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INDICE

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Faciculo I.

Estudos sobre os flajelados parasitos dos mamiferos do Brazil, pelo Dr. OLYMPIO OLIVEIRA RIBEI- RO DA FONSECA. (com as estampas i e 2 e 4 figuras no texto). Ss

Sobre alguns Curculionidas que vivem nos bambús pelo Dr. A. DA COSTA LIMA.

Contribuicáo para o estudo da biolojia dos culicidas. Observacóes sobre a th i nas a nell Dr. A. DA COSTA LIMA (Com 3 figuras no texto) . mabe

Estudos sobre liquido cefalo raquiano. Reagdes de NONNE— BAe ds da reeção de ren WEIL—KAFKA. pelo Dr. ARTHUR MOSES . :

Contribuição para o conhecimento da fauna de protozoarios do Brazil. IV. me Dr. ARISTIDES MARQUES DA CUNHA (Com a estampa 3) . E Sd NN SE RTE RE SD EEE

Faciculo II

Processos patojenicos da tripanozomiase americana pelo Dr. CARLOS CHAGAS, chefe de a (Com as estampas 4 e 5) . E

Tripanozomiase americana, forma eia ia eres PCIe Dr. ‘CARLOS CHAGAS, chefe fe servico, (Com as estampas 6, 7, 8, 9 e 10) .

Sobre uma hemogregarina da gambá. redada didelphydis n. Sp. le Dee, “OSCAR a UTRA e SILVA e J. B. ARANTES (Com a estampa 11) .

Pesquizas sobre o Copromastix prowazeki n. g. v. sp. pelo Dr. HENRIQUE BEAUREPAIRE ARAGÁO, Assistente (Com a estampa 12) . PARRA te

Fixacáo de complemento na blastomicose pelo Dr. ARTHUR MOSES (tinte) inlecina) ;

Nota sobre Agchylostoma brasiliense G. de Faria, 1910, pelo Dr. GOMES de FARIA.

Faciculo III.

Viajem cientifica pelo Norte da Bahia, sudoeste de Pernambuco, sul do Piauhi e de norte a sul de Goiaz, pelos Drs. ARTHUR NEIVA e BELISARIO PENNA. (Estudos feitos á requisição da ida ria de Obras contra a seca. Direção: Dr. Arrojado Lisbóa.) . ARE y :

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Ano 1916 Tome VIII

Faciculo I

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Sumario:

1 Estudos sobre os flajelados parasitos dos mamiferos do Brazil, pelo Dr. OLYMPIO OLIVEIRA RIBEI- RO DA FONSECA. (com as estampas 1 e 2 e 4 figuras no texto). PE ft

Il Sobre alguns Curculionidas que vivem nos bambús pelo Dr. A. DA COSTA LIMA. 41 II Contribuição para o estudo da biolojia dos culicidas. Observações sobre a respiração nas ivan pelo Dr. A. DA COSTA LIMA (Com 3 figuras no texto). 44 IV Estudos sobre liquido cefalo raquiano. Reações de NONNE os FA en) de Gun de WEIL—KAFKA. pelo Dr. ARTHUR MOSES. 50 V Contribuição para o conhecimento da fauna de protozoarios o Brazil. IV. inca ‘Dr. ARISTIDES

MARQUES DA CUNHA (Com a estampa 3).

AVI SO As «MEMORIAS» seráo publicadas em faciculos, que náo apareceráo em datas fixas. No minimo, aparecerá um volume por ano. Na parte escrita em portugués foi adotada a grafia aconselhada pela Academia de Letras do Rio de Janeiro. Toda correspodencia relativa ás «MEMORIAS» deverá ser dirijida ao «Diretor do Ins- tituto Oswaldo Cruz Caixa postal 926 Manguinhos— Rio de Janeiro». Endereco telegrafico:

«Manguinhos».

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Estudos sobre os flajelados parasitos dos mamiferos do Brazil pelo

Dr. Olympio Oliveira Ribeiro da Fonseca

(Com as estampas 1 e 2 e 4 figuras no texto.)

Introducáo.

Ha algum tempo que empreendemos o estudo dos flajelados parasitos dos mamife- ros, indijenas ou importados, existentes no Brazil. O resultado de nossas pesquizas con- stituiu assunto de duas notas prévias e de uma memoria publicadas, esta ultima acom- panhada de estudo geral dos flajelados.

A presente contribuição compreende tudo aquilo que de orijinal resultou de nosso tra- balho sobre o assunto. nos ocupámos das protomonadinas parasitarias, porquanto os binucleados têm sido muito pesquizados e as rizomastijinas parasitarias não foram por nós encontradas.

Tornamos a descrever alguns parasitos, tendo utilizado para essa nova descrição ape- nas os elementos fornecidos pelos nossos pre- parados, do que resulta algumas delas pare- cerem deficientes, por não nos termos queri- -do utilizar dos dados obtidos por outros au- tores; isso aconteceu, por exemplo, com as diversas especies de Giardia e de Trichomo- nas do homem, flajelados, aliaz, sobre cuja morfolojia ou distinção especifica reinam ainda muitas duvidas ou diverjencias. Tambem quanto aos hospedadores dos diversos para-

sitos, citamos observações por nós veri- ficadas.

Parte geral.

Historico.

Os flajelados do intestino humano foram pela primeira vez verificados no Brazil em 1904, pelo Dr. OLYNTHO DE OLIVEIRA que encontrou no Rio Grande do Sul casos de disenteria com Giardia intestinalis (LAMBL)e Trichomonas hominis (DAVAINE). Os mesmos flajelados foram estudados, mais sob o ponto de vista medico que zoolojico, em 1912, pelo Dr. MELLO LEITÃO, no Rio de Janeiro.

BRUMPT, em 1913, em São Paulo, en- contra Giardia intestinalis (LAMBL) que lhe parece rara naquela cidade.

Em 1914, os Drs. ARISTIDES MARQUES DA CUNHA e MAGARINOS TORRES observam em Lassance, estado de Minas Geraes, os primeiros casos brazileiros de colite com Chilomastix mesnili (WENYON).

Em 1915, o professor FICKER publica dados estatísticos sobre as disenterias reinantes em S. Paulo; refere ele ter observado 22 casos

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devidos flajelados intestinaes dos quaes 7 com ocorrencia simultanea de amebas.

No mesmo ano, verificámos no Rio de Janeiro a presença de Trichomonas hominis (DAVAINE), 7. vajinalis (LAMBL), Chilo- mastix mesnili (WENYON) e de um novo flajelado intestinal, Enteromonas hominis mihi, 1915.

Além dos flajelados intestinaes do homem, nos constam sobre o assunto pesquizas recentes e ainda ineditas de CHAGAS sobre Cerodon rupestris WIED , o mocó.

Em 1915, publicámos a descrição de nova especie de Chilomastix, parasito do Mus (Epimys) norwegicus ERXL., o rato de esgoto.

Material e tecnica.

Realizámos 252 autopsias em diversos mamiferos ou observações in anima nobilt. Foram por nós exanimadas 36 especies e 2 fórmas albinas de mamiferos pertencentes a faunas muito diversas; além deste material utilisámos, a titulo de comparação, o que obtivemos em muitas autopsias de aves, repteis, batraquios e irsetos.

O material hnmano era constituido por urina ou fezes disentericas emitidas e levadas logo, contidas em vaso limpo e seco, a exa- me no laboratorio; o muco vajinal da mulher era colhido aseticamente e imediatamente examinado.

O material de outros mamiferos era obtido por autopsia em animal morto aciden- tal ou propositadamente, ou ainda pela visita aos matadouros da cidade.

Após o imprecindivel exame a fresco, fixavamos pelo sublimado alcool de SCHAU- DINN o material ainda humido, distendido em laminulas que, depois, eram coradas pelos proessos de HEIDENHAIN e de DOBELL. A’s vezes, logo após a fixação, o preparado adquiria a côr rosea devida a reação do sublimado do fixador com derivados dos pigmentos biliares das fezes; outras vezes, após coloração a laminula se apresentava, em vez de intensamente corada em azul ou negro, com côr vermelha de barro; em

longada em alcool a 70, bastava geralmente para corrijir aqueles defeitos do preparado.

Lista dos mamiferos por nós examinados e das respetivas protomo- nadinas parasitarias.

Ordo I.—BIMANA. (')

I. Homo sapiens LINNEU, 1758.— Homem Chilomastix mesnili (WENYON, 1910). Enteromonas hominis mihi, 1915.

Giardia intestinalis (LAMBL., 1859).

Trichomonas hominis (DAVAI- NE; 1837.

Ordo II. PRIMATES. IL * Cebus carayé (HUMBOLDT, 1811).

Macaco. Giardia intestinalis (LAMBL., 1859)

MI. Callithrix jacchus LINNEU, 1776.— Sagui.

VI. Midas (Leontopithecus) rosalia LIN- NEU, 1776- Sagui vermelho.

Ordo IV.— CHIROPTERA.

V. * Molossus obscurus GEOFFROY, 1805.— Morcego.

VI.* Nyctinomus gracilis (NATTERER) WAGNER, 1843.—Morcege.

VII. * Hemiderma perspicillatum (LINNEU,

1758). - Morcego.

VII. * Glossophaga soricina (PALLAS, 1766). Morcego. IX. * Desmodus rufus WIED., 1826.

Morcego.

(1) Seguimos na lista dos hospedadores o Catalogum Mammalium de Trouessart, tanto no que respeita á ordem seguida, como quanto aos nomes adotados. Excetuam-se desta regra, os nomes que estiverem assinalados por asterisco, os quaes correspondem aos mamiferos, a nosso pedido determinados pelo Prof. Ali- pio de Miranda Ribeiro, a quem deixamos aqui con-

um caso a imersão rapida e em outro pro- | signado nosso reconhecimento.

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Ordo VI.—CARNIVORA.

X. Ursus (Helarctos) malayanus RAFLES, 1822.--Urso malaio.

XI Nasua rufa DESMAREST, 1820. Coati.

XII. Gallictis vittata SCHREBER, 1775.— Furáo.

XIII. Canis (Canis) familiaris LINNEU, 1758. Cão.

XIV. Felis (Felis) domestica LINNEU, 1758. Gato.

Ordo VIII.— RODENTIA.

XV a. Mus (Epimys) norwegicus ERXLE- BEN 1777.—Rato dos esgotos. Chilomastix bittencourti mihi, 1915 Giardia muris (BENSEN, 1908). Octomitus muris (GRASSI, 1881). Trichomonas muris GALLI-VA- LERIO, 1907.

XV b. Mus (Epimys) norwegicus ERXLE-

BEN, 1777, fória albina.— Rato branco. Chilomastix bittencourti mihi, 1915 Octomitus muris (GRASSI, 1881) Trichomonas murís GALLI-VA- LERIO, 1907.

XVI. Mus (Epimys) rattus LINNEU, 1766 Rato dos tetos. Octomitus muris (GRASSI, 1881).

XVII a. Mus (Mus) musculus LINNEU, 1776. Camondongo cinzento. Trichomonas muris GALLI-VA- LERIO, 1907.

XVII Mus (Mus) musculus LINNEU, 1766, fórma albina.—Camon- dengo branco.

Octomitus muris (GRASSI, 1881),

XVIII. Coendu prehensils LINNEU, 1766. Ouriço.

XIX Coendu villosus F. CUVIER, 1822.

Ouriço. Giardia cuniculi (BENSEN, 1908).

XX. Dasiprocta agufr LINNEU, 1776.— Cotia.

Trichomastix cavie (GRASSI, 1881).

XXI. Agouti paca LINNEU, 1766.

XXII. Cavia porcellus LINNEU, 1766.— Cobaio. Chilomatix intestinalis KUCZYN- SKI, 1914. Chilomitus caviæ, nov. gen., nov. Sp. Ep do communis LIEBE- TANZ, 1910. Trichomastix cavie (GRASSI, 1881). Trichomonas cavie DAVAINE, 1875.

XXIII. Cavia aperea ERXLEBEN, 1777.— Prea. Chilomitus caviæ, nov. gen., nov sp. Trichomastix cavie (GRASSI, 1881).

XXIV. Hydrocherus capybara LINNEU, 1766. Capivára.

XXV. Oryctolagus cuniculus LINNEU, 1766. - Coelho. Chilomastix cuniculi, nov. sp. Giardia cuniculi (BENSEN, 1908)

Ordo X.— UNGULATA.

XXVI. Equus (Equus) caballus LINNEU Cavalo.

XXVII. Sus (Sus) scrofa LINNEU, 1766. Porco.

XXVIII. Tayassus (Tayassus) tajacu LINNEU, 1766. Caitetú.

XXIX. * Cervus elaphus LINNEU, 1766. Veado europeu.

' XXX. * Antilope cervicapra LINNEU.—

Antilope.

XXXI. Capra (Capra) hircus LINNEU, 1766. Cabra. Callimastix frontalis BRAUNE, 1914. Chilomastix capræ, nov. sp. Spheromonas communis LIEBE- TANZ, 1910.

XXXII. Ovis aries LINNEU, 1766.— Carneiro.

Callimastix frontalis BRAUNE,

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XXXIII. Bos taurus LINNEU, 1766.— Boi.

Callimastix frontalis BRAUNE,

1914.

Spheromonas communis LIEBE- TANZ, 1910.

Spheromonas liebetanzi, nov. nom.

Ordo XIII. —-EDENTATA.

XXXIV. Tatus (Tatus) LINNEU, 1766. Tatú. Trichomonas tatusi, nov. sp.

Ordo XIV. - MARSUPIALIA.

XXXV. Macropus (Macropus) robustus GOULD, 1840. —Cangurú.

XXXVI. Didelphys (Didelphvs) marsupialis LINNEU, 1760. Gambá.

Biolojia geral.

Pouca cousa de novo temos a dizer sobre a biolojia geral das protomonadinas parasi- tarias.

No estudo morfolojico, dous fatos se mostraram interessantes.

Encontrámos, não raro, em certos Tricho- monas (T. caviae, T. muris), um corpusculo ovoide, esferico ou com a forma de hexago- no regular com angulos arredondados; nos preparados a fresco, no flajelado vivo, eles se mostravam refrinjentes; nos preparados tratados pela hematoxilina, esses corpusculos se mostraram intensamente corados em azul, nunca, porém, tão escuros quanto as forma- ções cromaticas da celula; uma ou outra vez, pudemos vel-os livres no conteudo intestinal, provavelmente após destruição do parasito; não parece que seja substancia injerida porque no ponto em que ele existe é frequentemen- te substituido por um vacuolo na aparencia vasio. Talvez devamos colocar esse corpus- culo no grupo das substancias cromatoides, com a volutina dos Trypanosoma.

Outro fato interessante, é a solução do problema da orijem e da natureza do axos- tilo. A nosso ver, a questão foi levantada sobre bases bastante falhas: foram compara- das conclusões diversas de autores que pes- quizaram objetos diferentes.

No Trichomonas e nos tipos morfolo-

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jicos proximos desse genero (Trichomastix, Hexamastix), se encontra um bastonete espes- so, rijido na aparencia tubular, vasio ou con- tendo granulações siderofilas esparsas, corta- do muitas vezes em bisel numa ponta salien- te para o exterior; a outra extremidade é interna e, ou se perde na massa plasmatica, ou se continua mais ou menos diretamente com o citostoma. Nunca vimos uma dessas formações apresentar conexão morfolojica com parte alguma do aparelho nucleo-flajelar. A’s vezes, entretanto, este bastonete apresenta seus bordos limitados por duas linhas mais escuras em um ponto das quaes, junto ao biselamento terminal, podem existir duas gra- nulações tambem escuras; é possivel que essas linhas e granulações sejam de natureza cromatica. Não nos julgamos, entretanto, nem pelas nossas pequizas, nem pelos resultados discordantes obtidos por outros autores, au- torizado a emitir qualquer hipotese sobre a natureza e a orijem desta formação, certamen- te de função esqueletica e a qual deve caber a designação de axostilo.

Em outros flajelados (Octomitus, Giardia), existem dois filamentos paralelos e indepen- dentes entre si, delgados, flexiveis, compactos, intensamente cromofilos, que partem de cor- pusculos basaes ligados aos nucleos por meio de rizoplastos, e, de outro lado, se continu- am diretamente para o exterior com os fla- jelos. Sempre, nesses diplozoarios, a conexão morfolojica dos filamentos em questão com o aparelho nucleo-flajelar é patente, não deixando a menor duvida a qualquer obser- vador atento. Muitos autores, entretanto, dão a esses filamentos a mesma designação de axostilo que deve caber a formações total- mente diversas; daí a confusão reinante. De acordo com as conclusões tiradas por HAR- TMANN e CHAGAS, no estudo do filamen- to axial de Cercomonas parva, formação ana- loga aos filamentos da Giardia e do Octo- mitus, nos julgamos perfeitamente autorisa- do a atribuir a estes ultimos natureza cromatica e orijem nuclear indiscutiveis. ALEXEIEFF, estudando os Rhizomastix, en- controu um filamento analogo que denomi- nou Rhizostylo e que caraterisou muito bem

por esta frase citada por KUCZYNSKI: «La fonction nest pas analogue à celle de Paxostyle. En effet, ce dernier est surtout des- tiné à maintenir constante la forme du corps et représente ainsi une formation squelletique, tandis que Rhizostyle fait partie intégiante de l'appareil flagéllaire».

O caso da Giardia e do Octomitus é perfeitamente identico e, a admitirem-se esses dous diplozoarios como orijinados da fusão de dois 7richomastix, deve-se admitir que os flajelos posterioies destes forneceram os rizostilos e que seus axostilos devem ter desaparecido, por não existir formação a eles analoga em nenhum diplozoario parasito.

No ponto de vista da ecolojia geral, ve- rificámos que tem muito maior importancia na escolha do habitat a localisação do flaje- lado no hospedador, do que a posição siste- matica deste ultimo na escala zoolojica, assim encontrámos Giardia dos mamiferos no intestino delgado, onde náo existem Trichomonas, ao passo que estes abundam no intestino grosso o qual é privado de Giar- dia. A coabitação e a identidade de rejime alimentar favorecem a infeção, como tivemos ocasião de observar com cobaios que vieram a se infetar com Sphæromonas, parasito de ruminantes. Nenhum carnivoro se mostrou frequentemente infetado e, dos herbivoros, eram os ruminantes e os roedores os que, quasi certamente, se mostravam parasitados.

Desse parasitismo, para os mamiferos em geral, não parece resultar ação patoje- nica; a inocuidade é a regra e, talvez, em certos casos o flajeiado seja realmente util ao seu hospedador.

Os flajelados intestinaes do homem pare- cem constituir infeções secundarias consecuti- vas a quaesquer processos disenteriformes.

Classificação das Protomonadinas. Generos parasitos.

No sistema de HARTMAM e CHAGAS as protomonadinas são distribuidas em: dous grupos, um deles compreende individuos asi- metricos, tendo numero simples de organelas, e outro é constituido por flajelados providos de

simetria bilateral e quasi sempre com numero duplo de todas as suas formações.

O primeiro grupo, Monozoa, inclue toda a antiga ordem das protomonadinas, com ex- clusão apenas dos binucleados, com os quaes HARTMANN constitue uma o.dem 4 parte.

O segundo grupo, Diplozoa, corresponde ao antigo grupo dos Diplozoarios de DANGEARD e ás Distomata de KLEBS.

Embora isto não tenha sido expresso por HARTMANN e CHAGAS, julgamos dever considerar esses dous grupos com a categoria de sub-ordens.

Na sub-ordem Monozoa, HARTMANN inclue oito familias, numero este que aumen- támos pela criação de uma nova familia.

A primeira familia, HARTMANN designa pelo nome de Cercomonadace; é caraterisada pela presença de um flajelo anterior que se continua com um filamento de orijem nuclear que atravessa o corpo e termina na extre- midade posterior da celula, onde existe prolongamento caudal. Nesta familia, estaria incluido o genero Cercomonas. que outros julgam ser antes rizomastijina; foi por isso que LEMMERMANN propoz em 1913, a creação do genero Ccrcomastix, para incluir os protozoarios que HARTMANN e CHAGAS julgam Cercomonas; neste caso O nome da familia deveria ser mudado, de acordo com o nome do novo genero que lhe serviria de tipo. Não julgando, entretanto, que esteja resolvida a questão, preferimos seguir a opinião dos dous antores citados, conservando a designação por eles dada á familia, rudando apenas a desinencia, que, de acordo com as regras de nomenclatura zoolojica deve ser ide e não aceæ, terminação esta adotada para os nomes de familias na nomenclatura botanica; esta mudanca de desinencia será feita tambem para as outras familias da mesma ordem.

Colocamos na familia Cercomonadide, devido 4 presença de rizostilo, o genero Rhizomastix, creado por ALEXEIEFF em

1911, apezar de opinióes em contrario de outros, que preferem estudal-o na familia

seguinte. A especie tipo deste genero é R. gracilis ALEXEJEFF, 1911.

A segunda familia, Oicomonadide se caraterisa por corpo globoso com flajelo unico e longo; encerra um genero parasito, Sphæromonas, creado por LIEBE- TANZ em 1910 e cuja especie tipo é S. communis LIEBETANZ, 1910.

A” terceira familia, HARTMANN denomi- na Craspcdomonadareæ, designação que não póde prevalecer por não incluir ela nenhum genero de cujo nome pudesse este se orijinar; designaremos, por isso, a familia pelo nome adotado por POCHE, em 1913, de Codosi- gide. Esta familia, caraterisada pela presença de um colarinho membranoso que cerca a base do flajelo, não encerra representante pa- rasito.

A quarta familia que consideramos é a quinta de HARTMANN, Monadide, caraterisa- da pela presença de dous flajelos anteriores dos quaes um grande e um pejueno (Neben- geissel); nenhum representante parasito.

A nossa quinta familia é a sexta de HARTMANN, Amphimonadide, caraterisada pela presença de dous flajelos anteriores de egual comprimento; nenhum representante parasito.

A sexta familia, na seriação que esta- belecemos, é a quarta de HARTMANN, Bodonide, sobre cuja significação reinam as maiores d'verjencias. O genero que serve de tipo á familia é o genero Bodo, creado por EHRENBERG, em 1838, e cuja especie tipo por sua vez é B. saltans, descrita na mesma ocasião por aquele autor; até 1910 nenhuma duvida existia quanto aos protozoarios que deviam ser colocados no genero Bodo; naquele ano, porém, HARTMANN e CHAGAS descrevem novo genero de binucleados com o nome de Prowazekia e que difere do genero Bodo apenas por ter dous nucleos; tempos depois ALEXEIEFF verificou que B. saltans tambem tinha dous nucleos e era, portanto, binucleado, o que fazia cair em sinonimia o nome de Prowazekia. HARTMANN, porém, continua convencido da existencia autonoma dc genero Prowazekia, por ter visto aqui no Brazil uma especie

aquatica de Bodo, que ele não determinou e que não era binucleado. Para as especies parasitos, por alguns colocadas no genero Bodo, fôra creado o genero Heteromita, nome que não póde prevalecer por ter sido anteriormente empregado com significação diferente; por esse motivo, em 1912, ALEXEIEFF creou o genero Prowazekella, para a especie conhecida com o nome deBodo lacerte. Os representantes mononucleados do antigo genero Bodo, uma vez verificada a duplicid2de nuclear da especie tipo deste genero, devem ser colocadas em novo genero que para tal fim ainda näo foi creado. A setima familia é Trimastigide, cara- terisada pela presença de um flajelo anterior e de dous flajelos recorrentes ; nenhum repre- sentante parasito. , A oitava familia é Tetramitide, cuja caraterisação era feita antigamente pela presença de quatro fiajelos; hoje, depois de conhecidos muitos flajelados proximos a tetramitidas tipicas, tendo numero diverso de flajelos, somos levado a caraterisar esta familia como: protomonadinas com quatro Jlajelos em dous grupos ou em um grupo, podendo, então, um ser recorrente, ou ainda, com flajelos em numero diverso, mas tendo, ou membrana ondulante, ou flajelo recorrente livre, ou axostilo, ou varias destas formações, simultaneamente. Esta familia compreende muitos generos e sub-generos de flajelados parasitos, segundo consta da lista seguinte: Genero Chilomastix ALEXEIErF, 1910. Citostoma com borda cromofila e per- corrida por membrana ondulante, trez flajelos livres anteriores; nao ha axostilo. Especie tipo: C. caulleryi (ALEXEIEFF, 1909). Sub-genero Tetrachilomastix, nov. sub- gen. Difere do tipo precedente pela presenca de quatro flajelos anteriores, em vez de trez. Especie tipo: Chilomastix (Tretrachilomastix) gallinarum MARTIN ef ROBERTSON, 1911. Genero Fanapepea PROWAZEK, 1911. Difere da Chilomastix por ter dous fiajelos anteriores, em vez de trez; sua existencia é duvidosa, por motivos que mais tarde estu- daremos. Especie tipo: F. intestinalis PRO- WAZEK, 1911.

Genero Cyathomastix PROWAZEK, 1914. Difere de Chilomastix pela presença de axostilo; existencia tambem duvidosa. Especie tipo: C. hominis, PROWAZEK, 1914.

Genero Difemus GABEL, 1914. Difere de Chilomastix pela ausencia de membrana ondulante; existencia duvidosa. Especie tipo: D. tunensis GABEL, 1914.

Genero Embadomonas MACKINNON, 1912. Difere de Chilomastix por ter apenas um flajelo anterior; encontramos um representante

deste genero em Stylopyga americana, a barata.

Especie tipo: E. agilis MACKINNON, 1912.

Genero Protrichomonas ALEXEIEFF, 1911. Trez flajelos anteriores, costa cro- mofila, axostilo não saliente para o exterior; náo ha membrana ondulante, nem flajelo

livre recorrente. Especie tipo: P. legeri ALEXEIEFF, 1911. Genero Hexamastix ALEXEIEFF, 1912.

Seis flajelos anteriores deseguaes, dos quaes um esboça membrana ondulante em seu início ; axostilo saliente para o exterior; não existe costa. Especie tipo: HH. batrachorum (ALEXEIEFF, 1911).

Genero Trichomonas DONNE, 1837. A membrana ondulante repousa sobre costa; trez flajelos anteriores, axostilo saliente para o exterior. Especie tipo: T. vaginalis DONNÉ, 1837.

Sub-genero Tretratrichomonas ALE- XEIEFF, 1911. Difere do precedente por ter quatro flajelos anteriores, em vez de trez. Especie tipo: 7richoinonas (Tetratrichomonas) prowazeki ALEXEIEFF, 1909.

Sub-genero Pentatrichomonas CHATTER- JEE, 1915. Difere de Trichomonas pela presença de cinco flajelos anteriores. Especie tipo: Trichomonas (Pentatrichomonas) ardin delteilí (DERIEU ef RAYNAUD, 1914).

Genero Enteromonas, mthi, 1915. Um flajelo posterior e dous anteriores eguaes e mais curtos que o primeiro. Especie tipo: E. hominis, mihi, 1915.

Genero Trimitus ALEXEIEFF, 1910. Um flajelo posterior que atravessa o corpo e dous anteriores deseguaes e livres; existencia duvidosa, mesmo para o autor, que creou

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o genero com muitas reservas. Especie tipo: T. motelle ALEXEIEFF, 1910.

Genero Trichomastix BLOCHMANN, 1884. Um flajelo recorrente livre, trez flajelos anteriores eguaes entre si, axostilo saliente para o exterior. Especie tipo: 7. éacertæ (BUTSCHLI, 1884).

Sub-genero Tetratrichomastix PARISI. Distingue-se do precedente por ter quatro flajelos anteriores em vez de trez. Especie

tipo Trichomastix (Tetratrichomastix) orthopte- rorum PARISI, 1910.

Genero Chilomitus, mihi, 1915. Quatro fla- jelos anteriores eguaes, citostoma anterior, nao ha axostilo. Especie tipo: C. caviæ, mihi, 1915.

Genero Costía LECLERQ, 1890. Quatro flajelos anteriores, dous maiores e dous mencres, corpo asimetrico. Especie tipo: C. necatrix (HENNEGUY, 1884).

Genero Polymastix BUTSCHLI, 1884. Quatro flajelos anteriores eguaes, em dous grupos de dous cada um, axostilo nao saliente para o exterior, periplasta rijido e estriado. Especie tipo: P. melolonthae BUTSCHLI, 1884.

Genero Monocercomonas GRASSI, 1881. Quatro flajelos anteriores em dous grupos cada um deles com dous flajelos, dos quaes um ds vezes maior que o outro. Especie tipo: M. melolonte (GRASSI, 1879).

A familia que estabelecemos é Calli- mastigide, mihi,1915, cujo unico genero foi creado por WEISSENBERG, em 1912, para a especie que denominou Callimastix cyclopis; julgava este autor que o parasito era proximo da familia Lophomonadide na qual, entretanto, não o fazia incluir; como veremos pela discrição de C. frontalis, a qual concorda em suas linhas geraes, com a que WEISSENBERG fornece de C. cyclopis, o genero representa tipo perfeito de protomonadina, segundo a acepção atribuida a esse termo pelos atuaes representantes da escola de SCHAUDINN. No quadro das fami- lias da ordem Protomonadina nenhuma existia em que licitamente se pudesse incluir o genero Callimastix; foram essas considerações que nos levaram a abandonar a insinuação de WEISSENBERG e a crear nova familia para

este genero. A nova familia ficou assim cara- terisada: protomonadinas arredondadas com Jlajelos numerosos em seu pólo anterior.

Genero Callimastix WEISSENBERG, 1912. Muitos flajelos delgados, longos, eguaes, anteriores e paralelos entre si, corpo globoso com periplasta muito rijido. Especie tipo: C. cyclopis WEISSENBERG, 1912.

Na sub-ordem Diplozoa, HARTMANN inclue uma unica familia a que denomina Distomatide, nome que não póde prevalecer por nao encerrar ela nenhum genero de cujo nome este possa provir; deve ser adotada a designação de Hexamitide, creada em 1880 82, por KENT; esta familia encerra dous generos de flajelados parasitos :

Genero Octomitus PROWAZEK, 1904. Trez flajelos anteriores de cada lado, dous flajelos caudaes, dous nucleos anteriores, dous corpusculos basaes, tambem anteriores de onde saem os flajelos; os flajelos caudaes antes de se libertarem percorrem o corpo de uma a outra extremidade. HARTMANN e CHAGAS consideram os flajelados deste ge- nero como formados pela fusão de dous 7 richo- mastix; para admitir esta hipotese, é neces- sario que se admita o desaparecimento do axostilo, carateristico deste ultimo genero e que não tem similar em nenhum diplozoario parasito. Especie tipo: O. intestinalis PRO- WAZEK, 1994.

Genero Giardia KUNSTLER, 1882. Dous nucleos anteriores, dous flajelos ante- riores, dous lateraes, dous medianos, dous caudaes, um cromidio e uma ventosa anterior. Especie tipo; Giardia agilis KUNSTLER, 1882. A hipotese de HARTMANN e CHAGAS sobre a orijem de Octomitus ainda póde ser aplicada ao caso deste genero, havendo necessidade da restrição estabelecida no caso precedente e, mais ainda, de que se levem em conta as dificuldades decorrentes da presença de uma ventosa e de um unico cromidio e da disposição complicada do aparelho nucleo-flajelar.

FAMILIA Oicomonadidae KENT, 188082,

SINONIMIA. Cercomonadide KENT, 1880 82, paj. 249, pro parte; Cercomonadina

e

BUTSCHLI, 1884, paj. 812, pro parte; Orcomonadaceæ SENN, 1900, paj. 117; Oico- monadide KENT, 188082, paj. 250.

Genero SPHÆROMONAS (1) LIEBETANZ 1910.

Sinonimia Cercomonas DUJARDIN, 1841, in LIEBETANZ, 1910, paj. 35; Monas MULLER, 1786, í BRAUNE, 1914, pai- 122-123; Ofcomonas KENT, 1880-82, in LIEBETANZ, 1910, paj. 33; Piromonas LIEBETANZ, 1910, paj. 37; BRAUNE, 1914, paj. 124-125; Spheromonas LIEBETANZ, 1910, paj. 25-26.

Historico Reina grande confusão na sistematica dos flajelados do estomago dos ruminantes. Foram eles, até hoje, objeto de dous trabalho. O primeiro de LIEBETANZ que, em 1910, distinguiu, na familia que denomina Cercomonadina, onze especies, dis- tribuidas em quatro generos que parasitam ruminantes ; servem de criterio, para distinção generica, variações pequenas de fórma e, para caracteres especificos, diferenças de tamanho arbitrariamente consideradas. BRAUNE, em 1914, reduziu, a nosso ver com razão, todas essas fórmas a duas especies que, entretanto, ainda colóca em generos diferentes, e para isso se basea em diferença de fórma, constante mas pouco acentuada. Procurando resolver a questão, preferimos admitir as duas especies aceitas por BRAUNE, colocando, porém, ambas no genero Spheromonas, o primeiro descrito por LIEBETANZ, visto como a nenhum gene- ro anterior podem elas ser referidas. As especies admitidas por BRAUNE são Sphæromonas communis e Piromonas communis. Passando esta ultima para O primeiro genero, tem que mudar de designação especifica, por estar esta preocupada no genero Sphæromonas; pro- puzemos sua substituição pelo nome de Spheromonas liebetanzi, em homenajem ao autor que pela primeira vez a descreveu.

Diagnose Corpo arredondado esferico ou piriforme, metabolico ; nucleo cariosomico, esferico, ligado a um corpusculo basal por

(1) De opafoa, globo + ovas, unidade.

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um rizoplasto ; do corpusculo basal, colocado no polo anterior da celula, sae um longo flajelo encurvado para traz.

Morfolojia— Plasma distinto em endo e etoplasma; este é limitado externamente de maneira nitida por camada_periplastica que permite ao parasito executar amplos movimentos metamorficos; o restante do etoplasma é hialino, desprovido de granulações e envolve completamente o endoplasma. Este é alveolado; esta estrutura quasi sempre é mascarada pelo grande numero de granulações siderofilas volumosas e esfericas de que está repleto o parasito.

Nucleo esferico, mais ou menos excen- trico, ás vezes central; cariosoma volumoso, cercado da zona do suco nuclear vasia; não existe membrana nuclear que póde ser simulada por uma coróa de granulações siderofilas.

Corpusculo basal pequeno, anterior, sub- marjinal e ligado ao nucleo por meio de um rizoplasto. Desse corpusculo basal parte um flajelo recorrente, longo e espesso que se vae afilando pouco a pouco para a extremidade livre.

Especies conhecidas:

S. communis LIEBETANZ.

S. liebetanzi, mihi, 1915.

Spheromonas communis LIEBETANZ, 1910.

Sinonimia. Monas communis LIEBE- TANZ, in BRAUNE, 1914 pajs. 122-122; Oikomonas communis LIEBETANZ, 1910, paj. 33-34; O. minima LIEBETANZ, 1910, paj. 34; Spheromonas communis LIEBETANZ, 1914; S. maxima LIEBETANZ, 1910, pajs. 32-33; S. minima LIEBETANZ, pajs. 31-32.

Redescriçäo. Corpo arredondado e muito metamorfico. Desse metamorfismo resultam aspetos variaveis nos preparados

corados, frequentemente coincidindo com posições particulares do flajelo; dessas coincidencias resultou, provavelmente, a suposição erronea de multiplicidade de especies. Dimensões, habitualmente, 10 x de diametre, ás vezes baixa até 7 u ou sóbe a 12 u.

Plasma diferenciado em endo e etoplasma; este é nitidamente limitado para fóra e se continua para dentro com o endoplasma alveolado; o etoplasma é hialino, desprovido de granulacóes e muito flexivel, o que permite os movimentos metamorficos do protozoario ; a estrutura alveolar do endoplasma é muitas vezes imperceptivel, por causa do grande numero de granulacóes siderofilas que a encobrem; essas granulações são esfericas, volumosas e invisiveis a fresco.

Nucleo mais ou menos excentrico, esferico, cariosomico, com cerca de 2 u de diametro; zona do suco nuclear vasia, membrana nuclear ausente, mas ás vezes simulada por um colar de granulações siderofilas; cariosoma central, esferico, volumoso, que atinje ás vezes 1,5 u de diametro; zona do suco nuclear vasia e de coloração identica á do endoplasma com o qual se continua; não foi ainda visto centriolo.

Corpusculo basal sub-marjinal, esferico, pequeno e ligado ao nucleo por um rizoplasto; muitas vezes a zona do suco nuclear se extende na direção desse corpusculo.

Do granulo basal parte um flajelo espesso e muito longo, que tem cerca de 30u de com-

primento. Não estamos convencido da existencia do movimento que BRAUNE descreve para esse flajelo, não sendo,

entretanto, improvavel que, como refere esse autor, muitas vezes o parasito execute movi- mento giratorio em torno do eixo antero- posterior. O flajelo é, então, dirijido para frente e parte de ponto um tanto lateral. Outro movimento giratorio, foi por nós observado não parecendo, porém, ser normal ao flajelado; é em torno de seu centro que o protista gira eo flajelo, a principio colocado em relação á celula como si fôra o prolongamento de um raio, de reto que era, vae-se encurvando á proporção que aumentz a velocidade de rotação; em breve o protozoario e seu flajelo tomam o aspeto que LIEBETANZ representa na figura 1 da estampa 1, do trabalho citado.

O protozoario se reproduz por divisão binaria e por divisão multipla.

Habitat. Rumen céco de Cavia porcellus.

de Bos taurus e

Spheromonas liebetanzi, mihi, 1915.

Sinonimia. Cercomonas rhizoidea com- munis LIEBETANZ, 1910, pajs. 35-36; C. r. maxima LIEBETANZ, 1910, pajs. 36- 37 C.r. minima LIEBETANZ, 1910, paj. 36; Piromonas communis LIEBETANZ, 1910, pajs. 37-38; BRAUNE, 1914, pajs. 124—125, P. mexima LIEBETANZ, 1910, pajs. 38-39; P. minima LIEBETANZ, 1910, paj. 38.

Redescrição. Corpo alongado, muitas vezes ovoide, outras vezes sub-cilindrico ou piriforme; metamorfismo menos acentuado que na especie precedente. Dimensões habituaes a 11 y de comprimento por 5 a 6 de largura; ás vezes o corpo atinje 15a 16 / de coriprimento, por 5 a 6 y de largura.

Plasma diferenciado em endo e etoplasma; endoplasma cheio de granulações siderofilas menores e mais visíveis a fresco que na especie precedente; o etoplasma é nitidamente limitado para fora e se continua insensi- velmente para dentro com o endoplasma.

Nucleo, um pouco anteriormente colo- cado, cariosomico, muito refrinjente e, ao inverso do que acontece com a especie pre- cedente, bem visivel, a fresco; cariosoma central, esferico e volumoso; zona do suco nuclear vasia; não existe membrana nuclear.

Flajelo espesso e muito longo, geral- mente com mais de 30 u; este flajelo parte de porção antero-lateral do corpo e se dirije em linha mais ou menos reta para traz. Durante o movimento, o flaielo é arrastado pelo protozoario que vae executando movi- mento rapido de rotação, em torno do eixo lonjitudinal do corpo.

O protozoario se multiplica por divisão binaria e por divisão muktipla.

Habitat. Rumen de Bos taurus,

Familia Callimastigidae, mihi, 1915.

Genero CALLIMASTIX (1) WEISSEN- BERG, 1912. Diagnose. Corpo esferico, envolto por

(1) De xadvé, envolucro + pao, chicote; a etimolojia e a ortografia deste nome generico näo estao de acordo uma com a outra; as regras de nomenclatura Zoolojica nos impedem, porém, aqui qualquer correção.

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delgada capsula, numerosos flajelos anteriores mais ou menos paralelos, longos, partindo de corpusculos basaes, colocados lado a lado e ligados entre si por meio de rizoplastos.

Especies conhecidas:

C. cyclopis WEISSENBERG, 1912.

C. frontalis BRAUNE, 1914.

Callimastix frontalis BRAUNE, 1914.

Redescrição. Corpo geralmente esferico, raramente ovoide, não metamorfico. Dimensões médias, quando esferico, 9 a 10 x; quando alongado, cerca de 11 « de comprimento, por 7 a 8 u de largura.

Plasma distinto em endo e etoplasma; este ultimo é externamente limitado por periplasta rijido e um tanto isolado do resto do corpo; o restante do etoplasma é pouco coravel e constitue camada continua, espessa, hialina e desprovida de granulações, envol- vendo o endoplasma do qual é pouco nitida- mente separada; o endop!asma tem estrutura alveolar pouco nitida, por causa do acumulo de granulaçôes siderofilas volumosas e esfe- ricas que ocupa todo o endoplasma.

Nucleo esferico, quasi sempre central, volumoso e cariosomico; membrana nuclear nem sempre visivel, separada do cariosoma por zona do suco nuclear vasia; cariosoma volumoso com 1 a 1,5 y de diametro, intensa- mente corado; no centro do carisoma existe centriolo um tanto volumoso e cromófilo.

Da superficie da rejiao anterior do pro- tozoario, saem para frente, ao que parece, em grupos, numerosos flajelos finissimos e muitos longos, que atinjem 30 e mesmo 40 « de comprimento; eles tém sua orijem em cor- pusculos basaes pequenos, sub-marjinaes, ligados entre si por meio de finos rizoplastos; cuidadosa diferenciacio do preparado permite distinguir esses corpusculos das gra- nulações siderofilas do endoplasma. Um desses corpusculos, pelo menos, póde estar ligado ao cariosoma do nucleo por meio de um rizoplasto.

Pela estrutura do plasma e pela presenca de granulacóes siderofilas, este flajelado muito se assemelha ás S>heromonas de que se distingue pelo numero, posição e dimensões

dos flajelos e pela presença de envoltorio rijido.

Habitat. Rumen de Bos taurus, de Capra hircus e de Ovis aries.

Familia Tetramitidae KENT, 1889 82.

Sinonimia. Tetramitacee SENN, 1910, paj. 118; Tetramitide KENT, 1880-82, paj. 312; Tetramitina BUTSCHLI, 1884, paj, 841; Trimastigide KENT, 1880-82, paj. 307, pro parte.

Genero CHILOMASTIX (') ALEXEIEFF, 1910.

Sinonimia. Cercomonas DUJARDIN, 1841, paj. 287, in DAVAINE, 1884, pro parte; Cyathomastix PROWAZEK, 1914, paj. 162. Difemus GABEL, 1914, paj. 18; Fanapepea PROWAZEK, 1911, paj. 97; Macrostoma ALEXEIEFF, 1909 (n. preoc. peixes); Mono- cercomonas GRASSI, 1881, paj. 11, pro parte; Tetramitus PERTY, 1852, paj. 170, pro parte ; Trichomonas DONNÉ, 1837, in ROOS, 1893.

Diagnose. Corpo mais ou menos piri- forme, não metamorfico; o nucleo anterior tem, ás vezes, um cariosoma unido por um rizoplasto a corpusculo basal tambem ante- rior, donde partem: trez flajelos anteriores eguaes, o labio cromofilo do citostoma e uma membrana ondulante que percorre lonjitudi- nalmente esse citostoma.

Morfolojia. Plasma distinto em endo e etoplasma. Este é constituido, quasi exclusiva- mente, por periplasta continuo, impedindo os movimentos metamorficos do protozoario; logo abaixo dele existe muitas vezes de'gada camada de plasma finamente granuloso. O endoplasma é bastante alveolado, principal- mente na porção media do corpo e contém poucas inclusões. Nunca existe axostilo, que, entretanto, é, ás vezes grosseiramente simulado por uma faixa de plasma correspondente ao eixo lonjitudinal do protozoario a qual, ás vezes, por estar situada entre fileiras de alveolos, se mostra constituida por uma linha mais intensamente corada ou por duas linhas

(1) De xeídos, labio-++-waowé, chicote.

paralelas mais coradas, que limitam um espaço mais claro.

O nucleo é anterior, um pouco lateral, marjinal, vesiculoso. Raramente existe cari- osoma central que pode estar reunido ao corpusculo basal por meio de um rizoplasto; nesse caso a zona do suco nuclear é vasia ou, entao apresenta esboco de reticulo de linina, constituido por filamentos acromaticos, que, partem do cariosoma, a modo deraios e vao terminar na membrana nuclear. Outras vezes, o que é mais frequente, nao existe cariosoma: a cromatina do nucleo, neste caso, é repre- sentada por granulações lenticulares ou bacilares, aderentes 4 face interna da membrana nuclear. Esta membrana espessa e muito cromófila.

O corpusculo basal, ora é unico, ora duplo; do corpusculo basal unico ou da granulação anterior, quando ele duplo, partem, para frente, os tre: flajelos eguaes entre si; do corpusculo basal unico, ou da granulação posterior do corpusculo duplo, parte o labio cromófilo e fortemente recurvado do citos- toma, bem como uma membrana ondulante que percorre lonjitudinalmente esse citostoma.

O citostoma é bem visivel, tanto a fresco, como após coloração. A membrana ondulante, ao contrario, um tanto difícil de se perceber a fresco, é, geralmente, invisivel, após colo- ração; é muito provavel que tenha sido a pouco visibilidade da membrana o fato que levou GABEL a crear o genero Difemus, o qual se distinguiria de Chilomastix, pela ausencia da membrana ondulante.

TETRACHILOMASTIX, mihi, 1915.

Sub-genero

,

O numero de flajelos do Chilomastix é passivel de oscilações. PROWAZEK descreveu um genero, Fanapepea que se distinguiria de Chilomastix por ter, apenas, dois flajelos anteriores; entretanto, ele mesmo, ora repre- senta o protozoario com dous, ora com trez flajelos anteriores, o que faz crer num erro de observação.

O mesmo não sucede com as pesquizas de MARTIN e ROBERTSON, que descreve-

Spy | ge

ram 0 Chilomastix gallinarum, como tendo quatro flajelos anteriores, e comas pesquizas de MACKINNON, que estabeleceu o genero Embadomonas, que se distingue de Chilo- mastix pela presença de um flajelo ante- rior. No primeiro caso, a diterenca não é bastante para formaçäo de novo genero, mas nos parece justificar a creação de sub-ge- nero, para o qual propuzemos o nome de Tetrachilomastix; desse modo procedendo, adoptámos o modo de ver daqueles que estabeleceram os sub-generos Tetratrichomonas e Tetratrichomastix. Quanto ao genero Embado- monas, além da diferença numerica de flajelos mais acentuada, existem tambem outras pequenas diferenças morfolojicas que justifi- cara a separação desses flajelados em gene- ro distinto.

A especie unica deste sub-genero será Chilomastix (Tetrachilomastix) gallinarum MARTIN et ROBERTSON, 1911.

Especies descritas:

C. bittencourti, mihi, 1915.

C. bocis BRUMPT, 1912.

C. capræ, mihi, 1915.

C. caulleryi (ALEXEIEFF, 1909).

C. cuniculi, mihi, 1915.

C. gallinarum MARTIN et ROBERTSON, 1911.

C. intestinalis KUCZYNSKI, 1914. C. mesnili (WENYON, 1910). C. motelle ALEXEIEFF, 1912.

Chilomastix bittencourti, mihi, 1915.

Redescricáo. Corpo alongado, ovoide, de contornos geralmente menos regulares que nas outras especies do genero; dimensões. lonjitudinalmente, 13 a 164, excecionalmente até 11 u; transversalmente 9—11 u, excecio- nalmente até 7 u. E” a maior especie do ge- nero que parasita mamiferos.

Extremidade anterior arredondada e romba; extremidade posterior afilada em ponta ou, ás vezes, tambem arredondada, sempre, porém, mais delgada que a anterior. Na extremidade anterior existe citostoma com labio fortemente cromofilo, de 4a 5 u de comprimento, por 2 a 3 de largura. Frequen-

temente parece este, nos preparados corados, se enrolar em torno do nucleo.

De um corpusculo basal, colocado ade- ante e a um dos lados do nucleo, sae para traz uma membrana ondulante bem visivel, a fresco, percorrendo o citostoma, cujo labio tem a mesma orijem. Do mesmo corpusculo basal, ou de outro colocado a seu lado, saem, para deante, trez delgados flajelos, mais ou menos do tamanho do corpo.

Protoplasma distinto em endo e etoplas - ma. O etoplasma é constituido sómente pelo periplasta, cuja camada continua e finamente granulosa apresenta rijidez bastante para impedir movimentos metamorficos do corpo. O endoplasma é alveolado e nas paredes dos alveolos existem finas granulações. A fresco, parece que este flajelado se apresen- ta com aspeto mais granuleso que o Chilo- mastix intestinalis.

Nucleo anteriormente colocado, ás vezes. um tanto lateral, com 3a 4u de diametro; membrana nuclear espessa e nela se pren- dem massas cromaticas, de fórma mais ou menos lenticular, em numero de uma a duas, sendo então, uma delas, por vezes, maior que a outra. Zona do suco nuclear vasia. Rara- mente aparece cariosoma central volumoso. Não coexiste essa formação, de modo fre- quente, com as massas cromaticas da periferia.

Habitat. Céco de Mus (Epimys) norwegicus.

Nota. A designação especifica foi dada em homenajem ao Prof. Dr. NASCIMENTO BITTENCOURT, catedratico de Historia Na- tural Medica e iniciador do ensino oficial da Parasitolojia na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro.

Chilomastix capre, mihi, 1915.

Redescrição. Corpo alongado, mais ou menos piriforme, largo anteriormente e se estreitando, ás vezes bruscamente, a partir dos dous terços posteriores. Corpo não metamorfico, raramente deformavel, com cerca de 9a 12 « de comprimento por 5 a 6 wu de largura.

A extremidade anterior arreaondada, apre-

—— 17

senta uma depressäo lateral, quasi paralela á borda lateral do corpo. Extremidade pos- terior afilada em cauda, geralmente curta; raramente a extremidade posterior é arredon- dada,

Protoplasma distinto em endo e etoplas- ma; este constituido pelo periplasta rijido, cuja existencia impede os movimentos meta- morficos do protista; endoplasma alveolado com poucas inclusôes; nos dous terços ante- riores os alveolos são grosseiros e volumosos e se tornam delicados e pequenos no terço posterior.

Na extremidade anterior existe o citos- toma bem visivel, a fresco, com labio cromofilo nitido nos preparados corados; citostoma geralmente pouco encurvado, com cerca de 3 a 4 y de comprimento por 1a 2 y de largura. E” percorrido por membrana ondulante cuja orla não cromofila é constituida por flajelo aderente que parte de um corpusculo basal sub-marjinal colocado anteriormente em relação ao nucleo e donde sae tambem o labio do citostoma.

Este nucleo é anterior, sub-marjinal, esferico, pobre em cromatina; ás vezes parece sub-jacente ao citostoma, ou vice- versa; frequentemente é um tanto lateral; cariosoma muitas vezes visivel, ligado ao corpusculo basal por um rizoplasto ; cromatina nuclear grupada sob a fórma de massas em bastonete recurvado, aderentes á face interna da membrana nuclear e, geralmente, em numero superior a duas; frequentes vezes essas gra- nulações estão reunidas ao cariosoma por filamentos de linina que formam raios que partem do centro para a periferia do nucleo.

Flajelos anteriores trez, de egual compri- mento, partindo do mesmo corpusculo basal unico que orijem ao labio cromófilo do citostoma orla não cromófila da membrana ondulante.

Habitat. Rumen de Capra hircus.

Nota. - BRAUNE descreve na pansa dos ruminantes dous flajelados sobre cuja posição sistematica fornece dados positiva- mente erroneos. Um deles é um Tricho- mastix que não tivemos ocasião de observar e que o autor coloca no genero Trichomenas.

O outro, é um flajelado com trez flajelos anteriores, sem flajelo recorrente, sem mem- brana ondulante e sem citostoma; não o pudemos identificar ao nosso Chilomastix, do qual difere por muitos caracteres; BRAUNE o julga Trichomastix.

Chilomastix cuniculi, mihi, 1915.

Redescrição. Flajelado piriforme, geral- mente estreito e alongado, raramente largo e mais arredondado e curto. Dimensões medias: 7a 9 uy de comprimento, por 4 a 7 pu de largura.

Extremidade anterior arredondada e larga junto á qual, ao lado do citostoma, existe uma depressão mais ou menos acentuada. Extre- midade posterior afilada em longa cauda que pode, por vezes, atinjir tamanho egual á metade do comprimento do corpo; raramente, a cauda é curta ou não existe, sendo, então, a extre- midade posterior do corpo arredondada.

Plasma, em geral, delicadamente alveola- do. Periplasta rijido que impede os movimentos metamorficos do corpo; limite externo nitido, constituindo o periplasta só, todo o etoplasma.

Na extremidade anterior existe citostoma com labio cromofilo; o citostoma tem 5 a 3 u de comprimento, por 1 a 2 de largura, sendo frequentemente encurvado.

Nucleo esferico, colocado na extremidade anterior do parasito, ás vezes um tanto lateral, geralmente sub-marjinal, com 1,5 u de dia- metro. Membrana nuclear espessa; o carioso- ma, quando existe, é muito pequeno; neste caso a zona do suco nuclear frequentemente apresenta filamentos acromaticos, geralmente um numero de trez, ligando o pequeno carioso- ma á membrana nuclear. Nesta existem fre- quentemente, aderentes a sua face interna, trez a quatro granulações de cromatina, irregulares e alongadas.

Flajelos menores que o corpo, em numero de trez anteriores e eguaes em comprimento e espessura, partindo de corpusculo basal colocado anteriormente, em relação ao nucleo. Do mesmo corpusculo basal, parte para traz o flajelo aderente 4 membrana ondulante.

E Op ===

Esta é bem visivel a fresco, e percorre O citostoma.

Habitat. Céco de Oryctolagus cuni- culus.

Nota. Nenhuma referencia encontramos na bibliografia, a flajelados do céco do coelho; o parasito que descrevemos nao é o unico que se encontra, náo sendo tambem rara sua ocorrencia.

Chilomastix intestinalis KUCZYNSKI, 1914.

Sinonimia. Trichomonas caviæ DAVAI- NE, 1854, pro parte, auctorum.

Historico. Este protozoario foi desco- berto, representado e classificado em 1914 por KUCZYNSKI, que o cita em seu traba- lho sobre os Trichomonas; a primeira descri- cio desta especie foi por nós publicada em 1915 e é a que abaixo transcrevemos.

Descrição. Corpo alongado, piriforme, de 13 a 16 u de comprimento, por 7 a 9 y de largura; extremidade anterior muito mais larga que a posterior, na qual, ás vezes, existe expansão caudal. Corpo não metabolico, ás vezes, entretanto, deformado nos preparados, nunca porém, tanto quanto os individuos do genero Trichomonas.

Na extremidade anterior existe citostoma de labio facilmente coravel, com 4 a 6 u de comprimento, largamente aberto para diante depois estreitado, vindo se alargar em saco na porção posterior em que atinje 3 x de largura. Dentro dele existe membrana ondu- lante, que parte do corpusculo basal; essa membrana é visivel a fresco e muito dificil- mente coravel. Não ha flajelo livre posterior.

Do mesmo corpusculo basal anterior, partem, para diante e um tanto para um lado, trez flajelos finos e de egual comprimento.

Protoplasma mais ou menos grosseira- mente alveolado nos 3/5 medios do corpo; ha diferenciação nitida entre endo e etoplas- ma; os limites externos do corpo são clara- mente assinalados pelo periplasta que, ele, constitue todo o etoplasma e cuja consistencia impede os movimentos metamor- ficos do protozoario; endoplasma alveolado contendo geralmente poucas inclusões.

Nucleo anterior, colocado junto ao citostoma ; membrana nuclear espessa, carioso- ma, em geral, ausente, cromatina quasi sempre disposta em massas aderentes á face interna da membrana nuclear; ás vezes, essas massas são duas e estão colocadas em polos opostos do nucleo.

Habitat. Céco de Cavia porcellus.

Chilomastix mesnili (WENYON, 1910).

Sinonimia. Cercomonas hominis DA- VAINE, 1854, pro parte. Cyathomostix hominis PROWAZEK, 1914, paj. 162. Difemus tunen- sis GABEL, 1914, paj. 18; Fanapepea intes- tinalis PROWAZEK, 1911, paj. 97; Macros- toma mesnili WENYON, 1910 b; Tetramitus mesnili, (WENYON, 1910) auctorum.

Historico. Este parasito foi visto e confundido com outros por quasi todos os autores que estudaram flajelados intestinaes do homem; GRASSI, EPSTEIN e MAR- CHAND o representam e descrevem, ora no genero Monocercoronas, ora no genero Cerco- monas; WENYON o estuda corretamente e o descreve no genero Macrostoma, depois mudada por ALEXEIEFF esta denominação para a de Chilomastix; PROWAZEK, em 1911, descreve um novo genero Fanaperea, com a especie F. intestinalis que se distin- guiria de Chilomastix por ter apenas dous flajelos; o mesmo autor, entretanto, a repre- senta, ora com dous, ora com trez flajelos, o que nos faz colocar esse genero na sinonimia; GÁBEL descreve Difemus tunensis que difere do parasito em questão pela ausencia de membrana ondulante cuja dificil visibilidade, faz crer em facil erro de observação; RODENWALDT confunde o Chilomastix com o Trichomonas do homem e representa esque- maticamente aquele com um axostilo deste, o que, certamente, não existia; para esta ultima fórma, PROWAZEK creou, em 1914, o Cyathomastix hominis, dificilmente aceitavel.

Encontrado pela primeira vez no Brazil, pelos Drs. ARISTIDES MARQUES da CUNHA e MAGARINOS TORRES, em casos de disenteria verificados no ano de 1914 em Lassance, Estado Minas Geraes, foi por nós observado em tezes disentericas provenientes

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dos serviços de pediatria do Hospital da Santa Casa da Misericordia do Rio de Janeiro. Redescrição. Flajelado mais ou menos piriforme raramente um tanto arredondado, com 10 a 15 u de comprimento, raras vezes menos, e cerca de 4 a 7 u de largura.

Extremidade anterior larga e arredondada; a extremidade posterior se afila em cauda, a partir do ponto de uniáo do terco médio com o terco posterior do parasito; ás vezes, a cayda é longa e termina ponteaguda; mais raramente é ela arredondada.

Plasma distinto em endo e etoplasma; aquele é alveolado e contém poucas inclusões; este é em geral constituido quasi exclusiva- mente pelo periplasta.

Na extremidade anterior está o nucleo esferico, sub-marjinal, com 1 a 3 u de dia- metro, raramente com cariosoma central; zona do suco nuclear em geral vasia; uma a duas granulações de cromatina presas á membrana nuclear.

Na mesma extremidade está o citosto- ma com labio cromófilo e com 3 a 4u de comprimento por 1 a 2 u de largura .O labio do citostoma parte de corpusculo basal unico, anterior ao nucleo, pequeno, que tambem é o ponto de orijem da membrana ondulante. Esta percorre o citostoma lonjitudinalmente, é bem visivel a fresco e pouco coravel.

Flajelos anteriores em numero de trez, com igual comprimento e partindo do mesmo corpusculo donde Saem a membrana ondulante e o labio do citostoma.

Habitat. Intestino de Homo sapiens.

Genero Trichomonas (1) DONNE, 1837.

Sinonimia. Bodo EHRENBERG, 1838 in KENT, 1880—82; Cercomonas DUJARDIN, 1841, paj. 287, in DAVAINE, 1834; Cimeno- monas GRASSI, 1881, paj. 11, pro parte; Entameba LEIDY, 1879, in CASTELLANI, 1905; Exechlyga STOKES, 1884; Lôschia CHATTON ef LALUNG-BONNAIRE, 1912; Monocercomonas GRASSI, 1881, paj. 11, pro

(1) De Goéé, toumôs, o cabelo + uovás, uni- dade.

parte; Schedaocercomonas GRASSI, 1879, pro parte.

Diagnose. Corpo ovoide, muito meta- bolico; dum corpusculo basal anterior partem trez flajelos livres, para deante, e para traz, um flajelo aderente a uma membrana ondulante que percorre extensäo variavel da , Superficie do corpo; nucleo anterior, rara- mente cariosomico; axostilo saliente para o exterior, ás vezes se continuando com o citos- toma; este é juxta-nuclear e não tem labio cromófilo.

Especies conhecidas:

T. ardin delteili (DERIEU et RAYNAUD,

1914.).

T. augusta ALEXEIEFF, 1911.

T. batrachorum PERTY, 1852.

T. brumpti ALEXEIEFF, 1912.

T. caviæ DAVAINE, 1875.

T. columbarum PROW AZEK e ARAGÃO,

1909.

T. eberthi MARTIN ef ROBERTSON, 1911.

T. gallinarum MARTIN et ROBERTSON, 1911.

T. granulosa ALEXEIEFF, 1914. T. hominis DAVAINE, 1854.

T. lacerte PROWAZEK. 1904. T. mabuie DOBELL, 1910.

T. muris GALLI-VALERIO, 1907. T. parva ALEXEIEFF, 1911.

T. prowazeki ALEXEIEFF, 1909. T. tatusi, mthi, 1915.

T. tritonis ALEXEIEFF, 1911.

T. vaginalis DONNÉ, 1837.

Morfolojia. Protoplasma mais ou menos nitidamente alveolado; periplasta delgadissimo, constituindo, ele, todo o

etoplasma, permitindo os movimentos meta- morficos intensos do protozoario. No polo anterior o plasma é mais intensamente corado pelo acumulo maior, que ai se verifica, de granulações siderofilas e diversos derivados nucleares. Num dos bordos se prende a membrana ondulante, delgadissima lamina etoplasmatica, em relação direta com o aparelho flajelar.

No interior do plasma existe frequente- mente um vacuolo, ás vezes vasio e incolor,

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outras vezes ocupado por um corpusculo que se córa em azul mais ou menos intenso pelo processo de HEIDENHAIN;; ás vezes, esse corpusculo é esferico, ovoide ou mais ou menos alongado; outras vezes, ele tema forma de hexagono regular de angulos arredondados ; esta formação foi por nós encontrada em Trichomonas caviæ e T. muris, e foi vista algumas vezes fora do corpo de qualquer protozoario, livre no material exa- minado; nenhuma referencia encontrámos na bibliografia, sobre os corpusculos em questäo, julgamol-os entretanto, de natureza cro- matoide; facil é diferencial-os da cromatina pelo colorabilidade analoga mas sempre menor, que apresentam; esta formação persiste nos protozoarios em divisão. Granulações siderofilas em numero e de volume variaveis existem, ocupando, ás vezes, posições carateristicas das diferentes especies de Trichomonas. Atravessando o corpo de um a outro lado, existe um bastonete espesso que, ás vezes, parece se continuar por uma de suas extremidades com um citostoma em fórma de fenda colocado anteriormente ao lado do nucleo; o outro extremo ponte- agudo e frequentemente cortado em bisel faz saliencia para o exterior. Os limites entre o plasma e o axostilo são sempre nitidos, talvez pela maior refrinjencia deste, talvez, o que parece ocorrer em algumas fórmas, pela existencia de uma linha limitante mais intensamente corada que aquelas duas formações; O interior do axostilo é sempre incolor, podendo, entretanto, conter granu- lações siderofilas, o que se torna carater importante. No ponto em que o axostilo se desprende do plasma para fazer saliencia, para o exterior, em varias especies, se nota a presença de duas granulações cromaticas baciliformes nos dous bordos do axostilo. A orijem do axostilo é extremamente con- trovertida; para alguns, DOBELL, por exem- plo, é derivado da centrodesmose dos corpusculos basaes, para outros deriva do nucleo e, para outros, emfim, MARTIN e ROBERTSON, por exempio, nada tem que ver com o aparelho nuclear; a confusão é muito aumentada por julgarem quasi todos

os autores como homologas as formações esqueleticas dos Trichomonas e Trichomastix e as das Cercomonas (HARTMANN e CHAGAS), Hexamitus, etc.; a nosso ver se trata de duas formações completamente distintas; sobre a natureza e orijem da primeira, nada podemos de seguro adiantar; quanto á segunda, esta é indubitavelmente derivada do nucleo, e suas relações mor- folojicas e funcionaes com o aparelho flaje- lar são indiscutiveis. Voltaremos ao assunto quando estudaimos os diplozoarios.

O citostoma, em fórma de fenda, é juxta-nuclear e colocado na base dos flajelos; ele frequentemente se continua de modo completo com o axostilo.

Nucleo anterior, raramente cariosomico e com centriolo; mais frequentemente o nucleo é constituido por um grupo de granulações cromaticas esparsas no pólo anterior do parasito. Zona do suco nuclear é vasia e coexiste com o cariosoma o qual é ás vezes muito volumoso. Adeante do nucleo, junto 4 borda do protista, existe corpusculo basal unico ou duplo; desse corpusculo ou de sua granulação anterior partem os flajelos anteriores em numero de trez para as formas tipicas do genero, em numero de quatro, no sub-genero Tetratricho- monas, e de cinco no sub-genero Fentatricho- monas; do mesmo corpusculo, ou de sua granulação posterior, parte o flajelo recor- rente que adere em toda ou quasi toda sua extensão á membrana ondulante; esta assenta sobre uma barra cromófila, a costa, que parte da mesma granulação donde sae o flajelo aderente, que se denomina orla da membrana ; © flajelo aderente, ás vezes, se continua além da membrana ondulante, e essa porção ece- dente se denomina flajelo livre; a costa é flexivel, reta ou encurvada, conforme o corpo do protozoario está estirado ou arredondado ; ás vezes a costa é dupla, o que pode suceder quando ocorre duplicidade dos corpusculos basaes.

Como anexo do aparelho nuclear, ás vezes parte do corpusculo basal, um bas- tonete cromatico, morfolojicamente variavel,

que recebeu de JANICKI o nome de aparelho para-basal.

Trichomonas cavie DAVAINE, 1875.

Sinonimia.— Cercomonas ovalis PERRON- CITO, 1888; C. pisiformis PERRONCITO, 1888. Trichomonas intestinalis LEUCKART, 1879, auctoruim.

Descrição. Corpo de fórma variavel e muito metabolico; quando náo deformado, mais ou menos ovoide, de 10 a 15 u de comprimento.

Na parte anterior do corpo existe citostoma sem labio cromófilo, em fórma de fenda, mais ou menos triangular e encurvada, pequena e que se continua para traz com O axostilo, pouco coravel e saliente para a parte posterior do corpo; axostilo tem a extremidade posterior cortada em bisel, ponta afilada e longa e mede cerca de 10 x de comprimento por 0,5 a 10 u de largura. Frequente é a presença do vacuolo e da granulacáo cromatoide que descrevemos.

Na extremidade anterior existe um corpusculo basal donde partem, para frente trez finos flajelos mais ou menos longos que o corpo e, para traz, O flajelo recorrente muito espesso e preso, em certa extensão, 4 membrana ondulante; o flajelo recorrente é longo e atinje ás vezes 30 ude compri- mento. Membrana ondularte com cinco a oito. em geral seis, ondulações muito acen- tuadas, percorrendo pouco mais de metade da circumferencia do corpo. Costa espessa e flexivel, muito refrinjente e bem visivel a fresco, fortemente encurvada nas fórmas arredondadas e quasi reta nas fórmas alon- gadas, ás vezes, em sua extremidade posterior mais ou menos ondulada; a costa é acom- panhada por uma fileira de granulações cromótilas.

Protoplasma diferenciado em etoplasma, constituido sómente pela delgadissima camada periplastica e endoplasma mais ou menos delicadamente alveolado.

Nucleo colocado anteriormente entre o citostoma e a costa da membrana ondulante; ás vezes, com cariosoma volumoso e, ás

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vezes, centriolo e aspetos assimilaveis 4 evolução ciclica do cariosoma.

Fórmas de divisão com dous corpusculos basaes e duas costas reunidas pela parte anterior e, ás vezes, tambem pela parte posterior, estas fórmas sáo, em geral, muito maiores e atinjem 18 a24 y de comprimento por 14 a 17 u de largura; ha casos, porém, em que fórmas dessas dimensôes nao tém costa e corpusculo basal duplos.

Habitat. Céco de Cavia porcellus e C. aperea.

Trichomonas hominis (DAVAINE, 1854).

Sinonimia. Bodo hominis DAVAINE in KENT, 1880-82, paj. 256; Cercomonas hominis DAVAINE, 1854, pro parte; Cimeno- monas hominis GRASSI, 1882, paj. 11; Monocercomonas hominis GRASSI, 1881, pais. 12-23, pro parte; Trichomonas intestinalis LEUCKART, 1879; Trichomonas buccalis, auctorum; T. dysenterie BILLET, 1907; 7. pulmonalis SCHMIDT, 1895.

Redescrição. Flajelado muitissimo metamorfico, em geral piriforme ou arredon- dado, com 5 a 10 « de comprimento por 2 a 3 u de largura ou mais, quando arredon- dado.

Plasma mal distinto em endo e etoplas- ma, representado este apenas pela delgada camada etoplasmatica, cuja flexibilidade permite os intensos movimentos metamoriicos do protozoario; endoplasma delicadamente alveolado e contendo poucas inclusões.

Citostoma em fé:ma de fenda larga, parecendo muitas vezes se continuar direta- mente com o axostilo; este é muito nitido, * calibroso, longo, ponte-agudo e saliente em sua extremidade posterior, não sendo acom- panhado por granulações siderofilas que tambem não existem em seu interior.

Ao lado do citostoma, está o nucleo esferico ou ovoide, muitas vezes cariosomico, outras vezes constituido por granulações cromaticas esparsas; o nucleo atinje cerca de 1,5 u de diametro e, quando existe cariosoma, tem zona do suco nuclear vasia.

Dum corpusculo basal anterior, ao cariosoma do nucleo por um

ligado rizoplasto,

ay, ne

saem para frente trez flajelos geralmente maiores que o corpo e nao raro reunidos em feixes junto a seu ponto de emerjencia. Do mesmo corpusculo basal, parte, para traz, o flajelo aderente preso ao corpo por uma membrana ondulante que tem cerca de cinco ondulacóes pouco profundas; este flajelo recorrente é maior e mais espesso que os anteriores e, ás vezes, constitue em sua porção terminal flajelo livre. A membrana ondulante percorre lonjitudinalmente cerca de metade da circumferencia do corpo.

Trichomonas muris GALLI-VALERIO, 1907.

Sinonimia. Trichomonas intestinalis LEUCKART, 1879, auctorum.

Historico. Foi visto em 1885 por KUNSTLER que não verificou a especie a que pertencia o parasito, nem lhe estudou a morfolojia.

Descrição. Corpo de férma quasi sempre ovoide, ou mais ou menos alongado; em geral de aspeto mais regular ede forma mais alongada que o Trichomonas cavie; dimensões, lonjitudinalmente, 13 a 18 4, transversalmente 6 a 9 w.

Na extremidade anterior, esta o citostoma aberto anteriormente e que se continua quasi sempre posteriormente com o axostilo vasio de granulaçôes; este é geralmente encurvado, estando a convexidade da curva voltada para a membrana ondulante; o axostilo é muito visivel, saliente para o exterior, com a ponta biselada, provido de duas granulações baci- lares no ponto em que se desprende do plasma para fazer saliencia para o exterior; este axostilo atinje 12 « de comprimento, por 0,5 u de largura.

No polo anterior do corpo está um corpusculo basal, sub-marjinal, donde partem trez flajelos anteriores relativamente curtos; para traz sae o flajelo recorrente espesso, servindo de orla á membrana ondulante e se tornando depois flajelo livre em pequena extensão; a membrana ondulante tem cerca de oito ondulações muito profundas e percorre bastante exatamente metade da circumferencia do corpo do flajelado; ela se apoia sobre uma costa espessa, ás vezes

dupla, partindo do mesmo corpusculo que a orla.

Protoplasma alveolar mal diferenciado em endo e etoplasma; granulaçôes siderofilas esparsas no plasma, havendo constantemente uma fileira delas que acompanha a costa da membrana ondulante, do lado do nucleo; outras granulaçôes siderofilas formam uma figura conica e encurvada na parte anterior do parasito, indo da rejiáo peri-nuclear até a parte media ou posterior da celula. Outras granulacóes siderofilas formam curta fileira de cada lado da porção anterior do axostilo.

O citostoma anterior tem a férma de fenda larga que parece continuar com O axostilo.

Entre o citostoma e a costa está o nucleo, ás vezes com um grande cariosoma e a zona do suco nuclear vasia, outras vezes não indi- vidualizado e constituido por granulações cro- maticas mais ou menos esparsas; estas gra- nulações, ás vezes, se apresentam em camadas circulares concentricas ás vezes em redor de um pequeno granulo; esse aspeto impres- são dos fenomenos de evolução ciclica do ca. riosoma.

Habitat. Céco de Mus norwegicus e sua fórma albina, de Mus rattus e de Mus musculus e sua fórma albina.

Trichomonas tatusi, mihi, 1915.

Descrição. Corpo ovoide ou mais ou menos arredondado, com cerca 10 uu de

comprimento por 6 yw de largura, muito metamorfico. Plasma delicadamente alveolar, mal

distinto em etoplasma, constituido apenas pela delgadissima camada periplastica e em endoplasnia que encerra poucas inclusões.

Citostoma anterior, juxta-nuclear, em fórma de estreita fenda. Axostilo saliente para o exterior e visivel a fresco.

Na rejião correspondente ao nucleo, o qual não vimos individualizado, se encontram granulações cromaticas mais ou menos irregulares situadas entre o citostoma e a membrana ondulante.

De um corpusculo basal anterior, partem

para frente trez flajelos livres, eguaes, del- gadissimose maiores que o corpo. Do mesmo corpusculo basal parte o flajelo recorrente pouco espesso, preso ao corpo por uma del- gadissima membrana ondulante, cujas ondu- lações são largas, pouco profundas e geral- mente em numero de duas ou trez, a membrana ondulante percorre cerca de metade da circumferencia do corpo e, quando termina, sua orla vae em geral constituir um longo flajelo livre. Do mesmo corpusculo basal, partea costa sobre a qual repousa a membrana ondulante; é uma barra cromatica pouco espessa que acompanha a_ superficie do corpo em toda a extensão da membrana ondulante.

Assistimos á divisão transversal no pro- tozoario vivo.

Habitat. Parte terminal do de Tatus novemcinctus.

intestino

Trichomonas vaginalis DONNE, 1837.

Sinonimia. T. irregularis SALISBURY, 1868.

Redescrição. Flajelado muito maior e menos metamorfico que o Trichomo.1as hominis com cerca de 12 a 16 u de diametro, geralmente arredondado ou ovoide.

Endoplasma alveolado, contendo poucas inclusões, limitado externamente pela delgada camada periplastica que, ela, constitue todo o etoplasma e cuja delgadêza permite os movimentos mntamorficos do protozoario. Axostilo saliente e pouco visivel. Citostoma anterior, em fórma de fenda.

Nucleo anterior e, adeante dele, o corpusculo basal simples ou duplo donde partem para frente trez flajelos livres, deigados, eguaes e mais ou menos do tamanho do corpo: para traz, sae do mesmo corpuscuio basal o flajelo aderente espesso, preso ao corpo por uma membrana ondulante; esta percorre cerca de um terço da superficie do corpo, é muito estreita e tem cerca de seis ondulações bem nitidas e acentuadas.

Habitat. E” parasito inofensivo da vajina da mulher, da qual póde emigrar para

==

bexiga onde, segundo alguns, póde concorrer, para a persistencia de certas cistites. Tivemos ocasiáo de ver flajelados desse genero na urina dum homem internado, ha muito, no Hospital da Misericordia, do Rio de Janeiro.

Genero Trichomastix (1) BLOCHMANN

1884.

Sinonimia, Cercomonas DUJARDIN, 1841 in PERRONCITO, 1888, pajs. 220- 221; Heteromita GRASSI, 1881, paj. 12, Monas (?) MULLER, 1786, in DAVAINE, 1875; Trichomonas DONNE, 1837, in DOFLEIN.

Especies descritas:

Trichomastix caviæ (GRASSI, 1882).

T. lacerte (BÚTSCHLI, 1884).

. mabuie DOBELL, 1910.

. motelle ALEXEIEFF, 1910.

. orthopteroium (PARISI, 1910). . salpæ ALEXKIEFF, 1914.

. serpentis DOBELL, 1907.

T. trichopteræ MACKINNON,

SANNN

1910. Trichomastix cavie (GRASSI, 1881)

Sinonimia. Cercomonas globosus PERRONCITO, 1888; Heteromita cavia GRASSI, 1882, paj. 35; Monas cavie (?) DAVAINE, 1875.

Redescricáo. -- Corpo geralmente pirifor- me, mais raramente arredondado; extremidade anterior arredondada, a extremidade posterior gradualmente se afilando até terminar em ponta que corresponde, quasi sempre, 4 parte terminal do axostilo. As dimensôes médias ocilam entre 7 a 9 y de comprimento, por 4 a7 u de largura.

O axostilo tem o aspeto de um tubo completamente vasio, mais ou menos retilineo de que uma extremidade faz saliencia para o exterior ao passo que a outra se perde na massa plasmatica, parecendo, as vezes, se continuar com o citostoma. Este aparece, como fenda mais ou menos conica e encur- vada, num ponto antero-lateral da celula,

(1) De O otf, rowds, o cabelo + udoric, o

o aparelho urinario e penetrar mesmo na | chicote.

———

junto á base dos flajelos; náo existe labio cromofilo.

O plasma não é nitidamente distinto em endo e etoplasma; este é representado, apenas, por delgadissima camada periplastica, cuja flexibilidade permite ao protozoario realisar intensos movimentos metamorficos; o endo- plasma é delicadamente alveolado e contém poucas inclusões; não existem granulaçôes siderofilas.

O nucleo é cariosomico, anterior, sub- marjinal, esferico ou, ás vezes, de fórma irregular; o cariosoma tem volume variavel e pode atinjir 2a 3 u de diametro; zona do suco nuclear vasia; parece existir mem- brana nuclear.

Um corpusculo basal, ligado ao nucleo por um rizoplasto orijem a trez flajelos anteriores, menores que o corpo do flajelado e a um flajelo recorrente livre maior do que ele.

Habitat. Céco de Cavia aperea, C. porcellus e Dasyprocta aguti.

Genero Enteromonas (1) mihi, 1915.

Diagnose. Protomonadinas com um flajelo maicr recorrente e livre e dous menores anteriores, eguaes; corpo globoso sem axostilo, sem citostoma e sem mem- brana ondulante.

Enteromonas hominis, mihi, 1915.

Redescrição. Flajelado de corpo quasi sempre regularmente esferico, 4s vezes com a extremidade posterior afilada em cauda muito curta. Dimensões médias 5 a 6 u de diametro.

Periplasta delgado, porém, suficiente- mente rijido para impedir movimentos meta- morficos do protozoario e, ele, constitue todo o etoplasma. Endoplasma alveolado, contendo frequentemente inclusões muitas vezes constituidas por bacterios. A disposição dos alveolos, não raro, é regular, sendo que, então, nos preparados córados, um deles aparece proximo ao centro do parasito,

(1) De érrs90», intestino words, + unidade.

emquanto os outros formam uma Corda em torno dele. Não existem axostilo, nem citostoma.

Nucleo anterior, esferico, sub-marjinal ou, ás vezes, central, com 1 u de diametro. O nucleo é de tipo protocarion, isto é vesiculoso, com cariosoma e zona do suco nuclear vasia, sem membrana nuclear. Cariosoma central, volumoso e esferico, raramente irregular ou pequeno. Zona do suco nuclear vasia e muito estreita. Não foi visto centriolo.

Flajelos em numero de trez, sendo um recorrente e maior que o corpo eos outros

anteriores menores que ele. Os flajelos p2rtem de corpusculo basal unico, muito pequeno sub-marjinal, colocado anterior-

mente em relação ao nucleo, ao qual está unido por meio de rizoplasto.

O flajelado se reproduz por divisão lonjitudinal; nas primeiras fazes desta, aparecem duas placas cromaticas, em que parece haver distinção de cromosomas ; dous corpusculos basaes dão, nessas fórmas, orijem a dous grupos de flajelos; não raro, entre as placas cromaticas se observa cen- trodesmose que póde ser bastante espessa.

Raramente são encontradas fórmas gran- des com numerosos flajelos irregularmente dispostos; talvez possam essas fórmas ser interpretadas de acordo com a opinião de HARTMANN e CHAGAS, sobre dissociação dejenerativa das fibrilas constituintes do filamento axial de cada flajelo.

Habitat. Intestino de Homo sapiens; o flajelado foi observado em fezes emitidas, menos de cinco minutos antes de exame, por uma doente do Hospital Nacional de Aïienados, acometida: de disenteria, cuja etiolojia permanecia obscura; antes desse primeiro exame, a doente fôra improficua- mente tratada pelo sulfato de sodio, pós de DOWER, calomelanos, electrargol em lavajens intestinaes e injeções de oleo canforado. No fim de 12 dias de molestia a doente veiu a fale- cer. A sintomatolojia era constituida principal- mente por abatimento, evacuações dolorosas, fezes sanguinolentas, lingua saburrosa, ventre timpanico e doloroso; nos dous primeires

dias de molestia, houve lijeira hipertermia (maximo de 370,6 C.), nos dias seguintes a temperatura atinjiu a 380 a 390 C. 4 tarde e 370 a 370,6 C. pela manhá; nos dous ultimos dias de molestia, a temperatura caiu e se manteve a 360 C. O primeiro exame que fizemos das fezes desta doente foi realizado na vespera de sua morte, o que nao nos permitiu fazer O exame bateriolojico das fezes, o qual decidiria do papel etilojico do flajelado.

Genero Chilomitus (1) mihi, 1915. Chilomitus caviæ, mihi, 1915

Descrição. O flajelado apresenta um dimorfismo muito acentuado, havendo, porém, entre as duas fórmas extremas, muitos aspetos intermediarios,

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primento, por cerca de 4 u de largura; o corpo é nitidamente deprimido no sentido lonjitudinal; a extremidade anterior é arre- dondada e larga, a extremidade posterior é afilada, mas náo constitue cauda; um dos dous bordos do corpo é mais espesso e mais convexo que o outro; o citostoma é dirijido obliqua ou quasi paralelamente, em relação ao eixo lonjitudinal do corpo, vindo terminar no limiteentre a borda mais delgada e a extremidade anterior.

Sob outra fórma, o flajelado é curto, tendo cerca de 8 a 10 u de comprimento, por4 a 5u de largura; as extremidades são egualmente arredondadas e muito largas; o corpo é fortemente deprimido no sentido lonjitudinal ; uma das bordas é muito espessa, arredondada e ap-“senta grande convexidade ; a outra borda é muito delgada, quasi,

Esquema da morfolojia de Chilomitus cavie

I—Fórma larga, de perfil. Il—Fórma larga, de face.

Sob uma das fórmas, o flajelado se apresenta alongado, com 12 a17 u de com-

(1) De xeïlos, labio + uiros, fio.

m

III—-Férma longa, de perfil.

IV—Fórma longa, de face. laminar e tem convexidade muito pouco acentuada; o citostoma perpendicularmente dirijido, em relação ao eixo lonjitudinal do corpo, vem terminar na parte mais anterior

da borda delgada. O limite entre a parte laminar e a parte espessa do corpo, forma uma curva nitida, com a concavidade dirijida para a borda delgada, e, 4s vezes, parece se continuar com a linha limitante do citostoma; é ao lado da concavidade dessa curva que, frequentemente, os flajelos se acham escondidos formando um feixe.

O citostoma tem quasi sempre o aspeto de saco, que ds vezes se estreita junto 4 abertura; tem 1, a 2 mu no maximo de largura, por cerca de3a 4 u de comprimento.

Plasma distinto em endo e etoplasma. Este apresenta uma camada periplastica espessa, verdadeira capsula, cuja rijidez impede o menor movimento metamorfico, o resto do etcplasma é hialino e se continua com o endoplasma cujas granulações sidero- filas, irregulares e numerosas se acumulam, principalmente, nas rejióes centraes do pro- tozoario.

Nucleo dificil de distinguir dentre as numerosas granulacdes siderofilas; esta disposto anteriormente, tem cariosoma volu- moso e zona do suco nuclear vasia.

Corpusculo basal tambem dificilmente perceptivel situado proximo ao citostoma, e ligado ao cariosoma do nucleo por meio de um rizoplasto. Deste corpusculo basal, saem para frente, pelo citostoma, quatro flajelos anteriores, todos mais ou menos do tamanho do corpo; nas fórmas largas, ás vezes, eles

formam um feixe cuja extremidade livre se vem ocultar na concavidade limitante da

borda delgada do parasito. Habitat. Céco de Cavia aperea e de C. porcellus.

Familia Hexamitidae KENT, 1880 82. Sinonímia. Distomata KLEBS, 1892, paj. 329; Distomatacee SENN, 1900, pai.

147; Distomatide HARTMANN e CHAGAS, 1910, paj. 118.

Genero Octomitus (1) PROWAZEK, 1904.

Sinonimia. Dicercomoras GRASSI, 1882 ; Hexamita DUJARDIN, 1838, pro parte;

(2) De éx7w, oito + uizos, fio.

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Urophagus MOROFF, 1903, pro parte. Especies conhecidas: O. intestinalis (DUJA RDIN, 1841). O. muris (GRASSI, 1882).

Octomitus muris (GRASSI, 1882).

Sinonimia. Dicercomonas muris GRASS! 1882; Hexamitus muris (GRASSI, 1881) auc- torum.

Redescrição. Corpo em fórma de massa ou de bastão aiongado, ás vezes mais ou menos encurvado, de 9a 10 u de com- primento por 2 e 4 u de largura. Extremidade anterior arredondada, romba e mais larga que a posterior que é afilada, mas não ponte- aguda.

Plasma distinto em etoplasma, cons- tituido pela delgada camada periplastica, e endoplasma pouco distintamente alveolado e contendo poucas inclusões; a zona lonji- tudinal situada na parte média do corpo é mais clara e acompanhada em seus dous lados por duas linhas cromófilas, dependentes do aparelho locomotor do flajelado e con- fundidas quasi sempre com os axostilos de varios Tetramitide; é para essa formação cromatica, identica 4 de Giardia e Cercomonas que propomos conservar o nome de rizostilo, reservado por ALEXEIEFF, para formação analoga dos Rhizomastix; esse ultimo autor justifica a distinçäo entre axostilo e rizostilo dizendo; «Sa fonction n’est pas analogue a celle de Paxostyle. En effet, ce dernier est surtout destiné à maintenir constante la forme du corps et représente ainsi une formation squel- letique, tandis que le rhizosiyle fait partie intégrante de l'appareil flagéllaire.» Esses dous rizostilos são paralelos e separam, para fóra, duas zonas mais escuras afiladas pas- teriormente; nestas zonas existem muitas vezes granulos cromófilos, mais ou menos volumosos e esparsos.

Em continuação aos rizostilos, saem da extremidade posterior do parasito dous fla- jelos caudaes delgados e menores que o corpo.

Na extremidade anterior das zonas late- raes escuras do corpo, estão os dous nucleos alongados, simetricamente dispostos e for-

mados de granulações cromaticas irregulares.

Estes nucleos estão ligados a dous cor- pusculos basaes marjinaes, colocados sime- tricamente na extremidade anterior do protozoario. De cada corpusculo basal, saem, para frente e para um lado, trez flajelos do tamanho dos posteriores.

Habitat. Intestino de Mus musculus, forma cinzenta e férma albina; de Mus norwegicus, fórma cinzenta e albina, e de Mus rattus,

Genero Giardia KUNSTLER, 1882.

Sinonimia. Cercomonas DUJARDIN, 1841, in LAMBL, 1859; Dimorphus GRASSI, 1579 (nom. preoc. por aracnideos); Hexa- mitus DUJARDIN, 1841, ¿n DAVAINE, 1875; Lamblia BLANCHARD, 1838; Megas- tema GRASSI, 1881 (nom. creado por BLAINVILLE, para moluscos; por COSTA, em 1850, para peixes; por SWAINSON, em 1837, para aves; por MEGERLE e MÜHL- FELD, para moluscos).

Especies conhecidas:

Giardia agilis KUNSTLER 1882.

G. alata KUNSTLER ef GINESTE, 1907.

G. cuniculi (BENSEN, 1908).

G. intestinalis (LAMBL, 1859).

G. microti KOFOID et CHRISTIANSEN,

1915.

G. muris (BENSEN, 1907).

Morfolojia. Flajelados em geral pirifor- mes ou claviformes, providos de ventosa discoide que ocupa toda a parte anterior da celula, cuja porgáo restante se vae progressi- vamente afilando, até terminar em um prolon- gamento caudal flexivel.

Plasma constituido de periplasta resis- tente que sósinho representa todo o etoplas- ma, e endoplasma de estrutura mais ou menos granular, desprovido de granulacóes e de alveolos. Não ha movimentos metamorficos.

O plasma é separado por filamentos cromótilos em rejióes diferentes pela espes- sura e colorabilidade que apresentam.

Dous nucleos com cariosoma central cercado de zona do suco nuclear vasia; mem- brana nuclear espessa e fortemente cr mó- fila. No centro do cariosoma existe, ás vezes,

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centriolo cromatico; outras vezes, se observam duas a quatro pequenas granulações de cromatina. No polo anterior de cada nucleo, existe uma granulação cromatica baciliforme, aderente á membrana nuclear e ligada ao cariosoma por meio de fino rizoplasto. Adeante do espaço intermediario entre os dous nucleos, existe, formando um arco de concavidade anterior, um grupo de quatro granulos cromaticos perfeitamente identicos aos corpusculos basaes ; esses granulos estão ligados entre sie ás granulações bacilares da membrana nuclear, por meio de rizoplasto. Dos dous granuios externos desse grupo, saem dous filamentos que se encurvam para deante de modoa virem se cruzar na linha média; a curvatura continúa até que o fila- mento encontra a superficie da celula, no ponto mais lateral da extremidade anterior ; nessa ocasião, os dous filamentos soltam-se para o exterior, como flajelos livres. Dos dous granulos internos do grupo, saem dous filamentos cromaticos que caminham retos e paralelos até a extremidade posterior, donde tambem se continuam como dous flajelos caudaes; foram esses dous filamentos axiaes do parasito que, como os dos Octomitus, varios autores confundiram com o axostilo típico dos Trichomonas e Trichomastix; a esses dous filamentos, pelas mesmas razões que expuzemos para o caso dos Octomitus, deve caber a denominação de rizosti/os. Dos mesmos granulos donde partem os rizostilos saem, para cada lado, dous outros filamentos; de cada lado um deles se encurva para fóra e depois para deante, de modo a descre- verem um ovoide em torno de cada nucleo e se terminarem no ponto de emerjencia dos flajelos anteriores; os outros dous fila- mentos caminham lijeiramente encurvados para fóra e para traz e terminam na super- ficie do parasito, ao nivel da união do terço médio com o terço posterior, ponto em que se continuam livres no exlerior como fla- jelos lateraes. Na parte média de cada rizos- tilo existe uma granulação, cromatica bacili- forme, donde emerjem dous flajelos medi- anos elivres que, quasi sempre, caminham paralelos para um lado, descrevendo duas

curvaturas que dão a cada um deles a confor- mação de um S italico.

Pouco para traz do ponto de emerjencia dos flajelos, existe um corpo cromófilo de natureza cromidial, cuja fórma serve de carater especifico e cujo papel fisiolojico é total- mente ignorado.

Giardia cuniculi (BENSEN, 1908).

Sinonimia. Cercomonas _ intestinalis LAMBL, 1859, pro parte; Hexamitus duode- nalis DAVAINE, 1879, pro parte; Lamblia intestinalis BLANCHARD, 1880, pro parte; Lamblia cuniculi BENSEN, 1908; Megastoma entericum GRASSI, 1881; Megastoma intes- tinalis BLANCHARD, 1886.

Descrição. Corpo com 10 a 20 u de comprimento por 6 a 12 y de largura, for- mado de grande parte anterior discoide que se continua para traz pelo prolongamento caudal que comeca meio bruscamente ao nivel do equador do disco anterior.

Nucleos ovoides e cariosomicos; cario- somas frequentes vezes com diversas granu- laçôes cromaticas em seu interior. Corpus- culos basaes do grupo quadruplo anterior, bastante afastados uns dos outros, formando arco de curvatura pouco pronunciada.

Cromidio alongado, perpendicular ou obliquo em relaçäo ao eixo do animal; ás vezes é triangular, outras vezes é constituido por duas barras cromaticas mais ou menos encurvadas e ligadas entre si poruma extre- midade; geralmente lateral; esse cromidio se distingue por esse fato dos das especies seguintes.

Flajelos eguaes, delgados, mais ou menos com comprimento egual a metade do tamanho do corpo.

Habitat. Intestino delgado de Coendu villosus e de Oryctolagus cuniculus.

Giardia intestinalis (LAMBL, 1859).

Sinonimia. Cercomonas intestinalis LAMBL, 1859, pro parte; Hexamitus duode- nalis DAVAINE, ‘1875, pro parte; Lamblia intestinalis, BLANCHARD, 1888, pro parte; Megastoma entericum GRASSI, 1881, pro

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parte; Megastoma intestinale BLANCHARD, 1886, pro parte.

Descrição. Dimensões variaveis e identicas ás da especie precedente; fórma do corpo analoga; apenas o afilamento do parasito para a parte posterior se faz menos bruscamente; extremidade caudal menos afilada.

Nucleos ovoides, cariosomicos; carioso- mas frequentemente ligados por meio de rizoplastos aos corpusculos basaes; estes estão no grupo quadruplo, formando arco de conca- vidade posterior e de curvatura pouco acen- tuada. A’s vezes, não existe cariosoma e a cromatina se acha aderente á membrana nuclear, geralmente no pólo posterior do nucleo, onde constitue uma barra em crecente.

Cromidio em bastonete, perpendicular- mente disposto em relação ao rizostilo, geral- mente mediano, raramente um tanto lateral, o que faz confundir ás vezes este flajelado com o precedente.

Flajelos mais ou menos do tamanho de metade do comprimento do corpo.

Habitat. Intestino de Homo sapiens e de Cebus caratá.

Giardia muris (BENSEN, 1908).

Sinonimia. Cercomonas intestinalis LAMBL, 1859, pro parte; Dimorphus muris GRASSI, 1879; Hexamutus duodenalis DAVAI- NE, 1875; Lamblia intestinalis BLANCHARD, 1888; Lamblia muris BENSEN, 1908; Megas- toma entericum GRASSI, 1881; Megastoma intestinale BLANCHARD 1886.

Descrição. Dimensões variam como nas especies precedentes, sendo, porém, o corpo mais largo e mais curto na G. muris que nas outras especies do genero. Ventosa anterior relativamente maior, afilamento pos- terior mais brusco, extremidade caudal quasi ponteaguda e mais bruscamente formada.

Nucleos mais arredondados que nas espe- cies precedentes, ora cariosomicos, ora com cromatina aderente a um dos polos.

Os corpusculos basaes formam um grupo em linha fortemente encurvada, de conca- vidade posterior.

Flajelos curtos como nas especies prece- dentes.

Habitat. - norwegicus.

Intestino delgado de Mus

Anexo Genero Selenomonas (1) PROWAZEK, 1913.

Sinonimiu, Ancyromonas KENT, 1880 82. Selenomastix WOODCOCK ef LAPAGE, 1913.

Selenomonas ruminantium (CERTES, 1889).

Sinonimia. Ancyromonas ruminantium CERTES, 1889; Selenomastix ruminantium WOODCOCK ef LAPAGE, 1913.

Historico. Em 1889, CERTES colocou no genero Ancyromonas de KENT um interes- sante protista que ulteriormente PROWAZEK verificou dever ser separado do genero Ancy- romonas para constituir novo genero, cujas relações de semelhança com Spirillum sputigenum o mesmo autor verificou.

Descrição. Parasito em fórma de cre- cente com dimensões muitissimo variaveis, frequentemente entre 8 a 20 u de compri- mento, por cerca de 3 u de largura.

Espessa e rijida membrana celular, com caracteres fisicos da celulose, envolve toda a celula. Plasma de estrutura alveolar dificilmente verificavel.

Cromatina ás vezes esparsa pelo plasma, outras vezes condensada em uma granulaçäo cromatica, ás vezes dupla, disposta junto á membrana celular, na concavidade do crecente.

(1) De 02%, lua + uovds, unidade.

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Dessa granulação cromatica, parte um espesso flaielo mais ou menos do compri- mento do corpo.

A’s vezes o flajelo é duplo ou multiplo no primeiro caso a interpretação verosimil é de estar o fato relacionado com a divisão transversa habitual no protista. No segundo caso parece tratar-se de fenomenos dejene- rativos.

Habitat. Céco de Cavia aperea, C. porcellus e Dasyprocta aguti.

Nota. O parasito é descrito como encontrado no estomago dos ruminantes domesticos e selvajens (CERTES, KERAN- DEL, DOMIZIO, PROWAZEK) nos glanglios linfaticos de cobaio (SPLENDORE), no sangue de falcão, etc. Foi ele pela primeira vez encontrado nos trez roedores que citá- mos pelo Dr. ARISTIDES MARQUES DA CUNHA o qual sobre o asunto havia publi- cado, em 1915, uma nota prévia. Alguns autores descreveram como fase evolutiva de Selenomonas outros protistas do estomago de ruminantes: pequenas celulas redondas, sem organs locomotores aparentes e de ex- trema mobilidade. Parece não dever prevalecer esta opinião.

Nenhuma certeza existe si o parasito em questão é ou não um flajelado; o nucleo individualizado, o flajelo espesso parecem corroborar essa conclusão; a presença, porém, de membrana celular tão semelhante á dos vejetaes, a divisão transversa do protista deixam muitas duvidas, sobre a conclusão a tirar. No caso de ser um flajelado, a que ordem deveiia pertencer? por grande concessão poderia ser incluido, no sistema de HARTMANN, entre as rizomastijinas.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

ALEXEIEFF, A.

1908

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1910

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Sobre os flagellados dos mamiferos do Brazil. (22 nota prévia) Um novo parasito do homem. Braz. medico. N. 36 de 1915 (22 de Setembro). Rio de Janeiro.

Etudes sur les Microzoaires ou Infusoires preprement dits. Paris.

Zur Pathogenität der Flagellaten. Ein Fall von Tetramitiden- diarrhæe. Arch. f. Protistenkunde. Vol. 34, pp. 1- 34, 2 est.

Notes de parasitologie. Cbl. f. Bakteriologie. Vol. 27, pp. 305- 309.

Notes de parasitologie. B. Parasites animaux. Cbl. f. Bakte- riologie. P. 1. Orig. Vol. 44, pp. 523-532. Cf. pp. 528-529, 1 fig. Lausanne.

Mouvements amiboides et ondulatoires chez les infusoires flagellés. Compt. rend. de la Soc. de Biol. An. 63, t. 1, pp. 1014-1016. Bordeaux. j

Chromidies et dnalité nucléaire chez les flagellés. Compt. rend. de la Soc. de Biol. An. 65, pp. 405-408.

L’ « appareil nucléaire» de quelques Cercomonades. Compt. rend. de la Soc. de Biol. An. 65, pp. 408-410.

Lamblia sanguinis, n. sp. (Gonder). Arch. f. Protistenkunde. Vol. 21, pp. 208-212, 1 fig. Transvaal.

Ad alcuni protisti endoparassitici et appartenenti alle classi dei Flagellati, Lobosi, Sporozoi e Ciliati. Cf. pp. 10-47, 2 est. Rovellasca.

Les protozoaires parasites de l’homme. Arch. ital. de Biol. Vol. 9, pp. 4-6.

Morfologia e sistematica di alcuni protozoi parassiti. Rendi- conti Acad. dei Lincei. 42 serie, sem. de 1888, pp. 5-12 Roma.

Significato patologico dei protozoi parassiti dell’uomo. Ren- diconti Acad. dei Lincei. 44 serie. sem. de 1888, pp. 83-89.

Beitrag zur Kenntniss des Megastoma entericurz. Zeitschr. f. wiss. Zoologie. Vol. 46, pp. 143-154, 1 est.

Recherches sur les animalcules se développant dans l’estomac et dans les intestins des animaux herbivores et carnivores. Compt. rend. de l’Acad. de Sc. Vol. 17, pp. 1304-1308.

System der Protozoen. Arch. f. Protistenkunde. Vol. 10, pp. 139-158, 3 fig.

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LEITAO, Dr. MELLO 1912

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Studien iiber parasitische Flagellaten 1. Monocercomonas ce- toniae, n. sp. Arch. f. Protistenkunde. Vol. 23, pp. 311-318, 1 est. Miinchen.

Ueber Infusorien im Sputum. Arch. f. pathol. Anat. u. Physio- logie. Vol. 65, pp. 471-474, 2 fig.

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Flagellatenstudien. Theil I. Zeitschr. f. wiss. Zoologie. Vol. 55, pp. 265-351, 4 est.

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Untersuchungen an Trichomonaden. Arch. f. Protistenkunde. Vol. 33, pp. 119-204, 6 est., 4 fig. Rostock.

Sur cinq Protozoaires parasites nouveaux. Compt. rend. de PAcad. des Sc. Vol. 95, pp. 347-349. Paris.

Recherches sur les infusoires parasites. Sur quinze Protozoat- res nouveaux. Compt. rend. de l’Acad. des Sc. Vol. 97, pp. 755-757. Paris.

Recherches sur la morphologie du Trichomonas intestinalis. Compt. rend. de l’Acad. des Sc. Vol. 123, pp. 839-842. Paris.

Contribution à la morpholugie des Protozoaires supérieurs. Compt. rend. de l’Acad. des Sc. Vol. 142, pp. 294-296. Paris.

Giardia alata (nov. spec.). Compt. rend. de l’Acad. des Sc. Vol. 144, pp. 441-443, 1 fig. Paris.

Sur Ja morphologie et la systématique des flagellés à membra- ne ondulante (genres Trypanosoma Gruby et Trichomonas Donné). Compt. rend. de l’Acad. des Sc. Vol. 133, pp. 131-137, 5 fig. Paris.

Importancia dos flagellados nas dysenterias da infancia. Arch. brasileiros de Med. An. 2, n. 5, pp. 582-590. Rio de Janeiro.

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Ein Fall von Infusorien im Typhustuhl. Arch. f. pathol. Anato- mie. Vol. 64, pp. 293-294, 1 est., 1 fig.

Bemerkung zu der Arbeit. v. Dr. Miura. Cbl f. Bakteriologie. Vol. 16, pag. 74. Marburg.

Ueber das Vorkommen von Trichomonas im Harne eines Man- nes, nebst. Bemerkungen über Trichomonas va-

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Cocal parasites of fowls, etc. Quart. J. of microsc. Science. Vol. 57, pp. 53-81, 5 est.

Récherche des Kystes d’amibes dans les selles de l’homme. Bul. de la Soc. Méd. Chirurg. de l’Indochine. Vol. 4, pp. 334-350, 4 est. Hanoi.

Troubles intestinaux dus au protozoaire flagellé Lamblia in- testinalis (Lambl, 1859). Bul. de la Sac. Med. Chirurg. de l’Indochine. Vol. 5, pp. 55-62, 2 est.

Uber Cercomonas coli hominis. Deutsch. Arch. f. Klin. Medi- zin. Vol. 49, pp. 51-55, 1 fig.

Beitrag zur Emetinbehandlung der Ruhr. Die Wirkung des Emetins bei der Lamblienruhr. Minch. med. Wochenschr. An. 61, pp. 241-242. Hamburg.

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PERTY. M.

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1893

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1912

1909

1904 1910

1887

1888

1888

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31 =>

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Infection humaine due à Tetramitus Mesnili. Bul. de la Soc. Path. éxot. Vol. 5, pp. 495-499, 1 est. Paris.

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A dysenteria amebica na infancia. Braz. med. An. XVIII, nos 32-35, pp. 321-323, 331-334, 341-345. Cf. pag. 332.

Su alcuni flagellati endoparassitici. Arch. f. Protistenkunde. Vol. 19, pp. 232-239, 1 est. Milano.

Ueber die Einkapselung des Megastoma intestinalis, Cbl. f. Bakteriologie. Vol. 2, pp. 738-739. Turin.

Encapsnlement du Mégastoma intestinal. Arch. ital. de Biol. Vol. 9, pp. 165-167.

Note sur l’enkystement du Mégastoma intestinal. Bul. de la Soc. Zool. France. Vol. 13, pp. 16-18. Turin.

Ueber die Art der Verbreitung des Cercomonas intestinalis. Cbl. f. Bakteriologie. Vol. 4, pp. 220-221. Turin.

I parassiti dell’uomo e degli animali utili e la piú comuni mallatie da essi prodotte. Milano.

Une maladie mortelle du Lapin produite par la Lamblia in- testinalis de l’homme et du rat. Bul. de la Soc. Zool. France. Vol. 27, pp, 151-155, 1 fig.

Zur Kenntniss kleinter Lebensformen nach Bau, Functionen, Sistematik, etc. Bern.

Sur un flagellé rencontré dans une éruption vulvo-vaginale pustulo-ulcereuse, chez une bufflesse. Compt. rend. de la Soc. de Biol. An. 63, t. 1, pp. 624-625. Paris.”

Kleine Protozoenbeobachtung. Zool. Anzeiger. Vol. 22, pp. 339-345, 1 fig. Cf. pag. 335. Karlsdorf.

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Beitrage zur Kenntniss der Protozoen und verwandte Orga- nismen von Sumatra (Deli). VII. Arch. f. Protis- tenkunde. Vol. 26, pp. 250-274, 3 est., 1 fig. Cf. pp. 253-255.

Zur Parasitologie von Westafrica. Cbl. f. Bakteriologie. Orig. P. 1. Vol. 70, pp. 32-36, 1 est. Cf. pp. 35-36.

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Ueber Infusoriendiarrhoe. Deutsch. Arch. f. Klin. Medizin Vol. 51, pp. 595-526.

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Quelques remarques sur le Trichomonas vaginal de Donné. Compt. rend. de l’Acad. des Sc. Vol. 40, pp. 1076- 1077. Paris.

Ueber parasitare Protozoen (Trichomonas pulmonalis) im Auswurf. Miinch. med. Wochenschr. N. 51 de 1895, pp. 1181-1182, 1 fig. Bonn.

Ueber den Schleim u. seine biologische Bedeutung. Biol. Cb]. Vol. 23, pp. 457-468.

Ueber des Vorkommen von Flagellaten im Darmkanal des Menschen. Cbl. f. Bakteriologie. Vol. 18, pp. 324- 327, 9 fig. Hannover.

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Der Organismus der Infusionsthiere. II Der Organismus der Flagellaten oder Geisselinfusorien. Leipzig.

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ESA ip ok

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A new flagellate (Macrostoma Mesnili, n. sp.) from the human intestine with some remarks on the supposed cysts of Trichomonas. Parasitology. Vol. 3, pp. 210-216, 1 est., 2 fig.

Ueber Flagellaten (Trichomonas) in der Lunge eines Schwei- nes bei lobulären Pneumonie. Cbl. f. Bakteriolo- gie. Orig. P. 1. Vol.2 1, pp. 721-725. Marburg.

On a remarkable new tipe of protistan parasite. Quart. J. of microsc. Science. Vol. 59, pp. 431-457, 2 est.

Eitertiberschwemmung des Magendarmkanals aus Nasennebe- nhohlenempiemem, nebst einer Bedeutung des Flagellaten befundes im Magen. Deutsch. med. Wochenschr. An. 36, pp. 798-800.

= —a 2 ARO

AN E

Esplicacáo das estampas 1 e 2.

Figura

1 Sphaeromonas communis,

2 Sphaeromonas iibetanzt.

3 Callimastix frontalis.

4 Chilomastix bittencourti.

5 Forma atipica de Chilomastix caprae.

6 Forma habitual de C. caprae.

7 Estadio muito adiantado de divisäo binaria de C. caprae.

8 Chilomastix intestinalis.

9 Chilomastix cuniculi.

10 Chilomastix mesnili.

11 Chilomitus caviae; nucleo não visivel.

12 C. caviae; nucleo visivel, fla- jelos nao visiveis.

13 Enteromonas hominis; flajelos em sua posicáo habitual.

14 E. hominis; aparelho nucleo- flajelar completo; flajelos em posição anormal.

15 e 16 Fórmas de E. hominis sem flajelos visiveis.

17 Trichomastix caviae; axostilo náo visivel.

18 Trichomonas caviae; nucleo sob a fórma de granulaçôes chro- mofilas, das quaes uma maior parece representar o carioso- ma.

19 Trichomonas muris; nucleo in-

dividualizado; corpusculo chromatoide presente.

Figura 20 Trichomonas hominis; costa da

membrana ondulante nao dis- tinta das granulações chroma- ticas proximas.

21 Trichomonas tatusi; axostilo näo visivel.

22 Octomitns muris.

23 Giardia cuniculi; cariosomas contendo tres granulacdes chromaticas cada um e liga- dos aos corpusculos basaes por meio de rhizoplastos.

24 Giardia intestinalis; carioso- mas pequenos; chromidio alongado, um pouco lateral e obliquamente dirigido ; borda posterior chromofila da ventosa, visivel.

25 G. intestinalis, de perfil; ri- zostilo e rizoplastos repre- sentados por duas linhas chro- maticas paralelas; vé-se um dos nucleos com seu cario- soma.

26 Giardia muris; nucleos sem cariosoma e com uma granu- lacio em crescente em seu polo posterior.

27 Fórma multiflajelada de Sele- nomonas riminantium; forma do corpo e disposiçäo da chromatina normaes.

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ ESTAMPA 1 TOMO VIII—1916

RUD. FISCHER, del.

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ ; ESTAMPA 2 TOMO VIII—1916

RUD. FISCHER, del.

Sobre alguns Curculionidas que vivem nos bambús

pelo Dr. A. da Costa Lima

Alem das especies que foram citadas em trabalhos anteriores temos a acrecentar, na lista dos colideos que se criam em bambús, majs as seguintes: +.

Rhinestus pertusus DALMAN.

Rhinastus pertusus, DALM. SCHH. Gen. Curcul. Ill, p. 557 (1836).

Rhinastus pertusus, LACORD. Gen. Col. VII, p. 35 nota 2 (1866).

Rhinastus elephas, DUPONT. DEJ. Catal. Col. 3 édit., p. 308 (1837)

Os Srs. RUDOLPH FISCHER e AR- NALDO LUCE, examinando taquarussús (Chusquea gaudichaudii KUNTH), em Hansa Humboldt (Estado de Santa Catharina), a 27 de Julho de 1915, deram com esta especie dentro dos internodios, em estado larvario e de imajem ainda incluida no casulo.

Larva, bem desenvolvida, com ¡0a 80 milimetros de comprimento por 15 a 20 de largura, no meio do corpo. Branca, exceto o segmento cefalico que é pardo e uma placa cornea transversal sobre o dorso do torax parda clara. Cabeca mais comprida que larga e mais estreita que o resto do corpo, com algumas cerdas na face superior. Clipeo e labio pequenos, este de cór parda mais escura, com pélos pequenos na borda

=

anterior e alguns maiores sobre a face supe- rior. Antenas rudimentares, constituidas por dois pequinissimos articulos, situadas na marjem anterior da cabeça, nos extremos da sutura clipeal.

Mandibulas robustas, pardo escuras, com os apices negros.

As maxilas apresentam uma peça basal (cardo) e um estipe desenvolvido, com alguns pêlos, na extremidade do qual se articula, do lado externo um palpo rudimentar com dois pequenos articulos e, do lado interno, uma peça mais curta que o palpo (galea) guarnecida de alguns pêlos curtos na extre- midade. Mento espesso, labio desenvolvido com um par de palpos rudimentares de dois articulos, semelhantes aos palpos maxilares.

Torax com uma placa cornea transver- sal no dorso, cobrindo os segmentos proto- racico e mesotoracico. Esternites toracicos com trez pares de tuberculos segmentados com cerdas na extremidade.

Segmentos abdominaes gradativamente aumentando do ao 8°; exiremidade pos- terier do ultimo achatada e deprimida no meio. Nove pares de estigmas; um toracico e oito abdominaes.

O macho désta especie, encontrado no mesmo logar, difere da femea pelo tamanho

== 4

menor, pelo rostro não serrado em baixo e pela saliencia conica e curta do prosterno.

Desmosomus longipes PERTY.

Desmosomus longipes, PERTY, Del. Anim. Art. p. 82, t. XVI, f. II (1830). Desmosomus longipes, LACORD. Gen. Col. VII, p. 48 (1866).

Desmosomus longipes, TASCHENB. Die exot. Kafer, p. 231, t. XXXI, f. 39 (1908).

Litomerus lineatus, BHN. SCHH. Gen. Cure. III, p. 574 (1836).

Litomerus lineatus, SCHH. Gen. Curc. VIII, p. 17 (1844).

Litomerus trivittatus, DEJ. Catal. Col. 2. ed p. 285; 3 ed. p. 309 (1837). Litomerus vittatus STURM. Cat., p. 97

(1826).

O Snr. FISCHER, numa excursáo que fez á Gavea (Rio de Janeiro) em fins de Junho, observou uma especie de taquára com internodios furados e abrindo outros inteiros encontrou imajens deste colideo saidas do casulo.

Astyage punctulata n. sp.

Esta especie, que julgo náo ter sido ainda descrita, foi gentilmente enviada pelo Sr. R. VON IHERING que a encontrou em S. Ber- nardo (Estado de Sáo Paulo) em Outubro de 1914, dentro de internodios de um bambú, vulgarmente conhecido pelo nome de taguá- ra póca (Merostachys clausseni MANSO, var. mollior DOELL).

Emquanto que no Astyage lineigera PASC, o apice do escapo das antenas excede um pouco a borda inferior do olho, nesta espe- cie ele nao excede distintamente; como o A. lineigera tem o 10 articulo des tarsos maior do que o segundo.

Especie oblongo-ovoide, negra, com es- camas ocraceo-claras e ferrujinosas, uma estria lonjitudinal no meio do pronoto, de cór fer- rujinosa ou alaranjada e duas cintas de cór creme sobre as elitras; a primeira situada entre o terco medio e posterior e formada, de cada lado, por uma mancha externa, duas

vezes mais comprida que a outra interna (entre a margem exterior da elitra e a mancha mais larga ha um intervalo de trez sulcos lonjitudinaes; entre a mancha interna e a sutura fica apenas um sulco); a segunda sobre os extremos das elitras, acompanhando paralelamente a borda até perto da sutura.

Rostro pouco arqueado, negro; marjem orbital com escamas ocraceas.

Antenas insertas perto do meio do rostro, castanhas, com a clava um tanto enegrecida; primeiro articulo do funiculo um pouco mais longo que os dois seguintes reunidos. Olhos aredondados e um pouco salientes.

Protorax conico, com a base lijeiramen- te bisinuada, a largura na base maior que o comprimento no meio; apresenta, de cada lado, uma larga faixa de côr creme, acima da coxa anterior, constituida por escamas largas e imbricadas, continuando-se sobre o mesoepisterno, o mesoepimero e o me- taepisterno.

Escutelo pequeno.

Elitras com as cintas descritas, forma- das por escamas iguaes ás que constituem as faixas lateraes do torax, com series pa- ralelas e lonjitudinaes de granulos e, entre estes, depressões com escamas pequenas e finas de côr creme e algumas mais largas ocraceas e ferujinosas.

Face inferior do corpo revestida de es- camas largas e imbricadas; a côr predomi- nante nestas escamas é a ferrujinosa ou ala- ranjada; ha, comtudo, escamas de côr creme principalmente na parte posterior dos segmen- tos abdominaes

Femures (principalmente os posteriores) com escamas de côr creme e ferrujinosa na metade basal e com um pequeno dente agudo em baixo. O apice dos posteriores atinje a extremidade do abdome sem excedel-a.

Comprimento: 14,5 mm.

Nem todos os colideos atacam bambús. Ha bem pouco tempo BONDAR, em São Paulo, verificou que o coqueiro (Cocos nuci- fera L.) e outras especies de palmeiras são atacadas pelo Amerhinus ynca SAHLBERG. (Pela figura e pela descrição que o autor

=== a

jnlgo tratar-se da A. ynca e não do A. pan- | FAHRAEUS parasitam tambem algumas das therinus OLIV.) nossas palmeiras indijenas.

Verificou tambem O mesmo autor que o Homalonotus coriaceus GYLLENHAL, o H.

M inh Out de 1915. deplanatus SAHLBERG e o Cholus parcus anguinhos, Outubro de

Contribuição para o estudo da biolojia dos culicidas.

Observacóes sobre a respiracáo nas larvas pelo Dr. A. da Costa Lima.

(Com 3 figuras no texto.

——— es:

No numero de Janeiro de 1915 do “The Indian Journal of Medical Research”? veiu um artigo do Snr. S. K. SEN sobrea respi- ração dos culicidas. Em um addendum ao citado artigo o autor faz algumas considera- ções a respeito do meu trabalho: “Observa- tions on the respiratory process of mosquito larvae’ que fora anteriormente publicado nestas Memorias (Mem. do Inst. Oswaldo Cruz. VI, 1, 1914. pj. 18)

Criticando o dispositivo que empreguei (Fig. 1) para conservar as 'arvas sem respirar o ar livre, o autor faz algumas considerações a respeito das bolhas de ar que, ás vezes, apareciam em minhas experiencias. Quando tal acontecia eu dava a experiencia como interrompida e, depois de retirai-as, recomeçava a contar o tempo, tratando-se assim de nova experiencia. O aparecimento de taes bolhas era devido ao seguinte fato: eu enchia os dois vasos, quer o externo, quer o interno, com agua bem arejada da torneira do enca- namento e deixava o dispositivo ficar em um lugar em que a temperatura do ambiente era, ás vezes, relativamente elevada; nestas condições, uma parte do ar, que se achava em dissolução, desprendia-se da agua evinha

formar pequenas bolhas sob a placa obturadora do frasco interno.

Fig 1.

O autor diz mais, que fiz apenasuma expe- riencia empregando agua fervida, para mostrar como as larvas pouco tempo duram nesse meio, entretanto em meu trabalho ha duas experi- encias em que empreguei agua recentemente fervida.

Ele acha tambem que o efeito da remo-

Se ee

çäo dos foliolos foi seguido de resultados muito discordantes, nas 6 larvas observadas. Os resultados que o Snr. SEN taxa de discor- dantes indicam claramente que a larva, mesmo privada dos foliolos branquiaes, ainda vive durante algum tempo debaixo dagua; tal fato s6 pode ser explicado pelas trocas gazosas atravez do tegumento da larva. Por outro lado, larvas com os foliolos branquiaes demoram muito mais tempo, mostrando assim O papel importante que desempenham esses organs na respiração das larvas. Si o Snr. SEN tivesse feito a ablaçäo dos foliolos de uma larva, como a de Limatus Durhami THEOB., isto é, dotada de foliolos que apresentam abundante ramificação traqueal, o que per- mite, mesmo em normaes condições de existencia, manter-se a larva durante muito tempo sem vir á tona dagua, certamente náo diria que a eliminação dos foliolos parece nao ter senáo pequeno efeito sobre a respi- ração larvaria. A terceira objecáo feita pelo Snr. SEN é de todas a mais extranha; é ela a seguinte: “Thirdly, the introduction of food might possibly have brought in air particles entangled in the stuff, and if the food was principally vegetable it must pre- sumably have evolved oxygen in confinement and may thereby have kept the larvae alive.’’ Ainda nao pude verificar em que trecho do meu trabalho do Snr. SEN foi descobrir que eu introduzia alimento para as larvas. Talvez ele tenha chegado a essa conclusáo pela leitura do trecho em que eu digo: “Small larvae having enough food in the vessel used for the experiment, etc, etc.” É evidente que eu dizendo “enough jood for the small larvae’ em uma agua limpa e arejada, refiro-me simplesmente á flora e á fauna microscopicas que sempre existem em qualquer agua potavel. Assim, eu não me referi á introdução de particulas de materia organica na agua das minhas experiencias, cousa que nunca fiz, mesmo porque, si o fizesse, teria como resultado a morte das

larvas que estivessem nesse meio, muito antes de outras que estivessem em condições identicas, porem vivendo em agua limpa; a morte das primeiras seria devida ao gaz carbonico desprendido pela materia organica, logo que esta entrasse em decomposição.

Ele diz mais:

“Fourthly, when the water was being changed, was suffici- ent precaution taken to prevent the formation of air bubbles which often occur as a conse- quence of general agitation of the water ?’’.

A simples inspeçäo do meu (Fig. 2) para o

dispositivo renovamento da

agua

| Il

qi il

|

fl il

|

ut

|

Fig. 2.

prova que essa objeção não tem a menor razao de ser. A agua, saindo devagar, por sifonajem, do vaso interno, era lentamente substituida pela que se achava, desde o dia anterior, no vaso externo; nestas condições, como poderia haver a formação de bolhas

O O en

de ar, uma vez que náo se produzia a menor ajitação da agua.

Finalmente o Snr. SEN descreve e figura um dispositivo pelo qual ele verificou que as larvas, mergulhadas, raramente viviam mais de 7 horas.

Embora ele näo as dimensôes do tubo em que colocava as larvas, vé-se, no desenho, pela comparaçäo das dimensôes da larva com as do tubo, que devia ter este mais ou menos uns 9 centimetros de comprimento por 1 de diametro. Ora, compreende-se que, com um frasco destas dimensões, e talvez com agus pouco arejada ou pouco limpa, ele obtivesse os resultados descritos» uma vez que a agua do vaso externo pouca ou nenhuma influencia podia exercer sobre a larva que estava na agua do tubo.

A duração da vida da larva depende não da maior ou menor quantidade de agua contida no frasco, em que ela se acha, como tambem da qualidade dessa agua.

Eu acredito que o insucesso das expe- riencias do Snr. SEN foi em grande parte devido ao emprego de agua pouco arejada, quando eusempre me utilisei de uma agua clara, ser nela colocar nenhuma particula de materia organica.

A agua potavel do Rio de Janeiro excelente agua para experiencias, porque naturalmente pura e bastante arejada.

Não obstante ter certeza absoluta das conclusões, externadas no trabalho anterior, fiz novas experiencias, na presença do Dr. LUTZ, que agora publico e que servem para mais uma vez corroborar O que eu ja dissera; isto é:

Oy O

As larvas dos culicidas, em normaes condições de existencia, respiram ar livre pelo sifão respiratorio; nem por isso, espe- cialmente nas primeiras fases da evolução, deixam de absorver oxijenio dissolvido n'agua, realisando-se as trocas gazosas principal- mente ao nivel dos foliolos branquiaes.

Privadas do ar livre, as larras podem manter-se vivas durante tempo mais ou menos longo, vivendo entío exclusivamente á custa do ar disolvido n’agua.

A duração da vida das larvas sem res- pirar ar livre varía:

10 conforme a idade da larva; as mais novas resistem muito mais que as velhas, prestes a se transformar. 20 conforme a es- pecie da larva; as com foliolos de ramificação traqueal abundante vesistem mais que as que têm pequeno numero de ramificações traque- aes nos foliolos;

30 conforme a qualidade da agua em que ela fica mergulhada; na agua impura, ou recentemente fervida, como tambem em agua impregnada de gaz carbonico elas morrem na maioria muito antes de larvas da mesma idade e procedencia mergulhadas em agua limpa e arejada.

Esperiencias:

Experiencia 1.

12 de Abril. Em um tubo de ensaio, de 15cm. por 2 cm, introduzi 2 larvas: uma de Culex cingulatus. FABR., outra de Stegomyia calopus MEIG., (3,5 mm). O tubo foi fechado a tela de arame, conforme fez SEN e mergu- lhado em cuba, com agua. A’ 14 ainda estavam vivas. Morreram a15 pela manha.

Experiencia 2.

13 de Abril. Em um tubo de ensaio das mesmas dimensões com agua recentemente fervida introduzi 2 larvas da mesma especie e das mesmas dimensões que as da experiencia n°1.O tubo, fechado com tela de arame, foi mergulhado numa cuba com agua tambem recentemente fervida, ás 19,50:

Ás 20 horas ambas as larvas vivas.

No dia seguinte, ás 8 horas da manhã, achei as larvas mortas.

Experiencia 3.

12 de Abril. 3 larvas de Stegomyia com as seguintes dimensões: 6mm, 5mm e 4, 5mm.

A 10 e a ultima foram introduzidas em uma cuba de vidro (0m, 20 de altura por 0,m 15 de diam.) com agua limpa e arejada. Esta cuba foi mergulhada em outra (0,m 40 de altura por 0,130 e dim.) contendo agua, ás 20 horas.

Fechei a abertura da cuba interna com uma placa de vidro. A larva de tamanho

medio, colocada na sgua da cuba externa, de modo que não foi impedida de respirar o ar livre, transformou-se em ninfa a 15 da qual saiu uma imajem a 19 pela manhä.

As duas larvas que ficaram na cuba interna, respirando unicamente o ar dissolvido nagua, viveram até o dia 22 de Abril.

Experiencia 4.

14 de Abril. Em um capsula de ferro esmal- tado, de2 litros de capacidade, coloquei no fundo: um tuba de ensaio de 1 cent. por 2 cent. e um pedaço de algodão. Enchi-a de agua Levei-a depois ao fogo e deixei a agua ferver durante 4 minutos.

Resfriei depois rapidamente a agua, cercando a capsula com fragmentos de gelo; quando a temperatura da agua contida na capsula abaixou á do ambiente, introduzi no tbo de ensaio uma larva de C. cingulatus de 3mm e uma de Sfegomyía com 4mm, (19, h 20). Por meio de uma pinca obliterei o tubo de ensaio com o fragmento de algodáo.

Ás 20h. morta a larva de Culex.

As 20h. e 40 morta a larva de Stegomyia

Experiencia 5.

14 de Abril. Em um tubo de ensaio de 15 por 2 com agua limpa e arejada introduzi 2 larvas da mesma especie e com as mesmas dimensões das da experiencia precedente. O tubo foi fechado a tela de arame e introdizido ás 20, horas e 5 minutos numa cuba com agua limpa e arejada.

15. A larva de Culex vivia pela manhã; encontrada morta ás 12 horas.

18. Ainda vive a larva de Stegomyia (noite).

19. As 8 horas encontrei-a morta.

Experiencia 6.

19 de Abril. 3 tubos de ensaio de 15 x 2-

Tubo I. Contendo agua recentemente fervida e 2 larvas de Stegomyia (dimensões: 5mm e 3,m 1), fechado a tela de arame e mergulhado em agua tambem recentemente fervida, ás 21 horas.

Tubo II. Contendo agua arejada e 2 larvas de Stegomyia (dimensões: 5mm e 4 mm) fechado a telade arame e mergulhado em agua arejada, ás 21 horas e 5.

Tubo III, Contendo agua filtrada em vela

41

Berkfeld, e 2 larvas de Stegomyia (dimensões: 5mm e 3 mm,).

Este tubo não foi mergulhado em agua de sorte que as larvas vinham respirar o ar livre, a tona dagua.

20 de Abril, ás 8 horas, mortas as larvas do tubo I. As dos outros tubos vivas.

22 de Abril,ás 8 horas morta a larva maior do tubo Il.

23 de Abril, ás 8 horas morta a larva menor do tubo II. 27 de Abril. Ainda vivem as larvas do

tubo III. Estas dias 28 e 30.

Experiencia 7.

18 de Abril. 3 larvas de Stegomyia (dimen- sões ; 3,35, 4mm, introduzidas numa cuba de 20 cent 15, com agua bem arejada e esta mergulhada em uma cuba de 40 x 30 com agua arejada, ás 15,45. A cuba interna é fechada com placa de vidro.

Estas larvas viveram bem até principios de Junho sem renovamento da agua da cuba interna. Á 4 de Junho, pela manhã, encontrei 2 larvas mortas.

Á 19 de Junho ainda vivia a outra larva. Nesta data parti para o interior. Voltei a 26, encontrando então a larva morta.

A morte das larvas depois de tanto tempo, talvez fosse mais devida á insuficiencia da alimentação do que á falta de ar.

Experiencia 8.

7 de Julho. Mesmo dispositivo da expe- riencia anterior; introduzi 1 larva de Stegomyía, ás 17 horas.

Esta larva viveu ate o dia 21, sem que tivesse sido feito o renovamento da agua da cuba interna.

A figura 3 representa um novo disposi- tivo para a observação da respiração aquatica das larvas. Num cilindro de vidro de 11 centi- metros de comprimento por 4 de diametro, fechada uma das aberturas com tela de sêda, introduzem-se aslarvase fecha-se depois a outra abertura do mesmo modo. O tubo fica mergulhado numa grande cuba com agua arejada. Com o sifão de vidro e borracha, que se desenhado ao lado, pode-se renovar a agua do tubo, bastando para isso encostar a

larvas morreram entre os

extremidade do tubo de vidro á tela, que fechauma das extremidades do cilindro de vidro que contem as larvas e fazer a sifona- jem, aspirando a agua.

Experiencia 9.

26 de Julho. Introduzi uma larva de Stegomyia com 3 dias de idade, dentro do cilindro de vidro.

Renovamento da agua do cilinaro de 2 em 2 días.

18 de Agosto: Quasi morta.

19. Morta.

Experiencia 10. D

8 de Outubro. 3 pequenos tubos de 8 cent. alt. por 3 diametro.

Tubo 1. Agua arejada com uma larva

de C. imitator. THEO.; uma grande e uma pequena de C. cingulatus. Introduzi no tubo um disco de tela de arame de modo a im- pedir que as larvas viessem á tona da agua, O disco ficou a um centimetro abaixo da supe ficie da agua e esta foi coberta com uma camada de petroleo despejada cuidadosamente pelas paredes do tubo. Nestas condições as larvas não podiam atinjir a camada de petro- leo por causa do disco de tela.

Fig. 3.

As larvas foram introduzidas ás 19 horas. Tubo II. Agua arejada, com uma camada

48

)

de azeite doce na superficie.

Larvas semelhantes ás do tubo I (19 horas pouco mais ou menos).

Tubo III. Agua arejada com uma camada de petroleo na superficie.

Larvas semelhantes ás do tubo l. horas pouco mais ou menos)

Ás 20-35 mortas as larvas tubos I e III.

Ás 20-45, morta cingulatus, no tubo III.

As 21-15 No tubo 1 vivas a larva menor C. cingulatus e a de C. imitator.

No tubo Il. A larva de C. cingulatus

(19 grandes dos

alarva menor de C.

grande morta; a de C. imi- tator quasi morta e a peque-

na de C. cingulatus, viva.

No tubo III. Todas mortas.

9 de Outubro, 8 horas: Tubo I. ainda as 2 larvas.

Tubo II. Vive ainda o exemplar pequeno de C. cingulatus.

A’ noite todas mortas.

vivem

Experiencia 11.

25 de Outubro. Experiencia realisada com o novo dispositivo.

3 larvas de Gualteria fluviatilis LUTZ, introduzidas no cilindro de vidro e mergu- lhadas em agua arejada, ás 18 horas e 45 minutos. Renovamento da agua de 2 em 2 dias.

27 de Outubro. Umas das larvas pequenas foi devorada pela maior.

12 de Novembro. Morta a larva menor.

16 de Novembro. Ainda vive alarva maior.

17 de Novembro. Encontrei a larva morta.

As larvas de Mansonia apresentam na extremidade do sifão 2 pequenos ganchos moveis, que podem ser introduzidos nas partes submersas de plantas aquaticas; uma vezfixado o sifao, a larva aspira o ar dos canaliculos aeriferos, muito desenvolvidos nestas plantas.

(Aslarvas de Mansonia titillans (WAL- KER) BLANCHARD e de Mansonia fascio- lata (LYNCH ARRIBALZAGA) DYAR & KNAB, foram descobertas por LUTZ, em

49 ——

aguas contendo plantas ha muitos anos.

Ele notou que elas, na agua limpa de vejetação, morreram quando não são supot- tadas perto da superficie. Obteve a metamor- fose sustentando as larvas por meio de algodão hidrofilo formando uma camada pouco abaixo da superficie. Mais tarde foi observado por H. W. B. MOORE, na Guiana Ingleza o habito que têm as larvas de Man- sonia titillans de fixar-se principalmente na Pistia stratiotes. |

Por experiencias feitas ultimamente veri- ficámos, LUTZ e eu, que a larva de Manso- nia titillans não pode manter-se exclusiva- mente 4 custa do ar dissolvido n’agua. Convem notar que os foliolos branquiaes desta larva apresentam uma ramificação traqueal muito reduzida.

Prendendo larvas de Mansonia titillans no cilindro de vidro do meu dispositivo (Fig. 3) verificámos que morrem no fim de poucas horas.

flutuantes,

Introduzindo no mesmo tubo alguns exemplares de Pistia stratiotes, com larvas de Mansonia, elas ficam presas ás folhas e ás raizes e assim se mantêm vivas durante 3 a 4 dias.

Manguinhos, Fevereiro de 1916.

Estudos sobre liquido cefalo raquiano.

Reaçôes de NONNE-Dosajem da reaçäo de Wassermann-Reaçäo de WEIL-KAFKA. pelo DR ARTHUR MOSES

Tanto se tem escrito sobre reacáo de WASSERMANN que pareceria inteiramente dispensavel mais um artigo a respeito, e assim seria, se não fosse tão grande a diver- jencia de opiniões sobre o valor pratico da reação, quer em neurolojia, quer em psiqui- atria. Nenhum outro metodo biolojico foi tão combatido, e, no emtanto, outro metodo sorodiagnostico não ha que tenha conseguido suplantal-o. E” hoje indispensavel ao neuro- lojista, assim como ao psiquiatra para quem constitue um dos metodos de diagnostico de maior confiança.

De quando em vez, aparecem trabalhos, acusando resultados positivos no liquido cefalo raquiano ou sôro em molestias até então não consideradas de orijem sifilitica, assim, por exemplo, NEWMARK cita dois casos de tumor do sistema nervoso central com reação de WASSERMANN positiva no sangue e no liquido e o que é mais de extranhar com 0,2 cc. Tudo isto se deve pro- vavelmente, em grande parte, á diversidade de tecnica empregada e á falta de familia- risacao com todas as nugas de tecnica e as muitas causas de erro.

“Autores ha que se preocupam com a ação que sobre o resultado exercem o alcool,

hipnoticos e sedativos. Embora não tivesse- mos observado ação manifesta na maioria dos casos estudados, em que individuos fizeram uso de alcool antes da retirada de sangue, conforme tivemos ocasião de referir em tra- balho anterior, sempre tomamos en conside- ração a advertencia destes autores por ser facil de atender a esta cautela e assim evitar duvidas sobre o resultado.

Na necessidade de inativar o soro não nos cansamos de insistir para evitar resulta- dos positivos, que não correspondam a in- feção especifica.

Deve-se ainda tomar a precaução de evi- tar resultados positivos que corram por conta de impedimento de hemolisee que não tradu- zem infeção luetica e que se tem verificado na arterio esclerose, demencia precoce, psicose alcoolica, idiotia e em raros casos de lou- cura maniaco depressiva. Esta ação impedien- te, que não raro se apresenta, constitue um dos fatores de maior discredito nas mãos dos que não tem a precaução de afastar esta causa de erro. Além disto, existem os soros que por si exercem ação impediente, inde- pendente de extrato e ha ainda os soros pa- radoxaes, que, não raramente se rejistam em psiquiatria e, que, no nosso entender, são na

———_ 51

maioria dos casos consequencia de falha de tecnica.

Além dos extratos alcoolico e aquoso recomendamos o de F. LESSER, que fazextrato etéreo de coraçäo, evapora o eter suspende o produto de evaporaçäo em solu- to fisiolojico. Em alguns casos este extrato permite resultados positivos que não pude- ram ser apurados com os demais.

A presença de amboceptor e comple- mento no liquido, embora seja fato verifica- do na paralisia geral, meninjite sifilitica agu- da e em raros casos de sifilis cerebral com fenomenos de meninjite é, regra geral, tão di- minuta no liquido cefalo raquiano emprega- do, que se pode dispensar a inativação.

A reação de WASSERMANN positiva no soro permite apenas dizer que em algum ponto do organismo existe processo sifilitico mas não fornece diagnostico topico ou orga- nico. Quem procura diagnostico desta natureza deve examinar O liquido organico, encontrado no referido orgam, por exemplo, o liquido da camara anterior, em lesão ocular, ou o liquido cefalo raquiano, quando se suspeita de sífilis do sistema nervoso central.

Em 1906, WASSERMANN e PLAUT, fa- zendo estudos sistematicos em grande nu- mero de casos de paralisia geral observaram que a reação é positiva com regularidade no liquido.

A tecnica de PLAUT durante muitos anos seguida sem alteração teve aplica- ção vantajosa na paralisia geral, mas na fabes dorsualis e sifilis cerebral ou cerebro espinhal são tantos os casos negativos que se chega a acreditar na raridade destas afeções ner- vosas, o que não traduz a verdade. WAS- SERMANN e LANGE aconselham um tubo com 0,5 cc. de liquido além dos que contem 0,1 e 0,2 e isto se pode fazer quando a quantidade de liquido retirada é pequena, mas assim não se consegue tirar da reação de WASSERMANN todas as vantajens que dela se pode esperar. A colheita deve ser maior e não ha inconveniente em retirar até

10 cc.; empregam-se 0,2, 0,4, 0,6, 0,8, e 1 cc, de liquido, completando os volumes com so- luto fisiolojico.

Feita esta dosajem, conseguem-se diagnos- ticar casos incipizntes de paralisia geral, em que os sintomas somaticos e psiquicos náo per- mitem conclusão; consegue-se o dia- gnostico diferencial entre processos sifiliticos do sistema nervoso central e outros processos organicos e funcionaes, quer cerebraes, quer medulares.

Recomendamos ainda empregar 0,1 cc. porquanto em muitos casos de paralisia geral é manifesto o impedimento de hemolise com esta quantidade de liquido.

Embora não haja vantajem na pratica, podemos aqui citar resultados positivos na paralisia geral com 0,2 cc. de liquido o 0,05 cc. de extrato. Convem dizer que estes casos constituem exceção.

A dosajem da reação autorisa a separar da sifilis cerebral e cerebroespinhal a arterio- esclerose cerebral, mesmo nos casos em que a anamnese acusa antecedentes sifiliticos.

Se a reaçäo for positiva com qualquer das quantidades mencionadas, pode-se afir- mar que se trata de endarterite sifilitica e se positiva no sangue e negativo no liqui- do, ainda com 1 cc., o diagnostico se voltará para a arterioesclerose cerebral num caso de sifilis.

Nos casos de tumores, abcessos, encefa- lonialacia de base arterioesclerotica, epilepsia, neurastenia não especifica, a reação se mani- festa negativa com a maior quantidade de liquido empregada.

Não se diga que não ha vantajem nesta tecnica, porquanto na paralisia incipiente, nos casos de tumor ou abcesso cerebral, na sifi- lis cerebroespinhal e na esclerose em placas, sintomas ha que são comuns e que se pres- tam a confusão e a reação de WASSERMANN praticada segundo a tecnica de HAUPT- MANN pode facilmente deslindar a duvida.

O emprego da tecnica primitiva levou mais de um pesquisador a afirmar que nos processos localisados de goma ou endarterite do sistema nervoso, assim como na fabes dorsualis simplex não complicada de paralisia

DS NE mca

geral, a reação de WASSERMANN no liqui- do é sempre ou quasi sempre negativa.

Entre o alcoolismo cronico e as afeções nervosas de orijem sifilitica, paralisia e tabes pode haver confusáo e, neste caso a reacáo de WASSERMAN no sangue pouco adianta porque, se negativa náo exclue a hipotese de sifilis e se positiva, sómente prova que O doente se infecionou com sifilis sem explicar a natureza do mal. Se positiva com 0,2 cc. de liquido, consegue se estabelecer a etiolojia da molestia e se negativa com esta quantidade, a maior aconselhada pela antiga tecnica, não se pode firmar diagnostico, porque, não raro, na tabes com 0,4 cc. de líquido é positiva a reação.

A meninjite tuberculosa de evolução ati- pica ou de marcha muito cronica pode simu- lar o quadro de /zes cerebral ou mesmo de paralisia incipiente de modo a se tornar indispensavel a dosajem para diagnostico di- ferencial no liquido. KRONFELD rejista, sem confirmação posterior, que na meninjite tuber- culosa pode ser positiva a reacio de WAS- SERMANN. Para bem avaliar da vantajem da tecnica que advogamos, lembramos ainda que a sifilis se pode confundir com a paqui- meninjite hemorrajica e encefalite e com a meninjite cronica serosa e sob a rubrica de lues cerebri têm se reunido as mais diversas lesões do sistema nervoso central.

Casos ha em que o treponema se en- contra no sistema nervoso central, as lesões não são irreparaveis e a ausencia de sintomas deixa passar despercebidos doentes que, tra- tados a tempo, tiraram o maximo proveito. Aconselhamos por isto a todo sifilitico que faça anualmente a punção lombar e mande examinar o liquido segundo a tecnica de do- sajem; logo que a infeção invadir o sistema nervoso a reação assim praticada o acusará.

E’ certo que nos casos acima citados de contusão de diagnostico, a pratica da reação da fase I de NONNE seria de vantajem mas seria temerario basear nesta unica prova o diagnostico de sifilis; primeiro, porque é hoje regra estabelecida que não se deve concluir de uma reação biolojica pela natureza sifiliti- ca da afeção nervosa; segundo, porque tem

sido rejistados casos de tumor medular em que a reação da fase I se apresenta intensa- mente positiva, ao lado de pequena linfoci- tose e sómente a reação negativa, praticada de acordo com a dosajem recomendada, ao lado das outras provas, pode estabelecer o diagnostico de tumor de orijem não sifilitica, comprimindo a medula.

A fase I apenas indica que se está tra- tando com afeção organica e não com psicose e a linfocitose, embora intensa e mais comum na sifilis, tambem se rejista na ausencia desta infeção.

Referem se a 74 casos nossas observa- ções, assim distribuidas, 21 de paralisia geral, 3 de fabes dorsualis, 6 de sifilis cere- bral segura, 4 de sifilis cerebral duvidosa, I de loucura maniaco depressiva, | de loucura maniaco depressiva, diagnostico interrogado, 2 de demencia precoce, um da forma simples e outra aa catatonica, 2 de parafrenia, | de lipemania, 1 de imbecilidade, I de alcoolismo, I de alcoolismo, diagnostico interrogado, I de polinevrite, I de mielite, 1 de epilepsia, 4 de hemiplejia, I de tumor de hipofise, I de meninjite pneumococica, 2 de meninjite sifi- litica, 12 de meninjite cerebro espinhal, e 10 líquidos normais.

Da leitura das observações, verificámos que no sangue foi positiva ou fracamente positiva a reação em 18 ou 87,50/º dos casos de paralisia geral, nos 3 tabidos, em 3 ou 500/º dos casos de sifilis cerebral, em 3 ou 750/0 de casos de sifilis cerebral duvidosa, nos 2 casos de demencia precoce, em um de loucura maniaco depressiva, um de poli- nevrite, um de mielite, dois de meninjite, e dois ou 500/º de hemiplejia e negativa em 3 ou 14,30/º de paraliticos gerais, em 3, ou 50 0/0 de sifiliticos cerebrais, em um ou 250/0 de sifiliticos cerebraes duvidosos, na arterioescle- rose cerebral, parafrenia, imbecilidade, alco- olismo, epilepsia, meninjite pneumococica e cerebroespinhal, tumor de hipofise, e em 2 ou 500/º dos casos de hemiplejia.

No liquido dos paraliticos geraes a reacáo foi positiva com 0,2 cc. em 13 ou 61,90/9, com 0,1 em 7 ou 330/0 e em um deles a reacao nao foi de todo nitida com 0,2, se

AA ae

afirmando como tal com 0,3. Na tabes foi positiva com 0,4 em 5 ou 800/º e negativa em um deles com 1 cc.; nos casos de sifilis cerebral duvidosa, foi positiva com 0,6 em 50 0/9 casos e negativa com 1 cc. nos outros 500/0; na anterioesclerose cerebral foi positiva com 0,4 e negativo com 1 cc. no caso duvi- doso de arterioesclerose cerebral, nos casos de demencia precoce, loucura maniaco depres- siva, epilepsia, alcoolismo, parafrenia, imbe- cilidade, meninjite cerebroespinhal e pneu- mococica e tumor de hipofise e positivo com 0,3 no caso de polinevrite, 0,2 no de mie- lite, 0,3 e 0,4 nos de meninjite sifilítica, e 0,4 na hemiplejia sifilitica.

Com maior ou menor intensidade verifi- cámos linfocitose em todos os casos de para- lisia geral, tabes, e sifilis cerebral segura; entre os 4 de sifilis cerebral duvi losa um acusou linfocitose, o que equivale a 250/°. Aumento de linfocitos foi ainda rcjistado em um caso certo e dois interrogados de arte- rioesclerose cerebral e em um caso de menin- jite sifilitica. Na demencia precoce, para- frenia, alcoolismo, loucura maniaco depressiva, epilepsia, imbecilidade, hemiplejia, polinevrite, mielite, e em um dos casos de meninjite sifilitica não verificámos aumento de lin- focitos. Na meninijite pneumococica e cerebroespinhal, o exame citolojico acusou polinucleose.

Quanto á fase I de NONNE, foi sempre positiva na paralisia geral (15 casos de opa- lecencia e 6 de turvação), positiva em 3 casos de tabes (opalecencia), em quatro de sifilis cerebral (2 de opalecencia e dois de turvaçäo), em um de sifilis cerebral interrogado (opa- lecencia), em um de arterioesclerose cerebral (opaiecencia), em dois de arterioesclerose cerebral, diagnostico interrogado (opalecencia), dois de meninjite sifilittca (opalecencia), um de mielite (opalecencia), 3 de hemiplejia, um de tumor de hipofise, um de meninjite pneu- mococica, e nos casos examinados de menin- jite cerebroespinhal, e negativa na demencia precoce, loucura maniaco depressiva, alco- olismo, imbecilidade, parafrenia e lipemania.

A observação feita por JAKOB e KAFKA de casos atipicos de paralisia geral. clinica-

mente diagnosticados de modo diverso em que negativas as outras provas, a reação de hemolisina indicou o caminho posteriormente confirmado pelo anatomo patolojista, levou nos a estudar este asunto, reunindo em um artigo observações das duas reações biolojicas no liquido de uma serie de obser- vandos de diversas molestias nervosas.

Embora ainda não inteiramente expli- cado, o aparecimento de imunicorpos no liquido cefalo raquiano tem alto interesse para a pesquiza de substancias fixadoras de complemento no líquido e principalmente para a reação de WASSERMANN. PLAUT teve a idea de verificar se os imunicorpos se formam no liquido ou no sangue e, de acordo com WASSERMANN, concluiu pela formação local.

Antes de WEIL e KAFKA, sabia-se que, quando em abundancia no sôro, passavam, ás vezes, para o liquido, citotoxinas especi- ficas em casos de infeção tifica e paratifica. Estes pesquisadores, ao fazer verificações quantitativas, como o tinham feito SALUS e MIYASHITA para o líquido da camara ante- rior do olho, pideram mostrar que ambo- ceptor hemolitico normalmente existente em quantidade pequena no sóro aparece no liquido em casos de paralisia geral e de meninjite aguda, devido, provavelmente, á maior concentração no sóro e á permeabili- dade meninjea que nestas duas afeções com constancia se encontra. Não se trata de reação especifica de imunidade e sim de pes- quiza de elemento verificavel no organismo normal. A presença de amboceptor hemoli- tico no liquido apenas traduz alteração dos vasos, para o que podem concorrer causas diversas, o que explica o seu aparecimcn'o na meninjite e paralísia geral, procesos inteira- mente diversos.

Antes destas pesquizas, LEWANDOWSKY afirmava que liquido colhido por puncáo cuidadosa e sem globulos náo continha comple- mento e, ao contrario do que se observava em outros liquidos do organismo, o liquido

cefalo raquiano nao posuia amboceptor hemolitico, nem mesmo para globulos de carneiro.

PLAUT afirmava egualmente a ausencia completa de amboceptor no liquido CIUCA com ele concordava. DANIELO- POLU deles discorda, dizendo que no liquido normal e patolojico (tabes, paralisia, menin- jite, mielite, uremia) se encontram hemo- lisinas para globulos de cao e coelho e nao para globulos de carneiro.

Assinala que o taurocolato de sodio exerce acao impediente sobre esta hemolise.

A principio, acreditavam WEIL e KAFKA que o amboceptor hemolitico se encon- trava no liquido em casos de paralisia geral, ao passo que na meninjite aguda seria egual- mente verificado em maior ou menor quan- tidade o complemento; postericrmente, con- seguiram assinalar a presenca de complemento em 2 casos, entre 53 de paralisia geral e em 7 entre 37 outros casos de demencia para- litica. Na maioria destes casos, a quantidade de complemento verificada foi extremamente pequena. O complemento passa para o liquido sómente quando a irritação inflamatoria meninjea for muito forte, hipotese esta con- firmada pela mais frequente presenca na meninjite aguda e pelo fato de, coma sua presenca coincidir sempre maior aumento no numero de celulas.

E” certo que todo liquido que nao pro- venha de caso de meninjite aguda e que

sem adicao de complemento exerca acáo hemolitica, por mais reduzida que seja, sobre globulos vermeihos de carneiro, ás

vezes apenas verificavel pela cor amarela do liquido, será de paralitico geral.

Recomendam WEIL e KAFKA na pri- mitiva tecnica empregar para pesquiza de amboceptor hemolitico 10 cc. de liquido, 1 cc. de globulos de carneiro (suspensão a 50/9) e, após duas horas de permanencia em banho maria a 37, centrifugar e ao sedimento de globulos adicionar soluto fisiolojico a 0,85 o/o de modo a completar o volume de 1 cc. que se divide em dois tubos, a cada um dos quaes se acrecenta dose anteriormente titu- lada de complemento isto é, a quantidade que, em contato com 0,5 cc de suspensão de globulos a 5º'0, não determina, em 2 horas, traço de hemolise. Estas quantidades são, em geral, 0,1 e 0,05 ou 0,05 e 0,03.

Quando de todo for impossivel colher 10 cc. de líquido, pode-se tentar o ensaio com 5 cc., sendo que, se com esta quantidade for positiva a reação, pode-se desde logo afirmar o diagnostico de paralisia geral. Se nos dois tubos fôr nitida a hemolise em 20 a 25 minutos e completa em 1 hora, diz se que foi fortemente positivo o resultado e, se a hemolise se iniciar em 45 a 60 minutos e foi nitida em 2 horas no primeiro tubo e pouco clara no segundo, será fracamente positivo o resultado.

A principio faziam a leitura 1 hora após o adicionar do complemento, porem a pra- tica veiu mostrar que, após duas horas de banho maria ou 3 horas de estufa, ainda se manifesta a hemolise e que o resultado co- lhido nesta ocasião podia ser incluido na rubrica fracamente positiva, de modo que é recomendavel ler o resultado no fim de 3 horas e, quando negativo nesta ocasião, co- locar na geleira os tubos para posterior leitura.

Para pesquiza de complemento são necessarios 5 cc. de liquido e 0,5 cc. de sus- pensão de globulos (5 0/9); quando não for suficiente o amboceptor normal presente, deve se acrecentar imunoamboceptor, e, para maior rigor de tecnica é aconselhavel retirar do sôro de cobaia as hemolisinas, aprovei- tando para isto a baixa temperatura.

Em nossos trabalhos seguimos cuidadosa- mente a tecnica aconselhada para pesquiza de complemento; quanto á pesquiza de ambo- ceptor, quando positiva a reação nos dois tubos, procediamos á dosajem, empregando doses decrecentes de liquido; 5 cc., 2, 5, 1, 0,45,10,257e,0, 41.

O liquido deve ser de recente colheita e sem globulos sanguineos, recomenda se extremo cuidado com os liquidos xanto- cromos e de facil coagulação e os globulos devem provir de recente sangria, pois que, quanto mais antigos são, mais facilmente serão hemolisados e de modo mais irregular.

Pesquisámos egualmente amboceptor e complemento no sangue, procedendo á dosa- jem, porque em alguns casos em que é negativa a pesquiza no liquido, decorre isto da dimi-

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nuição destes elementos normaes no sangue; alem disto, ELIASBERG rejistou a diminuição ou desaparecimento de complemento no sôio de paraliticos geraes e em outros casos, devido talvez ás substancias impedientes veri- ficadas por SACHS, faltam no sôro ambo- ceptor e complemento.

HIERONYMUS assinala, pelo contrario, aumento de ambocptor hemolitico no sangue de esquizofrenos e epilepticos e assim tambem na lues e metalues e ROESSLE pensa que nos esquizofrenos o complemento se acha aumentado e diminuido na esclerose em placas e paralisia geral.

Entre os sifiliticos, compreendendo lue- ticos e metalueticos, divisäo desnecessaria após os modernos estudos de NOGUCHI, verifi- cou KAFKA ausencia de complemento em 510/0 e de amboceptor em 330/o dos soros exa- minados. Náo é na sifilis que se verifica ausencia de ambocepior, mas ainda nos para- noicos, em casos de tumor cerebral, esclerose em placas, loucura traumatica e, em um caso de delirium tremens, HIERONYMUS nos fala de ausencia completa de amboceptor e com- p'emento, e, se outro motivo não houvesse para cuidar do sangne, haveria a opinião de alguns pesquisadores, entre eles KAFKA, que acreditam no paralelismo entre o ambo- ceptor do liquido e do sangue, o que, no dizer de BOAS e NEVE, nem sempre é fato.

Para pesquiza de complemento no sóro, empregam-se doses decrecentes de sôro ativo, 0, 5 cc de suspensão de giobulos de carneiro (5o/0) e, quando falta amboceptor normal, acrecenta-se imuno amboceptor.

A pesquiza de amboceptor exije a se- guinte tecnica: 4 quantidade fixa de complemento, 0,05 cc. de sóro de cobaia adicionam-se doses decrecentes de sóro inativado e 0,5 cc. de suspensáo de globu- los e completam se os volumes com solu- to fisiolojico. O resultado é lido após duas horas de permanencia no banho maria a 37. De quarto em quarto de hora, examinam-se e ajitam-se os tubos. No sóro existem nor- malmente pelo menos 0,25 de amboceptor hemolitico e 0,1 de complemento, o sufi-

ciente para produzir hemolise nas condições de tecnica mencionadas

Quer quando a pesquiza se refere ao liquido, quer quando ao sóro, recomendamos a contrifugação e verificação colorimetrica, segundo MADSEN

Constante na meninjite aguda e parali- sia geral, a reação de WEIL-KAFKA aparece raramente na sifilis cerebral. É mesmo de extranhar que não seja mais comum na /ues cerebri, que pelo menos na forma que se faz acompanhar de meninjite basal, representa clinicamente o traço de união entre meninji- te de etiolojia diversa e a paralisia geral.

De mais facil tenica que a reação de WASSERMANN, é, com exceção da reação do ouro coloidal, a mais util para o diagnos- tico da paralisia geral. NONNE, BOAS e NEVE, BRAUN e HUSSLER, HAUPTMANN e EICHELBERG confirmam a reação e assi- nalam sua vantajem nos casos incipientes. KAFKA E RAUTENBERG rejistam 88º/0 de casos positivos, WIECKOWSKI 62º/0, BOAS e NEVE 66°o, NONNE 509%, KAFKA 870/o na paralisia geral e a presença de comple- mento foi assinalada em 100/0 dos casos exa- minados.

Na meninjite aguda a verificação de am- boceptor no liquido é positiva segundo os pes- quisadores em 100º dos casos e de comple- mento em 00º e entre as testemunhas, quer provenha o liquido de caso de demencia pre- coce, demencia alcoolica, demencia senil, epi- lepsia, idiotia, loucura maniaco depressiva O resultado é sempre negatiivo.

ZALOZIECKI nega qualquer valor prati- co á reação baseado no fato de ser positiva na sifilis cerebral, em casos de tumor cere- bral, e nas hemorrajias do sistema nervoso. Na verdade, na sifilis cerebral acompanhada de meninjite sililitica o resultado é positivo, o que aliás admitem os autores da reação mas, é preciso lembrar que, alem de raros, estes casos, em que se encontra o ambocep- tor no liquido, ha ainda outras alterações do liquido que permitem o diagnostico diferen- cial entre sifilis cerebral e paralisia geral, por exemplo, presença de complemento, polinu- cleose, formação de coagulo etc. Além disto,

é passajeira a meninjite na lues cerebri e de- saparece quando náo é mortal o caso, ao con- trario do que se observa na paralisia geral. Na hemorrajia cerebral náo se pode falar em permeabilidade meninjéa ou passajem do amboceptor do sangue para o liquido, porque o que se é a passajem direta do sangue para o liquido, devida a rutura de vaso. Em alguns casos de tumor cerebral ou medular, póde-se encontrar amboceptor hemolitico e sáo aqueles em que o liquido fica amarelo, coagula facilmente, apresenta aumento de al- bumina e assucar e o microscopio apenas re- jista poucos globulos vermelhos. O aumento de fibrinojeno faz pensar em meninjite que muito bem pode existir nos casos de tumor do sistema nervoso central. Em casos de ab- cesso acompanhado de meninjite, pode ser positiva e na tabes, excecáo de alguns casos de BOAS e NEVE tem sido sempre negativa.

Nao ha paralelismo entre a reaçäo da hemolisina e demais reacóes clinicas empre- gadas no estudo do liquido cefalo raquiano, nem mesmo da globulina, como quer ZALO- ZIECKI, contestado por KAFKA e RAUTEN- BERG, BOAS e NEVE, BRUECKNER, SCHLEISNER, WEIL e muitos outros. Á unica reação comum aos dois processos é o aumen- to da albumina total, porem não ha relação quantitativa entre a albumina e hemolisina do sangue e do liquido, o que prova que não ha relação estrita entre as duas reações.

Cita-se como desvantajem, a necessidade de retirar grande quantidade de liquido; mas, convem lembrar que para um citodiagnostico conciencioso e reação de WASSERMANN dosada, necessitam-se 6a 8cc. e o liquido que serviu para reação de hemolisina presta-se, após centrifugação, para reação de WASSER- MANN e verificação da fase I de NONNE e APREET:

Conseguimos verificar o amboceptor he- molitico em 17 ou 80 °/o dos paraliticos geraes, devendo-se salientar que entre os quatro em que náo foi verificado amboceptor, um deles não o acusou egualmenteno soro; em 3 ou 50 o/o dos casos de sifilis cerebral e nos 6 casos examinados de meninjite cerebroespi- nhal.

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Pelo sinal + queremos indicar os casos em que, guardados os tubos na geleira, verificá- mos no dia imediato, pequena zona de hemo- lise junto aos globulos depositados, pelo sinal ++ hemolise incompleta e pelo sinal +++ bemolise total.

São de fato poucas as observações que nos permitem escrever este artigo, porém a grande harmonia entre a maior parte dos diagnosticos clinicos e exames biolojicos au- torisa a aconselhar a dosajem da reação de WASSERMANN e o emprego de quantidades mais elevadas de liquido, assim como a pes- quisa de amboceptor hemolitico e complemen- to, ás vezes unicamente como exame com- plementar, outras como subsidio valioso para diagnostico duvidoso.

Ao Prof. JULIANO MOREIRA diretor da Assistencia a Alienados e aos Drs. ULYS- SES VIANNA e F. ESPOSEL, alienistas agredecemos o auxilio prestado, pondo á nossa disposição doentes da seção Pinel e concorrendo com os valiosos conhecimentos de neurolojia e psiquiatria para a feitura deste trabalho.

meto

M. S. Brasileiro. Pardo. Trabalhador. 40 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seção Pinel. Diagnostico: Demencia paralitica.

R. de WASSERMANN no sangue fraca- mente positiva. R. de WASSERMANN no liquido positiva com 0,2. Linfocitose pouco acentuada. Fase 1 de NONNE, opalecencia. Complemento no sangue +. Amboceptor hemolitico no sangue +. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido +.

F. R. Brasileiro. Pardo. Solteiro. Traba- lhador. 26 anos de edade. Hospicio de Alie- nados. Secáo Pinel. Diagnostico: demencia paralitica.

R. de WASSERMANN no sangue negati- va. R. de WASSERMANN no liquido positi- va com 0,2. Linfocitose discreta. Fase 1 opa- lecencia. Complemento no sangue ++. Am- boceptor no sangue +++. Complemento no liquido ausente. Amboceptor hemolitico no liquido ++.

A. A. Brasileiro. Pardo. Lavrador. Casa:

do. 50 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seção Pinel. Diagnostico: Paralisia geral.

R. de WASSERMANN no sangue fraca- mente positiva, R. de WASSERMANN no li- quido positiva com 0,2. Linfocitose franca. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue ausente. Amboceptor no sangue +. Comple- mento no liquido ausente. Amboceptor no li- quido ausente.

J. B. S. A. Brasileiro. Pardo. Solteiro. Pedreiro. 45 anos de edade. Hospicio de Alie- nados. Seção Pinel. Diagnostico: Paralisia geral.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,1. Linfocitose pouco acentuada. Fase 1 turvação. Complemento no sangue ++. Ambocetor no sangue +++. Comple- mento no liquido ausente. Ambocetor no li- quido ++.

A. P. B. Brasileiro. Branco. Solteiro. 37 anos de edade. Hospicto de Alienados. Seção. Pinel. Diagnostico: Demencia paralitica.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,1. Linfocitose franca. Fase 1 opa- lecencia. Complemento no sangue +. Ambo- ceptor no sangue ausente. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido au- sente.

M. C. J. Brasileiro. Branco. Solteiro. 36 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seçäo Pinel. Diagnostico: Demencia paralitica.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,1. Linfocitose discreta. Fase 1 tur- vacao. Complemento no sangue +. Ambocep- tor no sangue +++, Complemento no liqui- do ausente. Amboceptor no liquido +.

A. S. Hespanhol. Branco, Casado. 40 anos de edade. Hospicio de Alienados. Secáo. Pinel. Diagnostico: Paralisia geral.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,2. Linfocitose discreta, Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue +. Am- boceptor no sangue +++. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido +.

oT

S. V. U. Brasileiro Pardo. Solicitador Solteiro. 28 anos de edade. Hospicio de Ali- enados. Secáo Pinel. Diagnostico: Demencia paralitica.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,1 Linfocitose discreta. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue--—+. Am- boceptor no sangue. ++ Complemento no li- quido ausente. Amboceptor no liquido ++.

S. S. Brasileiro Pardo. Solteiro 47 anos de edade, Hospicio de Alienados. Seção Pinel. Diagnostico: Paralisia geral.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,2. Linfocitose franca, Fase 1 tur- vação. Complemento no sangue +. Ambo- ceptor no sangue. ++ Complemento no li- quido ausente. Amboceptor no liquido +.

J. F, A. Brasileiro. Preto. Militar. Hos- picio de Alienados. Secáo Pinel. Diagnostico: Paralisia geral.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com, 0,1 Linfocitose franca. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue +. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido +.

S. S. P. Brasileiro Pardo. Casado. Ma- quinista. 50 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seção Pinel. Diagnostico : Demen- cia paralitica.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,2. Linfocitose discreta. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue +++. Amboceptor no sangue +++. Complemento no liquido ausente, Amboceptor no liquido ++.

F. S. G. Brasileiro. Branco, Casado. 34 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seçäo Pinel. Diagnostico: Paralisia geral.

R. de WASSERMANN no sangue fraca- mente positiva. R. de WASSERMANN no liquido positiva com 0,2. Linfocitose franca. Fase 1 turvação. Complemento no sangue +, Amboceptor no sangue +++. Comple- mento no liquido ausente. Amboceptor no liquido ++.

O. M. B. Brasileiro. Preto. Trabalhador.

43 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seçäo Pinel. Diagnostico: Parallsia geral.

R.de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,2. Linfocitose. Fase 1 turvação. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue +++. Complemento no liquido au- sente. Ambocepior no liquido +.

G, G. Brasileiro Pardo. Trabalhador. Casado. 38 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seção Pinel. Diagnostico: Para- lisia geral.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,1. Linfocitose. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue ++. Amboceptor no sangue ++. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido +.

J. T. Hespanhol. Branco. Casado. Sapa- teiro 28 anos de edade. Hospicio de Alie- nados. Seçäo Pinel. Diagnostico: Demencia paralitica.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,2, Linfocitose. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue ++. Complemento no liquido au- sente. Amboceptor no liquido +.

A. S. Brasileiro. Pardo. Solteiro. Traba- lhador. 25 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seçäo Pinel. Diagnostico: Para- lisia geral.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,1. Linfocitose franca. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue -+-+. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido E G. L. Brasileiro. Pardo. Casado Cigarreiro. 39 anos de edade. Hospicio de Alienados- Secáo Pinel. Diagnostico: Paralisia geral.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,2. Linfocitose discreta. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue —+-+-. Amboceptor no sangue ++. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido

++.

58

M. S. Brasileiro. Pardo. Trabalhador. 40 anos de edade. Hospicio de Alienados Secáo Pinel. Diagnostico: paralisia geral. R. de WASSERMANN no sangue fracamente posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,2. Linfocitose pequena. Fase 1 Opalecencia. Complemento no sangue ++. Amboceptor no sangue +. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido au- sente.

M. F. A. Brasileiro. Branco. Operario. Casado. 37 anos de edade. Hospicio de Alie- nados. Seção Pinel. Diagnostico: Demencia paralitica.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,2. Linfocitose. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue +. Complemento no liquido ausente. Ambocetor no liquido +.

J. J. A. Brasileiro. Preto. Pedreiro. Ca” sado. 48 anos de edade. Hospicio de Aliena- dos. Seção Pinel. Diagnostico: Paralisia geral.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,2 e 0,3. Linfocitose franca. Fase 1 turvação. Complemento no sangue +++. Amboceptor no sangue ++. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido ausente.

L. F. S. Doente avulso do Hospicio de Alienados. Diagnostico: Demencia paralitica: R. de WASSERMANN no sangue positiva' R. de WASSERMANN no liquido positiva com 0,2. Linfocitosose. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue ++. Amboceptor no sangue ++. Complemento no liquido au- sente. Amboceptor no liquido +=.

A. M. S. Brasileiro. Pardo. Viuvo. Bom- beiro. 45 anos de edade. Hospicio de Aliena- dos Seção Pinel. Diagnostico: Tabes dor- sualis.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva fracamente. R. de WASSERMANN no liquido positiva com 0,3; hemolise parcial com 0,2. Linfocitose franca. Fase 1 opalecen- cia. Complemento no sangue ++. Ambocep- tor no sangue +. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido ausente.

J. B. Brasileiro. Branco. Trabalhador. 40 anos de edade. Hospital de S. Casa de Mi- sericordia. Diagnostico: Tabes dorsualis.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,4. Linfocitose. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue +. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido ausente.

A. D. Portuguez. Branco. Comercio. 38 anos de edade. Hospital de S. Casa de Mi- sericordia. Diagnostico: Tabes dorsualis.

R. de WASSERMANN no sangue fraca- mente positiva. R. de WASSERMANN no liquido positiva com 0,3 e 0,4. Linfocitose. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue ++. Amboceptor no sangue +-+. Comple- mento no liquido ausente. Amboceptor no li- quido ausente.

J. B. Brasileiro. Preto. Trabalhador. 28 anos de edade. S. Casa de Misericordia Dia- nostico: Polinevrite. Sifilis.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,3. Fase 1 negativa. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue ++. Complemento no liquido e amboceptor no li- quido ausentes.

R. M. Portuguez. Branco. Comercio. 34 anos de edade. Clinica civil. Diagnostico: Mielite sifilitica.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,2. Linfocitose, limite normal. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue +. Complemento e amboceptor no sangue ausentes.

M. C. Portuguez. Branco. 36 anos de edade. S. Casa de Misericordia. Diagnostico: Meninjite sifilitica.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,3 e 0,4. Linfocitose. Fase 1 opa- lecencia. Complemento no sangue +. Ambo- cetor no sangue ausente. Complemento e amboceptor no liquido ausentes.

A. V. Brasileiro. Branco. Trabalhador. 35 anos de edade. S. Casa de Misericordia Diag- nostico: Meninjite sifilitica.

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R. de WASSERMANN no sangue fraca- mente positiva. R. de WASSERMANN no li- quido positiva com 0,4. Alguns linfocitos. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue +. Complemento e amboceptor no liquido ausentes.

J. S. Hespanhol. Branco. 36 anos de edade. S. Casa de Misericordia. Diagnostico : Hemi- plejia sifilitica.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,3. Fase 1 opalecencia. Raros lin- focitos Complemento no sangue +. Am- boceptor no sangue ++. Complemento e am- boceptor no liquido ausentes.

J. V. Portuguez. Branco. Trabalhador. Casado. 42 anos de edade. S. Casa de Mi- sericordia. Diagnostico: Hemiplejia sifilitica.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido positi- va com 0,4. Linfocitos poucos. Fase 1 opa- lecencia. Complemento no sangue +-++. Am- boceptor no sangue +. Complemento e am- boceptor no liquido ausentes.

M. S. Brasileiro. Pardo. Operario. Soltei- ro. 33 anos de edade. S. Casa de Misericor- dia. Diagnostico: Hemiplejia sifilitica.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi. tiva com 0,4. Linfocitos, limite normal. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue —+-». Amboceptor no sangue ++. Complemento e amboceptor no liquido ausentes.

V. S. Brasileiro. Pardo. Trabalhador. 35 anos de edade. S. Casa de Misericordia. Diagnostico: Hemiplejia sifilitica.

R. de WASSERMANN no sangue fraca- mente positiva. R. de WASSERMANN nc liquido positiva com 0,3 e 0,4. Ausencia de linfocitos. Fase 1 negativa. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue +. Com- plemento e amboceptor no liquido ausentes.

G. M. J. Brasileiro. Pardo. Militar. 28 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seção Pinel. Diagnostico: sifilis cerebral.

Reação de WASSERMANN no sangue negativa. R. de WASSERMANN no liquido positiva com 0,4. Linfocitos no limite do normal. Fase 1 opalecencia. Complemento ne

RS Ne

sangue +++. Amboceptor no sangue +++. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido ausente.

V. O. Brasileiro Pardo. Sapateiro 39 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seçäo Pinel. Diagnostico: Sifilis cerebral.

R. de WASSERMANN no sangue fraca- mente positiva.R. de WASSERMANN no liquido : impedimento pequeno de hemolise com 0,2 e total com 0,4. Linfocitose pouco acentuada. Fase 1 turvação. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue ++. Com- plemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido ausente.

M. J. A. F. Portuguez. Branco. Casado. Trabalhador. 52 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seçäo Pinel. Diagnostico: Sifilis cerebral.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,3 e. 0,4 Linfocitose franca. Fase 1 turvaçäo. Complemento no sangue +. Ambo- ceptor no sangue +++. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido +.

J. S. C. Brasileiro, Branco. Solteiro. Traba- lhador. 20 anos de edade. Hospicio de Alie- nados. Seção Pinel. Diagnostico: Sifilis cerebral.

R, de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R- de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0.4. Linfccitose. Fase 1 turvacáo. Complemento ne sangue +. Amboceptor no sangue +--+. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido +.

J. B. Brasileiro. Branco. 32 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seção Pinel. Diagnostico : Sifilis cerebral.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,4. Linfocitose discreta. Fase 1 negativa. Complemento no sangue +++. Amboceptor no sangue +++. Complemento, no liquido ausente. Amboceptor no liquido +.

J. L. Portuguez. Branco Casado, 32 anos de edade, Hospicio de Alienados. Seção Pinel. Diagnostico: Sifilis cerebral.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,4. Linfocitose franca. -Fase 1

lijeira opalecencia. Complemento no sangue ++. Amboceptor no sangue +++. Comple-

‘mento no liquido ausente. Amboceptor no

liquido ausente.

P. L. Hospicio de Alienados. Pinel. Diagnostico: Sifilis cerebral.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido nega- tiva com 1 cc. Ausencia de linfocitos. Fase 1 negativa. Complemento no sangue ++. Amboceptor no sangue ++. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no iiquido ausente.

F. A. N. Brasileiro. Pardo. Empregado de lavoura. Solteiro. 44 anos de edade- Hos- picio de Alienados. Secáo Pinel. Dignostico: Sifilis cerebral ou Loucura maniaco depres- siva.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0.5. Ausencia de linfocitose. Fase 1 negativa. Complemento no sangue +. Am- boceptor no sangue +. Complemento no li- quido ausente. Amboceptor no liquido auseute.

- A. N. M. Portuguez. Branco. Proprie- tario. 40 anos de edade. Hospicio de Alie- nados. Secáo Pinel. Diagnostico: Sifilis cere- bral ou alcoolismo.

R. de WASSERMANN no sangue fraca- mente positiva. R. de WASSERMANN no liquido positiva com 0,6, Ausencia de lin- focitose. Fase 1 negativa. Complemento no sangue -+. Amboceptor no sangue ++. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido ausente.

A. F. R. Brasileiro. Preto. Pedreiro. Casado. 52 anos de edade. Hospicio de Allenados. Diagnostico: Sifilis cerebral ou arterioesclerose cerebral.

R. de WASSERMANN no sangue fraca- mente positiva. R. de WASSERMANN no liquido negativa com 1 cc. Linfocitose franca, Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue -+--|-. Complemento e amboceptor no liquido ausentes.

A. G. Portuguez Branco. 50 anos de edade. Hospicio de Alienados. Secao Pinel. Diagnostico: Arterio esclerose cerebral ?

Secáo

61

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido nega- tiva com 1 cc. Linfocitos raros. Fase 1 opa- lecencia. Complemento no sangue ++. Am- boceptor no sangue +. Complemento e am- boceptor no liquido ausentes.

A. L. F. Brasileiro. Branco. Solteiro. 55

anos de edade. Hospicio de Alienados. Seção Pinel. Diagnostico: Arterio esclerose cerebral.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido posi- tiva com 0,4. Linfocitose muito discreta. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue +. Complemento e amboceptor no liquido ausentes.

A. S. Brasileiro. Branco. Profissão igno- rada. 20 anos de edade. Hospicio de Ali- enados. Seção Pinel. Diagnostico: Demencia precoce, forma simples.

R. de WASSERMANN no sangue fraca- mente positiva. R. de WASSERMANN no liquido negativa com 1 cc. Ausencia de lin- focitos. Fase 1 negativa. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue ++. Com- plemento e amboceptor no liquido ausentes.

A. M. C. B. Brasileiro. Branco. Carpin- teiro. Solteiro. 31 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seção Pinel. Diagnostico Demencia precoce forma catatonica.

R. de WASSERMANN no sangue posi- tiva. R. de WASSERMANN no liquido negativa com 1 cc. Raros linfocitos. Fase 1 negativa. Coni- plemento no sangue +. Amboceptor no sangue +. Complemento e amboceptor no liquido ausentes.

A. V. C. Portuguez. Branco. Lavrador. Casado. 54 anos de edade. Hospicio de Alienados. Seção Pinel. Diagnostico: Lou- cura maniaco depressiva.

R. de WASSERMANN no sangue fraca- mente positiva. R. de WASSERMANN no liquido negativa com 1 cc. Poucos linfocitos. Fase 1 negativa. Complemento no sangue —+. Amboceptor no sangue +. Complemento e amboceptor no liquido ausentes.

M. V. B. Portuguez. Branco. Cocheiro. Solteiro. 37 anos de edade. Hospicio de Ali- enados. Seção Pinel. Diagnostico: Parafrenia.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido nega- tiva com 1 cc. Ausencia de linfocitos. Fase 1 negativa. Complemento no sangue ++. Am- boceptor no sangue -+-++. Complemento no liquido ausente. Amboceptor no liquido au- sente.

J. G. Brasileiro, Branco. Copeiro. Sol- teiro. 23 anos de edade. Hospicio de Alie- nados. Seção Pinel. Diagnostico: Epilepsia.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido nega- tiva com 1 cc. Ausencia de linfocitos. Fase 1 negativa. Complemento no sangue +. Ambo- ceptor no sangue +. Complemento e ambo- ceptor no liquido ausentes.

L. B. Italiano. Branco, Operario. Sol- teiro. 19 anos de edade. Hospicio de Alie- nados. Seção Pinel. Diagnostico: Lipemania.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido nega- tiva com 1 cc. Poucos linfocitos. Fase 1 nega- tiva. Complemento no sangue +. Amboceptor no sangue +. Complemento e amboceptor no liquido ausentes.

A. M. N. Brasileiro. Preto. Pedreiro. Solteiro. 21 anos de edade. Hospicio de Aii- enados. Seção Pinel. Diagnostico: Alco- olismo.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido nega- tiva com 1 cc. Ausencia de linfocitos. Fase 1 negativa. Complemento no sangue ++. Amboceptor no sangue +--+. Complemento e amboceptor no sangue ausentes.

Z. H. S. Brasileiro. Preto. Trabalhador. Viuvo. 33 anos de edade. Hospicio de Alie- nados. Secáo Pinel. Diagnostico: Parafrenia.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido nega- tiva com 1 cc. Linfocitos poucos. Fase 1 negativa, Complemento no sangue +. Ambo- ceptor no sangue +. Complemento e ambo- ceptor no liquido ausentes.

E. P. S. Brasileiro. Preto. Trabalhador. Solteiro. 39 anos de edade. Hospicio de Alienados. Secáo Pinel. Diagnostico: Imbe- cilidade.

R. de WASSERMANN no sangue nega-

tiva. R. de WASSERMANN noliquido nega- tiva com 1 cc. Raros linfocitos. Fase 1 nega- tiva. Complemento no sangue ++. Ambo- ceptor no sangue +. Complemento e ambo- ceptor no liquido ausentes.

J. P. S. Casa de Misericordia. Serviço clinico do Prof. Austregesilo.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido nega- tiva com 1 cc. Ausencia de linfocitos. Fase 1 opalecencia. Complemento no sangue ++. Amboceptor no sangue ++. Complemento e amboceptor no liquido ausentes.

J. O. Brasileiro. Preto. 31 anos de edade S. Casa de Misericordia. Serviço clínico do Dr. SYLVIO MONIZ. Diagnostico: Menin- jite pneumococica.

R. de WASSERMANN no sangue nega- tiva. R. de WASSERMANN no liquido nega-

tiva com 1 cc, Fase 1 opalecencia. Polinucleose. |

62

|

Complemento no sangue ++. Amboceptor no sangue +++. Complemento no liquido +. Amboceptor no liquido ++.

Tivemos ainda ocasiäo de observar 12 casos de meninjite cerebro espinhal epidemica, alguns em servico hospitalar e outros na clinica civil. Em todos eles, na reaçäo de WASSERMANN praticada com o liquido cuidadosamente centrifugado foi sempre nega- tiva com 1 cc., o exame citolojico acusou polinucleose e a fase 1 foi, regra geral, positiva. Em 6 deles pesquisámos complemento e amboceptor no liquido sendo sempre positivo o resultado.

Escolhemos ainda 10 pacientes com rea- cáo de WASSERMANN negativa no sangue e sem a mais leve suspeita de afeção sifi- litica do sistema nervoso. Em todos eles, como era de esperar, as reações de NONNE assim como a de WEIL-KAFKA foram nega- tivas.

63

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Zeit. f. die ges. Neur. u. Psych. Orig; Bd: 98. 132-153:

Ueber neue Eiweissreaktionen der Spinalflues- sigkeit, ihrer praktische und theore- tische Bedeutung mit besonderer Beruecksichtigung ihrer Beziehungen zum Antikoerpergehalt des Liquor- cerebrospinalis Zeit. f. die ges. Neur. u. Psych. Bd. 2H. 4 S, 353-397.

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Die Bedeutung der WASSERMANN schen Reak- tion fuer die Psychiatrie. Zeit. f. die ges. Neur. u. Psych. Orig Bd. 4 S. 39-47.

SZECSI STEPHAN

ZALOZIECKI A.

ZALOZIECKI A.

ZALOZIECKI A.

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1913

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Ueber den Antikoerpernachweis im Liquor. ce- rebrospinalis, seine theoretische und praktische Bedeutung. Arch. f, Hyg. Bd. 80 S. 196.

Zur Frage der “Permeabilitaet” der Meningen insbesondere Immunstoffe gegenue- ber. Deut. Zeit. f. Nerv. Bd. 46 H. 3 S. 195-221.

Zur Frage der Permeabilitaet der Meningen (Ewiderung auf die Bemerkungen von Weil-Kafka.) Deut. Zeit. f, Nerv. Bd. 46 S. 409.

o. te

Contribuição para o conhecimento da fauna de pro- tozoarios do Brazil

pelo Dr. ARISTIDES MARQUES DA CUNHA

(Con a estampa 3).

O atual trabalho representa nova con- tribuição para o conhecimento da fauna de protozoarios do Brazil, assunto que ha tempos prende a nossa atencáo e que tem sido objeto de notas anteriores.

Neste trabalho nos ocuparemos com os protozoarios de agua doce e salôbra ; os protozoarios marinhos sao presentemente objeto de estudo em colaboraçäo com o Dr- GOMES DE FARIA e o resultado dessas pesquizas sera opurtunamente publicado em memoria especial.

Em nossa primeira contribuiçäo, fizemos a resenha dos trabalhos existentes sobre o assunto. Após a publicaçäo de nosso traba- balho, apareceu um artigo de WAILES sobre os rizopodes da America do Norte e do Sul no qual vêm mencionadas 51 especies encontradas no Rio de Janeiro, 38 das quaes ainda não haviam sido assinaladas no Brazil. O autor pesquizou os rizopodes testaceos encontrados em musgo e esfagno de fórma que seu trabalho vem completar um ponto que havia sido descurado no nosso.

Dos arredores de Manguinhos temos examinado grande numero de amostras de agua doce e salôbra e, ás especies mencio- nadas em nosso primeiro trabalho pudemos acrecentar mais 22 que constam da lista que adiante transcrevemos:

1. Mastigamoeba aspera SCHULTZE

1875. . Hexamitus crassus KLEBS, 1892. . Petalomonas angusta KLEBS, 1892. . Petalomonas sexlobata KLEBS, 1892. Dinema griseolum PERTY, 1852. . Tropidomonas rotans CUNHA, 1915. Coccomonas orbicularis STEIN, 1878. . Volvulina stetnii PLAYFAIR, 1915. . Hemidinium nasutum STEIN, 1883. . Chilodon dubius MAUPAS, 1883. Leptopharynx costatus MERMOD, 1914. 12. Epalxis mirabilis ROUX, 1899. . Saprodinium dentatum LAUTER- BORN, 1908. 14. Plagiopyla nasuta STEIN, 1860. 15. Metopus nasutus CUNHA, 1915. 16. Metopus caudatus CUNHA, 1915.

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17. Tropidoactratus accuminatus LEV,

1894,

18. Spirorhynchus verrucosus CUNHA, 1915.

19. Strombidium stylifer LEVANDER, 1894.

20. Stichochaeta pediculiforme COHN, 1866.

21. Diophrys appendiculatus COHN, 1866.

22. Uronychia transfuga O. F. MUELLER, EUTE

Em excursão que em companhia do

Dr. L. TRAVASSOS, fizemos nos arredores de Angra dos Reis, tivemos Oportunidade de observar numerosas amostras de agua doce e pudemos verificar a presenca de 64 espe- cies de protozoarios, algumas das quaes ainda náo haviamos observado, sendo uma, Euglypha cristata, LEIDY 1874, ainda nao assinalada na nossa fauna.

Damos em seguida a lista das especies encontradas :

1. Amoeba proteus PALL. 1766.

2. Arcella vulgaris EHRB, 1830.

3. Arcella brasiliensis CUNHA, 1913.

4. Difflugia accuminata EHRB, 1830.

5. Difflugia oblonga EHRB. 1831.

Esta especie havia sido assinalada em trabalho anterior sobo nome de Difflugia piriformis PERTY 1849. Esse nome deve porém ser substituido por Difflugia oblonga EHRB, em virtude da lei de prioridade, ficando aquele como sinonimo.

6. Difflugia constricta EHRB, 1841.

7. Difflugia urceolata CARTER, 1894.

8. Difflugia curvicaulis PENARD, 1899.

9. Centropyxis aculeata (EHRB, 1830).

10. Centropyxis impressa (DADAY, 1905).

11. Lecquereusia spiralis (EHRB, 1830).

12. Nebela collaris (EHRB. 1848).

13. Quadrula symetrica (W ALLICH, 1863).

14. Euglypha alveolata DUJ. 1841.

15. Euglypha brachiata LEIDY, 1878,

16. Euglypha cristata LEIDY, 1874.

17. Trinema euchelys (EHRB, 1838).

18. Trinema lineare (PENARD, 1890).

19. Cyphoderia ampulla (EHRB, 1840).

20. Clathrulina elegans (CIENK, 1867).

67

21: 22. 23. 24. 25. 26. 27.

28. 29. 30. 31.

32. 33. 34. See

36

3 38. 39. 40. 41. 42.

43. 44.

45. 46.

47.

48.

49, 50.

51. 52: 53.

54. 55.

56.

31.

Dendromonas laxa (KENT, 1881). Euglena viridis SCHRANK. 1780. Euglena deses EHRB, 1833. Euglena tripteris (DUJ, 1841). Crumenula ovum (EHRB, 1840). Crumenula globosa (FRANCE, 1893). Phacus pleuronectes (O. F. MUELLER, 1773). Phacus parvula KLEBS, 1883. Trachelomonas volvocina EHRB, 1831. Trachelomonas cilindrica, EHRB 1833. Trachelomonas obtusa, PALMER, 1905. Astasia curvata (KLEBS, 1883). Peramena trichophorum (EHRB, 1830). Entosyphon sulcatum (DUJ, 1841).

Anisonema acinus (DUJ, 1841). Heteronema acus (EHRB, 1840). Cryptomonas ovata EHRB, 1831.

Chilomonas paramecium EHRB, 1831.

Chilomonas prewazeki CUNHA, 1913.

Gymnodinium fuscum (EHRB, 1833).

Glenodinium cinctum EHRB, 1835.

Lacrymaria olor (O. F. MUELLER, 1786.

Prorodon teres EHRB, 1833.

Coleps hirtus (O. F. MUELLER, 1786).

Mesodinium acarus STEIN, 1862.

Lionotus fasciola (O. F. MUELLER, 1786).

Loxodes rostrum (O. F. MUELLER, 1786).

Dileptus anser (O. F. MUELLER, 1786).

Loxocephalus granulosus KENT, 1881.

Colpoda cucullus O. F. MUELLER, 1786.

Frontonia leucas (EHRB, 1833.

Frontonia accuminata (EHRB, 1831).

Cinetochilum margaritaceum (EHRB, 1831).

Drepanomonas dentata (FRES, 1858).

Ureocentrum turbo (O. F. MUELLER, 1786).

Lembodion bullinum (O. F. MUELLER, 1786).

Cyclidiur: glaucoma (O. F. MUELLER, 1786).

EE jim

58. Spirostomum 1830).

59. Spirostomum teres CL. & LACH. 1858.

60. Halteria grandinella (O. F. MUELLER, 1786).

61. Strombilidium gyrans (STOKES, 1887).

62. Oxytricha platystoma EHRB, 1831.

63. Euplotes patella (O. F. MUELLER,

1773). 64. Vorticella citrina (O. F. MUELLER, 1773).

Em material colecionado pelo Dr. A. NEIVA durante uma viajem pelo Brazil central, encontrámos as especies que constam da lista abaixo:

Peixe, Bahia (Municipio de Remanso) ;

1. Centropyxis aculeata (EHRB, 1830).

2. Trinema enchelys (EHRB, 1833).

3. Phacus pleuronectes (O. F. MUELLER,

1773).

Lagôa de Parnagua, Piauhy de Parnaguá) ;

1. Difflugia limnetica LEVANDER 1900. . Centropyxis aculeata (EHRB, 1830).

. Euglypha alveolata DUJ, 1841.

. Euglena fusca KLEBS, 1883.

. Phacus longicauda (EHRB, 1830).

. Entosyphon sulcatum (DU, 1841).

. Chilomonas paramacium EHRB, 1831. . Coleps hirtus (O. F. MUELLER 1786).

ambiguum (EHRB,

(Municipio

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Tropidomonas CUNHA 1915.

Flajelado de corpo rijido, provido de saliencias lonjitudinaes em forma de cristas enroladas em espiral. Com um flajelo.

Esse genero, cuja diagnose ja foi dada em nota previa, deve ser incluido na familia Peranematidae. E represeniado até agora pela especie unica que passamos a descrever.

Tropidomonas rotans CUNHA 1915.

Corpo rijido, elipsoide, possuindo em sua superficie 10 saliencias lonjitudinaes em forma de cristas, levemente enroladas em espiral. O corpo éincolór, hialino e apresenta grande quantidade de corpusculos de para- milo, sobretudo na parte anterior. O flajelo que é unico, acha-se situado na extremidade

anterior do corpoe tem mais ou menos o comprimento deste.

O flajelado move-se, descrevendo uma linha sinuosa e é então animado de movi- mento de rotação em torno do eixo lonji- tudinal. Em preparados córados, observa-se que o nucleo, situado na parte posterior do corpo, apresenta um cariosoma redondo central, cercado de abundante cromatina periferica, disposta em granulações.

Dimensões: comprimente 30 y, largura 20 u.

Habitat: Encontrada em agua doce, proveniente dos arredores de Manguinhos.

Metopus CL. e LACH. 1858.

O genero Metopus, criado por CLAPA- REDE e LACHMANN com uma unica espe- cie, Metopus sigmoidis, foi mais tarde enri- quecido com especies novas principalmente por LEVANDER. Nem todos os autores, porém admitem as especies posteriormente incluidas nesse genero e consideram taes especies como formas de Metopus sigmoidis nas quaes, a maior ou menor torção do corpo fez com que alguns autores as tomassem como especies independentes.

Essa opinião não nos parece livre de objeção, pois algumas das especies em questão, além do maior ou menor gráo de torção do corpo, apresentam outros caracteres diferenciaes, como se com o Metopus piri- formis que apresenta a extremidade posterior acuminada, ao passo que ela é arredondada no Metopus sigmoidis.

No decorrer de nossas pesquizas, tive- mos ocasião de observar duas especies desse Senero, contra as quaes não se aplica a objeção levantada por esses autores, pois essas especies não se diferenciam de Metopus sigmoidis pela torção do corpo e sim por caracteres morfolojicos considerados por todos como especificos e largamente aplicados na distinção das especies de outros generos, Essas especies, de que demos a diag- nose em nota previa, são encontradas, uma em agua doce e outra em agua salôbra.

Ay cna

Metopus nasutus CUNHA, 1915.

Corpo alongado, e mais ou menos acha- tado no sentido dorso-ventral. Parte anterior torcido sobre a face ventral da direita para a esquerda. Parte posterior arredondada. O peristoma, levemente obliquo de cima para baixo e da esquerda para a direita, prolonga- se da extremidade anterior ao meio do corpo. Boca situada na extremidade posterior do peristoma. O corpo é revestido de cilios finos dispostos em linhas lonjitudinaes. Na borda esquerda do peristoma, constituindo a zona adoral, existe uma fileira de cilios mais longos e mais espessos que os demais. Na extremidade posterior do corpo, existem cilios longos e finos.

Da extremidade anterior do corpo, parte um prolongamento cilindrico, flexivel, des- provido de de cilios, com cerca de 1/3 do comprimento do corpo. Este prolongamento dirijido geralmente para tráz mantem-se pen- dente ao longo do corpo. Macronucleo elip- soide, junto ao qual ha um micronucleo. Vacuolo contratil unico situado na extre- midade posterior do corpo.

Dimensões: comprimento 100 y, largura 30 u, comprimento do prolongamento anterior 30-40 u.

Pela forma e dimensões do corpo esta especie se aproxima de Melopus sigmoidis da qual facilmente se diferencia pelo prolonga- mento anterior.

Habitot: Encontrado em agua doce nos arredores de Manguinhos.

Metopus caudatus CUNHA 1915.

Corpo alongado e achatado no sentido dorso-ventral. Parte anterior torcida sobre a face ventral da direita para a esquerda. Parte posterior gradualmente estreitada e termi nada em um prolongamento caudal. O- peristoma obliquo de cima para baixo e da esquerda para a direita, prolonga-se da extremidade anterior ao meio do corpo. O peristoma é mais obliquo que na especie anterior e é lijeiramente curvo com a conca- vidade voltada para baixo e para a esquerda.

O corpo é revestido de cilios finos,

dispostos em linhas lonjitudinaes, sendo que no prolongamento caudal os cilios se tornam mais espaçados, á medida que se aproximam da extremidade. Na borda esquerda do peristoma, constituindo a zona adoral, existe uma fileira de cilios mais longos e mais espessos que os demais.

Macronucleo elipsoide junto ao qual ha um micronucleo.

Vacuolo contratil, unico, situado na parte posterior, na base de prolongamento caudal.

Dimensões: comprimento 90-100 x, com- primento do prolongamento caudal 30 1, largura 30 q.

Esta especie tambem se aproxima do Metopus sigmoidis, da qual se diferencia pelo prolongamento caudal.

Habitat: Encontrado em agua salôbra, nos arredores de Manguinhos.

Spirorhynchus CUNHA 1915.

Heterotricha provido de um prolongamento anterior em forma de tromba. Peristoma constituido por um sulco enrolado em espiral em torno desse prolongamento. Zona adoral formada por uma fileira de cilios mais espessos que os que revestem o corpo, tambem enrolados em espiral, em torno da tromba, acompanhando a borda esquerda do peristoma. Boca situada na base da tromba na extremidade posterior do peris- toma. Corpo, com exceção da zona adoral, uniformemente ciliado.

Este genero, do qual demos descrição em nota previa, deve ser incluido na familia Plagiotomidae,; distingue-se dos demais pela situação do peristoma em um prolonga- mento anterior. É representado até agora pela especie unica que passamos a descrever.

Spirorhynchus verrucosus CUNHA 1915.

Corpo fusiforme, terminado .anterior- mente em um prolongamento em forma de tromba e posteriormente em um prolonga- mento caudal longo e ponteagudo. Peristoma em forma de sulco, enrolado em espiral em torno da tromba. Zona adoral constituida por uma fileira de cilios mais espessos que

os que revestem o corpo, tambem enrolado em espiral em redor da tromba, acompanhando a borda esquerda do peristoma. Boca situada na extremidade posterior do peristoma. O corpo é uniformemente revestido de cilios finos e longos, dispostos um tanto espacada- mente, em linhas lonjitudinaes.

A superficie do corpo é coberta de saliencias, analogas ás observadas na Vorti- cella monilata TATEM e dispostas em linhas lonjitudinaes. Essas saliencias se encon- tram na parte media do corpo, faltando tanto na tromba como no prolongamento caudal. Náo foi possivel observar o macro e micro-nucleo,

Vacuolo contratil unico, situado na base do prolongamento caudal.

70

|

Dimensões: comprimento 140 u, largura 20 u.

Habitat: Encontrada em agua salôbra, nos arredores de Manguinhos. Muito raro.

Resumindo os resultados das pesquizas até agora efetuadas sobre a fauna de pro- tozoarios do Brazil temos de acrecentar ás 251 especies assinaladas em nossa tese, 8 mencionadas em trabalho anterior, 23 na

| presente contribuição, sendo 22 dos arredores | de Manguinhos e 1 de Angra dos Reis,

38 rejistadas por WAILES o que eleva a 320 o numero de protozoarios de vida livre até agora conhecidos no Brazil.

BLOCHMANN, F. _ 1895

BUETSCHLI, O. 1887/9

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ESTAMPA 3

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

TOMO VIII—1916

A. CUNHA «

ROUE EE

Esplicação das figuras. de Zeiss.

Fig. 1. Tropidomonas rotans CUNHA 1915. Todas as figuras foram desenhadas com « 2. Metopus nasutus CUNHA 1915.

camara clara á altura da mesa, sendo o « 3. Metopus caudatus CUNHA 1915.

comprimento do tubo do microscopio de « 4, Spirorhynchus verrucosus CUNHA 16 em, Ob. imersão homojenea 1/12, Oc. 2 1915.

ryt creat bia! Ai on Mi MD JA tol At, Hits EAM. Pony. ib, y de | ja A AV) ar AN AO TO O she Dimar q | LU eee eN q od. oh Pi dia

Ano 1916

Tomo VIII

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Sumario:

|- Processos patojenicos da tripanozomiase americana pelo Dr. CARLOS CHAGAS, chefe de serviço (Com

as estampas 4 e 5). . . 5 11 —Tripanozomiase americana, forma nto ce re pele Dr. CARLOS CHAGAS, ehere te serie (Com as estampas 6, 7, 8, 9 e 10). . . 37 HI- Sobre uma hemogregarina da pant. cana didelpkydis à n. a Rico Drs. OSCAR d'UTRA e e SILSA e J. B. ARANTES (Com a estampa 11.). . . . 61 IV —Pesquizas sobre o Copromastix prowazeki n. g. v. sp. pelo Dr, HENRIQUE de BEAUREPAIRE “ARA- GAO, Assistente (Com a estampa 12). . . DE E a 64 V-Fixação de complemento na blastomicose pelo Dr. ARTHUR. MOSES (Ante Ce REAR CNE 68 IV —Nota sobre Agchyiostoma brasiliense G. de Faria, 1910, pelo Dr. GOMES de FARIA. . . . . . . . 71

AVI SO & s «MEMORIAS. serão publicadas em faciculos, que não aparecerão em datas fixas. No minimo, aparecerá um volume por ano.

Na parte escrita em portugués foi adotada a grafia aconselhada pela Academia de Letras do Rio de Janeiro.

Toda correspodencia relativa ás «MEMORIAS» deverá ser dirijida ao «Diretor do Ins- tituto Oswaldo Cruz Caixa postal 926 - Manguinhos - Rio de Janeiro». Endereço telegrafico: «Manguinhos».

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Fundador da med

APPENDICE de 1917

OSWALDO CRUZ

Quando regressámos a nossa casa de trabalho, após haver dei- xado na paz definitiva de um sepulchro o querido mestre, traziamos na alma, com a magoa infinita de uma saudade, o desalento de uma incerteza e a previsáo de difficuldades nunca experimentadas.

Annos dilatados aqui vivemos bem felizes, sob a orientaçäo de seu luminoso espirito, na seguranca e tranquilidade de objectivos pro- fissionaes que emanavam de seus elevados designios de sciencia e de patriotismo. Delle nos vinham, na ascendencia de uma vontade sobe- rana, O acerto nas decisões, a resolução nas incertezas, o animo no de- salento ! E nem custava proseguir assim, guiados pela sabedoria de con. selhos valiosos, sempre confiantes naquellas normas de trabalho aqui instituidas pelo exemplo do proprio mestre e mantidas pela efficiencia de resultados compensadores.

No optimismo de suas doutrinas neutralisavam-se as decepcóes de nossa jornada, e ao contacto de sua inabalavel, sob a inspiracáo de seus nobres ideaes de bondade e de altruismo, adquiriamos novo animo e energias novas, que sempre bastaram ás contingencias menos felizes de nossa vida collectiva.

Nem um dia esmoreceu o querido mestre, e, na perseverança de seu esforco, na convicçäo absoluta de seus principios, encontravam os discipulos o nobre incentivo, que lhes foi a razão essencial de todo exito.

Como lidar agora e proseguir na mesma directriz, privados do espirito bemfazejo, que nos era o manancial inexgotavel de todas as iniciativas de trabalho, a alma de nossos intuitos, a garantia de nosso acerio ? E poderiamos acaso desalentar, quando delle herdámos a res- ponsabilidade de uma obra de sciencia que synthetisa suas melhores aspirações e perpetua a maior gloria de seus dias ?

Fiamos na evocação permanente de seu espirito suavissimo, e saberemos aproveitar o valioso ensinamento de fé, de abnegação e de

altruismo, lucrado do mestre, em beneficio da missäo de trabalho que elle legou a seus discipulos.

Quando para aqui veiu, Oswaldo Cruz era quasi um adolescen- te, aos 28 annos de edade, em plena exuberancia de todas as prero- gativas de intelligencia e de caracter que o fadarain a elevados destinos. Pouco sabia da vida e dos homens e nenhuma desillusao experimen- tara ainda aquella alma de optimismo e de puros ideaes. Vivêra num recesso intimo de alegrias infinitas, onde os encantos de sua natureza singela e expansiva, as ternuras de seu coracáo amantissimo, expargiam flores de amor e orientavam para o bello pequeninas creaturas, que vieram 4 existencia afim de constituirem mais tarde, em compensações de sentimento, o melhor premio á bemaventurança de seus dias. Os privilegios de sua mocidade, soube elle aproveital-os no convivio dos livros e no labor de pesquizas, sempre retirado á actividade silenciosa dos laboratorios, lucrando da experiencia o cabedal scientifico que o habilitou á missão de mestre e de organisador de escola. Em nosso Paiz, quando perlustrava os bancos academicos, valeu-lhe os primeiros passos, na experimentação medica, a carinhosa acolhida de Rocha Faria, que soube reconhecer as aptidões do joven discipulo e poude facilitar- lhe os elementos da aprendizagem technica inicial. Nos laboratorios de hygiene da Faculdade do Rio de Janeiro, sob a orientação e os valio- sos ensinamentos do professor daquella epoca, Oswaldo Cruz revelou- se, desde logo, um experimentador de alto senso, e, em trabalhos ori- ginaes dignos de apreço, demonstrou a proficuidade de seu labor apenas iniciado. De Rocha Faria nunca mais se deslembrou o discipulo agra- decido, e durante toda evolução propicia de sua carreira, ao nome do mestre, a quem deveu a felicidade de uma directriz, Oswaldo Cruz sempre dispensou carinho e reverencia, que bem traduziam a nobreza de senti- mentos reconhecidos.

Aos Institutos de experimentação medica da Europa, apenas con- cluido o tirocinio academico, foi o querido mestre procurar o comple- mento necessario a sua educação de experimentador. Aprenden, então, de excellentes mestres, as melhores doutrinas, e no Instituto Pasteur de Paris, onde foi mais demorada sua permanencia, bem depressa foram apreciadas, com justiça, as aptidões do joven pesquizador brazi- leiro, cujo nome perdura nas melhores tradicções do ensino daquelle grande Instituto e no apreço dos maiores vultos da experimentação medica de França.

De regresso a nossa Patria Oswaldo Cruz trazia valiosas aspi- rações de trabalho, agora amparadas pelos conhecimentos technicos adquiridos e pela solida educação scientifica realizada. Nem tardou fosse opportuno o aproveitamento da capacidade do jovem sabio: O Instituto

sóro-therapico federal, fundado pelo Baráo de Pedro Affonso e destinado ao preparo do sóro contra a peste indiana, foi o inicio da grande missáo de sciencia, que deveria immortalizar seu nome aben- coado. Alli, como director technico, Oswaldo Cruz organizou os me- thodos de trabalhos sóro-therapicos, iniciou os auxiliares nos proces- sos necessarios e chegou muito depressa, com a maior felicidade, a resultados altamente vantajosos, que se traduziram num sóro de valor curatico comparavel ao dos melhores sóros anti-pestosos, até entáo co- nhecidos.

Ao tempo, eram bem parcos os elementos de que podia dispor o mestre, para a Obra de sciencia que elle idealizára: apenas tres os discipulos de entáo, Figueiredo de Vasconcellos, Cardoso Fontes e Ezequiel Dias, os primeiros da escola actual, solidarios com o nobre intento e possuidos de energias novas que dispensaram, annos seguidos, sempre com abnegacáo e alto proveito, 4 grandeza da obra e ao renome do mestre.

Nada importava, entretanto, ás aspirações de Oswaldo Cruz a deficiencia do inicio, que constituiu, no caso, um elemento favoravel á grandeza futura. Maior, dahi, o estimulo de quem possuia a sereni- dade e a firmeza de um predestinado, de quem trazia a consciencia nobilitante de uma alta missáo. Tudo por fazer? Tudo seria feito sob moldes lormulados pelo genio scientifico e pelo altruismo do mestre, que poderia, deste modo, fundamentar a obra imaginada na solidez de alicerces inabalaveis, constituidos pela excellencia de normas que foram a garantia de toda majestade futura.

E assim foi: a aprendizagem dos primeiros discipulos a outros indicou as vantagens da nova escola e aos poucos vieram chegando, áquelle recanto modesto de Manguinhos, levados pela curiosidade do desconhecido e animados pelos echos de um carinho incomparavel e de uma sabedoria sem artificios, outros trabalhadores esforgados, que souberam comprehender e secundar o mestre, no enthusiasmo pela causa e numa actividade de longos annos.

Foi a epocha da educacáo scientifica em Manguinhos, quando de Oswaldo Cruz os companheiros de entác aprenderam os primordios da medicina experimental e lucraram methodos de trabalho e normas de probidade scientifica, que foram um dia a razão maior do pres- tigio da nossa escola.

Aos que trabalhavam naquelles dias, ao lado do querido mestre, não sobravam condições propicias, de ordem material: duas ou tres peque- nas salas, apenas fornecidas do indispensavel á pesquizas elementares ; havia, porém, naquelle ambiente de fé, para garantir a evolução pos- terior, a supremacia de uma vontade soberana, que soube unificar es-

forcos, fundir energias e identificar objectivos. E assim, sob os me- lhores auspicios, começava a formar-se a escola de Oswaldo Cruz, quando feliz incidente veiu em auxilio das aspiracóes do mestre: Do programma benemerito de um governo daquella epocka foi parte es- sencial o saneamento da capital do Brazil, e, para reaiizal-o, mereceu preferencia o nome do jovem experimentador de Manguinhos. Era um chucro, segundo a ironia do tempo, em assumptos de administração publica; possuia, porém, a convicção de principios e levava para o cargo de director geral de saúde publica a intuição segura de altas res- ponsabilidades.

O jovem inexperiente, que até então vivêra distanciado de funcçôes publicas, soube haver-se com firmeza, justiça e sabedoria que nobilitaram as funcções do hygienista no Brazil. Trabalhou com inten- sidade excepcional, em prejuizo de sua vida physica, visando satisfa- zer um compromisso de patriotismo, assumido no inicio de sua tarefa. E venceu. De sua actividade lucrou o Paiz beneficios que não se medem e ao nome do mestre adveiu justo e compensador prestígio, todo aproveitado na realização de elevados intuitos de sciencia.

As vantagens, de ordem pessoal, consequentes do exito na cam- panha de saneamento do Rio de Janeiro, reverteram para Manguinhos, que constituia, na sua grandeza futura, a finalidade de todos os de- signios profissionaes de Oswaldo Cruz.

Ampliados agora os elementos de trabalho da nova escola, occupon-se o querido mestre, com zelo e sabedoria, da sua organisa- ção scientifica. Foi ahi que de modo amplo se revelou a intuição do creador da medicina experimental em nossa Patria, no aproveitamento dos melhores elementos de trabalho e na selecção da capacidade technica e das aptidões especiaes de seus discipulos. Oswaldo Cruz fez de Mauguinhos, antes de tudo, uma escola de adaptação scienti- fica, na qual foi possivel discriminar inclinações e aproveitar intelli- gencias, orientando-as no sentido da maior efficacia. Conhecedor de todos os assumptos da experimentação medica, e principalmente pos- suidor de uma technica perfeita e de conhecimentos exactos relativos á bacteriologia, foi elle quem iniciou todos os discipulos nos processos elementares de pesquizas e quem os orientou de acordo com as habi- lidades de cada um. Poude ainda, nos trabalhos da sua escola, impri- mir a feição de methodos individuaes valiosos, caracterisados pela mi- nudencia de uma observação demorada e pelo rigor maximo nas con- clusões possiveis.

Unico nessa phase de organisação, sua incomparavel actividade attendia à aprendizagem de todos os discipulos, a quem levava, com os melhores ensinamentos, iniciativas de trabalho e idéas novas, feliz-

mente bem aproveitadas pelo esforco e intelligencia dos jovens pesqui- zadores, cujos nomes hoje referimos com justa ufania.

Reconheceu ainda Oswaldo Cruz os beneficios de associar 4 or- ganisacio de sua escola a capacidade de outros pesquizadores, que haviam conquistado justa fama em alguns assumptos da experimenta- cao medica e da biolojia geral. Seria este o meio efficaz de crear no seu Instituto, sobre os melhores fundamentos, as diversas especialida- des. E assim o fez: Adolpho Lutz havia estabelecido as bases da zoolo- gia medica no Brazil, em trabalhos de valor incalculavel, relativos aos assumptos mais importantes da nossa entomologia e da nossa =parazi- tologia. Proseguia o grande sabio, com as vantagens de uma activida- de rara e de uma cultura adquirida em longos annos de esforco per- severante, a enriquecer a litteratura medica nacional e a realizar estu- dos que aproveitaram, desde logo, ao conhecimento exacto das nossas principaes doencas, no ponto de vista etio-pathogenico, epidemiologico e prophylactico,

Faltavam, porém, á Adolpho Lutz, condicóes propicias de uma escola organizada, onde os beneficios de seu vasto saber pudessem aproveitar á habilitação de novos pesquizadores. Isso o comprehendeu Oswaldo Cruz, e bem depressa avaliou quanto representaria, na vida scientifica de seu Instituto, a capacidade de Lutz, cujas normas de vida profissicnal constituiam um symbolo de alta abnegacáo e raro desprendimento. Os intuitos e a cordialidade do fundador de Mangui- nhos facilmente conseguiram seduzir o sabio zoologo, que nos veiu trazer o valioso contingente de seu esforco e vasta competencia, mais prestigiando aqui os trabalhos de sua especialidade, illustrada neste Instituto, desde a phase inicial, pelo enthuziasmo e notaveis aptidões de alguns dos melhores discipulos de Oswaldo Cruz.

Para crear e desenvolver a secção de protozoologia, 1oram pre- feridos dois dos maiores entre os experimentadores da escola da Schau- dinn. A protozoologia, agora orientada pelas vistas geniaes do grande biologo, constituia uma sciencia de largos horizontes e offerecia farta messe de noções valiosas 4 actividade dos pesquizadores modernos. Como sciencia abstracta, os seus problemas encerravam as grandes incognitas da biologia geral e guardavam a idea directriz que deve- ria aproveitar á interpretacáo exacta dos phenomenos vitaes e ao certo das melhores doutrinas relativas á vida universal. E como sciencia de applicação, della dependia o esclarecimento de importantes assumptos que interessavam 4 pathologia humana, á veterinaria, á zootechnia, 4 agricultura, etc. Maxime no Brazil, pela natureza tropical e intertropi- cal de nossas doencas, era bem vasto 0 campo em que se deveria exercitar a habilidade de experimentadores, apparelhados pelo estudo

da protozoologia. Havia ahi que adquirir noçôes exactas sobre entida- des morbidas peculiares a nossa Terra havia ainda que determinar modalidades etio-pathogenicas e epidemiologicas de doenças conhecidas em Outras regióes, aqui modificadas pelas influencias mesologicas.

Altos interesses da nossa cultura miedica indicavam, por isso, a formação, entre nós, de uma boa escola de protozoologia, ramo de ex- perimentacáo que muito deveria aproveitar ao esclarecimento de nossa pathologia.

S. von Prowazek e Max Hartmann accederam ás instancias de Oswaldo Cruz e vieram trazer a nosso Instituto ensinamentos valiosos, que aqui perpetuam ¡toda a grandeza daquelles espiritos geniaes e fazem parte das melhores tradições de nossa vida scientifica.

Com proveito relevante para nossa escola, tambem permanece- ram neste Instituto G. Giemsa, chimico de reconhecido valor, e Hermann Duerck, anatomo-pathologista de fama mundial.

Os ensinamentos de Duerck aproveitaram a um dos melhores discipulos de Oswaldo Cruz, a Gaspar Vianna, gloria legitima da me- dicina brazileira em plena juventude, e cuja vida constitue, ¡nas recor- dações dos que aqui lastimamos sua ausencia, um exemplo salutar de grandeza moral e de trabalho abnegado e productivo.

Soube Oswaldo Cruz comprehender as excellencias de caracier e os primores de inteiligencia de Gaspar Vianna, a quem dispensou profundo affecto e a quem facultou os melhores elementos de acção efficiente e de prestigio profissional.

Assim agia o querido mestre na organização desta escola ex- perimental. E visava proseguir nos mesmos intuitos, systhematizando nossos estudos de mycologia, de chimica biologica, de physiologia, de phyto-pathologia, etc., afim de mais ampliar as funcções deste Instituto e delle constituir um dos grandes factores da prosperidade economica e da cultura de nossa Patria.

Organizada a vida scientifica de Manguinhos, e systemati- zados nossos trabalhos nas especialidades que mais interessam á expe- rimentação medica e 4 biologia geral, não diminuiram os esforços de Oswaldo Cruz, agora tendentes a manter, entre os discipulos, o espirito de harmonia e a solidariedade de objectivos, que representaram a grande força inicial de nossa escola.

Além de que, sua actividade incomparavel e valiosa, as van- tagens de seu vasto saber e rara competencia em estudos de labo- ratorio beneficiavam ás pesquizas de todos os jovens experimentadores de Manguinhos, que delle lucravam, nas emergencias difficeis de uma interpretação duvidosa ou nas deficiencias individuaes, a palavra de acerto e os ensinamentos necessarios á conquista da verdade exacta.

E é de salientar, nesse ponto, a abnegacäo do mestre, que ao interesse collectivo e á grandeza da nova escola, na missão absorvente de educar e orientar discipulos, sempre dispensou o melhor de seu esforço, em preju'zo, ás vezes, de sua fama de pesquizador. Poderia elle, de pre- ferencia, aproveitar em beneficio do proprio nome, ainda mais o enal- tecendo, os superiores privilegios de sua rara mentalidade; julgou, porém, melhor servir a altos designios, na acção impessoal de orga- nizar esforços, crear iniciativas, orientar intelligencias, designar me- thodos scientificos, proporcionar, emfim, aos experimentadores da sua escola, todos os elementos seguros de exito. E procurava occultar-se na obra realizada, ahi sempre exaltando a valia exclusiva do disci- pulo, de cujo successo aproveitava as mais puras e compensadoras ale- grias.

Aliás esse desprendimento foi o traco mais caracteristico nobilitante na direcção de Oswaldo Cruz, que aos companhei- ros de Manguinhos cedia as melhores opportunidades de efficiencia e brilho profissionaes, nos trabalhos technicos de maior relevancia e mais facil repercussão,

Muito haveria ainda que referir, nos fastos desta escola, relativo á feição scientifica de Oswaldo Cruz; quanto de melhor ahi existe, neste Instituto, nobilitante da cultura medica de nossa Patria e expres-

sivo das energias de nossa raça, exteriorisa as abundancias de seu genio e synthetisa os elevados designios de sua vida profissional. De- vemos, entretanto, nessa affirmação de um culto imperecivel, dizer do mestre o que lhe fôra o coração e aqui evocar aquellas valiosas con- fidencias de amizade, que sempre traduziram intuitos de justiça, con- ceitos de altruismo, aspirações de amor e de virtude, os mais puros ideaes, emfim, de uma alma voltada para o bello!

Regressaremos, desse modo, ás alegrias e ás esperanças infini- tas que se foram, e vamos relembrar o querido mestre, na serenidade majestosa de quem sabia ao espirito alliar o sentimento e de quem poude retirar da bondade a grande força para as normas de justiça.

Nas reminiscencias affectuosas desta casa, bem fixados no sen- timento de quantos aqui recebémos os beneficios de seu affecto, per- duram os melhores traços da individualidade moral de Oswaldo Cruz. Possuia elle o raro privilegio de se fazer, ao mesmo tempo, amado e obedecido, desse modo fundamentando a ascendencia de sua vontade soberana, em garantias de lealdade e de affeições pessoaes decisivas. Todos os funccionarios de Manguinhos, não importava a hierarchia de posição, sabiam reconhecer no mestre o melhor dos amigos e o mais segur o amparo de todos os revéses e infortunios. E compensavam pelo estorço no trabalho e pela dedicação á obra collectiva, o conforto

moral de uma direccáo carinhosa e tolerante, garantidora de todos os direitos, e merecedora, por isso mesmo, da observancia exacta de todos os deveres.

Nunca houve mister, ao mestre, abandonar, em defesa de prin- cipios disciplinares, o criterio de: generosidade "maxima e de cordura, nas funccóes de Director deste Instituto. A firmeza nas decisóes e as energias necessarias á normalidade de nossos trabalhos, vinham de Oswaldo Cruz sob as roupagens de conselhos amistosos e eram assim recebidas sem constrangimento, e melhor aproveitadas em seus nobres intuitos.

Bem reconhecia elle, psychologo de largo tino, os nossos defeitos, contingencia humana inevitavel; sabia, porém, neutralizal-os pelo computo com as virtudes simultaneas, e sempre concluia em beneficio do valimento maximo de seus companheiros de missão scientifica, a quem estimulava pelo apreço ao merito e pela recompensa ao esforço. Aos que viviamos a seu lado, associados no mesmo objectivo de tra- balho, dispensava o melhor de sua affeicção, e desta casa, dos seus discipulos, constituiu uma segunda familia, cujos destinos vigiava com o mesmo zelo que lhe merecia o venturoso lar.

O seu convivio, ouvil-o exteriovizar todas as excellencias de uma organização moral de rara belleza, delle aprender as melhores dou-

trinas de optimismo e receber o influxo de sua alma enaltecida pelas maiores perteigóes do sentimento humano; lucrar tudo isso em largos annos de uma existencia de trabalho, sempre bonançosa pela influencia de seu espirito protector, foi o supremo beneficio de seu aifecto e constituiu a maior ventura de rossos dias.

E quantos de seus discipulos lhe devemos, de modo exclusivo, a felicidade do proprio destino profissional ? Quantos para aqui viemos, numa phase de incertezas e vagas aspirações, encontrar na longani- midade de Oswaldo Cruz a directriz exacta de um futuro propicio ?

E quantos delle lucramos, naquelles dias de uma mocidade exhuberante e passivel de orientações diversas, O apoio decisivo e opportuno, que nos foi o grande bem e nos desviou, talvez, de todo o mal?

Não incalculaveis beneficios de trabalho devemos ao carinho dc querido mestre; muitos dos que hoje veneramos sua memoria, tivemos a rara ventura de completar nossa formação moral sob a in- fluencia decisiva daquelle espirito magnanimo, que poude modificar, sempre aperfeiçoando, o caracter e o sentimento de alguns dos seus melhores discipulos. E nada resistia á grande força de seu exemplo e á segurança de seus principios; além de que, educava pelo coração,

fallando ás consciencias aquella linguagem sempre singela e de bel- lezas infinitas, que fascinava e convencia, orientando para o bem.

E foi assim annos seguidos de nossa vida collectiva, durante os quaes todos os primores que enalteciam o sentimento do querido mestre, todos os encantos que exaltavam sua alma majestosa, vale- ram-nos, a seus discipulos, as nossas melhores alegrias, e constituiram o grande patrimonio moral de nossa escola.

Nem findaram, com a vida do mestre, os beneficios de sua accáo: sobre esta casa, hoje confiada a seus manes protectores, poude Oswaldo Cruz, ao morrer, projectar a grande sombra de seu prestigio, e garantir assim a perpetuidade de sua obra meritoria. E, aliás, foram sempre esses os augurios de seu optimismo, quando affirmava, em contradicção com o sentir de todos nós, ser possivel proseguirmos na mesma jornada de trabalho, embora della ausente, um dia, o grande espirito que a guiava. Tal a confianca do mestre no animo resoluto e na solidariedade dos discipulos bem-amados! Taes as esperancas de uma alma que a outras almas procurou communicar nobres designios!

E cumpre que assim seja; curnpre que elle, morto, continue a dirigir os que vivemos, na permanencia daquellas normas de trabalho, que fizeram o renome de nossa escola, e daquelles elevados ideaes de sciencia, que fizeram a gloria imperecivel de Oswaldo Cruz.

Aqui o nosso adeus ao melhor dos amigos e ao maior dos mestres! Quiz elle, bem inopinadamente, abandonar a casa onde viveu e apostolou. E daqui se foi para muito longe, para o futuro de uma nacionalidade, enaltecendo-a, symbolisar o heroismo do trabalho, a força e a proficuidade de principios inabalaveis, a maior grandeza das acções humanas. Levam-no, para honra de nossa épocha, os echos de uma redempção profissional e as bençãos de uma Patria agra- decida!

Instituto Oswaldo Cruz, Julho de 1917.

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Processos patojenicos da tripanozomiase americana.

pelo DR. CARLOS CHAGAS (Chefe de Serviço)

(Com as estampas 4 e 5)

Sinonimia da molestia: Tripanozomiase brazileira Tireoidite parasitaria (MIGUEL PEREIRA) Coreotripanose (ADOLPHO LUTZ)

Molestia de Chagas

(MIGUEL COUTO)

Molestia de Carlos Chagas (AUSTREGESILO) Molestia de Cruz e Chagas (CLEMENTINO FRAGA)

Nome popular: molestia do barbeiro

AA = o

Ao iniciar o estudo das formas clinicas em que sistematizamos a tripanozomiase americana, julgamos vantajoso, num con- ceito etio-patojenico dos grandes sintomas, definir exatamente a doença. Será oportuno, deste modo, fundamentar o aspeto multiforme daquela tripanozomiase e tambem salientar a importancia excepcional de seu estudo, no ponto de vista da patolojia geral e especial- mente da fisiolojia patolojica.

Aqui, aproveitando os elementos de prova colhidos em demoradas pesquizas, vamos procurar delimitar a tripanozomiase, estabelecendo seus fundamentos patojenicos irrefutaveis. Os pontos indecisos ou aqueles julgados duvidosos na historia da doença serão apreciados á luz de argumentos que nos pareçam: de valia e sobre eles emitiremos juizo de convição bem baseada.

Desejamos, especialmente, nesse capítulo, eliminar do criterio clinico toda confusão, acaso trazida pela deficiencia de publicações anteriores. Nestas, embora realizadas após noções exatas sobre a expressão clinica geral da tripanozomiase, é possivel tenham faltado a algumas interpretações elementos demons- tratrivos convincentes. Agora não; o acervo de fatos adquiridos autoriza considerar defi- nitivas as principais conclusões, a que vamos chegar, ficando assim nitidamente individua- lizada a molestia, no conjunto de sindromes que a observação e o estudo experimental evidenciaram.

Estabelecidas as noções que agora pairam acima das controversias, caraterizada, deste modo, a tripanozomiase em sua etio- patojenia verdadeira e em todas as modali- dades de seu quadro sintomatico, os pontos duvidosos, aqui descutidos, não podem mais

importar ein dificuldades 4 concepcáo clinica da doenca.

As primeiras publicaçôes clinicas sobre a tripanozomiase foram realizadas quando adquirimos da molestia noções precisas que a podiam individualizar. Em demorados trabalhos posteriores procurámos completar os conhecimentos ali adquiridos, melhor fundamentando nossas conclusões, on modi- ficando-as quando necessario. Foi na mesma zona onde verificámos a existencia da doença e onde realizámos os primeiros trabalhos clinicos e experimentais, que proseguimos nossos estudos. Tivemos, desta feita, a cola- boração de colegas esforçados, clinicos e experimentadores, que se incumbiram de esclarecer capitulos especiais, devendo, cada um deles, em publicações distintas, apresen- tar os resultados adquiridos. Os drs. EURICO VILLELA, LEOCADIO CHAVES, ASTRO- GILDO MACHADO e CARLOS TORRES trabalharam com empenho neste asunto e dele vão tratar com autoridade.

Perdemos inopinadamente a valiosissima colaboração de GASPAR VIANNA, o pes- quizador incomparavel, cuja descoberta das localizações do parasito nos tecidos foi alta- mente elucidativa da patojenia dessa tripano- zomiase. Aqui deixamos sentida homenajem á memoria daquele companheiro, cuja breve existencia vale como exemplo de traba!!: e de integridade moral, cuja obra cientiiica representa um patrimonio inestimavel para nosso Paiz.

Em permanente assistencia hospitalar e em demorada e abundante observação de doentes ambulatorios, colhemos dados cli- nicos e experimentais que constituem a mais farta documentação destes estudos. De todos os aspetos da doença, de todas as modali- dades clinicas nela verificadas, possuimos hoje exemplos numerosos, o que, nestes trabalhos, constitue solida garantia das conclusões.

Terminadas, que o sejam, as considera- ções prévias deste capitulo, entraremos no estudo das fórmas clinicas agora admitidas na doença. Devemos, mais uma vez, salientar que a divisão da tripanozomiase em formas

clínicas distintas expressa exclusivamente uma | das formas cardiaca ou nervosa,

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exijencia didatica. Não existem entre as diversas modalidades sintomaticas com que se apresenta a infeção, diferenças essenciais; nem essas seriam compreensíveis numa mo-. lestia geral, inicialmente septicemica, senão septicemica no correr de toda sua evolução, cujo parasito localiza-se, posteriormente, sempre nos mesmos tecidos e sistemas orga- nicos dele preferidos. De serem comuns a todos os doentes os mesmos processos patojenicos, resulta uniformidade de sindro- mes observadas na molestia; como, porém, sobre determinados organs e aparelhos orga- nicos, muitas vezes naqueles de função essen- cial ao equilibrio vital, a ação do parasito é mais intensa, ha predominancia, na condição geral do enfermo, de determinados sintomas. Daí a possibilidade de distinguir na molestia fisionomias clinicas diversas, que usamos, em nosografia, sistematizar como formas auto- nomas. Quando, descrevendo essa doença, falamos em fórma cardiaca, fórma nervosa, fórma pluriglandular, etc., indicamos apenas o predominio de alterações funcionais nos respetivos sistemas, sendo inconteste que nenhuma de tais fórmas nitidamente se separa das outras, pelo exclusivismo de alguma sindrome. É assim que na fórma nervosa vamos encontrar, além dos sinais maiores que a caraterizam, outros indicando lesões do miocardio; e nas fórmas cardiacas mais acentuadas, pequenas alterações funcio- nais denunciam, muitas vezes, a ação atenuada do parasito sobre o sistema nervoso. Vemos, deste modo, que algumas sindromes são constantes, reproduzindo-se em todos os casos da doença, estabelecendo, entre as diversas fisionomias clinicas, reconhecivel uniformidade. Nem haverá exceções para invalidar essa doutrina? É certo que a pesqui- za semiotica terá muita oportunidade de ve- rificar no doente a ausencia de cinais denun- ciantes da participação atual, no quadro mor- bido, de aparelhos e sistemas habitualmente afetados. Numerosos doentes, em que pre- dominam alterações funcionais do miocardio nada apresentam para o lado do sistema ner- voso; e tambem podemos encontrar doentes agora em

menor numero, com ausencia aparente de sinais indicando anomalias do sistema glandu- lar. A reciproca, porém, nao se verifica, isto é, nos doente da forma nervosa ou naqueles da fórma pluriglandular, a pesquiza minuciosa revela sempre alterações cardiacas, o que salva a verdade de nossa tese e demonstra a inexistencia de autonomia nas formas ner- vosas e pluriglandulares, por ex;, nas quais existem sindromes que caraterizam a forma cardiaca. essa seria autonoma, raramente: poderemos, porém, nos doentes com altera- ções predominantes, ou aparentemente exciu- sivas, do mucuslo cardiaco, afirmar a inte- gridade do sistema nervoso e do pluriglan- dular? Na ausencia de necropsias não pode- riam furtar-se aos processos da semiotica fisica essas menores alterações de sistemas organicos funcionalmente tão complexos quanto os dois exemplificados ? Poder-se-á ar- gumentar de outro modo, afirmando apenas que na molestia sindromes existem cons- tantes e outros que não o são; mas, mesmo assim, a autonomia das fórmas clínicas desapareceria pela constancia de algumas sindromes. Concluindo nosso raciocinio; Aspetos clinicos diversos, trazidos pela maior intensidade de processo patojenicos em deter- minados organs ou sistemas Organicos, é o que existe na tripanozomiase; e destes aspetos, por conveniencia de exposição, faze- mos fórmas clínicas distintas. Nestas é sempre verificado um conjunto de sintomas comuns, ocasionados pela constancia de algumas sindromes que devemos considerar fundamentais.

Dos processos patojenicos na tripano- zomiase alguns correspondem á localizações verificadas do parasito na intimidade de sis- temas organicos; outros são atribuiveis á ação de toxinas, auja existencia bem se evi- dencia em alterações organicas e funcionais que permaneceriam, de outro modo, inex- plicaveis.

Vamos, primeiro, interpretar os sin- tomas das fórmas agudas da molestia. Estas fórmas se caraterizam pela presença, facil- mente verificavel, de flajelados no sangue circulante, e apresentam, na sintomatolojia,

|

elementos morbidos agudos, reveladores da molestia na sua fase inicial. São casos de infeção sempre recente; nem de outro modo seria possivel verificar o parasito na periferia, onde sua presença é transitoria, conforme observações demoradas que pussuimos.

Temos acompanhado, com pesquizas pa- rasitarias constantes, a evolução de varios casos agudos; neles temos verificado ralação bastante exata entre o numero de flajelados no sangue e a intensidade dos elementos morbidos.

Sempre mais graves são os casos clini- cos que apresentam maior numero de para- sitos; e da constancia deste fato resulta pos- sivel a previsão do desenlace letal, quando numerosos os tripanozomos no sangue exa- minado. Naqueles doentes com parasitos raros, ao contrario, pode-se seguramente prever a atenuação progressiva dos elementos morbidos e a evolução cronica posterior da doença.

Os flajelados, as mais das vezes, per- manecem no sangue circulante emquanto per- duram os sinaes agudos da molestia, sendo ainda verdadeira a reciproca desta regra. Ve- rificámos ainda, acompanhando com pesqui- zas microscopicas diarias grande numero de casos agudos, que os parasilos vão em au- mento progressivo, atinjindo certo maximo; diminuem depois, do mesmo modo, até de- saparecimento completo ao exame direto. E pouco frequente, porém verificavel, é o fato de ausencias periodicas do protozoario da periferia, durante alguns dias, com reapa- recimento posterior.

De nossa observação resulta que, na grande maioria dos casos clínicos, pode- mos verificar flajelados no sangue, pela pes- quiza direta, durante periodo de tempo menor de 30 dias; e em alguns doentes, no fim de 8 ou 10 dias, os mais demorados exames á fresco são negativos. A permanencia mais longa, até 90 dias, a verificámos em 2 fatos de infecáo pequena, havendo neles, emquan- to foram observados parasitos ao microcopio, reação termica mais ou menos permanente.

Uma vez desaparecidos os flajelados do sangue periferico, ou melhor, quando as pes-

quizas microscopicas diretas náo conse- guem mais verifical-o, o diagnostico parasi- tario da molestia é possivel, durante prazo indeterminado de tempo, pela inoculação de alguns centimetros cubicos de sangue em animaes sensiveis; isso porque, embora em numero muito diminuto, os flajelados ainda se encontram no sangue circulante. Deste fato possuimos diversos exemplos, nos quaes, no correrde 6 a 8 mezes que se seguiram à fase aguda da molestia, conseguimos transmitir o parasit a cobaias, por inoculação de 5 ou 10 cc? de sangue. Mais tarde, especialmente nos casos de infeção inicial remota, repetidas tentativas de transmissão da molestia a animaes de laboratorio são, ás mais das vezes, negativas; e isso se verifica mesmo naqueles enfermos cuja necropsia vem revelar o parasito em relativa abundancia na intimi- dade dos tecidos.

Conseguimos, é certo, em raras fórmas cronicas, resultados positivos de algumas ino- culações. Taes casos, de ocurrencia pouco frequente, indicam talvez periodos transitorios de presença do flajelado no sangue. E esse fato está muito de acordo com a verificação do Dr. MARGARINOS TORRES, nosso estu- dioso colaborador, que tem conseguido algu- mas vezes infetar larvas de triatoma, criadas no laboratorio, alimentando-as em doentes cronicos. Nas observações do nosso colega os resultados positivos constituem minoria; isso, porém, não invalida a conclusão que estabelece como orijem habitual da infeção do hematofago os doentes cronicos: não inva- lida porque o inseto vem desde os estádios larvarios iniciais fazendo refeições repetidas nos casos cronicos de tripanozomiase e daí resulta oportunidade de injerir, com o sangue, formas parasitarias.

Em pesquizas recentes tem sido verifi- cada grande frnquencia da infeção dos gatos, nos domicilios onde existem triatomas. uma vez, no início de nossos estudos, assi- nalamos o fato, tendo então observado tripanozomas num unico gato, em domicilio onde havia uma criança com a fórma aguda da molestia. Atualmente a observação foi repetida em habitações de doentas crónicos,

sem parasitos na periferia, tendo sido encon- trados diversos gatos com flajelados no

sangue. E assim muito provavel, senão quasi certo, que o gato constitua, tambem, orijem frequente de infeção das triatomas.

De especial interesse patojenico é saber do momento em que o parasito vai localizar- se na intimidade dos tecidos. Essa localiza- «ão será contemporanea da presença de fla- jelados no sangue circulante? Certo que sim; nem de outro modo poderiamos compreen- der o aumento numerico do tripanozomo, quando está demonstrada a ?usencia de di- visão binaria dele no sangue. Os corpusculos leishmaniformes dos tecidos, descobertos por VIANNA, evolvem para a formação de fla- jelados, o que se denuncia, aliás, na presença de fórmas de transição e de organismos munidos de flajelo entre os parasitos afla- jelados dos organs: e, por outro lado, é ainda possivel encontrar nos tecidos agiome- rações parasitarias constituidas de tripanozo- mos completamente desenvolvidos.

Si assim é, si as fórmas localizadas na intimidade dos elementos anatomicos veem para o, sangue circulante sob o aspeto de tripanozomos tipicos, como explicar essa ausencia, nas fórmas cronicas da molestia, de parasitos no sangue periferico? Come explicar esse fato, quando as autopsias têm revelado, em bom numero de doentes daquela natureza, abundancia de organismos nos tecidos? Compreensivel si nos apresenta esse aspeto das infeções cronicas admitindo nelas immunidade sanguinea relativa; desta resulta o aparecimento de anticorpos que impossibilitam, ou pelo menos dificultam, a vida do tripanozomo no sangue, sendo os parasitos que ai chegam rapido destruidos pelos elementos de defeza organica; ou então regressam eles á intimidade dos tecidos.

Nem se furtará, talvez, a essa razão o desaparecimento dos flajelados do sangue circulante, nas infeções agudas. Nestas, con- sequencia dos processos reacionarios do organismo infetado, depressa se estabelece a condição nociva à vida do parasito no sangue; e, então, como continjencia biolojica favoravel á perpetuação especifica, o parasito

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vai localizar-se nos tecidos e ai em atividade, multiplicando-se e ajindo no sentido patojenico, por tempo indefinido.

Desde as primeiras fases da infecáo, O parasito pode ser verificado na intimidade dos sistemas organicos. Autopsias de alguns casos graves, quando em grande numero Os parasitos no sangue periferico, tém revelado os corpusculos leishmaniformes, abundantes, em diversos Organs; e, aliás, a experimenta- ção em animais confirma amplamente esse fato da patojenia humana, demostrando em cobaias, logo ao surjir das primeiras fórmas flajeladas na periferia, parasitos nos tecidos. Sendo assim, na patojenia das fórmas agudas devemos encontrar processos atribuiveis a localizações parasitarias nos organs; tais processos, porém, ai figuram ao lado de outros, mais tumultosos, que expressam a ação do protozoario no sangue circulante e que caraterizam a fase por excelencia septi- cemica da infeção.

Entre os elementos morbidos das fórmas agudas a febre é dos mais notaveis, pela sua constancia e pela intensidade das reações termicas. Diretamente relacionado com a presença de flajelados no sangue circulante, esse eleniento denuncia a ação predominante, neste periodo septicemico da tripanozomiase, de toxinas elaboradas no sangue. Sempre que a observação microscopica revela para- sitos na periferia, o termometro denuncia reação termica; e, por outro lado, é cons- tante a relação entre a intensidade da febre e o numero de flajelados observados. Nas infeções com abundancia de parasitos as reações termicas são sempre consideraveis, atinjindo ou excedendo mesmo 40°; nas infecções pequenas, em que encontrámos ás vezes dificuldade na verificação parasitaria, a temperatura não vai muito alto, conservando- se o doente apenas sub-febril. Isso é assim nas fases iniciais da molestia; nos casos agudos de extrema gravidade, nos periodos precursores da morte, aquela relação poderá desaparecer, conforme temos verificado. É continua a reação termica nas fórmas graves e não apresenta, ás mais das vezes, nem simples remissões; e, enquanto observamos

permanece | parasitos no sangue, o doente permanece

febril. Quando os flajelados desaparecem da periferia, a temperatura poderá manter-se ainda elevada durante pequeno prazo, mas depressa volta ao normal; ou então, quando acontece o fato referido, de apareci- mentos e desaparecimentos sucessivos do parasito no sangue, a temperatura obedece á mesma periodicidade.

A intermitencia febril póde ser verificada nas fórmas agudas mais benignas; não o é, porém, de modo frequente e nem apresenta carateristica especial da molestia; é apenas determinada por fases, mais ou menos pro- longadas, de apirexia. Não existe aqui, como na malaria, qualquer relação exata entre os momentos de reação termica e os processos biolojicos do protozoario; este, sempre, pre- sente na circulação, multiplica-se de modo continuo enão mostra, por isso mesmo, em sua ação patojenica, aquelas alternativas de exacerbações e de remissões carateristicas de algumas parasitoses sanguineas.

Passada a fase aguda da molestia, em- bora permaneçam mais ou menos atenuados alguns dos elementos morbidos, a febre desa- parece. Os doentes cronicos, que não apre- sentam flajelados na periferia, são apireticos; e esse fato, ligado ao grande numero de ne- cropsias que têm demonstrado, em taes casos, o parasito nos tecidos, indica ser a febre, nesta molestia, resultante da condição septi- cemica. Aliás, em outras infeções cronicas, de germes localizados, parece certo que os incidentes febris resultam da invasão do sangue pelo ajente etiolojico; em taes casos, os pericdos de reação termica representam momentos transitorios de septicemia.

E tambem na tripanozomiase, que se torna, depois da fase aguda, infeção de para- sitos localizados, é possivel observar doentes cronicos com acidentes febris de pequena duração; essa ocorrência, porém, é bastante rara e depende, sem duvida, da condição pa- tojenica referida.

Um dos sinaes mais frequentes, senão constante, nas fórmas agudas da doença, é o mixedema. De regra, na anamnese dos casos dessa natureza, colhemos a

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referencia bem presica de que o doente, alguns dias depois do inicio da febre, come- cou a ¿nchar, tornando-se tumido, de rosto cheio, de palpebras tumecentes, de labios espessados, lingua grossa, pastosa, etc. Esta inchação, de principio mais acentuada na face, depressa se generalisa a todo o corpo e se denuncia, no quadro clinico, como condição predominante. A’s mais das vezes, temos ve- rificado iniciar-se a inchaçäo de 10 a 15 dias após os primeiros sinaes da molestia e temos ainda Observado seu aumento progressivo, no correr da fase aguda. Desaparecida a febre e os outros elementos agudos, desaparecidos tambem os flajelados do sangue periferico, a inchacáo vai se atenuando, até certo gráu, em que apenas notamos tumidas as feições do enfermo. E’ essa a regra geral, verificavel nos casos agudos, mais frequentes, que passam á condição cronica no fim de 20 ou 30 dias; devemos, porém, referir a ocorrencia de ex- ceções, nas quais a maior intensidade do pro- cesso patojenico respetivo determina perma- necencia de mixedema acentuado por tempo mais ou menos demorado, senão definitivo. Nenhuma duvida pode existir sobre a na- tureza dessa inchação: o exame minpcioso revela tratar-se de edema duro, de consisten- cia elastica, não deixando a impressão do dedo que oprime, crepitando pela compressão das rejiões favoraveis. O exame da urina vem tambem, subsidiariamente, excluir a hi- potese de edema renal, o que seria dispen- savel pela evidencia dos outros sinaes. Trata-se, assim, de infiliração mixedema- tosa; e esse sinal é aqui de tal modo cara- teristico que autoriza desde logo, antes mesmo da pesquiza parasitaria, o diagnostico da mo- lestia. Na maioria das fórmas agudas, obser- vadas em nossos estudos, podiamos prever o resultado positivo do exame do sangue, pelo simples aspeto mixedematoso dos febri- citantes. O mixedema, de fato, constitue sinal tão saliente que torna possivel o diagnostico clinico á distancia, pelo aspeto exterior do doente. E” de importancia referir a absoluta ausencia de infiltração mixedematosa, antes dos sinaes agudos da tripanozomiase, nas observações que possuimos: ausencia de in-

filtração mixcdematosa ou de qualquer outra com ela confundivel. Trata-se, na grande maioria de nossos casos clinicos, de crianças anteriormente hijidas, sem o menor sinal de morbidez, nas quaes essa infiltração repre- senta, sem a menor duvida, sinal constitutivo da molestia. Conforme é referido nas obser- vações clinicas, que apresentamos adiante, encontrámos ás mais das vezes, ao lado dessa infiltração sub-cutanea, outros elemen- tos que caraterizam o mixedema: pelos que- bradiços, queda de cabelos, pele seca, exfo- liação da epiderme, perturbações para o lado das secreções cutaneas, etc. . Não ha esse outro sinal, constante nos mixedematosos, a temperatura baixa, porque o fator etiolojico do mixedema atua simultaneamente sobre a termojenese, determinando elevação de tem- peratura.

O mixedema das fórmas agudas, com esse aspeto de intensidade, aparecendo dias após o inicic dos primeiros elementos da infeção e evolvendo rapidamente até atinjir gráu elevado, constitue sinal peculiar dessa molestia ; e, que nos conste, em nenhuma ou tra entidade morbida é dado observar a sindrome com as caraterísticas especiais aqui referidas. Certo outras infeções podem deter- minar insuficiencia tireoidiana e levar o do- ente á condição proxima da que discutimos; ai, porém, o processo é sempre lento, demo- rado na sua evolução e a sindrome não atinje o gráo de intensidade observado na tripanozomiase. Nesta dir-se-ia mixedema agudo, comparavel, em sua evolução e, ás vezes, em sita intensidade, a esse conse- quente ás tireoidetomias totais. Como inter- pretar esta sindrome peculiar da doença? O mixedema é equivalente patolojico de perturba- ção funcionl da glandula tireoide e sua pre- sença frequente na tripanozomiase indica, por certo, ação especifica do parasito on de suas toxinas sobre aquele organ, levando-o á deficiencia. Si quizermos, indo além, deter- minar O mecanismo daquela ação, temos que parar no terreno da hipotese, porque mais nao nos facultam os fatos adquiridos. Veri- ficámos a localização do parasito na glan- dula, onde é ele encontrado no parenquima

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vesicular com o aspeto leishmaniforme ob-

servado em outros tecidos (Est. 5, fig. 2)...

Será, entáo, um processo irritativo direto, de

localização parasitaria, esse que determina O'

hipo-tireoidismo? E nesse caso qual a pato- jenia exata do fenomeno? Cumpre salientar que, mesmo nos casos agudos com relativa abundancia de parasitos no sangue periferico, na glandula tireoide os corpusculos leishma- niformes são observados em pequeno nu- mero, sendo nescessario, ás vezes, examinar diversos córtes da glandula para verifical-os; quando nada, aqui são eles incomparavel- mente menos frequentes do que no coração, nos musculos estriados em geral, e em outros sistemas, sedes prediletas do proto- zoario. Será causa do processo a toxina, acaso proveniente do parasito? Temos, como fato similar, a intensa esteatose do figado, dejenerado no mais alto gráu, transformado quasi em grande massa de gordura, e, onde, apezar disso, nunca nos foi dado verificar localizações parasitarias. E, sem admitirmos a interferencia de substancias toxicas, não poderiamos compreender essa esteatose hepa- tica, comparavel áquela observada nos pro- cessos patojenicos que atuam mais intensa- mente sobre o figado. É certo que, dadas as condições especiais de estrutura da tireoide, constituida de numerosas vesiculas, a veri- ficação do parasito poderia ser dificil; e ainda poder-se-á conceber localizações para- sitarias transitorias na glandula que, sendo um orgam fortemente vascularisado, não constituiria séde favoravel para nela perma- necer, demoradamente, o protozoario. Seja como for, ou por ação direta, ou por suas toxinas, O tripanozomo atua sobre a tireoide, levando-a a deficiencia funcional; em qualquer das hipoteses, porém, o mecanismo intimo do processo é para nós obscuro, não tendo sido, até agora, esclarecido por estudos histo-patolojicos convincentes.

Temos verificado, nos estudos anato- micos realizados, hiperplasia evidente das vesiculas tireoidianas, com hiperplasia simul- tanea do tecido conjuntivo intersticial; e temos ainda, em algumas autopsias, podido notar retenção notavel do coloide no interio

das vesiculas, o que parece indicar aproveita- mento deficiente deste ou talvez a impossi- bilidade anatomica de sua passajem para a corrente circulatoria. Será essa ultima a razão dominante dos sinais de deficiencia fun- cional da glandula? Podemos, neste momento de nossos trabalhos, afirmar, de modo deci- sivo, que o parasito se localiza no paren- quima da glandula tireoide ; localiza-se neste, como em outros organs afetados, sob. O aspeto de corpusculos leishmaniformes.

No ponto de vista clinico é muito maio, a evidencia dos fatos: O mixedema das formas agudas não constitue fenomeno ¡so- lado; ao contrario, figura em todos os casos clinicos e positivamente é parte integrante da sintomatolojia nesta primeira fase da moles- tia. E poderemos, no estado atual dos conhe- cimentos de fiso-patolojla geral, compreender a sindrome nestes casos, sem admitir ação especifica do parasito sobre a glandula tire- oide? Este hipo-tireoidismo das fórmas agudas, de grande constancia, indica, de modo decisivo, a participação da glandula tireoide nos processos patojenicos da tripano- zomiase ; sinão, como interpretar os fatos? Poder-se-á apresentar o argumento seguinte: existe, na zona onde grassa a tripanozomiase, certa condição de mioprajia tireoidiana here- ditaria; esta, na ocorrencia da molestia, seria apenas agravada, e dai resultaria evidenciar-se o mixedema. Contra esse raciocinio, pura- mente teorico, devemos alegar a ausencia de agravação daquela mioprajia glandular por outras molestias que grassam na zona: ma- laria, ancilostomose, pneumonia, febres exan- tematicas, etc. a tripanozomiase é capaz de despertar aquele hipotireoidismo latente ? Nesse caso a tripanozomiase tem sobre a glan- dula a ação especifica que admitimos e então, em bôa lojica, dispensando a hipotese arbitraria e ficando no dominio exclusivo dos fatos, nos parece mais rezoavel compre- ender o hipotireoidismo como função exclu- siva da tripanozomiase. É a isso que nos força a apreciação razoavel dos casos mor- bidos.

Nas fórmas agudas da tripanozomiase figura, portanto, como sindrome frequente,

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senáo constante, o mixedema. A ilacáo natural desse fato de ordem clinica é que ha inter- ferencia da glandula tireoide, pela deficiencia funcional, no quadro morbido. Eis o que nos ensina a observação clinica: Isso, porém, não importa em confusão da tripanozomiase, em sua modalidade aguda, com os sintomas carateristicos do mixedema e do bocio ende- mico. Observámos o mixedema na quasi totalidade dos casos clinicos agudos da mo- lestia e o referimos na sintomatolojia ; além dessa sindrome, porém, outras ai figuram para caraterizar a molestia e para diferencial- a, com absoluta nitidez, de qualquer outra entidade nosolojica. Mesmo para aqueles que, colocados no ponto de vista de doutri- nas, possam recusar a ação especifica do tripanozomo sobre a glandula tireoide e queiram fazer do mixedema, nas formas agudas, uma condição simultanea, mesmo para os que considerem a infiltração mixede- matosa de nossos doentes consequencia duma mioprajia glandular apenas agravada; mesmo assim, outros elementos existem para individualizar a tripanozomiase em sua pri- meira fase evolutiva.

De modo que, referindo o mixedema nas fórmas agudas, nós nos colocamos no ponto de vista clinico exclusivo, sem prejul- gar de concepções teoricas relativas á etiolo- jia do bocio endemico. Estivessemos em erro, quando concluimos sobre a etiolojia do bocio, e ainda assim teriamos de referir, na descri- cao dos casos clinicos agudos, o mixedema como sinal dos mais predominantes.

Porque a atenuaçäo do mixedema quando desaparecem os elementos agudos da infeçäo ? E possivel, para interpretar este fato de obser- vacáo quasi constante, admitir varias hipoteses: reacáo do proprio tecido glandular, compen- sando, pelo desenvolvimento de novas vesi- culas, a deficiencia funcional do orgam; ou entáo os processos inflamatorios agudos, li- gados principalmente a fenomenos para o lado da circulação da tireoide, constituiriam a razão capital da retenção do coloide, e, atenuados aqueles processos, o coloide teria livre curso, indo assim exercer seu papel no metabolismo organico. E, si quizessemos ir

além no terreno de conjeturas, poderiamos ainda referir a possibilidade de processos compensadores, atribuiveis a outros aparelhos do sistema endocrinico; devemos, porém, confessar, analizando esses fatos clinicos, que a interpretação depende de novos e mais mi- nuciosos estudos relativos 4 histo-patolojia da tireoide.

A esteatose, mais ou menos intensa, lo- calizada em diversos organs, constitue proces- so dos mais acentuados nas fórmas agudas da tripanozomiase. No figado, principalmente, esse processo assume proporções de maior intensidade, comparavel á que se observa nas molestias por exselencia esteatosantes; e, como paralelo bastante exato, podemos adoptar o figado na febre amarela, cuja de- jeneração gordurosa em nada excede a que temos verificado em casos agudos da tripa- nozomiase. E’ um verdadeiro figado camurça, no qual todo o tecido se apresenta atinjido pela mais intensa esteatose. Apesar disso, dessa dejeneração consideravel do orgam, nele, em casos humanos pelo menos, nunca verificámos as localizações parazitarias encon- tradas em cutros tecidos; e, dada a ausencia de parasitos, a intensidade do processo dejene- rativo pode ser explicada pela ação de toxinas, que tenham atuada de modo ex- cecionalmente enerjico.

Na expressão clinica da molestia os sinaes reveladores dessa esteatose hepatica, que se deveriam salientar, veem confundidos na sintomatolojia geral das fórmas agudas, não sendo possivel, muitas vezes, especifical- os nitidamente.

Entre as localizações do Trypanozoma cruzi nos organs e sistemas, figura, como da- quelas de maior importancia patojenica, a verificada na fibra cardiaca.

Penetrando na celula do miocardio, o protozoario ai se multiplica, e constitue deste modo as grandes aglomerações parasitarias difundidas por todo o musculo cardiaco. Na patojenia da molestia é este um dos pro- cessos de maior relevancia: dele resultam modalidades clinicas bem determinadas, nas quais predomina a sindrome cardiaca. E esta uma das localizações constantes do flajelado;

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pelo menos, sempre a verificámos em todas as autopsias de casos agudos e em grande numero de formas crónicas. (Est. 4, fig. 1). E, pcr outro lado, na experimentação em ani- mais, desde as fases mais recentes da infe- ção, o musculo cardiaco se apresenta para- sitado. Assim sendo, é bem de compreen- der a presença de sinais para o lado do miocardio, em todos, ou na grande maioria des casos da molestia, não importa a forma clinica em que os tenhamos classificado. Nesse aspeto excecional da tripanozo- miase, caraterizado pelo ataque do protozoa- rio ao proprio elemento anatomico que no orgam constitue o substratum essencial da função, vamos encontrar vasto cabedal de indicações aproveitaveis para O esclarecimento da fisio-patolojia cardiaca. Reconhecida a natureza exata da alteração de função, estudada a semiotica do fenomeno cardiaco, poderemos, desde logo, referir sua patojenia á condições anatomicas constantes, facil- mente verificaveis nas necropsias desta mo- lestia; e, deste modo, poderemos estabelecer a relacáo immediata entre o fenomeno mor- bido e sua causa, o que virá trazer grande luz, na generalização possivel, a muitos pro- blemas obscuros da fisioiojia patolojica do coracáo. Acrece ainda a alta hierarquia biolo- jica do parasito, com a relativa facilidade da tecnica aplicavel a seu estudo, para melhor fundamentar a relevancia desse capitulo da molestia, onde o interesse da ciencia abs- trata se mede pelo alcance pratico das noções que ai podem ser adquiridas. Nas necropsias de fórmas agudas da tripanozo- miase O dr. GASPAR VIANNA verificou a destruição da celula cardiaca, que fica muitas vezes reduzida á membrana, em cujo interior permanecem retidos os parasitos; ou entáo a membrana da fibra pode romper-se, esca- pando os corpusculos leishmaniformes para o tecido intersticial. Neste sáo observados processos inflamatorios intensos, difundidos por toda a espessura do miocardio. Em al- gumas de nossas necropsias a miocardite tem sido verificada nos gráus de maior intensi- dade e traduz-se não por alterações da celula cardiaca, mas principalmente por pro-

cessos para o lado do tecido conjuntivo, com hiperjenese das celulas fixas, infiltração de celulas redondas, etc..: As modificações do tecido intersticial se apresentam, ás vezes, táo intensas nesta miocardite que a estrutura geral do musculo fica inteiramente modifi- cada. Temos ainda, na maioria dos Casos agudos de terminação letal, observado peri- cardite, mais Ou menos acentuada, algumas vezes com derrame abundante na cavidade serosa. Esta pericardite, em gráu variavel, constitue tam-em processo patolojico quasi constante da tripanozomiase, e faz parte da poliorrominite que é umas das carate- risticas anatomicas da molestia. O liquido do pericardio, ás mais das vezes amarelo citri- no, apresenta-se, ás reações, como verda- deiro exsudato.

Na sintomatolojia das fórmas agudas, essas alterações do musculo cardiaco se ex- pressam em fenomenos intensos e sempre progressivos de insuficiencia do orgam. A tensão arterial é sempre muito baixa, o nu- mero de pulsações elevado e não obedece, nos casos gráves, a qualquer relação com a curva termica. Não raro, o obito se verifica em condições que fazem lembrar o colapso cardiaco: o doente, neste aspeto, parece morrer pela fraqueza do musculo, devido ás alterações anatomicas nele ocasionadas pelo parasito. E será essa, na maioria dos casos letaes, a razão imediata da morte?

Pouco provavel acreditamos essa ultima hipotese: as fórmas agudas da molestia re- presentam septicemias de alta virulencia, com processos patojenicos diversos, localizados em sistemas e organs distintos, muitos deles de função essencial á vida; e, deste modo, quando verificamos, simultaneas com as alterações cardiacas, aquela dejeneração profunda do fi- gado e processos inflamatorios intensos para o lado das meninjes e do sistema nervoso central; quando as autopsias demonstram grandes alterações de diversas glandulas de secreção interna, como sejam as capsulas suprarenaes, a tireoide, etc.; quando assim é, seria dificil determinar, com segurança, a causa immediata da morte. Mais lojico, nesse caso, é admitir, na maioria das vezes, a con-

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correncia de varios processos patojenicos, conducentes ao aniquilamento de funções imprecindiveis á vida. E si existe, como deve existir, na razão immediata do obito um pro- cesso dominante, nem sempre este poderá ser reconhecido no conjunto de graves alte- rações funcionaes que constituem o quadro clinico final.

Como expressão clinica da miocardite, nas fórmas agudas, observamos o enfraque- cimento progressivo e rapido do miocardio, não raro conduzindo ao colapso cardiaco; faltam aí, porém, aquelas perturbações nota- veis do ritmo que caraterizam as fórmas cro- nicas da molestia. Nestas, como veremos, os fenomenos de aritmia cardiaca dominam muitas vezes a sintomatolojia. Entretanto, para o lado da fibra cardiaca, o processo histopa-

tolojico, nas fórmas agudas e cronicas, é.

identico, sendo tambem identicas as condicóes parasitarias. O que varia, nos dois casos, é a reacáo inflamatoria do tecido intersticial, que nas fórmas recentes da molestia se apresen- ta aguda, constituida de infiltraçäo de celulas redondas e grande hiperjenese das celulas fixas; ao passo que, nos doentes cronicos, predomina uma esclerose difusa do miocar- dio, que carateriza a miocardite cronica.

a razáo da ausencia de extrasistoles e de outras alteracóes do ritmo nos casos agu- dos da tripanozomiase ? Ou melhor será, de acordo com dados valiosos, compreender a ausencia de aritmias nas fórmas agudas como consequencia da alteração profunda do musculo, com esgotamento de algumas das funções essenciaes da celula, daí resultando o unico sinal semiotico possivel, a taquicardia progressiva, com a queda notavel da tensão arterial ? Isso bem se harmoniza com fatos repetidos de observação clínica, nos quais as alterações do ritmo, antes muitas vezes veri- ficadas, desaparecem nas fórmas cronicas quando ocorrem incidentes de asistolia, seja esta transitoria ou terminal.

Vamos acompanhando doentes com pro- fundas alterações do ritmo, durante anos; muitos deles apresentam fases de hipo ou de asistolia periodicas e, na ocorrencia destas, os fenomenos de aritmia desaparecem, pas-

sando a dominar a cena sinaes expressivos do enfraquecimento profundo do miocardio, em eminencia de esgotamento terminal: ta- quicardia, tensão arterial baixa, pulso mise- ravel, etc., constituem então os sinaes domi- nantes para o lado do aparelho circulatorio. Aliás, não é exclusivo da tripanozomiase essa variante de aspeto da sindrome cardia- ca, nas crises de asistolia: em casos de arit- mias atribuiveis a processos etiopatojenicos diversos a mesma alteração da sindrome se verifica. Quando, pelo crecido numero de sis- toles cardíacas, não importa a razão que as determine, aumenta de modo consideravel a velocidade da corrente circulatoria, as extra- sistoles, antes frequentes, se mostram raras ou desaparecem.

Ha, no caso da sindrome cardiaca na tripanozomiase, outro ponto que acentuar: as fórmas agudas são, na maioria das vezes, verificadas em crianças; ora, na infancia as aritmias em geral, e especialmente as extra- sistoles ou sistoles prematuras constituem sinal bastante raro nas alterações do miocar- dio. Essa dependencia entre a idade do in- dividuo e as variantes da alteração do ritmo, talvez existente em outros processos, não pode ser admitida aqui e não pode ser admi” tida porque, em p:imeiro lugar, temos obser- vado na infancia, em crianças de 6 e 8 anos de idade, todas as alterações do ritmo, inclusive sistoles prematuras e extrasistoles e até pulso lento permanente; além disso, referimos que nos adultos, com extrasistoles abundan” tes, estas desaparecem nos momentos de agra- vação maior da sindrome cardiaca, quando a força de reserva do orgâm vae prestes a se esgotar.

Sendo assim, julgamos que a diversida- de de expressão semiotica da sindrome car- diaca, nas fórmas agudas e nas cronicas, é função exclusiva da diferença nos processos anatomicos dos dois casos. Esta conclusão, aliás, é corroborada pela frequencia, nos doentes cronicos adultos, de alterações do ritmo, com raridade do sinal nas fórmas cro- nicas em crianças.

As ultimas constituiriam, no ponto de vista do processo histopatolojico do miocar-

dio, fases de passajem entre as fórmas agu- das e as cronicas definitivas.

Nos adultos os processos anatomicos do musculo cardiaco, estabelecidos em esclerose intersticial mais ou menos progressiva, ofe- recem substratum propício ás alterações do ritmo; ao passo que, nas fórmas agudas e nas cronicas recentes, a reação inflamatoria aguda ou, no caso, essa reação atenuada, se espressa antes pelos sinaes de enfraque- cimento do orgam.

Nem significa esse raciocinio que nas fases de hipo ou de asistolia dos doentes cronicos o miocardio, onde permanecem os parasitos, apresente processos inflamatorios agudos. Os doentes cronicos da fórma car- diaca que temos autopsiado, todos apresen- tam esclerose difusa do miocardio, processo inflamatorio cronico que bem se distingue dos observados nos casos agudos; pelo que devemos atribuir o desaparecimento das extrasistoles e de outras alterações do ritmo A mesma causa do fenomeno em miocardites de outra natureza. E” ainda o esgotamento do musculo cardiaco, de cujas celulas teubam desaparecido, talvez, algumas das funções essenciaes, causa dessa variante na espressão semiotica da sindrome cardiaca; aqui, porém, o processo histo-patolojico é de natureza cro- nica e a intensidade de reações muito menor do que a verificada nos casos agudos.

O sistema nervoso central, nas fórmas agudas da tripanozomiase, é muitas vezes séde de processos patojenicos de grande in- tensidade. Nas meninjes e na substancia ner- vosa central, encefalica ou medular, verificam- se então reações inflamatorias agudas, das quaes resulta uma sindrome nervosa, predo- minante no quadro sintomatico. Os casos agudos dessa natureza apresentam gravidade excecional, morrendo quasi sempre os doentes; pelo que, dada a constancia do prognosti- co letal, julgámos acertado distinguir, nas formas agudas da molestia, dois grupos de fatos clinicos: num deles incluimos os doentes com manifestações meningo-encefalicas, o outro compreende os casos agudos nos quaes o sistema nervoso escapou á ação do para- sito.

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A sindrome nervosa é aqui constituida principalmente, como veremos estudando as formas agudas, pelos elementos de meninji- te aguda cerebral ou, talvez melhor, menin- go-encefalite. Os sinaes de processos infla- matorios meninjeanos, ora se apresentam em sua totalidade, ora sao observados parcial- mente; e tambem os fenomenos expressivos de reaçäo do cortex cerebral mostram-se muito variaveis nos diversos casos clinicos. Algumas necropsias tém trazido o esclareci- mento patojenico da sindrome nervosa nas formas agudas da tripanozomiase: Resulta esta sindrome, de um lado, das localizacóes parasitarias na propria substancia nervosa; quanto 4 reacáo inflamatoria das meninjes, onde náo temos conseguido verificar o pro- tozoario, devemos consideral-a determinada pela acáo de toxinas.

E” de importancia acentuar que Os pro- cessos inflamatorios das meninjes e da subs- tancia nervosa sáo independentes.

A encefalite náo se constitue aqui, como de regra nas flegmasias meningo-encefalicas, por continuidade do processo meninjeano ao encefalo. Meninjes e substancia nervosa rea- jem á parte, de modo independente, prova- velmente 4 irritações de natureza diversas. E de fato, na substancia nervosa a flegmasia resulta de localizacóes bem determinadas do parasito; nas meninjes, porém, as pesquizas até agora realizadas tém sido negativas quanto á verificação de fócos parasitarios. Em algumas fórmas agudas, nas quaes a sin- drome nervosa mostra-se bem acentuada, os parasiios tém sido observados em abundan- cia na substancia nervosa, havendo, naqueles casos, facilidade relativa em verificar fócos do protozoario; nas fórmas agudas, porém, em que a sindrome nervosa é apenas apre- ciavel, os fócos parasitarios no sistema ner- voso central mostram-se raros, exijindo, ás vezes, demorada pesquiza sua verificação. E, finalmente, pcssuimos autopsias de casos agudos, em que náo nos foi dado encontrar o parasito na substancia ' nervosa; nestes casos, aliás, não haviamos surpreendido, em vida, perturbações de grande monta para o lado do sistema nervoso. Assim, de acordo com

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as observações até agora realizadas, parece razoavel admitir que a substancia nervosa náo constitue, de modo constante, ou pelo menos, com a constancia do miocardio, séde de multiplicacio do tripanozomo; ou entáo o ataque ao sistema nervoso poderá ser de tal modo atenuado, a quentidade de parasitos, localizados, de tal modo pequena, que náo figure na expressáo clinica sindrome nervo- sa apreciavel e que náo seja possivel verifi- car a existencia do germe patojenico. De regra, como dissemos, terminam pela morte Os Casos agudos em que o sistema nervoso é fortemente atinjido; nas fórmas agudas, porém, em que a sindrome nervosa se mostra ate- nuada, verifica-se a passajem do doente ao estado cronico, modificando-se a sindrome nervosa e dela resultando alterações mais ou menos definitivas, que seráo estudadas opor- tunamente.

Devemos concluir, em ultima analize, pela existencia de casos agudos da tripano- zomiase com absoluta integridade do siste- ma nervoso central, integridade funcional e anatomica? E da ausencia de sindrome ner- vosa podemos afirmar não haver localiza- ções do protozoario no respetivo sistema organico? Na maioria de nossas observacóes da fórma aguda, nenhuma anomalia de função, pelo menos apreciavel ás pesquizas da semiotica, verifica-se para o lado do sis- tema nervoso; pelo que, podemos estabelecer a inconstancia da sindrome nervosa nas formas agudas da molestia, apenas admitida e verificada sua grande frequencia. Os casos dessa natureza, com ausencia de perturbacóes nervosas, sáo justamente os de infecóes mais benignas e que sempre evolvem para o estado cronico. Deles possuimos exemplos em grande numero, que todos contrastam, no ponto de vista da gravidade, com as fórmas agudas apresentando fenomenos meningo- encefalicos.

Agora, si isso indica nao ser o sistema nervosa central séde de multiplicação do protozoario, náo o podemos afirmar. De fato não será ilojico adimitir que raros fócos parasitarios, esparsos na subtancia nervosa, em rejiões de baixa hierarquia funcional,

passem silenciosos, não ocasionando sinal clinico de valia. Além de que, a reação inflamatoria provocada por aqueles fócos poderá ser, desde o inicio, de natureza cro- nica, de marcha lenta, vindo a determinar alterações funcionais posteriormente, em fases tardias da molestia.

Em todas as rejiões do sistema nervoso central, na substancia cinzenta quanto na substancia branca, temos verificado fócos parasitarios e processos inflamatorios agudos deles consequentes. Nenhuma dependencia Entre as localizações do protozoario e O sis- tema vascular; e deste fato, como veremos, resultam caracteres diferenciaes muito valio- sos para a diagnose entre as alterações ner- vosas da tripanozomiase e as de outros fato- res etiolojicos.

A celula da nevroglia, segundo multiplas verificações, constitue a séde inicial do pro- tozoario; nela, provavelmente ainda flajela- do, penetra o parasito e multiplica-se, sob a fórma de corpusculos arredondados, no inte- rior do plasma (Est. 4, figs. 3 e 4). Deste modo, pela multiplicação do parasito, a celu- la é destruida, ficando livres os corpusculos leishmaniformes. Estes, por divisões binarias sucessivas, continuam a crecer em numero, constituindo aglomerações de muitas unidades (Est. 4, fig. 2), isoladas na substancia ner- vosa. A infiltração leucocitaria inicia-se, muitas vezes, quando os parasitos ainda se encontram no plasma da celula de nevrogiia, e, neste caso, a celula parasitada é observada entre os ele- mentos redondos que constituem o fóco de infiltração; não raro, porém, depois de li- bertados os parasitos, de destruida a celula de nevroglia, verifica-se a infiltração de leu- cocitos.

Nos fócos leucocitarios assim constituídos, quando recentes, encontram-se ainda parasi- tos; estes, porém, vão desaparecer, restando em seu lugar os elementos anatomi- cos da infiltração. E” curioso referir que, até agora, mesmo em casos agudos, cujo siste- ma nervoso mostrava-se abundantemente pa- rasitado, não temos conseguido observar o protozoario no interior das celulas nervosas. A celula da nevroglia é sempre o elemento

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anatomico preferido pelo flajelado. E expli- cara esse fato a situação de tal celula no te- cido conjuntivo intersticial, mais proxima, por isso, dos vasos sanguineos? Escapando da corrente circulatoria, os tripanosomas, pela tendencia biolojica neles dominante, abrigam- se ao primeiro elemento anatomico, a celula de nevroglia, que lhes oferece condições pro- picias de vida.

Na medula, tanto quanto em todas as rejiões do encefalo, temos verificado locali- zações do protozoario, na substancia branca periferica e na cinzenta central. O processo histo-patolojico inicial é aqui o mesmo; a ce- lula de nevroglia constitue o elemento para- sitado em primeiro lugar, organizando-se Os fócos de infiltração leucocitaria de modo identico ao observado no encefalo. Apesar disso, das localizações parasitarias na medu- la, não temos conseguido caraterizar uma sindrome medular distinta, na expressão cli- nica das formas agudas; e, aliás, é razoavel que assim seja, porquanto a mais elevada hierarquia funcional do encefalo determina predominancia, no quadro clínico, dos sinto- mas que expressam as profundas alterações inflamatorias nele verificadas.

As meninjes, encefalicas e medulares, em que náo temos conseguido verificar loca- lizações do protozoario, nem por isso esca- pam á ação de processos patojenicos. Em di- versas autopsias temos observado reação in- flamatoria intensa na aracnoide e na pia-mater, e uma lepto-meninjite serosa, ás vezes muito acentuada, constitue fato constante nas fórmas agudas com manifestações nervosas.

O sistema muscular estriado é séde de localizações prediletas do tripanosoma. Em animaes de laboratorio GASPAR VIANNA evidenciou este fato, e estabeleceu ser a fibra muscular um dos elementos anatomicos pre- feridos pelo flajelado, quando na condição de histo-parasito. No homem, os musculos es- triados constituem sistema organico dos mais parasitados; neles, em todas as autopsias, não importa a forma clinica da molestia, temos verificado o protozoario, sempre em relativa abundancia. Ai, nas grandes massas que representam os musculos da vida de re-

lação, o protozoario encontra abrigo dos mais propícios, podendo permanecer durante longos anos, sempre localizado no interior da fibra estriada.

Temos praticado autopsias de doentes, cuja infeção inicial datava seguramente de 20 ou mais anos anteriores, encontrando musculos estriados, de diversas rejiões, com grande numero de protozoarios leishmanifor- mes. E podemos mesmo estabelecer como constante esta séde de localização do flaje- lado; como constante e como daquelas em que mais abundam os parasitos, ai muitas vezes verificados, mesmo quando negativas as pesquizas em outros sistemas, inclusive o miocardio. E, entretanto, dessa localização do protozoario nada resulta de importancia como anomalia funcional: nenhum sinal morbido é verificado para o lado dos mus- culos, nem mesmo qualquer graú de atrofia que poderia resultar da destruição de fibras parasitadas. A razão desse fato estará, talvez na immensa quantidade de elementos anato- micos identicos, de modo que a função do orgão não á atinjida pelo desaparecimento daquelas fibras em que se localizou o para- sito; ou ainda, da propria natureza desse sistema organico resulta fraqueza de reações morbidas, passando estas mais ou menos silenciosas, inapreciaveis no conjunto de outros sinais de maior relevancia. Seja como for, uma sindrome muscular não se evidencia na tripanosomiase, apezar de serem os mus- culos estriados constantemente parasitados.

Entre os sinais clinicos das fórmas agudas figuram, com alguma frequencia, reações inflamatorias para o lado dos olhos. As conjuntivites podem ser observadas; mais carateristica, porém, reproduzindo sinal veri- ficado nas infeções experimentais, é a que- ratite, uni ou bilateral. Desta, pela ocorrencia de panoftalmias secundarias, pode resultar a perda do globo ocular, conforme tivemos oportunidade de observar. Muito frequente na sintomatolojia dos casos agudos é tambem a fotofobia, não raro persistente e trazendo grande sofrimento ao doente. Qual o funda- mento destas alterações oculares? Não pos- suimes, até agora, estudos minuciosos que

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esclareçam os fatos aqui referidos; e nem mesmo as localizaôçes do parasito no globo ocular, muito provaveis, foram verificadas. Desse assunto daremos, mais oportunamente, as noçôes que forem adquiridas.

Outra localização bem verificada do pro- tozoario é a que tem lugar nos orgáos geni- tais, do homem e da mulher. Nos testiculos temos encontrado fócos parasitarios em abundancia variavel, tanto nas formas agudas quanto nas cronicas da molestia. Do mesmo modo nos ovarios, em casos agudos, ja tivemos oportunidade de verificar a existencia de corpusculos leishmaniformes. Aliás tambem nos animais de laboratorio essas localizacóes nos orgáos genitais sao constantes, nao sendo raros os casos em que é notavel a quanti- dade de parasitos nos testiculos de cobaias, coelhos, etc..

No homem, consequencia do ataque do testículo pelo parasito, é observada, orquite na fórmas agudas. Essa orquite constitue fato morbido ás vezes de grandes duração, per- sistindo depois de atenuados os outros ele- mentos agudos da molestia.

Expressando reações inflamatorias dos ovarios, nas fórmas agudas, nada possuimos em nossas observações clínicas; convem, porém, acentuar que no sexo feminino, em crianças de baixa edade, antes da puber- dade, temos verificado infeções agudas. Pelo que, não poderiam ser de grande monta, ou pelo menos, não se poderiam exhibir com evidencia, as alterações funcionais dos orgãos genitais.

Como fato de observação rara podemos aqui rejistrar processos cutaneos nas infe- ções agudas. Em um de nossos doentes tratava-se de maculas escuras, de aspeto bas- tante orijinal, intercaladas de pequenas vesi- culas eritematosas, cheias de serosidade. Em outro fato havia na pele placas gangrenosas, que se destacaram deixando á descoberto os tecidos sub-adjacentes. O doente desta obser- vação ultima faleceu, não tendo sido possivel praticar a autopsia.

Destas determinações cutaneas do para- sito, respeito á patojenia, nada podemos adiantar: constatámos os fatos, sem que

pudessemos chegar a resultados em pesquizas executadas com o fim de os esclarecer.

Referimos, como ai ficam, em traços gerais, os processos patojenicos nas formas agudas da tripanosomiase; vamos proceder de modo identico na analize das fórmas cronicas.

Atenuados ou modificados os elementos morbidos que caraterizam as infeções agudas pelo tripanosoma, desaparecida a reação ter- mica e não mais verificaveis flajelados no sangue circulante, nem por isso terá cessado a ação dos processos patojenicos. A cura espontanea, limitando-se a evolução morbida, dos casos que escapam á morte, ao periodo agudo, não se verifica; pelo que todos os infetados sobreviventes pasam á condição de doentes cronicos. Além disso, a tripano- zomiase segundo observações bem demons- trativas, que possuimos, pode apresentar-se, desde o inicio, com o aspeto de infeção cro- nica, sem os grandes sintomas tumultuosos das fases agudas. Isso acontece, ás mais das vezes, nos adultos, recemchegados em zonas contaminadas. Neles a primeira fase da mo- lestia poderá ser revelada apenas por eleva- ções termicas transitorias, por estado sub- febril que muitas vezes escapa á apreciação clinica; ou mesmo nenhum elemento agudo é observado, vindo, aos poucos, aparecendo os sinais que denunciam as infeções cro- nicas.

Na expressão clinica da tripanosomiase cronica melhor se evidenciam e se definem as grandes sindromes, que traduzem lesões anatomicas e localizações parasitarias nos diversos sistemas organicos. Daquelas sin- dromes algumas predominam de tal modo na sintomatolojia geral da molestia que lhe dão fisionomia especial e bem funda- mentam a distinção de fórmas clinicas diver- sas. Foi esse o criterio que nos aprovei- tou, quando, nas primeiras publicações, siste- matizamos a doença cronica nas seguintes formas: pseudo-mixedematosa, cardiaca, nervosa, supra-renal, formas cronicas com incidentes agudos e manifestações para- tripanosomicas. Devemos hoje, pelos ensina- mentos duma observação mais demorada e

pela analize minuciosa de grande numero de casos, interpretar de modo diverso as vari- antes da molestia, ou, pelo menos, sistema- tial-a com outros fundamentos. E deste modo que conservaremos as fórmas cardia- ca, nervosa e suprarenal, definidas pela existencia de sindromes clinicas bem saiien- tes:

As formas pseudo-mixedematosa e mixedematosa devdem esaparecer. Na primeira ficavam incluidos aqueles doentes com sinais leves de hipo-tireoidismo e a segunda com- preendia os enfermos em que a insuficiencia elandular era mais acentuada. Representam os casos do primeiro grupo infeçôes relativamente recentes, nos quais os grandes processos patojenicos apenas se iniciaram, não tendo ainda ocasionado as alterações anatomicas profundas, determinantes de sin- dromes clinicas definitivas; de modo que, no ponto de vista evolutivo, podemos consi- derar os casos desta natureza como fórmas de passajem, indeterminadas portanto em sua fisionomia clinica. Apenas atenuados, nas fórmas agudas, os elementos que as carate- rizam, passam os doentes para uma condição cronica em que faltam ainda as grandes sin- dromes dos casos antigos. predominam ai sinais leves de insuficiencia tireoide. No ponto de vista de alterações funcionais, essa condição, porém, que representa a continui- dade de elementos morbidos acentuados na fase aguda, vai aos poucos experimentando modificações sensiveis, de modo a quasi desaparecer, no fim de algum tempo. Por outro lado, algumas das sindromes notaveis na molestia, como a cardiaca e a nervosa, esboçadas neste periodo das fórmas cro- nicas, vae melhor se acentuando e acabam por dominar a feição clinica do doente. Assim, porque representam os pseudo-mixedemato- sos fórmas clinicas de passajem, devidas a processos patojenicos ainda em evolução e, sobretudo, sendo ai transitoria essa hipo- função glandular que nos servia para carate- rizar o aspeto clinico, pensamos acertado abandonar a denominação anterior. Melhor definindo os casos dessa natureza deles faremos a fórma cronica indeterminada, para

indicar a ausencia de sindrome clinica pre- dominante.

Defeituosa julgamos tambem a denomi- nação de mixedematosa para uma fórma cli- nica da molestia. Não têm, é certo, o valor decisivo das anteriores as objeções que devemos agora apresentar contra a existencia dessa fôrma cronica: não têm o mesmo valor porque o mixedema, ás vezes bem acentuado em alguns raros doentes, constitue condição permanente, quando não seja modificado pela opoterapia especifica. Apesar disso, a denominação é má, em primeiro lugar porque difine um elemento variavel; e depois, a expressão mixedema tem em patolojia um valor bem determinado, traduzindo, ás mais das vezes, uma condição morbida total, em que a patojenia exclusiva se resume na ati- reoidia ou no hipo-tireoidismo. Ora, na tri- panosomiase a insuficiencia tireoidiana é sómente um dos elementos da molestia e não constitue, por si só, a entidade nosolo- jica. Agora, si ao em vez de mixedematosa denominarmos forma hipo-tireoidiana o grupo de fatos clinicos com insuficiencia acentuada da tireoide, teremos definido um elemento duravel e evitaremos o inconveniente de interpretações arbitrarias. Claro está que nos colocamos, admitindo essa fórma clinica, no ponto de vista de nossa Opiniáo pessoal re!a- tiva 4 afecáo da tireoide na tripanosomiase. Seria inexistente esta fisionomia da doenca para aqueles que, na insuficiencia daquela glandula, possam ver elemento apenas simul- taneo.

Náo julgamos persistente, como grupo clinico distinto, a fórma cronica com exacer- bacóes agudas. Temos, no continuar de nossos trabalhos, verificado a incidencia de fenomenos agudos, especialmente de reacóes termicas, em todas as formas cronicas. Sendo assim, parece mais acertado interpretar os casos desse grupo sob o criterio fundamen- tal das grandes sindromes, apenas referindo a ocorrencia transitoria de manifestações agudas. Estas, aliás, devem traduzir aqui, como em outras doenças cronicas, crises passajeiras, em que o parasito, invadindo a corrente circulatoria, leva o doente ao estado

septicemico, sempre atenuado, comparavel ao da fase inicial da infeçäo.

Dos casos de infantilismo, de bocio antigo, de cretinismo e de outras condicóes morbidas mais ou menos indeterminadas, haviamos constituido um grupo clinico sob a denominação de fenomenos meta-tripanoso- micos. Hoje preferimos excluir da sistematica qualquer assunto passivel de objecao; e tudo quanto oferece campo a diverjencias de doutrinas ficará á parte, discutido como pro- blemas anexos á historia clinica da molestia. Sob este aspeto passamos agora a considerar o bocio, o infantilismo, o cretinismo e Outras condições morbidas consequentes de proces- sos distroficos determinados pelo tripano- soma.

Nas formas cronicas da*doenca, atenua- das -ou modificadas em seu mecanismo essencial, vamos encontrar os mesmos pro- cessos patojenicos das fórmas agudas; pelo que, na sintomatolojia não poderemos veri- ficar alterações funcionais inteiramente novas, senão modalidades daquelas que carateri- zaram a primeira fase da infeção. As grandes sindromes das fórmas agudas aqui se conti- nuam, agora fixadas em elementos defini- tivos, que caraterizam fisionomias clinicas bem definidas.

Vamos referir os processos patojenicos mais importantes na doença cronica: os sis- temas organicos aqui afetados, ou seja pelas localizações do protozoario ou pela ação de toxinas, são os mesmos atinjidos nas fórmas agudas.

As alterações do miocardio constituem, tambem nas fórmas cronicas, processo histo- patojenico dos mais predominantes. Nas necropsias de casos cronicos os parasitos são observados com muita frequencia no musculo cardiaco; ai, porém, o numero deles nem sempre é grande, o que ás vezes difi- culta a verificação, autorizando considerar de pouco valor os resultados negativos. Acredi- tamos mesmo que as localizações no miocar- dio sejam constantes nos doentes cronicos, não importa a fisionomia clinica do caso, e pensamos deste modo em vista da predi- leção notavel do protozoario pelo musculo

cardiaco, no homem e nos animais. E o nu- mero diminuto de parasitos constitue a razão unica de não ser ele, algumas vezes, verifi- ficado em cortes histolojicos. Nos doentes cronicos em que os sinais cardiacos predo- minam, neles, ás mais das vezes, O protozo- ario é observado em quantidade maior no miocardio e são ai tambem mais intensas as reações inflamatorias do orgão. Estas, aliás, são verificaveis ainda nas autopsias das fórmas cronicas em que a sindrome cardiaca se mostrava, em vida, das mais salientes.

Os parasitos ficam localizados, nas fibras cardiacas, em grandes aglomerações encerra- das no interior do elemento anatomico e limitadas pela sua membrana; quando esta se rompe, o que frequentemente acontece, os protozoarios caem no tecido intersticial. Apreciaveis são alterações da celula cardíaca, ás vezes destruida em totalidade, dela res- tando apenas a membrana externa e não raro o nucleo ou nucleos, estes comprimidos pelos parasitos contra a face interna da capsula celnlar; mais notaveis, porém, se apresentam aqui os processos reacionaes no tecido in- tersticial, onde uma esclerose difusa é sempre verificavel, com hiperplasia ás vezes conside- ravel dos elementos conjuntivos.

Os processos histo-patolojicos são cons- tantes e sempre mais intensos para O lado do miocardio; não raras, entretanto, são as reações do pericardio, onde temos verificado placas inflamatorias localizadas e, de outras vezes, uma pericardite difusa. Tambem frquen- te é a presença de liquido, com as reações de exsudato, em quantidade ás vezes grande, na cavidade da serosa. Este liquido, em nossas autopsias, tem apresentado a colora-

ção amarelo-citrina, nunca hemorrajico ou purulento. O volume total do coração mostra-se

sempre aumentado, ás vezes de modo consi- deravel, especialmente nos casos clínicos de sindrome cardiaca acentuada. Em casos de asistolia mais ou menos rapida temos verifi- cado, algumas vezes, dilatação considerave! do ventrículo direito. Como fatos isolados devemos referir a verificação, na autopsia dum caso de morte subita, da ruptura do

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ventriculo direito, cuja parede apresentava uma pequena fenda de 2 ou 3 centimetros de comprimento; e, em autopsias da forma car- diaca, algumas nas quaes a parede do ventri- culo direito apresentava-se, em 2 ou 3 rejides, adelgacada de tal modo que era possivel comparar a espessura do musculo ai 4 duma folha de papel. Estas ultimas verificações, rea- lizadas antes que houvesse sido observada a rutuia do ventriculo, deixavam, desde logo, admitir a possibilidade do ultimo fenomeno. Pela ação do parasito dá-se verdadeira cliva- je do musculo, e, sendo assim, as ruturas do orgão talvez constituam incidente frequen- te na doença, o que não nos autoriza afirmar a ausencia de observações em maior numero.

Relacionadas com as profundas alterações do miocardio, nelas encontrando fundamento anatomico imediato, as anomalias do cora- ção constituem uma das caraterísticas mais notaveis das fórmas cronicas da tripanosomia- se. A sindrome respetiva é ai de grande com- plexidade e dela faremos analize minuciosa, quando estudarmos a fórma cardiaca; deve- mos, porém, desde agora, salientar o exclu- sivismo de sinaes semioticos expressando al- teração do musculo, nada existindo que faça suspeitar, na grande maioria dos casos clini- cos, lesões para o lado do endocardio ou das valvulas do coração. São cardiopatias essen- cialmente musculares as da molestia; nelas as funções atinjidas tem para substratum a celula do miocardio, alterada pela localização do protozoario.ou desviada de seu mecanis- mo fisiolojico pelas reações do tecido inters- ticial, que lhes serve de sustentaculo. Esse é um dos aspetos de maior interesse no ponto de vista da cardiopatolojia: da perturbação funcional eucontrámos a causa immediata em processos anatomicos salientes, podendo assim concluir para O caso concreto e para outros similares, cuja etio-patolojia constitua ainda objeto de duvida. E deste modo a fi- sio-patolojia do coração poderá encontrar, na farta messe de noções fornecidas pela se- miotia cardiaca na tripanosomiase, o esclare- cimento de problemas ainda discutidos, prin- cipalmente daqueles relativos a anomolias do ritmo.

Frequentes as alterações do miocardio, constituem elas o fator preponderante da ele- vada letalidade que observamos na tripano somiase. A morte é determinada, ás mais das vezes, pela falencia do miocardio, traduzindo- se o esgotamento do orgão ora em aistolia progressiva mais ou menos demorada, ora em crises rapidas de asistolia aguda, mortais em curto prazo: de qualquer modo, porém, ou seja asistolia cronica ou aguda, a condi- ção terminal, a causa unica, ou, pelo menos, a causa inicial da sindrome circulatoria, é en- contrada no proprio musculo cardiaco, nas lesões ai ocasionadas pelo protozoario.

De grande frequencia é tambem a morte subita nas fórmas cardiacas da molestia. Este fato constitue mesmo uma das notas mais curiosas na historia clinica dessa tripanoso- miase, em cuja letalidade a cifra de mortes subitas é realmente de surpreender. Raras fa- milias, nas zonas infestadas, deixam de refe- rir a perda de algum ou de alguns de seus membros por esse modo. Morrem eles ás vezes ainda moços, em plena atividade, quando em estado de satisfatoria saúde apa- rente. Ouvimos, de pessõas dignas de fé, ma- nifestada a surpreza pela ocurrencia frequente dessas mortes subitas, verificadas em individu- os de media idade, em pleno trabalho; e em nossos serviços de hospital, possuimos obser- vações de alguns enfermos que faleceram de modo quasi instantaneo. Estes, aliás, apre- sentavam sindrome cardiaca acentuada.

Qual a razão immediata da morte subita ? Dilatação aguda do ventriculo direito, pelo es. gotamento da tonicidade da fibra cardiaca, ou parada em dlastole do orgão pela perda da- quela função? Sincope de natureza reflexa, ligada ás condições do miocardio, ou rutura do musculo, conforme observação que possui- mos ? Esta ultima causa, uma unica vez veri- ficada em nossos estudos, deve constituir processo de exceção; e nem acreditámos na hipotese de sincopes reflexas, cuja patojenia exata teria que permanecer discutivel. Mais provavel e mais de acordo com as condições anatomicas do musculo nos parece o esgota- mento da tonicidade, determinando a parada subita do orgão. Com maiores minucias, em

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tempo oportuno, discutiremos esse fenomeno patojenico ; aqui devemos acentuar as rela- ções bem definidas entre a intensidade de lesões histo-patolojicas do musculo cardiaco e a gravidade da sindrome clinica respetiva. Vimos, nas fórmas agudas, expressar-se a ação do tripanosoma sobre o sistema ner- voso pela ocurrencia de reações inflamatorias intensas das meninjes e da substancia ner- vosa. Os casos clinicos em que tais reações se verificam constituem um grupo á parte, em vista da gravidade extrema do prognos- tico; e foi por isso que fizemos, nos primeiros estudos, uma modalidade clinica meningo- encefalica, para os casos em que predominam sinaes reveladores de fenomenos inflamato- rios das meninjes e do encefalo. Verificámos na substancia nervosa, em diversas autopsias, as localizações do proto- zoario; destas, indiscutivelmente, e de acor- do com verificações histo-patolojicas exube- rantes, constituem resultante os processos inflamatorios, cuja expressão em sindrome clinica tem sido muitas vazes observada. Em fórmas cronicas da tripanosomiase, o sistema nervoso é tambem a séde, com muita fre- quencia, de processos histo-patolojicos que se evidenciam em profundas alterações funcio- naes. Destas, em todos os aspetos de sua complexidade extrema, faremos oportunamen- te estudo minucioso. Veremos então atinji- das as funções da motilidade, da intelijencia, da linguajem, etc., constituindo-se, deste modo, fisionomias diversas da fórma clinica, em que predomina uma sindrome nervosa. Que represantam, no ponto de vista evo- lutivo, os processos patojenicos do sistema nervoso central, nas fórmas clinicas da doença ? Sempre residuos histo-patolojicos daquelas reações inflamatorias intensas verificadas na fase aguda? Ou resultam de localizações posteriores do parasito, com processos rea- cionarios cronicos desde início, sem aqueles sinaes tumultuosos que expressam inflama- ções das meninjes e da substancia nervosa ? De principio chegamos a interpretar as fórmas nervosas de acordo com a primeira hipotese; estudos mais demorados, porém, vieram demonstrar que os casos cabiveis

nesse julgamento devem constituir minoria. De fato, o prognostico das fórmas agudas, com manifestações meningo-encefalicas, é de extrema gravidade, sendo muito limitado o numero de doentes dessa condição, que con- seguem escapar á morte. Quando assim é, vemos, por outro lado, serem de grande fre- quencia os casos cronicos apresentando afe- ção do sistema nervoso, fato em desacordo com o anterior e que permaneceria obscuro si admitissemos fossem os processos _ inila- matorios cronicos do sistema nervoso sempre continuidade de fenomenos similares nas fórmas agudas.

Além de que, possuimos observações decisivas que demonstram o aparecimento tardio, em epoca muito posterior á fase aguda da infeção, de alterações para o lado do sis- tema nervoso. Doentes estudámos dessa na- tureza, ás mais das vezes crianças, cujas al- terações da motilidade vieram surjindo de modo lento, agravando-se progressivamente, até se estabelecerem em diplejias definitivas.

Em alguns desses doentes, a fase aguda, da molestia havia ocorrido anos antes, quando a criança contava apenas mezes de existencia extra-uterina; de outros o início da infeção fôra mais proximo, datando de um ou dois anos, e, não raro, de mezes. Em qualquer dos casos os enfermos atravessaram um periodo mais ou menos longo, com sinais diversos da molestia, sem manifestações que traduzissem processos histo-patolojicos do sistema nervoso; e nem houve, no periodo agudo, os sinais reveladores de processos inflamatorios meningo-encefalicos- Isso indica, á evidencia, que o tripanosoma póde locali- zar-se nos centros nervosos em epoca tardia quando ausentes todos os sinais do periodo agudo; e, neste caso, o parasito, ajindo como causa irritativa permanente, determina a formação de escleroses cerebrais cronicas, clinicamente traduzidas em alterações da motilidade, da intelijencia, etc..

Fica, deste modo, bem estabelecido que os processos inflamatorios do sistema nervo- so ou representan a continuação daqueles verificados na fase aguda, o que deverá ser de ccurrencia menos frequente, ou resultam

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de localização posterior do protozoario, du- rante a fase cronica da molestia, quando talvez as condicóes de immunidade relativa consti- tuem obstaculo ás reacóes agudas do perio- do inicial. E, aliás, nem é exclusiva da tripa- nosomiase essa condição patojenica da sindro- me nervosa: verificamol-a tambem na sífilis, molestia cuja patojenia apresenta muitos as- petos similares aos da que estudamos. Na infe- ção luetica as grandes sindromes nervosas, expressivas igualmente de localizações do Treponema pallidum na substancia nervosa, ás mais das vezes são fenomenos tardios, inicia- dos em epoca romota da infeção primitiva- Como dos melhores exemplos desse fato temos a paralisia geral, consequencia da sífilis, cuja etio-patojenia ficou bem deter- minada após os trabalhos exatos de NOGU- CHI. Nesta sindrome tardia do luetismo vamos encontrar o treponema localizado na substancia nervosa, em epoca remota, quando no correr de anos consecutivos nenhum sinal

indicava alterações para o lado dos centros nervosos. muito tarde o treponema vai afetar

o tecido nervoso; e aí, a modo do que faz o tripanosoma, provoca aquelas reações histo-patolojicas de marcha cronica, que constituem as carateristica anatomicas da sindrome. E si nos casos de paralisia geral a verificação do treponema tem vindo muitas vezes evidenciar a razão etiolojica do pro- cesso, O mesmo acontece em relação 4 tri- panosomiase, sendo aqui de menor dificul- dade a pesquiza do protozoario, dadas suas dimensões e facil colorabilidade de contraste. Temos realmente, em diversas autopsias, conseguido fundamentar sindromes nervosas de casos cronicos, e temos verificado fócos parasitarios e processos inflamatorios dos centros nervosos; e, deste modo, difinitiva- mente eliminámos qualquer objeção sobre a raconhecida etiolojia das alterações funcionais do sistema nervoso na tripanosomiase.

É certo que nas fórmas nervosas antigas, cujo obito tenha ocorrido em virtude da evo- lução de processos patojenicos de outros orgãos, nem sempre os parasitos abundam nos centros nervosos, o que torna, não raro,

sua verificação impossivel; os processos histo-parolojicds, porém, são constantes e, si não conseguimos observar O tripanosoma no tecido nervoso, vamos encontral-o no sistema muscular, com maior frequencia no miocardio, ou em outros sistemas. De qualquer modo, embora ausente do sistema nervoso num dado momento da molestia, e presente em outras rejiões organicas, O tripanosoma é o fator etiolojico incontestavel das alterações nervosas observadas.

Insistindo em melhor fundamentar a existencia de alterações nervosas cronicas, exclusivamente ocasionadas pelo ataque do protozoario ao sistema nervoso central, aten- demos á objeção de alguns pesquizadores que apreciam de modo diverso esse aspeto clinico da tripanosomiase. Assim é que, em recentes trabalhos sobre a etiolojia do bocio endemico, cretinismo, etc, MAC CARRIS- SON refere a existencia de alterações da motilidade em cretinos e crêa, por isso, uma modalidade nervosa para essa sindrome de hipo-tireoidismo. Não duvidamos, nem o poderiamos fazer, do rigor de observação daquele pesquizador; e nem podemos con- testar a interpretação de MAC CARRISSON aos fenomenos nervosos por ele verificados nos casos de cretinismo, que fazem assunto de suas pesquizas. Agora, o que não pode- mos compreender é a identificação daquele cretinisrio nervoso aos casos de diplejia, idiotia, etc., dos quais fazemos a forma ner- vosa da tripanosomiase.

Como argumento inicial, e por si mesmo decisivo, devemos salientar que muitas de nossas observações, tanto de diplejias quanto de outras afeções organicas do sistema ner- voso, não foram realizadas em individuos com sintomas, nem mesmo atenuados, de cretinismo. São doentes que, apresentando muitas vezes hipertrofia da glandula tireoide, não raro conservando a glandula com aspeto anatomico exterior normal, nada revelam que autorize neles admitir deficiencia funcional profunda daquele orgão; e muito menos, a casos tais, poderia caber a classificação de cretinismo. Algumas vezes aparentemente lesada, a glandula tireoide não se mostra

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deficiénte a ponto de constituir a sindrome de hipo-tireoidismo que seria o cretinismo ; e, em muitos diplejicos, nem mesmo leves sinais de hipofunçäo daquela glandula podem ser reconhecidos. O que observamos nos casos clinicos é a existencia de alterações motoras ligadas a processos histo-patolojicos dos centros nervosos. Estes processos são determinados pelo mesmo fator etiolojico do cretinismo ? Mas aqui não existe cretinismo em primeiro lugar; e depois, si nestes doen- tes temos verificado a infeção por um para- sito que se localiza nos centros nervosos, ai ocasionando processos inflamatorios muitas vezes observados, porque ir procurar além, na indecisão de hipoteses patojenicas, interpreta- ção da sintomatolojia? Não podemos com- preender, nesse caso, nem mesmo incerteza de opiniões. Sobre a idiotia poderemos apre- sentar argumentos similares. Os casos de profunda idiotia que temos estudado, repre- sentam, em sua grande maioria, consequen- cia de localizações do parasito nos centros nervosos e de alterações anatomicas por ele ai ocasionadas. Não encontrámos nestes do- entes, ás mais das vezes, sinais de cretinis- mo e nem a função glandular se mostra em apreciavel deficiencia. Essa idiotia é pura- mente organica, bem distinta daquela que, acompanhando sinais profundos de hipo- tireoidismo, ou melhor, de atireoidia, mereceu de BOURNEVILLE a denominação de idiotia mixedematosa.

Ha, em nossas observações, simultaneas com as alterações da intelijencia que carate- rizam a idiotia, outras para o lado da motili- dade, da sensibilidade, etc. Nossos idiotas são, ás mais das vezes, tambem diplejicos; e essa coexistencia de fenomenos motores, sensitivos, mentaes; etc., constitue outro »r- gumento em favor da natureza organica, de- vido a processos histo-patolojicos no sistema nervoso, da idiotia. Sem duvida em enfermos da tripanosomiase podemos encontrar grâus diversos de deficiencia mental ligada 4 hipo- funcáo da tireoide; nestes, porém, outros sinaes existem denunciando o hipo-tireoidis- mo e as alterações da intelijencia nunca atin- jem a intensidade que apresenta, nesta moles-

tia, ás mais das vezes, a idiotia organica. Além de que, nos simples debeis mentaes, ou retardados da intelijencia por hipo-tireoi- dismo, a ausencia de anomalias motoras cons- titue, em nossa observação, elemento precio- so de diagnose diferencial, tornando bem re- conhecivel a natureza da deficiencia mental.

O eminente professor KRAUSS, em re- cente publicação, emite opinião duvidosa sobre a existencia duma fórma nervosa da tripanosomiase do barbeiro. Os fundamentos da indecisão daquele ilustrado pesquizador coincidem, em seus traços geraes, com aque- les apresentados nos trabalhos de MAC-CAR- RISSON: existencia de alterações nervosas no cretinismo, onde não a intelijencia, tambem a motilidade, a sensibilidade, e outras funções ligadas ao mecanismo nervoso podem ser comprometidas. E’ essa a verificação apro- ximada dos estudos de SHOLZ sobre o cre- tinismo e não podemos contestestal-a. Exa- minemos agora nosso caso: localizando-se nas meninjes e nos centros nervosos o tripa- nosoma provoca, nas fórmas agudas da molestia, reações inflamatorias que se expres- sam clinicamente em sinaes de meninjite ou de meningo-encefalite aguda. As necropsias de taes doentes têm demonstrado, amplamen- te, os fócos parasitarios na substancia nervo- sa e os precessos histo-patolojicos por eles ai ocasionados.

Nas fórmas cronicas identicas verificações têm sido realizadas : nos centros nervosos, de casos clinicos em que predominavam sindro- mes nervosas, as necropsias mostram focos de parasitos e processos anatomicos deles resultantes, em completa harmonia com os sintomas revelados pela semiotica. Poderemos, mesmo assim, julgar pouco fundamentadas as reiações de causa e efeito referidas como existentes entre o tripanosoma e as alterações nervosas que catarerizam a fórma clinica res- petiva? Apezar de nossas verificações respei- to ao parasito dos centros nervosos e aos processos inflamatorios por ele determinados, restará possivel a duvida sobre a etio-patoje- nia das grandes sindromes nervosas que assi- nalamos na molestia ? Si assim fôr, não sa- bemos onde a evidencia e nem atinamos

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com o criterio exato para interpretaçäo dos fatos em patolojia.

Cumpre ainda acentuar que nem ao menos constituem os pontos discutidos anomalias patojenicas, inaceitaveis pela au- sencia de fenomenos similares. Nao; na sifilis vamos encontrar aspetos perfeitamente comparaveis, em grandes sindromes nervosas resultantes da acáo do treponema nos centros nervosos. Outras molestias infetuosas, de evo- lucáo aguda, podem tambem provocar reacóes inflamatorias para O lado do sistema nervo- so central, dai resultando residuos anatomi- cos que se expressam em alteracóes da mo- tilidade, da sensibilidade, da intelijencia, etc.. Podemos mesmo avaliar como maioria aque- les processos inflamatorios do sistema ner- voso, agudos ou cronicos, atribuiveis á acáo patojenica dum micro-organismo, bacteria ou protozoarío. E porque duvidar dessa proprie- dade patojenica, tantas vezes verificada, do Trypanosoma Cruzi? Porque duvidar, quando justamente este protozoario apresenta a cara- teristica biolojica essencial de completar seu ciclo evolutivo na intimidade dos tecidos, onde provoca reacóes intensas ?

É de toda conveniencia delimitar os fatos e bem determinar o conceito clinico e patojenico que possuimos sobre ás formas nervosas da tripanosomiase. Descrevendo na molestia alterações nervosas, de nenhum: modo incidimos no erro, de considerar como tais, simples feições clinicas do cretinismo ; uem poderia acontecer assim, quando verifi- camos ausentes, de muitas observações, os sinais daquela sindrome de hipo-tireoidis- mo. Reconhecemos como fórmas nervosas aqueles casos com perturbações evidentes da motilidade, da intelijencia, da linguajem, etc., expressivas dos processos patojenicos nos centros nervosos. E destes a etio-pato- jenia vem esclarecida em diversas necropsias que justificam amplamente nossas conclusões.

Na sintomatolojia geral da tripanoso- miase figuram sinais que denunciam, á evi- dencia, processos patojenicos nas glandulas de secreção interna. Insuficiencias endocrini- cas acentuadas podem, deste modo, consti- tuir a feição predominante de casos cronicos

da molestia, e nestes é possivel, não raro, determinar o orgão mais especialmente atin- jido; ás mais das vezes, porém, o aparelho endocrinico foi simultaneamente afetado em diversas de suas unidades funcionais, dai resultando sindromes mixtas, cuja interpre- tação exata oferece real dificuldade. Acrece ainda, tornando mais complexos os fenome- nos patolojicos, a existencia de correlações funcionais entre os orgãos de secreção in- terna. Resulta, de tais correlações, que pro- cessos patojenicos limitados á determinada glandula, constituem orijem de alterações correlativas á distancia, em virtude dessa solidariedade de função entre os departamentos do aparelho endocrinico. Quando verificámos na sintomatolojia sinais patognomonicos de processos numa glandula unica, bem deter- minada, ficamos desde logo esclarecidos sobre o substratum anatomico das anomalias predominantes; si, porém, encontramos no doente, como acontece ás mais das vezes, sindromes pluriglandulares, nesse caso per- manecemos indecisos quanto ao orgão iníci- almente atinjido ou quanto áqueles em que evolvem atualmente processos patojenicos. Em glandulas de secreção interna temos verificado localizações do tripanosoma, sob aspetos que lhe são habituais, na intimidade dos tecidos; e assim a razão anatomica de algumas sindromes glandulares têm sido demonstrada. Daquelas localizações uma de grande interesse é a que tem lugar nas capsulas snpra-renais. Nestes orgãos, em fórmas agudas e cronicas da tripanosomiase, temos verificado a existencia do parasito e, o que mais significa, temos encontrado lesões histolojicas intensas. As alterações de maior monta, até agora observadas, têm constado de processos inflamatorios, agudos ou cro- nicos, conforme o estadio da molestia. Em doentes agudos verificámos fôcos de infilta- ção leucocitaria e outros de hemorrajia, mais frequentes na zona cortical; e em fórmas cronicas tivemos oportunidade de verificar num caso de asistolia, fócos hemorrajicos esparsos na zona cortical, esclerose difusa nesta rejião e tambem alguns fócos de infiltração leucocitaria. Estas verificações serão

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referidas, com melhores minucias, em estudo especial.

Tanto no homem quanto nos animais de laboratorio, os parasitos são encontrados nas capsulas supra-renais em aglomerações, ás vezes de grande numero de unidades, sob o aspeto de corpusculos leishmaniformes. os temos observado na zona cortical; e aliás a zona medular das capsulas tem sido encon- trada, no homem e nos animais, com redução de vojume consideravel.

Nas formas agudas da molestia não distinguimos sinais, acaso existentes, que traduzam as lesões do parenquima supra- renal; e talvez assim seja porque aqueles sinais ficam obscurecidos pelos elementos predominantes duma sintomatolojia mais ou menos tumultuosa. Ao em vez disso, em fórmas cronicas encontramos bem carateri- zada uma sindrome supra-renal, de modo a autorizar sejam reunidos numa fórma clinica, a supra-renal, os casos em que sinais daquela sindrome melhor se evidenciam. E nesse ponto temos sancionado nosso criterio pela opinião valiosa do professor MIGUEL PEREIRA, de quem nos veiu, para esse aspeto da tripanosomiase, a interpretação clinica inicial, posteriormente confirmada pelas verificações histo-patolojicas e pelas pesquizas do parasito nos orgãos supra-renais. Como justa homenajem e grande reconheci- mento devemos aqui afirmar que não de- vemos ao saber do professor MIGUEL PEREIRA a orientação de trabalhos clinicos; dele nos vieram tambem facilidades e com- pensações que avaliamos muito alto.

A sindrome supra-renal se expressa aqui em sinaes de insuficiencia glandular; de hiper-função nada existe, que tenhamos veri- ficado, em doentes dessa natureza.

Atribuiveis seguramente 4 lesdes dos orgáos supra-renais consideramos a melano- dermia acentuada das mucosas e da pele, assim como uma coloracao bronseada espe- cial de muitos doentes, expressiva de altera- ção do pigmento cutaneo. Em alguns casos tem sido possivel verificar essa astenia gene- ralizada e especialmente muscular, a sono- lencia exajerada, o emagrecimento rapido,

que podem tambem constituir, na molestía, expressáo clinica de hipo-funcáo das supra- renaes; devemos, porém, acentuar a dificul- dade, ás vezes encontrada, na interpretação dos ultimos sinaes, que bem poderiam corres- ponder a processos patojenicos de outros aparelhos organicos. E essa dificuldade maior se apresenta quando sindicamos da astenia cardio-vascular, um dos elementos de maior relevo na sindrome de insuficiencia suprare- nal. Nos doentes, objeto de nossos estudos, fórmas cronicas com alterações que fazem admitir lesões das supra-renaes, a cardio-as- tenia é sempre observada; poderemos, porém, incluil-a entre os elementos da sindrome su- prarenal, quando sabemos ser ela constante em todas fórmas cronicas da tripanosomiase e quando a temos reconhecido como devida ás alterações que o parasito determina no musculo cardiaco? Acreditamos mais na con- currencia dos dois fatores, constituindo a in- suficiencia suprarenal uma condição agravan- te da astenia circulatoria determinada pela fraqueza do miocardio.

Seja como fôr das dificuldades na inter- pretação de casos isolados, não podemos re- cusar a existencia duma feição clinica da mo- lestia em que predomina a sindrome supra- renal; e assim é porque possuímos numero de observações que fundamentam e bem exemplificam a fórma supra-renal da tripano- somiase. Deste aspeto da molestia será feito estudo minucioso pelo Dr. LEOCADIO CHAVES, que para o assunto voltou mais demorada atenção.

Os orgãos genitais, do homem e da mulher, especialmente os testiculos, ovarios, e utero, têm sido verificados como sêde de localização do Trypanosoma Cruzi. Em fórmas agudas tivemos observação de orquite, que perdurou algum temgo, depois de desapareci- dos os outros elementos agudos e justamente nos testiculos temos encontrado, em necrop- sias, parasitos ás vezes abundantes. Nem por isso temos podido caraterizar sinais morbidos referiveis a alterações testiculares; e mesmo a orquite, observada num caso agudo, cons- titue fato isolado, que não autoriza incluir sinais testiculares na sintomatolojia, senão

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consideral-os como de ocurrencia possivel.

Essa localizacáo do parasito nos testicu- los, verificada no homem e em animais de laboratorio, poderá ocasionar lesões condu- centes á esterilidade ? Era de admitir que assim fosse, que a esterilização no homem pudesse resultar de processos histo-patolo- jicos provocados pelo tripanosoma nos testi- culos; até agora, porém, nossas observações parecem contrariar essa indução, e, si acaso a função geradora pode ser prejudicada na molestia, sel-o-á raramente. Isso pode indi- car que as reações iuflamatorias dos testicu- los, ás mais das vezes, são bastante atenua- das; quando, ao contrario, houver no orgão maior intensidade de lesões, resultantes de abundancia do protozoario, nesse caso a esterilização poderá constituir consequencia da orquite, como sóe acontecer em outras molestias infetuosas.

Tambem a impotencia genital não figura com frequencia na sintomatolojia, o que ainda demonstra a pouca intensidade ou a raridade de processos patojenicos uos testi- culos.

Nos ovarios humanos ume vez foi possivel veriticar a presença do parasito; e as reações inflamatorias, desse caso unico, eram de pequena monta. Em animais de la- boratorio, os ovarios tem sido encontrados parasitados com maior frequencia e tambem mais acentuados se mostram os processos inflamatorios. Quanto aos dados fornecidos pela clinica, estes indicam a existencia de alterações ovarianas, muito frequentes, senão constantes, nos doentes que apresentam outros sinais da tripanosomiase. Estudos demorados das alterações genitais na mulher foram realizados por especialista de autori- dade reconhecida, o dr. HERMENEGIL- DO VILLAÇA, a quem devemos noções interessantes sobre o assunto. Aquele gine- colojista, após haver excluido de suas obser- vações todas as causas de erro, afastando os casos clinicos em que outros fatores pode- riam figurar na patojenia das alterações veri- ficadas, conseguiu formular um conjunto de sinais que traduzem a sindrome ovariana des doentes de tripanosomiase.

Ao contrario do que se passa em outros orgãos de secreção interna, nos quais pre- dominam sinais de insuficiencia funcional, aqui, ás mais das vezes, as anomalias obser- vadas traduzem hiper-funcao glandular. Entre os sinais mais salientes de hiper-ovarismo figuram a frequencia da puberdade precoce, o exajero de catamenios e a grande prolifi- cidade nas mulheres infetadas. O início das menstruações aos 10 ou 12 anos é muitas vezes observado, constituindo ocurrencia, talvez mais frequente, nas donzelas com sinais da molestia; e menstruações ainda mais precoces, aos 5 anos num caso e aos 6 anos em dois outros, tivemos ensejo de observar. Mais notavel é a abundancia de catamenios, em donzelas e em mulheres após uma ou multiplas concepções. As regras são em quantidade excessiva e muito prolongadas, perdurando não raro por 8 ou 15 dias; e tambem frequentemente é observada a ocur- rencia de 2 periodos menstruais no mez. Ao lado desse exajero existe a maior irregula- ridade nas menstruações relativamente á duração, etc. Em casos nos quais essas anomalias eram mais notaveis, o dr. VILLAÇA poude excluir, com muito rigor, a interfe- rencia de processos inflamatorios dos orgãos genitais, capazes de as justificar. Sendo assim, na ausencia de lesões apreciaveis, se- riam aquelas alterações de natureza pura- mente funcional?

Ainda expressivo de hiper-função dos ovarios é, talvez, O numero relativamente elevado de concepções. Sem duvida nos campos a fecundidade é sempre maior do que nos centros populosos, devido a fatores varios e discutiveis, entre eles figurando as condições de vida sadia; aqui, porém, existe uma inferioridade organica das mais acentua- das determinada pela infeção. E, apesar disso, temos observação extensa que nos demonstra a frequencia de concepções multi- plas nas infetadas, mesmo naquelas cujo estado de saúde é dos mais precarios. A polinatalidade é deste modo a regra nas familias das zonas infestadas; infelizmente, porém, ai existe um fator endemico que faz da poliletalidade familiar uma condição

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tambem frequente, mais frequente talvez do que a primeira e neutralizando o beneficio social dela resultante. Essa fecundidade ele- vada das mulheres ligar-se-á 4 hiper-funcáo Ovariana, que tem, por outro lado, como expressão irrecusavel as alterações menstruais referidas? Não possuimos elementos para afirmação decisiva, pelo que apenas admiti- mos como possivel a relação entre os dois fatos.

Das anomalias genitaes, em mulheres com outros sinaes da tripanosomiase, pode- remos constituir sindrome ovariana de hiper- função. Devemos, todavia, incluir esta sindro- me na expressão clinica da tripanosomiase, isto é, possuimos elementos que nos autori- zam encarar as perturbações ovarianas como determinadas pela ação patojenica do para- sito ?

E’ um ponto esse da patojenia que não se apresenta, a nosso conceito, com a mesma clareza de outros discutidos. Nos ovarios as pesquizas do parasito têm proporcionado ele- mentos de demonstração deficientes, o mesmo acontecendo quanto aos processos inflama- torios daqueles orgãos. Pelo que, não existem aqui, como acontece relativamente ás anoma- lias nervosas e cardiacas, ligação immediata verificavel entre a perturbação funcional e as lesões do orgão respetivo.

Mais aceitavel nos parece interpretar os fenomenos ovarianos como devidos ás corre- lações existentes entre os ovarios e outras glandulas de secreção interna, especialmente a tireoide. Nos doentes em questão as alte- rações da tireoide foram sempre observadas: eram casos que apresentavam hipertrofia da glandula, com anomalias funcionaes mais ou menos intensas, quasi sempre traduzidas em hipo-tireoidismo; e muitos dos doentes estu- dados, talvez a maioria, mostravam bocios antigos, com dejenerações profundas do orgão, Conhecidas as relações de antagonismo fun- cional entre tireoide e ovarios, poderemos interpretar as alterações genitaes de acordo com esta doutrina fisiolojica? Resultariam simplesmente das perturbarções tireoidianas, como anomalia fisio-patolojica correlata, a sindrome ovariana discutida? Si assim for,

ficará ao arbitrio das opíniões relativas á etiolojia do bocio endemico a interpretação dos fenomenos genitais dos doentes cronicos de tripanosomiase. Como, porém, sobre o assunto temos convição bem estabelecida, incluimos a sindrome ovariana no quadro sintomatico da molestia, deixando sua inter- pret2ção patojenica indecisa, até que estudos mais minuciosos possam esclarecel-a.

No utero, como tem acontecido em outros orgãos de fibras musculares lisas, O parasito foi observado em 2 autopsias, de casos agudos; nenhum sinal clínico, porém, conseguimos determinar como atribuivel se- guramente a essa localização e nem possui- mos conhecimentos definitivos sobre os pro- cessos histo-patolojicos ocasionados no orgão pela ação do parasito.

historia clinica da tripanosomiase ligam-se estados morbidos que representam consequencias mais ou menos remotas dos processos patojenicos daquela molestia. Localizando-se o parasito em orgãos de função morfojenetica bem demonstrada, e ajindo sobre sistemas organicos importantes na fase do desenvolvimento, não surpreende que a tripanosomiase, no seu quadro clinico, apresente sindromes distroficos acentuados, de feição variavel com a natureza dos pro- cessos que lhes constituem orijem.

Em unidades do aparelho endocrinico referimos a ocurrencia de processos histo- patolojicos, ora diretamente ligados á pre- sença do parasito, ora á ação de suas toxinas. Além das sindromes glandulares immediatas, dali resultantes e referidas, outras existem tardias que traduzem, de algum modo, resi- duos anatomicos ou funcionais dos processos admitidos. É sob aspeto de grandes distrofias que se apresentam, ás mais das vezes, tais sindromes; e é assim devido á influencia predominante do sistema endocrinico sobre o equilibrio trofico e sobre o desenvolvi- mento organico.

Como distrofias glandulares, ligadas á tripanosomiase, consideramos o infantilismo, o hipo-tireoidismo infantil adquirido e outros estados, nem sempre facilmente classificaveis, que se traduzem numa inferioridade fisica e

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numa deficiencia mental apreciaveis. O infan- tilismo é, desse grupo, a condição melhor caraterizada. De grande frequencia nas zonas infestadas, este infantilismo endemico apre- senta feiçôes clinicas variaveis e graus tambem diversos, sendo observado, as mais das vezes, em individuos que revelam ontros sinaes da tripanosomiase.

Como classifical-o, no ponto de vista etio-patojenico ? Será uma distrofia puramen- te tireoidiana ou será pluriglandular? E en- contramos, na analize dos processos patoje- nicos, elementos que autorizem incluir o in- fantilismo entre as sindromes tardias da mo- lestia ?

O aspeto evolutivo da infeçäo e as loca- lizações principaes do protozoario fundamen- tam, desde logo, a ocurrencia de condições distroficas, entre elas a do infantilismo. Ini- ciada, ás mais das vezes, nos primeiros tempos de vida extra-uterina, a infeção afeta Os sis- temas na fase de sua organização e, perma- nente através todo o desenvolvimento, não poderá deixar de ocasionar alterações morfo- lojicas de importancia; tanto mais quanto dos orgãos principalmente atinjidos alguns exer- cem função preponderante nos processos geraes de morfojenia: vimos alterações da glandula tireoide, das capsulas suprarenaes e verificamos tambem localizações do proto- zoario nos orgãos genitaes.

De taes processos não devem resultar, dada sua longa permanencia, perturbações intensas do desenvolvimento ? Na etiopatoje- nia do infantilismo figuram processos infe- tuosos nem sempre de ação patojenica tão intensa quanto o é a da tripanosomiase, A sifilis, adquirida ou hereditaria, é uma causa irrecusavel daquela sindrome ; e, pela melhor doutrina, no infantilismo luetico hereditario constituem razão predominante as alterações do aparelho endocrinico. Do mesmo modo o impaludismo, adquirido nos primeiros tempos de existencia e perdurando por largos anos, conduz a um estado de infantilismo cuja mor- folojia é de todo ponto comparavel á do in- fantilismo hipo-tireoidiano. E tambem a tu- berculose infantil, quanto outras infeções de marcha cronica, atuando na fase do desen-

volvimento, podem figurar na etiolojia daque- la sindrome. Si assim é, sobram razões para admitir o infantilismo como ocurrencia fre- quente na tripanosomiase, cujos processos patojenicos mostram intensidade pelo menos igual, senão maior, á das infeções referidas.

Além de que, a tripanosomiase, em sua fase cronica, quando o parasito definitivamen- te se localiza nos tecidos, atua sobre o me- tabolismo organico de modo permanente, sem reações tumultuosas, por tenpo indefi- nido; e aliados estes aspetos patojenicos ás localizações do protozoario nas glandulas de secreção interna, nos centros nervosos, consi- derando ainda o inicio da molestia, ás mais das vezes, nos primeiros mezes de vida, não pode surpreender, senão constituir fato de lojica irrecusavel, que alterações distroficas figurem entre as consequencias da tripano- zomiase. Nem argumentamos por hipoteses : a observação clinica vem confirmar nosso ponto de vista, quando demonstra o carater endemico do infantilismo nas zonas de bar- beiros, e quando verifica, simultaneamente com a sindrome morfolojica, outros sinaes da tripanosomiase.

Mais ainda: entre nossos doentes alguns existem que foram acompanhados desde a fasc aguda da molestia, ocorrida nos primei- ros mezes da vida, durante alguns anos; pois bem, nestes, ao lado da evolução de outros sintomas, foi possivel verificar alterações mor- folojicas que deles fizeram individuos retarda- dos, no desenvolvimento fisico e mental. A sindrome completa dependerá da maior in- tensidade do ataque infetuoso ? Ou traduzem os casos de infantilismo total a ação do pa- rasito na vida intra-uterina? Esse ponto ul- timo se relaciona com a herança da moles- tia, problema ainda em estudo e, até agora, sem solução decisiva. Temos, é certo, ele- mentos que nos levam a admitir a transmi- são hereditaria da tripanosomiase, o que aliás bem se acorda com a presença do pro- tozoario nos orgãos geradores; da experi- mentação, porém, não tivemos ainda a neces- saria prova definitiva. E dada a probabilida- de da infeção intra-uterina, do embrião ou do féto, seria muito de aceitar, para os casos

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mais acentuados de infantilismo, essa genésis hereditaria,

Levada em conta a frequencia e a inten- sidade das alteraçôes tireoidianas, poder-se- ia Querer ligar esse infantilismo exclusiva. mente á deficiencia daquela glandula; cumpre porém, salientar que Outros orgáos de papel verificado na evolução morfolojica, entre eles principalmente os testiculos, os ovarios, as capsulas supra-renais, apresentam-se atinjidos, ás vezes profundamente. E sendo assim, náo podemos compreender a sindrome senáo como resultante da acáo converjente de diversos processos, todos capazes de pertur- bar evoluçäo normal do organismo. Será, pois, um infantilismo pluriglandular e, aliás, esta interpretação se nos apresenta como a unica perfeitamente harmonica com os fatos clinicos, nos quais verificámos tipos morfolo- jicos, que se furtam á classificação de infan- tilismo tireoidiano puro. Pelo que, o infan- tilismo deverá figurar entre as consequencias da tripanosomiase, como resultante de lesões do aparelho endocrinico, mesmo para aqueles que das alterações tireoidianas quizerem fazer um capitulo independente da molestia.

Condição distrofica representa tambem o hipo-tireoidismo infantil adquirido, de grande frequencia nas rejiões assoladas pela moles- tia. Neste grupo figuram crianças com sinais evidentes de deficiencia funcional da tireoide. Apresentam tais doentes, ás mais das vezes, infiltração mixedematosa diminuta, generali- zada ou limitada a dadas rejiões, especial- mente á face. Neles o desenvolvimento físico é retardado, em desproporção com a idade» a intelijencia rudimentar, havendo em alguns absoluta parada da evolução mental; e, por outro lado, não raro encontrámos, limitadas a determinados sistemas, anomalias morfolo- jicas que bem atestam processos distroficos. Esses retartados (arriérés) experimentam muitas vezes, com o tempo, melhoras apre- ciaveis; nunca, porém, atinjem condição organica normal, sempre permanecendo, quando nada, num estado de inferioridade física e mental durante toda a existencia. Embora comparaveis, sob certos aspetas, aos cretinos, a classificação de cretinos seria ina-

plicavel aos doentes desta natureza, que não apresentam os carateres essenciais daquela sindrome. Ficam, considerado o grau de hipotireoidismo, muito aquem dos cretinos tipicos, o que justamente constitue, pela ge- neralidade do fato, a melhor carateristica dessa condição na molestia-

Sobre a etiolojia do bocio endemico nas rejiões do Brazil assoladas pela tripanoso- miase, pairam ainda indecisões no conceito de alguns pesquizadores. Constitue a hiper- trofia endemica da glandula tireoide, nas zonas infestadas pela triatoma, uma conse- quencia da infeção ? Ou representa o bocio endemico simples condição simultanea, atri- buivel a outro fator etio-patojenico ? É essa a questão discutivel e que absolutamente independe da concepção adquirida e formu- lada sobre a fisionomia clinica geral da tripa- nosomiase. Insistimos nesse ponto: a etio- lojia do becio endemico, nas zonas de bar- beiro, poderá ser discutida e nossa opinião recusada, de acordo com a orientação de doutrinas; a expressão clinica da tripanoso- miase, porém, o conceito que temos emitido sobre suas diversas modalidades sintomaticas, isso não oferece marjem a duvidas, porque vem fundamentado nos melhores elementos de experimentação, de observação clinica e de verificação anatomica.

Vamos referir os principais argumentos que nos levam a constituir do bocio ende- mico, nas rejiões onde grassa a tripanosomia- se, uma cunsequencia da infeçäo:

No ponto de vista patojenico o argu- mento dominante, que, a nosso ver, tem quasi o valor duma demonstração experimental, é oferecido pelo mixedema dos casos agudos da molestia. Este mixedema, caraterizado não pela infiltração mucoide do tecido sub-cutaneo, mas ainda pela queda de pelos, descamação epidermica, etc., é demonstrativo do ataque do protozoario á glandula tireoi- de. Nem constitue ele, nas fórmas agudas, uma sindrome de exceção; é, ao contrario, um fenomeno constante, talvez muito atenu- ado em alguns casos, porém sempre verifi- cavel, o que lhe valor maximo no ponto de vista da interpretação patojenica gue

ZN. POP

procuramos justificar. O mixedema equi- valente patolojico de lesäo anatomica ou de alteração funcional da tireoide ; além de que, aquela lesão tem sido demonstrada em au- topsias, assim como a localizaçäo do parasito que a pode determinar. Nao podemos com- preender razoavelmente os fenomenos fisio- patolojicos dos casos agudos, senäo admitin- do ação especifica da infeção sobre a glan- dula tireoide. E si assim é, siem sua fase aguda a infecáo atinje, de modo mais ou menos intenso, O parenquima glandular, náo nos devem surpreender as alterações conse- cutivas, que se traduzem em esclerose e processos dejenerativos diversos, observados nos bocios cronicos. Cumpre ainda salientar que a tripanosomiase constitue uma infe- ção cronica de longa duração, atuando de modo permanente sobre o organismo, pro- vocando dos sistemas organicos afetados processos reacionais e dejenerativos diver- sos, conforme a natureza do tecido atinjido. Nem diferem essencialmente das da tireo- ide as reação que se passam em outros orgãos: no figado, na fase aguda da infeção, verifica-se esteatose intensa. Quando a mo- lestia se cronifica e vamos, anos depois, conhecer as condições anatomicas daquele orgão, ai verificamos escleroses intersticiais que traduzem justamente reações demoradas contra uma causa irritante permanente. O mesmo raciocinio é aplicavel ás miocardites cronicas, resultantes de fenomenos agudos para o lado do miocardio, ocorridos na primeira fase da infeção e duma ação per- manente do protozoario sobre o musculo eardiaco. Tambem comparaveis ás referidas são os processos histopatolojicos do sistema nervoso.

Poder-se-ia alegar que o mixedema dos casos agudos apenas significa uma condição de mioprajia tireoidiana hereditaria. res- pondemos a esta objeção, que atráz nos pro- puzemos. Depois, si exclusivamente á infe- ção pelo tripanozoma coubesse aquele papel, de revelar a mioprajia preexistente da glan- dula, então seriamos levados, por isso mesmo, a reconhecer uma ação especifica do parasi- to sobre a tireoide. Argumento patojenico

tambem de incontestavel valor é o fornecido pela presença simultanea de sinaes tireoidia- nos na grande maioria dos doentes de tri- panosomiase, não importa a fórma clinica sob que se apresentam.

Ao lado de sindromes nervosas e cardia- cas, podemos sempre verificar sinaes, muito atenuados ás vezes, outras bem evidentes, que denunciam alterações da glandula tireoi- de. A hipertrofia do orgão é observada na quasi totalidade dos doentes; não raro, porém, o aumento de volnme é diminuto, tornando- se necessario pesquizal-o pela apalpação ou determinando ao doente movimentos de de- glutinação.

E nos casos em que hipertrofia aparen- te não existe, seriam ainda de suspeitar alte- rações leves do parenquima, sem exibição anatomica suficiente. Isso não importa em afirmar que a hipertrofia ou que lesões da tireoide constituam elemento constante na molestia; apenas referimos, diante de nume- rosos fatos de observeção, a grande frequen- cia da afeção do orgão, não excluindo a possi- bilidade de casos clinicos em que a tireoi- de tenha escapado a processos patojenicos. E aliás, em doentes adultos, numa relação porcentual minima, temos verificado ausencia de hipertrofia da tireoide, apesar de eviden- ciar-se a infeção por outros sinaes.

Nas condições epidemiolojicas e geogra- ficas do bocio e da tripanosomiase encontramos outros fundamentos para nossa convicção: Nas rejióes em que temos estudado a tripanoso- miase, o bocio é sempre verificado, com a constancia referida, nos individuos que habi- tam domicilios infestados pelo inseto trans- missor.

Esta regra, em nossas pesquizas, não sofreu até agora uma unica exceção. Mais significativo é o fato de não apresentarem hipertrofia da glandula tireoide, em zonas onde o bocio e a tripanosomiase grassam intensamente, aquelas pessôas que residem em casas bem tratadas, livres da infestação pela triatoma. Em Lassance, séde de nossos estudos, temos desse ponto exemplos de sobra: crianças e adultos da rejião, habitan- do cafúas onde abundam os barbeiros, todos

mostram a glandula hipertrofiada. E mesmo em recem-chegados, vindos de zonas indenes, foi-nos possivel verificar aumento de volume da tireoide, quando habitavam domicilios in- vadidos pelo inseto. Ao contrario, grande numero de crianças que permaneceram em Lassance, 4,5 ou mais anos, sempre residindo em casas confortaveis, nas quaes náo era en- contrado o barbeiro, nunca mostraram a tire- oide lesada; e o mesmo em relaçäo a pes- soas adultas, vindas de zonas livres da mo- lestia.

Entretanto, a agua de serventia era uma unica, a dum pequeno rio em cujo vale exis- te grande numero de habitações rejionaes, todas infestadas e onde O bocio é constante. As condições geraes de vida, e especialmente de alimentaçäo, eram identicas, nenhum outro fator existindo, senao o barbeiro, para expli- car a Ocurrencia do bocio em determinados domicilios, com sua exclusão de outros. Nem se poderá alegar ser necessaria longa perma- nencia na zona, para que a hipertrofia glan- dular tenha lugar; não se poderá alegar isso porque as crianças de um e dois anos, dos domicilios com barbeiros, mostram aumento apreciavel da tireoide e aquelas que escapam ao bocio, devido a condições favo- raveis de habitabilidade, permaneceram na rejiao até 4 ou mais anos. Não poderemos, tão pouco, admitir a herança como fator ex- clusivo do bocio endemico: em individuos recem-chegados, vindos de rejiões não boci- jenicas, e até mesmo em europeus, verifica- se, quando possivel a infeção pela triatoma, o aparecimento do bocio; e o mesmo obser- vamos em crianças, cujos projenitores não apresentam bocio.

De alta valia são os fatos que concer- nem a distribuição da molestia nos campos e nas cidades. Em zonas infestadas, de alto indice endemico, temos realizado observações que demonstram ser o bocio relativamente raro nos centros populosos, onde as casas, melhor construidas, não oferecem abrigo ao inseto; e tambem rara é ai a molestia, tradu- zida em outros sinais. Ao contratio nos campos, onde os domicilios humanos consti- tuem ninhos abundantes de barbeiros, o

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bocio é frequentissimo, tanto quanto as ex- pressões clinicas da tripanosomiase. Como dos melhores exemplos desse fato temos, em Minas Geraes, entre outras, as cidades de Curvello, Diamantina, Sete Lagoas e Pirapora, situadas em zonas assoladas pela Triatoma megista. Estas cidades seriam gran- des fócos da molestia, si nelas as residencias humanas pudessem ser invadidas pelo hema- tofago; isso, porém, não acontece e, no pe- rimetro urbano, nos domicilios de cons- trução primitiva vamos encontrar o inseto. Nas populações rurais, ao contrario, mesmo nas cafuas mais proximas das cidades, o bar- beiro existe em abundancia. O mesmo se verifica, nos lugares citados, relativamente ao bocio e aos outros sinais da tripanoso- miase, abundantes entre os habitantes das cafuas, na população rural sobretudo, e de pequena frequencia nas populações urbanas. Porque assim é? Nas cidades e nos campos a organização geolojica é a mesma e iden- tica a constituição quimica da agua. Tambem a natureza da alimentação, os habitos gerais de existencia não apresentam variantes entre as populações pobres dos campos e a das cidades. O que ai existe, como fator apreci- avel, é a presença do inseto em abundancia nas habitações rurais, ao passo que das vilas e das cidades, de casas menos primi- tivas, vai ele desaparecendo. E quando obser- vamos o que se passa em pequenas povoa- ções do interior, nas quais muitas vezes a totalidade dos domicilios é constituida de cafuas, verificamos aspeto epidemiolojico identico ao dos campos: são ai infestadas todas as habitações pelo barbeiro e apresen- tam os habitantes sinais da tripanosomiase com a presença simultanea de hipertrofia tireoidiana.

Nos dados, até agora adquiridos, sobre a distribuição geografica do barbeiro e do bocio endemico vamos encontrar novos ele- mentos falando em favor das relações de causa e efeito que discutimos. O bocio en- demico não constitue, no Brazil, uma ano- malia subordinada a aspetos topograficos es- peciais, nem a condições necessarias de alti- tude. É ele verificado em rejiões montanho-

e

sas quanto nos vales de grandes e pequenos rios, sendo ainda encontrado em pequenas altitudes, até mesmo proximo das costas do mar. Mais frequente, como intensa endemia, nas zonas do interior do Paiz, ai é o bocio observado mesmo em lugares baixos, inde- pendente da constituição do sólo, da natu- reza das aguas e de qualquer outro fator cuja influencia possa ser determinada. O que ha de mais saliente, nesse ponto, é a difusão extrema do bocio, cuja endemia não apre- senta fócos limitados, mas é observada em vastas extensões territoriais, mais ou menos intensa nas diversas rejiões. Com a distribui- ção da tripanosomiase, e mais especialmente, da Triatoma megista, fatos identicos se veri- ficam. O hematofago é encontrado, mais abundante, em rejides do interior do Paiz, dominando sobretudo nas populações rurais; e nenhuma dependencia existe tambem aqui entre condições de altitude, de topografia e a endemia da molestia.

Esta, quanto ao bocio, nunca é verificada em determinados fócos, limitados a pequenas rejides ; difunde-se, ao contrario, nas zonas infestadas, por toda a parte, e atinje, ás mais das vezes, vastas extensões geograficas. Nas rejiões do interior onde temous verifica- do a existencia do bocic endemico, nunca deixamos de encontrar o hematofago, trans- missor da tripanosomiase e de constatar, nos habitantes, sinais da infeção. Isso tem acontecido especialmente no Estado de Minas Geraes, onde mais demoradas têm sido nossas observações desse assunto. For outro lado, nos dados até agora fornecidos pelas excursões cientificas do Instituto Oswaldo Cruz e por informações mais ou menos dignas de fé, em todas as rejiões observa-se a existencia simultanea da endemia de bocio e da triatoma transmissora da tripanosomiase. Dizem assim as observações do dr ASTRO- GILDO MACHADO nos Estados de Goyaz, e Matto-Grosso, as dos drs. ARTHUR NEIVA e BELISARIO PENNA na Bahia, Piauhy e Goyaz, as dos drs. ADOLPHO LUTZ e ASTROGILDO MACHADO nos Estados de Minas e Bahia. Estes ultimos pesquizadores, no bem elaborado relatorio

sobre a excursão realizada, ao lado de outras importantes noções sobre a epidemiolojia, das zonas percorridas, rejistram a diminuição da tripanosomiase e da Triatoma megista, a medida que se caminha para as fronteiras de Minas Geraes, com o Estado da Bahia; e rejistram tambem, com toda nitidez, a dimi- nuição do bocio quando se dece o rio S. Francisco, isto é, nas mesmas rejiões em que verificaram fato identico paraa Triatoma megista. Numa certa zona, segundo aqueles observadores, o bocio desaparece pratica- mente, nas pessoas que não sairam do lugar. Fica bem claro o perfeito acordo ai existente entre a distribuição geografica do bocio e a da triatoma, especialmente da Triatoma me- gista, que aqueles experimentadores reputam, com toda razão, o principal transmissor da molestia.

E” questão ainda indecisa, que depende de novas observações, saber si o bocio, ob- servado em diversas rejiões do Brazil, depen- de sempre do mesmo fator etio-patojenico e determina identicas alterações fisio-patoloji- cas. Desse assunto, até agora, não temos cuidado com a necessaria extensão; e, por isso mesmo, julgamos possivel a diversidade etiolojica do bocio em diversas zonas do Paiz.

Aliás não se relaciona essencialmente esse problema com nossos trabalhos: procu- ramos concluir de observações diretas, de argumentos patojenicos e epidemiolojicos que se referem ao bocio endemico em determi- nadas rejiões onde grassa a tripanosomiase. Si outro fator etio-patojenico figura nas en- demias de bocio, em rejiões diversas das que conhecemos, é um ponto a esclarecer, sobre o qual não podemos emitir juizo pela ausen- cia de observações necessarias. Podemos, por outro lado, identificar ao da Europa o bocio de algumas zonas do Brazil, especial- mente o observado nas rejiões mais proxi- mas das costas maritimas? É tambem possi- vel que sim. Quanto ao bocio endemico que reputamos consequencia da infeção pelo tri- panosoma, entre este e o bocio europeu não ha negar diferenças apreciaveis, sobretudo no ponto de vista das consequencias fisio-pa- tolojicas.

Sem duvida, aspetos similares ai existem, maxime nas condicóes anatomicas e histo-pa- tolojicas, o que bem se compreende, porquan- to um mesmo orgáo nao poderá reajir por processos essencialmente distintos 4 diversas causas irritantes. A hepatite, a miocardite, a encefalite, representam reacóes inflamatorias, cujo processo histo-patolojico geral náo pode variar em sua essencia, senáo apresentar mo- dalidades comparaveis, com o fator etioloji- co. O mesmo deveremos admitir para a tireoi- dite e para as dejeneracóes dela resultantes.

Nos aspetos fisio-patolojicos do bocio europeu encontrámos carateristicas que faltam ao bocio endemico, ligado á tripanosomiase. Assim, aqueles estados de atireoidia conjeni- ta, que se expressam na idiotia mixedemato- sa de BOURNEVILLE, condiçäo morbida em que se verifica ausencia de toda vida de re- lação, em que a intelijencia permanece ini- cial, sem qualquer evolução, em que a infil- traçäo mucoide do tecido subcutaneo atinje gráu maximo; esse estado, que expressa in- suficiencia profunda, ou melhor, ausencia de função da glandula tireoide, é observado com frequencia relativa nas rejiões bocijenicas da Europa, ao passo que entre nós, apesar das endemias de bocio serem de excecional in- tensidade, nunca O verificamos assim tão acentuado. Possuímos observações de hipo- tireoidismo, ás veses em gráu bastante in- tenso; nunca chegam, porém, nossos doentes á deficiencia tireoidiana que transforma O in- dividuo num organismo apenas vejetativo, que o leva ao estado comparavel á hiberna- ção. E entretanto, a endemia do bocio, nas rejiões estudadas, é tambem secular, perpe- tuando-se em gerações sucessivas, o que de- veria determinar, caso houvesse identidade do fator etiolojico, condições de insuficiencia glandular profunda comparaveis ás que se observam no bocio europeu.

A idiotia, conforme referimos, é muito frequente nas rejiões infestadas pela moles- tia; tal idiotia, porém, é de natureza organica, determinada pelas localizações do tripanosoma no sistema nervoso central. Os idiotas desta categoria são ao mesmo tempo, ás mais das vezes, diplejicos, ou apresentam monoplejias

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denunciando a afecção dos centros motores. Nenhuma relação existe, entre essa idiotia e aquela determinada pela deficiencia funcional profunda da tireoide, a idiotia mixedematosa, cuja patojenia é perfeitamente distinta da que atua na idiotia organica. Pelo que, quando afirmamos, bascados em grande numero de observações clinicas, a grande frequencia da idiotia organica e a raridade da idiotia mixe- dematosa, falamos de sindromes distintas e nao incidimos em contradição. Poder-se-á, sem duvida, verificar sinais de hipo-tireoidis- mo nos doentes afetados de idiotia organica ; a insuficiencia glandular, porém, mostra-se demasiado atenuada para explicar a profunda alteração da intelijencia; e além disso, na au- sencia de sinais expressando ataque ao sis- tema nervoso central, os hipo-tireoidianos apenas revelam pequenos gráus de deficien- cia mental, que não poderiam merecer a clas- sificação de idiotia.

O cretinismo que constitue, ás mais das vezes, no conceito dos melhores observadores, um hipo-tireoidismo hereditario, ou póde tra- duzir um estado de insuficiencia tireoidiana adquirida, não se apresenta entre nós, nas zonas de bocio endemico e de tripanoso- miase, com as carateristicas acentuadas com que os descrevem os pesquizadores europeus; e nem o verificámos com a frequencia habi- tual nas rejiões bocijenicas da Europa. Tipos verdadeiros de cretinismo apareceram muito raramente em nossas observações, a menos que pudessemos dar aquela classificação a simples retardados da intelijencia e do de- senvolvimento fisico, a estados cretinoides atribuiveis não á hipo-função tireoidiana, mas 4 ação converjente de diversos fatores.

Poderiamos encontrar ainda, no estudo das alterações fisio-patolojicas ocasionadas pelo bocio endemico das rejiões de barbeiros, outros elementos que o diferenciam do bocio europeu e que, desse modo, denunciam di- versidade de fatores etio-patojenicos; desse assunto, porém, maiores minudencias veem referidas em publicações dum outro colabo- rador destes trabalhos.

Aqui, finalizando este capitulo, queremos insistir na concepção clinica adquirida sobre

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a tripanosomiase e especialmente nas relacóes que admitimos entre o bocio endemico e a infeção pelo tripanosoma:

A tripanosomiase é uma molestia auto- noma, de evolução ora aguda ora cronica, caraterizada por sintomatolojia bem determi- nada e bem fundamentada em lesões histo- patolojicas.

As lesões da tireoide são denunciadas, de modo quasi constante, nas fórmas agudas da molestia pelo mixedema; e nas fórmas cronicas a hipertrofia daquela glandula cons- titue fato de observação tambem muito fre- quente. O bocio endemico, nas zonas infes- tadas pela tripanomiase, é condição simuita- nea ou um elemento da infeção, segundo nosso conceito? Seja como fôr, a concepção clinica da molestia não depende desse ponto, que será, quando muito, um problema dis- cutivel, anexo 4 historia clinica da tripanoso-

miase. À nosso ver, o bocio endemico tem esclarecida sua etio-patojenia, conforme ai deixámos argumentado.

Em publicações que se seguem vamos estudar, de modo mais minucioso, as formas clinicas da tripanosomiase, aproveitando o material de demonstração adquirido em zona de elevado indice endemico.

Aqui, ao concluir este capitulo introdu- tivo, devemos salientar a orientação, nestes trabalhos, de nosso mestre dr. OSWALDO CRUZ, de quem nos vieram todos os ensi- namentos e a quem coube organizar e guiar os serviços de pesquizas clinicas e experi- mentais, instalados em Lassance.

Obtivemos recursos materiais para a realização de nossos estudos, graças princi- palmente á ação patriotica de nosso eminente patricio, o Snr. deputado CAMILLO PRATES, a quem deixamos afirmado nosso reconheci- mento e a quem rendemos justa homenajem.

A

Explicacáo das estampas 4 e 5. Estampa 4.

Fig. 1— Corte de musculo cardiaco de um caso cronico de tripanosomiase, cujo obito teve logar numa crize de asistolia. Grandes aglomeracóes de corpusculos leish- maniformes, no interior de fibras cardíacas.

Fig. 2—Corte de cerebro de um caso agudo, com manifestações meningo-encefa- licas. Mostra uma aglomeracáo de parasitos e um fóco de infiltração.

Fig. 3—Corte de cerebro de uma caso falecido com meningo-encefalite aguda. Mostra uma celula da nevroglia em cujo plasma sáo vistos diversos parazitos.

Fig. 4- Corte de cerebro de um caso agudo com fenomenos nervosos. Fóco de infiltração, em torno de uma celula da nevro- glia parasitada.

Estampa 5.

Fig. 1—Corte de coração de um caso agudo da tripanosomiase. Mostra fenomenos intensos de miocardite.

Fig. 2—Corte da glandula tireoide de um caso agudo de tripanosomiase. Parasitos no epitelio vesicular. Uma das celulas da vesicula da glandula tireoide foi destruida pelos parasitos que se multiplicaram no seu interior, escapando-se posteriormente.

Nota.

E di cl Nodulos constituidos por celulas de

Fig. 3. Corte da glandula tireoide (outro | nucleo rico de cromatina e densamente agru- ponto do mesmo orgão representado na Fig. | padas. Em torno de alguns, o septo conjun- nae 5) de um caso agudo de tripanoso- | tivo mostra-se espessado.

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MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ ESTAMPA 4 TOMO VITI—1916

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MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ ESTAMPA 5 TOMO VIII—1916

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Tripanosomiase americana FORMA AGUDA DA MOLESTIA

pelo

DR. CARLOS CHAGAS (Chefe de Serviço)

(Com as estampas 6, 7, 8, 9 e 10).

Possuimos, para fundamentar a sintoma- tolojia das infecóes agudas pelo Trypanoso- ma Cruzi, observaçôes clinicas onde encon- trâmos, além dos sinais constantes carateris- ticos desta fase inicial da molestia, outros de excecao, verificados em raros doentes. De algumas autopsias resultaram, por outro lado, noções exatas relativas aos processos anatomo-patolojicos essenciaes das fórmas agudas e ás localizações parasitarias nos sis- temas organicos, o que faculta reconhecer, com segurança, o mecanismo patojenico dos sintomas e estabelecer relações imediatas entre a alteração funcional e seu substratum anatomico.

A grande maioria de infeções agudas tem sido verificada em crianças, ás mais das vezes no primeiro ano de existencia. Alguns doentes encontrámos com idade maior, até 8 anos, e, possuimos, finalmente, uma obser- vação unica da fórma aguda em adulto. Falámos, anteriormente, das razões que

justificam esse aspeto epidemiolojico da tri- panosomiase, cuja infeção inicial tem lugar, quasi sempre, nos primeiros tempos dc vida extra-uterina. Nos domicilios infestados pela Triatoma megista as crianças, desde o nacer, ficam sujeitas á molestia e dela dificilmente podem escapar, dada a abundancia de hema- tofagos transmissores e o alto coeficiente de infeção nelas verificado. Adquirida assim, a tripanosomiase, quasi sempre nos primeiros mezes de vida, permanece o organismo sob a ação parasitaria durante longos anos; agora, porém, atravessada a fase inicial, o protozoario torna-se um histo-parasito quasi exclusivo, não sendo mais verificavel, senão excecionalmente, no sangue circulante. Os adultos, deste modo, nas zonas onde a mo- lestia é endemica, constituem infeções croni- cas vindas das primeiras idades e neles, por isso mesmo, não podemos observar os tu- multuosos sinais das fórmas agudas.

Será sempre assim ou pode:emos admi-

tir a ocorrencia de reinfeções sucessivas, relacionadas com o alto indice endemico e principalmente com a condicae domiciliaria da tripanosomiase? A verdade dessa hipote- se indicaria a cura espontanea e tambem ausencia de imunidade na molestia. Ora, em primeiro lugar, temos verificado a continui- dade dos sintomas desde a fase aguda inici- al até periodos tardios em que a doenca se carateriza por sindromes cronicas difinitivas ; cura espontanea, ao contrario, nunca foi apreciada entre numerosos doentes, obser- vados durante alguns anos. Depois, a imu- nidade, pelo menos imunidade sanguinea relativa, vem demonstrada no desapareci- mento rapido de flajelados do sangue cir- culante nas fórmas agudas. Além disso, em autopsias de individuos, cujo inicio de mor- bidez poude ser referido, com muita segu- ranca, aos primeiros tempos de vida, verifi- cámos parasitos na intimidade dos tecidos, o que evidencia a longa permanencia da in- feção. Uma de nossas autopsias, sobretudo, é desse ponto muito elucidativa: um caso de diplejia cerebral, datando de 23 anos, faleceu vitimado por queimadura extensa de 20 gráu. Nesta doente os fenomenos para- liticos, que foram consecutivos a sintomas agudos e a ataques convulsivos, datavam dos 2 anos de idade. A autopsia, ao lado de processos histo-patolojicos cronicos dos centros nervosos, nestes e nos musculos re- velou a existencia de tripanosomos. Sem du- vida a infeção inicial teve lugar aqui aos 2 anos, quando ocorreram sinais agudos da molestia, permanecendo o protozoario, abri- gado nos tecidos, por mais de 23 anos. E como esta, tudo nos indica, será a maioria das infeções cronicas.

Os adultos, de zonas indenes, recem-che- gados nas rejiões contaminadas, poderiam sofrer ataque agudo da molestia e apresen- tar sintomatolojia comparavel á das crianças. Deverá ser assim; as observações, porém, nesse sentido, têm sido deficientes, principal- mente devido á dificuldade de surpreender ai as fases iniciaes da infeção, quando seria demonstravel a presença do parasito. No adul- to as infeções recentes não se apresentam

com a sintomatolojia alarmante observada nas crianças; traduzem-se, ás mais das vezes, em reações termicas, de pequena elevação, quasi sempre irregulares, com outros sinaes tambem pouco intensos, o que leva o doente a interpretar de modo favoravel a propria condição morbida, deste modo prejudicando seu esclarecimento.

E mesmo acreditamos que a fase aguda possa ocorrer despercebida nos adultos, ou não determinando sintomas subjetivos e obje- tivos apreciaveis, vindo revelar-se depois pelas alterações tardias mais graves; ou ape- nas ocasionando leves sensações de mau estár, reações termicas atenuadas atribuiveis a causas banais, furtando-se assim, na maioria dos casos, á observação clinica. Aliás possui- mos exemplos desse aspeto, principalmente em sirios, chegados havia mezes, nas zonas de nossos trabalhos. Entre eles observámos fórmas cronicas da tripanosomiase, expressan- do-se em alterações do ritmo cardiaco e em outros sinaes. Duma anamnese rigorosa co- lhemos apenas referencias a leves perturba- ções da saude, experimentadas nos primeiros tempos de permanencia nas zonas infestadas pela triatoma.

Uma outra observação de adulto com a fórma aguda da molestia, esta com a verifi- cação de flajelados no sangue periferico, tambem demonstra a menor intensidade dos elementos nestes casos. Realmente, as rea- ções termicas não foram tão elevadas quanto nas crianças e a febre teve aqui carater francamente intermitente, com periodos longos de apirexia. Tambem os parasitos foram sempre verificados em numero muito dimi- nuto, uma oportunidade tendo havido de observar tripanosomo, um unico, na periferia, o que foi confirmado pela inoculação de sangue em cobaias. À febre, neste doente, sempre com intermitencias e de reações pouco elevadas, perdurou por alguns mezes; os parasitos, porém, não foram mais encon- trados no sangue circulante.

Julgamos, das considerações emitidas e dos fatos observados, que os adultos são mais resistentes ao tripanosomo, dai resul- tando, as mais das vezes, a ausencia neles

de sinais reveladores da fase inicial da infe- ção. Verifica-se de novo aqui, como em outros processos da tripanosomiase, feição similar á da sifilis, cuja infecáo, sem duvida, poderá passar despercebida, vindo a re- velar-se posteriormente, ás vezes em epoca tardia, pelas lesões ja realizadas. E tambem nesta molestia, mesmo quando verificámos o sifiloma primitivo, as reações da primeira fase podem ser silenciosas, de intensidade minima, escapando muitas vezes a aprecia- ção do doente.

Assim, ou não apresenta a tripanosomi- ase fase aguda em individuos adultos, ou os sinais da infeção ai se mostram de tal modo atenuados que escapam ao diagnostico etio- lojico; e mesmo em crianças, especialmente naquelas com alguns anos de idade, a sinto- matolojia do periodo agudo mostra-se ás vezes de tal modo benigna que pode furtar- se á atenção da familia e passar inobservada do medico. Desse aspeto benigno temos alguns exemplos, nos quais foi possivel ex- perimentar a dificuldade do diagnostico, pela raridade de flajelados no sangue. Dai, talvez, a proporção diminuta das fórmas agudas, relativamente ao elevado indice endemico, em que predominam fórmas cronicas.

Sintomatolojia.

Baseado na diversidade de prognostico, distinguimos dois grupos de fatos nas fórmas agudas da tripanosomiase: num deies fi- guram os casos benignos, que ás mais das vezes escapam á morte, passando a infegáo ao estado cronico; no outro ficam incluidos os doentes com sinais de processos inflama- torios dos centros nervosos, sendo nestes de grande freugencia a terminação letal. Assim, subdividimos a forma aguda em benigna e erdve ou meningo-encefalica, Na sintomatolo- jia vamos encontrar elementos comuns, pelo que faremos descricáo conjunta.

Podemos admitir, no quadro sintomatico, sinais constantes e sinais de excecáo. Dos primeiros. observados na quasi totalidade dos doentes, constituiremos fundamento do diagnostico clinico; quanto aos outros, raro

verificados, representam ocorrencias patoje- nicas adicionais, que modificam a feição habitual dos casos agudos da tripanosomiase.

De pouca valia, ou de nenhuma, sao aqui os sinais colhidos na anamnese do pro- prio doente. Ás mais das vezes lidámos com criangas de baixa idade, que ainda náo falam, e quando maiores, de alguns anos, aos sinais subjetivos acusados falta qualquer precisáo, nenhum valor merecendo, de indecisos e quasi sempre inconsequentes.

Os projenitores referem, para todos os doentes, fatos similares como denunciado- res da molestia. A crianca tornou-se febril, abatida ou ajitada, faltou-lhe o apetite, ficou im- pertinente, nervosa, sempre chorando. A febre persistiu intensa, com temperaturas mais ou menos elevadas, durante alguns dias, quando notaram inchação, a principio mais acentua- da na face, depois propagada a todo corpo. Este ultimo sinal figura de modo quasi cons- tante na anamnese e constitue, por ser mais impressionante, a razáo principal que leva o doente ao medico. De regra, referem a in- chacáo como iniciada dias depois de come- cados os outros sinais: ás mais das vezes 10 ou 15 dias posteriores ao inicio da ele- vacáo termica é que a crianca se mostra infiltrada. A isso, mais ou menos, ficam redu- zidos os dados do interrogatorio. É bem pouco, como se vé, havendo de cara- teristico a inchação, pela sua constancia e precocidade.

Exame fisico.

A facies de um caso agudo da tripano- somiase é, quasi sempre, carateristica : feição vultuosa, tumida; infiltração subcutanea em todo o rosto, mostrando-se as palpebras empapucadas, os olhos semi-cerrados, os labios espessados e a lingua, algumas vezes, grossa e pastosa. Pela compressao das boche- chas notámos, de regra, um crepitar especi- al que denuncia a natureza mucoide da in- filtração. E tambem oprimindo os tecidos na testa, nas fontes, etc., reconhecemos a natureza dura e elastica do edema, que não guarda a impressão do dedo. Não se limita

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a face a infiltraçäo observada; é ela, ao con- trario, verificada em todo o corpo, formando paniculos em algumas rejides, evidenciando- se sobretudo nos membros inferiores. Ai, na rejiao pretibial, poderá ser facilmente dife- renciada do edema renal, pela sua natureza elastica.

Trata-se de infiltração mixedematosa, o que é bem evidenciado pela natureza fisica do edema e o que é confirmado pelo exame da urina, negativo relativamente á presença de albumina. Aliás, outros sinaes simultaneos, de patojenia similar, valem ainda para demons- trar a natureza mucoide da infiltração sub- cutanea. Assim é que observámos na grande maioria dos casos, para o lado da péle, des- camação epidermica, mais ou menos intensa, mostrando-se a cutis seca, rugosa, sujeita a processos inflamatorios e a infeções parasita- rias. Os cabelos sofrem quéda abundante, mostrando-se ao mesmo tempo secos e que- bradiços. Esta perda de cabelos, na fase agu- da da tripanosomiase, é, ás vezes, consideravel, rarefazendo, de modo apreciavel, os pelos no couro cabeludo dos pequenos doentes.

As pesquizas semioticas para o iado das viceras revelam: baço aumentado de volume, de modo constante, sendo quasi sempre apal- pavel sob o rebordo costal. Esta esplenome- galia, desse modo acentuada, leva muitas vezes á suspeita de infeção paludica, tornan- do-se necessario o exame do sangue para a diagnose diferencial.

O figado mostra-se tambem aumentado de volume na totalidade dos casos agudos. O aumento dessa vicera é não raro conside- ravel, excedendo a macicez hepatica de varios centimetros o rebordo costal direito, sobre a linha mamilar. E tambem, com frequencia a pressão do orgam provoca dor, especialmen- te em rejiões do lóbo esquerdo.

Nas pleiades ganglionares perifericas, acessiveis 4 observação, verifica-se engurjita- mento ganglionar não raro consideravel. Deste modo no pescoço, nas axilas, nas rejiões in- guinais, e crurais, os ganglios limfaticos se mostram abundantes ou volumosos. No pescoço, ao lado de ganglios volumosos, outros existem miliares, quasi sempre em

grande numero. Os ganglios, especialmente os mais volumosos, são ás vezes dolorosos.

Esta hipertrofia ganglionar, não obstan- te constituir anomalia frequentissima na in- fancia, atribuivel a fatores varios, assume aqui proporções excepcionaes e serve como sinal da tripanosomiase aguda. Aliás, as ne- cropsias dessa fórma da molestia têm demons- trado o ataque generalizado ao sistema lim- fatico, verificando-se nos cadaveres o engurji- tamento dos ganglios nas pleiades perifericas e em todas as centrais, como no mesenterio e no mediastino.

A glandula tireoide nem sempre exterio- risa, por aumento de volume, sua participa- ção no quadro morbido. Em muitos casos clinicos não verificamos aumento daquela glandula,o que de nenhum modo exclue processos patojenicos nela ocorrentes e que se traduzem pela infiltração mixedematosa. Em outros doentes, ao contrario, maximé quando o início da infeção é relativamente remoto, a tireoide mostra-se de volume acentuadamente aumentado. Não raro, mesmo sem hipertrofia apreciavel, a apalpa- ção da glandula provoca dôr, o que denun- cia processos conjestivos nela ocorridos.

As pesquizas para o lado do aparelho circulatorio demonstram, desde as fases ini- ciais da molestia, consideravel queda da tensão arterial. O pulso é frequente, pequeno, filiforme nos casos mais graves, nenhuma relação existindo, ás mais das vezes, entre o numero de batimentos arteriais e a reação termica. Esta hipotensão indica o ataque precoce do protozoario ao miocardio; per- cutindo, porém, a area de macicez cardiaca, não encontrámos, de regra, neste periodo, apreciavel aumento de volume do orgam. Em alguns casos, não frequentes, observam- se sinais de pericardite. Esta pode ser acom- panhada de derrame na serosa, em quan- tidade apreciavel pelas pesquizas fisicas; mais vezes, porém, O liquido do pericardio é muito diminuto, verificavel pela necrop- sia.

O aparelho dijestivo mostra frequentes alterações nesta fase iniciai da molestia. A diarréa é muitas vezes observada, quasi

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sempre abundante, exijindo medicação sin- tomatica afim de evitar maiores consequencias de sua acáo expoliativa. Em alguns casos a intolerancia gastrica, revelando-se em vomi- tos alimentares, é observada desde o inicio; os vomitos, porém mostram-se constantes, incoerciveis, especialmente nas fórmas cli- nicas em que é atinjido o sistema nervoso central.

O aparelho respiratorio não constitue séde de processos patojenicos dignos de nota, sendo observados, ás vezes, bronquites secundarias, como sóe acontecer em infe- ções agudas mais ou menos prolongadas. Quanto á função respiratoria, esta se ressente do ataque ao musculo cardiaco, havendo, nos casos graves, dispnéa acentuada, conti- nua ou intermitente e cuja intensidade depen- de das condições de maior ou de menor decadencia do miocardio.

Vejamos, agora, quais as modalidades da febre na tripanosomiase aguda.

De modo constante todos os doentes, em cujo sangue periferico verificamos, pelo exame a fresco, presença de flajelados, mostram reação febril mais ou menos acen- tuada. Deste modo os casos agudos da mo- lestia são sempre febricitantes, variando com a intensidade da infeção os aspetos da reação termica. Nos casos mais graves as temperaturas mostram-se elevadas, atinjindo 40° desde os primeiros dias, e, a reação termica é continua, não havendo periodo de apirexia. Mais benigna a infeção, obser- varemos fases de apirexia, ás vezes prolon- gada, apresentando-se a febre, não raro, de carater intermitente irregular. É frequente, nessa condição, haver quedas acentuadas de temperatura pela manhã e elevações termi- cas vespertinas. E tambem alguns doentes desse grupo, sempre com flajelados no sangue circulante, costumam permanecer apireticos durante dias sucessivos, voltando depois a febre. Nos casos de média intensidade, os doentes apresentam reação termica con- tinua; as temperaturas, porém, nunca se mostram demasiado elevadas, permanecendo a curva termica, ás mais das vezes, entre

370 e 38,50, com pequenas remissões pela manha.

Resulta evidente, do que ai referimos, não haver uniformidade e nem carateristicas nos aspetos da curva termica na tripanoso- miase aguda. As reações termicas, quasi sempre continuas, podem ás vezes apresen- tar intermitencias; estas, porém, são irregu- lares e variaveis, não oferecendo aspetos com- paraveis nos diversos doentes. De constante podemos reconhecer a relação entre o numero de flajelados no sangue e a eleva- cão de temperatura: as temperaturas mais altas verificam-se nos doentes com infeções mais intensas. E tambem, de regra, maior gravidade é a dos casos clinicos em que a curva termica atinje gráu mais elevado.

Corforme dissemos anteriormente, as reações termicas permanecem emquanto são verificados parasitos na periferia; casos de infeção leve, porém, estudámos em que os flajelados não foram vistos no sangue, apesar de prolongar-se durante 2 ou 3 mezes a condição sub-febril, com temperaturas entre 370 e 380. Em tais doentes, ás mais das vezes, a inoculação de sangue em cobaias reproduz o protozoario.

A incidencia, nada rara, de procesos pa- tojenicos nos centros nervosos expressa-se pelos sinais habituais da meningo-encefalite. Entretanto, nos casos até agora estudados, não temos verificado em seu conjunto, sinão parcialmente, os elementos da sindrome meninjitica, o que atribuimcs á brevidade evolutiva do processo. De fato, uma vez evi- denciados os sinais de flegmasia dos centros nervosos, é bem curto o prazo de sobre- vida, morrendo os doentes, ás mais das vezes, em nossa observação, 2 ou 3 dias depois de reconhecido o ataque ao sistema nervoso.

Na sindrome meningo-encefalica predo- minam aqui as convulsões, quasi sempre generalisadas, em crises frequentes ou espa- cadas, mais raramente convulsões parciais. Em doentes, cuja molestia parece evolver sem localizações nos centros nervosos surjem, num dado momento, convulsões generalizadas, lembrando crises de epilepsia e denunciando

RENE |; pat

processos flegmasicos das meninjes e do cerebro, Aparecem nestes casos, algumas vezes, Os vomitos carateristicos, sem esforços, nauseosos, faceis, continuos ou espaçados.

A crianca, ás mais das vezes, ajita a extremidade cefalica de modo continuo, para um e outro lado, deste modo denunciando talvez a cefaléa, sintoma objetivo que, como muitos outros, não pode ser reconhecido com segurança devido á baixa idade dos doentes. Além disso, o sofrimento é tradu- zido, quasi sempre, em pequenos gritos es- tridentes e num fraco gemido constante, expressivos de processos para o lado das meninjes e do cerebro.

Contraturas e tambem paralisias nem sempre chegam a ocorrer nos casos de evo- lução rapida, quando os doentes morrem pouco depois que aparecem as primeiras convulsões. Nos casos mais prolongados, as contraturas se revelam pelos sinais habituais localizados em diversos grupos musculares. E tambem paralisias, nos ultimos estádios da molestia, foram verificadas.

Para o lado dos olhos as contraturas se manifestam em movimentos anomalos dos globos oculares e, não raro, em estrabismo. Strabismo acentuado, verificamos uma vez, na doente que faz objeto da observação 23, cuja -afeção meningo-encefalica prolongou- se durante alguns dias, facultando por isso mesmo o aparecimento deste e de outros elementos da sindrome. Mais apreciavel era, neste caso, a contratura dos musculos da nuca, bem revelada pelos meios habituais de pesquiza. Nos membros inferiores a con- tratura era denunciada pelo sinal de Kernig, unico doente em que este sinal foi bem veri- ficado. Si bem que um tanto deficientes em sua expressão sintomatica, pela ausencia de alguns elementos e pela dificil apreciação de outros, a sindrome de meningo-encefa- lite é reconhecivel pelos dados semíoticos, na tripanosomiase aguda. Mais decisivos, porém, têm sido os resultados das necro- psias, evidenciando processos inflamatori- os intensos nas meninjes e na substancia nervosa e fundamentando a patojenia dos fenomenos observados, em localizações para-

sitarias muitas vezes verificadas.

Consideramos sinais de exceção, na sin- tomatolojia dos casos agudos, aqueles obser- vados em alguns ou em raros doentes e se- guramente referiveis 4 ação do Trypanosoma Cruzi. Figuram nesse grupo de sinais:

Para o lado do aparelho ocular temos verificado, em alguns doentes, queratite aguda, uni ou bilateral. Alguns dias decorri- dos após o inicio da febre, os doentes apre- sentam inflamação dos olhos, grande fotofo- bia, caraterizando-se finalmente a queratite. Aliás nas fórmas cronicas, denunciadoras desses processos oculares dos casus agudos, encontram-se frequentemente cicatrizes es- branquiçadas na cornea. Nas zonas de tripa- nosomiase endemica são em elevado numero os individuos com manchas brancas na cornea, o que indica, em qualquer fase da molestia, a ocurrencia de processos inllama- torios oculares.

Consequencia desse ataque aos olhos, não são raros os casos, ainda no periodo agudo, de panoftalmias secundarias, com su- puração e perda total do globo ocular. Vimos uma criança em que esse fato ocorreu e ti- vemos oportunidade de observar 2 ou 3 casos cronicos de tripanosomiase, em que a perda de um dos olhos não poderia ser re- ferida senão áquele processo.

Processos cutaneos muito carateristicos figuram na sintomatolojia das infeções agu- das. Tivemos oportunidade de constatar, em 3 observações, placas de necrose da pele con- secutivamente á formação de vesícula e ao processo inflamatorio intenso dos tecidos circumvizinhos. A necrose atinjia pequenas rejiões de fórma mais ou menos circular, mostrando-se ai a pele negra, evidentemente gangrenada. Os tecidos necrosados destaca- ram-se depois, dando como resultante peque- nas ulceras redondas.

Nos doentes, em que esse processo foi observado, a necrose limitava-se a 2 ou 3 rejiões do revestimento cutaneo; fomos, porém, informados de que, num dos casos, novas placas de necrose vieram a aparecer em zonas diversas.

Este processo cutaneo é bastante carate-

pl So ad o VS

tistico e sui generis, seguramente interpreta- vel como resultante da ação do tripanosoma.

Outra modalidade de sindrome cutanea verificada em um caso de infecáo aguda e num outro de infeção relativamente recente, apresentava-se sob o aspeto de pequenas manchas negras, circulares ou irregulares, di- fundidas em todas as rejióes de corpo. mais confluentes no rosto, nos membros e no tronco. Entre as manchas existiam pequenas vesículas cheias de serosidade, apresentando- se o conjunto do processo como um eritema exsudativo generalizado, intercalado de manchas negras esparsas. Nos dois doentes, em que verificámos este aspeto de afeção cutanea, nenhum fator etiolojico foi descoberto que a fundamentasse; além disso, no caso agudo, em que o processo cutaneo era mais intenso, foi ele se atenuando á medida que os outros elementos da infeção decreciam, com eles desaparecendo afinal.

O testiculo constitue séde de localização do protozoario, nas formas agudas e croni- cas da tripanosomiase; por isso mesmo, no

quadro sintomatico das infeções agudas figura algumas vezes a orquite, mais ou menos intensa, acompanhada quasi sempre

de epididimite. Numa observação que fize- mos de fórma aguda em adulto, houve, ás primeiras fases da molestia, a ocurrencia de orcho-epididimite, a qual perdurou por mais de dois mezes, de intensidade media. Em crianças nunca foi oportuna observação iden- tica, sendo de acreditar que o processo infla- matorio dos testiculos, pelo menos em gráu de exteriorização apreciavel, constitua sinal raro na molestia, verificavel em individu- os adultos.

Outro sinal que nos foi revelado por infeção aguda em adulto, éo que se expres- sa em acentuada disfajia, para os alimentos solidos e tambem para os liquidos. A injes- tão de substancias solidas exije, para se completar, o auxilio de agua, referindo os doentes que O alimento fica retido no esofa- go, trazendo sensações penosissimas. Mesmo a injestão de substancias líquidas, e, da pro-

pria agua, pode apresentar dificuldade, nao

raro invenciveis, necessitando o artificio de deglutições cuidadosas e de pequenas parce- las do liquido.

Este sinal, de patojenia ainda mal escla- recida, relaciona-se talvez com a condição de disfajia conhecida pelo nome de mal de engasgo, endemia extensa em rejiões do in- terior do Brazil e, segundo nossas obser- vações, verificada principalmente naquelas zonas, onde é encontrada a tripanosomiase. Será o mal de engasgo um elemento mais da tripanosomiase brazileira e essa disfajia das fórmas agudas traduzirá a fase inicial da sindrome? Observámos, no correr de nossos estudos em Lassance, numero bem elevado de doentes com mal de engasgo, havendo, em todos eles, outros sinais simul- taneos da tripanosomiase. Apesar disso, tornam-se precisas novas pesquizas que auto- rizem, de modo irrecusavei, incluir o mal de engasgo na sintomatolojia multiforme da in- feção pelo Trypanosoma Cruzi.

Possuímos, de pesquizas realizadas pelo Dr. LEOCADIO CHAVES, alguns dados interessantes e definitivos sobre o mal de engasgo. Em doentes que apresentavam a sindrome muito acentuada, o Dr. L. CHAVES verificou, pela radiogratia, a existencia de consideravel ectasia do esofago, situada logo acima do cardia. Poude ainda constatar a ocurrencia de fenomenos spasmodicos do cardia, ficando deste modo explicada a dis- fajia respetiva, no caso que foi objeto de pesquizas. Devemos salientar que os doentes referem a diversas alturas do esofago o ponto em que as substancias injeridas ficam retidas, parecendo que o spasmo não se ve- rifica sempre no cardia, podendo ocorrer acima dele, em qualquer rejião. Quanto á patojenia exata do fenomeno, não podemos adiantar, por emquanto, interpretação digna de fé.

Entre os aspetos de exceção, com que se apresenta a tripanosomiase aguda deve- mos referir ainda a caquexia dos casos de infeção aguda prolongada. Verificada a infil- tração mixedematosa das fases iniciais, si os tripanosomas permanecem no sangue circu- lante e si os elementos agudos não sofrem

—— 44 =

atenuaçäo apreciavel, a crianga vai experi- mentando decadencia nutritiva progressiva, chegando ás vezes, a emagrecimento consi- deravel, que contrasta coma inchação e com o estado tumido anterior. Nesse aspeto a tripanosomiase aguda é confundivel com o luetismo hereditario e com outras condições patolojicas conducentes á atrepsia. E, dada a precedencia da infiltração mixedematosa, com a permanencia, nesta fase, de alguns sinais de hipo-tireoidismo, poderiamos com- parar este estadio da infeçäo com o mixedema magro, consecutivo ao mixedema gordo ante- rior. Exemplifica esta evoluçäo das férmas agudas, a doente da observação 234 fotogra- fia no 9, de uma infecáo prolongada, onde o estado atrepsico atual é dos mais acentuados sem a interferencia de qualquer outro fator além da tripanosomiase.

Referida, em seus tracos essenciaes, a sintomatolojia das fórmas agudas da tripano- somiase brazileira, poderemos, em capitulos que váo seguir, estudar as modalidades cro- nicas multiformes da doenca.

Facamos, ainda aqui, exposicáo resumi- da das principaes lesões anatomicas verifica- das em diversas autopsias de casos agudos, deixando o complemento necessario deste assunto para trabalhos posteriores.

Alterações anatomo—patolojicas encon-

tradas em autopsias da forma aguda da

tripanosomiase americana. Localisacóes parasitarias.

Lezôes macroscopicas:

Tecido celular sub-cutaneo: A infiltração mixedematosa denuncia-se em todas as au- topsias dos casos agudos pela verificação de substancia mucoide, generalizada a todas as rejiões. No tecido sub-cutaneo observa-se substancia gelatinosa. Nos casos em que a infiltração do tecido celular sub-cutaneo é mais acentnada, a pele incisada deixa escapar grande quantidade de liquido; lembra isso o que se observa nas necropsias dos casos de grandes edemas renaes.

Pleiades ganglionares perifericas: Mais ou menos conjestionadas, as pleiades ganglio-

naes perifericas mostram os ganglios aumen- tados de volume. No pescoço observam-se, aa lado de ganglios volumosos, outros pe- quenos, miliares, dispostos em cordões ou es- parsos em todas as rejiões.

Glandula tireoide: A tireoide, nas auto- psias até agora praticadas, mostrou-se sempre aumentada de volume e conjestionada. O au- mento de volume é uniforme, atinjindo igual- mente os lobos lateraes e o istmo do orgão. A’s vezes, quando nenhuma alteração da glandula se exterioriza em vida, a necropsia demonstra hipertrofia dos lobos lateraes, cujo aumento é acentuado principalmente para a face posterior da traquéa.

Musculos do esqueleto: Ao exame gros- seiro, nada revelam de anormal.

Cavidade toracica: Ganglios do medias- tino hipertrofiados e conjestionados. A cavida- de pleural mostra, de modo inconstante, pe- quena quantidade de liquido amarelo-citrino. Pulmões inteiramente livres, nada oferecendo de anormal ao exame macroscopico. A cavi- dade do pericardio contem constantemente li- quido, que é amarelo-citrino, nunca hemorra- jico, revelando-se ás reações especiaes como exsudato. A quantidade desse liquido é quasi sempre pequena, atinjindo apenas algumas gramas; em alguns doentes, porém, a quan- tidade de liquido era mais consideravel, achan- do-se a serosa distendida. Mostra o coração au- mento de volume pouco consideravel, sendo de consistencia mole, achatando-se sobre a superficie. Gordura sub-epicardial bem con- servada, traduzindo-se por grandes depositos de gordura nos sulcos perifericos. Muscula- tura dos ventrículos flacida, de coloração aver- melhada. Ao exame grosseiro não se pode afir- mar a existencia da dejeneração gordurosa; aquela que se apresenta sob a forma de pe- quenas manchas amarelas (aspeto de pele de tigre) existentes na musculatura, não foi en- contrada. Endocardio liso em toda a extensão.

Valvulas pulmonar e aortica livres, sem depositos nem espesamentos. Tunica interna liza, brilhante, sem manchas. Valvulas mitral e tricuspide bem moveis.

Apresenta o coração, assim, sinais de in- tensa miocardite. Pericardite foi vista em alguns casos.

Cavidade abdominal: Contem, de modo constante, alguns cm. c. de liquido amarelo- citrino; em certos casos, a quantidade de li- quido é mais consideravel.

Baco aumentado de volume, conjestiona- do.

Figado aumentado de volume, palido, amarelo cor de camurça, de consistencia bas- tante diminuída, observando-se ao corte, o aspeto classico do figado com dejeneração gordurosa. A esteatose, bastante intensa, atinje todo o tecido hepatico. O aspeto da viscera aqui lembra muito aquele constatado na febre amarela.

Rins: conjestionados, sem lesão macros- copica apreciavel.

Capsulas supra-renais: em algumas au- topsias foram verificadas com grande conjes- tão, parecendo ainda haver grande redução da zona medular.

Pancreas: sem lesão apreciavel.

Numerosos ganglios do mesenterio au- mentados de volume e conjestionados.

Intestino: conjestão da mucosa intestinal, e ás vezes descamação epitelial mais ou menos acentuada.

Nada de apreciavel para o lado do aparelho genital, nos cadaveres do sexo feminino. Nos do sexo masculino foi observado, em ambas as vajinaes, derramamento seroso, não havendo lesões macroscopicas apreciaveis dos testículos.

Cavidade craneana (casos de meningo-ence- jalite) : aderencia da dura-mater 4 caixa ossea intensa conjestão das meninjes internas pa- quimeninjite serosa bem acentuada pontua- do hemorrajico da massa cerebral. Conjestão meningo-encefalica bem evidente e espessa- mento apreciavel da aracnoide e da pia mater.

Medula : conjestão das meninjes e, em alguns casos, da substancia medular.

Nervos perifericos: ausencia de macroscopicas nos cordões nervosos ricos,

lesões perife-

Exame microscopico:

O estudo feito em cortes histolojicos, dos diferentes orgãos colhidos nas autopsias dos casos agudos, mostrou em muitos deles,

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a presença do Trypanosoma Cruzi com a mor- folojia de corpusculos leishmaniformes reuni- dos em grandes aglomerados.

No miocardio, a abundancia desses aglo- merados é particularmente notavel; em quasi todos os campos microscopicos dos cortes de coração, são encontradas fibras parasitadas.

No sistema nervoso central foram vistos fócos parasitarios e outros de infiltração leu- cocitaria tanto no cerebro, como no cerebe- lo, nos nucleos centraes, na protuberancia, nos pedunculos, e bem assim no bulbo e na medula.

Musculos do esqueleto de diferentes rejióes mostraram abundancia de parasitas.

Tambem aglomerados de parasitas foram vistos na fibra muscular lisa, em diversos orgáos. Em uma autopsia de crianca, o utero mostrou fócos parasitarios nas fibras lisas.

Tireoide : fócos parasitarios situados no epitelio vesicular e fócos de infiltração leu- cocitaria esparsos.

Testiculos : localizações vezes abundantes.

parasitarias ás

Ovarios : fócos parasitarios nos foliculos.

Capsulas supra-renais : localizações para- sitarias na substancia cortical.

São estas as principais localizações do parasita até agora verificadas.

É possivei que outros orgáos, nos quais temos observado processos histo-patolojicos intensos, constituam séde do parasita apenas durante curto periodo, rareando mais tarde as fórmas parasitarias de modo a se tornar dificil sua constatação. E, realmente, é de sur- preender que no figado e no baço, por exem- plo, orgãos intensamente lesados, os parasi- tas não tenham sido verificados, parecendo que aí, na patojenia dessas alterações, tenham importancia preponderante, toxinas do tripa- nosoma.

Observaçôes clinicas de casos agudos da tripanosomiase brazileira

OBSERVACAO 1.

Berenice, 2 anos de idade, residente em Santa Rita, distante 3 leguas de Lassanee, em casa infestada pela Triatoma megista.

Ea MO

Foi o primeiro caso verificado da tripa- nosomiase humana. Veiu á consulta em abril de 1909, apresentando reacáo termica elevada e monstrando-se infiltrada. Referem Os projenitores que a febre teve inicio ha 8 dias. Desde 2 dias que a doente comecou a inchar de modo sensivel, o que despertou a atencáo da familia.

Exame: Facies bouffi, com as palpebras tumefatas, infiltração sub-cutanea no rosto. Glanglios engurjitados em diversas pleiades perifericas. Baco e figado crecidos. Sensação de crepitar pela opressão das bochechas. Temperatura axilar 3904, Trypanosoma Cruzi no sangue periferico. Numero regular, de flajelados. Ausencia de albumina na urina.

Evolução: A doente retirou-se para o do- micilio. Observada 8 dias depois, mostrava ainda parasitas no sangue e permanecia in- filtrada. Informações posteriores referiram a evolução benigna dos elementos agudos, passando a molestia ao estado cronico.

OBSERVAÇÃO 2.

ALBERTA, 4 mezes e 9 dias de idade, parda, residente a 2 quilometros de Lassan- ce, em cafúa onde abundam triatomas, na sua grande maioria, infetadas.

Projenitores com bocio e apresentando tambem sinaes cardiacos da tripanosomiase. Um unico irmão, SEBASTIÃO, com a fórma nervosa da molestia, tendo falecido um mez depois da doente desta observação, revelando os estudos histo-patolojicos, parasitas nos te- cidos. Antes da molestia atual, era a criança sadia, nunca havendo sofrido qualquer altera- ção patolojica.

Febre ha 15 dias. Desde 6 dias os paes notam que a doente começou a inchar, pelo que foi ela trazida á consulta.

Exame; Aspeto tumido generalizado, apre- sentando a creança infiltração per todo corpo, mais acentuada na face. Palpebras empapu- cadas e semi-cerradas. Labios espessos. Lingua grossa e pastosa. A compressão das bochechas deixa apreciar um crepitar carate- ristico de infiltração mucoide. A pressão do dedo, em qualquer rejião infiltrada, não deixa sinal, deste modo revelando a natureza dura,

mixedematosa, da infiltração sub-cutanea. Queda abundante dos cabelos. Baço crecido, excedendo um pouco o rebordo costal esquer- do. Figado aumentado de volume, excedendo tanibem o rebordo costal direito, na linha mamilar, de 4 centimetros. Temperatura axi- lar, no momento do exame, 3804.

Trypanosoma Cruzi no sangue periferico. Tripanosomas em grande numero na circula- ção.

Evolução: Esta doente foi acompanhada, com observações diarias, durante 4 dias. A temperatura pela manhã foi sempre de 330 ou 38º e tanto, permanecendo continuada- mente esta reação termica. O numero de tri- panosomas na periferia foi sempre em au- mento progressivo, até o dia da morte. A 7-V1-910, quatro dias depois do nosso exame, a criança faleceu. Segundo referencia dos projenitores, a morte foi precedida, na noite anterior, de convulsões repetidas e de vomi- tos.

Desta doente praticámos a autopsia, sendo a primeira da molestia.

Segue-se o protocolo da necropsia resu- mido:

Sub-itericia das conjuntivas e de algumas zonas da pele, infiltração sub-cutanea genera- lizada (mixedematosa). Liquido citrino, abun- dante, na cavidade peritoneal. Figado muito aumentado, excedendo de 4 centímetros o rebor- do costal na linha mamilar, Dejeneração gor- durosa em massa do figado, apresentando-se o orgão com a coloração amarela carateristica e revelando-se a gordura pela reação corante. Comparavel o figado, na intensidade da deje- neração, ao da febre amarela: vesicula biliar cheia de bile. Bago muito aumentado, exceden- do o rebordo costal, de coloração vermelho-es- cura. Ganglios mesentericos numerosos e aumen- tados de volume, alguns de modo bem apre- ciavel. Grande derramamento no pericardio, liquido de côr citrina identica á do derramamento peritoneal. Pericardio conjestionado. Coração sensivelmente aumentado de volume. Glandula tireoide aumentada de volume e muito conjes- tionada.

Timus de graudes dimensões, prolongan- do-se para baixo até o 20 terço do esterno.

Mucosa do estomago e do intestiuo conjestio- nada. Ganglios engurjitados no mediastino, nas axilas e no pescoco, aleuns deles bem vo- lumosos. Meninjes cerebrais conjestionadas leptomeninjite serosa intensa.—Cortex cerebral muito conjestionada, apresentando aos cortes, em algumas zonas, pontilhado hemorrajico.

O estudo histolojico do material desta doente foi o ponto de partida de todas as verificações posteriores relativas ás localiza- ções do protozoario nos tecidos.

O coração mostrou-se, ao exame, com notavel quantidade de parasitas. O mesmo aconteceu com os musculos de todas as re- jides—No cerebro foram verificadas localiza- ções parasitarias, em diversas zonas da subs- tancia nervosa.

OBSERVAÇÃO 3.

Menino GERALDO, com 2 mezes e meio de idade, residente em Lassance, no povoado, em cafúa infestada pela triatoma.

Notou a projenitora que a febre teve início quando a criança contava apenas 9 dias de idade. Depois disso as reações termicas têm sido de pequena intensidade, Projenitora com hipertrofia da glandula tireoide, não referindo antecedentes de /uetismo.

Exame: Infiltração sub-cutanea pequena, melhor apreciavel em algumas rejiões, espe- cialmente na face. Baco e figado erecidos. Na pele, uma erupção generalizada, de aspeto curioso, constituida de pequenas vesi- culas com serosidade e, entre elas, regular- mente espaçadas, manchas escuras, formadas de tecido resistente, que faz pequena salien- cia.

Não ha sinaes de heredo-luetismo. Tem- peratura, no momento do exame 3706.

Trypanosoma Cruzi no sangue periferi- co. Pequeno numero de flajelados.

Evolução: acompanhamos este doente durante 15 a 20 dias. Conservou-se ele sempre sub-febril, nunca elevando-se a temperatura além de 3706, havendo dias de apirexia. A afeção cutanea não variou de aspeto durante o tempo de nossa observação e os tripano- somas do sangue periferico foram obser- vados em numero muito diminuto. Perdemos

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o doente de observacáo e nao sabemos como evoluiu posteriormente a molestia.

OBSERVACÁO 4.

MARIA, de 13 mezes de idade, residen- te em Jaboticabas, 3 leguas distante de Las- sance. Ausencia de molestia febril anterior. Projenitores relativamente sadios, apresentan- do ambos hipertrofia pequena da glandula tireoide. Residencia infestada pela 7riatoma megista—Quando veiu a consulta, fazia 5 dias que adoecera.

Exame: Aspeto de infiltraçäo atenuada, apreciavel sobretudo na face. Edema duro dos membros inferiores, nao deixando a im- pressao do dedo que oprime.

Baco crecido, apalpavel sob o rebordo costal. Figado com aumento de volume apre- ciavel. Ganglios engurjitados em diversas pleiades perifericas, sobretudo no pescoço e nas axilas—A tireoide parece mostrar peque- no aumento de volume, 0 que nao podemos afirmar com segurança. Trypanosoma Cruzi no sangue periferico.

Evolução: seguimos esta doente desde o dia 14-V-910 até 22-V-910. A temperatura apresentou a seguinte curva:

Dia 14 m. 400 t. 390 8 « 15 m. 3903 t. 370 8 « 16 m. 3706 t. 390 «fli m. 380 t. 390 « 18 m. 380 6 t. 3807 « 19 m. 370 TEIA, « 20 m. 370 TRIO « 21 m. 370 t. 370 «129 m. 370 t. 370

O numero de parasitas foi diminuindo da circulação periferica, até observação final A 22, quando dificilmente era observado um flagelado pelo exame a fresco. Os outros sinaes morbidos foram tambem se atenuan- do, retirando-se a doentinha do hospital api- retica e com a infiltração muito diminuida. Dois anos depois tivemos ensejo de rever esta doente. Notamos a tireoide sensi- velmente aumentada de volume, o baço ainda crecido e tambem o figado. Não encontrámos, nessa epoca, alterações do ritmo cardiaco. Trata-se, nesta observação, de uma fórma

a

aguda, com reacóes termicas pouco elevadas e ausencia de ataque ao sistema nervoso central.

OBSERVAÇÃO 5.

Estampa 6 fot. n. 1.

Menina JERSINA, de 1 ano e 6 mezes de idade, residente proximo de Lassence, em Santa Rita. Casa infestada pela Triatoma megista. Projenitores com hipertrofia da ti- reoide e com alterações do ritmo cardiaco. Nunca adoeceu até a presente molestia. Ha um mez comecou a ter febre elevada, apre- sentando tambem fenomenos inflamatorios para O lado dos olhos. Desde 15 dias, segun- do referem os pais, a doente mostra-se ¿n- chada, contrastando este estado com a ma- greza anterior. A inchação tem-se agravado progressivamente e a temperatura mantem-se sempre elevada.

Exame: Infiltração generalizada das mais acentuadas que temos observado.

Facies bouffi, com palpebras empapuça- das, labios grossos, fenda intra-labial semi- aberta, lingua grossa e pastosa. Edema duro, não conservando a impressão do dedo e crepitando pela compressão de algumas re- jiões, especialmente das bochechas. Trata-se de mixedema generalizado, mais acentuado na face, porém bem apreciavel em todas as rejiões. Parece haver aumento de volume da glandula tireoide. Numerosos ganglios em sua maioria miliares, no pescoço, ganglios volumosos nas axilas e nas rejiões inguino- crurais. Hepato-megalia consideravel, medin- do c figado 11 centimetros sobre a linha mamilar direita e excedendo de 6 centime- tros o rebordo costal— Baço tambem crecido, apalpavel sob o rebordo costal esquerdo. Ausencia de fenomenos para O lado do siste- ma nervoso—Diarrea não sanguinolenta, desde o inicio da molestia, tendo sido nega- tivo o exame das fezes, relativamenta a para- sitas intestinais.

Temperatura no momento do exame 400. Trypanosoma Cruzi no sangue periferico. Numero regular de tripanosomas, sendo observados flajelados, um ou 2 em todos os

campos do microscopio, pela pesquiza a fresco.

Evolução: Não foi possivel acompanhar de perto a marcha da molestia, visto ter se retirado a doente para domicilio. Dez dias depois do primeiro exame, voltou a criança ao consultorio, conservando integrais os sin- tomas referidos, inclusive o mixedema gene- ralizado. Ao exame do sangue verificámos ainda flajelados na periferia, em numero menor do que nas pesquizas anteriores In- formações posteriores noticiaram a melho- ra da doente, isto é, a passajem da moles- tia ao estado cronico.

Esta doente foi novamente observada 3 anos mais tarde (Estampa 6 fot. No 2). Nessa epoca estava apiretica e não mostrava parasitas no sangue periferico. O mixedema no gráu de intensidade anterior, havia desa- parecido, restando apenas leve infiltração da face. A tireoide mostrava-se aumentada de volume, sem hipertrofia consideravel. O baço ainda estava crecido e assim o figado.

Especialmente notámos um desenvolvi- mento fisico retardado e uma condição or- ganica geral inferior. Não havia ainda alte- rações apreciaveis do ritmo cardiaco.

Nesta observação trata-se ainda duma fórma aguda comum, de evolução benigna. Ha de mais notavel, aí, a intensidade do mi- xedema, bem revelada na fotografia, e sua atenuação posterior, ausente qualquer inter- venção opoterapica. Devemos tambem salien- tar o retardamento do desenvolvimento fisico. Nenhum sinal observamos, nessa fase da molestia, para o lado do sistema nervoso.

OBSERVAÇÃO 6. Estampa 6 fot. n. 3.

Menina RITA, de 3 mezes de idade, re- sidente proximo de Lassance, em cafúa de triatomas muito infetadas. Projenitores com bocio, e apresentando alterações do ritmo cardiaco. Seis irmãos, todos de aspeto doen- tio, de desenvolvimento retardado,sendo possivel em alguns apreciar aumento de vo- lume evidente da tireoide.

Início da reação termica ha 10 dias. Gritos estridentes, com ajitaçäo apreciavel,

O qa

notando-se sobretudo movimentos repetidos da extromidade cefalica.

Infiltração mixedematosa muito acentua- da na face e em outras rejiões. Edema duro (mixedema) não deixando a impressão do dedo. Figado e baço muito crecidos. Queratite de um dosolhos. Tripanosoma Cruzi no sangue periferico. Parasitas em grande numero, havendo campos do microscopio, ao exame a fresco, em que eram notados 3 e 4 flaje- lados.

Evolução: não tivemos nova oportunida- de de observar esta doente, que faleceu 3 dias depois da primeira consulta, em domi- cilio, não tendo sido possivel colher infor- mações de valor, relativas ás condições em que se deu o obito.

Pela abundancia de parasitas na periferia podiamos ajuizar mal do prognostico deste caso agudo. Havia tambem aí, indicando talvez fenomenos para o lado das meninjes, a grande ajitação e gritos estridentes que chamaram nossa atenção.

Como fato de importancia, devemos ainda salientar a queratite, pela primeira vez verificada neste caso agudo da tripanoso- miase.

OBSERVAÇÃO 7.

HERCULANO, de 1 ano e 8 mezes de idade, branco residente em Santa Rita, pro- ximo de Lassance. Pais com hipertrofia apenas apreciavel da glandula tireoide.

Saude anterior referida como bôa. Grande elevação termica desde 16 dias.

Aspeto infiltrado bem apreciavel. Mixe- dema generalizado, não deixando a impressão do dedo e crepitando em algumas rejiões. Numerosos ganglios no pescoço, nas axilas e nas rejiões inguino-cruraes. Tireoide com aumento de volume evidente. Baço muito crecido, excedendo o rebordo costal e fazen- do suspeitar do impaludismo. Figado com aumento tambem muito consideravel, exce- dendo de 4 centimetros o rebordo costal sobre a linha mamilar direita. Trypanosoma Cruzi no sangue periferico. Parasitas em nu- mero regular na circulação. Exame negativo

relativamente ao impaludismo. Ausencia de albuminuria.

Evolução: não vimos mais o doente, sa- bendo posteriormente que Os sinaes da infe- cáo aguda desapareceram. Foi esse um caso de infecáo benigna, sem qualquer sinal para o lado do sistema nervoso central.

OBSERVACAO 8.

DEOLINDO-3 mezes de idade, preto, residente a 2 quilometros de Lassance, em cafia de triatomas na grande maioria infetadas. Mãe com bocio e fórma cardiaca da tripanosomiase. Tem 3 irmãos, todos com hipertrofia da glandula tireoide, apresentando um deles, adulto, alterações do ritmo.

Doente desde 8 dias, com elevação ter- mica consideravel.

Exame: infiltração mixedematosa gene- ralizada, acusando a mãe o fato, que se traduz na inchação do doente. O edema é duro, não deixa a impressão do dedo, crepita á pressão das bochechas, tudo indicando a natureza mucoide da infiltração sub-cutanea. Ganglios miliares numerosos no pescoço, nas axilas e nas rejiões inguino-cruraes. Notavel hepato- megalia. Baço tambem crecido, apalpavel sob o rebordo costal. Temperatura, no momento do exame, 380. Trypanosoma Cruzino sangue periferico. Parasitas em grande numero no sangue circulante, sendo mesmo este um dos casos agudos com infeção mais intensa.

Evolução: A temperatura esteve sempre elevada, durante toda a molestia, que evoluiu em 14 dias. Vimos o doente apenas duas vezes: na primeira consulta e na vespera da morte. -No ultimo exame, isto é, 24 horas artes do obito, notámos rijidez apreciavel dos musculos da nuca, grande ajitação e vo- mitos continuos. A pesquiza do sinal de Kering foi negativa. O numero de parasitas era então muito elevado, maior do que na primeira pesquiza. O doente, segundo referem os pais, apresentou convulsões repetidas na noite que precedeu a morte.

Autopsia:

Lesões macroscopicas mais importantes : derramamento citrino abundante na cavidade peritoneal. Ganglios volumosos e numerosos

panes TR ee

no mesenterio. Figado intensamente gorduro- so, com esteatose total, atinjindo toda a massa do orgão Baço crecido e muito conjestionado, de coloração vermelho escura. Capsulas srpra- renais muito friaveis. Rins sem lesões macros- copicas apreciaveis. Mucosa intestinal conjes- tionada.

Cavidade toracica: grande derramamento citrino no pericardio.

Ganglios volumosos no mediastino. Pul- mões sem lesão apreciavel; ausencia de derra- mamento na pleura.

Tireoide com sensivel aumento de volume e evidente conjestão.

Cavidade craniana: meninjes conjestiona- das intensamente e aderentes. Paquimeninjite serosa muito intensa. Cortex cerebral conjestio- nada e com pontilhado hemorrajico esparso.

Pericardite. Miocardite intensa.

OBSERVACAO 09.

Menino RAYMUNDO, com um ano e meio de idade, residente em Santa Rita, a 6 leguas de Lassance, em cafúa de triatomas. Projenitores com a fórma cardiaca da tripa- nosomiase. Febril ha um mez. Saúde perfei- ta até o presente ataque morbido.

Exame: Infiltração mixedematosa nota- vel, dando á distancia a segurança do diag- nostico. Ganglios engurjitados nas principais pleiades perifericas. Figado consideravelmen- te crecido. Baco apalpavel sob o rebordo costal, lembrando a esplenomegalia palustre. Temperatura axilar 3805. Trypanosoma Cruzi no sangue periferico. Parasitas em numero regular, facilmente verificaveis.

Evolução: nao continuamos a observa- ção, visto retirar-se o doente para lugar distante. Não soubemos da evolução poste- rior.

OBSERVAÇÃO 10.

JOSÉ, de Santa Rita, proximo á Lassan- ce, residente em cafúa de triatomas.

Infiltração generalizada apreciavel. Gan- glios cervicais e axilares volumosos.

Figado e baço crecidos. Aumento de vo- lume pequeno da glandula tireoide. Tempe-

ratura axilar, no momento do exame, 38°. Try- panosoma Cruzi no sangue periferico. Para- sitas raros.

Evolução: Quando observámos este do- ente, pela primeira vez. a febre datava dum mez e O estado geral era relativamente be- nigno, nenhum elemento existindo de gravi- dade. Posteriormente tivemos ainda 4 ou 5 oportunidades de observar o caso, verificando assim a permanencia de flajelados em circu- lação durante 3 mezes, sempre em numero muito diminuto, tornando-se necessarios de- morados exames a fresco para encontral-os, De acordo com essa intensidade minima da infeção, a sintomatolojia foi sempre atenua- da, conservando-se o doente, ás vezes, sub febril, com temperaturas de 3705 á 380, outras vezes, apresentando-se apiretico, Decorridos 3 mezes os parasitas desapareceram da peri- feria e tambem náo foi mais observada ele- vação termica. Vimos ainda o doente algu- mas vezes, sempre apiretico, não mais sendo vistos flajelados no sangue. A glandula tire- oide, mezes depois, mostrava pequeno au- mento de volume.

OBSERVACAO 11. Estampa :0 fot. n. 15.

MARINHA SOARES DE ALMEIDA, 18 mezes de idade, parda, residente proximo de Lassance, em cafúa de triatomas. Pai, máe e 3 irmás vivos, aparentemente sadios. Naci- mento a termo, tendo a crianca, até a presen- te data, desenvolvimento normal. Bem cons- tituida e de aspeto robusto.

Ha 8 dias adoeceu, apresentando diar- réa, forte timpanismo abdominal e saliencia

do ventre. Apareceu entáo a febre e uma erupção urticaritorme no tronco e nos membros.

Exame: Temperatura axilar 3705, A ti- reoide nao mostra aumento apreciavel de vo- lume. Facies bouffi, mostrando edema duro, apreciavel tambem nos membros. Baco e fi- gado muito crecidos. Hipertrofia ganglionar generalizada. Alguns elementos urticariformes, em via de regressáo, no torax, no abdome e nas extremidades. Trypanosoma Cruzi no

—— 5

sangue periferico. Tripanosomas em peque- no numero.

Exame de urina negativo relativamente á alburuina e a outros elementos que indi- cassem lesáo renal.

Evolução: Foi tratado em domicilio, tendo recebido medicação apenas sintomatica. No fim de8 dias voltou a consulta apiretica, sendo o estado geral bastante melhor. No sangue pe- riferico havia ainda raros tripanosomas e O mixedema persistia, mais ou menos no mesmo gráu. Informações posteriores referem a cura dos fenomenos agudos.

OBSERVAÇÃO 12. Estampa 6 fot. n. 5.

CARLOTA, de5 mezes de idade, branca, residente em Muquem, 5 leguas de Lassan- ce, em cafúa de triatomas.

Nacida a termo, gozou sempre bôa saude e é de aspeto robusto. Mai portadora de bocio e com sinais de hipotireoidismo. Adoeceu ha 20 dias, com febre de carater re- mitente acompanhada de vomitos e de dia- rréa. Continuando a febre, a criança começou a aumentar de volume, tornando-se extraor- dinariamente gorda, na expressão das pes- sôas de sua familia. Simultanea com a febre manifestou-se em uma das coxas uma placa arredondada, de cdr violacea e endurecida (Estampa 6 fotografia n. 5) atribuida pela familia á picada da triatoma.

Exame; Abatida e febril-temperatura 380. Edema generalizado, muito consistente, não se deixando deprimir pela pressão diji- tal. A tireoide não mostrava aumento de vo- lume apreciavel 4 vista. Baco e figado muito aumentados. Parao lado da pele, além do mixedema, era observado um leve eritema serpijinoso, mais acentuado no tronco e nos membros, dando aspeto marmoreo ás super- ficies dessas rejiões. Na coxa esquerda, pro- ximo do joelho, persistia a placa acima re- ferida e que era constituida por um endure- cimento da pele e tecido celular sub-adjacen- te, com mortificação superficial dos mesmos tecidos, medindo cerca de 20 cm. de diametro, cercada de uma oria esbranquiçada. Ausen- cia de albumina nas urinas. Trypanosoma

Cruzi no sangue periferico. Tripanosomas em numero bem regular. Em cortes do tecido sub-cutaneo, de fragmentos obtidos por biop- sia, verificou-se a presença da mucina, confir- mando-se deste modo a natureza mixedema- tosa do entumescimento.

Evolução: permaneceu apenas 2 dias sob assistencia hospitalar. O mixedema per- sistia. A temperetura manteve-se entre 3706 e 3805.

Mais tarde vieram informações, que re- feriram o falecimento da criança, considera- velmente inchada, alguns dias depois de sua retirada do hospital.

Ha nesta observação, de mais notavel, a placa do tecido mortificado, observada na coxa, acompanhada de outros fenomenos cu- taneos traduzidos num eritema serpijinoso. O mixedema era tambem aqui dos mais acen- tuados e bem caraterizado em sua natureza exata. Não sabendo da evolução completa do caso, ignoramos se houve ataque aos centros nervosos, determinando o obito, ou se este se verificou independente da afeção daqueles centros.

OBSERVAÇÃO 13. Estampa 6 fot. n. 4.

SOLEDADE, de 5 mezes e meio de idade, parda, residente proximo de Lassance, em cafúa de triatomas. Nacimento a termo Desenvolvimento físico normal. Intelijencia viva.

E” a primeira vez que adoece. Ha um mez mostra-se febril, sendo os acessos ora de reação termica elevada, ora mais atenua- dos. Periodos transitorios de apirexia. Edema generalizado, não muito acentuado (mixede- ma), elastico, não deixando a impressão do dedo. Figado aumentado e doloroso á pressão Baço crecido. Tireoide um pouco aumentada, sendo dificil de ser apreciada pela abundan- cia da infiltração. Ganglios cervicaes, axilares e inguinaes engurjitados. Temperatura 380 5. Ausencia de albumina nas urinas. Tripanoso- ma Cruzi no sangue periferico. Numero re- gular de parasitas.

Evolução: esta doente foi examinada pela primeira vez a 16 de Setembro de 1912.

PRE Re

A 24 de Novembro voltou ao consultorio, apresentando-se menos infiltrada, com a tem- peratura de 3802. Apresentou-se prostrada e sonolenta. O numero de tripanosomas era menor do que no primeiro exame. Deixou no- vamente o hospital. Foi vista novamente a 18 de Dezembro:—Infiltracio diminuida. Fi- gado e baco mais aumentados do que ante- riormente. Apatia. Pouca vivacidade. Tempe- ratura 380. Tripanosomas no sangue periferi- co. Reação termica pouco elevada. A 20 XII- 1912 tamperatura 370 3. A 2 de Fevereiro de 1913 voltando a crianca ao consultorio, obser- vamos: Bem disposta, com atenuação de todos os elementos morbidos. Figado e baço ainda aumentados. Ausencia de tripanosomas do sangue periferico. A 20 de Março de 1913 notámos: desenvolvimento retardado, não consegue ainda sentar-se, o que deveria fazer pela idade. Emagrecida. Completamente de- sinfiltrada. Figado aumentado. Baço apalpavel sob o rebordo costal. Queda de pelos. Au- sencia de tripanosomas no sangue periferico.

Ha que salientar, nessa observação, a longa permanencia da reação termica, de ca- rater intermitente irregular. Tambem os fla- jelados permaneceram na circulação por tempo demasiado longo, relativamente á regra geral nas fórmas agudas. A infiltração foi sofrendo atenuação progressiva, até desaparecer, tor- nando-se emagrecida a criança, o que póde ser interpretado como a fase magra do mixe- dema. E’ de interesse referir o retardamento evidente do desenvolvimento físico, exibindo- se depois de alguns mezes da infeção.

OBSERVAÇÃO 14. Estampa 10 fot. n. 17.

FLORENCIO —9 mezes de idade, pardo residente nas Telhas a 6 quilometros de Las- sance. Ha 15 ou 20 dias que se mostra febril. Reação termica diaria, dimizuindo pela manhã e mais elevada á tarde e 4 noite. Nos ulti- mos 4 dias a familia notou que a criança in- chava, pelo que trouxeram-na á consulta. Diarréa forte no principio, agora diminuida. Bem desenvolvido e bem proporcionado para a idade que tem.

Exame; infiltração generalizada, Tempe-

ratura 3908, 150 pulsações por minuto. Figa- do aumentado, excedendo de 2 dedos o rebordo costal, na linha mamilar. Borda do figado dura e fina. Baço aumentado, apalpa- vel sob o 1ebordo costal esquerdo. Ganglios das pleiades perifericas aumentados Mixede- ma nao muito acentuado. Ulceração pro- funda, de fundo sanioso na dobra do joelho direito, de bordas arredondadas e talhadas a pique. Pustula com necrose na dobra do cotovelo esquerdo. Trypanosoma Cruzi no sangue periferico.

Evolução : este doente, que não perma- neceu no hospital, veiu a falecer 8 a 10 dias depois do primeiro exame, informando a fa- milia, que as manifestações cutaneas aumen- taram consideravelmente, aparecendo zonas de necrose em outras rejiões do corpo.

Ha que salientar, aí,o processo cutaneo, de natureza necrotica, e a gravidade do caso mesmo na ausencia de sinais nervosos.

OBSERVAÇÃO 15.

LAURINDA FERREIRA—11 mezes de idade branca residente proximo de Lassan- ce. Pai e mãe vivos, em boas condições de saude, não apresentando bocio. Um unico irmão falecido na primeira infancia. Naci- mento a termo desenvolvimento regular até a presente data. Dentição, marcha e articula- ção das palavras iniciadas. Domicilio in- festado pela Triatoma megista, em zona não paludosa. Ha 15 dias adoeceu de febre, acompanhada esta de diarréa e vomitos. Os dois ultimos sinais cessaram no fim de alguns dias, continuando a febre com exacerbações | vesperais. Dias depois da febre iniciada ve- rificou-se infiltração geral, informando os projenitores que a doente engordara de re- pente.

Exame: infiltração generalizada, de cara- ter mixedematoso, apreciavel sobretudo na face e nos membros. Acentuada palidez do tegumento. Temperatura 3706. Prostração geral, com momentos de ajitação. Hipertrofia ganglionar sensivel no pescoço, nas axilas e rejiões inguino-crurais. Baco e figado creci-

| dos e um pouco dolorosos á pressão. Ausen-

cia de albuminuria. Trypanosoma Cruzi no sangue periferico.

Evolução: O estado da doente agravou- se nos dias seguintes, persistindo a febre e o mixedema, aquela com exacerbações ves- perais minimas de 3805. A ajitacáo acentuou-se, impedindo o sono. O apetite desapareceu e vieram vomitos rebeldes. Catarro bronquico, com dificuldade de respiraçäo.

Marcha da temperatura.

Dia Manha Meio dia Tarde

5 = 37,6 37,4 «6 F2 39,4 38,8 «7 37,4 38,8 38,4 « 8 31,2 38,4 38,4 « 9 36,8 31,2 alta

No dia de permanencia hospitalar a criança retirou-se ainda febril e com todos os elementos morbidos no mesmo gráu de intensidade. Faleceu poucos dias depois, ignorando-se como teve lugar o obito.

OBSERVAÇÃO 16. Estampa 7 fot n. 6.

MANOEL SOARES DE MACEDO - branco, 11 mezes de idade, residente em Santa Rita, a 5 leguas de Lassance, em cafúa de triatomas. Projenitores adoentados e apresentando hipertrofia da glandula tire- oide. Tem 4 irmãos vivos e 4 outros falece- ram, todos nas primeiras idades. Nacimento a termo. Dentição, palavra e marcha ini- ciadas.

Ha 10 dias apareceu a febre, de marcha re- mitente. Simultaneamente foi observada pe- quena papula avermelhada em uma das, pal- pebras, com entumecimento edematoso da mesma e do rebordo orbitario corresponden- te. Poucos dias depois manifestou aumento de volume da glandula tireoide, notado pela familia e eomecou a engrossar no rosto, nos membros superiores e inferiores.

Exame: Temperatura 380 6. Palidez, pros- tração, de quando em vez crises de ajitação, grande impertinencia. Infiltração mixedemato- sa no rosto e nos membros. Tireoide visivel- mente aumentada. Baço e figado crecidos, sendo o primeiro apalpavel sob o rebordo

ii

costal, que é excedido de 3 dedos. Ganglios engurjitados nas pleiades perifericas. Nenhu- ma perturbação dijestiva ou nervosa. Trypa- nosoma Crnzi no sangue periferico.

Evoluçäo: No dia seguinte ao do primei- ro exame o mixedema era mais acentuado e a temperatura que, pela manhã, era de 370, acendeu a tarde a 380, Ausentou-se no 30 dia para o domicilio—vindo a restabelecer-se do estado agudo.

OBSERVACAO 17.

EVA DO NASCIMENTO, côr branca, 4 anos de idade, residente em Santa Maria, a 3 leguas de Lassance. Projenitores de saude regular, ambos com hipertrofia pequena da tireoide e sinaes da tripanosomiase. Tem 3 irmãos vivos e perdeu 6 outros, dos quais 2 natimortos, 3 falecidos na primeira infancia de febre prolongada e 1 na idade de 8 anos com paralisia aparecida depois duma molestia febril prolongada. Dos irmãos vivos, um é infantil e apresenta a tireoide aumentada de volume e tambem o baço crecido.

Nacida a termo, tendo desenvolvimento regular até a presente data. Não acusa mo- lestia anterior a não ser sarampão ha 2anos Adoeceu ha 6 dias com febre de marcha re- mitente e exacerbações vesperaes, acompanha- da de prostração e anorexia.

Exame: temperatura 3895. Figado creci- do e doloroso á pressão. Baço apalpavel sob o rebordo costal. Infiltração mixedematosa, acentuada nas palpebras, nas bochechas e nos labios, mais atenuada nos membros e no tronco. Glandula tireoide aumentada de volu- me. Hipertrofia ganglionar discreta. Nenhuma perturbação nervosa aparente. Estado geral relativamente bom. Trypanosoma Cruzi em pequeno numero, no sangue periferico. Au- sencia de albumina na urina.

Evolução: no dia seguinte, a temperatu- ra, pela manhã, era de 3708, retirando-se a doente para domicilio. Quatro mezes mais tarde, quando era considerada pela familia como restabelecida da infeção aguda, foi a criança de novo observada, sendo encontra- dos tripanosomas raros no sangue periferico

e leve reação termica. Nessa epoca apresen- tava ainda infiltração mixedematosa, mostran- do-se a tireoide aumentada de volume. O fi- gado e O baco estavam crecidos e a pele mostrava-se aspera e seca, com leve hiper- queratose ictiosiforme nas pernas. Mais tarde, 2 mezes depois, verificámos ausencia dos sinaes agudos e de tripanosomas no sangue, náo sendo depois vista a doente.

Ha que salientar, nessa observação, a longa permanencia de tripanosomas na cir- cuação, em pequeno numero, com evolução benigna dos elementos patojenicos.

OBSERVAÇÃO 18. Estampa 7 fot. 7.

MARIA FERREIRA DA SILVA, branca 15 mezes de idade, residente nas marjens do Rio das Velhas, a 4 quilometros de Lassan- ce. Mãe portadora de pequeno bocio e com sinais de hipotireoidismo. Pai com pequena hipertrofia da tireoide e com sinais cardiacos da molestia. Quatro irmãos, dos quais 2 fale- cidos. Nenhum antecedente de sifilis, nem de impaludismo. Desenvolvimento normal. Habita cafúa infestada pela Triatoma megista. De 1 dias para tem apresentado febre conti- nua, informando a projenitora que nos ul- timos dias engordara rapidamente.

Exame: Temperatura 3802. Olhar amor-

tecido Abatimento ou ajitação, alternada- mente. Palidez dos tegumentos. Infiltração mixedematosa, bastante acentuada, contras-

tando com o aspeto anterior da doente. A infiltração apresenta-se mais sensivel nos membros e na face, onde se notaram as pal- pebras empapuçadas, com estreitamento das fendas palpebrais e turjecencia das bochechas, assim como espessamento da mucosa labial. No dorso dos pés,a infiltração forma verda- deiro coxim de consistencia firme, não dei- xando depressão o dedo que comprime. Baço e figado muito crecidos. Hipertrofia ganglionar generalizada, tireoide apenas sen- sivel á apalpação. O exame do sangue peri- ferico revela a presança do Trypanosoma Cruzi. Ausencia de albumina pela analise das urinas.

54

Evolução: no dia seguinte ausentou-se para domicilio, sem alteração no estado geral, com a temperatura de 3704, pela manhã. Dois dias depois foi trazida nova- mente á consulta, verificando-se a persistencia dos mesmos sintomas, sendo então de 38° a elevação termica.

Faleceu 10 dias depois, não tendo volta- do á consulta e ficando, por isso, desconhe- cidas as condições em que se deu o obito. Ignoramos tambem se houve ocurrencia de sintomas nervosos.

OBSERVAÇÃO 19. Estampa 10 fot. n. 14.

ANNA DE MATTOS, 3 anos de idade, parda, residente em Lassance, em cafúa de barbeiros.

Nacida a termo, parto normal, desenvol- vimento bom. Dentição regular. Febre ha 17 dias. Desde 5 dias começou a ¿nchar, sendo trazida por isso á consulta.

Exame: Infiltração generalizada, especial- mente da face e das palpebras. Crepitação das bochechas. Baço aumentado e doloroso á pressão. Figado pouco aumentado. Ventre proeminente e timpanico. Tireoide com au- mento apenas apreciavel. Ganglios das pleia- des perifericas aumentados. Grande prostra- ção, negando-se aos movimentos. Temperatu- ra 3808 ás 3 horas da tarde, momento do exame. A’ noite a temperatura deceu a 3608. Trypanosoma Cruzi no sangue periferico. Raros parasitas. Pesquiza de hematozoario da malaria negativa. Ausencia de albumina nas urinas.

Evolução;

Dia 27—VII— 1913 ( dia seguinte ao pri- meiro exame) numero de tripanosomas au- mentado. A infiltração e outros elementos permanecem inalterados.

Dia 28-VIl-1913 Temperatura 3702, Pulso 100 pulsacóes por minuto. Infiltraçäo aumentada.

Dia 2—VIII—1913 Estado mais ou menos o mesmo.

Esta doente foi vista um mez depois, completamente desinfiltrada e sem tripanoso- mas no sangne periferico. O baço e o figado

permaneciam aumentados. Ausencia entáo

de reação febril.

OBSERVAÇÃO 20. Estampa 7 fot. 8.

MANOEL, 19 mezes de idade, residente em Beltrão, proximo de Lassance, em cafúa infestada pela triatoma. Nacimento a termo, parto natural. Ha 3 mezes veiu á consulta por uma otite supurada. Ha 2 semanas come- ¢ou a inchar e por isso voltou ao consultorio.

Exame: Infiltração dura generalizada, mais acentuada na face, com estreitamento das fendas palpebraes. Ganglics das pleiades perifericas muito aumentados. Figado e baço sensivelmente crecidos. Tireoide sem aumento apreciavel á vista. Ausencia de per- turbações dijestivas. Temperatura 3704. Try- panosoma Cruzi no sangue periferico. Raros parasitas

Evolução: no dia seguinte ao exame:

Dia 16 Temperatura m. 36,8 tarde 37,8 « 17 « AIO 20003714 « 18 « ES « 37 « 19 « « 37

Estado geral sem modificaçäo apreciavel. Infiltração permanente.

Dia 22—Infiltracio diminuida. Estado geral melhor, Temperatura 370. Ausencia de tripanosomas no sangue

periferico. Restabelecimento do estado agudo. OBSERVAÇÃO 21.

MANOEL SOARES, 11 mezes de idade, febril desde 15 dias.

Exame: Infiltração mixedematosa. Gan- glios engurjitados nas pleiades perifericas. Baço e figado muito aumentados. Temperatu- ra 3708. Trypanosoma Cruzi no sangue peri- ferico; raros flajelados.

Evolução posterior desconhecida.

OBSERVAÇÃO 22. Estampa 8 fot. n. 11

* PAULO, 7 mezes de idade- pardo, natural de Cordesburgo, residente ha 2 mezes em Lassance. Avó portadora de bocio volu- moso e cretinoide. Mãe falecida. Pai apre- sentando bocio e sinais cardiacos da tripa-

93

nosomiase. Nacimento a termo. Ha 2 mezes foi trazido ao consultorio, sofrendo de diar- réa cronica, muito enfraquecido, com ema- grecimento consideravel e apresentando hi- pertrofia ganglionar generalizada. Era então bem evidente o aspeto atrepsico. Deste es- tado melhorou o doente com o tratamento mercurial. Ha 10 dias apresentou-se febril. com diarréa e grande ajitação. Agravando-se este estado, trouxeram o doente á Lassance, onde ficou em tratamento desde 12 de Feve- reiro de 1914.

Exame: Temperatura 370 5. Grande pros- tração. Infiltração geral, fazendo notavel con- traste com a magreza anterior de heredo-sifi- litico. A infiltração, de natureza francamente mixedematosa, era mais acentuada na face, sobretudo nas palpebras e nos labios, sendo tambem sensivel nos membros e no tronco. Nas bochechas percebia-se um crepitar mu- coide. Diarréa intensa. Baço e figado muito aumentados. Ventre timpanico. Hipertrofia ganglionar generalizada. Tireoide de aprecia- ção dificil, devido á infiltração. Trypanosoma Cruzi no sangue periferico em grande numero.

Evolução: A medicação sintomatica poude atenuar a diarréa. Persistiam a prostração e a febre, cuja marcha se fez com remissões irregulares, vindo o doente a falecer á 19 do mesmo mez, isto é, 7 dias após a primeira consulta.

Neste periodo o doente apresentou crises intensas de dispnéa com sinaes evidentes de colapso cardiaco, parecendo ter sido csse a causa da morte. Ausencia de convulsões. Marcha da temperatura:

Meio dia Tarde

Manhã

Dia 12 35 38,0 38,0 « 13 315 38,4 38,0 « 14 38,0 37,3 37,0 « 15 37,8 37,4 37,6 « 16 37,4 37,0 39,2 « 18 37,4 37,8 37,8 « 19 37,4 at

O obito teve lugar à tarde do dia 19.

O numero de parasitas no sangue peri- ferico foi sempre em aumento progressivo, atinjindo a infeçäo grande intensidade.

===

Dados geraes da autopsia: Infiltração mucoide do tecido sub-cutaneo.

Aumento apreciavel de volume da glandu- la tireoide, que estava conjestionada e cujos lobos prolangavam-se posteriormente, forman- do anel quasi completo em tornd da traquéa e do esofago. Coração com sinaes de miocar- dite intensa.

Derramamento de liguido citrino, em abun- dancia, no pericardio. Ausencia de lesões apre- ciaveis a olho nú, nos foliolos do pericardio. Pulmões sem alterações macroscopicas. Figado com intensa esteatose, verdadeiro figado camur- ca, tao dejenerado quanto se apresenta o figa- do na febre amarela. Capsulas supra-renaes e rins, sem alterações macroscopicas apreciavels. Bago volumoso e conjestionado. Ganglios me- sentericos aumentados de volume, o mesmo acontecendo aos ganglios de todas as outras pletades. Cavidade peritoneal com derramamen- to citrino abundante. Ausencia de lesões macros- copicas no sistema nervoso central.

O exame histo- patolojico deste caso re- velou grande quantidade de parasitas no mio- cardio, onde eram dos mais intensos Os pro- cessos inflamatorios. Foram verificadas ainda localizações parasitarias na glandula tireoide, nos musculos estriados e nos testiculos.

Este caso apresenta, como fato de maior relevancia, a quantidade excecional de parasi- tas no sangue periferico e o armento progres- sivo dos flajelados até o desfecho da moles- tia. Ha ainda que referir a morte rapida, sem alteracóes apreciaveis do sistema rervoso, sendo atribuivel aqui a gravidade extrema da infeção aos processos de miocardite aguda, de excecional intensidade. Devemos tambem salientar o contraste entre o aspeto atrepsico anterior, devido á sifilis hereditaria, e a infil- tração consecutiva ao processo infetuoso, desta resultando o aspeto inchado com que se apre- sentou o doente á consulta.

OBSERVAÇÃO 23. Estampa 7 fot. n. 9. PHILOMENA, cor parda, 20 mezes de

idade, residente em Larangeiras, proximo de Lassance. A mãe é papuda e cretinoide. O

pai tem a glandula tireoide aumentada de volume. De 10 irmãos vivos, 2 são portado- res de bocio. Faleceram 4 irmãos nos pri- meiros tempos de exístencia. A mãe teve um aborto. Não ha antecedentes de sifilis na fa- milia. Nacimento a termo. Dentição e marcha iniciadas antes de um ano deidade. A fala teve início mais tardio, articulando algumas palavras na ocasião em que adoeceu. Resi- dencia em caftia de triatomas. Ha 3 mezes, manifestaram-se febre e diarréa que ainda persistem. A diarréa teve, durante algum tempo, carater sanguinolento. Poucos dias após o inicio desses sinais, a doente come- cou a inchar, mantendo-se essa inchação durante um mez, findo o qual foi gradual- mente diminuindo até desaparecer de modo completo.

Exame: profundamente emagrecida, de olhar encovado, ossos descobertos, massas musculares atrofiadas. Verdadeiro estado atrepsico lembrando a caquexia luetica. Pele frouxa, esfoliação da epiderme. Ausencia atual de infiltração mixedematosa. Rijidez acentuada dos musculos da nuca e dos mem- bros inferiores. Sinal de Kernig apreciavel. Tireoide sensivelmente aumentada.

Ganglios das pleiades perifericas hiper- trofiados. Baço e figado crecidos.

Escara na rejião sacra. Vulvite. Varias lesões de impetigo no couro cabeludo e na face. Queda de cabelos acentuada. Jazia em decubito dorsal forçado, não podendo manter-se sentada. Gemidos fracos e conti- nuados, com movimentos da cabeça. Ausencia

de movimentos voluntarios nos membros inferiores. Emissão involuntaria de fezes e de urina. O exame do sangue revelou a

presença do Tripanosoma Cruzi; numero re- gular de flajelados.

Evolução: Posteriormente apareceram convulsões cronicas, de curta duração, em acessos repetidos. Os sintomas indicados persistiram, agravando-se progressivamente, exetuando a diarréa que cedeu á medicação sintomatica. Faleceu a doente 5 dias após O primeiro exame.

Curva termica:

UE iggy Aer

Dias Manha Tarde 5 38,2 38,0 7 36,2 38,0 8 38,0 38,0 9 38,0 36,3 10 36,0 36,0 11 36,0 obito

Autopsia: Resumo das principais verifi- cações macroscopicas :

O cadaver, notavelmente emagrecido, apre- sentava escara na rejião sacra. Ausencia com- pleta de paniculo adiposo sub-cutaneo. Abdo- me: ausencia de derramamento no peritoneo. Figado com intensa dejeneração gordurosa. Baço crecido e conjestionado. Ganglios mesen- tericos abundantes e muito hipertrofiados. Mu- cosa intestinal conjestionada e descamada em grande extensão.

Torax : pequeno derramamento citrino na cavidade do pericardio. Placas esparsas de pericardite. Coração aumentado de volume, fri- avel, com deposito de gordura nos sulcos e nas bordas e apresentando sinais de miocardi- te. Ganglios do mediastino hipertrofiados. Au- sencia de lesões macroscopicas apreciaveis para o lado das pleuras e dos pulmões.

Tireoide: conjestionada e com aumento de volume apreciarel.

Cavidade craneana- Dura-mater aderente á caixa ossea. Meninjes internas com hiperemia e aderentes á cortex cerebral. Sinais intensos de paquimeninjite serosa. Massa cerebral con- jestionada, com pontilhado hemorrajico esparso.

Ao exame microscopico foram verificadas localizações do tripanosoma nos musculos estriados, no miocardio, nos ovarios, no utero e no sistema nervoso central. O cere- bro desta doente, assim como a medula, apresentava processos inflamatorios agudos com infiltrações leucocitarias esparsas e grande abundancia de parasitas, em aglome- rações distribuidas por todas as rejiões. (Veja fig. n. 2 estampa n. 4).

Trata-se, nesta doente, duma infeção aguda de marcha lenta, permanecendo os flajelados na circulação durante 3 mezes e meio, com simultaneidade de reações termi- cas e outros elementos agudos. O sistema nervoso central foi gravemente atinjido, reve-

lando-se em convulsões e outros sinais os processos inflamatorios daquele sistema, veri- ficados na autopsia e em estudos histo-pato- lojicos.

É de interesse salientar a presença de infiltração mixedematosa intensa na fase inicial da molestia, cedendo depois o mixede- ma e permanecendo sinais de hipotireoidis- mo. A doente, nas fases ultimas, poderia ser considerada um caso de mixedema magro, caraterisado pela queda de pelos, descamação da epiderme, etc.. O aspeto desta doente, quando a examinamos pela primeira vez, fazia lembrar o luetismo hereditario e foi a nossa impressão inicial, destruidas pelas verificações posteriores. Nem encontrámos sinal algum de luetismo, sendo negativas todas as pesquizas relativas á infeção pelo treponema de Schaudinn. Salientamos este aspeto de caquexia tripanosomica, compara- vel á caquexia luetica, para ainda uma vez reconhecer os pontos similares de patojenia das duas molestias,

OBSERVAÇÃO 24. Estampa 8 fot. n. 9.

AUGUSTA, 7 mezes de idade, residente em Santa Rita, proximo de Lassance, em cafúa detriatomas. Apresenta reação termica, ora mais, ora menos elevada, ha 25 dias. Decor- ridos 15 dias depois de começar a febre, a criança mostrou-se inchada, o que impressio- nou fundamente as pessôas da familia, sendo por isso trazida á consulta.

“Exame: Temperatura axilar 3804. Figa- do muito crecido e doloroso á pressão. Baço tambem aumentado, excedendo de dous dedos o rebordo costal.

Infiltração mixedematosa generalizada muito evidente, dando a sensação de crepi- tar nas bochechas. Leve tumefação da tireoi- de. Ausencia de sinaes para O lado do siste- ma nervoso central. Trypanosoma Cruzi no sangue periferico. Numero regular de para- sitas. Ausencia de albumina, pelo exame das urinas.

Evolução: Esta doente foi examinada uma vez, sendo desconhecida a evolugáo pos- terior da molestia.

à 58

OBSERVACAO e Estampa 8 fot. n. 10,

CALIXTO, 6 mezes de idade, residente em Ataleiro, distante 10 leguas de Lassance, em cafúa de triatomas. Doente ha 22 dias, tendo, inicialmente, apresentado febre e gran- de diarréa. Desde 4 dias vai inchando de modo apreciavel, segundo informa a familia.

Exame: Infiltração mixedematosa leve. Baço e figado muito aumentados.

Tireoide com tumefação apreciavel. Gan- glios engurjitados em todas as pleiadas pe- rifericas. Fenomenos iniciaes de queratite num dos olhos. Trypanosoma Cruzi no sangue perifcrico. Abundancia de flajelados. Ausencia de albumina nas urinas. Tempera- tura 380 6. :

Evolução: Esta doente retirou-se para domicilio, não tendo sido observada poste- riormente ao primeiro e unico exame.

OBSERVAÇÃO 26. Estampa 9 fot. n. 12.

ROMÃO, de 11 mezes de idade, residen- te proximo de Lassance. Doente desde um mez, com reação termica continua. Diarréa desde a fase inicial e permanente no momen- to atual, Refere a projenitora que o doente começou a ¿nchar, desde 20 dias, apresentando ao mesmo tempo forte inflamação de ambos os olhos.

Exame: Infiltracio mixedematosa gene- ralizada. Queratite com conjuntivite dupla, havendo grande supuração ocular. Figado e baço muito crecidos, excedendo o baço de 2 a 3 centimetros, o rebordo costal. Queda abun- dante de pelos no couro cabeludo. Infeções secundarias de algumas zonas da pele. O sangue periferico mostra raros tripanosomas (Trypanosoma Cruzi). “».

Evolução: este doente faleceu no dia se- guinte ao de nosso primeiro exame, não tendo sido praticada a autopsia.

OBSERVAÇÃO 27. Estampa 9 fot. n. 13.

PETROLINA, 4 mezes de idade, residen- te á marjem do Rio São Gonçalo, a 2 qui-

lometros de Lassance. Ausencia de antece- dentes morbidos pessoaes que mereçam refe- rencia. Ausencia de qualquer molestia febril anterior. Pai com pequena hipertrofia da ti- reoide. Mae sadia, com pequeno aumento de volume da tireoide.

Anamnese: doente desde 6 dias, com elevação termica continua e leve diarréa. Grande irritabilidade nervosa.

Exame; Baco e figado muito crecidos Temperatura 390. Ausencia de infiltrição apre- ciavel. Ausencia atual de sinaes nervosos. Trypanosoma Cruzi no sangue periferico, em numero regular.

Evolução: esta doente permaneceu no hospital durante 20 dias, evoluindo a moles- tia de modo benigno, com reações termicas de pequena intensidade, nunca excedendo a temperatura 3805. No fim de 10 dias de hos- pitalização, era apreciavel pequena infiltração mixedematosa, sobretudo acentuada no rosto.

Esta infiltração permaneceu até o final da fase aguda. Os parasitas, relativamente abundantes nos primeiros dias, foram em di- minuição progressiva e desapareceram do sangue circulante, ao exame a fresco, 2 ou 3 dias depois que a doente se tornara apire- tica. A marcha da temperatura, neste caso, foi bastante irregular. Havia, de regra, remissões termicas acentuadas pela manhã, quando a criança se tornava apiretica, elevando-se de novo a temperatura nas ultimas horas do dia. Durante 2 ou 3 dias, mesmo com a pre- sença de flajelados na circulação, a doente esteve apiretica, voltando depois a reação termica, sempre atenuada.

Este caso passou á condição cronica, após completo desaparecimento da febre. Dois mezes mais tarde, a inoculação de sangue, 5 c. c. em cobaia, determinou nesta o apare- cimento de tripanosomas. Nesta epoca, os exames de sangue a fresco, mesmo demora- dos, foram negativos.

OBSERVAÇÃO 28.

Menina GERALDINA, 22 mezes de ida- de, residente em Lassance, em cafúa não in- festada pela triatoma.

Anamnese: a criança, dias antes de apa-

fo FF EI

recer febril, passou uma noite em Santa Maria, dernoitando numa cafúa, onde havia grande quantidade dz triatomas, na sua totalidade infetadas. Febre ha 8 dias. Segundo refere a projenitora, quando apareceu a febre, a criança apresentou tambem os olhos vermelhos, in- flamados. Antecedentes lueticos ausentes.

Exame: 2 de Janeiro de 1915. Tempera- tura axilar 3902, Não ha infiltração aprecia- vel. Baço muito crecido, doloroso á apalpação. Figado tambem aumentado. Ganglios nume- rosos e volumosos nas rejiões sub-maxilar, axilar e inguino-cruraes. Conjuntivite acen- tuada do olho esquerdo, com corrimento de liquido não purulento. Eritema em torno da orbita esquerda. Palpebras do olho esquerdo sempre cerradas. Trypanosoma Cruzi raros no sangue periferico.

Dia 4 de Janeiro de 1915. Temperatura axilar 3806. Os tripanosomas aumentaram apreciavelmente no sangue circulante. Não ha ainda mixedema evidente.

Dia 5 de Janeir” de 1915. Temperatura axilar 3902. Agravação dos fenomenos ocula- res. Conjuntivite tambem do olho direito, com eritema das palpebras.

Ausencia ainda de mixedema.

Dia 6 de Janeiro de 1915. Temperatura axilar 3908. Nota-se, com toda evidencia, a infiltração sub-cutanea, sobretudo nitida na face e nos membros inferiores, Esta infiltra- ção é dura e elastica, não guardando a im-

pressão do dedo. A inchação da criança de hontem para hoie, foi bastante notavel para ser assinalada até pelas pessôas leigas que lidam com a doente. Os tripanosomas au- mentaram, de modo apreciavel, no sangue periferico.

Dia 7 de Janeiro. A doente faleceu, não tendo havido referencias aproveitaveis sobre sinais morbidos das ultimas 24 horas. Não foi praticada a autopsia devido á oposição da familia.

OBSERVAÇÃO 29. Estampa 10 fot n. 16.

Menino SILVESTRE, 15 mezes de idade, residente proximo de Lassance, em cafúa de triatomas. Doente desde 15 dias, com ele- vações termicas irregulares. Ausencia de an- tecedentes morbidos, tendo sido, até a pre- sente molestia, bastante sadio.

Exame: Temperatura axilar 3806. Baco muito crecido, apalpavel sob o rebordo costal. Figado aumentado de volume, excedendo de 4 centimetros o rebordo costal sobre a linha mamiar direita. Ganglios limfaticos entume- cidos no pescoço, nas axilas, nas rejiões in- guino-crurais. Mixedema generalizado bem apreciavel e caraterizando-se como tal. Tri- panosomas (Trypanosoma Cruzi) raros no sangue periferico.

Evolução: Esta criança não foi vista pos- teriormente e nem dela houve informação.

a Lei

Explicacäo das estampas casos agudos da tripanozomiase brazileira,

conforme as observaçôes clinicas. Estampas de 6 a 10-Fotografias de a

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ ESTAMPA 6 TOMO VIM—1916

Fot. n. 3.

Fot. n. 1.

Fot. n. 5. Fot. n. 4.

Fot. n. 1.—Caso agudo de trypanozomiase -Mixedema acentuado.

Fot. n. 2.—-O mesmo caso, 3 annos depois da infeção aguda—Mixedema muito atenuado. Fot. n. 3.—Caso agudo—Mixedema acentuado--Keratite.

Fot. n. 4.—Caso agudo—Placa de necrose na coxa esquerda.

Fot, n. 5.—Caso agudo—Infiitracao—mixedematosa acentuada.

Mal AGN fo

INSTITUTO OSM ESTAMPA 7 TOMO VIII—1916

0

Fot. n. 6.

Fot. n. 9.

Fot. n. 8.

Fot. n. 6.—Caso agudo—Infiltracao acentuada. Fot. n. 7.—Caso agudo—Infiltracio. Fot. n. 8.—Caso agudo—Leve infiltração mixcedematosa. _ Fot. n. 9.—Cachexia trypanozomica extrema—Meningo-encefalite.

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MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ ESTAMPA 8 TOMO VIII—1916

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Fot. n. 10

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Fot. n. 11.

Fot. n. 9-A.—Caso agudo—Intiltração mixcedematosa. Fot. n. 10.—Caso agudo Infiltração mixcedematos:. Fot. n..11.—Caso agudo -Infiltração mixædematosa.

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MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ TOMO VIII—1916

Fot. n. 12 —Caso agudo Keratite e conjuntivite—Infiltraçio generalizada. Fot. n. 13.—Caso agudo benigno.

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ESTAMPA 9

12:

Fot. n.

13.

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MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ ESTAMPA 10 TOMO VIII - 1916

Fot. n. 14.

Fot. n. 15.

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Fot. n. 17. Fot. n. 16:

Fot. n. 14.—Caso agudo benigno. Fot. n. 15.—Caso agudo benigno. Fot. n. 16.—Caso agudo benigno. he Fot. n. 17.—Caso agudo beniono—l eve infiltracia mixcedematnca.

Sobre uma hemogregarina da gamba. Haemogregarina didelphydis n. sp.

pelos DRS. OSCAR d'UTRA e SILVA e J. B. ARANTES.

(Com a estampa 11.).

No decurso de estudos histolojicos en- contramos em Maio de 1914 uma hemogre- garina no sangue de um macho adulto da gamba comum (Didelphys didelphys aurita).

Não conhecendo referencia sobre a ob- servação de hemogregarinas em marsupiaes resolvemos rejistrar O fato nesta breve noti- cia.

Examinámos cerca de cincoenta gambás, sendo o unico infetado procedente de Meri- ty, perto da Capital Federal.

O nosso parasito foi encontrado somen- te nos globulos vermelhos ao passo que as outras especies de hemogregarinas des- criptas foram observadas de preferencia nos leucocitos.

Para o exame a fresco retirámos sangue da cauda, cuidadosamente limpa com eter. Os parasitos apresentavam-se em fórma de corpusculos hialinos, imoveis, esfericos ou ovoides, tendo na parte média um nucleo arredondado e de maior refrinjencia que o protoplasma. Não verificámos a presença de pigmento. Raras vezes encontravam-se livres no sangue, geralmente ocupavam parte ou quasi a totalidade de um eritrocito.

Preparações de sangue fixadas pelo al- cool metilico e coradas pelo metodo de Gil-

EMSA tambem mostravam os parasitos, livres ou no interior de eritrocitos, esfericos ou ovoides tendo 8-10 « de comprimento e lar- gura de 4-6 y. O protoplasma é finamente alveolar, de côr azul clara e contendo, as vezes algumas granulações vermelhas.

O nucleo ocupa diversos pontos do para- sito, geralmente a rejião central; é constitui- do por massas de cromatina irregularmente dispostas, mais raramente por granulações. Tem fórma esferica, ovoide ou alongada em faixas, sem membrana nuclear distinta. À cro- matina, pelo processo de coloração indicado, toma a côr vermelha escura arroxeada.

Não observámos mais de um parasito em um mesmo globulo. Não havia aiteração na côr dos globulos infetados.

Tendo o animal morrido alguns dias depois, tivemos ensejo de examinar os or- gãos em esfragaços e em cortes. Estes foram feitos em fragmentos fixados em sublimado alcool de SCHAUDINN, liquido de GILSON, formol a 109/0, liquido de MULLER e cora- dos pela hematoxilina de DELAFIELD e pelos metodos de HEIDENHAIN, VAN GIESON e GIEMSA.

Nos esfregaços os parasitos eram pouco abundantes, com o aspeto descrito, e,

formas de reproducáo foram reveladas em cortes do pancreas. Tratava-se de fórmas schizogonicas incluidas nas celulas dos acinos onde recalcavam os nucleos quando atingiam maior volume.

O tamanho destas variava e com ele o numero dos nucleos que vimos atinjir a 18. Ocupam, a principio, o centro, espalhando- se depois por toda a massa. Nas ultimas fases aparecem parasitos isolados em fórma de crescentes com 6-9 u de comprimento por 2 a 2,5 de largura.

O protoplasma do parasito é finamente alveolar, o nucleo sem membrana apreciavel, arredondado e situado na parte mediana, é formado por massas de cromatina em torno de um cariosoma pequeno.

62 ———

Os kistos, em diversas fases, encontrados no tecido glandular do pancreas permitem reconstruir a evolução do modo seguinte: o germe depois de penetrar na celula, torna- se redondo, cresce substituindo quasi por completo o plasma celular e recalcando o nucleo para um lado; o nucleo do parasito durante este processo entra em divisão e Os nucleos filhos formam o centro de massas protoplasmaticas que acabam constituindo os merozoitos. O kisto então póde atinjir 22 u de comprimento e 12 de largura.

Com o material do animal infetado (sangue e suco de orgãos) inoculámos por via intraperitoneal gambás, coelhos, cobaias, e ratos brancos, sem obtér nova infeção.

Demos a esta nova especie o nome de Hemogregarina didelphydis.

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ ESTAMPA 11 TOMO VIII—1916 a

CASTRO SILVA, del.

eee ee GG aa.

Explicação da estampa ll: | « 2-8 Formas do sangue periferico.

| « 9-13 Fases de evolução nas celulas

Fig. 1 Globulo vermeliio normal, dos acinos pancreaticos.

Pesquizas sobre o Copromastix prowazeki n. g. n. sp.

pelo DR. HENRIQUE DE BEAUREPAIRE ARAGÃO

Assistente.

(Com a estampa 12).

Considerações gerais

Motiva o presente trabalho a descrição dum interessante flajelado, por nós duas vezes observado em culturas de fézes de e humana. Da primeira vez desenvolveu-se o protozoario em uma solução de albumina de ovo a 1/2 0/0, na qual semearamos fézes da- quele batracio, com o fim de cultivar Nycto- therus; depois o encontrámes, mais uma vez, em uma cultura de ancilostomos huma- nos feita pelo Dr. GOMES DE FARIA, com fézes diluidas, colocadas sobre carvão ani- mal e na qui se desenvolveu o flajelado ao lado duma ameba de vida livre.

Embora destas duas vezes o flajelado tenha sido encontrado em culturas feitas com fézes, não se póde, por isso, inferir que ele seja um parasita intestinal, porquanto um tal parasitismo até agora não foi observado. Mais aceitavel nos parece, consideral-o como uma fórma rara de vida livre que, enquistá- da, tivesse atravessado intacta o tubo intesti- nal e assim se encontrasse nas fezes do homem e da ra em condições de perfeita vitalidade, proliferando, por isso, facilmente desde que o material fôi colocado nos meios propicios a seu desenvolvimento. |

Trata-se, em todo o caso, dum flajelado bastante raro na natureza, porquanto até agora essas duas vezes tivemos ocasião de observal-o, máu grado numerosas e varia- das tentativas para cultival-o quer de fézes de diversos animais, quer de aguas.

Nas soluções de albumina a 1/2 0/0, o flajelado se desenvolve bem e multiplica-se com facilidade, sem, comtudo, se tornar muito abundante; porém, ao cabo de 15 a 20 dias começa a morrer nas culturas, tornando- se então necessario transportal-o para solu- ções novas, nas quais readquire as condições primitivas de proliferação. Nas culturas, á proporção que vão envelhecendo, observa-se que os protozoarios cada vez mais se tornam menores devido á insuficiencia sempre maior de alimentos e outras alterações do meio.

O encistamento não foi observado nas culturas, nem tão pouco qualquer outra fórma de resistencia do flajelado. A alimentação do Copromastix se faz por osmose. O estudo do Copromastix foi feito a fresco e, mais frequen- temente, em preparações fixadas pelo subli- mado alcool e coradas pela hematoxilina ferrea segundo processo classico de HEIDE- NHAIN.

A

Morfolojia

O corpo do Copromastix prowazeki tem a forma sub-triangular muito alongada, ter- minando posteriormente em ponta aguda. A parte auterior do corpo do flajelado é cons- tituida pelo pequeno lado do triangulo iso- cele com que o protozoario é comparavel. As bordas são geralmente lijeiramente curvili- neas, mais frequentemente convexas do que cuncavas. O angulo posterior é, como foi assinalado, sempre muito agudo, os anterio- res são largos, obtusos e não raro, curvili- neos. Em um dos angulos antero-externos do flajelado se eucontra uma fenda bucal que abranje um terço da borda anterior do corpo do protozoario e um quarto da lateral que lhe fica proxima. A boca é representada por um simples entalhe no corpo do parasi- ta, sem nenhuma organização especial, e apresenta-se constituida por duas laminas muito delgadas e quasi hialinas, do proto- plasma do protozoario. Não raro, o angu- lo externo dessas laminas protoplasmicase torna muito saliente e com o aspeto duma ponta aguda.

Da parte média da porção anterior do corpo do flajelado, logo abaixo da borda, se orijinam, num bastonete basal de cerca de 2 a 3 u de comprimento, 4 flajelos finos eguais, anteriormente dirijidos e de tamanho correspondente a 4/5 de comprimento da ce- lula. O corpusculo basal parece ser multiplo e constituido pela reunião de 4 formações identicas correspondendo uma a cada flajelo, pois, frequente ele aparece desdobrado. (Est. 12, Mes. 2, 75 PA)

Nao raro se vé, no Copromastix, um rizostilo partindo desses corpusculos basais, e penetrando pelo protoplasma em direção ao nucleo que contorna em parte e, as vezes excede, aprofundando-se no corpo celu- lar. Esse rizostilo é evidentemente um residuo da divisão dos corpusculos basaes, e nenhu- ma relação genetica apresenta com o nucleo celular, (est, 112. figs. 1, 3, 7,9, 11). Em muitas celulas o rizostilo desaparece comple- tamente, em outras permanece ainda mesmo após a completa divisäo celular e inteira re- constituiçäo celular.

O protoplasma do Copromastix é pouco refrinjente e finalmente alveolar, com malhas mais delicadas junto ao nucleo. Não apre- senta membrana nem vacuolos nutritivos e pulsateis.

O nucleo acha colocado no limite entre os 2/3 anteriores do corpo; é vesiculo- so e limitado externamente por uma delgada membrana.

No centro dele se um cariosoma volu- moso, sem centriolo perceptivel, cercado duma zona de suco nuclear, clara nos limites ex- ternos, da qual, encostadas á membrana nu- clear, se notam granulaçôes de cromatina pe- riferica. Esta cromatina, a meu ver, nunca falta nes nucleos vesiculosos, podendo ser sempre neles evidenciada por um rigoroso exame a fresco ou com colorações apropria- das, cuidadosamente feitas, além de que sua presença aparece claramente demonstrada nas diferentes fases da divisão nuclear. É muito comum, porém, que os observadores não a pesquizem cuidadosamente e, por isso, a dêm como inexistente.

Examinado a fresco, o flajelado, que es- tamos estudando, apresenta a fórma duma ce- lula sub-triangular muito achatada, com pro- toplasma refrinjente e finamente granuloso. Ceralmente melhor a fresco do que quando em preparações coradas e fixadas, se a saliencia, em fórma, de ponta do angulo an- tero-externo da celula correspondente à fenda bucal que possue o protozoario.

Quando vivo, o protozoario apresenta, graças a seus flajelos anteriores, lentos e compassados movimentos giratorios em torno de seu grande eixo.

Não se observam deformações da celula quer quando em repouso, quer quando em movimento.

O comprimento do Copromastix é, em média, nas formas bem desenvolvidas, de 16 a 18 u e a largura de 7 a 9 u. As formas menores podem atinjir a 6 4 de comprimen- to e 3 de largura. O diametro nuclear é de

| cerca de 1/5 do comprimento do corpo. Est.

12: figs. 1,615;

06 ee

Divisäo Nao fazendo exceçäo aos demais flajela. dos, o Copromastix se divide lonjitudinal- mente. Os fenomenos de divisão tem início no nucleo esó quando neste as fases vão adiantadas é que começa a divisão proto-

plasmica. Os primeiros fenomenos observados se manifestam pelo desaparecimento da

membrana nuclear, tomando o cariosoma a iorma dum bastonete espesso, de cujas extre- midades partem filamentos dum delgado fuso acromatico, em cujo equador se observam massas de cromatina periferica regular- mente disposta (Est. 12, fig. 2).

Em seguida, o bastonete cariosomico se estreita na parte média, correndo a substan- cia dele para as extremidades, conservando- se o fuso acromatico com o mesmo aspeto (Est. 12, fig. 3). Em fases ulteriores do pro- cesso, O cariosoma se vem colocar, pcr com- pleto, nos polos do fuso de divisão sob a forma de placas polares, ao mesmo tempo que a cromatina periferica, então mais visivel, toma o aspeto tipico de placa equatorial. O fuso de divisão se alonga. Est. 12, figs. 4, 5, 6, 7.). O corpo celular começa a se arre- dondar.

Continuando a divisão, da-se o desdo- bramento das placas equatoriais, o afasta- mento dos placas polares, permanecendo, porém, ainda os novos nucleos presos pela centrodesmose. À celula do flajelado começa a se alongar no sentido transversal e toma o aspeto duma elipse larga (Est. 12, figs. 8 e 9). Rompe-se afinal, em fase mais avançada da divisão, a centrodesmose que é reabsorvida ; os nucleos se individualizam e começam a se reconstituir. Por sua vez, O protoplasma do flajelado começa a se estrei- tar na parte central e as novas celulas vão se separando uma da outra (Est. 12, figs. 10 evi}:

Finalmente se a separação completa dos dois flajelados recemformados e começam a tomar a forma primitiva; o nucleo apre- senta o cariosoma condensado e redondo como normalmente é; a cromatina periferica

porém, ainda se apresenta sob a fórma duma massa granulosa aglomerada junto do cario- soma (Est, 12, fig. 14.) Os flajelos se reconstituem. Por ultimo a celula readquire o seu aspeto típico.

Durante as fases, acima mencionadas de divisão nuclear e protoplasmica, ocor- re egualmente a divisão dos corpusculos basais, que é direta e que deixa como re- siduo mais ou menos constante, no protoplas- ma do flajelado, um rizostilo orijinado dessas divisão (Est. 12, figs. 2, 3, 7, 10, 11, IS de As

Além das fases de mitose acima descri- ta, parece tambem ocorrer, no Copromastix, um processo mais abreviado e rapido de di- visão nuclear tal qual ocorre nas amebas e foi por nós assinalado na Amoeba diplomito- tica. Deste processo abreviado da divisão do flajelado, dão uma idea bastante clara as fi- guras 12 e 13 da estampa 12, dispensando- nos por isso, de entrar em maiores detalhes, bastando ficar dito que nele ocorre a divi- são do cariosoma e rapida reconstituição dos novos nucleos, independente das fases com- plicadas anteriormente assinaladas.

Classificação

Para o flajelado, que acabamos de des- crever, não o podendo incluir entre os represen- tantes dos grupamentos conhecidos, cria- mos o genero Copromastix e lhe damos a denominação especifica de prowazeki, em homenajem é memoria de nosso pranteado mestre e amigo Dr. S. von PROWAZEK. O genero Copromastix deve ser incluido entre os que formam a familia Tetramitidae da ordem dos Protomonadina.

O novo genero Copromastix deve ser caraterizado do seguinte modo: Tetramitidae, com 4 flajelos anteriores e iguais, de corpo subtriangular, com fenda bucal, desprovida de qualquer organela; não possuindo nem membrana ondulante nem axostilo.

Manguinhos, Janeiro de 1916.

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ ESTAMPA 12 TOMO VIII—1916

15

12 13 14 CASTRO SILVA, del.

o pp

Explicacáo da estampa 12

Material fixado em laminulas pelo subli- mado alcool e corado pela hematoxylina ferrea de Heidenhain.

Todos os desenhos foram feitos com a camara clara, a altura da mesa, com a ob- jectiva apochromatica de 2 mm e ocular com- pensadora 12, Zeiss.

|

Fig. 1 Copromastix prowazeki, individuo normal.

Figs. 2 a 13 Copromastix prowazeki em

| differentes estadios de divisão.

Fig. 14 Copromastix prowazeki recente- mente dividido com nucleo ainda incomple- tamente reconstituido.

Fig. 15 Forma pequena da Copromastix prowazeki.

Fixação de complemento na blastomicose.

pelo DR. ARTHUR MOSES.

(Assistente interino).

Auxiliares preciosos da clinica, os meto- dos biolojicos de diagnostico tem utilidade muito maior nas infeções, em que constitu- em O unico caminho que possue o laborato- rio para elucidação do diagnostico; não são, entretanto, poucas as vantajens que deles advem, quando, embora conhecido o causa- dor da infeção, é dificil a pesquiza do germe, quer pela tecnica exijida, quer pelo fato de não sero germe acessivel ao pesquizador em algum dos estadios da molestia, como acontece na sifilis.

Mesmo nos casos, que escapam ás con- dições mencionadas, são sempre necessarios, como instrumento complementar de prope- deutica.

Datam os primeiros estudos de imunida- de nas infeções determinadas por levedos e cogumelos, de KOFF se ocupou da defesa da daphnia contra a monospora bicuspidata. São muito mais recentes os estudos de RIBBERT, CHARRIN, OSTROWSKY e ROGER e só- mente depois das pesquisas de WIDAL e ABRAMI, que examinaram doentes diversos, acometidos de afeções micosicas, reconhe- cendo que o sôro adquire propriedades ana-

logas ás determinadas pelas infeções bacteri- |

1884, quando METSCHNI- |

| diagnostico nas infeções causadas por cogu-

anas, é que se lançaram as bases do soro- |

melos.

A ação aglutinante do soro de animais inoculados com oidium albicans e a presença de aglutininas e anticorpos fixadores de com- plemento no sôro de esporotricoticos são fatos verificados e aceitos.

Nos ensaios de fixação de complemento na esporotricose, WIDAL e ABRAMI empre- garam a seguinte tecnica: À 0,5cc de emul- são de esporotrico adicionavam Icc de soro de paciente, 0,2cc de soro de cobaia, diluido com egual volume de solução fisiolojica e finalmente 1/2cc de solução fisiolojica, man- tendo os tubos em banho maria na tempera- tura de 37 gráos durante 4 horas, para depois acrecentar 0,3 de soro hemolitico e 0,1 de globulos lavados em suspensão em 0,5 de solução salina a 0,60/0.

Conseguiram assim resultados positivos de fixação de complemento mesmo nos casos, em que era negativa a aglutinaçäo

Embora facil a pesquiza do esporotrico, tem vantajem pratica estes ensaios nos casos atipicos e para o diagnostico retrospetivo, quando o paciente apresenta cicatrizes espo- rotricoticas.

Em 1902 MALVOZ se lembrou de ensai- ar a reação de Bordet na blastomicose e

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mais tarde, RICKETTS, fazendo estudos sobre esta infeção, pesquisou em cobaias inoculadas, precipitinas e anticorpos de Bor- det.

Para isto empregou culturas de 3 anos, em agar glicosado a 10/0, caldo glicosado a 1°/o, agar acido e caldo acido a 10/0. Alem deste material empregou ainda um extrato de oidiomiceto, usando de cultura de tres semanas a um mez, que depois de retirada do meio de cultura era levada ao secador. Pesado o material seco. ajitava com egual volume de areia esterilisada e com bolas de porcelana, para depois preparar emulsão com 10cc de solução salina a 0,859/o.

Aos poucos adicionava solução salina até completar o volume de 50cc, centrifugava e retirava o liquido que era conservado em vidro esterilisado e de novo ajitava o sedi- mento com outra solução salina ate que não existisse celula que não estivesse destruida. Nesta ocasião emulsionada cada grama de germe morto em 100 cc de veiculo, garantida a esterilidade do produto, que é amarelado e opalecente, com 0,5 °/o de acido fenico e 0,3º/0 de cloroformio, estava preparado o antijeno.

As pesquisas de aglutininas, substancias liticas, e anticorpos fixadores de complemen- to resultaram sempre negativas mesmo em cobaias de recente imunisação.

Na pesquisa de precipitinas verificou, após 24 a 96 horas de permanencia na ge- leira, dos tubos, que passaram antes 2 horas na estufa a 37 grãos, resultados, que consi- derou positivos, porque os testemunhas conti- nuavam claros. Encontrou o maior numero de resultados positivos entre os animais ino- culados exclusivamente com extrato, sendo raro, este resultado nos inoculados unica- mente com germe. Estes resultados são en- tretanto prejudicados por um ensaio positivo verificado em 96 horas com soro de cobaia normal diluido a 1/10.

Nos ensaios de fixação de complemento RICKETTS empregou 0,1 de emulsão de oidiomiceto, moderadamente turva, 0,1 de extrato recente ou 0,15 cc de precipitado

alcoolico de extrato, depois diluido com so- lução fisiolojica.

Para ilustração propria, fizemos verifica- ções de aglutinação e de fixação de comple- mento com soro de cães e coelhos, inocula- dos no laboratorio com diversos escantilhões de esporotrico, com blastomyces e outros co- gumelos e de que talvez falaremos em outra publicação mais detalhada; pois o que nos leva a publicar o presente artigo é a serie de resultados positivos em ensaios de fixação de complemento em diversos doentes, em que a pesquiza clinica e o exame microscopico firmaram o diagnostico de blastomicose.

Não são simples verificações, e sim, Os primeiros resultados neste sentido publicados em casos de infeção humana e, por isto, não deixam de ter interesse e merecer rejisto.

Logo ao iniciar, e mais tarde, no correr dos trabalhos, preparamos quantidade sufi- ciente de antijeno, que conservado na gelei- ra, permitiu nos realisar durante muito tempo as pesquizas e, se assim não procedessemos, veriamos tolhidos nossos esforços, porque perdemos a cultura, que nos prestou exce- lentes serviços e que foi isolado por GASPAR VIANNA de um doente que observou em companhia do Prof. MIGUEL PEREIRA. E” verdade que, depois disto, recebemos do Dr. A. PEDROSO, de S. Paulo, escantilhões de blastomyces, por ele isolados, e que manti- dos durante algum tempo no laboratorio, ti- veram egual aplicação em nossas pesquizas.

“Aproveitamos a ocasião para agradecer a gentileza com que atendeu a nosso pedido.

Para preparo do extrato empregámos culturas bem desenvolvidas, que nunca eram de menos de seis mezes, em agar de Sabou- rad, contendo maltose umas, e glicose outras e,em gral esterilisado, triturámos longamente a cultura em suspensão em solução fisioloji- ca a 0,85 9/0. Depois disto, ajitámos a emul- são com bolas de porcelana em vidro esteri- lisado durante 24 horas e em seguida filtrá- mos em papel Chardin e, ás vezes, em vela Berkefeld, adicionando ao filtrado 0,5 9/0 de acido fenico. Para preparo da emulsão em- pregámos a mesma tecnica quanto á tritura- ção, excluimos a ajitação e filtramos em algo-

(=

dão, diluindo a emulsão até que não exer- cesse acáo impediente sobre o poder comple- mentar do soro de cobaia.

Refere se o presente trabalho a 10 obser- vações, estudadas nos anos de 1912, 1913, 1914 e 1915. Destes morreram 7: dois tive- ram alta melhorados apos tratamento por ino- culacóes intravenosas de iodeto de sodio e um teve desfecho ignorado.

9 dos observandos estiveram hospitalisa- dos na enfermaria do Prof. TERRA, a cuja gentileza devemos a liberdade com que co- Ihemos material de estudo em seu servico clínico e o decimo era doente da enfermaria do, Prof. MIGUEL PEREIRA a cuja benevo- lencia e interesse cientifico devemos a per- missáo Que mais de uma vez merecemos para acompanhar doentes de seu servico.

Em 8 dos doentes foi positiva a reacáo e nos outros dois negativa, mesmo quando elevada a quantidade de soro empregada. A substituicio do antijeno blastomicetico ou do soro do paciente por antijeno esporotricotico e soro de individuo normal ou tuberculoso dava sempre logar a resultado negativo.

A quantidade de emulsáo ou de extrato empregada dependia de ensaio previo para

evitar a acáo impedidora dos mesmos: a quantidade de soro variava de 0,1 a 1 cc: 0,1 de soro de cobaia era quantidade fixa. Apos 2 horas de incubação adicionavamos soro hemolitico de acordo com o tifulo do mesmo e 0,5 de suspensão de globulos a 50/0.

Nestas condições podemos asseverar que em doentes de blastomicose com diagnostico confirmado pelo exame microscopico foram positivos os resultados de fixação de comple- mento, quando o antijeno empregado era emulsão ou extrato de blastomiceto. Não po- demos garantir a rigorosa especificidade da reação; para isto precisariamos trabalhar com diversos cogumelos, que pela classificação se aproximassem dos blastomyces ; podemos, no emtanto, assegurar que constitue mais um meio a nosso alcance para confirmar ou elu- cidar o diagnostico de blastomicose, quando, por qualquer motivo, este se tornar dificil.

Antes de terminar queremos assinalar que foram negativas todas as pesquizas de precipitinas no soro dos doentes com blasto- micose,

Manguinhos, 3 de Fevereiro de 1916.

Nota sobre Agchylostoma brasiliense G. DE FARIA, 1910

pelo DR. GOMES DE FARIA

Em 1910 descrevi sob o nome de Agchy- lostoma brasiliense um parasito dos cáes e gatos do Kio de Janeiro.

O Prof. LOOSS tinha descrito em 1911, um parasito da Viverricula malaccensis sob o nome de Agchylostoma ceylanicum. Esta espe- cie foi mais tarde verificada como sendo pa- rasito humano, razão pela qual adquiriu grande importancia.

LEIPER sujestinou, em um artigo, a identidade destas 2 especies. Ja em 1914 pu- bliquei no “Brazil— Medico” uma nota de- monstrando a não identidade da especie, porém, parece não ter sido suficentemente divulgada, visto que em alguns trabalhos me- dicos tem reaparecido a mesma confusão, razão pela qual resolvi a voltar sobre o as- sunto.

Em 1914 enviei o meu material ao Prof. LOOSS, que teve a bondade de examinal-o e comparal-o com seu A. ceylanicum, comu- nicando-me os resultados.

Em 1915 tive ocasião de receber um ex- celente material da especie A. ceylanicum, en- viado pelo Dr. CLAYTON LANE de Berham- pore, Bengala, que submeti a um estudo com- parativo.

AS principaes diferenças se encontram na capsula bucal e na bolsa caudal dos machos.

A. brasilienses possue um grande dente de cada lado da capsula bucal de fórma trian- gular. No angulo superior e interno encon- tra-se um pequeno dente acessorio, porém sempre pequeno e ás vezes dificilmente visi- vel. O Prof. LOOSS, na comunicação que me fez, não se refere a esse dente, talvez porque fosse muito pequeno on faltasse mesmo no material que lhe enviei (apenas um par). LOOSS afirmou então que o A. brasiliense tinha um dente que correspon- de ao dente medio de A. duodenale, sendo que o externo e o interno faltam completa- mente, e que o A. ceylanicum tem ao contra- rio um dente interno frequentemente ainda maior do que figurou na fig. 111 de seu tra- balho.

Pelo exame de abundante material de A. brasiliense pude verificar a existencia dum dente interno, porém comparativamente muito menor que no A. ceylanicum. Este ca- rater tem todo valor para separar as duas especies, e neste sentido basta comparar O desenho que publiquei com os de LOOSS ou de CLAYTON LANE.

A diferenca na bolsa caudal dos machos é constituida principalmente pelo longo com- primento, finura e elegancia dos raios prin- cipalmente do externo dorsal, no A. brasili- ense, emquanto que no 4. ceylanicum são

os y

mais curtos e grossos. Em sua comunicaçäo o Prof. LOOSS chama a atencáo para estes caracteres, que considera excelentes para a diferenciação de especies proximas e que náo tém sido usados por outros autores. Estes caracteres distintivos levaram o prof. LOOSS a afirmar que 4. brasiliense e A. cey- lanicum sáo duas especies absolutamente dis- tintas e faceis de diferenciar.

Com o exame do material de CLAYTON LANE, proveniente de cães da India, desa- parece completamente a pretensa e aparente identidade, proposta por LEIPER.

Conforme mencionei em meu traba-

| |

lho anterior, tive ocasiäo de examinar nume- ros ancilostomas, que haviam sido encontra- dos em crianças residindo nos mesmos bairros do Rio de Janeiro, em que cäes e gatos foram encontrados parasitados por A. brasi- liense, nunca tendo encontrado os mesmos parasitando seres humanos, como CLAYTON LANE teve ocasiäo de observar em Berham- pore. Bengala com À. ceylanicum.

Para terminar consigno meus melhores agradecimentos ao Prof. LOOSS pela bon- dade que teve em estudar e comunicar-me os resultados do exame de meu material e ao Dr. CLAYTON LANE pelo material que teve a bondade de enviar-me.

FARIA, GOMES DE; 1910 FARIA, GOMES DE: 1914

FARIA, GOMES DE: 1914 & TRAVASSOS, LAURO

LANE, CLAYTON 1913 LEIPER 1913 LOOSS 1911

(E BIBLIOGRAFIA

Ancylostomum brasiliense, n. sp. parasito de cáis o gatos. Mem. Inst. Oswaldo Cruz, T. Il. Fac. Il

Ainda sobre o Agchylostoma brasiliense. Brazil - Medico, 22 de Marco

Morphologia, systematica e biologia dos Ancylostomos Archivos bras. Med. Ano 4. No 1-3 Agchylostoma ceylanicum, a new human parasite

The apparent identity ot “Agchylostoma ceylanicum” LOOSS 1911, and A. brasiliense G. DE FARIA, 1910 Journ. of trop. M d. Vol. 16 p. 334

The anatomy and life history of Agchylostoma duodenale etc. Records of the Egypt. School of Med. Vol. IV

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Ano 1916 Tomo VIII Faciculo III

Rio de Janeiro - Manguinhos

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Sumario:

I—Viajem cientifica pelo Norte da Bahia, sudoeste de Pernambuco, sul do Piauhi e de norte a sul de Goiaz, pelos Drs. ARTHUR NEIVA E BELISARIO PENNA. (Estudos feitos 4 requisição da glk: de Obras contra a seca. Direção: Dr. Arrojado Lisbôa.) . . . . . . . +. + E : Hs ns ee de 74

AVI SO As «MEMORIAS» seráo publicadas em faciculos, que nao apareceráo em datas fixas. No minimo, aparecerá um volume por ano.

Na parte escrita em portugués foi adotada a grafia aconselhada pela Academia de Letras do Rio de Janeiro.

Toda correspodencia relativa ás «MEMORIAS» deverá ser dirijida ao «Diretor do Ins- tituto Oswaldo Cruz Caixa postal 926 Manguinhos—Rio de Janeiro». Endereco telegrafico: «Manguinhos».

Viajem cientifica pelo Norte da Bahia, sudoeste de

Pernambuco, sul do Piauhi e de norte a sul de Goíaz. pelos

Drs. ARTHUR NEIVA E BELISARIO PENNA

(Estudos feitos 4 requisição da Inspetoria de Obras contra a seca. Direção: Dr.

Arrojado Lisbôa.)

As notas de viajem, abaixo transcritas se referem a pesquizas de medicina, hijiene e historia natural feitas em 1912 numa das zonas do Brazil flajeladas pela seca. As re- jides percorridas se acham compreendidas nos Estados da Bahia, Piauhy e Goyaz.

Clima

Em excursôes de natureza da que reali- zamos, os dados a este respeito são certa-

mente deficientes e, a não ser em Joazeiro, |

onde existe pequeno posto meteorolojico per- tencente ao Horto Florestal, que a Inspeto- ria de obras contra as sécas ali possue, poucas informacóes conseguimos colher que nos ilus- trassem a respeito da climatolojia da zona percorrida. Mesmo em Joazeiro, os dados concernentes 4 humidade, evaporaçäo, nebu- losidade etc., não estavam rejistados e O rejisto diario de temperatura, apresentava falhas de dias e até de mezes: como, porém, sao os dados mais completos e os que abran- jem maior espaço de tempo, vamos reprodu- zil-os, citando apenas as maximas e minimas mensaes :

1911

Maxima Minima ADOSTO: «de IA lisis tes 200 Setembro. sde 380,5... 150 ÉTUDE causam IO OA 1808 Novembro ....... Ue 190 Dezembro........ DÃO Bee 1802

—1912-

Janeiro. Shas ane 00,2 quis 1805 Fevereitors cad! PN edad 180 Março 14 IS 360 . 200

Em Novembro de 1911 houve dia em que a temperatura atinjiu a 390 e em Janei- ro de 1912 a temperatura acendeu a 390 2 maximo observado para aquela cidade. A minima rejistada foi de 150 em Setembro. Estes dados, embora incompletos, dáo idéa da temperatura á marjem do S. Francisco, em grande zona dos Estados da Bahia e Per- nambuco; praticamente, os dados meteoro- lojicos colhidos em Joazeiro, podem ser apli- cados á cidade pernambucana de Petrolina

que lhe é fronteira. Joazeiro esta situado a 372 metros de altitude.

De Abril até Setembro, as observaçôes eram por nos tomadas, quando pousados, 3 vezes ao dia, ás 6,12 e 18 horas; as tempe- raturas noturnas rejisiadas por um termo- metro de maxima e minima tipo RUTHER- FORD. Em viajem, somente a temperatura noturna era tomada rigorosamente, apenas as minimas ficaram bem rejistadas porquan- to, sem excecáo de um dia, a temperatu- ra noturna era observada. As médias obtidas, embora náo sejam perfeitamente rigorosas, pois em todos os mezes houve faltas no re- jistar as temperaturas maximas, náo devem comtudo estar longe da verdade. Os dados sobre a nebulosidade foram tomados com O possivel rigor. Ha sem duvida um erro es- sencial qual o de reunir resultados obtidos pela manhan em determinado local com outros tomados pela manhan seguinte em ponto bas- tante afastado e onde as condicóes climate- ricas náo sáo identicas.

Em Abril a media foi de 260; a minima atinjiu 140, em S. José da Canastra, povoa- cáo baiana do municipio de Remanso e si- tuada a cerca de 500 metros de altitude; a maxima de 360 foi rejistada no sitio de Coité a 3 quilometros da cidade de Petrolina. Ne- bulosidade=3. Durante a noite de 15 choveu pouco; no dia seguinte choveu copiosamen- te á noite; no dia 30 em lugar denominado Onca, Municipio de S. Raymundo Nonato, rejistámos rapido aguaceiro e que Os natu- rais chamam de “neblina” .

Em Maio, a media deceu 2404; o maximo atinjiu a 320 nos dias 13, 25 e30; a minima foi de 19, observada a 23 no lugar denomi- nado Caracol. Estas observações referem-se principalmente ás localidades do Municipio

de S. Raymundo Nonato, onde, segundo informações ministradas pelo Coronel MANOEL ANTUNES DE MACEDO

JUNIOR, na sua fazenda Tanque, a maxima anual atinje a 360.

A media de nebulosidade subiu, atinjindo 6,8. Apenas choveu no dia 29.

Nestes dados, estão tambem incluidas observações rejistadas em algumas locali-

~!

| em Goyaz e logo ao atravesar a

Qu

dades pertencentes aos municipios de Re- manso. Riacho da Casa Nova e Santa Rita do Rio Preto no Estado da Bahia.

Durante o mez de Junho a media foi exatamente a do mez anterior 2404; a minima absoluta atinjiu a 11º no pouzo “Ipuêras” no dia 9; na vila Parnaguá rejistámos a maxima absoluta de 30°: nos dias 11 e 16 choveu copio” samente, fenomeno rarissimo nesta quadra do ano, segundo as informações obtidas. Pelas informações ministradas pelo Juiz de Direito, a maxima até hoje observada na vila de Parnaguá foi de 370.

Nebulosidade media: 6,8.

No mez de Julho as observações com- preendem os municipios Parnagua, Corrente (Piauhy), Sta. Rita (Bahia) e Duro (Goyaz). É o mez de média mais baixa facilmente explicavel náo pela época, como ainda pela altitude, cada dia mais elevada, pois caminhavamos com rumo ás cabeceiras do Rio Preto em demanda do divortium aquarum das bacias de S. Francisco e Tocantins; a média observada foi de 200; a maxima de 310 no dia 4, proximo á vila de Parnaguá; a minima absoluta foi de 705 rejistada na loca- lidade baiana de Perypery, municipio de Sta. Rita do Rio Preto, Bahia. Do dia 5 ao dia 29 a minima absoluta ocilou entre 705 e 120: esta temperatura foi observada em loca- lidades do municipio de Sta. Rita, Estado da Bahia e nos “geraes” (campos extensos e desabitados) do mesmo Estado que se esten- dem da confluencia do Rio Sapao no Rio Preto, até o grande chapadäo situado cerca de 850 metros de altitude e existente nas proximidades de Goyaz. Os referidos geraes que evidentemente gosam de excelente clima, sáo formados por magnificas terras comple- tamente desaproveitadas, pois são desabi- tados por completo e ainda hoje se encon- tram nas mesmas condicóes descritas por GARDNER, ha 80 anos.

Devido ás queimadas frequentes nesta época, deixámos de tomar deste mez em diante as observações concernentes 4 nebu- losidade.

Os ultimos dias de Julho foram passados serra do

Duro, sente o viajante que o calor aumenta. No mez de Agosto a média de tempe- ratura é representada por 25°, a minima nao vai além de 14,5,; em compensação, a maxima alcança a 340. As observações efetuadas pelo Dr. FRANCISCO AYRES da SILVA na cidade do Porto Nacional durante 10 mezes do ano de 1901 rejistam as seguintes temperaturas maximas para cada mez:

| VAS NRA ne 330 EC GVO nes coy is a ee 320 MET Se oe scape PRET A 320 NDS e emi een LAN 330 O RE RARES AR EE en 320 AB ree IA" An 320 à ET LCR RE ART ER 340 ES DE MER PR EE 3505 SELEMDION Masses CN EEE 360 A sie SE 340

360 continua a ser a temperatura mais elevada, observada naquela cidade goiana. Em Goyaz, chove geralmente de Setembro ou Outubro a Dezembro; deste mez em diante, i. é, em espaco de cerca de 20 dias, ha interrupçäo que dizem nunca faltar e que é conhecida por “veranico de Janeiro” ; passado este praso, chove então copiosamente até Março. Em Julho ou Agosto, acontece cairem aguaceiros conhecidos sob a deno- minação de “chuva dos cajueiros”. Naquelas zonas, ha duas estações no ano, a “sêca”, que vai de Maio a Setembro e o “verde” de Outubro a Abril; as designações de verão e inverno são mais raramente usadas; algumas vezes a sêca vai de Maio a Dezembro e mesmo a Janeiro, quando ocorre a primeira chuva; nos anos favoraveis começa a chover em fins de Setembro. Isto é o que ocorre normalmente: periodicamente, porém, a chuva deixa de cair e sobrevem a sêca com o classico cortejo de horrores.

O vento reinante na zona percorrida foi sempre o de leste ou sueste; durante os dias em que permanecemos emParnaguá foi este o vento reinante (12 de Junho a 2 de Julho).

A marcha da sêca se opera de Jeste

para oeste. O caminho que efetu-

€,

-

Que

avamos levava este rumo, o que nos per- mitiu observar o fenomeno, porquanto, havendo sêca completa nas zonas de leste, á medida que avançavamos, iamos sorpre- endendo o resto do “verde” ; Ao chegarmos a Parnaguá, depois de travessia por zonas completamente sêcas, ainda encontrámos este municipio no fim do “verde”; ao sairmos a sêca ali era completa no emtanto, muito mais adiante, ainda alcançámos zonas onde a sêca apenas começava. À verificação era facil de se fazer, pois sempre tomavamos como referençia 2 vejetaes muito comuns em toda a zona e pertencentes, um ao genero Croton (marmeleiro) e o outro é o mata pasto (Cassia) e que se desfolham por completo.

Em alguns logares de Goyaz, caem geadas e sobre esta tivemos varias informa- ções e pudemos mesmo observar os seus efeitos em algumas bananeiras. Na capital desse Estado, tivemos ocasião de presenciar intensa chuva de pedra de curta duração, porém.

Diminuição das aguas.

Não ha duvida que a agua diminue sempre no Brazil Central; o morador das marjens dos grandes rios não percebe o fenomeno, mas o depoimento dos habitantes das proxi- midades dos pequenos cursos e de coleções d'agua pouco volumosas é unanime em con- firmar este fato.

De Petrolina até a vila de Parnaguá, não se encontra um unico curso perene; O rio Piauhy, encontramol-o “cortado” (com o curso interrompido) na vila S. Raymundo Nonato; o Curimatá completamente sêco; apenas para citar os maiores. A grande massa d'agua formada pela lagoa de Parna- guá, está seriamente ameaçada, tendo de- crecido cerca de 3 quilometros e, se o rio Fundo vol.ar a lancar-se nela, o desecamen- to será apressado; este curso d'agua foi a principal causa do aterramento da lagôa; ha alguns anos que O rio mudou de curso e a lagóa, atualmente, é atravessada pelo rio Pa- rahim o qual acarreta grande quantidade de lama; as lagóas da Missão, Ibiraba, Ipuêra ou Jatobá, por vezes têm secado nas grandes

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sécas. Depois do S. Francisco, O primeiro rio corrente que encontrámos foi o Parahim o qual, pelas informacóes, estava “cortado” mais adiante. Ao atravessarmos o rio Corren- te, que aflue ao Parahim, soubemos que durante a séca de 1898 teve o seu curso in- terrompido e o atravessámos em local onde media 5 metros de largura com 30 centime- tros, apenas, de profundidade. Este é, aliás, um rio citado como de curso perene.

Onde, porém, as informações são mais abundantes é em Goyaz; é proverbial a abun- dancia dos cursos d'agua deste Estado. Com tudo, é voz corrente, no emtanto, que a agua diminue paulatinamente, porém incessante- mente; qualquer antigo morador, a quem se interrogue sobre o assunto, logo narrará os brejos que existiam nas imediações e des- aparecidos, e os ribeirões que antigamente não “cortavam” ou rios como o Canabrava e o Santa Thereza que começam a “cortar”. Qualquer habitante que resida pelo espaço de 20 anos em qualquer zona goiana, saberá dizer quantos buritizaes desapareceram neste espaço de tempo (a presença dos grupamen- tos de buritis (Mauritia vinifera MART.) é considerada com indício da existencia de agua). Em muitos povoados goianos,a escassez d'agua é verdadeiramente notavel; em Almas a ex- ploração do ouro não poude ir adiante por faita deste elemento; no Descoberto, a zona é tão sêca que ha necessidade de se abrirem grandes e profundas cacimbas á procura d'agua, tal qual, como fazem nas zonas con- sideradas sêcas; 0 proprio Rio Vermelho que banha a Capital de Goyaz antigamente dava acesso a grandes embarcações.

Acrece que, em toda a zona, o homem procura apressar por todos os meios a for- mação do deserto, pela destruição criminosa e estupida da vejetação.

Da Alagoinhas (Bahia) em diante, a zona é evidentemente semi-arida e revolta ao mais alto ponto, a destruição da pouca vejetação existente; os principaes responsaveis são a E. de F. S. Francisco e a Companhia Viação Fluvial; a primeira possue 4 grandes depositos de lenha que consomem 500 metros cubicos de lenha cada um, mensalmente ; além

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destes ha outros depositos menores. Pelo novo contrato, a estrada é obrigada a queimar carváo até Aramaty, no quilometro 120; a estrada, no emtanto, tem 575 quilometros até Joazeiro! A companhia de navegação fluvial usa lenha como combustivel. O carvão veje- tal utilisaão na cidade da Bahia, provem ainda, em grande parte, da zona em questão. É facil supor-se quacs as consequencias de taes devastacóes adicionadas ás causadas pelas queimadas, que têm inicio em Ou- tubro. Sómente quem atravesou as cam- pinas baianas e goianas durante este peri- odo, poderá imajinar em que escala as quei- madas são efetuadas. Nas localidades situ- adas nos vales, a fumaça se acumula durante mezes, até que são varridas pelas chuvas; desola a ausencia quasi total de aves que nidificam no solo e que são destruidas; são centenas de quilometros por zonas parca- mente habitadas, onde, no emtanto, a vida animal existe esscassamente representada, devido a ação do fogo. Mesmo nos “geraes”” apenas viajados de quando em quando, o viajante lança o fogo a pretexto de preparar melhor pasto para as caravanas que lhe suce- derem, pois o “agreste” depois de queimado, ao repontar serve de melhor alimentação aos animaes.

Nem isto é sempre verdade, pois, por expe- riencia sabemos as dificuldades que tivemos de vencer, para alimentar a “tropa”? vitima de tal solicitude, que destruia por completo pastajens, talvez ainda aproveitaveis. Rara- mente, porém, ainda existe a defeza da boa intenção; em geral, o fogo é lançado no meiado de Outubro quasi que simultaneamente e propaga-se por imensas extensões, até que algum curso d'agua ou buritizal o de- tenha; principalmente em Goyaz, as queimadas assumem proporções incriveis.

Sem exceção, em toda a zona, as roças são plantadas nas chamadas coivaras; isto é, porção de mata destruida pelo fogo, onde se semeiam alguns litros de milho e feijão.

A area semi-arida do Brazil, terá forçosa- mente de aumentar gradativamente ; naquelas parajens se planta algum milho, feijão e nas “vasantes” fumo e cana; certamente

fi

e

este pouco não substituirá o muito que rapi- ! nada por LOEFGREN como Pachystroma acan-

damente se faz, destruindo a vejetação naturalmente enfezeda e que protejia a agua escassa daquelas zonas.

na Historia natuialis Brasiliae de PISO e MARCGRAVIUS se encontram re- ferencias á grande quantidade de plantas das rejiões sêcas e, á paj. 262 da edição de 1648, acham-se alusões aos rios sêcos, em contraste com o “Flumen unicum nobile est in hisce regionibus, vulgo Rio S. Francisco” etc., o que talvez constitua o primeiro docu- mento alusivo 4 “séca”. MARTIUS nas Tabulae physionomicae explicatae, ocupa todo o capitula X com a “Silva Aestu Aphylla, quam dicunt Caa-tinga, in Provinciae Bahi- ensis deserto austral”; encontram-se bosquejadas as linhas geraes do aspeto da vejetação da zona sêca do Brazil. Pratica- mente quasi nada se fez depois da publica- ção da Flora Brasiliensis”.

ULE e LOEFGREN escreveram sobre a questão varias publicações. Em Joazeiro, encon- trámos o Horto Florestal aparelhado por LOEFGREN para o estudo das plantas locaes e reunidos em um canteiro todos os representantes das cactaceas, alguns dos quaes constituem especies novas; contámos 18 especies ali representadas, todas determinadas cientificamete. Os generos dendricolas não estavam presentes; aliás, em toda a zona sêca» encontrámos entre S. Raymundo e Re- manso uma denominada “chichá”, perten- cente, provavelmente, ao genero Phyllocactus LINK, e representantes do genero Rhipsalis GAERT. em alguns logares onde havia ainda mata. Apezar das pesquizas feitas sobre a vejetação da zona sêca, sente-se imediata- mente pela simples leitura dos autores que dela se ocupam, que é campo onde ha muito que realizar e no material estudado reina grande confusão, sendo indispensavel uma revisão. Nas zonas por nós percorridas, não encontrámos um exemplar de Cava- nillesia RUIZ e PAR, rejistada como presen- te por varios autores. Se nos fosse permitido dar a carateristica da caatinga pernambucana e piauiense, nós afirmariamos que a planta esencial é sem duvida a “faveleira” determi-

thophylla. Mais que o imbuzeiro (Spondias tube- rosa A. CAMARA), do que a ¿mburana (Bursera letophoeos MART .), ojoazeiro (Zizy- phus joazeiro MART.) e o Ptlocereus setosus GUERKE (xiquexique), a faveleira carateriza a caatinga.

A imburana vai até Goyaz, o joazeiroe o imbuzeiro estendem-se bastante para Oeste e Norte, a faveleira, no emtanto, termina pouco adiante de S. Raymundo Nonato. Logo que a silva horrida de MARTIUS melhora de aspeto e as Mimosas diminuem de numero e o marmeleiro (Croton L.) se torna mais abundante, a faveleira vai diminuindo.

De Petrolina a S. Raymundo, pratica- mente o aspeto da vejetação é o mesmo; por toda a parte o Cereus catingicola GUERKE e varias especies de Neoglaziovia MEZ., além da N. varierata ARRUDA CAMARA, e pelo menos 4 especies do genero Bromelia- representantes de Opuntia MILL., Echinoca, ctus LINK e OTTO, Melocactus LINK e OTTO; nenhuma bromeliacea dendricola e apenas um exemplar de orchidacea foi encon- trado, o qual nos pareceu ser pertencente ao genero Cyriopodinm R. BR. Por toda a parte a “macambira” (Bronelia laciniosa MART.), bromeliacea terrestre de caule, extremamente abundante e em certos iogares, formando por isso o “macambiral” de grande utilidade nas sécas, pois os rizomas servem de alimen- tação para homem e animaes. De quando em vez, o viajante tem a atenção despertada pela coloracáo vermelho-viva das flores do “mulungú” (Erythrina L.) ou pelas vajens encurvadas e rubras de outra arvore de menor porte, o Pithecolobium diversifolium BENTH. A /pomea fistulosa MART., tao comum ás marjens do S. Francisco, desa- parece logo depois de Petrolina para reapa- recer somente 4 marjem da lagôa de Parna: gua. Em toda a parte o marmeleiro (Croton L.), sem estar aliado ao mofumo, como LOEF- GREN observou no Ceará, e o mata-pasto (Cassia sericea SWAR.) e outras especies do mesmo genero incluidas sob identica designa cáo vulgar, ocupando ás vezes enormes exten- sões. Nenhum exemplar de palmeira; as

—— 19

primeiras observadas foram a Copernicia cerifera MART. (carnaubeira) e isto na Fazen- da da Cruz nas imediacóes da Vila Parnaguá.

Em alguns logares á marjem doS. Francis- co e do municipio piauiense de Parnaguá e mesmo na vila do Duro (Goyaz), encontrámos alguns pés de Cocos nucifera L. Nas rejiões sertanejas o “cogueiro da Bahia” nao encon- trou as condições que favcrecem o seu creci- mento e frutificação como no litoral. A escassez com que é encontrado e uma prova; além do que, pelas informacóes que colhemos os coqueiros ali, comecam a frutificar ao cabo de 7 anos e o exemplar que se desen- volveu na vila do Duro, deu os primeiros irutos no fim 11 anos.

A vejetação é pequena; baraüna (Metanoxylon brauna, SCHOTT), joazeiro e umburana são os maiores representantes

vejetaes até as proximidades de S. Raymundo e nunca excedem de 8 metros de altura. Em todaa zona, os terrenos são designados pelo aspeto da vejetação; assim, “taboleiro” designa terreno descampado e mais ou menos

plano onde predomina vejetação rasteira; o “agreste” e o “mimoso” designam o terreno pela qualidade de graminea que nace; o

agreste (Eragrostis BEAUV .) é forrajem de que o gado se utiliza depois de queimada, alimentando-se os animais dos rebentos; o mimoso (Panicum capillaceum LANK.) é a forrajem melhor utilisada pelo gado sem a ação do iogo.

Pouco adiante de Petrolina, as aivores da caatinga são mais desenvolvidas do que nos arredores de Joazeiro e no lugar deno- minado “Caldeirão” (Pernambuco) as arvores de espinho diminuiram e as umburanas, juremas (Mimosas.) atinjem grandes propor- ções. Na época em que atravessámos essa zona (Abril) tudo estava virente; mais tarde verificámos que somente as cactaceas se conservam verdes e, se a sêca se prolonga até o “xigue-xique emagrece”, segundo nos informaram.

A’ medida, porém, que o viajante se apro- xima deS. Raymundo, a vejetação vai mu- dando para melhor e entre esta vila e a cidade de Remanso encontra-se vejetação

mais robusta; todavia, a umburana de cheiro ou brava (Torresia cearensis FREIRE ALLE- MÃO.) chega a dar taboas de 3 palmos, disputando com a Hymenaea courbaril L. (Jatobá), o que bem mostra como a vejeta- ção se desenvolve pouco e como as dimen- sões das arvores estão lonje das proporções alcançadas no sul do Paiz. O anjico (Pipta- denia moniliformis BENTH.) e a aroeira (Astronium JACQ.) completam as grandes arvores de toda a zona até chegar á vila de Parnaguá, onde as mesmas especies vejetaes assumem proporções maiores. Nos arredo- res de Parnaguá ha ainda uma outra especie de anjico, a Piptadenia biuncifera BENTH que, aiém de outros caracteres diferenciaes, possue vajem muito maior. Ai, encontrámos a unica arvore gigantesca de todo o percurso, que é um exemplar de certa qualidade de gameleira, Urostigma gardnerianum MIQ. Entre os gran- des representantes aparece pela primeira vez o tamburil (Enterolobium tamburil MART.) Em Parnaguá, a faveleira não existe e poderiamos ‘dizer com toda a verdade, imi- tando o falar local, que a faveleira éa divisa entre a caatinga eo agreste. As juremas em 6 de Junho aqui ainda floreciam, no emtanto estavam completamente desfolhadas de Caracol até esta vila. Sob a denominação de jurema, o povo reune pelo menos 3 especies perfeitamente definidas ; uma de flor rosea e duas outras de flores brancas de tarianhos diversos, além da diferença existente na coloração do cortex. A maniçoba existe abundantemente na zona semi-arida da Bahia e Piauhy, estendendo-se muito mais para leste do que a faveleira, invadindo o “agreste” e desaparecendo antes de atinjir os “geraes” existentes entre S. Marcelo e Duro. As es- pecies do genero Manihot, produtoras de borracha e conhecidas vulgarmente sob as denominações de “maniçoba” e “maniçoba rasteira”, até ha pouco tempo apenas consi- deradas como sendo uma unica especie, a Manihot glaziovi MUELL. ARG. descrita do Ceará, hoje se elevam a mais ou menos 20 especies perfeitamente determinadas. Ainda muito recer'emente, E. ULE em tra- balho intitulado “Beitraege zur Kenntnis der

eee a

brazilianischen Manihot-Arten publicou no Vol. 50, faciculo 5, No 114, pp. 1-12 do “Botanische Jahrbuecher’ de ENGLER, saido em Maio de 1914, os resultados das pesquizas efetuadas no material colecionado na Bahia pelo Snr. L. ZEHNTER, onde foram encontradas 11 novas especies e duas variedades novas, sendo que 6 especies ou variedades fornecem borracha.

Posteriormente a esse trabalho, ULE ainda publicou sob o titulo de Die Kautschuk- pflanzen Suedamerikas’’ um trabalho no “Ve- getationsbilder” de KARSTEN & SCHENCK (cf. op. cit. 12. Reihe, Heft 6, Taf. 31-36, Jena, 1914), onde se encontram interessantes informaçôes sobre a manicoba e a manga- beira.

Na lagoa de Parnaguá, a Eichornia azu- rea KUNTH é bastante abundante sem toda- via formar grandes camalotes e em alguns lugares da Ibiraba encontrámos o Hedychium coronarium KOEN. No municipio de Parna- guá fica uma celebrada “vêrêda” (vocabulo cuja significação, segundo a nossa interpreta- ção, indica, naquelas parajens, «local fertil e com vejetação abundante ») “véréda do Curi- matá” ; não se imajinem matas cerradas ; lonje disto, é um trecho de terra de maior fertili- dade, verdadeiramente uma mancha de ver- dura formada por vejetação mais viçosa e condensada. Nesta rejião as pastajens são excelentes e o Andropogon rufus KTH.,0 jaraguá do Sul, mas ali denominado de pro- visorio, crece espontaneamente.

Sob a denominação de croatd-assii en- contra-se na rejião sêca, porém não abundan- temente, a Fourcraea gigantea VENT.=(Four- croya SCHM.), amarilidacea atualmente dis- seminada em toda a America tropical e em alguns pontos do velho mundo. Trata-se da piteira ou pita do Sul do Brazil, planta apro- veitada em toda parte para extração de fivras; em Mauricia as fibras deste vejetal são co- nhecidas pelo nome de pitt ou pitte, prova- vel corruptela da expressão brazileira.

Na rejião do nordeste, DRUMMOND re- jista ainda como presente a F. agavephvila BROTERO, acreditando que esta seja sino- nima da especie descrita ás pp. 23-26 na

“Dissertação sobre as plantas que podem dar linho” de ARRUDA CAMARA, sob a deno- minação de Agave vivipara. A identificação que fizemos do croatá-assá com a F. gigan- tea, é apenas provavel, pois, sobre 0 genero Fourcraea e como muitissimos outros que pos- suem representantes no Brazil, ha muita con- fusão. J. R. DRUMMOND publicou no 18 ¢ Annual Report of the Missouri Botanical Gar- den pp. 25-75, PI. 1-4, S. Louis, 1907, sob o ti- tulo The litterature of Fourcraea with a sy- nopsis of the known species» trabalho exaustivo sobre o assunto e onde são estudadas, por- menorisadamente, varias questões concernen- tes ás especies do genero fourcraea que occorrem no Brazil e que os interessados po- derão consultar, com todo o proveito, assim como as “Observations on Fourcraea” de W. TRELEASE publicadas nos: Annales du Jar- din Botanique de Buitenzorg,—2¢ Ser. Suppl. IN —pp. 905—916, Taf. XXV XLVIII, Lei- de, 1900.

Neste trabalho o autor, além de informa- ções sobre a piteira no Brazil e que de algum modo contrariam o ponto de vista de DRUM- MOND, pois o “Caraguatäguaçi de PISO é uma evidente Fourcraea para TRELEASE e somente pro parte para o outro, traz novos dados para o estudo da questäo das especies brazileiras ; TRELEASE identifica como sendo a F. agavephylla BROT. a planta que forne- ce fibras no Ceara e Pernambuco.

Um dia antesde chegarmos a Caracol, atravessámos grande trecho revestido quasi que exclusivamente de anjico e, 4 dias após a nossa saida da vila de Parnaguá, entre os pousos de Brejo e Sitio, passámos por zona de grande verdura, com arvores frondosas, representadas na sua maioria por carahibei- ras. No Brazil, por exceção as especies ve- jetaes de certo vulto vivem em sociedade e, a náo ser a Araucaria no Sul, a Laguncula- ria racemosa GAERTN. e a Rhizophora mangle L. no litoral e poucas outras mais, em geral crecem e se desenvolvem dissemi- nadas entre centenas de outras. Isto muito concorre para dificultar a extração das ma- deiras em todo o paiz, contribuindo podero- samente para incrementar a calamitosa devas-

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taçäo das nossas florestas. O grande anjical por nós atravessado no Piauhy, represen- ta seguramente exceção digna de rejisto, tanto mais quando nem remotamente se pode suspeitar que o fato represente planta- ção efetuada intencionalmente.

Depois de abandonarmos os municipios de Parnaguá e Corrente (Piauhy) entrámos no municipio de Sta, Rita do Rio Preto (Bahia) e então viajámos por “vêrêdas” de vejetação pujante rica e variada; aparecem pela primei- ra vez as tabocas (Guadua KTH.), a Copai- fera langsdorffii, DESF. e varios exemplares do genero Chorisia HUMB. e BOMP. e KTH.; surje ainda e em abundancia, uma palmeira aná denominada de piassava, sem ser porem a Aftalea funifera MART.

Trata-se de palmeira provavelmente do genero Attalea HUMB. BOMP. e KTH., mas talvez ainda desconhecida da ciencia; BARBOSA RODRIGUES no Sertum palma- rum, apenas a ela se refere rapidamente quando se ocupa da distribuicio das pal- meiras no Brazil; este autor rejista o fenome- no da fosforecencia das flores; por varias vezes ouvimos referencias ao fato e, pelas informações do Snr. JOSE DOS REIS, nego- ciante em S. Marcello, Bahia, por mais de uma vez houve venda deste produto. GARD- NER observou fato analogo em outra pal- meira do Fiauhy e o fenomeno era devido 4 presença de um Agaricus. Aparecem tambem representantes do genero Bowdichia HUMB. BOMP. e KTH. As plantas dos generos Cereus HAW. e Opuntia MILL. desapareceram, assim como o joazeiro, imbuzeiro, carnaú- ba; persistem ainda as umburanas e baraú- nas. Começaram a aparecer Os cajueiros (Anacardium humile ST. HILAIRE) e o piqui (Caryocur brasiliense CAMB.), a Mauritia vi- nifera MART. (buriti), a macaúba (Acrocomia intumescens DR.). Nas arvores aparece ve- jetacáo dendricola, além da Tillandsia usneoi- des SCHULT., uma das raras bromeliaceas epifitas da zona semiarida, vêm-se exemplares provavelmente de Vriesía LINDL. e os Philo- dendron SCHOTT são bastante numerosos. Entramos, por fim, nos “geraes” e os percor- ridos por nós são, a principio, ricos d'agua;

logo depois de S. Marcello ela vai escasse- ando; 60 quilometros depois, começaram a aparecer os representantes do genero Vel- losia VAND. e, mais adiante, a Hancor- nia GOMES; frequentemente se um buri- tizal que é um prande capão de verdura e que denuncia sempre a presença d'agua. O buritizal contem quasi todas as especies que se acham na zona com exceção das cactaceas terrestres e forma aspeto crrateristico de veje- tação; nele encontram-se mais especies reuni- das do que existem em centenas de quilome- tros de percursos; deparámos pela primeira vez com exemplares de filicineas, não do genero Polypodium L. como as epífitas Ophio- glossum L. e Ligodium SCHW., apar com os representantes do genero Cecropia L. e Tibou- china AUBL. Todas as palmeiras da zona se reunem, predominando porém os buritis e buritiranas (Mauritia L.) e (Bactris JACQ.) e ainda as arvores de grande porte; no sólo crecem exemplares de Caladium VENT,. Sa- gittaria L. e Heliconia L. e a parte central é muito pantanosa e de cima a baixo a Scleria reflexa HUMB. e BOMP. e KTH. (tiririca) se desenvolve pujantemente. O buritizal em Goyaz, não é mais frequente, como é maior e mais rico em especies vejetaes do que na Bahia e Piauhy; nos buritizaes goianos, entre as arvores de grande porte, existe uma guti- fera denominada landi (Calophyllum brasilien- se CAMB.) e que é muito frequente; ainda se encontra a palmeira denominada de “cabe- cudo”, Cocos capitata MART. Em algumas zonas baianas, nos buritizaes cu mesmo fóra, existe conhecido sob o nome de “caraíba” (sem que se trate da “claraíba”, Cordta in- signis CHAM. que possue nome muito se- melhantc), grande arvore cuja determina- ção não conseguimos fazer.

Nesses “geraes” existem certamente duas especies de cajueiros : (Anacardium humile e A, pumilum ST. HILAIRE), que se encontravam carregacos de frutos maduros em meiados de Julho; per toda a parte, domina um capim que crece em touceiras sempre altas, perten- cente, provavelmente, ao genero Eragrostis BEAUR. Os “geraes” que se estendem de S. Marcello ao Duro são ponto de tran-

A a

sição entre a 2a provincia de MARTIUS, das plantas Hamadriadas (regio extra-tropica et calida sicca) e a 34 provincia formada por Goyaz a das plantas Oreadas (regio montano- campestris).

Em todo o trajeto é muito abundante a dileniacea Curatella americana L. e, desde o municipio de Sta Rita começa a aparecer a fruta de lobo (Solanum grandi- florum RUIZ e PAR.); nos limites de Goyaz, em principio de Julho, encontrámos varias arvores cobertas por lindo cipó de brateas vermelhas que as revestem por completo.

A grande campina entre os geraes bai- anos e avila do Duro é revestida quasi completamente de graminaceas; não exis- te em toda a enorme extensão arvore aiguma ou arvoredo que sombra. Dissemi- nados aqui, ali e acolá, vêm-se pés de Cura- tela americana e dos representantes dos generos Kielmeyera MART. e Plumeria TOURN. Em todas as parajens goianas dai por diante, logo que o viajante se afasta das marjens dos rios, as especies destes 2 generos, pertencentes a familias diferentes. mas que á primeira vista apresentam flagrantes analo- jias, dão a nota predominante da paizajem.

Em toda a zona percorrida, não conse- guimos encontrar a Selaginella convoluta SPRING, planta que tinhamos grande curio- sidade em conhecer, pois na nossa juven- tude, tivemos a atenção despertada para o assunto, em consequencia de artigo publi- cado na Revista Brazileira, pp. 176-181. T. VII-1806 e da lavra do Dr. GARCIA REDONDO e que assim o epigrafara:” A planta da Resurreição” o que, naquela época imenso interesse nos despertara.

Apezar de HEMSLEY rejistar na Biol. Centr. Am. Vol. HI paj. 705 a sua presença em Nicaragua, Colombia, e Guyana, e das informações de MARTIUS que lhe assinala ainda como habitat, os sertões da Bahia e Pernambuco, afirmações que servem para demongs:rar como a referida planta é comum na America do Sul, não conseguimos encon- tral-a no nosso percurso. O ilustre Snr. A. LOEFGREN, grande autoridade em questões atinentes á flora brazileira, a cujo estudo

tem dedicado tamas anos, verificou em Pernambuco a especie em questão, em grande profusão, a ponto de formar uma sociedade vejetativa que ele chama de Cactus-Selagi- nella (Cf.” Contribuições para a questão florestal da rejião do nordeste do Brazil” paj. 37, Dez de 1912).

Em 1891-92, SPENCER LE MOORE per- correu parte de Matto-Grosso a estudar fanerógamos ; pois bem, neste curto espaço de tempo o ilustre botanico encontrou 8 generos e 211 especies completamente novas.

ALBERTO SAMPAIO, por vezes tem dado á publicidade varios trabalhos demons- trando o atrazo em que se acha a Flora de MARTIUS. Mister se faz estudar detidamen- te a flora ainda muito ignorada da zona semi-arida, e instituir museu fitolojico, onde serão reservados os exemplares estudados e principalmente os tipos das novas especies encontradas.

Com a especialização atual, consequen- cia do desenvolvimento cientifico, é impos- sivel a qualquer individuo, rotular-se de bo- tanico, zoologo, quimico, etc. etc., de ma- neira que 1 botanico é incapaz de conhe- cer perfeitamente a flora brazileira a qual no monumental trabalho de MARTIUS, en- cerra a descrição de vinte mil especies; portanto, alguns botanicos, trabalhando e colecionando intensamente, poderão empre- ender a revisão e o estudo da flora das zonas sêcas. ee

Citemos um fato sem duvida interessante e que deve ser referido em abono do que dizemos; em toda a rejião sêca existe uma arvore denominada “umbú” ou “¿mbú”, descrita e figurada por MARCGRAV 4 paj. 108 do Livr. Ill e por PISO no capitulo XXX 11-77-78 do livr. IV,e no emtanto deter. mjnada por MARTIUS no capitulo “De Anacardiacearum Brasiliensium Usu” paj. 415 do Vol. 12, Pars li, como sendo a Spondias vurpurea L., cuja descrição, no emtanto, não corresponde ao verdadeiro “umbú”; bastando lembrar que MARTIUS para a especie 10-13 metros de altura, crecimento nunca verificado para o umbuzeiro do nordeste o qual, além de tudo, parece

ER, e MA

ser planta exclusiva de alguns Estados da- quela zona, porquanto, em Goyaz näo é mais encontrada. MARTIUS, no emtanto, da a distribuição geografica da especie alguns logares das Antilhas e varios Estados brazi- leiros, onde, certamente, a especie do nor- deste nao é encontrada e ENGLER e PRANTL in Natuerliche Pflanzenfamilien MI. Teil 5, Abth. pp. 150-151 1896, dizem ser a Spon- dias purpurea L. autoctone das Antilhas e existe expontaneamente no Mexico, Pert e Colombia. HEMSLEY, B. W., quando se ocupa das anacardiaceas na Biclogia Centrali-Americana (Botany) Vol. 1, paj. 222, diz, a proposito da Spondias purpu- rea: “True S. purpurea occurs in Jamaica Cuba, and Colombia”, nao considerando por- tanto o Brazil como sendo tambem habitat desta especie. ULE, em 1908, no faciculo 30 da 6a serie dos “Vegetationsbilder’ de KAR- STEN 8: SCHENCK, no capitulo intitulado “Das Innere von NORDOST-BRAZILIEN” identificou o umbuzeiro dali com a Spondias lutea L. que é o vulgar cajá, disseminada em toda a America tropical, Africa Ocidental e Java segundo se em ENGLER e PRA- NTL, op. cit. É verdade que alguns autores brazileiros determinam a especie como sendo a Spondias tuberosa ARRUDA CAMARA, nome que náo figura nas especies do genero Spondias de que MARTIUS se ocupa. Como é sabido, ARRUDA CAMARA determinou varias especies, que, apezar de nunca terem sido publicadas, tiveram O nome divulgado pela leitura dos seus manuscritos e não sabemos se o imbuzeiro está neste caso, e se foi descrito nas “Centurias”, trabalho apenas em parte vindo á publicidade e cujos ori- jinaes supomos se encontrarem na Biblioteca Nacional e que ainda nao tivemos oportu- nidade de consultar. Se isto não aconteceu, o imbuzeiro do nordeste constituira especie nova para a ciencia por não ter sido conve- nientemente descrita e publicada, segundo as regras da nomenclatura botanica. Acrece ainda ser possivel que, sob a denominacáo de imbuzeiro, estejam in-luidas diversas especies perfeitamente definidas. Pelo menos uma variedade existe, pela certa, pois além

do tipo comum das caatingas baianas, existe outro, maior e mais copado, que possue as folhas pubecentes e que é bastante comum no Piauhy.

Este exemplo é bem eloquente para mostrar, não a necessidade da revisão da Flora de MARTIUS, como ainda vem provar como a flora daquela rejião preciza ser estudada. Em condições quasi analogas encontrámos a “faveleira”, arvore das mais carateristicas da caatinga, desconhecida de MARTIUS e que LOEFGREN determinou, ora como Jatropha acanthophylla ou Pachys- troma acanthophylla, nome epecifico que terá de prevalecer embora restem duvidas quanto á colocação generica.

O problema das sêcas é poliedrico e, parece-nos, deverá ser encarado sob varios prismas e atacado simultaneamente por todo os lados; para nós, a abertura de açudes grandes ou pequenos atende á necessidade premente atual e como medida unica resolve o problema da irrigação no momento pre- sente, em nada influindo contra as verdadei- ras causas ocasionadoras das sêcas periodicas ; é paliativo indispensavel, mas não remedio. A'queles que como nós, conhecem as zonas sêcas em pleno periodo de estiajem, acode a idéa de que a reilorestação do nordeste brazileiro é o complemento indispensavel da açudajem, que, com o estancar progre - sivo dos mananciaes não terá senão efei o transitorio. oe ancl

Quando o Brazil foi descoberto, certa- mente aquelas zonas vinham sofrendo a influencia das forças naturaes da desecação progressiva; a civilisação invadiu aqueles sertões, abrazando as matas. Hoje a destrui- ção continúa sempre em maior escala; o sertanejo inconciente está preparando o deserto; é esta a verdade. Os aborijenes que habitavam no Brazil antes do descobrimento conheciam um unico meio de amanhar a terrae que erao fogo; deles, os invasores não herdaram a tecnica, como ainda perpe- tuaram a tecnolojia absorvida pelo vernaculo, como se verifica pelos vocabulos “capuetra, caiçava e coivara’’. Quem ler a “Dissertação historica, ethnographica e politica” de I. A.

CERQUEIRA e SILVA, aparecida ás 143-195 da Rev. do Int. Hist. e Geogr. Bra- sileiro, Vol. XII Rio, 1849, verá o apelo que o ouvidor F. NUNES DA COSTA lançou a metropole, em 20 de Junho oe 1784, a propo- sito da devastação das matas do Jequiriçá e Rio de Contas, na Bahia. Da sua leitura, verifica-se que, desde 1652, o alarma se fizera escutar, obtendo com resultado pra- tico o rejimento de 13 de Outubro de 1751, o qual tomava providencias sobre o córte de madeiras de lei. Em virtude de novas repre- sentações levadas á decisão aa Metropole,

esta fez baixar a carta rejia de 13 de Março de 1797, determinando que se organisasse plano para impedir a destruição das

matas. Tudo porém, foi baldado e a devasta- ção que atualmente se assiste em todo terri- torio nacional, assume proporções verdadei- ramente assustadoras.

Uma das tribus de indios mais numerosas do Brazil, a dos cayapós, tirou esse nome, segundo os entendidos, do fato de fazer queimadas,

A reflorestação portanto, será O unico meio de combater o deserto em formação. Para isto, torna-se necessario o estudo previo da flora, afim de se aproveitar os nucleos de vejetação, onde existentes e, aos poucos, ir vencendo a natureza.

Não atravessámos matas em toda a re- jiáo percorrida, a não ser uma larga faixa que mede cerca de 12 quilometros proximo à

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pp. | Capital de Goyaz. Para nós, a vejetação deste

Estado causou-nos enorme surpreza porquan- to pelas narrativas e descrições estavamos convencidos de ser uma das zonas mais ricas em florestas do paiz. A nossa observação refere-se á toda zona compreendida entre a vila de Duro á cidade de Porto Nacional e daí até a Capital do Estado. Pela leitura do relatorio de ULE, sobre o Planalto Central, sabiamos da existencia de campos cuja flora é extraordinariamente rica em especies e achavamos estranho a falta de referencias ás florestas e supunhamos tratar-se de fato localizado ao planalto.

Agora, podemos afirmar que o quadro tra- çado por aquele botanico pode, nas linhas geraes, ser generalizado á zona de Goyaz por nós percorrida. O que se chama de mata nas rejiões do Nordeste é a estreita faixa de vejetação que crece ás marjens dos rios, ribeirões e lagõas; no Rio Tocantins, a orla de mata é mais larga e mais pujante que a observada nos rios S. Francisco, Preto, Cor- rente etc.; todavia, nunca tem a largura e a pujança da vejetação das marjens do curso d'agua do Sul e do extremo Norte do Brazil.

Quanto á fertilidade do solo goiano, existe verdadeiramente no Sul do Estado de Curralinho a Anhanguera; o norte é muito pobre até de pastajens o que é facil de ve- rificar pelo tamanho do gado, em contraste com o que se verifica em certas zonas do Piauhy.

Bibliografia.

CEZAR, DIOGO J. 8: SAM-

Apontamentos para a revisão da Flora de MARTIUS. A lavoura— Ano 17, Nos. 7 e 8 p.p. 140-156 Rio de Ja-

neiro.

Notas Botanicas (Ceará)

Publ. No 2—Ser. 1, A (Investigações botanicas) da Ins-

PAIO, A. J. DE 1913 LOEFGREN, A. 1910 LOEFGREN, A. 1912

petoria De Obras contra a Séca—Rio de Ja- neiro.

Contribuicóes para a questáo florestal da regiáo do

Nordeste do Brazil.

Idem Ibidem. Publ. No 18, Rio de Janeiro. PISONIS, G. Y MARCGRAVI 1648 Historia Naturalis Brasiliae. Amstelodami.

DE LIEBSTAD, G.

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Consideraçôes sobre a Flora Brasiliensis de MARTIUS,

quanto 4 necessidade de sua revisäo de sua continuaçäo Rio de Janeiro.

Apontamentos para a revisäo da Flora de MARTIUS.

Primeira lista alphabetica de trabalhos. A Lavoura,

SAMPAIO, A. J. DE 1912 SAMPAIO, A. J. DE 1913 ULE, E. 1908 ULE, E. 1909 ZIMMERMANN, A. 1913

Plantas venenosas.

Nas marjens dos rios e lagóas, é muito comum a presenca duma convolvulacea que florece de marco a junho e denominada vul- garmente “canudo” (Ipomoea fistulosa MART). Dizem os habitantes, ser planta altamente venenosa para o gado que dela se alimenta, quando as pastajens váo rareando; na verda- de, podemos pessoalmente observar este fato ás marjens da lagóa de Parnaguá (Piauhy) e tambem a sua consequencia no aparecimento de animaes ali denominados de “encanudados”, isto é, intoxicados pelo “canudo”, cujo primei- ro sintoma é fazer o gado “tontejar”. Por varias vezes tivemos oportunidade de ver chegar á tarde, o gado pertencente ao Snr. Coronel O'DONNELL DE ALENCAR, fazen- deiro residente á vila de Parnaguá, e verificar a presenca de animaes de marcha tropega, cabeca voltada para o cháo visivelmente doen- tes e que, pelo referido criador, nos eram apontados como animaes “encanudados”.

Pelas informações, quando o gado se alimenta em demasia com a folhajem do “canudo”, podem-se rejistar casos de morte; em geral, porem, passada a especie de embri- aguez o animal se restabelece.

Procurámos obter sementes da planta em questão, que plantámos no horto destinado ás plantas venenosas, mantido em Manguinhos ; facilmente obtivemos excelentes exemplares e, em companhia do Dr. ANTONIO FONTES iniciámos as pesquizas tendentes a verificar

Ano 17, Nos. 1-6, pp. 19-53 Rio de Janeiro.

Das Innere von Nordost-Brasiliens in Vegetationsbilder

de KARSTEN & SCHENCK 6. Reihe. Heit

3—Tafel 13-15—Jena 1908.

Extraccáo e commercio da borracha da Bahia. Trad. de

CARLOS MOREIRA Rio de Janeiro.

Manihot-Kautschuk Jena.

a natureza do toxico. Todas as experiencias por nos realizadas em ratos, cobaias, cáes e coelhos resultaram negativas, mesmo empre- gando doses enormes de suco extraido por expressao.

E” sabido que certas plantas se apre- sentam toxicas por ocasião da floração e, falta-nos eliminar esta hipotese antes de declarar o “canudo” inocente, pois, na oca- sião em que observámos os animaes “enca- nudados”, grande numero da convolvulacea em questão se encontrava em florecencia e as nossas experiencias foram efetuadas em periodo anterior. Ha ainda a eliminar a hipotese possivel do “canudo” por si ser inocuo, mas que injerido com outra planta possa haver a formação de composto novo que seja toxico. Por fim, a explicação poderá residir ainda no fato de observação mal feita, escapando o verdadeiro responsavel, o qual creça nas mesmas parajens onde se acha a Ipomoea fistulosa e esta hipotese não é de todo improvavel porquanto, a especie em questão, foi rejistada cientificamente como existindo no Espirito Santo (NEUWIED) Goyaz (POHL), Pará (varios autores) e até em Guatemala (FRIEDRICHSTAL), Perú (HEMSLEY), sem que ninguem a acuse como tal; todavia, analoga acusação sofre uma planta chamada “canudo” no Ceará como se do trabalho de CAMINHOÁ: «Das Plantas Toxicas do Brazil «paj. 172 Rio- 1871 e pelo autor determinada como per- tencente ao genero Calonyction e que, com

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toda a probabilidade deve ser identificada á Ipomoea fistulosa MART. HUBER, J. no “Arboretum Amazonicum paj. 30-Est. 29 ocupa-se do “algodáo bravo” nome por que é batizada no Pará a /pomoea fistulosa. A magnifica fotografia, reproduz o “canudo” em plena floração: o texto nada refere 4 toxidez da planta. Em trabalho postumo de V. CHERMONT DE MIRANDA, publicado no Vol. V-No 1 pp. 96-151-(cf. paj. 129) do Boletim do Museu Goeldi-Pará em 1907-1908 e que tem por titulo “Os campos de Marajó e a sua flora “ao tratar do algodão bravo nada diz da sua toxidez, embora noticia desenvolvida do referido vejetal. SPEGAZ- ZINI-Entregas MI-IV. T. LXXVII pp. 159- 164-Abril-1914 publicou sob o titulo “Notas y Apuntes sobre Plantas Venenosas Para Los Ganados”, um trabalho, onde verificou ao lado de algumas observacóes populares verdadeiras sobre plantas venenosas, varias Outras com- pletamente falsas. O curioso é que alguns dos vejetaes tidos pelo povo daquele paiz como venenosos, por exemplo a Chloris dis- tichophylla LAG., é cultivada entre nós para forrajem. Comtudo o contrario tambem se observa, pois o Ænterolobium timbouva MART., conhecido na Arjentina pela deno- minação de “timbó” e entre nós tambem por esse nome e ainda os de “timbauva, tamboril, “timbó-úva”” e outros, como se vêm no trabalho citado de CAMINHOÁ que afirma ser a casca ictiotoxica, não constitue no emtanto para SPEGAZZINI especie venenosa, apezar das afirmações em contrario das pessôas do povo dos 2 paizes . Posterior- mente, o autor arjentino teve ocasião de veri- ficar que para algumas plantas o povo tinha razão quando as considerava venenosas, por- quanto experimentando com os brotos e re- bentos poude vorificar que somente estes eram toxicos. O assunto, aliás, por si oferece grande complexidade, bastando rela- tar que o Bureau of Plant Industry em 1908 publicava com a autoridade de CRAWFORD, A. C. o boletim 129 intitulado “Barium a cause of the loco-weed Disease” para demons- trar que o envenenamento ocasionado no gado do Colorado pela injestão de certas

plantas do genero Astragalus, era devido á presença de saes de bario no tecido vejetal. Em Julho de 1912, o mesmo Bureau publica sob o titulo: “The relation of Barium to the loco-weed disease” o boletim No 246, onde MARSH, D. C., ALSBERG, L. C. & BLACK, F. O. estudam e demonstram a existencia de bario em certas especies forrajeiras per- tencentes ao genero Panicum e Andropogon que se desenvolvem na Virginia, mas, que nem por isso, são toxicos, porquanto, o bario é encontrado sob forma quasi insoluvel. As experiencias realizadas pelos 2 ultimos auto- res com diferentes especies de Astragalus, próvam que a grande toxidez de algumas, nada tem que ver com o bario e seus compos- tos, sendo o envenenamento ocasionado por causa completamente diferente.

Entre as papilionaceas existe uma muito mal afamada e sobre a qual varios autores que se têm ocupado da alimentação em epoca de sêca têm tratado; queremos nos referir 4 “mucunan”, cujo nome encerra pelo menos duas especies cientificas: a Mucuna altissima D.C. e a Mucuna rostrata BENTH.

A idéa da toxidez da planta é oriji- naria dos indijenas, pois PISON, 4 paj. 48, livro IV, diz a este proposito o seguinte da Mucuna guacu como a chamava: “Vi effracta, pulcherrimi globuli, interstitiiis divisi, exinde prodeunt, tres quatuorve, punicet et rubri colo- ris, rotundi, laeves, magno hylo, qui si in aqua macerantur vim noxiam ex parte deponunt, et cum Tipioca de Mandioca praeparati Bar- baris edules sunt”? MARCGRAV torna a falar á paj. 18 do livro primeiro da mucuna determinada como Mucuna urens D. C. ou M. pruriens D. C.. Com o tempo a idéa da toxidez da mucunan foi crecendo, pois, en- contra-se escrito em varios autores cearenses a necessidade de lavar a fécula das sementes em 9 aguas; esta afirmação ouvimos tambem de varias pessóas no Piauhy.

Trouxemos abundante material de semen- tes e em companhia do nosso colega DR. ANTONIO FONTES fizemos, por varios modos, experiencias com os animaes mais em uso em laboratorio e isto sem o menor resultado.

Pelo menos uma das especies a Mucuna altissima D. C. é largamente disseminada, nao no Brazil como até nas Antilhas e nao nos consta que, a não ser na rejião do nor- deste, nenhum morador de outra zona acuse a mucunan de ser venenosa. O Coronel MANOEL ANTUNES DE MACEDO JUNIOR informou-nos de que, durante as sêcas de 1877-79. e 1889-90, as sementes da mucunan eram muito procuradas pelos habi- tantes do municipio de S. Raymundo Nonato para fins alimenticios; antes de ser injeridas eram lavadas varias vezes ou postas a “pubar”, pois os que faziam sem estas cautelas enve- nenavam-se. A crença da toxidez é sem duvida vulgarisada em todo o nordeste, com- tudo as experiencias efetuadas destroem-na, permanecendo a possibilidade de que o uso imode ado e duradouro da fécula da mucu- nan, acarrete perturbações em organismos muito depauperados.

Sob o nome de “babeira’’ referiram-nos em varios lugares uma planta muito venenosa que causa a morte do gado cavalar; trata-se de uma leguminosa. A “golda” das raspas do tronco da faveleira (Pachystroma acanto- phylla LOEFG.) é utilizada para envenenar passaros; referem que cabritos tambem morrem, se por acaso dela bebem; no emtanto por varias vezes observei caprinos, se alimen- tando das cascas e porcos e procurando ali- mentar-se das raizes. Às sementes são comi- das pelas crianças sem grandes inconvenientes.

Em toda a zona, existem varias rubiaceas denominadas vulgarmente “herva de rato” e conhecidas de PISON e MARCGRAV, que rejistavam seu verdadeiro nome indi- jena de “tangarata” (Vide Op. cit. edição de 1648 paj. 47, Lib. Ill e Hist. Plant. Lib. II, paj. 80), sendo que uma delas foi denomi- nada de Psychotria marcgravii SPRENG,, havendo ainda outra conhecida cientifica- mente por Hamelia fatens JACQ.

Ha ainda que rejistar o “tingni”, nome vulgar de varias especies de malpighiaceas pertencentes ao genero Mascagnia BERT. e Tetrapteryx CAV. ou ainda de uma sapin- dacea do genero Paullinia. A Simarouba versicolor ST. HILAIRE (páo parahyba e em

Eq

alguns lugares do Piauhv “páo mata cachorro”) é tida como sendo muito venenosa. Esta planta, aliás, é utilizada na medicina. Outra planta venenosa da rejião e que serve para “tinguijar” (matar os peixes envenenando a agua em que vivem) é um arbusto muito comum em certas zonas do Piauhy onde é conhecido pelo nome de “timbó”; aliás esta designação, como a de “tingui”, com- preende no Brazil grande numero de plantas pertencentes a generos diversos e a di- ferentes familias. Além disso, certa especie vejetal denominada em certa zona tingut, é conhecida pelo nome de timbó ou vice-versa, em outra localidade do paiz. O vejetal, a que aludimos, é arvore de 5-6 metros de altura, possue grande fruto drupaceo e lenhoso, com sementes subaladas; separadas por septos, nos parecem pertencer a sapindacea Mahonia glabrata IS. ST. HIL. As sementes são ricas de substancia que os naturaes se aproveitam para o fabrico de sabão. A referida planta é encontrada tambem em Goyaz. É extremamente abundante nas proximidades de Caracol (Piauhy) e inexis- tente por completo nos geraes baianos, e isto, provavelmente, devido á grande humida- de dessas rejiões; neste particular, a nossa observação concorda com as verificações efetuadas por WARMING na Lagoa Santa, quando, estudando “A natureza xerofila”? do campo daquela localidade, rejista a Magonia glabrata como arvore campestre. (Cf.” Lagoa Santa. Contribuicáo para a geographia phyto- biolojica” por E. WARMING, pp. 71 e 206, Bello Horizonte 1909. Traducao do dinamar- quez de A. LOEFGREN.)

Na fazenda Tanque, a 32 quilometros da vila de S. Raymundo Nonato, falaram-me pela primeira vez de certa agua que mata muito rapidamente o gado que dela se utiliza. Muitas vezes o fenomeno é perce- bido depois que o numero de rezes mortas chama a atencáo para a agua, pois a trans- formação se opera inesperadamente, passando a fonte a fornecer agia venenosa. Os fazen- deiros acreditam que o fato se em conse-

quencia das enxurradas arrastarem para a

EE y Aen

aguada da fazenda principios toxicos, exis- tentes nos curraes de ovelhas e cabras.

Tivemos oportunidade de verificar, no referido municipio, varias aguadas, cercadas, afim de impedir o acesso ao gado de qual- quer natureza, pois, todo ele, é sensivel á agua envenenada. Quando hospedados na fazenda de propriedade do Coronel M. ANTUNES DE MACEDO, procurámos experimentar a veracidade do fato; para isso tomámos um cabrito, levando-o a injerir 400 cc. da referida agua; ao cabo de 3 horas o animal ialecia, salvando-se o cabrito menor que injerira a mesma quantidade de agua potavel.

Varias garrafas contendo agua da mesma localidade, onde foi apanhado o liquide que se mostrara toxico para o cabrito, ao chegar ao Instituto, depois de 6 mezes de colhida, per- deram a toxidez, porquanto nenhum dos ani- maes experimentados veiu a falecer. Na refe- rida fazenda, em um dia morreram 5 vacas que se abeberaram no local. Na fazenda Si- tio, distante 12 quilometros de S. Raymundo, existe tambem aguada, tornada venenosa su- bitamente ha cerca de 10 anos, náo tendo mais perdido a toxidez.

O Snr. RODERIC CRANDALL, em seu trabalho sobre “Geografia, Geologia, Supri- mento d'agua etc..” 1910, á paj. 35, relata fato analogo, por ele observado no arraial Pojuca, onde, tendo aberto os moradores uma cacimba de 50 palmos de profundidade, me- tade em terra dura e a outra metade em rocha semi-decomposta, poude verificar o se- guinte: “A principio, esteve secca, porém gradativamente se encheu até 14 palmos da abertura com agua perfeitamente clara, mas tão carregada de saes mineraes que o gado que dela bebeu morreu aos poucos, lenta- mente envenenado”,

2

A rocha semi-decomposta é chamada no Piauhy de “sabão” e alguns moradores admi- tem a possibilidade da agua tornar-se vene- nosa, ao se filtrar lentamente através do “sabão” até que aos poucos encha a cacimha, A nossa observação concorda perfeitamente com a do Snr. R. CRANDALL, embora tenham sido efetuada em lugares e epocas

diferentes; na velocidade da intoxicação porém, existe diverjencia, pois na experiencia a que submetemos o cabrito, o toxico ajiu rapidamente, o que estava aliás de acordo com a observação dos fazendeiros locaes.

Protozoarios.

O plankton por nós colecionado, foi de- t-rminado pelo Dr. A. MARQUES DA CUNHA, encarregado desses estudos no Ins- ticuto OSWALDO CRUZ; infelizmente grande parte do material perdeu-se por se terem que- brado os recipientes em viajem.

O material veiu fixado em liquido de SCHAUDINN e em geral não prima pela riqueza, apesar de deixarmos em repouso alguns dias, afim de obter multiplicação das especies. Comtudo, como nada existe até hoje sobre o plankton no Brazil Central, a contribuição, que segue, não deixa de apre- sentar interesse para a ciencia. O material, colhido na lagõa de Parnagná, foi o que melhor resultado ofereceu; esta massa d'agua atinje cerca de 6 quilometros de largura por 8 de comprimento e a maior profundidade por nós encontrada, mediu 4m 20; o material foi colhido não em todo o percurso da “ilha do Meio” ao “Porto” por meio de rede de MULLER, como tambem em varios pontos da marjem.

O limnoplankton das localidades Peixe (Bahia) e Tanque (Piauhy) é proveniente de pequenas coleções d'agua, heleoplankton de VOLK.

Especies encontradas no plankton de varias localidades da zona sêca.:

Peixe, Bahia (Municipio de Remanso)

Pachus pleuronectes (O. F. MULLER 1773).

Trinema encheiys (EHRB. 1833).

Centropyxis aculeata (EHRB. 1830).

Conjugadas (varias especies).

Staurastrum gracile RALFS

Tanque, Piauhy (Municipio de S. Raymundo Nonato).

Spirogyra sp.?

Closterium sp.?

Lagoa de Parnaguá (Municipio de Parnaguá). |

Centropyxis aculeata (EHRB. 1830).

Euglypha alveolata (DUJ. 1841).

Euglena fusca (KLEBS 1883).

Phacus longicauda, (EHRB. 1830).

Entosyphon sulcatum, (DUJ. 1841).

Chilomonas paramaecium, (EHRB. 1831).

Coleps hirtus, (O. F. MULLER 1786).

Difflugia limnetica, LEVANDER.

Copepodos em grande numero.

Dos protozoarios patojenicos encontramos os Plasmodium falciparum e vivax, parasitos das tercans maligna e benigna; Trypanosoma equinum VOGES e Trypanosoma crvzi CHAGAS; na “alma de gato” (Piaya) e “rola cascavel” (Scardafella squamosa) foram en- contrados representantes do genero Halte- ridium e alguns Belonopterus cayennensis achavam-se parasitados por leucocitogrega- rinas. Causou-nos extranheza não encontrár- mos cobras parasitadas, o que é tão comum no Sul do Brazil.

Vermes.

O material de vermes foi determinado pelo Dr. LAURO TRAVASSOS, encarregado dessa seção no Instituto Oswaldo Cruz; existem ainda 4 trematodes e 3 cestodes em pesquizas.

Infelizmente a maior parte do material chegou ao Instituto em condições improprias ao estudo, devido á perda do liquido fixador por se terem quebrado os recipientes; neste caso estão os exemplares de Giganthorynchus e Physaloptera, encontrados no cangambá.

Do material ainda em estudo merece ser rejistada uma Anoplocephalina de anta que provavelmente é nova; o Physocephalus nitidulans, que parasita o intestino delgado do mesmo mamifero, ocasiona nodulos bas- tante desenvolvidos onde se aglomera grande numero de exemplares.

A Filaria horrida DIES., encontrada em grande numero no tecido sub-cutaneo da ema, fato este que chegou ao conheci- mento das pessOas do povo, passou a fazer parte do genero Dicheilonema.

O Amphistoma, encontrado na capivara,

é certamente especie nova e que oportuna- mente será descrita; apenas foi encontrado 1

exemplar, o que talvez se explique pelo fato do animal ser erado quando em regra são menos parasitados.

O metodo de LOOSS mostrou-se exce- lente para a conservação de ovos de hel- mintos, encontrados nas fezes, permitindo, muitos mezes depois, diagnosticar os ovos de Necator americanus STIL., Schistosomum man- soni SAMBON e Trichuris trichurus L., encon- trados parasitando o homem.

Mao grado o grande numero de animaes de todas as classes, cujo sangue foi exami- nado, muito poucos foram os resultados positivos sendo microfilarias, apenas encon- tradas no Alonata belzebut (guariba) e na la- vadeira Fluvicola climazura.

Os parasitos do sangue são, sem a menor duvida, menos frequentes que no sul do Brazil.

Lista dos vermes encontrados.

Acanthocephala :

Gigantorhynchus compressus (RUD. 1802). Cariama cristata (L.). Intest. Goyaz-Duro, VII-912.

Gigantorhynchus aurae n. sp. 913. Cathar- tes aura L. Piauhy-Tanque-912.

Gigantorhynchus sp.. Conepatus suffocans S. Raymundo Nonato, 8-V-912.

Nematoides.

Ascaris sp? Tigrisoma lineatum (BODD.). Piauhy-Parnaguá, 6-VII-912.

Aspidodera fasciata (SCHNEIDER, 1866). Dasypus noiemcinctus L. Intest. Piauhy-Tanque, 10-V-912.

Aspidodera scoleciformis, (DIES. 1851). Dasypus novemcinctus L. Intest. Piauhy-Tanque. 10-V-912.

Dicheilonema horridum (DIES. 1851.). Rhea americana LATH. Sub cuti. Piauhy-Caracol. VII-912.

Filaria gracilis DUD. 1809. Macaco (Ce- bus), Goyaz, VII-912.

Oxyuris minuta SCHNEIDER 1866. Gua- riba (Alonata belzebul). Intestino. Piauhy, 3-VI1-912.

Onzolaimus megatyphlon (RUD. 1819) Cameleáo (Iguana sp.). Intes

tino. Piauhy S. Raymundo, V- 912.

Oxyuris obesa DIESING, 1819. Hydro- choerus capibara ERX. Intest. gross. Goyaz-Parnaguá, VI-912.

Physocephalus nitidulans (SCHNEIDER, 1866). Tapirus americanus Goyaz, Peixe XII-912-(Bahia).

Physaloptera sp.? Conepatus suffocans S. Raymundo, 8-V-912.

Subulura strongylina (RUD, 1819)? Gallus domesticus L. Intest.

Strongylus sp? Tapirus Goyaz-Peixe, XII-912.

Trichocephalus sp.? Dasypus novemcinctus L. Intestino, Piauhy-Tanque, 10- V.9]2.

Trematodes.

Schistosomum mansoni SAMBON, 1907. (Ovos). Homo sapiens L. Fezes.

Paramphistomide sp. n.?. Hydrochoerus capibara. Grosso intestino.

americanus

Cotylotretus grandis (BRAUN, 1901). Ajaja ajaja.

Cestedea

Ochorista surinamensis COHN, 1902-

Dasypus no emcinctus L. Piauhy. Tanque, S. Raymundo. 10, V-913. Chapmania tauricollis (CHAPMAN,) 1876?. (O material estava maec- rado). Em Piauhy, Caracol.

Lista dos carrapatos colecionados.

Lote 1. 82 5,992 e 9ninfas de Ambly- omma cayennense FABRIC.

1 9 de Amblyomma parvum ARAG.

colhidos em capivara (Hydro- choerus capybara) Parnagua-Es- tado do Piauhy a 23-6-12.

Lote 2.12 SY e 19 de Amblyomma concolor NN., apanhados sobre tatu bola (Tolypeutes tricinctus) em Parnaguá, Estado do Piauhy a 9-5-12,

Lote 3.53 e 3 9 de Amblyomma concolor Nn., apanhados sobre tatu bola (Tolypeutes tricinctus)

o e

2

Lote

Lote

Lote

Lote

Lote

Lote

Lote

Lcte

Lote

Lote

9,

.33 1 2 e 1 ninfa de

PIDs, Se

em Duro, Estado de Goyaz em Julho de 1912.

. 13,1 9 de Amblyomma longi-

rostre KOCH e 1 Y de Ambly- omma cayennense, apanhados sobre porco espinho (Cercolabes vellosus) no Estado de Goyaz. Ambly- omma concolor Nn. e 1 9 de Amblyomma cayennenseF ABRIC., apanhados sobre tatú (Dasypus novemcinctus) no Estado de Goyaz.

. 2 Ninfas de Amblyomma cayen-

nense FABRIC., colhidas sobre cäo no Estado de Goyaz.

. 1 Y de Amblyomma fossum Nn.,

1 2 de Margaropus microplus CAN. e 1 ninfa de Amblyomma cayennense FABR.

o fer 1 ama del A. cayennense FABRIC., 1 © de Amblyomma parvum ARAG., colhidos sobre anta (Tapirus americanus) em S. José, no Es- tado de Goyaz em Agosto de 1912.

1 Si Qe 1 ninfa de Amblyomma concolor Nn., colhidas sobre Cangamba (Conepatus suffocans) em Caracol no Estado do Piauhy.

10. 47 3,73 © e 4ninfas de Am-

11.

blyomma cayennense FABRIC., 13e9 9 de Margaropus micro- plus CAN., apanhados sobre cavalo em Parnaguá, no Estado do Piauhy a 29-6-11.

10 9 de Margaropus microplus CAN., apanhadas sobre veado mateiro (Cariacus rufus) em Duro, no Estado de Goyaz.

. 6 Q de Margaropus microplus

CAN., apanhadas sobre veado mateiro no Duro, Estado de Goyaz, em Julho de 1912.

13. 4 3, 1 2 ninfa de Amblyomma

concolor Nn., apanhadas sobre

tatu bola (7olypeutes tricinctus) em Parnaguá, Estado de Piauhy a 8 de Julho de 1912.

10 Ninías e 2 larvas de Ambly- omma cayennense F .BRIC., apanhadas sobre Guariba (Alon- ata belzebul) em Angico, no Es- tado do Piauhy a 3 de Julho de 1912.

8 9 de Margaropus microplus CAN., apanhadas sobre veado (Cariacus sp.?) no Estado do Piauhy a 21-6-12.

Lote 16. 8 9 de Margaropus microplus CAN., 2 ninfas de Amblyomma cayennense FABR., apanhadas sobre boi em Parnaguá, no Es- tado do Piauhy a 30-6-12.

21 9,55 ninfas e 9 larvas de Am- blyomma cavennense FABRIC., 1 © de Margaropus micronlus CAN. , apanhadas sobre cavalo em Parnaguä, Estado do Piauhy. 14 9 de Margaropus microplus CAN., trazidas de Formosa no Estado da Bahia.

37 Exemplares de Ornithodoros talaje GUERIN - MENEVILLE, apanhados em tócas de Moco (Cerodon rupestris), no Estado do Piauhy.

Lote 20.5 Y e 18 © de Amblyomma cayennense FABRIC., apanhadas sobre cavalo em Parnagua, no Estado do Piauhy.

Lote 21.17 3,4 2, 9 larvas de Amblyom- ma concolor NN., colhidas sobre tatú peba (Dasypus novemcinc- tus)em Tigre, no Estado de Per- nambuco.

Lote 22.5 9,5 © e 1 larva de Amblyom- ma concolor Nn., apanhados sobre tatú bola (Tolypeutes tricinctus) em Onca, no Estado do Piauhy.

A coleção de ixódidas, foi classificada

pelo Dr. H. ARAGÃO, encarregado do estudo deste grupo no Instituto Oswaldo Cruz.

Lote 14.

Lote 15.

Lote 17.

Lote 18.

Lote 19.

91 ———

nos arredores de Joazeiro (Perypery e circumvizinhancas) verificámos ser os carra- patos pouco abundantes e neste local come-

| cámos a ouvir referencias aos carrapatos que

habitam as locas do mocó (Kerodon rupestris WIED.) e que pelas informacóes trata-se de ixódida diferente do “rodoleiro” e “estrela”, nomes pelos quaes a gente do povo batiza toda e qualquer especie de ixódida.

Em váo naquela localidade procurámos, nas lócas daquele roedor, colecionar os car- rapatos que os infetavam; de Petrolina até as proximidades de S. Raymundo Nonato os carrapatos sáo muito pouco numerosos; no lugar chamado Santa Anna, soubemos da existencia de mocós nas proximidades e de presenca nas suas lócas náo de carrapatos diferentes dos comuns, como ainda de bichos

| de paredes (Triatoma).

De Joazeiro até este local, as referencias sobre a existencia dos mocós, quando eram positivas, mostravam ficar muito fóra do nosso percurso. Desta vez fomos mais fe- lizes, porquanto consegnimos apanhar cerca de 40 exemplares do Ornithodorus falaje, es- pecie por nós apanhada em estado ninfal no Xerem, parasitando a Ceologynes pac: RENGG.

O mocó ainda não era conhecido como hospedeiro e, apezar do O. falaje possuir enorme area de destribuição, ainda não se achava incluido O Piauhy; as larvas apinham- se mas orelhas dos mocós, que delas ficam incadas; como sáo de viva cór vermelha, á primeira vista lembram acarianos do genero Trombidium. FABR. Deste achado, pode-se com toda a probabilidade afirmar que os Carrapatos existentes nas lócas de mocós das proximidades de Joazeiro são os O. falaje. Adiante, em lugar chamado Caracol, debalde procurámos nas lócas do mesmo roedor os referidos ixódidas,os quaes em Santa Anna foram encontrados. De S. Raymundo até as proximidades da vila de Caracol, os catrapa- tos sáo relativamente abundantes para aque- las parajens; mas de Caracol em diante váo escasseando até faltar por completo, segundo nossas verificações e informações, em largo trecho do municipio de Parnaguá. Reapare-

cem entáo em maior abundancia que a ob- | determinadas condicóes, O sangue se trans-

servada atras, 4 medida que nos mavamos da vila de Parnagua.

Pode-se imajinar o alcance da existencia de lugares onde o carrapato não se encon- tre; o problema da nossa industria pas- toril, em grande parte, se prende ao carra- pato; será completamente inutil, falar-se em aperfeiçoamento de raças bovinas e equinas quando as nossas terras em geral vivem inçadas de hemotozoarios patojenicos para o boi e cavalo e que são transmitidos exclu- sivamente pelos carrapatos.

No sul do paiz, atualmente, o Snr. FARQUHAR procura fazer criação de gado em grande escala e, apezar do serviço ser di- rijido por parasitolojista de universal renome, como é o Snr. MAC NEAL, a tristeza tem ocasionado verdadeiras devastações. O local a que nos referimos, fica mais ou menos á distancia de 100 quilometros da cidade de Remanso, á marjem de R. Francisco ou da vila de Santa Rita do Rio Preto, á marjem do mesmo rio.

aproxi-

De Parnaguá em diante, os carrapatos vão crecendo sempre de quantidade e, como nos achavamos no mez de Julho, as formas larvaes preponderavam ; ao sairmos do muni- cipio piauiense de Corrente, visitamos o local denominado Pery-pery, pertencente ao muni- cipio Sta. Rita (Bahia). os moradores queixavam-se amargamente dos carrapatos e costumavam queimar as pastajens afim de combater a praga. Porém onde os carrapatos flajelam de verdade, é do norte ao centro de Goyaz; toda esta zona está condenada, por isso principalmente, a não ser pastoreiada com proveito. Em quasi todo o percurso os fazendeiros referiam-nos á “carrapatajem”, i. é, enorme abundancia de carrapatos atacando as rezes doentes e que, sem exceção, é inter- pretada como um mal interno, provocando a transformação direta do sangue em carrapatos. Os mais instruidos e intelijentes compreendiam facilmente a explicação que faziamos, de que o gado era atccado por males transmitidos pelos carrapatos, cuja evolução explicavamos; a maioria, porém, não compreendia a simples verdade e continua convencida de que, em

forma diretamente em carrapatos.

A fauna não se mostrou rica em espe- cies, pois de 14 hospedeiros somente 6 espe- cies de ixódidas foram identificadas; o Amblyomma cayennense FABR. foi verificado presente em quasi todos os hospedeiros; nenhuma especie nova foi rejistada.

Na capital de Goyaz começámos a ouvir referencias ao “carrapato do chão”, o qual era acusado de ocasionar feridas, dificeis de sarar; pelas descrições e habitos julgámos logo tratar-se de algum Ornithodorus, pois ataca a noite e esconde-se na areia do chao; é muito frequente no lugar, denominado Areias, proximo á capital do Estado; ocorre em todo o sul do Goyaz e os informantes afirmam ser a introdução do referido ixódida relativamente recente, pois foi trazido pelos tropeiros vindos do Estado de Matto Grosso. As feridas rebeldes correm mais por conta de infeçôes secundarias do que propriamente devidas á especificidade do referido Ornitho- dorus. Por informações de varias pessôas, os “carrapatos do chão” infestaram as cidades e vilas goianas de Areia, Alemão, Caiapó, Jatahy, Mineiros, Corrente. Um tropeiro inte- lijente que viaja entre Goyaz e Matto-Grosso, garantiu-nos a existencia do ixddida em questão nas povoações mato-grossenses de Santanna de Parnahyba, Aquidauna, Nioac, Miranda. Nos lugares onde abunda torna-se imprecindivel dormir-se em rédes e “sapecar”

(chamuscar) o chao.

O Dr. H. ARAGÁO descreveu, sob o nome de Ornithodorus rostratus, exemplares duma especie enviada de Matto-Grosso ; com toda a probabilidade o “carrapato do chão”, táo frequente no sul de Goyaz, é a especie em questáo.

A. PENTHER publicou no Vol. XXVII, No 3, pp. 239-252 dos “Annalen des K. K. Naturhistorisches Hofmuseums de Vienna,» em 1913 um trabalho intitulado: “Beitrag zur Kenntnis amerikanischer Skorpione”, onde são estudadas varias especies que ocorrem nas rejides sécas da Bahia ao Piauhy.

No Piauhy náo sáo raros, os casos de ferroadas por escorpióes, ali denominados

LE: ARA

lacraus, Ocasionando fenomenos de envenena- mento, acompanhados de vomitos, tremor da lingua, cefalaljia etc., sendo a especie responsavel provavelmente o Rhopalurus agamemnon (KOCH), a qual atinje em alguns individuos 90 mm. de comprimento, as aranhas venenosas sáo representadas pela Avicularia avicularia L. e outras especies, vulgarmente conhecidas pelo nome de “aranha caranguejeira’’. Os exemplares, trazi- dos de Parnaguá, são provavelmente da especie acima assinalada. O genero Avicularia, pelo catalago de PETRUNKEVITCH (A synonymic indexcatalogue of spiders of North, Central and South America, with all adjacent islands, Greenland, Bermuda, West-Indies, Terra del Fuego, Galapagos, etc. publicado no Bul- letin of the Amer. Mus. of Natur Hist. Vol. XXIX, New York 1911), é representado no Brazil por 5 especies e uma variedade.

Sob aquela designação vulgar, o povo no Brazil denomina representantes dos se- guintes generos: Acanthoscurria AUSSERER, Avicularia LAM., Ephebopus SIMON Eury- pelma POCOCK, Psalmopoeus POCK. e Theraphosa THORELL, caso a grande 7. blondi seja de fato encontrada no Brazil. As Aviculariidae, apezar de tao aparentes, pos- sucm habitos ainda desconhecidos. Sobre elas correm as mais variadas versões, não quanto ao genero de alimentacáo, como ainda sobre os acidentes, ocasionados pela sua picada.

Não conhecemos nenhuma observação, que se possa garantir, sem a menor suspeita de duvida, de acidente, ocasiona- do por uma “aranha carangueijeira”, nem quaes sejam suas consequencias.

Quanto ao genero de alimentação são as mesmas incertezas; alguns naturalistas dizem ter observado o seu modo de alimen- tar que não rejeita nem mesmo passarinho; essa aliás é a crença mais vulgarizada entre leigos e profanos. Nós durante bastante tempo tivemos em cativeiro um grande exem- plar de Avicularia avicularia, o qual, até morrer, se recusou a alimentar-se de qualquer modo e embora tivessemos variado por todas as maneiras a alimentação oferecida. De fato

sabemos, que o cativeiro falseia inteiramen- te os resultados esperados, como se observa facilmente com as cobras; todavia PICKARD, CAMBRIDGE que foi ao Amazonas exclu- sivamente para estudar as nossas aranhas, con- fessa não ter podido de nenhum modo saber, qual de fato seja o genero de alimentação das nossas “aranhas carangueijeiras”. (Cf. CAMBRIDGE, P. O. “On the Theraphosidae of the lower Amazonas, being an account of the new genera and species of this group of spiders discovered during the expedition of the steamship “FARADAY” up the river Amazo- nas” Proc. zool. Soc. pp. 716-766 Londres 1896).

Os escorpides ocasionam casos de morte em criancas segundo nos referiram, o que é muito provavel, porquanto em Minas Geraes o Tityus bahiensis e outras especies afins e de dimensões muito menores que o Rhopalu- rus agamemnon, são responsaveis por varios obitos em Bello-Horizonte e outras localida- des mineiras.

Parece que o veneno da especie do nor- deste é muito diferente do das especies do Sul do Brazil, pois a sintomatolojia do en- venenamento é inteiramente diversa.

Lista de insetos hematofagos encontra- dos no percurso.

Simul idae.

. S. amazonicuin GOELDI (Piúm) S. simplicicolor LUTZ

. S. orbitale LUTZ

. S. pruinosum LUTZ

wn

Ceratopogonidae. 1. Cotocripus spec. Tabanidae. Pangoninae.

. Erephopsis xanthopogon MACQ. . Erephopsis leucopogon WIED.

. Erephopsis pubescens LUTZ

. Esenbeckia ferruginea MACQ.

o O Nm

Chrysopinae.

. Chrysops costatus FABR.

. Chrysops leucospilus W\ED. . Chrysops fusciapex LUTZ

. Chrysops molestas WIED.

. Chryseps parvifascia LUTZ

© WAIN Vi

Diachlorinae.

. Diachlorus Neivai LUTZ

. Diachlorus vitripennis LUTZ . Diachlorus curvipes FABR.

. Diachlorus nigristigma n. sp.

Lepidoselaginae.

14. Lepidoselaga paradoxa LUTZ

Tabaninae.

. Acanthocera anacantha LUTZ &

NEIVA

. Dichelacera januarii n. sp.

. Dichelacera leucomelas n. sp.

. Dicladocera simulans n. sp.

. Dicladocera relicta n. sp.

. Cryptotylus unicolor WIED.

. Chlorotabanus mexicanus L.

. Poecilosoma quadripunctatum FABR. . Tabanus cinereus WIED.

. Tabanus importunus WIED.

. Tabanus Valterii MACQ.

. Tabanus mucronatus LUTZ & NEIVA . Tabanus trigonostichus LUTZ. 8. Tabanus cayennensis WIED.

. Tabanus rubrithorax MACY.

. Tabanus fuscofasciatus MACQ. . Neotabanus modestus WIED.

. Neotabanus dorsiger W\ED.

. Neotabanus comitans WIED.

. Tabanus pseudocinereus n. sp. . Tabanus cinereus WIED.

. Dichelacera varia WIED.

Culicidae. BAHIA. Joazeiro.

Janthinosoma discrucians WALK.. 35 Melanoconion atratum THEO.... 4 Cellia argyrotarsis ROB.-DESV... 16

94

Stegomyia calopus MEIG. ........ : Culex fatigans WIED., frequente nos

domicilios. Pery-Pery. Janthinosoma discrucians WALK... 11 Culex scasularis RON Gis eee 4 Cellia argyrotarsis ROB.-DESV... 2

Municipios de Sta. Rita do Rio Preto,

Remanso, Riacho de Casa Nova, Varias loca-

lidades: Formosa, Váu, S. Marcello,

do

tra.

Pedra

Fogc, Veados, Pery-Pery, Pouso-Alegre, Carahybas, Jatobá, Peixe, S. José du Canas- Manguinhosia lutzi CRUZ ...... 85 Stethomyia nimba, THEO. ....... 31 Cellia brasiliensis, CHAGAS .... 18 Cellia tarsimaculata GOELDI. ... 9 Myzorhynchella lutzi, CRUZ. ..... 12 Chagasia fajardoi, LUTZ. ....... 2

EC. scapularisaRDN o tes suds 1

Petrolina.

do

T. juxta-mansonia, CHAGAS .... 4 Sabethes albiprivatus LUTZ..... 1 PERNAMBUCO. Municipio de Petrolina. Localidades: Janthinosoma discrucians WALK. . 8 Cellia argyrotarsis. ROB.-DESV.. 6

Stegomyia calopus MEIG. e Culex fati- gans WIED. presentes nos domi- cilios da cidade.

Tigre-Terra Nova, Caldeirão, Cachoeira

Roberto:

Janthinosoma discrucians WALK. . 12

Cellia argyrotarsis ROB.-DESV. . 14

Culex scapularis, RDN°.::..:..1: 3 PIAUHY.

Municipio de S. Joao do Piauhy. Localidades:

Ponta da Serra, Rosilho Salgadinha: Cellia argyrotarsis ROB.-DESV... 16 Taeniorhynchus titillans WALK.... 21

Municipio de S. Raymundo Nonato Localidades :

5. Raymundo Nonato:

Cellia argvrotarsis ROB.-DESV... 80 Tacniorhynchus titillans WALK... 15 CASCADES RD 45 esmas 3 Sta. Anna, Bôa Vista, Cavalleiros, Lage, | Caracol. | Cellia argyrotarsis ROB.-DESV. 50 Taeniorhynchus titillans WALK... 20 Taeniorhynchus juxta - mansonia HAGAS es is root 6

Municipio de Parnagua e Corrente Localidades: Parnaguá

Cellia argyrotarsis, ROB.-DESV. . 38 Cellia albimana WIED. Myzorhynchella lutzr, CRUZ Taeniorhynchus titillans WALK. . 30 Taentorhynchus juxta-mansonia

CITADAS as cat a 12

E A psc Nite cra eens 6 Cruz, Ibiraba, Ipuera, Angical:

Cellia argyrotarsis ROB. DESV. 30

Cellia albimana WIED........... 2

Tacniorhynchus tifillans WALK... 20 Taentorhvnchus juxta mansonta CHAGAG ecu ee ae 6 GOY AZ Municipio do Duro. Localidades : Duro. Myzorhynchella lutzt, CRUZ...... 20 C. argyrotarsis ROB.-DESV...... 12 CHACHA AAA OL... UNE 13

Almas, Boqueirao.

Myzorhynchella lutzi CRUZ..... 15 Cellia argyrotasris ROB.-DESV. . 8

95 ==

Municipio de Natividade. Localidades : Baião, Extrema:

Cellia tarsimaculata GOELDI... Cycloleppteron mediopunctatum TED Aen Re Cellia argyrotarsis, ROB.-DESV . Culex scapularis RON. 0000000. Melanoconion spissipes THEO. Phoniomyia pallidiventer THEO. .. Sabethes albiprivatus, LUTZ Sabethoides purpureus THEO.....-

Municipio do Porto Nacional. Localidades: Porto Nacional. Myzorhynchella parva CHAGAS . Barrciros, Brejinho, Crixas, Jacaré, Extrema:

Chagasia fajardoi LUTZ ........ Myzorhynchella parva CHAGAS. . Manguinhosia lutzi CRUZ Stethomyia nimba THEO. ........ Melanoconion spissipes, THEO. ...

Taeniorhynchus fasciolatus ARRIB.

Municipio de Pilar. Localidades: Burity Grande, Burity Fechado, Ma hadinha:

Cellia brasiliensis CHAGAS...... Cellia tarsinraculata GOELDI. ... Chagasia fajardoi LUTZ..... pees Melanoconion humile THEO. ..... Sabethes longipes MACQ......... Sabethes albiprivatus LUTZ. ..... Phoniomyia longir.stris THEO... Sabethoides confusus THEO.

Municipio de Goyaz. Localidades : Goyaz, Varjäo, Matto-Grosso.

Cycloleppteron mediopunctatum

10

Cellia argyrotarsis, ROB.-DESV... 9 Chagasia fajardoi LUTZ......... 1 Cellia brasiliensis CHAGAS...... 70 Cellia tarsimaculata GOELDI.... 4 Culex fatigans WIED. (nos domicilios da Capital).

Melanoconion atrataum THEO..... 15 Taentorhynchus fasciolatus ARR. . Dendromyia personata LUTZ..... 3 Dendromyia paraensis THEO.... 3 Dendromyia oblita LUTZ. ....... 1 Sabethes albiprivatus LUTZ...... 11 Trichoprosopon compressum

ITA era ee wey 1 Sabethoides purpureus THEO.... 2

Triatomae BAHIA

Municipio de Remanso:

Triatoma sordida STAL ......... 1 Triatoma brasiliensis NEIVA ..... 3 Joazeiro: Triatoma sordida STAL........ 20 PERNAMBUCO

Municipio de Petrolina: Triatoma maculata ERICHSON .. 1 PIAUHY

Municipio de S. Raymundo Nonato:

doneorsta BRR. so. css esses. 65 i Grasiivensis NEIVA. 5 oa ads 20 TABLA ERIC i) LL de 3 E sordidaSTAL . RRA Ed at 8 Parnaguá e Corrente: Ti) Mesta BURMA o ss ia as 70 Te brasiliensis) NEIVA. seis ai oc Pro. GOYAZ

Municipio de Duro:

i. megista BURMA sous DL 50 TY Soria eS AIR PEN AIS 10

5 NUE

Porto Nacional :

T. megista BÜRM EL nto 5 Fy sordid’ ST RIG) Nan 10

Municipios de Natividade, Descoberto, Amaro Leite, Pilar, Goyaz, Curralinho, Caldas Novas.

Fo megista. BURN eV us 160

To sórdida STAI Uo ee 11

Maruins e borrachudos. A determinacao dos maruins, bcrrachudos e mutucas foi feita pelo Dr. ADOLPHO LUTZ, encarregado desses estudos no Instituto Oswaldo Cruz e Os restantes insetos hematotagos por NEIVA. Os maruins por nós observados tinham as azas manchadas e por isso pertenciam ao genero Culicoides LATR.; colecionámos alguns exemplares em Pery-Pery (Joazeiro) e muitos em Formosa a marjem do Rio Preto. A especie é Culicoides guttatus COQ., especial- mente abundante pela manhã; ataca em pleno soi; átarde aparece, porém, com frequencia menor. Em todas as povoações do Rio Preto o povo o denomina de “muruim”; no Tocantins e afluentes existe, com alguma abundancia, o Culicoides paraensis GOELDI: neste Estado as designações populares para as ceratopogoninas são : “muruim”, “mosquito- mole”, “mosquito-polvora” e “bembé”.

Sob a denominação de borrachudo conhecem-se, no sul, dipteros hematofagos, que na rejião amazonense são denominados de piúm e que são representantes do genero Simulium LATR.

Nas zonas por nós percorridas o povo denomina os simulidas de mosquitos; no lugar chamado Verissimo, proximo ao Desco- berto, dão aos simulidas a estranha deno- minação de “promotor”, dando aos culicidas designação de muricoca. Em algumas locali- dades o nome de borrachudo é reservado para as ninfas e larvas crecidas de triatomas. Apenas encontrámos 4 especies de Simulidac e, devido á época, geralmente apareciam escassamente; nos arredores de Joazeiro ainda conseguimos colecionar alguns exem- plares; em lugares, porém, de agua corren- te, como nas proximidades de Parnaguá, náo existiam nos fins de Junho, nem mesmo em estádio larval ou ninfal, pois, foram in-

E VEN dun a

frutiferas todas as pesquizas que fizemos. Entre Duro e Porto Nacional, em alguns lugares, existiam em enorme abundancia os S. pruinosum LUTZe omazonicum GOELDI, sendo que este atacava o homem e ambos os animaes em todas as partes do corpo, com excecao das orelhas. No lugar, denominado Tabocas, pudemos observar as duas especies antes do sol nacer, formando verdadeiros enxames ; este fato se produziu nas ime- diacóes do pouso, denominado Chupé, pro- ximo 4 marjem esquerda do Tocantins. Mesmo em lugares, afastados, seguramente, mais de 6 quilometros de qualquer agua corrente, fomos assaltados pelos simulidas, como se deu em Pery-Pery (arredores de Joazeiro).

A lista de Tabanidas rejista 35 especies, incluindo 10 novas. Até Parnaguá, estes dip- teros quasi não apareciam e, somente, via-se o Neotabanus modestus WIED. ou a Esen- beckia ferruginea MACQ., a qual começou a ser abundante em Formosa; o Chrysops mo- destus tambem era encontrado em quasi todo o trajeto. A sêca ja se encontrava acentuada e isto explica a escassez de tabanidas; no Tanque (S. Raymundo Nonato) falaram-nos duma “mutuca-mole”, a qual pela descrição deve ser a Selasoma tibiale WIED., por nós verificada presente no Piauhy em exemplares trazidos de Urussahy pelo Dr. GAVIÃO PEIXOTO. Nos “geraes” as mutucas começaram a apa-ecer em maio! abundancia e entre elas um Drachlorus que ataca o homem; pela primeira vez surje o Chlorotabanus mexicanus L. A nussa expe- riencia, em relacáo a esta especie, nas dite- rentes partes do Brazil, em que a temos encontrado, fala em favor da hipotese, de que as larvas se desenvolvam nos pantanos ou iugares encharcados e, na excursão agora relatada, o fato se confirmou inteiramente. Nas cabeceiras do Rio Preto encontrámos a Lepidoselaga paradoxa em grande numero; ataca em pleno sol, desaparecendo ao cair da tarde; á primeira vista, este tabanida se assemelha a abelha do genero Melipona ILL.

Ha nos geraes rejiões sécas, denominadas

vul garmente de chapadões; em varios deles fomos atacados por nuvens de Chrysops parvifascia LUTZ, em numero jamais por nós observado; esta crisepina ali se acumulava, afim de se alimentar no gado ou animaes selvajens; num destes chapadões, que media 42 quilometros de largura, conseguimos verificar que as crisopinas se acham presentes a distancia maxima de 8 quilometros da entrada; dai em diante ausentavam-se por completo, para reaparecerem na mesma abundancia á igual distancia da saida.

Em Goyaz a fauna destes dipteros é mais abundante e em alguns lugares o T. mucronatus é muito comum; esta especie tem a particularidade de deixar sangrando abundantemente a parte onde sugou; prova- velmente com a picada inoculam algum liquido anticoagulante, a exemplo das san- guesugas; esta mutuca ataca o homem. A Esenbeckia ferruginea, emquanto suga, bate as azas com enorme rapidez, talvez para auxiliar a sução. Nunca conseguimos verificar a presenca do Poecilosoma cinereum (WIED.) atacando animaes ou pessôas e o unico exemplar capturado, o foi sobre a cabeça dum jabirú (Mycteria L.), morto a tiro; ao cair esta ave, vimos que 3 mutucas da mesma especie procuravam-na sugar no pescoço, apenas conseguindo apanhar uma delas.

Em alguns lugares as pessôas do povo denominavam as pangoninas de “mutuca de ferrão”; as crisopinas são mais conhecidas e as denominações variam, conforme o Es- tado e mesmo as localidades. Assim ouvimos denominar aos representantes do genero Chrysops MEIG. de “mutuca rajada”, “mutu- quinha”, “mutuca maringá” “mutuea carijó” “mutuca de veado” e até “cabo verde”, desig- nação que no sul é aplicada 4 Lepidoselaga lepidota WIED.; em alguns lugares do Goyaz Chrysops costatus FABR. é conhecido pelo nome de “mutuca de natal”.

O estudo destes dipteros tem grande im- portancia, pois, com toda a probabilidade, são os transmissores do mal de cadeiras, presen” te em toda a zona percorrida.

A fauna culicideana da zona sêca é cer- tamente representada por poucas especies e,

embora as pesquizas fossem empreendidas em tempo improprio, a afirmação é exata. Nos arredores de Joazeiro, além da C. argyrotarsis ROB. DESV., encontramos os classicos mosquitos domesticos: Sf. «a'opus MEIG. e C. fatigans WIED.; nas caatingas apenas o Janthinosoma discrucians WALK.

Até Parnaguá a nossa colegáo foi aumentada de alguns exemplares de C. albi- mana e Culex scapularis; nas marjens das lagoas deste municipio encontrámos abun- dantemente representantes do genero Taenio- rhynchus ARR.

Pudemos mais uma vez verificar a influ- encia da luminosidade sobre o' aparecimento das anofelinas; ao crepusculo apareciam abundantes representantes do genero Cellia THEO. e Taeniorhynchus ; durante o dia, porém ,nas moitas sombrias da' lagõa, podiam- se facilmente apanhar Celliae, nunca Taenio- rhvnchus, os quaes exijem maior obscuridade. As larvas de anofelinas foram colecionadas em grande abundancia e estamos incli- nados a supor que, nestas parajens, o feno- meno estiação se deve dar em gráo muito acentuado.

“Provavelmente os mosquitos estavam em estádio larval e fenomenos desta natureza se tem observado em rejiões semi-desertas do Mexico.

A Cellia albimana, quando se encontrava presente, era sempre em pequeno numero; os fócos são constituidos por qualquer cole- ção de agua, mesmo em impressões, deixadas pelas patas do gado, nos terrenos alagadiços, ás marjens das lagôas, fato, aliás, rejista- do na Algeria pelos irmãos SERGENT. Criá- mos de larvas, encontradas na lagôa de Par- naguá, um Culex não hematofago cuja determinação exata ainda não fizemos.

Em certas zonas da Bahia e Piauhy as anofelinas são denominadas pelo povo de “sovela” para diferençar dos culicidas em geral que são conhecidos pelo nome de “mu- riçocas”. A abundancia das anofelinas facil- mente explica o desenvolvimento que toma a malaria, principalmente ás marjens dos rios e lagõas daquelas parajens.

95 ———

Nos “geraes”, onde a agua é mais abun- dante e a vejetação mais espessa, começaram a aparecer outras especies e, pela primeira vez, pudemos observar a Stethomyia THEO. em liberdade e estudar os seus habitos. Esta anofelina se assemelha, á primeira vista, pelo modo de voar e pousar, aos reptesentan- tes do genero Wyeomyia THEO.; voam com as pernas posteriores voltadas para a cabeça e aparecem para sugar antes de qualquer outra anofelina; nunca pousam no abdome dos animaes como a Manguinhosia CRUZ, tambem muito abundante nos buritizaes; preferem pousar sobre as ancas e pernas. Continuamos a pensar ser esta especie não transmissora de impaludismo. A Manguinhosia aumenta de numero ao escurecer, hora em que a Stetho- myia nimba desaparece. a

Os geraes são praticamente desabitados e neles a Cellia argyrotarsis e albimana . são escassas; este fato está de acordo com a observação de alguns autores norte-america- nos, os quaes afirmam que estas especies são praticamente quasi as unicas transmissoras da malaria nas rejiões intertropicaes da America, por se achar sómente presentes nos lugares povoados.

Nos buritizaes, existentes a 80 quilo- metros das marjens do Rio Preto, encontrá- mos pela primeira vez a Chagasia fajardoi, especie que não se afasta muito do cria- doiro, tal como acontece com a Stethomyia ; isto contitue mais um elemento em favor da crença, que temos, nao serem estas anofeli- nas transmissoras de malaria.

Mais adiante, fomos assaltados em pleno dia por enxames de anofelinas; este habito denuncia logo a Cellia brasiliensis, unica especie brazileira que atacaem pleno sol; o terreno apresentava muita analojia com os campos de Avanhadava (S. Paulo), onde pela primeira vez observámos esta especie. Se ficar demonstrada a possibilidade da C. brasiliensis transmitir o impaludismo ,constitu- irá, pelo habito de atacar de dia, serio obstaculo ao futuro povoamento das rejióes onde existir. Aqui tambem verificámos o fato, por nós rejistado em outro trabalho, da presença constante e simultanea da Mangui-

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nhosia lutzi e Cellia braztliensis.

A Myzorhynchella lutzi fomos encon- tral-a pouco antes das marjens do Rio das Areias proximo ao Duro, em Goyaz; nos arredores desta vila, os unicos culicidas encontrados são a Chagasía fajardoi, Mangui- nhosia lutzt, C. argyrotarsis e albimana, porem em pequeno numero, o que está de acordo com a Observacáo dos moradores, os quaes afirmam ser a malaria quasi desco- nhecida.

Em fins de Agosto, na Pedra Furada, apanhámos O primeiro exemplar de Cyclole- pteron mediopunctatum. Alias ficamos surpre- endidos pela pobreza da fauna culicidiana de Goyaz, pois, nem apareciam especies banaes, como o Culex scapularis, abundante do Mexico a Argentina. Passavamos varios dias sem poder aumentar as nossas colecóes com especies, diferentes das C. argy- rotarsis e albimana; esta, 4 medida que nos deslocavamos para o sul, ia substituindo aquela, ja rara nas proximidades do Desco- berto, onde, em lugar denominado Lagõa Grande, fomos atormentados durante toda a noite pela C. albimana e Myzorhynchella lutzi, O fato da perseguição se prolongar por tantas horas, tem a sua explicação por ser noite de lua, o que vem confirmar a nossa observação, feita em Xerém a este pro- posito; aliás a agressão se torna maior, quando o luar é encoberto por nuvens, dimi- nuindo a claridade e aproximando da lumi- nosidade crepuscular, cuja intensidade lumi- nosa representa o otimo para algumas ano- felinas.

De Descoberto para o sul, desaparece a Cellia argyrotarsis, sendo substituida exclu- sivamente pela C. albimana, que provavel- mente será a transmissora da malaria no Araguaya, pois era especie predominante num pouso a cerca de 100 quilometros deste rio. Colecionámos alguns Sabethes DESV. e uma Chagasia e continuámos a estranhar a au- sencia dos C. scapularis ROND. e serratus THEO., tao comuns em todo o Brazil.

nas proximidades da Capital de Goyaz, na unica mata, que verdadeiramente merece este nome, em toda a rejiäo percorrida,

apanhamos 2 exemplares do Anopheles eiseni, especie pela primeira vez por nós observada em liberdade; até entáo o unico Estado brazileiros, onde se sabia existir, era o de Minas; este fato é bastante curioso pela circumstancia de ser especie, encontrada em algumas republicas da America Central; alem dessa especie capturámos ainda exemplares de Cycloleppteron, Sabethinae, Dendromyinae etc.; nenhum exemplar de Culicinae foi visto, o que achamos bastante estranhavel.

Em 3500 quilometros de percurso apenas 30 especies de culicidas foram observadas; destas 10 sáo anophelinae, faltando apenas 5 para completar o total das especies brazileiras desta subfamilia.

Para a Myzomyia lufzi a ausencia é facilmente explicavel, pela inexistencia de bromeliaceas dendricolas que retém agua e cuja presenca foi verificada em pequeno trecho do trajeto; a larva desta anofelina se desenvolve naquelas plantas. Para a ausencia das Arribalzagaía maculipes e pseudomaculipes e do Cycloleppteron interme- dium, sempre presentes nas localidades onde vive o Cycloleppteron mediopunctatum, não encontrámos explicação. A especie res- tante, o Anopheles mattogrossensis, até agora foi encontrada no Estado que lhe deu o nome. Todo o interior do Brazil, excetuadas as povoações á marjem dos rios S. Francis- co e Preto, não possue a Stegomyia calopus e Culex fatigans. A cidade do Porto Nacio- nal e Goyaz, por emquanto, continuam isentas destes culicidas.

Triatomas - De Joazeiro ás proximidades de S. Raymundo Nonato, debalde procurá- ruos a T. megista (BURM.), transmissora da molestia de CHAGAS; naquela cidade so pudemos obter a 7. surdida (STAHL), o que ja era de suspeitar pela grande afinidade existente entre esta especie e os cursos d'agua. A este respeito, a excursao em questäo foi muito instrutiva para o estudo da biolojia da T. sordida, especie delarga distribuição na America do Sul e provada transmissora da molestia de CHAGAS.

Logo que nos internámos em rejiões aridas, a T. sordida desaparecia, surjindo ime-

diatamente nas proximidades dos cursos d'agua e em alguns lugares, onde a molestia de CHAGAS se achava presente, como Porto Nacional, a 7. sordida foi a unica especie observada. Além desta especie, de Joazeiro até as proximidades da vila S. Raymundo Nonato, encontravamos a 7. maculata (ERICH.), denominada em alguns lugares de “bicho de parede preto”, para distinguir do nome generico de “bicho de parede”, dado em quasi toda a zona, aos representantes do ge- nero Triatoma; em Joazeiro, ainda ha a deno- minacao de “chupa” e em algumas localidades de Pernambuco, Piauhy e Bahia de “bicudo” e “procotó”.

Nas proximidades de S. Raymundo No- nato, na Fazenda denominada Santa Anna, verificámos a presença da Triatoma brasilien- sis NEIVA, infestando as lócas dos mocós (Cérodon rupestris WIED.) e mais adiante, em mais de um lugar, soubemos que com a T. megista acontece o mesmo. Comtudo não tivemos a oportunidade de resolver esta im- portante questão, aliás facil de admitir, pois certamente a domesticidade de algumas tria- tomas é posterior ao descobrimento do Brazil.

Na vila de S. Raymundo Nonato encon- trámos as seguintes especies que infestam os domicilios: T. brasiliensis, maculata, sordida e megista, a primeira em grande numero, a ultima muito escassamente.

Os exames repetidos com o fimde se verificar, se existia infeção por tripanosomo, até ai foram completamente negativos ; cerca de 12 quilometros para oeste da vila de S. Raymundo, encontrámos, no lugar denominado Lages, a Triatoma megista, representada exclusivamente em numero extraordinario ; não sabendo explicar a causa do subito desaparecimento das outras especies. Dai para diante, esta especie preponderou, com exclusão de qualquer outra, até, que chegá- mos á vila de Parnaguá, quando reaparece a T. sordida, a qual, associada a 7. megista ou só, foi encontrada em quasi todo o terri- torio goiano até atinjirmos os limites com Minas.

Em Parnaguá encontrámos as primeiras 7.

- . a) Oe megista, infetadas com o Trypanosoma cruzi ' permitir a

==

CHAGAS, e este fato veiu confirmar as suspeitas clinicamente baseadas, que a moles- tia de CHAGAS “pintava”, isto é, apa- recia esporadicamente, no dizer daquelas zonas.

O nome vulgar das triatomas possue larga sinonimia, variando dum lugar para outro; além das citadas, a ninfa ou larva é designada de cascudo e borrachudo, denomina- ções que, no sul, correspondem aos simuli- das e certos coleopteros; o adulto ainda é chamada de “fincão”, dos geraes em diante; inclusive todo o Goyaz, a triatoma é desig- nada de “percevejo”, “percevejão”, “percevejo gauderio”” e “vum-vum”, nome empregado sómente na Capital de Goyaz; no sul deste Estado é conhecido pelas denominacóes de “chupão” e “chupança” e nas proximidades de Minas de “barbeiro”.

Nas zonas em questão, o Cimex lectula- rius (FABR.) é designado de varias maneiras: “percevejo da Bahia, percevejo do comercio”, fin-fim’”’. Nunca observámos triatomas habi- tando a mata, apesar das numerosas afirma- cóes em contrario; sempre que nos traziam da mata hemipteros, considerados pelas pes- sOas que os colecionavam como sendo leji- timos “bichos de parede”, verificavamos tratar-se de representantes dos generos Apio- merus HALN., Hammatocerus BURM., Pachylis LEP. SENV. etc. Nos curraes, sob a casca dos moirdes das cercas, é relativamente comum, encontrarem-se as mesmas triatomas que frequentam a casa.

Nos lugares onde ha a presenca simul- tanea de mocós e gado caprino, este procura dormir nas proximidades das tócas daqueles roedores, servindo portanto de pasto para a Triatoma brasiliensis.

A T. maculata não parece se internar muito, porquanto náo foi verificada além da vila de S. Raymundo; a 7. brasiliensis infesta os domicilios da vila de Parnaguá, conjunta- mente com a 7. sordida e megista, sendo encontrada até as proximidades de S. Mar- cello.

Quasi todos os domicilios, em todo o trajeto, ofereciam todas as condições para reprodução das triaomas; a

—— Wi

maioria é constituida por casas de adobe näo rebocadas ou entäo apenas em alguns compartimentos; em lugar denominado “Tombador”, divisa do Piauhy com o muni- cipio de Sta. Rita, encontrámos uma habita- ção toda revestida de palha, mas tão densa- mente que permitia a existencia de triato- mas; em geral, nas casas mal cobertas de palha e de paredes por elas revestidas de modo incompleto, as triatomas, quando nelas penetram acarretadas nas cargas, não acham comtudo condições para reprodução.

Do Duro em diante, foi verificada a presença da 7. megista e sordida ; em alguns lugares os habitantes informaram que os ratos davam incessante caça a estes hemip- teros, a ponto de extinguil-os; em geral O morador procura negar a existencia de tria- tomas no domicilio, em que reside, e, quando reconhece a presença do reduvida hematofago na localidade onde mora, nunca é na pro- pria casa, porém na de alheios.

No emtanto, basta muitas vezes rapida investigação pelas frinchas das paredes, para se julgar da existencias das triatomas pelas manchas, que as dejeções deixam á entrada dos lugares onde se abrigam.

_‘ Os ofidios, como em toda parte, gozam de enorme prestijio ¢ são muito temidos; praticamente o povo não conhece cobras e qualquer destes répteis passa por ser vene- noso; na nossa excursão conseguimos trazer a seguinte coleção, détérminada pelo Dr. J. FLORENCIO GOMES do, Instituto de Bu- tantan:

Crotalus terrificus (LAUR ) (cascavel) Lachesis lanceolatus (LACEP.) (Jararaca)

Xenodon merremit (WAGL) (Salamanta) |

Oxyrhopus trigeminus D. & B. Oxyrhopus cloelia (DAUD.) (mussurana) Spilotes pullatus (L.) (caninana).

Sob esta designaçäo ainda é conhecida no Brazil a Phrynonax sulphureus (WAGL.); ambas as especies não são venenosas.

Além destas, encontrámos a Elaps marc- gravii WIED., Herpetodryas carinatus (L.)

Drymobius bifossatus (RAD.) e Philodryas ol- |

fersi (LICHT.); pela provavel determinação

que fizemos com elementos que dispunhamos em viajem. A maioria dessas especies foi colecionada no Piauhy, podendo-se acrecentar á lista outras especies, que ali ocorrem, se- gundo informações do Dr. FLORENCIO GOMES, ao estudar material recentemente colecionado naquele Estado pelo Snr. F. IGLESIAS:

VIPERIDAE: a

Lachesis neuwiedit (WAGL.)

COLUBRIDAE:

Aglypha:

Leptophis ahaetulla (L.) ,

Liophis poecilogyrus (WIED.)

Liophis viridis GTHR.

Rhadinuea occipitalis JAN.

Rhadinaea genimaculaia BOETTGER

Helicops angulatus (L.), cobra d’agua.

Opisthoglypha:

Leptodira albifusca (LACEP.)

Oxyrhopus guerini DUM. & BIBR.

Oxybelis acuminatus (WIED)

Homalocranium melanocepitalum (L.)

A Lachesis neuwiedii piauiense, pelo que nos comunicou o Dr. F. GOMES, diver- je lijeiramente dos exemplares do Brazil me- ridional, mas não especificamente, segundo parece ao nosso informante. Acreditamos que a especie em questão seja encontra- da no norte do Estado, porquanto na parte Sul, que foi a unica por nos percorrida, ne- nhuma informação obtivemos sobre a exis- tencia de cobra tão carateristica. Em todo o nor- deste ouvem-se, a cada passo, referencias ter- riveis sobre o poder do veneno da “salaman- ta”, ofidio que dizem viver nos 6cos dos paus e cujo nome é evidentemente corrutela de salamandra. Sob este nome o povo con- funde duas especies muito diferentes: Coral- lus hortulanus (L.) e Xerodon merremii (WAGL.)

A salamanta, no entanto, nao é cobra

| venenosa e o terror inspirado deve provir

do aspeto que a cobra toma, achatando-se

| contra o solo ao avistar qualquer inimigo, o

que lhe valeu o nome indijena de boipeva como é ainda conhecido no sul do Brazil; o exemplar que trouxemos foi colecionado nos

_ arredores da vila de Parnaguá, onde tambem

—— 102

apanhamos o Elaps corallinus WIED. Por informaçôes soubemos da existencia duma das Lachesis denominadas pelo povo de “jarara- cissi’’, a qual parece ser mais rara ali que no resto do paiz. Fato bastante digno de nota é a inexistencia da Lachesis mutus (L.), a vulgar surucucú, comum e frequente no norte do Brazil; todas as indagações que fizemos resultaram inuteis, não havendo probabilidade de haver engano, pois se trata de ofidio dos mais carateristicos e rejis- tado, como presente, em alguns Estados por nós percorridos, como o da Bahia. É possivel que a L. mutus não encontre condições de vida favoraveis nas zonas sêcas, existindo apenas nas zonas de matas; a nossa expe- riençia a este respeito fala em favor desta asserção, pois o unico exemplar vivo desta especie, que tivemos oportunidade de ver, foi por nós capturado em Xerém (E. do Rio) em zona muito humida e revestida de floresta.

A “mussurana” de tanta utilidade é, em alguns lugares do Piauhy e Bahia, chamada de “cobra preta” e temida pela maioria das pessóas que a julga feroz jararacussú. Em Parnaguá tivemos cportunidade de deparar com um grande exemplar da Coluber corais BOIE, a vulgar “papa-pinto” de certos Es- tados brazileiros, cobra de grande utilidade, por-ser ofiofaga, fato este porém ainda igno- rado-por quasi toda a gente. O nosso compa- nheiro de excursão, filho de fazendeiro da localidade, ao avistar o reptil, antes de podermos advertil-o, atirou-lhe mortalmente, convencido de que se tratava de cobra muito venenosa. As informações fornecidas sobre cobras venenosas são infelizmente muito suspeitas; todavia devemos rejistar as que ouvimos em lugar chamado Jatobá (Municipio de Remanso, Bahia), referentes a pequena cobra verde, dendrofila, que dizem ser ve- nenosa.

A ciencia rejista a Lachesis bilineatus (WIED), vulgarmente conhecida pelo nome de surucucú patioba, como cobra venenosa de côr verde, habitando o norte do Brazil; não é impossivel que o fato narrado pelos habitantes de Jatobá se relacione com esta especie.

Deve-se, porém, ao Crotalus terrificus (LAUR.) a generalidade dos casos de ofidis- mo em homens e animaes; no sul do Brazil cabe este papel ao Lachesis lanceolatus LACEP.; neste ponto as informações populares são ver- dadeiras: é enorme a abundancia de casca- veis no nordeste brazileiro, sendo que a frequencia aumenta nas zonas sêcas. É neces- sario a quem tenha de percorrer zonas des- habitadas daquelas parajens, munir-se princi- palmente de sóro anticrotalico, preparado pelo Instituto de Butantan.

Em todo municipio de Formesa (Bahia) o viajante ouve frequentemente referencias a uma pequena cobra mais venenosa, segundo as informações, que a cascavel, é denomi- nada “tira-peia” ; habita nas fendas da terra e parece comumente no “verde”; tem a aparencia de cascavel, não crecendo porém pouco mais de palmo. O nome é dado, devido á violencia do veneno ; como é sabido, no norte os animaes são peiados, afim de não fujirem, e a expressão “tira-peia” vem desi- gnar a inutilidade desse instrumento de contensão para o animal picado. Talvez se trate duma confusão com algum representante da inofensiva familia Amphisbaenidae e que passa em todo o Brazil por ser cobra e, mais ainda, muito venenosa.

Sinceramente, não damos nenhum credi- to ao que ouvimos em Formosa, apezar de nos ter sido repetido por varias pessóas e em varias localidades; relatamos apenas pelo dever de rejistar informações sempre uteis á ciencia que as destroe ou as confirma. Nessa rejião os habitantes tambem se refe- rem ás cobras denominadas “malha” ou “malha de cascavel” e “jararaca de cabo branco”, que dizem ser venenosas; algumas destas desig- nações no Sul, designam a vulgar jararaca.

_ Em todo o Goyaz se não fala mais no minhocão, reptil lendario que tem sido tratado por varios naturalistas; algumas pes- soas ouviram referencias ao animal, mas, sem duvida, a lenda vae desaparecendo; em compensação, porém, está sendo provavel- mente substituida por outra, pois em Ouro- Fino ouvimos a referencia a um ofidio que marcha como os oligoquetas em geral (“ca-

OF

minha como minhoca” diz o povo) cha- mado de “surucucu”, atingindo pouco mais de metro, de cor cinzenta e com O Corpo re- vestido de escamas chatas, sendo extrema- mente rara.

A ema (Rhea americanan L.) e seriema (Microdactylus cristatus L.) passam por ser destruidoras de cobras e em Caracol (Piauhy). O Coronel AURELIANO AUGUSTO DIAS, impede a caca ás emas nas fazendas de sua propriedade, pois acredita na destruição das serpentes por aquelas aves. Nas autopsias duma ema e de varias seriemas, mortas du- rante a excursáo, nunca verificamos a presen- ca de ofidios no tubo dijestivo. Animal, que tambem gosa a fama de destruidor de ser- pentes, é o teiú (Tupinambis teguixin L.); nós nunca tivemos oportunidade de presenciar qualquer dos combates tão comuns no dizer do povo. Pelas observações do Dr. VITAL BRAZIL e seus auxiliares, a seriema, jabim, pavão e certos gaviões devoram as cobras não venenosas e não agressivas ou veneno- sas quando muito pequenas; estes fatos foram observados experimentalmente após jejuns de 2-3 dias. O teiú ou lagarto, segundo in- formações dos mesmos observadores, nunca ataca as cobras venenosas, atacando e de- vorando porém as cobras não venenosas.

Fato a rejistar entre os répteis, é a de- nominaçäo que dão no Piauhy aos represen- tantes do genero fguana DAUD, ali conhe- cidos pelo nome de “preguiça”; aliás os representantes do genero Bradypus L., universalmente conhecido por este nome, ali não existem.

Nem sempre estas notas obedecem á seriação zoolojica; são escritas á medida da leitura do nosso diario e notas efetuadas durante a viajem; mas a reunião das dife- rentes partes poderá dar idéa da fauna das zonas percorridas. Na zona sêca, como era de prever, são raros os hydrosaurios; apenas conseguimos atirar na lagóa de Ibiraba, no municipio de Parnaguá, em um jacaré. Entre os batraquios é comumo Leptodac- tylus ocellatus (L.), ali vulgarmente denomi- ado de “gia”; os Bufonidae são bem repre- sentados; não encontrámos porém em toda

rejião semi-arida qualquer representante das Hylidae.

_ Assim como o buritizal reune quasi todas as especies de flora local, lagôas, açudes e ipueiras atraem avifauna de muitas leguas em torno; grande numero de especies exclu- sivamente se encontra nestes sitios.

As garças, irerés, marrecos e patos sao relativamente comuns nas massas d’agua de maior volume; a abundancia raramente é grande eisto, de alguma forma, nos surpre- endeu, pelas constantes informações em con- trario.

Elemento constante junto a qualquer coleção d'agua é o “téu-téu’’? (Belonopterus cayennensis (GM.); a denominação de /agôa no nordeste designa reuniáo d’agua de qualquer profundidade e de extensáo acima de 20 metros; quando ha profundidade e a extensao excede de muito a largura, deno- mina-se de ¿pueira ou ipuéra; os açudes em geral são denominados de fanques. Nas la- goas maiores, além do féu-féu, são frequentes o Theristicus caudatus (BODD.) e nas ipuêras aparece ainda, sob a denominação local de socó-boi, o Tigrisoma lineatum (BODD.). Somente um exemplar da Florida caerulea L. foi visto durante todo o trajeto; mas se a garça azul é assim rara, O mesmo não

“acontece com a Herodias egretta (GM.), a

qual conseguimos observar, nas proximida- des de qualquer porção dagua e, em grandes bandos, na //ha Pequena da lagoa de Parna- guá, local onde vimos o maior numero de aves durante todo o trajeto, pois, aos bandos, tambem se encontravam a Ajaja ajaja (L.), o colhereiro ea Cancroma cochlearia L., o ara- papá, naquela zona denominada de socó de bico largo.

Depois do municipio de Corrente (Pi- auhy) as lagoas são frequentadas ainda mais pela carauna, Harpiprion cayennensis (GM.\

No sudoeste do Piauhy começaram a aparecer as araras azues; até então tinha- mos encontrado a canindé (Ara ararauna (L.). A medida que caminhavamos para oeste, a arara-azul (Anodorhynchus hyacinthinus (LATH.), tornava-se mais abundante; na re- jiao em questão a «arara-azul» ainda é feliz-

mente muito comum e, como a biolojia desta especie falha, daremos os resultados das nossas observacóes e das informaçôes co- lhidas.

Os bandos até 5 não são raros, em ge- ral porém voam aos casaes; 0 vôo é muito rapido e grasnam de modo diferente da ca- nindé. Depois de alguns dias de pratica, ao se ouvir O grasnar da arara, pode-se facil- mente saber-se de que especie se trata. Pou- sam nos buritizaes onde geralmente dor- mem; houve dia de se abaterem até 3 exem- plares de «arara-azul»; são muito pouco parasitadas. Por varias vezes observámos a «arara-azul» em trabalho de nidificação e para isto escolhe sempre uma palmeira-buriti (Mauritia vinifera MART.) sem folhas; du- rante o mez de Agosto, começa a abertura do ninho; em 26—8—12 em logar, denomi- nado S. José (Municipio do Pilar, Estado de Goyaz), derrubamos um buriti seco, mas que denunciava a presença de ninho de arara, pela cauda desta; o ninho estava preparado, porém não continha ovos. Pelas informações soubemos que os ovos são 3 e de cor branca; disseram-nos que estas belas aves são muito perseguidas pelo gavião de pena- cho (Thrasaetus harpya (L.)); cremos, comtu- do, que a perseguição não produza grande efeito, porquanto esta aguia parece ser muito rara na zona, onde existe pelas informações.

As primeiras referencias ao gavião de pe- nacho foram ouvidas somente em Goyaz; nunca conseguimos observal-o voando, porém a sua presença é indiscutivel, pois vimos e trouxemos garras, guardadas como amuletos pelos caçadores. Em geral, os habitantes não sabem onde nidificam, apenas um individuo afirmou-nos que os ninhos são feitos sem nenhum cuidado na cachôpa dos buritis, isto é, na porção da palmeira que carrega as fo- lhas; põe 2 ovos entre os mezes de Setem- bro e Novembro. Varios fazendeiros asse- veram que o gavião de penacho chega a ata- car os bezerros «minjolos», os quaes muitas vezes vem a falecer em consequencia dos ferimentos recebidos; filhotes de veados, mutuns, seriemas e tatús são prezas, facil- mente carregadas pela ave. Logo que a pre-

sença do gavião de penacho é denunciada nas proximidades da moradia do fazendeiro, este procura imediatamente dar-lhe caça, com terror de que as crianças sejam vitimas de ferimentos; mais de uma vez ouvimos à narrativa de tentativas de agressão desse genero e o Dr. AYRES DA SILVA narrou- nos o episodio, passado com um seu parente, e em que este teve oportunidade de matar um gavião de penacho, na ocasião, em que a ave investia contra um menino que ia em sua companhia.

Até Goyaz se encontram duas espe- cies de urubús, e Catharista atratus brasili- ensis (BONAP.), o urubú comum e o “uru- bi de cabeça vermelha” (Cathartes aura (L.), predominando este na parte mais central do paiz; é muito facil diferençar as duas espe- cies voando, pela majistral maestria do vôo da Cathartes aura, que se libra durante longo espaço de tempo, efetuando vôos planados maravilhosos.

Em Goyaz, além das especies referidas, encontra-se com relativa frequencia o (Gypa- gus papa L.) e a respeito desta ave verificá- mos uma observação popular verdadeira; que- remos nos referir ao fato dos outros urubús fazerem carniça depois do urubú-rei saciado. Certa vez encontrámos uma rez morta e em volta enorme bando de urubús, pousados sobre as arvores proximas; como o lugar era desha- bitado, causou-nos estranheza o fato do cada- ver não ser atacado, apezar de observarmos que alguns urubús passeiavam sobre o corpo do animal sem procurarem se alimentar; um camarada advertiu-nos que isto se passava por estar proximo algum urubú-rei, e, na ver- dade, logo depois verificámos a presença de 5 destas aves pousadas na arvore mais ele- vada das cercanias e que impediam o ataque da rez por parte dos outros urubús.

No lugar denominado Baião, municipio de Natividade, os fazendeiros garantem a existencia de uma outra especie de urubú chamada no local de “urubú-pedrez e urubú- fidalgo”; trata-se, segundo as informaçôs, de ave menor que o Gypagus papa poem maior que os outros urubús; tem o céro rajado de preto e branco, não sendo corpo

ep

raro. Estamos inclinados a acreditar na veracidade desta informação, pelo fato de termos atirado sobre certo urubú que fazia carniça em um veado e cujo tamanho nos chamou a atenção.

Por duas vezes, em Goyaz, verificámos a presença da Mvcteria mycteria (LICHT), o grande jabirú; a primeira voando e outra quando se alimentava numa lagõa; ao sentir a aproximação de pessoas procurou levantar o vôo, o que faz com dificuldade; o tiro al- cançou-o em uma das azas e caiu defenden- do-se valorosamente. O tubo dijestivo con- tinha peixes. Ao contrario dos urubüs que nos forneceram excelente material parasito- lojico, o jabirú nada apresentou. A” beira dos rios e lagôas de todo o percurso até a rejiáo central de Goyaz é comum encontrar-se o in- teressante Tyrannida, Fluvicola climazura (VIELL), conhecida desde a capital da Bahia pelo nome vulgar de “lavadeira”.

Aqueles que se interessarem pela avi- fauna das rejiões percorridas poderão con- sultar os seguintes trabalhos modernos: REISER, O.: “Liste der Vogelarten, welche auf der, von der Kaiserl. Akademie der Wis- senschafteu 1903 nach Nordostbrasilien entsen- deten Expedition, unter Leitung des Hofrates Dr. F. STEINDACHNER. gesammelt wurden. Wien. Denkschriften der K. Akademie der wis- senschaften, Vol. 470—1910 e HELLMAYR, C. E.: An account of the birds collected by Mons. G. A. BAER in the State of Goyaz, Brazil” Novitates Zoologice, Vol. XV, 1909 London.

Da lavra de HOLLAND, J. W., HASE- MANN, D. J. e EIGENMANN, H. C. no Vol. VII de “Annals of the Carnegie Museum, 1911, encontram-se 3 artigos que se estendem das pp. 283-328 e que se ocupam exclusiva- mente da fauna ictiolojica da rejião do Nordeste. HASEMANN qne foi o naturalis- ta que percorreu a rejião, estuda minuciosa- mente os varios modos de pescar, incluindo a tinguinajem empregados pelos naturaes. Os interessados poderão com todo o proveito consultar o trabalho indicado e que de modo exaustivo trata do assunto,

Na lagôa de Parnaguá é muito abundante certa especie de pequeno camarão, provavel- mente pertencente ao genero Palaemon, mas cuja identificação especifica exata, deixou' de ser feita, por não termos colecionado exen- plares gd.

Muito recentemente R. VON IHERING publicou nos “Annaes Paulistas de Medicina e Cir.” interessante artigo. “As especies de ratos caseiros e a sua diferenciação dos ratos indigenas”, com informações curiosas a respeito, ás quais poderão ser adidas algumas por nós colejidas a proposito do Mus (Epimys) norwegicus ERXL, que invadiu recentemente, não ha 8 anos, as habitações do Brazil Central, ocasionando as depreda- ções costumeiras. O nome de ratazana, porém, é desconhecido, sendo o roedor batisado de “rato rabo de couro” e em Pernambuco e certas zonas do Piauhí acreditam os mora- dores, ser a invasão proveniente do Cariri (Ceará).

Trouxe apenas a vantajem de dar caça aos bichos de parede em compensação, esca- va galerias no sub-solo das habitações e «furuncham» (esburácam) toda a casa, no dizer local. No centro de Goiaz os habitan- tes queixam-se do rato-boiadeiro, tambem de invasão recente e que difere do rabo dt couro por ter a cauda cabeluda.

As casas dessas zonas sao frequentadas por pequenos ratos autoctones, conhecidos sob a denominação de catita, punaré, tucu- naré, e provavelmente pertencentes a varios generos. Nas divisas do Piauhi e Bahia, á noite, quando estavamos acampados, ti- vemos oportunidade de matar um exemplar novo de Rhipidomys pyrrhorhinus (WIED.), segundo a identificaçäo efetuada pelo Dr. A. DE MIRANDA RIBEIRO.

O rato-boiadeiro do centro de Goiaz, pela descrição que dele nos fizeram, deve com muita probalidade ser o Trichomys apereoi- des (LUND.); por nós foi encontrado frequentando os domicilios da Vila de Parna- gua (Piauhí). MIRANDA RIBEIRO que iden- tificou o exemplar, que dali trouxemos, tambem ja o encontrou em habitação, a marjem esquerda do Paraguay. À especie

Re An PA

em questáo, possue immensa area de disse- minaçäo no Brazil, tornando-se cada vez mais frequenteoos domicilios dos nossos sertões»

O “rabo de couro”, como por abreviação tambem o chamam, ainda não invadiu o mu- nicipio de Parnaguá; as localidades, como Lages, Caracol, eyc. ainda pertencentes ao municipio de S. Raymundo Nonato, por em- quanto não conhecem a praga.

A capivara (Hydrochoerus capybara ERX.) existe dos arredores da vila de Parnagua em diante; nem mesmo nas povoações das marjens do Rio S. Francisco, por nós visita- das, é encontrado este grande roedor, tendo existido antigamente segundo nos disseram. De Petrolina até a referida localidade o ani- mal é completamente desconhecido e este fato, tem grande importancia, pois em toda a zona existe o “torce” (mal de cadeiras), sendo portanto dispensavel a capivara para depositario do virus deste tripanosomo.

Na lagôa de Parnagua a capivara existe em grande abundancia; todavia os moradores nunca observaram mortandade de capivaras, e que faria suspeitar epizootia pelo Trypa- nosoma equinum VOGES, como tem sido verificado no Brazil, Argentina e Paraguay. A carne da capivara é aproveitada para ali- mentação e ali tambem é aproveitado o oleo na cura da tuberculose. Nos lugares pedre- gosos da Bahia, Piauhy e mesmo Goyaz, nas proximidades de Natividade, encontra-se o Kerodon rupestris WIED (mocó), cuja carne é tida como fina iguaria. Estes roedores procuram habitar as tocas de pedra nas pro- ximidades da agua. Bastante comum em toda a zona é a prea (Cavia aperea ERXL.). Em Caracol tivemos oportunidade de apanhar vivo o Conepatus suffocans AZARA, conhe- cida no nordeste pelo nome de cangambá. Nunca supuzemos ser a secreção anal, que O animal expele para se defender, de tal forma nauseabunda; o naturalista, que o determinou, nada exajerou dando-lhe aquela designação.

O animal foi surpreendido durante o dia, o que é raro, por ser de preferencia notur- no; ocultou-se no ôco duma umburana donde foi retirado á viva força, defendendo-se terri- velmente com as ejaculações esverdinhadas

lançadas à distancia, o que afastava Os cáis e obrigava a mais de uma pessôa a aban- donar a luta; um camarada, que mais se afa- nara em arrancar O animal do abrigo, teve de deitar-se completamente nauseado. Dois dias depois foi o animal morto pelo cloro-. roformio, sendo dele colhidos varios parasi- tos raros e desconhecidos para a ciencia; da glandula retal foi-retirada grande quantidade de liquido oleoso de côr amarela escura e guardada em ampôlas fechadas á lampada. A substancia, que á secreção o repelente cheiro que a carateriza é o sulfidrato de etila, mais conhecido pelo nome de mercaptan. Quando as ejaculações são repetidas chega- se a perceber a formação de vapores. AYRES DE CAZAL, na Corografia Brazilica, T. I. 22 ed., paj. 50, Rio, 1833, refere-se do seguinte modo ao fato: “Algumas pessõas dizem ter observado huma pequena fumaça averdeada na parte posterior do canhoneiro quando ele dispara a peça”; ofato da emis- são de vapores esverdeados, podemos asse- gurar, é completamente verdadeiro.

No fundo da glandula existe um depo- sito espesso, de côr esverdinhada, possuindo o repugnante odor de cleo. VON IHERING, H. propoz para a especie do norte do Brazil, o nome de Conepatus chilensis DESM., var. bahiensis (vide Revista do Museu Paulista, Vol. VI!) “Os Mammiferos do Brazil Meri- dional” pp. 147-272 cj. paj. 357.)

. Os macacos são relativamente raros, mesmo os representantes das Hapalidae; em lugar, denominado Angico (Municipio de Parnaguá), deparamos com alguns bandos de guaribas pretos, mas com o dorso das mãos revestido de pêlos amarelados (Alonata belzebue L.) e em Goyaz com um grande bando de Cebus; os exemplares mortos for- neceram grande material de parasitos, princi- palmente de vermes, alguns dos quaes estão em estudo. Preferimos identificar a guariba encontrada no Municipio de Parnaguá como o Alonata belzebul (L.), para acompanhar a autoridade de TROUESSART, que, no seu “Catalogus Mammalium”, considera a A. dis- color (SPIX) e 4. rufimanus (KUHL) como sinonimas de Alonata belzebul (L.)

Se

Comtudo parece que a questáo náo esta completamente resolvida, pois em Outubro de 1610 foi publicado no The Annals & Mag. of natural Histcry S. 8. Vol. VI. pp. 422-424 um artigo intitulado “A note on Alonata dis- color of Spix” e assinado por G. DOLLMANN, onde o autor, a proposito duma serie de guaribas recebida do E. de Maranhão, procu- ra separar A. belzebul e o A. discolor em duas especies distintas, baseado em dife- rencas encontradas, náo na pele, como ainda nos ossos da cabeca.

MARCGRAV a paj. 226 do Livr. VI ocupa-se da especie em questáo como presente em Pernambuco.

Mezes depois de escritas estas linhas, apareceu em meiados de Outubro de 1914 no Vol. IX, pp. 231-256 na “Revista do Museu Paulista” um artigo da lavra de H. von IHERING, epigrafado “Os Bugios do genero Alonata” onde o ilustre autor resolve as controversias sobre o assunto. IHERING refuta O artigo de DOLLMANN e reconhece que o À. discolor (SPIX) e À. straminea (GEOFFR.) são sinonimas de A. belzebul (L.). A estampa em cores a distribuição geografica das especies do genero Alonata LAC.; é com prazer que vemos a rejião piauhyiense habitada pelo A. belzebul, confir- mando assim a identificação, por nós realiza- da, da especie ali encontrada.

Em principio de 1915 veiu á publicidade o “Anexo No 5” (Zoologia) da Commissão de Linhas Telegraphicas Estrategicas de Matto- Grosso ao Amazonas; onde o mais auto- rizado dos zoologos brazileiros, o Snr. A. MIRANDA RIBEIRO, conta dos mami- feros, encontrados na zona percorrida pela Comissão Rondon. Á paj. 5 desse trabalho, o ilustre naturalista coloca os bujios no genero Cebus ERX., baseado no principio da estrita prioridade, pois, no seu dizer, as especies belzebul e seniculus foram as pri- meiras citadas por ERXLEBEN, quando criou o seu genero Cebus.

Somente em Goyaz, podemos alcançar material proveniente de antas, que naquele Estado ainda são muito abundantes; a carne é aproveitada para Os cäis, sendo o couro

muito procurado para varios misteres. Os naturais distinguem duas especies, uma denominada “gameleira’’ é maior e mais clara, possuindo desde ao nacer a ponta da orelha branca em ambos os sexos; a outra, deno- minada de “xuré” é menor, de cór mais escura, sendo mais valente; todavia as infor- mações nem sempre concordavam quanto a cor da “anta xuré” que para alguns é de coloração mais amarela que a “gameleira”.

A este tipo pertencia o exemplar que matamos, possuindo dimensões dignas de rejistro: comprimento 1m 82, altura Im 05; circumferencia toracia Im 25, peso 170 quilo- gramas. O peso deve ser tomada aproxima- damente, para mais ou para menos, porquanto a balança, de que nos servimos, de proprie- dade dum fazendeiro tinha por peso pedaços de ferro não aferidos e que faziam suspeitar da sua exatidão.

À ciencia até hoje rejistrou uma es- pecie de anta para o Brazil, o Tapirus ame- ricanus BRISSON, mas na Colombia, Equa- dor e Perú existe o Tapirus pinchaque ROU- LIN e na America Central um subgenero com duas especies: Tapirus (Tapirella) bairdi GILL e Tapirus (Tapirella) dowi GILL. Es- tudos mais pormenorizados a respeito, talvez venham dar razão a observação, ja de ha muito tempo rejistrada pelos caçadores, da existencia de outra especie de anta em territorio brazileiro. De Petrolina aos gerais bahiancs a anta é animal completamente des- conhecido. Dos geraís em diante é muito abundante.

Entre os edentata são muito comuns o Tatus novemcinctus (L.) (tatú) e Tolypeutes tricinctus (L.) (tatú-bola) cuja carne insipida passa por ser a melhor caça da zona sêca. Em Goyaz falaram-nos muito frequentemente na abundancia do tatú-canastra (Prodontes giganteus E. GEOFFR.), mas, na nossa opi- nião, é especie rara naquele Estado; no Baião, municipio de Natividade perguntámos ao fazendeiro, homem intelijente, se existia no local a especie em questão. “é demais” respondeu-nos, “Quantos tem matado ? in- quirimos” para falar verdade Dr., até hoje com 58 anos vi 1. As informações popu-

a

fares têm que ser controladas, sem isto é : certesa que duas especies estão se tornando

inutil aproveital-as; os tatús gozam da fama de destruidores de serpentes e apesar desta crença estar muito vulgarizada, não lhe damos credito.

Outra crença muito em voga ali, é a alimentação em cadaveres por parte dos tatús; na verdade por varias vezes, observá- mos covas com buracos, provavelmente cavados por estes mamiferos; o fato está tão generalizado que muitas pessôas abstêm-se de se utilisar deles como alimentação, por compreensivel repugnancia. A biolojia dos Dasypodidae ainda é pouco conhecida; comtudo pela publicação recente de NEW- MANN, H. H., The natural History of the Nine-Banded Arinadillo of Texas & no Ame- rican Nataralist Vol. XLVI, No 561 pp. 513-

39, Set. 1913), que constitue o trabalho mais completo realizado sobre uma especie daquela familia, não se deve repelir sem estudo da questão a acusação que lhe é imputada. NEWMANN não se refere ao fato, mas, quando se ocupa da alimentação, demonstra que o tatú possue voracidade enorme ignorada por nós, antes da leitura do seu trabalho, e, como a especie de Texas, constitue apenas uma variedade do nosso Dasypus novemcinctus, as verificações a que o autor chegou, podem, com toda a probabili- dade, ser generalizadas ao tatú brazileiro.

Entre os myrmecophagidac apenas conse- guimos capturar dois exemplares do pequeno Tamandua tetradactyla L, no sul do Piauhy denominado “mixila” e em alguns lugares de Goyaz de “meleta”; o grande tamanduá pelas informações não existe nas zonas percorridas.

Os grandes felideos são raros, proximo ás povoações, mas, de Parnaguá em diante, aparecem em grande abundancia, principal- mente em certos distritos do norte de Goyaz causando prejuiso ao gado; os couros não possuem grande valor comercial, não por serem mal cortidos em geral, como ainda pelos estragos ocasionados pelas armas primitivas, usadas pelos caçadores.

Apesar de unanimes informações em contrario por parte dos moradores, temos

raridades zoolojicas naquelas zonas; que- remos nos referir aos lobos ou guarás (Canis (Chrysocyon) jubatus, DESM). e sussuaparas (Cariacus (Blastocerus) paludosus DESM.); esta especie é ainda mais comum em certas rejiões de Matto-Grosso. Mao grado todo o interesse que possuimos em adquirir exem- plares daqueles mamiferos, pela importancia do material parasitolojico de que são hospede:- ros, foram inuteis as reiteradas batidas nos lugares mais propicios, sendo que, de uma feita, um nosso auxiliar foi destacado durante 8 dias, acompanhado por um caçador experimentado, mais tudo em vão.

Mesmo nos gerais, deshabitados por completo, nada conseguimos a não ser veri- ficada a pista e pegádas de alguns exemplares destas especies, que devem ser consideradas raras para a ciencia nas parajens por nós percorridas. Nas campinas bahianas e goianas ainda são muito abundantes. O Cariacus (Blas- tocerus) campestris CUV. e presente em toda a parte o Cariacus (Blastocerus) rufus ILLIG.

O felinos do Brazil não são perfeitamente determinados, reina certa confusão sobre as especies; em Piauhy Bahia e principalmente Goyaz o naturalista encontrará excelente campo para pesquizas. À especie predomi- nante é a Felis (Leopardus) onssa L., a onça pintada; a Felis (Uncia) concolor L., a vulgar, cucuarana é muito mais comum. À grafia por nós adotada de onssa para a designação sientifica, é para atende; a pronuncia do vocabulo tal qual é de fato feita; grande numero de autores escreveu “Felis onca”, sem c cedilhado; isto é devido ás exijencias das regras da nomenclatura zoolojica, as quais não permitem sinais diacriticos inexis- tentes na lingua latina; de maneira que, o melhor meio de se combinar a fania com as regras é o de se grafar a palavra, pelo modo que fizemos, aliás utilizado por varios zoologos).

Entre os gatos é vulgar o Felis (Oncoi- des) wiedi SCHINZ (gato do mato) e uma especie um pouco maior que o gato domestico, de côr avermelhada e que não c

ane

rara, pelos couros encontrados nas habita- |

ções; desta vimos um exemplar vivo em Tigre (Pernambuco) talvez se trate da Felis (Catupuma) eyra FISCHER.

Em 1910 H. von IHERING publicou no “Archiv fuer Naturgeschichte’, ano 76, Bd. I Heft 2, pp. 112-179, importante trabalho intitulado “Systematik, Verbreitung und Ge- schichte der suedamerikanischen Raubtiere’’, onde varias questôes sao ventiladas e como em mamiferos, como em outros capitulos da zoolojia brazilica, varios pontos ainda são decididos pela autoridade pessoal, é incon- testavel que as opiniões do ilustre diretor do Museu Paulista pela sua autoridade possuem grande valor para resolver os pontos contraversos; todavia, neste grupo como em tantos outros, é necessario que se faça uma revisão.

As rejiões percorridas, menos Goiaz, apresentam rico material de fosseis; são frequentes as referencias a esqueletos de animais de grande pórte, encontrados geral- mente pelos moradores quando, por ocasião das sêcas, efetuam escavações de cacimbas nas peguenas lagóas dessecadas exemplos do aproveitamento de certos ossos, provavelmente omoplatas, utilizados para bater roupa.

Em Joazeiro, nas proximidades de Perí- Perí, ouvimos pela primeira vez referencia ao fato; no municipio de S. Raymundo Nonato tivemos oportunidade de encontrar fragmen- tos osseos de grandes mamiferos retirados da lagôa de uma das fazendas, pertencentes aos irmãos ANTUNES DE MACEDO. Estes proprietarios informaram-nos ainda, que da

fazenda S. Victor, distante 30 quilometros da | vila de S. Raymundo, entre 1880-1881 foram | quantidades de material | fossilizado, o qual foi conduzido pelo Snr. |

retiradas grandes

CHRISTOVAM BARRETO para o Rio de Janeiro. Na fazenda Gameleira, propriedade de MARIANO RIBEIRO SOARES e distan- te 50 quilometros da referida vila, têm sido

encontrados fosseis em grande abundancia. |

Proximo á povoação de Caracol distante 7 quilometros, na Lagoa do Sal e na Fazen- da Campo Alegre, a 10 quilometros dali,

e citam |

identicos achados têm sido feitos. 36 Quilo- metros adiante de Caracol, na lagôa do “Em- parte” pertencente á fazenda Serra do Meio e que dista 8 quilometros de Jatobá, muni- cipio de Remanso (Bahia) por varias vezes os moradores têm descoberto fosseis.

Os fragmentos por nós vistos na fazen- da Tanque (municipio de S. Raymundo No- nato) alguns pertenciam certamente aos re- presentantes dos Dasypodidae. Todas as nossas pesquizas sobre a presença de mo- luscos fosseis foram negativos, obtendo o mesmo resultado com as investigações feitas no sentido de verificar a presença do Psaro- nius brasiliensis BRONGNIART. Apenas soubemos por informações, que em Jurumen- na (Piauhí) têm sido encontradas palmeiras fossilizadas o que talvez se refira ao feto arborecente em questão, cuja estrutura, pode orijinar confusão para as pessôas do povo. Como a especie foi encontrada por GARD- NER em Amarante, não é improvavel que as referencias concernentes ás palmeiras de Jurumenha se relacionem com o Psaronius em questão.

No vol. XXXVII No 221 4 th Ser. pp. 425-444 Maio 1914 do “The American Journal of Science, Art. XXXVI, intitulado” “The Permian Geology of Northern Brazil” o ilustre Dr. M. ARROJADO LISBOA publica importante trabalho onde a questão do Psaronius e as localidades, onde até hoje tem sido encontrado no Brazil são assinala- das. Na zona de nossa travessia o autor e seu auxiliar BAUMANN, puderam verificar a presença do Psaronius na vizinhança da aldeia dos indios Crahós, entre os rios Manoel Alves Grande e Manoel Alves Pequeno e a 70 quilometros do Porto Naci- onal na fazenda Buritizal, localidades goianas.

O Dermatophilus penetrans (L.), vulgar- mente conhecido pgr “bicho de pé” é raro na zona sêca e nos arredores de S. Raymundo, não existe pelas informações.

A raridade aeste parasito é devido ao pequeno numero de suinos e, ao fato, dos moradores da zona prepriamento da caatinga, andarem em grande parte calçados de alper- catas, afim de se protejerem dos espinhos,

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extremamente abundantes na vejetacáo da zona.

Em Caracol, onde o habito de andar calçado não existe, pols a vejetação é de aspeto completamenie diferente; o “bicho de pé” é muito comum e daí por diante é encontrado sempre, como era de prever. Durante os mezes sêcos, o numero de D. penetrans aumenta ; em lugares, porém, como Perí-Perí, onde a criação de suinos é mais intensa o “bicho de pé” existe de “Séca e Verde” isto é, durante todo o ano. Desta rejião em diante a designação tão conhecida de “bicho de pé” desaparece para ser subs- tituida pelo nome de “bicho de porco”.

Em lugar denominado S. José, municipio do Porto Nacional, encontrámos em anta caçada, as patas crivadas pelo Dermatophilus GUER. MEN. que ainda não sabemos ser .o penetrans, ou especie a parte.

Todavia, no caso afirmativo, trata-se dum hospedeiro até agora desconhecido do para- sito em questão. Como, até hoje, não se resolveu completamente a questão se foi o Brazil que deu orijem aos D. penetrans afri- canos, ou se ao contrario, com o trafego dos negros esta praga aqui se implantou, o referido achado vem lançar alguma luz, pois talvez seja o Tapirus americanus o hospedeiro primitivo do ectoparasito, o qual, depois do descobrimento, encontrou nos suinos o meio excelente para se desenvolver e propagar.

Por informações soubemos serem as queixadas tambem atacadas.

Quanto aos outros sifonapteros, além das especies comuns, como Pulex irritans L. Ctenocephalus felis. (BOUCHE), Ctenocepha- lus caris CURTIS aliás relativamente pouco abundantes, ha a rejistrar o achado da nova especie Culex conepati ALM. CUNHA, para- sitando o Conepatus suffocans AZARA (can- gamba) e duma nova variedade: a Pulex irri- tans var. bahiensis ALM. CUNHA, encontrada nas rejides proximas ao S. Francisco. Cf. “Contribuigio para O estudo dos sifonapte- ros do Brazil” pelo Dr. R. DE ALMEIDA CUNHA pp. 146-149, Rio de Janeiro 1914.

Entre os ectoparasitos que atacam O ca- valo, encontra-se comumente o Sarcoptes sca-

biei— var. equi GERLACH. Vulgarmente a es- cabiose é conhecida por aquelas parajens pelo nome de “piolho”, sendo reservado o nome de sarna para mal completamente di- verso e que nos referiremos em outro lugar. A sarna humana é em alguns lugares conhe- cido pelo nome de “pira”. A escabiose as- sume gravidade enorme como tivemos oca- sião de verificar e as informações dizem que os cavalos chegam a morrer.

A Chrysomyiu macellaria (FAB.), é a res- ponsavel quasi que exclusiva da miiase em homem e animais de toda a zona percorrida. Pela nossa observação verificamos que, os casos humanos säd muito mais raros ali do que no Brazil meridional.

O gado bovino, é muito mais atacado que O equino ou caprino; em alguns luga- res a mortandade dos bezerros novos, cogno- minados em grande parte do percurso de minjólos, chega a atinjir a 15 oo devido a este flajelo. Vimos uma anta algumas horas depois de morta, ficar com a cara e cabeca completamente revestidas de ovos da “C. ma- cellaria’; e é de observação banal, o fato de carne posta ao sol, afim de se preparar a co- nhecida “carne de vento” ou “do sertão” ou simples “matalotajem” e que corresponde ao xarque dos sulistas, incar-se de ovos do dip- tero em questáo ou mesmo de larvas; comtu- do, isto de modo algum, impede que a carne deixe de ser utilizada para alimentaçäo, limi- tando-se o consumidor a retirar com o auxi-

lio de faca, os ovos e larvas, as quais ali

sao muito conhecidas tambem pela denomi- nação de “tapurú”.

A Chrysomyia macellaria é encontrada durante todo o ano, diminuindo apenas nos mezes mais frios.

Sob o nome de “murinhanha” é conhe- cida em alguns lugares a Stomoxys calcitrans GEOF., diptero hematofago muito semelhan- te á mosca domestica e suspeitada por varios autores de ser a transmissora entre outras tripanosomoses, do “malde cadeiras”, epizoo- tia abundante em todo o percurso. A epoca em que atravessamos a zona séca era des- favoravel, pois a murinhanha é muito comum no “verde”. Em todos os municipios

de Joazeiro, Petrolina, e grande parte de S. Raymundo Nonato, a criação caprina é inten- sa havendo proximo á casa do fazendeiro, geralmente fronteiro, o “chiqueiro”, nome dado ao curral para bodes e cabras, e que constituem otimos criadeiros para as Stomo- xys; além destes ha ainda os currais para o gado bovino etc. etc. .

A designação de murinhanha devia de- signar primitivamente, naquelas parajens, algum representante da familia das Zabani- dae, porquanto a Stomoxys calcitrans invadiu o Brazil por ocasião da introdução dos ca- valos. Apezar de ter sido por mais de uma vez, assinalada a presença, na America do Sul, de especies autocionas de Stomoxys, O fato náo parece ser verdadeiro; provavelmen- te deve tratar-se de variedades melanoticas ou outras alterações parecidas e que pode- riam dar orijem ao engano.

O Dr. A. MACHADO, em S. Lourenço e Cuiabá (Matto-Grosso), rejistrou 0 vocabu- lo beruhanha para designar um representante das Chrysopinae e que pela descrição deve se referir ao Chrysops lactus F.. A expressáo tupí, segundo TEOD. SAMPAIO, quer dizer exatamente “mosca de ferráo e as unicas exis- tentes no Brazil eram as Tabanidae.

Aliás, pelas intormações obtidas naque- las parajens, o vocabulo murianha ou murua- nha como tambem pronunciam, servirá para designar, conforme a localidade, ora as moscas do genero Stomoxys, ora dipteros do genero Chrysops.

A Musca domestica, inseto cosmopolita, incriminada de ser disseminadora de varias enfermedades, encontra condições incompara- veis de proliferação nas caatingas pois os re- feridos chigueiros servem de excelentes criadouros. Dentro das casas o numero deste diptero é por vezes verdadeiramente incrivel e em uma casa do lugar chamado Barrinha, municipio de S. Raymundo Nonato, a abun- dancia atinjiu a proporções inverosimeis, jamais por nós observadas; o requeijão, cuja fabricação é feita sem a menor proteção, cons- titue a principal fonte de alimentação das moscas.

Entre os ectoparasitos encontrados, está

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a Mydaea pic MACQ., múscida de larga dis- tribuiçäo geografica pois existe das Antilhas a Argentina. Nada se sabia sobre a sua exis- tencia no Brazil Central e ali deparamos com hospedeiros ainda desconhecidos para a cien- cia como o Furnarius r fs (GM.) (João de Barro), Molothrus bonariensis (GM.), (vira- bosta); varios representantes da familia Zur- didae, e a Paroaria larvata BODD. (cardeal); especies do genero Amazona e Pionus (papa- gaios e maitacas). Em Pernambuco e Piauhí o nome dado vulgarmente ao ectoparasito, é c de “berro”; esta designação é lidimamen- te vernacula, pois sob este nome designa-se em Portugal a larva cutanea da Hypoderma LATR. e, como até hoje, a expressão berne continúa sendo de orijem desconhecida, fato que tem despertado o interesse das pessõas que se ocuparam do assunto, não é desca- bida a vulgarisação do vocabulo de uso cor- rentio no Brazil Central e donde talvez, como corrutela, se derivasse a palavra berne.

Havia alguns anos que, pela primeira vez, ouviramos referencias a insetos vesicantes chamados potós, habitando os sertões do nor- deste brazileiro; as descrições imperfeitas for- necidas pelos informantes, impedia-nos de re- conhecer a que ordem pertenciam os insetos incriminados.

Logo em Joazeiro, tivemos a oportuni- dade de examinar um individuo vitima da se- creção intensa do potó, o qual, ao passar-lhe pela nuca, expelira certa quantidade do liqui- do vesicante, acarretando como cons-quencia grande irritação da pele e que, devido ao prurído, creou a oportunidade de infeção se- cundaria ocasionada pelas unhas desasseiadas do paciente.

Inda desta vez, não conseguimos verifi- car qual o inseto acusado, pois a descrição feita pelo referido individuo não permitia identifical-o; todavia soubemos tratar-se de insetos frequentes principalmente nos milha- rais, onde por ocasião da colheita, os aciden- tes são bastante comuns. em Pernambu- co em lugar denominado Terra Nova, con- seguimos identificar um dos insetos incrimi- nados; tratava-se dum coleoptero do genero Epicauta REDT., cujos representantes são

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conhecidos da ciencia, por serem vesicantes ; a denominação vulgar é de “potó-pinenta” ; aliás MARTINS COSTA publicara ha muitos anos já, no “Progresso Medico” algumas notas a respeito duma cantárida encontrada no Rio de Janeiro.

Pelos moradores soubemos da existencia de outras qualidades de potós, muito mais temidas que a Epicauta dizs depois, conse- guimos resolver a questáo e reconhecemos que Os famijerados potds sao estafilinidas do genero Paederus FABR.

A nossa coleçäo compôe-se de varias es- pecies e posteriormente publicarsmos algo a respeito, completando as informações minis- tradas em trabalho de PIRAJA’ DA SILVA (cf. Le Poederus columbinus est vesicant. Zn. Archives de Parasitologie, T. XV. No 3 paj. 331, Pl. 1, fig. 5— Paris 1912), o qual atribue os acidentes exclusivamente ao Poederus co- lumbinus CAST., quando, na verdade, são varias especies responsaveis.

Temos a impressão de que geralmente se exajeram as consequencias da vesicação, produzida pelos coleopteros em questão, sendo que os acidentes mais serios sobrevêm por infeções secundarias; os potós, além desta denominação são ainda conhecidos por “fogo selvajem”, o Paederus, e “tucura” a Epicauta. Aliás a ultima designação vulgar é bastante impropria porquanto, fucurd, significa na lingua tupí, donde procede, gafanhoto; orto- ptero que nem de lonje pode ser contundido com nenhum coleoptero.

Em Goiaz, os potós diminuem de nume- ro e não são tão conhecidos como na zona semi-arida. No municipio de Joazeiro (Bahia) e no de Porto Nacional (Goiaz), tivemos oportunidade de colecionar alguns exempla- res da Dinoponera grandis (GUER.). Naque- las parajens a celebre formiga, não parece ocasionar os incomodos tão conhecidos nem mesmo conseguimos rejistrar qualquer rome vulgar. Na Amazonia, a “tocandeira”, toi assinalada por OSWALDO CRUZ, como in- seto “cuja picada é em extremo dolorosa”; Vid. Madeira-Mamoré Railway Company Consideracóes Gerais sobre as condicóes sa- nitarias do Rio Madeira paj. 17—Rio 1910.

Posteriormente, ROQUETTE PINTO, pu- blicou interessante memoria sobre a focandira e onde a paj. 25 declara que talvez a Dina- ponera grandis var. lucida possa constituir uma especie á parte porquanto, somente nc Brazil Central e na Amazonia citam-se casos de envenenamento. Cf. ROQUETTE PINTO Dinoponera grandis Rio de Janeiro—1915. As formigas por nós encontradas na parte do Brazil Central, constituido pelos sertões da Bahia-Goiaz, embora estivessem identificadas com a especie em questáo, náo sáo siquer conhecidas pelos habitantes, a náo ser pelo tamanho, não tendo ouvido nenhuma refe- rencia aos seus malefícios. :

Coleoptero muito comum em todo o per- curso é o Dermestes cadaverinus L., e ainda outras especies afins, cujas larvas conhecidas ali pelo nome de “polia”, prova- vel corrutela de polilha, ocasionam grandes prejuizos aos couros e peles.

Entre os ectoparasitos das aves, encon- tram-se os representantes da familia Hipobos- cidae os quais são transmissores de hemato- zoarios pertencentes do genero Haemoproteus KRUSE. A colheita que fizemos foi numero- sa não em especies como tambem em exemplares; o estudo completo demandará mais tempo e posteriormente será publi- cado; desde já, porém, podemos avançar que foram adquiridas novas especies além de ser aumentado o numero de hospedeiros. cuja

lista damos:

Theristicus caudatus (BODD) (Curicaca)

Belonopterus cayennensis (GM.) (Téo-téo)

Nomonyx dominicus (L.) (Paturi)

Tigrisoma brasiliense (L.) (socó-boi)

Leucopternis sp. ?

Heterospizias meridionalis (LATH.) (Ga- vião cabóclo)

Piaya cayana (L.) (alma de gato)

Plegadis guerauna (L.) (Caraúna)

Cancroma cochlearia L. (socó do bico largo)

Herodias egretta (GM.) (garca)

Ajaja ajaja (L.) colhereira)

Gypagus papa (L.) (urubú rei)

Catharista atratus brasiliensis (BONAP.) (urubú)

NI

Cathartes aura (L.) (urubú cabeca ver-

melha, camiranga)

Columba rufina TEMM. (pomba verda-

deira)

Em geral os hipobocidas das aves bra- zileiras sáo do genero Olfersia WIED e Pseu- dolfersia COQ. Raramente se reunem muitos exemplares na mesma ave; todavia tivemos oportunidade de apanhar 16 exemplares sobre um Tigrisoma SWAINS, ainda novo, morto na Ilha do Meio da Lagôa de Parnaguá e 18 exemplares sobre um Gypagus papa.

A caraúna é comumente muito parasitada por estes dipteros; os gaviôes sao portadores quasi constantes de mais de uma especie. Os columbideos frequentemente parasitados no sul, não o são no nordeste brazileiro, pelo menos nos mezes da sêca. No municipio de Petrolina, no mez de Abril, percorremos certa vez, cerca de 20 quilometros de caatingas onde abundavam de modo verdadeiramente notavel, duas especies de Phasmidae que es- colhiam para pouzo as umburanas e manda- carús. Nas caatingas da Bahia, Pernambuco e em algumas zonas de Piauhí porém, em menor abundancia, encontrámos com regular frequencia um diptero extremamente inseti- voro e cuja determinação inda não tivemos oportunidade de fazer; o fato é interessante por se tratar de especie pertencente a outra familia que não a Asilidae, cujos represen- tantes são insetivoros. O referido diptero é encontrado principalmente sobre o tronco e galhos do imbuzeiro. Nos “gerais” bahianos e em certas partes do territorio goiano, pu- demos surpreender a provavel explicação para um fato cientifico muito debatido: que- remos nos referir ao “luminous termite hills” referido pela primeira vez em 1879 por HERBET SMITH e afirmado e contestado por outros autores.

No lugar denominado Lage, municipio de S. Raymundo Nonato, verificámos a pre- sença numerosa das “lagartas de fogo”, isto é, varias larvas de diversos coleopteros e entre esses os representantes do grupo dos Phengo- des HOFFM. e cujas larvas e femeas são lu- minosas. Mais adiante encontrámos os co- leopteros em questão no pouzo denominado

“Pedra de Fogo”, onde os Phengodes larvas e femeas apteras e ainda larvas luminosas de Lampyridae e Elateridae se reuniam em quan- tidade sorpreendente; os moites de cupins

eram muito frequentes e sobre eles tivemos

oportunidade de colecionar numerosos exemplares desses insetos luminosos.

No Estado de Goiaz tivemos que atra- vessar larga zona rica em construções de tér- mitas e, embora pessoalmente não tivessemos ocasião de observar a reprodução do feno- meno, soubemos por varias pessoas que o fato da fosforecencia das casas de cupins, é observado em certas epocas de ano e para alguns, a explicação residia na presença de grande numero de exemplares de “lagartas de fogo”, designação que compreende todas as larvas e adultos larviformes de coleopteros luminosos.

No sitio denominado Jatobá (Municipio de Remanso Bahia) foi-nos mostrada certa porção de areia a qual se mostrava luminosa quando humedecida. O morador guardava como preciosidade o achado e, foi com certa dificuldade, que obtivemos certa porção. De regresso ao Instituto, procurámos fazer pes- quizas com o material trazido mais nada con- seguimos verificar. Com toda a probabilidade, a luminozidade seria devida a bacterios fos- forecentes, existentes no solo. Hoje o nume- ro desses bacterios é bastante elevado, in- felizmente porém, todas as pesquizas têm sido executadas com material proveniente quasi que exclusivamente do mar, como peixes, crustaceos, etc. .

HENNEGUY nos “Les insectes” paj. 93 Paris, 1904, refere-se ao grande numero de especies consideradas como luminosas, devi- da á presença acidental de bacterios fosfore- centes que se desenvolveram á superficie ou no interior do organismo. Comtudo, não en- contramos uma unica verificação bacterioloji- ca a esse respeito, o que viria elucidar a questão de modo completo. No Vol. 9 do Centralbl. f. Bakt. Orig, paj. 561 —Jena 1891, encontra-se um trabalho firmado por LUDWIG F. e intitulado Ueber die Phosphorescenz von Gryllotalpa vulgaris e onde esse autor testemunho de ter verificado pessoalmente

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um fato ja assinalado por outras pessoas mas, por Outro lado, tambem contestado. Em 1726 SYBILLA MERIAN denunciou a luminosida- de das nossas jequitiranaboias e que por isso foram batisadas pela designaçäo generica de Fulgora L.; ninguem, depois disso, teve opor- tunidade de verificar o fato; quem sabe se a explicação não residirá em uma fosforecencia transitoria devido á presenca de bacterios luminosos ?, No numero 543, Vol. XXXVI paj. 323 do “Knowledge’’ aparecido em Lon- dres, no mez de Setembro de 1913, vem pu- blicado um artigo da lavra do Conde L. DE SIBOUR, dando noticia dum trabalho publi- cado em revista ornitolojica franceza por L. TERNIER a proposito da existencia de aves luminosas. DE SIBOUR acrecenta novos testemunhos de inglezes ilustres que tém ve- rificado o fato; todos são concordes em acreditar que a explicação do fenomeno, re- sida na presença de microorganismos fosfo- recentes.

Parece portanto que o fato é muito mais generalizado do que geralmente se pensa; talvez a luminosidade dos monticulos de cupins que nos afirmaram em Goiaz ser po- sitiva, encontre a sua explicagáo na circunstan- cia da presenga numerosa de insetos luminosos na circumvizinhanca dos térmitas ou da pro- pria terra dos seus ninhos, serem portadores de bacterios fosforecentes; a favor dessa hi- potese fala o achado naquelas rejiões, de areia fosforecente devido á presença muito provavel de bacterios luminosos.

Os himenopteros são dos insetos mais aparentes da rejião, não pela riqueza em nu- mero de especies, mas pela abundancia de algumas delas e pelo papel que as melipó- nidas representam na alimentação do povo. A pequena coleção que fizemos, foi determi- nada pelo Snr. A. DUCKE. Nos arredores de Joazeiro, eram muito comuns em Abril, pela manhan, exemplares de Bombus LATR., visitando as flores amarelas duma Cassia e nas principais ruas da cidade observava-se com extrema frequencia representantes do genero Monedula LATR. e que ali são desi- gnados pelo incompreensivel nome de “piolho de urubu”. Onde, porem, a abundancia destes

heminopteros atinjiu a proporções verdadeira- mente espantosas, foi na “//ha do Meio” da Lagoa de Parnagua; aliás, durante as horas que ali passámos, não verificâmos a presen- ça de um exemplar de Tabanidae o que é explicavel pela caça que estes dipteros sofrem por parte da Monedula. A especie encontra- da em tal abundancia é a Monedula signata (E):

Sob a denominação de “oncinha” o vulgo designa qualquer representante do genero Mutilla L.; o nome é dado provavelmente pela dôr que ocasiona a ferroada; Os pro- prios pelos que revestem todo o corpo são muito causticos como tivemos oportunidade de verificar pessoalmente.

Os representantes do genero Pepsis FABR. são muito conhecidos do povo dali pela designação de “cavalo do cão” e é crença muito vulgarizada, que vôam sempre acompanhados por uma pequena mosca de cada lado das pernas, as quais se ocultam sob as azas logo que o inseto pouza; por mais esforços em observar tal fato, nunca logramos verificar.

Vêspa muito frequente em toda a zona e que pelos habitos noturnos por vezes se torna incomoda ao viajante, é a Apoica pallida (OLIV.); ha uma outra, porém, cujo mel sa- boroso é muito procurado, referimos-nos á Nectarina lecheguana (LATR). em toda a zona denominada de “enxú”.

Além desta, conseguimos colecionar 13 especies meliferas indijenas; em nenhuma parte, encontram-se cortiços da Apis mellifica L., especie qne LINNEU em 1758 dava como presente em “Omnis orbis terrarum culta”. Tão pouco os naturais cultivam qualquer das meliponidas de que se nutrem, apesar da fa- cilidade em manter os cortiços das nossas abelhas indijenas. O “melador” quando sai a “melar” no dizer local, extrae o mel derru- bando a arvore; por esse processo pode-se imajinar que grão de incapacidade possue o sertanejo. Não se pense que o mel faça parte da alimentação como cousa superflua: ao contrario, nos “gerais” e em grande zona de Goyaz o mel, com um pouco de farinha e alguns côcos, constitue a refeição ordinaria,

as

fora disto é a excecäo. Certa vez, espantados pela ausencia completa de qualquer cortiço junto ás moradias, perguntámos a um cabóclo septuajenario e que nos guiava entre Salga- dinha e Santa Anna, se os corticos naturais náo eram mais abundantes na sua mocidade, pois pelo processo de derrubar o páu, cada vez que havia necessidade de se colher mel, acarretava na nossa opinião varios prejuizos, “Quem quer “melar” agora, tem que “laborar”. respondeu-nos; “o homem derruba e náo planta, assim nada resiste”? e depois dum momento de reflexáo, encerrou numa sentenca fatalista e que bem traduzia a estranha psicolojia das gentes daquelas parajens: “neste mundo, o que é que não se acaba ? a graça de Deus.”

Além das especies citadas colecionámos as Seguintes:

Pepsis decorata PERTY

Monedula signata (L.)

Scolia dorsata (FABR.)

Apoica pallida (OLIV.)

Calletes rufipes SMITH

Centris minuta MOCS.

Trigona ruficrus fuscipennis FRIESE (sa-

nharó).

Trigona pallida (LATR.)

Trigona jaty (SMITH)

Trigona postica (LATR.)

Trigona tubiba (SMITH)

Trigona ruficrus (LATR.)

Trigona varia (LEP.)

Trigona limao (SMITH)

Trigona silvestriana VACHAL

Trigona clavipes FAB, (Sorá)

Trigona pallida cupira SM. (“boca de

sapo”)

Melipona marginata LEP.

Melipona interrupta LATR.

Polybia occidentalis (OLIV.)

Rhatymus bicolor LEP.

Em algumas localidades, fomos assalta- dos por enxames duma minuscula abelba que muito incomodo ocasiona pela predilecao que tem pelos olhos. Provavelmente, trata-se da Trigona duckei FRIESE. Os representantes da ordem Odcnata sao conhecidos conforme as localidades, pelos nomes de “calunga” e “cambito” ; as inofensivas fulgóridas no sul

—————— sn

conhecidas por “jequitiranaboia”” têm naque- las rejides o nome “cobra de aza” e “cobre do ar” sendo temidas como portadora da morte. Sob o nome de “cabeçote”, em certos lugares, designam determinada especie de tér- mita muito abundante onde existe, ocasionan- do grandes devastações e que possue a par- ticularidade de produzir ruido perfeitamente perceptivel ao atacar o objecto.

A Atta sexdens F., a saúva dos sulistas, mas no norte conhecida pelas denominações de “formiga de mandioca”, “cortadeira” e “carregadeira” é abundante por toda a parte causando as conhecidas depredacóes.

Os moluscos são mais frequentes do que á primeira vista se poderia supor. Nos alagadicos, lagóas, ipueiras etc. é muito fre- quente ver-se envolvendo os caules duma especie de 7ypha, uma massa vermelha for- mada pelos aglomerados de ovos de repre- sentantes do genero Paludina LAM. , conhe- cidos pela gente dali pelo nome de “aruá”. BAKER, F. publicou no Vol. LXV-—Part III dos Proc. of the Academy of natural Sciences of Philadelphia, pp. 618-672 Plts. XXI-XXVI{ 1914 sob o titulo de “The Land and fresh- water mollusks of the Stanford Expedition to Brazil, grande trabalho a respeito, trazendo copiosas informações sobre os moluscos da zona do nordeste e onde vêm descritas grande numero de especies novas.

Antes de terminar o capitulo concernen- te á fauna, diremos algumas palavras sobre a etimolojia de 2 nomes e que tem sido objeto de estudo, por parte de varios estudio- 20S.

Diz MARCGRAVI én Histor. avium Lib. V. pp 206-207 o seguinte:

“Ararauna Brastliensibus. Figura alteri similis, sed alterius coloris. Rostrum nigrum, oculi caesit, pupilla nigra. Cutis circa oculos alba nigris pennulis variegatur quast acupicta esset. Crura et pedes fusci coloris, Caput an- terius supra rostruin mitellam habet viridibus pennis; sub rostro inferiori ambiunt guttur pennaë nigrae: colli autem latera, reliquum guttur, totum pectus et infimum ventrem tepunt pennae flavi coloris: Extremum caput, collum posterius versus, totum dorsum et alas

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exterius cocrulei. Extremitatibus alarum plumae favae sunt admixtae: cauda constat longis pennis caeruleis, quibus aliquot flavae inmis- centur. In genere autem caerulae pennae inte- rius sunt nigrae et quodammodo etiam nigre- dinem ad tatera de se spargunt”. RODOLPHO GARCIA no seu trabalho:

Nomes de Aves em lingua Tupi—Contribui- |

ção para a lexicographia portugueza Rio de Janeiro 1913, determina a araratina, descrita por MARCGRAV como sendo a Anodorhyn- thus hyacinthinus (LATH.); pela descrição que transcrevemos, vê-se bem que, O naturalis- ta alemäo, referia-se 4 especie hoje denomi- nada vulgarmente nas zonas bahianas, per- nambucanas e piauhienses que atravcssamos, pelo nome de “arara canindé” ou simples- mente e mais comumente de “canindé” e atualmente batizada em ciencia pelo nome de Ara ararauna (L.) e desse modo descrita 4 paj. 153 do Vol. XX do catalogo de aves do Museu Britanico:

Adult, Upper parts and under tail-coverts blue, in some lights greenish; forehead and vertex olive-green; cheeks naked, lores and upper parts of the cheeks with a few lines of dark green feathers; edge of the cheeks and chin black, the lower feathers of the chin gree- nish; ear-coverts, sides of the neck, breast, abdomen, and under wing-coverts yellow orange; quills and tait-feathers blue above, golden olive yellow below; naked skin of the cheeks, lores, and cere dusky flesh-colour; iris geenish grey or pale yellow; bill black; feet blackish. Total length about 31 inches, wing 14. 3, tail about 12, bill 1.6-- 1.3, tarsus 1. 1.

Female Like the male, Hab. Tropical America from Panama to Bolivia and Guyana, and the whole valley of the Amazons.

AZARA descreveu no Paraguai sob o nome de Ara canínde, uma arara muito pa- recida 4 Ara ararauna “Very much like A. ararauna, but the forehead with no greenish tinge’ etc, como se da descrição feita por T. SALVADORI á paj. 154 do Cat. of the Psittaci, or Parrots in the Col. of the Brit. Museum 1891, nada lembrando ou sujerindo a “arara muito retinta’, como a define R. GARCIA 4 paj. 17.

Nada sabemos sobre lingua tupi e, é apenas para chamar a atenção dos compe- tentes, que lembramos que a expressão ca- nindé dada 4 ave, talvez não deva exprimir nada que lembre preto. Não ha duvida que não deixa de ser estranho ter MARCGRAV referido que os indios a chamavam de ara- raúna o que significa arara negra. Cf. R. GARCIA. op. cit. paj. 15.

A arara-azul é desconhecida nos Estados da Bahia, Pernambuco e Piauhí, sendo en- contrada na zona por nós percorrida, somen- te em Goiaz; se fosse especie existente na- queles Estados, não haveria duvida que a ela caberia a denominação de araraúna, como aliás possue em varios lugares. A descri- ção minuciosa que MARCGRAV faz de sua “ararauna”, elimina a hipotese de se tratar de um engano devido a algum erro tipo- grafico que, confundisse a descrição do Ano- dorhynrhus hyacinthinus (LATH.) com a Ara ararauna (L.), pela simples razão do natura- lista alemão não se referir áquela especie, e isto, pela circumstancia de não ser represen- tante da ornis pernambucana. MARCGRAV, se ocupa de duas especies de araras; como se sabe, as observações do autor em questão, se referem á fauna pernambuca- na, com especialidade, e 4 bahiana.

As araras, descritas por MARCGRAV são a canindé referida e a araracanga (Ara cloroptera GRAY), arara vermelha; a outra especie desta côr, a Ara macao (L.) não ocorre naquelas rejiões.

THEODORO SAMPAIO nas duas edi- ções do “O Tupi na Geographia Nacional” S. Paulo 1901 e 1914 admite para a palavra canindé a acepção de anegrado tisnado, es- curo etc., A nossa intenção é trazer a tona a questão, afim de que os competentes a resolvam, pois, parece-nos muito estranho que os indijenas do Brazil e Paraguai, deno- minassem como anegrada ou escura, a uma grande ave que não apresenta a menor ca- rateristica para que assim fosse denominada. No “Vocabulario das Palavras Guaranis” etc. do MONTOYA ampliado e anotado por BAP- TISTA CAETANO e que constitue o volu- me VII-dos Annaes da Bibliotheca Nacional

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do Rio de Janeiro” lé-se 4 paj. 67, o seguin- | te a respeito da questáo: “caninde”, nome de uma especie de ave Ou guacamayo, talvez contr. de arára caninde, arara muito retincta, araraca.” Procurando este vocabulo, depa- ramos á paj. 48 “Araraca” s. arára retincta? nome de um guacamayo ou psittaco grande”. O trabalho de BAPTISTA CAETANO cons- titue o manancial, onde todos váo aprender; nele a significação do vocabulo canindé é dada interrogadamente; que os competen- tes resolvam a questáo.

Aproveitando a oportunidade, trataremos da grafía a respeito da denominaçäo indijena de certo mamifero brazileiro.

No Dicionario da Fauna do Brazil de R.VON IHERING-S. Paulo 1914, o autor embora rejistrando a expressão sussuapára para o veado galheiro, lembra que a designa- ção correta é “sunassú-apára”. Acreditamos, mas podemos afirmar que nos gerais bahia- nos e norte de Goiaz, os moradores de- signam o referido veado pela palavra sus- suapára- Tão pouco ouvimos, como quer HENRIQUE SILVA, á paj. 80 da “Caça e Cacadas”, o nome suassúapára servindo ape- nas para designar a femea. O vocabule tal como o grafamos, designa, nas referidas pa- rajens, o veado-galheiro de qualquer sexo.

Aliás, em trabalho anterior de H. SILVA e intitulado “Caça no Brazil Central Rio 1898 - lê-se no prefacio escrito pelo general COUTO DE MAGALHÃES, uma lista de nomes tupis de varios animais e onde se encontra o vocabulo “suçuapara” para de- signar o veado em questão.

Molestia de Chagas

Pela importancia que tem para a patolo- jia indijena, o estudo desta tripanosomose, cuja presença foi denunciada na Argenti- na e posteriormente na Republica do Salva- dor, America Central; havendo ainda toda a probabilidade de existir em outros paizes da America do Sul e que, em algumas zonas do paiz, flajela em proporções nem de lonje sus- peitadas pela Nação como de visu verificá- mos em localidades goianas. Damos a seguir

pesquizas realizadas havia algum tempo em laboratorio mas que, somente com os fatos adquiridos durante a excursão cientifica agora relatada, tiveram sua confirmação.

Queremos nos referir 4 Triatoma sord:- da STAL, novo ajente transmissor da moles- tia de Chagas da qual daremos informacóes sobre sua biolojia e distribuigio no Brazil Central, conjuntamente com os dados epide- miolojicos concernentes á referida tripanoso- mose no percurso efetuado.

Em principios de 1911, iniciámos pesqui- zas concernentes 4 biolojia das 7. infestans KLUG de procedencias argentina, chilena e brazileira e da 7. sordida STAL, hospede assiduo das habitações em varios paizes da America do Sul.

Era nosso intuito verificar náo só, dados concernentes á ecolojia daquelas especies, como tambem procurar encontrar elementos que demonstrassem a possibilidade da trans- missáo do Typanosoma Cruzi CHAGAS pelos hemipteros em questão.

A 23 e 28 de Março possuiamos exemplares de 7. sordida e infestans apre- sentande tripanosomas nas fezes pois, desde o inicio que os alimentavamos em cobaias infetadas. Desta data em diante, os exempla- res nestes condicôes s6 se nutriam em cobaias e gatos sãos, sem que conseguissemos por este processo, infetar qualquer destas animais.

As experiencias feitas com esta preocu- pação, terminaram em 5 de Janeiro de 1912, sem nenhum fato positivo a não ser a suspeita nacida quando estudavamos a biolo- jia da 7. megista BURM. de que, a tripano- somose americana, se transmitia praticamen- te de maneira não completamente esclareci- da porquanto, em inumeras experiencias por nós efetuadas ao alimentar cobaias, gatos e cais com exemplares de 7. megista in fetados, em todos os estádios de evolução e proce- dentes de varios Estados do Brazil onde reina a molestia de Chagas, somente uma vez conse- guimos infetar por picada algumas cobaias que alimentavam um lote de “barbeiros” proceden- tes de Minas e encontrados pelo servente em casa havia bastante tempo deshabitada porém, cujo chiqueiro, era procurado para

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abrigo de porcos que ali pernoitavam e que serviam de pasto aos exemplares em questáo.

Este fato, levamos ao conhecimento do Dr. CHAGAS a quem entregamos os exem- plares de 7, megista seguramente infetantes por picada. A percentajem da transmissäo di- teta permanecia mas nossas experiencias di- minuta; aliás, o trabalho orijinal de CHAGAS, deixava ver, que a raridade das infeçôes por picada náo tinha passado despercebida ao seu autor pois, 4 paj. 192 do Tomo I, fac. 11 das “Memorias do Instituto Oswaldo Cruz”, assim se refere ao fato: “As outras duas observações de flajelados nas glandulas saliva- res foram feitas em insetos colhido uas habita- ções infetadas. Em tal cazo, a maior quantida- de de hemipteros, embora apresentando flajela- dos no intestino posterior, nada mostram nas glandulas salivares ; certo numero delles, porem, em relação centezimal não determinada, acha- se infetado e são infetantes, sendo vistos nas glandulas salivares os parazitos com a morfo- lojia descrita. Esta observação, aliaz, é confir- mada nas tentativas de infeção por picada de conorrinos colhidos em rezidencias humanas, nas quais pequena proporção de insetos é infetante’’.

Ora, em Marco de 1912, tivemos oportu- nidade de percorrer os sertóes da Bahia, Pernambuco, Piauhi e a quasi totalidade de parte habitada de Goiaz onde se nos depara- tam fatos que julgamos de monta para a epi- demiolojia da tripanosomose americana e que nos levaram a reincetar as experiencias interrompidas, sobre o papel da Triatoma sor- dida, na transmissäo da molestia de Chagas.

Desde a cidade de Joazeiro, á marjem esquerda do S. Francisco que, notavamos a predominancia da 7. sordida sobre outra qualquer especie de redúvida hematofago. Nos povoados e povoacóes pernambucanas como Petrolina, Morrinhos, Cacimbas, Melan- cias, Terra Nova, Barreiras, Tigre, Cachoeira do Roberto, Floresta, Conquista e Outeiro, até penetrarmos no territorio piauhiense com destino a S. Raymundo Nonato, a especie em questáo seria a unica presente se náo fóra o achado dum exemplar da Triatoma maculata ERICH.

No territorio piauhense porém, encontra- mos os primeiros exemplares de 7. brasilien- Sis, especie que começou a predominar entre os hemipteros domesticos e, aproveitando a estadía de alguns dias em S. Raymundo No- nato, vila com uma população aproximada de 2 mil habitantes, podemos estudar com mais minucia a fauna de redúvidas hematofa- gos que parasitam os domicilios no Brazil Central e a sua relação com a molestia de Chagas.

Quanto aos casos de tripanosomose, as pesquizas efetuadas na zona percorrida até esta vila, foram completamente negativas e de acordo com esta verificação se achava o fato de não termos encontrado um exem- plar de Triatoma megista. As informações porém, deixavam suspeitar a existencia nos arredores, desta Triatoma e indicações de en- fermos do mal de Chagas em povoações do municipio de Remanso.

Alguns dias depois da nossa permanen- cia em S. Raymundo Nonato, tinhamos po- dido obter conhecimento perfeito da fauna he- mipterolojica que nos interessava e verificá- mos que, os “bichos de parede”, denominação dada para designar os redúvidas hematofagos domesticos naquelas parajens, eram naquela porção do Piauhí constituidas pelas seguintes especies citadas em ordem de frequencia : Triatoma brasiliensis NEIVA, T. maculata ERICH, 7. megista BURM. e T. sordida STAL. Destas duas especies, durante 17 dias de permanencia na vila de S. Raymundo, não conseguimos obter uma duzia de exemplares.

Pouco adiante, em lugar denominado Lages, subitamente pode-se dizer, começou a aparecer a 7. megista com a abundancia que lhe é peculiar e, o que não é comum, sem estar acompanhada da 7. sordida. As pesqui- zas efetuadas no conteúdo intestinal de nu- merosos exemplares da 7. megista, vão re- velavam a presença do tripanosomo e de acordo com este fato, se encontrava a ausen cia de tripanosomiados, sendo que, as inda- gações revelavam a presença mais proxi- ma da molestia de Chagas, para o sul da rejiäo em que nos encontravamos. As inda- gações para obter informações, visavam prin-

= nO e

cipalmente saber da existencia ou não do papo e da presença de “bichos de parede”, afim de nos guiarmos sobre a relação de causa e efeito entre o bocio e os redúvidas hematofagos.

Nesta localidade, portanto, estavamos diante de grande abundancia de transmisso- res sem que existisse no entanto a molestia, mão grado as informações da sua proximi- dade. Esta condição, assim se conservou até a vila de Parnaguá, onde foram encontradas as primeiras triatomas e habitantes locais in- fetados, aliás em proporção diminuta em re- lação á abundancia de transmissores.

Alguns dias aquem desta vila, na povoa- ção de nome Caracol, começamos a perceber que a molestia de Chagas “pintava”, isto é, dava esporadicamente no pitoresco dizer da- quelas zonas e, apesar da grande abundancia de barbeiros poder permitir enormes devas- tações, isto se não dava e a grande quanti- dade de hemipteros examinada, totalmente se revelou não infestada. Não existindo cobaias na localidade, inoculamos o conteúdo intes- tinal de varias triatomas em duas preás (Ca- via aperea, ERXL.) que nada apresentaram.

E” obvio, que existe nestas parajens uma causa impedidora das infeções nos hemipte- ros; qual seja com segurança não podemos afirmar, propendendo comtudo a crer que, a escassez da agua, talvez, explique o fato ainda obscuro.

Pela circunstancia dos primeiros hemipte- ros encontrados infetados, somente o fossem em Parnaguá situada á mariem da maior massa d'agua encontrada ao cabo dum percur- so de 300 quilometros por zona arida ; o fato da existencia da molestia ora mais ao sul ou norte da zona que percorriamos e onde as condições de humidade eram mais eleva- das; a verificação patente de casos da moles- tia em maior numero em Formoza, á marjem esquerda do Rio Preto no Estado da Bahia, e, mais do que tudo, a universalidade da tripanosomose em todo o Estado de Goiaz, onde a abundancia de cursos d'agua é deveras notavel, são verificações que coin- cidem de forma a permitir a suposição de que o Trypanosoma Cruzi, exija certas condi-

ções mesolojicas para evolver nos hemipteros. A’ medida, porém, que nos aproximava- mos de Goiaz, os casos iam-se tornando mais frequentes e nas habitações começavam a aparecer conjuntamente com a T. megista a T. sordida, porém em pequena quantidade. Essa zona comtudo não permitia grande cópia de observações porquanto os povoados eram de formação recente como o de S. Mar- cello, na confluencia do Rio Sapão. com o Rio Preto. Daí por diante, até se chegar á vila do Duro o viajante atravessa 192 quilo- metros em rejião totalmente deshabitada. Esta vila nos permitia melhor observação porquanto, achando-se separada por largo e deserto trecho de terra da Bahia, poderia for- necer um indice patolojico da rejião goiana Trata-se duma povoação antigamente rica em ouro aluvial, o qual foi esgotado pelos antigos exploradores e cujos vestijios a nda perduram. O impaludismo não existe ou em pequena proporção, tanto quanto podemos verificar e pelas informações unanimes obti- das. Mao grado 0 comercio se efetuar com a povoação de Barreiras, onde muitos habi- tantes se infetam, a malaria não se propaga; as unicas anofelinas capturadas durante 11 dias de pesquizas foram: Chagasia fajardot, Cellia albimana e argyrotarsis estas duas es- pecies, porém, em numero muito pequeno e fora do povoado. O numero de “papudos” porém é enorme e o bocio alcança proporções não vistas até então por nós; a frequencia da 7. sordida é muito grande; o numero da T. megista muito reduzido; estas foram as unicas especies de redúvidas hematofagos en- contradas. Proximo á vila do Duro existia, até pouco tempo, um aldeiamento de indios os quais desapareceram ou se cruzaram com os elementos recemvindos, nunca porém entre eles

foi obser;ado o papo, o mesmo se não dera

com 0s seus decendentes com outras racas.

Este fato despertou-nos a atenção e pro- curámos observal-o dai em diante, em todo o territorio goiano, o qua! apresenta condições incomparaveis para observações deste genero,

A notavel predominancia da T. sordida sobre a T. megista em zona grandemente in-

que se fundiram

—— 120

festada pela molestia de Chagas, vieram des-

! {

para a ausencia da Triatoma megista, apesar

pertar novamente as suspeitas que desde 1911 | da presença de grande numero de portadores

mantinhamos.

Durante os 11 dias que nos demoramos no Duro, podemos verificar mais uma vez, a relaçäo que a 7. sordida apresenta com os cursos d’agua. No Brazil pelo menos, todas as localidades donde possuimos esta especie, acham-se nas proximidades de rios ou ribei- róes e a zona agora percorrida era particular- mente instrutiva a respeito desta relacáo com a T. sordida.

Achamol-a presente nas cidades de Joa- zeiro, Petrolina e pequenas povoações banha- das pelo São Francisco; 4 medida que dele nos afastavamos, a especie em questão tor- nava-se crecentemente escassa até desapare- cer completamente, á proporção que nos in- ternavamos nas zonas onde a agua vai ra- reando.

Em S. Raymundo Nonato a 7. sordida reaparece, embora em pequeno numero; pro- ximo a esta vila corre o rio Piauhí cujo curso é interrompido nos mezes calidos. Dai em diante, até as proximidades de Parnaguá, atra- vessámos a zona talvez a mais flajelada pelas sêcas, em todo o paiz; trata-se dum percur- so de 240 quilometros atravez de rejião adus- ta e onde não existia a 7. sordida.

Ao nos aproximarmos da zona conheci- da no Piauhí pela denominação de “Véréda do Curimatá”, a agua começou a aparecer em maior abundancia mesmo em profusáo, como nos lugares chamados Ipuéras, Ibi- Taba e a vila de Parnaguá.

Reaparece a 7. sordida, cuja presença dai em diante, nas zonas pizuhiensis e bahianas que tivemos de atravessar para atin- jir o Estado de Goiaz e, neste Estado, de norte a sul, até Anhanguera proximidades de Minas Geraes, podemos sempre verificar em area compreendida entre 110-190 de Lat. Sul e 60-57-40 Long. W, representando um percurso superior a 1500 quilometros, a presença constante desta especie em todas as localidades visitadas.

Na cidade de Porto Nacional onde per- manecemos 8 dias, o Dr. FRANCISCO AYRES DA SILVA, chamou-nos a atenção

de bocio.

De fato, todas as pesquizas que fizemos afim de encontrar esta especie foram infruti- feras, aliás anteriormente á nossa passajem por ali o Dr. A. MACHADO, que perma- necera 15 dias, conseguiu obter apenas 1 exem- plar e isto bem mostra a sua raridade; em compensação obtivemos bastantes exemplares da 7.sordida que, em Porto Nacional, é sem a menor duvida o principal transmissor da molestia de Chagas; comtudo 40 encontrá- mos nenhum exemplar infetado. Recentemen- te o Dr. MACHADO referiu-nos que em Ja- nuaria, cidade mineira á marjem: do S. Fran- cisco e onde abundantemente grassa a tripa- nosomose, não lhe foi possivel encontrar nenhum exemplar de 7. megista o contra- rio do que poude observar com a 7. sordida.

As experiencias que efetuámos, esclarecem agora Os pontos que pareciam obscuros e a I. sordida, passa a exercer um papel de im- portancia na transmissão do 7. Cruzi. Em Goiaz o Estado do Brazil, certamente o mais flajelado pela molestia de Chagas, o redúvi- da em questão será sem duvida o principal transmissor, pois em todas as localidades, ex- ceção feita das mais afastadas do Tocantins, como Descoberto e Amaro Leite, principa!- mente a primeira, onde agua é extremamente escassa, a 7. megista ou não se achava pre- sente ou se encontrava em notavel minoria comparada a 7. sordida.

Em nota previa publicada em numero do “Brazil - Medico” de Agosto de 1913 no- ticiamos os resultados obtidos com a 7. sor- dida, cujas fezes, portadoras de 7. Cruzi co- locadas em contato com a conjuntiva de cobaia infetaram-na ao cabo de 8 dias.

Esta verificação, veiu nos dar a explicação das duvidas acima apontadas, e aumentar a nossa propensão sobre o modo pelo qual se opera a transmissão do T Cruzi em condi- ções naturais e, pelo que até hoje temos po- dido observar, transmite-se mais comumenté através da pele e das mucosas. Neste ponto somos da opinião de BRUMPT o habito tantas vezes por nós verificado, nas criações

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que realizámos de varias especies de Triato- mae, da eliminaçäo de fezes por ocasiáo da hematofajia, acrecido á circunstancia muito conhecida de que as triatcmas embora con- sigam picar quasi indolormente a quem dorme, não suprimem comtudo, a comichão conse- quente á picada e, portanto, a possibilidade de soluções de continuidade na pele e possi- vel porta de entrada dos tripanosomos pre- sentes nas fezes.

Deve-se ponderar ainda que, Os redúvi. das hematofagos, como é sabido, preferem sugar o rosto; esta preferencia, porém, não indica nenhum tropismo especial por esta parte; a explicação é simples, reside na circunstancia de não se acharem protejidos pelas vestes durante o sono, o antibraço e principalmente a mão; devido a este fato, são sédes preferidas para picadas e é obvio que, se os dedos contaminados pelas fezes depositados sobre estas partes, entrarem em contato com as mucosas da boca ou do nariz ou o que é mais comum, chegarem até os olhos, a infeção é provavel senão certa, por- quanto, pela conjuntiva a contaminação dá-se, pelo menos em cobaia, tão rapidamente como se fizessemos uma inoculação peritonial.

Voltemos porém ao fato da presença con- comitante do bocio e das triatomas nos do- micilios; para isso, é necessario chamar a atenção para certos depoimentos de outros observadores nacionais e estranjeiros que cer- tamente trarão alguma luz sobre o bocio no Brazil e, que de algum modo, auxiliarão o esclarecimento do debatido problema da pa- tolojia indijena. As zonas, por nós percorridas no Brazil Central ou são totalmente desco- nhecidas dos naturalistas estranjeiros e na- cionais, como as de Pernambuco, ou o são por muito poucos como acontece com as do Piauhi e Goiaz. Recentemente 4 zona sul-pi- auhiense foi percorrida por uma comissão austriaca dirijida por STEINDACHNER e pelo norte-americano HASEMANN a serviço do Instituto Carnegie. Os resultados das obser- vações destes naturalistas nada adiantam a nossa questão, pelo simples fato destes pes- quizadores somente cojitarem de pesquizas de historia natural, principalmente de ictio-

lojia e os resultados até agora publicados destas explorações, nada se referem ao assun- to do presente capitulo. Temos que remontar a 1836, para encontrar o unico naturalista que até hoje percorreu a mesma zona que nós, entre a vila de Parnaguá no iauhi e Natividade em Goiaz; queremos nos referir a GEORGE GARDNER o qual de 1836-41 percorreu o Brazil principalmente as provin- cias do nordeste.

As observações deste autor, são de grande importancia para a questão, porquan- to as suas pesquizas trouxeram grandes re- sultados á ciencia não na botanica onde elas avultaram, como ainda na geologia com a descoberta duma especie de Psaronius, descobrimento este, que permitiu determinar- se com segurança a formação geologica de certa rejião do Piauhí e que até hoje con- tinua a servir de padrão para identificação do terreno onde é encontrado. Intencional- mente lembramos estes fatos, com o fim de chamar a atenção para a circunstancia de ter sido GARDNER tambem medico e por isso, as observações concernentes á sua pro- fissão, devem ser tomadas em toda a consi- deração pois, sem duvida, foram efetuadas com a mesma perfeição das outras e que tanto mereceram dos competentes.

De Parnaguá á Santa Maria, fizemos trajetos diferentes; daí em diante até Nati- vidade o percurso por nós realizado quasi 80 anos depois, foi exatamente o mesmo e “The desolate tract of country, upwards of forty leagues in breath, which, we were now about to cross, in order to reach the province of Goiaz, is called by the people of the countrv os Geraes”. Naquela epoca GARDNER apenas encontrou um morador, o qual se queixava das depredações ocasionadas pelos indios Chereutes; nós fomos encontrar os ultimos moradores em numero de 8, no logar de- nominado “Barra dos Veados” apenas a 16 quilometros de Santa Maria; essa gente acossada pela sêca de 1898 foi para ali resi- dir depois de expulsarem os indios “gaviões” como nos informaram, que ainda ali vivi- am naquele ano. Pelas informações daqueles moradores, os quaes entretiveram relações

eS) oe

com os referidos indios durante bastante tempo, o bocio entre eles era desconhecido. Os indios gaviões ou caracatís são considera- dos por EHRENREICH como pertencentes aos Caypós. Pelas informações do Snr. JOÃO DA MATTA, morador na localidade, eles se retiraram para local por ele ignorado. Entre as informações dadas por este fazendeiro, re- cordamos-nos da circunstancia dos referidos indios dormirem no chão por não usaram rede. Este fato constitue uma das caracteris- ticas dadas por EHRENREICH para o grande grupo gé. Ao qual pertence tambem os Che- rentes encontrados anteriormente pdr GARD- NER nos mesmos gerais. Vid. Divisão C. Dis- tribuição das Tribus do Brazil, segundo o estado actual dos nossos conhecimentos por P. EHRENREICH. Tradução de CAPISTRA- NO DE ABREU i Rev. da Soc, de Geogra-

phia do Rio de Janeiro—T. VIII—-pp. 3-55 |

10 Boletim 1892.

Em 1913, a Revista do Instituto Histo- rico e Geographico Brazileiro T. LXXV— Parte 1- pp. 143-205-—Rio de Janeiro, pu- olicou sob o titulo de “Os Kraós do Rio Preto no Estado da Bahia” uma monografia de T. SAMPAIO e cuja leitura nos trouxe a convicao de que os indios que infestavam a Barra dos Veados, justamente á cabeceira do Rio Preto. deviam ser os Kraós. Além da rejiáo sera mesma, os costumes condizem com as informações do Snr. JOÃO DA MATTA e com toda a probabilidade o al- de.amento da Gameleira, a que se refere o autor, deve ter sido fundado apóz a expul- são dos Kraôs da Barra dos Veados.

Esta foi a primeira informação que tive- mos sobre a presença ou ausencia do bocio entre os indios; a segunda nos foi referida

acima ja referimos. GARDNER, porém, quando esteve nessa vila, visitou o nucleo de individuos, ainda ali existentes em nume- ro de 250 ocupando 4 pajinas sobre o que observou entre eles. Nada diz sobre a pre- Senca do bocio não entre estes indios, como tambem nas pajinas dedicadas á descri- ção do Duro e suas habitantes, onde permaneceu 15 dias.

|

| | pletamente outras, pois o bocio é

Ao descrever as habitações dos indios assim se expressa GARDNER “The Aldea itself contains about twenty houses, all of which are of the most miserable description the greater part of them are entirely made of « Framework of poles covered over with palm-lea- ves, and many of them are so much decaved from the united effects of the time and weather, that they no longer form a barrier against wind or rain”.

Á paj. 252 referindo-se a um lugar cha- mado Mato-Virgem diz o autor:

“The place in which it was preparcd, was the apartment where we were allowed to put up, the persons engaged in it being the mistress of the house, who was a young mu- latta, and eight slaves, four men and four women; I was astonished to find all of them, except one inan and one woman, affected with goitre; the swelling ont he neck of one of the women was much larger than her head. They assured me it was a very general com- plaint in this part of the province of Goyaz, particularly in the Villas Natividade and Arra- yas; in the Aldea of Duro, I saw only one woman affected by it, and another in the arra- tal of Almas”.

Ora, atualmente, as condições são com- extrema- mente comum no Duro, Almas e Natividade e, não será precipitado afirmar-se que o ajente eficiente do bocio, achou condições para o seu desenvolvimento fóra dos fatores agua e alimentação que, nestes 80 anos, não variaram naquelas localidades,

Ao atinjirmos a Capital de Goyaz depois de tão longo percurso e, sempre com atenção voltada principalmente para a observação do

| bocio, um fato se destacava como constante, pelos habitantes da vila do Duro a qual |

não apoiado pela observação pesscal e direta, como ainda das informações obtidas todas concordes em afirmar que o bocio, quasi sem exceção, exije para o seu desen- volvimento e propagação duma codição social intermediaria entre a civilização primitiva dos

| indijenas e as atuaes condições das cidades | e vilas sertanejas atrazadas. Se estas progri-

localidade :

dem o mal desaparece, o contrario se obser-

: vando com alguns indios que se aproximam

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do tipo de civilizacao intermediaria, os quais podem tornar-se portadores de bocios como pudemos observar em uma india caiapó al- deiada desde crianca e vivendo entre habi- tantes portadores de bocio; foi O unico caso que observamos em indios, tendo sido infor- mado pelos frades dominicanos residentes na cidade de Porto Nacional que, os indios somente nestas condiçôes, sáo portadores do bocio e as verificações deste genero são raras mesmo para eles, incontestavelmente os melhores conhecedores do territorio goia- no e que otém percorrido em todas as dire- cóes ha mais de 20 anos. O Dr. A. MACHA- DO que tambem percorreu grande zona de Goiaz, referiu-nos que apenas observou 3 Cherentes portadores de bocio no arraial Piabanha; estes indios tinham abandona- do a vida primitiva.

Para contraste os depoimentos sáo abun- dantes e, A. DE SAINT HILAIRE, no seu tra- balho “Voyage aux sources du Rio de S. Fran- cisco et dans la Province de Goyaz” das pp. 87-119 ocupa um capitulo inteiro tratando dos indios caipós que estudou minuciosamente e, ao se ocupar das molestias que Os atacavam, diz a paj. 113; “D'ailleurs, je n'en ai pas vu un seul qui eût un goitre, difformité qui défi- gure tous les pedestres, leurs surveillants, et qui, comme on Pa vu, est presque générale a Villa Boa”. Esta informação refere-se ao ano 1819 e desta data em diante até Os nossos diws, não existe uma informação em con- trario. POHL, GARDNER, KRAUZE, os trades dominicanos, todos os habitantes de Goiaz, informam sem discrepancia a veraci- dade do fato e ainda recentemente, o Dr. MANDACARÚ DE ARAUJO que por força do cargo que ocupava no serviço da Inspeção dos Indios, cuja superintendencia em Goiaz lhe pertencia, e, que visitou demoradamente todos os aldeiamentos de varios tribus goia- nas, incluindo os carajás e os tapirapés das marjens do Araguaia e afluentes, e os Javaés da Ilha do Bananal, onde permaneceu cerca de 1 ano em convivio com esta tribu, teve a ocasião de nos afirmar que o bocio é total- mente desconhecido entre os aborijenes.

Por isso, a afirmação que se possa fazer de que o papo no Brazil ou pelo menos em Goiaz, é um mal posterior ao seu descobri- mento, não nos parece injustificada. O pri- meiro livro de PISO sobre a Medicina Brazi- liense na Historia naturalis Braziliae ocupa-se inteiramente das molestias existentes em 1648 no Brazil e assim como, rejistra serem a lepra e a satna até entäo desconhecidas, ao se re- ferir ao bocio diz ser mal existente no Chile: “In Chili caeteris malis praedominantur, tan- guam endemia, strumae quidem in parentum semine latentes, sed orta potissimum ex aqua nivali, quae illis ex altissimis montium jugis allabitur” cf. paj. op. cit. ANCHIETA, em carta escrita de S. Vicente, em Maio de 1560. assim se exprime a proposito das deformida- des por ele observados entre Os indios: “Direi em ultimo logar d’estes Brazis, que nenhum encontrase d'eles afectado de deformidade alguma natural; acha-se raramente entre eles um cego, um surdo, um imperfeito ou um côxo, nenhum nascido fora de tempo” cf. Cartas de J. de Anchieta. An. da Bibl. Nac. T. 1. pp, 304-305, Rio 1876. O Estado de Goiaz que foi o ultimo a ser descoberto, é no entanto o mais flajelado pelo bocio, que ali se propagou á medida que uma civilisação atrazada ia substituindo wma condição social primitiva.

Não valerá a pena entrarmos a procurar provar que a agua ou a alimentação, nada têm que ver com o bocio em Goiaz; para nós o bocio apresenta uma relação qualquer entre o homem e o domicilio e se este é constituido á moda dos indios como se da transcrição feita acima, de GARDNER ou da que SAINT-HILAIRE faz á paj. 104 do op. cit. das habitações dos cayapós ou, justa- mente o oposto, tratar-se de residencias bem construidas de civilizados, os moradores não apresentam o bocio no primeiro caso nunca, e, raras vezes, no segundo exemplo. Ora qualquer que queira achar uma relação de causa e efeito entre a presença dos barbeiros e o bocio, não deixará de encontrar bons argumentos em favor desta hipotese. Nas ha- bitações mal aparelhadas dos indijenas, as triatomas de modo nenhum podem proliferar;

Re

poderäo penetrar e viver entre as palhas dos colmados mas, as posturas sendo efetuadas parceladamente e nao havendo a aglutinacáo dos ovos como se observa entre os outros redúvidas, os ovos terão fatalmente que cair ao solc, onde facilmente serão destruidos prin- cipalmente pelas formigas. O mesmo se dará com os domicilios em bôas condições e, onde os hemipteros, devido á circumstancia das paredes rebocadas, tão pouco poderão proli- ferar. Para desenvolvimento sucessivo de ge- rações, somente a cabana, choupana, cafúa, ou palhoça de adobos ou a casa de taipa, possuem os elementos para que tal se dê. O Dr. MURILLO DE CAMPOS, em varios artigos narra a sua experiencia sobre o que observou em povoações goOiauas e matogrossenses que teve ocasião de visitar quando trabalhava na comissão RONDON e, mais uma vez, confirma a ausencia de bar- beiros nas malócas dos indios borôros da colonia de S. Lourenço e ausencia do papo nesta tribu e na dos parecís, mundurucús e apiacás; constratando com isto, O autor se refere á abundancia dos barbeiros e do bocio em todas as povoações do sul de Guiaz, lato que tambem verificámos. A Capital de Goiaz apresenta excelente exemplo da influencia do casario e a presen- ca do bocio; SAINT HILAIRE que a visi- tou em 1819 a ela assim se refere: á paj. 72. T. 2.: “Presque tous les habitantes de cette ville et ceux des environs ont un goitre, et souvent cette diformité, devenue énorme em- pêche de parler ceux qui en sont afflicés.” Hoje as condicóes mudaram por completo, os habitantes da parte central da cidade a qual é constituida por casas modernas, nao possuem O bocio, somente presente em al- gumas pessoas idosas: a geracáo nova e as crianças têm bom aspeto e durante a nossa permanencia de 12 dias, náo conseguimos observar o bocio nestes habitantes ; as infor- mações dos moradores e os de 2 medicos ali residentes, sáo unanimes em afirmar que o bocio dali desapareceu; todavia o Dr. JERONYMO RODRIGUES DE MORAES, afirmou-me que ainda hoje se observam de vez em quando, casos de hipertrofia da ti-

reoide pouco acentuados e denominados pelo povo de “pescoço grosso” e “papo de vento” facilmente debelados pelas aplicações iodadas.

Nos suburbios, porém, observa-se com- pletamente o oposto; o bocio é abundante e presente, em todas as idades; as habitações são quasi semexceção de taipa. Em todas as cidades e vilas goianas até se chegar e Anhanguera o mesmo fato se repete.

Pelas nossas observações o bocio, existe em uma condição semi-civilizada; é um mal ligado de qualquer modo á habita- ção; inexistente entre os indios, propagando- se nestes ultimos 89 anos no extremo norte de Goiaz, segundo a citação que fizemos de GARDNER e pelo que de visu observamos ; geralmente ausente das zonas. onde ha escas- sez d'agua, mas, podendo-se encontrar em povoações como Almas, Amaro Leite. e Des- coberto onde aquele elemento é naturalmen- te escasso.

A medida que a civilização penetra o bocio vai desaparecendo, pelo menos a ob- servação do que se tem passado no Brazil, é sem exceção favoravel a essa teoria ; em 1824 o bocio existia no Rio Grande do Sul e 20 anos mais tarde invadia Rio Pardo, « achoei- ra e Caçapava segundo nos informa SIGAUD. Em 1844 0 bocio era universal nas cidades paulistas de Jundiahi, Jacaréhi e Mogi-Mirim e com a penetração do progresso, o mal foi continuamente desaparecendo; era tão comum o bocio na Provincia de S. Paulo que MAR- TIUS ao figurar uma paulista, desenha-na com o bocio e mais recentemente ainda, vemol-o desaparecer com a transformação operada na villa Curral del Rey para dar lugar á cidade de Bello Horizonte.

Para fujir á conclusão que o bocio está ligado á molestia de Chagas, seria preciso admitir » existencia de outras entidades morbidas, tambem transmitidas pelos barbei- ros ou ainda, duma causa eficiente existindo nas mesmas condições nosolojicas favoraveis ao desenvolvimento daqueles hemipteros ; em favor destes fatos, que lembramos apenas como uma hipotese, fala a circumstancia da nula ou pequena proporção de triatomas in-

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fetada encontrada em localidades onde o | CHAGAS, subordinam o bocio 4 teoria hidri-

bocio é muito abundante como Duro, Porto Nacional e Descoberto.

Os primeiros trabalhos escritos por me- dicos e publicados no Brazil a respeito do bocio, foram os seguintes: o primeiro em 1800 sob o titulo de “Memoria sobre o papo que ataca no Brazil os homens e animaes. O segundo, embora tenha sido impresso em 1831 em Paris sob o titulo de “Dissertation sur le goitre” trata o assunto sob o ponto de vista brazileiro; é a tese de doutoramento do notavel naturalista FREIRE ALLEMAO. O trabalho aparecido em 1800, talvez seja da lavra de ARRUDA CAMARA, embora, nada encontrassemos de positivo no Dicionario Bibliographico Brazileiro de Sacramento Blake. Depois, somente em 1841, apareceram as teses do Rio de Janeiro “Bosquejo acerca do Bocio” por J. MARIANNO DOS SANTOS e “Algumas considerações sobre o Clima de Minas Geraes” de E. BENEDICTO OTTONI.

O primeiro trabalho ainda não tivemos oportunidade de encontrar; por algumas re- ferencias sabemos que a tese de FREIRE ALLEMÃO se filia á teoria hidrica; o traba- lho de MARIANNO DOS SANTOS refere as impressões de SAINT HILAIRE quanto ao bocio em Minas e do espanto que lhe causara a abundancia dos mesmos nas cerca- nias de S. Paulo, relatando ainda a surpresa de d’ORBIGNY pela frequencia e tamanho dos bocios por ele observados em Jacarehi, Mogi das Cruzes e S. Paulo. MARIANNO DOS SANTOS repele completamente a agua ou a alimentação como produtores do bocio, argumentando com os exemplos da Colombia, Chile, etc. .

O trabalho de OTTONI nada apresenta de novo, a não ser o fato relatado á pajina 27 quando cita o desaparecimento do bocio em Minas Novas, depois desta localidade ter tomado grande incremento pela prosperidade trazida pela mineração e alta dos preços dos algodões, o que levaram ao completo desapa- recimento do bocio ao cabo de 30 anos, o que está de acordo com a observação geral. Todos os outros trábalhos aparecidos até hoje de medicos e viajantes com exceção do de

ca. As formas nervosas da molestia de CHAGAS, foram encontradas em todo o per- curso principalmente em Goiaz, todavia em frequencia muito menor que o bocio; a unica forma mixedematosa tipica foi verificada numa criança de 8 anos moradora em Agua Branca, municipio de Corrente, Piauhí e por nós exa- minada, quando indo á consulta em compa- nhia de seu projenitor e que é um portador do bocio nos procurava para medical- o de males que nenhuma relação apresenta- vam com a tripanosomose. No municipio de Parnaguá o bocio, não é muito abundante, no do Corrente é mais frequente e pelas infor- mações parece ser muito abundante nos mu- nicipios de Bom Jesus da Gurgeia e de Filo- mena. Algumas pessôas nos referiram que, individuos adultos procedentes do municipio de Parnaguá e que foram residir em locali- dades do municipio de Filomena, adquiriram bocio ao cabo de 6 mezes de permanencia.

Quer o bocio, quer as modalidades ner- vosas e cardiacas rejistradas por CHAGAS, foram verificadas presentes nas localidades dos municipios de Remanso, Sta. Rita do Rio Preto e Barra do Rio Grande pertencen- tes ao Estado da Bahia; e em toda a zona goiana.

Em Formosa (Bahia) uma portadora de bocio, referiu-nos que este é de invasão rela- tivamente recente sendo trazido pelos goianos. Em lugar afastado desta vila, um pequeno fazendeiro que fujira em consequencia de grandes conflitos que ali se desenrolaram, ao cabo de um ano de residencia em locali- dade goiana, observou que quasi todos os fihos adquiriram o bocio o qual não atinjiu a nenhum dos adultos.

Além das formas citadas, são muito comum em Goiaz os casos de cretinismo, in- fantilismo e surdo-mudez, principalmente no municipios de Duro, Natividade, Amaro Leite, Pilar e Descoberto. Localidades como Descoberto onde a população é de cerca de 400 moradores, estes são quasi todos infeta- dos e se nem todos possuem “bocio desen- volvido, grande numero tem o sensivel cre-

E RD ie

cimento da “tireoide" “pescoço grosso” como | ali endemico, todavia, ha sensivel tendencia vulgamente designam. | por parte de varios medicos bahianos, a dar

Os viajantes sempre evitam pouzar em | mais importancia ao foco constituido pela ci- lugares ermos de maneira que, esta pratica | dade de Recife donde julgam receber Os auxilia a disseminacáo das triatomas infesta- | casos produtores das epidemias.

das e que sao acarretadas pelas cangalhas e É absolutamente impossivel ao habitan-

outros acessorios de montaria, guardados | tes de qualquer cidade, estar ao abrigo

dentro das moradias onde se hospedam. das endemias e epidemias, por um previlejio BIBLIOGRAFIA:

CAMPOS, MURILLO DE 1913 Notas do Interior do Brazil - Do Rio de Janeiro 4 Cuyabá (via Goiaz).

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GARDNER, GEORGE 1849 Travels in the Interior of Brazil, principally, through the northern Provinces, and the gold and diamond districts during the years 1836-1841. London.

KRAUSE, FRITZ 1911 In den Wildnissen Brasiliens. Leipzig. MAGALHAES J. COUTO DE 1902 Viajem ao Araguaya.

Edicáo definitiva. S. Paulo.

SAINT-HILAIRE, A: 1847-48 Voyage aux sources du rio de S. Francisco et dans la Province de Goyaz. Paris. cf. T. II. —Esta obra foi publicada muitos anos depois do A. ter per- corrido o Estado de Goiaz

SAIGAUD IL FIX 1844 Du climat et des maladies du Brésil. Paris.

Febre amarela (1!) natural; por isso a cidade da Bahia tem fa-

E | ; E | talmente de ser um foco endemico de febre

A sabido que, a Capital aay Bala) cons: amarela, pois reune para isto, todas as condi- titue foco permanente de febre amarela e | ções epidemiolojicas.

que por varias vezes cazos dali provenientes em 1884 FINLAY no trabalho “Apuntes

têm ameaçado a Capital do Paiz. O mal É | soprela historia primitiva de la fiebre amarilla”

dividia a febre amarela em frustra e vera;

1 O prezente capitulo, como aliaz todo o relatorio, comtudo náo se referia ás criancas, porém 2

foi terminado em julho de 1915. Por varios motivos, a : sua publicação, somente agora poude ser realizada de anos depois, CORNILLAC tez claramente

maneira que, ao nos referirmos á presença da febre ama- | alusão ao fato dos indijenas se imunizarem rela na Bahia e Recite, náo exprimimos a verdade por- | quando criancas. Em 1888, GUITERAS, pu-

quanto, graças aos esforços da Saude Publica daqueles : 1 e Nga Estados, o mal em questao, foi eliminado do quadro blicow notavel trabalho, no qual a questão

nozologico das referidas cidades, como verificou a co- | discutida de modo admiravel; para GUITE- missäo enviada pelo Diretor da Saude Publica do Rio de | RAS as crianças sao os depositarios de virus

Janeiro. Seria altamente proveitoso ‘que, analoga ve- cine t tee rificação, fosse efetuada no jnterior dos referidos Es- PME ESS de cor branca; afirma a

tados. existencia de ataques benignos que passam

despercebidos e que as imunizaram. A co- missão franceza que trabalhou no Rio, igno- rando o trabalho de GUITERAS chegou ao mesmo resultado e ainda mais recentemente, BOYCE verificou o fato entre crianças negras da Africa e, a proposito, escreveu valioso tra- balho onde discute a questão. A Bahia que pos- sue o Stegomyia calopus MEIGEN e con- dições climatericas otimas para a ende- micidade amarilica, não poderá fujir á regra.

E” nossa convição, que o mal se tenha internado levado pela Estrada de Ferro e que em condições analogas, estão todas as cida- des até Petrolina, onde encontrámos grande abundancia de transmissores. Em Joazeiro e Petrolina, o mal apresenta as maiores dificul- dades em ser diagnosticado, pelo fato do pe- queno numero de estranjeiros e estes, em regra, serem imunizados por ataque anterior da molestia, adquirido na Capital do Estado ou em outras localidades do paiz, onde rei- nava ou ainda existe a febre amarela, pois, geralmente, estes forasteiros se fixam em Joazeiro, depois de permanencia prolongada, em regra, na cidade da Bahia. Certos fatos acontecidos no Brazil demostram a possibili- dade do que afirmamos: o caso Caio Prado quando presidente do Ceará falecendo de febre amarela, na ausencia de qualquer epi- demia amarilica em Fortaleza, é bem tipico. Naquela ocasião, doutos e profanos, aceitaram sem discutir, a hipotese da transmissão do mal pelas epistolas recebidas pela vitima e procedentes do Rio de Janeiro. Nada havia de estranhavel, dada a epoca, em se ter acei- tado a explicação; com os conhecimentos adquiridos posteriormente, verificou-se que tal transmissão era impossivel de se realizar: a febre amarela existia em Fortaleza e a sua pre- sença passava despercebida e somente foi reve- lada, por ter atacado personalidade de des- taque e o mal se desenvolver dum modo cli- nicamente classico. Fato analogo se reprodu- ziu, ha poucos anos, com um enjenheiro norte- americano, quando trabalhava em Quixadá em estudo de lavoura sêca.

Nós, que observamos as condições preca- rias de assisteneia medica em Joazeiro e as profundas falhas do rejistro civil, principal-

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mente na parte referente ao rejistro de obito, nutrimos suspeitas que sob o rotulo de maleitas, intermitentes, sezôes, etc. estejam incluidos casos febre amarela em crianças, 05 quais passaram despercebidos náo pela propria dificuldade de ser diagnosticados, como principalmente por se revestirem duma forma frusta e benigna e não nos surpreen- deriamos se, casos analogos aos observados no Ceará, fossem ali verificados. Medico que nos merece todo o credito, narrou-nos que em Jacobina, recentemente, entre trabalhado- res portuguezes duma via ferrea em constru- cáo, declarou-se uma epidemia para muita gente diagnosticada como febre amarela. Na vila de S. Francisco, o referido informante poude pessóalmente verificar a morte por febre amarela, de estranjeiro ali residente. O mal evolveu de modo a náo deixar a menor duvida, no entretanto a localidade era consi- derada como isenta da molestia. A vitima, o Prof. CHEVALIER, ensinava quimica agrico- la na antiga Escola de Agronomia situada em S. Bento dos Lages. Durante O ano de 1914, na cidade de Santo Amaro, foram ob- servados varios casos suspeitos de febre amarela. Essa cidade fica proxima de S. Bento e isto vem mostrar que não o in- terior do Estado, como tambem o reconcavo, estáo contaminados. O Boletim Mensal de Estatistica Demografa-Sanitaria do Estado da Bahia-Ano 17, No 3 Marco 1912, afirma que de Setembro de 1910 a Fevereiro de 1912, “senão mais”, passaram-se 17 mezes sem que fosse rejistrado um unico caso- de febre amarela. No entanto em 15 a 27 de Fevereiro 1912, ocorreram 8 casos em 5 focos diversos, colocados nos extremos da cidade S. Pedro, Victoria, Mares e Penha. É” impossivel contestar as informações da re- ferida publicação mas, sem duvida, o fato parece-nos estranho e estamos inclinados a aceitar que a molestia nunca cessou de exis- tir; apenas a sua presença passou despercebi- da pois, é quasi inadmissivel acreditar em fenomenos de saneamento espontaneo, num meio otimo para o desenvolvimento do mal.

Recentemente soubemos que, em Parna- hiba, povoação proxima de Joazeiro, ha anos

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ja se observou casos dum mal por muitos diagnosticado de febre amarela. A hijiene Oficial, verificou casos positivos em Paripe e outros suburbios em contato com a Estrada de Ferro de Alagoinhas-Joazeiro; é mais um argumento em favor de nossa suspeita que julga Joazeiro e outras localidades infetadas.

Pela leitura da tese “Prophylaxia de febre amarella” Bahia 1914 do Dr. N. SAM- PAIO BITTENCOURT, tivemos conhecimen- to que de 1902 inclusive, a Julho de 1908, isto é, durante 78 mezes náo se observou um caso mortal de febre amarela na Bahia. Se naquela epoca funcionasse um servico de verificacáo de obitos, estatistica tao otimista talvez náo tivesse oportunidade de ser pu- blicada.

BOYCE, em 1911, definiu com felicidade que a aclimatação dos europeus na Africa, não queria exprimir senão uma immunização por Stegomyia e, que grande numero de casos diagnosticados do febre remitente ou remitente biliosa na costa ocidental da Africa, não passavam na realidade de casos benignos de febre amarela; e chama atenção para o fato dos negros daquelas rejiões, apresenta- rem a forma denominada abortiva ou ambu- latoria do referido mal; formas que, segundo o autor, passam despercebidas dos indijenas do mesmo modo que, em condições analo- gas, se com o impaludismo.

Se não temos experiencia pessoal com fatos da natureza citada, no que se refere á febre amarela na infancia, possuimos todavia observações sobre a possibilidade da malaria poder passar despercebida, não em crian- ças como em adultos. No Xerem era relati- vamente comum encontrarmos crianças por- tadoras de aneis de tercan maligna no sangue periferico, sem que acusassem nenhum mal estar; a molestia evoluia de maneira a passar completamente despercebi- da não para os enfermos, como para os que os rodeavam.

No Tomo 3-No 7 do “Office Internacio- nal d'Hygiene publique” pp. 1159-—1174— Julho de 1911 —encontra-se um artigo sem assinatura intitulado “Nofe sur l’origine endé- mique de la fièvre jaune en Afrique Occiden-

tale”, onde a questão é ventilada e documen- tada com grande copia de informações. STEPHENS lembra que desde 1848, W. PYM dizia existir a febre amarela no interior da Africa, atacando as raças nativas porem apre- sentando modificações nas formas clinicas.

Outro caso de um surto cpidemico su- bito, é-nos referido por AUGÉ e PEZET inda recentemente e, não é impossivel que, fatos analogos se passem no Estado da Bahia, em todo o trajeto da via ferrea que termina em Joazeiro, acontecendo o mesmo na cidade pernambucana que lhe fica fron- teira e onde as estegomias são muito nume- rosos. Quando em 1686, Pernambuco foi pela primeira vez assaltado pela “bixa”, de- signação com que denominaram a febre amarela naquela epoca, o que se observou não foi mais do que um violento surto epi- demico, disseminando-se por toda a zona lito- ranea onde os entranjeiros se acumulavam. A transcrição que adiante fazemos, dum do- cumento historico pouco conhecido dos me- dicos, virá demonstrar que, á luz dos conhe- cimentos modernos, concernentes á epidemio- lojia amarilica, a interpretação dada não de- verá ser outra. Dr. DOMINGOS DO LORE- TO COUTO, depois de descrever os sinto- mas do mal, etiolojia, malignidade etc. etc, diz á paj. 183 (13):

“Foi materia digna de reflexão, que deste contagio não enfermarão negros, mu- latos, Indios, nem mesclados. como se não tivera o mal forças para combater com as destes humanos compostos, ou lhe faltara jurisdição para neles empregar seus golpes. Tambem os moradores dos reconcavos expe- rimentarão menos vigorozo o seu veneno, assim na extenção, como na actividade, e dos que enfermarão morrião poucos” etc. etc. Vid. An. Bibl. Nacional do Rio de Janeiro “Desagravos Do Brazil e Glorias de Per- nambuco” Loc. cit. Vol. XXV 1904.

O trabalho citado foi escrito no Recife em Marco de 1757 e pelo menos, nessa parte, é quasi uma copia da Historia da America Portugueza de ROCHA PITTA, aparecida em 1730, pouco acrecentando ao escrito pelo historiador bahiano. A 22 edição da obra de

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ROCHA PITTA apareceu em Lisbôa em 1880 e das pajinas 213-218 ocupando os paragra- fos— 13-55 do Livro Setimo, o historiador somente se ocupa com a febre amarela. O paragrafo 43 por exemplo, refere-se a um fato ainda hoje observado; “e foi perdendo a forcao mal, de forma que Ou náo feria, ou quasi todos os feridos escapavam; posto que para as pessoas que vinham de mar em fora ou dos sertões, assim á cidade da Bahia como á de Olinda, durou largos annos le- vando grande parte delles, principalmente aos mais robustos”.

Os dois autores porém, náo foram con- temporaneos do mal e por isso vamos trans- crever o depoimento do grande VIEIRA que foi testemunha do flajelo e até por ele ata- cado: ”Achome com duas de V. M. a que responderei brevemente, porque estes Navios se partem tao arrebatadamente, como quem vai fugindo 4 morte. Tal he a peste em que ficamos, a qual perdoando a poucos, se em- prega mais nos homens do mar”. Carta 101 a DIOGO MARCHAO OTEMUDO, Cartas, Vol. II, paj. 342 Lisboa 1735-A carta é datada da Bahia 2 de Maio de 1686. Na carta 102 datada de lo de Julho do mesmo ano e escrita ainda da Bahia ao Conde de Castanheira, VIEIRA insiste em falar na grande receptividade dos homens do mar e a boa nova de que o mal vai amainando. O fato se explica por serem os mezes de Junho a Agosto os menos favoraveis á ativi- dade do inseto transmissor. Nas epistolas escritas da Bahia em 8e 21 de Julho de 1692, o autor diz: “Pelas outras novas dou a V. Exc. a de haver cessado nesse anno na Bahia a chamada Bicha, cujo veneno ferindo muito dos naturais, matava tanto dos hospe- des, que chegarão, e tornão vivos e sãos”.

“Deos se tem havido este ano tão mise- ricordioso comnosco no mar e na terra que no mar não houve piratas, e na terra se não sentia o veneno da chamada Bicha, com que os hospedes que costumão ser os mais morbidos, tornam vivos e sãos” Cf loc. cit. pp. 443 e 459.

Vê-se, pelos documentos citados, que o mal poupava Os negros, mulatos, Indios e

mesclados; isto é, quasi a totalidade dos naturais, naquela epoca, pois a parte branca da população era quasi toda portugueza. O mal marchou insidiosamente a ponto de im- munizar a população indijena, porquanto atualmente se sabe que não existem raças im munes á febre amarela. Não passou do re- concavo, isto é, da zona litoranea porque o Stegomyia calopus não encontrou meio de condução adequado, o que não aconteceu no litoral, onde o culícida trazido nas embarca- ções, por intermedio delas se disseminou pela rejião á beira-mar. De maneira que, a la epidemia não passou, á luz dos conheci- mentos modernos, de um surto epidemico de mal que endemicamente lavrava.

Como nos referimos em outra parte, as rejiões apartadas da estrada de ferio nos Estados por nós percorridos, continuam 230 anos apoz á suposta primeira epidemia do paiz, a não possuir o ajente transmissor do mal. Sabemos que ainda hoje, sertanejos ba- hianos e adultos ao visitarem a Capital da Bahia, alguns adoecem de febre amarela. O fato tem sido verificado varias vezes e isto, a primei- ra vista, p:ovaria pela não existencia do mal nos sertões. Um fato que chegou ao nosso conhecimento e nos foi narrado por pessôa de toda a idoneidade, vem provar justamen- te o contrario: eil-o: F. fazendeiro em Brotas de Macaúbas, vindo pela primeira vez na sua existencia, visitar a Capital da Bahia adoeceu tipicamente de febre amarela.

Ora, Brotas de Macaúbas, fica a varios dias de viajem a cavalo, do porto mais pro- ximo no rio S. Francisco, não devendo por- tanto possuir o ajente transmissor.

A vila de S. Raymundo Nonato no Piauhí, situada apenas a 80 quilometros da cidade do Remanso, local onde o Stegomyia é encontrado abundantemente, até hoje não foi contaminada pelo ajente transmissor isto podemos afiançar, pela verificação efetua- da durante 15 dias de permanencia ali. Me- tade mesmo, pelo menos, dessa distancia, naquelas parajens, isenta qualquer povoação de ser contaminada pelo mal; as nossas observações falam nesse sentido. Qualquer sertanejo vivendo ali é um predisposto ao

da (|| PU

mal; para o ponto de vista, com que encara- mos a questáo, teria importancia decisiva, a verificaçäo de habitantes das vilas e cidades á marjem da E. de Ferro de S. Francisco terem adoecido de febre amarela ao visita- rem a Capital da Bahia.

De Petrolina em diante, até a capital de Goiaz, os representantes do genero Stegomyia foram encontrados na povoacao Formoza,

|

á marjem direita do Rio Preto, sendo que a infestação deste local foi efetuada pelos va- pores de Viaçäo Fluvial do S. Francisco ; a outra povoação ribeirinha que conhecemos, a de S. Marcello, na confluencia do Rio Preto com o Sapão, não tivemos oportunidade de encontrar o culícida em questão, provavelmen- pela pequena demura que ali fizemos.

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Epidémie de fiêvre jaune survenue au Dahomey pendant

les mois de mai et juin 1912

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103-110. Abril Liverro )l

Recherches chronologiques sur l’origine et la propagation

de la fièvre jaune dans les Antilles et la Cote occidentale d’Afrique

Observaciones sobre la historia natural de las epidemias

de fiebre amarilla, fundadas en el estudio de la estadistica de la mortalidad en la ciudad de Key West, con indicaciones sobre la ne- cessidad de un estudio continuado de esta af- fección por el Gobierno de los Estados Unidos.

Annual Report of the Supervising Surgeon General of the

Marine Hospital Service of the United States for the year 1888. cf. reprodução “Sanidad y Beneficiencia” loc. cit. adiante.

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Sanidad y Beneficencia, T. VIII, No 6, pp. 617-663, Haba-

na Dezembro.

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British medical Journal, No 2654. Nov. Lond.

BOYCE, R. W. 1911 BOYCE, R. 1912 CORNILLAC, J. J. 1886 Fort-de-France GUITERAS, J. 1888 GUITERAS, J. 1912 STEPHENS, W. J. 191] Anquilostomose

Verificámos a presenca deste mal nas se- guintes cidades ou vilas; Joazeiro (Bahia), S. Raymundo Nonato, Caracol, Parnaguá (Piauhí), Duro, Porto Nacional e na cidade de Goiaz.

A verminose, mesmo em Parnaguá, onde a encontrámos mais abundante, nem de lonje se aproxima das proporcóes em que a obser-

vámos no Xerem (baixada do Estado do Rio; táo pouco atinje ao gráo verificado em certos suburbios da capital como Jacarépaguá, Pa- vuna etc..

Nas zonas mais sécas. o mal diminuia, aumentando nas localidades, onde o fator agua crecia; todavia nunca deixamos de veri- ficar a sua presenca em maior Ou menor grau em todo o trajeto percorrido. Nos Estados

—— 13!

de Goiaz e Piauhi, onde a verminose grassa mais abundantemente, os doentes por ela afetados são denominados de “empalamados”” ou “empalemados”. Como era de prever, o verme ocasionador da anquilostomose nas parajens percorridas é o Necator americanus STILES. O tratamento especifico é totalmen- te desconhecido e, em alguns lugares, pode- mos Observar que a geofajía, sintoma que trequentemente acompanha principalmente as crianças atacadas do mal, ser tratada com o emprego do fumo dado a mascar.

Esquistosomose

Na vila de Caracol, municipio de S. Raymundo Nonato, Estado do Piauhí, tive- mos a oportunidade de diagnosticar 2 casos da molestia, cujas observações damos em seguida:

M. B. S.—10 anos natural de Pernambu- co, (Salgueiro); donde aos 2 Y2 anos saiu para Vila Nova (Bahia) onde ficou até a ida- de de 5 anos, quando se retirou para Boa Esperanca, proximo á vila de Piláo Arcado (Bahia), tendo permanecido durante 2 anos; depois disto, veiu para Caracol (Piauhí) onde a encontrámos e onde residia havia 10 mezes. Em Salgueiro a agua utilizada é de cacimbas; em Vila Nova porém, a agua é a dum ribeirão chamados das “Bananeiras”, o qual não “corta”, nem mesmo durante as sêcas. Em Boa Esperança, a agua é de tanque e de cacimbas; nesta localidade a menina se entretinha frequentemente a tomar banhos nas cacimbas; em Caracol, porém, não acontecia o mesmo. A pequena narra que por varias vezes, em Caracol, deu-se á geo- fajia, habito frequente entre as crianças desta vila. Nunca emitiu urinas sanguinolentas; por varias vezes tem sido acometida por impalu- dismo.

Estado atual: pequena, raquitica, de tez muito palida; lingua pouco saburrosa, con- juntivas descoradas, máu halito. Ha mais ou menos 3 anos que é acometida de bronqui- tes; atualmente tosse com certa frequencia. Figado aumentado de volume e doloroso á palpação; baço sensivel á palpação.

Em Vila Nova sofreu fortemente de ce- falaljias, as quais ainda a acometem, embora com menos frequencia; a cefalaljia começa a

qualquer hora e é sempre consequencia de algum esforço muscular despendido ao brincar; ás vezes as cefaleas são acompanhadas de vomitos; a doentinha é muito intelijente. Al- gumas vezes as fezes são acompanhadas de sangue e em Vila Nova aconteceu, em con- sequencia dum purgativo de oleo de ricino, fazerem-se as dejeções entremeiadas de grande quantidade de sangue. Por ocasião do exame ás de 16 horas de 5-5-12 a doente apresentava a temperatura de 38º. Exame de sangue nega- tivo. Urina sem albumina. O exame das fezes revelou ovos de Schistosomum mansoni e de Necator americanus.

O caso foi duma criança de 3 anos, a qual nunca saiu do municipio de S. Raymun- do Nonato; as fezes apresentavam ovos de Schistosomum mansoni e de Necator america- nus; urinas não sanguinolentas.

Até hoje se encontram publicadas entre nós, as pesquizas de PIRAJA” DA SILVA concernentes aos casos por ele obser- vados na Bahia, onde a molestia parece scr relativamente frequente. A bilharziose intesti- nal como muitos a chamam, é mal muito mais frequente no norte do Brazil do que em geral se pensa; ignorando se foi as- sinalada entre brazileiros do sul. Causou-nos certa sorpreza, encontrar o parasito na zona sêca e, embora O primeiro caso, pelos sinto- mas que apresentava quando ainda residia em localidade bahiana, leve á suposição de que ali se con'aminara, o caso é certa- mente piauhiense porquanto, o doente nunca se afastara do municipio onde nacera.

A ausencia de urinas sanguinolentas, vem mais uma vez dar razão áqueles que pensam ser esta bilharziose diferente da denominada bilharziose vesical, ocasionada pelo Schisto- somum haematobium (BILHARZ). Todos os ovos apresentavam espicula lateral carateristi- ca da especie Schistosomum mansoni SAM- BON e o parasito, foi provavelmente introdu- zido não no Brazil, como ainda nas Anti- lhas e Sul dos Estados Unidos, com o trafego de negros africanos.

Nada se sabe ainda, sobre o modo de pe- netração do Schistosomum mansoni, mas tudo leva a crêr que se efetue através da pele como

foi verificado por KATSURADA, HASHE- GAWA, FUJINAMI e NAKAMURA com o Schistosomum japonicum KATSURADA. Na localidade onde os dois casos foram observa- dos, O parasito em questáo parece ser de invasao recente porquanto, durante os 10 dias que ali permanecemos, tivemos oportunida- de de examinar as fezes de grande numero de pessoas, somente encontrando os casos referidos.

Se a penetraçäo do trematode se efetuar de maneira suspeitada, em breve, Caracol, constituirá um grande foco, pois a agua que abastece o povoado e seus arredores, provem da unica lagóa existente e onde os morado- res se banham, lavam as roupas, e Os animais se abeberam. Trata-se duma coleçäo d’agua pouco profunda, não medindo mais de 1 qui- lometro de largura. Pesquizas mais recentes publicadas sob o titulo de “Der Zwischenwirt des Schistosomum japonicum KATSURADA nos Mitt. aus der Medizin. Fakult. der Kais. Univ. Kynshu Fukuoka, Japão, Bd. I, pp. 187-197—Taf. I—I]—1914 por Miyairi, K. Suzuki, M., vém resolver a questáo do ciclo evolutivo do parasito japonez, permetindo com toda a probabilidade, a suposição de que, o trematode brazileiro tenha identica evolução.

Esses pesquizadores conseguiram verificar o desenvolvimento em caramujo de agua doce pertencente á familia Hydrobiidae, porém ainda de especie não determinada, do miracidie da- quele trematode tendo podido acompanhar a €voluçäo em esporocisto, redia e cercaria, quasi completamente desenvolvida, 7 semanas após a infeção do caramujo. Verificaram ainda que, a infeção é extremamente facil através da pele de camondongos, pelas cercarias exis- tentes no caramujo. O assunto portanto pare- ce ficar completamente resolvido; de miraci- dio ao estádio de cercaria, as especies do ge- nero Schistosomum WEINLAND, necessitam de um hospedeiro intermediario; logo porém, que as cercarias em liberdade n'agua, entram em contato com a pele do hospedeiro difini- tivo, atravessam-na rapidamente e vão com- pletar a fase final do ciclo evoiutivo.

O mal embora não apresentando a gra- vidade da bilharziose vesical, continua a ter

A) ===>

ignorado completamente o seu tratamento. (1).

Quanto á profilaxia da anquilostomose dadas as atuais condições de hijiene do Brazil Central, é impossivel fazer-se alguma cousa de pratico. Mesmo entre as pessõas vivendo em melhores condições, as residencias não possuem qualquer simulacro de fossa fixa e as dejeções são efetuadas ou lançadas em de- terminado recanto do quintal; como as larvas do Necator americanus penetram atra” vés da pele, facil é de supor-se, sabendo-se do costume principalmente das crianças de andarem descalças, a proporção de infeções a qual não atinje a intensidade verificada no sul do paiz, pelo fato das fezes se encontra- rem mais expostas á temperatura acima de 370, o que impede a evolução dos ovos.

Nas localidades como Vila de Parnaguá, Duro, onde as condições são mais favoraveis, encontrámos infetadas crianças pertencentes ás melhores familias. | e

Foi verificada tambem a presença de As- caris L. e Oxyuris RUD.

Disfajia espasmodica.

Sob esta designação chamaremos o mal que no Brazil Central é denominado de “en- talacáo” e de ha muito conhecido entre nós pelo nome de “mal de engasgo” “entalo” e “engasgue”. an

A não sero trabalho de U. PARANHOS, nenhum outro existe sobre a molestia no Brazil; alids acreditamos ter o fato passado despercebido, pela circumstancia de somente se observar isoladamente-e, por isso, ser diagnos- ticado como manifestações histericas, depois de eliminadas as varias causas produtoras de disfajia. Náo deixa de ser bastante interessan- te, a circumstancia de náo se encontrar na li- teratura medica brazileira, nenhuma publica- cáo a respeito dum mal disseminado pelo paiz. As unicas referencias por nós encontradas, acham-se 4 paj. 1799 da 18a, edição do For-

(1) Pelas pesquizas recentes efetuadas pelo Dr. ADOL- PHO LUTZ, o problema ficou resolvido. O caramujo hos- pedeiro é o Planorbís olivaceus SPYX, muito comum nos Estados do Norte e inexistente nos do sul. A evolucáo de ovo a verme adulto, faz-se mais ou menos em 90 dias. A penetracáo do parasito se faz atravéz da péle.

"133

mulario— CHERNOVIZ Paris 1908. e ás pp. 298-299 da celebre novela Innocencia de TAUNAY. A informação escrita pelo roman- cista, é mais interessante que as referidas pelo Formulario e, embora a descrição dada não seja um primor de perfeição, é suficiente comtudo para se identificar o mal, conhecer- lhe a sinonimia vulgar e a sua disseminação pelo Brazil.

A referencia mais preciza a respeito, é a que se ás pp. 204-205 da obra “A Geogra- fia Fisica Do Brazil Refundida de J. E. Wap- pœus (Edição Condensada) dada á publicida- de por J. Capistrano de Abreu e A. do Valle Cabral Rio de Janeiro 1884”. Cada capitulo da notavel obra alemã foi, alem de traduzi- do, refundido por pessoa de toda a idoneida- de. Aquele que nos interessa é o capitulo XI intitulado Salubridade; Epidemias E moles- tias Reinantes, da lavra do Prof. Martins Costa, e que textualmente diz ás pajinas referidas : “Ha tambem nessas rejiões (O A. refere-se a Curvello, Minas Gerais) uma molestia ende- mica, a que seus habitantes chamam mal de engasgo, o qual consiste, diz o Dr. A. Idel- fonso Gomes, em uma paralizia do farinje ;” os que padecem esta molestia não podem en- gulir os alimentos; cada bôlo de comida é empurrado por alguns goles d'agua” Ao mesmo autor, constou a existenciz tambem dessa doença nos sertões de Goiaz e Matto- Grosso. Nada se sabe até o presente, quanto á natureza dessa singular paralysia, nem

quanto ás suas causas e simtomatologia” As | Martins Costa, |

informações são do Prof. pois o trabalho orijinal de Wappaus editado em 1871, nada diz a respeito.

No Brazil Central, o fenomeno aparece

com frequencia insolita, o que á primeira vista |

faz pensar em molestia local; depois que es- tudámos o assunto, estamos persuadidos de que o mal exista por toda a parte, embora no Brazil Central encontre condições especiais, muito favoraveis ao seu desenvolvimento.

A denominação de “dysphagia tropical” dada por PARANHOS apresenta o inconve- niente de limitar o mal, á dada rejião geogra- fica que, talvez a não possua exclusivamente, o que viria ainda aumentar a malsinação da rejiao tropical. A proposito, vem a pêlo

lembrar que, a KOCH, se deve a denomina- ção tão inadequada de “malaria tropical” para a terçan maligna, entidade morbida mesmo observada na Russia, e muitogomum na Ita- lia.

seria tempo de se reajir contra estas designações improprias e, que servem, para aumentar o desconceito, em que são tidas todas as zonas tropicais. Inda recentemente, BLONDEL, refere o fato do governo inglez em 1912, propor por via diplomatica, que o termo de Febre de Malta fosse abandonado na nomenclatura medica e substituido por um outro mais exato, porquanto a molestia existindo tambem em outras paizes, a deno- minação prejudicaria a reputação da colonia, no ponto de vista sanitario; este fato deu orijem ao nome de melitose.

Qualquer dos tratados de medicina, mesmo antigo, ao se Ocuparem das molestias do esofago, referem-se 4 disfajia e ao esofa- jismo, de maneira a despertar em nós, a sus- peita de que, na Europa, se verifica tambem fato analogo aos observados no Brazil Central, em muito menor numero porem. Ao lermos no tratado de EICHHORST,

,

ediçäo de 1889, a parte referente 4 “Caimbra

| do esofago—Esofajismo” verificamos a exis-

tencia dum capitulo dedicado ao fenomeno, cuja etiolojia, segundo EICHHORST, é pro- veniente dum grande numero de nevroses de orijem central.

KEAUS consagra-lhe um capitulo até hoje o mais completo que conhecemos sobre o assunto; ali aprendemos que a ne- vrose motora como lhe denomina KRAUS, era conhecida desde 1740 por F. HOFF- MANN que a denominou de “Dysphagia spasmodica”, nome que aceitamos por ter a prioridade. Pela leitura do referido trabalho, pode-se acompanhar as modificações experi- mentadas pela etiolojia eonsoante as ideas dominantes na epoca.

BERNHEIM, a este respeito, publicou excelente estudo e logo ao começar ao citar a sinonimia: Dysphagia spasmodica de HOFFMANN, Angina convulsivu de VAN SWIETEN, Spasme de Poesophage de FRANK, Oesophago-spasmus VOGEL, Oesophagisme

Se RE Er

MONDIERE, Réfrécissement spasmodique de Poesophage BROCA, VIGLA, PETER, Spas- modica stricture BRINTON, POWER MA- CKENZIE, Stenosis spastica fixa et migrans HAMBURGER, deixa a impressão de que se trata de assunto conhecido por profissio- nais de varios paizes e, da copiosa bibliogra- fia reproduzida no seu trabalho e no de KRAUS, verifica-se tratar-se de questão talvez mais conhecida de que a princípio julgaramos. Pela comparação com os tratados modernos que consultamos, vê-se imediata- mente tratar-se dum mal certamente mais comum antigamente, pois os capitulos ati- nentes ao assunto das modernas enciclope- dias de medicina, são mais um repositario de observações anteriores e onde a aquizi- ção de novos fatos é notavelmente escassa,

Pela leitura de varios trabalhos consul- tados, estamos inclinados a acreditar que, as observações por nós efetuadas no Brazil Central sobre o mal ali denominado de “entalação”, referem-se talvez aos conhe- cidos em outras partes do marcha da molestia, seu subito aparecimento, a facilidade da alimentação quente ser em geral melhor suportada, os casos excecionais de alguns doentes poderem injerir melhor os alimentos solidos que os liquidos, os vo- mitos, quando existentes serem seguidos de erutações, a necessidade de alguns doentes conseguirem alimentar-se em e em movi- mento, a intermitencia do mal com crises dis- fajicas de horas até semanas, o fato dos pa- cientes em geral, fora das crises, so se nutri- rem acompanhando cada bolo de alimentação solida com um gole d'agua, trouxeram-nos a suspeita da identidade de “mal do engasgo” com a disfajia espasmodica. Durante mais de 3 mezes podemos observar um entalado nosso camarada. Às crises sobreviam ines- peradamente, em qualquer tempo da refeição, obrigando o camarada a procurar, o mais rapidamente possivel, injerir alguns goles d'agua. Algumas vezes podia continuar a refeição, auxiliando a injestão com o liquido; outras vezes porém, era obrigado a inter- rompel-a procurando o paciente provocar ernctações e mesmo vomitar, afim de encon-

mundo. A

trar alívio. Nessas crises fortes, o doente punha-se de pé, caminhando rapidamente dum lado para o outro com « busto voltado para traz, ao mesmo tempo que batia fortemente com os pés no solo. Temendo que a enta- lação se repetisse violentamente, o doente tomava a precaução de se abster, nos dias seguintes á uma forte crise, de qualquer ali- mentação solida.

Em geral, porém, a disfajia prolongava-se por alguns dias, impedindo-o de se alimen- tar de qualquer modo. Examinamos esse caso de modo o mais completo que nós foi pos- sivel, com os elementos de que dispunhamos sem resultados positivos. O sangue foi repe- tidas vezes examinado e com ele, inoculá- mos algumas préas que nada apresentaram.

As observações de varios clinicos citados por PARANHOS, quanto á maior abundan- cia de casos existentes antigamente em S. Paulo, estão de acordo com que observámos no Estado de Goiaz, donde tambem o mal vai desaparecendo, segundo as nossas indaga- ções. Nas rejiões sêcas da Bahia, Pernam- buco e Piauhí por nós percorridas, o mal grassa de modo verdadeiramente notavel.

Em geral os doentes não se queixam, a não ser aqueles que apresentam as formas mais graves e que procuram espontanea- mente o socorro da medicina, na esperança de alivio; a maioria porém, ou por estar o mal em inicio ou por não se ter agravado a ponto de a atormentar, se sabe que é enferma pelas indagações.

Fato que os observadores de outros paizes não poderiam verificar, é a tolerancia que a quasi totalidade dos doentes apresenta em relação á rapadura, parte integrante da alimentação das populações daquelas para- jens; só, raramente, e por ocasião das crises, este alimento deixa de ser injerido; a expli- cação residirá talvez na circunstancia da rapa- dura ser injerida quasi dissolvida. Os casos são muito mais numerosos entre os homens ; não é dificil se observar varios membros de nma mesma familia atacados pelo mal; todavia não obtivemos elementos para julgar- mos da hereditariedade ou contajiosidade. Esta idea, aliás, é tida em grande voga ali,

—— 135

tanto que certas familias separam o prato, talher e copos das pessoas enfermas com o fim de evitar o contajio.

A entalação é molestia de qualquer idade e até em lactantes, verifica-se a sua pre- sença, embora raramente; em regra comeca entre 20 a 30 anos comtudo encontrámos um paciente em que o mal se iniciara depois dos 40 anos.

JEFFERYS e MAXWELL, rejistram mal analogo em algumas partes da China, onde é conhecido sob a denominação de “Ken shih ping”, sendo ao que parece, muito comum pelas citações que fazem de MANSON p. 37 Customs Medical Reports, Vol. 2 1876 e pela transcrição de ELLIOT e COLTMAN.

Todas as indagações e informações que colijimos, são unanimes em informar que uma vez adquirido o mal, não abandona mais o paciente. Casos ha, onde os doentes sa ca- quetizam por deficiencia de alimentação e varias pessOas nos referiam casos de morte por inanicáo, devido 4 impossibilidade de ser injerida qualquer alimentação.

GUISEZ, estuda muito bem a desfajia es- pasmodica, admitindo aliás, quando trata da causa inicial e da patojenia dos espasmos esofajianos, a existencia de doentes espasmo- dicos profundamente nervosos ou histericos, afetados simplesmente de esofajismo, o qual não passa do primeiro periodo: o autor, porém, procurando cuidadosamente estudar suas observações, chegou ao resultado duma causa local resultante da alimentação injeri- da rapidamente e portanto mal mastigada, conduzindo a principio a um fechamento es- pasmodico do esofago o qual, de intermiten- te torna-se cada vez mais pronunciado, oca- sionando inflamação cronica das paredes do esofago, levando progressivamente á estenose do conduto.

O sistema de alimentação adotado no Brazil Central, ajusta-se á interpretação dada por GUISEZ e, o fato de não termos obser- vado um caso de entalação entre os habi- tantes mais abastados e que por isso se ali- mentam melhor, fala em favor desta patojenia.

A alimentação da gente pobre, consiste quasi que exclusivamente, em uma mistura

de farinha com carne do sol; a farinha comu- mente é de qualidade, grossa e muito dura e é provavel que ocasione traumatismos nas paredes do esofago: a explicação de PA- RANHOS, admitindo como causa da entala- ção, a intoxicação pela permanencia na fari- nha de principios toxicos não eliminados pela torrefação incompleta, parece-nos menos pro- vavel.

Para uma circunstancia, porém, quere- mos cnamar a atenção. Foi nosso intuito o procurarmos identificar a entalação, como manifestação morbida conhecida, docu- mentando com citações os resultados de nossas investigações. Uma duvida comtudo permanece em nosso espirito, é a que se refere á frequencia, e que sem exajero pode-se chamar de epidemica, tal o numero de casos observados ou conhecidos por in- formações.

Esse fato merece especial reparo, pois, sendo a disfajia espasmodica afeção conhecida em todo o mundo desde epocas remotas, nunca nenhum autor assinalou como fre- quente, a exceção talvez de JEFFERYS e MAXWELL, que a encontraram com relativa abundancia na China, onde, aliaz, o uso da farinha de mandioca é completamente desco- nhecido.

A disfajia por nós observada em algumas centenas de indivíduos, talvez constitua afeção ainda indeterminada; muitas das pessoas, que dela sofrem, passam periodos de dias, semanas e até mezes, embora raramen- te, sem que manifestem nada de anormal.

A seguir damos as observações mais interessantes :

OBSERVAÇÃO I.

J. C. de S. P.—cearense—55 anos. Alto, bem constituido, sofre do mal desde 1872 quando exatamente tinha 15 anos. Historia pregressa: Subitamente, ao beber agua com grande avidez, após violentos esforços mus- culares feitos quando perseguia uma rez, teve necessidade de correr a cerca de duas legoas, caiu desacordado; no dia se- guinte sentia-se “empanzinado”, tendo toma- do varias doses de purgativos. Levou mais

= AO ==

de 2 dias sem sentidos, sem nada ouvir e sem poder reconstituir o que se passara du- rante este lapso de tempo. Antecedentes pato- lojicos : em criança sofreu de oftalmia e por varias vezes foi acometido de impaludismo ; teve 10 irmãos dos quais 6 ainda viviam; Os paes e os irmãos não sofriam do mal que é desconhecido em sua terra natal; foi acometido da molestia em Caracol (Piauhi), onde o encontrámos; segundo suas informa- ções, somente depois de ter sido acometido pela entalação, tornon-se sifilitico pela aqui- sição de um cancro duro.

Estado atual: Apresenta no dorso estig- mas sifiliticos e na face interna das coxas alegáo dermica de que sofre ha 5 anos, e que nos pareceu se tratar do Eczema marginatum ; durante 1 ano teve de andar de muletas em consequencia de ulcera na perna proveniente de mordedura de cão: a ferida fechou com tratamento mercurial.

Disfajia: O doente ha 40 anos que sofre sem intermitencia do “mal de engasgo”, os alimentos solidos são injeridos com difi- culdade o mesmo não acontecendo quando muito bem mastigados; p. ex.: come bem o milho ou carne com rapadura, conseguindo ás vezes completar a refeição sem se enta- lar; a propria agua se tomada rapidamente, provoca a “entalacdo” nos ultimos goles.

O liquido quente é bebido com facilida- de e os alimentos tomados quentes, provo- cam menos os fenomenos Ge disfajia, sendo mais facilmente absorvidos. De 8 anos a esta data, apresenta sintomas que fazem sus- peitar ser o doente portador de ulcera no estomago.

A “entalação” se logo na abertura do esofago e ás vezes 2 dedos abaixo da furcu- la, como na grande maioria dos casos por nós observados. Não sofre de pirosis; de vez em quando, sente forte dôr em todo o percurso de esofago a qual, cessa immedia- tamente, com a injestão dum gole d'agua iria; sofre de constante prisão de ventre; alimenta-se com carne de boi, feijão e arroz tomados em duas refeições tomando pela manhã café; a entalação tem se agravado continuadamente e, certa ocasião, quando

| | | il

comia farinha com mel, teve necessidade de se pendurar pelos braços afim de se “desentalar’’ ; consegue alimentar-se, auxi- liando a deglutição com goles d'agua. Urinas sem albumina ou assucar; organs perfeitos. E sensivel certo grão de emagrecimento, devido a não poder alimentar-se conveni- entemente.

OBSERVAÇÃO II.

S. Raymundo, 22-5-912; J. J. R., brazilei- ro, branco, 23 anos. Altura mediana e com as- peto de satide. Ha tres anos teve um grande abcesso na coxa, tendo estado acamado por esse motivo, cerca de seis mezes —Quando se restabeleceu, achava-se muito depauperado e desde entäo comecou a sentir dificuldade na deglutição. A principio deglutia os ali- mentos sentindo um certo embaraco, mas dispensava a agua. Esse estado foi-se agra- vando e, desde um ano mais ou menos, tem necessidade de auxiliar com a agua a deci- da pelo esofago, de cada bolo alimentar.

Náo tem espasmo quando come de mis- tura com qualquer liquido, frio ou quente, etáo somente com os alimentos solidos, sendo que esses sáo mais facilmente deglutidos, quando quentes. Sente o embaraco no terco medio do esofago. Nao sofre de pirosis, nem tem dores espontaneas ou provocadas. Queixa-se de constipacao rebelde. Aparelho circulatorio e respiratorio normais. Tiroide normal, inte- lijencia lucida, aptidão para O trabalho. An-

tecedentes sifiliticos negativos. Os pais eram

robustos e faleceram em idade avancada; o pai de conjestáo cerebral, e a mãe de lesão cardiaca. Ter: um irmão tambem entalado. Não ha outros casos na familia.

OBSERVAÇÃO IIL. Caracol (Piauhi) 23-5-1912).

M. R. S.—53 anos, branco. Sofre de en- talação ha 10 anos. Essa começou sem mo- tivo aparente, fracamente, agravando-se pouco a pouco até que em menos de um ano, não podia deglutir sem injerir um gole d'agua 4 cada bolo alimentar. Sente o espasmo com qualquer alimento solido ou liquido, exceto,

137

a agua. Ha ocasióes que deglute facilmente dias seguidos, ás vezes mais de uma semana. Ha, outras, porém, que renuncia ao alimento pela impossibilidade de deglutir. Felizmente ainda náo teve necessidade de passar mais de um dia sem alimentos. 4

na familia ha sete casos mo- lestia: ele, o pai, um irmão tres sobri- nhos e um tio. Fóra da familia conhece cinco pessoas sofrendo do mesmo mal. O pai morreu aos 60 e tantos anos, duma sincope tendo sofrido de entalação desde os 20 anos. O tio morreu em idade muito avançada, tendo sofrido de entalação durante mais de 30 anos. Queixa-se da caseira (constipação intestinal). Não tem gastraljias, nem doies espontaneas ou provocadas na rejião epigas- trica. Pirosis ás vezes. O espasmo é percebi- do no terco superior do esofago. É um homem alto, magro, porem robusto com aparelhos respiratorio e circulatorio e tireoide normais. Trabalha na lavoura e vaqueja nas caatingas.

OBSERVAÇÃO IV. Caracol 27-5-1912.

J. C.R., 38 anos, pardo nacido na Bahia mas residente a 6 leguas de Caracol, desde os 6 anos de idade. Roceiro e vaqueiro. Homem alto de complexão robusta. Até 3 anos atraz, tinha a satide perfeita, apesar de ter sofrido de molestias venereas na mocidade. Ha tres anos: depois duma corrida aos bois, chegou a casa muito fatigado, e quando foi tomar a refeição, sentiu-se entalado, não po- dendo deglutir o alimento sem o auxilio da agua. Daí para cá, não mais poude deglutir sem o auxilio da agua, ocasiões havendo que a propria agua entala e outras em que não sente entalação alguma, Queixa-se da caseira, e de colicas, ás vezes violentas, á altura do umbigo. Algumas vezes sente azia Vomita ás vezes. Nunca vomitou sangue. Não sente dores no epigastro, espontaneas ou provocadas. Aparelhos circulatorio e res- piratorio e tireoide normais Baço e figado idem. Tem um irmão que sofre do mesmo mal ha dois anos, e um outro, vitima do vexame de coração.

OBSERVAÇÃO V. Caracol, 27-5-1912.

D. L. E.-30 anos, branco. Entalado desde a idade de 20 anos, não sabendo a que atribuir o mal; não se lembra de qualquer acidente ou molestia por ocasião de sentir pela primeira vez o mal. Constituição robus- ta, aspeto de saúde. Sente ás vezes, dores surdas no epigastro e sensação de queima- dura, que provoca abundante salivação. Ra- ramente regorjita o alimento. Sofre de cons- tipação não muito rebelde. Tem na familia um irmão e uma cunhada sofrendo do mesmo mal, e a mãe e uma tia, vitimas do vexame de coração.

Perdeu um tio, que morreu muito idoso tendo sofrido de entalação mais de vinte anos. O interessante é que tendo residido durante tres anos na cidade da Barra (Bahia), quasi se restabeleceu, agravando-se de novo o mal quando voltou para o Caracol.

OBSERVAÇÃO VI. Caracol, 29-5-912.

RU?

Meninas Anna Rita—9 anos, e Isabel 7 anos, irmás. O pai é um homem robusto, e de nada se queixa. A máe é anemica e sofre de caseira e vexame. Anna Rita deglute com dificuldade e regorjita muitas vezes o ali- mento e a agua. Ocasiões ha, porém, que deglute regularmente e facilmente desentala com um pouco d’agua; outras vezes, para deglutir tem necessidade de andar, elevar os braços, ou deitar-se e rolar pelo chãc. Izabel é menos entalada. A mãe diz que o mal apa- receu sem causa aparente. O alimento e bem dijerido e a eliminação das fézes são diarias e normais. Tireoide e aparelhos circulatorio e respiratorio normais. Essas meninas têm o aspeto de todas as do lugar. Altura regular para as idades, magras e um pouco palidas. Têm dois tios que sofrem de entalacdo um d'eles, e de vexame e outro.

OBSERVAÇÃO VII. Caracol, 30-5-912.

A. M.—58 anos, naceu e sempre residiu no Espirito Santo a tres leguas de Caracol.

ae Ges e

Sofre de entalação ha 14 anos, não sabendo a que atribuir. Sabe que com o aparecimen- to do entalo, passou a sofrer da caseira (cons- tipação intestinal’, e que a entalação é tanto mais forte, quanto mais rebelde a caseira, Quando defeca regularmente, desaparece o entalo, que volta quando fica constipado, o que é alias o seu estado habitual.

Tem um filho homem tambem entalado e mais de que ele. Exerceu desde moço a profissão de vaqueiro que abandonou ha dois anos, para ser lavrador (roceiro). Além da entalação é vitima tambem do vexame, tendo tido 4 crises. O pae morreu aos 70 anos, e tambem sofreu durante muitos anos da enta- dação. O consultante é homem robusto.

OBSERVAÇÃO VIII. Peixe, 2-6 912.

Josina—6 anos, sofre do mal ha 8 mezes Entala ás vezes até com a agua. se tem entalado 4 noite com a saliva. Passa no en- tanto dias a fio sem sentir o menor embara- ço na deglutição. Queixa-se de colicas, ás vezes. Passa dois e tres dias sem defecar. Tireoide normal. A mãe queixa-se de baticim (palpitação) e escurecimento da vista. À avó de Josina sofre do vexame e um tio de enta- lação.

OBSERVAÇÃO IX.

F., 45 anos, constituição robusta. Sofre da entalação desde a idade de 23 anos. A

principio tentou deglutir sem o auxilio de agua, não o conseguindo. Tem periodos da maior ou menor embaraço. Deglute melhor, quando mistura o alimento com rapadura. Constipação rebelde. Pirosis ás vezes com abundante salivação. Ausencia de dôr espon- tanea ou provocada no epigastro.

A mãe, falecida, sofria muito do vexa- me e tinha crises repetidas. Tem tambem uma irmã que sofre do vexame.

As linhas gerais destas observações, são as verificadas para todos os casos; 0 diagnos- tico é facil de se estabelecer pela intermi- tencia dos fenomenos; nos casos dum mal continuo, fóra daquelas zonas, ter-se-á de se estabelecer o diagnostico diferencial, princi- palmente com o diverticulo esofajiano, a esofajite, tuberculose, sifilis, ulcerações, es- treitamentos cicatriciais, paralisia do esofago, varises ; neoformações, compressões por aneu- rismas e até a histeria se por ventura hotver necessidade de se diagnosticar a todo 0 transe.

Nas zonas onde o mal grassar com a in- tensidade verificada em certas rejiões do Brazil Central, a probabilidade de se tratar duma forma geral de entalação é muito grande. Pronostico: geralmente benigno a vida do doente não correndo perigo senão muito ra- ramente. Tratamento: deve estar subordina- do a causa patojenica a qual continua, no nosso modo de entender, completamente igno- rada.

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Vexame ou Vexame do coraçäo.

Desde Petrolina, causou-nos impressao, a frequencia sobretudo entre as mulheres, duma manifestação nervosa curiOsissima, a que os sertanejos denominam “vexame do coração” ou simplesmente “vexame”.

Trata-se duma manifestação morbida, raramente mortal, muito |frequente entre as mulheres, rara nos homens, que não podemos identificar á histeria, á epilepsia ou a qualquer das nevroses conhecidas. Essa manifestação foi observada nas zonas flajeladas pelas sêcas, por nós percorridas, desde Petrolina até Formosa, desaparecendo inteiramente desde que penetramos nas zonas humidas de Goiaz. Frequente nas mulheres, ela afeta tambem os homens, em escala muito peque- na, e raramente ás crianças. Na linguajem do sertanejo, a crise manifesta-se por um baficiin no coração (polpitações), escurecimento da vista, e perda dos sentidos, com ausencia de contratura, convulsões, suores, gritos ou ge- midos. Póde a crise ser provocada por “susto ou rancor”, ou qualquer contrariedade, mas sobrevem constantemente independente de qualquer pretexto.

Em regra geral, declaram os doentes peremptoriamente que não sentem, nem O desejo de gritarem ou de se debaterem. Não ha reação termica, nem perturbação durante a crise, dos ritmos respiratorio e circulatorio, exceto nos primeiros momentos, em que ha palpitações cardiacas. A crise pode durar de minutos a horas. Cessada ela, volta a paci- ente aos seus afazeres, sentindo apenas uma certa lassitude ou enlanguecimento geral. Em geral, o doente conserva a memoria e é rela- tivamente frequente, o numero de enfermos

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Pathol. exot. T. 7. No 1 pp. 47-60 Paris Ja- neiro.

que, embora sem poder falar mover-se, ouve O que se passa em torno, conservando mesmo certa sensibilidade.

Casos ha em que não ha perda dos sen- tidos, apenas da fala e dos movimentos. Outros ha, raros porém, em que sobreveem paresias ou paralisias temporarias de um ou mais membros, que perduram desde horas até mezes, desaparecendo afinal independen- tes de qualquer tratamento. Ha tambem os casos benignos em que a crise se limita a uma vertijem passajeira. Raro o portador desse mal que se não queixa da caseira (cons- tipação intestinal), agravando-se ou repetin- do-se as crises quando mais intensa a cons- tipação. Essa manifestação morbida de forma cronica tem enorme extenção, verdadeiro ca- rater epidemico nas zonas sêcas por nós percorridas, nos municipios de Petrolina (Pernambuco) e S. Raymundo Nonato, Par- naguá e Corrente, (Piauhí), onde seguramen- te mais de 50 °/o das mulheres que nos pro- curaram, queixaram-se do “vexame”, á que, aliás, não ligam grande importancia, por ser um mal “corriqueiro” e que não mata, dizem elas.

É muito disseminado entre as mulheres do Nordeste, o habito de cachimbar e de mascar o fumo, chegando muitas delas a dormir com um pedaço de fumo (masca) na boca, a ponto de acordarem ás vezes, quasi sufocados pela mistura do fumo com a sali- va. Ocorreu-nos a idea de atribuir esse estado vertijinoso, mais ou menos intenso, á intoxi- cação pelo tabaco. No emtanto vimos o mesmo habito de mascar e cachimbar larga- mente espalhado entre as mulheres da classe baixa do interior de Minas, sobretudo no

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norte do Estado, onde um de nós (B. Penna) permaneceu tres anos, e nunca a nossa atenção foi despertada por esse fato, porque não nos lembra ter sido consultados uma unica vez para tal afeção.

Mas nessa mesma excursão no nordeste em que, sem exajero, mais de 50 o/o das consultantes das zonas sêcas, acusam essas crises, foi ela diminuindo até desaparecer ao penetrarmos nas rejiões humidas de Goiaz, onde é tambem inveterado entre as mulheres o pernicioso habito de mascar e cachimbar. Além disso, é universal o uso e o abuso do fumo, colossal a bibliografia sobre as suas consequencias, e nada se encontra de seme- lhante a essa manifestação morbida por nós verificada no nordeste.

Rara é a mulher no nordeste (nas re- jiões por nós percorridas), que se não queixe de perturbações ovarianas, dismenorréas, irregularidade de menstruação, sendo quasi todas “desmanteladas” na sua linguajem pito- resca. Isso é, porém, um fato banal nas baixas camadas do Brazil, desde o Amazonas ac Rio Grande do Sul. Essas perturbações não impedem, porém, a concepção, e as mu- lheres do nordeste são muito prolificas. Não nos parece que se possa classificar O vexame como uma nevrose uterina. Pelo seu carater epidemico, limitado ás rejiões mais sêcas por nós percorridas, é bem possivel que se trate duma afeção nervosa de etiolojia ignorada; bastando lembrar que ha homens atacados do mal, para que tal hipotese seja excluida. Fizemos inumeros exame de sangue, inocula- ções deste em préas, sempre com resultados negativos. Tambem fizemos exames de fezes, onde encontrámos os parasitos comuns. Não tivemos, porém, oportunidade de praticar autopsias e colher material para estudos em laboratorio Os nossos exames resentiam-se de deficiencias proprias duma excursão com prasos limitados. Essa afeção que não pode- mos determinar, não apresenta gravidade e mulheres ha, de idade avançada de 60 a 70 anos, que dele sofrem ha 20, 30 e mais anos.

Citam-se raros casos fatais durante a crise, e esses podem ser devidos a outras causas.

Fato muito interessante que convem as- sinalar, é a concomitancia, nessas parajens, do vexame ou vexame do coração, peculiar ás mulheres das zonas sêcas, com essa outra manifestação nervosa, mais peculiar aos homens, a disfajia espasmodica, ali denomi- nada entalo, entalação, e em Minas, mal de cngasgo, descrito, em outro capitulo. Nas poucas familias, em que não existe uma dessas manifestações, tambem não existe a outra. No entanto, não encontrámos uma familia em que, havendo um ou mais entalh- dos, em regra homens, não houvesse mulhe- res e homens, ás vezes, acusando o vexame e vice-versa.

Em uma e outra dessas manifestações, é constante a caseira (constipação intestinal) e as crises são agravadas com a intensidade da constipação. As rejides mais abundantes de entalados o são tambem de pacientes do vexame; onde escasseia um mal, escasseia © outro. Uma e outra afeção aparece subita- mente, manifestando-se muitas vezes em idade avançada. Qualquer detas, porém surje em geral depois dos 20 anos de idade. Uma e outra ataca raramente ás crianças, sendo que o mal de engasgo ou entalação sob esse ponto de vista, é mais frequente. Tivemos ocasião de ver tres crianças (9, e 7 anos e outra de 6 mezes) sofrendo de enta- lação, entre elas, um lactante e apenas uma de vexame. Raramente um mesmo individuo apresenta as duas manifestações. Ha, porém casos desses, tendo nós ocasião de observar dois entalados que sofriam tambem do vexa- me. O vexame é frequente nas mulheres, a entalação nos homens, mas uns e outras, embora em pequena proporção, apresentam tambem o mal peculiar, a cada um dos sexos.

Vimos uma familia de 6 membros; pai mãe e quatro filhos (2 casais) em que o pai e os filhos sofriam de entalação ea mãe e as filhas do “vexame”.

Familias ha, em que apenas um ou dois dos seus membros -sofrem de um ou do

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outro mal. O que, porém, frequentemente ocorre, é a existencia de vario casos de um e do outro mal, com predominancia da enta- laçäo nos homens, e do “vexame” nas mulhe- res. E maior a proporção dos homens afe- tados de vexame, do que de mulheres ata- cadas de entalação.

Pelas nossas observações, entre os do- entes examinados, a proporção daqueles é de cerca de 10 0/0, e de 3 0/o apenas a das mulheres em relação á entalação. Apezar da concomitancia assinalada, acreditamos, no entanto, que cada uma dessas manifestações seja afeção á parte. Além de clinicamente serem manifestagdes diferentes, sabemos da existencia, em Minas, do mal de engasgo, sem a minima referencia até agora ao “vexa- me” e nós mesmos, encontramos dezenas de casos do mal de engasgo no nosso extenso trajeto pelo Estado de Goiaz, sem observar um unico ceso de vexame.

Sem nada podermos afirmar por defici- encia de tempo, de elementos e de conheci- mentos especiais, aqui deixamos essas obsei- vações para que os neuropatolojistas e os estudiosos, com mais elementos, possam resolver o assunto. Acreditamos ser um fato de grande interesse cientifico o estudo da afeção que denunciámos. Nos livros e nas revistas que consultámos, nada achamos que pudesse ser identificado com o vexame do coração. Comtudo no ano LXI No 2, pp. 60- 64 da “Muench. Med. Wochenschr.’ de Ja- neiro de 1914 ha um artigo firmado por LEBER, A. e VON PROWAZEK e intitulado “Chetnot manengheng hálm-tans (Die kalte Waldkrankheit der Chamosro)” onde os au- tores descrevem um mal que, máo grado algumas discordancias, apresenta analojia com o vexame do coração” do sertão do nordeste brazileiro. Trata-se de enfermidade que começa na adolescencia, e se carateriza por subito ataque de inconciencia, ás mais das vezes quando as vitimas se acham tra- balhando no mato; daí o nome dado pelos naturais das ilhas dos Ladrões e Marianas, onde a molestia foi observada, de “molestia fria da mata”, e atribuida aos espiritos que as frequentam. Os ataques variam de alguns

minutos a 24 horas e a regra é náo haver convulsões, as quais no entanto, podem algumas vezes ser observadas. Em geral apa” rece uma aura tomando a forma de figuras ou mesmo de sensações volutuosas. Os casos parecem ser observados somente entre homens e rapazes ¿(justamente O contrario do que se verifica no nordeste). Os autores relatam 5 casos e dáo excelente bibliografia. Sao de opiniäo de que a molestia apresenta analogias com a epilepsia e com o Amok da Malaia.

OBSERVACAO I. Caracol, 24-5-912

A. P.—21 anos, branca, casada Consti- tuicáo debil, Ha cinco anos teve o primeiro ataque. Desde entáo, esses tém-se repetido, ora a miudo ora espacadamente, tendo havi- do um ano de intervalo. A crise se mani- festa por formigamento nos pés e mäos, palpitações e vertijem, ora passajeira, ora prolongada por meia hora, sem gritos, nem convulsôes e contraturas. Passada a crise, bebe um pouco d'agua e volta a seus ata- zeres. Menstruação normal. Queixa-se de insonia, inapetencia e constipaçäo. Aparelhos circulatorio e respiratorio normaes. Tiroide normal. Tem uma filha de 2 anos de idade. Não teve outro parto antes ou depois desses, nem abortos. O pae e um irmão são vitimas da entalação.

OBSERVAÇÃO IL Caracol. 31-5-916

C. J. da S.—24 anos, nacido e residente em “Jurema” a seis leguas de Caracol. Tem crises frequentes, dizendo sentir um baticim no coração (palpitação), vista escura, queda com perda dos sentidos, sem grito, nem convulsões, tal qual a crise comum nas mu- lheres. O pai, homem robusto, sofre de enta- lação ha mais de 20 anos e conta atualmen- te 61 anos de idade, Queixa-se somente de caseira (constipação). ;

É um homem de altura acima da media- na, de constituição robusta, sem antecedentes

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sifiliticos. Ritmo cardiaco normal, e normal o aparelho respiratorio.

OBSERVAÇÃO ll. Caracol, Maio 912

M. G.- 22 anos solteira. Teve a primei- ra Crise ha dois mezes, sobrevindo inespera- damente quando em conversa natural com parentes. sem ter tido “susto ou rancor’, sentiu o “vexame do coração”, a vista escure- ceu e perdeu os sentidos, sem gritos, nem debater-se e assim permaneceu cerca de uma hora. Quando voltou a si, sentia esmoreci- mento e cansaço. Depois d'essa, teve outra crise completa. Antes, porém, sentia o ve- xame, sem comtudo perder os sentidos. regras irregulares Dorme e alimenta-se re- gularmente. Constipação lijeira. Tiroide e aparelhos circulatorio e respiratorio normais, bem assim o baço e o figado. O pai e um tio sotrem de exfalaçäo. A mãe de nada se queixa.

OBSERVAÇÃO IV. Caracol, Maio 912

M. T. da C., 25 anos, cabócla, casada ha 5 anos. Tem tido cinco abortos de 1 a 3 mezes. Emquanto solteira, tinha saúde perfeita, tendo tido a primeira crise um ano após o casamento. As crises repetem-se ás vezes, duas, e trez vezes num mesmo dia, bastan- do para provocal-as a menor contrariedade ou susto. Essas se manifestam pelo modo descrito e duram ás vezes horas. Nós pro- vocamos uma crise nessa doente, a qual durou 1 hora. Esse é um caso mais grave do que os observados até então. A paciente tem os reflexos rotulianos muito fracos, e paresia nos membros superior e inferior do lado direito. Dismenorréa, caseira e cefalalji- as repetidas. Diz, no entanto, que se alimen- ta regularmente e não sofre de insonias. Tiroide normal, bem como os sistemas cir- culatorio e respiratorio.

OBSERVAÇÃO V.

Caracol Junho 1912

C. M.—29 anos, casada ha tres anos. Teve um parto a termo e um aborto. Sofre

do vexame desde solteira, de que tambem sofria a mãe falecida, e ainda sofrem duas irmãs. O pai é um entalado. Não sofre de caseira (constipação). Mulher robusta, com todos os aparelhos normais.

OBSERVAÇÃO VI. Batalha Junho 1912 (Piauhi)

M. de J.—24 anos, parda, casada sofre do vexame desde os 14 anos de idade. Essa porem, não perde os sentidos, porque diz que durante a crise ouve e O que se passa em torno, perdendo porém a fala e os mo- vimentos. Queixa-se apenas de dismenorréa e constipação.

E mais ou menos o assim, são os nu- meroso casos por nós observados.

Impaludismo

A malaria por certo constitue o maior flajelo das zonas sêcas; ao chegarmos a Joazeiro em fins de Março, o impaludismo grassava intensamente, prevalecendo as formas de maligna e benigna; não obser- vámos nenhum caso de quartan.

Felizmente, porém, mesmo casos clinica- mente graves, cediam facilmente ao emprego de doses pequenas de cloridrato de quinina (0,50 1,0 grama por via gastrica). A popula- ção não tem a menor noção sobre as vanta- jens deste alcaloide e ali somente encontrá- mos empregado escassamente, o denominado comercialmente, sulfato de quinina, justa- mente o sal de menor valia pela pequena percentajem que contem do alcaloide. No unico hospital existente, grande casarão apenas internando 12 doentes, devido a carencia de recursos da municipalidade e, desprovido de qualquer instalação aperfeicoa- da, examinámos o livro desde o seu inicio e verificámos grande numero de entradas assim rotuladas “entrou moribundo” o que interpretámos como impaludismo ; aliás sur- preendeu-nos o pequeno numero de pessoas rejistradas sob qualquer rubrica que desig- nasse malaria, fato em contraste do que es- tavamos observando e cuja explicação, pode ser feita pelo desconhecimento ainda

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existente entre doentes e medicos, de que o calefrio inicial possa deixar de existir, como observámos em Xerem, em muitos casos de terçan maligna diagnosticados ao microscopio.

A medicaçäo especifica, somente é utili- zada em casos de desespero, e, mesmo assim, além de empregarem o salo mais improprio, fazem-no em doses insuficientes. Como em varias partes do Brazil, observá- mos a grande repugnancia que pessôas do povo têm pela quinina a qual, naquelas parajens, tem o seu emprego dificultado pelo alto preço; pois, é vendida a 500 rs. cada 30 centigramas e que constitue um “purgan- te de quinino” o qual, é pesado com 37 grãos de pimenta do reino, conforme a dose seja simples ou dupla.

Pode-se bem avaliar pelo modo atraza- do de se pezar o medicamento e ainda mais, pela denominação de “dose dupla”, que é dada a 0,60 centigr. de sulfato de quinina comercial de pureza duvidosa, como, a unica medicação eficaz para a malaria, é pouco em- pregada.

Em geral, as pessoas do povo tratam-se com infusões feita com a flôr ou folhas “da catinga de porco e de casca do joazeiro e, sobre o mal, nutrem erroneos preconceitos, como o de não se beber leite, quando se está impaludado. Este desproposito é usado mesmo entre pessoas cultas, e os inconveni- entes resaltam ao se pensar que as crianças são impedidas do uso de dieta lactea, a qual é substituida por outra proveniente da ali- mentação ali em uso, aliás de si tão im- perfeita.

As idéas quanto é etiolojia da malaria são das mais primitivas; neste partircular as populações das rejiões sêcas não fazem exceção ao modo de pensar generalizado nas camadas populares de toda a nação; ali, como alhures, são as frutas locais as produ- toras da malaria; nem remotamente é sus- peitada a influencia culicideana do mal, fato que não é de admirar porquanto, com raras exceções, os poucos medicos encontrados naquelas zonas não lhe dão credito ou a ignoram.

Comtudo, instintivamente as grandes co-

leções d'agua, permanecem deshabitadas, observação que muito surpreende ao viajante daquelas rejiões semiaridas, o qual, ao se informar das razões que ditam tal procedi- mento, tem como resposta ser tais sitios aban- donados devido ás sezões. Qualquer que partindo da vila de Caracol com destino a Parnaguá no Piauhí, poderá verificar o que dizemos: as lagoas da Missão, Ibiraba, Tabo- cas e o lugar denominado Ipuêras têm as suas marjens aeshabitadas, porque os mora- dores fojem ao impaludismo; no que ha razão, porquanto mesmo em Junho as C. ar- gyrotarsis são muito abundantes; verificando- se tambem que, o municipio de Parnaguá, pelo fato de possuir agua em maior profu- zão, a malaria é mais a burdante que no do S. Raymundo.

Esta questão é de grande importancia para a Inspetoria de Obras contra as Sêcas, pois se prende ás consequencias decorrentes das instalações dos grandes açudes, os quais, instalados nas proximidades dos centros de população, poderão incrementar o impaludismo, se não forem tomadas medidas que atenuem em alto gráo o impaludismo, podendo-se até evital-o se, porventura, certas providencias forem executadas rigorosamense.

Em certa escala, podemos observar o que dizemos no açude em construção na vila de S. Raymundo Nonato, onde o nume- ro de operarios ali em trabalho, em numero superior a 100 estava acometido de impalu- dismo, na proporção de 60 °/o pela obser- vação que fizemos entre 3 a 20 de Maio. Entre o dilema de se fornecer agua, onde escassamente existe, e o de acarretar com isso, certo desenvolvimento da malaria, mo- Jestia evitavel e curavel, ninguem hesitará. Sem duvida, as medidas profilaticas trarão certo aumento de despezas, mais algum dia virá em que a Nação compreenda finalmente a necessidade de amparar mais eficazmente zonas ate ha pouco, iniquamente abandonadas pelos poderes. publicos.

As medidas que aconselhariamos, são as que se seguem, ditadas pelos conhecimentos da biolojia dos transmissores por nós encon- trados. Das especies de anofelinas, ali por nós

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verificadas, somente contra duas tem que se voltar a atenção da Inspetoria. Referimos-nos ás Cellia argyrotarsis ROB. DESV. e Cellia albimana WIED; estas são as unicas respon- saveis pelo impaludismo em toda a rejião percorrida; encontrámos ora uma, ora outra, por toda a parte onde houvesse agua cor- rente ou parada; das marjens do S. Francis- co á Capital de Goiaz, com exceção d’alguns tractos do terra desabitados. A Cellia argyro- farsis é a especie transmissora por excelencia naquelas parajens. À primeira Cellia albima- na WIED, foi apanhada em 21 de Maio de 1912, em Caracol. Alíás, a especie em questão pelos desenhos dos paipos deve ser iden- tificada a Cellia tarsimaculata GOELDI, segundo o criterio dos autores norte-ameri- canos. Nos rios correntes, as larvas desen- volvem-se nos remansos, junto ás marjens, nos lugares onde se acumula a vejetacao aquatica e nas poças deixadas pela vazante o que multiplica os fócos e que fazem irromper as epidemias pelo grande desenvolvimento de transmissores. Em qualquer coleçäo d'agua parada, chaine-se ela cacimba, caldeirão, tanque e quejandos outros nomes, as larvas das anofelinas citadas, podem-se desenvolver.

GORGAS, no Panamá, poude estudar a relacio entre o numero de estegomiias e a produção dos casos de febre amarela, pra- ticamente, é necessario um total elevado destes insetos, para que alguns mosquitos possam infetar um homem; do ovo a imajem, qualquer culicina tem que vencer multiplas causas de destruição.

ROSS, no trabalho intitulado The preven- tion of Malaria, 1910, ccupa todo o capitulo 5º, a estudar as leis que regulam o aumento da malaria em dada localidade. São mais de 100 pajinas, onde o autor passa em revista os estudos anteriormente feitos por outros pesquizadores e, cujos resultados, são expres- sos por formulas aijebricas, pois a tanta pre- cisão atinjiu o estudo da epidemiolojia palu- dica.

Simultaneamente com o trabalho de ROSS, aparecia na revista Biometrika Vol. VII, Part. IV, o artigo de H. WAITE intitu-

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lado “Mosquitoes and malaria. A study of |

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the relation between the number of mosquitoes in a locality and the malaria rate, cujas con- clusões se formulavam de modo analogo ao enunciado no trabalho de ROSS; trata-se, portanto, dum assunto conhecido ao abrigo da instabilidade das hipoteses e presunções.

Não é dificil acompanhar as formulas de ROSS enunciadas em duas importantes equações: a primeira é chamada formula de variação e indica a maneira pela qual a ma- laria varia em dada localidade:

mi=m--bêsia (1-m) m—rm

Na equação, m; é a proporção de infe- tados no comeco da pesquiza; a a proporcáo de anofelinas para cada pessóa; r a média da cura; b a proporção de anofelinas que se alimentaram em pessõas; Ss a proporção de anofelinas nas quais Os parasitos conseguiram desenvolver-se; ¿ a proporção dos casos pot- tadores de gametos; m! a proporção de in- fetados no fim do periodo de pesquiza (in- quiry).

A segunda formula é denominada for- mula estatica e representa o final ou o nível estatico M, para o qual a porção de infetados cai, conforme a proporção de anofelinas e os outros fatores permaneçam mais ou menos constantes.

A formula estatica é a seguinte:

r Due b2 sia

Os valores numericos exatos de 8, s, 1 nao afetam a validez das equacóes acima.

Um solo impermeavel em certas condi- ções de nivelamento, com uma maior super- ficie de agua, tende a aumentar 4, numero de anofelinas. O aumento das chuvas náo aumenta o numero de mosquitos, como ainda as recidivas, aumentando portanto o fator @ e reduzindo o fator 7. Aumento da sêca pode reduzir 7 e reduz muito a; o aumen- to de temperatura ocasiona aumento de todos os fatores com exceção do r; estiajens muito prolongadas reduzem de muito os fa- tores a, 5, s, podendo aumentar /.

Quando as sêcas flajelam alguns anos sucessivos, quasi todos os valores ficam ex- tremamente reduzidos; o valor ¿ aumenta

ae Vi as

todavia nos anos de invernos rigorosos com chuvas excecionais, os fatores a, b, s, ficam muito reduzidos, ha aumento do fator /.

Ainda sobre esse assunto, encontra-se no vol. 50—No 18 pp. 877-878, Out. 1911 no “Medical Record” de Nova York excelente artigo de STEDMAN intitulado “Malaria and mathematics”.

Nos açudes, a profilaxia tem que o combate ás larvas de anofelinas e feliz- mente as medidas a ser tomadas são de sobra conhecidas. Em geral as anofelinas tem habitos diferentes, conhecidos pelos trabalhos de entomolojistas de varios paizes, comtudo, alguns fatos da biolojia destas larvas são uniformes e entre estes se en- contra o modo de flutuar em posição hori- zontal; deste fato orijinou-se a profilaxia preconizada por H. P. JOHNSON e publi- cada em 1902, em apendice, no Annual Rept. New Jersey Agric. Exp. Sta, sob a direção de J. B. SMITH, a qual consistia em cobrir a superfície d'agua com plantas pertencentes as Lemnaceae; 2 anos depois ADIE fazia a apolojia dos resultados obtidos na India com a aplicação da Lemna minor (Ind. Med. Gaz. Vol. 39 No 6— 1904 e P. HEHIR in Prophy- laxis of malaria in India 1910 e BENTLEY no artigo The natural history of Bombay malaria (journal Bombay Natur. Hist. Soc. Vol. 20, pp. 392-422—1910), continuavam a preconizar o emprego não da Lemna e Wolffia, como ainda de outra planta aquati- tica da familia Salviniacea e pertencente ao genero Azolla, cujo emprego na profilaxia anti-larvaria fóra lancado pelo Posto Paludico de Wilhelmshaven.

O emprego destas plantas, é baseado no fato do crecimento se operar de modo intenso e apresentando tal contiguidade que, toda a superticia liquida, fica coberta por um verdadeiro manto de verdura, circumstancia que impediria a respiração larval e portanto acarretando a morte por asfixia.

No Estado Piauhí mais de uma vez, ti- vemos a oportunidade de encontrar coleções d'agua revestidas pelos representantes da Wolffia, mas quer ali, quer em outra parte, somente raras vezes dá-se um revestimento

visar

completo sem solução de continuidade; com os representantes do genero Azolla, o re- vestimento não é tão perfeito pois estas plantas necessitam de sombra, afim de se desenvolverem.

As experiencias realizadas pelo Dr. COSTA LIMA, a respeito da evolução de larvas, completamente mergulhadas e impedi- das de respirar e que mesmo assim algumas conseguem se transformar em adultos, tiram qualquer valor aos metodos profilaticos ba- seados no emprego das referidas plantas.

Muito vulgarizado e preconizado, é o emprego da destruição larvaria obtida pelos peixes e, a este respeito, a lista de trabalhos publicados é enorme; mas para um fato queremos chamar a atenção; o emprego deste meio de destruição somente resul- tados com larvas de culicinas; com as larvas de anofelinas devido á posição que ocupam n'agua, os resultados são completamente falhos. Disto tivemos sobeja prova no decur- so da excursão, cujos resultados estamos expondo. Certa vez, ao anoitecer, acampámos á marjem de certa lagoa e durante toda a noite, fomos supliciados atrozmente por ano- felinas exclusivamente. A abundancia era tal, que o sono mal se podia conciliar e, apezar das nossas reiteradas pesquizas, não eonse- mos apanhar qualquer exemplar de outra especie que não a C. argvrotarsis. Ao ama- nhecer, fomos investigar as condições da lagõa e não nos foi possivel encontrar um larva de culicina, tendo ao contrario, con- seguido recolher muitas de anofelinas; a lagõa estava abundantemente povoada por peixes e, provavelmente, era devido a este fato, que se não encontravam larvas de cu-

- licinas ao contrario do que se observava com

as larvas de anofelinas, as quaes escaparam á destruição, pela posição que ocupam á sur- perficie d'agua.

Quando realizámos a campanha antipa- ludica em Xerem, ja fato analogo, observa- mos em certos sitios povoados por peixes e onde o numero de anofelinas era grande.

No artigo “Some oëservations on the bio- nomics and breeding-places of Anopheles in Saint-Lucia, British West Indies (Bull. of

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eutom. Research, Vol. 111, Part Wl— pp. 251- 277 Nov. 1912) NICHOLLS publica os resul- tados das suas observações e experiencias, exatamente sobre as mesmas duas especies de anofelinas observadas na nossa excursão. Colocando em lugares povoados por peixes sabidamente larvivoros, larvas de anofelinas e de estegomiias, poude verificar ao cabo de 36 horas, que restavam as larvas de anofelinas as quais, pouco tinham sofri- do. Comtudo, as larvas de anofelinas escapam em tão grande proporção a inimi- gos tão vorazes se, por ventura, elas se de- senvolvem em aguas contendo vejetação, mesmo que esta seja formadas pelas massas filamentosas de Spirogyra e outras Zygnema- ceae: nestas condições as larvas facilmente se ocultam e são por isso poupadas.

Ora, qualquer profilaxia que se queira estabelecer nos açudes, tem que fatalmente atender a limpeza de toda e qualquer vejeta- ção que se desenvolva na sua superficie. É sabido, que as larvas de mosquitos principal- mente as de Axophelinae, não se desenvol- vem em lugares onde a massa d'agua seja profunda; por isso, a alguns metros das marjens dos açudes, as larvas de mosquitos não são encontradas, a não ser que exista vejetação flutuante de qualquer natureza.

Na lagoa de Parnagua (Piauhi), Pode- mos estudar esta questão de modo perfeita- mente elucidativo; as larvas de culícidas se encontravam quando muito, a 2 metros da marjem, se porventura esta possuia vejeta- ção de gramineas; era inutil procural-as além; mas se aS marjens encontravam-se cheias de Eichornia azurea KUNTH ou de especies dos generos Nymphea SMITH ou mesmo da Ca- bomba piauhiensis GARD. formando cama- lotes que se prolongavam pela lagôa a dentro, podia-se com cuidado surpreender larvas de anofelinas que se protejiam sob as folhas ou aderiam a estas plantas.

Todo e qualquer açude sem vejetação ou detritos flutuantes, povoados por peixes, não constituirão de modo algum, fócos de malaria; a limpeza tem que ser mais escrupulosa nas proximidades das marjens. Ha anos, tive- nos a oportunidade de observar um grande

fóco das anofelinas em questão, em grande caixa d'agua pertencente á fabrica de Teci- dos Carioca no Jardim Botanico; aliás, na agua, não se via nenhuma vejetação mas, sobre toda a superficie se encontravam dis- seminados pequenos fragmentos de madeira que serviam de apoio ás larvas de anofelinas; não se conclua deste fato qne é impossivel obter-se limpeza total da superficie dum açu- de; a simples limpeza parcial immensos resultados.

A instalação dum posto antipaludico nas localidades onde houvesse medico, não nos parece dificil de se conseguir; tomemos para exemplificar, a cidade de Joazeiro onde, nas condições atuais, o impaludismo grassa em todas as partes da cidade. Não seria im- possivel instalar ali um posto medico apro- veitando os elementos locais e, pelo que vimos, com relativa facilidade pode-se isentar da malaria a parte mais povoada da cidade.

O Estado e o Municipio teriam o maxi- mo interesse em auxiliar tais medidas e, acre- ditamos que, os resultados não se fariam esperar. Tais medidas são hoje utilizadas em todas as rejiões palustres, não se tratan- do portanto de experiencia. A Argentina, neste particular, vai muito adiante de nós e apesar de constituir federação com nm reji- me constitucional analogo ao nosso, O gover- no central teve meios de intervir nos Estados afim de fazer a profilaxia antipaludica; para isso, teve de fundar repartição autonoma á qual incumbe intervir em todos cs Estados onde grassa a malaria. Nós tivemos a opor- tunidade de assistir em Tucuman, o funciona- mento de um Posto Medico contra o impalu- dismo e, por isso, podemos bem aquilatar das suas vantajens.

Em Joazeiro poder-se-ia fazer cousa ana- loga e, o Posto que funcionasse nesta locali- dade, socorreria tambem a cidade pernambu- cana de Petrolina. Somos testemunhas das devastações ocasionadas pela malaria naque- las localidades e as medidas que propomos, são de facilima realização e relativamente pouco dispendiosas; além do estipendio dum medico, o posto teria que fornecer a quini- na gratuitamente e parece impossivel que o

e

Municipio, o Estado e a União não consigam fazer face a tais cncargos tanto mais quanto, os sais de quinina poderiam ser diretamente comprados no estranjeiro.

Quando se imajina a heroica campanha travada pela a Italia e iniciada ha cerca de 10 anos, com a utilizacio de todos os meios que a ciencia aconselha e realizada em esca- la jamais vista no mundo e, que apezar das grandes obras de engenharia sanitaria e do emprego de todas as medidas de profilaxia moderna mecanica e química, de todos os processos de propaganda e vulgarização das medidas preventivas em conferencias popu- lares, preleções -m todas as escolas publicas, instalação de extraordinario numero de postos medicos emfim, um pequeno exercito de fun- cionarios de todas as categorias, dedicados excluzivamente ao serviço profilatico e que apezar do emprego no ano de 1911 de 42 toneladas de quinina viu morrer vitimados, pela malaria, quasi 5000 dos seus filhos, poder-se-ha entáo, talvez, imajinar qual a des- truição ocasionada pela malaria entre popu- lacóes vivendo ao Deus dará, em materia de assistencia medica. Entre os impaludados do Joazeiro e S. Raymundo Nonato que, pelo numero, ofereciam maior campo de observaçäo, podemos ainda verificar fatos bastante interessantes para o conhecimento da biolojia dos parasitos de malaria e do modo de se comportar em presença da quinina.

No Xerem e em Itapura, onde estivemos encarregados da profilaxia antipaludica, des- pertou-nos a atenção, a curiosa circumstancia de ser justamente nos mezes em que a ma- laria atinjia ao auje, que se verificava a au- sencia de gametoforos, afirmação que a se demonstrar, estará em desacordo com o modo de ver exclusivista atual, o qual, exije a pre- sença obrigatoria de portadores de gametos, afim de se operar o ciclo de ROSS em todas as suas classicas fazes.

Em Joazeiro e S. Raymundo, observamos o mesmo fato; todos os impaludados subme- tidos a exame microscopico, somente possui- am hematozoarios em estádio esquizogonico. Se isto se verificar como regra, forçosa- mente temos que admitir que os mosquitos

transmissores, possam veícular a malaria in- dependente das formas sexuadas no sangue. A nossa observação em varias partes do Brazil, tem colhido elementos suficientes para nos trazer a convição que de fato isto acon- teça.

Outro ponto interessante, é o relativo das raças de hemotozoario resistentes á quinina, assunto de que se nos ocupamos em tra- balho anterior, publicado nas Memorias do instituto Oswaido Cruz. Nessa publicação, afim de explicarmos fatos numerosos e pa- tentes, da resistencia adquirida pelos hemato- zo rios contra a quinina, nós acreditávamos na possibilidade da resistencia ao alcaloide se efetuar no ciclo exojeno do parasito.

. NOCHT e WERNER do Instituto de Medecina Tropical de Hamburgo, em traba- lho posterior ao nosso, admitindo as raças de hemotozoarios quinino-resistentes, pela observaçäo de alguns doentes provenientes do Mamoré e por eles observados, interpre- tavam o fenomeno da resistencia como de- vendo se operar no proprio ciclo endojeno do Plasmodium. Os fatos observados em Jo- azeiro, levam-nos a crer que a verdade este- _ ja dos 2 lados porquanto, em alguns Casos por nós observados no Xerem, individuos houve que, apenas ali dormiram uma unica noite, e que no entanto se infetaram apezar de quinizados, demonstrando isso que, a forma inicial de hematozoario, lançada no sangue pela anofelina transmissora, se achava quinino-resistente, porquanto não era destruida pelo alcaloide dado profilaticamente.

A grande eficacia e rapidez de ação de- monstrada pela quinina; em doentes seria- mente enfermos e que certamente no sul do paiz, exijiriam o emprego de maior dose de alcaloide, trcuxeram-nos a convição de que, a quinino-resistencia, tambem se efetue no ciclo esquizogonico; a facilidade em se debe- lar o mal ali, se poderá explicar pela de- zuso, por nós referido, dos sais de quini- na naquelas parajens. Admitindo-se esta hi- potese, pode-se compreender que, individuo infetado, tratado com doses insuficientes de quinina, os hemotozoarios que não morreram, estejam aptos a apresentar em presença do

hese AMAR eS

alcaloide, certa resistencia a qual será cre- cente caso, as doses empregadas continuem a ser diminutas.

Na zona do S. Francisco, é considerada enorme, a dose de 0,60 gr. de sulfato de quinina comercial, sal dos mais pobres em alcaloide; nós prescriviamos de uma vez, uma grama de cloridato em duas capsulas e mais uma de 0,50 para 8-10 horas depois de injeridas as primeiras; os resultados eram extraordinarios, mesmos em casos reputados graves.

Ora, no sul do paiz ou melhor, em certas zonas, Onde por força das circumstancias O uso de quinina rapidamente se vulgariza, como por exemplo entre trabalhadores das estradas de ferro, que a si proprios se medi- cam, pode notar-se ao cabo algum tempo, en- fermos de malaria rebeldes ao tratamento especifico e o facultativo verá que, a dose terapeutica, a principio empregada com todo o exito, foi aos poucos sendo insuficiente ha- vendo necessidade de se aumentar não em quantidade, como ainda em duração, paten- teando isto, a possibilidade do proprio enfer- mo estabelecer, por meio de doses de quini- na a principio pequenas e tomadas durante pouco tempo, raças de hematozoario resisten- tes ao alcaloide, mesmo empregado em doses consideradas toxicas.

Não se depreenda que, de aigum modo, queiramos aplaudir a escassez do uso da quinina naquelas rejiões; ao contrario, os casos de resistencia á quinina são relativa- mente porco numerosos e em geral, se observa em condições especiais de quiniza são intensa, em serviços onde uma profilaxia antipaludica enerjica se impõe. Fóra disto, os casos quinino-resistentes, embora não possam ser considerados excecionais, são sem duvida raros.

Tuberculose

Este flajelo é muito mais abundante nos sertões do que geralmente se pensa; ao mi- croscopio, podemos por varias vezes diagnos- ticar o mal.

|

Sifilis E” certamente ainda mais generalizada que nos centros populosos do paiz; existe em larga escala nas parajens mais afastadas

da estrada de ferro; o grande numero de abor- tos é explicavel pela quantidade de lueticos.

Bouba

De algum modo, sorpreendeu-nos a au- sencia deste mal que esperavamos encon- trar muito abundante. Os 2 unicos casos

vistos e cujos esfregaços foram diag- nosticados empregando-se o metodo de BURRI, foram observados no Estado de

Goiaz no trajeto da vila Duro á cidade de Porto Nacional; pelas informações soubemos ser a bouba mais abundante ao norte da re- jião que percorriamos.

Lepra

Não tivemos oportunidade de obser- var um caso nos Estados da Bahia, Per- nambuco e Piauhi, embora os moradores algumas vezes se referissem á sua presença que deve ser considerada rara nas rejiões percorridas destes Estados. Fomos encontral-a no Estado de Goiaz, rara na parte norte, mais abundante no sul do Estado, principal- mente entre a cidade de Goiaz e Anhanguera onde, pelas informações colhidas, parece ser relativamente comum.

Leishmaniose

Em todo o percurso, não verificámos um caso, embora tivessemos a nossa atenção especialmente voltada para o as- sunto, porquanto não encontravamos o Phlebotomus, a cuja ausencia ligavamos grande interesse. pois somos dos que crêm na transmissão da molestia por aquele dip- tero. De modo que, procuravamos verificar atentamente se a ausencia do suposto trans- missor se relacionava ou não com a leish- maniose. Em todo o trajeto, conseguimos capturar 3 exemplares de Phlebotomus, 1 num buritizal dos “gerais” bahianos e 2 nas matas proximo á cidade de Goiaz. Soube- mos comtudo por informação de varias pes-

A o E a

sóas da existencia da “ferida brava’ no ex- tremo norte de Goiaz, de Pedro Afonso para o norte, onde as “tatuquiras”, nome vulgar dos flebotomos ali e na Amazonia, são muito abundantes.

Molestia de HEINE-MEDIN

Verificámos 3 casos, 1 em Petrolina (Per- nambuco) e 2 na Capital de Goiaz e, pelas informações dos medicos, soubemos da sua existencia em Joazeiro.

Difteria

Pelas informações verificámos a exis- tencia do mal em varias localidades; o tra- tamento soro terapico, mesmo em lugares onde se encontram facultativos, quasi não é empregado; é conhecida pelo nome de garrotilho.

Filariose

Observamos apenas 6 2 8 casos de elefan- tiasicos em transeuntes da Capital da Bahia; esta afeção está certamente decrecendo na- quela cidade, em todo o resto do percurso não tivemos oportunidade de verificar neuhum outro caso.

Carbunculo

Em consequencia deste mal atacar frequentemente o gado, principalmente o caprino onde ele existe, os acidentes de infeção humana são relativamente comuns. Em geral, as pessoas do povo conhecem-no pela corrutela de “crabunco” o qual diferen- ciam em preto e branco, conforme a pustu- la se apresenta roxa ou um pouco mais avermelhada. A contaminação se efetua pela retirada do couro do animal “pesteado” o qual é aproveitado para exportação; em toda a parte essa pratica é seguida, exceto na vila de Duro, onde animal é completamente despresado. Outras vezes o individuo se con- tamina ao preparar a matolotajem com a carne do animal aparentemente sadio; nesses casos, vê-se evidentemente que, o animal es- tava atacado de uma forma intestinal do carbunculo. Os vaqueiros são os mais aco-

metidos o que é explicavel; o numero de casos de morte por carbunculo são, segundo as informações, bastante elevado. As noções sobre a contajiosidade são infelizmente erro- neas e na vila de Parnaguá, narraram-nos o triste episodio dum individuo que, ao saber que uma rez falecera carbunculosa, não se arreceiou de utilizar-se da carne depois de muito a ter esfregado com alho o qual, em todo o sertão é tido como possuidor de ex- traordinarias virtudes antiseticas, dias depois, o desgraçado falecia carbunculoso.

Disenteria Como quasi todas as molestias, este mal é comum apenas no “verde” como

ali se designa o periodo chuvoso, in- clinamos-nos a acreditar que a afeção descri- ta pelos moradores se poderá relacionar com a disenteria bacteriana, porquanto, nas centenas de pessoas de todas as idades cujas fezes foram examinadas, nunca verifi- camos a presença de amebas. Por isso supo- mes que a disenteria amebiana deva ser rara pois, nem portadores de amebas foram encon- trados, o que provavelmente aconteceria se de fato os rizopodos em questão, fossem cs responsaveis pelas formas disentericas des- critas pelas habitantes. Tão pouco têm sido observados abcessos de figado, segundo as informações dos clinicos da zona. Em certas localidades do municipio de Sta. Rita do Rio Preto, denominam a disenteria ou diarreas disenteriformes pelo nome de “jóga”.

Periodicamente, aparecem epidemias de variola que grande terror Ocasionam; em nenhum lugar, observamos por parte das pes- soas, conhecimento sobre a presença do ws- ¿kpox (alastrim) e nem nenhum outro nome vulgar existia que lembrasse a molestia.

Comtudo, pelas noticias que obtivemos em algumas localidades, e pela observação duma epidemia grassando em quasi todo o percurso do municipio do Porto Nacional (Goiaz) podemos afirmar a sua existencia no Brazil Central.

Na vila Parnagua, por exemplo, porcos anos antes da nossa passajem por ali, gras- sara intensa epidemia identificada como va-

A

tiola pelos moradores mas, que no emtanto, náo ocasionára nenhum obito. Em Formosa, falaram-nos de grande epidemia disseminada em 1808 por todo o municipio de Sta. Rita onde, porém, ao lado de certa mortandade e restabelecimento com as carateristicas cica- trizações, observava-se grande benignidade para individuos cobertos de pustulas os quais facilmente se restabeleciam, sem per- manecer com as cicatrizes. Pode-se presumir que, neste caso, houvesse a presença simulta- nea das duas entidades morbidas. Em lugar denominado Peixe, municipio do Porto Nacio- nal, (Goiaz) assolára, pouco tempo antes da nossa passajem, uma epidemia que atinjiu cerca de 600 pessoas da localidade e arredo- res, ocasionando apenas 16 obitos, o mesmo fato foi observado na povcação de Desco- berto; aliás a opinião reinante segundo se em H. DE ARAGÃO (Memorias do Ins- tituto Oswaldo Cruz, T. 3. fac.2 paj. 309-318. Fstudos sobre o Alastrim 1911) é de que o alastrim se disseminasse no Brazil vindo das marjens Fahianas do S. Francisco.

A impressão de quem viaja para aquelas zonas e onde a universalidade dos habitantes não é vacinada, é de que a varíola vera não ocasiona as devastações que seriam de presumir. O numero de portadores de cica- trizes variolicas é diminuto e, este fato, chama logo a atenção de qualquer que, com animo prevenido, queira observal-o. A questão da identidade entre a variola e o alastrim con- tinua a ser debatida em ciencia, havendo muitos autores que admitem tratar-se da mesma molestia em gráos diversos de viru- lencia; para OS que assim pensam, as popu- lações não vacinadas do Brazil Central, visi- tadas periodicamente por epidemias de va- riola sempre de baixa letalidade, não deixa- rão de encontrar argumentos que sejam fa- voraveis ao seu ponto de vista.

Quando se imajina que na epidemia de variola de 1908 no Rio de Janeiro, a cifra de tetalidade atinjiu a 60 9/0, não se pode de'xar de estranhar, que fato analogo não aconteça em populações onde as condições de propa- gação são indubitavelmente muito mais favo- raveis e, como ainda até hoje, repele-se a

hipotese dum germe imunizar para outro, Os dados epidemiolojicos a este respeito por nós colhidos naquelas parajens, insensivel- mente nos conduz a pensar que o alastrim, seja de fato, uma forma atenuada da variola, pois, de contrario, se isto assim não fosse, ter-se-ia certamente a rejistrar epidemias de variola com grande mortalidade, ao lado das de pequena letalidade. Fato que se não observa, não pela presença referida de exiguo numero de portadores de cicatrizes variolicas, como ainda pelas unanimes infor- mações obtidas em todo o trajeto, sobre a inexistencia, de longa data, de qualquer epidemia variolica ocasionando grande mor- tandade.

No nordeste impressiona altamente o numero de pessõas atacadas por enfermida- des de olhos; as conjuntivites e mesmo of- talmias contajiosas são extremamente frequen- tes, existindo predominancia notavel nas crianças, até a id. le de 12 anos. Um fato julgamos todavia poder dizer: o tracoma entra em certa escala na proporção das conjuntivites reinantes.

Em Peixe (Municipio do Remanso - Bahia), em uma fazenda onde descançamos no Municipio da Barra do mesmo Estado, depa- ramos 3 doentes bastante suspeitos. Na pri- meira localidade tratavam-se de duas crianças que apresentavam a carateristica diminuição da abertura palpebral, intensa conjuntivite, sem que pudessemos, no entanto, verificar a

presença de granulacóes. O 30 caso, era o de

uma mulher idosa e portadora dum entropion, Em Joazeiro e outras povoações ribeirinhas do S. Francisco, a molestia com toda a pro- babilidade deve existir, não por se acha- rem em facil comunicação com localidades bahianas contaminadas pelo mal, como ainda porque a presença de sirios é numero- sa, como se observa principalmente na cida- de pernambucana de nome Petrolina.

A Inspetoria deveria enviar especialista, afim de competentemente estudar o assunto. Em tese intitulada “Estudo sobre o trachoma” que o Dr. J. Felix Ribeiro, apresentou á Fa- culdade de Medicina da Bahia em 1914, vê- se que, muitas localidades do interior do Es-

MA

tado, se encontram contaminados pelo tra- choma. Em 1915 o Dr. P. de B. Barbosa -Lima, defendeu na Faculdade do Rio o inte- ressante trabalho de doutoramento “Do Tra- choma no Brazil” por onde se considerar o autor, o Ceará, um dos fócos mais impor- tantes do norte do Brazil.

No Jornal do Comercio de 1915 o ilustre Dr.Raul David de Sanson, a publicidade sob a rubrica de “Trachoma No Brazil” valio- so artigo onde nos a conhecer a abun- dancia do tracoma no interior do Ceará. Pelo relatorio que o referido especialista apre- sentou ao Diretor da Hospedaria de Imigran- tes na llha das Flores em 18 de Fevereiro de 1916, verifica-se que, de 4846 retirantes principalmente do Ceará examinados pelo Dr. Raul de Sanson, 80 eram tracomatosos. Desgraçadamente o mal por aqueles parajens é muito mais comum do que supunhamos. Na rejião das caatingas onde as arvores com espinhos são a regra, é notavel o numero de pessôas geralmente do sexo masculino portadores de “belides” (pterijios); logo que a zona muda, as condições a este respeito caem na normalidade observada em qualquer parte e ccmo a profissão de quasi todos os homens é a de vaqueiro, constantemente su- jeita a traumatismos não sabemos se haverá relação entre uma cousa e outra. Sentindo a nossa incompetencia principalmente no capi- tulo que agora tratamos, escusamos-nos de tirar qualquer conclusão a respeito e apenas rejistramos como qualquer viajante o faria, as notas tomadas do nosso diario, com a uni- ca intenção de expor um fato que julgamos bem observado. a

As blefarites são vulgarmente denomina- das “sapiranga’’; nas povoações das marjens do Rio Preto ou que lhe ficam proximo, existe um processo morbido que traz o mesmo nome, embora de gravidade desusada, pois as palpebras se abrem em chagas acar- retando como consequencia entropion; a mo- lestia em grande numero de casos progride inda até á cegueira.

Dada a generalidade da blenorrajia, é natural que se suponha que grande numero de casos de cegueira pela opacificação da

cornea, seja devido a esta causa; a sifilis, cuja presença naquelas parajens se observa em grande escala, é tambem responsavel por grande numero de lesões oculares. As afeções asmaticas ali denominadas de estalicídio, são muito frequentes principalmente em certas zonas bahiznas e piauhienses. As pertubações menstruais ('‘desmantélo’’) são extremamente comuns em todo o percurso.

Na povoação Lago, distrito de Santanna municipio do Riacho da Casa Nova (Bahia) nos deram noticias dum mal epidemico de grande mortalidade e que suspeitamos tra- tar-se, pela descrição, do tito exantematico. A povoação tem cerca de 40 casas e a escas- sez d'agua é extrema; isto explica o enorme desasseio corporal em que vivem os seus moradores; o Pediculus vestimenti NITZSCH a vulgar muguirana, desde 1909 reconhecida como transmissor do mal segundo as pes- quizas de NICOLLE, é, pelas informações, bastante frequente.

Como é conhecido, o pediculideo em questão frequenta a pele, para procurar a alimentação finda a qual, abriga-se nas vestes que constituem o vardadeiro habitat desde ovo. 5

O tifo exantematico sob o nome de “tabardillo” é tambem conhecido em varios paizes sul-americanos, como Chile, Perú, Argentina; entre nós, cremos, nunca ter sido verdadeiramente identificado; a sua ausencia em alguns lugares do Brazil poderia se ex- plicar pelo habito das pessoas do povo lava- rem com certa frequencia as proprias vestes e pelas condições de clima desiavoraveis ao desenvolvimento de um mal, muito mais co- mum nas rejiões frias.

A raridade da agua em certas parajens do nordeste, impediu que este uso se gene- ralizasse, com o tempo e pela dificuldade de se obter agua, o desasseio corporal fez-se regra. Pelas informações obtidas, é pelo menos para se suspeitar que, os casos de morte a nós referidos no Lago, possam ser atribuidos ao tifo exantematico,

A mortalidade infantil, mesmo nas grandes povoações, é enorme; é fato de observação muito comum, casais que tiveram 14-16

——— a2

filhos terem perdido metade morta em tenra idade; o impaludismo, as infeçôes intestinais entre populações que ignoram todo e qual- quer preceito hijienico, são os maiores res- ponsaveis por isto.

Epizootias.

O carbunculo bacteriano existe quasi por toda a parte e durante o ano inteiro; ocasio- nando grandes prejuizos ao gado de toda a especie e, contaminando e acarretando a morte de muitas pessoas, como acima foi dito. Pelas informações a zona da caatinga é a mais atacada. No municipio de S. Raymundo Nonato existe um mal que ataca de prefe- rencia aos bezerros e cuja denominação local é de “mal da guelra”. Pela descrição dos sintomas da molestia, sua evolução, conta- jiosidade, deve com toda a probabilidade referir-se ao carbunculo verdadeiro.

Certa zona dos municipios de Sta. Rita (Bahia) e do Corrente (Piauhi), as informa- ções quanto á presença do carbunculo ver- dadeiro e do sintomatico, foram completa- mente negativas; os informantes conheciam apenas de nome, todavia quando interrogados sobre os casos do ofidismo, afirmavam ser comum a morte de rezes em consequencia da picada de cobras. É possivel! que haja algum erro de observação passando o car- bunculo despercebido, sendo em parte a morte do gado ocasionada pelo carbunculo bacteridiano. Em alguns lugares de Goiaz é comum O aparecimento de veados mortos “pesteados” e, como a febre aftosa não existe na referida zona, é de suspeitar que o car- bunculo seja em qualquer porcentajem o res- ponsavel.

Certa vez encontrámos o cadaver de veado recem-morto: certamente não se tra- tava de febre aftosa, v exame do sangue e a cultura deste em agar, foram negativas a qualquer respeito.

Relativamente proximo a esse local, vimos uma cabra moribunda; as pesquizas nada adiantaram podendo-se comtudo excluir o carbunculo para os 2 casos em questão, Da marjem esquerda do Tocantins até á ca-

pital de Goiaz, o carbunculo bacteridiano praticamente não existe pois, todas os inda- gações por nós efetuadas, levam-nos a acre- ditar ser mal desconhecido.

O carbunculo sintomatico é frequente sendo conhecido por varias designações: na rejião da caatinga tem o nome de “quarto in- chado” e “quarto fôfo” sendo esta designa- ção a mais comum no resto do percurso; em alguns lugares de Pernambuco é chamada de “quarto preto”.

Existe tambem durante todo o ano; sendo mais frequente entre os mezes de Maio e Agosto, desaparecendo no tempo da sêca. Em alguns lugares do Piauhi, os va- queiros pensam ser o mal ocasionado em consequencia da injestão das frutas da “ara- piraca” ou “triadinho”, especie vejetal que ignoramos qual seja.

Nas cabeceiras do Rio Preto sob 0 nome de “laranjão” é encontrado o carbunculo sin- tomatico; no municipio de Duro (Goiaz) a denominação muda para “mal fófo”. Da marjem esquerda do Tocantins até Ouro Fino não existe o carbunculo sintomatico ou é então muito raro. Daí até Anhanguera, de- saparece por completo o mal em questão. O mormo é encontrado com maior ou menor frequencia apresentando malignidade variavel; o mal quasi nunca é conhecido por aquela designação. Ora lhe dão o nome de “catarrei- ra” ora de “estiladeira” e “estilação”. Em geral é benigno; em Perí-perí, municipio de

'S. Rita, a forma cutanea não parece ser rara

conforme as informações; em Goiaz a deno- minação mais comum no norte é “estilação”, no sul é conhecido por “garrotilho”” nome empregado vulgarmente no sul do paiz para designar o carbunculo bacteridiano.

Da Bahia até o Piauhí, eram relativa- mente frequentes as referencias ao “mal de chifre” ou “bróca””; molestia que ataca o gado bovino ns sêca, denunciando-se por edema palpebral, olhos lacrimajantes e algu- mas vezes cegueira; as vacas cessam de dar leite e nota-se “acabanamento” das orelhas, dos animais atacados; raramente o mal “como correição” (epizooticamente). Nos

| casos graves a molestia evolue em 15 dias e

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menos. Em Goiaz nao ouvimos nenh:ma re- ferencia 4 molestia em questão, tão pouco tivemos oportunidade de observar nenhum caso. Em certas localidades os casos de morte eram comuns; evidentemente trata-se de molestia mal definida e que necessitaria de estudos mais aprofundados.

Desde a cidade de Joazeiro, que ouvimos referencias constantes 4 epizootia denomina- da “torce” a qual dizimava os equideos ; logo suspeitámos de mal de cadeiras, cuja presen- ci tinha sido rejistrada em varios pontos do paiz. Na povoação de Caracol (Piauhi) conseguimos afinal determinar exatamente qual a verdadeira causa eficiente da epizootia, pois encontrámos um cavalo abundantemente infetado pelo Trypanosoma equinum VOGES, ajente produtor do mal de cadeiras.

Varios autores têm incriminado as capi- varas como os depositarios de virus mas, este roedor, não existe absolutamente de Petroli- na á vila de Parnaguá, localidade, porém, onde aparece pela primeira vez e é encon- trado em grande abundancia; aliás o fato é de facil explicação pois, no trajeto refe- rido, a escassez d'agua é verdadeiramente notavel, o que não é compativel, com o modo de viver da capivara. Desde 1902 que SIVORI e LECLER acusaram da trans- missão do tripanosomo, um inseto hema- tofago (Stomoxys calcitrans GEOFFROY), e LUTZ em 1907, quando fez pesquizas sobre o assunto na Ilha de Marajó, incrimi- nou 2 tabanidas, o Tabanus importunus WIED e 7. trilineatus LATR. como os vei- culadores da epizootia. LUTZ conseguiu guardar vivos exemplares de 7. importunus, os quais no dia apresentavam tripanoso- mos vivos no conteúdo intestinal; o ilustre pesquizador tambem foi o primeiro a obser- var capivaras naturalmente infetadas (Vid. LUTZ, A., Estudos e observações sobre o quebrabunda ou peste de cadeiras —S. Paulo 1908). Em 1911 nós, em companhia do Dr. GOMES DE FARIA, tentámos em laborato, rio a transmissão do mal de cadeiras por intermedio da S. calcitrans com resultados negativos, pela dificuldadde de conservar

vivos em cativeiro os dipteros em questão, aliás algumas Stomoxys que sobreviviam quando examinadas após 48 horas, não reve- laram em exame a fresco ou nos esfregaços corados, a presença de tripanosomos, 0 que conduz a pensar não serem esses dipteros os transmissores naturais do mal de cadeiras. O mesmo se com os representantes das Tabanidae; este obstaculo tem impedido até hoje determinar-se exatamente qual o ver- dadeiro transmissor da epizootia; comtudo as nossas observações levam-nos a pensar que, cabe aos representantes do genero Chrysops MEIGEN o papel de transmissor do mal de cadeiras. E na excursão que agora relatamos colhemos fatos bastante importantes para a elucidação da questão pcis, em determinados lugares, como de Peri-Peri 4 Pinguela cabe- ceiras do Rio Preto (Bahia), onde sua pre- sença foi novamente verificada, distanca re- presentada por 10 dias de marcha, não exis- te o mal de cadeiras, coincidindo este fato com a ausencia das crisopinas. Estas tabani- das são perfeitamente conhecidas pela gente do pevo de todo o paiz e principalmente das rejioes percorridas tanto, que consegui- mos rejistrar 4 nomes vulgares: “mutuca ra- jada”, “mutuquinha”, “mutuca carijó”, e “mu- tuca maringá”, e o fato dos representantes do genero Chrysops perseguirem os cavalos em quantidade nunca atinjida pelas especies de outros generos de Tabanidae e, ainda a circumstancia de quazi somente pouzarem na cabeça dos animais, são condições tão evidentesque não poderão permitir que a sua presença escape onde de fato existam. Desde que identificamos o mal de ca- deiras, a nossa atenção se dirijiu princi- palmente para a fauna de tabánidas, por serem os insetos acusados de transmissão; diariamente colccionavainos e por isso, esta- vamos em condições de verificar a relação existente entre a presença da tripanozomose e os referidos dipteros. Deste modo, quando a ausencia do mal de cadeiras coincidiu com a inexistencia das crisopinas, não pelas informações dos moradores, mas principal- mente pela nossa observação direta, ficamos

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muito ' inclinados a supor sejam as criso- pinas Os principais ajentes trasmissores do ma! de cadeiras; esta suposição tem pelo menos o mesmo valor que as anteriormente formuladas por varios autores, que incrimi- nam a Stomoxys calcitrans e a varias especi- es do genero Tabanus, pois, até hoje, ne- nhuma verificação experimental foi efetuada a não ser a de LIGNIERES que, encontrou tripanosomos vivos no tubo dijestivo S. cal. citrans, recusando-se comtudo a consideral-a como transmissora, por não ter verificado a contaminação de animais sãos, colocados ao lado de infetados em lugar onde a S. calci- trans abundava. Cf. LIGNIERES, J.; Contri- bution a l'étude de la trypanosomose des équidés sud-américains - Buenos Aires 1902 pp. 101- 105. Aliás, experiencias efetuadas recente- mente nas Philippinas por experimentadores americanos com o Trypanosoma evansi ajente produtor da surra, levam a acreditar que a razão esteja com LIGNIERES. (vid. MITZMAIN, M. B., “The réle of Stomoxys calcitrans in the transmisson of Trypanosoma evansi” in the Philippine Journal of Science, Vol. VII. Sec. B. No 6, pp. 475-520 Manila Dec. 1912).

A. MACHADO, o descobridor do Pro- tosan, especifico seguro contra o mal de ca- deiras, em fins de 1914 verificou em Mato- Grosso o transmissor do mal cadeiras, pela presença de tripanosomos no conteúdo intes- tinal do Tabanus importunus WIED. Esta es- pecie foi a mais pesquizada pelo referido observador que encontrou percentajem de 0,5 0/0 de exemplares infetados.

O exame realizado nas crisopinas, resul- tou negativo, todavia pelas suas informações as pesquizas que realisou nessas Tabanidae foram em menor numero que as efetuadas com o 7. importunus, pela razão desta ser a especie mais abundante, naquela epoca, nas rejiões por onde andou.

Na lista anteriormente dada dos dipteros encontrados nas rejiões por nós percorridas, está resistrado o T. importunus e, que, em- bora presente por toda a parte, como aliás

acontece para todo o Brazil, nunca foi en- |

contrado em abundancia.

x

Como ja rejistramos no capitulo concer- nente aos dipteros, a Sfomoxys calcitrans praticamente quasi nao existia na epoca da nossa excursäo, no entanto, o mal de cadei- ras, dizimava e das crisopinas fizemos farta colhcita.

Outro fato digno de rejistro a au- sencia, segundo as informações obtidas em Parnaguá, onde as capivaras são muito nu- merosas, da mortandade destes roedores, Os quais sao tambem vitimados pelo 7. equinum conforme verificações efetuadas entre nós por LUTZ e CHAGAS e no Paraguai por EL- MASSIAN e MIGONE.

No Piauhí a invasão do mal de cadeiras é recente, datando de menos de um decenio ; os fazendeiros são unanimes em afirmar que a tripanosomose proveiu da marjem do S. Francisco; nos arredores da Vila da Parna- gud a invasão do torce data apenas de 3-4 anos. Em Goiaz o mal data de 30 anos im- portado provavelmente de Mato Grosso e, como o norte de Goiaz se abastece em Bar- reiras (Bahia) o mal de cadeiras foi para levado pelas tropas goianas; Barreiras é ba- nhado pelo rio do mesmo nome e afluente do S. Franciso aos poucos foi invadindo aS povoações ribeirinhas da Bahia e Pernambuco até que invadiu o sul de Piauhí. A marcha da epizootia foi com toda a probabilidade esta, porquanto as comunicações entre Goiaz

e Pará onde mal é tambem conhecido, se fazem por agua; o mesmo não se dando com Mato Grosso que entretem comunicação com o sul de Goiaz e onde o mal de cadei- ras era conhecido desde o tempo da guerra do Paraguai.

A denominação “torce” ou “troço” cor- rutela do primeiro e nsado pelas pessõas mais ignorantes, desaparece em Qoiaz para ser substituida pela de “escancho” nome re- servado em ontros Estados exclusivamente á durina mas, que nas rejiões goianas em geral,

inclue as duas tripanosomoses. A’ medida que nos aproximavamos do sul, iamos verifi-

cando a substituição deste nome pelo de “peste de secar”, e “cochila'” denominação que a prin- cipio supuzemos referir-se 4 entidade morbi- da diferente mas que por fim, nos inclina-

À

mos à acreditar ser mais um sinonimo a ajuntar ao mal de cadeiras ou “peste de ca- deiras”, como é conhecido nas rejiões mais meridionais de Goiaz.

Nos Estados de Pernambuco e Bahia, onde a criação caprina é intensa, os mora- dores queixam-se da “magreza” epizootia que ocasiona grandes estragos áquele gado. Nunca conseguimos observar um animal ata- cado e as pesquizas hematolojicas sempre resultaram negativas; comtudo, pela descrição e marcha da molestia e conhecida a rece- ptividade dos caprinos pelo Trypanosoma equinum, suspeitamos tratar-se tambem do mal de cadeiras; aliás muitos moradores in- formam serem os referidos animais sujeitos á epizootia; aiguns procuram diferenciar a “magreza” do mal de cadeiras. Provavelmen- te, tratam-se de diferentes aspetos clinicos da mesma molestia, a qual, quando não evolua rapidamente, acarreta grande emagrecimento, dai o nome de “peste de secar”. Em algumas localidades vahianas e goianas, referiram-nos que os porcos são tambem atacados e em Bre- jinhos (Goiaz) a “peste de secar” tambem ataca os cais. Este fato está de acordo com as observações feitas por MIGONE no Para- guai quandu observou estes animais atacados pelo 7. equinum. Os cavalos e burros são os mais atacados, os jumentos raramente o são.

Outra tripanosomose equina presente em todo o trajeto, é a durina, epizootia oca- sionada pela Trypanosoma equiperdum DO- FLEIN e conhecida geralmente nas rejiões bahianas e pernambucanas e em todo o sul de Piauhí pelo nome de “escancho” ; de For- mosa (Municipio de Ranta Ri.a do Rio Preto Bahia) em diante, a denominação vulgar da molestia passa a ser, além de “escancho” “mal de foveiro”, pois os habitantes julgam tratar-se de males diversos quando apenas são fazes da mesma molestia.

O “mal de foveiro” tem nesse nome de- vido ás manchas que aparecem em varias partes do corpo; pernas, tetas, “paridor’ (vulva) e corresponde exatamente ao que no Ceará é denominado de “mófo”. Dos geraes

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bahianos em diante o povo começa a con- fundir com o mesmo nome de “escancho”, o mal de cadeiras e a durina; em todo o Goiaz onde existe esta designação, em geral ela se refere ao mal de cadeiras : todavia em algumas localidades do norte do Estado, a molestia é designada pelo nome de “foveiro” ou “mal de pinta”.

A diarrea dos bezerros é comum e moi- tifera por toda a parte; a molestia passa por atacar tambem a criação caprina. As denominações variam enormemente, a mais conhecida é a de reira”; “curso” “enxu;- río” “caimbra” “toque” são usadas em va- rias localidades. E” molesiia do “verde”, sendo a mortalidade maior entre os mezes de Janeiro a Março.

Entre os males que atacam os equideos, encontra-se a esponja de patojenia ainda du- vidosa, supondo alguns tratar-se de um verme. O Dr. GOMES DE FARIA acredita ser a molestia de orijem micotica pois, pesquizas que a este proposito empreendeu neste Ins- tituto, levaram-no a esta suposição. O mesmo autor foi o primeiro a empregar o trata- mento pelo emetico de indubitavel ação contra o mal, até então crido indebelavel e que atinje grande area de disseminação, em todo o paiz. Em meiados de 1915, 0 Dr. A. MOSES, comunicou o descobrimento da cura da esponja pela aplicação do iodureto de sodio por via endovenosa, dizendo ter obtido a cura sem recidiva de varios animais ataca- dos. Aliás, a medicação preconizada por GOMES DE FARIA e THOMAS POMPEU e que tão bons resultados deu no Ceará, no Rio de Janeiro falhou, porquanto as aplica- ções efetuadas por MUNIZ DE ARAGÃO em cavalos do exercito e por VIANNA em animais de Manguinhos, resultarain negativas.

A osteoporose ou cara inchada, molestia que ocasiona grandes prejuizos entre os equideos de todas as nações, e cuja pataje-

nia e tratamento continuam ignorados, foi tambem verificada presente em varias loca- lidades. Pelas observações os vaqueiros co-

nhecem perfeitamente o mal e imediatamen- te estabelecem o diagnostico diferencial com a “muda esquecida”, rubrica que encerra va-

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rias afeções que atacam os maxilares supe- riores dos equideos, terminando sempre por abcedacao. Em fins de Dezembro de 1914, o Dr. PARREIRAS HORTA em artigo pu- blicado no “Jornal do Commercio”, anunci- ou ter isolado o germe causador da osteo- porose o qual foi denominando Microccacus osteoporosus.

De Joazeiro ao começo dos gerais, é muito comum a referencia á raiva: é inutil para toda a rejião percorrida a indagação sobre a existencia de cäis danados; o quali- ficativo é completamente desconhecido, sendo substituido pela denominação de “cachorro espritados”; “espritar” significa exatamente danar, adquirir raiva.

Sabendo-se disto, qualquer que faça in- terrogações a respeito, ficará impressionado pela abundancia de informações sobre a presença em alta escala da raiva e molestias afins. E frequente a citação de obitos huma- nos, todavia em proporções inferiores ao que se poderia supor pelo numero de cais e outros animais infetados; como os recursos terapeuticos empregados naquelas rejiões são completamente absurdos e o numero de pes- soas mordidas por cais e animais aparente- mente raivosos é muito grande, conforme as informações, é licita a suposição de que, mesclados com a raiva, encontrem-se outros males aparentemente semelhantes, pois, o unico tratamento atualmente conhecido, con- tinua a ser o instituido por PASTEUR e é sabida a extraordinaria letalidade da raiva quando não convenientemente tratada.

De vez em quando, formam-se grandes focos de raiva como aconteceu em 1911 em S. Bento (municipio de S. Raymundo Nonato), sendo acometidos centenas de animais de toda a casta; os bois, équidas e cais, foram os mais atinjidos e um cão mordeu duas pessoas que não faleceram; além disto, alguns fazendeiros nos referiram o fato dum indivi- duo ter sido mordido por um jumento raivo- so, sem consequencia.

Havendo facilidade de visu observarmos o individuo em questão, procuramol-o afim de diretamente obter informações. O caso

era possuidor dum jumento manso a que ali dão o nome de “raçoeiro” por vir procurar a ração no domicilio do proprietario ;o animal apresentou-se doente quasi inesperadamen- te; os sintomas foram-se agravando rapida- mente, a ponto de não deixar duvida sobre o diagnostico de raiva a qual então grassa- va no municipio; procurando providenciar sobre o afastamento do animal das proximi- dades da residencia, foi mordido na perna. Quando por ali passámos, a cicatriz datava havia pouco mais de ano podendo-se perfei- tamente julgar da grande extensão e profun- didade do ferimento ocasionado pela morde- dura. O jumento seguro e amarrado viveu ainda cerca de 24 horas. À não ser que o caso em questão constitua, ao lado de raros outros, exceção quanto ao que concerne a incubação da molestia, trata-se de mais um caso a acrecentar aos outros e que nada apresentaram, embora na ausencia de terapeu- tica racional. Ora, em toda a zona, queixam-se os fazendeiros da “sarna” não se imajine que se trata do ectoparasito (Sarcoptes) o qual ali é denominado de piolho; a “sarna” que ataca O gado bovino e equino principal- mente o ultimo, epizooticamente. Os ha- bitantes pensam que se orijine da injestáo duma planta e que denominam “hervango” aliás, pelas observações pessoais, o vejetal incriminado varia segundo as locailddade, frequentemente porém, mostram uma peque- na planta da familia das compostas como a responsavel.

A molestia começa pelo prurido cada vez mais intenso; o animal atacado principia a esfregar-se pelas arvores, cercas, paredes ete. até que, por fim, começa a dilacerar-se com os dentes. No sul do paiz sob o nome de peste de coçar existe uma molestia de animais com a mesma sintomatolojia e que desde 1912 CARINI e MACIEL identificaram com a mo- lestia que em 1902 sobre o titulo: “Ueber eine neue Infektionkrankeit “Centralbl. f. Bakt. 1, Abt. Oring. Bd. 32 No 5 pp. 353-357, foi es- tudada por AUJESKY, o qual foi o primei- ro a investigar e que, por isso, hoje traz o seu nome. Em 1911 ZWICK e ZELLER pu- blicaram nos “Arbeiten aus dem Ksl. Gesun-

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-dheitsamte, Voi. 36 pp. 382-408 sob a epigra- fe.“Untersuchungen ueber die sogenannte Pseu dowut”, o melhor trabalho existente sobre a pseudo-raiva, paralisia bulbar infetuosa, de- nominacóes que ainda tem a peste de cogar.

Nada se sabe ainda quanto ao germe e, os trabalhos sobre o assunto, sáo ainda es- cassos e a molestia é ainda muito mal co- nhecida pois até hoje, tem sido denuncia- da na Hungria, Siberia e Brazil; qualquer

contribuição para o assunto tem interesse e por isso insistimos sobre a questão. Dada a analojia de sintomas com a molestia identi- ficada em S. Paulo por CARINI e MACIEL como sendo a mesma que ocorre em paizes distantes do nosso, é de presumir que a “sarna” existente no nordeste brazileiro seja a molestia de AUJESZKY tomando aquele nome, quando ataca équidas e bóvidas, cha- mando-se de raiva com a qual muito se as- semelha, quando ataca os cais.

Para um fato porém queremos chamar a atenção; o virus estudado por CARINI e MACIEL quando inoculado subcutaneamen- te em cäis e gatos, não reproduz a molestia

e esta observação está em desacordo com as pesquizas de varios autores entre os quais se acham as de ZWICK e ZELLER PANIS- SET e SCHMIEDHOFFER (Vid, “Beitracge zur Pathologie der infektioesen Bulbaerparaly- se (AUJESZKYschen Krankheit), Zeits. f. Infekt. Krank. u. Hyg., Vol.8, pp. 388-405 1910 etc. Todavia por injestäo aqueles auto- res conseguem facilmente reproduzir o mal; pondo de marjem o fato do virus estudados por CARINI e MACIEL, em vista deste de- sacordo, ser o mesmo estudado pelos pes- quizadores europeus, náo deixa de impressi- onar o grande numero de pessoas mordidas por cais, aparentemente raivosos e por outros animais, como o caso do jumento referido e onde não se a contaminação; sem a menor duvida, as analojias do virus do nor- deste apresenta flagrantes concordancias com o virus da peste de coçar, estudada em S. Paulo. por injestão, alguns animais contra- irão a molestia, sendo muito provavel que, os fócos de raiva ali observados, sejam atri- buiveis a pseudo-raiva podendo embora a

raiva existir .concomitantemente- E” crença muito generalizada que a “sarna” ataque de preferencia aos animais brancos ou mancha- dos desta côr; não sabemos se de fato isto se dê. Varios informantes nos afirmaram. que por ocasião da séca quando os cäis sao. “es- pritados” é muito comum o aparecimento de ra- posas mortas provavelmente do mesmo mal assim como veados e porcos. À pseudo-raiva tem sido estudadas em varios animais e SCHMIEDHOFFER, in loc. cit., refere casos espontaneos por ele observados em cavalos e burro, o que torna mais provavel a identifi- cação que fizemos do mal atacando jumentos observação até então não rejistrada e de equi- nos, que, até agora, não tinham sido obser- vados no Brazil atacados do mal.

Em Formosa, municipio de Sta. Rita do Rio Preto, narrarani-nos que ha mais de 10 anos houve grande epidemia de raiva com varias vitimas humanas, sendo observada a propagação do mal ao gado. A mortandade entre os cais sofrendo do “mal corredor” foi enorme e pelas narrativas, foi este o foco onde de fato, devera existir a verdadeira raiva pelo menos em maior escala, pois, O numero de vitimas humanas foi muito maior ao que sóe acontecer em casos analogos ali rejistrados como de raiva, mas, onde com toda a probabilidade, ocorre concomitantemen- te outra molestia afim, que julgamos ser pelas razões acima expostas, a pseudo-raiva. Em Março do corrente ano RATZ v. S. publicou no “Zeits. f. Infekt. Krank. u. Hyg. Vol. 15, fac. 2 pp. 99-106 sob a epigrafe “Empfacng- lichkeit der Tiere fuer Paralysis bulbaris infe- ctiosa, um apanhado geral sobre o que ha de conhecido sobre o assunto e que vem corro- borar o nosso ponto de vista sobre a questao. PANISSET, L. publicou na Revue générale de Méd. vétérinaire, Y. XX\II—No 275 pp. 601-618. Toulouse—Junho de 1914, sob o titulo: “Paralysie bulbaire infectieuse, pseudo- rage, maladie d’Aujeszki’’ excelente artigo onde passa em revista todas as pesquizas feitas anteriormente, acrecentando novas ob- servaçôes. Entre as especies atacadas pelo mal o autor refere a raposa européa e, este fato, vem aumentar a probabilidade de que a

SR 0 mao

mortandade das raposas do nordeste a que acima nos referimos, seja ocasionada pela pseudo-raiva. Quando estuda a evolução da molestia no cavalo, PANISSET diz que o virus parece perder no organismo daquele animal toda a ação patojenica para Os anima- is das outras especies porquanto, as inocula- ções praticadas com os produtos provenien- tes de cavalos que sucumbiram ao mal, resul- tam sempre negativas. Se admitirmos, dadas as afinidades existentes entre o cavalo e ju- mento, que a pseudo-raiva evolva neste ani- mal de modo analogo ao observado no ca- valo, o que é muito provavel, estaria expli- cado o fato do individuo mordido pelo ju- mento não se ter contaminado. Aliás, o homem é muito pouco sensivel ao virus, navendo apenas até hoje poucas observações Vid. RATZ, loco cut.

A febre aftosa foi encontrada no sul de Goiaz onde é denominada “peste de unha”; apesar das frequentes indagacóes o mal náo parece existir nas outras zonas percorridas. Na zona das caatingas bahianas foi-nos re- ferida uma doenca que, no inverno, ataca so- mente o gado caprino, atinjindo os cascos, os quais em consequencia caem; julgamos não se tratar da febre aftosa não por faltarem outras carateristicas como ainda, por poupar outros animais sensiveis ao mal. É provavel que se trate de mal observado entre nós nos carneiros sob a denominação de “frieira” e de ha muito conhecido na Europa e Estados Unidos pelos nomes de “Fussraiide der Schafe” na Allemanha, “Footrot of sheep” nos Estados Unrdos, “contagious footrot” na Inglaterra e “Piétin contagieux” na França. A molestia começa pela inflama- ção da coróa do casco o qual, acaba final- mente por cair em consequencia da secreção purulenta de desagradavel cheiro que se forma e que invade toda a face interna dos cascos. O animal atacado fica impossibilita- do de andar; a principio marcha sobre os joelhos por fim, fica totalmente tolhido, aca- bando por perecer.

Apesar de numerosos exames de sangue, nunca conseguimos observar ali o parasito produtor da tristeza no gado; todavia de

vez em quando, apareciam informações que de algum modo concordavam com os princi- pais sintemas clinicos da babesiose; a lhes dar credito, a zona onde é mais observada é a do municipio de S. Raymundo Nonato ha- vendo a rejistrar segundo os informantes, o aparecimento periodico de intensas epizooti- as, com grande mortandade, sendo constante comtudo a ausencia da hemoglobinuria. Os équidas examinados, tambem nunca demons- traram estar atacado de nuttalliose, molestia ocasionada por hematozoario analogo ao de genero Babesia, e causa eficiente da tristeza no gado.

No lugar denominado Vau, municipio de Sta. Rita (Bahia) pela primeira vez ouvi- mos referencia a mal muito comum em Goiaz e denominado de “caruara”. Ataca somente aos “bezerros-minjólos, isto é, ani- mais muito novos, caraterizando-se pela tu- mefação das articulações, que quasi sempre abcedam ; é bastante mortal e de evolução lenta; mais comum no tempo chuvoso e em geral ataca articulação da pata anterior di- reita e outra da pata posterior esquerda ou vice-versa; se o animal escapa, as partes ata- cadas atrofiam-se; o primeiro sintoma a se notar é o emagrecimento e consequente en- tumecimento das articulações. Pela sintomato- lojia, marcha da molestia e patojenicidade para os bezerros muito novos, deve com toda a probabilidade tratar-se da “Laehme der Saeuglinge”, dos alemáis ou “Pyosepti- caemia neonatorum”, molestia cujo ajente pa- tojenico ainda em ciencia não se tem bem certeza de qual se trate. É mal que ataca varios mamiferos nas primeiras 4 semanas da vida; supondo-se que a via de entrada do virus se efetue pelo umbigo, pois, a mo- lestia é sempre consequencia de infeção um- belical. A infeção apresenta grandes analo- jias com a diarréa dos bezerros. HUTYRA e MAREK na 32 edição volume, 1910-pp. 160-172 de sua obra “Spezielle Pathologie und Therapie der Haustiere”” tratam do as- sunto como entidade morbida inteiramente 4 parte.

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Na rejiäo norte de Goiaz, é muito comum a osteomalacia nos burros novos os quais, em consequencia, ficam com as pernas arqueadas de modo verdadeiramente notavel. Referiram- nos que, embora muito raramente, o mesmo fenomeno se observa nos cavalos, bois e ca- britos. Atribuem o fato ás pastajens e tanto que ao observarem a molestia em inicio, con- seguem detel-a transportando os animais ata- cados para outros sitios. O No 12 do “Sci- ence Bulletin do Department of Agriculture, New South Wales, publicado em Outubro de 1914, é inteiramente dedicado ao estudo da osteomalacia no gado australiano, os tra- balhos estão firmados por F. B. GUTHRIE, A. À. RAMSAY e H. J. JENSEN, e MAX HENRY, sendo a questao estudada por varios aspetos. As pesquizas efetuadas, leva- ram a conclusão de que, o sólo dos pastos onde a molestia grassa comumente, é mais pobre do azoto, cal, potassa e acido fosfori- eo de que as outras pastajens. As plantas forrajeiras resentem-se da pobreza do sólo e as medidas profilaticas e terapeuticas, acham-se subordinadas á ausencia daquelas substancias. A observação dos fazendeiros do norte de Goiaz é portanto verdadeira porquanto, com toda a probabilidade, causas analogas, sinão identicas, são as que dão orijem a osteomalacia naquela rejião goia- na. Em Agua Branca, municipio do Porto Nacional (Goiaz) informaram-nos da existen- cia relativamente frequente do “empólo” ou “gertmum”, tumor que crece no dorso em cima do jogo anterior das patas dos cava- los e que lentamente acaba por impedir a locomoção.

A peste dos porcos é comum, principal- mente no sul de Goiaz, onde a criação destes animais se faz em escala muito maior que nas rejiões anteriormente percorridas. Das modali- dades clinicas da molestia, o povo conhe- ce a forma pneumonica a que o nome de “batedeira”. Passa por ser ocasionada por germe filtravel, mas, as recentes pesquizas de KING e HOFFMANN (Spirochaeta suis, its significance as a pathogenic organism. Studies on Hog Cholera The Journ. of infecti- ous diseases, Vol. 13, No 3 pp. 463-498 Nov.

1913), trouxeram grande luz 4 questão por quanto, estes autores, evidenciaram ser a molestia ocasionada pelo Spérochaeta suis, O qual, possuindo formas filtraveis, permitiram a suposição da patojenia ocasionada por virus ultra-microscopico. No Vol. 16 No + pp. 54-57 Janeiro de 1915 da mesma revista KING, E. W. DRAKE, H. R. dão publi- cidade aos resultados obtidos com a cultura de espiroquetas feita em meio de Hata, com rim de coelho e da sementeira do filtrado em Berkefeld de material procedente duma lesão assestada na orelha de um porco e cujo exame, no ultra-microscopio, revelava, nu- merosos espiroquetas. A inoculação em 3 animais, reproduziu a molestia sendo verifi- cada em todos a presenca de espiroquetas.

Sob a denominação de “canjica” o povo daquelas rejiões denomina o Cysficercus cel- lulosus, fase larvaria da Taenia solium L., no seu hospedeiro intermediario, O porco. A cisticercose é :elativamente abundante, sendo a carne infetada, repelida quando muito infestada.

A avicultura é pequena, concorrendo para isto O preconceito existente contra o aprovei- tamento da carne de aves, as quais, em geral, passam por ser nefastas e por isso não entram na dieta de certas molestias, principalmente o impaludismo. Em Caracol, existe criação bem desenvolvida de pavões e o “cocar” (galinha de angola) é por toda a parte quasi tão abundante quanto a galinha. Apesar de não encontrarmos, nem termos conseguido informações positivas sobre a presença do Argas persicus (OKEN), acredi- tamos na sua presença pelo menos até Par- naguá pois, por varias vezes, ouvimos refe- rencias a males dizimando galinhas e patos que, pela descrição, deve-se atribuir ao Tre- ponema anserina (SACHAROFF) (Spiro- cheta gallinarum dos autores) germe transmi- tido por aquele ixódida.

A mitase estrosa, que tantos prejuizos ocasiona no gado das zonas meridionais do paiz, existe esporadicamente nas rejiões sécas. Todo e longo percurso compreendido entre Joazeiro até os limites de Goiaz, somen- te em uma localidade denominada Jatobá

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pertencente ao municipio de Remanso (Bahia), foi verificada a presença da Dermatobia ho- minis (LINNAEUS JUN., 1781) (=D. cyani- ventris MACQT.). em trabalho publicado ha alguns anos previrames que isto acon- tecesse, pois a mosca produtora do berne exije condicóes de humidade que náo sáo encontradas nas zonas referidas. Ninguem até hoje calculou os prejuizos acarretados aos couros de boi pelo parasito em questao, mas basta referir, que, a depreciação produ- zida nos couros exportados do Brazil sao tao grandes que, para o fato ZUERN desde 1877, chama atençäo para os couros prove- nientes do Brazil e denominando, de Riohäute todas as péles procedentes do Brazil ou nao, e que estão desvalorizadas pelas perfurações produzidas pelas larvas da Dermatobia.

A ausencia deste diptero nas zona bas- hianas e pernambucanas, permite inteira va- lorizacáo das peles de cabras, principal ele- mento de exportação de varios municipios daqueles Estados; além disto, como a Derma- tobia além de parasitar grande numero de mamiferos, ataca: tambem o homem, esta miiase deixa de fazer parte do quadro noso- lojico da zona. Ao entrarmos, porém, nos gerais entre S. Marcello (Bahia) e a vila de Duro em Goiaz, começamos a verificar que o berne se apresentava com mais fiequencia ; é, porem, no Estado de Goiaz, principalmente na zona meridional, que a miiase assume proporcóes de flajelo; sómente na zona entre Baião e Porto Nacional se nota certa diruinuiçäo, porém, 4 medida que nos apro- ximavamos da zona de mata do Sul do Es- tado, iamos observando as depredações oca- sionadas no gado pelo parasito.

Até hoje continua ignorada a maneira pela qual as moscas depositam os ovos sobre os hospedeiros; recentemente SUR- COUF comunicou á Academia de Ciencia de França os resultados observados por GON- ZALEZ-RINCONES da Venezuela, sobre o papel exercido por um culícida (Janthinosoma lutzi) como veiculador dos ovos da Derma- tobia. Observações por nós efetuadas quanto ao que concerne à biolojia deste culicida e

ainda sobre o berne, são inteiramente con- trarias ao referido por aqueles autores.

Temos de confessar porém que, as provas em favor de tal teoria estão se acumulando. O primeiro a denunciar o fato, foi RAFAEL MORALES de Guatemala em Dezembro de 1911, o qual em 1913 conseguiu criar a larva no braço de um seu empregado. Knab, no Vol. XVIII, No, 3 pp. 179-183 dos Proc. oy the Ent. Soc of Washington, Set. 1916 publi- ca sob o titulo “Egg— Disposal In Dermato- bia hominis” interessante trabalho a respeito.

Estamos muito mais inclinados a aceitar a observação popular, por nós rejistrada em S. Paulo e noroeste de Matto Grosso, sobre a penetração direta da larva no corpo do hospedeiro. Embora, desprezemos em geral as observacóes populares por serem de regra mal feitas, não nos deixaram de impressionar a concordancia que verificamos existir entre as observações do povo daque- les Estados, com as referidas por varias pes-

_soas, nos lugares Taboão proximo 4 Capital de Goiaz e pelos fazendeiros das proximi- dades de Anhanguera, localidades onde o berne atinje proporções por nós nunca verificadas. Diz a gente dos referidos lugares que, a mosca desova diretamente sob as pessoas e vestes ou sobre as roupas colocadas sobre plantas, principalmente se estas se acham impreg- nadas de suor o que muito as atrae aliás, este fato está rejistrado pelas observações scientificas concernentes aos insetos hemato- fagos.

Se de fato assim acontecer, a explicacáo de casos de recemnacidos se infetarem dentre dos domicilios, donde nunca sairam, está realizada, pois os ovos são acarretados pelas vestes que se contaminaram; nestes cazos tambem, existe um argumento favoravel ao transporte dos ovos pelos mosquitos que in- vadissem o domicilio. Além disto, a descri- ção que fazem os habitantes das zonas onde o berne é abundante, da larva de pequenas dimensões e que referem ser arrancada por ocasião da penetração pela péle, fala em favor do que afirmam.

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No Sul de Goiaz, assistimos a aplicaçäo sobre as partes do corpo do gado inçado de berne, duma mistura de e banha o que obriga.as larvas a abandonarem as lojas onde se acham, caindo por isso ao solo. Este modo de tratamento é perfeitamente racional e pra- tico, pois impede o acesso ao ar e obstrue as placas estigmaticas asfixiando deste modo as larvas.

Como em varias outras partes do Brazil, verificamos que as pessoas do povo incrimi- nam a um diptero pertencente ao genero Echinomyia, como o produtor responsavel de berne. Á orijem desta crenga reside no fato da observacáo de que, varias especies daque- le genero, lançam as larvas sobre as folhas das arvores, onde procuram os seus hospe- deiros, geralmente larvas de lepidopteros. A verificação deste fato, contribuiu para que, mesmo em livros cientificos, encontre-se a afirmação de que a Dermatobiu lance as larvas sobre as folhas, onde o homem e os animais se infetam com o contato.

Em Goiaz soubemos que as proprias antas se “embernam”, sendo as onças muito perseguidas, fato rejistrado por varios observadores e que muito contribue para a desvalorização das péles.

Observação que rejistramos no sul Goiaz e que nos causou estranheza, foi o grande tamanho dum berne retirado de um bezerro de 20 dias segundo a informação ; a ser verdade, isto indicará que a Dermato- bia se desenvolva muito mais rapidamente no gado bovino, ao contrario do que se com o homem e animais onde a evolução é de varios mezes.

de

Terapeutica popular

Este capitulo mostrará a inopia de re- cursos em que vivem as populações do Brazil Central, obrigadas a procurar auxilio na flora e fauna locais afim de se tratarem. Pela ex- posição que abaixo daremos, ver-se-á a po- breza do arsenal terapeutico de que podem lançar mão, aliás, quasi sempre, sem o menor resultado. Os produtos provenientes da flora, são empregados conforme as localidades, para debelar males de natureza completamen-

te diferentes e isto, é uma prova do pe- queno ou nenhum valor como meio medica- mentoso.

Temos a impressão de que se exajera imensamente em todo o Brazil, a ação tera- peutica das nossas plantas; esta afirmação não exclue o fato verdadeiro de muitas es- pecies vejetais. possuirem realmente ação te- rapeutica eficaz; a qualquer, porém, que com- pulse trabalhos de botanicos brazileiros, não escapará o enorme numero de plantas, indi- cadas como elementos terapeuticos de pri- meira ordem, para grande numero de enfer- midades.

A não ser os trabalhos de PECKOLT e artigos da lavra de MONTEIRO DA SILVA e algumas tezes de medicina, quasi não ha pesquizas orijinais sobre o assunto, limitan- do-se os trabalhos a assinalar as virtudes te- rapeuticas que lhes o povo.

Os produtos extraídos da fauna são em muito menor numero e não possuem tanto credito; as rezas, crendices e abuzões, têm grande voga pelo prestijio que lhes empres- ta o maravilhoso. O “mão olhado”, em todo o Brazil Central, possue ainda todo o seu misterioso poderío e individuos ha, possuido- res de tal fama perniciosa que “até o falar ofen- de”. São jetaftori, cuja presença ou fala, são suficientes para aniquilar a melhor terapeu- tica local em prejuizo do enfermo, cuja morte lhes é atribuida.

Os picados de cobra são especialmente influenciados pelos referidos individuos e isto, larga marjem ao curandeirismo que explica os desastres, atribuindo a influencia malefica de alguem. A crença no poder sobrenatural que algumas pessõas dizem pos- suir, é verdadeiramente espantosa. Em Par- naguá tivemos oportunidade de conhecer um individuo que, muitas leguas em torno, era tido como possuidor de poderes fantas- ticos na cura do ofidismo. Qualquer pessôa picada, mesmo gravemente, restabelecer-se-ia se porventura o referido individuo tivesse tempo de colocar as mãos no corpo ou mesmo em objeto da propriedade da vitima e isto, a qualquer distancia. Contestar este fato, demonstrando sua impossibilidade, seria

Se 162 A

AO

lidade, dão-lhe completo credito; o proprio curandeiro, com quem conversámos, solene- mente nos narrou longa serie de curas, termi- nando por dizer que. ignorava a razáo do seu poder

O povo nao, conhece “cobras, por elas verdadeiro terror; a não ser a Cas- cavel bem caraterisada pelo chocalho, qualquer

cobra escura que se lhé apresenta, é imediata-

mente julgada como venenosa; para ele as cobras voam, sendo a caninana sempre “citada como exemplo. Apezar da impossibilidade anatomica o impedir, algumas cobras gozam a faculdade de mamarem em vacas e até em mulheres durante o sono. Entre os saurios existe o genero Amphisbaena (cobra de duas cabeças) cujos representantes são absolutamen- te inocuos mas, para O povo, são ofidios dos mais venenosos. Erros ha, mais desculpaveis como por exemplo, o fato da cascavel engulir os filhos quando se perseguida; sendo este ofidio ovo-viviparo, ao se matar algum exemplar na eminencia de dar á luz, inter- pretam como tendo sido engulidos. Ignoran- cia tão completa a este respeito, explica o exito de qualquer terapeutica, porquanto qualquer picada é para o povo ocasionada por cobra venenosa.

Ao individuo picado, aplicam os seguin- tes medicamentos, alguns, como o alcool em alta dóse, usada em todo o paiz e outros, de uso local como o alho, medi- cação de primeira ordem naquelas parajens e utilizada para combater diferentes enfer- midades; O sal, a polvora e o querozene são ainda usados tambem interna e externamente, Outras localidades aplicam o ferro em brasa e tambem o rozalgar (bisulfureto de arseni- co) interna e externamente. As pessõas mais cultas empregam o permanganato de potassio.

A “golda” (infusão) de umburana de cheiro, é tambem aplicada assim como as raspas do tronço do pinhão bravo.

Em outros lugures empregam as raspas duma arvore denominada “coronha”. A soro- terapia é completamente , desconhecida, fóra

nutrindo

das cidades do percurso; o numero de obitos humanos é avultado pelas informacóes; o pre- juizo no gado é tambem grande. Além das cobras que Butantan prepara o sóro, ha certa- mente outras venenosas'já rejistradas na ciencia e provavelmente algumas ainda desconhecidas, que devem ser estudadas e capturadas, afim de se dar inicio ao preparo de sôro, unica medicação eficaz contra as mordeduras. O individuo picado, emquanto se trata, não re- cebe visitas e entra apenas em contato com as pessôas da familia, afim de evitar a influ- encia de alguem possuidor de poder malefi- co. As mulheres grávidas são especialmente mal vistas nestes casos. O alho,o sale o alcool encontram empregos ainda nos casos de raiva; comtudo, nada é mais eficaz para esta molestia do que o se colocar na bôca do doente, a chave do sacrario da igreja mais proxima; até a urina é utilizada como medicação para a raiva. Como meio profila- tico, costumam dar aos cáis leite com calo- melanos ; localmente empregam a ponta quei- mada de chifre de veado e em alguns lugares usam a infusão da raiz duma apocinacea de nome “4 patatas” (Allamanda violacea GARDN e FIELD), a qual tambem é usada coni0 antireumatico. Os ossos hioides vesicu- losos dos guaribas, servem em algumas locali- dades de copos, pois, a agua bebida nestes recipientes, possue virtudes terapeuticas contra o bocio. Tambem desses animais, procuram com o mesmo fim, alimentar-se da traquea e musculos da garganta.

O impaludismo possue arsenal terapeu- tico mais variado, desde a resina de purga (Operculina convolvulus SILVA MANSO), a infusão das cascas do joazeiro (Ziziphus joa- zeiro MART.), o pao pereira Geissospermum vellosit FR. ALL. tambem em “golda”; a in- fusão da flôr da “catinga de porco” ou “pau de rato” e “catingueira”, como é ainda de- nominada em outros lugares (Caesalpinia bra- cteosa TUL.) a tlór e a raiz da “Maria molle” ou “canafistula” (Cassia ferruginea SCHRAD.) e o fedegoso (Cassia varias especies) a raiz de “tipi”” (sob este nome confundem duas fitolacacaceas: a Seguieria floribunda BENTH.

e ee |

ca Petiveria tetrandra FISCH.) e as penas,

torradas da galinha de angola. Em outra parte nos refirimos ao pouco uso de qui- nina. Os mandacarús (Cereus) e cabeças do irade (Echinocereus), encontram emprego em certas erupcoes. O joazeiro é das especies vejetais uma das mais empregadas na tera- peutica popular de nordeste; as folhas, frutos e certas partes do lenho, o “entrecasco”, como chamam por ali, têm largo emprego ora como peitoral, cicatrizante, parasiticida etc..

Em 1909 o Dr. J. E. FREIRE DE CAR- VALHO JUNIOR deu á publicidade na Bahia, sob o titulo de “Estudo do Ziziphus joazeiro em suas aplicações na Medicina”, a orijinal e interessante tese onde O autor notícia ter obtido uma nova glicosida a que deu o nome de joazina, tratando em seguida das aplica- ções medicas, tendo verifcado certa eficacia no tratamento das ulceras. |

A casca da umburana de cheiro Torresia cearensis FREIRE ALL. é empregada em banhos e em perturbações menstruais muito comuns em toda a zona. As feridas são tra- tadas com a aplicação da resina da “umbura- na vermelha” ou de “abelha” Bursera lepto- phloeos MART.); as flores são utilizadas como calmantes; as feridas dos animais são trata- das com a “golda”” da “imbira-assú'? Bombax L.); da favelerra (Pachystroma acanthophylla LOEFGR,), é utilizada a infusão das raspas do tronco, para as hemorrajias internas em consequencia de ferimentos. A difteria é tra- tada com limão; contra a pneuwonia ali cha- madas de “pleuriz” usam empregar o dente canino esquerdo da queixada (Dycoteles la- biatus CUV.), o qual, depois de “torrado” é bebido em alcool; em localidades bahianas, costumam beber o sangue da galinha de angola logo depois de sangrada. As conjun- tivites são tratadas barbaramende com sarro de cachimbo em geral, e em alguns lugares, adicionado de limalha de ferro e limão. O joazeiro ainda encontra aplicação nas hemor- roidas e corizas, o marmeleiro (Croton), anji- co (Piptadenta moniliformis BENTH.) aroeira (Astronium) e “Catinga de porco” são em- pregados comumente como balsamicos.

Como : antielmintico usam o mastruço (Chemopodium ambrosioides L.); este medica- ção é de fato eficaz. As miiazes são tratadas tambem racionalmente pois, empregam o ca- lomelanos e a creolina O emprego desta porém, á medida que as fazendas vão se afastando das povoações, diminue pelo alto preço que ' atinje, mas desde que o animal foje usam então das rezas; segue-se e rastro da rez atacada e logo que é encontrada forma-se, com duas folhas verdes introduzidas um na outra, uma cruz a qual é colocada sobre a pegáda do animal e coberta com a terra apanhada do mesmo rastro, e reza-se em seguida; tambem empregam a “golda” das cascas das juremas (Mimosae) com o fim de debelar as bicheiras.

O carbunculo sintomatico é tratado pela castração dos bezerros e pela confeção duma cruz, feita com ferro em braza, sobre a anca; em alguns lugares, costumam usar como me- dida profilatica o calomelanos o qual é in- troduzido sob a pele; em outros lugares sa ngram os bezerros atacados; contra o mal de cadeiras empregam tambem o calomela- nos debaixo da pele e sangram o animal.

Estas observações compreendem somen- te os Estados de Piauhi, Pernambuco e Bahia; em Goiaz onde a flora apresenta outros cle- mentos, as plantas fornecedoras de medica- mentos são inteiramente diversas. Por toda a parte, tem largo emprego em homens e animais, uma euforbiacea a que dão o nome de “paulista” (Joannesia princeps VELL.), o tartaro emetico e O pinhão de purga (Jatro-

| pha curcas L.). Em localidades, onde ha me-

dicos, estes são consultados em ultimo caso; primeiramente apelam para as rezas e as me- dicações em uso; em certos lugares do Piauhf as mulheres do povo, quando dão á luz, costumam injerir uma beberajem onde entra a pimenta; a tezoura que serviu para cortar o cordão umbelical é colocada sob a cabeca da criança afim de impedir o mal de 7 dias.

A caapeba (Heckerta peltata L.) assim como o Solanum paniculatum IL. (Jurubeba) são utilizadas de varios modos para combater as niolestias de figado, febres diversas e até a si-

ee

filis ; uma capparidacea o “mussambé” (Cleome spinosa L.) e o “lôco” (Plumbago scandens L.) com este nome conhecido do tempo de PISO e MARCGRAV apenas não possuin- do tantas aplicações, são utilizadas como sinapisantes. A agua contida no caule das mucunans (Mucuna ADANS) e a raiz do im- buzeiro (Spondias tuberosa AR. CAMARA), são utilizadas no tratamento das diarréas. Como em toda a parte do Brazil, é crença que as frutas locais são as causadoras das sezões, por isso, os habitantes se privam principalmente das pinhas, araçás e melancias. Entre os amuletos existe o dente de jacaré o qual é colocado bem á vista no chapeu de couro, cfim de protejero portador de certas enfermidades. O oleo extraido da gordura de capivara, vin.os ser empregada em Parnagua na cura da tuberculose. Naquela localidade, o referido roedor é muito abundante, e o farmaceutico local comprava a 2$ a garrafa do oleo. Em Goiaz, os ganglios cervicais da anta encontram largo emprego nas afeçôes reu- maticas.

Considerações gerais.

Mesmo no verde que exprime a fartura naquelas parajens, a alimentação da maioria da população é insuficiente e má. Na zona das caatingas, a base é constituida pela carne de bóde, farinha e raspadura: no Piauhí e certas zonas de Goiaz, o xarque é feito com a carne do gado vacum. Nas farendas de gado o leite é utilizado de varias maneiras e em abundancia. À carne verde e o leite são ex” celentes no Piauhi; em certas epocas do ano, porém, o gado gosta de alimentar-se duma planta, que impregna a carne e o leite dum sabor aliaceo quasi intoleravel. Durante os dias que estivemos hospedados na fazenda Tanque, foi impossivel obter-se leite com outro sabor emais de uma vez, a carne mesmo bem cozida, em nads mascarava o forte sabor de alho que encerrava. À causa deste fato reside na injestão pela rêzes duma bignoniacea trepadeira ali vulgarmente co- nhecida pelo nome de “cipó d’alho” e que, provavelmente, é a Adenocalymma alliaceum MIERS.

A titulo de curiosidade, transcrevemos 0 cardapio de um vaqueiro das proximidades de Joazeiro, que pessoalmente nos deu a infor- mação: Ás 6 horas café simples; ás 10 almo- ço de carne de sol (carne de vaca ou de bóde preparado á maneira de xarque) fari- nha e ás vezes feijão; ás 13 horas jantar que consta da mesma alimentação do almoço, tendo porém a mais rapadura e requeijão como sobremesa; ás 19 horas ceia; café acompanhado geralmente de requeijão ou carne. Esta é a alimentação dos abastados, fóra das cidades e vilas, pois o vaqueiro participa de todas as regalias dos fazendei- ros.

Muito menos do que isto, constitue a alimentação dos pobres habitantes do sertão do nordeste; a frugalidade deles é inevita- vel; onde porem a miseria assume propor- ções dolorosas, é nas rejiões bahianas e pi- auhienses proximas de Goiaz e principalmen- te no norte deste Estado, onde grande nu- mero de brazileiros vive ao Deus dará, pro- curando mel e comendo o que caça sem sal, cozido simplesmente n'agua e acompanhado de arroz, quando ha, farinha e alguns côcos quando é tempo. O sal para grande numero de habitantes destas rejiões não é absoluta- mente utilizado e pode-se calcular que assim seja, pelo elevado preço que atinje nestas parajens, onde, quando existe, é vendido a 24000 e mais o litro.

Isto se observa nas moradias. isola- das e disseminadas nos “Gerais” mas, O nu- mero destas, é certamente de alguns milhei- ros; em geral, nas parajens distantes a que agora estamos nos referindo, o que existe

“o agrupamento de algumas casas, a maior ou

menor distancia de uma que serve de centro; o todo é denominado quasi sempre pelo nome de morador mais importante; não é bem uma fazenda, é um punhado de gente que se auxilia reciprocamente. a alimen- tação é mais abundante, existe o milho, arroz, feijão, raspadura e erizcáo “miunça” (galinhas, porcos etc.). Para o viajante, estes sitios representam muitas vezes a salvação, não ha exajeiro ; são os unicos lugares onde poderão se abastecer de viveres e do milho

oe

imprecindivél 4 tropa. Mesmo assim O uso do ‘sal é pequeno: apenas usado em quanti- dade indispensavel para impedir que a carne a xarqueiar se putrefaça. O café não é uti- lizado, pois o preço é proíbitivo sendo vendi- dd em grão, a 2$ o quilo, nas proximidades do Porto Nacional: Não acreditamos haver necessidade de insistir mais neste capitulo; ainda guardamos vivas, as impressões bem tristes, da profunda miseria e do abandono em'qne jazem milheiros de seres humanos e, o nosso depoimento, de forma alguma viria mitigar as suas aflições.

- Como se alimentar convenientemente se o salario é desprezivel? Em Joazeiro e ime- diações, o salario é de 1$ diarios a 12 horas de trabalho sem descanco; a 30 quilometros de Petrolina cae a 500 rs. e o mesmo tempo de trabalho sendo a comida á custa do patrão, chegando a baixar a 300 e 200 rs. em varias localidades bahianas e pernambucanas. Do Piaubí em diante, começam os contratos que continuam presentes, na propria capital de Goiaz, conforme informações insuspeitas. Na vila do Duro e imediações, paga-se a men- salidade de 7$ por trabalhador; o trabalho é de 8 a 10 horas; a comida fornecida pelo patrao, O descanco é obrigado aos domingos e dias santificados; nas proximidades das cidades a mensalidade melhora; proximo a Capital de Goiaz chega a atingir 20$000. o quilo de carne verde na vila do Duro custa 250 rs., O litro de sal 1$, a lata de queroze- ne de 15-20$ e, de passajem, é bom notar-se que o Duro se abastece facilmente em Bar- reiras Bahia, de onde dista cerca de 8 dias de viajem comum. À 50 quilometros da cida- de do Porto Nacional, o sal é vendido a 1$500 o litro, o querozene a 1$000 a garra- fa; a creolina 100 gramas por 1$; no Veris- simo o querozene sobe de preço, o sal atin- je 2$ o litro e este preço se mantem até 4 distancia aproximada de 160 quilometros da Capital de Goiaz, começando então a decer.

O alto preço que atinje o petroleo, ex- plica a iluminação usada no Brazil Central; o uso da candêa é generalizado, algumas são

feitas de ferro e compradas nos grandes

centros mas a maioria, é de arjila feita tosca-

mente, apenas com a concavidade necessaria para conter a gordura de qualquer animal ou cêra de abelha, carnaúba, oleo de mamo- na e que alimenta o pavio. Lonje das cidades

e vilas, é o que se usa; ena parte central de ont näc existe outro meio iluminaçäo.

A carestia de certos generos, sO apresen- ta a vantajem de nao permitir o desenvolvi- mento do alcoolismo, os habitantes afastados das povoacóes maiores, sáo abstemios forca- dos; a garrafa de aguardente atinje a 2$ e acima.

Para compensar a ausencia do alcoolis- mo, ha o tabajismo que existe em proporções incriveis; as mulheres geralmente fumam ca- chimbo, mascam e tomam rapé; as crianças mascam ocultamente, mas usam rapé dada pelos pais.

Geralmente o uso de masca começa aos 12 anos e muitas vezes, são Os proprios pais que iniciam os filhos com o intuito de evitar a geofajia, indicio de provavel anquilosto- mose. O tabajismo é muito mais desenvolvi- do entre as mulheres, sendo muito comum as que mascam e pitam 1/2 vara e mais de fumo por semana. Pezámos uma vara de fumo e encontramos 750 gramas de pezo. A “masca- deira” não abandona a “masca” ou “brejeira” nem para comer e muitas, dormem com o fumo na boca; no entanto o fumo não deixa de ser caro porquanto, uma vara custa de 3 a 4$.

Antes de se chegar a Joazeire o viajan- te tem impressão nitida da escassez d'agua da rejião que percorre, pela distribuição d'agua feito pelo trem da carreira aos moradores de certas estações. De Itumerim em diante co- meça © serviço; o liquido é transportado em Vagão-tanque que comporta 10 metros cubi- cos e onde os moradores veem encher as 'asilhas; para se apressar a operação, alguns individuos sobem ao deposito d'agua e dali despejam o liquido o qual, em grande parte, derrama-se no solo acarretando grande des- perdicio.

Nas cidades, vilas e povoacôes ribeirinhas, a populacio se abastece facilmente e em Joa-

zeiro,'S. Raymundo Nonato, Porto Nacional, e -Goiaz ha vendedores d'agua em barris nenhuma cidade ou vila, possue iii zada apezar da extrema facilidade de tal” obter para algumas delas. ' .

Nas fazendas, em geral, o liquido é for- necido pelos açudes; os habitantes da vila de Parnaguá se abastecem da lagoa - do mesmo nome ou, o que é o mais comum, de cacimbas cavadas em determinados lugares. Em Caracol a agua existente para todos os misteres procede de lagoa raza; procurando os habitantes utilizal-a de uma das marjens para lavajens de roupas, abeberar os animais, emquanto a outra fica reservada para a popu- lação beber. Nem sempre porém, este cuida-

do é tomado; podemos verificar em grande '

numero de localidades, no unico deposito d'agua existente, a separação por uma cerca de madeira, ficando a parte interna reservada para os moradores e a externa para Os outros usos. Logo adiante de Petrolina co- meça-se a observar esta pratica. A separa- ção, como facilmente se compreende, é per- feitamente teorica é de fato o que se dá, é o rejime da aguada comum para homens e animais; é inutil lembrar os perigos de tal promiscuidade pois, é crença arraigada, que “na agua nada péga”.

No povoado Lago de 25 a 40 fógos e pertencente ao distrito de Santanna, munici- pio do Riacho de Casa Nova, Bahia, a agua utilizada pelos moradores é de inacreditavel poluição. Em Jatobá, localidade do munici- pio de Remanso, a agua centrifugada deu em 10 cc3. de volume o deposito 0,1 cc3. o que equivale a 10 cc3. por litro e a operação, foi executada com um centrifugo de mão tipo KRAUSE. Em certas zonas manicobeiras, a agua é extremamente escassa sendo vendida pelos barraquistas por preços exorbitantes. Lugares ha, onde a escassez d'agua é tão grande que cada morador não pode se utili- zar de mais de 2 a 3 litros diarios; a inopia deste elemento, explicará certamente o desas- seio corporal em que se encontra a majoria da população do Brazil Central, onde o ha- bito do banho existe para os habitantes das marjens das lagoas e cursos d'agua.

o see

Em cértos trechos do‘ caminho, ha ne-

“¢eSsidade de se forçar a imarcha, afim de se

pousar" em determinada aguada, em regra‘de

“má qualidade; em alguns chapadões de graride “extensão, é imprecindivel a utilização de reci- piente de couro ou lona, denominados de

“borrachas” e que se ênchem d'agua, afim de se poder realizar a travessia.

Estas observações compreendem as rejiões da Bahia, Pernambuco e Piauhi, em Goiaz a agua ainda existe em grande profu-

sao, com excecao de En zonas mais centrais.' "Somente nas cidades e vilas encontram-

se casas relativamente bem construidas, as cidades mais importantes do percurso são Joazeiro e Goiaz; nestas existem precios de 2 pavimentos; em todas as vilas visitadas, habitações de 2 andares existem na de S. Raymundo Nonato (1) e vila do Duro tambem 1; a iluminação de pequena parte de Joazeiro é de petroleo e em Goiaz de acetileno pro parte, nas outras nada existe a este respeito.

Em toda a rejião da caatinga, até as pro- ximidades de S. Raymundo, não existe sequer uma casa que não seja coberta de telhas; o fato se explica pela raridade de palmeiras e do sapê. Isto obriga a existencia da indus- tria oleira e vista de certa distancia, Petroli- na e Joazeiro, não deixam de ser pitorescas com os telhados vermelhos pois, o clima nao permite o desenvolvimento da vejetação

-criptégama que os escurecem. O conforto

em Petrolina é bem menor que em Joa- zeiro, e, nas melhores casas, a criação “meun” invade os aposentos. Lonje das po- voações, á primeira vista, conhece-se a casa dum grande fazendeiro por ser caiada; O mobiliario consta duma grande mesa de ma- deira, alguns bancos e nas paredes peças de madeira que servem para sustentar as redes; a sala é tambem caiada, os aposentos in- ternos em geral são apenas rebocados; a iluminação é dada por grande candieiro de querozene, de folhas de Flandres com pintu- ras; o chão é revestido de tijolos, retangula- res.

—— 161 ——

Nao ha armarios e os moveis que o subs- tituem, sáo arcas de couro e madeira. Na zona das caatingas os caibros e vigas sao de man- dacarú; a habitação acima descrita é comtu- do minoria, pois a regra é não ser caiada apesar da cal se vender a 200 rs. a saca em alguns lugares, onde é abundante; o mobi- liario porém é sempre o mesmo. As janelas não possuem vidraças e, esta pratica, se obser- va nas vilas e cidades goianas com, exceção da capital. Em toda a cidade do Porto Nacio- nal somente existe uma casa com vidraças.

Logo porém, que aparecemas palmeiras, desaparece como por encanto as casas de telhas para darem lugar á palhoça; no Piauhí e Bahia a carnaúbeira e a piassava são utili- zadas para este fim; além deste material é muito comum habitações revestidas com a cortice do “pau de casca”, especie vejetal que não conseguimos determinar ao certo. Alguns barracões de maniçobeiros são cobertos com oramineas e com um revestimento externo de barro, o que deve constituir excelente abrigo para as triatomas; todavia este modo de proceder é raro pois, o observámos uma vez.

Moradias ha, tão primitivas que, nem usam o barro; são entrançados de varas com cobertura de “pau de casca” ou de folha de palmeiras que tambem completam o revesti- mento das paredes.

O vestuario é o mais rudimentar possi- vel e, a não ser na zona das caatingas, onde a abundancia de espinhos torna obrigatorio o uso de alpergatas de couro, no resto do trajeto os habitantes, em geral, andam descal- cos e este habito é tão comum que, as praças de policia destacadas em S. Raymundo No- nato e Parnaguá, mesmo fardadas, nunca as vimos calçadas. As crianças de ambos os sexos das familias mais pobres, andam nuas mesmo quando bem crecidas; os adultos vivem andrajosamente. Os vaqueiros da Bahia, Pernambuco e Piauhí quando em trabalho, vestem-se completamente de couro, unico vestuario capaz de resistiraos espinhos de flora tão hostil.

- Naquelas parajens pobres e onde o pi-

toresco é tão raro, os vaqueiros constituem tipos dignos de toda a simpatia e admiração;

Por varias vezes, surpreendemol-os em cami-

nho, no arduo mister de vaquejar e somente quem assistiu, poderá avaliar a extraordina- ria enerjia fisica e inegualavel corajem. que possuem ; eles demonstram que aquela gente tem enerjias capazes dos maiores feitos e até hoje, nada vimos em arrojo, sangue frio, re- sistencia e ajilidade, comparaveis ás façanhas daqueles homens.

Nas vilas e cidades 4 marjem de S. Francisco, o elemento negro é ainda bastan- te numeroso; á medida porém que o viajante se interna, este vai se tornando cada vez mais raro e é quasi totalmente substituido por um tipo acaboclado e que pela côr, modo de falar compassado e calmo, quasi sem gesticular, denunciam o decendente do pri- mitivo habitante da rejião; este elemento forma a maioria da população. Nas rejiões interiores da Bahia, Pernambuco e Piauhí, é muito comum a presença dum tipo ruivo de olhos azuis e que são conhecidos pelos na- turais pela designação de “laranjo”. De ha muito que ouviramos referencias ao fato, mesmo por escritor estranjeiro e a explic?- ção geralmente adotada, é de que se tratava de decendentes dos holandeses; o fato, para nós, tem outra explicação pois julgamos 0 aparecimento espontaneo e isto, podemos ve- rificar com algumas crianças loiras decendei- tes de pais e avós que, embora brancos, não eram siquer aloirados; talvez não seja corre- to identificar o fenomeno com o que DE VRIES chamou mutação mas, sem duvida, ha analojia.

Não se imajine que se trate dum fato esporadico, ao contrario, em alguns trechos, o fato chamará atenção de qualquer. Em Goiaz domina o elemento resultante da fusão do negro e indio prevalecendo o primeiro; isto no norte, e explicavel pelas levas de es- cravos que serviam na exploração do ouro e cujos vestijios se encontram a cada passo. No sul o elemento branco predomina e os habitantes são mais vigorosos.

—— 168

A relijizo predominante é a catolica em- bora eivada de exajeros e superstições. Em quasi todas as moradias, mesmo as das “cie dades como Joazeiro, Petrolina, ete., vêm-se cruzes pintadas ás portas ou janelas; nas povoacóes goianas fazem-nas de madeira e as pregam na parede principal da residen- cia. Em Almas esta pratica é observada ri- gorosamente e sem exceção, duma habita- ção; a cruz é feita não por ocasião da inau- guração da residencia, mas quando reina epidemia, e uma vez colocada, não é mais retirada. |

O culto, por vezes, é misturado como profano como vimos em S. José da Canastra em uma capela toda decorada com pinturas reprezentando animais; o uso de rezas es- critas e pregadas ás paredes, continúa muito generalizado; a maioria encerra dizeres para: combater as epidemias e nas zonas dos maniçobeiros, as depredações destes; outras são pregadas nas roças rogando contra o Hajelo de sêcas. No municipio de Corrente,, o protestantismo nestes ultimos anos, tem feito grande numero de adeptos a ponto de dominar em algumas localidades; todavia não se percebe, em qualquer sentido, nenhuma modificação para melhor com a aquisição de novo credo; na vila de Parnaguá existe tambem um nucleo protestante, cuja influen- cia para o aperfeiçoamento moral ou mate- rial dos habitantes não se percebe. A chega- da em Porto Nacional dos barcos, que res gressam do Pará e que constitue uma grande testa local, as embarcações arvoram a ban- deira do Espirito Santo; raras são aquelas onde tambem existe o pavilhão nacional.

Os frades exercem dominio absoluto, mas, a não ser os dominicanos, dignos de todo O respeito pela grande obra de bene- merencia que ha mais de 20 anos vêm de- sempenhando no Brazil Central, os outros não passam de vis exploradores.

As rejiões bahianas, pernambucanas e piauhienses, são periodicamente percorridas por frades de varias confissões e nacionali- dades em “missões”; a isto se chama a permanencia em dado lugar, onde durante

alguns dias, realizam serviços relijiosos tódos pägos, com exceção da confissão. Passámos alguns dias depois duma “missão” se ter posto em marcha, no lugar denominado Peixe- Bahia; os frades demoraram-se cerca de 12 dias e realizaram centenas de casa- mentos, batismos e crismas, pois para o local onde se realiza a “missão”, acorrem morado- res de toda a redondeza. Ao cabo de alguns dias, o dinheiro miudo escasseia e então 9s frades começam a trocar com ajio. Mas o peior mal, é a guerra encarnicada e a cruza- da que fazem em nome da relijido,’ contra o casamento civil, o qual é fanaticamente re- peiido pelos desgraçados sertanejos como quotidianamente verificavamos. Entre os curi- osos habitos do povo, existe'nos “gerais” o casamento realizado, na noite de S. João, o qual se realiza junto á fogueira, em presença dos pais dos noivos, padrinhos, pessôas de familia, convidados e que é considerado vá- lido para todos os efeitos. O isolamento em que vivem, e a grande distancia que teriam de vencer para atinjir o local donde se achasse sacerdote, sujeriu-lhes a sinjeleza poetica dum contrato civil, unjido pelo fervor das suas crenças. Pois bem, quando os missiona- rios passam, torna-se necessario aos casais unidos alguns, por muitos anos, contribuir a titulo de esmola, com o correspondente ao duplo dum casamento banal, afim de que a união seja abençoada.

É tempo das autoridades intervirem e certamente o farão, com o patrocinio moral da igreja porquanto o proprio cardeal, baixou uma bula aos seus vigarios a res- peito dos deveres dos sacerdotes em relação ao casamento civil; e é necessario á bem do decôro da relijião catolica, que cesse a igno- minia das missões comerciais.

Felizmente, para contráste consolador, existem os frades dominicamos instalados no Porto Nacional; estes sim, exercem o sacer- docio com toda a dignidade e, a sua ação intelijente, humanitaria e civilizadora ha de certamente se inscrever na historia da civilização brazileira. Na cidade do Porto Na- cional, ao lado da soberba igreja de estilo

Soa ea ee

romano, unica construção de valor encontra- da em todo o trajeto, existem liceus dirijidos pelas freiras e onde se ensina artes e oficios e a ler a grande numero de crianças. Em todo o norte de Goiaz até a Capital o -casa-

mento civil é prestijiado pelos dominicanos, os quais determinam aos seus fieis que les galizem civilmente a união catolica poreles realizada; as informações a esse respeito são : unanimes por parte dos moradores. Na Ca-.: pital do Estado, os dominicanos instalaram.

um asilo onde se abrigam cerca de uma cen- tena de creaturas. De Curralinho até Anhan- guera, dominam, ha alguns anos, os redempto- ristas; até hoje nada fizeram de util, não instalaram siquer uma escola; declaram guerra ao casamento civil e como os primei- ros missionarios referidos, exploram vilmente a população. E

A guerra ao casamento civil, leva o povo a repudiar o rejistro civil de qualquer natureza, exceção feita das localidades per- nambucanas onde, todo os rejistros com ex- ceção do de obito, são efetuados com regu- laridade, que nos surpreendeu. O obito nunca é rejistrado e o enterramento se realiza sem a menor formalidade civil, pois nem mesmo guia da autoridade é necessaria. se que estão excetuadas as cidades, ou melhor, a parte central das cidades e vilas pois, nos suburbios, as falhas são grandes.

Quando na redondeza existe algum ce- miterio, o cortejo funebre faz algumas legoas afim de levar o cadaver mas, nos lugares onde as habitações são raras, o corpo é le- vado em rêde ao cair da tarde. O cortejo desloca-se rapidamente; na frente, conduzindo uma Juz, marcha um homem que intermiten- temente brada: “irmão das almas”. Trata-se dum apêlo feito aos moradores e aos via- jantes que por acaso passam, afim de auxi- liarem o transporte dc cadaver. À cóva é sempre raza, sobre elas plantam uma cruz e colocam flores, as quais de vez em quando são reno- vadas, mesmo pelos viajantes. Quando o nu- mero de habitantes é grande, constroe-se então o cemiterio; trata-se dum cercado de de grossas estacas e que não possue porta;

para se entrar, deslocam-se alguns páos:; no centro, ergue-se dominando. o recinto, grande cruzeiro. de madeira. Cemiterios murados :só nas grandes povoações; em algumas locali- dades piauhienses e goianas, os enterramen-

tos das: melhores familias locais, “são .ainda

realizadas no interior das igrejas, como po- demos. verificar em Jiti; oia e. Desco- berto. - O encarregado do Rejistro Civil da vila de S. Raymundo Nonato, permitiu que co- piassemos :os dados - lançados nos Jivros e que contêm as informações em todo o mu- nicipio de S. Raymundo Nonato: 1909, 4 obitos; 1910, 2 obitos; 1911, 6 obitos; 1912, até 16 de Maio inclusive, 14 obitos, o fun- cionario no entanto nos garantin que até este mez, o numero de obitos elevava-se certamen- te acima de 100.

Alguns juizes de direito, de quando em vez, vão a “desobriga”; esta denominação é dada pelo povo, á necessidade que obriga aos frades instituirem as missões; os funcio- narios civis aproveitam da designação popu- lar, . quando saem a lejitimar casamentos e nacimentos dos habitantes sob sua jurisdição; Somente poucos levam a compreensão pelo dever a este ponto.

No entanto, ha enorme zelo por parte do governo. em cobrar os inauditos impostos; o Piauhí servirá de exemplo, porquanto é deste Estado que os nossos aponiamentos são mais completos. Cada bezerro nacido, paga 2$ se fôr exportado 3%, a vaca 58; o couro exportado paga 800 rs; qualquer gado com exceção do caprimo e suino que gozam de isenção, é taxado 10 0,0 ad valorem e para os efeitos da cobrança o cavalo é avaliado em 50$ e o burro em 109$. Esies impostos são estaduais, a municipalidade, porém, exije o pagamento de 500 réis a 4$200 conforme a: rejião, pela rez abatida. O Estado . ainda cobra os impostos prediais e. de matadouros; é obvio que com tal sistema, os fazendeiros dêm informações falsas sobre os bezerros nacidos nas suas propriedades. Se porventu- ra O fazendeiro se insurje contra o Governo, o lançador de impostos exajera a produção,

a qual, cobrada judicialmente até que o adversario se arruine, isto mais do que tudo, explica a ancia de quem é proprietario nessas parajens de ser situacionista a todo o transe.

Pelo seguinte extrato que fizemos da mensajem de 1914, apresentado ao Congresso estadual pelo Governador do Piauhi, Dr. M'GUEL ROSA, vê-se que o propric gover- no reconhece a inexatidão das informa- ções concernentes à industria pastoril. Diz a mensajem:

“A base do imposto do dizimo é o lan- camento feito pelo collector, de acordo cam a informação da parte interessada. Rara vez se afasta o representante do fisco das informa- ção, sob todo o ponto suspeita”.

“O melhor documento desta afirmativa está na estatistica do ultimo ano. Em todo o Estado foram lançadas 6.845 fazendas de criação de gado vacum, “1.108 de cavalar e 165 de muares. Oeiras é que maior numero de fazendas do gado vacum possue; 491. Vêm depois nesta ordem; Paulista 355; Jaicós 344; Valença 304; descendo até Caracol, que tem 27. No gado cavalar, quem maior nu- mero de fazendas possue é Jeromenha; 106. Seguem-se-lhe Valença, 98; Alto Longá, 89; Castello 78; Campo Maior 77; descendo até Pedro Il e Santa Philomena, que não contam nein uma.

“Fazendas com muares são poucas e não existem absolutamente nestes municipios: Bom Jesus, Santa Philomena, Gilbúes, S. Raymundo Nonato, Simplicio Mendes, Urus- suhy, Pedro II, Amarante, Livramento, Peri- pery, Altos. Parnahyba, Porto Alegre, Uniao e Caracol.

“O imposto é lançado sobre esta produ-

ção: AMOS ... o: À 55.517. Poldiosr desd 3.245 Burros e jumentos .. 294.

Nao pagam imposto sobre poldros Santa Philomena, Pedro If e Caracol, e sobre burros e jumentos, todas as enumeradas como náo tendo fazendas de uma rez.

- particulares, ' ao preço de 5$ por

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Estas cifras estáo lonje de exprimir a verdade.”

O servico de Estatistica do Ministerio da Agricultnra, pelos dados colhidos em 1913 o Piauhi, possuindo 1.163.000 bovinos, 266.000 equinos, 96.000 asininos e muares, 638.009 caprinos, 325.000 suinos. A nossa impressão pelo que vimos: em varios mu- nicipios dos mais criadores, é de que as refe- ridas informacóes sáo muito exajeradas. Os dados concernentes a Goiaz, que a este 1es- peito conhecemos melhor que o Piauhí, dáo um rebanho pecuario total de 3.168.000 ca- becas, e sáo tambem, pela nossa observacáo, ainda mais exajerados. Quasi toda a zona pastoril de Goiaz, foi por nós percorrida e surpreendeu-nos táo elevado total.

Como era de prever, a instrução é muito pouco difundida; um professor pernambucano, cuja escola foi extinta, calculou o analfabe- tismo nas caatingas em 80 %o e podemos avaliar qual o gráo rudimentar dos que sabem ler, pelas cartas escritas por este mestre-es- cola, o qual tirava a subsistencia da funçäo de escriba, que exercia de fazenda em fazenda. Aliás, observámos vivo desejo por parte dos pais em fazer ensinar Os filhos, pois é comum, o espetaculo de professores ambulantes que, a 3$ mensais por aluno, instalam-se nas fa- zendas durante algum tempo. Principalmente no Piauhí, nota-se a vontade de aprender; em S. Raymundo Nonato por exemplo, além da escola publica, existe outra subsidiada por aluno; o professor publico percebe 60$ os quais com os descontos, resumem-se em 50$ pagos sempre com atrazo. Em Parnaguá existem duas escolas publicas muito frequentadas; em Goiaz o analfabetismo ainda é maior e nao estará lonje da verdade quem o calcular pelo menos em 95 o/o no norte do Estado. Os poucos professores existentes, organizam ta- boadas especiais que os alunos decoram e cantam em córo e que diz: “1 cobre 40 rs., 2 cobres e meio 1 tostão” e assim por diante. Em Goiaz esta pratica é imprecendivel, pois, as pessôas do povo ignoram por completo o

valor monetario em réis da moeda; 500

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réis são chamados 12 cobres e meio: 1 di- nheiro corresponde a 1$ etc. etc.. Em Porto Nacional e proximidades, os dominicanos emitem vales impressos em papel, que são aceitos como moeda corrente. Até hoje inda guardamos grata recordação dum vozerio que nos despertou a atenção, ao passarmos por um grupo de casas duma localidade pau- perrima de Goiaz de nome Tanque; quando nos aproximámos, deparámos com um cole- jio particular de 8 alunos apenas, em exerci- cios escolares; mais uma vez evidenciava-se a ardente vontade daquela gente em fujir ao analfabetismo, que a incuria dos poderes publicos não procura dar combate.

O sistema metrico adotado pelo pais, é corrente entre as pessoas educadas das cidades e vilas; O povo ainda o repele e as suas medidas em uso continuam a ser O palmo, covado, vara, oitava e onça: Mas o anacronismo que mais desperta a atenção pela confusão que acarreta ao viajante, é O atinente ás medidas de capacidade as quais variam em localidades do mesmo Estado. O prato varia de 2 a 4 litros a quarta equivale a 16 pratos na Bahia e a 30 no Piauí; al- gumas localidades pernambucanas adotam a unidade cuia =-9 litros. Em Goiaz usa-se O salamim =5 pratos ou 10 litros e a quarta tem menor capacidade. pois mede apenas 40 litros. A unica medida de peso que se vul- garizou fei o quilo, todavia, todos os grandes pezos são referidos á unidade arroba. As medidas itinerarias têm por base a legoa a qual, com as mensurações feitas quotidiana- mente a podometro, nos deu a média de 4 quilometros; em Goiaz, porém, a legoa tem grandes oscilações a que © povo denomina de “legoa grande” ou “pequena”. A grande quasi nunca ultrapassa de 4 quilometros, por isso as itformacdes concernentes á distancia a percorrer, são ás vezes das mais disparata- das. Praticamente não ha estradas e a unica que merece este nome, foi construida recen- temente entre S. Raymundo e Remanso, pela companhia que explora o grande maniçobal ali plantado. A maioria do percurso foi rea- lizado na estrada comum, que não passa

dum caminho; certos trechos porem, nem isto existia tornando a viajem penosa.

Nos gerais bahianos, ha uma grande zona de tremedais que não deixa de ser pe- rigosa, principalmente para a tropa, havendo necessidade de guias.

O transporte da carga faz-se de maneira a mais primitiva pussivel, em muares ou ju- mentos ali denominados de jégues. Neste par- ticular, os goianos, aparelham-se melhor do que os habitantes dos outros estados. E” de regra cada tropa levar animais sobresalentes (“adestros”) e, nos lugares ermos, é indispen- savel conduzir milho para os animais, pois nem sempre se pode contar com pastajens.

Os animais não são ferrados, o que acar- reta grandes prejuizos para as cavalgaduras em certas zonas pedregosas. Somente do Descoberto (Goiaz) para o sul “calgam'” os animais como ali se diz; aliás seria quasi impossivel precindir desta medida, devido a immensa quantidade de seixos e calhaus que revestem os caminhos daquela localidade á Capital de Goiaz.

Alguem, reproduzindo em fotografia a maneira de transporte usado norte do Brazil, assinalou que identico sistema era usado ha 4 mil anos pelos ejipcios, esquecendo-se, porém, de acrecentar que certamente em me- lhores estradas. Entre a Capital de Goiaz até Anhanguera, ainda se adota a liteira para o transporte de senhoras de melhor ca- tegoria. No rio de S. Francisco e em alguns afluentes, além da navegação a vapor, exis- em barcos 4 vela, muito carateristicos e pi- torescos e pequenos botes vulgarmente cha- mados de paquetes. O rio Tocantins é nave- gado por grandes batelóes e nos rios mais despovoados, o transporte de mercadorias faz-se em balsas construidas com os talos de buriti.

Em todo o percurso de mais 3500 quilome- tros a partir de Petrolina, encontramos estra- da de ferro em Anhanguera (Goiaz). Á pri- meira estação telegrafica na cidade de Goiaz. O servico de correio, existe em todas as ci- dades e vilas, com excecáo da de Parnaguá que antigamente o possuia. Todos os mora-

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dores do Piauhí e Goiaz, queixam-se amar- gamente do servico postal; é impossivel aos habitantes do sul do Piauhí, assinarem perio- dicos da Capital da Bahia ou do Rio, porque nunca chegam aos destinatarios; táo pouco podem confiar valores, pois sáo certamente desviados. Num paiz como o Brazil, onde faltam as revistas, o papel desempenhado por estas, é mais ou menos suprido por certos periodicos do sul e, é certamente lamentavel que, Os raros fazendeiros desejosos de acom- panhar as aquisicóes da industria, agricultu- ra etc., vejam-se privados do unico elemen- to de divulgaçäo, embora imperfeito, que o paiz possue.

Apenas 3 localidades possuem periodicos; Joazeiro, Porto Naciona! e Goiaz; nenhum é diario, alguns tém escasso servico telegrafico. A circulacáo é exclusivamente local; em todo o Estado de Goiaz, existem 8 periodicos sendo que a metade na Capital.

Quem viaja tem que contar com os pro- ptios recursos, sendo inutil a esperança de encontrar hoteis e hospedarias, as quais existem nas cidades de Joazeiro e Petrolina, e na povoação de Formosa; entre a Capital de Goiaz e Anhanguera, qualquer fazenda fornece hospedajem retribuida. Nas vilas, principalmente nas do Piauhí, a hospitalidade dada pelas pessôas de influencia, é em todos sentidos inexcedivel; os pequenos fazendei- ros e as pessoas do povo, facilitam a dor- mida dentro das moradias, mas, indiretamen- te, cobram-se vendendo por preços desco- medidos, os generos destinados á alimenta- ção e adquiridos pelo viajante; esta pratica é usada principalmente na Bahia ou pelos filhos deste Estado, habitando as rejiões per- nambucanas e piauhienses.

No Piauhi, é de praxe, o fazendeiro for- neeer dormida e alimentação a quem pousa em sua casa; este costume torna por vezes custosa a hospitalidade principalmente, nas moradias proximo ás estradas muito transi- tadas, o que tem levado a muitos, a mudar o domicilio para lonje do caminho.

Os resultados colhidos na nossa excur- são são, em grande parte, devidos á solicitu-

de carinhosa a nós dispensada por varios fa- zendeiros que, por todos os modos, nos deram o mais decidido auxilio.

A indole dos habitantes é pacifica, com- tudo certos fatos, deixam transparecer um fundo de crueldade inexplicavel.

Quem visita a povoação de Formosa, ainda encontra Os vestijios de lutas relativa- mente recentes, travadas entre 2 potentados locais, cremos que em 1909; fazendas destru- idas, casas incendiadas, toda a sorte de de- satinos e perseguições, inclusive assasinatos da cranças e muiheres e fuzilamento e em- palamenio da mulher dum dos chefes, a qual se achava em estado de gravidez. Na princi- pal rua da vila, vêm-se varias casas incendia- das, nos arredores da povoação porém, é que se pode medir os horrores cometidos c ouvir espantosas narrativas de tanta selvaje- ria.

O barbaro castigo inflijido aos conqu's- tadores de mulheres casadas com fazendeiros e que consiste na castração ou emasculação total, pena, que tem sido por varias vezes aplicada principalmente em certas zonas de Piauhí, e cujos mandantes e mandatarios são sempre unanimente absolvidos, pois, a moral local julga o criminoso com simpatia por se ter desafrontado em melindrosa questão de honra, episodios que são narrados com terrivel mi- nudencia e com gestos de assentimento e de aplanso dos circumstantes, obrigam a julgar o habitante da cidade, como sendo possui- dor de melhor indole. Esse cruel processo de desafronta á moral local, foi com toda a probabilidade, trazido pelos africanos, sendo pratica corrente entre muitas tribus negras da Africa. Ainda aos africanos, devem-se o costume tão generalizado no Brazil Central, e em outros Estados do Brazil, da mutila- ção dos incisivos. Em certas zonas brazilei- ras, é frequente encontrarem-se individuos de ambos os sexos com es dentes incisivos, especialmente os superiores, triangulados. A essa protese selvajem, é dado o nome de “apontar”; os “dentes apontados” são prepa- rados por um operador que, com a lamina dum canivete ou punhal impulsionada por

a Bat

uma pancada rapida, corta certa porção late- | em localidades onde artefatos da industria

ral do dente. Fatos dessa natureza têm sido referidos por varios africanistas, tendo sido mesmo objeto de pesquizas medicas, como as que deram orijem ao trabalho de AN- DERSON, G. R., publicado sob o titulo de “Some tribal customs in their relation to medi- cine and morals, e aparecido ás paj. 239-278 do Fourth Report of the Welcome Tropical Research Laboratories Vol. B.—Khartoun, 1911.

A criminalidade deve ser elevada; a maioria dos criminosos facilmente foje, pois em geral, os crimes são cometidos premedi- tadamente e surpreendem a vitima quasi sempre traiçoeiramente. Informou-nos o car- cereiro de Parnaguá que, no espaço de 1 ano, teve sob sua guarda 9 presos acusados de assasinato ou tentativa, realizados no muni- cipio. :

Não é raro os assasinos precoces; du- rante a nossa travessia, uma criança tinha matado outra poucos dias antes de nossa passajem em Caracol e, na vila Parnaguá, encontrava-se detido um menino pelo mesmo crime; as informações sobre estes casos in- felizmente não são escassas. Os presos são mantidos sem contensão, quando ha cadeias bastantes fortes; em Caracol o preso é mantido em tronco; todavia este processo é ali utilizado, emquanto o preso espera remoção para a detenção da vila de S. Ray- mundo. No Duro, um assasino condenado, vivia de gargalheira de ferro ao pescoço e presa por correntes 4 parede. Durante os dias que ali permanecemos foram-lhe retira- dos os elementos de suplício, mas eram bem visíveis Os vestijios deixados pelo uso.

O juri não é mais imperfeito que o de lugares mais adiantados do paiz; a absolvi- cao dos criminosos, depende do maior ou menor prestijio que possue na zona.

O abandono em que jazem as popula- ções do Brazil Central, muito contribuiu para aumentar o natural espirito de rotina que os domina; grande numero de habitan- tes, quiçá a maioria, é misoneista. Pratica- mente são impermeiaveis a0 progresso, pois

moderna são vendidos a preços perfeitamen- te ao alcance da bolsa de grande numero de moradores, são repelidos por mil e uma razões; p. ex.: o simples moinho de café quasi não é visto; o pilão continua sendo insubstituível, a maquina de costura é com- pletamente desusada, apesar dos moradores em grande parte do trajeto serem obrigados a se vestir de couro, cujas roupas continuam a ser cozidas á mão. Máu grado a agua ser em geral de qualidade, o uso de qualquer filtro, mesmo dos mais primitivos e que po- deria ser feito no proprio local, a custo desprezivel, é totalmente desconhecido. O enjenho de assucar, é inferior ao usado em Pernambuco no tempo do dominio dos ho- landezes, pela comparação com o desenho dado por PISO e MARCGRAV; neste parti. cular, portanto, a tendencia é para regredir. O nome atualmente empregado para designar o local onde se fabrica o assucar, é o de “enje- nho de cana”; nada mais primitivo nem tão rudimentar; 30 °/o do caldo é perdido devi- do á imperfeição das expressões, tudo é feito com enorme morosidade havendo ne- cessidade do emprego de 10 pessoas que se ocupam durante 16 horas, apenas interrompi- das por pequeno espaço de tempo, empre- gado em curtas refeições; o trabalho pro- longa-se por toda a noite. O pessoal distri- bue-se da seguinte maneira: duas pessoas (1 homem e um menino) no carro de boi de duas juntas, para condução do material do canavial á moenda, 2 cortadores de cana, 2 moedores, 3 mulheres no trabalho do tacho 1 “banqueiro” (individuo que se ocupa em verificar o ponto da calda do assucar) pois tudo isso em ação, consegue apurar 240 quilos no maximo, de raspadura.

Este é o enjenho de cana comum; ha maiores, sem duvida, raros com alambique mas, destes, no nosso trajeto os encontrá- mos no sul de Goiaz, onde proximo 4 Ca- pital, vimos o primeiro enjenho a vapor na Fazenda Fleury depois de tão longo per- curso.

eh DR

A farinha de mandioca, permite menos aparato, e facilmente é feita em qualquer parte; o páo é completamente desconhecido fóra das cidades e vilas, sendo que destas, nem todas o possuem. Em geral não ha tulhas para guardar feijão, milho, etc; estes cereais são introduzidos em enormes sacos de couro os quais são cozidos; este processo, aliás, é melhor que o da corservação nas tulhas mal fechadas, porquanto impede o acesso das es- pecies de coleopteros do genero Calandra CLAIRV. e que ali são conhecidas pelo nome de “carócha” e cujos estragos sao bem conhecidos.

Certa vez, em habitação bahiana bastan- te-afastada de qualquer povoação, tivemos do seu proprietario, a exata definição do que de fato é a moradia sertaneja isolada do mundo, sem recursos, sem vias de comuni- cação, telegrafos e correios; onde a noticia do que vai pelo planeta é transmitida oral- mente pelo raro viajante que passa, ou tra- zida pelo recemvindo enviado como estafeta (“positivo”) e portador duma carta ou recado de amigo ou parente distante, tratando de negocio urjente. Ao considerar a dificuldade material de vencer as distancias, de povoar aqueles ermos, que nunca chegará o dia do caminho de ferro por ali passar, que, embo- ra velho não percebia a menor diferença para melhor do que quando era criança, e, certo de que seus netos morrerão anciãos deixando as cousas como encontraram, aca- bou 'encerrando resignadamente em dolorosa mas verdadeira imajem: “isto aqui, é uma sepultura aberta”.

O fazendeiro tinha razão, pois não será nem na velhice das crianças de hoje, que aquelas plagas serão reveladas ao progresso e á civilização; quando se imajina que a vila de Parnaguá foi elevada a esta categoria em 1634, possuindo hoje, com todos os arredores 600 habitantes, e, depois de quasi 3 seculos de existencia se mantem relativamente á epo- ca, no mesmo atrazo do dia em que foi fun- dada e cujas tendencias para regredir são patentes; que Caracol, no municipio de S. Raymundo, com as suas 150 casas, fundada

por JOSÉ DIAS SOARES ha quasi 130 anos, nada levando a presumir que em proximo futuro veja as suas condições modificadas, são fatos que provocam a meditação ao se pro- curar a explicação.

Apesar dos acontecimentos se manierem através da tradição oral, os decendentes dos conquistadores do nordeste brazileiro, nada sabem informar a respeito dos primitivos ha- bitantes das zonas e qual o nome das tribus que ali dominavam; quando se referem aos antigos indijenas, sempre designam pelo nome de “tapuios”. Caracol, foi conquistado á viva força “aos tapuios”, foi tudo quanto a tradição guardou. Pela informação de DO- MIGOS DIAS SOARES, filho do fundador de Caracol, e que se á paj. 38 do trabalho citado mais adiante, pode-se inferir que os indios desalojados de Caracol pertenciam 4 tribu diferente dos Cherentes; sendo prova- velmente os pimenteiras, tribu que no dizer do informante, habitava o “terreno que medeia das cabeceiras do Piauhí acima procurando os sertões de Pernambuco”. Esta tribu foi considerada por EHRENREICH como per- tencente ao grupo das tribus caraíbas, e por este autor tidas como muito diferentes dos tupis e dos gés; não sendo inoportuno lembrar que, em toda a zona provavelmente habitada pela referida tribu, existe ainda e, em alguns lugares abundantemente, certa ar- vore das mais conspicuas daquelas parajens e que possue nome idenfico ao designado por EHRENREICH. De vez em quando, certo nome, evóca a luta entre o aborijene e os conquistadores, como “Batalha”? por mais de uma vez repetida durante o percurso; mas a tradição perdeu-se totalmente.

las rejiões atravessadas da Bahia, Per- nambuco e Piauhi, tudo quanto se mostra e se sabe dos antigos habitantes, são alguns desenhos abertos no lajêdo, e que ainda hoje se podem observar bem proximo á vila de Parnaguá, representando animais toscamente executados e apagados, com exceção de 2 macacos perfeitamente visíveis. Com toda a probabilidade, os autores destes desenhos, foram os indios Cherentes pois pelo menos

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até 1827, frequentavam as cercanias de Par- | dade, estäo lonje disto. EmS. Marcello, nar-

naguá como se infere dos “Documentos sobre duas tribus de Indios, que ainda exis- tiam em 1827 na Provincia do Piauhí” e pu- blicados ás pp. 36-40 do T. II, 19 Boletim da “Revista da Sociedade de Geographia do Rio de Janeiro” Ano de 1886.

No entanto, é o elemento indijena, que predomina na constituição da população e al- guns habitos são guardados como o uso de pescar a arco utilizado ainda, embora rara- mente, por alguns moradores da vila de Par- naguá.

O comercio é feito por brazileiros, os quais muscateiam fiando as mercadorias com extrema facilidade; o preço por que são vendidas, é sempre mais ou menos 200°/o acima da povoação proxima; aliás as difi- culdades do transporte e a demora nos pa- gamentos, explicam perfeitamente o preço de venda á primeira vista exorbitante. So- mente as pequenas vendas exijem O paga- mento a dinheiro á vista; negocios avultados fazem-se trocando-se gado por mercadorias, totalmente ou metade, sendo o restante em moeda.

Estamos convencidos que uma das causas principais €, no nosso conceito a mais importante, do atrazo das rejiões do nordes- te é a ausencia de imigrantes. Excluindo Joazeiro e Petrolina, encontrámos no imenso percurso até a Capital de Goiaz, apenas 19 estranjeiros a saber: 2 italianos naturalizados e empregados da Inspetoria e 2 inglezes na vila de S. Raymundo Nonato; 1 arabe em Pedro do Fogo (Bahia), 3 portuguezes (2 relijiosos), 10 francezes (5 frades e 5 freiras dominicanas), em Porto Nacional; 1 francez nas proximidades do Amaro Leite (Goiaz). Pelo relatorio apresentado em 1914 ao Con- gresso Nacional pelo Ministro da Agricultura, verifica-se que no ano 1913 entraram no Brazil 192.683 imigrantes, destes apenas 2.150 destinaram-se 4 Bahia, nada cabendo aos Estados de Piauhí, Pernambuco e Goiaz.

Sem o concurso da imigração será dificil galvanizar populações rotineiras, vivendo em terras lendariamente ricas mas que, na ver-

rou-nos um negociante local, o Snr. JOSÉ DOS REIS, que durante algum tempo teve como trabalhador um colono italiano, o qual em pequeno tracto de boa terraá marjem de rio Preto, conseguiu transformal-o em grande horto fertil e abundante; com a sua retirada tudo decaiu, pela impossibilidade de obter trabalhadores nacionais perseverantes. É absurda a acusação que se faz ao clima afim de afastar a colonização estranjeira; ás marjens dos grandes rios, onde a agua nunca falta e que constituem quasi exclusivamente as unicas porções ferteis de toda a rejião, o clima é perfeitamente compativel coma

vida humana de estranjeiro pertencente a qualquer raça; o essencial é melhorar as

detestaveis vias de comunicação, pois as exis- tentes incluindo a via ferrea e fluvial a vapor, são pessimas. O gado para ser vendido tem necessidade de ser conduzido á feira mais proxima a qual, para certas rejiões dista cen- tenas de legoas. Uso que muito concorre para dificultar a iniciativa particular, é a pratica corrente da utilização do enormes latifundios que, pela extensão, dificultam a exploração metodizada; acrece ainda que, as enormes fazendas raramente pertencem a um unico dono; todas são propriedades de muitas fa- milias pois a regra, é não se fazer partilhas, sendo a fazenda patrimonio de dezenas de proprietarios o que impede uma ação har- monica no sentido de determinada explora- ção.

Em S. Marcello, alguns negociantes, pre- ferem mandar buscar as mercadorias em muares da cidade de Barra, pela maior rapidez e garan- tia que este primitivo modo de condução oferece, apezar do povoado ser ponto obri- gatorio dos vapores da Viação Fluvial. A utilização por parte de particulares da nave- gação do S. Francisco, com as modernas e baratas embarcações a petroleo, nao pode ser realizada por ninguem, pois o contrato da empreza que tão mal explora a navegação naquele rio, garante-lhe exclusivo monopolio.

Não sabemos como se criou em todo o Brazil, a lenda agora dificil de se destruir, que

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todo o seu sólo, alem de uberrimo, é riquissi- mo de minas; os mapas, mesmo os mais modernos, encerram erros grosseirissimos quanto á colocaçäo até de cidades e aciden- tes geograficos importantes da rejiáo do nor- deste; náo obstante, váo salpicando ao capri- cho da prodigalidade do editor, informacóes sobre fantasticas riquezas do sub-solo e indi- cando culturas náo menos inveridicas. Por sua vez, nao ha escritor nacional que, ao es- crever qualquer informação sobre as referidas Zonas, não inclua longo catalogo de repre- sentantes da flora e da fauna, cuja ausencia ou escassez, caem longo na vista de qualquer viajante. São certamente trabalhos elaborados em gabinetes lonjinquos e guiados por informa- ções tendenciosas dos injenuos moradores da zona, sempre prontos a ver riquezas a cada passo.

E” fato vulgarissimo a citacáo por parte de fazendeiros, de riquezas ocultas no sub- sólo e indicadas em roteiros extraviados Ou ainda, a exibição de fragmentos de varios minerios e que sáo mostrados com todas as cautelas, pois foram encontrados em terras de sua propriedade. Desenganados pelo

viajante: a respeito das amostras, guardam- nas comtudo, esperando que algum dia o

prodijioso milagre duina riqueza subita, venha arrancar-lhes da modesta condição em que vivem.

Em Goiaz entáo, devido ao sucesso da extração aurifera aluvial, hoje visivelmente esgotada, é inutil a qualquer, querer mostrar que não devem nutrir esperança a este res- peito e, a citação de que varios tecnicos es- tranjeiros, mesmo recentemente, tentaram em varios lugares do Estado após estudos prévios; instalar emprezas que morreram devido á escassez do ouro, de nada serve.

À agricultura é atrazadissima e pratica- mente existem plantações de milho, feijão, arroz, fumo e cana; somente em Caracol e S. Mareello vimos plantações, aliás pequenas, de café. Rara é a fazenda que possue pomar; algumas pessôas de mais iniciativa, constroem girãos que sustentam taboleiros de terra onde plantam algumas hortaliças. Em Joazeiro e arredores, alguns habitantes plantam videiras

que produzem excelentes frutas, e que chegam a frutificar segundo informação de varias pes- sdas idoneas, duas e trez vezes ao ano. Al- gumas anonaceas são tambem cultivadas e, com especialidade a “pinha” como é ali de- nominada a Annona squamosa L. e é tudo.

No entanto, pelo que observamos em todo o trajeto, incluindo Goiaz, existe para aquelas parajens uma possibilidade que, estamos certos, as arrancará do atual estado de miseria. Queremos nos referir ao algo: deiro, o qual nace e se desenvolve da melho: maneira. No dia que se quizer encarar este probiema seriamente, estudando as especies e variedades mais adequadas ao sólo, dar- se-á então a grande transformação e a abun- dancia virá.

Aliás, a extração de algodão, permite em alguns lugares como Peri-peri, municipio de Sta, Rita (Bahia) a existencia de pequena industria rudimentar, sendo o algodão colhi- do, cardado, tecido e tinjido no local, e o pano vendido a 800 rs. a vara. Todos os ar- tefatos para a tecelajem são de madeira e construidos pelos moradores.

Na rejião das caatingas, a industria pas- toril é constituida na sua maior parte, pela criação do gado caprino; vindo em seguida a criação do gado bovino; fazem tambem a criação de jumentos, cavalos e burros, porém em menor escala; por toda a parte a criação de carneiros é rara. Fóra da rejião das caa- tingas, desaparece praticamente a criação de caprinos, para dar lugar em larga escala, pae bovinos. A zona de sul de Piauhí presta-se admiravelmente á criação do gado bovino e cavalar e, até hoje, nada vimos ds melhor em especimens nacionais. Certas rejiões do referido Estado, possuem excelentes pas- tajens naturais, sem carrapatos ou quasi, não existindo absolutamente o berne. A probabi- lidade desta zona se desenvolver enormemen- te, está por isso assegurada.

Facilmente, obtêm-se exemplares que atinjem 30 arrobas o que, para gado nacio- nal sem nenhuma mescla com animais de raça, parece-nos raro. À exploração intelijente e cientificamente feita de certa parte do sul do

a le.

Piauhi, deve constituir objeto de atençäo por parte do governo daquele Estado. Nas rejiões bahianas que lhe ficam ao sul, a média do gado bovino ocila entre 15 e 16 arrobas; cs carrapatos são abundantes e o berne apa- rece; no norte de Goiaz o gado é ainda menor ea abundancia de carrapatos e bernes, tira a esperança de qualquer tentativa de criação racional.

O folk-lorista, somente com muito bôa von- tade, poderia respigar algu de interessante; a literatura sobre o Folk-lore do norte do Brazil tem tido varios cultores, que contribuiram com diversas Obras sobre O assunto. Prova- velmente as populações litoraneas foram as que mais concorreram pois, as do alto sertão, com grande surpresa para nós, são neste particular extremamente pobres.

Os vulgares instrumentos de corda tão comuns entre as populações nortistas, quasi não existem entre os habitantes do Brazil Central, o que acaireta a ausencia dos trova- dores e portanto os melhores colaboradores para o Folk-Lore; tão pouco vimos ou sou- bemos da existencia de qualquer festa ou costume local interessante, sob o ponto de vista em questão, apesar de termos passado o S. João na vila de Parnaguá onde, a não ser a tradicional fogueira que um ou outro habitante acendia, barbaro batuque que se prolongou por toda a noite, e que reunju grande numero de moradores, nada mais foi observado.

Muito pouco se canta por aquelas para- jens e quando alguem o faz, é viajante ou tropeiro que frequenta outras terras menos tristes. No norte de Goiaz, quando os vaquei- ros recolhem o gado aos currais, um deles vai á frente cantando e servindo de guia. A este aboiar chamain-no de “rebojar” e a melodia, além de ser muito orijinal como composição, tem, sem duvida, extranha be- leza; sendo o espetaculo da boiada a se des- locar acompanhando o cantor, dos mais pi- torescos e interessantes que por ali assistimos. Certa vez no Peixe, Bahia, tivemos a atenção despertada por um rosso camarada que nos levou a assistir a um “desafio” entre dois

cantadores. Eram 2 rapazes que tamborinan- do com os dedos em um banco, ou fazendo passar uma faca em bambú previamente pre- parado á maneira de reco-reco, afim de não perderem o ritmo, improvisavam com rapidez espantosa, as respostas a dar ao contendor e sempre inspiradas na estrofe daqueic que cantava. O fato, novo para nós, deixou-nos grande impressão pela rapidez com que eram improvizadas estrofes rimadas, formando sen- tido e geralmente espirituosas; este modo de cantar ao “desafio” é denominado de “/ijeira™ as rimas fazem-se em ar ou a. Teinpos depois, tivemos oportunidade de assistir a outros “desafios” analogos mas logo, percebeinos que as estrofes são sempre as mesmas ven- cendo aquele que possue melhor memoria; ao cabo de algum tempo, o interesse ficou muito diminuido para os trovadores do inte- rior do Goiaz que, ao cantarem a “lijeira”, repetiam, com pequenos variantes, os mesmos versos em resposta a outros identicos, can- tados ao desafio no Piauhí e Bahia.

Quasi 6 mezes de contacto diario, não com os moradores, mas principalmen- te com os nossos camaradas todos nacidos no Brazil Central, foi tempo suficiente para podermos formar juizo seguro dos habitos e costumes daquela população.

A não ser “O boi espacio”, o A. B. C. incompleto de celebre salteador bahiano de- nominado Lucas da Feira, fragmentos d’A Nao Catarineta, e queeram declamados sempre pelo mesmo camarada, não ouvimos qualquer outra das produções populares que enchem os livros dos nossos folkloristas; O mesmo individuo por solicitação dos com- panheiros, contava historias ou cantava xaca- ras, como por exemplo “A Flor do dia” e outras perfeitamente lusitanas on européas na afabulação e na melodia; o meio nada inspirara ou melhor, os habitantes foram in- capazes de crear algo de novo, mesmo em materia de “Folk-lore”.

A população baixa da vila de Parnaguá, acredita que a lagôa do mesmo nome, seja habitada por uma criança raptada por algum

ente sobrenatural que a detem em seu

poder; em certas noites ouve-se o chôro do pequeno prisioneiro. Esta lenda mal arquite- tada e sem beleza, constitue a unica contri- buicáo orijinal fornecida pelos pobres brazi- leiros do nordeste.

A Tapera naevia (L.), o popular sací, embora muito mais conhecida que no sul, tem o seu prestijio lendario muito diminui- do; sinceramente, hoje ninguem mais acredi- ta nos encantamentos e prodijios de que o passaro seria capaz.

E’ na linguajem usada pelos habitantes do alto sertão, que se pode verificar melhor que em outro qualquer campo, quão pouco se fez sentir o intercambio de ideas, fatos e cousas entre o litoral e o Brazil Central.

O falar dos brazileiros da referida zona, constitue vêio riquissimo para ser explorado pelo lexicografo, o qual encontrará enorme numero de vocabulos ainda não rejistrado na 2a edição de CANDIDO DE FIGUEI- REDO.

_ O mais interessante porém, é a verifica- ção de palavras consideradas arcaismos, mesmo em dicionarios antigos, mas que ali vivem em todo o vigor. O verbo trouver em lugar de trazer, é o unico conhecido pelas pessôas in- cultas que o conjugam em todos os tempos; caroavel na antiga acepção de propicio, é vulgar; zanja em lugar de não ou nunca; mancar por faltar; apunhar em lugar de em- punhar; adestro por sobresalente.

Expressões apenas empregadas na lin- guajem escrita e guindada, são de uso cor- rentio: mouco (surdo) enricar (enriquecer) aguar (vegar), laborar (trabalhar) as pleiadas são chamadas de sefe-estrélo, verdadeiro luzis- mo. À tendencia propria da lingua de trans- formar os substantivos em verbos, torna-se ainda mais acentuada entre aquelas gentes: “Recursar” (procurar recursos), “encardumar” (formar cardumes), “encestar” (colocar as cinzas dentro da “estiladeira”, “‘estilador’ ou ainda “cacite”” utensilio domestico em forma de cesto infundibuliforme, onde se guardam as cinzas com que se prepara a “decoada” (lixivia) ; “adjutorar? (dar adjutorio) “respos- tar” (dar resposta), “melar’ (extrair mel)

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“paliar” (obter-se paliativo) “ensementar” (en- cher-se de sementes), “milhar” (fornecer milho aos animais), “castear” (cruzar o ani- mal com outro de casta ou de raça) “ember- nar” (adquirir berne), “pulsar” (tomar o pulso), “encangar” (unir prendendo 2 animais, mesmo que seja sem canga, afim de marcha- rem juntos) “pestear”” (adquirir ou produzir peste).

Como a linguajem, os proprios objetos de uso, são obscletos, a espingarda de per- derneira a “lazarina lejitima de Braga”, como se ao longo do cano, é de uso vulgar e, a espessa rotina que tudo envolve no Brazil Central, permitiu a um caboclo possuidor de uma destas espingardas o cotejo com armas modernas, mas, que não lhe trouxeram con- vição de inferioridade entre a sua lazarina e uma espingarda de retrocarga calibre 12.

Na zona percorrida da Bahia, Pernam- buco e Piauhí, existe curioso modo de sau- dação entre os recem-chegados; apertam as mãos e em seguida pouzam uma das mãos sobre o hombro do amigo, emquanto fazem perguntas de estilo. É cumprimento obrigato- rio e provavelmente representa habito de eti- queta usada em outras epocas.

A semantica de alguns vocabulos é alte- rada: é muito comum nas proximidades dos gerais, empregar-se o verbo navegar de pre- ferencia ao viajar, quando se deseja designar grandes viajens. No sul de Goiaz, a palavra viajar quasi não é usada, a de uso corrente é “viajear” que assim é conjugado. “Amojar” e “amojado” perderam a antiga acepção de ordenhar, para ser empregados para designa- rem entumecimentos das partes genitais dos animais nas proximidades de parir.

O problema das séeas, como dissemos, é poliedrico, i. é, tem que ser encarado por varias faces. Consideral-o apenas por um lado é nunca atinjir ao fim colimado; é inu- til querer resolvel-o apenas com uma unica medida, seja esta tomada em escala e propor- ções ciclapicas ; a tendencia visivel por parte dos habitantes das zonas, de julgarem que a presença d'agua é suficiente para operar a transformação cubiçada, é inteiramente falsa.

As populacóes ribeirinhas ou vivendo 4 marjem de massas d’agua como a Lagôa de Parnaguá, têm o mesmo gráo de prosperida- de ou melhor, sao pobres e vivem na mesma inopia de recursos que os habitantes das zonas d’agua escassa. O problema no Brazil Central náo depende apenas da agua; esta é abundante 4 marjem do S. Francisco, onde nunca faltou e por ventura os moradores delas nadam na abastança ? Ha quanto tempo as marjens do S. Francisco sao povoadas ? e no enianto, nenhuma cidade no sentido mo- derno do vocabulo, nelas se ergue. Joazeiro com os 6 mil habitantes, apesar de rotulada pela denominação de “Princeza do Sertão”, não passa de amontoado de gente habitando uma povoação sem esgoto, iluminação, agua encanada, pavimentação; compare-se nucleo de população igual, mesmo no Brazil meridio- nal, a diferença é patente e, se porventura o cotejo fôr feito com o Estado de São Paulo, é completamente desfavoravel para as povoa- ções nortistas. Joazeiro foi escolhido para mostrar que, possuindo todos os recursos do progresso moderno, não sabe deles se apro- veitar. Naquela cidade termina uma estrada de ferro e se inicia o serviço fluvial do S. Francisco; existem portanto os elementos necessarios de transporte e vias de comuni- cação, pois bem, quasi nada adiantam estes elementos; é dificil surpreender os motivos de tais fatos; a alguns quilometros de distan- cia de Joazeiro, está-se praticamente nas mesmas condições de quem estivesse inter- nado centenas de quilometros daguela cida- de e, a não ser o recurso da proximidade das vias de comunicação, o resto é perfeita- mente analogo, i, é, o sertão em toda a sua primitividade.

No Brazil, o sertão adquiriu prestijio através duma literatura ditirambica; foi este malsinado modo de contar as cousas que transformou o “desertão” na Chanaan da retorica indijena; aliás foi esta a feição da literatura nacional desde o seu livro inicial, quando o seu autor BENTO TEIXEIRA es- crevia o Dialogo das Grandezas do Brazil; este feitio moldou o modelo que é seguido

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até hoje. Em parte nenhuma do globo existem terras tao ferazes, natureza de tal maneira prodiga ; chega a ser proverbial tanta opnlen- cia e, no entanto, como tudo isto está lonje da verdade. A causa principal do atrazo do Brazil Central é a escassa riqueza do solo; esta afirmação vai de encontro a uma lenda criada pela exaltação dos filhos daquelas zonas; o sertanejo luta asperamente pela vida, procurando tirar duma terra ingrata os meio de subsistencia ; pastoreia e cuida da terra da maneira a mais rudimentar, aproveita a vasante i. é, o lugar abandunado quando as aguas decem; moram mal, satisfazem-se com pouco e são relativamente felizes pela incon- ciencia da verdadeira situação em que vivem.

A nação não tem conciencia do verda- deiro estado das zonas flajeladas pelas sêcas, mesmo os filhos daquelas parajens e que a fortuna guindou ás altas posições politicas, em geral, não têm conhecimento do solo na- tivo porquanto se criaram nas capitais do Esta- do ou então no sul do paiz; de qualquer modo a unica lembrança que persiste é a da meninice e nesta idade, tudo é facilmente portentoso. O ritmo a que obedece as sêcas, acabou por deixar indiferentes os compatrio- tas distantes; a solidariedade humana facil- mente se embota quando o mal é continuo e a distancia em que vivem as populações flajela- das,só permite interesse sincero, por parte dos proprios conterraneos.

Hoje, que nos move profunda simpatia por aquela gente iniquamente esquecida pelos poderes publicos, tivemos a preocupa- ção de escrever um depoimento onde a in- suspeição da linguajen, podesse ser de maior utilidade que os faceis e falazes pe- riodos encomiasticos. Qualquer que, ao atra- vessar aquelas plagas, examinar as condi- ções sociais daquele povo, logo surpreende uma organização atrazada e rudimentar; as caatingas estão povoadas de habitantes, viven- do á marjem da civilização; a organização da familia legalmente não existe pois, por exceção, os casais se unem pelo casa- mento civil; os filhos quasi nunca são rejis-

trados, os enterramentos realizam-se na au- sencia de qualquer formalidade legal, O ïa- sendeiro mais abastado e com um pouco mais de cultura, exerce grande influencia entre Os moradores e esta, somente cessa, ao entrar em contato com a esfera de influencia de outro proprietario pelo menos táo abas- tado; lonje dos nucleos de população é isto o que se observa.

Aliás é impossivel evitar; cada fazenda é um latifundio de dimensões sempre crecentes conforme o afastamento das cidades; a pe- quena propriedade quasi náo existe, de ma- neira que, os moradores, estáo de qualquer modo na dependencia do proprietario das terras. A escassez de braços enorme e constitue das maiores faltas, este fato levou a situação tão vulgarizada dos contratos. Em geral, além do vaqueiro, o fazendeiro tem contratado por salarios infimos, certo numero de pessóas que garante o trabalho da fa- zenda.

Em toda a zona onde se explora a bor- racha de manicoba, existe praticamente a es- cravidäo ; o barraquista, assim se chama o dono do pessoal que extrae a maniçoba, alicia gente nas povoações ribeirinhas e aleva sob promessas de grandes salarios para a zona a explorar; antecipadamente é adi” antada certa quantia para compras de objetos e para se deixar com a familia; no lugar onde se instalam Os barracóes, funda-se um armazem de propriedade do barraquista e onde o pessoal é obrigado a se fornecer pelos precos impostos pelo proprietario e que são pelo menos, o dobro do corrente no “comercio” mais proximo; nas zonas Onde a agua é escassa esta é vendida aos manico- beiros, ao cabo de algum tempo, o emprega- do é devedor e está impossibilitado de sair emquanto não saldar a divida que faz crecer. É inutil qualquer fuga ou rebelião, as turmas são guardadas á vista por capatazes armados e O sistema é tão generalizads que, mesmo na Fazenda Serra administrada por 2 inglezes, os capatazes fazem o serviço de carabina em punho; aliás não existe de nenhum modo a escravidão do pessoal; trata- se duma plantação, de alguns milhões de

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manicobeiras onde trabalham 400 homens; o Operario podia fazer de 5$ a 60$ semanais, conforme a capacidade desenvolvida; no tempo que por alí estivemos, as plantações tinham 5 anos e o pessoal morava em ranchos organizados pela empreza. Todos os os tra- balhadores são nacionais e os proprietarios introduziram uma grande leva de negros de Barbados a qual, ao cabo de algum tempo, teve de ser despedida por se ter mostrado inapta e incapaz. De toda a zona percorrida, a Fazenda da Serra situada no municipio de S. Raymundo Nonato, constitue a unica ex- ploração sistematizada e intelijentemente feita.

As autoridades prestam mão forte ao maniçobeiro que procura o devedor fujido e, na vila de Parnaguá, tivemos o desprazer de assistir a prisão de 4 maniçobeiros levados á viva força para o barracão dum barraquis- ta, celebrizado em toda a zona que atra- vessamos, pelos crimes cometidos.

Nos gerais entre Bahia e Goiaz, explo- ra-se a borracha da mangabeira; os “manga- beiros” trabalham independentemente e fe- lizmente, se não verifica a escravidão observada nos manicobais bahianos e piau- hienses.

Todavia, mais revoltante ainda, é o que se com as crianças segundo as in- formações de varias pessoas. Certos indivi- duos chegam ás moradias mais miseraveis e depois de se mostrarem interessados pela sorte de algum menino, empregam-no imedi- atamente com um salario que é pago ao chefe da familia; em seguida levam-no em sua companhia; adiante, entregam-no a algum fazendeiro em troca de 90 a 100$ preços das despezas inverosimeis que teve de fazer para a manutenção do pequeno; o infeliz ao entrar para o serviço do novo dono, terá que trabalhar por miseravel salario sofrendo ainda o desconto da roupa e generos forne- cidos, até conseguir alforriar-se.

A escassez do braço naquelas zonas su- jere destas infamias, todavia, e somos insus- peitos para o afirmar, o Norte tem-se mos- trado até hoje incapaz de progredir com o

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braço livre, orijem do desenvolvimento mate- rial do Sul do Brazil. À

Excluindo Joazeiro e Petrolina onde se encontram alguns estranjeiros principalmente portuguezes, até atinjirmos a capital de Goiaz, onde o elemento estranjeiro ja é grande, sendo a maioria constituida por sirios, contamos em todo o trajeto 18 es- ‘ranjeiros incluindo neste computo Os frades irancezes instalados na cidade do Porto Na- cional. Para nós, neste fato, reside o grande atrazo daquelas parajens; O progresso no Brazil, em grande parte, é devido ao estran- jeiro e uma incompreensivel politica passiva- mente permitida pelos nortistas, criou a lenda de sero Norte improprio ao imigrante euro- peu. A exclusáo da imigracáo para o Norte do Brazil, denota raro acanhamento de vista e, desprezando as zonas verdadeiramente fer- teis que aqueles Estados possuem fora das zonas sécas, não vemos grande diferença entre as condições climatericas da chamada rejião sêca e a Tripolitania, agora conquista- da pela Italia que para ali procura orientar fore corrente emigratoria. Para aumentar o despovoamento daquelas zonas, o governo canaliza quasi todo o pessoal que lhe é ne- cessario, paia as forças armadas da nação. A este proposito o Tenente LEITÃO DE CAR- VALHO publicou na “Deteza Nacional” sob o titulo “O Voluntariado do Exercito” inte- ressante trabalho onde a questão é tratada pormenorizadamente.

Dos 200 mil contos arrecadados anual- mente pela União do Norte do Brazil, segua- do as informações oficiais citadas pelo de- putado LUCIANO PEREIRA, apenas 50 mil lhe são restituidos em obras publicas, o res- tante fica para o Sul; ora, esta desigualdade, permite maior desenvolvimento material dos Estados meridionais constituindo centros de atividade que atraem os nortistas, á procura de trabalho, concorrendo para aumentar o despovoamento dos sertões do nordes- te.

Com mais ou menos agua. aquelas po- pulações têm vivido até hoje, lutando com tenacidade inexcedivel contra todas as vicis- situdes as quais acabaram por crear, uma

| condição iatalista, que tudo envolve. Temos

bem nitida a impressão da narrativa dos horrores de 2 anos de sêca consecutivos 1899-1900, a nós contado por um fazendeiro intelijente. Ao ouvil-o, tinha-se a impressão de se estar falando com representante de outra raça mais apurada, pela fleuma com que revestia a conversação. Era um desenro- lar de acontecimentos horriveis, relatados fi- elmente sem comoção exajerada e acompa- nhados de gesticulação sobria num tom de voz cadenciada e calmo. A descrição das me- didas tomadas afim de salvar algumas cabe- ças de gado que iriam reconstituir, passado o flajelo, a riqueza desaparecida, foi efetuada de maneira verdadeiramente emocionante sem que se observasse por parte do narrador nenhuma alteração no modo de contar e, assim, são quasi todos os habitantes; as maiores desgraças afrontam de frente, quasi musuimanamente. Por iniciativa propria aque- les habitantes serão incapazes de sair da grande pobreza em que vivem, O espirito de iniciativa é pequeno, e esse mesmo, anula- se diante do isolamento em que jazem.

É necessario estabelecer vias de comu- nicação pois as que existem, são absolutamen- te impraiicaveis 4 penetração do progresso; tudo quanto a maquina permite crear, alí não pode ser aproveitado, pela impossibilidade material de se transportarem maquinismos pezados em caminhos intransitaveis e apenas transpostos pelos jumentos e muares de pe- queno vulto, mal suportando,os mais pos- santes, peso superior a 100 quilogramas. O primitivo carro de boi, quando existe, en- contra estrada penosamente carrogavel, entre o canavial e o engenho: para maiores distan- cias, náo pode ser aproveitado tal o estado das vias de comunicacao.

Sem este elemento e sem o auxilio do estranjeiro, cuja iniciativa, operosidade e tiro- cinio, todo O continente americano deve quasi tudo do progresso que possue, sem este concurso, será inutil, esperar o milagre da transformação do sertão do nordeste na tão anunciada terra de promissão,

Ninguem tem duvida que, algum dia, aquelas terras sejam afinal aproveitadas, pois,

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mesmo os maiores desertos da terra, serao |

fatalmente cedo ou tarde, utilizados pelo homem: o que se quer é transformar em terras ferteis o mais cedo possivel, as zonas atualmente improprias ás principais culturas. No nordeste por exemplo, é patente, mesmo sem grande preparo do sólo, a enorme pos- sibilidade para a cultura do algodão; a cul- tura intensiva do algodoeiro bastaria para operar O prodijio por todos desejado, mas para isto, será imprecindivel o aparelhamento de vias de comunicação faceis e baratas, afim de dar escoamento 4 produção em condições de competir com os numerosos concurren- tes. O sul do Piauhí encontra-se nas mesma condições quanto ao que concerne ao gado vacum; fatalmente aquelas grandes pastajens sem berne, sem carrapatos, onde portanto a possibilidade de valorização do boi, é muito maior que em outra qualquer zona do paiz, onde o agricultor tem que lutar contra a di- zimadora tristeza e contra o inseto que desva- loriza o couro do animal, terá o seu futuro assegurado logo que modernas vias de co- municação lhe permitam o acesso. Concorrer com todas as forças para isto, levando-lhes principalmente a imigração e as estradas, é necessidade que se impõe aos poderes publi- cos. Até hoje, aquelas rejiões têm sido de- samparadas pela Nação que se tem colocado em situação de metropole para coionia; esta pratica tem sido uma das causas do seu atrazo e por isso ennvem, que, as relações se façam em condições de mais equidade, onde um sincero sentimento de solidariedade possa existir.

Para isso, torna-se nescessario, que o Governo se interesse mais pela inditosa rejiäo séca, até hoje lembrada pelos restos dos seus compatriotas, por ocasiáo dos injenuos bandos precatorios efetuados pelos conterrane- os ausentes, afim de suplicar em meios quasi indiferentes, o pequeno obulo com o fim de mitigar a desgraca de milheiros de seres hu- manos, cujos sofrimentos aflijem á maioria dos brazileiros em pequena intensidade, de tal modo vivem isolados e estão distantes dos restantes dos patricios, Os desventurados sertanejos do nordeste.

As grandes epizootias que recentemente devastaram O gado no municipio de S. Ray- mundo, nunca foram conhecidas dos poderes publicos, estaduais ou federais ou entáo náo deram a devida atencáo ás raras queixas re- cebidas. O detestavel servico postal, onde os abusos seguidamente cometidos acabaram por tornal-o inutil, pela primeira vez encon- tra um protesto, satisfazendo nas medidas de nossas forcas os reiteirados pedidos que de muitos fazendeiros recebemos. No emtanto, o serviço postal é entregue a arrematantes que dele auferem pingues lucros. E porque não se incrementa naquelas parajens o ensino itinerante, ali esbocado pela iniciativa par- ticular ?

Outros males, certamente, evitaveis como p. ex. o carbunculo sintomatico, contra o qual existe meio premunitorio seguro e, que no entanto, é a enzootia que maiores prejuizos acarreta em toda a zona, poderiam ser facil- mente prevenidos. De real utilidade, seria a existencia de um serviço medico itinerante o qual, acompanhado de farmacia e corpo me- dico, possuindo um oftalmolojista, percorreria diferentes zonas atendendo um sem numero de enfermos.

Tal assistencia, certamente prestaria os mais relevantes serviços, não a quem dele recorresse, como ainda á ciencia pelo estudo mais apurado e cuidadoso de enfermidades obscuras e mai conhecidas, ali presentes e, que, merecem ser pesquizadas de melhor modo.

A presença de um bacteriolojista, ao qual caberia a incumbencia das pesquizas microscopicas e de laboratorio para as en- fermidades humanas e de todo o servico de esttido das epizootias e das enzootias reinan- tes, seria altamente proveitoza para aqueles habitantes e para o desenvoivimento da ci- encia no Brazil. O que ha a fazer neste par- ticular é imenso e não nos parece inviavel pois, as maiores despezas, seriam para as primeiras instalações adequadas a tal serviço, sendo o custeio anual perfeitamente suporta- vel. A assistencia medica se incumbiria do serviço de vacinação e bastaria que pouzasse de vila em vila, para atender a grande nume-

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ro de enfermos vindos de muitas leguas em torno, tal como conosco se passou. Medicos vindos da Capital da Bahia ja por conta pro- pria, fazem estes trabalhos, mais como nao ultrapassam das marjens do S. Francisco e como o serviço medico e medicamentos são altamente cobrados, poucos habitantes se beneficiam com a sua presença. Na quasi totalidade da zona percorrida, o medico era desconhecido: até a Capital de Goiaz inclu- sive, encontrámos 8 facultativos, 1 em Joa- zeiro, 1 em Remanso 1 em S. Raymundo No- nato a serviço da Inspetoria, 1 em Parnaguá, 1 em Porto Nacional e 3 na Capital de Goiaz, sendo que 2 pertenciam á guarnição federal ali destacada.

Evidentemente ha necessidade da Inspe- toria continuar a estudar por todos os modos a zona que superintende. Os inglezes insta- laram grande centro cientifico no Interior da India, afim de pesquizar as questões que in- teressam aquela rejião, e os relatorios publi- cados pelo Wellcome Tropical Research Labo- ratories at the Gordon Memorial College Khartoum, despertam o interesse de todo o mundo cientifico. A posse das Philippinas pelos norte-americanos, foi acompanhada de investigações cientificas efetuadas na mais larga escala e dadas á publicidade em 4 ad- miraveis publicações periodicas, representan- do outras tantas seções cientificas e editadas pelo Bureau of Science - Manila, sob o titulo de “The Philippine Journal of Science” ; “Der Pflanzer, Zeitschrift fuer Land-und Forstwir- tschaft in Deutsch-Ostafrika” é publicação oficial e de pesquizas cientificas nas coloni- as africanas alemans. Os japonezes instalaram laboratorio de pesquizas cientificas no interior de Formosa e assim por diante.

Com o fim de estudar a fauna e flora a Inspetoria de Obras contra as Sécas, po- deria contratar especialistas tendo o cuidado de instalar um museu para guardar as cole- ções efetuadas, e onde seriam recolhidos os tipos das especies novas, pois, neste parti- cular até hoje, o Brazil, embora contratando bons elementos, tem visto parar em outras mãos o material colecionado por naturalistas por ele estipendiados, sem que lhe advenha

outra vantajem que a de saber dos resulta- dos das pesquizas por ele pagas, terem sido publicados em jornal estranjeiro e que o melhor da coleção, senão toda, ficou per- tencente a este ou aquele Museu, tambem estranjeiro. A questão do exemplar “tipo” é tão importante que o museu Oberthuer compra por bom preço qualquer que se lhe ofereça.

Ninguem, atualmente, será capaz de por si estudar e determinar todos os especi- mes da fauna e flora brazileiras; somente o especialista terá idoneidade para fazel-o sendo assim, bastaria á Inspetoria contratar naturalistas viajantes o qual entregaria o ma- terial recolhido a repartição e esta enviaria para os fins de determinação, para os especi- alistas mais reputados que seriam retribuidos ficando porem na obrigação de escrever os resultados das pesquizas efetuadas nas publi- cações da Inspetoria e de restituir a coleção e os tipos das especies descritas, podendo reter os cotipos e as duplicatas. Em setembro de 1913 os norte-americanos festejaram o decenio do Desert Laboratory fundado em 1902 pela Carnegie Institution em Tucson (Arizona); mais um argumento um favor da impossibilidade de se tentar qualquer em- preendimento serio, sem o concurso de investigações cientificas efetuadas em todos os departamentos. Somente com auxilio de pesquizas cientificas, poder-se-á com segu- rança, saber-se quala possibilidade economi- ca da rejiao do nordeste e os meios de de- senvolvel-a e explorar as riquezas naturais que por acaso possua, colocando o homem em situação de dominar o meio pelo conhe” cimento perfeito de todos fatores diretos ou não e que exerçam influencia proxima on remota, no desenvolvimento duma civilização moderna, entre populações que ha mais de 3 seculos quasi nada assimilarem das grandes transformaçäes opcradas em todo o universo e que, a parcela minima de aproveitamento que lhes chega das grandes forças que reali- zaram a revolução industrial como a locomo- tiva, ou lhes é desconhecida totalmente como nos Estados do Piauhie Gojaz, ou se arrasta morosamente em dias alternados, partindo

panne Spal au Lies

da Capital da Bahia e levando pelos menos 33 horas a vencer 575 quilometros a maior pait: estendidos em enormes tanjentes, afim de levar a Joazeiro, centro de toda a zona do nordeste, a civilisação adiantada do lito- ral.

Antes de terminar queremos agradecer a solicitude e o vivo empenho em tudo nos facilitar que encontrámos por parte do ilustre Snr. Dr. PIRES DO RIO e seus auxiliares. Devemos entre muitas pessoas que nos au- xil aram, salientar os Snrs. Coreneis APRI- GIO DUARTE, intendente de J oazeiro; MANUEL ANTUNES DE MACEDO JUNI- OR, residente em S. Raymundo Nonato,

AURELIANO AUGUSTO DIAS, morador |

em Caracol (Piauhi), O’DONNELL DE ALENCAR, residente em Parnagua, Dr. FRANCISCO AYRES DE SILVA, clinico na cidade do Porto Nacional, Major JOÃO BAPTISTA LEAL fazendeiro no municipio do Duro (Goiaz) Senador ARLINDO GUA- DIE FLEURY, fazendeiro em Goiaz, e o Dr. MANDACARU DE ARAUJO, serviço de Indics de Goiaz, a hospitalidade carinhosa com que nos acolheram e os inesti- maveis serviços prestados, muitos dos quais, decisivos para o bom exito final da Co- missão.

Itincrario (parte descri- tiva). Diario da viajem.

Partida do Rio a 18 de Março de 1912 pelo paquete nacional “Brazil” com destino

a Bahia. À comissão se compunha dos Drs: | riamos chegar ás 5 horas da tarde.

| noitamos no carro em que viajavamos, por

ARTHUR NEIVA e BELISARIO PENNA e os auxiliares OCTAVIO AMARAL e JOSÉ TEIXEIRA (fotografo), os Drs, JOÃO PEDRO DE ALBUQUERQUE e JOSÉ GOMES DE FARIA, estes com destino ao Ceará. Viajem de tres dias em velho e inconfortavel pa- quete, sem incidentes. Chegamos a S. Salva- dor pela manhã do 21.

O mesmo aspeto de outras «ras no de- sembarque. Grande numero de saveiros (botes) guiadas por negros a disputar fre-

Inspetor do |

s"ezia e outros carregados de laranjas, ba- nanas e papagaios.

existia um bom trecho de caes cons- truido, mas os vapores ainda não atracavam a ele, A cidade baixa, na parte fronteira ao mar, onde desembarcamos em uma das velhas escadas do antigo caes, ainda muito descuidada e desasseiada.

Devido á gentileza da importante firma MOTTA & SILVA, foi prontamente retirada de bordo, nossa grande bagajem e graciosa- mente guardada em um vasto armazem no Caes do Ouro. Depois de alguns anos de ausencia, notámos na Bahia alguns melhora- mentos; ruas alargadas na cidade baixa, edi- ficios novos e modernos, tração eletrica ge- neralizada a todas as emprezas de bondes e um excelente elevador Otis, o qual compor- ta o maximo de 16 pessôas transpondo cerca de 70 metros em 28”.

Na Bahia permanecemos até 4 manha de 27, aproveitando os dias de estadía na Capital para o aprovisionamento de alguns materiaes que nos faltavam. adquirimos carbureto e uma excelente lampada portatil a acetileno, que nos prestou servicos inestima- veis em todo o nosso longo percurso.

Partida para Joazeiro a 27 pela manhä, pela E. F. Bahia a S. Francisco.

Chegada a Joazeiro a 28 á tarde.

Viajem longa e fastidiosa em carros de- testaveis pela velhice, estrago e imundicie, pessimamente alimentados nas espeluncas do percurso, pomposamente denominadas hoteis.

No 10 dia viajamos até 1 hora da ma- drugada, para alcancar Sta, Luzia, onde deve- per-

falta de acomodacóes e camas no unico hotel do logar. A causa do grande atrazo foi a falta do pressáo nas caldeiras da locomotiva, velha e estragada, cujo combustivel era a lenha apanhada á marjem da linha. De 2 em 2 quilometros, parava o comboio para fazer vapor e umas tres vezes parámos para apa- nhar lenha, serviço para o qual eram convi- dados os passajeiros da 2a classe.

O dia correu um pouco melhor, porque

houve mudanca de maquina que, ainda assim, parou varias vezes para abastecer-se de leaha. Chegamos a Joazeiro ás 6 horas da tarde.

A linha da E. F. Bahia a S. Francisco atravessa quatro zonas distintas do Estado» segundo observaçäo que fizemos de passa- jem;

12 A do litoral humida, cultivada (prin- cipal cultura a cana), mais ou menos monta- nhosa, cortada de rios e riachos. Essa zona estende-se até Pojuca.

A 2a zona comeca daí e estende-se até Aramarí, duas estacóes além de Alagoinhas, cidade de 5 a 6.000 habitantes. E” ja bastan- te séca, lijeiramente acidentada e constituida de cerrados identicos aos do norte de Minas. Cultura de fumo em grande escala e criação do gado vacum.—A 34 zona é a das caatingas; séca, plana, constituida de grandes taboleiros com uma vejetacáo baixa e densa, em que predominam as plantas de espinho como a favela e o chique-chique. Essa estende-se até Itumirim, notando-se, porém, uma grande mancha, de terras superiores, constituidas pelo municipio de Vila Nova, cidade á

mariem do Itapicurú com 6 a 7.090 habi- tantes. A 4a zona, séca, arida, agreste e deso-

ladora, estende-se até Joazeiro. E” um tabo-

leiro enorme, coberto duma vejetacáo raqui- tica, em que predominam os cactos. A linha

ferrea passa muito proximo á serra do Sa- litre, pedregosa e coberta tão sómente de cactos colossais, semelhando máos com dedos enormes, estendidos para o Céu a implorar a misericordia divina.

Todos estes cactos sáo espinhosos, divi- didos em 4 qualidades com as denominações vulgares de mandacará de boi, mandacará de facho, cabeca branca, e cabeça de frade (ras- teiro). *

Nessa zona não ha inverno; ha apenas as chuvas de trovoada, como diz o povo.

Joazeiro é completamente plano e areno- so; clima quente e sêco. Vista a cidade de um ponto elevado, tem-se a impressão duma ci dade nova, porque os telhados são todos claros. Não havendo humidade, as telhas não têm limo, e os ventos acarretando grande

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quantidade de areia trazem as telhas sempre lixadas. Cidade de cerca de 6.000 habitantes, tem mercado, pobre edificio de municipali- dade, 2 farmacias e tres medicos. Ha tambem um hospital muito pobre, que comporta ape- nas 12 leitos, sob a direção de um dos clínicos da locatidade, o Dr. EDUARDO DE BRITO.

Assistimos nesse hospital a tres operações efetuadas pelo referido clinico: dilatação de uma adenite, retirada de liquido ascitico, ablação duma neo-formação no grande labio. A cidade abastece-se d'agua no rio S. Fran- cisco, donde é ela retirada em barris e leva- da para as casas em costas de jumentos (jégues). Não ha esgôtos. População de cerca de 6.000 almas, muito assolada pelo impalu- dismo durante e após a vasante do S. Fran- cisco. Comercio de manicoba e couros. Al- gumas casas de comercio regularmente abas- tecidas. Magnificas uvas, quasi tao boas quanto as melhores importadas do esiran- jeiro. No entanto, a sua cultura, muito resu- mida, sendo insignificante a sua exportação para a Capital.

A nossa permanencia em Joazeiro foi de 17 dias, tempo consumido nos aprestos da tropa para a longa excursão através os sertões. Durante esta estadía, tratamos de grande numero de doentes, sendo um deles o unico medico, presente na localidade, afe- tado de impaludismo. Toram 17 dias de tra- balho incessante. Ra»

Daí partimos ás 10 1/2 da manhã d 14-4-912, atravessando o S. Francisco para iniciar a viajem montada em Petrolina, cida- de pernambucana, fronteira a Joazeiro, como que um suburbio desta, pois que seu comercio muito mais resumido, está na de- pendencia do de Joazeiro. Cidade muito menor, com cerca de 2.000 habitantes, com os mesmos habitos e costumes de sua irmã bahiana. A comitnicação entre uma e outra cidade, faz-se durante todo o dia por inter- medio dos paquetes (saveiros ou catraias) e por um pequeno rebocador a vapor, sendo o preço da passajem de rs. 200 na 12 classe e rs. 100 na 22, pcr pessôa, e o percurso de um quilometro, largura de S. Francisco nesse ponto. Os animais em numero de 36 foram

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iransportados dias antes, em um grande paquete (catraia), aprovriado a esse mister. Levavamos oito camaradas.

Somente a 1 1/2 da tarde estava arruma- da a tropa. Eram 24 burros carregados 6 de montaria e 6 adestros (de sobresalente) estes encangados (presos um ao outro peles ca- brestos), para dificultar-lhes a fuga. Quando montamos, e os camaradas soliaram os burros de carga das estacas para nos pormos em marcha, foi um desas- tre, uma epop2a. Os burros de carga desem- destaram para todos os lados aos saltos e aos coices, atirando ao chão as cargas, arre- bentando os arrochos, quebrando cangalhas numa furia infernal. O chefe da nossa tropa havia comprado burros, quasi todos novos, de proprietarios diferentes, não habituados uns aos outros (não amadrinhados entre si). Além disso, estavam muito descangados, tendo permanecido mais de 10 dias amilhados e em uma excelente manga (pastajem fecha- da). Tivemos de pegal-os um a um, de repe- rar as canga!has comprar algumas em Pe- trolina, por terem ficado inutilizadas as arre- bentadas, arrumar tudo de novo, e somente ás 3 horas podemos partir de novo, para percorrer apenas 3 quilometros em duas horas, repetindo-se nesse pequeno percurso os esfouros da burrada. Acampámos finalmen- te ás 5 horas da tarde, exaustos, no sitio de- nominado Coité ou Recreio, onde ficamos retidos até 16, em reparos e novos arran- jos das cargas.

tomamos a providencia indispensavel de marcar os burros. Foram todos ferrados com a marca C, M. (Comissão Medica).

As cangalhas do norte, são muito dife- rentes das que seusam em Minas. Aquelas são muito mais fracas, menores, sem a co- bertura de couro crú (talabardão) na arma- ção de madeira, que facilita a acomodação da carga; não têm peitoral nem retranca (tira de couro, presa dum lado e outro da parte trazeira da cangalha passando pelas côxas, e por baixo da cauda do animal); e são presas ao dorso do animal apenas por uma silha estreita, e pelo arrocho posto sobre a carga, e que é apertado pela agulha.

Aproveitamos a estadía forçada no Coité e preparamos as cangalhas pelo sistema mi- neiro adicionando-lhes mais uma silha, e co- locando-lhes peitoral e retranca. Além disso, encheram-se mais os suadouros com paina de cabeça de frade e melhoraram-se os costais. A casa terrea e abarracada do sitio, tinha uma varanda em alpendre em toda a sua exten- são. dormimos em nossas camas de cam, panha e rêdes. Durante a primeira noite- caiu uma pequena chuva e fomos acordados pelos porcos, cabras e bodes que nos inva- diram o alpendre, disputando-nos o direito de se abrigarem nele contra a chuva.

16-4-912

Partimos de Recreio a 1 hora da tarde e fomos acampar 4 leguas além, em plena caatinga no lugar denominado Terra Nova, (sem habitantes), onde existia um caldeirão (excavação natural numa pedra), com agua de chuva depositada. Nesse dia, tivemos a repetição em menor escala, de alguns es{ouros da tropa motivo, porque não fizemos maior jornada. A meio caminho, na fazenda Morri- nhos, demos por falta, de um burro com as malas Nos. 3 e 18 (material de farmacia). Um camarada mandado á procura do mesmo, foi encontral-o sem a carga a 1 legua para traz, dentro da caatinga, e as malas atiradas ao chão em outro ponto. Demos-nos por muito felizes de encontrar as malas.

Chegando ao pouso, um pequeno claro num macambiral, armamos o toldo, e man” damos soltar os burras, peados das máos e uma pata. Ainda assim, no dia seguinte, falta- ram oito, que foram encontrados a grandes distancias, dois deles no ponto da partida (Re- creio). Um não foi encontrado. Para poder- mos proseguir a viajem no dia 18, fizemos pernoitar os burros na estaca.

A 18, não sendo encontrado o burro de- saparecido, até meio dia, resolvemos suspen- der cargas proseguir a viajem, deixando um dos camaradas á procura do jujão.

Caminhamos tres leguas apenas, tendo partido ás 2 horas da tarde, e acampamos no logar denominado Caldeirão (sem mora- dores), onde pernoitamos ao relento, sob um

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copado joazeiro, dispensando toldo ou barra- ca. Nessas rejiões não ha inconvenente em dormir-se ao relento; geralmente não se percebe o orvalho. Para que não mais nos faltassem os burros, mandamos peal-os das patas trazeiras, o que quasi os immobiliza. assim podemos partir a 19, ás 10 1/2 da manhã, fazendo um percurso de 5 leguas até a fazenda do Tigre, onde chegámos ás 4 12 da tarde, tendo passado por Barreiros, grupo dumas dez moradas.

Uma mulher com quem conversámos aí, não nos soube dizer se era pernambucana ou bahiana—“sou da banda de cá” era o que explicava. Em todo o percurso, escas- sez d'agua e a que existe estagnada e de ma qualidade. Terrenos sêcos e incultos. Uma ou outra roça pequena nos pontos raros em que ha habitantes.

Apezar das peias e estacas os nossos burros ainda não se enfadaram. No Tigre tivemos de permanecer dois dias porque nos faltaram alguns deles sumidos nas caatingas. Supondo que houvessem se enfadado, man- damos soltal-os sem peias e o resultado foi fujirem alguns. Tigre é uma fazenda dum ricaço, como são alcunhados nessas rejiões os fazendeiros d'algum recurso. Casa terrea, coberta de telhas, caiada, por fóra e por dentro contando diversos compartimentos. Na sala de entrada (varanda) varios bancos, uma mesa e cabides toscos, pelas paredes, onde se penduram arreios e utensis de lavoura. Nos portais ganchos para rêdes. A agua de Tigre é de açude bem grande, a melhor do percurso feito até agora. O fazendeiro deu- nos informações de molestias humanas e de animais, tratadas em outros capitulos. Reina ai O impaludismo depois do inverno. Os cäis danados são conhecidos por cachorros esprita- dos, rejistrando-se casos de obitos pela raiva em pessoas. Como tratamento dão ao pacien- te uma mistura de alho, sal e urina, e intro- duzem-lhe na boca a chave do sacrario da igreja mais proxima. Como meio profilatico dão ao animal, sujeito a espritar-se, leite com azougue. O pleuriz na rejião é muito caroa- vel, i. é, muito comum, As miiases são trata- dos á creolina, mercurio doce, e benzeduras.

A 22, afinal, partimos, deixando dois burros sumidos, incumbindo o fazendeiro do logar de procural-os e remetel-os para S. Ray- mundo. Chegámos a 1,20 da tarde ao Lago, povoado com 35 a 40 fogos, pertencente ao distrito de Sta, Anna, municipio do Riacho de Casa Nova, E. ua Bahia. Ha uma pe- quena capela feita de taipa. Acampamos ao relento. O nome desse logarejo orijina-se duma grande depressão numa grota, á beira da estrada, onde se acumulam uns 90 a 100.000 litros d'agua de chuva. refocilam os suinos, bebem os rebanhos de cabras, ovelhas (criação miunga) e o gado (bois, ca- valos e burros). Quando passamos, dois suinos revolviam a lama do fundo. A agua barrenta tinha a côr de charuto escuro. Fi- camos verdadeiramente aterrados quando nos informaram os moradores do logar, que era aquela agua que tinhamos para beber e para todos os usos e que era muito boa.

Felizmente conseguimos de um dos mora- dores, que nos fornecesse para beber a agua duma cacimba particular, a unica que havia então aberta. Essa era menos barrenta, tinha a côr de charuto claro, e embora escura e lijeiramente salgada, bebemol-a com sofregui- dão e prazer, tão sequiosos estavamos. Fomos consultados por todos os moradores do logar, impressionando-nos o grande numero de asmaticos e de mulheres atacadas do vexame. Queixam-se muito aí, do rato rabo de couro, que devasta as plantações e colheitas. Dizem que com o aparecimento do rato, vindo do Cariri, desapareceram os bichos de parede. Quasi ao partirmos do Lago, fomos informa” dos da existencia ha 2 legoas do logarejo, duma arvore interessante (uma unica conhecida em toda a rejião) que tem o tronco e os galhos cobertos de um espesso e enorme, espinho. Conseguimos um desses espinhos, o qual tinha quasi 20 centimetros de comprimento. Con- tinuando em indagações sobre tal arvore, em toda parte, nos citavam a existente no Lago, parecendo ser ela o unico exemplar d’aquelas parajens. Cultura minima de cana e cereais, apenas para o consumo local, limi- tando-se o comercio ao de couros de cabras, esse mesmo diminuto. População pauperrima,

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de vida quasi puramente vejetativa, Casas de taipa, cobertas de telha, sem o minimo con- forto, sem mobiliario, dormem geralmente em rêdes, ou em giráos com couro crú trançado, incados geralmente de percevejos e muquira- nas. Impressiona o grande numero de estale- cidos (asmaticos que se apresentam á consulta, bem como as mulheres atacadas do vexame.

Fomos informados de casos sempre mortais duma febre que, pela descrição dos tabaréos, parece muito semelhante ao tifo exan- tematico.

Partimos do Lago em 23-4-912 pela manhã e depois dum longo percurso de 10 legoas sertanejas (7 de 6 quilometros) acam- pamos novamente em territorio pernambuca- no, proximo ao arraial da Cachoeira do Ro- berto, no claro duma caatinga, ao relento. A’ uma legoa desse pouso, deixamos o Estado da Bahia no logar denominado Torres, onde ha uma fazenda antiga, como todas as dessa rejião, feita de pao a pique barreade, com uma varanda (sala) e alguns outros compar- timentos, cada qual mais imundo. A casa proxima a uma lagõa de aguas barrentas onde nós acampamos, num claro da caatinga ha tres moradas, 4 marjem dum brejo, que estará completamente séco dentro de 2 a 3 mezes.

24-4-912

Um de nos foi ao arraial dar consultas e distribuir medicamentos. O arraial é cons- tituido de uns 40 fogos, na sua maioria des- habitados. Ha duas casas de negocio, quasi sem sortimento. Algumas peças de chita, de cores berrantes, algodãosinho, isqueiros uma ou outra peça de fita ordinaria, uma caixa de oleo de ricino, ausencia de cereais, algu- mas rapaduras, e numa delas um saco d'assu- car mascavo e um de farinha de mandioca grossa. Além duma caixa de botões, havia fardas de oficiais da guarda nacional. Ha re- jistro civil muito incompleto, todos os obitos são de morte natural.

Examinámos uma serie de estalecidios (asmaticos), outra serie de vitimas do vexa- me (nada mencs de 8 mulheres, 2 entalados,

muitos impaludados não recentes e doentes banais. A mesma pobreza e sordicie do Lago. Tanto na Bahia como no Piauhi, as medidas quer de capacidade usadas são o covado e a vara; e o prato, e a quarta, sendo que o prato e a quarta equivalem na Bahia, respe- tivamente, a 4 litros e 54 litros, ou 16 pratos e no Piauhí, a 2 litros e 60 litros ou 30 pratos. As moedas fiduciarias são o vintem e o cobre (dois vintens);a pataca oito cobres meia pataca (quatro cobres e o sêlo (480 rs.). A caça nessa rejiões é muito escassa. Até agora algumas codornizes e passaros miudos. Procuramos em Cachoeira do Roberto algum jornal da Bañia ou de Pernambuco, não en- contrando. Nessas parajens não se lê; vive- se absolutamente fóra do convivio do resto do mundo. O termometro marcou hoje 14°. É a temperatura mais baixa do percurso até agora. Temos dormido impunemente ao re- lento, apesar de trazermos toldos e barra- cas.

24-4-912

Partimos tarde e fomos acampar no sitio denominado “Gato” no Estado de Per- nambuco a 3 quilometros do Piauhi e á mesma distancia da Bahia.

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Do “Gato” partimos ás 8,20 a. m. e arranchamos em S. José da Canastra ás 12 horas. Esse arraial está no Estado da Bahia, municipio de Remanso em plena zona sêca. Segundo as informações obtidas, durante as sécas, se conservam verdes as cactaceas. O arraial está situado num taboleiro na encosta duma serra baixa que se estende para o Piauhí. Tem um riacho cortado nessa epoca de cuja agua se serve a população. Nas sécas são abertas cacimbas no leito do ria- cho. Arraial pobre; tem duas casas de co- mercio, com pouco sortimento de fazendas grosseiras. Com dificuldade obtivemos 4 ga- linhas e 2 cabritos para matalotajem ou

| matutajem como abreviadamente pronunciam

algum milho e uma quarta de feijão. per-

| manecemos até 27 em uma casa regular, pa-

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vimentada de tijolos e coberta de telhas. O arraial tem uma capela regular mas muito pobre. Uma ou outra vez, nunca mais de 2 vezes ao ano, ha missa. Ha uma escola par- ticular pouco frequentada. Nela vimos pelas paredes uns desenhos extranhos ao culto. Mo- lestias : asma (estalecídio) em quantidade im- pressionante, ou vexame do coração, entalação (um caso), impaludismo, dispepsias, ausencia de lepra e de molestia de Chagas. Os viajantes lordagos são muito explorados. Em toda a rejião percorrida depois de Petrolina, não en- contramos leito ou produtos de laticínios. O gado está espalhado pelas caatingas e ninguem se preocupa de aproveitar esse alimento; se pega o boi para matar e ser preparada a carne do sol. À carne do porco é pouco usada e poucos os suinos nas fazendas e povoados. Quem viaja por essas parajens, deve partir dos centros bem aprovisionado de mantimentos (matalotaje, farnel) sinão correrá o risco de passar fome. Não se encon- tram legumes, nem verduras. A raiva é muito espalhada e o animal dela atacado é chamado espritado.

27-4-912

Partimos finalmente de S. José de Ca- nastra e depois dum percurso de tres legoas ainda no Estado da Bahia, penetramos em territorio do Piauhi, acampandc ha tres lego- as além da divisa, no municipio de S. Joao do Piauhi, povoado denominado Ponta da Serra, onde pela primeira vez em todo o percurso a cavalo, sentimos a preconisada hospitalidade nortista. Deram-nos excelente coalhada ; pela primeira vez tivemos toalha (e limpa) á mesa, pratos de louça e jantar fornecido pelo morador. A casa era regular, caiada, e o asseio pessoal chamou logo a atenção pelo contraste com a sordicie do que deixamos para traz.

Tambem o terreno é aqui menos sêco, e a vejetação de melhor aspeto. Dizem os moradores não haver aqui o bicho de parede. Molestias: as mesmas até agora observadas.

28-4-912

Partida as 9 horas a. m. passando pelos

sitios Floresta, Conquista e Outeiro onde puzemos cargas abaixo a 1 hora para o al- moço, dai partindo as 4 1/2 p.m. e pouzando no Rosilho ás 8 horas da noite, fazendo um percurso de 8 legoas.

Em todos os sitios ou fazendas por que passamos, fomos obsequiados com leite e coalhada à vontade. Estamos na safra do re- queijáo. Logo após as chuvas, as vacas pari- das são trazidas para os currais, os bezerros delas separados para ser aproveitado o leite para o fábrico (como aqui pronunciam a pa- lavra) do requeijão. Esse costume se veri- fica no Piavhí, pelo menos na zona por nós percorrida. Tudo mais ou menos primitivo, até a linguajem muito pitoresca, tratada em outro capitulo desse relatorio. Dizem, por ex. uma arvore florada (florida) escassidão (escassez) com a faca apunhada (seguro pelo cabo) ingrememente por exclusivamente e outras muitas. À iluminaçäo das casas á noite, é feita com pavios embebidos de cera da terra, ou velas de carnaúba.

29-4 912

Partida do Rosilho ás 8 1/2 a. m. e che- gada a Salgadinha ás 6 horas p. m., com um percurso de 9 legoas, passando por Bar- rinha, Cágado e Barro, sitios e logarejos mi- nusculos. Em Salgadinha, chegámos á hora em que o sol se crava (6 da tarde), segundo a expressão pitoresca do morador do logar, um velho entalado ha mais de 30 anos, e possuidor duma /azarina lejitima de Braga do sistema de pederneira.

30-4012

Guiados pelo velho entulado de Salgadi- nha, marchamos 6 legoas atravez das caatingas até ganhar a serra do Piauhi, do alto da qual se descortina belissimo panorama, e á tarde acampamos no sitio denominado St. Anna. ha umas locas de pedras com abundancia de mocós. Matamos alguns deles, e as locas foram visitadas, nelas encontrando triatomas e carrapatos. Fizemos uma boa provisão de requeijao.

O

1-5-912

Partida de St, Anna, percurso de 6 legoas e rancho no Cavaleiro, passando por Sitio e Passa Bem. Partida de Cavaleiro a 2e pouzo em Bóa Vista, a 3 legoas de S. Raymundo, com O percurso de 6 legoas, passando pelos povoados Marisco e Onça. Ai perdemos o barometro, devido ao desabamento da varan- da, onde haviamos estendido as nossas rêdes. Podemos tomar banho, o que não faziamos ha dias por falta d'agua para esse mister.

3-5-912 a 20-5-912.

Chegámos finalmente a S. Raymundo No- nato depois de percorridas 69 legoas em 18 dias, devendo-se contar como data definitiva do início da viajem cavalgada, o dia 16 de Abril, quando partimos do sitio Recreio ou Coité, a 3 quilometros de Petrolina. Estive- mos retidos dois dias em Terra Nova, dois no Tigre e dois em S. João da Canastra, ao todo 6 dias de parada e 12 de caminhadas com a media de 5 legoas diarias. Serviu-nos esse trecho de treinamento para o restante da viajem, cujo percurso segundo as infor- mações será de mais de 400 legoas até Ara- guarí em Minas Bela perspetiva ! Pelo pano de amostra, bem podemos avaliar o que nos espera. O peior porém, da festa, são os im- previstos nesses fundões de sertão arido e in- gratissimo. Felizmente é otimo o estado moral de toda a comitiva. Em S. Raymundo fomos carinhosamente recebidos pelo pessoal da Construção do acude que nos proporcio- nou todas as facilidades e pela população em geral, devendo, porém, destacar a familia MACEDO, que foi prodiga em gentilezas e serviços, pelo que deixamos nossos agrade- cimentos sinceros.

Atravessamos até aqui, a verdadeira caa- tinga, da qual não se pode fazer uma idéa, sem a ter visto Mato baixo (rara a arvore, que atinje 8 metros) mais ou menos denso, em que é exceção a arvore, arbusto ou her- baceo que não seja coberto de espinhos, troncos, galhos, folhas e muitas vezes a pro- pria flor; espinhos penetrantes, curtos, uns urentes e dolorosos outros, como os da favela,

cortantes como os da jurema, e outros que chegam a cortar até as vestes do couro dos vaqueiros como o do arvoredo chamado rompe-gibão finos e Inngos e dolorosos como os do chique-chique e os de todas as cactaceas em geral.

Trechos ha, enormes, cobertos de ma- cambira, uma bromelicea, cujas folhas, têm as bordas cobertas de espinhos em todos os sentidos; outros, como todos os carrapichos cobertos de espinhos finos, penetrantes e dolo- rosos. Não se pode imajinar natureza mais hostil. A par disso, a ausencia d'agua em trechos longos de 4, 6, 8 e 10 leguas e a qne se encontra em logares determinados, isso no final do inverno abundante, em regra geral, pocos de rios ou de riachos cortados ou coleção das ultimas chuvas, em depressões de pedras ou do terreno, de qualidade, cobertas de algas sobre um leito de lama. Essa a agua para homens e animais, essa a agua que bebiamos com sofreguidão, tal a sêde com que chegavamos aos pousos. Não encontrámos um rio ou siacho correndo. Todos cortados, e alguns completamente sécos. O proprio rio Piauhí, embora com co- leções maiores, está cortado. depois de inteiramente sêcos os póços, é que os mora- dores abrem as cacimbas, quasi sempre no leito do rio sêco. Durante algum tempo, logo após as chuvas e quando sêco o leito do rio ou riacho, a agua conserva-se ainda quasi á flor da areia. Lembramo-nos bem que, ao decer a serra do Piauhí, depois dum per- curso de 4 legoas, em rejiões absolutamente desprovidas d'agua, e debaixo dum sol caus- ticante, atravessamcs um riacho sêco. Esta- vamos todos os da comitiva sequiosos. Um dos nossos camaradas afastou com as mãos uma porção de areia, cavando um pequeno poço e, logo, coletou-se a agua que sor- vemos com sofreguidão.

A base da alimentação é a carne do so! (carne de boi ou de cabrito), séca ao sol e & farinha de mandioca grossa. Feijão, as vezes. arroz raramente. O fubá de milho é desco: nhecido. Legumes escassos; a abobora (ge rimum) nas colheitas das roças de milho), ausencia de verdura. Pouca criação de gali

nhas: o leite é aproveitado logo após as chuvas para o fabrico do requeijao. A carne de galinha, os ovos e o leite são julgados nocivos á Saúde e agravantes de molestias. Raro o individuo que sabe o que é o Brazil. Piauhi é uma terra, Ceará outra terra, Per- nambuco outra e assim os demais Estados. O governo, é para esses párias um homem que manda na gente, ea existencia desse governo conhecem-na porque esse homem manda todos os anos cobrar-lhes os dizimos (impostos). Perguntados se essas terras (Pi- auhí, Ceará, Pernambuco etc.) não estão ligados entre si, constituindo uma nação um paiz, dizem que não entendem disso. Nós eramos para eles gringos, lordaços (estranjei- ros fidalgos), À unica bandeira que conhecem é a do Divino. O analphabetismo é geral e abranje mais de 80 0/0 da população. A vida se reduz ao que concerne á criação miunça, e ao gado, ás vicissitudes da sêca, à previsão do inverno e nada mais e, no entanto, apezar do estalecidio, ou estalecido como mais comumente pronunciam, da entalação do vexame e do impaludismo periodico após 0 inverno, um povo resistente, havendo belos tipos de compleição atletica, organisação robusta ; resignados, estoicos, indiferentes a morte, calmos diante do perigo, otimamente adaptados á natureza hostil das suas terras.

A quantidade de moscas, no sitios e fa- zendas, onde se fabrica o requeijão, é sim- plesmente fantastica. Entram pela boca ao falar-se, pouzam ou caem aos magotes, na tijela do leite ou da coalhada, de quem se descuida,em cobril-as, ou não se as abanam rapidamente, Vimos sacos cheios de coalhada, pendurados em um portal, que estavam negros, cobertos de varias camadas de milhares de moscas as quais, enxotadas, faziam um zum- bido dum colossal enxame de abelhas.

Nos sitios e fazendas, o traje habitual dos homens é a camisa de chita e ceroula e, o das mulheres, camisa de algodão e saia do mesmo tecido. Em S. José da Canastra, o maioral do logar, um negociante, vestia-se apenas com um camisolão de chita. O nosso comboio (expressão local) compunha-se ao entrarmos em S. Raymundo, de 2 medicos

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dum auxiliar, do fotografo, do chefe da tropa, do guia contratado em Joazeiro, de oito ca- maradas, 23 burros carregados, oito de monta- ria e quatro adestros, i. é, de sobra para subs- tituir os fujões, ou doentes, além de dois cãis, Tupí e Turco.

S. Raymundo Nonato é uma vila de casas terreas, construidas com adobes. pavimentadas de tijolos, caiadas, cobertas de

telhas, sem fórros. Ha duas ruas extensas, estreitas, sem calçamento, duas praças, e casas esparsas sem ordem População de

2.000 almas mais ou menos.

Uma igreja de arquitetura banal, peque- no mercado muito pobre, algumas casas co- merciais com pouco sortimento e carissimo. Duas escolas publicas, mal acomodadas e pouco frequentadas. E” cabeça Ge comarca. A municipalidade rende 10 contos por ano. A agua é detestavel, salôbra, extraída de pocos do riacho cortado depois do inverno, e de cacimbas nas sécas. A cacimba munici- pal deixa tudo a desejar, quer pelo lado hi- jienico, quer pelo simples asseio. E” uma fóssa cavada à marjem do riacho, até a altu- ra do leito do mesmo, para a qual se desce, por uns degráos feitos na propria terra, até a agua coletada que é apanhada com uma cuia para a vasilha do carregador. Porque não se faz um póço, revestido de pedra, e coberto, colhendo-se a agua por meio duma bomba? Não vale a pena, é a resposta. O povo está acostumado com isso, que não faz mal algum.

Não ha esgôtos, nem se usam fossas para as fezes. Cada qual se exonera ao ar livre, e a depuração é feita pelo sol. Ha re- jistro civil muito deficiente. A unica causa de morte verificada é: morte natural. A vila tem empreza ingleza, explorando essa cultura, em escala bem avançada. A maniçoba do mu- nicipio rendeu de impostos para o Estado em 1911, mais de cem contos de réis, sendo o imposto de 15 %/o sobre o valor da cota- ção do mercado. Vem em seguida a criação de gado, em logar a cultura de cereais, apenas para o consumo do municipio. O gado, tanto o vacum, como o equino e o caprino, é assolado de molestias, uns anos mais,

outros menos, e estas são: o carbunculo bacteriano, 0 quarto fofo (peste da manquei- ra), o troço ou torce (peste de cadeiras), a sarna ou peste de cocar, a tristeza o escancho o mormo, o mal de chifre a esponja etc..

Era desconhecida ai a vacina de Man- guinhos contra o carbunculo sintomatico (quarto fofo), a molestia que mais dizima o gado nessas rejiões, matando anualmente mais de 50 °/o dos bezerros. Admiraram-se os criadores da nossa afirmativa de que em Minas e em outros Estados não ha prejuizos de um bezerro, sequer, por essa causa, pela infalibilidade do resultado da vacira desco- berta e preparada em Manguinhos, quando aplicada convenientemente. E” lastimavel que os representantes do Piauhi não cojitassem ainda duma providencia tão simples, como a aquisição da vacina, pelo Estado, para distri- buição aos criadores, providencia que daria um resultado economico incalculavel, pois, contam-se por dezenas de milhares anualmen- te, segundo as informações, os obitos de be- zerros pelo quarto fófo, em todo o Estado, cuja principal fonte de renda provem da in- dustria do gado. Nessa vila permanecemos até 20 de Maio. Logo que chegamos, man- damos a tropa para uma invernada, afim de descançar e refazer-se da jornada, e monta- mos o laboratorio portatil, para exame do material colhido e do que colhessemos no local, bem assim o material de farmacia. Foram sem conta os consultantes e, de bas- tante interesse, os resuitados colhidos.

Entre os consultantes vimos um caso de persistencia do buraco de Botal. Por deficien- cia de generos alimenticios no local, um de nós foi a Remanso, cidade bahiana, á marjem do S. Francisco, e a vinte legoas da vila, para adquirir o necessario para proseguimen- to da viajem. O trajeto de S. Raymundo a Remanso, é atravez ainda da caatinga, mas em magnifica estrada mandada construir pela empreza ingleza para uso de automoveis de carga. Faltava ainda um pequeno trecho a construir-se. Remanso, a marjem esquerda do rio S. Francisco, é uma cidade comercial, mal edificada, sem esgótos, nem agua canalizada.

Essa é apanhada em barris no S. Francisco ; sem cuidado, e transportada para os domici- lios em costas de jumento. Clara no verão e muito barrenta no inverno.

A população é de 5 a 6.000 almas, e a cidade dividida em duas partes: o Remanso, a marjem do rio e o Capão, afastado para dentro meio quilometro em terreno um pouco mais elevado. Esse bairro fol construido a partir de 1906, depois duma grande enchen- te que danificou muito a cidade. Entre a ci- dade e o bairro novo, ha um baixio que inun- ha durante O inverno, permanecendo a agua empoçada durante dois a tres mezes de sêca. Por essa epoca lavra epidemicamente o impa- ludismo. A carne sêca ou fresca e a farinna, constituem a base da alimentação. Abatem-se diariamente 10a 12 rezes (matalotajens). Não ha cultura de legumes e verduras. Comercio bem desenvolvido. Bôas casas de fazendas e armarinhos de mantimentos e de ferrajens. Numa delas vimos expostos dois arados. Di- versas jlandrerias (tunilarias) e ferrarias. Conta um medico e tres farmacias. Casas terreas em geral, ce telhavã e pavimentada de tijolos. Ai capturamos o Stegomyia calopus e Cellia argyrotarsis.

De volta do Remanso, onde permanece- mos quatro dias, reunimo-nos a 6 legoas de S. Raymundo, na fazenda do Tanque, ao nosso companheiro, o qual se achava havia alguns dias, colhendo material de estudos e fosseis, sendo bastante proveitosa a sua es- tadia nessa fazenda, Com surpreza nossa, chegou do Tigre um portador (positivo) tra- zendo os dois burros que haviamos deixado sumidos nas caatingas daquela fazenda.

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Depois de uma permanencia de 17 dias, bem aproveitados, com estudos, colheita de materiaes e observação de doentes e animais; descanço da tropa e provisionamento para longo percurso, partimos hontem de S. Ray- mundo ás 12 1/2 da tarde rumo de Parnaguá. Acompanharam-nos até cerca duma legoa fóra da cidade, varias pessõas graúdas do logar, entre elas o Juiz de Direito., o medi-

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co da comissão do acude, o Coronel RUBEN !

(RUBEM) como se diz no logar), e os Co- roneis MANOEL ANTUNES DE MACEDO e JOAO ANTUNES DE MACEDO, dois prestimosos filhos de S. Raymundo, que nos cumularam de carinhos e nos prestaram ser- viços inestimaveis. Acampamos á tarde no logar denominado Lages, pequena povoacáo de chocas e ranchos de taipa, a 4 legoas da vila. Passamos por dois pequenos nucleos de 8a 10 casas (Fachadão e Caldeirão) e por varios barracóes de manicobeiros O trecho hoje percorrido menos arido A vejetacáo menos mirrada. Ha mais capricho nos mora- dores. se encontram arvores frutiferas em quintaes cercados, e algumas casas rebocadas na parte interior. Moradores, à pequena dis- tancia, isto é, mais agua, mais humidade. A caatinga é menos hostil, menos fechada e menos espinhosa. Grande quantidade de bar- beiros (T. megistus) apanhados no interior das habitações, tendo desaparecido as especies encontradas atraz. Grande numero de asma- ticos, tres casos de vexame, um de entalação, e noticia de mais tres. Ausencia do bocio e de outras manifestações da molestia de Chagas. acampamos ao relento, num bosque ralo de juremas, das quais cortamos os galhos mais baixos, para não sermos feridos pelos espinhos. Sob essa cortina de espinhos dor- mimcs nós, e durante as primeiras horas da manhã, ouvimos em consulta mais de 60 pessõas, ás quais distribuimos medicamen- tos. Ai foram-nos fornecidos mais de 100 exem- plares de megistus capturados nas casas. Como no Lago, informaram-nos que o bicho de parede estava desaparecendo com a in- vasáo, no logar, do rato rabo de couro. E' interessante o fato do aparecimento em tão grande escala do megistus, que não encontrá- mos até S. Raymundo, onde apenas colhe- mos 4 exemplares. D'entre os exemplares de megistus, não havia um das especies encontradas dos dy Joazeiroa S. Raymundo.

Não vimos nenhum doente suspeito da molestia de Chagas. Os megistus vão ser examinados em Caracol.

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Partida hontem de Lages ás 10 horas da manhã e chegada 4 Tamanduá, ás 4 1, da tarde com um percurso de 30 quilometros em boa ordem. Vai-se acentuando a melho- ria da rejião pela vejetação mais desenvolvi- da, mais viçosa, e diminuição das arvores de espinhos da caatinga, sobretudo a jurema eos mandacarús. O marmeleiro, que para traz é um arbusto, é aqui uma arvore. Macambi- ras muito escassas, Trechos longos de mata bem regular, sobretudo de anjicos, de troncos grandes e retos. Parece uma transição da caatinga para o agreste. A rejião é mais povoa- da, repetindo-se as moradas a pequenos trechos. Por toda a parte o impaludismo. Em Tamanduá, nucleo de 12 a 15 casas esparsas com uma população de cerca de 100 habi- tantes, fomos carinhosamente hospedados pelo Snr RIBEIRO, fazendeiro no local. To- mamos nota de 2 entalados, um caso de ve- xame e 4 asmaticos e muitos impaludados. Ao Snr. RIBEIRO, demos 7 vidros de clori- drato de quinina e instruções para o tratamento das sezões. 7. megistus em abundancia.

22-5-912 a 31-5-912

Partimos de Tamanduá ás 9 7/2 a. m., chegando ao Caracol ás 5 p. m. depois dum percurso de 7 legoas. Viajem, agradavel, quasi toda á sombra dum capoeirão com poucas abertas. Passamos por varios sitios e por um pequeno povoado (Jurema), avisan- do aos moradores que permaneceriamos alguns dias em Caracol, onde dariamos con- sulta.

Caracol é um arraial de mais de 100 anos, constituido duma rua e varias casas esparsas, com cerca de 50 casas ao todo, e uma população avaliada em 400 pessõas. Está situado nas fraldas da serra das Confusões, onde nace o rio Piauhi. Os moradores ser- vem-se da agua duma grande lagõa, que so- mente séca nos anos de sêcas excepcionais. fomos carinhosamente recebidos pelo Co- ronel AURELIANO AUGUSTO DIAS, que nos deu casa e muito nos auxiliou durante a nossa permanencia no logar. Aliás, desde

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nossa entrada no Estado do Piauhi, temos verificado nas povoações e nos pouzos quanto é hospitaleiro, solicito e obsequioso esse povo.

Em Caracol permanecemos 9 dias, porque verificamos a facilidade de adquirir materiaes para estudos e por ser o centro duma rejiáo bastante habitada, para onde acorreriam Os doentes á procura de medicamentos e indi- cacao de tratamento. Assim aconteceu, e a nossa estadia aí, foi muito proveitosa para O que tinhamos em vista. Montamos o labora- torio e a farmacia e durante 9 dias trabalha- mos como mouros. foi identificada a mo- lestia de cavalos e muares, O torce ou troço, tão espalhada nos sertões do Piauhi e Bahia com a peste de cadeiras, por nos ter sido apresentado um cavalo afetado do force, en- contrando-se no sangue periferico do mesmo, grande abundancia do protozoario canzador da peste de cadeiras, colhemos abundante ma- terial e podemos observar algumas dezenas de doentes de entalação e vexame. Tambem verifi- camos a presença de dois casos do Schistoso- mum mansoni e examinámos centenares de me- gistus capturadas em todo o percurso e no local, podendo afirmar que a ausencia do bocio e outras manifestações da molestia de Chagas nessa rejião, está de conformidade com a au- sencia do protozoario, causa da molestia, no intestino do inseto transmissor. Causou admi- ração 4 população local o termos apanhado viva um cangambá (jaritataca em Minas), tal o fétido do liquido que ele secreta e lança em quem o persegue, sendo ele a sua unica arma de defeza. Não se pode avaliar o que seja.

Alem disso, de tal fetido empregnam-se as roupas, e tão repugnante é ele, que o re- medio é despojar-se a gente delas. Pois captu- ramos O animal e tivemol-o preso dois dias. Seja dito que das cinco pessôas que toma- ram parte na facanha, uma náo teve nau- sias e vomitos. Foi morta á bala de carabi- na uma ema, que nos forneceu bastante ma- terial. Foram verificados alguns casos de tu- berculose, denominada a magra cu mal de secar.

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Partida de Caracol ás 10 '/2 da manhã, acompanhados até cerca duma legoa por al- gumas pessóas gradas do logar e chegada ao povoado Peixe, ás 5 horas da tarde (6 legoas). Estamos novamente no Estado da Bahia, municipio do Remanso, desde 2legoas a partir do Caracol, e novamente tambem em zona sêca de caatinga, tendo acabado a mancha menos séca de S. Raymundo a Caracol. Essa, segundo informacóes, prolonga-se para nor- deste para O municipio de Bom Jesus da Gurgueia.

Durante o percurso paramos duas vezes, uma no Angico (nucleo de 5 casas) e outra na fazenda “Aroeiras”. 2 entalados em Angi- co e um caso de bocio exoftalmico em Aroeiras. Pela entrada vimos um quadro in- teressante, uma comitiva duma familia em longa viajem. Compunha-se ela dum casal e 4 filhos (de um, de dois, quatro e sete anos). Os tres menores iam sentados sobre as broacas nas costas dum jumento, puxado este pela mãe, indo á frente e a pé, com uma trouxa ás costas, O pai, com a filha de 7 anos, tambem á pé. Perfeito quadro das antigas perenigra- ções da Palestina. Essa familia vinha do Ma- ranhão, distante mais de 80 legoas, e viajava havia 23 dias. No trecho percorrido, encon- trámos pela primeira vez, em quantidade, uma arvore muito abundante nos cerrados de Minas, o tinguí, aqui dominado timbó. Ali e aqui, o seu fruto é aproveitado para a fabri- cação de sabão, como tivemos ocasião de observar.

Peixe, é um povoado minusculo de seis casas, mais rodeado de pequenos sitios (su- burbios), contando numa redondeza de 4 legoas, cerca de 400 hab'tantes. A agua é a duma lagôa bastante profunda, que raramen- te séca (não manca) segundo a expressão local. tivemos de permanecer um dia, tal a quantidade de consultantes que nos pro- curaram (cerca de duzentos) entre estes de- zenas de entalados e vitimas do vexame de

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coração, duas manifestações morbidas larga- mente espalhadas, nessas rejiões, e que aliás a população não liga grande importancia, porque não matam, e são males corriqueiros. Tanto o vexame como a entalação, acompa- nham sua vitima toda a sua vida, que se pro- longa muitas vezes, aos 70 e 80 anos. Vão diminuindo os casos de esfalecidios (asma- ticos). Apareceu-nos em todo o percurso até aqui,o segundo caso de bocio em uma moça, residente no municipio do Remanso, no logar denominado Pedra Comprida, a 9 legoas do Caracol. Moça de 16 anos de idade, de baixa estatura, casada havia 21 mezes, com aspeto de saude. Na ocasião em que a examinamos tinha 110 puisações por minuto, mas além de gravida de 8 mezes, fizera em dia e meio um percurso de 15 legoas a cavalo. Vinha acompanhada do pai e dum primo, rapaz de 18 anos, ambos de baixa estatura.

O pai media 1m48, o rapaz 1m46, bem proporcionados porém, e de intelijencia lu- cida, sofrendo c ultimo de vexame desde a idade de 10 anos. O pai desse rapaz, ja morto, era um enfalado. Afirmaram todos que na “Pedra Comprida”, onde ha muito bicho de parede, ninguem mais, a nao ser a moca que examinámos, apresenta bocio. En- contra-se aqui em abundancia o barbeiro (me- gistus), sem parasitos, nao havendo tambem a molestia de Chagas. Compramos um quarto de boi (matalotajem). Abandonou a co- mitiva o nosso cosinheiro que tinhamos con- tratado em Joazeiro- Arvoramos em cosinhei- ro um camarada, vitima de entalação, que contratamos em Caracol. Os nossos caniaradas não nos inspiram confiança, e estamos sempre receiosos de alguma traição, sobretudo agora, que vamos atravessar uma rejião perigosa de barracões de manicobeiros, gente sem escru- pulo arrebanhada nos sertões da Bahia, Per- nambuco e Alagõas, cangaceiros habituados aos assaltos e morticinios.

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Partimos de Peixe ás 9 1/ da manhã, e chegamos a Jatobá a 1 hora da tarde, com um percurso de pouco mais de tres legoas. Pretendianios acampar muito além, na Bocca

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da Caatinga, mas fomos informados de que ali a agua sécara e que essa seria en- contrada algumas legoas diante no logar denominado Comandante. Pelas informações colhidas resolvemos modificar o nosso itine- rario, pois pelo anteriormente traçado, cor- reriamos o risco de não encontrar agua em longas travessas de 10 e 12 legoas. Acam- pamos, pois em Jatobá, e proseguiremos a jornada por outra estrada onde ha travessias menores de agua a agua. Perguntado um pedestre que chegava em tal ou qual logar ha agua? é comuma resposta: Até hontem, ou até tal dia ainda havia, hoje não afirmo. Ja- tobá é constituido de 5 habitações barreadas e cobertas de páo de casca todas pertencentes a uma familia. À agua de que se serviam por ocasião de nossa passajem, era a de chuva coletada numa escavação praticada num terre- no arjiloso, e que deveria estar sêca dentro de dois mezes, forçando os habitantes a se trans- ferirem para daí a uma legoa, onde ha logar proprio para abertura de cacimbas. Nessa es- cavação, bebem os animais e dessa agua se servem os habitantes. Estava barrrenta, côr de havana, horrivel. Centrifugamol-a e veri- ficamos a existencia de 10 c3 de lama por litro d'agua. Dissolvemos nela um pouco de alumen, e assim conseguimos ciareal-a e de- positar a lama no fundo da vasilha. As cinco moradas de Jatobá contam 37 habitantes, todos aparentados entre sí.

Do casal tronco, a mulher é entalada e o homem estalecido (asmatico). 2 Filhas ca- sadas sofrem do vexame. Todos, queixam-se da caseira (constipação intestinal). Por essa gente fomos informados da existencia do bocio em Guariba municipio de Bom Jesus da Gurgueia, onde ele pinta, aqui e ali, bem como dum caso em Carahibas (municipio do Remanso Bahia). Desde Caracol impressio- na a abundancia de conjuntivites, blefarites, dor d'olhos, leucomas e outras molestias de olhos. Ha quatro doentes de conjuntivite. O tratamento aqui é o seguinte: moem entre duas pedras, um grão de chumbo de caça, misturam o com suco de limão e sarro de cachimbo, e aplicam nos olhos essa mis- tura infernal.

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Partida de Jatobá ás 9 horas da manhã; percurso de sete legoas atravez da caatinga e pessimas estradas até a Fazenda Carahibas, onde chegámos ás 6 horas da tarde. Passa- mos por alguns ranchos de maniçobeiros, com os quais conversámos, ouvindo-lhes a historia de sua escravisação. Contratados por um patrão, seguem para o maniçobal, onde os generos alimenticios lhes são debitados por preços 100 e 200 o/o maiores do que os preços das feiras. Dentro de pouco tempo, o salario não cobre as despezas, tornando-se eles de- vedores do patrão e seus escravos até que possam saldar a divida. Si fojem e são agar- rados, tomam surras medonhas. Si resistem, são mortos impiedosamente. Matamos algu- mas codornizes e 2 paturis. Observámos 2 casos de entalação e tres de vexame. Existen- cia do megistus e ausencia da molestia de Chagas. No entanto a rejião é bastante sus- peita.

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Levantamos cargas ás nove horas da manhã, e depois duma caminhada de 5 legoas, puzemos cargas abaixo ás 2 horas á marjem duma lagôa, com a denominação expressiva de Bebe-mijo, novamente no Estado de Piauhí, Essa Jagôa, formada d'agua de chuva, está numa grande depressão duma extensa varjem. E” bem grande depois do inverno, e decor- ridos dois a tres mezes de verão, séca intei- ramente.

A ela ocorrem todos os animais de uma redondeza de muitas legoas para saciar a sêde, e como acontece frequentemente, esses ani- mais, quando bebem, tambem desbebem. Dai o nome dado á lagõa. Quando chegamos, uma manada de cerca de 20 eguas bravias, justificavam praticamente a denominação. Era nossa intenção acampar, no logar deno- minado Onça, duas legoas além, mas fomos informados, á tempo, de que a agua ali havia secado. Nessas parajens, quer viaja cepois do inverno, precisa indagar com muita segurança dos logares em que ha agua para pessoas e animais para não correr O risco

de sofrer séde. Os póços e lagóas, esgotam- se rapidamente pela intensa evaporação. Os sitiantes ou fazendeiros que dispõem dum poço ou dum açude, cercam-no e em deter- minadas horas deixam beber, por turma, os animais de sua propriedade. Si aparece algum animal estranho á bebida, é enxotado á vara ferrada (guiada do vaqueiro). Chama- se jiqui a entrada para o cercado da bebida. Dentro dum mez a lagôa, 4 cuja mariem nos achamos, uma outra (Lagõa do Matto) a uma legoa para traz e a da Carahibas, onde hontem nos arranchamos, estarão sêcas e fi- cará a estrada com um percurso de 15 legoas absolutamente sem o precioso liquido.

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Partimos ás 8 horas da manhã e acam- pamos ás 3 horas da tarde, á beira de um grande açude da Fazenda da Cruz da D. Be- nedita Percurso 6 legoas. Felizmente atra- vessamos a peior rejião e aqui nos informa- ram de que náo nos faltará mais a agua até Parnaguá. Matamos, 2 patos, 10 pombos ver- dadeiros, um socó boi, varios marrecos e uma curicaca. À casa dessa fazenda tem o aspeto das antigas fazendas de Minas. Casa grande com larga varanda na frente. Está, porém, abandonada e nela habita apenas um vaqueiro, com reduzida familia. No trajeto de hoje passamos pelo barracão dum mani- çobeiro, onde Havia 2 impaludados (pai e filha). O pobre homem mostrou-nos uma ga- rafa com o seguinte rotulo:

“Possáo anti-periodica para cura de todas as febres” (assinada Dr. BARROSO).

que lhe venderam por bom dinheiro como infalivel.

Beberam ele e a filha quatio colheradas, cada um, da taldroga e quasi morreram viti- mados por vomitos e diarréa abundante. A tal droga cheirava a limao. Suspeitamos duma tisana contendo tartaro emetico. Passamos pelo sitio “Volta do Riacho” com paredes e cobertura de casca de madeira do “péo de

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casca” onde estava residindo temporariamen- te uma grande fazendeira de orijem fidalga.

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Partimos da Cruz ás 9 Ya da manhã e depois de um percurso de 24 quilo- metros, acampamos na Batalha ás 2 Ya da tarde, ao relento e á beira dum açude pos- suindo agua regular. Ha dois dias que acendemos fogueiras 4 noite em torno das nossas camas, porque a temperatura baixa á noite á 13 e 120 e nós dormimos ao relento em logares muito humidos. Ha uma duzia de casas esparsas em torno do açude, que forma um pantano de mais de um quilometro. Fomos procurados por todos os moradores do logar, á procura de remedios para seus males (im- paludismo, vexame, entalação, caseira). -

Em uma casa estava guardadu O cada- ver deum homem vitimado pelo impaludismo. O enterro foi realizado á tardinha, carregado o cadaver em uma rêde e acompanhado por todos os moradores do logar debaixo de can- toria e algazarra. Mais parecia uma festa que um ato funebre. Dormimos ao relento na clareira dum pequeno bosque.

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Partida da Batalha ás 10 horas, percur- so de 5 legoas e acampamento ás 4 !/2 da tarde em Ipueira, 4 marjem duma lagôa, com mais de 2 quilometros de extensão, uma das poucas que não mancam. Como de costume acampamos, ao relento, armando apenas O toldo.

Não ha habitantes em suas marjens, e a razão é a intensidade e extensão do impalu- dismo. Matamos um pato, tres marrecos e 2 caraúnas. A's 10 horas da noite, matamos a tiro, numa arvore, um rato de longa cauda lisa, denominado “rabudo”,

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Partimos de Ipueira ás 10 horas e acam- pamos 4 legoas além, na Baixa da Telhas. não podemos realizar marchas maiores. Os burros estáo quasi todos pisados, feridos e estropiados. Seremos forçados a uma longa

permanencia em Parnaguá para descançal-os, cural-os, e alimental-os convenientemente: Passamos por um povoado “Jití”? onde fomos informados da existencia num sitio proximo, de duas papudas, dizendo-nos a velha infor- mante que por aquelas parajens o papo pinta (aparece aqui e ali.). Causa otima im- pressão nessas rejiões do Piauhí o aspeto do boi, e bem assim o paladar do leite. Esse é espesso, gordo e saboroso.

O boi crioulo, sem raça, é grande e de couro liso e reluzente, porque não é persegui- do pelo berne nem pelo carrapato, que não existem. Resolvido o problema da sêca e o da viação, essas rejiões serão admiravel- mente aproveitadas para o desenvolvimento da pecuaria, com vantajens extraordinarias sobre as do sul do paiz. A construção de algumas estradas de ferro bem orientadas, rezolverá mais rapidamente o problema da séca do que a periuração de póços e cons- trução de açudes.

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Fizemos um percurso de 36 quilometros, partindo da Baixa das Telhas ás 8 12 da manhã e chegando 4 lagóa Ibiraba ás 4 horas da tarde. A” exceção da fazenda Bomfim aquem 1/2 legoa de Baixa da Telhas e dumas tres choupanas de maniçobeiros pouco mais adiante, a rejião é inteiramente deshabitada. Arranchamos em um rancho aberto á beira da lagôa, que é muito extensa e larga, bas- tante profunda e de belissimo aspeto, orlada dum grande carnaubal. Durante o percurso matámos 2 pica-páus, uma curicaca e alguns gaviões. Na lagõa matamos 5 irerês. O ani- mal em que vinha montado o fotografo afrou- xou, tendo caido duas vezes. Foi necessario deixal-o solto, passando para outro animal os arreios. O pobre animal chegou ao acam- pamento 4 noite, tendo vindo a passo, puxa- do por um camarada. Apanhamos 4 noite grande porção de anofelinas (Cellia argyro- farsis’. Pela primeira vez encontrámos carra- patos.

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Chegamos á Parnagud ás 3 horas da tarde, tendo partido de Ibirada ás 10 !/2 da manhã. Fomos carinhosamente recebidos pelo Coronel O'DONNELL DE ALENCAR, que nos forneceu casa regular. Em Parnaguá per- manecemos o tempo necessario para curar os burros, quasi todos feridos nos lombos pelas cangalhas; e reforcal-os com bôas pas- tajens. Além disso, precisavamos examinar o material de estudo colhido na viajens e apro- visionarmo-nos de comestíveis, muito es- cassos, para podermos proseguir. Bela topo- grafia a da vila, que está situada entre uma serra sem nome e a majestosa lagôa, que lhe deu o nome, a qual mede duas legoas de comprimento por quasi uma de largura. com a profundidade maxima de quatro metros, Algumas ilhotas. A vila, fundada em 1634, nunca progrediu e atualmente está em franca decadencia, com grande numero de casas em ruinas. Conta pouco mais de 100 casas, al- gumas caiadas, muitas barreadas apenas, e uma unica com janelas envidraçadas, perten- cente ao Dr. JULIO LUSTOSA, Juiz de Di- reito de Sta. Filomena, no Maranhão. Resi- de um medico bahiano, o Dr. NASCIMEN- TO, que exerce o cargo de professor publico, percebendo por isso rs. 60$000 mensais. Ha um mercado pauperrimo, uma escola publica, uma farmacia e cadêa e intendente. Para nos abastecermos de comestiveis para prosegui- mento da viajem, tivermos de mandar um po- zitivo à Sta. Rita (E. da Bahia), porque na vila não havia cereais, nem assucar, nem sal, nem café, nem farinha. Não encontrámos ga- linhas ou frangos, 4 venda; em toda a vila conseguimos obter uma duzia de ovos. A agua abundante da lagõa é desagradavel, sa- lôbra. Por isso, a população, prefere a agua de cacimbas abertas em geral á marjem da lagôa. Pessôas ha que, usam-na para beber, trazida dum buritizal a uma legoa de distan- cia. Povo indolente, como aliás em todo o Brazil. Não se um quintal plantado, nem legumes, nem verduras. Rarissimas as arvo- res frutiferas. Alimentação de carne e farinha, e ás vezes peixe e farinha. Apesar de bastan-

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te piscosa a lagõa, raramente se pesca. Com dificuldade obtivemos peixe, duas vezes ape- nas, durante nossa longa estadía de 21 dias. O” Donnell, homem intelijente e de regular cultura, além de relevantes servicos, prestou- nos informaçôes preciosas sobre costumes dos habitantes, molestias humanas e de ani- mais. Ai se encontra a molestia de Chagas bem caraterizada, porém pouco disseminada, sendo raros Os casos graves de manifestações nervosas ou cardiacas da molestia. Pela pri- meira vez desde o inicio da viajem, encontra- mos O parasito causador da molestia em tres ninfas de 7. megistus, depois de centenas de exames negativos. Insistimos nos exames de novos insetos e não mais se encontrou o pa- rasito. São em numero apreciavel, os por- tadores de pescoço grosso, e alguns com o bocio bem visivel. Verificámos alguns casos de anquilostomose, muitos de impaludismo não recente, grande numero de entalados e de vitimas do vexame.

O estalecidio (asma) vai escasseiando, sensivelmente. A temperatura elevou-se bas- tante desde Ibiraba. Até aí, tinhamos neces- sidade de acender fogueiras á noite, pois a temperatura baixava a 120. A minima em Parnaguá 180. Maxima de 320. Toda a rejião percorrida é muito atrazada. Não ha noção de conforto relativo, nem mesmo de asseio ; analfabetismo em mais de 80 °/o da popu- lação, pobreza e quasi miseria gerais -e por isso a escravisação dos miseraveis aos poucos individuos menos ignorantes e que dispoem de alguns recursos, sem que esses procurem minorar as precarissimas condições de seus dominados. Verificámos cousa semelhante no norte do paiz (Amazonas) e justificámos agora o conceito doloroso dum notavel juris- consulto e eminente politico da monarquia que, consultado sobre se a restauração da monarquia, ou a instituição da republica par- lamentar e unitaria não melhoraria a situação do Brazil, respondeu que não acreditava que isso se desse porque, dizia ele, para que qualquer forma de governo fizesse caminhar o paiz, era preciso que tivessemos um povo, e o que tinhamos “não era um povo, mas o estrume dum povo que ainda ha de vir”,

—— 199

Daqui mandamos um portador até 4 ci- dade da Barra, levando telegramas com noti- cias nossas ás respetivas familias, o qual na volta trouxe de Sta. Rita duas cargas de ge- neros alimentícios indispensaveis para pro- seguirmos a viajem para Goiaz, onde nos informam aqui, ser ainda mais parcos os re- cursos. No municipio de Parnaguá ha varios barracões de maniçobeiros, cujos operarios vivem em sua maioria escravisados aos bar- raquistas. O sistema de escravisação é iden- tico ao dos infelizes extratores do latex da Hevea no Amazonas. Os barraquistas têm ajen- tes que viajam por toda parte, aliciando os maniçobeiros.

A estes fornecem os barraquistas alem, de generos alimenticios, roup:s grosseiras e utensis indispensaveis por preços inominaveis, sem o direito de os adquirir onde queiram, e pagam-lhes determinada quantia por quilo de borracha. Por mais dilijente que seja o ma- niçobeiro, em pouco tempo, é devedor do barraquista e desde então, fica-lhe escravisa- do até que, por acaso, consiga saldar a divi- da, ou que outro barraquista ou alguem O compre, saldando tal divida. Outro sistema de escravisação: rapazes pobres de 12 a 16 anos são atraídos por fazendeiros, barraguistas ou tropeiros com promessas falazes, e contratados com consentimento dos

pais. Decorrido algum tempo é apre- sentada uma nota da divida do infeliz, que não pode ser saldada. Aparece então um abnegado que se prontifica a

pagar a divida do rapaz, mediante a sua es- cravisação ao generoso pagador. Esses gene- rosos (barraquistas, fazendeiros, tropeiros, etc.) são sempre amigos de todos os gover- nos, de sorte que nada lhes acontece, e as autoridades pactuam sempre com essas trafi- cancias. Durante a nossa permanencia em Parnaguá, fujiram dum maniçobal para a vila, quatro maniçobeiros pedindo a proteção da autoridade local contra as atrocidades de que eram vitimas. Ao encalço deles, vieram emis- sarios do barraquista e a esses foram entre- gues pela autoridade local os quatro infeli- zes.

Em um ajoujo (duas canóas amarradas pelas bordas) fomos até 4 Ilha do Meio, onde encontrámos enorme quantidade de garças, colhereiras e socés. Tivemos oportu- nidade de verificar a voracidade das piranhas de que é rica a lagóa. A caca mal ferida, ou morta na ocasiáo que caía na lagóa, era de- vorada em minutos pelos vorazes peixes.

Consideramos Parnaguá o limite da 1e- jião séca do nosso itinerario. Estamos per- feitamente informados de que, de ora em di- ante, á exceção dum pequeno trecho antes de Formosa, todos os rios sáo perenes correntes. A vejetacáo é outra, muito mais vicosa, e pujante, e logo que transpuzermos o Rio Preto, entraremos nas verdejantes campinas e veredas de buritis. Foi bem do- lorosa nossa impressão da rejião percorrida e muito penosa e desconfortavel nossa ex- cursáo, pela escassez ou ausencia mesmo de recursos, pelo atrazo e ignorancia de seus habitantes, embora hospitaleiros e de indole pacifica e prestimosa. É uma rejiáo que, embora ha seculos habitada, ainda se encon- tra impermeavel ao progresso, vivendo Os seus habitantes como os povos primitivos. Vivem eles abandonados de toda e qualquer assistencia, sem estradas, sem poli- cia, sem escolas, sem cuidados medicos nem hijienicos, contando exclusivamente com seus parquissimos recursos, defendendos suas vidas e propriedades a bacamarte, sem proteção de especie alguma, sabendo da existencia de governos, porque se lhes cobram impostos de bezerros, de bois, de cavalos e burros. Viti- mas do clima ingrato, da caatinga hostil e de molestias como o impalndismo, a que mais castiga a rejião, em epoca certa do ano, e outras desconhecidas e que agora vão sendo denunciadas como o vexame e a enta- lação. Sob o nome mal de engasgo encontra- se no capitulo XXII, pp. 417-418 da obra Brazil And The Brasilians Portrayed In His- torical And Descriptive Sketches by D. P. KIDDER and J. C. FLETCHER Philadelphia 1857, talvez a primeira indicação da existin- cia da molestia em S. Paulo e Goiaz.

ee A

E apesar de tudo isso, uma raça resis- tente, aproveitavel, vigorosa e digna de melhor sorte. O tipo do vaqueiro das caatingas é um simbolo de destreza, de ajilidade, de força e de resistencia. Metido em suas vestes de couro (gibão, peitoral, perneiras e botinas) grande e pezado chapeo do mesmo materi- al, preso por um barbela, luvas de couros protejendo apenas o dorso das mãos, monta- do num cavalo magro, em geral pequeno, mas adestrado na luta, empunhando uma guiada (vara de pão resistente de cerca de dois metros de comprimento com uma pon- teira de ferro) com os pés metidos em toscas caçambas de madeira, ele entra pela caatin- ga fechada, inçada de espinhes, á procura do boi e encontrado esse, toca-o e cerca-o ora abaixando-se, ora desmontando-se rapi- damente para se livrar duma cabeçada num galho que não o deixa passar, nem mesmo colado ao pescoço do animal, galgando de novo a sela como um acrobata, esgueirando- se, colocado ao ventre do cavalo, como um felino, por entre os moitas trancadas, num exercicio fantastico de ajilidade e de resistencia leva O vaqueiro horas inteiras até domar o boi, numa mmaihada (claro na caatinga) e leval- o afinal vencido para o curral. Entra na hu- milde morada, retira as vestes de couro, toma a frugal refeição de carne de sol e farinha, conta naturalmente, sem afetação, a luta do dia, e dorme tranquilamente para recomeçar no dia seguinte o desporto que mais destreza, sangue frio e ajilidade exijem de todos os que conhecemos.

Ha muitas vitimas entre eles. Encontra- mos diversos vaqueiros com um dos olhos vasado, outros com grandes cicatrizes no rosto e no pescoço. Vimos em Caracol, um desporto interessante. Os cavalos do norte são em geral ensinados a esquipar. O esquipado é uma marcha peculiar aos cavalos dos Es- tados do norte. É um andar especial, muito rapido e agradavel. Um cavalo não esquipa dor, acompanhará o esquipador, a galope ou a meio galope. Reunein-se varios cavalei- res em uma grande esplanada, montados em bons cavalos esquipadores e partindo dum mésmo ponto, sem galope mas apenas esqui-

pando, e chegando a meta determinada, es- barram os animais que, com a parada brusca, recuam cerca de dois metros raspando o solo com as patas trazeiras sem cair. O animal que cae é repudiado. Um de nós adquiriu em Caracol um cavalo esquipador no qual viajou mais de trezentas legoas. Apezar de todas as vicissitudes, ha habitantes das caa- ingas de compleição vigorosa, corpulentos e robustos sobretudo em Pernambucoe na Bahia, onde vimos tambem muitos individuos alvos de cabelos louros e olhos azues.

Em todo o percurso, exceto Joazeiro e Remanso, não vimos nem tivemos noticia dum moinho para café, duma maquina de costura. A costura é feita somente 4 mão, o café pilado em pilões de madeira. Não viinos uma vela de estearina. Usa-se a candêa, a vela de carnaúb», o pavio embebido de céra virjem e a lamparina de querosene, feita de folha flandres; essa, somente, nos povoados maiores (S. Raymundo e Caracol).

Está claro que nos referimos aos habitos locais, sem alusão aos forasteiros e alguns moradores abastados e viajados, como tais consideramos os funcionarios da construção do açude em S. Raymundo, os inglezes que exploram a cultura de maniçoba, e que tanto quanto possivel têm bastante conforto.

Parece-nos que, se os comerciantes im- portassem esse objetos, ficariam com eles retidos, sem compradores. E” dificil arrancar a rotina. Essa desapáreceria se fossem aber- tas comunicações faceis para os centros civiliza- dos e se pudesse localizar na rejião pessoal de outras rejiões, habituado a algumas con- quistas da civilização. Não encontrámos mas- cates italianos ou sírios, nem noticias de tal gente. Não ha na rejião percorrida um por- tuguez. Os mascates são veiculadores de civi- lizacáo nos sertões, pelos objetos que intro- duzem; espelhos, escovas de dentes e de roupas, pentes, lamparinas, relojios. Os mas- cates que percorrem essa rejião são nacionais e vendem somente o que é habitual entre os habitantes por preços exorbitantes, sem a preocupação de introduzir novos utensis. Tudo é primitivo. O sistema de cultura, o fabrico do requeijão, do assucar, e da farinha, a te-

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rapeutica empirica, as abusôes, as crendi- ¢as, etc.

E’ um povo atrazado ainda de alguns se- culos. E” possive! que tenhamos deixado uma lenda de homens que tinham comercio com o capeta. Causava assombro a nossa iluminaçäo a acetileno. Nao compreendiam os infelizes como o contato da chama dum fosforo pudesse provocar a luz, sem a pre- senca dum pavio. Os nossos utensis de cozi- nha, as camas, as malas, eram objetos de admiração. O microscopio infundia receio. Ha na vila um gramofone em casa do Coro- nel O’Donnell. Logo que chegou o aparelho, conta o Coronel, houve assombro entre aquela gente, convencida de que ali havia cousa do diabo. Depois, habituaram-se ; acei- taram a explicação dada e hoje ninguem se assusta com o gramofone.

Ha muita gente nos sertões do nordeste que se alimenta de mel, muito abundante nas caatingas e nas matas, misturado com fa- rinha. No nosso trajeto de S. Raymundo a Remanso, encontrámos varios meladores (tira- dores de mel nas matas), e raro era O pouso em que se nos não oferecia mel das diferen- tes especies de abelhas que abundam na rejião. Passamos por uma morada entre a “Batalha” e a “Fazenda da Cruz”, onde vimos um homem semi-nú que chegava da mata, oude fcra melar. Rodeavam-no a mulher e quatro filhos menores, cada qual com uma cuia com um pouco de farinha no fundo. Iam tomar aquela hora (1 da tarde) a sua unica refeição do dia. Penetramos na vivenda miseravel, verificando a ausencia de qualquer alimento exceto uma pequena caba- ¢a com farinha de mandioca.

Não ficamos inativos em Parnaguá. Co- lhemos grande copia de material e, durante todo o tempo de nossa permanencia ali, atendemos diariamente a grande numero de doentes, verificando à presença do bocio e de outras modalidades da molestia de Chagas. Entre os consultantes, apareceram-nos dois tios de uns anões, de que ouviramos falar no Jití; um sofrendo de vexame ha quatro anos e o outro para informar sobre 6 mesmo mal, para um irmão que não poude vir. São

ambos de baixa estatura. Im 46, um deles e 1m 45 o outro; 50 anos de idade e 42 o outro. Ambos robustos e com tiroides nor- mais. O pai ainda é vivo, tem 94 anos e ainda vaqueja. E tambem de baixa estatura, bem assim toda a familia. Os casamentos se fazem entre os parentes. Alem dos dois anões, ha crianças muito pequenas de nacimento. Um dos consultantes, tinha um filho com dois mezes, que a mãe trazia ao seio e que não medía mais que um e meio palmos.

Que exceto uma irmã dos anões que tem o pescoço grosso, ninguem mais da fa- milia apresenta o papo. Á vista das informa- çóes, mandamos fotografar os anões ea fa- milia. Fizemos excursões fóra da vila. Esti- vemos numa fazenda (Buriti), cuja casa, de esteios de madeira de lei, sem alicerc s conta mais de cem anos. Espaçosa, com boas salas, quartos amplos, bem conservada, apesar de quasi sempre deshabitada. Conser- va ainda, algum mobiliario, que denuncia a riqueza de seus primitivos moradores. Em um dos salões, encontram-se trez molduras com os retratos dos Barões de Parnaguá, de Parahim e da Sta. Philomena. Todo o mate- rial da tropa foi reparado eos burros, foram curados das pisaduras. Encontramos excelen- tes pastajens fechadas (mangas) de capim angola, e compramos a 2 legoas da vila, boa quantidade de milho.

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Chegou finalmente o portador que havi- amos mandado á Barra passar telegramas, e a Sta. Rita comprar generos. Podemos agora proseguir a viajem que ficou marcada para o dia 2 de Julho. O Coronel O'DONNELL, informou-nos de que, em Therezina, não ha a entalação. Ele residiu ali muitos anos e nunca

viu nem ouviu falar em tal molestia; que a veiu conhecer somente no sul do Es- tado, onde constitue uma epidemia; que

conhece um caso de morte peia entalação dum velho entalado ha muitos anos o qual, em certa epoca, não pcude mais de- glutir e dentro de oito dias morreu de ina- nição. Foi o segundo caso de morte, pela mo- lestia que chegou ao nosso conhecimento. No

A AA

consultorio, verificámos 12 casos de entala- ção e tivemos noticias de 15. Verificámos 10 casos de vexame e tivemos noticias de muitos outros. Náo verificámos um unico doente de asma. Varios casos de bocios, alguns apenas perceptiveis; um caso grave de alteração do sistema nervoso, um de pulso lento (54 pulsacóes) e um de mixedema.

2—7 - 912.

Partimos de Parnaguá ás 5,40 da manha e depois dum percurso de 30 quilometros acampamos no Angico so um frondoso ja- tobá. Acompanharam-nos até 1/2 legoa da vila, o Coronel O'DONNELL e um filho, o Major ELVAS, intendente e o farmaceutico URBANO DE ARAUJO. Pelo caminho vimos varios casos de bocio bem carateriza- dos. Viajamos á marjem esquerda do Para- him, primeiro rio corrente, desde o inicio da excursão. Dizem os habitantes de suas marjens, que ele é perene e que nas sêcas excepcionalmente rigorosas, corta. Tendo desaparecido um burro com a carga, tivemos do permanecer no Angico até que voltasse o camarada mandado a procura do extravia- do. encontramos, uma familia de papudos, viuva e 10 filhos. A velha tem o bocio bem desenvolvido e diz que o contraiu em Gilbu- és, e bem assim os filhos mais velhos. Os menores nacidos em Axgico, contrairam-no ai. Toda a familia tem aspeto de saúde e robustez. Nenhum deles, apresenta sintomas de perturbações nervosas ou do aparelho cir- culatorio. Desde o aparecimento do carrapa- to que a zona é bein mais humida, com lagõas perenes e rios correntes, e vejetação desenvolvida.

Recomeçou a epopéa dos burros. Cura- ram-se em Parnaguá, descançaram, engorda- ram e desenfadaram-se naturalmente.

Não havendo no logar róça fechada ou manga, foram soltos na larga apenas peados de mãos. Além do que desapareceu na ves- pera carregado, faltaram tres e até tarde ainda um deles não fôra encontrado. Encon- trámos uma familia de entalados (pai, mãe e filho). O homem tem 51 anos de idade e sofre de entalacáo ha 22, a mãe conta 50 de

idade e 15 de entalação. E' mais entciad:: que o marido, i. é., tem mais dificuldade em deglutir. O filho de 16 anos de idade é en- talado desde 8 anos. Todos têm tiroide normal e aspeto de saúde.

O casal, tem mais um filho de 11 anos, que não é entalado. Esse tem todos os uten- sis separados, porque dizem os pais que a molestia pega. Matamos um guariba. O ez- talado pedio o osso hioide (guigó) porque disse que era remedio para a entalação. Fe- lizmente apareceram 3 burros e a carga. Falta ainda um.

Ainda ficámos retidos por ter amanheci- do febril o arrieiro de nossa tropa, com tem- peratura de 39,2. Tomou um purgativo e foi- lhe injetado um grama de cloridrato de qui- nina. Apareceu o burro que faltava.

5-7-912

Felizmente nosso arrieiro (chefe da tropa) amanheceu apiretico, e pudemos partir ás 11 1/2, viajando até a tarde, acampando de- pois duma caminhada de 6 legoas no logar denominado Brejinho, onde ocupámos uma casa de vaqueiro deshabitada, 4 marjem da estrada. Ficámos mais abrigados do que sob o toldo. Ha tres dias que tinhamos mini- ma de 10,5 e que com a humidade represen- ta um frio bem regular. Atravessamos o Parahim, e vamos marjeando o Corrente. A zona não é sêca. Matos frondosos, au- sencia de espinhos, abundancia de carra- patos.

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Caminhamos hoje 36 quilometros, par- tindo ás 9 horas da manhã acampando ás 3 1/2 da tarde no Sitio, municipio de Corren- te, logarejo com 8 ou 10 fogos esparsos. A 1 legoa de Brejinho atravessamos o Corren- tee subimos uma pequena serra. Desde então, entramos de novo em uma rejião sêca. Encontramos agua (de açude) em de Morro, fazenda, em Ipueiras, casa de vaquei- ro, (agua de tanque) e no Sitio (açude). Quasi todos os moradores de Sitio apresen- tam hipertrofia da tiroide, sem qualquer

a

outra manifestação da molestia de Chagas. Encontrámos dois casos de vexame e um de entalaçäo. Passamos um grando susto ai. Um de nossos auxiliares, depois do jantar, teve uma perturbação gastrica com fenomenos

cerebrais. Medicado convenientemente, a noite estava fóra de perigo. Não havendo mais em nossa ambulancia um purgativo

enerjico, demos-lhe o purgativo da terra pinhão de purga, com excelente resultado.

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Partimos do Sitio ao meio dia, e fomos acampar ás 6 horas da tarde em Peri-perí, logarejo (Estado da Bahia— Municipio de Sta. Rita), fazendo um percurso de quatro legoas apenas. Dormimos ao relento, sob a copa duma gameleira, e tivemos ai a tempe- ratura minima. de 7,5. Felizmente tomamos a precaução de acender tres fogueiras. A vi- ajem foi agradavel por ser a estrada atravez duma mata. Vimos varias pessoas com pe- quenas hipertrofias da tiroide, apresentando no entanto aspeto de saude e robustez, sem perturbações nervosas ou cardiacas. Velhos com pequenas hipertrofias de tiroide desde a mocidade ou meninice, sem aumento nem alteração da saúde. Crianças robustas, hiji- das, com tiroide hipertrofiada. Apenas uma criança de 9 anos, idiota e afasica, desde a idade de 5 anos, sem hipertrofia da tiroide, e duas mulheres com arritmias, uma com ti- roidite e outra com tiroide normal. A moles- tia nessa rejião é muito benigna. Ha muito bicho de parede (megistus). Vimos tres en- talados, nenhum caso de vexame, nem de asma. permanecemos um dia para prepa- rar milho para os animais. Matamos 3 jacús, 8 pombos verdadeiros e uma grande coruja. No dia 9 chegaremos á Formosa, vila da Bahia, á marjem do Rio Preto,

9—7 -912

Partida de Peri-peri ás 8 1/2 da manhã e chegada á Formosa a 1 hora da tarde. Per- curso 27 quilometros. Facil de escrever, difi- cil de realizar é o levantar-se o acampamen- to ás 8 horas da manhã, quando se viaja

com tropa numerosa. É necessario acordar o cosinheiro ás 4 horas para preparar o almo- ço eo café, e os camaradas para pegar OS burros e arrumar as cargas. O almoço fica pronto para o ponto da chegada. O café é tomada com bolachas ou requeijão. Os de- mais camaradas, alguns vão procurar Os burros, e outros arrumam as cargas, desar- mam os toldos e as camas. Felizmente ha em tudo uma certa ordem. Quando chegava a tropaa um acampamento, não se descarre- gavam os burros a esmo. Tinhamos todas as malas numeradas, indicando cada numero o couteúao da mala. Descarregavam-se primei- ramente O burro com as malas de material de laboratorio. Colocadas as malas, uma de cada lado do burro, era esse levado para um outro ponto, onde lhe tiravam a cangalha. Vinha outro em seguida com as malas do material de farmacia. A mesma operação, e assim em seguida com todos os outros. Fi- cavam, pois, todas as cargas, em perfeita ordem. As cangalhas eram colocadas com O suadouro exposto ao ar para evaporar o suor e secar o pus das feridas do lombo (quando ferido o animal). Antes de soltos os burros, eram pecados quando não havia pastos fechado (manga) e eram raspados, curados e escovados. Pela mesma operação passavam antes de receber as cargas, tomando previa- mente uma boa ração de milho. As canga- lhas eram reparadas e limpas, os suadouros eram batidos para desembolar o enchimento e amacial-o e raspados com sabugo de milho ou um pedaço de pão de casca rugosa para retirar as crostas sêcas de pus ou do suor com a poeira. Ai de quem não tomar essas cautelas. Arrisca-se a ficar na estrada sem condução.

A nossa mesa era feita da reunião de quatro malas, sobre a qual estendia-se um couro (cobertura da cangalha, albarda). O nosso alimento habitual teijão, arroz, carne fresca (nos povoados) farinha; frangos e ovos (quando encontrados) café e bolachas ou re- queijão. Houve dias sem conta que nos ali- mentamos uma vez ao dia, i. é. mos café com bolachas ou com

tomava- requeijão

> o

antes de suspender cargas, e comiamos à tarde ou 4 noite, depois de arrial-as. Os ca- maradas carregavam nos embornaes (pequeno saco de pano a tiracolo), farinha rapadura requeijão. Nós carregavamos volachas nos alforjes. Isso, deu-se sobretudo, nas rejiões sêcas onde tivemos travessias longas de seis, oito dez e mais legoas sem agua. Essa era transportada em borrachas de couro ou de tona impermeavel de que nos muniramos.

Formoza é um grande arraial, situado á marjem esquerda do Rio Preto, navegavel por pequenos vapores, que partem da cidade da Barra e vão até S. Marcello, a 9 legoas acima de Formosa. O Rio Preto é afluente do Rio Grande,e esse do S. Francisco. A” marjem do Rio Grande fica situada a cidade de Sta. Rita, cabeça da comarca a que está subordinada Formosa. O nome do logar é bem adequado.

Formosa foi logar de grande comercio para Goiaz, Piauhi e Maranhão, mas esta hoje decadente, por ter sido estendida a navega- ção até S. Marcelo, para onde se transferiu o comercio, como tambem pela luta tremenda travada ha anos entre duas familias impor- tantes do logar, por motivos de predominio politico. Chegaram os contendores aos maiores excessos, aliciando cabroeira (capangas) dan- do-se combates sangrentos, matando-se uns aos outros, incendiando casas do arraial, e fa- zendas, devastando plantações, aniquilando o gado, cometendo enfim toda a sorte de de- predações. Por esses motivos, houve enorme exodo da população e o arraial entrou em franca decadencia. Conta ainda assim, uma populacao, de cerca de 1.000 habitantes, de as- peto sadio e possue um bom clima, um pouco quente, mas muito sêco. No centro do arra- ial, duas ruas largas com casas regulares, ca- iadas, cobertas de telhas, igreja regular, e uma capela. Algumas casas de comercio com sor- timento regular e pousos para viajantes. Nos arredores casas barreadas apenas, em geral cobertas de telha. Abundancia de megistus e presenca de bocio. Esse em geral muito peque- no. De 18 portadores de bocio por nós exami- nados, apenas um tinha um bocio de volume

duma pêra. Nenhum desses individuos apresen- tava qualquer outra manifestação da molestia Chagas, sendo todos robustos, aptos para O trabalho e de intelijencia normal. Percorre- mos todo o arraial e apesar de indagações minuciosas, não nos chegaram ao conhecimen- to casos de idiotia, cretinismo, infantilismo e de perturbações outras do sistema nervoso.

Em toda a reiião percorrida e onde exis- te a molestia, desde Parnaguá, ela é benigna, sendo raros os casos de manifestações graves. Observámos dois casos de entalação, tivemos noticias de mais seis casos. Não vimos nenhum doente de vexame. O Rio Preto, apesar do nome dado em virtude da côr do seu leito, possue agua limpida e cristalina, que trava lijeiramente. O comercio local é feito com a cidade da Barra por intermedio de vapores (uma viajem por mez) e por tropas, havendo muita gente que prefere esse meio, por ser mais barato, mais seguro, mais regular.

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Partimos de Formosa a 1 hora da tarde e acampamos ás 5 1/2 da tarde, numa varjem, A marjem do Rio Preto, 2 quilometros além da fazenda do Váu, ao relento.

Percurso 4 1/2 legoas. Passamos por uma vivenda no Angico, onde reside um va- queiro, com mulher e cinco filhos ; estes, todos portadores de pequenos bocios, contraidos, diz o vaqueiro, no Duro, para onde ele se mudara ha tres anos. Informou-nos que voltou do Duro ha um ano, e que desde entáo, os bocios dos iilhos, têm-se reduzido. Informou- nos que no Duro, o individuo sem papo é exceção, e que é muito elevado o numero de cretinos, afasicos e paraliticos. Pela pri- meira vez ouvimos falar na caruara, molestia de bezerros, comum em Goiaz, com sintomas semelhantes 4 paralisia infantil. Captu- ramos tres mutucas e algumas anofelinas. O aspeto da rejião é outro. Desapareceram os cactos e a jurema. Entramos no cerrado de arvores de galhos tortos.

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Partimos de Váu ás 8 12 da manhã e

sea Pre

ás 2 horas chegamos a S. Marcelo com um percurso de 5 legoas. S. Marcelo é um arraial novo (pouco mais de 2 anos) fundado depois que se estabeleceu a navegação do Rio Preto até esse ponto.

Havia dantes a fazenda Sta. Maria assinalada nos mapas. O arraial prosperou graças aos preços elevados do caucho e da borracha de mangabeira, mas com a crise desses produtos, acha-se decadente. e o de- sanimo apossou-se do comercio e dos habi- tantes. Acha-se o arraial situado á marjem esquerda do Rio Preto, na embocadura do Rio Sapão, afluente daquele, em local apra- zivel e pitoresco. Tem algumas construções regulares. vimos o primeiro chalé em toda a nossa excursão. Predio novo, assoa- lhado e forrado, regularmente mobiliado, pertencente ao Snr. JOSE DOS REIS, nego- ciante forte do logar, que muito nos obse- quiou durante nossa estadia ai. Funcionava na ocasião que por ai passamos, um circo de cavalinhos e mirabile dictu, um cinemato- grafo com luz de acetileno. Conta o logar uma população fixa de cerca de 400 pessoas e nas safras da borracha de mangaba (de Setembro a Janeiro) a população adventicia é muito grande. Vimos um portador dum grande bocio, residente em Goiaz.

No arraial nega-se a existencia do bar- beiro o que é possivel, porque quasi todas as casas são rebocadas e caiadas. Em cami- nho para aqui, fomos informados da existen- cia de 4 entalados na fazenda Mato Grosso e de dois no arraial. Ausencia de vexame. Tendo resolvido seguir para Porto Nacional pelo Duro, em vez de Pedro Affonso, como estava antes determinado, tivemos de atra- vessar o Rio Preto. As cargas passaram em canóas e os animais a nado. Esse servico tomou muito tempo, de sorte que pernoi- tamos para proseguir a viajem no outro dia. Passado o rio, acampamos do outro lado (marjem direita) ao relento. Acabou-se feliz- mente e definitivamente a zona séca. Desde Formosa atravessamos varios riachos cor- rentes, grandes chapadas de cerrados, lagõas e brejos povoados de buritis. Agora vamos

penetrar na rejião das campinas e veredas, deshabitadas, aqui chamadas “os gerais”.

13— 1012

Partimos de S. Marcello 4s 11 horas da manhä, sem almoço e depois dum percurso de 6 legoas. acampainos as 6 horas da tarde ao relento, 4 beira dum extenso brejo, no logar denominado Pouso Alegre, deshabita- do. Metade do percurso foi feito num chapa- dão sêco, onde fomos perseguidos, cavalos e cavaleiros, pelas mutucas (CArysops) em grande quantidade. Fizemos nossa unica re- feição solida nesse dia ás 9 horas da noite. Pela primeira vez, durante a excursão, ouvi- mos o coaxar dos sapos, e apreciamos a fos- ferencia dos pirilampos em quantidade pas- mosa. Capturamos tres exemplares de Sthcto- myia. Não mais juremas, nem macambiras nem toda a raça de vejetação de espi- nhos das zonas sêcas. Agora são as campinas, as veredas de buritisais, os capões de mato com arvores esbeltas, de troncos retos e lisos e os chapadões ou taboleiros de cerrado, com suas arvores de galhos tortos, abundando neles o piqui, a cagaita, etc. Tivemos a minima de 9,5.

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Percorremos 6 legoas desde 11 horas ás 4 horas da tarde, acampando em Pedra co Fogo, ao relento, proximo a uma choca cc- berta de palmas de buriti, onde vive uma fa- milia de papudos, composta de casal e quatro filhos. Essa gente não se julga muito isolada porque tem visinhos a 2 e a 3 legoas de dis- tancia. A meio caminho desse pouso, em um taboleiro, ha uma belissima fonte duma agua cristalina, provavelmente mineral. A agua burbulha com violencia e em quantidade apreciavel dum poço natural, revestido no fundo e nas paredes de pedras irregulares brancas, que, ou pelo reilexo da luz, ou talvez pela ratureza do sal em dissolução na agua, parecem azuladas, dum azui celeste na superficie, e azul ferrete nos espaços entre uma e outra pedra. Um pao, um objeto qualquer introduzido na agua, o braço dum

homem apresentam a mesma fluorescencia.

Colhemos duas garrafas dessa aguacom o fim de examinal-a no Rio. Capturamos mu- tucas e mosquitos, entre estes uma Mangui- nhosia. Temos encontrado alguns bandos de araras azues, mas táo bravias, qne ainda náo cous2guimos atirar nenhuma. Tivemos mini- ma de 9°,

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Percorremos apenas 4 legoas, partindo de Pedra do Fogo ás 9 horas a. m. e acam- pando a 1 hora da tarde, em um rancho aberto na fazenda da “Barra dos Veados” de propriedade dum velho e alentado mulato bahiano, homem rustico, porém hospitaleiro e intelijente. Casado, tem filhos homens, ro- bustos todos e uma filha moça, unica da fa- milia com um pequeno bocio. Todo o per-

curso de hoje foi feito em cabeceiras de brejos, e pequenas chapadas em terrenos alagadicos. Atolaram-se quatro burro: de

carga numa passajem de estiva, e isso atrazou um pouco a tropa, que chegou ao pouzo ás 3 horas. Apanhamos uma Chagasia e mata- mos uma perdiz. Informados de que havia sussuapáras, antas e guarás, resolvemos de- morar um dia para caçal-os. Infelizmente o resultado da caçada foi negativo. Matamos apenas duas perdizes mais.

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Partimos de “Barra dos Veados” as 7 horas e chegamos á “Pinguela” ás 2 horas da tarde, percorrendo 6 legoas em máus cami- nhos pantanosos. atravessamos de novo O Rio Preto, nesse ponto estreito, porem muito fundo. Pessóas e cargas em canoas, os ani- mais a nado. Essa operação tomou muito tempo e por isso ai ficamos nesse dia. No logar ha apenas dois habitantes, o barqueiro e a mulher. Esse homem, quando em con- versa, aludimos ao isolamento em que ele vive, lastimando o atrazo e ausencia de re- cursos, do sertäo, teve uma expressäo de desalento e de resignaçäo ao mesino tempo: “Isso aqui é uma sepultura aberta”,

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Capturamos grande numero de mutucas interessantes, com aspeto de abelhas, certa- mente novas para a ciencia. Nos gerais per- corridos desapareceram as Cellia argyrotar- sis e albimana, sendo substituidas por Cellia braziliensis, Manguinhosia e Stheto- myia nimba.

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Cabeceiras Velhas. Partimos de “Pingue- la” as9 horas da manhã e chegamos ás “Cabeceiras Velhas”, uma das nacentes do Rio Preto, as 3 horas da tarde, com um per- curso de 5 1/2 legoas. Ai nao ha habitantes, mas ha um pequeno rancho construido por boia- deiros e por felicidade nossa estava ele ocupado, na ocasião por dois boiadeiros que vinham de Goiaz para S. Marcello, e que nos deram informações preciosas sobre nossa marcha do dia seguinte. Tinhamos de atra- vessar um trecho de 8 legoas sem aguas, uma campina, de 5 legoas na chapada até ganhar a serra do Duro, e no descambo desta mais tres legoas até encontrar um buritisal no logar denominado Lagõa. Combinamos, pois, que a tropa partisse no dia seguinte 4 tarde, com a fresca, para pernoitar no alto da serra, e chegar no outro dia muito cedo á aguada e que os cavaleiros, levando apenas uma carga com alguma boia e as camas sa- issem cedo, para pernoitarem no mesmo dia na “Lagõa” ali aguardando a tropa.

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Partimos, pois, Os cavaleiros 4s 10 horas e levando apenas uma carga, e chegamos 4 Lagoa ás 5 horas da tarde. Do alto da serra do Duro, ja nas divisas da Bahia com Goiaz, descortina-se um dos mais belos panoramas que se possa imajinar. Serras, chapadas, e campinas numa extensão formidavel, abran- jendo a vista muitas legoas em torno. Dece- mos mais de 300 metros e fizemos a famosa tiaressia em oito horas. Contra nossa espe- tativa, á meia noite, desse dia chegava a tropa, com que contavamos na manhã do dia seguinte. Preferiu o nosso arrieiro viajar parte da noite e procurar a aguada a deixar

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os burros em pasto séco toda uma noite. Es: tamos em territorio goiano

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Nessa ocasião apreciamos um belo e horrivel espetaculo, da campina em chamas, em uma extensäo imensa, pelo fogo ateado pelos nossos camaradas apezar de terminan- tes ordens em contrario dadas previamente. Tendo sido grande o esforco empregado na vespera, resolvemos percorrer apenas 2 legoas até O Riacho de Areia, a 4 legoas do Duro. Todos esses logares são deshabitados. Desde S. Marcelo encontrámos habitantes em Pedra do Fogo (uma familia) em Barra dos Veados (uma familia numerosa) e em “Pin- guela” (um casal).

O “Riacho de Areia” tem o leito de areia finissima e movediça, e a corrente de agua muito forte. E' muito arriscado atravessal-o em certas epocas a cavalo, sem primeiro fazer atravessar varias vezes por pedestres, dum lado para outro até acamar a areia cor- rendo o animal risco de ficar enterrado na areia, se não houver esse cuidado. Citam-se varios casos de mortes de pessôas e animais. Quando o atravessamos, não havia esse risco, porque nessa epoca ha grande movimento de tropas vindas de Barreiras, e a areia esta- va mais ou menos acamada,

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Partida do “Riacho de Areia” ás 7 horas da manhã e chegada ao S. José do Duro ás 11 horas com um percurso de 4 legoas. Duro é uma vila goiana, situada a meia encosta da serra do mesmo nome, com cerca de 00 casas e uma população de 400 almas mais ou menos. Ha algumas casas bem regulares. As da praca e das tres ruas que desembocam, sao todas caiadas e de bom aspeto. Foi agra- davel nossa impressäo. Fomos carinhosamen- te recebidos pelo Major JANJÃO, JOÃO BAPTISTA LEAL, proprietario, fazendeiro e negociante, homem prestimoso e de alguma cultura. Obsequiou-nos com excelente almoço em mesa bem posta e cedeu-nos uma das melhores casas da vila, um sobrado situado

na praça, pertencente ao Coronel ABILIO WOLNEY, Senador Estadoal, ausente na ocasião. Ai permanecemos alguns dias para nos abastecermos de generos e descançar os burros, muito enfraquecidos pela detes- tavel forrajem das campinas (o agreste), apre- ciada pelos animais tão somente na ocasião do broto, logo após ás queimadas. Felizmen- te encontrámos uma manga de capim ja- raguá ou provisorio.

Um dos nossos auxiliares, em companhia dum caçador do logar, esteve fora duranic 3 dias 4 procura dos sussuapáras e guarás, nada conseguiu. Estamos em pleno dominio do bocio. Como habitualmente acontece, nas rejiões onde ele existe, não se o encontra nas camadas mais abastadas, que habitam casas rebocadas e caiadas as quais não se prestam ao habito do barbeiro, mas é abun dante entre os habitantes pobres e entre OS roceiros.

Quasi nenhum escapa. vão aparecendo Os casos graves da molestia com manifestações cardiacas e nervosas os de mixedema e cretinismo. Abundancia de megistus, um ou outro sordidus. Não encontrámos impaluda- dos, apezar de capturarmos muitas anofeli- nas nas proximidades da povoação (Chaga- sta, C. argyrotarsis e albimana). Ha rejistro civil, mas é como não existisse, porque ra- ramente se rejistra um obito, nacimento ou casamento. Verificamos 2 casos de entalação um adulto e uma criança, tendo informação da existencia de mais tres nas imediações. Não observámos nenhum cazo de vexame. Em casa do Coronel WOLNEY reside um menino (mestiço) de 8 anos, microcefalo. E um macaco nos trejeitos e nos movimentos rapidos dos membros. Sobe em qualquer arvore, com a rapidez a ajilidade de simio. Brinca e conversa com outros animais, mas não regula bem, é perverso, será provavel- mente mais tarde habitante dum manicomio. Em uma excursão que fizemos nas cercanias da vila, acompanhados de pessoas da vila, descançamos meia hora em casa dum situan- te relativamente abastado. Bôa lavoura de cana, engenho, alambique, roças, plantação

lee

de legumes, frutas, bastante fartura emfim e sinal de trabalho e de iniciativa, o que é rarissimo nessas alturas. Esse sitiante tem 10 filhos, todos robustos, intelijentes, mas portadores todos eles do papo, sem qualquer outra manifestação da molestia de Chagas. A mãe dessa grande prole, senhora de 50 anos, é tambem papuda e robusta e sadia.

A casa do sitio é apenas barreada e nela existe o barbeiro mas, seus habitantes, têm relativo conforto e alimentam-se bem. Em outras habitações proximas onde domi- na a pobreza e o desconforto, encontrámos- alem de papudos varias vitimas das diversas modalidades graves da molestia; cretinos, mi- xedematosos, afasicos e paraliticos. Em cami- nho vimos a pastar um burro, que tinha as pernas dianteiras fortemente arqueadas com a convexidade para fora (genuvalgum), de sorte que mesmo de pé, o desgraçado quasi tocava o solo com o focinho. Chama-se a isso “tortura”. Fomos informados pelos companheiros que isso é frequente ai e em todo o norte do Estado, que para para se criar perfeito o burro ou o jumento nessas rejiões, é indispensavel separal-o aos 4 ou 5 mezes de idade da mãe, e leval-o para o curral, onde seja bem alimentado a milho e fubá. O animal que fica soltc nos campos, arqueia fatalmente as pernas dianteiras, ou para fóra ou para dentro (genuvaloum e genuvarum) que esse fato não se com o cavalo. Removendo-se o animal para as caatingas da Bahia não aparece o mal. e que esse desa- parece caso esteja ainda em começo; que os burros ou jumentos vindos novos e até menos de 2 anos, da Bahia ou Piauhí ainda entor- tam. Desde 2 anos não entortam mais.

A “tortura” aumenta sempre até o ani- mal encostar o peito no chão, não pode mo- ver-se e morre. A ovelha e a cabra tambem são atacadas, porém raramente. Fotoprafa- mos o burro e colhemos sangue para exame. A vila do Duro conta apenas 30 anos de existencia, datando porém sua fundação da ex- ploração de minas de ouro de que encontrámos vestijios; umas que se esgotaram e outras, tornaram-se tão profundas, qne os explora- dores desistiram da exploração. A 25 de

Julho chegaram a vila dois frades Domini- canos em trabalho de missões. São ambos de orijem franceza mas residindo em Goiaz, um deles idoso, mais 25 anos e outro moço ainda, ha cerca 5 anos. O frade velho adqui- riu os habitos locais, identificou-se com eles e diz que não troca a vida dos sertões pela civilisação da Europa. O moço é um homem culto e intelijente. Deu-nos preciosas infor- mações sobre nosso itincrario do Duro em diante e sobre costumes goianos. percor- reu todo o Estado de Goiaz, incluzivé as rejiões habitadas pelos Indios, e diz que o papo é universal em todo o Estado, bem como as outras modalidades da molestia, ex- ceto nos indios, entre os quais nunca obser- vou o bocio.

É ele autor do melhor mapa do Estado de Goiaz. Esse frade deu-nos uma carta de recomendação para os seus irmãos de congregação rezidentes em Porto Nacional. Resolvemos dividir a comitiva até Porto Na- cional partindo um de nós em primeiro logar levando quatro cargas dois camaradas e o guia que nos acompanha desde Joazeiro, o Snr. DEOCLECIANO AMORIM, devendo seguir O outro, dois dias após, com o resto da comitiva.

29 -7-912

Partida do Duro da primeira turma, ás 2 1/2 da tarde e acampamento, a 4 legoas, ao relento, 4 marjem do “Riacho das Gamelei- ras”, ás 6 horas da tarde. Não ha habitantes no logar. Quando preparavamos o jantar, veri- ficamos a falta do sal. Felizmente a carne do sol salgada supriu essa falta. Em caminho foi morta um jaó.

30—7—912

Partida do Riacho das Gameleiras ás 6 horas da manhã, almoço a marjem do Rio Manoel Alves Grande, afluente do Tocantins

ás 9 1/2. Ai houve uma demora de 2 horas, tempo necessario para atravessar as cargas em canóa, e os animais a nado. Partida de Manoel Alves Grande ás 11 !/2 e chegada ao arraial de S. Miguel das Almas, ás 2 horas,

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onde permanecemos até as 6 horas, dai par- |

tindo para o riacho da Mata, onde chegamos as 10 horas da noite, tendo feito um percur- so geral de 12 legoas. Acampamento ao re- lento. Almas é um arraial maior que o Duro e muito mais antigo com as casas, porém, em ruinas, e em ruina a sua pequena e mi- seravel população, assolada pela molestia de Chagas, que tem presentes todas suas mo- dalidades graves. E” um pandemonio, e se DANTE houvesse visto cousa semelhante, antes de escrever seu imortal Inferno, teria nele descrito mais um quadro dos mais im- pressionantes e sujestivos. De cerca de cem habitantes do logar apenas dois individuos aparentemente sadios, embora papudos, os unicos que nos poderam fornecer algumas informações.

31-7-912.

Suspendemos acampamento ás 6 horas da manhã, descançamos e almoçamos na fazen- da do Salôbro, onde chegámos ás 12 1/2; dai partimos ás 4 horas da tarde e fomos acam- par ás 7 1} da noite, na fazenda do Acudi- nho, (municipio de Natividade). Percurso do dia 10 legoas. Antes de atinjir a fazenda do Salôbro, passamos por um pequeno nucleo de tres choças habitadas por decendentes de caboclos, homens, mulheres e crianças, todos afetados da molestia de Chagas. Ha de tudo muita miseria, surdo-mudos, e paraliticos; tomo de Almas—Os 2 vaqueiros re- sidentes no Salóbro e respetivas mu- lheres apresentam pequenos bocios, mas são robustos. A casa da fazenda é regular, rebocada e seus habitantes alimentam-se bem. descançamos algumas horas 4 sombra de gigantescas mangueiras. Em todo o percurso, abundancia d'agua, limpida e saborosa, de corregos, riachos, rios, brejos e veredas. O gado dessas rejiões deixa muito a desejar. Emquanto que no Piauhí o boi é grande e de pelo curto, liso e lustroso, o de Goiaz (norte) é pequeno, magro e de pelo compri- do e sem lustre.

1-8-912

Partimos de “Acudinho” ás 8 !2 da manhá e descançamos ao meio dia na “Fa- zendinha”; daí partimos ás 3 12 e ás 71h acampamos ao relento, no logar denominado “Trindade”. Total do dia 9 legoas. No “Fa- zendinha”? encontrámos uma leva de romei- ros que seguiam para seus penates de volta da “Chapada” arraial proximo de Natividade, onde haviam ido a uma festa relijiosa. Eram mais de 60 pessóas entre homens, mulheres e criancas de 8 a 12 anos, todos mesticos ou caboclos; (nao havia um branco), todos papudos, e alguns com papos volumo- sos e compostos. Essas festas repetem-se no norte de Goiaz em varios pontos, e em epoca diferentes durante metade do ano, e nesse meio ano, logo após a colheita, leva esse povo dum lado para outro em contínua peregrinação. A par do pretexto feticista, do comprimento de promessas, ás vezes mais disparatadas, essas festas redundam em grandes feiras, onde se trocam e se vendem animais cousas e tudo quanto possa constituir elc- mento de comercio, além de pretexto da jo- gatina desenfreada onde os injenuos cabo- clos são miseravelmente explorados por meia duzia de espertalhôes. A’ essas festas, não vão os velhos impossibilitados de longas ca- minhadas e os invalidos. Passamos por uma morada isolada á beira da estrada onde apenas havia uma velha papuda carregando seguramente 80 anos, um menino de 8 anos surdo-mudo e idiota. Os outros habitantes casal e dois filhos, haviam partido dias antes para unia festa do Divino, além 15 legoas,

2-8-912

Partimos da “Trindade” ás 6 horas da manhã e dirijimo-nos para a fazenda do “Baião” a uma legoa, afim de pedir um guia que nos puzesse de novo na estrada pois haviamos tomado nma errada. Felizmente estava presente o proprietario da fazenda Major GUILHERMINO DE CASTILHO, in- telijente e amavel. Um camarada da fazenda guiou-nos até a estrada perdida daí a 1 12

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tegoa. Recuperada a estrada, fomos descan- car á marjem do Kio das Pedras, onde chegámos á 1 hora.

Daí partimos de novo, ás 3 1/2 e acam-

pamos ás 7 horas no “Capim Duro”. Per- curso do dia 9 legoas. 3-8-912 Partimos de “Capim Duro” ás 5 la

da manhá e marchamos 8 legoas a passo largo até 12,10, descançando à marjem dum carrego da fazenda do Landí. Daí partimos ás 3 da tarde, e ás 7 '/2 depois dum per- curso de 4 legoas, acampamos em um rancho aberto no logar denominado “Raposa”. Total do dia 12 legoas. A temperatura tem- se elevado. não sentimos frio á noite, nem pela madrugada não havendo necessi- dade de fogueiras. Pela estrada poucos ha- bitantcs. Em todo o percurso de 12 legoas, passamos por tres habitações, todas de pretos ou mestiços, vitimas da tiroidite pa- razitaria. A população goiana nessas rejiões é constitida exclusivamente de pretos e mes- ticos,

4-8-912

Finalmente chegamos ao Porto Nacional ás 5 1/2 da tarde, depois dum percurso de 10 legoas em duas etapas a primeira de 7 1% legoas desde Raposa, donde partimos ás 5,40 da manhã até o sitio Nazareth, onde chegámos a 1 hora; e a segunda de 2 1h legoas, desde Nazareth, donde partimos ás 3 1/4 até Porto Nacional. Fomos diretamente á ajencia do correio, anciosos por cartas da familia, da qual não tinhamos noticias, a não ser telegraficas, a ultima em Parnaguá, desde quatro mezes. Ai encontrámos 15 cartas, a ultima das quais tinha a data de 4 de Junho. Foi um regalo eum alivio. Agora tere- mos boas cartas, em Goiaz (capital), distante 180 legoas.

Causou admiração nossa viajem de 66 Jegoas em 6 dias, do Duro ao Porto Nacio- nal. Esse trecho é habitualmente feitos pelas tropas em 12 e em 15 dias. Aguardamos a chegada da 22 turma de nossa comitiva, e

| ainda depois disso, permaneceremos uns 10 a

15 dias para dar descanço á tropa e abaste- cer nosso farnel. Porto Nacional, antigo Porto Imperial, é uma velha cidade, cabeça de comarca, ao norte do Estado, situada à marjem direita do rio Tocantins, um dos grandes afluentes do Amazonas. Até poucos anos atraz, era a unica cidade ao norte do Estado até que foi elevado á cidade o recen- te arraial de Pedro Affonso, tambem a marjem do Tocantins e 40 legoas abaixo de Porto Nacional. A cidade compõe-se de cerca de 300 casas terreas na sua quasi totalidade, havendo alguns sobrados e casas assobrada- das de aparencia bem regular. Na sua maio- ria são caiadas, havendo algumas pintadas a cores. Em geral de telhavã e pavimentadas de tijolos, muitas, porem, assoalhadas e for- radas. As ruas são retas e obedecem a alinhamento. Não ha agua canalisada nem esgôtos, nem iluminação publica. A popula- ção de cerca de 2.000 almas. Na principal praça, dando frente para O rio, ergue-se o belo e grande edificio da igreja, de estilo romano, edificado pelos frades dominicanos, ainda não de todo concluido.

Comercio de gado, couros e cereais. Transações com as cidades de Barreiras, na Bahia, por meio de tropas, e com Belem do Pará pelos batelões e igarités do rio To- cantins. Os batelões tem uma cobertura de folhas de buriti e no Pará são conhecidos por “Mineiro”. Esses consomem 30 dias para decer o rio até Belém, e levam 5 mezes para subir, varando grande numero de cachoeiras.

Batelóes ha, que carregam 3 toneladas de mercadorias. Assistimos a chegada de tres desses batelões e 2 igarités carregados de mercadorias de Belém. A população acorre ao porto em massa para assistir á atracação das embarcações. Estas, antes de atracar, param do lado oposto do rio, onde a marinhajem toma banho e muda a roupa. Daí trazem á vara os batelões embandeira- das até o porto e durante esse tempo fazem grande algazarra, e de terra soltam-se fo- guetes. Todas as bandeiras que ornamentam os

batelóes eram as do Divino. Encontrámos no Coronel JOSUÉ, negociante, fazendeiro e capitalista do logar, um cavaleiro prestimo- soquetudo nos facilitou, casa para nós, pas- tajem para os animais, alem de nos obsequi- ar com excelentes jantares. O coronel JOSUÉ possue varios predios na cidade e reside em boa casa, com bastante conforto. Conhece Belém e o Rio de Janeiro. Com imensa surpre- sa nossa, chegou no dia 8, ás 7 horas da manhã a 2a turma da nossa comitiva, a qual es- peravamos a 15 ou 16. Partiu do Duro ás 2 horas do dia 1 e em menos de 7 dias completos, trazendo 22 cargas e apenas 5 camaradas, navegaram ou rolaram (expressões sertanejas para viajar ou percorrer) mais de 60 legoas, (80 para os filhos da rejião) acon- tecimento virjem nessas parajens e que causou extraordinario espanto á toda gente. Pousaram os companheiros nos seguimes pontos: lodia Marjem do “Rio Manoel Alves

Grande” Percurso do dia 7 legoas « Riacho da Mata « Po OR : 30 « Alegre « « « 0 ‘hs 40 « Baião « « «JO «

50 « Landi « & Ce RE" 60 « Tabocas « PRE UE To « P, Nacional « « Ss

Foi percorrida a mesma estrada seguida pela primeira turma com pequenas variantes. É admiravel o instinto de orientacáo de certos caipiras do sertáo, habituados a seivir de guias de tropas e viajantes. Constitue esse instinto, um novo sentido. Dentro nossos ca- maradas, havia um que tinha a especialidade de indicar o rumo a seguir para encnrtar caminhos e isso, em logares nunca percorri- dos por ele. Outra especialidade desse cama- radas era a de rastejar um burro sumido até o encontrar. Acompanhava o rasto do burro atravez as caatingas, os cerrados, os brejos e nem uma vez, das muitas man- dadas a esse servico, deixou de descobrir o animal sumido, ás vezes á legoas de distan- cia. Nessa viajem de Duro a Porto Nacional acompanhava a tropa un: guia, velho serta- nejo contratado em S. José do Duro. Para

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encurtar caminho, a certa altura do percurso, foi galgada uma serra, nunca trafegada, e ai chegada a tropa, verificou-se uma errada. O velho guia ficou vexado, dizendo que isso nunca lhe acontecera. Irritado com os comen- tarios dos cavaleiros e camaradas, voltou-se para todos e gritou imperiosamente : Cala a bocca tudo, deixa eu matutar” Baixou a ca- beça, concentrou-se por alguns minutos, e quando a levantou de novo, olhou em torno e categoricamente, sem hesitação, estendeu o braço numa certa direção e disse: pode- mos seguir, O rumo é esse, e era mesmo.

Decorrida uma hora, era elcançada de novo a estrada puída (muito trafegaaa). Jn- teressante e pitoresca a linguajem do serta- nejo caipira para indicar um caminho. Certa ocasião perguntamos a um deles o caminho a Seguir para uma habitação fora da estrada real. “Você segue essa linheira (caminho es- treito, trilho em Minas) assim que acaba passa um riacho, larga um morador, depois quebra a mão direita, entra num chapadäo, que desce é ahi mesmo”. Outra indica- cão; Você fura o chapadão numa linha (em tinha reta). Do outro lado tem uma ve- réda, bêra ela inté ás cabeceiras, você intesta (olha de frente (um jatobá na beira do mato, chegando nele quebra a mão di- reita, enfia num caminho apertado e com poucos esbarra na morada. “Pita seu fumo e toma seu rumo” (mandar alguem se reti- rar).

Outras vezes: “Não tem que errar: “é seguir a estrada funda.” Numatazenda onde pouzamos, fomos consultados por um pobre morador duma legoa distante que nos pediu remedio para a mulher doente. Foi a seguin- te a informação prestada : “A muie zanga- ga da mãe do corpo (utero) pr'o via de ter lavado corpo (tomado banho) quando tava de boi (menstruada). A coisa supitou pra riba (suspensão) e o mez não voltou. Toda volta de lua a barriga fica empaixada (tim- panica) e ela não deseste (defeca). tomou de azeite e outra de mezinhas,

duas purgas, uma

pinhão e uma porção de na

mesma. me aconseiaram benzedura, porque

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até parece coisa mandada (feitico).” Uma outra mulher, tendo sido atacada da malina (sezões) botou a barriga fora (abortou) e depois disso não teve mais o mez nem ficou de boi. Para explicar que uma casa fica no centro duma pastajem, dizem: “O pasto campeou ella por riba.

Certo caipira, referindo-se a dois magna- tas da localidade, usurarios, dizia; “F. (um dos usurarios) é sem piedade, e C. (o outro usurario) vae atraz na mesma batida”. Eu dou a você o que não possúo, para exprimir que dará tudo o que possue. E assim uma infinidade de expressões orijinaes e pitores- cas que encheriam um grosso volume. Resi- de em Porto Nacional o Dr. FRANCISCO AYRES DA SILVA, medico clinico, estudio- so, observador. Deu-nos ele otimas informa- ções sobre a constituição medica local. Na ci- dade ha numerozos papudos e alguns casos de outras modalidades da molestia de Chagas, não muito generalizada pela natureza das habitações, que não se prestam ao habitat do barbeiro em todo o Goiaz conhecido por percebejo e em alguns logares gauderio, aliás encontrado nas casas barreadas dos arredores predominando a especie megistus. No muni- cipio, porém, nas fazendas, arraiais e povoa- dos a molestia é universal,e encontram-se doentes de todas as modalidades nervosas e cardiacas. Ha alguns casos de tuberculose e de lepra. Essa não se generaliza, felizmente, porque o leproso nos sertões é um indivi- duo que se isola da sociedade pela qual é repudiado de maneira até violenta. E” um reprobo que vive isolado, distante de qualquer habitação, em uma choça donde ninguem se aproxima. Vivem os desgraçados de esmolas que são depositadas á distancia. Na epoca das vasantes dos rios, grassa epidemicamente o impaludismo.

O tipo comum do habitante da cidade não é de saúde. Homens de estatura media, ou abaixo da media, franzinos e palidos. Po- pulação indolente. Ausencia de plantações de legumes e verduras nos quintaes e raras as arvores frutiferas. O rio Tocantins tem a largura de trezentros metros e volume d'agua

apreciavel. E” navegado dai até o Pará por batelões e igarités, e por pequenos vapores desde Porto Franco, no extremo norte de Goiaz, quasi nas divisas com o Pará. Pode- ria ser navegado por vapores desde Porto Nacional, se fossem desobstruidas as cachoei- ras existentes até Porto Franco. Nesse caso o intercambio comercial com o Pará seria frequente, e não em uma vez por ano, como até agora, com o que muito lucraria toda essa vasta rejião quasi deshabitada e com os costumes de tres seculos atraz, habita- da por uma raça cretinisada, na sua maioria, por cruel enfermidade evitavel, incapaz e ina- proveitavel.

Em palestras com os intelijentes frades Dominicanos aqui residentes, os quais per- correm todo o Estado em propaganda reiiji- osa, verificando a universalidade da terrivel molestia no Estado, sacrificando, de modo in- curavel, a intelijencia, a virilidade e a saúde de milhares de infelizes, eles, apesar de toda sua beatitude e santidade, concordam que Deus faria uma obra de misericordia se cha- masse todos esses infelizes á sua mansão celeste. Os frades dominicanos estabelecidos em Porto Nacional, prestam relveantes ser- vicos á rejiäo e ás populações de Goiaz, in- clusivé á dos selvicolas, que eles percorrem sempre, levando-lhes a palavra de Deus, catequizando-os e trazendo-os para o gremio da civilização. A par do casamento relijioso, aconselham o casamento civil, e explicam que esse legaliza a união. Além do ser- viço relijioso, fundaram na cidade um cole- jio para meninas, dirijido por freiras domini- canas onde dezenas de meninas pobres do municipio de Porto Nacional e de outras mu- nicipios recebem educação e instrução. Graças a elas, Porto Nacional tornar-se-á futuramen- te um centro de civilização em pleno coração do Brazil. Era nossa intenção partir de Porto Nacional para Conceição de Araguaia contratar ali batelões e canóas para subir o rio Araguaia até Leopoldina, e daí por terra até a cidade de Goiaz. Esse era o itinerario previamente traçado. Graças porem ás preciosas informações dos frades, muda-

seguir

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mos de rumo e desistimos da viajem ao Araguaia devendo d’aqui partir diretamente para Goiaz, passando por Descoberto, Amaro Leite, e Pilar, num percurso de 160 legoas. Informaram-nos os frades que devido 4 crise da borracha, nao conseguiriamos dispor da tropa em Conceicáo; que naepoca em que nos achavamos, de vasante, dificilmeute con- seguiriamos contratar canoeiros capazes para subir o rio Araguaia, e mesmo que con- seguissemos os canoeiros ou barqueiros, correriamos o risco de ser abandonados por eles a meio caminho, em rejiões absoluta- mente desprovidas de recursos e habitadas tão somente por indios e que na hipotese pouco provavel de não sermos abandonados pelos barqueiros, consumiriamos quatro mezes na subida do rio até alcançar Leopol- dina, onde correriamos o risco de não en- contrar tropa que nos transportasse a Goiaz. Acrece ainda a circumstancia de se acharem doentes e profundamente abatidos, dois dos nossos companheiros.

Por tudo isso, tomamos a sensata delibe- ração de desistir daquele itinerario e executar outro mais curto e de menores riscos. En- contramos grande dificuldade para arranjar camaradas que substituissem dois dos que nos acompanhavam desde Joazeiro, e que nos deixaram. Felizmente o Coronel JOSUÉ conseguiu um deles e nós compramos o outro a um fazendeiro, pagando uma divida do ca- marada, de rs. 708000, passando ele, segun- do a praxe da terra, á nossa propriedade até saldar a divida. E’ bem certo que estamos ex- pondo fatos, e que nunca consideramos nossa propriedade o feliz camarada contrata- do, que desde então readquiriu sua liberdade. Com tudo pronto, cutra dificuldade se nos antolhava. A passajem de nossa bagajem para a marjem esquerda do rio, por falta de canoas e canoeiros. Depois de Joazeiro, en- contramos pão em Porto Nacional e um fo- tografo. Foi ainda o prestimoso Coronel JOSUÉ, auxiliado pelo Dr. AYRES DA SILVA (Dr. Chiquinho, come é conhecido no logar) quem nos removeu essa dificuldade conseguindo uma e outra cousa.

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Passamos os animais e bagajens para a marjem esquerda do Rio. Esse serviço ficou terminado ás 6 horas da tarde, tendo sido iniciado ás 10 horas da manhã. Tambem nós atravessamos o rio e nos aboletamos dc outro lado em um rancho aberto, onde per. noitamos.

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Somente ás 4 1/2 da tarde pudemos le- vantar acampamento. E” sempre assim depois duma longa parada de dias em qualquer ponto. Tem-se de acertar de novo os costais as sobrecargas, acertar as cangalhas, colocar novos tranca-fios, procurar agulhas resisten- tes, emfim mil cousas miudas que tomam um tempo precioso. Caminhamos apenas 2 legoas e acampamos ao relento no logar de- nominado Chupé, com tres moradas. Arma- mos o toldo sob a copa dum landí, arvore abundante á marjem do Tocantins.

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Partida de Chupé ás 7 horas da manha, e acampamento ás 5 horas da tarde no po- voado “Brejinho” 4 sombra de majestosa gameleira. Percurso 3 legoas.

Brejinho é constituido duma praca com cerca de 30 casas, algumas cobertas de telhas, e as demais de sapé, ou folhas de buritis, quasi todas barreadas. Papudos, cretinos, pa- raliticos. Ha de tudo. Presença do megistus, na ocasião (séca) muito escasso. Nenhum caso de entalação, nem de vexame. Vimos um leproso. O dia foi muito quente e a noite não foi fresca. Conseguimos algum milho para a tropa.

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Partimos de “Brejinho” ás 4 horas da tarde, e aproveitamos o belo luar viajando até 9 1/2 da tarde, acampando sob um grupo de landis no lugar denominado “Dois Riachos”, com 5 legoas de percurso. Estamos na epoca das queimadas, e por isso, mesmo á noite o ar é quente e abafado. Resolvemos, á vista

See ee

do cansaco dos burros, viajar pela manha e' a tarde, descancando durante o dia.

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Partida de “Dois Riachos” ás 8 horas da manhá; descanco e almoco á marjem do riacho Pedro de Amolar “ás 11 horas. Per- curso 3 legoas. Partida de “Pedra de Amo- lar” ás 4 horas da tarde e acampamento ás 8 2 à marjem do rio Sto, Antonio, afluente do Tocantins a 4 !/2 legoas. Total do dia 7 1/2 legoas. Em caminho matamos um urubt rei, que forneceu 18 moscas parasitas. Passamos por duas moradas apenas, de pobres papu- dos. Vamos notando a ausencia de matas. Cerrados, chapadões, campinas e apenas ás marjens dos corregos, riachos e rios, uma orla mato e numa ou noutra baixada, um ca- poeiráo baixo e pequeno.

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Levantamos acampamento as 8 ‘2 da manhá. A 1 hora descancamos e almocamos na fazenda “Perdizes’’, tendo varado quatro e meia legoas de estrada. Os habitantes dessa fazenda sáo hijidos, náo tém papo e afirmam qne náo existe o percebejo. De Sto. Anto- nio a Perdizes, nenhuma morada. Dai parti- mos às 5 da tarde e fomos acampar na fa- zenda Agua Branca ás 10 da noite, com um percurso de mais 5 legoas. Total do dia 10 legoas.

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Cargas acima as 9 horas, caminhada de tres legoas até a Fazenda S. Bento, onde arriamos cargas meio dia para almoço e descanço, ai permanecendo até5 horas da tarde, quando de novo nos puzemos em marcha, até a “Extrema”, 6 legoas além, onde chegámos ás 11 horas. Jantámos á meia noite, e pouco depois dormiamos der- reados sob a copa de frondosa gameleira. Antes de chegar a S. Bento, passamos por uma lagóa bastante povoada de patos e marrecos. Matamos dois patos e dois marre- cos. Na fazenda matamos 2 araras canindés

e 1 azul. A rejião parece mais rica de caça

do que a atravessada até agora. Em S. Bento rezide um homem bastante intelijente que nos deu informações sobre molestias de ani- mais. Entre Agua Branca e S. Bento ha apenas um logar habitado, S. José, com tres choupanas, cujos habitantes sáo papudos alguns idiotas. De S. Bento á Extrema uma morada. A rejiio é muito deshabitada e apezar disso ainda náo ouvimos o famoso esturro da onca. Em S. Bento faltou um burro carregado, voltando um camarada para procural-o.

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Ficamos retidos na “Extrema” a espera do camarada com o burro desaparecido. Voltou o camarada ás 11 horas sem o ter encontrado. Mandamos o mesmo camarada de novo, acompanhado do nosso rastejador, indo ambos montados e munidos de boia. Matamos um tucano e um macaco. Esse tinha filarias no peritoneo e microfilarias no sangue. Vão-nos faltando recursos. Estamos sem carne e feijão. O milho acabou-se em S. Bento, onde na falta dele, compramos para os animais arroz com casca. Informa- ram-nos os moradores de. Extrema que en- contraremos recursos em S. José, além 3 le- goas. O vaqueiro da Extrema é maranhense bem assim a mulher. Essa tem bocio adqui- rido no Maranhão, onde, diz ela. é muito abundante o percebejo. Ha no logar dois le- prosos

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Afinal, a 1 hora da tarde, voltaram os camaradas com a carga desaparecida, mas sem o burro, que foi encontrado morto fóra da estrada com a carga ás costas atolado num brejo. Pouco depois de 1 hora partimos e ás 6 horas após uma caminhada de 4 legoas. acampamos ao relento, na fazenda “S. José”. O fazendeiro é um mestico velho e com numerosa familia. Casa grande barreada. currais fechados, tulhas. engenho de cana e alambique, tudo muito primitivo e pouco asseiado, ou melhor muito sujo. O essencial, porém, é que encontramos

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recursos e boa vontade. Compramos milho, feijäo, toucinho, dois cabritos, dois perús e 6 galinhas, uma verdadeira fartura. Dos habitantes dai alguns têm bocio, sem nenhuma outra manifestação de molestia, e alguns, inclusive o velho, nem bocio têm. Vimos dois entalados que não têm a molestia de Chagas, e tivemos informações de dois outros.

Nenhum caso de vexame, desconheci- do. Negam a existencia do percebejo (barbei- ro), mas tão somente pela fama que tem ele aqui de habitar as casas pouco asseiadas. Matamos algumas araras azuis e canindés e tucanos. Temos capturado mutucas e muitos poucos mosquitos. Fomos á noite, com mora- dores do logar, ao mato proximo a uma espera de antas e veados, tendo ido um filho do fazendeiro para uma outra espera mais distante. Ficamos metidos numa rede, armada numa arvore alta, em silencio com- pleto, mais de duas horas, e nada vimos a não ser um bando de jacús, que não pode- mos atirar. O filho do fazendeiro porem, foi mais feliz e conseguiu atirar uma grande anta. À vista disso, resolvemos permanecer um dia mais para necropsiar o animal e colher material de estudo.

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Foi encontrada a anta gravemente fe- rida, c depois de morta, foi transportada em um pequeno carro de duas rodas puxado por dois bois ao nosso acampamento, onde foi necropsiada. Era um animal de grandes dimensões, o maior que vimos. For- neceu grande numero de carrapatos, de vermes intestinais e de bichos de pé. Desde que entramos em Goiaz, a nossa principal moeda para obter dos habitantes que nos forneçam ovos, galinhas, mandioca, batata doce. etc., tem sido carrinhos de linha, agulhas, alfinetes e objetos de fantasia, como brincos, pulseiras, aneis, cordões dourados, de que nos munimos abundantemente no Rio de Janei- ro. À exceção dos fazendeiros e alguns in- dividuos viajados, ninguem liga importancia ao dinheiro, e pode-se oferecer quantias re-

lativameute grandes por uma duzia de ovos, ou por um frango, que são recusadas desdenhosamente. Isso verificámos por vari- as vezes. Ofereciamos então ás crianças © ás mulheres, objetos de fantazia, carrinhos de linha, agulhas e logo nos eram oferecidas as mercadorias que desejavamos. As roças são quasi sempre plantadas distantes das habita- ções meia legoa e mais lonje ás vezes, e as plantações de mandioca, milho, legumes, são guardadas na propria roça em um rancho, trazendo-se para casa apenas o que se vai con- sumir no dia.

Era essa uma das razões, porque se nos negava tudo pelo dinheiro apenas; o pouco valor desse para essa gente, e preguiça de ir á roça buscar o que se desejava. Além disso, suas necessidades são tão resumidas que eles as satifazen com os recursos locais. A roupa grosseira, tecem-n’a nos teares pri- mitivos, as alpercatas, fazem-n’as com o couro do seu gado, os chapéos e as rêdes com a palha do buriti ou da carnauba. Entre si fazem barganha ou troca de generos.

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Partimos de S. José ás 9 horas da manhá e descancamos á marjem do rio Canabrava ás 11 1/2, percorrendo apenas duas e meia legoas. Daí partimos ás 3 horas com destino a fazenda “Tucum”, mas tivemos uma erra- da, por falta de guia e ás 6 horas, depois duma marcha de tres legoas acampamos na fazenda do “Curralinho”. A par de muitos papudos e alguns cretinos nos habitantes marjinais da estrada, vimos tambem gente robusta e sem bocio.

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Partida de Curralinho ás 5 horas e per- curso de 7 legoas até a fazenda “Tucum do Libanio”, onde acampamos ao meio dia. Airda nesse dia tivemos uma errada duma legoa. Felizmente encontrámos milho, de cuja falta se resentiam os animais; fizemos provisão para quatro dias. À fazenda é de propriedade do Snr. LIBANIO DA CON- CEIÇÃO, velho goiano de 70 anos, nacido

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em Arroios e residindo no Tucum ha 40. Nem ele nem os filhos têm tiroidite. Uma nora, filha de Porto Nacional, apresenta pequeno bocio. Não conseguimos obter tria- tomas nas fazendas, nem mesmo com a oferta de linha, agulhas e missangas. Os seus habitantes, no entanto, conhecem o bar- beiro e sabem que ele habita as outras casas menos a de quem informa. O Snr. LIBANIO deu-nos interessantes informações sobre mo- lestias de animais. Entre elas falou-nos numa “neste de cochilar” que matou muitos cavalos entre 1908 e 1909 e de que ouvimos falar pela primeira vez. O cavalo (e somente o cavalo) afetado metia-se sob uma arvore, e punha-se a cochilar dia e noite até morrer, sem mais procurar alimento.

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Partimos do “Tucum” as 9 horas, almo- camos e descancamos ao meio dia no sitio “José Manoel”, daí partindo ás 3 horas para acampar ás 6 horas na fazenda da “Sus- suarana” ao relento. Percurso 6 legoas.

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Partida de Sussuarana ás 7 horas e de- pois de percorridas 4 legoas, descanço e al- moco nas “Pindahibas”, onde ha duas habi- tacóes, de naturais da vila do Peixe, em cujo municipio entramos. Todos esses habitantes papudos, informaram-nos que a vila do Peixe é uma grande paparia. Pela primeira vez em Goiaz vimos um caso de blefarite, frequentissima na rejiao da séca. De Pinda- hibas partimos ás 3 horas da tarde e ás 6 horas acampavamos, depois de caminhar tres legoas, á marjem do riacho “Tijuca”. Total do dia 7 legoas. Em caminho matamos um belo exemplar de jaburú moleque.”

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Acampamos á marjem da Lagóa Grande ás 6 horas da tarde, tendo partido de Tijuca ás 8 horas da manhã. Paramos ás 11 1/2 a marjem dum riacho, onde almogames, dai proseguimos a viajem ás 3 horas da tarde. Percurso do dia 6 '/2 legoas. Passamos pulo

Tanque, iogarejo de meia duzia de casas, onde fomos surpreendidos com a existencia duma escola particular que funcionava na ocasião dirijida por um mulato velno com pied bot duplo. Havia matriculados 8 alunos. ha muitos papudos e a existencia do barbeiro não foi negada. Trovejou á tarde e ameaçou muita chuva. Armamos as barracas mas a chuva não caiu. Fomos toda a noite perseguidos pelos mosquitos. Sobre o nosso cachorro Tupi apanhamos grande quantidade de anofelinas á meia noite.

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Partimos da “Lagõa Grande” ás 7 horas da manhã; descançamos ao meio dia na “Vereda do Agostinho”, daí saimos ás 3 da tarde e ás 6 acampamos no sitio do “Aleixo”, com um percurso geral de 8 legoas. re- side um velho intelijente e viajado, JOÃO TAVARES. A troco de carreteis de linha e bujigangas, conseguimos exemplares de me- gistus e sordidus. Encontramos algum milho. Vimos um entalado. O mal nessa rejião é conhecido por mal de engasgo. Durante toda a noite ouvimos os gemidos dos mutuns nos matos proximos da casa. Dormiamos ao relento mas, alta noite, recolhemo-nos 4 sala da habitação para fujir 4 chuva que ameaçava cair.

Partimos do “Aleixo” ás 2 horas da tarde, e ás 5 !/2, tendo percorrido 3 1/2 le- goas, acampamos em um rancho de tropei- ros no arraial do “Descoberto”, a 90 legoas da cidade de Goiaz. passamos um dia. “Descoberto” é um arraial decadente, fun- dado nos tempos coloniais, por exploradores do ouro. Nos arredores ainda se vêm os montes do cascalho revolvidos outrora. Pouco mais de 60 casas terreas, barreadas quasi todas, uma ou outra caiada, quasi todas cobertas de telha. População de 300 pescdas mais ou menos, sendo exceção a que não está afetada de tiroidite. Magnifico hospital para o estudo de todas modalidades da molestia. Fotografamos alguns doentes

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mais interessantes entre eles, um infeliz pa- ralitico de 25 anos de idade, que vive enter- rado numa cadeira feita de buriti, da qual sae para a cama á noite. É um gigante no tronco, com musculatura de atleta, mas com os membros inferiores atrofiados e contraturas involuntarios dos musculos da face e dos braços, um tipo profundamente impressionante. Doente desde os 14 dias de idade, quando foi atacado da molestia do ar (convulsões). Esse desgraçado tem a inteli- jencia lucida e pede por miscricordia que lhe dêm remedio que lhe permita mover-se ao menos “de quatro pés”.

Tivemos noticias de tres entalados. Não ha vexame. Obtivemos grande porção de Triatoma megistus, ai muito abundante.

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Por terem se extraviado tres burros, pudemos partir do “Descoberto” ao meio dia, e depois de parcorrer 5 legoas acampa- mos ás 6 horas na fazenda “Serra do Campo”. capturamos varios 7. megistus e um sor- didus. Vimos um entalado e tivemos noticias de dois.

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Partimos da “Serra do Campo” ás 8 da manhã e depois dum percurso de 6 legoas acampamos na fazenda do “Verissimo” 4s 3 horas da tarde. Compramos cinco quartas de milho. Choveu á noite. O proprietario da fazenda, a mulher e filhos, são todos pa- pudos, sem outras manifestações.

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Partida do “Verissimo” ás 8 horas da manhã, e depois dum percurso de 3 legoas, descançamos ás 11 horas na fazenda João Correia, adquirindo 12 quartas de milho. Partimos de novo ás 3 1/2 da tarde e ás 6 acampamos no lugarejo “Lambari” sob frondosa gameleira. Total do percurso 5 1/2 legoas. A nossa tropa estava em pessimas condicóes e ia-se aguentando a poder de milho. Ai é intensa a tiroidite e ha papos de grandes dimensões. Fotografamos alguns.

Noticia de dois entalados. O vexame é des- conhecido.

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Partimos de Lambari ás 7 1/2 da manhã e chegamos ao arraial de “Amaro Leite” ás 9 horas. Uma e meia legoas apenas, permanecendo até 2 horas da tarde. O arra- ial, muito decadente, em ruina, tem 54 casas e uma população de papudos e creti- nos, em condições lastimaveis de molestia e miseria. Ha uma ajencia de correio, onde encontrámos jornais de Goiaz e de S. Paulc, em um dos quais vinha uma noticia resumi- da do grande desastre ocorrido na E. F. Central a 31 de Julho. Amaro Leite, com a sua população de papudos, trouxe-nos á me- moria, uns versos dum sertanejo intelijente perpetrados numa povoação goiana, onde é tambem muito abundante o bocio. São os seguintes :

Ha papos de toda casta Redondos e achatados Compridos e pendurados

Ha papos que quasi arrastam Nesta paparia vasta.

Alguns ha que têm dobrado Papos de um e de outro lado Papos lisos e com pontas, Até que afinal de contas Morre o papudo afogado.

De Amaro Leite partimos ás 2 horas e fomos acampar ao relento, á marjem dum pequeno carrego denominado Buriti. Per- curso do dia 5 legoas. Quando atravessamos um riacho, á saída do arraial, diversas mu- lheres, inteiramente núas, estavam tomando banho. Absolutamente não se incomodaiam com nossa presença e não se ocultaram.

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Partimos do Buriti ás 8 da manhã, e depois dum percurso de 3 legoas, descança- mos á marjem dum riacho “Buriti Pequeno”. Daí partimos ás 3 horase ás 7 horas acam- pamos em uma marjem de um ribeiro sem habitantes, havendo proximo uma grota funda com bôa agua potavel. Caminhamos

7 210

7 legoas nesse dia. Passamos pelo Buriti Grande, nucleo de 5 habitações, cuja popu- lação é constituida na sua quasi totalidade de cretinos e aleijados, todos com grandes bocios. Um quadro doloroso. Soubemos de- pois que se chamava “Rebentão”, o logar onde acampamos.

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Partimos do “Rebentão” ás 8. Percor- remos tres legoas até o “Rio do Peixe”, onde descancamos e almoçamos, dai partin- do ás 4 horas para “Laginhas”, duas legoas além. Esgotara-se o milho, o que era um grande desastre, Sem ele poderemos fazer jornadas muito curtas. A tropa esiá derreada e esgotada, as pastajens de agreste, não ali- mentavam suficientemente os animais. se encontra milho em certos pouzos. Na maioria deles não encontravamos O precioso grão. Os camaradas diziam com razão que o que aguenta burro em viajem é milho e ao cama- rada farinha e rapadura.

1-9 002

Ás 8 horas da manhã punhamo-nos em marcha e ao meio dia arriavamos cargas em “Bocaina”, para almoço e descançar, com um percurso de quatro legoas. Dai partimos ás 3e ás 6 acampamcs na clareira dum mato a marjem do riacho “Ouro Fino”, onde ha quatro habitações, entre elas a dum fazen- deiro abastado (tem engenho de cana). felizmente encontrámos recursos de manti- mentos para nós, e do precioso milho para a tropa.

Adquirimos um capado gordo, que nos forneceu excelente carne e toucinho, arroz, feijão, assucar, galinhas e ovos, e perma- necemos um dia. Ha no logar relativa abas- tança e por isso sua pequena população apezar do bocio, tem aspeto de saúde, não tendo sido observado nenhum caso grave de tiroidite. Observámos dois entalados e tive- mos informações de 15 vitimas desse mal nos arredores. Nenhum de vexame, mal des- conhecido na rejião. Alguns casos de anci-

lostomose. Ouvimos em consulta uma se- |

nhora de 40 anos de idade, mãe de 5 filhos que se casára aos 10 anos de idade! a qual (expressão local) sentára na quarta (dera a luz) a primeira vez aos 14 anos. Desde os 25 anos que ficou zangada da mãe do corpo (utero) daí para tem tido movitos (abor- tos). havia bebido por dentro (por via gas- trica), e por fóra (clisteres), muita mesinha, sem resultados, até qne recorreu a um man- dingueiro (feitiçeiro) o qual lhe aconselhara tomar duas vezes na semana um dedal de urina de criança femea, choca de tres dias, e esfregar na paquera (ventre) gordura de quatí macho, Com dificuldade descia nos pés (defecava) e tinha grande inchume (incha- ção) na barriga.

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Partimos de Ouro Fino ás 7 1/2 da manhá, marchamos 4 legoas em pessimos caminhos de pedras soltas numa serra, e ao meio dia abatemos cargas no “Corrego dos Almocos”. Dai partimos ás 3 12 e ás 6 acampamos no “Soberbo””, tendo percorrido no dia 6 !/2 legoas. No “Corrego dos Almo- cos” ha uma habitação, onde encontrámos um cretino, varios papudos e um leproso, esse um pouco retirado num miseravel e minuscula choca de buriti. No “Soberbo” duas habitacóes, cujos moradores sáo todos papudos, e alguns cretinos,

14-9-912

Do “Soberbo” partimos ás 8 Y. da manhá, indo acampar no “Canabarro”, ao meio dia, com o percurso de 3 legoas.

aguardamos a tropa que chegou ás 5 horas por ter tomado uma errada, desviando-se da estrada cerca de 2 legoas. Por esse moti- vo ficámos acampados, tomando nossa unica refeição nesse dia ás 9 horas da noite. “Canabarro” é um nucleo de 4 moradas. cujos habitantes são todos infetados de ti-

roidite e ancilostomose, uma lastima. 15-9-912

Partimos de “Canabarro” ás 11 horas e depois dum percurso de 7 legoas em rejião

AA,

deshabitada, acampámos as 6 horas no “Tombador”, tambem deshabitado. Rejiáo desoladora, onde náo vimos um .ser vivo nem mesmo seriemas, com as quais nos en- contravamos frequentemente.

16-9--912

Do “Tombador” partimos ás 8 da manhã, e depois dum percurso de 7 legoas interrompido para descanco e almoco na fa- zenda do “Taboáo”, acampamos no “Meio da Mata” ás 6 horas da tarde. O nome do logar exprime perfeitamente o que ele é. Acampamos no coracáo duma frondosa mata, que nos informaram ter 20 legoas de com- primento sobre oito de largura. É a primeira mata que encontramos em Goiaz. Até entáo viajamos por campinas, veredas e cerra- dos. Sendo a mata muito larga, os boiadeiros, pouco a pouco derrubaram no centro dela uma area de cerca de 2 quilometros, onde naceu o capim para pastajens dos animais e tornando o logar pouzo habitual dos via- jantes. Nem mesmo ouvimos o esturro da onça.

17-9-912

Partida do “Meio da Mata” ás 9 da manhã, e depois de percorritas 7 legoas, acampamento as 6 da tarde na fazenda “Ponte Alta”, de propriedade do Snr. St. ANNA AZEVEDO, funcionario aposentado de Tesouro, homem intelijente, de alguma cultura e viajado, tendo residido em capitais de varios Estados e no Rio de Janeiro, e que no entanto, aposentou-se para realizar “seu ideal” : residir nessa fazenda e andar des- calço e em mangas de camiza, disse-nos ele. A casa da fazenda 4 bem melhor que as que deixamos para trás, porque é rebocada caiada e coberta de telhas, e pelo excelente jantar que nos ofereceu o seu proprietario, o seu passadio é regular. Obtivemos da pres- timosidade do Snr. AZEVEDO, algum milho para a tropa. Nessa fazenda vimos papudos entre os camaradas, isso mesmo nem todos.

18-9-912

Partimos da Ponte Alta ás 7 '/2 da manhã, e, percorridas 3 legoas, descançamos ao meio dia no “Xavier” (fazenda) Dai par- timos ás 4 horasda tarde e aproveitando o belo luar, rolamos mais seis legoas até o “Secretario” (riacho), onde acampamos á meia noite; ficamos apenas a tres legoas de Goiaz (capital) e que teriamos alcançado se não houvessemos perdido a estrada. Havia um mez que haviamos partido do Porto Nacional, onde não ha telegrafo. Ali recebe- mos cartas de nossas familias, a ultima delas com a data de 4 de Junho. Tinhamos certe- za de cartas para nós em Goiaz, e daí a anciedade de alcançar a cidade, onde, além disso, ha estação telegrafica, podendo dar logo ao chegar, noticias nossas e recebel-as dos nossos.

19-9- 192 Partimos do “Secretario” ás 7 1/2 da manhã escoteiros (sem a tropa), e ás 10

horas entravamos em Goiaz. Era tempo. As nossas montarias estavam em petição de miseria, com Os cascos comidos pelo casca- calho das estradas, cançadas, tropegas de fazer dó. Deixamos os animais fóra da ci- dade e preferimos entrar a pé, emboia não estivessem muito catholicos os nossos trajes. Em todo caso, eramos menos ridiculos assim, de que montados em animais esfalfados, n'uma terra, onde os cavaleiros fazem garbo de suas montarias bem postas. Dirijimo-nos prontamente ao edificio do correio, e tivemos o prazer de encontrar 8 cartas da familia a ultima das quais de 12 dias atrás. Dai dirijimo-nos ao telegrafo. então fomos procurar pousada para nós e para os cama- radas. Para esses, alugamos uma casa e nós nos instalamos na pensão do Snr. FER- NANDES.

Em Goiaz permanecemos até 2 de Outu- | bro. Não podiamos mais proseguir viajem | com a tropa, que tiaziamos desde Petrolina. | Os nossos burros viajavam desde 16 de

Abril, ha cinco mezes, portanto, tendo reali- | zado um percurso de cerca de 500 legoas.

220

“Estavam exaustos, pisados e sem cascos. Depois de descançados, tratamos de vendel- os e aguardamos a partida duma tropa para Anhanguera, afim de nos transportar e as nossas bagajens. Liquidamos contas com nossos camaradas que foram dispensados. Dois deles não queriam deixar-nos e decla- raram que nos acompanhariam até Anhan- guera, ponto terminal da viajem a cavalo. É de justiça assinalar a fidelidade de nossos camaradas, quatro dos quais nos acompa- nharam desde Joazeiro até Goiaz. Tivemos de dispensar dois homens em caminho, por ser um tanto turbulento e rixoso, e outro por ser velho e não suportar a viajem; nenhum por improbidade ou por desrespeito. Apezar de rusticos e analfabetos quasi todos (durante o percurso lidamos com 12 camara- das), serviram-nos com dedicação, concor- rendo eficazmente para a marcha excepcional que realizamos. Eram eles os primeiros que se levantavam, geralmente as 4 1/2 da mb- drugada, ás vezes mais cedo e os ultimos que se acomodavam quando chegavamos aos pouzos. Realizaram todo o percurso a pé, utilizando-se algumas vezes dos animais adestros. Em resistencia, duvidamos que haja raça igual á do sertanejo do nordeste. Dê-se- lhe carne do sol, farinha e rapadura e ele caminhará, á pé, sem desfalecimento, mezes a fic, por quasquer rejiões.

Precisamos descançar da longa estafante viajem, atravéz duma rejião quasi deserta. Com um comboio de 35 animais, dos quais 24 de carga, realizamos em 32 dias incom- pletos, um percurso de 160 legoas, que os viajantes de terra costumam consumir, le- vando apenas 2 ou 3 cargas, de 45 a 50 dias. Nossa viajem constitue o record da rapidez entre Porto Nacional e Goiaz, tanto mais quanto nossa tropa trazia nas patas até Porto Nacional, nada menos de 300 legoas desde Petrolina. Nossa felicidade foia de termos adquirido a tropa nas caalingas da Bahia em Joazeiro e Vila Nova. Ela causava admiração aos goianos, pelo tamanho dos burros pela sua força e resistencia caminhan- do 6, 8 e 10 legoas diarias a fio, com cargas

de 120 quilos. Os burros das caatingas são muito mais resistentes e vigorosos do que os do centro e sul do Brazil. Como os homens, tambem eles adaptaram-se áquela natureza ingrata e sua resistencia está na mesma relação da hostilidade do solo. Em Porto Nacional tivemos necessidade de trocar pelos da terra, dois de nossos burros, im- possibilitados de proseguir a viajem por estarem muito pisados, nos lombos. Os burros goianos era um contraste frisante com os bahianos pois são pequenos e fracos. Para acompanhar a tropa, não se lhes podia fazer carregar mais de 80 quilos.

O cavalo que nos Estados do Sul não é aproveitado para longas viajens, pela sua pouca resistencia e maior exijencia na qua- lidade da alimentação, presta-se no norte, a esses misteres tanto quanto o burro. Adqui- rimos no Piauhi dois excelentes cavalos de sela, e neles viajamos até Goiaz (Capital) caminhando um deles 350 legoas e 300 legoas o outro, chegando ambos em condições pas- saveis. Não difere do trecho entre S. José do Duro e Porto Nacional, o aspeto geral da vasta rejião de cerca de 180 legoas, entre esta ultima cidade e a Capital do Estado. A mesma constituição geolojica, identicos pa- noramas, vejetação semelhante; extensas campinas. vastos chapadões de cerrados, grandes verêdas de buritisais, pequenos ca- pões de mato á marjem dos rios, riachos e corregos esses muito abundantes. A mesma solidão. Em todo o longo percurso, apenas tres nucleos de população. Descoberto, Amaro Leite e Pilar, extremamente decaden- tes, com suas populações, na totalidade constituidas de negros e mestiços, inutilizada pelo terrivel flajelo que é a molestia de Chagas, não atinjindo nenhuma delas a 400 habitantes. Além desses arraiais, pequenos logarejos de meia duzia de habitações, algu- mas fazendas e pobres casebres esparsos á marjem da estrada e á beira dos riachos, cujos habitantes são tambem, na sua maio- ria, pobres vitirias da tiroidite, da ancilosto- mose e do impaludismo. Emfim, a solidão, a miseria, o analfabetismo universal, O aban-

En sa

dono completo dessa pobre gente, devastada moralmente pelo obscurantismo, pelas abusões e feitiçarias, e fisica e inteletualmen- te por terriveis molestias endemicas.

A raça atual dessa rejião é inaproveita- vel. E habitual dizer-se, e nós mesmos temos cometido esse pecado, que o povo sertanejo é indolente c sem iniciativa. A ver- dade, porém, é outra. A ausencia de esforço e de iniciativa dessa pobre gente, é proveniente do abandono em que vive, e da incapacidade fisica e intelectual, resultante de molestias deprimentes e aniquiladoras, cabendo nessas rejiões, 4 molestia de Chagas a primazia desse maleficio. É tambem quasi nula, nessa rejião, o rebanho bovino, equino e muar. Dias seguidos atravez de vastas campi- nas, extensos chapadões e veredas, não vimos um exemplar desses animais. Os poucos animais existentes, encontram-se nas proximi- dades das fazendas e das moradas e esses pequenos e de qualidade. É um contraste o boi creoulo do norte goiano, com o simi- lar do Piauhi; esse é volumoso, grande de pelo curto, liso e reluzente; o goiano é pe- queno, coberto de bernes, sem garbo, e de pelo longo e sem brilho. A forrajem natural das campinas, chapadões e veredas, 0 agreste, é fraca, de principios alimentares escassos, rica de uma substancia adstrinjente, o tanino provelmente, e por isso mal aceita pelos animais. Logo que penetramos na rejião do agreste, depois de S. Marcelo, os nossos burros, nos primeiros dias de uzo dessa forrajem, rejeitavam a ração de milho, que não podi- am quebrar com os dentes, tal a constrição das mucosas e gengivas. Habituaram-se fi- nalmente, mas ficaram em poucos dias magros e enfraquecidos, tendo sido necessa- rio em todo o percurso, atravez o agreste, triplicar a ração do milho, para realizarem a travessia até a Capital. Conforme assinala- mos já, em toda essa vasta rejiao de 180 legoas de extensão por 40 a 50 de largura entre os rios Tocantins e Araguaia, existe uma mata extensa e larga de oito legoas, proxima á fazenda Ponte Alta, 15 legoas ao norte da Capital. As terras em geral são pouco ferteis. O fumo vica em terreno

previamente adubado, o milho uma espiga, raramente duas. Durante 32 dias de percurso, não encontrámos uma tropa, nem uma boiada, nem um carro de boi. A es- trada sempre deserta. Vive a pequena popu- lação dessa rejião, completamente segregada do resto do mundo.

No nosso longo trajeto, não lobri- gamos as proclamadas riquezas minerais de Goiaz, com que nos enchem a memoria e a imajinação mapas e livros. Vestijios de mi- neração do ouro, nos tempos coloniais, em Descoberto e Amaro Leite, onde ha grandes trechos de cascalho revolvido. uma mina abandonada em S. José do Duro, e nada mais. Pelo que temos observado, em nossas viajens através de muitos Estados do Brazil, parece-nos haver grande exajero na enume- ração das riquezas minerais do Brazil. Estas existem, certamente, mas menos abundantes do que se proclama. Fontes colossais de ri- queza possuimos nós na vastidão do solo inexplorado e deshabitado, na vejetação pro- dijiosa para a exploração de madeiras, de tintas vejetais, resinas e borrachas, e na força incalculavel das imensas quedas d'agua.

Ricos são os Estados do Sul que ex- traem o ouro, não das escavações das en- tranhas da terra, mas de sua superficie com a cultura do café e cereais; com a plantação de forrajens adequadas, em suas pastajens e criação abundante de gado, e aperfeiçoamen- to de sua raça, e difusão da instrução prima- ria em todos seus recantos. Essa a riqueza do vasto Brazil. A exploração intelijente da terra, seu povoamento por homens aptos e concientes, dando-se-lhes meios de comuni- cação rapida e barata com os centros consu- midores, instrução e noções exatas e praticas de profilaxia das molestias rejionais, todas elas evitaveis, por meio duma assistencia ra- cional e continua, e por leis sabias de acau- telamento e aperfeiçoamento das raças. Co- nhecemos quasi todos os Estados do Brazil, e peza-nos dizer que, á exceção dos Estados do Sul, nos quais se cuida de algum modo da instrução do povo, da viação, de leis protetoras da lavoura e da pecuaria e indus- trias conexas, quasi todos os outros, exce-

—— 222

tuadas as capitais e alguns municipios, são | que conhecemos, quer os do extremo noric

vastos territorios abandonados, esquecidos pelos dirijentes, com populacóes vejetando na miseria, no obscurantismo, entregues a si mesmas, flajeladas pelas sécas no Brazil Central, e por molestias aniquiladoras, como o impaludismo nos Estados do extremo Norte e pelo impaludismo, ancilostomose e a molestia de Chagas nos Estados de Ma- ranhão, Mato Grosso e Norte de Minas.

Concorre muito para esse estado de cousas, as falsas informações dos que viajam por essas rejiões, pintando em linguajem florida e imajinosa, quadros de intensa poesia da vida bucolica, feliz e farta. Nós, se fora- mos poetas, escreveriamos um poema trajico, como a descrição das miserias, das desgraças dos nossos infelizes sertanejos abandonados. A poesia das paizajens e dos panoramas, ficaria apagada pela trajedia, pela desolação e pela miseria dos infelizes habitantes serta- nejos, nossos patricios. Os nossos filhos, que aprendem nas escolas que a vida simples de nossos sertões é cheia de poesia e de encantos, pela saúde de seus habitantes, pela fartura do solo, e generosidade da na- tureza, ficariam sabendo que nessas rejiões se desdobra mais um quadro internal, que poderia ser majistralmente descrito pelo DANTE imortal

Não agradará certamente a franqueza com que expomos nossa impresão, mas jul- vamos ser isso um dever de conciencia e de patriotismo. É indispensavel dizer a verdade embora dolorosa e cruciante e não iludir de forma alguma a nação para que, não sofram os jovens de hoje a triste desilusão por que nós passamos quando atravez Os livros e ro- mances, haviamos imajinado o Brazil Central tm paiz privilejiado, de terras uberrimas, matas infindaveis, jazidas auriferas e diamantiferas, inesgotaveis pedras preciosas rolando pelos leitos de seus rios, povoados seus sertões por uma raça forte e destemida, cobertos seus campos de rebanhos de gado sadio, um paraiso emfim, para onde nos refujiariamos com prazer quando fatigados da vida exci- tante e enervante das cidades. Os sertões,

quer os centrais, quer os do norte de Minas são pedaços do purgatorio, como nol'o pintam os padres, onde se purgam os peca- dos em vida, sem outra compensação que a inconciencia em que cae o desgraçado que nele se afunda. Goiaz é uma cidade regular, de construções antigas, sem arquitetura, com o tipo das velhas casas das cidades do inte- rior de Minas.

Em todo caso é uma cidade, onde se pode viver sem muito sacrificio, tendo aco- modações para tropas, sociedade bem cons- tituida, biblioteca regular, clube recreativo literario, alguma vida inteletual. A cidade é calçada, e as casas comerciais bem sortidas, algumas bem importantes com grandes depo- zitos de generos, fazendas, calçados, chapéos eobjetos de armarinho. Ha muitas casas de sirios. O transporte de mercadorias é feito em larga escala por tropas, e carros de bois até Anhanguera ou Araguari, em bóa estrada com o percurso de 80 legoas. Além de varias igrejas; conta diversos edificios publicos, eo excelente asilo de S. Francisco de Paula, associação dominicana dirijido por irmãs do- minicanas onde se acham recolhidos muitos infelizes, na sua maioria cretinos vitimados pela molestia de Chagas.

A população da cidade propriamente dita, cujas nabitações não se prestam ao habitat do barbeiro, por seram rebocadas, caiadas, forradas e assoalhadas, e além disso seus habitantes bem alimentados e adistrictos

“já ás exijencias dos preceitos de hijiene, têm

aspeto de saúde, as crianças são sadias e folgazãs. Nos arrabaldes, porém, onde habita a pobreza, e ainda se permitem as habita- ções apenas barreadas, ha muitos casos de bocio e das manifestações graves da moles- tia de Chagas, sendo nelas encontrado 0 barbeiro (megistus).

O asilo S. Francisco de Paula, instituição . de caridade, de iniciativa particular, novo, vasto e bem construido edificio, é um viveiro de infelizes de ambos os sexos e de todas as idades, em sua quasi totalidade, vitimas das formas mais graves da molestia de Chagas.

Nao se sabe o que mais admirar: se a des- graça dos infelizes, se a paciencia evanjelica das dignas freiras que dirijem a caridosa instituição.

28 —8—912 Finalmente pudemos contratar nosso transporte e de nossas bagajens, com um

tropeiro que partia para Anhanguera no dia 30 de Setembro. Conseguimos negociar nossos burros e todos os acessorios da tropa. A 30 de Setembro partimos de Goiaz, tendo ainda pela nossa frente 80 legoas a cavalo até alcançar a Estrada de Ferro em Anhan- guera. Fizemos esse percurso em vinte dias, chegando a Anhanguera a 19 de Outubro. Bem diversa é a rejiao sul- goiana da que atravessamos do norte á Capital. Magnifica estrada de rodajem, bem conservada, muito trafegada pcr tropas, carros de bois e cava- leiros, essa estrada, com dispendio relativa- mente modico duzentos contos talvez po- deria ser transformada em excelento estrada para automoveis de carga e de passajeiros, com vantajem incalculavel para toda essa re- jião goiana. O percurso que fizemos em 20 dias, poderia ser realizado confortavelmente em tres dias. As mercadorias, transportadas em carros de bois, que consumem 25,30 e mais dias na viajem, seriam transportadas em cinco ou em menor numero de dias. Pa- rece-nos que uma empreza que arrendasse essa industria naquela rejião, teria larga compensação para os capitais nela emprega- dos.

Toda a estrada é muito povoada, encon- trando-se a cada passo sitios e fazendas á sua marjem, campos bem povoados de gado regular, sobresaindo entre os bois, o zebú. A estrada atravessa varias cidades e vilas, onde se encontra relativo conforto. Nessa rejião não fizemos uso de barracas e toldos. Dor- miamos sempre nos pouzos, hospedarias e ranchos de tropeiros. As cidades e vilas, por que passamos, foram Curralinho, Campina, Bela Vista, Caldas Novas e Paracamjuba. Todos os pouzos, hospedarias e fazendas em que nos arranchamos eram de proprieda-

de de mineiros (filhos do Estado de Minas, ou de decendentes de Mineiros, oriundos do triangulo mineiro, ou do noroeste do Estado (Bagajem e Paracatú). É uma rejião quasi exclusivamente desbravada e habitada por mineiros. Atravessamos o Mato Grosso, mata fertilissima, que, segundo nos informaram tem a extensão de mais de 100 legoas es- tendendo-se pelo Estado do Mato Grosso, a que deu o nome, e largura de mais de 20 legoas. as terras são fertilissimas e seu preço é bastante elevado. Em toda a re- jião encontram-se portadores do bocio, em numero, porém, relativamente reduzido sendo ainda mais reduzido, o numero de do- entes com as modalidades mais graves da molestia.

É que nessa rejião ha algum conforto; as casas das fazendas e dos sitios são quasi todas caiadas, relativamente confortaveis, e o passadio de seus habitantes bem regular. se encontra abundancia de cereais, de legu- mes e verduras, quintais cultivados, po- mares e menor o analfabetismo. se aproveita o leite das vacas para alimento e para fabrico de queijo. Criação de galinhas e porco bem extensa, e consequente abun- dancia de ovos e carne de porco e touci- nho. Cultivado e esgotados os brejos proxi- mos ás habitações; o impaludismo não é tão frequente, além do que é habitual entre os habitantes o uso racional dos sais de qui- nina. se contrabalaçam nessa rejião os brancos e mestiços. Emfim, a rejião Sul do Estado por nós percorrida, bastante habitada por gente sadia, em sua maioria, com as lavouras desenvolvidas, os campos povoados de bons rebanhos, habitações regulares com relativo conforto, oferece um grande cont:as- te com a rejião norte do Estado.

Chegámos a Anhanguera a 19 de Outu- bro á tardinha, e pela 22 vez desde 7 mezes, ouvimos o silvo duma locomotiva. A 20 de Outubro partimos para Araguarí. cidade mineira, entrando em territorio mineiro alguns quilometros alem de Anhanguera, logo que atravessamos a grande ponte me- talica sobre o rio Paranahíba. De Araguarí

—— 224 ——

partimos a 22 para Uberaba, a 23 para Ri- beirão Preto (S. Paulo) a 24 para a Capital Paulista, desse mesmo dia, pelo noturno, para a Capital Federal, onde chegámos a 25 pela manha.

Foram confortavelmente percorridos em quatro dias, extensas rejides dos Estados de Minas, S. Paulo, e Rio, representando

mais de 2/3 do percurso que realisamos pe- nosamente, em mais de 7 mezes atravez Os Estados da Bahia, Pernambuco, Piauhí e Goiaz.

Estava terminada com felicidade a nossa missäo, chegando a salvamento todos os membros da comissão.

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MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

TOMO VIII—1916

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MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

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MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

TOMO VITI—1916

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ESTAMPA 10

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

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ESTAMPA 11

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

TOMO VIII- 1916

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ESTAMPA 12

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

TOMO VIII—1916

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ESTAMPA 14

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MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

TOMO VIII -1916

ESTAMPA 15

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

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ESTAMPA 16

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

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ESTAMPA 17

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ESTAMPA 18

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

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TOMO VIII

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ESTAMPA 19

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

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ESTAMPA 20.

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

TOMO VIII - 1916

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ESTAMPA 21

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

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MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ TOMO VIII—1916

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ESTAMPA 23

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

1916

TOMO VIII

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ESTAMPA 24

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

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ESTAMPA 25

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

TOMO VIII—1916

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ESTAMPA 26

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

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ESTAMPA 27

MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ

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MEMORIAS DO INSTITUTO OSWALDO CRUZ AMA's TOMO VIII—1916 ————————.

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113—Tumor de provavel orijem micotica. Des- 114—Acha-se doente ha 20 anos e o encon- envolveu-se sobre o labio inferior que se apre- tramos recolhido ao Azilo de S. Francisco de senta fistulozo e cheio de grumos, os quais se- Paula na Capital de Goiaz. Tem grande apetite; meados em meios de Sabourand, nada resultaram os ganglios se aprentam pouco desenvolvidos. A

fotografia 114 representa o caso visto de perfil.

115—Actinomicose—Joazeiro—Bahia. 116—Casos de tracoma. Municipio de S. Raymundo Nonato—Sul do Piauhi.

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