^^^mi /Pje^ente. Supponde vós que lirr.mos hum oiho inteiro a hum boi , ou outro animal femelhante , e que fazendo na janella hum buraco proporciona- do , lhe applicamos o olho arrancado , vol- íftodo 9 menina para fóia , e tçndo a cafa to- Tanlc ãecma fexta, p • toda ás efcuras , vamos rirr.nco pouco a pou- co as peles , que compõem a pr.rte poíleiior íio olho; ranto que checamos á ultima , que he a quebaita para ter máo no humiOr ví- treo , para que íe nio entorne , veremos nei- ia m.embrana ou pele debuxados com as co- res naturaes todos os objeílos , que eRãa fora da cafa ; porém com os pés para ínrsa , e cabeça para baixo. Logo como a conílruc- çáo dos oihos he a mefma , tanto no boi , como no hcmem , e lie o mefmo o oiiicio de huns , e o de outros oihos , bem te in- fere que fe os obie^los íe pintáo nos olhos do boi 5 também fe pintara^ó nos noflbs olhos, Silv, Náo creio , nem hei de crer , até não ver : alem de que he loucura períuadir-me de tal , fabendo niui bem que he impollivei fazer-fe la dentro dos olhos eOa. pintura Tem haver cores para a fazer. ^bcod. Náo vos lembrais do que eu dilíe, - que as cores náo eráo outra coufa mais do que a luz re^.eciindo dos corpos í pois fe dentro dos olhos pode entrar efta luz , depois de ter rcfleclido dos objecios , que dúvida pode haver em que dentro dos olhos hajáo cores capazes de tazer pintura ? ^ilv. Ora bem , fe iifo he aiíím , aqui entra - por çfta janella boa luz ]á reflexa dos cor- pos exteriores , fazei-me o gotio de fazer . huma pintura com eiia , fem m.ais nada. Thcod, E prometteis dar-vos por convencido fe o fizer? S^lv. Sem queíláo : e fera Eugénio teftemii- IO Recreação Filofoficã Eug. Náo tenho dúvida ; mas vede lá , Theo- dofio 5 o que prcmetreis. Theod. Fechemos todas eíTcis janelhs : e nef- ta que cahe para o jardim quero abrir hum buraco com efta verruma grolTa , e vereis , que tudo que le vê deita janeila , fe pinta naquella parede fronteira , mas com os pés para ílma : fechai os olhos hum pouco de tempo para vos acoilumardes á pouca luz , que entrará pelo buraco da janelia : efperai hum pouco. . . Eis-aqui tendes as arvores do bofquc fronteiro agitando-le com o ven- to , pintadas na parede com as ramas para baixo. Eug. He verdade ; lá andáo paíTeando as ce* gonhas pintadas na parede. Thecd. Eis-alii o jardineiro com o regador i náo o veàcs , Silvio í Silv, As cores são mui remiíTas. Eug. Mas náo podeis negar que moflráo baP tantemente as figuras dos objcdos ; e de ca- da vez melhor os conheço. Thcod. liTo he porque já os olhos fe váo cof- tumando á pouca luz. Mas bem viílcs que fem vidro algum íe fazia a pintuta, poíto que mais confufa , mas com cores : logo já íiz o que prometti , que era fó com a luz , que rcfleclia dos corpos pin- tar os objCiflos com as fuás figuras e cores. Em íegundo lugar a lente que puz no bu- raco foi hum^a lente convexa , que delias he- que usáo todos os que tem a falta da viíla que vós tendes ; e todos nós , ainda fem ufar de óculos , temos dentro dos olhos o humor cryíl.allino ^ que faz a figura , e o of- ficio de huma lente convexa : reparai na -fi- gura 5 que eu moftrei a Eugénio. Abramos asjanellas. Aqui tendes o cryítallino M fig.i. Efl. i, Logo fe a luz reflexa dos objeélos entrando ^S* '^ pelo buraco da janella , e paffando por huma lente convexa , pinta os objcclos na toalha pofta em huma determinada diítancia j co- mo náo luccedera o mefmo á luz , que de- pois de reflectir dos objedos ^ entra pela pu- pU- 1 1 Recreaçílo Filofofica pilla dos olhos, e paiTa pela lente do hunior cryrtallino , e \'Á ?.re á retina. Por iíTo r,co;i' tece , que quando d:í Sol nos obieclos tjuc vemos 5 he melhor a pintura na toallin , c he mr.is chr?. a pintura nos noíTos olhos , c por efta razão vemo!: melhor. Silv. Pois Te a inz rciiecTindo dos objeclos pura os olhos faz deniro dcUes eíia pintura y e também a faz na parede entrando por hum huraco da janella, porque a nío faz entran- do pela janella toda aberta i acaíb já a luz não tem comllzo as cores ? ThcCíi Tem as niefmas cores que d" antes ti- nha ; mas confundem-fe de tal forte , que nenhuma pintura podem fazer. Supponde vos que as ti-it?.3 de hum pintor fe milluráo todas, temos al;^uma imagem? he certo que náo : pois o mefmo faccede no cafo de ci- tar a janella aberta. Eii.'^. E>:p!icai-me ifto bem.. Tbcod. Olhai , Eugénio : a luz dando nas ra- mas de humi arvore de tal force fe modifi- ca , que fe forma em cor verde i donde quer que baterem cí-Í;í5 r^ios dz luz , iz ahi náo houver outra cor diverta que os embarace, ver-fe-ha cor verde ; o mefmo digo da luz que dl no tronco, a qual redefiindo delle , faz cor p?-rda. Suppolfo illo , quando a ja- nella efti fichada , pelo buraquinho entráo os raios de luz , que refleilem do tronco , e mais das ramas ; como os que fahem do tronco vem debaixo , entrando pelo bura- quinho y hão de ir dar na parede , por^m niais Tarde ãecmafexfa. 13 mús em í:ma ; e como os r?.ics . qr.e refle- ó>em das ramr.s , vem de íimr, , e deícem para entrar pelo buraQiiinho da janella , háo de vir parar na parte inferior da parede ; e aqui tendes a razão de fe pintar a arvore ás avéfías. De miais diílo , como eftes raios ca- liem em. d i verias partes da parede , não fe mirturão huns com os oiiífos , c cada hum pinta na parede a lua cor. Supponde agora que náo bulindo neila janella , abrimos ou- tra , tanto que iica a caia clara , deiapparece a pintura. ííug. E porque^ Tbcod. Porque pela outra ianella entrão a hum tempo raios de luz , que refleclem de innu- meraveis obie^'3:os , e da diverlas cores, co- mo a janella he mui larga , muitos raios, que refleclem de divcrfos obieéíos , vem pa- rar fobre o lugar da antiga pintura , e m-if- turáo-íe todas elUís cores com o verde c pardo, que lá eílavão ; eporeíla razão tudo le confunde. Portanto , para ella experiên- cia he precifo o buraquinho para fazer cru- zar os raios , e caminharem a diverfos luga- res j e he precifo que a cafa cíteja efcura, para fe náo confundir com as cores dos ou- tros objeclos , a que traz cada raio de per íi ■■, e aqui tendes a razão de não termo.s a^o- ra pintura na parede. Silv. Falva dar a razão , por que he m.ais vi- va a pmtura com o vidro convexo , co que fem cilc. Thcod. A razão eu a dou ; mas vede primei- 14 Recreação Filofofica TO eíla fi^ur?. {Efinm^a i. fig. ^.) • ^^^^ tendes hiima len:e a e , ciue he convexa i e vifta de topo , faz efta figura. Supponhamos que o objeclo externo he huma fcta S T ; da cufpide da feta S refleclem raios para to- da a parte : Jogo reflectem também para to- da a lente a c (náo f-içamos c:.ío fenáo de três raios , parr. evitar a contusão ; por quan- to o que diíTermos de três, dizemos de tre- zentos ) eftes raios de pontinhos ; dando na lente , quebráo de force , que fe vem a ajun- tar neíle lugar o , e os raios de rifcas conti- nuadas 5 que fahem das pennas da féta T, dando na lente , quebráo de forte , que fe váo a ajuntar no lugar / , conforme o que dilTe , tratando da refracçáo da luz (i). Da- qui nafce , que no ponto o fe ajuntáo mui- tos raios dos que fahíráo da cufpide S ; e como tocos eftes raios fahem do mefmo objeclo 5 e tem a m.efma cor, pintáo huma cor mui viva e forte ; e tanto mais viva, quanto maior for a le;ite , porque entáo jun- ta em hum ponto maior numero de raios. O mefmo fuccede no ponto f , e por iíTo com a lente fica a pintura mui viva. Sem haver lente , os raios que fahiáo da cufpide cada vez mais fe hiáo efpalhando ; e os que chegaváo a entrar peio buraco , dahi por di- ante fempre fe hiáo efpalhando ; porque co- mo náo ha quem os quebre , f^rco lamente háo de feguir feu caminho. Deftc modo os raios que fahem de hum ponto do objedo, náo ( I ) Tom. ir. Tirde V. Tarde decima fext a. if não podem unir-fe em hum ponro ; e como fe eípalhão , já háo de cahir os raios , que íàhem de hum ponro fobre o lu2;ar onde cahem raios íahidos de outro , e miíluráo-ie as cores , e temos confusão ; tanto m.aior , quanto maior for o buraco da janeiia. Eu,<^, E porque razão havendo lente , náo fe faz a pintura na parede , mas na toalha ? Theod. A pintura , quando ha lente , fó fe faz em huma determinada difcancia da lente , porque os raios fó em huma determinada diftancia fe ajunráo : ás vezes fuccede , que a parede fica neífa diftancia ; mas com.o a toalha fe chega mais , ou menos , conforme queremos , por iíío fe ufa antes de huma toalha, ou qualquer plano branco. Eug> E porque preferis panno branco a qual- quer outro ? Tbcod. Porque o panno branco , ou paj^el branco , ou parece , . &c. por caufa da fua cor 5 reflede quafi toda a luz , que nelles cahe ; por efta razão íe logra melhor qual- quer pintura ; fe as cores que entráo pela - janella cahiiTem fobre outro plano de cor efcura , fumia-ie muita parte dos raios ^ e • ficaria mui efcura a pintura. Eug. Tenho percebido. Tbcod. Efta mefma pintura 5 que fe faz com a luz do Sol 5 fe fará com a luz de huma vc- ' la acceza , para que vós, Silvio , vos aca- beis de capacitar , de que as cores não são • outra coufa mais que a luz modificada. Silv* E como fe faz eíla pintura que dizeis ? Theod, 1 6 Recreação Filorqfica ThcCíl. Eu mando vir hiima veia accezn 5- í vereis que Te pinta na parede fem m..is arti- licio , que aji:ntar em hum ponto da parede 03 raios que íahem de hum ponro do obje-" cio: ora eu o faço primeiramente, e depois darei a razáo. Aqui tendes a véía ac:eza : reparai agora: aqui vou che2;ando huma len- te convexa mais ou m.er.os para a vela até a t. pintar na parede. '.[Eftãmp. i.fg. 4-) 4' Eiij^. Já Já cftá pintada , mas ás avéllas , por- que cftá voltada a chamma para baixo. Theod, A razáo he a meíma : todos os raios que fahem da chairima , c cahém na lente , cuebráo , e le ajurttáo neí^e lugar da parede f/z) : pela mefma razáo Te ajuntáo aqui ( em e ) os raios , que refleclem do caíliçai , fjuando o cafiiçal recebe luz baftante ; mas como a groíTura da vela embaraça que não dè a luz no caftiçai , apenas Te pinta a vela* Siiv. Bem íe vè pintada a parte mais allu- miada. Theod: Advirto que para fá fazer ifto bem, ha de haver fó huma luz na csia ; porque havendo muitas , algum tanto fe confundem as pinturas. Eiíg. líTo connrma-fe pela razão que já ten- des dado ; dizei-me agora : E p6de-fe pintai e objeclo com a luz fem haver cfta iente convexa r Thcod. Se houver hi;m efpelho concavo , que ajunte os n.ios , fará o meimo : cu vos faço r. a experiência, [jig. 5. , Aqui tetides vos S' que da chamma (^) íahem lâios para to Jò o Tarde decima fextái íj o efpelho 5 os quaes por caufa da fua con* tcaviaade.fe ajuntáo neíte ponto C^), e ahi pintáo a chamma , porque encontrão plano capaz de a pincar. íug. Bem vejo : tudo vai Comprovando a mefma doutrina. Já agora , Silvio , pouca , ou nenhuma dúvida podeis ter na pintura, que Theodofio diíTe que fe fr.zia dentro dos olhos ; porque fe os raios de luz pintáo os objeclos na parede , ou qualquer piano que encontrem , como o náo pintaráó dentro dos olhos ? Silv. Cá fora vejo que he aííim , lá dentro náo me confia. Theod. Gonfta-mc a mim , e a todos , que náo fecharem os olhos do corpo e da razáo : fe fizermos a experiência ào olho de boi que referi , vè-fe a pintura feita na fua reti- na : demais , fe nós vemos nos olhos a mef- ma difpofiçáo de órgãos , que he precifa pa- ra fe pintar cá tora o objecílo em qualquer plano , meramente com a luz que entra por num buraco , porque razáo náo havemos de dizer que fe faz dentro dos olhos a mefma pintura que cá fora. Xo olho ha a córnea convexa , que faz as vezes de huma lente de vidro convexa , fegue-íe o buraquinho da pupilla j que correfponde ao buraco que fc abre em huma janella para a experiência que vimos ; fegue-fe o cryflallino , que he huma lente convexa por ambas as partes , e que- bra mais os raios , aiKm como a lente de Vidro que fe ajunta ao buraco da Janella ; TQm.iV. B a iS Recreação Filofqfica a retina faz o meimo que a parede ou pa- pel 5 erh C|ue fe recet/e a pintura : dentro do olho não ha mais luz que a que entra pela pupilla ; aílim como dentro da cafa náo ha mais luz que a que entra pelo buraquinho : a luz he a mefma ; os objcdos os melmos : logo fe na parede fe pintáo os objeclos fo com a luz , na retina Te pintâo também do mefmo modo. Portanto ie quizerdes crer, aqui tendes os fundamentos ; fe náo quizer- òt^ ^ ficai na voíTa opinião, que eu vou ref- ponder a Eugénio , que o vejo em acçáo de perguntar, §. III. Do conhecimento , que tem do objeão a íwjfa alma fundado na pintura dos olhos. Eug. \ Nces que me eíqueça : vós dilTeíles i\ que nos olhos íe fí^zia a pintura dos objeélos , e que ifto era preciío para nos os vermos ; tendes provado que fe pintáo : ref- ta explicar o mai^. Theod. Eu o di^o : Nós em nós mefm.os te- mos duas fubftancias totalmente diverfas , corpo e ain-va : as noiTas fen facões são per- cepções da alma , ii\o he , huns movimentos da alma , com cjue ella fabe que ha ou eíti efte ou aquelle objeòlo nelte ou naquelle lu- gar. Porem para a alma ter eftes movimen- tos depende de cenos movimentos do cor- Tarde àectma fexta. IJ^ po , pc caufa da admirável união que ha entre corpo e alma : de force , ^ue a diver- !ldade dos fentidos ou percepções da alma cftá nôs diverlbs órgãos , ou na diverfa cai- ta de movimentos do corpo , de que depen- dem eftas percepções. O lentido da vifta confifte nas percepções da alm.a , que ella tem dependentemente dos movimentos e imprefsões , que fe fazem nos olhos ; aííim como o fentido do ouvir eftá na percepção da alma dependente das imprefsões dos ou- vidos. Adverti agora bem no que vos digo : Efta percepção he huma apprehensáo , ou a61o , com que fimplesmente fe reprefenta o objeifio á alma ; mas a efte aílo de fimiples reprefentaçáo ordinariamente acompanha hum juizo da alma , com que fe diz a fi , que o objeclo he como fe reprefenta ; porém cíle jui2o náo he da eiTencia do aílo de ver, pois a alma o fufpendc quando duvida fe ha na realidade o objcítlo como a alma o vê, ou lhe reprefenta a viíla que he. Portanto iílo que chamamos ver , inclue em fi duas coufas 5 movimento dos órgãos da vifta , e aclo da alma ; por confeguinte para explicar o fentido da vifta , he precifo explicar o que pertence ás imprei'sóes dos olhos ,60 que pertence aos a6los da fdma , que dependem delias. Snppofto ifto , não cuideis que efta pintura nos olhos pára ahi ; communica-fe em certo modo ao cérebro , deíla maneira que direi. A retina he formada de humas tenuiííimas íibras do nervo otlco , o ^"^^^^ B ii ^^ ^c Recreação Filõfqficã como todos os outros , tem fua origetYv \\^ cérebro : por dentro dcftas fibras eftáo os eí- piritos snimaes i quando nos nervos fe faz imprefsáo , efta Ic comrauniGa ;;os cfpiritos animaes y e por cUes Te commimica até o cérebro. Eug. E que imprefsáo fe pode fazer na reti- na fem haver corpo algum que toque nella , fenáo o huirior vitreo í mas elTe iempre ef- tá tocando nella, enáo pode fazer fenfaçáo ^ por caufa da quzl vejamos agora ^ e depois nâo ve)r.mo8. Ibeod. Já eu vos diíTe que a luz era corpo , e corpo fubtilijlímo , ou feja a matéria ethe- lea de Gazendo , ou fogo fubti^lilíimo dos Ke>5rtonianos : mas como }>e corpo fubtiliíli- mo 5 e eíle corpo vai agitado cora hum mo- vimento mui grande, bate na retina, e com cfte movimento excita o movin^nto dos ef- piritos animaes. Daqui procede , que quando olhamos para o Sol , ficamos por hum pou- co de teitipo quafí cegos- ; porque a retina agitada com força pela luz forte do Sol , fi- ca conl^ervando efte movimento por hum pouco de tempo , e por ilTo r.os parece que cfL^mos vendo o Sol , ainda tendo os olhos fechados , c pondo-lhe a máo em flma 5 e como a retina fica coiirer\'ando efte movi- mento da luz forte , qualquer movimento que traga a luz mais fraca de oiitros obje- èios 5 náo pode perceber-fe na retina , ou fa- zer nella a diverfa imprefsío , como fucce- t';ria fe a retina eíliveile inteiramente quie-^ j#^ focegada. lug^ Tarde iecima fexta, iT Eu^. Agora vejo eu a razáo , por que quan- do encrr.mos cm huma caía quafi ás efcuras , náo vemos nada dentro delia ; e íe por bal- lante tempo nos demoramos , vem.os com eíía pouca luz que ha tiido quanto pa«'- tonianos ) , cu na mefma íibflancia agitada de diverfo modo ; fendo ifto aíhm ( como fica dito em Teu lugar ( i ) , não pode ne- gar-fe , que pintando-íe o objedo na retina com diverfas cores , ha de fer mui diverfa a im- ( X } Tom, II. Taide VL I 14 Recreação Filofcfica imprefsáo , que cada huma delias faz no? nervos da retina ; e por coniegUiiire n;ui di- vería ha de fer a imprersáo , que íe faz no cérebro ; e como das impreísóes do cérebro dependem as percepções da alma , pinian- do-fe hum homem na noíía retina, ora vef-» tido de encarnado , ora de azul , he precifo que a nolTa alma faça mui divcrfos aclcs , com que conheça a exiftencia de Pedro no lu^ar próximo ; e eftes a<ílos são os com Lie diz 5 que Pedro huma vez eftá veílido leíla cor , outra vez de outra. Eug, E quando o objeclo em ii tem miílura- das diverfas cores ? 7 heoíi, Percebe-o a alma defte modo : Com.o a pintura da retina coníla de duas cores , também a imprefsáo , que fe comxmunica ao cérebro , náo he toda íemelhrjite , mas tem diverfidade ; e defta diverfidadc infere a al- ma a diverfidade dos objeclos , que a cau- sáo 5 ou a diverfidade das cores. Silv. E porque razão alguns enfermos vem os ob;e(íios com cor diverfa da que elies tem ^ ou avermelhados , ou amareliados , &c. Theod. Os diverfos humores , que por caufa da enfermidade ou rem movimento mais for- te que o ordiniirio , cu fanem dcs feus va- íos , perturbáo a imprefsáo que faz no cére- bro a pintura da reima j e mudando-fe a im- prefsáo 5 muda-fe o juízo , que faz a alma fundi da na imprefsáo do cérebro , ou pintu- ra dos olhos. £ug. AJeniando nós como principio certo, que Tarde decima fext a. 2^ que os diverfos a6los ou juizos da alma de- pendem 5 ou fe excitáo pelas imprefsóes di- verías do cérebro , tudo o que perturbar ei- ra imprefsáo , ha de fazer t^ue iej.i diverio o juizo da alma. Thcod, Pois delTe principio náo podemos du- vidar : porque he cerio que a noiTa alma náo vè pelos olhos do coi-po immediaramenre ; porque a alma he fubiliancia eipintur.l , c os feus aéios sáo também efpirituaes , e os olhos são corporaes ; por conle^uinte a alma náo vè pelos olhos do corpo. Silv. Sáo logo os olhos efculados para ver- mos, Thecd. Ora attendei , que cu me acabo de ex- plicar. A noiTa alma náo vè , iílo he , náo conhece as cores dos objectos pelos olhes i •mas os ados efpirituaes , com. que conhece eftaí cores , dependem dos olhos ; por eihi caufa 5 femi olhos ninguém jamais vio ; e ef- ta dependência confifte , em que a imprefsáo da retina communica-fe ao cérebro , a im- prefsáo do cérebro excita o m/ovimiCnto da alma , ou a percepçáo do objecio. Eis-aqui como os olhos íervem para a alma ver. \ a- mos agora explicar como a alma percebe a figura plana dos objeclos. Eug. Que he figura plana ? Theod. Figura plana chamo eu aquella que tem o cbjeClo, quando eitá pintado em hum quadro , antes Ge ter fombras que o rele- vem 5 e taçào como fahir para fora. Ponha- íTiOs exemplo , huma bola pintada em hum pai- 2 6 Recreação Filofqfica painel Te náo tiver fombra alguma , pprecc num círculo xato ou phno ; e quando o pintor lhe da o claro e eícuro em il^u lu- gar, então he que reprefcnta huma bola lo^ lida ; iílo fuppolio , já fr.beis o que entendo por figura plana, e por figura foiida. Eug. Tenho entendido. Thiod. Digo pois que a figura plana do ob- jeclo poderá perceber a alma fundada m.era- mente na imprelsão da retina , pofto que al- gum efcrupulo m.e fique. A razáo he , por- cue conforme a figura do objeclo , allim a íua pintura occupa eftas ou aqueilas libras da retina ; e aílim por diverlas fibras vai a imprersáo ao cérebro , qur.ndo o obieclo mu- da de figura ; íe por exemplo o n.elm.o ob- jeílo 5 que correlponde ao meio da retina , apparece ora redondo , ora triangular , claro he que muitas fibras , que da primeira vez recebem impreisâo , a náo háo de receber da fegunda , e ás avc-lías. Portanto m.udan- do-ie a figura do objerlo , ja nos olhos ha o que baUa psra fazer que no cérebro haja divería impreísáo , e a diverlidade da im- prersáo CO cérebro baila pura determinar a alma a formar diverfos juizos , quando o ob- je(?íO muda de figura. Agora o julgar da fi- gura folida , iito he , fc huma bola náo hc hum plano xaio , n-as folida e relevada , ou que huma ellatua náo he pintada em plano , mas folida c verdadeira, lílo náo conhece a 2lma meramente pelos olhos , m.as he prc- cifo vaicr-fe dos outros fentidos : como tam- bém Tíirde decinm fexta, 17 bem para conhecer r. grandeza do objedlo , a fna diílancia , a pofuira em que eltá , e txmbem fe he hum , ou deus , &c. A razáo de rudo illo , aííim em commum , lie, lor- que nhs rerinas dos dons olhos íazem-íe duas pinturas do mcimo ob eclo : logo pe':i pin- tura mcramenre não podemos julgar que he ró hum ; demais a pintura do objeclo fem- pre toca immediatamcnte na retina, quer o objeòlo cfteia longe , quer efteja perto : lo- go pela pintura merarr.cn ce náo podem.os jnlgar da diílancia , que elle tem de nós. A'ém difto 5 a pintura he mui pequenina , e ás vezes huma maça iunto dos olnos oc- cupa mais campo que Hum homem ao lon- fe : lo^o pe!a pintura náo podeirjos julgar a grandeza dos objectos. Emfmi a pintura do ob]ecto faz-íe com a cabeça para baixo : logo pela pintura náo podemos julgar da poíl:ura cm que e!Ie eftá. Portanto aqui tem muita parte os oucros fentidos , principal- mente o tatlo. §. IV. Como julgamos da grandeza verdadeira dos otjiãQs 5 e das fuás dijiancias. Silv. T T E a primeira vez que tal ouço : n com que temos que não iómente vemos pelos olnos , mas peios outros ienti- Theod. iS Recreação Filofojica Thecd, ■ O que digo hc coufa mui diverfa: digo cue a rJmn para julgar do que vè , fe vaie dos outros lentidos ; de forte que fe puzermos hum homem que tenha o fentido da vifta perfeitiííimo , fe náo tiver ou nuri' ca ufnr dos outros fentidos j não laberá pela viíia tazer cor.ceito do? obje(fios grandes , nem pequenos , nem diu :ntes , &c. Sih. IiTo he huma ficção fem fundamento. Thíod. Náo he fcnáo difcurfo racionavel. Hum cQ^o houve de quatorze annos , que o era òçXòQ O nafcimenio. (i) Mr. CiíTçlden , in- íigne Cirurgião , entrou no projecto de dar villa a eíle homem, e com eíieito lha deo : fuccedeo huma coufa bem galante , que o hom.em não acertava a fazer conceito do que via i ao principio acudia com a mão aos olhos 5 julgando que tudo quanto via eftava tocando nos olhos ; e conhecia pelo ia£lo • que fe enga.nava. Huma mão , cue pofta di- iinte dos olhos lhe encubria hum.as cafas , julgava elle que a mão era do tamanho das cafas. Náo julgava da figura dos objeflos fem ir apalpar com íi mão ; e então ajuntan- do a imprersáo que tinha pelos olhos com a que tinha pelo -taclo , he que dizia que cílé objeclo tinha efta determinada figura. Tviuitos tempos paífou fem crer , que as fi- guras pintadas nos quadros náo cráo releva- das ; e ouando apalpando* com a mão, acha- va o pamei piano e lizo , admirado pergun- tava , que fentido era o que mentia ? le a vif- ( 1 } iMr. Voltaire, Elem. de la Filoí. de Newt. Tarde decima fex"tã. ^ 9 vífta., reprefentando-lhos relevados 5 [c o tcí- t[o , reprelentando-lhos rodos lizos e planos. Emfim depois de dous mezes , vendo e apal- pando , he que fazia conceito das coulas, como era razão. £ug. Talvez que por eíTa razão os meninos tudo quanto Vem querem apalpar , porque com o taíio vão ajudando as impreísóes da vifta 3 aílim como fazia eííe cego ; que a cile podemos comparar qualquer menino , que principia a ufar do íentido da vifta. Si IV. Pois he crivei que elTe homem não co- nhecelTe a grandeza dos objeclos fo pela vifta. > Theod. Reparai no que digo : nós não cgmos na imprefsáo dos olhos coufa^ por onde co- nheçamos que hum ooieclo he grande qm pequeno , fenáo a grandeza da im,agem da retina ; porém ifto não bafía para nós co- nhecermos a verdadeira grandeza do obje- €\.o ; porque huma mão pofta em pequena diftancia , faz na retina numa imagem táo grande , que occupa toda a retina , e por iflb não vemos mais nada ; efta mcfma mão pof- ta em diftincia proporcionada , tem huma imagem na retina , que occupa mui pequeno efpaço , como vos explicarei depois ; e náo obftante efta diverfidade da pintura , a mão lempre he do mefmo tamanho : logo o en- tendmiento para julgar que a máo he deíle tamanho determinadamente , náo p^de va- ler-fe fó do tamanho , cue tem a pintura . que fe faz na retina, Siiw 3 o Recreação Filorofica Silv. Pois de (^ue mai'r fe vale para a conKe-» cer ^ Theod. Vale-fe dos outros fentidos , particu-^ iarme-.ite do tailo. D-ii-me attençáo : 4uaridem de nós , fcnáo pelo m.ovim^nto do corpo. Andando de íuimas- caír.3 para outras , e fempre com elias á vif* U, fe aciío gaftamos muito temipo , inferi- mos Tarde decima fextn, 3 1 rnos que a diftancia he grande •■, fe pouco tempo gaitamos, temos para nós que a dii- tancia he pouca. líto meímo cmdiverías cir- cunftancias teíliíicáo as mãos , ou os ouvi- dos 5 por cauía de ier o Ibm de alguma cou- •la m.c-.is remilTo , quando vem de longe. Jun- to cem efta experiência do taclo e mais fen- tidos , que nos perfuadem da diftancia , ob- lervamos Iiuma mudança na imprefsáo que fazem os objecíos nos nolTos olhos ; porque todas as vezes que fenriamos nos olhos im.a- gem mais pequena e mais coníuía , pela ex- iperiencia dos mais fentidos conhecíamos que o obje(fio eftava diftante : pelo contrario quando fentiamiOS nos olhos imagem do ob- je61o , maior e mais diftinta e viva, a expe- riência do taclo e mais fentidos nos períiia- diáo que o objeclo eftava próximo. Suppof- ta efta larguiííima experiência de toda a vi- da , todas as vezes que nos olhos fcnte a al- ma impreisâo maior e mais viva , logo jul- gamos que elle eftá perto ; e ie fentimos impreisáo menor e mais confuia , iem de- mora julgamos que eftá longe. Tanto aííím, que converíando famJlianiiente , para provar que eftavamos mui diftantes de qualquer fi- tio, náo tendo outra medida, dizemos: Era táo longe , que os hom^ens pareciáo huns gafanhotos , e via-fe negrejar o campo , maí- náo fe diftinguia homem de hom.em. Eug. IlTo concorda com o que fszem 03 pin- tores nas perípeclivas , que para nos enga- narem no (jue toca a diftancia dos objeilos , váo 3 2 Recreação Filofofica váo fucceííivamente pintando arvores ou ca^ fas mais e mais pequenas , e confuías , de forre que , fe no fim da pcrfpeòliva vemos hum pequeno borrão de tinta , parece-nos que he hum homem da nolTa eftatura ; mas lá poílo muito ao longe , que por ilTo pare-* ce tio pequeno , e não fe diítinguem as íei* çces. Tbeod. Pelo contrario dizei-me : E os óculos de ver ao longe náo nos reprefentáo que os objeclos mui diílantes eftáo mui perta de nós ? Silv. Hontem á tarde o experimentámos nós ,- venda fahir a fróia peb. barra •, que me per- fuadia eu , que Os navios náo podráo diítar de nós meia légua. Tbeod. E porque cuidais vós que he eíTe en- gano , fenâo porque os telefcopios fazem que fe pinte nos olhos imagem maior e mais diftinta , emfim tal y qual fó fe poderia reprefentar el-bnído o ob)ecto muito perto í e por iíTõ j pelo coftume e experiência anti- quiiíima , canro que a alma fente eílas im- ^relsóes dos olhos , náo fó julga o que per- fuadem os olhos , mas julga da dirtancia que coíluma acompanhar femelhantes imprefsóes. Eis-aqui como nos certificamos da diftaneia . dos objeclos : funda-fe o entendimento na . que reprefentáo os olhos, ou para dizer me- lhor 5 a lua pintura ; mas náo fó nillo , eftri* b^-fe também fobre a experiência dos mai$ fentidos , particularmente do taclo. Eug. Por efle difcuríb he claro ^ que o cego y 3e Tarde ãecma fexta, 3 3 . de que falíamos , náo podia julgar da dif- tancia dos objeilos , fenâo depois de ter baf- tantes dias de vifta. Theod. E como náo podia julgar das diílan- cias dos objectos , náo podia julgar também com acerto da fua grandeza , pois íabemos , que da diftancia do objeClo depende o pare- . cer-nos maior , ou mais pequeno. Nós que Íabemos por experiência , que hum homem da nolTa eftatura , na diil:ancia daquelle navio parece táo pequeno , que quaíi fe náo vè, já damos eíl:e defconto á grandeza que fe nos reprefenta : Te naquelle navio appareceííe hum homem , que a reípeico de nós aqui , fizelTe a mefma rigura que eu faço nefta ja- nella , todos julgariamos que era hum def- medido gigante , como na verdade era necef- fario que tolTe , para nos parecer táo gran- de , eítando naqueila diítancia. Portanto , re- jpondendo em poucas palavras á voíTa per- gunta 5 digo , que quando a grandeza do objeòlo he conhecid?, , julgamos dà diftancia que tem pela diminuição da pintura , que íe faz nos olhos , e também pela fua confu- sáo : pelo contrario , quando a diftancia he fabida , julgamos da grandeza do objeclo pela grandeza da imagem , que temos nos olhos. Ponhamos exemplo : nos fabemos já por experiência , qu:;nta he a diílar.cia defta janella aquelle forte j fe ahi apparecerem dous homens , e hum fizer huma pintura grande nos olhos , outro huma pintura pe- - quena, pela diíièrença das imagens julgamos / yom. ÍY. C ^ue 34 'Recreação Tilofofica que tem diverfos tamanhos : pelo contrario , nós já fabemos por experiência , que tama- nho tem hum homem pouco mais ou me- nos ; e os que chegamos a huma rcbanceiri ou outro ílrio , cu]a altura ignoramos , e ve- mos que Te nos reprcfenta hum homiem m.ui pequenino , e que apenas fe lhe diftinguem Feições , julgamos logo que a altura he mui grande. Súv, Ainda fem fer a altura grande , podia parecer o homem mui pequeno , fc verda- deiramente elle íoííe hum rapaz de três an- nos. Thecd. Dizeis bem: mas fe a altura foíTe pou- ca 5 e eTe homem , que nos parece peque- no 5 foiTe huma criança , náo havia de fer táo confufa a imagem , como fuppomos que he ; pois cada hum por experiência íabe, que em quanto os objeilos náo eftio muito diftantes , os vê com diftincçáo das partes. Portanto , quando a experiência do tado c mais fentidos nos ce^rificáo da diftancia , a imagem dos olhos dá fundamento á alma para julgar da grandeza do objeclo ; e quan- do a experiência dos mais fentidos nos dá a conhecer a grandeza do obieclo , a ima- gem dos olhos e a fua confusão , he funda- mento , por onde julga o entendimento da diftancia. Silv. Quando vos eníinou a vós o zn^o a diftancia das jancllas ao forte : já as medif- tes aos palmos ? Theod. ISáo he prccifo iíTo : vós quando def- ceit Tarde decima fexta, jy ceis daqui para a cílrada , ainda que leveis os olhos fechados ^ náo fabeis que dei ceis huma determinada altura ? inábeis. Quando àtíèiO. a minha porta paiTeais ate o forte , in- do caminho direito , náo conheceis íem Ter pelos olhos 5 que andais hiun determinado cfpaço ? conheceis. Ora bem vedes que o tai-lo náo he fó nas m.áos , iodo o corpo goza deite geral fcntido : aííim os voíTos pés, que defcem e paíTeiáo , e o movimento de todo o corpo 5 vos perluade que andais e caminhais efpaço ; pois eíTe efpaço , que an- dais, he a diftancia da minha cafa ao forte : logo já o ta£fo vos teftilica efta diftancia. SWv, Eftá bem ; porém quando nem a gran- deza do objedo 5 nem a Tua diftancia he co- nhecida 5 por eíTe difcurib íicariamos fem conhecer nenhuma delias duas coufas , poc mais perfeita que folTe a nolTa vifta. Tbeod, Difcorreis bem : ora ouvi-m.e devagar : primeiramente digo , que quando náo ha ou- tras circunílancias , que logo direi , e con- correm para o conhecimento das diitancias, ficamos lem ter fundamento algum para jul- gar da grandeza e da diftancia do objedo. Vós ride-vos ? Reipondei-me , de que tama- nho he a Lua e mais o Sol, e em que dif- cancia eftáo : tendes boa vifta para o longe , haveis de conhecer a grandeza , e diftancia deíles cbjeclos. Silv. Eu íbu Medico , náo fou Maihematico para faber elTas coufas. Theod. Para ver náo he necelTario fer Mathe- C ii íbô- 36 Recreação Filofofica matico : fe vós pelos olhos meramente co- nheceis a grandeza dos objeílos e fuás dif- tancias , como náo fejais cego , podeis re- fponder-me ao que vos pergunto. Agora co- nhecereis que he verdade o que digo ; co- mo vós ignorais a diftancia , em que eftá a Lua 5 náo podeis faber qual deve fer a Tua verdadeira grandeza , para nos fazer a ima- gem nos olhos do tamanho que a experi- mentamos ; e como náo fabeis a fua verda- deira grandeza , náo podeis julgar da diftan- cia em que eftá, quando faz efta imagem. Silv. Ainda aííim , fempre me parece que o Sol e a Lua háo de fer muitas vezes maio- res que cfte mundo , e que as fuás diftan- cias háo de fer muitos milhões de léguas. Theod. Agora vereis que vos enganais , ajun- tando o Sol e a Lua como fc foffem feme- Ihantes no tamanho e na diftancia. O Sol haveis de faber que he quarenta e tantos mi- lhões de vezes maior que a Lua ; e a dif- tancia do Sol á Terra he incrivelmente maior que a diftancia da Lua ; porém difto fatiare- mos a feu tempo. Adverti também , que o vulgo todo fe engana nifto mefmo , porque reputáo eftes dous aftros na mefma diftan- cia , julgando-os engaftados no Ceo : porque nos olhos fazem huma imagem pouco mais ou menos do mefmo tamanho , aíTentão que náo tem difFerença nas grandezas. 4S*í7v. E que circunftancias são as que vós di- zíeis que faltaváo e concorriáo para o co- nhecimento das diílanciasí Theod. Tarde decima fexta. 37 Theod. Eu as digo : para fe julgar das diftan- cias dos objeòlos rambem arrendemos aos corpos 5 que fe vem em meio ; le nós ve- mos que enrre nós e algum cbje6lo derer- minado ha muiras eoufas, julgamos que ef- tá longe ; fe vemos que ha poucas couías , náo nos parece ráo diftanrc. Daqui vem en- ganarmo-nos muitas vezes nas uiiiancias : fe eftando nós em hum monte , olhamos para outro fronteiro , ainda que de permeio íè mctta hum dilatado valle , fe efte fica encu- berto com as arvores ou couf'^.s fcmeihantes , parece-nos que eftáo os edifícios fronteiros muito mais perto do que achamos quando lá queremos ir ; porque como fe náo via o valle que mediava , náo lhe dava o difcurfo tanta diftancia como tinha na verdade. Por iflb também fe olharmos para hum navio fronteiro a nós , que diftc de nós meia lé- gua 5 e puzermos duas barcas , que diftem entre fi outro tanto , de forte que huma nos fique para a máo direita , outra para a ef- querda , náo nos ha de parecer tão grande a diftancia de nós ao navio , como de huma barca á outra ; e a razão he a mefma , por- que qualquer linha ou diftancia não ie logra tanto vifta ao comprido , olhando de huma ponta para a outra , como vifta atraveíTada ; e como fe vè menos o mar ou campo , que vai entre nós e o navio , por iilo parece menor a diftancia. Eug. Niíío tendes razão : ás vezes quero atra- veíTar o rio , e parece-me que em pouco tem- 38 Recreação Filofofica tempo chegarei á praia , que defronte de mim eftou vendo , e na praxe gafto duas horas em chegar a Aldeia-galega ou a Moi- ta 5 que parecem eftar loeo alli. Theod, Outra prova mais tendes : a todos pa- rece a Lua m ior , quando nafce ou íe poe , do que no meio do Ceo ; e náo he outra a razão , fenâo porque no Horizonte vemos a Lua , e vemos que toda a terra até o Hori- zontc medeia entre nos , e ella ; quando fe levanta , náo vemos nada medeiar entre nós e a Lua ; e allim poiído-fe a Lua , reputa- mo-la mais longe ; e como no Horizonte reputamos a Lua mais longe , náo diminu- indo a fua pintura nos olhos , julgamo-la maior ; pois fó lendo maior na verdade , po- deria náo dimixiuir a figura , augmentando-fe a diftancia. Silv. Ainda aííim duvido deíTe difcurfo. Theod. Vè-Çe que he aíIim ; porque fe olhar- des por hum canudo para a Lua no Hori- zonte , náo vos ha de parecer maior , que levantada delle ; porque vendo-íe por dentro do canudo , náo fe vem os campos , e ter- ras , que medeiáo , que são os que faziáo parecer mnior a diliancia , como dizia. Eug. He tacii de fazer a experiência. Theod. A outra circunílanci^. he inclinar mais os olhos hum para o outro , ou affaftcdios mais : nós quando olhamos com os olhos fi- tos para hum objeclo , inclinamos os dous olhos de modo , ]ue as linhas que váo do centro da retina pelo meio da pupilla de am- Tarde decima fcxt a, 39 ambos os olhos , vão dar ao objeclo ; e por ilTo quando o objcdo eítá mais perto dos olhos 5 chcgáo-íe , e iiiclináo-fe m^ais hum para o outro •■, mas iílo eu vos explicarei mais devagar , quando vos der a razáo de ver hum Ío objeilo com dous olhos. A ul- tima circunftancia , cjue concorre para conhe- cermos a diílancia dos obieclos , he aíFaftar- mos mais , ou menos a lente ou cryílallino da rítina; porém também ifio vos explicarei em outro lugar mais devagsr. Eug, Do que tendes dito collijo , que o en- tendimento , quando julga da grandeza ver- dadeira do objeélo , e da fua diílancia , não fe funda fó na pintura dos olhos , mas tam- bém fe eftriba na experiência dos m.ais fen- tidos, inferindo da mudança que experimen- ta na pintura dos olhos, adiftancia ou gran- deza , que a experiência lhe tem enfmado , que anda junta com a tal mudança da pin- tura dos olhos. Theod. IlTo he ; e lembra-m.e agora hum ex- emplo bem femelhante : olhais para hum homem , vede-lo fallar com as paredes , rir , dar caquinadas , e fazer alguns movimentos em occafiáo em que devera eftar trifte ; jul- gais logo Que o homem eílá doudo : aqui haveis de diifinguir o que vem os olhos do que julga o entendmienro : os olhos vem movimentos , vem rifadas , &c. , mas não vem adoudiíTe, que eíla indifpofição do cé- rebro não fe pode ver ; porém vedes com os olhos os finaes externos , que eoftunaa ha- '40 Recreação Filofofca haver , quando no cérebro ha efía enfermi- dade , e dizeis logo que o homem eftá dou- do , e que vós vedes que eftá doudo. Do mefmo modo no noíTo cafo : vedes que o homem eftá diíhnte quarenta paííos pouco mais ou menos , porque tendes nos olhos huma tal diminuição na figura de homem , huma tal confusão , emfim huma tal difpo- fiçáo no movimento dos olhos e cryftallino , qual fó coftuma haver quando o homem verdadeiramente difta quarenta paffos , con- forme a volTa experiência do taòlo , e mais fentidos ; por iíío dizeis que vedes a diftan- cia , fendo que náo vedes fenáo huma cou- fa , que coftuma haver quando ha a tal dif- tancia. Outro exemplo temos diante dos olhos , o pezo dos corpos , por ventura he coufa que fe poíTa ver ? certamente náo 3 fó he objedo do taélo , náo dos olhos. Ora dizei-me : Vós náo vedes naquella fonte quaes barris eftáo cheios e pezados , quaes vafios e leves ? por certo que fim : e por- que i porque no modo , com que os mane- jáo os moços , logo vedes fe eítáo leves ou pezados ; pois lá tem Çw\ differença de in- clinação do corpo 5 ditíículdade em os le- vantar da terra , &c. Eis-aqui fe m.oftra , co- mo vós dizeis que vedes o pezo , que ver- dadeiramente não podeis ver ; mas dizeis que o vedes , porque vedes huns tacs finaes , que a voifa e.xperiencia vos tem moftrado , que fó ha 5 quando os barris tem muito pezo dentro i allim tcimbem dizemos , que vemos a Tarde decima fext a, 41 a diftancia dos objeélos, náo porque a pof- famos ver, mas porque fentimos humas taes circunftancias na imprefsáo dos olhos , que ló as coíluma haver , conforme a noíía ex- periência 5 quando o objedo tem huma de- terminada diftancia. Sc f aliarmos da Perfj-C- tliva 5 e modo de augmentar as diftancias , confirmarei a doutrina dada. §. V. Como conhece a alma a figura falida do obje- ão , a fua pojiura , e unidade, Eug. f^ Om cíTe exemplo fe me acabou de V-/ aclarar toda a doutrina , que me tí- nheis dado : rogo-vos porém que vos náo cíqueça explicar , quando for tempo , como conhecemos a figura folida dos objedos. Theod. Agora he occaíiáo : a figura folida , e relevada de qualquer objecfo confifte na dif- pofiçáo das partes do tal objecto entre fi ; donde nafce , que humas ficâo mais perto de nós , outras mais diftantes ; humas rece- bem mais luz , outras menos ; humas fe vem mais diftinélamente , outras fe embaraçào entre íi , para fe náo verem com tanta fepa- raçáo : daqui procede , que a pintura do ob- jeâo 5 que fe faz nos olhos ^ também moí- tra todas eftas defigualdades de luzes , e fom- bras 5 8cc. ; e por ilTo os Pintores , quando querem pintar nhum quadro huma bola , por exem- 4^ Recreação FUofofíca exemplo , n5.o lhe dáo huma cor uniforme , ainda quando a querem reprefentrr roda de huma cor ; mns para fingir que náo he cor- fa xata , d?.o-lhe hum roaue mui claro , dáo- Ihe na outra parte hum efcuro forte , o cnal de2;enere em outro cinro mais bra^^ido , ou reflexo ; e fem fazer ifto , nunca iámais po- derão reprefentar huma bola folida , e de vulto ( como dizem ) , mas fó reprefentaráó hum p'ano xato. Eug, Náo ha dúvida que tudo iíTo he preci- fo ; mas que inferis dahi ^ Theod. Dahi íe infere , que aílím como a nof- fa alma jul^a da diftancia dos obieclos pela pintura dos olhos , e pela experiência dos mais fentidos , também ha de fundar- fc nef- ta pintura , e nefta experiência , para julgar da figura folida dos obieéfos ; pois , como já dilTe , no corpo folido humas partes cíláo mais perto de nós , outras mais diftantcs ; humas fahem mais para fora , outras fe re- colhem mais para dentro. Portanto fente a alma a imprefsáo que lhe faz a pintura ; c como por experiência do tado e mais fen- tidos fabc que a pintura daquella íòrte cof- tuma corrcfponder ao objeclo quadrado , v. g. ou redondo , tanto que fente a pintura, julga que o objeclo he quadrado , ou redon- do , ou de tal determinada figura. Por iTo também aquclle cego , de que fallei , quando principiou a ver, náo acertava com a figura dos objeílos fenáo depois de apalpar , em ©rdem a unir a experiência do tado com a im- Tarde decima fexta. 43 imprefsão dos olhos , para depois fó pela dos olhos fe poder governar. Por efta razío diz mui bem hum homem de juizo , que nós aprendemos a ver, aílim como aprende- mos a ler : nós ao principio perguntamos que íignificáo eftas ^ ou aquellas letras ailim juntas ; e depois que a experiência dos ouvi- dos nos enfina , que eftas letras : Pedro efid doente , efcritas defte modo , io fe coftumáo cfcrever quando hum taJ homem efta doen- te 5 tanto que vemos eftas letras alíim efcri- tas em huma carta , fe he nolTo amigo o tal Pedro , logo ficamos aíTuftados , e julga para logo a alma , que eftc homem eftá do- ente •■, íendo que os olhos não viráo a doen- ça 5 mas virão humas letras , que são finaes defta enfermidade. Do mefmo modo são os olhos 5 elles fó tcftemunháo da diverfa mif- tura 5 c difpoíiçáo das cores , do claro e fom- bras 5 que ha na pintura ; mas a alma julga , que ha no objeclo aquella figura , a qual pe- la experiência tem conhecido , que coftuma correlponder a tal pintura dos olhos. Eug. Tenho entendido perfeiíamente. Silv. Náo vi pelToa mais dócil ; porém vamos adiante : e como conhecemos nós as demais circunftancias ? Theod. A outra circunftancia he a pcftura do objedo ( a que chamáo fito nas efcolas ) : nós vemos a eftes homens , que o vulgo chama volatins , eftarem humas vezes com os pés para baixo , e outras com os pés pa- ra íima , são diverfas poíluras e oppoftas ; 44 Recreação Filofofica mas não fabeis , Eugénio , em que fe funáa o entendimento , para julgar que o homem eftá de hum , ou ae outro modo. Eug. Pois que ! não he pela pintura dos olhos ? Thend. Por ella nos governamos ; mas não he fó por ella : vós bem fabeis , fe vos lembrar- des do que difíe , que os objeclos i"e pintáo ás avélTas na noíTa retina , as arvores com a rama para baixo , e o tronco para fima. Eug. Bem me lembro ; mas náo fei como pintando-fe ás avéíTas , nós vemos os obje- t\os ás direitas. Theod. Por ilTo mefmo ; e quando nos olhos fe pinta o objeclo ás direitas , então julga- mos nós que elle eftá com os pés para Çi- ma. Aqui também entra a experiência dos outros fentidos. Defdc os primeiros annos fomos aiuntando as imprefsóes do taclo cora as da vifta ; c por largo coftume experimen- távamos 5 que a huma de:erminada pintura dos olhos correfpondia fempre no objeclo huma tal poílura , a qual pelo taclo conhe- cíamos que era ter a cabeça para fima , e os pés para baixo : depois , tanto que nos olhos experimentávamos a mefma poftura da ima- gem ou pintura , a alma fe adiantava no jui- zo 5 c julgava náo fó das cores , que lhe da- váo a conhecer os olhos , mas da pofiura do objeclo 5 que pela imprefsio do taclo cm femelhantes circunftancias coftumava conhe- cer. Quando nos olhos fe pinta hum homem com pés para fima , fente a alma diverfa ím- prefsáo da que fente quando fe pinta com os Tardg decima fext a. 4^ oj pés para baixo ; porém todas as vezes que nos valemos do tado , achamos por ex- periência 5 que quando fentimos a pintura com os pés para íima , então o objeòlo na realidade eílá com os pés para baixo. Ifto continuado por largos annos , he cauía de que tanto que a alma fente a pinmra com os pés para fima , fem mais exame do tado ( que ja reputa efcufado ) diz a fi mefma , que o objeélo eftá com os pés para baixo. Eug. Do mefmo modo fe alguma vez fe pin- tar o objeclo nos olhos com a cabeça para fima, julgará a alma^ que na realidade eftá com ella para baixo. Theod, Dizeis bem , porque a alma experi- menta então huma imagem na retina , que tem poftura contraria a coftumada ; por iílb julga que o cbjedo tem na realidade huma poítura contraria á coftumada , e aiF.m tem a cabeça para baixo , e os pés para ilma. Silv. Ora confeíTo-vos , que nunca me pare- ceo que chegaíTe a voíTci cegueira a termos taes 3 que íeriamente diíTeíTeis , que quando vemos a Pedro na rua paíTeando com os pcs pelo chão , julgávamos que andava com os pes para íima. Vamos adiante , que eftais zombando. Theod, Amigo Silvio , não digo iíTo , digo, que quando fe pinta Pedro com a cabeça para fima , julgamos que eftá com ella para baixo : ifto parece o meímo , que vós di- zeis , mas não he ; pincar-fe hum obje<51o nos olhos não he o mefmo que ver-fe eíTe ob- 4^ Recreação Fihfofica objecto i nos olhos de hum boi morto Te vê pintado o objeílo , e náo fe ha de dizer que eítes olhos entáo o vem. O meímo di- go nos olhos de hum homem , oue tem go- ta ferena, e não vè nada , tendo-os perfei- tos : também ic pintáo os objeclos , e náo os vê. Ver hum objeélo em nós he ter hum a£lo da alma dependente , e excitado pela pintura dos olhos , com que a alma apre- henda o objedo no lugar, tempo , c mais circunftancias prefentes» Portanto pinundo-fe o objcclo ás avélías , náo devemos dizer que o vemos ás avéflas i como também fazendo-Fe a pintura de hum homem muito menor que huma unha ( porque a retina he pequena ) , náo devemos dizer que vemos hum homem menor que huma unha. Huma couia he pin- tar-íe , outra coula he ver-íe j pofto que a pintura leja precifa para fe ver o objcálo. Sílv. Dizei o que quizerdes , que eílas cou- ías náo me entráo cá , nem eu quero que entrem : ide-vos , Eugénio , divertindo com eftas doutrinas , que brevemente vos provará que náo vedes nada , e vós haveis de crè-lo , e de boa vontade. Eug. Sendo eu obrigado a conceder, que as arvores fe pintáo ás avélTas na parede (com o olho arciticial que vimos eiia tarde"), fen- do obrigado a crer , que fe pintáo as avéf- fas nos olhos de boi arrancados , e poftos no buraco da janella , fendo obrigado pela anatomia a conceder , que a cftruclura dos ©lhos em nós , e nos bois he igual , c mui fe- Tarde decma fexta. 47 ^ íemclhante á rio olho artifxirl , creio e fem- pre crerei , que ros ireus olhos fe pmtáo âs arvores com a rama para baixo : e como eu fei pelo tado , que a rrma eftá para fi- ma , dizei vós o que quizerdes , que eu fou obrigado a dizer , que pintando-íe as arvo- res ^09 meus olhos com a rama para baixo , verdadeiramente ella eftá para f ma : ccmoue pnrece-me que defculpa tem a minha credu- lidade : porém vamos adiante , Theodoíio, com a explicação. Theod. Falta explicar como pintando-fe o ob- jeclo em ambos os olhos , nós vemos hum e não dous objecfios : aqui fe confirma de novo o que acabo de dizer , que não he o mefmo pinrar-fe o objeclo , ou vê-lo ; por- que fe fazem nos dous olhos duas pinturas, e vemos fó hum objeòlo. Eu^^. Agora advirto eu , que niíTo ha diiícul- dade. Theod. Nós valemo-nos da experiência dos mais fentidos também para iíto : para me eutenderdes , he precifo faber o que são os eixos ópticos ; eixo opico chamorros a huma linha , (lue vai do meio da retina pelo centro da pupilla a'é o ohjeão. Quando olhamos fi- tos para hum objerto , de tal forte difpomos os olhos , que ambos os eixos ópticos vão parar ao mefmo ponto do obieclo , como vemos na figura , que vos moftro ?qui nefte livro. ( Eflamp. 1 . fi^. 1. ) Os dous olhos Eíl:. i. E N tem os nervos ópticos , que fe ajuntâo ^£* 7- em o O5 e depois lornáo a feparar-fe ^ os ei- xos 48 Recreação Filofofica xos ópticos NA, e EA váo ter direitos âa objeclo A j quando le voltáo os olhos para elle direitamente. Nefte cafo faz-fe a pintu- ra do objecto no centro de cada huma das retinas ; e julgamos que o objeflo he fó hum , porque temos experiência adquirida pelos mais lentidos , que todas as vezes que fe pintáo os objeclos em lugares correfpon- dences das retinas , elle he hum na realida- de ; e quando fe pintáo as imagens em lu- gares náo correfpondentes 5 he diverfo. Eug. Que chamais vós lugares correfponden- tes na retina? TheOíl. Eu me explico : fupponde que a pin- tura fe faz bem no meio de cada huma das retinas , eftes lugares sáo correfpondentes : lupponde que em hum olho difta a pintura hum pouco do centro para fima , e no outro olho outro tanto , também sáo lugares cor- refpondentes y o mefmo digo fe em ambos os olhos for a pintura do centro da retina para a parte direita , ou em ambos para a parte eiquerda , &c. ; porém fe em hum olho a pintura for no centro d;i retina , e no ou- tro do centro para a ilharga , já sáo lugares náo corrcfponaentes ; e nefte cafo digo eu , que fundando-nos fobre a pintura dos olhos , e fobre a experiência dos mais fentidos , jul- gamos que o objeclo he duplicado , ainda que na verdade feja fó hum : pelo contrario quando as pinturas sáo em lugares correfpon- dentes , fundando-nos fobre cilas , e fobre a experiência, julgamos que o objeclo hchum íó. Tarde decima fexta. 49 fa 5 ainda que fintamos duas pinturas em dous lugares diverfos. Sílv. E como provais vós iíTo ? Theod. Defte modo : nós fe voltamos os ei- xos ópticos para o mefmo ponto do obje- élo 5 como eftá pintado neíia figura , appare- ce-nos hum fó ; fe não voltamos os dous eixos ópticos para eíte objeclo A, mas para outro mais diftante , v. g. F ? já o objeclo A nos parece duplicado ; e fe o objeclo for hum dedo , parccem-nos dous dedos. Se que- reis 5 fazei a experiência , pondo os olhos fi- tos em huma vela acceza : eu a mando vir. . . . Mettei hum dedo ao alto adiante dos olhos 5 confervando os olhos direitos para a luz , vereis como o dedo vos parece que sáo dous , feparados hum do outro ; e tanto niais feparados , quanto mais chegado eftiver o dedo aos olhos. Eug. Tendes razáo , aíHm he : hum dedo me parecem dous. Silv, Pois a mim parcce-me hum fó. Cada vez me confirma mais , que fe Theodofio vos dilTer que com os olhos abertos náo ve- des 5 vós para logo haveis de crer que ef- tais cego. Thccd. Adverti , Silvio , que infenfivelmerite quando attendeis ao dedo , voltais para eile os eixos ópticos , e os tirais da luz para onde eu dizia que os confervaííeis fitos : quando náo , voltai os erlhos para aquella penna: agora com o dedo violentamente fe- parai hum olhg mais para fora , ou metiei Tom. I\\ D mais yo Recreação Filofofica mais para dentro , e vereis como logo hum objecto vos parece doiis. Silv» Cá me vai parecendo que vejo duas pennas em lugar de huma fó , porém iíTo he com os olhos tortos. Theod. IfTo bafta. Ora fuppofta efta experiên- cia , quando nós voltamos os eixos ópticos para o objecto A , a pintura do objcílo , que fica em M , náo fe faz em lugares corref- pondentes , porque no olho E eftá a pintura do objeclo M , onde fe termina efta linha de pontinhos ; e do mefmo modo conheceis onde fe faz a pintura no outro olho ; e bem vedes , que fendo a pintura cm hum olho do centro para lá , em outro do centro para cá 5 náo fica em lugares correfpondentes ; náo ficando em lugares correfpondentes , jul- ga o entendimento que o objeclo náo hc hum fó. Sih. E donde procede , que algumas peíToas por caufa de alguma enfermidade , ou acci- dente , vem os objedlos duplicados , e eftan- do huma vela acceza , lhe parece que sáo duas^ Theod. Explico-o nos mefmos Princípios , an- tes dahi fe prova o que eu dizia: os tortos náo tem outro defeito nos olhos , mais que náo dirigirem os eixos ópticos para o mef- mo ponto do obje^lo ; por ilTo com hum olho olháo para huma parte , e com o ou- tro olháo para outra parte ; e entáo náo fe fazem as pinturas dos objeclos em lufares . correfpondentes ; por iíTo vem os objeólos du- Tarde decima feKtà, $t íiuplicados , e hum lhes parece dous : porém quando pelo decurfo do tempo váo conhe- cendo por experiência , que eilas pinturas cm lugares nào correfpondentes , com eíTa determinada diíFerença, íempre são caufadas por hum objeòlo fó ^ fundados nefta experi- ência , pelo tempo adiante já nâo julgáo que os objc(íi:os sáo multiplicados ; por iíío náo ouvireis queixar aos que já ha muitos annos que sáo tortos , náo os vereis , digo , quei- xar-fe de ver dous objedos em lugar de hum lo : eílas queixas fó as tem os que prmcipiáo a ler tortos --, porque então ainda náo ha experiência que bafte para os defen- ganar , que cíTas duas {"enlaçóes em lugares náo correfpondentes nafcem de hum fo oh* je>:lo. Afiim como os que náo temos efte defeito , quando entortamos os olhos com os dedos 5 nos parecem os objecros duplicados , por falta da experiência que tem os tortos de muitos annos. Sih. Náo me poíío perfuadir que a falta da experiência do tacio pode fazer ver dous objeclos em lugar de hum. Theod. Agora vos farei outro argumento : trocai os dedos da voífa máo , aíiim como eu troco na minha , ponde o dedo máximo fobre o dedo Índice , de íorte que as duas cabeças dos dedos fiquem trocadas , como eu aqui faço ( Ejlamp. i . fig. 8. ) , mettei eíI. t» huma bolinha de cera entre as duas cabeças fig. 8* dos dedos , que eiláo trocados aqui ( em a) , e esfregai os dedos , e a bolinha de cera D ii põf ■yi Recreação Filofofica por íima deíle bofere : voltai os olhos para outra parte , e julgareis que náo he fó hu- ma bolinha , mas duas differentes , e diftan- les huma da outra : fazei experiência vós ambos. *r/7v. Aííim he : parecem duas. Eug. De tal forte parecem duas , que me pa- rece que as feparo com os dedos. Silv. Que faz ifto ao cafo que tratamos ? Thcod. Eu o digo : nós náo eftamos coftuma- dos a ter os dedos da forma que os puzef- tes : o lado efquerdo do dedo índice coftu- ma eftar fempre mui feparado do lado direi- to do dedo máximo ( fallo na máo direita , com que fizeftes a experiência): daqui naf» ce a experiência communiílima que temos, de que ao mefmo tempo náo podemos tocar com eftes dous lados deftes dedos fenáo em objeílos diverfos e feparados ; e como agora tocamos com eftes lados em huma bolinha de cera , governando-nos pela experiência antiquifítma , alTentamos comnofco , que os objedos ou bolas de cera , cm que tocamos , sáo duas e feparadas : concordais niílo , Sil- vio ? Silv. Concordarei facilmente. Theod. Logo também fe nós temos experiên- cia antiquiííima , que quando nas retinas fen- timos imprefsáo de hum tal modo , os ob- jCíflos sáo dous ; e quando fentimos impref- sóes de outro modo , sáo hum fó ; todas as vezes que fentirmos as im.prefsóes de huma . maneira determinada , havemos de julgar fem dú- Tarde decima fext a. 5*3 duvida alguma , que o objeíí^o he como a noíTa experiência nos diz , que coftuma fer. Silv. Eu já ouvi dizer , que a razão de nós vermos hum obie^fto fó , pintando-fe nos dous olhos 5 era porque os nervos ópticos, pelos quaes vai a imprefsáo da retina até o cérebro , fe ajuntaváo em hum f ó , e alKm das duas imprefsóes le fazia huma. Thcod. Muitos Modernos dizem iíTo ; e para confirmação delTe difcurfo allegáo , que os animaes , que não podem ver com dous olhos juntamente o mefmo obje<51o , como são as aves 5 que tem hum olho no lado direito da cabeça , outro no lado eiquerdo totalmente oppoilio ; eftes animaes , digo , tem os ner- vos ópticos reparados ate o cérebro ; final, de que unirem-fe os dous ner\'os ópticos naquelles animaes , que como o homem vem com dous olhos hum mefmo ob]e(51:o , ifto he difpofto pela natureza para crerem que he hum fó objeólo , ainda que fe pinte em duas partes. Silv. EíTe modo de difcorrer he mais natural. Theod. Porém he falfo ; primeiramente por- que o Camelleão tem hum olho fempre vol- tado para fima , e o outro para baixo , e não vè com dous olhos hum objedlo ; e com tu- do os nervos ópticos nelle fe ajuntâo como no homem. Alem de que , os nervos ópti- cos no homem depois de juntos feparáo-fe , e chegão feparados ao cérebro : logo impor- ta bem pouco que antes fe ajuntalTem. Mas O que he mais importante he , que então , por jr4 Recreação Filofqfica por mais que e n to rt a ffe mos os olhos violen- tamente , para náo voltar os eixos ópticos para o meímo objeclo , nunca viríamos hum objecto como fe tolTcm dous ; pois he certo que nâo podemos com os dedos feparar os nervos ópticos. Portanto , da pintura dos olhos , e da experiência dos mais fentidos , que nos enfina a figura , a grandeza , a dii- tancia, a poftura , emfim a unidade do ob- jedo , he que fe forma o fundamento , era que fe eftriba a alma , quando conhece que o objedo eftá nefta diílancia , he hum , &:c. Eug. Eu tenho entendido perfeitamente , c náo me occorre difficuldade contra o que tendes dito. Silv. líTo he para eftimar. Se todos os difci- pulos 5 que quizeíTem aprender efta Filofo- fia , foííem táo fáceis de contentar como Eugénio , pouco trabalho haviâo de ter os Meflres. V>ug, Vós com as voffas dúvidas íiippris as minhas perguntas , e aííim trabalhais na mi- nha inftrucçáo , e náo hc de admirar , que concorrendo dous táo grandes Meílres a cn- finar-me , eu perceba com facilidade ; mas vamos 5 Theodofio , a coufa útil , deixemos cumprimentos. 7'heod. Já baila para hoje , náo amontoemos tudo , á manha continuaremos com o mais que falta para faber acerca dos olhos ] e fe houver tempo , iremos á explicação dos mais fentidos externos do homem , dahi paliare- mos á explicação das outras partes internas , quç temos em nós, Sily, Tarde decima fe^ta. ^^ Sílv. Ahi muita luz haveis de pedir á Ana- tomia j reiia-me que nem neifa matéria con- cordemos. Ora íicai-vos com Deos , que ho- je não fazia tenção de me demorar tanto tempo 5 nem efperava o volTo encontro. Eug. Supponho que defta vez quereis conti- nuar na afíiftencia, que me coítumais fazer. Sílv. Quando eu , fem ler por efte motivo, a fazia a Theodofio , muito mais a farei agora por refpeito de ambos : á manhã vos bufcatei. Theod, ^ò& vos cfperamos. TAR- yó Recreação Filofqfica TARDE XVII. Da Dioptrica , ou dos Inílrumentos , cie que usão os olhos, e que fazem feu çfFeito com a retracjão. §. I. Ejlabelcccfn-fe alguns Principias da Dioptrica, Eug. IV T Ao poíTo acabar de explicar-vos , I ^y Theodoíjo , quanto a conferencia de honrem me tem cheio de con- fiisâo : eu , ainda fuppofto o que tinha co- nhecido pela experiência das volTas confe- rencias 5 não me perfuadia que tínhamos tan- to que faber acerca do fentido da vifta ; pois imaginava que fe alguma coufa necelíitava ^de bem pouca explicação , era o modo com que abrindo os olhos , vemos os objeílos , que nos eftáo fronteiros. Mas vou-me def- enganando , que mui pouco fabe todo aquel- le , que macfuramente não medita fobre as matérias , ainda as mais vulgares , e ordiná- rias. Thcod. Ainda vos rcfta grande motivo para a volfa admiração na conterencia de hoje : va- mos tirando para fora os Iníhumenros , de que nos havemos de fervir ; todos eftes , te- lelcopios 5 óculos de theatro , e também ha de* Tarde decima fetima, 5:7 de fervií' a lente uftoria , eftoutra lente con- cava , e outros mais. Bug. Defta lente convexa , e da concava já nós uíámos , fallando da luz. Theod, Agora adiantaremos o que então dei- xei principiado , porque não era occaíiáo de dar doutrina mais profunda. Deixai-me apon- tar efte óculo para a barra. Silv. Porque! entra acafo já a frota da Bahia, pela qual le efpera ha tantos dias? Theod. Eu vos nâo fentia , Silvio , eftava cá entretido preparando eíles inílrumentos. Eug, Sejais bem vindo , Silvio , temos hoje grandes preparos , não faltarão contendas , pelo que fupponho. Silv. Antes creio , que poucas dúvidas terei : eu hei de crer tudo quanto vir por eftes óculos 5 que já fei não me cnganáo ; com que , fe neftes inftrumentos fe fundar a dou- trina defta tarde , fahiremos hum dia con- cordes. Eug. Eia pois, Theodofio, vamos an£o per- der tempo 5 que de noite náo podemos uiar deftes óculos : fentemo-nos. Theod. Lembrados eftareis do que eu vos dif- fe já ha muitos tempos ( i ) 5 que a luz , quando ohliçiuamente pajfa de hum meio para outro de diverfa denftdade , quebra ; e que quanto mais obliquamente pajjfa ^ mais quebra; como também que Ç^z') he maior a rcfrac- i^ao , quando he maior a diverftdade dos meios. Ora ( I ) Tom. II. Tarde IV. ( 2 ) Tom. II. Tarde V. 5*8 Recreação Ftlofojica Ora defta doutrir.a fe tirão muitas propoíl- çóes 5 que sáo como Principies da Dioptrica. Eug. Que quer dizer Dioptrica ? Theod. He huma Sciencia , que trata dos raios da luz quebrados ou refrados. Ha outra Sci- encia 5 que fe chama Catoptrica , que trata dos raios reflexos : de ambas trataremos nef- ta tarde , fe houver tempo. Eug. Eftá bem : ora exponde eíTas propofi- çóes 5 que sáo Principios da Dioptrica. Theod. Primeira propoíiçáo. Toda a lente con* vexa , fe de huma parte recebe os raios parai- lelos , quebra-os , e ajunta-os da outra pane em hum ponto , a que fe chama Foco ( como já vos dilTe. ") Efte foco chama-fe Foco dos parallelos. Vede efta /^. 9. defta Ejlamp. i., e notai que efte foco dos parallelos fempre he fixo , ifto he , fempre tem a mcfma dif- tancia da lente , em quanto a lente he a mcf- ma : náo allim os outros focos. Eug. Porque ! ha outro foco , que não feja toco dos parallelos ? Theod. Ha : que he o foco dos raios conver- gentes , e o foco dos divergentes. Olhai : Se a lente convexa recebe de huma parte os raios algum tanto convergentes , ajunta-os da outra parte em hum ponto mais chegado do que o foco dos parallelos : ( Segunda propofi- çáo. ) Aqui tendes nefte livro efta mcfma Eftampa (i.) que m fig. 9. e 10. vos re- prefenta huma lente A , que ajunta os raios parallelos nefte foco m ; c a outra lente igual B ajunta os raios convergentes cm hum fo- co Tarde decima fetima, 5' 9 CO r 5 muito mais cliegado á lente , do que o foco dos paraiielos m. Eiig. Percebo bellamente : vós chamais raios convergemes aos que fe vem ajuntando como eftes da figura 10? Theod. Aííim he j e pelo contrario chamo di- vergentes os que fe váo feparando , como os da fig. II. que da parte de íima , quando vem cahindo , fe vem feparando ; porque raios paraiielos fò são aqiielles , que lempre diftáo igualmente entre li. Eug. Já me náo hei de embaraçar com eíTes nomes. Theod. Ainda vos digo mais : A lente convexa fe recebe os raios divergentes , ajiinta-os da outra parte em hum ponto muito mais dijian- te 5 ao que o foco dos paraiielos. ( Terceira propoíiçáo) 5 como vedes neíta figura 11., cm que a lente C igual ás outras , ajunta os raios nefte foco a , muito mais diftante da lente , do que o foco dos paraiielos m na fi- gura 9. Falta dar a razão , e explicação de[- ras propofiçóes. A razão he , porque a lente quebrando os raios paraiielos , fa-los conver- gentes para os ajuntar ; logo fe antes de to- car na lente já traziáo alguma convert;encia , mais facilmente os ha de ajuntar , e aílim fi- cará o toco mais perto, como na fiH,ura lo: e fe pelo contrario os raios antes de cahir na lente vinháo com alguma divergência , he precifo quebrallos muito mais para fe ajun- tarem ; porque primeiramente he precifo que- brallos para lhes tirar toda a divergência que tra- éo Recreação Filofofica traziio , e fazellos parallelos , e depois he precifo fazellos convergentes ; por ilTo háo de ajuntar-fe em hum ponto muito mais tar- de ; e ha de fer o foco muito mais longe, do que he o foco dos parallelos. Eug. Tenho percebido a razáo deíías leis , que fupponho não tem excepção nenhuma. Theod. Tem , e eu a darei nas propoíiçóes , que fe feguem : vamos para diante. Suppof- to ifto : Quanto maior he a divergência dos raios , que cabem na lente convexa , tanto mais longe ha de fer o foco dos divergenfe^ ; e por confeguinte , quanto maior for a diver- gência dos raios que cabem na Iene , tanto mais foge da lente o foco dos divergentes , e também mais fe ajfafia efie foco do foco dos parallelos. ( Propoíiçáo quarta ) A razáo he , porque quando vai crefcendo a divergência , he precifo mais tempo para fe ajuntarem, c aííim cada vez fe ajuntáo em ponto mais diftante da lente , e fempre mais longe do que o foco dos parallelos , que , como diííe , he fixo. Pela mefma razáo : ( quinta Propo- íiçáo ) Quanto maior he a divergência , mais dijia o foco dos divergentes do foco dos pa- rallelos , e mais difta da lente. Eug. E creio , que nos convergentes ha de ler o mefmo , á proporção. Theod. Credes bem , porque ( Propofiçáo fex- ta. ) Quanto muiior he a convergência dos raios que cabem na lente , tamo mais facilmente fe ajuntão , e mais perto da lente he o foco ; e quanto menor for a convergência , thenos fe chc' Tarde decima fetima. 61 chega ejle foco para a lente , e mais fe chega para o foco dos parallelos, £ug. A rszáo tira-fe facilmenre do que fica dito j porque quanto menor tor a convergên- cia, mais fe parecem os raios com os paral- lelos 5 e aííim o íeu foco , e o dos paralle- los mais perto hâo de ficar. Theod. Daqui fe infere , ( fetima Propofição ) que Tal pode fcr a divergência dos raios que cahem na lenre convexa , que nunca fe pofsão ajuntar. He clara a razáo j porque pode fer tanta a divergência que a refracçáo , que conforme as leis háo de ter os raios na len- te, náo baile para os fazer convergentes, e ajuntar cm hum ponto. £ug. Eis-ahi já a excepção que vós promet- teftes de outra lei antecedente (Propofição terceira. ) Theod. Vamos adiante. DiíTe-vos eu , que a lente recebendo os raios parallelos , os ajun- tava no foco dos parallelos : olhai para a fi- gura 9. : digo agora que o mefmo fuccederá as avéíías ; ifto he , que Os raios que fahcm do ponto , onde he o foco dos parallelos , fe cahirem na lente , eÚa os tornará de diver- gentes parallelos : ( oitava Propofição ^ Sup- ponde que nefta figura os raios vão debaixo para fima , que fahem do ponto m , que he o foco dos parallelos ; depois de paíTarem pela lente , irão parallelos. A razão he , por- que a paffagem dos raios he que os faz que- brar : ora efta paííagem he a mefma , ou ve- nhâo de fima para baixo para o ponto m, ou 6 2 Recreação Filofqfica ou do ponto m para fima : logo ha de íer a mefma refracçáo , e alfim fempre hão de ir pelo caminho que finaláo eftas riicas ; pois bem fe vè que he igual angulo ou elquina, a que fe dá entre duas paredes , ou vades de fora para dentro , ou de dentro para fora. E pela mefma razáo Se vós na figura lO. confíderardes que os raios fahein dejle foco dos convergentes r , os raios paffaráo pela lente , e irão divergentes para fivia , pelo mefmo ca- minho ^ por onde confider afies que elles vinhão ( nona Propofiçáo. ) Eug. He coufa natural , que como háo de quebrar do mefmo modo , hào de fazer fe- melhantes ângulos , e feguir o mefmo ca- minho. Agora pergunto eu : E fe os raios fe puzerem no foco dos divergentes o , aqui na h^ura II. também, háo de ir pelo mefmo ca- minho , por onde confideravamos que vinhão ? Theod. Também , e pela mefma razáo : lique- mos firmes nifto. Agora haveis de faber, que de todo o objeclo que fe vê , fahem raios de luz , ou de cor para toda a parte, donde elle fe pode ver , e náo fó de todo o objeilo fahem eftes raios , fenáo que fa- hem de qualquer ponto viíivel delle ; pois nós não podemos ver o objedo , ou alguma parte determinada delle , fem que deíTa parte venháo raios de luz ou de cor, que entran- do pelos olhos 5 nos pintem nelles eíía parte do obiedo. Iíl:o fuppofto , qualquer ponto do objeclo , donde fahem raios para toda a parte, fe chama Pomo radiante, Eug. Tarde decima fetbna, 6^ Eug. Os raios que fahem ^upponho que são da luz reflexa , cjue he o que fe chama cor. Theod. IlTo he : fuppofto ifto , como eftcs ra- ios fahem de hum ponto do objeòlo , e fa- hem para roda a parte , fahem divergentes , e divergentes entráo pela pupilla. Adverti agora (Propofiçáo decima) Quanto mais che- gado eflíver o objeão a huma lente , tanto mais divergentes sao os raios , íjue fahindo de qualquer ponto delle , cabem fbbre a leme. Eug, Qiiando dous raios fahem divergentes de hum ponto , julgava eu , que quanto mais hiáo andando , mais fe feparavào. Theod. E julgáveis bem : olhai para efta fi- Eft. i. gura 12. Doobjeòlo R fahem muitos raios: "S*^^* os dous raios m n , fe os recebem em A , tem mais feparaçáo do que fe os receberes em B : náo he sílim ^ Eug. Aííim o moftra a figura. Theod. Pois iífo náo contradiz o que eu di- zia : eíTes raios quanto mais longe váo , ma- ior feparaçáo tem , mas náo tem maior di- vergência ; porque a diveí-gencia mede-fe pe- la inclinação de hum a refpeito do outro ; e dous raios direitos , que fe váo feparando hum do outro , cada vez fe feparáo mais , mas a divergência e inclinação femipre he a mefma. Adverti agora : quando os raios en- contrão com a lente em A , fó cahem nella os que váo de m até n , os mais cahem por fora ; porém fe puzerdes a lente em B , re- cebeis nella todos os raios , que vão de a até €^ osquaes vós bem vedes que tem ma- ior 04 Recreação Filofqficã ior divergência entre fi , do que os raios m n : com que , he verdade o que eu dizia : que quando o objeclo eftá mais perto da lente , efta recebe raios mais divergentes j porque recebe muitos raios , que lhe efcapa- riáo íe eílivelTe mais remota do objeclo. Eug. Já fe me tirou toda a confusão , porque náo he o mefmo divergência que feparaçáo. Theod. Sobre efte fundamento quero-vos mof- trar huma experiência , que vos dará luz ao que íica dito , e hei de dizer. Eu mando vir huma vela acceza ; fechemos as janellas para fe ver a chamma pintada na parede , ou nhum papel. Silv. Koje náo vos queixareis de mim , que vos tenha perturbado a vclTa converfaçáo com as minnas duvidas. Theod. Sào Princípios certos de huma fcien- cia 5 que os Peripateticos náo contradizem. Aqui temos efta lente convexa , e efta vela acceza : ponhamos a vela nefte lugar ( A ) fg. i^. e a lente convexa nefte (em B); aqui tendes nefta folha de papelão ( C ) a chamma pintada ás avélTas. Eug. Ella lá eftá tremendo do mefmo modo que treme a chamma verdadeira. Theod. Se eu chegar mais o papelão á lente , ou fe o afFaftar mais , vereis que a pintura da chamma fe perturba. \^edes ': Eug. Aílim he , lo no lugar antigo (C) he diftincla a pintura. Theod. Eu confervo a lente e o papelão no mefmo lugar, chegai vós eíía vela mais pa- ra Tarde decima fetima. C^ ra a lente, e vereis que já neile íugar (C) ém que tenho o papelão , náo fe faz boa pintura ; mas he precilo afFaftar mais o pa- pelão da lente , e po-lo aqui ( em F ) para le pintar nelle a chamma. Pelo contrario fc leparardes mais a vela da lente , vereis que então o lugar da pintura he mais chegado á lente , pouco mais ou menos aqui (em H. ) Eug. Tenho vifto , aííim he : vamos agora á razão dillx). Theod, A razão tira-fe do que cu vos tenho dito hoje até aqui. Os raios de luz , que fa- hem de qualquer ponto viíivel da chamma , fahem divergentes para toda a parte , e dão cm toda a lente : ella os ajunta cm hum ponto Gu foco , com.o já vos expliquei hon- tem ( I ) : cfte foco hc no lugar ( C ) , cm que cu puz o papelão. ( Propoíição undéci- ma ) Se chegardes mais o objcSlo vara a len- te , foge mais o foco da mefma Unte ; por- que , como vos dilíe iá , quanto mais che- gado eitá o cbjecl:o a lente, mais divergen- tes são os raios , que cahem fobre ella (2) ; e quanto mi-is divergentes forem os raios, que cahem fobre a lente , mais ha de cuftar a ajuntallos , e mais longe fera o foco (^)i por ilTb quanto mais chegardes a vela para a lente 3 tanto mais ha de fer precifo aftaf- tar delia o papelão , para fe formar nelle â pintura. Icm. ÍV. E Eug. \i) Tarde XVI. í- II. i 2 ) Piop. IO. pag'. 6}, ■ ' (?) Prop. 4. pag. 60. (i(y RecreaçSõ Fílofofica Eug. Agora já fei ; porque aiFaílando mu iro a vela cia lente , he precifo chegar muito perto da lente o papelão , para nelle vermos pintada a chamma. Theod. He pela mefma razáo ; porque , como vos dilTe íj I ) 5 quanto mais aftaílais a vcU da lente , menor divergência trazem os raios que cahcm lohre a lente j e quanto raenor for a divergência dos raios , que cahem na lente , menos cufta ajuntalios , e menos dif- ta o foco deíles raios do foco dos paralle- los , e por conleguinte menos difta da len- te ( 2 ) . Por ilTo ( Propofiçáo duodécima ) quanto mais ajfajiardes o objcão da leme y mais fe chega para ella o foco , ou a pintura, Eug. Tudo concorda com os principios eíla- belecidcs. Theod. Antes que paííemos adiante , Icmbro- vos o que já n'outro tempo vos diííe , que as lentes concavas faziáo hum eíFeito con- trario das convexas: (Propofiçáo decima ter- ceira') As concavas fe recebem os raios pa^ ralleíos , efpalhão-nos e fazcm-nos divergen- tes i ( Propofiçáo decima quarta ^ fe os rece- bem convergentes , fazem que fe não ajuntem tão fedo 5 e feja mais longe o foco : ( Propo- fiçáo decima quinta) as vezes poderá fer tal a concavidade , e tão pouca a convergência dos raios que cahem na len'e , que ella lhe tire toda a convergência e os faca parãlíelcs , e pode ainda fazjer mais , que 'hç de conver- gen^ ( I ) Prop. IO. pag. í j. ( 2} Prop. j. pag. 60, Tarde decifna fethna, 6y gentes fazei los divergentes , conforme for a torça 'da iciire. Tudo iilo concorda com o explicado no tratado da luz : logo vos mof- trarei tudo nà experiência. Eug. Entendido o que dilTeftes acerca das len- tes convexas , fica claro o que fe diz acerca das concavas. Theod. Vamos adiante. Eug. Tenho entendido perfeitamente. Masdi- zei-me : Qiial he a razáo , por que efta pin- tura da chamma , que tivemos naquelle pa- pelão 5 humas vezes era grande , outras mui pequena ? Theod. ( Propoííçáo decima fexta. ) Quanto mais foge da lente o foco , tanto maior he a imagem que fe pinta. Por ilío quando a pin- tura diftava muito da lente , era mui gran- de ; e pelo contrario mui pequenina , quan- do fe chegava o papei á lente. Façamos a experiência , que he fácil de repetir. . . . Yt- àt^ que quando fe faz a pintura perto da lente , por ter affail:ado muito delia a cham- mia , fica a pintura mui pequenina. Eug. Tendes razáo : mas porque he ilTo aílim ? Thecd. Porque ( Propoíiçâo decima fetima) os raios , per mde fe detennina a grandeza da pintura , sao os raios que fahem das extre- midades do ohjeão comparados entre fi. Exem- plo : os raios que íahem da cufpide da cham- ma , comparados com os raios , que fahem da fua baze , sáo os que tazem o tamanho da pintura no papel : a efles raios pois , que fahem das extremidades , chamaremos d?.qui E ii por 68 Recreação FUofqfica por diante ralos extremos , para evitarmos ã confusão dos outros raios , que lahem de ca- da hum ponto do objeclo de per íi j cjuc chamamos rr.ios divergentes , e o ponto , don- de fahem , ponto radiante. Advirto iíto , per- igue muitos principiantes Te confundem : Por tanto 5 fabei que eftes raios fazem eifeitos mui diveríos : os raios divergentes , que fa- nem de hum ponto coníiderados fó em íi , o que fazem ne pintar no lugar do foco a cor do ponto , de que fahíráo ; tanto mais vivamente , quanto mais são , e mais perfei- tamente fe ajuntáo. Porem es raios extremos y que vem das extremidades do objecfl^o , náo (o pintão cada hum delles a fua extremida- de, donde fahio , mas pela diftancia , que deixáo entre íi , quando fazem a pintura dos dous pontos , determináo a grandeza ^ que ha de ter a imagem ou pintura. Euvosmof- tro hum.a figura , em que poíTais ver iífo cla- Eft. I, ramente : aqui tendes -efta (figura 14.) : a ^i' •^-+* chamma A , por caufa da lente B , f e pinta no plano : notai agora , eílcs raios , que fe cruzáo , he que fazem que a chamma fe pin- te ás avcífas ; e o eípaço que depois de cru- zados eomprehendem entre li ^ he o que de- termina a grandeza da pintura ; e como efte cfpaço c?da vez he maior, fe acafo a pintu- ra fe náo fizer nefte lugar, onde eílá o ph- no C pcrcm mais adiante , já a imagem ha de ler maior; ccmo pelo contrario fera me- nor , fe for necelTario chegar o plano mais i lente. Tarde decima f et ima, 6^ Eug. Aíiim deve fer neeeíTariamente. TÍjeod. Suppofto ifto , cis-aqui porque a pin- tura da cfiamma humas vezes era maior , ou- tras mais pequena : ç já vedes a razão do que vos dilTe , que qimnto mais difiava da lente o fcii foco , maior era a pintura ou imagem do ohjeão. Eug. Eftou inteiramente fatisfeito : mas náo polTo deixar de reparar , Silvio , no voílb fi- lencio. Thcod. Também a mim me tem admirado grandemente : acaio concordais comigo em tudo quanto tenho dito i Siív. Em muitas couias concordo , mas não em todas ; como porém náo tenho feito cf- tudo neftas matérias , acho que he prudência náo as contradizer : além de que, eílou al- gum tanto moleílado da cabeça, e náo que- ro cançalia com contendas : como Eugénio vos entende , he o que bafta. Eug. Agora tenho penado o que ate aqui efti- m.ava , pois vejo que a cauia he a volTa mo- leftia. Por certo que Siív. Por certo que deveis continuar a voíTa converíaçáo , e náo perder tempo em cum- primentos : continuai , Theodoíio , que gófto de vos ouvir. Eug. Continuemos. §.IL jo Recreação Filofofica §. II. Da origan dos defeitos da Fijla. Theod. Q Uppoflo o que íica dito , hc fácil o O conriecer donde procedem os defei- tos da viíla. A vifta faz-fe quando fe pinw na retina o objeclo : tudo o que conduz pa- ra que efta pintura feja perfeita , conduz também para que feja perfeita aviíla do ob- jeclo 5 e também pelo contrario. Ora a pin- tura para fer perfeita , depende principal- mente da diílancia , que ha entre a lente , que ajunta os raios , c o plano , onde fe re- cebe a pintura : vós viftes já que era preciío pôr o plano nhuma tal determinada diftan- cia da lente , para nellc fe fazer a pintura ; e que errando eíla diftancia , era a pintura confufa. Succcde pois , que humas vezes a retina eftá demafiadamente lon^e do cryíbl- lino ; outras vezes demaíiadamente chegada , por iííb ha duas caftas defcáta de viíla, con- forme ao que vos expliquei ha muitos tem- pos 5 tratando da luz. ( i ) Bug- Se me lembro , huns cham.áo-fe Micpes , que vem ao perto bem ; mas paííada huma certa diíhncia , vem muito mal : outros que chamáo Presbitcs , e vem diftinclamente as coufas mais ao longe \ porem as que eílio 20 perto 5 muito mal. Jhiod. ( I } Tora. II. Taide VI. Tarde decima feiima, 71 Thccd. Como vos lembrais do que dilTe , to- carei ilTo de palTagem , por não íicar efta matéria trurxada , e paitarei r.diante a outras coullis que ignorais. Quando o cryftallino he demafladamente convexo ( com.o fuccede or- dinariamente nos moços , que tem falta de villa , e fe chamiáo Aíxpcs ) , ajunta mui de- prelTa os raios, e o toco dos rrios , que fa- nem de qualquer ponro do objecto 5 fica mui perto do cryilallino ; por iíTo era preciTo pa- ra ier parreira a pintura , que a retina íe cfie- ga(Te mais para o cryítaiKno , enáo houvelíe tanta diílancia entre ella , e o cryftaliino , em ordem a cahir o foco da lente na retina , e ficar a pintura perteita. Ora de dous mo- dos occorre a natureza a ei-fce defeito. Hum he puxando hum pouco para trás o cryftal- iino ; porque tanto irá para trás o foco, quanto for a lente que o faz : o outro rem.e- dio he fazendo o cryftaliino algum tanto mais xato ; porque quanto menos convexo for , mais longe ira o íóco , e aílim poderá cahir íobre a retina, E conjecluro eu , que toda a força que fizem".os para recuar o cry- ftaliino para trás , conduz para o fazer me- nos convexo na parte poftericr ; porque car- regando a lente contra o hurnor vitrco , que medeia entre a lente e a retina , natur.ilmen- ic ficará menos convexa ; e alhm fica de al- guma forte com remédio eíle defeito da na- tureza. Eug. Eu nio acabo de admirar a fumma in- duftria , com que o Author da natureza dif- poz 72 Recreação FiJofoJica' poz na conftmcçáo dos olhos huma fabrica tão acommodaua a evitar eíles inconvenien- tes , que podiáo acontecer. Theod. Ainda vos reíiáo maiores motivos pa- ra a volTa admiração , que eu irei dizendo pouco a pouco. Os velhos porém , ou aquel- les 5 cuja falta de vifta procede de defeito contrario , tem o cryftallino miui xato j e da- qui procede 5 que o foco deiie he mais lon- ge do que eftá a retina ; e por efta razáo para fer perfeita a pintura , era precifo que a retina fe affaftalTe mais do cryftailino. A efte defeito occorre de dous modos a natu- reza : primeiramente puxando o cryf}:allino mais para diante , e alem dilTo fazendo-o mais convexo. Ora neRes movimientcs do cryfiailino he que confiftc o que vulgarmen- te chamamos applicar a vifta i que por ifTo nos canção os olhos , quiindo forcejamos a querer ver com mais diftincçáo algum ob- jeclo. Eug. Porém muit;s vezes elTes remédios não baíláo para vermos os objeclcs perfeitamente. Thecd. Aííim he : e neffe cafo he precifo ou- tro remédio exterior , que he chegar mais aos oJhos 5 ou aíFaftar miais delles o objedto. Quando a filta de viíla J-Tccede de fer mui xato o cryftallino , e de eftar neíTe cafo a retina mais perto da lente , do que convinha para a pintura , comiO fuccede nos fresbitos , ou nos que tem^ falta de vifta de velho , en- tão devemos aíFaftar mais hum pouco o ob- jçdlg dos olhos (como eiies fazem , que Tarde decima fetimã. 73- para ler huma carta a aíraftáo dos olhos') . A razáo he , poroue como vos diiTe : ( ?ro- pofiçáo Huodicima pag, 66. ) Quanto mais fe ãjfjjla o chjeão da lente , ou dos olhes, lanto mais fe chega para a lente o foco. Lo- go com eíía diligencia vem-íe chegando o foco para o cryftallino , e vem a cahir na recina a melma pintura, que io íe podia ta- zer muito além delia. Eug. Nos Miopcs ha de fuccedcr o contrario , por huma razão femeihante. Thvod. Eftes quando querem ver bem o ob- jecto , chegáo-no mais para os olhos ; por- que j como diílê ha pouco : ( Propotlçáo un- décima pag, 65. ) Quanto mais fe chega o chjeão para a lente , ou vara os olhos , mais foge da lente o foco : aliim vai a cahir na retina o fóco ou pintura , que le fazia no cfpaço antes delia ; e ajlim á medida que eu vou chegando o objecto aos olhos , v.ii o fóco , ou a pintura recuando, para trás até cahir na retina. Eug. E de que procede eílar ás vezes o ob- jec% táo chegado aos olhos , que iíTo mef- mo impede o ver-fe bem, até arefpeito dos Aíiopcs r Thcod. Procede , de que chegando demaíiada- mente o objeclo aos olhos , foe,e demaiia- damente para trás o fóco ou pintura , e ní:0 cahe na retina , e ficamos então com o de- feito dos Préstitos. Eug. Vamos agora ao ufo dos óculos. Tbeod, ]a vós lábeis , que as lentes , de que ie 74 Recreação Filofojica le uín nos óculos , são humas vezes conve- xas 5 outras concavas i e cue os eíFeitos que fazem sâo oppoíl:os : fuppofto ifto , os Prés- bitos 5 c|ue tem falta de vifta de velhos , usáo de óculos convexos ; porque como o leu de- feito confiife em que o fcco difta muito da lente ; e quando encontrão a retina , ainda os raios não váo juntos , pondo antes dos olhos huns óculos convexos , já os raios en- tráo menos divergentes , e lerá mais fácil o juQtallos ; e vem a ficar o foco mais perto , e cahe na retina, ^^amos á experiência : (^Efiamvã i.f.g. 1^0 clfa lente B faz as vezes de hum cryifallino , ou de hum olho ; a vela he o objetlo que fe vê ; o papelão he a retina , em que le deve fazer a pintura. Ponhamos aqui o defeito dos velhos , ou dos Préstitos. Eug. Ha de ier chegando demafiadamente o papelão para a lente , de forte , que quando 03 raios derem no papel , ainda não váo juntei. TheOíi. IlTo he. Já vedes que aqui ( em H ) náo fe faz boa pintura ; por iíío fe o ho- mem tiveffe eíla difpofição nos feus olhos, náo veria bem. Ora atiaftai pouco a pouco a vela da lente , e vereis que de cada vez he mais pericita a pintura. Eug. Aflim he ; por ilTo o tal velho affaíbndo dos olhos o ob]e(ffo , o vè melhor. TbcOíl. Ahi tende» já hum remédio para efta falta de vifta. Ponde a vela no lugar antigo ( A ) , e íique a pintura imperfeita como de an- Tarde decuna fcthna, 7$ sntes. Chegai agora a lente hum pouco mais para a vela , vereis como também íc aclara a pintura. Eiig. Tendes razão ^ e creio que eíle he o primeiro remédio , com que a natureza quer emendar efte defeito dos olhos , puxando o cryílallino para diante , e affaítanao-o da re- tina. Theod. Dizeis bem : Vamos agora ao uío dos óculos ; ponae a lente no lugar antigo (B) , e o papelão nefte lugar ( H ) : tem.os aqui o defeito que ha nos velhos , porque a pintu- ra he confuia : de que óculos ha de ufar o homem , que tiver efla feka de viíia ? Eug. Do6 convexos. Theod. Dai cá os vcíTos óculos , Silvio , qr.e são convexos : • cu os ponho ( cm r ) antes da lente ( B ) , que reprefenta o cryilallino dos olhos 5 vereis como fe iiclara a pintura : mas como a lente dos ocrJos he mui pe- quena 5 e náo toma todos os raios , que díio na lente grande ( B ) , eu ponho hum dos vofTos no meio defta tabca ( R ) , ja feita de propoíito para o intento , a qual com o buraquinho no meio faz as vezes de pupilla. Vede , Silvio , fe fe aclara a pintura. Silv. Aflim he : eftá muito mais difímcia, Theod. Logo , Eugénio , o mcfmo fuccederá nos olhos dos que tem efta talta de vifla. Eug. Façamos aqui mefmo a outra hdta de vifta 3 que coftumiáo ter os moços. Theod. Como eííes peccáo . em que o foco lhes cahe ames da retina, he prccifo aíFaítar mui' 76 Recreação Filofofica muito para trás o plano: pcndo-o aqui («w F ) , remos a pintura mui confufa , porque fò he clara aqui (cmC): ufemos agora aos mefnnos reme:!ios para aclarar efta pintura, O primeiro he puxar o cryfeiJino ou a len- te (B), que faz as íuas vezes , pv-xalh mais para a retina ou papelác. \'edes que Tuccef- fivamenre vai hcanco miais clara a pintura í Eug. Aílim he : Vam.os ao outro remédio , que he mudar a dittancia do objeclo : ponde a lente no feu lugar antigo (B), deixai eí- tar o papei áo ahi ( cm F ) , que eu chego mais a vela para a lente , a ver fe fica me- lhor á pintuni. Silv. Eis-ahi fica mais clara , e mais bem ter- m.inada. Jheod. Logo o mefmo ha de fucceder nos moços 5 que chegando mais o objeclo aos olhos 5 vem m.elhorj e a rr.záo he , porque, como vos diíTe : ( Propofiçáo undécima pag. 65. ) Quanto wais fe chega o objeclo d len- ic , mais foge delia o foco ; e aílim vai fu- gindo o foco ou a pintura , até dar no pa- pelão. Agora tornai a vela ao feu lugar an- tigo (Aj 5 e ufemcs de huns óculos de grãos , ou côncavos , e são os de que coftu- máo ufar os que tem efia falta de vifta. Va- Ihamo-nos da mefma taboa, e no mefmo íi- tio (r) : eis-ahi a pintura já bem diftincia -. neíie lugar (F^, cm que antes era confufa. 4rí7v. Nlo tem ciuvida. *Ihcrd. Lego o mefmo ha de fucceder nos olhos humanos, fe <.cafo havendo o defeito que Tarde decima fetima. 77 que aqui íuppomos , fe lhe ?.pplic:.rem Os mefmos remédios ; pois os óculos côncavos fazem os faios mais divergentes , e que fe ajuntem mais tarde , e vá cahir na retina o foco ou pintura , que cahia antes delia» Silv: Ora eu tenho entendido eftas matérias , porém tenho algumas perguntas que razer. Dizei-me : Donde procede, que depois de fe ul?.r dos óculos, efpecialmente de grãos, per efpaço grande, v. g. hum quarto deno- ta continuado ou mais , tirando os óculos , -vemos peior áo que antes de por os óculos ? Thcod. Nafce , de que he mui diiiicultofo acertar com huns óculos de tal concavidade , que ertando o objevflo na determinada dif- tancia em que o vemos , remedee inteira- mente ao juílõ o noiTo defeito : fuccede o mais ordinário , que he necelTario amoldar-fe o cryírallino de forte , que com o beneíicio dos cculcs caia o foco na retina ; tirando depois os óculos , como o cryib-Ilino eftav:i em firio e conhguraçáo proporcionada aoi raios 5 que paífwáo pelos óculos , fica agora por hum pouca de tempo mui d^síproporcio- nado aos raios, que fó pafsào pelo cryilalli- no ; e por ilTo não vemos bem. Sih. Tenho outra diificuldade ainda maior, e he 5 que , conforme o que tendes dito , . ic. "Eí^. «• aeíbi EHampa (2.) o objeclo a i íiib crés ^S-^Q* va- IC2 Recreação Filofcfica varas do efpelho m n , os raios das extremi- dades Te o não encontralTem , juntar-le-hiáo em r ; porém o efpelho faz retroceder os raios para o lugar e : ora os raios váo para e do meimo modo que iriáo para eífe lugar , eftrindo o objeclo em / r ; per confeguinte como os olhos , que eíláo em e , recebem os raios , que íahem de a s com a meíma inclinação e divergência , Scc. que elles ira- riáo feíaniíTem de í c , a alma que eftá cof- tumada a julgar da dilbncia do objcclo por cila inclinação e divergência dos r.úos , rc- prefe^^ra-fe-lhe que o objeclo eftá em i c. Khuma palavra : os efpelhos planos nác dáo , nem tirão , nem augmentâo , nem diminuem a divergência ou convergência dos raios ; por confeguinte andando os raios igual caminho , hão de chegar com igual abertura, ou igual diftancia : ora he bem claro , que quer os raios faiáo de ^ 5 , quer faiào de i c , quan- do chegáo aos olhos em e , tem andado igual caminho , e entrão com igual abertura , con- vergência 5 Scc. 5 e a imiagem na retina fe faz do m.efmo modo ^5 e a alm.a percebe a mefma diftancia ; e o engano eílá em que reprefenta-le-lhe qr.e a diíl:ancia a refpeito do efpelho he lá para dentro , e eila he pa- ra tora ; e elTe erro funda-fe na experiência que tem , que os objcélos coílumão eflar no lugar 5 a que direv^amente correfpondem os raios , que entrão pelos olhos. Siív. Eftá explicado : com a eftampa perce- be-fe clarililman^nte, Eug. Tíirdè decima oitava, loj Eug. ' E quando eu me vejo a mim mefmo no eípelho 5 em que diílancia me repreícnta o eípelho a minha figura ? ThcoL' Eu o dÍ50 : he a diíluncia de mJm ao eípelho , mas dobrada ; porque a miim repre- íeiíta-fe-me a minha figura do eípelho para dentro , tanto comiO eu eírou do eípelho pa- ra íóra C I ) ; logo contando toda a diftancia apparente de mim a miinha figura , vem a fer a dobrada diftancia da que ha de mim ao eípelho. Eug. Tenho percebido tudo o que ha nos eípelhos ordinários e planos. Vamos aos eí- pelhos côncavos. . §. lí. Dos Princípios da Cawprica^ que pertencem aos ífpAhos concaves. Thcod. >^^T03 eípelhcs côncavos fuccedcm IN eífeiros bzm paímoíos. Para m.e entenderdes 5 íabei que fie preciío diftinguir dous pontos em; cada eípelho : hum , que he o centro da esíera ; outro , cue he o foco dos pr.ralle'cs. Eis aqui ternos Eíbmpa (2.) EH. 2. feita de propofito p^ua o caío , vede efta fi- ^'S- 7» g-ira 7. 6'upponhamos que efle eípelho con- cavo A E , que tem hum^a concavidade tal , que íe foííemos continuando huma linha pa- ra as ilhr.r-^as com i:ruàl curvatura , fizeile eíTe ( 1 ) Prop. 4. pag. 100. IO 4 Recreação Ttlofofica eííe círculo de pontinhos , que ahi eílá fl- nalado ; nhum caib femelhante dizemos , que o tal efpeiho he huma porção da esfera A y E, F, H. O centro defta esfera fupponha- mos que fica em m , efte he o centro da es- fera do efpeiho \ e nunca o confundais com o centro do efpeiho , que elTe he em g : Sendo aílim , o jóco dos parai ítlcs , ( ijio he o lugar 5 ov.de fe ajumão es raies , que vem parallelos^ fica quafi na metade da difian- cia 5 que ha entre o centro da esfera c o ef- peiho , aqui no ponto / ; e eila he a primei^ ra lei da reflexão nos efpeiho s côncavos. Os que entendem os termios da Geometria po- dem íaber a razão , por que nefte iugr.r fi- ca o foco dos parailelos (i). Ifto fuppofto , vós ( I ) Demnn1:ra-re : tirados os raios parailelos Kr, e m jf , e tirada a linha de pontinhos }f2 r def» de o cei tro da esfera , temos hum angulo g m r ^ tire- Te a linha r i de fo te , que o angulo / r >w fe-a igual ao an?ulo g m r ; digo eu , que no pon- to /, orde ef^a linha cruza a linlia m g, fera o fó» CO ; por.',ue a linha m r , fendo raio da esfera, he perperd'c lar ao efpeiho , e faz òe huma e outra pa te ângulos iguae<: com o efpeiho ; per outra par- te como as duas linhas mg, c n r são paralleias, o- angulas alternos / m r , e m ;■ n são iguaes ; e como pe'a conftrucção , o angulo / ?;; r he içual ao angulo / ;• m , por boas contas fic30 tairbem ig iae<: O' angulo» ir rn , m r n iguaes , e teiros o a-io- :1 da retíexno igual ao angulo da incidência, c m "^"ca d'ino ílrado que deve fucceder em toda a reriexl da l'!z ; por confeguinte em i fera o foco dos pa aKelo- , para ha\er eíla igualdade de 3;:g los. Ora quando a diílancia de g até r he pe- ».iue::a , po"co menor he / g do que i r , e também çío quê /■ ;;; fua igual ( poi fer p tiiangulo izofce- Tarde decima citava. 105' vós hem fabeis que os raios de qualquer es- fera são perpendiculares á fua fuperhcie , e por confeguinre eíla linha de pontinhos m r, e todas as ir.ais, que do centro m forem dar no eípeiho , cahem perpendiculc- res no elpe ho. L050 le no centro da esfera do cí- pe.ho , aqui em m , fc puzer o obiecfo , os r^ios divergentes que fahem de qualquer pon- ío , dando no elpelho , tornarcáó pe:o meimq caminho , pois cahem perpendiculares ; e já diJemos , que todo o raio que cahe perpen- :os em i , ailim poílo o obic- 61o em / 5 os raios reflexos fe ajuntáo em e : percebeis iPco ? Eu^^. Com a figura á viíla entende-fe com facilidade. Thsod. Daqui fc tira a quinta lei : tornemos á figura 6. ( Tende paciência , Silvio , que logo vereis na experiência praticadas eítas doutrinas , que vos parecem efcufadas ) . Já cu diíTe , que poílo o objedo no centro da esfera a , para elle lugar tornaráó a ajuntar- fe os raios reflexos j agora digo ( quinta Tei ) quãn- IO 8 Recreação Filofofica quanto mais chegarmos o objíão do centro da esfera para o cfpdho , tanto foge do centro para trás o foco , ttn que fe ãju:.tão es raios divergentes, que f ah em du) chjcão. Feio ccn- rrrrio ( íexta lei ) quanto mais retiran^ws o chjcclo do centro para trás , tanto mais fe chega o foco dos feus raies para o efpelho. Notc-fe, que por n:uiro que diíle o objeclo o fe- trocáo paliando por huma lente, quando pin- tâo o objeclo dentro dos Teiefcopios. Po- rém fe vós puzerdes a bola entre o foco dos^ parallelos, e o efpelho , vereis a bola pin- la- Tarde ãecimn oitava. 1 1 1 tada dentro do eípelho , mas ásc-ireicas com o cordel para íima , porque então vedes o objecto, e náo a pintura delle. Ved-s-* .... Eug. Aliim he, e milita a razáo de qualquer outro efpeiho. Th. ed. Porém a^ora náo vemos a bola no ar, mas lá dentro do eípelho ; por quanto io fe nos repreíenrava no ar, quando nelie fe tor- naváo a a;unt: r os raios , que fahiâo diver- gentes de qualquer ponto do ob;e6to ; pois e"!táo fuccede o rneímo , que coítun-.a íucce- der, quando neíTe lugar eiiá o cbjeclo ver- dadeiro. Silv. Mas reparai , Eugénio , que íe reprefen- ta no eipelho muito m.aicr do que he na verdade. Eug. Q-.e razão nos dais para iílo , Theodo- l:o ? Theod. Sabei que oscfpelhos concaves aiigmen- tão 05 cbjeclos , quando os vcltao ■-, vcde-vos de perto a efte efpeiho , e vereis hurnas máos de Gigante. Eug. Horrendas por certo e monílpaofas ; e a cara í pafmoía coufa I Gcliac a náo teria maior. Theod. A razão defte eíFeito fe tira dos prin- cipios eftabelecidos da igualdade dos ângu- los ; da qual tirarei agora algum.as conclu- . soes , que ferviraõ a explicar eftes eífeitcs e 03 demais. Vamos a eitr; Eftampa ( ^./^^. -•) Eil. 5, Suppcndo que eíla linha curva m o ?i he ^S- 2. hum efpeiho concavo ; das extremidades da feta vem raios ao efpeiho , o qual fe folTe p:a- 1 1 1 Recreação Tilofqfica plano como r. linha ea reprefenta , então" por eanfa da igualdade dos ângulos, os raios fc ajunrarião em g , entrando pelo olho que' ahi eftiveíTe ; porém como o elpelKo he con- cavo 5 o raio que havia de reHeílir psra g vai para r \ e o mefmo luccedc í.o ouiro , portsinto ajuntão-re em r , e ahi entr-riõ pelos olhos que encontrarem. Suppofto ifto,- vós bem vedes que o angulo em r he mui- to maior que em ^ , e mais aberto ; e tam- bém fabefê 5 que quanto mais aberto he o angulo 5 que fazem os raios ao entrar pela pupilla 5 tanto maior he a pintura , que fe nos faz nos olhos , e maior nos parece o objeclo : logo no efpelho concavo hão de parecer maiores os obje^ios , como a expe- fiehcia vos eníinou. Eug, E que linhas sáo eílas de pontinhos m p ^ n ^ ? Thcoã. Sáo as perpendiculares , por onde vos haveis de regular para conhecerdes fe com eíFeito os raios fazem ângulos iguaes na re- ft;íxáo , indo onde eu dilíe que haviáo de ir: efte in p he a perpendicular do elpelho , fe folie plano ; a outra ;/ q he a perpendi- aiiar do efpelho concavo. JEug. Tenho entendido. §.iir. Tarde decima oitava, ii% §. ni. Dos Efpelhos convexos, Theod. TT? Xplicados os efpelhos côncavos fi t^^j planos y reftáo os convexos : digo pois que nelles íuccede pelo con.ttario dos Côncavos. Porque fe o efpelho for convexo^ os raios que vem das extremidades do objeão hao de refleãir com angulo menor do que fe fojfe plano , e parecerá o objeão menor, Sup- ponhamos nós que eíla riica curva (Ejlampa Ert:. 5, '2^. fig. ^.) a e o ho. hum efpelho convexo j ^S- 5* os raios que vem das extremidades da feta^ fe a fuperíicie do eípelho foffe plana , como a linha de pontinhos m n , governando-nos pela perpendicular a r , bem vedes que os raios fe viriáo a ajuntar em / pouco mais ou menos : porém como o efpelho he con- vexo 5 a perpendicular a elTa fuperíicie he outra 5 e vem a ler pouco mais ou menos a fj e governando-nos por ella , attendendo á igualdade dos ângulos , háo de ajuntar-fe os raios em g : ifto fuppofto , bem vedes que em g fazem os raios hum angulo me- nor do que em / : logo os olhos que rece- bem os raios , que refleflem do efpelho con- vexo 5 hâo de ter huma imagem mais pe- quena que a do efpelho plano , e ram.bem menor que o verdadeiro objeòlo. Eug. Como a fua figura he oppoíla á do ef- Tom. ly. H pe- 1 1 4 Recreação Tilofofica pelho concavo , ha de fazer effeitos oppof- tos : o concavo ang menta a figura , o con- vexo ha de diminuilla : vamos a confirmar com a experiência a doutrina dada ^ le ten- des Inílrumentos para ilTo. Thcod. Tenho : aqui tendes efte eípelho cy- Eft. j. lindrjco ( Eftampã ^. fig. 4. ) , fe vos vir- ^g- 4' des nefte eípelho , vereis a volTa figura mui edreitinha. Eug. Que ridicula figura eftou vendo I rq^a- rai , Silvio. Sth. Bem a vejo : voltai o efpelho de ilhar- ga atraveíTado. Thcod. Entáo vereis o volTo rofto com a fiia largura j mas a altura le dmiinuirá de ma- neira, c|ue fique objeclo amda mais enorme. Silv. Alhm he : porém he preciíb faber a ra- záo defte eíFeito. Theod. A razáo he a que já diíTe : os efpelhos convexos diminuem a imagem do objeclo : logo fe o efpelho fó for convexo de hum lado para o outro , fó ha de diminuir a vof- la imagem na largura j e não diminuindo a altura , fegue-fe que ficará huma imagem improporcionada : o mefmo fuccede fe atra- vellardes o efpelho de ilharga , porque entáo fica a convexidade de fima para baixo , e diminuir-fe-ha na voíTa imagem fomente a altura , ficando a mefma largura , e por iffa disforme por outro principio. Deíla mefma doutrina nafce a explicação de outro cíFeito Eft. > pafmofo : aqui tendes eíía pintura ( Eftampa, ^l' J' ^'fig'5-)y que parece Liiforme emonílruo- fa. Tarde decima oitava. 1 1 f fa 5 pois iabei que he hu.ma cara bem gen- til , Te a virdes nefte efpelho cylindrico. Silv, He impoJíivel : venha o eípellio. Tbeod. Allentemos efte papelão pintado fobre o bofetc , e íobre elle ponhamos o efpelho a prumo nefttf círculo , que tem no meio {ii^ : ponde-vos defta parte (e) , de forte que fique a pintura entre vós e o efpelho ^ e vereis no efpelho huma cara proporcionada. Silv, Xáo poíTo crer o que vejo I Vede , Eu- génio. Eug. Os olhos , que na pintura sáo duas rif- cas mui compridas , no efpelho ficáo pro- porcionados : o mefmo fuccede ás mais fei- ções. Theod. A razão he , porque o efpelho poílo ao aito diminue a largura do objeclo : logo para que ella depois de diminuída fique pro- porcionada , he precifo que ém fi feja muito m.aior do que devera fer ; e aJlim como no efpelho o voiTo rofto proporcionado fe fazia monftruo fo , aíTim o que em fi he moni^truo- fo fe torna proporcionado. Eug. Ailim deve fer por boa razão. Thjod. Erte mefmo eíFeito fe vê nos efpelhos cylindricos côncavos , como eíle que vos moftro (^Efiampa 5. fig.ó.y. ponde-o fobre Eíl. y, o papelão pintado , e vereis a mcfma figura ^õ- 6. proporcionada no efpelho. Façamos a expe- riência. Eug. Eu bem vejo a experiência , mas eftou confufo 5 e não atino com a razão j porque lendo o efpelho concavo , me parece que H ii ha- 1 1 6 Recreação Filofofica havia de aiigmentar o objeílo ^ e não dimí-' nuillo 5 como faz o convexo. Tbeod. Razáo tendes ; mas eu vos digo como iíto he : fupponde que nefta Eílampa ( :5.- fig. 7. ) eík meio círculo ^ c /' o he o tal efpelho cylindrico concavo de que tratamos , a fcta m ti he o objecto que nelle íe quer ver, o raio que da cuípide dá em / reliecle para r ; o mefmo fuccede ao raio , que fahe das pennas , e dá em c , que refleòle para r, Ifto fuppoíío 5 formão em r hum angulo mui agudo , e os olhos que ahi eftiverem verão o objeclo mui pequeno , como fucce- de no efpelho convexo. Conhecereis que if- to he aihm , porque eíle efpelho concavo volta os objeflos de maneira, que a cufpide da. feta , que vos íiea á mão direita , fe vê no efpelho pofta da parte efquerda ; o que não ha de fiicceder nos efpelhos cylindricos convexos. Advirto que ifto fó fuccederá nos efpelhos cylindricos côncavos , que tiverem huma grande curvatura de fuperhcie , para poderem os raios reiieclir , fazendo angulo mais agudo. Eug. Eitou fatisfeico inteiramente. §.IV, tii Tarde decima oitava. 1 17 §. IV. Da Camcra ohfciira , Camera Óptica , e Lan- terna Magica. Thccd. T^ Epoís de termos explicado os Prin- X^ cipios da Dioptrica , e também da Catoprrica , naturalmente fe pode entender o que fuccede em algumas máquinas , cuja conilrucçáo ie funda fobre hnns e outros Principios. Huma delias he a que chamáo Camera obfcura, eu vo-la moftro. QEftampa Efl. ^' fig. 8.) Eu explico o feu artificio: con- fta de huma caixa quadrada , na ilharga da qual ha hum canudo (o e ) , que fahe mais ou menos para fora , conforme he preciíb , tem aqui no fim defte canudo ( e ) huma lente convexa , a qual pintaria o obje^í-lo ex- terior nefte lugar Qr s^ , fe eíliveíTe defem- baraçado o caminho j mas com.o dentro da caixa encontrão os raios hum efpelho ( c/) , que eftá obliquo , os raios reíieclem para fi- ma 5 e vão fazer a pintura neíle lugar (^mn ) , que he como a tampa da caixa. Efta tampa recebe a pintura na parte interior ; mas para fe poder lograr da parte de fera , coftumáo fazella de vidro algum tanto afpero , que conferva fó a diaíf..neidade que bafta para fe ver a pintura que nelle fe faz pela parte de dentro. Eífa pintura para fe lograr bem , he precifo que fe embcàace toda aluz^ que pe- la 1 1 8 Recreação Filofofica la parte de fora pôde dar na tampa da cai- xa, para não confundir a pintura ; por efte íim coftuma haver outra tampa de pão ( í í ) , que quando eíli aberta ferve para fe lançar fobre ella huma capa , ou coufa femelhante , e por baixo delia fe obferva a pintura ás ef- curas. \^ede , Silvio , o que vai pela eftrada. Silv. Tudo fe reprefenta bem ao vivo ; mas reparo que efta pintura náo fe tórma ás avcf- fas , como fuccede noutras experiências. Theod, He por canfa do efpelho ; porque fe náo folTe o efpsilio , e a pintura fe fizeííe ncfle lu^ar Çs r') , fe faria ás avéíTas pela razáo geral , que tenho dado em caies feme» Ihantes ; e aílim fe o ob^eclo pintado fcíTc hum navio , o cafco fe pintaria em fima , (em 5 ) e os maftros em baixo (em r ); po- rém encontrando o efpelho , o raio que vi-? nh?. para efte lugar ( r ) reflecle para efle ( n ) , e aííim pintáo-fe os maflros nefte lu- gar ( n ) ; e o raio que vinha para efte lu- gar ( 5 ) vai pintar o cafco aqui em ( í?; ) ; e pondo-nos nós deíla parte ( r í ) a olhar pa- ra a pintura , hca ás direitas. £uj^. Náo tem dúvida , que ailim he , e aílim deve fer. Theod. Muitos em lugar do vidro roçado usáo de hum papel branco. Mzi vamos a^ora á outra máquina náo menos agra- dável 3 que he a Camera óptica : aqui a E*^' h tendes Í^Ejlamp. ^. fig. p. ) . He humã cai- ^^' i** xa com o artificio que vedes : no fundq (^?i in) íe póe huma eílampa de huma Cii? da- Tarde dechna oitava. 119 í3aJe 5 V. §. ou coufa femeihante, com a o beça para dentro da caixa ; no alto da caixa ha hum efpelho obliquo , que vem defde ef- re canto (e) até eftc fitio (o) ; além diiTo ha nas cofias da caixa , em íima , huma len- te convexa , que a poftura da caixa náo dei- xa ver na eítampa. Se vós chegardes a cila lente , parecer-vos-ha que eftais á vifta de huma Cidade verdadeira : chegsi-vos ambos , e vede , pois he agradável a experiência. Eug. Alíim he : náo ha e^gano mais agradá- vel ! Vede , Silvio. Sth. O certo he que a mrito tem chegado a induftria humana ; a vifta n20 teria maior divertimento nos objeilos verdadeiros , do que tem neíles , que sáo fomente pintados. Theod. Falta agora que o entendimento tenha o conhecimento do feu objeílo , que he a verdadeira razáo delle maraviíhofo eífeito ; aqui tendes eíla figura eílampada para expli- cação do caio preíentc : m n reprefenta QEjliVnva ^. fig. 10, ) o fundo da caixa vif- eíI. j, to de ilharga, c o he o efpelho pofto obli' fig. 10, quamente para refle(i"'tir para a lente ^ c os raios que vem da pintura , que fe íuppóem eftar no fundo da caixa ; c 5 he a tan:pa fi- xa, Q s o também he taboa fixa , peia parte de diante ; dahi até baixo he aberra para en- trar a claridade a allumiar bem a eftampa em m n, Suppofto iílo , vam.os a explicar o eíFeito : a lente convexa já vos diíTe , que fe recebia os raios parallelos , os ajuntava no foco j e fe recebia os raios divergentes , e .0 pon- li o Recreação Filofqfica ponto donde fahião eftava emdiílancia igual á do fódo dos parallelos , que tomava paral- lelos eíTes raios, que recebia dive''gentes(i)» Eftando pois a pintura m n bem cheia de luz 5 fahem de qualquer parte "delia , como de ponto radiante , os raios divergentes ; e dando no efpelho e o^ refleòlem para a len- te : fe eíla diílancia da pintura ao efpelho , e do efpelho á lente for igual á diftancia do foco da lente , fegue-fe , que quem efti- ver vendo pela lente , ha de receber paralle- los os raios , que vem da pintura ; e por iíTò ha de julgai , que o objeclo eftá mui longe. Por quanto a noíTa experiência nos tem en- íinado , que quanto mais diftantes eítáo os objeilos 5 menos divergentes vem os feus raios ; e por ilTo todas as vezes que os raios náo trazem divergência feníivel , julgamos que o objecto eftá mui longe: e aiTmi, co- mo dos coxes 5 dos caftellos , dog jardins , que eíláo pintados em m n , chegáo aos olhos os raios fem divergência , pois vem parallelos , jtilga a alma com bom fundamen- to 5 que os objeéios eíláo lá mui longe. Ora por outra parte , a lente convexa augmenta a figura dos obje^fios , pelo que fica dito j e parecendo-nos a nós que o objeclo eftá mui diftante, e fentindo na retina, náo obftante eíTa diftancia , huma imagem náo mui pe- quena , cremos que o obje^^^lo he mui gran- de; pois (a náo fer o engano das lentes), fó fendo em fi mui grande , he que podia fa- ( I } Pag. 62. Tarde decima oitava, l^l - fazer na retma aquella imagem , eftanJo na diítancia em que nós o confideramos , poE ilTo fe nos reprefenta ferem os objeclos ver- dadeiros 5 que eíiamos vendo ao longe. Bug, Eis-ahi porque as torres, que na pintu- ra sáo mui pequeninas , me parecem íer as verdadeiras, e qee tem a altura de 15O pal- mos ou mais. if/7v. Pergunto : e para termos efte eífeiro , baila qualquer lente convexa ? Se he verda- de o que dizeis , bailará. Theod. Baila , com tanto que a diílancia da lente ao eípelho , e deíle á pintura , feja igual á diílancia do loco deíTa lente ; alias , já 03 raios que fahem de qualquer ponto da pintura , poderáó chegar aos olhos conver- gentes 5 ou ainda mui divergentes , o que embaraça ou diminue o eífeito. Advirto , que a eílampa deve metter-fe na caixa com . a cabeça para dentro , para fe ver ás direi- tas : a razáo fe vè aqui na ligura 10. Sup- ponhamos que a linha de pontos vizinha a m reprefenta os raios , que refledlem dos ra- mos da arvore v. g. , eiles raios dáo no eí- pelho em r 3 e dahi reneclem para a lente em a ; quem eíliver obfervando atras da len- te, vê a ram^a da arvore para fima ; e a eílar poíla a eílampa ás avéíías , forço famente ve- rá o tronco em íima , e a rama em baixo. Ora eíle mefmo eíFeito fe vè em algumas caixas difpoílas ao comprido j pol^a a lente nhum topo , e as eílampas ao alto no ou- tro , defronte da lente , e allumiáo-fe por li- ma 122 Recreação Filofqfica ma com a claridade do Sol , a qual fe pôde receber nhum panno branco , ou papel , pa- ra le efpalhar a luz igualmenre. Eug. Delias caixas já vi ; porem eíla he mui- to melhor , e creio que a razão he , porque nesourras , ou a diítancia entre a lente e a Í)inrura náo he fempre a mefma que deve er , ou náo ficáo bem aiiumiadas as eílam- pas. Theod. Segue-fe outra Maquina náo menos piaufivcl 5 que he a Larucnia Magica : eu vo-la moítro (Ejhmpa y fig- H-}' porém para vós conhecerdes o íeu artificio interior, quero-vos moftrar huma Eftampa , em que conhecereis as partes de que le compóem, e como eftào dirpoílas. ( Êftampa 4. fig. i.) Primeiramente e e reprelenra hum éípelho concavo : a repreienca huma chamma gran- de : também íe pode uTar de quatro velas juntas 5 e fazem melhor effeito : vi o m o fi- gniíica hum canudo , que contém varias pef- fas : a primeira he a lente convexa m m , depois íegue-fc hum vidro ou taico r /' , em que fe pinta com tintas verdadeiras algum objedo : fegue-fe outra lenre n n , e depois hum arinel c c , que deixa hum váo no meio , que fe reprelenta na letra i ; e ulti- mamente temci outra lente convexa em 00. O effeito defta Máqui^.a he pintar-lb na pa- rede , em huma determinada dilluincia , o mefm.o objeclo , que eltá pintado no vidro , ou ta'co r t ; porem com uoftura voltada , e com numa grandeza eílranna. A razáo he , por* Tarde decima oitava, 123 porque os raios de luz, que lahem da véla, e daO na primeira lente m m , vão banhar com grande luz a pintura do vidro r r j e como o vidro e cores íicão tranfparentes de algum modo , os raios , que pafsáo pela pin- tura 5 veftem-fe das cores delia , e fahem do vidro 5 como poderiâo íahir refleclindo de huma pintura bem ailumiada. Eftes raios paf- lando pela lente n n , ficáo mui pouco di- vergentes 5 de íbrte que paliando pela outra lente o o , íahem convergentes , e vão tazer foco nhuma certa diftancia , onde pintáo a íigura do objeclo. Porém efta íigura ha de fer voltada , porque no buraco t do annel c f fe cruzâo 05 raios. Porquanto os raios, que íahem de pontos diíierentes da pintura r r, e vem convergentes cahir fobre a lente n ti , por cauia da reíracçáo íe háo de cru- zar em / i e nell:e lugar , em que fe cruzáo , he que deve ficar o annei , para náo emba- raçar nenhumí? luz utii : ruppofto irto , para ficar a pintura na parede ás direitas , he pre- cifo que o vidro r r , em que ella o obje- cto pintado , íe ponha ás aveíTas , ficando a pintura com a cabeça para baixo. Eiig. Ainda me não diíleftes para que era o eípelho concavo, Thcod. Serve para que a pintura fique com muita luz j porque além da iuz que vai di- reita da chamma até á lente m m , toda a que bate no eípelho vai por reflexão á meí- nia lente , e por conl^eguinte ao vidro pin- tado 3 c de tal íbrte íe póc a luz , e o eípe- lho , 124 Recreação Fllofoflca lho 5 que os raios reflexos le ajuntem febre o vidro pintado j o que íe confeL^ue che- gando ora mais , ora menos , a vela para o efpelho 5 aié que a chamma fe pinte no lu- gar, em que fe põe o vidro pintado. Silv. E para que he precifo dar tanta luz fo- bre o vidro pintado r Thecd. A razão he , porque como a pintura do vidro he mui pequena , e na parede ha de ler mui grande , forço famente os raios fe háo de efpalhar por efpaço muito maior do que occnpáo no vidro ; e allim para não ficar a pintura fraca , he precifa muita luz. Eug. Temos conhecido eita máquina efpecu- lativamente ; vamos a ver o leu efFeito na praxe. Theod. Aqui tendes a Lanterna Mágica ( Ef- tampã ^. fig. II. )? ^"^ exteriormente pode ter diverfas figuras ; mas em quanto á fub- ftancia , todo o artificio fe recfuz ao que fi- ca explicado : neítes canudos o a Íq contem as peíTas , que cftáo pintadas níi Eflampa (4. fig. I.), que vos moílrei : efta abertura r r he para metter por ella efta régua RR, em que eftáo diíFerentes vidros com varias pinturas , e fucceííivamenre fe podem mudar na Lanterna. Eíta p^rte fuperior E fen-e pa- ra receber o fumo das velas, e o lançar to- ra pelas bordas inferiores , fem deixar fahir luz 5 que allumie a Cc.ía , a qual deve eftar bem ás efciiras : dentro defta caixa quadrada eítào o efpelho ( e e ) , a chamma ^,63 lente ( ;;; m ) , que na Eíbmpa ( 4. fig. lO 5 que Tarde décima oitava, 125' que vos moftrei , eílá immediata á pintura. \^ede agora o íeu eíFeito. Silv. Que ridícula íigura íe nos reprefenra pintada na parede ! Eug, Verdadeiramente , que eílá bem poflo o nome de Lanterna Álágica, porque parece obra de feiticeria. Thccd. Quereis ver o que he na realidade ? eu tiro a régua das pinturas fora da lanterna : vede que he huma pequena pintura y e bem toíca. Silv. Eu vejo eftas couias , e não poíTo crel- las. Eug, Suppoíla a explicação , não ha aqui coufa, que me fique occulta, fe bem que he eífeito pafmofo. Silv. E tem medida determinada a diftancia da Lanterna á parede , para nella fe fazer a pintura ? Thcod. Tem ; mas deve-fe attender á difpoíi- çáo das lentes dentro do canudo , e á fua convexidade ; por tanto deve-fe ir bufcando o lugar 5 em que fica a pintura mais viva, ora chegando , ora aífaftando a Lanterna da parede ; ou também movendo para fora ou para dentro o canudo a , em que eftá a ul- tima lente ^ porque , como vos diííe , fo fe faz a pintura onde cahe o foco dos raios , que fe quebráo na ultima lente ; e o foco bem fabeis já , que tem diífancia determi- nada. Agora vos moftraria eile mefmo effei- to ; e feria muito mais vivo , le houveífa Sol 3 que logo fuccedeo eftar agora encuber- to 5 12 ó Recreação Filofofica to ; porém dir-vos-hei como fe faz a expe- riência. Tiráo-fe da lanterna oz dous canu- dos o a com a re^ua des. vidros pincados, e applicáo-ie a hum buraco da janella re- dondo j e para que o Sol dê bem na pintu- ra 5 OU ie ufa de hum eípeiho pofto a máo pela parte de fora , que faça dar o Sol no vidro pintado , que correfponde pela parte de dentro ao buraco da janella ; ou fe tapa o buraco com hum papel encerado ; no qual ainda que o Sol fomente dè de ilharga , íem- pre fe efpalha a luz de forte , que a pintura tica bem aliumiada j porém o efpelho faz n-iClhor effeito. £ug. E que peiTas fe háo de applicar ao bu- raco da janella pela parte de dentro í 1'heod. A pintura do vidro , e tudo o mais, que dc.hi para fora fe contém nos canudos o a j Q com a mefma dirpofiçáo. Vamos agora a fatisfazer ao que me pediftes ha niuito tempo , que he explicar os Telefco- pios de reflexão , que agora tem feu lugar. Eug. Confeífo-vos que já me náo lembraváo. §. IV. Dos Tclefcopios de Reflexão^ Theod. 1"^ Os Telefcopios de reflexão ha duas XJ caftas ; huns , que chamáo Newto- niancs , outros Gregorianos : ambos sáo ex- celientes. Eu vos explico a fua conifrucçáo Tarde decima oitava. 127 primeiramente nas Eftampas , depois vereis 03 verdadeiros. Aqui tendes hum Telefcopio Newtoniano. (Eftampa 4. fig. ^.^ Confta e(\. 4. o Telefcopio Newtoniano cie hum efpelho ns- }• concavo , que fe repre lenta em m m , e o centro da fua concavidade , ou , como dizem , da fua esfera , fe fuppõe fer em diftancia do- brada de Cj por confeguinte os raios paral- lelos fe háo de ajuntar em C ; e como nos objedos nimiamente diílantes , os raios fe . fuppóem quafi parallelos , nefte lugar fe ha de hzer a pintura dos objedos , que eftive- rem fronteiros ao tal efpelho. Supponhamos pois que no lugar C fe faz a pintura do ob- jecto exterior; fe quando os raios reflectem do efpelho concavo encontrarem hum efpe- lho plano pofto em r r 5 he certo que em vês de ir para o fitio C , refleciiráó para a ilharga para o lugar O, e ahi faráo a pintu- ra do tal objeílo : efta pintura fe a obíervar- mos com a lente n , veremos o objeílo mui grande , ailim como fuccede nos outros Te- ieicopios 5 nos quaes a primeira lente forma a pintura , que fe obferva com a fegunda, que he a ocular. Eiig. Tenho entendido : e já fei que aquelle Telefcopio (A B Eflampa 4. fig- 2.) he £(1.4. Newtoniano , porque pela ilharga ^ atarra- ^S* 3. chando hum canudinho ( M ) no buraco m , fe viáo os objectos , que ficaváo fronteiros á boca do Telefcopio C-^) • reflectindo os raios do efpelho concavo , que fupponho lhe ^íica lá no fundo ( B ) . Theoã, 128 Recreação Filofoficà Thecd. Tendes razáo , que aquelle Telefcopio armado delTe modo he Newtoniano. Silv. Eftcs Telelcopios háo deter grande dif- ficuidade para fe voltarem para o objeclo, que queremos obfervar. Theod. Para íe evitar efta dilliculdade, fe cof- ruma ajuntar hum Telefcopio pequeno dos ordinários neíle lugar ( /í c ) , que ferve fo p::ra voltar a boca do Telefcopio para o ob- jeclo 5 e depois obferva-fe pelo óculo ( M ) , que fica na ilharga. Adverti porém , Eugé- nio 5 que nefte Telefcopio vem-fe os obje- cios as avelTas j porque fempre a imagem, que ie faz nos efpelhos côncavos , he volta- da ; e como nós por eíle Telefcopio o que obfervamos he efta imagem^ por ilTo vemos o objedo ás avélTas. Eug. Tenho entendido o Telefcopio Newto- niano 5 vamos ao outro. ^heod. Chamáo-lhe Gregoriano : o feu artifí- cio he femelhante ao outro ; fó tem a difíe- rença , que o efpelho pequenino , que tem dentro , náo he plano ^ mas íim concavo , e náo reflecle os raios para a ilharga do Te- lefcopio , mas outra vez para o fundo do ef- pelho , o qual para efte fim he furado no meio: aqui o tendes nefta Eílampa C4.//^.8.) Efta abe r cura m m reprefenta a boca do Te- lefcopio. Aicm difto o centro da esfera, ou a concavidade do efpelho fuppóe-fe fora da boca do óculo : a a reprelcnta o efpelho concavo , que eftá no fundo do óculo , e" no meio he aberto : a Unha e e reprelenia o lu- Tarde decima oitava. 129 lugar 5 em que fe forma a imagem do obje- tio exterior pelos raios , que reflí61em do efpelho concavo a ^; porém nefte lugar t t pomos outro efpelho concavo pequenino pre- zo ao lado do Telefcopio por hum arame X z. Suppofto ifto 5 entrando pela boca os raios de luz dando no efpelho concavo ã a ^ refleòlem para fe ajuntar no foco e e, e ahi formão a pintura do obje(flo •■, a qual fe a re^ cebermos em hum papel , fera vifivel , e clara ^ porem eftes raios não achando ahi embaraço 5 continuáo para diante, cruzão-fe, e batem no fegundo efpelho t t> Efte efpe- lho os faz refledir para o buraco / , que ef- tá no meio do efpelho grande. Ora como eftes raios , quando batem no efpelho peque- no í í, já vão efpalhadosj porque fe tinháo ajuntado no foco e e , fe efte efpelho toíTe plano fim retíeclirião , porém cada vez fe ha- viáo de ir efpalhando mais : para evitar ifto , fe forma o efpelho pequeno também conca- vo 3 para os tornar a ajuntar , e fazer fegun- da imagem j a qual fe havia de fazer dentro do canudo , na linha de pontinhos o o ; po- rém como logo na entrada do canudo acha a lente convexa r r , faz-fe mais fedo , e pinta-fe o objeél:o em c c : efta pintura ob- lerva-fe com a lente ocular s s defde o bu- raquinho a ', e como a lente he convexa , augmenta a tal pintura , e apparece o obje- ífto mui grande , e mui diJÍlin(::l:o , porque a imagem foi feita por huma grande quanti- dade de luz, que entrou pelo Telefcopio. Tom, IV. l Bug. 130 Recreação Tihfqfica Eu:^. E por eltc Telcfcopio Gregoriano veiti- fe os ODJeclos ás direitas , ou voltados ? Thcod. Vem-fe na fua poftura direita; porque a primeira imagem em e e forçoíamente ha de Ter voltada ; mas efta quando por caula do pequeno efpelho le pinta em f c , vol- tando-íe outra vez pela mefma razáo , vem a ficar na poílura do objeclo ; e nós pela le-nte ocular io obíervamos eíla fegunda ima- gem. Efte Teleícopio he o de que ulamc» ordinariamente , quando nos divertimos em ver entrar os Navios pela barra , e he aquei- Eíl. 4, le melmo que alii vedes ( EJlampa A.ftg. 2.) ; ^S- 2- mas he preciib tirar-lhe de dentro o eípelho plano que tem 3 quando he Newtoniano , e por-lhe efte canudo b b no fundo do óculo aqui deita parte ( B"^ . Silv. E deRes Teleíccpios qual vos parece melhor ? TbcoiL Os de reflexão fem dúvida são muito melhores que os Dioptricos , tanto porque sáo mais accommodados j pois o que tem hum palmo fax o mefmo eífeito , que o Dioptrico de 5 palmos ; come porque as pinturas como fe fazem com raios reflexos, e todos os raios refledem do mefmo modo , não ha aqueila imperfeição de pintura , que teni os Dicpiricos , que já me parece que vos dilTe ; e naíce, de que os raios verme- lhos quebráo menos que os outros fuccelli- vamenre até aos roxos ; e por iífo quando o objeclo tem diverfas cores , palfando os raios pelas lentes náo íazem a pintura na meima dif- Tarde âechna ohavã. i^f diílancia , porque huns fe ajuntáo primeiro que os outros : e nos Telefcopios de refl^- ^áo eftamos livres defte defeito , porque to- dos os raios quer fejão vermelhos , quer de outra cor, refledem com íemelhante angulo. Eug* ElTe defeito he inevitável nos Telefco- pios Dioptricos : mas dizei-me , e os efpe- lhos deftes Telefcopios são de vidro com aço , cu de outra matéria ? Whcod. Podem fer de vidro 5 porém usao de hum metal durilUmo , a que ouço chamar metal Spcculo ; e he muito melhor , porque faz-fc a reflexão fó nhuma Tuperíicie , e nos outros efpelhos parte dos raios reflccle na fuperíicie do vidro , e parte na do aço. E temos acabado o que vos polTo dizer perten- cente aos olhos 5 que afsás nos tem dado que explicar. Silv. Por certo que fe aílím formos difcor- rendo fobre as mais partes do homem, não acabaremos em hum anno a fua explicação. Theod, ComxO eftas matérias são mui curio- fas, nellas me detive mais : nas outras irei mais ligeiro. Eug. E que matéria fe fegue agora? . Theod. Iremos aos ouvidos , e explicaremos á manhã os demais fentidos exteriores , que nos reftão , porque já hoje não ha tempo ; e não he razão truncar as matérias , que de fi não são vaífes. Silv. Pois á manhã vos virei ouvir , e faber como vos ouço , já que neftes dias me li- zeilcs faber como vos via. \^amos até o jar- J ii dinij 132 Recreação FiJofofiCéi dim 5 que a tarde convida ao pafieio. Theod. Vamos , Eugénio , oue aísás mortifi- cado eftareis dentro em caíli. Eug. Tão embebido tenho eftado neftas con- verfações , que nem palTeio , nem noticias da Corte 3 nem divertimento algum me lem- bra» TARDE XIX. Dos outros Sentidos do Homem , Exter- nos e Internos, da Voz humana, do Somno^ Vigia, e outras coufas delTe género. §. I. Do fcntido de Ouvir. Eug. ^y E me náo engano , Theodoílo , eu ^^ finto que Silvio eílá iá íóra na fa,- ^"^ la. Thcod. Na verdade que m.uiro lhe devemos , pois com incommo:ilo Teu de tal forte fe def- cmbaraça de tudo o que tem que 4azer , que gafe aqiú as tardes quaíi inteiras : vamos a burcallo. Sílv. Amigos, a que fe cncaminhaváo voíTos paiTos , ja vos tardava t Theod. Tarde decíwa nona. 133 Theod. Vínhamos bufcar-vos , porque já ia- biamos da volTa vinda : vamos para dentro. Silv. Ora que tendes ca preparado para nos dizer ibbre os ouvidos ? Theod. Primeiramenre a íua conílrucçáo , que he maravilhofa: coníla o ouvido de três par- tes ; a primeira he a Orelha , da qual vai hum canal até á íegunda , que chamão Tím- pano , que he huma concavidade cuberta com huma pelle eftendida á m.aneira de tam- bor ; depois do Tímpano íegue-ie a terceira , que Te chama Labirinto , e coníla de hum Vcftibulo ou entrada , de hum como Cara- col , e de três meios círculos de olTo , cucos por dentro : a figura deftas partes e a íua dirpofiçáo conrta deíla Eftampa , que vos moitro (^Ejlampa 4. fig. 5.). Eíle canal de Eíl. 4. A até T he o que chamáo Meato auditório, ^^' ^' A íica para a parte da orelha , T fica lá pa- ra dentro. T he o Tímpano , onde eítáo quatro oííinhos , que aqui fe náo pintáo , para ficar mais defembaraçada a pintura. To- da eíla fabrica de C L S íe cham.a Labirin- to , o qual coniia do Veílibulo , que hc el- te efpaço L , que eflá aberto para fe poder ver por dentro , pois na realidade he fecha- do em redondo : de huma parte tem o \'ei- tibulo poilo o Canicol S , e da outra tem os três meios círculos de cfib , que deiembocâo no veftibulo. Alem ditío N he o aqueducio de Falopio , por dentro do qual vai o nervo raiditorio a efpalhar-íe por lodo o Labirin- to : em fim E he hum canal , que vai parar á 134 'RecredÇdO FiJofofica á concp.vidade da boca , e chamáo-lhe Tuhíl Eulhichiana. \^amos agora aos quatro oíK- nhos 5 que eftáo dentro do Tímpano : eis- aqui os tendes pintados namelma figura 5., mas fora do feu lugar , e maiores do que deverão pintar- íe ; mas ilTo he precifo para fe ver melhor a fua figura. Eftáo rodos qua- tro juntos ; a he o primeiro , chamáo-lhe 77uir:e!o ; o fcgundo e , ch::ma-íe bigorna \ i o terceiro , he mui pequenino e chama- fe cjfmho orbicular \ o quarto he o Eftribo lUy cuja figura deo motivo ao íeu nome. £ug, Náo me parecia que tivcííe o nolTo ou- vido tanta fabrica como eftou vendo : vamos a^ora ao feu ufo. 7'h^Cíí. O ulb de cada huma deílas partes he o feguinte : primeiramente a orelha ferve de receber grande numero de partículas de ar movido 5 ou de fom , as quaes juntando-fc no canal auditivo , fórmáo o fom mais for- te e capaz de fe perceber ; por efta razáo aquelles, aquém cortáo fora as orelhas, fen- lem grande diminuiçáo no fentido de ouvir. Silv. Talvez que por elTa mcfma razáo os furdos usáo cie humas trombetinhas , nppli- cando-as aos feus ouvidos , com a boca lar- ga para fora para receberem mais fom. Tl'cnd. In-entou-as Mr. le Chat. Eug. Também agora faço reflexáo em que muitos 5 quando náo ouvem bem , ajuniáo a miáo aberta á orelha , fazendo hum como recepraculo maior , para que entrando mais paniculas de ar ou do fom, pofsáo perceber O que náo ouviáo. Theod. Tarde decima nona. i 3 5* Thcod. Tanto que o Ibm chega ao tímpano , faz trejiíer a membrana exterior , a qual eflá hum pouco mettiJa no meio para dentro , e fica concava da parte de fora ; porque de den- tro eíiá preza a hum oíTo , que chamáo nuir- tclo , o qual puxando-íe mais para dentro , cntéza a pelle ; e deixando-íe vir mais para fora , a alfrouxa. Eug. ElTa membrana do tímpano he tapada , ou deixa pafTar o ar para dentro? Thcod. Seja ou náo tapada, iempre pelo tre- mor da membrana do timipano le communi- ca o movimento ao ar interior; mas reTpon- dendo á voíTa pergunta , dizem commum- mentc que hc tapada ; e o Valiavio encheo em hum cadáver o tímpano de azcugue , e por mais diligencias que fez , nunca pôde Jazer paíí:ir o azougue para a orelha ; outros por_^m julgáo que tem alguma paílagem, le- vados de hum fundamento , que he fabulo - ío j diziáo que alguns homens caximbando , lançaváo o fumo do tabaco pelos ouvidos ; o que fó podia Ter communicanJo-fe da bo- ca á concavidade do tímpano pela Tuba Eu- fia:ínana , e dahí faliíndo por algum bura- quinho para as orelhas. Silv. IlTo já eu ouvi dizer , e creio que hc bom argumento. Theod. Averiguando-fe ilTo , parece que todos eiTes cafos sâo fabulo fos , e impcfturas ; po- rem outro argumento ha mais forte. O Ri- vino 5 e depois delle o Grande Salilm.no, leílemunháo ter viílo hum buraquinho mui' te- 13Ó Recreação Filofofica tenu2, que junco ao martelo^ vai atraveíTado por entre as duas peiles , de que confta a n:embrana do tímpano. Porem o caio he , q-je íeníivelmente , c fem muito exame a membrana do timpano he tapada. Eug. Mas fempre temos ar dentro do tímpa- no ? 7hcod. E porque não ? cftando , alem defte buraquinho , patente a communicaçáo pára a boca. E por efbi caufa pela boca também fe ouve ; e talvez aqui terá feu fundamento o coftume que miuitos tem , que quando ef- táo ouvindo alguma coufa com muita atten- çáo 5 eítáo com a boca aberta para percebe- rem ma.Js 5 tudo quanto fe diz. Eug. Eu tenho ouvido dizer , que alguns fur- dos ferrando os dentes no braço de huma viola 5 percebiáo pela boca o fom. Sih, Delia induftria me diíTeráo , que fe va- lem alguns para atfinarem os feus inílrumen- tos 5 quancio muitos outros eíláo tocando , para perceber com diílinçáo o fom do feu Inftrumento. Thcod. Seja ou não feja aíKm , o certo he que a tal membrana do timpano não he ab- folutamenre neceiTaria para íe ouvir, porque alguns cáes , a quem de propofito fe rom- peo 5 e furou , ficarão depois diffo ouvindo por algumas femanas. Eug. Mas de que fervem os quatro oílinhos , que eílío dentro do timpano ? Thecd. Muitas fervencias lhe deo o Author deíia fabrica ^ as quaej nós náo íabemos ; po- Tarde decima nmia. 1 3 7 porém huma íe conhece : quando a mem- br^ina treme , treme o j^rimeiro olTo , que chamáo martelo , e eftá pegado quah no jneio da membrana , e tremem os outros três 5 que eftáo unidos ; ora o ultimxO tem a fietira de hum. eítribo , e tapa hum buraqui- nho oval j que dá eonimunicaçáo para os três meios círculos de olFo côncavos ■■, e quan- éo rreme a primeira membrana , treme eile também, batendo Tobre o buraquinlio , que dá çaíTa^em psra os meios círculos , e reito ■do -Vabirintc. Efte tal Labirinto , alem dos três nek>s círculos , tem hum caracol de ■oiTo 5 para o qual ha communicaçáo da con- cavidade do tímpano por hum buraquinho redondo. Eug. E elTe caracol cílá vaíio , ou tem ^^Igu- ma coufa dentro ? Theod. EiH vafio , e oco ; mas a concavidade he dividida em duas , defde o principio ate • o fim 5 por huma membrana efpiral , que aqui vo-la moftro nefta figura. tEframpa 4. Eil:. 4. Jig. 4. ) Mas advirto , que íe reprefenta mui- fig- 4- to miaior do que devera íer , para fe ver bem á vontade. Daqui procede , que na entrada do caracol ha hum repartimento , que divide eíTa meCma entrada em dous váos ; hum váo communica com o timpano por hum bura- quinho redondo , que já dilTe ; o outro váo communica com o vefiibiilo , iilo he a en- trada dos três meios círculos de olTo , de forte que todas efta,- partes fe communicáo. Siív. Mas que íerventia tem eiía membrana ei- 13S Recreação Filofofica ejpiral, que eítá dentro do càracoP Tbioà. O Grande Boerhaavc lhe defcubrio ( I ) huma grande ferventia. Diz elie , que efe membrana he tecida de muitas fibras atraveíTadas de huma ilharga á cutra ; e cc- mo a membrana efpiral cada vez tem m.e- nor largura , porque o caracol fempre vai eílreiundo , he forçofo que as fibras cada vez lejao m.ais curtas. Suppoílo iílo , eftan- do efta membrana nas ilhargas preza ás pa- redes interiores do caracol , hào de tremer quando o ar as ferir , allim como tremem as cordas de hum inílmmento ; e fuppoílo ferem as fibras humas mais curtas que ás ou- tras, podemos mui bem fuppcr, que fucce- de nellas o que fuccede nas cordas de hum cravo 5 que d proporção que váo diminuindo no comprimento , váo fubindo no tom. Ago- ra haveis de notar , que as partículas de ar movido por qualquer corpo fonoro^ recebem vibrações mais cu mienos amiudadas , con- forme o tom em que efiá o corpo fcnoro (como vos cxpliqucfi em feu lugar) , e ef- tas partículas ce ar fe encontrão alguma cor- da 5 que efteia no mefmo tom , a tazem tre- mer vi íivel mente. Sih. EíTe he o cafo das citharas , as quaes dizem que tocando- íe huma , íoa tan.bem a outra, eftando acordes, o que eu náo creio. TheOíL O que cu fei he , que no m.efmo inf- trumento pondo duas cordas diílantes em hum mefmo tom , too^indo huma , treme vi- fi- ( I ) Tom. 4. Prslecl. in luílltut.Medlc. n. j6j. Tarde dedwa nona, 139 ílvelmente a outra ; e náo tremem as que eftáo pelo meio , fe eftáo dilTonantes com a que íe toca. AlTentando pois niílo , haven- do na membrana efpiral libras de todos os comprimentos , ha cordas de todos os rons ; e as particuias do ar conforme o lom da corda, que as poz em movimento, aílim fa- zem tremer ora humiâ , ora outra íibra j e neftas diverfas fibras que tremem , eítâo as diverfas imprefsóes , que excitáo na noila alma diverfas percepções de tons ; ajEm co- mo as diverfas imprefsóes das fibras da reti- na excitáo a noiía alma para as diverfas per- cepções de cores. Por quanto os ramos do nervo auditivo , pelo qual fe communicáo as imprefsões ao cérebro , eíláo efpalhados por todo o Labirinto ; e as mefmas fibras da membrana cipiral podem fer fibras do nervo auditivo. Logo qualquer tom do corpo lono- ' 10 achará neíVi m.embrana fi.bra que lhe cor- refponda ; e fe não achar , náo fe ouvirá , que talvez por eíla caufs a corda nimiianien- te teza 5 e curta, já náo dá fom i^enfivel , ou também nimiamente comprida e frouxa, tal- vez por náo haver na m.embrana efpiral fi- bras valem das ultim^as que lhe correfpondáo. Agora conhecereis de al^um m.odo , poílo que mui elcuro , o fim. do Author òc\ natu- reza neila fabrica do ouvido ; porque o ar do timipano pelo buraquinho redondo , que eftá tapado com hum.a pe41e delicada, com- rnunica o movimento ao do caracol, e bate de huma parte as fibras da membrana eipi- ral • I40 Recreação Filofofica ' ral correi pendentes ao feu tom ; ao mcrmo tempo do timpano fe communica o movi- mento ao ar do Veltibulo c meios círculos de oiTb ; e retumbando dentro deiles , lahe para o caracol pelo outro repartimento di- verfo , e bate nas libras da membrana cfpi- ral pela outra parte , talvez para continuar por mais tempo o movimento ; e como o caracol he de olTo e fechado , e as partícu- las de ar reíleclindo e fazendo como éco , continuarão a bater nas libras muito tempo , para ie perceber o fom , náo obílante a dif- tincia, e outros mil enVbaraços , que talvez haverá para fe perceber. Silv. Tudo iíTo he mera conjecílura. Eug. Sim, mas huma conjectura, quefeajuf- ta com a razáo. Theod. Agora vos hei de explicar hum eíFei- to bem delicado. PelToas ha que teftihcáo , que quando ouvem hum fom de algum cor- po fonoro 5 por iimples que feja elTe fom, percebem no ouvido huma efpecie de har- monia e eonlonancia , a qual náo pode ha- ver fenáo ajuntando-fe diverfos tons. Náo io em livros ( i ) , rnas aigumas pelicas tenho encontrado , que de íi o teftiíicáo : he preei- lo explicar eíte effeito , porque a fua expli- cação contem doutrina verdadeiramente ad- mirável. Tem-me enfinado a experiência , que nos inítrumcntos muíicos huma corda náo fó faz mover outra diitante , por eftar tem- ( t ) Boerlmv? , Tom. 4. Prxlea. Inllit. Med. Noilet, Ltçuas Fhjnq. Tom. 5. Tarde decima nona, 141 temperada no melmo rom , mas qiie move também as que eftáo em oitava, e quinta. Eug. IlTo me admira muiio ; porque contof- me ao aue me diiTeibs ha pouco , hunia corda de hum comprimento determinado e fem a eilender nem alirouxar mais do que eftá 5 náo pode ter íenáo hum tom ; porque iò pode ter huma determinada frequência de vibrações ; e ailim , fó quando as particulas do ar tiverem as vibrações , que pode rece- ber efta corda , fó então poderá tremer , e fó entáo pode foar ; com que parecia me , que nunca huma corda de hum tom podia excitar outra de outro tom. Thcod. Muito eftimo ver a voíía memori?. e argúcia j mas attendei-me. Quando huma cor- da eíii em oitava da outra , iá fabeis que em quanto huma faz duas vibrações , faz a outra fomente huma : fabei agora que náo obftanre ilTo , tocando-fe huma , treme a ou- tra ; fe fe toca a mais alta, reiponde a gra- ve : mas efta náo pôde acompanhar a corda aguda nas fuás vibrações , fenáo pondo-lhc o dedo no meio , e fazendo que tenha fó metade do comprimento. £11^. Aílím he , bem me lembro do que me diiTeftss , que para huma corda dar a oitava alta do tom em que eílá pcíh , baífa por, o dedo no meio , e tocar huma metade. Theod. Sabei pois , que lanto que fe toca a corda alta , treme a corda grave , dividin- do-fe pelo meio j ifto he , o ponto do .mei^ íica immovel , e treme cada metade de por 142- Recrcnção FíJofoflca íi ; e defte modo acompanha cada metade as vibrações da corda aguda. Silv. líTo he impoílivel ; fó vendo-o com meus olhos, crerei que iíío aíiim feja. Thccd. Eu vos confeíTo , que antes de o ver m.e não podia perfuadir ; mas vejamos fevos 'defenganais com os olhos. Eu niando buícar hum rabecão , porque as luas cordas , poi' grandes , tremem bem claramente. Na corda grave que cu digo , que fe reparte em duas , e que treme cada metade por fi , porei na meio hum bocadinho de papel , ou prende- rei huma linha , e porei outros papelinhos na mefma corda em diverfos fitios ; e vereis que tocando a corda aguda , que eftá em oi^ lava 5 o p>apel do meio fica immovel ; porém os outros 5 que eftâo fora do meio em qual-' quer outra parte , tocando a corda alta , tre- mem e faltáo fora ás vezes : deixai-me ir pondo os papelinhos ; eu os dobro , e po- nho como a cavallo na corda , para os ver- des faltar. Vede fe he aíTim ? . . . . Eug. He coufa pafmofa na verávAe. Silv. Ponde a« duas cordas diíTonantes a vef fe treme huma , ferindo a outra. Ihccd. Eu o ÍT.QO ; mas para ilTo bafta ver, que não tremem as outras cordas , que ficáo pelo meio. Ahi as tendes bem dilfonant^s: ■ ocai com o dedo huma, e com torça. Silv. A outra íica immovel. Th^od. Acabemos logo com as experiência? por huma vez , e depois difcorreren os fo- bre elbs : ponhamos numa corda em quint.i a Tarde decima nona. 143 5 refpeito da outra , vereis outra coufa neí^ te 2;enero ainda mais pafmofa. Tocareis a corda alta , e a corda grave fc repartirá em três partes, e cada Kuma delias tremerá por íi : o c]iie ie conhece pondo es pc-peiinhos nas divisões da corda grave ; ahi íicáo im- movsis 5 e pallando-os para qualquer ouiro lugar, tremem vifivelmente. Eu^. Eu as tempero em quinta : vejamos fc fiíccede como dizeis Tendes razão. Silv. Não ha coufa mais pafmofa. Vamos ago- ra á razáo. Theod. A razão he , porque , conforme diíT^- mos em feu lugar , quando as cordas tem eíla confonancia , tem nas vibrações propor- ção de dou» a três ; ifto he , em quanto a grave faz duas vibrações , a corda aguda faz três ; como a corda grave não pode acompa- nhar as vibrações da alta em todo o feu comprimento , parte-fe em três partes ; e tre- mendo cada huma por fi , faz huma oitava alta da corda aguda ; c fo defte modo a po- de acompanhar , pofto que não he perfeita- mente. Eug. E com effeito pondo 'nós duas cordas em quinta , fe tomarmos a terça parte da grave , dará oitava alta da aguda ? Theod. Infallivelmente , como moftra a expe- riência j e fe demonílra evidentemente. ( i ) ( I ) As vibrações são na razão inverfa dos com- primentos : logo em quanto a corda grave faz duas vibrações , a Tua terça parte fará féis : logo fe em quanto a corda grave faz duas vibrações, outra cor- da aguda faz três , fegue-fe que em quanto eila faz 144 Recreação FUofojicã Eug. Pergunto agora : E quando tocamos Ku' ma corda grave , treme também a outra qus ertá oitava aílima ? Thcod. Também : vedc-o na praxe. Temperai as cordas , e tocai-as. Eu^. Aflim he ; porem náo íei como podem humas vibraçóes largas , como sao as da cer- da grave j í^ue toquei com o dedo, náo fei , di-go 5 como podem fazer nefta corda alta vibrações, que sao muito mais frequentes. Theod. Eu digo como ilTo pôde íer. A partí- cula de ar tazendo vibração , para lá toca na corda, obedece ella, e reífitue-fe logo ; de forte , que em quanto a partícula de ar foi para lá ^ a corda foi e veio, e por caufa do elafterio da corda continuará em fazer o mefmo na fegunda vibração-: por efte modo quando *a particula de ar, depois de ir evir, faz a terceira vibração , e torna a ir para lá , • aclia a corda com as qustro vibrações acal^i- das , e fcm dirHculdade nenhuma a impelle outra vez para lá ; para onde , por caula do eiafterio que conferva o tremor , ella natu- ralmente iria j e deíle modo podem as vi- brações vagarofas da corda grave excitar hu- mas , que náo podem fer lenáo frequentes, cem tv^nto que fe ajuílem frequentemente ; fe náo for no fim de cada vibração como . he nas uniííonancias , ao menos no fim da fegunda, quarta, íexta, oitava, &c. de duas^ cm três, a terça parte da corda gnve í:z fe*s, que he a mefina proporqâo de huma a duas, que ha na oi- tava. Tarde decima nona. 145' em duas da corda aguda. Mas eíla matéria já enfada a Silvio , eu a concluo. Já vimos como as particulas de ar agitadas por hum corpo íbnoro , faziáo tremer as cordas , que eftaváo no mermo tom , e as que eflaváo em confonancia grande ; a que chamamos cordas cognatas ; e do mefmo modo podem excitar na membr^.na efpiral náo lo as libn s , que Gorreipondem em uniíTonancia ao tom cá de fora , mas também as outras cognatas , que eíHo em oitavas e quintas , e ailmi per- ceber-íe mui brandamente alguma coníonan- cia. Forem íempre me parece , que os tons que ie ouvirem de mais , hão de Ter para lima do verdadeiro , porque nas experiência? precedentes a corda grave que loa íem a to- carem 5 como partindo-ie , e faz vibrações miú- das , faz tom alço , e náo o feu próprio ; por tanto também na membrana eípiral as fibras qye fizerem tom novo , o faráo para íima do uniiíono. Eug. Eftas miudezas já sáo mui delicadas \ mas íempre he bom faber , ao menos eni conlufo 5 o que ha de admirável em nós meímos. Theod. O mais que ha que dizer no lentido de ouvir 5 que vos poílá Ter utíi , já o tenho uicn , fiáhiudo do tom, e confonancia . JomAW K ^.IL 146 Recreação Filofofica §. n. Do Sentido do Olfaão. Thsod. T^ Epois dos ouvidos fegiic-fe por J^boa ordem o Olfaclo. Teni havido qucftáo , ainda entre os Modernos , onde verdadeiramente efta o orgáo do Olfaclo. Eug. Pois náo alTentáo todos c]ue he o nariz? Silv. Eu tenho lido em bons Authores ( i )> que rigorofamente o orgáo , em que perce- bemos o cheiro , náo he o nariz ; porém o que os Anatómicos chamáo proceJTos mmnila^ res 3 que he huma parte de cérebro , que te- mos logo ailima do nariz ; porque na raiz do nariz temos hum oíTo á maneira de crivo com muitos buraquinhos , a que chamáo os tribrcfian , que quer dizer o do crivado , e por eftes buraquinhos pafía o cheiro para fe perceber nos procetTos mamiiares que dilTe. Thcod. Deda opiniáo sáer os antigos ; porem hoje alTenta-fe no contrario , cm que os chei- ros percebem-fe c fentem-fe dentro da cavi- dade do nariz , nhuma pelle que o torra por dentro , que chamáo membrana Pituitária. E por muitas razões fe impugna a opiniáo, que reíerio Silvio ; porque fe folTe ajíim , havianios de perceber os cheiros com os na- rizes tapados , abrindo Tómente a boca ; por- que como da boca ha huma larga communi- ca- ( I ) Galeno, Gazendo, e outros. Tarde decima nona, 147 c?.çáo para eíTe oíTo crivado , entrando o cheiro pela boca, e paliando por cíTes bura- quinhos , lubiria ao orgáo do oii-aòlo , que fi- ca por íima, c perceber-íb-hia o cheiro , o que he faifo certamente. lEu^\l. NiiTo náo ha duvida , porque com os narizes tapados ninguém já mais percebeo cheiro algum. Thcod. Além diíTo , eiTe oíTo crivado ^ que te- mos na raiz do nariz, por íima eítá forrado com hunía membrana , que ch?.máo dura ma- ter 5 e por baixo forra-ie com outra , que náo deixa paliar o cheiro lá para funa. Silv. NilTo «gora vos enganais vós ; porque o tabaco dizem muitos que paíía para íima por cííe tal oíTo ; e além diíío o humor excre- menticio , que lançamos pelos narizes , da c:.beça deíce , e paíía por eíle meimo lusar : por onde bem pode haver palTagem ao chei- ro p;:ra íima. Theod. NelTa opinião eítá o vulgo , mas he íalía : em quanto ao tabaco , certamente hc faifa j nem anatómico algum dirá o contra- rio i e no que toca a eíTe humor excremen- ticio , he também certo que procede de hu- mas glândulas , que temos abaixo delTe oíTo , e náo vem do cérebro, como julga o vulgo. Eiig. Suppoílo iíib , náo le pôde dizer que neiTes procelTos mamilares le percebem os cheiros. Theod. O próprio orgáo do olhiclo he nefb membrana Pituitária , porque por ella eítáo clpalhados os ramos do nervo , que pertcn- K ii ce 1 48 Recreação Fílofqfica ce a efte íentido ; e uuando vem de fera as partículas do cheiro próprias para os mover, fazem a im.prefsáo , que communicando-fe ao cérebro , excitáo na alma a percepção do cheiro. He couia aíTentada , que tocía a íen- façáo fe faz por imprefsáo nos ramcs dos nervos ; e como nefía membrana Pituitária fe acháo os que pertencem ao oiíaclo , ahi cftá o org?.o cefte fentido. Silv. E de que fer\'e aquelle oíTo crivado e cheio de buraquinhos , fe por ellcs não hz de paflar o cheiro para íima t Thcod. Serve para paliarem os ramos do pri- meiro par dos nervos , que tendo fua ori- gem no cérebro , pafsáo cá para a cavidade do nariz , para nelies fe formar a fenfaçáo. • Advirto 5 que além dos nervos que perten- cem ao primeiro par , ha alguns raminhos dos que pertencem ao quinto , que he o da lingua 3 e deí^e mefmo , outro rc.mo vai pa- ra a regiáó do peito : è daqui procedem vá- rios eiieitos do cheiro. Muitos cheiros for- tes nos fazem efpirrar, porque o efpirro he huma convulsão do peito ; e como alguns nervos , que fe efpalháo pelo olfaclo , sâo ra- mos daqueile mcimo , que vai ao peiío , ex- citado hum ramo pe'o cheiro forte , fe ex- cita também o outro , e remos o efpirro ( como melhor entendereis , quando tratar da relpiraçáo ) : por eíla mefma caufa alguns cheiros nos fazem vómitos ; porque tamoem ha communicaçáo entre os nervos, que fer- vem a hum, e outro miniílerio. §. IlL Tarde decwm nona. 149 §. III. Do Scnúdo do Gofto, Eug. T 7 Amos aos demais fentidos. QuQ me V dizeis do Tentido ào Goílo ? Thecd. Talvez vós , Eugénio , cuidareis que •o feu orgáo , ou a parte , em que Te perce- be o gofío da comida , que he a garganta. Eug. Por iíío hum guiolb deíejava ter pefco- ço de Ganço , para ter miais tempo em que le regalaíTe com a comida , que toiíe engo- lindo. Theod. Porem na verdade fó a lingua he o orgáo do gofto. A lingua haveis de íaber, que he hum mufculo , ou huma colkcçáo de hbras nervofas e mufculoías , que ora in- chando-fe , ora eftendendo-fe , fazem mudar a lingua em mil figuras , como a experiên- cia de cada hum lhe enfina. Porém eíta lin- gua le cobre com três pelles ou membranas : a primeira , e mais exterior he mui poroia e iubtii ; legue-íe a fegunda , a qual he á maneira de rede, cheia de buraquinhos , pe- los quaes fahem as extremidades das fibras nerveas , de que fe compõe a terceira pelle , e mais interior da lingua : eftas extremida- des das fibras nerveas Ghem pelos bura- quinhos da Tegunda membrana de m.anei- ra que formão humias com.o pyramides mui ■ pequenas 5 mas bem fenfiveis^ que temo5 ef- p.v ijo Recreação Filofofica palhòdas pela parte fuperior da lingua , e vcm-''c bem com es olhos , efpecialmcnre €nxi]gando-a primeiro com him^ p'!Tno \ po- rém para defender eítas fibras ncrveas da af- pereza de alguma comida lecca , ou azeda, aifpoz o Author da natureza , que a ultima , e exterior membrana as cubriíTe , formando como humas bainhas , e capas a cada huma deitas pyramides, as quacs pelas extremida- des 5 e ponra da iingua são mais frequentes que pelo meio. Eug. E qual deíTas três membranas dizeis vos que he o orgio , cm que fe percebe o fa- Dor da comida ? Thcod. Eu digo com a communiíTima fenten- ça 5 que sáo eífas íibras nerveas da terceira £e!le 5 e mais interior. A razão he , porque ló nos ramos dos ner\'08 , que váo dar ao cérebro , he que fe forma a impreisáo , ou fenlaçáo de qualquer íentido ; c viílvelmente moílra a Anatomia , que eftas taes fibras , de que fe tece a mais interior m.embrrna , sáo ramos do quinto par de nervos , de que fal* laremos cm leu lugar. íT/Vv. Mas reparo , que como cfTas fibras ef* táo cubertas com a pcile exterior da Iingua , náo toca nellas a comida , e aííim náo pode perceber o íribor que c!la tem. TheOil. Vós , Silvio , quando tendes as luvas calçadas, trstais muitXiS coufas com as máos , e fabeis mui bem no que pegais , náo ob- ftanre náo tocardes com as mãos immediata- rnente nenhuma coufa deíTas , porque o mo^ vi- Tarde decima nona. 15'! vímen^o ou refiftencia ( em que vem a parar tudo o que he impreísão ) também fe com- rnunica mediante os corpos , que não sáo mui groíTos. Suppofto iito , não vos haveis de admirar de que a través da pellc exterior da lingua , que he mui delicada , e porosa , fe comm.unique a impreisáo das particulas àà comida ás libras nerveas , que eíláo como calçadas de luvas , e rodeadas da membrana ultima. Além de que , como efta pelle he mui poro ia , e as particulas da comida le dilTolvem muito com a faliva , podem im- mediatamente tocar nas fibras nerveas j mas iilo certamente náo he necelTario. £"//e. Náo percebo bem ilTo , que a2;ora dif- í"cil:es de paíTagem , que a ialiva diííolvia as particulas da comida. Thcod. Náo cuideis vós , Eugénio , que a fa- liva he hum huiitor inútil , e íuperfluo , he mui necelTario para principiar a digelHo da comida , e perceber-le o ieu fabor. Por efta razão a lingua eftando mui fecca , fe o co- mer rambem o eíiiver , diíricultolamente fe percebe o fabor da comida, Siív. Talvez para iíTo dco Deos os dentes , para que maíiigando o comer , o puzeílenws em eítado de poder a faliva , que fem dúvi- da he dilíolvente , principiar a digeftáo da comida. Tbeod. E náo fo he conducente para a digef- • táo , de que íallaremos a feu rempo , mas para que ?s particulas , em que confifte a í^ualidade do fabor (como dilíemos em ieu lu- ifi Recreação Vilofojica lugar) 5 pudelTem com a uia figura arpera, ou fucive fazer a imprersáo devida íbbre as fibríis nerveps do paladar. 'Eug, Por eíte dilcurfo venho no conhecimen- to , que no eco da boca náo íe percebe o fabor. Tbcod. E dizeis bem , pois fó a lingua tem eftas fibras nen^eas , em que fe faz a devida imprefsáo , eipecialmente para a ponta , a }Dc:ra a n-iz. O Grande Boerhaave ( i ) ob- íervou , que nos famintos eftaváo eftas fibras nerveas muito mais fahidas para fora ; e por cfta caufa os que tem tomie percebem muito m:'is que os outros o fabor da comida , por- que podem as particulas do comer fazer ma- ior imprefsáo nas fibras , que eftáo mais fa- hidas. 'Eiig. E como explicais vós o faftio r Thcod. Ella matéria m:«tis pertence a Silvio : porém eu como Fiiofcfo em termos ^eraes, digo , que com a enfermidade fc pode ou en-^roffir a pelle de fora, e defte modo pcr- ceber-le mui pouco ou nada o fabor da co- mida ; ou pode por qualquer outro modo permrbar-fe adifpoíiçáo deitas fibras nerveas , e das membranas fuperiores , que náo fique o orgáo capaz de lhe fazer a coftumada im- prelsáo o comer. Também nos humores , que nutrem eftas micmbranas , e na laliva póde haver mudança , que faça mudar o fa^ bor á comida ; per illb nuns fe queixáo que tudo lhes fabe a lama , ou a ferro , ou que tu- { I } Tom. IV'. Inílit. Medic. num. 485. Túvde decima r.ona, 1 5* 3 tildo eftá falgíido. Emfim nhuma prl-vra, da diverfa difporiçáo das abras , e dos hu- mores 5 que ha na lingua , procede que hu- mas vezes goftemos de humas çouliis , de íjue antes não goftavamos , outras cobremos aborrecimento ao que nos dava grande gof- to ; porque emíim da figura das partículas da comida 5 e da difpoíiçào das fibras nerveas he que depende ler a impreísáo que nelias faz o comer , grata ou ingrata. O mais qv.e aqui fe pode delejar faber pertence i profii"- sáo de Silvio. Silv. A mm. íó m.e pertence conhecer pela cor da lingua , e pela iu^. leccura as circira- ílancias da enfermidade , qr.e íempre he huni grande indcx da miOleitia interna. §. IV. Do Sentido do Taclo. Eiig, T) Eparo que me não dizeis nada da í\ língua como orgáo da voz com que t;:llamos. TÍKod. Como por agora rallo dos finco fenti- dos externos , não quero mãílurar o que não he aclo de íeníaçáo ; logo tallarenios d;iTo : paílemos ?.o Ta»:l:o. Eiig. Ahi pouco ha de haver que dizer , ie me náo engano. Thccd. Náo ha tão pouco como vos parece ; mas náo perdendo tempo, haveis de laber, que 15' 4 Recreação Filofofica <]ue per todo o corpo fe eílendem duas niembnmas , a que chamáo cútis , e cuiiaila ; a que he exterior chama-fe cii-icul^ , a ou- tra he mais interior ; por entre huma e ou- tra ha huma rede cutânea defcuberta pelo grande A^íalp^ghio , aqnal eílá cheia de mui- tos buraquinhos^ e dá paíTagem por ellcs aos cabellinhos que temos na pelle , os qures tem a lua raiz na r« /V , e também dá paíTa- gem. ás excremidc^des das librr-s nerveas , de que he em grande parte comporta a cu is , c íl\íiem por entre cfta rede até á cu^iculã, Alérr. diíTo os vafos , por onde fahe o fuor , também áMt a cucis vem pelos buraqui- nhos defta rede á cutícula exterior. Eíle cor- po á maneira de rede , que medeia entre a cútis, e cutícula , conforme as obfervaçóej do Heiftero ( i ) , he a caufa da diverfidade de cores , que ha entre os da Europa e Ne- gros da Africa j porque nos Negros eíla tal rede , que tem por fima da cútis , he myi ne- gra , ainda que a cútis he miUi branca ; e talvez que }X)r ilTo , quando nafcem , tem huma cór esbranquiçada , por fer ainda mui delicada a tal rede preta que tem por fima. Eug, Agora percebo eu a razão , por que o$ lilhos de Negro e Negra ainda nafcidos na Europa são negros ; porque aílim como os fii,':0s herdáo dos pais o efpecial feitio do nariz ou olhos v. g. , também herdáo a grof- fura , e dirpoi''Çáo d^^íla tal rede cutânea, da qual na;ce a cór preta. Silv. ( I ) Gompend, Anaí, num. 197, Tarde ãecwm -uoua, isT Sih. Mas o que me admira he, que queren- do atcribuir illò á efpecial dirpofiçáo dos ór- gãos 5 que íe communica depois ?ios íilhos , náo devemos attender aos climas ; e entáo quem nos ha de dar a razão , por que os Europeos todos são brancos , os de Guine todos pretos , os da America trigueiros , &c. Th^od. He queftáo eil:a , em que difcorro por coniecluras.' Eu aíTento , que alEm como os climas por caufa do ar , e dos alimentos fa- zem que huns povos ordinarir.m.ente ÍCjio forres , outros fracos , huns coléricos , outros fleumaricos , hur.s fadios , curros achacados , huns regularmente altos , outros ordinaria- mente pequenos ; aíiim poJem fazer que huns tenháo a rede cutiinea mais groiu , ou- tros mais delicada , huns mais tapada , outros mais tranfparente ; e defta differença pode groceder a diverla cor deíía rede , e por con- íeguinte huns poderáò fer mui claros com.o os Alemães e Hollnndezes , outros menos claros como os Hefpanhoes regubrm.ente , outros pálidos como os Aíiaticos , outros ei- cures como os Americanos , outros emfim negros como os de Angola ou Guine. Po- rém não havemos de afientar, que íó o cli- ma bafta para nhuma geração fazer eítes el- feiíos 5 íenáo que pouco a pouco , mediando muitas gerações , o clima , e a propagação váo fazendo hereditárias nos filhos as quali- dades que o clima kz accidentaes nos pais. Por iíTo he penbm.ento de alguns , que íe na Europa náo fe miítural:em negros com bran- ijó Recreação FUofofica brancos nas gerações , em C|iiatro ou llnco gerações poderiào talvez perder os negros a cor hereJiraria das Tuas rerras. Sílv. lilo fera hcil de conhecer com a expe- riência que he fairo j pois teremos em Lis- boa muitos Negros , que contem na Europa quatro ou finco gerações antecedentes , Tem perderem a cor preta de íeus avós. 'Eu^. Ijío he mais diriicultoTo de averiguar do que vós dizeis ; porque quatro gerações im- pe rtáo trinta afcendentes , c linco impo rtáo leíTen.ta e dous : ora como he pofíivel que huma criança conte trinta ou felTenta alcen- dentes todos na Europa , Icm que algum delles foíle branco por Icus alcendentes ? Pois para provar que o clima fó ( não le n-iítur..ndo Irngue de Branco) náo he bal- líinte para dar cor branca em qur.tro gerações ou iiULO , era precifc efta experiência. Thcod. Elb doutrina he dita de paíil-gem , nem eu tenho averiguado o ponto cem ma- dureza. \'ani0s ao que nos pertence , que he laber qual feja o orgáo do Tacto. Hoje alTentáo os Modernos , que o orgáo em que • fe percebe a imprefsáo dos corpos exterio- res são as fibras nerveas da cuds , que traf- pafsáo a rede cut:inea , e váo até á cutícula , . p^orque toda a Jeniaçáo Te faz nas extremi- dade- dos nervos , pelos quaes fe poffa com- municar ao cérebro ; e eílas tibras que o Mal- j'i^hio defcubrio efir.r.do immediatas debai- xo da cutícula , podem perceber qualquer . a/Tecção dos corpos exteriores , a fua ajpe- re- Tarde decima nona, 15^7 reza , lifura , calor , frio , &c. Demais , que naoueiles lugares, em C|U2 sío mais fr .^quen- tes eftas fibras , como por exemplo nas pal- mas das máos , nas íoías dos pés , &:c. he o ientido do Taclo mui vivo : por oiura parte naquelles lugares , em que a cuticula eitá mui groiTa e calejada com o trabalho ou ca- los 5 náo ha quafi nenhuma íenlaçáo , por- que as fibras nerveas eitáo mui cubertas , c náo chega lá a impreísão leve dos corpos exteriores. Eu^. Tenho reparado , que conforme a eíTà doutrina , ha hum grande parentefco e fe- melhança entre o TaC^o , e o pcádar. Silv. ]á Ariftoteles diOe , que o goílo era huma efpecie de taclo : no gofto ha fabon doce e azedo , e no tadlo ha dor e confola- çáo , tudo produzido pelas qualidades pro- porcionadas 5 que tem os corpos ; que eu ní» concordo que a figura das particulas aílim ou ailim íeja a caufa das diverfas íenfaçóes. Theod. No que toca ao fentido do gouo j.í cm leu lugar ficou tratado elTe ponto : no que pertence ao Tadlo , bem fe vè que a mão roçando por hum corpo brando ou li- zo 5 náo fe ha de moleitar do modo que fe molefta , quando roça pela lixa ou por huma lima i e ilto fem íer neceilario por na lim.a qualidade alguma WGÍíiiativa do Taflo , nem no veludo oucra qualidade confola:iva: (s3o palavras cá maneira daquellas , de que vós ufais nas eicolas. ) Silv. Ahi bem le ye , que fo 23 diverte fi- ifS Recreação Filofcfica §iir?.s 5 e afpereza das parriculas podem fa- zer eíTes effeitos. Thecd. Pois enráo porque náo poderáó as di- vcrías figuras das partículas , e os feus di- veríos movimentos fazer em nós humas ve- zes a ieníeiçáo de mole , outras a de duro ,. a de húmido , fecco y quente , frio , &c. De- mais , que para caufar dor nos membros , náo fie precik) mais que caufar-lhe hum mo- vimento fone , e violento ; para o que náo hc precifo mais que attender ao movimen- to 5 e connguraçáo das partículas : lov^o tam- bém para qualquer outrA {"eniaçáo ; pois a diferença da dor a qualquer fenfaçáo diíFere fecundo mais, c menos. Fag, O coçar levemente a mão faz huma fen- laçáo aj;radavei ; porém arranhalia violenta- mente 5 fez grande dor. Síh\ A dor 5 coníomie huma opinião que eu tenlio lido , náo he fenáo huma fenfaçáo de divísáo ; de forte que fó quando fe quebráo nl;^umas fibras , ou fe feparao , he que remos der: por iifo nos doe tanto a fangria , por- t]ue fe feparáo , e córtáo muitas fibras. ITheod. Ho)e eilã opinião he commummente rejeitada ; porque baífa que as fibras nerveas loífráo hunia imprelsáo violenta , para eíia Jhe fer defagradavei , ainda que náo haja aqui fibras , que fe feparem ou quebrem. Forem ainda vos náo dilíe , Eugénio , como le communica a do»" ao cérebro defde o Icí- gc.r, em que fe dá a pancada , por quanto laivez que Silvio náo concorde comigo. Silv. Tarde decima noua^ 15' 9 Sih. Pois 411G I quando me moleuáo hum pé , credes feriamente que a dor vai ao cé- rebro I então havia de doer-me a cabeça , e não o pé. Th ed. A dor principia no pé , porém verda- deiramente ío na cabeça a fentimos : e pro- va-fe com evidencia j porque em cortando ou ligando fortemente o nervo , que vai dac a hum membro , perde eíTe membro toda a fenfação , como teftifica o volTo Galeno. Refpondei-me : Quando nas parlezias ou a- poplexias 5 ou qualquer accidente perde hum nomem o lentimento de huma parte , qual he a razáo porque maleiiando muito os pés com agua fervendo , ou iangrando-os , ou fazendo-lhes outras dores , nada fente o ho- mem ? fenáo porque eUando embaraçada a commAinicaçáo dos nervos , que váo ÒQiàt o pé até o cérebro , náo pode a alma na cabe- ça fencir a fangria que fe dá no pé. Silv. Neíle cafo também o pé perdeo o fen- ti mento , e por iíTo náo fente. TÍKod. Vós náo me haveis de dizer , que 2 moleítia nefta occalláo eftá nos pés j porque entáo também a elles fe havia de appiicar o remédio : a molefti.i eílá vizinlia ao cére- bro , e por ilTo vós mandais neftes caios iar- jar na nuca , fangrar na tefta , botar bich.i^ por toda a cabeça , ècc. , c fò ^Çtc-i remediou tazem efFeitos i e entáo todo o corpo e and i os pés experimentáo melhoria ; porque dwf- embaraçada a paiTagem dos nervos , qualquer imprclsío que fe faça na paicc inrerior , íc tfom- léo Recreação Fílofofica communica loe;o ao cere! ro , o qne não fiic- ce^^ia anre?. Deíle modo fe explica b:!!a- íTiente como apertarrdo eom grande força hi:m braço , o reílo que fica entre a ligadu- ra e a extremidade , fica com a lenlaçáo mui diminuta ; porque a ligadura forte alíim como prohibe a communicaçáo do movi- mento por veias e artérias , allim também a diminue , e embaraça de algum miodo pelos nervos. Ora fuppcíla efta doutrina , corre de plano a explicação de alguns effeitos , que todos fabemos. Quando dormimos , dimi- nue-fe muito a íeniaçáo da ta^^-to , e alguns tem o fomno tão pezado , que náo knteni movimentos mui violentos ; porque no fom- no náo fe communica láo hcilmente ao cé- rebro a imprefsáo do fentido externo. Silv. Ainda náo me poiTo aquietar : de forre que vós tendes no pe o orgáo da fenfaçáo expedito , eflá ahi a alma prompta para ien- rir 5 que mais quereis pan. a fenfaçáo fe fa- zer neJe mefmo mem.bro ? Ihecd. Quero que fe ahi fe faz a fenfaçáo , todas as vezes que fe confervar eiTe me.m- bro ??.o 5 ainda que teiiháo oualquer emioara- ço ou G cérebro , ou o nervo , que conimu- niCa eiTe m.embro cera o cérebro , náo (c perca a feníaçáo ; e nós vemios que náo fuccede allim : baíb o fomnó ^ orr qual- quer pancada forte, na cabeça , bafta a at- tençáo vehem.ente da aima a outro ob]e- cio JiveriG , para já náo ie::r,rmos o que fuccede ia no pé. O Grande Boerhaave diz 0) Tatíle ãecma ncfid, t(>t (1)5 Giie fe introduzirem duas onças de a^ua no cérebro de hum homem , Tem mais diligencia, faráo que eíl:e homem nem finra a dor vehementiilima da queimadura , nem o eilrondo de huma peça de artiiheria : lo- go fe confervando-le o pé sáo , náo fenti- mos a dor nelle , cerco fica que neile fe náo faz a dor, nem outra fenfaçáo. Eiig. Para mim ainda he mais forte o argu* mento do nen-o atado , que faz perder para logo toda a fenfaçáo no membro a que pertence. Theod. Adverti nhuma circunftancia , que fe defatáo o nervo , e o banháo com agua té- pida , torna a haver fenfaçáo j o que náo fuccederra fe o membro náo hcaile são no tempo da ligadura. ( 2 ) Silv. Tudo iito sáo quimeras : Quem jamais fc perfuadio , que nos náo vemos com os olhos , que náo ouvimos com os ouvidos ^ &c. , pois ifto ha de confelíar necelTaria- mentc quem dilfer que nós náo fentimos com as mãos , e os demais membros , mas fó com o cérebro. Theod. Devagar , Silvio , não conflindais j eu digo , que nós ailim como vemos com os olhos , aíKm fentimos com as máos, Scc. ; porém em nós a feniaçáo da vifta náo fe faz fó nos olhos , principia na retina , e acaba no cérebro ; daqui procede , que fe a alma eílá fortemente applicada a outra coufa, ain- Tom. IV. L da ( I ) Tom. 4. Inílit. Medlc. Prselecíl. num. ç6?. ( 2 ) Tom, 2. Pfiçicí^. i-n Inílitut. Medic. nuw. 2S4» j6z Recreação Filofojica da com os olhos iibertos náo vemos ; coma náo ouvimos , riem vemos , fe o cérebro fe embaraça. Porém dizcm.os que vemos pelos olhos , ouvimos pelos ouvidos , Scc. , porque por eíles íentiJos externos nos cntráo as im- preísóes , que levadas ao cérebro , excitào a alma para formar as percepções , que sáo a fenfaçáo : o mefmo digo do íeiícido do taclo, *r/7v. Eu que aperto eíte dedo , eílou ien rin- do a dor aqui mefmo no dedo , e a cabeça náo me doe. Crede o que quizcrdes , que eu creio que me doe eíte dedo em quanto o aperto, Theod. A alma excitada pela imprefsáo do cérebro , refere a dor ao membro offendido j mas daqui náo fe feguc , que a alnia fentc perfeitamente no dedo. Áiimi como a alm.a refere o ob]ecio , que vê ora a hum lugar, ora a outro , e a alma náo eílá neíTes lufa- res , mas cá na cabeça ; e conforme a im- prefsáo que a excita , refere humas vezes a efte lugar, outras vezes cáquelle ;, o principio delTa imprefsáo , que foi o ob;c61o : pois do mefmo modo , a alma no cérebro conforme a impretsáo que recebe , refere elTa impref- sáo numas vezes ao pé , ourras ao decio da máo , &c. ; c alíim como levados da vifta , logo acudimos ao lugar do objeck) ; aííim levados da imprefsáo do taclo , logo acudi- mos ao dedo , ou qualquer parte , a que re- ferimos a dor que kntimos na cr.beça, por- q.ie principiou no memxbro externo a im- preisáo. Silv. Tarde decima nona, 16^ Silv. E quem ha de levar agora eíTa irripref- sáo defcis o pé lá ao cérebro ? Eug. Se me náo engano 5 vós , Theodoíio , já me diileftes , que os nervos eílaváo cheios de efpiritos animaes ; eíles íupponho que communicáo a imprefsáo ao cérebro. Theod. Alguns quizeráo que pelos nervos fe communicaíTe a íeniaçáo ao cérebro , aflim como o toque no fim de huma corda mufica fe communica por toda ella ; talvez parecen- do-lhe que os nervos eráo hum corpo maf- íiço , e que náo tinha liquido dentro como tem as veias e artérias. Porém ( como ad- verte o Boerhaave ) náo dii*correm bem ; pri- mciramiCnte porque as cordas dos inftrumen- los muficos eiláo tezas e ieparadas de tocar noutros corpos, e por ilTo tremem em todo o feu comprimento , ferindo-as em qualquer lugar ; mas íe huma deftas mefmas cord.-s a largarmos frouxa , e embrulharmos com ou- tros corpos , náo ha de foar , nem por ella fe ha de communicar o movimento : logo também fe náo ha de comm.unicar deíle mo- do pelos nervos , que eítáo frouxos e enter- rados pela carne. Além dilTo , os nervos af- fim he que sáo táo íubtis , que fe lhes náo vè concavidade oca por dentro ; porém, o que a experiência nos enfma no movimento ãos mui'^culos 5 nos obriga a crer que eítáo cheios de eíriritos animaes , que fe movem por dentro delles ; pois ligando o nen^o que vai dar ao mufculo , elle fe náo enche : ora eftes efpiritos animaes sáo fubtilillimos , e L ii cor- 164 Recreação Filofofca cortado o nen-o , facilmente voão e deíap-- Farecem , antes de os podermos obíervar* or tanro dando Iiuma pançuda ou moieílan' do o pé 5 ?^ fibras nervcas que foíFrèráo a -impreísáo , são commovidas violentamente, e lambem os erpiritos animaes , que tem dentro em fi , e por caufa da íua agilidade fcr pode efte movimento communicar a to- dos os que dahi váo ate o cérebro , e lá fa- rão a fua impreísáo ; e tudo iíl:o em hum momento fe faz , por ilTo náo tarda tempo em meio depois que moleftáráo o pé , e nós o íenrimo?. «5*z7v. Ora bem ; concordarei comvofco a fol- tares-me eíte argumento. Como todos os ra- mos das veias fe entroncáo nhuma , antes que cheguem ao coração , aííim creio eu que todos elTes raminhos de nervos fe hão de entroncar em poucos troncos , anics que cheguem ao cérebro. Suppofto ifto , quando me molefrr.lTem o pé direito mui facilmente poderia eu acudir á mão efquerda , cuidando que cila tinha fido a oííendida: eu o provo. O fangue que vem do pé direito , antes que chegue ao coração , miílura-fe com o que vem do efqucrdo ; por ilfo {c foíTe inficio- nado fó o de hum pé , quem eftiveífe no coração não poderia faber onde eílava o mal , porque todo o fangue chegava lá mif- turc^do : o mefmo digo dos eípiritos ani- maes : que importa que os eípiritos , que correipondem ao pé direito , tenhão huma commoçáo forte e violenta ^ fe poucos paf- los Tarde decima nona, 16^ fos andados , entroncando-íe elfe nervo com outro que vem da mão , v. g. , le mifturáo de tal íorte 03 efpiritos animaes , que che- gando ao cérebro , não fe labe onde toi a commoção. Parece-vos bem eita doutrina , Eugénio 1 Ora, Theocoílo , crede que vós os Modernos dizeis muicas coufas , que íe crè allim por opinião , e que íinceramente viil:as são humas ridicularias. Eug. Vós agora me parece que tendes razão. TÍKod. Aúim me parece a mim ás vezes , e mais erigano-me j como também agora vos enganais. Silvio , haveis de íaber , que os raminhos dos nervos íim fe entroicáo , mas nâo he do meímo m.odo que as veias ; por- que nas veias de dous canaes fe faz hum maior, mas nos nervos náo : as libras, que vâo a diverios membros, enironcáo-íe enfei- xando-ie. humas com outras , m.as não fe faz hum duelo commum ás duas : fuccede o mefmo que vemos em hum m.ólho de jun- co , em que cada hum tem feus dudlos par- ticulares 5 que fobre fi fe conferváo , quer os ajunrem em^ hum molho , quer os dei- xem efpalhados ; e aílim não fe confunde o movimento dcs nervos de hum dedo cem os do outro dedo ^ e por ilTo ainda nos tron- cos grandes náo achamos cavidade fenfivel por dentro , porque he hum.a grande collec- çáo de fibras tenuiMimas ; e ccmo cada hu- ma chega ao cérebro defde a extrem.idade onde te termina _, fem communicar com ou- tra, cada qual faz no cérebro imprefsáo di- ver- i66 Recreação Filorqfica verfa de cada huma das outras. Bu^. Já me dou por convencido , Silvio. Sth. Sois bom de contentar. Theod. He o que me baila para o prefente intento , em que attendo á Tua inítrucçáo. Mds agora quero contar-vos o que ouvi a huma pelToa digna de fé ; ( e já achei dous Ciifos lemcihanres , hum no grande Des-Car- tes , outro no Fortunato de Brixia) afRrm.a- va efta pelToa ter Fallado com hum homem , a q'iem tinháo cortado huma perna , e que cm certas occafióes de Lua lhe dohia a per- na que lhe faltava, como fe verdadeiramen- te a tivelTe. Papecerá ifto coufi impoliivel , mas pôde acontecer mui facilmente. IMós fa- bemos , que os nervos que fervem á fenfa- çáo da pema do joelho para baixo , fc en- tranha© pela carne dentro , e vão continuan- do pela coxa allima , e pelo tronco até cá ca- beça j cortada a perna pelo joelho , lá íicáo cfíes nervos na parte que vai do joelho para finia : como ficao no interior da carne, náo ficáo expoftos a imprcfsáo dos corpos exter- nos j porém náo le livrarão de algum hu- mor , que por alguma caufa os viiifique e fc;ça alguma commoçáo ; e nefle cafo como eiTe homem coílumava referir elTa fenfaçáo ao pé , excitando-fe-lhe agora a mefma fen- íuçáo , doer-lhe-ha o pé que já náo tem , como fe o tivera : aílim com.o quando olha- mos; para hum efpelho eftamos vendo o ob- jecto , que remos atrás das coftas , como fe o tiveíTemos defronte j porque as fibras da Tarde decima nona, i6j retina do mefmo modo fe excit5.o , que fe excicariáo , no caio que cftiveíle o objeclo fronteiro a nós. Silv. Ainda aiíim não creio o cafo , com vof- ía licença. Theod. Xem eu empenho nelle a minha fé. Eug. Mas no cafo que alIim folTe , podia ter aquella caufa. Silv. Segundo os princípios de TheodoHo , fim. Thcod. Tenho-me demorado muito nos fcnti- dos externos em particular , tiremos agora huma doutrina geral para toda a fenfaçáo. Temos primeiramente , que toda fe principia a fazer no orgáo externo , e que fe ccmmu- nica a impreísâo dellc ao cérebro , e ahi fe aperfeiçoa a feníaçáo. £/;/. E de que modo ? Theod. Eu o digo. A nolTa alma racional he a que fenre , va'endo-fe dos órgãos corpó- reos como de inftrumentcs , porque cila fcnfa:ão he huma percepção da alma excita- da 5 'não immediatamr.riT pela imiprefs.to do fiiiúdo ex^cnw y mas peia ímpnf.ão , cu vcf- tigio do cérebro. E prcva-íe , porque cm quan- to náo ha no cérebro efta impreisáo , náo fentimcs , pois náo he excitada a alma ; mas fe ha no cérebro a impreisáo , e a alma com toda a força fe applica a outro cbjedo , náo fente , como fuccede nos extafis , e quando cílamcs forteme*are embebidos ( como di- zem) em alguma coula de goífo , que náo tomamos fentido no que nos dizem , ou paf- ié8 Recreação Filofòjlca paíla por diante dos olhos : ncftes cafos nio Ke b ftante a imprefsáo para excitar a almj a q-.ie íórme a percepção do obiecto. Além dilío, fenáo havendo já a imprefslo no íen- tido cxrerno , o veítigio que fe conrer\'a no cérebro torna a excitar a alma , ( como fuc- cs.-^e nos fonhos) torna a alm.a a fentir cO' mo E.zia 5 Quanâo o obje^lo eftava prefen- te : logo toda a fenfaçáo náo he outra cou- fa fenio huma percepção da alma , excitada peia imprefsáo , que veio dos fcntidos extct' nos , e eftá no cérebro. Porém para me en- tenderdes melhor , he preciib tratar dos Ten' tidos internos e outras coufas , que tenho determinado tratar eíla tarde. §. V. Jjos Sentidos internos , onde fe ir ata da Memoria. ^^ò- T7 QP'*^^os fentidos internos temos jj nós ? Theod. Nas elcolas coílumáo diftinguir mui- tos : o primeiro chc.máo fentido ccnmum , cujo ofRcio he receber as impreísóes de to- dos os fentidos externos , e ajuntar v. g. a fenfaçáo da brancura com a do fc^bcr doce , para julgarmos que o mefmo aíTucar he do- ce 5 e branco. O fcgundo chamáo Imagina- tiva 5 que he a virtude que lemos para nos pintar a nós mcfmcs os objedos aufentcs, CO- Tarde decima nona, i Ó9 como fe roílem preientes. O terceiro cha- máo fainafía , e dizem gue uíamos delia, quando ajuntamos imprersões, que nunca ia ajuntarão ; como por exemplo , quando un- gimos hum monte de diamante , que he coLiía que nunca vimos ; porem a eípecic que temos de monte , ajuntamo-la com a ef- pecie de diamante , e hca hum diamante do tamanho de hum monte. O quarto Tentido chamáo Memoria , e com. ella nos repreíen- tamos os objectos já conhecidos. Emnm o quinto chamáo /:/r/?fj^'iv^z 5 e dizem que com elie conhecemos coufas , que não eíl:áo íu- jeitas aos fentidos externos , como por exem- plo a amizade , a decência , a bondade , a malicia , que são coufas que náo tem cor, para ferem objeíio dos olhos , nem labor, para ferem obje^flo do gofto , òcc. Eug. Mas que dizeis vós de tudo iiTo^ Th.od. Eu digo 5 que em nós ha pod^r para fazer todas cilas reprefentaçóes ; porém que tudo líTo pode fer a mefma alma , valendo- fe como de infcrumentos dos cfpiritos ani- mães , e da Mcmcria material. Kós temos no cérebro duas caftas de fiibftancia , huma he mais exterior, e cor de cinza, outra he mais interior e branca ; e temos neíla fub- ítancia hum lugar , donde partem as origens dos nervos , tanto os que vão aos feniidos externos , como os que vão aos mufcuios para os movimentos. Ori neíle fitio he que nós com alguma verifemielhança devemos por o orgáo do fentido interno ; porque as inv 170 Recreação Filofofica imprefsóes dos fentidos cxremos hão de rc- ceber-íe , e aiuntar-ie no lugar , onde íe rcr- minco os nervos qne de lá vem , do melmo modo o principio do movimento dos mem- bros ha de naícer daquel!e lugar . donde naf- cem os nervos , que obráo eiTes movimen- tos. Or?. como as diverfas imprelsóes dos fenridos sáo cauía dos m.ovimenios , muitas vezes indeiiberados , c como o kntido inter- no he o inilrumenro , com o qual a alma fe faz fabedora do que paiTa lá f6ra nos fenti- dos exteriores , para determinar o que háo de fazer os membros , crivei hc que nelle lugar, donde partem todos os nervos, u- ma percepção , ou aéfo , com que conhece o ODJeclo já conhecido , que ifto he lem- brar-fe : pofto que efte fegundo conhecimen- to , ou lembrança , ordinariamenie he mais fraco do que quando he excitado por aclual fenfaçáo do objeclo. \'amos a explicar o Somno 5 a \^igilia , e os Sonhos do homem. §. VI. X)o Somno , da Vigília , dos Sonhos ^ e Delirias, Eug. \ Muito eftá obrigado o Filofofo Na- l\ tural : nunca me pareceo que eften- ò&i[e a tantas partes os feus braços a Filo- foíia. Thcod. Todo o que he corpo nos pertence, c de tudo deve o verdadeiro Filolofo bul- car a caufa , em quanto pode. Silv. Em que dizeis vós , que eftá o Somno ? Tbcod. Dizem commummente , que confiftô na quietação dos efpiritos animaes dentro dos nervos. Efta quietação nalce de duas caufas 5 ou da fua penúria , e ferem tão pou- cos , que não fazem força a movçr-fc , ou de algum embaraço que tem para fe move- rem pelos nervos dos fentidos , c m.embros ; c dou logo a razão ; porque nós fabcmos, que Tarde decima nona. 185' que com o fomno fe debilitáo mniro todas as fenfaçóes dos fentidos externos: logo no tempo do Tomno ha de haver tal ou qual embaraço para eftas fenfaçóes ; do mefmo modo , no tempo do fomno , fallando regu- larmente , náo ha movimento nos noiiòs membros : logo também ha algum embaraço para eíTes movimentos. Ora nós bem vemos , que eile embaraço náo eftá nem nos fenti- dos externos , cuja difpoílçáo , e eftruclura náo tem mudança ; nem também ha impe- dimento para o movimento nos membros, que fe háo de mover. DaquJ fe infere, que o impedimento eftá lá dentro , e he no cé- rebro , ou nos efpiritos animaes , que leváo as imprefsóes dos fentidos ao cérebro , e tra- zem a determinação para o movimento , def- de o cérebro até os muiculos dos membros , que fe háo de mover. Portanto fe os efpiri- tos tiverem qualquer encalhe nos nervos , já fe náo podem mover com a antiga facilida- de ; e nem levaráó as imprefsóes dos fenti- dos ao cérebro , nem caufaráó movimento nos membros. O mefmo ha de acontecer , quando os efpiritos forem mui poucos , e por ilTo mais facilmente fe aquietáo. Por ef- te modo facilmente explico as principaes cir- cunftancias , que obiervamos no fomno. Quando elle nos opprime com força , fe- cháo-fe os olhos , pende a cabeça , efpalha-fe pelos membros todos huma froxidáo com que ficáo languidos ; cahem os braços , náo ouvimos o que fe diz , nem amda fcntimos os i8ó Recreação Filofqfíca os objeclos que nos tocáo , fe náo he com violência : e a razão de tudo ilto he , por- que para nos coní errarmos com a cabeça levantada , e os membros em acção vital , ne precifo trabalharem continuamente os muf- culos , os quaes (como vos direi á manhã, ou o outro dia) fó trabalhão quando os ef- piritos animaes defde o cérebro difcorrem pelos nervos com força , e vão encher efles mulculcs , em que íe terminão os nervos. Portanto qualquer caufa , que diminua os efpiritos 5 ou os embarace , fará todos aquel- les effcitos. , Eug. Talvez que eíTa feja a razão , por que quando temos trabalhado, elido muito, pe- gamos melhor no fomno. Theod. Dahi procede lem dúvida ; porque dif- íipados os elpiritos com o irovimento y que os diminue e gaíia , ha no cérebro grande penúria ; e por ilTo facilmente fe r.quietão , e não entrão pelos nervos com for';a baftan- te para agitar os mulcuios , e mover os membros. Silv. Mas fempre reparo , que não obílante todo o trabalho e lida , em quanto andamos e falíamos , não dormimos , e i'ó quando nos pomos quietos , he que pegamos no fomno. Theod. A razão delTe effeito confirm.a o que eu digo; em quanto falíamos, e palTeamos , não he fácil tomar-nos o fomno , porque ef- fes poucos efpiritos que ha , eftão agitados com o movimento ; mas celTando os movi- mentos extemos , naturalmente fe aquietão , e T^réíe decima nona, 187 e não entrào pelos nervos aagirailos. E aqui tendes logo a razão , por que quando que- remos pegar no fomno , fechamos as janel- las , fugimos de eftrondos , e prohibimos quafi toda a acção dos fentidos externos ; porque em quanto os Icntidos recebem im- prefsóes dos obj^clos exteriores , eftâo agi- tados , e o fomno f ó o ha , quando elles íe não movem pelos nervos. Por efta mefn:a razão defpertamos do fomno com o eftrondo forte , ou claridade grande ; porque tudo o que faz fenfação forte ncs fentidos , caufa movimento grande nos efpiritos , que redi- zem nos nervos , e o tomno dura em quan- to dura a quietação dos efpiritos nos nervos , como diíTe. Silv. Contra ilTo eflá , que muitas vezes nós dcrm.imos fem ter trabalho , meramente por chegarem as horas do fomno ; e os enfermos dormem por achaque ; e havendo abundância de efpiritos na cabeça, hão de mover-le ; e conforme a voffa doutrina , não haviamios de dormir. Theod. Reparai 5 Silvio, que duas caufas dif- fe eu , que havia para fe não moverem os efpiritos animaes ; ou o ferem poucos , ou o terem algum embaraço , quando eÚio mui grolTos , por caufa do alimento fer mui fub- ííancial e pingue : em quanto fe não co- zem bem , e fe filtrão , e atenuão , não fe podem mover com expedição ■■, por eíla cau- fa 5 depois de comida larga , ordinariamente vem o fomno , fc a converfaçáo , ou outra cou- i88 Recreação Filofofica coufa femeihante o nào deíperta ; outras ve- zes com os remédios narcóticos de Lauda- no 5 dormideiras , e outros femelhantes , vós o corXiiiais aos enfermos , por terem eftes remédios particulas , que prendem , embara- çáo e enredáo os elpiritos : per eíia meíma razão eftes remédios , fe são em muita abun- dância , matão j porque tanto embaraçáo os cfpiritos , que não podem exercitar as acções vitaes. Advirto , que quando digo que no fomno eftáo os cfpiritos quietos , ou quafi quietos dentro dos nervos , exceptuo aquel- les 5 que cooperáo para os movimentos do coração , refpiração , e outros , que não são voluntários; pois o Author da natureza, fa- bendo que nos era precifo o perpetuo mo- . vimento deftes membros , lhes deo particu- lar providencia , e remédio ; porém ás vezes fe engroísáo tanto os efpiritos , que nada bafta , c para o movimento do corarão , e morre o entermo , como fuccede nos Sinco- pes. Silv. Em quanto a ilTo agora , razão tendes. Eug, Agora entendo eu a razão , por que quando acordamos , e queremos expellir o fomno ; que ainda nos prende os membros , nos expregu içamos , e fazemos alguns mo- . vimentos violentos , para pôr cm movimen- to os efpiritos animaes , que com o fomno eftavâo ainda entorpecidos. Thcod. Difcorreis como Filofofo : porém, cin- tes que paP.emos adiante , quero advertir- '^ Yos , que ailim como ha fomno mais , ou Tarde decima nona, 189 menos pezado , aííim eíla quietação dos ef- piritos animaes humas vezes he maior, ou- tras menor , conforme a caufa de que pro- cede : alguns para deípertarem , baiia-lhes qualquer leve eftrondo ; outros com gritos fortes , náo acórdão. Também advirto , que o fomno ás vezes deixa baftantemente def- cmbaraçados os membros para alguns movi- mentos mais naturaes , ou de que ha grande coftume , embaraçando fomente o ufo dos íentidos ; porque emfim são nervos diverfos , e podem nuns ficar mais impedidos do que os outros ^ e por ilTo alguns dormindo fal- láo , e ás vezes andáo. Emfim também he precifo notar , que ainda que os efpiritos animaes , por ferem poucos , e hazerem pou- . ca força , ou por eftarem ainda mui grolTos , náo fe mováo facilmente pelos nervos dos íentidos externos e membros , comtudo pe- dem mover-fe peia íubftancia , que eu dilTe que era o thefouro dos veftigios , ou me- moria material : porém diíío logo fallarei , quando tratar dos fonhos. Eug. E agora porque m'os náo explicais ? Theod, Porque falta-me dizer em que confifte a Vigilia ; pofto que do que fica dito facil- mente fe infere, que ha de confiilir no mo- vimento forte , ou abundância dos efpiritos animaes; porquanto tudo ifto he precifo pa- ra eftarem cm acçáo quafi perpétua os olhos , os ouvidos , taílo , Scc. , e também os muf- culos do corpo humano , com os quaes ef- tamos íempre trabalhando , excepto no tem- po, IÇO Recreação FiJofqfíca po , em que eftamos deitados. Pois dr.qui vem a razáo , por que a todos os viventes he precifo o fomno , para Te recuperarem do gafto de efpiritos animaes que fe faz , du- rando o tempo em que cftvio acordados. Silv. E como explicais vós a vigiiia dos en- fermos ? Theod. Defte modo : com a força da febre tem os efpiritos muito maior agitação ; del- ia provem as forças que tem , qiiando deli- rão , e outros eifeitos , que nelies obferva- mos ; forças tão grandes , que ás vezes qua- tro homens robuftos tem trabalho em fegu- rar peíToas bem delicadas e fracas. Portanto como na quietação dos efpiritos eftá o fom- no 5 na fua inquietação na de eftar a vigí- lia : por ilTo os doudos dormem tão pouco. Outras vezes procede a vigilia da abundân- cia de efpiritos animaes ; e de {"e não conter nos feus vafos o ílmgue efpirituofo , de for- te que peiturba toda a economia do cére- bro , o que fuccede efpecialmente nos que tem delirio e frenefi. Silv. Por efta razão nós os fangramos e far- jamos , e procuramos por todos os modos defcarregar a cabeça , que na cor do roffco moftra ordinariamente que ha nella mais fan- gue do que dev:ra. Thcod. DeíTe modo occorreis a huma caufa da vigilia ; porém quando ella procede da de- maziada defenvoliura dos efpiritos , fó com ópio e outros remédios narcóticos procurais íazellos mais groííos , e embaraçar-lhe as cai- Tarde decima nona. 191 carrfiras defordenadas. Vamos agora aos So- nhos e Delírios ; porquanto mais do que te- nho dito já nâo he minha profifsáo. Eiig. E que coufa sáo fyficamente os Sonhos no volTb fyftema ? ThíOd. Co-iílftem no movimento defordcnado dos e fui ri tos animaes peia memoria mate- rial : fupponde vós que os efpiritos animaes fe fúltáo e vagão pelos veftigios , que temos imprelíos no cérebro , hão de renovar as im- preisóes e excitar a alma, como fe de novo vilTe , ou ouviíTc ; e temos já Sonho , que não he outra coufa mais que huma percep- ção engancfa da alma , íemelhante áqucUa que tem quando vê , quando ouve , Scc. Por cfta razão ordinariamente nos Sonhos nâo ha ordem nenhuma ; porque os clpiritos fol- tos e vagabundos , de huns veftigios pafsâo para outros , fem guardarem ordem : daqui procedem as fubitas transformações , porque de repente fem a alma o determinar , falta- rão os efpiritos em veftigio diverib. Bug. O que mais admira he a força e vive- za , com que fe fazem as reprefentaçóes , porque eftá huma peíToa capaz de jurar que he verdade tudo quanto vè em Sonhos, nem entra em razão de duvidar. Tbeod. Quando nós vemos com os olhos hum objeclo , nenhuma razão temos para duvidar fe o tal objecto cftá ou não diante de nós ; e mil teftemunhas que digâo , que tal cou- fa não ha , nâo poderão perfuadir-nos que nos enganamos , porque em fim nós o ve- mos 1^2 Recreação Filofqfjca mos com os olhos. Pois a mefma fegurança lem a alma quando íonhamos ; porque a al- ma hc excitada immediacamente pela im- prefsáo do cérebro. Ou elTa imprefsáo en- trsíle agora pelos fentidos , ou ha muito tempo que lá a houveíTe , c de novo fe ex- citalíe pelo incurfo cafual e tumultuario dos cfpiritos , fempre ha o mefmo eífeito. O que ci íuccede nos fentidos , lo o fabe a alma , ( expliquemo-nos aílim ) mediante a impref- sáo do cérebro ; por ilfo táo certa fica a al- ma do objedo , quando a imprefsáo entra de novo pelos olhos e vè o objcclo , como quando na imprefsáo já antiga , de novo e com grande força incorrem os efpiritos , porque fempre ha a raefma imprefsáo , e a mefma excitação da alma para tormar a per- cepção dos objeiflos. Eug. Mas reparo , que quando nos acordados nos lembramos de hum objeclo , também incorrem de novo os efpiritos no veíligio antigo 5 e náo nos parece que o vemos. Silv. Grande dúvida puzeíles agora , Eugé- nio. Tbíod. Aílim he ; e eftimo-a , para que vós, Silvio , náo condemneis a Eugénio de de- maziadamente apaixonado e cego ; mas va- mos ao ciifo : ouando nós acordados nos lembramos de hum jardim , náo nos perfua- dimos que o vemos ; porque ou nós cftamos com os olhos abertos , ou com elles fecha- dos ; fe ertamos com os olhos abertos , ao mefmo tempo entráo imagens fortes de to- [ que nelles nos parece que fentimos , fe faz no periofteo , porque em fim fó nos nervos he que fe principia a formar a fenfaçáo. Eug. E que me dizeis vós ás dores de den-* tes ? fe nelles náo ha periofteo , e os oíTos náo tem fenfaçáo , como nos podem doer ? Theod. Os dentes coníHo de varias , deixai- me explicar aflim , cafcas , humas mais po- rofas do que outras ; quanto mais interiores sáq , mais poros tem , e dentro ( particular- mente os queixaes ) tem fua concavidade cuca : efta concavidade eilá forrada de huma pele cheia de vários raminhos de nervos , e de raminhos de vafos de fan^ue , pelos quaes fe nutrem , e crefcem os dentes , reparan- do-fe nelies o que fe gafta com o roçar de huns pelos outros : daqui procede , que quan- do nos falta algum dente de baixo , o que lhe correfponde de fima crefce mbito , por- que nutre-fe como os outros , e não fe gaf- ta com o roç*ido , como os outros, Refpoa- dea' ^i6 Recreação Filofofica dendo agora ao que me perguntais : digo , que quando o dente íe quebra ou apodrece, qualquer coufa que toque na membrana ner- vofa da concavidade interior do dente , íiz huma dor exceiíiva ; e o mefmo fuccede,- quando o dlfluxo fe communica a eftes ner- vos interiores ; por quanto nós fabemos , que pela raiz do dente , folida como he , pafsáo raminhos de veias e artérias , pelas quaes pode ir o defluxo. íug. Entendo ; mas eu ainda náo, fel como os oíTos cftáo prezos huns aos outros : eu ]i fei que do Teu feitio eípecial depende o encaixarem , e aj usarem huns com os ou- tros i mas como Te prendem ^ Theodf Para elTe eífeito ha o que chamáo li- gamentos 3 que viíivelmente apparecem ainda aos que não são Anatómicos ;, quando no prato queremos feparar os oíTos das aves r sâo humas partes muito fortes , e mui ri- jas 5 as quâes prendem os oílbs huns com cutros j náo tem figura determinada. O ef- feito deíles ligamentos hc fuftentar os ofibs nos feus lugares; ene tão forte eíla uniáo , que cufta incrivelmente a feparar hum olTo do outro 5 puxando meramente , fe náo in- tervém inftrumento que corte. Conta-fe de hum homem condemnado a fer defpedaça- do , que dous cavallos robuftilhmos , puxan- do para partes contrarias , o náo puderáo dcfpedaçar por efpaço de huma hora ( i ) , até ( I ) I. Redolph. Camer.Syllqg. memorai. Cent, , Ih ait. 4j. Tarde vlgefinm. 217 até que a efpadx cortou os ligamentos. Bug. E de que matéria sáo eíies ligamentos ? Theod, Sáo de diverfas , conforme o differen- te lugar em que fervem ; os que prendem as entranhas nos feus lugares sáo como as membranas ; os dos oílbs sáo como tendões , c cartilagens ; alguns são de huma matéria ner\'ofa. Eug. E que entendeis vós por cartilagens ? Thcod. Sáo huma efpecie de oíTos mui bran- dos 5 como he a matéria de que fe fórmáo as orelhas , e a ponta do nariz ; que bem ve- des que nem he táo dura como o offo , nem táo brr.nda como a carne : nos meninos acháo-fe mais cartilagens que nos adultos , porque endurecendo-fe pouco a pouco , fe fórmáo em olTos. Já fuccedeo em Miláo hum cafo digno de admiraçáo , porque en-' forcarão hum malfeitor , e pendurado por muitas horas , não morreo ; e a caufa foi a ^ue direi : nós temos na garganta huma car- tilagem , que chama o vulgo bocado de Adão 5 e os Anatómicos Laringe : nefte ho- mem tinha- fe convertido em olTo efta carti- lagem ; e por mais força que fizeíTem , não a podiào fechar de forte , que por dentro delia não entraííe o ar para a refpiraçáo. Eug. A náo fe defcubrir a caufa , juftamcnte fe podia reputar o cafo por milagrofo. Silv. Aílim he ; porém não nos demoremos tanto neftas partes menos principaes, vamos ao coração, e movimento do fangue , que he o mais importante, Theçd. 2i8 Recreação Filofofica Theod. Vamos primeiro ao cérebro c nervos. §. III. Do Cérebro, Nervos, e Afufciilos. Eug. f^ Orno a natureza nos deo eíla admi- v^ ravel conílrucçáo , e travafsáo de of- fos 5 para que pudelTemos exercitar todos o» movimentos , que nos forem condicentes aos nolTos fins , he preciTo faber de que mo- do os podemos mover. Theod. Todo o movimento dos nolTos mem- bros fc faz com os mufculos, mediando os nervos , que tem fua ori'^cm no cérebro •, le- vando pois as couTas de raiz , haveis de fa- ber que o cérebro he a primeira fonte da vida. Silv. Alguns náo querem iíTo , allegando que alguns tetos tem nafcido fem cérebro , nem medula efpinal , como teflificáo Autbores dignos de i-"c (i): além dilTo tem-fe achado ?Jguns bois com o cérebro petrificado ; po- rém eu não poíTo acQommodar-me a crer, ^ que o cérebro não feja a fonte da vic.; , e niíTo vos dou razão. Theod. Eu , náo duvidando da íz , que fc de- ve a elTes Authores , ainda eftou pelo que dif- (i) ■Riilolre de TAcadein. Royal. an. 1711. e 171 3. Vallifner. tom. i. pag. jji. (2) O iv-eTino Vallifiisrio touu x. das fuás Obras pag;. loj. Tarde Tige/inm, 219^ di^e 5 pois he de notar qne fó fc fez eíTa experiência em animaes ^ que morrerão na- turalmente 5 e que talvez per lhes faltar ul- timamente o cérebro pereceiTem. Supponha- mos nós que o cérebro, por qualquer caufa que foííe, fe hia desfazendo, e coniumindo ou liquidando-fe ; ou rambem que le hia en- durecendo , e fazendo como de pedra , ain- da nefte eftado podia ir íervindo dos minif- terios precifos , até que ultimamente desfei- to ou petrificado 5 morria o animal, por lhe faltar o principio de toda a vida , e movi- mentos : neíle ultimo eftado , m^orria o ani- mal , e fe faziáo as diiTecçóes , e anatomias , c obfervava-fe a falta de cérebro , tendo-o havido em quanto o animal viveo. Accrefce que neftes animaes he certo que fe tranftor- naváo as his da natureza, e aílim podia mui facilmente haver nelTe Ingar do cérebro al- guma pequena parte igu?l ao cérebro de hu- ma mofca , ou inlecfo femelhante , o cjual ficava imperceprivcl , e baftava para fer prin- cipio da vida em hum gigante por modo extraordinário e monftruofo. Advirto tam- bém 5 que nenhum argumento fe pode tirar do que fe tem obfervado em alguns fetos , porque no ventre materno talvez poderá o animal viver fem cérebro , porquanto a fua vida então he femelhante á vida que tem hu- ma mão , ou pé da mãi , que não tem den- tro em fi particular cérebro , com que viva , o que fe entenderá melhor , quando tratar deita matéria , porem tanto que o animal naf- ziQ Recreação Filofofica nafce , começa a viver por novo modo , e entáo he que eu digo que nào pode viver fem cérebro , ainda que feja do tamanho de huma pulga. Sílv. Eu também me accommodo com efle voffo difcurfo , porque cmfim fempre aíTento que he parce totalmente necclTaria para a vida. Theod. Do cérebro he que procedem todos os nervos ; e mediando elles , fe fazem to- dos os movimentos , tanto efpontaneos , .co- mo vitaes : eu chr.mo movimentos vitaes o do coração , o da rsfpi ração , e outros fe- melhantes , dos quaes não ceílamos nem ain- da quando dormimos. Eug. E como procedem do cereb^-o todos os movimentos 1 Thcod. Eu o digo : por toda a fubílancia do cérebro cíiko efpalhado? ramos de veias , c de arrerir.s ; e além diíTo humas fibras bran- cas , as quaes fe )uiga que são as raízes dos nervos ; como no cérebro o Tangue fe filtra em varias glândulas , fepc.ra-fe do fangue a parte mais fubtil e efpirituofa , e entra por cilas fibras brancas ; o reílo entra pelos ra- mos das veias. Eftas Lies fibras for:. ío-fe em huns como feixes , e ajuntão-fe com a Medula oblongada , e delia fe repartem por todo o corpo em ic pares de nervos. Silv. Os Antigos creio que não contaváo fe não fete. Theod. Alíim he ; porem os Modernos contáo 10 5 e sáo por cila ordem : O primeiro pr Tarde vige/ima, 221 de nervos Vâi rerminar-fe no oHa(fio , clpa- Ihando-fe peia membrana Pituiraria , onde vos diíTe que eftava pofto o orgáo deíT:e fen- tido. O legundo par vai ter aos olhos ; e riáo ferve para os mover , mas fó ferve para receber as imprefsóes dos objeclos , porque dos feus raminhos fe tece e forma a retina.^ Eug. Porém nós não fó recebemos as impref- sóes dos objeclos , íenáo que movemos os olhos para toda a parte. Theod. líTo he por caufa do terceiro , e quar- to par de nervos , que váo dar aos mufcu- los que temos para mover os olhos para to- da a parte. O quinto par efpalha-fe pela lín- gua 5 pelo olfaclo 5 pelo roilo , e pelas en- tranhas. O fexto divide-fe em dous ramos ; o primeiro he a raiz do nervo Intercoftai, e vai ter ás coftellas ; porém o fegundo víh ter aos mufculos que movem os olhos. O fetimo par também fe reparte , e huns ra- mos váo ter aos ouvidos , e fe efpalháo pe- la cavidade do labyrintho , os outros váo á concavidade da boca , e da garganta. Os três pares que reftáo cfpaiháo-íe por todo o mais corpo. Além deftes nervos , também fe dáo outros nervos , que nafcem da A4^dula efpi' nal. Porém he de noar o que já cilTe, que quando hum nervo fe divide em ramos , náo forma hum duelo ou canudo em deus , co- mo fuccede nas veias, mas hum f.^j-\e de fi- bras miudillmias fe reparte c-m muiios id- xes menores, Eug. Bem me lembra que já advertires ií^b , fai- 2 22 Recreação Filofofica fallando do taclo ; porém dizei-me : Quem ata elTas fibras para formar elTes feixes r Theod. Oi nervos eftáo veftidos de du?rs pcl- les ou membranas , que muitos querem que fejáo huma continuação da Pia mater ^ e da dura mater. £ug. E por dentro deíTas fibras fupponho que o humor que fe move he a parte mais elpi- rituofa do fangue , a que cnamáo efpiritOS íinimaes, Theod. AlTim o devemos crer , poílo que a fubtileza dos taes efpiritos he tal , que os não fujeita ao exame da anatomia : porém as experiências o perfuadem ; por quanto he certo que pelos nervos algum liquido cor- re 5 aliás não poderão por meio delles en- cher-fe os mufculos quando trabalhão. Silv. Poderá fer liquido , que não feja eíía parte mais efpirituofa e delicada do fangue. Theod. Primeiramente , que he parte do fan- gue Goníla , porque á proporção que o fan- gue fe derrama , fe enfraquecem todos os membros , e os movimentos fe debilitáo ; fi- nai de que o liquido que correndo pelos nervos , enche os muículos , e move os membros , ou he fangue ou alguma parte dsUe y c que fe)a a mais efpirituofa , e íubtil conlta 5 não fó pela delicadeza dos vafos e duelos , por onde corre , mas também do minifterio , em que fe empregão. Eug. Eu não faço conceito dilTo que dizeis acerca do encher dos mufculos , e mover dos membros. Theod. Tarde 'vigejlma. 213 Theoã. Eu vo-lo explico : haveis de íaberj que o mufculo he numa collecçáo de fibras carnofas juntas como em hum feixe ; cada fbra deílr.s coníln de muitas bexiguinhas en- fiadas, e com communicaçáo dehumas para as outras , conforme ao que fe conjectura ; efla coliecçáo de fibras chama-fe ventre do mufculo, e de huma e outra parte fe termi- na em huns como cordões de fibras mui fortes 5 que chamáo tendões : deíles dous ten- dões o que eftá da parte de íima chama-fe Cí7'":;j do mufculo ; e efte tendão continua-fe com o nervo até o cérebro ; o tendão porem , que 2M da parte de baixo , ou para dizer melhor , o que eftá atado ao o (To , que fe ha Cr mover , chama-fe c^uda do mufculo. Agora 5 para fazerdes conceito do m.odo com que cbráo os mufculos , fupponde vós que tendes quatro bexigas de boi , enfiadas e com com^munlcação de humas para as ou- tras ; de Icrte que alToprando pelo canal da primeira , o ar fe reparta por todas as qua- tro , do modo que efláo eftas que m.oftro. ( Eftarr.pa 4. fig. 6. ) Se vós foprardcs por Ert. 4, efte canudo C^)5 ^3 bexigas fe ir^-o enchcn- fig. 6. do ; e por confeguintc náo ficará tio com- prida efta que podemos chamar corda de be- xigas ; por ell:e m.odo acontece nos mufc-.:- los : o ventre dos mufculos confta de fi' :as , € csda fibra de muitas bexiguinhas : ^uando íilgunr liquido encher as taes bexiguinhas, incha o ventre do mufculo ; e quanto mais incha , mais fe encurta , e mais puxa pelo teo- 2 24 Recreação Filofqfíca tendão , que hc cauda do mufculo ; a qual cauda eílando preza ao olTo , o ha de trazer comfigo 5 e temos já movimento no mem- bro. Eu^. Cada vez admiro mais a engenhofa dif- poíiçáo da fabrica do corpo humano j por certo que quando Deos náo tiveíTe feito ou- tra obra , feria eíla baftante para adorarmos a Infinita Sabedoria do Creador. Porem va- mos adiante : refta-me faber de que liquido fe enche o ventre do mufculo , quando obra : fupponho que são efpiritos animaes, Theod. Suppondes bem ; porém ahi também" obra muito o fangue das artérias : ifto fe prova , porque ou nós atemos mui forte- mente o nervo , que vai dar ao mufculo , ou a artéria que lhe pertence , célTa todo o movimento neffe mufculo ; finai de que com elTes fluidos que fe embaraçcáráo , fe cofi:u- mava encher , e trabalhar. Ora como a acção do mufculo 5 principalmente nos movimen- tos efpontancos , depende do império da al- ma , a qual pouco ou nenhum domínio tem no fangue , nem nas artérias , creio eu que os efpiritos animaes são os que encorrendo nos ramos das artérias , que entrão no? muf- culos 5 fazem encher do fangue arteriofo as fuás fibras. Silv. E como deípejais o mufculo , quando elle acaba de obrar ? Theod. O fangue arteriofo mifturado com os efpiritos animaes 5 fe recolhe pelos raminhos das veias, que elUo efpcJhadas pelo mufcu- lo. Tareie Víge/imâ» 225' io , e com o círcr.lo do langue tornáo os eípiriros para a cabeça , para de lá tornarem . a entrar ce novo pelos nervos , e tornar a excitar nova acção nos mufculos. Defte mo- do le reíponde a huma grande difriculdade , (júQ ha nefte ponto ; porque parece impoíli- vel que hum hom.em , que todo o dia tra- balha vioientamenre , tenHa efpiritos animaes para eilar enchendo todos os mulcUlos , que continuamente eftão trabalhando e defcan- çando alternativamente. Silv, Como os erpiritos animaes depois de fahirem do mufculo éntráo com o fangue pelas veias , tornáo á cabeça , os mefm.os podem muitas vezes trabalhar no mefmo mufculo. Eu^. Porém teíla f:iber qual he a caufa que faz defpejar o mufculo , e ceíTar da acção , em que eRava. Theod. Duas caufas ha para ilTo : a primeira he , que no ventre do mufculo , além das li- bras carnofas , que tem poftas ao comprido , tem outras atraveíTadas , as quaes são mui elaflicas , e á maneira de cordas de viola, depois de violentamente as eftenderem , fe as largão , fe encolhem e tornão ao eftado antigo : fuppofto iílo ^ quando ó ventre àç> mufculo incha , alarga- fe o ventre , e necef- fariamente fe hão de eftender as fibras elaf- ticas atraveíTadas : ora ceíTando a força dos ef- piritos animaes , que querem entrar no muf- culo , naturalmente as fibras elafticas atravef- fadas fe encolhem ^ e encolhendo-fe , redu- Tom.iy. P zem 220 Recreação Filofofica zem o ventre do muículo d fua groííura na- tural , e o obrigáo a vaíar-fe. fw^. EíTa caufa mui boa he ; quil he a fc- gunda ? ThíOd. Além defta caufa ha outra , que he o mufculo antagoniíla ; eu cnamo mulculo an- tagomfia aquelle que puxa o mefmo mem- bro para a parte oppofta ; por exemplo , fs hum mufculo puxa o olTo , que chamáo cu- bito ^ para dobrar o braço, o leu antagonifta puxa o melmo olTo para o eftender. Ora os antagoniftas sáo por difterente feitio ; os mufculos que movem oíTo , tem antagonif- tas , que os puxão para partes oppoílas ; po- rém ha outros mufculos circulares , e eííes náo movem offo aigum. , e fervem para alar- gar, ou fechar algum orifício circular, co- mo sáo as pupillas dos olhos , e o hm do inteftino reclo ; porque aqui ha huns muf- culos que fecháo , outros que fervem de abrir ; e ailim huns sáo antagoniftas dos ou- tros. Bug. E como podem os mufculos fechar as pupillas dos olhos , e fazer os oriiicios mais pequenos ? Theod. Já vos expliquei os dias precedentes, que á roda do orihcio da pupilla havia hu- mas fibrâs circulares , e como em efpiras, Eft. 4. vede a figura (6) que vos moftrei ; quando ^&' 6. elLis fibras fe encolhem , forçoíamente fe ha de diminuir o orifício ; aílim como quan- do fe vai puxando pelos cordões de hum.i bolfa , ella fe vai fechando. Porém quando íc Tarde 'Uígífinm, 227 fe encolhem e puxão as fibras reífias , que á mnneira de raios vão ào centro para tora, ncceiTsriamence Te abre o oriíicio da pupilla ; e creio que vos , Silvio , não tendes nifto d a vida. Silv. No que pertence á Anatomia nenhuma dúvida tenho ; tenho-a porém no que per- tence á Filofotia, porque eu não polTo tor- mar conceito da íorça que ha nos muiculos para moverem os membros. Theod. Na verdade que he admirável e lobre maneira prodigiofa a força dos miUicuios ; porém explica-íe mecanicamiente combaftan- te clareza , fe attendermos á admirável con- ftruclura que tem. ]a vos dilTe que as fibras carnoias . que conítituiáo o ventre do muí- culo 5 conliaváo de muitas bexiguinhas : ora he de faber , que aqueiias quatro bexigas de boi , que vos moítrei ha pouco , diípoll:as daquelle modo ( Ejiampa 4. f:g. 6. ) , tór- ej^. 4, mão huma máquina tai , que com hum lo- tig. 6. pro levantarei duas arrobas , e mais. Eu o taco. . . . Silv. Pouco efpaço fe levantou o pezo ; po- rém verdade he que fubio , e ie levantou do chão ; e por que razão acontece ifto ? Theod. Suppondc vós que daquelle prego (^Ef- tampa 4. Jig. 7. ) e-ftão penduradas duas cor- ^jv^ ^ das 5 das quaes pende hum pezo grande ; fe fig. 7, com as mãos abrirdes eftas cordas no meio, fubirá o pezo ; e por grande que e!le feja^ o fareis íubir. A razão íie , porque o efpaço que anda sl potericia , mede-fe na diílincia P ii def- 2 28 Recreação Filofrfica defte íicio ( /í ) , onde eftr.váo as cordas ^ cu-^ndo eii peguei nellas até eíles lugares (c, /), em que agora eftáo. Ora efta dif- ta-icia ou efpaço he muito maior que o ef- paço que fobe o pezo , quando fe levanta do cháo (nj;i): e conforme a doutrina ef- tabelecida em íeii lugar , nefta mdma pro- porção Te augmenta a força da potencia. Nifto nâo ha queíiáo ; fu.pponhamos agora ?[ue fe m.ultiplicáo as cerdas e que rodas fe eparáo humas das outras em roda j claro fi- ca que muito maior pezo fe pode levantar. Ora huma bexiga que fe incha , faz o mef- mo que fariáo muitas fibras ou cordinhas poftas de alto a baixo , que fe feparáo hu- mas das outras no m.eio ; e como sáo innu- iTieraveis as fibras poílas de alto a baixo , he muito grande a força do fopro , que enche a bexiga ; e como as quatro bexigas a hum tempo fe incháo , podemos affoprando le- vantar muitas arrobas. Conieclurai vós ago- ra 5 Silvio 5 quanta força feria a do fopro fe folTem muitas mais bexigas , e muitas feries delias a hum tempo , e tereis huma feme- Ihança àc hum mufculo ; pois confia de mui- tas libras , cada huma das quaes contem in- numeraveis bexigas, e tudo fe enche com o impulfo dos efpiritos animaes. Eu^. Na verdade que fó hum Deos podia idear máquina femelhante. Theod. E adverti , que fó ella parece que fe podia accommodar na conflruélura do corpo humano ; e para que folTe gr^inde o eÔeito , fem - fem fer grande a incumercencia do mufcu- lo j para náo haver deformidade nos mem- bros , fupprio com o numero paimofo de bexiguinhas a fua grandeza. AÍas para vós admirardes bem a força deita máquina , he razão que refira algumas experiências , que dáo bem a entender quáo tortes máquinas «áo a,,' dos mufculos. Façamos huma digrsf- sáo fobre eíle ponto, §. IV. Dã prodigiofa for<^a dos Ahfculos,. ^ug. XT A verdade , que confiderando os in- IN criveis pezos que romáo fobre fi ef- tes homens , que fervem a republica nos* tranfportes dos móveis , náo podemos dei- xar de nos admirar ; e toda efta força , ago- ra vejo que fe deve attribuir aos muículos. Thcod. Mr. de la Hire ( i ) examinou com baííanre cuidado a torça dosprincipaes muí- culos do corpo humiano ; e tailando regular- mente 5 dá aos mufcuios dos braços força de levantar 160 libras ; aos mufcuios dos lombos 5 que trabalhão quando nos endirei- tamos depois de eílarmos inclinados , da força de levantar 170 libras ; aos mufcuios das pernas dá força capaz de levantar 2^0 libras : mas adverte , e com razão , que náo podem ao meimo tempo obrar com toda ef- ta (j) Jíeinoir. de TAcadeni. Royal. an. 1699, ajo Recreação Filofcfica ta força todos os mufculos ; porque nem os elpiritos animaes podem ao melrno tempo encher todos os mufculos táo abundante- mente 5 nem a acção de huns faz geiío aos outros 5 antes de algum modo os em:baraça. Porém conforme o que diz , e moftra Mr. Defaguliers ( i ) , he diminuto Mr. de la Hire j porque os homens coftumados ao tra- balho , ievantáo com as mãos 15O libras, e ás vezes 200 ■■, fora 70 libras , em que fe avalia o pezo do corpo da ciniura para íima , que fe levanta juntamente com o pezo que trazem as máos ; e por efta conta tem mui- ta mais força os mufculos dos lombos. Po- rém nos mufculos das pernas he mais dimi" nuto Mr. de la Hire , dando-lhe io 2c,o li- bras 5 das quaes defconta 140 , que reputa ferem o pezo do corpo , que também fe le- vanta 5 quando as pernas fe eii:endem para levantar o pezo. Silv. Eu já vi levantar muito maior pezo : hum carreiro tive eu , que vi fó tirar por hum carro ordinário carregado com dez no- miens , e por caminho empedrado \ e antes defte tive outro , que ainda hc vivo , pofto que mui vellio , que fraqueando-ihe hum boi nhuma calçada de Lisboa, o tirou fora, e junto com o outro boi levou pela calçada aííima a carga , que era mui pezada ; e tudo iílo pede numa força muito maior do que dizeis. Theod. EíTes homens são raros ; porem ainda fal-- ( I ) Cours de Pliyfiq. Tom. í. pag. 286. ■ Tnrdg vigefima, 231 falíando cOiíforme a regra ordinária , os dez mufciilos extenfores , que fervem para eílen- der as pernas, tem hnma força incrível , e tira-íe hiima grande utilidade de faber bem uiar da 'força deftes m'.iículos fem moleílar o reílante do corpo. Mr. Defagiiliers ( i ) diz 5 que fe informara de peíTòas fidedignas , e que achara que os mariolas em Turquia tomaváo pezo de -7, ou ,8 , e ainda 9 quin- taes fobre fi , que vem a fer 2,6 arrobas ', pezo incrível para as forças de hum tiomem. Siív. IiTo por nenhum modo fe me foz cri- vei. Theod. Náo o fomeis fobre a minha fé ; po- rém do modo que he , póde-fe crer lem muito favor; porque efte pezo náo o romáo fobre os hombros , como coílumào na Hel- panha , mas inciináo-fe muito fobre hum bordão , e fobre os quadris carregáo eíTe immenfo pezo. Agora para vos fazer crivei que defre modo fe pode fuftentar pezo mui grande , vos contarei o que eu mefmo te- nho experimentado ; que lem me prezar de fer robuRo , porque o náo fou , fem máqui- na alguma mais que os mufculos , me atre- vo a levantar hum pezo de 20 até 25 arro- bas ; e ainda náo experimentei fe podia com pezo maior ; crivei he logo que fendo ho- mens robuftos 5 e creados com o trabalho , pofsáo levantar 36 arrobas, e mais ainda. Eiig. Náo nos tenhais mais tempo fuipenfos : dizei-me em que eitá o fc^redo. Tkod. ( i ) Cours de Phyuq. Tom. I. pag. cS4« 13^ Recreação Filcfojica Theod. Nós em cada huma das coxas temos dez mulcuios , finco que fervem pnra eften- dcr a çanella da perna , e outros fir.co que fervem para a encurvar : tanto huns como outros são fortillimos : e fe labriTnos uíar delles , fazem efFeitos prodígio fos : tanto , que em I^^glaterra hum homem chamado ^cya , paíTava com o titulo de fegundo San- são 5 náo tendo elle na realidade força mui- to maior que a ordinária. E as fuás prodi- giolaj demonftraçóes de força naíciáo do modo 5 com que difpunha os niembrcs do feu corpo para trabalhar , que he o mefmo cie que eu , e qualquer de vós podemos ufar , psra fazer eftes eiíeitos pafmofos. He prcci- fa hum.a cinta fortillíma , que cinja na cin* tura ; nefta cinta prende hum gancho com huma corda atada ao pezo que queremos le- vantar 5 o qual deve ficar entre os dous pés , bem a prumo ; a corda porém deve eftar bem teza , quando as pernas eftáo hum pou- co encurvadas : cílando as coufas allim dif- poftas , fem mais artificio , forcejando para endireitar as pernas , fe levanta o pezo , por grande que feja : advirto que a curvatura das pernas deve fer mui pequena ; porque fendo grande , náo fe levantáo grandes pezos. ATr. Defaju.iers para declarar ao Rei Jorge I. no anno de 1716, que nifto he cjue confiília o fegrcdo , de que fe valia o tal novo San- sáo , que admirava o povo com as fuás for- ças , por eíle modo levantou do cháo em pezo num cylindro de ferro ^ com que fe en* Tarde vige fim a, 233 cndireitavão as ruas do Jardim ; o qu^i ie dizja pezar ic/CO libras, ene são <9 arrobas com pouca diifcrença. Mr. de la Hire refe- re , que vira em Veneza a hum moço , que apenas parecia poder levantar quando muito 40 5 ou 50 libras, o qual pende^ne das tran- ças do cabellp lev^^ntava hum luniento em pezo , íurpenfo por huma lar^;a cinta • e ain- da fardos mais pezados : n?.o le fervia da cinta na cintura , porém o artificio era íeme- Ihante ; porque mandava entrançar com os cabellos cordas delgadas e forres ; e pondo-fe fobre huma meza com a cabeça direita , e as pernas encurvadas do modo que já diiíe , quando fc endireitava , levantava o pezo pen- dente da cabeça ; que pela fituaçáo em que fempre a tinha, lhe vinha a fahir por entre os pés ; e por líTo confeiTava elle , que mais lhe cuítava levantar o jumento , do que ou- tro pezo ainda maior : a razão era , porque com os feus movimentos violentos balance i- va , e mudava a linha da direcção em que fe confiderava o pezo , a qual fempre he precifo que venha a cahir bem a prumo en- tre os pés. Silv. Se não teftemunhalTeis com a própria experiência o que dizeis , não dera facil- mente credito aos outros, (Theod. Para tirar as dúvidas , já eu diante de huma numerofa affembléa mandei a hum criado meu de 14 annos levantar hum pezo enormiííimo , que quatro homens diíKcil- mente arraítraváo, e promptamente o fez. E já i34 Recreação FiJofofica já que tocamos nefte ponto , vos cjuero re- ferir outros psimofos effeitos deile modo de uíar dos mufculos das pernas , os quaes eu ainda náo experimentei ; mas coftumáo fazellos eltes , que p^rsáo por novos Sansóes. O 'Joya 5 de que ja fallei , fentava-fe , c ti- nha máo em dous cavaiios,., que puxando quanto podiáo , o não tiraváo da poftura. Defte modo : em huma parede mandava abrir hum buraco cm altura conveniente , e paíTa- va hrma corda , pela qv.al da p;.rte de fora tiraváo dous cavallos ; mas pela parte de den- tro Tentava- fc em hum eíirado , algum tanto levantado de diante , eílendia os pés de mo- do , que firmando-os nas ilhargas do buraco , a corda lhe fihia por entre eiles , e vinha prender na cinta, com que elle íe preparava para eftas funções ; porem como a tinha de- baixo da cafaca , elle pegando na corda que- ria dar a entender , qu8 fó com as máos a fegurava , fendo que toda a força fe fazia na cintura : defte modo fegurava os cavallos , os quaes forcejaváo , mas náo podiáo dar paíío. Alguns para fe livrar do perigo , em que eftaváo , fe acafo por algum accidente foffem vencidos , atravelíaváo em diílancia conveniente hum pao groíío na corda, para fe atraveilar no bur.-.co , e náo ferem eíma- gados na parede , no caio de os vencerem os cavallos. Também fazem alguns a expe- riência com homens ; porque , confomic o calculo dos Francezes , c Holiandezes , lete homens equivalem na torça a hum cavallo, c Tarde -clgerima. 235' e conforme a conta dos Inglezes , Ixirtáo finco. ( I ) 'Eug. Por certo que he experiência pafinofa ; mas eu ainda náo percebo como numa vio- lência táo grande náo deípedaça o corpo hu- miano , e o defmancha em hum m.omento. Iheoà. Os Teis oíTos Inom-inados , i^ue com- põem e fórmáo a bafe do Tronco , são for- tiiíimos 5 e aifpoftos entre fí por modo de abobada ; de lorte que aperrados com a cin- ta pela parte de fora , tanto m.ais força fe faz na cinta , quanto mah fe apertão e íe- gurão entre fi , carregando huns contra os outros 5 e íirmando-fe mais nos íeus luga- res : depois difto he de iaber, que as per- nas eftando direitas , sáo duas co umnas de olTo 5 as quaes por delgadas que fejáo , pof- tas a prumo , fuUentáo grande pezo ^ e quan- do fuílentáo os pezos incríveis , ou tem mão nos cavallos , os mufculos fó trabalhão , impedindo que fe não cunhem ; o qne he mais fácil, do que depois de curvas tornai- las a endireitar , como fuccede quando o pe- zo fe levanta do chão. Por iíTo ufando das induítrias referidas , ha quem Juftente huma peça de artilheria, eflando o hom.em já di- reito ; e depois tirando-lhe á peça os calços debaixo , e fazendo-a ficar em falfo , mas duvido que a pofsão levantar de novo. Súv. Nunca me metterei nellas averigupçóes. Jhcoíi. Outra couia fazia cite homem , de que íal- ( I ) Defaguliers. Cours de Phyfiq. Tom. I. pag. 275- 1-^6 Recreação Filofqfíca fr.llo , a qual cambem admirava. Hiima grolTa corda , que dous cavai los tirando com toda a força , náo podiáo quebn.r , e era capaz át fuftenrar 1800 libras , elle facilmente a quebrava : defte modo. Fazia metrer huma argola fixa nhuma columiia de pedra , de íorte que náo dciTe de fi , e jicalTe pofta ao cito \ iílx) he 5 que fó pela ilharga pudeíTc entrar a corda por ella : depois dJlTo atava a tal corda na coiumna dous ou três palmos aílima da argola ; e palTanco-a por ella , a atava á fua cinta , de forma que o compri- mento da corda defde a argola até á cintura folTe pouco menor que a altura das Tuas per- nas. Mandava pôr huni colchão debaixo , firmava os pés na coiumna junto da argola ; e agarrando na corda com lorça , levantava todo o corpo em pezo no ar ; porém as per- nas necelTariamente lhe ficavâo hum pouco curvas ; de repente fazia lorça para as eften- der, e eftalava a corda , cahindo de coftas fobre o colchão. Aqui he de advertir , que a poftura da argola conduzia para o efíeito ; porque do modo que eílava pofta a corda , náo podia correr facilmente , por ficar atra- veíTada ; e aííim toda a força fe fazia na mefma parte da corda, que he a que eílava entalada na argola. Eug. E náo podia fazer iflb mefmo , pondo a argola fixa no cháo ? ^hcod. Podia ; porém creio que ufava deíla induílrJa , para que com o medo da queda náo foíTe táo fr.cll a cada hum tentar a ex- pe- Tarde vige/ima. 257 periencia ; e também porque atirando com o corpo ciC pancada para baixo , ajudava mui- to ao eífeito. Silv. IlTo me tinha a mim já lembrado. Eug, Lembra-me agora perguntar-vos Te acafo terá íemelhante caufa huma coula , que me admirou os tempos paliados em Lisboa. Vi hum deíles , que chamáo volantis , que dan- çáo nas cordas , que trazia pendurados nos pés dous grandes ceítos , em cada hnm dos quaes fe Tentava hum hom.em ; e não ob- ftante tào grande pezo , dançava o voiantim pela corda , como íe nada tivera. Silv. Eu também vi ilTo mefmo , e caufou a todos jufta admiração. Thcod. Procede elTe eíFeito não da força dos mulculos anteriores da coxa , que i^ervem para eftender as pernas , mas dos mufculos pofteriores , que fervem para as encurvar, que também são forrillimos. Se vós vos pu- zerdes em pé fobre hum banco , e curvando a perna , levantardes o pé do chão ^ ninguém terá força para vo-lo fazer alTentar fobre o banco , por mais que forcejem. Somente he precifo amparar o corpo , encoftando na pa- rede a máo correipondente ao pé levantado ; pois náo podemos fuífentar-nos íobre hum pé por muito tempo ; mas amparando o cor- po para náo cahir , nenhuma força baftará para fazer aíTenrar o pé no cháo : tanta he a força dos mufculos , que fazem curvar a per- na ! Já diante de huns amigos fiz qu:; hum criado meu levantaííe com hum^ p^ 6 arro- bas, 238 Recreação Filcfofica bas 5 que lhe mandei pensurar, e o fez com grande facilidade j c creio cue muito mais fe pode levantar. Portanto a mim não me causa admiração o que comais dos volan- tins ; porque o meimo fizera eu, fe foubelTe dançar na corda. Outra coula , que não he menos admirável , pódc fazer qualquer ho- mem , c com ella admirava muito efte San- sáo íiclicio 5 de que fallo. Deitava- fe de cof- tas no chão , mandava pôr dous homens fo- bre os feus joelhos j e lem muito trabalho, encolhendo as pernas , os levantava no ar , meramente com a for, a dos mufculos , que fervtím para curvar as pernas , que também sáo 5 e fortiílimos ; pofto que náo tanto co- mo os que fervem para as eítender. Silv. E porque daria Deos tanta força a eftes mufculos ? Thcoà. Porque elles sáo os que continuamen- te trabalhão , levando o pezo do corpo hu- mano , que he grande , e reputa-fe ordina- riamente valer 140 libras. Já os mufculos dos lombos , que náo tem tanto trabalho , c fervem de nos lazer endireitar depois de in- clinados para diante , conforme a obfervaçáo de Defv^uiiers , tem menos da fexra parte de força , que tem os muículos cxrenlores das pernas. A' proporção os mufculos do5 queixos também sáo tortiílimos , porque par- tem hum caroço de fruta , o qual para fe partir , náo baila íimplesmente o pezo de al- gumas arrobas , náo fe dando pancada , mas pondo -o íimplesmente fobre o caroço : e 16 def- Tarde víge/ima. 239 defte modo hc que fe averigua bem o pe- zo 5 que podem levantar os raes muículos dos queixos. E bafta de digrefsáo : vamos ao que nos refta da conllrucçáo do corpo humano. Eug. Vam.os , que cada vez vou fazendo ma- ior conceito da Sabedoria do Creador. He táo diverio o conceito que fórm.o de Deos agora do que formava d'antes , que me en- vergonho do pouco que o conhecia. Silv. Muito mais nos havem.os de envergo- nhar algum dia, quando ie correr a grande cortina dos Ceos , que no-lo efcondem. Theod. Eíta he a principal utilidade , que te- nho achado no eítudo da Fylica : vamos adiante. §. V. Do Coração , e feus movitnemos. Eug. T7 Stou já com defejo de faber o que JHj he o humano coração , pois creio que he o principio ÒA vida , e íerá prodi- gioíiilima a íua Gonílruílura. Theod. O coração tem a figura cónica , iílo he, redonda, e pyramidal , como íe ve nei- taeíiampa que vos moítro (Ejhmíp.^.jig.í.y. Eíl. ^ o leu lugar he no meio do peito entre os ^S- ^' bofes , que de huma e outra parte o acom- panháo : tem em íima huma notável glân- dula , que chamáo Thi}?w , a qual nos meni- nos ^4^ Recreação Filofofica nos he muiio maior á proporção , do que nos rdultos, e fe acha cheia de lirfa ( í )> c muitas vezes de chilo : nos varões cortu- ma Ter maior que nas mulaeies. Efta he a íituacáo do coração : vamos a defcrevella miudamente. Eug. Elperai hum pouco : vós diiTeíles , que o coração eftava no meio do peito ; mas nos lentimc-lo palpitar da pane efquerda. Thccd. Iiío procede de duas couías ; primei- ra , de que o Media íiino , ( que he huma pele que reparte o peito de aito abaixo em duas cavidades ) fica pela pane direita do coração , e aílim algum tanto fe inclina pa-- ra a parte efquerda ; além diíTb , a ponta ou cufpide (O) do coração fica inclinada para 2S coílelas efquerdas ; e por ilTo quando a cors^ção le alon;^a , bate entre eftas coftelas, e ahi o len timos palpitar. Etíg. Já entí^ndo , dizei-me mais ; e o cora- ção cfta loíto 5 ou prezo ás coftelas i Thecd. Suftentâo-no no fitio devido , não fó o Mediauino , e a glândula chamada Thi- rno , mas o Pericárdio , que he hum como facco 5 dentro c!o qual eítá o coração rodea- do de hum certo humor ; e ulcimamente também o iuípendem es grandes troncos de veias, e artérias, oue delie naícem , c logo fc efpalháo 5 e mectem pelos bores, e cofte- las , 5cc. Eiig. Ertá bemi vamos a ver a fua conftruc- cáo. ( I ) Cowper Tab. ar. Tarde vige/Ima. 141 Tkeod. Aqui o tendes neiVourra figura , aber- ro, e viito pela parte fie dentro {^Efiamp. 5. Eíl. 5. jig. 2. ) : tem dous ventrículos , ou duas H' ^* concavidades A , B ; efte que tem a letra A 5 que chamáo ventrículo direito , he mais largo 5 porém mais curto que o efquerdo B 5 o qual chega mais á ponta do coração : feparáo-fc os dous ventrículos entre íi com hum muro de carne m m. Na parte fupe- rior 5 que he a bafe do coração , por fer a parte mais larga , ha quatro grandes canaes , por onde o Tangue entra e fahc : dous , que lhe dáo íahida , chamáo-fe Artérias , e são em quakjuer das duas figuras os que tem as letras D e F j os outros dous , que tem as letras E e C , chamáo-fe veias , e fomente dáo entrada ao fangue para o coração. Eug. Eu acho aqui dous canaes com a letra C, explicai-m.e ifto. Theod. He o grande tronco das veias , que chamão Veia Cava , que logo que fahe do coração , fe reparte em dous ramos : hum , que vai para fima ; e outro , que vai para baixo ; e por iíTo fe lhe poz em ambos os ramos a mefma letra j porém vasão ambos elles todo o fangue no coração por huma mefma boca. Adverti agora , que o ventrí- culo direito tem huma veia , e huma arté- ria que lhe pertencem ■-, a C chama-fe veia cava 5 que traz o fangue de todo o corpo ; e a artéria D chama-fe Artéria pulmonar ^ porque vai aos bofes fomente. Pelo mefmo modo o ventrículo efquerdo tem outra veia , Tom.iy. Q ç 1^1 Recreação Filofofica e outra artéria , cue lhe perrencem , que vem a fer a veia pulmonar E , que traz o fim^uc dos bofes , e a grande arrcria F , que cha- máo Aorta , que reparte o Tangue por todo o corpo. Efta he a fabrica áo co'-açáo , con- íiderada , como dizem , em groíTo. Vam^os aos Teus moviroentos , e então defceremos a algumas miudezp.s. Eug. O movimento do coração creio que he o da palpitação , que todos experimentamos. Silv. Sim ; mas nem todos labem as caufas- deffes movimentos , nem os admiráveis ef- feitos que deiles jiafcem : ide ouvindo a Theodofio , e pafmareis. Thcod. Explicai vós , Silvio , que efta maté- ria vos pertence muito mais a vós do que a mim. Silv. Porém vós como mais moço , e mais curiofo 5 tendes a memoria mais freíca , e Eugénio ha de dar-vos mais credito a vós : ide dizendo , que eu replicarei no que não concordar comvofco. Thcod. Chamão-íe pois , Eugénio , os dous movimentos do coração , que tem alternada- mente , Síjiole , e Diãjhlc j Siftole he huma contracção do coração, de forte que fe ex- preme do langue que rinha nos feus ventrí- culos 5 c o lança tora com força pelas arté- rias. Nefta contracção aperta-l"e de modo , que fica com menos largura , porém mais comprido j e então he que bate nas cofte- las : ao que chamamos pclpitação. Diãficle íè cliama a fua dilatação , quando fe alargão os Tarde v/ge/Ima. 143 (Ds ventrículos , e fe enchem de Tangue ; po- rém entáo fica mais curto. £ug. Reparo , em (jue apertando-fe o coração no Siftoie , e lançando fora o fàngue , náo o lança por rodos os quatro canaes que tem , mas ró pelas duas artérias , que di:Teílcs. Theod. A razão diíTo he , porque ha no co- ração humas válvulas , que deixáo entrar o fanguô das veias para dentro , mas não o deixáo fahir outra vez para as veias ; para o que he de faber , que as duas veias Cava , e Pulmonar não vasáo o íangue immediaia- mente nos ventrículos do coração , mas em huns como veftibulos deftes ventriculos , a que chanaáo aurículas , ou orelhas , e íe rc- prefentáo nefta Eftampa (5 J fig. i. e 2. na E(\. j. lecra G e H. Eftas duas aurículas são duas ^S* *• cavidades , que íicáo na entrada dos ventrí- culos , onde entroncão as veias ; e também tem Siftoles, e Dr.reoles como os ventrícu- los 5 porém ás avéfilis : quando os ventrícu- los tem Siftoles , e viisão o Tangue , então he o Diaflole , e dilatação das aurículas , que vão recebendo o Tangue , que entretan- to trazem as veias , e o guardão para o va- sar nos ventriculos no próximo Diaftole ou dilatação ; mas então vafando-Te as aurículas nos ventriculos 5 contrahem-Te ellas-e defpe- jão 5 dilatando-Te entretanto os ventriculos ; ficíndo defte modo Tempre os Teus movi- mentos encontrados. Eftas taes aurículas tem Kumas válvulas : na aurícula direita são ^ , c chamão-Te tricufpidaes , e na aurícula eT- Q ii quer- 0.44 Recreação Filofqfica quervi.i ( que he menor , por trazer a veíct pulmcnarmenos íangue) são 2, e chamão-fe vútracs, Eíhs vulvulas fazem aqui o mefmo que nas bombas , deixáo ir o fangue para dentro do coração , mas náo o deixáo tor- nar para fora. Na parte exterior do coração acompanháo as aurículas liumas como az-^s jf^^ , G, H, (115. I.) as quaes também são ocas fir. I. por dentro. Na figura 2. reprefenta-le apeie e 2. das auriculns irregularmente , per caula da diíTecçáo , que a tirou da fua fituaçâo ver- dadeira. Eug, Náo poíTo acabar de admirar a fuprema Sabedoria do Creador neíla fua grande obra. Silv. Parecia-vos impoííivel aperrar-fe o cora- ção cheio de fangue ,. e náo laliir pelas duas veias ; e o caio he , que o mefmo fangue prohibe o caminho tapando as válvulas, co- mo faz a agua nas bombas. Th?od. Eu também eílava niílo que diz Sil- vio , ejue he a opinião mais commua , fe- guinJo o grande Lo>í;'er , no livro que de propofito efcreveo fobre o coração ; porém o Co>xper advertio em humas fibras á ma- neira de tendões , que eltáo pegadas pela parte de dentro ás válvulas miiraes , e ás três triciífpidaes j eftes tendões diz elle , que per- fuadem baftantemente , que no tempo dos Siftoles , quando o coração lança fora o fan- gue , as válvulas não ficão foltas , antes são puxadas para baixo para ficar bem tapada a paHágem do coração para as veias ; porque íazendo-fe os ventrículos no Siílole mais com-r Tarde vige/Ima. 245^ compridos , eftas fibras tcndinofas (que ef- tão prezas de huma parte ás paredes dos ventrículos , de outra as válvulas , ) hão de puxar fortemente pelas válvulas , e puxar pe- ias portas para tapar a fahida do íaní^ue pa- ra as veias. Parece que o Creador attenden- do á grande ícrça^ com que o coração ex- pelle o Tangue ( a qual he preciía para o fa- zer gyrar por todo o corpo , e vencer o rof- fado de infinitos canaes ) ; o Creador , digo , atiendendo a efta força, náo íiou das válvu- las folras o miniíferio de taparem bem as communicaçóes para as veias , quiz-lhes pôr efte freio: alias, diz o Co>X'per3 fempre al- gum fangue hâvia de íahir pelas veiss , em quanto fe náo fechaváo bem as válvulas com o im.pulfo do Tangue , que queria Tahir por cilas ; e accreTcenta , que a diTpoíiçáo das válvulas , e a fja figura cónica concorrem para ifto. Silv. Náo m.e concorda iíTo com o que tenho lido. Thcoíl. Eu digo-o meram.enre Tobre a Tua fé, porque náo Tqu Anatómico de profirsáo. Mas vede de caminho , Eugénio , como Deos na veia pulmonar , que hc menor , poz Tó duas válvulas ; na veia Cava , que he maior , poz :5. Além diílo, nas Artérias também, ha vál- vulas , que deixáo fahir o Tangue para fora , porém náo o deixáo entrar para aentro ; e eftas válvulas sáo do feitio de meias luas , e por iffo Te chamáo fani lunares , e fe vem na Eílampa , que já vos moílrei : reparai (£/- 246 Recreação Filofofca ( Eftmv.p. 5. Jig. 2. ) nas leiras e e , que re- prelentio as válvulas , que tem a AorrA , e a Artéria pulmonar, notadas pelas letras D F. Eug. Bem fe vem , e o íeu feitio manifcitv mente he de meias luas. Theod. Por eílas artérias iVne o fanguc cem impero no Sirtole do coração , e no Diafio- le pára , porque não pede tornar a entrar, prohibindo lhe as valvulss o re^relTo. Silv, E também ha fibr^^s tendinolas , que pu- xem por eílas válvulas , e as rapem no lem- po do Diiaftolc 5 aílim como dilTeítes das vei?^ í Theod. Náo lei qv.e as haja ; e quanto eu pof- fo perceber , acho que são eicuiadas ; a ra- záo he , porque o íangue que elias impedem no Diaftole he Tangue que náo faz mais for- ça para entrar , do que a que lhe dá o feu pezo 5 que he mui pouco ; porque a maior parte das artérias voltáo para os membros , que ficáo do coração para baixo , e nellas o pezo do fangue o ajuda a fugir do cora- ção ; porém nas veias náo fuccede allim, porque o Tangue que as válvulas embaraçáo , he Tangue que faz huma força mcrivel para fahir: tanta força, quanta elle leva Tahindo pelas artérias , que lorçoTameite ha de Ter grande, para que chegando ás ultimas extre- midades do corpo , vá impellindo de lá todo o que achar , até o fazer Tahir ao coração outra vez pelas veias, Portanto como efte Tangue he muito mais furioTo , pedia maior força nas válvulas que o embaraçáo. Tarde vigefmíí. 247 Eu^. As obras de Deos sáo taes, e táo per- feitanie:ite ordenadas , que até a nós , .r delias pair.vras alarinadas , porque náo as acho p(3r- tugitezas próprias ) ; e coníormc Villiilo y também ie chama glandulofa , porque verda- deiramente viíta com microícopio 5 tem mui- tas glândulas : a terceira chamáo cellulofa , e a quarta mufculoia ; porém o Ccwper con- ta íó três ; e efta ultima e interior ^ talvez compofta (de duas, que diítingue o Kulmo ^ viftu com microícopio , coniia de muitas fi- bras circulares , que cingem , e rodei áo as veias. Além difto pelo interior das veias ha muitas válvulas , que prohibem tornar o Tan- gue para trás , e lo lhe permittem feguir o feu caminho para o coração. Algumas tem três válvulas , outras tem finco , outns duas , conforme os lugares em que ellas eiiío : e foráo poílas por diverfas caufas , conforme a diveríidade das veias : nas veias que vão do coração para baixo , as poz o Author da na- tureza , porque o langue com o feu pezo podia correr para baixo , e perturbar a cir- culação j e nas veias que vão do coração para fima , as poz , porque com a tòlTc , e outros movimentos violentos podia tornar o fangue para a cabeça. ÍE"//^. Só Deos , que conhecia todas as diíH- CLildades , he que podia tão fabiimente pre- cav ellas. Thcod. No que toca á diílribuiçáo das veias a veia Pulmonar já fabeis que fe efpalha por todos os bofes, para recolher o fangue , Gue 2 5' 4 Recreação Filofcjica quf por e!!e2 diftribiTio á arreriã pulmonar ; m?s trilando da veia Cava , trmbem fe di- vide logo em dous troncos groíTos : hum , que vai para a cí-.beça e braços ; ourro para o reltaPire co corpo , e tambcm íc divide lo- go em huns ramos , que chamáo veias Cc- VCP.arias ^ que á maneira de coroa rodeiáo o coração. Os dous troncos íe vão dividindo em nmcs menores , e menores , de íorte cue fe elpainâo por todas 2s partes áo cor- po humano ; pois nâo ha nenhum.a , que não tenha fuás artérias e veias , porque to- do elie fe nutre òo fangue ; porém es últi- mos ramos sâo táo ténues , que juftamentc merecem o nome de Capilares , por imita- rem na gre-líura os c;;beilos. Silv. A queftáo mais importante que aqui ha, vem a fer fe ha anajlomozes ^ ifto he, communicaçáo entre os últimos raminhos drs artérias e veias , para poder o fangue imm.ediaramente paíTar das artérias para as v^ias. Que dizeis vós fobre efte ponto :" Theod. Eu jr.lgo que as ha j porque nós fa- bemcs , que o langue dos últimos ramos das artérias pafTa para os das veias ; e efta paíTagem ou k ha de fazer por continuação Cloa Cí^n^es , embccando huns nos outros , ou extravaf^ndo-íe o fangue pela carne , e entrando pelos poros , cu bocas das veiar capilares , que fe fuppóem abertas : ora òt{- te fegundo modo he mui difncultofo paííar o fangue , porque havia de ficar muita par- TC eftagnado por toda a carne , e logo fc ha- Tarde xigeprma, i^f Jiavia de coniblidar , e talvez infl-mmar; pois a meíma abundância de Tangue extra- vafado faria as fibras inchadas ; e quania mais íe inxhaírem , mais haviáo de ccnftrin- gir^ e apertar as bocas das veias, c prohí- bir a entrada do fangue nellas. Eug. Pelo menos , quanto me perfuacle a mi- nha razão toTca , cr2ío que muita parte do fangue havia de ficar extravafado. Thecd. Além de que , nós vemos m.aniFeíla- mente com o microícopio ( i ) nas badanas da Enguia viva os raminhos das arterií^s , e das veias fazerem hum canal continuado ; e são elles tão eftreitos , que ordinariamente pafsáo os globos , de que confta o fungue hum a hum ; porem nas badanas da Arraia viva vem-fe eílas comimunicaçôes muito ma- iores ; e algumas vezes, antes de chegarem as artérias á extremidade do corpo , ha hu- mas ccm.o traveíTas , que vâo das artérias pa- ia as veias. Ora defte fundamento pruden- temente fe infere , que em todos os m-:.is viventes , e em todas as artérias ha commu- nicação continuada de vafos , que he o que chamáo Anaflomozes. Silv. Eu também niiTo eftava , pofto que não tinha ainda vifto , nem lido eiías experiên- cias. Vamos á circulação do fangue , que he ponto , em que ainda conheço alguns Médicos velhos incrédulos. Thcod. Eu já vejo que me tenho deniorado muito mais do que efperava, eque não po- de- ( I ) Cowper Append. fig. 4-65. Tab. ]. 2 5'^ Recreação Filofoficn derei acabar hoje o que tinha que explicar a Eugénio fobre a Anatomia ; fó fe le di- latar muito a conferencia , e abbreviar mui- to o que refta que dizer. Vede vós, Eugé- nio, le quereis que corremos aqui o íio ao difcurfo 5 e que fique o reíto para á manha. Eug. Muito gofto faço de vos ouvir, e fem- }3re com violência minha deixo eíla conver- l:.çáo ; porém Te vos abbreviando-a me ha- veis de privar deniuitas coub.s, que eu po- dia faber, antes quero refervallas para á ma- nhã , em que as tratareis com mais focego , fe vós , Silvio , convindes nifto. Silv. Na verdade , que toda a Anatomia im- poílivel he que fe poffa fem grande incom- modo e perturbação da cabeça tratar em huma tarde: fique o reílo para á manha, e' vamos dar hum palTeio até o jardim. Tkcd, Vamos. TAR- 257 TARDE XXI. Continua a tratar da fabrica do corpo humano. §. I. Vo fangue ^ e da fua circulação, A pai Siív. Silv. y^ Migo Eugénio 5 aqui me tendes : náo me deícuido em acudir á conferencia , bem vedes na pon- tualidade com que venho , que já me vão agradando m.ais eftas doutrinas. £ug. Ncftas matérias creio eu que não ha fe- iração entre as duas efcolas. Aííim he ; mas no ponro que hontem largám.os , grande divisão houve entre os Médicos antigos , e m.odcrnos. Eug. Qiie ponto he ? Silv, A circulação do ír.ngue : dos velhos muitos 3L negarão , fendo ho,e huma couía certa entre os m.odernos. Eug. Qije entendeis vós por circulação de langue ? Silv. Ahi vem Theodcfio , que vo-lo expli- cará m^elhor do que eu ; e vós tendes mais fé nelle. Theod. Da fua fé não fêi nada j o que não Tom. I\^ R po- 25" 8 Recreação Filofofica poderei conceder he o que dilTeílcs davoíía explicação 5 que feria muito boa. Eug. Deixemos nós os cumprimentos. Que temos de circulação de fangue ^ Theod. Temos hum ponto cnrre mãos , cm que vós 5 Silvio , haveis de defenganar-vos a perder de todo o medo de abraçar novi- dades 5 ainda que as ignoraíTem hon ens mui grandes nos tempos antigos , e que forão Protentos de fabedoria ; pois não ha coufa fyficamente mais provadr. e certa , que a cir- culação de fangue ; nem ao mefmo tempo mais clara e patente : e com tudo ignorá- ráo-a homens , que ainda hoje o mundo nomeia com refpeito. Silv. \'erdade he que muitos a negarão 5 mas o Hipócrates creio que teve noticia delia, e algumas palavras fuás dão baftante funda- mento a crer que a conheceo. Theod. Eu de propofito averiguei os lugares que citão ( i ) , c acho humas palavras tão confufas , que he neceííario favor para nos perfuadirmos que conheceo o círculo do fangue pelos feus vafos próprios. O Galeno também querem que a conhecelTe (2) : mas cmfim fe a conhecerão , foi mui confufa- mente , porque aliás nos darião mais clara noticia delia. Silv, NilTo alTento eu. Theod. ( I ) Llb. de Corá. i;. ç. lib. de Locis In homlne , Ç. 6. & «. 9. lib. de Ajimentis , lib. de Flatlh. {>. 21* lib. de Dictn , $. 4J. lib. de Infoimúis t í» I2. ( 2) Lib. de Vju partium ^ cap. u Tarde vige/íma primeira, 2^9 Theod. Devemos eíTc defcubrimcnto ao gran- de Harveo , que lhe baila iílo para Tua im- morcal gloria. Eug, E como fe faz a circulação do fangue? Thcod. Do ventriculo efquerdo do coração fahe o fangue pela Aorta , e fe reparte por todas as artérias , e vai até ás extremidades do corpo ; tanto que o fangue correo pelos últimos ramos das artérias , entra pelos ra- minhos últimos das veias , que eftáo conti- nuados com as artérias capilares , e vem defembocando cm ramos maiores , e maio- res 5 ate dar na veia Cava , que he groííifli- ma ; efta defemboca no ventriculo direito do coração : ahi entra o fangue no Diãfio- le 5 mas logo no Sifiole feguinte fahe do ventriculo direito pela artéria puhncnar , e vai eegar os bofes , correndo por toda a ra- mificação de artérias que elles tem : deftas artérias palTa para 2s veias dos bofes , e vem-fe ajuntando nos maiores troncos , até fe reduzir pela veia pulmonar ao ventriculo efquerdo do coração , onde entra no primei- ro Diajiole ; e torna logo a fahir no Sijlcle próximo pela Aorta , como de antes fizera. Nos meninos porém , em quanto eílão no ventre materno , não fe faz defte modo a circulação de fangue : a feu tempo o expli- carei , fe me lembrar. Eu7, Tenho entendido : em fum.ma vem a ler^ que o fangue corre docorcçáo para to- do o corpo pelas artérias , e de lá torna pe- las veias para o coração ; porém fe não lou R, ii im- 2 00 Recreação Filofofica importuno , cjuizera faber como fe defcubní» ifto 3 ou que fund.imentos lia para le crer. Ihecd. Ligada cualquer veia, principia a in- char da parte que fica mais peito da extre- midade do corpo; e ligada qualquer artéria, • incha àà parte contraria , que vem a fer da parte que fica m;ajs perto do coração. Po- nhamos exemplo : fe atarmos hum.a veia do braço , incha da parte de baixo , íinal de que o fangue vem da mão para íim.a ; e fe atar- mos huma artéria , incha da parte de íima , íinal de que o fangue vai para baixo. Aqui iriefmo neftas veias da cofta da máo podeis fazer experiência prompta , Eugénio. Correi opprimindo com o dedo huma veia az baixo para Imia , e coníervai o dedo carregando na veia , vella-heis toda cheia ; correi ás avéílas de íima para baixo , e parai , carregando na veia 5 vella-heis fumida , e vafia ; ímal infal- livel de que o fangue por ella vem dos de- dos para íima, e por caufa das válvulas náo pode ir do pulfo para os dedos. Eug. Tendes razão , que aííim he. Theod. Ora fe o fangue que corre por eílà veia , vem dos dedos para llm^a , claro eftá que por outro caminho havia de ir para es dedos 5 e ahi tem.os a circulação do fangue. Silv. Na fangria fe moftra iílb bem evidente- mente , porque o fangrador antes de picar a veia, ara o braço no fangradouro para fima, para que a veia , efbndo em.baraçada , vá inchando com o fangue que vem de baixo j c efte hc hum argumento que períuade, que Tarde vigc/Ifíia primeira. 2 óf que fempre fe conheceo a circulação de Tan- gue , porque creio que fempre fe fangroii de lie modo. Theod. Os ímgradores podião fazer todas ef- {?.s diligencias , governados pela experiên- cia , fem faber a razão delia. Não dizeis vós que conheceis Médicos veI?ios , que ainda duvidáo da circulação de fangue ? pois eífes vem todos os dias iangrar dio modo que fe ufa 5 e ainda duvidão ^ porque não difcorrem que he impolíivel vir o fangue para fima pelo braço , fem que tiveiTe ido para baixo por outro canal , (e ifto he circular) por quanto fe pelo mefmo folTe , e vicfíe , tanto importaria atar o braço allima do fangradou- ro 5 como abaixo. I:ug. Ainda agora percebo eu a razão do que muitas vezes tenho viilo : quando o Sangra- dor quer acabar a fangria , põe o dedo não em íima da íizura, porque então não podia depois pôr o xumaffo fem íahir novo fan- gue , mas carrega com o dedo abaixo da pi- cada, e iílo baila para impedir que corra o fangue ; porque como peia veia corre para fima 5 opprimindo eile , e tapando a veia mais abaixo da picada , livre eftá de que corra entretanto fangue pela íizura. Agora o que não entendo ainda he , por que razão depois de correr o fangue affroxa algum tanto o Sangrador a ligadura : fupponho que he por não moleftar o braço. Silv. Não he fó por ilTo ; mas também por- que fendo mui forte a ligadura , embara^ça que a 02 Recreação FUofofica que o Tangue corra pelas artérias para bai* xo ; e fe elle náo for para baixo , não pôde depois tomar para fima pelas veias. Eu^. Percebo. Pergunto agora : E gaíla mui- to tempo o Tangue em fazer a íua circula- ção ? Dentro de três horas tornará ao cora- ção o Tangue que Tahio delle ? Theod. Dentro de três horas tem o Tangue , que Tahio do coração , tomado a elle mais oe ^CXD vezes. Pelas contas que Te tem Tei- to , hum homem são tem a perTeita circula- ção do Teu Tangue duas vezes em menos de hum minuto. Silv. Eu eílou paTmado. Como fazeis cíTas contas ? Thecd. Eu o digo. No homem , fallando re- gularmente , poderão haver 8 libras de Tan- gue , quando muito j porque obTervou-Te que em hum cordeiro , o Teu Tangue pezava a vJgeíima parte do pezo que tinha todo o cordeiro ; nhuma ovelha era menos , porque tinha todo o Teu Tangue a parte vigeTima terceira de pezo de todo o corpo ; e em hum coelho ainda menos , porque apenas importava o pezo do Tangue a parte trigeíi- ma do pezo de todo o coelho : de Torte que fe pezava todo o animal vivo 6o onças , o Zangue íó tinha duas. Logo por boas contas o homem poderá ter de pezo no Tangue a parte vigeíima de todo o Teu pezo ; de Tor- te que pezr.ndo regularmente 140 , ou 160 libras , vem a ter quando muito de langue 7 3 ou 8 libras ; mas demos as 8 embora , re- Tarde vige/Ima primeira. 265 repartindo as 8 libras em onças , são 128 onças , he precifo agora ver quantas onças de Tangue entráo no coração em hum Di- ?.ftole 5 e ver quantos Diaíloles ha em hum minuto. Silv. E quem ha de averiguar a quaniridade de Tangue , que entra no coração em hum Diaítole ' Theod. Tira-Te por conjectura deite modo : péga-Te em hum cão ( miTeravei animal por eftar prompto a Temelhantes experiências) fere-Te na veia jugular , e com hum canudi- nho Te lhe entromette hum eTpirito para congellar o Tangue ; como efta veia vai di- reita ao ventriculo do coração , logo con- gella o Tangue que ahi acha ; e congellado , não pode Tahir pela artéria pulmonar. Se abrirmos depois o cão , acharemos no Teu ventriculo direito humas vezes 6 onças de Tangue , outras ainda mais. Porém hc de notar , que o coração Te achará disTorme- mente inchado , e abatendo alguma couTa defta conta ; mas Tazendo argumento para o homem , que tem coração muito maior , pa- rece-me que prudentemente lhe podemos dar 4 onças de Tangue ao menos no ventriculo direito do coração em cada Diaftole. Etíg. EíTas contas bem Tavoraveis váo. Theod. Suppoílo iílo em :52 pulTaçóes , todo o Tangue entra no coração , e Tahe delle ; porque a 4 onças em cada Diaftole, ^z di- aftoles dão 128 onças , que he todo o Tan- gue que Tuppomos haverá no homem. Ora re- 264 Recreação Filofqfica regularmente fallando , em hum minuto tem hum homem são 70 pulfaçócs ; e auando não fejáo mais que 64 , he o que bafta para que duas vezes em hum minuto todo o Tan- gue entre fuccellivamente , e faia do cora- ção. Vede quáo breve he a circulação do fangue. Silv. Parece-me muita brevidade ; porém Te os princípios y fobre que fe firma o voíío difcurfo 5 sáo verdadeiros , elie não pódfe errar. Tkeod. Ainda que queiramos que no ventri- culo direito entrem por cada vez fó duas onças de fangue , femprc temos que fe faz a inteira circulação em muito menos de hum minuto 5 ainda fcm haver febre ; porque ha- vendo-a , he muito mais veloz , pois lOO 'ulfaçóes , e mais, caberão em hum minuto. Já agora não me admira a promptidão , com que obrão alguns remédios ; pois toda a demora eftá em que fe introduzáo nos va- fos do fangue ; porque introduzidos que fe- jão 5 em hum minuto tem corrido rodos os membros , e podem fazer o eífeito que fe defeja. Thcod. Antes que paffemos adiante , quero- vos explicar , Eugénio , as partes de que confta o fangue , e qual he a caufa da fua cor vermelha. Eug. Ha muito que a defejava f?.ber ; porque fendo os íJimentos com que nos fuftentamos de cores mui diverílis , e fazendo-fe , como dizem , o fangue do mcfmo alimento que to- Silv. Tarde 'Vige/ima primeira, 26^ tomamos , não lei como elie pôde íer íem- pre vermelho. Tbeod. A razão difto he j porque de rodo o alimento que tomamos , íó fe conlerva no noiTo corpo a parte útil que fe converte em /juilo; efte quilo he huma fubftancia mui fe- melhante ao leite , com a mefma cor e quaíi as mefmas propriedades; por confeguinte he forço vo que neiie haja muita quantidade de partículas oieofas e pingues , aílim como as que ha no leite ; cíias partículas no quilo eíiáo m.ifturadas com muitas partículas í^ili- nas : he agora de notar , que com o calor do coração e dos vaíbs áo la.ngue , entrão a iniilurar-fe intimamente as partículas íalinas .com as oieofas e pingues , e daqui naíce hu- ma diverfa coníiguraçáo de partículas , fer- mentando humas com outras , ajudando a iíTo o calor : e muda-íe d efte m.odo a cor branca em vermelha. Temos huma boa ex- periência , que confirma ifto ; porque o lei- te mifturando-o com os faes de humas cer- tas cinzas 5 fervendo-o , m.uda a cor branca em vermelha ( O • ^^b^ também as partes pingues e falinas do quilo , que he branco , e femelhanre ao leite , cobrando grande ca- lor no coração , mudara a cor branca em vermelha. Silv. Sempre me parece muito , que io o ca- lor faça mudar a brancura do quilo em hu- ma cor tão viva, como he a do fangue. Thcod. Já a experiência moílrou ( 2 ) , que o qui- j[i) Jo. Adani. Kulm. png. 117. (3) Idem. 2 06 Recreação Filofofica quilo poílo ao lume íem mais diligencia, com o calor fe faz vermelho. Bug. Pois eu cinha ouvido dizer , que o ar ne que dava a cor ao Tangue ; mas não me fouberáo dizer porque, nem como. Theod. Direi : também concordo que o ar ajuda muito eftaccr; e reparareis , que quan- do fe hz huma fangria do braço , depois que o fangue fe feparou do ibro , e fez hu- ma pofta , reparareis , digo , que voltando-a de baixo para fima , nâo eítá tão vermelha na parte que era inferior , como na outra que citava expofta ao ar. E a razáo difto he , porque no ar ha muitas particulas fali- nas, que ajudáo a avivar a vermelhidão , que deráo ao quilo as outras particulas fiilinas , que lá havia. Logo também nos bofes pode- rá o ar que refpiramos dar alguma verme- lhidão ao fangue ; porém difto fallaremos depois , quando tratarmos da refpiraçáo. Eug. Vamos agorn , antes que vos efqueça , a declarar de que particulas confta o fangue. Thcod. O infigne Anatómico Bidloo propõe hum modo fácil de examinar as partes , de que confta : Mette-fc em hum canudinho de vidro mui delicado e delgado huma gota de fangue frefco , e fecha-fe ermeticamente o ca- nudo ( ifto he , derretendo-fe o vidro com o fopro da chamma , como já vos diffe ") : obferva-fe com o Microfcopio ; e o canudi- nho parece muito maior , como também de ral force crefce a figura das particulas do fan- gue , que fe vè na forma que reprefenta ef- ta Tarde 'vigefima primeira, 267 ia ( Efiampa 5. fig. p. ) BB, ssro humas be- Eft. 5. jcii^uinhas redondas e vermelhas , ou globo- ^S* 9* íinhos 5 de que confta o íiingue. Já li , náo me leRibra em que Author , que eftes glo- bos do íangue comparj-dos com o reílo , eráo a pane duodecina. CC são humas fibras pe- qi:?nin?s , que tem diverfas fituações ; além dilTo , ha no rcílante do efpaço huma maíía áz varias cores. O famofo Ccwper ( i ) tef- tirca, que fazendo diverfas vezes efta mef- rna experiência , lempre obfervára o Tangue defte modo : e perfuade-fe eile , que efta tal rnalla de varias cores náo he fenáo o foro do fangue algum tanro coalhado com o ca- lor , que derreceo o vidro para fechar o ca- nudo. E também conjeci^lura , que quando fe abre o tal canudinho , ou o íangue fe mif- tura com a2;ua quente , as muitas fibras que fe vem podem fer os mefmos globofinhos embaraçados e pegados com parte do foro, que fe coalhe. Silv. Mais fácil acho eu ainda outro modo , que traz o Bidlco para conhecer as particu- las do langue : depois que qWq fe fepara na- turalmente do foro 5 fobre hum papel unta- ílo com toucinho , p5e-fe hum bocado defte fangue congellado , deixa-fe feccar ; e depois correndo levemente o dedo por íima , vem pegados huns globofinhos e fibras , em que com o Microfcopio fe vê diverfidade nas fi- guras e cores. 'Bug, Em tendo opportunidadc , todas eíTas ex- ( I ) Cov/per Tab. 23. %, 16, 268 Recreação Filofojka experiências hei ce f^zer , porque dáo mui- ta mais luz 5 (do que as eftampas. Thecd. A* manhã pela manhã as faremos , pois temos Microfcopios muito bons. Va- mos agora a tratar cia iiltraçAo do fangue. §. II. Dã Fíítra:ão do fangue , Oride fe tra^a do Pân- creas , do Fígado y do B.í:o , dos Rins , c da Bexiga. A Circulação do Tangue tão paímofa e admirável como he , náo cuideis Thcod. l\ e admirável como he , náo cuideis vos que he fomente dirigida a nutrição de todos os membros : alem defte íim outro ha , e mui principal , que he fazer paííar o iangue por divcrfos hitros , onde delle fe feparão diverfos humores , que ha no corpo humano. Eug. Qiie entendeis vós por efta palavra fl~ trcs ': Thcod. Quando o fangue paíTando por algu- ma das entranhas deixa ahi algumas partes fuás , e outras pafsão e fe trafcoláo , da ma- neira que fucccde quando queremos alimpar qualquer fluido , que o cuamos por hum panno , então dizemos que o fangue fe fil- tra ; e efte tal lugar fe chama filtro. Deftes ha muitos no corpo humano : os principaes são o Pâncreas , o Ba{0 , o Fígado , e os Rins, Eug, Tíirde 1'igefitna prmeira^ 2Í9 Eug> Eíle primeiro nome nunca o ouvi j que eiitranlia ne eíia i Thecd. O Pâncreas he humr. enrrr.nha , que £ca logo por baixo co vaitricido , a que vui:^arm.ente íe cham.a cRomago ; no homem o Pâncreas tem a figura da lingua de c?.o : tem de comiprido 8 ou 9 poUegadas , terá duas de largo e hum.a de grolTo , tallando regularmente : aqui vo-lo m.çllro neita figu- ra ( 7 ) deilt Eftampa ( 5 ) . Eis-aqui tendes Eíl. ç. o Pâncreas A E , que fica encoftado ao ven- ^â* 7- triculo C pela parte de baixo ( i ). ConPta de varias glândulas 000, pelas quaes quan- do paíla o íangue , deixa leparado hum hu- mor , que fe chama fiicco p^nicrcãtico ( que he hum humor claro , e lubdcido ) . Pelo meio do Pancrcãs ao comprido vai hum. ca- nal , comio vedes , á maneira do talo de hu- ma penna , o qual para as ilhargas eípalha outros canaes pequeninos ^ que vão ter ás * glândulas ; por cada hum deíles raminhos vem entrando o íucco , que íe fepara do íangue nas glândulas , e todo elle vem parar ao canal do meio. A eíle lium.or chamáo fucco pancrentico , e entra junto com a Bilis ( de que logo íallarei ) no prim.eiro inteíli- no 5 que fe chama Duodeno , que aqui prin- cipia. Eii^. E que ferventia tem eíTe humor fepara- do do Tangue í Deos náo o íez de balde. Theod. Serve para facilitar a digeftáo dos ali- m.entos. Mas vam.os ao Figado , onde fe fe- pa- ( / ) Adam. Kulm. T^b. 22. pa^. 161, 270 Recreação Filofofica para do fan^ize a Bílis. Haveis de í:-.berj que no Fig?;3o ha huma bexiga , que vul- garmente chamamos Fel , onde fe contem a Eilis , ou cólera. Silv, Dizei-lhe primeiro , em que lugar £ca o fígado. Theod. Vós lhe podieis dizer com mais cer- teza, porque eftes cftudos mais vos perten- cem a vós 5 do que a mim ; porem poupar- vos-hei eííe trabalho , refervando-vos para a correcção dos defeitos , que eu commecter em fciencia alheia. Silv. Deixemos cumprimentos ^ que fe gaíla o tempo inutilmente. Theod. O Figado íica logo de baixo do Dia- fragma , que he aquella pele atraveiTada , a qual dilTe eu , que feparava a região do pei- to 5 da região do ventre j fica á parte direi- ta 5 pouco mais ou menos , onde toca o co- tovello direito , quando o encoftam.os ao cor- po , e de algum modo paíla por fíma do ventrículo: dentro de íi tem o Figado a be- xiga do fel, que £';z a figura de huma pêra vergolofa , ou alguma outra efpecie ainda mnis aguda : Q\bí bexiga confta de quatro membranas , ires próprias , e huma commua a todo o figado. Ncfta bexiga contém-fe a Bílis , a qual he hum humor amarello , e mui amargofo, e fc fepara do fangue no Fi- gado. Bug. E por onde veio o fangue para o Fi- gado r Theod, Perguntais bem ^ porque vai por hum du- Tarde ^Ige/ima prmjeira. 271 duelo 5 que ainda vos náo expliquei , o qual chamáo a veia Porta. Efta veia Porta tem o feitio de huma arvore com raizes , tron- co , e ramos ; as raizes efpalháo-re pelo fí- gado 5 c os ram.os pelos inteftinos ; e o Tan- gue que de lá vem, fe vai ajuntando em ra- mos mais groíTos , e ultimamente no tronco que he groíío , e palia por entre as mem- branas ou peles 5 que compõem o A^Iezcíne- rio 5 do qual já vos fallei. Efte tronco da veia Porta differe das outras veias em náo ter válvulas , e differe das artérias em náo ter pullaçáo : a veia Porta já dentro do Fi- gado 5 divide-fe em raminhos á mianeira de raizes de huma arvore , as quaes fe efpalháo por todo o Figado ; c ahi fe fíltra o fan- ^ue , e fe fepara delle a Bilis ; a qual , como já dilTe , vai para a bexiga ào fel ; e o reflo do fanguc vai para a veia cava , que tem ahi muitos ramos efpalhados. Silv. Alguns antigos queriâo que o fígado foífe a officina do fangue ; porém engana- váo-fe 5 porque, como vós dizeis, fó ferve de o filtrar. £1/^. E que fc faz deíTa Bilis , que fe guarda na bexiga do feP Theod. Vem por hum canal vafar-fe no In- teftino Duodeno , e no caminho fe encon- tra com o fucco Pancreatico , que vai dar ao mefmo inteftino : efte canal chama-fe Diião Cholidocho ; e hum humor mais outro mifturando-fe , fazem fermentar o alimento que iá vem do ventrículo com princípios da digeílão. Stlv. 272 Recreação Filofofica Silv. Ha mui poucos ciias , que eu eftive fen- do hum Author ( I ) 5 que trata ex profcjfo ca Feia Porta ; e fiquei admirado dos gran- des damnos 5 que fe origináo , principalmen- te nas mulheres 5 da ienta circulação do Tan- gue neíta veia : chama-lhe elle Porta de en- fermidades, Theod. Como não tem a pulTação , nem a elafticidade das arcerias , náo lacode o Tan- gue com força ; por outra parte como náo tem válvulas , e lóbe de baixo para íim.a , vai dentro delia o Tangue carrei^r.ndo hum fobre outro , e impedindo^ de Trma a Tobi- da ao de baixo , por iffo tem mui vaga rc Ta circulação. Eug. Eu me admiro de que não fique efta- gnado abTolutamente , Tendo , como creio que são , mui miúdas as veias do Mezente- rio 5 donde lhe vem o Tangue , e também as do figado 5 por onde o vaTa ; e tanto ná en- trada, como na Tahida, ha de vencer o Tarf- gue dobradas diíficuldades para cirailar , con- Tcrme ao que diJeítes. Thccd. Com.tuco , fiscilira a circulação deíla veia o m.ovimento do diafragma, que a cada reTpiraçáo Te abate, e torna a levantar, pon- do em movimento todrs as entranhas infe- riores ; e além difib a força , com que o •langue v-í«i para as veie s do jVíezenterio , porque emnm ha de expellillo para Tora , o que quer entrar de novo. Eug. Ha de haver a mefma razão , que nas mais veias capilares. Thcod. { I ) Stahlius DiiTert* de Veua Port. Tarde iigefima primeira. 273 Tbeod, \^amos agora ao Baço : .O Baço fica para a parte efquerda , em correípondencia do Figado , algum tanto para trás do ven- triculo 5 debaixo do Diafragma , unido a clle , e ao ventrículo , e ao Rim próximo , <]ue he o eícuerdo ; tem a figura de huma lingua ; a parte fuperior he convexa , a in- ferior concava ; tem de cornprido no homem até íeis poilegadas , de groíTo huma , de lar- go três ordinariamente. Eug. E de que ferve o Baço ? Theod. O Baço tem huma artéria chamavda Splcnica , por onde vai o fangue para elle, c tem hum raiiAo groíTo de veia chamado veia Splaiica , que trás de lá o fangue : donde fe infere, que o fangue vai lá a pre- parar-fe de algum modo. Sílv. Os Antigos queriáo que o Baço conf- talTe de glândulas , e que nelle fe reparalfe a atra bilis ou melancolia ; porém, hoje co- nheee-fe , que a fua fubftancia náo confta tanto de glândulas , como de fibras , e ou- tros vafos ; e he a melhor opinião , que fer- ve de atenuar , ou desfazer mais o fangue , de forte que mais facilmente polTa no figado feparar-fe delle a Bilis. Thcod. O certo he , que o Baço nao he , co- mo alguns quizeráo , huma entranha ociofi , pofta naquelle lugar para equilíbrio , e cor- refpondencia do Figado. Forque além de que fe perfuade pela boa razáo , que náo concorda hum fim táo inútil com o mais ar- . lificio do corpo humano , já fe tem feito . Tom. IV. S ex' 2 74 Recreação Filofqfíca experiência, que os animaes, a quem ferem tir^.do o Baço , brevemente contrahem en- fermidades , e morrem. Eug. E que me dizeis vós do que julga o povo, que a eftes ^'olantes , que correm a pe mais do que pcftilhóes de cavailo , na idade da infância lhes tirarão o Eaço , e que por iiTo não canção í Theod, Julgo que he hum dos muiros erros , que por tradição das velhas fe vai confcr- vando na crença dos meninos , e gente ru- de. Vamos adiante. Os Rins he o ouiro fil- tro iníigne do fangue , onde delle fe fepara a Orina. Tem os Rins a figura de hum fei- jão : iAqui tendes hum pintado , e aberto pe- io meio ( Eftãw.p. ^. fi^. 4. ) ; são dous os Rins poftos em ccrrefpcndencia junto do efpinhaço 5 debaixo do Figado, e do Baço; a parte convexa olha para fora , a parte con- cava , pela qual elláo prezos ás mais entra- nhas, olha para dentro: dos Rins vão dous canaes , de cí;da hum fcu , que chamião Urc- W^s : aqui eílá hum e í , o qual vai entrar na bexiga , que eftá na parte Ínfima , e an- terior do ventre. Ccnfta cada hum dos Rins de 3 partes , que vem a fer a que fe pódc - chamar Cortiça ou parte mais exterior , a fua fubílai^cia interior, e a pclvis P, ou ba- tia 5 que ha no lugar mais concavo , donde principiâo os ureteres. A cortiça coníta de muitos vafos ténues , que fervem de feparar do fangue a parte forofa , que depois cha- mamos orina : a fubliancia dos Rins confta de Tarde rige/itm primeira. 175' de muitos caniicinhos , peles qiiaes vai ;t orina ^á íeparada do fangue para a pelvis ^ ou bacia : a pelvis he huma pele liza , que como Rinil recebe o humor íeparado , e o palia pelos ureteres para a bexiga. Os Urete^ rcs sio groiíos como huma pcnna de efcre- ver; porem conftáo de muitos duelos delga- dinhos, que todos juntos fazem eíla grolTu- ra , e a peívis por diverfos buracos vafa o humor em cada hum deites duólos delgados. Silv. Já houve quem deicubrio certas válvu- las rjos Ureteres , que foi o Cofctwúz nhu- ma DilTertaçáo elpecial , que fez no anno de 1-25. Eug. E como fe filtra ahi o fangue? Theod. Aos Rins vão ter hirmas artérias, que chamáo etimlgefites a a , t humas veias , que tem o meimo nome m m. Suppofto ifto , vai o fangue pelas artérias emulgentes aos Rins , nelles fe fepara do fangue a parte forofa, e inútil para a pelvis , e o reito do fangue vai pelr^ veias emulgentes para a veia Cava, Eug. Agora fei que a orina he prte feparada do fangue , e talvez que por efta razão íb valem os Médicos da fua obrervaçáo , para conhecer o efiado do fangue. A^té aqui cui- dava que do ellom>?.go cu dos Inieflinos fe feparava a agu^i ou humúdade dos alimentos i e que iílb era a orina, Silv. Alguns Authores ha , que querem que nem toda a orina feja feparaçáo do fangue pelos urereres. O Aíerio ie esforça a provar que delíie o vencriculo fe comciunica ^algD- S ii ma 17^ Recreação Filofofica rna porçáo cia bebida á bexiga , fem haver para ilTo duelos efpeciaes ; porque diz que tralTudará pelos poros do ventricuio alguma parte dos líquidos , a qual por entre as mais entranhas atraveíTando os poros da bexiga , pode entrar dentro delia para fahir com o refto da orina , que fe fepaja do fangue. Thecd. O célebre Ví^olfio confirma efla opi- nião 5 provando com huma experiência ma- nifeíía , que a agua pode trafpalTar os poros da bexiga de íóra para dentro ; porem com refpeito a tão grande homem , não faz miui- ta força o argumento ; porque no cafo da experiência fe fuppõe a bexiga mui eftendi- da , e a agua he impellida com grande for- ça ; e nada difto fuccede no corpo humano. Silv. O Doleo quer que do fundo do ventrí- culo hajáo duelos efpeciaes para a bexiga ; e outros querem dar palTagem dos inteftinos para a bexiga ; porém ainda não appareceo efb communicaçáo. Se bem que eu acho grande força no argumento que fazem ; por- que vcm.os que huma larga bebida , e repe- tida com exceíío , obriga a huma deícarga prompta do mefmo liquido , fem haver tem- po a dar tantas voltas , quantas são precifas para ir do ventricuio aos inteílinos , dahi ao ÍMezenterio , dahi p^o òut\o thoratico e veia cava ao coração , e entrar nas artérias , correr rodos os pafíos que corre o fangue para fe feparar pelos ureteres , e ir ter á be- xiga. Theod. ElTe argumento forte he , mas não tan-. tg Ta7'de vigejima primeira, ijj £0 como parece ; porque fe vos lembrardes da preíleza da circulação do Hingue , conhe- cereis que náo ha mais demora fenfivel em checar o liquido aos Rins , do que em ic introduzir no fangue ; e ifto nos liquidos fe faz com huma brevidade incrivel , como di- temos logo. Além diíTo como todos os du- elos ou caminhos , que ha dentro do corpo humano , eftáo cheios , quanta força fe fizer para entrar hum liquido no canal ^ tanta ha ile experimentar o que já lá eftiver em ul- timo lugar para fahir ; e por outra parte co- mo náo apparece paíTagem para a bexiga, fenáo pelos ureteres , e eftes são o defagua- douro ( expiiquemo-nos alíim) do foro in- útil do fangue , devemos eílar pela opinião commua. Mas vamos já a tratar dos vafos , que fervem á nutrição , fe acafo vós^ Eugé- nio 5 não tendes ncfta matéria alguma coufa que perguntar. Eug. Eu tenho feito o conceito , que baila a quem náo ha de fer Anatómico , nem Ci- rurgião : náo nos demoremos , pois receio que demos defcommodo a Silvio. SWw Como he matéria tanto da minha pro- liisâo , faço de conta que eftou eiludando. §.III, 278 Recreação Fílofofica §. m. Dos vafos y que fervem a NiitrkXo, Theod. Ç Uppofto ifto , haveis de faber , FaI' O génio , que o alimento que toma- mos, já na boca principia a ter alua digef- táo : para iííò nos deo a natureza dentes , que maftigando-o , e reduziído-o n partes mui pequenas , o podem dcshizer ; rr.mbem concorre para ilío afcíiiva, que he hum hu- mor que nafce de humas glândulas , que te- mos efpalhadas por diverías partes da boca. Tanto que o comer eftá baftantemente des- feito entre es dentes , entra pelo Ezofago y ou , como ohamáo vailgarmente , goela , a qual he hum canal lizo e direito , que atra- veíTando toda a regiáo do peito , patTa pelo diafragma , e vai parar ao ventrículo ou ef- tomago. Eu vo-lo faço vej nefta figura 5. defta Efbmpa (5). Elle canal E chamamos Ezotago 5 pelo qual vai o comer : não fc pintou aqui mais que hum bocado , para dei- xar ver a Afpera artéria , que fica pintada por baixo delle. £ug. E não tem communicaçáo nenhuma o Ezofago com o peito ? Theod. Náo : toda a entrada que ha para o peito, he por outro canal, que àeíde aboca vai aos boles ; porem efte canal, que cha- jnáo Tr/ichea ou Afpera artéria , aqui eftá pin- Tarde vige/Ima príme ira. 279 pintada nefta mefma iigura (5^ : he o canal m n ; e na figura íeguinte le vè a mefma afpera artéria por diante , pela parle que fica para a garganta , porque na figura 5. íe vè pela parte que olha para o cachaço. Pofto que crte canal feja diverlb do Ezofagõ , vai junto e emparelhado com elle j mas perten- ce aos orgáos da rerpiraçáo , de que have- mos logo de failar. Porem o Ezoíago vai direito ao ventrículo , entra nelle por hunr lugar que chamáo Cárdia. Do ventrículo fahe o alimento para os inteftinos , ou vul- garmente tripas , por hum lugar , que cha- máo Piloro. Nos inteftinos íe acaba de fer- mentar, e digerir; fepara-fe a parte útil pa- ra a nutrição , e elTa vai pelas veias lacleas entrar no dudo thoracico , e veia cava , c a parte inútil vai correndo todos os inteftinos , ate fe lançar fora. Siív. Tudo ilTo alíim he ; porem explicai miu- damente cada huma delias partes , para maior intelligencia de Eugénio. Tbcod. Eu o faço : o ventrículo tem cíia fi- gura 5 que fe reprefenta nefta Eftampa ( Ef- eíI. ç, tampa 5. Jig. 7. ^ . Aqui onde eftá a letra fig. 7* M , he a entrada onde prende o Ezofago : chama-fe Cárdia , e a doença que procede de eftar efta parte offendida , chama-fe Car- dialgia. Silv. Qiie he terrível , e de difficil cura. Thcod. Onde eftá a letra P , chama-fe Piloro , he a fahida , e tem huma válvula, que dif- áçuita o regreflb do alimento para o ventri- cu- a 8o Recreação Ttlofofica culo 5 depois de paíTar para o duodeno D. Dentro do ventrículo ha hum humor , que nafce de humas glândulas , que eftáo no fundo do ventrículo , e fe chama humor graftico ; a eíle humor , e ao que vem de algumas glândulas do Ezofago , fe deve at- tribuir a digeftáo do alimento , que ha no ventrículo ; como também ao refto do ali- mento 5 que ficou mal digerido no eftoma- go 5 que ferve como de fermento para exci- tar 5 e promover efta digeftáo ; aílim com.o a maffa de trigo corrupta excita a fermenta- ção da outra malTa , quando íe leveda ; por quanto não devem fer attcndidos alguns an- tigos 5 que diziáo que fó com o calor fe fa- zia a digeftão dos alimentos. Nós vemos que os oftos , e outros corpos duriííímos fe cozem no eftomago dos cáes j e para cozer os olíos com calor , he neceílario hum calor horrendo , ou largos dias. Silv. Alguns querem , que a dígeftáo fe faça meramente com o movimento per ijlal tico do ventrículo ^ que vai moendo , e desfazendo o alimento , que tem dentro ; e a razáo que allegáo he , porque aliás a mefma fermenta- ção , que fazia digerir o alimento, desfaria também a ful^ftancia do ventrículo. Theod. Bem fei que deíía opinião foi o Pit- caniio ( I ) ; mas não he ieguida commum- mente , porque para desfazer o alimento por movimento , era prccifo outra dureza na fiib- ílancia do ventrículo , aííim como ha nos den- ( I ) Opufcul. Medic. pag. 67. Tarde 'cigefima primeira. 281 dentes ; e além diffo nunca haveria a diílb- luçáo das partes eterogeneas do mantimen- to. Demais , que á razão que elie dá que fe havia de gaíbr o ventrículo com a fer- mentação 5 reiponde-Te que Deos , quando o fez 5 fabia muito bem o miniílerio para que o creava , e podia dar-lhe huma contextura tão tenás , e torte , que lhe não faça damno o humor dilTolvente , aííim como a agua forte não diííoive a cera : e a nutrição quo- tidiana o podia reparar. Eug. Talvez que a fome proceda de fe ir gaitando o ventrículo. Thccd. Direi , a fome de duas caufas proce- de : a primeira he effa que apontais ; porque o humor graftico , que , como diíTe , nafce das glândulas do Ezofago , e do ventrículo , e outros humores dos ihteftinos , que con- duzem á digeftão , não achando alimento , em que fe empregue , entra a roer , e veli- car as fibras do ventrículo , e inteílinos , e daqui procede a íènfação molefta da fome. A legunda caufa he o m.ovimento periftalti- co do ventrículo , e interinos , os quaes ef- tando vaíios , humas partes roção pelas ou- tras j e na membrana nervo fa de que conf- táo 5 fe experim.enta eífa feniação molefla, que fe chama íome. Eug. E a fede em que confiffe ? Th:od. Coníifte na fcccura da garganta , pelo calor do eftomago , efpecialmente quando efle trabalha mais na digeftâo dos manti- mentos foiidos e feccos , a humidade do Ezo- 282 Recreação Filofofica Ezofago e garganta fc fécca \ e eíla feccura fiz, que as íibras internas, de que fe com- põe a garganta , le tornem mais rijas , e elaiticas ; e daqui procede a modefta fen fa- cão , ■ que chamamos fede , a qual Te extin- gue com humedecer a garganta com agua. Mas vam.os já aos inteftinos. Já diíTe , que o ventriculo fe continuava com es inceíliiios por hum lug.-^r , que fe chama Piloro , e tem numa válvula ; fica ifto junto do fígado á pr.rte direita , e a entrada Cárdia fica mais á elquerda. Os inteftinos todos juntos fazem hum canal contmuado , que regularmente tem féis vezes o comprimento do corpo to- do. Sáo féis. Eu^^. Já vós o diíTeftes , e os feus nomes , fc me não engano , sáo Duodeno , jcjuno , /Icon , CecufU , Colou , e JicFto. Thcod. ElTes sáo : o Duodeno , allim chama- do , por ter 12 poUegadas , he o primeiro: Tem muitas glândulas , que , como notou W^pfcro , todas ellas deitáo fucco próprio para a digeftáo. iív. Siív. E além dilTo , nelle fe defpcja o fucco do Pâncreas , e a Bilis , a quem fe deve at- tribuir em grande parte a digeftáo do co- mer. Eug' Eu creio , que eftes inteftinos dáo mui- tas voltas para baixo , e para íima , para trás , c para diante , em ordem a accommodar-fc no lugar que lhes he dado. Silv. Aílim he ; mas femprc conferváo amef- ma poftura em quafi todos 05 homens , da qual Tarde ligefima primeira. 285 qual náo fe mudáo , porque eJftáo unidos ao IVÍezenterio. Eug. Vamos adiante. Thtcd. O jejuno quaíi fempre eftá vafio , tem válvulas \ o lieon tem também lua válvula, que prohibe o regreiío ao alimento : eftes três intcftinos sáo mais delgados que os ou- tros 5 e ficáo rodeados dos mais groííos , que sáo o Cccum , que tem quatro poUegadas com pouca difterença j tem hum appendix de feitio de huma cobrinha pequena ; le- gue-íe o Cólon , que de ordinário he onde íe formão as cólicas. Silv. Aílim he ; os flatos que fe conferváo nefte inteílino , entráo a cftendello , e ao Mezenterio , a quem eftá pegado , e nefte movimento e extensão violenta eftá a dor, que experimentamos. Theod. Emíim o ultimo inteftino he o Reão ; mas o que he agora digno de fe faber , não he o caminho que leva a parte inútil do alimento , mas o caminho que leva a parte útil , que ferve á nolTa nutrição. O Mezen- terio he huma membrana traniparente , af- fim como a da bexiga dos animaes ; mas he íiuplicada , ifto he , confta de duas pegadas entre íi , por entre as quaes pafsão varias veias e difterentes vafos , nafce das primei- ras três vértebras dos lombos ; a fua circum- ferencia tem quatro braças , e por toda ella cm roda eftão pegados os inteftinos ; porém por entre huma membrana e outra das que compõem o Mezenterio , pafsão muitos va^ fos 284 Recreação Filofofica fos ou canaes ; huns leváo hum humor cla- ro 5 que chamáo lympha , a eftes vafos fe chamáo linfáticos , e por caufa das muitas válvulas que tem , parecem cheios de nós. Ha outros vafos , que chamáo veias laãeas , porque parecem cheias de leire : eftes vafos nafcem dos inteftinos em raminhos mui té- nues 5 e váo ter a humas glândulas , que ef- táo efpalhadas pelo Mezenterio : eftes cha- máo-fe vafos laãcos do primeiro género ; po- rem deftas glândulas váo outros duelos fe- melhantes , que fe chamáo vafcs lãã:OS do fegiindo género , e leváo o tal humor bran- co , que fe chama quilo , para hum tronco maior defles vafos , que fe chama cijierna la- ãea ou receptáculo de Pequeno ; por quanto elle foi o primeiro que o defcubrio. Defte receptáculo ou dilema viii hum canal junto tom a Aorta pelo corpo aíhm.a , e vai en- troncar-fe na veia fubclavia efquerda , e dahi entra na veia cava, vafando ahi o quilo , que veio dos inteftinos , feparado òã parte mais craca e inútil do mantimento. Advirto , que o t-l canal do quilo (que fe chama Duão thoracico , porque atraveíTci todo o thorace ou peito ) tem muitas válvulas , que prohi- bem que o quilo defcendo , torne para trás. Silv. Também ha huma válvula femilunar , onde o thoracico entra na veia fubclavia ef- querda , a qual prohibe que o fangue entre por elTe caminho , que fó he rcfervado para o quilo. Eu^. Onde principia o duflo ihoradco^. Theod. 7 arde vige/ima primeira. ^Sy Thecd. Regularmente o receprciculo do quilo fica per baixo do Rin efc^uerdo , e ahi prin- cipia o duão thoracico. Eug. A multidão das coufas me faz ás vezes efquecer do que queria perguntar ; antes qi\e me efqueça , quizera que me diiTelTeis fe lempre o quilo he branco , á maneira de leite r TheGíL Sempre he branco , feja qual for a cor do alimento que tomamos j a razão diflo he , porque todo o alimento , efpecialmente na parte mais útil , e que fe fepara para a nu- trição 5 he pingue e oleofo : ora hc coufa bem confiante , que todo o corpo oleofo rniíturado e agitado muito com algum hú- mido , efpecialmente fendo alkalico , como he a Bilis , faz huma miílura branca á ma- neira de leite. Silv. Nas boticas em innumeraveis remédios fe experimenta iilo : quando fe fazem varias emulsões de algumas fementes oleofas mif- turadas e batidas com agua , ficão como leite. Theod. Eis-alli porque fem.pre o fangue fica vermelho , porque , como vos diile ( i % fempre fe forma de quilo branco , e de na- tureza de leite ; e o leite , fervido com huns certos íaes , fe faz vermelho , com.o difie. Eug. E pergunto agora : Acafo o leite fera o mefmo quilo ; porque com.o o quilo vem bufcar a veia que fica no peito , pode fer que dahi fe communique o leite aos peitos: que dizeis ? Thcod, ( I } P.1Ç. 2Í5, iSó Recreação Filofqfica Theod. Alguns íoráo delTa opinião ; porem c\i períuacio-iTie que o leite he licor , que fe íórma do fanguc , aílim como todos os mais fluidos do corpo humano. Silv. Olhai vós 5 Theodoíio , eu baílantes ar- gumentos acho pela opinião que Eugénio apontou ; porque primeiramente fuccede mui- tas vezes cheirar o leite ás ceboUas , c alhos , e outras coufas femelhantes , que de próximo fe comerão , final que vem imme- diaramente do ventrículo , Mezenterio , &c. *Thcod. IlTo experimentais vós na orina , que muitas vezes (conforme dizem os voíTos li- vros) coníerv?. o cheiro dos mantimentos, e comtudo vós concordais com a commua opinião 5 que do Tangue fe forma a orina. E a razão perfuade , que ifto pode íer ■■, por- que as meírnas partículas , que são caufa do cheiro , podem entrar no quilo , e dahi no fangue , e depois no leire ; e aííimi confcr- var-íe o miefmo cheiro depois de tantas mu- danças do alimento. Silv. Não he fó efle o fundamento : o que a mim me faz baftante pezo he ver não fó a femelhança do leite com o quilo , e a vi- zinhança dos lugares 5 fenáo rr.mbem a quaíi fubita abundância de leite nas amas , tanto que comem. Theod. ElTà fubita abundância prova , que o leite não he quilo , porque muitas vezes nâo haverá tempo para correr todos os ca- minhos precifos para o alimento foi ido lá checar : mais facii he que com o alimento fe Tãvde "vrgefiwa primeira, 12 y fe ^ncháo os vr.los mais ; e ccir.o elles quan- to mais os enchem por hiima parre , mais força fazem para fe vafar pela outra , pede daqui nafcer mais copioia feparaçáo do leite nas glândulas dos peitos e vafos particular- mente ordenados para ifto , que eftáo enter- rados e efcondidos entre a cordura. E pelo que pertence cá cor , vós bem fabeis que a gordura hc branca e faz-fe do Tangue : efta já digo he a opinião commua ; vós profel- for fois 5 averiguareis eielhor o cafo. Silv. Não vou contra o voDo parecer ; fo- mente pondero os fundam^entcs contrários. £il^. E que me dizeis vós : fera verdadeiro hum calo , que me contáráo ha poucos me- zes 5 que huma vellia vendo que hum fcu neto de poucos mezes perdera a mái , levada de compaixão o puzera aos feus peitos , e achara pafiados dias leite nelles para o ali- mentar : Eu attribuo o cafo a milagre ; mas quero que me digais fe pôde fucceder natu- ralmente. Thcod. Eu tenho hum Author (i), que trata nhuma fatyra de propcfito ãçíiQ ponto , e traz muitos exemplos de velhas , que mAiito fora dos annos de prenhez , e ainda de don- zellas ; e o que mais he , de mancebos e meninos , que fe lhes achava leite nos pei- tos. Porem são calos raros , poílo que po- dem fucceder fem milagre , por algumia d^C- ordem da natureza. Mas o que vos pofib fe- crn- { I ) Georg. Fl-ãncltii de Franckenau Satlr. Ms» 288 Recreação Filofofica gurar he , que em huma porca fechada e encerrada vi íucceder elTe caio de dar de maramar aos netos , fem ter parido muitos tempos antes. Silv. Eu já tive noticia de huma velha , que aíHília para íima de Santarém , que creio he a mefma de que falia Eugénio ■■, porém não averiguei o cafo. Theod. PaíTemos adiante , que nos tem.os de- morado muito nefta matéria. Vamos aos ór- gãos da reípiraçáo. §. IV. Dos Bofes , Afpcra artéria , e mais orgaos da voz e da n/piração. Eug. T]^ Que he o que vós chamais órgãos Má da refpiraçáo ? Theod. Os órgãos da refpi ração , ou os mem- bros , que trabalhão nella , são os Bofes , o Diafragma , e os mufculos de todo o peito^ Nós com a refpiraçáo alternadamente enche- mos o peito de ar , e logo o lançamos fo- ra ; porém neíle movimento alterno trabalha o peito rodo. Porém he precifo defcrever mais miudamente as fuás partes , do que o fizemos no principio deft.-^ matéria. Da boca fe continua até o peito hum canal , que cha- mão Jfpera artéria , ou Trachea : a fua fi- gura vos moftrarei nefta ( Eftamp. s-fi^- <^0 • Aqui tendes a Afpera artéria , da qual pen- deai Tarde vígejinm primeira. 289 dem os bofes. He hum canal de cartilao^em €heio de círculos ou rofcas : em iima a lua entrada L chama-fe laringe ; o vulgo cha- ma-lhe bocado de Adão ; a parte íuperior A chama-íe epiglotis. Eug. E onde vai aqui o Ezofiigo , ou vul- garmente Goela ? Theod. Vai por detrás da Afpera artéria ; aqui o tendes debuxado neftoutra figura (5^ L L , he a laringe vifta pela parte de detrás ; A reprefenta a epiglotis viíía por detrás , E re- prefenta o Ezofago , por onde ehtra o ali- mento para o ventrículo ; m he a entrada da í-ípera artéria , que vai aos bofes : quando comemos , a epiglotis A dobra-fe febre m, e defende , como fe fofle huma ponte , que o alimento n?.o entre pela trachea y mas fim pelo Ezofago ; e quando fuccede cahir algu- ma pinga de agua na trachea , chama o vul- go a iffo dar no goto , e com a tolTe procu- ram.os facudir para fora tudo o que tinha entrado. Eug. Pergunto : E onde efti efta letra // que he ifto ? Theod. He a Trachea , que vai aos bofes j não fe continuou a pintura do Ezofago de R pa- ra baixo 5 para deixar ver a Trachea , que hia por detrás ; porém verdadeiramente o Ezofago palia mais abaixo . e chega ccm.o» dilTe até o ventrículo. Efta Trachea , quando chega aos bofes , reparte-fe em dous tron- cos 5 como vedes na figura 6. ; porque tam- bém os bofes fe dividem em duas partes , e Tom. IV. T de- ipo Recreação Filofofica depois fe váo dividindo eftes troncos em muitos raminhos. Efte bofe direito pinta-le com a pele h levantada , para íc verem as ramificações da artéria e veia pulmonar. C he a artéria pulmonar , que fahindo do ven- trículo direito , Te divide em dous ramos para as duas partes do bofe , hum vai para C , outro para c j os outros dous troncos sáo da veia pulmonar, que depois de unidos em hum , entráo no ventriculo efquerdo. Ora haveis de faber , que os bofes sáo com- poftos de humia innumeravel multidão de bexiguinhas , que fórmáo como ramos ou cachos de uvas miudillimas m m ; e os en- gaços deftes cachos sáo os ramos da Tra- chea 5 a que fe chamáo Bronchios : eftes bron- chios dão paíTagem franca ao ar , que entra pela boca , até ás bexiguinhas , de que fe compõem os bofes j e porilTo quando toma- mos a refpiraçáo , fe dilatáo os bofes incri- velmente j pelo contrario fe abatem muito , quando lançrmos fora o ar ; e defla intumef- cencia dos bofes procede o m.ovimento al- terno do peito , quando refpiramos. Eug. A"s vezes com refpiraçáo também fe le- vanta o ventre ; e pelo que me dizeis , fup- ponho que o ar nào tem paffagem para lá ; mas fomente para os boíes , que eftáo na cavidade do peito. Thcod. Eu vos digo de que procede ilTo. He certo 5 que na refpiraçáo entra o ar fomente para os bofes ; porém quando eftes fe dila- táo muito , he necclTario que também fe di- la- Tarde vige/ima primeira, 291 iate a capacidade do peito , onde elles fe contém : ora efta capacidade dilata-fe da dous modos , elevando-fe hum pouco as cof- tellas 5 e abaixando-fe para baixo o diafrag- ma ; porque o diafragma eftá poíio horizon- talmente , porém á maneira de abobada no iTieio levantada para íima ; abaixando-fe o diafragma , fica maior a concavidade do pei- to 5 porém fica m.enor a capacidade do ven- tre ; e como li náo ha lugar vafio , he for- ça que quando fe abate o diafragm^a, as en- tranhas 5 que sáo impellidas para baixo , fa- cão intumefcer para fora o ventre. ^ug, E que fim teria Deos em ordenar efte movimento contínuo da refpiraçáo , táo ne- ceffario para a vida , como fabemiOs í Tbeod. O fim he promover a circulação do Tangue , e refrefcallo do grande calor que tem. Primeiramente vós haveis de fabcr, que três caftas de vafos ha nos bofes , e sáo Bronchios com as bexiguinhas para o ar , veias pulmonares , e artérias pulmonares. Os bron- chios eftáo mifturados e entreteílidos por en- tre veias e artérias , o que tudo compõe os bofes ; por confeguinte rodas as vezes que fe inchao , e dilatáo os vafos do ar , necef- fariam.ente fe hão de apertar , e efprem.er os vafos do fangue : e eis-aqui como fe pro- move a circulação do langue. E daqui pro- cede 5 que quando cefíam.os de refpirar , vai-fe o fimgue eftagnando nos bofes , e diminu- indo a força da circulação ; porquanto todo o íangue que ha de fahir pela aorta para todo T ii o 2^2 Recreação Filofofica o corpo 5 deve primeiro ter entrado pela veia pulmonar no ventriculo eíqvierdo. Eíla he a primeira utilidade. A ie?,unda he re- frefcar o fangue ; pois napalTagem pelos bo- fes , que eftáo cheios de ar novo , e frefco , Te refrefca o langue ; e por ilTo nos aífiigi- mos tanto com a calma , porque o ar quen- te entrando pelos bofes , náo pode pôr o fangue naquella tempera de calor que he preciía. Eug. Eu creio , que vos ouvi dizer a hum de vós 5 que os meninos no ventre materno náo reípiraváo ; e com tudo o Tangue nelles circula. Thcod. Circula , he verdade : mas não vai aos bofes 5 fenáo huma parte tenuiílimia ; eu vos explicarei ilTo mais deva:^ar a íeu tempo , quando fallaríTiOS do eílado do hcm.em no ventre materno. Silv. Eu náo lhe defcubro fó as duas utilida- des que dizeis ; outra tem , e mui princi- pal , porque o ar entra nos vafos do fangue , e com eile fe miftura ; e por ilTo os antigos lhe clianiaváo p^fto {la vida , e principio vi- tal : ora defta opinião são muitos moder- nos. ( I ). Thecd. Náo duvido diilo ; porem acho outra opinião n^.uiro mais "conforme d razáo , e creio que hoje a mais feguida , e he , que não ha paílagcm dos bronchios para os va- íos do fangue. Silv. (r) Sylvio, Swammcrdam , Truílon. Luwero, C outros. Tarde "ligefiíua primeira, 29; Siív. Nós íabemos , (]ue o ar foprado com força pela aipera artéria , carregando nos bo- fes 5 e fazendo -lhe fua diligencia , pode en- trar na veia pulmonar , e no ventrículo do coração : vede lá íe ha paíTagem dos bran- chios para as veias ? Thcod. Se houveJe eíTas paíTagens , não feria neceíTario foprar com força , nem carregar nos bofes , wmi. fazer-lhe mais alguma dili- gencia ; mas foprando levemente , faccederia ilTo , o que não acontece. Sabeis vós porque fuccede effa paílagem na experiência que di- zeis í porque com a torça que fe faz , facil- mente fe rompem algumas bexiguinhas do ar , que são tenuiiíimas , e alguns vafos do fangue 5 e p:!la o ar por caminho aberto de novo ; aííim como fuccede nos que lançáo fangue pela boca, que com a força da tolTe muitas vezes fe lhes rompe algum vafo , c o fangue das veias pulmonares toma o ca- minho dos [rronchios , e vem fahir pela af- pera artéria á garganta. E fe nós quizermos dar paffagem eílabelecida dos vafos do ar para os vafos do fangue , a cada palio eíla- riamiOs lançando fangue pela boca ; pois com a mefma facilidade , e pelo mefmo caminho , por onde o ar paliava da boca pelos bron- chios para as veias , podia o fangue paílar das veias para os bronchios , e vir ter á bo- ca. Portanto ella experiência não convence. Silv. Não he fó eífa experiência ; ella junta com outras , fazem argumento mais forte : Tnijion lançou hum licor na artéria pulm.o- nar. ^94 Recreação Filofqfica nar, e veio fiihir parte pela veia pulmonar, e parte pela afpera artéria : com que ainda eftou pelo que dilTe. Theod. Sabeis vós o que refpondem a iíTo os da opinião contraria ? Dizem que reíla pro- var íe os bofes delTe cadáver eráo sãos ; por- que a ter morrido de Tizica , ou tendo al- guma febre catarral , ou enfermidade de pei- to 5 com a mefma facilidade com que o Tan- gue neífes enfermos pode fahir pela boca, podia fahir eíTe licor pela Tracnea. Lede vós o célebre Friderico HoíFman ( i ) ^ e achareis muitos bons argumentos por efta minha opinião. Hum acho eu entre outros mui forte, que vem a fer, que o ar extemo foprando-fe , e metcendo-íe nas veias de hum animal, efte brevemente mcrre; logo parece que não he crivei , que tenha paíTagem fran- ca o ar para as veias do bofe , porque cntáo corria todas as outras mifturado com o fan- Silv. Não nos cancemos muito fobre iíTo ; porque eu maior el^tudo faço na praxe , que na efpeculaçáo , efpecialmcnte nefta maté- ria , de que não fou profeífor. \^amos adi- ante : perguntai , Eugénio , o que quizerdes. Eug. Pelo difcurío que tendes formado co- nheci que na tolTe lendo torte , liavia peri- go de rotura de veia : explicai-me iflo bem; porque tenho mui frequentes diflaxos , e eílou com fufto. Theod. { I ) Mcdlc. Rati Syftera. Tom. I. part. i. cap. 7- í. 24- Tarde vigejiíjia primeira, ipf Theod, Náo o tenhais ; nos cl:flaxos a toííc he caufada por huma velicaçáo que faz nos hron:hlos o humor , c[uz expuUamos fora ; quando elle eftá nos ramos maiores e mais próximos a Trackca , mais facilmente fe lan- ça , do que quando eftá lá nos raminhos Íntimos ; e o modo , com que o expellimos , he tomando a refpiraçào , e enchendo de ar todos 03 bofes , dahi paramos , e de repente lançamos fora o ar dos bofes , para que comfigo traga todo o humor , que achar pelo caminho , por quanto nos vafos pró- prios para a paTagem do ar he que cahe o humor, que nos opprime o peito. Quan- do efte humor he mui vifcofo , precifo fera que muitas vezes toíTamos , fizendo fahir com força o ar pelos bronchios fora. E pa- ra obrigar a fahir com força o ar dos bo- fes 5 puxamos o diafragma de repente para íima para apertar os bofes ; e por ilTo quan- do tofíimos , fe recolhe para dentro o ven- tre , porque fe recolhem as entranhas no lu- gar que deixa o diafragma , leyantando-fe para lima. Eug. E quando temos fbluços , que movi- mentos ha em nós ? Theod, Governando-me pelo que obfervo na experiência , digo que ha hum movimento arrebatado do diafragma para baixo ; porque no foluço tomamos repentinamente ar de novo ; aJlim como na tolTe o lançamos de repente para fora. E por ifto quando fe ajun- ta to lie com foluço , temos huma dor que inui' 'Z^6 Recreação Filofqfica muito aíflige ; porque ao mefmo tempo fe puxa para íima e para baixo o diafragma. Silv. Falta fó o efpirito : explicai-lhe como he , porque também pertence á refpiraçáo. Thcod. Eu a difterença que acho entre o ef- pirro e a toíTe , he fomente em que no ef- pirro encaminhamos o ar a fcihir pelo na- riz 5 e na toíTe a fahir pela boca \ no efpirro encaminhamos o ar para o nariz pela veli- caçao do humor que fentimos nelle ; e na toíTe o deixamos fahir pela boca pela veli- cação que fentimos nos bronchios do peito. Vamos a fallar da voz , que também perten- ce á refpiraçáo : qual vos parece ^ Eugénio , que fera o orgáo da voz ? Eug. Supponho que he a lingua. Thcod. Na voz humana ha três coufas , que he o fom , o tom , e a pronuncia : a lingua hs orgáo da pronuncia , mas náo do fom. Tem havido varias opiniões , onde propria- mente fe forma a voz j muitos eráo da opi- nião 5 que fe formava a voz na Trachea, aííim como fe forma em huma frauta , leva- dos da femelhança que tem com eíl:e iníTru- mento ; mas na verdade ha huma grande dif- ferença , porque na frauta o ar que entra pelo bocal he o que faz o fom ; mas pelo contrario na Trachea forma o fom o ar que lahe por ella. Nas Memorias da Academia das Scicncias ( i ) achamos a fentença de !Mr. Dodart , que julga que fó a gloús he o orgáo da voz. Chamamos glotis a huma ra- xa ( I ) Ann. /70o. pag. 244, Tarde vige/ima primeira. 297 xa ou abertura cval , que termina a Afpera artéria da pr.rte de ílma , onde eilá efta le- tra / j vede a íi^ura ( :5 ) que vos moftro. Eft. ç. Aqui diz elie , que Te tórma o fom ; e con- ^S' í* forme a garganta , fe alonga ou encurta ^ fe eftreita ou alarga , fe formaráó os diverios tons. Diz que ifto fuccede da maneira que nós vemos em huma irauta , na qual o bo- cal dá o fom ; mas o tom depende do ca- nudo 5 em que temos es buracos , que ta- pando-os ou deílapando-os , fazemos que fe- ja maior ou menor o caminho , por onde pafla o ar até fahir para fora. Eug. Eífe difcurfo he mui natural. Thtod. Porem eu acho mc7Ís natural ainda o difcurfo 5 que nas mefmas Memorias da Aca- demia (i) nos dá Mr. Fcnein : efte homem querendo certiíicar-ie fobre o ponto que tra- tamos 5 applicou hum canudo á parte infe- rior da Jrachea de hum cadáver , eílando ainda frefco , e foava cem voz humana : ob- fervou de perto o que fuccedia na glotis , e vio que os feus dous lábios náo batiáo hum contra o outro , como fuccede nas emboca- duras dos boes ; mas ohfervou que efles dous lábios eráo como duas cordas de tendões , as quaes prezas a duas cartilagens , ora mais ora menos , fe eítendiáo e entezavão ; e ca- da huma delias foava ferida do ar , como hu- ma corda foa ferida do r.rco. Conforme aef- te difcurfo, o fom nafce dr.s cordns da glo- tis ,60 tom procede da tensáo ou Iroxidáo def- ■^ { j j Aiin. 1741. pag. 409. apS Recreação Filofofica deftas cordas, ou lábios da gloti?. Silv. Qualquer dos difcurfos acho eu excel- lence ; mas eiTe fecundo eftnba fobre expe- riência mais ocular. Theod. Agora fallando da pronúncia he certo que fe deve á lingua , e aos beiços tam- bém. Nós tivemos aqui em Lisboa huma mulher , que fem ter língua , fcillava percep- tivelmente. A mim mo contou quem a ou- vio 5 e vio em cala do Conde de Ericeira D. Francifco Xavier de Menezes. Eíl:a mu- lher ró com os beiços fuppria , o que nós fr.zemos principalmente com a lingua. Eug. He coufa bem rara. Silv. Eu creio que ouvi fallar neíía mulher; ma; vamos adiante. Theod. Por conclusão de toda efla matéria, quero dar-vos , Eugénio, huma breve noti- cia da diíFerença que temos nós vivendo no ventre materno , de nós mefmos vivendo no ar livre , para vos íoitar varias difRculdades , que fe tem cocado. §. V. Do Homem no ventre materno. Eug» f^^^ explicai-me eííe ponto , que me KJ parece ha de conter para mim noti- cias bem admiráveis. Theod. O menino no ventre materno haveis de íl^.ber , que eítá mettido em hum como fac- Tarde 'vigcfima primeira, 299 facco formado de muitas membranas : a pri- meira que rodeia , e roca o corpo do meni- no 5 fe chama Amnion , he mui delicada , c tranfparente : á legunda membrana, confor- me as obfervaçóes do Ccwper , BidlGO ( i ) fe chama membrana urinaria , ou Alantoi- des ; porém o Kuhno ( 2 ) quer que fomente em alguns brutos fe ache : a ouira m.embra- na que fe fegue , e em que todos convém , chama-fe Chorion , e he grolla. Vede efta Eftampa (5. íig. 10.) M, M são as peles Eíl:. ç. A;o, o feu lugar em nós, p. 210. JlJ A' fua utilidade, e conftrucçáo , p. 27^. Bigorna , oíTo dos ouvidos , p. 1 34. Bilis y p. 270. Bofes , de que fe compóem , p. 289. Bronchios , dos bofes , p. 295'. Náo dáo paiTagem ao ar para as veias , p. 292. Ca- Das coufas notáveis. 309 /^ Aheca ^ áe que pr.rtes confia, p. lO^. !• Cliva ^ o que he 5 p. 206. Calvaria , o que feja , p. 106, Camera obfcura , o que feja , p. 1 17. Caracol nos ouvidos, o que feja, P- M^« Membrana efpiral, que tem dentro, p. 137. Cárdia, e Cardialgia, p. 25^9- Carpio, parte de mio, p. 21^. Car ilagens , o que íejão, p. 217. Caf.o , ou Crânio , p. 2c6, Caop:rica: Principios deíla fcicncia , p. 97. Cecuni , quarto inteíl:ino , p. 209. Cego de nafcimento , como recobrou a viíl:a , e circumílancJas raras dos juízos , que for- mava dos objeílos , p. 28. Cegueira ■, que cauía o Sol , quando olhamos para elle , p. 20. Cérebro , com^o as fuás imprefsóes excitão as percepções da alma, p. 1^, O feu lugar, p. 20-^. e 218. Faltou n'alguns animaes , e appareceo lapi- diíicado em outros, p. 218. Delle procedem todos os nervos, p. 110, Chorion , membrana do útero , p. 299. Choroides , o que he , p. 6. Ciliares ligamentos , o feu ulb , e lugar , p. 7. Circulação, do langue no adulto, p. 257, No feto dentro no útero, p. ^or, Cifterna, la<^eia, p. 284. Clavículas^ o que sáo^ P- -í-» COQ" '3 TO índice Coceis , oíTo , Cólicas 5 onde , e como fe formão , Cólon 5 quinro inteftino , Cor 5 a do objeclo como as conliece p. 23. As dos objeélos como fe mudáo dos enfermos , Coração , e fei Sua figura , e lugr.i Sua conftrucçáo , e ventrículos , Diverfidade que tem no feto , Seu movimento , A caufa do feu movimento , Córnea , que coufa feia , p. 6. Corda , de inílrumiCnto tocando-fe , faz foar ou- tras unifonas, ou em Oitava, Quinta ou Terceira, p. 158. Coxa ^ da perna, p. 21^. Crânio , o que feja , p. 2c6. Cyfiallino , dos olhos . de que íirva , p. 7. Cubico, oíTo do braço, p. 21^. p- 2TT. p- 28^. p- 28^ ; a alma. nos olhos p. 24. P- 239. P- 240. P- 241. P- ^07. P- 242. P- 248. D D Elirios dos enfermos , donde procedem , p. 195. Dentes, o feu numero, p. 211. As fuás partes , p. 2ií>. Diafragma , o que feja, p. 2c 9. Diafiole , do coraçáo, p. 242. Digefl.to y dos alimentos, p. 280. Dioprica , os feu? Principios, e eifeitos , p- 56, p^Jlansia , dos objectos como a conhece a alma , p. 50. Dow II P- 2or, F- I^f.^ P- 284. P- 209, Das coiifas iiotaveis, Doudos perpétuos , porcpe o são , Dor, em que conlífta, PuSto Thoracico ão quilo , Duodeno, primeiro inceftirio. T7 fxos ópticos , o que são , p. 47. J—j EpigÍQtis , o que feja, p. 289, Efcapulas, p. 212. Efpcdhos planos , trat^-fe deiles , p. -97. Propoíições da catoptrica , que IKe perceu- cem, p. g8. e fe^uintes. Porque fe reprei^enta o objecto em diftancia para dentro do eípelho , p. lOO, Efpeíhos côncavos, trata-fe deiles, p. 10^. O feu foco dos parallelos fica quaíi na me- tade da diftancia entre o centro da esfera , e o do efpelho , p. 104. Poílo o obiecfo no centro da fua esfera, ppira elle refl^clem os raios , p. 105, Porto o objedo no foco dos parallelos , os raios refl^clem parallelos, p. 106, Pofto o objeclo mais diftanre do que o foco dos parallelos , os raios reflexos fe ajuntáa em outro ponto, p. 106. Qiianto mais fe chega o objeclo para o ef- pelho , tanto mais foje delle o foco dos divergentes , p. 108, Qaanto mais diíla o objeclo do eípelho , mais fe che^a para elle o foco dos di- vergentes, fem nunca chegar aos dos pá- íallelos 3 p. 108. Co- '3 T i Lidíce Como appsrece o objeflo pintado no ar de- fronte do efpelho concavo , p. ic8. Porque parecem os objeclos voltados em certa diftancia neíles efpelhos , p. iio. Porque augmentáo os objeclos , que eftáo vizinhos 5 p. II U Sendo cilyndricos , porque diminuc íomcnte a largura do objeclo , p. 114. Efpelhos cofivexos , jx)rque fazem o objeclo mais pequeno , p. 1 14. Qu.-.ndo sáo cilyndricos , porque diminuem fomente a largura do objedo , p. 114. Efpirro , o que feja , p. 148. Porque fe excitáo com alguns cheiros , p. 148. Efpinhela , Eípiritos animacs , Eiiimativa, fencido interno, Eflomago , ou ventriculo , Efinbo 5 olTo dos ouvidos , Ezofãgo , FAntaÇm ^ o auc feja, p. 1^9. Fd; p. 2-70. Eigado , o fcu lugar, p. 210. A fua utilidade , p. 2(5f;.' Figura plana do cbjcão , como a percebe a al- ma, p. 25. Solida como a conhecemos, p. 41. Foco, dos raios paralleios , convergentes, e di- vergentes, P- 58* p- 212. P' 222. p- 168. p- 279. p- '^i* p- 2-8. Dãs cohfãs notáveis. 313 O foco dos convergentes difta menos da lente que o dos parallelos , p. 58. O dos divergentes dift.i mais que o dos pa- rallelos , p. 59. Qaanco maior he a divergência dos raios , mais diíla o foco dos divergentes , p. 60. Qaanto menor he a divergência, menos dif- ta o foco dos divergentes do foco dos pa- rallelos , e também da lente , p. 60, O foco dos convergentes he mais chegado alente, quando a convergência he maior, p. 60. Quanto maior he a convergência , mais dif- ta efte foco do foco dos parallelos, p. ^i. Tal pode fer a divergência dos raios , que não baífe a lente para ajuntallos , p. 61, Se da diftancia do foco dos parallelos fahi- rem os raios para a lente , paíTando por ella , licaráó parallelos, p. 61. Os raios que fahirem da diílancia do foco dos convergentes , paliando pela lente , fa- hiráó divergentes, p. 62. Foie o foco da lente , quando fe chega o objecfo para ella, p. 65. Q-ianto mais foge da lente o objeclo , mais fe chega o foco , p. 66. Foice , parte da cabeça , p. 207. Fome ^ em que conllíle, p. 281. GLandiila, Pineal , p. icyr. Goela ^ ou Ezcfago, p. 209. e 2-8. Ccf. 314 índice Gofto 5 Senrido , onde eílá o feu orgâo , p. 149. Grandeza do obieclo , como a percebe a 2lma fundada rambem na experiência dos ou- tros fentidos , p. 27. Graftico , humor, p. 28c. I JEjiiuo y fegundo inteftino , p. 2 cg» Ileou , terceiro inteftino , p. 209, Imagem do objeclo como íe pinta nos olhos , p. 8. A que fe pinta na parede fò com os raios da luz , p. 10. A que íe pinta na parede , ufando de len- te, p. 12. Porque he fempre voltada , p. 16". Porque he maior , quando o foco da lente diíh mais delia , p. 6-7. A que fe pinta no plano branco com o eí- pelho concavo, p. lí^. Como fe pòdc pintar no ar com os efpelhos côncavos , p. 108. A que fe pinta nos Telefcopios , veja-fe Tc- IcfcQpioS. Jma^ina^ão -i o que feja , p. 168. jnteflitios , V. 209. e 282. 'guizos que forma a alma fundada fobre a pin- tura dos olhos fomente, . p. 18. Os que forma a alma das cores dos obje- 6I0S, p. 2.Z. Os que forma a alma fundrda também fobre a experiência dos outros fentidos , p. 28. Lã' Das cotifas notáveis, 315: LAhyrmho ^ parte dos ouvidos, p. i^^. Lawenia Aíagica , p. 124. Laringe y o que feja, p. iij. e 289. Laringe, convertida em oíTo , p. 217. Ldte , o que feja , p. 285. PeíToas que o tiverão fem ter parido , p. 287. Leme convexa., como ajunta os raios, p. 58, Qiianto mais chegada eftcá ao objeclo , mais divergentes raios recebe, V- ^^' Propofiçóes que lhe pertencem , p. 58. e feg. Lentes concavas , propoíiçóes acerca delias , p. 66. Li g amemos y o que são, p, ii6. Linfa, o que feja, p. 284. Linfáticos, vaíos, p. 284. Lua, porque app?,rece no Horizonte maior do que noutro lugar, p. 58. M M Anelo , oíTo dos ouvidos, p. 134. Mater dura, ou Pia ^ membranas, que rodeião o cérebro , p. 206. Membrana , eípiral do caracol , p. i ^57. M^yfilvanas , da cabeça , p. 106. Do útero , p. 299. As que compõem as veias, p. z^i. As que compóem as Artérias, p. 251. Jlíemoria material , o que feja , e onde eftá , p. 169. EXr 5 1 6 índice Explic5o-fe os feus effeiros , Aí ulula Ghlongad.z , p. i^i A<íediila do cérebro , J\ícdula ef pinai , AfeniugcSj membranas da cabeça, Afetacarpio , parte da máo , Jl^e:a:arJo , .parte do pé , Afezcntcrio , p. 21c MicrofiCpio fimples , Compoftos , Micofccpio folar , A<íenhios , no ventre materno , A fua poílura , Náo refpira , Alodo para conhecer fe nafcèráo mortos , p. ^co. _ Como le íuítentão , P- 3*^^ Como circula nelies o Tangue , At'opes 3 que remédio tem , Aíola , oíTo do joellio , Miifculcs 3 a Tua conftrucçao , Donde precede a fua força, p. 22^. e 227. Enchem-fe de cfpiritos aninic^es , e fanjuc arteriofo , p. 224. Como fe deípejáo , p. 225-. Como obráo os feus Antac^oniílas , p. 216. Força prodigiofa dos mulculos , p. ikj-, X N' Egros ^ conje£lura-íe a caufa dâ lua cór, p. l<-4. Nervos^ as fuás raízes, p. 220. O p- I-7T. e 2C8. P- 2G~' P- \c?'. P- 106, n "> I "» r- - ^ ')• p- 2IJ.. e 2«V P . 81. P •^ P . 84. P- 299. P- 2r>9. P- ^CO. nor tos , e 304. P- Kjl. P . 70. P- 2 1^,. P- 22^,. Dãs covfas mtãveis. 317 O numero dos feus pares, p. 22c. Sáo liuns feiches de libras tennillimr.s , p. 221. Eftáo cheios de efpiritos animaes, p. 22--. O OBjcilo , como conhece a alma as fi-.as co- res, p. 22. Como conhece a fua figura plana, p. 25. Como conhece a figura lolida , e relevada , p. 26. Como conhece a fua diftancia, p. 30. E a lua grandeza , p* 28. Como conhece a fua unidade , pintando-íe nos dous olhos , p. 47. Náo concorre para iíTo a união dos nervos ópticos, ^ P. 55. Como conhece a fua poftura verdadeira ^ pintando-fe ás avc-llas , p. 4:5. Óculos do nariz , o íeu ufo , e razão , p. 7c. De ver ao longe , veja-fe TeUfccpios. Olfaío, onde eftá o feu órgão, p. 146. olhos , lua conílrucção , p. 6. Com.o nelies íe piniáo os objedios , p. 8. Porque fe pinrão ás avclfas , p. ij. Porque experimenráo molefcia , lahindo ae hum lugar efcuro para hum mui clr.ro , p. 21. Como podemos, enterrando os oP-os, fazer que pareção os obiedos duplicados , p. ^^9, Donde procede ver obieclos duplicados com os olhos tortos , p. 50. Olho artificial i comio fe íorma, p. 10. OV' 3 1 8 índice Órgão do Olfãto , onde eílá , p. i^^. Do Gofto , p. 149. Dos Ouvidos eílá propriamente no labyrin- tho , p. I 36. Do Taclo", p. 153. Oritia, p. 274. Ojfos y O Teu numero , p. 2 1 1 . Oííb cribofo, ou crivado 5 o Teu ufo , p. 146, OíTo facro , p. 21 1. Ouvidos, explica-ie a fua fabrica, p. 132. Como fe pode ouvir pela boca , p. i 36". Trombecinhas 5 que faciliráo o ouvir, p. 134. Como pode ouvir-íe harmonia havendo ío hum tom 5 p. 140. PAncreas , o que feja , e fua fabrica , p. 210. e i6c). Pelvis y ou bacia, parte dos Rins, p. 210. Peqiieto , o feu receptáculo , oucifterna ladea, p. 284. Pericárdio , p. 240. Periofteo , P- ^ 1 5'. Piloro, parte do ventricuío , p. 279, Pintura , a que fe forma dentro dos olhos, p- 8- , A que fe forma fó com os raios da luz den- tro de huma cafa , p. 10. A que fe forma com huma lente convexa , P- M-, Porque fomente fe forma no foco da lente, p. 16. Por- Bas coíifas mtaveis, 3 1 9 Porque he mais viva em piano branco , p.15. Porque he maior quando o foco da ienre diita mais , P- ^5- Porque he íempre ás ^vé(íl\s , P- ^ i* A que fe forma nos Telefcopios , veja-fe Tclcfccpícs. Também íe pinta na parede com efpelho concavo, p. i6. A que fe fórraa no ar no foco dos efpelhos côncavos, p. io8- Placenta do útero ^ p. 301. Ponto radiante , o que feja , p. 6z, Porta veia , o que feja , e feu lugar , p. 272. Pcfliira do objeão ^ como percebe a alma a ver- dadeira , tendo a pintura ás avéíTas , p. 4^. Presbitos j o que fejão , e feus remédios, p. 70. Pupila dos olhos 5 p. 7. A fua fabrica, ?- ^"'■^ Q Uilo j onde fe forma, p. 284. Porque he branco, p. 285. As luas veias , p. 284. Por onde fe ccmmunica ao Tangue , p. 285-. ComiO fe faz vermelho , quando fe converte em fangue, p. 264. e 285. R R Jdio ^ oíío do braço 3 p. 213. Retina , explica-fe a fua fabrica 3 e ufo , p. 6. Co- 320 índice Como nella fe pintáo os objeclos, p. 8^ Ãtfio , Incettino, p. 2C9* Refpira:ào j os feus vafos, p. 289. A fua utilidade , p. k^j. Náo a ha nos meninos no ventre materno , p. ^co. Como pode faltar nos homens fem morre- rem , p. 503. Âins , o íeu lugar, e fabrica, p. 374. Ç' Abor , onde fe percebe propriamente, p.149. O Porque he mais vivo havendo fome, p.i 52. Saliva , a fua utilidade , Sansao fingido , o que fazia , e porque Sangue, a fua circulação, Acaba-fe em miCnos de meio minuto Donde procede a fua cor , De que p^.rtes conila , Onde fe filtra , Sclerotica , membrana dos olhos, Secundinas , que veftem o Feto , Sede j o que he , Semicirculos , de oflb nos ouvidos , Senfatão , propriamenie o que he , Toda fe aperfeiçoa no cérebro , Sentidos internos , quantos são , e os cios , Sen r do commw^ , Sefvuoides , o'Ans miudiflimos, S'(lole do cora .to , Solutos , em que coníiílcm , SO' p- 151. . p 229. p- , p- p- p- z6i. 264. 166. p- 268. p. 6. p- p- 299. iHz. p- p- M3- 167. léus IC9. otíi- P- 168. P- 168. P- 214. P- 24i. P- 295. Das califas notáveis. 32Í' ^avno ^ em que confifte, p. 184*' A falra delle nos enfermos donde procede , p. 189. SahjS , o que Tejáo , . p. 194» Como fe pôde difcorreí bem fonnando , p. 198. Somniambulos , donde procedem os Teus movi- mentos, p. 199, Spiral membrana , do Caracol nos ouvidos , p. 137. • Stcrnon y p. 212, TJão , qual Teja o feu próprio órgão ^ p. 156. Como fe pódc enganar , julgando hum ob- jedo por dous, P- 51» Tarfo 5 parte do pé , p. 2 1 3 . Telefcopios , de duas lentes convexas , p. Sç. De quatro convexas, p. c)Z, De huma concava, outra convexa, p. ç^* De reflexão Newconiano , p. 126, D2 reflexão Gregoriano, p. 128. Tbimo , Glândula fobre o coração, p; 2^9» T bórax , ou Peito , irata-fe delle , p. icS, Tímpano dos ouvidos, o que feja, p. i]^,' Toffe , o que feja, p. 295-. Trachea , ou Aípera artéria , p. 2C9. 278. e- 288. : Trombennhas , que facilitáQ o ouvir , ■ p. 1 34/ Tuba Eufiachiana ^ - p. i^V»' Túnicas ," que veftem o feto , p. ^99' Tom. IV. X Foi- 321 índice das coufas fwtaveis. FAlvulas do coração y p. 2i^. Dos Inteftinos, p. 284. l''afos linfáticos y p. 284. Fiias ^ p. 15^' Fcía Cava, p. 241. e 254. Feia Pulmonar, p. 242. Membranas, de que ccmfláo , p. 257. Veias coronárias, p. 254- \^eia Porta, p. 271. \'eia Splenica, p. 273. \^eias emulgentes , p. 275:. \'eias ladeas, p. 284. Fcrtchras , o feu numero, p. 211. Fejiihilo nos ouvidos, o que feja, p. i^^. Fi,^ia , em que confifte , p. 1 89. Fíjla do ohjcclo , como fe faz , p. 8. Donde procedem os léus defeitos, p. 71. Como fe remedeiâo , p. 72. Umor vitreo , aqueo , e cryílallino , p. 7. Unidadt do ohjcclo , como fe conhece , e ha- vendo duas pinturas , p. 47. Não conduz pára ifto a uniáo dos nervos ópticos , p. 53. Foz humana , qual he o feu orgáo , p. 301. . JMulher , que hilava fem língua , p. 25)8. Ur ache no feto , q qu€ fcja , p. 301. Ureteres, o feu lugar, p. 215. c ufo, 280. as Tuas valvuUs , 280. Ut€ro materno , p. 299. IN- 3^3 índice DOS LUGARES, EM QUE fe explicão as figuras feguintes. EJlampa primeira. Figura I. p. (^^ Figura 2. -----,- p. (^. Figura 3. p. 14. Figura 4. f. 16. Figura 5. p. ly. Figura (^. p. 21. Figura 7. p. 4y. Figura 8. p. 51. Figura 9. p. ^8. Figura 10. p. 58. Figura II. p. 60. Figura 12. p. ^3, Figura i^. ------ , p. 64. c 74. Figura 14. - - _ .- p. 68. Figura 15. _ p. 80. Figura 16. -------. . p. 81. Figura 17. ----.-.- - p. 81, Figura 18. p. 85, Ejlampa fegunda. Figura I. p. 88. Figura 2. - - p. 8i. Figura 3. p. po. Figura 4. ----- • - - _ p. 92. Fi- ■5H Figura 5'. ' Figura è. Figura .7. Figura 8. Figura 9. Figura 10. Inâíce Ejlampa terceira. Igura i.------^ Figura 2. ------- Figura ^ Figura 4 Figura 5 Figura 5 Figura 7 Figura 8 Figura 9 Figura 10 Figura II Figura I. Figura 2. Figura 3. - Figura 4. - Figura 5. - Figura 6. - Figura 7. - Figura 8. - p. 12Z. p p- ic6. p- p- p- lOI. p- lOI, p- p- ic8. I II. p- p- p- 11^ 114. 114. p- p- p- p- p- e 115. 116. 1 17. 118. 119. 124, Ejlampa quarta. p. 127. p. 22^. p- 127. e 1^0. P- 127. P- 137. P- M^ c 226. P- 227. P. 128. í/' Das E/lampas. 3^S EJlampa quinta. Tgura í. - Figura 2. - Figura y Figura 4 Figura 5 Figura 6 Figura 7, Figura 8 Figura 9 Figura IO. p. 241 p. 239. e 243. 244. e - - - p. - - - p. p. 274. e - - - p. p. 279. e - - - p. . - - p. - - - p. 244» 245- 297. 279- 278. 288. 284. 301. 2-'2. 299, T .. IP- E.l.unr.aJ- 'n.n.N T..' ' arnna 2,1 '/'■-'T-^e To^.jr^^. r.w. Ej-tampa "/." Fie,! /?y ^ F.a.S . M™l "'^Â 2| 1 < ' Á Tcrr.c ir. E.u. 7-.upa si