F2515 .F3 Faria, João Florentino Meira de Relatório 1 Commissão de Linhas Telegraphicas Estratégicas de Matto Grosso ao Amazonas (Publicação N? 32) Annexo N? 6 (SERVIÇO SANITÁRIO) RELATÓRIO APRESENTADO AO Sr. Coronel de Eijootarla Cândido Mariano da Silva Kondon CHEFE DA COMMISSÃO Pelo Capitão-medico graduado João Florentino Meira de Faria \J ^^»^ **jT "^ IQl6 Commfssão de Linhas Telegraphicas Estratégicas de Matto Grosso ao Amazonas (Publicação Ne 32) Annexo N? 6 (SERVIÇO SANITÁRIO) RELATÓRIO APRESENTADO AO Sr. Coronel de Ensenharia Cândido Mariano da Silva Rondou CHEFE DA COMMISSÃO Pelo Capitão-medico graduado João Florentino Meira de Faria 1916 Relatório medico da viagem de expe- dição dos rios Arinos e Tapajoz, apresentado ao Sr. Coronel Commandante do 5? Batalhão de Engenharia Cândido Mariano da Silva Rondon, Chefe da Com- missâo de Linhas Telegraphicas Bstrate- gicas de Matto Grosso ao Amazonas. As bellas energias das raças parecem mortas ou adormecidas. Passada a phase heróica da pene- tração pelos portuguezes e pelos mestiços que áquelles se seguiram nas sangrentas batidas das bandeiras e moções, voltámos a viver e a mourejar no litoral. A exploração da Amazónia pelo cearense é uma excepção que creou-se pela necessidade não como expressão expontânea e simples das energias das gentes do nordeste do Brazil. A fome levou-os aos seringaes: A natureza da empreitada offereceu opportunidade a que elles dessem mostras de suas bellas virtudes de sobriedade e de firmeza. No mais, o que se vê é o habitante do litoral olhar com repugnância para o hinterland mesmo quando o caminho de ferro já o corta, é o morador do villarejo o mais distante c miserável de Matto Grosso olhar com medo para o lado das mattas onde se vão, na estação secca, os incapazes para o trabalho regular, os que se sentem peados, mesmo nos núcleos de policiamento o mais frouxo. E' neste medo em face do vasto mundo aban- donado pela actividade dum povo, é neste desamor das classes dirigentes pela terra, desamor que não justifica nem explica o nosso estado de penúria económica e social, que devemos procurar expli- cação para as difficuldades, mesmo as moraes, em que nos debatemos. Emquanto nos acotovellamos pobres, sem edu- cação nem artística nem social, nem fac-simile ridículo de cultura viciosa, a vasta e boa terra se offerece atraz de nós — campo e escola de força, de saúde e de belleza! E é esta anomalia do nosso estado de espirito que talvez mais influa na feição nozographica das bacias dos nossos grandes rios. Os negros que de Zanzibar, acompanhavam Livingston e Stanley em suas viagens do oriente para o occidente do continente africano, tremiam á perspectiva de encontrarem os duendes das flo- restas e as divindades — guardas do sombrio e mysterioso Congo. Elles adoeciam e elles morriam de moléstias outras que as febres e dysenterias: elles estiola- vam-se, elles perdiam a confiança e a coragem . . . Os filhos daqui não são assenhorados pelo mesmo medo. Mas quem entre nós, levado por um desejo de viver uma vida forte ao grande sol e ao grande verde de nossa terra, alista-se entre os auxiliares do Coronel Rondon, é alvo das expressões de sympathia, a mais triste. Ninguém sabe, por desinteresse, das condições reaes de vida, de salubridade em que nos encon- tramos nos sertões de Matto Grosso e Amazonas, mas ninguém se furta a um largo gesto de pena ou de admiração! Não se sabe ao certo que perigo concreto, real ameaça ao que parte: de insalubridade mani- festa, a não serem algumas expedições militares organizadas da maneira a mais defeituosa como a própria administração veio a reconhecer, nenhum attestado franco se tem tido; de selvicola, como ameaça a quem viaja nos sertões do Brazil, não se pode seriamente falar. O que resta como explicação é o medo vago, impreciso, que hoje se tem de abandonar a costa, a cidade, em busca do sertão. E este medo tem sua repercussão sobre aquelle que parte : Nós não somos nascidos em uma escola de caracter, formadora de homens! Vendo os demais temerem, o enthusiasmo do que vae se arrefece, elle começa a partilhar as prevenções e os receios do meio e, se um senti- mento de pudor e amor próprio mantem-n'o decidido a partir, elle parte abalado em seu optimismo, elle parte em condições que o predispõem ao máximo para adoecer. Seria porem exagerar, seria cahir em um vicio opposto de julgamento o acreditar seja aquelle o factor exclusivo de moléstias na bacia do Ama- zonas. E' preciso reconhecer : o valle do Amazonas não é uma região salubre . . . Nem região alguma do mundo o foi antes que o esforço do homem domasse a natureza e normalizasse a vida: as províncias de França, hoje "o mais bello reino depois do do céo" não o eram ao tempo da conquista romana ... Nas sombrias florestas do Rheno as legiões tinham a luctar, ao mesmo tempo contra as estra- nhas hordas germânicas e contra a natureza daquella aggressiva e malsã região, hoje um vasto sanatório, mas naquelle tempo, bem differente da do doce Latium... E' preciso ter paciência e esperar a accommoda- ção do homem ao seu novo habitad; mas é preciso ainda mais reagir e protestar contra a campanha de prevenção ao clima e á vida na Amazónia, campanha que paralyza toda iniciativa, que afasta daquelle scenario magestoso de vida e de trabalho todos aquelles que não ardem em uma febre de ganho immediato ou não procuram um campo para expansão desregrada e quiçá criminosa. A natureza se offerece intacta e pouco hos- pitaleira. O homem a enfrenta sem a assistência de nenhum recurso. Elle ainda tem a coragem de se deixar tragar, sem um protesto sem uma hesitação. Esta é a historia do homem no Amazonas, Ella tem sido contada muitas vezes. Se o seringueiro soffre fome, se elle é obri- gado a rivalizar com os selvagens em manhas nas caçadas porque a munição para a rifle não chega até ás barracas do alto Amazonas, se elle se encontra no maior abandono, se elle reconhece a inanidade de todos os esforços para libertar-se da immensa prisão verde dos igarapés, ninguém o sabe. O que se sabe é que muitos deixam os seus sertões do norte e que poucos voltam a elles. . . ! Foram as febres, foi o beribéri . . . ! Não . . . ! Culpe-se antes a mais monstruosa e absurda organização do trabalho que se possa imaginar. Os sertões de Matto Grosso e uma parte do sul da bacia do Amazonas, nós atravessamos. A mim era atribuída a assistência medica ás 13 pessoas que formavam a turma de expedição para o levantamento do Arinos e exploração de alguns dos seus tributários. 8 Pela sua própria organização e pelos recursos que me eram offerecidos, outra cousa não cabia-me fazer que prestar soccorros médicos, se necessá- rios, e olhar por uns tantos cuidados que nos pu- zessem a coberto das moléstias reinantes na zona a atravessar. A primeira parte do programma foi, felizmente sacrificada : não tivemos, propriamente, doenças a lamentar durante a viagem. E' da se- gunda parte que procuro, resumidamente, dar contas. Em meiados de Outubro do anno findo, acha- va-me em Cuyabá incorporado á turma de expe- dição. O aliciamento do pessoal civil para a con- stituição da turma não poude ser feito, por motivos que independiam da boa vontade do Chefe da expedição, com um certo rigor sob o ponto de vista medico. Dos 11 trabalhadores que nos acompanharam dois somente se diziam isentos dum passado palu- dico; três accusavam ter soffrido de polynevrite; cinco eram reconhecidamente de hábitos alcoólicos. Do pessoal de categoria, o Tenente J. H. Barbosa era um paludado recente ; o Snr. G. Kuhlmann era suspeito pelas suas longas perma- nências na bacia do Amazonas e pelo histórico de certa moléstia que o accomettera ainda em Manáos, logo após sua vinda ha 2 annos do Rio Branco; e quem este escreve tinha a queixar-se de uma polynevrite beriberica contrahida em aguas do Ju- ruena, ha quatro annos passados e de paludismo, contrahido á mesma época no alto Paraguay. A viagem se inaugurava sob máos auspícios, em meiados de Outubro. Todos nos punham de sobreaviso, os novos que tinham ido á descoberta dos seringaes e os velhos que tinham traficado com o Guaraná, contra os perigos e as inconveniências das viagens feitas durante a estação das chuvas, com as aguas dos rios crescidas, as mattas innundadas e onde difficil era encontrar pouso. Minhas observações de Aldeia Queimada ao Juruena, acompanhando a construcção da Linha, e as de um anno de permanência nos Hospitaes de Corumbá onde era permittido a mim sujeital-as á verificação do microscópio, contradiziam taes receios pelo menos no que se referia as febres palustres e ao beribéri. Muito ao contrario do que era de esperar na estação secca e fria é que se dava a ascendência na curva representativa dos casos de paludismo e de beribéri. A ambulância que levamos teve que ser orga- nizada com os recursos que encontramos em Cuyabá. Elia tinha que ser modesta. Destinando-se á uma viagem para a qual era exigência a reducção do peso e volume e feita para o consumo de 14 pessoas, ella não necessitava ser outra cousa do que era: algumas dúzias de ampoulas de saes de 10 quinino, de arsénico e de strychinina e outras; alguns meios médicos contra as dysenterias prová- veis e uma certa profusão de reconstituintes e de aguardente quino-arsenicada. A isto se juntavam os saes de quinino em comprimidos e em pó (um kilo e duzentas gram- mas) graças aos quaes tínhamos esperança de evitarmos as febres paludicas durante a travessia. Eu sabia todas as difficuldades que se tem a vencer entre nós para manter sem desfallencias um serviço de tratamento prophylatico collectivo. Mas eu confiava na forma tolerável (comprimidos) sob a qual era administrado o quinino e por ultimo na minha paciência e no premio reservado aos que dessem mostra de boa vontade — a aguardente quinada e arsenicada. E minhas esperanças não foram desmentidas. Posta como condicional para acceitação no momento do engajamento pelo Tenente J. H. Bar- bosa e reconhecida durante a viagem como uma medida simples e do interesse de todos, a ração prophylatica de quinino não encontrou refractários. Logo nos primeiros dias de marcha, de 17 a 30 de Outubro, esquivei-me de fazer distribuição do quinino; os dias tinham sido contra toda expe- ctativa seccos e bellos, as marchas, curtas, não fatigavam os homens que iam a pé, todos elles affeitos ás longas caminhadas. 11 Nenhuma perigo havia de irrupção do palu- dismo entre nós tanto mais quanto margeávamos o Cuyabá acima, todo elle com relativamente densa e sadia população. Entre os moradores nunca appareciam as febres. A opilação ao que me foi dado vêr, é ra- ríssima. Os paludados que viamos diziam ter adoecido no trabalho da seringa. E os que lá não tinham ido, nos contavam os horrores de doença nas mattas da outra vertente, nas aguas do norte. Elles fallavam da corrupção, pezadello dos habitantes da zona e dos trabalhadores dos serin- gaes. Elles apresentavam a zona onde viajávamos como um contraste daquella que em breve iríamos visitar e percorrer, do outro lado da Serra do Tombador. Foi levado por taes juizos que em vésperas de chegarmos em aguas do Amazonas (28 de Outubro de 914) iniciei a distribuição da ração diária de quinino: 50 centigrammas de bichlory- drato de quinino, sob forma de pastilhas começaram a ser distribuídas a cada homem, pela manhã, após a primeira refeição. A 31 de Outubro, vencendo doces oscillações do terreno, atravessamos o divisor de agua do Paraguay e do Amazonas. i2 A belleza dos campos, a doçura do ar, os ribeirões de aguas bem claras, os baixios bem seccos eram de bom prenuncio. Os moradores, que já não sâo tão numerosos, foram um motivo de tranquillidade. Não nos foi dado ver doentes entre elles. Quer no Laranjal, fazenda dos Orlando & Irmão, quer no Bananal, fazenda do Snr. João Soares, quer no povoado "Rio Novo", com uma população de cerca de 500 almas, por toda a parte, quem estava ou esteve doente, raras excepções á parte, adoeceu das febres na barraca, trabalhando na seringa ... Elles recuavam deante de nós o trágico viveiro, elles localizavam mais longe o húmido Enferno onde se adoecia e onde se morria ! Vendo isto, minha vigilância re!axou-se. A administração do quinino foi feita irregular- mente ou de todo suspensa sem que tivéssemos a lamentar o apparecimento da malária entre os da comitiva, tão somente um tropeiro do qual foi exigido, em tempo invemoso, um grande esforço, é que apresentou-se com accessos febris dos quaes o quinino teve facilmente razão. De resto elle era um velho e habitual paludado. Até então (14 de Novembro) a nossa derrota tinha sempre sido de leste a oeste, cortando os pequenos cursos de agua do Paranatinga e do Arinos, bem próximos da linha divisora de agua 13 do Paraguay da do Amazonas, por sobre o Cha- padão da Serra do Tombador, prolongamento geographico do planalto dos Parecis, mas deste bem differente pela sua flora, pela sua fauna e pelas condições climatéricas. A 15 de Novembro é que, mudando de rota, nos inclinamos francamente para o norte, acompa- nhando um dos formadores do Arinos. Passamos a ladear densas e sombrias mattas que enfaixavam rios de aguas barrentas. O quinino passou então a ser distribuído dia- riamente, com mais regularidade e continuamos a nos alegrar com a ausência de qualquer moléstia. Um accidente de viagem separou-me 7 dias (de 17 a 23 de Novembro de 914) do corpo da expedição. Durante estes, nos quaes não foi pos- sível a continuação dos cuidados até então tidos, quatro dos trabalhadores foram accomettidos de accessos de forma terçã, benigna, mas quotidianos, de fácil tratamento pelo quinino. Em um delles, após uma marcha a cavallo de 10 léguas para a cidade de Diamantino tive ensejo de observar um caso de corrupção: elevação da temperatura a 39° 2, cephalalgia, entorpecimento dos sentidos e das funcções cerebraes, uma profunda asthenia da musculatura voluntária, tal é o que me foi dado observar em este caso que os da terra chamavam começo de corrupção. 14 O paciente contou que, no decurso de muitos outros accessos anteriores e eguaes a este, que tivera quando em trabalho nos seringaes, lhe acontecia perder por completo os sentidos e soffrer de um prolapso do recto que se fazia preceder por evacuações dysenteriformes. A lamina com o sangue que extrahi nesta occasiâo e aqui examinada, revelou a existência de raros parasitas em rosácea. Esta observação que se junta á duas outras que colhi, uma em Aldeia Queimada, sem o con- trole do labaratorio, e outra em Corumbá com o achado de parasitas em crescente, vem firmar em mim a crença de que a tão temida corrupção dos seringaes de Matto Grosso é uma forma clinica da malária para a qual, ao que parece, nâo é exigida especificidade do parasita (em um dos casos era este o das terçãs benignas e no outro o das febres estivo-outommaes graves). Os habitantes da região e os seringueiros, aos quaes sobretudo impressiona a queda do recto, lançam mão dos recursos os mais desparates para o tratamento da corrupção: a pratica a mais acceita é a de clysteres com agua de sabão ou a applicação de supusitorios ou antes pílulas nas quaes entram proporção variável de pimenta e sabão . Alguns como meio preventivo, quando se banham nos ribeiros, de tempos em tempos pro- 15 cedem á íoilette do anus e do recto por manobras digitaes. A 27 de Novembro de 914 começamos em Porto-Velho a nossa viagem em canoa, rio abaixo. A viagem nestas condições, sujeita a um horário fixo e mantendo-me mais em contacto com o pes- soal, facilitava em muito a distribuição do quinino. Isolados do mundo daquelle dia em deante, eu não me permtti descuidar de olhar pelos que seriam os companheiros e os auxiliares da viagem até o fim da jornada. Os da comitiva foram para tal divididos em paludados e não paludados. Aos primeiros fazia tomar 50 centigrammos de sal pela manhã e outros 50 centigrammos á noite, acompanhados de 50 c. c. de aguardente ou vinhos quinados nos dias de grandes fadigas ou chuvosos. Aos segundos eu me contentava de administrar uma dose diária de 50 centigrammos e uma cura com saes de arsénico ou de strychinina. Assim fizemos, com a maior felicidade, a tra- vessia do trecho não povoado do Arinos e do Tapajóz (29 de Novembro de 1914 a 8 de Janeiro de 1915). Uma só vez, um dos homens que nos acom- panharam, "Sumidouro" acima, após três dias de insano trabalho á zinga e por terem se esgotado as rações de quinino que commigo trazia, foi victima de um accesso palustre. 16 Tão lisongeiros resultados, mesmo deixando margem ás causas que nos escapam, ao Destino é de se agradecer, em parte, ao seguro critério do Sr. Tenente J. H. Barbosa que sempre evitou exigir dos homens os grandes esforços que esgotam, pre- ferindo aproveitar com methodo, a média razoável de trabalho a obter de cada um, n'aquellas condi- ções de vida e de meio. Se tal politica não é a condicional única de successo, o esquecel-a é factor frequente de desas- tres ! Tal norma de conducta continuou, tanto quanto possível, a ser observada durante a travessia do Tapajoz, o mais rico em cachoeiras e accidentes d'agua (de 8 a 21 de Janeiro de 1915). E' preciso ter vivido as horas de sensações fortes, vencendo as cachoeiras e os rápidos, para avaliar o que nisto vae de dispêndio de força e de coragem. . . ! As longas marchas, os interminá- veis transbordos da carga ás costas, o penoso arrastar das canoas serra abaixo e serra acima, a Morte avistada a cada momento no fundo dos sorvedouros immensos ou nos reboujos que estou- ram, tudo é o bastante para abater ainda os mais firmes. . . ! E é por isto que, aos olhos dos trabalhadores do Tapajoz e dos viajantes, a região das cachoei- ras passa pela zona a mais insalubre do rio. Nem de outra forma poderia ser; dias de trabalhos so- brehumanos, de sol a sol molhados, alimentando-se 17 com a chibeca e de raro em raro uma caça, enfren- tando perigos que fazem medo mesmo ás coragens de elite, têm que ser seguidos, naquellas paragens, pela malária. Com a nossa chegada á Collectoria do Estado do Matto-Urosso na fóz do "S. Manoel", tínhamos vencido a primeira e a mais longa e perigosa etapa de nossa viagem (22 de Janeiro de 1915). Da Collectoria a Santarém e desta cidade á de Manáos o nosso transporte foi feito com rapidez e um certo conforto. E no emtanto foi então que accessos febris affligiram por alguns dias a três homens da comitiva aos quaes, pelas condições em que viajávamos, não poude obrigar á continuação do uzo dos meios preventivos e nem tão pouco á acceitação de um tratamento adequado e enérgico. E' este um facto digno de nota e já obser- vado em mais de um serviço de exploração da Commissão de Linhas Telegraphicas : o appareci- mento das febres palustres depois que os indiví- duos já se encontram longe do foco e aliviados dos sobresaltos e das canseiras da viagem. A questão da alimentação teve uma feliz so- iução graças á medida de acondicionamento de todos os géneros alimentícios em latas bem fecha- das. A caça, abundante em um longo decurso da 18 viagem e a pesca sempre farta deram-nos sempre recursos para uma alimentação relativamente boa. E' de lamentar, porém, que não se tenha atten- dido em fornecer ao pessoal abrigo contra a chuva. A viagem em canoa torna possível aos homens continuarem em sua faina, embora envergando uma capa ou paletot e calça de lona. Durante a longa invernada que acompanhou quasi todo o tempo de nossa travessia, muito soffremos das chuvas; uns completos de encerado ou lona teriam diminuído as possibilidades de doença e permittido augmentar o coefficiente de trabalho de cada um. Nada mais razoável que a Commissão, em taes condições os fornecesse, fazendo-se indemnizar do seu custo que não ha de ser grande. Chegado aqui, viajando na baixada do Estado do Rio, no valle do Parahyba, e lembrando-me do que vira no "Rio das Velhas" e no "S. Francisco", fiquei convencido que a imaginação é creadora da má fama que isola do mundo enormes porções da Amazónia. Rio de Janeiro, 28 de Maio de 1915. João Florentino Meira de Faria. Capitão-medico graduado New York Botanical Garden Library 3 5185 00203 8915