando applicado ás pequenas culturas das latadas c parreiracs das ([uintas, este processo não deixa de apresentar, como j;l se disse, graves embaraços económicos quando se applica a extensas vinhatcrias. A maior difliculdade consiste no transporte muitas vezes dis- pendiosissimo da agua necessária para as irrigações; mas a experiên- cia que esclarece e simplifica todos os processos fez ver (jue na maior parte dos casos se poderia empregar a flor de enxofre sem a previa humectaçào das regas artificiaes. E na verdade se aípiella substancia se projectar sobre as videiras antes ou pouco depois do nascer do sol quasi sempre se conseguirá a sua adlicrcncia ás supcrficics verdes, mediante o orvalho ou a maresia que as humecta. E quando isto se não der deverão então aproveitar-se os dias chuvosos que apparece- rein nas épocas da applicaçuo do remédio. Estas épocas são as seguintes. Quando os cachos começanj de apparccer, é então que deve emprehcndcr-se a primeira operação que é de todas a mais necessária — a segunda que se reputa ainda muito DAS SCIENCIAS DE USBOA. 1.' CLASSE. 57 conveniente, pralica-se logo depois da ílorcsccncia, quando os bagos Icui o lanianho de pequenos gràos de chumbo — a terceira, que ra- ras vezes SC torna necessária, só deve cíTccluar-se quando os bagos apresentarem o tamanho de ervilhas, c quando se manifestar o rcap- parceimento do oidiuvi, o que nào c muito commum. Descrevamos agora o processo da aspersão da flòr de enxofre, e empreguemos nesta descripçào os próprios lermos do Sr. Bcrtola na sua citada memoria approvada pela Real Academia de Agricultura de Turin, e pela Sociedade Linneana de Bordcos. «Um operário mediante uma seringa de jardim (ou servindo-se da bomba de Gonticr) começa por banhar com agua pura os ramos, as folhas e os cachos infectados. Elle deve empregar o instrumento dando-lhc uma certa obliquidade, de maneira que banhe aquelles ór- gãos da planta debaixo para cima, indo da direita para a esquerda, e de cima para baixo, indo da esquerda para a direita. Um outro ope- rário executa então a aspersão do enxofre immcdiatamcnte depois da passagem do primeiro, e isto por meio de um folie especial (o' folie de Gonlicr) que deve ser empregado do mesmo modo que a bomba de irrigação. A flòr de enxofre penetra cm forma de nuvem \>ov todos os intersticios das plantas e fixa-se nas superfícies banhadas. Fazendo a operação de madrugada quando os pâmpanos estão cubertos de or- valho pode fazer-se uma menor aspersão dagua (ou mesmo nenhuma se o orvaliio for abundante, c custoso o transjwrte da agua\ O ope- rário íleverá tomar as precauções necessárias paru garantir os seus olhos do pó do enxofre que poderia occasionar-Uie uma ophtalmia. Quando o remédio tem produzido o seu eíTcito, as chuvas e os ventos, segundo o correr da estação, levam comsigo o enxofre e o co- gumello, de maneira que os cachos ficam limpos c luzidios, salvo se a operação tem sido feita muito tarde, isto é, quando a culicula das uvas se apresenta já maculada pelo/M/?^o destruidor.» A estas palavras textuaes do Académico Bcrtola só lemos a ac- crcsccntar que se pôde prescindir da irrigação nos casos que deixámos mencionados, e que a operação deve ser rejxílida na occasião e nas épocas (juo ha pouco designámos. Este processo abonado jjclas experiências de viticultores escla- recidos, e particularmente pelos práticos Lcpere, Forest, Malot e Char- meux foi lambem por nós empregado cm varias parreiras do Jardim Botânico da Ajuda com resultados siitisfactorios. As uvas das videiras Iraetadas pela llòr de enxofre percorreram todos os pcriodos da ma- turação^; e posto que um poucQ maculadas c arrcgoadas lornaram-se 1.* CLASSE. T. I. p. JI. g 53 MEJIORíAS DA ACADE3IIA REAL sacliarinas c gostosas; ao passo que as das videiras circumvisinhas não submetlidas ao Iratamcnlo enegreceram e atropliiaram-sc compieta- inentc. Este meio tlicrapcutico é talvez o menos infiel de quantos tem sido ate hoje prcconisados. Mas a sua applicação em ponto grande não pôde por desgraça deixar de ser mais ou menos custosa c incompleta; principalmente nos vinhedos vigorosos e muito cerrados, cujos pâm- panos se entrelaçam e enredam a ponto de se tornarem quasi impe- Detmvcis ao operador, e de se furtarem, posto que parcialmente, á acção tópica do remédio. Nas uvas porém de mcza profluzidas nas latadas c nas espaldeiras assim como nas das estufas e hyhernaculos (rarissimos entre nós) o seu emprego é sempre fácil, o o êxito tem sido quasi sempre completa- mente satisfactorio. Nas estufas emprcgam-sc geralmente os vapores sulphurcos que se desprendem com facilidade submettcndo a flor de enxofre á acção do calor. O processo do Sr. Bergman merece jxíla sua simplicidade ser aqui esjHícialmente mencionado. Consiste este processo em lançar sobre os tubos dagua quente do thcrmo-siphão um rastilho de flor de en- xofre, que reduzida a vapor pela elevada temperatura dos tubos, actua por egual e com o melhor resultado sobre todos os órgãos da planta enferma. Os resultados deste tratamento ministra-nos mais uma prova de ijue a enfermidade não é proveniente de algum vicio orgânico ou con- stitucional da videira, mas sim do parasitismo da mucedinea que se desenvolve com mais ou menos actividade, segundo a maior ou menor predisposição manifestada nos tecidos verdes da planta. Seguindo as indicações do Sr. Savina, proprietário de bcllos vi- nhedos nas visinhanças d'Asti, nós resguardámos da acção directa do ar e da humidade meia dúzia de cachos, que se achavam n'um pe- ríodo pouco adiantado de fructificação. As bagas poderiam ter então a grossura de pcfiuenas ervilhas c começavam a apresentar em torno dos pedicellos alguma felpa oidica. Os cachos foram neste estado in- troduzidos em saquinhos de papel branco, atados com um fio á parte superior dos pedúnculos. A nossa surpresa foi porem grande quando na época própria os vimos perfeitamente sasonados c maduros; ao passo que outros pertencentes á mesma parreira se apresentavam atro- phiados e empoeirados pelo oulium. Os resultados obtidos pelo Sr. Savina ainda foram mais surpre- hendentes, segundo o Sr. Lcclcrc. E na verdade aquellc viticultor só DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 59 inlroduziu os cachos nos sacos de papel, quando já se achavam inlei- ramenle cohcrtos pelo /d/??i?'o parasita, e a pesar disso ainda conseguiu faze-los chegar á sua completa maturação. Posto que nSo duvidemos da efficacia deste tratamento seria certamente irrisório aconselhar a sua applicaçào a vinhedos ou mesmo a vinhas de mediana extensão; mas para salvar os fruclos de algumas cspaldeiras ou parreiracs de primorosa ([ualidade, julgamos que pôde c devo applicar-se com uma certa confiança. Sempre que nós pudermos revestir as uvas de uma cobertura ou induclo permanente, que oflereça um obstáculo mechanico e con- tínuo á im])laiitarào e desenvolvimento da muccdinca, poderemos sal- va-las dos funestos eíícitos da mangra. A razão pór que o pó de cal e outras substancias alcalinas e térreas se tem frequentes vezes mostrado incíUcazcs é provavelmente porcpie a sua applicaçào não tem sido tão prolongada quanto seria necessário para impedir a germinação e a ve- getação do parasita nos tecidos verdes da videira. Segundo as obser- vações do Marquez de Ridoiphi as videiras situadas ao longo dos grandes caminhos tem sido gerahnentc preservadas pelo pó terroso que as co- bre, e que foi levantado pelo movimento dos vehiculos c dos animaes que transitavam pelos mesmos caminhos. E é só depois que as chuvas lavaram as siqierlicics cm que o parasita se desenvolve, ([ue a mo- léstia tem em alguns casos começado a manifeslar-se. Estas obser- vações indicadas pelo Sr. Ridoiphi tem sido egualmcnte feitas por al- guns agricultores do nosso paiz. Foi provavelmente induzido por estes factos que o Sr Robert, distincto cntomologista, chegou a preservar da moléstia as uvas de al- gumas parreiras revcstindo-as depois de humedecidas com uma camada espessa e permanente de pó térreo — e que serviudo-sc de um processo análogo obteve o Sr. Lachaume eguacs resultados, c cortou os pro- gressos do mal, merguliiando as uvas infectadas num vaso que con- tinha terra argilosa diluida em agua comnunn. Estes meios pura- mente mechanicos não jhrIcui porèni ser empregados senão em cul- turas extremamente limitadas. E então apesar da sua efficacia a questão não fica resolvida economicamente: porque a questão económica é a dos grandes vinhedos — é a da facilidade, barateza e cxiquibilidadc dos processos. Deixando de enumerar um grande numero de receitas e de pres- cripçõcs empyricas, que o tcnqio e a experiência tem irrevocável mente condemnado, daremos por concluido este capitulo do tratamento da moléstia, confessando ingenuamente que ainda ha muito que invés- GO mf:\iorias da academia real tigar c Jcscolirir com respeito aos meios preventivos c curativos da opiphitia; c qiic continua a reinar um grande desacordo e uma des- consoladora incerteza sobre a ellicacia da maior- parte dos agentes me- diciuaes que tem sido propostos. Destes agentes uns- sào impraticáveis na grande cultura, outros depois de uma voga artificial c passageira cahiram num merecido esquecimento, e outros (inalmcnte, em mui pequeno numero, rceom- nienilam-se por uma certa ellicacia, mas apresentam ainda algumas difíiculdades económicas na sua execução. No meio porem deste vago os homens da scieneia não desanimam cm seus esforços; as sociedades continuau> em seus debates — pedem novas observações — decretam prémios — e esperam sobre tudo cjue a moléstia á maneira das outras enfermidades epiphitas chegue tinal- nientc a ser dcslruida pela acçào regularisadora das forras vivas, e dos agentes naturaes que põem em jogo estas mesmas forças. Em conclusão os agentes que nos merecem um maior grau de confiança, quer para prevenir, quer para curar o mal; e aquellcs que por esta razào nós reconunendamos, sào os seguintes: 1.° A applicação da poda têmpora e por ventura da curta, sempre que estes alvitres não forem contraindicados por condições agro- logicas ou meteóricas adversas. 2." A situação decumbcnte das videiras sobre o solo, uma vez que este não seja excessivamente húmido. 3." O resguardo das mesmas videiras por meio de plantas, que as protejam com sua espessa folhagem, como são os feijoeiros, trc- moceiros ctc. 4.° O emprego dos adubos vegetaes marinhos. 5.° O das preparações sulphurosas, e principalmente da flor de enxofre. G." Finalmente o isolamento das uvas durante a dessiminação e germinação do oidium, quer pela applicação não interrompida de um inducto térreo, quer pela interposição de um corpo qualquer ([ue res- guardando o fruclo da acção immediata da atmosphera impeça a ino- culação das seminulas nas suas superGcics. Alem destes meios, que podem de prompto attenuar ou destruir os efleilos da enfermidade, outros podem ainda aconselhar-se com o lim de minorar c talvez de destruir os seus estragos no futuro, c são os seguintes: A plantação irregular de quasi todas as nossas vinhas é um grande obstáculo ás culturas intercalares (juc nellas poderiam instituir-se; DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. gf. mas se pelo contrario as cepas livcsscm sido plantadas cm linha, aindu quando se perdesse a novidade do vinho em consequência da moléstia, poderia oblcr-se a outra novidade proveniente das referidas culturas, attenuando-se assim consideravelmente o mal que pesa sobre os nossos viticultores. E como a plantação linear toina ainda a cultivarão das vinhas muito menos dispendiosa nós rccommendariamos a adopção deste systcma nas futuras plantações como um meio evidentemente económico, e ainda como um meio indirectamente perservativo, por facilitar o emprego da indicação atraz mencionada; isto e' a do res- guardo da vinha produzido por plantas de folhagem espessa. Este alvitre de grande vantagem nas planicies e nos campos de solo pingue como os do Iliba-Tejo, não pôde nem deve ser applicavel aos terrenos muito acidentados e productores de vinhos generosos como os do Douro. Aos terrenos deste rico districto vinhateiro não deve pedir-se outra alguma producção além da vinicola, para a qual foram exclusivamente predestinados. IMas existem no paiz extensos vinhedos que achando-se no primeiro caso ganhariam grande valor com a ado- pção daquelle systcma. Como a multiplicação da vide pelo processo da sementeira produz, como já foi ponderado, variedades e raças muito validas e vivedouras seria nuii conveniente proceder desde já á formação de viveiros que podessein fornecer novos indivíduos ás futuras plantações das vinhas semeando a grainha das melhores qualidades de uva. A adopção deste alvitre Iraria comsigo as seguintes consecjuencias — 1.° allenuaria muito provavelmente os eíTeitos da moléstia; 2." pro- duziria novas variedades de vidonhos muitas das quaes deveriam sahir exquisitas e primorosas como tem acontecido nos paizes onde estes ensaios tem sido praticados; 3." alcançaria para as novas plantações uma maior robustez e duração, bem como sugeitos apropriadíssimos para a enxertia das melhores raças. O emprego de um bom regimen cultural c ainda uma grande prevenção contra os futuros estragos da moléstia. Os meios hvgienicos nas enfermidades epiphilas devem inspirar mais confiança (Ío que os agentes therapeuticos. Os correctivos do solo e principalmente os correctivos marnosos e calcareos; o emprego das aròas dos littoraes, e do sal em pequenas doses, a combustão dos sarmentos, e das folhas da videira, o derra- mamento sobre o solo destas e doutras cinzas vegelaes, o descasca- mento e linqieza das cepas, os bons lavores tanto de preparação como de entretenimento são indicações, que nós recommcndamos por serem 62 MEM. DA ACAD. R. DAS SCIENC. DE LISB. 1." CLÃS. iK'onsclliadas pelos princípios c diclames da sciencia, embora nào te- nham por si as abonaçõcs de uma experiência geral c inconleslavel. Nós não hesitamos em rccommendar todos os meios agrologicos que acabamos de mencionar como próprios a produzir de futuro uma íavoravel iiillucncia sobre a moléstia, porque mesmo quando aconte- cesse não produzirem os cfleitos preventivos que são de esperar, sempre delles se colheriam exccUentes resultados em relação á boa viticultura. Apresenlando a historia da enfermidade, estudando as suas causas prcdisjK)nentes, a sua etyologia, os seus symplomas e tractamcnto, nós procurámos, sempre que isto nos foi possivel, fundar as nossas con- clusões cm factos positivos e cm experiências mais ou menos conclu- dentes, desviando cuidadosamente o nosso espirito do falso esplendor das hypotheses, e do prestigio seduclor da authoridade. Nós fizemos os maiores esforços por sahir do vago que ainda reina sobre alguns pontos capitães do estudo da moléstia e especial- mente da sua etyologia c therapeutica. Entendemos sempre que sobre este ultimo ponto toda a reserva era pouca; e que nos cumpria, como cultor da sciencia c amigo da verdade, pczaf com o maior escrúpulo, o valor real das opiniões alheias antes de reproduzi-las, assim como o fundamento das próprias, antes de emilti-las, cm ordem a que a ex- pectativa e credulidade dos cultivadores não fosse illudida — porque tratando-se de prescripções nicdicinaes Aale mais nada aconselhar do que aconselhar o c|uc é problemático — é melhor entregar as coisas antes ás forças medicadoras da natureza do que ás ousadias do em- pyrismo ou ás cegas indicações do acaso — na duvida c melhor que os twssos viticuUorcs se abstenham, porque vale viais 7iada fazer, do que Jazer o que púdc ser nocivo. Lisboa, 3 de Janeiro de 1854. o PRESIDE.ME DS. CLASSE DE SCIENUAS MATHEMATICAS, PIIYSICAS E NATURAES, J(jtí Maria Grande. ElLPLIC.lÇ.lO D%S EST.lilPAS. Estampa 1.° Um ramo com folhas e cachos num período pouco adiantado da moléstia. » 2.' Idem, mas n'um maior adiantamento. » 3." Sporos em diversas phases do seu desenvolvimento. Spo- ridios e sporulos. » 4.' O oidium visto de perfil ao microscópio. » 5.* A mesma plantula vista pela frente na pellicula do bago. » 6.' Sporos adherentes ao pêllo truncado de uma cucurbi- tacea. » 7,' Concatenação dos sporulos.. índice. Introducoão. . : . , # . Pagina 3 Considerações geraes .. ,, ..>..i..'.. .• » 7 Causas predisponentes. ., .. •• •• » 14 Descripção da moléstia. . . . . . » 20 Breves considerarões sobre a nozologla vegetal .... i 20 Data da enfermidade .. .. ..- .. ••; •• •- » 24 Causa cfíicicnte da moléstia, . ... ... ..■ .• ..i » 24 Symptomas ..• .. .-, .. .. » 31 Considerações espcciaes sobre a moléstia » 42 Meios prophilaticos e curativos ... ,. ..; .. •• » 46 Explicação das estampas » 63 BECITFICAÇÕES JL pag. 3 — arredores lèa-se: Tisinhança» • 8 — as raizes os tubérculos. . . « as raizes e os tubérculos c 8 — acrCo ;...^....... a acrco o 12 — exuberância dai ff <. ..r> « congestão da « 17 — d'açesso a d'acccsso ^\á l-t. (. l^V U. t' ^'■i^aa^, d^cí ^,/:.r T *^ t o O o o & ty-tegoa, ae^z # '^^t. i: Viegas, díz: U s: í^^- --<. -Vr 'li; )/''. .'^.- ,-;uT, (^^t.^: Vieiras. dez: c^t. r O €p '€> ^ \ iraras, dez-. MEMORIAS AS ILHAS DA MADEIRA E PORTO-SAjNTO JOÃO DE ANDRADE CORVO, Í04I0 EFFCr.TIYO OA ACADEMIA SEAL DAS SCIENaAS DE LISBOA. lIESflORI.lL I. MtMORI.V SOBRE A «MAXGRA» OU DOENÇA DAS VINHAS, NAS ILHAS DA MADEIRA E PORTO-SAMO. Ar/IKSf.VTX/>.< X' ACADEMU Xi SESSÃO DE 3 PE FErEREIKO t>S 18-7 V. MEMQRIy^S AS ILHAS DA MADEIRA E PORTO-SAMO. H. [avendo rweljido da Academia, cm Julho do 1853, o honroso mas difíicil encargo de ir observar a doença das vinhas na lllia da Madeira, julguei Ein.\ E POIITO-SAMO- IJMITES DA i;ri.TlHA Di VIMU.. A ii.iiA da Madeira, situada ciilre 32" 49' 4 4" c 32" 37' IS/ íle latitude boreal, está colloeada proximamente no centro da legiào agricola das vinhas, que so estende, no hemispherio norte, desde 'l"rii- xiilo no Jlexico a 8" de latitude até 52", quando as circumslanfias da exposição c do solo lhe são favoráveis. Sendo a ilha uma grandiosa serrania, que se levanta em monles mais ou menos Íngremes, desde o nivel do mar até á altura de (iOOO |)és, claro está (juc a vinha se não pôde cultivar ali senão em parle do terreno arável. E sabido que a lenijieralura da atmospliera di- niinuc nas montanhas, em proporção da sua elevação, da sua inclina- ção, e da latitude cm que se acham. Nos climas temperados pcVIe-se calcular (|uc, quando as montanhas se elevam abruptamente, a imia «liflorença do nivel de (iOO pés (•) corresponde a «lilVerença de um grão na temperatura, e quando o declive das montanhas é suave, esta dif- (•) A rclaçno cnlrr as (lilli-rciir,i5 de nix-l o as difTercnras de Icnipcralura nini.i dos Rr.íos de calor, do que, dizemos, a vinha carece para o seu rnin|ilrto deseinolvimento aiiiiual, écalculada pelo luethodo de Mr. le (",."' de Gasparin; é a >onuiia tolal dos inininios Ihermoinelric.os du dia, e dos máximos oliservados ao sol. n'iini llierniomeUo posla a 00,"'01M ilehaixo da superficie do solo. (Jiiaiido os phy- siologislas comeraram a comprelierider a importância da acção do calor sobie as plantas , f-t.i somnia das teniperaluias era calculada sommaiido siinplesmenle as medias, oulros soinniando as máximas diárias, a partir do primeiro d'Aliril, ou de oulra qualqner época arliilraria . até ao fim da malurar.io dos fructos. Mr. ynctelel , considerando a lona exercida pela temperatura solire as plantas como sendo da natureza das fonas íiías. propõe sommar os quadrados das medias temperaturas: a contar da época eiu <)>!'• .ippareieui ».- primeiros plienoiíniios da vegetação. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 7 Hiira da vinha no Estreito fica a 2300 pes, proximanicnlo, acima (l<*. uivei do n>ar. Na Camacha a vinha fructifica a 2?00 pes. Não só a altura indue sohre a cultura da vinha, senão tàuhnii a exposição. As exposições mais favoráveis na ^Madeira são as expo- sições ao sul, cao sudeste; as menos favoráveis ao norle e nor-oestc; |ior isso a vinha no sul da ilha sobe a pontos mais elevados do (pie 00 norte. A influencia destes três modificadores, altura acima do nível ri- nieira, segunda e terceira sorte. / 'alòrcs meilios (los vinhos em Ca- mará liin\ collecçòes de vidonhos reunidos em museos, onde se torna facíl comparar-lhes os ca- lacteres botânicos, e estabelecer seguramente a identidade ou dilTe- renças (|ue entre esses vidonhos existem, tãobem teem auxiliado os pro- gressos da sciencia, mas infelizmente não tanto, quanto se poderia es- perar de taes estabelecimentos; e certo, poiêm, (pie a amprtograpl.iu está longe da i)erfcição, mesmo nas nações em que, para o seu adian- tamento, mais saciiíicios se hão feito. O or is.so esta dcscripçào, embora, knperfeita, scr-nos-ha de alguma utilidade.. IT . Uma grande cxtt^nsào dò solo da .Madeira, onde a vinlia póflc ser- rinripaes; a região do norte, onde avinha é sustcn- lada s>bre castanheiros, e outras arvores altas; e a região do sul, onde em geral a vinha se estende horisonlalinenlc sobre giades de canna o salgueiro (sali.t rtihrn) a quatro ou cinco palmos do cliào, em la- tadas de grande desenvolvimento. >'o sul, iiorcni, ha, além desle modo de suslrntar as vinhas em latadas cpie descrevemos, dois outros modos de diiigir o seu cresci- mento.— Ha as vinhas em corredor, que são as (|ue estendem as suas varas sobre parieiracs altos; e ha as vinhas c/c pc, que são as que rreseem sobre o solo privadas, ou cpiasi [irivadas de apoio. Das vinhas tratadas por estes diversos processos, as que geralmente dão productos mais apreciáveis são as das latadas baixas. A cullura e plantação das vinhas é. na Madeira, feita com bas- tante cuidado, e perleição, o (pie infelizmente não siioccdt! ás outras plantas úteis. Com tudo os processos adoptados nessa eidtura não são talvez os mais convenientes, como vamos ver. A plantação faz-se em valias da pi ofund idade de cpiatro a seis pés, — nas quacs se lançam pedras soltas j>ara o escoamento das aguas, e boa terra com uma ca- mada de maio. — Os bacèllos são tirados de algunia das variedades mais vigorosas das vinhas, e depois são convenientemente enxertados. Uma [ilaniacão de mil i)a('èllos importa, termo médio, cincoenta mil réis, segundo noticia dada por cullivadores inteliigentes. D(! oídinario as vinhas são pouco estrumadas com estrumes animaes, porque se julga, i:om razão, <|uc esles tem perniciosa inlluencia sobre as (pialidades das uvas. Cma das cousas. (|ue tem sido mais censurada ;ís vinhas da Ma- deira, éa grande |>roximidade em (pie ficam as cepas umas das outras; »'.sta censura, com tudo, não é tão justa quanto o parece ser á primeira vista. E fora de duvida (pie ouso geral dos vilitnillores, fundado sobre a maior ou menor necessidade de a|)i(;ssar a maturação das uvas, é de plantar os bacèllos mais perto uns dos outros á medida que as vinhas w aproximam do limite, (jue os fiios \mem á sua cullura: mas a ex- periência, de acoido com a phvsiologia, também tem juovado qne as plantas são mais fracas nas vinhas muito bastas, e <|ue as uvas são mais ricas cm assucar e dão melhor vinho, (juando pioduzidas sobie DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 15 plantas fracas; alem disso é sabido ([iie, no nosso hcinisplierio, além de certo limite para o sul a cultura da vinha se toina impos-sivel pelo grando vigor da sua vogolarão, o que, cm todos os logarcs onde o clima lòr cxlrcniamente favorável a csla planta, se se não puzcr ohsla- culo á sua excessiva desenvolucào, liaver.-í uma grande exuberância de órgãos vegetativos, desenvolvidos á custa de uma limitada ]iroducçào dos orgàos da fiuclilicaçào; quando se quiy.cr pois apicciar os incon- venientes ou as vantagens do modo de plantação dos bacèllos adoptado geralmente no sul da Madeira, será indispensável ter em altençào estas circimistancias de grande complexidade; c só se poderá fundamentar censura valiosa st)bre resultados de mna experiência upic infelizmente ainda se não íf?) de ípie se possa concluir, (piai o espaço mais conve- niente a deixar entre os bacèllos na região sid da ^ladeira. As vinhas começam a jirodtizir fructos, aproveitáveis para a fa- bricação do viidio, ties ou quatro annos dejiois da sua plantação, e cnião ellas são todos os aimos sugeitas a variadas operações, cpie favo- recem a sua produetividade em fniclos, á custa úc certo da sua du- ração. Qual seja a época mais conveniente da poda não é ponto em que haja |)erfeilo acordo entie todos os lavradores; uns [ireferem o- me?, de Feveieiro, outros o de Março, e alginis boje suppõem ser a melhor poda a que se piactica em Janeiro. O processo geralmente adoptado na |>ractica desta opeiação tende a dar de anno para anno iiui maior desenvolvimento ;is videiras, e conseguintemente a enfia- <|ueec-his, e a torna-las mui sujeitas a doenças que as destroem; este piwesso de [lóda comprida é, principalmente no sul da ilha, seguido nas laladax c corredores, e o seu resultado é estarcni ao cabo de (juinze atmos de existência, e ainda menos, estas vinhas em nuiito grande decadência. A pieíereneia, com tudo, a dar á pikla curta ou á [xida comprida não depende do capricho do viticidtor; a cada varicílade de vinha compete um modo especial de poda. e não seguir nesta ope- ração as indicações da experiência é, ou sacrificar a ]>ro(lucçào da vinha, ou sacrilicar as cepas. Ha plantas (pie dão fructos logo nas geminas ou borbulhas mais inferioies. a estas compete a poda cuila; outras variedades de vinha ha, rpie só fructilieam nos ramos que teem grande (leseiivolvimenlo, nestas deve empregar-se a pótla comprida. E neste ultimo caso estão as variedades pre<"ios;ts cultivadas ao sul da .Madeira; o que, comtudo, não deva talvez justificar o habito, em que estão os cultivadores, de dar um extraoidinario desenvolvimento ás videiras cul- tivadas em lai mias e corni/ons. T(k1os os CEnologos confessam, que. tw culliua da vinha, é a poda a operação mais dillicil; e só a expe- k; memorias da academia real licncia pótle decidir. (|ii;il o modo de a practicar nas diíTerentes va- liedades de vinlia. E com tudo ccrlo, ijiic na Madeira muitos pro- |irietarios se (pKMxam, de que os rendeiros, pelo mcnlo por que podam as vinlias, asobrig;ain a produzir íle mais num ou dois annos, cnfra- <|uecendo-as assim e arruinando-as. Uma outra operação cara, c delicada de que as vinhas carecem no sul é a encana, isto é, o arranjo e concerto das latadas e parrei- laes, e a disposição das varas sobre estes; é uma operação correspon- dente á oupa , mas imperfeita, cm relação ás necessidades da planta. A cava das vinhas novas, dciun, dois, ou três annos, laz-se em .laneiro; as outras cavam-se no mez de Março ou nos principies de Abril, havendo cuidado de escolher dias em (pie não haja nortes ás- peros, ponpie estes prejudicam as raizes, oITendidas pela enxada, que ficam a descuberto depois da cava. Quando, semanas depois da poda, as vinhas tem já brotado, e os pequenos cachos, com bagos tendo apenas o diâmetro de dois a três millimclros, (ao que chamam na Madeira <"achos em munirão), se acham assombrados pelas parras, ]irocede-se ao arrancamcnto das folhas amarellas, e das que fazem maior sombia aos cachos; lendo com tudo cuidado (pie estes não fupiem inteira- mente descubertos, e expostos aos ardores do sol. Mais tarde esta opo jação da desfolha torna a repetir-se, (piando as uvas estão para luzir, isto é, para entrarem em maturação; por este modo se facilita o pro- gressivo amadurecimento das uvas, c se vão tirando das vinhas folhas <|uc servem para dar ao gado. Junto das vinhas importantes do sul da ilha ha tanípies, onde se conservam as aguas destinadas á rega das vinhas, rega (jue se repele duas, trcs ou mais vezes nos vertles secos. Estes taiupies, cuja cons- irueção e' cara, e para onde a agua é trazida por levadas ás vezes de nin grande desenvolvimento, contribuem para o alto preço da pro- ducção do vinho. As regas das vinhas, (pie nos paizes scptenlrionaes diminuem muito a riqueza das uvas, no sul da Madeira podem con- siderar-se uma necessidade; não só por augmenlarem o sueco das uvas. anhada de uma clarificação, c do addicionamenlo de uma quanti- dade considerável de agua-ardenlc. É depois desta operação que co- meça para os vinhos essa lenta transformação, que os enri(jucee e torna preciosos pelas suas qualidades. Para fazer adquirir rapidamente ao vinho propriedades que só o tempo lhe pôde dar convenientemente, introduziu-se na Madeira, na época da guerra que agitou a Europa nos primeiros annos deste século, e em que os vinhos d'a(piclla Ilha foram muito procurados, o uso de sujcilar vinhos novos durante mezes a uma alta temperatura (60" ou mais) dentro de estufas que para isso se construíram. O numero das estufas foi, desde essa cpoca, progres- sivamente crescendo, e em 1850 havia quarenta c duas estufas em actividade. Os vinhos, porém, assim trabalhados, não chegam, «egundo a opinião dos homens intendidos na matéria, a adcjuirir as boas qua- lidades do vinho velho da Madeira, antes ad([uirem ás vezes um sjibor pouco agradável, e o seu apparccimento nos mercados estrangeiros tem contribuído para o descrédito dos vinhos da Ilha («). A agua-ardente, que se applica ao tratamento dos vinhos, é fa- bricada na Madeira com vinhos da região do norte e com os vinhos de Porto-Santo; a agua-ardcnle estrangeira, c mesmo a de Portugal ii5o é, por lei, admittida na Ilha. A productividade das vinhas não é, em geral, muito grande na Madeira. Ainda que nalgmnas das balseiras da região do norte, como, por exemplo, succedeu em 1850 no sitio denominado Feijam do Pe- nedo, duas cepas possam produzir até quatorze barris de vinho, é, coniludo certo, que no sul a producção é de duas a seis pipas, ao Kumas espécies de vinho, hem ciractcrisadas, havia na Ilha; a diniimnVão, poièin, da liruducrão de cerlas qualidades de uvas, e, cm geral de todas as vinhas da Ilha Icm »ido causa de se misturarem as uvas umas com outras, para a fabricarão do \inho conhecido pela nome genérico de nvinho da Madeira.» (•) Sobre os processos de fabricação de vinho na Madeira não me foi possível obter esclarecimentos tão amplos como desejava; e, sobre tudo, fazer observações ili- reclas, principalmente porque n'eslc anno a doença das vinhas tornou quasi nulla a colbciía de uvas na Ilha. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 49 mais, por licclario, ou de oilo alimulcs por mil bacêllos, o que é uma producçào muito pouco considerável (•). A producçào geral da Madeira ha bastantes annos que tinha uma assustadora tendência a diminuir, e isto cm consequência da diminuta procura que dos seus vinhos se fazia nos mercados estrangeiros. A doença das vinhas não deve ser accusada da ruína dos viticultores na fiadeira; essa ruína estava-liie eminente, o mal das vinhas o que fez loi apressar uma crise, que já estava muilo próxima. Em 1813 a Madeira produziu 22,314 pipas de vinho, depois desta época, ainda a producçào tendeu a augmentar, c chegou, se- gando se afíirma, a 30,000 pipas. Este acréscimo teve logar no tempo exactamente em que o viidio da 5Iadeira foi mais procurado. Do vinho produzido na Ilha, sóG000a8000 pipas é que são próprias para a ex- portação; e com tudo em 1809, por exemplo, exportaram-sc muito mais de 13,000 pipas. Em 1823 já o consummo tendia a diminuir, ea |)roducção de vinhos era excessiva na Madeira; daqui resultou uma medida absurda, daquellas que os governos adoptam para obviar aos inconvenientes da má direcção tomada, sem prudência, pela industria agrícola de um paiz, e qtic quasi sempre teem no futuro um cíTeito contrario áquelle que se deseja alcançar; o governo prohibiu a entrada na Ilha dos vinhos c da agua-ardciito. Daqui resultou distillarem-se ((uasi 10,000 pipas de vinho de inferior qualidade annualmentc, o que foi um palliativo aos males dos cultivadores de vinhas; mas o perigo era grande, para que um remédio destes podesse salvar a Ilha. Os in- convenientes da excessiva preponderância, que tomara a cultura da vinha sobre todas as outras, foram cada vez manifestando-se com mais violência, até que a doença, que devasta actualmente os vinhedos, pôs remate á catastrophe da Madeira. Em 1 825 a exportação foi de 1 4,432 pipas; em 1 830, só de 5,499; om 1840, exportaram-se 7,975; em 1847, 5,577 pipas; em 1850, 7,125 pipas. A producçào diminuiu, com a diminuição da exportação. (•) Esta producrão parccc-nos tão pouco considerável, que reputamos não pcr- feilamcnle cxaclas as informarõcs que sol)re o objecto nos foram dadas. Seria convc- nicnlc fazer, cm épocas normacs, observações comparativas da producrão das vinliasno 5ul e iiorle da Madeira, c nas vinhas situadas a diffcrenles alturas. Pela eslalistica aftricola da França, (e em cousas desla ordem eslc paiz deve ser citado) conclue-se que, dividinilo o território franccz cm quatro regiões, por linhas parallclas ao equador, a pro- ducçào das vinhas vai crescendo do meio-dia para o norte na proporção de 17:21:29:36. Este facto n(ila\el parece eslar de acordo' com o que acima dissemos da producrão do «ul e norte da Madeira; duas regiões da pequena Ilha, que apresentam, cm quanto Jio c^ima, profundas dilTcrenras. 20 JIEMORIAS DA ACADEMIA REAL Tião, infcliimentc, porque á cultura da vinha se substituísse outra cul- tura mais lucrativa, mas porque as vinlias deixaram de ser conve- nientemente renovadas, c o seu tratamento, a nào ser nos Lons lo- garcs, pouco cuidadosamente feito. Pelas estatísticas ofíiciacs, feilas sobre os resultados da cobrança dos impostos, estatísticas que, não sendo absolutamente exactas, dào com tudo a lei que tem seguido a pro- ducçào dos vinbos, pôde bem perccbcr-se o decrescimento d'essa pro- ducçào. Em 1813 a producçào foi, como dissemos, de 22,314 pipas; subiu depois a quasl 30,000 pipas a producçào na Madeira c Porto- Sanlo: cm 1847 a producçào nas duas ilhas foi de 19,487 pipas; em 1849 de 14,445; em 1852, época em ([ue o mal das vinhas se ma- nifestou com evidencia nas ilhas, foi a producçào calculada em 2,1 15 pipas, e na Madeira só em 1720 pipas. Eis aqui bem claramente provada a decadência da producçào e do commercio dos vinhos na Madeira; e conseguintementc conhecida uma das princlpaes causas da ruína da Ilha. CAPITULO II. ESTADO DAS VINHAS EM 1853.^ KECilAO DO SDL DA MADElKá. Funchal. — Quando, nos últimos dias de Julho de 1853, cheguei i Madeira, para cumprir as ordens da Academia, as vinhas, em vez de apresentarem o aspecto gracioso, c pictoresco, que nesta época do anno ellas leem cm toda a parte, e que naquella fértil Ilha, em tempos mais felizes, de certo devia ser de incomparável belleza, mostravam á pri- meira vista aqucUa nudez, aquclla còr escura das folhas, aquella pa- ralisação de vegetação, que no outono dá aos campos, onde esta planta se cultiva em grande extensão, uma physionomla triste, uma appa- rcncia de desolação. A penosa sensação, que então causava o aspecto das vinhas, crescia DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 21 de intensidade, quando de mais perto se observavam os estragos cau- sados pelo terrível Hagello, que ha dois annos devasta aquella Illia. As folhas, como crestadas pelo fogo, tinham perdido o seu hello vcide, e appareciam cnncgrecidas numas localidades, noutras de um vermelho lívido, cobertas de uma leve camada de pó branco acinzentado (o oulium) (.), com as formas extraordinariamente alteradas ás vezes por divisões profundas, — signal característico de pouco vigor e de pouca fecundi- dade.— Engelhadas, e sem viço, as parras nào so assemelhavam com as de nenhuma das variedades de vinha conhecidas. As varas novas, em vez de terem a sua côr natural, estavam co- bertas de manchas escuras, e ás vezes com os tecidos corticacs em parle destruídos e como queimados; o seu desenvolvimento era muito pequeno, dir-se-liia que estavam atacadas de rachitismo; se esta pa- lavra se podesse applicar ás plantas. Os íiuctos, parados na sua desenvoluçào, estavam cobertos de uma camada espessa desse mesmo pó, que apparecia em manchas sobre as folhas; bagos de uva havia endurecidos, e como lenhificados na sua superfície externa; outros bagos, abertos por uma fenda longitudinal, mostravam a descoberto o tecido polposo, rcqueimado e negro, e as graínhas brancas c grossas a escaparcm-se do interior. Por toda a parle se apresentavam os mesmos effeitos oalamin tosos da doença; era evidente que a colheita de 1853 estava total- mente perdida. Rcstava-me, porem, estudar a intensidade relativa da doença nas diversas localidades da lllia, e nas diflerentes variedades da vinha. Este estudo, infelizmente, de pouco resultado podia ser, porque a doença quasi que nào poupava localidade alguma, nem, em gexal, fazia dislincção de variedades. As primeiras uvas quasi isentas de doença, que vi, estavam numa pequena vinha do sr. Abreu Gaslel-Branco em S. João, junto do Funchal. Alguns cachos, dois ou três ao mais, de negra-molle, que estavam caídos no chão, c um cacho que estava encostado sobre uma vara de um corredor c coberto de feno, nào apresentavam signaes de doença, senão n'um ou noutro bago; e ahi mesmo via-se que a doença pa- rara, deixando apenas sobre a epiderme da uva maculasinhas escuras, em pequena quantidade. Este ]>henomcno notável vi-o repetido depois bastantes vezes. Sempre que algum cacho de uvas estava em immc- dialo contacto, ou pelo menos muito próximo, do sólo ou de algum pilar ou viga de um corredor, ou da própria cepa, apresentava-se isento de (•^ A qiio pcncro pertença o fungus parasita das >inhas, 6 objecto de discussão; nós, porem, (Icsifiia-lo-hemos pelo uoiuc, com que geralmcnlc cllc c mais conhecido. ?3 MllMORIAS DA ACADEMIA REAL doença; o quando ossc benéfico cflbito se nào manifesUiva no caclio lodo, pelo menos clle ci-a evidente nos bagos do cacbo que ficavam mais ])erto desses corpos. Adiante entraremos cm maiores particularidades a este respeito. Nas proximidades do Funchal alguns exemplos, análogos a estes que citei, encontrei em diversos logarcs e variadas exposições, mas sempre cm mui diminuía quanlidadc; achando-so as uvas n'essa fa- vorável situação, tào própria para as guardar da doença, (piasi sempre ]>í>r mero efleito do acaso. Devo confessar, com tudo, que tàobem achei alguns cachos, n'uma situação em tudo semelhante á daquellcs que Jmvia encontrado sãos, atacados do mal; sem que me fosse possivel des- cobrir motivo para a excepção, para o nào a]>parccimento de imi phe- jiomeno que tantas vezes achei repelido. Em todas as vinhas profun- damente atacadas, um oulro phcnomcno notável se observava muitas ■vezes. Aos ramos encostados ao chão, aos corredores, aos muros, ou arte dessas uvas foram atacadas cm Scptembro. Houve, depois de um periodo em que a propagação da moléstia foi rápida e devasta- dora, e (pie durou até ao meio de Julho, um tempo em (pie cila parece haver perdido em parle a faculdade de se reproduzir ; este segundo periodo chegou até ao fim de Agosto. Em Scptembro a propagação co- meçou a fazcr-se de novo com força, de modo, que os cachos de uvas «pie haviam nascido depois do primeiro periodo, e atravessado o se- gundo isentos de doença, vieram a ser atacados nos fins dAgosto ou T>rincipios de Scptembro. De todas as variedades de vinha, a única que sempre se mos- trava, ou isenta da doença ou levemente atacada, era a hahdle, varie- t, quo tliO£>;oii ao Funchal um mercador de plantas franrez, que levava na .sua collecçào algumas variedades de vinha, que haviam sido colhidas cm localidades já n'e.sseanno infeccionadas pela doença. Queni, ao ter conhecimento destes flictos.nào acreditará possivel, ([ue atloença das viidias fosse, por assim dizer, materialmente conduzida á Ilha, sohre plantas ja infeccionadas i* Quando se compara a producçSo dos diflijrentes concelhos da lliia da Madeira no anno de 1852 com a de 1851, acha-sc o seguinte: Prodncção de vinho nos concelhos da Ilha da Madeira. 1851 e 1852. CO.NCELHOi IBOUlCfÀO dikff.rem.:a para jienos EM 1SE2 RELIÇÃO EN- TRE OS DOIS ANiNCS 1S51 1832 Barris 22.9 í 1,3 2.987.3 (i.03í,7 1('..Í17,Õ O.Ofil !l.l!6.t 3R.972,S 4(i.(i83,2 Barris 2,727,8 400,8 59i,(; 2.911,3 G97,9 2.127,7 8..=)(ir).7 1.802,2 Barris 2;i.2l3,5 2.5S(;,o S.SÍO.l H.00fi,2 8.363,1 7.01.S,'(. 30.40). 9 41.1:21 Barris 100:11,8 100:|.M,4 lOil: 8,1 100:17,7 10): 7,7 100:2Í.2 100:21,9 100: 3.9 SaiiU Cruz PdiiI.i do Sul Cnlhcl.i S. Vic.nle Snnr.\nna Tiil,il l.o2.2'»3,7 19.7S9 I.2.ÍSÍ,- 100:12.9 por esle niappa, vè-.sc ipic os dois concelhos de S.Vicente e Ca- lheta foram, relativamente, os menos atacados; isto e, foram menos atacados em 1852 os concelhos da Madeira, que eslào mais aflastados do Fimchal, ponto de partida da mangra. Estes dois concelhos formam, um na região do norte outro na do sul, a extremidade oeste da Ilha; «• foram ainda esles dois concelhos no anno de 1853, os que menos padeceram, sendo com tudo os estragos n'estc anno superiores aos do anno de 1852. Sitios houve que em 1852 produziram bastante vinho, e que no anno de 185;? nào tiveram (|uasi um imico cacho de uvas são; pnde servir de exemplo, e prova deste facto, o Paul do 3Iar. O primeiro apparccimento do mal, cm qual(|uer localidade da Ilha, foi sempre, ou ciuasi sempre sobre as vinhas em corredores; de- pois couununicava-se ás latadas, e só mais tarde ás vinhas de pc, que DAS SCIENCIAS DE LISBOA 1." CLASSE. 3t icem o privilcg^io tlc escapar mais do que as outras aos ataques ar para preço dos vinhos, o preço médio dos bons annos, e fazer com esse preço o calculo da perda em 1852. Na apreciação de uma peida d'csta ordem devem entrar com tudo outras considerações, que fazem com que cila se deva considerar como muito mais grave, do que parece sè-lo quando se calcula só por uma avaliação feita sobre o valor bruto do género que faltou. Os trabalhos das vinhas occupavani Tia Madeira grande numero de trabalhadores; para o colono, que n"esta Jlha é sacrificado c explorado de um modo revoltante, era avinha um, como mealheiro, em que elle ia depositando as suas economias em trabalho, para depois, na época da venda dos vinhos, receber por junto o valor dos seus depósitos; já agora por aqui se pódc apreciar, quaes .sejam os graves inconvenientes que devem resultar para a Madeira da falta de vinhos. Mas, quando n'outra memoria, entrarmos em^maiores particularidades acerca do estado económico da Madeira, estes incon- venientes serão melhor comprcbendidos. Só depois de se liaver estabelecido na Madeira, é que o mal das vinhas i)assou a Tenerifle, onde foi bastante benigno cm 1852, mas onde em 1853 eu o encontrei, n'algumas vinhas, quasi com a mesma intensidade e violência com que elle se me havia apresentado nas vinhas da Madeira. Antes de terminar este artigo lembraremos uma importante ques- tão, que sobre o mal das vinhas se tem suscitado, c que, se podesse ser aflirmativamente resolvida, de modo a não deixar duvida ainda no espirito dos mais incrédulos, podcr-nos-hia encher de consoladoras rsperanças sobre o futuro das vinhas. — A doença, que agora devasta :i* vinhas, existiu já noutro tempo, ou é inteiramente nova? — Esta <|uestào tem bastante importância, mas a sua completa resolução c (juasi impossivel; ha com tudo questões históricas que teem recebido mna solução affirmativa de historiadores distinctos, por motivos e do- cumentos nuiito menos valiosos do que os citados pelos naturalistas italianos, (|ue pretendem provar que o mal, (jue hoje ataca as vinhas, já noutro tempo foi observado, não sobre a vinha, mas sobre outras plantas. Sem citar aqui as passagens, em que alguns naturalistas da antiguidade faliam de um mal que appareceu sobre as vinhas e as oliveiras, e (|ue se assemelhava a uma tèa de aranha; porque de ci- laçòos tão vagas, tão pouco claras e explicitas, feitas por auctores que dispunham de poucos meios de estudo, e que tantas vezes se mos- DAS SCIENCIAS DE LISBOA 1 .* CLASSE. 33 Iraram dispostos a ciêr em todas as extravagâncias imagináveis, nada se pôde concluir de positivo; lembraremos aqui o que sobre uma doença muito análoga, pelo menos, á da vinha, diz um escriptor ita- liano do século passado; c o que escreveram lia poucos annos, mas em época anterior a 1845, alguns observadores dignos de attençào. N'um livro intitulado Alimurgia (•), Targioni-Tozzeti falia de uma mucedinia, que observou em 1 766 sobre varias plantas, e que, segundo elle, representa sobre as folhas das plantas, observadas a olho nú «una specie d'incipriatura di leggera aspersione di farina» e que, observada ao microscópio, sobre as folhas do sonchus Icevis parecia «come una de- licata c fragile tela di ragno attacata qua c là alia cuticola dalla ci- cerbita, ed i suoi filolini tutti trasparenti, parte erano nodosi a foggia di coroncine, o vezzi di margheritine di vetro, non scmplici ma ra- mosi, e partç erano tercti e lisci come capelli. Fra essi trovai molti corpiccioli similmente trasparenti, dattiliformi e grinzuti, cd anche talmente gualcili, che parevano angulosi.» Sobre o PlaiUago angus- tifolia e o Mclilotus itálica observou tãobem Targioni-Tozzeti para- sitas, de que dá quasi idêntica dcscripçào. Ninguém poderá negar de certo que, entre a mucedinia descripta por o escriptor italiano, c a que actualmente apparcce sobre as vinhas ha, pelo menos, uma ana- logia evidente. Esta analogia torna-se, por assim dizer, mais intima e mais completamente provada pelo facto de haver sido observado o oidium, pelo meu coUega o Sr. Dr. Beirão, sobre as folhas do sonchus olcraccus, c por mim, nas folhas ào plantago lanceolata, plantas dos mesmos géneros daqucllas, em que Tozzeti fez as suas observações. É verdade que sobre este objecto se não pôde adoptar difinitivamente uma opinião, sem correr o risco de cair em grave erro, porque na descripção dos caracteres, attribuidos pelo escriptor italiano á muce- dinia por elle observada, não ha bastante clareza e exactidão, para que por essa descripção se possa concluir, que a mucedinia de Tozzeti é o oidium Tucheri das vinhas; e a diffiouldade de adoptar uma opinião é tanto maior, quanto em plantas das ordens Muccdinias, e Mucori- nias ha mna grande multiplicidade de formas, uma grande variedade de apparcncias e uma falta de fixidez nos caracteres, que torna muito diflicil a determinação das espécies; e que é mesmo nestas ordens que alguns factos se teem encontrado, que podem levar a adoptar a opinião das gerações espontâneas, ou pelo menos a opinião da metamorphose das espécies: accresce, de mais, que n'esla ordem das mucedinias ha (•) D'estc lirro só conheço citraclo). 1.* CLASSE T. I. P. U. 5 34 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL muitas plantas dos géneros hotnjlis, sjiorothrkhum, oidium ctc. que vivem sobro órgãos vivos das plantas plianerogamicas. Segundo indicações tiradas pelo Dr. Bertola de escriptores ita- lianos, pótie suspcitar-sc que o mal das vinhas appareceu em Mont- ferral em lã'(3, e em Novarra em 1780. No relatório sobre a doença das vinhas, apresentado á sociedade lineafina de Bordais por uma com- missuo por cila nomeada para estudar esta doença, vem citado um contracto feito emTurin em 1743, em que se estipulava que, no caso de nas vinhas appareccr o po/rií^/io ou fvgna, haveria rcducção no preço. É tàobem notável que, nos Annaes da sociedade d'agricuWura de Liào de 1839, venha uma noticia sobre a doença das vinhas, como tendo apparecido no Ródano em 1834. Tàobem se tem feito, em so- ciedades agrioolas de França, referencia ao apparecimento da actual doença das vinhas em 1840 no cantão de Sauveterre. O que se pôde concluir de todas estas indicações histórica? Nào SC pôde, sem duvida, concluir com segurança que o mal das vinhas, que nós hoje observamos, existiu n'outras épocas com os mesmos ca- racteres c os mesmos symptonias, que actualmente apresenta; mas pôde sim concluir-se, que provavelmente isto assim succedeu, ou, pelo menos, que as vinhas, e algumas plantas mais, já em outras occasiões tcem sido invadidas por doenças perfeitamente análogas á mangra.. íl. gfUPtOVit. A mangra apresenta no seu primciío apparecimento, e poste- riormente na sua desenvolução, symptomas que perfeitamente a cara- cterisam, e a fazem distinguir das outras doenças que atacam a vinha, c que são ha mais tempo c mais geralmente conhecidas. O modo por que a mangra ataca os diflerentes órgãos da planta e, com pe- quenas dilferenças, o mesmo na sua essência; porém os seus resultados, os seus eflcitos mediatos e immediatos são diversos, não só segundo os órgãos em que cila apparece, senão tàobem segundo o periodo da ve- getação em que esse apparecimento tem logar. Estudaremos, pois, os svniptomas do mal das vinhas, e os seus cffeitos nos diversos órgãos d» vegetação e da fructificação; e depois descreveremos ofungits, o bolòç DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1/ CLASSE. 35 que, se por alguns physiologistas nào é considerado a causa única da doença, é por todos tomado como o seu signal pathognomonico. Raizcs e cepas. — Tem havido discussão cnire os observadores que se teem dedicado ao estudo do mal das vinhas, sobre o estado das raizes e cepas das plantas atacadas: uns dizem que a doença exerce directa acção sobre estes órgãos, outros que elles só padecem por causa dos estragos feitos pela doença nos órgãos annuaes da vegetacào. Mr. Gaschet de Bordéus diz ter encontrado muito profundas lesões nas radiculas dos pes de vinha doentes, que fez arrancar; que essas radi- culas estavam em parte apodrecidas e cobertas de bolor. Este facto é sem duvida da maior imjiortancia, mas carece ainda estudado com at- tenção. As radiculas são órgãos que se renovam; as radiculas depois de exercerem durante mu certo tempo as suas funcçõcs de absorpção perdem a actividade vital, c ficam assim sujeitas á destruição como as folhas, e depois ao apodrecimento. Eu observei as raizcs de algumas plantas doentes, e achei numas, radiculas mortas mas pouco decom- postas ao lado de radiculas em plena actividade e perfeitamente sãs, noutras, que estavam nas proximidades de uma levada onde constan- temente corria agua, radiculas sãs, e radiculas apodrecidas e cobertas de bolor; mas entre estes bolores não se encontrava o oulium das vinhas. Estes factos persuadcm-mc, que nào deve ser altribuida á mangra a destruição das radiculas, mas sim a um phcnomcno perfeitamente normal. Era-me com tudo indispensável fazer a comparação das raizes de plantas illesas, com as das plantas enfermas, para poder assentar seguramente a minha opinião; mas essa comparação, força é dize-lo, na Madeira devia considerar-sc impossivcl, porcjue plantas que se po- desscm confiadamente reputar sãs, não as havia lá. Nas cepas não observei cousa alguma, que me podcsse indicar a presença da mangra. Alguns observadores dizem ter notado na cepa manchas lívidas, as quaes mais tarde se cobrem do fungo destruidor das Tinhas; se isto succede é talvez no começo da vegetação annual da vinha, porque nos últimos dias de Jullio, quando cheguei á Madeira, não me foi possivel observar, nem uma só vez, signacs da parasita das vinhas, sobre a parte lenhosa d'estas plantas; e mesmo razões lia para duvidar do facto, sendo uma das principaes a predilecção que ofungus manifesta para as partes verdes do vegetal, e o seu desapparecimcnto da superficic das varas, por exemplo, logo ([uc estas começam a passar para o estado lenhoso. fiaras. — Nas ramificações da vinha a mangra pódc desenvol- ver-se em duas épocas diíTcrentes; ou quando cilas já teem um consi- 36 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL deravcl desenvolvimento e bastante força para resistirem á doença, ou logo quando começam os gomos a desabrochar. Os efleitos n'um e n'outro caso são muito diversos, e merecem particular descripçào. Segundo o celebre naturalista M. Hugo von Mohl, o primeiro apparccimento da mangra sobre as varas ainda verdes da vinha é do seguinte modo: «sobre a casca verde dos ramos do anno, notam-se pon- tos, onde a producção cryptogamica começa a vegetar, o que se reco- nhece por uma passageira alteração na còr normal primitiva. N'esta época o coguniélo consiste n'um pequeno numero de filamentos, ex- cessivamente ténues, só visíveis peto auxilio de uma boa lente, e que formam pela sua reunião na supcrficie da casca uma rede irregular parecida com a téa d'aranha. Nos legares indicados, que o mais das vezes teem uma linha de diâmetro, a casca apresenta uma côr mais carregada. Jlais tarde, com os progressos do mal, estas manchas alas- tram-se, lornam-se confluentes c tomam a còr escura do chocolate.» Esta descripçào do primeiro periodo da invasão da moléstia é perfei- tamente exacta. As manchas de (jue falia M. Mohl são perfeitamente visíveis; occupam ás vezes grande extensão da superfície das varas , outras apjxirecem isoladas umas das outras, com pequenas dimensões; a sua còr varia do verde escuro á còr de chumbo; ou a uma còr de castanha avermelhada. As vezes estas manchas tornam-se perfeitamente negras, como carbonisadas; e até n'algumas varas ha o esfacelamento de parte dos tecidos corticacs, ficando o tecido lenhoso a descoberto. Todas estas manchas estão cobertas da vegetação cryptogamica, que nunca é sobre as varas tão abundante como sobre as folhas, e princi- palmente sobre os fructos. É certo, com tudo, que apesar destes ex- tensos estragos causados pela doença, as varas, quando são atacadas depois de haverem adquirida algum crescimento, podem continuar a desenvolver-se, e chegarem a tornar-se lenhosas, a amadurecerem ; porém, essas varas muito atacadas nunca se tornam vigorosas, nem promeltem muito para a futura vida da planta. Deve, com tudo, servir de prova cabal de que ellas não perderam, em consequência da mangra, a vitalidade e as faculdades vegetativas, a facilidade com que na Ma- deira nos mezes de Agosto e Septembro algumas d'ellas, coUocadas cm situações favoráveis, deram rebentos novos, cubertos de folhas isentas de doença. Os estragos caasados pela mangra são muito mais terríveis quando as varas são fortemente atacadas, logo ao sahir dos gomos; porque n'cste caso a sua desenvolução é paralisada, um como rachilismo as atrophia, a sua epiderme torna-se toda côr de chumbo, a lesão penetra DAS SCIENCIAS DE USBOA. 1/ CLASSE. 37 até ao intimo da mcdulla, as follias que nascem d'essas ramificações . delgadas e como crestadas, são pequenas, encarquilliadas, e tãobem de côr escura; se dão origem a fruclos, esses apenas com a grossura de um grão de cliumbo grosso secam e morrem; tudo n'elias, emfim, indica a existência de uma iesào mortal. E, de feito, nos meados de Se- ptembro j.i as varinhas, que eu no mez anterior tinha observado no estado miserável que descrevi, estavam sem foUias, inteiramente secas e quebradiças, c, quando quebradas, deixavam ver todos os seus te- cidos inteiramente alterados por uma espécie de gangrena. Deste de- plorável estado dos rebentos annuacs observei um notável exemplo ao. sudoeste da estrada (pie vai do Funchal para a antiga ponte do Ribeiro SêcOj e muito perto desta ponte; do lado opposto da estrada, em pe- quena elevação, havia uma vinha de pé tãobem muito atacada de man- gra, mas cm (juc os estragos sobre as varas eram muito menos assus- tadores. Folhas. — As folhas, como as varas,'"podcm ser mais ou menos le- sadas pela mangra, segundo a cpoca em que teve logar o appareci- menlo do mal, e a intensidade com que elle se desenvolveu. Quando as folhas são atacadas pela doença, depois de desenvolvidas, isto é, pas- sadas algumas semanas depois de haverem saído dos gomos, então as folhas continuam a crescer, conservam em grande parte a sua côr normal, e não cessam de exercer as funcçõcs respiratórias: n'estc caso só se pôde conhecer que as folhas estão com mangra, porque nas suas duas faces, mas principalmente na face superior, se notam superficial- mente manchas brancas, e como ligeiramente pulverulentas, que stí podem fazer com facilidade desapparecer por meio de uma ligeira fricção, e que, fazendo-se desapparecer por esta forma, deixam a des- coberto, no próprio tecido das iòlhas, outras manchas, umas vezes ama- relladas, outras escuras e lividas. Ordinariamente, esse pó branco que macula a supcrficie das folhas, e que não d outra cousa senão a cry- ptogamica de que já temos fallado, cahe por si mesmo, ou sacudido pelo vento, e então nas folhas só ficam, como signaes da doença, as nó- doas amarelladas ou escuras que existem nos próprios tecidos destes órgãos, e que são resultado da alteração mais ou menos profunda que os tecidos soflreram. Não são, porem, os estragos da doença sobre as folhas de tão pe- quena importância, quando ella apparece logo no começo do desenvol- vimento destes órgãos; como succcdcu em 1853 em algumas vinhas da Madeira. Neste caso as folhas cobrem-se todas áo/ungus\ os seus tecidos tomam uma eôr denegrida e lívida; a sua forma altcra-se, tor- 38 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL nando-se os lobos, ás vezes, mais profundos c irregulares ; e, como a doença ataca ao mesmo tempo os peciolos c os seca, as follias cahem e as cepas licam quasi inteiramente despidas dos seus importantes orgàos da respiração. Claro está que, mesmo ás plantas novas, a falta destes orgàos não piklc deixar do causar grande prejuizo; c, que esta destruição das folhas se se repetir mais um ou dois annos, ha de ne- cessariamente trazer a destruição das vinhas. Felizmente a mangra não se mostrou com esta violência sobre as folhas da vinha, senão em um numero de plantas, considerável sim, mas relativamente pouco im- portante. Nas foUias das vinhas da Madeira uma outra alteração, diíTcrcnte das que acabamos de descrever como sendo resultados dos ataques da mangra, se mostrou muito geralmente; esta lesão, conhecida em di- versos paizes vinhateiros, mas que na Madeira não havia merecido ainda a attenção dos viticultores, esta lesão a que em França chamam Bougct, e que já acjui cm Portugal eu tinha observado, consiste n'uma mudança, não das membranas que constituem as paredes dos tecidos elementares que entram na composição do limbo das folhus, mas sim ii'uma alteração dos Uípiidos contidos n'esses tecidos. As folhas com esta doença, cujos cQeilos tem na Ilha sido tãobcm attribuidos á ter- rível mangra, fazem-se, segundo as minhas observações, vermelhas primeiro nas nervuras depois em todo o parenchima, conservando com tudo, a sua consistência e ilexibilidade naturaes; mais tarde, porem, provavelmente porque as funcções das folhas se alteram, ou antes porque essa alteração de funcções precedeu a coloração vermellia, que talvez seja apenas um resultado d cila, mais tarde, digo, os tecidos das folhas tornam-se rijos, quebradiços, c secos, e a folha morre, e cabe dos ramos inteira, ou se esfacclla pouco a pouco. Fazendo a observação microscópica de uma nervura corada de vermelho pude ver, que no tecido ceilular sub-epiderniico, principalmente no eorresiwndcnlo á pa- gina inferior da folha, havia um liquido vermelho, que corava este te- cido com bastante intensidade: no tecido fibroso, que ficava immedia- lamente por baixo deste tecido ceilular, tãobem havia liíiuido corado, mas a còr geral do tecido era mais paliida, provavelmente por causa de ser maior a espessura das paredes das fibras do que a das cellulas; no feixe dos vasos, e principalmente nas trachcas, não havia li(|uido vermelho, e (|uan(lo se fazia uma ligeira pressão sobre estas ultimas d'ellas saiam bolhinhas de gaz. No parenchima da folha a coloração ver- melha é devida ao mesmo liquido corado; e quando o mal é bastante forte, este liquido penetra em toda a espessura d"esse tecido. Obser- DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 39 vando este liquido, que se pôde fazer sair dos tecidos por uma ligeira pressão, vc-se qiio n'elle nada uma quantidade muito considerável de glóbulos duma icnuidade extrema|, mas de dimensões relativas muito ■ liiílerentes; estes glóbulos são incolores, e deixam-se atravessar pelos raios luminosos. Quando se põem durante algumas horas as folhas ver- melhas de infusão no álcool, este fica com uma còr semelhante á do vinho tinto, pouco clarificado; se a esta infusão se juntam algumas gotas de um acido, a còr torna-se mais clara, e mais brilhante; se, pelo contrario, se lançam no liquido gotas de amónia, torna-se elle vpnlc um pouco escuro, isto é, da còr da matéria corante da chtoro- phille: para tornar a restituir a este liquido a sua j)rimitiva còr de vinho basta juntar-lhe o acido sufficicnte para saturar a amónia. Se- guindo toilas estas transformações de còr com o microscópio, pare- ceu-me sempre, que os glóbulos de que fallei acima ficavam incolores; não succcdia assim quando ao álcool corado de vermelho juntava a tintura de iodo, porque n'este caso tornavam-se elles amarellos, o que prova que esses glóbulos não teem a composição da fécula, mas sim uma composição azotada. Talvez esses globidos se devam consi- derar, como os núcleos do grãos de chlorophille, que uma causa, que nos é ainda desconhecida, privou do seu invólucro verde. E não se po-- lierá suppòr, que a substancia ((ue constituía o invólucro verde da chloropliillc, transformada de um moez, da atlcnção dos que se interessam no. estudo das doenças d'estA^ útil planta. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 5í é unicamcnle devido á acção destruidora do oidiwn parasita, de se- guirem uma tal opinião por ser mais simples do que todas as outras, e dispensar as profundas indagações que são necessárias para escru- tinar e descobrir a verdadeira e mysleriosa origem de um flageilo tão geral , o qual na sua marcha e propagação apresenta bastante seme- lhança com as epidemias, as epizootias que, por vezes, atacam diversas espécies do reino animal. Esta accusação é a melhor defesa, que se pôde dar, da opinião dos que vêem toda a origem do mal no terrivel parasita. Para que se hão de inventar explicações da niangra, perfeitamente arbitrarias, e sem fundamento nos factos, quando se pode ver, se pode observar, se pode apalpar, por assim dizer, a melhor das explicações da devas- tadora doença? Que analogia verdadeiramente admissível existe entre o mal das vinhas, e a cliolera ou a peste, para que se queira buscar para aquella doença e para estas uma explicação semelhante!' Que remos nós na cholera ou na peste que nos possa explicar a origem dos terríveis symptomas que caracterisam estas enfermidades, como o J'uHgus parasita nos explica os symptomas do mal das vinhas? A doença que ataca os bidios de seda, a que os francczes dão o nome de muscardine, é uma das que maior analogia tem nos seus ef- feitos destruidores sobre órgãos superficiaes, com a doença das vinhas; c a causa d'esta doença e um cogumelo do género botrijtis, (botnjtis Itassiatia) que se desenvolve sobre este insecto. Sobre vegetaes o nu- mero de doenças análogas á da vinha, e tendo por origem uma cry- plogamica parasita é muito considerável. Assim a doença das batatas, que a principio foi attribuida a uma degenerescência da planta e a outras causas muito variadas, sabc-se hoje muito bem que é devida ao botnjtis vifestans. A ferrugem dos trigos e a caria são devidos a parasitas fungoides. A rhizoctonia violácea que so desenvolve sobre a luzerna, o sanfeno, e o açafrão, e que já foi observada por M. Mon- tagnc nos tubérculos da batata, causa a morte, muitas vezes, das plantas que ataca. Sobre as bagas da groselha M. de Schweinitz ob- servou um parasita, o cnjsiphe mors uitr, (|ue causa a com[>lctades- truição destas bagas deixando os ramos e folhas intactas. — Se ofungus parasita das vinhas não é, como M. Tulasne supj)õe de todos os oidium, mais do que imia forma incompleta de um cnjsiphe, então não pode haver nenhuma difficuldade cm considerar este fungiis como a causa única dos padecimentos da vinha: os estragos causados pelos enjsiphc ás plantas, sobre as quaes cUes se desenvolvem, são bem conhecidos, « por ninguém contestados. &2 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL A existência sobre os órgãos verdes da vinha do oidium ou cri/- sip/ie parasita é mais que bastante para explicar cabalmente todos os phcnomenos que se obscrvan» na vinha doente. O contacto dos suga- doiros radiculares do fungus com a epiderme da planta, e a descnvo- lução do nvjcelium jjor baixo da dita epiderme, explicam a morte das cellulas exteriores da planta, isto é, explicam a formação das manchas e das pontuações escuras, que são um symptoma caracleristico da via?igra; a morte de grande parle das cellulas epidérmicas da vinha explica a destruição das foliias, o atrophiamento, a abertura, e o des- secamento dos fructos, emfim todos os outros estragos que se ob- servam nas vinhas doentes. Todas as vezes que uma causa exterior, medicamento ou posição vantajosa perto do solo ou de uma superfície escura, impede o des- envolvimento do [xirasita nenhum symptoma da doença se manifesta. Todas as vezes que o parasita apparecc, como succcdeu nas uvas da variedade americana muitas vezes citada nesta memoria, só quando os fructos estão começando a amadurecer, os seus estragos reduzem-se apenas a algumas pontuações escuras afastadas umas das outras, o sem inconveniente algum para os fructos atacados, que completam o seu desenvolvimento e chegam á perfeita maturação. Todas as plantas, outras que a vinha, onde o parasita da vinha ou algum parasita semelhante se desenvolve, apresentam os mesmos symptomas que caracterisam a mangra. Onde o parasita apj)arece lia mangra: não ha mangra sem o, fungus parasita. Estas razões, o as que se podem deduzir da exposição que fiz dos symptomas e marcha da doença da vinha na Madeira levam-mc a suppôr que a causa d'esta doença é o parasita, que foi classificadOi por M. Berkeley com o nome de Oidium-Tuckeri. IV. o S u ir. •< -» o ca EC U o < se a < o ■< o a 'r. g o CS B 39 u H a> u to o Bi n a H Õ o M EB w > O O S& a S u w c Gráos de secura 3.10 i.26 4.55 3°.2G 4.10 4.51 4° 95 5*.83 4°. 21 3.46 2.17 2.52 Secura calcula- da por uma es- cala do Mason 7.2 9.9 10.6 7.6 9.6 10.5 11.6 13.2 9.6 8.1 4.9 5.8 As duas condições mais propicias ao desenvolvimento dos bo- lores, o calor pouco variável nào descendo nunca abaixo de 14° cen- tígrados, nem subindo muito acima de 2G°, e a bumidade pouco aíTas- tada do ponto de orvalho, são as que o Oidium-Tuchcri encontrou na Madeira, e por isso elle alii atacou as vinhas com uma pasmosa vio- lência, e se tem conservado sempre com uma intensidade assustadora. A natureza dos solos em que a vinha e cultivada, c a exposição da maior parle das encostas dos montes da Madeira, onde estão si- tuadas as mais preciosas plantações, devem ter contribuido tãobem para tornar mais intenso o mal que devasta aquclla formosa Ilha.. LNFIiOEMCU Dá MaXCBa SOBBE O VLVBO. Antes de terminar este capitulo, direi duas palavras sobre os re- sultados obtidos na fabricação do vinho com uvas atacadas pela mangra. Em 1852 grande parte das uvas profundamente atacadas foram abandonadas pelos lavradores, porque se reputava, e com raião, toda a despesa feita com a vindima de tão miseráveis fructos como total- mente perdida; no anno de 1853, porem, a falta de vinhos ordinários para o consiuno da ilha da Madeira, e a total carência de agua-ar- M MEMORIAS DA ACADEMIA REAL dente, cuja importação é proliibida na Ilha, levaram os possuidores de vinhas a fazer a vindima de uvas de horrivel apparcncia, cobertas de Lolòr, arregoadas, isto é, fendidas longitudinalmente e com a polpa quasi inteiramente endurecida, de uvas emfim nas quaes um desgra- çado consumido pela fome hesitaria cm tocar. De uvas neste estado poder-se-hia tirar vinho ? De certo que nào. O liquido que saiu im- mediatamente das uvas muito atacadas de mangra, que foram pisadas, íoi um liquido um pouco mais denso que o môslo, com uma côr ama- TcUo-tcrrosa como a das aguas turvadas pela greda, c com o cheiro caracteristico da mangra, que é mais fácil de reconhecer que de de- finir; cheiro repugnante e incómmodo, o qual se assemelha um pouco ao cheiro do cobre esfregado com um acido pouco activo, o acido cítrico, por exemplo. Este licjuido, cm que ha uma quantidade pouco consi- derável de assucar, é susceptível de fermentar, e fermenta ellectiva- mente, mas com bastante violência e por pouco tempo; porque a pro- porção eni que n'elle entra o fermento nào está na devida relação com o pouco assucar das uvas doentes. Esse liquido, ao qual com difficuldade se pôde dar o nome de vinho, que resulta da fermentação do sumo extraído das uvas doentes, é susceptivel de clarificação, e toma uma còr alambrcada ás vezes sc- nielliante á do bom vinho; o sabor, porém, mesmo do mais bem pre- parado é detestável; porque a um amargor muito sensivel, se junta o gosto insupportavel áo futtgus parasita. É certo, com tudo, que do uso deste vinho não resulta prejuizo á saúde do povo. CAPITULO IV. TRATAMENTO DAS VINHAS DOENTES. GENERIkUDiDE». Nào é minha tenção expor aqui a liistoria de todos os processos, de que se tem usado com o fim de curar a terrível doença das vinhas. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 57 Ha lima tão grande multiplicidade de medicamentos empregados até hqic, e todos os dias se eslào propondo tantos medicamentos novos— inlelizmcntc, pela maior parte, nada proveitosos, sobre tudo para as grandes culturas de vini.a.— que a descripçào de lodos clles seria um trabalho fastidioso e inútil. De mais, como n'esta memoria eu desejo unicamente narrar as minhas observações nas ilhas da Madeira e Porto- banto pouco a propósito viria a exposição dos processos curativos em- pregados na França e na Itália, alguns dos quaes foram repelidos em Portugal pelo Sr. Dr. Beirão. Na Madeira o desalento apoderou-se dos pequenos cultivadores, em cujas mãos está a quasi totalidade da terra e por isso so excepcionalmente e em pwpiena escala ali se fez uso dê remédios contra a man^n-a. Antes, porém, de dar conta desses pe- quenos ensaios feitos por cultivadores intclligentes, seja-mc licito fazer algumas considerações rápidas sobre os tratamentos das vinhas doentes em geral. ' Logo que o mal das vinhas appareeeu, os cultivadores assustados, julgando que a causa desse mal estava no modo de cultura geral- mente adoptado, ou era o resultado de uma alteração orgânica da planta, empregaram muitos meios, que deviam, segundo clles tor- nar-se curativos; porque esses meios actuavam sobre toda a planta ou sobre todos os órgãos em que a doença apparecia. Fcz-se o em- prego da poda tardia, o da poda prematura; fez-se a renovação da vinlia pela mcrgulhia; usou-se da sangria; arrancaram-se á vinha lodos os orgaos novos, que se iam apresentando doentes; abandonaram-se as plantas, dcixando-as sem cultura; e, apesar de todos estes meios empregados contra o mal, ellc não desappareceu nem minorou sen- s.vel.nentc. Segundo a opinião dos que julgam a doença causada só pelo Oulmm-luchcri, a inutilidade de todos estes tratamentos é fácil de perceber , e a consequência necessária de não ter nenhum dcUes acção directa sobre o fungus parasita. i\a Madeira algumas experiências se fizeram dos tratamentos de que acabo de fallar, e se num ou noutro caso esses tratamentos pa- receram dar útil resultado, deve isto attribi.ir-se a outras causas, cuja mllucncia na mangra é bem manifesta sempre, deve attribuir-se a fi- carem as varas e os cachos dalgumas plantas, em que as experiências se lizeram, próximos do chão ou escondidos entre as hervas, 011 a te- rem-se desenvolvido alguns ramos, já na época em que o Oidium- Jucluri n-M tem uma faculdade de reproduccão tão grande, como a que n elle se manifesta no meio da primavera ou nos princípios do outono. / * ' 1.' CLASSE T. I. p. u. 8 58 JIEMORIAS DA ACADEMIA REAL Em experiências praticadas no norlc da Ilha, balsciías podadas em Janeiro e em Março cobrirani-sc de mangra. O sr. Veiga, na sua (jninla da Levada fto S. Luzia, fez varias experiências, para vèr ([ual era a clVicacia dos remodios propostos contra a 9/ia?/gra; consistindo mna d'cssas experiências cm praticar a poda na época competente dei- xando dois, três c quatro nós de vara, repetindo em Junho a poda nas varas cm que se desenvolvera a doença; o resultado foi o nas- cerem ramos sem doença que chegaram a fructificar. Mas cm Sep- tembro, quando eu visitei a quinta deste Sr., já n'essas mesmas varas apjiareciam, sobre tudo nos fructos, evidentes signaes de mangra. Na Ribeira do Rato, no norte da Ilha, uma arvore, um til, que sustentava duas cepas antigas, caiu nos fins do inverno de 1853 a 53: cm con- sequência disto cortaram-sc as cepas perto do chào, e os novos re- bentos vieram sem mangra, mas é de advertir que se conservaram es- tendidos sobre o solo: isto mesmo succcdcu em outras cepas que por se julgarem secas foram cortadas á flor da terra. Tàobem na frcguczia de S. Vicente eu vi uma pequena vinha, que fora mergulhada, de- pois de ter sido cm 1852 invadida pela doença, na qual havia varas sem manchas c que deu fruclos que chegaram a amadurecer, sendo estes apenas levemente atacados dias antes da vindima. A sangria, que consiste n'uma incisào feita na cepa a um ou dois palmos do chào, esta operação praticada primeiro por Guida e i|uc foi imilada na Itália e na França por muitos viticultores sem ne- nhuma utilidade, não me consta tàobem que fosse usada com pro- veito nas ilhas onde fiz as minhas observações. Se de todos esses tratamentos, que só podem ter influencia sobre o estado geral da vinha, se nào pode dizer senào que a experiência tem provado a sua completa ineflicacia, nào succcde o mesmo aos trata^ mentos que actuam directamente sobre o oidium parasita. Esses trata- mentos externos, ainda mesmo (piando elles consistem unicamente na des- truição do parasita por um meio mechanico, dão resultado satisfactorio. Experimentadores tem havido que, limpando as uvas amiudadas vezes com um panno ou com pcnnas de pato, teem conseguido salvar alguns- cachos da destruição, mesmo sobre cepas doentes. O inconveniente gra- vissimo de todos estes remédios exteriores, cuja efficacia podemos as- segiuar, e serem de muito difficil applicaçào nas grandes vinhas, e conseguintementc causarem uma despesa, que difficilmente pôde ser compensada pelo valor dos productos obtidos dos vinhos, mesmo quanda çstes subam a alto preço. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 .' CLASSE. 58 TBITAMENTO PELO ENSOrnE. O enxofre tem sido applicado externamente ás vinhas doentes, ou puro ou em combinação com a cal, debaixo da forma de hydro- sulfato de cal. De todos os remédios que entram na segunda cathegoria, 'GIU. Além do enxofre outros remédios se empregaram na Madeira para a cura das vinhas doentes, alguns dos quaes de certo obraram s<') mechanicamcnte, como obstáculos á dcsenvolução do bolor para- sita. Cachos envolvidos numa capa de terra ou barro; cachos co- bertos com um verniz feito de agua-ardente, agua e assucar; uvas tra- tadas por uma dissolução de borato de soda, ou lavadas a miúdo com agua do mar, chegaram a amadurecer e a perder todos os signaes de doença, excepto as manchas escuras da epiderme, as quaes, se se chegam a formar, são indeléveis. A applicação da cal em suspensão na agua tãobem foi proveitosa ás uvas doentes. O emprego da cal, não sobie as uvas, mas sobre as cepas antes delias começarem a rebentar, era muito preconisado em Andaluzia, quando ali passei d minha volta das G2 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Canárias. Dizia-so (jue as cepas que haviam sido caiadas, se tinham consiMvado som doença diiraiitc todo o anno de 1853. Se é verdade, como alguém suppõe, (jue as soiuinulas ÇA Mil K DIA HORAS DAS OBSEnVA- ç.Oes TH. SITUADO NO ClliO ENTllEOTH. NOCIIÁO.EO TII. DA SOM- TH. A SOM- BRA TH. SUSPEN- DIDO NO AR ENTRE 0 TU. Á SOMBRA E O TH. .SUSPEN- BRA DIDO NO AR Agoslo 9 10 h., int. lio mi'io ília 120' 47° 73" 82" 9" « 11 .1. III. líS ; 71 7Í 86 12 « 1-2 h. 151! 80 76 86 10 « âli.il.iliini. 15á 73 79 90 11 « 3li.ll. dom. 155 76 79 87 8 10 9 h. a. m. 137 65 72 80 8 „ 10 h. a. m. 135 6-2 73 80 7 « 11 h. 3. m. 14S 73 75 87 12 u 12h. irr2 86 76 88 12 « Ih.d.m. IM 87 77 89 12 « 21i.(l.m. 16G 87 79 84 5 <í .■Jh.d.m. 137 58 79 86 7 Estas observações de Mason, que eu confirmei com as minhas próprias, demonstram que as uvas collocadas sobre o solo soílrem a acrào de um calor extremamente intenso, capaz de destruir a vida no viclium parasita. No dia 26 d' Agosto fiz, com um thcrmomctro centí- grado, observações comparativas entre a temperatura do ar á sombra, c a temperatura ao sol junto do chào, num logar cm que estavam alguns cachos de uvas, que haviam sido atacados pela mangra, e que a proximidade do solo tinha completamente curado; as observações feitas, da uma hora ás duas horas da tarde, deram, no ar á sombra iMua temperatura de 26°, 1, e no chão a temperatura de 7 8.° Este calor elevado dá aos spóros c aos orgàos de vegetação do fungus parasita das vinhas, uma côr esbranquiçada, murcha-os, enruga-os, e despren- de-os um pouco da epiderme das uvas a que estão intimamente li- gados, quando a sua vegetação e perfeita; ora, se esta temperatura actuar muitas vezes e durante muito tempo sobre os órgãos da vinha atacados de mangra, o (pie succcde ás varas c aos cachos collocados no chào, deve necessariamente acabar por destruir lolahnente o ter- DAS SCIENCÍAS DE LISBOA. I.' CLASSE. (55 ri\e\ funffiis, causa de toda a doença. Quando os cachos doentes cslào no chão, c cercados da rama da balata, ou de outras plantas, a cui-a, diz-se, é mais rápida; parecc-nos que a oxplicarào dVslo iihenonionó está na extraordinária quantidade de orvallio que, eiu algumas noites, SC deposita sobre as folhas verdes das plantas nos campos da Madeira! quantidade de orvalho que cáe sobre as uvas doentes e conlribue para as limpar áo/ungus, que o calor do dia já aniorleccu e desaggregou bastante; além de que, esta formação de orvalho seguida depois de uma forle evaporação, devendo causar um grande abaixamento de tem- peratura, a que succede poucas horas dejjois um calor de 70," c mais, origina tacs e tão rápidas mudanças de calor e frio, que nenhum /«««^«x as poderia supjiortar. ^ Eis a-pii o que acerca dos remédios empregados na Jfadeira contra a doença das uvas havia de mais interessante a dizer; c, com este ca- pitulo cm que dei noticia completa, me parece, desses remédios, julgo terminada esta minha tarefa. Seja-me, com tudo, permitlido, antes de concluir esta memoria, reunir em poucas palavras as principaes con- clusões que d'clla se podem tirar. coíicx&sAe:««. 1 .' As vinhas na Madeira Unni valores muito divei-sos segundo a sua altura acima do nivcl do mar. a exposição, as variedades- de que são compostas ctc. Debaixo deste ponto de vista jXKle a Ilha divi- dir-se cm duas regiões; a região do sul. e a do norte, sendo a pri- meira a que dá os vinhos mais preciosos. 2.' O modo de plantação c de cultura, a disposição do terreno onde se fazem as plantações, a necessidade das regas, tudo faz com que nas vinhas se dispenda muito capital e muito trabalho; o que, junto 1." CJ.ASSE. T. 1. P. u. 9 66 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL á necessidade de renovar as plantações com frequência por causa da sua pouca duiaçfio, í\\z com cpie os vinlios saiam ao lavrador por um preço elevado, e conseguintemente níSo possam ler no mercado luu Luixo [>reço. 3.' A producçào e ocommercio de vinhos da Madeira lem nestes últimos vinte e cinco annos, ])onco mais ou meiws, diminuido gra- dualmente, e esta diminuição tem sido acompaidiada de vuua baixa assustadora no preço, mesmo das vinhos mais jjreciosos; de modo que a catastroplie, (pie a doença das vinhas causou suhilamcnle na Ma- deira, devia necessariamente acontecer alguns annos mais tarde, a nào ter apparecido esta iloença, só pelos effeitos das terríveis tendências do conimercio, e da falta de previdência dos cultivadores da Ilha. 4.* Das observações feitas nas ilhas da Madeira e Porto-Sanlo conclue-sei Que as uvas c varas perto do solo, ou entre plantas herbáceas, estão mais isentas da doença, do incli4l S. Gonc-l« NoMi Senhora do Monlc. .. cus 1:707 40 130 7 T ã 12 ( 22:341 3 3 3:71T S 8 2:800 9:G0O - - 3:300 2:600 2:SO0 3 300 9 900 3 000 3:0)0 G;0)rt [ Eti.* [Ig CiDura de Lobcu. . . 6:073 725 _ _ 1 1:40) 1:100 r.„n.'.UL<.lm] Cim«»dcL.IJCí 6:783 1:019 7 7 ; 16:117 £ _ 3:911 IJ 1:300 1 3 000 nii 9 4 \ 1:500 3:000 1:800 l.OOO 1.000 1.200 P..Dl.do5..l Tjbuj . 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CLASSE. 5 erro çravissimo o tomarmos estas duas enfermidades como a mesma espécie, ou pelo menos como congéneres, como o fazem outros noso- graplios. Ora diremos de passagem que tomando, á imitação de Ba- teman, Willan e outros a forma simples da alterarão primitiva das moléstias chronicas e agudas da pelle como base d'um metliodo de classificação, estes desvios e algumas antinomias mesmo não podem deixar de apparecer; por quanto nos quadros que apresentamos neste nosso trabalho observaremos mais d"uma vez que a mesma espécie no- sologica pode na sua origem apparecer com diversas formas primitivas; donde se deduz egualmente (jue até hoje as Aerdadciras bases d'uma classificação regular das moléstias da pelle não estão lançadas. E isto é tanto assim, ([ue diversas corporações scientificas teem apresentado este problema para ser resolvido, adjudicando-se prémios a quem me- lhor o resolver. O nosso celebre compatriota o Sr. Dr. Bernardino António Gomes (pai) na sua Dermosographia (•) segue nesta parte a opinião de Batcman e Willan, fazendo uma ordem de moléstias de pelle com o titulo de ==Escamas=na qual introduz a Lepra, e outra de==Tuberculos=na qual apparecc a Elephantiasc, ou mal de S. Lazaro. O Sr. Dr. Gomes intende além disto que a chamada Elephantiase dos árabes pelos mo- dernos, ixira a distinguir da Elephautiase propriamente dita ou dos gregos, é uma moléstia diversa desta, e (jue se não pode tomar nem como uma variedade da dos gregos, nem ainda como uma simples es- pécie congénere; mas cpic deve formar um género á parte, embora seja, como deve ser, incluido na mesma ordem=Tuberculos; = e por isso adoptou o nome de^Elephancia=para designar esse género de moléstias de pelle, a que os modernos teem chamado=Elcphanliase dos árabes, em contraposição á dos gregos (•«). O Professor Alibert estabelece uma outra elassificaçào e distri- buição das moléstias de pelle==Tinlias==Plicas==Dartos e Herpes= Ephelides=Cancroídcs=Lcpras^Framboesias=Icthyoses=Syphiii- des=Scrophulas e Psoriedes=são os seus primeiros grupos, ou ordens; e na secção «Lepras» faz três subdivisões, a saber: Lepra escamosa. Lepra crustácea, e Lepra tuberculosa, e nesta ultima subdivisão in- clue a Lepra tuberculosa leontina, e a Lejira tuberculosa clephantiaca, «juc correspondem ás diversas espécies dElephantiasc dos outros au- ctores. (•) Esla palavra foi introduzida na scicncia pelo Sr. Dr. Gomes, c quanto a nus, com nuiila piopricilado. (••) Ensaio Dcrraosographico — pag. sx. f, MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Sem cntraiiiios no cxanic comparativo destas diversas classifica- ções, nem no apreço relativo duma sobre as outras; só diremos de passagem (|ue depois d'obscrvar por alguns annos as oliamadas Elephan- tiase dos gregos, c dos árabes, custa muito a collocar estas duas en- fermidades cm grupos que não sejam nimiamente próximos um do outro. Não cpicrcuios todavia dizer que não sejam duas espécies de mo- li'slias de pelle diversas e distinctas, o (jue só desejamos significar é AS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 7 ximam? E cm segundo logar as considerações anatomo-patliologicas de- duzidas das dissecções feitas por Clievalier, por Andial, pelo mesmo llayer c Gaidc nos membros dos enfermos, que teem succumbido á Elc- jjliantiase dos árabes, juslificam cabalmente a opinião de que essa mo- léstia não foi primitivamente da pellei' Comparem-se essas dissecções com as dos cle[)hanticos dos gregos, e as conclusões não poderão ser muito dessimilhantes. Se a Elephantiase dos gregos e a expressão d'um estado anaslhesico especial, como julgaram com bons fundamentos os auctorcs da idade media, esta espécie deverá reclamar para si o logar que Rajcr tem assignado para a dos árabes. Uma segunda considerarão também de grande valor não só para Rayer, mas ainda para quasi todos os classificadores das moléstias de pelle, vem a ser a forma elementar da moléstia cutânea: deste modo o aprescntar-se a enfermidade sempre com uma única forma elementar, ou com variadas formas elementares, faz com que a moléstia pertença a este, ou áciuelle grupo; v. g. os Exantliemas, es Tubérculos, as Es- camas pertencem cada um ao seu grupo especial, segundo sua forma elementar morbifica. Mas quando se baixa ao estudo de cada espécie destes grupos, e de cada individuo destas espécies, então c que se per- cebe quanto a natureza reage contra estas divisões arbitrarias, e fa- cticias, que mais se imaginaram para facilidade do estudo, do ([uc para representação fiel do parentesco e afinidade que as diversas moléstias cutâneas podem ter entre si. O exame dos quadros dalguns doentes elepbanticos, que fazem objecto deste nosso trabalbo, demonstrarão á evidencia a verdade de nossas considerações. De tudo quanto levamos dito se pode concluir, que todos os planos de classificação dcrmosographica ainda são summamente arbitrários, c artificiaes, e como taes trazendo comsigo bastantes difficuldadcs (juando queremos fazer obra por (jualíjuer delles. É daqni que tem nascido a contestação teimosa e caprichosa, que algumas vezes se tem levan- tado acerca da assignação do logar, que a uma dada moléstia de pelle jiodc competir. O methodo natural na classificação dermosologica ainda nào está feito. Não nos encarregamos de levar este exame comparativo dos di- versos systemas de classificação dermosologica mais longe, nem de ava- liarmos os de ^trave, por exemplo, de Grimand, de Baker, Deodj e outros, não só porque estas classificações não teem na scicncia a im- portância d'aquellas, como porque nossas considerações podem ser aj»- plicadas com facilidade a todos os systemas artificiaes de classificaçào.^ Para nosso fim basta conhecer a correspondência relativa das espécies. 8 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL nosologicas, que liavcmos de descrever nos quatro systcmas que temos referido. Nas liistorias, que vamos suecessi vãmente apresentar, cada uma delias será precedida da enumeração das circunstancias mais notáveis, pelas quaes a mesma historia pode interessar; c no íim de todas ellas ti- raremos a|o;nns corolários, ou faremos aig^uinas considerações geraes deduzidas dos factos antecedentemente referidos; mencionando nessas mesmas considerações quaes sào as historias dos doentes, que mais concorreram para fundamento de nossas considerações. É um systcma composto dos de Rayer c Andral. ODSERVAÇ.lO I. GAFEIRA, ESTROPEAMEMTO NOTÁVEL DO PE ESQUERDO, ANESTIIESIA DOS EXTREMOS: NÃO É CASO ÚNICO NA SUA FAMÍLIA. M. M. R. de idade de 52 annos, temperamento sanguíneo, con- stituição robusta, solteiro, natural de Cinco-Villas, perto de Pombal, mas residente cm Lisboa ha mais de quarenta annos; adclo. Refere que dois primos seus já tiveram o mal de S. Lazaro. Veiu para Lisboa em 181 1 e aprendeu o officio de çapateiro. Só em 1821 é que lhe appareceram por todo o corpo borbulhas que du- ravam longo tempo, terminando por dcscamação furfuracea, sem a lorma nem a consistência tuberculosa. Nào se lembra ter dado origem a este soflrimento por desvio algum, quer de regimen, quer de dieta; e posto que a principio lhe aconselhasseni os banhos do Estoril, ou do \ imieiro, todavia nem d'uns nem d'outros fez uso por causa da sua ex- trema pobreza. Passados seis mezes notou que os flexores dos dedos da mào esquerda se principiavam a contrahir permanentemente, de- pois os do pé do mesmo lado, e ultimamente os da mão e pé direito, como ainda hoje se conservam. Mas no dorso do pé esquerdo formou-se uma ulcera, que atravessava o pé até d planta; e depois diversas nas articulações dos dedos do mesmo pé, vindo a perder todas as phalanges dos dedos ulcerados; conservando-sc a ulcera da planta do pé em forma de sulco desde o calcaneo até á extremidade do metatarso: egual- DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 .' CLASSE. 9 iiicnto, c por um processo análogo porclcu as phalanges dos dois dedos mais externos do |)é dircilo. A sensibilidade de todos os extremos tanto superiores como inferiores está r)las, (|ue depois se tornaram em ulceras largas c profundas. Tratou ainda em sua casa estas ulceras com o dcscanço e com pomadas eniol- lientes, até que a 13 de Fevereiro de 1851 se resolveu a entrar para o hospital, e observado nesse dia apresentava o seguinte estado: Habito externo: as ulceras já dcscriptas bastantcmenle sórdidas n com a profundidade de ([uatro linhas; estas ulceras não apresentavam signal algum (pie as devesse fazer considerar como syphiliticas, escro- phulosas ctc. Ma face havia uma elevação dura inscnsivcl, arroxada c luzidia na região frontal do lado direito com uma circunferência ir- regular aproximando-se da forma elliptica, cujo maior eixo fosse na direcção transversal: outra mais peíjuena do lado esquerdo, e outra loin o mesmo as[)ecto na região maxillar direita, (|ue se estendia á aza do nariz do mesmo lado, á commissura direita da boca, ao mento, e passava ainda para a região lateral direita do coUo. O nariz estava cn- DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 11 tnmccido, c as orcllias bastantcmentc engrossadas. No resto do corpo ainda apparcciain inanchas rô.xas tuberculosas da mesma naluicza, e de diflcrciitcs tamanlios nas seguintes regiões: nos braços, na região palmar, «as pernas do jocUio para cima, e no tronco muito poucas; mas algumas se observavam nas regiões infia-cluviculares e nas nádegas; (; é nolavcl (jue tendo já feito I G annos ainda nào tivesse péllo algum nas axillas, nem na região púbica, circunstancia notada pelos práticos nesta cnfermidadi!. Sensibilidade: geralmenle a sensibilidade periférica estava muito diminuída; mas muito mais nos extremos c n'a(]uelles pontos, onde se tinliam desenvolvido os tubérculos, nos quaes o doente dizia sentir a pclle como encortiçada e dormente. A voz não tem sollrido alteração alguma; posto que me nào pareça o seu timbre aquellc ([ue devia ter na época da vida em que se aclia. Quanto a todas as outras funeções da economia, e seus aparelbos, pode dizcr-se (|uc todos clles se tecm sempre conservado sem alteração alguma sensivel. O doente o único tratamento, a que ficou sugcito no hospital, foi o do assacú internamente, o local das ulceras, c externamente fricções geraes da pomada diodureto denxofre de Bict. Passados dois niezcs de tratamento as melhoras eram muito sen- síveis, as ulceras das jiernas conq)letamenle cicatrisadas, todas as ele- vações tuberculosas da face inleiramcnte dcslruidas, c a côr que tinham egualmente desvanecida, não fazendo diflcrença do resto da pelle essas localidades onde assentavam os tubérculos. Nas nádegas e no tronco ainda se observavam algumas manchas de um roxo desvanecido, que indicam os logares onde existiram as elevações tuberculosas. A ma- neira por que estes tubérculos c manchas foram desapparecendo gra- dual c successivainenlc, foi a seguinte: em primeiro logar deixou o doente de perceber o prurilo, (jue algumas vezes sentia sobre as man- chas tuberculosas, depois uma petjuena deseamação furfuracea cubriu a supcrlicic dalgumas d'ellas; deseamação que cahia repetidas vezes, e que com egual facilidade se regenerava; por esto processo os tegu- mentos iam egualmente adelgaçando-se, de sorte que (juando se be- liscavam entre os dedos acliavam-sc menos duros, e na mesma pro- ])orção se ia regenerando a sensibilidade abolida ou pervertida dessas regiões onde assentavam os tubérculos. A destruição completa das manchas foi o ultimo facto, que se verificou nas melhoras progressivas que alcançou durante o tempo que esteve recolhido neste hospital. 12 JIEMORIAS DA ACADEMIA REAL CoiDO este doente, segundo se dcprclicnde da historia, já por mais d'iuna vez llie tem desapparecido as maiiclias, e voltado ao seu estado ordinário de saúde, lica sempre duvida se as melhoras ([ue ul- timamente adquiriu na constância de um tratamento regular e me- tliodiro e o fructo d'cssa medicina, ou uma dessas fazes por que a moléstia já tem passado:' Sti o tem[)0 e o futuro estado do enfermo e que podem cabalmente responder a esta nossa duvida. É verdade que o ler a moléstia cedido na presença d 'um tratamento reputado útil algumas vezes; e verdade que sendo esta moléstia pouco antiga, como no caso presente; é verdade que não tendo apparecido recrudescência da moléstia desde 13 de Fevereiro de 1851 ate íins de ISTjS, sào tudo circunstancias, que nos animam a acreditar ([uc estas melhoras do doente sejam o primeiro passo para uma cura segura e dura- doura (•). OBSEBV.tÇAO III. gafeira: mutilação dos pes, anesthesia, não e caso único na sua família. E. E. de 45 annos d'ida(Ie, temperamento bilioso, solteiro, na- tural de S. Quintino, junto ao Sobral do Monte Agraço, e ahi mesmo residente; era almocreve. Tem uma irmà neste mesmo hospital com Elephanliasc, posto que na sua familia nào tenha idea de ter havido outro algum caso desta enfermidade. Teve syphilis primitiva antes da gafeira. Ha doze annos, estando a suar muito, mergulliou-se n'um banho dagua fria, e deilou-sc depois mal agasalhado; logo no dia immediato (•) \ preparação d'assacú, qiic o doente usou, fui a das pílulas antimorphoticus, cuja rórmul:! é: F-oitc d'assacú 1 „. ., ■ , } — aa — Ires onras Rnuinarbn cm po \ Assucar areado I .. , „ , , 11 j. 1 1 — aa — (lu.is onças Extracto mídle d alcaçus ) Sub-carbonato de polas^a « meia oit. F. S. A. 1728 pílulas cguacs. D'onde sn dcprchende que c.ula uma d:is |iilnl;is antimorplieticis conléni uru (çrãu de leite d'3ssacj, que t a principio activo destas pílulas. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 ." CLASSE. 1 3 foi aconimcUido de violentas dôrcs nas aiticulaoõos dos pcs c das mãos com rontiacoào prrmaiionte dos flexores dos dedos, tornando-se tào aleijado como ainda liojc so conserva. Rccollien-se ao lios])ital n'essa cpoea, CO eslado agtido e doloroso passou; mas ficou a contracção mus- cular e a quasi insensiF)ilidade de todos os extremos, com pc(pienas ulceras calosas nas plantas dos pcs. Já então capitularam a moléstia como Le[)ra. A moléstia tem progredido, as ulceras próprias dos ex- tremos tecm apparecido a ponto de ter perdido já parte das phalanges d'alguin dedo da mão direita (index), e pé escpieido. Ha pouco tcm|io tem apparecido uma cru[)çào pnstulosa nos braços e nas peinas, de (jue tem procedido algumas ulceras. O doente prin- cipia a atacar-se da re.s[)iiação, (|iic é um dos symptomas das termi- nações mais frc([iientes dVslas enrcrm idades: o estado tuljeicidoso in- vade tamlicm o paieiidiyma pulmonar, bem como os piopiios órgãos centraes da circulação. O doente tem sido reputado incurável, tcm- se-lhc feito a medicina symptomatica. OBMEUV.tÇlO IV. ELEPIIANHASE TUBEnCCtOSA LEONINA BEM CARACTERISADA: EXTENSAS ULCERAS DAS PERNAS, QUE SE CICATRISAM COM MUITA FACILIDADE:. CASO ÚNICO NA SUA FAMÍLIA. .1. C 3í annos didade, temperamento sanguíneo, constituição robusta, solteiro, natural de Sabugosa, ereado de servir, c actualmente empregado n'imia tvpograjibia. Diz não ter bavido pessoa alguma com esta enfermidade nem na sua familia, nem na terra da sua residência Sabugosa. Em 1830 veiu babitar em Aveiro, c em 1812 em Lisboa; mas nessa época sendo visto casualmente por um ciiuigião, este llie disse que tinba o mal de S. I.azaro, ainda (juc então o doente não ti- vesse percebido tal. Em I8S3 os tuIicrc\ilos da face tinliam a forma c a appaiíMicia de pcfpienos frunculos, e foram augmentaiido em nu- mero e grandeza, e diminuindo a sensibilidade da orelba e da lace do lado direito; sensibilidade que se restabeleceu consideravelmente depois 1 4 JIEMORIAS DA ACADEMIA REAL tio prolongado uso do guano (clinica do Sr. Branco). Desde 1842 tem oontraliidi) sypliilis \wr diversas vozes; c por varias voz.cs tanibeni llic leni sobrevindo orisi])elas, (pie o tem obrigado a rccollicr-se ao hos- pital. Este cnrcrnio faz excessivo uso de bebidas alcoholicas. Sempre (pie busca este hospital e em consequência de ulceras d'un)a grandeza espantosa na parle posterior c ialeraes das pernas: a sua obrigação junto aos prelos, e sempre cm pé, prcdispue-uo Ibrle- niente para este accidente; porem o descanço, o conservar a cama, e a limpeza, c sufliciente para curar estas ulceras dentro dalgumas se- manas. E' cousa notável: em lodos os doenles de gafeira c dEleplian- tiasc com ulceras, estas se curam com uma facilidade extraordinária, e ipiasi nunca vi sobrevirem incomniodos visceracs por se terem fe- chado estas ulceras, ainda tpic extensas c antigas! Quasi cpie se pode dar como um caracter destas ulceras a sua máxima tendência para a cicatrização, bem como sua prompta reapparição. Este doente tem os tubérculos da face paidos, largos c proemi- nentes, com especialidade nas regiões supraciliares e nas faces, alguns ligeiramente escoriados, a voz rouca, e a abertura dos olhos transtor- nada pelos tubérculos das pálpebras, o que tudo junto liic dá o aspecto da face leonina bem caracterisada. Entrou no hospital a 3 de Dezembro de 1851 ,e sahiu a 21 de revcrciro de 52 curado das ulceras das pernas; tornou a entrar a 21 d' Abril c sahiu a 14 d'Agoslo. É reputado incurável. OBI^ERTAÇlO V. KIEFIU.MIASE TtJBERCCLOS.V LEOiNINA IlLM CARACTERISADA: NaO HAVENDO OUTRO ALGCM EXEMPLO NA SUA FAMÍLIA. V. dc B., 2G annos d' idade, temperamento sanguíneo, consti- tuição robusta, natural da Ilha de Santa iMaria, c residente na de 1'onta- Dolgada; assevera que nem na sua família, nem nas Ilhas de sua na- turalidade c residência jamais observara esta enfermidade: não teve .syphilis antes da Elephanliase. Estando cm 1840 junto de um forno de cal, molhou-se muito. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 1& e para se enxugar foi pôr-se junto de um forno, recebendo ao mesmo tempo o calor do forno e o da insolação. Adormeceu, e de tal modo íicou lelliargico, que só acordou quando já estava cm sua casa, que era d'alii trcs Icgoas, e para onde o haviam levado sem ellc sentir. Quando recuperou o seu estado antigo, sentiu logo fortes dores de ca- beça, muito rubor de pclle, e daiii a dias tubérculos na cara e no corpo lodo. Por espaço de ([uatorze mczcs não se tratou, continuando senipre na vida maritima, e alinicntando-se por conseguinte cpiasi que exclusivamente de peixe: depois foi para o bosi)ital da Illia de S. .Miguel, onde foi sangrado e tomou banhos sulphurosos c pilulas, cuja com- posição ignora; não obteve porem melhoras algumas, c ate 1850 não fez mais tratamento algum. Em Maio de 1850 entrou para este hospital de S. Lazaro, apre- sentando o habito externo da Eicpbantiase dos gregos a mais bem ca- racterisada, sua face está sumniauiente alterada, os tubérculos são es- pardaçados, proeminentes, c malaxaveis, sua voz e rouca desde 1847, algumas ulceras próprias nos membros pclvianos do joelho para baixo voem acabar de constituir csle (juadro desgraçado e repugnante: tem feito uso por largo tempo e na dose conveniente dos preparados das- sacú (()ilulas e pomada) mas sem o menor resultado: alguns tubér- culos teem sido dcstruidos pela acção dos scaroticos (pós de Vienna). É reputado incurável. Como notámos no doente desta observação, bem como se nota em outros muitos doentes de Elepbantiase a alteração da voz, julgamos a propósito dizer alguma cousa sobre esta modificação mórbida tão fre- quente nesta enfermidade. A analogia de estructura, e a transformação, para assim dizer, do aspecto das membranas mucosas cm tegumentos ex- ternos e destes n'aquellas em dadas e especiaes circunstancias, foi de- monstrada por Ilobrcard c por \\'ilbrand, e depois esclarecida e apro- veitada por iMeckcl, lloche e Sanson; de modo que depois dos tra- balhos destes illustres observadores não podia deixar de se prever que as duas superlicies interna c externa do corpo humano deviam neces- sariamente muitas vezes apresentar as mesmas alterações mórbidas e orgânicas. Foi justamente o que a experiência vciu depois, e já antes, a demonstrar dum modo irrefragavcl: as inllammaçõcs exanthema- ticas, como o sarampo, a escarlatina, a urlicaria cte. invadem simul- taneamente as duas superlicies; as infiamniações bulliosas da pelle ap- parecem egualmenle na parte interna da boca, c da pharinge, ainda que nestas partes as bolhas sejam lun pouco mais achatadas; no pcm- phigus tcm-se vcrilicado o que acabamos de dizer; todavia não se tem 16 MKMORIAS DA ACADEMIA REAL jamais encontrado bnllias ainda imperfeitas no csloniago e intestinos dos doentes, que teein sueeumbido ao pempliigiis; as inllaniniarões ves- siciilosas apenas se teeni verilicailo n'a(iueilas regiões da siipeilii-ie in- terna, onde a mucosa é revestida depitlielio: os herpes invadem os beiços, a zona pode propag;ar-sc ao interior da bòea, c as apiítas (juc se Inanifeslani dentro da bòea e na pharinge teein grande siniilbança com os beri)es; a stonialitc e angina niercnrial toem a maior simi- Ibanea com as afleceões da pellc dcscriptas deliaixo do nome dliydrar- gyrile; e posto (pie ate certo ponto as inllamniaçòcs piistidosas pa- reçam faier uma excepção a esta regra, com tudo as tubrrcniosas in- vadem com muita iVeiiuencia as membranas mucosas, c este é o nosso caso: é muito vulgar ver apparecer na Eiephantiase dos gregos os tu- bérculos não só na pclle, mas também na abobada do paladar, nas Ibssas nasaes, na pbaringe e na larynge, o (]uc constitue a voz rouca e desagradável destes infelizes doentes! Estes tubérculos ulceram-se com facilidade, dando um aspecto horrível ao interior da bòea: ordinaria- mente a sensibilidade destas ulceras e nulla ou cpiasi nulla, ainda que actualmente tenho um doente na enfermaria com viva sensibilidade nas ulceras da garganta, e com dores atrozes. É em virtude daquella cir- cunstancia ([uc se tocam com facilidade com qualquer scarotico, dan- do-se ás ulceras uma innammação substitutiva, c cilas caminham de- pois deste tratamento para a cicatrisaçào com tanta rapidez eon)o as (la superfície externa; ainda que também como estas com smnma fa- «ilidadc se reproduzem; o que constitue mais um ponto d'analogia entre as moléstias das duas superlicics. OBSEnv.ic.io VI. KLEPHANTIASE TUBERCLLOSA: SEM TRECEDEMES DE PAMILIA: ATAQUES IIOUROROSOS »E «YSP.XEA: BENEI-ICIO TEMPORÁRIO OBTIDO PELA LOBELIA IiMIXATA: MORTE, AUTOPSE CADAVÉRICA, NOTÁVEL ALTERAÇÃO DA SUPERFÍCIE INTERNA D.\S ARTE- M.KS PULMONARES. M. R-, de 27 annos didade, temperamento sanguíneo, consli- luiçào robusta, natural e residente em Góes, villa onde haviam mais algnns (:lei)hantiacos, posto (juc na fainilia do enfermo nunca tivesse liavido similhante moléstia. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 17 Vc!u para Lisboa ha 18 annos, c ainda cnlão não tinha vestígio algum (la moléstia; foi ser crcado de servir; quando jicqucno tinha lido sarna. Em 18ÍG o doente foi acommettido de im)a febre gástrica, c durante a convalescença desta febre princi|)iou a notar adormeci- mento nos i)raços, nos pés, e nas pernas, e depois tubérculos nos braços; (• sangrando-sc por essa ocoasiào diz terem desapparecido os tubérculos o o enfra(]uecimenlo dos braços e pernas: passado um anno reapparc- ceram os mesmos incommcdos, sangrou-se novamente, mas então sem resultado algiun. Lm 18 47 entrou para o Iiosjjilal e o seu estado em 1850, que foi quando me encarreguei do serviço deste hospital, era o de um ver- dadeiro cicpliantiaco. Tem tido ulceras nas pernas e no paladar, c a voz rouca ha um anno. Este doente foi dos (pie tomou mais guano o assacú, mas sem proveito algum; tem usado também por diversas vezes de preparações de ferro, attcnto o seu estado de dcterioraçào geral. E' muito sujeito a erysipclas. Os cm|)rcgados da casa íizeram-mc notar que os doentes, que tecm fcllo uso do assacú ficam menos sujeitos ás erysipclas do que os outros, (pie o não lêem tomado; todavia o facto deste enfermo, e de mais cinco, que actualmente, em Fevereiro de 1852, estão nas mesmas circunstancias vai desmentindo a(piella asserção. Em 15 de Septembro foi acommettido d'um violento ataque de dyspiica, com f(')rma asmática; accidcnic que se repete muitas vezes ncslcs desgraçados enfermos, e cuja causa nem sempre é bem mani- festa: a auscultação c a percussão não me auctorisaram a suppòr a (íxistcncia de (piahpier moléstia orgânica de ciiculai;ão ou respiração: adminislrei-lhe então a tintura de lobelia inllata, e tive o gosto de observar (pie passados alguns dias do seu uso o atafpic tinha passado; o doente porém ficou summamente abatido, c com as feições muilo alteradas. A 20 de Outubro andando passeando no jardim do hospital, cahiu morto icprntiiiamcnlc, sondo iufiuctifcros todos os soccorros, que immcdialamente lhe prestaram os facultativos do Banco cora aquelle interesse e inlelligencia, que tanto os distingue. A aulopse cadavérica feita 18 horas depois do fallccimcnto, de- monstiou uin giande numero de tubérculos anegrados na superficie interna das artérias pulmonares, logo á sabida do coração; estes tu- bérculos pareciam foiniados por uma substancia cretácea, que rangia debaixo do csralpcllo: o coração estava algum tanto atroi>hiado, c ha- viam adhcrencias, (pie pareciam ser antigas nas pleuras do lado cs- qucrdo. O mais sem aliei aç-ão apreciável. A situação e a natureza destes 1." CLASSE — T. I. r. u. 3 18 MFJÍORIAS DA ACADEMIA REAL tubérculos não a \i ainda referida por auctor algum: seiiain clles a causa da dyspnea, o da morte do pobre enfermo? O estudo da ana- tomia patliologica seguida nos enfermos, (|uc succumbireui a esta ter- rivel enfermidade, c nos (juaes durante a vida se tenham notado os ataques dyspnoieos, é que pode resolver, ou esclarecer este importante ponto da palhologia d'esla enfermidade. On<*EBVAÇAO VII. gafeira: ESTRorr.AMENTO DOS PES E DAS JiAOs: akesthesia: e caso sikgclar KA SUA família. J. B., 25 annos d"idadc, solteiro, temperamento sanguinco, boa constituição, natural de Lagos, onde me consta haver bastante desla moléstia, bem como em todo o Algarve; mas na familia deste enfermo nunca houve alguém com Elephanliase. Este doente era marítimo, pes- cador, nutrindo-sc quasi que exclusivamente de peixe. Em 1842 tendo quinze annos d'idade, e resfriando-sc amiudadas vezes, como é costume da gente do mar, principiou a perceber falta de sensibilidade na mão direita, e os dedos desta mão a tomarem a Hexão permanente; depois passou a insensibilidade para a outra mão, e só cm 1848 é que invadiu o pé direito. Já antes de 1842 tinha tido algumas ulceras nos joelhos, que talvez fossem o primeiro syniptoma da enfermidade. Em 1845 entrou para o hospital de S. José d'onde passou para este de S. Lazaro. Em 1847 foi aos banhos de Monchique, dos quacs não tirou resultado algum. Em 1849 tornou a entrar ])ara este hospital de S. Lazaro; tem tido dilTerentes ulceras nas pernas, nos pés, e nas mãos; mas quasi sempre produzidas por causas externas, de que não é advertido (!m conse<[ucncia da insensibilidade própria da moléstia. Por estas ulceras, (]uando assentes nos dedos, tem perdido algumas das phalanges dos ntesnios, e por isso ficaram baslanlc disformes. E' reputado incurável, tem apenas lido o tratamento local das ulceras. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 19 OBMEnVAÇAO VIII. gafeira: stphius anterior a cafeira: nao e caso único na sua famiua: anesthesia. J. B. de S., idade 47 annos, temperamento sangtiinco, natural de Fafe, rosideiile em Lisboa desde 1H3Í, tem unia irmà com Ele- plianliasc tuberculosa: teve sypbilis quando muito rapaz (blcuorrliagias e bubõcs), diz ter sido tratado regularmente, e que nunca tivera sym- ptoinas de syphilis secundaria: íoi soldado por espaço de dezoito annos. Em .lunlio de 1839 estando quente lavou-se em agua fria, c im- inediatameiíte a sensibilidade das mãos se diminuiu a ponto de iiào poder abotoar a farda! Foi para o hospital de Marinha, onde esteve dois mozes, e fez uso dos banhos do mar; sahindo d"aquelle hospital loi julgado incapaz ])ara o serviço militar, ponjue já então apresen- tava os dedos das mãos em flexão permanente, c passado pouco tempo se verificou o mesmo nos dos pcs; nestes tem tido ulceras, pelas quaes tem pcidido quasi todas as phalangcs dos dedos do direito. Entrou para o hospital de S. Lazaro a 12 dAbril de 18.')1, tendo vindo passado do de S. José, para onde tinha entrado poucos dias antes. E" reputado incurável. OBSERVAÇ.lO IX. CAFEinA: akestiiesia: kão e caso único ka sua fasulia: teve svpiiius antes D.V MOLÉSTIA DE PELLE, A QUAL PRINCIPIOU PELA «SCABRITIES UNGIIVM." » M. J., de GG annos didade, natural de Villa-Verde, c na mesma residente longo tempo, solteiro, temperamento bilio-sanguinco: tem uma irmã neste hosi)ital também com gafeira: foi soldado, c depois ferreiro: teve uma blcnorrhagia ha mais de quarenta annos. 20 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Depois de andar longos ânuos por diversas terras voltou a Villa- Vcrdc em 1812; c atc' essa ('[loca não tinlia signal algum da eníer- initlado a não ser a deformidade das unhas (unhas Liuhosas na íraso ordinária de Portugal); mas foi então que principiou a notar tal se- cura na palma das mãos que lhe era necessário estar a hnmcdccel-as conslanlemcnle com agua ou saliva para poder trabalhar. Depois ap- parcceiam três cmpigens (herpes"') duas nas costas da mão, uma no peito, que terminavam por dcscamaeão furfuracea, c para as quaes tomou banhos do Vimieiro ])or três annos successivos. Por essa occa- sião, pouco mais ou menos, aiipareceu moa pequena borbulha, que se ulcerou na articulação da segunda com a terceira phalange do indcx da mão direita, vindo depois a caliir as ultimas phalanges, bem como já lhe tem cabido outras dos quatro dedos da mesma niào, ficando simplesmente illcso o polex. Na mão esquerda conserva os dedos mi- nimo, annular, e o grande em llcxão permanente. Não tem tubérculos alguns, mas a insensibilidade das màos e dos pe's é completa; a voz não tem alleraçào alguma. Este enfermo é epi()hero, as pálpebras inferiores d'ambos os olhos acham-sc reviradas para baixo, pela contracção permancnle do abai- xador das mesmas; mas sendo esta deformidade uma d'a(piellas, (jue mais vezes concorrem para alterar d'uma maneira horrivcl a physio- nomia destes desgraçados enfermos; com tudo ainda neste, esse defeito não é tão considerável como noutros, cujas historias daremos um pouco mais adiante. Entrou para o hospital cm Maio de 1845. E' considerado como incurável. obs3<:rvação X. PSORIASIS (•): CNCÕES d'l';\GUENTO citrino: emprego do SESQUl-CARDONATO d'amoma. E. do E. S., de S.') annos d'idade, solteiro, natural dElvas, tem- peramento sanguineo. Tovc muito usagre na primeira infância. E não tem memoria de se achar completamente bom em alguma época da (•) Esta cspccio tpin-nos pniccido a Psorinsis iavclcrata do Sr. Dr. Gomes, quo muiliS vczts é o resultado da Psoriasis dilTusa. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 2í sua vida. Tem feito uso dos banlios de Cabeço de Vide, do Estoril, do Arsenal, das Caldas, c de S. João do Deserto; com tudo a iiào serem estes iillimos, todos os outros parece terem-liie aggravado a mo- léstia: tem sentido constantemente um prurilo muito forte; c o único medicamento, (\\\e a experiência tem demonstrado mitigar-llie este liorrivel soniimcnto (i a pomada feita com parles eguaes d"ungucnto citrino e doleo damendoas doces, de que usa desde 1848 (•). Este doente tem por vezes fortes atarjues de dyspnea, e e por isso que or- dinariamente passa mal com lodos os banhos. Tem algumas calvas na cabeça. A moléstia dedara-se por pccjuenas elevações escamosas da pelle, que depois se convertem cm crustas, com maior ou menor suppuraçuo sub-ad jacente nas diversas épocas da moléstia; deixando apóz de si mandias de còr arroxada com sensivel elevação sobre a pclle, assimi- Ibando-sc a alguns nevios maternos, (pie varias vezes temos observado. Em 18 de JMnio de 1852 principiou a fazer uso do xarope de fumaria misturado com o scs(|ui-carbonato d amónia, e loções de co- simcnto de fumaria: usou deste tratamento por longo tempo, mas sem o menor proveito, tste tratamento c aconselhado por Cazenava cm casos análogos. O doente é reputado incurável. OBSERVAÇÃO XI. (íafeiiia: a>'estiiesi.v: e caso singular na soa famu.ia: applicacao do acido arse.moso. O. F., de 2.3 annos, temperamento sanguinco, solteiro, natural da Enchara do Bispo junto a Torres, trabalhador, e ultimamente car- dador de lãa. Não tem idca de ter havido na sua familia caso algum desta enfermidade; com tudo na Enchara diz haverem alguns leprosos. Foi vaccinado, nunca teve sypliilis. Em Agosto de 1817 estando a trabalhar principiou a sentir re- pentinamente formigueiros e adormecimentos de mãos, e flexão per- manente (los dedos d ambas as mãos, porem com mais força nos da uiào esquerda, como ainda hoje se conserva. l'or essa oeeasiào san- (•) Pcssido tempo tem tirado cgu^l proveito da Glycirina. 22 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL grou-se, com o que os dedos das niàos, parece que se abriram mais alguma cousa: depois fez uso de fricções com alcoliol camplionido, o desde oulào alroplii;uam-se-llie as mãos, c perdeu toda a aieào das mesmas. Fazendo porèin uso dos Lanhos do Vimieiro por três annos suceessivos, tornou novamente a adquirir aij^uma acção nas mãos, bem como llic desappareeeram algumas luaneUas rubras f|ue tinlia pelo corpo; luas acUialmcntc tem tornado a apparecer a fog;agem coiu "'rande prurilo; com tudo não tem ulcera ou tubérculo algum. Quanto aos pés teiu tido, c actualmente conserva calos muito extensos e duros nas ])lantas dos mesmos, os quaes sào próprios desta moléstia, e qnc al- gumas vezes se ulceram ligeiramente. A sensibilidade dos joelbos para baixo está quasi como a das mãos. Entrou para esle lios[>ital a 3G de Novembro de 1851; não eslá deteriorado, tem a voz natural, sem barba alguma, e no estado já des- rripto. Em 30 dAbril delSíiS principiou a tomar do licor arscnical de Fowlcr, doze gôltas por dia, por três vezes: no dia 18 de Maio passou para vinte e fjuatio gòltas. No dia 6 de Jnnho suspendcu-se o niedicamento cm virtude de fortes ceplialalgias, que o doente ac- «•usou, e no dia 7 foi sangrado. No dia 13 principiou de novo a tomar dezoito gòttas por dia, que se suspenderam a 20 do mesmo mcz por ••ausa de náuseas, e vómitos, ([uc llie sobrevieram. Tem sentido nniita comichão pelo corpo e dores ao longo dos membros; mas a sensibi- lidade está quasi no mesmo estado. Tomou por conscfpicucia este doente uma onça, duas oitavas, dois escroi)ulos e seis grãos do licor arscnical de Fowlcr, ou dois grãos do acido arsenioso, pouco mais ou menos. OBSERV.l(('ÍO XII. GAFEIRA COMPLICADA COM ESCROPHILAS: ESTROrF.AMEMO DOS PES: EMPREGO DO IIVDROCHLORATO DE CAL IMERNAMEME. F. M., idade 39 annos, temperamento bilio-sanguineo, natural de S. João dos Montes junto a Alhandra, trabalhador, teve bexigas, .sempre residente em Alhandra^: é exposto c por isso nada pode dizer acerca de precedentes de familia. DAS SCIEXCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 25 Tiiilia 12 annos didatlc, e andando a trabalhar nas valias do campo, nieltido nagoa até ao joelho, principiaram a apparccer algumas empig-oiis pelas pernas. Eslas empi-ens tinham grande pnirito, e ter- minavam por deseamaeào c com cilas viveu ate aos 20 annos sem tratamento algum, e comendo de tudo. Aos 20 annos principiou a sentir picadas pelas màos, entorpecimento das mesmas, e contracçào permanente dos (lexores dos dedos. Passado um anno o mal ajjpareceu nos p(!s, vieram as ulceras próprias, por onde perdeu as ]>halangcs dalguns dedos. Conservou-se sem tratamento algum ate í) de Junho de IST)!, em que entrou para o hospital no seguinte estado: Olho direito nào o podendo fechar jiela tracção permanente da pálpebra inferior, voz alterada pela paralisia da face do lado esquerdo. Mào esquerda, alem da flexão permanente dos dedos, já tem perdido as phahmges do annular, ulcera no \>tl direito entre o polex e o imme- dialo com lialo íistuloso, por onde tem saído porções dos ossos do me- tatarso; não está deteriorado de forças, não tem tubérculo algum. Já teve uma ulcera na perna estpierda. Tem feito uso internamente do hydrochlorato de cal dissolvido na uifusilo de fumaria, chegando a tomar três oitavas c sessenta grãos deste sal em dois mezes, com o (|ue o estado local da ulcera fislulosa do pc cicatrisou, o estado geral do enfermo melhorou, e e já passado grande espaço de tempo sem que tenha apparecido nova ulcera, ou exasperação da moléstia de pelle. Incurável. OBSERVAÇÃO .vau. GAFEIRA: ESTROPEAMEMO de pés E JIÃOS: não teve PAnEXTE AIGIM LEPuoso: punruRA iiEMoniiHAGiCA. M. da S. C, de 35 annos didade, natural de Santa Anna, Campo de Coimbra (•), temperamento sanguineo, boa constituição, não foi (•) Rofi-rr o doente que a mnrplirr.i 6 multo freqnenlc nos campos do Mnndo?o: quando a molcslia consiste só no rslropenmenlo d.ns mãos e dos pés rh:imam-llip manelat. !• se app:incem lulierciilos morp/iípu. Aquclla gente d n cimpo do Mondexo qunsi qur SI- alimenta cxdiisiv.inieiitc de peixe s.ilgado, especialmente de sardinha, passumly s^t:>w\i: 2i MEMORIAS DA ACADEMIA REAL vaccinado, nào teve ainda membro al£;iim da siui familia com esta mo- léstia, mas é. frcquenlissima iiaqucllc districto. Tendo 19 anr.os d'idadc, c estando suado, deiloii-se sobre a relva húmida, e imincdiatamcntc princiíiioii a conlicccr l';ilta (rare;To no braço e perna direita, sobro os qnacs estava deitado; paia o (pie se sang;ron, o tomou alguns banlios tépidos, e parcccu-ibe cpie algum bcneíicio tinba obtido destas applicacões; a ponto ([ue ainda trabalhou pelo es- paço de oito annos, ao cabo dos quaes os dedos das n)àos se princi- piaram a curvar pcrmancntcmcnlo, ukerando-se alguns d'elles por querer, apesar do estropcameulo em que se achava, coiiliiuiar a tra- balhar com a enxada, cujo calio sustentava nas mãos com difficuldadc. Por estas ulceras veiu a perder algumas das phalangcs dos dedos: pela mesma occasião liie appareceu outra ulcera na planta do pé esquerdo. Nunca teve syphilis, não tem tubérculo algum, tem a voz natural, c e. barbado. Tomou muitos banhos do cosimcnto saturado de folhas d'licra, e parece-lbe que algum bcnelicio lhe fizeram. Acredito que o beneficio iilo, a qiic se refere esta observação, foi um dos quatro, que no vcriio de 1852 foram a AljUStril limiar is baiihi'S de S. João do Diserto, c cujo relatório appa- reccu no Diar. do Gov. n." 21G de 13 de Septcmbro de 18o2. 1.* CLASSE. T. I. P. U. 4 26 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL dimimiido nos braços clcsilo o liombro ale ao [Jiinlio; lendo porem a sensibilidade normal nas niàus! Já tom estado neste hospital por duas vozes, a primeira em 1847, e a segunda em 1851. Esle doente tem eseroplndas o elepbaiUiasc conjunctamentc. Tem a pliysionomia caracterislioa da Elopluintiase dos Crej^^os, -i^rossos tu- bérculos nas regiões siipracilinrcs, o nariz d(>primi(lo, os lábios giossos, tiiinoros esernpliulosos ulcerados na região cervical, a voz alterada, ul- ceras no paladar, beui como uma outra ulcera análoga na perua cscjucrda. Fez uso por largo tempo do azeite dos ligados de bacalhau, o que pa- rece ter induido vaniajosameute na sua constituição, lllliuiamente usou do hydrocldorato de cal dissolvido na infusão de fumaria, e as idceras debaixo da acção deste tratamento progrediam para a cicatrisaçào. Este enfermo foi para os banhos de S. .loão do Deserto a 1 3 de Junho de 1852 e voltou de lá a 17 de Julho; e jjor isso mencio- nando agora o estado, em que aqui chegou, poderemos ajuizar do be- neficio que tirou d'af|uellas aguas: sua (ácc faz muita didereuça do que era antes d"aquelle tratamento, ainda (pie visto agora pela pri- meira vez pareça bastante dofeiluoso, com tudo, aquellcs (pie o obser- varam antes de ir para Aljustrel não podem deixar de lhe notar a cara muito menos volumosa, os tubérculos das orelhas quasi desvane- cidos, as ulceras da boca cicatrisadas, e a ])elle da face como enge- lhada e rugosa apresentando o as[)eclo da face de um velho, l^ste es- tado da pcllc é, segundo o testemunho do Sr. Couto (•}, uma modi- ficação de multo feliz agouro, quando a agua de 3. João do Deserto principia a fazer seus efleitos curativos sobre as moléstias tuberculosas. Este doente era de todos o mais adiantado e complicado; c por estes clVeitos da agua d'Aljustrel se deixa ver que o elemento escrophuloso também se modifica favoravelmente com ella: merecendo por isso o nome de nronle-Polychresla,» cpie lhe dá o nosso compatriota Fonseca Hcnri(|ucs no seu A(piiiegio Medicinal. Este doente tomou cincoenta banlios, e desde 18 de Junho até 20 do mesmo mez uma onça da agua jior dia; de 20 a 27 duas ouças; de 27 de Junho a li de Julho três onças: c de 14 a 17 (jualro onças em duas porções. Os banhos foram a principio muito curtos, mas os últimos chegaram a vinte minutos, e dois por dia, dando ao mesmo tempo o doente extensos passeios. Estas aguas conlêcm por litro de protoxido de cobre 0,0212 '•) íiuilhcnnc Filippc Thi.igo de Couto, cirurgião em Aljustrel, onde oncrce a meUicitu bj 10 annos. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 .' CLASSE. 27 gramn; c (]'aiilimonio c arsniico 0,0201 grama (Memoria fio Sr. Pi- mentel), o (pic c(|iiivale a | de grão, proximamente, por libra de IG onças; ou -'j de grão (rarsoiiico por cada onça d'agna (-V Esle onfcinio Icz dopuis no Oulidjio seguinte uso dos Lanhos do mar acpii cm Lislioa, como já havia Ceilo no anno passado, e dos quaes parece sempre tirai- proveito. (•) Juntnrcmrs aqui o artigo do Diccionnrio Geographico do Padre Luiz Car- doso, 17ol, áciíici doslas ysu.s d'Aljuslrcl, pois ojulgamis interessante como nutici.! historiei. «Aljustrel, cm Lilim Aljustrelium, Villa na Província do Alemtcjo, Arcebispado d'Eviira, Comarca de Carnpi) (i'Ouriquc, d'oníle dista quatro leguss ao Nascente, uma de Messejana para a n.esaia parle, e noxc ila Vllli de Moiira para a parle do Poente; i do Mcstia !o da Onleni ile Smitiago. Está em altura ilc trinta e sele práus c sincocnta minutos de I, itiluile e dez graus e sile ininulus de Liuigitudc. Fui conquistada ais Mouros por EIRi'i D. Su:clic> II. no anno ile 12:i5; e a 31 de jMarei) do niisaio anno fez odito Uey dii; cão iklli á Ordem de Siintiago, que depois c mfiruiou seu Irmão Ellíey D. Af- fons I III no de i2 15. Llltey D. Manuel lhe deu foral em Santarém a 20 de Septemliro de 15l(t. H- (l'KIRey, e teiu cento e dez moradores, esl.i situada parte na descida de tium nuuite, e parte na pi inieie, que fechi com o mesmo monte, do qual sií descobrem as povo3eõ;'S s:'g>iinles; C:dade de Ueja, ;;s Vill s d'Alvito. Ferreira, Messojana, Ca- scvfi, o C slrc-Verile, tem terreno seu, o qual aliTU dos muites cazacs ou nmntes, como lhe rhamam n sta Província, c rmpreln-nde Iris AMeas, a siber; a Al lea ilas Magras. 8 de Rey de Moinhos, e da Corto de Vicente Annes. A Igreja 1'arrochial eslá fundada dentro da V.ll i he sou Orago o S hador do Mundo. . . . fora (no termo) tem a Ermida de S. João do D.siTlo (leni de (udras) 11 1 na distancia de meia legua desta Villa hunia fuute que tem a mais exe, llenle virtude emeticr, ou vomitória que ja mais se vio: brota esta fonte dentro de liuma Ermida de S. Jo.ão Bniplista, a que chanião do Deserto, da parrdc da parte es:^uerda, c por baixo ddli vai s.hir fora por detrás do Altar, onde forma um ligo q ic nunca séea, porque a fonte carrc sempre perene com a mesma igu I lade. A agua ho er.:ssa e tão ingrata ao gi sto que nenhum animal a bebe; e pila sua niruía .nspercsi, ou austeridade lhe chamào vulgarmente a Fonte Azeda. Be- bida he um e\Ci llenle vouiilorio Iam proinpto e elicaz que com ella se curão si'zões, e se curào outn s muitis ;xliiquis em que o vomitar seja remédio. Cura a sirna brcvis- simamenle, livanlo-se com elli. lie remédio maravilhosa para chig::s, ainda que an- lig.is, c de tiiilrs os m: li'S cutaneis. ali' de lepra no que hi repetidas experiências; to- mada na buci faz l.ineir .is sjnguexng.is que entrarão por illa. o que caila dia se vè nos porcos, os quus Si'nliudo-s.' cimi singuexiig,-s de próprio insliiiclo buseão o lago que está lora da Ermida e lomaniUi a agua na bica sem a levar para baixo, I meão ns sin- gucxug,"s. Cura a gnfeira nes gades c .is su;s sarnns para o que he vulgar entre is la- vradores ainda de terr;;s distantes o mandar os seus gadi s assim grossi s, cnmo miúdos a lavar-si' rum esta agua Cum que eerlamenlc se curiio. D'onde vem o ebamarem a esta Fonte, Fonte .'•'anti pelas niuil.s virtudes que na sua agua se experiment.ào. Passa esta agua por minerars sulfureis, nilres"s, alumincsis e vitriídi s; he listima que havendo cm Aljustrel dentrn do ncss i llein» huma fonte perene d'agua emética t.^-m prompta se- gura c e('caz estejamos usando d'antimonio, ;is veses mal calcinado, c de outros vomi- tórios ainda mais cii-tusos, podendo servir-nos desta agua se se conscrv,-ssc sem cor- rupção, nu tírandu-lhc u sal, cxpcrimcnlando primeiro se fica vomilivai» (Tom. 1.* pag." 321). • 28 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL OBSERVAÇÃO XVI. cmveira: estropeamento de pés e mãos: não tem algum parente com esta moléstia. J. da C. C. de 50 annos d'idade, casado, natural c residente cm Fricllas, traballindor, tempcramcnlo sanguinco, coiisliliiiçào deterio- rada; não teve iiicinLro algum da sua faniilia com esta moléstia, nem se lembra de a ter visto em pessoa alguma na localidade da sua re- sidência. Nunca teve svpliilis, mas teve sarna aos ([uarenta annos de idade, época anterior á gafcira. Em 1844, pouco mais ou menos, andando no trabalho devallador no campo de Fricllas, molliou-sc muito durante a noite, c como a sua casa licava longe enxugou o fato no corpo, dormindo assim enchar- cado n Din palheiro: dahi a oito dias principiou a perceber bolhas aver- melhadas cheias de serosidadc principalmente na face; sangrou-se, c as bolhas dcsappareceram. Mas passados alguns dias principiaram a atro- jiliiar-sc as màos, e perder a sensibilidade dos cotovelos para baixo; o (|ue mais tarde se verificou lambem nos pés até ú articulaçflo do Joelho. Mais larde iílccraram-se-lhe as cabeças dalguns dedos, per- dendo algumas i)halangcs dos mesmos, e conscrvando-se todos os dedos das màos cm llexào permanente. As pálpebras inferiores reviraram-se para baixo, e ])ara fora, dando á face uma expressão repugnante. Teve dois filhos depois de ter a gafeira, mas nenhum dellcs tem o mais leve indicio da moléstia jiaterna. Tem vindo por diversas vezes ao hospital para se tratar unica- mcutc das ulceras; por quanto para a gafcira nunca fez tratamento al- gum. E' reputado incurável. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 .' CLASSE. 29 OBSEBV.lÇ.lO XVII. CAFEIRA LEVADA AO rLTIMO ESTADO DE ESTROPEAMENTO nOS MEMBROS: ULCERAS POR QUASI TODO O CORPO: TRATAME.MO MUITO \ARIADO E INFRUCTIFERO. A. J. A., 37 annos dMdadp, solteiro, temperamento lymphatico, constitniçào dclciioiada, natural das iiniiicdiarões de Yilla Nova da Cerveira; foi sempre de muito Loa saudc. Em 18il trabalhando de pedreiro cm Yalcnra do Douro, por curiosidade arranjava elle próprio a sua ferramenta trabalhando junto á forja do ferreiro. Muitas c repetidas vezes passou rapidamente do calor intenso da forja para o ar frio. Em virtude do f|ue teve uma crysipela no rosto e pernas. Sangrou-se e tomou sudorificos, por con- sellio de facultativo, mas sem proveito: depois fez uso de medicina depurantc e icvoluciva, com a qual experimentou alivios. Continuou nas suas lialiituaes occupaçõrs e dois aniios succcssivos tomou baulios tlier- inaes suliiliurosos. Em 18i3 foi observado por um liabil facultativo, 0 o doente estava no seguinte estado: rosto in- chado, pclle grossa, rugosa, luzidia, fusca, ofli-rcccndo tubérculos mais ou menos duros em di(li'rcntcs jiontos, c alguns do tamanho de cas- tanhas; na região supraciliar haviam elevações muito dui-as e luzidias, que pareciam agarradas ao frontal, do tamanho de uma noz cada uma: 30 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL no globo (lo oliio para o angulo externo apjiarccia um tubérculo do tamanlio ih; mu bago duva. As orcliias túmidas, c tuberculosas. O nariz deprimido, et)!» as azas túmidas e ulceradas. A pelle dos ante- braços, mãos e dedos era grossa, rugesa, e entorpecida. Em todas estas partes apparcciani tubérculos de diversos tamaidios, e consistência, c os da arlirulaçào cidjlto-eaipira cliegavam ao lamanlio de luna noz; pm virtude do (|uc eram diCíiccis c incompletos os movimentos das mãos e dos dedos. As pernas estavam grossas c com ulccias supcrfi- ciaes, os dedos dos pes ulcerados profundamente, e com as |)balangcs dcscubeitas em parte, c com grande entorpecimento dos joellios para baixo, estando os pes completamente insensíveis. Todo o resto do corpo estava sào, c as funcçòes da economia cxccutavam-se regularmcule, menos a voz que ora rouca, havendo alguma tosse seca c curta. Foi depois a Diaga para se tratar c'oiu uma nudlier (]uc lhe dis- seram curava a mor[)ha\i, a qual cm Scptembro de 1850 o tialou do seguinte modo: a|iplieava-lhe sobro os membros enfermos panos embcb'dL)s n"um liquitlo amarcllado, opaco, c ellcrvcscenle. e d'um eliciro c sabor stiplico siíi LÇtr/cris, que cila vendia por alto preço e como segredo seu. Diz ter alguma slmilhança com o leite crassacú, não só por alguns dos seus caracteres ]ihysicos, como pelos seus cf- feitos emcto-eatartieos, (|uando ingerido ])ela boca, sullicicntcmentc diluído. Dava a beber ao doente cosimcnto de salsa parrilha, c tra- tava as feridas com um imgucnio seu projirio. Passados trinta dias depois deste tratamento, que lhe produziu algum bcnelicio, voltou para a sua terra, onde ainda [)or outros trinta dias usou do mesmo tratamento sob os conselhos da dita curandeira; e sangrando-se no cabo deste tempo notou que o sangue não apre- sentava a crusta inílanuuatoria tào espessa como antes do referido tra- tamento; |)oi-èm como os remédios eram muito caros não pôde con- tinuar o tratamento, c fez então uso de preparados dassacú, para os quacs o doente ia de bom grado p?la supiiosieào em que estava de que os remédios da curandeira eram formados d'assacú. Continuou com este tratamento desde 22 do Novembro de ISiiO até Jaueiíode 1851; quando fazia as unções com a pomada do leite d"assacú sentia formi- gueiros por entie a pelle, como (|uap,do fazia uso da agua da curan- deira; e as preparações do assacú (pílulas, e cosimenlo) pioduziram-lhe também, em (|uaiito se não estabeleceu a tolerância, cíleitos einclo-ca- tarticos. Depois deste tratamento os tubérculos tinham dimiimido de volume, algims estavam reduzidos a metade, c a sensibilidade dos ex- tremos eslava menos adormecida. DAS SCIEXCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 3Í Em virtude de sua extrema pobreza resolvcii-.se a entrar para o hospital de S. Lazaro, oiule foi adiiiiltido a 30 de SIaio de I 8;") I , e não só pela conOssuo do faeidlalivo (jue o lialuva idliiDaineiilc, (|uc remcttcu uma ampla cxposirào do andamento da enfermidade, mas pela obser- vação seguida neste liospilal se deixou ver (pie o estado do enfermo em l\Iaio de 1iS.j1 era, com pecpiena diilerenea, o mesmo (jue já apre- sentara ao principio de 1850. Em gcial o tratamento, (pie a(|ui se lhe tem feito é o seguinte: pilwlas de leite d"assaci'i, e na falta dellc, i)iiulas do extracto d'as- saeú, banhos geracs sulpluirosos, outras vezes banhos geraes do cosi- mento das folhas do carrapateiro ^^liicinus comnumis Lin.); scaroticos nos tubérculos mais volumosos e elevados, c largas sangrias de tempo a tempo, remédio sem o (piai o doente; nilo pode passar, sob pena de se lhe aggravar horrivelmente a enfermidade. Depois disto tem feito uso d'nma medicina combinada de preparados d'assacú, e o licor ar- senical de Fowler. Deste tratamento complexo, posto (|uc longo tempo continuado, não tem tirado mais proveito do (pie do outro feito só pelo assacú: o doente tem hoje melhor aspecto do que quando entrou, mas ainda assim está summamcnte alterado, e aleijado. Este enfermo tem uma vontade cxticma de se curar; c sobre tudo de destruir o maior numero ])ossivel de tubérculos com os scaroticos; para este fim, entre outros meios desta classe, tem usado do colodio cantaridado, que me parece não ter preferencia alguma sobre os outros meios d'igual na- tureza, salvo SC a localidade, onde (luizcrnios tentar a destruição, se prestar melhor a este meio de a|t|)licaçào do que aos outros. Em lodo o caso o doente deve ser reputado incurável. OBSEBV>lÇ.lO XVIII. gafeira: considerável mutii-Aíjvo nos dedos das maos, e dos pes: cecueiiu COMPLETA PltOVENlESTE DA MESMA MOLÉSTIA: NÃO É CASO UNICO NA SUA FAMIUA. J. da S., de 70 annos d'idadc, constituição forte, solteiro, na- tural do campo do .^londego, e sempre ali residente: tem dois primos gafeirentos. Foi crcado de lavoura no campo. .33 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Aos 30 annos (l"i(ladc nndniulo traballiaiido com carros e bois, passou-llio uma roda por cima da perna csfiiiorda, de (|ue rcsuUou uma ferida conlusa, a ijual depois de curada, passado tempo tornou-so a intlammar do novo; o por essa oecasiào o i'iior da fieg"nezia , cpic era quem trnlava ali os pobres, vaticinou-llie (|ue elle denlro de dois annos estaria maneta (termo com que designam nas margens do Mon- dego os garoirenlos^: e edecli vãmente passados os dois annos, pouco mais ou menos, principiaram a appareccr-llie bolhas anegradas cheias d 'uma scrosidadc escura nos dedos dos pés c das niàos, c ao mesmo tempo princi[)iou a notar perda da sensibilidade dos extremos, a ponto de não poder trabalhar; c pelo processo ordinário entraram a cair-lhe as phalanges de todos os dedos; tornando-se este doente um daquelles, que cu tenho visto mais aleijado! Nas mãos só lhe restam as pha- langes do polex da cstpierda, lodos os restantes dedos os tem perdido! e nos pés ajienas conserva uma phalange do polex direito! Além disto liaverào talvez onze aimos cegou d'ambos os olhos cm coiise([ucneia de staphylomas, que lhe tornaram opacas as córneas; tendo ao mesmo lom[)o as pal[iebras inferiores reviradas para baixo: numa jialavra esto doente, que é o mais antigo do hospital, é egualirienle um daquelles a quem esta terrível enfermidade mais tem mutilado c lianslornado! Entrou para o hospital a 22 de Junho de 1831). Tem sido sempre considerado como asvlado, e incurável: e a única medicina, que se lhe ha feito, tem sido a reclamada por algum sofliimento intercor- reu te. OBSEBVAC.iO XIX. cafeira: ulcera indoleme ^o septo do nadiz: rso do licor arsenical DE rowLEn. M. R., de 31 annos d'idadc, temperamento sanguíneo, consti- tuição forte, natural de Lisboa, residente com tudo ha longo tempo em Sacavém, onde trabalhando nas fabricas d'eslamparia de chitas an- dava mergulhado todo o dia cm agua fria até meia perna. Como é fxposlo i:ào pode saber se na sua familia houve ou não alguém com esta enfermidade. Teve bexigas, nunca teve syphilis. Foi casado, teve DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 33 quatro filhos, dos qnacs vive nm que tem onze annos, e que não apre- senta o menor indicio desta moléstia. Ha oito annos principiou a notar que as mãos se lhe iam alro- phiando, diminuindo ao mesmo tempo a .sensibilidade das mesmas, e perdendo-a quasi inteiramente na diicita; deiiois disto appaicceiam-llic j)lilyctenas ancgiadas nas pernas cm giar.de quantidade, c com muito ])ruiilo, ulceiaiulo-se passados alguns tlias, de nuxlo (jue teve as pcinas cheias d"ulceras; c ao mesmo tempo se llie uicciou a parle interna das ventas, vindo a perder o septo, e a tornar-se o nariz muito de- feituoso, lorccndo-se para o lado direito, c conservando a venta es- querda (piasi oLlilciada. Para estes jjadceimcntos não fez medicina re- gular; porem quando principiaram a ajiparcccr os ttdjcrculos na região supraciliar, consultou cnliio o facultativo da localidade de sua resi- dência, Sacavém, (|ue lhe declarou ter elle o mal de S. Lazaro; em virtude do que se recolheu ao hospital a 9 dAhiil de 1841), onde esteve vinte e dois mezes. Durante parte deste tempo fez uso do liatamento mcrcurial, que lhe pioduziu um pt3alismo tal (]uc o impossibilitou da maslicação por cs[)aeo de cinco mezes succcssivos! Depois fez uso dos preparados dassacú interna e externamente, deslniindo ao mesmo temj)0 os tu- bérculos da testa com os searoticos; sahindo melhorado nos principies de Ib.il. » Esteve fora do hospital, mas impossibilitado de trabalhar até 30 de Dezembro do mesmo anno, em que de novo tornou a entrar para este hospital de S. Lazaro. Tinha então duas grandes ulceras, uma na mão diicita, c outra na perna do mesmo lado; com tudo ainda não linha perdido osso algum. Depois de cicatrizadas as ulceras appareccu inii abcesso no cotovelo esquerdo com ervsipcla de todo o braço; de (jUC cm breve se curou também. Sempre <|uc molha os pcs ou as mãos em agua fi ia abrem-se-lhe lissuras (•) transvcrsaes nas articulações das diversas phalanges. A 1 1 d' Abril de 1852 principiou a fazer uso do licor arsenical de Fowlcr, princi|)iando por vinte e quatro gotas por dia, c chegando até quarenta c oito; mas ao cabo de dois mezes da sua applicação ■vi-mc obrigado a suspcndcl-o, porque um ptyalismo tão forte como aquellc que lhe haviam produzido as preparações mcrcuriaes, se ma- (•) Eslc enfermo .iprosrnt.i liois symploinns, a quo o Sr. Pr. Gomes ogo que deu baixa foi tiabalhar para os fornos da cal, c aXó 1843 logrou saúde: por esta (?poca, pouco mais ou menos, jjrincijiiou a sentir um grande prurito nas pernas com dcscamação fuiliuacea; Jiara o que nada fez: passado tempo appareceram elcvacuM^s tubercu- losas nas regiões supraciliares, e uma (luigacão fclida [lelo nariz, j)rin- cipiando este a tornar-se defeituoso pelo seu achatamento, e pela perda do septo. Appareccu depois vm abcesso scbre a jiarotida direita, <|ue sendo aberto arliíicialmenlc, diz o doente ter sido depois disso que se llic revirou a pálpebra infciior do olho do mesmo lado, licando egual- iiicnle cpiphoro. Pelo mesmo tempo lhe sobrcvierau) ulceras extensas, c profundas na nuca, no paladar, nas amygdalas, e na pharjiige, (pio lhe tem alterado de um modo muito notável a voz c a respira(jão, lornando-o (juasi aphonico. Nas pernas as ulceras teem sido immensas, cicatrizando umas para se abrirem imnicdialamente outras; também DAS SCIEXCIAS DE LISBOA. 1 ." CLASSE. 4 1 leve uma ulcera na região glútea esquerda tão sórdida e profunda que deu sérios cuidados. Os extremos estão qiiasi insensíveis e dormentes: linalmcntc este desgraçado enfermo apresenta o quadro mais caracte- ristico e mais desgraçado (|ue tenho visto da gafciía. Em 17 de F(!vereiro de l8'iilal. Em 1848 sentiu dores fortes nos membros superiores e inferiores com lumefacção dos mesmos, tendo por esse tempo, conjunclamcnte, um tumor escropludoso em plena supuração no ])escoPo: tomou então banhos do Arsenal, durante os quaes ilie apparcccram os- primeiros tubérculos na face, e logo em grande numero: tomou depois dois ba- nhos do mar, mas as dores das pernas aggravaram-se a ponto ([ue de- sistiu deste tratamento. Em 18 i!) reduziu o seu Iratamcnlo a sangrias, e a purgantes tomados jieriodicamente. Em 18Õ0 entrou para o hos- jiital, onde além do tratamento local das ulceras fez uso de preparados mercuriacs até que lhe ap])arcceu o plyalismo. Saiu com as ulceras cicatrizadas cm Dezembro do mesmo anno. Tornou a entrar para este hospital de S. Lazaro cm Janeiro de 1852: e o sen estado geral era então o de um verdadeiro elephantiaco tuberculoso. Tinha immensos tubérculos, todos de pctiueno volume, até ao tamanho de um grão de bico, quando muito; na face, e sobre tudo na região frontal; a voz não estava alterada: e cousa notável, não tinha alteração de sensibilidade nos extremos! Ainda conservava enfartes glandiilosos (escrophulas) no pescoço. Fez uso do tratamento arsenical (solução de Fowler) desde 6 de Illarço sem o menor ineom- modo, ate fins de Maio; e notou-se duianle cslc tempo que os tubér- culos das pernas se tinham atrophiado sensivelmente; poslo que os da face não apresentassem egual modilicação. Depois que este doente tinha feito repetido uso das preparações arsenicaes, foi sangrado, c seu sangue submettido ao apiiarclho de JMars em 4 de Jlaio não deu o mais leve indicio do conter parlieulas arseni- caes: as ourinas cgualmente analisadas, c obtidas a diversas horas do dia, c com diversos intervallos entre a sua emissão, e a ingestão do medica- mento não deram vez alguma, no mesmo apparelho, signal do conter o aiscnicol O doente tiidia já tomado qualio grãos e uni oitavo de grão do acido arscnioso. Quando se forçou mais a dósC; isto é. quando tomou .setenta c duas gotas da solução de Fowler n"um dia, o doente sentiu tudo (|uanto os Auctores notam sentir-se com estes preparados, isto é, grande jjrurito, impressão desagradável epigastrica, febre, c edema e vermelhidão em tomo dos tubérculos. O remédio foi então suspenso, e passados oito dias uolci os tubérculos menores, descorados, c alguns DAS SCIEXCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 45 apresentando uma criisla, que depois da sua queda quasi que desap- parccia o tubcrriilo, sobic o ([iial asscnlava. Foi depois fa?.er uso das aguas de S. .loão do Deserto juiilo a Al- justrel; o estado da moléstia, (juando foi fazer uso daqucllas aguas, é o que já vem dcscripto. Só no rosto se lhe contavam para cima de cento c vinte lubercnlos distinctos, allcclando o tegumento da face o aspecto de certas cabaças verrucosas nuiito conhecidas em Portugal. Nos braços e pernas também apresentava alem dos tubérculos grande volume devido á intumeccncia dura do tecido ccilular subdcrmoideo, que tanta apparencia dá, algumas vezes, aos membros destes enfermos, com a dos elophanliacos araljcs. I\ilo linha idccra alguma, c conser- vava ainda o tumor cscropliuloso do pescoço (•). Este enfermo depois do seu regresso do Alemtojo apresentou me- lhoras muito scnsiveis; podendo dizcr-se que os tubérculos todos da face diminuiram um Icrço do seu volume, c que as pernas adqui- riram seu natural volume. Em verdade as melhoras cm relação ao estado das pernas eram espantosas. E note-se que este doente bem coQio o da observação xv eram, alem d'clcphanlicos, cserophulosos. E rellectindo cpie o edema das pernas foi o symptoma (]ue mais . favoravelmente se modificou com o uso das aguas de S. João do De- serto, lembra se por ventura ainda a Elcphantiase dos Árabes poderá achar n'a(]uellas aguas um modificador mais enérgico do que a dos Cregosl' i\a conducla de 18Õ2 não foi doente algum desta enfermi- dade; por(|ue o único ([uc então havia em S. Lazaro era mua pobre mulher paraplégica, que não podia emprchender a jornada; porêni depois da partida da conducta entrou um doente com a Elephantiaso dos Árabes, mas muito antiga, que se acaso para o anno ainda estiver no Estabelecimento, e este ensaio se repelir, pode e deve ir a Aljustrel, mesmo como objecto d'estudo("). Este doente também tomou cineoenta banhos, e fez uso interno da agua, como os outros (Vid. obscrv. xv'). Todos os quatro doentes, (pie composcram a conducta de 1832, íizeram uso, durante o tempo que residiram em Aljustrel, de pilulas- purgativas (rhuibarbo c calamolanos) por mais de uma vez. A consi- derável pratica do Sr. Couto tcm-lhe demonstrado a vantagem desta medicina combinada, c intercalada com o uso dos banhos c a. 46 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL l^equeno trabalho acerca do tratamento da Elcplianliase n'iim dos rm- ineios (lo Jornal das Scicncias Medicas de Lisboa do anno de 18ò2. OBSEBV.IÇAO XXVII. cafeira: anesthesia: ulceras com perda d algumas pualanges dos dedos DOS PÉS. A. do V., idade 40 annos, solteiro, temperamento sanguineo: conslituiçào sofliivel: foi vaccinado. É natural de Vialonga, e posto que na sua fiimilia nunca houvesse tal moléstia, todavia não deixa de ser fre(]uente n"a(jucllas localidades, que licam na margem direita do Tejo, e |)roximas ao lio de Sacavém. Tendo trinta annos d"idadc, e andando trabalhando nas marinhas do sal, estando (jiicnte lavou-se no taboleiro das aguas màes: sentiu-.so logo constipado com arripios de frio, porem desprcsando este estado, dcitou-se e adormeceu; mas quando acordou já nào tinha sensibilidade na perna direita do joelho para baixo. Não largou o trabaliio, nem fez tratamento algum; porem nos invernos seguintes moUiando-sc re- jietidas vezes, e enchugando ordinariamente o lalo no corpo, princi- piaram a apparccer ulceras rios pés o nas mãos, sendo a primeira no ]k; direito, que parecia ser como calosa, c a qual ainda hoje se con- serva com o mesmo aspecto: forma \ilccraliva <|ue também é vulgar na gafcira. Tem perdido alguns ossos por estas ulceras, c os dedos tem-sc-lhe tornado permanentemente em llexào. Ainda durante o tempo que esteve lá fora,' sangrou-se repetidas vezes, tomou banhos de cosimcnlo de fumaria, e mettcu por longo tempo os braços e as pernas em sacos clicios de sêmeas ([uentes com vinho, mas sem proveito algum; nem mesmo a sensibilidade dos braços e das pernas experimentou modificação apreciável. Tem vindo ao hos- pital de S. José por sete vezes, apenas para se ti atar das ulceras; mas uma vez curadas estas com applicaçòes loeaes, c o descanço, logo saía. Veio com tudo a final para este hospital de S. Lazaro a 29 de Fevereiro de 18í8. Tem a voz um pouco alterada, e epiphoro do olho direito, todavia o reviramento da pálpebra inferior t; muito pouco DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 47 .scnsivel. Dentro do liospital as ulceras dos pcs augmentam ou dimi- nuem segundo o exercicio que o doente faz: nunca se lhe fez trata- luculo geral algum. É reputado incurável. OBSERVAÇÃO XXVIII. ELEPHANTIASE DOS GREGOS: ANESTIIF.SIA: E CASO UMCO NA SCA FAMIUA: uso DOS BAMIOS DO ESTORIL. A. R., de 34 annos d'idade, tcmporamcnto lymphatico, consti- tuição deteriorada: é casado, tem dois filhos amhos sãos, mas nasceram antes do pai ser leproso: natural da Aldca de S. Vicente na costa do mar, Bispado de Tuy, e ahi sempre residente; com tudo nào foi ah quo a enfermidade o acommetteu, mas sim aqui em Lisboa. É cosinheiro. Não foi vaccinado, nunca teve syphilis antes da Elcphantiasc. ]Nunca houve pessoa alguma da sua familia que tivesse tido tal enfermidade, nem lhe consta que tenha ajiparecido caso algum delia na localidade da sua residência, c naturalidade. lia sois annos estando sempre a trabalhar junto do lume, e ex- pondo-sc repetidas vezes a alternativas rápidas de calor e frio: appa- rcceu-lhe uma erupção de pc([uenas papulas com prurito horrivel so- mente nas coxas; para o que tomou banhos de vapor, e diversos me- dicamentos, que !hc foram aconselhados por um charlatão. A moléstia aggravou-sc, c principiaram a appareccr tubérculos nu face; c mais tarde adormecimento das mãos, que com banhos geracs tépidos recu- peraram sua antiga sensibilidade. Do medicamento, que mais vantagem tirou, foi do uso muito tcnqw continuado do cosimento de iumaria. Veiu de|)ois ao hospital de S. José por causa de uma ervsipela da face; curado d'ella aconselbarani-lhc os banhos do Estoril, de ([ue fez uso por um verão somente, não continuando por falta de meios; desse primeiro ensaio não tirou benclicio algum. Em ICi de Alarço de 1850 entrou para este hospital, e foi nclle tratado pelo assacú, pelo methodo e|)idermico ,'banhos do cosimento, c unções com a pomada), e deste tratamento resultou que os tecidos dcr- moideos se aliophiarain c a pcUc licou mais flaccida, e menos dura. Este 4í MEMORIAS DA ACADEMIA REAL é um lios doentes menos alterado que existem ncsle hospital de S. l.axaro; com tudo apjiarcc-c-llic Irequoiitos vezes uma idcera na perua es(|uerda, (pie cicatriza com lacilidadc, se acaso o doente repousa. Esle enfermo o muito sugeilo a crysipclas de faec. Jií contraiu svpliilis depois de ter a Elephantiasc, c posto que estivesse g-ravemente doente, comtudo os sym[)lomas da sua antiga moléstia de pellc nem se ajjgravaram, nem se modificaram. OBSEnVAÇiO XXIX. EUEPHANTIASE PRINCIPIANDO POR SYMPTOMAS FEDRIS: ANESTIIESIA PARCIAL: USO DO ASSACÚ, E DEPOIS DA COJIBlNAtJÃO DOS PREPARADOS ARSENIOSOS, COM OS DE ASSACÚ. D. J., dc 32 annos d'idade, temperamento sanguineo-bilioso, cons- tituição boa: não foi vacciíiado; é. viuvo, trabalhador do campo, natural d'Aranlió, jimto a Buccllas, c sempre ali residente; e posto que na sua familia nunca houvesse alguém com esta moléstia, todavia diz que não deixam d'appareccr alguns casos d'clla por aquclles sitios: nunca leve syphilis. Tem cpiatro íUhos, todos de óptima saúde, posto que o ultimo já nascesse depois que elle tinha a Elephantiasc. Tendo vinte c cinco annos d'idade, isto c, ha sele annos, fazendo uma jornada a pé, transpirou muito, depois arrefecendo, sentiu cala- frios, e no dia seguinte muito prurito, c borhulhagcm pelo corpo: sangrou-sc repetidas vezes, depois do que appareceu todo inchado: fez tratamento diurético, o edema desappareccii, mas immediatamentc prin- cipiou a notar formigueiros, e alguma insensibilidade nos extremos lauto superiores, como inferiores: neste estado entregou-sc novamente ao seu trabalho usual do campo, e sem conservar dieta alguma, co- mendo quasi ([ue exclusivamente peixe salgado, como bacalháo, sar- dinha, cavalla etc: passado muito pouco tempo o edema das pernas reappareceu, c principiaram a desenvolver-se os tubérculos primeira- mente no peito, depois nos braços, e ultimamente nas pernas; e assim passou até 2õ dc Outubro dc 1851, cm que se recolheu a esle hos- pital. DAS SCIEXCIAS DE LISBOA. 1 .* CLASSE. 49 O seu estado então era, pouco mais ou menos, aquelle, que já foi descripto; com tudo examinado altcnlamente o edema das pernas, sua dureza, estado pastoso, alterarão da côr da pcHe etc., parecia que a moléstia participava tanto ou quanto da Elej)liantiase dos Árabes, e por isso é um exemplo dos nuiitos pontos de contacto entre estas duas moléstias, c como da transiv;ão d'uma paia a outra. O tratamento que tem feito por largo tempo é o do assacú interna, c e.\ternamentc; porem tomando sempre o leite d'assacú internamente cm doses taes que nunca produziram nem vómitos, nem diarrlieas, como o costumo fazer na minha pratica, e da qual não tenho motivos darrependimento. O seu todo melhorou bastante com este tratamento, chegando a nutrir, ao mesmo tempo que o edema das pernas tem diminuido, e os tubér- culos, especialmente os das costas e nádegas, teem-se alrophiado; com tudo quanto á sensibilidade dos extremos não se tem percebido mo- dificação alguma, posto que depois daqucUe tratamento se não sen- tisse pcior. Este doente é dos que tem tomado maior quantidade de leite dassacú: no decurso de perto dum anno, com intervallos diversos, tem tomado jjcla boca perto de uma onça c uma oitava do leite d'as- sacú; ou seiscentas c quarenta e oito pilulas antimorpheticas; e em todo este espaço de tempo, só foi acommettido de uma colite a 16 de Junho de 1852, que apenas a suspensão do remédio foi sufiiciente para a fazer terminar. Notarei egualmentc que a moléstia neste doente vinha muito pouco desenvolvida, e que i)arccia mesmo mais lenta na sua marcha . do que noutros, o que tudo me tem levado a acreditar o ser pos- sível o seu restabelecimento; mas ainda faço este prognostico com muita reserva. OBSEnv.içAo XXX. elephantiase: nunca teve anesthesia! não é caso tnico na .sua famiua. J. P., 18 annos didade: temperamento sanguineo, constituição robusta: foi vaccinado: teve uma irmã mais velha com morphcea: é solteiro, creado de servir, natural da Varsea no CamjK) do Mondego; reside com tudo aqui em Lisboa ha quatro annos: nunca teve svphilis, nem sarna, nem moléstia alguma de pellc, foi sempre muito sadio. 7 50 MEMORIAS DA ACADE5IIA REAL Ha sete mczcs principiou a pcrccbcr-se alguns tubérculos muilo pequenos com algum prurilo, c tanlo ou quanto dolorosos c arro- jados nas pernas, c depois nos braços, tendo augmenlado muito em numero c grandeza no decurso destes sete mezes, e contando-se-lhe actualmente immcnsos com especialidade nas coxas; porem na face apenas tem um quasi imperccplivel na rcgiào temporal esquerda. Quanto a causas refere, que passava os dias nu ma loja de mercearia muito fria e húmida, o pavimento era do lage, e dinverno vertia agua por todas as paredas e chão, o que lhe causava frequentes constipações: quanto á sua alimentação era abundante e de boa qualidade. Este doente apresenta uma circunstancia que posto nào seja o único, é com tudo raro o enfermo que a tem, e vem a ser a de nunca ter percebido diminuição de sensibilidade nas mãos ou nos pés! Nunca fez trata- mento para esta enfermidade. Entrou para a enfermaria de S. Sebas- tião no hospital de S. José a 10 de Maio de 1852, e passou para este hospital de S. Lazaro a 13 do mesmo mez. O tratamento, que então lhe foi prcscripto foi duas sangrias ge- raes, duas pilulas por dia de leite d'assacú, e fricções aos tubérculos com a pomada do mesmo leite. Foi acommettido d'uma erysipcia na perna direita; moléstia muito frequente nestes enfermos, curou-se d'ella, mas obtendo licença para ir passear a 29 de Junho, não voltou mais. OBSERVAÇÃO X.^XI. elephastiase: não é caso cnico na sua família: teve syphius: fez uso, com proveito, dos banhos de s. joão do deserto junto a aljustrel (•). H. G. S., de 33 annos d'idadc, temperamento sanguineo-bilioso, constituição boa, foi vaccinado: teve uma tia paterna com a mesma moléstia. É solteiro, official de pedreiro: teve sypbilis antes do des- envolvimento da Elephantiasc: e natural de Vianna do Minho, mas residente em Setúbal. Foi sempre muito sadio. (•) Eslc doente 6 um dus qualro, quo fez objecto do meu relatório impresso no Siar. do Got. de 13 de Scptcmbro de 1HÕ2. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 5t No principio de 18 4 7, sendo então soldado do Batalhão de Se- túbal, e estando de senlinclla das duas ás quatro lioias da madrugada, apparcccu no dia seguinte com os pulsos inchados c dolorosos, o que íoi considerado como elleitos de ilieumatisnio; mas poucos dias depois apparcccu na região frontal uma cinta aveiniclliada e saliente sem pru- rilo algum; pelo (|tie entrou para o hospital de Setúbal, onde esteve até Junho, tendo todo o corpo, no momento cm que entrou para o hospital, inchado, vermelho c com um sentimento [)articular sub-der- nioidèo, (pie não era prurito, e os dedos minimo, annular, e grande da mão esquerda sem sensibilidade alguma, a qual com tudo á custa de fricções excitantes tornou a apparecer. Quando saiu do hospital de Se- túbal tinha um pcípicno tubérculo na região supraciliar direita que depois augmentou, apparcccndo outros jiosteriormente; podendo no dia 20 dAbril de 1852, dia da sua entrada neste hospital de S. Lazaro, contar-sc para mais de trinta na região frontal. Tem tido constan- temente uma purgação nuicosa pelas ventas, ás vezes ensanguentada, mas nunca com niáu cliciío; c a voz conscrva-se sem alleiação no- tável. Desde então não fez outra medicina mais do que loções á cara com cosimento de lingua ccT\\nz (scolopriidriínii ofjkiunriuit ttc SirartzJ, que lhe jiaicce ter modificado o estado da j)elle. Tem também di- versas manchas sem elevação em varias regiões do ccrpo, de côr ar- roxada ccn) alguma descamação fnrfuracea. Por vezes a moléstia deste enfermo tem assumido uma fúrma aguda, caracterisada pela inchação e vermelhidão geial da pelle, apparcccndo tubérculos como avclãas, sub-culancos, os (|uaes desappareccm depois de passar o estado agudo, íicando com tudo sempre o da face, e os do braço esquerdo. Desde 20 dAbril ate 13 de Junho fcZ uso das pilulas com o leite dassacú, jiomada análoga, c dois banhos lépidos geraes por semana; e tem-se-lhe destruído alguns tubérculos da região frontal com os pós de Vienna. O seu estado quando partiu para o Alemtejo era o já dcscripto, tendo com tudo ajiparccido mais alguns tubérculos, c merecendo particular cuidado ao enfermo o que se lhe manifestou na região mamaria es- querda, pelo seu volume maior do que os outros, e pela exquisita sen- sibilidade, rodomo febril: colite chrokica: morte: autopse cadavérica. J. R., de 55 annos d'idade, casado, tem tido três filhos todos sãos: trahaliiador, natural da Ericeira, e sempre ali residente: tempera- mento sanguineo, constituição deteriorada, não foi vacclnado: teve be- xigas: foi sempre sadio, nunca teve syphilis, nem parente algum com molcslia de pcllc, posto que na Ericeira e suas immediações appa- reçam frequentes casos dElephantiase. Quasi que se nutria exclusi- vamente de peixe salgado. Em Septembro de 18 i9, andando a trabalhar soou bastante, e depois assim suado se deitou sobre a relva húmida, adormeceu, e quando DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 53 acordou, scnliu fortes horripilações, coplialalgia, c o corpo quebran- tado; foi tratado então convenientemente por meios sudoríficos. Pas- sados alguns dias princii)iarani a apparecer tubérculos na rcj,nào fron- tal, nas faces, c nos braços, algum entorpecimento nas niàos, c fortes dores ao longo da perna csípicrda. Nunca mais pôde trabalhar, c o único tratamento, que foz durante os três annos que tecm decorrido de 1849 a 1852 foi o de banhos geraes tépidos; dos quacs, diz, não ter tirado resultado algum, talvez pela falta de methodo com que os tomou. Veiu para este hospital de S. Lazaro a 21 d'Abril de 1852, muito deteriorado, e com os tubérculos da face muito desenvolvidos, c alastrados, tanto nas regiões malares, como nas supra-orbitarias: re- presentava ter muita mais idade do (|uc aípiella, que dizia ter: andava com muita difíiculdadc encostado a uma muleta, por causa das dores da perna esquerda. Logo que chegou principiou a fazer uso do iodu- relo de potássio internamente; mas sobrevindo-llie depois uma forte diarrhca, foi necessário sobreestar n'aquella medicina, e fazer-llie o tra- tamento symptomatico da colite. A pesar com tudo do emprego dos meios mais cfíicazes para fazer suspender a diarrhca, ella zombou de todos elles, o marasmo foi-sc estabelecendo, c o enfermo succumbiu pelas 6 horas da manha do dia 18 de Septcmbro de 1852. Aulopso feita dezeseis horas depois do falleciuiento: três ulceras na origem dos intestinos grossos', os quaes se encontraram muito rctrahidos, e as suas paredes muito engrossadas: disposição muito vidgar na mucosa gástrica e bronciíial dos doentes elephantiacos: li- gado, e baço alrophiados: vessicula felea muito dilatada, e a bilis que estava no fundo da dita bexiga era amarellada, em quanto (|ue a da parte superior era esbranquiçada. Base do pulmão esijucrdo hepatisada. OBSERtMÇ.lO XXXIII. cafeira: nnEOMATisMo chromco: axestiiesia: estropeamento muito notável DE mãos e pés: reversão das pálpebras im'eriores: uso de damios DAS caldas da RAI.NHA SEM PROVEITO, M. V., de 60 annos d'idadc, temperamento bilioso, constituição deteriorada: viuvo, nunca teve Clhos, trabalhador, natural e residente 54 5ie:morias da academia real oin Torres Novas: nunca na sua faniilia houve pessoa alguma que ti- vesse moléstia de pelle: nào loi vaeeinado, teve bexigas, nunca teve svpliilis. A moléstia, que por espaço de vinte annos o incommodou por ataques violentos foi o rheimiatismo adquirido cm virtude de resfiia- inento; porem só passados vinte annos d'alaques rlicumaticos, tendo cntuo o enfermo quarenta annos didade, c ([uc jirincipiou a sentir atrophiamcnto de mãos e pés c falta de sensibilidade nos extremos, c nunca mais as dores rlieumaticas ajiparecerani; e passados alguns mczcs ibrmaram-sc-llie callos nuiito duros nos dedos dos pés, que se ulce- raram, c por onde teui perdido algumas das plialanges dos dedos. Este jnodo de se originarem ulceras nos pés dos gafcirentos é muito fre- cpicnte: os callos apparecem onde naturalmenle a compressão os produz em toda a gente; mas nestes desgraçados dentro em pouco tempo amollecem, apparcee um trabalho supurativo por baixo delles, ulce- ram-se, c as ulceras revestem-se de todos os caracteres próprios das destes enfermos. E por isso necessário muito cuidado e vigilância com as callosidades dos pés dos doentes de gafeira, aparando-as fiC(iucntcs •NTzes. outras obrigando-os a guaidarcm a cama por algum tempo a lim d'evitar a sidisequenle inllammaçào dos mesmos callos: c como ordinariamente estes doentes não tcem sensibilidade nos pés, por isso só accusam aquellas ulceras n'uni estado nniilo adiantado das mesmas; por esta ciicunslancias ainda a vigilância de quem os trata deve ser mais cuidadosa. Este doente é um exemplo muito notável da anestlicsia dos ex- tremos: uma vez pôz o pé esquerdo, que então estava intacto, sobre um tijolo cm brasa, queimou consideravelmente o dedo grande, não percebeu dòr ou iueommodo algum, e só passados dias é ipic em vir- tude de lhe apparecer uma ingua na virilha correspondente, foi ob- servar o pé, e vendo enlão o estado do dedo, c (jue os ossos estavam a níi, pegou n'um canivete e amputou o dedo a si mesmo junto da ultima phalange, o mesmo praticou, passado algum tempo, aos dois immedialos! A medicina, que tem feito, reduz-se a banhos do mar, c de Caldas, mas sem proveito algum, especialmente (juanto a estes idlimos. O doente apresenta os pés c as mãos o mais cslroj)iadas cpie é possivcl, com ulceras callosas nos pés; notando-se-llie egualmentc as ])alpebras inferiores d'ambos os olhos reviradas para fora e jiara baixo: este doente, desgraçadamente é dos que apresentam a gafeira no seu mais alto gráo destragos, e com o aspecto mais repugnante que é possivcl. DAS SCIENCI AS DE LISBOA. 1 .• CLASSE. 55 Entrou para este hospital de S. Lazaro em 1834, tem dezoito annos de casa, e o mais antigo do hospital: desgraçada pnírogaliva! O único tralauicnlo que se liie lia H.mIo no hospital ti apenas o local, e aquclle, que por ventura casos occorrentes tem exigido. OBKRRVAÇ.lO XXXIV. ELEPHANTIASE DOS ÁRABES : LONGA RESIDÊNCIA NO BRASIL. J. J. F., de G2 annos d'idadc, casado, serralheiro, temperamento bilioso, constituição nào deteriorada; natural de Lisboa, residente ha longo tempo no Império do Brasil, ora em Minas, ora no Rio de Ja- neiro: nào foi vaccinado, nunca teve parente algum com moléstia de pelle, posto que seja bastante freíiucnle no Brasil esta espécie d'Ele- phantiase. Foi senqu-e muito sadio e robusto. Desde 1834 para cá tem tido re]wlidas erysipclas na perna es- querda, tornando-se dejiois d'ellas a pelle grossa enrugada, e com as- pecto elephantiaco, exhalando de tenqio a tempo quantidades consi- deráveis de serosidade branca ou amarellada com um cheiro desa- gradável. Depois de dois- annos succcssivos do uso de leite com o co- simcnto de salsa parrilha internamente, e topicamente a nata do mesmo Jeite, achou-se bom; assim esteve ale 1847 c 1848; mas em 1849 talvez por desvio de dieta, fazendo muito uso de pinhões, reappareceu a moléstia, pouco mais ou menos, como hoje se aclia. Veiu do Brasil cm 1850. Entrou para este hospital de S. Lazaro a 4 de Junho de 1852; a perna esquerda tem o verdadeiro aspecto da Elephantiase dos Araljes do joelho para baixo: de vez em quando appareccm umas nodosidades duras, avermelhadas, e com prurilo, (pie o doente aggrava cossando muito, c cnlào apparecem os ditos mamillos como intlammados. mas nào SC ulcerando; outras vezes a perna cobre-se duma camada, dura, eneortiçada, de côr cspardaçada, que muito se assemelha a pelle IIOSO. J. de S. C, idade 18 annos, temperamento sanguíneo, consti- tuição frouxa: não foi vaccinado; não tem noticia que na sua família CO MEÍIORIAS DA ACADEl\irA REAL Icnlui havido pessoa alguma rom moloslia de pclle. E solteiro, natural d'Aveiro, mas rosidtMile cm Lishoa, ereado de servir. Foi sempre sadio, lumca teve syiiiiilis. Alimeiílavu-se quasi (pie exclusivamente de peixe salgado: l)acalluíu, e sardinha. Anies mesmo de vir [lara o hospiud, appareciam-lhe todos os annos j)ela primavera algumas borbulhas eom pruri to na face interna dos braços e das coxas, estas borbulhas ei-am vcírinelhas, acuminadas, que durando alguns dias, deitavam um litpiido seroso, depois achala- vam-se, deixando após si uma mancha arroxada, que {jassado algum tempo se desvanecia. Apenas algumas sangrias geraes era o tratamento, que fazia para este incommodo. Pelos íins de ISiíl. sole mezcs antes dcntrar no hospital, é que princij)iou a notar os tubérculos da face, dos braços e das pernas, e a alteração de voz, mas sem modificação alguma da sensibilidade! Mas quando entrou para o ho,s[)ital, a face era já bastante característica (leonina), e os tubérculos das regiões supraci liares e labiaes uuiito vo- lumosos; além disto apresentava uma pequena ulcera no calcanhar di- reito. Durante o espaço que decorreu dos fins de t851 a Junho de 1852 sangrou-se lá fora por duas vezes. Entrou para o hospital de S. Lazaro a 7 de Junho de 1852, principiou logo a fazer uso dos preparados d'assacú (pílulas e pomada), e do licor arscnical de Fowler, vinte c quatro gôttas por dia; dcs- Iruindo-se-lhe ao mesmo tempo os tubérculos mais consideráveis da face com os pós de Vienna. No dia 10 d' Agosto principiou a tomar dobrado licor de Fowler; mas a 20 sobrevindo-lhc uma angina, teve que suspender-se interinamente aquella medicina, que tornou a usar a 7 de Septembro; mas que a 23 de Dezembro teve de se suspender de novo em virtude duma bronchilc que lhe sobreveio. Durante todo o tempo, que tem estado no hospital, a anesthesia não se tem manifestado, não teem apparccido tubérculos novos, e os existentes parte dcslruiu-se pelo scarotico, e parte tem-se alrophiado pela acção da medicina usada, a ulcera do pe está eicatrisada, as feiçíjes muito mais naluraes, c por isso podo repular-se o doente com sensí- veis melhoras. A vista pois do andamento da moléstia, c do pouco tempo de duração que ella tinha quando o enfermo entrou para o hospital, será este um dos casos de curabilidadeP Ainda assim nào me atrevo a prognostical-o. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. Cf ob«i:rvav-(o xxxix. icuTYOSE geral: anteriormente syphilis: cso do iodureto de potássio, E DEPOIS DO ARSEiNlTO DE POTASSA (•): CURA, F. J., 35 annos ditladc, soUciro, temperamento sanguíneo, con- stituição deteriorada: não tem idea (juc membro algum da sua fa- milia tivesse lido moléstia algiima de pelle: teve bexigas. E' traba- Ibador, natural d' Elvas, residente na mesma cidade. Tem tido muitas febres inlcrmillciiles, de (|ue lhe resultou uma obstrucção de baço. E' cego do olho cs:iuerdo. Teve syphilis primitiva e secundaria (ul- ceras na garganta). Ha longo tempo, desde sna primeira' infância, costumava a gre- tar-se-lhe o scroto (Ragadias), deitando alguma scrosidadc sanguino- lenta com muito jirurito, c terminando por descamarão, ao que o doente chama kIIí^ík/o hratico.n Em Janeiro do aiino de 18õ2 prin- cipiaram a apparccer-lhe borbulhas com a sumidade branca, que dei- tavam alguma scrosidadc (|uando esfregadas: estas borbulhas eram mais ap[)arcntcs e em maior (juantidade nas virilhas, c depois nos bi-aços c j)crnas; alguma medicina fez a este incommodo, sem com tudo deixar de trabalhar, nem observar dieta alguma; c em Feve- reiro do mesmo anno tinha a moléstia tomado o aspecto de largas placas de bostellas (crustas) duras na flexão dos braços, c na das coxas com as pernas; mas pelo S. João, Junho, bebendo muito vinho, e cx- pondo-se a insolações repetidas, a moléstia tomou um incremento c extensão pasmosa, c a da dissolução por rincipiou desde então a apresentar a perna o aspecto característico da verdadeira Elephanliase dos Árabes. Entrou para o hnspilal a 20 de Fevereiro de 1842, foi sempre considerada como incurável; mas ha dois annos a esta parte tendo tido vários ataques cnnplegicos do lado direito, fez-se-lhe o tratamento apropriado, entre o qual vejo pela papeleta da enferma ter tomado também algumas dóscs de strychnina; de sorte que depois destes ata- (pies ficou entrevada na cama, defecando e ourinando involuntaria- mente. DAS SCIKNCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 67 A 28 de Janeiro de 1853 apresenta o seguinte estado: toda a perna direita c o pé cslào ronsideravclinenlc auginentados de volume com a hypertropliia clepliantiaca dos Árabes, com uma còr esbran- quiçada com rugas profundas despaço a espaço, c com um peso em todo o membro ipie lho nào deixa mover. E a Elepbantiase dos Árabes mais bem caract(írisada que tenlio visto: a circunferência da perna no terço superior da coxa c de 22 pollegadas, c na altura da barriga da perna de 19: todo o lado direito, excepto o braço, acba-se um pouco mais volumoso do cpie o esquerdo, especialmente a glândula mamaria direita; e todo este maior volume do lado direito apresenta o aspecto elepliantiaco caracteristico. Subsiste a emiplegia, quanto a movimento do mesmo lado, mas o sentimento parece nào estar lesado: voz diflicil, respiração caiiçadu e preza, digestão boa, defecação O a emis- são da ourina no estado já relcrido. Por mais que buscasse na liistoria pregressa desta enferma mo- tivo ou indicio, (pie me auctorisasse a suppôr que a Elepbantiase n'el!a principiara pela inílammação do S3'stema lymi>liatico (•), ou venoso do membro respectivo, não me pude convencer de tal; e não só isto me aconteceu com esta enferma, mas ainda com mais dois outros casos, que conheço desta horrível enfermidade. OBSERVAÇÃO XLIII. CAFEIRA PRECEDIDA DE RAGADIAS NAS PLANTAS DOS PES: ANESTHESIA CONSIDE- RÁVEL: GRANDE MUTILAÇÃO DOS DEDOS DAS MÃOS, E DOS PÉS. L. M. F., de .51 annos d"idade, temperamento sanguineo, cons- tituição débil: natural de Tliomar, e sempre ahi residente até á idade de (piarenta annos, solteira, teccdeira, e também trabalhava no campo quando se tornava necessário: não foi vaccinada, com tudo teve be- (•) Alanl, c depois d'cUe Raycr pcnsmm que a Elcphintiasc dos Árabes era uma inoloslia cslraiili.i á pcllc, c qiic \inh3 depois a manifeslar-5c spcundariamcnte neste org.io peli detrcncrai.ão própria; ni.is não me tenlio, até hoje, podido conformar com esta íilé.i. Vid. Jorn. da Soe. das Scicncias Medicas de Lisboa(1853j: Uiscursj da sessão sulcmnc anniversaria. 68 MEMORI/VS DA ACADEMIA REAL xigas durante a primeira infância. Nunca houve jipssoa algiuna na sua faniilia, que tivesse esta ou outra alguma luolcslia do i)cllo; mas na sua torra e visinlianoas diz sor iVociuonlo a morplura; cujo appareci- monlo ali so allribiio goralinonlo a C()usti|)a(;òps ou iTsIViainontos da pelle mott(>u(lo-se cm agua (ria (|uando cslào quoulos c suados. Foi sempre nuiilo bem regulada, excepto alguns mezcs, ha longos annos, cm que parece ler sotVrido de chlorose; e continuou a scl-o mesmo dcjMiis do ajiparccimcnlo da gaíoira, ainda ([ue o deixou de ser annos antes da cpoca própria. Ha de haver dezesetc annos, em 1836, principiou a notar fizuras (Ragadias) nas plantas dos pés, as quaos dcsa])parcccram com a appli- caçào da resina dos ])inheiros posta sobre as mesmas ragadias. Passado algum tempo entrou a perder a sensibilidade do braço direito, para o cpie lhe ensinaram metter o braço n'uma caldeira de distillaçào dagua-ardonte, no momento de se lhe tirar o capitel, (juando a operação termina, o que equivalia a um enérgico e temerário banho de vapor! Assim o fez, e inniicdiatamcnte o braço todo desde o co- tovelo até ao punho se lhe tornou numa larga ampòlla; mas sem (|ue a doente sentisse a menor dòr, tal era já então a anesthosia d a(|uella j)arte do corpo! Parecendo-lhc com tudo que depois desta applicaçào tinha ficado com mais alguma sensibilidade no braço a ponto de poder trabalhar (coser, tecer, etc): depois a insensibilidade declarou-se tam- bém no outro braço, e ultimamente nos pés e pernas; mas três annos depois da invasão da moléstia mettcndo as mãos numa barrella muito quente, (jueimou-as a ponto que se idceraram todas, os dedos ficaram desde então jiermanenlemcnlc em flexão, e veio a perder algumas [ilia- langes do polcx, indicador, e dedo grande da mão direita, bem como algumas dos dedos dos pés. E incurável, e como tal asylada. Entrou para este hospital de S. Lazaro em o primeiro de De- zembro de 1844, e nclle se tem conservado, fazendo-se-lhe apenas o tratamento local, e aquelle que tem sido reclamado por alguma mo- léstia intercorrente. Mas pode dizer-se que todas as funcções de sua economia se teem sempre conservado no estado normal excepto as da pclle; o que também não é raro nestes enfermos. DAS SCIE^XIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. C9 OD«EnV.&Ç.lO XL.IV. gafeika: notavkl anesthesia: mutilação considerável de I'es, e mãos: uso dos bamios das alcacarias e das caldas da raimia sem proveito. R. G., (Ic oôr preta, GO .innos didade, pouco mais ou menos, tcmperaiucnto Lilioso, consliluiçào solVrivcl: natural do Rio de Ja- neiro, onde residiu ate á idade de vinte e nove annos : solteira. jVunca houve na sua fauiilia pessoa al{2;unia com esta ou outra moléstia de pelle: era creada du ('osiidia. i\ào loi vaccinada, mas teve bexigas. Foi sempre bem regulada, ainda ([uc com algumas alternativas para mais ou menos, para o que íiiiia uso dos banhos do mar. Esta moléstia que sollre, a galcira, apparcceu bastante tonqjo ainda antes da época critica. Ha de haver mais de vinte e sete annos, estando junto do lume, como costumava, por isso que era cosinheira, notou (jue se ([ueimava fre(|ucntes vezes nas màos, apparccendo-lhe largas e ])rofundas ulceras de queimaduras sem (jue ella percebesse a menor dòr! (aneslliesia). Entào abandonou o serviço da cosinha, c todo aqucllc, em (jue tivesse de lidar com o fogo; e foi por conselho de seu amo, o Barão de Sande, fazer uso dos banhos das Alcaçarias por alguns annos, (! depois dos das Caldas da Rainha, mas sem experimentar modilicação alguma em seus soIVrimcntos (juer com uns, (juer com outros. Passatlos alguns annos sahiu de casa do Barào, e então tornou-se-lhe absolutamente necessário entrcgar-se a diversos misteres para grangear a sua subsis- tência, como o torrar favas, assar castanhas etc, ctc; acontecia-llie aqui o mesmo (pie já linha tido logar (piaiulo era creada da cosinha, isto e', queimar-se fre(|uentes vezes, c das ulceras jirovenientes da acção do fogo resultar o perder as primeiras phalanges dos dedos dambas as mãos, excepto do polex da direita: ficando as mãos por consequência reduzidas a uma espécie de palmatórias sem feitio algum: nos j)es tem-lhe aconteciÉS. A. R., de fiO annos d'idadc, natural d'Ajuda e residente rm Bclom, creada de servir: temperamento l^inphatico, constiuiieno niu!to dete- riorada. Viuva, teve cinco filhos, todos de muilo boa saúdo, e do vi- gorosa organisaeào. dos quacs alguns já fòUcceiam por moléstias ac- «•identacs: seu marido, relerc a enferma, tinha cgualmente Loa snudc. Nunca na sua familia houve pessoa alguma que tivesse esta, ou outra qualquer moléstia de pcUo. Não foi vaccinada, teve bexigas. Foi sempre muito bem regulada, e quando deixou do o ser, em tempo compe- tente, ainda nào tinha esla moléstia, nem vestigios d'ella. Ha de haver oito annos, tendo enviuvado tornou-se-lhc neces- sário, em virtude da sua extrema pobreza, o ir trabalhar fora de sua casa a longas distancias, para ad(|uirir o sustento do seus (ilhiidios: e então acontecia muitas vozes que estava dias inteiros com o falo mo- lhado sobre o corpo, c os pes encharcados desde pela manhã até á noite! Tantas vezes islo se repetiu, ([uo passado tempo ])rincipiou a .sentir formigueiros, picadas, e ultimamente adornioeimenlo nos jics, o depois nas niàos; contrahindo-se-lho permanentemente os flexores dos dedos das mãos, e formando-sc-lhc uma ulcera na planta do pé direito; e por causa d"ella veiu para o hospital de S. .losé (juatro ou seis -vezes; mas logo que se achava boa do pé, pedia alta, o s:diia. Entrou para o liospital do S. Lazaro em 13 de Ontub.io de I8ÍG. Foi sempre reputada incurável, c por isso nunca se lhe fez medicina DAS SCIE\CIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 7| alguma, a não ser a syiuptoiíuuica. Lá fora tomou banhos de vapor de plantas aronialicas, baiiiios do dcg-oladoiiro (•) no matadouro- mas nunca tirou |)arli(lo algum de (|ual(|U('r destes meios. ActuMlmente em 1852 o seu estado e ([uasi o mesmo que já foi descriplo; lendo apenas a ideera na planta do pc direito: riorêm como tem nuiilo pouca sensibilidade nas nulos, tem tido jior diversas vezes ulceras de combustão. Ha pouco tempo a esta parle tem-se-Ihe atropliiado muito sensivelmente a perna es(|uerda; e os dedos dos pes cada vez se vão revirando mais para a planta. Tem perdido já alguns ossos dos pcs tanto das phalanges dos dedos, como do tarso, e do inctalarso. OBKEBr.lÇAO X1,VI. ELEPIIANTIASE, TRINCIPIANDO COM SYMPTOMAS FEDRIS, E COM O ENC0RGITAME7ITO DOS GA.^CUOS UJUMIATICOS: SUA FÓUMA rillMmVA NÃO 101 O TUBÉRCULO M: USO DOS BANHOS DAS CALDAS DA RAINHA. M. T. do R. R., de idade de 26 annos, temperamento sanguinco, constituição soílrivel: solteira, natural de Lisboa, é exposta da Santa Casa da Misericórdia, e por isso nào pude saber se já teria havido esta n-.olcstia em alguma pessoa da sua família; todavia sabe que nent a ama, que a criou, nem pessoa alguma da familia da mesma ama teve já mais moléstia alguma de pelle: residiu constantemente em Sacavém ale á idade de 12 annos: foi vaccinada, e teve bexigas três vezes: teve nuiito usagre (Impetigo larvalis de Gomes, Porrigo lai- valis Will. e 15atm., Teigne niuguense dAlibert) ate á idade de seis (•) Eslrs l)anhos consislrm cm o doonte mettcr o Iir.nro nu perna qnp lhe parece aíTeclada na ferida lio peitu que se faz para sangrar .is rezes \aiuns, no nionienlci ein que são mortas no cuiral. (■•) Este faclu além de outros confirma plenamente o que havíamos asseverada n.T nos^a desertarão recitada a 8 de Janeiro de 1853 na Sociedade das Sciercias Me- díeis de I.ishoa. — Vide «Gazela Medica de I.isLoa» n." 2 de lo de Fe\erejro do mesmo anno, decl.irando que nem sempre o tubérculo era a forma primilita motlida da Ele- phaiitiise dos (iríeis, c que ás vezes prlncipia\a como aljjiins queriam, Al.ird e R.iycr, que prircipi:sse seuipic a dos Arahes; o que também r.ão é exacto quaolo a mim. Vide observações xxxiv c xli desta Memoria. 7? MEMORIAS DA ACADEMIA REAL annos. Gozou scmpro do iiuiilo pouca saúdo, c loi sempre fraca: foi menstruada pela prinicini voz aos IG annos, não ocontinuando já mais a sor rogularnionlo, noni na devida (juanlidade. Foi creada de servir de todo o traballio, inclnsivanionto da cosinha. Tendo 18 annos didade, e estando regulada molhou-se nuiito, do (]ue rosidtou ap[)areeereni nódoas vermelhas no braço escjuerdo, alguma ee|ihalalgia, febre, c lacessitude do corpo: nestas circunstancias roeollicu-se á Misericórdia, c alii appareceram os ganglios lymphalieos das verillias cngorgitados; e considerando o facultativo, (|ue a ti"atava, tal svmptoma como a expressão duma aílbccào syphilitica, prescre- \cu-lho tratamento niereurial, de[)ois do (jual lhe sobrevieram dores fortissimas a todo o corpo; pelo que em tempo opportuno foi ás Caldas da Rainha, onde tomou onze banhos, e donde veiu perfeitamente cu- idada das (iòres, c assim se conservou por espaço de Ires annos. De- j)OÍs tornando a ir servir para outra casa, tornou egualmcntc a mo- ]har-se muito, estando também regulada, e tornaram a apparecer do mesmo modo as nódoas vermelhas por todo o eoi'po com muita febre; curou-sc deste ataque, mas repetiram depois uns após outros com muita freíjuencia, c a menstruação principiou a tornar-se muito irre- gular, c apparecer com largos intcrvallos, ás vezes, de quatro e cinco mczes. Ha três annos é que a Eiephantiase se lhe desenvolveu dum modo manifesto c característico pelo apparecimento dalguns tubér- culos no mcntum, e pela flexão permanente do dedo minimo da mão esquerda; mas ainda até hoje se conserva com a sua sensibilidade Jiatural! O que é. bastante raro. Entrou para este hospital de S. Lazaro a 29 de Janeiro de 1851: tem leito bastante uso dos preparados dassacú; mas sem delles ter tirado o menor proveito; antes pelo contrario a moléstia tem sempre j)rogredido, c actualmente (1853) apresenta inmiensos tubérculos na iácc, nos globos dos olhos, nas mãos, nos braços, c algims d'elles ul- cerados no ápice, e cobertos duma crusta verde-eseura, grossa e com o aspecto da cortiça; o que tudo faz com que esta infeliz doente apre- sente um aspecto repugnante. DAS SaENCI AS DE LISBOA. 1.* CLASSE. 75 OBSEBVAÇ.lO XI;ua 1847 tendo a lace nuiito oppilada foi fazer uso dos banhos de Monchicjue (thermacs), e depois delles é que lhe appare- ceram os ]irimciros tubérculos na face, (|ue hoje são bastante nume- rosos, nuiilo volumosos, e alguns pediculados; o <|uc deu origem a tentar destruil-os por meio da ligadura; mas cjue se não pôde realisar, porque a ligadura lhe fazia grandes dores c uma viva inílamniacão daqucUa ])artc da face, onde o tubérculo estava implantado; de modo (jue foi necessário desistir deste processo. Mas o <|ue ha de mais notável nestes tubérculos é que alguns, sobre tudo o que fica collocado no lado direito da face apresenta na sua superfície os vasos sanguíneos tão bem desenhados, que dão á moléstia o caracter da verdadeira Elephantiase tuberculosa arborisada, dcscripta primeiramente por Adams, c depois por Mr. Rayer (Vide Atlas de Ravcr IManche xiii. Fig. n daprès une figure d' Adams). Tem sido conslautemente reputada incurável, c como tal apenas se lhe tem feito o tratamento das moléstias intercorrcntes. 76 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL OBSERVAÇÃO XLiIX. ELEPIIANTIASE TUBERCULOSA, TRATADA LONCO TEMPO PELO METHODO DA DES- TRUIÇÃO DOS TUllERCULOS PELOS SCAROTICOS HAIS ENÉRGICOS: IMUTILUBADK CURATIVA DESTE PROCESSO: ESTROPEAMENTO DE PÉS E MÃOS: RESULTADO DESTAS APPUCACÒES? M. M. do L., de cincoenta e cinco annos didade, solteira, tem- peramento sanguineo, constituição soflVivel: natural de Lisboa, e sem- pre residente nas immediações do rio d' Alcântara; nunca leve parente algum com moléstia de pellc. Nào foi vaccinada, teve bexigas na pri- meira inlhncia, e depois tinha (Prorrigo furfurans Gom.) Foi mens- truada pela primeira vez aos 1 7 annos, estando já entào boa da tinha; e sempre continuou a ser bem regulada até perlo dos cincoenta annos. Occupou-se sempre no serviço de portas a dentro, tanto cm casa de seus pais, como depois que perdeu o asylo de sua familia. Tendo dez para onze annos didade, a fim de cumprir um voto que havia feito, foi por diversas vezes descalça á rua, em tempo muito luimido: d uma destas vezes resultou o apparecimento de caroços como azeitonas ao longo das pernas pela parte posterior das mesmas: estes caroços eram vermelhos e dolorosos: depois desapparcceram os caroços e ficaram manchas arroxadas, que passaram a amarcllas, e ultima- mente se desvaneceram sem fazer remédio algum, e sem lhe ficar lesão ou signal qiial(|ucr deste ataque; porem aos dezcnove annos ap- pareceu um tubérculo no braço direito, (jue se fundiu e desfez; e de- pois outro na face: e pelo apparecimento deste da face é que a mo- léstia foi reconhecida. Largos annos a moléstia se tornou estacionaria, mas a doente conservava-sc ordinariamente mais vermelha do que antes do apparecimento do tubérculo da face. Tendo completado vinte c cinco annos, e tendo entào já alguns tubérculos nas pernas, entrou para o hospital de S. Lazaro, onde se conservou vinle e seis mezes, c durante este período, posto que se llie fizesse tratamento, a moléstia aggravou-se muito, tomando a face u verdadeiro aspecto leonino. Quando sahiu do hospital sujeitou-se a DAS SCIENCIAS DE LISBOA. I." CLASSE. 77 cautcrisações violentas, e nuiilo extensas de todos os tubérculos da face: c jiassados cinco mczcs recoUicu-se novanicnle ao hospital, onde esteve quatorze inezcs em tratanienlo tanto interno, como externo, consistindo este no uso descarolicos; ainda tornou a saliir uma outra vez apenas melhorada, conserva ndo-sc fora do hospital jior três annos, e depois voltando para o hospital em 1830 nào tornou a sahir até hoje (1853). Actualmente tem tubérculos volumosos nos dois olhos, que lhe cobrem quasi toda a córnea transj)arentc, e pouco vê já do olho es- querdo, e nada do direito. As miios esiropeadas, tendo em flexão per- manente os dedos minimos, que a doente diz ser o resultado das cau- terisações repetidas, que lhe lizcram aos tubérculos dos braços: os pés também estão muito deteriorados, e ha dois annos a esta parte tem uma ulcera no peito do pé direito, e outra sobre o maleolo interno. A sensibilidade das mãos principiou a altcrar-se ha de haver oito annos, sentindo agora mesmo grandes formigueiros quando melle as mãos em agua muito quente, ou muito fria. OBSERVAÇÃO L. GAPEIRA; PRODUZIDA PELA ACÇÃO DO FRIO llUínDO? ESTROPEAMENTO DE HÂOS, E DE pés: uso dos banhos THERMAES DE MANTEICIS: COHPUCAÇÃO D EPILEPSIA. A. J., de trinta e oito annos d'idade: solteira, natural d"01iveira do Hospital, mas residente desde a infância cm CaslcUo-Branco; foi sempre creada de servir de todo o trabalho de casa, como lavar, es- fregar c cosinhar. Não foi vaccinada, mas aos oito annos d'idade teve bexigas conllucntes. Foi regulada pela primeira vez aos dezenove annos; não (i a primeira vez que observamos que as doentes destas enfermi- dades foram demasiadamente serôdias no appareeimento desta funcrào tão importante á saúde das mulheres; e logo desde a primeira vez que o foi, como se molhasse considei-avelinenle estando regulada, houve uma eomi>lela suppressão da (Uixão menstrual, com febre, e appan'- ciinento dum rubor interno por lodo o corpo (escarlatina?) para o que 78 aiEMORIAS DA ACADEMIA REAL foi necessário fazer tratamento antiplilogistico, até largas sangrias. Só passado um anno é que Uie tornou a apparccer a menstruaçào, c du- rante todo esse anno, que durou a anienorrhea, passou sununamcnto incouHuodada, mas nào llie tornando a apparecer cousa alguma de lielie. Ha de haver dez annos pouco, mais ou menos, andando a lavar uma casa no nicz de Janeiro, (jue era cxlremamcnle frio, sentiu as mãos adormecidas c enregeladas a ponto que nào pôde continuar a lavar a casa, e foi immedialamentc a(|uecel-as junto do fogo; desde logo lhe ficaram em semillexào os dedos das màos exccptos os polex, .sentindo conjunctamente grandes formigueiros, que se estendiam dos dedos ale aos hombros, c ao mesmo tempo o dedo minimo do pé es- querdo ficou do mesmo modo que os das mãos: cgualmcnte, cm vir- tude da pouca sensibilidade das mãos fez uma ulcera por combustão na pídma da mão esquerda, que levou muito tempo para cicatri.sar. Foi depois de tudo isto fazer uso dos banhos thcrmacs de Manteigas, mas sem tirar delies o menor proveito. Em KSi i entrou para o hospital de S. José, onde foi sangrada, e tomou a principio baidios snlphurosos, e depois banhos do mar; mas sem que experimentasse modidcação alguma no estado das màos ou dos pés, ou no gráo de sua sensibilidade. E sahindo do hospital cm 184") tomou quinze banhos das Alcaçarias, mas também sem o menor resultado. Depois tomou a entrar para o hospital de S. José, e deste foi transferida para o de S. Lazaro, onde se conserva ha sete annos. Esta doente costuma ter ataques violentos depilcpsia, mas com largos intervallos entre si: tem tomado todos os annos durante o verão Lanhos geraes, assim como tem feito bastante uso das preparações fcr- roginos;is. É reputada incurável. DAS SaENCIAS DE LISBOA. 1 .* CLASSE. 79 COllSIDERAÇÕES, E CO:\CL,C SOES. Todas as considerações que fizermos serào deduzidas da fiel in- terprclaçào dos factos consignados nestas cincoenta obsenações. Assim como desejámos ser exactos e fiéis na narração, faremos ([uanlo em nós couber para sermos lógicos e rigorosos na apreciação e inter- pretação dos mesmos factos. Cvonliccemos ser ingrato este trabalho, e sabemos egualmente o modo por que o poderíamos amenisar com uma erudição que deleitasse, mas que ao mesmo tempo receiámos que alterasse tanto ou quanto o rigor, que nos imposemos ipiando ten- támos escrever esta Memoria; e e por isso que preferimos a singeleza descriptiva, e o rigor da dcducção ás galas duma dicção menos pró- pria d'assumplos, como este. Trataremos os graves pontos da curabilidade, da hereditariedade, do diagnostico c outros, mais como resultados estatísticos dos factos referidos, do que como pontos controveHidos, e que a sciencla pod« resolver por diversos melhodos. Dir-nos-hão talvez que as observações apresentadas são em muito pequeno numero para servirem de base a trabalhos e considerações estatísticas; reconhecemos toda a força do reparo, mas respondereuios que desejando ajienas colllgir factos nesta es[)eciaildadc para qut; sommados um dia cnui outros colllgidos nou- tras localidades e debaixo de ciiTunstancias diversas se possa de todos elles tirar as verdadeiras consequências, nem por isso devíamos deixar de fazer, com a devida reserva, a respeito daigumas parcellas ncpiillo que multo desejamos que venha um dia a fazer-se acenda da souuna total. Esta circunstancia, e este desejo da nossa parte attenuará, senão justificar completamente, a estreiteza do nosso trabalho. 80 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL CDKABIUDADE DA ELEPHANTIASE. Da historia destes cincocnta doentes, que acabamos de referir, SC pódc concluir que o doente da observação ii foi reputado curavel desde que entrou para o bospilal, e julgo mesmo tcr-se curado de «ma demonstração dElcpliantiasc dos Gregos apenas iniciada; é du- vidoso para mim se os doentes das observações xxii, xxix e xxxviii se rcgado: os tubérculos desnpparcccram tolahncnle, a sensibilidade rcstiluiu-se, e tendo todas estas melhoras mais de um anno de duração, parecc-me .sereni fortes garantias de uma cura couqílcla: graças ás aguas de S. João do Deserto. A observação xxix referc-se a um doente, que ainda hoje (1853) está neste hospital, o qual debaixo da acção «lo tratamento pelo as- .s(Ci'i adquiriu grandes melhoras; com ludo, como actualmente (1 854) os tubérculos tccm augmentado, e a sensibilidade diminuído, suppomos <]ue aqiiellas melhoras não foram mais do que uma paragem da en- jcrmidadc, como muitas vezes costuma acontecer. O pouco tenqio de duração que tinha a moléstia no enfermo, que faz objecto da observação xxxviii, dcu-me alguma esperança acerca <Ía sua ciirabilidade; porque infelizmente todos os doentes, que vêem para o hospital de S. Lazaro, entram com a Elei)hantiasc tão adian- tada e tão inveterada, que é uma outra causa não menos poderosa do DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 81 que a própria rebeldia da molcslia, que se oppõc á sua cura; mas ainda assim o tempo decorrido dosde a sua entrada ale á sua saliida, e al('m dislo o jioiico ou ncnliiim fruelo obtido do tratamento em- pregado teni-me leito modificar o meu profjnoslico provável, como era. Todos os outros doentes devem ser reputados como incuráveis; e deste modo é o hospital de S. Lazaro da cidade de Lisboa antes um asylo d elephantiacos incuráveis do (juc um lios[)itai de moléstias de pclle, como convinha que fosse, nào só para o ensino, como para a sa- lubridade publica. Fazemos votos, e empregamos incessantes exforços para que o Eiitabelecimento tome este cai-actcr. DEVE A ELEPHANTIASE REPUTAR-SE COMO ENFERMIDADE HEREDITÁRIA? A opinião dos homens mais competentes, e que tecm tratado e observado maior numero dCIcpliantiacos, nào está ainda de acordo áccTca fia resolução deste problema; torna-se por consequência sum- mamente iitil que se collija o maior numero de factos, para um dia a seiencia se poder manifestar duma maneira decisiva, fundada sobre a observação e a experiência, cjuc são as mais solidas bases das ver- dades medicas. Depois de numerosas experiências feitas no hospital da INIadeira, J. Adans, c Th. Hcrberdcn jicnsam não somente (pie a Elephantiasc jx)dc ser hereditária, mas ([uc cila se transmitlc algumas vezes por muitas gerações. As indagações do Dr. Ainslcy na Índia confirmam a crença daquelles sábios observadores. Mr. Alibert observou alguns factos no mesmo sentido. EsIhI' moléstia costuma ser mais frequente antes da idade da pu- berdade do que depois d'clla, mais connnum no sexo masculino do que no feminino, e finalmente segnnilo o testimunho do l)r. Soares de Jleirelles do Brasil muito mais irccpicnlc nos temperamentos san- guinco c bilio-sanguineo do que nos outros (•}, o que está dacordo com a nossa ])n)pria observação. Mas em relação á hereditariedade ou não hereditariedade da Ele- phantiase a nossa observação está muito longe de coidirmar a heredi- tariedade desta moléstia; por quanto nas cincoenla observações, que (•) Tr,iité thcoriquc et pratique dcs maladics de la peaii. Raycr. pag. 310. 1." CLASSE T. I. r. II. 11 82 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL fazem objecto deste nosso trabalho, apenas quinze po porque destas mesmas quinze observaeõ(;s apenas nos en- fermos da XIV e xxxvh é que seus pais eram clephantiacos, e nos da XI, XV c XL suas niàis; mas (juanlo aos outros só referem (jue alguns seus parentes já tinham tido Eicphanliase, mas (|ue nào nos aucto- risam a suppòl-a hereditária, taes são os das observações i e xviii que dizem terem jirimos eleiíhanliaoos: os das observações ni, viii, xx c XXX irmãos: e os das observações xxxi c xxxvi tios. Donde podemos concluir ((ue de cincoenta enfermos, ((uasl todos clephanliaeos, a[)cnas cinco podem apresentar precedentes de familia que justiliípiem a he- rcdilariciladc da moléstia. Nem um só temos observado, (|ue nos re- fira (|ue a Elepliantiase já existisse na sua familia (Mn muitos de seus ascendentes. A nossa observação nesta parte nào está de acordo coiu as de J. Adans, c Th. Herbcrden. E necessário alcfm d'isso advertir que esta conclusão, a que che- gamos, não é só a consequência immediata dos cincoenta casos refe- ridos neste trabalho; mas consultando os nossos apontamentos de todos quantos enfermos teem entrado para este hospital de S. Lazaro, desde que está condado aos nossos cuidados, achamos que por excepção um ou outro apresenta algum precedente de familia, do qual se possa concluir que a Elephanliase deva ser considerada como hereditária. ANESTHESIA, SVMPTO.MA IMPORTANTE DAS DIVERSAS ESPÉCIES D ELE- rilANTIASE. Sobre os cincoenta casos, de que faz menção este nosso trabalho, quarenta e cinco ])ertencem a elephantiacos de diversas espécies, e destes ajienas dez não apresentam inodilieação alguma na sua sensi- bilidade peripherica em alguns dos períodos desta horrorosa moléstia. I)c sorte que na Elepliantiase pode asscverar-se ((ue os doentes que apresentam este symptoma cslão para os outros, que o não referem, na proporção de 'Ah:\0, ou como 7:2. É por isso que o Sr. Dr. Gomes lhe dá tanta importância (••) aprcsentando-o como caracter do género Elepliantiase, e referindo-o (•) Esths observações sào as i, ni, viii, xv, xviii, w, \\\, xxxi, ixxvi, il t IIVII. (••) Eiisjio Dcrmosographico, ou Dcscriprão das doenças cutâneas pa;. 117. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.* CLASSE. 83 com preferencia a todos os outros; e teve razOo, por quanto todos os Dcrmosologistas são concordes iia grande importância dcslc symploma para o diag^noslico da Llcpliantiasc {•). Com tudo lia duas circunstancias muito importantes a notar nesta manilestaçào funccional ijuc tào ligada anda com a IClephanliase: — primeira, desta arte pu- nliam as extremidades ])criplioricas dos nervos a coljerto das impres- sões dos modilieadores externos; e por isso estes doentes, qiuisi eomo reduzidos ás condições dos panebidermes, íieavam ])or consequeneia mais ou menos anesthesicos; mas depois que principiamos a observar que a anesibesia n'uni grande numero de casos aeouipaniia, c precede mesmo a alteração da pelle, reconbeccmos desde logo a insufíiciencia da nossa explicação. No estado actual de nossos conbecimentos não c possível dar uma explicação satisíacloria da ancstbcsia, como symplouia da lílcpbantiase: a anestbesia é, sobre tudo, para a gafeira como o prurito é para as erupções papulosas; mas isto não é mais do que exprimir o facto. Todos os Dermosograpbos consagram um ou mais capitules de suas obras ás ncvrozes da pelle; e com razão, por quanto as altera- ções da sensibilidade peripberica não são menos uma moléstia da pelle do que os cri,themas, as papulas, ou os tubérculos; não ha por conse- quência motivo algum para as excluir d'um quadro completo de mo- leslias cutâneas. Mas quando se estudam esses homens qne mais es- pecialmente SC teem dedicado á Dermatologia, vè-se que a não serem as nevroses da pelle, que andam ligadas a alterações mcehanieas dos nervos, ou das suas immcdiações, as quacs por consequência teem uma explicação satisfactoria, quanto ás outras a fallar a verdade nada adian- tam em relação á sua etyologia; taes são os casos d'aneslhesia cutânea mais ou menos extensa referidos por Mr. Ilayer, Th. Barlholin, Alex. Reid, Matbous e outros. Mas ainda assim não são estes os casos, a que nos referimos neste artigo; pois que nào tratamos actualmente da anestbesia idiopatica, ou constituindo cila per si só uma moléstia de pelle; mas sim da anes- tbesia como synqiloma, ou pelo menos como modificação da sensibili- dade peripberica tantas vezes ligada á Elepbantiase. Algumas vezes os vasos sanguíneos solTrcin tão evidentemente uma mol(!stia preexistente á Gafeira e á Elepbantiase, e esse sollrimcnto tem tanta analogia com a arterite precursora dalguns casos de gan- grena senil, que faz lenibrar se por ventura essa modificação dos pe- quenos vasos arteriosos, assim como é a causa das nódoas verdadei- DAS SCIEXCr.VS DE LISBOA. 1." CLASSE. 8ã ramcnte gangrcnosas da Gafcira, seja tamLcm a da insensibilidade jíar- cial dos galeirentos o elo[iliaiiliacos? Com ludo como iiiiiit;is vezes nem essa arterite se veriliea, e alem disso a aneslliesia aeonimette parles onde a moléstia de pelle ainda se não verificou; por consequência esta nossa explicação nào pode ainda ser recebida como salisfactoria, e suf- ficienle ])ara todos os casos d ElopliaiUiase com aneslbcsia. Geralmente iallando, causas summamenle debilitantes sào as mais communs da Elepliantiase, e bastantes vezes um estado de languidez e lacessitude geral precede o desenvolvimento das diversas espécies de Elepliantiase, e alem disto como por via de regra a anestbesia cos- tuma manifestar-sc uos pontos mais distantes do centro da circulação; poderia talvez este conjuncto de circunstancias fazer lembrar se por ▼entura a anestbesia seria mais uma expressão dessa debilidade radical manifestada pelo systemá nervoso? Nosso espirito nào íica na verdade mais satisfeito com esta explicação do que com as outras; por quanto muitas vezes tal estado denfraquecimento geral se nào manifesta, ao mesmo tempo que apparece evidentemente a anestbesia. De todos os modos de conceber a origem e causa próxima das moléstias orgânicas c constitucionacs, nenhum de certo nos satisfaz tanto o espirito, como o de suppol-as dependentes d'uma alteração do sangue: opinião que ad([uire immcnsos gráos de probabilidade com os progressos da cbiniica orgânica, e com as revelações da micros- copia. Será por tanto a aneslbcsia na Elepliantiase uma condição do systema nervoso, filba da alteração do seu estimulo natural o sangue arterial:' Pode ser que seja: mas uma tal explicação nào passa de mais uma iiypotbesc, como tantas outras, que nào nos podem deixar plena- mente satisfeitos. Mas seja (jualquer que for a maneira por que se tente explicar a aneslbcsia na Ele[ibantiase, o que nós podemos é reduzir ás seguintes regras tudo quanto nos parece saber-se a este respeito: 1.' A anestbesia é um precioso symploma para o diagnostico diíVerencial da Elei)banliase ainda em periodos, (|ue a moléstia pôde ser confundida com outras aflccçõcs tuberculosas da pelle. 2.* A aneslliesia e mais commnm na Gafcira do que na Ele- pliantiase dos Gregos; não a lemos observado na dos Árabes. 3.° A anestbesia algumas vezes precede, outras acomiianba ou segue o desenvolvimento da Elepliantiase. 4 ." A anestbesia vcriflca-se no maior numero de casos com preferencia nos pes, c depois nas mãos: rai-as vezes no tronco a não ser nos pontos, cm que assentam os tubérculos, ou as mancbas. 86 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL f).* Quando a anostlicsia so complica bom outra aberração de scnsibilidaiio como o priirito, a dôr, os formigueiros , quasi sempre isto denota (]ue, alem do elemento elephanliaeo, outro (jtKilCIA, QVF. SF. PODE SUPPOR QVF. AS LOCALIDADES, F.M QVT. RESIDFJa OS DOENTES, EXERCEM SOBRE A PRODUCCÃO DESTA ENFEKJIIDADE. Tem-se notado que nalguns paizes existem localidades, onde certas moléstias reinam endcmicamcnte; e o estudo das circunstancias de lo- calidade, onde essas moléstias a]iparecem quasi constantemente, tem uma importância decidida não só para o conhecimento da etyologia do taes enfermidades, como lambem para a destruição total, ou nio- diíleaçào parcial d'cssas mesmas causas, quando isso é possivel. Em referencia á Elephantiase sabemos por exemplo que as Astúrias na Hespanha, c VitroUcs c Marligues na França são as regiões, onde ella costuma appareeer com mais frequência (•). Haverá egualmenle para Portugal \\m Yilrolles e Jíartigucs, ou umas Astúrias, como existem para a Hespanha c para a França? E serão o Algarve, e os campos das margens do Tejo c do Mondego, as malfadadas regiões, que pos- suam tão horrorosa prerogativa? As noticias que temos ácerea da fre- quência da Elephantiase nestas localidades, fazem-nos acreditar I VARIAS MOLÉSTIAS DE PELLE E SEOS RESULTADOS. Somos chegados ao capitulo, talvez, mais importante do nosso tra- balho: promettemos ser como até aqui fiéis e escrupulosos nas descri- pçòes, e muito circunspectos na apreciação dos resultados dos medica- mentos empregados, objecto sempre summamente difíicil em Medicina prática. Este capitijlo, attenta sua natureza, nào pode ser escripto com muita symelria e ordem; clle será ajienas uma relação desses meios empregados já para dcbcllar a moléstia, já para minorar symptomas, e a narração fiel das modificações (jue teem produzido nas mesmas moléstias: deste modo se o capitulo não poder agradar pela sua de- ducção e nexo; pelo menos otVcrecerá ao pratico uma coUecção de re- sultados, (|nc lhe pôde servir de grande auxilio na sua vida clinica. O capitulo será subdividido em tantos artigos quantos os meios especiaes de que temos feito iiso no biennio de 1851 a 1852 na no«$a pratica do hospital de S. Lazaro. 1.* CLASSE. T. t. r. II. 12 90 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Guano (•)■ — Os doentes, que fizeram uso do gu.ino foram os da» observações iv e vi, em banhos; e o da observaeào vi ]>or larí;'o tempo. mas sem proveito algum. Este tralainciilo íoi applicado iiuiilo lemjio antes de cu ter tomado a direcção deste hospital, e por isso nada mais posso acrescentar a respeito dcsla applicação. Collotlio. — O collodio Ibi ap|ilicatl() nos cnCermos, {|ue fazem ob- jecto das observações xxi e xxvii. i\o enfermo da observação xvii o col- lodio ap|)licou-sc para destruir os tubérculos; sua acção ncsl(! caso foi vagarosa; c nós lemos á nossa dis[)osicào meios dacçào mais prompla, c mais segura. A'o doente da observação xxi foi apjilicado ])clo me- tliodo de E. Wilson (•*) sobre as ulceras, como meio cicatrisantc, (•) Depois da sua volta da America Mr. Ilumboldt fez conhecido na Europa o guano, que depois adquiriu grande cclid)ridadc, como adulio, d proporção, que bia sendo tra/ido de lá: c islo desde o principio do século aclual. Em um grande numero de pequenas ilhas do mar do sul, na cosia do Períi, e do (Ihili, desde a mais rcmola anti;,'uidadc os habilantcs das terras circtinnisinhas ex- trahem uma grande quantidade de uma matéria de camadas espessas (guano) que pa- rece ser formada pelos cxcreniontos de uma grande nuilliduo d'aves, sobre tudo de ardia e de phenicnplertis, que se reúnem de noite n'aquelles ilhotes. Aquellas camadas chegam •is >ezes a ler vinte melros de espessura! O guano do l'eríi de primeira qualidade tem uma còr parda, um cheiro pútrido particular; e o que tem uma còr de laranja, c cheiro almiscarado, parece ser de infe- rior qualidade. O Ur. Ire fez a analyse do guano do Peru, e acbou : Matéria orgânica, contendo urato d'araonia KO Agua ti Phosphato de cal 2S Phosphatos de cal, c amónia, c oxalato d'amonia 13 Sílica 1 100 Desde que se conheceu na Europa a importância do guano da Amerira. descobri- ram-se eguaes depósitos d'excrementos d'animacs nus ilhas da costa (rAfriea. A d'lt- ehalieê linha sido quasi exhaurida mesmo nioilo cmpreKmi o coIIdiIíci, e com o melhor resultado no imprtigo, nas grrtas 011 fissuras ilos hicos dos peiteis, nos licrprs Iribial e perpuclal, e nti ofiic \iilgar gutla-rosiidd simijlce, csjiinlia» carnaci , c fínalmentu no lichen iigrius fiigugem ferina. J. das Scienc. Med.— 18i9, (•) Esta fórmula é como se segue: Xarope de Fumaria sele onças S«iíqui-carboiialo d'amonia uma oitava Misture, para tomar ás colheres de sapa. (••) O S. Dr. B. k. Gomes (pai), havia feito largos ensaios com esta subslancia. 92 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Hunmhis Lupitliis. — Vários práticos haviam applicado com vario suocosso o cosimoiito cio lnimiiliis liipiiliis a aij;iiuia.s molcslias go que esteja concluído. 94 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL jfada esta narração como mal cabida neste nosso trabalho, todavia o bom cfleito qiic da sua applicaçào coUii, e o desejo de o publicai- podo mais em mim, do que esse rig^or de ordem, ao qual nem seuipre nos sujeitamos seui saerilicio da seieneia. Ijiilo conlrario julíijando qne ellc só pôde obrar no sonlido cu- rativo sendo absorvido, e indo actuar como altcrantc; tcniol-o sempre applicado cm doses pequenas, que vamos elevando successivamcnle á proporção que a lolerancia se vai estabelecendo (*); e loi ymr este me- ibodo (|ue jiodénios obter senão a cura, yielo menos melboras muilo assignaladas no doente da observ. ii, c é por isso ([ue suppomos não provado ainda o coroUario 2." do nosso prczadissimo collcga, e que o 3.° encerra uma reserva muito judiciosa, e muito sensata acerca do modo dacção desta substancia. Com tudo em geral podemos asseverar que o credito desta substancia no tratamento da Elei)bantiase vai di- minuindo de anno para anno. Acreditamos que applicada nuiito no principio da moléstia é uma substancia que ainda se pôde reputar como bastante útil (»•). Os tubérculos elepbantiacos diminuem bastantes vezes, (•) vide cjornal da Sociedade das Scicncias Medicas de Lisboa» — Folheto de Julbo de 1851, onde vem uma curiosa observação nossa a este respeito. (•■) Fórmulas dos principacs preparados de assacú: 1." — Extracto d' Assacú. Casca d'assaeú q. q. AKool de 22° de cart q. q. Dividc-sc e conlunde-se bem a casca, depois inlroduz-se no aparcllio do deslocação, e com o álcool se vai fazendo a deslocação alé que o liquido saia (lcscora grãos Salsa-parrilba cm |iú lino q. b. para ,;bsor\pr a buinitlade superabundante: l'ara fazer 1728 pilulas, contendo cada uma um grão do Icile d'assacú. ^.° — Pomada Antimorphclica. Oroln d'i'.spermacelli fi oitavas Leili- d'as4acii . . 2 oitavas DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 9T e clicgam mesmo a dcsapparecer com as imcões da pomada d'assacú; porem (|iiaiido estas iinçòcs se fazem nos tubérculos da face é neces- sário muito cuidado com os olhos dos enfermos, por quanto tocando alguma porção da pomada na conjunctiva j)óde produzir vivas oplital- mias. As dores dos extremos tào próprias da Elepliantiase também se modificam c se desvanecem com as apj)licações internas, e externas do assacú. Preparados Arscnkaes. — A maneira por que nos tem parecido que as ])rcparaçr)es arsenicaes podem obrar tie um modo vantajoso no tratamento das aflecções tubercidosas da pellc, tivemos nós occa- siào de a manifestar e desenvolver numa memoria que lemos á So- ciedade das Sciencias Medicas de Lisboa na sessão de 8 de Janeiro de 18.^3, e que se acha impressa no Jornal de Fevereiro da mesma Sociedade: esse trabalho era já o resultado do nosso estudo, e da nossa pratica neste pequeno hosj)ital de S. Lazaro; porem hoje nosso fim é outro, e o de tirar apenas coroUarios práticos dos factos consignados nas observações referidas nesta memoria. O tratamento pelo arsénico é muito difficil de se pôr em pratica nos doentes de moléstias chronicas como as da pelle, por quanto como em virtude da necessidade que ha de porfiar por longo tempo com a appli- caçào dos mesmos meios; acontece que quando se usa das prepara- ções arsenicaes por longo tempo vêem os symptomas dinloxicação obs- tar á continuação da administração do remédio: outras vezes não são os signaes de um principio dinloxicação que obstam á continuação da administração do medicamento, mas são apenas e])iphenomcnos que não podem deixar dimpressionar o espirito do pratico, sobre tudo por apparccerem numa cpoca ,cm que o doente eslá fazendo uso de preparados de nyia acção muito suspeita, c muito arriscada; assim nós temos observado algumas vezes que os incommodos de cabeça, as náuseas, c a comichão subdermoidea, observ. xi, nos tcem vindo pro- hibir a continuação do tratamenlo arsenical: outras vezes que um ptva- lismo excessivo com máu cheiro, e os dentes denegridos e vacillantes obrigam o pratico a pôr de parte esse tratamento jwra remediar taes Oiro (rMfazpni.i q. b. para aromatisar. S.° — Cotimenlo Emeto-catharlico {pouco usado J.^ Casca d'assacú í onç» Agua tõ » ferva alé ficar cm <> » eòc c ajiinlc I.citc d'as$acii S grãos. 1.' CLASSE. — T. I. r. n. 13 98 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL inconvenientes, observ., xix. Mas geralmente fallando o tratamento ar- scnical tem-nos parecido alrophiar os tubérculos elcjibantiacos, e o tecido ccllular circnmvisinbo dos mesmos lidicrculos, o qual ordina- riamente toma maior desenvolvimento, e maior dureza, como se de- prelicndc das observ. xxxvni e xxix. A observ. XXVI apresenla-nos bastante curiosidade, e muito para aproveitar no uso deste tratamento; por quanto submettido o sangue do enfermo ao a[>arellio de Mars, de[iois de ter feito uso dos prepa- rados arsenicaes por bastante tempo, não se pôde reconbccer a exis- tência do arsénico no sangue: e submettida cgualmente ao mesmo aparellio a ourina do enfermo, oblida a diversas horas do dia, c com diversos intervallos da comida, também se nào encontrou nella porçào alguma darsenico! O doente da observ, xxxvn apresentou um ataque dhematuria durante o tempo ([uc fazia uso dos preparados arsenicaes: fosse qual- quer que fosse a importância que poderia ter a acção do arsénico sobre este phenomeno, o certo é que elle nào podia deixar de fazer suspender, como eíTectivamente se suspendeu o tratamento arsenical. Ajjplicámos uma vez o arsenito de potassa na ictyose, mas o resultado não correspondeu ás nossas esperanças. O doente a quem se fez esta applicaçào foi o da observ. xxxix, o qual, pelo contrario, tirou grande resultado da applicação do iodurcto de potássio. Também o applicámos num caso de psoriasis inveterada do Dr. Gomes, observ. X, mas a moléstia resistiu a este tratamento, como mfelizmente tem resistido a todos quantos lhe tenho applicado. Vê-se pois que a pre- paração de que me tenho servido mais vezes, e da qual tenho ti- rado melhores resultados é do licor arsenical de Fowler (Fórni. n." 138 do Formulário do Hospital de S. José) (•) dado ás gòttas n'um ve- hiculo apropriado. Banhos Jc diversas origens c natureza. — Tendo sido os banhos geraes o remédio, que desde a mais alta antiguidade se tem costu- mado applicar a todas as moléstias chronicas da pelle, nào podiamos por isso deixar de consignar uma parte do nosso trabalho á apre- (•) IJcôr arsenical de Fowler. Acido arsenioso j . .„! - Carbonato de potassa j ' " Agua distillada 1 libra ferva cm um matraz para se fazer a dissolução, dci- xc-sc arrefecer, c ajunlc Alcoholalo de melissa composto 3 oitavas Agua distillada q. b. para que a solurão pezc 1 libra DAS SQENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. ÍJD ciaçào (los resultados mais assignalados, que se lecm podido ohler das diversas aguas mineracs do nosso paiz sobre as moléstias clironicas da pelle, e sobre tudo com rclereneia á Elephantiase; quanto mais que o nosso Ueino de Portugal abunda tanto nessas aguas, de nmi variada natureza, c cujo exame, a respeito de muitas delias, ainda está por fazer. Assim mencionaremos o que a respeito de cada uma delias lemos podido colher já por observações próprias, já pelo relatório, e historia, que nos fizeram os diversos enfermos. Banhos do Estoril. — A cfficíicia destes banlios para moléstias tu- berculosas tem-me parecido muito duvidosa; nilo tanto pelo exame das historias, que fazem a base deste nosso trabalho, como pelo fructo de nossa clinica civil. O doente que faz objecto da obscrv. xu, fez uso dos banhos do Estoril i)or três annos successivos, e pareceu-lhe que sempre tirava delles algum resultado; o doente da obscrv. xxvii apenas fez uso delles um só anuo, e por isso não podia tirar da sua acção beneficio algum, ainda que pela sua continuação tivesse de o con- seguir; por quanto attenta a rebeldia e tenacidade destas enfermidades, a modificação ([uc ellas podem soflrcr pelo uso dos banhos, ainda os mais activos, n um só verão, não pôde deixar de ser muito pouco con- siderável. Banhos das Caldas da Rainha. — Geralmente fallando, a pratica dos Médicos portuguezcs não tem auctorisado o uso dos banhos das Caldas da Rainha para as moléstias tuberculosas da pelle; com tudo como algumas vezes em virtude do rheumatismo que complica a Ele- phantiase, ou por outra quahpior causa alguns doentes elepliantiacos tcem feito uso daquelles banhos; jior isso nos pareceu conveniente consignar aqui o resultado desses banhos sobre a sua moléstia de pelle para servir de guia aos conselhos (pie muitas vezes temos a dar acerca do seu uso e proveito em taes enfcrmidtides. Os doentes das obscrv. XXXIII, xuv e XLvi todos elles por diversos motivos fizeram uso da agua das Caldas da Rainha em banlios geraes, e posto que experimentassem allivios ([uanlo a outros soiVrimentos, para os quaes os ditos banhos lhes tinham sido aconselhados, todavia a sua moléstia de pelle não .soIVrcu modificação alguma com elles (<), a ponto de se poderem re- putar como um meio útil nas moléstias tuberculosas da ]H>lie. Banhos de Santa Euphcniia. — Estes banhos frios, situados na {•) Rofcrr-sc que junto das Caldas se dcscubriram outros banhos frios, que leein rpjtn ciir.-is prodigiosas em mnlrslia; de pi'lle, denominadas por isso «aguas santas.» Mas iiifiirmarõcs, que lemos do pessoas ali.is muilo competentes, auctorisam-nos a du- vidar milito dl sua profiruidadc. « 100 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL serra de Cintra, tccin sido aconsplliados para diversas niolcslias cliro- nicas da pclle: o doente {|iie laz objecto da observ. xu lez uso dellcs, segundo se deprcheude da respeetiva historia, e parece que alg;utn beneficio tirou desta apj>licaçào; todavia nào e para as moléstias tu- berculosas, (pie os costumam aconselhar. Banhos das Akararias. — Junto do Terreiro publico nas faldas voltadas ao sul do monte onde assenta o bairro d' Alfama, existem dois estabeleci Mícntos de banhos ibermaes, os do Duque, e os de D. Clara, que são uuiito concorridos, na estaçiio própria, pe!os enfermos de varias moléstias chronicas de pelle (•): estes batdios também foram experimentados pelos doentes das observ. xuv e l, um e outro com gafeira, mas segundo a sua declaração sem o menor proveito. Os banhos do Duque sào mais applicados para o rheumatismo chronico, e os de D. Clara para as moléstias de pelle, das quaes algumas, como cchzemas, herpes e dartos temos visto modificarcm-sc sensivelmente com o seu uso muito protraindo; mas com referencias ás diversas es- pécies d'clephantiases reputamol-os demasiadamente fracos. Banhos íIc Monchique. — Estes banhos sào muito concorridos pelos enfermos do varias moléstias tanto do Alcmtejo como do Algarve: a doente da observ. xlviii, que é natural do Algarve, e que tem a Ele- phantiase tuberculosa arborisada de Rayer, fez uso destes banhos, e assevera que não só não tirou delles o menor resultado, mas que de- pois do seu uso e' que lhe reappareccram os tubérculos da face; não acreditamos que os banhos de Monchique aggravassem a enfermidade; mas com referencia á sua acção sobre a Elephantiase fazemos as mesmas considerações, que já fizemos relativamente aos de Manteigas. Banhos de S. João do Deserto (junto a Aljustrel). — As conside- rações e explicações que juntei ás observ. x, xv, xxit, xxvi e xxxi que se referem aos enfermos que no verão de 1852 foram fazer uso da agua, e dos banhos de S. João do Deserto no Alemtejo, dispensam-nos de muitas reflexões e preceitos que por ventura deveriam entrar neste artigo. A maneira por que se pôde explicar a acção curativa dos pre- parados arsenicaes, e por conseguinte da agua de S. João do Deserto sobre a Elephantiase nós a desenvolvemos na nossa Dissertação reci- tada na Sociedade das Seiencias Medicas de Lisboa no dia 8 de Ja- neiro de 1853, e impressa no Jornal da mesma Sociedade de Feve- reiro do mesmo anno. Ahi, com os factos mais bem interpetrados da {•) Existem em diversos números do Jornal da Sociedade Pliarmaceiítica Lusitan» as analyses das aguas desles banhos, que podem ser consultados para sua racional ap- plicarào. O nosso consócio Pimentel também já as anajysou. DAS SCIEiNClAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 101 ucçào dos preparados arsenicacs sobre os tecidos vivos, parece-nos ter demonstrado a acção atropliianle dos ditos preparados sobre os tu- bérculos clcphantiacos, que ronslitueni a fóriíia mais ropugiianle, e mais caracleristic-a tlcsla horrível enfermidade. Com ludo nào se acre- dite que entendemos ter descoberto nas aguas de S. Joào do Deserto o remédio da Elepliantiase dos Gregos; muito pelo contrario: a nossa pratica a este respeito, que iioje (•) já nào é pequena, apenas nos au- ctorisa a reputar essa agua como o mais [loilerosi) de quantos modi- ficadores conhecemos para moléstia tào rebelde, como hedionda! Che- gamos mesmo a acreditar que applicados os banhos e a agua de S. Joào do Deserto muito no principio da moléstia, a modiíicaçào salutar e de tal ordem, (jue se pôde re[)Ular, alguma vez, como uma verda- deira cura: as observ. xxii e xxxi justificam esta minha opinião. QUADRO estatístico DAS DIVERSAS ESPEOES DE MOLÉSTIAS DE PELLK APRESENTADAS NESTA MEMORIA. Gafeira 2i casos Elephantiase dos Gregos 19 » Elepliantiase dos Árabes 2 » Icthyose 1 » Herpes 1 » Psoriase 1 » Mal determinadas 2 » Vè-se por este quadro que as duas espécies dElephantiase, isto é, a Gafeira e a Elepliantiase dos Gregos, sào aquellas, que apresentam maior numero d'c\em[>lares no hospital de S. Lazaro, e que das outras moléstias chroniras d(! pelle ajienas a[iparecem ali alguns casos por excepção. Kem podia deixar de ser assim, por quanto como os enfermos de moléstias chronicas de pelle, que não sejam elephantiacos, sào ad- mittidos para as diversas enfermarias do hospital de S. Josc, por isso na estalistiea deste hospital e onde cilas bào-tle aj>pareccr cm numero crescido, e nào no de S. Lazaro. 31as nào pôde deixar de se notar quanto é inconveniente esta parte do serviço dos nossos hospitaes: os (•) Em Junho ilc 18o3 unia oulr.T oonducta romposla de dez enfermos elephan. tiacos, a salier: trcs dos que já tinham ido cm 18S2, c sele nohauliaca ('oiiil)iiiaíla no mesmo individuo com as dores oslbeoeopas tào próprias da svpldlis, bom como o liibercido da Elephantiase a par da mancha acobreada, e da papula sypliilitica. ANATOMIA PATHOLOCICA, OU RESUMO DAS ADTOPSES FEITAS NOS CADÁVERES DOS ENFERMOS, QUE FALLECERAM NESTE BIENNIO. A mortalidade no hospital de S. Lazaro é muito pequena: os doentes que n'ellt! se abrijjani, ou salicni logo que adquirem alguns allivios, ou enlào reduzidos á condição de asylados vivem longo tempo neste estabelecimento: alguns ha que contam mais de vinte annos de casa, graças ao bom tralanienlo bygicnico e dietético, que ali encon- tram^([ue (|uando nào sirva para outra cousa, ao menos suavisa os sof- frimentos de uma existência tão pezada e tão desgraçada! E por isso que com referencia ao biennio que as nossas historias conqireliendem, apenas (jualro autopses tivemos occasiào de fazer, as quacs dizem mais relação ás lesões cadavéricas relativas ás moléstias intereorrcntes e consecutivas, a (|ue os enfermos suecumbirain, do (jue ás alterações palhologicas ([ue a Elephantiase costuma produzir. Estas autopses re- ferem-se ás observ. vi, xxxii, xxxv e xu. Os doentes elephantiacos nos últimos períodos de sua desgraçada existência costumam alVectar-sc consideravelmente de respiração: bas- tantes vezes estes incommodos de respiração constituem a expressão symploniatica de lesões tuberculosas pulmonares, de verdadeiros es- tados phtysicos; mas no cadáver do enfermo que faz objecto da observ, VI uma outra ordem d'alterações orgânicas i-evclou depois da morte a causa da sua horrivel dyspnea: massas tuberculosas anegradas, de consistência mais (|uc cartilagineo, rangendo debaixo do escapello, im- plantadas na sujierlicie interna das artérias pulmonares logo á sabida do coração enun indid)ilav('imente a origem dos embaraços de circu- lação e de respiração f|ne tanto alHigiram o enfermo nos últimos pe- riodos de sua existência. Teriam estas massas tuberculosas alguma re- lação pelo lado ctyologico com a enfermidade priiici|)al a Elephantiase?' Seriam aciiielias a expressão mórbida da Elephanliase na su[>eificie in- terna X f » 21 XII . 22 XIII .. » 23 XIV » 24 XV . 25 XVI » 28 XVII . . . 29 XVIII » 31 XIX • 32 XX » 3i XXI » 37 XXII .. » 38 XXIII » 40 XXIV » 41 XXV . 42 1.' CLASSE. T. I. p. n. 14 106 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Observação XXVI. . ' XXMI » XWIII XXIX . XXX > XXXI XXXII . XXXIII XXXIV XXXV XXXVI XXXVII XXXVIII XXXIX XL xu XLII XUII XLIV XLV . XLVI.. .. .. XLVII . . . • • XLVIII XLIX L C.onsidorarões, e conclusões (Juraljilidade da Elephanliase Hercdilaricdadc da Elephanliase Ancsllicsia, syniploma importante das diversas espécies dElcphantiasc ' Da influencia que se pode suppôr que as localidades, cm que residem os doentes, exercem sobre a producçào desta enfermidade Poder-se-lia considerar a vaccina como um meio jjresei-- valivo da Elepliantiasc? Até que ponto concorre a alimentação pai-a o desenvolvi- mento da Elej)bantiase? . . Diversos medicamentos, e planos de tratamento, que se icem empregado contra a Elepliantiasc, e seOs resul- tados Pagina 43 )) 46 » 47 9 48 » 49 » 50 » 52 » 53 ■a 55 » 56 » 57 » 58 M 59 » 61 » 62 U 64 » 66 » 67 » 69 » 70 » 71 » 73 » 74 » 76 » 77 » 79 » 80 )) 81 82 86 88 88 89 DAS saENQAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 107 S s .§ s .§ !5 % § .§ § § !.♦ 2." 3." 4." 5." C." 7.° 8." 9." 10." íl." 12.' 13.° 14.» 15.° 1G.° 17.° I8.° 19.° 20.° Guano . .., .., .., .., Pagina CoUodio 1 » Scsqui-carbonalo d'amonia » Hydiochlorato de cal . . i . . » liumulus hipulus » Olco dos figados de Lacalháo '. . . » Bálsamo de copahiba » Lobclia inflala » Língua servina . . . . » lodureto de potássio. . . j » Preparados mercuriacs » » d'assacú. . . . , » » arsenicaes » Banhos do Estoril . . » das Caldas da Rainha » de Santa Euphemia » das Alcaçarias » de Manteigas » de Monchique de S. Joào do Deserto Quadro estatístico das diversas espécies de moléstias da pelle apresentadas nesta Jlemoria Que influencia pode ter a syphilis na producçào e desen- volvimento da Elcphantiasei' Anatomia pathologica, ou resumo das autopses cadavéri- cas descriptas nas observações contidas nesta Memoria 90 90 91 91 92 92 93 93 94 94 94 9& 97 99 99 99 100 100 100 100 101 102 103 MEMORIA SOBBE O equilíbrio dos systemas ov FORMULA DAS VELOCIDADES VIRTUAES roR AlBDíO FRWaSCO DE FlfirEIREDO E ALMEIDI, SÓCIO EFFECTirO DA ACADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA. PKOIiOCíO. J\ fórmula das velocidades virtuaes não só é a base fundamental da mcclianica, mas póde-se dizer que conslitue em si a scicncia in- teira'; por quanto exprime as condições de equilíbrio de todo e qual- quer systema de corpos, e por sua combinarão com o principio de d'Alcmbert dá as circunstancias e leis do movimento; resolve além d 'isso o problema geral da estabilidade dos sjslcmas, quer se acliem cm equilibrio quer em movimento. Galileu considerou a lei das velocidades virtuaes como imia pro- priedade geral do equilibrio das macliinas; mas foi João BernouUi o primeiro que reconlieceu a sua generalidade, c o uso que delia se podia •fazer para a solução de todos os problemas do equilibrio. Antes de Lagrangc porem não era mais do que um principio tbeorico, elo da alavanca, ou pelo de alguma outra machina. Mas em todas as demonstrações j)erlencentes a esta classe é indispensável introduzir a condição do cquilibrio das forças de tensão jiara os deslocamentos compatíveis; esta clausula caractcrisa sem duvida todos os systcmas, mas no systeina geral deve cila lornar-sc explicita, em (pianto que nos particulares era involvida implicitamente cm suas deliniçõcs pri- vativas. Lagrangc demonstra a formula das velocidades virtuaes servin- do-sc do principio dos cadernaes. Por meio de um fio único, do qual está suspenso um peso, passando por roldanas de direcção, e por cader- naes, de que os moveis vão prender os pontos do systema, applica as forças (|ue os devem actuar; estas forças tem por valor o peso sus- penso multiplicado pelo numero dos cordões do moitão movei: posto isto. accresccnta Lagrangc oe necessário que o peso não possa descer "para um deslocamento cpialquor infinitamente pequeno dos pontos «do systema; porque o peso tendendo sempre a descer, se ha um des- DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 .' CLASSE. nc «loramenlo do sj-slcina, que llic pcrinitfa descer, ello descerá necessa- tiriaiiicnle, c produzirá esse deslocamento no systenia.» Para que o peso desça não basla, digo eu, que liaja desloca- mento do systema que permitia ao lio desenvolvcr-se para fora dos cadernacs; e necessário demais que as forças de tensiio nào contra- digam essa tendência do peso, ou das forças dadas que elle substitua, c que por tanto se equilibrem para esse deslocamento, que não pôde .ser senão um dos •jicrmitlidos jicla ligação. Assim na demonstração de Lagrange falia manifestamente ([ue seja contemplado o principio das forças de tensão; de])ois ficará cila com todo a clareza e rigor, mu- dos á maior sinq)licidadc. Se em logar do principio dos cadernacs se applicar o da alavanca, como na demonstração de Carnot, vcr-sc-lia também que não pôde de- monstrar-se a fórmula das A'elocidades virtuaes sem o theorema das forças de tensão. Na sua demonstração Laplace considera a ligação do systema ge- ral por meio de forças de tensão, cuja indole não caracterisa ; exprime o equilibrio de cada um dos pontos por meio da composição das forças; c das equações particulares do cíjuilibrio dos ditíxs pontos forma uma única, que exprime ser zero a somma dos momentos das forças dadas junta á somma dos momentos das forças de tensão. Não se vê porém a equivalência entre esta e as antecedentes eeiuações. Tendo-se cbegado a tal altura era necessário fazer nesta ccpiação dcsapparccer as forças de tensão sujeitando o systema ás suas condições de ligação; para obter esse resultado, serve-se Laplace de uma decomposição arbitraria das forças de tensão, com a qual tem em vista demonstrar ([ue se re- duzem uns com os outros a zero os momentos das mesuias forças, quando se satisfaz ás equações de ligação. Nào partindo porem da de- finição de systema, e de sua propriedade caractcrislica, o equilibrio das forças de tensão para deslocamentos compaliveis, nào pôde La- place [irovar a verdade do principio das velocidades virtuaes; mas o seu discurso c prova cabal da necessidade de tomar aquclle funda- mento. I'oinsot pertcnde substituir ao principio das velocidades virtuaes uma regra geral e clara para resolver, ou ao menos para [)òr em equa- ção todos os problemas de mccbaiiica. O lemma, que Poinsot toma como base da sua dcmonslraçào, é que as forras applicadas nos (Uicrsos pontos tio sj/sltiiia são (kcoiiiponir veis segundo as rectas, que as unem, cm/orças tluas a duas iguaes e coit- Irarias; a possibilidade desta decomposição resulla, segundo Poinsot, X MEMORIAS DA ACADEMIA REAL das equações dos equilíbrios em translação c em rotação, ou antes es- tas equações não são mais do (|ue a cxiircssào dessa jiossibilidado. Admiltida esta decomiiosição das lorças, tiacta-sc de reconhecer a proporção dos valores das couiponcnles. Para este fim toma Poinsot as equações tle ligação, mas expressas entre as distancias mutuas dos pontos: começa por um systema de quatro pontos ligados por uma única equação, e prova que as componentes, (juc solicitam os pontos \ms para os outros, são proporcionaes ás íimcçõcs primas da limcçào única entre as suas distancias, tomadas respectivamente a cada uma destas. Passa depois para systema de mais de quatro pontos, suppon- do-o composto de pyramidcs triangulares, uma destas pyramides movei, e fixas as outras, que tem todas por base uma face da movei. Para esta pyramide movei adia o principio de decomposição: e assim para todas as pyramides moveis, de que vai determinando successivamente o equilíbrio suppostas as outras fixas. Quando o systema é ligado por mais de uma equação entre as distancias de seus pontos, segue o mesmo processo anterior para cada uma das equações de ligação; e accrescenta que «é por certo mani- « festo que haverá equilíbrio em virtude de todas eslas forças, pois . que haverá equilíbrio em particular cm cada grupo relativo a cada K eíjuação. » Se cm lugar das equações entre as distancias mutuas dos pontos do systema se tem equações entre suas coordenadas, para raciocinar do mesmo modo que precedentemente, Poinsot considera que se tomam três pontos fixos no espaço, e que as coordenadas dos pontos do syste- ma se exprimem nas suas distancias áquelles pontos fixos; ajunta os três pontos fixos ao systema, o qual depois considera livre, e acha para as forças a mesma expressão, podcndo-se prescindir das que se appli- cam aos ditos pontos fixos. De tudo isto resulta o seguinte ibeorema. Quacsqucr que sejam as equações L=o, etc. que reinam ciilre as cooidcyiailas dos di/fcrenlcs foiHos de vm sijstema, cada uma del- ias, para que haja equilíbrio, exige que se appliquem a cada um des- tes pontos ao longo de suas coordenadas, forras proporcionaes ás/unc- rões primas desta fuitceào L, relativamente às coordenadas respectivas. Esta c a regra geral, que serve para calcular as resistências mu- tuas dos pontos do systema: o que resta é combinar estas forças com as que lhes são directamente applícadas, e consíderal-os livres e iso- lados. Daqui se vê que a regra geral, que se tinha proposto achar DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. xi Poiíisot, não é mais do que a formula das velocidades virtuacs, ou as (Minaçòes do cciuilibiio dos pontos, acliada pelo segundo melhodo de I^giange. A demonstrarão de Poinsot e' fundada no theorema da decom- posição das forças, ([iie actuam os pontos de qualquer systcma, cm conqionenlcs iguacs e contrarias scg-undo as rectas, que unem os mes- mos pontos; c cm segundo logar no theorema da avaliação das resis- tências, que supportam os quatro vértices de uma pyramide variá- vel cm virtude de unia ligação. A possil)iii(hi," ctc. também se chamara com muita propriedade quantidades elementares de acção das respe- ctivas forcas ; com cfleito P cos e =P — é a acção da forca P segundo ''* ' dp ' , , a direcção do deslocamento ds, logo Pe/p = P~c/s é a quantidade elementar de acção da força P ao longo do deslocamento (f^. Os momentos virtuaes Pe/p, P'(/p,' P"(/p," etc. são proporcionaes .■is acções das forças P, P,' P," etc. na direcção do deslocamento ds do ponto, sobre que obram. 14. Passemos agora a exprimir o equilibrio de um ponto livre m, sobre que obram as forças /', P,' P," ctc. Se £, £,' £," etc. forem os ângulos, (juc formam as forças P, P,'P," ctc. com o deslocamento fls, para o qual o equilíbrio do ponto pôde ser TÒto, é sabido que se somniam as acções de todas as forças para romper o equilibrio para esse deslocamento, o que essa somma é egual á acção da resultante; teremos jiois P cos s -t- P' cos e' -f-_ P" cos e"+ ele. = i{ cos y , 1 2 MíLMOKIAS DA ACADEMIA llEAL sendo ç o angulo formado pela resultante 7? com o deslocamento í/j; e substituindo os valores de cos s, cos e,' cos e," ctc. temos P--hP' - H-i"'— -+-ctc. = i}-. «í ds ds d> No caso do ponto ficar cm equilíbrio para qualquer desloca- mento (h será ou w^^P „ ilp' „ Hp" i*-4-P— -f-P"— -f-etc: as ds ds dr Il—=0 d.i (1) 3Iultiplicando estas equações por ds teremos no caso das forças se não equilibrarem P dp -i-P' dp' -+- P"dp"-i- etc. = Rdr; (2) no caso de equilibrio Pdp-hP'dp'-hP"dp"-h ect. = 0) (3) Rdr = o ' 15. Se temos um systema livre, para se lhe estabelecer o equili- brio, deve-se procurar o de cada um de seus pontos em quanto os outros estão fixos; assim designando B, BJ II," etc. as resultantes das forças, que actuam os pontos m, rnj ne," etc. teremos „ dr , dr' „ dr" R— =0 , R'-; = o , R" — =0 , ctc. (a) ds ds' ds" para as equações particulares do equilibrio. Se multiplicarmos todas estas equações, excepto uma por exemplo a primeira, pelas indeter- minadas ?t,' 71," n,'" etc. independentes e arbitrarias, c as sommarmos com esta, a somma, como é sabido equivale a todas as equações (a), e DAS SCIENCIAS DE LISBOA. I ." CLASSE. i 2 o equilíbrio do systcma ílca cgualmcntc dclcrminado pela equação única dr dr' d)-" 2}il_l-n' JÍ'-;+n"Jl"-+etc.=o: (b) ds dt' d$" "• ' mas, porque é livre o systema ou cada um dos seus pontos, entre os deslocamentos e/s, (Is', ds", ds,'" etc. não ha condição alguma, as e arbi- ds' ds" ds'" trarias «,' w," w,'" etc. podem ser representadas pelas relações — , — , — , ds ds ds etc; e por tanto a equação antecedente toma a seguinte forma sem perder nada da sua generalidade dr , dr' ds' „dr" ds" R—-hR' — --~hR"~~ hctc.==o, ás ds' ds ãs'< ds OU R h R' h R" hetc.=o; ds ds ds ou multiplicando-a por ds R dr -t-.JÍ' dr' -f- R" dr" -f- etc. =o, (t) que se pôde apresentar na forma seguinte 2Pdp=:o. (d) porque debaixo do signal 2 em logar dos momentos das forças resul- tajitcs R, JlJ jR," etc. substituimos, em virtude da fórmula (2), os mo- mentos das forças componentes P, P', P' etc, que actuam os pontos do systema. Em consequência da dedução que acabamos de lazer se vê, c[ue esta equação não só tem logar quando ha equilibrio no systema, mas que ella por si determina o equilibrio, porque é uma combinação das equações particulares do equilibrio etjuivalente a todas ellas tomadas juntas. 16. Passemos agora a exprimir o equilibrio do systema ligado ge- ral. As condições de ligação do systema são dadas pelas equações dif- ferenciacs : du=sO , du'(=to , du"=o , etc 1 4 MEi\IORL\S DA ACADEMIA REAL estas equações involvcin os cresci menlos infinitcssimos de 1.° ordem tlr, dl/, dz, d.v', dy', dz, clC, que representam os deslocamentos dos jjontos m, ml ctc. , c nào devem pass;ir do primeiro gráo; e podem as oquaròcs antecedentes nào ser diflerenciacs exactas, mas devem ser íiitVerenciacs lineares. Nào podem nas equações acima entrar as diffe- jenciaes das coordenadas de ordens superiores á primeira, porque a geração do movimento é feita por variações da 1." ordem das coorde- nadas, sendo desta sorte que se geram as quantidades; e porque em se- gundo logar, como veremos, quando se modificam as velocidades vir- tuaes dp, dpi dpi' etc. nào se pode isso fazer senào por condições a que estejam sujeitas as diflereneiacs dx, dy, dz, dx,' dyj dz,' ctc, que entram em suas expressões. Em logar de considerarmos o systenia ligado, podemos conside- ral-o livre e por isso sujeito ás forças de Icnsào, que sustentam a li- gaçào, e a's forças dadas ; e o methodo de exprimir o seu cquilibrio será o que acabamos de applicar para sjstema livre. Seja por tanto Q a resultante das forças dadas, que actuam o ponto m, e T^ T" T,'" eic. as tensões dos outros pontos sobre este ; o seu equilibrio, com os outros ])ontos em equilibrio, é dado pela equação 111 ^ dl' „ dl" ^,„dl"' Q ~-h T — -h T" h T" 1- etc. = o. ds ds ds ds Da mesma sorte o equilibrio de cada um dos pontos m,' /«," etc. é dado respectivamente pelas equações seguintes ds ds' ds' ds' etc. Pelo mesmo processo do numero anterior se chega á equação equivalente a todas as equações antecedentes, que exprimem o equi- líbrio dos pontos do systema; e nella pondo em logar de zQdq .seu valor 2 P dp, por cjue P, P,' P," etc. são as componentes das re- .sultantes Q,Q,'Q," etc., teremos: iPdp -+- lTd(=Q. (A) DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 15 Esta cqiiarào exprime a estabilidade e o eqiiilibrio do systeiiia geral; isto e, não só tem logar dp-h P' dp' H- P" dp"-{- ctc.= o; aqui havemos de substituir em logar do dp, dp, dpi' etc. os seus va- lores antecedentes, c teremos ordenando-a convenientemente [P^^p> V+ /"'i?í"+etc.^ dx+fP-^V /"'-"+ P" "^" + etcV/y \ dx^ dx^ dx ^ ) \ til/ (lij dl/ J •' + (?£?+ /.'^'+ P"^"+etc.)d^+(pi^-h/"í'+/"'^"+etc.)rfx'+ctc=o: \ dt dz di ' V dx' dx dx / DAS SCIENCIAS DE USBOA. 1.* CLASSE. 19 mas sendo as quantidades diffcrcnciaes dx, di/, dz, ', (.>"—. í, 2,z"...., mas não entre 0; e (pic por tanto o systema poderá tomar livremente o movimento devido á variação de O, ou o movimento de rotação cm torno dos eixo dos z. Para cslabeleccr as condições de cquiiibrio cm. ordem a este deslocamento, nào temos mais do que substituir na fórmula das velocidades virtuacs, em logar de (fp, dp, dp" ctc, as quan- tidades -y- do , ,1' do , '-7^ do , ctc. ; c teremos do do do dp dp' „ dp" P^-\-P'-r-\-P -L -í-etc.=c do do do c nesta substituir os valores de -;^ , j- , -^ , ctc.; mas por um theo- dO do dO rema conhecido de calculo diflerencial é di^dp dx d^ rfy o3„_^cosg; do dx do dy dO da mesma sorte -J- = w' cos a' — X' COS ê', do etc. logo a fórmula acima muda-se cm i*(!/cosa — 3;cosg) -h P' [ij' cosa'— X' cos &')-{- cíc.= o, a qual exprime por tanto o equilíbrio de rotação cm torno do eixo dos z; e da mesma sorte exprimem respectivamente o equilíbrio, em torno dos eixos dos y c dos x, as seguintes P (x cos y Z cos a) -+- P' {x' COS y z' COS «') -+- CtC. = O, P (s cos S — y cos y) -t- P' (;' cos & — y' cos y') -|- etc. = o. É além d'isso fácil de vér que nas fórmulas dos equilíbrios era DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 .' CLASSE. 23' translação c rotação não entram acções mutuas dos pontos do systema; dp dp dp dp dp dp a respeito de e/p' , dp" , ctc. dp dp dp dp dp dp porque 7-=o, — = o,-—=o, —. = o, -— =o, — =o;eomcsmo ' ' tt a; d 11 dz dV du d'j" 22. O segundo mctliodo de tractar a fórmula das velocidades vir- tuacs é o seguinte Em logar de eliminar as diíTerenciaes dx, di/, dz, dx, etc, reclama- das pelas 0(|uiiròes de ligarão, nas quantidades dp,dp' , dp," etc. da fór- mula das velocidades virluacs, nas (piacs cilas entram c onde só entram, póde-se formar das equações de ligação do systema e da fórmula do equilíbrio do systema livre um grupo de equações, que coexistem si- iiiulluncamente; isto é tomar Pdp -h r'dp' -h P"dp" + etc.=ol l í (Za = o , du' = o , du" = o , ctc. ) c eliminar depois na primeira por meio das segundas as quantidades dx,di/,dz, dxl etc, (pie íòr possivcl. E manifesto que este processo é analyticamente equivalente ao primeiro. A eliminação faz-sc porem agora pelo niclliodo dos multiplica- dores, porque tanto na equação do cfpiilibrio como nas da ligação as diíTerenciaes são lineares. Consiste este methndo de eliminação cm nudti[)licar as ecjuações de ligação respectivamente pelas indetermi- nadas U, V, U," etc, c sommar com a primeira; o que nos dá a equa- ção imica Pdp-\-P'dp'-hP"dp"+ ele. -h U du-j-V du'+l"du"-h cie. = o (C) equivalente ao grupo de to^ = cos a. dx-\- cos h. d j/ -1- cos c. dz; sendo a, b,c os ângulos, que a normal forma com os eixos, e por tanto cosa = ír(g), cosí» = A'(^). cosc = /(:(g; onde é • A = 1.' CLASSE, T. I. P. U. 2C MEMORIAS DA ACADEMIA REAL c substituindo estes valores de cos a, cos h, cos c cm dn, teremos 'í"=A'((£) dr-h (S) dj/+ © dz)=Kd,u; representando r/ a variação somente cm ordem a.T,ij,z. Logo iVíín = A'(/, n. Considerando agora movei o ponto [x , ij , z) e os outros fixos, o momento da resistência, que soílre este ponto obrigado á supcrGcie, que resulta quando era m=:0 varia somente coni x,ij',z', será, N, (In, == N, K, (1,1 n ; e assim para os outros pontos. Logo UduJi-Ud,u+ U d 1,11. +t' d„,u + etc^ATA' d, u^N,l{, d,, ii+N,, K„ d,„u -felc. Por tanto será: Semelhantemente cm relação ás outras equações de ligação m'=>o, etc- teremos í,'= A' K'= A-', K',= A'„ K'„= A-',, K',„^ otc. etc. 2õ A razão por que é necessário que seja U=IV A==iV A'=A''^^Á^^^etc., l/^N'K'=jV,'K,'=lV,^JÍL^~ctc., etc, é porque o eciuilibrio dos pontos do systema é identicamente estabelecido ou pela fórmula das veloci- dades virtuaes, ou pela consideração das forças dadas e das snperficies, a que estão sujeitos por. sua ligação. Poisson acrescenta que e a fórmula das velocidades virtuaes que DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 27 dá yVA'==A'^A'^=:A', A^^=etc.; (3lc.; e que se nào oblcriam estas equa- ções unicamente pela consideração das superlicies, a que os pontos licauí obrigados. E' verdade que, se á consideraçào das superlicies nada mais acrescentarmos, nào poderemos demonstrar as relações anteriores; mas se exprimirmos a equivalência c identidade entre as (orças de tensão, que sustentam a ligação do systema, c as resistências das su- perlicies, que resultam da ligação representada por equações, e se exprimirmos que são eguaes as tensões reciprocas, havemos de chegar a demonstrar atjuellas relações, e por tanto teremos dado uma nova demonstração da fórmula das velocidades virtuacs. ESTUDOS SOBRE O UNHO DA NOVA ZELÂNDIA. MGUORIA APRESENTADA A PBIUEIBA CLASSE DA AéADEMIA REAL DAS SCIENCIAS DE LISBOA \ DR. ANTÓNIO «OAQIJIU DE FIGIEIREDO E SILVA l^f SOCIO EFFECTIVO E SECRETARIO OA MESMA CLASSE. V ESTUDOS SOBRE O LINHO DA MOVA ZELÂNDIA. CONSIDERAÇÕES GERAES SOBRE AS VANTAGENS DAS CULTURAS INDUSTRIAES, SUA APPUCAÇÃO Á CULTURA DO LINHO DA NOVA ZELANDL\. O. l^uando se avalia a importância das diversas culturas pela ri- queza que produzem, pelo lucro que dão ao lavrador, pelo trabalho que proporcionam ás classes operarias, e por sua inílucncia sobre o augmcnto da população, nào se pôde deixar de dar a preferencia ás culturas industriaes sobre as culturas alimentares. Em ([uanto estas ultimas, embora sirvam a satisfazer ás pri- meiras precisões do homem, pouco ou nenhum valor mais adquirem além do que já tinham ao tempo da colheita, as primeiras, servindo de matéria prima a diversas industrias, occupam braços, que aliás fi- cariam ociosos, e produzem riquezas, que o commercio faz irradiar a distancia, imprimindo nova actividade a todos os elementos de pro- ducção, c distribuindo os commodos da vida por todas as classes da sociedade. (jrandes cidades podem existir e tem de feito existido, pela in- dustria c pelo commercio, em territórios, onde a cultura não ofTe- rece o alimento sufficiente a uma diminuta parte do sua população. Pelo contrario, nos paizcs exclusivamente agricolas, c onde a la- voura só produz géneros alimentares, a população está strictamente limitada pela quantidade das subsistências. E, como o homem não vive 4 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL só de p3o, como só a troco dos g^cncros que produz e (|iic pódc obter todos os de que carece para satislazer ás necessidades duma vida uiais ou menos policiada, claro é que a população ha de, cm lacs casos, ser ainda inferior á que a quantidade das substancias alimentares poderia fazer subsistir. íluitas regiões tem devido á introducçào duma planta indus- trial o terem passado da extrema pobreza á máxima opulência. A bc- tarraba, a ruiva, a batata, a cana do assucar, a vinha, a oliveira, a amoreira, o linho, o canamo tem muitas vezes produzido estas trans- Ibrmaçòes maravilhosas. Mas, se as culturas industriaes iniluem tão poderosamente noaug- mento da riqueza publica, se ellas representam em geral o periodo da mais perfeita evolução da agricultura d um paiz, nem por isso d aqui se segue que um proprietário, que deseja meliiorar a sua la- voura, deva, sem mais exame, dedicar-se de preferencia a quaescjuer culturas industriaes. Pelo contrario, salvas circumstancias exccpcionaes, o que o fizesse, sem ter feito passar suas terras, por via d'outros géneros de cultura, por successivos grãos de fecundidade, longe de prosperar, arruinar-sc-hia. O que dizemos em relação ao simples lavrador, applicamol-o tam- bém a qualquer paiz. É necessário grande discernimento na escolha das plantas indus- triaes, que em dadas circumstancias se podem cultivar com proveito. Entre as plantas que se cultivam c o solo que as sustenta ha uma certa solidariedade, que não se pôde impunemente desattender. A cul- tura c a fecundidade do torrão devem ser consideradas cm suas rela- ções mutuas; por quanto, não .só a riqueza do solo inilue na pros- peridade da cultura, mas reciprocamente, a cultura reage sobre a ri- queza do solo; c é no conhecimento das regras, que se devem ob- servar para a constante maimtenção deste equilíbrio, que essencial- mente consiste a scicncia da economia rural. A terra só produz com cfleito em proporção do que se lhe dá; generosa para com o lavrador que a fecunda, ella nega os seus dons ao que não sabe poupar-liie as forças. Consideradas debaixo d'este ponto de vista, nem todas as plantas industriaes apresentam o mesmo gráo d'importancia; e por isso tem sido referidas por alguns agrónomos a quatro classes distinctas. Al." pertencem as que só prosperam em terrenos muito pin- gues, que nada restituem ao .solo dos elementos de fecundidade, <|ue delle absorvem, e cuja importância consiste principalmente em terem DAS SCIEXCIAS DE LISBOA. I .' CI^ASSi:. í um grande valor conimercial. Neste caso eslào as plantas tincloriaes, e as oleoginosas, o tabaco, o liipulo, o cardo penteador ele. — O la- vrador, f|ii(', por um acertado systema de cultura, e ix)r um grande desenvolvimento dado á criação dos gados, soube elevar successiva- mente suas terras ao máximo gráo de Ibcundidadc, encontra na cul- tura destas plantas o melhor meio daugniciilar o seu rendimento. São ellas com eíleito as que pagam melhor a grande (juantidadi; d estrume accumulada no solo, c que, por excessiva, faria acamar os cercacs. Estas culturas são tanto mais lucrativas quanto mais raros sãe os terrenos, f[uc se achum n"estc estado dCxuberante fecundidade!. A grande massa porem da população rural pouca vantagem colhe deste género de cultura, cujo preço e princijialmente absorvido pela renda da terra. Para o próprio lavrador este rendimento não e, por assim dizer, senão um destracte do capital de fecundidade accumulado no solo, cm resultado das economias feitas durante largos e successivos períodos d'uma cultura progressiva. A 2.° classe pertencem as plantas textis, como são o eanamo e o linho. A sua cultura absorve também grande quantidade d estrume, e nào o restitue. Por isso são lambem para o lavrador um meio, pelo í|ual elle obriga a terra a restituir os valores, que o tempo e a boa cultura nclla tem accumulado. Mas a principal vantagem de.sta classe de culturas está no em- prego, que ella oílbreee a uma immcnsidade de braços, em raião da grande serie de preparações, pelas (|uaes estas plantas tem de passar, ])ara serem applicadas aos seus diversos usos. Ora, como a maior parte destas jireparações são executadas pela gente pobre dos campos muito mais economicamente do que o poderiam ser por conta do lavrador abastado, como inclusivamente o trabalho das machinas não pude cnm- l)etir em barateia, principalmente para a preparação dos tecidos ordi- nários, com a industria particular, são estas culturas a([uellas que em todos os paizes mais concorrcm para a prosperidade, c. coiiseguiii- temente jiara a moralisação das classes mais desvalidas, d nqucllas cuja devisa é viver trabalhando. Na 3." classe coiniireliendcm-se a(|uellas plantas, ara a .so- ciedade, a riqueza que produzem, tem a vantagem de não absorverem grande quantidade de principios fertilizantes. Afcouunodam-sc com os terrenos menos pingues, e não diminuem sua fecundidade. Neste caso estão a vinha e a oliveira. é JIEMORIAS DA ACADEMIA REAL O grande prooo de seus prodiictos é propriamente o resultado dum monopólio natural, de que certos paizes gozam em relação aos outros. Este monopólio ou provêm dos limites que o clima põe á |)roducçào, como succedc com a oliveira, ou, além desta causa, pôde lambem ser devido a um conjuncto de circumstancias favoráveis espe- riaes a certas localidades, que nào é dado ao homem produzir á von- tade. O paiz, que goza destes dons especiaes da natureza, deve csme- rar-sc por sacar dellcs o máximo partido. Todas as nações podem apro- priar-se das maravilhas da industria, quando estas nào tem por base iim monopólio natural, todas podem utiiisar-sc egualmcntc das artes, que são iuvcnçào do gcnio do homem. JMas as artes, que rccahem sobre estes monopólios naluracs, sào bens cjue o Creador vinculou a certos paizes privilegiados, bens que elles nào podem alienar, mas que devem íjrangear o melhor possivel no interesse próprio e no da humanidade. A í." classe finalmente pertencem as plantas, que não só não depauperam o solo de seus elementos de fecundidade, antes, pelo con- trario, lhos augmcntam, que preparam o terreno para os ccrcaes jielle prosperarem, c que ministram, além d'isso, aos gados, pelos re- síduos das fabricações, a que servem de matéria prima, um alimento mais barato do que qualquer outro. Neste caso estão: a betarraba, <]uando empregada no fabrico do assucar, a batata, de que em muitos paizes se tiram grandes vantagens pela sua applícaçào á producção da iccula e das aguas-ardcntcs, e a cevada, de que se faz uso na prepa- ração da cerveja. A cultura destas plantas c as industrias, a que cilas fornecem a matéria prima, suo para muitos paizes uma larga compensação dos monopólios naturaes, que as da classe anterior proporcionam ás re- giões privilegiadas. As considerações, que temos apresentado, mostram claramente quão diversa é a importância de cada uma das classes de plantas in- dustriaes, em relação ao papel (juc representam na economia agri- cola, e á sua influencia sobre a riqueza publica; e explicam-nos, ao mesmo tempo, a razão por que a maior parte destas culturas tem até hoje tido entre nós tão pouco desenvolvimento. A vinha c a oliveira suo quasi as nossas únicas culturas indus- Iriaes; estas porem existem em larga escala. A explicação deste facto está na própria natureza destas culturas, que, por um lado, são pouco exigentes quanto á qualidade do terreno e quasi inteiramente dispensam DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. T os estrumes, c, por outro lado, duo um lucro avultado, em razào da pouca producçào (jue lia deslcs géneros em relação ao grande mer- cado do mundo, no ((ual jamais poderemos ser supplantados por ne- nhuma outra nação. Estas razões, salva a prudente reserva, que temporariamente nos impõe a crise, por que está passando a producçào vinhateira, dever-nos- hiam incitar a dar muito maior desenvolvimento a estes dous gé- neros de cultura, e a melhorar as industrias, a que cilas servem de base. As culturas industriaes da ultima classe, com quanto sejam as mais vantajosas para muitos paizcs, não poderiam, no nosso intender, sustentar entre nós a concurrencia com as outras culturas a que ellas servcn» de suceedaueas. A aguardente da batata jamais poderá com- petir no nosso paiz, nem em preço nem em qualidade, com a do vinho. A fabricação da fécula está limitada pelo pequeno cousummo, que encontraria no nosso mercado; não duvidamos entretanto (juc delia se ])odesse tirar vantagem. A fabricação da cerveja tem na producçào do vinho um rival temível. E, para que a fabricação do assucar de betarraba podesse ser-nos vantajosa, era mister que se dessem as cir- cumstancias, sob cuja intluencia ella foi estabelecida e prosperou eui França. Entre nós jamais o assucar de betarraba poderia luctar em preço com o assucar de canna; e, quando podesse, resultaria dahi uma grande perturbação no nosso commercio com a America, perturbação que de modo algum poderia ser compensada pelas vantagens resultantes deste novo género d" industria. Restam as culturas industriaes pertencentes á primeira e segunda classe, que são as que exigem um chão fértil, que consommem muito estrume e não o restituem. Estas culturas só convém evidentemente a um paiz onde a agricultura estiver muito adiantada, onde houver co- piosos estrumes, resultado d'um grande desenvolvimento dado á criação dos gados. Como pôde cila por tanto ser possível em nossos terrenos, cxhaustos pela contínua producçào cereal, e onde os pousios são um mal necessário? Estas culturas exigem além d'isso um considerável empate do capitaes|, pelas grandes despezas feitas nos amanhos das terras e nas preparações consecutivas á colheita, e requerem na classe agrícola muito mais instrucção do que cila geralmente possue entre nús. Estas difliculdadcs hão de jior muito tempo oppôr uma barreira quasí invencível á intro declarar — que veria sem magoa desapparecer do solo francez a ri- queza de convenção, que ellas produzem. As culturas textis, vantajosas pelos valores que criam, e pelo modo como os distribuem pelas classes laboriosas, merecem ser ef- ficazmentc animadas; consideradas porém em relação á sua acção sobre a fecundidade do terreno, apresentam os mesmos senão maiores incon- venientes que todas as outras culturas industriaes. Só aonde o lavrador tiver á sua disposição uma terra de boa qualidade e grandes quanti- dades deslrumc é que poderá tirar vantagem de taes culturas. Estas circumslancias porem raras vezes se dão entre nós. Por isso a cultura destas plantas jamais pode tomar grande desenvolvimento no nosso paiz. O que mais nos convinha, no estado da nossa agricultura, era um género de cultura que, sem ser exigente na qualidade do ter- reno, nem consumir grande copia destrumes, offcrecesse as vantagens das culturas textis. Neste caso estão a amoreira e o linho da Nova Zelândia. Se algumas culturas ha que possam concorrer cfficazmentc para o augmento da riqueza agrícola do paiz, são certamente as das duas plantas (juc acabamos de nomear. O indagar as causas do atrazo, em que entre nós está ainda hoje í cultura da amoreira, e procurar descobrir os oicios roais cfficazes DAS SCIE.NCIAS DE LISBOA. 1 .' CLASSE. 9 de a animar, seria um assumpto digno doccupar a attcnção de nossas corjxjraçõcs scicnlificas. Deixando ]K)rèni de parle esle objecto, — de que talvez venlia a occupar-nie noutro traballio, — acjui só tratarei daprescnlar o resultado de meus estudos sobre o linho da Nova Ze- lândia. Esla planla, pela exccUente qualidade e grande quantidade de sua matéria icxlil, pela facilidade com (jue se tem aclimatado entre nós, e pelo bem {|ue se dá em toda a sorte de terrenos e (juasi sem cui- dados de cultura, pôde vir a ser para Portugal uma nova e copiosís- sima fonte de rúpieza agrícola e industrial, mormente se houver a perseverança necessária na indagação dos processos mais apropriados e económicos para a perfeita preparação de sua matéria têxtil. Nem nos deve desanimar a idea de (jue, tendo esta planta sido introduzida na Europa, ha perto de três «juartos de século, e tendo-se tentado cm alguns palzes diversos processos para a preparação de sua iilaça , ainda até hoje se não tenham conseguido resultados completa- mente satisfatórios. Estas dlfíiculdades — -que em caso nenhum podiam ser motivo para desistir duma emprcza útil, cuja impossibilidade não estivesse provada — provêm, quanto podemos julgar pelas noticias que colhemos, o pelo resultado de nossas experiências, não só da imperfeita vege- tação da planta, ou de se não colher a folha em sazão própria, senão também da insufiiciencia dos processos até hoje empregados para a extracção da matéria fdamenlosa. Ora, se se considerar que o linho da Nova Zelândia prospera tão bem entre nós como no seu próprio paiz natalício, e que não será dif- licil empregar processos mais profícuos e menos dispendiosos para a ex- tracção da iilaça, todas estas difficuldades, longe de nos desalentarem, mais nos devem incitar a promover um género de cultura e industria, em que nenhum outro paiz da Europa nos pôde exceder, e que, apro- veitando muitos terrenos hoje abandonados, e dando emprego a um grande numero de braços, muito poderá concorrer para o augmento da riqueza publica. CABACTEREK E DEMCBIPÇ.tO BOT.lXIC.l. O linho da Nova Zelândia, Espadana das Ilhas Austraes, Phor- vúum tenas — Forster, Lachenalia ramosa — Lamark, Chlannjdia tcna- 1.' CLASSE. — T. I. p. u. 2 10 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL cissima — Gccrtncr, pertence ao grupo das monocotyledoncas e á fani. as-phoiMcas do Jiissicii, — á classe Ilcxaiitlria do Liiincu, — á classe Li- leaccas de Tounicrort, — e á 1 .° Divisão do Reino vegetal — vasculares — 2.' classe — endof^cnns, fani. lilcaccas de De Cand. Caracteres cemeuicos — Calyx scx-parlido, ou autos profundamente sex-fido; as 3 lacinias externas mais curtas; uui csliguia; tuna ca- psula com lojas polyspcrmas (Jussicu). CAitACTEREs específicos — Muitas folhas distichas, radicacs; scapo ]xtniculado superiormente. Caracteres descriptivos de toda a planta — Folhas radicaes nu- merosas, dum a dois metros c mais de comprimento, lanceolato-ii- nearcs, coriaccas, distichas, dum verde glauco, canaliculadas na hase, carinadas; pedúnculo, ou scapo, de dous metros de comprido, cylin- draceo, nú, erecto, ramoso e paniculado superiormente: llores nume- rosas, cm panicula, unilateraes, dez a doze em cada ramo, campanula- to-tuhuiadas, conniventes, rectas, csverdinhadas na hase, com as 3 la- cinias exteriores suh-carinadas , ponleagudas, e dum amarello côr d'oca, muito mais compridas, ohtusas e reflexas no ápice: os estames levemente ciu'vos, insertos no receptáculo, con> antheras erectas; um ovário supero, com imi cstilete do comprhnento da flor, c um sti- gma simples: uma capsula ohlonga, triquetra, prismática, ponteaguda, trivalve, trilocular, polysperma, com muitas sementes memhranaceas, achatadas; raiz vivaz, progressiva, rhizomo-hulhiforme, crassa, cylin- dracea, acinzentada, com lilamentos radiculares dispersos; e espécies de gommos foliaceos nas axillas das folhas, pelos quaes a plantii se reproduz lacilmente. N. B. Ha outra es])ecic, que e o Ph. cookianum; também in- dígena da Nova Zelândia. — É mais pequena que a antecedente; suas flores sào rubras e verdes. Começa-se a crer que é das fibras desta espécie que os zelandezes fabricam seus tecidos mais íinos. IVOnCLl HISTÓRICA D.l DEíiiCOBERfA DO lirvnO DA IVOVA ZE- IiAXDI.1 E DE SVíX IVATURALIZAÇAO liX ELROPA. O linho de Nova Zelândia foi descoberto na ilha (pie lhe deu o nome, por occasiào da primeira viagem de circumnavegação do Capitão Cook cm 17G8. No relatório desta memorável viagem, j)uhli- cado em Londres em 1773, e redigido quanto á parte historico-na- tural sobre os apontamentos de Sir Joseph Banks, naturalista que só DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. íl por amor da scicncia linha adrontado os perigos c as privações de tào dilatada expedição, lè-sc a seguinte passagem acerca desta planta: «Enconlra-se na IS'ova Zelândia imia planta de (pie os hai)ilantes SC servem em vez de cananio c de linho, c ([ue excede todas as que nos outros paizes se empregam nos mesujos usos. Ha duas espécies; as folhas tanto d'uma como da outra assemclham-se ás dos gladíolos, mas as llòres sào mais pccpienas c os seus cachos em maior numero, as d'uma delias sào amarcllas, as da outra são d'um vermelho escuro. O vestuário ordinário dos naturaes do paiz é composto das folhas destas j)lautas sem grandes preparações; delias fahricani suas cordas, que são muito mais fortes (pie as que se fazem de canamo. Da mesma planta, preparada doutro modo, extrahem elles longas fibras delgadas, lu- sentcs como a seda c tão alvas como a neve. Com estas libras d"uma força espantosa é (pie elles mamifucturam os seus mais bellos estofos. Suas redes, algumas das quacs são d'unia grandeza enorme, são feitas d'estas folhas; todo o trabalho consiste em dividil-as em tiras da lar- gura conveniente, ([ue se atam umas ás outras.» «L^ma planta, (juc se pôde empregar tão vantajosamente em tantos usos úteis seria uma importante acquisição para a Inglaterra, onde olla provavelmente prosperaria sem grande difficuldade; porque pa- rece ser muito vivaz e não precisar dinna (jualidade particular de terreno. Encontra-sc tanto nas collinas como nos vallcs, nos terrenos áridos, como nos mais apaulados; j)arece comtudo preferir os logares ])antanosos, por cpianto observámos ([ue nestes se apresentava mais Lera criada, ([iie em ([uaesquer outros sitios.» Sir .loseph Banks, convencido da grande utilidade que haveria era aclin)atar esta jilanta no nosso hemispherio, tinha trazido grande «juantidade de sementes, e delias fez presente aos jardins de Paris c de Montpellier, e á maior parte dos jardins botânicos da Europa. Em parte nenliuma porém vingou a sua sementeira. Ou fosse pela grande duração da viagem, ou por falta dos resguardos necessários, as se- mentes tinham perdido a força germinativa. Isto fez com que o governo inglez desse ordem para que da Nova Zelândia se trouxesse um grande numero de pés da planta viva. Foi destes que Ailon, «lircctor do jardim real de Kew, rcmetteu um ex- emplar ao jardim das plantas de Paris, no inverno de 1800. Este presente era de certo modo, como nota Loiscleur Dcs- longchamps, uma restituição, (|ue a Inglaterra fazia á França; por ipianto Labillardièrc, ([uc em 1791 tinha feito parle, como natura- lista, da expedição mandada cm procura de Laix;yrouse, tendo tocado 12 MExMORIAS DA ACADEMIA REAL na Xova Zelândia, trazia conisigo alguns jnís de Pliormium, que per- deu em consequência de ser loniado pelos inglezcs o navio cm que vinha. André Thouin, a cujos cuidados tinha sido entregue a planta do Phormium remcttida ao jardim das plantas de Paris, deu cm 1 803 unia circumstanciada noticia dccrca delia em um artigo inserto nos Annacs do Museu de Historia Natural. Como a planta do Pliormium linha chegado com as raizes dila- ceradas, c havia sido maltratada pelo frio c pela hun^idade na pas- sagem dlnglaterra para França, foi logo posta em estufa «luente, cujo calor foi elevado a 47" do thermomelro de Réaumur, e todavia nada se rcsentiu deste excesso de calor. Thouin altrihue este facto á far- tura com que lhe eram administradas as regas, supprindo assim a iig:ua absorvida pelas raizes a que se perdia pela cxhalação das folhas. Mais tarde a vitalidade desta planta leve litteralmente de passar pela prova do fogo. Lé-se com effeito em De Candolle que em um incêndio, que se ateara n'uma das estufas do jardim de Paris, Iodas as mais plantas tinham perecido, e só o Pliormium tornara a rebentar. Este facto que Do Candolle diz ter-lhe sido referido por A. Thouin, não vem mencionado no citado artigo dos Annaes do Museu. Prova-' velmente foi posterior á sua publicarão. A época cm que o Pliormium foi submettido nas estufas de Paris a 47° R. correspondia ao verão do seu paiz natalício. Nos annos se- guintes, conservado na mesma estufa, mas submettido a um grau de calor muito mais moderado, continuou a vegetar durante o inverno, e a repousar durante o verão. «Mais uma prova — diz Thouin — de que muitos vcgetaes, trazidos vivos de qualquer paiz, conservam os hábitos que nelle tinham ad(|uirido.» A sciencia não tem achado até hoje uma explicação cabal d'esta ordem de factos. A necessidade porem de que os phenomcnos da ve- getação se succedam em períodos alternados, c segundo uma rotação regular, parece-nos poder ser invocada de ]ireferencia á simples força do habito. A planta, (jue em seu paiz natalicio começou a vegetar na época mais apropriada, no verão, achando-se depois exhausta de suecos, precisa repousar na época immediata, que será o inverno, se ella con- tinua a viver no mesmo clima, mas (]ue será o verão, se fòr trans- fiortada ao hemispherlo opposto. Ao período de repouso seguir-se-ha novamente o da vegetação, e assim successívamentc, invertidas sempre as épocas de vegetação e de repouso, cm relação ao hemíspherio para DÁS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 13 o qdal a planta foi transportada, mas coincidindo com as do spu paiz nalalicio. Este plicnomcno é puramente individual, c não procede de forma alguma de que a inllucncia das ostarões sobro a vida vegetativa se inverta pela mudança de um a outro licmisplicrio. Alia's seria este um obstáculo inveneivcl á aclimatação das plantas. Pelo contrario, os factos mostram em geral, e particularmente (pianto ao Pliormium, a facili- dade com que os vcgolaes se naturalizam nos paizcs onde encontram as mesmas condições climatéricas. — Mas voltemos ao nosso objecto. A. Tbouin exforça-sc no artigo citado por mostrar a facilidade, que se deve encontrar em aclimatar esta planta em diversos pontos de França. E funda esta sua opinião não só na semelbança do clima de França com o da Nova Zelândia, mas em ser o Phormium uma planta vivaz, cujos gomos crescem debaixo da terra a algumas po- legadas de profundidade, ficando assim a abrigo das geadas, e em ser além disso uma planta secca, que pouco pôde soíVrer da acção dos frios intensos, muito mais nocivos ás plantas tenras c recheadas de suecos. A pesar do nenhum resultado obtido das sementes remettidas por Banks, Thouin aconselha todavia a sementeira como sendo o me- lhor meio de propagação, c ensina as precauções (jue se deverão ter na sua colheita e transporte, e quacs os cuidados, que deverá haver na cultura da planta, até ella se aclimatar definitivamente. Thouin termina o seu artigo, recordando (juc o canamo e origi- nário da Pérsia e da índia, paizcs muito mais (lucntes e mais ferieis (|ue a Nova Zelândia, que é annual c precisa ser semeado todos os annos, em quanto o Phormiuiu é vivaz e rústico; (|ue a primeira destas plantas exige muito boa terra e grcmdc copia d estrumes, em quanto a segunda se contenta com terrenos abandonados, e. uma vez plantada, não precisa mais de cultura nem d estrumes; que a colheita do canamo, seu cortimcnto c a extracção de sua matéria têxtil, re- (juerem tempo, machinas, dcspczas e intelligencia nos ojierarios, cm quanto uma fouce para cortar as folhas chegadas á grandeza conve- niente, uma tina para as pòr de molho, e imi pisão para lhes scpiímr as libras bastam á colheita e á preparação do linho da Nova Zelândia. Pouco tempo depois apresentava também L;ibillardièrc, n uma Memoria lida na Classe de Sciencias do Instituto de França, o resul- tado de seus ensaios sobre a força das fibras do linho da Nova Ze- lândia comparada com a dos filamentos da piteira, do canamo, do li- 14 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL nlio ordinário c da seda. Esta incnioria foi iambein publicada por cx- traclo nos Annacs do ftluscu de Historia Natural. Os ensaios feitos por Labillanlière, c por cilc minuciosamcnlo descriplos, reduzeni-sc a fazer supporlar successivamcnte diversos pesos por fios da mesma grossura (0,'"0001 de diâmetro) de cada uma das mencionadas substancias, até os mesmos fios ([uebrarem. A rijeza de cada um está na proporçào do máximo peso por elle supportado sem quebrar. Ora como o fio de canamo supportou grammas 400,5917 » de linlio da Nova Zelândia » 599,5032 » da piteira » 17G,2349 . do linbo ordinário » 295,8228 da seda » 855,9978 Dahi concluiu Labillardièrc (|ue a rijeza de cada um destes fios es- tava para a dos outros na mesma rasào, em que respectivamente estão os seg^uintes números a da pila 7 » do linho ordinário 11^ » do canamo 16^ » do phormium 23 -^ » da seda 34 O mesmo auctor fez outra serie d' experiências para avaliar a extensibilidade comparativa destes diflerentes géneros de substancia filamentosa, e que consistiam em reconhecer a máxima distensão que cada uma podia solTrer antes dcstalar. O resultado destas experiências foi que, representando a exten- sibilidade do canamo por 1 A extensibilidade do linho é 1 ^ » » do phormium li » D da pita 2 j » » da seda 5 Estes ensaios merecem ser repetidos com egual escrúpulo, e não só com fios singelos, mas até com cordéis de diflerentes grossuras. Por este modo viremos a conhecer se o Phormium tenax, que a todos os respeitos parece estar perfeitamente aclimatado entre nós, também apresenta o mesmo grau de rijeza e dcxtensibilidade. Nos meus es- tudos ulteriores conto repetir estes ensaios, c de seus resultados darei parle á Classe. Estas duas qualidades, maior rijeia e maior extensibilidade dão DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 15 ao linho da Nova Zelândia, sog^undo a opinião de Lal)illardièrc, grande vantagem sobre o canamo paru os usos da marinha. Levando unicamente em conta a diíTerenra da rijeza, potler-se- hiam suhstiUiir os cabos de canamo empregados no niaçamc das cm- barcarões por cabos de Phormiuni, que apresentariam a mesma (orça, lendo pouco mais de metade do peso. Se se attender porem a que ^o Phormium tem o dobro da extensibilidade, e que é á falta de suf- licicMlc extensibilidade (|iie muitas vezes é devida a ruptura das cordas, cm rasào da força que se lhes a[)plica se nào distribuir cgualniente por seus fascículos, claro íica que o uso dos cabos de linho da i\ova Zelândia permittiria alliviar os navios de mais de metade do i)Cso do maçamc. Esle poso c orçado para imia náu de 74 em 171'i,035 mv- riagrammas, ou 68,000 libras. Jlarcha mais veloz, manobra mais fácil, e executada por uma tripulação menos numerosa, possibilidade d'aug- menlar o abastecimento dos objectos de primeira necessidade, taes são em summa as vantagens que resultariam para a marinha do em- prego do linho da Nova Zelândia era vez do canamo. Cumpre saber que os ensaios de Labillardièrc foram feitos com fdamcntos do Phormium comprados aos naturaes da Nova Zelândia ; «Esta planta, diz clle, é de muita utilidade a estes selvagens; assim, quando elles se aproximaram de nós, os primeiros objectos que mostraram foi-am grandes punhados de suas folhas preparadas para diversos usos. Já de longe as vinham agitando com enthusiasmo, pa- recendo darem assim a conhecer o apreço cm cjue as tinham; bem de- pressa conhecemos que os tínhamos entendido perfeitamente; porque, tcntlo-se aproximado da nossa embarcação, não cederam aipicllas folhas senão por um grande valor.» Labillardièrc accrescenta que todos os vestidos comprados aos habitantes da Nova Zelândia eram fabricados com libras desta planta, c bem assim as cordas com que traziam presas suas armas e diversos ornatos. As rêdcs, essas eram feitas simplesmente com as folhas divi- didas em tiras, sem mais preparação alguma. .\esta mesma memoria nianifcslava Labillardièrc a convicção em (jue estava de que esta planta se havia de dar perfeitamente no clima de França, por isso (jue se achava na Nova Zelândia desde 34" até •47° de latitude sul, e se encontrava exposta a grandes frios na parte mais austral da ilha. «Os sítios húmidos, diz elle, convem-lhe melhor que os seccos, como succcde com a maior parte das liliaceas; accom- modar-se-ha pois com os terrenos pantanosos dantes tidos como inú- teis; demais é uma planta vivaz, que poucos cuidados exige. IR MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Os trabalhos de Labillardièrc c de Tliouin tinham altrahido a attcnçào do Governo íranccz. Este, por occasiào de mandar fazer uma viagem de descoberta ás irgiões auslraes jtelas corvetas o Naluralisla e o Gcograplio, sob o cominando do Capitão Ikuidin, consultou, entre outras cor[)orações, a administração do Museu de Historia Natural, sobre a melhor maneira de lazer reverter esta expedição em proveito da scicncia; c coniormando-se com as suas vistas, rccommendou aos naturalistas da expedição ([ue procurassem trazer grande ]iorção do semente e de plantas vivas do Phormium, no caso daportarem á Nova Zelândia ou á ilha de Norfolck. Não foi possível aos navios da expedição tocarem n'aquellas ilhas, mas aportando ao porto Jackson, cujo Governador cidtivava em seu jardim o Phormium vindo originariamente da ilha de Norfolck, al- cançaram dcUe, (jue lhe cedesse uns quinze pds, que com o maior cui- dado foram transportados a França. Às plantas foram postas em uma meia barrica c na própria terra, em (pie eram cultivadas, que era uma areola fina quasi estéril. A viagem durou dezoito mczes, c a jjezar disso nove pes chegaram no mais perfeito estado. Apenas recebidos e entregues á administração do Museu de His- toria Natural, cuidou esta em os remetter, assim como alguns re- novos produzidos pelo pé que viera d'Inglaterra, para vários pontos do meio-dia de Fi'ança, a fim de nelles se fazerem diversos ensaios da- climatação; e remetteram-se até alguns pés para outras regiões menos «juentes, com o intuito de variar as experiências. Nesta conformidade ibram as diversas plantas do Phormium distribuídas pelos departa- mentos do Dròme, do Var, do Herault, da Córsega e do Sena-Infe- rior. A pezar de todos os cuidados para esse effeito empregados, não tinha sido possível conseguir que o Phormium se aclimatasse com- pletamente. Por quanto embora vegetasse perfeitamente, e até se pro- j)agasse por via dos rebentões, constantemente se tinha recusado a dar llòr até IS 12, época em que esta planta pela primeira vez floresceu em França. MM. Faujas-de-S.'-Fond et Freycinct, pae de dois officiaes de ma- rinha que tinham leito parte da expedição do Capitão Baudin, resi- dentes em S.'-Fond, no departamento da Dròme, cultivavam o Phor- mium ao ar livre, tendo apenas a precaução de o agasalharem um pouco nos dias mais rigorosos do inverno. Suspeitando porém que a planta recusava florescer, em rasão do DAS SaENQAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 17 dcpaupcramcnto do troço principal, causado pela cxlrarcão que con- tiiiuaiiionle se fazia dos renovos destinados á sua propagação, tiveram a idca de deixarem alguns pés á lei da natureza, sem lhes tocarem, a fim de verem se assim conseguiam que clles viessem a dar flor. O resultado correspondeu á espectaliva. Em maio de 1812 prin- cipiou a brotar d"uma das plantas do Phormium, assim tratadas por M. Freycinet, um pedúnculo floral, que se desenvolveu com grande "vigor, e continuou a crescer ate meado junho, época em que apre- sentava sete pés e seis linhas daltura, tendo na base três poUegadas e quatro linhas de grossura. Sobre a haste principal desabrocharam era quinze pedúnculos secundários cento e nove flores. M. Faujas de St.-Fond apressou-se a communicar esta noticia ao Museu dHistoria Natural de Paris. E pouco tempo depois publicou nos Annaes da mesma corporação uma memoria sobre este assumpto. Nesle trabalho apresenta M. Faujas de St.-Fond novas conside- rações sobre a conveniência da aclimatação do Phormium tenax cm França, dá noticia dos esforços, que para isso se tem feito, mostra as probabilidades que ha de se conseguir o resultado desejado, refere os processos que se tem empregado pura a extracção da matéria têxtil contida nas foliias desta planta, e propõe um processo novo, que julga mais expedito c mais económico. Depois desta época tem o Phormium tenax florescido por varias vezes em diversos pontos de França, inclusivamente cm Paris, onde foi visto com ílòr uma vez em 181 í e outra cm 1816. O jardim da marinha de Toulon tinha sido um d'aquelles, que a administração do Museu d'Historia Natural tinha contemplado na distribuição das plantas do Phormium, cm razão de ser considerado como um dos mais apropriados para os ensaios de aclimatação, que se pretendiam fazer. M. Robcrt, director deste jardim, comprehcndcu e desempenhou perfeitamente a sua missão, não se poupando a diligencias para pro- pagar esta utilíssima planta, fazcndo-a plantar em grande escala não só nas circumvisinhanças de Toulon, mas principalmente cm St. Ma- drier, logar situado sobre as bordas do mar. Foi nesta localidade que em 1823 floresceram dous pés, e deram semente fecunda. M. Robert dislribuiu-a por diversas pessoas, dei- xando para si uma pequena porção. A Sociedade Kcal c Central dAgricultura premiou os esforços de M. Robcrt, conferindo-lhc uma medalha d'ouro em 1825. Ani- 1.' CLASSE. — T. I. p. u. 3 1 8 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL niado por csla dislincriio, o dijíno director do jiirdiín de Toulon re- dobrou de esforços, resultando dalii, segundo refere M. Loiseleur Des- longclianips, ter-se csla planta tornado mui cominam nas cercanias de Toulon. Todavia porèni, diz o mesmo auclor, nào se pôde contar com a semente para a sua propagação; por quanto desde 1823 apenas tornou a fructificar um pe cm 1833. Em compensação porém nota-se que cada touca, depois d"alguns annos de plantada, pôde dar annual- meiíte vinte a trinta rebentões, o que facilita consideravelmente a sua propagação. Com quanto tenha sido difficil obter em França sementes fe- cundas do linho da Nova Zelândia, ja assim nào tem acontecido quanto ásua vegetação. Esta planta tem ali resistido egualmente aos extremos tanto de frio como de calor. Já vimos como cila sobreviveu em Paris ao incêndio, que matou todas as outras plantas na estufa cm que ella estava. Agora, por outro lado, não deixará de maravilhar um pouco a noticia que nos dá Loiseleur Deslongchamps, de que esta planta re- sistiu também no inverno de 1820 a um frio de 12" abaixo de zero, o qual lhe crestou todas as folhas, mas não atacou a raiz, d'onde na primavera seguinte rebentaram novas folhas. Esta planta tem-se mostrado alem d'isso tão pouco exigente quanto á qualidade do terreno, que o mesmo Loiseleur Deslongchamps es- pera vêl-a bem depressa occupar uma immensidade de terrenos ate hoje incultos. «A França, diz elle, possue milhares d'hectares de terrenos are- nosos nas costas do Mediterrâneo, desde o Yar até a fronteira d'lles- panha, que não são próprios para nenhuma outra cultura, c que, sendo plantados de Phormium, podem fazer a riqueza das localidades a que pertencem. A posição ainda mais meridional da ilha de Córsega per- mittirá dar a mesma applicação aos seus terrenos incultos situados á borda do mar.» «Ainda que a temperatura seja cm geral menos quente nas nossas costas do Oeste do que nas do Mediterrâneo, — continua o mesmo auctor — é com tudo provável que o Phormium achará ainda calor bastante cm toda aquella parte «jue vae da foz do Gironda á do Bidassôa, para ahi jiodcr vegetar. Estas paragens estão cobertas de dunas, a perder de vista, sobre as quacs apenas crescem espontaneamente algumas raras plantas. Pois bem, todas estas dunas poderiam, penso cu, ser plan- tadas de Phormium, e seria este talvez um meio de fixar as suas areias.» Das sciencias de lisboa. i." classe. Í9 Esta mesma idéa ja em 1803 havia sido apresentada por A. Tliouin no citado artigo publicado nos Annaes do Museu d"Historia Natural, onde se lê a seguinte passagem: «Segundo dizem os viajantes, encontra-se (o Phormium) á borda do mar c suas visinlianças, tanto nas areias mais áridas, como nos terrenos mais baixos cobertos alternadamente pelas mares. Se assim é, esta planta merece toda a altençào dos agrónomos francezes pro- prietários de semelhantes terrenos, que lhes são mais prejudiciaes do que úteis; pois que as areias, arrastadas pelos ventos, se espalham sobre os terrenos férteis circumvisinhos, o os impedem de produzir.» A introducção do linho da Nova Zelândia em Portugal data do anno de 1798, e foi devida aos cuidados do Abbade José Correia da Serra. Durante a sua anterior estada em França tinha o celebre natu- ralista portugucz cultivado relações damisadc com Broussonet, um dos niais distinctos botânicos daquclle tempo. Perseguido este, como gi- rondino, no reinado do terror, conseguiu escapar á morte, evadindo-se para as costas da Barberia e de lá para Portugal. Rccebeu-o José Cor- reia da Serra com a consideração c agasalho devido não menos ao seu mérito do que ao seu infortúnio; recommendou-o ao Duque de Lafões, e sob sua protecção lhe deu asylo no próprio edificio da Academia, aonde apenas era visitado por alguns homens de letras. Soube-o porém o Intendente da Policia, e tanto bastou para que os dous naturalistas fossem envolvidos na mesma perseguição, e contra ellcs se passasse ordem de prisão. Prevenidos porém a tempo, conseguiram evadir-se para Gibraltar, c dahi para Londres. Ali se conservou José Correia da Serra, resolvido a não voltar mais á pátria, nem a aeceitar emprego algum do governo. Não obs- tante isso, correspondia-se, como simples particular com o Ministro da Marinha, D. Rodrigo de Sousa Coutinho; e cm obsequio a elle dali mesmo continuou a prestar relevantes serviços ao paiz, sem por ellcs receber a menor retribuição; c só cm 1801, cedendo ás instan- cias de D. Rodrigo, acceitou a nomeação de Conselheiro de Legação e Agente dos Negócios de Portugal era Londres. Fácil foi a homens de tão elevada e geral reputação scientifica, como a de que gozavam José Correia da Serra e Broussonet, ligar es- treitas relações com J. Banks, Presidente da Sociedade Real de Londres, o mesmo que, como vimos, acompanhara o Capitão Cook na sua pri- meira viagem de circumnavegação, que dera a primeira descripção 50 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL scicntifica do Phorniiuni icnax, c que mais loncorrera para a sua na- turalisaçào na Europa. Estas relarões lialjililaiam José Correia da Serra a rcmcllcr para Portugal diversas plantas muito importantes, e entre cilas alguns pes do mesmo Pliormium Icnax, cpie cllc clVectivamentc enviou por via de D. Rodrigo de Sonsa Coutinho, em Setembro de 1798. Deste modo veio o Jardim da Ajuda a possuir esta planta mais de um anno antes que o Jardim das Plantas de Paris, que só a ob- teve no inverno de 1800, como anteriormente dissemos (•). Do Jardim da Ajuda se propagou o Phormium tenax por diversos qnintaes de Lisboa c algumas quintas de seus arredores, dando-se per- feitamente em toda a sorte de terrenos, c sem precisar de resguardo algum, de forma que verdadeiramente se pódc dizer que esta planta achou aqui uma nova pátria. Em Cintra com particularidade vegeta ella com toda a pompa em terreno de granito de muito pouca fun- dura, c sem regas; ali tem muitas vezes florescido e dado semente fc- (■) O nosso consócio o Sr. Alexandre António V.indclli, dando noticia da inlro- ducção do Phorniium Icnax em Portugal, cm um artigo publicado cm 1S32 na Cul- Ucção d' Instrucçõcs sobre a Agricultura , Aries e Industria, limila-se a dizer a esto respeito as seguintes palavras : «Em IHOO vieram duas nu ires plantas de linho da Nova Zelândia para o Real Jardim da Ajuda, onde prosperou muito bem ao rigor do tempo (alço fim do anno de 1810, que c o de que tenho noticia); c também em Lisboa em um quintal de sequeiro, onde nunca era regado . . . . » Como esta noticia difTere da que aqui damos, quanto á data em que diz terem vindo as plantas do linho da Nova Zelanilia para Portugal, c niio faz menção alguma nem do paiz donde foram remcltidas, nem das pessoas que para isso concorreram; e como todavia, pela fonie donde procede, a alguém poderá parecer esta mesma noticia mais authentica do que a nossa, permiUa-se-nos transcre\er aqui a respectiva parte de nma carta de D. Rodrigo de Sousa Coutinho para o Abbade Correia da Serra, na qual lhe accusa e agradece a remessa destas c d'oulras plantas; o seu aulhographo foi-nos com- municado pelo Sr. Manoel Bernardo Lopes Fernandes, a quem, não só por esta com- municação que nos fez, como por diversas informarões quese'OVA ZELÂNDIA. Desde a descoberta do Phormium tenax tem-se feito grandes es- forços, tanto cm França como em Inglaterra, para substituir a sua filaça á do canamo e á do linho ordinário, não só no fabrico dos cabos empregados na marinha c em outros usos, como também no de di- versos estofos. A pri'mcira tentativa deste género que nos parece digna de ci- tar-se, é a que os inglezes fizeram para estabelecer esta industria na ilha de Norfolk, onde o Phormimn se dá perfeitamente em toda a sorte de terrenos e exposições. Para isso mandaram vir alguns nalu- racs da Nova Zelândia, a fim de instruircm os colonos da ilha no modo dcxtrahir e preparar a lilaça. E, com quanto estes zelandezes não fossem os mais próprios, para o lim <|ue se pretendia, por isso que este tra- balho o entre elles quasi exclusivamente executado por mulheres, to- davia as instrucçõcs por cUes dadas ainda foram bastantes para impri- mirem um certo impulso áquella industria. Os objectas fabricados pelos colonas consistiam principalmente n'uma lona um pouco mais íina (|ue o n." 7. Os instrumentos (jue ao principio se empregaram nesta fabricação eram muito toscos; espera- va-sc pois (]uc, empregantlo instrumentos mais jierfeitos, se viria a fabricar a (juantidade de lona, de brim c de cordas necessária ao con- 22 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL summo da ilha, c bastante para dar occiípaçào a umas quinlicntas pes- soas. Qiiacs fossem os progressos que este género de manufacliu-a ali continuou a fazer, é o (pie nos nào foi possivel averiguar. O que porem é inneg-avol c que a circuinstanciada noticia dada a este respeito por David Collins, Secretario Geral da Nova Gallcs, c transcripta nos An- naes do Museu por M. Faujas de St. Fond deveu contribuir podero- samente para animar a fazer diversas tentativas deste género na Eu- ropa. Até hoje porem nào se pôde dizer que os resultados tenham ])lenamente correspondido ao que se esperava. Em diversos pontos d'Inglaterra e particularmente no paiz de Clallcs — segundo nos affianca M. Loilard, — a fabricação de vários artigos a que o linho da Nova Zelândia serve de matéria prima con- stitue aclualmenle um ramo especial d'induslria. No Yorkshire M. Holt Júnior, de Wihlby, creou ha poucos annos a esta parte um im- portante estabelecimento para a preparação da fdaça do Pliormium jior vários processos de sua invenção. Entre estes é particularmente digno de menção o de que o mesmo fabricante faz uso na preparação dos cabos alcatroados. E' sabido que o principal obstáculo, que por muito tempo se tinha encontrado no emprego do Phormium na fa- liricaçào dos cabos, provinha de não se poder conseguir que suas fibras tomassem do alcatrão; por isso não tinha sido possivel empregal-o senão na fabricação dos cabos brancos, que resistem muito menos ao tempo. M. Holt, reconhecendo que esta circumstancia provinha de serem as (Ibras do Pliormium revestidas de certa matéria glutinosa, que as não deixa embeber da resina conscrvativa, leinbrou-se de as despojar delia por via d'um banho de potassa ou de soda. O resultado realisou inteiramente as suas esperanças. O processo empregado por M. Holt consiste em mergulhar o fio de que se compõem os cabos em uma dissolução de meia onça de alcali por cada gallão de agua, que ])óde ser quente ou fria, dcixal-o nclla por espaço de quarenta c oito horas, ao cabo delias tiral-o para fora, torcel-o e enxugal-o ao ar ou em estufa. Assim preparado, o fio toma do alcatrão, e resiste ao temi)o tão bem como o próprio canamo. Em França existia ja em 1837 uma ílibrica estabelecida por M. Eiénard, em Pont-Rémy, no departamento do Somma, em que o Phor- mium tciiax era empregado na preparação de diversos tecidos. Se- gundo refere o ja citado Loiselcur-Deslongchamps, M. Licnard tinha conseguido descobrir um processo fácil e económico, por via do qual prciwrava com as folhas desta planta uma filaça fácil de fiar, e com DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 23 que fabricava diversos estofos mais ou menos finos. «Aclualmente, accresccnla o mesmo auctor, ainda ([uc a fundação desta manufactura seja ainda recente, ja nella se empregam por dia mil a mil e duzentas libras de folhas, que ate agora tem vindo directamente da IVova Ze- lândia. Vè-sc d'a(|ui que o consummo de Ibllias de Pliormium feito por M. Liénard c pelo menos de trezentas mil libras por anno, o (|U(; se deve considerar como assaz considerável para uma industria ê-sc a fibra dividir-sc cm três troços, dous lateracs e um central. O troço central apresenta algumas fibrillas laxamente envolvidas ii'uma sorte de tecido medullar, que não deixa distinguir claramente a sua cstructura. Ajuntando novamente uma gota dagua, ou melhor ainda de álcool, e continuando a remoer os vidros um contra o outro, vae-se destruindo o tecido mcduUar que envolve as fibrillas, o que per- 28 ME5I0RIAS DA ACADEJIIA REAt initte ver a cstructura destas, que e cxactamcnlc a das tracheas ou vasos espiraes descriptos jielos jilivlolomos. Fazendo adherir um dos vidros ;í idatina do microscópio c im- primindo ao outro um movimento lento mas forte no sentido do com- primento do troço das fibrillas, consegue-sc rouiper algumas destiis transversalmente. Vccm-sc cntào as espiras desenroladas, adlierindo de cada lado ás duas partes da fibrilla que se parLiu. Muitas vezes o desenrolamento da espira laz-se debaixo dos olhos do observador. Estas fibrillas espiracs apresentaram-nos dilTerentcs grossuras, desde 0°"",017 até 0'""',Oii de diâmetro. Em toda a sua extensão nào se vêem outros traços senào os que sào formados pelas voltas da es- pira. Nào se pódc dar uma idéa mais exacta de seu aspecto, do quo comparando-as com o ílo de prata de que sào cobertos os l)ordues dos instrumentos de corda; vistas ao sol por rellexào apresentam exacta- mente a mesma còr argentina. Conbcce-se que são tubuladas, porque nellas se vêem oscillar bolbas de ar de um para outro lado. Se ellas sào envolvidas em alguma membrana ou se a envolvem, é o que a observação microscópica nào revela. Theoricamcnte quasi se nào pódc conceber a sua formação d'outro modo, senão admittindo que estas espiras se formaram no interior de luna cellula, ou (\ue sào constituidas por sua membrana interna. Mas, como por mais que se repitam as observações, em parte nenhuma se encontra o menor ves- tígio da reunião de duas cellulas, devemos considerar que a fibrilla espiral constituo uma unidade vascular, que é uma única cellula alon- gada desde a base até o cimo da folha, embora cila tenha suspendido, c depois continuado novamente o seu crescimento em diíTerentcs perío- dos da existência da planta; istoé, devemos suppòr<]ue a fibrilla ou vaso espiral se formou pelo succcssivo desenvolvimento longitudinal duma única cellula, e nào pela suceessiva agregação de novas cellulas no sen- tido longitudinal. Desta ultima forma custa na verdade a conceber como uma única espira se continue por cellulas de dilVerentc formação. Examinando cada um dos troços lalcraes em que a (ibra se di- vide, não nos foi possível descobrir ncUes vasos alguns espiracs, como os que acabamos de descrever. As fibrillas que os compõem tem de diâ- metro 0""",011 (•), sào lisas, homogéneas e tubuladas. Cobertas dagua (•) Esta dimensão c a media de vários medirões qiiií fizemos tanto de fibrillas isoladas, como de grupos de diias, tros ou mais fihrillas par.ilUIas entre si e juxla- postas. Proriirámos taml)eni achar a grossura da fevcra do linho e do cananio , [lara podermos cslabrlcccr a compararão; a diffcrcnea, se existe, é insignificante. Tanlo DAS SCIEXCIAS DE LISBOA. 1 .' CLASSE. 29 e comprimidas continuam a deixar saliir bollias dar; pelo contrario, logo que a compressão cessa, a agua entra pelas duas aberturas, c penetra nas fdjriilas de cada um dos lados; carregando ou aliviando alternadamente o vidro superior, \è-se o li(|uido oscillar dentro das (ibrillas como o mercúrio num tubo tbermometrico quando nelle .se introduziram bolbas dar. Estas rii)rillas apresentaram-nos algumas vezes d'espaço a espaço ligeiros traços Iransversaes, como os vasos annulares descriptos pelos pliytotomos. Notámos porem cm primeiro logar que esses traços só eram bem manifestos nas fd^rilias que se adiavam reunidas cm fas- ciculos, e que, á j)roporçào (jue ellas se liiam desagregando, os mesmos traços se tornavam menos visiveis, c que nas que se conseguia isolar perfeitamente, jamais se podiam observar distinctamente. Isto nos fez pensar que a(juellcs traços não eram mais do que vestigios de uni tecido areolar, que revestia as fibrillas. Se este tecido areolar faz parte do estojo que reveste a fdjra, ou .se entra na composição do troço fibrillar e envolve immedialamente as fibrillas, é o que nos não e' possivcl decidir; iiiclinamo-nos porem a admitlir a segunda expli- cação. Observámos também, por outro lado, que em algumas fibrillas, cm cujo canal interno existia imia columna d'agua ou d"outro qual- quer liquido partida por bolhas dar, estas, alongando-se pela pressão dos vidros, percorriam o canal para um e para outro lado, até sa- hircm por uma de suas extremidades ou jwr ambas, sem que taes traços lhes pozcssein obstáculo. Fica pois evidente que aquelles traços, quando existem, não in- dicam divisões algumas na cavidade das fibrillas, e que só observados superficialmente poderiam ser considerados como intersecções das mesmas fibrillas. A cstruclura das fdjras da camada subcuticular diíTcrc cm alguns pontos da das que acabamos de descrever. O seu estojo não apresenta, como já dissemos, a mesma còr alauibreada, são mais delgadas (de 0""",1 2 a O"", 14); as fibrillas que as compõem são todas lisas. A cstruclura destas é exactamente a mesma que a das que compõem os dous troços latcracs das fibras da camada interna. Até aqui temos estudado as fibras do Phormium no sentido do n'um como no oiilro varia esla grossura cnlrc O"", 011 c O"", 016; o linho Inca mais vezes o limite mínimo, o canamo o limite máximo. 30 JIEIMOIIIAS DA ACADEMIA REAL seu comprimento; como contraprova deste estudo pareceu-nos dc- \el-as taiubein observar de topo. Para isso examinámos algumas ta- lhadas cortadas transversalmcnlc a diversas alturas da lollia. Uma talhada tirada da parte ensiformc da folha, vista ao mi- croscópio, apresenta lun tecido ccllular formado de cellulas cxagonas, incolor c mais laxo na parle interna, verde c mais denso junto á pe- riferia. Disseminados neste tecido vêem-sc os topos de varias fibras. As da parte interna mais grossas, de forma elliptica, tendo no seu maior diâmetro 0'"°',G.'> c no menor 0°"°,2o externamente cercadas d'uma auréola de côr dalambrc formada por cellulas mais pequenas e quasi circulares, no centro uma espécie de mcduUa circular, na qual a{>- parecem as aberturas d'alguns vasos cspiracs representadas por pe- quenos circulos, o resto oecupado pelos lòpos das íibiillas lisas, re- ])rescntados por circulosinhos ainda mais pequenos. As libras da ca- jnada externa ou subculiculares apresentam-sc muito mais juntas o formando uma só fieira; são quasi circulares, mais pequenas que as .tX. Dc todas as plantas textis que se conhecem é talve? o Phormium aquella cuja filaça e naluralmcntc mais íina, mais rija, mais alva c asselinada. A ([uestão está por tanto em achar um processo económico para cxtrahir esta filaça dc modo que ella apresente todas as suas qua- lidades; infelizmente este problema ainda se não tem podido resolver completamente na Europa. A primeira idca que occorrcu foi a dc applicar á folha do Phor- mium os mesmos processos de curtimento que se ap])licam ao linho c ao canamo; ate hoje porém não tem sido possivcl obter por tal meio um resultado satisfactorio. Dous obstáculos se oppõeni ao curtimento: mu é o verniz ([ue cobre as folhas, e que é uma espccic de cera ve- getal, ([uí; resiste á acção da agua; o outro c a substancia aloelica, alo- jada no estojo, que reveste cada uma das fibras do Phormium, pelo menos as da camada interna, c ([ue impede absolutamente que suas fi- briilas se desagreguem sob a iuHuencia do curtimento. Este pôde sim destruir pela ícrmcntação os tecidos que separam entre si as fibras, isto e os fasciculos vasculares da folha; mas nenhuma acção tem sobre as fibriilas elementares ([uc os compõem, por(|uc estas se acham ua- turalmonte j)rcscrva(las por a(|uellcs suecos alocticos. Conhecida a inutilidade do curtimento, procurou-se empregar (xs processos usiidos j)elos naturaes da Nova Zelândia. Mas para isso primeiro ([ue tudo era preciso conhecci-os. Ora nós entramos cm du- vida sobre SC taes processos são bem conhecidos. A maior parle dos auctorcs descrevem-n'os como muito sinq)liccs. Tudo se reduziria a raspar as folhas com uma concha, dividil-as cm tiras, atar estas em molhos, torcel-os, pòl-os a macerar cm agua corrente ou mesmo esta- gnada, maçal-os por mais ou menos tempo debaixo dagua, e por lim pôl-os a enxugar. Depois só resta liar o linho da finura (pie se ([uizcr. J2 MEMORL\S DA ACADEMIA REAL So nisto só consistisse realmente lodo o processo, pelo qual os zelandczcs obleni do Phorniiiun tcnax a filaça com ijuc fabricam os seus mais bellos tecidos, nenliiuna razão havia para que na Europa se não obtivesse o mesmo resultado. INcm se diga (|ii(! taes processos, por nimiamente minuciosos, só são próprios de Iribus selvagens, que não dão valor ao tempo. Quem conhece o minuciosissimo processo, as multiplicadas operações, jior que passa entre nós o linho, ale se poder liar, iiào pôde certamente achar com[)lica(lo o processo zelandcz tal como fica indicado. Por tanto, ou na dcscrij)cào deste processo se omilliram circumslancias cssenciaes, ou a espécie que na Nova Ze- lândia se emprega para os tecidos mais finos nào é o Phormium tenax. Esta ultima conjectura e corroborada pela opinião ipie idlimamentc tem vogado, cujo fundamento porém não sabemos, de que a es|)ecie de que os zelandezes fabricam os seus tecidos mais finos e' o Phor- mium cookianum. Sc o facto é exacto, pódc muito bem ser que nesta espécie as fibras não sejam cobertas dos mesmos suecos aloeticos que as do Phormium tenax. Quanto á primeira conjectura, eis aqui os fundamentos em que a assentamos. ]\a primeira noticia dada por .1. BanlvS acerca do Phormium tenax, depois de se dizer, que o vestuário ordinário dos naturaes do paiz, e suas cordas, muito mais rijas que as que se fazem de canamo, são fabricadas das folhas desta planta, acrescenta -se immcdiatamente: «Da mesma planta, ■prcparaihi (f outro modo, extrahem ellcs longas fibras delgadas, luscntcs como a seda e tào alvas como a neve; com estas libras duma força espantosa é que elles manufacturam os seus mais bellos estofos.» A nós custa-nos a acreditar, que este outro modo, pelo todos os ensaios que de novo se tentarem, dc- vcr-se-lião tratar separadamente c por processos dilfercntes a camada filamentosa subcuticular c a interna. As difliculdades que para cada uma ha a vencer sào de género diflcrcnte; num caso provém da cera vegetal, que cobre a folha, e lhe forma uma sorte de verniz; no outro caso provém dos suecos alocticos, que revestem immediatamcnte a fibra, c se aciíam alojados nas malhas do seu estojo. É provável que as librus da camada subcuticular sejam as de que maior partido se possa vir a tirar para a fabricação dos diversos tecidos. Quando porem se não chegasse a obter uma filaça mais perfeita do que a que se cxtrahe por via dos processos que deixamos descri- ptos, como esta é tanto ou mais própria para a fabricação de toda a sorte de cordoalha, que quahjucr das outras substancias filamentosas que nella se costumam empregar, bastava ja este resultado para que (•) Estas mpuilns tic cortlrl fdr.im .iprcsrnladns, jiintamcnlo com .nlgiim.is oslripa? lia filaça, á 1.* Classe da Acailrmia Roal das Scicncias, na mesma scssãucm que nclla Ciemos a leitura desta memoria. 38 MEM. DA ACAD. R. DAS SCIENC. DE LISB. 1." CLÃS. entre nós se devesse dar toda a importância á cultura do Phormium tcnax. Os ensaios que ate hoje temos feito não sào sufticicntcs, para sobre cUcs fundarmos um ralculo das vantagens económicas desta cul- tura. Os dados porém colhidos cm Inglaterra por Salisbury provam que um acre de terra plantada de Phormium pode dar poranno 1600 libras de filaça, o que excede consideravelmente a producção do linho c do canamo. A isto accresce ainda que, ao passo que o canamo e o linho só jirosperam em bons terrenos e consomem enormes quantidades dcs- írume, o Phormium, pelo contrario, é próprio para toda a sorte de terrenos, desde as areias soltas até o chão pantanoso ou de sapal, é uma planta vivaz, que se dá quasi sem cuidados nenhuns, não cança as terras, nem precisa de estrumes. A sua cultura pode ser por tanto não só um meio d'aproveitar muitos terrenos, (juc aliás ficariam in- cultos, mas até de fixar as areias movediças c dimpcdir que cilas in- vadam os campos adjacentes. Tantas qualidades preciosas devem movcr-nos a Hizer todas as diligencias, para que a cultura desta planta se generalise o mais pos- sivei no nosso Portugal. Se este nosso trabalho poder para isso con- correr de algum modo, dar-nos-hemos por satisfeitos. NOTICIA DE ALGUNS CASOS o* MOLÉSTIA DE BRIGIIT OBSERVADOS NO HOSPITAL DE S. JOSÉ E RESUMO DAS DOUIRtN.\S MAIS MODERNAS ACERCA d'eSTA DOENÇA. TR.IBAUIO APRESENTADO i ACADEMIA REAL DAS SflENCIAS DE IISBOA EM IG DE FEVEREIRO DE 1854 PELO SÓCIO Dr. BERNARDINO ANTOMO GOMES. NOTICIA DE ALGUNS CASOS DA MOLÉSTIA D1-: liniGIIT OHSF.RVADOS NO HOSPITAL DE S. JOSÉ B RESUMO DAS DOUTRINAS MAIS BIODERNAS ACERCA DESTA DOE>CA. I.NTRODLCCAO. O objecto, sobre que nos propomos cbamar a altenção da Aca- demia, e dos nossos collegas médicos mais especialmente, diz respeito ao estudo de uma doença, que, ou se examine nas suas causas, nas suas lesões, no desenvolvimento de seus symptomas, ou nas formas diversas que aflecta, tem hoje um interesse lào grande para esse estudo, tem sido matéria de tào curiosas c importantes investigações nos últimos annos, (jue não podo deixar de merecer da nossa parte uma cuidadosa altençào. Esla doença é a ([ue, melhor do (|ue por outro modo, deve cha- niar-se ainda a moléstia de Bright (Morbus Brightii). Nas investigações feitas ]»ara esclarecer a natureza e o modo de desenvolvimenlo de ([uahjuer doença, nenhuma outra e tão própria couio esla para mostrar as tendências medicas da época, e jwr em evi- dencia os recursos todos de ojjservaçào, de cpie a sciencia moderna se acha enriíiuecida, para o exame de tudo que diz respeito ao dominio da pathologia. Os factos, mais ou menos bem estabelecidos pela observação cli- '4 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL nica, c as inducçòcs, que a razão e o espirito de syslema faziam delles deduzir, eram as fontes de todos os conhecimentos em palhologia. Por muitos séculos nào foram quasi outros os meios de investigação, ate' que no século passado, c muito mais especialmente no principio do actual, o desenvolvimento, que a escola anatómica veio dar aos estudos da anatomia normal e mórbida, abriu novo c vasto campo a ostas indagações. A localisação das doenças, e o modo das alterações locaes começou a apreciar-se como antes não poderá fazer-se. Marcam esta época para o século anterior os trabalhos de Morgagni; para o actual os de Bichai; symbolisam a sua influencia na palhologia as doutrinas da medicina ph^-siologica, e as da escola anatomo-pathologica que lhe succedeu. O auxilio da anatomia pathologica, e os meios de diagnostico cada vez mais aperfeiçoados, trouxeram sem duvida para o conhecimento das doenças, cm grande numero de casos, um grau de certeza, antes des- conhecido, ou impossivel de alcançar. A revolução na scicncia, assim operada pela observação clinica mais methodicamenlc feita, e auxiliada pelo exame com o escalpelo, mal se operava ainda na extensão toda, que esses meios de investigação permiltiam, quando novos recursos para a observação vieram ajuntar-se aos primeiros, e prepararam novo campo para indagações. Esses novos meios foram a analyse orgânica, com o aperfeiçoa- mento e desenvolvimento que lhe imprimiram os trabalhos de Liebig; e sobre tudo o auxilio do microscópio applicado ao estudo da anatomia e physiologia. Com estes novos auxiliares as duas scicncias ganharam nova existência na escola de MuUer, escola analomo-microscopica, que tanto tem enriquecido a scicncia de factos e doutrinas importantes. São esses mesmos factos e doutrinas anatomo-physiologicas com os meios ara a pratica geral no paiz. No sentido dessa diligencia emprehen- demas o presente trabalho, fundado em observações da moléstia de Iiright por nós coUigidas, c sobre tudo na leitura e estudo de tra- balhos dos mais importantes publicados sobre o objecto. As nossas observações reúnem certo numero de factos, que po- fleremos confrontar com os de outros observadores, e que nos hàode ajudar a julgar do valor de uns c de outros; ao mesmo tempo, poièm. DAS SCIEXCIAS DE LISBOA. I.' CLASSE. ^^ devemos dizer, qtic, nem o seu numero, nem a desciipçào ciicunis- lanciada da parle histórica de cada uuia dessas observações nos pcr- mitle ainda avaliar, como desejáramos, alguns dos pontos de doutrina relativos á doença, no que cila é em geral, e em especial no nosso paiz. Dados eslatisticos, por exemplo, mostrando o que seja a mo- léstia de Bright em relaçiio á cifra da população, c á das outras doenças, niio dizemos já para Portugal ou Lisboa, mas no hospital de S. .losé, e nos outros hospilaes, faltam por ora quasi com])letamcnte. Por ou- tro lado pouco poderemos dizer ainda, de observação própria, a res- peito do exame histológico dos rins alterados pela doença; por ([uanto só podemos começar a ser devidamente prevenidos sobre o modo d'esse .txame, e de toda a sua importância, depois «jue alcançámos o impor- tante escripto do Dr. Freied. Theod. Frerichs (Die Bright s(he Rie- renfrankhcit) publicado em 1851; c as nossas observações foram ([uasi todas colligidas antes da sua leitura. Incompl/to, como é, o nosso tra- balho, nos parece comtudo, que não deixará de ser de alguma utili- dade, chamando a attenção dos nossos collegas sobre tão iniportantf! assumpto, noticiando factos e doutrinas que não são ainda mui geral- mente conhecidos, e promovendo o appareciujcnto de outros trabalhos que suppram as imperfeições do nosso, e augmentem os conhecimentos cm um ponto de palhologia que está merecendo na actualidade a at- tenção especial de observadores de primeira ordem de muitos paizes, especialmente em Allemanha, Inglaterra e França. O caracter d'este escripto será essencialmente histórico. Pare- ceu-nos ser a direcção melhor que lhe podíamos dar, e a mais própria para servir de base ou ponto de partida a ulteriores trabalhos no nosso paiz. Percorreremos, pois, successivamente todos os pontos de doutrina relativos á etiologia, symptomatologia, lesões anatómicas, natureza e therapeutica da doença; c depois de enumerar o resultado das inda- gações c opiniões, que se tem formado a respeito de cada um, faremos por as avaliar, e fixar o juizo que de todas podemos formar. É pois uma exposição do estado actual dos conhecimentos a respeito da mo- léstia de Bright ou a revista critica do assumpto o que principalmente vamos expor. Nesta exposição adoptámos por guia o citado escripto do Dr. Fre- richs, feito no sentido do que emprehendemos; e deste modo olfere- cemos ao mesmo tempo aos que nos lerem a resumida noticia deste interessante trabalho, por ora tão pouco geralmente conhecido como a lingoa, em que só está escripto. MEMORIAS DA ACADEMIA REAL CAPITULO I. PARTE niSTORICA. A moléstia de Brighl só foi conhecida nosologicamente, islo é, como doença especial e distincta de todas as outras, quando se co- meçou a \èr a ligação que havia entre os três phenomenos fundamen- taes, que a caracterisam; a saber a hydropcsia, a albuminúria, e uma determinada alteração de rins. O conhecimento dVsta relação é a im- portante descoberta de Bright, que marca sem duvida a época mais assignalada de todas as indagações e trabalhos relativos á doença. Tra- baliios anteriores a prepararam, c podem mesmo fazer-se remontar, na sua origem conhecida, ás observações de Hyppocrates; mas quantos séculos foi preciso que a medicina percorresse para chegar á apreciação deste facto pathologico, cujo conhecimento data de época tão próxima de nós, que só em 1827 pôde ser proclamado pelo distincto obser- vador inglez, de quem a doença tomou o nome. O que a observação dos antigos tinha feito reconhecer è exis- tirem hydropesias, que pareciam ter relação com certas aflecções de rins, c delias dependiam mesmo. Hyppocrates falia de hydropesias, a que dava essa origem. Galeno também não desconheceu o mesmo facto, como demonstrou Rayer, e apesar de ter sido commum attribuir áqucllc celebre medico da antiguidade a procedência de lesão de fí- gado para todas as hydropesias. Aetio viu hydropesias cm individues, nos quaes achou ao mesmo tempo os rins endurecidos. Os médicos árabes, especialmente Avicena, ainda são mais explícitos a respeito do apparccimento simultâneo destes dois phenomenos niorbidos; o torna-se notável o fallarem já das urinas ténues, que observaram nesta hydropcsia, e do seu contraste com as urinas espessas e mais sedimcntosas, próprias das hydropesias proce- dentes de íigado. Estes primeiros conhecimentos foram depois, c por muito tempo, mais vezes desconhecidos ou dcsat tendidos, do que ampliados pelos mé- dicos de épocas posteriores. D.\S SCIENCIAS DE LISBOA, l." CLASSE. 9 Pelo IG." século, quando os exames cadavéricos começaram a gc- ijeralisar-se, e a rcconh^er-se melhor a sua importância e necessidade no estudo da palliologia, os observadores de novo entraram a notar lesões de rins cn> casos de hydropcsia. Fcrnel falia de casos de ascite com urina ténue, que cUe suppõe fillrar-se dos rins para o abdómen nesta bydropesia; e distingue estas liydropcsias das que são acompanhadas de urinas vermelhas e espessas, procedentes de Icsào hepática. Rayer cita de Schcnck, como depois o faz a respeito de Bcnel, observações de hydropesia com lesão de rins, em cuja historia se lêem as principaes circunstancias próprias do morbus Brighlii; Schenck ]á indica em casos d'estcs a existência de rins descorados. Do mesmo modo Morgagni viu e descreveu rins granulosos, que elle encontrou em individues sem hydropcsia. Van-IIelmont não só reconhece hydropesias com lesào de rins, mas sustenta a opinião de que n"cstes órgãos está sempre a causa im- niediata de todas as hydropesias. Observações e opiniões análogas ás dos precedentes observadores ]>odem ainda achar-sc nos cscriptos de Fr. Hofíman, de Lieutaud, de Portal, e de outros. Entre estes faz-se notar Bajbier dAmicns pelo que diz da oligotrophia ou atropina dos rins, assim como da sua dureza, e das cdemacias, que podem seguir-se a estas alterações; cuja origem desta forma c natureza, já elle observa, costumam passar muitas vezes desapercebidas. A apparencia leitosa do soro do sangue, própria, como diicmos, do m. Br., foi indicada, talvez pela primeira vez, por Bar- bier nos primeiros casos de hydropcsia com lesão renal que elle ob- servou. Outra serie de investigações e factos, importante a notar na his- toria do ni. Br., é a <|ue diz respeito á coagulabilidade da urina, á al- buminúria, e á existência constante deste phenomeno em certas hy- dropesias. Cotugno foi o primeiro que verificou a presença de albumina na urina de hydropicos. Foi levado a procural-a ahi por a ter antes achado no soro dos derrames hydropicos; e por pensar ser esse mesmo soro o que era evacuado em urina, quando por meio de maior sabida d'esta as hydropesias se resolviam. Inducçào falsa, que o conduziu a outra, e foi a de suppòr qv.c o apparecimcnto da albumina na urina dos hy- dropicos era antes bom do (jue mau signal. Fordyce também indicou a possibilidade de passar á urina o soro do sangue, a lympha, o chylo, e mesmo a parte rubra do sangue, para 1.* CLASSE T. I. P. II. 2 10 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL explicar a sua coagiilabil idade, mas nào diz a relação que isso pode ter íoin deteriuiiiados cslados inoiLidos. A Cruiclisand devc-se a distincçào, pela primeira vez feita, do liydropesias com urinas albuminosas, c hvdropcsias com urinas nào albumiiiosas. Esta distincçào adquiriu muito mais desenvolvimento pelas observações de Wells e Blackall. O primeiro d'estes observadores concorreu mais especialmente para fazer conbecer o caracter albumi- nurico das bydropesias consecutivas a escarlatinas, c o segundo para apreciar o caracter inllammatorio agudo ou chronico, (|ue em geral re- vestem as bvdropesias com albuminúria; caracter inllammatorio que elle nào considerava localisado nas rins, mas suppunha consistir em certo estado geral da economia. Ambos estes observadores, posto que nào re- conhecessem ainda as lesões renaes, que acompanham, quasi sempre pelo menos, estes casos de hydropesia com albuminúria, não deixam comtudo de assignalar um cerlo numero de vezes a coexistência nestes casos das ditas lesões renaes. Os escriptos de VV^ells e Blackall, espe- cialmente a dissertaçào do ultimo, fez muita impressão pelo valor das suas observações, c inducções praticas a que conduziam. De certo mui lo concorreram estas publicações para apressar a descoberta de Bright. Proseguiram no mesmo estudo das urinas albuminosas, quasi só om Inglaterra, Abercombrie, Scudamore, Prout c Alisou. Este ultimo l>rofessor de Edimburgo cm 1823 annunciou pela primeira vez nas suas lições publicas, o ter achado rins com a alteração granulosa em in- dividuos ao mesmo tempo bydropicos c albuminuricos. Por este tempo, e ainda muito depois, a questão não tinha ex- citado a altcnção dos práticos francezes; apparecem com tudo por esta época alguns factos isolados, que Rayer registra no seu esboço histo- lico do m. Br., c que é interessante recordar. Scguin estudando o processo da taniíicação, ou do cortume das pelles, notou, que as urinas de certos individues precipitavam bas- tante pela dissolução de tanino, como as de outros o não faziam; e suppunha dever ser uma substancia alimentícia, accidentalmente exis- tente na urina, a causa d'aquelle phenomeno. Fourcroy julgou depois, em 1800, que esta substancia devia ser a albumina. Chapotaia observou na Ilha de França urinas, que suppôz albu- minosas, albumino-gordurosas e leitosas, em indivíduos, que nem por isso se tornavam bydropicos. Nysten reconheceu urinas albuminosas, e por isso com o caracter de se tornarem muito espumosas pela insuflação, e de se conscrvaren» assim por muito mais tempo do que outras urinas o podem fazer. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 ." CLASSE. 1 1 Tanibcni notou na urina albuminosa a falia de uréa, como fora pela [iiinicira vez notado por Brande cni 1807. Com os trabalhos de Roherl Bright lemos uma nova época, e a mais importante; porque só depois dclles, como dissemos, é que se fixou o conliecimento de uma doença antes ignorada, apesar de tantos trabalhos e tão importantes, que prepararam, mas não fizeram a sua descoberta, como suo os que temos referido. Bright reconheceu, com os seus predecessores, que haviam hydropesias com albuminúria, mas aléui d'isso mostrou, que as hydropesias com albuminúria são sempre acompanhadas de certas lesões renaes, das quaes dependiam essencial- mente. Descreveu trcs formas para estas alterações dos rins, nas quaes figuram a degeneração amarclla, a degeneração granulosa, c a atrophia destes órgãos. Assignalou ja, note-se bem, a existência de massas brancas coaguladas nos tubos uriniferos dos rins lesados. O génio ob- servador pois d'este pratico pôde assim, c a final, aproximar c ligar os trcs phcnomenos mórbidos, que por tantos séculos andaram desli- gados na observação, ou que esta apenas chegara a casar dois a dois. K mais imi exemplo de quanto precisa a intelligcncia humana em- ]>regar esforços, paciência e tempo, para achar a relação entre phcno- menos, que por muito tempo antes andaram exjiostos á sua observação. Bostock, distincto chimico inglez, coadjuvou Bright nas suas in- \estigações. Era elle que examinava as urinas dos casos da observação or ob- servações com autopse, que a moléstia de Bright pôde dar-se em alguns í-asos sem hydroiiesia. isto é, existirem as lesões características dos rins e a albuminúria, e faltarem as infiltrações sorosas; facto aliás muito verdadeiro, verificado por muitos depois, e lambem por nós. Seguem-se os trabalhos de Barrows e Hamilton, de Osborne, de Anderson, todos no smitido das doutrinas de Bright. Corrigan pretendeu demonstrar, que a degeneração amarclla e a granulosa são duas alterações distinctas, e que uma não é a simples trans- formação da outra, como pretendera Bright. Mais modernamente 12 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Jolinson renovou a niosnia opinião, mas no lograr próprio avaliaremos os motivos das duas doulrinas. Matcer distingue uma ordem de hy- «Iropo.sias sem urinas coaguláveis c com rins anemicos. Falia também de urinas albuininosas, (jue sobrevoem no fim das lebres ás vezes. Willis distingue urinas albuminosas c olco-albuminosas, que cflcctivameiite SP oi)servam nos dillerentes casos da doença. Era occasião que a França pagasse o seu tributo de estudo a tào importantes questões pathologicas, sendo já bastante para admirar, ([uo por tanto tempo se conservasse silenciosa o quasi indiílcrente em pre- sença de uma serie de trabalhos tão notáveis como os que temos enu- merado, e que excitavam o zelo scientifico de outros práticos a tào pequena distancia, como a menor largura de um canal. Mas tal tem sido em muitas outras coitsas a sorte d'estes dois povos, que, apesar de visinhos, parecem bastantes vezes quererem-sc isolar, pelos hábitos, pelo commercio das idéas c de outro modo. Como porem na scicncia, menos do que em qualquer outro objecto, esse isolamento nào e pos- sível por muito tempo, a descoberta de Bright, e todas as questões que lhe andam ligadas lixaram por fim a attençào dos práticos francezes. A Raycr coube pagar o primeiro tributo a este estudo, e o ícz da maneira mais digna c ampla. No seu tratado de moléstias de rins em três volumes e um atlas, publicado em 1830, um destes volumes e quasi só consagrado á moléstia de Bright, que elle cliamou nephrite albuminosa. É uma obra, como sabem os que aproveitaram a sua lição, clássica no seu género, rica de erudição, rica de factos próprios á ob- servação do auctor, modelo pelo methodo e boa ordem com que é es- cripta, por sua excellente critica; e até recommendando-se pelo seu bom estylo, certo (|ue Raycr é, não só medico dos mais eruditos c de mais eminente pratica, mas além d' isso excellente escriptor. Raycr observou cuidadosamente muitos casos de m. Br. nos hospitaes; examinou c passou em revista toda a litteratura medica sobre este objecto; sub- metteu os factas alheios e próprios a uma rigorosa critica; e munido' de todos estes dados da observação e da leitura fez passar por um ri- goroso exame todos os pontos de doutrina relativos á doença, diligcn- licados de lesr.cs orgânicas de coração e outras, cm que é tão lacil tomar estas lesões de circulação por lesões principaes ou mesmo únicas, nao deve admirar que aquclia primeira porporcão de casos de m. Br. para o hospital de S. José esteja, como está de ccito, muito abaixo da proporção verdadeira. Uma confirmação d esta vcidade é o facto, que á medida que se foi ilespertando mais a atlcnção geral dos práticos sobre este objecto, o nu- mero de casos da doença verificados pela observação foi também avul- landosuccessivamcnte mais. Na estatística do hospital dcS. José para o anno de 1 8o2 já os casos de m. Br. sobem ao numero de 1 6, e no anno de I8o3, segundo nos informa o Sr. F. Branco, só na divisão dos homens chega a mais de 28. Poderíamos dizer muito mais de 28, porque esta «ifra c a que na estatística de 1853 corresponde ao artigo albumi- núria, e deste artigo são ailí excluídos muitos outros casos de albu- minúria, que apparccem depois uo capitulo das lesões do coração e vasos como simples dependência destas lesões. Como porém estas le- sões de circulação tantas vezes complicam o m. Br., temos bastante razão para crer que muitos ou a maior parte desses casos de doenças de coração c vasos com albuminúria, referidos exclusivamente ao ca- pitulo das lesões do systema circulatório, devem ser casos de m. Br., que existiam com essas lesões, e as complicavam, ou crain por dias (■omj)licados. A convicção pois, de que a doença estava ainda pouco attcndida pela gcneralulade dos nossos práticos, mais nos incitou no seu estudo, o a seguir c ajudar o impulso primeiro dado pelo nosso collcga o Sr. Di . Barrai, que sempre diligenciou preencher esta lacuna na pratica geral, diagnosticando e assignalando aos (]uc seguem no hospital a sua vi- sita todos os casos da doença, que se lhe apresentam. Este nosso em- penho é o motivo do presente cscripto, assim como da maior parte do que temos colligido jwla observação e pelo estudo a respeito do sa- sumpto. 1.' CLASSE. T. I. P. II. 3 18 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Como toimo dcsla breve noticia Instorica, c porque fuz jiaito d ella, diremos algiimu cousa a respeito da escolha dos nomes ([ue iciu !)ido propostos ou adoptados para designar a doença. R. Briglil desi- giiou-a pelas expressões — Rins doentes na liydropcsia, — Doença renal com secreção de urina alhuminosa; Clirislison chaniou-llic — Iljdro- pesia dependente de lesão renal; Gregory — Estado mórbido dos rins com urina albuminasa. Estes modos de designar a doença, (juc não sào verdadeiramente o nomeal-a, e que se tornavam incomniodos na lin- guagem, foram subslituidos iielos autores com o nome de moléstia de Briglit (morbus Briglitii). E)sta deuouiinaçào tem a vantagem de ser mais breve, de recordar o celebre pratico de Londres, que fez pri- meiro conhecer a doença, e de nada anticipar a respeito da opiniài) que se tenha formado sobre a sua natureza, como o fazem os teinios de albuminúria de Martin Sólon, de nephrite albuminosa de Rayer, nephrite descamativa c stealosc dos rins de Johnson, ou nepluite dif- fusa cruposa de Reinardt. A palavra albununuria exprimia para Martin Solou todos os es- tados mórbidos com urina albuminosa; mas não sendo muitos desses estados o veidadeiro m. Br., a expressão torna-se por isso imprópria para designar só esta doença. E o nome de um symptoma, commuiu a diíTerentes doenças, mas incapaz de nomear por isso qualquer d'ellas., O que sobre tudo exprime este nome é o mau serviço que á scienciii fez 3Iartin Sólon em querer reunir n'uma espécie nosologica estados mórbidos realmente distinclos.. As expressões de nephrite albuminosa, nephrite descamativa, steatose dos rins, nephrite dilVusa cruposa, correspondem a outras tantas opiniões, que os respectivos autores formaram acerca da natureza da, doença, todas mais ou menos engenhosas, e fundadas em valiasas con- siderações; mas não sendo qualquer dessas opiniões por ora objecto fora de controvérsia, torna-se por isso melhor, uos parece também, preferir na linguagem a estes termos o de moléstia de Bright, que llies é anterior, e que cfleclivamcntc é o mais adoptado ainda, por não estar sujeito aos inconvenientes das outras designações. DAS SCÍEXCIAS DE LFSBOA. I.' CLASSE. 10 CAPITULO lí. »4 K«TltLCTl'RA .'VOBM.tL. DOM BllVS. A eslriictiira intima dos rins é hoje das mais bem estudadas e conhecidas, graças aos traballios de Bowrnan. Com esse melhor conhe- cimento anatómico podcram apreciar-sc mellior as funccòes deste ap- parelho secretor, como se esclareceu depois muito a sua anatomia e physiologia mórbidas. No m. Br. as alterações dos rins variam tanto na forma, prin- ripalmcnte quando os seus caracteres se verificam só até onde pode los pathologistas da especialidade de que nos oceupamos, e serviram para Jiase de suas investigações anatomo-pathologicas; é o que vamos exiK)r. Os canacs uriniferos, começando nas papillas dos rins, elevam-se rectos, e bifurcando-sc nas pyramides, para continuarem, como é sa- bido, tortuosos na substancia cortical. Estes canacs terminam na peri- < ?0 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL j>hcria cios rins, ou no seio da substancia corlical. Os que terminam na periplicria fazem essa terminarão dilalaiulo-sc um tanto em pyra- juide cónica, cujas bases reunidas dão o aspecto um tanto gramiloso Á superficic externa da substancia cortical, aonde se observa rodeada cada uma dVstas bases de um peijucno circulo venoso. Outros canaes no seio da substancia cortical dilalam-sc ainda mais para formarem as cap- sulas de Jlalpigbi, que são por conseguinte dilatações terminacs dos canaes uriuifcros, e não lateraes a elles como antes se su]iposera. Bowman pretende, que a união dos canaes luiniferos entre si o com os outros elementos anatómicos do órgão é feita por unia matriz iibrosa, que lhe serve para isso de esqueleto. São da mesma opinião Goodsir e Johnson, não porem Frerichs que diz nunca ter podido vur a dita matriz. Suppòe o ultimo destes observadores, que a união dos canaes uriniferos é feita por uma substancia granulosa, que enche os intervallos que Gcam entre uns e outros. A opinião de Frerichs, mais fundada em um facto negativo do que de outro modo, não basta, ciu Jiosso entender, para destruir a opinião de Bowman e dos outros que afllrmam a existência d'esta matriz, que Goodsir compara á capsula de Glisson no tlgado. Frerichs achou também no sueco, que se faz cxsudar por cxr- pi'essào do rim, cellulas-fibras como as chamadas musculares de Ko- licker. Os canaes uriniferos constam de uuia membiana fundamental dia- phana, e de um revestimento interno epithelico. O diâmetro dos ca-- naes pode variar de — até 3^ de linha. Começam em geral mais largos junto ás papillas, estreitam subdividindo-se nas i)yramidcs, e tornam a alargar de novo na substancia corlical. As ccllulas epilhelicas estão dispostas de tal modo, que nem j)or essa disposição, nem pelo volume de cada uma, o tubo urinifero deixa de ter no centro um canal ou esr paço livre. A existência deste canal foi com tudo contestada por Gaiidner, o qual diz, que os canaes uriniferas ficam cheios completa- mente pelas ccllulas do seu íbrro interno e |)elo liquido da secreção lenal, que os entumece e filtra atravez de suas paredes. A opinião de Gairdner, que não é a de Frerichs c outros, parece além disso bem jjouco provável, vista a didiculdade que faz suppôr para a secreção c excreção de um liquido, aliás evacuado tão fácil c abundantemente; é mesmo insustentável na presença de factos patiiologicos, de que ha- vemos dar noticia. O exame das ccllulas epilhelicas dos canaes uriniferos tem uma grande importância no estudo da paliiologia do rim'; tem-se tornado a DAS SCIENCIAS DE LISBOA. I.' CLASSE. 2< origem tic v.iliosos esclarecimentos para o diagnostico e patíiogonesc das doenças d'cstcs orgàos. As cellulas epitliclicas variam sensivelmente nas duas ordens de canacs, os corticaes e os das pyramides. Nos canacs corticaes estas cellulas são esplierieas ou cllypticas; constam de uma membruna muito transparente e fina, e de um núcleo bastante volumoso, ambos facilmente visíveis pelo microscópio Estas cellulas, c muito especialmente o nudco, sào corados, sendo a còr ama- rella, ou mais vezes alaianjada. O núcleo é muito ponctuado de es- curo, o que alguém attribue ao deposito no seu interior de uma certa porção tle uiato ou lillialo de ammonia. As cellulas epitbelicas dos canaes das pyramidcs são mais achatadas, de mais espessa membrana, posto que ainda muito transparentes; os seus núcleos são mais dimi- nutos, mais vezes faltam nas cellulas, e estas sào sempre descoradas. A menor dimensão destas cellulas c o seu maior achatamento per- mittcm o serem cm geral os espaços internos dos canaes uriniferos da substancia pyramidal de maior diâmetro, que os da substancia cortical. Estas cellulas podem observar-se nos canaes uriniferos em todos os graus do seu desenvolvimento, podem muitas existir separadas c soltas da membrana fundamental; vêem-se outras com a sua própria membrana dilacerada, o que succedc frequentes vezes com as cellulas da substancia cortical cm conse((uencia da sua mais fina estructura. Muitas vezes em logar de cellulas só se observam os núcleos, como ou. descicvemos, ou uma matéria finamente granulosa, que pode ser o re- sultado da decomposição dos próprios núcleos.. Esta matéria granu- losa, estes núcleos tcem com tudo uma dupla origem, por(|ue podem ser o producto dessa decomposição, e também o principio de novas formações cellularcs, sendo por isso erro snppôr, ijuc a sua prcsençíi jios canaes uriniferos ou nas uiinas é sempre indicio de um estado pa- thologico das cellulas.. Outro ponto impoitante a notar é o dá existência de globulo-s. gordurosos, que apparecem algumas vezes em torno dos núcleos das cellulas epilhelicas. Gaiidner pretende serem sempre indicio de estado mórbido. Frerichs, e ja antes Johnson, sustentam poderem existir no estado noiuial do rim e de toda a economia. É ccrio porem, que no estado normal a existência d'esses glóbulos de gordura no seio das cellidas epithelicas e pelo menos pouco vulgar; c que a maior abun- dância de cellulas, contendo por esta forma glóbulos de gordura, é sempre indicio de um estado mórbido. Todos estes objectos, cellulas epithelicas da substancia cortical e pyramidal, inteiras e mutiladas, uudcos, delfilo granuloso, c globulso 52 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL de gordura accumulados nas ccllulas ou mesmo destacados, podem ob- scrvar-se soltos no iniorior dos canaes liriniferos, e também apparecem nas urinas, sendo com cilas arrastados d"esse interior. Ahi os temos ob- servado e feito vèr muitas vezes. As ccllulas epitlielicas da substancia cortical dá-sc o diâmetro de rh ^ ;5 ^P linha; ás da substancia pyiamidal o diâmetro de 7^- a 75. As capsulas de Malpighi são formadas pela continuação da mem- brana fundamenlal dos canaes uriniferos. Sào internamente forradas do ccllulas epithelicas jiequenas, achatadas e brancas, mas não cm toda a extensão da superfície interna das capsulas, as quacs estão dcsjiidas desse epithelio na parte que corresponde á entrada e sabida dos vasos, cjue constituem os gloinerulos sanguíneos próprios da sua estruclura, e dos quaes vamos fallar. Estas capsulas são globosas ou ovaes, sua maior rircunferciicia pode ser de 7-, 73, ou j de linha. O canal urinifero, antes de degenerar cm capsula, cstreita-se e forma uma espécie de collo, que se torna assim o meio de união entre a capsula e o canal. Seguc-se fallar da distribuição dos vasos sanguincos e do modo de circulação. A artéria renal, cujo diâmetro anda por 4 do da aorta alxlominal, dividc-se á entrada dos rins, como e sabido, cm ramos, que se prolongam entre as pyramides ale á substancia cortical, aonde de novo SC divide ein ramos mais pequenos, dos quaes a maior parle .se dirigem ás capsulas de i\lalpighi, no interior das quacs penetram. Neste trajecto os ramos da artéria renal nas pyramides mandam ra- músculos lateracs aos canaes uriniferos, e na substancia cortical dis- tribuem tandjcm por estes canaes os ramos idtimos cm que se sub- dividem, e que não se dirigiram ás capsulas de I\Ialpigbi. Cada capsula de Malpighi recebe uma artcriola, cpic penetrando no seu interior se divide logo cm dois. Ires, cinco ou oito ramos, que .s.' piolongam em espira no interior da capsula, para de novo se reu- nirem em um pequeno tronco (pie sabe da capsula, penetrando-a de dentro jiara fora, junto ao sitio, por onde entrou a primeira arteriola ou o vaso affcrcnlc. liste vaso afTerente tem já mu caracter capillnr, mede -^- de linha; o vaso cílcrcnte é communimente mais estreito que o aíTerenle, pode com tudo algumas vezes, segundo Bowman, ser antes mais largo. A reunião d"estes vasos assim distribuidos no interior das c.ipsulas forma cm cada uma um glomerulo, que o enche lodo. Na surperíicic deslcs glomcrulos observa-se um aspecto granuloso, que (iorlacb sup[)òz ser o resultado de uma camada cpitbelica que o Ii3rra, mas Bowman c .lohnson .só o altribucm ao modo porque n'essa su- }iprfi(ie externa dos glomcrulos fazem saliência as paredes dos vasos DAS SCIENCIAS DE LISBOA. I." CLASSE. ?;] capíllarcs espiracs que os conslituein. Tal é a singnlar clisposirào dos vasos nas capsulas de Malpighi, a que se tem dado o nome de sis- tema portal renal de Bowman. Os vasos eíTeicntcs ao saliir das capsulas de Malpighi lançam-s« na rede capillar chamada plexo portal, que envolve os vasos uriniferos da substancia cortical, e ([uc depois se reúne para formar as veias rc- naes, cuja distribuição ti depois a mesma, ([ue a das artérias do mesmo nome. A distribuição dos vasos sanguincos nos rins conduz a íi))|X)r- tantcs considerações para a pliysiologia e patliologia destes orgàos, e com muita especialidade na doença de que nos occupamos. Com uma artéria curta e larga como a renal, vè-sc, que o sangue deve chegar de prompto e em abundância aos corpos de Malpighi. Dentro destes a circulação é demorada, e embaraçada mesmo, pela divisão súbita da arteriola aderente, pela forma espiral dos ramos (|ue resultam d es.su divisão, e porque o vaso eflerente, em ([ue de novo se reúnem esses ramos, e que dá saída ao sangue para fora da capsula, é as mais das vezes de menor diâmetro ([uc o aíícrente. Deste modo as paredes dos capillarcs do systema portal de Bowman estão sujeitas a uma pressão mais foi te do que a de outros capillarcs; pressão também, que ahi aug- mentará mais, ou se fará mais sentir do que em outras partes, por influencia de quaesquer embaraços de circulação, como eíTeclivamento se observa. A pressão exercida pela circulação ordinária é bastante para vencer os obstáculos que esta encontra nos rins; porque se existe um em- baraço maior nos corpos de Malpighi, embaraço preciso ao exercício funccional dos rins, também, pela direcção das artérias antes de se dis- tiibuircm nas capsulas de 3Ialpighi, se obtém fazer chegar a estas o sangue com maior impulso e facilidade. Mogk conseguiu fazer sair pelas veias lenaes o sangue, introduzido quente pelas artérias corres- pondentes, com um impulso medido pela pressão de uma columna de dous metros do mesmo sangue. Poiseville fez do mesmo modo passar agoana pressão de 1835 millimctros. Estas pressões devem pois cor- responder á do impulso circulatório physiologico. Com esta pressão ordinária os glomerulos dos corpos de Malpighi e os canaes uriniferos, por meio das cellulas epithelicas glandulosas, expremem ou soltam para estes canaes agoa e os outros principies próprios á composição da urina. Um augmento desta pressão, produ- zido por qualquer circumstancia, é bastante para modificar essa se- creção c fazer que, alem da agoa e mais principies da urina, ti aos- 24 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL sudem dos capillarcs sanguiiieos nos glomcrulos das capsulas c nos ca- nacs iiriíiifcros outros princípios próprios á composição do sangue. A albumina é a prinieira a appareccr nestas circumstancias, depois a (1- Lrina, e finalmente pode appareccr o sangue na totalidade dos seiís j)rinci[)ios. A transsudação, além de agoa, dos outros princípios do sangue, pode depender d'csla maior pressão, de uma modificação na elastici- dade das paredes capillarcs, o alem d'isso da maior porosidade, da dilaceração mesmo dos capillarcs. Alem disso a maior pressão nos capillarcs pode ser a consequência de um obstáculo mecânico circula- tório, como por exemplo os que são produzidos pelas doenças do co- ração; e além disso pode depender essa maior pressão de uma in- fluencia dos nervos sobre o systema capillar, como a que se verifica nas inllammações. Esta doutrina sobre a influencia de uma maior pressão para a producção de urinas albuminosas, fibrinosas, o sanguinolentas, não é só o resultado das considerações que vêem feitas; mas demonstra-se experimentalmente, produzindo nos animaes obstáculos á circulação, augmcntando deste modo as pressões do sangue nos capillarcs c ob- servando consecutivamente as urinas tornarem-se albuminosas. Fre- jiclis cita varias experiências por clle feitas neste sentido. Para islo li- gava as veias renaes, ou difficultava ncllas a circulação, e deste modo via, que a urina dos animaes se podia tornar albuminosa, ou fibrino- albuminosa. Tentámos repelir estas experiências, e ver até que ponto confir- mávamos os resultados de Frcrichs. Auxiliaram-nos neste cmpenbo os Srs. J. A. de Arantes c J. M. Alves Branco, os quaes benevola- mente se prestaram a isso, e habilmente dirigiram a parte toda opc- j'atoria. Eis o que obtivemos. Em um coelho ligou-se a veia renal esquerda. A urina extrahida previamente pelo cathclcrismo era turva bastante por eflcito de grande quantidade (pie depositava de uralos alcalinos; o acido nilrico nada precipitava que indicasse a presença da albumina, antes o liciuido se lotnou transparente pela dissolução dos uratos. Vinte c (juatro horas depois achou-se o coelho morto, a dissecção mostrou a bexiga contendo urina sanguinolenta, a superficic mucosa da bexiga sem vesligio de alteração, o rim escpierdo augmcnlado de volume, com o dobro do pezo do outro rim, muito túmido de sangue escuro, e mostrando na superfície, além da còr geral mais escura, manchas que ainda o eram mais, espalhadas por totla a superficic do rim. DAS SCIENCIAS DE USBOA. 1." CLASSE. 25 Segunda experiência. — Noutro coelho proccdcu-sc do mesmo modo. Vinte e quatro horas depois de operado ainda vivia. Foi son- dado trcs vezes, a primeira uma liora depois de operado, a segunda nove horas, a terceira vinte e quatro horas; a urina da primeira e se- cunda sondage nem sangue nem albumina continha, a da terceira era sanguinolenta como na e.\|)criencia anterior. A autopse mostrou depois as mesmas alterações do rim laqueado, (|ue na experiência anterior. Terceira experiência. — IN 'outro coelho ligou-se a veia cava entre a origem das rcnacs c o coração. A urina cxtrahida uma hora depois da operação não continha albumina. Segunda extracção, feita passadas mais cinco horas, deu uma urina limpida sem sangue, que tratada pelo acido nítrico precipitou abundantemente, tendo o precipitado todos os caracteres da albumina deste modo coagulada. A mesma urina pelo exame microscópico deixou jiercehcr algum cylindro como os cvlindros fibrinosos do m. Br., alem disso escamas epithelicas brancas, c alguns núcleos alaranjados c ponctuados, como os das ccUulas epithelicas dos «anaes tortuosos da substancia cortical, tão communs nas urinas dos albuminuricos. Quarta experiência. — Nesta experiência ligou-se a artéria aorta de um coelho junto á bifurcação das iliacas. A urina extrahida uma hora e seis horas depois, c ensaiada ambas as vezes pelo acido nilrico, Jiào precipitou albumina. Quinta experiência. — Foi feita do mesmo modo, c com os mesmos resultados. Tanto neste, como no caso anterior, os animaes depois da operação ficaran» paraplégicos. Sí'xta experiência. — Tornon-sc a ligar a veia cava como na ter- ceira experiência. Os resultados quanto á urina e ao estado do rim foram tanibem similhantes aos dessa terceira experiência. A urina tor- Hou-se bastante albuminosa, o microscópio fez nclla ver desta vez muitos cylindros de fibrina, contendo estes no seu seio nuiitos detritos epithe- licos; tudo exactamente como se observa nas urinas do m. Br. Alem d'cstes objectos continham as mesmas urinas glóbulos orgânicos do muito maiores dimensões que os de muco ou de pus, de superfície per- feitamente lisa e transparente, parecendo cm alguns, na parte externa ou interna dessa supcrlicie, existirem em contacto outros glóbulos mais pequenos. Em outro logar faltaremos desta singular apparição de gló- bulos orgânicos, de que outros observadores também faliam, mas cuja natureza não está por ora bem determinada. Os rins ambos neste caso, como no da terceira experiência, appareccram na autopse túmidos de sangue, augmcn lados de volume, menos porém do que nas expe- I.* ClJlSSE T. I. p. u. 4 26 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL ricncias piiinciía c segunda, cm que as Acias rcnacs foram as ligadas. Dos resultados deslas cxiiericncias, conformes aliás aos obtidos por Fre- riclis c outros em cguacs circunstancias, podemos deduzir as seguintes proposições: 1 ." Os obstáculos á circulação, de certo modo estabelecidos, sào só por si capazes de fazer passar ás urinas os princípios do sangue, ijue no estado normal alli nào vào, como a albumina, a fibrina, e os glóbulos. 2.° Quanto mais directa c immediatamcnte se faz sentir nos rins o eíTeito d'estes obstáculos, tanto mais facilmente filtram aquelles prin- cipios dos capillarcs sanguineos: por isso com a ligadura das veias re- uacs passam para a urina, nào só a albumina e a iibrina, mas os pró- prios glóbulos do sangue; com a ligadura da cava, ligadura que nào pôde exercer nos rins uma pressão circulatória tão immediata e forte, como a que deve resultar da feita nas veias renaes, os glóbulos san- guineos nào chegam a filtrar, mas só passa a albumina, ou a albu- mina com a fibrina. Fica tudo isto bem provado pelos resultados con- cordes da primeira c segunda experiência, em que foram ligadas as veias renaes; e de outro lado pelos da terceira e sexta, em que se ligou a veia cava. 3." A ligadura da aorta, posto que traga um embaraço á cir^ culacào geral, nào o produz immediatamcnte nos rins como a ligadura das veias o faz. Esla ligadura feita, como a fizemos, ale'ni das artérias renaes, só podia inlluir na circulaçào renal fazendo que o saugue arte- rial aflluisse aos rins com maior esforço, e melhor vencesse os obstá- culos naturaes dos vasos capillarcs dos rins. O sangue, que ao mesmo tempo nào achava assim obstáculo algum na circulaçào venosa, correu .sem ser obrigado, como nas outras experiências e por maior pressào dos capillarcs, a filtrar com a urina mais principies além dos que na- turalmente a compõem. Nào admira por isso, que em ambos os casos de ligadura da aorta (experiência 4.° e 5."), a urina deixasse de ser albumiuosa. É o que tem succedido em experiências análogas de outros. 4.* A ligadura da veia cava mostrou ser nestas experiências a mais própria para fazer cm pouco tempo a urina albuminosa ou albu- mino-íibrinosa ; e também para produzir os cylindros de fibrina, o que, a ser possível a continuação da vida do animal da experiência por certo tempo, acabaria por lhe fazer obstruir os canaes uriniferos, e reproduzir todas as alterações d'estes órgãos, que são disso a conse-- quencia, e que se tornam a expressão anatomo-pathologica do m. Er., como veremos. nAS SCIEXCIAS DE LISBOA. I.' CLASSE. 27 h.* Eslns experiências c obscrvarnes hastani para fazer antever, (jiie o m. Br. pode principiar de um modo puramenle mecânico- por qual(nicr obstáculo á circulaçào, que seja capaz de embaraçar os ca- pdlarcs dos rins. Mas adiante teremos melhor occasiào de apreciar a importância toda destas proposições, assim como a dos factos experi- mentaes de que sào deduzidas. Terminando esta j.arte lembraremos, que três opiniões existem relalivanicntc ao modo da secreção urinaria; opiniões entre as quaes e ainda dilíicil reconhecer a que deve prevalecer. Felizmente inlluc isso pouco nas doutrinas pathologicas que temos a expor. A primeira dessas opiniões e a de Bowman e Johnson, os quaes suppõem que os glome- nilos das capsulas no estado normal só segregam do sangue agoa p que os canaes uriniferos, por meio das ccllulas epilhelicas glandulosas sao os encarregados de separar do sangue os outros principies da urina, que a agoa trazida das capsulas de Malpighi dissolve e arrasta na ex- creção do rim. A segunda opinião, de Ludwig, faz admittir ao contrario, (lue os glomerulos das capsulas segregam urina com todos os seus principios mas muito aquosa; e que esta urina nos canaes, por absorção de uma parte do seu principio aquoso, se vai concentrando para appárccer como nos a obsenamos. A absorção d esta parte aquosa é feita pelos canaes nrmilcros, c pelos capiUares do plexo portal, que nclles se distribuem. <) sangue, que antes se concentrara pela perda nas capsulas de uma Srando porção de principio aquoso, tomaria assim a diluir-se, o desse modo seria lançado dos capillares nas veias renaes. A terceira opinião é de Valentin. Suppõe' que os vasos dos glo- merulos, pela maior pressão a que cstào sugeitos, separam urina mais concentrada, que depois se dilue com a agoa, que elle também sunpõe segregar-se nos canaes uriniferos. CAPITULO III. ».» A>ATOIUA PATnOLOhiri DOS niXS >A MOLÉSTIA DE BBItiUT. Os caracteres, pelos quaes Brigbl distinguiu as alterações que observou nos rins de indivíduos com anasarca e albuminúria, ^o prin- 28 MEMORIAS DA ACVDEJIIA REAL oipalmente o tlescorado da substancia cortical, o aspecto granuloso d'csta substancia, especialmente na superfície do rim, a obslrucoão dos vasos sanguineas e consecutivo embaraço na circulação do sangue para uma extensão maior ou menor destes vasos, e finalmente a alteração na forma c no volume do órgão. Com isto constituiu as suas três formas, que clle não dwide inteiramente, se são alterações mórbidas distinctas, se gráos diflercntes de uma mesma alteração. Na primeira destas formas figura principalmente a mudança de còr da substancia cortical, que em parte ou totalmente se torna branco-amarellada, e por isso laz, que o rim na sua superfície externa, c quando cortado, mostre a sub- stancia cortical clieia de manchas daquclla còr, ou completamento embranquecida. Na segunda forma é a degeneração granulosa da sub- stancia cortical, que foi Bright o primeiro a descrever, e alem disso a maior obstrucção vascular o que sobresahe; e com isto a substancia cortical apparcce também descorada, e o volume do rim augmcntado. A terceira forma e caracterisada pela dcsibrmação do órgão, pela atro- phia e mais adiantada obstrucção vascular do mesmo rim. Nas sete formas de Cbrislison admitte este, como base de dís- tincção, um estado hyperemico ou congestivo dos rins com deposito granuloso na sua substancia ou sem cllo, a degeneração granulosa de Bright, a degeneração branco-amarcUada da substancia cortical e tu^- Lulosa, a existência de tubérculos disseminados na substancia do rim, o endurecimento semi-cartilaginco dos rins, a atrophia com alteração da cstructura do órgão, e a simples anemia. Nestas alterações Chris- tison incluc evidentemente algumas, que não são cspeciaes ao m. Br., c que existem ao contrario muitas vezes sem elle; taes são a pura anemia ou estado exangue dos rins, como o que apparece n'outios órgãos, e do mesmo modo os tubérculos. Quando estas lesões appa-- recém no m. Br., c porque o complicam, e não são a expressão anato^ mo-pathologica desta doença. Exceptuando pois as duas ultimas altera- ções, as outras são as mencionadas por Bright, advertindo só, que esto não admitte uma forma hyperemica existindo só por si; reconheceu a hypcremia apenas como principio do desenvolvimento das outras fóriTia& que elle indicou. Scgue-se a divisão anatómica de Rayer, cujas seis formas des- creveu c representou por óptimas estampas no seu magnifico tratado de moléstias dos rins. A primeira d'estas formas é a caracterisada pela. hvpprcniia e augmento de volume da substancia cortical do rim. A segunda distinguc-se pela existência da mesma hypercmia em parto da substancia cortical, sendo ao mesmo tempo a outra parte aconimet-. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 20 tida pela liia da substancia cortical. A"a (juiiita íijrma as granulações á supcríicie dos rins sào mais salientes, mais abundantos, e ollereceni um aspecto especial, que as fez separar pelo autor em forma dislincta da precedente. A sexta forma de Rayer corresponde á terceira de Briglit. É evidente, que a segunda e terceira formas de Rayer sào também gráos dillcrenlcs da primeira de Briglit; e que a quarta e quinta de Rayer o são da segunda forma admillida pelo pratico de Londres» Martin Sólon reconheceu por suas observações na doença a Iiy- pcreinia, a degeneração amarella, e a degeneração granulosa de Bright; (iom ellas constituiu tpiatro formas de alteração, correspondentes ás cinco primeiras de Rayer. Desconheceu a sexta deste autor e terceira por conseguinte de Bright. Admilliu uma quinta forma, que clle ca- raclerisa pela existência de productos mórbidos accidentaes, como tu- bérculos, matéria cancerosa, e outros, derramados na substancia dos. rins alterados de algum dos modos precedentemente indicados. Como dissemos a respeito da doutrina de Christison, esta forma evidente- mente não é unia forma especial de alteração renal para o m. Br., mas. sim uma complicação para estas alterações especiaes da doença, operada por meio de productos mórbidos de dilVerentc natureza. Como se vê, a questão anatomo-pathologica até este ponto con- servou-se quasi nos termos, a que a levou o génio observador de Briglit; os outros muito pouco mais fizeram do que coidirmar a sua desco- berta e doutrinas nesta parte. Mas so assim ficaram caracterisados os aspectos diversos, que os rins apresentam nos casos de albuminúria com anasarca, que fnzcni o m. Br., o que não chegou a bem perce- ber-se foi a relação, que essas alteiações tinham entre si, como umas derivavam das outras, ou como se produziam. L o que veio fazer melJior depois do todos estes trabalhos o exame histológico do rim, pelo au- xilio da observação microscópica. Produclo desta nova serie de obser-- vaçõcs é a bcUa douliina de Lrerichs, conlirmada pelas investigações de Reinardi, e em boa parle já por as de quasi todos os que se cslãa occupando deste objecto. IVa cadeia dos phenoincnos que constitucra a doença, o que pre- •âO MEMORIAS DA ACADEMIA REAL cisa tomar-se como ponlo de parlida, para melhor considerar os que SC llie seguem, c os que o precederam, e a cxsudarào especial, que se faz nos canaes urinifcros c nas capsulas de Malpigln'. Esla exsudaçào nilo é só albuminosa, como a consideraram Briglit, Raycr, c os mais, mas constanlementc albumino-fibrinosa. A mesma secreção mórbida deve considerar-sc a consequência de um estado livperemico dos rins, on de uma outra causa, que, embaraçando sobre tudo a circulação dos rin?, promove, como vimos pelas experiências referidas a pag. 24 c 25, uma exsudaçào, ou simplesmente albuminosa ou albumiuo-fdirinosa. A albumina corre com as urinas porque nclias se dissolve; a (ibrina porem, jiela qualidade coagulavel que possuc, pouco tempo se conserva liquida, depois que se acha fora dos vasos sanguineos. Pode coagular-se logo ao sahir dos glomerulos nas capsulas de Malpighi, nos canaes tortuosos da substancia cortical, ou nos canaes rectos da substancia pyramidal. Esles coagidos frbrinosos tomam naturalmente a forma dos canaes, em que se solidificaram; c achando nesses canaes escamas ou ccllulas epi- thelicas destacadas, núcleos, matéria granulosa, glóbulos de gordura, e íis vezes cristaes dos ácidos e saes da urina, prendem estas matérias no S':"!! interior no acto da coagulação. Estes coágulos de forma cylindriea podem ser arrastados com a urina, aonde se observam eíTectivamentc sempre no verdadeiro m. Br., c aonde os temos observado sempre, depois que nos achámos preve- nidos ])ara essa observação. Os mesmos cjlindros de fibrina outras vezes demoram-se dentro dos canaes uriniferos, c ahi sofFrcm transforma- ções. A matéria fibrinosa, que chega a coalhar-se dentro das capsulas de 3Ialpighi, comprime de fora para dentro os glomerulos vasculares, acaba por lhe embaraçar ou impedir de lodo a circulação; com isto a circulação pára, o sangue coagula-se nos vasos e obstrue-os, e a se- creção urinaria cessa nas capsulas assim alteradas. A cxsudação fibri- nosa pode também fazer-se entre os tubos uriniferos, os ([uaes com- l)rimidos de fora para dentro acabam também por se obliterar ou atro- phiar. Outras vezes a fibrina accumulada nos canaes distcnde-os, e por íim lhes alrophia as paredes, ou as faz desapparccer por este outro modo. A fibrina, coagulada c demorada nos diflercntes pontos da es- truclura dos rins, acaba por degenerar, o dá por effeito d'essa dege- neração glóbulos de gordura, matéria granulosa, c também uma es- pécie de tecido fibroso. De todos estes modos se encontra derramada a fibrina na textura do rim alterado pelo m. Br. Admittidos estes principaes fictos da observação, veremos tor- DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. .31 iiai-sc lacil de perceber, como se geram c derivam umas das outras todas as alterações dos rins, de que nos occupamos. Frcrichs sustenta, que todas estas alterações são ellbctivamenle o resultado de um único processo mórbido, o cada uma delias a ex- pressão dos diflerentes pcriodos, em que pode encontrar-se esse pro- cesso. Considera, (pie estes pcriodos da doença podem reduzir-se a três, sendo trcs também as lesões renacs distinctas iio m. Br. O 1." periodo é o da liypercmia com exsudação incipiente, O 2." o da exsudaçào e metamori)iiose da matéria exsudada, c o 3." o da atropliia do órgão. PRIMEIRO período. ffi/peremia e exsudação incipienCe. A forma, que caracterisa este primeiro período de alteração renaf, pode existir no principio do ni. Br. clironico; como porem nesse prin- cipio a doença não mata senão por eílcito de complicações coexistentes, por'isso se torna dilficil nesta ordem de observações achar casos, em que possam observar-so os rins assim alterados. A forma aguda d;i doença, que sobrevem ás escarlatinas, aos súbitos resfriamentos, d;i mais vezes occasiuo á observação analomo-patbologica dos rins neste estado, porque mais vezes a doença comprometle a existência, espe- cialmente nos casos, em que ella é consecutiva á escarlatina. Em 292 observações do m. Br. com lesões verificadas pela au- topse, publicadas e colligidas até ao escripto de Frcrichs, só 20 per- mittiram observar os rins neste primeiro periodo de alteração. \as nossas observações com autopsc nenhuma é desta ordem, os casos de forma aguda que observámos terminaram todos de modo favorável. IN'a forma hyperemica existe, segundo Frcrichs, o augmcnto de volume do órgão, que de três onças, pczo mcdio normal, ciicga a ter o de quatro, seis, dez c até doze onças. A supeiGcie exteina conser- va-se lisa. A túnica própria do rim apparece injectada e vermelha, mas pode dcstacar-se facilmente da substancia cortical. As redes venosas, que cobiem a supeiGcie externa desta substancia cortical mostiam-sc túmidas. A substancia coitical é a que mais concorre para o augniento do! volume todo do órgão, ou nesse augmcnto toma muito maior parte .32 MEiMORIAS DA ACADEMIA KEAL do qnp a substancia pyramidal. Torna-sc vermcllio-cscura, de consis- lencia mais branda e friável, do que no estado normal; infiltra-lhc o parcncliyma um li(]uido viscoso c sanguinolento, que se faz Iranssudar facilmente desse parencliynia quando o cortamos. Espalhados por toda a substancia cortical, assim como á sua superficic exterior observam-se i pequenos pontos arredondados ou de forma menos regular, nos quaes a còr vermelho-escura é mais intensa do que nas outras parles do pa- rencbyma renal. — A substancia radiada, ainda que menos túmida, não dei.xa de participar da byperemia geral do órgão. — A mesma bypc- remia se observa na superfície dos calyccs c bassinelcs, nos plexos ve- nosos da substancia cortical, nos glomcrulos das capsulas de IMalpighi, por isso cnlào mais fáceis de observar. Em alguns pontos dos rins apparcccm também derrames licmor- ihagicos. Estas bcmorrhagias fazem-se nos glomerulos, e entào o sangue extravasado vem aos canaes uriniferos, dilala-os, c é assim a causa das niancbas mais escurecidas e arredondadas, que já notámos para a super- fície dos rins. É o que pode produzir-sc expcrimenlabncnte c ser obser- vado nos animaes, aos quaes se liga a veia renal; c o que tivemos occa- sião de vèr nas experiências d'esta ordem, que referimos a pag. 24 c 2.^. — Em imi segundo caso estas hemorrbagias verificam-se nos plexos vasculares, que envolvem os canaes uriniferos; formam-se então fíJcos apoplcticos, qne situados entre os canaes os comprimem, chegando muitas vezes a ponto de os tornar impermeáveis. — O terceiro caso é o das hemorrbagias, que nascem da rede vascular da superfície externa da substancia cortical. O derrame sanguineo apparece entào entre a tú- nica própria e a superfície da substancia cortical. E para nolar, que a explicarão das nódoas escuras c arredondadas dos rins, feita por meio das hemorrbagias da primeira origem que in- dicámos, nào tom sido sempre assim admittida. Rayer, Bccqucrcl, c iVokitansky referem estas nódoas aos corpos de Malpigbi, as observa- ções de Toynbee conduzem á mesma supposiçào; mas Bowman não pôde veriíicar o resultado destas observações, c, segundo nota Frerichs, o diâmetro destas pequenas nódoas, que é de um decimo de linha, não pode por isso corresponder a uma dilatação dos corpos de Malpigbi. Os canaes uriniferos conservam ou perdem parte do seu epilhclio glanduloso, c cnchem-os os coágulos fibrinosos, (pie já indicámos como característicos do m. Br. Estes coágulos são mais abundantes na sub- stancia cortical, de cujos canaes uriniferos se podem vèr sabir quando se corta e espreme a substancia do rim. Estes coágulos, cylindricos como o molde que lhes deu origem, DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 33 sào brancos e muito transparentes. Unias vezes sào só formados de fi- brina, outras vezes envolve esta no seu seio, e de modo lx;iu visivel pelo microscópio, cellulas epithelicas, glóbulos de sangue, e crislaes dos diflercntcs materiaes cristalinos da urina. A existência destes cj- lindros serve de meio de distincçào entre a hyperemia dos rins no m. Br. e a liyperemia produzida por outras causas. Sem este meio será difficil na maior parle dos casos fazer essa distincçào. Além das alterações referidas, que são a consequência do estado hyperemico, os rins nenhuma outra deixam perceber na sua estructura mais intima para este 1 .° pcriodo ou forma das lesões rcnacs no m. Br. Este estado hyperemico do rim é pois o «jue íõra reconhecido por Bright como principio do desenvolvimento das outras alterações, cor- responde á primeira forma de Raycr e de Chrislison, e é uma das formas anatómicas da nephrite descamativa de Johnson. Todos hoje admitteni, que podo existir independentemente das outras formas, ou que, sem degenerar noutra, a doença pode nesta forma hypercniica terminar pela cura ou pela morte. No que nào existe o mesmo accordo é quanto á opinião de fazer derivar d'eslc lodos os outros modos de alteração renal no m. Br., o que melhor avaliaremos quando os des- crevermos todos. O numero de casos da doença com terminação fatal, e em que tem podido verificar-se pela aulopse as alterações dos rins próprias d"esla primeira forma, é, comparai i vãmente ao numero dos casos fa- taes nas outras formas, muito diminuto; nem podia succeder de ou Iro modo, attendendo á muito menor mortalidade da doença com lesão dos rins simplesmente liypercmica. Effcctivamenle nas 2'í)2 observações com autopse, que reúne todos os casos fataes da doença, indicados jwr Bright e Barlow, Chrislison, Gregory, Martin Sólon, Rayer, Becqucrel, Malmsten, c Frerichs, só 20 pertencem á forma hyperemica. SEGUNDO PERIOOO. Exsudaçào e mclamorphosc incipietUe da matéria exsudada. O rim continua neste periodo a augmentar de volume c peso; chega a ter seis, doze, quinze e mais onças, como se verá das nossas próprias observações. Este augmenlo de volume e peso é a conse- I." GUSSE. T. I. P. II. & S4 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL qTicncia principalmente da accuraiilaç5o da matéria coagula vel da cx- siidaçiSo no interior das capsulas de Malpighi, nos canacs uriniferos, e entre estes; e toca o seu máximo limite, quando todas as parles da estructtira do orgào teem sido invadidas pela matéria plástica da cx- sudação, — A substancia dos rins torna-se menos consistente e mais fácil de romper; deixa transsudar, quando se corta e cxpremc, um li- quido turvo, espesso, c leitoso. — A superfície exterior é lisa as mais das vezes, apparece em outros casos granulosa. Estas granulações sào muito diminutas, como cabeças de alfinete, e formadas por espiras dos canacs uriniferos da substancia cortical, que dilatadas pela matéria plástica solidificada se tornam assim salientes á superfície do rim. Teem por isso uma natureza diffcrcnte de outras granulações ou des- egualdadcs da superfície do rim que apparecem no terceiro periodo, como veremos. A capsula do rim, como no primeiro periodo da alteração renal e no estado normal, destaca-sc facilmente da substancia do rim. Tor- na-se mais espessa e menos transparente ou de todo opaca. O rim descora, de vermelho escuro passa a ser rosado, e depois amarello. Esta mudança é a principio parcial, observando-se enluo ainda a côr natural do orgào destacar-se como em manchas no meio da outra parte da sua substancia já amarella e degenerada. Uma ou outra ramificação vascular, afíectando a forma estrellada, se observa também no meio desta suljstancia, ate que por fim esses mesmos vestígios de vascularidadc acabào por desapparecer. O augmento de volume do rim é feito principalmente á custa da substancia cortical, que chega a ter oito, dez linhas, e uma pollc- gada de espessura. Na sua hypertrophia esta substancia penetra, do mesmo modo dilatada e degenerada, entre os lóbulos da substancia pyramidal, aílkstando-os uns dos outros, como no estado normal se não observa. A substancia pyramidal ou radiada conserva a sua còr rosada, fazendo por isso a este respeito contraste com a substancia cortical que a envolve. Os cálices e bassinetes conservão a superfície injectada e uma còr vermelho-escura. Quando se injeclão os rins neste estado observa-sc grande diffl- culdade na penetração do liquido da injecção, consequência bem na-, lurai da obstrucçào successiva dos vasos na substancia cortical. O exame histológico do rim, segundo Frcrichs e R.einhardt, ma^ Bifesta na estructura intima deste órgão numerosas e importantes ak DAS SCIENOAS DE LISBOA. 1.* CLASSE. 85 terações. — Nas capsulas de Malpighi apparece, enchendo-as, uma ma- téria finamente granulosa, envolvendo os glomcrulos vasculares; outras vezes, cm lugar de matéria granulosa, ou com ella, existem camadas fibrinosas, glóbulos de gordura, e algumas vezes cristacs de cholesle- rina. A matéria granulosa e Gbrinosa, que na essência teem a mesma natureza, quando se tocam com o acido acético tornam-se claras e mais transparentes, o que nào succede do mesmo modo com a matéria gordurosa. Por eflbito desta transparência chegam a porccbcr-se os glomcrulos sanguíneos envolvidos pela matéria da exsudaçàc. A mesma matéria da exsudaçào, na forma granulosa, na de coágulos fibrinosos etc, pôde existir ou faltar na parte exterior das capsulas. Compri- midos deste modo, os glomcrulos se obliteram a final, apparccendo por isso exsangues. Kesta alteração das capsulas duas cousas succcdcm, ou conserva- rem o seu volume, ou ter este augmcntado. — Se a matéria plástica se vai accumulando dentro e fora da capsula, actuando sobre as pa- redes d'csla ao mesmo ten){)0 de fora para dentro c de dentro para lóra, pôde succeder, que os vasos do glomerulo se obliterem antes <|ue íi capsula augmente de volume; e nesse estado se conservarão depois, por([ue os glomcrulos vasculares, obliterados pela compressão e esta- gnação do sangue no interior da capsula, deixam de dar a exhalação librino-albuminosa, que antes produziam. — Se acontece porem, que a matéria plástica se vá solidificando c accumulando no interior da ca- psula, sem do mesmo modo o fazer na sua parle externa, por eflèito d essa accumulação e por falta de contraprcssão na superficie exterior da capsula, os glomcrulos não se obliteram tão cedo, e as capsulas chegam a distender-se e a augmentar de volume, antes que a oblite- ração dos glomcrulos e a cessação de sua exsudaçào se verifique. Os canacs iiriniferos, especialmente os da substancia cortical, cx- perimenlani alterações análogas ás das capsulas de Malpighi. Vào-sc obstruindo e obliterando pela matéria plástica, coagulada em cylindros ou na forma granulosa, e iwdcndo ter misturados glóbulos de gordura. Podem esses canacs conservar o seu diâmetro ou apparecer disten- didos. Antes que a obstrucçào se opere, e durante certo tempo, a urina vai arrastando no seu curso estes materiaes accumulados nos canaes, que por isso se observão todos na urina evacuada. Durante todo eslc processo mórbido as ccltulas epilhelicas dos canaes uriniferos destacam-se em abundância, vem ajudar a obstruil-os, prcndein-se na matéria plástica no acto da sua coagulaçiio, ou são ar- rastadas também com as urinas e os outros materiaes. As mesmas cel- 36 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL lulas são susceptíveis de passar por um certo mrmero de alterações, que todas se observam nos caiiaes pelo exame histológico, e também na urina, que as contém sejupre em grande abundância. Os canaes chegam assim a perder de todo o seu forro epithelico. As alterações porque passam ascellulas cpithclicas são; atrophia- rem-se, dilacerarem-se. reduzirem-sc só aos núcleos, convertcrem-se em parte ou no todo em matéria granulosa, c experimentarem também a degeneração gordurosa. Esta degeneração gordurosa começa pelo ap- parccimento de glóbulos gordurosos junto ao núcleo de cada cellula, e acaba por invadir a substancia toda d'ellas ou por as converter cm matéria gordurosa; a qual matéria gorda, procedendo d'esta origem e de outras, torna-se ás vezes muito abundante no interior dos canaes, e também na urina, como veremos por nossas observações. O que fica dito não só deixa ver quaes são as alterações do rim neste periodo da sua degeneração, mas demais explica a relação que teem estas alterações umas com outras, e com as do periodo ante- fior, mostrando ao mesmo tempo para quasi todas a dependência em que estão do facto principal, — a exsudação plástica. Para completar porém este ponto de doutrina restam ainda algumas considerações, que passamos a fazer. A descamação epithelica dos canaes uriniferos é um phenoiíicno similhante ao de egual descamação das cellulas pulmonares na pneu- monia; ao da inflammação da superficie interna e externa do collo do útero, assim como da vagina; á descamação epidérmica nas diflerentes formas indammatorias da pelle; é a consequência emfim de todas aá alterações profundas da nutrição dos órgãos, como as que existem nas indammações e n"outros estados mórbidos. Nos productos da exsudação, a matéria granulosa e filamentosa, accumuladas nos canaes, nas capsulas de Malpighi, e fora d'estas, são evidentemente o resultado da transformação dos coágulos fibrinosos, ou são as formas particulares dessa coagulação. Effectivamente estas matérias conservam as qualidades essenciaes da fibrina coagulada, como a de aclararem pelo acido acético, de se dissolverem nos alcalis etc. Quanto á matéria gordurosa Frerichs, Reinliardt, e outros a sup- põem também producto da degeneração fibrinosa; não partilha porém a mesma opinião Johnson, o qual vê na formação d'esta gordura um processo mórbido, — o da steatose, especial e distincto dos outros pró- prios do m. Br. que elle refere todos ao que chamou ncphrite des» camativa. Esta distincção de Johnson parece pouco fundada , porque cm logar de se mostrarem isolados uns de outros os productos mo3^ D.VS SaEACIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. li- bidos (los dois estados, obscrva-se ao contrario, que apparcccm todos no mesmo rim c nos mesmos canaes, indicando por isso uma origem c pathogcnese comnium. Um outro argumento contra a opinião de Johnson é deduzido da observação nos auiniaes, em cujos rins se vcem ás vezes grandes accumulaçõcs de gordura, desacompanhadas todavia das outras alterações e dos sj-mptomas próprios do m. Br., como aliás não devia succeder na steatose dos rins como a admitte aquclle pratico. O que á primeira vista não se perceberia é a maneira pela qual uma substancia albuminóide, como a fibrina, pode convertcr-se em matéria oleosa, tão dillerente pela composição e propriedades. O facto porém é menos difficil de explicar depois de se saber, que as transfor- mações da matéria orgânica no seio do organismo não se fazem só iso- mericamente, mas também por desdobramento dos componentes da matéria que é transformada, originando-sc assim desta mais de um novo producto. Além das degenerações gordurosas assim feitas nos rins, parece estar hoje bem provado, que se operam de egual modo as de outros órgãos. Admittida a theoria, que os primeiros rudimentos da organisação suppõe glóbulos de gordura envolvidos por uma capa de albumina, que se solidificou em consequência do mesmo gloLuIo se ter achado em contacto com a albumina liquida, ainda mais fácil fica a explicação, porque n'este caso a degeneração gordurosa não seria senão a expressão da decomposição ultima dos tecidos e outras matérias al- buminóides. As alterações renaes d'este segundo periodo ou estado são as que se encontram mais commummente nos cadáveres de indivíduos, que succumbem com o m. Br. Dos 292 casos, coUigidos por Frcrichs, 1 3y são d "esta ordem. Das nossas observações quasi todos os fallecidos per- tencem á mesma cathegoria. Este segundo poriodo de alteração renal no m. Br. corresponde á 1.* e 2.* forma de Bright, á 2.' e 3.' de Christison, á 2.', 3.', -4." e 5.* de Rayer ; ou não são todas estas formas dos autores senão difle- rentes phases por que passa o rim no segundo periodo de alteração pa- thologica, como a descreve Frcrichs para o m. Br. É o que melhor pôde determinar o exame histológico do rim, desconhecido ainda qiiasL para aquelles autores. ■8% MEMORIAS DA ACADEMIA REAL TERCeiKO período. Degeneração c atrophia. Neste período ou estado de degcncraç3o dos rins o seu Toliimc diminuc, chega a pezar cada um, trcs, duas, e uma e meia onças. — A tuuica externa torna-se opaca e adherente á substancia cortical de modo que custa a dcstacar-sc, como não succede nos dois estados an- teriores.— A superfície externa do rim, cm vez de lisa, apparece cheia de desegualdades. São estas formadas por granulações da grandeza de cabeça de allinclc ate' á de uma crvillia, ou por elevações de maior volume que alternam com depressões mais ou menos profundas. Ob- senaui-se também ás vezes nesta superíicie externa vasos capillares di- latados e como varicosos, cheios de sangue escuro. — A còr da super- íicie do lim e a do seu interior e de amarello mais ou menos claro, de vermelho-escuro, ou parle de um e parte de outro modo. Com a atrophia do rim torna-se o seu parenchyma mais consis- tente e elástico. Esta atrophia ganha as duas substancias, a cortical e a radiada, sempre porém mais a primeira, que se reduz assim á espessura de muito poucas linhas. Espalhadas nas duas substancias se observam também as granulações, que notámos para a superfície dos rins. A im- permeabilidade vascular é neste pcriodo de alteração de natureza a não jiermittir quasi a introdueção de líquidos injectados nas artérias ou nas veias do órgão. Com a maior atrophia dos rins augmenta o colxão de gordura que os envolve. Augmenta também de volume a capsula suprarenal, a qual apparece ao mesmo tempo edematosa, cheia de vasos varicosos, e de còr mais escura. O exame histológico dos rins neste estado mostra, segundo Fre- richs, as seguintes alterações. — No interior das capsulas de Malpighi, dentro dos canaes uriniferos, e fora destes ou nos intervallos que se- param uns dos outros, a matéria da exsudação continuou a experi- mentar as metamorphoses, que foram notadas para o período anterior; por isso a substancia granulosa, a que é formada de pequenas fibras espalhadas nos intervallos dos canaes uriniferos, e sobre tudo os gló- bulos de gordura existem em maior proporção naquellas diflcrentes DAS SCIENCIAS LE LISBOA. I.' CLASSE. 39 panes da eslructura dos rins. Os canaes uriniferos apparccem mais despidos de ccllulas epitlielicas, e qiiasi reduzidos á membrana funda- mentai. Nas ccllulas epitlielicas também é mais abundante a de-cne- laçào gordurosa. Sc alguns d"a(|uclles canaes existem dilatados pefa ac cumulado no seu interior de maior quantidade de matéria exsudada outros lia que se vêem atrophiados ou toem desapparecido; atrophii e dcsapparecunento devidos a ter nellas cessado o curso das urinas c laltarem as cellulas epitlielicas e outros objectos que antes os enchiam ou também podendo proceder de os haver comprimido a matéria da' exsudação accumulada na parte exterior dos mesmos canaes urini- ieros. Circunstancias análogas fazem também apparecer diminuidas as capsulas de Malpighi, dentro das quaes a parte vascular ou os glome- ruios SC reduzem cgualmcnte a volume muito diminuto. As pequenas granulações observadas á superfície e no interior da substancia dos rins sào, como no segundo periodo, o resultado da uniiio de um certo numero de canaes uriniferos dilatados pela accumulacào no seu Ulterior da matéria plástica da exsudaçào. As elevações porém de maior volume e as depressões correspondentes são a consequência da atropina desegual da substancia do rim. e que deve naturalmente lazer, que nos sítios aonde essa atropliia é maior haja depressão e aonde fòr menor se eleve ao contrario a substancia do rim, mostran- do-se por conseguinte assim este orgào bosselado á superfície. A quantidade de matéria gorda accumulada no rim neste ter- ceiro período, como no segundo, não pôde ser devidamente avaliada peio exame unicamente microscópico; o exame chimico é para isso lambem mdispensavel. Para o fazer é preciso seccar a substancia do iim, e tratal-a depois pelo etlier, que dissolve e separa dos outros princípios toda a matéria gorda. Para depois avaliar o resultado deste exame deve lembrar, que, segundo Frcrichs, cada rim no estado normal tem 16,30 a 18,00 por cento de partes fixas, ou que a essa proporcào se reduz pela seccura. Kesta proporção de partes fixas a gordura entra por 0,03 a 1,00. o que faz para cem partes de rim sccco 3,5 a 6,í de matéria goida. Fazem variar estes números as muito diversas cir- cunstancias individuaes. e sobre tudo se faz notável a da alimentação quando composta de substancias oleosas, que a experiência mostra íazcr predominar muito no homem como nos animaes os principies gordos próprios á composição dos órgãos. Deve por isso haver toda a cautela em não concluir só da maior quantidade de matéria gorda achada nos rins, que estes órgãos experimentaram alguma daquellas. '45 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL degcnoraçòes, que também nellcs faz augmentar as proporções do mesmo principio gordo. No primeiro jicriodo de alteração renal do m. Br. a gordura nào augmenta sensivelmente, pôde mesmo apparccer diminuída a sua pro- porção em consequência da accumulação no rim da maleria fibrinosa. Ko segundo e terceiro períodos augmenta sempre aquella proporção, e pôde ser mesmo o duplo ou o triplo da que é própria ao estado normal; e se alguma vez nào é tão considerável no período atrophico, procede isso da grande quantidade de gordura dos rins, que sahe com as urinas. A forma atrophica dos rins corresponde á terceira dè Bright, á sexta de Chrístison, é a sexta do Rayer. Todos a teem considerado uma forma bem distíncta das outras, mas não ha inteiramente o mesmo accordo quanto á sua relação ou dependência a respeito d'essas outras formas de alteração renal no m. Br. Os autores referidos, como Fre- richs, suppue o que dissemos, que a forma atrophica é simplesmente o gra'o mais adiantado de degeneração do mesmo processo mórbido, que produziu as outras formas dcscríptas por cada um dos autores; Símon e .lohnson porém são de outra opinião. Dizem estes, que não vêem bem demonstrada a transição das formas hypertrophicas para a da atrophia dos rins; suppõem que esta forma atrophica pertence ás da degeneração gordurosa ou steatose do rim. A pag. 36 porém já dissemos como se tem avalfado esta hypolhese especial de Johnson. O mesmo Johnson também nega a degeneração da matéria plás- tica da cxsudação cm pequenas fibras, que dissemos appareccrem der- ramadas entre os canaes uriniferos. Pretende, que o erro por elle sup- posto desta opinião procedera de se ter tomado por similhantes fi- hrillas os restos dos próprios canaes uriniferos, reduzidos pela atrophia o obliteração a um estado fdamentoso; ou de se haverem confundido taes fibrillas com alguma parte do esqueleto ou matriz fibrosa do rim, de que falíamos a pag. 20, e cuja existência dissemos ser admíttida pelos hislologistas inglczes. Em objecto porém, como este, da mais de- licada observação microscópica e bem difficil o poder intervir. Dos 292 casos de m. Br. terminados pela morte, colligidos dos autores, e cujas observações foram completadas pelo exame cadavérico, 133 pertenciam á forma atrophica dos rins ou a este terceiro período de alteração. Kas nossas próprias observações apenas a vimos duas vezes. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. I.' CLASSE. it CAPITULO IV. DE BBItiUT. As alterações, que temos referido, síSo a expressão anatomo-pa« ihologica do ni. Br.; em uma ou outra forma existem por conseguinte sempre com a doença. Além d'cstas porém podem exiblir outras alte- rações, ou nos próprios rins, ou em outros orgàos, as quaes, em maior ou menor numero de casos para cada uma, costumam complicar as que são caraclcrislicas do m. Br. No rim são estas complicações — focos apopleticos, focos suppura- tivos, kystos, concreções de matérias salinas, das que normal ou acci- denlalmentc apparecem nas urinas; podem ser depósitos de matena tubercidosa, engorgitamentos das glândulas lymphaticas, e lesões dos vasos como a degeneração atheromalosa da arleria renal ou a obs- ti-ucção das veias correspondentes produzida por effeito de antigos coágulos. As alterações observadas noutros órgãos teem sido lesões de órgãos da circulação, muito comniuns aliás nos casos de ni. Br., le- sões do apiwrelho pulmonar, do figado, do baço, do estômago e intesti- nos, das membranas sorosas, e dos órgãos ccntracs do systema nervoso. Em alguns casos teem apparccido engorgitamentos glandulares, tu- mores brancos das articulações, caria, necrose, e a gangrena sècca da pelle. Estas lesões ou se formam durante a marcha da doença, ou a precedem, poderão ser mesmo cm certas circunstancias a causa deter- minante do m. Br., como por exemplo quando ellas tendem a criar embaraços na circulação renal. Em outro logar discutiremos até que ponto pode suppòr-sc, que o m. Br. seja assim originado. Os focos apopleticos, <|ue podem ter o volume de um grão de ervilha, ou mais ou menos do que este volume, apparecem na subs- tancia cortical c pyramidal, nas capsulas de Malpighi, e algumas veies logo por baixo da túnica renal. Conforme a sua antiguidade estes focos apopleticos são formados de uma matéria azul-escura ou amarellada, 1.' CLASSE. — T. I. p. n. 6 42 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL rcvclando-sc por isso á superfície do rim, ou no seu interior, por meio de mancluis daqiicllas còrcs. Esla complicação de focos apopleticos no m. Br. tem sido observada poucas vezes. Sào cgualmcnte pouco communs os focos suppurativos. Dos 292 casos dos autores colligidos por Frerichs contam-se apenas em seis, cinco dos quaes são da observação de Raycr. Tem sido allribuidos estes focos a tiaballios inflammatorios accidentaes, que podem sobrevir durante o m. Br., e é esta a opinião de Rayer; Frerichs pretende ser antes o pus n'estcs casos mais um producto da melamorpliose da matéria da exsudação. Parece-nos esta explicação muito menos natural do que a de Raycr; por quanto se a matéria da exsudação fosse susceplivel de uma similhante transformação é provável que apparcccsse em mais casos do que seis para 292. Os kystos apparecem na substancia cortical, fazem saliência á sua superfície externa, teem a grandeza de um grão de semola até á de uma noz. O liquido nelles contido as mais das vezes é soroso, com os componentes, albumina o saes, próprios do sangue; algumas vezes se tem achado espesso, como gelatinoso, amarello, ou escuro. O contcudoí dos kyslos pode também ser de natureza gordurosa, e em algum casa se observou ter oxido xanthico. Aítribue-se a formação d'estes kystoss. ú dilatação dos canacs uriniferos, obstruidos em algum ponto do seu trajecto por accumulação da matéria plástica da exsudação, ou por compressão em consequência de accumulação similhante feita na parte exterior dos canaes. A dilatação dos canaes deve ser a consequência da obliteração assim produzida em um ponto do seu trajecto, e da conti- Muação da exhalação entre este ponto e o extremo de cada canal, feita pelos vasos sanguineos que envolvem o kysto; assim como no principio pode ser o resultado da accumulação do liquido que continua a afluir dos corpos de Malpighi para os canaes uriniferos obliterados, com os quaes communicam os ditos corpos ou capsulas de Malpighi. Parece confirmar esta opinião, relativa á natureza dos kystos dos rins, o ap- parecerem por vezes na sua superfície interna restos do forro epithe-- lico próprio dos canaes uriniferos. A maceração e diluição deste epithelio no liquido soroso do kysta e o que lhe faz tomar a forma como gelatinosa, que ás vezes tem.. A matéria gordurosa, que também alli se encontra é a consequência, segundo Frerichs, de uma degeneração similhante á que dissemos for- mar-se nos diflerentcs pontos da estruclura dos rins. A côr escura «pie tem o liquido dos kystos resulta de alguma exhalação sanguínea, feita no seu interior. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 43 As concreções, observadas nos rins do ni. Br., suo de uratos alcalinos, ou de acido úrico só, e algumas vezes se teeni visto formadas de oxalato de cal. Api)arecem nos canacs da substancia cortical e py- ramidal juntamente com os cylindros librinosos, e ás vezes no inte- rior destes em formas cristalinas, ou de outro modo, como alguma vez já o observamos. A complicação lul>crculosa nos mesmos rins com m. Br. é indi- cada pelas observações de Raycr e de outros. As lesões nos vasos dos rins podem ser entre outras a obstrucçâo das veias, produzida por coágulos de sangue mais ou menos antigos. O obstáculo á circulação, (jue destas lesões resulta, não pode deixar de exercer uma notável influencia sobre o progresso, e desenvolvimento mesmo, de uma doença, fjue parece poder gerar-se por effeito unica- mente de similbantes embaraços da circidaçào. Fora dos rins, de todas as lesões ([ue complicam o m. Br. sào muito communs as do apparellio circulatório. Nas 292 observações dos autores, a doença de rins apparcce complicada de hypertrophia do co- ração em 99 casos. Nas nossas lã observações esta complicação de lesões de systema sanguineo existiu em 5 casos. As lesões do api)arellio respiratório contam-sc em 175 das 292 observações. Estas lesões são o edema do pulmão e o edema da glote, quasi senipre consecutivos a lesões do coração, nas quaes especialmente figura a insufficiciH^ia de válvulas; são o empbysema pulmonar, tubér- culos crus ou amollecidos, a laryngite, a broncliitc, a pneumonia, al- gumas vezes a gangrena do pulmão, as congestões liemoptoicas. Todas estas congestões liemoptoicas coincidiram, observa Frericbs, com a in- sufficiencia das válvulas cardíacas. Nas nossas observações temos seis casos de complicações d'esta ordem. O fígado appareceu lesado em AG dos 292 casos. A cirrhose, a degeneração gordurosa, e uma vez o carcinoma, constituíam estas le- sões.— O baço figurou em 30 casos; o entumecimeiito do órgão, as mais vezes cbronico, em algumas agudo, formava a sua lesào. Nos casos por nós observados foi notada três vezes a hypertrophia do fi- gado ou do baço. No estômago são 31 os casos de lesào. Na maior parte d estes casos, e que sào 2}, formavam esta lesão a gastrite catarrbosa, e deu-se quasi sempre em individues, que abusavam das bebidas espirituosas. Alguns, mas poucos, destes casos foram de ulcerações e amolleci- mento do estômago, de scirro do pyloro. Os intestinos appareccram lesados cm 61 casos; destes 34 são ainda de ixiflammaçào catarrbosa 4Í MEMORIAS DA ACADEMIA REAL da miiscosa intestinal, os ontros tinliain ulcerações foUiculosas ou outras, e tubérculos. Rara,s vezes íbrani assignaladas jwr nós as lesões do canal digestivo complicando o ni. Br. As lesões ccrebraes nilo .são das que mais vezes complicam o ni. Br. A apoplexia, observada em 1 1 dos 292 casos, quasi scmpie andou ligada á by]>erlropliia e insuficiência de válvulas do coração ou á de- generação allicromalosa das artérias. O liquido soroso da arachmoidc e ventriculos lateracs do cérebro pode appareccr augmcnlado, e appa- receu em 44 casos, mas só em 10 de modo nolavel. Em diminuto numero de casos se viu a meningite, a producção tuberculosa e carci- nomatosa. Em um só caso vimos as lesòes de cérebro e espinhal me- dulla complicar as do m. Br. As membranas sorosas estào bastante sujeitas a inflammar-se no m. Br., seguindo-se a estas inflammações exsudações sorosas e albumi> no-fibrinosas. Observaram-se estas inllammações inlcrcorrentcs ao m. Br. em 8 1 casos. Plcuresias e pritonitcs faziam o maior numero, al- gumas vezes foram pericardites. Nós. vimos esta complicação inflam- matoria em dois dos nossos casos. As lesões de ossos, como as dos tumores braneos das articulações» a caria, a necrose, appareccram cm 9 casos. Os de gangrena sccca dx pellc foram 5. Os de engorgitamcntos glandulares rctroperitoneaes 3. São pois estas lesões ainda mais accidentaes, do que todas as outras no m. Br., mas não sem relação com esta doença algumas vezes; assin> nos casos de eugorgitamcnto glandular retropcritoneal os tumores assina formados pareceram sempre por sua posição embaraçar a circulaçãa renal, e podiam assim influir directamente sobre a marcha e desen^ volvimento da doença dos rins... CAPITULO Y. «VMPTOMATOIiOCilA DA DOENÇA EH «ERAI^. f»UA HARCDA^ E TCBUINAVAO. Influem para dar ao m. Br. uma physionomia especial a natu- reza de cada uma das causas que determinam o seu desenvolvimento» e as circunstancias individuacs, no meio das quaes se opera esse dcsr envolvimento. Dahi procedem outras tantas formas, como as que toma, a doença, quando sobrevem cm individues fortes e bem constituidos. DAS SaENCIAS DE LISBOA. 1/ CLASSE. 45 «11 cm indivíduos enfra(iuccidos por doenças anlei-iorcs, por abuso de bebidas espirituosas, de prazeres venéreos, ou de outro modo; quando a doença segue a escarlatina ou outras febres eruptivas; ou (|uando a|)- parece no decurso das febres, ara as quaes a doença pri- maria dispõe de modo particular, c o que dá causa a c.xsudações i-a- pidamenle feitas nas cavidades sorosas. Outra serie de symptomas, que pode sobrevir e ser causa imme- diata de um termo fatal, é a de symptomas nervosos, como vomito» que de novo apparecem, o cnfra(|uecimento ou perda ás vezes da vista uu do ouvido, convulsões, e o estado comatoso. U MEMORIAS DA ACADEMIA REAL A doença nesta forma aguda, reduzida só á primeira serie de symptomas, tratada a tempo e conveiiiciilemcnte, termina quasi sempre pela cura. Pode também terminar passando ao estado clironico. Quando aos symptomas da primeira serie se ajuntam os da segunda ou terceira a doença é mais vezes fatal, por cfleito immcdiato da suflbcaçào cau- sada pelo edema da glote, ou em consequência dos derrames súbitos das cavidades sorosas, ou pela violência dos symptomas nervosos. D'estes estados mais graves, porem, algumas vezes sahem ainda os doentes a favor, por exemplo, de uma forte emissão da urina. D'esta forma aguda curam-se, segundo Frerichs, os dois terços dos doentas. Na resolução da doença a albumina e a íibrina da Urina silo os últimos phenomenos que desapparecem. Sem o exame para as reco- nhecer muitos indivíduos pareceriam curados antes de o serem na rea- lidade, o que deve ser bem altendido, porque mais de uma vez suc- cede, persistirem a albumina e a fibrina na urina, havendo dcsappa- rocido todos os outros signaes e symptomas da doença, e então pas- sado temjM» estes reproduz irem-se, como se reproduzem quasi sempre, degenerando assim a doença na forma chronica. Como exemplos desta forma aguda referiremos alguns das nossas observações, que lhe pertencem. t. OBSERVAÇÃO. Mo/estia de Bríght na forma aguda, terminada pelo restabelecimento completo do doente. .1. A. D., de 22 annos de edadc, temperamento sanguíneo, e cons- tituição medianamente robusta, solteiro, trabalhador, residente em Belém, donde era tambcin natural; deu entrada no hospital a 16 de Junho de 1852. Como precedentes mórbidos accusou ter tido symp- tomas de syphilis primitiva, havia cinco mezes, e depois destes sym- ptomas os de syphilis secundaria, consistindo cm dores osteocopas; o que tudo chegou a desvanecer-se com os tratamentos que fez. Oito dias antes da sua entrada no hospital resfriou-se, e logo depois appareceu inchado de pés e pernas, e depois na face, dcsenvolveu-se febre. Quando vimos este doente pela primeira vez, no dia 17, conser- vava algum edema nas pálpebras, tinha na região dos rins alguma dòr, DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1/ CLASSE. 4 7 <]uc a pressào augmenlava; niio l.avia porè.n lebre, ou outro symploma A unna eia trans].arente. de còr escura, com a gravidade esnocilica de 1024. a reacção acida, e sensivelmente alLuminosa.— O doente tinha sido sangrado na véspera, fizeram-sc applicar ainda ventosas sar- jadas na região lombar, e ordcnou-sc o uso do tártaro emético cm la- vagem. No dia 18 as urinas eram muito menos alLuminosas.— P.izc- ram-se ainda ventosas stccas na região renal. No dia 19 a albumina na urina havia de todo dcsapparctido e as edemacias cgualmcnte, o acido nitrico só fazia separar na urina algum acido uritx). que o excesso de acido nitrico redissolvia. No dia 20 a urina era de todo natural, o doente podia dizer-se convalescente.. Teve alta no dia 22 restabelecido. n. OBSERVAÇÃO. Afo/es/ia de Bricchí aguda com didanle de acido úrico cr (alisado iias urinas. Teniunação pda cura. >'UM M. N. B., 50 annos dé edade. bem constituído, de temperamento sangumeo, casado, natural de Ílhavo, pescador, entrou no hospital no primeiro de Dezcndjro de 18j2, Ha 25 annos teve uma anasarca, que durou quasi um anno, acom- panhada de dores renaes, difficuldade de urinar, febre, e symplomas gastro-cntericos. Mczes antes da sua entrada no hospital, pelo vcrào loi aconmiettido de intermiltentes terçãas, que repeliram pelo outono- em princípios de novembro incharam-lhe as pernas e depois o ventre desenvolvendo-se ao mesmo tempo dores nas regiões renaes, que se prolongavam na dirccrào dos urcthercs, com ardor c tenesmo vesical c anal, urinas cm pequenas porções, e a miúdo evacuadas; por vezes enjoo, vómitos e cephalagia, A entrada do doente no hospital o edema limitava-se ás pernas; permaneciam os svmptomas nepliriticos, mas moderados, e a febre era pouco notável. A urina, ainda escassa, era limpida no acto de sua emissão, turvava-se porèin de prompto pelo resfriamento; dava reacção a calina, c a gravidade cspecilica era de 1022. O deposito, bastante abundante, pelo exame microscópico pareceu ser formado de pó amorpli» U MEJIORIAS DA ACADEMIA REAL p glóbulos pequenos de uratos alcalinos, e de cristaes de acido úrico com as seguintes formas, que todas lhe pertencem: — laminas rectan- gulares, umas com prolongamentos lineares e parallelos nas extremi- dades, outras com depressões cordiformes, ou em forma de crescente, de triângulos, nos extremos das faces; laminas rhomboidaes isoladas, ou aggregadas em pequenas concreções calculosas. Pelo acido nítrico ou pelo calor as mesmas urinas deram alguma albumina. — Prescre- veram-se quatro ventosas sarjadas na região renal, dous grãos de pós antimoniaes quatro vezes nas 24 horas, a infusão de sementes de linho, e a dieta ténue. " No dia 3 as dores renaes eram menores, o edema estava quasi extincto, a febre tinha desapparecido, as urinas eram acidas, c depo- sitavam aimia bastante acido úrico e uratos alcalinos. — Banho geral tépido, um cáustico depois na região lombar. No dia 4 o edema tinha de todo desapparecido; as urinas con- servavam os caracteres do dia anterior, sem albumina. Poção com 24 grãos de acido benzóico, 24 de bicarbonato de soda, meia oitava de phospbalo de soda, e três onças de agoa, do que tomou o doente meia cnça três vezes ao dia. No dia inimediato a urina tornoti-se mais abundante, era acida, límpida, com 1010 de gravidade especifica. Pelo acido hydrochlorico, depois de concentrada, precipitou bastantes cristaes de acido úrico, na forma de laminas e de aguliias pyramidaes. O doente sahiu no dia 8, tendo normaes as urinas, e a todos or, respeitos podendo dizer-se restabelecido. ni. OBSERVAÇÃO. A/òu»iinuria com cdenuis , ftbre , e (lòres renaes. Desapparecinienco de todos os si/inptomas, excepto o da albumina nas urinas. A. M., 38 annos de edade, temperamento lymphatico, e consti- tuição enfraquecida, natural do Seixal, aonde residia, ])escador. Tinha soffrido ataques rheumaticos por vezes; e pelos últimos dias do niez de Maio de 1852, depois de se ter molhado, e resfriar-se, apparece- rani-lhe dores lombares, edemacia de pés e pálpebras, alguma .sensi- bilidade também sobre o estômago , e neste estado entrou no hospital a 1 2 de Junho. DAS SCIENQAS DE LISBOA. 1." CLASSE. i9 No dia 1 3 á visita existiam os syniptomas referidos, alguma febre, ligeiro estado gástrico, e o exame da urina deu — transparência, côr escura, reacção acida, 1020 de gravidade especifica, deposito albumi- noso abundante pelo acido nitrico, pelo calor. O tratamento consistiu no uso de diluentes, óleo de rícino, ven- tosas sèccas na região renal, algum nitrato de bismullio. Com isto se foram desvanecendo o estado gástrico, as edemacias, as dores renaes, a febre; mas apesar do desapareci uienlo de todos estes symptomas as urinas con.servaram-.se albuminosas; e foi neste estado, que o doente, instando por alta, sahiu no dia 20 do mesmo mcz da julho; curado por conseguinte em apparencia, mas conservando evidente indicio, p;ira quem observasse as urinas, que a doença se não havia ainda de todo desvanecido. ■*» Damos este caso como exemplo de forma aguda do m. Br., porque o modo de invasão e os symptomas da doença o indicavam. E de crer, que mais algum tempo de resguardo do doente e outros cuidados aca- bassem por desvanecer o único symptonia que persistiu, o da albumina aas urinas. Em todo o caso o estado cm que observámos o doente per- tence todo á forma aguda da doença, ([ualquer que fosse o seu an- damento ulterior c terminação. Forma chronka. — Os syniptomas nesta forma do m. Br. são da mesma natureza que os da forma aguda. A intensidade de cada um d estes symptomas, a sua duração, a maneira de se encadearem no de- curso da doença, o modo de invasão desta, a sua duração, a sua cura- bilidadc e terminação, e por fim as circunstancias ou estado geral dos individues, que precedem a invasão da doença, c que se desenvolvem du- rante ella, e que diflcrem essencialmente em cada uma das duas formas. O m. Br. na fornia chronica é, como vimos, um dos modos de terminação da forma aguda, e neste caso a continuação da doença, que passou de uma para outra forma. Pode também a doença desde o prin- cipio revestir a apparencia de chronicidade. No primeiro caso o estado clironico não costuma ser precedido de outro estrago constitucional dos doentes além do que nelles pro pardo ou como uma infusão fraca de café. E deste ultimo modo, que mais vezes a observámos. Nesta urina, como na da forma aguda, ha um cheiro característico, que se pode conqiarar ao da agoa de carne. O microscópio faz ver bastantes escamas de epithelio, núcleos c mais jiroductos da decomposição de suas cellulas; e além disso pode acci- dentalmenlc conter a ui-ina glóbulos sanguineos, glóbulos oleosos, cris~ laes de acido úrico, uratos alcalinos, phosphatos térreos c alcalinos, além de outros productos. A reacção destas urinas é geralmente acida. No decurso ila doença podem sobrevir, como na forma aguda, enjoos, vómitos, diarrhea, inflamniações das serosas ou dos paren- chymas, erythemas ou erysipelas, alguma vez seguidas de grangrena da pelle; além disso apparecem as lesões de sentidos, convulsões, de- lírio, ou o estado comatoso, cpie foram indicados para a forma aguda. Os doentes neste estado, com alternativas de melhor e peor, com o desaparecimento mesmo quasi completo de todos os symptomas por vezes, podem durar mczes e annos; succumbem porem a final quasi lodos por efleito da doença. Esta terminação fatal pode ter logar de quatro modos. En» primeiro logar pelo esgotamento de forças, causado- pela duração da doença ; e em especial por efleito de alguns de seus. symptomas, como a diarrhea, o vomito, a perda continua da albumina, roubada á nutrição e evacuada do sangue com a urina e com o soro das liydropesias: esgotamento de forças este, para que podem concorrer as moléstias que tantas vezes complicam o m. Br.^ — Em segundo logar por clleito de infianuiiações intercorrcntcs das serosas ou do pulmão — Em terceiro logar em consequência dos symptomas nervosos, o coma, as convulsíics ele. — Em quarto logar jjor asphixia causada pelo edema da DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CL.\SSE. 51 glote ou pelo liydrolhorax, e bem assim por outros accidentes super- venientes da doença, como podem ser a apoplexia, o amollccimento cerebral etc. As proporções para estes quatro modos de mortalidade são cal- culadas cm -j no 1.° caso, j no 2.°, ^ no 3.", e 4 no 1." Com algumas de nossas observações daremos exemplos da forma chronica do m. Br. IV. ODSERVACÃO. /ílhuminuria com edemas, rcpetinrh por ataques, depois th ultimo dos quaes o doetite sahiu do hospital C07i seriando albumina nas urinas. J. J., de 11 annos de edade, conslituiçào lymphatica, natural do Seixal, e residindo no Bom Successo; teve no pescoço e ventre en- gorgitanientos escrofulosos, que chegaram a desvaneccr-se; era também sugeito a ter pequenos accessos de febre, c dores pelos extremos dos ossos. Além disto ha seis annos, ([ue todos os invernos costuma ter edemacias de pes c pernas ou de outras partes do corpo, as quaes lhe desapareciam pelo vcrào. Um d'estes ataques, pelo qual entrou no hospital, sobrcveiu-lhe no inverno do principio do anno de 1852, logo depois de se ter molhado e resfriado; a anasarca invadiu o tecido ccl- lular do tronco e extremidades, o doente urinava pouco e a miúdo, nào tinha febre nem accusava outro incommodo. A urina era corada, do peso especifico de 1020, com reacção acida, c depositava abundan- temente albumina pelo acido nítrico. \í neste estado, que o doente foi pela primeira vez observado no hospital, aonde entrou em 24 de maio de 1852. Com um tratamento diluente o bnmdamente diurético a anasarca foi cedendo, e por 1 .3 do nicz seguinte do junho apenas havia algum edema no escroto. A li) do mesmo mez tinha desaparecido esse resto de anasarca, c todas as funcções se faziam com regularidade; as urinas porem conscrvavam-se alhuminosas, e tinham-sc tornado descoradas, sendo a .sua quantidade sensivelmente a normal. O doente assim sahiu no dia 20 de junho de 1852, curado quanto o potica, no tratamento do m. Br.; além disso laz também perceber até que ponto se pode esperar de melhorar a doença conservando-se a degeneração renal, que lhe serve de base. Vé-se que apesar da impossibilidade que temos de remediar esta degeneração, ainda podemos esperar modificar a doença de modo que cheguem a des- vauecer-se quasi todos os seus symptomas, a diminuir muito o estado anemico dos doentes, c a alongar assim o prazo da sua existência com muita diminuição nos soflrimentos. A albuminúria, (jue nestes casos apesar de tudo persiste, é o aviso certo de que a doença ha de repro- duzir-se com todos os seus symptomas próprios, como efTectivamente succedeu neste caso. O que para nós ficou um pouco duvidoso é, se um accesso de febre pernicioso, se um daquelles estados comatosos ou outros nervosos, dos que sobrevecm na doença, foi a causa immediata da morte. Inclinamo-nos mais á segunda supposição. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. I .' CLASSE. VI. OBSERVAÇÃO. Moléstia (It Bright nn forma c/ironica, com abundância de crislaes de acido úrico nas urinas. J. de P. C, de -4 3 annos de edade, casado, lavrador, natural de 3Iira, Bispado de Aveiro, residente na Moita. A sua constituirão era forte, o temperamento sanguíneo, nos seus pacs nada (|ue se soubesse existiu de doença com relação á que deu logar á entxada do doente no hospitaf. Entrou a 8 de janeiro de 1853, e considerava-sc doente havia vinte dias. As doenças anteriores foram bexigas, febres intermittcntes aos vinte annos, que duraram vinte e sete mezes, e além (fisso rheu- matismo articular agudo cm agosto de 1852. Em 19 de dezembro de 1852, depois de estar deitado sobre uni' pouco de mato pelo espaço de meia Iiora, levantou-se apparccendo com. algum edema na face, nas pernas, nos i)es. O doente disse ter sentido antes, e desde algum tempo, dores lombares.. Quando entrou tinha dores lombares, mais do lado cs(|uerdo, a face, os pés e pernas estavam edemaciadbs. As urinas eram de còr de café bastante diluida ou vcrmclho-escuras|, com a gravidade especi- fica de 1020, acidas, com um abundante deposito, que a observação microscópica mostrou ser de acido úrico, na forma de prismas rhoni- boidaes, transparentes, amarellos e com as foces lateraes escurecidas; e também na de laminas rhomboidaes; e para muitos destes cristacs a forma prismática era desfigurada de modo, que mais pareciam pe- quenos seixos de quarto amarelladò sem fornia alguma regular. O mi- croscópio também mostrou, abundantemente espalhados nas urinas, cy- lindros de íibrina, contendo muitas ccllulas cpithelicas e glóbulos de muco. O calor e o acido nitrico faziam separar albumina em abun- dância. Nas 24 horas sabiam umas quarenta onças d esta urina. I\ào havia febre, no apparclho circulatório e ])ulmonar não se observou lesão alguma orgânica ou funccional. Havia amblyopia, o doente via confu- samente os objectos, ou mesmo em pe(|uena distancia não os distin- guia; este phcnomeno era mais notável do lado esquerdo. Até ao dia 26, em que observámos o doente no hospital, com M MEMORIAS DA ACADEMIA REAL varias allernalivas para mais e menos, os symptomas permaneceram, mis as infiltrações serosas augmenlaram sompre. No dia 20 era já bastante scnsivel o derrame pcritoneal, c o da pleura esquerda, estado este, que, prog;ieareccram bastante intensos para exigirem a sangria, vesicatórios, e o emprego dos antimoniaes; jjelos quaes meios os symptomas bronchiacs e ao nvesmo tempo a ana- sarca diminuíram. No dia 6 de dezembro as urinas, observadas por nós a primeira vez, eram còr de café, acidas e muito albuminosas, pelo micros- cópio mostravam bastantes cylindros de fibrina. As dores lombares então estavam augmentadas. — Applicou-se um vesicatório na região renal, prescreveram-se diuréticos, o uso de leite e musgo. Nas noites de 7 para 8 liouve um aceesso febril forte, o que fez prescrever cm seguida o quinino. No dia 10 apparcceu forte pontada do lado esquerdo, que cedeu á applicação de um cáustico, e ao uso dos antimoniaes. Então as urinas eram acidas, de còr citrina, coagu- lavam muita albumina, e ao microscópio mostravam bastantes escamas epitbclicas, muitos glóbulos de muco, e cylindros de fibrina, cuja sub- stancia transparente prendia e deixava ver no seu interior cellulas epi- thelicas e os produclos da decouvposição d'estas cellulas; alem disto a urina continha bastantes concreções amarellas e transparentes de acido úrico. Pelo augniento da ascite a dyspnea tornou-sc tão grande, que o medico da tarde, que a observou no seu maior auge, resolveu para allivio do doente recorrer á paracentese. Dois dias depois sobrevieram liorripilaçòes, e o doente morreu como subitamente. A autopsc mostrou os rins hyperlropliiados, pesando cada um sete onças, descorados exteriormente e em toda a espessura da substancia cortical. O sangue da sangria, que havia sido submcltido á analyse, ser- vindo-nos para isso o processo de Becquerel, deu as seguintes propor- ções dos seus principios: DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1 ." CL.\SSE. 6 1 Glóbulos sanguíneos Gfi.T)© Fibrina 2.50 Albumina 37,57 Jlatcrias extractivas c salinas I5,GG Matérias gordas 1 1,04 Agua 8G6.73 1000,00 Aproveitámos a occasiào de ter sangrado o doente para poder assim apreciar o estado do sangue nas formas cbronicas do m. Br. Vè-se d 'esta analyse, que por eflcilo da doença as cifras dos glóbulos, da al- bumina, das matérias extractivas e salinas estão abaixo das normaes; que a da íibriua nào teve tanta diminuiçào, podendo com tudo para isso ter concorrido o estado inflamniatorio que sobreveio c (juc obrigou a fazer a sangria; sendo bem sabido e certo que esse estado inllanunatorio tende sempre e em todas as circunstancias a augmcntar a rpiantidade de fibrina do sangue. A cifra da gordura é notavelmente maior do (|ue a normal, a qual pouco costuma exceder no sangue a um por milhar. A diminuirão da quantidade dos glóbulos é a expressão do estado anemico d'cstcs doentes; a diminuição da albumina e fibrina a con- sequência da muita perda pelas urinas d'estes materiaes plásticos do sangue; o augmcnlo das matérias gordas o resultado do processo de- generativo que solVrem nestes casos os diíVercntes elementos orgânicos da economia, ou os (juc formam os materiaes destinados á sua recons- tituiçào. Este augmcnto na proporção das matérias gordas do sangue também pode provir, na nossa opinião, da insufficicntc oxidação ou combustão d'cstas matérias causada pela diminuição no numero dos glóbulos rubros, diminuição que deve inlluir para que o sangue traga dos pidniões menor quantidade do oxigénio, destinado áquella oxidação das matérias gordas do sangue assiuj como á de outros materiaes da economia. Estas alterações do sangue são próprias de todos os casos do m. Br. cbronico, c por isso estimámos poder verifical-os por nossa ])ropria observação. K este mais um caso, em que observámos a morte seguir de perto a paracenlese, a respeito de cujos inconvenientes no m. Br. já ante-> rioiínenle fizemos as precisas considerações. 62 -MEMORI/VS DA ACADEMIA REAL IX. ODSERVACaO. Albumina e matéria oleosa nas urinas, anasarca, estado granulosa e atrophico rios rins. Terminação pelo coma. M. E., de cdadc de 4 2 annos, bem constiluido, Icmperamcnlo sangiiineo, traballiador, e natural do sitio de Arrouguella; leve na sua infância sarampo e bexigas, ulteriormente febres intcrmittentes por vezes, e febres continuas graves (ataxo-adjnaniicas); era também muito sujeito a broncbites. Em 18 48, pela primeira vez, sentiu dores na região lombar, promovidas pela acrào de maior frio, a que se expòz; em de- leníbro de 18j1, por influencia da mesma causa, infdtraram-se-lhe as pálpebras, e trcs mezes depois o tecido cellular dos extremos supe- riores. l*elo mesmo tempo obscureceu-se-liic a vista, c neste estado de fraqueza visual se conservou depois. De quando em quando era sujeito a enjoos ou vómitos. Entrou no hospital de S. José em 19 de julho de 1852, e entào o seu estado, como o observámos, era o se- guinte. Havia dores na regiào lombar, dores, que pareciam ter a sua sede nos rins. Estes orgàos podiam abranger-se pela mào, e aprecia va-se facilmente pela palpação o seu volume e sensibilidade atravez das pa- redes do ventre. Pcrccbia-se que era pequeno este volume para cada rim, que ambos eram muito sensíveis á pressão, e sem irregularidade na sua fónna. O doente tinha, além disso, alguma sensibilidade na re- gião cpigastrica, tendências para cnjòo ou vomito, principalmente quando as dores renaes se exacerbavam, alguma sede, a lingoa sabur- rosa, um ligeiro edema na face e nos pés. Nem pelo exame dos sym- ptomas, nem pelos signacs, se verificou então no doente outra lesão no tubo digestivo, no apparelho da circulação, pulmonar ou outro. As urinas, submeltidas ao devido exame, moslravam as seguintes alterações. Com a côr de um amarello-esverdeado pareciam ligeira- mente turvas mas de modo uniforme, a gravidade especifica era de 1009; davam reacção neutra, e abundante deposito albuminoso pelo acido nilrico ou pelo calor; o exame microscópico descobria abundantes escamas de epithelio, e grande numero de glóbulos evidentemente oleosos, muito transparentes no centro, escurecidos, por acção da luz DAS SCIENaAS DE LISBOA. 1 .' CLASSE. 63 rcfracta, na periplicria, quasi todos da mesma grandeza (O.^OO '» apro- ximadamente), c aggrcgando-se entre si no campo do microscópio de variados modos. Não se observavam nestas urinas nem filamentos ou cyliudros íibrinosos, nem outro género de deposito. Dia 20 a 25. Tisana de rabào rústico, e pílulas com meio grào de tannino, foram os remédios empregados internamente. Com ellcs a edemacia foi desaparecendo, e estava quasi desvanecida no dia 25. Algum tenesmo, ((ue começou a apparecer com enjoo e vomito no dia 23, e alguma diarrliea no dia 25, obrigaram a suspender logo no principio as pilulas de tannino e mesmo depois a tisana de rabão rústico, ficando o doente só no uso dos emollientcs e de uma dieta mais ténue. Dia 2G. Appareccu maior soltura, lingua sêcca e vernicllia, al- guma febre; estailo para cjue concorreu o abuso de regimen, (pie se ve- rificou ter havido. Dia 27. Estado comatoso, pulso muito frequente e fraco, pros- tração de forças, lingua sêcca, escurecida no centro, e avermelhada nos bordos. — Vesicatórios nos jcmcllos, mistura salina em infuso de valeriana, camphora internamente, e pela tarde um outro vesicatório na nuca. O progressivo augmcnto deste ultimo estado fez siiccumbir o doente pelas 9 horas da manhã do dia 29 do mesmo mcz de julho. A autopse feita 2 i horas depois do fallecimento mostrou as se- guintes lesões. — O pericárdio continha umas quatro a seis onças de scrosidade ensanguentada. O coração tinha mais alguma espessura do que a natural nas paredes dos vcntriculos, cujas cavidades eram também um tanto mais amplas. Os pulmões estavam em alguns pontos edema- ciados. — No canal intestinal só se observaram algumas manchas es- curecidas na mucosa dos intestinos grossos. O fígado e baço nada ti- nham de anormal. — Os rins pesavam, um dellcs pouco mais de uma onça , e o outro uma e meia onça. Tinham ambos na superfície uma granulação muito fina, diflerentes manchas leitosas, muitos pequenos pontos escuros, como echymoscs, alguns kystos serosos, uma injecção venosa geralmente maior do que a natural. A còr d"esta superficic era, alem disso, ao todo um tanto esbraii([uiçada, ou mais desmaiada do que o ordinário. O corte longitudinal do rim mostrou a substancia cortical mais espessa, c insinuava-sc também com muita mais espes- sura por entre as pyramides ou os lóbulos da substancia radiada. \ sub- stancia cortical era desmaiaila um tanto, e pela fervura dos rins na agoa e acido nitrico tornou-se notavelmente branca; fervura, que também fez muito mais apreciáveis, por sua còr, as placas leitosas e Ò4 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL as granulações, c dou tanibcni a ambos os rins um aspeclo muito oleoso. Nem o cérebro nem as meninges tinbam vestígios de congestão ou ou Ira lesào. E->la observação dá um exemplo da adiantada degeneração oleosa nos casos de m. Br., a matéria oleosa abundava cflectivamcnte na sub- stancia do rim e nas urinas. Também se viu neste caso uma urina com pouca gravidade especifica, côr desmaiada, c aspecto lactcscente , que não appareceu no numero maior das nossas observações. O não ap- I>arecimento dos cylindros de fibrina foi uma excepção á regra geral; nào cremos porem, por os não encontrarmos, que a urina os não con- tivesse. O numero d'estes cylindros deve ser menor no período adian- tado da degeneração renal, no qual estava a doença; se e' verdade, como Frerichs pretende, (pie a fibrina ou matéria plástica da exsudação ac- cumulada nos rins acaba por se resolver em matéria gordurosa, a qual elTectivamcnte abundava na urina, e podia supprir assim cm boa parte a fibrina cm cylindros, que nos outros casos a urina pode oíTerecer em mais quantidade á observação. O doente morreu pelos eflcitos do que Frerichs descreve com o nome de envenenamento iiremico. Este supposto envenenamento co- meçou pela ambliopia e por symptomas gastro-entericos, enjoo, vo- mito, c diarrbea, e terminou iMjlo coma. É para notar, que os sym- ptomas gastro-entericos existiam desde a primeira observação que fi- zemos do doente; e que augmentaram de modo scnsivel, apparccendo ao mesmo tempo alguma reacção febril, por occasião de terem dimi- nuido ou quasi desaparecido as infiltrações da anasarca. Este facto está em harmonia com a doutrina, que ensina — o ser a anasarca, até certo ponto, um preservativo do envenenamento urcmico, porque desvia da circulação certa porção de urea, cjue o soro arrasta para o tecido cellular e cavidades, aonde se fazem as infiltrações; urea que accumu- lada no sangue, por sua conversão cm carbonato de ammonia, é a causa do envenenamento uremico. Que o estado comatoso do nosso doente era dos desta ordem, ainda ajuda a proval-o a falta de in- jecção sanguinea ou de outra lesào cerebral das que noutras circuns- tancias são a causa immediata d'estes estados comatosos. DAS SaENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 65 X. OBSERVAÇÃO. À(burtii)mría com anasarca e lesão de rins na sexta fórmn de Ra'jer. fíi/prrlrovhia do coração e fígado. Terminarão por immcdiato effeito do hijdrothorax. C. P., proprietário, natural de Lisboa, e ahi residente, conlavai quando falleccu, 53 aniios de odadc. No seu temperamento havia o prcdoininio nervoso, a conslituiçuo era de mediana robustez. Usou bas- lanlc da vida, não só em sua mocidade, mas mesmo depois. Teve al- gumas aflceçòes dartrosas, de (jue se curou, c outros incommodos de menor nota, nos periodos também de menos edade. Pelos annos de 1829 a 18.31, estando em Paris, soflreu demorada doença, de que nunca pudemos ter completa noticia, mas em (jue pareceu figurar um fundo mórbido anemico e nervoso, no meio de cujos symptomas havia o de vertigens, que o acto da digestão promo^ia de modo particular. Este padecimento, por muito tenqio combatido por meios debilitantes, por fim só cedeu a um tratamento de natureza opposta, fortificante ou tónico, que lhe fora especialmente aconselhado em Londres. Era também desde muito tempo sujeito a incommodos dyspepsicos, a des- arranjo de funcrõcs inlcslinaes, e a sjinptomas hemorrhoidaes. Pelos fins de 1851 começou a perceber maior cançaço andando, especialmente quando subia, depois foram apparecendo pela noite ata- ques asthmaticos com tosse, ([ue cada vez mais amiudaram. Com estes incommodos veiu o jirogressivo abatimento de nutrição e forças, vieram as edcmacias e outros derrames, a perversão dos actos digestivos e outros, e, com a deterioração constitucional consecutiva, o termo Gnal do doente. A edemacia existia nos pe's, oflcrecia resistência á pressão pelo dedo, e a i)elle mostrou por vezes tendência para erysipelar-se. Em maio do dito anno esta edemacia supprimiu-se, e foi substituida por outra no braço esquerdo, a (piai tandjem se desvaneceu depois, apparecendo de novo a primeira. Appareciam também por vezes ligeiras infiltrações de face, e nas pálpebras mais especialmente, as quaes infiltrações em outias occasiões se desvaneciam. A dyspnea, mesmo a habitual, nos últimos mezcs impediu quasi 1 .* CXASSE T. 1. p. u. 9 èS MEMORIAS DA ACADEMIA REAL de todo o jazer horizontal; o doente passava as noites, como os dias, em uma cadeira de braços. Alguma vez com tudo sucecdcu, que este estado dyspncico cedeu, e de modo, que o doente pôde algum dia dei- tar-se, jazer horizontal c dormir assim com algum soccgo; e isto ainda nos últimos dias da doença quasi. Uma das coisas, que de um modo singular desafiava estes ataques dyspncicos, era o acto da dcfecação a's vezes, e sobre tudo os esforços de rcducçào, que o doente se via obri- gado a fazer para recolher tumores hemorrhoidaes, (jue deste modo saíam, c se estrangulavam no anus. A dyspnea, a anxiedadc assim ex- perimentadas pareciam a's vezes que iam pôr termo aos dias do doente, e por modo, que chegava a lembrar-sc, com uma espécie de terror, da necessidade daquclle acto, fazendo mesmo por o evitar. A tosse, com alternativas, por vezes foi nulla, acompanha va-a uma espectoraçào catarrhosa, que outras vezes faltava. Muitas vezes, e desde muito, sentiu dores pela região dos rins; at-- U-ibuia-as, porém, aos seus padecimentos hemorrhoidaes. As urinas foram, cm todo o tempo da nossa observação, isto é, nos últimos mezes, notavelmente copiosas, enchiam mais de dois uri- jioes de vidro^ dos de grandeza ordinária, em cada 24 horas. O exame d estas urinas fez conhecer o seguinte. — Côr clara ou de um amarel- lo-esverdeado mui desvanecido, apparencia uniformemente turva ou opalina, nenhum deposito espontaneamente formado, cheiro de carne, conservando-sc bem de um para outro dia sem decomposição ammo- niacal, a gravidade especifica, avaliada pelo arcometro de Prout, mar- cava apenas 1006. Pela agitação ou soprada por tubo a urina escu-- jnava c conservava a escuma além do tempo ordinário. Mostrou sempre a reacção acida; fervida ou tratada pelo acido nitrico precipitava bas- tante albumina, precipitado que á luz se fazia sensivelmente rosado,, como mais alguma vez observámos em urinas albuminosas. Nunca observámos no doente um verdadeiro movimento febril , o pulso apparecia freíjuente, pequeno, vibrante, ou de outro modo al- terado, mas parecendo corresponder nessa alteração a um embaraço- de circulação, que efPectivamente existia, e que sobre tudo se fazia sentir durante os ataques. Uni svmptoma, que também se observo»! nos últimos tempos da; doença, c digno de nota, foi o enfraquecimento da vista, de que por vezes se queixou o doente, e lhe sobrcvinha como por ataques pela forma por que se mostra este singular phenomeno nos envenenamentos uremicos do m. Br. O exame das cavidades dava o seguinte. — As pulsações do corarão DAS SCIE.\C1AS Í)E LISBOA. 1.' CLASSE. 67 eram mais fortes do (|iic o ordinniío, c sobre tudo se percebiam cm maior arca, principalmente do lado cs(|iierdo. O murmúrio respira- tório algumas vezes deixou de perceber-se em grande extensão da caixa lliuracica, correspondendo a este signal os deduzidos da resonancia da ver e da percussão, que costumam denunciar um derrame liquido na tavidade das pleuras; derrame, que algumas vezes pareceu absorver-sc, para de novo se formar, e que a final desenvolvido no maxii»o grau foi a causa inmicdiata da morte, que se verificou por isso com uma dyspnea e suífocação das mais afflictivas. — Na rcgiáo abdominal só se percebia alguma sensibilidade pela prcssáo no epigastro, alguma dureza nessa região e pelo prolongamento dos rebordos das falsas co6- lellas. O exame cadavérico pcrmiltiu verificar as seguintes lesíies. — Con- siderável derrame seroso em ambas as pleuras. Algum derrame egual- menle no pericárdio. Coração mais volumoso do (jue o natural, este maior volume dependente lodo da bypertrophia do venlriculo esquerdo; o vcntrieulo direito com as paredes adelgaçadas, e de capacidade também diminuida: por estas disposições a ponta do coração, em vez de corres- ponder ao vértice do repartimento ventricular, era formada pelas pró- prias paredes do vcntrieulo esquerdo. As válvulas e aberturas do co- lação não mostravam lesão. Havia bypertropliia do ligado sem alteração de substancia, e esta liy])ertropliia prolongava-o não tanto a baixo dos reboidos das falsas costellas, como por cima do estômago, donde se es- tendia para tocar e adberir ao baço por sua extremidade. Os rins estavam notavelmente diminuídos de volume, o peso de cada um seria pouco mais de duas onças. A superficie exterior era avermelhada, toda granulosa, e cm um «lelles a extremidade superior bosselada. Correspondiam, no modo de suas lesões, á sexta forma ana- tómica odianios aflirmar (jue o mal era antigo, c muito anterior á época em or que começa c se desenvolve acpiella doença. Para os que não estào porem assim desprevenidos duas coisas havia, que já deviam despertar a sua attenção neste sentido; uma era o modo, por (|ue os edemas se formavam e se substituíam uns pelos outros, e a segunda a abundância da urina apesar dos progressos das hydropesias, sendo a regra geral o escacearem quando estas liydropesias procedem de outras causas. 3^1. OBSERVAÇÃO.. Pleuro-ptieunionia, albuminúria intercor rente, terminação pela morte y lendo antes deixado de ser allnuninosa a urina. J G. L., de 35 annos de cdade, de robusta constituirão e tem- peramento bilioso, creado de servir, natural de Lorigo, residente env Lisboa. Teve a Ires de maio de 1822 uma dôr com o caracter de pleu- ritica no lado direito do peito, qne augmentava porém pouco com a inspiração, e não a acompanhava febre ou tosse. Entrou a 5 de maio no hospital em similhanle estado, e ahi foi logo sangrado, tirando- se-lhe oito onças de sangue do braço, e pondo-se-lhe ventosas sarjadas sobre a pontada. No dia 6, e primeiro da nossa observação, não havia febre, nem o exame do peito deu signaes de embaraço pulmonar. No dia 7 a pontada era maior, havia febre, o murmúrio respi- ratório no ponto do peito correspondente á dòr percebia-se menos dis-. tinclo, do que nos outros pontos. — Sangria de 8 onças, vesicatório na, parte dorida, diluentes. No dia 8 crepitação e respiração bronchial do lado direito do. tliorax, espectoração pneumónica. — Meio grão de tártaro emético de- 3 em 3 horas. No dia 9 os mesmos symptomas, exaccrbando-sc estes com a febre? DAS SCIENCIAS I)E LISBOA. 1.' CLASSE. 69 pela lardc, os mesmos signaos pela auseultaçào c percussão, a icsonancia (la voz com o caracter egoplionico e alem disso muito sensível; còr icté- rica de pelle; urinas vermelhas, corando o vaso de amarello, e cora a gravidade especifica de 1023. — Cáusticos em jemellos, um grão de lartaro emético de 2 em 2 horas. No dia 10 o peito do lado direito sensivelmente mais abaulado, a respiração hronchial perccbendo-se mais superiormente, e na hase do pulmão do mesmo lado o niurnuu-io ou outra bulha respiratória eram de lodo nidlos. — Tisana da parielaria c oximel scillitico, pilulas de um gião de calomelanos três vezes ao dia. Do dia 11 a 1 3 a respiração vesicular foi-se tornando perceptível aonde havia desaparecido, e assim forani também diminuindo os outro* signaes e symptomas do derrame pleurilico; ao mesmo tempo havia al- guma soltura. — Diminuiram-sc, e suspendera m-sc depois os calomelanos. Do dia 14 a IG os symi)tomas e signaes pncumonicos todos cm. declinação, a urina sempre rubra, mas não scdimenlosa. Do dia 1 7 a 23 o doente chegou ao estado apyretico, a pneumonia ia cm continua resolução, conservou-se porem a soltura; c a urina, ainda rubra, acida, na gravidade especifica de 1017, começou a raos- trar-se muito sensivelmente albuminosa por meio do acido nitrico, do calor, c da insufllação. No dia 23 .appareceu demais alguma edemacia nos pes c pernas. — Os diluentes, o cosimenlo branco, o laudano e de- daleira em doses minimas fizeram a base do tratamento. Dia 24 a 27. Houve ardor urinando, o acto de uiinar era amiu- dado, a urina do mesmo modo albuminosa. Dia 28 a 30. A urina cessou de ser albuminosa, conservavam-se edemaciados os pes, mas todos os outros symptomas existiam em re- missão. Dia I a 8 de Julho. O doente recahiu, por abuso de regimen, e por outras causas, a que se está sujeito nos hospitaes; e a reproducçào dos symptomas plcuro-pneumonicos aggravou o estado do doente a ponto de o fazer succumbir no dia 8 de nianliã. A aulopse mostrou nm grande derrame seroso em ambas as pleu- las, C algum tauibem no periloneo, (juasi todo o pulmão direito hepa- lisado (hepalisação rubra, earnificação), extensas adherencias nos dois folhetos da pleura do mesmo lado. — Os rins pesavam, um dclles onze onças, o outro dez e meia; com esto maior vohunc porem nenlumia alteração de eslructura apreciável a olhos desarmados pôde notar-sc, tanto exteriormente como internamente; a bexiga e mais partes do ap- l^arelho urinário também não mostravam lesão. 70 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL A albuminúria foi nesle caso doença intercorrente. Pareceu des- envolvcr-se na declinarão da plenro-pncumonia, e desapareceu mesmo anles da recaliida do doente. A aulopsc e o exame a olhos desarmados nào deixou perceber mais alteraçào do que o augmenlo de volume dos rins. Este augmento porem, aliás bastante sensível, e os symptomas agudos com referencia a estes órgãos, cpie se manifestaram durante a vida denotam ter havido um estado iiypercmico, cujos clTcitos nos rins se não haviam ainda de todo desvanecido. Este estado hyperemico devia ser o da primeira forma do m. Br. XII. OBSERVAÇÃO. Albuminúria com lesão renal na terceira forma tle fíai/er, complicando uma /icmiple^iíí com amolUcimenlo da espinhal medulla. A, T. F., de 24 annos de edadc, solteiro, trabalhador, do- Bis- pado de Aveiro, residente no Torrão, de forte constituição e tempe- ramento sanguíneo. Entrou no hospital a 2 de janeiro de 18.53, con- tando então 1 5 dias de doença. Não accusou padecimento algum an- terior. Começou a doença por um ataque, de que resultou liear he- niiplegico do lado esquerdo. A hemiplegia comprehendia a fraqueza de movimento e sentimento dos extremos, havia embaraço na locução e deglutição, tortura oris, dilatação na pupilla, impossibilidade de fechar as pálpebras do mesmo lado; além disto repetidos soluços, dôr de cabeça do lado esquerdo, tosse, espectoraçào espessa e amarellada, liugoa sabuirosa. O exame do peito fez perceber um ruído respira- tório áspero e sonoro, o ventre tinha alguns pontos dolorosos. Existia febre com paroxismos de tarde. Com pequenas altcraçòes nos symptomas este estado continuou assim attf ao dia 22 do mesmo mez de janeiro, tornando-se notável a persistência c a repetição amiudada dos soluços, odem proceder de outras causas sem re- lação com a mesma doença. Também nos faltou a observação dos cy- lindros fibrinosos, não porque possamos dizer que não existissem, mas [)orque não estávamos então ainda prevenidos a respeito desta parle importante da scmciolica da urina. Mais duvida se ofltTCce ainda a respeito da verdadeira natureza da doença neste caso, reparando, que nas moléstias de coração podem por muito tempo as urinas tornar-se albuniinosas, sem que o m. Br. exista ainda constituído. Apesar jiorém do incon)]>lcto da oitócrvação de propósito a publicamos jKira prevenir os que começam a observar esta doença de quanto se precisa apro- veitar todos os recursos da observação para bem julgar da sua diagnose. XV. OBSEnVACAO. M. Br. chronico, cotitplicado fie lesão de coração, — Observação coUigula pelo Sr. Dr. A. da C. Alvarenga. A. de A., de 18 annos de edade, temperamento sanguineo, con- stituição fraca, creado de padeiro, natural de S. Pedro do Sul, resi- dente no Seixal; foi admiltido no hospital de S. José e na enfermaria de S. Sebastião a I 7 de junho de 1852. Foi atacado de variola con- fluente ha seis annos. IVa fruição de boa saúde, e em uma jomoda a ca- vallo apanhou, no dia 7 de Março do corrente anno de 1852, uma 76 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL grande chuva; conservou a roupa molhada grande parte do dia, e o incominodo que se seguiu foi o resfriamento de todo o corpo, espe- cialnientc dos pe's, o qual se dissij)0u no dia seguinte, cm que conti- nuou a sua lida do costume. No dia 1 1 regressando a casa, depois de ler cortado mato, pela madrugada, recolhcu-se á cama por sentir muito frio, o qual passou e foi substituído por muito calor e sede: no dia 15 (4.° da doença) a cara começou a inchar; depois a inchação 4 manifestou-sc successivamente nos pés, pernas, orgàos gcnitacs externos, e por fim invadiu o ventre. Neste estado vciu para o hospital de S. José, e foi admittido na enformaria do mesmo nome, d'onde sahiu a 10 de abril, em estado satisfactorio de saúde, conservando todavia ainda ligeira incliaçào nos pés: assim o affiançou o doente. Segundo a informação obtida naquella enfermaria, notou-sc então que o doente tinha uma lesão do coração e albuminúria. Em toda esta enfermidade o doente disse não ler sentido a menor dôr nos lombos e nos orgàos urinários, nem a menor diflerença i'ela- tiva a emissão das urinas. Depois do sahir do hospital teve incom- modos de estômago que o obrigaram a procurar novo abrigo neste pio estabelecimento, e foi para a enfermaria de S. Miguel, donde sahiu livre delle-s, a inchação dos pés persistindo todavia sempre. Foi n'este estado servir a um padeiro na Riiintclla, expondo-se, segundo as exigências desta occupação, a variada temperatura e á hu- midade. Passado algum tempo a inchação dos membros inferiores au- gmentou, e eslendeu-se ao ventre e á face, sendo ora maior, ora menor; as urinas escacearam, e a sua emissão era precedida, acompanhada, o seguida de dòr, pela uretra unicamente. Rccolheu-se ao hospital, c foi admittido na enfermaria de S. Sebaslião a 1 7 de junho deste anno. Vimos o doente a 22 de junho, c então apresentou á nossa ob- servação o seguinte. — Boa physionom ia, face ligeiramente rosada. Ana- sarca geral, sendo a inchação muito pouco scnsivel na face, ascite con- siderável ; micção amiudada, e a urina era pequena quantidade. Não ac- cusava dòr em parle alguma, nem a pressão, mesmo forte, sobre as regiões renaes a despertava; na vista não se tinha conhecido enfraque- cimento; pulso regular a 04 por miiluto. A inspecção do peito descobria os movimentos d"cste devidos á respiração, mas não a elevação intercoslal produzida pela percussão do coração. Pela palpação sentiam-se os movimentos do coração na região precordial, mas não se podiam determinar os pontos do thoras, em que batia este órgão. Ao lado direito do sterno, entre a 2.' e a 4.' DAS SCÍE.NCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 77 costcUa, sciitia-sc uma ligeira vibraruo simulava a piogicssao ondu- latória de uui verme); é o primeiro giáu da rosiiadura cataria, que começava um pouco antes da pulsaciLo radial, e acabava antes da pul- sação seguinte, havendo por conseguinte um intcrvallo de silencio. Pela auscultação não se sentia percutir no thorax o coração, mas sim um ruído de folie Corte, grave, c prolongado, seguido de um pe- queno silencio: este ruido anormal não tinha o mesmo caracter ou tintbre, nem a mesma intensidade nos dilli-icntes pontos do jjeito; assim applicando o ouvido ou o slcthoscopo sobre a mama esquerda, e logo abaixo d'esta, ouvia-se um sopro com certa aspereza, (jue se assemelhava á pronunciaçào branda da syl\a.haJ'/-oii,y/oii,J'rou, indicando o ponto de separação o silencio entre os ruídos: da mama para o sterno o ruído de folie ia sendo menos áspero, conservando ao longo deste osso a mesma intensidade, diminuindo esta para a região subclavicular esquerda, para a parte externa e inferior da mama, de sorte cjuc na direcção da ca- vidade axillar deste lado já se não ouvia o ruído anormal; para a ex- tremidade inferior do sterno, até sobre oappcndice xiphoideo, o ruído de folie era perceptível, posto que menos forte. \o lado direito do sterno a partir da 4.° costclla para cima até á parle interna (metade pouco mais ou menos) da região suix-lavicular direita, e para fora do sterno até um pouco além da mama direita, o ruído anormal parecia ser um verdadeiro ruído de folie (|ue começasse com certa aspereza; se o qui- zessemos imitar, o reprcscntariamos pela pronunciaçào da s^Uaba /r/iil, rejiit, rcjiit. Este ruído linha o máximo de intensidade á direita do sterno no i.° espaço intercoslal,.ondc lambem parecia ser mais supcr- Ocial: d'aqui para fora enfratinecia, sendo aluda [)crceplivel na direcção da axilla direita, alétn du (|ual desai>arecia. O ruido de folie começava a ser ouvido no 1." tempo dos movi- mentos do coração, estcndia-se pelo pequeno silencio e exjiirava no 2.° tempo.. Na região subclavicular esquerda, perto da niargem anterior da axilla, sentiam-sc ao longe dous movimentos com o rhy thmo normal do coração; pondo então a nião na região da rosnadura, continuando com a applicação do stetlioscojio no logar mencionado, notámos distincta- nicnte que a rosnadura cataria começava com a primeira e terminava na segunda bulha ou com esta; ou. por outra no lim da rosnadura ouvia-sc a 2." bulha. i\a parte posterior escjucrda do thorax scntiam-se as duas pancadas, naturaes sem bulhas anormacs, as quaes eram imperceptíveis na direita. O murmúrio respiratório era inapreciável em toda a parte poste- U MEMORIAS DA ACADEMIA REAL rior c leiço aiilri ior do lado esquerdo do tliorax, áspero em todo o lado direito c parte antero-siii>crior do esquerdo. A percussão tirava som ma*- siço na região prceordial, na oxlonsiío de pollcgada c meia quadrada, pouco mais ou menos. Em quanto aos pulmões, o som era inteiramente massiço na parte posterior c base do lado esquerdo do peito, obscuro na antero-superior do mesmo lado, e òco em todo o lado direito. Hayia cançaço, e ligeira djspnéa. Urina citrina com deposito esbranquiçado, densidade 1015; tra- tada pelo acido uitrieo depositava grande quantidade de albumina em flocos ou petpienas laminas; pelo calor coagulava também bastante; pela insullílaçào Ibrmava-sc tanta e tão duradora escuma, que se podia des- pejar a urina contida no vaso da experiência, ficando este cbeio de escuma. Ao microscópio viram-se na parte liquida da urina alguns cristaes de phospbalo ammoniaco-magnesiano; no deposito eram bem distinctos glóbulos com os caracteres dados aos do pus e do muco, e além d'estes muitos cristaes dos acima mencionados. O deposito es- branquiçado da urina misturado com algumas golas de ammonia fez-se nmito viscoso, e tanto mais quanto mais intima era a mistura. O doente na enfermaria ia passando solTiivelmente, a inchação dissipou-se na face, c tornou-se menor nos membros, o cançaço era menor, quando no dia 10 de julho se constipou; á noute teve muito frio a ponto de bater os dentes, depois calor, vómitos biliosos, dores e peso de cabeça, ligeira tosse, inapetência, secura de boca, pulso muito frequente, urinas mais carregadas. Este estado abrandou, mas no dia 12 desenvolveu-se forte de- synteria, e as urinas ainda mais escuras continham muita albumina; os phenomenos dados pcl;i auscultação, percussão, insj)Ccção, e palpação só se modificaram em o ruído folie ser acompanhado de maior aspereza e a rosnadura cataria parecer mais grossa. No dia 14 desapareceu a diarrhca; os vómitos, inapetência, e mais phenomenos supramencionados ja não existiam, a face estava apenas inchada, as urinas claras. O doente parecia regressar ao estado anterior. Conservou-se por algum tempo no estado de melhoramento que dissemos: repetimos uo dia 31 o exame do peito, e só achámos de dif- ferença relativa á ultima observação o ser a rosnadura cataria, ainda limitada á mesma região descripta, mais pronunciada, mais forte; ja parecia não o 1.° gráo — uma rosnadura branda, mas sim um gráo elevado — uma rosnadura grossa, permitta-se o termo; o ruído de folie ao lado direito do stemo, e em parte d'este na superfície indicada, pa- DAS SCIENCIAS DE LISBOA. I.* CLASSE. 7íJ recia scr uma misliira de serra c de ruído de folie foilc, cuja duia^ào era a mesma que anteriormente, começando também no 1.° tempo c lindando no 2." O doente sentia mais dyspnea que no dia de entrada no hospital, e em alguns dias peso de cabeça. A ascite era grande. A analyse da urina nada mostrou de novo. Passados dias a|)resentarani-se os membros inferiores mais túr- gidos, a face inchada, as pal|)ebras muito cdemaciadas; no dia í) de julho a anasarca e a ascite eram ja consideráveis, a dyspnea grande; havia peso de cabeça, tonturas. A urina era acida, citrina, muito albu- minos;», mais densa (1020); c ao microscópio apresentou, alem dos cri^ taes de phosjiliato amnioniaco-niagncsiano, laminas pequenas de epi- tlielio, globolos brancos, nuiilo mais pequenos que os do pus, c com os caracteres de glóbulos de gordura. Os symptomas geraes foram au- gmentando, bem como a anasarca. A 19 a urina expellida cm 24 horas andava por i onças, com- muito deposito muco-purulenlo; era acida e ao microscópio mostrou, além do (jue temos mencionado, um corjio cvlindroide, como os de fibrina, parecendo conter glóbulos de gordura. O ruído de folie e a ros- nadura era cada vez mais forte: parecia que começava por bulha de serra ou de grosa, e acabava na de folie forte — roujál, rou/dl, roíifát, roufút. Ao quadro terrível dos symptomas indicados veio addicionar-se a díarrhea. O estado do doente era gravissiiuo. A densidade da urina variava de dia para dia entre lOlfi c 1020, a sua quantidade augmento»i. O exame microscópico em difibrentes dias mostrou, além do ja mencionado, laminas eellulosas de côr de fer- rugem mais ou menos carregada ^cellulas ou núcleos epithelícos dos canaes uríniferos da substancia cortical. Vimos por varias vezes os cylindros de rd)rina; saes em cruz, sendo umas com a disposição das cruzes gregas, outras romanas, muito regulares, das quaes algumas tinham dezesete divisões do micromelro, outras menos. Algumas pa- reciam inconq)lelas, oflerecendo três ramos somente, outras tinham as extremidades dos ramos mais grossas; algumas pareciam formadas por um quadrado central, de cada angulo do (jual partiam os ramos. (•) Nos últimos dias as urinas foram acidas, menos scdimentosas, e sem pus. A doença foi marchando para a sua terminação: a anasarca e a ascite pareciam neste dia ter chegado ao seu máximo gráo, o (•) Estas crisl.iliS3çõrs são as do clilorurelo ilc sódio, feitas por influencia da iirca, que .i urini dissulve, nad.i tom de especial com rrljÇ>io ao m. Br. Podem ot>srr- var-sc cm muitas outras circunstancias. 80 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL doente jazia cm decúbito lateral esquerdo com as pálpebras cerradas pelo enorme edema, a face tinha um aspecto cadavérico só desmen- tido peia respiração: este estado afiliclivo durou até 5 de septembro, em que o doente expirou. O tratamento empregado consistiu cm bebidas emollicntes, tem- peranles o diuréticas; no uso de purgantes, sudorificos, dcdaleira cm pilulas e tintura, quina, ventosas nos lombos, cáusticos nestes, nos je- meilos e nas coxas. Aulopse ás 7 horas da manhã do dia 6 de novembro. — Os rins estavam geralmente acinzentados na periphcria, excepto na face pos- terior, onde a côr era escura, a sua túnica podia ser separada com facilidade; pareciam divididos em ambas as faces em bossas. Não ti- nham manchas leitosas nem granulações, somente pequenas echy- moses. Incisados os rins, vimos só digno de nota a substancia cortical alargando-se, talvez, mais por entre a porção tubular, em alguns si- tios, e num rim dois destes prolongamentos tinham avançado um para outro por tal forma que encerravam no meio uma porção tu- bular do rim com a forma ordinária de digitação. A' superfície da camada cortical rastejavam vasos tcnuissimos. Fervido um rim cm agua c observado á lente não apresentou uma só granulação anormal. Um rim pesava 4 onças, outro 3 onças e 3 oitavas. Assim estes rins pa- reciam estar, sensivelmente, no seu estado normal, e não podiam por certo ser dados para exemplar das alterações renaes descriptas por Bright. A necropsc mostrou lambem o hjdrothorax esquerdo conside- rável, o pulmão deste lado atrophiado e impermiavel, duas das vál- vulas aórticas engrossadas, e todas três de grandeza dilTerente entre si tinham para inserção arcos desiguaes, as paredes do ventriculo es- querdo eram fortes e resistentes, não havia hypertrophia nem dilatação em cavidade alguma. Não suppomos, como o Sr. Dr. Alvarenga, que os rins estavam neste caso sãos. O predomínio da substancia cortical, que elle descreve, o bosselado da superfície exterior dos órgãos, e as echymoses que nella se notam são suflicicntes indicios de alterações, como as que pertencem á forma atrophica do m. Br., e que, como fizemos notar, são ás vezes tão pouco apparentes a olhos desarmados, que podem por isso ser des- conhecidas. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 81 Traçadas assim, pela descripçào e por exemplos, as formas prin- cipaes da doença, para bem jtilgar da sua natureza e' indispensável desecr ainda ao exame de cada symptoma; saber como estes se ori- g^inara e se manifestam, a frequência com (|ue apparecem, que valor podem ter como meio de diag^nostico c de expressão da enfermidade. É o estudo da pliysiologia do m. Br., a parte mais importante da sua historia, c na (|ual a sciencia moderna se tem enriquecido de factos e doutrinas, que devem ser conhecidos e devidamente avaliados. Passaremos pois em revista estes .symptomas, reunindo-os para facilidade do estudo em grupos, relativos aos dillèrentes apparelhos, em cujos órgãos ellcs fazem a sua manifestarão; e a cada um d'esses grupos consagraremos um capitulo especial. CAPITULO VI. DOS «VUPTOUAK RELATIVOS AO APPAREL.nO LROPOETICO. Estes symptomas são as dores dos rins, o augmento ou a dimi- nuiçíio do volume d 'estes órgãos quanto o podem fazer perceber a pal- pação e a percussão, a íre eonscrva nos mesmos limites de (pianlidade; pode poicm diminuir ou augmentar. Diminue nas formas agudas da doenea, do mesmo modo (pie em outras doeneas febris. Taml)cm pode diminuir nas formas ehro- nieas, c quando a ohslrueeào dos rins se tem adiantado ninito. Mas o que mais commummente se observa nesta enfermidade, c ao mesmo lemjio se torna um pbenomeno muito earacterislieo, é a (piantidade da ni-ina eonservar-sc noinial, ou mesmo augmentar, apesar dos progressos da anasarca; quando em todos os outros casos de bydropesia o ordi- nário é ver com o augmcnto d'esta escaeearem as urinas. Taud)em suc- ccde no m. Br. algumas vezes diminuirem as infUtrações serosas c ao mesmo tempo a quantidade das iu'iiias, o (]ue ameaça sempre os doentes de se desenvolverem os syinptomas de envenenamento uremico, como adiante c a propósito da urcniia mclbor explicaremos. — Nestes limites de mais e menos a urina pode variar, diz Frericbs, desde lí'3 onças até uma onça para cada 2i lioras. Gravidade csjxri/lcn. — Nas nossas observações o peso especifico (la urina na maior parte dos casos agudos ou clironicos oscillou entre lOK) e 102'}, limites ambos que nào estào fói-a da escala i)liysiolo- gica; s(') em alguns desceu a 1 OOí) e lOOf). E para notar, que estes idtimos casos se verificaram na !•.' e 10." observa(;õ(», ambas de m. I?r. com degeneração atropliica dos rins. A nossa observação não combina a este respeito com a de Fre- ricbs, o qual indica pr.ra quasi todos os casos clironicos a gravidade especifica da urina de 1004 a 1012, que elle diz raras vezos ser ex- cedida. Para nós o baixo peso especifico das urinas vcrificou-se mais especialmente nos casos clironicos da doença com atropbia dos rins. Sem pretendermos com isto estabelecer regra, o que nos paxcce é, que 84 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL em geral csla menor densidade exprime o esUulo mais adiantado da doença, c sobre tudo o da anemia que lhe anda ligada nesses períodos. Còr. — No decurso da forma agvida muitas vezes a urina conserva a còr normal aloirada. Pode, no principio d'estas formas agudas, ser avermclliada, como em geral o e nas doenças febris, ou mesmo ser ensanguentada e entào verdadeiramente vermelha. As cores amarello-desmaiada c amarello-esverdeada suo as que Frerichs dá como mais frequentes nas formas ehronicas da doença. En- contrámos mais vezes estas cores na degeneração atrophica, nos outros casos de formas ehronicas a còr de café ou parda é a que mais fre- quentemente observámos. E tào caracterisliea achámos esta còr da urina, que mais de uma vez por ella só previmos, sem nos enganarmos, a existência da doença. No principio das formas ehronicas pode ser normal a còr da urina, também pode assim appareccr accidenlalmentc no decurso da doença, e por fim passar por todas as transições de còr, que temos indicado. Se é verdade, como pensa Becquerel, que a còr amarella da urina depende de certa mistura de dois principios corantes, um vermelho, outro verde, é claro que nas urinas dos albuminuricos as alterações de còr por que passa este liquido são a consequência bem natural das pro- porções diversas, por que aquelles dois principios se misturam; e além disso serão também um resultado da própria alteração de cada um d'es.ses principios; assim como para isso deve influir um tanto o estado de maior concentração ou diluição da urina, isto é a proporção maior ou menor de agua, que dissolve aquelles principios corantes como os outros princípios solúveis próprios da comiwsição da urina. Transjiarencia. — Podem ser transparentes as urinas nas formas agudas, como nas ehronicas da doença. Podem appareccr turvas por eflbito das nmitas matérias, que a urina arrasta, mas não dissolve; ma- térias porém, que pelo descanço se depõem iodas, ou que o fdtro deve separar. Poi'em finalmente ser opalinas, como lacteseentes, conservan- do-se assim permanentemente turvas, mas por egual em toda a extensão da massa liquida. Vimos este aspecto opalino coincidir com a còr esverdeado-clara, com a menor densidade da urina, e por isso existir mais especialmente nos casos da forma atrophica dos rins. Não fazemos regra d'esta coin- cidência, neu) a fazem Frerichs e outros, mas dizemos o que obser- vámos. Esta opalescencia da urina tem sido diversamente explicada. Rayer attribue-^ a glóbulos oleosos suspensos na uiina; pretende mesmo ha- ; DAS SCIENCIAS DE LISBOA. I.' CLASSE. 85 Te-ia dissipado alguma vez por meio do ellicr, dissolvendo com ellc a dita gordura. Esla experiência porem repetida não tem dado a outros o mesmo resultado. Poderá tauibeiu ser devida esta opaiescencia á sus- pensão de uma porção de albumina no estado globular, forma esta que se tem supposto poder tomar aquelle principio proteico do sangue. Este estado opalcsccntc parece ser da uiesma natureza, que o en- contrado no soro do sangue dos albuuiinuricos, e de (|uc adiante fal- laremos. Cheiro. — O aroma próprio da urina costuma ir desaparecendo, para o substituir um cliciro especial, que se tem couvparado ao da agua de carne, porque eíTectivaniente se ilie assemelha. Constantemente o observámos, especialmente nas formas clironicas, e quando o não cn- cubria o cheiro alcalino e ammoniacal da mesma urina deste modo alterada. Acidez dor n)ii partes de mina ate 20 c 30 ou mais; e nas 24 horas de 3 a 25 grammas ou GO a r)00 j^iàos. A ulliiiinitia como a fíhrina (í o produclo na urina da exsudação niorbidu feita nos rins. A causa imnicdiala d'csta exsudação parece, depois de quanto temos exposto, dever ser principalmente o embaraço de circularão; ou clle comece nos vasos maiores, j)ara depois se fazer sentir nos ca[)illarcs dos rins, ou se dê logo nestes capillai-es por ef- feito do cnrraquecimenlo ou pervei-sào da acçilo, que os nervos, por cuja influencia a circulação cai>illar se executa, podem exercer sobre osta circulação. A perda diária e constante pelas urinas de albumina e de fi- brina deve ter sobre todo o organismo uma influencia bastante sen- sivcl. A primeira c a mais imn)cdiata c a que resulta do empobreci- mento do sangue, causado por aipiclla jicrda e portpie demais não pode esta achar meio de reparação estando as vias digestivas lesadas em suas funcçõcs, como o estão tantas vezes nesta doença. Este empobrecimento do sangue traz o estado ancmico; e e provavelmente também uma das causas das infiltrações serosas, o (|uc melhor avaliaremos a propósito da génese da hydropesia no m. Br. Muito sabido c', que a albumina nas urinas reconhece-se pelo modo por «pie estas formam c conservam a escuma quando se assopram por um tubo; assim como pelo coagulo (pie formam aquecendo-as, ou lan- çando-lhe acido nitrico: ha com tudo nestes ensaios algumas particu- laridades, que devem estar presentes para evitar equivocos, e que jul- gamos dever expor. O calor pode, por exemplo, não coagular as urinas, ou coagulal-as muito imperfeitamente, apesar de contercin bastante albumina. Suc- cede isto, quando cilas são alcalinas, c porque os alcalis livres, que dissolvem a albumina solida, impedem a(|uclla coagulação. Daqui vem a necessidade de neutralisar previamente o lioirão de sal commuin na urina ])ro- pria não só deste estado mórbido, mas também de outros egualmenle agudos. O que a este respeito succede no m. Br. com o cblorureto de sódio tem egualmente logar com os outros principies anorganicos. CAPITULO vin. Dos si/wptonias trlativos ao apparcHw circuInCorio e f/c respiração, e (las aheraçòvs do sangue. O apparcllio circulatório e o da respiração muitas vezes apparecem lesados nos casos do m. Br. sem que taes lesões façam por isso parte desta doença; existem assim indcpendenlemente d'ella, ou não fazem senão complica-la. Pode também succedcr em alguns casos o terem as mesmas lesões concorrido ])ara pioduzi-la, e isto do modo que diremos. As únicas alterações funccionacs, que o systema circulatório pode ex- jterimentar por cíTeito do m. Br., c que fazem verdadeiramente parte da sua symplomalologia, são a excitação febril, que no decurso da doença costuma sobrevir, e além d'isso as modilicacões que n'cssc ap- jiarelho imprimem todos os estados anemicos, como o que se mani- festa no m. Br. S3'mptomas pulmonares apparecem também, que são a consequência das aflecçòes do apparelbo respiratório desenvolvidas 110 decurso do m. Br., e para que esta doença dispõe de modo espe- cial, como são as inflanimações e os derrames das [ileuras. Mas cm todos estes casos a symptomatologia, dependente immediatamente dessas lesões pulmonares ou das do apparcllio da circulação nada teem de par- ticular, que lhe seja comnumicado pelo m. Br., e que neste logar con- venha por isso avaliar. O sangue experimenta importantes modificações na sua compo- sição: a analyse as tem determinado, se não de modo, que justifique a opinião de ser nessas alterações que está o primeiro phenomeno da doença, ou que esta c positivamente uma alTccçào do sangue, como alguns pretenderão, ao menos quanto basta para que os resultados ob- tidos tenliam servido para explicar o mechanismo de producção de al- guns dos symplomas da doença, c para nos revelar úteis indicações iberapeulicas. DAS SCIENOAS DE LISBOA. I .' CLASSE. 95 Estudaremos estas allerarõcs em catia um dos princípios consti- tutivos do sangue, como o fizemos paia a urina. Fiòrina. — Na forma aguda da doença eslc j)rincipio pode au- .gmcnlar. Isto faz, que o sangue então dê um abundante coagulo, bas- tante, consistente c com crusta plcuiitica, como nas inflamniacõcs pleuro-pncumonicas. Já antes de se conlieccr a lesão dos rins própria do m. Br. Blackail havia notado a particularidade de certas hydro- pesias de forma aguda, nas (juaes as sangrias davam um sangue com crusta pleuritica. — Em outras circunstancias do m. Br. a íibrina con- serva a sua cifra normal; e no decurso da doença com a forma chro- nica o mais ordinário e ve-la diminuir, c o sangue dar por isso \\m coagulo pcíjucno comparalivalncnle ao soro de (jue se soj)ara. Se nestes estados com tudo sobrevcem indammaçòes, como é tão frequente ap- parccerem no decurso desta doença, a íibrina pode de novo augmcntar, ainda que temporariamente, obedecendo assim .i lei gerai, que regula este augincnlo do projiorção em simiiliantes casos. Albumina. — A s;ihida continuada deste princi[iio juntamente com a urina, feita directamente á custa do sangue, deve causar, e causa, a diminuição no soro d'cste liípiido da quantidade da sua albumina, e suceedc isto tanto, quanto a doença teui tido mais tempo de duração, e originado assim maior perda dessa albumina. Na nossa 8.* obser- vação esta proporção de albiuiiina no sangue desceu, por exemplo, a 37,r>7 por mil, o (|ue ú bem inferior á cifia normal. Glóbulos rubros. — Estes glóbulos conservam a sua proporção normal no princijuo da doença, ou mesmo a podem conservar durante o tempo todo das formas agudas; nas clironicas poièm, c no seu de- curso esta proporção diminue, sendo islo um dos motivos do estado anemico que então sobrevem. Esta íalta de glóbulos pode ser apreciada no vivo pela bulha das carótidas própria das pessoas chioroticas. Na mesma 8." observação já citada esta cifra dos globidos desceu a ()6,50. iVão tom parecido verilicar-sc, (pie a quantidade dos glóbulos e a da albumina diminuam na mesma proporção; pode esta diminuição- ser muito maior paia um destes principios do que para o outro, ou invei sãmente. A diminuição na proporção dos glóbulos rubros do sangue não tem tão fácil ex[ilicação como a da albumina; porcjuc não ha para cllçs, como ha ])ara esta, uma perda que a observação possa seguir e fazer apieciar; e porque não s;ibemos como os globidos do s;ingue se ibrmam ou nascem, e como se destroem cu perecem, e por isso menos podemos saber como as causas mórbidas influem para diminuir ou au~ 9Cy MEMORIAS DA ACADEMIA REAL giiiontar essa formação ou ilcstniiçào. E" o que se pode dizer de egual modo a rcspcilo de outras doenças em que esta diminuição na quan- tidade de glóbulos do sangue cgualmenle se veriíiea. O (juc se concebe facibnenle é, que cada glóbulo rubro, flu- ctuando cm um soro menos albuminoso, c menos denso, por eflcito das leis da repartição dos fluidos na economia, liade perder mais da sua porção liquida e branca, c d'essc modo diminuir o seu peso. Esta diminuição de peso de cada glóbulo vai influir no peso de lodos elles, e deste modo na cifra que exprime a sua proporção lotai. Esta cifra porém não diminue só por esta causa, diminuo de certo lambem por- que se torna nestes casos menor o numero dos glóbulos, o que a ob- servação microscópica permiltc verilicar. % explicação precedente pois, que é de Owen Rccs, dá conta de uma parle da diminuição d'aquclla cifra, mas não deve servir para o fazer a respeito de toda ella. Urca. — Logo nos primeiros dias da doença se tem podido reco- nhecer o prcdominio da urca no sangue, ao decimo dia o verilicou Chris- lison. E' esle um facto importante, e de que na íheoria da uremia se tira lodo o partido, como veremos, para explicar os symptomas al- tribuidos ao envenenamento urcmico. Também outras vezes se tem observado no sangue deslcs doenles diminuir e quasi desaparecer a urea. /ícido urko. — A existência deste outro principio excremenlicio da urina lambem foi demonstrado no sangue, principalmente nos pe- ríodos adiantados da doença. Garrol marca n'estcs casos para o acido lírico as proporções de 0,0-37 0,027 0,012 por mil. Não se tem achado relação determinada na existência e proporção d'este principio compa- rativamente com os da urca. A/atcriíis extractivas e sacs. — Segundo as nossas próprias obser- vações as matérias extractivas e os sacs do sangue, juntamente com a urea que clle contenha podem reputar-se existir na proporção de 1.5,66 por mil. Em geral esta cifra das matérias extractivas e dos sacs do sangue pouco se aflccta no m. Br. Matérias gordas. — Estas matérias foram separadas em uma das nossas observações, a oitava, na proporção de ll,Oí por mil. E' uma proporção bem considerável cm relação á normal pouco maior de 1 ,00. Esle augmcnto de matéria gorda no sangue tem sido ja notado por outros observadores em casos de m. Br., mas não parece ser o efleito de uma regra geral; porque n"outros casos da mesma doença, refe- ridos mesmo por Frerichs, esta cifra das matérias gordas é aproxima- damente a normal. DAS SCIENCIAS DE LÍSBOA. 1 .* CLASSE. 97 A nós parccc-nos, que este prciiiewto ubemico. treoria da urehia. Os symptomas, que temos de considerar n este capitulo, e que iremos desde ja distinguindo d'outros pelo nome de symptomas ure- micos, não apparccem sempre no m. Br.; desenvolvem-se só em cir- cunstancias cspcciacs da doença, as quacs teremos também de indicar de modo particular. O systcnia nervoso parece ser a sede especial da manifestação destes symptomas, que veremos serem perturbações das funcções cc- rcbraes, perturbações dos actos .da espinhal mcdulla, e perturbações mesmo de outros apparelhos, as quacs parecem com tudo ter ainda por móbil principal o systema nervoso. A reunião destes symptomas, ou DAS SCIEiNCIAS DE LISDOA. 1.' CLASSE. 107 os estados diíTerentes, que elles constituem na economia, são o que se tem chamado a urcmia ou o envenenamento urcmico. A urcmia pode tomar a íórma de envenenamento agudo ou de envenenamento lento. A forma aguda ataca subitamente e de trcs modos; no primeiro são as perturbações cercbraes que especialmente fi- guram, 110 segundo as que mais se devem attribuir a unia irritação da espinhal medulla, e no terceiro as que participam d'esta dupla origem. Primríro modo de uremia ni^uda. — Começa por dòr de cabeça, ver- tigens, náusea ou vomito, e algumas vezes delirio. Com estes sym- plomas precursores, ou sem elles, cac depois o doente em inn estado apoplecliforme, no qual de ordinário succumbe. Nestes doentes o rosto é pullido, ás vezes parcialmente corado e então a conjuncliva pode também apparecer injectada; a abertura j)uiiillar coiiscrva-se natuial ou mostra-se contraída; tcm-se notado alem disso, <|uc os músculos palpebraes não sollrem no coma uremico a paralysia, que é própria dos outros estados comatosos. O pulso e geralmente lento, mas com o ratado comatoso torna-se ao mesmo tempo cheio e duro. A respiíação l"az-se aecelerada, como não é ordinário observa-la na apoplexia ce- rebral sanguinca ou serosa, c alem disso torna-se esterlorosa; mas se- gimdo a observação de Addison, cm logar dos sons gntiuraes, proihi- zidos pela oscillação do véu ])alalino e próprios da apoplexia sanguinca, estes sons no coma uremico parecem só produzidos pela expiração, cujo impulso fere o paladar e os beiços. Srgundo modo da uremia aixuda. — Este estado uremico é cara- cterisado por movimentos convulsivos, que podem simular a edam- psia ou a epilepsia. Estas convulsões podem diminuir c cessar, para se reproduzirem depois; podem existir sem peida de sentidos, ou se- guir-se-lhes o coma e a morte. Mas se os doentes nestes casos podem suecumbir em dias ou em horas, é certo que esta forma da urcmia é um tanto menos grave do que a precedente, e que os doentes mais vezes saem delia do ([ue da anterior. Terceiro modo de uremia aguda. — Deve ser este modo de uremia o que reúne os symptomas convulsivos e comatosos, ou aquelle em que se succedem uns aos outros. A uremia aguda sobrevem na forma aguda do m. Br., e também ás vezes apparece no decurso da forma ciironica; sendo por cdi-ito d'estes estados uremicos que em certo numero de casos terminam os doentes. Urcmia de forma Unta. — Esta forma de uremia é só própria do m. Br. chronico. Começa a manifestar-se por uma certa priguiça nos Í08 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL movimentos; os doentes tornam-sc indiflcrcntcs a tudo, os olhos perdem a sua expressão natural, fhzem-se embaciados, a pbysionomia abatc-se, apparece um sentimento incommodo de cabeça, cephalalgia, e ten- dência para o somno. Este estado diminue, desaparece ás vezes por meio de fortes emissões de urina; outras vezes agg;rava-sc, e passa ao estado vertiginoso, de delírio convulsivo ou comatoso, e nelie sue- cumbem os doentes de ordinário. Os symptomas referidos não são os únicos dos estados uremicos, mas os que mais os caracterisam. Por pouco que se considere o modo da sua manifestarão é bem fácil ver quanto é preciso estar prevenido para não confundir estes estados, principalmente os da forma aguda, com outros estados mórbidos, que muito se lhes assemelham. Apo- plexia sanguinca cerebral, convulsões hystericas ou de outra natureza, envenenamentos narcóticos, typhos, podem facilmente ser diagnosti- cados, e o hSo de ter sido muitas vezes, em casos que só tem por ver- dadeira causa ou natureza a uremia ou o envenenamento urcmico. A pag. 91 8 92 da obra citada de Frerichs se podem ver observações bem authenticas, próprias ao auclor e de outros, cm que se prova como a uremia pôde simular algumas daquellas doenças. Estes en- ganos só podem ser evitados com o exame mui attento de cada syin- ptoma, da marcha da doença, das circunstancias todas, que a acom- panham c a precederam; e muito especialmente tendo sempre em conta o exame das urinas. Os symptomas, que tem sido também referidos ao envenenamento uremico, c que nos falta ainda considerar, são certas perturbações vi- suaes e da audição, a febre, certas alterações da secreção urinaria, cu- tânea e pulmonar, algumas perturbações funccionaes, gástricas e in- testinacs, ou mais especialmente o vomito e a diarrhea uremicos. Anianrose nrcmica. — Esta amaurose ataca de duas maneiras, lenta c gradualmente, ou de modo súbito. Os doentes cegam de repente; ou, ó que é mais vezes observado, a principio enfraqucce-se-lhes a vista, percebem os objectos encobertos por nevoeiros mais ou menos espessos, e por fim podem tornar-se também de todo amaurolicos. A amblyopia ou amaurose uremica pode no m. Br. apparccer desacompanhada de outro symptoma uremico; é o que succede mais vezes no decurso das formas chronicas. Outras vezes acompanha esses outros symptomas, por exemplo, a crphalalgia, o vomito, as convulsões, ou o coma ure- micos. Tem sido observado em indivíduos com o coma uremico o saírem d'este estado e ficarem depois cegos. Para julgar da frequência d'este symptoma no m. Br. pode no- DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. lOí) tar-se, que cm 37 dos casos de m. Br. da observação de Briglit e Barlow apiiarccciam com amaurose 4; cm 41 casos de Frcriclis ha G amau- rolicos; nas nossas 15 observações adiámos o syniploma amaurotico só duas vezes. Zonido de. ouvidos, surdez. — O apparclbo da audição apparcce quasi tantas vezes adcctado como o ocular. Os symplomas que o af- feclam podem ser o zonido de ouvidos, a fraqueza de ouvir, e a surdez completa. Estes symplomas podem também apparcccr isoladamente, de outros symptomas uremicos, ou moslrar-se com alguns d'eiles o que é mais comnium. A surdez depois do coma não tem sido observada, como dissemos que a amaurose pode ficar depois do mesmo estado comatoso. Febre. — Os estados uremicos desenvolvem ás vezes febre. Estas febres dão a doença um aspecto e apparato symptomatico, que a faz confundir com o typlio, e de modo tal, cpie observadores dos melhores, O mais espcciacs n'este objecto, como Cluislison, confessam, que se te- riam enganado sem o exame das urinas, que só os pôde esclarecer em casos d'estcs duvidosos. Diurese. — 'Os symplomas uremicos ás vezes começam com a diu- rese diminuida, parecendo mesmo ter cllcs por causa essa diniitmição. Se, porèni, esta menor diurese e ás vezes a causa da uremia, de certo o não e sempre; porque em muitos casos se observam esses sym- topmas uremicos de modo intenso e sem que a urina seja em pouca quantidade; pode mesmo ser então copiosa e em maior quantidade do que o natural, o que cm alguns d esses casos se torna um esforço cri- tico, próprio para remover os symptomas uremicos. Da allerarão da perspirarão eulaiiea c pulmonar. — A pcrspi- ração pulmonar, de acida (|ue é naluralmcnle, torna-sc alcalina du- rante os estados uremicos. É um facto que se dá como provado para quasi todos os casos. Para o reconhecer basta expor aos vapores d essa transpiração pulmonar o papel de reactivo próprio, ou uma vareta liumcdecida de acido hydrochiorico. Este ultimo meio de ensaio é o mais próprio, pela promptidão com que a vareta se envolve de es- pessos vapores de hydroclilorato de ammonia. Segundo Frcriclis, os animaes, aos (juacs se exliri)am os rins, ou cm cujas veias se injecta urea, mostram também depois, e quando aflectados do envenenamento uremico que costuma scguir-se, esta reacção alcalina na transpiração pulmonar. São menos conhecidas as alterações que poderá experimentar pela» mesmas causas a transpiração cutânea. Apenas se cita uma oLser>açà<> de Sebasliani, pela qual csle practico pôde notar certo cheiro desagra- 110 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL davel c animoniacal cm um individuo, no qual foi verificada depois a moléstia granulosa dos rins. Fomito uremico. — O vomito uremico é a principio de matérias acidas, de matérias biliosas, como cm outros casos, mas as que appa- recem pouco depois são alcalinas, ou sobrecarregadas de sacs auuno- niacacs, muito especialmente o de carbonato de ammonia. O cheiro, o papel de reactivo próprio, a cal triturada com a matéria do vomito c dtmdo logar ao dcscuvolvimcnlo de ammonia, denunciam facilmente aqucUa composição. O vomito uremico é caractcrisado ainda pelas cir- cunstancias cm que se desenvolvo, ou d sempre acompanhado de outros svnq)iomas cgualmcntc iiremicos. O carbonato de ammonia ])arcce ser ncsle caso o resultado da transformação da urea, ijue se altera daciuelle modo no estômago, ou mais provavelmente antes nos vasos sanguíneos; e dizemos mais pro- vavelmente nestes vasos, porque tanto na observação clinica, como jior elTcito de experiências nos auimacs, não tem sido possivel para o maior numero dos experimentadores achar nestes casos urea no estô- mago, apparecendo aliás sempre ahi e nas referidas circunstancias os ditos saes ammoniacacs. É importante a este respeito conhecer a ob- servação de Lehmann c Sinilh, os quaes verificaram a presença da urea no vomito de alguns cholericos, nos quaes essa urea foi sub- stituída depois pelo carbonato de ammonia, logo que a doença tomou o caracter de cholera-typhoide, a qual pode ser também considerada como uma espécie de envenenamento uremico, como adiante teremos occasião melhor de o avaliar. A expulsão pelo vomito da urea convertida em carbonato de am- monia pode ate certo ponto considcrar-se como um esforço salutar para retardar os últimos o peores cffeitos do envenenamento uremico. É o mesmo que dissemos succcder a respeito das hydropesias, e do modo por que estas tiram da circulação certa porção de urea alli ac- cumulada. Estes esforços porém devem ser bem pouco sufficientes, quando a urea se vai transformando toda na economia cm um veneno como o carbonato de anmionia; o que especialmenle parece succcder nos casos de vomito uremico, e se aceitarmos os foctos, como aqui os referimos. Dianhea. — Tem-se pensado, que a diarrhea que sobrevem no m. Br. pode ter também alguma vez, como o vomito, um caracter ure- mico. Para o provar seria preciso, que a diarrhea apparecesse espe- cialmente ligada áquellcs estados uremicos ou aos outros symptomas que verdadeiramente lhes pertencem e os caraclerisam; e também que DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. 1 1 f nos líquidos evacuados apparcccsscm a urca ou as altcrarõcs corres- pondentes ás do vomito urcniico: mas ncin uma nem outra coisa tem sido por ora suflicienlcmcnte demonstrada por observação. Convém com tudo lemhrar, ([ue nos animaes ncphrotomisados, c por conseguinte debaixo inteiramente da inHuencia uremica, alguma vez se tem ob- servado sobrevirem abundantes evacuações aquosas (jue tinbam a sua origem nos intestinos. Taes sào os dilVercntes symplomas, que se tem supposto consti- tuírem os estados uremicos no m. Br. Para determinar a natureza destes symptomas era importante interrogar o que pela autojise se encontra nos cadáveres dos indivíduos, (jue snccundjem nestes estados. De 20 casos da doença com symptomas comatosos ou convulsivos, nos diz Frerichs, a autopse mostrou em 8 o cérebro e os seus invó- lucros no estado normal; em 4 casos a injecçào vascular era menor (jue a natural, e cm 7 um pouco maior por baixo da arachnoidc ; 3 ■vezes o soro appareceu augmentado nos ventriculos; e só em trcs casos liouve uma verdadeira bypcrcmia de cérebro e meningcs, mas em todos estes três doentes existia ao mesmo tempo um verdadeiro estado ty- phoide. — Do mesmo modo, tanto no estômago como nos intestinos, não se encontraram para todos estes casos lesões que tivessem pro- porção com a intensidade dos symptomas uremicos, que cm vida se referiam áíiuellas vísceras. No sangue tem-se verificado nestes estados a presença de maior porção de urca, c alguma vez a do carbonato de ammonia. Pode aj)- parecer mais ou menos escuro, formando um coaibo Crme ou pouco consistente, com o cheiro natural, alguma vez fétido, urinoso, ou am- monlacal. Alem disso nada mais se tem descoberto no sangue que seja característico dos estados uremicos. Thcoria ácrrca da vrcniia ou do cnvcncnamrnlo uranico.-^—A. na- tureza e o modo de desenvolvimento dos synqjtomas que temos refe- rido, a falta, como vimos, de lesões nos órgãos, cajiazcs de explicar as perturbações funcclonacs, que se referem a esses órgãos, e que aqucllcs symptomas exprimem, tecm conduzido a supjiòr estes symptomas de- ■vidos antes a alterações do sangue das que pedem sobrevir na doença, C á intoxicação do organismo i\w naluialmente se Ibcs deve seguir. Em abono desta doutrina ba também o fado de se ter reconbccido no sangue a presença dos princípios excrementicios da urina, que alli se acciunulam, como vimos, pelos edeilos naturaes da doença. Nesses princípios excremenlitlos da urina, retidos no sangue cm maior copia, figura especialmente a urea; seria pois este o principio \encnoso, capaz 112 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL de originar os symptomas do envenenamento, que por isso recebeu o nome de envenenamento iiremico. Pequeno exame porem bastará para fazer ver, que a llicoria re- duzida unicameiUe a estas proporções nào pode dar conta dos plieno- menos, como elles se nos apresentam. Assim a observação mostra des- envolvercm-sc symploinas uremicos, e dos mais intensos, nas formas agudas da doença, quando o sangue mal pode ter accumulado algum ex- cesso de urea; ao mesmo tempo que nas formas cbronicas a urea se pode accumular muito mais n'aquelle liquido, e sem que pelo longo tempo da duração d'cstcs estados muitas vezes apparcçam os plicnomenos ure- micos. A isto acresce o resultado de experiências feitas nos animaes. Tendo-se eITectivamcntc injectado nas veias destes animaes dissoluções de urea ou de uratos alcalinos ou mesmo a urina filtrada, não se tem observado todavia seguir-sc a isto de proniplo o desenvolvimento de symptomas uremicos, como aqucUa doutrina faria suppôr. Por outro lado é verdade também o ser provado pela observação, que os animaes, aos quaes se extirpam os rins, e <[ue se collocam por conseguinte de- baixo da induencia da grande accumulaçào no sangue dos principies excrementicios da urina que os rins deviam segregar, morrem com symptomas de envenenamento — vómitos, convulsões, coma etc, in- teiramente similliantes aos que descrevemos como symptomas uremi- cos para o m. Br. D'estes dados da experiência parece dever rasoavelmente con- cluir-se, que os princij)ios excrementicios da urina, retidos no sangue, especialmente a urea, suo enectivamenlc o motivo do desenvolvimento dos symptomas uremicos; mas que para o fazerem é preciso ainda o ve- rificarem-se determinadas circunstancias, que é necessário reconhecer e avaliar. Essa apreciação de certo modo feita constituo a theoria es- pecial da uremia de Frericlis, ([ue passamos a expor. Frerichs admittc, que para se desenvolver o envenenamento ure- mico é preciso cm primeiro logar que a urea se accuiiuilc no sangue; e em segundo logar rpie essa urea accunuilada encontre no mesmo sangue alguma matéria capaz de fazer o eíleilo de fermento, e de a transformar por isso em carbonato de ammonia. Sem o concurso dos dois factores a urea pode permanecer no sangue por tempo indeter- minado sem occasionar o envenenamento. É sabido, que a urea facilmente se converte cm carbonato de am- monia. Representada pela fóruuila C'IN-H'»0'=2CO'-t-2NH'— 2110 não precisa senão unir-sc a duas proporções de vapor aquoso para se converter em carbonato de ammonia. Essa conversão e.\ige uma con- DAS SCIENQAS DE LISBOA, l .' CLASSE. 1 1 3 dirào alheia a sua própria existência e natureza, e essa condição deve ser mais naluralinenlc a presença de um fcrmenlo. Este fermento não çstá sempre presente, apparece e desenvolvc-se em circunstancias acci- dentacs e variáveis; por isso a urea no sangue pode .ser jiara a eco- nomia uma substancia quasi indillcrcnte, ou lornar-sc eminentemente venenosa. E por um modo similiiantc ou análogo, ([uc a amvgdalina, só, c tamijcni uma substancia innocenle; eque em presença da emul- sina, gerando acido prussico e olco de amêndoas amargas, se torna por isso eminentemente venenosa. E esta dillercnça de condições que faz também, que a urina, de- pois de evacuada, se conserve as mais das vezes muitas boras sem se tornar alcalina, em quanto (|ue noutras circunstancias ella ganha de prompto esta qualidade pela conversão da urea (jue contem cm carbo- nato de ammonia. Assim o observamos todos os dias nas diversas con- dições da economia, physiologicas e de doença, que se nos apresentam. Algumas vezes é mesmo possível indicar nestes casos qual é a matéria que serve de fermento; assim vemos, que as urinas purulentas, só por isso, teem toda a tendência para se tornarem alcalinas, ou para fazer que a urea cpie conleem se converta cm carbonato de ammonia. Pelas doutrinas que expomos pode conceber-se, porque tão facil- mente se desenvolvem os symptomas uremicos no m. Br. que sobre- vem depois da escarlatina, dcjiois do typho, ou depois do cholcia- morbus; porcpic a[)parcccm tão facilmente nas piierperas albuminu- ricas os symjitomas comatosos e convulsivos, cfleito, ao que parece também, de um envenenamento uremico. Pela natureza destes estados vc-se quanto é fácil a urea encontrar no sangue matérias, que sirvam de fermento para a converter cm carbonato de ammonia. Pela mesma doutrina se explica egualnicnte, porcpie na forma chronica do m. Br. só accidentalmcntc apparecem os S3'mptomas uremicos; quando, por exemplo, sobrevem estados febris c inllammatorios, ou outras causas que desse modo accidcntal possam alterar e impurificar o sangue, se- guindo-se o origiiiarem-sc matérias capazes de operar como fermento jiara a urea: o explica-se porque fora destas circunstancias estes doentes permanecem, e no maior numero de casos é o que se observa, sem se lhe desenvolverem os sj'mptomas uremicos. O modo da digestão alimentar, a qualidade do alimento, assim como o uso de certos medicamentos pode talvez ser também causa cm certos casos de se produzirem similliantes fermentos. Frcrichs refere ainda em abono da sua theoria duas series de ex- periências, feitas em animacs por cUe e por outros. Pela 1.* ordem 1.* CLASSE — T. 1. p. u. 15 114 MEMOFxIAS DA ACADEMIA REAL d"cslas cxpcricncias pretende ter provado, qne a intoxicaçSo iiremira nos animacs nephrolomisados só começa, quando apparecem alcalinas as secreções do estômago, da pclle, e do pulmão, isto é quando d'este modo fica também provado, que a urea se converteu em carbonato de ammonia. Por outra serie de experiências fez injectar nas veias dos aniniaes a solução de carbonato de ammonia, e observou dcsenvolvc- rem-se sempre e de prompto symptomas de envenenamento inteira- mente similhantcs aos uremicos. Parece pois resultar de toda esta engenhosa doutrina, e dos fa- ctos em que ella se funda: 1." Que os symptomas descriptos neste capitulo são de facto o resultado de um envenenamento. 2.° Que a substancia que produz este envenenamento é o car- bonato de ammonia. 3.° Que este carbonato de ammonia tem a sua origem na trans- formação da urea superabundante no sangue< transformação que se opera por iniluencia do uma outra matéria, que faz de fermento, e que pode ser gerada accidentalmentc, e em circunstancias diversas, no seio da CAPITULO KIV. DAS COHPI^IC AC4>C^ m XIOIíE:«íTIA DR BRIGHT. i: E!U ESPECIAIi DAS nuE a>ÂO co^STiTcinvíií i>or,oi:tkas DOE:l^çAil DO APPAREI^UO URIIVARIO. o estudo das complicações do m. Br. é extenso e importante; basta para convenccr-nos ver a larga parte que lhe consagrou na sua obra o professor Rayer, o qual muito fez para esclarecer esta parte da his- toria da doença. Estas complicações umas vezes são doenças, que precederam o m^ Br., ou que se desenvolveram durante elle, modifirando-se depois uns e outros destes estados mórbidos reciprocamente na sua expressão sym- ptomatica; outras vezes são doenças que se desenvolvem na mesma occasião em que apparece a doença principal, tendo esta doença e essas romplicações em commum a mesma causa productnra; podem alem disso as doenças, cpie apparecem complicando a moléstia de Brigbt, ter sido a causa, que a produziu, ou também serem um eíleito d'esta mo- DAS SCIE^CIAS DE LISBOA. 1 .' CL.VSSE. 1 1 5 lestia. Sem o estudo desta reciproca influencia niio e possivcl avaliar devidamente os phenomenos mórbidos da doença assim complicada em muitos dos casos ([uc se oflereccm á observação. E' isto o mesmo, (|ue estudar as relações ipic o m. Br. pode ter com outras doenças do ap- parellio urinário, por exemplo, do apparcllio circulatório, pulmonar, g;astrico, nervoso ctc, ou com certas doenças geraes, como a escarla- tina e outros cxanthcmas, o typlio, o cliolcra-morbus, o estado pucr- peral e outros, com os quacs eslados mórbidos se tem cncciivanicntc observado o m. Br. desenvolvido de qualquer dos modos que ficam indicados. Sendo muito commum na ncplirile simples existir ao mesmo tempo alguma lesão, iudammatoria ou outra, dos cálices e Lassinctes dos ureteres, da bexiga, da próstata, ou da uretra; c cgualmentc com- mum ser a nepluile o resullado de uma propagação d'a(iucllas doenças: a moléstia de Biiglit ao contrario e muito menos vezes complicada d'eslc modo, c nenhuma observação autorisa para crer, (|ue cila fosse alguma vez produzida, como a neplirite simples, pelas oulias doenças das vias urinarias. E" mesmo esta uma das distincçõcs bastante caia- cterislicas, ag. 2.J, cxp. 4." e 5.') cfltíctivamente a liy[)ercmia dos rins, e a albumina na urina não appareceram, o que c inteiramente conforme ao^ que outros tem observado em eguacs circunstancias. Por esta razão deve succeder também, arccer em segundo logar, ou coiicoriam ou nào para a sua pro- ducçào as lesões de rins. Ou sejam jioròm seeimdarias ou ])rimarias estas lesões de circulação, a intlucncia (jue exercem no iii. Br. e bastante notável. Apressam por exemplo muito o desenvolvimento das liydro- pcsias; ajuntam as causas de anemia (pie lhes são jirojirias <1s cpie per- tencem á moléstia de Biig-Jit, e apressam por conseguinte o desenvol- vimento do estado cachei ico dos doenles. Ha, a propósito do estudo destas complicações, iim ponto ainda imporlaiite a considerar, c vem a ser o relativo á inlkicncia que as lesões cardíacas exercem para lazer apparcccr albumina nas urinas. Este apparccimeiito da albumina não se vcriíica só porque as lesões cardíacas ou outras do syslema circulatório podem produzir as alte- rações dos rins próprias do m. Br.; esse appareeimciito pode dar-se, e desde muito se tem observado, sem que as alterações rcnacs existam, pode ser produzido só por edeito da lesão do systcma circulatório. Além disto nào são só estes os casos, cm que pode apparccer albumina nas urinas sem haver m. Br. Trouxe isto alguns embaraços, e duvidas mesmo para o diagnostico desta doença, os quaes até á pouco tempo não foram de todo desvanecidos. Hoje porém essas duvidas existem muito menos depois do conhecimento mais adiantado que temos a res- peito da natureza c dos efleilos destes estados mórbidos. Estes conhecimentos mais adiantados ensinam, (jue os embaraços de circulação nos lins, segundo o seu menor ou maior gráo, e segundo outras circunstancias espcciacs d estes órgãos, influem paia que o sangue solte dos vasos capiliarcs para os canaes nriniícros, além de agua e saes, só albumina, ou albumina e fibrina, ou albumina, fibrlna c glóbulos de sangue. No l."caso teremos a simples liy|)ercniia mechanica do rim com albuminúria, no 2." caso a cxsudação albumino-fibrinosa, que por pouco que dure deve produzir as alterações rcnacs próprias do in. Br., e no 3." caso teremos a iicmalnria. E" assim que as lesões de circu- lação podem, segundo as clrcunslaneius por que operam nos liiis, pro- duzir qualcjuer daquelles Ires estados. O diagnostico de cada um não tem hoje também mais diíficuklade; porque além do partido que para isso se pode tirar do exame dos symptomas e da inaicba, próprios a cada um daquelles trcs estados, temos o da urina, que só por si basta para bem esclarecer o objecto. Na simples albuminúria o exame da urina não deixa perceber cylindros alguns de fibrina; se esta apparece o w. Br. existe ou prepara-se; se além da albimiina e fibrina appa- DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. MD rcrem glóbulos saiij^uincos na urina, a heiuuluria uõu pode ser du- vidosa. CAPITULO XVL D/%* COUPIilCAÇÕE» PROniZIDAN PRI^tK DOEIVÇAS DOM OnC.iON UtAl*IK.lTUIIION. A doença do apparelho pulmonar, que mais vezes complica o m» Br. é a bronchite. Raycr observou-a em \ dos casos da forma chro- oica da doença. A bronchite nestes casos raras vezes toma a forma aguda, acom- panba na forma chronica a da doença renal. Tem de especial, segundo Rayer, quando aguda, a facilidade com <|ue passa ao estado de pneu- monia lobular; e quando chronica, a difficuldade muito maior, do que em outras circunstancias, de ceder ás medicações, acompanhando quasi sempre, como o faz, a doença renal ate ao sou fim. A bronchite chro- nica toma nuiitas vezes a f(3rma de bronchorrhca, e a quantidade de muco accumulado nos bronchios é ás vezes tanto, que tem sido causa dos doentes morrerem por isso suflbcados. A bronchite e assim uma doença consecutiva ao m. Br., c rpie o vem complicar; parece que o estado da economia crcado por esta ul- tima doença gera também a disposição, que faz desenvolver a primeira. Frerichs julga ser a alteração do sangue pioiluzida pela albuminúria, o que nos pcriodos adiantados do m. Br. dispõe para a formação destas bronchitcs. A bronchite chronica pode também dispor para a formação do m. Br. Succcde isto, por exemplo, <|iiando a bronchite chronica produz a bronchieetase ou a atropina das ccllulas pulmonares, e o en)phyzema, que costuma sobrevir consecutivamente nas ccllulas pulmonares vi- sinhas. O obstáculo á circulação deste modo estabelecido nos vasos ca- pillarcs dos pulmões, e pode ser também a alteração que para o sangue deve vir do estado inqiormiavel das vesiculas pulmonares, parecem com eflcito dever ser causas bastantes para produzir depois a alteração dos rins própria do m. Br. A pneumonia, como doença secundaria no m. Br., não e tão rara, que Rayer a não visse cm -i- dos casos da sua observação; na cstalis- tica de Frerichs figura por jV^ ou pouco menos de •^. Tem de espe^ 120 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL ciai esta complicarão as circunslancias particulares, cm que se desen- volve, e que influem para que não possa a pneumonia tratar-se e rc- solver-se, como é possivcl cm ciicunstancias menos desfavoráveis. Alem disso o cslado geral ilos doentes, e a existência de oulras doenças com- plicantes, encobrem ás vezes tanto os syniptomas c os signaes da pul- monia, luio chega a ser difficil o rcconhcce-la, ou faz (|ue passe mesmo deseonliccida durante a vida. A plcurcsia só por si, como doença secundaria, apparcce poucas vezes durante o m. Br. As mais vezes, ([uaiido se mosli^a nestes casos, e porque existe ao mesmo tempo a pneumonia, ou por que ha depó- sitos tuberculosos no pulmão, que também promovem o seu appaie- cimento. O edema dos pulmões é complicação muito frequente. Tanto Bright. como Rayer, a observaram no terço dos casos. Encontram-sc também cngorgitamentos iiulmonarcs, consc([uencia de bronchites capillares, formados especialmente na parte posterior dos pulmões; e alguma vez se observou a gangrena do pulmão, desen- volvida accidcnlalmcnle durante o m. Br. Nem todos os observadores teem formado a mesma idéa a res- peito da relação entre o m. Br. e a tísica pulmonar. Bright não achou ligação entre as duas doenças; avançou mesmo, ([uc a condição da eco- nomia produzida pelo m. Br. era desfavorável ao desenvolvimento da tisica, c que inversamente a condição da economia crcada pela tisiea pulmonar também desfavorecia o desenvolvimento do m. Br.; eram pois, segundo a opinião do celebre medico de Londres, quasi duas doenças incompatíveis. A continuação da observação porem não tem confirmado estas proposições. Christíson e Martin Sólon acharam mais vezes que Brighl, coincidindo no mesmo individuo, e complicando-se, a tísica pulmonar e a aflecção dos rins; Ravcr por mais ampla observação pôde mesmo mostrar o erro das referidas proposições de Bright. Segundo Rayer o m. Br. pode appareecr em todos os períodos e formas da tísica pulmonar, a qual se aggrava sempre nuiito com aquella complicação, c pode por cíleito d'ella modi(lcar-se na sua marcha e nos seus symptomas. Uma d'estas modificações é a do desapareci- mento dos suores da tisica, para o qual influe a hydropcsia do m. Br. A diarrhea da tísica, se existe, aggrava-sc tambcni com o desenvolvi- mento da doença renal; ou por elleilo desta apparcce mais cedo na tisica do que apparcccria sem essa complicação. Ainda que seja mais ordinário ajjparccer o m. Br. no decurso da tísica pulmonar, do que a tisica no decurso da outra doença, coui DAS SCIENCIAS DE LISBOA. I." CLASSE. 121 tudo algumas vezes se tem visto siiccctlerem os casos d'esle ultimo inodo; o laml)Cin succedc durante a vida apparetcrem só os .sym- ptomas do in. Br., c pela aulopsc depois ohscivarcni-sc uos puluiões tubérculos crus, que não chegaram durante a vida a dar os s) uiptomas da tisica. Nas 292 observações dos aiictores, a que Frerichs se refere sempre na sua cslatislica, contain-sc 37 casos d'csla complicação. Elle jicnsa, que o m. Br. vem no decurso da tisica, como no de outras doenças, que abatem e deterioram a constituição; c porque o facto só desta deterioração basta para dispor ao desenvolvimento da doença renal. CAPiTrLO xvn. COUPIilC.tÇÕES FORMADAS POR D0E:NCA« DOS ORCi.lOH DICiEííTIAOK. DO FIUADO E DO DAÇO. Dos symptomas gástricos e inlestinaes, que apparecem durante a doença renal, c que pertencem ao quadro symptomatico d'csla doença ou ao das doenças do canal digestivo (pie a podem complicar, ja se disse o sufYiciente a pag. 105. Falla-nos dizer alguma cousa das complica- ções pot doenças de fígado ou de baço. Rright em 100 casos adiou GO complicados de afTecçõcs hepá- ticas, Gregory 17 em 41, I\ajcr 1 em 3. e Frerichs cm 292 conta 46, dos quaas 26 são de cirrhose de fígado, 19 de degeneração gor- durosa, 1 de carcinoma. A aflecção hepática pode preceder o m. Br., ou scr-lhe secun- daria, algumas vezes as causas que determinam mna das doenças são também as que produzem a outia. Nesta complicação a ascite appa- rcce mais facilmente, jiroduzida como deve ser ao mesmo tempo pelo embaraço de circulação iicpalica e jiclas circunstancias que no m. Br. dispõe para as hydiopcsias. iNcsta complicação também, como era de es- perar, os symptomas gastro-inlcslinaes são mais fáceis de appareccr do que noutras circunstancias. Finalmente é para notar, que o estado das urinas que nas doenças de fígado c na dos rins oITciecc um ccilo con- traste, sendo ordinariamente vermelhas e muito sedimenlosas cm um caso, e no outro ou claras c ténues ou escuras mas pouco scdimen- tosas; no caso da complicação feita pela união das duas doenças o dito 1." CL.\SSE. T. 1. p. u. 16 122 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL cslado cias urinas toma mais os caracteres das urinas do m. Br., do que os das doenças de fígado. As relações com o m. Br. das doenças de baço tem sido menos apreciadas, Frcrichs nos 292 casos jwdc contar 30 em que se deu esta complicação, que pouca influencia cui geral pode exercer na marciía da doença renal. A i)erilonilc, como as outras indaiumações das membranas se- rosas pode apparecer no decurso do m. Br., mas nflo c dessas inflam- inaçries a n)ais commum, antes Rayer a considera rara; com tudo foi contada 33 vezes em 297 casos esta complicação. Como todas as outras inflammaçõcs tias serosas, é mais para o fim da doença renal que costuma a])pareccr a pcrilonile. A paraccnlbese desenvolve muito facilmente esta inflanunaçào do pcritoneo, como vimos que succcdcu cuí mais de uma das nossas observações; c por isso é com muita re- serva que deve ser aconselhada na ascite com m. Br. CAPITULO XVIII. (.iA]%bRii::\A I-: oi;tr an affec^Or^ re pei^le. i; reh A«SIH por AIiUL'Ut para 1 . As crianças escrophulosas, ou de outro modo deterioradas de con- stituição, parecem mais expostas a tornar-se hydropicas quando ata- cadas de escarlatina, do c[uc os individues em outras circunstancias. Parece mesmo, que certa alteração constitucional, e talvez em espe- cial a do sangue, produzidas pela escarlatina, ou pela causa que a de- termina, serào o motivo, que mais directamente inlluc para se ori- ginar o m. Br. nestes estados. O processo exsudalivo, que cntào se forma nos rins, é similhanle ou análogo aos que a mesma escarlatina tende a formar nas fauces, e em outros pontos das membranas mu- cosas, das membranas serosas, e nos parcnchymas. A albuminúria, e a anasarca consecutiva, podem apparecer em todos os períodos da escarlatina; (piando porem o fazem mais vezes c de modo mais grave é no periodo dcscamativo, pelos fins do 3." septenario. De ordinário depois de iim sentimento de maior fraqueza, falta de ape- tite e vómitos, ou mesmo sem estes primeiros prodromos, a face Incha, c suceessivamente as outras partes do corpo. A urina diminue, pode mesmo suprimir-se; e vermelha, ou como agoa de carne, ou escure- cida, ou desmaiada, c contem muita .albumina e fibrina. A doença toma assim a forma aguda do m. Br. com todos os symptomas próprios, com as suas complicações habiluaes, especialmente as inflammaçõos das membranas serosas e as dos parcnchymas. DAS SCIENaAS DE LISBOA. I.' CLASSE. 127 A inloxicaçào urcmica c mui fácil de se jiroduzir nestes casos; é por cila que os doctílcs inuilas vezes tern)itiuin. A ccpliaíalgia, a amaurosc, que ás vezes piimeiro se mostram nestes estados uremicos, o vomito c a dianliea, e por fiin as convulsões o o coma que de ordi- nário põe termo aos dias dos doentes, são nestes casos de ordinário attribuidos ao caracter maligno da escarlatina, á repercussão do exan- tliema, ao modo imperfeito do seu desenvolvimento, a congestões san- guíneas ou serosas, a estados inflanimatorios do cérebro; a sua verda- deira causa, porém, depende nestes casos muitas vezes do desenvolvi- mento que toma o m. Br., c do estado uremico, que clle costuma pro- duzir. Este estado uremico é então tanto roais fácil de produzir-sc, (|uanto, segundo a thcoria que exposemos do envenenamento uiemico, a urea encontra também com mais facilidade em tacs circmistancías matérias, que scrvindo-llie de fei mento a convertem cm carbonata de ammonia. Quando o m. Br. nas escarlatinas toma a forma chronica, ou é jior degeneração da forma aguda, ou [lorfpie assim começou. A sua marcha c num e n'outro caso a que foi descripta. A forma aguda do m. Br. sem desenvolvimento de livdropesia é complicação mais rara, de mais difíicil diagnostico, mas muito jiara altendcr, por que expõe mais do ipie o m. Br. agudo com bvdropcsia ao desenvolvimento dos symplomas uremicos, e aos perigos que cllcs jiroduzem; por isso estes casos são mais vezes falaes. As escarlatinas iissini complicadas e (|uo se deu também, e mais especialmente, o nome de escarlatinas malignas, cujos symptonias se attiibuiam a cnccplialiles, a meningites, a determinadas alterações do sangue, mas ruja veida- deira causa parece ser a que produz o envenenamento uremico, como foi descripto. li certo, que nestes casos a urina e senqire albumino-fi- Lrinosa; Tope provou, (|ue o sangue tem nelles urea superabundante, e que o estado hyperemico dos rins, próprio do ni. Br., demonstra-sc sempre pelo exame cadavérico. Coino dissemos, na escarlatina podem appareecr h\dropesias sem albuminúria. São quasi sempre o resultado de lesfi ia mentos. O me- cbanisino d"eslas liydrojiesias dcduz-se facilmente do q'ie dissemos a pag. 10 i, (|ue o frio podia fazer ao niesnio tempo nos lins e no tecido cellular, isto c a paralyse dos nervos vaso-motores dos lins e do te- cido ccllular, e consecutivamente o embaraço de circulação c a liype- remia desses vasos, em resultado da qual se pode formar ao mesmo tempo a cxsudação de urina albumino-rd)rinosa nos rins, e a cxlia- laçào sero-albuminosa no tecido ccllular subcutâneo. Esta acção simul- 128 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL tanea nos rins o no tecido ccllular dá o m. Br. agudo em sen prin- cipio: mas se succede que o frio não exerça esta dupla acçào, c só leve a sua inllucncia ao tecido ccllular, teremos anasarca sem albuminúria, ou sem ni. Br.; mas aiiula com o caracter agudo que e pro[)iio desta idtinia doença, quando produzida por um resfiiamenlo subilo. O m. Br. que .sobrevem nas escarlatinas, (|uando na forma aguda, aliás a mais conunnm nestes casos, muitas vezes se cura. O seu risco maior nestes do (pie n'outios estados, cm que também sobrevem esta forma aguda, está só na maior facilidade de se desenvolverem os syni- jjtomas nervosos, que temos descripto com o nome de uremicos. Posto que seja mais raro, com o sarampo c com as bexigas tem sido também observado o desenvolvimento do m. Br., que pode ser acompanhado e seguido dos mesmos accidentes e dos mesmos perigos que na escarlatina. São tào raros estes casos de complicação a respeito do sarampo c bexigas, que Rajer cita apenas uma observação sua de neplirile albuminosa, que sobreveio na convalescença de um caso de bexigas; e alem desta outra observação de Cbristison, na qual appa- receu a liydropcsia e a urina albuminosa depois de um sarampo. Ja ti- vemos também occasião de observar um caso de sarampo com hydro- pesia e albuminúria, no q\ial o doente morreu em convulsões. Era uma criança de seis annos, a quem o sarampo apparecera bem e re- gularmente, e que, antc4 de se mostrar a erupção, começou a ter como caimliras nas mãos e nos pes. Durante o desenvolvimento da erupção as caimbras amiudaram c foram degenerando em convulsões geraes; o doente succumbiu depois de se tornar primeiro amaurotico e cm se- guida comatoso. A primeira vez que vimos este doente, que foi 48 horas antes da morte, suspeitamos logo a existência da albuminúria e do envenenamento uremico: de faclo verificámos, que a urina deposi- tava abundantemente albumina pelo acido nilrico, e a marcha dos sym- ptomas nervosos, que fizeram succumbir o doente, bastante se assimi- Ihavam á dos envenenamentos uremicos próprios do m. Br. Havia neste doente, que lhe ojjscrváinos, alguma edemacia nas costas das mãos, o que também contribuiu para confirmar o diagnostico, que fizemos, de uma ncphritc albuminosa com envenenamento uremico, que veio com- plicar o sarampo; sarampo que aliás corria benigno e regular cm uma criança nuiilo bem constituida. Este doente foi observado por mim c pelo Sr. M. J. Fernandes Branco,- que egualmente o tratou, no mez de Fevereiro de 1854. Raycr cita casos tambcm de m. Br. desenvol- vidos durante o eczema impetiginoso c o psoriaris ou depois dcUcs. A hypercmia dos rins, na forma de verdadeira nephrite, é muito o DAS SCIEXCIAS DE LISBOA. I.* CLASSE. 129 mais commum nos typlios, do que geralmente se pensa; entre estas hypercmias fig;urain tamhetu as liypeicinias tio m. Br., que trazem albumina o filjiiiia ns minas, c tiue podem dar aos typhos um cara- cter de maior gravidade. Envenenamentos urcmicos se originam d'esle modo, cujos svmptomas nervosos, convulsivos ou comatosos, fazem tomar ao Iviilio um caracter de maior agudeza c malignidade; j)adcm pro- duzir mesmo a moite súbita dos doentes. Clirislison cila factos d'csta ordem, que clle só veio a explicar fazcndo-os derivar da lesão renal e do envenenamento uremico consecutivo; lesão renal, que o exame das urinas atleslava sempre nesses casos. Andral em 4 I casos de t^ plio adiou 1 com urinas albuminosas, Bec- qucrel 8 em 38. Em todos os pcriodos do typho se pode originar o m. Br., o (|ual tem ainda de particular nestes casos, que poucas vezes gera hvdropesia. I\ào deve admirar, (|uc passem desapercebidos os casos desta complicação, (juando se não examinem as urinas; porque d fácil lançar á conta do tviibo os symplomas nervosos, que tecm a outra origem. Entre diflercntes causas, que podem depois das febres intermit- tentcs, ou mesmo durante cilas, produzir hydropesias, deve entrar em conta a existência do m. Br., cuja alteração renal se desenvolve bas- tantes vezes nas constituições deterioradas pela repetição das febres in- termil tentes. É um estudo ([ue nos pertence a nós outros médicos dos climas meridionaes, o determinar a relação entre estas febres e o m. Br.; estudo, porém, que existe por fazer, e que para ser bem feito exige colligir observações em grande escala. Dos nossos 1 1 casos de m. Br. chronico vimos ja o terem figurado na historia de 5 as febres inter- mittcntes; para determinar jiorêm toda a inllucncia, que essas febres poderão exciccr na producçào do ni. Br., é que não temos por ora os dados sufficienles. Outra relação importante e n que existe entre o m. Br. e o cho- lera-morbus. Desde uuiilo se havia notado, (\uc a urina dos cholcricos ás vezes tinha albumina; aquella relação, porem, só começou a ser es- tudada e jjerccbida por occasião das epidemias de cholcra de 1848, 184 9 c 18.")0. Então se achou, que as urinas dos cholcricos cm certo numero de casos não só continham albumina, mas também cyliudros de librina, como no m. Br.; o que conduziu a reconhecer-se a compli- cação formada por esta doença, e desenvolvida durante o progresso do cholera. A respeito da frequência d'csta complicação não ha por ora bas- tantes dados para a julgar. Alguns observadores acharam albumina em metade dos casos de cholcra is todas as condições do envenenamento uremico, como o que temos visto produzir-se noutras circtmstancias. Se a complicação nepbritica dá ao cholera, no seu periodo de reacção, a forma de cholera-typboide, outra coisa importa saber, e c, se o complexo de symptomas que dão esta forma tem só por motivo aquella causa, ou se pode desenvolver-se n"outras circunstancias, como parece sueceder. A par dos factos, em que com os symptomas da forma cholera-ty])hoide appareccm todos os indicios dos efleitos da exsudação albumino-fibrinosa dos rins, ha outros cm que esses indicios faltam; mas em seu logar apparccem também os de processos exsudativos se- cundários nas visceras abdominaes, pulmonares, c com especialidade nos órgãos sexuaes femininos; são como inflammações diphtericas, que acom- panham o cholera sem nephrite albuminosa, e que também algumasi vezes complicam esta no cliolera-typhoidc. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. ÍZi Tal é a Lrilliantc doutrina exposta por Frcrichs a respeito do cholera-typhoide; doutrina Lascada em factos, e que só pode ser con- trovertida por novas observações, cujo exame a não confirme. CAPITULO XX. Dl HOIiEKTIA DK BRICHT INA «iRtVIDKZ, F. COMO C/llN.C DA ecllIui'mi.1 dam PARTLRIOTE». É nos ultimes quatro mezes da gravidez, que ás vezes se desen- volve a albuminúria, a qual pode ser acompanhada de outros sym- ptomas próprios do m. Br., especialmente a ana.sarca. N-a maioria dos casos esta albuminúria dcsai)arcce (piasi immcdiatamentc depois d» parto, e com cila se desvanecem também os outros sym])tomas ([ue se manifestaram de m. Br.; tfio benigno este é, e essencialmente ligada Bestes casos ao estado de gravidez ou d'el!e só dependente. Sem o exame das urinas é mnilo ííicil escapar esta complicaçà» á observação, porque pode e.\istir sem outro signal exterior, mesmo sem o da anasarca; e quando esla exista e muito possível confundi-la com a que mais conunummenle e de outro modo produz a gravidez. No exame d'estes dois modos de se desenvolver a anasarca não deve deixar de lembrar, (jiic as iniiltraçòes oídinaiius da gravidez começam nas extremidades inferiores, em quanto que é na face e nos extiemos superiores que mais de ordinário principiam a manifestar-se os edemas do m. Br. É muito digno de reparo o ser ja antiga a observação d"esles dois modos de começar nas gravidas a anasarca; c o risco de accidentes mórbidos suj)ervenientcs, especialmente conviUsivos, que esses observa- dores antigos ja leconbeccram que se ligavam ao segundo destes dois modos de desenvolvimento da anasarca; observação aliás nmito verda- deira, de ((uc cllcs não podiam dar a razão suflicientc, como n(is hoje o podemos fazer. O m. Br. nas gravidas também apparece, posto que muito mais raras vezes, antes dos últimos quatro mczcs da gravidez, e mesmo pode ter começado antes desta. Kntão a complicação torna-se mais grave, bastando para isso o ter tido mais tempo para estender os seus estragos. A mesma complicação pode também permanecer depois do parlo, e seguir o andamento da liirma cbronica da moléstia renal. Esta relação entre o estado de gravidez e a doença renal foi des-» 134 JIEMORIAS DA ACADEMIA REAL conhecida jielos observadores inglezes, que a principio descreveram esta doença. Rajer foi o primeiro a noia-ia para a ncplirilc albnminosa, assim como o fez a respeito da nepiírile simples. Uma nionograpliia de Lever sobre as convulsões das pejadas veio depois revelar outro facto mórbido muito importante, a saber, que a cclampsia é quasi sempre acompaubada de urinas albuminosas: diz cllc, que acbou esta coinci- dência nos j- dos casos; e ipic n"aquclles, cm (|uc essa coincidência falta, appareccm no cérebro os vestígios inilammalorios para explicar as convulsões d"este outro modo produzidas. Adiada a relação em que a cclampsia se acha a respeito da al- buminúria, na maioria dos casos pelo menos, restava conhecer a de- pendência em que existiam ambas, e cm que consistia essa dependência. É o que Lever, porem, não chegou a poder determinar. As observações de Lever foram confirmadas por Paul Diibois , A'elpeau, Devilliers e Regnault. alem de outros-. Frerichs além da albumina achou na urina para estes casos os cylindros de fibrina. A urea cm excesso foi também reconhecida no sangue. E assim as condições para o envenenamento uremico se foram reunindo todas para explicar os phcnomenos da cclampsia, ou para os fazer entrar no quadro dos estados uremicos, como é hoje a opinião dos que partilham a doutrina do envenenamento uremico. A cclampsia, ou as convulsões das gravidas, pode apparecer su- bitamente; outras vezes são precedidas de cephalalgia e vómitos. Co- meçam as convulsões na face, passam aos extremos e demais partes, chegando a comprometler os músculos respiradores, que então fazem a respiração descgual, interrompida, c por fim imiwssivcl, seguindo-se a morte por asphyxia. Sae ás vezes escuma pela boca, ha perda de sen- tidos, o pulso torna-se cheio e frequente, ou pequeno e duro. Vencido o ataque as doentes ficam com a cabeça dorida, a vista turva, e zonido nos ouvidos. Os atatjues repelem, e as doentes acabam de ordinário no estado comatoso. A cclampsia api)arcce de ordinário na occasião do parto, isto é, quando mais se podem accumular no sangue os variados productos da metamorphose dos materiaes da nutrição e dos tecidos da gravida e do feio; productos alguma vez capazes de fazer fermentar a urea, ede converte-la em carbonato de ammonia, origem do envenenamento ure- mico. E' certo porem, que ás vezes a cclampsia ataca também as gra- vidas scnrjnas mesmo antes do parlo, o que [)rovaria na doutrina ure- mica, que ja então, e accidentalmeulc, se podem formar aquciles prin- cipies fermentanlcs. DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.* CLASSE. 135 Segundo Frcriclis as porilonilos piicrpcracs, as cndo-mctrites, as metro-pciilonitcs, que sobrevem facilmente ncslcs estados, e que se fazem nolar pelo caracter especial de g;^a^ idade, que tomam sempre, são indammaçõcs proniovidas, senão sempie, ao menos bastantes vezes, pelo m. Br., que existe com[)licando a gravidez, c que nestes casos, como em outros, dispõe para aquelles estados inílammatorios. A morte do feto, e o aboilo promovido facilmente, como o cos- tuma ser, pela eelami)sia, são mna C()nse(|ucncia, ainda nesta theoria, do envenenamento uremico do sangue da màe. Dá-se como causa desta com|ilicação a má e insufílciente ali- mentação, o \cstuario insufficiente e outras causas de resfriamento. Estas causas são elli-ctivamcnte próprias juira produzir, como sabemos, a hyperemia dos rins do m. Br., o (jual pode por isso desenvolver-se, assim como todas as suas consequências, nas mulliercs gravidas; como porem ás vezes faltam estas causas, e não obstante a complicação renal apparecc, é forçoso admittir, que devem existir outras causas, que ex- pliquem então o desenvolvimento nas gravidas do m. Br. Uma d'estas causas pode ser a alteração do sangue naquellcs estados, e a outra a compressão, que o útero gravido exerce nas demais visccras do ventre, e a que deve dalii resultar para as veias dos rins. Uma alteração própria do sangue das gravidas consiste, por ex- emplo, na diminuição da albumina c do numero dos glóbulos rubros; no augmento de quantidade dos glóbulos brancos, no da parte aquosa e da librina do sangue. Este estado, (]ue depende da influencia, que sobre .similhante liquido deve exercer a nutrição do feto, tem analogia com o estado do sangue nas pessoas deterioradas por difTerentes causas, e que dispõe, como dissemos, para o desenvolvimento do m. Br.; não admira pois, que nas gravidas aquellc estado do sangue favoreça a mesma tendência. E' certo porem, que esta causa não basta, por(|ue muitas Tczcs existe sem que o resultado d'essa tendência se verifique. Outra causa e mais poderosa é sem duvida a da compressão das Teias renaes. Tão positivamente actua simillumte causa, que basta quasi sempre que cesse esta compressão em consequência do aborto ou do parto natural, para que cesse também cm pouco tempo a albuminúria c todos os demais cíleitos da Iijpercmia rcoal, que sobrevem no es- tado de gravidez. 136 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL CAPITULO XXI. Dl ETIOLOOIl E :\ IVLREZA D.l DOEXÇ.4. No mechanisnio de acção das catisas, que podem influir para pro- duzir as alterações dos rins, que consliluem o m. Br., o phenomeno, que começa a ser commum para todas, é a cxsudação plástica ou al- bumino-fibrinosa, que do sangue se separa nos canacs uriniferos. A ma- neira porem de concorrer para a prodiicçào dcslc phenomeno não deve considcrar-se a mesma para cada mna daqucllas causas. E" o que mellior avaliaremos pela enumeração d'eslas causas, e o que por se não ter sempre attendido devidamente pòde^ conduzir a noções mais imperfeitas sobre a natureza da doença. Frio e huntidadc. — Dc todas as causas, que a observação tem mos- trado capazes de produzir o m. Br., a humidade e o frio são as que mais vezes apparecem, segundo o testemunho de todos os observadores. jVas nossas observações as vimos lambem figurar quasi sempre. Nas formas agudas da doença, especialmente a que sobrevem depois da es- carlatina, são estas causas quasi as únicas que a costumam determinar, o os primeiros symplomas, as edemacias parciaes, a albuminúria c as dores renacs, seguem de prompto e dc modo immcdiato a acção do frio exercida sobre a pelle. Nas formas clironicas ainda as mesmas causas são as que muitas vezes se mostram; mas nestes casos a sua acção em vez dc ser rápida, e prompla na manifestação dos seus eflcitos, opera de modo lento e muito continuado; os indivíduos adoecem depois de expostos por tempo á acção do frio e da humidade, porque habitam le- gares baixos, húmidos e fiios, ou porque de qualquer outro modo vivem debaixo daqucllas influencias, como acontece em certas profis- sões. Rayer diz ter observado a doença especialmente em tecelões, la- vadeiras, impressores empregados a molhar o papel, barqueiros, co- cheiros de praça, porteiros cujas habitações em Paris são quasi sempre logares baixos e húmidos, e assim n'oulras profissões em que os indi- vidues estão de egual modo expostos a estas influencias. O modo por que estas causas operam para produzir a doença não DAS SCIENCIAS DE IJSBOA. 1.* CLASSE. 137 é o mesmo cm todos os casos. Em um d "estes modos parece haver imia acção nervosa, na (]iial a pcllc, modificada polo frio, re(lc<'ie de- pois por meio dos centros nervosos a impressão, que recebeu, sobie os nervos vaso-motores dos capillares dos rins; os qiiaes ca|)iliaics, como paralysados, e embaraçada a sua circulação, dão por isso logar á ex- halação plástica. As primeiras cdeniacias da ««/rj.— Bouillauí deu o nome de cvslite e de ne- plinle canliiaridiana a ceito estado irritalivo ou inllammatorio Ao be- xiga e rins com e.xsudaçiio plástica ou íibrino-albumi.iosa. ,pic ellc pri- ineiro assignalou, c que algumas vezes se observa, desenvolvido por cf- leilo da appi.caçào de vesicatórios; estado este, que pode também ser a consequência do uso interno das canlliaridas, e (pie parece mais es- pecialmentc sobrevir nas pessoas enfrarpiecidas ou de c.[)õc capazes de produzir o m. Br., ha entras alterações, que podem em diversas circunslancias sobrevir no sangue, e que também se tem supposlo capazes de originar aquella doença. Estão neste caso todos os estados mórbidos da economia por discrasc constitucional, como o produzido j)clas cscropbulas, pela sypiíilis in- veterada, pela caclicxia artliritica, mercurial, ou tuberculosa, c em geral todas aquellas condições da economia que tendem a enfraag. 14 5 da sua ci- tada obra) vê-se, que a moléstia de Brigbt ataca cm Iodas as idades; Gom tudo o faz com mais fic(|uencia dos 20 aos 40 annos, não sendo rara dos 40 aos (iO; de 1 a 10 annos, dos 10 aos 20 apparece poucas Tezes, c é consecutivamente ás escarlatinas, que nestes casos se mostra mais. Ha exemplos de creanças atacadas aos 15 niczes, c de velho.s com 80 e 90 annos. — Os homens -são mais do (|ue as mulheres acco- mcttidos da doença, na ])roporção de 3 paia 2; talvez só ponpic estão mais expostos ás causas que a produzem. — A constituição lympha- 142 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL tioa disi>õo talvez mais do que as outras |)ara contialiir a doença, mas sobre tiulo o faz a (liMorioiaçào coiistilucional pioduzida pelas outras dooiíças. — Quanto a prolissões, as (|iie mais dispõe [)ara conlrahir a doença são na classe (joLic as que sujeitam os indivíduos aos rig^orcs do frio e da lumiidade, sobre tudo se a Isso se ajunta o abuso dos espi- rituosos; nas outras classes a maior predisposição apparccc nos indiví- duos que piatieam excessos venéreos c outjos, nos (jue sofliem emba- raços de circulação por ínsufiicicncia de válvulas ou de outro modo; e para as menores cdadcs essa maior predisposição existe nos que foram atacados de escarlatina. Climas. — Nas latitudes boreaes existe muito mais a doença. A moléstia de Briglit é muito fie(|uente na Escócia, na Irlanda, na Suécia, na Hullanda. no norte da Allemanha, c em geral mais nas pro- ximidades das costas maritimas. Em França ja e também notado por Sólon que a doença e mais Irecnicnle ao norte do que nas províncias do sul. Do nosso clima nada por ora podemos dizer por falta de ob- servações e de estatísticas; mas ja se pode presumir, que a doença é muito menos coinmuin do (|ue ao norte da Europa. O que podemos saber a jespeito da natureza da doença ou da sua patliojenese deve ser o corollario do que temos dito a respeito da etiologia, da anatomia pallioiogica, e da syinplomatología, ou mais es- pecialmente da jihysiologia ])atlio!()gica da mesma doença. Pelos prin- cípios até aqui expostos, e aduiitlida a sua verdade, devemos pois aceitar como ponto de partida de todas as alteiações de que os rins são sus- ceptíveis no m. Br., e de todas as oulias perturbações que a isso andam ligadas, a exsudição plástica; a epial começa a fazcr-se nos glo- merulos de Malpiglii, depois nos canacs urinifeios, e (|ue por fim ganha mesíiio os íntervallos que separam esses canaes, cncliendo-se successi- vamente todos esses espaços de concreções Hbrínosas. que dos canaes são em parte arrastadas com a urina, e que na substancia dos rins acabam por se metamorplioscar e concorrem para as siiccessivas dege- nerações por que passam aquelles órgãos, do modo (pic temos referido no decurso d'este escripto. Admittido este |)onto, restava sabor como se origina a cxsudação plástica nestes casos; se se forma sem pie do mesmo modo, se de díf- fcrenles; se é sempre o producto de um mesmo trabaliio mórbido, se o pode ser de diversos. Consultando a este respeito o que a obser- vação e a experiência nos leni ensinado, parece poder concluir-sc de tudo, que esse processo cxsudativo não se faz sempre nas mesmas cir- cunstancias. Muitas vezes este processo lem evidentemente um caracter DAS SCIENCIAS DE LISDOA. 1." CLASSE. HS inflaiTimatorio; lai é o do m. Br. agudo, e que sobrevem na escarla- tina 011 noutras circimslancias dc(tois de um suliito losíiianiento. A inflaniinarào, porêin, nestes rasos n:m é a da nepliiite simples, ic-m de mais de um modo um earacter es|iecial. Não se estende logo, como a neplirite simples, a todos os elementos anatómicos de uma dada porção do pareneliyma renal, mas ao mesmo tempo (|ue abrange grande i)aite ou toda a substancia cortical, começa por a(li.'clar ncila só os corpos de Mal|)iglii e os canaes urinileros. Se e mna nepiírite, e também uma ncpbrite difliísa, e demais promplamcnte seguida ou acompanbada sempre da exsudaçào plástica, que não existe na ncpluite simples senão muito accidentalniente, e então só em diminutas porções. Na neplirite simjjles, com clVeilo, a librina e a albumina derramam-se também é ver- dade no parenebj ma dos rins, mas misluram-se indislinctamentc com todos os elementos anatómicos da porção do parencliyma indammado 011 do que ebamaremos o foco indamnuitoiio. A librina derramada e concrecionada Uca assim preza nesse i>arencliy!na; ou só na penpberia do foeo inílammatorio é que alguma se pode escapar com a urina de- pois de moldada poios canaes uiinif(>ros. Assim pode sair também na ne[)lirite simi)les alguma albumina juntamente com a urina, e assim pode sair o sangue na totalidade dos seus prineipios. Na nepiírite sim- ples a suppiíração e fácil de apparecer, como em todas as inljammacões; é cila a consequência da degeneração da matéria plástica accununuluda no foco inflaminatoi io: mas na nopbiite albumiuosa essa suppuração, se apparcce, e muito mais raras vezes. Ha outra ordem de casos, em (|uc a exsudação plástica dos rin.% parece ser produzida de modo puiauicnte mechanico. Nós o vimos nas experiências feitas nos animaes, nas quaes uma li}-|ieiemia dos rins c exsudação plástica seguem de prompto o embaraço creado na circu- lação venosa dos rins; e taes parecem ser muitcs dos casos da moléstia de Briglit consecutiva aos cmbaiaços inoibidos da ciicuhiçào. Ja dis- semos no cap. II como a disposição vascular dos rins no syslema [loital de Bowman concorie jiodciosamente paia favoíeeer estas exsudações albuininosas, íibrinosas e sanguineas, por cflcilo simplesmente de um determinado jogo de pressões intiavascularcs. Podemos dizer, que ainda nas formas inlbminatoiias do in. Br. esse jogo de pressões e acção mc- clianica não são cstianlios á prcdurção da exsudaçào: por(|iie ainda nesses casos esta maior piessào pede ser a consequência de um emba- raço de ciicnlação com origem nos piopiios capillaics dos glomeiulos dos rins, [)rodiizido pelos seus nervos vaso-motoies, os i[uacs paialy- sados na sua acção são tamLeni a causa da paicze desses capillares e 144 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL úi\ consecutiva demora ou slasc do Mnp^ne que nellcs circula, do que resulta o angiuento de pressão interna vascular e por isso a consecu- tiva exsndaçào ])laslica. Se na escala pois dos phcnoinenos mórbidos, que se vão enca- deando para pi'oduzir o ni. Br., jiodcmos mencionar algum, que pre- ceda o da exsudaçào ]>iastica, e que seja comnium como esta a lodos os casos, será esse jilienomeno o de um embaraço na circulaçiio ca- pillar dos rins, o cpial pode todavia começar nestes mesmos orgàos ou fora d'elles; pode começar nesses capillares ou em algum ponto do ap- parelbo circulatório mais ou menos distante, mas em relação com os ditos capillares. Também vimos a influencia, que na produeção da doença tinham certas alterações do sangue, como as que se dão nas febres eruplivas, nas moléstias pestilenciacs, c em um grande nnmero de doenças chro- nicas. Essas alterações, como foi dito, dispõe [lara o desenvolvimento de parte dos symptomas do m. Br. ou para o da totalidade dos seus plienomcnos; e podem mesmo ser a sua única causa productora. Mas d'alii estaremos auctorisados para admiltir a opinião exclusiva, que o ni. Br. é sempre luna doença do sangue, que a alteração dos rins é nella um phenomeno secundário, e ([ue mesmo pode deixar de existir essa alteração dos rins sem (pie faltem todos os outros phcnomenos caracterislicos da doença e que permiltcm affirmar a sua existência;' Nós não o cremos, e não o podemos crer depois de tudo quanto vem estabelecido. Se é verdade, que alterações de sangue precedem e parecem ser o motivo do desenvolvimento do m. Br., é também certo, que muitas vezes esta doença sobrevem em circunstancias, nas quaes não podem admittir-se alterações de sangue que a precedessem e fossem a sua causa, como succede nos casos agudos, em cpie um golpe de frio basta para produzir em um individuo sào a doença, que entào começa evidente- mente nos rins. Para prova de que a doença pode existir com todo o seu quadro symptomalico, sem que exista alteração renal, argumcnta-se com os casos, nos quaes essa alteração tem parecido faltar ao exame anató- mico, e em que nada faltou durante a vida para caracterisar a mo- léstia. É verdade, que estes casos teem sido notados por diílcrentcs ob- servadores, c cm vuna das nossas observações apontámos também simi- Hiante falta de alterações renaes; mas estas observações perdem da im- portância que se lhes tem querido dar, se lembrar que em todas faltou V exame histológico, e que sem elle nào é pcruiillido affirmar que os Das sciencias de lisboa. i." classe. 145 rins nào Icem as alterações do m. Br.; porque algumas \ezes, como dissemos, só podem ser demonstradas pelo microscópio. Fierichs diz, que esses casos d(! ni. Br. sem lesào de rins verificada pela autopsc todos os dias diiniiiuc con> a observação mais rigorosamente feila; c que liào de cliegar a desaparecer de todo, quando os observadores es- tiverem mais CNcrcidos nos exames histológicos, c souberem mellior acliar no interior dos canaes urinilcros c dos glomerulos os coágulos fibrinosos, (pie sào o motivo primeiro da alterarão de esliuctura dos rins. Podemos, porem, aliirmar, cpie csla proposição seja inteiramente verdadeira!' E estamos auctorisados para crer, que a albuminúria não jiossa em alguns casos ser, como a glucosuria, o resultado da alleração dos plicnouienos de assimilação c de sanguiíicação, c existir sem lesão de rins? A sciencia não o deixa decidir por ora; mas pelo menos é certo, (|ue se ha verdadeiros casos de exsudação plástica dos rins com os outros symptomas de m. Br. e sem lesão de rins, esses casos são muito raros, como não são raros os casos de glucosuria sem lesào ne- nhuma de rins; estando aliás hoje bem demonstrado, (pie esta ultima doença e indepundenie de lesào renal, como nào esta cgualmenle pro- vado c|ue o seja a moléstia de Briglit. Depois de toda a doutrina que temos exposto é fácil avaliar todas as outras, que tem corrido acerca da natureza da doença, e que niais ou menos se aproximam ou se afíastam da que temos referido. Estas doutrinas podem icsumir-se do modo seguinte. Uma dessas doutrinas é a dos que sujipõem, como Rayer, que a doença e sempre o producto de um trabalho inílainmatorio dos rins. Outra a de Beccpicrel, (|ue píjc no engorgitauicnto dos glomerulos ou corpos de ]VIal[)ighi o principio da doença. Alem d'isso existe a dos que admittem, que a all)uniinuria é a consc(piencia de uma infiltração edc- matosa dos rins; a dos cpie com[)aiain a degeneração dos rins no m. Br. com a cirrhose do ligado, achando análogas as duas doenças. Por fim temos as doutrinas dos que fazem depender a albuminúria, ou da descamação jirevia do epithelio dos canaes uriniferos, e accumnuilação por isso nelies das escamas e|iillielicas, ou do deposito e accunuuulação de gordura nas ccllulas epithelicas; trazendo em resultado uma oU outra alteração a compressão dos canaes uriniferos, a das redes capii- larcs que os envolvem, e consecutivamente o embaraço da sua circu- lação e a exsudação jilastica que costuma seguir-sc a esses embaraços. Admittido, como o descrevemos, o processo mórbido, por que passam os rins nas alterações próprias do m. Br., ellc destroc só por si algumas dessas doutrinas. Por exemplo, o apparecimenlo de gor« 1." CLiSSS T. I. p. u. 19 1411 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL dura nas ccUulas cpilhelicas nào é na doença o principio da alteração renal, ou nào c causa nias o cflbito d'essas altcraçijcs; porque dissemos, que a gordura assiu» accununuiada nas ccllulas cpillielitas cra o resul- tado da degeneração, por que passa a matéria plástica, previamente derramada nessas ocllulas. Dj mesmo modo a descamação cpithelica nos canaes urinifcros não precede, pelo menos sempre, a albuminúria, antes mais vezes esta é,dos dois piícnomenos, o primeiro na ordem da sua apparirão. A idea nasceu de se dizer, que na escarlatina a neplirite albuminosa apparece espe- cialmente no pcriodo de descamação da febre eruptiva, e ([ue essa des- camação epitlielica feita nos canaes urinifcros, como se faz na pelle, obstruindo esses canaes, é por isso o motivo da doença renal; mas a ncplirite albuminosa não apparece só nessas circunstancias, mostra-se cm outras em que essa descamação previa não pode do mesmo modo figurar ou existir, e sem que por isso a nephrile albuminosa deixe de formar-so, c ter o mesmo caracter que tem, (piando apparece no pe- riodo descamativo das escarlatinas. Tal e em resumo o que se tem jicnsado, e o que pode julgar-se a respeito da natureza da moléstia de Brigtii, tanto no complexo dos seus piícnomenos, como em cada um d'cllcs. Só por fim acrescenta- remos, que apesar de todos os esforços dos que, como Rayer e Fre- riclis, pretendem referir a um único processo mórbido todos os casos (pie tem sido descriptos como doença de Briglit, nós ainda somos dos que tem tendência para crer, como Todd, Johnson, Simon, Henie c outros, que existirá para todos esses casos mais de um processo mórbido, que dê á doença as variadas formas por que ella se apresenta. Mas a sciencia a este respeito ainda Icm que fazer para nos poder esclarecer devida- mente. CAPITULO XXIL i>i.%c::«oíiE. — PBOUNOSE. Se, como diz Simondi, §dos casos de m. Br. passam na practíca geral desconhecidos; se essa propoição chega a ser, segundo Frerichs, de ^ quando a doença percorre todos os seus periodos sem ser acom- panhada de hydropesia; e se, dizemos nós, essa proporção de casos não reconliecidos pela observação tem sido, e é ainda, maior por muita pai te; DAS SCIE^ÇIAS DE LISBOA. 1.* CLASSE. I i? prococle isso, nào tanto da (liííiciildaflc de diagnosticar o m. Br., ocn^.o da falta de prevenção que leiTi liavido da jjailc do muitos dos jiiactiioíi, a (jiicm tem cabido fazer a observarão de grande niimeio dos casos da doença, li o <|ne se toma evidente depois do esboço liistorico, ciue (1- zemos no princi|)io d'cste trabalbo. As difliculdudes nào são acjiii niaioirs do que a respeito de outras muitas doenças, nem tão grandes coino .se verificam em algumas. Tudo o {|tic dissemos desde o cap. v até ao cap. xiii a respeito dos symptomas próprios do m. Br., c do modo especial por que cada iim d'elles se origina, desenvolve c liga com os outros, c além disso o (|ne niencionámos a respeito da marcha c Icrminação da doença, en- volve o (]ne cila tem de especial, dá todos os elementos do seu dia- gnostico. O que cxposcmos então d!spcnsa-nos neste logar de imi ceilo numero de considerações; por(|uc se tiatou o objecto de n.odo a fazer já sobicsair a maior parle do que lia nesses svniploir.as piopiio paia distinguir o m. Br. das doenças com que p(.í!ciia conliindií-se. Paia complemento, poièm, do que fica dito pcrtoricicmos ainda eslas doenças, e confiontando-as com a dccnça renal de que tialamos, faiemos sobie- sair mais o seu diagr.ostico dilícicncial. Em primeiro logar convém notar es casos, que se tornam notá- veis pelo apparecimento da albuminuiia, c que i:ão são a moléstia de Brigbt. Tem-se observado albuminúria depois de foitcs excitações vascul- lares, depois de uma copiosa alimrnliição, ou por efeito da supressão da secreção láctea. — Individiios, aliás no uuiis pci feito estado de s;ii!de, teem nestas circunstancias algumas vezes manifestado nas uiinas a pic- sença de alguma albumina. Este apjiarccimcnto, poicm,é sempic nestes casos transitório, e facilnicnte se desvanece com a causa (|ue o pio- duziíi. Nunca \ima similliante albuminúria poderá confundir-sc com a albuminúria do m. Br. Observa-sc também por vezes a albuminúria cm todas as doenças, cnpazes de produzir embaraços de circulação, e de originar as b\pc- remias consecutivas de rins, (pic vimos formarem a albuminuiia fazer assemelbar estes casos aos da escarlatina com ana- sarca e m. Br., e com tudo não existir nellcs verdadeiramente esta complicação. A albuminúria sem m. Br., que ás vezes sobrevem durante as doenças febris (pie temos referido, pode proceder de certa liv[)eremia renal, produzida pelas ditas lebres; e lambem pode concorrer a for- ma-la alguma dessas alterações do sangue, que as mesmas febres, segundo a sua natureza o duração, costumam originar. É difficil na maioria d'estes casos de albiuninuiia indiíar a pai te (pie teria na sua producção cada uma d'a(juellas causas, separadamente ou ambas reu- nidas. Nas doenças com urinas mucosas ou purulentas silo estas só por isso também albuminosas. Estas urinas distinguem-se facilmente das do m. Br., ponpic nestas o microscópio não descobre, senão accidenlal- mente, os glóbulos de muco ou de pus, que devem abundar nas pri- meiras. Aliim disso lia o recurso de verificaria presença ou a falta dos cilindros de librina e d(js outros caracteres especiaes á urina do m. Br. Das doenças localisadas a nepluile simples, aguda e cbronica, de- veria ser a (pie mais se confundisse com as ftji mas coricspoudentes do m. Br.; lia com tudo bastantes caracteres que distinguem as duas doenças. Por exemplo, as díires lombares, próprias de cada uma, tecm na iieplirite simples uma irradiação para os testiculos c coxas, que não costuma vciilicar-se no m. Br. As urinas tendem a escacear, c a supprimir-se mesmo na jirimeira destas doenças, como o não fazem de egual modo na segunda; são no primeiro caso mais sedimentosas, mais vezes vermelhas; e, salvo o caso de conn)licação hemorrhagica, só muito accidentalinentc e do modo passageiro conleem ás vezes al- guma albumina; também não contccm cylindros de fibrina, a não ser por eíleito da mesma complicação hemorrhagica. Na nephrite cliro- nica é commuin as urinas tornareui-se alcalinas, no m. Br. conser- 150 MEMOULVS DA ACADEMIA REAL vani-sp çoralmenle aciíl.is. A siiinirarrio, cfibito natural da ncphritp em imiilos casos, no ni. Bi., como vimos, é pelo contrario um phc- nomcno arcidoiilal o i;iio. As liydiopcsias, syiii[)loma lào ordinário do m. Br., faliam iia iie[ilirilo simples. Além destas diílercnças mais salientes d.is duas docnç;is, da coiifionlaçào do (piadio symptomatico e da marclia de ambas, outras poderiam ainda dednzir-se, que não pcnnittem de cerlo coiilimdir uma doença com a oulra. As hemonhagias de vias urinarias, especialmente as dos rins, podem dar alguns svmptomas e signacs, [)arccidos com os do m. Br. Eflectivaincnle o saii;jue nas urinas torna-as naturalmente albuminosas; demais a librina do mesmo sangue coaj^ulada nos ca na es uriniferos pode também trazíír ás urinas cyliudros íibrinosos, similhantcs aos do ni. Br.: mas alem de tudo o mais que ha de bem diílercnte na sjmpto- niatoloj^ia das duas doenças, jielos caracteres, deduzidos unicamente da inspecção das urinas, ainda e (acil disliiiguir uma da outra. Na lie- maluria ha nas urinas albumina c librina, mas além disso existem estes princípios com os oulnfe do sangue, c todos na proporção (lue é própria á composição dcsle li(|iiido. como não succede nas urinas do m. Br., em que a albnmina e a (ibrina apparccem isoladamente, ou quasi assim, d'a(]uellcs outros principios do sangue. A librina, além disso, na hematúria não só apjiarece formando os pequenos cylindios microscópicos, similliaiites aos do ni. Br., mas também, o sempre, con- stituindo grandes coágulos. As degenerações orgânicas dos rins e de outros pontos das vias urinarias, como o carcinoma c a tuberculose dos rins, as bydatidcs. ou outras, além de se assignalarcm pela physionomia particular, que imprimem aos individues doentes, e pela sua symptomatologia especial, 4s vezes cm verdade um tanio obscuia e pouco capaz de permillir um diagnostico seguro, disliugncm-so ainda das alterações renaes do m. Br. por não communicarem ás urinas as modiricaçõcs caracleristicas d"csta ultima donnça. Faliam eflectivamenle n"a(iucllas urinas os cy- lindros íibrinosos; falta a albuminúria, ou se esla apparece é só acci- dentalmenle: mas além disso as urinas conteem ás vezes produclos, que são cspeciacs a cada uma d'essas moléstias orgânicas, como são a matéria tubeiculosa na tid)erculose, e os cchinococcos na degeneração liydatiea dos rins. As heinonliagias, que tantas vezes sobrevem nestas degenerações, pelos jjrmciííios fiue lançam na urina podem contribuir um tanto para embaraçar o diagnostico; mas pela analyse de todos os phcnomenos de cada caso, c consideiando o que Icm sido exposto, não será difíicil o sair desse euibaiajo- DAS SCIEXCIAS DE LISBOA. 1." CLASSE. lol Ha certas inflamniarõcs exsiidativas da bexiga, dos ureteres, dos bassinctcs o caliies, (iiie pi-la albiiiuiiia c filiiina (|i!e razeiíi cxhalar c se iiiisliira com a uiiiia, pcdoni taiiibcin siimilar a albiiiniiiiiria do m. Br.; mas em (|iiai)to essas iiinamniaeõcs e.vsudati\as não ganham os canaes uiinlferos ou o pnrcncbyma dos rins, o a fibiina não tem oc- casiào de se coagular dentro d'csses canaes, não podeiuo formar-se os cilindros (ibiinosos caracloristicos do m. Br. O estado comatoso ou convulsivo do envenenamento uremico, próprio do m. Br., muitas vezes pode coiifui.dir-se com o que (or de- vido a inllamuiaçõcs, a simples congestões ou a outias afTecções pri- mitivas dos cenlios nervosos. A distincçào neiles casos depende de se altendercm devidamente todas as circunstancias da doença. Quando, por exemplo, scobseivam svmplomas ccicbuics graves com vómitos c estes alcalinos, com albuminúria, c (|uc demais existe a anasarca, podemos só por isso antever, {juc a(|ucllcs symptomas cerebiaes são antes de- vidos ao m. Br. do ([ue a imia allccção priniitivauicnlc cerebral. O exame das oulias ciicuiislai.cias da doença ba de quasi sempre con- firmar de todo este juizo. Os pbenomenos pois, qnc mais caracterisam o m. Br., e qne por isso mais cop.coricm paia o seu diagnostico, são sem duvida a albumi- núria, c o (]ue pcdcicmos também clianiar a (ibrinuria, maniíestan- do-se uma e outia de medo constante, c sem que os outros princípios do sangue se moslicm na urina em |)iopoição similbantc á da albu- mina e librina. Um individuo com cslcs indícios na urina, e demais com anasarca, não jiode deixar de ter a moléstia de Briglil. Nesta doença porem, como cm todas, piincipalmcnte não se apresentando na sua maior sim{)li('idadc, (omo mais vezes succede, a segurança do dia- gnostico não se deve fazer depender só de um ou outro sjmptoma, mas sim do exame de todos, e do modo por que se encadearam na marcha da doença. O cxanic analytico que fizemos de cada imi dos svmptomas do m. Br., c o mais (|iic dissemos da maiclia da doença dis[)ensa-nos neste logar de mais amplas consideiaçõcs a respeito do seu diagnostico, cuja determinação rigoiosa cncctivamcnte é dependente do que aqucUc exame faz conhecer. Quanto á prognose no m. Br., para a sua determinação é preciso ter cm altenção o gi.ío de allciação dos oigàos rcnaes, o período da doença, a fóima (|ue csla allccta, o estado geral da economia em que assenta, as causas- (|ue a promoveiam e susleiílam. A moléstia de Biight, i[ue na fóinia aguda ataca um indlvidu» 152 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL de constituiçrio sua, em conscqucnci;! ilo iini rosfiIaiiKMUo, por exemplo, é geralmente uma doença ciiravel, quando tratada a tcmjio e conve- nientemente. Não tem ja a mesma benis^uidade, quando nessa lórma açuda acommelte constituições alteradas de qual(]ncr modu por doenças eli iónicas, ou ])or doenças agudas como as Ichies eniiitivas, o typlio, o cliolera-moiLus, ou outras. Nestas circunstancias os doentes com maior frequência correm o risco do envenena niento uremico, que mais facilmente se desenvolve nestes casos; ou eslào mais expostos a que a doença passe jiara as suas formas cluonicas. Nas mesmas condições des- favoráveis, porém, a doença nessa íórma aguda é ainda bastantes vezes curavel. Nas formas chronicas a doença é mais geralmente incurável; podem com tudo nessas formas verillcar-sc melhoramentos de diflcrcntes gráos, c nelles desaparecerem todos os symptomas, menos o da aliiuminuria, ou mesmo chegar esta a desvanceer-se. Neste estado os doentes parecem curados, mas a lesão renal permanece, e mais tarde ou mais cedo re- produz a doença com todo o seu apparalo symplomatico. É este o verdadeiro sentido de muitas supposlas curas d'esta doença, e o da facilidade das suas recidivas. A facilidade para estas recidivas de- ponde nào só da permanência da Icsào renal, mas alem disso lia de depender da acção das causas, a que o doente continue a ficar exposto. Na verdadeira resolução da doença tem-se observado alguma vez ficarem os rins, no todo ou em parte, em certo grão de atrophia. Vejamos agora o valor que tem para o prognoslico alguns dos symptomas da doença. A dyspepsia e vómitos, que são symptomas pouco graves, quando apparecem no jirincipio das formas agudas, tornam-se ao contrario da maior gravidade, quando se manifestam nos periodos adiantados c são a consequência do envenenamento uremico. As diarrheas, que se mostram nestes mesmos periodos adiantados, sem terem a mesma gravidade, são com tudo um symptoma pertinaz, e ([ue muito concorre para au- gmentar o estado de deterioração geral dos doentes assim aflectados. A bydropesia, tão fre(juente como é no m. Br., resolvc-se diffi- cilmente nas formas chronicas; e ([uando se desfaz, reproduz-sc depois com facilidade. A sua extensão, porem, nem sempre tem proporção com o gra'o de intensidade e do gravidade da doença. Pode dar-se extensa bydropesia com um gráo pouco adiantado da enfermidade, e pouca ou mesmo nenhuma bydropesia com a doença muito desenvolvida ou nos seus mais adiantados periodos de alteração. O desaparecimento rápido da bydropesia no ra. Br., principalmente se não coincide com uma DAS SCIENCIAS DE IJSBOA. 1/ CLASSE. 153 abundante diurese, em logar de ser um phenomcno favorável, pode tornar-sc a origem elles, o emprego dos antiplogisticos. As sangrias ge- raes e locaes proporcionadas á intensidade dos symptonias locacs e d» reacçiJo geral, bem como ás forças do doente, os diluentes c laxantes/ DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.* CLASSE. 155 sSo meios próprios para empregar nestes casos. As ventosas sarjadas na região renal, cn» cujo uso Raycr com bastante razão muito insiste, produzem na realidade os melliorcs resultados. Mais de uma vez vimos por sen emprego dcsapparccerem de um para outro dia as dores renaes e a albuminúria. Os brandos diuréticos vegetacs, o crcmor, o nitro e outros saes neutros muito diluídos convém não só como meio de resolver as hy- dropcsias, mas pon]ue augnicnlando as urinas, especialmente na sua parte aquosa, contribuem para expcilir mais facilmiMite dos canaes uri- nifcros os cjlindros de librina, que tendem a obstruir os rins, e são a causa mais immediata da sua dcsorganisaçào ulterior. Os diuréticos acres c mais cstinuiiantcs não convém nos u)csnios casos, porque na sua acção diiecta sobre os rins poderiam aggravar o estado de irritação d'cs1cs órgãos. Por egual motivo a indicação [)nrganle só deve ser preen- chida com os purgantes de acção menos irritante, por exemplo, o óleo de ricino, o maná, as pol|)as do tamarindos e de cana listula, ainda o aloés, os calomclanos e o rbuibarbo. Os saes purgantes, peia quantidade em que precisam empregar-sc para esse fim, e pelo modo por que dire- ctamente operam nos rins, cstimulando-os, já sào por isso muito menos próprios para este uso. O tratamento revulsivo por meio do emplastro de cantbaridas nào pode empregar-so nesta liypcremia, como em outras, por causa da acção, que as cantbaridas podem exercer sobie os rins; sem o excluir pois absolutamente, deve lembrar acpiellc inconveniente e coutra-indi- cação; reservando a ap[ilicação deste meio para casos especiaes que mais pareçam exigi-lo. Na moléstia de Briglil aguda a dieta deve ser a das doenças febris com esta lórma; isto é inna dieta ténue em proporção com os sym- ptomas d'esse estado agudo. O m. Br. agudo, rpie sobrevem nas escarlatinas e noutras febres c.xanlbematicas, no typbo, e no cbolcra-morbns, exige modificações no tratamento. É preciso ter em attenção as alterações de liquidos então existentes, c o estado geral dos individuos. As sangrias geraes são menos vezes indicadas nestes casas; as sangrias locaes, especialmente feitas por meio de ventosas, são muitas mais vezes úteis ainda. Os meios pro- piios para excitar a acção da pelle, e que foram indicados, são espe- cialmente proveitosos nos mesmos casos. Deve ainda ter-sc nelles em vista a maior facilidade, a (pie cx|Hjem, de se desenvolverem os sym- ptomas uremicos, para os prevenir e combater com os meios apro- priados, c que adiante indicaremos. 156 MEMORIAS DA ACADEMIA REAL Passando a doença ao estado chronico podem ainda aproveitar no seu tratamento muitos dos meios aconselhados na forma aguda; na escolha, porem, d'esses meios, e no modo do seu emprego é preciso ter cm vista as circunstancias especiacs dos casos d'csta nova ordem. Remover, quanto possivel, as causas que promoveram e sustentam a doença é a primeira necessidade deste tratan>enlo. É o que se con- segue, por exemplo, evitando as habitações húmidas e frias, em que se adquiriu a doença, ou fazendo cessar o abuso de bebidas espirituosas etc. Promover a acção da pelle pelo agasalho, pelos banhos aquosos ou de vapor, e pelos outros meios que indicámos é ainda nestes casos muitas vezes útil; tendo com tudo em vista nào debilitar de- masiadamente os doentes. E' esta uma mcdicaçào, que nào pode por esse motivo fazcr-se sempre muito continuada, mas que usada de quando em (|uando e de modo conveniente é ainda de um certo pro- veito. As emissões sanguíneas locaes, especialmente com ventosas sar- jadas, feitas moderadamente, e quanto o permittem as forças geraes do doente, são de algum proveito, em quanto as indicam as dores re- naes; e sobre tudo aproveitam nas exacerbações sub-agudas ou mesmo agudas, que a atlbcção dos rins nesta sua forma chronica por vezes ex- perimenta. São também indicados nos casos chronicos, para desembaraçar os rins dos objectos que obstruem os canaes uriniferos, os líquidos aquosos e mucilaginosos, os biandos diuréticos, e para isso o caibonato de potassa ou de soda, o tartarato acido de potassa, os saes neutros, administrados muito diluídos, as agoas de Selters, de Vichy, ou as nossas de Cabeço de Vide e de ^'erim, as pccpicnas doses de dcdalcira, e as preparações de uva ursiua ou outras egualmente diuréticas. Bright usava muito neste sentido da pilula umbellata, e Rayer do rabão rústico, cuja tisana elle muito administra c recommenda nestes casos. Sobre o uso, porém, dos diuréticos no tratamento da moléstia de Bright e preciso advertir, que nem sempre se tem estado do mesmo acordo. Bright e Osborne con- demnam, por exemplo, esse uso em bastantes casos, não o fazendo do mesmo modo Christison e Malmsten. Hamsen empregou c recommenda muito o uso do acido nitrico na dose de meia ale uma e meia oitava para 24 horas, muito díluido, e administrado só ou com o ether nitrico: mas, como observa Frerichs, os casos, em que Hamsen usou com proveito d'cste tratamento, eram todos da forma aguda, ou sem alteração de rins adiantada; e neste tratamento empregava simultaneamente as ventosas sarjadas na região lombar, os purgantes e outros meios, E' na mesma ordem de casos DAS SCIENCIAS DE LISBOA. í." CLASSE. 157 que Frericlis observou a couvenicncia do acido nítrico assim empre- gado; não a reconheceu, poiêni, de cgual modo nos casos de m. Br., chro- nico, nos quaes se verifica demais, segundo o mesmo pratico, o incon- veniente dos doentes não poderem por muito tempo tolerar no estô- mago o uso d'a(piclle medicamento. Rayer algumas vezes usou da tintura de cantliaridas, nas doses a princípio de duas a seis gotas, que ellc cliegou a elevar até quinze e vinte nas 24 lioras. Fazia diluir esta tintura no dccocto de quina ou de outro modo. Tandjcm admíuistiou a mesma tintura juntamente com os preparados ferruginosos. A tintura de cantharidas já tinha sido acon- selhada por Wells, o qual chegava a dar ale trinta, cincoenta e ses- senta gotas nas 2Í horas. Alguma vez empregámos este agente, mas por pouco tempo, obrigados que fomos a suspender o seu uso pelo in- commodo que produziu. Os tónicos em geral, e cm especial a quina ou o quinino, são por vezes de proveito neste tratamento. Eiles teni a sua indicação muito especial no estado anemico a que a doença conduz. Todos rceoniiecem, por isso a sua utilidade; alguns piaclícos, porem, insistem de um modo mais especial no seu uso, como são I\ees e Nonat. Pelos mesmos mo» tivos se recommenda muito o emprego dos ferruginosos; os casos de melhoramento mais assignalados que obtivemos, na forma chronica, foram em grande parte devidos a esse emprego. O tratamento ferru» ginoso nestes casos deve ser feito, tanto quanto o consentirem as vias digestivas, do modo por que se executa na chlorose, isto é muito con- tinuado e cm dóscs elevadasi .No tiatamciUo do m. Br. tcm-se recrutado também agentes entre os alterantes, e [lara isso se tem usado os preparados de mercúrio, os de ouro, e os de iode. Em Stohkolm pareceu ter-se tirado partido do uso do muríalo de ouro na dose de — a 7 grão. OsLorne, Corter e Malmsten empregavam com a dedalcíra o iodurcto de potássio. Todos esles' meios são indicados nos casos em que o in. Br. tem por base, ou por com[)licação, o elemento rheumatico, venéreo ou cscrophuloso; nos outros casos esses tratamentos alterantes são menos proveitosos, ou mais vezes teem inconvenientes (juando protrahidos, porque podem ajuntar aos clTeitos da doença os que suo próprios d'es6a ordem de agentes alterantes, o que succede es(»ccial mente com os mercuriaes. Briglil condemna estes últimos de modo muito formal. Siebert e Recs exaltam muito o uso dos adstringentes, também os recommenda bastante Frerichs, o qual usa da seguinte fórmula: 153 me:\iorias da academia real Tailino puro oit. uma Extracto do aloos escr. um Extraclo de Ejraiiima q. s. Pura fazer 130 piliilas, c adininisliar nina trcs vezes ao dia. O acido lanico ou o taiiino, o acido gallico, e o acido pyrogal- lico passam ás urinas sem terem no seu transito pela economia oxpe- riinenlado alleraçào na sua composição; por isso podem ser levados a um contado immcdiato com a cslruclura dos rins. Esle contacto e a acção adstringente consecutiva parecem ler por elToito immcdiato a diminuição o ás vezes mesmo o desaparecimento completo da excreção albumino-liljrinosa. Ereriílis ])ictcndc com cllcito ter conseguido assim suspender esta excreção. Sendo producto d'clla a dcsorganisação do rim, o empobrecimento do sangue, c todos os outros cfleilos qtie dis- semos serem a sua consequência, é fácil ver o pioveito (pie deve re- sultar de um simitliante tratamento no sentido de suspender ou de- morar os progressos da doença, c de obter assim um certo mcibora- inento. Do mesmo modo que podem aproveitar o tanino c o acido gallico, aproveitam as substancias que o contem, como o kino, a ra- tanliia, a monesia, c Iodas as substancias adstringentes vegetacs. Cbristison, Uajxr e Rces aconselliam os fontieulos ou outros exu- torios, applicados na região dos rins, ])or julgarem ter-lbcs aproveitado cm alguns casos cbionicòs da doença. Não estão, porem do mesmo íiccôrdo outros practicos. Frericlis condcmna por inúteis estes meios, e mesmo os suppõe capazes, quando existe anasarca, de provocar na pelle inflammaçòcs, a gangrena, e vastas ulcerações. Nunca usámos destes meios para poder julgar por experiência própria da sua conve- niência na moléstia de Briglit. A dieta nos casos clironicos da doença deve ser em geral repa- radora. Entic os dilToientes meios para o conseguir Rayer aconselha, especialmente para as crcanças, a dieta láctea. Ha dois casos, entre os da sua observação, (jue são notáveis pelo resultado curativo, que ob- teve unicamente com o uso exclusivo do leite como alimento, e do soro de l(,'itc como medicamento. E este um modo de tratamento, que julgamos muito digno de chamar a attcnção, e de ser recommendado «os casos, que podem parecer para elle mais próprios. Do mesmo modo (|ue no tratamento do m. Br. vimos a albumi- núria ser só por si objecto de indicações espeeiaes, assim o são outros dos symptomas ou dos eíleilos da doença, como a bydropcsia, a ane- mia, os sjniplonias luemicos ou outros. Neste tratamento symptoma- tico ha particularidades a notar, que passamos a expor. DAS SCIEXCIAS DE LISBOA. 1.' CLASSE. 159 A liydropcsia das formas agudas pode ceder .só á sangria e aos outros iiteios anliplilogislicos qtie se empregam contra a liyperemia renal, e muitas vezos iiào precisa outro tratamento. A natureza slhe- nica d"csla liydropcsia, como a iiulii.imos, explica a conveniência d'esse tratamento, confirmada aliás pela observação. Tamijcm aproveitam nestes casos, c sHo muilo aconselhados, os diapiíorelicos; e |)elo niesmo princijjio por (pie suo diiigidos contra a liy|icrcmia dos rins, parecendo certo qne estas lijdropesias do m. Br, agudo são devidas a uma liy- pcrcmia similliantemcnte produzida no tecido cellular, conforme o que dissemos a pag. 10 i. Quando a liydiopcsia das forma* agudas nào cede ao emprego destes meios então carece de todos os outros, (|uc se usam no trata- mento em geral das liydropesias, produzidas nas formas clironicas da doença ou noutras ciicunslancias; os (piaes outros ukmos podem ser os diuréticos, os drásticos, os vesicantes, as escarelicaçõcs, a tlioracen- tlicse, a paracenthese ou outra operação própria para extrair o liíiui- do das liydropcsias. Na escolha, porem, e no emprego de todos estes meios ha ainda, para o tratamento das liydropesias do m. Br., espe- cialidades, (pie se devem ter em altencào. No uso dos diuréticos, em (pianto se pode esperar eflcito dos brandos, devem estes preferir-sc. C.luislison usava muito, como já dis- semos, da dedaleira e cremor, Bright da |)ilula umbellala, Raycr do rabão rústico, outros empregam as agoas de Selters, o vinho do Illieno etc. A therebentina, (|ue também tem sido aconselhada, c outros diu- réticos estimulantes, devem antes evitar-se, |)rincipalmenle nos estados agudos e sub-agudos da alVecçào renal, que pode aggravar-se pela acção directa e especial daíjuelles medicamentos. Os purgantes, e purgantes drásticos, também carecem de reserva na sua applicação; não si) pela estimulaç-ào, (pie i)odem dirigir aos rins, mas demais pela tendência cpie ha na doença, cpiando chronica, para as diarrheas, muitas vezes difficeis de fazer suspender nestes es- tados. Não obstante estas contraindicações, não tem deixado de se apro- veitar ouso destes meios nas circunstancias para isso favoráveis. Bright e Barlow empregaram o elaterio na dose, de um sexto a meio grão^ Ass usa especialmente das colo(piintidas na d(')se de inna a duas oi- tavas fervidas cu> seis onças de agoa; também se em[)regam a tintura- de colocpiintidas, as pilulas liydragogas de Hein, as de Bontiiis c outras. Chrislison empregava muito a gomma-gutta na dose de cinco a nove- gruos com meia oitava de cremor, o que fazia administrar em uma tCO MEMORIAS DA ACADEMIA REAL dose e em dias alternados. Fierirlis, quo lambem aconselha a gomma- gulla, auministia-a na seguinte fórmula: Comma-gutia gr. dez a dczcseis Soluto conccn liado de carbonato de potassa") Agua de canclla j^'"" o'^- ™e'a Para tomar uma colher de chá três vezes ao dia. A gomma-guHa ha muito tempo qiio é conhecida nào só por suas qualidades drásticas, mas pela acção diurética de que é capaz, princi- palmente unida aos carbonatos alcalinos. A tintura de gomma-^^utta, feita com uma parle de goinma-guUa, duas de carbonato de potassa e vinte e quatro de álcool, e administrada por doses de mela e de uma oitava, é uma preparação desde muito tempo aconselhada por Voigtel nas hydropesias, por causa da sua poderosa acçào diurética (v. Mal. mcd. de J. Pereiía, pag. 2028 da 3." edição}. Recentemente o Dr. Abeille de Paris pretende ser o primeiro que assignalou as mesmas virtudes diuréticas da gomnia-gutla, quando empregada especialmente em altas doses. Diz elie, que começando-sc a dar seis, oito, ou dez grãos de gomma-gutta, o cílcito, é como se sabe, purgante; mas que elevando gradualmente, e todos os dias, esta dose, o elVcito purgante cessa, c é substituído por uma diurese mais ou menos abundante. O Dr. Abeille chegou assim a administrar vinte, trinta grãos e mais de gomma- gutta com pci feita tolerância do canal intestinal. O modo de admi- nistração que prefere consiste em fazer diluir a dose diária de gom- ma-gutta em duas a Ires oitavas de álcool de 33° e depois em mais quatro onças de agoa; mistura que faz tomar em cinco a seis doses nas 24 horas, duas horas antes e duas horas depois de cada comida (v. Abeille «Trailé des liydropisies» pag. 228 e seguintes). Experimentámos a fórmula de tratamento do Dr. Abeille, e po- demos por esse meio verificar o facto da tolerância da gomma-gutta. administrada em altas doses, e a sua acção diurética desenvolvida nessas circunstancias. Mas com isto occorrem-nos as seguintes considerações. A acçào diurética da gomma-gutta nào é um elVeilo especialmente de- vido ao modo de sua administração em altas doses; como vimos, a gomma-gutta é capaz dessa acçào cm pequenas doses, cspecialmenle quando se associa aos alcalinos; e sendo assim para que havemos ir pedir a essas altas doses o que podemos obter das pequenas? Nào está provado, que o efleito diurético seja mais certo nas doses maiores; além disso se estas doses encontram muitas vezes a tolerância do canal intestinal, não succede assim em todas; e a sua adminislraçào nem DAS SCIENCIAS DE LISBOA. 1.* CLASSE. Ifil sempre se faz sem o inconveniente de apparecerem os cfFeilos forte- mente irritantes de (|nc a(|ii("ll;i droga lan)Lem é capa/,. A tolerância, que pode cslabcicccr-se para as doses altas da gom- ma-gutta, e os efleitos contra-estimulantes que a isso andam ligados, é mn facto tlierapeiitico importante, cujo coidieciínenlo se deve á n)e- dicina italiana. A diurese, (pie neste caso simultaneamente apparece por vezes, podia ser um facto similhante ao que em eguaes circun- stancias produzem outros contra-estimulantes, por exemplo, o tártaro emético; para a gomma-gutta, porèin, lia demais a disposição